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nem percebe que ele fez tanta cirurgia. Graças a Deus, ele é assim,
esperto e inteligente. Ele nasceu com atrofia de bexiga. Não sei se você
já ouviu falar em atrofia de bexiga. E com a bacia aberta, hérnia, canal
de urina fechado. Então, assim, foram várias coisas, sabe? E quando...
[começa a chorar, mas pede para continuar] a primeira cirurgia que fez,
ele tinha nove dias. Eu pensava que era da bexiga. Eu pensava que era
para guardar a bexiguinha. Não. Eu cheguei ao hospital e o médico tinha
feito a cirurgia da bacia. Eu não sabia que ele tinha bacia aberta.
Quando eu cheguei e eu vi meu filho deitado com as perninhas para
cima, enfaixadas, perguntei para a enfermeira se ele tinha problema nas
perninhas também. Ela falou assim: “não, ele fez cirurgia da bacia”. E eu
não sabia. E a bexiga ficou exposta até dois meses. O primeiro banho
dado em meu filho foi quando ele tinha um mês. No dia em que ele
completou um mês, eu passei um pano molhado. E assim foi uma vida
[emociona-se]. E aí, até então, o marido estava junto. Ele me levava
para o hospital de manhã e eu ficava o dia todo e o filho mais velho, com
seis anos, em casa. Ele ia trabalhar. Ele ficava por aqui sozinho, com a
avó paterna. Às vezes, a minha mãe vinha para ficar uns dias. [...]. Então
foi uma luta muito grande. Eu agradeço muito a Deus por ter me dado
forças para eu superar [...]. (Lúcia,05/05/2006)
Diante das dificuldades anunciadas, a vida de Lúcia tomou um novo rumo.
Pela primeira vez, sentia a urgência de sair para trabalhar. Seria uma nova
batalha, visto que não tinha uma profissão, sequer terminara o ensino
fundamental. Na verdade, era o começo de uma nova vida: final de casamento, a
saúde do filho comprometida, uma casa para gerenciar:
Aí eu comecei a perceber a dificuldade que eu teria por não ter estudado
e por não ter um trabalho fora. E foi muito difícil. Porque, até então a
gente não vivia tão bem financeiramente, mas ele [referindo-se ao
marido] dava conta do recado... Então, foi aí que eu percebi a dificuldade
por eu não ter estudado. Só tinha até a sexta série. E eu fiquei naquela:
“e agora, o quê que eu faço, sozinha, com dois filhos para cuidar, sem
estudo e sem emprego?” [se emociona com as lembranças] Aí eu fiquei
naquela, "tenho que trabalhar, como que eu vou me sustentar?". Assim,
tive que começar a trabalhar. E como eu já freqüentava a igreja
evangélica Presbiteriana e o pastor quis me ajudar... qüestão assim de
trabalho, não é? Então, iam abrir uma creche e ele me convidou para
trabalhar. E eu comecei na cozinha. Comecei em abril, em 1992. Eu
comecei na cozinha, mas ele [o pastor] quis me dar uma chance como
professora. E interessante que eu tive medo de não dar conta, sabe?
Cheguei a ficar assim preocupada. Ele falou: “eu vou arranjar uma
turminha para você”. Ah, mas eu falei assim: “e agora, será que eu vou
dar conta?” Foi a primeira coisa que me veio. Trabalhar com criança é
muita responsabilidade, não é? E aí eu não trabalhei nem dois meses na
cozinha e peguei uma turminha do maternal. Maternal, sabe? E eram
poucas crianças de início, mas foi uma experiência muito legal para mim.
E assim, percebi que eu tinha que estudar [...].(Lúcia em 05/05/2006)
Com o ingresso ao trabalho, haveria de conciliar o trabalho na creche com
a tripla jornada: tarefas domésticas, acompanhamento diário do filho ao hospital,