Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
FACULDADE DE MEDICINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE
BERNARDINO GERALDO ALVES SOUTO.
CONTRIBUIÇÃO AO ENTENDIMENTO DA TERAPÊUTICA DA SÍNDROME
DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA:
a fenomenologia da aderência ao tratamento antiretroviral entre pacientes do
Centro de Promoção da Saúde de Conselheiro Lafaiete, MG, no ano de 2004.
BELO HORIZONTE
2006.
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
BERNARDINO GERALDO ALVES SOUTO.
CONTRIBUIÇÃO AO ENTENDIMENTO DA TERAPÊUTICA DA SÍNDROME
DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA:
a fenomenologia da aderência ao tratamento antiretroviral entre pacientes do
Centro de Promoção da Saúde de Conselheiro Lafaiete, MG, no ano de 2004.
Tese apresentada à Faculdade de Medicina
da Universidade Federal de Minas Gerais,
como requisito parcial à obtenção do título
de Doutor em Ciências da Saúde:
Infectologia e Medicina Tropical.
Orientadores:
Prof. Dirceu Bartolomeu Greco.
Prof. Luiz Alberto Oliveira Gonçalves.
Universidade Federal de Minas Gerais.
BELO HORIZONTE
2006.
ads:
Souto, Bernardino Geraldo Alves
S726c Contribuição ao entendimento da terapêutica da síndrome da
imunodeficiência adquirida: a fenomenologia da aderência ao tratamento
antiretroviral entre pacientes do Centro de Promoção da Saúde de Conselheiro
Lafaiete, no ano de 2004/Bernardino Geraldo Alves Souto. Belo Horizonte,
2006.
250f., il.
Tese.(doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade
de Medicina.
Área de concentração: Infectologia e Medicina Tropical
Orientadores: Dirceu Bartolomeu Greco, Luiz Alberto Oliveira Gonçalves
1.Síndrome de imunodeficiência adquirida/psicologia 2.Infecções por
HIV/psicologia 3.Terapia anti-retroviral de alta atividade/psicologia
4.Aceitação pelo paciente de cuidados de saúde/psicologia 5.Existencialismo
ITítulo
NLM:
WC 503.7
CDU: 616.988
Aos meus pais.
Não por serem meus pais,
mas por tê-los eleito representantes dos imprescindíveis, de Bertold Brecht,
a quem dedico este trabalho: aqueles que lutam por toda a vida.
Esses dois enfrentaram cinco grandes feras:
a perseguição política, a opressão social, o preconceito, a miséria e a doença.
Venceram todas elas! Depois, compartilharam os frutos da vitória com os que estavam à
sua volta.
As armas que usaram?
Coragem e obstinação!
Mas quem sabe um dia a vida não precisará mais ser duramente enfrentada,
mas terna e eternamente vivida!
Quem sabe um dia, ao dormirmos, mergulhemos tão profundamente em nossos sonhos
que eles ocuparão o lugar da nossa realidade e nunca mais acordaremos!
Aos imprescindíveis guardiões dos nossos sonos, depositários dos nossos sonhos,
dedico esta homenagem.
Bernardino Geraldo Alves Souto.
Junho de 2005.
AGRADECIMENTOS
Às pessoas e às instituições abaixo relacionadas, rendo minha sincera gratidão
pela ajuda direta e efetiva na realização deste trabalho:
Alexandre Seabra Souto.
Pelo colorido da Figura 1.
Curso de idiomas Wizard, de Conselheiro Lafaiete, MG, pela revisão nos resumos em
língua estrangeira.
Curso de pós-graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Minas
Gerais.
Prof. Dirceu Bartolomeu Greco.
Prof. Luiz Alberto Oliveira Gonçalves.
Pela orientação e pelo suporte acadêmico.
Diogo Dias Silva.
Ex-agente de saúde do Centro de Promoção da Saúde de Conselheiro Lafaiete, MG
(CPS), pela colaboração com alguns recursos de informática.
Prof. Egberto Ribeiro Turato.
Laboratório de pesquisa clínico-qualitativa da Universidade Estadual de Campinas.
Pelas sempre solícitas, gentis e competentes colaborações sobre aspectos metodológicos
e fornecimento de material bibliográfico.
Joelma Aparecida Brum.
Assistente Social do CPS, pelo apoio no contato aos sujeitos da pesquisa.
Luiz de Souza Dias.
Médico e ex-secretário municipal da saúde de Conselheiro Lafaiete, MG, pelo incentivo
administrativo.
Maria Aparecida Brigolini de Oliveira.
Enfermeira do CPS, pela colaboração intelectual durante a discussão dos achados.
Prof. Murilo Cruz Leal.
Departamento de Ciências Naturais da Universidade Federal de São João del Rei.
Pela colaboração intelectual sobre aspectos metodológicos.
Prefeitura Municipal de Conselheiro Lafaiete, MG.
Centro de Promoção da Saúde.
Pelo suporte logístico.
Shirley Adriana Resende Pereira.
Minha ex-secretária particular, pela organização de parte do material de revisão de
literatura.
Sônia Terezinha de Albuquerque Nascimento.
Auxiliar administrativo do CPS, pela colaboração no contato com os sujeitos.
Sujeitos da pesquisa.
Usuários do CPS.
Pelas entrevistas concedidas.
Vagner dos Anjos Damasceno.
Agente de Saúde do CPS pela classificação informatizada de parte das referências
bibliográficas.
Valéria Cristina Carvalho Néri.
Psicóloga do CPS, pela colaboração intelectual durante a discussão dos achados.
Profa. Elza Machado Melo.
Departamento de Medicina Preventiva e Social/FM/UFMG.
Prof. José Carlos Serufo.
Departamento de Clínica Médica/FM/UFMG.
Prof. Marco Aurélio Máximo Prado
.
Departamento de Psicologia Social/FAFICH/UFMG.
Profa. Geisa Batista Barros.
Departamento de Pediatria/FM/UFES.
Soraya Diniz Gonçalves.
Mestranda em Ciências da Saúde: Infectologia e Medicina Tropical/FM/UFMG.
Ana Cláudia Lyon Moura.
Doutoranda em Ciências da Saúde: Infectologia e Medicina Tropical/FM/UFMG.
Professores Dirceu Bartolomeu Greco e Luiz Alberto Oliveira Gonçalves.
Meus orientadores.
Pela colaboração para a melhoria e o enriquecimento acadêmico-científico do trabalho
através da competente e afetuosa participação na banca de qualificação.
...também, às pessoas que me deram incentivo e apoio afetivo:
Ana Maria da Cruz Seabra.
Alexandre Seabra Souto.
Luiza Seabra Souto.
Minha esposa e filhos, que em muitos momentos toleraram e compreenderam minha
ausência e minhas eventuais intempéries emocionais.
Prof. Alan Lane de Melo.
Departamento de Parasitologia/ICB/UFMG.
Prof. Itamar Tatuhy Sardinha Pinto.
Departamento de Medicina Preventiva e Social/UFMG.
Prof. José Carlos Bruno.
Departamento de Clínica Médica/Faculdade de Medicina/UFMG.
Prof. Manoel Otávio da Costa Rocha.
Coordenador do Curso de pós-graduação em Ciências da Saúde: Infectologia e
Medicina Tropical/UFMG.
Pelo reconhecimento e valorização da minha postura e do meu trabalho.
...e àqueles que colaboraram administrativamente com seu profissionalismo:
Cíntia Carla Messer.
Jerre Lopes Camargo.
Magda Nancy Aires dos Santos.
Servidores técnico-administrativos da Universidade Federal de Minas Gerais, lotados no
setor de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Departamento de Clínica Médica.
EXISTENCIAL
A aids tem muitas dores.
A dor de doenças ardendo o corpo.
A dor de perverter valores
e a da exclusão de amores.
A dor social do preconceito morno.
A dor da lenta agonia
de quem já se sente morto
e tem que andar todo dia
sem sentir o chão.
A dor de ser fútil, um peso inútil.
A dor do olhar dos outros
e a da fria silhueta muda
no espelho das virtudes
que não mais reflete a aura.
A dor de ter toda a culpa
-Gênese dessa tal aids mental-
E a dor que vem de Deus
preterida em vieses ateus.
Cada indivíduo carrega uma história.
Qual a saída?
Se coquetel é sinônimo de festa,
o da aids é como uma fresta
para o futuro,
qual um astro sulforoso e falseteado,
aponta ângulos de vento sem rastro,
desnuda essa tal adesão carente de lastro.
A saída é reciclar o sujeito!
As pessoas acumulam dejetos sem uso.
Há que aprender a reciclar lixo sujo!
Prof. José Carlos Serufo.
Departamento de Clínica Médica.
Faculdade de Medicina da UFMG.
07 de outubro de 2005.
RESUMO
A aderência ao tratamento antiretroviral é uma prioridade dentro da assistência a
pessoas infectadas pelo HIV. Com a intenção de contribuir para melhorar o
entendimento desse processo, realizei pesquisa clínico-qualitativa entrevistando 29
usuários de antiretrovirais. Trabalhei essas entrevistas pela técnica de análise do
conteúdo temático, à luz da fenomenologia, da filosofia existencialista e da psicanálise.
O diagnóstico da infecção pelo HIV representou um estigma que afetou profundamente
a percepção existencial dos sujeitos, obrigando-os a estruturar uma nova conexão com a
vida. Para isto, essas pessoas mobilizaram sua personalidade, sua consciência corporal,
sua forma de interação com a sociedade, sua intimidade e o tratamento antiretroviral.
Nessa nova conexão, os heterossexuais não conseguiram reajustar o sexo à existência.
Esse achado indica que é preciso pesquisar mais sobre as representações da infecção
pelo HIV relacionadas ao sexo. Por outro lado, a aderência terapêutica representou a
própria angústia existencial. Mostrou-se como um processo difícil, porém,
potencialmente gratificante, a depender do próprio portador do HIV. O apoio necessário
à sua elaboração pode vir do ambiente e/ou da assistência. Para que os profissionais que
cuidam de pessoas infectadas por esse vírus consigam ajudar seus pacientes a se
tornarem dedicados à terapêutica contra o mesmo, é necessário que compreendam o
fenômeno existencial representado por esta infecção e seu tratamento, e incorporem tal
compreensão à sua prática.
Palavras-chave: ndrome de imunodeficiência adquirida/psicologia; Infecções por
HIV/psicologia; Terapia antiretroviral de alta atividade/psicologia; Aceitação pelo
paciente de cuidados de saúde/psicologia; Existencialismo.
ABSTRACT
The adherence to antiretroviral treatment is a priority inside of the attendance to
infected people by HIV. With the intention of contributing to improve the understanding
of that process, I accomplished clinical-qualitative research interviewing 29
antiretroviral users. I worked those interviews for the technique of analysis of the
thematic content, to the light of the phenomenology, existentialist philosophy and
psychoanalysis. The infection’s diagnosis for HIV represented a stigma that affected the
people’s existential perception deeply, forcing them to structure a new connection with
life. For this, those individuals mobilized its personality, its corporal conscience, its
interaction form with society, its intimacy and the antiretroviral treatment. In this new
connection, the heterosexual ones didn’t get to readjust the sex to the existence. That
discovery indicates that is necessary to research more about the infection’s
representations for HIV related to the sex. On the other hand, the therapeutic adherence
represented the own existential anguish. It was shown as a difficult process, even so,
potentially gratifying, to depend of the own HIV carrier. The necessary support to its
elaboration can come from the environment and/or of the attendance. So that the
professionals that take care of infected people by that virus get to help its patients to be
dedicated to the therapeutics against the same, it is necessary that understand the
existential phenomenon represented by this infection and is treatment, and incorporate
such understanding to its practice.
Key-Words: Acquired immunodeficiency syndrome/psychology; HIV
Infections/psychology; High activity anti-retroviral therapy/psychology; acceptance for
the patient of health cares/psychology; Existentialism.
RESUMEN
La adhesión al tratamiento antiretroviral es una prioridad dentro de la asistencia a las
personas infectadas por HIV. Con la intención de contribuir para mejorar la
comprensión de ese proceso, yo logré investigación clínico-cualitativa entrevistando 29
usuarios de medicaciones contra ese vírus. Yo trabajé esas entrevistas por la técnica de
análisis del contenido temático, a la luz de la fenomenología, filosofía existencialista y
psicoanálisis. El diagnóstico de la infección por HIV representó un estigma que afectó
profundamente la percepción existencial de las personas y les obligó a estructurar una
nueva conexión con la vida. Para esto, esos individuos movilizaron su personalidad, su
conciencia corpórea, su forma de interacción con la sociedad, su intimidad y el
tratamiento antiretroviral. En esta nueva conexión, los heterosexuales no consiguieron
reajustar el sexo a la existencia. Ese descubrimiento indica que es necesario investigar
más sobre las representaciones de la infección por HIV relacionadas al sexo. Por otro
lado, la adhesión terapéutica representó la propia angustia existencial. Se mostró como
un proceso difícil, pero, potencialmente gratificante, a depender del propio portador del
HIV. El apoyo necesario a su elaboración puede venir del ambiente y/o de la asistencia.
Para que los profesionales que cuidan de personas infectadas por ese virus consigan
ayudar sus pacientes a dedicarse al terapéutica contra el mismo, es necesario que
comprendan el fenómeno existencial representado por esta infección y su tratamiento, y
incorporen tal comprensón a su práctica.
Palabras-llave: Síndrome del imunodeficiencia adquirida/psicología; Infecciones por
HIV/psicología; terapia antiretroviral de alta actividad/psicología; Aceptación por el
paciente de cuidados de salud/psicología; Existencialismo.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 -
Distribuição mundial do perfil de transmissibilidade do rus da
imunodeficiência humana, por grandes regiões, segundo as
classes de padrões definidos pela Organização Mundial da Saúde
quando do início da pandemia, nas décadas de 1970 e 1980. ..........
22
Quadro 1 - Antiretrovirais disponíveis na rede pública, para uso clínico no
Brasil, no primeiro semestre de 2006. ...............................................
27
Quadro 2 - Manifestações clínicas de imunodeficiência em pacientes com
diagnóstico de infecção pelo HIV. .....................................................
29
Figura 2 - Localização geográfica da micro-região de Conselheiro Lafaiete,
MG. .......................................................................................................
62
Figura 3 - Mapa da Micro-região de influência de Conselheiro Lafaiete,
MG. .......................................................................................................
63
Figura 4 -
Representação esquemática do fluxo da pesquisa (YIN, 2001). .....
66
Quadro 3 - Categorias de análise das entrevistas, segundo o roteiro
semidirigido estruturado após a aculturação (APÊNDICE D). .....
74
Quadro 4a -
Características dos sujeitos, segundo algumas variáveis sociais. ...
87
Quadro 4b - Características dos sujeitos, segundo algumas variáveis
laboratoriais, tempo de diagnóstico e tratamento, e perfil de
adesão terapêutica. ..............................................................................
88
Figura 5 - A parte sexual como interseção e elo de ligação do corpo com a
consciência, na estrutura do ser existente. As representações da
infecção pelo HIV afetam diretamente esta parte. ...........................
149
Figura 6 - A substituição da parte sexual, pela angústia, na composição do
ser que porta o HIV. ...........................................................................
150
Figura 7 - Relação entre passado, presente e futuro, para uma criança, um
adulto e um idoso. ...............................................................................
204
Figura 8 - Relação temporal entre passado, presente e futuro, para uma
criança, um adulto e um idoso, e a correlação de cada geração
consigo mesma e com a outra. ...........................................................
205
Figura 9 - Relação temporal entre passado, presente e futuro, para uma
criança, um adulto e um idoso, e a correlação de cada geração
consigo mesma e com a outra, sob a intervenção da infecção pelo
HIV. .....................................................................................................
207
Figura 10 - Relação temporal entre passado, presente e futuro, para uma
criança, um adulto e um idoso, e a correlação de cada geração
consigo mesma e com a outra, sob a intervenção da infecção pelo
HIV, depois que a pessoa se torna aderente ao tratamento
antiretroviral. .....................................................................................
208
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..............................................................................................
19
2 OBJETIVOS
2.1 GERAL ..........................................................................................................
20
2.1 ESPECÍFICOS ...............................................................................................
20
3 REVISÃO DA LITERATURA
3.1 GENERALIDADES HISTÓRICAS, EPIDEMIOLÓGICAS E
SOCIAIS
SOBRE O HIV E A AIDS. ............................................................................
21
3.2 ASPECTOS PRÁTICOS DO TRATAMENTO ANTIRETROVIRAL NO
BRASIL. ........................................................................................................
27
3.3 A PROBLEMÁTICA DA ADERÊNCIA AO TRATAMENTO ANTIRE -
TROVIRAL ...................................................................................................
31
3.3.1 Critérios para a definição de aderência terapêutica. ...................................
31
3.3.2 A importância e a contextualização da aderência ao tratamento antiretro -
viral. ............................................................................................................
33
3.3.3 A discussão vigente sobre a não aderência ao tratamento antiretroviral. ...
33
3.4 A COMPREENSÃO DO FENÔMENO DA INFECÇÃO PELO HIV. ........
35
3.4.1 Generalidades psico-sociais da relação do indivíduo com sua infecção
pelo HIV. ...................................................................................................
35
3.4.2 Aspectos psiquiátricos da relação do indivíduo com sua infecção pelo
HIV. ............................................................................................................
41
3.4.3 A pessoa infectada pelo HIV frente à vida sexual. .....................................
42
3.4.4 Peculiaridades dos usuários de drogas injetáveis. ......................................
43
3.4.5 Peculiaridades da infecção pelo HIV na mulher. ....................................... 45
3.4.6 O HIV e a AIDS no seio da família. ...........................................................
47
3.4.7 O HIV e a AIDS na comunidade. ...............................................................
49
3.4.8 O HIV e a AIDS na visão dos profissionais de saúde. ............................... 53
3.5 O SER INFECTADO PELO HIV E A VIDA SOB TRATAMENTO
ANTIRETROVIRAL: IMPLICAÇÕES SOBRE A ADERÊNCIA
TERAPÊUTICA. .......................................................................................
55
4 MATERIAL E MÉTODOS
4.1 O LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO. ................................................. 60
4.2 OS ASPECTOS ÉTICOS E O LOCAL DA PESQUISA. ............................
60
4.3 O DESENHO DO ESTUDO. ........................................................................
63
4.3.1 Fase de levantamento de dados. ................................................................. 64
4.3.1.1 Elaboração das questões da pesquisa. ......................................................
64
4.3.1.2 Proposição de supostas respostas às questões da pesquisa. .....................
64
4.3.1.3 Definição das unidades de análise. ..........................................................
64
4.3.2 Fase de análise. ...........................................................................................
65
4.3.2.1 A lógica entre os dados e as proposições. ............................................... 65
4.3.2.2 Critérios de interpretação dos achados. ...................................................
65
4.4 OS MÉTODOS E AS TÉCNICAS EMPREGADOS. ...................................
68
4.4.1 O referencial metodológico. .......................................................................
68
4.4.2 As unidades de análise: os sujeitos da pesquisa e sua seleção. .................. 70
4.4.3 A técnica de levantamento dos dados. ........................................................
71
4.4.4 A forma de organização dos dados. ............................................................
73
4.4.5 As técnicas de análise dos dados e a construção dos resultados e das
discussões. .................................................................................................
75
4.4.6 A apresentação dos resultados, das discussões e das considerações finais.
75
4.4.7 A validade dos achados. .............................................................................
77
4.4.8 A validação interna da pesquisa. ................................................................
78
4.4.9 A validação externa da pesquisa. ................................................................
80
5 DELIMITAÇÕES DESTA PESQUISA .......................................................
81
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO
6.1 A POPULAÇÃO DO ESTUDO. ...................................................................
85
6.2 O CONTEXTO EM QUE AS NARRATIVAS DOS SUJEITOS FORAM
ELABORADAS. ...........................................................................................
90
6.2.1 A motivação pelo foco da pesquisa, presente na experiência do
pesquisador. .............................................................................................
90
6.2.2 Reflexões sobre o encontro do médico-pesquisador com o paciente-
entrevistado. ...............................................................................................
95
6.3 A INTERPRETAÇÃO DOS RELATOS DOS PORTADORES DO HIV
QUE SE ENCONTRAVAM SOB PRESCRIÇÃO DE ANTIRETROVI –
RAIS. ...........................................................................................................
98
6.3.1 As representações da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana
adquirida. ...................................................................................................
98
6.3.1.1 A subtração existencial por meio do estigma. .........................................
98
6.3.1.2 A perda da privacidade, e a morte física de causa não orgânica. ............ 106
6.3.1.3 A perda da identidade e o isolamento, por meio do processo em que a
pessoa se torna diferente. .........................................................................
111
6.3.1.4 A infecção pelo HIV como um instrumento de negociação ou como
uma incoerência. ....................................................................................
113
6.3.2 O impacto do diagnóstico da infecção pelo HIV. .......................................
123
6.3.2.1 O trauma do impacto. ..............................................................................
123
6.3.2.2 O medo da morte. ....................................................................................
127
6.3.2.3 A perda da noção de futuridade. ..............................................................
129
6.3.2.4 A culpa e a aventura por uma nova identidade. .......................................
131
6.3.2.5 A frustração da verdade. ..........................................................................
133
6.3.2.6 A exclusão que dilui a representação da perda. ......................................
135
6.3.2.7 A perda da autonomia. .............................................................................
139
6.3.2.8 A substituição da parte sexual, pela angústia, na composição do ser. .....
140
6.3.3 A reação do portador do HIV ao diagnóstico: o encontro de novas
possibilidades. ............................................................................................
153
6.3.3.1 O imediato enfrentamento do trauma. .....................................................
154
6.3.3.2 A elaboração do significado de morte. ....................................................
156
6.3.3.3 A compensação da perda da noção de futuridade. ...................................
162
6.3.3.4 A redenção da culpa. ............................................................................... 171
6.3.3.5 A fatalidade sustenta a verdade. ..............................................................
172
6.3.3.6 A resistência à desvalorização por meio da auto-idealização e do
estigma reverso. .....................................................................................
174
6.3.3.7 A resistência à exclusão social. ...............................................................
177
6.3.4 A medicação antiretroviral: motivos para usá-la. .......................................
183
6.4 A REPRESENTAÇÃO DO TRATAMENTO ANTIRETROVIRAL. ........ 190
6.5 UMA TEORIA SOBRE A RELAÇÃO DA TEMPORALIDADE EXIS -
TENCIAL ENTRE AS GERAÇÕES, O EFEITO DA INFECÇÃO PELO
HIV NESSE PROCESSO E A POSSIBILIDADE OFERECIDA PELOS
ANTIRETROVIRAIS. ..................................................................................
202
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES. ...........................................
209
8 BIBLIOGRAFIA REFERENCIADA. ..........................................................
212
9 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA. ..............................................................
228
10 APÊNDICES. ................................................................................................
243
10.1 APÊNDICE A: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARE-
CIDO CONFORME RESOLUÇÃO 196/96 DO CONSELHO
NACIONAL DE SAÚDE. ...........................................................................
243
10.2 APÊNDICE B: QUESTIONÁRIO PARA DESCRIÇÃO AMOSTRAL. ...
246
10.3 APÊNDICE C: ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMIDIRIGIDA. ...... 247
10.4 APÊNDICE D: ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMIDIRIGIDA,
AJUSTADO DE ACORDO COM A ACULTURAÇÃO. ..........................
248
10.5 APÊNDICE E: REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DA DISTRIBUIÇÃO
DA POPULAÇÃO DO ESTUDO SEGUNDO O SEXO, A FAIXA
ETÁRIA, A ESCOLARIDADE, A CARGA VIRAL DO HIV E A
CONTAGEM DE CÉLULAS CD4. ............................................................
250
11 ANEXO ÚNICO: PARECER ETIC 015/04 – COEP/UFMG. .....................
251
19
1 INTRODUÇÃO
É grande o número de pesquisas básicas e clínicas sobre a infecção pelo HIV,
interessadas em reduzir as conseqüências orgânicas e sociais deste agravo. Tais
pesquisas cobrem, mais freqüentemente, aspectos técnicos de natureza epidemiológica,
bioquímica, celular, imunológica, farmacológica e genética.
Enquanto isso, um menor número de pesquisas é dedicado à tentativa de
entender as representações da infecção pelo HIV (CARDOSO & ARRUDA, 2004).
Nesse contexto, emerge a importância da dedicação do paciente ao tratamento
antiretroviral. A terapia farmacológica é o melhor recurso que existe para controlar
clínica e epidemiologicamente o HIV/AIDS. Porém, tem efeito se o paciente for
observante à terapêutica.
Todavia, essa observância é um fenômeno complexo. Existem significados e
representações sócio-existenciais muito influentes na construção do processo de
aderência ao tratamento antiretroviral.
A proposta deste trabalho de metodologia clínico-qualitativa é ajudar a
compreender essa construção, estudando relatos sobre a vida na condição de portador do
HIV aderente ao tratamento, feitos por pessoas que têm tal experiência.
20
2 OBJETIVOS
2.1 GERAL.
Conhecer valores e percepções etno-fenomenológicas frente à infecção pelo HIV
e ao uso de medicação antiretroviral, de pessoas que tem a necessidade desse tipo de
tratamento, na tentativa de colaborar para a compreensão da observância terapêutica
contra o HIV.
2.2 ESPECÍFICOS.
a) discorrer sobre o contexto existencial de pessoas infectadas pelo HIV,
descrito por elas mesmas, segundo seus próprios sentimentos e percepções;
b) decodificar, nesse contexto, os significados e as representações da infecção
pelo HIV, o impacto do diagnóstico desta infecção, a reação dos infectados e
a significação dada ao tratamento aniretroviral;
c) identificar elementos que possam estar influenciando a decisão das pessoas a
favor da aderência ao tratamento antiretroviral;
d) propor argumentos, para a abordagem de pessoas sob prescrição de
antiretrovirais, que compreendam o fenômeno existencial em torno da
adesão terapêutica;
e) identificar alguma lacuna no conhecimento desta matéria, merecedora de
uma exploração mais aprofundada.
21
3 REVISÃO DA LITERATURA
3.1 GENERALIDADES HISTÓRICAS, EPIDEMIOLÓGICAS E SOCIAIS SOBRE O
HIV E A AIDS.
O HIV é o retrovírus causador da síndrome da imunodeficiência humana
adquirida (AIDS), transmissível por vias sexual, vertical e sangüínea. Sua principal
patogenia consiste em destruir e desregular o sistema imunológico da pessoa por ele
infectada, efeito da sua incessante replicação, a ponto de deixar o indivíduo incapaz de
uma resposta imune que lhe permita manter a sobrevivência. Quando o infectado passa
a desenvolver infecções e tumores, antes impedidos ou controlados por um sistema
imunológico competente, diz-se que a pessoa es afetada pela AIDS (BLATTNER,
1991, p. 2340; HINRICHSEN, 2005, p. 835-6).
Sem tratamento adequado, mais de 84% das pessoas que contraem o HIV evolui
para AIDS em menos de vinte anos, e morrem (HINRICHSEN, op. cit., p. 841).
Segundo Paulino (1989); Sato, Chin & Mann (1989), no início da pandemia de
HIV/AIDS (começo da década de 1970), a Organização Mundial de Saúde (OMS)
classificou a forma de transmissão do HIV em padrões I, II e III. Esses autores
esclareceram, ainda, que, cronologicamente, surgiu primeiro o padrão II. Nesse padrão,
a transmissão do HIV ocorre predominantemente entre heterossexuais envolvidos em
práticas sexuais promíscuas na faixa etária dos 20 aos 40 anos, o qual foi observado na
África e no Caribe na razão homem/mulher de 1,1/1,0.
Posteriormente, a partir da Europa Ocidental, América do Norte (principalmente
Estados Unidos), América do Sul (Brasil), Austrália e Nova Zelândia, os pesquisadores
descreveram o surgimento do Padrão I, coincidente com a expansão do Padrão II, em
que a transmissão do HIV predomina entre homo e bissexuais masculinos e usuários de
drogas ilícitas injetáveis (PAULINO, op. cit.; SATO, CHIN & MANN, op. cit.).
Para o Brasil e México, tais autores descreveram uma maior proporção de
participação dos bissexuais entre os infectados, em comparação com as outras áreas em
Padrão I (Idem).
Finalmente foi descrito o Padrão III, o qual surgiu na década de 1980. Neste, a
propagação do HIV é maior entre pessoas com múltiplos parceiros sexuais, homo ou
heterossexuais. Embora com baixa prevalência populacional da infecção, mesmo nesses
grupos de risco, o referido padrão ocorreu principalmente na Ásia, Pacífico Sul (exceto
22
Austrália e Nova Zelândia, estes em Padrão I), Oriente Médio, Europa Oriental e em
algumas áreas rurais das Américas (PAULINO, 1989; SATO, CHIN & MANN, 1989).
A FIG. 1 ilustra a distribuição geográfica mundial desses padrões.
Figura 1 - Distribuição mundial do perfil de transmissibilidade do vírus da
imunodeficiência humana, por grandes regiões, segundo as classes de
padrões definidos pela Organização Mundial da Saúde quando do início da
pandemia, nas décadas de 1970 e 1980.
Fonte: SATO, P. A.; CHIN, J.; MANN, J. M. Review of AIDS and HIV infection: global
epidemiology and statistics. AIDS, Geneva, p. 1S301-1S307, 1989. Supplementum 3.
Segundo Guimarães & Castilho (1993, p. 101), em 1980 foi detectado o primeiro
caso de AIDS no Brasil. Em 1982 foram notificados mais cinco casos afetando
homossexuais no Estado de São Paulo, conforme divulgado pela Coordenação Nacional
de DST e AIDS do Ministério da Saúde (BRASIL, 1998, p. 13); Guimarães & Castilho
(op. cit.). Segundo Paulino (op. cit.), em 1986 foi notificado o primeiro caso em Minas
Gerais.
Conforme demonstrado por Quinn (1995); Mann & Tarantola (1998), a partir de
1989 observou-se uma estabilização no número de casos de HIV dentro da Europa e
Estados Unidos, onde houve redução proporcional sobre o total de infectados no
planeta. Os autores observaram a mesma tendência no leste asiático e na América
Padrão I Padrão I/II Padrão II Padrão III
23
Latina. Porém, nesta última localidade havia maior número de casos do que nos países
desenvolvidos, e menor número que na África e na Ásia (Idem).
Esses pesquisadores assinalaram, ainda, que, na África, segundo continente com
maior quantidade de infectados pelo HIV no mundo, esse número continuou crescendo,
assim como na Ásia Central e Ocidental. Neste continente houve uma elevação rápida e
vertiginosa da quantidade de infectados. Portanto, essas regiões concentram o maior
número absoluto de pessoas infectadas pelo HIV (QUINN, 1995; MANN &
TARANTOLA, 1998).
Segundo vários especialistas, esse perfil de distribuição da infecção pelo HIV
correlaciona-se com o início da epidemia em cada localidade, com a época de
implementação e aperfeiçoamento do sistema local de vigilância epidemiológica, com a
oportunidade de controle epidêmico, com o número de habitantes em cada continente e
com a vulnerabilidade da população de cada país ou região (CAHN et al., 2000; DE
COCK & WEISS, 2000; MANN & TARANTOLA, op. cit.; PARKER & CAMARGO
Jr., 2000; QUINN, op. cit.; STONEBURNER, 1994).
Sendo assim, Mann & Tarantola (op. cit.) defenderam a existência de uma
relação direta entre o perfil clínico e epidemiológico do HIV/AIDS e o padrão cio-
econômico da população afetada, argumentando que o modelo de garantia de direitos
individuais e coletivos influencia o perfil de apresentação clínica e epidemiológica do
HIV e da AIDS.
Ainda segundo esses, e também outros autores, mais de 30 milhões de pessoas
estavam infectadas pelo HIV/AIDS no mundo ao final dos anos 90. Destas, mais de
90% residiam em nações subdesenvolvidas, e 40% eram mulheres. Metade dos adultos
que adquiriam o HIV naquela época tinha entre 15 e 24 anos de idade (MANN &
TARANTOLA, op. cit.; STRATIGOS & TZALA, 2000). Contudo, mais de 90% dos
recursos econômicos disponíveis ao controle desse agravo estava em poder do mundo
desenvolvido (MANN & TARANTOLA, op. cit.).
Atualizando esses dados segundo as estimativas do Programa Conjunto das
Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS), 40,3 milhões de pessoas estariam
vivendo infectadas pelo HIV ao final de 2005. Destes, 38 milhões eram adultos, e 17,5
milhões eram mulheres (OMS, 2005, p. 1).
Conforme divulgado pela OMS, a proporção de mulheres entre os adultos
infectados, que vinha crescendo até então, estabilizou-se na faixa dos 47% e 46% entre
os anos de 2003 e 2005, respectivamente. Entretanto, esse indicador era muito diferente
24
entre países ricos e países pobres. Na América do Norte, 25% dos adultos infectados
eram, ao final de 2005, mulheres. Nessa mesma época, tal proporção chegava a 57% na
África subsaariana, onde até 30% das gestantes poderiam estar infectadas pelo HIV
(OMS, 2005, p. 4).
O número de novas infecções na América do Norte era 74 vezes menor que na
África subsaariana, e a prevalência da infecção em adultos era dez vezes maior neste
continente (OMS, op. cit., p. 4).
Vários autores destacaram que, nas décadas de 1980 e 1990, a AIDS foi citada
entre as primeiras causas de morte entre adultos jovens, a ponto de repercutir na
estrutura etária de determinados povos. Esse fato foi observado principalmente onde o
acesso ao recurso terapêutico era limitado ou ausente. Nessas populações, chegou-se a
reduzir a expectativa de vida, a fecundidade - devido à morte de mulheres em idade
reprodutiva - e a produtividade econômica (GAYLIN & KATES, 1997; KELLY, 1992-
1993; STRATIGOS 7 TZALA, 2000).
Morgado et al. (2000) assinalaram que, em algumas localidades do planeta,
muito do que foi feito para combater a mortalidade infantil deixou de atingir seu
objetivo epidemiológico devido à transmissão vertical do HIV.
Esses autores comentaram também, que a morte precoce de pais e mães com
AIDS, cujos filhos eram ainda crianças e dependentes, principalmente em comunidades
socialmente prejudicadas, construiu preocupantes coortes de órfãos, retroalimentando
este já grave problema social (Idem).
Por outro lado, Mann (1992) observou que as primeiras duas décadas da
pandemia de HIV/AIDS foi um período em que intensas e rápidas modificações
epidemiológicas aconteceram em torno desse agravo, paralelamente ao alcance de
importantes progressos na abordagem clínica, na condução propedêutica e na
terapêutica do mesmo. Segundo esse autor, tais modificações epidemiológicas e
progressos científicos provocaram significativas variações nas formas de expressão do
HIV/AIDS entre os lugares e entre as pessoas ao longo do tempo, além de alterarem
substancialmente o perfil de morbi-mortalidade de humanos pelo mundo afora.
A esse respeito, outros autores argumentaram que tais mudanças conseguiram
também subverter padrões éticos, sociais e comportamentais, suscitando uma verdadeira
convulsão no pensamento e nas práticas de muitas pessoas. Assinalaram, ainda, que essa
subversão motivou reflexões sobre a vida e a morte, as quais interferiram sobre valores
e princípios ideológicos presentes no inconsciente individual e coletivo (GALVÃO,
25
1992; PARKER, TERTO Jr. & RAXACH, 2000).
Segundo Parker, Terto Jr. & Raxach (op. cit.), a partir dessas reflexões, emergiu
um importante debate antropológico, social e econômico sobre cenários injustos de
convivência individual, coletiva, comunitária ou internacional, anteriormente omissos e
tolerados, que, entretanto, foram denunciados pela presença do HIV/AIDS.
No tocante à morbidade específica, consta na literatura que, quando essa
pandemia começou, acreditava-se que os pacientes imunodeprimidos, devido à infecção
pelo HIV, sofriam mais freqüentemente de infecções fúngicas, virais, micobacterianas e
de neoplasias, em função da deficiência imunológica celular na presença de uma
imunidade humoral aparentemente satisfatória. Entretanto, observou-se, mais tarde, que
pacientes com AIDS tinham também uma incidência elevada de infecções bacterianas,
as quais eram de caráter mais prolongado e recorrente. Reconheceu-se, pois, a presença
de um perfil de morbidade específico relacionado à patogenicidade intrínseca do vírus
da imunodeficiência humana, paralelamente à ocorrência de determinadas infecções
oportunistas, conseqüente à imunodepressão associada à imunodesregulação
(MASUKAWA & BARONE, 1996).
Porém, Cahn et al. (2000) observaram que a referida morbidade também pode
resultar de vários outros aspectos não biológicos, entre os quais, destacaram o padrão de
assistência clínica e epidemiológica a que tem acesso a população afetada, e o perfil de
doenças regionais dos lugares onde a AIDS acontece.
Esses autores explicaram que, quando as pessoas têm acesso ao diagnóstico
precoce, a medidas preventivas, a cuidados médicos e recursos terapêuticos adequados,
os agravos regionais perdem proporcionalmente importância no contexto da morbidade
relacionada ao HIV (Idem).
Ao condensar essas observações, Forysth (2000) concluiu que o padrão de
morbidade por AIDS depende, basicamente, da qualidade e da cobertura epidemiológica
e assistencial-terapêutica prestada aos portadores do HIV.
Malta et al. (2005) confirmaram esse argumento exemplificando o modelo
brasileiro de controle do HIV/AIDS que conseguiu reduzir à metade o número de
pessoas portadoras do rus em relação às estimativas projetadas pelo banco mundial
para o ano de 2005, assim como diminuiu a morbi-mortalidade respectivamente
relacionada. Esses autores ressaltaram ainda que este modelo balizou-se em estratégias
assistenciais que priorizaram o acesso das pessoas infectadas ao tratamento
antiretroviral por meio de uma organização vertical das ações destinadas a este fim,
26
porém, motivada por pressões sociais organizadas.
Outro exemplo, que confirmou o argumento de Forysth (2000), foi apresentado
por Van de Perre (1995); Grant & De Cock (1998) ao observarem que o padrão de
morbidade por HIV/AIDS em países desenvolvidos compõe-se por limitada variedade
de ocorrências, com restrição a quadros concretamente oportunistas. Esses autores
acrescentaram, também, que, nos países não desenvolvidos, o que se percebeu foi uma
intensificação da morbidade regional devido à presença do HIV/AIDS, diversificando
seu espectro nosológico pela inclusão de complicações não necessariamente
oportunistas.
Segundo Van de Perre (op. cit.), um dos marcadores dessa diferença foi a maior
sobrevida dos indivíduos infectados pelo HIV em países desenvolvidos, cuja morbidade
e causa específica de mortalidade se restringiram a doenças características de fases
muito avançadas ou tardias da infecção.
Em reforço a esses argumentos de que os problemas sócio-econômicos
interferem decisivamente em todas as fases da assistência aos indivíduos com
HIV/AIDS, assim como o perfil de circulação de patógenos específicos dentro de cada
comunidade, Grant, Djomand & De Cock (1997) destacaram que o período de
incubação do HIV é mais curto em regiões miseráveis, em comparação com regiões
desenvolvidas, enquanto a sobrevida dos doentes com AIDS, também é mais curta em
países pobres.
Ainda em referência às particularidades de cada contexto em que o HIV/AIDS
se desenvolveu, alguns autores assinalaram que significações e representações étnicas e
de gênero também têm grande influência nos perfis específicos de transmissão do HIV e
de morbi-mortalidade por AIDS em cada comunidade (CAHN et al., 2000; GRANT &
DE COCK, op. cit.; PIERRE & FOURNIER, 1999; VAN DE PERRE, op. cit.).
De acordo com Grant & De Cock (op. cit.) nas regiões onde a transmissão do
HIV se dá mais freqüentemente por prática homossexual, é maior a ocorrência de
Sarcoma de Kaposi, por exemplo. Por outro lado, nas regiões onde o comportamento
heterossexual ou o uso de drogas injetáveis é o fator de transmissibilidade mais comum,
são mais freqüentes a tuberculose e outras infecções bacterianas. Entretanto, tais
aspectos foram influenciados pelo perfil epidemiológico de circulação de patógenos
específicos.
Esses autores destacaram, portanto, que a forma de transmissão do HIV, estando
relacionada ao modelo de organização cultural e de relações sociais, torna-se, também,
27
um fator diferenciador da morbidade por AIDS (GRANT & DE COCK, 1998).
Devido a isso, vários pesquisadores passaram a defender a idéia de que a
abordagem da morbidade devida à AIDS necessita ser particularizada de acordo com
cada situação local (CAHN et al., 2000; GRANT & DE COCK, 1998; PIERRE &
FOURNIER, 1999).
Sendo assim, é importante comparar a epidemiologia do HIV/AIDS entre as
várias localidades afetadas para melhor compreensão da pandemia. Entretanto, Grant &
De Cock (op. cit.) evidenciaram dificuldades para correlacionar a morbidade por AIDS
entre as diversas regiões do planeta devido a diferenças metodológicas utilizadas para o
levantamento regional, e a particularidades quanto à cobertura epidemiológica e
assistencial, que também diferiu entre os povos e nações quanto à qualidade da geração
das informações e provimento de recursos.
3.2 ASPECTOS PRÁTICOS DO TRATAMENTO ANTIRETROVIRAL NO BRASIL.
Segundo Morgado et al. (2000), a distribuição de antiretrovirais, em regime de
poliquimioterapia, teve início, no Brasil, em 1996. Atualmente, o Ministério da Saúde
disponibiliza dezesseis medicamentos específicos para o tratamento de supressão do
HIV (QUADRO 1). Esses medicamentos, na maioria das vezes, são utilizados em
associações tríplices ou quádruplas, sinérgicas ou aditivas, prescritas segundo critérios
clínicos, epidemiológicos e laboratoriais (BRASIL, 2006).
Inibidores da transcriptase
reversa, análogos de
nucleosídeos e nucleotídeos.
Inibidores da transcriptase
reversa, não análogos de
nucleosídeos.
Inibidores da
protease.
Inibidor da
fusão.
Abacavir
Efavirenz
Amprenavir
Enfuvirtida
Didanosina Nevirapina Atazanavir
Estavudina Indinavir
Lamivudina Lopinavir
Tenofovir Nelfinavir
Zidovudina Ritonavir
Saquinavir
Quadro 1 - Antiretrovirais disponíveis na rede pública, para uso clínico no Brasil,
no primeiro semestre de 2006.
Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância à Saúde. Programa Nacional de DST e
Aids. Recomendações para terapia anti-retroviral em adultos e adolescentes infectados pelo HIV
2006. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 85p. Versão preliminar.
28
Em se tratando de adultos não gestantes, o início da terapia antiretroviral,
segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2006), é indicado:
a) para aquelas pessoas que apresentam sintomatologia delatora de imunode-
pressão relacionada ao HIV (QUADRO 2), independentemente dos níveis de
linfócitos CD4;
b) para aquelas com contagem de linfócitos CD4 menor que 200 células por
milímetro cúbico de sangue, independentemente de estarem com alguma
manifestação clínica de imunodepressão.
29
01
Per
da de peso maior que 10% do peso corporal habitual;
02 Diarréia crônica sem etiologia definida, com duração de mais de 1 mês;
03 Febre (intermitente ou constante), sem etiologia definida, por mais de 1 mês;
04 Linfadenopatia (maior ou igual a 1cm, em dois ou mais sítios extra-inguinais, por mais de
vinte e nove dias);
05 Dermatite persistente;
06 Anemia (hematócrito menor que 30% em homens, menor que 25% em mulheres);
07 Linfopenia (menor que 1000/mm
3
), plaquetopenia (menor que 100000/mm
3
);
08 Candidíase oral, esofágica, vaginal recorrente, de traquéia, de brônquios ou de pulmões;
09 Leucoplasia pilosa oral;
10 Herpes zoster (antes dos 60 anos);
11 Infecções recorrentes do trato respiratório (pneumonia, sinusite);
12 Criptococose extrapulmonar;
13 Criptosporidiose com diarréia persistente, por mais de um mês;
14 Doença por citomegalovírus, de um órgão que não seja o fígado, o baço ou linfonodos;
15 Histoplasmose extrapulmonar disseminada;
16 Infecção pelo vírus herpes simples, com acometimento mucocutâneo, por mais de um mês,
ou visceral de qualquer duração;
17 Isosporíase com diarréia persistente, por mais de um mês;
18 Leishmaniose visceral em adulto;
19 Leucoencefalopatia multifocal progressiva;
20 Linfoma primário do cérebro;
21 Micobacteriose atípica disseminada;
22 Outros linfomas não-Hodgkin de células B;
23 Pneumonia por Pneumocystis jiroveci (carinii);
24 Reativação da doença de Chagas (miocardite e/ou meningoencefalite);
25 Sarcoma de Kaposi;
26 Sepse recorrente por salmonela não tifoídica;
27 Toxoplasmose cerebral;
28 Tuberculose extrapulmonar ou disseminada;
29 Carcinoma invasivo do cérvix;
30 Carcinoma ano-retal invasivo;
31
Paracoccidioidomicose disseminada.
Quadro 2 -
Manifestações clínicas de imunodeficiência em pacientes com diagnóstico
de infecção pelo HIV.
Fonte: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância à Saúde. Programa Nacional de DST e
Aids. Recomendações para terapia anti-retroviral em adultos e adolescentes infectados pelo HIV
2006. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 85p. Versão preliminar.
Vale esclarecer que, linfócitos CD4 são células componentes do sistema
imunológico humano. A ação replicativa do HIV no organismo depleta numericamente
estas células. Esse é o efeito patogênico mais importante e de maior repercussão clínica.
A concentração ideal de linfócitos CD4 deverá estar acima de 500 células por mm
3
de
sangue. Abaixo de 200 células/mm
3
, o indivíduo é considerado portador de grave
comprometimento da sua capacidade de resposta imunológica (BRASIL, 2004;
HINRICHSEN, 2005).
A ação dos medicamentos consiste na intensa supressão da replicação do HIV.
30
Tal efeito reduz o dano celular, especialmente sobre os linfócitos CD4, conferindo ao
organismo a oportunidade de repovoar-se com essas células. Conseqüentemente,
recupera-se, e se mantém, uma integridade imunológica suficiente à saúde corporal do
indivíduo, sem, contudo, conseguir que o HIV seja eliminado do organismo (BRASIL,
2004; FIGUEIREDO et al., 2001; KANAI & CAMARGO, 2002; LEITE et al., 2002).
Entretanto, segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2004), para que essa saúde
seja alcançada, é necessário que o usuário de antiretrovirais:
a) incorpore a posologia dos medicamentos à sua rotina;
b) siga de maneira rigorosa, regular e contínua a prescrição médica;
c) receba acompanhamento médico para o resto da vida;
d) tolere ou supere potenciais efeitos colaterais;
e) adapte-se a determinados regimes dietéticos;
f) seja observado em relação a interações medicamentosas;
g) enfrente o potencial de desenvolvimento de resistência viral, com a conse-
qüente necessidade de troca do esquema terapêutico e de novas adaptações ao
protocolo terapêutico alternativo.
Segundo Perno et al. (2002), se uma falência terapêutica ocorrer, haverá o
retorno da replicação viral a níveis que reconduzem o indivíduo à trajetória da
destruição inexorável do seu sistema imunológico.
Diante desses aspectos, o Ministério da Saúde destacou que a terapêutica da
síndrome da imunodeficiência humana adquirida é um campo complexo e dinâmico, e
alertou para o fato de que “a resistência viral, a toxicidade das drogas e a necessidade de
alta adesão ao tratamento, ainda permanecem como importantes barreiras ao sucesso
prolongado da terapia” (BRASIL, 2004, p. 10).
Entretanto, a utilização da terapia antiretroviral de alta potência por grande
contingente de pessoas infectadas pelo HIV, é o que melhora o perfil de morbi-
mortalidade por AIDS (Idem).
De acordo com Brito, Castilho & Szwarcwald (2000), o tratamento antiretroviral
melhora a qualidade de vida do indivíduo, do ponto de vista orgânico, e aumenta o
tempo de sua existência. Entretanto, a atividade replicativa do HIV é extremamente
voraz e complexa. Durante esse processo, ocorrem alterações estruturais no vírus que
podem proporcioná-lo escapar-se da ação dos medicamentos. A associação estratégica
de fármacos para uso rigoroso, regular e contínuo, por parte dos infectados, é a tática
disponível para a supressão persistente da atividade reprodutiva do HIV no organismo
31
(BRASIL, 2006). Portanto, a não utilização sistemática dos medicamentos conduzirá o
indivíduo infectado à morte por doenças oportunistas (PERNO et al, 2002; VITÓRIA,
2004).
3.3 A PROBLEMÁTICA DA ADERÊNCIA AO TRATAMENTO ANTIRETROVI -
RAL.
3.3.1 Critérios para a definição de aderência terapêutica.
De acordo com as considerações de Kanai & Camargo (2002), considera-se
aderente ao tratamento, aquele indivíduo que faz um uso ininterrupto e posologicamente
preciso da terapêutica prescrita. Esses autores assinalaram, ainda, que esse uso não se
limita à ingestão dos medicamentos conforme os horários estabelecidos, mas estende-se
aos demais cuidados e orientações coadjuvantes da ação dos fármacos.
Outro critério que afirma que o paciente é aderente ao tratamento antiretroviral,
segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2006, p. 7); Pinheiro et al. (2002), baseia-se
na:
a) recuperação clínica (o sujeito pára de apresentar infecções oportunistas);
b) queda da replicação viral (em se tratando de adultos, “a carga viral se torna
indetecvel dentro de um período de seis meses, ou, no mínimo, seus valores
se reduzem acima de 1 log ou 90% da carga viral inicial nas primeiras quatro
a seis semanas; ou maior que 2 log
ou 99%, após 12 a 16 semanas”);
c) reconstituição imunológica (há elevação ou, no mínimo, suspensão da queda
do número de linfócitos CD4) a partir do início do uso dos medicamentos.
O encontro com o paciente, objetivando conferir o uso da medicação por meio
de diversas técnicas de verificação do destino dado aos medicamentos prescritos e
fornecidos, também é utilizado como critério de avaliação da aderência ao tratamento.
Uma dessas técnicas, por exemplo, consiste em contabilizar os medicamentos
fornecidos ao paciente e sua respectiva posologia, com o prazo do retorno do indivíduo
à nova dispensação, com o fim de conferir o consumo de fármacos por unidade de
tempo, segundo o critério de uso prescrito. Nesse caso, se o paciente for aderente,
verifica-se coerência entre a quantidade de medicamentos fornecida e a quantidade
consumida, segundo a posologia prescrita (BRASIL, 2003; KANAI & CAMARGO,
2002; LEITE et al., 2002; PINHEIRO et. al., 2002).
32
Essa contabilidade, entretanto, segundo alguns autores, mesmo que
matematicamente se mostre correta, não significa que o paciente tenha usado
adequadamente os fármacos prescritos. Kanai & Camargo (op. cit.) comentaram que
pode haver um extravio calculado dos medicamentos por atitude do próprio paciente.
Assim, vários estudiosos têm considerado como aderentes, indivíduos que usam
95% ou mais das doses dos medicamentos prescritos. O que pode variar de acordo com
a metodologia utilizada para o cálculo (BRASIL, 2003; KANAI & CAMARGO, op.
cit.; LEITE et al., op. cit.; PINHEIRO et. al., op. cit.).
Outros pesquisadores propuseram conferir a aderência terapêutica por meio da
dosagem dos níveis séricos da droga no organismo. Porém, reconhecendo que essa
prática é operacionalmente onerosa, sugeriram o auto-relato do paciente como uma
maneira suficientemente confiável e mais exeqüível. Entretanto, argumentaram que a
percepção médica subjetiva de aderência terapêutica é tida como um método precário
para identificar os pacientes que realmente são aderentes ao tratamento. Segundo a
literatura, os médicos geralmente superestimam a aderência terapêutica, demonstrando
baixa sensibilidade para perceberem a não observância dos pacientes à terapia
(ESCAFFRE et al., 2000; FIGUEIREDO et al, 2001; GROSS et al., 2002; MILLER et
al., 2002; PINHEIRO et al., op. cit.; VITÓRIA, 2004).
Segundo Kanai & Camargo (op. cit.), a observação de efeitos colaterais
previsíveis, devido ao uso de determinadas medicações, é também um critério que pode
ser utilizado para avaliar a aderência do paciente ao tratamento antiretroviral, a exemplo
da macrocitose que pode ser provocada pelo uso de zidovudina. Entretanto, esses
autores argumentaram que, mesmo usando irregularmente a medicação, o paciente pode
manifestar efeitos colaterais.
Pelo visto, a literatura sugere diversas formas para avaliar a aderência
terapêutica, mas, nenhuma delas garante a verdade.
Sobre essa dificuldade, Kanai & Camargo (op. cit.) acrescentaram ainda, que,
além da cronicidade da infecção, existem problemas pessoais e sociais que, também,
podem dificultar a adesão ao tratamento. Sinalizaram, pois, que quem prescreve
antiretrovirais precisa assumir que todos os pacientes podem, em algum momento,
negligenciar a terapêutica. Essa idéia foi corroborada pelo Ministério da Saúde
(BRASIL, 2003).
33
3.3.2 A importância e a contextualização da aderência ao tratamento antiretroviral.
Dentro da exposição feita até agora, destacaram-se os seguintes aspectos
biológicos e epidemiológicos atribuídos ao uso regular da medicação antiretroviral:
reduz morbi-mortalidade, melhora a qualidade física da vida e aumenta a sua duração,
pressupõe um re-ordenamento do modo de viver, e reduz a transmissibilidade do vírus.
Encontrei, também, na literatura, que o uso inadequado do tratamento pode ser
mais deletério do que o não uso. Além disso, torna a relação custo-benefício do
tratamento inviável (gera ônus tanto econômico quanto sócio-assistencial, sem um
retorno clínico e epidemiológico satisfatoriamente correspondente) (BRASIL, 2004;
GERBERT et al, 2000; LEITE et al., 2002; PERNO et al., 2002).
Nesse contexto, reconheceu-se, ainda, que a causa mais freqüente de falha
terapêutica é a não aderência do paciente ao tratamento (BRASIL, 2004; CARDOSO &
ARRUDA, 2004; KANAI & CAMARGO, 2002; PINHEIRO et. al., 2002). Devido a
isto, o Ministério da Saúde estabeleceu, como um dos critérios para se iniciar o
tratamento antiretroviral, a adequada tomada de consciência, informação, desejo e
decisão do paciente quanto ao uso correto da medicação, afirmando que “a terapia não
deve ser iniciada até que os objetivos e a necessidade de adesão ao tratamento sejam
entendidos e aceitos pelo paciente” (BRASIL, 2004, p. 17).
Entretanto, Leite et al. (2002) observaram que, no Brasil, até 50% dos indivíduos
tomou menos de 80% das doses dos medicamentos prescritos.
3.3.3 A discussão vigente sobre os fatores relacionados à não aderência ao tratamento
antiretroviral.
Segundo Gerbert et al. (2000), a taxa de aderência ao tratamento antiretroviral,
medida em países ricos, variou entre 60% e 75% dos pacientes, mas observou-se que
esse indicador pode variar ainda mais: entre 33% e 83% . No Brasil, de acordo com a
Coordenação Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST) e Aids do
Ministério da Saúde, já foi encontrada taxa de aderência da ordem de 80%, no Estado de
São Paulo (BRASIL, 2003).
O Ministério da Saúde destacou a ocorrência de efeitos colaterais, posologias
incompatíveis com a rotina do indivíduo, número elevado de comprimidos, necessidade
de restrições alimentares, falta de compreensão da prescrição e falta de informação
34
sobre as conseqüências da não adesão, como importantes fatores relacionados à não
aderência ao tratamento antiretroviral (BRASIL, 2004).
Além disso, o regime de tratamento, o perfil do vínculo com a assistência, a
inserção social do indivíduo, o uso de álcool e drogas, a presença de co-morbidades, o
uso de outros medicamentos, a necessidade de sustentação do tratamento por longo
prazo, a severidade da doença, a intolerância afetiva (impaciência, negativismo,
pessimismo) e as preocupações físicas do paciente em relação ao HIV e seu tratamento,
assim como o preconceito e as angústias respectivamente relacionados, também foram
citados, na literatura, como importantes fatores limitantes da adesão à terapia
antiretroviral. Por outro lado, os estudos foram conflitantes quanto à importância da
idade, do gênero, da renda familiar e da expectativa de resultado do tratamento. Alguns
concluíram a favor dessa importância, outros não (BRASIL, 2003; BRASIL, 2004;
FIGUEIREDO et al., 2001; HOLMES & PACE, 2002; KANAI & CAMARGO, 2002;
LEITE et al., 2002; LIGNANI Jr., GRECO & CARNEIRO, 2001; MORENO
SÁNCHEZ, 2000; PINHEIRO et al., 2002; SCHILDER et al., 2001; SOUSA et al.,
2000; VITÓRIA, 2004).
Assim, encontrei diferenças entre os estudos quanto à identificação de fatores
relacionados à não observância ao tratamento antiretroviral.
Vitória (op. cit., p. 1), por exemplo, comentou que “aspectos sócio-econômicos e
sócio-demográficos, caso analisados isoladamente, não são geralmente fatores
preditivos de adesão”. Por outro lado, Lignani Jr., Greco & Carneiro (op. cit.)
argumentaram que a escolaridade é fator de importância para a observância terapêutica.
Outros estudos já afirmaram a maior probabilidade de não aderência entre grupos
sociais injustiçados, a exemplo das pesquisas feitas por Cohn (1997), Leite et al. (op.
cit.) e pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2003); grupos estes, provavelmente,
detentores de menor renda e menor escolaridade.
Outro aspecto discutido foi a melhora clínica do paciente proporcionada pelo
tratamento antiretroviral. Vários autores argumentaram que esse efeito atua como um
fator desfavorável à manutenção da aderência em pessoas cuja compreensão é de que o
papel do medicamento se limita ao alívio do desconforto imposto pela condição de
doente. Uma vez sentindo-se saudáveis, devido à melhora clínica proporcionada pelo
tratamento, não compreendem a necessidade de continuar tomando os medicamentos.
Da mesma maneira, verificou-se maior aderência terapêutica entre aqueles que
começaram o tratamento por causa de alguma sintomatologia relacionada à presença do
35
HIV no organismo, pelo menos no início do tratamento, comparativamente a quem
começou a usar antiretrovirais devido, apenas, a indicadores laboratoriais; portanto, sem
manifestações clínicas de AIDS (BRASIL, 2003; KANAI & CAMARGO, 2002).
Além disso, Cardoso & Arruda (2004, p. 152) assinalaram que questões
existenciais exercem “papel mais importante na adesão ao tratamento antiretroviral do
que as dificuldades ligadas diretamente às drogas prescritas (quantidade e tipo de
comprimidos, restrições alimentares, horários, etc.).”
Para os referidos autores, esse
fenômeno é tão “complexo que não pode ser reduzido a aspectos da lógica racional,
devendo ser consideradas as profundas influências de natureza sociocultural”.
Outros estudos também consideraram que a percepção, as representações e a
compreensão que a pessoa tem do seu processo saúde-doença, o significado que ela dá a
esse processo e a sua capacidade cognitiva de adaptação às diversas situações da vida,
fatores aceitos como relacionados ao vel de escolaridade, são importantes
componentes a serem considerados quando da abordagem das questões ligadas à
aderência ao tratamento antiretroviral (BRASIL, 2003; CARDOSO & ARRUDA, 2004;
FIGUEIREDO et al., 2001; KANAI & CAMARGO, op. cit.; LEITE et al., 2002;
MACHADO et al., 1996).
Por último, Malta et al. (2005) destacaram que, na opinião dos próprios médicos
que cuidam de pessoas infectadas pelo HIV, o perfil da relação médico-paciente é outro
importante fator relacionado à aderência terapêutica. Assinalaram, ainda, que esses
profissionais indicaram a presença de outros elementos relacionados à problemática da
adesão terapêutica. Entre estes, enfatizaram o estilo de vida do paciente, as crenças
deste em relação ao HIV/AIDS, a afetividade com o tratamento e a percepção do
paciente em relação à gravidade da doença induzida pelo HIV.
3.4 A COMPREENSÃO DO FENÔMENO DA INFECÇÃO PELO HIV.
3.4.1 Generalidades psico-sociais da relação do indivíduo com sua infecção pelo HIV.
Vários autores comentaram que, até 1996, quando ainda não existia a terapêutica
antiretroviral de alta potência, observava-se que os indivíduos com diagnóstico de
HIV/AIDS assumiam comportamentos de paciente terminal. Via-se muita ansiedade e
depressão decorrentes do intenso esforço de adaptação da pessoa a esta nova e
estigmatizante condição. Surgia o medo da desfiguração, do adoecimento, da
36
decadência e da morte, passando pelos sentimentos de segregação e de solidão.
(GOLDBERG, 1999; MAYERS & SVARTBERG, 2001; NETO, VILLWOCK &
WIEHE, 1996).
Lopes & Fraga (1998) comentaram que, mesmo nos dias de hoje, o momento do
diagnóstico desperta uma atitude de negação nas pessoas infectadas pelo HIV,
manifestada por fuga, depressão e medo da morte, acrescentando que esses sentimentos
se sustentam durante toda a vida do indivíduo.
Reforçando tais observações, Murphy & Melby (1999) consideraram que a
novidade do diagnóstico da infecção pelo HIV, muitas vezes associada à necessidade de
hospitalização, representa uma traumática experiência, capaz de desencadear reações
agudas ao estresse.
Por outro lado, alguns pesquisadores destacaram que o desnudamento
comportamental da pessoa provocado pela revelação do diagnóstico, especialmente na
esfera sexual, e a perspectiva da morte, têm caráter extremamente estigmatizante, tanto
por parte da sociedade em relação à pessoa infectada quanto por parte do indivíduo
infectado em relação a si próprio. Comentaram, também, que a morte é algo repulsável
assim como o é quem e/ou aquilo que a representa, da mesma forma que são rejeitados
determinados padrões de comportamento tidos como anticulturais, os quais, conjectura-
se que fizeram parte das atitudes que levaram o indivíduo a contrair o HIV (FERRAZ &
STEFANELLI, 2001 e NETO, VILLWOCK & WIEHE, op. cit.).
Outros autores assinalaram, ainda, que, nesse ambiente, aflora uma culpa
relacionada à suposta transgressão sócio-cultural que é vinculada ao comportamento
sexual do sujeito e ao seu hipotético envolvimento com o ilícito. Nas representações
percebidas por esses indivíduos, o HIV os denunciou e, por causa disso, serão punidos.
Daí, a literatura sobre o tema descreve várias respostas objetivas por parte das pessoas
que recebem o diagnóstico de portadoras do HIV, tais como a abstinência sexual, a
negação da doença com intensificação da prática sexual de risco e uso de drogas, o
confinamento do indivíduo a grupos restritos de contato sexual, etc. (ALVES et al.,
2002; FERRAZ & STEFANELLI, op. cit.; GOLDBERG, 1999; MENEGHIN, 1996;
NETO, VILLWOCK & WIEHE, op. cit.; SOUSA et al., 2000).
Sobre a angústia provocada pelo diagnóstico, Schönnesson (2000) comentou que
a depressão tornou-se uma íntima companheira do indivíduo infectado pelo HIV.
Atribuiu esse sentimento à incerteza com relação à saúde e à vida, à insegurança frente à
freqüente alternância entre o mal-estar e o bem-estar, e à expectativa da morte.
37
Acrescentou que, por outro lado, o prolongamento da vida, por meio do tratamento,
induz a uma ansiedade em relação ao porvir da própria vida: e agora, o que vem pela
frente?
A esse respeito, Lopes & Fraga (1998) comentaram que o diagnóstico da
infecção pelo HIV produz intensa instabilidade na vida do indivíduo, de modo que ele
passa a conviver com permanentes mudanças, perdas e dificuldades afetivas e materiais.
Tanto as limitações sócio-econômicas quanto o testemunho da morte de outras pessoas,
com perdas de vínculos em seu círculo afetivo, segundo esses autores, colaboram para a
progressão da doença induzida pelo HIV.
Outros pesquisadores destacaram que, nesse caso, a experiência psicológica da
morte vem como uma conseqüência do isolamento social do indivíduo, criando um
senso de ser invisível, excluído do interesse alheio, desprezado e descartado
socialmente. Porém, sob a ambigüidade de uma sensação de que está sendo observado e
vigiado (GOLDBERG, 1999; SCHÖNNESSON, 2000).
Esses autores acrescentaram que tal ambigüidade de sentimentos desestrutura o
bem-estar da pessoa e sua qualidade de vida. Ela passa a conviver com a perda, com a
lamentação, a tentativa de controle racional de sua situação, o misto de desespero e
esperança, as preocupações existenciais diante do significado e dos projetos da vida, a
ansiedade frente à perspectiva consciente da morte e do isolamento, a sensação de estar
entre a doença crônica e a doença terminal, entre o sentimento de culpa e de inocência.
Posiciona-se, pois, entre a e a descrença, num contexto de grande necessidade de
tomada de decisões e atitudes de significativa repercussão sobre a própria vida (Idem).
Consta na literatura que, sob essa pressão, o indivíduo que recebe um
diagnóstico de infecção pelo HIV pode apresentar desde alterações transitórias de
humor, até desordens psiquiátricas importantes. Os pesquisadores descreveram que tais
desordens são mais freqüentes em portadores do HIV do que em uma população não
infectada, manifestando-se, principalmente, por ocasião do diagnóstico (BOLCATO,
1999; GONZALEZ ROMERO, 1996).
A esse respeito, vários estudiosos destacaram que a reação adaptativa pode ser
diferente entre homens e mulheres. Argumentaram que pessoas do sexo feminino
suportam uma maior pressão social, relacionada à submissão do gênero, à maternidade e
ao pilar que representam na estrutura familiar, e pelo fato de serem muito contundentes
os significados e as representações da infecção pelo HIV sobre tais eixos (BOLCATO,
1999; CABRAL, 1997; GOLDBERG, 1999; LIGUORI, 1990; OMRAM, 1983;
38
PARKER, 1997; RUSSELL & SMITH, 1999; SCHÖNNESSON, 2000).
Em relação à história natural dessa infecção, na qual a pessoa presume a própria
morte, Murphy & Melby (1999, p. 102), baseados no modelo de reação de ajustamento
de Nichol (1985), identificaram quatro estágios de adaptação do indivíduo: “estágio de
crise, estágio transicional, estágio de aceitação e estágio preparatório”.
Tais estágios foram descritos da seguinte maneira:
O “estágio de crise” é aquele imediatamente seguinte ao diagnóstico da infecção
pelo HIV, tido como particularmente traumático, durante o qual se manifestam reações
de perplexidade, culpa, negação, isolamento social, apreensão e ansiedade, muitas vezes
resultando no afastamento do indivíduo do serviço assistencial e de sua comunidade.
No “estágio transicional”, a pessoa assimila o diagnóstico; especialmente
quando confirmado por alterações orgânicas objetivas ou preconceito social. Nesse
momento, a depressão é o fator marcante, inclusive com potencial suicida e alterações
no plano consciente do auto-conceito. As concretas ou pressupostas alterações na
aparência corporal tornam-se grandes incomodativos emocionais, especialmente pelo
que representam em termos de estigmatização. O indivíduo tende ao isolamento e à
solidão; sofre do desespero, do sentimento de desvalorização, da degeneração da auto-
estima e da perda de produtividade.
No “estágio de aceitação”, o sujeito assume o controle da situação, reduzindo-se
sua vulnerabilidade ao sofrimento emocional. Adota, pois, uma postura mais autônoma.
Nesse momento, torna-se aberto à assimilação de informações e conhecimentos acerca
do que está ocorrendo.
De acordo com os conceitos de Brandura (1986, 1977, 1991, 1992, 1995a,
1995b, 1997), nesse estágio, a auto-eficácia
1
do indivíduo está em alta, favorecendo a
reconquista de suas energias e esperança.
Entretanto, conforme observaram Abduch (1997); Lopes & Fraga (1998),
algumas pessoas infectadas pelo HIV ainda insistem em omitir seu diagnóstico, com
medo de se tornarem rejeitadas. Esses autores destacaram que tal esforço é
conseqüência da fuga e da negação, meios pelos quais o indivíduo sustenta seu aparente
bem-estar emocional.
Acrescentaram, ainda, que, essa forma de defesa é mais comum naquelas pessoas com
menor nível psíquico de integração com a realidade (Idem).
_______________
1. Auto-eficácia é a crença que a pessoa tem na sua própria capacidade de enfrentar e vencer desafiantes
obstáculos (BRANDURA, op. cit.).
39
Outros pesquisadores defenderam a idéia de que, apesar da imaturidade contida
nesses mecanismos de defesa, ainda assim a repercussão é favorável no contexto da
evolução clínica da doença, pois, esse bem-estar reduz o estresse derivado da condição
de infectado pelo HIV. Tal efeito foi visto, por vários autores, como benéfico porque o
estresse também tem conseqüência orgânica imunodepressora que pode, inclusive,
agravar o mal físico provocado pelo HIV (ABDUCH, 1997; DAVIES, 1997;
HARDING, 2001; LEITE et al., 2002; LOPES & FRAGA, 1998; MACHADO et al,
1996; SANTIAGO, 1998; SCHÖNNESSON, 2000).
Voltando à descrição de Murphy & Melby (1999), no estágio preparatório”, a
pessoa vislumbra a morte ao perceber que, realmente, está na fase terminal da sua
doença. Medo, agonia e incompreensão do futuro ocorrem nesta fase, aproximando mais
ainda, entre si, a morte e o indivíduo.
De acordo com Machado et al. (op. cit.); Murphy & Melby (op. cit.), em todos
esses estágios, a hospitalização sempre é um estressor adicional a intensificar as reações
típicas de cada um deles. Esses autores destacaram que, a tensão e a excitação
adicionais decorrem da sintomatologia da doença, que, nesse momento, estaria se
expressando clinicamente por intermédio de algum evento agudo. Acrescentaram, ainda,
que o desespero e a impossibilidade de manutenção dos mecanismos de negação se
fazem presentes nesses momentos de recaída clínica, uma vez que a defesa sofre a
oposição da expressão orgânica da doença. A desmoralização imposta pelo isolamento
físico determinado pelo tratamento hospitalar, é outro degenerador do estado emocional
(Idem).
Kübler-Ross (1985) descreveu fases de enfrentamento da morte por pacientes
terminais, de maneira semelhante às que foram descritas por Murphy & Melby (op. cit.).
Segundo esse autor, o processo passa pela negação, revolta, barganha, depressão e
aceitação
Entretanto, Holmes & Pace (2002) argumentaram que pacientes infectados pelo
HIV o são necessariamente terminais, tendo em vista o recurso terapêutico existente.
Esses autores assinalaram que, após o advento da terapia antiretroviral de alta potência,
os profissionais de saúde, afeitos aos cuidados de pessoas infectadas pelo HIV,
nivelaram a AIDS ao estrato de uma doença crônica, ou seja, no plano da hipertensão
arterial, diabete ou doença pulmonar obstrutiva crônica. Em um nível mais tranqüilo do
que aquele em que se situa o câncer ou uma debilitante injúria neurológica.
Porém, vários pesquisadores argumentaram que essa percepção ainda não foi
40
assimilada. As pessoas continuam sofrendo, no momento em que recebem o
diagnóstico, da mesma forma que na era pré-terapia antiretroviral potente. Entretanto,
aqueles que superam esta fase podem experimentar uma redução de sua tensão, de seu
medo e de sua depressão em relação ao que sentiram no instante em que se descobriram
infectados. Segundo a literatura, essas pessoas passam a ver a vida com mais otimismo,
admitindo uma expectativa de sobrevivência de longo prazo, especialmente aquelas que
se encontram em melhor estado imunológico, melhor condição social e em uso de
antiretrovirais. Entretanto, alguns portadores do HIV mantêm-se céticos e apreensivos,
tendentes à não aderência ao tratamento (GUIMARÃES & FERRAZ, 2001; HOLMES
& PACE, 2002; SCHÖNNESSON, 2000).
Por outro lado, vários pesquisadores observaram que muitas pessoas vêem a
AIDS como uma doença muito grave, sabem da importância das medidas preventivas
contra o risco de transmissão do HIV, sofrem um grande impacto com o diagnóstico da
infecção (como se isto ainda fosse um atestado de óbito) mas, confiam, às vezes
exageradamente, na eficácia do tratamento. Destacaram que alguns mudam o
comportamento sexual a partir do diagnóstico e sentem necessidade de se informar
melhor sobre o HIV e a AIDS (GUIMARÃES & FERRAZ, op. cit.; PEREIRA, 2001;
SOUTO, 2002).
Fora do contexto da história natural da infecção pelo HIV, isto é, sob a
intervenção terapêutica antiretroviral de alta potência recuperando a qualidade de vida
física e a expectativa de sobrevivência dos infectados, vários autores notaram uma
melhora do bem-estar psicológico desses indivíduos. Tal melhora, entretanto, pode ser
prejudicada, em algumas situações, pelos efeitos adversos dos medicamentos, os quais
podem devolver à pessoa o estado de adoecimento (HOLMES & PACE, op. cit.;
LOPES & FRAGA, 1998; LOVISI & MORGADO, 1996; PEREIRA op. cit.;
SANTIAGO, 1998; SCHÖNNESSON, op. cit.; SEIDL, 2001).
Esses mesmos pesquisadores argumentaram também, que uma resposta clínica
orgânica favorável, freqüentemente proporcionada pelo tratamento antiretroviral, pode
desencadear uma atitude que chamaram de estigma reverso, a qual é caracterizada por
uma postura crítica reativa contra os que tentam segregá-la pela incompreensão,
intolerância ou preconceito. Como assinalaram os mesmos autores, esta é uma atitude
que ajuda o indivíduo a encontrar uma razoável estabilização adaptativa positiva à sua
condição de infectado pelo HIV, a despeito de seus eternos companheiros: fuga,
depressão e medo da morte. Acrescentaram ainda, que a partir dessa adaptação, o
41
objetivo passa a ser a qualidade de vida da pessoa. Nesse momento, os aspectos psico-
sociais se tornam mais importantes que o próprio tratamento medicamentoso,
principalmente em se tratando de indivíduos alocados em extratos sociais
marginalizados, como mulheres, negros e usuários de drogas ilícitas (HOLMES &
PACE, 2002; LOPES & FRAGA, 1998; LOVISI & MORGADO, 1996; PEREIRA,
2001; SANTIAGO, 1998; SCHÖNNESSON, 2000; SEIDL, 2001).
Najman & Levine (1981) entenderam por qualidade de vida, a conjuntura da
pessoa que resulta no seu próprio bem-estar. Trata-se da convivência social bem
adaptada, que, para Huba et al. (2000), é um importante indicador para o monitoramento
do progresso do paciente.
O contexto sócio-existencial de crianças é diferente. Alves (1998); Pedromônico
(2000), não observaram perdas na integração social, crescimento e desenvolvimento
desses menores por terem sido diagnosticados portadores do HIV, exceto quando
alguma complicação orgânica causou prejuízo importante nesse sentido. Entretanto,
quando as mães se encontram infectadas, os filhos freqüentemente sofrem dificuldades
de condutas relacionadas ao estresse familiar daí resultante.
A despeito do que se descreveu até agora, foi pequeno o número de
publicações que encontrei, relativamente ao momento atual em que existe uma terapia
antiretroviral de alta potência capaz de mudar a história natural da infecção pelo HIV.
Isso demonstra que ainda é limitado o conhecimento sobre os aspectos existenciais que
envolvem os portadores desse vírus aderentes à terapêutica. Entretanto, Schönnesson
(op. cit.) admitiu que essa nova modalidade de tratamento do HIV/AIDS, pelo menos
até agora, não alterou o estigma e o sofrimento psico-social relacionado à infecção pelo
HIV.
3.4.2 Aspectos psiquiátricos da relação do indivíduo com sua infecção pelo HIV.
Bolcato (1999, p. 257) assinalou que “reações agudas ao estresse, distúrbios de
ajustamento, medo patológico da AIDS, suicídio, distúrbio psicótico agudo e distúrbio
afetivo depressão e delírio (estado confusional agudo)” são os achados psiquiátricos
mais freqüentes em indivíduos infectados pelo HIV. Para Gonzalez Romero (1996),
algumas dessas ocorrências resultam, inclusive, de disfunções neurológicas orgânicas
devidas ao acometimento infeccioso, metabólico, medicamentoso ou neoplásico do
sistema nervoso central, podendo se expressar, ainda, na forma de uma depressão maior
42
ou depressão psicótica.
Esses e outros autores argumentaram, também, que a reação aguda ao estresse,
capaz de se manifestar por ocasião do diagnóstico da infecção pelo HIV, expressa-se,
freqüentemente, na forma de ansiedade, insônia, dificuldade de concentração,
despersonalização e hostilidade. Destacaram, ainda, que, em muitas das vezes, o
indivíduo, nessa fase, afasta-se do serviço assistencial e decide transmitir o HIV para
outras pessoas, adotando comportamentos facilitadores dessa transmissão (BOLCATO,
1999; ILLESCAS RICO & JIMÉNEZ LÓPEZ, 1997; LOVISI & MORGADO, 1996).
Os mesmos pesquisadores acrescentaram que, mais tarde, após a incorporação
do diagnóstico, uma vez adaptado à sua condição de portador do HIV e numa fase
organicamente assintomática, é comum a ocorrência de desordens de ajustamento
desencadeadas por outro fator que não a infecção pelo HIV, como se este outro fator
fosse a gota d`água que faltava para que o conteúdo emocional transbordasse.
Afirmaram, entretanto, que esse distúrbio freqüentemente é passageiro e se expressa sob
a forma de ansiedade, depressão, conduta anti-social ou um misto dessas coisas (Idem).
Esses autores destacaram que, novamente, reação aguda ao estresse, semelhante
ao que se por ocasião do diagnóstico, pode surgir no momento em que aparece a
primeira infecção oportunista (Idem).
Finalmente, segundo Bolcato (op. cit.), na fase sintomática da doença, mais
freqüentemente se observa o delírio como manifestação de doença encefálica orgânica,
com prejuízo psíquico, cognitivo e comportamental. Esse autor assinalou ainda que
desorientação, alucinações, alterações psico-motoras, flutuação do vel de consciência
e distúrbios do sono. Comentou também que, nessa fase, a depressão maior é evento
raro, confundível com a demência pelo HIV ou com a apatia por consumpção.
3.4.3 A pessoa infectada pelo HIV frente à vida sexual.
Alguns pesquisadores argumentaram que a atitude sexual do indivíduo, a partir
do diagnóstico da infecção pelo HIV, varia de acordo com sua resposta psicológica e a
respectiva fase de enfrentamento em que se encontra (HOLMES & PACE, 2002;
NETO, VILLWOCK & WIEHE, 1996). A esse respeito, verifiquei, por meio de estudo
anterior, que as pessoas mudam o seu perfil de vida sexual, pelo menos
temporariamente, para uma postura mais cuidadosa e protetora a partir do momento em
que descobrem que são portadoras do HIV (SOUTO, 2004b). Entretanto, Lopes &
43
Fraga (1998); Alves et al. (2002), argumentaram que outras pessoas sustentam seu ritmo
sexual como se nenhuma novidade relacionada a essa esfera estivesse acontecendo.
Alguns autores assinalaram que o impacto do diagnóstico da infecção pelo HIV
exerce um papel estressor capaz de repercutir no desempenho sexual do indivíduo a
ponto de levá-lo à impotência ou frigidez, o qual pode ser devido, entre outros fatores,
ao medo de transmitir o HIV a pessoas com as quais tem um laço afetivo melhor
estruturado (SCHÖNNESSON, 2000; SOUZA & VIETTA, 1999; VEIIRA &
SHERLOCK, 1997).
No contexto atual de doença crônica, Schönnesson (op. cit.) alertou para o
dilema do retorno à vida sexual normal, porém agora pela via da prática protegida,
principalmente por meio do uso de preservativos, e o vínculo desta nova conduta com a
possibilidade da revelação do seu diagnóstico.
Essa autora argumentou, ainda, que alguns portadores do HIV desenvolvem uma
percepção minimizadora dos significados e das representações da infecção em relação a
seus conflitos existenciais, motivados pelo reconhecimento da eficácia do recurso
terapêutico, ou pela necessidade de manterem-se sujeitos vivos e ativos. Isso
oportunidade a que, em algum momento, a pessoa negligencie o risco de transmissão
sexual do HIV (Idem).
3.4.4 Peculiaridades dos usuários de drogas injetáveis.
Souza & Vietta (1999) mostraram que existe uma autopercepção de
susceptibilidade à infecção pelo HIV entre os usuários de drogas injetáveis.
Argumentaram que o uso parenteral de drogas ilícitas é um indicador para a realização
do teste sorológico para o diagnóstico da infecção pelo HIV, o que oportunidade ao
diagnóstico precoce, muitas vezes em fase ainda assintomática da doença. Entretanto,
acrescentaram que, nos casos dos usuários de drogas que estudaram, foi detectada
resistência inicial dos sujeitos em realizar a sorologia diagnóstica, numa atitude de
negação daquilo que, na verdade, eles acreditavam ser concreto; de maneira que
admitiram a elevada possibilidade de estarem infectados pelo HIV, devido ao
comportamento de risco que tinham, mas não queriam que isto fosse confirmado.
Alguns indivíduos sustentaram essa postura, mesmo além da fase sintomática da
doença, insistindo em tratamentos alternativos que negassem o diagnóstico de AIDS.
Foi na sua transfiguração física que essas pessoas encontram a revelação da condição
44
que pretendiam esconder (Idem).
Outros autores apontaram, ainda, que os usuários de droga injetável tendem a
não seguir a terapêutica, devido a um certo ceticismo que sentem em relação aos
resultados do tratamento, assim com a uma pré-concepção negativista a respeito desse
recurso, aliados a uma postura deprimida, isolacionista e autodestrutiva. Além disso,
perceberam, na personalidade de toxicômanos, um traço transgressor de pactos e regras
(MACHADO et al., 1996; MALBERGIER & STEMPLIUK, 1997; SOUSA et al., 2000;
SOUZA & VIETTA, 1999).
De acordo com Camargo Jr (1994); Malbergier & Stempliuk (op. cit.), a
realidade dos usuários de drogas infectados pelo HIV é distinta daqueles que se
infectam por outras vias, bem como as perdas têm sentidos diferentes. Além disso,
assinalaram que, para esses indivíduos, a morte tem um aspecto menos atemorizante.
Machado et al. (op. cit., p. 31) ressaltaram que os infectados pela via sangüínea
por meio do uso de drogas injetáveis têm “maiores propensões à fadiga neurótica, à
culpabilidade e à irritação, aliadas à menor força do ego e rebaixamento da resistência à
frustração”. Segundo Sousa et al (op. cit.), esse grupo sofre de maior instabilidade
emocional e apreensão, e tem maior dificuldade de adesão à assistência e às práticas
preventivas contra a transmissão do HIV, comparado com aquele grupo de pessoas que
se infectou por via sexual.
De acordo com Souza & Vietta (1999), grande parte desses indivíduos declarou
não mudar seu modo de vida em função do diagnóstico da infecção pelo HIV, o que
nem sempre foi verdade. Entretanto, admitiram que essas pessoas tendem a se
autoconfinarem em um ciclo de convivências preferencialmente restrito a indivíduos na
mesma condição. Esses autores argumentaram que, provavelmente, muitos já vivem
segregados devido ao uso de drogas ilícitas, de modo que a presença do HIV não
significa acréscimo importante em termos de marginalização; pelo menos durante a fase
assintomática da doença. Porém, esclareceram que, à observação externa, o HIV/AIDS
agrava ainda mais a conturbada situação de um usuário de droga ilícita.
Outros estudiosos observaram que esses indivíduos verbalizam um sentimento
de satisfação por estarem infectados pelo HIV, dizendo que se sentem até melhor do que
antes da infecção. Entretanto, acrescentaram que, com tal discurso, esses sujeitos, na
verdade, ocultam a sensação de alcance do objetivo de autodestruição e morte, muito
buscado por intermédio do uso da droga (MACHADO et al., 1996; NETO,
VILLWOCK & WIEHE, 1996).
45
Holmes & Pace (2002) argumentaram que, paradoxalmente, esses indivíduos
têm convicções otimistas acerca de suas expectativas de vida e são menos aderentes à
prática sexual protegida, como se buscassem a morte ironicamente.
3.4.5 Peculiaridades da infecção pelo HIV na mulher.
Segundo Cabral (1997), entre a feminilidade necessariamente vinculada à
maternidade, culturalmente construída nos séculos XVIII e XIX a interesses de estado e
de capital, e a feminilidade moderna, na qual a maternidade não é mais condição
essencial para essa afirmação, surge a infecção pelo HIV, intensificando o conflito dessa
transição. Baseado na idéia desse autor, essa intensificação acontece em um momento
crítico do desenvolvimento social da humanidade, no qual se previa a consolidação da
mulher como ser intelectual, produtivo e independente, além dos limites domésticos e
maternais.
Esse pesquisador deu a entender que, a maioria das mulheres infectadas pelo
HIV advém de classes sociais desfavorecidas, nas quais o valor doméstico-maternal
ainda persiste enraizado na identificação do feminino e se mantém como um fator de
compensação de outros sofrimentos. Acrescentou que a maternidade, principalmente
nessas classes, representa um futuro para a mulher e é uma fonte de energia para que ela
possa enfrentar diversas frustrações. Nesse caso, ainda segundo as idéias do citado
autor, o significado existencial da infecção pelo HIV, ao adicionar uma suposta
obstrução à possibilidade de uma gravidez e uma concepção saudáveis, obnubila a
percepção de futuro dessas mulheres, subtraindo delas uma rie de representações
ligadas ao que significa, para elas próprias, ser mulher na estrutura social e familiar em
que existem. Essa perda de significado dissipa as energias de muitas mulheres,
desmotivando-as de enfrentar uma série de dificuldades (CABRAL, 1997).
Além disso, para alguns estudiosos, o tema da morte está sempre vinculado à
infecção pelo HIV no discurso feminino. A limitação imaginária da possibilidade de
engravidar traz a morte para mais perto ainda, agudizando o sentimento do medo, pois,
de acordo com Cabral (op. cit.); Paiva (2000), é na maternidade que essas mulheres
buscam a esperança e a força que precisam para o enfrentamento do significado da sua
infecção pelo HIV. Para esses autores, tal esperança é importante para a aderência ao
tratamento antiretroviral. Sob o pretexto de cuidar dos filhos, muitas mulheres adotam
uma postura mais cuidadosa com a própria saúde. Elas percebem que o
46
comprometimento da sua saúde tira-lhes a condição de proteger sua prole (Idem).
Os estudos mostraram também, que, no contexto comportamental das mulheres,
a fidelidade e a solidariedade conjugal têm muita importância. Funcionam como
componentes estruturais de uma família convencional, na qual o feminino é
culturalmente valorizado. A possibilidade de não conseguirem conquistar ou manter
uma relação fiel e solidária devido à infecção pelo HIV, leva as mulheres infectadas a
desenvolverem um sentimento de culpa por serem portadoras desse vírus (CABRAL,
1997; RUSSELL & SMITH, 1999; SANTIAGO, 1998).
Vários pesquisadores mostraram que, ao assumirem seu papel para o equilíbrio
familiar e, conseqüentemente, social, as mulheres se submetem mais resignadamente ao
sofrimento íntimo em favor da preservação dos que estão à sua volta, especialmente
esposo e filhos. Assim, segundo alguns autores, na maioria das vezes, elas reagem com
menor apreensão, maior capacidade de assimilação da situação e menos medo de
contágio. Suportam mais as frustrações, irritam-se menos, ajustam-se melhor e mais
serenamente, demonstrando maior autoconhecimento e melhor autocontrole do que os
homens. Porém, vivenciam mais intensamente a depressão. Os estudiosos acreditam
que, freqüentemente, essa reação resulta em atraso na busca de recurso médico, mesmo
após saber que está infectada pelo HIV; exceto no contexto de uma gravidez, em que a
atitude maternal de proteção ao filho motiva a procura por assistência e a aderência ao
tratamento antiretroviral. É provável, segundo alguns estudos, que esse conjunto de
atitudes ocorre, não por ser uma característica do feminino, mas, principalmente, por
refletir o modelo de submissão social imposto às mulheres e o papel da maternidade em
embelezar este modelo, que, por muitas delas, é culturalmente incorporado. (ALVES et
al., 2002; CABRAL, 1997; MACHADO et al., 1996; RAVEIS, SIEGEL & GOREY,
1998).
Contudo, para manter essa postura, conforme indicaram alguns autores, a mulher
tenta se proteger por meio dos mais variados mecanismos de negação da realidade,
buscando compensações para suportar esse modo de viver. Assim, ela se defende do
estresse e de suas conseqüências orgânicas e mentais, prejudicando a integração de sua
personalidade e a sua qualidade de vida (ABDUCH, 1997; ALVES et al., op. cit.;
SARNA et al., 1999).
Vários estudiosos consideram que a família é o sistema de suporte mais
importante que temos nos momentos de crise ou adoecimento. Sistema que nem sempre
está disponível ao indivíduo infectado pelo HIV. Principalmente porque, em muitas das
47
vezes, o estigma dessa situação atinge a todos os membros da família. Contudo, as
mulheres, mesmo tendo que suportar o fardo do papel feminino no contexto estrutural
familiar, agora mais pesado pela representação da infecção pelo HIV, sentem-se
beneficiadas por esse sistema, pois, nele, encontram um reforço para persistirem nesse
papel de pilar, por meio do qual podem se auto-afirmar existencialmente. (FERRAZ &
STEFANELLI, 2001; MACHADO et al., 1996; SANTIAGO, 1998; SOUSA et al.,
2000).
Portanto, os estudos apontam que o medo do abandono familiar e social
relacionado à infecção pelo HIV tem, para as mulheres, uma dimensão mais ampla e
mais profundamente ameaçadora à existência do que para os homens. De acordo com
Alves et. al (2002), o poder de negociação e o modelo social de dependência da mulher,
em relação ao homem, estão em posição de desvantagem na nossa sociedade.
Traduzindo o que os autores disseram, em outra linguagem, é possível que uma mulher
que viva sozinha, sem um companheiro(a), seja vista como uma pessoa que,
provavelmente, foi recusada; um homem, na mesma condição, pode ser visto como em
estado de escolha, que ele muda quando quiser.
Conforme idéias postas por vários autores, se a infecção pelo HIV remete o
indivíduo à condição de oprimido, quiçá a gravidade desse fenômeno em se tratando de
um gênero culturalmente estabelecido nesta condição, como é o caso da mulher!
(ALVES et al., 2002; RUSSELL & SMITH, 1999; SANTIAGO, 1998).
A esse respeito, Cardoso & Arruda (2004) assinalaram que o enfrentamento da
infecção pelo HIV é mais difícil para as mulheres, também, porque, culturalmente, elas
cuidam mais do que são cuidadas, dão mais apoio do que recebem e toleram mais do
que são toleradas.
3.4.6 O HIV e a AIDS no seio da família.
Figueiredo & Coelho (1996) argumentaram que uma atitude encontrada entre o
parentesco próximo de indivíduos infectados pelo HIV é a busca da espiritualidade,
comum ao sentimento do luto. Esses pesquisadores identificaram também, um efeito
desagregador da estrutura familiar.
Para outros autores, o indivíduo infectado tende a valorizar mais as relações
familiares, das quais procura se aproximar em busca de apoio. Porém, sente medo de ser
segregado pelos próprios parentes, e do que poderia significar, para sua família, ter se
48
infectado pelo HIV. Em alguns casos, a família apóia o portador do HIV. Entretanto,
também familiares que discriminam, abandonam e expressam preconceito contra seu
ente portador desse vírus (FERRAZ & STEFANELLI, 2001; SANTIAGO, 1998).
Os estudos mostraram que as pessoas que recebem um diagnóstico de infecção
pelo HIV, e que têm história de comportamento considerado anticultural, a exemplo da
homossexualidade e da toxicomania, sentem aumentar a repressão familiar que
sofrem devido à sua orientação. Isso ocorre muitas vezes por intermédio de uma
atmosfera punitiva presente no contexto da reafirmação de conceitos (FERRAZ &
STEFANELLI, op. cit.; SOUZA & VIETTA, 1999).
Por outro lado, alguns autores assinalaram que há uma preocupação do infectado
em proteger sua família do sofrimento que sua situação pode representar, evitando
comunicar sua condição a seus parentes, a despeito do apoio que poderia receber. De
acordo com outros estudos, o portador do HIV consegue perceber que o estigma social
de que é vítima é compartilhado por sua família, que também se torna estigmatizada.
Além disso, os pesquisadores argumentaram que a instabilidade emocional de quem
convive com a ronda da morte transcende ao ambiente familiar. (FERRAZ &
STEFANELLI, op. cit.; LETRAIT & WELNIARZ, 2001; MENEGHIN, 1996; SOUSA
et al., 2000; SUESSER, 2001).
Várias pesquisas revelaram que, os mesmos sentimentos de sofrimento,
desespero, insegurança, medo, depressão, ansiedade, estresse, etc., vivenciado pelo
indivíduo infectado pelo HIV, são também vivenciados pela sua família de maneira
muito semelhante. Esses sentimentos, por sua vez, podem ser causa de conflitos
interpessoais no ambiente familiar (PEDROMÔNICO, 2000; SOUSA et al., 2000;
VIGNALE & CALANDRIA, 1999).
Segundo outros estudos, em muitos casos a família se diante da inesperada e
indesejada ruptura de seus valores morais, éticos, culturais e tradicionais, fragmentando-
se sua identidade cultural. Os pesquisadores acreditam que, para muitas famílias, essa
fragmentação tem o sentido da própria morte ou do fim da sua genealogia. Entretanto,
de acordo com a literatura, a depender do conteúdo existencial e da integridade da
personalidade de cada seio familiar, esta é uma grande oportunidade para se construir
um ambiente mais saudável e mais maduro em seu interior (SANTIAGO, 1998;
SOUSA et al., op. cit.).
49
3.4.7 O HIV e a AIDS na comunidade.
Parte da literatura assinalou que o surgimento do HIV e da AIDS desencadeou
um estresse coletivo em todo o mundo, independentemente dos aspectos sócio-culturais
ou econômicos. As abordagens epidemiológicas e médicas em torno deste agravo
avançaram mais rapidamente do que a capacidade social de acompanhá-las, deixando a
sociedade, de certa forma, desorientada no contexto dessa turbulência (VIGNALE &
CALANDRIA, 1999).
Para alguns autores, a AIDS parte de um princípio biológico, avança por
caminhos epidemiológicos, cruza a fronteira ideológica e transcende fenômenos e
relações individuais e sociais de toda ordem existente. Especialmente porque envolve
temas polêmicos como o sexo e a morte (BASTOS & BARCELLOS, 1995; CRUZ,
1999; GUIMARÃES & FERRAZ, 2001; SOARES, 1998).
Segundo os estudiosos, a resposta emocional que mais intensamente se definiu
no sentimento coletivo em relação à AIDS, foi o medo da contaminação pelo HIV.
Argumentaram que isto se deu devido à identificação desta com a perda da integridade
física e da própria vida. Associado à ignorância e ao preconceito, surgiu o “sentimento
de impotência e insegurança como o espectro de desespero contemporâneo”
(MENEGHIN, 1996, p. 400).
De acordo com vários pesquisadores, ao vincular a infecção pelo HIV a
transgressões comportamentais, esse cenário adquiriu um tom stico, no sentido de
que tal infecção pode representar um justo castigo a um pecador. Os autores destacaram
que essa percepção, na atualidade, é mais arraigada entre idosos, os quais tendem a ser
mais conservadores em relação a minorias comportamentais e a comportamentos
emergentes. (FIGUEIREDO & MARCOS, 1997; FRANÇA, 2000; MENEGHIN, 1996;
SANTIAGO, 1998; SOARES, 1998).
Tomando como base as pesquisas de Guimarães & Ferraz (2001); Souto
(2004a), o risco, em outras epidemias, geralmente é um fator sobre o qual o indivíduo
tem controle limitado. A probabilidade da pessoa ser afetada pela doença, pode ser
justificada pela fatalidade ou condicionantes sócio-políticos e ambientais. A infecção
pelo HIV, segundo esses autores, pode ser negociada entre o indivíduo infectado e o não
infectado, de modo que a escolha e a atitude da pessoa podem influenciar o risco dela
ser atingida pela epidemia. O que há de cio-político ou ambiental aqui, segundo as
pesquisas, é no que isto influencia ou determina a tomada de atitude por parte do
50
indivíduo, como o acesso à educação e às oportunidades sociais, assim como a sua
compreensão de cidadania, justiça e convívio democrático. Configura-se, neste caso, o
conceito de vulnerabilidade, utilizado na abordagem epidemiológica da infecção pelo
HIV, diferente do conceito de risco. Aqui, variáveis ambientais, sócio-culturais,
políticas e individuais interagem na determinação da probabilidade da pessoa se infectar
(Idem).
Os estudos assinalaram também, que, nas representações sociais da infecção
pelo HIV, aparecem, com freqüência, atitudes de base teleológica, com significativo
apelo religioso. Em geral, essas representações são compartilhadas por pessoas que
convivem com indivíduos infectados. No conteúdo dessas representações, alguns
autores identificaram tanto a intolerância quanto o perdão, envolvendo purificação ou
acolhimento de ordem divina. Na maioria das vezes, essas representações apareceram
como explicações e justificativas racionalizadas para o fenômeno, e, de certa forma,
foram influenciadas por manifestações oficiais de ocupantes de elevados escalões da
hierarquia religiosa, as quais aconteceram em vários momentos da história em que esse
tipo de construção social foi oportuno (FIGUEIREDO & COELHO, 1996;
FIGUEIREDO & MARCOS, 1997; GUIMARÃES & FERRAZ, 2001).
Em suma, os estudos mostraram que essas representações com base no mistério,
na punição e na morte, produzem um medo que atinge a intensidade do irracional,
percebido como oriundo de uma provocação externa, o qual é sentido como superior à
capacidade do indivíduo de se defender ou de se adaptar. Isto acaba por fazer do
HIV/AIDS algo que, independentemente do seu conteúdo metafísico ou ideológico,
deve, a princípio, ser repudiado por todos (COBB & DE-CHABERT, 2002;
MENEGHIN, 1996; SANTIAGO, 1998; SOARES, 1998). De acordo com Daniel
(1994); Parker et al. (1994), essas observações nos mostram como a AIDS se construiu
socialmente, até mesmo antes de se tornar uma epidemia de importância estatística.
Há, assim, uma representação social da AIDS, que, para Cardoso & Arruda
(2004) foi formada com o objetivo de dar sentido à estranha e ameaçadora novidade
chamada HIV/AIDS, para que possamos compreendê-la. Tal compreensão pôde ser
alcançada a partir da sua ancoragem no pensamento social pré-estabelecido, o qual
associou a infecção pelo HIV ao indesejável. A partir da sua objetivação, transformou
esta infecção em um objeto contra o qual é preciso lutar.
Segundo as idéias de França (2000); Sanches (2000), e com base em conceitos
postos por Winnicott (1994), o processo sobre o qual se construiu essa representação
51
social da AIDS é uma tentativa coletiva de dominá-la e submeter os portadores do HIV,
no sentido de não permitir que interfiram no padrão de normalidade da sociedade para
que esta continue como sempre.
Outros estudos mostraram que os efeitos da AIDS na vida coletiva pressupõem
conhecer o conteúdo das representações sociais construídas sobre este agravo.
Esclareceu-se que isso se impõe porque tais representações levam as pessoas a adotarem
precauções exageradas contra a infecção pelo HIV, muitas vezes de forma escamoteada,
incluindo atitudes de rejeição, abandono, segregação e discriminação, prejudicando a
qualidade de vida não do infectado, mas também de si próprias. Os pesquisadores
acreditam que, no âmbito dessas representações, o indivíduo infectado pelo HIV passa a
ser visto como o próprio HIV encarnado ameaçando a comunidade. Em alguns casos,
tais representações podem fazer com que alguns indivíduos adotem atitudes
homofóbicas. (FERRAZ & STEFANELLI, 2001; FIGUEIREDO & COELHO, 1996;
MENEGHIN, 1996; VIGNALE & CALANDRIA, 1999).
Alguns estudiosos assinalaram o caráter paradoxal dessas representações. Ao
mesmo tempo em que aumentam o receio dos indivíduos se contaminarem, os conduz a
negligenciar seu próprio comportamento de risco. Outros estudos indicaram que o fato
das representações sociais da AIDS terem, no início da pandemia, vinculado a doença a
comportamentos transgressores, criou nos indivíduos que não se aderem a tais
comportamentos, a crença de que não possuem pré-requisitos para se candidatarem à
infecção pelo HIV, admitindo-se invulneráveis. Talvez essa atitude tenha representado a
negação daquilo que amedrontava, pois, alguns pesquisadores mostraram que,
indivíduos que se julgavam invulneráveis expressaram medo quando convidados a se
submeter a um teste sorológico para o diagnóstico da infecção pelo HIV (FIGUEIREDO
& MARCOS, 1997; MARGULLES, 1998; MENEGHIN, 1996).
Soares (1998) argumentou que, de certa forma, as pessoas incorporaram a
existência da AIDS nessa fase pós-pânico, no plano da opinião coletiva, apesar da
continuidade de sua propagação. Entretanto, tal incorporação foi notada precocemente,
uma vez que resultou do intenso bombardeio de informações provocado pela mídia.
Dessa forma, para esse autor, foi possível justificar e entender a configuração atual do
HIV/AIDS sob o revestimento de resistências e preconceitos por parte da sociedade, em
que o nível de escolarização parece não ter muito significado nessa determinação.
Ainda de acordo com esse mesmo pesquisador, o HIV/AIDS foi construído no
imaginário coletivo a partir dos diversos discursos produzidos sobre o tema, sejam os de
52
ordem religiosa, científica, ética, política, social ou estatal, os quais foram difundidos
pelos mais variados meios de comunicação (SOARES, 1998).
Alguns autores relataram que, devido a isso, a infecção pelo HIV se associou a
temas filosóficos, psicológicos, humanitários, etc., nos quais a marca “aidético” ficou
definida como algo que distingue os infectados dos normais, os sadios dos doentes, os
tocáveis dos intocáveis, os pecadores dos devotos, os cidadãos dos marginais, os
honestos dos contraventores ou os aceitos dos degredados. Portanto, segundo Soares
(op. cit.), anunciar que alguém está infectado pelo HIV soa como uma acusação que
pressupõe uma culpa e uma necessidade de punição. Para evitar a punição é preciso que
o acusado prove sua inocência: - Vocês estão dizendo que tenho AIDS? Eu faço o teste e
provo que estou limpo! (GUIMARÃES & FERRAZ, 2001; SOARES, op. cit.).
Ainda de acordo com as idéias de Soares (op. cit.), com a AIDS, restaurou-se o
confronto entre o bom e o mau, onde o mau expressa uma força invencível, mas o bom
é obstinado e não desiste da luta. Segundo as idéias desse autor, o mau é aquele que
produz e reproduz a AIDS, e o bom é aquele que se opõe a ela e ao mau. Traduzindo
essa observação da literatura em outra linguagem, nesse confronto entre o bom e o mau,
ninguém melhor que o discurso religioso, no seu modelo tradicional e preconceituoso,
para impregnar o imaginário coletivo; especialmente a partir do momento em que a
mulher começou a aparecer como elemento de risco e periculosidade para a infecção
pelo HIV no processo de feminilização da epidemia: a Eva que se deixou seduzir pelo
demônio e desgraçou a existência de Adão e da humanidade, agora está de volta pela
mesma via do pecado!
Foi nesse ambiente que, segundo França (2000, p. 493), aflorou o estigma, ou
seja, aquela “ideologia que busca explicar a inferioridade do outro e mostrar o perigo
que representa para justificar sua marginalização”.
Falando em estigma, Mayers & Svartberg (2001) lembraram de uma observação
feita por Sontag (1989) de que os indivíduos não infectados pelo HIV recuam do
infectado por duas razões: primeiro, porque eles temem contaminação; segundo, porque
eles podem estar numa atitude de não enfrentar os próprios sentimentos de
vulnerabilidade em relação à enfermidade e as representações da morte que a pessoa
infectada pelo HIV desperta nos não infectados. Por conseguinte, rejeitam o infectado
ou, até mesmo, ficam abertamente hostis para manter os próprios sentimentos à
distância (SONTAG, op. cit.).
Não obstante, Sanches (2000, p. 26) conceituou a AIDS em social, mental e
53
orgânica, de modo que:
a) a AIDS social é definida como um “conjunto de representações sociais e
posturas respectivamente discriminatórias” contra o infectado e contra a
infecção pelo HIV;
b) a AIDS orgânica é definida pelos aspectos biológicos da infecção pelo HIV e
concorre, na mesma pessoa, com a AIDS social;
c) ambas dão sentido e origem à AIDS mental, a qual é caracterizada pela
“intensa angústia, ligada a fantasias de exclusão, degradação e morte”.
A AIDS mental é, portanto, um fenômeno que ocorre no plano individual, mas
tem suas raízes no pensamento social e nos significados e representações do
adoecimento físico.
Aproveitando observações feitas por Czeresnia (1997) a respeito de outras
epidemias, o conflito entre a AIDS mental e a AIDS social associou o tema da desgraça,
ao da dor, sofrimento e necessidade de compaixão. Conseqüentemente, conforme
assinalado por Soares (1998), surgiram as organizações sociais de defesa dos interesses
dos portadores do HIV, o discurso do estado regulamentando as relações e a intervenção
sobre esse assunto, o discurso social sobre a moral sexual definindo culpas e
responsabilidades, e o discurso científico salvador, superador do obstáculo e dominador
da natureza.
De acordo com vários autores, em resistência a esse cenário, e em busca da
correnteza contra-cultural persistentemente marginalizada, emergiram organizações
comunitárias contestando a segregação do portador do HIV, a ponto de fazer grande
parte da sociedade reavaliar sua atitude diante deste. Criou-se, assim, um espaço de
tolerância, compreensão, afetividade e apoio aos indivíduos infectados pelo HIV, porém
ainda em posição de desvantagem em relação à representação do estigma
(GUIMARÃES e FERRAZ, 2001; SANTOS, 2002; SOARES, 1998).
3.4.8 O HIV e a AIDS na visão dos profissionais de saúde.
Outro aspecto importante, assinalado pelos estudiosos, diz respeito ao medo dos
profissionais de saúde de contraírem o HIV em função da atividade que exercem.
Porém, os estudos mostraram que os médicos que cuidam de portadores desse vírus não
têm esse medo. Entretanto, a abordagem da AIDS é desconfortável para esses
profissionais, uma vez que os coloca diante de tabus de uma sociedade da qual fazem
54
parte, ou envolve questões relacionadas à iatrogenia médica; especialmente quando
diante de um paciente que tenha adquirido o HIV devido ao uso de hemoderivados
(CAMARGO JR., 1994; MALBERGIER & STEMPLIUK, 1997).
Dito de outra forma, além de por o médico diante dos seus próprios
preconceitos, o HIV também o deixa numa condição de impotência diante daquilo
contra o qual ele mais luta: a morte. Muitas vezes, esse sentimento leva à ansiedade, não
no trabalho, mas também na vida particular. De acordo com alguns pesquisadores,
isso pode fazer com que alguns médicos relutem em atender pacientes infectados pelo
HIV, a despeito de que, para outros, esse objeto de estresse possa representar um
desafio diante do qual o médico possa buscar auto-afirmação pessoal e profissional
(MALBERGIER & STEMPLIUK, op. cit.; WICKRAMASURIYA, 1995).
Importantes estudos identificaram, também, um sentimento homofóbico e
negativista em relação ao indivíduo infectado pelo HIV entre alguns profissionais de
saúde, semelhante ao que se via por parte de leigos (O’ROURKE, 2001; VALLEJO
AGUILAR et al., 1995; WICKRAMASURIYA, 1995).
Devido a esse sentimento, alguns pesquisadores destacaram a presença do
estigma em atendimentos que alguns médicos, e também assistentes sociais, prestam a
pacientes infectados pelo HIV (COBB &DE-CHABERT, 2002; SCARAVINO,
PACHECO & ABDO, 2000).
Apesar desses conflitos do médico em relação aos pacientes infectados pelo
HIV, alguns autores observaram que muitos desses profissionais desenvolveram uma
interessante percepção de que é necessário abordar adequadamente os aspectos psico-
sociais de tais pacientes durante a assistência médica (FIGUEIREDO & MARCOS,
1997; MALBERGIER & STEMPLIUK, 1997).
Vale ressaltar, por ora, o encontro de vários relatos na literatura mostrando que a
representação da infecção pelo HIV trouxe prejuízos e dificuldades à relação médico-
paciente. (MALBERGIER & STEMPLIUK, op. cit.; MALTA et al., 2005;
OJASCASTRO, 2000). Esse prejuízo, segundo idéias de Malta et al. (op. cit.), pode
comprometer a construção da observância do paciente ao tratamento antiretroviral.
Os estudos mostraram, ainda, que, quanto ao profissional de enfermagem,
uma maior proporção de atitudes preconceituosas e desinformadas, além do medo de se
infectar e da morte. Como alguns médicos, há também profissionais de enfermagem que
se recusam a atender pacientes infectados pelo HIV (FRANÇA, 2000; MALBERGIER
& STEMPLIUK, op. cit.; NURSING TIMES, 1999).
55
De acordo com as pesquisas, os efeitos dessa postura estigmatizante, por parte
de profissionais de enfermagem, fizeram aparecer atitudes de desvalorização da
consciência do paciente, por meio de relações inquietas, autoritárias, veladamente
agressivas, passíveis de provocar uma iatrogenia psicológica. Por outro lado, o
profissional informado além dos aspectos técnicos, ou sensível à problemática da
estigmatização, seja médico ou da área de enfermagem, teve uma conduta mais
compassiva e tecnicamente mais adequada em relação ao paciente infectado pelo HIV
(FRANÇA, 2000; KASTEN, 2002; WU et al. et al., 2002).
Ainda no âmbito dos profissionais de enfermagem, França (op. cit.) observou
que a mobilização destes, no sentido da superação do conflito relacionado aos pacientes
infectados pelo HIV, pode levá-los a adotar disfarces e ocultação de sentimentos na
tentativa de racionalizar suas condutas.
Em relação à postura dos cirurgiões-dentistas, as pesquisas mostraram que a
atitude desses profissionais é diferente daquela adotada por médicos e trabalhadores de
enfermagem. Eles agem com maior empatia e menos negativismo em relação ao
paciente infectado pelo HIV (SEOANE et al., 2002; WILTSHIRE, ROSS &
BRIMLOW, 2002).
Entretanto, os estudos assinalaram que a relação dos profissionais de saúde com
o paciente portador do HIV tem modificado a partir do surgimento da terapia
antiretroviral de alta potência. Esses profissionais relataram uma redução do estresse
derivado da sua ocupação de cuidar de tais pacientes. De acordo com alguns autores, o
estresse vem sendo compensado pela compaixão, pelo sentimento de auto-efetividade e
pela gratificação que tais cuidadores passaram a sentir por intermédio do
desenvolvimento de suas atividades, apesar de ainda se aperceberem sob uma
constelação de incertezas acerca do futuro do HIV e da AIDS (DEMMER, 2002;
GERBERT et al., 2000).
3.5 O SER INFECTADO PELO HIV E A VIDA SOB TRATAMENTO
ANTIRETROVIRAL: IMPLICAÇÕES SOBRE A ADERÊNCIA
TERAPÊUTICA.
Vitória (2004 p. 1) comentou que:
[...] “adesãoao tratamento deve ser visto como uma atividade conjunta na
qual o paciente não apenas obedece as orientações médicas, mas entende,
56
concorda e segue a prescrição estabelecida pelo seu médico. Significa que
deve existir uma “aliança terapêutica” entre médico e paciente, na qual são
reconhecidas não apenas a responsabilidade específica de cada um no
processo, mas também de todos que estão envolvidos (direta ou
indiretamente) no tratamento.
Contudo, essa obediência e concordância, apesar de terem sido descritas pelo
autor como sendo resultantes de uma “atividade conjunta”, na verdade apareceram
como se fossem imposições do médico sobre o paciente. Uma relação médico-paciente
com esse formato pode ser vulnerável a rupturas que, se acontecerem, poderão
comprometer a aderência do paciente ao tratamento antiretroviral.
Considerando a importância que Vitória (2004) atribuiu ao pacto entre o médico
e seu paciente para a aderência à terapia antiretroviral, procurarei, na presente tese,
analisar o conjunto de significados, valores e representações que, se compreendidos,
poder apoiar esse pacto. Para tanto, como se verá mais adiante, focalizarei os
significados que as pessoas infectadas pelo HIV atribuem ao tratamento, os quais têm
pouco a ver com obediência e concordância passivas em relação ao mesmo.
Um bom número de estudos ajudou-me a compreender que, uma análise efetiva
das representações do tratamento antiretroviral depende de uma melhor explicação de
alguns conceitos. Dentre esses, ressalto na presente revisão, o conceito de intolerância
afetiva.
A intolerância afetiva foi definida pelos pesquisadores como sendo aquela
atitude negativista do indivíduo frente ao que lhe acontece e ao que precisa enfrentar.
Atitude característica de pessoas que observam aspectos ruins em quase tudo, sem
conseguir perceber o lado positivo dos fenômenos e das coisas. Segundo os estudiosos,
um deprimido: aquele indivíduo que, diante de um antiretroviral, sofre com o tamanho
inadequado e a quantidade exagerada do medicamento, reclama do gosto desagradável,
sente-o como algo tóxico e perigoso à sua saúde, não gosta da cor do comprimido e
predispõe-se emocionalmente aos efeitos indesejáveis do tratamento. Trata-se, portanto,
de um sujeito que valoriza os aspectos maléficos do medicamento, sobre os aspectos
benéficos, subsistindo em constante conflito no contexto da sua convivência com o
tratamento antiretroviral, e atribui muitos dos seus males ao uso da medicação
(BRASIL, 2003; PINHEIRO et al., 2002).
Vários autores comentaram que o padrão de concessão da pessoa a tais
inconvenientes, e a adaptação do serviço assistencial aos padrões de comportamento do
paciente, podem interferir sobre a aderência ao tratamento antiretroviral. À capacidade
57
de ajuste entre o paciente e a assistência, a interesse do tratamento farmacológico, os
pesquisadores denominaram de complacência à prescrição. Consideraram, ainda, que
essa complacência é dependente do nível de informação do paciente e da aproximação
entre este e a assistência. Sendo assim, os autores acreditam que essa complacência tem
significativa influência sobre a qualidade de vida do sujeito e seu perfil de aderência
terapêutica, e precisa fundamentar-se no suporte educacional, compreensão sócio-
econômica e interação da assistência com o contexto existencial do paciente
(BERGMANN, DOHIN & JUILLET, 2002; LUTFEY & WISHNER, 1999).
Desse modo, os estudos concordaram que os conflitos surgidos no momento do
tratamento antiretroviral têm implicações sobre a aderência terapêutica. Dentre esses, a
ansiedade vivida pelos indivíduos que precisam do tratamento, relacionada à
necessidade que sentem de esconder sua condição de portador do HIV e os fármacos
que usam. Isso faz com que as pessoas adotem comportamentos e atitudes estratégicas
de isolamento na hora de tomar os remédios. Segundo os pesquisadores, este é um
aspecto que dificulta a adesão terapêutica e induz à negligência e erros na utilização dos
medicamentos (BRASIL, 2003; BRASIL, 2004).
Ainda conforme alguns estudos, outra implicação da aderência terapêutica se
refere ao impacto do tratamento no corpo e na aparência do paciente. A esse respeito,
alguns autores mostraram que a lipodistrofia, um efeito resultante do uso prolongado de
algumas classes de antiretrovirais sobre a distribuição de massa magra em relação à
massa gorda corporal, traz notável deformidade estética à aparência física do indivíduo.
De acordo com os pesquisadores, isso leva a um importante impacto psicológico, tanto
em relação ao convívio da pessoa com a sua nova conformação física, quanto em
relação à cobrança alheia sobre essa modificação vista no indivíduo. Os estudiosos
consideraram que esse impacto pode ser tão significativo a ponto de desestimular um
indivíduo aderente à terapêutica a manter seu tratamento: “- Eu decidi tomar remédio
contra AIDS para não ficar com cara de aidético; agora eu estou com cara de aidético
justamente porque tomei remédio contra AIDS” (MARTINEZ et al., 2001;
MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2002).
Um outro aspecto foi levantado por Leite et al. (2002) quando sugeriram que o
principal fator na determinação do indivíduo pela adesão ou não adesão ao tratamento
antiretroviral é intrínseco à própria personalidade do paciente, a qual determina seu
padrão geral de comportamento, inclusive em relação à preservação da sua saúde. Esses
autores buscaram sustentação nos conceitos de Brandura (1986, 1977, 1991, 1992,
58
1995a, 1995b, 1997) sobre a “expectativa de auto-eficácia”, a qual depende da
personalidade.
Segundo os pesquisadores, quando elevada, a “expectativa de auto-eficácia”
estimula o indivíduo a estabelecer projetos racionais para a superação de obstáculos
com fins ao alcance de metas específicas. Uma dessas metas pode ser a adesão ao
tratamento antiretroviral. Para isto, a pessoa lança mão de instrumentos psicológicos,
por meio dos quais seleciona atividades e ambientes facilitadores da sua intenção,
desenvolve processos afetivos contendores de angústias e ansiedades e define valores e
significados que lhe servem de motivadores para buscar sua meta (BRANDURA, op.
cit.; LEITE et al., 2002).
Tal atitude resulta de uma “convicção de eficácia pessoal”, construída a partir da
interação entre as experiências prévias em relação ao “domínio pessoal do
desempenho”, os exemplos sociais, os incentivos externos, a emotividade e a
circunstância fisiológica do próprio indivíduo (BRANDURA, 1986, 1977, 1991, 1992,
1995a, 1995b, 1997; LEITE et al., 2002).
Os autores argumentaram que essa convicção, portanto, não é inata, mas,
estruturada ao longo da vida. Além disso, pode variar sua forma e intensidade, no
decorrer da existência da pessoa, a depender da acumulação e da interação das suas
fontes, e do momento em que esse processo se encontra (BRANDURA, op. cit.; LEITE
et al., op. cit.).
Sendo assim, Leite et al. (op. cit.) argumentaram que indivíduos com baixa auto-
eficácia podem ter dificuldades frente à aderência terapêutica antiretroviral,
contrariamente àqueles que sentem elevada auto-eficácia, e que, por isso, o perfil de
adesão à terapia pode oscilar ao longo da existência da pessoa.
Segundo o mesmo autor acima, e também Schönnesson (2000), por degenerar a
auto-eficácia do sujeito, a depressão prejudica a aderência ao tratamento antiretroviral.
Entretanto, Vasconcellos et al. (2003), mesmo reconhecendo a persistente
presença da depressão na vida da pessoa infectada pelo HIV, comentaram que essa
alteração foi significativa no sentido de dificultar a aderência ao tratamento
antiretroviral quando não compensada por mecanismos adaptativos alternativos.
Esse conjunto de considerações encontrou interessante síntese no trabalho de
Cardoso & Arruda (2004), por meio do qual essas autoras detectaram diferentes formas
de enfrentamento da infecção pelo HIV e de enfrentamento da necessidade de aderência
59
ao tratamento antiretroviral, as quais dependeram dos mecanismos que as pessoas
adotaram para compensar seus conflitos.
Utilizando-se da teoria das representações sociais, as pesquisadoras
argumentaram que os pacientes que assimilaram predominantemente os aspectos
positivos da infecção pelo HIV, em relação aos aspectos negativos, foram mais
aderentes ao tratamento antiretroviral (CARDOSO & ARRUDA, op. cit.).
60
4 MATERIAL E MÉTODOS
4.1 O LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO.
A partir do sistema Biblioteca Regional de Medicina (BIREME), alcancei as
bases de dados do MEDlars onLINE Literatura Internacional (MEDLINE) e Literatura
Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), por meio das quais
providenciei levantamento de artigos originais e de revisão, teses, dissertações e ensaios
em inglês, português, espanhol e francês, compreendendo o período de 1989 a 2005.
Explorei também outros textos despertados por leituras informais, visitas a livrarias e
comunicações eletrônicas que fiz entre os anos de 2003 e 2006.
Fixei o foco do levantamento bibliográfico sobre:
a) a história, epidemiologia e terapêutica do HIV/AIDS;
b) a problemática da adesão ao tratamento antiretroviral e da assistência a
pessoas infectadas pelo HIV;
c) os aspectos psicológicos, psiquiátricos, psicanalíticos, sociais, sexuais, filo-
sóficos, político-ideológicos, existenciais e epistemológicos relativos a
pessoas que convivem com o HIV e com a terapia antiretroviral;
d) as teorias vigentes relativas ao ser e a existência (especialmente a psicanálise,
a fenomenologia, a psicologia humanista e a filosofia existencialista);
e) os métodos e modelos de pesquisa qualitativa envolvendo o objeto desta tese.
4.2 OS ASPECTOS ÉTICOS E O LOCAL DA PESQUISA.
Submeti o projeto que deu origem a este trabalho à apreciação do Comitê de
Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (COEP/UFMG), que, após
avaliá-lo e aperfeiçoá-lo a partir das considerações de sua competência, aprovou-o em
12 de abril de 2004, juntamente com o respectivo termo de consentimento livre e
esclarecido (APÊNDICE A) conforme resolução 196/96 do Conselho Nacional de
Saúde. Essa decisão foi documentada pelo Parecer ETIC 015/04 (ANEXO ÚNICO).
Em 30 de abril de 2004, comecei o trabalho de campo no ambulatório do Serviço
de Assistência Especializada em HIV/AIDS do Centro de Promoção da Saúde de
Conselheiro Lafaiete, MG (CPS), órgão da respectiva Secretaria Municipal da Saúde.
61
Tendo iniciado suas atividades em dezembro de 1999, o ambulatório de
HIV/AIDS do CPS acumulou, até 31 de julho de 2004, cento e vinte e dois pacientes
soro-reagentes ao HIV, dos quais vinte já haviam falecido e doze tinham sido
transferidos para continuar sua assistência em outros serviços.
A demanda desse ambulatório tem origem na referência de pacientes para
tratamento e/ou orientações, na busca ativa provocada pelo sistema local de vigilância
epidemiológica, na transferência de pacientes de outros serviços especializados e na
procura espontânea de pessoas por testagem sorológica e/ou aconselhamento sobre o
HIV e a AIDS.
O CPS abriga os ambulatórios micro-regionais especializados em tuberculose,
hanseníase, HIV/AIDS, acidentes ocupacionais com material biológico, violência sexual
e drepanocitose, o ambulatório macro-regional de hepatites virais crônicas e o
ambulatório municipal de pré-natal de alto-risco.
Conselheiro Lafaiete fica 100km ao sul de Belo Horizonte pela rodovia BR 040,
que liga a capital mineira à cidade do Rio de Janeiro (FIG. 2), e contava, em 2000, com
102417 habitantes (IBGE, 2002).
É um pólo de referência micro-regional (região do Alto Paraopeba FIG. 3)
para mais dezenove outros municípios menores, cujo conjunto somava, no mesmo ano,
288231 residentes (Idem).
62
Figura 2 - Localização geográfica da micro-região de Conselheiro Lafaiete, MG.
Goiás
São Paulo
Espírito
Santo
Estado de Minas Gerais – MG.
N
Bahia
Rio de Janeiro
63
Figura 3 - Mapa da Micro-região de influência de Conselheiro Lafaiete, MG.
4.3 O DESENHO DO ESTUDO
Uma vez que o objeto desta pesquisa é um elemento de natureza fenomenológica
subjetiva, precisei utilizar um método qualitativo de investigação.
Dentro desse método, racionalizei o desenho do estudo inspirando-me no
formato proposto por Robert K. Yin (2001) para estudo de caso, em que o trabalho é
dividido inicialmente em duas grandes fases: a fase de levantamento de dados e a fase
de análise.
A fase de levantamento de dados é aquela em que se estabelecem as estratégias
da pesquisa a partir de três seqüências: elaboração das questões da pesquisa,
proposições de supostas respostas a estas questões e definição das unidades de análise
(objetos que serão estudados).
64
A análise, por sua vez, baseia-se em dois princípios: na lógica entre os dados e
as proposições e nos critérios de interpretação dos achados. Esta é a fase da qual se
emanam os resultados que, por seu turno, estruturam-se sobre o espaço teórico pré-
estabelecido para a pesquisa.
4.3.1 Fase de levantamento de dados.
4.3.1.1 Elaboração das questões da pesquisa.
Este é o momento da definição do que se pretende pesquisar, dos objetivos da
pesquisa, do local da pesquisa, de como desenvolvê-la e de sua justificativa. Define-se o
vácuo científico que se quer preencher ao se estabelecerem as perguntas que se
pretendem responder. A elaboração das questões da pesquisa nos habilita aos passos
estratégicos seguintes, que são a especificação das proposições e a escolha das unidades
de análise.
4.3.1.2 Proposições de supostas respostas às questões da pesquisa.
Uma vez estabelecida a dúvida e elaborada a pergunta, com a qual se busca
compreendê-la, define-se a lacuna do conhecimento a ser preenchida. Estabelecem-se,
então, as hipóteses acerca das questões que se pretendem pesquisar. Essas hipóteses são
as supostas respostas às perguntas elaboradas, e constituem o pretenso conteúdo com
o qual se propõe preencher o vácuo científico focalizado pela pesquisa. Esse momento
teoriza o objeto pesquisado, contextualizando-o.
4.3.1.3 Definição das unidades de análise.
Partindo, também, da determinação da dúvida e da elaboração da pergunta
destinada a esclarecê-la, tenta-se identificar a fonte que possa, teoricamente, conter a
resposta que se procura. Elementos de aproximação entre a dúvida e seu esclarecimento
são utilizados para a identificação desta fonte, a qual será a nossa unidade de análise. Da
interpretação, decodificação, observação, revelação e compreensão desta fonte, exalam-
se os dados a serem analisados.
65
4.3.2 Fase de análise.
4.3.2.1 A lógica entre os dados e as proposições.
De posse dos dados fornecidos pelas unidades de análise, relacionamos as
informações assim obtidas com o espaço teórico sobre o qual se estrutura a pesquisa e
sobre o qual foram estabelecidas as proposições das supostas respostas às questões.
Assim, busca-se a compreensão interpretativa desses dados, transformando-os em
achados. A lógica procurada vai sendo encontrada à medida que várias partes das
unidades de análise evidenciam relação com uma mesma proposição teórica,
objetivando o achado subjetivo, tornando-o racional e compreensível à medida que vai
sendo discutido.
4.3.2.2 Critérios de interpretação dos achados.
As proposições coincidentes àquelas estabelecidas pelo referencial teórico pré-
estabelecido, assim como as respectivamente alternativas, são confrontadas no contexto
da discussão para que se estabeleça a coerência e a fundamentação dos achados, a partir
de balizadores específicos. Nessa etapa, é importante que o pesquisador deixe claro o
espaço perimetral das interpretações, dentro do qual estará contido o alcance dos
resultados. É quando se estabelecem as limitações do estudo.
Na FIG. 4, representarei esquematicamente o desenho descrito.
O DESENHO
Elaboração
das
questões da
pesquisa
Proposições de
supostas
respostas às
questões da
pesquisa
Definição das
unidades de
análise
A lógica entre os
dados e as
proposições
Critérios de
interpretação
dos achados
Fase de levantamentos
(estratégias da pesquisa)
Fase de análise
O ESPAÇO TEÓRICO
Resultados
Figura 4 - Representação esquemática do fluxo da pesquisa (YIN, 2001).
66
67
Trazendo esse modelo para o campo aplicado desta pesquisa, temos:
a) Fase de levantamento.
- Questões da pesquisa.
Nota-se, na prática assistencial, que a abordagem dos aspectos tradicionalmente
discutidos pela literatura como relacionados à aderência terapêutica ao tratamento
antiretroviral não é suficiente para alcançar o objetivo da adesão, em alguns casos, e não
explica suficientemente a aderência, em outros. situações, em que, mesmo sob uma
atmosfera facilitadora, o paciente deixa de ser aderente ao tratamento; da mesma forma
que, em outras, mesmo diante de um amplo rol de dificuldades, o paciente consegue ser
aderente. Que fatores subjetivos estão participando da construção do perfil individual de
aderência ao tratamento antiretroviral? Que razões levam uma pessoa a usar
corretamente a medicação que combate o HIV? Como que um sujeito se torna
observante à terapia? Que valores, significados e representações, relacionados à
infecção pelo HIV e seu tratamento, estão presentes na existência daqueles que
conseguem ser aderentes à terapêutica?
- Proposições de supostas respostas às questões da pesquisa.
Diante do fato de que a vida de portador do HIV é estruturada sobre as
representações da infecção por esse vírus, conforme descrevi em estudo anterior
(SOUTO, 2002), proponho que a aderência ao tratamento antiretroviral seja focalizada
através do fenômeno definido pela percepção do diagnóstico e seu enfrentamento, uma
vez que, possivelmente, o processo pelo qual tal aderência se constrói seja influenciado
pelas mesmas representações da infecção pelo HIV.
- Definição das unidades de análise.
Para compor os tópicos anteriores precisei interpretar e compreender o relato
sobre a vida, sobre a infecção pelo HIV e sobre o uso de antiretrovirais, feito por
pessoas que vivenciam tais questões em seu cotidiano.
68
b) Fase de análise.
- A lógica entre os dados e as proposições.
A partir da análise interpretativa do conteúdo temático de um conjunto de
discursos de pessoas infectadas pelo HIV e sob prescrição de antiretrovirais, no
contexto da respectiva história objetiva de vida e observação do comportamento,
relacionei os achados daí resultantes com o espaço teórico estabelecido pela revisão da
literatura que sustentou esta pesquisa, buscando sua compreensão. A lógica da
interpretação foi se definindo à medida que a decodificação dos discursos foi
concordando ou concorrendo com determinadas proposições teóricas pré-estabelecidas,
tornando os achados racionais e compreensíveis no espaço da discussão.
- Critérios de interpretação dos achados.
Confrontei os achados com o referencial teórico estabelecido pela revisão da
literatura e outras leituras adicionais referenciadas, objetivando a sua coerência e
fundamentação, delimitando o alcance dos resultados e assegurando sua sustentação.
4.4 OS MÉTODOS E AS TÉCNICAS EMPREGADOS
4.4.1 O referencial metodológico.
A vivência como médico assistente de pessoas infectadas pelo HIV maturou meu
interesse e motivação por esta pesquisa, cujos resultados pretendo retornar em forma
aplicada à própria assistência que exerço. Como clínico interessado em pesquisa,
identifiquei na metodologia clínico-qualitativa de Turato (2003) um atraente eixo
operacional capaz de me conduzir à satisfação dessa demanda, a qual tornou-se objeto
deste trabalho.
Essa proposta se encaixou no processo de construção desta pesquisa porque eu
preciso me debruçar “em direção ao paciente para examiná-lo fisicamente, aproximar-
me desta pessoa sofrida para ouví-la e examiná-la psicologicamente” para desempenhar
adequadamente a atividade assistencial que exerço. Essa atitude é compreendida e
69
utilizada pela pesquisa clínico-qualitativa em seu processo metodológico (TURATO,
2003, p. 239).
Devo acolher o “sofrimento existencial e emocional” dos indivíduos “alvo”
deste meu estudo (que são meus próprios pacientes), inclinando-lhes minha
“sensibilidade” em interação com meus conhecimentos em métodos de “investigação”,
para “melhor conhecê-los e compreendê-los, segundo a percepção deles mesmos,
“movido” pelo meu “desejo” de ajudá-los (Idem, p. 240).
Entretanto, aceitei também a sugestão de Alves-Mazzotti & Gewandsznajder
(1998), de que pesquisas qualitativas podem se tornar multimetodológicas a partir do
momento em que adotamos adaptações alternativas ao eixo central em determinadas
fases do trabalho, a interesse dos objetivos da pesquisa e da familiaridade do
pesquisador com o método e/ou com a técnica, necessários nessas fases. Fiz isto,
especialmente, no momento em que procurei racionalizar um desenho para este estudo,
aproveitando as sugestões de Robert Yin (2001).
O próprio Turato (op. cit., p. 438) argumentou favoravelmente à liberdade do
pesquisador qualitativista em conceber sua própria técnica de investigação, desde que
defina com clareza o que foi concebido, a consistência metodológica interna, a
coerência entre as etapas de aplicação de sua técnica e a eficácia em atingir o objetivo
pretendido. A adoção dessa postura resultou em “uma mescla de técnicas [que
concorreram] para a sistematização dos dados coletados” (Idem).
Segundo o mesmo autor (contra-capa), a metodologia clínico-qualitativa é uma
“proposta metodológica teórico-prática” que agrega as
concepções epistemológicas dos métodos qualitativos [...] e os
conhecimentos e as atitudes clínico-psicológicas desenvolvidos no enfoque
psicanalítico das relações e no campo da medicina clínica [...]. Os três pilares
da metodologia clínico-qualitativa são: a atitude existencialista da
valorização da “angústia” e “ansiedade” presentes na existencialidade do
sujeito em estudo; a atitude clínica da acolhida dos sofrimentos emocionais
deste sujeito, inclinando-lhe a escuta e o olhar; e a atitude psicanalítica do
uso de concepções advindas da dinâmica do inconsciente individual para a
construção e a aplicação dos instrumentos e para referencial teórico de
discussão dos resultados.
Em suma, esse autor conceituou da seguinte maneira o método clínico-
qualitativo:
A partir das atitudes existencialista, clínica e psicanalítica, pilares do método,
que propiciam respectivamente a acolhida das angústias e ansiedades do ser
humano, a aproximação de quem a ajuda e a valorização dos aspectos
70
emocionais psicodinâmicos mobilizados na relação com os sujeitos em
estudo, este método científico de investigação, sendo uma particularização do
refinamento dos métodos qualitativos genéricos das ciências humanas, e
pondo-se como recurso na área da psicologia da saúde, busca dar
interpretações a sentidos e a significações trazidos por tais indivíduos sobre
múltiplos fenômenos pertinentes ao campo do binômio saúde-doença, com o
pesquisador utilizando um quadro eclético de referenciais teóricos para a
discussão no espírito da interdisciplinaridade (p. 242).
No encalço dessa proposta, trafeguei pelas circunstâncias que determinaram a
enfermidade (sentimentos e percepções contidos no processo de adoecimento) na pessoa
do doente (portador de uma anormalidade orgânica). Segundo Oliveira (1995), esse
tráfego exige que se incorpore o ambiente e a história de vida do paciente.
4.4.2 As unidades de análise: os sujeitos da pesquisa e sua seleção.
Para a seleção da amostra de entrevistados, segui a técnica da amostragem por
variedades de tipos”, em que os sujeitos são incluídos pelo critério da homogeneidade
fundamental
2
, amostra fechada no número de tipos de informantes e segundo
características eleitas pelo pesquisador, de acordo com a proposta de Turato, (2003, p.
365-6). Nesse caso, as características foram:
a) infecção pelo HIV confirmada, segundo os critérios do Ministério da Saúde
(2003);
b) faixa etária de 20 a 49 anos, pessoas de ambos os sexos;
c) indivíduo regularmente assistido por mim dentro do Centro de Promoção da
Saúde de Conselheiro Lafaiete, MG, no primeiro semestre de 2004;
d) indivíduo sob prescrição de antiretrovirais há pelo menos um ano.
Justifico a escolha desses critérios pela factibilidade de execução da pesquisa,
posto que o método que empreguei para a coleta dos dados exige cognição adulta das
pessoas; vivência íntima, real e potencialmente reflexiva do entrevistado com o objeto
do estudo; e possibilidade prática de contato para entrevista com os sujeitos.
Para o critério que incluiu pessoas sob prescrição de antiretrovirais há pelo
menos um ano, baseei-me na publicação de Vasconcellos et al. (2003), em que tais
_______________
2. O critério da homogeneidade fundamental assegura que pelo menos uma característica-chave ou
variável seja comum a todos os sujeitos. Esta variável é, inclusive, o próprio tema do trabalho, conforme
indicado por Turato (op. cit., p. 365). No caso desta pesquisa, esta homogeneidade fundamental esteve
presente no fato de serem, todos, indivíduos infectados pelo HIV sob prescrição de antiretrovirais há pelo
menos um ano.
71
autoras sugeriram este período como suficiente para que o paciente já tenha feito
alguma reflexão sobre seu processo de aderência ao tratamento antiretroviral.
Além disso, a relação clínica (médico-paciente), pré-estabelecida entre eu
(pesquisador) e os sujeitos, foi outro elemento valorizado neste estudo, no contexto da
análise dos dados.
Dentre os pacientes do CPS que preencheram os requisitos necessários para que
eu os abordasse por essa técnica de amostragem, consegui selecionar 33 pessoas. Esses
indivíduos foram escolhidos porque apresentavam um conjunto de outras características
também necessárias à sua participação no estudo, definidas a partir de modelos de
seleção de amostras sugeridos por Turato (2003). Essas características foram:
a) informação clara do diagnóstico e da necessidade da indicação terapêutica por
parte do sujeito;
b) diagnóstico de aderência ou não aderência terapêutica segundo critérios pro-
postos pelo Ministério da Saúde;
c) concordância do sujeito em participar da pesquisa;
d) tempo livre para entrevista;
e) desejo do paciente de relatar a alguém as experiências vividas;
f) condições intelectuais, emocionais e físicas necessárias ao papel de
entrevistado.
4.4.3 A técnica de levantamento dos dados
Cada um dos indivíduos eleitos para sujeito da pesquisa, imediatamente antes de
se despedir de mim (seu médico) ao final de uma consulta, eu convidava a conhecer e
participar da pesquisa mediante consentimento livre e informado, segundo os critérios
aprovados pelo COEP/UFMG.
A ordem em que as pessoas foram entrevistadas foi aleatória, a depender da
oportunidade do encontro para a entrevista dentro da agenda de consultas do CPS.
Aos que aceitaram participar, apliquei uma entrevista semidirigida, oral, em sala
reservada (a mesma em que eu sempre o atendia), que foi gravada ao vivo em
equipamento magnético de micro-cassete, em seguida ao preenchimento de um
questionário contendo informações de caracterização amostral, história clínica, história
psicológica e história social do sujeito (APÊNDICE B). A entrevista gravada e o
72
questionário receberam o mesmo número de ordem em seqüência, sem a identificação
do entrevistado.
Escolhi a cnica da entrevista porque este “é um instrumento precioso de
conhecimento interpessoal”, [o qual facilita] a apreensão de uma série de fenômenos, de
elementos de identificação e de construção potencial do todo da pessoa do entrevistado
e, de certo modo, também do entrevistador” (TURATO, p. 308).
Todas as entrevistas foram feitas pessoalmente por mim, o próprio médico
assistente do paciente e pesquisador do sujeito. Esse envolvimento na assistência ao
entrevistado enriquece o processo da pesquisa, uma vez que a metodologia escolhida
incorpora a atitude existencialista e a atitude clínica no discurso do método (TURATO,
op. cit., p. 242) e exige algum grau de conhecimento do entrevistado por parte do
entrevistador. Algumas técnicas qualitativas chegam a propor a inserção do pesquisador
na qualidade de sujeito da pesquisa, tamanha a necessidade de incorporação do
pesquisador no contexto sócio-cultural-existencial dos sujeitos que procura estudar, a
depender do objeto e dos objetivos da pesquisa (PAPMA, 1992; TURATO, op. cit.).
Na metodologia clínico-qualitativa, o próprio investigador é o instrumento
principal para a coleta dos dados da pesquisa, bem como é quem faz seu tratamento.
Além disso, principia seu trabalho tanto das teorias como das próprias experiências e
percepções (TURATO, op. cit., p. 257-9).
Esse mesmo autor (p. 258) ainda citou Bleger (1998, p. 26-7) quando discutiu a
participação do entrevistador na entrevista: o instrumento de trabalho do entrevistador
é ele mesmo, sua própria personalidade, que participa inevitavelmente da relação
interpessoal”.
Em seqüência, dei ao entrevistado, ampla liberdade para expor suas
considerações sobre o assunto proposto e conduzir a própria entrevista. Entretanto,
utilizei um roteiro, semidirigido por questões abertas, com o fim de evitar divagações e
fuga aos objetivos da entrevista (APÊNDICE C). As gravações variaram em sua
duração, a depender da demanda do próprio entrevistado, de 10 a 45 minutos.
Esse tipo de abordagem permite uma negociação entre o entrevistador e o
entrevistado quanto à direção da entrevista, o que representa ganho para reunir os
dados segundo os objetivos propostos, e é o grande instrumento auxiliar da pesquisa
clínico-qualitativa” (TURATO, 2003, p. 312-313).
73
As primeiras quatro entrevistas foram úteis à minha aculturação, implicando em
ajustes no roteiro para a necessária perseguição aos objetivos (às questões da pesquisa)
(APÊNDICE D). Segundo Turato (2003,
p. 316), a aculturação é:
o conjunto de atividades de estabelecimento de relação direta e coloquial com
pessoas representantes da comunidade de sujeitos a serem estudados,
segundo os critérios de construção da amostragem de dado projeto de
pesquisa, [...] cuja finalidade é permitir ao pesquisador vivenciar seu
processo de assimilação do modo de pensar daquela população-alvo em cujo
ambiente ficará imerso temporariamente.
O material coletado pelo questionário de caracterização amostral e das
gravações, eu mesmo os transcrevi literalmente em editor de texto através de micro-
computador pessoal, identificando-os pelo respectivo número de seqüência, em tempo
concorrente com a própria fase de realização das entrevistas.
4.4.4 A forma de organização dos dados
Inicialmente eu fiz uma leitura flutuante das 29 entrevistas, ao que se denomina
pré-análise. Essa atitude consistiu em “estabelecer contato com os documentos a
analisar e em conhecer o texto, deixando-[me] invadir por impressões e orientações”,
conforme indicado por Bardin (1995, p. 96, apud Turato, op. cit., p. 444). Esse tipo de
leitura não privilegia nenhum elemento contido em cada discurso, mas deixa livre e
dispersa a atenção por entre os discursos (TURATO, op. cit.).
Face ao grande número de entrevistados e à presença de convergências,
coincidências e repetições de manifestações discursivas entre eles, providenciei a
categorização e subcategorização do conteúdo das falas, a partir do roteiro semidirigido
utilizado para as entrevistas. Destaquei fragmentos da fala original de cada indivíduo,
reagrupando-as, a seguir, segundo as respectivas categorias específicas, criando assim
um “corpus” impessoal a ser analisado.
Esta forma de organização dos dados me permitiu realizar uma análise de
conjunto sobre cada tema específico abordado pela entrevista, no sentido de interpretar
o senso comum, flutuante entre os indivíduos, dentro de cada categoria temática
definida.
As categorias e subcategorias foram as seguintes, conforme sua fonte no roteiro
semidirigido (QUADRO 3):
Questão levantada no roteiro da entrevista.
Categoria em que a questão foi
enquadrada.
- Como você se reconhece na condição de portador do HIV? O que você sente ao se olhar no espelho como
alguém que recebeu uma receita para tomar medicamento para combater o HIV no seu organismo?
- O que lhe ocorre quando você conhece ou pela rua, alguém que também tem o HIV? E quando este
encontro acontece com quem não tem o HIV?
- Como, a seu ver, é o olhar das pessoas sobre você, independentemente delas saberem ou não que você
precisa tomar medicamento contra o HIV?
- Como você se vê diante da necessidade de tomar o coquetel?
Auto-imagem.
- Como são as oportunidades para você? Nos lugares que você freqüenta, as coisas que você precisa, como
você é atendido?
Percepção da inserção e aceitação social.
- Como você leva a vida diante da necessidade de tomar medicamento contra o HIV? Que cor e que tom tem
a vida para você?
- Dentro de tudo isto que conversamos, qual a diferença que de quando você não tinha o HIV e não
precisava tomar medicamento para AIDS?
Enfrentamento.
Subcategoria impacto existencial, compreensão
e adaptação.
- Se os medicamentos contra o HIV pudessem lhe ouvir e entender, o que você teria para lhes dizer?
- Qual a sua amizade ou relação com o coquetel?
Enfrentamento.
Subcategoria relação afetiva com o tratamento.
- Quais são suas expectativas e projetos? Como você gostaria de estar ou de se sentir daqui a algum tempo, a
partir da realidade que você vive hoje, em que você precisa tomar medicamentos contra o HIV?
Enfrentamento.
Subcategoria esperanças, expectativas e
temporalidade.
- Fale-me sobre o prazer e a prática sexual na sua vida e sobre a idéia que você tem de filhos, família e
infecção pelo HIV.
- E a morte?
Enfrentamento.
Subcategoria valores existenciais.
- O que você acha de ter recebido uma prescrição de antiretrovirais?
- Qual foi o impacto para você, quando um médico lhe disse que seria necessário começar a tomar o
coquetel?
- O que significa para você a necessidade de tomar o coquetel?
Significação da necessidade de se tratar.
- Você toma os medicamentos rigorosamente? Por que? O que você espera com essa atitude?
- Quais as dificuldades que você encontra na sua relação com os medicamentos e a necessidade de tomá-los?
Atitudes e expectativas frente ao tratamento.
Quadro 3 - Categorias de análise das entrevistas, segundo o roteiro semidirigido estruturado após a aculturação (APÊNDICE D).
74
75
4.4.5 As técnicas de análise dos dados e a construção dos resultados e das discussões.
Na primeira fase, procurei “nas expressões verbais ou textuais os temas gerais
recorrentes que apareceram no interior de vários conteúdos mais concretos”. Esta
técnica é aplicável a dados organizados por categorias e subcategorias, que, por sua vez,
constituem os temas que são analisados dentro do conjunto das falas dos entrevistados
(TURATO, 2003, p. 442).
O princípio norteador da forma como procurei compreender o conteúdo dos
discursos, sustentou-se nas técnicas fenomenológica e interpretativa das falas,
comentadas por Turato, (op. cit., p. 485).
A técnica fenomenológica é definida por um “conjunto de reflexões que
permitem indagar sistematicamente os conteúdos de consciência, privilegiando dados
experienciais” contidos nas falas dos entrevistados, enquanto que a técnica
interpretativa “explicita significados escondidos de um texto ou fenômeno, permitindo
reduções para clarear registros latentes”, a partir de “diversas grades de leitura” pré-
fixadas (Idem, p. 440).
Tais grades de leitura estiveram contidas dentro do espaço da própria revisão de
literatura destinada ao escopo desta pesquisa, na teoria existencialista, na teoria
fenomenológica, na psicanálise e em diversas outras leituras afeitas a tais correntes.
A teoria das representações sociais, conforme apresentado por Cardoso e Arruda
(2004), teve tímida participação no contexto das análises.
Nas fases seguintes, analisei os achados por meio de um tratamento
fenomenológico-interpretativo ao seu conteúdo, dentro de cada categoria temática,
envolvendo paralelamente a filosofia existencialista e a psicanálise no escopo da
discussão.
O enfoque das entrevistas acabou tendo por objeto, um misto de discurso e
representação social, de acordo com as considerações de Mata-Machado (1991).
4.4.6 A apresentação dos resultados, das discussões e das considerações finais.
Valorizei a forma descritiva, com citações ilustrativas das falas, expondo os
resultados e as discussões em conjunto.
Ao fazer inferências a partir da interpretação dos resultados, incluí minha
contribuição pessoal. Isso aconteceu porque esteve contido, nesse processo, o
76
conhecimento que eu tinha sobre o sujeito, anterior à pesquisa, e os efeitos da nossa
relação médico-paciente. Entretanto, ressalto que tal forma de participação do
pesquisador, também é uma característica da metodologia clínico-qualitativa.
Quanto ao referencial teórico que sustentou a interpretação das falas dos
entrevistados, escolhi um formato eclético, no sentido do pluralismo filosófico, contido
dentro da própria grade de leituras que pré-fixei.
Uma outra atitude que adotei, foi a desconstrução das falas dos entrevistados.
Segundo Turato, (2003, p. 453-4), esse processo procura inverter ou deslocar a “ordem
de concepções, buscando significados escondidos ou subentendidos [...] ao desfazer a
linguagem para encontrar uma outra escritura”. Esse autor acrescentou, ainda, que tal
atitude do pesquisador o permite mostrar “contradições internas” nas falas e evidenciar
“sentidos que estariam além ou mesmo contrários aos intencionados” pelo entrevistado
(Idem, p. 453-4).
Durante a apresentação textual, mesmo que vários pronunciamentos contidos em
diferentes entrevistas dissessem respeito ao mesmo aspecto abordado, escolhi apenas
um, raramente dois, para expor ou exemplificar o aspecto em debate dentro do
respectivo foco ou espaço. A intenção foi evitar a desnecessária exposição de textos
representativos da mesma discussão, entendendo que esta prática não reforçaria a
eloqüência dos argumentos. O critério para a escolha de qual relato deveria ocupar esse
espaço representante de um conjunto de falas foi o perfil de objetividade e clareza,
contido no relato, que melhor facilitasse a compreensão do aspecto em discussão.
Para a exposição das citações de sujeitos, usei espaço e fonte reduzidos em
parágrafo específico sob aspas, e para a exposição das citações de autores usei espaço e
fonte reduzidos em parágrafo específico, sem aspas, de acordo com orientações feitas
por Santos & Brasil (2006); Silveira (2004); Souza (2006).
Ao final de cada sessão secundária, consolidei seu conteúdo visando facilitar a
compreensão do leitor.
O tradicional capítulo das conclusões, substituí por considerações finais. A
intenção foi ser prudente diante da abordagem de um tema tão complexo, volátil e
inesgotável, como o é a existência humana. Construí esse capítulo a partir da síntese
interpretativa dos resultados e das discussões, a fim de responder aos objetivos da
pesquisa. Procurei dar a este espaço um escopo conclusivo para o trabalho, mas não
para o debate a que ele se propõe; e também recomendativo, sob o enriquecimento da
minha própria vivência profissional.
77
Sobre esse aspecto, Oliveira (1995) comentou que pesquisas fenomenológicas,
portanto qualitativas, não concluem nem estabelecem generalizações, mas levantam
hipóteses e comportam discussões.
4.4.7 A validade dos achados.
Acerca de vieses comuns em pesquisas, em especial atenção àqueles possíveis
em pesquisas qualitativas, tomei alguns cuidados no sentido de evitá-los, conforme
sugestões feitas por Turato (2003, p. 377) ao referenciar Becker (1997, p. 34-6):
a) a minha inserção inadequada ou recusada no campo sofreu a oposição da
desvinculação que adotei entre o meu papel de médico assistente e de
entrevistador no momento da própria entrevista, mas sem deixar perder a
estrutura da relação médico-paciente que eu já tinha com o entrevistado.
Além disso, realizei as entrevistas mediante a aceitação espontânea e
informada do sujeito em participar da pesquisa no modelo de entrevista
aplicado, cuja estrutura semidirigida de questões abertas deu acesso à
liberdade e autonomia do entrevistado no momento da gravação. Dei, ainda,
aperfeiçoamento técnico e metodológico a esta fase de levantamento de
dados, aculturando-me ao ambiente da pesquisa;
b) os erros na anotação de respostas eu os combati através do uso de sistema de
gravação magnética da entrevista, com transcrição absolutamente literal do
material gravado e sua revisão, justapondo recursos gramaticais às entonações
de voz e expressões faciais e corporais do entrevistado, no sentido da melhor
fidelidade possível entre a fala do entrevistado e sua transcrição;
c) os erros no tratamento em categorias, minimizei-os ao dar caráter
semidirigido à entrevista, em cuja condução previ o ajuste ordenado das
perguntas à categoria de interesse das respostas pretendidas. Entretanto, após
a transcrição das gravações, a ordem de surgimento de respostas variou ao
longo do texto em relação aos critérios de categorização que definiram a
ordem das perguntas. Isto ocorreu devido à repetição de oportunidade para
expressar e à liberdade de manifestação que dei ao entrevistado. Não
obstante, realizei vários tempos de releitura e reorganização das falas dentro
78
das categorias definidas, com o fim de combater algum viés derivado de erros
nessa distribuição de fragmentos das entrevistas;
d) a escolha meramente pessoal das estruturações teóricas eu combati
fundamentando tais estruturações na grade de leituras pré-fixadas,
valorizando o caráter eclético e pluralista dessa grade, dificultando, inclusive,
o risco de ocultação de achados potencialmente refutáveis por uma postura
unilateral da minha parte;
e) a consideração da complexidade do desenvolvimento de hipóteses em
pesquisas desta natureza, respeitei abdicando-me da pretensão de estabelecer
uma conclusão estanque. Preferi oferecer uma proposta de compreensão dos
achados aberta a outras correntes e um espaço de liberdade ao leitor para
acrescentar suas considerações e propor suas próprias interpretações. Estou
disposto a expor literalmente as entrevistas a algum pesquisador interessado,
porém não no texto deste trabalho destinado à divulgação pública. A
justificativa é preservar eticamente interesses privados dos entrevistados;
f) outra conduta adicional, proposta por minha própria conta, foi a de, em cada
entrevista subseqüente, incorporar a experiência de entrevistador que adquiri
nas entrevistas anteriores, como um processo contínuo de aculturação durante
toda a fase de levantamento dos dados. Esta foi uma atitude destinada a obter
a maior objetividade e praticidade possíveis, em busca das respostas
desejadas, sem perder a proposta do caráter de liberdade do entrevistado no
contexto da entrevista.
4.4.8 A validação interna da pesquisa.
Além de seguir um eixo metodológico definido e respaldado pela literatura,
conforme o conjunto de referências que demonstrei, segui outras orientações no sentido
da validação interna. Uma delas consistiu na centralização da pesquisa absolutamente
em minhas próprias mãos. Todas as etapas foram desenvolvidas sem a participação de
terceiros, exceto a colaboração teórica dos orientadores e da banca de qualificação. Isso
me permitiu manter a coerência metodológica em todas as fases do trabalho, incorporar,
em cada fase, elementos subjetivos de conexão entre as mesmas, e promover a ligação
racional entre os achados. Também foi o que me deu oportunidade para incorporar, na
lógica do meu raciocínio, a seqüência e o vínculo entre o conjunto dos dados. Na
79
prática, a elaboração e redação do projeto da pesquisa, o contato com os sujeitos, a
aplicação e gravação das entrevistas e sua transcrição, o manuseio dos equipamentos, as
análises dos dados e toda a digitação e redação do material foi feita pessoalmente por
mim. Ressalto, entretanto, que meus orientadores participaram ativamente das fases de
análise dos dados e redação do texto. Além disso, lembro que o tema desta pesquisa e o
meu interesse por ele nasceram da minha própria vivência como médico assistente de
pacientes infectados pelo HIV.
De acordo com sugestões de Turato, (2003, p. 389), para reforçar a segurança
de um emprego adequado da metodologia qualitativa”, aproveitei os seguintes
componentes na tentativa de garantir a validação interna deste trabalho:
a) os antecedentes profissionais existentes entre eu, os sujeitos e o ambiente da
pesquisa;
b) o “estabelecimento de uma relação transferencial positiva com os informan -
tes”;
c) a minha própria experiência com este contexto, com a minha prática em
abordagem de sujeitos, manuseio de técnicas de entrevista e atividades de
pesquisa e investigação.
Adotei um persistente autopoliciamento contra juízos de valor durante a análise
dos achados, com o fim de permitir a interpretação dos discursos à ótica do próprio
informante e à luz do conhecimento científico acumulado pela comunidade acadêmica.
A não permissão de revisão da entrevista pelo entrevistado, evitando que este
pudesse alterar racionalmente seu discurso espontâneo, foi outra atitude que tomei no
sentido de permitir que os elementos subjetivos contidos nos discursos não fossem
perdidos ou alterados, o que prejudicaria a interpretação correta do verdadeiro conteúdo
das falas. Da mesma forma, uma vez encerrada a entrevista, não dei oportunidade ao
entrevistado para continuar a conversa ou refletir sobre o respectivo assunto, pois, da
mesma forma, isto ofereceria oportunidade a ajustes racionais do entrevistado sobre seu
próprio discurso, com conseqüente manipulação do conteúdo por suas defesas
inconscientes. Esse tipo de atitude, também ocultaria a verdade contida na subjetividade
da expressão. Da mesma forma, eu mesmo poderia ser influenciado pelas reflexões
racionais do entrevistado sobre seu pronunciamento na entrevista, comprometendo a
fidedignidade da minha participação nas inferências.
80
4.4.9 A validação externa da pesquisa.
Inspirei-me nas sugestões de Alves-Mazzotti & Gewandsnajder (1998); Yin
(2001); Turato (2003) para cuidar desta preocupação. As atitudes que tomei neste
sentido foram as seguintes:
a) vinculação dos resultados e das discussões ao referencial teórico pré-
estabelecido, refletindo os achados desta pesquisa sobre o conhecimento
existente, reafirmando, acrescentando ou rediscutindo conceitos e idéias à
teoria vigente;
b) submissão de todo o escopo da pesquisa à supervisão e consideração dos
respectivos orientadores, de outros membros da comunidade acadêmica
afeitos ao tema e à natureza do trabalho, e de outros profissionais, membros
da equipe de assistência aos sujeitos da pesquisa no local onde ela se realizou,
não envolvidos com esta pesquisa. As pessoas com quem isto foi feito foram:
prof. Dr. Dirceu Bartolomeu Greco (orientador, Faculdade de Medicina da
Universidade Federal de Minas Gerais), prof. Dr. Luiz Alberto Oliveira
Gonçalves (co-orientador, Faculdade de Educação da Universidade Federal
de Minas Gerais), prof. Dr. Murilo Cruz Leal (Professor no Departamento de
Ciências Naturais da Universidade Federal de São João Del Rei), psicóloga
Valéria de Carvalho Néri e enfermeira Maria Aparecida Brigolini de Oliveira
(assistentes no ambulatório de HIV/AIDS do CPS);
c) apresentação da pesquisa em forma de seminário para discussão com o
respectivo professor e outros colegas pós-graduandos, na disciplina de
Seminários em Doenças Infecciosas e Parasitárias do curso de pós-graduação
em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Minas Gerais, concorrente
ao momento da qualificação;
d) submissão do trabalho à banca de pré-defesa acordada pelo colegiado do
curso de pós-graduação em Ciências da Saúde: Infectologia e Medicina
Tropical, da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas
Gerais, que o aprovou;
e) aproveitamento de toda colaboração emanada das oportunidades acima.
81
5 DELIMITAÇÕES DESTA PESQUISA
Embora se afirme que esta vida inteira não é nada além de um sonho e que o
mundo físico nada mais é do que um fantasma, eu consideraria este sonho ou
fantasma suficientemente real se, usando bem a razão, nós nunca fôssemos
enganados por ele (Gottfried Wilhelm Leibnitz, 1646-1716).
Quase todos os pacientes que estudei eram de vel sócio-econômico
prejudicado. Certamente que esse contexto torna alguns valores e percepções diferentes
daqueles sentidos por pessoas que levam a vida sob o conforto do acesso facilitado aos
bens e direitos, fazendo com que determinados objetos tenham significados diferentes.
Apesar de eu ter entrevistado duas pessoas oriundas de extrato sócio-econômico
privilegiado, este trabalho teve mais propriedade em captar as percepções da categoria
majoritária, especialmente porque a técnica utilizada priorizou o conteúdo categórico
contido no conjunto das entrevistas.
Um outro aspecto diz respeito à faixa etária estudada. Pesquisei pessoas cujo
presente era a fase produtiva e reprodutiva da vida. Como trabalhei elementos
existenciais, certamente que se o grupo de sujeitos pertencesse a algum outro extremo
da vida, muitas percepções teriam sentidos e significados diferentes dos encontrados
dentro do grupo pesquisado.
Vejo que isto pode ter influenciado uma série de elementos estudados: um deles,
por exemplo, creio que tenha sido o conjunto das percepções ligadas à
contemporaneidade das pessoas. Um adolescente, por exemplo, tem pouco passado e
muito futuro, enquanto que o idoso tem muito passado e pouco futuro. No caso do
grupo estudado, passado e futuro têm um certo equilíbrio temporal quantitativo e,
conseqüentemente, uma influência maior e mais simétrica sobre o significado do
presente.
Posso argumentar de maneira semelhante sobre a influência da faixa etária no
significado da produtividade e sexualidade, elementos também muito estudados em
função do que representa a infecção pelo HIV.
Observei, ainda, que nenhum dos sujeitos que pesquisei contraiu o HIV por via
parenteral por meio de acidente ocupacional, iatrogenia médica ou uso de drogas
injetáveis; aliás, todos foram infectados por via sexual, o que, possivelmente, faria
diferença no perfil de percepções sobre os significados e as representações da infecção.
82
Além disso, todos eram usuários de antiretrovirais. Ser portador do HIV e não
usar antiretrovirais é diferente de ser um portador dependente de medicamentos.
significações intrínsecas ao uso de antiretrovirais que tangenciam o significado de ser
portador do HIV, conforme detectei no decorrer desta pesquisa.
Da mesma forma, entre as 29 pessoas que entrevistei, apenas duas não eram
aderentes ao tratamento. Não esse aspecto, mas a restrição do objetivo do trabalho à
adesão terapêutica e a técnica de análise utilizada não permitiram extrapolações sobre as
pessoas não observantes do tratamento ou sobre o fenômeno da o aderência
terapêutica.
É importante, também, destacar, que as pessoas que estudei pertencem a um
extrato social estruturado por valores de quem vive em uma sociedade capitalista pós-
industrial globalizada, na qual, significantes estabelecidos verticalmente têm grande
determinação sobre a autopercepção, o comportamento e a inserção social das pessoas.
Porém, habitantes de um lugar onde esses efeitos se operam um pouco mais lentamente
do que em cidades ou regiões que são as próprias geradoras de modelos e padrões
destinados a serem seguidos pelas pessoas. Portanto, vários dos achados desta pesquisa
não podem, necessariamente, ser aplicados a pessoas oriundas de comunidades
estruturadas a partir de outros processos e crenças.
Percepções, representações, símbolos e significados são coisas que mudam
através dos tempos, assim como tudo o que está em volta da infecção pelo HIV.
Especialmente seus aspectos epidemiológicos e terapêuticos, os quais influenciam seu
significado. Assim, os achados deste trabalho poderão ter até mesmo um prazo de
validade devido à instabilidade dos próprios processos que caracterizam a trajetória da
ciência e da humanidade. Entretanto, isto não tira o mérito da contribuição produzida, a
qual poderá ajudar a compreender o presente e, no futuro, o novo presente quando o
futuro se tornar presente.
O próprio método do estudo, em si, caracterizado principalmente por seu
ambiente, teve o potencial de interferir no perfil de reflexão das pessoas no momento da
entrevista. Por outro lado, um referencial teórico diferente e uma outra experiência do
pesquisador, certamente gerariam interpretações alternativas para os mesmos achados,
as quais, entretanto, não contestariam, necessariamente, o resultado desta pesquisa;
contudo, o complementaria.
Preciso, ainda, pensar nas quatro pessoas queo participaram da pesquisa,
mesmo tendo havido critérios para incluí-las entre os entrevistados. Duas não atenderam
83
ao agendamento destinado a convidá-las para participar, uma não foi entrevistada por
problemas de ordem social e uma se recusou a participar nos termos do consentimento
livre e esclarecido. O que a colaboração desses indivíduos poderia acrescentar aos dados
obtidos eu não tenho como saber.
É provável, até, que eu tenha saturado a abordagem dentro dos seus próprios
limites com o conjunto de pessoas que foi possível entrevistar. Tanto é que duas
entrevistas não tiveram aproveitamento prático nas análises por seu conteúdo totalmente
repetitivo em relação às outras. Mas não é certeza que esta saturação realmente tenha
sido alcançada.
Digo isto porque percebi pelo menos uma consideração que me desviou da
perspectiva desta certeza: a de que a entrevista pedia para o sujeito comentar sobre
aspectos muito íntimos e particulares (alguns, talvez, até comprometedores) da sua vida,
seu comportamento e sua personalidade. Nesse contexto, é possível que algo
extremamente revelador, ou de difícil enfrentamento, tenha motivado uma recusa
consciente ou inconsciente desses quatro sujeitos que não consegui entrevistar. Esta é,
pois, outra obscuridade dentro das análises que fiz, a qual não tenho como iluminar,
uma vez que o dado me foi negado pela sua fonte.
Mas, será que essas pessoas tinham mesmo algo a revelar que fosse
extremamente interessante aos objetivos desta pesquisa? Talvez sim, talvez não!...
Finalmente, entrevistas semi-estruturadas são sempre instrumentos subjetivos,
influenciados tanto pelo ambiente quanto pelo processo da interlocução entre o
entrevistador e o entrevistado. É, portanto, um recurso autolimitado em captar
absolutamente a verdade, apesar de ser um equipamento essencial dentro do contexto
metodológico de pesquisas qualitativas, conforme observado por Mata-Machado (1991).
Por outro lado, aventurei por uma matéria cuja complexidade ultrapassa toda e
qualquer possibilidade humana. Aliás, creio que nenhum trabalho de pesquisa possível
consiga dar conta de explicar absolutamente, até mesmo, uma pequena parte da
existência humana.
Se eu considerar que a existência está sendo construída pelos homens desde o
surgimento do primeiro habitante humano no planeta; que todos os que viveram e ainda
vivem sob esta superfície contribuem para a sua construção; que ainda não está pronta
nem definida; e é volátil, instável e infinita, não posso ter a arrogância de querer dizer
que estou fazendo grandes acréscimos ao entendimento desse objeto. É apenas uma
contribuição à tentativa de compreender os significados e as representações de uma
84
importante intervenção que recentemente se impôs sobre a nossa existência: a infecção
pelo HIV.
85
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO.
6.1 A POPULAÇÃO DO ESTUDO.
Porque gado, a gente marca, tange, ferra, engorda e mata; mas, com gente é
diferente! (Geraldo Vandré & Teo de Barros).
Ao selecionar os sujeitos que poderiam fazer parte do estudo, identifiquei 33
indivíduos que se enquadravam nos critérios de inclusão. Destes, vinte e três eram
homens e dez, mulheres. Entretanto, quatro homens não participaram. Dois não
atenderam ao agendamento destinado ao convite e sensibilização, um não pôde se
apresentar por problemas relacionados à assistência social e um se recusou por não
concordar com o termo de consentimento livre e esclarecido.
Portanto, vinte e nove pessoas participaram efetivamente do estudo, sendo dez
mulheres e dezenove, homens, cuja idade variou de 26 a 49 anos.
Um dos homens tinha ocupação industriária de caráter administrativo e cursava
escolaridade superior, e uma das mulheres era de classe média. Os outros sujeitos se
ocupavam de atividades de menor qualificação, ou não tinham ocupação definida. Entre
eles, destaco que havia um que era profissional do sexo e outro que era militante de uma
organização não governamental envolvida em causas ligadas ao interesse dos portadores
do HIV. Das dez mulheres, oito se apresentaram como trabalhadoras do lar.
Em relação ao local de residência, apesar do serviço assistencial se situar em
Conselheiro Lafaiete, mais da metade dos participantes (15 pessoas) residia em outras
cidades, assim distribuída: cinco pessoas em Congonhas, duas em Lamim, quatro em
Ouro Branco, uma em Catas Altas da Noruega, uma em Barbacena e duas em Juiz de
Fora.
No que se refere à orientação sexual declarada pelo próprio sujeito, havia dois
homens homossexuais, um trans-sexual e quatro bissexuais. Os outros doze homens
eram heterossexuais. Do total de sujeitos, onze relataram viver em parceria sexual fixa,
cinco diziam-se abstinentes sexuais, três com problemas de impotência e dez indivíduos
não tinham parceria sexual fixa.
O tempo conhecido de infecção pelo HIV variou de dois a quinze anos. Uma
pessoa tinha quinze anos que conhecia sua infecção, outra tinha nove anos, três tinham
esta informação a seu respeito sete anos, duas seis anos e 22 menos seis anos.
86
Seis indivíduos eram portadores de outras doenças crônicas importantes
(A)
: uma mulher
tinha cardiopatia chagásica crônica, outra tinha atopia, um homem tinha hanseníase
multibacilar, dois tinham distúrbios psiquiátricos, e um outro homem tinha
miocardiopatia dilatada. Uma pessoa apresentava complicações oportunistas derivadas
da ação do HIV no organismo no momento da abordagem
(B)
(infecções respiratórias
persistentes e candidíase oral), uma mulher de classe média apresentava alteração
orgânica conseqüente ao tratamento
(C)
(lipodistrofia) e dois homens tinham seqüelas
relacionadas à AIDS
(D)
(um tinha problemas neurológicos e, o outro, problemas
linfáticos nos membros inferiores).
Todos foram infectados por via sexual, nenhum era usuário de droga ilícita e não
havia nenhum caso de falha terapêutica por resistência genotípica do HIV aos
antiretrovirais. Um homem e uma mulher não eram aderentes ao tratamento.
Quanto ao tempo que cada sujeito tinha que estava sob prescrição de
antiretrovirais, um havia completado sete anos, um estava no sexto ano e 27 tinham
cinco anos ou menos. O que havia recebido prescrição menos tempo estava com
dezenove meses.
Nos QUADROS 4a e 4b a seguir, discriminarei o sexo, a idade, a escolaridade, a
ocupação, a residência, a orientação sexual, o perfil de parceria sexual, a última carga
viral, a contagem mais recente de células CD4, os aspectos clínicos relevantes, o tempo
de infecção e de prescrição de antiretrovirais, e o perfil de aderência ao tratamento.
O leitor que quiser visualizar as variáveis sexo, faixa etária, escolaridade, carga
viral do HIV e contagem de células CD4 em apresentação gráfica, encontrará essa
exposição no APÊNDICE E.
N
o
de ordem Sexo Orientação e situação sexual Idade (anos)
Anos de estudo Ocupação Residência
01
(A)
Feminino Heterossexual. Parceria fixa. 26 3 Do lar Catas Altas da Noruega
02 Feminino Heterossexual. Parceria fixa 28 8 Do lar Conselheiro Lafaiete
03
(B)
Feminino Heterossexual. Parceria fixa. 31 5 Do lar Congonhas
04
(C)
Feminino Heterossexual. Abstinente. 35 13 Não informada Juiz de Fora
05 Feminino Heterossexual. Parceria variável. 37 6 Serviços gerais Conselheiro Lafaiete
06 Feminino Heterossexual. Abstinente. 38 9 Do lar Lamim
07 Feminino Heterossexual. Parceria fixa. 40 8 Do lar Conselheiro Lafaiete
08 Feminino Heterossexual. Parceria fixa 41 4 Do lar Congonhas
09
(A)
Feminino Heterossexual. Abstinente. 42 5 Do lar Conselheiro Lafaiete
10 Feminino Heterossexual. Abstinente. 43 3 Do lar Conselheiro Lafaiete
11 Masculino
Heterossexual. Parceria variável. 26 0 Sem ocupação Ouro Branco
12 Masculino
Trans-sexual. Parceria variável. 31 5 Profissional do sexo Conselheiro Lafaiete
13 Masculino
Homossexual. Parceria fixa. 32 8 Comerciante Conselheiro Lafaiete
14
(D)
Masculino
Heterossexual. Abstinente 33 5 Sem ocupação Congonhas
15 Masculino
Heterossexual. Parceria fixa. 33 4 Motorista Conselheiro Lafaiete
16
(A)
Masculino
Heterossexual. Parceria fixa. 34 4 Serviços gerais Conselheiro Lafaiete
17
(D)
Masculino
Bissexual. Parceria variável. 35 8 Militante social Barbacena
18 Masculino
Homossexual. Parceria variável 37 4 Sem ocupação Conselheiro Lafaiete
19 Masculino
Bissexual. Impotente. 37 5 Sem ocupação Conselheiro Lafaiete
20
(A)
Masculino
Heterossexual. Impotente. 38 3 Sem ocupação Lamim
21 Masculino
Heterossexual. Parceria fixa. 39 8 Sem ocupação Conselheiro Lafaiete
22 Masculino
Heterossexual. Impotente. 39 15 Industriário Juiz de Fora
23
(A)
Masculino
Bissexual. Parceria variável. 40 4 Sem ocupação Ouro Branco
24 Masculino
Heterossexual. Parceria variável. 41 5 Braçal Congonhas
25 Masculino
Heterossexual. Parceria fixa. 46 4 Sem ocupação Congonhas
26
(A)
Masculino
Heterossexual. Parceria variável. 47 0 Sem ocupação Conselheiro Lafaiete
27 Masculino
Heterossexual. Parceria variável. 48 7 Atendente Ouro Branco
28 Masculino
Bissexual. Parceria variável 49 3 Sem ocupação Conselheiro Lafaiete
29 Masculino
Heterossexual. Parceria fixa. 49 1 Operário Ouro Branco
Quadro 4a - Características dos sujeitos segundo algumas variáveis sociais.
87
N
o
de ordem
Última Carga
viral
CD4 mais
recente
Aspectos clínicos relevantes
Tempo conhecido
de infecção
Tempo sob prescrição de
antiretrovirais
Perfil de
aderência ao
tratamento
01
(A)
7120 cópias/ml 350/mm
3
Cardiopatia chagásica crônica 2 anos 1,8 ano Aderente
02 Indetectável 237/mm
3
Assintomática 3 anos 2,7 anos Aderente
03
(B)
413000 cópias/ml 27/mm
3
Infecções respiratórias e candidíase 4 anos 3 anos Não aderente
04
(C)
Indetectável 810/mm
3
Lipodistrofia 7 anos 7 anos Aderente
05 Indetectável 461/mm
3
Assintomática 3 anos 3 anos Aderente
06 676 cópias/ml 590/mm
3
Assintomática 5 anos 5 anos Aderente
07 Indetectável 367/mm
3
Assintomática 5 anos 4,5 anos Aderente
08 44800 cópias/ml 367/mm
3
Assintomática 6 anos 4 anos Aderente
09
(A)
2120 cópias/ml 423/mm
3
Atópica 6 anos 5 anos Aderente
10 7420 cópias/ml 551/mm
3
Assintomática 7 anos 5 anos Aderente
11 Desconhecida 450/mm
3
Assintomático 2,5 anos 2,1 anos Aderente
12 Indetectável 307/mm
3
Assintomático 4 anos 3,5 anos Aderente
13 Indetectável 297/mm
3
Assintomático 3 anos 2,5 anos Aderente
14
(D)
Indetectável 342/mm
3
Com seqüelas neurológicas 3 anos 2,8 anos Aderente
15 Indetectável 559/mm
3
Assintomático 5 anos 4,5 anos Aderente
16
(A)
Indetectável 234/mm
3
Hanseníase multibacilar 3 anos 3 anos Aderente
17
(D)
34678 cópias/ml 348/mm
3
Seqüelas linfáticas de Sarcoma de Kaposi
9 anos 4 anos Aderente
18 Indetectável 1344/mm
3
Assintomático 4 anos 4 anos Aderente
19 Indetectável 448/mm
3
Assintomático 2 anos 2 anos Aderente
20
(A)
Desconhecida 368/mm
3
Distúrbios psiquiátricos 5 anos 5 anos Aderente
21 28500 cópias/ml 35/mm
3
Assintomático 5 anos 4,5 anos Não aderente
22 Indetectável 1229/mm
3
Assintomático 7 anos 5 anos Aderente
23
(A)
16404 cópias/ml 400/mm
3
Miocardiopatia dilatada 4 anos 3,5 anos Aderente
24 Indetectável 118/mm
3
Assintomático 2,5 anos 2,2 anos Aderente
25 Indetectável 939/mm
3
Assintomático 5 anos 5 anos Aderente
26
(A)
229 cópias/ml 677/mm
3
Distúrbios psiquiátricos 4 anos 4 anos Aderente
27 Indetectável 300/mm
3
Assintomático 2 anos 1,6 ano Aderente
28 Indetectável 1115/mm
3
Assintomático 15 anos 6 anos Aderente
29 Indetectável 410/mm
3
Assintomático 2 anos 2 anos Aderente
Quadro 4b - Características dos sujeitos segundo algumas variáveis clínicas e laboratoriais, tempo de diagnóstico e de tratamento, e perfil de
adesão terapêutica.
88
89
O último teste de quantificação da carga viral do HIV, de cada paciente, nem
sempre foi realizado simultaneamente à contagem de linfócitos CD4. Esses dados,
expostos de maneira bruta no QUADRO 4b, dão a impressão equivocada de incoerência
entre os valores de CD4 e a categorização do indivíduo quanto ao perfil de aderência
terapêutica para os entrevistados 08, 17 e 21.
Em relação ao sujeito 21, demonstrei uma carga viral relativamente baixa para
uma concentração de linfócitos CD4 muito reduzida e o classifiquei como não aderente
ao tratamento. Na verdade, a carga viral e a concentração de células CD4 desse
indivíduo foram dosadas em momentos diferentes. O primeiro dado foi medido em uma
época em que o perfil de aderência terapêutica desse sujeito era melhor, garantindo-lhe
carga viral mais baixa. Mais recentemente, quando se dosou a concentração de CD4, ele
já não era mais aderente ao tratamento.
Para os entrevistados 08 e 17, demonstrei uma carga viral moderadamente
elevada para uma concentração de células CD4 relativamente pouco reduzida. Nesses
casos, a carga viral foi medida antes da efetiva ação dos antiretrovirais e a concentração
de linfócitos CD4 depois desta ação. Ambos eram aderentes ao tratamento e não
apresentavam indicadores de resistência genotípica do HIV à terapêutica instituída.
Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2004), em se tratando de adultos,
carga viral menor que 30000 cópias do HIV por mililitro de sangue não é considerada
elevada. Entre 30000 e 100000 cópias/ml é considerada moderadamente elevada e
acima de 100000 cópias/ml é muito elevada. Esses pontos de corte se correlacionam
diretamente com a velocidade de progressão da doença induzida pelo HIV, segundo a
dinâmica de destruição dos linfócitos CD4: quanto maior a carga viral, mais
rapidamente se processa a queda de linfócitos CD4, uma vez que a principal ação do
HIV resulta em morte destas células.
Com relação à concentração desses linfócitos, quando inferior a 200 células por
mililitro de sangue é considerada muito baixa; entre 200 e 350 células/ml é
moderadamente baixa; entre 350 e 500 células/ml é pouco baixa e acima de 500
células/ml é considerada normal (BRASIL, 2004).
Por outro lado, o efeito dos antiretrovirais resulta em redução da carga viral e
elevação da concentração de linfócitos CD4. Assim, a tendência é de quanto maior uma,
menor a outra e vice-versa. A ausência dessa correlação linear inversa implica na
necessidade de uma reflexão acerca dos seus prováveis motivos. Nos exemplos citados,
a razão foi a diferença cronológica em que cada dosagem foi realizada.
90
A quantificação da carga viral de muitos indivíduos não era mensurada
rotineiramente, a não ser quando se verificava queda significativa de linfócitos CD4, ou
degeneração clínica indicadora de comprometimento da eficácia terapêutica, segundo os
critérios do Ministério da Saúde (BRASIL, 2004).
O perfil de aderência ao tratamento (QUADRO 4b) diz respeito ao
enquadramento do indivíduo como aderente ou não aderente ao tratamento
antiretroviral, também de acordo com os critérios do Ministério da Saúde (BRASIL,
2003; BRASIL, 2004; KANAI & CAMARGO, 2002; LEITE et al., 2002; PINHEIRO et
al., 2002).
Finalmente, é preciso ressaltar que as ocupações descritas no QUADRO 4a
foram aquelas declaradas em relação ao que o entrevistado vivenciava no momento da
entrevista. Entretanto, todos os sujeitos tinham um perfil profissional que fazia parte da
sua identidade. Por exemplo: o décimo primeiro indivíduo abordado se encontrava sem
ocupação à ocasião da entrevista. Porém era um trabalhador braçal do setor empreiteiro
da indústria que estava afastado de suas atividades. Essa qualificação, entretanto, fazia
parte da identidade desse sujeito como pessoa.
Tal consideração é importante porque, em nossa cultura, o enquadramento social
do indivíduo a partir do que ele faz como ser produtivo compõe a definição de quem ele
é. Uma prova disto, é que, comumente, quando alguém é apresentado a uma outra
pessoa ou comunidade, indica-se o nome e a ocupação de quem se apresenta. Por
exemplo: este é fulano de tal, estudante de medicina. Ser estudante de medicina é um
identificador social desse sujeito (GOFFMAN, 1988).
Portanto, na descrição e análise das entrevistas, foi considerada a ocupação-
identidade da pessoa, que o objetivo desta pesquisa transcendeu por sobre o sujeito e
suas percepções, significados e representações que fazem dele um ser-no-ambiente.
6.2 O CONTEXTO EM QUE AS NARRATIVAS DOS SUJEITOS FORAM ELABO-
RADAS.
6.2.1 A motivação pelo foco da pesquisa, presente na experiência do pesquisador.
Ter pouco tempo de atuação no trato com pacientes infectados pelo HIV -
apenas cinco anos - assegurou-me o privilégio de não ter sofrido as angústias da época
em que infecção pelo HIV era definitivamente uma sentença de morte.
91
Quando iniciei meu trabalho, a terapêutica farmacológica de alta potência contra
o HIV havia sido implantada e estava disponível a todo cidadão brasileiro que dela
necessitasse. Além disso, o acesso das pessoas a este recurso também se encontrava
facilitado por uma política assistencial privilegiada dentro da estrutura e da organização
do Sistema Único de Saúde.
Essa oportunidade abriu uma perspectiva de esperança e qualidade de vida para
o portador do HIV, por intermédio da recuperação da sua saúde, possibilitando a esses
indivíduos o retorno a uma vida praticamente normal apesar de algumas dificuldades
impostas pelo tratamento. A verdade é que a degeneração da saúde e da aparência física
e, em seguida, a morte, deixou de ser a única e irrevogável alternativa para a pessoa
infectada pelo HIV (SANCHES, 2000).
Além disso, ocorreram avanços nos aspectos farmacológicos do tratamento, no
sentido de se alcançarem melhor eficácia terapêutica, melhor tolerabilidade e maior
facilidade posológica dos medicamentos, entre outros. Ao mesmo tempo, a assistência
se qualificou e se aproximou do paciente, no sentido de colaborar para sua melhor
adaptação à necessidade de usar antiretrovirais, procurando minimizar, inclusive, a
interferência da terapêutica em sua rotina e seus costumes.
Sobre a eficácia do tratamento, tenho observado que, mesmo em uma fase de
adoecimento e desfiguração, na maioria das vezes, ainda é possível o resgate clínico do
paciente e sua recomposição. Esse efeito fez com que, no meio médico, passássemos a
considerar uma cura para a AIDS, em que é possível a manutenção saudável de um
indivíduo infectado pelo HIV por meio do uso de antiretrovirais, por um tempo ainda
indefinido. Falta, entretanto, conseguirmos um recurso para eliminar o vírus do
organismo.
O máximo que os medicamentos conseguem fazer é inibir a replicação do HIV,
de modo que ser apenas portador do rus, sem que ele esteja trazendo conseqüências
clínicas, é o mesmo que não estar com AIDS, que é a fase sintomática da infecção.
Portanto, uma pessoa portadora do HIV consegue levar uma vida fisicamente
saudável, proporcionada pelo uso regular dos medicamentos, os quais conseguem evitar
que esse vírus traga conseqüências orgânicas comprometedoras à saúde.
Entretanto, para algumas pessoas, a infecção continua significando uma sentença
de morte. Não por problemas estruturais, assistenciais, de acesso aos medicamentos ou
por outra razão logística qualquer. Mas, simplesmente porque alguns indivíduos
definitivamente não se dedicam ao tratamento antiretroviral, mesmo que não haja,
92
aparentemente, dificuldade para isto, a despeito de toda mobilização assistencial para
que possam e consigam tomar adequadamente os medicamentos.
Houve momentos em que imaginei que, se o indivíduo adoecesse e se
desfigurasse, poderia entender e assumir a necessidade de tomar os antiretrovirais. Em
função disso, em várias oportunidades fiquei com uma expectativa de que, nem que
fosse nesta fase, o paciente iniciaria o tratamento correto e se recuperaria, afastando a
perspectiva da morte. Entretanto, nem sempre isso aconteceu e a minha expectativa, às
vezes, decepcionou-se. Algumas pessoas, ainda, mesmo alcançando esse sofrido
momento da história natural da infecção, continuam impersuasíveis ao que o tratamento
poderá lhes oferecer, e caminham inexoravelmente para a morte.
Esse perfil de não aderência ao tratamento antiretroviral me instigou mais ainda
quando observei três agravantes adicionais à minha incompreensão: o primeiro, é que há
pessoas que, a despeito de imensas dificuldades e sofrimentos que ocasionalmente
surgem em seu percurso com o HIV e a terapia antiretroviral, tornam-se aderentes ao
tratamento; o segundo, é que, mesmo alguns indivíduos que foram sensibilizados pelo
adoecimento e desfiguração e experimentaram recuperação com o tratamento
antiretroviral, em algum momento abandonam a terapêutica, novamente adoecendo e se
desfigurando, re-sensibilizando-se ou não; quando não, caminham até à morte,
aparentemente como uma opção deliberada; e o terceiro, é que muitos indivíduos
simplesmente recusam o tratamento, mesmo na ausência de qualquer dificuldade
aparente.
Por que pessoas tomam atitudes assim? Como elas constroem tais atitudes? O
que leva um indivíduo infectado pelo HIV a caminhar em direção à sua própria
desfiguração e morte, havendo alternativa em contrário? O que o impede ou dificulta
perceber ou assumir o tratamento antiretroviral?
Sinto que, para nós, clínicos que cuidamos de pessoas infectadas pelo HIV, é
muito angustiante quando o paciente não segue a terapêutica, pois, todo o sentido e
objetivo que damos ao nosso trabalho gravitam em torno da observância desse indivíduo
ao tratamento e a conseqüente sustentação do seu bem-estar clínico.
Essa nossa angústia, em termos práticos, surge no momento em que desejamos
identificar em que ponto da assistência à pessoa infectada pelo HIV não aderente à
terapêutica estamos errando ou deixando de compreender, perdendo a oportunidade de
ajudá-la. Quando entra no consultório uma pessoa não aderente ao tratamento
antiretroviral, e que eu percebo evoluir a degeneração da sua saúde e aproximar a sua
93
morte, como devo agir tendo nas mãos um grande arsenal de recursos científicos,
tecnológicos, e até sociais, capazes de mudar essa trajetória, mas que, pela atitude dela,
sobre a qual não estou conseguindo intervir, este arsenal passa a não servir para nada?
algum instrumental que está faltando, e que eu nem conheço, para que o objetivo da
aderência terapêutica, nesse caso, seja buscado? Que instrumental será este? O que será
que eu posso e devo fazer para, pelo menos, não me sentir frustrado com o meu papel de
médico daquela pessoa? Quem sabe, eu é que estou precisando entender melhor essa
dinâmica fenomenológica para resolver minha própria angústia, ao invés de querer que
todos os pacientes sejam racionalmente aderentes ao tratamento antiretroviral e me
gratifiquem com o sucesso terapêutico que desejo por meio do que faço?
Ao fazer tal reflexão, identifiquei nessas questões ligadas à aderência ao
tratamento antiretroviral uma demanda reprimida dentro do contexto assistencial em que
trabalho, motivando-me ao desenvolvimento desta pesquisa. Com este estudo, pretendi
penetrar um pouco na profundeza existencial humana de pessoas aderentes à terapia
antiretroviral. Foi pela suspeita de que o instrumental que está faltando para contribuir
para a aderência terapêutica esteja localizado nessa profundeza que nasceu o meu
interesse pelo formato metodológico deste trabalho; no sentido de tentar compreender
um pouco mais o que ocorre dentro dessas pessoas e, quem sabe, voltar essa
compreensão aos não aderentes.
As idéias de Nali (2002, p. 37), foram de encontro à origem dessas
considerações, no momento em que a autora comentou que tal demanda sem resposta
comumente é observada “quando deparamos com a preocupação constante da equipe
assistencial em relação à não adesão do paciente ao tratamento medicamentoso”.
Nesse contexto, senti-me mais incentivado ainda ao observar o argumento de
Figueiredo (1997), consoante à escolha que fiz do método de pesquisa, por meio do qual
procurei ampliar minha compreensão sobre pessoas aderentes ao tratamento
antiretroviral. Esse autor advogou que no ambiente médico-assistencial hospitalar, que
tem conotação análoga à de um ambulatório público, é o psicólogo ou psicanalista quem
trabalha “sobre o que resta das demandas, das outras modalidades de tratamento, do que
ficou sem resposta” (Idem, p. 170).
Destaquei essas referências porque elas me situam em um lugar onde não estou
sozinho. Acredito que não só esses autores, mas, muitos outros profissionais que cuidam
de pessoas infectadas pelo HIV perceberam também as mesmas questões que aqui eu
levanto.
94
Nali (2002, p. 37-8), psicóloga clínica, fez outro comentário acerca de uma
situação vivida por ela e que também tenho testemunhado rotineiramente na minha
atividade profissional. Sobre sua prática em equipe multidisciplinar, essa autora disse:
É comum surgir então a seguinte demanda: “É muito importante que este
paciente utilize corretamente o medicamento... converse com ele”. Boa
intenção, sem dúvida, mas era um pedido da equipe, uma demanda da equipe,
não do paciente. Ao aceitar escutar esse paciente observamos, em alguns
casos, que não aderir ao tratamento tinha toda uma significação para ele, que
não era considerada até aquele momento; dpensarmos então que a escuta
analítica pode fazer sim a diferença [...].
Esta é aquela situação em que, não conseguindo convencer o paciente a se
dedicar ao tratamento antiretroviral, acionamos o psicólogo da equipe para tentar este
convencimento, já que nós, médicos, geralmente temos muita dificuldade em lidar com
demandas ocultas ou mascaradas. Pelo menos, esse é um aspecto que percebo em minha
atividade cotidiana, reforçado por comentários feitos por colegas envolvidos na mesma
problemática, com quem, freqüentemente, tenho a oportunidade de conversar sobre o
assunto. O não reconhecimento e a não exploração dessa demanda limitam o potencial
dos médicos de ajudarem seus pacientes.
Frente a todas as preocupações com a não aderência ao tratamento antiretroviral
que expus, resolvi tentar focalizar esse aspecto pela sua face oposta, a partir da seguinte
consideração: em quase todas as vezes que o assunto é aderência ao tratamento
antiretroviral, a nossa referência para a pesquisa e a assistência se volta para o
fenômeno da não adesão terapêutica. E aí nos debruçamos sobre os pacientes não
observantes do tratamento como se aqueles que usam corretamente os medicamentos
tivessem uma demanda a menos por terem resolvido, por conta própria, o seu
problema com a terapia antiretroviral.
Portanto, é ampla a discussão na literatura sobre questões relacionadas à não
aderência terapêutica, mas, não encontrei quase nada problematizando a adesão ao invés
da não adesão no levantamento bibliográfico que fiz.
Mas, como foi que os aderentes resolveram esse problema? Que percepções
tiveram e que instrumentos mobilizaram para se tornarem aderentes ao tratamento?
Qual é o segredo que faz com que um portador do HIV seja dedicado à terapia
antiretroviral, e que não é conhecido pelos não aderentes ao tratamento?
Metaforicamente, será que se eu descobrir esse segredo e contá-lo aos que não
conseguem tomar os medicamentos adequadamente, não os estaria ajudando?
95
Com esse pensamento, decidi estudar, então, o fenômeno da aderência, e não do
da não aderência. A minha curiosidade, portanto, é compreender as percepções dos
portadores do HIV, observantes à terapia, sobre a infecção por este vírus e o seu
tratamento, os significados que dão a esses objetos (a forma como elaboram essas
percepções) e os motivos que encontram para se dedicarem à terapêutica antiretroviral.
6.2.2 Reflexões sobre o encontro do médico-pesquisador com o paciente-entrevistado.
Um fato que permeou a elaboração da narrativa dos sujeitos foi a minha relação
médico-paciente com eles. Entrevistei pessoas sobre as quais tenho informações
clínicas, sociais e culturais, e com as quais tive vários contatos prévios tanto por
razões afetivas quanto por interesse dos cuidados de saúde delas.
É inerente à relação médico-paciente o acolhimento que se dá, por parte do
médico, das demandas afetivas, existenciais, sociais, culturais e clínicas do paciente que
o procura. É através desse acolhimento que o paciente estabelece atitudes transferenciais
em direção ao médico, o qual responde em postura contratransferencial (TURATO,
2003).
Assim, o paciente pode projetar no médico a representação de um papel que, no
seu contexto de relações, caberia ao seu pai, à sua mãe, ao seu inimigo, ao seu patrão, ao
seu empregado, ao seu irmão, ao próprio HIV ou a qualquer outro significante que
tenha vivenciado durante a construção da sua personalidade. Essa representação pode
ser simbolicamente positiva ou negativa, frustrante ou gratificante, a depender da
significação que o paciente ao médico no processo do seu encontro com este, e de
como seu inconsciente estaria atualizando aquele significante nesta oportunidade.
Conforme argumentou Turato (op. cit.), o médico, por sua vez, poderá responder
assumindo ou não essa projeção, devendo, entretanto, usar da habilidade do
discernimento para decidir pela melhor resposta contratransferencial que interessa ao
acolhimento ideal, objetivando a terapêutica mais eficaz. Mas, ainda segundo esse autor,
o médico não faz isso de maneira absolutamente racional, senão sob a impregnação das
suas próprias angústias, da sua formação e da sua estrutura de personalidade e
existência.
Assim, o perfil dessa relação de transferência-contratransferência varia a
depender do padrão das demandas trazidas pelo paciente e suas angústias; da habilidade,
possibilidade, necessidade, afetividade e angústias do médico em responder
96
adequadamente a esse padrão de demandas; e da fase e do perfil de organização
existencial do médico e do paciente no momento em que entram em contato um com o
outro.
Dessa maneira, tanto da parte do paciente quanto da parte do médico, elementos
conscientes, interesses, desejos, defesas e outros processos inconscientes participam da
constituição dos mecanismos que definem a relação médico-paciente.
Um pesquisador que tem essa relação previamente estabelecida com o
pesquisado, no perfil do acolhimento de uma relação médico-paciente, a incorpora no
processo de sua pesquisa.
Assim, o pesquisador-médico tenta, inconscientemente, aprofundar questões de
interesse clínico-assistencial durante a entrevista com o seu entrevistado-paciente,
mesmo quando esta seja destinada exclusivamente ao interesse da pesquisa, da mesma
forma que o entrevistado-paciente faz revelações que jamais seriam feitas fora do
contexto de uma relação médico-paciente, durante essa mesma entrevista.
Admito que tal relação tenha influenciado esta pesquisa não só durante as
entrevistas, mas, também, quando analisei a fala dos entrevistados.
Portanto, muitos relatos foram negligenciados tanto por mim quanto pelo
entrevistado durante a gravação das entrevistas, principalmente através de recursos de
linguagem fragmentadores da fala (incompletudes de orações, reticências, referências
evasivas ou subjetivas), por terem sido aprofundados em momentos anteriores
durante uma consulta médica. Da mesma forma, demandas clínico-assistenciais
reprimidas, a despeito de tentativas anteriores de atendimento frustradas, foram por mim
valorizadas no momento da entrevista.
Entretanto, essa ocorrência não enviesou os resultados, e as discussões
produzidas. Não houve prejuízos à análise e à interpretação desses recursos de
linguagem, uma vez que foram interpretados e analisados à luz da experiência da minha
relação médico-paciente com o entrevistado, que fui eu mesmo que fiz a análise das
entrevistas, e com base em um referencial teórico pré-estabelecido. Assim, fragmentos
ou colóquios de linguagem do entrevistado, ao serem analisados por mim, foram
tratados de uma maneira mais fiel ao que o ele realmente expressou, comparativamente
ao que seria possível a um pesquisador que não tivesse uma relação médico-paciente
com o entrevistado.
Ao discorrer sobre a transferência que o paciente infectado pelo HIV faz no
contexto da sua assistência, Nali, (2002, p. 36), comentou que:
97
...o paciente demanda uma escuta que não esteja marcada pela doença que o
levou a buscar o ambulatório, mas sim uma escuta que propicie algo
revelador em sua demanda através do discurso, e isso somente poderá ocorrer
se considerarmos que o paciente, ou melhor, o sujeito, está para além do
rótulo de sua patologia. Mas é preciso destacar, também, quais as
representações que essa condição de doente lhe traz, assim como os efeitos
subjetivos dessa ou daquela patologia. Portanto, a escuta analítica, como
dispositivo que privilegia o desejo inconsciente, assim como o mal-estar daí
decorrente, somente será possível a partir da escuta do discurso do sujeito e
seus desdobramentos.
Portanto, o pesquisador-médico que objetiva captar percepções e representações
presentes na existência do paciente-pesquisado, por intermédio de uma entrevista
precisa ouvir e acolher esse indivíduo não apenas como um paciente ou sujeito, mas
como alguém que tem uma demanda existencial estabelecida por seus desejos. Para
identificar e compreender essa demanda, é necessário ultrapassar as formalidades da
relação médico-paciente, transformando o contato em encontro.
Para explicar essa transformação, recorro ao argumento de Callile Jr. (1963) de
que, no “encontro”, um e outro estão da mesma maneira, compartilhando mutuamente
os mesmos significados. Para Schvinger (s.d, p. 5), nessa forma de aproximação, não
uma relação de juízo de valores, mas há, principalmente, uma “disponibilidade de
escuta, da presença face-a-face, da busca rigorosa pela compreensão dos significados
das experiências do [pesquisado] tais como ele as vivencia e avalia”. Esse autor
acrescentou ainda que, no encontro, há o pareamento entre o um e o outro, o
pesquisador e o sujeito, de modo que a transferência mútua de sentidos os nivela e
permite que os relatos e manifestações fluam sob menor impregnação dos mecanismos
de defesa, tanto por parte do entrevistador como do entrevistado, aproximando-os
mutuamente. Sobre a relação médico-paciente, Sá Jr. (2002) comentou que um e outro
não são iguais e o contato é desnivelado pelo próprio caráter da relação de ajuda, o que
descaracteriza esta relação como um encontro, conforme a definição dada a este termo
por Callile Jr. (op. cit.); Schvinger (op. cit.).
Essa aproximação do entrevistador com o entrevistado, em que o pesquisador se
mistura com o pesquisado, buscando identificar-se com ele, é um componente do
método qualitativo à procura da fidelidade da interpretação dos achados com foco à
verdade. Cabe ao pesquisador, entretanto, avaliar objetivamente sua identificação com o
pesquisado, exercendo o duplo e simultâneo papel de ser parte do objeto estudado e
observador externo desse mesmo objeto. O pesquisador deve observar suas próprias
atitudes no contexto da pesquisa, identificando os elementos partidos do pesquisado que
98
possam influenciar seu trabalho. Isso nada mais é que a compreensão da relação de
transferência-contratransferência que ocorre no ambiente de uma pesquisa, em que a
relação entrevistador-entrevistado é calcada no acolhimento proporcionado pelo
encontro entre o pesquisador e o pesquisado, especialmente quando permeado pela
relação médico-paciente.
Além disso, o campo de coleta dos dados, o ambiente e as circunstâncias em que
se realizou a entrevista, por serem familiares a ambos, deixou tanto o entrevistador
quanto o entrevistado mais à vontade, diferente do que poderia acontecer se todos esses
elementos fossem uma novidade no momento da entrevista. Entretanto, por melhor que
o entrevistado esteja ajustado ao ambiente da pesquisa no consultório, este não é o lugar
onde ele está absolutamente à vontade e dominante. Se a entrevista fosse feita na casa
dele, algumas observações do entrevistador, o significado do encontro, a própria
sistemática da entrevista e alguns papéis representados pelo pesquisador e pelo
pesquisado poderiam ter conotações diferentes, capazes, inclusive, de repercutir no
conteúdo da entrevista.
6.3 A INTERPRETAÇÃO DOS RELATOS DOS PORTADORES DO HIV QUE SE
ENCONTRAVAM SOB PRESCRIÇÃO DE ANTIRETROVIRAIS.
6.3.1 As representações da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana adquirida.
Quando eu te encarei frente a frente, não vi o meu rosto. Chamei de mau
gosto o que vi; de mau gosto o mau gosto! É que Narciso acha feio o que não
é espelho, e à mente apavora o que ainda não é mesmo velho. Nada do que
não era antes, quando não somos mutantes (Caetano Veloso).
6.3.1.1 A subtração existencial por meio do estigma.
Encontrei a seguinte abordagem no relato de uma entrevistada negra de
ocupação doméstica:
“Eu acho que eu sou diferente de quem não tem o HIV. Eu acho que eles é mais,
assim, a cor, né... agora, os moreno eu nunca vi, mas os mais clarinho, a cor deles é
uma cor muito descorada, parece que o sangue é muito fraco. Parece que esse negócio
enfraquece mesmo”.
99
Essa mulher afirmou que se sente diferente de quem não é portador do HIV,
associando o estigma racial normatizado pela sociedade em que é identificada como
negra com o estigma que existe em relação ao portador do HIV. Dito de outra forma, a
infecção pelo HIV não muda a aparência do negro, mas muda a aparência do branco.
Este, quando se torna portador do HIV, fica mais fraco, tornando-se diferente do seu
aspecto original. Assim, a entrevistada deixou claro que a infecção pelo HIV pode
produzir sinais corporais notáveis, o que, segundo Goffman (1988) é um pré-requisito à
definição do estigma. Como ela “nunca viu tais alterações nos morenos”, sob a cor da
sua pele sente-se protegida do sinal que informa aos outros que é portadora do HIV.
Historicamente, testemunhamos que a cor negra da pele pode ser um sinal
corporal capaz de interferir nas relações interpessoais, despertando a segregação.
Portanto, é uma marca definidora de um estigma. Contudo, no caso dessa entrevistada,
ter a pele negra tornou-se uma vantagem pela proteção que lhe oferece contra uma outra
marca definidora de um outro estigma. Entre o sinal representado pela cor da sua pele, e
aquele representado pela infecção pelo HIV, ela preferiu o que se relacionou à cor da
pele, com o qual consegue esconder a infecção pelo HIV.
Ao dizer que essa infecção pode produzir alterações observáveis em seu
portador, a entrevistada esclareceu que portar o HIV determina uma diferença que
demanda comparações com os outros. Ao fazer essa comparação, ela observou que a
pessoa infectada se torna enfraquecida. Todos nós sabemos que a fraqueza é um atributo
de desvalorização. Portanto, posso admitir que, segundo essa mulher que entrevistei, a
infecção pelo HIV desvaloriza e estigmatiza o sujeito.
Por outro lado, as alterações orgânicas da infecção pelo HIV, ao materializarem
o estigma, podem fazer com que o infectado também perceba a sua própria marca. Ao
percebê-la ou imaginá-la, pode ser que este sujeito deseje escondê-la, como no caso da
entrevistada em discussão.
A esse respeito, Pinheiro et al. (2002) argumentaram que o indivíduo infectado
pelo HIV está sempre preocupado com as conseqüências da infecção e/ou do seu
tratamento sobre sua aparência e saúde físicas, convivendo permanentemente com o
medo e com a insegurança acerca do que poderá lhe acontecer. Diante do achado
apresentado, é possível que, além do que disse o autor, o sujeito também sofra com a
imagem do que poderá significar e representar sua infecção.
Uma outra entrevistada, de 42 anos de idade, abordou sua insegurança da
seguinte maneira:
100
“Quando vejo alguém que não tem o HIV, a gente se sente assim... a gente sente
assim, aquela pessoa que não tem o HIV é mais forte que a gente, né, mais sadia.
Acho que não vai morrer... e as pessoa se afasta da gente também, né, por causa desse
negócio.”
Ao sentir que “o não portador do HIV é mais forte que ela”, essa mulher
expressou uma perda de valor ao se comparar com ele. Além disso, pôs-se na condição
de mortal diante do não portador do HIV, em quem projetou a imortalidade.
Dessa forma, estabeleceu uma distinção em que o portador do HIV foi posto
numa condição de inferioridade em relação ao não portador, e observou que os não
infectados se afastam dos infectados por causa da infecção. Definiu a infecção pelo
HIV, portanto, como sendo o próprio estigma.
Da mesma forma que foi visto no relato antecedente, o portador deste vírus e o
não portador, foram categorizados, respectivamente, em fracos e fortes, em descorados
e corados ou em doentes e sadios.
Merleau-Ponty (1999, p. 581) comentou que, “para si mesmos, [os doentes] não
são enfermos ou moribundos”, de modo que só podem se queixar de sua doença
“quando se comparam com os outros”, quando, então, objetivam-se em “consciência-
de-doente”.
Sendo assim, ao dizer que o não portador do HIV “é mais sadio” que o portador,
a entrevistada incorporou uma consciência-de-doente, comparando-se com as pessoas
não infectadas por esse vírus. A esse respeito, Mayers & Svartberg (2001) comentaram
que a consciência-de-doente é uma presença marcante entre os portadores do HIV,
devido à qual eles se sentem mais fracos que os não portadores.
Além disso, essa consciência-de-doente:
quebra a continuidade vital do sujeito, apresentando-se como
incompreensível. É mórbido aquele vivenciar que emerge na vida do
indivíduo, quebrando sua continuidade: sua maneira de agir e comportar-se,
sua forma de sentir e pensar. E esta quebra não encontra justificativa em sua
circunstância vital imediata. A pessoa começa a entrar num processo de
ruptura com sua realidade habitual, mostrando-se cada vez menos adaptada às
exigências de seu contexto (Jasper, K. Psicopatologia Geral, apud Romero,
1994, p. 61).
Ao romper com o ambiente natural da pessoa, essa consciência-de-doente pode
fazer com que o sujeito estranhe seu novo contexto e se sinta diferente das pessoas que
deste não fazem parte.
101
À luz das idéias de Goffman (1988), esse sentimento de que se tornara diferente,
especialmente quando derivado de uma comparação de si com os outros, conforme feito
pelas pessoas que entrevistei, resulta da crença de que se porta uma marca corporal que,
caso seja notada pelo outro, poderá despertar, neste, algum tipo de reação. A partir dessa
crença, o portador do HIV objetiva sua infecção no estigma.
Essa representação do estigma na infecção pelo HIV foi abordada por uma
balconista de 28 anos de idade da seguinte maneira:
“Quando eu vejo alguém pela rua que também tem o HIV, eu tenho um sentimento
assim, o mesmo sentimento que às vezes eu me olho no espelho e eu choro. Por várias
vezes eu já me peguei na rua chorando, porque eu conheço uma pessoa, ela... sei lá, é
um sentimento de fraqueza, de não poder fazer alguma coisa. Você sente vontade de
fazer um monte de coisas e não tem condições nenhuma de fazer, de como ajudar, o
que fazer... Quando eu vejo alguém que não tem o HIV eu me sinto normal. Desde que
ela não saiba que eu tenho, até então eu encaro normal. Agora quando... se ela souber
que eu tenho, depende muito da pessoa, por exemplo, [diante] [d]ela [apontando para
uma amiga confidente que estava ao lado] eu me sinto totalmente à vontade, mas já
outras pessoas que sabem, eu me sinto totalmente constrangida. Tenho medo,
vergonha... um monte de coisas. [...]. ... e já teve também uma outra pessoa que
espalhou, fez questão de espalhar que eu com esse problema e tudo... Meu medo
tem sentido, não vem da minha imaginação. Depois que eu fiquei sabendo mesmo, da
realidade mesmo, parece que todo mundo te olha diferente. Você tá na rua, parece que
aquela pessoa te olha, parece que ela tá, aparentemente ela falando assim: - Ela
tem!... Você tá sempre desconfiada, mesmo que isto não esteja acontecendo. Tô
sempre cismando que aquela pessoa tá falando de mim, tá falando do meu problema. É
sempre assim.”
Essa balconista identificou-se com quem tem o HIV, “vendo o outro portador
como se fosse a sua própria imagem no espelho”. O reflexo dessa imagem a desespera,
porque ela chora diante desse espectro que a faz se sentir fraca e impotente. Ela contou
que “tem vontade de reagir, mas não tem forças para isto”.
Ao olhar para o outro portador do HIV, ela se vê em realidade. Mas, ao olhar
para o não portador, essa imagem é possível quando este não sabe do seu
diagnóstico, ou seja, quando não nota sua diferença. Portanto, o mal-estar consiste na
possibilidade de revelação do diagnóstico de portadora do HIV, fato que poderia por em
evidência a limitação autopercebida e dar significado à sua marca, afirmando-a como
um estigma.
102
Ao perceber esse significado, a entrevistada sente medo das representações da
infecção pelo HIV e vergonha por ser portadora desse vírus, ou seja, desse estigma. Tais
representações, por já tê-las vivenciado, não são imaginárias.
De acordo com as idéias de Goffman (1988), essa entrevistada criou para si dois
protótipos diferentes: um que ela usa para se relacionar com pessoas que não sabem que
é portadora do HIV, e outro para se relacionar com quem sabe do seu diagnóstico. Sob
tal duplicidade, tenta controlar o perigo de tornar-se desacreditada, encobrindo aquilo
que a define como desacreditável, ou seja, escondendo sua marca (seu diagnóstico) de
quem poderá reagir diante desta, tornando-a um estigma.
Entretanto, diante dessa necessidade de encobrimento, a balconista que
entrevistei se sente desprotegida diante da possibilidade de se envergonhar perante os
olhares alheios. Em seu discurso, o motivo da vergonha (a infecção pelo HIV) foi posto
como um agente fragilizador, relacionado ao risco da exposição pública de uma situação
que a inferioriza, do qual ela tenta se proteger na clandestinidade em que oculta o seu
diagnóstico.
Diante desse risco, ela essempre desconfiada” de que alguém possa estar lhe
observando pelo ângulo que motiva sua vergonha. Segundo Goffman (1988), o
estigmatizado está sempre alerta ao que os outros podem estar pensando a seu respeito.
Para Sontag (1989); Sanches (2000), a palavra AIDS suplica um autoconceito
negativo dentro do próprio indivíduo infectado pelo HIV, o qual é visto pela sociedade
como um pária. De acordo com Mayers & Svartberg (2001), a pessoa infectada é
percebida, por si e pela sociedade, como quem tem, ou pelo menos teve, íntimo
envolvimento com pobreza, ilicitude ou marginalização. É possível, portanto, que a
última entrevistada tenha objetivado seu sentimento de vergonha nessa representação.
Os mesmos autores acrescentaram, ainda, que tal representação contribui para a solidão
e o profundo isolamento do portador do HIV.
Segundo Goffman (1988), ao isolar uma pessoa por meio da sua identificação
com um conjunto de valores reprováveis, aplica-se-lhe um estigma destinado a legitimar
o normal como fiel representante do bem, cujo objetivo é diminuir, enfraquecer e
subordinar o divergente. Essa atitude social, segundo Bleichmar (1985), resulta de um
“discurso totalizante” que manipula a realidade transformando-a em uma verdade que
não condiz com a própria realidade, mas, está de acordo com valores dados a atributos
individuais e sociais
3
.
103
Nessa linha, Freud (1925/1982, p. 237) defendeu a idéia de que o “ego de prazer
original deseja introjetar nele tudo o que é bom e expulsar tudo que é mau”.
Partindo
dessa consideração, Sanches (2000) comentou que o “juízo totalizante” (imposição dos
valores sociais sobre o indivíduo) “seria, [então], guiado pelo princípio do prazer” social
(p. 29). Assim, o prazer social (o bem estar da sociedade) exige que se repulse aquilo
que a sociedade define como ruim.
Entre as coisas que a sociedade define como ruim, estão as práticas sexuais
destrutivas, a ilicitude e a morte, vinculadas à infecção pelo HIV. Nesse caso, a rejeição
social ao portador do HIV é uma atitude da sociedade destinada à negação de um objeto
que esta recalca, por meio da qual afirma a falsidade de que não tem nada a ver com tal
objeto. Portanto, de acordo com Lasch (1983); Sanches (op. cit.), o preconceito contra o
portador do HIV é uma defesa utilizada pela sociedade para continuar valorizando a sua
aparência acima daquilo que de fato é, com o objetivo de assegurar que a sua verdade
domine a realidade. De acordo com Goffman (1982, 1998), o propósito desta atitude é
conservar a normalidade da sociedade, segundo seus próprios princípios e valores.
Segundo Sanches (2000); Mayers & Svartberg (2001), em busca da sua
normalidade por meio da identificação ideológica com a sociedade da qual fazem parte,
as pessoas assumem e incorporam os valores normativos desta sociedade.
Então, quando se trata de abordar o excepcional, elas reproduzem a significação
social do estigma na sua relação com este. Portanto, as pessoas que incorporaram os
valores sociais segregadores do portador do HIV, quando se tornam infectadas por este
vírus, poderão retornar a si próprias o significado depreciativo que atribuem à infecção
por esse vírus.
Sendo assim, as pessoas que se autodiscriminam, tendem a se isolar socialmente,
negando-se à vida e evitando a convivência, desidentificando-se em relação aos outros e
ao mundo. Segundo Lifton (1968), algumas pessoas nessa condição podem, até,
tornarem-se impossibilitadas de se mover além desses sentimentos.
Mayers & Svartberg (op. cit.) comentaram, ainda, que, diante desse isolamento,
a pessoa pode apresentar sentimentos de ansiedade e de morte capazes de infestá-la com
_______________
3. A verdade é o estabelecimento do ser segundo crenças, valores e significados tomados como um guia
do que se pretende enquanto projeto existencial. É uma criação da pessoa ou da sociedade, a interesse da
própria existência, a partir de significados e valores que se atribuem aos determinantes da vida no mundo.
A realidade é o determinismo concreto, real absoluto, porém passível de ser objetivamente manipulado
pela verdade estabelecida, consciente ou inconscientemente (ROMERO, 1994, p. 37-42).
104
imagens de que está realmente morrendo. Essa percepção de agonia esteve presente no
argumento dos sujeitos que entrevistei, ao comentarem que se tornaram frágeis e
incapacitados como se tivessem perdido a vitalidade devido à infecção pelo HIV.
Diante dessa circunstância, um entrevistado trabalhador braçal da indústria fez o
seguinte comentário:
“Quando eu vejo alguém na rua que também tem o HIV, eu acho que ele merece
apoio, merece uma força, acho que não merece ser divulgado nada dos problemas dele,
porque... a questão pessoal... Quando eu vejo alguém que não tem o HIV, eu acho que
ele deve contribuir pra não ter. E quem tem ele, lutar pra não transmitir. Eu sinto que
eu sou diferente de quem não tem o HIV. Eu me sinto às vezes, quando eu saio com
uma garota por aí, eu tenho que usando preservativos, muitas vezes algumas fala
que não quer que usa, eu temo pra usar e eu não posso contar porque que é... e com
isso eu fico constrangido pra caramba. Eu nunca contei pra ninguém, a não ser pros
médicos aqui. Nem minha família não sabe. Por isto eu acho que ninguém olha
desconfiado pra mim. Se eles souberem, vai haver exclusão, né.”
O especial cuidado reivindicado por esse trabalhador foi sua proteção contra a
exclusão social e o significado dessa exclusão como agente de enfraquecimento da
pessoa. Diante disso, propôs solidariedade ao portador do HIV por meio da não
revelação do seu diagnóstico, e respeito à sua privacidade.
Falou em atitudes de prevenção da transmissão do HIV dizendo que “quem tem
o vírus deve colaborar para não transmití-lo, assim como quem não tem, deve evitar
contraí-lo”. Ou seja, é preciso agir de modo a não deixar que o vírus se espalhe.
Subentende-se, pois, que o HIV representa uma ameaça. Essa representação dá, à
condição de portador do HIV, o significado de um objeto de rejeição, o que motiva a
ocultação do seu diagnóstico como uma forma de auto-proteção e auto-preservação.
Ao expor tal consideração, o entrevistado estabeleceu uma relação direta entre
transmissão do HIV, revelação do diagnóstico e segregação social. Em outras palavras,
deve-se “lutar para não transmitir” o HIV por causa da ameaça que isto representa de
revelar seu diagnóstico e despertar no outro o sentimento da rejeição.
Reforçou sua preocupação no momento em que comentou a insegurança que
sente por tomar uma atitude sexual de proteção contra a transmissão do HIV, a qual,
quando questionada pelo outro, o faz sentir que o objetivo de manter oculto seu estado
de portador desse vírus torna-se ameaçado, deixando-o “constrangido pra caramba”.
105
A necessidade de usar preservativo nas relações sexuais sem poder revelar suas
razões é o que o difere do não portador do HIV. Nesta diferença está um importante
motivo de constrangimento.
Schönnesson (2000) também comentou sobre o potencial d revelação do
diagnóstico da infecção pelo HIV por meio da necessidade de usar preservativo para
não transmitir o vírus por via sexual.
A questão do sigilo, para esse entrevistado, é tão importante que ele disse que
revela a sua condição para os médicos, ou seja, para ninguém, pois, na verdade, foram
os médicos que lhe revelaram o diagnóstico, e não ele que o revelou a seus médicos.
Sobre esse constrangimento, um entrevistado heterossexual de boa situação
sócio-econômica, trabalhador administrativo da indústria, que transmitiu o HIV para a
esposa com quem vive atualmente, considerou o seguinte:
“A princípio, quando eu vejo alguém na rua que tamm tem o HIV, eu sinto uma
coisa muito triste que é pena, porque eu também tenho. A vontade é de chegar e
conversar, mas eu tenho vergonha.”
Nesse depoimento, o sujeito confessou uma vontade de compartilhar seu
sentimento e afeição com alguém respectivamente identificado, mas, o constrangimento
que sente é mais forte. Devido a isso, reprime sua vontade. Tem autocompaixão e sente
tristeza, mas prefere não externar seus sentimentos para não expor o motivo dos
mesmos, do qual se envergonha.
Esse conjunto de percepções deve ser muito difícil de enfrentar, pois, ao que
parece, o sujeito gostaria de revelar sua situação para desabafar seu sofrimento e
experimentar algum sentimento de identificação, pelo menos em relação àqueles que
também são portadores do HIV, mas, o medo da desaprovação prevalece.
Dessa maneira, o entrevistado permaneceu retraído em seu mundo clandestino,
suportando dentro de si a convivência de impulsos ambíguos, favoráveis (vontade e
necessidade) e contrários (medo e desaprovação) à revelação do seu diagnóstico.
Devido a essa clandestinidade, o portador do HIV vivencia uma ruptura dos
laços de solidariedade e o sentimento da impossibilidade de reconstrução desses laços,
mesmo que seja com outro portador do HIV. Compartilhar sentimentos e afetos
106
pressupõe não mais ocultar a sua condição, o que é sentido como extremamente
ameaçador.
6.3.1.2 A perda da privacidade, e a morte física de causa não orgânica.
Uma das minhas entrevistadas, mulher de ocupação doméstica, alcoólatra
abstinente, de 41
anos de idade, mãe de cinco filhos e muito cuidadosa com sua
aparência corporal, fez o seguinte comentário sobre a abordagem de um portador do
HIV:
“Às vezes eu vejo muito alguém com HIV, igual eu vejo na minha cidade, pessoas que
têm o problema, gente que não cuidam, e bebe... eu tenho vontade de chegar perto e
falar, mas eu deixo. Porque às vezes a pessoa não sabe que a gente sabe que ela tem
esse problema. Eu tenho medo assim, deles me dar uma resposta, né. Não sei, eu
tenho muito medo de chegar e falar e eles perguntarem de onde eu descobri isso...”
Segundo essa entrevistada, é importante que o portador do HIV se cuide. Ela tem
vontade de se aproximar daqueles infectados que não se cuidam para alertá-los a esse
respeito. Entretanto, teme que essa tentativa de aproximação implique na revelação
daquilo que o outro deseja manter oculto e privado, acionando-lhe as defesas contra
uma invasão alheia sobre um assunto que lhe é particular. Preocupa-se com a
possibilidade de que o abordado reaja como se estivesse sendo agredido em seus
interesses ou até mesmo em seus direitos.
O direito à privacidade é um princípio democrático que é especialmente
abordado pelo código de ética médica quando diz respeito ao sigilo profissional
(CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE MINAS GERAIS, 1993,
p. 15-16; CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO,
2001, p. 35 e 84). No caso da situação exemplificada pela entrevistada acima, ao se
aproximar de uma pessoa por saber que ela é portadora do HIV, sem que esta pessoa
tenha feito tal revelação, a mesma poderá entender que seu direito de privacidade foi
violado e exigir que essa violação seja reparada.
Essa aproximação, significando a possibilidade de invasão de um espaço
privado, poderia, portanto, demandar um inquérito sobre a origem da revelação do
objeto que não podia ser revelado. No fundo, a entrevistada também pode estar temendo
107
que a abordagem do outro indivíduo infectado pelo HIV, a respeito do diagnóstico dele,
possa desencadear a revelação da sua própria situação a partir desse inquérito, além de
obrigá-la a denunciar a fonte da sua informação a respeito desse indivíduo.
Por outro lado, o fato dela saber que outra pessoa é portadora do HIV, sem que
esta pessoa saiba que ela tem essa informação, provavelmente a deixa insegura quanto à
possibilidade de que alguém a quem ela não tenha revelado seu diagnóstico, também
saiba que ela é portadora do HIV. Pode ser que a imagem dessa possibilidade a faça
sentir que sua privacidade também esteja vulnerável ou, talvez, tenha sido violada
como a daquele sobre o qual ela ficou sabendo do diagnóstico.
Esses achados mostram que, no contexto dos significados da infecção pelo HIV,
existe algo muito íntimo ao seu portador que deve ser mantido em seu espaço privado.
A insistência em manter o assunto ocultado deve existir mesmo se por ventura for
revelado. A entrevistada reforçou essa observação ao se referir à infecção pelo HIV por
meio de um pronome indefinido, chamando-a apenas de “isso”, meio pelo qual
mencionou a infecção sem denominá-la. Aliás, veremos em outras entrevistas que serão
exibidas adiante, que esse tipo de referência à infecção pelo HIV é muito freqüente. A
esse respeito, Sanches (2000, p. 32) comentou que, para o portador do HIV, o grande
“risco é expor aquilo que nunca teve nome”.
Portanto, não é seguro divulgar coisas de foro privado, especialmente se
relacionadas à infecção pelo HIV. Essas coisas devem ser respeitadas como a própria
intimidade da pessoa. Especialmente no caso do portador desse vírus, a violação da
privacidade pode despertar o preconceito. Foi o que disse uma entrevistada de 43 anos
de idade, viúva de um portador do HIV que abandonou o tratamento e morreu. Essa
mulher, que também é mãe de uma criança infectada, fez o seguinte comentário:
“Eu escondo [que temos o HIV] 24h, mas o problema de eu esconder é que eu tenho
medo do preconceito. Você vê que eu tenho uma cunhada que nem na nossa casa ela vai
não. Meu marido tava doente e ela não visitava não, porque ela tem medo. Eu escondo é
por conta disto. Eu acho que não é a doença que mata, o que mata é o preconceito. O
preconceito é que traz a gente com depressão, entendeu? Meu marido gostava muito
dela e depois descobriu que ela tinha medo dele. ele veio tendo mais depressão com
isto. Pra te falar a verdade eu levo a minha vida debaixo de um segredo.”
108
Essa mulher percebeu que o estigma representado pela infecção pelo HIV
desperta o preconceito. Em torno desse preconceito ela articula medo, depressão e
morte. Uma depressão que resulta de uma segregação, a qual é capaz de levar a pessoa à
morte. Então, ela se orienta em relação ao HIV pela atitude de se esconder, cujo sentido
é o de proteger a si e aos seus dos efeitos do preconceito.
Ainda nesse relato, a entrevistada evidenciou que o preconceito em relação à
infecção pelo HIV não vem exclusivamente de pessoas estranhas, mas, pode vir também
de dentro da própria família, conforme observaram Ferraz & Stefanelli (2001); Santiago
(1998).
Sobre a relação entre preconceito e morte no contexto do significado e das
representações da infecção pelo HIV, Sanches (2000, p. 28 e 32) comentou que:
A descoberta da soropositividade imediatamente torna o indivíduo
“suspeito”. [...].O castigo maior (temido-desejado) não é a morte, vivida
como quase uma libertação, mas a revelação.
Nesse comentário, a autora sustentou que o diagnóstico da infecção pelo HIV
representa aquele estigma que avisa aos não infectados que o infectado porta uma
ameaça capaz de fazer mal a alguém. Essa representação desencadeia, nas pessoas não
portadoras do HIV, um sentimento de medo em relação ao portador, fazendo com que se
afastem dele, conforme descrito pela última entrevistada que apresentei. Essa
segregação pode deixar o infectado tão deprimido que ele poderá preferir morrer a
continuar vivendo assim discriminado. Então, para evitar esse sofrimento, a pessoa
esconde o seu diagnóstico devido ao medo do preconceito que a revelação deste poderá
despertar nas pessoas, o qual pode ser “mais [mortal] que a própria infecção”.
Em ouro trecho da sua entrevista, essa mulher reforçou tal argumento ao abordar
a morte do esposo da seguinte maneira:
“...eu perdi meu marido, né, [...] mas não quer dizer que ele morreu, eu vi o que ele
passou. Eu vi que ele não tomava os remédio direito...”
Ao afirmar que “não quer dizer que ele morreu”, essa entrevistada insinuou que
o seu esposo não teve uma morte natural, percebendo-a, pois, como de causa externa, ou
seja, ele foi morto. Ao dizer que viu o “que ele passou”, referiu-se ao preconceito
109
descrito no trecho da sua entrevista mostrado anteriormente, em que relata que sua
cunhada os segregou porque soube que portavam o HIV, proporcionado a que o esposo
ficasse mais deprimido ainda. Imediatamente, conectou esse raciocínio ao abandono do
tratamento adotado pelo marido. Então, posso concluir que ele foi morto pelo
preconceito, o qual, ao deixá-lo deprimido, tirou-lhe o interesse pela vida,
desmotivando-o a tomar os antiretrovirais.
Sobre o fato do preconceito significar angústia maior que o efeito orgânico da
infecção pelo HIV, Turato (2003, p. 483) afirmou que, atualmente, pessoas com AIDS
sentem uma grande dor derivada da sua morte social. Acrescentou que tal sofrimento é
conseqüência, também, do aspecto desumanizador do significado da infecção pelo HIV,
e na só da perspectiva da morte física.
Além do preconceito, vários autores admitiram que a perspectiva de que o
portador do HIV poderá morrer em curto prazo, percebida a partir da revelação do
diagnóstico da infecção, faz com que os outros o vejam como se tivesse morrido.
Essa imagem pode induzir as pessoas a descartarem o infectado do seu meio social, não
contando mais com sua existência (FERRAZ & STEFANELLI, 2001; NETO,
VILLWOCK & WIEHE, 1996; SANCHES, 2000).
Por outro lado, diante do fato de que a revelação do diagnóstico da infecção pelo
HIV, além de poder matar socialmente a pessoa, tem também a possibilidade de expor a
sua intimidade, Sanches (op. cit.,
p. 28) argumentou que:
A aids representa uma invasão maciça do público no privado. Aquilo que
podia conviver com relativa tranqüilidade enquanto estava cindido, eclode
como um drama, no plano individual, e como um massacre, na dimensão
social.
De acordo com os relatos dos entrevistados, tal invasão de privacidade, ao
eclodir “como um massacre”, expressa-se na forma de uma reprovação ao
comportamento da pessoa infectada, a qual se estende à vida total do indivíduo, mesmo
em relação ao tempo em que não era portador do HIV. Essa extensão, provavelmente,
colabora para a morte social do sujeito. Esse fenômeno, segundo Erthal (1989), pode
conduzir a pessoa à morte psicológica, a qual é caracterizada pelo fim de uma vida
saudável e pela redução do ser ao plano apenas biológico, onde a pessoa passa a viver
sem existir.
110
No que diz respeito à morte existencial, ou seja, ao sofrimento do portador do
HIV no contexto da sua interação com as outras pessoas, Sanches (2000, p. 22 e 26)
criou um conjunto de conceitos, por meio dos quais explicou que a AIDS social
(“conjunto de representações sociais e posturas respectivamente discriminatórias”)
concorre com a AIDS orgânica (compreendida pela biologia) e com a AIDS mental, esta
caracterizada pela “intensa angústia, ligada a fantasias de exclusão, degradação e morte,
que podem, inclusive, ser vividas em nível somático e levar a atuações auto e
heterodestrutivas”.
Nesta linha de raciocínio, outros autores argumentaram que a auto-imagem das
pessoas portadoras do HIV advém da crise coletiva instalada no imaginário cultural pela
pandemia de AIDS. Portanto, a crise pessoal, na verdade, é uma maneira pessoal de
sentir a crise coletiva, apesar da sua aparência íntima e privada (CZERESNIA, 1997;
FARRELL, 2003; FREIRE & BETTO, 2003; SOUTO, 2002; VIGNALE &
CALANDRIA, 1999).
No relato abaixo, feito por um artesão heterossexual solteiro, pode-se ver a
construção que fez acerca das pessoas que discriminam o portador do HIV. Ele
reconheceu que, no imaginário coletivo, o câncer causa menos rejeição do que a
infecção por esse vírus, mas que, mesmo assim...
“...a gente tem que ter dó daquela pessoa que critica, ter carinho, procurar entender, às
vezes aprocurar explicar àquela pessoa, desde que a gente não deixa transparecer,
porque a discriminação ainda... tem pessoas que com todo o desenvolvimento, o
avanço, ainda tem pessoas que preferem o câncer... do que uma AIDS. Mas por que?
Isso é ruim, isso é porque ocultaram, a imprensa, ocultaram o sistema.”
Esse artesão propôs uma forma tolerante e afetiva para a abordar as pessoas que
têm preconceito em relação aos portadores do HIV, argumentando que esse preconceito
não foi construído pelo indivíduo, mas pelas representações sociais da AIDS. Em sua
reflexão, sugeriu que essas representações desfavoráveis se devem à omissão dos
sistemas de comunicação social, os quais, de fato, têm grande capacidade de
intervenção sobre o imaginário coletivo.
O que esse entrevistado sugeriu, portanto, foi a construção de uma AIDS social
alternativa à vigente. Enquanto isso não acontece, avaliou que é prudente manter o seu
diagnóstico oculto em sua intimidade.
111
6.3.1.3 A perda da identidade e o isolamento, por meio do processo em que a pessoa se
torna diferente.
Perguntado sobre o que significou para si próprio ter sido diagnosticado portador
do HIV, um caminhoneiro heterossexual, de 33 anos de idade, comentou o seguinte:
“O HIV foi uma coisa ruim na minha vida, não foi uma coisa boa não. mudei de
uma vida pra outra. E aquelas pessoa que eu conhecia e que sabe desse problema eu
evitei um pouco de encontrar e de conversar com eles, isso. Eu coloco como uma
coisa negativa porque as pessoa te olha meio diferente. E eu sou o tipo do cara, que se
a pessoa me olha diferente, que sabe do problema, eu evito de passar perto e de
conversar.”
Esse caminhoneiro deixou claro que não é mais o mesmo e que o seu ciclo de
convivências e relacionamentos mudou. O diagnóstico, portanto, alterou a identidade
desse sujeito, transformando-o em outra pessoa. Ele associou essa mudança a algo
negativo que tem a capacidade de distanciar as pessoas entre si, produzindo, assim, um
desencaixe social do indivíduo.
Segundo Moreira Filho (2005, p. 20), “a enfermidade altera o encaixe social das
pessoas [...] e é responsável também por mudanças nos sentimentos dos pacientes.
Portanto, os laços interpessoais dos enfermos sofrem revisão e assumem novos
significados [...].”
De certa forma, esse entrevistado mudou sua atitude ao ser diagnosticado
portador do HIV, reconstruindo seu ambiente de relações. Passou a evitar o encontro
com pessoas que o conheciam antes do diagnóstico porque elas não mais o olham da
mesma maneira.
Segundo Goffman (1988), esse tipo de reconstrução representa uma ruptura
biográfica que o estigmatizado imprime sobre sua existência, com o fim de recuperar o
crédito social perdido em conseqüência à aquisição de um estigma.
Para Davies (1997), nesses casos, as mudanças de conceitos, orientações e
valores individuais afetam o senso de identidade, autoconceito e responsabilidade moral
da pessoa.
Com base nessas considerações, pode-se dizer que o diagnóstico da infecção
pelo HIV desestrutura a identidade própria que a pessoa construiu ao longo de sua vida,
112
ou seja, “os eixos estruturantes externos e internos desorganizam-se e o indivíduo perde
os referencias de sua própria identidade” (SANCHES, 2000, p. 31).
Biologicamente, o HIV domina e desregula o sistema imunológico da sua
vítima. Esse sistema passa a não mais compreender corretamente o que é próprio ao
organismo e o que lhe é estranho, deixando de defender adequadamente esse organismo
contra o estranho e, eventualmente, agride equivocadamente o próprio corpo do qual faz
parte. Alterado dessa forma, o sistema imunológico freqüentemente deixa de reagir
contra o estrangeiro como se este fosse familiar, e ataca o familiar como se este fosse o
estrangeiro (HINRICHSEN, 2005; VERONESI & FOCACCIA, 1999).
Fazendo uma analogia entre essas considerações biológicas e o que acontece no
plano existencial, noto que quando um indivíduo é diagnosticado portador do HIV, seu
espaço privado é invadido pela AIDS social. Essa intervenção modifica a pessoa de
dentro para fora, alterando a forma como ela se percebe, como percebe os outros e como
os outros a percebem.
Portanto, a representação da infecção pelo HIV na constituição desse novo ser
pode fazer com que ele se torne estranho a si e ao outro com quem se identificava
anteriormente e, com isto, que não se saiba mais quem se é.
A esse respeito, Sontag (1989) construiu uma metáfora, posteriormente
comentada por Sanches (op. cit.), em que a infecção pelo HIV representa um estrangeiro
que invade o organismo como um inimigo vindo do exterior. Esse organismo se
obrigado a incorporar o estrangeiro que, agora, o ataca a partir do seu próprio interior.
Dessa forma, o organismo que incorpora o inimigo passa a agir como se fosse o seu
próprio inimigo por o mais se reconhecer dentro de si. Ao se identificar com o
estrangeiro, o portador do HIV passa a se sentir diferente daqueles em relação aos quais
se via como um igual. Estes, por sua vez, passam a estranhá-lo.
Em suma, o diagnóstico da infecção pelo HIV, por suas implicações orgânicas,
existenciais e sócio-culturais, transforma o indivíduo em outra pessoa, mesmo que ele
não queira.
Avaliando as repercussões do processo acima descrito, nos quais se imbricam
familiaridade e estranhamento, Mayers & Svartberg (2001) argumentaram que tal
processo é mais um importante fator capaz de conduzir o indivíduo a um sofrido estado
de isolamento existencial, pois, nessas condições, a pessoa tende a se afastar do seu
ambiente original e ser também afastada por ele.
113
Voltando ao último entrevistado, observei que, em outro trecho da sua
entrevista, ele falou do isolamento a que se submeteu, conforme se vê a seguir:
“Eu, como se diz, se a pessoa souber que você tem você fica meio assim, meio lá meio
com a pessoa, você sabe como é que é. Eu acho que fica meio rejeitado porque isso
é um problema muito sério. Esse tipo, talvez eu me sinto assim meio afastado
porque é uma pessoa que... tem pessoas que não têm e sente essas pessoa que tem
meio rejeitado. Eu já vi muito falar isso. [...] ... todo mundo... assim não todo mundo,
mas certas pessoa afasta do caboclo. Vai deixando ele sozinho, porque a gente
vendo isso acontecer.”
Esse sujeito explicou que a possibilidade de exposição do seu estigma o deixa
inseguro diante do sentimento de que será, conseqüentemente, rejeitado.
Independentemente dessa revelação, ele se sente afastado” por ser portador de “um
problema muito sério”, e por ter observado que as pessoas isolam o portador do HIV.
6.3.1.4 A infecção pelo HIV como um instrumento de negociação ou como uma
incoerência.
A demanda administrativa que mais recebo dos sujeitos desse estudo, durante as
consultas médicas, é o pedido de relatórios destinados a perícias ocupacionais ou
coberturas assistenciais e previdenciárias.
Essa demanda resulta de um direito de cidadania que contempla aspectos ligados
a relações de trabalho, acesso à renda e benefícios assistenciais, instituído com o fim de
assegurar a proteção e a inclusão social de pessoas acometidas por determinas
enfermidades.
Portanto, escolhi dois marcadores como referenciais de identificação do perfil de
cidadania dos sujeitos dessa pesquisa: oportunidade de emprego e trabalho; e modelo
do acesso a benefícios sociais na esfera pública e no sistema previdenciário.
Com o foco centrado nesses marcadores, dirigi uma parte da entrevista à
finalidade de detectar qual seria o significado da infecção pelo HIV como um agente de
inclusão ou de exclusão da pessoa no estado de direito e no sistema produtivo, de
acordo com a percepção dos próprios infectados.
Ao ser abordado sobre esse tema, um entrevistado que se ocupa somente de
militância social descreveu sua respectiva experiência, em que a segregação que sofreu
114
foi camuflada na forma de uma caridade. Essa caridade acabou subtraindo-lhe direitos e
o excluindo do mercado de trabalho. Entretanto, a infecção pelo HIV não dificultou o
seu acesso a benefícios assistenciais dentro da esfera pública de saúde. Vejamos o relato
que ele fez a esse respeito:
“Eu acho que, de certa forma, o HIV ajuda no sentido das oportunidades, porque eu vi
isso por mim mesmo. Eu acho que tudo vem de dentro da gente. Antes eu não tinha a
necessidade de correr atrás de uma ajuda da prefeitura. Então eu não sei se eu chegasse
lá ia ser desse jeito. É a mesma coisa, por exemplo, a necessidade que eu tenho hoje de
correr atrás de medicamentos, correr atrás de um benefício ou outro, então eu vejo que
não é tão difícil assim. Então eu não sei se o HIV ajuda ou não, porque antes eu não
procurava. Eu acho que o HIV atrapalha de conseguir emprego, porque eu fui afastado
da empresa onde eu trabalhava pelo fato de ser soropositivo. Eu acho que fui vítima do
preconceito. Mas naquela época, né. Eu simplesmente cheguei na empresa onde eu
trabalhava e falei que era soropositivo. Eles não me mandaram embora, mas tamm
me tiraram do posto onde eu trabalhava. eu fiquei recebendo em casa e... sem
trabalhar. que depois de um tempo a empresa foi à falência e eu fiquei a ver
navios.”
Esse homem pôs a infecção pelo HIV como algo que o auxilia em suas
conquistas afirmando que este o “ajuda no sentido das oportunidades” de acesso à
assistência pública. Entretanto, esclareceu que, apesar dessa ajuda, “precisa correr
atrás” e reivindicar seus direitos, expressando-se como se espera de um militante social.
Quando argumentou que “tudo vem de dentro da gente”, expôs a noção de que
precisa haver uma motivação interior para se mobilizar por seus interesses, justificando
que antes ele não fazia isso porque não precisava”. A infecção pelo HIV, portanto, é
um motivo que hoje ele tem para procurar por seus direitos na esfera pública.
Disse que não sabe como seria se não fosse portador do HIV, porque só passou a
procurar por determinados direitos depois que se infectou por esse vírus, mas afirmou
que ter acesso a benefícios sociais, sendo portador do HIV, “não é tão difícil assim”.
Mas, quando o assunto foi oportunidade de trabalho e dignidade, relatou com
muita clareza a frustrante experiência em que foi excluído por causa do significado da
infecção pelo HIV.
Em suma, por um lado, a infecção pelo HIV o ajudou, por outro, atrapalhou.
Contudo, em se tratando de direito, o caso desse entrevistado mostrou que o
regimento que impediu que ele fosse demitido por ser portador do HIV, não o protegeu
da discriminação. Esse achado sugere que a lei não impede que um trabalhador seja
115
afastado do ambiente de trabalho por portar um estigma, desde que o patrão continue
cumprindo com sua parte no contrato trabalhista. Sendo assim, as convenções sociais
que regulam as relações de trabalho não impedem a segregação do portador do HIV
porque são omissas em relação a tal.
A esse respeito, Czeresnia (1997) comentou que as vivências epidêmicas da
humanidade sempre levaram a sociedade a atitudes ambíguas, nas quais coexistem o
abandono e a proteção em relação às pessoas vítimas do agravo circulante. Encontrei
essa consideração no seguinte fragmento da sua obra:
Os relatos das epidemias estão marcados pela simultaneidade de atitudes que
manifestam o caráter paradoxal de fechamento e abertura constituintes da
vida: por um lado, medo, recolhimento, fuga e abandono e, por outro,
aproximação, cuidado, generosidade. Os tempos de epidemia são aqueles em
que os conflitos gerados por este paradoxo levam os homens aos extremos da
expressão de sua miséria e da sua grandiosidade.Tempos em que a tensão
entre egoísmo e solidariedade torna-se especialmente contundente. (idem, p.
97
).
Um exemplo desse tipo de tensão pode ser visto no relato de um entrevistado
homossexual, para quem o significado da infecção pelo HIV abriu possibilidades para o
acesso a benefícios sociais, ao mesmo tempo em que o excluiu do sistema produtivo.
Porém, tal significado facilitou-lhe tanto, o acesso a benefícios assistenciais na esfera
pública, que ele chegou a confundir discriminação com privilégio. Vejamos a
abordagem que ele fez a respeito:
“As chances, na parte de saúde e serviço público, tudo bem, todo mundo me trata bem.
Agora, na parte de serviço, trabalho, tá difícil. Ninguém quer me empregar; tem
pessoas que conhecem meu problema, e se precisa de alguém pra trabalhar vai me
oferecer, ao invés de me falar que não precisa, que já arrumou. As pessoas fazem
questão de falar sobre a minha situação que eu vivo. Eu acho difícil na parte de
emprego. Na prefeitura, o HIV facilita as coisas pra mim. Eu não quero dizer que eles
estão sabendo que eu tenho, porque tudo que eu preciso na saúde pública é rápido. Até
falo pro senhor, que tudo vem pra mim rápido, assim, num estalar de dedos na parte do
SUS. Quando eu não era portador era mais difícil. Eu chegava no pronto socorro
custava atender, eu chegava nos lugares era difícil. Agora eu chego e falo que eu
sou portador e eles vão me atendendo logo, me despacham pra não ficar muito tempo.
O emprego difícil, né, eu acho que na minha situação tá mais difícil ainda.
Porque eu fico com medo de arrumar um emprego e mais tarde não contar, e as
pessoas ficarem sabendo e ter problema. Tanto é que eu recorrendo ao INSS pra
ver se eu me aposento. Acho que se eu aposentar eu fico melhor. Porque aí eu não vou
ter que preocupar com trabalho. Se eu arrumasse um emprego eu preferia trabalhar.
Porque eu acho assim, eu estando trabalhando, todo mês recebendo aquele dinheiro
suado, a gente até aproveita o dinheiro mais. Fazer o quê? Eu não posso! Não quer
116
dizer que o dinheiro vindo fácil e que eu gostando o, que eu querendo me
aposentar porque vindo fácil não, é porque meu caso é esse, se eu arrumasse um
emprego eu preferiria trabalhar, mas como eu não conseguindo, o jeito é apelar pro
INSS.”
Nas questões em que o significado da infecção pelo HIV age como um
facilitador, esse entrevistado não se preocupou em revelar seu diagnóstico, pois, mesmo
que essa revelação faça com que seja discriminado, ele assimilou o benefício que a
mesma lhe proporcionou como se fosse um privilégio ao portador do HIV. Aceitou ser
discriminado em troca de um atendimento diferenciado, extraindo, desse processo, um
ganho secundário. No caso em questão, esse ganho foi representado pela conquista do
direito de ser atendido sem delongas pelo sistema público de saúde, o qual não é,
rotineiramente, assegurado a quem não é portador do HIV.
Esse entrevistado não viu possibilidades no mercado de trabalho para o portador
do HIV: se revelar sua situação, poderá não conseguir o emprego; ou poderá perdê-lo
caso já esteja empregado.
Para evitar o constrangimento de ser excluído, prefere uma outra via em que,
novamente, o significado da infecção pelo HIV pode funcionar como agente de inclusão
em outro direito: o de se aposentar pela previdência social. Entretanto, sente que isso o
desvaloriza e subtrai sua dignidade, pois, alguém poderá pensar que seu desejo é
ganhar dinheiro fácil”, quando, na verdade, gostaria de obter seu sustento por meio do
próprio trabalho.
Ao representar um obstáculo à oportunidade de conquista social da vida por
intermédio do próprio trabalho, ao mesmo tempo em que facilita ao indivíduo o acesso à
assistência e previdência sociais, a infecção pelo HIV pode estar representando o
estigma que anuncia aos outros que seu portador é incapaz. Esse anúncio abre uma
possibilidade para que a sociedade subtraia parte da autonomia da pessoa infectada pelo
HIV e exerça algum controle sobre ela. A esse respeito, Goffman (1988, p. 149-50)
argumentou que “a estigmatização [...] pode, nitidamente, funcionar como um meio de
controle social formal”.
Por outro lado, no contexto das políticas públicas que mesclam direito com
assistencialismo, no caso dos portadores do HIV, criou-se a idéia de que esses sujeitos
precisam receber um atendimento diferenciado, o que, entretanto, implica na revelação
do seu diagnóstico. Sendo assim, embora essa forma de atendimento possa ser justa e
117
reivindicada pelos próprios movimentos sociais organizados, a sociedade tem como usá-
la para identificar, no ambiente, aqueles indivíduos que possuem o estigma da infecção
pelo HIV.
Numa linguagem mais coloquial, a sociedade pode oferecer vantagens materiais
aos portadores do HIV em troca da sua confissão, com o intuito de identificá-los e,
assim, poder evitar que fiquem próximos dos não portadores. Essa observação foi feita
pelo último entrevistado no momento em que ele comentou que “quando chega ao
pronto socorro já conta que é portador do HIV, porque é atendido e despachado
rapidamente para não ficar muito tempo no meio das outras pessoas”.
É possível que esse ato de furar a fila, por ser portador do HIV, seja até
compreendido pelas pessoas que estão na sala de espera como uma necessária tolerância
para com os pacientes mais graves, que estão para morrer, mas que elas prefeririam que
não estivessem naquele lugar criando constrangimento por representarem a morte.
Portanto, é melhor que vão embora logo e não fiquem ali causando mal-estar.
Sobre essa compreensão, Goffman (1982) defendeu a idéia de que o próprio
estigmatizado acaba se acomodando por meio de uma nova forma de interação que o
torna socialmente mais tolerável por sua comunidade. Em troca dessa tolerância, por
intermédio da qual a sociedade procura afirmar que aceita o portador do HIV e até o
compensa, é possível que se espere, dele, submissão aos preconceitos sociais.
A esse respeito, um outro entrevistado homossexual, de 32 anos de idade,
trabalhador autônomo, comentou que a ocultação do diagnóstico mantém a pessoa
incluída no perfil de cidadania comum a todos os outros. Isso reforça a suspeita de que,
a assistência privilegiada que é oferecida ao portador do HIV, paralelamente à sua
exclusão do sistema produtivo, de fato, possa resultar do significado atribuído ao seu
estigma.
Vejamos o respectivo trecho da entrevista desse trabalhador:
“Ter o vírus não muda minhas oportunidades, porque ninguém sabe. Meu trabalho é
particular, não tenho um trabalho de empregado pra viver. Se eu precisar de um
departamento público e eles souberem que eu tenho o vírus, isto facilita as coisas pra
mim. Às vezes se eu vou resolver alguma coisa de banco, tal, caixa, alguma coisa
assim, às vezes até facilita. Eu não procuro me beneficiar disto, acho que não vale a
pena.”
118
Esse sujeito afirmou que suas oportunidades são as mesmas porque o seu
diagnóstico ainda não foi revelado, e porque ele não depende da oferta de emprego para
ter acesso ao sistema produtivo.
Ao mesmo tempo, percebeu a ambigüidade de que poderia se beneficiar de uma
série de direitos na sociedade, caso mostrasse aos outros seu estigma. Entretanto, achou
melhor mantê-lo oculto, compreendendo que a discriminação, potencialmente resultante
da exposição do seu diagnóstico, não pode ser compensada pelo que a sociedade lhe
oferece em troca.
De acordo com os dois últimos entrevistados, o significado da infecção pelo HIV
é um instrumento em torno do qual o infectado e a sociedade negociam interesses
próprios. Provavelmente, no centro desse processo de negociação está aquela “tensão
entre egoísmo e solidariedade”, destacada por Czeresnia (1997, p. 97) em que a
tolerância e compreensão relacionadas aos desejos e necessidades do outro são
manipulados com o objetivo de preservar-se das ameaças representadas pelo outro. Em
outras palavras, a sociedade e o portador do HIV ajustam-se entre si, manipulando o
significado da infecção pelo HIV, com o fim de se protegerem e se beneficiarem do que
cada um poderá representar para o outro, tanto em termos de “fechamento” quanto em
termos de “abertura” aos “constituintes da vida” social (idem).
Ao comentar sobre o mesmo assunto, uma entrevistada viúva que trabalha de
faxineira por conta própria, negou que, no contexto da negociação que faz com a
sociedade, a infecção pelo HIV esteja representando uma obstrução às suas
oportunidades de trabalho. Vejamos o relato dela:
“Eu acho que o HIV não me atrapalha, porque eu tô nesse ramo [ocupação] muito
tempo né, e mantenho minha vida em segredo, mas eu vejo que tem muita gente que
não consegue emprego é de qualquer jeito não. Não tem nada tendo o HIV. Agora eu
não sei, né, eu nunca cheguei num trabalho e falei assim: - Olha, eu sou portadora de
HIV... porque tendo ou não, mesmo se eu não tivesse o emprego não vai ser meu,
porque a maioria tá desempregado, eu acho que não faz diferença nenhuma não. É que
quando a gente tem isso eu acho que tem hora que a gente passa uma fase pesada
mesmo.”
Para esta mulher, a infecção pelo HIV, não revelada, deixou de significar um
estigma. Portanto, não interfere sobre sua relação com a sociedade. Sendo assim, ela
119
pôde focalizar a razão do desemprego fora do significado da infecção pelo HIV e ligar o
fenômeno da falta de oportunidade de trabalho à estrutura social.
No entanto, ficou em dúvida a respeito de como a sociedade negociaria com ela
o acesso ao mercado de trabalho, caso revelasse sua condição de portadora do HIV.
Independentemente dessa dúvida e de ter percebido a questão do desemprego como
estrutural, foi clara em dizer que, para o portador do HIV, as coisas nem sempre são tão
fáceis.
Sobre o conjunto de dificuldades enfrentado pelas pessoas infectadas por esse
vírus, uma mulher de classe média, mãe de uma criança não portadora do HIV, fez uma
abordagem diferente. O foco que ela deu, centrou o problema sobre questões de ordem
comportamental e distinção sócio-econômica, conforme visto no seguinte relato:
“Quando eu encontro alguém que tem o HIV? Eu fico... eu reparo... é porque... a
única coisa que eu reparo é o seguinte: é que tem muito preconceito, né. É muito
estigmatizado. Acham que HIV é coisa de prostituta, veado... e acabou. Não é mais.
entrando na casa das famílias. Classe média... classe média alta... de rico. Não é
coisa de pobre mais. Então eu fico observando a diferença nas classes sociais,
entendeu? Então eu fico olhando que as pessoas que não têm muito a perder, elas
assumem mais. Elas não se protegem, falam da vida... [...]. eu acho assim, socialmente
falando não tinham muito a perder. Então se expunham mesmo! E o meio em que eu
vivo, que não nem lá nem cá, é o meio-termo, é o mais medíocre. Que fecha os
olhos e quer fazer de conta que a AIDS é coisa de prostituta, realmente de veado, de
menos favorecido... e não é mais. É uma coisa séria e é de todo mundo... de qualquer
um. É um descuido. [...]. Eu acho, sinceramente, que na minha classe social eles são
fingidos. Eu acho. Às vezes eu vou no colégio da minha filha... e é classe média, mais
classe média alta. E eu fico olhando. Às vezes eu me pego pensando: será que tem
alguém aqui que tem... que seja soropositivo e que esteja na mesma situação que eu? O
que eles fariam... se eles soubessem que eu sou... comigo não, porque eu tô preparada
assim... eu sei o quanto o ser humano pode ser maravilhoso e o quanto ele pode ser
cruel. E eu preparada pros dois lados, entendeu? Mas ela não! Eu acho que eu
protejo mais a minha... discrição é mais por causa dela [a filha]. Porque ela não
preparada. Ela nem sabe o quê que é isso! E ela vai sofrer, porque a crueldade, se a
pessoa for cruel, é grande! Eu já vi... teve... aconteceu isso pouco tempo porque... a
menina... que ela não sab... a menina nem era. A mãe levou o resultado dela no colégio
e tudo, mas... colégio particular... e não deixaram a menina estudar. Ela teve que entrar
na justiça e tudo. É horrível.”
Essa entrevistada afirmou que o preconceito que as pessoas têm em relação à
infecção pelo HIV deriva da crença de que tal infecção seja própria de indivíduos que se
comportam de maneira divergente ou pertencem a classes sociais inferiores. Porém,
120
contestou tal crença baseando-se na própria experiência: apesar de ser portadora do
HIV, não é pobre e nem se comporta de maneira contrária aos regulamentos sociais.
Distinguiu que os pobres e os divergentes têm uma atitude mais sincera porque
“não têm muito a perder”. Considerou que, agindo assim, essas pessoas deixam de se
proteger. Enquanto isso, a classe média continua se acobertando sob a falsidade de que
não tem nada a ver com o HIV/AIDS, com os comportamentos divergentes e com as
mazelas da pobreza.
Nessa categoria que “não tem muito a perder”, ela incluiu, simultaneamente,
“prostituta, [...] veado, [e] menos favorecido”. Ao estabelecer tal juízo a respeito de
determinados grupos comportamentais e sociais, a entrevistada confessou ter os mesmos
preconceitos que atribuiu à classe média. Reafirmou, inconscientemente, que pertence à
classe média, por pensar como esta, mesmo sendo portadora do HIV.
Diante dessa ambigüidade entre os seus preconceitos e a realidade do significado
do seu diagnóstico, a entrevistada tentou amenizar o próprio conflito afirmando que
infecção pelo HIV é de todo mundo... de qualquer um”, na tentativa de se defender
dos próprios preconceitos. Com o fim de provar sua afirmativa, procurou por mais
alguém que também seja portador do HIV e não seja pobre nem divergente. Como não
conseguiu encontrar ninguém com tais características, avaliou que os ricos e bem
comportados que compõe a sua classe social “são fingidos”, e não revelam o que têm
de desacreditável. Para não abrir mão da idéia de que a infecção pelo HIV é de todo
mundo”, atribuiu ao fingimento das pessoas o motivo por não ter encontrado outro
portador desse vírus em seu meio.
Por outro lado, ao comentar que a classe média nega que tenha algo a ver com a
infecção pelo HIV e, portanto, não é sincera como aqueles que “não têm muito a
perder”, é possível que esteja dizendo que esta classe social adota tal negação por
acreditar que tenha muito a perder diante do significado dessa infecção. Em outras
palavras, a entrevistada acabou sugerindo que a infecção pelo HIV:
a) pode não representar perdas importantes para quem pertence a extrato sócio-
econômico prejudicado e/ou tenha comportamentos divergentes. Sendo
assim, essas pessoas não têm motivos para se protegerem. Portanto, expõem-
se mais;
b) pode representar muitas perdas para pessoas pertencentes a extrato sócio-
econômico privilegiado e/ou pessoas que se comportam de acordo com as
121
regras sociais. Por essa razão, tais pessoas, quando infectadas pelo HIV, se
escondem mais e agem de maneira mais dissimulada.
Como ela pertence a extrato sócio-econômico privilegiado e não se comporta de
maneira divergente, percebeu de que poderá experimentar perdas por ser portadora do
HIV. Diante dessa possibilidade, confessou que fica insegura diante do risco de
revelação do seu diagnóstico. Justificou, tanto a sua percepção quanto a sua
insegurança, no testemunho de uma situação idêntica à sua que, revelada, resultou em
algo que classificou como “horrível”.
Sobre o aspecto posto pela entrevistada, de que sua classe social atribui a
infecção pelo HIV aos pobres e divergentes, Sontag (1989) comentou que a humanidade
sempre tendeu a atribuir a origem de doenças ao estrangeiro, ao diferente, ao impuro
que traz a contaminação, àquele que erra e de cujo erro nasce o mal que os errantes
disseminam. A autora reforçou que essa atribuição é especialmente dada àquelas
doenças epidemiologicamente relacionadas a valores morais e sociais.
Acrescentou, ainda, que, a metáfora aí contida é a da saúde como o representante
da virtude, tomada como uma característica própria da sociedade, e a da doença como o
representante da depravação que vem de fora, trazida por alguém que não pertence a
esta sociedade. Nesse modelo estão incluídos aqueles valores da classe média que
associam doenças epidêmicas a objetos de repúdio e à pobreza. Por meio dessa
associação, ganha significado o preconceito de que o que faz alguém viver em desgraça
é a incapacidade de perceber o próprio infortúnio (SONTAG, 1989). Sendo assim, e
conforme dito pela última entrevistada, é possível que alguns representantes da classe
média realmente creiam que:
a) os pobres e divergentes não “se protegem” do significado da infecção pelo
HIV porque não conseguem compreendê-lo;
b) esta infecção seja própria de gente pobre. Portanto, os pobres convivem com a
mesma de maneira mais resignada.
Segundo as idéias de Cardoso & Arruda (2004, p. 152), à luz da teoria das
representações sociais, essa última entrevistada expôs um saber sobre a sociedade que é
elaborado e compartilhado pela classe social a que pertence de acordo com a
conveniência desta. Por meio desse saber, organizou e estruturou um ambiente
impregnado pelas representações da infecção pelo HIV, dentro do qual a entrevistada
unificou os pobres e os divergentes entre si, e os separou dos ricos e convencionais.
Como referência para essa construção, usou o preconceito relacionado ao
122
comportamento e à inserção sócio-econômica vinculados a tais representações. Para
Jodelet (1988), princípios como esses são assim elaborados com o fim de controlar, por
algum tipo de conhecimento ou argumento intelectual, fatos e idéias contidos no
cotidiano.
Partindo de tais considerações, posso crer que essa entrevistada de classe média
definiu um sentido e uma identidade para si, a partir dos princípios sobre os quais o
segmento social a que pertence se define. Por meio desse sentido e dessa identidade,
tenta controlar o significado da sua infecção pelo HIV. Sendo assim, para os pobres e
divergentes, ser diagnosticado portador do HIV pode ter representado, entre outras
coisas, a aquisição de um instrumento de negociação social; para as pessoas de classe
média, o surgimento de uma necessidade de administrar a incoerência entre suas crenças
e sua realidade para que sua auto-afirmação social e comportamental seja mantida.
Em síntese, o diagnóstico da infecção pelo HIV representou um estigma que
interferiu tanto na relação da pessoa consigo mesma quanto na relação dela com os
outros. Ou seja, um estigma que recebeu um significado por parte dos outros e, também,
por parte do estigmatizado.
A reação ao significado desse estigma, baseada no preconceito de que a infecção
por esse vírus resulta da divergência da pessoa em relação às regras sociais, desvaloriza
e enfraquece o portador do HIV. Ao perceber a possibilidade desse efeito, o infectado
sentiu medo e insegurança diante do potencial de revelação do seu diagnóstico.
Tais sentimentos conduziram o sujeito ao isolamento, à perda de laços de
convivência, e a uma grande preocupação com a conservação da sua privacidade. Isso
desencaixou socialmente a pessoa, fazendo com que ela reconstruísse uma nova
identidade para si, por meio da qual procurou estabelecer novos laços e reformar seu
ambiente. Nesse processo, o indivíduo conteve sua aproximação aos novos laços dentro
um espaço que lhe permitisse manter sua condição de portador do HIV guardada na
intimidade.
No âmbito da relação entre o sujeito e as instituições assistenciais públicas, a
exposição do estigma foi interessante ou não, a depender dos ganhos ou das perdas que
pôde proporcionar. Para pessoas em condição sócio-econômica prejudicada, houve uma
percepção de ganho em termos de acesso a determinados direitos assistenciais, em troca
da revelação do diagnóstico. Porém, para os sujeitos que entrevistei, esses ganhos
resultaram do mesmo processo discriminatório despertado pelo estigma, sem que
houvesse um regulamento jurídico-institucional que impedisse que a oferta da
123
assistência fosse patrocinada pela discriminação, ainda que alguns desses ganhos sejam
reconhecidos como conquistas sociais. Nesse ambiente, algumas pessoas negociaram
com a sociedade, e vice-versa, benefício por discriminação, por meio de um
balanceamento entre a revelação do diagnóstico e o preconceito.
As pessoas em melhor condição sócio-econômica não precisaram negociar a
revelação do seu diagnóstico. Elas já têm acesso a determinados benefícios e direitos
por conta da sua própria inserção cidadã. Mantiveram-se, pois, na defensiva de seus
princípios e valores, escondendo rigidamente sua condição de portador do HIV, às
vezes, até reforçando o preconceito social contra os pobres e contra as pessoas que se
comportam externamente às regras da sociedade.
6.3.2 O impacto do diagnóstico da infecção pelo HIV.
Nada ficou no lugar. [...] Eu quero acordar sua família; eu vou escrever no
seu muro e violentar o seu rosto.Eu quero roubar no seu jogo [...]. Eu quero
entregar suas mentiras; eu vou invadir sua alma [...]. Eu vou publicar seus
segredos; eu vou mergulhar sua guia; eu vou derramar nos seus planos [...].
(Adriana Calcanhotto).
6.3.2.1 O trauma do impacto.
Durante a entrevista que fiz com uma faxineira de 37 anos, mãe de quatro filhos,
dirigi a conversa com o objetivo de conseguir que ela me descrevesse o sentimento que
teve quando recebeu o diagnóstico de portadora do HIV. O comentário dela foi o
seguinte:
“Assim, no começo eu senti assim, sabe, que, achava que era o fim do mundo,
assim... às vezes... que eu nunca tomei assim remédio controlado, aí eu sabendo que a
minha vida depende daquele remédio, né, que se eu não tomasse aquele remédio eu
podia morrer, né... eu falei assim, ah, agora eu vou ter que acostumar a tomar
remédio.”
Ao fazer sua reflexão, essa mulher divagou o olhar pela sala e mordeu os lábios
enquanto esfregava as mãos entre as pernas aduzidas.
Ao saber que era portadora do HIV, sentiu-se em um túnel sem saída: “era o fim
do mundo”, ou seja, o fim da vida, a morte. Em seguida, dissimulou o objeto da
124
pergunta, evadindo-se com o conteúdo da sua reflexão para o processo por meio do qual
encontrou uma alternativa à impressão de que iria morrer.
Considerando que essa entrevista foi feita três anos depois que a entrevistada
havia sofrido o impacto emocional imediato do diagnóstico, ao refletir sobre o assunto,
ela esclareceu seu sentimento de morte ao ser diagnosticada portadora do HIV, mas
procurou ultrapassá-lo o mais rápido possível, mudando o foco da conversa para uma
fase em que esse impacto já havia sido superado.
Uma outra entrevistada de mesma faixa etária, porém de melhor nível sócio-
econômico, julgava-se invulnerável à infecção pelo HIV. Ela ficou sabendo que portava
o vírus por acaso, durante um acompanhamento pré-natal. Adquirira o HIV com seu
único parceiro sexual dos últimos doze anos.
Durante a entrevista, ela fez o seguinte relato sobre o sentimento que teve
quando recebeu seu diagnóstico:
“Aí eu levei um susto muito grande! eu fiquei pensando, pensando... quando vem
uma doença a pessoa logo a cama, né. Interessante isso! eu fiquei deitada no
primeiro dia... a gente fica assim olhando pro teto... fica olhando pro teto. Aquela
sensação... não sei se você já passou alguma coisa assim, é... séria. Acho que qualquer
pessoa... nem vou dizer é isso... uma situação grave. a pessoa tem aquela sensação
assim de irreal, né.”
O diagnóstico da infecção pelo HIV fez esta mulher sentir o surgimento de algo
tão amedrontador a ser enfrentado que talvez nem existisse de fato, pois, a sensação dela
é de que “o que estava acontecendo não era real”. Esse obstáculo foi percebido como de
uma dimensão superior às suas possibilidades para transpô-lo, enfrentá-lo, ou até
mesmo para reconhecê-lo. Uma prova disso, é que ela não conseguiu definir, identificar
ou denominar a infecção pelo HIV. Apenas a generalizou como “uma situação muito
grave”. Porém, uma situação que não queria admitir como só sua, estabelecendo que
“qualquer pessoa poderia passar pelo mesmo susto”. Chegou a questionar a experiência
do entrevistador sobre tal situação, como que a buscar alguma identificação ou
compartilhamento para o seu sentimento, provavelmente com o intuito inconsciente de
testá-lo como real (pertencente também ao mundo dos outros) ou imaginário
(pertencente somente ao seu mundo interior); numa atitude de quem deseja que, de fato,
uma coisa dessas (tornar-se portadora do HIV) não seja possível.
125
Sobre essa sensação de irrealidade diante do diagnóstico da infecção pelo HIV,
vale ressaltar que a entrevistada recebeu seu diagnóstico sem que existisse qualquer
manifestação clínica que pudesse materializá-lo. Ela não falou que teve medo, mas ficou
bastante assustada por avaliar que, apesar de não parecer real, o que estava acontecendo
com ela era, de fato, sério demais.
O que, para ela, não parecia ser real, não era o diagnóstico de portadora do
HIV, mas, provavelmente, também o fato de que algo inacreditável estava sendo
revelado a respeito da sua vida conjugal, a qual achava que estivesse seguramente
protegida pelo selo de doze anos de convivência íntima e supostamente fiel. A presença
da infecção pelo HIV, na base deste seu relacionamento, pode tê-la feito sentir o seu
diagnóstico como um fenômeno extremamente confuso, paradoxal a uma série de suas
crenças, o qual mudou subitamente a paisagem em torno de si. Assim, tornou-se
impossível reconhecer essa nova imagem à primeira vista, devido à sua incoerência com
o universo percebido.
O susto foi tanto que ela reagiu por meio de uma paralisia que a fez “passar o
primeiro dia deitada”. Explicou, assim, a dimensão da sua angústia diante do
diagnóstico da infecção pelo HIV, expressando-se como se estivesse frente a uma
situação em relação à qual não existem possibilidades (não há o que se possa fazer). Sob
uma sensação de derrota despertada pela sua consciência-de-doente, sentia que não
era mais sadia imediatamente a partir do diagnóstico.
Segundo Romero (1994), a emoção básica que desencadeia fuga e paralisia
diante de alguma coisa muito assustadora é o medo que a pessoa sente dessa coisa.
Acrescentou ainda, que esse sentimento pode ser tão intenso a ponto de ofuscar o
sujeito, deixando-o à deriva pelo mar da vida, pelo menos até que consiga se organizar
diante desse medo.
O momento da deriva é aquele instante em que o campo consciente fica
perturbado pelo impacto do evento desencadeador da emoção, desorientando a pessoa
existencialmente. Ainda no dizer de Romero, (op. cit., p.52.), esse “impacto [invade o
sujeito] como uma onda sísmica, derrubando e desarticulando os recursos optativos que
habitualmente ele usaria em situações normais”.
Winnicott (1994, p. 154) denominou tal impacto de “trauma”, definindo-o como
sendo uma experiência que acontece com a pessoa antes que tenha alguma defesa
organizada pra enfrentá-la. Segundo Sanches, (2000, p. 32), sob o efeito dessa
experiência:
126
o mundo interno da pessoa é tomado pela angústia, pela sensação de absoluta
perda de controle sobre “a outra pessoa” que sente carregar em si, aquela que
nunca teve existência. Essa “outra pessoa”, entretanto, ao mesmo tempo que
a invade nesse momento de colapso, ocupa o status de des-conhecido: toma a
forma de um corpo estranho (denominado, por ele, de HIV), destruidor de
todas as defesas.
Seguindo o raciocínio dessa autora, pode-se dizer que a infecção pelo HIV
destrói não as defesas orgânicas da pessoa, mas também suas defesas psíquicas e
existenciais.
A respeito do que representa o diagnóstico dessa infecção na ausência de um
mínimo conjunto de recursos para enfrentá-lo, uma ambulante viúva de 42 anos de
idade comentou o seguinte:
“... é difícil pra gente superar isso. Muito sofrido pra gente, né. [...].Tô confusa, quero
pular essa daí. [...]. Fica difícil pra contar as coisas. Acho que se não fosse o HIV seria
um pouco diferente.”
Essa entrevistada deixou claro que o desgaste de quem recebe um diagnóstico de
portador do HIV é tanto, que a pessoa sequer consegue explicar o próprio sentimento.
Abrir um envelope contendo esse resultado em seguida ao seu nome, idade e
sexo, deve ser uma experiência que afeta toda a esfera existencial da pessoa; experiência
única e difícil de ser descrita mesmo para quem passou por isto.
Ao abordar uma das conseqüências dessa experiência, a mesma ambulante
afirmou:
“Tenho medo de arrumar um namorado. Tenho medo de passar o HIV. Tenho medo da
pessoa descobrir também.”
A seqüela maior, deixada pelo trauma, foi o medo, com o qual essa entrevistada
passou a conviver.
127
6.3.2.2 O medo da morte.
Lopes & Fraga (1998) comentaram que o diagnóstico da infecção pelo HIV
desperta o medo da morte. Segundo as pessoas que entrevistei, esse medo é muito
intenso no início, mas, depois, vai se dissipando. Um trabalhador autônomo
homossexual, de 32 anos de idade, comentou sobre sua vivência com esse processo da
seguinte maneira:
“...depois que descobri o vírus [...] eu fiz uma festa praticamente de despedida. Todo
mundo notou que eu fiz uma festa de despedida. Parecia que eu ia morrer... [...]. Hoje
não vejo assim. Hoje eu valorizo cada momento da minha vida, cada momento pra
mim é precioso. [...]. Hoje eu valorizo porque eu vi que a vida é muito importante.
[...].Tomou outro rumo. Pra melhor. O HIV me ajudou a tomar uma direção em
relação à minha vida, principalmente em relação à morte. Eu tinha muito medo. Hoje
eu não tenho este medo mais. Eu tinha muito trauma. Eu me imaginava morrendo,
ficava doido, entrava em paranóia. Hoje não, eu consigo me imaginar, pensar que um
dia pode chegar a minha vez e tal... [...]. Eu comecei a dar valor a algumas coisas,
porque de repente você pode perder tudo.”
Esse sujeito se despediu dos amigos na certeza de que, em breve, estaria morto.
Ao perceber que não morreu, reajustou sua existência desejando melhor aproveitá-la,
porém, motivado pelo sentimento de morte iminente. Esse achado mostra que a
possibilidade da morte pode afetar a percepção existencial da pessoa. À infecção pelo
HIV e à morte, o entrevistado deu o mesmo significado, pois “o HIV, ou seja, a morte, o
ajudou a tomar uma direção em relação à própria vida”.
Nesse processo de reajustamento existencial, ressignificou tanto a vida quanto a
morte, diluindo o medo da morte em um conjunto de valores e significantes voltados à
vida. Desse modo, a morte, representada pela infecção pelo HIV, ganhou um sentido
existencial para esse entrevistado, o qual ele não havia percebido até ser diagnosticado
portador desse vírus.
Sobre o significado de uma doença potencialmente mortal como ponto de partida
para que as pessoas desenvolvam uma nova concepção sobre a própria vida, Van den
Berg, (1972, apud Davies, 1997, p. 562) comentou que:
o como de toda enfermidade séria é uma parada. A vida normal acaba.
Outra vida toma seu lugar. A pessoa, de repente, fica insegura sobre uma
128
série de suas concepções: fé, integridade do corpo, do seu papel em relação
ao das outras pessoas e sobre a fé no futuro.
A enfermidade desperta, automaticamente, a consciência para uma possível
interrupção da vida. Alterada por essa percepção, a consciência afeta aspectos fecundos
da existência humana, como a fé, os laços e as expectativas pessoais.
Assim, a infecção pelo HIV tem o potencial de acabar com a vida da pessoa e
fazer com que outra vida tome o lugar da anterior. Tornar-se portador do HIV leva,
quase inevitavelmente, a uma revisão de princípios e valores. A percepção de que a
morte é uma possibilidade real, despertada pelo diagnóstico da infecção por esse vírus,
pode ser um catalisador de uma revisão que produz, na consciência, uma noção sobre o
limite da vida.
Segundo Davies (1997), o sentimento de desvanecimento da perspectiva de
futuro e da concepção de integridade do ser, resultante da expectativa de morte, faz com
que o mundo da pessoa sofra modificações muito radicais. Talvez isso explique porque
o entrevistado procurou tirar o máximo proveito da vida apoiando-se em um processo
de ressignificação existencial. É possível que o medo ressignificado a que o entrevistado
se referiu não seja o de morrer física e organicamente, mas, conforme idéias postas por
Erthal (1989), o de perder a consistência individual conseqüente às representações do
diagnóstico que recebera.
Sobre esse sentimento, Czeresnia (1997) comentou que o medo tem para a
existência o mesmo significado que a dor tem para o organismo. É um sinalizador de
que alguma coisa está ameaçando a integridade, a harmonia e o bem-estar. É um pedido
de socorro que se não for atendido poderá ter conseqüências desastrosas no plano das
percepções individuais. Como, para um portador do HIV, tal pedido não tem a
possibilidade de ser atendido integralmente, é provável que a angústia relacionada ao
seu diagnóstico não desapareça e, na melhor das hipóteses, permaneça sob o controle de
suas defesas.
Vale lembrar que a angústia, como estado eminente da existência humana, tem
entendimentos diferenciados na reflexão filosófica. Para Heidegger (1962), por
exemplo, a angústia despertada pela possibilidade da morte, ao elevar a realidade da
finitude à consciência, gera uma oportunidade de reflexão sobre um novo modo de ser e
um novo modo de existência, criando um sentido para a própria vida.
Na mesma linha Heideggeriana, outros autores destacaram o poder reflexivo da
morte para a existência humana. Yalom (1984, apud Amorim, 2000 p. 6) ressaltou que a
129
morte pode servir para salvar existencialmente a pessoa, ainda que seja um “evento
físico” capaz de destruí-la. Goldin (1989) assinalou que negar a perspectiva da morte é
uma atitude que desvaloriza a vida. Conforme dito por Erthal (1989), o reconhecimento
dessa perspectiva abre uma possibilidade para que a vida ganhe um novo significado,
estruturado sobre a noção de sua própria finitude.
6.3.2.3 A perda da noção de futuridade.
Ao responder sobre sua crença no futuro, uma entrevistada de ocupação
doméstica, mal-aderente ao tratamento antiretroviral, argumentou o seguinte:
“Futuro? Como assim?. Daqui dez ou vinte anos eu acho que vou morta por
causa desse problema meu.”
A perda da noção de futuridade foi tão incisiva para esta mulher que ela chegou
a responder como se tivesse sido perguntada sobre uma coisa absurda e inimaginável:
Como assim? Dando a impressão de ter sido abordada sobre um assunto estranho,
inexistente, totalmente desconhecido e alheio ao seu universo, uma vez que “ela vive
o dia a dia”. Em seguida, refletiu sobre a pergunta e concluiu que futuro e morte são a
mesma coisa, justificando tal conclusão no fato de ser portadora do HIV. Isto é, a
infecção pelo HIV subtraiu-lhe a noção do futuro.
A entrevistada deixou claro que a orientação de futuridade de uma pessoa
consciente da sua condição de infectada pelo HIV é percebida como algo ilegítimo ou
inaplicável. Davies (1997) ressaltou em suas pesquisas, argumentos parecidos com esse
que apresentei. Para esse autor, a falta de percepção do futuro pode ser mais angustiante
para o indivíduo consciente-de-doente do que para uma pessoa que se sente sadia.
Defendeu a idéia de que o ser-consciência-de-doente percebe sua condição mórbida
como o elo que faz seu contato com a morte, tornando-a mais próxima, mais nítida,
mais real e mais provável. Portanto, mais assimilável.
No caso dessa entrevistada, por ser mal-aderente ao tratamento antiretroviral,
freqüentemente se apresenta com problemas orgânicos relacionados à infecção pelo
HIV. Esse fato pode fazer com que ela se sinta como uma pessoa que, por estar sempre
doente, caminha em direção morte e, portanto, perca a noção de futuro.
130
O autor acrescentou, ainda, que a expectativa de iminência da morte desvaloriza
o presente e põe o futuro em questionamento, tornando absurdo o novo contexto de vida
imediatamente percebido por ocasião do diagnóstico da infecção pelo HIV.
Uma outra mulher de ocupação doméstica, que mora com os pais e perdeu
dois filhos devido à AIDS, porém aderente ao tratamento, fez uma consideração
parecida com a da entrevistada anterior:
“Sobre o futuro eu não sei te responder, porque eu não penso nisso não. Eu não penso
nada em relação ao futuro. [...]. Eu queria muito ter meus filhos... sinto saudade. Sinto
um vazio, sabe? Mas eu também tenho consciência de que eu não posso. Por quê que
eu vou botar um filho no mundo pra deixar ele aí?”
Não conseguir pensar no futuro é uma das características da angústia capaz de
paralisar o ser no presente. Segundo Davies (1997), o portador do HIV não consegue
dissimular facilmente a perspectiva da sua morte por outra ocupação mental qualquer.
Mas, no caso dessa entrevistada, uma hesitação entre um desejo relacionado ao
futuro, projetado nos filhos, e um passado doloroso no qual ela perdeu esse futuro.
Contudo, o seu desejo não foi perdido, de modo que sua noção de futuridade, em parte,
ainda existe. O que está lhe faltando é perceber algum conjunto de possibilidades
relacionado ao futuro.
Falando ainda sobre a noção de futuridade, um entrevistado de 39 anos de idade
e de bom nível sócio-econômico comentou o seguinte:
“...quando eu soube que eu era portador do HIV o futuro pra mim ficou muito
próximo. Porque o futuro, anteriormente, era dez anos, vinte anos. O futuro pra mim
agora é o amanhã, é o minuto.”
A noção de futuridade como um projeto de longo prazo, para esse sujeito,
reduziu-se ao momento imediatamente seguinte. Assim, a infecção violou sua noção
original de temporalidade.
Sobre essa percepção de tempo existencial, Davies (1997) comentou que a
temporalidade da existência nem sempre é percebida, mas é ela que proporciona a
131
organização, o planejamento e a definição das nossas expectativas, possibilitando uma
tomada de atitudes e o estabelecimento de metas com as quais damos significados às
nossas ações e comportamentos. Entretanto, ainda segundo o autor, é provável que essa
temporalidade se torne perceptível a partir do instante em que acontece um impacto
de vulto suficiente para nos colocar diante da experiência de uma ruptura existencial.
Vários pesquisadores admitiram que tal experiência é o que perturba a noção
de contemporaneidade do portador do HIV, fazendo com que a pessoa se sinta insegura
diante da possibilidade de desapontar seus planos futuros (DAVIES, 1997; LOPES &
FRAGA, 1998; MENEGHIN, 1996; ROMERO, 1994).
6.3.2.4 A culpa e a aventura por uma nova identidade.
Um artesão heterossexual, solteiro, de 41 anos de idade, expressou o processo da
ruptura existencial que motivou a ressignificação de seus valores da seguinte maneira:
“Nós somos os próprios responsáveis por todo tipo de doença, né. Antes eu não tinha
responsabilidade com nada, não tinha domínio de nada, da própria vida. O HIV trocou
isso. Hoje eu tenho. Hoje eu sei distinguir uma coisa da outra, eu sei o que é
responsabilidade. Antes não, era uma vida... era bebida, até droga a gente usava. Era
aquela vida sedentária, miserável, né. Vinha aquela vida... meu Deus do Céu!”
Esse entrevistado responsabilizou-se por sua infecção. Aliás, falou em tom
bastante genérico. Não é em relação à AIDS, mas ‘todo tipo de doença”, segundo
comentou, é de responsabilidade das pessoas.
O relato dele deixa entrever que adquirir uma doença traduz a falta de domínio
do indivíduo sobre a própria vida. Mas, ao ser diagnosticado portador do HIV, o
entrevistado mudou sua percepção e suas atitudes diante da vida. O senso de
responsabilidade que adquiriu lhe foi dado pelo seu diagnóstico, por meio do qual
aprendeu a “distinguir” as coisas no mundo e passou a dominar suas próprias ações.
Admitiu que sua falta de domínio provocou um dano para si mesmo, definido
pela sua transformação em portador do HIV. Ao relacionar sua infecção ao
comportamento que tinha antes de ser diagnosticado, o qual ele mesmo condenou à luz
de regras sociais e religiosas de boas práticas, culpou-se por esse dano.
132
A culpa, no sentido de uma consciência penosa de ter descumprido regras
apareceu no seguinte relato de um homossexual de 37 anos:
“A minha vida antes do HIV era muito promíscua. Eu não tinha parceiro certo, ficava
com qualquer um, bebia bastante, ficava com qualquer um, não lembrava, fazia as
coisas erradas na rua, no outro dia amanhecia tonto, chorando porque eu não sabia o
que tinha acontecido, com medo das pessoas no outro dia. Agora, hoje em dia eu não
bebo, sou portador e mais feliz porque eu virei outra pessoa.[...]. Eu virei outra
pessoa, eu mudei totalmente”.
A culpa apareceu nesse relato no momento em que o entrevistado se declarou
responsável por uma postura destrutiva. Julgou seu comportamento, classificando-o
como promíscuo. A promiscuidade, no entender dele, estava no fato de ter vários
parceiros sexuais, com os quais não estabelecia laços mais profundos, que “ficava
com qualquer um”, e no uso excessivo de bebida alcoólica. Devido a esse
comportamento, experimentava um doloroso remorso, a ponto de chorar, reconhecendo
que o que fazia estava errado. O sentido que atribuiu a essa falta de domínio sobre a
vida foi marcado pelo medo.
De maneira semelhante ao que aconteceu com o entrevistado anterior, o
diagnóstico da infecção pelo HIV mudou a conduta desse sujeito e o transformou em
outra pessoa, ou seja, converteu sua identidade de um ser promíscuo para a de um ser
feliz, segundo suas próprias palavras.
Para Erthal (1989), se uma pessoa se submeter a um novo caminho em busca de
si própria, ela poderá, de fato, compensar-se do abandono daquilo que era. Porém,
Sanches (2000) alertou que uma identidade alternativa tem condições de se
desenvolver se a pessoa experimentar a si própria, como ser único e exclusivo dentro de
sua nova e desconhecida possibilidade. Acrescentou que, por esse caminho, a pessoa irá
se descobrir, mas o resultado é imprevisível.
Para as pessoas que entrevistei, apenas continuar como se era não foi suficiente
para a constituição de uma nova identidade. Foi preciso que elas dessem um significado
à infecção pelo HIV, capaz de transformá-las em uma outra pessoa que não fosse
diferente da original apenas por ser portadora do HIV, mas por ter se refeito por meio
dessa nova identidade construída em função do diagnóstico que recebera.
133
6.3.2.5 A frustração da verdade.
Uma entrevistada de 35 anos de idade, detentora de bom nível sócio-econômico,
relatou da seguinte maneira sua decepção diante do diagnóstico de portadora do HIV:
“...eu achava, sinceramente, que essa era uma coisa impossível eu ter. Pelo tipo de
postura que eu tinha, entende? Por exemplo assim, não usava droga, quer dizer... não
ia poder me contaminar assim, né. Tinha o meu... namorava assim, doze anos,
então... entendeu? Então eu tava cercada de um modo que eu achava que eu não
poderia ter. É assim... não passava pela minha cabeça. Que era uma doença que vem
ou de sexo ou... as pessoas se injeta, né, usa droga. Eu nunca usei droga, aí... isso daí
eu falei: doar sangue, receber transfusão. Eu nunca recebi transfusão. Então era uma
coisa assim que as formas de se contaminar, nunca passou pela minha cabeça isso.
eu levei um susto muito grande!”
Todas as razões apresentadas para essa entrevistada acreditar que não se
enquadrava no perfil de possibilidades de se tornar portadora do HIV foram sustentadas
nas representações sociais que se desenvolveram sobre a infecção por esse vírus,
principalmente quando do surgimento da pandemia. Não usava droga, o tinha uma
vida sexual marcada pela promiscuidade e nunca havia recebido hemoterapia. Segundo
percebia, o risco de ser infectada pelo HIV estava controlado.
A respeito dessa percepção, vários autores observaram que, pessoas que não se
julgam pertencentes a grupos de risco, imaginam-se protegidas contra a possibilidade de
contraírem o HIV (FIGUEIREDO & MARCOS, 1997; MARGULLES, 1998;
MENEGHIN, 1996).
No caso da entrevistada acima, a possibilidade do parceiro lhe transmitir o HIV
não estava entre suas verdades. O perfil de segurança que traçou para si não coincidiu
com o perfil do único parceiro sexual com quem conviveu durante doze anos até ser
diagnosticada. Ao descortinar da sua infecção, ela se assustou com a descoberta de que
o marido era portador do HIV, e que, portanto, o risco da infecção não estava controlado
conforme acreditava. Mas, a respeito do fato de seu parceiro ter lhe transmitido esse
vírus, ela não fez nenhuma menção em toda sua entrevista.
Essa omissão pode estar indicando que a entrevistada continua sustentando seu
conjunto de verdades, o que demonstra a força desse estruturante existencial. A esse
respeito, Kierkegaard (1974) defendeu a idéia de que a verdade para uma pessoa, sobre
134
a qual ela mesma se define, é um projeto pelo qual o sujeito se dispõe a viver ou morrer,
independentemente de ser real ou não.
Essas considerações mostram que a realidade representada pelo diagnóstico da
infecção pelo HIV pode se chocar contra a verdade por meio da qual a pessoa havia
construído seu ser no mundo
4; 5
. Esse choque poderá fazer com que a noção de verdade
sobre a qual o sujeito estabelecia sua identidade fique confusa, levando-o, segundo
Romero (1994); Turato (2004), a confrontar-se com seu plano metafísico por meio de
uma reflexão sobre seus objetos simbólicos. Nesse confronto, as crenças do indivíduo
poderão lhe parecer dissolutas e mais abstratas do que imaginava que fossem (Idem).
Ao estender a conversa para o plano das mudanças que a infecção pelo HIV
pode proporcionar sobre a organização da vida, a mesma entrevistada comentou:
“Eu acho que qualquer doença quando ela é grave, é séria né, leva a pessoa a uma
postura dessa. Tem uma mudança radical de vida. A pessoa tem um câncer... ela muda
radicalmente! Ela passa a fazer exercício, ela muda o hábito alimentar, ela passa a
dormir cedo. Se ela tinha uma vida assim mais agitada, ela passa a não fazer isso mais.
Começa a se recolher, né, mais cedo. Fica mais voltada pra família... acho que
qualquer tipo de doença que te faz pensar... e achar que você vai perder a sua vida te
leva a esse tipo de atitude. [...]. Não acho ruim, o. É bom, a pessoa... poderia ser
diferente... a pessoa pensar sem precisar disso, né, mas isso é... é um efeito positivo.
A pessoa renasce, se reconstrói, passa a ter hábitos mais saudáveis, né...”
A entrevistada esclareceu o que, para ela, significa a infecção pelo HIV: doença
grave que impõe uma mudança radical nos hábitos e costumes da pessoa, semelhante ao
que foi comentado por outros entrevistados. Tal mudança chega a afetar o ritmo da vida,
como a alimentação, o repouso e até mesmo o aconchego familiar.
Mas, diferentemente das outras pessoas que entrevistei, essa mulher não falou
diretamente sobre a infecção pelo HIV, metaforizando-a na forma de uma outra doença
que ela não tem (o câncer), e ainda fez seu discurso em terceira pessoa. Com essa
atitude, é possível que ela tenha projetado sua infecção como algo que não pertence ao
_______________
4. Segundo Romero (1994), a verdade pode ser definida como o conjunto de valores, crenças e
significados sobre os quais a pessoa sente e constrói o seu ser no mundo. Mesmo que não seja real, é com
este conjunto que a pessoa define sua relação consigo, com os outros e com o mundo. A realidade, por
sua vez, foge a esse plano consciente e é definida como um determinismo concreto que pode ou não ser
aceito pela verdade individual.
5. Ver também nota de rodapé n
o
3, p. 102.
135
seu mundo. Portanto, como um fenômeno que não partiu de dentro dela. Esta percepção
é coerente com a crença que ela tinha na sua invulnerabilidade.
Outro aspecto em que a percepção dessa mulher foi diferente dos demais
entrevistados, apareceu quando ela disse que, apesar de haver “um efeito positivo” no
adoecimento, capaz de fazer com que a pessoa se reconstrua e melhore seus hábitos, o
diagnóstico da infecção pelo HIV representa uma coisa ruim. Vejamos o relato que ela
fez:
“Se o HIV tem lado positivo? Acho que não. [...]. O HIV na minha vida não foi uma
coisa boa. Pra mim foi uma coisa ruim, com certeza! Porque... igual eu vou te falar
uma coisa... a vida não mudou muito. [...] ...mas eu tinha uma vida tranqüila, você
entende? Eu tinha uma vida assim... tranqüila. Mas a minha vida não é ruim, você
entende?”
Enquanto os sujeitos que se culparam por terem contraído o HIV disseram que o
diagnóstico desta infecção os mobilizaram por uma mudança significativa em seus
hábitos, essa entrevistada negou que isso lhe tenha ocorrido. Nesse contexto, existe uma
percepção de ausência de responsabilidade por ter se infectado, sobre a qual justifica-se
a manutenção do mesmo estilo de vida anterior ao diagnóstico.
Mas, no discurso dessa mulher, uma ambigüidade caracterizada pela
definição da infecção pelo HIV como uma coisa ruim que aconteceu em sua vida, que,
entretanto, não interferiu em sua tranqüilidade existencial. Provavelmente, ela mesma
notou tal ambigüidade, pois, por duas vezes, perguntou se o entrevistador havia
entendido o que estava tentando dizer.
O que a entrevistada tentou dizer foi que sua consciência está tranqüila, pois não
fez nada de errado que possa justificar ter sido infectada pelo HIV. Não se sente culpada
por ter se tornado portadora desse vírus. Ou seja, a infecção não derivou da sua vontade
ou iniciativa, e sim de um fator externo.
6.3.2.6 A exclusão que dilui a representação da perda.
Encontrei pessoas que afirmaram que a infecção pelo HIV não alterou em nada
sua existência, ou seja, não teve nenhum significado.
136
Diante de tantos relatos dizendo que a vida foi dividida “num antes e num
depois” em relação ao diagnóstico da infecção pelo HIV, conforme argumentou Moreira
Filho (2005, p. 20) que uma doença grave é capaz de fazer com a existência das
pessoas, surpreendi-me com histórias nas quais os indivíduos não descreveram o seu
diagnóstico como uma ruptura existencial. Uma delas foi contada por um entrevistado
trans-sexual, de 31 anos de idade, profissional do sexo, portador de uma expressão
tranqüila e introvertida:
“Ah, não penso muito no futuro. Vou seguindo a vida. No dia-a-dia... Sobre o sexo eu
levo normal. Não coloco na cabeça o HIV. Isso não altera em nada. [...] Filho eu não
tenho vontade não, mas companheiro fixo eu tive, mas separei. Não acho que o
HIV interfere nesse contexto. Adoção não. A morte? Ah, é um descanso. Se é uma
coisa boa ou ruim, isso eu não sei. A gente vai saber quando morrer. Não tenho
medo da morte. Acho que todo mundo espera por ela um dia, né. Não procuro por ela.
Espero que ela fique bem longe. Não tem diferença entre antes e depois do HIV na
minha vida. O HIV não alterou em nada. Não tem diferença no tempo antes do HIV e
depois do HIV. Acho que o negócio é não se preocupar muito, não colocar esse
negócio na cabeça e viver a vida, né.”
Quando questionado sobre o significado da infecção pelo HIV em sua vida, esse
entrevistado não moveu em nada sua postura ou sua expressão facial. Nem sequer
entrecortou o discurso. Respondeu com a fluência de quem não precisava pensar sobre a
pergunta.
Falou que não deseja a morte ao afirmar que “não procura por ela e espera que
ela fique longe”, mas, também, que “não a teme”. Abordou a infecção pelo HIV como
algo desprovido de qualquer importância.
A vida dele sempre foi o presente. Nunca teve como projeto a tradição de
estruturar uma família para si, gerar descendentes ou preocupar-se com as
conseqüências biológicas de suas atitudes sexuais, já que “leva o sexo normal”, a
despeito de ser portador do HIV. Mantém o mesmo estilo de vida, o qual,
provavelmente, fez com que se infectasse.
Não pensa no futuro, o pensa na morte, não pensa no HIV e, talvez, também
não pense na vida como um fenômeno contínuo, pois, “não coloca nada na cabeça,
apenas vive o dia-a-dia”. O seu negócio” é viver a vida”, ou seja, deixá-la passar
despreocupadamente. É possível que esse sujeito nunca tenha tido mesmo um projeto de
137
futuro, de maneira que não é, necessariamente, o fato de ser portador do HIV que o fez
perder esse projeto.
Sendo ele um trans-sexual masculino, jovem, que se veste, comporta-se e se
relaciona como mulher, e é assim que se apresenta à sociedade, posso supor que a
solidão, o abandono, a rejeição social, a exclusão sócio-econômica, o risco de vida e o
estigma sejam experiências cotidianamente vividas por esse sujeito, antes mesmo de
tornar-se portador do HIV, em conseqüência do preconceito social que existe contra os
que se apresentam diferentes da maioria. Portanto, é possível que ele tenha razão: a esse
respeito, “o HIV não tem nada a acrescentar”.
Souza & Vietta (1999) concordam com a idéia de que a infecção pelo HIV pode
não significar absolutamente nada para pessoas já estigmatizadas por seu envolvimento
com o ilícito ou o culturalmente intolerável, tendo citado os trans-sexuais e usuários de
drogas como exemplos dessas pessoas.
Contudo, a partir do contexto sócio-existencial de um trans-sexual profissional
do sexo, uma outra interpretação da fala desse sujeito precisa ser considerada. As idéias
dele são coerentes com sua condição de ser e de sobreviver, a qual não se encaixa nos
padrões patriarcais que vinculam a noção de austeridade à estruturação de famílias
tradicionais, a noção de futuridade à continuidade das gerações, e a sustentação da vida
sexual no sistema reprodutivo. O formato com que esse entrevistado se apresenta
recebe, na atualidade, o incentivo dos movimentos sociais ligados a causas femininas e
homossexuais.
No processo em que tais movimentos propõem alternativas às tradições
patriarcais, o futuro torna-se enfraquecido como um horizonte de conquistas, o que
valoriza o presente como uma possibilidade em si mesmo.
No caso desse trans-sexual, ele vive da prestação de um serviço onde o que
importa é o presente, pois, seu instrumento de trabalho é o corpo, o qual tem um tempo
de validade, ou seja, uma vida útil limitada. Especialmente no que diz respeito à sua
capacidade de produção sexual. Portanto, não pode contar com o futuro. Precisa tirar
proveito do seu instrumento de trabalho agora, pois, mesmo se não usado, este
equipamento será desgastado pelo tempo e perderá sua utilidade.
A infecção pelo HIV, nesse contexto, nada mais é que um acidente ocupacional
que o sujeito sofreu, cujo risco é inerente à sua profissão; semelhante a vários outros
riscos ocupacionais ligados a diversas outras profissões. Porém, apesar de acidentado,
138
esse trabalhador não perdeu sua capacidade laborativa. Sendo o sexo o seu trabalho,
como ainda não se tornou sexualmente inválido, continua trabalhando.
Por outro lado, o entrevistado concebeu a morte como um prêmio ao corpo
merecedor de um “descanso”. Mas, ele ainda não está querendo ou precisando
descansar. Portanto, continua “vivendo a vida.
No outro pólo, entrevistei um homem heterossexual de 26 anos de idade,
desempregado, analfabeto, pai de quatro filhos e não usuário de drogas, que também
desvalorizou o significado do seu diagnóstico. Vejamos o comentário dele a esse
respeito:
“Arrumar serviço é mais difícil mesmo, pela fofoca é mais difícil mesmo. O fato de ter
o HIV complica a situação. Se não tiverem sabendo corre tudo bem, né. Eu acho que
com HIV ou sem HIV o atendimento que recebo nas prefeituras ou outros lugares é o
mesmo. [...]. A vida pra mim é a mesma coisa que era. O HIV não fez muita diferença.
Sem o HIV eu acho que a minha vida seria a mesma coisa. [...]. Daqui há dez anos? Eu
quero do jeito que eu estou, normal, né. Eu espero isto. O sexo atrapalhou um
bocado, , por causa do preservativo. [...] A morte é normal, todo mundo a morte
uma hora. Eu não acho que o HIV tem alguma coisa a ver com isso não. Eu não tenho
medo nenhum. O HIV não mudou nada na minha vida. A minha vida é a mesma coisa,
não mudou nada.”
A infecção pelo HIV não alterou a forma como esse entrevistado se sente, como
tem acesso aos recursos públicos e não implicou em mudanças na sua vida.
Apesar de reconhecer que as representações da infecção pelo HIV acrescentam
dificuldades à pessoa, caso seu diagnóstico seja revelado, ele admitiu que, para si
próprio, esse diagnóstico não fez diferença.
Conservou sua noção de futuridade, mas, não tem a expectativa de que o futuro
possa representar algo diferente do presente, e considerou que não tem nada que esteja
tornando este seu presente alterado, que “hoje ele está normal”. Isto poder estar
significando que, do passado até o presente, nada alterou sua trajetória, talvez nem
mesmo a infecção pelo HIV.
Contudo, por ser um pai de família tradicional, incorporou razões para conceber
o futuro. Este tempo, para ele, extrapola a si próprio para envolver sua família. Nesse
aspecto, o estigma que o seu diagnóstico pode representar significa uma obstrução por
dificultar-lhe o acesso à oportunidade de trabalho e provisão familiar. Mas, em outros
139
aspectos, a vida não mudou. Quanto à prática sexual, sente apenas o desconforto de ter
que usar preservativos.
Referiu-se à morte como um evento naturalmente inerente à vida. Ao contrário
da maioria dos outros entrevistados, desvinculou a morte do significado da infecção
pelo HIV.
Comparando os comentários desse sujeito com os do trans-sexual apresentado
anteriormente, notei que eles abordaram a vida e as representações do diagnóstico da
infecção pelo HIV de maneira diferente. É provável que isto tenha acontecido porque
eles diferem entre si em suas percepções sociais e inserção cultural, o que os faz
personalidades distintas.
O que de semelhante entre eles é que, ambos, pertencem a extratos que a
sociedade marginaliza. O trans-sexual, pela heterodoxia que representa, e o trabalhador,
pela miséria em que subsiste. Segundo Mayers & Svartberg (2001), indivíduos em
situação de muita pobreza sócio-econômica podem ser tão marginalizados pela
sociedade quanto aqueles que têm um comportamento alternativo às tradições e às
regras sociais.
Um motivo de grande sofrimento existencial para o portador do HIV é a sua
exclusão social conseqüente às representações da infecção por esse rus. Como as
pessoas que vivem em situação de miséria ou se comportam contrariamente às tradições
e regras sociais vivem excluídos, é possível que, sobre este motivo de sofrimento, a
infecção pelo HIV tenha, de fato, pouco significado a acrescentar.
6.3.2.7 A perda da autonomia.
Uma entrevistada que já apresentei em oportunidades anteriores, de melhor nível
sócio-econômico, 35 anos de idade e portadora de lipodistrofia, fez o seguinte
comentário sobre uma de suas perdas derivadas do diagnóstico de portadora do HIV:
“[...] ...uma coisa que eu penso, que eu comparo, que antes eu tinha uma sensação de
poder enorme. Eu tinha. Tudo eu podia... uma sensação assim diferente. [...]. A gente
não é dona do futu... eu achava que eu era dona do meu destino. Que eu podia falar
assim: - daqui dois... vou fazer isso! Eu não acho que a morte perto não, mas eu
não tenho mais a sensação assim, por exemplo, eu tenho... às vezes eu brinco assim
com minha irmã: nossa, eu tomei um medo de Deus! Eu brinco com minha irmã... o
medo! Porque é incrível, a gente não é dona da vida da gente mesmo.”
140
Essa entrevistada sente que perdeu o controle absoluto sobre sua vida.
Especialmente por achar que o futuro não lhe pertence mais, e que não pode decidir
livremente seu próprio destino.
Deixar de ser dona do [próprio] destino” significou, para essa mulher, o
mesmo que perder a autonomia sobre seu próprio futuro. Nas sociedades modernas, o
ideal de autonomia sempre esteve associado à liberdade de decidir, de escolher por si só,
segundo a própria consciência. Esse ideal da entrevistada se esfacelou. Na realidade, ela
se sente na mão de Deus, de quem ela tem medo.
Essa mulher é aquela que se achava invulnerável à infecção pelo HIV devido ao
seu perfil de verdades. A fidelidade conjugal era uma prática dessa entrevistada, sob a
qual ela se sentia protegida contra tal infecção. Esta fidelidade, ao mesmo tempo, estava
de acordo com o regulamento religioso. No entanto, ela se infectou. Isto torna
compreensível o medo que ela passou a ter em relação a Deus.
Por outro lado, o sentimento de perda da autonomia dessa mulher está reforçado
pelo estigma que, indiretamente, a infecção pelo HIV impôs à sua aparência física por
meio da lipodistrofia (uma deformidade estética corporal conseqüente ao uso de
antiretrovirais). Devido a isso, ela passou a evitar situações em que o seu corpo possa
ficar à mostra, começou a usar determinados tipos de roupa sob os quais esconde sua
deformidade e deixou de freqüentar praias, piscinas, salões de beleza e similares.
Esse achado comunga com o pensamento de alguns estudiosos, os quais
argumentaram que a pessoa infectada pelo HIV vivencia importante subtração em sua
autonomia devido ao fato de que, ao receber seu diagnóstico, passa a decidir sob
coações internas e externas exacerbadas, derivadas respectivamente do seu conflito de
valores culturais e existenciais, e do conflito moral e social despertado pelo significado
e pelas representações da infecção que porta (CZERESNIA, 1997; MUÑOZ &
FORTES, 1998).
6.3.2.8 A substituição da parte sexual, pela angústia, na composição do ser.
Entrevistei um caminhoneiro heterossexual, de 33 anos de idade, que elaborou
juízos de valor sobre relações interpessoais, tomando como referência a atitude afetivo-
sexual. Ao refletir sobre o assunto, estabeleceu categorias de caráter para as pessoas e
definiu sua própria personalidade a partir de uma ética sexual, conforme visto no
seguinte relato:
141
“Hoje em dia eu não sou de sair, mas hoje em dia você sai pela rua afora, aliás, você
vê os cara falando. Só arruma uma menininha ali e fica com ela, transa com ela e larga
pra lá... não quer saber de responsabilidade, não quer saber de nada. [...]. É a mesma
coisa eu... eu tenho [o HIV]... a mulher não tem. Tudo bem, a gente conversa, entende,
vai e transa com ela. Ela vai saber que eu tenho aquele tipo de problema, mesmo que
eu usando camisinha. E se estourar a camisinha? E aí? é que eu te falo, porque
estoura. [...]. Então é um caso complicado. Aliás, uns tempos atrás quando não era
descoberto ninguém era culpado, mas dagora pa frente, como é que as coisa, se ocê
não abrir o verbo com a pessoa, se ocê conhecer uma pessoa, igual assim no caso eu...
saio aí, conheço uma menina e coisa e tal, e não falasse com ela eu sendo
culpado, não não? E sendo cúmplice sim. É o que acontecendo mais hoje em
dia, entendeu? Igual o caso desse rapazinho [um outro paciente que estava na sala de
espera], eu fiquei sabendo, eu ouvi o boato dele, que ele, quando ele tava com isso, ele
falou até aqui na porta. Eu tava aqui no dia, eu encontrei com ele. Ele falou: - “Eu não
vou é tomar remédio coisa nenhuma, eu não vou tomar nada e eu quero é morrer
mesmo, eu vou é passar isso pro outros mesmo e...”. Não tem nada a ver, eu quero que
entenda o que eu tô falando. Eu ouvi isso ali fora e fiquei sentado fazendo de conta
que nem conhecia, então... é o que eu tô te falando. É complicado.”
Esse entrevistado partiu do princípio de que o exercício da vida sexual exige
responsabilidades, mas, segundo observou, há pessoas que não têm essa preocupação.
Ao refletir sobre a transmissão do HIV a partir desse princípio, defendeu a idéia
de que sua parceira precisa saber que é portador do HIV, mesmo que use preservativo
na relação sexual, e classificou como irresponsável quem não revela seu diagnóstico
nessas circunstâncias. Por meio desta reflexão, delineou uma ética sexual sobre a qual
se baseou para atribuir culpa ao portador do HIV que não conversa com sua parceira
sobre sua infecção.
Mesmo agindo segundo essa ética, ele se preocupa com a possibilidade de
rompimento do preservativo durante o ato sexual, o que poderia expor sua parceira à
infecção pelo HIV. Diante desse risco, admitiu que, mesmo sendo responsável, a
possibilidade de transmitir o HIV faz com que o portador desse vírus não tenha uma
vida sexual tranqüila.
Ao afirmar que não havia como responsabilizar as pessoas pela transmissão do
HIV na época em que esse vírus não era uma presença perceptível, ou seja, não havia
motivo para se preocupar com sua transmissão quando este não era conhecido, o
entrevistado localizou sua falta de tranqüilidade sexual na consciência que tem acerca
do seu diagnóstico, a qual faz com que sua sexualidade passe a ser vivida sob a tensão
do medo de transmitir o HIV.
Sobre o efeito dessa tensão, o mesmo entrevistado comentou o seguinte:
142
“Problema de sexo, cê fala? Prazer de sexo? Esse remédio atrapalha um pouco. Eu sei,
porque, antes era uma coisa, depois eu comecei a tomar esse remédio, não tem
muita vontade de... transar não. fica meio... fica desanimado, fica meio fraco,
não tem... parece que esse remédio atrapalha, ele te atrapalha.”
Esse sujeito confessou sua impotência sexual e a atribuiu aos efeitos dos
antiretrovirais. Entretanto, não encontrei, na literatura ou na experiência, dados
afirmando que o tratamento antiretroviral, farmacologicamente, induza à impotência
sexual. Mas, este é um conhecimento que o entrevistado não tem. Isso torna
compreensível a associação que ele fez entre impotência sexual e terapêutica contra o
HIV.
Disse que passou a ter dificuldades sexuais a partir do início da terapêutica.
Porém, iniciou o tratamento a partir do momento em que foi diagnosticado portador do
HIV, pois, sua situação clínica e laboratorial indicavam essa conduta quando foi
diagnosticado. Portanto, tornou-se impotente a partir do diagnóstico, de maneira que a
coincidência entre sua impotência sexual e a terapia antiretroviral é, provavelmente,
apenas cronológica.
Por outro lado, o entrevistado abordou sua impotência sexual como se fosse uma
perda do desejo pelo ato sexual, o qual, ao que parece, deixou de ser uma fonte de
prazer para ser uma fonte de preocupações, tamanha a responsabilidade que este exige,
conforme discorreu em seu relato anterior.
Diante desses achados, suponho que a origem da impotência sexual desse
entrevistado seja emocional, relacionada às representações da infecção pelo HIV e ao
significado que deu ao seu diagnóstico.
Um outro entrevistado heterossexual, de 39 anos de idade, que transmitiu o HIV
à esposa, comentou sobre o mesmo assunto da seguinte maneira:
“Sobre a parte sexual é complicado. É difícil porque não é fácil você... eu gostaria
muito de falar o contrário: “- não, tá normal...” como tá minha vida mesmo pessoal em
termos assim... nos outros ângulos. Então a situação fica complicada, porque você
sabe... você começa a ler mais, você começa a tomar mais atenção com relação a isso.
E ela... fica complicado porque o relacionamento você quer que dure pra sempre, você
não tem mais aquela condição de achar que pode partir pra uma outra vida com outra
pessoa que não tenha o HIV. Você fica com medo de retransmitir, porque você sabe
que se você o usar o preservativo você pode transmitir novamente... então é
complicado. É uma coisa muito... você tem que conversar bastante... é... isso não é
fácil, essa parte não é fácil não. [...]. O preservativo facilita no sentido de que todo
143
mundo tem que usar, independente do HIV, então o bom disso é que você usar
preservativo você não... seria pior se você tivesse que usar o preservativo só por causa
do HIV. Mas como é tudo... né. Até entre casais, as pessoas casadas, elas têm o direito
de usar, devem usar, então fica mais confortável. Mas você sabendo fica pior porque
tem aquela questão toda de pode estourar... aquela insegurança do ato sexual também
já fica um pouco complicado.”
Esse sujeito soube que era portador do HIV por acaso, quando a esposa foi fazer
um pré-natal e descobriu-se infectada por este vírus. O seu diagnóstico foi revelado a
partir da infecção da esposa. Pesa, ainda, o fato de ter sido ele o transmissor do vírus e
de ter tido conhecimento desse fato por via indireta.
O sentimento de culpa, nesse caso, deve ser quase inevitável. O entrevistado o
manifestou por meio do medo de transmitir novamente o vírus caso tenha outras
relações sexuais. Embora reconheça o recurso do preservativo contra a transmissão do
HIV, tem consciência das limitações desse método de proteção. Então, mesmo diante de
tal recurso, não consegue usá-lo e manter suas atividades sexuais. Ainda assim, ressalta
os apelos públicos para o uso do preservativo nas relações sexuais, enfatizando que esta
prática não estigmatiza porque não tem como finalidade exclusiva evitar a infecção pelo
HIV.
Nesse apelo, sugeriu às pessoas casadas, também, a usarem preservativo. Com
esta sugestão, deixou entrever que se tivesse usado tal proteção em suas relações com a
esposa, talvez não a teria infectado.
Ele tem “medo de retransmitir” o HIV, ou seja, de transmití-lo outra vez. Esse
medo pode estar significando que o fato de ter infectado a esposa tenha lhe gerado um
sentimento de frustração, o qual não gostaria de experimentar novamente.
Segundo a literatura, o medo de transmitir o HIV a pessoas com quem o sujeito
tem laços afetivos bem estruturados é um achado comum entre portadores desse vírus
(SCHÖNNESSON, 2000; SOUZA & VIETA, 1999; VIEIRA & SHERLOCK, 1997).
Esses achados indicam que o diagnóstico da infecção pelo HIV afetou a
percepção do sujeito sobre o ato sexual, alterando, conseqüentemente, sua consciência
sobre os desdobramentos do seu comportamento frente ao sexo. Para ele, essa percepção
transformou o ato sexual em um problema complicado. Provavelmente porque, neste
ato, o sujeito passou a projetar sentimentos de culpa e de frustração.
Uma viúva que, como a esposa desse entrevistado, foi infectada pelo marido,
também confessou ter problemas para se envolver sexualmente com outras pessoas
144
devido ao fato de ser portadora do HIV. Porém, focalizou sua angústia não no medo de
transmissão do HIV, mas no medo de expor seu diagnóstico:
“Você chegou no pé da letra sobre essa questão de sexo. Depois que o ... [meu esposo]
morreu eu tenho medo de me relacionar mais com qualquer tipo de pessoa, porque, às
vezes eu fico pensando assim: se eu me relacionar com qualquer tipo de pessoa,
certo, que a gente se protege de camisinha e é isso, mas um dia aquela pessoa vai
descobrir o que é que eu tenho, então eu prefiro não ter nada, mantenho a minha vida
como que... eu acho que a relação sexual, se você não pensar nela você não tem
vontade. Eu acho que morreu aquilo pra mim.”
Essa entrevistada pôs a sexualidade como uma questão contundente ao dizer que
o entrevistador “chegou ao da letra” ao abordar tal assunto. Tornou-se abstinente
sexual depois que o esposo morreu, e o depois que foi diagnosticada. Quando sua
vida sexual era compartilhada somente com o esposo que também era portador do HIV,
a revelação do diagnóstico não era um problema ligado à vida sexual. Esta vida era
restrita a um relacionamento fechado, no qual, não a sexualidade, mas a
clandestinidade também era compartilhada.
que, agora, poderá surgir na vida dela “qualquer tipo de pessoa” com a qual
poderá se envolver sexualmente. O medo dela é que esse envolvimento, com o tempo,
possa resultar na revelação do seu diagnóstico.
Segundo Goffman (1988), uma pessoa portadora de um estigma oculto, que
convive intimamente com alguém, está permanentemente sob o risco da revelação desse
estigma. Acrescentou, ainda, que uma relação direta entre o tempo de convivência e
a probabilidade da revelação.
Para evitar a revelação do seu diagnóstico, essa viúva o mantém em segredo,
entre outras formas, reprimindo qualquer possibilidade de um novo relacionamento
íntimo, o que não significa que tenha perdido seu desejo sexual.
De acordo com vários autores, é preciso que nos encontremos com o outro para
nos tornarmos completos. Os mesmos argumentaram também, que a sexualidade é uma
ferramenta que auxilia as pessoas no processo de aproximação e ligação entre si,
mobilizando simultaneamente a mente e o corpo em busca da completude do ser
(ERTHAL, 1989; MERLEAU-PONTY, 1999; ROMERO, 1994).
145
Segundo Merleau-Ponty (1999), o corpo de uma pessoa que se relaciona com o
mundo (um ser existente) é um equipamento sensível à interação com o outro, o qual é
composto por uma parte física e outra mental. Defendeu que tal equipamento é uma
estrutura integral formada por partes inter-relacionadas, interdependentes e
complementares, as quais não podem se dissociar. Exemplificou que o pensamento, os
sentidos, a sexualidade, as mãos e os sistemas orgânicos são algumas partes assim
interligadas, dizendo que a ruptura dessas interconexões, ou a exclusão de uma das
partes dessa estrutura, determina a perda da integralidade corporal, rompendo com o
estabelecimento do ser na forma de um sujeito necessariamente relacional em si e com
os outros.
No caso da viúva que entrevistei, ela evita se relacionar intimamente com outras
pessoas dizendo que sua vida sexual “morreu”. Chegou, inclusive, a chamar essa parte
de si de “aquilo”. Ao dissociar sua parte sexual do seu corpo e da sua mente, passou a
viver como um ser incompleto, motivada pela representação da infecção pelo HIV sobre
sua parte sexual.
Novamente segundo Merleau-Ponty (1999, p. 219), caso a história sexual de
uma pessoa possa revelar aspectos da sua vida, a “maneira de ser” desta pessoa em
relação às outras pode ser projetada em sua sexualidade. Partindo dessa observação, a
maneira de ser do portador do HIV, em sua forma sexuada, pode se tornar impregnada
pelas representações do seu diagnóstico, uma vez que tal infecção faz parte da sua
história.
Além disso, vários autores destacaram que a união física é importante para a
superação, pelo menos momentaneamente, do sofrimento derivado da solidão
existencial, pelo compartilhamento do próprio sofrimento (ERTHAL, 1989;
KOESTLER, 1984; ROMERO, 1994). Entre eles, Koestler (op. cit.) comentou que a
solidão é um sentimento insuportável a ser sobrepujado a todo custo por uma união
íntima com o outro. Porém, o portador do HIV tem consciência de que a revelação do
seu diagnóstico pode determinar sua rejeição, o que interfere decisivamente nos critérios
e mecanismos por meio dos quais busca superar a solidão.
Esses mesmos autores reforçaram, ainda, que a pessoa infectada pelo HIV,
principalmente se for mulher, freqüentemente traz consigo um sentimento de que não
tem mais como desenvolver uma relação romântica, e de que se tornara impedida de
alcançar uma unidade com outro por intimidade física (Idem). É provável, portanto, que
a solidão, para essas pessoas, seja um sofrimento que não tem como ser sobrepujado por
146
meio do compartilhamento de uma vida afetiva-sexual, a não ser que seja com alguém
portador da mesma condição ou, pelo menos, tolerante às representações da infecção
pelo HIV.
Digo isto porque a tolerância por parte de um parceiro sexual não infectado
também é uma possibilidade para o portador do HIV. Entrevistei um heterossexual,
solteiro, que tem uma namorada que não é infectada por esse vírus. Ela sabe que ele é
portador do HIV e, mesmo assim, o apóia e acolhe afetivamente. Ajuda-o, inclusive, nos
cuidados com o tratamento antiretroviral. Isso demonstra que, entre eles, a “AIDS
social”
6
não existe. Ele a tem como única parceira sexual e afirmou que, com ela, não
tem dificuldades sexuais, mas tem, reciprocamente, responsabilidade e solidariedade. A
aproximação entre os dois chega a ser mutuamente gratificante. Em seu relato, disse o
seguinte:
“A gente procura fazer o sexo da maneira normal, mas a gente usando, tem que se
preservar, usar o preservativo pra não complicar a vida da minha parceira, né.”
Da mesma forma que a entrevistada anterior, a restrição do envolvimento sexual
ao ambiente fechado de uma parceria única e solidária, em que a revelação do
diagnóstico não desperta a AIDS social, a culpa ou a frustração, permitiu a esse sujeito
viver sua vida sexual sem tantas angústias.
Um outro sujeito, deprimido, que não tem parceria sexual fixa, descreveu sua
percepção relacionada ao HIV e o sexo da seguinte maneira:
“Ter o HIV é muito ruim. Não pra conviver com isto. [...]. uma tristeza, pois a
pessoa que me coisou o bichinho não me ajudou que tava contaminada. Se eu achasse
aquela mulher que me descarregou eu ia dar um caborralô nela. A culpa é dela, pois
foi sem camisinha. [...].Eu não tenho mais plano nenhum não. [...]. Agora, se a mulher
me dá eu como. [...]. Não tenho medo da morte não, ela vai chegar”
Esse entrevistado tem um grande ressentimento por ser portador do HIV. Ele crê
_______________
6. SANCHES, 2000. Ver conceito de AIDS social à p. 109.
147
que contraiu o vírus devido à falta de sinceridade de uma de suas parceiras, à qual
instituiu culpa por não tê-lo comunicado que estava infectada e por não ter proposto o
uso de preservativo na relação sexual que tiveram.
Para esse sujeito, a vida sexual não significa o estabelecimento de laços afetivos.
Nesse caso, sexo é uma relação puramente carnal, dependente apenas da oportunidade
de oferta. Sendo assim, o entrevistado entende que a culpa por ter se infectado é de
quem se ofereceu a ele sem poupá-lo da qualidade do que estava sendo oferecido.
Ou seja, culpado é quem lhe forneceu um produto estragado que lhe fez mal. A
frustração está no fato de não ter como reparar esse mal que, sendo a infecção pelo HIV,
para ele representa a própria morte. Daí a sua dificuldade em conviver com tal infecção.
O desejo pela reparação do dano, uma vez frustrado, transformou-se em um
sentimento de raiva, o qual lhe despertou um desejo alternativo: o de agredir a mulher
que o transmitiu o vírus.
Segundo idéias de Romero (1994), o objetivo dessa transformação é tentar
compensar o ressentimento, de modo que a agressividade torna-se uma forma pela qual
o sujeito manifesta sua depressão que, nesse caso, foi motivada pelo fato de ter se
tornado portador do HIV.
De acordo com o pensamento de Freud (1975), a contenção da raiva por
intermédio do controle da agressividade poderia fazer com que esse entrevistado
passasse a se sentir doente e fragilizado, reforçando a representação da morte na
infecção pelo HIV.
O problema é que esse sujeito não conseguiu compensar seu ressentimento, e
continua convivendo com ele. Não conseguiu, pois, elaborar a relação entre a sua
angústia e o seu ódio, e entre a sua depressão e a sua raiva. Sentiu, apenas, que foi
lesado por uma coisa que, apesar de voltada ao prazer (o ato sexual) resultou em
frustração (a infecção pelo HIV), deixando-o muito triste.
Por outro lado, um comportamento sexual do tipo confessado pelo entrevistado é
um fator de risco para se contrair o HIV. Ao assumir tal comportamento, não como
não ser co-responsável por sua própria infecção, mas, esta não é a percepção desse
sujeito. Segundo os conceitos básicos da psicanálise, esse tipo de elaboração, em que a
pessoa atribui aos outros uma culpa que também está relacionada aos próprios atos, é
característica de um ego que ainda não aprendeu a assimilar adequadamente a realidade
e controlar seus impulsos. Segundo Brenner (1987), quando isso ocorre em pessoas
148
adultas, pode conduzir a um desvio de conduta compatível com o de um doente mental.
Esse último entrevistado, por exemplo, é dependente de assistência psiquiátrica.
Pelo que foi demonstrado até então, suponho que a questão sexual é, de fato, um
objeto de muita angústia para o portador do HIV. Afinal, os entrevistados foram claros
em dizer que a vida sexual, para eles, é “complicada” e “difícil”, com a qual convivem
sem uma perspectiva de poderem descomplicá-la ou facilitá-la. É pertinente, pois o sexo
abriga significados e representações atribuídos à infecção pelo HIV de difícil
manipulação. Entre estes, as pessoas que entrevistei enfatizaram a frustração, a morte, a
culpa e a revelação do diagnóstico.
Mas, é por meio da sexualidade que expressamos, exercitamos e fundimos,
intensamente, corpo e consciência, os quais, juntos, formam o que somos e quem
somos, e definem como vivemos, como convivemos e como nos perpetuamos (nos
imortalizamos).
Como a infecção pelo HIV tem tropismo por nossa parte sexual, é muito grande
a força com que seus significados e representações conseguem mobilizar a existência de
todos nós, e não só a dos portadores desse vírus. A parte sexual é uma interseção entre o
lado orgânico e o mental, entre o corpo e a consciência que, compartilhados, nos fazem
integrais e existentes.
Considerando que a infecção pelo HIV compromete fisicamente o corpo (AIDS
orgânica) enquanto o seus significados comprometem os sentimentos e as percepções do
seu portador (AIDS mental), creio que suas representações (AIDS social) afetam
diretamente os pólos pelos quais o sexo conecta o corpo à consciência. O pólo corporal
da sexualidade é sensível ao efeito orgânico dessa infecção, enquanto o pólo consciente
é sensível ao seu efeito mental (FIG. 5).
149
Sítio de ação da infecção pelo HIV
Consciência
S e r e x i s t e n t e
FIGURA 5. A parte sexual como interseção e elo de ligação do corpo com a
consciência, na estrutura do ser existente. As representações da infecção
pelo HIV afetam diretamente esta parte.
Visto que o sexo deixa de ser um instrumento de prazer, aproximação e
comunicação com o outro, para se transformar em um angustiante conflito existencial, é
a angústia, pois, que substitui a parte sexual como interface entre o corpo e a
consciência na composição do ser que porta o HIV (FIG. 6).
Corpo
Sexo
150
Efeito das representações da infecção pelo HIV
Consciência
S e r e x i s t e n t e
FIGURA 6. A substituição da parte sexual, pela angústia, na composição do
ser que porta o HIV.
Nessa discussão sobre o sexo, até agora, o que apresentei diz respeito a homens
e mulheres heterossexuais. Ao entrevistar um homossexual de 37 anos sobre esse
assunto, ele comentou o seguinte:
“Mas eu quero mesmo é ir pro Rio, e com alguém do meu lado muito importante, que
me ajude, entendeu? [...]. Porque sexo é bom, mas não pode abusar... e camisinha em
primeiro lugar. É só isso.”
Esse sujeito pôs o desejo de uma companhia afetiva em primeiro plano. Não
teme que seu envolvimento com outra pessoa possa lhe trazer problemas; aliás, vê,
nesse envolvimento, até mesmo uma possibilidade para obter ajuda. Disse que a prática
sexual é uma coisa boa que, entretanto, precisa ser bem administrada. Não afirmou que
uma relação afetivo-sexual possa lhe representar, necessariamente, um processo
angustiante. Essa percepção é, pois, completamente diferente da que foi relatada pelos
heterossexuais apresentados anteriormente.
Corpo
Angústia
151
Para esse entrevistado, o significado e as representações da infecção pelo HIV
não lhe agregaram conflito ligado à vida sexual. O conflito que, em tese, poderia haver
(o do risco de transmissão do HIV por via sexual), ele resolveu tirando proveito prático
dos ensinamentos médicos e dos discursos sociais sobre segurança sexual.
Devo ressaltar que essa percepção de ausência de agregação de conflitos à
sexualidade em conseqüência à infecção pelo HIV foi consensual entre os homossexuais
que entrevistei. Um deles foi objetivo ao dizer que:
“No começo [...] tinha medo, fiquei meio traumatizado de ter relação, tudo, mas
depois sabendo que usando preservativo, tudo, não tinha problema nenhum.”
Quando esse sujeito foi diagnosticado portador do HIV, ficou temeroso em
relação à sua vida sexual. Provavelmente porque entendeu que foi por intermédio desta
que se infectou. Posteriormente, aprendeu a administrar essa preocupação por meio de
atitudes conscientes. Ficou tranqüilo fundamentando-se apenas no aspecto biológico da
transmissão do HIV. Ou seja, no processo em que se livrou da angústia relacionada às
representações da infecção pelo HIV sobre a vida sexual, não valorizou nem mobilizou
tais representações. O domínio do mecanismo físico da transmissão do HIV,
isoladamente, foi suficiente para que a relação sexual deixasse de ser um problema para
esse entrevistado.
Sobre o mesmo assunto, um homem bissexual também relatou uma percepção
igual à dos homossexuais:
“Sobre a sexualidade é como eu tava conversando [...]. Eu acho normal. [...]. ...com
camisinha é normal. Então eu não acho que... não tem problema nenhum com isso. Eu
tenho meu relacionamento normal, numa boa... mesmo altos e baixos que todo mundo
tem, mesmo problema emocional que todo mundo tem, de repente, desencontros, essas
coisas... normal. [...]. Já tive um companheiro fixo e companheira fixa também. Tenho
vontade de ter isso novamente. A minha dificuldade é a mesma de todo mundo. [...] O
HIV não tem nada a ver com esta dificuldade. [...] Inclusive eu tenho contato com
pessoas que não é soropositivo e a gente leva uma vida tranqüila. [...]. Eu não
achando legal o [meu] relacionamento [atual] porque, como eu disse, é por mim
mesmo, o é por causa do HIV. Sei lá... acho a pessoa [com quem estou] um pouco
infantil, não é aquilo que eu sonho pra mim.”
152
Esse sujeito também foi claro ao dizer que a possibilidade de usar preservativo
elimina o problema sexual do portador do HIV, abrindo caminhos para que sua
afetividade e sexualidade não sejam angustiadas pelas representações da infecção por
esse vírus.
O problema que ele detectou em ter laços afetivo-sexuais não se vincula à
infecção pelo HIV, mas a questões típicas de um relacionamento íntimo qualquer.
Diante desses achados, a demonstração feita no diagrama da FIG. 6, p. 149, e
suas respectivas considerações, não se encaixam aos homossexuais e aos bissexuais.
Para estes, a mutilação sexual não aconteceu, de maneira que a angústia não substituiu a
parte sexual em sua composição existencial.
Resumindo, o impacto do diagnóstico da infecção pelo HIV, em seu primeiro
momento, despertou um sentimento de medo tão grande que imobilizou a pessoa
infectada. A sensação do sujeito foi de que estava absolutamente indefeso diante de uma
situação extremamente ameaçadora, contra a qual, aparentemente, não havia
possibilidades.
O medo que mais articulou esse processo foi o da morte. A apreensão desta
como uma possibilidade conseqüente ao diagnóstico da infecção pelo HIV afetou a
percepção existencial da pessoa, fazendo com que ela desse um sentido à morte em sua
vida. A partir dessa significação, o sujeito incorporou uma noção sobre o limite da vida
e reajustou sua existência, incorporando as representações da infecção pelo HIV.
Entre tais representações, esteve a perda da noção de futuridade, ou da
percepção de possibilidades voltadas ao futuro, como uma conseqüência da ruptura
existencial provocada pela experiência da morte. Essa experiência violou a noção de
temporalidade existencial do sujeito, fato que fez parte do processo por meio do qual
ressignificou sua vida.
Para algumas pessoas, o diagnóstico da infecção pelo HIV resultou em
sentimento de culpa. Essas pessoas atribuíram às suas próprias atitudes o fato de terem
contraído o vírus. Ao ressignificarem suas vidas, mudaram sua forma de ser,
modificando suas condutas em sentido alternativo ao comportamento que motivou seu
sentimento de culpa. Alegaram que, assim, sentiram-se melhor.
Para as pessoas que apreenderam o diagnóstico como um fenômeno oposto às
crenças e valores sobre os quais se definiam, o sentimento foi de frustração. Tais
indivíduos se sentiram obrigados a revisar sua existência, motivados pelo medo, porém,
153
tentaram resistir insistindo em suas verdades, entre as quais, não encontravam algo que
os pudesse responsabilizar por terem contraído o HIV.
Encontrei, também, uma categoria de pessoas que alegou que seu diagnóstico
não representou nenhum impacto importante. Nesta categoria estavam os sujeitos cuja
pobreza ou divergência comportamental já os havia estigmatizado. Nesse caso, as
representações sociais da pobreza, ou da diferença em relação à maioria, agiam sobre
a existência dessas pessoas de uma maneira semelhante ao que acontece com a infecção
pelo HIV. Assim, o diagnóstico desta infecção não teve muito a acrescentar.
Independentemente de qualquer outra coisa, ao serem diagnosticadas portadoras
desse vírus, as pessoas passaram a agir segundo as representações sociais de tal
diagnóstico, e não mais segundo sua livre iniciativa. Esse fato subtraiu parte da
autonomia dessas pessoas.
Mas, a maior subtração aconteceu sobre a vida sexual. Seja pelo medo de
transmitir o HIV, pelo medo de revelação do diagnóstico no contexto das intimidades ou
pelo sentimento de culpa ligado à esfera sexual, as pessoas não conseguiram manter o
sexo no devido lugar. Esse lado da existência tornou-se uma angústia que, em geral, os
sujeitos não conseguiram resolver. Contudo, algumas pessoas que tiveram a sorte de
conseguir uma parceria sexual única e solidária puderam amenizar a angústia ligada ao
sexo por meio do uso de preservativos.
A superposição da angústia sobre a vida sexual não aconteceu entre
homossexuais e bissexuais. Para estes, o controle biológico da transmissão do HIV, por
meio do uso do preservativo, foi suficiente para que a vida sexual deixasse de
representar um problema. Entretanto, não encontrei, nas entrevistas, explicações para
essa diferença de percepção.
6.3.3 A reação do portador do HIV ao impacto do diagnóstico: o encontro de novas
possibilidades.
Não diga que a canção está perdida [...]. Você tem dois pés para cruzar a
ponte. Nada acabou. [...]. Basta ser sincero e desejar profundo. Você será
capaz de sacudir o mundo, vai; Tente outra vez (Raul Seixas, Paulo Coelho
& Marcelo Motta).
154
6.3.3.1 O imediato enfrentamento do trauma.
O diagnóstico de uma doença grave, quando revelado ao seu portador, pode
funcionar como um marco para que se inicie uma segunda vida. No caso das pessoas
que entrevistei, o diagnóstico da infecção pelo HIV foi, em geral, um acontecimento
que, por seus significados e representações, produziu, além de muita angústia, um medo
tão apavorante que elas não conseguiram estruturar uma reação imediata contra tal
angústia.
Ainda que esse trauma possa acontecer com qualquer pessoa, a reação individual
é marcada tanto pela subjetividade quanto pela experiência existencial de cada um.
Para falar sobre sua reação ao trauma representado pelo diagnóstico da infecção
pelo HIV, pedi a uma entrevistada de 41 anos de idade, que vive com um companheiro
também infectado, para descrever sua reação diante do impacto do seu diagnóstico, ao
que ela comentou:
“...quando eu fiquei sabendo mesmo do resultado, que a médica me deu, quando eu fui
e peguei... eu nem sabia que eu ia pegar esse resultado e peguei, ela foi falando
comigo... sabe, me deu aquele branco assim na minha cabeça. Nesse dia, eu até perdi o
rumo de ir embora pra casa. acho que Deus trouxe uma mulher no meu caminho,
que eu tava no ponto sem saber pra onde que eu ia. ela falou: - Você indo pra
onde? Aí eu falei: - Tô indo pro alto da Pampulha! Aí ela falou: - Então eu te levo pra
perto da sua casa. E me levou, inclusive, perto. Foi aonde que meu marido então tava
trabalhando. Aí fui lá e meu marido me levou até em casa.”
Essa entrevistada perdeu todos os seus referenciais. Tornou-se desorientada e
paralisada, sob o sentimento de um vazio existencial provocado por um evento sobre o
qual não tinha sequer a suspeita. Seu estado de desorientação chegou a ser tão visível
que despertou um sentimento de solidariedade em alguém que estava próximo.
Essa solidariedade, vinda do próximo, não foi percebida pela entrevistada como
obra do acaso, mas como uma obra divina que, aos poucos, foi lhe ajudando a se re-
orientar. Mas, para se re-orientar ela precisou, além desta ajuda externa, saber para onde
queria ir e o que buscar; ou seja, desejar a re-orientação.
Pelo visto, mesmo não suspeitando que poderia estar infectada pelo HIV,
processou seu diagnóstico, e reagiu ao mesmo, substanciada pelo desejo.
155
A possibilidade encontrada por essa mulher, reforçada pelo recurso terapêutico
disponível na atualidade, pode estabelecer uma perspectiva em que o diagnóstico da
infecção pelo HIV deixe de significar o fim de tudo.
A esse respeito, uma entrevistada de 35 anos de idade e bom nível sócio-
econômico fez o seguinte comentário:
“...eu pensei assim: gente, isso é tão grave, é o sério que ter o remédio pra combater
isso já é muito bom. Se o remédio vai combater, pra mim é um... já é muito bom. E
pensando nisso eu consegui.”
Essa mulher reconheceu o obstáculo que se pusera à sua frente. Ao fazer tal
reconhecimento, identificou uma possibilidade de enfrentamento por meio da qual
resistiu ao impacto do diagnóstico da infecção pelo HIV, possibilidade esta que foi
muito reforçada pela oportunidade do recurso terapêutico.
Mas, independentemente desta oportunidade, a entrevistada assimilou que havia
um sério problema em seu caminho e se propôs a enfrentá-lo. Segundo Merleau-Ponty
(1999), ao reconhecer um obstáculo, a pessoa que precisará enfrentá-lo torna-se sensível
ao mesmo, dando-lhe um significado. Passa, portanto, a percebê-lo, dando oportunidade
a que o problema ocupe algum espaço dentro do seu contexto existencial. Dessa forma,
o vazio deixado pelo impacto do trauma, se preenchido pela assimilação do objeto
traumático, pode proporcionar uma possibilidade para que a pessoa consiga superar o
próprio trauma. Porém, Brenner (1987) ponderou que o perfil das reações do sujeito ao
trauma é algo que depende muito da habilidade do ego de quem sofre tal impacto.
Essa última entrevistada, por exemplo, teve a habilidade de fazer a seguinte
reflexão:
“Eu achava impossível eu conseguir tomar remédio. Porque eu não tomava mesmo,
sempre fui muito saudável, alimentação saudável... pratiquei esporte... Eu fiquei...
gente, eu não vou conseguir tomar o comprimido de jeito nenhum, porque eu nunca
tomei remédio... coisa que nunca passou pela minha cabeça! [...].Mas como eu te falei
que eu sempre procuro pensar no lado positivo, fico pensando que todo problema que
aparecer vai haver uma solução, entendeu? Eu falo assim: isso é o futuro.”
156
Um obstáculo percebido por essa mulher, posto pela infecção pelo HIV, era a
necessidade de ter que usar antiretrovirais. Esse obstáculo destoava da sua natureza e do
seu ambiente, ao ponto dela supor que não conseguiria superá-lo devido à inexperiência
com o mesmo na trajetória que sempre seguiu. Entretanto, recusou a idéia de que tal
obstáculo não pudesse, de alguma forma, ser superado, e projetou-se além deste com o
fim de não se desviar do desejo de prosseguir sobre sua linha existencial.
6.3.3.2 A elaboração do significado de morte.
Ao entrevistar um homem bissexual, de 49 anos de idade, sobre HIV e morte, ele
respondeu o seguinte:
“Morrer, todo mundo morre, né. Todo mundo tem medo da morte. Eu não acho que o
HIV tem a ver com a morte. Tem que tomar o coquetel, se não tomar eu vou adoecer e
aí vou morrer. Tomo certinho, às vezes saio uns trinta minutos, mas só isso”
Para esse sujeito, a morte é um fenômeno inerente à existência, porém, temido
por todos. Sendo a morte uma temida possibilidade presente em sua consciência, é
natural que busque um meio para adiá-la. O meio que encontrou foi tornar-se aderente
ao tratamento antiretroviral. Apoiado nesse recurso, conseguiu negar a relação entre
infecção por HIV e morte. Em outras palavras, isto quer dizer que a decisão do sujeito
pela aderência ao tratamento antiretroviral pode abrir uma possibilidade para que a
morte seja desvinculada das representações do diagnóstico da infecção pelo HIV.
Mas, segundo Erthal (1989), quem sente o desejo de adiar a morte ao confrontar-
se com a mesma é porque não tem uma verdadeira consciência desse fenômeno.
Entretanto, avalio que esse não é o caso do sujeito apresentado, pois ele não negou o
medo da morte, nem a possibilidade de morrer, apesar de ter posto em prática seu desejo
de adiá-la.
O que ele procurou adiar não foi a morte como um fenômeno existencial, mas a
morte derivada especificamente da infecção pelo HIV. Isso pode representar, no
inconsciente desse sujeito, que a morte provocada por esta infecção não é uma morte
natural e, portanto, deve ser evitada. Segundo Freud (1920/1976), a atitude de resistir a
uma morte não natural, ao que chamou de pulsão de vida, é uma presença inconsciente
157
em todo ser existente. Discorrendo sobre essa idéia, Garcia-Roza (1995) esclareceu que
a pulsão de vida é um movimento que é acionado pelo ser existente toda vez que a vida
se vê ameaçada de terminar em conseqüência de um fenômeno externo à própria
natureza da existência.
Tudo aquilo que existe caminha para o fim, porém determinado pelo próprio
processo que define o ciclo normal de existência em nascer, crescer e morrer. Assim, a
morte é parte desse processo e sua conseqüência natural. Morrer de uma forma alheia ao
fenômeno da existência é o mesmo que interromper a existência antes que seja
concluída. Esses autores mostraram, pois, que desejar que a morte se apresente como
um fenômeno natural representa uma busca pela plenitude da existência.
Baseado nessas considerações, o último entrevistado que apresentei elaborou a
representação da morte na infecção pelo HIV, acionando sua pulsão de vida.
Contudo, houve quem tivesse uma percepção diferente. Uma entrevistada de
ocupação doméstica, por exemplo, deprimida, que perdera dois filhos devido à AIDS,
fez o seguinte relato a respeito da conexão que a infecção pelo HIV fez entre ela e a
morte:
“É como se eu já tivesse pronta pra receber, tanto pelo bem, tanto assim pelo mal. Mas
se ele [o HIV; a morte] chegar a me atacar eu preparada pra aquilo, entendeu? Mas
se ele também me abraçar eu também tô preparada pra isso. [...]. Eu acho que o HIV é
a doença mais triste que tem [...]. Eu vejo a morte... a morte propriamente eu não vejo,
né. Eu falo da morte como se ela tivesse próxima é porque eu como se eu convivesse
com ela, como se eu fosse amiga dela. É como se nós fosse duas junta a vida inteira.
Ela sempre junto comigo. Ela caminha junto comigo, entendeu? Pra mim ela não é
tão assim não. É boa, não é ruim, não. Eu faço um pactozinho assim com ela: -
Olha, quando tiver de me levar não deixa sofrer muito tempo não, heim! Seja rápida!
Seja assim que eu também te deixo livre! [...]. Eu, feliz eu acho que nunca nem fui, né.
[...]. Eu acho que o HIV foi mais um problema.Um problema grande, mas apenas
mais um. Mais um que eu também aceitei e conformei com ele. [...]. O HIV tem a ver
com a morte.”
Diferentemente do entrevistado anterior, essa mulher se relaciona diretamente
com a morte por meio da infecção pelo HIV. Talvez ela faça essa associação devido à
experiência de ter perdido dois filhos em conseqüência desta infecção, metaforizando a
morte como sua companheira.
Apesar de dizer que a infecção pelo HIV “é a doença mais triste que tem” e de
vincular tal infecção à morte, ela considera a morte uma coisa “boa” e não atribui sua
158
tristeza ao fato de ser portadora do HIV, pois, afinal, já era infeliz antes do seu
diagnóstico.
Embora não faça referência direta à morte dos filhos nesse trecho da sua
entrevista, o fez em outros. Independentemente disso, dificilmente a perda de dois filhos
devido à infecção pelo HIV não significaria uma ruptura na trajetória de vida dessa
entrevistada. Os filhos, como um prolongamento da própria existência, de forma que ela
possa continuar viva por meio deles, não puderam cumprir esse ideal. Daí, a morte
parecer, para ela, como algo absoluto e definitivo. Ou seja, como o fim do seu ideal de
eternidade.
A esse respeito, Erthal (1989) argumentou que o imaginário da eternidade é um
recurso que usamos contra a angústia de morte inerente à existência. Como a morte é
certa, uma forma de nutrirmos esse imaginário é projetá-lo em nossos descendentes que
continuarão vivos depois que morrermos. Mas, para essa entrevistada, a possibilidade de
continuar existindo por intermédio dos filhos não existe mais. Diante dessa perda, a
infecção pelo HIV representou definitivamente a própria morte, fechando, pois, suas
possibilidades, conforme acredita Kierkegaard (apud Romero, 1994, p. 63) que a morte
seja capaz de fazer.
O lado bom que ela percebeu na morte está no potencial que a mesma tem de
aliviar-lhe a dor que adquiriu em sua história pessoal e afetiva. Segundo as idéias de
Amorim (2000), se essa história não descortinar algum horizonte, a entrevistada poderá
apelar à morte na tentativa de superar seu sofrimento, como se esta fosse, de fato, aquela
boa amiga que demonstra seu afeto e solidariedade em momentos muito difíceis.
Esse apelo é o que pode acontecer quando uma pessoa sente que não tem mais
forças para enfrentar o obstáculo que a ela se antepõe, tornando-se desanimada diante
deste. Tal sentimento é o que caracteriza a depressão, a qual poderá despertar um desejo
de pela morte. No casso dessa entrevistada, a depressão deslocou as representações da
morte na infecção pelo HIV do seu foco de angústia existencial, do medo em direção ao
desejo.
Entretanto, mesmo que a pessoa não seja deprimida antes de saber que é
portadora do HIV, é possível que, ao receber esse diagnóstico, deprima-se a ponto de,
também, desejar a morte. Entrevistei um heterossexual, de 48 anos de idade, que
comentou a esse respeito da seguinte maneira:
159
“Se eu morresse mais depressa era melhor. Viver assim é mais difícil. Logo vai
haver... alguém vai ficar sabendo... vai dar muito o que falar. [...].A morte é uma coisa
maravilhosa! Depois que você morre a morte não tem nada a ver. O pior é a
preocupação antes dela. A minha preocupação é antes dela. Cair numa cadeira de roda,
ficar de cama, ou... não poder tomar meu banho sozinho... [...]. A morte não, a morte é
uma coisa que ninguém acostuma com ela, mas eu não acho que ela é uma coisa ruim.
O HIV não teria nada a ver com a morte, porque cada um de nós tem o dia marcado
pra morrer. Se eu tiver o HIV eu posso morrer hoje, ou amanhã, e se não tiver eu
posso morrer também. O HIV muda muito a vida. Eu não me sinto bem. Eu me sinto
constrangido no meio das pessoas, fico achando esquisito, vou aos lugares e... quase
não vou em festa. Eu fico mais de casa pro trabalho, do trabalho pra casa. Eu chego lá
[na festa], eu fico meio sem graça, né. [...]. Antes eu gostava de dançar, ir em festa,
agora não... é uma situação bem constrangedora.”
O sofrimento desse sujeito está na possibilidade da degeneração e do estigma
relacionados às representações da infecção pelo HIV, o que fez com que sua vida se
tornasse infeliz. Tem medo da infecção torná-lo fisicamente inválido. Aliás, a invalidez
lhe ocorreu no plano social, pois deixou de fazer coisas que lhe agradavam e de
freqüentar ambientes que gostava. Diante desse sofrimento, o entrevistado manifestou
um desejo pela morte. Segundo Erthal (1989), a depender do conflito existencial
presente na vida de uma pessoa, ela poderá desenvolver uma percepção de que,
morrendo, ficará livre do conflito.
A respeito da depressão presente no relato desses dois últimos entrevistados,
vale lembrar o argumento de Schönnesson (2000) sobre tal estado psíquico. Segundo
esse autor, a depressão é uma íntima companheira do portador do HIV, que surge em
conseqüência da incerteza em relação à vida e à saúde, e da perspectiva de morte.
Contudo, encontrei, também, pessoas que não conseguiram elaborar a
representação da morte na infecção pelo HIV, as quais convivem com a mesma de
forma bruta, conforme visto no seguinte relato de uma faxineira, mãe de três filhos
sadios:
“Eu espero muito tempo ainda. Eu tenho medo da morte. Sempre eu tive este medo
[...]. Eu quero ver meus filhos estudando, formados, casar, mas... será que o HIV
diminui o tanto que eu tinha pela frente?... eu penso assim... Ainda tenho muitos anos,
né... Mas eu tenho muita insegurança, medo do HIV encurtar.”
160
Ainda que o medo e a insegurança, frente à morte relacionada à infecção pelo
HIV, não tenham sido descartados, a entrevistada buscou esperança de continuar
existindo no desejo de ver os filhos formados e casados, o qual projetou no futuro.
Assim, apesar de refletir sobre o assunto, ela não elaborou a representação da
morte na infecção pelo HIV e admitiu que vive sob o medo dessa representação.
Por outro lado, encontrei pessoas que tentaram suportar o medo da morte
apelando à fé religiosa, conforme visto no relato de uma ambulante de 42 anos de idade:
“Medo... A morte significa... por causa que Deus chamando a gente pra fazer parte,
aqui na terra é só uma passagem que nós somos. Se o HIV tem alguma coisa a ver com
isto? Sei não.
Essa mulher desvinculou a morte da infecção pelo HIV, estabelecendo-a como
um fenômeno que é decidido em um plano diferente daquele onde estão as
representações desta infecção. Para ela, não é o diagnóstico da infecção pelo HIV que
põe a pessoa frente à morte, mas a própria existência, a qual, por si só, é passageira. A
dúvida dela é quanto à possibilidade da infecção pelo HIV interferir nessa passagem.
um homossexual, de 32 anos de idade, elaborou a representação da morte de
uma forma bastante racional, conforme visto no seguinte relato:
“Agora, eu tinha muito medo da morte, muito, muito medo. Depois que eu tive o vírus
eu me fortaleci, eu consegui tirar de letra a coisa da morte. Eu acho que um dia ela vai
chegar. Seja de AIDS ou não, um dia ela vai chegar. A diferença é que antes de eu ter
o vírus, a dúvida de saber se eu tinha ou o o vírus me incomodava muito. Eu não
conseguia dormir, qualquer doença que eu tinha eu achava que eu tinha o vírus... E
quando eu descobri que realmente eu tinha o vírus, e tal, eu... foi mais fácil de lidar
com isto, porque eu procurei tratamento, procurei informação, e hoje eu vivo bem,
sabendo que eu tenho o vírus. Porque antes de saber que eu tinha o vírus, eu não tinha
informação nenhuma. O quê que era, o quê que era o vírus, que tinha tratamento.”
Nesse caso, o medo da morte foi superado por meio da informação. Foi
buscando explicações em princípios racionais, por meio dos quais se pensa a morte
como o fim de um ciclo, da mesma forma como a ciência e aqueles que fazem dela um
ato de acreditam, que esse sujeito elaborou as representações da morte na infecção
161
pelo HIV. Enquanto a entrevistada anterior buscou recurso em suas crenças religiosas,
este o fez na ciência.
Quando não sabia que era portador do HIV, apesar de temer que o fosse, não
tinha informação a respeito da infecção por esse vírus. Ao receber seu diagnóstico,
informou-se e passou a dominar aquilo que antes temia, fortalecendo-se, portanto.
Assim, passou a perceber sua infecção como um objeto controlável pelo
racionalismo científico, de modo que a representação da morte, nesse caso, pode ser
desvalorizada por meio do tratamento.
Por último, encontrei um homem de 38 anos de idade que descreveu o medo da
morte como uma forma de respeito a tal fenômeno, por meio do seguinte comentário:
“Tenho respeito pela morte. O senhor não deve ter medo de nada, deve ter respeito.
Pelo que eu acredito, nós dois [eu e a morte] temos alguma coisa em comum. A morte
é um tipo de pessoa que é o famoso duro na queda. [...] ...a morte faz parte da vida.
[...] Todo mundo tem que morrer um dia.”
Respeitar a morte, ao invés de temê-la, significou, para esse sujeito, reconhecer
que a mesma é difícil de ser enfrentada. Ao mesmo tempo, destacou sua capacidade de
resistir à morte, pois, afinal, ambos são duros na queda”. Um resiste ao outro, ou seja,
ele, enquanto existente, resiste à morte, e esta se opõe à sua existência. Dessa forma, o
entrevistado percebeu que vida e morte fazem parte da mesma dinâmica, substituindo o
medo da morte pela compreensão deste fenômeno. Segundo Boss (1981, apud Erthal,
1989, p. 152):
Vida e morte são inseparavelmente unidas e uma pertence à outra. Não
viver terrestre sem morrer, e não poderia haver morrer sem um viver
precedente. Por isso, não podemos nos aproximar isoladamente de um destes
parceiros inseparáveis. Quem quiser compreender algo da vida dos homens
deverá também pensar em seu ser-mortal, e quem quiser compreender a
morte também será obrigado a se informar sobre a condição da vida humana.
Segundo o autor, vida e morte fazem parte uma da outra de maneira mutuamente
complementar e precisam ser compreendidas como um fenômeno próprio da existência.
Essa consideração foi reforçada pelo dizer de Dressler & Boemer (1993, p. 17), de que
“o ser é parte inseparável do não ser”, de modo que a morte “não é um evento, mas um
162
fenômeno a ser compreendido existencialmente”. No caso desse último entrevistado, ao
pensar em si como um “ser-mortal”, passou a respeitar a morte ao invés de temê-la.
6.3.3.3 A compensação da perda da noção de futuridade.
Ao pedir a um introvertido trabalhador braçal da indústria, de 34 anos de idade,
para comentar sobre o que espera do futuro, ele fez o seguinte relato:
“No futuro eu espero o que sempre fiz da minha vida toda, né. Sempre procurar ser
uma pessoa honesta e... batalhadora... e batalhar pelos meus sonho, construir uma
família, casar, ter uma família, embora agora eu sei que eu não... dificulta um
pouco, porque eu sei que eu não posso... casando eu não vou poder ter filho... devido a
esse problema, mas eu procuro encarar a vida... viver mais o presente e não preocupar
muito com tantos anos pra frente, porque eu sei que eu... eu procuro fazer o máximo
no presente [...]. Depois que eu fiquei sabendo que eu tinha o vírus, por um lado
melhorou, porque isso traz uma certa insegurança pra gente, porque você tem que
procurar viver o máximo do presente, né...”
Esse entrevistado manifestou um desejo pelo futuro ao dizer que o espera, e até o
delineia, mas, não traçou esse tempo como algo muito diferente do presente. Tenciona o
presente e o futuro de uma forma que o presente se torna absoluto em relação ao futuro,
o qual ele percebe com limitações, uma vez que a infecção pelo HIV gerou-lhe uma
“insegurança” quanto à possibilidade de realização de alguns dos seus desejos.
Apesar de falar em “usufruir ao ximo o presente”, tem pouco em que se
apoiar para isto: somente uma namorada com quem não acredita que possa evoluir além
desse namoro, já que não crê que possa constituir família e ter filhos com ela, e
continuar sendo a pessoa “honesta e batalhadora” que sempre foi.
Aliás, até o presente está comprometido, pois o que chamou de aproveitar o
presente ao máximo limita-se a mantê-lo como está. No fundo, é possível que o
entrevistado creia que até o seu presente esteja sob risco de dissolução, pois, sua luta
tem como suficiente objetivo manter a integridade desse presente como o único
momento que lhe resta.
Esse aforismo ao presente aparece de maneira clara na entrevista de uma
faxineira de 37 anos, conforme se vê no seguinte relato:
163
“.[...] agora eu quero aproveitar muito da minha vida. Eu já aproveitava, mas agora eu
quero aproveitar muito mais. [...]. ...tem que aproveitar tudo de uma vez na vida,
porque a gente não sabe o dia de amanhã da gente. [...]. A gente tem que dar valor na
vida e viver cada dia. Cada dia pra gente é muito precioso na vida.”
Apesar de eu ter incluído o termo “futuro” na pergunta, em nenhum momento a
entrevistada se referiu a esse tempo. Falou sobre o aproveitamento máximo do presente,
alegando não imaginar o dia seguinte.
Um outro entrevistado, industriário, de bom nível sócio-econômico, expôs o
presente como uma unidade de tempo central na construção da sua subjetividade, por
meio do seguinte relato:
“Então ficou bem melhor [depois que eu contraí o HIV], porque eu realizo as minhas
coisas com mais rapidez, eu curto mais, eu procuro sorrir mais, porque eu sei que
daqui a algum dia eu posso não estar mais fazendo isso.”
Esse sujeito tem pressa em realizar seus desejos e procura experimentar o prazer
no presente. Sua noção de futuro está perturbada pela crença de que este seu tempo
poderá não existir. Ao encerrar seus motivos no presente, passou a tirar mais proveito
deste momento por não mais vivê-lo em função do futuro.
Segundo Davies (1997), alguns portadores do HIV manifestam um sentimento
de liberação de determinadas correntes da existência cotidiana, por intermédio das quais
muitas pessoas dedicam seu presente ao futuro. Sob esse sentimento, alguns desses
sujeitos param de deliberar o presente segundo suas implicações em relação ao futuro.
Porém, o autor argumentou que, caso a pessoa se apegue exclusivamente ao
presente, desencarregando-se do futuro, poderá limitar suas potencialidades existenciais.
Explicou que, se tal apego significar somente uma busca por gratificação imediata,
como compensação da perda da noção de futuridade, o sujeito poderá estar assumindo
que a morte é o desfecho imediato da infecção pelo HIV, perdendo a oportunidade de
contar com o futuro como uma possibilidade. Mesmo assim, a reação do sujeito ainda
estaria a favor do usufruto da vida.
A este respeito, Erthal (1989, p. 150) comentou que “quando se percebe que não
mais tempo para tentar outra vida”, e que o que se fez é pouco e que é preciso fazer
164
algo rapidamente, surge o desespero da morte, capaz de conduzir a pessoa a travar uma
luta entre a necessidade de realização do seu projeto e as limitações impostas pela sua
finitude. Quando isto acontece, a preocupação se volta para a vida.
A autora acrescentou, ainda, que esse desespero proporciona ao sujeito uma
possibilidade para definir ou seu poder-ser, a qual ele inclui em seu projeto. Nesse
estágio, a angústia de morte é uma presença marcante que pode ser minimizada quando
é percebida “como uma forma de pôr mais atenção à vida”, fazendo com que o
verdadeiro significado da vida passe a residir não no quanto se vive, mas no como se
vive (Idem, p. 147).
Contudo, houve portador do HIV que não conseguiu trazer o futuro nem mesmo
para o presente, sustentando o presente e o futuro no passado. Esse achado pode ser
visto no seguinte comentário de um homem de 47 anos de idade, confessor de uma
intensa depressão de quem só encontrou perdas no significado da infecção pelo HIV:
“Eu não faço plano pra futuro, não penso mais nada. [...].Tem muita diferença do
tempo que eu não tinha o HIV. Era mais melhor. Não tinha problema com família.
Depois que eu peguei o HIV as porta fechou, com meu pai, minha mãe, minha sogra,
minha mulher, tudo. Eu não mudei não. Eu faço as mesmas coisas. Eu era mais alegre,
agora sou mais triste, cheio de problemas! Não tenho mais nada pra contar.”
Esse entrevistado excluiu o futuro de suas possibilidades e o passado como
um tempo melhor que o presente, como se todo o seu prazer existencial tivesse ficado
para trás e não fosse mais possível recuperá-lo.
Disse que é o mesmo de sempre, que não mudou. Identificou-se, pois, com o
passado que, entretanto, não existe mais. Por não ter como trazer esse tempo, pelo
menos, até o presente, tornou-se deprimido, de modo que, além do passado, “não tem
mais nada para contar”.
Dessa forma, ao concentrar o prazer de existir no passado, o entrevistado teve o
significado da sua vida reduzido. Essa redução resultou em um sentimento de frustração
relacionado ao presente, e um sentimento de perda relacionado ao futuro. Segundo
Davies (1997), esses sentimentos podem aumentar o potencial suicida da pessoa, pondo
em risco seu próprio presente.
Ao contrário do que foi feito por esse último entrevistado, houve quem, ao
refletir sobre o passado pelo prisma da infecção pelo HIV, afirmou que o presente
165
tornou-se mais interessante. Um exemplo pode ser visto no seguinte pronunciamento de
uma mulher de 41 anos de idade:
“Eu acho que a minha vida agora ficou... apesar de que eu não saio muito, mas eu acho
que eu saía mais é porque bebia, então pra mim foi até melhor, porque eu acho que o
que fazia tudo isso era a bebida. O HIV me livrou da bebida. Se não fosse o HIV eu
tinha morrido. Eu acho que o HIV me ajudou num ponto; acho não, ajudou! Porque se
eu não tivesse com isso agora eu já tinha morrido com a bebida, porque eu bebia muito
mesmo.”
A infecção pelo HIV interferiu de tal forma na vida dessa mulher que alterou sua
consciência sobre si mesma. Na concepção dela, o alcoolismo é mais mortal do que a
infecção, do qual foi salva pelo seu diagnóstico. Ao dar uma conotação negativa ao
envolvimento que tinha com a bebida alcoólica, é provável que tal envolvimento era
motivo de grande sofrimento em sua vida.
No caso dessa entrevistada, a infecção pelo HIV está sob controle terapêutico, o
que não era possível de ser feito com o alcoolismo. Ter sido diagnosticada portadora
desse vírus, serviu-lhe de motivo para deixar de usar bebida alcoólica abusivamente,
libertando-a de um passado comprometedor e oferecendo-lhe um presente que não
contém o sofrimento vivido no passado.
Outras pessoas desligaram-se do passado e até se direcionaram ao futuro, como
foi o caso de uma balconista, mãe de dois filhos, que disse o seguinte:
“No futuro eu espero ainda estar bem, manter a doença totalmente involuída e, quem
sabe, daqui há dez anos, também ficar livre disto. A esperança da gente é sempre essa.
Eu tenho meus sonhos, ter minha casa, ter um carro, um trabalho, e tal. De vez em
quando me umas bobeirinhas assim: ah, eu não vou ver meus filhos casados não,
mas eu creio que até isso eu vou ver sim. Depende de mim, né, então... [...]. ... é como
eu falei, antes eu... agora eu penso muito nos meus filhos. [...]. [A infecção pelo HIV]
continua sendo uma coisa ruim na minha vida. Mas uma coisa boa é eu ter dois filhos
maravilhosos, todos dois saudáveis [...].”
Essa entrevistada não perdeu seus sonhos e desejos, os quais ficaram bem
materializados em seu relato quando disse que pretende “ter casa, ter um carro, um
trabalho...”. Apesar de ter alguma preocupação com a possibilidade de não conseguir
166
realizar alguns dos seus desejos, não perdeu nem a e nem a esperança no futuro
apoiando-se nos filhos.
Ao incorporar os filhos em seus sonhos de futuro, assumiu-os, juntamente com o
futuro, como um projeto dependente de si própria, e não da infecção pelo HIV.
Enfatizando que os filhos são sadios, ou seja, entre outras coisas, não são
portadores do HIV, justificou sua perspectiva de um futuro melhor que o presente, o
qual, em seu relato, foi representado por um futuro sem a infecção pelo HIV.
Uma outra entrevistada, de bom nível sócio-econômico, diagnosticou sua
infecção quando estava grávida de uma menina que não contraiu o vírus. Relatou uma
significativa gratificação por ter uma filha sadia, por meio do seguinte comentário:
“Minha filha?... A vida! Um ser humano que tá sob minha responsabilidade pra eu
conduzir, educar... é... orientar... é uma coisa muito boa. Faz parte da minha vida, é
muito bom!
Essa mulher definiu a filha como sendo uma existência que vai além da sua. Da
vida dela, essa criança é só uma parte.
Ao colocar a filha como a vida em plenitude, essa entrevistada declarou uma
vitória da existência contra a infecção pelo HIV. Apesar da detecção desse representante
da morte em sua gestação, ao nascer sem contraí-lo, a filha representou o resgate da
vida.
Esse triunfo deu oportunidade a que a entrevistada estruturasse um presente
voltado ao futuro, uma vez que a existência sadia dessa filha fez com que, no presente,
ela passasse a ter alguém para conduzir, educar [e] orientar”. Um investimento desse
não tem como ser projetado em outro tempo senão no futuro.
A este respeito, Mayers & Svartberg (2001) argumentaram que a expectativa de
morte de uma pessoa pode ter seu significado reduzido pela presença de uma criança
ainda em desenvolvimento, a qual poderá representar o desejado prosseguimento de
uma existência que se sente ameaçada, especialmente para uma mãe em ambiente
familiar.
Assim, o foco dessas mulheres sobre o futuro e a fantasia da infinitude
estruturou-se sobre a perspectiva da perpetuação da existência através dos filhos, sobre
a formação dos quais elas têm grande influência e decisão, e por meio dos quais podem
167
deixar um significativo legado que as representará em sua posteridade. Cabral (1997)
havia observado que os filhos ajudam a mulher a compensar seu sentimento de perda da
futuridade. Observando este achado à luz das idéias de Erthal (1989), embora o
significado a infecção pelo HIV possa representar a morte, não exterminou com a
esperança, em relação ao futuro, para mulheres que têm filhos não infectados.
Assim, elas supriram, por intermédio dos filhos, sua necessidade humana de
manter a sensação de eternidade, ao que Lifton (1968, apud Davies, 1997, p. 569)
denominou de “imortalidade simbólica”.
Porém, no caso da última entrevistada, a criança representou mais do que o
sugerido pelos autores referenciados. Representou a própria geração da vida por um
gênero que é essencial para a perpetuação da nossa espécie. Ou seja, a natureza venceu
e cumpriu o seu papel. Portanto, a possibilidade de uma mulher gerar uma filha não
portadora do HIV, mesmo sendo infectada por esse vírus, foi além do ideal de
“imortalidade simbólica” de Lifton (op. cit.) para atingir o ideal de continuidade da
existência humana. Ao gerar vida, e não morte, mesmo sendo portadora do HIV, a
entrevistada deu e continua dando sua contribuição à vida humana que, para ela, é
representada pela filha.
Por outro lado, no caso do filho ser portador do HIV, a angústia prevaleceu. O
relato a seguir, feito por uma mulher de ocupação doméstica, demonstra isso:
“...também meu filho é portador, né. É claro que tem hora que bate uma frieza à noite
sabendo que eu posso perder meu filho antes de mim, mas eu me sinto normal”
O imaginário da morte do filho antes da sua própria morte é o que angustia essa
mulher. Para Mayers & Svartberg (2001), esse sentimento é freqüentemente observado
em mulheres portadoras do HIV, especialmente devido à informação de que podem
transmitir o vírus a seus conceptos, meio pelo qual sentem que podem participar da
morte precoce de um filho, testemunhando-a ainda em vida.
Uma outra entrevistada que perdeu dois filhos devido à AIDS, foi objetiva em
abordar essa angústia a partir da própria experiência, conforme visto no seguinte trecho
da sua entrevista:
168
“Eu sei que se a grávida fizer o tratamento o filho pode nascer sem o vírus, mas pra
quem já perdeu dois... é um risco muito grande. Eles tinha AIDS também, mas eu não
sabia, fui descobrir no segundo, no parto, né. Tive dois e perdi os dois. [...]. Tomei
pavor! [...] ...eu tenho horror, sabe? Não é que eu tenho horror a filho o. É medo
mesmo, é pavor. Porque eu penso duas coisas, eu penso assim: eu vou ter um filho, vai
morrer de novo. Duas dor, cara! Ah, não! Nem pensar.”
Essa mulher, apesar de informada sobre o discurso científico que promete saúde
aos filhos de uma mãe portadora do HIV, relatou sua experiência como apavorante,
jamais a desejando novamente. Teme, pois, a possibilidade de ter outros filhos, como se
isso definitivamente significasse reviver tal experiência, levando a vida sob tal
ansiedade de alarme
7
.
Nesse caso, uma consciência que valoriza intensamente o risco de
transmissão vertical do HIV, sustentada por uma experiência, à qual a promessa
científica não resiste.
O temor, materializado, representa, para essa mulher, um sinistro impacto
desesperador. É uma tragédia que alimenta a expectativa de novas perdas. Segundo as
idéias de Goldin (1989), é possível que essa entrevistada sinta, inconscientemente,
algum ódio ao objeto amado por tê-la frustrado ao ir embora para sempre. Por
intermédio dessa sugestão, tento compreender a ambigüidade do sentimento de “pavor,
diante da possibilidade engravidar, na ausência de um sentimento de horror a filhos”.
No caso dessas últimas três entrevistadas, foi possível registrar o quanto a
relação da mulher portadora do HIV com a possibilidade de gerar outro ser pode ser
percebida de diferentes maneiras, a depender da experiência de cada mulher.
A necessidade de perpetuação da vida ou o desejo de continuar existindo por
meio dos filhos, para algumas, ficou abalado diante da infecção pelo HIV.
Mas, as mulheres não foram as únicas que desenvolveram expectativas em
relação a filhos. A esse respeito, um homossexual de 37 anos, fez o seguinte
comentário:
_______________
7. Segundo Brenner (1987, p. 89), a ansiedade de alarme é uma apreensão que antecipa o advento de uma
situação potencialmente traumática, produzida pela expectativa do perigo. Trata-se de uma ansiedade
devida a um perigo iminente, temido ou esperado que, entretanto, ainda não aconteceu. É uma função
aprendida pelo ego para comandar forças destinadas ao enfrentamento de uma situação potencialmente
traumática.
169
“Eu já até pensei nisso, em arrumar uma mulher só pra ter um filho, entendeu?
Alguém pra deixar alguma coisa, pelo menos umas angústias, né, mas assim, eu sou
homossexual e tudo, mas eu acho que esse lado de homossexual fica muito difícil pra
mim. Não quer dizer que eu tô virando, trocando as bolas, porque eu pensei em ter
um filho... mas eu vou seguir minha vida normal. [...]. Eu teria vontade de adotar uma
criança, seria uma boa. Eu acho que uma criança ajuda muito. Ter um filho dentro de
casa... eu adotei mas é meu, né. Ter alguém pra olhar, conversar, até brigar, xingar,
né... A morte é uma coisa que abala muito.”
Para esse sujeito, ter um filho é algo que pode preencher um vazio existencial,
não representando, necessariamente, perpetuação ou continuidade. Para preencher esse
vazio ele admite a possibilidade de se envolver sexualmente com uma mulher, sem
alterar sua orientação sexual, ou adotar uma criança para ter com quem se ocupar.
À necessidade de se ocupar por meio de um filho, o entrevistado associou o
abalo produzido pela morte. Nesse caso, é possível que a oportunidade de ter com quem
se preocupar seja vista como uma alternativa à inquietação provocada pela angústia de
morte.
Entre os homens heterossexuais ou bissexuais, também não encontrei a projeção
da continuidade existencial por meio dos filhos. Poucos, entre eles, tocaram nesse
assunto, e quando o fizeram, não o trataram como algo fundamentalmente importante.
Como exemplo, apresento o seguinte comentário de um entrevistado heterossexual de
41 anos de idade, solteiro e sem filhos:
“Eu penso em ter filhos, mas isto é mais pra frente. Eu me preocupo muito com esse
problema, né. Isso atrapalha ter filhos, né. Dependendo, não tem como ter, né.
Atrapalha. Até que isso o me aborrece, eu não sei. Até que eu não sinto
aborrecimento não...”
Apesar de ter manifestado vontade de ter filhos, o entrevistado não vinculou esse
aspecto à continuidade existencial e nem demonstrou grande dedicação a essa vontade,
adiando-a. Esse adiamento, que não foi definido para quando, pode estar relacionado à
infecção pelo HIV, pois, pelo que percebeu, esta infecção prejudica a perspectiva de ter
filhos. Apesar de não ter perdido seu desejo, a limitação da possibilidade de realizá-lo
não representou uma angústia.
170
Um outro heterossexual, separado da esposa, com quem tem filhos crescidos,
fez um comentário semelhante sobre esse assunto, porém sob um outro foco, conforme
pode ser visto a seguir:
“Sobre filhos... isso daí eu ainda vou passar pra frente. Tem uma parceirazinha que eu
arranjei e que vem lá do norte, né, ela quer ter um filho comigo. [...]. Se ela quiser o
filho, que seja aquela pessoa que diga assim, né, eu quero um filho seu dum pote de
remédio, que eu vou fazer o tratamento junto com você, né. [...]. Então, eu quero dizer
assim, eu queria ter um filho... eu ainda quero ter um filho. Ter um filho, não sei, o
meu pai ainda foi embora e deixou uma filha mais nova, que foi a única que cuidou
dele quando tava mais na velhice. Foi saber mais perto dele. Os mais velhos já tudo
na vida deles e não... Ajuda um pouco, e principalmente o novo, o mais novo.”
A princípio, esse sujeito o se interessou por conversar sobre filhos dizendo
que queria mudar de assunto. Em seguida, atribuiu o desejo de ter filhos à sua parceira
não portadora do HIV e impôs a ela duas condições para a realização desse desejo: a de
aceitá-lo infectado pelo HIV sem restrições, e a de assumir o risco de contrair o vírus
em conseqüência à sua vontade de engravidar. Por fim, assumiu seu próprio desejo de
ter um filho. Não para se perpetuar, mas, para garantir que receberia cuidados na
velhice.
Um outro entrevistado, heterossexual, viúvo, pai de uma menina sadia que está
com dez anos de idade, também não projetou nesta filha a sua futuridade, pelo menos no
plano consciente. Mas atribuiu à responsabilidade que tem por ela um motivo para se
cuidar, conforme visto no seguinte trecho da sua entrevista:
“Eu tomo o remédio bem rigorosamente. Eu espero que... como que se diz... que a
tendência minha é de melhorar e não piorar. Porque eu tenho uma filha pra tratar e eu
tenho que cuidar da minha vida.”
Esse sujeito justificou seu interesse por cuidar de si no compromisso que tem em
relação à criação da filha. Por meio desse cuidado, projetou a esperança de uma vida
melhor. A filha é o motivo que tem para se tratar contra a infecção pelo HIV, atitude
que adota no presente. Nesse caso, o presente é que ficou reforçado no contexto dessa
percepção, e não o passado ou o futuro.
171
Esses achados mostraram que a ausência ou impossibilidade de um projeto de
eternidade existencial por meio dos filhos, independentemente de sua orientação sexual
e de ter ou não outros filhos, deixou de ser tratada pelos homens de uma forma tão
emocionada, ou não foi posta como uma frustração que se deseje intensamente superar.
Diferente, pois, do que foi colocado pelas mulheres.
6.3.3.4 A redenção da culpa.
Uma entrevistada que contraiu o HIV em uma relação extraconjugal, e o
transmitiu ao esposo, ficou satisfeita por estar pagando pelo que acredita ter sido um
erro que cometera. Comentou a esse respeito da seguinte maneira:
“Porque, graças a Deus que... assim, porque, eu era assim muito levadinha, né. Pulava
minhas cerquinhas. E graças a Deus eupagando por aquilo que eu já fiz, entendeu!”
Não é assim, pagando... porque eu fiz minhas... [...] Eu, assim, vivi muito, quero
viver mais... Tem hora que eu tenho medo de morrer [...].”
Essa mulher expressou uma gratificação por estar pagando pela culpa que sente,
dando “graças a Deus” por isso. Apelou à religiosidade cristã, associando o erro auto-
atribuído à vontade de continuar vivendo. Talvez ela creia que poderia ser punida com a
morte, mas, Deus lhe deu uma oportunidade para se redimir do seu erro em vida. Assim,
o prazer derivado do sentimento de que está sendo punida em troca da vida pôde
compensar a angústia resultante da representação da morte na infecção pelo HIV.
Nesse processo de redenção, ela percebeu que precisa dar explicações ao
próximo, sobre o que acredita ter sido um erro, sobre o fato de tê-lo cometido. Tal
aspecto apareceu no seguinte trecho da sua entrevista:
“a maioria das pessoas que já sabe, aproximaram até mais de mim depois que eles
souberam... sabe. Foi essa pessoa [um ex-amante que a abandonou] que... acho
que... tanto que... como que eu vou falar... não entendeu. Eu quis aproximar da pessoa
pra explicar e a pessoa não quis me ouvir. Senão talvez tinha até se aproximado
melhor de mim.”
172
Ao ex-amante, não teve oportunidade para se justificar, motivo pelo qual,
segundo crê, ele a segregou. Nesse caso, não teve chance de reparar o motivo da sua
reprovação, deixando de recuperar, portanto, a aproximação do outro, perdida por ter se
tornado portadora do HIV.
Esses achados mostraram que o sentimento de estar pagando pelo que acredita
ter sido o erro que fez com que contraísse o HIV, pode ajudar a pessoa no processo de
recuperação das representações da morte e da exclusão social presentes no seu
diagnóstico.
6.3.3.5 A fatalidade sustenta a verdade.
Aquela entrevistada de classe média, que se sentia completamente protegida
contra o HIV por seus valores e estilo de vida, comentou sobre sua frustração
conseqüente à percepção de que sua verdade não condizia com a realidade, por meio do
seguinte relato:
“Tem hora que eu fico pensando... eu acho que eu não tenho nada diferente da
prostituta, por exemplo. A minha postura, com relação à vida, e a postura dela... que
ela teve... a escolha que ela fez... o vírus é o mesmo. Ele não é mais danoso em mim
ou nela porque a minha postura foi diferente da dela. [...]. Uma coisa... uma postura
que eu tenho desde que eu me entendo por gente, que é assim... desde a minha
adolescência, né, é de com a minha consciência tranqüila. É agir conforme eu
sempre acreditei... a postura que eu tenho com relação à vida... as coisas que eu
acredito. [...]. Porque eu sei como eu contraí, eu sei a minha postura qual foi. Então, o
importante é o que eu penso... a maneira que eu sempre agi. Porque eu acreditei ser
correta... o que aconteceu foi uma fatalidade! [...]. Eu mesma achava minha vida tão
segura! Muito segura!”
Essa mulher percebeu que a infecção pelo HIV a assemelhou a uma prostituta,
apesar da sua diferença de postura em relação à mesma. Isso significa que a realidade
posta pelo seu diagnóstico corrompeu sua crença de que suas atitudes, sob as quais
imaginava-se protegida contra o HIV, definiam uma das suas diferenças em relação a
uma prostituta.
Apesar dessa percepção, a entrevistada se defendeu insistindo em seu perfil de
verdades próprias como a razão da sua inocência, afirmando-se tima de uma
“fatalidade” que não fez por merecer. Argumentou que “tem a consciência tranqüila
173
pela certeza de que não contraiu o HIV em conseqüência de suas próprias atitudes”;
afinal, sua vida era “muito segura” em relação a essa possibilidade. Acreditava ter
investido em um projeto diferente do de uma prostituta que, entretanto, não lhe
assegurou que realmente era diferente desta. Isso evidenciou uma realidade incoerente
com a sua verdade, frustrando o conjunto de valores sob os quais se sentia protegida.
Esse conjunto de valores é o mesmo que, atualmente, lhe serve de apoio para se sentir
inocente.
A esse respeito, aquela outra entrevistada de 26 anos de idade que sempre
questiona a veracidade do seu diagnóstico durante as consultas, discorreu sobre o seu
questionamento da seguinte maneira:
“Eu tenho quase certeza que não tenho o vírus, mas, esse tipo de doença minha
acusou... então... não reconhece. Então eu não tinha outra saída a não ser passar por
isso. Então eu tô consciente disso. [...]. É porque, esse negócio, um moço que... ele é
médico, mas que ele é médico espírito. Então ele disse: - Você não tem isso que o
exame deu, mas você tem que passar por isso. Então ele fez eu encarar isso com a
forma mais responsável. Eu acho que um dia eu vou fazer o exame, o exame vai dar
negativo... e tudo vai se resolver. [...]. Porque a minha filha também um dia vai ter que
passar pelo mesmo que eu tô passando. O exame dela deu negativo, mas um dia, que
ela virar moça, ela vai ter que tratar também. [..]. Eu acho que precisa passar pra
cuidar. Pecado eu não acho. É porque eu fiquei com a pessoa errada. [...]. Porque ele
tinha que ter me falado. Se ele tivesse me falado eu não tinha ficado com ele. Se eu
não tivesse ficado com ele eu não estaria passando por isso.”
Essa mulher negou que seja portadora do HIV, mas assimilou que precisava
vivenciar as representações do diagnóstico dessa infecção. Fez tal elaboração a partir de
um significado alternativo, dado ao mesmo, proposto por uma influente personalidade
presente em seu ambiente sócio-cultural, representada pelo curandeiro. Foi orientada
por este a compreender a seriedade do seu diagnóstico, porém, como algo apenas
transversal à sua existência.
Mais uma vez o conflito da infecção pelo HIV se deu em relação às crenças do
seu portador. O diagnóstico dado por um médico formal foi confrontado com o que foi
dado por um médico” identificado com suas crenças. A orientação dela é por esse
último, ou seja, por aquilo em que acredita a partir de sua inserção cultural, e não pela
ciência.
174
O fato de ter se aproximado afetivamente de uma pessoa infectada foi tomado
com um erro do qual se tornou vítima. Como esse erro não partiu do seu desejo, não se
sente culpada por ter contraído o HIV.
Mesmo assim admitiu que está pagando por tal vacilo, pois se [...] não tivesse
ficado com a pessoa errada não estaria passando por isso”. Em sua compreensão,
precisou passar pelas representações do diagnóstico da infecção pelo HIV para aprender
a ser mais precavida, como se essa passagem fosse um ritual de aquisição de
experiência existencial.
Ainda a respeito da forma como as pessoas que não se sentiram culpadas por
terem contraído o HIV elaboraram a experiência do diagnóstico, um entrevistado de 49
anos de idade, que se infectou depois que a esposa o deixou por conflitos de
relacionamento conjugal, relatou o seguinte:
“Hoje eu me pergunto assim, eu freqüentei, tanto tão poucas mulheres, né, e eu tô com
essa doença! [...]. De eu ter passado 21 anos com ela e ela ter me deixado eu sozinho,
sem emprego sem nada, e ela queria viver a vida dela. É como eu falei que eu gosto
muito da minha casa, eu gosto muito de dormir no meu lençol, eu gosto de dormir, não
gosto de sair, não gosto de bagunça. Então, eu culpei a minha primeira parceira. Não
foi ela que me passou o HIV. Foi da saída dela pra cá. Eu culpei ela assim, porque, se
ela não tivesse saído de casa eu não tinha procurado outra, porque eu não era de outra
pessoa.”
Esse trabalhador questionou a razão por ter se infectado pelo HIV, imaginando
não ter dado motivos para isto.
Culpou a ex-esposa dizendo que, ao ir embora, ela o deixou sem referenciais. Na
tentativa de substituí-la, encontrou uma mulher que lhe transmitiu o HIV.
Dessa forma, posicionou-se como vítima do processo que culminou com a sua
infecção pelo HIV, descrevendo sua situação como fatalmente contrária às suas
intenções, instituindo-se, portanto, inocência.
6.3.3.6 A resistência à desvalorização por meio da auto-idealização e do estigma
reverso.
Um entrevistado de 38 anos de idade comentou como enfrenta seu sentimento de
desvalorização, por meio do seguinte relato:
175
“Eu, por exemplo, eu socorro, sou poeta, sou compositor, mas nunca tive
reconhecimento. Quando eu encontro com alguém que não tem o HIV, o que rola é
que eu sou igual a ele mesmo. Não tem nada diferente. [...]. As pessoa que sabe que eu
tenho às vezes ignora por questão de educação. E outros, que não têm uma certa
cultura, um ponto-de-vista na vida, ele já olha com outros olhos. [...]. Isso é péssimo,
doutor. Discriminação... discriminação, preconceito de vida. O fato de eu ter chegado
baleado [uma vez ele foi agredido com arma de fogo] eu fui julgado como um
bandido, mas graças a Deus eu tenho minha ficha limpa no Brasil inteiro. Eu acredito
que o HIV tem alguma coisa a ver com isso, mas eu não quero levar isso relacionado a
isso, porque minha condição, minha biologia, ali é outra. Minha biologia é diferente
das outras.”
Esse sujeito enfatizou que tem qualidades não reconhecidas e que o preconceito
relacionado ao portador do HIV é que é a coisa ruim que faz com que algumas pessoas
estabeleçam juízos negativos a seu respeito. Contra esse ajuizamento, argumentou que o
fato da pessoa ser portadora do HIV não significa que ela aja de maneira anti-social.
Referiu-se a si próprio, como exemplo, dizendo que é portador do HIV e, entretanto,
não tem “ficha criminal”.
Indicou que, por intermédio do preconceito, as pessoas relacionam o diagnóstico
da infecção pelo HIV a delitos sócio-comportamentais.
Defendeu a idéia de que o preconceito é uma manifestação que vem de pessoas
“que não têm uma certa cultura, um ponto-de-vista na vida”. Depreciou, pois, os
agentes do preconceito. Essa atitude é chamada, por vários autores, de “estigma
reverso”: uma reação defensiva que consiste em depreciar os preconceituosos na
tentativa de subtrair a legitimidade do preconceito (HOLMES & PACE, 2002; LOPES
& FRAGA, 1998; LOVISI & MORGADO, 1996; PEREIRA, 2002; SANTIAGO, 1998;
SCHÖNNESSON, 2000; SEIDL, 2001).
Por outro lado, o entrevistado chamou de “educados” aqueles que não
manifestam seu preconceito. Segundo as idéias de Goffman (1988, p. 36-9) esses
“educados” são aqueles que aprenderam a tolerar o estigma do outro.
Pelo visto, o entrevistado reagiu às representações da infecção pelo HIV
utilizando-se da auto-imagem e do estigma reverso. A partir das idéias postas por
Erthal, 1989, ao tentar se resgatar por meio de uma auto-imagem positiva, esse sujeito
reforçou sua individualidade.
Pela mesma via, um outro entrevistado também tentou compensar o seu
sentimento de desvalorização por ser portador do HIV, conforme visto no seguinte
trecho do seu relato:
176
“Diante das pessoas que não têm o HIV, eu me comparo mais experiente. [...]. Nessa
situação, espiritualmente às vezes eu me considero superior, fisicamente, socialmente
não, às vezes não, mas espiritualmente, psicologicamente eu me sinto superior. Eu
quis dizer fisicamente, voltando ao assunto, eu não quis dizer fragilidade física não. Eu
digo assim, na sociedade, por exemplo assim... mas no trabalho não, sou a mesma
coisa ou até mais. Eu faço trabalho que eu quebro pedra, ranco pedra... que tem
garoto de 18 ou 19 anos , sadio, que chega e não agüenta. Eu carrego saco de
cimento, eu pego um saco de cimento, eu jogo ele nas costas e vou trabalhar. Eu viro é
cinco, seis maceira de concreto por dia.”
Esse sujeito enfatizou um ganho, sobre as outras pessoas, derivado do seu
diagnóstico de portador do HIV, o qual chamou de “mais experiência”; como se, em
algum aspecto, esse diagnóstico o tivesse conferido certa superioridade em relação aos
não portadores desse vírus. Tentou provar que não perdeu capacidades e que, talvez,
seja até mais capaz que muitas outras pessoas. Houve, de certa forma, uma auto-
idealização que, segundo Erthal (1989, p. 62),
geralmente implica numa autoglorificação e ao indivíduo a sensação de
um ser superior em comparação com as outras pessoas, e é formada a partir
de necessidades especiais e qualidades que o indivíduo dispõe.
Em outro momento da entrevista, mas ainda abordando o mesmo tema, esse
entrevistado acrescentou o seguinte:
“O senhor me desculpe se eu respondi mal. Mas, é que eu tenho mais experiência.[...]
Na comunidade, às vezes as pessoas podem tentar me criticar, mas pra mim aquilo ali
é uma coisa que... eu vejo que elas são umas pessoas, assim... eu tenho dó delas.
Nesse relato, o estigma reverso ficou evidente quando o entrevistado falou que
“tem das pessoas que o criticam”, como se essas pessoas é que estivessem
fragilizadas e sofridas, e não ele que é portador do HIV. Chegou a expressar um certo
desprezo por aqueles que o estigmatizam, deixando entrever que “na comunidade, às
vezes as pessoas podem tentar [criticá-lo], mas, pra [ele], aquilo ali é uma coisa que
[não merece valor e que tais indivíduos] são umas pessoas [pouco evoluídas, portanto,
sente pesar por elas].
Nota-se, à luz das idéias de Ferreira (1994), que o entrevistado buscou uma
identidade positiva para si que se oponha ao significado da infecção pelo HIV,
177
apelando, também, ao estigma reverso e à auto-idealização. Diante de tudo de negativo
que representa ser portador do HIV, inclusive no contexto da auto-imagem do próprio
infectado, ainda assim a pessoa refere-se a si positivamente na tentativa de se defender
de algumas representações do seu diagnóstico.
6.3.3.7 A resistência à exclusão social.
Um homem de 33 anos de idade, reconhecendo o estigma que a infecção pelo
HIV pode representar sobre si próprio, fez o seguinte comentário a respeito de como se
defendeu desse percalço:
“Eu me sinto uma pessoa normal, apenas consciente de que eu tenho o HIV.
[...].Quando eu vejo alguém que eu sei que não tem o HIV eu converso com esta
pessoa normalmente, sem nenhuma diferença. Meus amigos nunca se afastaram de
mim; eu nunca perguntei ou comentei nada com eles, mas não sinto que tem problema
nenhum. Pode até ser que alguém me veja diferente por eu ter o HIV, mas não tenho
como saber. Tem gente que olha desconfiada, sem dúvida, mas como é que a gente vai
saber? Tem umas que uma deslocada, por exemplo, mas não fala nada; mas a gente
que tem alguma coisa, tem mesmo! Às vezes alguém me olha meio de lado assim
como se eu tivesse algum problema. Sabe até que eu tenho algum problema, mas não o
HIV. Às vezes por algum comentário com ela, ela ficou sabendo de alguém, alguma
coisa assim, não por causa do meu defeito ou alguma coisa que se passa.”
Apesar de reconhecer seu diagnóstico de portador do HIV e o estigma que o
mesmo representa, esse sujeito procurou se adaptar e continuar como se não fosse
estigmatizado. Tratou sua infecção como uma coisa que existe para si, desprezando a
interferência desta em seu contexto de relações.
Admitiu a possibilidade do estigma se manifestar. Entretanto, como nunca
comentou sobre sua condição com outras pessoas, supôs que tal manifestação pode ser
devida a algum outro sinal qualquer que não seja, necessariamente, a infecção pelo HIV.
Pelo visto, esse entrevistado tentou evitar sua exclusão pelo óbvio caminho da
ocultação do estigma, porém, o acolhendo e o internalizando sem se auto-estigmatizar.
Segundo França (2000), a re-inclusão social da pessoa infectada pelo HIV
depende, entre outros fatores, da própria atitude do indivíduo em tentar superar o auto-
estigma.
Nessa linha, um homossexual de 37 anos fez o seguinte comentário:
178
“[...] teve muito preconceito comigo. Banheiro, casa de família que eu ia, eles me
cortavam... As pessoas que me aceitam, sabem que eu tenho, tomo coquetel, que eu
me cuido, uso preservativo, tudo conforme eu faço e me aceitam; eu me dou muito
bem. Agora, essas pessoas que sabem que eu tenho e não aceitam, também nem ligo
porque eu não dependo delas, entendeu? Agora é cada um na sua. Quem me quer bem
eu quero bem, quem não me quer, cada um pro seu lado.”
Esse sujeito descreveu sua experiência com o preconceito e o meio pelo qual se
livra do mesmo. Sua atitude consiste em excluir do seu ciclo de relacionamentos quem
não o aceita como portador do HIV. O fato de não depender daqueles que manifestam
preconceito contra sua condição o deixou muito à vontade para se relacionar apenas
com quem não o discrimina. Assim, o entrevistado assumiu a infecção pelo HIV como
parte de si e decidiu ser o que realmente é, a despeito de que, para alguns, essa infecção
possa representar um estigma.
Um militante de movimentos sociais comprometidos com a causa das pessoas
infectadas pelo HIV, de 35 anos de idade, também resolveu assumir sua condição de
portador desse vírus e resistir ao preconceito, conforme se vê no seguinte relato:
“Quando eu tinha medo do preconceito eu achava que as pessoas olhavam pra mim
diferente sim. Hoje eu vejo que não. Não vejo tanto preconceito assim e... que isso
depende muito do que eu vou mostrar pra a pessoa. Se eu mostrar que sou um
bichinho acuado, eles vão me olhar como aquele bichinho acuado. Então, como eu
encaro de frente eu não vejo diferença nenhuma. O que me fez perder o preconceito
foi a necessidade de encarar a vida.”
O medo do preconceito era o que fazia esse sujeito se sentir discriminado.
Entendeu que era preciso resistir à discriminação e decidiu lutar contra o preconceito,
mostrando às pessoas que não se intimidaria diante do mesmo. O que demandou essa
atitude, segundo o próprio entrevistado, foi a percepção de que a vida é para ser
enfrentada.
Pelo visto, os dois últimos sujeitos que apresentei optaram por representar papéis
alternativos ao que a infecção pelo HIV poderia lhes impor. Segundo Erthal (1989, p.
114), “podemos aceitar os papéis que nos são impostos ou escolher os papéis que
precisamos desempenhar.”
179
Ao questionarem o preconceito, esses entrevistados assumiram papéis em
direção ao desejo de se libertarem do mesmo e se auto-afirmaram, incorporando sua
condição de portadores do HIV.
Um outro homem, casado com uma portadora do HIV, fez uma proposta
parecida com a do militante social, porém de cunho mais coletivo. Vejamos o relato
dele a seguir:
“...tinha que haver uma associação nossa, do DST [Doença Sexualmente
Transmissível], pra que nós pudesse ter uma pessoa que lutasse contra [quis dizer a
favor] os nosso direito. Assim deve ter muitas pessoa com esse problema, que
acuado num canto... [...].Um dia eu gostaria de conhecer vocês. Inclusive eu quero
relatar aqui. Eu quero formar essa associação do DST pra conversar com você,
dialogar, pra você chorar, cantar, mas você falar tudo que vocês faz. Trocar poesia,
trocar idéia.”
Esse sujeito sugeriu que os portadores de doença sexualmente transmissíveis se
organizem em defesa de seus próprios interesses e que tal organização tenha dois focos:
a luta social e a auto-ajuda. A idéia é que, se os segregados não se unirem em
solidariedade a si mesmo, resta-lhes, como alternativa, permanecerem contidos em seu
próprio isolamento.
Uma outra ocorrência, que também ajudou o portador do HIV a enfrentar o
problema da exclusão social, foi relatado por uma faxineira que se sentiu muito
gratificada com o cuidado que seus familiares e amigos passaram a ter com ela depois
que souberam do seu diagnóstico:
“Eu não sinto que eu sou diferente dos outros que não têm [o HIV]. No começo,
assim, eu achava que as pessoa olhava pra mim diferente, porque eu pensava assim,
será que essa sabe que eu tenho? Será que... vai se dar comigo e tudo... mas depois...
agora, assim, eu não vejo... Eu acho que as pessoas que sabem que eu tenho, não tem
nada a ver. Elas senta na mesa comigo, come comigo... tanto que aonde que eu
trabalho tem muitos que sabe que eu sou e não... divide as coisa comigo, come
comigo, ri comigo, brinca comigo, sabe...”
Essa entrevistada encontrou um ambiente favorável que a acolheu. Assim,
conseguiu usufruir um espaço onde não precisou tornar-se clandestina. Esse
180
acolhimento lhe assegurou uma oportunidade para se afirmar como sujeito identificado,
aceito e adaptado ao seu meio social e cultural, caracterizando-se como um importante
instrumento de apoio à sua re-estruturação interna.
Tendo em vista que as várias formas de inter-relação e comunicação recíprocas
que acontecem entre familiares, amigos e outros conviventes validam a existência de
uma pessoa e lhe dão uma identidade no ambiente, obviamente que o acolhimento do
portador do HIV por parte desses inter-relacionantes proporcionará a ele um
significativo apoio contra a frustração do desamparo culturalmente embutido na AIDS
social.
A partir desse exemplo, destaco que há uma possibilidade para que o portador do
HIV não precise se defender por meio da clandestinidade. A esse respeito Sanches
(2000) acredita que, uma vez alcançando tal oportunidade, a pessoa poderá transformar
o invisível (aquilo que não pode ter existência a sua condição de portadora do HIV)
em aparente e conquistar uma reação positiva do ambiente.
Um outro entrevistado, heterossexual, solteiro, que mora sozinho e esconde da
família seu diagnóstico, também se sentiu acolhido. Porém, somente pelo ambiente onde
recebe sua assistência de saúde. Expôs tal consideração por meio do seguinte relato:
“O HIV mudou e não mudou a minha vida, porque, quando eu falo que mudou,
porque, eu sei que agora eu tenho que procurar... é... [...] esconder isso da minha
família, porque eu não sei como seria a reação da minha família... [...]. Pras pessoas
que [...] nunca fez os exame, eu aconselharia a procurar o pessoal do Centro da
Promoção da Saúde, porque eu acho que vai ser melhor. ”
O serviço de saúde em que o portador do HIV recebe sua assistência
especializada é o único lugar onde ele não tem como ser clandestino. Ao mesmo tempo,
a pessoa infectada poderá depositar, neste, a expectativa de um acolhimento que não
recebe, nem mesmo, em seu ambiente familiar. Portanto, devemos assegurar que o
serviço de saúde seja, de fato, um lugar onde a pessoa infectada pelo HIV não precise
sofrer em conseqüência da inevitável ruptura da clandestinidade resultante da
necessidade assistencial. Essa garantia poderá permitir que o sujeito, pelo menos nesse
ambiente, seja o que realmente é, sem que isso implique nos efeitos do significado e das
representações da infecção pelo HIV.
181
Suponho que tal autenticidade poderá facilitar o encontro de pessoas infectadas
entre si, no ambiente da assistência, gerando uma oportunidade para que compartilhem
significados mútuos capazes de fazer com que a segregação desapareça, e, talvez, até
para se organizarem conforme proposto por um dos entrevistados apresentados
anteriormente.
Porém, Ferreira (1994) nos alertou que o apego da pessoa ao serviço assistencial
pode regredir a estágios tão primitivos do desenvolvimento da personalidade que alguns
pacientes se tornam extremamente dependes dos profissionais de saúde que deles
cuidam, como se fossem suas mães a lhes proporcionarem apoio, proteção, ajuizamento
e controle.
Em atenção a esse alerta, apesar de não ter encontrado tal ocorrência no contexto
das entrevistas que realizei, sugiro que seja prudente observarmos os aspectos
transferenciais que permeiam a construção do vínculo entre a assistência e o portador do
HIV, no sentido da melhor adaptação possível entre estes, objetivando o bem-estar de
ambos.
Vários autores argumentaram que, em muitas vezes, a busca por esse objetivo
poderá implicar na necessidade de um atendimento particularizado, feito sempre pelo
mesmo profissional-referência, acessível para o paciente e capaz de informar, instruir,
educar, estruturar um acordo afetivo, identificar situações de risco para a não adesão à
assistência e ao tratamento, e estar disponível quando necessário (BRASIL, 2003;
CARDOSO & ARRUDA, 2004; FIGUEIREDO et al., 2001; KANAI & CAMARGO,
2002; LEITE et al., 2002; MACHADO et al., 1996,).
Em síntese, as pessoas que receberam um diagnóstico de portadoras do HIV
perderam imediatamente seus referenciais. Entretanto, movidas pelo desejo e apoiadas
por alguém próximo, puderam reconhecer o fenômeno que as afligia e encontrar um
meio de se defenderem. Não obstante, esse reconhecimento pode depender de
habilidades próprias da personalidade do sujeito.
Uma das representações que as pessoas infectadas pelo HIV precisaram
enfrentar foi a da morte física. Para isto, apelaram para várias alternativas. Algumas se
dedicaram ao tratamento antiretroviral movidas pela sua pulsão de vida, outras se
apegaram ao discurso religioso de que a vida é mesmo passageira e se conformaram
com isso, ainda que inseguras. Outras procuraram controlar a representação da morte
por meio da racionalidade científica e algumas a compreenderam como um fenômeno
existencial.
182
Porém, houve quem vinculou definitivamente a infecção pelo HIV a sofrimento
e morte, não conseguiu superar essa vinculação e passou a desejar a morte como um
alívio para essa angústia, no contexto de um sentimento de depressão.
Algumas pessoas simplesmente mantiveram a percepção de que a infecção pelo
HIV realmente representa a morte e passaram a viver o tempo todo com medo de
morrer.
No que diz respeito à perda da futuridade, o que mais chamou à atenção foi que
o presente se tornou um tempo absoluto à luz da insegurança quanto ao futuro. As
pessoas que, ao perderem a noção do futuro, agarraram-se ao passado, desvalorizando
seu presente, tornaram-se deprimidas. Por outro lado, houve quem conseguiu
fundamentar-se no passado para ressignificar o presente, gratificando sua atualidade.
As mães de filhos não infectados pelo HIV assumiram seu futuro como um
projeto intermediado pela prole. Mas, aquelas cujos filhos eram portadores do vírus não
conseguiram trilhar esse caminho. Os homens não vincularam sua percepção de
continuidade existencial aos filhos.
Contra a expectativa da morte e a segregação, um recurso encontrado pelas
pessoas que se sentiram culpadas por terem contraído o HIV fundamentou-se no
sentimento de estarem pagando pelo erro cometido, como se este saldo pudesse
recuperá-las de algumas perdas representadas por seu diagnóstico.
Por outro lado, indivíduos que se sentiram vítimas por terem se infectado,
insistiram em sua inocência atribuindo a infecção a causas externas a si e ao seu
ambiente, apegando-se aos valores e crenças sócio-culturais sobre os quais sempre se
apoiaram, para justificar a ausência de motivos para terem contraído o HIV.
Independentemente de sentirem-se culpados ou inocentes, muitos procuraram
destacar suas qualidades pessoais e depreciar aqueles que manifestam o preconceito,
reforçando sua própria personalidade, como uma forma de reagir contra a
desvalorização imposta pelas representações da infecção pelo HIV.
Para evitar a exclusão social, vários foram os caminhos. A ocultação e a
internalização do diagnóstico à própria intimidade sem se auto-estigmatizar foi um
deles. Por esta via, algumas pessoas impediram que seu diagnóstico interferisse na sua
relação com os outros. Uma outra saída, foi assumir sua condição de portador do HIV,
aceitando-se, reagindo contra a intimidação instigada pelo preconceito. Assim, essas
pessoas se auto-afirmaram apoiadas na sua independência pessoal em relação aos
preconceituosos.
183
A organização social dos portadores do HIV, em defesa da sua inclusão, e sua
união em busca de auto-ajuda foram sugestões dadas por algumas pessoas para que os
infectados possam resistir contra a segregação.
Uma conquista favorável à afirmação do portador do HIV como sujeito foi a
oportunidade de encontrar um ambiente familiar, social ou assistencial que não
reconhecesse a representação do estigma em seu diagnóstico, acolhendo-o como
membro inserido, adaptado e representante da comunidade.
6.3.4 A medicação antiretroviral: motivos para usá-la.
Uma entrevistada aderente à terapêutica contra o HIV, que se recuperou de
várias alterações orgânicas a partir do início do tratamento, apresentou o seguinte
motivo para tomar antiretrovirais:
“..minha vida depende daquele remédio, né, que se eu o tomasse aquele remédio eu
podia morrer, ... [...]. Meu medo era de não conseguir tomar o remédio na hora
certa e eu poderia morrer. [...] . Eu preciso desse remédio pra viver. Eu já tava
sentindo bambeza, já. Não tava agüentando ficar em mais. Eu tava... eu pensei
assim: vou tomar, né, eu preciso dele. Minha vida depende daquele remédio. [...]. ...eu
falo assim: é... porque o remédio é a minha vida, né.”
Essa mulher percebeu que não tem alternativa à morte senão usar antiretrovirais.
Assim, assumiu uma postura determinada em relação ao tratamento. Tinha medo de não
conseguir tomar o medicamento segundo a posologia indicada, mas superou esta
preocupação ao perceber a capacidade do tratamento em recuperar sua saúde. Sem esse
recurso, sentia-se frágil a ponto de não conseguir nem ficar de pé. Tal sensação,
associada à morte, uma vez recuperada pelos medicamentos fez com que estes
adquirissem o significado da própria vida.
O impacto do contato físico que essa entrevistada teve com o significado de
degeneração, e com a representação da morte na infecção pelo HIV, foi de um vulto tal
que a impulsionou a uma tomada consciente de atitude pela aderência ao tratamento
antiretroviral, permitindo-a assumir o controle da sua própria situação.
Um homossexual, que também iniciou o tratamento em situação clínica
complicada e se recuperou por meio do tratamento, fez a seguinte consideração:
184
“Quando eu recebi a primeira receita pra tomar coquetel, eu achei que eu tava mal.
Achei que o coquetel ia me ajudar uns dias e que ia vir a falecer. depois eu vi,
comecei a tomar o coquetel numa quarta-feira, no domingo eu já tive uma melhora.
Não foi aquela melhora, mas já comecei a reagir. É porque eu pensei que não ia poder
sair da cama, da fraqueza, entendeu? eu já comecei a ver e agarrei o tratamento
com força.”
A debilidade orgânica provocada pela infecção pelo HIV deixou esse sujeito em
estado de prostração. A morte era a única possibilidade em seu horizonte. A perspectiva
da morte, inicialmente, superava sua crença no tratamento. Entretanto, a experiência
material de conseguir se recuperar, por intermédio do uso dos antiretrovirais reacendeu
sua nos medicamentos, mudando sua confiança em relação à continuidade da vida. A
partir desta vivência, construiu conscientemente sua aderência terapêutica, “agarrando-
se firmemente aos medicamentos”.
Nos dois casos acima, um motivo que levou as pessoas a aderirem à terapia
antiretroviral foi o efeito dos medicamentos frente a um organismo que experimentava a
dissolução. Após os primeiros contatos com o tratamento, a esperança de continuar
vivendo suplantou a experiência inicial.
Segundo Malta et al. (2005), a percepção da gravidade da doença induzida pelo
HIV influencia o processo da aderência à terapia antiretroviral. Para o Ministério da
Saúde (BRASIL, 2003); Kanai & Camargo (2002), quem começa o tratamento com
manifestações clínicas de AIDS tende a ser mais dedicado ao tratamento.
Outra entrevistada falou de seu processo de adesão à terapêutica referindo-se à
quantidade e à posologia dos medicamentos, conforme se vê no seguinte relato:
“Ter que tomar coquetel é coisa ruim, difícil. Ter que tomar essa quantidade de
remédio todo dia... no mesmo horário... [...]. Se não tomar o vírus vem... toma conta,
né.”
Essa mulher entendeu que não tem outra opção frente à ação orgânica do HIV,
senão tomar antiretrovirais. Esclareceu que essa é uma opção obrigatória para quem
deseja resistir a tal ação.
185
Ser aderente à terapêutica antiretroviral é uma atitude “difícil” e, às vezes,
desagradável, conforme dito também por um outro sujeito dedicado ao tratamento, por
meio do seguinte relato:
“Fazer o quê, né, tem que tomar o coquetel todo dia mesmo! Mas se ele toma remédio
e fica bom, eu acho que tá bom! [...]. Mas tem que ter alimentação forte, senão
ninguém agüenta não. Tomar 25 comprimidos por dia, tem que alimentar bem, rapaz.”
O sentimento desse sujeito diante da necessidade de usar antiretrovirais é de
resignação. Não tendo outra alternativa, incorporou o tratamento como uma
obrigatoriedade que, entretanto, deixa de representar grande sacrifício, desde que
produza um efeito orgânico satisfatório. Mas, mesmo assim, é preciso receber reforço
para agüentar tomar medicamentos contra o HIV.
Diferentemente dos entrevistados anteriores, um homem bissexual justificou sua
aderência terapêutica evocando uma falha sua:
“[...] o que significa pra mim precisar tomar o coquetel? Eu acho que é tampar uma
falha minha. Que eu vacilei antes, deixei me contaminar... agora eu necessito do
coquetel pra manter a vida normal.”
A dedicação à terapêutica antiretroviral representou uma possibilidade de
reparação de um erro, pelo qual se responsabilizou ao reconhecer que se infectou por
não ter tomado o devido cuidado. Para compensar a conseqüência da sua negligência,
precisa tomar os medicamentos. Caso contrário, a vida não teseu curso normal. Para
esse entrevistado, a observância ao tratamento tem como finalidade resgatar-se
moralmente.
Naquilo em que o processo de aderência terapêutica representa a afirmação de
valores, um artesão evangélico, de 41 anos de idade, comentou o seguinte:
“Tendo que tomar o coquetel, primeiramente confiança em Deus, no senhor, doutor, e
nos medicamentos. Eu me sentiria diferente se eu não tomasse os medicamentos
corretamente. Porque eu estaria falhando, não com a medicina, de forma alguma, mas
186
sim, falhando comigo mesmo. Acabaria adoecendo, ou até morrendo inesperadamente.
[...]. Pode complicar pro senhor e pros outros. Se eu falhar o coquetel, vou complicar
minha vida. Eu vou complicar a vida de mais alguém, porque, na minha concepção, eu
vou complicar a vida de mais alguém, porque eu vou falhar o tratamento e vai
atrapalhar no tratamento do senhor. [...]. Ter recebido uma receita pra tomar o
coquetel, é como se eu estivesse morto e conseguido uma nova maneira de viver. [...]
...se eu não tomasse ele, seria um suicídio, uma forma sintética: eu estaria sendo
covarde. O senhor entendeu? Concorda comigo? [...]. ...então eu tomo esse remédio
pra mim cumprir o meu tratamento, sentir saudável, viver uma vida e seguir até... eu
acho que eu sinto obrigado a fazer...”
Para esse sujeito, o tratamento tornou-se um meio e fim ao mesmo tempo. A
finalidade da observância terapêutica, nesse caso, não é o alcance de metas, conforme
posto pelos outros entrevistados, mas a afirmação de valores.
Ao buscar tal afirmação, ele fez uma associação entre a religião, a ciência e a
tecnologia. Toma o medicamento porque confia em Deus, onde está a religião, no
médico, que representa a ciência, e nos medicamentos, que representam a tecnologia.
Em sua percepção, os valores que busca são compartilhados por outras pessoas,
de modo que, não buscá-los seria construir-se diferente dos outros. A sua identidade,
portanto, fundamenta-se no compartilhamento desses valores.
Há, também, no relato desse sujeito, uma tensão dentro do seu relacionamento
com os antiretrovirais, a qual expressou por meio da afirmativa de que se não tomar
corretamente a medicação estará falhando consigo mesmo e com o tratamento.
O que está em evidência é a terapêutica que lhe foi prescrita, à qual atribuiu sua
salvação. Foi essa prescrição que lhe conferiu a possibilidade de reconquistar a vida
quando achava que já estava morto. Diante dessa possibilidade, avaliou que não se
aderir à terapêutica seria uma opção pela morte; escolha que é feita por quem é covarde.
Associou, pois, a idéia de suicídio a um ato de covardia.
Nesse caso, morrer não é obra da infecção pelo HIV, mas da falta de confiança
em Deus, na ciência e na tecnologia, e da falta de coragem do infectado.
Considerando que coragem é um traço de personalidade, lembro que Leite et al.
(2002) argumentaram que a aderência ao tratamento antiretroviral depende muito da
personalidade do sujeito. Entretanto, vários autores ponderaram que não a
personalidade, mas também a história de vida da pessoa e sua percepção existencial,
estruturadas com base na sua cultura, influenciam de maneira significativa a decisão
pela observância terapêutica (BOLCATO, 1999; DAVIES, 1997; FRANÇA, 2000;
GOLDBERG, 1999; MENEGHIN, 1996; SCHÖNNESSON, 2000).
187
Essa última consideração também apareceu no seguinte relato do mesmo
entrevistado acima:
“Eu falaria com o coquetel: foi Deus que te colocou em minha vida! Primeiro Deus,
porque foi ele que elaborou este coquetel pra... o que eu ia dizer pra ele, porque eu
sempre disse isso pra ele... o coquetel é a parte principal da minha vida, ele é
fundamental. É igual o senhor dentro de um carro. dentro do seu carro, primeiro
Deus, depois a sua confiança, a sua consciência do quê que cê tá fazendo. Se eu falhar
ali no carro, o que vai acontecer? [...]. Se eu falhar o coquetel, vou complicar minha
vida.”
Entre os aspectos sobre os quais esse sujeito fundamentou sua aderência ao
tratamento antiretroviral, o destaque foi para a religiosa. Tudo o que se relaciona ao
tratamento, a princípio, vem de Deus. Até a analogia que fez entre a aderência
terapêutica e a condução de um veículo teve inspiração religiosa. O apelo religioso por
parte de pessoas portadoras do HIV também foi observado por Figueiredo & Coelho
(1996); Figueiredo e Marcos (1997); Guimarães & Ferraz (2001).
Comunicou-se com Deus por meio do tratamento, com quem assumiu
compromissos e responsabilidades, dizendo que precisa ter confiança e consciência
acerca do que é posto em suas mãos, cujas conseqüentes possibilidades dependem das
suas próprias atitudes. Percebeu, pois, na decisão pela não aderência terapêutica a
representação de uma ruptura com a vida que Deus lhe deu. Além disso, ao dizer que “o
coquetel é a parte principal da sua vida”, o entrevistado colocou a aderência aos
antiretrovirais como fundamental para a sua existência. Portanto, a observância ou não
ao tratamento pode determinar respectivamente a vida ou a morte.
Em suma, atribuiu aos medicamentos um poder de interferir sobre a existência
do portador do HIV, providenciado por Deus, que, entretanto, responde de acordo com
as atitudes de quem necessita desse recurso.
Esse achado está de acordo com observações feitas por Cardoso & Arruda
(2004, p. 152), por meio das quais justificaram que a adesão ao tratamento antiretroviral
“é um fenômeno complexo que o pode ser reduzido a aspectos da gica racional,
devendo ser consideradas as profundas influências de natureza sócio-cultural”.
Porém, um outro entrevistado que se recuperou de grave complicação orgânica
provocada pelo HIV, por meio da aderência terapêutica, foi absolutamente lógico e
188
racional sobre sua observância ao tratamento, conforme pode ser visto no seguinte
relato:
“Eu me sinto uma pessoa normal, apenas consciente de que eu tenho o HIV. O fato de
eu precisar de tomar medicamentos contra AIDS eu vejo isto como uma melhora. Pra
mim é interessante tomar os remédios. Eu acho totalmente errado achar que caí de
vida por ter o HIV. Eu vivo até melhor que antes. ”
A consciência que esse sujeito tem do seu diagnóstico de portador do HIV, não
alterou seu senso de normalidade. Ele percebeu que os antiretrovirais melhoram sua
condição de saúde, o que torna “interessante” o uso dos medicamentos. Devido a esse
recurso, a infecção pelo HIV não conseguiu degenerar sua qualidade de vida.
Destaco que o entrevistado colocou como suficiente o efeito biológico do
tratamento para que mantivesse a normalidade da sua vida e justificasse a aderência
terapêutica.
A respeito dessa determinação da própria pessoa em relação à aderência ao
tratamento, uma mulher que mora com os pais fez o seguinte comentário:
“Em geral eu tomo o remédio bem certinho. [...]. Por duas razões: porque eu gosto de
mim... eu gosto de todo mundo, mas principalmente de mim. Gosto muito da minha
família. Gosto demais deles. Eu não quero ver meus pais sofrendo, e nem meus
irmãos. E mais, porque eu gosto muito dos meus médicos. Eu acho que eles são muito
de confiança. Porque eles lutam por mim, porque eu não tenho que lutar? Eles não são
obrigado a fazer isso sozinho. Nem os médicos, nem a minha família é obrigado a
lutar pela minha vida. Então quem tem que lutar sou eu. Eles não têm que lutar
sozinho, eu tenho que ajudar. [...]. Eu acho que se eu parar de tomar o coquetel eu
posso pegar uma arma, um veneno e beber. [...]. Então eu tenho a chance de ir
sobrevivendo e morrer do jeito normal de morrer, né. Não precisa de eu me matar!”
Essa entrevistada se aderiu ao tratamento porque gosta de si, do seu médico e da
sua família. Se o medicamento lhe faz bem, e se ela gosta de si, não tem porque não ser
observante à terapêutica. Os antiretrovirais estão permitindo que ela cuide de si a partir
de sua própria auto-estima.
189
Essa auto-estima está sendo valorizada por aqueles que também cuidam dela,
como sua família e seus médicos, os quais lhe inspiram confiança. O indicador desta
confiança é a luta empenhada por esses cuidadores, em seu favor.
Sua aderência foi metaforizada na forma de uma “luta pela vida” que é da sua
própria responsabilidade, da qual, porém, participam outras pessoas que não são
portadoras do HIV. A entrevistada baseou sua atitude em relação a si, na atitude de
outras pessoas em relação a ela, nas quais confia e pelas quais tem afeição.
Abandonar o tratamento, para essa entrevistada, representa uma morte
provocada por um evento externo à natureza da existência. Nesse caso, a aderência
terapêutica representa a mobilização da sua pulsão de vida, em defesa de uma morte
natural.
Em suma, a aderência ao tratamento antiretroviral foi vista, pelo portador do
HIV que não deseja sua própria degeneração e morte, como uma obrigatoriedade. Pôde
significar a única possibilidade de salvação do sujeito, o que fez com que a terapêutica,
em alguns momentos, representasse a própria vida. Essa percepção freqüentemente
adveio da experiência da pessoa com o adoecimento e a expectativa da morte, devido à
ação do HIV no organismo, e com o efeito do tratamento em alterar esse curso.
Dessa forma, a observância terapêutica tornou-se fundamental para a existência
e representou uma luta pela vida que, inclusive, pôde ser compartilhada, assim como
seus resultados, por pessoas próximas. Tal compartilhamento colaborou para
desvalorizar a representação do estigma e da morte, relacionada à infecção pelo HIV,
fazendo com que o sujeito pudesse afirmar sua identidade e reforçar sua auto-estima.
Assim, aspectos de natureza sócio-cultural participaram do processo da
aderência ao tratamento, influenciando-o segundo princípios sobre os quais o sujeito se
definia e se inseria na sociedade. Isso fez com que a história de vida da pessoa e sua
percepção sobre a própria existência participassem da construção do processo de
observância terapêutica.
Não obstante, a aderência ao tratamento antiretroviral foi uma decisão que, em
última instância, coube ao portador do HIV. A incisividade das conseqüências dessa
decisão, capaz de marcar a fronteira entre a vida e a morte, tanto física quanto
psicológica, obrigou a pessoa a mobilizar sua personalidade em busca de metas
alcançáveis e/ou valores afirmáveis por intermédio do tratamento, para que se definisse
sua existência dentro do contexto em que estavam o significado e as representações da
190
infecção pelo HIV. Portanto, tornar-se aderente à terapêutica foi um processo
significativamente tenso e difícil.
6.4 A REPRESENTAÇÃO DO TRATAMENTO ANTIRETROVIRAL.
Estimulado a imaginar sua interlocução com os medicamentos, um dos
entrevistados relatou o seguinte:
“Eu gostaria de dizer pro coquetel me curar de uma vez. Me curar de uma vez pra eu
não tomar nunca mais. [...]. Se eu estiver vivo daqui 20 anos... eu vou se Deus
quiser, porque o coquetel tá me fazendo muito bem.”
Esse sujeito manifestou dois desejos: o de se curar da infecção pelo HIV por
meio do uso dos antiretrovirais e o de se livrar dos medicamentos. A experiência física
do bem-estar proporcionada pela terapêutica pode estar dando a esse entrevistado um
argumento material para depositar esperança pela realização desses desejos, mas, ele
também fundamenta essa esperança em sua religiosa. Essa associação entre o recurso
científico e o poder divino tornou-se, pois, uma presença entre as representações da
adesão terapêutica.
Sob o mesmo estímulo dado ao entrevistado anterior, uma mulher de ocupação
doméstica fez o seguinte comentário sobre sua relação com os antiretrovirais:
“Se eu te falar que eu converso com o coquetel você acreditaria? Você jura que não
passa isso pra ninguém não? Eu falo pra ele assim: - Olha, nós dois somos amigos! Eu
sou sua amiga e você é meu amigo. Eu dependo de você e você depende de mim. Ele
depende de mim porque se eu não existisse ele também não existia. Se eu não existisse
com o HIV ele também não tava aí, então ele também não circulava pelo mundo, ele
não seria vendido. E eu dependo dele, porque eu preciso viver. Então ele é meu amigo
e eu sou amiga dele. Nossa amizade é de conveniência. Mas eu não romperia com esta
amizade não! De vez em quando eu falo pra ele que eu e o vírus, de vez em quando
nós uma briguinha, mas eu dou uns tapa nele e ele me ajuda. Quando eu fico
doente, né, então nós brigando, então a gente uma briguinha, né. Que eu fico
doente, sinto mal, fico apavorada, vou morrer, né. O que é que vai ser? Será que eu
vou agüentar? Será que eu vou resistir? Vai me dar um monte de infecção... eu
começo a pensar um monte de coisa, né. eu sempre falo pra ele: - Mas você me
ajuda; eu dou um tapa nele, dou um peteleco nele e a gente tira de letra. E às vezes
também, doutor, eu falo pra ele: - Hoje eu vou na rua, vou tomar minha cerveja, heim!
Vê se me ajuda, heim! Não vai me complicar não, heim cara!”
191
No processo de comunicação dessa mulher com os medicamentos, estes
passaram a representar, para ela, um amigo com o qual mantém uma relação mútua de
dependência. Colocou o tratamento antiretroviral no papel de uma pessoa a quem
recorre quando se sente ameaçada pelos efeitos da infecção pelo HIV, assim como por
suas representações.
Entretanto, afirmou que a sua convivência com os antiretrovirais é mantida por
uma “conveniência” de interesses, o que pode estar significando que sua relação com o
tratamento não tem sustentação afetiva e não deseja que seja por toda a vida, mas
somente o necessário para sua sobrevivência e bem-estar. Sendo assim, eventualmente
ela se desentende com os medicamentos, momentos em que, talvez, negligencie a
terapêutica.
Quando se assusta com os efeitos orgânicos da infecção pelo HIV, recorre
novamente ao tratamento devido ao medo da morte, e à crença de que os antiretrovirais
podem protegê-la da mesma. Nesse caso, o medo da morte tornou-se aquela ansiedade
de alarme que faz com que a atitude pela aderência terapêutica se constitua em um
mecanismo de defesa específico, devido à incorporação do seu reconhecido poder em
repelir o perigo.
Sentindo-se sadia, a entrevistada mantém aspectos sociais da sua vida,
especialmente aqueles voltados ao lazer e às suas relações fraternas. Para que não tenha
problemas nessa esfera, conta também com a ajuda dos antiretrovirais. Provavelmente
ela acredita que os medicamentos tenham o potencial de afastar não só os efeitos
orgânicos da infecção pelo HIV, mas também algumas representações desta, como por
exemplo, a que provoca perda de vínculos sociais.
Analisando esse achado à luz das idéias de Ferreira (1994), o tratamento
antiretroviral pode permitir ao indivíduo escapar-se, também, do sofrimento mental
potencialmente conseqüente às representações da infecção pelo HIV, e incorporar uma
verdade
8
mais tranqüilizadora para si, fortalecendo-se interiormente. A materialização
desse fortalecimento é percebida, especialmente, nos resultados orgânicos da aderência
terapêutica.
Pelo visto, a observância ao tratamento antiretroviral não se limita à simples
ingestão de medicamentos, mas, implica, também, numa relação de convívio entre o
_______________
8. Ver conceito de verdade existencial à p. 102.
192
indivíduo e o tratamento, por meio da qual fica estabelecido um pacto de
responsabilidades, cumplicidades e fidelidades. Um convívio dependente de uma
negociação desse porte deve ser difícil de se manter permanentemente equilibrado.
Ao refletir sobre sua relação com o tratamento antiretroviral, uma outra
entrevistada, viúva, comentou sobre a dificuldade que tem em mantê-la equilibrada, da
seguinte maneira:
“Tomar o coquetel é uma coisa boa, né, pra saúde. Tem que levar a vida tomando
coquetel. Aí... Eu não sei se o coquetel representa a vida ou a morte. Tem hora que eu
penso: será que eu vou morrer, será que eu não vou... Tem hora que eu penso. Sei
não... Pode ser que o coquetel representa a vida mesmo!”
Essa mulher reconheceu o benefício do tratamento à sua saúde orgânica, mas,
hesitou quanto ao significado desse benefício ao questionar se a terapêutica “representa
a vida ou a morte”. Ou seja, será que ter “que levar a vida tomando coquetel” é
realmente viver? Será que vale a pena uma vida assim, tomando antiretrovirais para
sempre? Será que tomar antiretrovirais é dar demais para receber muito pouco em troca?
Ao que parece, pode ser que a relação do portador do HIV com o tratamento
antiretroviral implique em ter que fazer uma escolha entre frustrações, e não entre
desejos. Esse fenômeno poderá manter o sujeito oscilante entre a aderência e não
aderência à terapia, na busca pelo menor sofrimento possível. Assim, o perfil da
observância terapêutica poderá variar em diferentes momentos da vida em função das
diversas vivências transitórias que delineiam a existência. Portanto, a aderência ao
tratamento antiretroviral precisa ser estruturada cotidianamente. Talvez, esta seja uma
das razões porque, segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2003), independentemente
de qualquer fator mensurável, portadores do HIV considerados aderentes ao tratamento
antiretroviral, nunca o são sempre.
Porém, a única alternativa à degeneração física e à morte em conseqüência da
ação orgânica do HIV, disponível aos portadores deste vírus, é a aderência ao
tratamento antiretroviral. De acordo com vários autores, a saúde corporal é um
fenômeno que estimula o sujeito a viver e manter suas esperanças (DRESLER &
BOEMER, 1993; MERLEAU-PONTY, 1999; SANCHES, 2000).
193
Essa última entrevistada, apesar da hesitação, ainda optou pela adesão
terapêutica partindo da percepção do bem que o tratamento faz à saúde física. Segundo
Remor (2002), o benefício orgânico do tratamento antiretroviral acaba colaborando para
a atenuação do sofrimento emocional do portador do HIV.
Pelo visto, a opção pela aderência ao tratamento antiretroviral é um fenômeno
vulnerável, pois, além de ser um processo difícil, é permeado por questões de grande
profundidade existencial.
Trata-se, pois, de um processo conflituoso, conforme expôs um entrevistado
trabalhador braçal da indústria, por meio do seguinte relato:
“Precisar tomar o coquetel é bem constrangente. Se eu morresse mais depressa era
melhor. [...]. Se eu pudesse falar com o coquetel eu ia agradecer ele pelo que ele tem
feito pra mim.”
Apesar de agradecer pelo bem que o medicamento lhe tem proporcionado, o
entrevistado prefere a morte. O que o tratamento lhe oferece é o prolongamento da vida,
rompendo com a fatalidade do diagnóstico da infecção pelo HIV. Na época em que a
terapia antiretroviral não era disponível, esse diagnóstico era, definitivamente, uma
sentença de morte. No caso desse entrevistado, a idéia é de que os antitretrovirais estão
adiando sua execução, mas mantendo-o à espera no corredor da morte. Isto significa que
o tratamento não eliminou sua angústia de morte relacionada à infecção pelo HIV, o que
sustenta o conflito entre desejar a morte e agradecer por estar vivo.
Assim, a aderência terapêutica se deu dentro do próprio conflito existencial
humano, o qual foi relatado de uma maneira diferente por um caminhoneiro, conforme
se vê a seguir:
“[...] você tem que tomar ele [o coquetel], que você acaba fazendo, acostuma, mas é
uma obrigação. Então eu achava que tinha que, no caso... eu tomando ele e ele
evitando o problema, não sei... tinha que... quer dizer, tinha que arrumar um remédio
que curava de uma vez. Você tomava aquilo e acabava logo, ficava livre.”
194
Esse sujeito, embora tenha admitido a importância da aderência ao tratamento
antiretroviral para a garantia do seu bem-estar, manteve-se desgostoso quanto à
limitação do resultado da terapêutica, o qual protela “o problema” representado pela
infecção pelo HIV.
Como não tem como resolver tal problema, submeteu-se à angústia de um
aderente à terapia antiretroviral, da qual fez parte a noção de que se tornara um doente
crônico que não morrerá agora, mas poderá morrer daqui a algum tempo.
Nos relatos apresentados até o momento, a opção pela aderência ao tratamento
antiretroviral aconteceu dentro de um processo em que as pessoas estiveram, de um
lado, oprimidas pelas representações da infecção pelo HIV; do outro, pelo significado
do tratamento antiretroviral como uma opção desvinculada dos desejos.
Esses achados mostram que a aderência terapêutica pode evitar a morte e a
desordem físicas, mas, ainda assim, pode não aliviar o sofrimento emocional. Nessa
condição, as defesas da pessoa têm efeito limitado no que se refere à redução do
destaque dado à angústia existencial pelo diagnóstico da infecção pelo HIV.
Além de poder não aliviar suficientemente o sofrimento emocional, o tratamento
antiretroviral pode tracionar o sujeito em sentido contrário ao prazer. Dito de outra
forma, para aderir à terapêutica, é preciso que o portador do HIV adote atitudes muito
determinadas. Isto exige que a pessoa seja capaz de encontrar alguma alternativa de
gratificação no tratamento contra o HIV. No caso das pessoas que entrevistei, a
gratificação foi identificada na possibilidade de continuarem sobrevivendo com saúde.
Entretanto, essa sobrevivência não foi considerada, por elas, como suficientemente
gratificante, uma vez que o tratamento não cura. Logo, não elimina a infecção pelo HIV,
o que permite que seus efeitos psicológicos, sociais e existenciais tenham a
oportunidade de continuarem se manifestando.
Assim, o usuário de antiretrovirais precisa continuar adotando estratégias para
manipular tais efeitos. A esse respeito, uma entrevistada aderente ao tratamento
comentou o seguinte:
“O que eu falaria pro coquetel? Eu falaria: - Ó, meu filho, se você me cura pra
gente parar de tomar esse remédio porque é duro tomar remédio, também, todo dia .
[...] eu espero [...] sarar e a gente viver e pra gente parar de tomar vocês [...]Aí eu tiro
o rótulo. Vai pra escola e eu tiro os rótulo do remédio. A escola não sabe de nada. A
gente tem medo, né. Eu não tenho medo o é da doença, é do preconceito. [...].Os
remédio é tudo rancado o rótulo, realmente é 24h. [...]. Agora, esconder a situação
195
de HIV é mais complicado. No dia a dia, eu chego em casa e escondo tudo. Eu tenho
um guarda-roupa com chave. É difícil sim. [...]. Isto se tornou rotina. [...]. Não tem
problema esconder remédio não. Eu escondo, eu já tenho um lugar pra esconder.
Tomar remédio escondido dos outros. Eu entro no quarto, eu fecho a porta, eu começo
a... eu já tomei remédio até dentro de banheiro fedorento, eu já tomei.”
Essa mulher esconde os medicamentos devido ao medo de que estes revelem aos
outros que é portadora do HIV. Portanto, é preciso ocultar a sua condição de usuária de
antiretrovirais, o que, segundo a entrevistada, não é tão difícil quanto manter oculto o
diagnóstico da infecção. Ou seja, é mais fácil manipular a condição de usuária de
antiretrovirais do que a condição de portadora do HIV.
Ainda assim, a preocupação em escamotear a sua relação com os antiretrovirais
é uma tensão cotidiana que a mantém sempre alerta às implicações da aderência
terapêutica.
A entrevistada vive sob a sombra de uma esperança e de um fantasma. Da
esperança de um dia poder ficar livre da necessidade de ter que se apegar
involuntariamente de maneira tão íntima ao indesejável, libertar-se e poder sair da
clandestinidade; e do fantasma do estigma cuja aparição pode acontecer por intermédio
dos medicamentos. Isto quer dizer que a aderência ao tratamento antiretroviral, apesar
de manter a vida biológica, pode expor o sujeito às mesmas representações da infecção
pelo HIV.
Esse risco provoca reações na pessoa. Uma delas foi descrita por um
entrevistado de 37 anos de idade, da seguinte maneira:
“[...] tem pessoas que quando eu tô perto e me tomando o remédio e perguntam,
eu fico nervoso. Falo: - Ah, não interessa e se pára de perguntar! passa um
tempinho a pessoa volta no assunto, eu fico anervoso e discuto. Se eu vou tomar o
medicamento e tem alguém perto que não sabe, eu vou tomar o remédio, eu fico
perguntando porque que a pessoa tá olhando, entendeu?”
Esse sujeito esclareceu que tomar medicamentos desperta uma curiosidade
alheia que, para o portador do HIV, representa algo difícil de ser explicado. Diante de
uma inquirição a respeito do uso dos antiretrovirais, ele adota uma atitude defensiva mal
elaborada que resulta numa fuga à inquirição por meio de uma repulsa ao curioso, a qual
não responde à curiosidade.
196
Segundo Goffman (1988), essa defesa agressiva é comumente observada em
pessoas que se sentem estigmatizadas, em resposta à curiosidade do outro diante do
estigma.
Uma outra forma de reação pode voltar contra o próprio usuário de
antiretrovirais, conforme se vê no seguinte relato daquela entrevistada que retira o
rótulo dos medicamentos:
“Outro dia eu até perguntei à [minha vizinha] assim:
- O que seria se uma pessoa pudesse chegar pra você e dizer que tratava de HIV? [...].
Aí ela falou:
- Deus me livre!
- Mas você abandonaria seu irmão, seu cunhado...
- Ah, não, eu deixava pra lá. Eles que procurou a doença, eles que se cuida!
Pra você ver que [o preconceito] existe. Então, todo lugar que a gente vai a gente
mantém o sigilo. [...] e eu tomo todos os remédio escondido. Já tomei tanto remédio
escondido que chegou um dia de eu até engasgar, vomitar até a janta, porque eu me
engasguei quando fui tomar o remédio correndo, vomitei tudo. A mulher quase
chegando na cozinha e eu tomando o remédio no banheiro. Glup, glup, glup e vomitei o
remédio! Cada coisa que a gente passa!”
Fundamentada na experiência do preconceito, essa mulher adota estratégias para
esconder que é usuária de antiretrovirais capazes, até, de gerar-lhe dificuldades,
desconforto e constrangimento. Ao final da sua fala, explicou que, para ser aderente ao
tratamento, é preciso passar por muita “coisa”.
A respeito do que foi mostrado pelos dois últimos entrevistados, o Ministério da
Saúde argumentou que os efeitos orgânicos que a infecção pelo HIV e seu tratamento
podem gerar, e o estigma em relação à AIDS, têm o potencial de chamar a atenção das
pessoas com quem o indivíduo convive, das quais ele tende a esconder sua situação em
virtude do preconceito e discriminação que sente ou teme. Acrescentou que, a própria
necessidade de tomar medicamentos, com ou sem doença aparente, também é
despertador de curiosidade alheia, fazendo com que o usuário de antiretroviral tenda a
esconder ou escamotear os medicamentos que porta, adotando comportamentos e
estratégias de isolamento na hora de tomá-los. Assim, a aderência ao tratamento
antiretroviral pode criar dificuldades sociais ao indivíduo, a depender da circunstância
que coincide com o momento de tomada dos medicamentos (BRASIL, 2003; BRASIL,
2004).
197
Ao falar sobre sua dificuldade relacionada à aderência terapêutica, um homem
de bom nível sócio-econômico fez a seguinte consideração:
“A minha atitude é porque eu compreendo que tem algo dentro de mim que precisa ser
combatido e que a única forma que tem de ser combatido é eu tomando o coquetel.
[...]. Não tenho dificuldades na relação com o coquetel. Nenhuma. ter que
esconder.”
Esse sujeito assumiu que porta algo que não deveria portar e reconheceu que o
mesmo precisa ser combatido. A única possibilidade que percebeu para combater o que
porta indevidamente foi localizada na aderência ao tratamento antiretroviral. Entretanto,
ninguém pode saber que ele trava esse combate.
Na percepção desse entrevistado, os antiretrovirais representam um recurso
único que é prescrito com fins ao controle da infecção pelo HIV, capaz de mantê-lo com
aparência saudável. Esta aparência representa a máscara sob a qual esconde a marca que
representa o estigma. Assim, se alguém descobrir que usa tais medicamentos,
automaticamente poderá saber que está escondendo sua marca, ou seja, que é portador
do HIV. Segundo Goffman (1988), o sujeito que se sente estigmatizado, mesmo que
encubra o estigma, permanece sob o risco de que este seja exposto pelo próprio objeto
sob o qual o mantém encoberto.
Assim, os antiretrovirais se constituíram naquele objeto sobre o qual se projetou
a possibilidade de ocultação e delação, ao mesmo tempo, do diagnóstico da infecção
pelo HIV. Por outro lado, a aderência terapêutica tem, ainda, a propriedade de impedir
as manifestações orgânicas da infecção, ou seja, a expressão do estigma.
Esses achados indicam que os antiretrovirais representam a própria infecção pelo
HIV. Porém, oferecem uma possibilidade para o infectado dissimular as representações
desta, sem deixar de assumir que é portador desse vírus. Segundo Cardoso & Arruda
(2004, p.151), para os usuários de antiretrovirais, “os remédios tornam-se a objetivação
da doença”; o que significa que a aderência terapêutica implica na aceitação do
diagnóstico de portador do HIV.
Pelo visto nesta seção, mesmo que o indivíduo infectado assuma sua nova
condição, o desejo é voltar a existir naturalmente. Porém, têm consciência de que tal
198
desejo só poderá ser alcançado com o desaparecimento definitivo do HIV, e que, isto, os
medicamentos não conseguem proporcionar.
Essa limitação do tratamento pode fazer com que a pessoa infectada por esse
vírus, mesmo que usuária adaptada de antiretrovirais, não tenha um viver normal.
Apesar do tratamento colaborar para o prosseguimento da existência do sujeito,
impedindo sua morte física, não lhe devolve a condição que tinha antes do seu
diagnóstico.
A aderência terapêutica, apesar de todas as possibilidades que pode
proporcionar, não resgata a retidão da existência rompida pelo diagnóstico da infecção
pelo HIV, uma vez que não desfaz o estigma. Portanto, independentemente do perfil de
adaptação ao tratamento, o portador do HIV precisa reordenar sua vida, ressignificando
sua existência, não em função das representações do seu diagnóstico, mas também
em função do que significa ser usuário de antiretrovirais e das representações do
tratamento.
Assim, a aderência terapêutica passa a fazer parte da existência do sujeito
participando decisivamente da rotina diária do portador do HIV, interferindo em seu
estilo de vida e na sua relação com os outros. Ao transfigurar as angústias da pessoa, de
um perfil relacionado às representações da infecção pelo HIV para um perfil
relacionado ao que significa ser aderente ao tratamento, a observância terapêutica
poderá impor limites e dificuldades ao observante.
Apenas substituir as representações da infecção pelo HIV pelos significados e
representações da aderência ao tratamento antiretroviral pode não ser, necessariamente,
a substituição de uma coisa ruim por uma coisa boa respectivamente. Todas as duas
podem ser ruins, a despeito de que a segunda possa oferecer compensações.
Esse é um ponto de tensão na relação do indivíduo com os antiretrovirais, de
maneira que os medicamentos passam a ser constantemente vigiados pelo seu usuário
para não violarem sua clandestinidade. Nesse cenário, o cuidado com os antiretrovirais
precisa ser submetido aos projetos do portador do HIV, assim como este se submete ao
perigo representado pelos medicamentos no contexto da sua organização contra esse
mesmo perigo. Isso significa que tomar conta dos antiretrovirais é o mesmo que cuidar
de si próprio.
A esse respeito, uma entrevistada que trabalha como faxineira, e que sentiu
grande ganho afetivo familiar relacionado à sua aderência ao tratamento antiretroviral,
foi enfática:
199
“E... eu tomando o remédio assim, graças a Deus, tomo... alegre e tudo... toda hora
meus filho me lembra de tomar o remédio. Às vezes eles me fala assim: - Ó, mãe,
tomou o remédio? Sabe, eles estão ali perto ali de mim assim. Teve uma vez... meu
filho, eu tinha esquecido o remédio em casa, meu fi... e eu tava no serviço. meu
filho foi de bicicleta dentro do meu serviço levar o remédio pra mim, a tempo ainda,
sabe. E... eles preocupa muito comigo, no remédio. Meus filhos, assim... meu marido
também preocupa. Fica assim: - Ó, já tomou o remédio? Se você não tomar você vai
ver, que isso aqui vai emagrecer. Sabe... preocupa assim, comigo, eu falo assim: é...
porque o remédio é a minha vida, né. Depende daquele remédio, e ele preocupa muito
comigo. [...]. De manhã cedo minha filha não sai pra escola sem antes me dar o
remédio... Isso é bom pra mim. Antes eles não tinha essa preocupação comigo.”
Essa mulher insistiu no quanto os medicamentos lhe representam um meio de
acesso ao afeto, proteção e cuidado, pois foi por intermédio destes que seus entes
queridos encontraram uma proveitosa oportunidade para manifestar o amor que sentem
por ela. Deixou claro, inclusive, que esse ganho derivou diretamente do fato de precisar
tomar medicamentos para combater o HIV, pois, “antes eles não tinham essa
preocupação com ela”.
Nesse caso, toda a família se tornou aderente ao tratamento antiretroviral, em
um contexto de relações afetivas que gravita em torno do portador do HIV. Desta forma,
os medicamentos afastaram, da vida da entrevistada, a possibilidade da solidão,
trazendo para mais perto os seus afetos por um processo que compreende a necessidade
e a importância dela preservar sua estrutura corporal, pois, “se ela não tomar os
remédios i emagrecer”. Nesse aspecto, a oportunidade de usar antiretrovirais
representou um significativo ganho existencial.
Segundo Dresler & Boemer (1993); Merleau-Ponty (1999), quando a dimensão
do significado do corpo como equipamento afetivo para a relação com o outro se
encontra valorizada, torna-se importante instrumento de afirmação da existência;
especialmente quando é assumido como objeto de cuidado pelo outro. Nesse momento,
a saúde física alcançada com o tratamento antiretroviral resulta em sobre-gratificação. É
a auto-afirmação existencial gratificando a saúde corporal que, por sua vez, é o objeto
gratificante do uso dos antiretrovirais.
Ainda sobre essa questão da auto-preservação por meio da aderência ao
tratamento antiretroviral, o sujeito de bom nível sócio-econômico apresentado
anteriormente, fez a seguinte consideração:
200
“Quando eu recebi a primeira receita pra tomar o coquetel eu dei graças a Deus,
porque eu tinha a informação de que eu ia morrer. Quando falou que tinha o coquetel,
que era pra sobreviver e que já tinha relato de pessoas que estavam se dando bem, eu
falei assim: - Graças a Deus, vou continuar vivendo. Achei um caminho, não tinha
caminho. Tomo o remédio bem certinho. Agora, quando falta é uma coisa assim, que
me incomoda!... já aconteceu de faltar. Às vezes eu fui ao trabalho, já esqueci de levar
o remédio por algum motivo, saí atrasado... aquilo me incomoda uma quantidade
que... é incrível. Eu fico... parece que é uma coisa que passou na minha vida e que
faltando. Só quando eu tomo o próximo remédio que eu... que me satisfaz.”
Esse homem encontrou nos medicamentos que combatem a infecção pelo HIV a
vida que havia perdido. Isso que dizer que a sua linha existencial rompida pelas
representações dessa infecção pôde ser remendada pela terapia antiretroviral. Agora ele
quer cuidar bem deste remendo. Ou seja, quer cuidar bem da sua nova existência.
A preocupação desse entrevistado com a sua própria observância terapêutica é
grande, causando-lhe desconforto a possibilidade de não estar cumprindo com este
pacto feito consigo mesmo.
Segundo as idéias de Romero (1994), é possível que essa preocupação, quando
excessiva, resulte de um sentimento de medo ou de culpa por um fracasso auto-afetivo
devido à crença de que, distraindo-se em relação à aderência terapêutica, não está se
cuidando de acordo com o próprio desejo. Embora que o esquecimento do medicamento
possa significar uma vontade inconsciente por abandonar a terapêutica. Para esse
entrevistado, talvez tal vontade tenha maior potencial de frustração do que ser um
aderente ao tratamento, fazendo com que ele retorne ao desejo concorrente.
Contudo, houve quem não atribuísse conflito à sua relação com os antietrovirais,
a exemplo de um homem trans-sexual, de 31 anos de idade, que fez o seguinte
comentário:
“Não tenho dificuldade na minha relação com o coquetel. [...]. Na frente dos meus
parentes eu tomo. Se não for parente eu deixo meio guardado. Ah, se eu tiver numa
festa, por exemplo, aí é um pouco conflituoso, né...”
Esse sujeito expressou-se em relação aos antiretrovirais como se estivesse se
referindo a qualquer outro medicamento. O que ele chamou de conflituoso em relação à
201
tomada dos antiretrovirais não parece ser diferente do que seria para qualquer pessoa
diante da necessidade de tomar qualquer medicamento.
Em síntese, a relação entre o portador do HIV e o tratamento antiretroviral foi
ambígua e de difícil manipulação. Em grande parte essa relação foi estruturada sobre o
medo da morte e sobre esperança por um futuro livre do tratamento e da infecção. O que
estimulou essa esperança foi o bem-estar físico proporcionado pelo tratamento diante
dos efeitos orgânicos da infecção.
A ambigüidade partiu do fato de que o tratamento melhora fisicamente a pessoa,
inibindo a ação do vírus, porém, sem eliminá-lo do organismo. Isso faz com que:
a) o uso dos medicamentos tenha que ser eterno, dando ao sujeito uma sensação
de doente crônico, mas, também, sob um sentimento de saúde e bem-estar
por não manifestar nenhuma doença induzida pelo HIV;
b) a marca que estigmatiza nunca desapareça, ficando apenas escondida.
Esse efeito exigiu que a pessoa continuasse levando a vida ocultando seu
diagnóstico, e também o tratamento antiretroviral, uma vez que este pode denunciar
aquele e fazer com que o estigma e todas as suas conseqüências se manifestem, ao
mesmo tempo em que precisa carregar sempre os medicamentos consigo.
Dessa forma, a observância terapêutica foi tensa e não devolveu,
necessariamente, ao sujeito, a segurança existencial que sentia antes de ser
diagnosticado portador do HIV. Ainda assim, pôde ser gratificante por ter ajudado a
pessoa a superar várias representações da infecção por esse vírus, uma vez que permitiu
ocultar seu diagnóstico por meio da saúde orgânica.
Foi necessário, pois, que a pessoa tivesse habilidade suficiente para extrair
gratificação entre o prazer e a frustração simultaneamente representados pelo
tratamento. Perceber que a terapêutica é um cuidado destinado a si próprio, e encontrar
uma possibilidade para que esse cuidado seja compartilhado por outros, foi um caminho
por onde essa gratificação pôde ser encontrada.
202
6.5 UMA TEORIA SOBRE A RELAÇÃO DA TEMPORALIDADE EXISTENCIAL
ENTRE AS GERAÇÕES, O EFEITO DA INFECÇÃO PELO HIV NESSE
PROCESSO E A POSSOBILIDADE OFERECIDA PELOS
ANTIRETROVIRAIS.
Não acredite em nada, não importa onde estiver escrito ou quem tenha falado,
mesmo que tenha sido eu, a menos que a afirmação esteja de acordo com sua
própria razão e seu próprio senso comum (Buda, 560-480 a.C.).
Ao refletir sobre a discussão desenvolvida até agora, aflorou-me a idéia de expor
à polêmica uma conjectura que fiz acerca da percepção humana de temporalidade
existencial no contexto do significado e das representações da infecção pelo HIV, e suas
possibilidades no atual momento da ciência e da existência.
Em nossa cultura ocidental, existe um perfil de temporalidade existencial que
determina um movimento de relatividade e reflexão entre as três fases da nossa
existência, que são a infância, a maturidade e a velhice.
Não defendo que esse deva ser o modelo ideal de posicionamento da vida, nem
que esteja absolutamente certo, mas é o que hoje define o nosso modelo existencial no
contexto sócio-cultural em que vivemos, e a alocação de cada um de nós ao longo da
existência, fazendo-nos cumprir o papel relativo da geração a que pertencemos em cada
momento específico da sistemática rotina de nascer, viver e morrer.
As três fases temporais da existência são as seguintes: a fase em que somos
crianças, a fase em que somos adultos e a fase em que somos idosos. O limite temporal
da existência é uma realidade absoluta e única, ou seja, tudo que está vivo, um dia,
morre; tudo que existe, um dia, acaba. O convívio simultâneo de cada fase consigo
mesmo, e com as outras, faz com que o efêmero (a certeza do fim; o limite da vida)
encontre uma alternativa de relativizar o absolutismo de sua própria realidade,
eternizando a existência e assegurando, à mesma, algum âmbito de equilíbrio dinâmico.
Minimizando, inclusive, a constante turbulência em busca da estabilidade que
caracteriza o processo existencial.
Para tornar mais claro esse raciocínio à luz da nossa cultura, digo o seguinte:
crianças têm menos de 20 anos de idade e são filhos (têm pais adultos dos quais são
dependentes); adultos são pais, freqüentemente estão na faixa dos 21 aos 59
anos e são
privilegiadamente produtivos; idosos são avós, têm filhos que são adultos (portanto,
203
os filhos dos idosos são pais), não têm pais, e têm netos que são, de certa forma,
relacionantes cronologicamente distantes.
Não devo pensar esses aspectos estritamente sob o ponto de vista biológico, mas
no contexto do que representa cada geração em relação à outra, de modo que o perfil de
interação entre as gerações, dissimulador do absolutismo do fim, se por uma
correlação temporal de uma geração com a outra. Assim, o passado, presente e futuro
são representados por cada geração diante dela mesma e da outra, de forma que:
As crianças (filhos):
- são o presente e o futuro umas para as outras;
- são o presente e o futuro para os pais;
- têm nos idosos a sua história e seu passado imaginário;
- têm nos adultos (seus pais) o seu presente com destino ao passado.
Os adultos (pais):
- são presente, passado e futuro um para o outro;
- são o presente para os filhos mas, caminham em direção ao passado destes;
- têm nas crianças (seus filhos) o seu presente e futuro;
- têm nos idosos o seu passado;
- são o presente para os idosos;
Os idosos (avós):
- são o passado para os adultos;
- são apenas história para as crianças;
- são presente e passado uns para os outros;
- têm nos adultos uma parte do seu presente;
- tem nas crianças o seu futuro imaginário.
Procurarei facilitar a compreensão dessas relações entre temporalidade e
gerações por intermédio das FIGURAS 7 e 8 a seguir:
204
Passado Presente Futuro
Criança
Adulto
Idoso
Figura 7. Relação entre passado, presente e futuro, para
uma criança, um adulto e um idoso.
Na FIG. 7, demonstrei que o idoso detém muito passado, algum presente, mas
falta-lhe a perspectiva temporal de futuro. O adulto dispõe dos três tempos em sua
consciência temporal, e as crianças não têm passado, pouco presente e muito futuro.
Certamente que nossos projetos existenciais se estruturam em função da
consciência que temos dessa temporalidade, de maneira que ajustamos nosso projeto em
cada fase em que ocupamos sucessivamente cada geração. Em determinado momento
sou criança, depois me torno adulto, depois me torno idoso e depois eu morro. À medida
que vou migrando de uma fase a outra, vou ajustando meu projeto existencial ao mesmo
tempo em que o meu projeto e aquilo que represento, no contexto dessa relação entre as
gerações, vão também se adaptando a essa migração.
205
Figura 8. Relação temporal entre passado, presente e futuro, para uma
criança, um adulto e um idoso, e a correlação de cada
geração consigo mesma e com a outra.
Na FIG. 8, demonstrei que o presente da criança está próximo ao presente do
adulto, mas longe e dissimulado do presente do idoso, enquanto seu passado é
inexistente e seu futuro está para si, distante do adulto e do idoso. De forma análoga,
o adulto está conectado ao passado e ao futuro de maneira simétrica, equilibrada, onde o
idoso está predominantemente em seu presente. O idoso, por sua vez, quase tudo do que
representa ou significa está no seu passado, e é no presente que ele se aproxima do
adulto, mantendo-se, temporalmente, sempre longe da criança.
Para se viver a vida em tranqüilo bem estar e usufruto pleno, dissimulamos a
angústia da absoluta realidade do fim repelindo a morte. Podemos notar que,
principalmente para as crianças, e também para os adultos, não é muito difícil
dissimular esse temido, real e indesejável fim da existência em cuja direção todos nós
caminhamos incessantemente, e em mão única. Para essas duas gerações, a morte
parece distante e ainda há uma noção de longa temporalidade pela frente. Isso permite
um projeto existencial de longo prazo e o vislumbre horizontal de um futuro, até onde
ainda tempo de construir tal projeto. Algumas crianças e alguns adultos chegam a
assumir atitudes despreocupadas com o futuro, sob a percepção de que ainda terão
tempo para pensar nessa distante fase da vida.
Para os idosos, mais próximos do fim da existência, essa dissimulação necessária
à manutenção de um resto de vida tranqüilo, sem conflitos com a realidade do
Futuro
Presente
Passado
Criança Adulto Idoso
206
absolutismo desse fim, exige que a verdade se volte para o imaginário de um presente
austero e soberano, cônscio do cumprimento do projeto original e digno do usufruto da
merecida recompensa pela glória do passado que, definitivamente esculpido e cravado
na história dos mais novos, permite experimentar o prazer da desejada eternidade. O
presente recebe o mesmo valor que o futuro, pois ele é o próprio futuro alcançado.
Portanto, o presente precisa ser deleitado como a principal fonte de prazer e conter, em
si mesmo, todos os seus objetivos.
Talvez, esta seja uma alternativa necessária a todos aqueles que se deparam com
a proximidade da morte, para que tal não seja motivo de uma insuportável angústia.
Assim, deve ser muito difícil assimilar a proximidade da morte em idade ainda jovem.
Não dispor das mesmas alternativas dos idosos, ou não aceitar essa realidade, exige que
este jovem a escamoteie através de diversos mecanismos defesa, com o fim de diminuir
o sofrimento derivado do tédio pelo fim existencial, o qual pode fazer a pessoa sentir
que nunca foi nada, que veio do nada e está indo para o próprio nada.
Certamente que a via natural da existência, pelo caminho que nos conduz a
pertencer a todas as gerações que dão sentido e gratificam a vida, a cada uma em seu
devido momento, é algo desejado por todo ser que nasce, a despeito da angústia sempre
contida nesse processo. Entretanto, podem ocorrer eventos que tentam violar essa
trajetória. Nesse caso, o processo que gera e, ao mesmo tempo, dissimula a angústia de
morte, deixa de dissimulá-la, tornando-a motivo de grande sofrimento existencial.
Acredito que a infecção pelo HIV possa ser um desses eventos.
Como será que fica a existência quando a representação da morte cliva essa linha
por intermédio da infecção HIV? É possível que, para uma criança, o futuro desapareça
e ela se resuma ao presente, já que não tem passado. Para um adulto, ele é transformado
imediatamente em um idoso (fica mais próximo do fim e sem futuro), passando a viver
sob grande influência de um passado que ontem mesmo ainda era presente. O equilíbrio
da sua noção de temporalidade entre passado, presente e futuro é quebrado e ele se
imediatamente dentro de outra geração, desidentificando-se com a sua, mas, também,
sem se identificar com aquela em que se inseriu. Seu passado e futuro se desalinham e
perdem a perspectiva de continuidade entre um e outro. O presente é neutralizado. Para
o idoso, imagino que não há, necessariamente, alteração significativa em sua noção de
temporalidade, mas pode resultar na angústia da impossibilidade do usufruto
confortável do presente, desvalorizando o seu passado e podendo fazer da morte uma
solução para que se acabe com esta frustração, ou constitui-se em um objeto de tristeza,
207
deprimindo-o por não ter como mais adiá-la e recuperar a perda através de um retorno
ao passado que o permitisse revivê-lo para revisá-lo (FIGURA 9).
(*)
(*)
(*)
Figura 9. Relação temporal entre passado, presente e futuro, para uma
criança, um adulto e um idoso, e a correlação de cada geração
consigo mesma e com a outra, sob a intervenção da infecção pelo
HIV.
Na FIG. 9 pretendi demonstrar que, quando o indivíduo recebe o diagnóstico da
infecção pelo HIV, o futuro se torna uma ausência para aquele que estava em uma
geração em que este tempo ainda era uma possibilidade. Todos os significados e
representações concentram-se no passado. No entanto, à custa de muito esforço,
amadurecimento e uso de antiretrovirais, é possível resgatar parcialmente esse efeito.
Na FIG. 10 representarei esse resgate da noção de temporalidade existencial:
Futuro
Presente
Passado
Criança Adulto Idoso
Momento em que contrai
o HIV(*)
208
(*)
(*)
(*)
Figura 10. Relação temporal entre passado, presente e futuro, para
uma criança, um adulto e um idoso, e a correlação de cada
geração consigo mesma e com a outra, sob a intervenção da
infecção pelo HIV, depois que a pessoa se torna aderente ao
tratamento antiretroviral.
Futuro
Presente
Passado
Criança Adulto Idoso
Momento em que contrai
o HIV(*)
209
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS E SUGESTÕES
Pensar sobre a doença! Tranqüilizar a imaginação do doente, para que ao
menos ele não tenha de sofrer, como tem acontecido até agora, mais com o
pensar sobre a doença do que com a doença em si isto, a meu ver, seria
alguma coisa! Seria muita coisa! (Sontag, 1989, em referência a Nietzsche).
Os portadores do HIV sob prescrição de antiretrovirais entenderam que a
infecção por esse vírus enfraquece a pessoa, tanto física quanto socialmente.
Atribuíram esse efeito muito mais ao estigma relacionado ao significado e às
representações da infecção do que à ação orgânica do patógeno. Esse estigma
marginalizou o sujeito, transformando-o em diferente, fato que comprometeu sua
identidade, seu processo de identificação com a sociedade, sua interação afetiva e sua
privacidade, deixando-o amedrontado, isolado e inseguro, preocupado em esconder seu
diagnóstico. Essa situação desencaixou socialmente o sujeito, obrigando-o a reconstruir
sua identidade em relação ao ambiente, na intimidade da qual ocultou sua condição de
portador do HIV.
Entretanto, essa condição pôde ser negociada com a sociedade segundo
interesses tuos, sob a mediação do preconceito, o que foi especialmente feito por
pessoas em desvantagem sócio-econômica.
Por outro lado, ao receberem seu diagnóstico, as pessoas tornaram-se
imobilizadas pelo medo da morte, sentindo-se indefensáveis. Isso afetou a percepção
existencial delas, fazendo com que ressignificassem sua existência em torno da angústia
de morte, incorporando as representações da infecção pelo HIV. Esse processo, por sua
vez, esteve na dependência dos desejos, da personalidade e do ambiente do sujeito.
Nessa ressignificação, vários elementos foram mobilizados. Entre estes, destaco
a noção de temporalidade da vida, o sentimento de culpa ou de inocência, o perfil de
verdades, a própria condição sócio-existencial, a integralidade corporal e a oportunidade
do tratamento antiretroviral.
De uma forma ou de outra, a mobilização desses elementos conduziu as pessoas
a alguma alternativa ou a alguma reação diante das representações do diagnóstico da
infecção pelo HIV. Isso só não aconteceu quando o assunto foi a integralidade entre o
corpo e a consciência na composição do ser, em se tratando de heterossexuais.
Nesse aspecto, a vida sexual foi um estruturante sobre o qual o abalo não
encontrou alternativas de reparo. No máximo, foi possível apenas diminuir o dano.
210
Por seu turno, o tratamento antiretroviral foi um elemento de grande ajuda ao
portador do HIV. A participação desse recurso se deu na forma de uma ambigüidade
que ajuda e atrapalha ao mesmo tempo, protegendo e ameaçando a pessoa, porém, com
a possibilidade de ser manipulado. Devido a isso, representou a própria existência em
sua angústia.
Contudo, as pessoas que entrevistei mostraram que o portador do HIV poderá
experimentar gratificação por meio da aderência ao tratamento antiretroviral, a depender
da forma como estrutura e manipula tal processo, assim como do significado que ao
mesmo. Essa gratificação foi materialmente sentida por meio da saúde orgânica
proporcionada pela terapêutica, e existencialmente percebida por meio do abatimento de
várias das representações da infecção, proporcionada por essa saúde. Entretanto, o
eliminou o estigma, o que fez com que tal gratificação não correspondesse ao desejo.
Assim, para estruturar o processo da observância terapêutica, foi preciso
mobilizar-se internamente e mobilizar a própria existência. Essa tarefa foi muito difícil
e intensamente influenciada pelo ambiente. O medo da morte, e a esperança por um
futuro sem HIV e sem antiretrovirais, foram os dois pilares sobre os quais a aderência
terapêutica se sustentou.
Independentemente das representações da infecção pelo HIV, dos significados e
representações do tratamento antiretroviral e da ajuda externa, a re-estruturação do
sujeito a partir do seu diagnóstico, em última instância, coube ao próprio portador do
HIV. Ele é quem teve que reunir todos os elementos disponíveis e elaborar seu processo
de sobrevivência e observância terapêutica.
A partir destas considerações, sugiro que:
a) ao ser diagnosticada portadora do HIV, a pessoa seja acolhida de maneira
afetuosa, solidária e compreensiva, respeitando-se-lhe os sentimentos, direitos,
reações, princípios, desejos e decisões, fazendo-a perceber que existe
disponibilidade de ajuda externa para o enfrentamento do diagnóstico, mas que
cabe a ela conduzir esse enfrentamento. Segundo Malta et al. (2005), esse tipo
de acolhimento ajuda na construção do processo de observância terapêutica;
b) o serviço assistencial tenha plena compreensão da necessidade desse
acolhimento e se lhe apresente devidamente apto para tal;
c) os aspectos levantados neste estudo sejam focalizados na formação
profissional de pessoas envolvidas com os cuidados aos portadores do HIV, com
211
a mesma ênfase que é dada aos componentes clínicos e terapêuticos da
assistência;
d) seja apresentado a todo portador do HIV, materialmente e de maneira
convincente, os recursos terapêuticos disponíveis e seus respectivos efeitos,
oferecendo-lhe uma oportunidade para avaliar e sentir seu conteúdo de
possibilidades, especialmente a partir da repercussão orgânico-corporal do
tratamento;
e) desenvolvam-se pesquisas específicas sobre a sexualidade de pessoas
heterossexuais portadoras do HIV, com o fim de melhor compreender o que
por trás desse importante componente existencial nesses sujeitos;
f) complementem-se e enriqueçam-se as discussões produzidas nesta pesquisa,
estudando-se, pela mesma metodologia, pessoas não aderentes à terapia
antiretroviral.
Como última observação, ressalto que vários autores deram a entender que as
mulheres sofrem mais intensamente os efeitos das representações da infecção pelo HIV
do que os homens, devido a desigualdades sócio-culturais de gênero que as coloca numa
condição mais desgastante que a condição masculina (BOLCATO, 1999; CABRAL,
1997; GOLDBERG, 1999; LIGUORI, 1990; OMRAM, 1983; PARKER, 1997;
RUSSELL & SMITH, 1999; SCHÖNNESSON, 2000). Contudo, esse achado não
apareceu nesta pesquisa.
212
8 BIBLIOGRAFIA REFERENCIADA
1. ABDUCH, M. AIDS: discursos de vida diante da morte: estudo de mulheres
portadoras do HIV, sintomáticas e assintomáticas. 1997. 164p. (Tese de
doutorado). Universidade de São Paulo. Institudo de Psicologia, São Paulo.
2. AIDS-ALERT. North Carolina clinic employs holistic approach. Care
includes nutritionist, psych assessment. Anonymous. v.16, n. 11, p. 147-9, nov.
2001.
3. ALVES, E. S. Crianças com AIDS: Suas características e seu dia-a-dia. 1998.
119p. (Dissertação de mestrado). Escola de Enfermagem da Universidade
Fedeal da Bahia, Salvador.
4. ALVES, R. N. et al. Fatores psicossociais e a infecção por HIV em mulheres,
Maringá, PR. Rev. Saúde Pública, [s.l.] n. 36, v. 4, p. 32-9, 2002.
Supplementum.
5. ALVES-MAZZOTTI, A. J.; GEWANDSZNAJDER, F. O Método nas ciências
naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. 2 ed. São Paulo:
Pioneira, 1998. 203 p.
6. AMORIM, J. T. A existência contempla a morte. Cadernos de Bioética, Belo
Horizonte, v. 4, n. 4, p.5-8, dez. 2000. Núcleo de Estudos em Bioética. PUC
Minas.
7. AUGRAS, M. O ser da compreensão. Petrópolis: Vozes, 1981.
8. BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70 [Tradução de Luís
Antero Reto e Augusto Pinheiro], 1995.
9. BASTOS, F. I.; BARCELLOS, C. Geografia social da AIDS no Brasil. Rev-
Saude-Publica, Rio de Janeiro, v. 29, n. 1, p. 52-62, Fev. 1995.
10. BECKER, H.S. Métodos de pesquisa em ciências sociais. 3 ed. São Paulo:
Hucitec [tradução de Marco Estevão e Renato Aguiar]. Coleção Ciências
Sociais, 31. 1997.
11. BERGMANN, J. F.; DOHIN, E.; JUILLET, Y. Observance, efficacite et
qualite de vie. Therapie, [s.l.], v. 57, n. 4, p. 366-78, jul.-aug. 2002.
12. BLATTNER, W. A. HIV epidemiology: past, present, and future. The FASEB
Journal, v. 5, july 1991. p. 2340-8.
13. BLEGER, J. Temas de psicologia:entrevista e grupos. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes [Tradução de Rita Maria M. de Moraes], 1998.
14. BLEICHMAR, H. O narcisismo: estudo sobre a enunciação e a gramática
inconsciente. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
213
15. BOLCATO, C. A. Aspectos psiquiátricos. Abordagem terapêutica. In
VERONESI, R.; FOCACCIA, A. V. L (Ed.). HIV/AIDS: etiología, patogenia,
e patología clínica: tratamento e prevenção. São Paulo: editora Atheneu, 1999.
p. 257-60.
16. BOSS, M. Angústia, culpa e libertação. São Paulo: Duas Cidades, 1981.
17. BRANDURA, A. On rectifying conceptual ecumenism. In MADDUX, J. E.
(Org.). Self-efficacy, adaptation, and adjustment: theory, research, and
application. New York: Penum Press, 1995a, p. 347-375.
18. ______. Exercise of personal and collective efficacy in changing societies. In
BRANDURA, A. (Org.). Selfi-efficacy in changing societies. Melbourne:
Cambridge University Press, 1995b, p. 1-45.
19. ______. Self-efficacy conception of anxiety. In SCHWARZER, R.;
WICKLUND, R. A. (Orgs.). Anxiety and self-focused attention. New York:
Harwood, 1991, p. 89-110.
20. ______. Self-efficacy mechanism in psychobiologic functioning. In:
SCHWARZER, R. (Org.). Self-efficacy: Thought control of action.
Washington, DC: Hempshire, 1992. p. 355-394.
21. ______. Self-efficacy: the exercise of control. New York: W. H. Freeman &
Company, 1997.
22. ______. Self-efficacy: toward a unifying theory of behavioral change.
Psychological Review, n. 84, p. 191-215, 1977.
23. ______. Social foundations of thought and action. Englewood Cliffs, NJ.
Prentice Hall, 1986.
24. BRASIL. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de DST e Aids. Aids no
Brasil: um esforço conjunto governo-sociedade. Brasília: Ministério da Saúde,
1998. 106p.
25. BRASIL. Ministério da Saúde. Coordenaçäo Nacional de DST e AIDS. Guia:
aconselhamento em DST/HIV/aids. Brasília: Brasil. Ministério da Saúde, 2000.
26. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Série
avaliação 1 Aderência ao tratamento por anti-retrovirais. Disponível em
http://www.aids.gov.br/final/biblioteca/avalia1/resdisc3.htm. Acesso em: 15
jul. 2003.
27. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Série
avaliação 2 – Contas em AIDS. Gasto público federal em 1997 e 1998 e
estimativa do gasto em 1998. Disponível em
http://www.aids.gov.br/final/biblioteca/avalia2/7.htm. Acesso em: 15 jul. 2003.
28. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância à Saúde. Programa
214
Nacional de DST e AIDS. Recomendações para terapia anti-retroviral em
adultos e adolescentes infectados pelo HIV 2004. Brasília: Ministério da
Saúde, 2004. 54p.
29. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância à Saúde. Programa
Nacional de DST e Aids. Recomendações para terapia anti-retroviral em
adultos e adolescentes infectados pelo HIV 2006. Brasília: Ministério da
Saúde, 2006. 85p. Versão preliminar.
30. BREHM, J. W. A theory of psychological reactance. Nova Iorque: Academic
Press, 1966.
31. BRENNER, C. Noções básicas de psicanálise: introdução à psicologia
psicanalítica; tradução Ana Mazur Spira. 4 ed. rev. e aum. Rio de Janeiro:
Imago; São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1987. 262p.
32. BRITO, A. M.; CASTILHO, E. A.; SZWARCWALD, C. L. AIDS e infecção
pelo HIV no Brasil: uma epidemia multifacetada. Rev. Soc. Bras. Med. Trop.,
[s.l.], v. 34, n. 2, p. 207-217, mar./abr. 2000.
33. CABRAL, C. S. “Maternidade e AIDS: desejos, impasses e representações”.
Cad. Saúde Colet., [s.l.], v. 5, n. 2, p. 171-85, 1997.
34. CAHN, P. et al. Emerging and re-emerging diseases in Latin America. Infect
Dis Clin of North America, [s.l.], v. 14, n. 1, p. 1-23, mar. 2000.
35. CALLILLE JR. M. Psicomaiêutica, 1963.
36. CAMARGO JR., K. R. As ciências da AIDS e a AIDS das ciências. O discurso
médico e a construção da AIDS (Co-edição ABIA, IMS/UERJ, Relume-
Dumará editores): Rio de Janeiro, 1994. p. 47.
37. CARDOSO G. P.; ARRUDA, A. As representações sociais da soropositividade
e sua relação com a observância terapêutica. Ciência & Saúde Coletiva, v. 10,
n. 1, p. 151-62, 2004.
38. COBB, M.; DE-CHABERT, J. T. HIV/AIDS and care provider attributions:
who's to blame? AIDS-Care, [s.l.], v. 14, n. 4, aug.. 2002.
39. COHN, A. Considerações acerca da dimensão social da epidemia de
HIV/AIDS no Brasil. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Projetos
Especiais de Saúde. Coordenação Nacional de DST/AIDS. A epidemia de AIDS
no Brasil: situação e tendências. Brasília: Ministério da Saúde, 1997, p. 45-53.
40. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE MINAS
GERAIS. Código de ética médica: legislação dos Conselhos de Medicina.
1993. 39p.
41. CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO.
Aids e ética médica.CLY – Companhia Lithográphica Ypiranga. 2001. 94p.
215
42. CRUZ, M. M. A epidemia de HIV/AIDS na cidade do Rio de Janeiro e seus
padrões de espacialidade. Rio de Janeiro: [s.n], 1999. 119 p.
43. CZERESNIA, D. Do contágio à transmissão:ciência e cultura na gênese do
conhecimento epidemiológico. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1997. 123 p.
44. DA PENHA, J. O que é existencialismo. São Paulo: Brasiliense, 1984.
45. DANIEL, H. Vida antes da morte. 2. ed. Rio de Janeiro: ABIA, 1994.
46. DAVIES, M. L. Shattered assumptions: time and the experience of long-term
HIV positivity. Soc. Sci. Med. v. 44, n. 5, p. 561-71, 1997.
47. DE COCK, K. M.; WEISS, H. A. The global epidemiology of HIV/AIDS.
Trop Med Int Health, Atlanta, v. 5, n. 7, p. A3-A9, jul. 2000.
48. DEMMER, C. Stressors and rewards for workers in AIDS service
organizations. AIDS-Patient-Care-STDS., [s.l.], v. 16, n. 4, p. 179-87, apr.
2002.
49. DRESLER, D. E.; BOEMER, M. R. O ser com AIDS em sua dimensão
existencial. R. Brás. Enferm. Brasília, 46(1):7-20, jan./mar. 1993.
50. ERTHAL, T. C. Terapia vivencial: uma abordagem existencial em
psicoterapia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1989. 183p.
51. ESCAFFRE, N. et al.. Injecting drug users' adherence to HIV antiretroviral
treatments: physicians' beliefs. AIDS-Care, v. 12, n. 6, p. 723-30, dec. 2000.
52. FARREL, J. A assustadora história das pestes & epidemias; tradução Mauro
Silva. São Paulo: Ediouro, 2003. 279 p.
53. FEIFEL, H. Morte: variável relevante em psicologia. In: MAY, R. (org.)
Psicologia existencial. Porto Alegre: Globo, 1974.
54. FERRAZ, A. F.; STEFANELLI, M. C. Interações familiares de pessoas
vivendo com HIV e AIDS. Rev. Min. Enf., [s.l], v. 5, n. ½, p. 52-59, jan./dez.
2001.
55. FERREIRA, C. V. L. AIDS e aspectos psicodinâmicos. Rev. Bras.Psiq. v. 43,
n. 9. p. 471-73, 1994.
56. FIGUEIREDO, A. C. Vastas confusões e atendimentos imperfeitos a clínica
psicanalítica no ambulatório público. Rio de Janeiro, RJ: Relume & Dumará,
1997.
57. FIGUEIREDO, M. A. C.; COELHO, W. F. Atitudes frente à síndrome da
imunodeficiência adquirida (SIDA) e o atendimento domiciliar do paciente.
Um estudo comparativo entre mães de portadores e não portadores do HIV. J.
Bras. Doenças Sex. Transm., [s.l.], v. 1. n. 1, p. 29-37, 1996.
216
58. ______; MARCOS, M. A representação social da AIDS junto à comunidade.
Subsídios para o atendimento psicossocial do paciente HIV. J. Bras. Doenças
Sex. Transm., [s.l.], v. 9, n. 4, p. 8-14, 1997.
59. FIGUEIREDO, R. M. et al. Adesão de pacientes com AIDS ao tratamento com
antiretrovirais: dificuldades relatadas e proposição de medidas atenuantes em
um hospital escola. Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 9, n. 4,
2001.
60. FORYSTH, B. W. The AIDS epidemic. Past and future. Child Adolesc
Psychiatr Clin N Am, New Haven, v. 9, n. 2, p. 267-278, apr. 2000
.
61. FRANÇA, I. S. X. Com-vivendo com a soropositividade de HIV/AIDS: do
conceito aos preconceitos. R. Bras. Enferm, Brasília, v. 53, n. 4, p. 491-98,
out./dez. 2000.
62. FREIRE, P.; BETTO, F. Essa escola chamada vida: depoimentos ao repórter
Ricardo Kotscho. [série educação em ação]. 14 ed. São Paulo: Editora Ática,
2003. 95p.
63. FREUD, A. O ego e os mecanismos de defesa. 6 ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1982. [Tradução de Álvaro Cabral. Coleção Corpo e
Espírito, 6].
64. FREUD, S. Além do princípio do prazer, Psicologia de grupo e outros
trabalhos (1920-1922) Edição standard. brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud. v. XVIII. Rio de Janeiro: Imago,1976.
65. ______. Alguns tipos de caráter encontrados no trábalo psicanalítico
criminosos em conseqüência de um sentimento de culpa (III) - 1916. Edição
standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. v.
XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
66. ______. “Die verneinung”. In: FREUD, S. Studienausgabe. Vol. 3, Frankfurt,
Fischer Taschenbuch Verlag, 1925/1982.
67. ______. Moisés e o monoteísmo: três ensaios (1939); Esboço de psicanálise
(1940), e outros trabalhos. Edição standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud. v. XXIII. Rio de Janeiro: Imago, 1975. Tradução
de José Octávio de Aguiar Abreu.
68. ______. O futuro de uma ilusão (1927); O mal estar na civilização (1930), e
outros trabalhos. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas
de Sigmund Freud Rio de Janeiro: Imago, v. XXI, 1927-1931 (1974).
69. GALVÃO, J. AIDS e imprensa: um estudo de antropologia social. Rio de
Janeiro: [s.n], 1992. 230 p.
70. GAYLIN, D. S.; KATES, J. Refocusing the lens: epidemiologic transition
theory, mortality differentials, and the AIDS pandemic. Soc Sci Med, Fairfax,
217
v. 44, n. 5, p. 609-621, mar. 1997.
71. GARCIA-ROZA, L. A. Freud e o inconsciente. 11 ed. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1995. 237 p.
72. GERBERT et al. Combination antiretroviral therapy: health care providers
confront emerging dilemmas. Aids Care, v. 12, n. 4, p. 409-21, 2000.
73. GOLDBERG, J. P. Aspectos psicoemocionais. In VERONESI, R.;
FOCACCIA, A. V. L (Ed.). HIV/AIDS: etiología, patogenia, e patología
clínica: tratamento e prevenção. São Paulo: editora Atheneu, 1999. p. 253-255.
74. GOFFMAN, E. Estigma. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
75. ______. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed.
Rio de Janeiro: LTC, 1988. 158 p.
76. ______. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed.
Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998. 158 p.
77. ______. Stigma. In: FEEDMAN A. M. Tratado de psiquiatria. Barcelona:
Salvat, 1982.
78. GOLDIN, A. “Freud explica...” como compreender e superar alguns medos e
dificuldades do homem moderno. [tradução de Carlos Acselrad; revisão da
tradução Raquel Bahiense]. 6 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. 141 p.
79. GONZALEZ ROMERO, A. Aspectos psiquiatricos de la infección por el virus
de la inmunodeficiencia humana. Arch. Hosp. Vargas, [s.l.], v. 38, n. ½, p. 11-
5, ene.-jun. 1996.
80. GRANT, A. D.; DE-COCK, K. M. The growing challenge of HIV/AIDS in
developing countries. Br Med Bull, London, v. 54, n. 2, p. 369-381, 1998.
81. ______; DJOMAND, G.; DE-COCK, K. M. Natural history and spectrum of
disease in adults with HIV/AIDS in Africa. AIDS, Abidjan, suppl. BS43-BS54,
1997. Supplementum 11.
82. GROSS, R. et al. Provider inaccuracy in assessing adherence and outcomes
with newly initiated antiretroviral therapy. AIDS, v. 16, n. 13, p. 1835-7, sep.
2002.
83. GRUPTA, N.; SILVA, A. C. S.; PASSOS, L. N. The role of integrated home-
based care in patient adherence to antiretroviral therapy. Rev. Soc. Bras. Med.
Trop,. v. 38, n. 3, p. 241-5, mai-jun. 2005.
84. GUIMARÃES, M. D. C.; CASTILHO, E. A. Aspectos epidemiológicos da
AIDS/HIV no Brasil. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, v.
26, n. 2, p. 101-111, abr-jun, 1993.
218
85. GUIMARÃES, R.; FERRAZ, A. D. Os principais discursos circulantes
relacionados à epidemia de HIV e AIDS no Brasil. Rer. Min. Enf., v. 5, n. ½, p.
93-100, dez. 2001.
86. GUPTA, G. R. Gender, sexuality and HIV/AIDS: the what, the why and the
how. Paper presented at the XIII International AIDS Conference, Durban, S.
Africa, 2000.
87. HARDING, O. G. The healing power of intercessory prayer. West Indian med.
j;, [s.l.], v. 50, n. 4, p. 269-72, dec. 2001.
88. HEIDEGGER, M. Being and time. Blackwell: Oxford, 1962.
89. HINRICHSEN, S. L. et al. Infecção por HIV/AIDS. In: HINRICHSEN, S. L.
Doenças infecciosas e parasitárias. Rio de Janeiro: MEDSI editora médica e
científica Ltda. Editora Guanabara Koogan S.A., 2005. cap. 83, p. 835-43.
90. HOLMES, W. C.; PACE, J. L. HIV-seropositive individual’s optimistic beliefs
about prognosis and relation to medication and safe sex adherence. J Gen
Iintern Med, n. 17, p. 677-683, sep. 2002.
91. HUBA, G. J. et al. Service needs and factors related to quality of life at time of
service enrollment among persons living with HIV. Home-Health-Care-Serv-
Q, [s.l.], v. 18, n. 3, p. 43-63, 2000.
92. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Citado em: 01 de julho de 2002
93. ILLESCAS RICO, R.; JIMÉNEZ LÓPEZ, J. L Ansiedad, depresión,
desesperanza y riesgo de suicidio en pacientes internados por síndrome de
inmunodeficiencia adquirida. Rev. méd. IMSS, [s.l.], v. 35, n. 2, p. 135-7,
mar./abr. 1997.
94. IRWIN, W. (Coord.) Harry Potter e a filosofia: se Aristóteles dirigisse
Hogwarts. Coletânea de David Baggett e Shawn E. Klein. Tradução de Martha
Malvezzi Leal e Marcos Malvezzi Leal. São Paulo: Madras, 2004. 247p.
95. JODELET, D. Representações do contágio e a Aids. In: JODELET, D.;
MADEIRA, M. (org.) Aids e representações sociais: à busca de sentidos.
Natal: Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (EDUFRN),
1988. p. 17-45.
96. JOLIVET, R. As doutrinas existencialistas. Porto: Livraria Tavares Martins,
1975.
97. KANAI, R. M. T; CAMARGO, E. Terapia de aderência anti-retroviral. J. bras.
Med, v. 82, n, (1/2), p. 14-20, jan.-fev. 2002.
98. KASTEN, M. J. Human immunodeficiency virus: the initial physician-patient
encounter. Mayo-Clin-Proc., [s.l.], v. 77, n. 9, p. 957-62, quiz 962-3, sep 2002.
219
99. KANT. Critique du jugement, tradução Gibelin. Paris, Frin, 1928.
100. KELLY, M. P. Clinical manifestations of African AIDS. Br-J-Hosp-Med,
Monze, v. 48, n. 11, p. 734-777, 740-741, dec. 2, 1992/jan. 5, 1993.
101. KIERKEGAARD, S. In: MAY, R. et. al. Existência. Nuevas Dimensiones en
psiquiatría y psicologia. Madrid: Editorial Gredos, 1977, p. 98.
102. KLEIN, M. Psicanálise na criança. São Paulo: Ed. Mestre Jou, 1975.
103. KOESTLER, A. Arrow in the blue: the first volume of an autobiography. New
York: Stein & Day. 1984.
104. KRISHNAMURTI, J. Reflexões sobre a vida. São Paulo: Cultrix, 1975.
105. KÜBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. São Paulo: Martins Fontes,
1985.
106. LASCH, C. A cultura do narcisismo. Rio de Janeiro: Imago, 1983.
107. LEITE et al. Desenvolvimento de uma escala de auto-eficácia para adesão ao
tratamento anti-retroviral. Psicol. Reflex. Crit., v. 15, n. 1, Porto Alegre, 2002.
108. LIFTON, R. J. Death in life: survivors of Hiroshima. Random House: New
York, 1968.
109. LIGNANI JR., L; GRECO, D. B.; CARNEIRO, M. Avaliação da aderência aos
anti-retrovirais em pacientes com infecção pelo HIV/AIDS Rev. saúde pública
[s.l], v. 35, n. 6, p. 495-501, dez. 2001.
110. LIGUORI, L. La mujer y la situación cambiante del SIDA en México.
México. México.: [s.n.], 1990.
111. LOPES, M . V. O.; FRAGA, M. N. O. Pessoas vivendo com HIV: estresse e
suas formas de enfrentamento. Rer. Latino-am enfermagem, Ribeirão Preto, v.
6, n. 4, p. 75-81, out. 1998.
112. LOVISI, G. M.; MORGADO, A. F Suporte social e distúrbios psiquiátricos em
mulheres infectadas pelo HIV. J. bras. Psiquiatr, [s.l], v.45, n. 10, p. 593-9,
out. 1996.
113. LUTFEY, K. E.; WISHNER, W. J. Beyond "compliance" is "adherence".
Improving the prospect of diabetes care. Diabetes-Care, v. 22, n. 4, p. 635-9,
apr., 1999.
114. MACHADO, A. A. et al. Traços afetivos e a infecção pelo vírus da
imunodeficiência humana (HIV): um estudo diferencial. J Brás Doenças Sex
Trans, v. 8, n. 2, p. 28-33, 1996.
115. MALBERGIER, A.; STEMPLIUK, V. A. Os médicos diante do paciente com
220
AIDS: atitudes, preconceito e dificuldades. J. bras. Psiquiatr, [s.l.], v. 46, n. 5,
p. 265-73, maio 1997.
116. MALTA, M.; PETERSEN, M. L.; CLAIR, S. et al. Adherence to antiretroviral
therapy: a qualitative study with physicians from Rio de Janeiro, Brazil. Cad.
Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 21, n. 5, p. 1424-32, set-out 2005.
117. MANN, J. M. AIDS - the second decade: a global perspective. J-Infect-Dis,
Boston, v. 165, n. 2, p. 245-250, feb. 1992.
118. MANN, J. M.; TARANTOLA, D. J. HIV 1998: the global picture. Sci Am,
Harvard, v. 279, n. 1, p. 82-83, jul. 1998.
119. MARCHI, M. M.; SZTAJN, R. Autonomia e heteronomia na relação entre
profissional de saúde e usuário dos serviços de saúde. Revista Bioética, v. 6,
6p. Disponibilidade de acesso:
http://www.portalmedico.org.br/revista/bio1v6/autoheter.htm. Data do acesso:
17/09/2004.
120. MARGULLES, S. S. “Candidaturas" y VIH_SIDA: tensiones en los procesos
de atención. Cuad. med. soc. (Ros.), [s.l.], n. 74, p. 53-9, nov. 1998.
121. MARTINEZ, E. et al. Lipodystrophy syndrome in patients with HIV infection:
quality of life issues. Drug-Saf [s.l.], v. 24, n. 3, p. 157-66, 2001.
122. MASUKAWA, I. I.; BARONE, A. A. Infecção bacteriana em pacientes com
síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS). Revisão da literatura. Rev
Hosp Clin Fac Med São Paulo, São Paulo, v. 51, n. 1, p. 26-33, jan./fev. 1996.
123. MATA-MACHADO, M. N. Entrevista de Pesquisa: a interação pesquisador-
entrevistado. 1991. (Tese destinada a concurso para professor titular).
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas
Gerais. Belo Horizonte.
124. MAY, R. Psicologia e dilema humano.Rio de Janeiro: Zahar, 1974.
125. ______. Psicologia existencial. Porto Alegre: Globo, 1974.
126. ______. et. al. Existência. Nuevas Dimensiones en psiquiatría y psicologia.
Madrid: Editorial Gredos, 1977.
127. MAYERS, A. M.; SVARTBERG, M. Existential loneliness: a review of the
concept, its psychosocial precipitants and psychotherapeutic implications for
HIV-infected women. British Journal of Medical Psychology, Great Britain,
74, 539-53, 2001.
128. MENEGHIN, P. Entre o medo da contaminação pelo HIV e as representações
simbólicas da AIDS: o espectro do desespero contemporâneo. Rev. Esc .Enf.
USP, São Paulo, v. 30, n. 3, p. 399-415, dez. 1996.
221
129. MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. 2 ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1999 (tópicos). 662 p.
130. MEZAN, R. A sombra de Don Juan. São Paulo: Brasiliense, 1993.
131. MILLER, L. G. et al. How well do clinicians estimate patients' adherence to
combination antiretroviral therapy? J-Gen-Intern-Med, v. 17, n. 1, p. 1-11, jan.
2002.
132. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Coordenação Nacional de DST/AIDS; SÃO
PAULO. Secretaria de Estado da Saúde. Treinamento em gerenciamento de
serviço de assistência especializada SAE, 2002. Comentário feito em sessão
de aprendizado.
133. MOREIRA FILHO, A. A. Relação médico-paciente: teoria e prática, o
fundamento mais importante da prática médica. 2. ed. Belo Horizonte:
Coopmed Editora Médica, 2005. 200p.
134. MORENO SÁNCHEZ, A. P. Factores que contribuyen al conflicto decisional
de pacientes portadores de VIH que tienen la posibilidad de optar por una
terapia innovadora realizada en el Hospital Clínico de la Pontificia Universidad
Católica de Chile, junio del 2000. 2000, 61p. (Tese para obtenção do grau de
profissional). Pontificia Universidad Católica de Chile, Santiago.
135. MORGADO, M. G. et al. Human Immunodeficiency virus/Acquired
immunodeficiency syndrome and tropical diseases: a brazilian perspective.
Mem Inst Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, v. 95, p. 145-151 2000.
Supplementum 1.
136. MULKINS, A.. MORSE, J. M.; BEST, A. Complementary therapy use in
HIV/AIDS. Can-J-Public-Health, v. 93, n. 4, p. 308-12, jul.-aug. 2002.
137. MUÑOZ, D. N.; FORTES, P. A. C. O princípio da autonomia e o
consentimento livre e esclarecido. In. FERREIRA, S. I.; OSELKA COSTA,
G.; GARRAFA, V. (org.) Iniciação à bioética. Brasília: Conselho Federal de
Medicina, 1998, p. 53-70.
138. MURPHY, M.; MELBY, V. Psychological needs of patients with HIV disease:
reviewing the literature using Nichol’s (1985) adjustment reaction model as a
framework. Journal of Psychiatric and Mental Health Nursing, [s.l.], n. 6, p.
101-106, 1999.
139. NAJAN, J. M.; LEVINE, S. Evaluating te impact of medical care. Society
Science Medical, n. 15, p. 105-15, 1981.
140. NALI, M. C. A sutileza da transferência no contexto hospitalar. Estilos da
clínica, v. 18, n. 13, p. 32-41, 2002.
141. NETO, A. N. O estigma da loucura e a perda da autonomia. Revista Bioética,
v. 6, 5p. Disponibilidade de acesso:
222
http://www.portalmedico.org.br/revista/bio1v6/estloucura.htm. Data do acesso:
17/09/04.
142. NETO, F. B. P.; VILWOCK, C. A. S.; WIEHE, I. L. L. AIDS atendimento
psicoterápico de pacientes e da equipe: em grupos ou individuais? Rev.
Psiquiatr RS, v. 18, n. 3, p. 335-42, set./dez. 1996.
143. NICHOLS S. Psychosocial reactions of persons with AIDS. Annals of Internal
Medicine, [s.l.], n. 106, p. 765-67, 1985.
144. NURSING TIMES. Prejudice: it’s a fair cop. V. 95, n. 45, 10 nov. 1999.
145. O’ROURKE, A. Dealing with prejudice. J-Med-Ethics, [s.l.], v. 27, n. 2, p.
123-5, apr. 2001.
146. OJASCASTRO, A. Upholding standards of care for difficult patients.
Bioethics-Forum., [s.l.], v. 16, n. 3, p. 17-21, fall 2000.
147. OLIVEIRA, T. F. R. O estudo de caso e a pesquisa de síndromes raras. In:
Pesquisa biomédica da procura, do achado e da escritura de tese e
comunicações científicas. São Paulo: Atheneu, 1995.
148. OMRAN, A. R. The epidemiologic transition theory. A preliminary update. J
of Trop Ped, Oxford, v. 29, n. 6, p. 305-316, dec. 1983.
149. OMS. Organización Mundial de la Slud. Programa Conjunto de las naciones
unidas sobre el VIH/SIDA ONUSIDA/OMS. Situación de la epidemía de
SIDA: 2005. Dez. 2005. 89p.
150. PAIVA, M. S. Vivenciando a gravidez e experienciando a soropositividade
para o HIV. 2000. 170p. (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo.
Escola de Enfermagem, São Paulo.
151. PAPMA, F. Contesting the household estate: southern brazilian peasants and
modern agriculture. Amsterdam: Centrum voor Studie en documentatie van
Latijns Amerika, CEDLA. I11. Ook verschenen als handelseditie, 1992. 276
p.
152. PARKER, R. Políticas, instituições e AIDS: enfrentando a AIDS no Brasil.
Rio de Janeiro: ABIA, 1997. 182 p.
153. PARKER, R. G. Aspectos antropológicos da epidemia do HIV/AIDS no Brasil.
In: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Projetos Especiais de Saúde.
Coordenação Nacional de DST/AIDS. A epidemia de AIDS no Brasil: situação
e tendências. Brasília: Ministério da Saúde, 1997, p. 65.
154. PARKER, R.; CAMARGO JR., K. R.. Pobreza e HIV/AIDS: aspectos
antropológicos e sociológicos. Cad Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 16, p.
89-102, 2000. Supplementum 1.
223
155. PARKER, R. et al. A AIDS no Brasil. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1993.
156. PARKER, R.; TERTO JR., V.; RAXACH, J. C. Respostas ao HIV na América
Latina. Boletim da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS - ABIA,
Brasília, n. 44, p. 2-3, jan./mar. 2000. Boletim especial sobre violência
estrutural, desigualdade social e vulnerabilidade ao HIV/AIDS.
157. PASCAL, B. The thoughts of Pascal. Kegan Paul: London, 1889.
158. PAULINO, U. H. M. Contribuição ao estudo da infecção pelo vírus da
imunodeficiência humana em Minas Gerais: estudo sistematizado de 549
indivíduos com atividade de risco para infecção. 1989.240 f. (Doutorado em
Medicina Tropical) - Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas
Gerais, Belo Horizonte.
159. PEDROMÔNICO, M. R. M. et al. Problemas de comportamento em filhos de
mäes portadoras de HIV. Folha méd, [s.l.], v. 119, n. 2, p. 29-35, abr./jun.
2000.
160. PEREIRA, A. C. Síndrome da Imunodeficiência Adquirida: aspectos sociais,
percepção de risco e manifestações bucais entre indivíduos infectados. 2001.
162p. (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo. Faculdade de Saúde
Pública. Departamento de Prática de Saúde Pública, São Paulo.
161. PERNO, et. al. Virologic correlats of adherence to antiretroviral medications
and therapeutic failure. J-Acquir-Immune-Defic-Syndr, p. S118-22, dec 2002.
Supplementum 3:
162. PIERRE, J. A.; FOURNIER, A. M. Human immunodeficiency virus infection
in Haiti. J Natl Med Assoc, Miami, v. 91, n. 3, p. 165-170, mar. 1999.
163. PINHEIRO et al. Factors associated with adherence to antiretroviral therapy in
HIV/AIDS patients: a cross-sectional study in southern Brazil. Braz J Med Biol
R, vol. 35, n. 10, p. 1173-81, oct. 2002.
164. QUINN, T. C. The epidemiology of the human immunodeficiency virus. Ann-
Emerg-Med, Bethesda, v. 19, n. 3, p. 225-232, mar. 1990.
165. RAVEIS, V. H.; SIEGEL, K..; GOREY, E. Factors associated with HIV-
infected women's delay in seeking medical care. AIDS-Care, [s.l.], v. 10, n. 5,
p. 549-62, oct. 1998.
166. REITER, G. S. Human immunodeficiency virus (HIV) in America, 1981 to
1997: epidemiologic and therapeutic considerations. Semin-Ultrasound-CT-
MR, v. 19, n. 2, p. 122-7, apr. 1998.
167. REMOR, E. A. Aspectos psicossociais na era dosnovos tratamentos da AIDS.
Psicologia: Teoria e Pesquisa. V. 18, n. 3, p. 283-7, set-dez 2002.
168. ROBERTS, K. J. Physician beliefs about antiretroviral adherence
224
communication. AIDS Patient Care and STDs, v. 14, n. 9, p. 477-484, sep.
2000.
169. ROMERO, E. (a). O inquilino do imaginário: normas de alienação e
psicopatologia. São Paulo: Ed. Lemos, 1994. 251 p.
170. RUSSELL, J. M.; SMITH, K. V. A holistic life view of human
immunodeficiency virus-infected African American women. Journal of holistic
nursing, [s.l.], v. 17, n. 4, p. 331-45, dec. 1999.
171. Jr., L.S.M. Ética do professor de medicina. Revista bioética 2002 [Citado
em 26 nov 2004]; 10(1) Disponível em: URL:
http://www.portalmedico.org.br/revista/bio10v1/simposio1.htm
172. SANCHES, R. M. Aids social e mental: contatos com o “estrangeiro”. Psic.
Rev. São Paulo, (11):21-35, nov. 2000.
173. SANTIAGO, L. D. Oral testimonies: the other face of the HIV story. PRHSJ,
[s.l.], v. 17, n. 4, p. 375-80, dec. 1998.
174. SANTOS, A. C. Sexualidades politizadas: ativismo nas áreas da AIDS e da
orientaçäo sexual em Portugal. Cad. saúde pública, [s.l.], v. 18; n. 3, p. 595-
611, maio/jun. 2002.
175. SANTOS, S. I. C.; BRASIL, E. M . D. Elaboração de trabalhos cnico-
científicos. Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS. Biblioteca da
UNISINOS. Setor de multimeios e comut. São Leopoldo, mar. 2006. 65p.
176. SANTOS, D. F. Vivendo com HIV/AIDS: cuidado, tratamento e adesäo na
experiência do grupo Com Vida. 2001, 137p. (Dissertação de Mestrado).
Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro.
177. SARNA, L et al. Quality of life in women with symptomatic HIV/AIDS. J-
Adv-Nurs, [s.l.], v. 30, n. 3, p. 597-605, sep. 1999.
178. SARTRE, J. P. Essays in existentialism. Nova Jersei: The Citadel
Press/Secaucus, 1965.
179. ______. Existencialism. New York: Philosophical Library, 1947.
180. ______. La transcendense de l’ego. Paris: Recherches Philosophiques, 1936.
181. SATO, P. A.; CHIN, J.; MANN, J. M. Review of AIDS and HIV infection:
global epidemiology and statistics. AIDS, Geneva, p. 1S301-1S307, 1989.
Supplementum 3.
182. SCANAVINO, M. T..; RESENDE, F. M. P.; ABDO, C. H. N. A relação
médico-paciente na Aids: resultados preliminares de um estudo. Rev. bras. clin.
Ter, [s.l.], v. 26, n. 6, p. 203-207, nov. 2000.
225
183. SCHILDER, A. J. et al. “Being dealt with as a whole person.” Care seeking
and adherence: the benefits of culturally competent care. Social Science &
Medicine, n. 52, p. 1643-59, 2001.
184. SCHVINGER, A. Encontro e transferência. Movimento Aletheia de Análise
Maiêutica-existencial, [s.n], p. 1-12, [s.d.].
185. SCHÖNNESSON, L. N. Psychological and existential issues and quality of life
in people living with HIV infection. AIDS Care, [s.l.], v. 14, n. 3, p. 399-404,
2002.
186. SCHVINGER, A. Encontro e transferência. Movimento Aletheia de Análise
Maiêutica-existencial. Notas de aula [s.d.].
187. SEIDL, E, M. F.Fleury. Pessoas que vivem com HIV/AIDS: configurando
relaçöes entre enfrentamento, suporte social e qualidade de vida. 2001. 284p.
(Tese de doutorado). Universidade de Brasília. Instituto de psicologia, Brasília.
188. SEONAE, J. et al. Concordance between undergraduate dental students and
their lecturers in their attitudes towards difficult patients. Eur-J-Dent-Educ.,
[s.l.], v. 6, n. 4, p. 141-6, nov. 2002.
189. SILVEIRA, A. (Coord.) ... [et al.]. Roteiro básico para apresentação e
editoração de teses, dissertações e monografias. 2. ed. rev., atual. e ampl.
Blumenau: Edifurb, 2004. 217p.
190. SOARES, R. L. Aids e imprensa: escritos do jornal Folha de S. Paulo.
Intervace Comunicação, Saúde, Educação, [s.l.], v. 2, n. 2, p. 47-74, fev.
1998.
191. SONTAG, S. AIDS e suas metáforas. [Tradução de Paulo Henrique Brito]. São
Paulo: Companhia das Letras, 1989. 111 p.
192. SORENSEN, W.; LOPEZ, L; ANDERSON, P. Latino AIDS immigrants in the
Western Gulf states: a different population and the need for innovative
prevention strategies. J-Health-Soc-Policy, v. 13, n. 1, p. 1-19, 2001.
193. SOUSA, A. S. et al. O ser humano com AIDS e a convivência em família.
Texto Contexto Enferm., v. 9, n. 2, pt. 1, p. 186-96, mai./ago. 2000.
194. SOUTO, B. G. A. As duas primeiras décadas da Aids: cenário e interações com
a epidemiologia. Rev. Méd Minas Gerais, v. 14, n. 4, p. 251-6, out.-dez. 2004a.
195. ______. HIV/AIDS em um centro de referência de Conselheiro Lafaiete, MG:
um estudo epidemiológico. 2002. 241p. (Mestrado em Medicina Tropical)
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Belo
Horizonte.
196. ______. HIV/AIDS in the small cities: a Brazilian epidemology study. Rev
Cubana Med Trop, v. 56, n. 2, p. 91-3, mai-ago 2004b.
226
197. SOUZA, M. S. L. Orientação para apresentação e redação de projetos de
pesquisa e trabalhos acadêmicos.Barbacena: FAME, fev. 2006. 41p. Quinta
versão.
198. SOUZA, N. R.; VIETTA, E. P. Compreendendo o portador de HIV/AIDS
usuário de drogas. J. Bras. Doenças Sex. Transm., [s.l.], v. 11, n. 5, p. 31-37,
1999.
199. STEINER, G. As idéias de Heidegger. [Trad. Álvaro Cabral]. São Paulo:
Cultrix, 1978.
200. STONEBURNER, R. L. et al. The global HIV pandemic. Acta-Paediatr-
Suppl, Geneva, p. 4001-4004, aug. 1994.
201. STRATIGOS, J. D.; TZALA, E. Global epidemiology of HIV infection and
AIDS. Clin Dermatol, Athens, v. 18, n. 4, p. 381-387, jul./aug. 2000.
202. SUESSER, P.; LETRAIT, S.; WELNIARZ, B. Carnet de sante de l'enfant, VIH
et confidentialite: pratiques et attitudes des medecins et des familles. Sante-
Publique, [s.l.], v. 13, n. 4, p. 389-401, dec. 2001.
203. TURATO, E. R. Estudos psicológicos em AIDS. UNICAMP. Laboratório de
Pesquisa Clínico-qualitativa. Notas de aula enviadas por correio eletrônico. De:
<[email protected]> para <[email protected] em 29 de dezembro
de 2004.
204. ______. Tratado da metodologia da pesquisa clínico-qualitativa: construção
teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas áreas da saúde e
humanas. Petrópolis: Vozes, 2003. 686p.
205. VALLEJO AGUILAR, O. J. El trabajador de salud y la consejería sobre el
VIH y SIDA. Salud pública Méx., [s.l.], v. 37, n. 6, p. 636-42, nov./dic. 1995.
206. VAN-DE-PERRE, P. The epidemiology of HIV infection and AIDS in Africa.
Trends-Microbiol, Bobo-Dioulasso, v. 3, n. 6, p. 217-222, june 1995.
207. VAN DEN BERG, J. H. The psichology of the sickbed. Humanities: New
York, 1972.
208. VASCONCELLOS, D.; PICARD, O.; ICHAÏ. Condições psicológicas para a
observação das terapias antiretrovirais altamente ativas (HAART). R.
Psiquiatr. RS, v. 25, n. 2, p. 335-44, mai-ago 2003.
209. VERONESI, R.; FOCACCIA, A. V. L (Ed.). HIV/AIDS: etiología, patogenia,
e patología clínica: tratamento e prevenção. São Paulo: editora Atheneu, 1999.
210. VIEIRA, N. F. C.; SHERLOCK, M . S. M. O (Des)velamento do cotidiano do
indivíduo soropositivo. Convivências e Resistências. J. Bras. Doenças Sex.
Transm., [s.l.], v. 9, n. 4, p. 4-7, 1997.
227
211. VIGNALE, R.; CALANDRIA, L. Calidad de vida de los pacientes com
HIV/SIDA. Bol. A. N. de Medicina XXI Reunión Acad. Nac. Méd. Del Plata,
[s.l.], v. 77, 2do. Sem. 1999.
212. VITÓRIA, A. A. V. Importância da adesão ao tratamento anti-retroviral.
BRASIL. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de DST/AIDS. Conceitos
e recomendações básicas para melhorar a adesão ao tratamento anti-
retroviral. Disponível em http://www.aids.gov.br. Acesso em: 17 jul. 2004.
213. WEISMANN, K. Psicanálise. Rio de Janeiro, Cultura Médica, 1976. 240p.
[Biblioteca de Perguntas & Respostas].
214. WICKRAMASURIYA, T. V. Attitudes of medical students toward the
acquired immune deficiency syndrome (AIDS). West Indian med. J, [s.l.], v.
44, n. 1, p. 6-10, mar. 1995.
215. WILTSHIRE, A. D.; ROSS, M. W.; BRIMLOW, D. L. Empathic
communication between dental professionals and persons living with HIV and
AIDS. J-Dent-Educ., [s.l.], v. 66, n. 1, p. 86-93, jan. 2002.
216. WINNICOTT, D. W. Explorações psicanalíticas. Porto Alegre: Artes Médicas,
1994.
217. ______. Fear of breakdown. In: International Review of Psychoanalysis, 1,
1974.
218. WU, Z. et al. Diffusion of HIV/AIDS knowledge, positive attitudes, and
behaviors through training of health professionals in China. AIDS-Educ-Prev,
[s.l.], v. 14, n. 5, p. 379-90, oct. 2002.
219. YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. [Tradução de Daniel
Grassi]. 2 ed.. Porto Alegre: Bookman, 2001.
228
9 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
1. ADAIR, E. B. G.. A epidemiologia da infecção pelo HIV em Santos. In:
PARKER, R. et al. A AIDS no Brasil: 1982-1992. Rio de Janeiro: ABIAIMS
UERJ, 1994. p.69-90.
2. AIDS - BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO. Brasília: Assessoria de
Comunicação Social e Assessoria de Programação Visual da CN-DST/AIDS,
1987. Semestral.
3. AIUTI, F. et al. HIV-1 infection: epidemiological features and immunological
alterations during the natural history of the disease. Clin-Immunol-
Immunopathol, Rome, v. 50, n. 1 Pt 2, p. S157-S165, jan. 1989.
4. ALBAREDA, M. et. al. Epidemiología de los pacientes adultos con
diagnóstico de SIDA notificados durante el año 1995 en el Hospital F. J.
Muñiz. Rev. argent. infectol, [s.l], v. 9, n 10, p. 6-10, 1996.
5. ALCAL, A. V. G. Doce años de SIDA en México [carta]. Salud pública,
México, v. 38, n. 3, p. 153-154, mayo-jun. 1996.
6. ALJURE, J. R. Infecciones y epidemiología del síndrome de
inmunodeficiencia adquirida. Med. Caldas, v. 6, n. 2, p. 88-96, jun. 1984.
7. ANON. Epidemiología del SIDA. Claves odontol, [s.l.], v. 1, n. 3, p. 6-8, nov.
1993.
8. ______. Perfil social y epidemiológico de la enfermedad por HIV en sus dos
décadas de existencia. Antioxid. calid. Vida [s.l.], v. 6, n. 25, p. 20-23, sept.
1999.
9. ASSOCIÃO BRASILEIRA INTERDISCIPLINAR DE AIDS - ABIA.
AIDS e pobreza. Boletim da Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS -
ABIA, Brasília, n. 44, p. 12, jan./mar. 2000. Boletim especial sobre violência
estrutural, desigualdade social e vulnerabilidade ao HIV/AIDS.
10. BADIANI, R.; QUENTAL, I.; SANTOS, E. M. DST/AIDS e a pesquisa
Nacional sobre Demografia e Saúde: uma análise do nível de conhecimento e
comportamentos de vulnerabilização. São Paulo: BEMFAM-Sociedade Civil
Bem-Estar Familiar no Brasil, 1997. 56 p.
11. BALLA, A. K. et al. Human studies on alcohol and susceptibility to HIV
infection. Alcohol, Oklahoma City, v. 11, n. 2, p. 99-103, mar./apr. 1994.
12. BARBOSA, M. T. S.; STRUCHINER C. J. Estimativas do número de casos de
AIDS: comparação de Métodos que corrigem o atraso da notificação.
In: BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Projetos Especiais de
Saúde. Coordenação Nacional de DST/AIDS. A epidemia de AIDS no Brasil:
situação e tendências. Brasília: Ministério da Saúde, 1997, p. 15-26.
229
13. BASTOS, F. I. et. al. A epidemia de AIDS no Brasil. In: MINAYO, M. C. S.
Os muitos Brasis: saúde e população na década de 80. São Paulo: Hucitec,
1995. p. 245-268.
14. BASTOS, F. I.; COUTINHO, K. A epidemia pelo HIV/AIDS entre usuários de
drogas injetáveis (UDI) no Brasil: cenários. In: BRASIL. Ministério da Saúde.
Secretaria de Projetos Especiais de Saúde. Coordenação Nacional de
DST/AIDS. A epidemia de AIDS no Brasil: situação e tendências. Brasília:
Ministério da Saúde, 1997, p. 71-86.
15. BENAVENTE GONZÁLEZ, C.; MENDONÇA VALENZUELA, O.
Determinación de aspectos biopsicosociales en el paciente VIH (+),
favorecedores de la comunicación del diagnóstico a su familia. 1995. 70p.
(Tese para obtenção do grau de profesional). Pontifícia Universidad Católica
de Chile, Escuela de Enfermería, Santiago de Chile.
16. BENETUCCI, J, A. Historia de la infección por HIV. Rev. Asoc. Odontol.
Argent, v, 84, n. 3, p. 212-213, jul./ago. 1996.
17. BENNETT, J. A. Acquired immunodeficiency syndrome and social disease.
Holist-Nurs-Pract, [s.l.], v. 10, n. 1, p. 77-89, oct. 1995.
18. BIGGAR, R. J.; ROSENBER, P. S. HIV infection/AIDS in the United States
during the 1990s. Clin-Infect-Dis, Bethesda, p. 1S219-1S223, aug. 1993.
Supplementum 17.
19. BODSWORTH, N.; COOPER, D. A. Update on HIV infection. Aust-Fam-
Physician, Sydney, v. 20, n. 6, p. 747, 750-751, 753,759, june 1991.
20. BOLIVIA. Caritas Boliviana. Simposios internacionales y nacionales de la
iglesia católica sobre: VIH-SIDA. La Paz: CARITAS, 1995. 62 p.
21. BRASIL. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de DST e AIDS. Atlas
epidemiológico da AIDS no Brasil: Brasília: Ministério da Saúde, 1998. 100 p.
22. BRASIL. Ministério da Saúde. Coodenaçäo Nacional de DST/AIDS.
Seminário de cooperaçäo Brasil/França: profissionais de saúde frente ao
manejo da infecçäo pelo HIV: aspectos psicissociais e técnicos. Brasília:
Brasil. Ministério da Saúde; 2000. 190 p. Conferência:Apresentado em:
Seminário de Cooperaçäo Brasil/França, BRASILIA, 6-8 dez. 2000.
23. BRASIL. Ministério da Saúde. CN-DST/AIDS. Recomendações para terapia
anti-retroviral em adultos e adolescentes infectados pelo HIV 2002/2003.
Brasília: Ministério da Saúde, 2002. 39p.
24. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Coordenação
Nacional de DST/AIDS. Brasil: contas em AIDS. Gasto público federal em
1997 e 1998 e estimativa do gasto em 1998. Disponível em
http://www.aids.gov.br/final/biblioteca/avalia2/7.htm. Acesso em: 15 jul. 2003.
230
25. BRASIL . Ministério da Saúde. Secretaria de Projetos Especiais de Saúde.
Coordenação Nacional de DST/AIDS. A epidemia de AIDS no Brasil: situação
e tendências. Brasília: Ministério da Saúde, 1997. 311p.
26. BRAUN, M. M.; HEYWARD, W. L.; CURRAN, J. W. The global
epidemiology of HIV infection and AIDS. Annu-Rev-Microbiol, Atlanta, p.
44555-44577, 1990.
27. BRITO, M. R. R. O início da epidemia de AIDS: 1981 a 1983. Rio de Janeiro:
[s.n], 1994. 102 p.
28. BROWN, T. et al. The recent epidemiology of HIV and AIDS in Thailand.
AIDS, Honolulu, p. 2S131-2S141, 1994. Supplementum 8.
29. BUCHALLA, C. M. AIDS: o surgimento e a evolução da doença/AIDS. In:
MONTEIRO, C. A. Velhos e novos males da saúde no Brasil: a evolução do
país e de suas doenças. São Paulo: Hucitec, 1995. p.331-45.
30. CÁCERES, C. F; HEARST, N. HIV/AIDS in Latin America and the
Caribbean: an update. AIDS, Lima, p. AS43-AS49, 1996. Supplementum 10.
31. CÁCERES, C. F; VAN-GRIENSVEN, G. J. Male homosexual transmission of
HIV-1. AIDS, [s.l.], v. 8, n. 8, p. 1051-1061, aug. 1994.
32. CAMARGO, A. M. F. A AIDS e a sociedade contemporânea: estudos e
histórias de vida. São Paulo: Letras & Letras, 1994. 384 p.
33. CAMARGO JÚNIOR, K. R. A construção da AIDS. In: CZERESNIA, D. et
al. AIDS: ética, medicina e biotecnologia. São Paulo: HUCITEC, 1995. p. 27-
50.
34. CAMPUZANO, G. Sida: nuevos paradigmas, un compromiso de toda la
comunidad. Med. Lab, v. 7, n. 6, p. 305-6, jun. 1997.
35. CARAEL, M.; PIOT, P. HIV infection in developing countries. J-Biosoc-Sci-
Suppl, [s.l.], p. 1035-1050, 1989.
36. CASSANO, C.; FRIAS, L. A. M.; VALENTE, J. G. Classificação por
ocupação dos casos de AIDS no Brasil - 1995. Cad. saúde pública, [s.l], v. 16,
p. 53-64, 2000. Supplementum 1.
37. CASTILHO, E. A. Estimativas do número de pessoas entre 15 e 49 anos de
idade infectadas pelo HIV. Brasil, 1996. In: BRASIL. Ministério da Saúde.
Secretaria de Projetos Especiais de Saúde. Coordenação Nacional de
DST/AIDS. A epidemia de AIDS no Brasil: situação e tendências. Brasília:
Ministério da Saúde, 1997, p. 13-14.
38. CASTILHO, E. A.; CHEQUER, P.; STRUCHINER. A epidemiologia da
AIDS no Brasil. In: PARKER, R. et. al. A AIDS no Brasil: 1982-1992. Rio de
Janeiro: ABIAIMS UERJ, 1994. p. 59-67.
231
39. CASTILHO, E. A.; SZWARCWALD, C. L . Situação atual da AIDS no Brasil.
Diagn. tratamento, [s.l.], v. 2, n. 3, p. 17-20, maio/jun. 1997.
40. CATANIA, J. A. et al. A review of national AIDS-related behavioral surveys.
AIDS, San Francisco, p. AS183-190, 1996. Supplementum 10.
41. CATES, W. Acquired immunodeficiency syndrome, sexually transmitted
diseases, and epidemiology. Past lessons, present knowledge, and future
opportunities. Am-J-Epidemiol, Atlanta, v. 131, n. 5, p. 749-58, may 1990.
42. CAUSSY, D; GOEDERT, J. J. The epidemiology of human
immunodeficiency virus and acquired immunodeficiency syndrome. Semin-
Oncol, Bethesda, v. 17, n. 3, p. 244-250, June 1990.
43. CHACÍN, J. H. El SIDA: problemas sociales, medios de lucha. Rev. Acad.
Med. Zulia, [s.l.], v. 18, n. 3/4, p. 649-657, jul./dic. 1985.
44. CHEW, S. K. The acquired immunodeficiency syndrome--a review of the
global situation. Singapore-Med-J, [s.l.], v. 30, n. 2, p. 195-198, apr. 1989.
45. CHIAO, E. Y.; RIES, K. M.; SANDE, M. A. AIDS and the elderly. Clin Infect
Dis, Salt Lake City, v. 28, n. 4, p. 740-745, apr. 1999.
46. CHIN, J.; MANN, J. M. HIV infections and AIDS in the 1990s. Annu-Rev-
Public-Health, Geneva, p. 11127-11142, 1990.
47. CARVALHO, E. M. M. (org.) O pensamento vivo de Freud. 4 ed. São Paulo:
Martín Claret Editores Ltda., 1985. 110p.
48. CLAVEL, F. El SIDA pierde terreno (trad.). Esencia Odontol, [s.l.], n. 44, p.
5-7, oct. 1991.
49. CLEZY, K. et al. Late manifestations of HIV in Asia and the Pacific. AIDS,
Sydney, p. 2S35-2S43, 1994. Supplementum 8.
50. CLUMECK, N. AIDS in Africa. Rev-Prat, Brussels, p. 4437-4463, 1989.
51. CONANT, M. A. The AIDS epidemic. J-Am-Acad-Dermatol, San Francisco,
v. 31, n. 3 Pt 2, p. S47-S50, sep. 1994.
52. COULAUD, J. P.; LARIVEN, S. SIDA et adolescents (situation
epidemiologique-prevention. Contracept-Fertil-Sex, Paris, v. 23, n. 2, p. 131-
136, feb. 1995.
53. CRAIG, D. An AIDS update: the challenge. Kans-Nurse, [s.l.], v. 65, n. 1, p.
1-3, jan. 1990.
54. CRUZ, M. M. A epidemia de HIV/AIDS na cidade do Rio de Janeiro e seus
padrões de espacialidade. Rio de Janeiro: [s.n], 1999. 119 p.
232
55. CUNHA, M. M. L.; SOARES, M. J. G. O.; CAVALCANTI, M. S. L. Análise
epidemiológica das tendências da AIDS no Brasil e Paraíba. CCS, [s.l.], v. 12,
n. 2, p. 54-58, jul./dez. 1993.
56. DALGLEISH, A. G. et al. AIDS: clinical and scientific issues past, present
and future. Q-J-Nucl-Med, London, v. 39, n. 3, p. 156-162, sep. 1995.
57. DEHNE, K. L. et al. The HIV/AIDS epidemic in eastern Europe: recent
patterns and trends and their implications for policy-making. AIDS, [s.l], v. 13,
n. 7, p. 741-749, may 1999.
58. DES-JARLAIS, D. C.; FRIEDMAN, S. R. AIDS and the use of injected drugs.
Sci-Am, [s.l.], v. 270, n. 2, p. 82-88, feb. 1994.
59. DOURADO, I. Considerações sobre o quadro da AIDS na Bahia. Inf.
epidemiol. SUS, [s.l], v. 6, n. 2, p. 75-86, abr./jun. 1997.
60. DUARTE, R. Pesquisa qualitativa: reflexões sobre o trabalho de campo.
Cadernos de Pesquisa, n. 115, p. 139-54, mar. 2002.
61. DUMASIA, A. N. AIDS and HIV infection: an epidemiological overview.
Indian-J-Med-Sci, Bombay, v. 44, n. 8, p. 223-227, aug. 1990.
62. ESCALANTE, G.; ESCALANTE, K. SIDA: la crisis continúa. Medula, [s.l.],
v. 3, n. 1/2, p. 27-33, ene./jun. 1994.
63. FERREIRA, J.; LOUREIRO, R.; SILVEIRA, V. B. Informe epidemiológico
AIDS/RS . Rev. AMRIGS, [s.l.], v. 33, n. 2, p. 155-158, abr./jun. 1989.
64. FLEMING, A. R. AIDS in Africa. Baillieres-Clin-Haematol, [s.l.], v. 3, n. 1,
p. 177-205, jan. 1990.
65. FLEMING, P. L. et al. Declines in AIDS incidence and deaths in the USA: a
signal change in the epidemic. AIDS, Atlanta, p. AS55-AS61, 1998.
Supplementum 12.
66. FONSECA, L. A. M.; PEIXINHO, Z. F . Epidemiologia da AIDS. Ciênc. cult.,
São Paulo, v. 42, n. 8, p. 523-529, ago. 1990.
67. FORD, N. J. Responding to the AIDS epidemic in Asia and the Pacific: report
on the Third International Conference on AIDS in Asia and the Pacific, Chiang
Mai, Thailand, 17-21 September, 1995. AIDS Care, Exeter, v. 8, n. 1, p. 117-
124, feb. 1996.
68. FRANÇA et al. Manual para normalização de publicações técnico-científicas.
5. ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. 211p.
69. FRANK, I.; FISHMAN, N. Epidemiology and clinical manifestations of
human immunodeficiency virus infection. Semin-Roentgenol, Philadelphia, v.
29, n. 3, p. 230-241, jul. 1994.
233
70. GADELHA, A. M. J. Casos notificados de AIDS no município do Rio de
Janeiro, 1983-1993: análise de sobrevida. São Paulo: [s.n], 1997. 153 p.
71. GALLAGHER, D. Out of sight, out of mind: the impact of 9/11 on HIV-
positive persons. J-Assoc-Nurses-AIDS-Care, v. 13, n. 5, p. 32-6, sep./oct.
72. GAYLE, H. D.; D'ANGELO, L. J. Epidemiology of acquired
immunodeficiency syndrome and human immunodeficiency virus infection in
adolescents. Pediatr-Infect-Dis-J, Atlanta, v. 10, n. 4, p. 322-328, apr. 1991.
73. GAZZARD, B. AIDS: an overview. Baillieres-Clin-Gastroenterol, [s.l.], v. 4,
n. 2, p. 259-289, june 1990.
74. GEORGES, A. J.; GEORGES-COURBOT, M. C. Epidemiologie des
infections a VIH en Afrique. Rev-Prat, Bangui, v. 40, n. 23, p. 2131-1235, oct.
1990.
75. GERBERT, B. et al. Toward a definition of HIV expertise: a survey of
experienced HIV physicians. AIDS-Patient-Care-STDS, v. 15, n. 6, p. 321-30,
jun. 2001.
76. GIANA, M. C.; KALICHMAN, A. O. Análise epidemiológica de AIDS no
estado. In: SÃO PAULO (Estado). Secretaria de Estado da Saúde. AIDS no
Estado de São Paulo: epidemiologia. São Paulo: Secretaria de Estado da
Saúde, ago. 1988. p. 4-13.
77. GIBSON, D. R.; YOUNG, M. Assessing the reliability and validity of self-
reported risk behavior. NIDA-Res-Monogr, San Francisco, p. 143218-143236,
1994.
78. GILKS, C. F. The clinical challenge of the HIV epidemic in the developing
world. Lancet, Liverpool, v. 342, n. 8878, p. 1037-1039, oct. 1993.
79. GOICOA, M. A.; ESTEVEZ, M. E. Síndrome de inmunodeficiencia adquirida
(SIDA): definición; historia; epidemiología; etiología; dimensiones sociales;
prevención. Acta bioquim. clin. latinoam, [s.l.], v. 25, n. 3, p. 235-243, set.
1991.
80. GOLDSCHMIDT, R. H. et al. Current report--HIV. AIDS at the crossroads: a
report from the 1990 International Conference on AIDS--San Francisco. J-Am-
Board-Fam-Pract, San Francisco, v. 3, n. 4, p. 297-304, oct./dec. 1990
81. GOLDSTEIN, L. Tailoring care to patients' needs. Radiol-Technol, v. 70, n. 3,
p. 299-300, jan./feb. 1999.
82. GONÇALVES, L. R. R. A mulher portadora de doença sexualmente
transmissível: compartilhando sua vivência na consulta de enfermagem. 1999.
96p. (Dissertação de mestrado). Escola de Enfermagem Anna Nery, Rio de
Janeiro.
234
83. GRANGEIRO, A. O perfil sócio-econômico dos casos de AIDS da cidade de
São Paulo. In: PARKER, R. et al. A AIDS no Brasil: 1982-1992. Rio de
Janeiro: ABIAIMS UERJ, 1994. p.91-125.
84. GRECO, D. The epidemiological evolution of HIV infection. Antibiot-
Chemother, Rome, p. 431-433, 1991.
85. GRUNER, M. RF.; FARIA, E. M. Percepçöes de um sistema profissional de
saúde sobre o cuidado domiciliar terapêutico ao indivíduo (família) portador do
HIV/AIDS. Texto & contexto enfermagem, v. 9, n. 2, p. 402-13, maio/ago,
2000.
86. GRUPO INCENTIVO À VIDA. Casa Siloe. Leticia falando sobre aids...
Daniel falando sobre aids.Sao Paulo: Ave-Maria, 2000. 30 p.
87. GULOTTA, H. et al. Situación epidemiológica actual de la infección por
HIV/SIDA en el país y en el mundo. Rev. argent. infectol, [s.l], v. 10, n. 10, p.
14-22, 1997.
88. HERDMAN, E. Reflections on "making somebody angry". Qual-Health-Res,
v. 10, n. 5, p. 691-702, sep. 2000.
89. HUBA, G. J. et al. Typology of quality of life experiences among persons
living with HIV. Home-Health-Care-Serv-Q, v. 18, n. 3, p. 23-41, 2000;.
90. HUDSON, C. P. AIDS in rural Africa: a paradigm for HIV-1 prevention. Int J
STD AIDS, [s.l.], v. 7, n. 4, p. 236-243, jul. 1996.
91. HUGHES, M. J.; RUTHERFORD, G. W. The epidemiology of HIV/AIDS.
Semin-Dermatol, Sacramento, v. 14, n. 3, p. 191-201, sep. 1995.
92. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA.
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Citado em: 01 de julho de 2002.
93. ICKOVICS, J. R.; RODIN, J. Women and AIDS in the United States:
epidemiology, natural history, and mediating mechanisms. Health-Psychol,
New Haven, v. 11, n. 2, p. 1-16, 1992.
94. IRIBARREN, J. A. et al. El enfermo de sida de los noventa (II). Enferm-
Infecc-Microbiol-Clin, San Sebastian, v. 12, n. 9, p. 455-464, nov. 1994.
95. JAFFE, H. Changing epidemiology of HIV. Int J Clin Pract Supl,
Atlanta, n. 115, p. 72-77, dec. 2000.
96. JAFFE, H. W.; COUTINHO, R. A. AIDS 92/93. Epidemiology: overview.
AIDS, Atlanta, p. 1S63-1S65, 1993. Supplementum 7.
97. JAIN, M. K.; JOHN, T. J.; KEUSCH, G. T . Epidemiology of HIV and AIDS
in India. AIDS, Vellore, p. 2S61-2S75, 1994. Supplementum 8.
235
98. JEWELL, N. P. Some statistical issues in studies of the epidemiology of
AIDS. Stat-Med, Berkeley, v. 9, n. 12, p. 1387-1416, dec. 1990.
99. JOHNSON, W. E.; PAPE, J. S. AIDS in Haiti. Immunol-Ser, New York, p.
4465-4478, 1989.
100. KANAI, K.; KURATA, T. Review: collected materials and records of
HIV/AIDS prevalence and the contemporary social changes in Thailand. Jpn-
J-Med-Sci-Biol, Nonthaburi, v. 48, n. 1, p. 1-48, fev. 1995.
101. KAUNE, V. et al. Aspectos psicológicos del SIDA: la importancia de la
consejeria/psicoterapia. In: BOLÍVIA. Caritas Boliviana. Simposios
internacionales y nacionales de la iglesia católica sobre: VIH-SIDA. La Paz:
CARITAS, 1995. p.19-23.
102. KHAWAJA, Z. A. et al. HIV/AIDS and its risk factors in Pakistan. AIDS,
Birminghan, v. 11, n. 7, p. 843-848, jun. 1997.
103. KOHLRAUSCH, E. Sensibilizando as enfermeiras para o cuidado transpessoal
no atendimento aos portadores de HIV e doentes de AIDS: relato de
experiencia. Rev-Gaucha-Enferm., v. 20, n. 1, p. 120=31, jan. 1999.
104. KOZLOWSI, N. F.; RUPERT, P. A.; CRAWFORD, I. Psychotherapy with
HIV-infected clients: factors influencing notification of third parties
Psychotherapy, v. 35, n. 1, p. 105-15, spring 1998.
105. LAFFERTY, W. E. New trends in HIV/AIDS epidemiology. J-Clin-
Apheresis, Washington, v. 8, n. 3, p. 174-177, 1993.
106. LAMM, S. H. Epidemiology of AIDS: an overview of AIDS epidemiology
and major modes of transmission. Am-Ind-Hyg-Assoc-J, Washington, v. 51, n.
11, p. A742-A746, nov. 1990.
107. LANE, H. C. Acquired immunodeficiency syndrome. Dermatol-Clin,
Bethesda, v. 8, n. 4, p. 771-785, oct. 1990.
108. LANGMUIR, A. D. AIDS projections are too high. In: PAN AMERICAN
HEALTH ORGANIZATION. AIDS: Profile of an epidemic. [s.l.]: Pan
American Health Organization, 1989. p.179-185.
109. LAVENTMAN G., J. La nueva peste: El síndrome de inmunodeficiencia
adquirida. An. méd. Asoc. méd. Hosp. ABC, [s.l.], v. 43, n. 4, p. 179-181,
oct./dic. 1998.
110. LEARS, M. K.; ALWOOD, K. S. The natural history, current status, and
future trends of HIV infection. Lippincotts Prim Care Pract, Baltimore, v. 4,
n. 1, p. 1-19, jan./feb. 2000.
111. LECCESE, C. The best news yet: AIDS in 1997. Adv Nurse Pract, [s.l], v. 5,
n. 12, p. 24-30, dec. 1997.
236
112. LEVY, L. A. History and epidemiology of acquired immune deficiency
syndrome. J-Am-Pediatr-Med-Assoc, San Francisco, v. 85, n. 7, p. 346-351,
jul. 1995.
113. LI, P. C.; YEOH, E. K. Current epidemiological trends of HIV infection in
Asia. AIDS-Clin-Rev, Hong Kong, p. 1-23, 1992.
114. ______. Update on epidemiology of AIDS in Asia. AIDS-Clin-Rev, Hong
Kong, p. 347-386, 1995-1996.
115. LICHTENSTEIN, B. S. Improving HAART naturally. STEP-Perspect, v. 99,
n. 2, p. 10-2, summer 1999.
116. LIFSON, A. R. The epidemiology of AIDS and HIV infection. AIDS, San
Francisco, p. 1S23-1S28, 1990. Supplementum, 4.
117. LIMA, A. L. L. M.. M. AIDS: aspectos epidemiológicos. In: MACHADO, L.
R. et al. Neuroinfecção 96. São Paulo: Clínica Neurológica HC/FMUSP, 1996.
p.113-21.
118. LINDEGREN, M. L. et al. Epidemiology of human immunodeficiency virus
infection in adolescents, United States. Pediatr-Infect-Dis-J, Atlanta, v. 13, n.
6, p. 525-535, june 1994.
119. LOZANO, SANABRIA, E. et al. Situación epidemiológica del VIH/SIDA en
Venezuela y el mundo. Arch. Hosp. Vargas, [s.l], v. 4, n. 1/2, p. 19-22,
ene./jun. 1999.
120. MACAMBIRA, R.; LA NUEZ, M. E. B. B.; FARIAS, N. A. A síndrome da
imunodeficiência humana adquirida - Estado da arte. Folha M. d, [s.l.], v. 106,
n. 1/2, p. 11-22, jan.-fev. 1993.
121. MACEDO, L. R. G.; CHEQUER, P. AIDS in Brazil, 1982-1988. In: Pan
American Health Organization. AIDS: Profile of an epidemic. [s.l.]: Pan
American Health Organization, 1989. p.45-50.
122. ______. SIDA no Brasil, 1982-1988. Bol. Oficina Sanit. Panam, [s.l.], v. 105,
n. 5-6, p. 504-509, nov./dec. 1988.
123. MACHADO, A. A. et al. Traços afetivos e a infecçäo pelo vírus da
imunodeficiência humana (HIV): um estudo diferencial. DST j. bras. doenças
sex. transm. v. 8, n. 2, p. 8-33, jun. 1996.
124. MANKAZANA, E. M. HIV/AIDS in South Africa--perceptions and concerns
of an ordinary GP. S-Afr-Med-J, v. 92, n. 6, p. 436, jun. 2002.
125. MANDÚ, E. N. T.; CORRÊA, A. C. P.; VIEIRA, M. A. Conhecimentos,
valores e vivências de adolescentes acerca das doenças de transmissão sexual e
AIDS. Rev. Bras. Desenv. Hum., São Paulo, v. 10, n. 1, p. 74-90, 2000.
237
126. MANN, J. Sida/AIDS. Rev. serv. sanid. fuerzas polic, v. 49, n. 2, p. 192-197,
jul./dic. 1988.
127. MASSAD, E.; BURATTINI, M. N.; ZANETTA, D. M. T. Aspectos
epidemiológicos da infecção pelo HIV/AIDS. Rev. med, São Paulo, v. 72, n.
1/4, p. 13-19, jan./dez. 1993.
128. MAYO, P. Discriminating against people with HIV. Nurs-Times, v. 95, n. 6, p.
21, feb. 1999.
129. MERINO, F.; ESPARZA, B. Infección por el virus de la inmunodeficiencia
humana en la población española. Revisión de la literatura. An-Med-Interna,
Caracas, v. 7, n. 3, p. 147-153, mar. 1990.
130. MERTENS, T. E.; BURTON, A. Estimates and trends of the HIV/AIDS
epidemic. AIDS, Geneva, p. AS221-228, 1996. Supplementum 10.
131. MESQUITA, F. C. Caldas. AIDS e drogas injetáveis. In: LANCETTI, A.
Saúde e loucura. 3a. ed. São Paulo: Hucitec, 1991. p.47-53
132. MILLSTEIN, S. G. Risk factors for AIDS among adolescents. New-Dir-Child-
Dev, San Francisco, n. 50, p. 3-15, Winter 1990.
133. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Políticas de Saúde. Coordenação
Nacional de DST e Aids. Bela vista e horizonte: estudos comportamentais e
epidemiológicos entre homens que fazem sexo com homens. [série avaliação].
Ministério da Saúde, 2000.
134. MINISTERIO DE SALUD. Instituto nacional de salud. Epidemiología del
SIDA en Colombia. Bol. epidemiol, Colombia, v. 2, n. 5, p. 58-65, mar. 1997.
135. ______. Situación mundial del SIDA. Bol. epidemiol, Colombia, v. 2, n. 3,
p.34-35, feb. 1997.
136. MITCHELL, K. et al. Exploring the community response to a randomized
controlled HIV/AIDS intervention trial in rural Uganda. AIDS-Educ-Prev., v.
14, n. 3, p. 207-16, jun. 2002.
137. MONTAGNIER, L. Au nom de la Commission VII (Maladies sexuellement
transmissibles et SIDA). Sur la transmisión heterosexuelle du VIH en France.
Bull-Acad-Natl-Med, [s.l.], v. 179, n. 6, p. 1209-1224, juin 1995.
138. MORALES, B. A . A. Conocimientos sobre el SIDA y actitudes frente al
enfermo en los alumnos del quinto año de secundaria dela Gran Unidad
Escolar Mariano Melgar Arequipa-1996. 1996. 92p. (Tese de bachiller).
Universidad Nacional de San Agustín, Facultad de Medicina, Arequipa,
UNAS.
139. MORIER, P. Maladies sexuellement transmissibles classiques et SIDA. Rev-
Med-Suisse-Romande, [s.l.], v. 109, n. 6, p. 451-456, juin 1989.
238
140. MUNOZ, A.; SABIN, C. A.; PHILLIPS, A. N. The incubation period of
AIDS. AIDS, Baltimore, p. AS69-AS76, 1997. Supplementum 11.
141. MURRAY, S. O.; PAYNE, K. S. The social classification of AIDS in
American epidemiology. Med-Anthropol, [s.l.], v. 10, n. 2-3, p. 115-128, mar.
1989.
142. NASCIMENTO, D. R. A Aids no final do século. In: CONGRESSO
BRASILEIRO DE SAÚDE COLETIVA, 6, 2000, Salvador. Anais... [s.l.]:
Abrasco, 2000.
143. NICHIATA, L. Y. I.; SHIMA, H.; TAKAHASHI, R. F. Buscando a
compreensão do enfrentamento da AIDS no Brasil. Rev. latinoam. enfermagem
[s.l.], v. 3, n. 1, p. 149-158, jan. 1995.
144. NKOWANE, B. M. Prevalence and incidence of HIV infection in Africa: a
review of data published in 1990. AIDS, Geneva, p. 1S7-1S15, 1991.
Supplementum 5.
145. NOVELLO, A. C. The HIV/AIDS epidemic: a current picture. J-Acquir-
Immune-Defic-Syndr, Washington, v. 6, n. 6, p. 645-654, june 1993.
146. O'LEARY, A. Factors associated with sexual risk of AIDS in women. NIDA-
Res-Monogr, New Brunswick, p. 14364-14381, 1994.
147. ORGAIN, J. C. HIV/AIDS: a global epidemic. J Natl Med Assoc, [s.l], v. 92,
n. 7, p. 313-314, jul. 2000.
148. ORGANIZACION MUNDIAL DE LA SALUD. La marcha de la epidemia
Odontol. bonaer, [s.l.], v. 16, n. 49, p. 5, jul. 1994.
149. ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD. Síndrome de
inmunodeficiencia adquirida (SIDA) en las Américas. Washington:
Organización Panamericana de la Salud, 1995. 28 p.
150. ______. Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida (SIDA) en las Americas.
Washington: Organización Panamericana de la Salud, 1999. 10 p.
151. ______. Síndrome de inmunodeficiencia adquirida (SIDA) en las Americas.
Washington: Organización Panamericana de la Salud, 2000. v. 9, 11 p.
152. ______. Síndrome de inmunodeficiencia adquirida (SIDA) en las Américas.
In: _____. Documentos de Trabajo. Washington: Organización Panamericana
de la Salud, 29 jul. 1990. p.17.
153. ______. Vigilancia del SIDA en las Americas: numero notificado de casos de
SIDA por ano, y numero de casos y defunciones por país y subregion, al 10 de
junio de 1995. Bol. Epidemiol., Washington, v. 16, n. 2, p. 15, jul. 1995.
239
154. ORTUZAR, M. E. Aspectos psicológicos del paciente infectado por el VIH. In:
BOLÍVIA. Caritas Boliviana.Simposios internacionales y nacionales de la
iglesia católica sobre: VIH-SIDA. La Paz: CARITAS, 1995. p.14-18.
155. OSBORN, J. E. Whatever happened to AIDS? Infect-Agents-Dis, Michigan,
v. 3, n. 4, p. 194-200, aug. 1994.
156. PAN AMERICAN HEALTH ORGANIZATIION. Acquired immunodeficiency
syndrome (AIDS) in the Americas. Washington: Pan American Health
Organization, 1991. 18 p.
157. ______. Acquired immunodeficiency syndrome (AIDS) in the Americas.
Washington: Pan American Health Organization, 1993. 27 p.
158. ______. Acquired Immunodeficiency syndrome (AIDS) in the Americas.
Washington: Pan American Health Organization, 1996. 23 p.
159. PARKER, R.; CAMARGO JR, K. R. Pobreza e HIV/AIDS: aspectos
antropológicos e sociológicos. In: BRASIL. Ministério da Saúde. Coordenação
Nacional de DST e AIDS. Sobre a epidemia da aids no Brasil: distintas
abordagens. Brasília: Ministério da Saúde, 1999. p. 21-36.
160. PELA, A. O.; PLATT, J. J. AIDS in Africa: emerging trends. Soc-Sci-Med,
Camden, v. 28, n. 1, p. 1-8, 1989.
161. PERNAMBUCO - DST/AIDS- SÃO PAULO. Amar sem medo na era da
AIDS. SAO PAULO: PE-DST/AIDS-SP, 1999. 1 p.
162. PERTOWSKI, C. A.; RUTHERFORD, G. W. Epidemiology of human
immunodeficiency virus infection and the acquired immunodeficiency
syndrome. Semin-Liver-Dis, Berkeley, v. 12, n.2, p. 108-120, may 1992.
163. PETTY, B. G. The effect of treatment on survival in AIDS. Trans-Assoc-Life-
Insur-Med-Dir-Am, [s.l.], p. 7432-7441, 1991.
164. PIOT, P. et al. AIDS in Africa: the first decade and challenges for the 1990s.
AIDS, Antwerp, p. 1S1-1S5, 1991. Supplementum 5.
165. POINDEXTER, C. C.; LANE, T. S.; BOYER, N. C. Teaching and learning by
example: empowerment principles applied to development, delivery, and
evaluation of community-based training for HIV service providers and
supervisors. AIDS-Educ-Prev., v. 14, n. 5, p. 391-400, oct. 2002.
166. PORTO, A. G. M. et. al. Fatores de risco para gestantes portadoras do HIV-1
em função do local de residência. Rev. bras. ginecol. obstet, [s.l.], v. 18, n. 1,
p. 65-69, jan./fev. 1996.
167. POTTS, M.; ANDERSON, R.; BOILY, M. C. Slowing the spread of human
immunodeficiency virus in developing countries. Lancet, London, v. 338, n.
8767, p. 608-613, sep. 1991.
240
168. PRAÇA, N. S.A cuidadora e o (ser) cuidado: uma relaçäo de dependência no
enfrentamento da AIDS. 1998. 262 p. (Tese de doutorado). Universidade de
Säo Paulo, Escola de Enfermagem, São Paulo.
169. PRADA, G. SIDA: Un panorama cambiante?. Acta méd. colomb, v. 17, n. 2, p.
69-71, mar./abr. 1992.
170. PURDY, B. D.; PLAISANCE, K. K. Infection with the human
immunodeficiency virus: epidemiology, pathogenesis, transmission, diagnosis,
and manifestations. Am-J-Hosp-Pharm, Albany, v. 46, n. 6, p. 1185-1209, june
1989.
171. QUINN, T. C. The epidemiology of the acquired immune deficiency
syndrome and the immunological responses to the human immunodeficiency
virus. Curr-Opin-Immunol, Bethesda, v. 1, n. 3, p. 502-512, feb. 1989.
172. ______. The epidemiology of AIDS: a decade of experience. Curr-Clin-Top-
Infect-Dis, [s.l], p. 1161-1193, 1991.
173. QUINN, T. C; NARAIN, J. P.; ZACARIAS, F. R. AIDS in the Americas: a
public health priority for the region. AIDS, Bethesda, v. 4, n. 8, p. 709-724,
aug. 1990.
174. REES, M. Official estimates and AIDS epidemiology. Int-J-STD-AIDS, [s.l.],
v. 2, n. 4, p. 240-245, jul./aug. 1991.
175. REICHE, O.; GARG, A. K. Origin and epidemiology of the HIV infection and
the acquired immunodeficiency syndrome. R-I-Dent-J, Miami, v. 24, n. 1, p. 5,
7-11, Spring 1991.
176. ROBINSON, M.; DRAKE, L; PORTMAN, F. Out of focus. Nurs-Stand, v. 15,
n. 46, p. 25, agu. 2001.
177. ROWLING, J. K. Harry Potter e a câmara secreta. [tradução de Lia Wyler].
Rio de Janeiro: Rocco, 2000. 287 p.
178. RUTHERFORD, G. W.; WERDEGAR, D. The epidemiology of acquired
immunodeficiency syndrome. Immunol-Ser, San Francisco, p. 436-441, 1989.
179. SAIMONS, T. L. Humane resources. In defense of hugs in an age of paranoia.
Am-J-Nurs, v. 101, n. 6, p. 11, jun 2001.
180. SANDSTROM, A.; WALL, S. Epidemiology of HIV infections. Design
options with special reference to developing countries. Scand-J-Infect-Dis-
Suppl, p. 69173-69180, 1990.
181. SCUTCHFIELD, F. D.; BENENSON, A. S. AIDS update. Postgrad-Med, San
Diego, v. 85, n. 4, p. 289-294, 301-304, mar. 1989.
182. SEPULVEDA, C. síndrome de inmunodeficiencia adquirida. Rev-Med-Chil,
241
[s.l.], v. 117, n. 7, p. 794-803, jul. 1989.
183. SIGNORELLI, D.; JOSEPH, R. J. Epidemiology of HIV and AIDS. A
retrospective look. Clin Pediatr Med Surg, Santa Ana, v. 15, n. 2, p. 179-187,
apr. 1998.
184. SILVA, J. M. Saúde e cidadania. Boletim da Associação Brasileira
Interdisciplinar de AIDS - ABIA, Brasília, n. 44, p. 5, Jan./Mar. 2000. Boletim
especial sobre violência estrutural, desigualdade social e vulnerabilidade ao
HIV/AIDS.
185. SOWELL. R. L. Identifying HIV/AIDS research priorities for the next
millennium: a Delphi study with nurses in AIDS care. J-Assoc-Nurses-AIDS-
Care, v. 11, n. 13, p. 42-52, may./jun. 2000.
186. SPIRA, A.; BAJOS, N.; DUCOT, B. Trends in sexual behavior. Analyse des
Comportements Sexuels en France Investigators. Sex-Transm-Dis, Bicetre, v.
12, p. S14-S18, mar./apr. 1994. Supplementum 2.
187. STARACE, F. et al. Quality of life assessment in HIV-positive persons:
application and validation of the WHOQOL-HIV, Italian version. AIDS-Care,
v. 14, n. 3, p. 405-15, jun. 2002.
188. STEEL, E. AIDS, drugs, and the adolescent. NIDA-Res-Monogr, Rockville, p.
156130-156145, 1995.
189. STEEL, E.; HAVERKOS, H. W. AIDS and drug abuse in rural America. J-
Rural-Health, Rockville, v. 8, n. 1, p. 70-73, Winter 1992.
190. STEINBERG, S; FLEMING, P. The geographic distribuition of AIDS in the
United States: is there a rural epidemic? J Rural Health, Atlanta, v. 16, n. 1, p.
11-19, Winter 2000.
191. STONEBURNER, R. L. et al. The epidemic of AIDS and HIV-1 infection
among heterosexuals in New York City. AIDS, New York, v. 4, n. 2, p. 99-
106, feb. 1990.
192. SUPLICY, M. et al. Aids/Sida. In: SUPLICY et al. Sexo se aprende na escola.
Säo Paulo: Olho Dágua, 1995. p.83-90.
193. SZWARCWALD, C. L. et al. A disseminação da epidemia de AIDS no Brasil,
no período de 1987-1996: uma análise espacial. In: BRASIL. Ministério da
Saúde. Coordenação Nacional de DST e AIDS. Sobre a epidemia da aids no
Brasil: distintas abordagens. Brasília: Ministério da Saúde, 1999. p.55-71.
194. TARANTOLA, D.; SCHWARTLANDER, B. HIV/AIDS epidemic in sub-
Saharan Africa: dynamism, diversity and discrete declines? AIDS, Boston, p.
BS5-BS21, 1997. Supplementum 11.
242
195. TEIXEIRA, P. R.; PAIVA, V.; SHIMMA, E. difícil engolir? Experiências
de adesäo ao tratamento anti-retroviral em Säo Paulo. Säo Paulo: Nepaids,
2000. 148p.
196. TETREAULT, D. et al. The AIDS epidemic: 'it ain't over yet'. Emphasis-Nurs,
[s.l.], v. 5, n. 1, p. 9-17, 1995.
197. UNGVARSKI, P. J. HIV: still a problem of sex. Still a problem of bigotry.
Am-J-Nurs, v. 101, n. 6, p. 7, jun. 2001.
198. URBSHOTT, G. B. Reflections on HIV, adherence, and objectivity. J-Assoc-
Nurses-AIDS-Care, v. 10, n. 6, p. 99-100, nov./dec. 1999.
199. URIBE, P.; SLOAND, E.; VOLKOW, P. Sindrome de inmunodeficiencia
adquirida. Rev Invest Clin, Bethesda, p. 1108-1113, may 1997. Supplementum
49.
200. VERONESI, R. et al. Presença do HIV-1 e HIV-2 no Brasil: perspectivas
epidemiológicas. RBM rev. bras. med., [s.l.], v. 46, n. 4, p. 127-130, abr. 1989.
201. VIDAL, J.; SOMMA, V.; BASSO, J. Investigación sobre comportamientos
sexuales en mujeres VIH positivas.Montevideo: Uruguay, Ministerio de Salud
Pública. Programa Nacional de SIDA, 1998. 55 p.
202. WEBER, J. HIV and sexually transmitted disease. Br Med Bull, London, v.
54, n. 3, p. 717-729, 1998.
203. ______. The biology and epidemiology of HIV infections. J-Antimicrob-
Chemother, London, p. A1-A7, jan. 1989. Supplementum 23.
204. WENIGER, B. G. et al. The epidemiology of HIV infection and AIDS in
Thailand. AIDS, Nonthaburi, p. 2S71-2S85, 1991. Supplementum 5.
205. WILSON, R. Epidemiology of AIDS. Optom-Vis-Sci, Boston, v. 72, n. 5, p.
294-295, may 1995.
206. ZACARÍAS, F. R. K. AIDS in Latin America and the Caribbean. In: PAN
AMERICAN HEALTH ORGANIZATION. HIV/AIDS health promotion. [s.l.]:
Pan American Health Organization, 1989. p. 38-43.
207. ZANELLI, J. C. Pesquisa qualitativa em estudos da gestão de pessoas. Estudos
de Psicologia, v. 7, número especial, p. 79-88, 2002.
243
10 APÊNDICES
10.1 APÊNDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO CONFORME
RESOLUÇÃO 196/96 DO CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE.
FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERAIDSDE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Curso de Pós-graduação em Medicina Tropical.
Centro de Promoção da Saúde de Conselheiro Lafaiete, MG.
Pesquisa de campo para tese de doutorado - Bernardino Geraldo Alves Souto.
Contribuição ao entendimento da terapêutica da síndrome da imunodeficiência adquirida:
a fenomenologia da aderência ao tratamento antiretroviral entre pacientes do Centro de
Promoção da Saúde de Conselheiro Lafaiete, MG, no ano de 2004.
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais em 12 de
abril de 2004.
Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Prezado sr.(a) ____________________________________________________________
Eu, Bernardino Geraldo Alves Souto, médico que o acompanha dentro do Centro de
Promoção da Saúde de Conselheiro Lafaiete, estou desenvolvendo uma tese para o meu curso
de Pós-graduação em Medicina Tropical junto à Universidade Federal de Minas Gerais -
UFMG. Esta tese está sendo orientada por dois professores desta universidade.
Preciso fazer um levantamento sobre uma amostra de pessoas adultas e capazes, que são
atendidas neste ambulatório, às quais foi receitado o uso de medicamentos para combater o HIV
no organismo. Você foi um dos escolhidos para participar por causa da sua idade, do tempo que
você já tem que recebeu receita de medicamentos contra o HIV, do resultado dos seus exames
de laboratório, da sua renda familiar, do seu estado de saúde e da sua capacidade em responder a
uma entrevista.
Em uma parte do trabalho lhe perguntarei, através de um questionário, sobre a sua
idade, o tempo total que você tem de freqüência à escola (escolaridade), o que você faz na vida
para sobreviver (sua ocupação), resultados de alguns dos seus exames de sangue envolvendo
contagem de células CD4 e carga viral do HIV, o seu estado de saúde e uso que você faz de
medicamentos contra o HIV. Tudo isto faz parte do seu acompanhamento médico aqui no
Centro de Promoção da Saúde.
Na outra parte eu lhe perguntarei, através de entrevista gravada em sistema
exclusivamente de áudio (somente em gravador, sem filmagem) como você vive e sente a sua
própria vida e como você se no mundo, tendo HIV ou AIDS e precisando tomar
medicamentos contra este vírus ou esta doença (seu gosto por você mesmo, seus direitos na
comunidade, sentimentos em relação à morte, preconceito, família, sexo, filhos e planos para a
vida e o futuro).
O questionário e o roteiro da entrevista que serão usados encontram-se em anexo para
seu conhecimento.
Esta pesquisa é para conhecer alguns fatores relacionados à sua vida, e de outras
pessoas em situação como a sua, que possam estar determinando a atitude de cada um por tomar
ou não tomar adequadamente os medicamentos que o prescritos contra o HIV. O resultado
244
desta pesquisa poderá servir para melhorar o atendimento que este e/ou outros postos de saúde
destinados ao acompanhamento de pessoas que têm o HIV vêm fazendo, ajudando pessoas que
precisam deste tipo de atendimento.
Na prática, farei duas coisas: ler e copiar algumas informações do seu prontuário clínico
que fica guardado nos arquivos do Centro de Promoção da Saúde e fazer-lhe algumas perguntas
na forma de uma entrevista e de uma conversa com você, tanto em busca de respostas que não
estão escritas no prontuário quanto tentando conhecer o que você pensa da vida com o HIV e do
tratamento contra a AIDS.
Você tem total e absoluta liberdade de aceitar ou de não aceitar participar deste estudo
conforme explicado.
Além disto, tem total e absoluta liberdade em voltar atrás com a sua decisão de
aceitação ou de não aceitação em qualquer momento da realização da pesquisa, que deverá ter a
duração de quatro anos.
Caso você aceite participar, o receberá nenhum favor ou pagamento (benefício ou
privilégio adicional no atendimento que você recebe no Centro de Promoção da Saúde).
Também caso você não aceite participar respondendo às perguntas ou autorizando copiar dados
do seu prontuário conforme explicado, ou queira retirar sua participação em algum momento da
pesquisa, isto será plenamente compreendido e nenhum tipo de limitação, retaliação, dificuldade
ou modificação no atendimento que você recebe lhe será imposto (você não sofrerá nenhum tipo
de perda ou diminuição no atendimento que recebe aqui).
O desenvolvimento deste trabalho, com ou sem a sua participação, não modificará em
nada o tratamento e assistência que você vem recebendo até agora no sentido de interferir sobre
a sua saúde, como se você estivesse sendo usado como experiência, ou como se você fosse ter
um grande ganho em relação aos efeitos do tratamento.
O risco de vazamento de informações existe, porém não é maior do que aquele derivado
do próprio contexto da assistência que você recebe atualmente.
Por outro lado, em nenhum documento relativo à pesquisa, seja no questionário ou na
entrevista gravada, você será identificado. O seu nome e o número do seu prontuário não
existirão na documentação geral da pesquisa. O questionário que lhe será aplicado não leva
nenhum dado que possa identificá-lo pessoalmente ou ao seu prontuário clínico, e, uma vez
aproveitado na pesquisa, o questionário e a fita gravada lhe serão entregues pessoalmente pelo
pesquisador, em mãos, para que você lhes dê o destino que melhor lhe convier.
A revisão no seu prontuário, o preenchimento do questionário, a entrevista, a gravação
da sua fala e respectiva audiência (quem vai ouvir a fita da entrevista que foi gravada com você)
serão feitos por mim, o seu médico. Nenhuma outra pessoa terá esta forma de acesso ao
material da pesquisa.
O levantamento no prontuário e as entrevistas com você serão feitos em absoluto
segredo e reserva, individualmente dentro do consultório, podendo ou não ser junto a uma
consulta rotineira que você vier fazer no ambulatório.
Caso a sua colaboração nesta pesquisa venha provocar algum gasto de dinheiro ou
material seu, esta despesa lhe será ressarcida pelo Centro de Promoção da Saúde, não lhe
cabendo nenhuma responsabilidade por isto.
Se você ficar constrangido em dar alguma resposta ou informação (ficar com vergonha,
medo, vontade de não responder, etc.) ou se sentir em risco de problemas jurídicos (como
processos, problemas com advogados, juízes, etc.), você pode se recusar a responder; se mesmo
assim quiser responder eu tenho com você o compromisso do segredo médico conforme a ética
que existe hoje, mesmo se for pedido por advogados, juízes, familiares ou outras pessoas
quaisquer.
A hora para fazermos a entrevista será de sua livre escolha, conforme o que for melhor
para você.
Ao terminar a pesquisa, você será informado dos resultados, sem revelar os dados
particulares de cada pessoa que participou.
Este mesmo resultado, e da mesma forma, será apresentado para o público seja através
de palestra, cartaz, falação em rádio ou televisão, publicação científica, defesa de tese, etc.
245
Finalmente este trabalho está sendo desenvolvido sob a supervisão e orientação da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais e seu Comitê de Ética em
Pesquisa, os quais visam proteger a qualidade do estudo e o respeito aos seus direitos e de todos
os participantes.
Este documento composto por duas ginas, além do questionário anexo, lhe é
apresentado em duas vias, as quais serão assinadas ou impostas impressão digital por você e seu
médico assistente que é o próprio pesquisador, caso você concorde em participar deste trabalho.
Uma via ficará em seu poder e a outra em poder do pesquisador responsável.
CONSENTIMENTO.
Eu, _________________________________________________________, entendi os
termos deste consentimento, fui esclarecido sobre minhas dúvidas e, portanto, consinto em
participar do projeto.
Conselheiro Lafaiete, ________/_______/_______.
Assinatura do consentido:
____________________________________________________________
Assinatura do pesquisador responsável: _______________________________________.
Telefone do Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG: (31) 3248-9364
Nome do pesquisador: Bernardino Geraldo Alves Souto.
Telefone do Pesquisador: (31) 3769-2541.
Nome do orientador: Professor Dirceu Bartolomeu Greco.
Telefone do Orientador: (31) 3248-9822.
Nome do co-orientador: Luiz Alberto Oliveira Gonçalves.
Telefone do co-orientador: (31) 3293-1285.
246
10.2 APÊNDICE B
QUESTIONÁRIO PARA DESCRIÇÃO AMOSTRAL.
Entrevista número: ________ (número de ordem em seqüência)
Categoria amostral:
1) – ( ) aderente ao tratamento antiretroviral;
2) – ( ) não aderente ao tratamento antiretroviral.
I) - DADOS POPULACIONAIS:
A) - Data de nascimento: ____/_____/_____ (em formato dd/mm/aaaa - 00/00/0000
para ignorado)
B) - Sexo: 1-( )Masculino 2-( )Feminino.
II) -DADOS SOCIAIS:
A) - Anos de estudo: ___________. (expressar em número absoluto) O critério
definidor de anos de estudo é aquele utilizado pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE. Código 88 para não se aplica e 99 para ignorado.
B) Prática religiosa: __________________________ (informar o(s) apelo(s)
religioso(s) sobre o(s) qual(is) o indivíduo se apóia. Ex.: católico, evangélico,
nenhum, umbanda, etc.)
III) – SOBRE O USO DE ANTI-RETROVIRAIS:
A) - Usando antiretrovirais há quantos dias? __________ (expressar em
número absoluto).
IV) – RESUMO DO HISTÓRICO CLÍNICO:
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
________________________________________________________________
247
10.3 APÊNDICE C
ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMIDIRIGIDA.
1) - Como você se reconhece na condição de portador do vírus da
imunodeficiência humana? O que você sente ao olhar-se no espelho
como alguém que recebeu uma receita para tomar medicamento para
combater o HIV no seu organismo?
2) - O que lhe ocorre quando você conhece ou pela rua alguém que
também tem o HIV? E quando este encontro acontece com quem não tem
o HIV?
3) - Como, a seu ver, é o olhar das pessoas sobre você, independentemente
delas saberem ou não que você precisa tomar medicamento contra o
HIV?
4) - Como são as oportunidades para você? Nos lugares que você freqüenta,
as coisas que você precisa, como você é atendido?
5) - Como você leva a vida diante da necessidade de tomar medicamento
contra o HIV? Que cor e que tom tem a vida para você?
6) - Se os medicamentos contra o HIV pudessem lhe ouvir e entender, o que
você teria para lhes dizer?
7) - Quais são suas expectativas e projetos? Como você gostaria de estar ou
de se sentir daqui a algum tempo, a partir da realidade que você vive
hoje, em que você precisa tomar medicamentos contra o HIV?
8) - Fale-me sobre o prazer e a prática sexual na sua vida e sobre a idéia que
você tem sobre filhos, família e infecção pelo o HIV.
9) - E a morte?
10) - Dentro de tudo isto que conversamos, qual a diferença que há de
quando vonão tinha o HIV e não precisava tomar medicamento para
AIDS?
248
10.4 APÊNDICE D
ROTEIRO PARA ENTREVISTA SEMIDIRIGIDA, AJUSTADO DE ACORDO
COM A ACULTURAÇÃO.
1) - Como você se reconhece na condição de portador do HIV? O que você
sente ao olhar-se no espelho como alguém que recebeu uma receita para
tomar medicamento para combater o HIV no seu organismo?
2) - O que lhe ocorre quando você conhece ou pela rua alguém que
também tem o HIV? E quando este encontro acontece com quem não tem
o HIV?
3) - Como, a seu ver, é o olhar das pessoas sobre você, independentemente
delas saberem ou não que você precisa tomar medicamento contra o
HIV?
4) - Como você se vê diante da necessidade de tomar o coquetel?
5) - Como são as oportunidades para você? Nos lugares que você freqüenta,
as coisas que você precisa, como você é atendido?
6) - Como você leva a vida diante da necessidade de tomar medicamento
contra o HIV? Que cor e que tom tem a vida para você?
7) - Dentro de tudo isto que conversamos, qual a diferença que há de
quando vonão tinha o HIV e não precisava tomar medicamento para
AIDS?
8) - Se os medicamentos contra o HIV pudessem lhe ouvir e entender, o que
você teria para lhes dizer?
9) - Qual a sua amizade ou relação com o coquetel?
10) - Quais são suas expectativas e projetos? Como você gostaria de estar ou
de se sentir daqui a algum tempo, a partir da realidade que você vive
hoje, em que você precisa tomar medicamentos contra o HIV?
11) - Fale-me sobre o prazer e a prática sexual na sua vida e sobre a idéia que
você tem de filhos, família e infecção pelo HIV.
12) - E a morte?
249
13) - O que você acha de ter recebido uma prescrição de antiretrovirais ?
14) - Qual foi o impacto para você, quando um médico lhe disse que seria
necessário começar a tomar o coquetel?
15) - O que significa para você a necessidade de tomar o coquetel?
16) - Você toma os medicamentos rigorosamente? Por que? O que você
espera com esta atitude?
17) - Quais as dificuldades que você encontra na sua relação com os
medicamentos e a necessidade de tomá-los?
250
10.5 APÊNDICE E
REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DA DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO DO ESTUDO,
SEGUNDO O SEXO, A FAIXA ETÁRIA, A ESCOLARIDADE, A CARGA VIRAL DO
HIV E A CONTAGEM DE CÉLULAS CD4.
(Indica-se, nos eixos das abscissas, o número absoluto de pessoas)
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
20
Feminino Masculino
0
2
4
6
8
10
25 a 29 30 a 34 35 a 39 40 a 44 45 a 49
Sexo Faixa etária em anos
0
2
4
6
8
10
12
14
Nenhum 1 a 4 5 a 8 9 a 11 11 e mais
0
2
4
6
8
10
12
14
16
18
Indetectável Até 30 30 a 100 M ais de 100
Anos de estudo Carga viral em milhares de cópias/ml
0
2
4
6
8
10
Menos de
200
200 a 350 351 a 500 Mais de 500
CD4 em células/ml.
10
19
251
11 ANEXO ÚNICO
PARECER ETIC 015/04 – COEP/UFMG.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo