Download PDF
ads:
Este arquivo faz parte do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Comunicação
Social, que disponibiliza para consulta a Tese abaixo. O exemplar impresso está
disponível na Biblioteca da Universidade.
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL
CURSO DE DOUTORADO EM COMUNICAÇÃO SOCIAL
Geraldo Valente Canali
A IDEOLOGIA NO USO DO CONCEITO DE LIBERDADE DE IMPRENSA:
UMA ANÁLISE À LUZ DA HERMENÊUTICA DE PROFUNDIDADE
PORTO ALEGRE
2005
ads:
GERALDO VALENTE CANALI
A IDEOLOGIA NO USO DO CONCEITO DE LIBERDADE DE IMPRENSA:
UMA ANÁLISE À LUZ DA HERMENÊUTICA DE PROFUNDIDADE
Tese apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor em Comunicação
Social pelo Programa de Pós-Graduação em
Comunicação Social da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul
PUCRS). (
Orientadora: Profa. Dra. Beatriz Corrêa Pires Dornelles
PORTO ALEGRE
2005
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
C212i Canali, Geraldo Valente
A ideologia no uso do conceito de liberdade de imprensa :
uma análise à luz da hermenêutica de profundidade / Geraldo
Valente Canali. – Porto Alegre, 2005.
252 f. : il.
Tese (Doutorado) - Fac. de Comunicação, PUCRS, 2005.
Orientador: Profa. Dra. Beatriz Corrêa Pires Dornelles
1. Comunicação. 2. Jornalismo. 3. Liberdade de
Imprensa. 4. Imprensa. 5. Ideologia. 6. Hermenêutica de
Profundidade. I. Título. II. Dornelles, Beatriz Corrêa Pires.
CDD 070.17
Bibliotecária Responsável: Deisi Hauenstein CRB-10/1479
GERALDO VALENTE CANALI
A IDEOLOGIA NO USO DO CONCEITO DE LIBERDADE DE IMPRENSA:
UMA ANÁLISE À LUZ DA HERMENÊUTICA DE PROFUNDIDADE
Tese apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor em Comunicação
Social pelo Programa de Pós-Graduação em
Comunicação Social da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS).
APROVADA PELA BANCA EXAMINADORA
Porto Alegre, 02 de agosto de 2005.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________
Orientadora: Profa. Dra. Beatriz Corrêa Pires Dornelles
______________________________________
Profa. Dra. Christa Berger (UNISINOS)
______________________________________
Prof. Dr. Clóvis de Barros Filho (USP)
______________________________________
Prof. DR. Pedrinho A. Guareschi (PUCRS)
______________________________________
Prof. Dr. Roberto Ramos (PUCRS)
RESUMO
Estudo sobre aspectos ideológicos do conceito de liberdade de imprensa empregado
pela própria imprensa. Ideologia é definida, aqui, como o uso das formas simbólicas para
estabelecer, ou manter, relações de dominação. A pesquisa é baseada na abordagem oferecida
pelas quatro principais revistas semanais brasileiras de informação geral – Veja, Ist, Época
e Carta Capital - sobre a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo. A
metodologia aplicada foi a Hermenêutica de Profundidade, proposta por John B. Thompson
para o estudo dos temas relacionados aos meios de comunicação de massa. Os resultados
revelaram a presença de estratégias ideológicas no uso das formas simbólicas adotados pela
mídia. A pesquisa não deixa de identificar, porém, a possibilidade do exercício do jornalismo
sem esta prática.
Palavras-chave: Imprensa. Liberdade de Imprensa. Jornalismo. Ideologia. Comunicação.
Hermenêutica de Profundidade.
ABSTRACT
A study on the ideological aspects of the concept of freedom of press as put in practice
by the press itself. Ideology is defined as the use of symbolic forms to establish, or maintain,
relations of domination. Information is taken from the discussions as established by the four
main Brazilian weekly magazines on general information – Veja, Istoé, Época and Carta
Capital - about the project of creation of the Federal Council of Journalism. Methodology
employs the Depth Hermeneutics approach, as proposed by John B. Thompson for the study
of mass media subjects. Results point to the presence of ideological strategies in the use of
symbolic forms employed by the media. The data identifies, however, the possibility of doing
journalism without the use of ideological strategies.
Key-words: Press. Freedom of Press. Journalism. Ideology. Mass Media. Depth
Hermeneutics.
SUMÁRIO
1
APRESENTAÇÃO DA PESQUISA ............................................................... 8
2
RELATÓRIO DA PESQUISA ........................................................................ 38
2.1
Análise sócio-histórica ...................................................................................... 38
2.1.1 IDEOLOGIA ...................................................................................................... 41
2.1.2 MÍDIA E PODER .............................................................................................. 55
2.1.3 LIBERDADE DE IMPRENSA .......................................................................... 64
2.1.4 IMPRENSA BRASILEIRA ............................................................................... 92
2.1.5 CONSELHO FEDERAL DE JORNALISMO ................................................... 102
2.2
Análise formal ou discursiva ........................................................................... 117
2.2.1 VEJA, ed. 1866, 11 ago. 2004 ............................................................................ 120
2.2.2 VEJA, ed. 1867, 18 ago. 2004 ............................................................................ 121
2.2.3 VEJA, ed. 1868 e ed. 1869 ................................................................................. 128
2.2.4 ISTOÉ, ed. 1819, 18 ago. 2004 .......................................................................... 128
2.2.5 ISTOÉ, ed. 1820, 25 ago. 2004 .......................................................................... 132
2.2.6 ISTOÉ, ed. 1818 e ed.1821 ................................................................................. 133
2.2.7 ÉPOCA, ed. 326, 16 ago. 2004 .......................................................................... 134
2.2.8 ÉPOCA, ed. 327, 23 ago. 2004 .......................................................................... 135
2.2.9 ÉPOCA, ed. 235 e ed. 328 .................................................................................. 137
2.2.10 CARTA CAPITAL, ed. 304, 18 ago. 2004 .......................................................... 138
2.2.11 CARTA CAPITAL, ed. 305, 25 ago. 2004 .......................................................... 143
2.2.12 CARTA CAPITAL, ed. 303 e ed. 306 .................................................................. 145
2.3
Interpretação / re-interpretação ..................................................................... 146
2.3.1 VEJA, ed. 1866, 11 ago. 2004 ............................................................................ 148
3.3.2 VEJA, ed. 1867, 18 ago. 2004 ............................................................................ 153
2.3.3 ISTOÉ, ed. 1819, 18 ago. 2004 .......................................................................... 183
2.3.4 ISTOÉ, ed. 1820, 25 ago. 2004 .......................................................................... 188
2.3.5 ÉPOCA, ed. 326, 16 ago. 2004 .......................................................................... 189
2.3.6 ÉPOCA, ed. 327, 23 ago. 2004 .......................................................................... 192
2.3.7 CARTA CAPITAL, ed. 304, 18 ago. 2004 .......................................................... 195
2.3.8 CARTA CAPITAL, ed. 305, 25 ago. 2004 .......................................................... 204
3
CONCLUSÕES E OUTRAS CONSIDERAÇÕES ....................................... 207
REFERÊNCIAS ............................................................................................... 217
OBRAS CONSULTADAS ............................................................................... 223
ANEXO A - Projeto de Lei 3.985/04 ............................................................... 227
ANEXO B - Contribuições para subsidiar elaboração de substitutivo aos
projetos de lei que criam a OJB e o CFJ ........................................................
231
Anexo C - VEJA, ed. 1866, 11 ago. 2004 (Edição complementar para a
análise) ...............................................................................................................
241
Anexo D - VEJA, ed. 1867, 18 ago. 2004 (Edição principal para a análise)
242
Anexo E - VEJA ed. 1868 e ed. 1869 Edições (pesquisadas e descartadas
para a análise) ...................................................................................................
243
Anexo F - ISTOÉ, ed. 1819, 18 ago. 2004 (Edição principal para a análise)
244
Anexo G - ISTOÉ, ed. 1820, 25 ago. 2004 (Edição complementar para a
análise) ...............................................................................................................
245
Y6
Anexo H - ISTOÉ, ed. 1818 e ed. 1821 (Edições pesquisadas e descartadas
para a análise) ...................................................................................................
246
Anexo I - ÉPOCA, ed. 326, 16 ago. 2004 (Edição principal para a análise)
247
Anexo J - ÉPOCA, ed. 327, 23 ago. 2004 (Edição complementar para a
análise) ...............................................................................................................
248
Anexo K - ÉPOCA, ed. 325 e ed. 328 (Edições pesquisadas e descartadas
para a análise) ..................................................................................................
249
Anexo L - CARTA CAPITAL, ed. 304, 18 ago. 2004 (Edição principal
para a análise) ...................................................................................................
250
Anexo M - CARTA CAPITAL, ed. 305, 25 ago. 2004 (Edição
complementar para a análise) .........................................................................
251
Anexo N - CARTA CAPITAL, ed. 303 e ed. 306 (Edições pesquisadas e
descartadas para a análise) ..............................................................................
252
8
1 APRESENTAÇÃO DA PESQUISA
Este estudo tem como tema a manifestação da ideologia no uso do conceito de
liberdade de imprensa pela própria imprensa.
O foco da pesquisa baseou-se na cobertura oferecida pelas revistas semanais
brasileiras de informação geral e circulação nacional - Veja, Istoé, Época e Carta Capital – no
caso do projeto de lei encaminhado ao Congresso Nacional em 4 de agosto de 2004, pelo
Governo Lula, a pedido da Federação Nacional dos Jornalistas e dos sindicatos de jornalistas
profissionais de todo país, propondo a criação do Conselho Federal de Jornalismo.
Nosso objetivo geral foi o de verificar, através da análise crítica da sua retórica ou
discursividade, fixada na produção de sentido, de que modo estes veículos de comunicação
apresentam a questão da liberdade de imprensa na entrada do século XXI, passados então
mais de 200 anos da formulação do seu conceito original, conceito este que ocorre durante o
processo das revoluções burguesas do século XVIII, especialmente no seu auge, na França,
em 1789.
Desde então, o mundo viveu sucessivas e profundas mudanças, não apenas nos
cenários econômico e cultural da sociedade moderna como na própria condição tecnológica e
no caráter sócio-político dos meios de comunicação. Principalmente a partir dos últimos 60
anos, terminada a II Guerra Mundial, quando também se acentua o processo de crescimento
geral das organizações em grande escala.
Parece fora de dúvida, portanto, que, depois de uma transformação tão profunda nos
dois últimos séculos, maior certamente que nos 10 mil anos de toda a história da civilização, a
questão do conceito de liberdade de imprensa esteja, também, a merecer uma re-interpretação
9
à luz de métodos que se apresentem reconhecidos pela comunidade acadêmica
contemporânea.
Constituiu-se, em decorrência, como objetivo específico do presente estudo, a
interpretação dos conceitos empregados sobre liberdade de imprensa pela própria imprensa
brasileira e, especialmente, a interpretação do uso do conceito clássico de liberdade de
imprensa ainda na atualidade, sua pertinência e/ou conveniência para o momento da mídia e
da própria sociedade em que vivemos.
Para procedermos esta investigação, buscamos identificar divergências conceituais
entre os discursos sobre a liberdade de imprensa no corpus da pesquisa e se existe,
eventualmente, formulações de um conceito de liberdade de imprensa que ofereçam maior
coerência histórica que o conceito clássico iluminista.
Moveu-nos, assim, neste estudo, o desafio de identificar contribuições que possam ser
oferecidas ao conceito de liberdade de imprensa, a partir da análise do contexto sócio-
histórico da imprensa e de sua condição na entrada do terceiro milênio.
A abordagem do tema se justifica pela sua evidente relevância para os estudos sobre a
imprensa no Brasil e muito particularmente pela sua oportunidade.
O momento de elaboração do projeto desta pesquisa foi justamente aquele em que se
estabeleceu a polêmica sobre a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ),
encaminhada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva ao Congresso Nacional, a pedido da
Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ).
Este projeto foi recebido sob fortes críticas por parte dos maiores órgãos de imprensa
do país e, por extensão, passou a ser atacado com veemência, através de manifestações de
políticos, de parte dos profissionais da área e de diversos outros segmentos da sociedade civil.
Tal reação motivou a FENAJ, os sindicatos e outra parte dos profissionais da classe, além de
10
entidades favoráveis ao projeto, a usar todas as alternativas para esclarecer a opinião pública
sobre a questão, sem, no entanto, alcançar o objetivo esperado.
O CFJ é uma proposta em debate pela categoria dos jornalistas desde os anos 60,
época em que a FENAJ lutava pela regulamentação da profissão. Se o reconhecimento oficial
da classe dos jornalistas acabou regulamentado próximo ao final daquela década, mais
precisamente em novembro de 1969, a proposta do Conselho permaneceu preterida por mais
35 anos, apesar de reapresentada e rediscutida nos sucessivos congressos bienais da categoria.
Entretanto, como os projetos de criação de qualquer órgão federal devem ser
emanados do poder executivo, por se tratar de uma prerrogativa constitucional do presidente
da República, a FENAJ não havia tido êxito até então em suas tentativas de encaminhamento
do CFJ, através do Palácio do Planalto, para a apreciação e deliberação do Congresso
Nacional.
Foi, finalmente, em 7 de abril de 2004, dia do jornalista, que o presidente Luís Inácio
Lula da Silva, em audiência às diretorias da FENAJ e de dezenas de sindicatos de jornalistas
de todo o país, recebeu o projeto elaborado pela categoria, depois de 40 anos de debates, com
o pedido formal de seu encaminhamento ao poder legislativo.
O anúncio formal da decisão do presidente da República de atender ao pedido da
categoria foi feito, em primeiro mão, para a própria categoria, reunida dia 4 de agosto, na
sessão de abertura do XXXI Congresso Nacional dos Jornalistas, realizado em João Pessoa,
Paraíba. Como esta é uma cidade deslocada do circuito mais regular da cobertura jornalística
nacional, a notícia não chegou a ser publicada na manhã seguinte pela imprensa do centro do
país.
À noite, porém, não mais de 24 horas após o anúncio, os principais telejornais das
redes de televisão aberta – especialmente Globo, Band e Record – já registravam forte reação
contra a proposta, até mesmo com veementes protestos através de editoriais, reação esta que
11
se estendeu, a partir do dia seguinte, 6 de agosto, aos principais jornais, inclusive alguns do
exterior, e a programas de rádio-jornalismo de diversas emissoras do país.
Como o anúncio foi feito na noite de uma quarta-feira e as revistas semanais de
informação geral e circulação nacional - Veja, Época, Istoé e Carta Capital – costumam
fechar suas edições a partir da noite de quinta-feira, o tema recebeu pouco destaque neste
momento. Mas já no final da semana seguinte três delas transformaram o assunto em matéria
principal e de capa, merecedor também da página editorial de suas edições.
A única revista semanal a não reservar a capa para o tema foi a Época. Mesmo assim,
como Veja e Istoé, dedicou o editorial e praticamente todo o espaço reservado ao assunto para
condenar o projeto do CFJ como sendo uma tentativa do governo Lula de impor a volta da
censura ou do controle autoritário sobre a imprensa, desconsiderando todo o longo histórico
do encaminhamento da proposta por iniciativa da FENAJ.
Esta mobilização da mídia, procurando envolver os mais diferentes segmentos da
opinião pública contra a proposta – a exceção da abordagem oferecida pela revista Carta
Capital, como destacamos neste estudo –, acabou sendo acolhida pelo plenário da Câmara dos
Deputados, que em regime de urgência, sem sequer ter aberto o debate sobre o tema,
arquivou o projeto quase ao final do mesmo ano de 2004.
A alegação foi de que o CFJ representava uma ameaça à liberdade de imprensa,
segundo o parecer do relator, deputado Nelson Proença, interessado direto na questão, uma
vez que detentor de concessões de emissoras no Rio Grande do Sul, assim como boa parte de
seus pares no Congresso Nacional em seus respectivos estados.
Para a FENAJ (2004), “As entidades que verdadeiramente representam os jornalistas
brasileiros [...]” propuseram a criação do CFJ por defenderem a informação como um bem
público a qual todos têm direito, e por acreditarem que um conselho próprio da categoria
poderia contribuir para o aprimoramento do jornalismo, “[...] tornando-o mais ético,
12
democrático, plural e comprometido com a constituição da cidadania e com a promoção do
bem comum.”
O tema, assim, permaneceu controverso e, quanto mais não fosse, até por isso mesmo
já mereceria uma atenção profunda da pesquisa acadêmica.
É no esforço científico que reside a fonte natural do aporte capaz de produzir luzes
mais esclarecedoras para um discurso que resultou flagrantemente parcial,
predominantemente opinativo, e que foi muito pouco além dos espaços da própria imprensa,
na sua grande parte naturalmente comprometida, ainda que – por óbvio – não impedida de
também participar do debate.
Assim, mesmo condenado e, por fim, executado sumariamente pelas grandes
corporações da mídia, não tendo recebido sequer a oportunidade de ser debatido pelo
Congresso Nacional, para onde fora encaminhado com este propósito, o projeto do Conselho
Federal de Jornalismo acabou encontrando somente nos cursos de comunicação – e nem em
todos - alguma oportunidade de debate, geralmente breve e de escassa profundidade.
Resta, pois, à pesquisa acadêmica apropriar-se do tema e aprofundá-lo com
determinação.
Também é justificável este estudo por uma circunstância conjuntural, considerando
que nesta virada de século a mídia em nosso país passou a viver, segundo a revista Carta
Capital (PACHECO, 2004), o seu estágio de maior concentração econômica e, ao mesmo
tempo, até por isso mesmo, uma crise sem precedentes e generalizada de endividamento. E
isto ocorreu, entre outras razões, porque, apostando num virtual boom do setor, andou
servindo-se de fartos financiamentos externos, logo revelados como incompatíveis com a
condição do mercado brasileiro no momento.
Como exemplo deste cenário de crise, verifica-se o pedido de socorro ao governo por
parte dos maiores grupos de mídia brasileiros para administrar essas dividas. Outro exemplo é
13
a alteração constitucional, em vigor desde dezembro de 2002, que abre ao capital
internacional a possibilidade de se associar à empresas detentoras de jornais, revistas,
emissoras de rádio e televisão em nosso país, um dos únicos, senão o último, segmento de
atividade econômica brasileira até então vetado à participação de acionistas estrangeiros,
mesmo na condição de minoritários.
A atenção do meio acadêmico sobre o tema é fundamental também - inclusive por
conta do mencionado cenário de crise da mídia - porque este é o momento em que se amplia
no país o debate sobre ética e democratização dos meios de comunicação. Isso tem acontecido
das mais variadas formas, como, por exemplo, através de mobilizações como a que resultou
na instalação do Conselho de Comunicação Social, ainda que com poderes limitados e com
um atraso de 15 anos desde sua aprovação pela Constituinte de 1988.
Também são exemplos deste cenário, a formação do Fórum Nacional pela
Democratização da Comunicação, o movimento pelo reconhecimento da cláusula de
consciência do jornalista, a mobilização pelas rádios comunitárias, a programação de um eixo
temático específico do V fórum Social Mundial de Porto Alegre sobre a condição do controle
da mídia, assim como é importante registrar a proliferação de sites e redes de discussão sobre
a matéria pela internet.
Desta maneira, a polêmica causada em torno da apresentação do projeto do CFJ
acabou representando uma boa oportunidade para analisarmos não apenas a questão da
legitimidade do discurso sustentado hoje pela imprensa brasileira, como também para
analisarmos o papel histórico e/ou teórico dos meios de comunicação de massa, seu
comportamento atual efetivo nas relações políticas, econômicas, sócio-culturais e
profissionais.
Mais que isso, casos como este do embate em torno do CFJ nos remetem à uma
reflexão sobre a própria legitimidade da imprensa como “quarto poder” – como é chamada -,
14
e particularmente como instituição privada detentora de poder privilegiado, já que goza de
benefícios e/ou facilidades legais e fiscais, o que vem lhe proporcionando um intenso
processo de agigantamento, de oligopolização e, enfim, de ascendência – se não de
dominação - sobre a opinião pública.
Trata-se, porém, de uma situação paradoxal, pois, ao mesmo tempo em que os meios
de comunicação no país gozam de benefícios legais e fiscais que alimentam tal concentração,
a Constituição Federal, em vigor desde 1988, em seu artigo 220, parágrafo 5° (BRASIL,
2003, p. 137), estabelece que “Os meios de comunicação social não podem, direta ou
indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio.”
Esse processo de concentração e de gigantismo das corporações privadas
controladoras da informação não é exclusivo do Brasil e nem se limita a mega-operações
sobre a mídia. Pelo contrário, trata-se de uma das manifestações flagrantes do cenário
contemporâneo da hegemonia capitalista, envolvendo os maiores grupos multinacionais dos
segmentos mais estratégicos da economia, como bancos e empresas de telecomunicações,
entre outros.
Em 1990, na introdução de uma das mais citadas obras que tratam do problema da
concentração dos meios de comunicação e de seu atrelamento aos grandes grupos
multinacionais, “O Monopólio da Mídia”, o professor norte-americano Bagdikian (1993, p.
15) já observava:
[...] Nos anos oitenta, a maioria dos mais importantes meios de comunicação
americanos – jornais, revistas, rádio, televisão, livros e filmes – era
controlada por cinqüenta corporações gigantes. Por meio de interesses
financeiros, estas corporações interligavam-se a outras grandes indústrias e a
uns poucos bancos internacionais dominantes.
15
Apenas sete anos depois, no prefácio da 5ª edição do original em inglês do mesmo
livro (The Media Monopoly), Bagdikian (1997, p. XII) percebia que o quadro era ainda mais
grave:
[...] Antes era possível identificar as empresas que dominavam cada
segmento da mídia – jornais, revistas, rádio, televisão, livros e filmes. Mas, a
cada nova edição deste livro, o número de empresas que controlam todas
essas mídias tem encolhido: de 50 grandes corporações, em 1984, para 26
em 1987, depois para 23 em 1990 e, a partir daí, na medida em que as mídias
vão se convergindo cada mais, o número de corporações controladoras cai
para menos de 20 em 1993. Já em 1996, o número de grandes empresas de
mídia com poder dominante na sociedade não passava de 10.
E a tendência seria de uma concentração ainda maior. Na entrada do ano 2000 aparece
o registro de que
[...] quatro ou cinco grupos dominarão todas as formas de mídia concebíveis,
da imprensa tradicional à internet, passando por cinema, rádio, televisão,
videogames, não só nos Estados Unidos como provavelmente em todo
mundo (LAFIS, 2000, p. 68).
No Brasil, apesar da recente abertura constitucional à participação do capital
estrangeiro nas empresas de comunicação, o controle dos diferentes veículos da mídia persiste
em mãos de centenas de grupos nacionais, quase todos familiares e/ou de políticos locais ou
regionais.
Mas o fato de estarem, assim, pulverizados por todo o território nacional, não significa
que, também aqui, os veículos de comunicação de massa não estejam, direta ou indiretamente,
atrelados a uma meia dúzia de grandes grupos, os detentores de cabeças de rede de televisão,
geradores de programação nacional a partir dos principais centros do país.
Dada a sua condição hegemônica, tanto no que diz respeito à participação no bolo dos
investimentos regulares em publicidade, quanto na audiência nacional, os poucos grupos que
detêm as cabeças de rede de televisão acabam exercendo influência - e, em muitos casos, até
16
ascendência - sobre os conteúdos dos demais meios de comunicação de todo o país, afiliados
ou não: rádios, jornais, revistas, provedores de internet e, mais recentemente, telefonia.
Isso fez com que, por exemplo, só a Rede Globo, em 2002, estivesse reunindo 227
veículos, sendo 95 emissoras de televisão VHF, 8 emissoras de televisão UHF, 41 emissoras
de rádio AM, 59 emissoras de rádio FM e 24 jornais (EPCOM, 2000), além de produzir filmes
e conteúdos de vídeo para exportação, controlar a maior operação de TV por assinatura do
país, deter um dos mais poderosos portais de internet, sendo editora, também, de livros,
vídeos, CDs, DVDs e diversas revistas semanais e mensais de circulação nacional.
Cabe aqui destacarmos o que sustenta, a propósito, Herz (2003), diretor do EPCOM -
Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação:
A inexistência de restrições à propriedade cruzada permite que as redes
nacionais de TV aberta se constituam em elemento aglutinador e instrumento
hegemonizador de um sistema de mídia que, no total, inclui, entre rádios e
TVs e jornais, 667 veículos de comunicação. Esta faculdade oligopolizadora
define as bases da estruturação do sistema de mídia no país e condiciona seu
contorno econômico, político e cultural.
Para a realização da nossa pesquisa, não poderíamos, então, deixar de considerar a
discursividade sobre o tema em questão - CFJ e a liberdade de imprensa - oferecida pelos
principais grupos de comunicação do país. A começar pelos controladores das Organizações
Globo, a família Marinho, maior grupo multimídia do país e um dos maiores do mundo, com
sede no Rio de Janeiro, sendo também sócio do grupo Folha de S. Paulo no jornal Valor, este
especializado na cobertura econômica.
Uma vez identificado o grupo Globo como fundamental para o nosso estudo,
poderíamos ter ampliado a nossa verificação sobre as outras redes nacionais de TV, já que é
este o veículo de maior expressão e já que, como vimos, é em torno da televisão que orbitam
as outras mídias.
17
Esta, contudo, não foi a nossa opção, uma vez que as demais redes de televisão do país
- Band, Record, SBT, CNT, Rede TV! e Cultura-Educativa - situam-se num patamar muito
inferior à primeira, não apenas em audiência de telespectadores, como também em termos de
peso político e repercussão de sua opinião.
Embora, também se distinguindo da Globo por uma fatia bem menor no mercado
televisivo, mas justamente pela sua importância política e sua característica multimídia, o
grupo Abril foi a nossa principal opção para ampliar o corpus da pesquisa.
A participação da Abril no mercado brasileiro de televisão limita-se a uma rede de
emissoras segmentada para o público jovem (MTV) e à participação no controle do sistema
TVA, a segunda maior operação de TV por assinatura no país. Mas a sua maior inserção no
território nacional e, por decorrência, sua grande influência na opinião pública brasileira, se
processa através dos mais de 350 milhões de exemplares anuais de seus 150 títulos de revistas
semanais, mensais e eventuais.
Controlado pela família Civita, o grupo Abril – assim como a Globo - também está
associado à família Frias, não na Folha de S. Paulo, o maior jornal do país, nem no jornal
Valor, mas no portal UOL - Universo On-line. E é através desta sociedade, a UOL-Folha
S/A., que a Abril acaba envolvida na primeira operação de entrada de capital estrangeiro na
mídia brasileira, em janeiro de 2005, ao repassar 21% das ações da holding ao grupo Portugal
Telecom, parceiro da Telefônica de Espanha na “Vivo”, maior operadora de telefonia celular
no país.
Selecionando, assim, Globo e Abril, estaríamos reunindo para a nossa pesquisa os dois
maiores e mais influentes grupos de comunicação do país, sendo também os grupos
brasileiros que mais se identificam com a tendência mundial de concentração da informação.
Faltaria, agora, a escolha do objeto da pesquisa neste complexo corpo da multimídia.
18
Não poderia ser a televisão, mesmo sendo o veículo hegemônico entre todas as mídias,
já que o grupo Abril não opera com este meio de forma generalizada para todo o país e, sim,
apenas limitadamente, como produtora, especificamente para o público jovem e, como
distribuidora de TV a cabo, para poucas regiões. Também não poderia ser o rádio nem o
jornal, mídias que a Abril não explora. A opção igualmente não poderia ser os portais de
jornalismo na internet, uma vez que a Abril, na sua associação com a Folha no UOL, participa
editorialmente apenas com os conteúdos já veiculados em suas revistas.
A escolha recaiu, portanto, naturalmente, nesta mídia que é comum aos dois grupos,
a revista semanal de informação geral e de circulação nacional: a Veja, no caso da Editora
Abril, e a revista Época, editada pela Globo.
A escolha da revista semanal de informação geral e circulação nacional se justifica
também - e muito especialmente - pelo fato de ser este o tipo de veículo de mídia que, pelo
menos tradicionalmente, mais se dispõe a aprofundar as interpretações dos fatos. Mesmo
porque, como tem mais prazo, em princípio, pratica uma espécie de filtro das informações
cotidianas para oferecer, passados alguns dias, uma abordagem final mais abrangente àquelas
de maior relevância.
Entre as revistas a escolha de Veja é uma opção natural não apenas por ser o veículo
de maior força política da Editora Abril, mas também por ser a mais antiga revista semanal de
informação geral e circulação nacional e a de maior tiragem, com mais de 1 milhão de
exemplares, conforme publicado em sua página na internet.
Época, lançada em 1998, não é o principal veículo da empresa jornalística da família
Marinho, mas já registra a segunda maior tiragem (470 mil exemplares) no segmento de
revistas semanais de informação e circulação nacional, manifestando regularmente – e assim
documentando - a opinião das Organizações Globo nas questões centrais do debate político,
como foi o caso do projeto do Conselho Federal de Jornalismo.
19
Ao definirmos o objeto de pesquisa, percebemos ainda que, se incluíssemos as duas
outras revistas semanais de informação geral e circulação nacional – Istoé e Carta Capital –,
estaríamos dispondo de todo este segmento da mídia no Brasil. Mais que isso: estaríamos
dispondo também de uma diversidade no corpus da pesquisa, o que certamente enriqueceria –
como de fato ocorreu – o nosso estudo.
Mesmo num patamar empresarial de porte bem menor que Veja e Época, Istoé tem
exercido um papel importante na concorrência do setor, desde a sua fundação, no final da
década de 1970, sendo um veículo reconhecido pelas reportagens exclusivas e de impacto em
momentos cruciais da vida política brasileira, como no caso do impeachment do presidente
Fernando Collor de Mello. A publicação (de 280 mil exemplares em média) é controlada pelo
editor Domingo Alzugaray, responsável por outros títulos do segmento revista, como Istoé
Dinheiro e Istoé Gente.
A última - mas não menos importante - revista da nossa pesquisa é a Carta Capital,
dirigida e controlada por um dos mais renomados jornalistas brasileiros, Mino Carta,
justamente o primeiro diretor de Veja, como também da Istoé. Entre as quatro revistas de
nosso estudo, Carta Capital é a de menor estrutura, a de menor tiragem e circulação no
segmento (58.500 mil exemplares em média), não se vincula a qualquer outro título nem a
qualquer grupo econômico, mas – e até por isso mesmo - vem sendo cada vez mais
reconhecida como uma publicação que se destaca por posições bastante divergentes do
restante da grande imprensa brasileira, sem omitir suas preferências políticas em momentos
em que assim considera fundamental. Foi o caso da eleição presidencial de 2002, quando se
posicionou a favor da candidatura de Lula.
Para o recorte do material empírico, definiu-se, primeiramente, pelas narrativas sobre
o tema constantes nas quatro revistas publicadas nas quatro semanas subseqüentes ao anúncio
do encaminhamento do projeto do CFJ ao Congresso Nacional.
20
Todas essas edições foram publicadas, então, com datas de capa entre 8 de agosto e
primeiro de setembro de 2004, e em todas elas a polêmica sobre o Conselho Federal de
Jornalismo estava presente nas mais diversas formas ou gêneros jornalísticos: reportagens,
editoriais, colunas, artigos assinados, enquetes, notas sem fontes, entrevistas especiais, cartas
dos leitores, capas, fotos, charges e ilustrações em geral.
As edições relativas à semana do anúncio do projeto, por questões de prazo de
fechamento, como já foi mencionado, trataram o tema de forma limitada, com escasso
material para a nossa análise.
A abordagem mais ampla foi na semana seguinte, a terceira do mês de agosto,
constituindo-se esta, assim, no nosso material principal de análise. Foram as edições desta
semana que ofereceram o maior número de páginas ao tema, com entrevistas, editoriais e
opiniões de colunistas e leitores, sendo também as mais ricas em ilustrações, inclusive a
própria capa de três das quatro revistas.
O tema persistiu nas quatro revistas por mais duas semanas, com abordagens
complementares e manifestações de colunistas e cartas de leitores e/ou de personalidades
citadas.
Visando à confirmação do discurso sustentado na edição escolhida como a principal
para a análise, a da terceira semana do mês de agosto, decidimos por considerar mais uma
edição de cada uma destas revistas, no mesmo período das quatro semanas, optando por
aquelas de textos mais significativo para nosso estudo.
As reportagens relativas ao tema e constantes das demais duas edições de cada uma
das quatro revistas, embora descartados a priori para a interpretação, são também
apresentados, resumidamente, neste relatório, uma vez que eventualmente serviram para
confirmar algumas das conclusões a que chegamos.
21
Como o nosso propósito foi o de identificar a ideologia no uso do conceito de
liberdade de imprensa pela própria imprensa, sendo o material empírico extraído das
narrativas desta mesma imprensa, e sendo nossa opção de análise pelo procedimento da
interpretação, ou das percepções pessoais, o referencial metodológico que encontramos
adequado para esta pesquisa foi o da Hermenêutica de Profundidade, através da proposição
de John B. Thompson.
É ele (THOMPSON, 1995, orelha) quem “[...] nos brinda com uma discussão crítica
que ajuda a colocar ordem no complexo campo das teorias sobre ideologia [...] e (quem) nos
oferece uma teoria social para a compreensão do papel das mídias nas sociedades modernas.”,
tudo isso além de nos proporcionar “[...] um referencial metodológico claro, profundo e
didático para o estudo das formas simbólicas, em geral, e da ideologia em particular.”
A Hermenêutica de Profundidade, diz Thompson (1995), se inspira na arte
hermenêutica da interpretação de textos sagrados e sobre os mistérios da natureza.
De fato, o professor Gomes (1997), pesquisando a gênese e os usos do conceito de
hermenêutica, identifica a palavra como de origem grega, vem de hermeneu, termo que
provavelmente derive de Hermes, o mensageiro dos deuses, ao qual – por isso mesmo – a
mitologia atribui a origem da linguagem e da escrita. Daí a sua dimensão sacra: a
compreensão e interpretação de uma mensagem divina, como de um oráculo de Delfos, o qual
precisa de uma interpretação para ser compreendido, ou decifrado.
Da Grécia para Roma, a conotação teológica permanece, sendo o termo adotado pelo
cristianismo, especialmente para designar a ‘correta’ interpretação dos textos bíblicos, ou seja,
igualmente das mensagens divinas. E a tradução de hermenêutica do grego para o latim - e daí
para o português - é predominantemente esta: interpretar. Mas também quer dizer declarar,
anunciar, esclarecer e até mesmo traduzir, “[...] visto que toda tradução consiste na
22
transposição de um complexo significativo para outro horizonte de compreensão lingüística.”
(CORETH, 1973 apud GOMES, 1997, p. 26).
Gomes (1997) entende, porém, que as múltiplas acepções do termo coincidem num
ponto: levar algo à compreensão, tornar alguma coisa inteligível, compreensível. E embora
tenha tido sua origem, desenvolvimento e objeto no campo da teologia, Gomes (1997) relata
que, a partir de Friederich Schleiermacher, a hermenêutica passa a ser reconhecida pela
filosofia, como “[...] a arte da compreensão, é uma arte que, como tal, não visa ao saber
teórico, mas sim ao uso prático. Isto é, a práxis ou a técnica da boa interpretação de um texto
falado ou escrito.” (GOMES, 1997, p. 27).
Tal técnica contempla, por um lado, uma compreensão divinatória espontânea,
oriunda de uma empatia “[...] só possível plenamente entre espíritos aparentados [...]”
(GOMES, 1997, p. 27) e, por outro lado, uma compreensão comparativa, “[...] que se apóia
numa multiplicidade de conhecimentos objetivos, gramaticais e históricos, deduzindo o
sentido a partir da comparação ou do contexto dos enunciados.”
Esta praxis ou técnica vai, contudo, ser relativizada, ainda no campo filosófico,
especialmente por Gadamer, através da formulação de uma teoria da compreensão, que não
desconsidera o círculo hermenêutico de Schleiermacher, mas revaloriza a idéia de
preconceito, livrando-a do sentido pejorativo que havia adquirido a partir do Iluminismo e
reconhecendo-a, então, como, não mais nem menos, que “[...] uma pré-compreensão
historicamente transmitida e [ou, ainda que] cientificamente irrefletida.” (GOMES, 1997, p.
28, grifo do autor)
Gomes (1997) afirma ainda que, como a palavra interpretar tornou-se comum,
perdendo a precisão, hoje se prefere o termo hermenêutica para indicar o conjunto dos três
seguintes aspectos: a interpretação dos textos, o condicionamento da leitura por uma pré-
compreensão emanada do contexto vital do leitor e a interferência do ato hermenêutico, que
23
faz crescer o sentido do texto que se interpreta. Em outras palavras, podemos dizer então que
o ato hermenêutico é o de buscar o sentido que se encontra oculto nas entrelinhas ou expresso
de forma indireta.
Assim como Gomes, Thompson (1995) também se fundamenta em Gadamer, Paul
Ricoeur e outros, para os quais a hermenêutica é fundamental e até inevitável para as
operações de compreensão das narrativas ou formas simbólicas de qualquer natureza.
Na entrada dos anos 1990, depois de séculos de sua formulação original e de
sucessivas e consideráveis alterações no emprego do termo, assim como de profundas
transformações da própria cultura e linguagem da sociedade, os conceitos de hermenêutica, já
libertos do caráter preconceituoso, acabam reconhecidos como válidos para a construção de
uma ferramenta eficaz na tarefa de desvendar o sentido último, não explicitado, contido nas
mais diversas formas simbólicas presentes na sociedade, como nos meios de comunicação de
massa.
Esta é a fundamentação de Thompson para propor o método da Hermenêutica de
Profundidade, no qual o objeto de análise é a construção simbólica significativa a exigir uma
interpretação. Este método é desenvolvido em três fases, a saber:
A primeira fase é a da análise sócio-histórica. Thompson (1995) sustenta que as
formas simbólicas não subsistem do nada. Elas são criadas, transmitidas e recebidas em
condições sociais e históricas específicas. Assim, segundo Thompson (1995), o pesquisador
deve ficar sempre atento e relatar as condições espaço-temporais em que o fenômeno
pesquisado estiver inserido, considerando as instituições e interesses que se relacionam com
ele, as interações percebidas no contexto, a estrutura social em que o sujeito se encontrar e os
meios de transmissão desses fatos e/ou do fenômeno em si.
Thompson (1995) prescreve um nível de análise distinto para cada um destes aspectos
básicos dos contextos sociais.
24
O primeiro refere-se às situações espaço-temporais. São onde as formas simbólicas
são produzidas (faladas, narradas, inscritas) e recebidas (vistas, ouvidas, lidas) por pessoas
que pertencem a um lugar específico, agindo e reagindo a tempos particulares e a locais
especiais, fazendo com que a reconstrução desses ambientes seja uma parte importante da
análise sócio-histórica.
O segundo aspecto básico na consideração dos contextos sociais é o relacionado ao
campo de interação. Thompson diz que as formas simbólicas estão situadas dentro de um
campo de interação, o que pode ser visto como um espaço de posição e um conjunto de
trajetórias que determinam algumas das relações entre pessoas e oportunidades acessíveis a
elas.
O terceiro nível de análise sócio-histórica se refere às instituições sociais, que são
vistas como um conjunto relativamente estável de regras e recursos, estabelecendo as relações
sociais. Para Thompson (1995), analisar instituições sociais é reconstruir os conjuntos de
regras, recursos e relações que as constituem, é traçar seu desenvolvimento através do tempo
e examinar as práticas e atitudes das pessoas que agem a seu favor e dentro delas.
O quarto e último nível de análise é o que se pode chamar de estrutura social, que se
refere às assimetrias e diferenças relativamente estáveis, que caracterizam as instituições
sociais e os campos de interação, ou seja, sua finalidade é identificar as assimetrias, as
diferenças e as divisões.
Ligados à estrutura social, encontram-se os meios técnicos de construção das
mensagens e de transmissão, já que as formas simbólicas são trocadas entre as pessoas,
implicando algum meio de transmissão, seja de forma direta, ou através dos meios de
comunicação.
25
Thompson (1995) destaca que a análise sócio-histórica dos meios técnicos não pode se
constituir apenas numa investigação técnica, mas deve procurar elucidar os contextos sociais
mais amplos em que esses meios estão inseridos e empregados.
Segundo o enfoque da HP, o objetivo da análise sócio-histórica é reconstruir as
condições sociais e históricas de produção, circulação e recepção das formas simbólicas, ou
seja, os objetos e expressões que circulam nos campos sociais. Sendo tais campos sociais
também construções simbólicas complexas que apresentam uma estrutura articulada, essa
característica, diz Thompson (1995), vai exigir uma segunda fase de análise.
A segunda fase da metodologia da Hermenêutica de Profundidade é a da análise
formal ou discursiva. Thompson (1995) destaca que esta é a fase pela qual, objetos e
expressões que circulam nos campos sociais são, também, de construções simbólicas
complexas que apresentam uma estrutura articulada. As formas simbólicas são produtos
contextualizados, que possuem algo a mais: a capacidade e o objetivo de dizer alguma coisa
sobre algo.
Este tipo de análise enfoca, em especial, a organização interna das formas simbólicas,
com suas características estruturais, seus padrões e relações, servindo para a construção do
campo-objetivo a ser pesquisado.
Há formas variadas de conduzir a análise formal ou discursiva, de acordo com o objeto
e as circunstâncias de investigação. Uma forma é a análise semiótica, que busca evidenciar as
maneiras pelas quais as formas simbólicas são construídas, contribuindo para identificar os
elementos constitutivos e suas inter-relações, em virtude dos quais se dá o sentido de uma
mensagem.
Já para analisar as características estruturais das expressões lingüísticas e as relações
do discurso, Thompson (1995) defende a análise sintática, por ela ocupar-se com a sintaxe e
com gramática do dia-a-dia.
26
Outro modo de interpretação do discurso é encontrado na estrutura narrativa, que gera
a análise narrativa, opção do nosso estudo. O autor (Thompson, 1995) define a narrativa,
como um discurso que narra uma seqüência de fatos, ou como se diz, conta uma história.
Comumente, a história possui uma variedade de personagens e uma sucessão de atos, que de
forma combinada, em uma seqüência coerente, forme o enredo. Já os personagens, são
definidos de acordo com as suas relações mútuas dos seus papéis no desenvolvimento do
enredo.
Chega-se, então, à terceira fase do enfoque da HP, na qual as formas simbólicas
podem finalmente ser interpretadas e compreendidas nos diversos contextos da vida social: é a
fase da interpretação / re-interpretação. Thompson (1995) sustenta que esta fase deve se
beneficiar do contexto sócio-histórico e da análise discursiva ou formal. É por esta síntese que
a interpretação se constitui. Para o autor, a interpretação implica um movimento novo de
pensamento:
[...] Por mais rigorosos e sistemáticos que os métodos de análise formal ou
discursiva possam ser, eles não podem abolir a necessidade de uma
construção criativa do significado, isto é, de uma explicação interpretativa
do que está representado ou do que é dito. (THOMPSON, 1995, p. 375).
Thompson (1995) diz ainda que a interpretação é, ao mesmo tempo, um processo de
re-interpretação. Isto ocorre porque as formas simbólicas, o objeto de interpretação, são parte
de um campo já pré-interpretado, re-interpretadas na seqüência pelos sujeitos que constituem
o mundo sócio-histórico e também possuem suas características estruturais internas.
Este conflito que foi gerado pelas divergências entre uma interpretação de superfície e
outra de profundidade, entre pré-interpretação e re-interpretação, cria o espaço metodológico
que Thompson (1995) descreve como “potencial crítico da interpretação”.
27
Assim, na sua terceira fase, o referencial da Hermenêutica se mostra mais útil, pois é o
instante em que o pesquisador interfere e arrisca sua interpretação, ou re-interpretação de
interpretações já fornecidas pelos participantes. Se até aqui se procedia por análise, o processo
agora busca novos sentidos tentando iluminar, a partir de diferentes referenciais teóricos, o
fenômeno sob estudo.
O autor também procura mostrar como o referencial metodológico da HP pode ser
empregado para os fins de interpretar a ideologia. Ele toma a interpretação da ideologia como
uma forma específica de seu método. Essa interpretação se apóia sobre cada uma das fases do
enfoque da HP, analisando-as de um modo particular, com o objetivo de ressaltar as maneiras
como o significativo serve para sustentar e estabelecer relações de dominação: “[...]
Interpretar a ideologia é explicitar a conexão entre o sentido mobilizado pelas formas
simbólicas e as relações de dominação que este sentido ajuda a estabelecer e sustentar.”
(THOMPSON, 1995, p. 379).
Thompson (1995) percebe a ruptura entre produção e recepção como uma ruptura
estruturada, em que os produtores de formas simbólicas, embora dependentes, até certo ponto,
de receptores para a valorização das formas simbólicas, são institucionalmente instruídos e
obrigados a produzir formas simbólicas na ausência de respostas diretas dos receptores. Com
isso, é possível aproximar-se das formas simbólicas mediadas pelos meios de comunicação de
massa, distinguindo três aspectos ou campos objetivos que o autor denomina como “enfoque
tríplice”.
O primeiro aspecto é o da produção e transmissão ou difusão das formas simbólicas, o
segundo é a construção da mensagem dos meios de comunicação e o terceiro é a recepção e a
apropriação das mensagens dos meios.
28
[...] A análise da produção e transmissão é essencial à interpretação do
caráter ideológico das mensagens, pois ela lança uma luz sobre as
instituições e as relações sociais dentro das quais essas mensagens são
produzidas e difundidas, bem como sobre as afirmações e pressupostos dos
produtores. (THOMPSON, 1995, p. 395).
O enfoque metodológico apresentado por Thompson (1995) possibilita, então, uma
visão de como o conceito de ideologia pode desempenhar um papel, ainda que restrito e
cuidadosamente definido, dentro de uma teoria social fundamentada na hermenêutica e
orientada para a crítica. É deste modo que procura mostrar como o referencial metodológico
da HP pode ser empregado para os fins de interpretar a ideologia, tomando tal interpretação
como forma específica de HP: “[...] Interpretar a ideologia é explicitar a conexão entre o
sentido mobilizado pelas formas simbólicas e as relações de dominação que este sentido ajuda
a estabelecer e sustentar.” (THOMPSON, 1995, p. 379).
Assim, para a interpretação da ideologia no uso do conceito de liberdade de imprensa
pelas revistas semanais brasileiras de informação geral, foi necessário estudar tanto o contexto
sócio-político e histórico quanto as formas simbólicas dos impressos. Só seguindo estes
estágios de análise é que pudemos verificar a ideologia nos discursos sobre a liberdade de
imprensa no corpus pesquisado, assim como nos dispusemos interpretar a pertinência do uso
que estes veículos fazem dos conceitos nesses mesmos discursos.
A análise sócio-histórica e a interpretação/re-interpretação, primeira e terceira fases
deste estudo, assim como os argumentos que sustentam as nossas justificativas para a tese
aqui desenvolvida, servem-se de uma pesquisa qualitativa, baseada numa investigação
bibliográfica.
A pesquisa qualitativa caracteriza-se como um processo que não admite visões
isoladas, parceladas e estanques, enfatizando, segundo Bogdan e Biklen (1994, p. 11), “[...] as
percepções pessoais [...]” Para Triviños (1994), a pesquisa qualitativa é realizada numa
29
interação dinâmica entre o objeto de estudo e o pesquisador, retroalimentado-se e sendo
reformulada constantemente.
Taylor e Bogdan (1987) afirmam que, nesta modalidade de pesquisa, busca-se
desenvolver conceitos e compreensões a partir da análise dos dados selecionados para uma
avaliação flexível das hipóteses ou teorias. Entende-se, neste procedimento, que o autor da
investigação deva estar consciente da sua não-neutralidade e das conseqüências que ela
produz nos sujeitos objetos. Considera-se, também, que o pesquisador não busque a verdade
absoluta, mas que acredite no valor das diferentes perspectivas.
Ainda para Taylor e Bogdan (1987), a pesquisa qualitativa é uma forma de encarar o
modo empírico como uma investigação indutiva, começando com algumas questões que vão
se delineando no decorrer da trajetória do pesquisador. Também é uma pesquisa que estuda os
dados no seu contexto, com maior interesse pelo processo que pelos resultados.
Já a pesquisa bibliográfica requer uma metodologia que contemple etapas
consideradas relevantes para a compreensão do tema proposto, visando fixar uma
fundamentação teórica para os estudos pretendidos.
De acordo com Souza (1997), é necessário proceder a identificação da problemática
fixando o recorte para a análise. Na seqüência, busca-se a contextualização do recorte no
âmbito da pesquisa para, na etapa seguinte, promover-se, então, o resgate crítico da produção
teórica sobre o assunto.
É nesta etapa do resgate crítico que se define o delineamento de hipóteses e
indagações para a descrição dos diferentes posicionamentos teóricos, buscando semelhanças e
divergências subjacentes para sistematizar e refinar as interpretações.
Uma pesquisa determinada a identificar e interpretar a ideologia no uso intencional de
determinados conceitos - como no caso, o conceito de liberdade de imprensa nos textos
extraídos dos próprios veículos da imprensa - as revistas Veja, Istoé, Época e Carta Capital -
30
não poderia, assim, prescindir – como não prescindiu – de considerações acerca de inter-
relações dos sujeitos envolvidos e de seus aspectos históricos, pois, como afirma John B.
Thompson (1995, p. 336), “[...] as formas simbólicas não subsistem ao vácuo, elas são
produzidas, transmitidas e recebidas em condições sociais e históricas específicas.”
Considerando que o objeto da presente pesquisa é a ideologia nos meios de
comunicação ao tratar a questão da liberdade de imprensa, e que o estudo tem como base a
Hermenêutica de Profundidade em Thompson - onde a análise sócio-histórica é um dos
pilares -, o percurso empreendido tampouco pôde prescindir de um guia de pesquisa histórica.
Sendo assim, tornou-se natural à opção pelo paradigma dos estudos históricos de vigência
contemporânea, como o sustentado por Burke (2002).
Para ele, a Nova História diferencia-se da tradicional em seis pontos: primeiro,
considera que, enquanto o paradigma tradicional diz respeito somente a história política, para
a Nova História, tudo é histórico; segundo, enquanto a história tradicional trata a história
como narração de fatos, a Nova preocupa-se em analisar as estruturas; terceiro, a história
tradicional olha de cima enquanto que a Nova História olha de todos os ângulos possíveis;
quarto, a história tradicional baseia-se em documentos oficiais, diferente da Nova História,
que aceita todos os documentos; quinto, o historiador tradicional explica por meio da vontade
do indivíduo histórico, enquanto a Nova História explica através dos movimentos da
sociedade; e, sexto, o paradigma tradicional considera a história uma tendência objetiva
enquanto o paradigma novo não crê na objetividade total.
Na análise que desenvolvemos, o fato da imprensa usar hoje um conceito histórico de
liberdade de imprensa, originado do ambiente iluminista, se faz necessário observar a
evolução do contexto sócio-histórico desde aquele momento até nossos dias.
Quanto ao segundo ponto, a análise das estruturas também se faz necessária, uma vez
que a liberdade de imprensa é reconhecidamente uma questão estrutural da sociedade.
31
O terceiro ponto destacado por Burke (2002) sugere um olhar multiangular sobre a
história, o que converge plenamente com o método que usamos na presente pesquisa, a
Hermenêutica de Profundidade, descrito na seqüência.
Burke (2002) sugere também que não apenas os documentos oficiais devam ser
considerados objetos de análise, mas todos os documentos que tenham relevância histórica,
o que se afina com o presente projeto que contempla a pesquisa bibliográfica assim como
coloca sob análise as revistas semanais de informação.
Sobre o quinto ponto do paradigma da Nova História, Burke (2002) sustenta que os
movimentos da sociedade têm relevância no processo histórico. Neste particular,
enquadram-se as referências que serão consideradas neste estudo sobre o movimento pela
democratização da imprensa, o movimento dos jornalistas profissionais pela criação de um
Conselho Federal para a categoria, não podendo ser desconsiderada, também, como um
movimento da sociedade, a reação da própria imprensa sobre tal proposta.
Por último, como, segundo Burke (2002), a Nova História não crê na possibilidade de
objetividade total, entendemos que a presente elaboração interpretativa é também
fundamentada em conceitos subjetivos, como, por exemplo, liberdade de imprensa e
legitimidade, conceitos esses necessários à análise da ideologia, centro do tema da nossa
pesquisa.
Recorrer ao novo paradigma da produção histórica, de acordo com a sustentação de
Peter Burke foi, portanto, uma opção pertinente porque avalizou o percurso da pesquisa, os
recursos de apresentação do trabalho, além de constituir-se num instrumental de análise sócio-
histórica e da re-interpretação do corpus, como requer a Hermenêutica de Profundidade.
Considerando que a contextualização responde aos pressupostos da pesquisa histórica,
como proposto por Burke (2002), e que a análise sócio-histórica é à base do enfoque da
Hermenêutica de Profundidade, esta pesquisa percorre um caminho que tem início na página
32
38, quando passamos a problematizar as categorias de análise. E isso é feito após uma breve,
porém fundamental, reflexão teórica sobre o que devemos entender por conceitos e sobre usos
dos conceitos.
Aparece, então, por primeiro, o conceito de ideologia: sua origem no ambiente
iluminista e sua aplicação na sociedade moderna, através de duas concepções gerais distintas:
a concepção original de Destutt de Tracy, que entende ideologia como ciência das idéias,
constituindo-se num conceito neutro que independe de relações de poder e dominação; e
aquela adotada e ampliada por Thompson, base do nosso estudo, pela qual uma ação só é
ideológica se intencionar relações de dominação e dominação ou poder, constituindo-se, este,
no conceito crítico de ideologia.
É nesta abordagem que vamos encontrar a descrição dos modos de operação da
ideologia identificados por Thompson e cuja ocorrência está verificada no relatório da
pesquisa.
Dentre os modos de operação da ideologia, oferecemos especial destaque àquele
denominado por Thompson (1995) como o de legitimação. Fundamentar e contextualizar o
conceito de legitimação e, por extensão, do conceito de legitimidade, foi conveniente para
subsidiar a análise do conceito de liberdade de imprensa usado nas narrativas dos grupos de
comunicação do país por ocasião do encaminhamento da proposta do Conselho Federal de
Jornalismo.
Mais especificamente, contudo, foi necessário fundamentá-los e contextualizá-los para
que pudéssemos verificar a procedência e validade, ou seja, a legitimidade do uso hoje, na
entrada do terceiro milênio, de um conceito de liberdade de imprensa forjado há mais de 200
anos, no final do século XVIII, no ambiente da imprensa militante, característica do período
iluminista.
33
Da mesma forma, ocupamo-nos em analisar as questões relativas aos conceitos de
legitimidade e legitimação na verificação de sua aplicação às instituições e personagens
envolvidos neste debate, desde a Federação Nacional dos Jornalistas e seus dirigentes, até ao
Congresso Nacional e ao deputado relator do parecer sobre a matéria; passando também pela
Associação Brasileira de Imprensa e seus presidentes anteriores e o da época da apresentação
do projeto; pela própria Presidência da República e seu ocupante no momento; e,
naturalmente, pela condição dos meios de comunicação da mídia quando tratam deste tema.
Foi a partir da fundamentação conceitual e contextual de ideologia, acrescida das
referências e problematizações sobre legitimidade e legitimação, que pudemos dar seqüência
à apresentação das demais categorias de análise.
Tratamos, então, do desenvolvimento da mídia, desde a ocorrência da imprensa, nos
séculos XV e XVI, até a sua condição moderna, sob a seqüência de impactos da revolução
industrial e, depois, das novas tecnologias da comunicação.
A opção pelas categorias ideologia e mídia é justificável tanto pela relação natural que
se impõe delas com o tema do estudo - a começar pelo próprio título do trabalho -, como
também porque elas se constituem na base do referencial teórico sistemático em que
Thompson, o próprio proponente da Hermenêutica de Profundidade, sustenta sua formulação
sobre a natureza e o papel dos meios de comunicação na sociedade moderna.
Para ele, um dos objetivos centrais ao escrever “Ideologia e Cultura Moderna”
(THOMPSON, 1995, p. 11-12) foi o de “[...] elaborar uma teoria diferente da relação entre
ideologia e meios de comunicação - ou, para colocar isso com mais precisão, repensar a teoria
da ideologia à luz do desenvolvimento dos meios de comunicação.”
O autor denomina a chave desse marco referencial como midiatização da cultura
moderna, entendendo que a reflexão sobre a natureza desse processo é essencial para a
34
percepção dos contornos sociais e políticos do mundo moderno e para a própria teoria da
ideologia.
O estágio final da estratégia argumentativa de Thompson (1995) é a própria
metodologia, através da qual o autor entende ser possível demonstrar o que está implicado na
análise das formas simbólicas em geral, e na análise das formas simbólicas mediadas pelos
meios de comunicação de massa em particular.
Ainda dentro da análise sócio-histórica que promovemos, para dar conta dos objetivos
do presente estudo, interessou-nos dedicar ênfase à transição do caráter militante do
jornalismo do século XVIII, quando se forja o conceito de liberdade de imprensa, até o
surgimento do comércio da notícia, entre os séculos XIX e XX, consolidando-se no momento
como uma atividade econômica de mercado, globalizada, de caráter privado e altamente
concentrada.
A questão do conceito de liberdade de imprensa - e do seu uso nos diferentes
contextos sócio-históricos – foi considerada, assim, por nós, neste estudo, igualmente como
uma categoria de análise, sendo a ela acrescentado um foco particular e especial sobre a
manifestação da ideologia do jornalismo brasileiro, da sua origem aos dias atuais.
Atendidas as categorias de análise, conceitos e contextos básicos para o nosso estudo,
passamos a descrever a gênese e o cenário em que se dá a polêmica sobre a proposta de
criação do Conselho Federal de Jornalismo, mostrando os argumentos favoráveis e contrários
à idéia e/ou ao projeto encaminhado ao Congresso Nacional, assim como o projeto
substitutivo, ambos posteriormente arquivados. A íntegra, tanto do projeto quanto do
substitutivo, acompanham este estudo, como anexos (Anexo A e B).
É desta forma que reunimos as condições necessárias para promover, através da
Hermenêutica de Profundidade, a interpretação do material empírico utilizado nesta pesquisa.
35
Thompson (1995, 1998) concorre com seu aporte teórico às categorias ideologia e
mídia e, também, sobre a própria questão da liberdade de imprensa. Mas outros autores foram
usados aqui com o objetivo de oferecer um contexto sócio-histórico de forma mais
generalizado, nas suas implicações de espaço e tempo.
Sobre o conceito de hermenêutica, além do próprio Thompson, aparece Gomes (1997);
sobre o paradigma dos estudos históricos, Burke (2002); sobre a reflexão teórica em torno do
conceito e usos do conceito, Mendonça (1985), Marrou (1978) e Williams (1969); sobre o
conceito de legitimidade aparecem Weber (1980, 1992), Houaiss, Villar e Franco (2001),
Arendt (1989), Adeodato (1989), Lyotard (1998), Habermas (1988), Levi (2004); sobre
ideologia e sobre mídia e poder, o próprio Thompson (1995, 1998) e, acompanhando-o,
Bobbio (1999, 2000), Bobbio, Matteucci e Pasquino (2004), Löwy (1993), Ramos (2002),
Silva (2004), Silva (1882), Esteinou Madrid (1982), Bahia (2004), Martín-Barbero (1997),
Marcondes Filho (1989), Motta (2002), German et al. (2000), Ferrari (2000) e Chauí (1981,
1999).
Chauí ainda vai contribuir com o nosso estudo em outros momentos, como na
abordagem sobre ética, sobre o pensamento de Aristóteles e no momento em que procuramos
contextualizar o discurso de legitimação do conceito de liberdade de imprensa usado pelas
revistas. Além de Chauí (1999) e Thompson (1995, 1998), na contextualização do conceito de
liberdade de imprensa, aparecem Fortuna (1999), Oppenhein (2004), Arruda (1980), Novelli
(2002), Tebbel (1974), Meyer (1989), Hudon (1965) e Briggs e Burke (2004).
Sobre o pensamento de Weber, Kunczik (2002); sobre o pensamento de Thomas
Jefferson, Lima (2004); sobre o pensamento de Vladimir Lenin, Mário Casiagli (1960) e
Gomes (1999). Sobre o ambiente iluminista aparecem Renault (2002), Rohman (2000) e
Jeannëney (1996).
36
Por último, Lustosa (2004), Sodré (1966), Gorender (1998), Guareschi e Biz (2005),
Lima Sobrinho (1997), Kucinski (2005), Herz (2003) e outros, contribuem para a
contextualização sócio-histórica da questão da liberdade de imprensa no Brasil.
Buscamos, então, da forma descrita, estabelecer o contexto sócio-histórico que incidiu
sobre o tratamento editorial oferecido pelos meios de comunicação de massa no Brasil,
particularmente pelas revistas semanais de informação, quando abordaram o tema sobre a
proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo. A análise sócio-histórica está relatada
neste estudo a partir da página 38.
Quanto à segunda fase do enfoque, a análise formal ou discursiva – cujo relatório é
apresentado a partir da página 117 - nosso estudo se serviu da estrutura narrativa adotada
pelas revistas analisadas. Ou seja, o modo como estas revistas interpretaram a questão da
liberdade de imprensa na abordagem do tema Conselho Federal de Jornalismo, como
descreveram a seqüência lógica dos atos que formam o enredo do objeto de análise (a
iniciativa dos jornalistas de criar o CFJ, a forma de encaminhamento desta proposta através do
governo e a forma do encaminhamento da proposta do governo para o Congresso), quem e
que depoimentos buscam para repercutir o projeto, enfim, a forma como a própria imprensa
reagiu à iniciativa, levando-se em conta a identificação dos interesses que movem estes
personagens, ou seja, os interesses das empresas editoras, dos jornalistas, do governo e da
própria sociedade.
Já a terceira fase da aplicação da HP neste nosso estudo - relatada a partir da página
146 - se deu pela interpretação/re-interpretação, relacionando-se a análise extraída da narração
das revistas, sobre o tema em questão, ao contexto sócio-histórico da imprensa e à sua
condição nesta entrada do terceiro milênio. Ou seja, interpretando-se e reinterpretando-se as
relações do contexto com as formas simbólicas das revistas.
37
Foi nesta fase que aprofundamos a análise, criando, assim, o espaço metodológico que
Thompson descreve como potencial crítico da interpretação, ou seja, a capacidade do
pesquisador de interpretar seu objeto de análise.
Ao fazermos à interpretação/re-interpretação da abordagem das revistas sobre o CFJ,
foi importante mostrar como se dão às relações entre os personagens envolvidos (empresas
editoras das revistas, seus articulistas, entrevistados, leitores, o governo, a FENAJ e entidades
de representação dos jornalistas), considerando as regras que estabelecem estas relações
(legislação, condições do mercado no segmento imprensa e do próprio mercado de trabalho
do jornalista) e identificando, sempre que possível, as diferenças políticas, econômicas e
sociais nas relações de poder. Isso aparece em editoriais, nas escolhas e depoimentos dos
entrevistados, nas charges, nas ilustrações e nas próprias cartas dos leitores.
A síntese da verificação dos enunciados de nossa pesquisa é apresentada entre as
considerações finais, a partir da página 207, onde procuramos oferecer reflexões sobre o papel
social da imprensa, em especial no Brasil, sua pretendida condição de poder livre de controles
de qualquer espécie, e sobre as conseqüências desta condição para a própria sociedade.
38
2 RELATÓRIO DA PESQUISA
2.1 Análise sócio-histórica
Para desenvolver o tema de nosso estudo à luz da Hermenêutica de Profundidade,
passamos a fazê-lo, como nos ensina Thompson (1995), a partir dos contextos, isto é, das
condições espaço-temporais em que o fenômeno pesquisado está inserido.
Para tanto, é preciso considerar as instituições e interesses que se relacionam com tal
fenômeno, as interações percebidas, a estrutura social em que o sujeito se encontra, assim
como os meios de transmissão desses fatos e/ou do fenômeno em si.
Ora, se esta pesquisa trata de interpretar a ideologia no uso, pela própria imprensa, do
conceito de liberdade de imprensa, tendo por material empírico as narrativas de diversos tipos
e gêneros oferecidas pelas revistas semanais, por ocasião do envio da proposta de criação do
Conselho Federal de Jornalismo ao Congresso, nosso caminho passa, naturalmente, pelos
conceitos e pelos contextos dos debates sobre ideologia, sobre mídia e poder e sobre
liberdade e liberdade de imprensa.
Ao passarmos pela abordagem sobre ideologia, tratamos ainda dos conceitos de
legitimação e legitimidade, conceitos estes presentes tanto na aplicação do método desta
pesquisa quanto na re-interpretação das narrativas pesquisadas, assim como na formulação de
nossas conclusões e de outras considerações neste relatório.
Na seqüência, apresentamos uma descrição contextualizada da ocorrência e evolução
histórica da imprensa brasileira e da ideologia que a permeia no momento, particularmente no
que se refere à questão dos usos que ela faz do conceito de liberdade de imprensa.
39
Finalmente, por óbvio, descrevemos e contextualizamos o processo gerador do debate
aqui em estudo, qual seja, o da apresentação do projeto de criação do CFJ, não deixando,
contudo, de descrever também a seqüência deste processo até o seu arquivamento.
Entendemos que, procedendo assim, passamos a dispor de uma condição mais satisfatória
para a interpretação/re-interpretação do fenômeno e, muito especialmente, para a elaboração
das conclusões da pesquisa.
Todo o percurso que nos leva até aí, passando pelo reconhecimento das tais condições
espaço-temporais – o contexto, enfim –, começa, no entanto, pela própria reflexão sobre
conceitos de conceito e sobre os usos dos conceitos.
Conforme Mendonça (1985), conceitos são construções lógicas que adquirem
significado dentro do esquema de pensamento no qual são colocados. Para ela, no processo da
comunicação, a função do conceito é a de representar a realidade ou aspectos da realidade,
refletindo sobre o mundo dos fenômenos existenciais, e, assim, simplificar o pensamento
dispondo alguns acontecimentos, sob um mesmo título geral, que representem a realidade ou
aspectos da realidade.
Ou, como diz Marrou (1978, p. 120), “[...] o problema é determinar a validade desses
conceitos, a sua adaptação ao real, a sua verdade, donde depende, em última análise, a
[verdade] de história.”
Referindo-se também à questão da pertinência histórica dos conceitos, Williams
(1969, p. 307) diz: “O que recebemos da tradição é um conjunto de significados, mas nem
todos conservam o seu sentido quando os aplicamos, como é preciso fazer, à experiência
imediata.”
A maioria dos conceitos utilizados em história – diz Mendonça (1985, p. 23) – são
conjuntos de fatos que se encontram relacionados e constituem um fato complexo: “Quanto
maior a distância entre o que se quer representar e o conceito empregado, maior o perigo de ser
40
o conceito mal compreendido e maior a necessidade de se cuidar a clareza e a precisão da
definição.”
Ainda segundo a mesma autora, todo o conceito tem uma intenção ou conotação ou
compreensão e, pelo menos, uma extensão ou denotação ou domínio de aplicação:
A compreensão ou intenção de um conceito é o conjunto das propriedades e de
relações que definem o conceito. Referem-se aos aspectos, às dimensões, às
notas que caracterizam e distinguem um fato, um ser ou um objeto dos demais.
O conceito torna-se pertinente na medida em que ele esteja representando o
fenômeno existencial adequadamente. (MENDONÇA, 1985, p. 19).
Um tipo de conceito pode ser classificado como definição descritiva ou definição
analítica. É aquele que visa a analisar o significado aceito de um termo e descrevê-lo com o
auxílio de outros termos cujos significados devem estar de antemão compreendidos para que a
definição alcance o seu propósito.
Este é o caso do conceito de liberdade de imprensa, que nos exige, assim, uma
problematização tanto em torno do uso do termo liberdade quanto em torno da condição
histórica da imprensa, esta entendida aqui como a função de jornalismo, a atividade clássica
dos meios de comunicação de massa.
Somente desta forma, estabelecendo as relações de contexto, torna-se possível à
compreensão adequada do conceito de liberdade de imprensa e das questões a ele relacionadas
nos seus diferentes ambientes espaço-temporais.
41
2.1.1 IDEOLOGIA
Conceituar e contextualizar o conceito de ideologia tem sido um desafio complexo
para diferentes autores.
Stoppino (2004, v. 1, p. 588) no Dicionário de Política de Bobbio e al. sustenta que:
[...] tanto na linguagem política-prática, como na linguagem filosófica,
sociológica e político-científica, não existe talvez nenhuma outra palavra que
possa ser comparada à Ideologia, pela freqüência com a qual é empregada e,
sobretudo, com a gama de significados diferentes que lhe são atribuídos.
Se é assim na ciência política, também na ciência social, segundo Löwy (1993), é
difícil encontrar um conceito tão complexo, tão cheio de significados, quanto o de ideologia:
“Nele se dá uma acumulação fantástica de contradições, de paradoxos, de arbitrariedades, de
ambigüidades, de equívocos e de mal entendidos, o que torna extremamente difícil encontrar
o seu caminho neste labirinto.” (LÖWY, 1993, p. 11).
Thompson (1995), base do nosso referencial teórico e metodológico, dedica-se a uma
profunda revisão histórica deste conceito, especialmente no que diz respeito às vinculações de
ideologia com as relações de poder.
Para ele, o conceito de ideologia foi tomado de diferentes acepções pelas ciências
sociais emergentes do século XIX e começo do século XX, sendo constantemente puxado
numa direção e empurrado para outra, constituindo-se assim, num termo com importante
papel nas batalhas políticas da vida cotidiana.
Assim, Thompson (1995, p. 43) diz que quando usamos, hoje, o termo ideologia, “[...]
empregamos um conceito que carrega os traços, embora desbotados, dos muitos usos que
caracterizaram a sua história.” Ele ajuda-nos a contextualizar a ocorrência histórica do termo
42
de ideologia, atribuindo-a a Destutt de Tracy, no final do século XVIII em pleno ambiente da
Revolução Francesa, embora este conceito já tivesse aparecido antes, implicitamente, nas
obras de Bacon, Maquiavel, Spinoza e Hegel, conforme registra Ramos (2002).
Mas foi de Tracy, filósofo iluminista da tradição do enciclopedismo que fez uso do
termo ideologia para dar sentido literal a uma “ciência das idéias”. Ao fazer isso, buscava fora
da religião e das divindades a explicação sobre as origens do ser humano, da sociedade, e do
poder. Seu interesse, na verdade, era traçar as linhas gerais de uma “ciência” que tornasse
viável “[...] o estudo objetivo das idéias e representações dos seres humanos, tendo como
ponto de partida a análise fisiológica da experiência sensória dos indivíduos.” (SILVA, 2004,
p. 32)
Para Silva (2004), observado na atualidade, este interesse de Destutt de Tracy pode
parecer até um tanto risível, dado a sua ingenuidade materialista, mas que é preciso
compreendê-lo em seu contexto histórico:
No calor da Revolução Francesa, o projeto da ‘ideologia’ representava
também um momento na luta contra o Antigo Regime. Se fosse possível
demonstrar que as leis que regem as idéias podem ser estudadas com a
objetividade de uma lei natural, tendo como ponto de partida as sensações e
não qualquer fonte transcendental, nada de místico ou divino, então a
teologia, a metafísica e as crenças religiosas estariam seriamente
questionadas. (SILVA, 2004 p. 32-33).
Sobre Destutt de Tracy, Thompson (1995) conta que o filósofo era um nobre rico e
educado e que tinha estudado as obras de pensadores iluministas como Voltaire, Holbach e
Condillac. Diz também que embora o filósofo tivesse apoiado muitas das reformas ligadas à
Revolução Francesa, ele, como outros intelectuais de descendência nobre, foi colocado na
prisão durante o terror jacobino.
Foi nesta circunstância que Destutt de Tracy e alguns companheiros de cárcere
concluíram que a anarquia bárbara do terror jacobino poderia ser combatida por uma
43
combinação entre filosofia e educação, com base na análise sistemática das idéias. Seria desta
forma que o legado do iluminismo poderia ser concretizado no ambiente de uma situação
revolucionária.
Thompson (1995) explica, então, que o conceito de ideologia foi introduzido por
Destutt de Tracy como “um rótulo para uma suposta ciência das idéias”, transformando-se
rapidamente numa arma da batalha política travada no terreno da linguagem:
[...] Imbuído, originalmente, de toda a confiança e do espírito afirmativo do
Iluminismo europeu, para o qual a ciência, por ele descrita, era aceita como
que representando um estágio culminante, a ‘ideologia’, rapidamente,
tornou-se um termo abusivo que mostrava o vazio, a preguiça e a
sofisticação de certas idéias. (THOMPSON, 1995, p. 43).
De acordo com o Dicionário de Política de Bobbio, Matteucci e Pasquino, Stoppino
(2004, v. 1, p. 585) busca delinear duas tendências gerais ou dois tipos gerais de significado
aos quais se propôs a chamar de “significado fraco” e “significado forte” da ideologia: “No
seu significado fraco, ideologia designa o genus, ou a species diversamente definida, dos
sistemas de crenças políticas: um conjunto de idéias e valores respeitantes à ordem pública e
tendo como função orientar os comportamentos políticos coletivos.”
Já por significado forte de Ideologia, Stoppino (2004, v. 1, p. 585) entende como
aquele que
[...] teve origem no conceito de ideologia de Marx, entendido como falsa
consciência das relações de domínio entre as classes, e se diferencia
claramente do primeiro porque mantém, no próprio centro, diversamente
modificada, corrigida ou alterada pelos vários autores, a noção da falsidade:
a Ideologia é uma crença falsa.
Para o autor, no significado fraco, ou seja, no significado originalmente fixado por
Destutt, ideologia é um conceito neutro, que prescinde do caráter eventual e mistificante das
44
crenças políticas, mas, no significado forte, ideologia é um conceito negativo que denota
precisamente o caráter mistificante da falsa consciência de uma crença política.
Na concepção marxista, a que Stoppino (2004), define como de significado forte,
ideologia serve para apresentar à sociedade dividida em classes sociais, sob permanentes
antagonismos, uma imagem que busca a unificação e a identificação social: o idioma, a pátria,
a nação, a raça, mesmos costumes etc.
A função básica da ideologia, neste caso, é oferecer uma imagem ilusória de
comunidade, ou de Estado, originária de um ‘contrato’ social tácito entre homens ‘livres’.
Imagem esta, suficientemente capaz de esconder a origem da sociedade (relação de produção
como relação entre meios de produção e forças produtivas sob a divisão social do trabalho),
dissimular a luta de classes (ou seja, o domínio e a exploração dos não proprietários pelos
proprietários privados dos meios de produção) e negar as desigualdades sociais (que são
imaginadas como conseqüências de talentos diferentes da preguiça ou da disciplina laboriosa).
Por esta concepção marxista, a sociedade deixa de perceber a inter-relação orgânica
entre o poder político e o poder econômico, exatamente quando é submetida a praxis da
ideologia. Em suma, no conceito marxista, é a ideologia o que dá a sustentação, o alicerce do
poder dominante.
Thompson (1995), por sua vez, após percorrer os caminhos pelos quais o conceito de
ideologia seguiu ao longo da história, acaba identificando elementos que lhe motivam a
propor uma nova conceituação para o termo. Ele mantém a concepção marxista de ideologia,
como uma crença falsa, mas avança na questão das relações de dominação não as limitando às
divisões ou lutas de classe. Ao contrário, identifica ações políticas de dominação nas mais
diversas relações características da sociedade moderna e seus agentes, como os meios de
comunicação de massa e outras manifestações da indústria cultural.
45
O autor explica que os escritos de Marx ocupam uma posição central na história do
conceito de ideologia, pois foi com ele que adquiriu “[...] um novo status como instrumental
crítico e como componente essencial de um novo sistema teórico.” (THOMPSON, 1995, p.
49).
Entretanto, Thompson (1995) afirma que apesar dessa importância, a maneira como
Marx empregou o conceito nos diversos assuntos e pressupostos ligados a ele não foi
suficientemente clara. “De fato é a própria ambigüidade do conceito de ideologia no trabalho
de Marx que é, parcialmente, responsável pelos debates contínuos a respeito do legado dos
seus escritos.” (THOMPSON, 1995, p. 49).
Thompson (1995) conta que, após Marx, o conceito de ideologia assumiu um papel
importante não só dentro do marxismo como quanto dentro das ciências sociais de um modo
geral. E dos novos contornos que foi adquirindo, o autor destaca um que chama de A
neutralização do conceito de ideologia:
[...] Não há indicações, no trabalho de Marx, de que ideologia seja um
elemento positivo, progressivo ou inevitável da vida social como tal.
Ideologia, para Marx, é sintoma de uma doença, não a característica normal
de uma sociedade sadia, e muito menos uma medicina para a cura social.
(THOMPSON, 1995, p. 62).
O autor observa que na literatura subseqüente, contudo, o conceito de ideologia tende
a perder seu sentido negativo. Tanto dentro do marxismo, como dentro das disciplinas
emergentes das ciências sociais, o conceito de ideologia é neutralizado de várias maneiras -
mesmo que, na esfera do discurso social do cotidiano, o termo continue a carregar um sentido
negativo, “[...] pejorativo até [...]” (THOMPSON, 1995, p. 63).
A partir disso, Thompson (1995) distingue dois tipos de concepção de ideologia,
denominando-os como concepções neutras de ideologia e concepções críticas de ideologia.
46
As concepções neutras são as que tentam caracterizar fenômenos como ideologia, ou
ideológicos, sem implicar que estes fenômenos sejam, necessariamente, enganadores,
ilusórios, ou ligados a interesses particulares, sejam políticos, econômicos ou de qualquer
natureza.
Já por concepções críticas de ideologia, Thompson (1995) define aquelas que possuem
um sentido negativo, crítico ou pejorativo. Diferente das concepções neutras, diz ele,
[...] as concepções críticas implicam que o fenômeno caracterizado como
ideologia – ou como ideológico – é enganador, ilusório ou parcial; e a
própria caracterização de fenômeno como ideologia carrega consigo um
criticismo implícito ou a própria condenação desses fenômenos.
(THOMPSON, 1995, p. 73).
É, então, baseado nessas definições que Thompson (1995) parte para a construção de
sua concepção de ideologia, avançando ao próprio Marx. Escreve ele:
[...] Tentarei formular uma concepção crítica de ideologia, apoiando-me em
alguns dos temas implícitos nas concepções anteriores e abandonando
outros; procurarei mostrar, ainda, que esta concepção pode oferecer uma
base para um enfoque útil e defensável para a análise da ideologia, um
enfoque que está orientado para a análise concreta dos fenômenos sócio-
históricos, mas que, ao mesmo tempo, mantém o caráter crítico transmitido a
nós pela história do conceito. (THOMPSON, 1995, p. 75).
E, assim, o autor define ideologia como sendo as maneiras pelas quais o sentido das
coisas é utilizado com vistas a estabelecer ou manter relações de dominação:
A análise da ideologia, de acordo com a concepção que irei propor, está
primeiramente interessada com as maneiras como as formas simbólicas se
entrecruzam com relações de poder. Ela está interessada nas maneiras como
o sentido é mobilizado, no mundo social, e serve, por isso, para reforçar
pessoas e grupos que ocupam posições de poder. (THOMPSON, 1995, p.
76).
47
Este enfoque pode ser melhor compreendido, quando Thompson (1995, p. 76) explica
que
[...] estudar a ideologia é estudar as maneiras como o sentido serve para
estabelecer e sustentar relações de dominação. Fenômenos ideológicos são
fenômenos simbólicos significativos desde que eles sirvam, em
circunstâncias sócio-históricas específicas, para estabelecer e sustentar
relações de dominação. Desde que: é crucial acentuar que fenômenos
simbólicos, ou certos fenômenos simbólicos, não são ideológicos como tais,
mas são ideológicos somente enquanto servem, em circunstâncias
particulares, para manter relações de dominação.
A ideologia – enquanto estratégia de dominação ou poder – está presente, assim, nas
mais diversas manifestações políticas, quer de indivíduos, quer de movimentos organizados,
quer de corporações ou instituições, como a mídia, por exemplo.
A partir dessa nova concepção, Thompson (1995) busca organizar a discussão sobre a
natureza e o papel da ideologia, sua relação com a linguagem, com o poder e com o contexto
social, assim como as maneiras como essa ideologia pode ser analisada e interpretada, em
casos específicos, dentro de um referencial teórico sistemático, enfatizando as formas e os
processos sociais nos quais, e pelos quais, as formas simbólicas permeiam o mundo social.
A possibilidade de análise do caráter significativo das formas simbólicas só é possível,
segundo Thompson (1995), se levar em conta o fato de que a localização social, o contexto
onde as pessoas estão inseridas, confere a elas diferentes graus de poder, isto é, a capacidade
que cada indivíduo tem de tomar decisões, conseguir seus objetivos e realizar seus interesses.
Assim ocorre a “dominação”, quando as relações, estabelecidas de poder, são
“sistematicamente assimétricas”, ou seja, “[...] quando grupos particulares de agentes
possuem poder de uma maneira permanente, e em grau significativo, permanecendo
inatingível a outros agentes, ou a grupos de agentes, independente da base sobre a qual tal
exclusão é levada a efeito.” (THOMPSON, 1995, p. 80).
48
Uma vez definido o sentido de dominação, o autor apresenta um terceiro problema:
Como o sentido presta-se para criar e manter relações de poder?
Para elucidar esta interrogação, Thompson (1995) elenca cinco modos de operações
gerais da ideologia: legitimação, dissimulação, unificação, fragmentação e reificação.
Estes cinco modos pelos quais, a ideologia pode operar ajudam a analisar como o
sentido pode servir, em condições sócio-históricas específicas, à manutenção das relações de
dominação, estando eles ligados com várias estratégias de construção simbólica.
Como forma de demonstração dos variados modos de operação da ideologia, é
fundamental que consideremos, aqui, cada um dos itens da maneira como é explicada pelo
autor (THOMPSON, 1995). Na seqüência, vamos sugerir mais uma estratégia, a que podemos
chamar de estratégia de higienização, não contemplada, mas, de certa forma autorizada por
ele, como poderemos comprovar.
Antes, porém, vejamos como Thompson identifica os cinco modos - e suas respectivas
estratégias – de operar a ideologia:
a) legitimação: é a representação de relações de dominação como sendo justas e
dignas de apoio. Como sustenta Max Weber, lembra Thompson, podem estar
baseadas em fundamentos racionais, que fazem apelo à legalidade das regras
dadas, através de fundamentos tradicionais, que fazem apelo à sacralidade de
tradições imemoriais, ou ainda através de fundamentos carismáticos que fazem
apelo ao caráter excepcional de alguém que exerça a autoridades. Em resumo, a
legitimação se confirmaria por um ou mais dos seguintes elementos:
racionalização: o produtor da forma simbólica usa uma cadeia de raciocínio
para defender um conjunto de relações para persuadir uma audiência de que
isso é digno de crédito;
49
universalização: a estratégia caracteriza-se por apresentar acordos que
servem aos interesses de alguns como sendo do interesse de todos;
narrativização: são as histórias destinadas a contar o passado, mas que fazem
do presente algo eterno e aceitável.
b) dissimulação: as relações de dominação são estabelecidas e sustentadas pelo seu
ocultamento, negação ou por desviar a atenção do que é mais importante. A
dissimulação ocorre através de um ou mais dos seguintes processos:
deslocamento: as conotações positivas ou negativas são transferidas,
mudadas em relação a uma pessoa ou objeto;
eufemização: ações, instituições ou relações sociais são descritas e reescritas
de modo a despertar valoração positiva;
tropo: uso figurativo da linguagem no discurso através de formas como a
sinédoque, a metonímia, e a metáfora. Por sinédoque, quando alguém usa um
termo que está no lugar de uma parte, a fim de se referir ao todo, ou ao
contrário; por metonímia, quando se configura o uso de um termo que toma
lugar de um atributo, de um adjunto, ou de uma característica relacionada a
algo para se referir à própria coisa; por metáfora, quando significa a
aplicação de um termo ou frase a um objeto ou ação à qual ele, literalmente,
não pode ser aplicado, gerando um sentido novo e duradouro.
c) unificação: relações de dominação podem ser concebidas e mantidas através da
construção, em nível simbólico, pelo estabelecimento de ligação dos indivíduos,
como uma unidade coletiva que ignora as diferenças e divisões que possam existir
entre eles. Isso ocorre através dos seguintes processos:
50
padronização: formas simbólicas são apresentadas como um fundamento
aceitável entre todos;
simbolização: da unidade: construção de uma identidade coletiva, através de
símbolos comuns a todos como a bandeira nacional, o hino, entre outros.
d) fragmentação: Relações de dominação podem ser mantidas não unificando as
pessoas numa coletividade, mas segmentando indivíduos e grupos que representam
perigo ao poder. Ocorre através dos seguintes processos:
diferenciação: a ênfase que é dada às distinções e diferenças existente nos
grupos apoiando as características que os desunem lhes impedindo de se
constituírem desafio às relações de dominação;
expurgo do outro: a construção de um inimigo coletivo a serviço do mal o
qual deve ser combatido e hostilizado por todos.
e) reificação: as relações de dominação podem ser estabelecidas e sustentadas pela
retração de uma situação transitória, histórica, como se essa situação fosse
permanente, natural, atemporal. A ideologia como reificação envolve a eliminação
do caráter sócio-histórico. Pode ocorrer através de um ou mais dos seguintes
processos:
naturalização: o estado das coisas faz parte de uma criação do próprio
processo social, é tratado como um acontecimento natural e, portanto, como
algo inevitável;
eternalização: os fenômenos sócio-históricos são esvaziados em seu caráter
histórico, e apresentados como permanentes e imutáveis;
51
nominalização/Passivização: acontece, no momento em que as descrições das
ações são transformadas em nomes, dando ênfase em alguns pontos em
detrimento de outros.
Ao nominar estes cinco modos e suas respectivas estratégias, Thompson (1995)
adverte que eles não são as únicas maneiras de como a ideologia opera, ou que esses modos
sempre operam independentemente um do outro; ao contrário, eles podem sobrepor-se e
reforçar-se mutuamente. Adverte, também, que a ideologia pode, em circunstâncias
particulares, operar de outras maneiras.
Entendemos, por exemplo, que as relações de dominação podem se manifestar quando,
não havendo mais condições de manter as formas simbólicas até então convenientes, estas
são, através de uma determinada estratégia, adaptadas aos tensionamentos vigentes para,
assim, serem neutralizadas.
Esta forma de proceder que a nosso ver - como já antecipamos – poderia ser
denominada de higienização e incluída entre as estratégias do modo de operar rotulado de
reificação, tem sido usada cada vez mais na política, mas registra exemplos também nos
conteúdos próprios da mídia, tanto na publicidade como até mesmo nos materiais ficcionais e
jornalísticos.
Entendemos, inclusive, que a adoção freqüente desta estratégia tem justificado, por
exemplo, pelo menos em boa dose, a longevidade do sucesso da Rede Globo de Televisão no
Brasil.
Para citar apenas alguns casos, foi assim no início dos anos 1980, quando esta
corporação mudou radicalmente de posição, aderindo de uma hora para outra ao movimento
pelas eleições diretas para a presidência da República; foi assim no caso do movimento pelo
impeachment do presidente Collor; foi assim em relação ao presidente Lula, tão logo este foi
eleito em 2002; e tem sido assim, de certa forma, até mesmo diante do Movimento dos
52
Trabalhadores sem Terra (MST). Neste último caso, um princípio do processo de
higienização pode ser observado na medida em que os telejornais da emissora já passaram a
usar, nas mesmas reportagens, o termo “invasão” (dos sem terra) tanto quanto o termo
“ocupação”, termo antes só usado pelo próprio MST ou seus apoiadores.
Ampliar esta reflexão, contudo, seria próprio para uma pesquisa específica. Por ora,
interessa-nos registrá-la por entendermos que nos será útil considerá-la para efeitos de
interpretação/re-interpretação das narrativas aqui sob estudo.
Retomando Thompson (1995), podemos concluir, então, que é a partir dos diversos
modos e estratégias de sua operação que a ideologia apresenta-se como a própria manipulação
de sentido a serviço dos indivíduos e grupos que detêm a hegemonia do poder econômico. Ou
seja, os modos e estratégias de operação da ideologia constituem-se em mecanismos através
dos quais o sentido é criado e transmitido pelas formas simbólicas.
A ideologia serve assim, de modo particular, para estabelecer e sustentar relações
sociais entre dominados e dominantes, mas onde uns buscam preservar seus privilégios
enquanto outros devem resignar.
É especialmente em circunstâncias desta natureza que tendem a ocorrer, de forma
velada ou mesmo explicitada, as estratégias de manipulação características do modo de
legitimação, substantivo do qual deriva outro, legitimidade, cujo conceito precisa, aqui, ser
aprofundado de modo particular. Isto porque a aplicação generalizada do conceito de
legitimidade em nosso estudo é tão pertinente quanto basilar é a aplicação do conceito de
legitimação no que dispõe o referencial metodológico aqui adotado.
a) Legitimidade e legitimação
No sentido genérico, os dicionários da língua portuguesa apresentam o termo legitimidade
como genuíno, verdadeiro, autêntico, válido, verdadeiro, entre outros sinônimos. Mas a ênfase é
dada ao sentido jurídico do termo, como sinônimo de legalidade ou conformidade com a lei. Para
53
Houaiss, Villar e Franco (2001), o antônimo do que é legítimo pode ser o que é adulterado, apócrifo,
bastardo, espúrio, fajuto, falsificado, falso, ilegal, ilegítimo, ilícito, indigno, impuro, inautêntico,
injustificado, injusto, inválido, mascarado ou viciado.
Para efeitos de uma hermenêutica de profundidade, como a sugerida por Thompson (1995),
não podemos considerar suficiente uma definição, menos ainda se meramente gramatical. Melhor
que definições, devemos buscar conceitos, naquele sentido que nos ensinam Mendonça (1985) e
Williams (1969), conforme já descrito, ou seja, dentro de um contexto, ou de um esquema de
pensamento.
Assim, tratemos de buscar o conceito de legitimidade nas ciências sociais, campo no
qual situamos a nossa pesquisa, e mais precisamente na própria obra de Thompson, nosso
referencial metodológico, e também de outros mestres do pensamento moderno e mesmo do
pensamento pós-moderno.
O registro fundador do conceito de legitimidade remete à teoria sociológica de Weber
(1980), para quem não há nada na vida social que não seja engendrado pelos homens em suas ações
e relações sociais. Assim, para ele legitimidade significa o reconhecimento por parte dos sujeitos de
uma sociedade sobre o direito de seus governantes exercerem o governo da sociedade.
O conceito weberiano é o que Thompson adota para, então, explicar um dos modos em que
se opera a ideologia nas narrativas que visam estabelecer ou manter relões de dominação. Este
conceito, contudo, se atende o interesse específico de Thompson neste particular, não atende, de
todo, o nosso interesse quanto problematizamos a legitimidade ou não da imprensa como instituição
de poder livre de qualquer tipo de controle, mesmo o controle social.
A questão conceitual de legitimidade é encontrada também na teoria política, em boa
dose através da obra de Arendt (1989) no seu clássico “Origens do Totalitarismo”. Apesar de
estar no centro de sua reflexão, Arendt não se ocupou de formular um conceito fechado de
legitimidade.
54
Ao analisar o problema da legitimidade no rastro do pensamento de Arendt (1989),
Adeodato (1989) conclui que sua lição é a de nos transmitir que o poder legítimo, se não apela
a instâncias transcendentes nem tem conteúdo universal estabelecido, define por levar em
consideração a pessoa do outro, uma vez que a ação, o direito e a política constituem-se na
intersubjetividade.
Para Lyotard (1998), na sua visão pós-moderna, a questão da legitimação está
continuamente suspensa num dilema. Questões de legitimação nesta visão são realmente questões
de estilo que dizem respeito aos meios apropriados para fins específicos (discurso) e não podem
ser separadas da consideração sobre suas dimensões sociais e culturais.
Lyotard (1998) argumenta que não existem critérios universais para legitimação e que,
conseqüentemente, o nível político é um domínio do antagonismo cultural entre propósitos
diferentes em vez de orientados a objetivos. Habermas (1988), ao contrário, tentou argumentar
contra esta visão, que endossa uma política de conflito ou falta de senso, com uma leitura
consensual da linguagem social da ação comunicativa.
Embora todos esses pensadores tenham se ocupado da questão da legitimidade como
legitimação do poder e/ou do estado, Levi (2004) conclui que a definição geral de
legitimidade (tanto no seu significado genérico, como sentido aproximado de justiça ou de
racionalidade; quanto no seu significado específico, como um atributo de poder do estado),
acabou por se revelar insatisfatória, uma vez que pode ser aplicada a qualquer conteúdo
indiscriminadamente.
Para superar tal incongruência, que parece invalidar a própria exatidão semântica da
definição descritiva, faz-se necessário, segundo Levi (2004), evidenciar uma característica
que o termo legitimidade tem em comum com muitos outros termos da linguagem política,
como liberdade, democracia, justiça e outros. Diz ele:
55
[...] O sentido da palavra legitimidade não é estático, e sim dinâmico. É uma
unidade aberta cuja concretização é considerada possível num futuro
indefinido, e a realidade concreta nada mais que um esboço deste futuro. Em
cada manifestação histórica da legitimidade, vislumbra-se a promessa até
agora sempre incompleta na sua manifestação de uma sociedade justa onde o
consenso, que dela é a essência, possa se manifestar livremente sem a
interferência do poder ou da manipulação e sem mistificações ideológicas.
(LEVI, 2004, p. 678-679).
Levi (2004) antecipa, assim, quais as condições que possibilitam uma aproximação à
plena realização do valor inerente ao conceito de legitimidade: a tendência ao
desaparecimento do poder, da pressão, da manipulação, quer das relações sociais, quer do
elemento psicológico a ele associado: a ideologia.
A legitimidade das relações advém, assim, naturalmente, ou espontaneamente, da
própria dinâmica sócio-histórica, ou seja, quando não há interferências condicionantes e/ou
manipulatórias, quer seja do poder político, carismático, religioso, econômico ou de outra
natureza. Como da mídia.
2.1.2 MÍDIA E PODER
O desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, segundo sustenta Thompson
(1995) é tanto a característica essencial da cultura moderna como também uma dimensão
central de poder nas sociedades modernas. Deste modo, a análise da mídia não pode ser
dissociada de sua reconhecida condição de poder. Muito menos do que possa manifestar em
termos de inter-relações entre poder e o sentido (significado) do que produz; ou de um “[...]
sentido a serviço do poder [...]” (THOMPSON, 1995, p. 16), justamente o que caracteriza -
grosso modo - o conceito de ideologia, segundo Thompson.
56
Mas ele entende que o caráter ideológico da comunicação de massa não pode ser
analisado, assim, apenas através dos aspectos organizacionais das instituições de mídia, nem
tampouco só através das características das mensagens que veicula; “[...] ao contrário, as
mensagens da mídia devem também ser analisadas em relação aos contextos e processos
específicos em que elas são apropriadas pelos indivíduos que as recebem.” (THOMPSON,
1995, p. 356).
Na abordagem que oferece em sua obra “A mídia e a modernidade” (THOMPSON.
1998) sobre o papel exercido pelos meios de comunicação de massa na formação das
sociedades modernas, Thompson relaciona a emergência e desenvolvimento da “indústria” da
mídia com as transformações institucionais que modelaram o mundo a partir do final da Idade
Média.
E faz isso começando pelo conjunto específico de mudanças econômicas, através das
quais, o feudalismo europeu, predominantemente agrário, foi se transformando gradualmente
num novo sistema capitalista de produção industrial e de intercâmbio.
Thompson (1998) não deixa de considerar, também, nesta análise, o conjunto das
mudanças políticas, que redundaram no agrupamento das numerosas unidades autônomas de
poder político (reinos, principados, feudos etc) da Europa medieval num reduzido grupo de
estados-nações, condição sob a qual puderam concentrar territórios determinados e, sob
financiamento de tributos públicos, as forças militares, policiais, carcerárias, coercitivas
enfim.
Se hoje estão claras estas largas linhas de transformação institucional, que acabaram
por consolidar as formas predominantes de poder econômico, político e militar na era
moderna, para Thompson, as transformações sistemáticas daquilo que vagamente pode-se
chamar de domínio “cultural” seguem menos explícitas e, portanto, merecedoras de uma
reflexão maior.
57
Ele se empenha nesta tarefa e inclui, desde o início, as instituições culturais como uma
das quatro formas de poder que considera vigentes na modernidade. São elas (THOMPSON,
1998): Primeiro, o poder econômico, cujas instituições paradigmáticas se traduzem nas
indústrias de bens materiais, nas empresas comerciais e, entre outras, naquelas relacionadas às
atividades financeiras; o poder político, formado, por exemplo, pelas instituições de Estado,
autoridades constituídas e organizações partidárias; o poder coercitivo, constituído
especialmente pelos militares, mas também pela polícia, instituições carcerárias e outras; e o
poder simbólico, que nasce na atividade de produção, transmissão e recepção do significado
das formas simbólicas, através especialmente, dos meios de informação e comunicação, mas
também da Igreja, escolas e universidades, e das mais diversas instituições culturais:
Na produção de formas simbólicas, os indivíduos se servem destas e de
outras fontes para realizar ações que possam intervir no curso dos
acontecimentos com conseqüências as mais diversas. As ações simbólicas
podem provocar reações, liderar respostas de determinado teor, sugerir
caminhos e decisões, induzir a crer e a descrer, apoiar os negócios de estado
ou sublevar as massas em revolta coletiva. (THOMPSON, 1998, p. 24).
Thompson usa, então, o termo “poder simlico” (tomando-o, assumidamente, da obra
de Pierre Bourdieu, mas conferindo-lhe um sentido distinto) para se referir a esta capacidade
das instituições culturais paradigmáticas (Igreja, escolas, mídia etc) de influenciar as ações
dos outros e produzir eventos, fatos (ou factóides) por meio da produção e da transmissão das
formas simbólicas.
A ênfase dos estudos de Thompson recai, então, sobre o desenvolvimento das
indústrias da mídia, transformando-se em instituições de interesse predominantemente
econômico de grande escala e sobre os processos crescentes de interação mediada por elas na
sociedade. Esses processos são rotulados por ele como midiação da cultura moderna, ou seja
“[...] as maneiras como as formas simbólicas, nas sociedades modernas, tornaram-se
58
crescentemente mediadas pelos mecanismos e instituições da comunicação de massa.”
(THOMPSON, 1998, p. 104).
O autor entende a midiação como um fenômeno de natureza generalizada, atingindo
todos os segmentos de uma sociedade, através de recursos tecnológicos que a cada momento
ganham novas potencialidades e possibilidades de expressão e de transmissão das formas
simbólicas, tudo através do que se reconhece como a indústria da mídia.
Para Thompson (1998, p. 12) “[...] vivemos, hoje, em sociedades onde a produção e
recepção das formas simbólicas é sempre mais mediada por uma rede complexa,
transnacional, de interesses institucionais.” Na medida em que corresponderem às demandas
de consumo, as formas simbólicas, entendidas como “[...] um amplo espectro de ações e falas,
imagens e textos, que são produzidos por sujeitos e reconhecidos por ele e outros como
construtos significativos.” (THOMPSON, 1998, p. 79), serão valoradas, tornando-se, assim,
mercadorias, ou "bens simbólicos", podendo ser comercializadas no mercado.
Sendo assim, “[...] uma análise satisfatória da ideologia em tais sociedades deve, por
isso, estar baseada, ao menos em parte, numa compreensão da natureza e do desenvolvimento
da comunicação de massa.” (THOMPSON, 1995, p. 105).
O autor afirma que é o desenvolvimento da comunicação de massa que aumenta,
significativamente, o raio de operação da ideologia nas sociedades modernas, pois “[...]
possibilita que as formas simbólicas sejam transmitidas para audiências extensas e
potencialmente amplas que estão dispersas no tempo e no espaço.” (THOMPSON, 1995, p.
343).
Se tal processo de midiação coletiva e generalizante, característica da comunicação de
massa, ampliou, assim, dentre outros fenômenos, a possibilidade da ideologia atingir grandes
estratos da sociedade, não significa que, por isso, transformou-se em palco para a livre
apresentação de debates em torno de idéias ou opiniões divergentes.
59
Ao contrário, sua condição vem sendo reconhecida como uma condição de poder de
fato, capaz e habituada cada vez mais, por exemplo, em forjar ou deslegitimar lideranças
populares; formar, neutralizar ou desautorizar opiniões; manipular informações e condicionar
políticas públicas; construindo uma hegemonia e instituindo, enfim, relações de dominação.
Esta percepção já estava francamente reconhecida em 1981, quando se realiza em São
Paulo o IV Ciclo de Estudos Interdisciplinares de Comunicação, promovido pela INTERCOM
(Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação). Tanto já estava
reconhecida, que o evento foi centrado, justamente, nos debates e reflexões voltados para um
eixo teórico capaz de enxergar contradições e caminhos que possam (ou pudessem)
neutralizar essas relações de dominação, ou hegemonia, fundadas no controle dos meios de
comunicação de massa.
O professor Carlos Eduardo Lins da Silva, coordenador da obra “Comunicação,
hegemonia e contra-informação” (SILVA, 1982, p. 18), resultante daquele evento, destaca:
É evidente que os meios de comunicação são os instrumentos mais utilizados
pelos detentores do poder econômico e político para tentar inculcar sua
racionalidade de dominação sobre o restante da sociedade. Os meios de
comunicação de massa são hoje, possivelmente, os aparelhos mais eficientes
na tarefa de manutenção da hegemonia burguesa. [...]. [E] Se a hegemonia
significa a manutenção da coesão e da direção da sociedade através da ação
ideológico-cultural, é evidente que nenhum conjunto de forças sociais a
deterá na sociedade contemporânea sem ter acesso aos mais eficazes
instrumentos de difusão ideológico-cultural.
Para Lins e Silva, assim, certamente, as classes dominantes não abrirão mão de seu
controle sobre os meios de comunicação de massa com facilidade, pois está claro, para elas,
que é justamente deste controle que depende a direção cultural da sociedade, permitindo-lhes
dominá-la através do consenso.
Já para o Esteinou Madrid (1982, p. 43), participante do mesmo evento,
60
[...] tanto nas zonas do capitalismo central como nas áreas do capitalismo
periférico, os aparelhos ideológicos de maior potencial socializador para
realizar e consolidar cotidianamente o bloco histórico dominante, em função
das necessidades de existência e reprodução/transformação exigidas pelo
capital em suas diversas conjunturas de desenvolvimento são os meios
dominantes de difusão de massa [...]
Isso, para o autor, significa que, nas formações capitalistas contemporâneas, e em
especial nas formações capitalistas dependentes da América Latina, entre as quais o Brasil, os
meios de difusão coletiva converteram-se nos instrumentos mais eficazes para se obter
cotidianamente, de forma massiva, a articulação da base material da formação histórica com
sua superestrutura de organização e regulação social.
Para Esteinou Madrid (1982), é através da prática simbólico-cultural que os meios de
comunicação de massa operam. Realizam-se - diz ele -, simultaneamente, três funções
vertebrais requeridas pela estrutura global do sistema capitalista para existir e reinstalar-se
como relação dominante dentro do conjunto de relações sociais que compõe a formação
econômico-social: a aceleração do processo de circulação material das mercadorias, a
inculcação da ideologia dominante e sua contribuição para a reprodução da qualificação da
força de trabalho.
Ou seja, além de expandir e acelerar os processos de consumo da sociedade de massa,
o que faz através do discurso publicitário, a mídia, segundo o autor, participa também da
adequação da força de trabalho ao capital.
Já por “inculcação da cultura dominante” - o que interessa considerar aqui -, o autor
entende que, “mediante um processo de legitimação contínua”, a mídia ocupa-se em converter
a ideologia da classe que está no poder na principal ideologia dominante do conjunto social.
1
1
Embora Esteinou Madrid sirva-se, aqui, do termo “ideologia” em seu sentido neutro, ou seja, como
um “pensamento político”, no caso, o da classe dominante, sua formulação carrega um sentido
crítico de ideologia compatível com a concepção de Marx, preservada, em essência, por Thompson.
61
O entendimento de Esteinou Madrid (1982) fica ainda mais claro a partir da
explicação do professor Ramos (1988, p. 39): “Os meios de comunicação estão a serviço do
que interessa à classe dominante, que detém a hegemonia capitalista.” Até porque, “[...] os
donos dos meios de comunicação pertencem à classe dominante.” (RAMOS, 1988, p. 40).
Assim, moldam a realidade, de acordo com a interpretação do capital: “Exibem o que somos,
o que devemos fazer e as coisas como são, para que o modo de produção continue
funcionando, sem transtornos. [...] Vivem do lucro, que em latim significa logro.” (RAMOS,
1988, p. 39).
Formulações desta natureza, reconhecendo os meios de comunicação de massa como
decisivos no processo de dominação capitalista do mercado e da própria opinião pública,
estão inspiradas na Teoria Crítica formulada por intelectuais ligados ao Instituto de Pesquisa
Social de Frankfurt, a chamada Escola de Frankfurt, entre os quais estavam Adorno,
Horkheimer e Marcuse. A Teoria Crítica têm sido, no entanto, com freqüência, desqualificada
por diversos autores de fluência no meio acadêmico. Vem destes a rotulagem pejorativa de
“teoria conspiratória” para o conjunto da reflexão dos pensadores de Frankfurt.
Apesar disso, a tentativa de esvaziamento da Teoria Crítica, especialmente do
pensamento de Adorno, ainda encontra resistência no meio intelectual, como é o caso do
professor Bahia (2004, p. 19). Ele entende que, “[...] de forma alguma, Adorno tornou-se
obsoleto, como querem alguns.”
Pelo contrário, sua teoria segue “[...] indicando veredas desconhecidas que abrangem
estudos a respeito da cultura, comunicação, economia política, psicologia, sociologia e
filosofia.” (BAHIA, 2004, p. 131). Bahia (2004) diz que, assim como Marx é estigmatizado
como se tivesse criado a luta de classes, Adorno carrega a pecha de ter aviltado a cultura de
nosso tempo, quando o que, de fato, fez foi justamente mostrar o aviltamento desta cultura,
combatendo a barbárie.
62
Já Martín-Barbero (1997) justifica a crítica aos frankfurtianos como sendo uma reação
à “esquizofrenia” que representava a concepção instrumentalista dos meios de comunicação
de massa. Concepção esta - diz ele - que os teria privado de densidade cultural e materialidade
institucional, convertendo-os em meras ”ferramentas ideológicas”
2
. E “[...] com o agravante
de que os meios, reduzidos às ferramentas, eram moralizados de acordo com seu emprego:
seriam maus nas mãos das oligarquias reacionárias, mas ficariam bons no dia em que o
proletariado assumisse seu controle.” (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 279).
Martín-Barbero (1997, p. 279, grifo do autor) entende, então, que foi a “[...]
ideologização³ [que] impediu que se interrogasse qualquer outra coisa nos processos de
análise dos meios de comunicação, além dos rastros do dominador: nunca os do dominado, e
muito menos os do conflito.”
É sob este argumento que, já nos anos 1970, passa a soar alto no meio acadêmico – e
até além dele - um discurso que não mais se esgota na crítica ao ideologismo
4
, mas se dispõe
ao esforço epistemológico para investigações sobre o papel dos meios de comunicação na
sociedade de massa.
Parece inegável que tal esforço epistemológico, ou cientificista – mesmo
questionando-se a condição da comunicação como ciência -, desde então passou a tomar conta
deste campo de pesquisa, contribuindo, efetivamente, de certo modo, para o reconhecimento
de várias de suas questões.
Mas também parece inegável que a crítica ao ‘ideologismo’, seu argumento fundador,
encontra-se, hoje, cada vez mais fragilizada. Até porque – como descrevemos no decorrer
deste estudo - tornam-se também cada vez mais flagrantes os processos de concentração da
mídia em torno do poder liberal-capitalista e de seus interesses de dominação.
2,
³
,
4
Ao empregar os termos ‘ferramentas ideológicas’, ‘ideologização’ e ‘ideologismo’, Martim-
Barbero (1997) apóia-se no conceito neutro de ideologia que, ao contrário do sentido crítico de
Thompson, não considera como compulsória a intenção de estabelecer ou manter relações de
poder.
63
Ademais, hoje parece também inegável que o estereótipo de “teoria conspiratória”,
cunhada pelos cientificistas, já não encontra mais argumentos tão convincentes diante da
conjuntura mundial globalizada na entrada do século XXI.
Esta fragilização do argumento cientificista - e da negação da mídia como poder
dominante ou a serviço do poder dominante - tem exemplos a cada dia, nos mais diversos
pontos no mundo. Por exemplo, na ascensão ao poder político italiano, mesmo sob constantes
acusações de corrupção, do magnata da mídia Silvio Berlusconi, controlador de praticamente
toda audiência televisiva gerada no país.
Os casos de eleições, nesta virada de século, de candidatos de esquerda na América do
Sul, em diferentes níveis, inclusive para cargos de presidente da República (Brasil,
Venezuela, Uruguai), em eleições cada vez mais midiatizadas, vêm sendo usados – no senso
comum e por pesquisadores - como prova de que a mídia não é, por si só, suficiente para fazer
valer ideologicamente os interesses do poder dominante.
De fato, por si só, nem sempre é:
“Um conglomerado jornalístico raramente fala sozinho”, diz Marcondes Filho (1989,
p. 11): “O jornalismo, via de regra, atua junto com grandes forças econômicas e sociais [...].
Ele é ao mesmo tempo a voz de outros conglomerados econômicos ou grupos políticos que
querem dar às suas opiniões subjetivas e particularistas o foro de objetividade.”
O discurso de que a imprensa é livre, objetiva e que representa todos os setores da
sociedade, diz Marcondes Filho (1989, p. 11), é uma questão colocada “não pelos grupos
dominados, mas pelos próprios detentores do poder, na medida em que se vêem ameaçados
por outras informações que põem em risco seu monopólio, venham elas da base da sociedade
ou de grupos adversários.”
64
2.1.3 LIBERDADE DE IMPRENSA
Para o reconhecimento do conceito de liberdade de imprensa hoje, assim como as
distinções deste em relação aos conceitos de liberdade de opinião e/ou liberdade de expressão,
devemos considerar a evolução do conceito de liberdade, a partir da origem do pensamento
ocidental.
De acordo com o Dicionário de Filosofia de Mora (2001, p. 406-407, grifo do autor),
“[...] os gregos usaram o termo eleuteros (livre) ou eleuteria (liberdade), para designar o
homem não escravizado, não submetido, capaz de fazer algo por si mesmo.”
Ou seja, a noção de liberdade, na sua origem grega, não só inclui a possibilidade de
autodeterminação, de decidir, mas também a idéia de responsabilidade para com a
comunidade (nesse caso, ser livre implica a assunção de algumas obrigações). Assim, desde
muito cedo, a noção de liberdade implica, de um lado, a capacidade de fazer algo e, de outro,
uma forma de limitação.
Na literatura filosófica, o conceito de liberdade tem sido interpretado em termos muito
diversos. Em alguns casos, como capacidade de autodeterminação, a possibilidade de escolher
– um ato da vontade –, ou, então, a espontaneidade de não estar determinado por nada, a
ausência de interferências.
Também se entende como liberdade de algo ou para algo, ou para realizar algo
necessário. De acordo com o contexto em que se discute, pode se falar de liberdade pessoal ou
privada, liberdade pública, política, social, liberdade de ação, de palavra ou pensamento ou
liberdade moral.
Oppenhein (2004, p. 708), autor do verbete “liberdade” no Dicionário de Política
organizado por Bobbio, Matteucci e Pasquino, entende que “[...] a palavra liberdade tem uma
65
notável conotação laudatória.” Por esta razão, “[...] tem sido usada para acobertar qualquer tipo
de ação política ou instituição considerada como portadora de algum valor, desde a obediência
ao direito natural ou positivo até a prosperidade econômica.”
Para Oppenhein (2004), os escritos políticos raramente oferecem definições
explicativas de liberdade em termos descritivos. Todavia, em muitos casos, é possível inferir
definições descritivas do contexto. O conceito de liberdade se refere com mais freqüência à
liberdade social. A liberdade em sentido valorativo é utilizada mais em nível de exortação do
que de descrição; conseqüentemente, apresenta diferentes significações, conforme os
diferentes modelos éticos que inspiram os autores.
Para Chauí (1999), a primeira grande teoria filosófica da liberdade na história das
idéias ocidentais vem também da antiga Grécia, é exposta por Aristóteles (2001), em sua obra
Ética a Nicômacos, e, com variantes, permanece através do tempo, chegando até ao século
XX, quando foi retomada por Sartre.
Nesta concepção, a liberdade se opõe ao que é condicionado externamente
(necessidades) e ao que acontece sem escolha deliberada (contingência). Na descrição de
Chauí (1999), para Aristóteles é livre aquele que tem em si mesmo o princípio para agir ou
não agir, isto é, aquele que é a causa interna de sua ação ou da decisão de não agir. A
liberdade é, assim, concebida como o poder pleno e incondicional da vontade para determinar
a si mesma ou para ser auto-determinada.
Deste modo, para Aristóteles, ainda na descrição de Chauí (1999), a liberdade é o
princípio para escolher entre alternativas possíveis, realizando-se como decisão e ato
voluntário. Contrariamente ao necessário ou à necessidade, sob a qual o agente sofre a ação de
uma causa externa que o obriga a agir sempre de uma determinada maneira.
66
Conclui Chauí (1999, p. 361): “Sem dúvida poder-se-ia dizer que a vontade livre é
determinada pela razão ou pela inteligência e, neste caso, seria preciso admitir que não é
causa de si ou incondicionada, mas que é causada pelo raciocínio ou pelo pensamento.”
A segunda concepção da liberdade, relata Chauí (1999), foi desenvolvida por uma
escola de filosofia do período helenístico, o estoicismo, ressurgindo no século XVII com o
filósofo Spinoza e, no século XIX, com Hegel e Marx. Estes filósofos conservaram a idéia de
Aristóteles de que a liberdade é a autodeterminação, ou, ser causa de si. Conservaram
também, a idéia de que é livre aquele que age sem ser forçado nem constrangido por nada ou
por ninguém, logo, age movido por uma força interna própria, de modo espontâneo.
Diferente de Aristóteles e de Sartre, porém, os estóicos não colocam a liberdade no ato
de escolha realizado pela vontade individual, mas na atividade do todo, do qual os indivíduos
são partes.
Chauí (1999) descreve, por último, uma terceira concepção que procura reunir
elementos das duas anteriores. Esta concepção afirma, como a segunda, que não somos um
poder incondicional de escolhas de quaisquer possíveis, mas que nossas escolhas são
condicionadas pelas circunstâncias naturais, psíquicas, culturais e históricas em que vivemos,
isto é, pela totalidade natural e histórica em que estamos situados. E também afirma, como a
primeira concepção, que a liberdade é um ato de decisão e escolha entre várias possibilidades.
Mas, para Chauí (1999), não se trata da liberdade de querer alguma coisa, e, sim, de
fazer alguma coisa, distinção feita por Spinoza e Hobbes no século XVII e retomada no
século XVIII por Voltaire ao dizer que somos livres para fazer alguma coisa quando temos o
poder para fazê-la. Ou seja, a liberdade plena extrapola o direito de desejar, é também o
direito à ação.
Já, ao discorrer sobre liberdade, sob a ótica do liberalismo, a autora afirma que as
idéias políticas liberais têm como pano de fundo a luta contra as monarquias absolutistas por
67
direito divino dos reis, derivadas da concepção teocrática do poder. Esta luta estava inspirada
no movimento iluminista que redundou nas revoluções burguesas do século XVIII, sendo seu
momento mais significativo a Revolução Francesa de 1789.
A metáfora da “luz” foi levada a sério na definição do movimento pelos seus
participantes. A luz era a da “razão”, palavra-chave da época. Diziam os iluministas que a
razão, por si só, seria capaz de trazer a evolução e o progresso de forma perfectível. A
perfectibilidade estaria em libertar-se de todos os preconceitos religiosos, sociais, morais, bem
como da superstição e do medo, graças ao conhecimento, às ciências, às artes e à moral.
Para os iluministas, o aperfeiçoamento da razão se realizaria pelo progresso das
civilizações, que vão das mais atrasadas, também chamadas de primitivas, às mais adiantadas
e perfeitas, no caso as da Europa ocidental.
Na sua origem, a idéia de direito fundamental do ser humano foi criada pelos
iluministas que se opunham severamente à escravidão, à servidão feudal e às torturas.
Segundo Chauí (1999), o Antigo Regime, superado a partir dos acontecimentos de
1789, na França, não só era “antigo” porque politicamente teocrático e absolutista, mas
porque, na organização feudal, era socialmente baseado no pacto de submissão dos vassalos
ou súditos ao senhor.
Para Chauí (1999), com as idéias de direito natural dos indivíduos e de sociedade civil
(relações entre indivíduos livres e iguais por natureza), motivações principais da Revolução
Francesa, quebra-se a idéia de hierarquia. E, com a idéia de contrato social (passagem da idéia
de pacto de submissão à pacto social entre indivíduos livres e iguais), quebra-se a idéia da
origem divina do poder e da justiça fundada nas virtudes do bom governante.
Diziam os iluministas que assim como há leis que regulam os fenômenos da natureza,
também as relações entre os homens são reguladas por leis naturais. Consideravam os homens
bons e iguais perante a natureza e que as desigualdades existentes entre eles eram provocadas
68
pelos próprios homens, isto é, a sociedade. Para corrigir essas desigualdades, achavam que era
preciso mudar a sociedade, dando a todos, liberdade de expressão e de culto, e proteção contra
a escravidão, a injustiça, a opressão e as guerras.
Mas, para o historiador Arruda (1980) não foram somente concepções filosóficas que
inspiraram a Revolução Francesa. Junto a elas estavam as concepções econômicas. Ele
sustenta que, enquanto os filósofos (principalmente Voltaire, Rousseau e Diderot) se
preocupavam com problemas políticos, sociais e religiosos; os economistas (principalmente
Quesnay, Gournay e Adam Smith) procuravam uma maneira de aumentar as riquezas das
nações e, assim, melhorar as condições de vida de todos os cidadãos.
Os economistas pregavam essencialmente a liberdade econômica, opondo-se a toda e
qualquer regulamentação. A economia deveria ser dirigida pela natureza. O Estado não
deveria intervir, a não ser para garantir o processo natural dos acontecimentos.
E a história vai mostrar que tanto o pensamento filosófico quanto o pensamento
econômico foram decisivos na derrubada do Antigo Regime. Mas vai mostrar também que o
pensamento econômico acaba preponderando sobre os argumentos filosóficos no decorrer da
sociedade moderna.
Arruda (1980) descreve que a França tinha nessa época aproximadamente 25 milhões
de habitantes, sendo 20 milhões na zona rural, e que essa população formava uma sociedade
dividida em classes: o Primeiro Estado, composto de 120 mil religiosos, entre o alto clero
(bispos e abades que estavam ao nível da nobreza) e o baixo clero (padres e vigários de baixa
condição econômica e social); o Segundo Estado, composto de 350 mil membros entre a
nobreza palaciana que vivia das pensões reais, e a nobreza provincial, que vivia no campo, em
situação de penúria econômica; e o Terceiro Estado, composto de 98 % da população e que se
dividia em alta burguesia, composta por banqueiros, financistas e grandes empresários; media
burguesia, formada pelos profissionais liberais, e a pequena burguesia formada pelos artesãos
69
e lojistas, além dos sans-culottes, artesãos aprendizes e proletários. Mas a imensa maioria do
chamado Terceiro Estado – os 20 milhões da zona rural – era formada de servos, ainda em
condição feudal, e dos demais camponeses livres e semilivres.
E era exatamente sobre a massa do Terceiro Estado que pesava o ônus dos impostos e
das contribuições para o rei, para o clero e para a nobreza. As outras duas classes, as
privilegiadas, tinham isenção tributária e usufruíam das vantagens concedidas pela monarquia
sob a forma de pensões e cargos públicos.
No plano político, porém, a Revolução se constituiu como uma reação ao absolutismo
monárquico, não apenas por esses privilégios mas também por sua incapacidade de bem gerir
a economia do Estado, se constituindo num entrave para o desenvolvimento do capitalismo
industrial, interesse maior da burguesia, e que já se apresentava pujante em outras sociedades,
como na Inglaterra e na vizinha Bélgica.
Mas, apesar desses interesses burgueses, a derrubada do antigo regime foi muito mais
determinada pela ação revolucionária propriamente dita dos camponeses, que passaram a
saquear propriedades de nobres, invadir cartórios e queimar títulos de propriedade feudal.
Arruda explica que, para conter o movimento que se alastrava cada vez mais, os
deputados da Assembléia Constituinte, acabaram aprovando a abolição dos direitos feudais:
os direitos devidos pelos camponeses ao rei e à Igreja foram suprimidos; e os direitos
devidos aos nobres deveriam ser resgatados monetariamente, em prazos e condições que
deveriam ser estabelecidos posteriormente.
A 26 de agosto de 1789 foi aprovada, então, a Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão (ARRUDA, 1980). De inspiração iluminista, o documento defendia o direito à
liberdade, à igualdade perante a lei, o direito de resistir à opressão e à inviolabilidade da
propriedade. A constituição ficou pronta dois anos depois, preservando o poder executivo ao
rei e reconhecendo a Assembléia como o poder legislativo regular. Os deputados teriam
70
mandato por dois anos, mas só seriam eleitores, segundo o critério censitário, aqueles que
tivessem um mínimo de riqueza.
Para Chauí (1999), o término do Antigo Regime acontece, então, quando a teoria
política consagra a propriedade privada como direito natural dos indivíduos, mas no sentido
de desfazer a imagem do rei como único proprietário dos bens e riquezas e o único a decidir,
segundo sua vontade e seu capricho, quanto a impostos, tributos e taxas.
A revolução das “luzes” estabeleceu que o poder tem forma de um estado republicano,
impessoal, no qual, por exemplo, a decisão sobre impostos, tributos e taxas é tomada por um
parlamento – o poder legislativo – constituído pelos representantes dos proprietários privados.
As teorias políticas liberais afirmam, portanto, que o indivíduo é a origem e o
destinatário do poder político, nascido de um contrato social voluntário, no qual contratantes
cedem poderes, mas não cedem sua individualidade (vida, liberdade e propriedade). O
indivíduo é o cidadão.
Ainda segundo Chauí (1999), estas teorias afirmam também a existência de uma esfera
de relações sociais separadas da vida privada e da vida política: a sociedade civil organizada,
onde proprietários privados e trabalhadores criam suas organizações de classes, realizam
contratos, disputam interesses e posições, sem que o Estado possa aí intervir, a não ser, que
uma das partes lhe peça para arbitrar os conflitos ou que uma das partes aja de modo que
pareça perigoso para a manutenção da própria sociedade.
Assim, as teorias liberais afirmam o caráter republicano do poder, isto é, o Estado é o
poder público e nele os interesses dos proprietários devem estar representados por meio do
parlamento e do poder judiciário. Pelo discurso liberal original, também o poder executivo
deveria ser eleito por voto censitário, restrito aos cidadãos que possuíssem uma certa renda ou
riqueza.
71
Para Chauí (1999), o estado liberal julgava inconcebível que um não-proprietário
pudesse ocupar um cargo de representante num dos três poderes. Ao afirmar que os cidadãos
eram “homens livres e independentes” queriam dizer com isso que eram dependentes e não
livres os que não possuíssem propriedade privada.
Estavam excluídos do poder político, portanto, os trabalhadores e as mulheres, isto é, a
maioria da sociedade. Foram as lutas populares intensas, desde o final do século XVIII até os
nossos dias, que fizeram o estado liberal tornar-se uma democracia representativa, ampliando
assim a cidadania política, embora suas muitas distorções.
Ainda sobre o conceito de liberdade, ao analisar a hegemonia do pensamento liberal,
Bobbio (1999) afirma que a doutrina liberal clássica sempre defendeu que a função social do
Estado é garantir a cada indivíduo não apenas a liberdade, mas a liberdade igualitária.
Com isso a doutrina liberal clássica deu a entender que “[...] um sistema não pode
considerar-se justo onde os indivíduos são livres, mas não igualmente livres, mesmo quando
entende por igualdade a igualdade formal, ou, nas formas mais avançadas, a igualdade de
oportunidades.” (BOBBIO, 1999, p. 41).
Para o autor, a maior causa da falta de liberdade depende da desigualdade de poder,
isto é, depende do fato de haver alguns que têm maior poder econômico, político e social que
outros. Portanto a liberdade do poder é uma das maiores condições para o crescimento da
liberdade.
Se por um lado, não faria sentido algum dizer que sem liberdade não há igualdade, por
outro, é perfeitamente legítimo dizer que sem igualdade (como reciprocidade de poder) não há
liberdade.
Se, como vimos, o conceito filosófico de liberdade baseia-se não apenas no fato do ser
humano poder “querer ou desejar” mas, também, em “ter” as condições necessárias para
realizar o que deseja, o pensamento liberal econômico mostra-se incompatível com a
72
concepção clássica, pré-iluminista – e até helenística - do termo. Isso porque, na chamada
livre iniciativa ou liberdade de mercado, de nada adianta às pessoas terem a liberdade e o
direito de desejar as coisas se a elas faltam as condições econômicas para consegui-las, já que
o capital concentra-se nas mãos de poucos.
Como vimos através das descrições de Chauí (1999) e Arruda (1980) – o pensamento
liberal já reservava apenas aos que possuíssem renda ou riqueza o direito de eleger ou de ser
eleito para governar ou legislar, embora não vetasse aos demais a liberdade de possuir
qualquer crença religiosa ou política, e, em especial, a liberdade de poder dizer e escrever o
que pensavam.
Jornalismo e liberdade de imprensa
Se, nos últimos dois séculos do medievo, desde Gutenberg, a imprensa sempre esteve
no centro do poder, enquanto ferramenta das estruturas dominantes - Igreja, Estado,
organizações mercantis -, o jornalismo, atividade que dela se emancipa no auge do
iluminismo, vai refletir, em si mesmo, nos dois séculos seguintes, as próprias contradições da
modernidade:
O jornalismo é a síntese do espírito moderno: a razão [...] impondo-se diante
da tradição obscurantista, o questionamento de todas as autoridades, a crítica
da política e a confiança irrestrita no progresso, no aperfeiçoamento contínuo
da espécie. Mas, por incorporar tão energicamente esse espírito, ele se viu
órfão quando balançaram os alicerces da modernidade. (MARCONDES
FILHO, 2000, p. 10).
Thompson (1998), na sua descrição sobre “A Mídia e a Modernidade”, explica que as
publicações periódicas de notícias e informações começaram a aparecer na segunda metade
do século XVIII, mas que as origens dos jornais são geralmente situadas nas primeiras duas
décadas do século XVII, quando impressos periódicos regulares de notícias começaram a
73
aparecer semanalmente. A ênfase, contudo, era de publicações de cunho panfletário e voltadas
ao limitado público alfabetizado.
Na Inglaterra, o período compreendido entre 1640 e 1663, segundo Briggs e Burke
(2004), foi significativo pelo uso de panfletos e jornais em que monarquistas e
parlamentaristas expressavam seus respectivos pontos de vista. Neste período, foram
impressos cerca de 15 mil panfletos diferentes e mais de sete mil jornais. Pelo menos este é o
acervo da época, hoje recolhido à Biblioteca Britânica.
Esta proliferação de matéria impressa, se ainda não representava o conceito moderno
de jornalismo, que emerge nas revoluções burguesas do final do século XVIII, pelo menos
serviu de contexto ao debate inaugural sobre liberdade de imprensa. O protagonista central
deste debate foi o poeta John Milton, ao publicar o panfleto Areopagítica (1644) que atacava
a prática de censura prévia do Alto Parlamento e defendia a “liberdade de imprimir sem
licença”.
Hoje, três séculos e meio depois, o panfleto de Milton, de acordo com Fortuna (1999)
não é mais considerado, pelos pesquisadores, uma obra libertária, mas apenas um documento
histórico, pelo seu pioneirismo. Além de contaminado por um interesse particular, relacionado
à situação conjugal do autor, o documento foi produzido em meio a uma batalha parlamentar,
originada numa polêmica de caráter religioso, no caso, o divórcio.
O panfleto de Milton (1999), em suma, era um protesto contra o parlamento inglês
que, pressionado pelos presbiterianos, decidira restaurar a censura prévia, justamente por
causa dos escritos do poeta puritano - já então famoso - a favor do divórcio, uma conveniência
pessoal para quem acabara de ser abandonado pela jovem esposa, logo depois do casamento.
O documento também é questionado, como obra libertária, porque, se por um lado
protesta contra a censura prévia, ainda que em causa própria, por outro lado sustenta
abertamente a censura a posteriori. Isso fica claro quando recomenda que, para “[...] os
74
[escritos] considerados daninhos e caluniosos, o fogo e o carrasco serão o remédio mais
oportuno e eficaz oferecidos à ação preventiva das autoridades.” (MILTON, 1999, p. 185).
Na época da Areopagítica, além da Inglaterra, o cenário político social do continente
europeu era ainda dominado por governos absolutistas, como o de Luiz XIV, na França, que
reinou de 1660 a 1715, período no qual a informação era controlada e a crítica ao sistema era
mínima.
A situação só se altera, conforme explicam Briggs e Burke (2004), durante o século
XVIII, por conta da expansão das idéias iluministas por todo o continente europeu, atingindo
também a Inglaterra e a América, do norte ao sul. Para os autores, nenhuma história da mídia
pode deixar de citar o Iluminismo.
Embora o termo Iluminismo (Aufklärung) tenha sido utilizado inicialmente na
Alemanha, onde Immauel Kant propôs o lema “Ousar saber”, o movimento ganhou força na
Inglaterra e, principalmente, por pensadores franceses, os chamados philosophes, entre eles,
Voltaire, Rousseau, Diderot, e D’ Alembert, nem todos filósofos propriamente ditos – havia
também os economistas -, mas todos popularizadores da doutrina iluminista na França:
Esses homens de letras pensavam e escreviam dentro de um sistema no qual
havia censura, embora mais fraca do que aquela da época de Luiz XIV. Os
jornais, por exemplo, não podiam tratar de assuntos políticos. As restrições
oficiais tornaram a cultura oral importante nos cafés e locais de encontro da
época. (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 103).
Briggs e Burke (2004) explicam ainda, que na época do Iluminismo outra reação à
censura foi a organização da comunicação clandestina, fosse ela sob forma de imprensa
manuscrita, fosse através dos livros contrabandeados do exterior ou produzidos de modo
secreto na própria França.
75
O jornalismo é filho legítimo da Revolução Francesa. [...]. Ele expande-se a
partir da luta pelos direitos humanos nesta que foi a “revolução símbolo” da
destituição da aristocracia, do fim das monarquias e de todo o sistema
absolutista herdado da Idade Média, assim como da afirmação do espírito
burguês. (BRIGGS; BURKE 2004, p. 10).
Ao analisar a mídia e a esfera pública no ambiente do Iluminismo francês, Briggs e
Burke (2004) registram o pluralismo das publicações como fundamental na participação do
povo na derrubada do Antigo Regime, mas também sustentam que o envolvimento popular foi
tanto causa quanto conseqüência da participação da mídia:
A matéria impressa teve parte importante na Revolução Francesa, que
começou com apelos a uma imprensa livre. O conde Mirabeau (1749-81)
adaptou a Aeropagitica (1788) de Milton, Marie-Joseph Chénier lançou uma
forte Denonciation des inquisiteurs de la pensée [Denúncia dos inquisidores
do pensamento] (1789) e Jaques-Pierre Brissot produziram um Essai sur la
necessite de la liberté de presse [Ensaio sobre a necessidade da liberdade de
imprensa] (1789). Brissot tinha em mente os jornais em particular, pois na
época em que sua obra surgiu, os eventos se sucediam com tamanha
velocidade que não podiam ser acompanhados pela produção de livros ou
mesmo panfletos. Houve uma explosão de novas publicações, com pelo
menos 250 jornais fundados nos últimos seis meses de 1789. Diferentes
periódicos dirigiam-se a públicos díspares, inclusive de camponeses.
(BRIGGS; BURKE, 2004, p. 105-106, grifo do autor).
O pensamento iluminista, além de decisivo para as revoluções do século XVIII,
particularmente a Revolução Francesa, acabou exercendo enorme influência também sobre os
Estados Unidos e sua imprensa, nos períodos colonial e pós-revolucionário, quando Thomas
Jefferson e Benjamin Franklin, embaixadores dos Estados Unidos, em Paris, fizeram amizade
com muitos dos conhecidos philosophes (ROHMANN, 2000).
Quando jovem, Benjamin Franklin, filho de um impressor de Boston, parte para
Londres para aprender seu ofício e, ao regressar para casa, em 1728, com 22 anos de idade,
lança a Pennsylvania Gazette. É, portanto, sob esta condição, de dono de jornal, que Franklin
vai se notabilizar como defensor da imprensa livre nos Estados Unidos e, por conta desta sua
76
notoriedade, acaba sendo contemplado com o cargo de embaixador da jovem república
americana na França (JEANNENEY, 1996).
Ou seja, a julgar por este caso que se tornou emblemático, há já uma motivação de
interesse individual e econômico nos primeiros registros da luta pela liberdade de imprensa
nos Estados Unidos.
De qualquer forma, Briggs e Burke (2004) identificam como similares os processos de
influência dos panfletos e jornais na Revolução Francesa e na Independência dos Estados
Unidos em 1776:
Já havia em circulação quarenta e dois jornais diferentes nas colônias da
América do Norte em 1775, e alguns deles, como New York Journal, o
Philadelphia Evening Post e o Massachusetts Spy, incitaram a causa
revolucionária, descrevendo as atrocidades cometidas pelo exército
britânico. A resistência à chegada das tropas inglesas também tornou célebre
o Boston Gazette, que circulava principalmente pelas terras do interior da
costa leste. (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 104, grifo do autor).
É por conta do pluralismo de idéias e da proliferação de jornais, panfletos e outros
impressos, quer resultante de iniciativas individuais - como no caso de Franklin -, quer
resultante de atitudes coletivas espontâneas - como no caso francês -, e do seu discurso de
responsabilidade no combate a toda forma de tirania - fosse ela intelectual, moral ou religiosa
-, que a imprensa, enquanto entidade de militância cidadã, embora ainda restrita ao público
alfabetizado, conquista o status de instituição de expressão social, e, portanto, merecedora de
legitimidade pública.
Segundo os referenciais teóricos que já apresentamos neste estudo, a condição de
legitimidade se estabelece a partir das formas simbólicas válidas pelos participantes das
relações sociais, sendo estas, também originadas no interesse manifesto pelos próprios
indivíduos.
77
Para Bobbio (1999), quando se fala de pluralismo, entende-se, entre outras coisas, um
sistema em que vários grupos sociais, entre eles os sindicatos, partidos e grupos intelectuais,
possam se expressar, direta ou indiretamente, na forma da vontade coletiva. Ainda, segundo o
autor,
[...] pluralismo evoca positivamente um estado de coisas no qual não existe
um poder monolítico e no qual, pelo contrário [...], o indivíduo tem a
máxima possibilidade de participar na formação das deliberações que lhe
dizem respeito, o que é a quintessência da democracia. (BOBBIO, 1999, p.
22).
É assim, quando os jornais se proliferam para os interesses dos mais diferentes
públicos e para a defesa das mais diversas posturas políticas, assegurando ampla pluralidade
de opiniões, e sempre sob um financiamento ao menos predominantemente direto dos
próprios leitores, através das “assinaturas” dos apoiadores ou da venda direta dos exemplares,
que o conceito de liberdade de imprensa se impõe, naturalmente, no limiar da era moderna.
Foi no contexto das idéias iluministas, e da proliferação de jornais e panfletos nos
Estados Unidos, que surge o primeiro documento sobre liberdade de imprensa na América, a
Declaração dos Direitos do Estado da Virgínia, em 12 de junho de 1776. O documento
proclamava que “a liberdade de imprensa é um dos mais poderosos escudos da liberdade”.
Dias depois, a Declaração de Independência, datada de 4 de julho de l776, inscreve
esta mesma liberdade de imprensa entre os direitos inalienáveis do homem. Em 1791 é
aprovada a primeira emenda da constituição americana, proibindo o Congresso de adotar
qualquer lei limitando a liberdade de imprensa.
Essa emenda, mantida desde então na constituição americana, tem sido invocada
sistematicamente a cada debate sobre a regulamentação da imprensa, onde quer que isso
ocorra. Inclusive no Brasil, nesta polêmica, foco de nosso estudo, sobre a proposta de criação
do Conselho Federal de Jornalismo.
78
Mas, como veremos no capítulo da re-interpretação do material empírico, “[...] na
verdade a história dessa primeira emenda tem sido de incerteza, embora ela tivesse sido
aprovada para pôr termo à incerteza”, segundo relata Hudon (1965, p. 220), jurista norte-
americano que na década de 1950 elaborou um tratado específico sobre a procedência da
primeira emenda.
De qualquer forma, se, no processo de independência dos Estados Unidos e dos demais
movimentos revolucionários europeus do século XVIII, o primado da razão sustentava a liberdade
de expressão, em oposição aos mandos absolutistas e aos dogmas teocráticos, não é menos
verdadeiro que o liberalismo clássico, enquanto provedor da expansão capitalista, passou a usar
esta mesma liberdade de expressão, mas, agora, como suporte teórico para a defesa da liberdade
de mercado.
Devemos reafirmar, no entanto, que no auge do ambiente iluminista, esses interesses
econômicos não obstruíam a liberdade de expressão, até porque a imprensa ainda estava longe
de se constituir um negócio ou atividade profissional. Ao contrário, como já dissemos, era
uma atividade de militância cidadã por excelência e, de todas as maneiras, interessava às
diferentes classes sociais, inclusive à burguesia, como forma de destituição da monarquia
absolutista.
O que se observa historicamente, porém, é que o conceito clássico-filosófico de
liberdade, presente no iluminismo, acabou descaracterizando-se e subordinando-se ao caráter
econômico do movimento, tornando-se, de certa forma, sinônimo de liberalismo.
É neste aspecto que reside a contradição entre aquela condição circunstancial da
imprensa como atividade de militância, livre e plural - marca do auge da Revolução Francesa
-, e essa condição que passou a ter enquanto empresa privada.
Podemos concluir, então, que foi justamente na direta razão e proporção do
expansionismo capitalista na sociedade moderna que a liberdade de imprensa também passou
79
a viver uma longa história de descaracterização: perderá paulatinamente sua subordinação à
liberdade de expressão do ser humano para ser, cada vez, mais subordinada e, até mesmo,
instrumento ideológico do poder econômico.
Ao analisar a evolução da imprensa periódica já sob base comercial e independente do
poder do estado, Thompson (1998) afirma que ela foi capaz de fornecer notícias e
comentários críticos sobre informações de interesse geral, introduzindo uma nova fase no
jornalismo da Inglaterra, ainda no século XVIII. Para ele,
[...] as autoridades políticas procuravam exercer algum controle sobre a
proliferação de periódicos e jornais através da imposição de taxas que
deveriam, como se pensava, restringir a produção e forçar os periódicos a
sair de circulação e, ao mesmo tempo, trazer uma receita adicional para a
coroa. (THOMPSON, 1998, p. 67).
A evolução tecnológica e a abolição dos impostos permitiram reduzir os preços e muitos
jornais adotaram um estilo mais leve e mais vivo do conteúdo editorial, como também uma
apresentação mais atraente para alargar o ciclo de leitores. Com o aumento do número de leitores,
a propaganda comercial adquiriu importante papel na organização financeira da indústria.
Além disso, os jornais se tornaram um meio vital para a venda de outros bens e serviços
e sua capacidade de garantir receita, através dos anúncios, ficou diretamente dependente do
tamanho e do perfil de seus leitores. Os jornais e outros setores da imprensa se transformaram
em grandes empreendimentos comerciais, passando a exigir também grandes quantidades de
capital inicial e de sustentação, em face da intensa e sempre crescente competição.
Se foi o cenário das “luzes”, marca da sociedade do século XVIII, tanto da América
quanto da Europa, que fixou um conceito moderno de jornalismo e de liberdade de imprensa,
com a pluralização de panfletos e idéias, a Revolução Industrial que, então, já se processava,
acabou sendo decisiva na transformação do caráter econômico e político da atividade da
80
comunicação em geral, e do jornalismo em particular, surgindo daí, inclusive, o conceito de
Indústria Cultural.
De uma condição militante, ou até meramente diletante, caracterizada por conteúdos
políticos e literários e uma considerável autonomia da redação, o jornalismo da era industrial
logo passa a uma condição de empresa, voltada ao grande público e ao lucro, buscando, para
tanto, profissionalizar as suas estruturas de redação, circulação e comercialização.
Já não interessa mais o predomínio da opinião. O “mercado” começa a exigir a notícia,
a atualidade, o “furo”, as reportagens, as manchetes, os apelos de venda enfim, entre eles,
agora, a “neutralidade”. Em lugar de jornais que se apresentavam como “O Republicano”, “O
Abolicionista”, “O Católico” ou com indicativos de outras identificações políticas, religiosas,
classistas e de outros gêneros, surgem os que se apresentam como “O Imparcial”, “A
Notícia”, “O Independente”, o “Correio do Povo” e muitos outros, como se neutros fossem,
justamente para poder conquistar uma sempre maior fatia de leitores e de anunciantes.
Toda esta transformação deriva de uma condição industrial da imprensa que começa
pela máquina impressora a vapor, em 1811. Em 29 de novembro de 1914, The Times, de
Londres, anunciava com indisfarçável orgulho: “Nosso número de hoje apresenta ao público o
resultado prático do maior desenvolvimento ligado à impressão gráfica desde a sua
descoberta.” (BRIGGS; BURKE, 2004, p. 119). Em uma hora podiam ser impressos 1.100
exemplares! Isso significava que o jornal podia encerrar a edição mais tarde e trazer notícias
mais recentes. Em 1828, com o aparecimento das rotativas com quatro cilindros, as tiragens
já podiam saltar para mais de quatro mil exemplares por hora.
A tecnologia das rotativas e composição mecânica por linotipos vai continuar
registrando uma seqüência de avanços no século XIX, multiplicando as folhas impressas e
promovendo expressivas ampliações das tiragens dos periódicos, tornando-os mais baratos
para atender a uma sempre crescente massa de leitores, processo iniciado com a
81
universalização da escola, depois que a Revolução Francesa laicizou o ensino, tornando-o
público.
É de se destacar, ademais, que no decorrer do século XIX multiplicam-se também as
bibliotecas e gabinetes públicos de leitura, locais que disponibilizavam acesso gratuito aos
diversos periódicos em circulação.
Thompson (1998) registra que, enquanto os jornais dos séculos XVII e XVIII tinham
como alvo principal um setor mais instruído e, portanto, mais restrito, da população, a
indústria de jornais que se impôs a partir do século XIX se dirigiu a um público cada vez mais
vasto.
De mil a quatro mil exemplares/hora no primeiro momento, as tiragens médias saltam
para vinte mil exemplares/hora por volta de 1850 e, ao final do século, os franceses já
estavam convivendo com milhares de folhetins, panfletos e publicações periódicas, sendo
mais de 40 jornais diários, com tiragens entre 30 mil e 200 mil exemplares, sendo que,
excepcionalmente, alguns alcançavam até tiragens de até mais de um milhão de exemplares.
Esta ampliação da massa de leitores também está relacionada, naturalmente, com
muitas outras transformações registradas no século XIX, além do desenvolvimento dos
processos industriais de impressão.
Avanços no campo dos transportes, especialmente nas ferrovias e navegação marítima;
no campo das comunicações, como o telefone e a radiotelegrafia; e da própria energia a vapor
à elétrica; impactaram a imprensa tanto na busca e qualificação da informação oferecida,
quanto na sua cada vez mais rápida distribuição ou circulação.
Ainda no século XIX já se registrava a formação de agências de notícias, pools de
jornais e multiplicação de títulos de uma mesma empresa editora, sinalizando uma tendência
que se consolida no século XX, a do agigantamento e concentração dos grupos de mídia,
82
principalmente depois do surgimento do rádio, da televisão, dos satélites, da internet e de
outros avanços tecnológicos da comunicação de massa.
Para Novelli (2002), a imprensa comercial surge quando o estabelecimento do Estado
burguês de direito liberta a imprensa de suas obrigações críticas dando a ela a oportunidade de
assumir o lucro de uma empresa. Diz, ainda, Novelli (2002, p. 185):
A empresa jornalística, agora, caracteriza-se como um típico
empreendimento capitalista avançado, que subordina a política empresarial a
pontos de vista da economia de mercado. Dessa forma, o jornal passa a ser
influenciado por interesses estranhos aos seus objetivos primeiros.
Thompson (1998, p. 74) diz que é preciso considerar, também, que, com o processo de
globalização da comunicação e o desenvolvimento das formas de comunicação
eletronicamente mediadas, “[...] o tradicional editor-proprietário, que tinha um ou dois jornais
de interesses familiares, gradualmente cedeu a vez para o desenvolvimento de organizações
multimídia e multinacionais de grande porte.”
Esse processo de concentração da mídia foi fundamental na consolidação da
hegemonia capitalista, fazendo com que os valores filosóficos expressos pelo iluminismo -
liberdade, igualdade, fraternidade – não encontrassem coerência na realidade social já a partir
do século XIX, quando se acentuavam as diferenças sócio-econômicas entre a massa
trabalhadora e a parcela dominante.
Para o professor Bahia (2004), esses valores iluministas – liberdade, igualdade e
fraternidade – acrescidos do acesso à propriedade privada –, tornaram-se como que dogmas
de uma religião laica. Diz ele que as massas iludiram-se no fictício papel de origem e
destinação de um poder que se exercia em seu nome e que a sociedade de classes ocultou-se
na camuflagem proporcionada pelo surgimento da esperança no Estado como uma estrutura
neutra de exercício de poder.
83
Para Bahia (2004), analisar a real constituição do Estado como representante dos
interesses do poder econômico dominante, numa sociedade de classes, foi mérito do
materialismo histórico, doutrina formulada especialmente por Marx visando a uma
compreensão do processo universal, com base no trabalho humano, como meio de satisfazer
as necessidades econômicas da sociedade “[...] e na luta entre as classes sociais pelo controle
dos instrumentos e frutos desta produção.” (HOUAISS; VILLAR; FRANCO, 2001, p. 1867).
Renaut (2002), coordenador da “Historia da Filosofia Política”, registra no seu volume 4
(As críticas da modernidade) que pensadores modernos, como Horkheimer e Adorno, na linha de
Marx, acharam conveniente sublinhar a dialética paradoxal segundo a qual o iluminismo, embora
atribuindo-se como finalidade libertar os homens do medo e torná-los soberanos, acabou por
conduzir a sociedade moderna, dita ‘esclarecida’, a uma situação inversa, principalmente a partir
do século XX.
Foi justamente para descrever esta inversão que Adorno e Horkheimer (1990)
ofereceram a clássica reflexão sobre a Indústria Cultural., discutindo a condição do cinema,
do rádio, da televisão, da música popular e da própria imprensa tradicional (jornais e revistas)
no mundo ocidental do pós-guerra.
É a partir deste momento que o conhecimento em geral e a informação em particular,
assim como seus meios de veiculação e propagação, entre eles a imprensa, vão se transformar,
cada vez mais, em mercadoria, em produtos à venda.
O argumento básico destes autores foi o de que o surgimento e expansão das indústrias
de entretenimento, como empresas capitalistas, evolvendo os diversos tipos de veículos de
comunicação de massa, acabaram por determinar uma padronização das formas culturais,
processo esse que, por sua vez, atrofia a capacidade do indivíduo de pensar e agir de uma
maneira crítica e autônoma.
84
Para Adorno e Horkheimer (1990), os bens culturais produzidos por estas indústrias
não surgem espontaneamente das massas, mas são planejados e disponibilizados para o
consumo das massas, de acordo com os objetivos da acumulação capitalista e da busca do
lucro.
Silva (1985) observa que o fato de ser controlada pela burguesia não significa que a
indústria cultural trate de divulgar, através de seus produtos, uma visão monolítica do mundo.
Ao contrário, diz ele, a indústria cultural, como em outros meios de produção capitalista,
registra também, no seu interior, a presença permanente de contradições, que podem se
expressar nas relações de trabalho e mesmo no seu produto final.
No caso da imprensa, enquanto uma das manifestações da indústria cultural, um
exemplo de contradição que se expressa nas relações de trabalho, ou “no seu interior”, pode
ser a própria diversidade de posições políticas entre os editores ou colunistas de um jornal,
embora isso seja cada vez mais raro, pelo menos nas redações brasileiras, como afirma
Kucinski (2005, p. 113-114, grifo do autor):
Nunca houve tanta falta de pluralismo na mídia brasileira como nos tempos
atuais de hegemonia do neoliberalismo. Trata-se de um paradoxo, porque o
ideário liberal concebe a sociedade como contendo uma grande diversidade
de idéias, práticas e interesses, e essa diversidade é saudável e deve ser
valorizada. O neoliberalismo dá importância fundamental ao que chama de
‘mercado de idéias’, o intercâmbio livre de idéias e propostas controversas,
como melhor meio de se chegar às soluções mais justas e eficazes para o
conjunto da sociedade. Mas não é essa a concepção editorial da mídia
brasileira. [...] Não há mercado de idéias no jornalismo neoliberal brasileiro.
No espaço midiático que deveria acontecer esse processo de intercâmbio de
idéias, deu-se no Brasil a uniformização ideológica.
Podemos afirmar, contudo, que quando transparece, eventualmente, uma manifestação
de diversidade de opiniões no corpo editorial, isto tende a significar bem mais um esforço de
legitimação do veículo junto à opinião pública, como pseudocondição de isenção ou
85
imparcialidade, do que, propriamente, como uma expressão democrática ou mesmo uma
contradição em si.
Um caso concreto mais ilustrativo desta situação é o que ocorreu antes do processo da
eleição presidencial brasileira de 2002, com a contratação do então possível candidato de
esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, como colunista, por um determinado prazo, do jornal
Zero Hora, do grupo RBS de Porto Alegre, já à época francamente acusado de manipulação
contra o seu partido, o Partido dos Trabalhadores, e as suas posturas antiliberais.
De qualquer forma, o próprio Silva (1982), ao mesmo tempo em que rechaça o caráter
determinista do conceito formulado por Adorno e Horkheimer (1190), reconhece também
como inegável que o componente ideológico é da própria natureza da indústria cultural.
Segundo ele, não deve ser surpreendente que, numa sociedade capitalista, em que o controle
político e econômico pertença a frações de uma determinada classe social, a burguesia, a
hegemonia sobre a cultura, a informação e a política também seja dela. A mesma classe social
que detém o controle da economia e da política, o detém pela operação da ideologia.
Deste modo, diz Silva (2004, p.21):
[...] a indústria cultural veicula nos bens que produz e são consumidos pelo
público uma ideologia hegemonicamente burguesa nos países capitalistas. E
ela é, sem dúvida, na maior parte das sociedades do Ocidente, inclusive o
Brasil, o principal instrumento através do qual se reproduzem os valores
culturais e ideológicos indispensáveis para a manutenção do poder da
burguesia sobre as demais classes sociais. A influência da indústria cultural
[...] há muito superou a da Igreja e a da Escola [...] e já começa a superar a
da Família.
Esta condição de poder que Lins da Silva identifica na indústria cultural
generalizadamente, Motta (2002) localiza mais precisamente na imprensa. Para ele, a
imprensa passou a ser a instituição política e ideologicamente mais notável da sociedade,
86
suplantando, além da Igreja e da Escola, os outros poderes, como o parlamento, no jogo
político, deixando tudo condicionando “à lógica midiática” (MOTTA, 2002, p. 13).
Ele entende que o processo político ficou de tal forma, inexoravelmente dependente e
condicionado, que acaba se constituindo num prolongamento da mídia em geral e da imprensa
em particular:
Há muito a imprensa [...] deixou de apenas intermediar o real e o simbólico
para estruturar e constituir o real. É a imprensa que seleciona, tipifica,
descontextualiza, estrutura e referencia o real. Neste contexto, a política
mistura-se com performance, as eleições são disputas de marketing, políticos
são mais atores que ideólogos, todos desempenham papéis cujo fim é o
espetáculo em si. A ação política é valorizada não pelo conteúdo das
discussões, mas pelas habilidades teatrais e comunicativa dos atores, ou
melhor dos marqueteiros que interpretam a política. Nessa esfera
mercadológica, a noticia é curta, rápida, fragmentada e esvaziada no seu
conteúdo político. (MOTTA, 2002, p. 17).
Cruz (2000) amplia ainda mais essa reflexão. Para ele, no contexto democrático como
é entendido no ocidente, o mandato político decide-se pelo voto. Ou seja, ao eleitor é dado o
direito de escolher seus representantes e é na questão da escolha que se centra o perigo das
relações da imprensa com o poder. O autor explica que o eleitor faz seu discernimento sobre
quem melhor irá governar ou legislar a partir das informações que recebe no dia a dia. Se as
informações que recebe são distorcidas, fatalmente sua escolha também será:
Se as informações se assimilam diariamente, as escolhas políticas fazem-se
por ciclos. A escolha do cidadão é feita com base nas informações que este
mesmo cidadão acumulou sobre aqueles que se apresentam a sufrágio ao
longo de um determinado período de tempo. [...] O que conta no momento
da eleição é a síntese informativa que é feita pelo cidadão eleitor. [...]
Volume significativo das informações assimiladas pelo eleitor foi recebido
através da imprensa. Portanto os órgãos de informação intervierem de
alguma forma no processo político. (CRUZ, 2000, p.17-18)
87
Como um dos muitos exemplos disso, dando razão ao autor, podemos citar a edição
promovida pela TV Globo no debate final do segundo turno nas eleições para a presidência da
Republica em 1989, entre os candidatos Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da
Silva. Mesmo Collor tendo uma melhor performance no debate, como parecia ser a opinião
predominante, a emissora acabou reeditando partes do debate, retirando-as do seu contexto,
com a intenção de valorizar as afirmações dele e desvalorizar as de Lula. Como Collor venceu
as eleições, quem poderá assegurar que o procedimento da Rede Globo não tenha
determinado o resultado do pleito?
Thompson (1995), por sua vez, diz que os efeitos da indústria cultural, em geral, e do
poder da imprensa manipuladora e concentrada, em particular, são nocivos tanto ao indivíduo
quanto à democracia. Ele conclui que
[...] o processo do iluminismo, que procurou controlar o mundo através da
dominação técnica da natureza, culminou numa totalidade social
racionalizada e reificada em que os seres humanos não são os senhores, mas
os servos e as vítimas cuja consciência foi acorrentada pelos produtos da
indústria cultural. (THOMPSON, 1995, p.135).
Diz também que a teoria liberal tradicional da imprensa livre pressupõe como legítimo
que a livre iniciativa seja fundamento da liberdade de expressão. Mas, para Thompson (1995),
a transição da imprensa, de uma condição militante para uma condição industrial-mercantil,
constituiu-se em um risco à liberdade de expressão maior que as eventuais restrições impostas
por um poder estatal:
A expressão livre dos pensamentos e opiniões poderia ser conseguida, na
prática, apenas na medida em que as instituições da imprensa fossem
independentes do estado e estivessem situadas no campo privado, onde elas
poderiam desempenhar suas atividades com um mínimo de exigência: dentro
da teoria liberal tradicional, um enfoque laissez-faire com respeito à
atividade econômica se constituía na contrapartida natural à liberdade
individual, incluindo a liberdade de pensamento e de expressão. E, na
verdade, foi a partir daí que as indústrias dos jornais e de publicação se
88
desenvolveram na Inglaterra e em outras sociedades ocidentais no curso dos
séculos XIX e XX. Mas a conseqüência do crescimento dessas instituições é
que, no início do século XX, a liberdade de expressão foi sendo, cada vez
mais, confrontada por uma nova ameaça: a que provinha não do exercício
repressivo do poder do estado, mas, antes, do crescimento desenfreado das
indústrias de jornais e de publicações na qualidade de interesses comerciais.
(THOMPSON, 1995, p. 326, grifo do autor).
Apesar disso, a imprensa moderna, ao proclamar-se imparcial ou isenta, busca
assegurar a sua intocabilidade e manter inalteradas as relações de poder do modo de produção
capitalista. Ou, em síntese, para justificar as relações de dominação.
O professor Ferrari (2000), titular da cadeira de Jurisprudência da Universidade de
Milão, e alinhado à tradição italiana do “liberal socialismo”, do qual um dos expoentes foi
Norberto Bobbio, vem se dedicando à reflexão sobre a questão da democracia e a liberdade de
imprensa. Em seu texto “Mídia e Direito à informação”, Ferrari (2000) faz uma análise critica
das relações entre democracia e informação.
Por democracia o autor entende um regime político que se fundamenta em quatro
bases: primeiro, na liberdade dos cidadãos em contraste com as interferências do poder; em
segundo lugar, na igualdade dos cidadãos perante a lei; terceiro, na possibilidade concreta de
que os próprios cidadãos se realizem tanto na vida privada como na vida social em condições
de igualdade, ao menos nos pontos de partida; e, por último, na possibilidade concreta de que
os cidadãos participem direta ou indiretamente dos governos e da coisa publica: “Em síntese,
democracia [...] significa o gozo dos direitos fundamentais e acesso efetivo às oportunidades
da vida.” (FERRARI, 2000, p. 164).
O autor destaca que não rechaça o conceito de democracia como ‘democracia liberal’
desde que esta não seja confundida com o liberalismo. Para ele, “[...] liberalismo é a teoria
dos limites impostos ao exercício do poder e, portanto, uma ideologia de liberação, como
mero liberalismo econômico.” (FERRARI, 2000, p. 165).
89
Assim, ele entende que o liberalismo econômico é, de fato, concorrência entre sujeitos
livres e iguais, mas, “[...] se praticado sem regras e controles, [....] tende realmente a se
transformar em seu contrário, ou seja, em um regime de monopólio econômico, e, assim,
muitas vezes, um método de exploração do homem pelo homem.” (FERRARI, 2000, p. 165).
Sobre o conceito de informação, Ferrari explica que essa palavra deve ser lida, antes
de tudo, separando-se o seu prefixo inicial (in-formação), pois ele compreende que
“informação” não é somente o “ato de informar”, como diz o vocabulário, mas é parte
essencial do processo de formação do próprio individuo.
Conclui, então, que “[...] a falta de informação bloqueia o desenvolvimento da
personalidade tornando-a asfixiada.” (FERRARI, 2000, p. 165) e que uma informação
unilateral, advinda de uma só fonte, mesmo que seja ela qualificada, direciona a personalidade
do ser humano para canais pré-estabelecidos, limitando, desta forma, as possibilidades de
escolha e a capacidade crítica do indivíduo, prejudicando assim a sua participação nos
processos democráticos da sociedade.
Conclui o jurista, então, que a relação entre democracia e informação é, portanto,
biunívoca , de coessencialidade, no sentido de que uma não pode existir sem a outra, sendo
que o conceito de uma comporta o conceito da outra. Para ele, mesmo que isso pareça óbvio,
a análise dessa relação é, todavia, muitas vezes realizada de modo incompleto e unilateral,
especialmente no que se refere à liberdade de informação:
[...] Entende-se freqüentemente por ‘liberdade de informação’ a liberdade de
dar vida e de gerir sem censura as fontes de informação, mas não a liberdade
de aceder a tais fontes, que é, quando muito, considerada um reflexo do
primeiro tipo, ao invés de, em termos democráticos, dever ser entendida
como predominante. (FERRARI, 2000, p. 167, grifo do autor).
Ferrari vê nos monopólios dos meios de comunicação de massa uma dificuldade
concreta à democracia plena. Diz ele que “[...] é preciso evitar a confusão teórica entre um
90
regime econômico de concorrência e um regime de monopólio na informação.” (FERRARI,
2000, p. 169). Segundo explica, essa confusão leva a subestimar os graves riscos que o regime
de monopólio traz para uma democracia, mesmo madura e completa:
[...] Efetivamente, não deve ser esquecido que a experiência histórica e a
ciência política a partir de Aristóteles ensinam que uma democracia pode
degenerar em demagogia e, esta última, em tirania. A monopolização das
fontes informativas com certeza contamina o processo de informação de
opiniões, favorecendo o conformismo da massa e, conseqüentemente, o
predomínio da massa dos conformistas, comandada pelo poder político,
sobre minorias críticas e dissidentes. (FERRARI, 2000,
169-170).
Ele diz ainda que, tanto o monopólio público quanto o monopólio privado das fontes
informativas são incompatíveis com a democracia. E que, portanto, pela sua própria natureza,
uma democracia deve impedir, tanto um quanto o outro, com legislação antitruste no setor
privado e com garantia de gestão pluralista no setor público.
Ferrari (2000) destaca que, quanto mais o poder é concentrado, mais se restringe a área
privada e mais seus detentores procuram instrumentos normativos para definir como
“público” o seu interesse pessoal e protegê-lo como tal.
Os “agentes ativos da comunicação” devem, então, diz ele, assumir o que chama de
direito-dever de informar. Isso significa que, ao direito de informar, assegurado aos que
possuem controle sobre os meios de comunicação, corresponde o dever de bem informar. Isso
porque o direito de informar está subordinado ao direito do cidadão de ser bem informado:
A liberdade de informar-se, todavia, não é completamente tutelada se o
direito de aceder a uma pluralidade de fontes alternativas não vem
acompanhado da possibilidade concreta de ouvir as vozes minoritárias,
aquelas que não tem meios suficientes para entrar no mercado da informação
e fazerem-se ouvir. (FERRARI, 2000, p. 189-190).
91
Em suma, para Ferrari (2000), a liberdade de imprensa – o direito de informar - é
apenas uma parte da questão do que chama de “relação de coessencialidade” entre democracia
e informação. A outra parte, tão “essencial” quanto esta, é o direito de ser informado. Um
direito que, segundo ele, não deve ser abstrato, mas objetivo, matéria constitucional inclusive,
e – como tal - sob amparo da justiça.
O autor defende ainda o direito do cidadão de não receber informação falsa. Para ele,
isso é um capítulo à parte que merece total atenção. Explica que, “[...] por informação falsa,
não se entende a informação de ‘comentário’ unilateral, parcial e até falacioso, oferecido por
sujeitos que operam em boa fé declarando a própria posição, essa informação não é perigosa,
desde que seja equilibrada com idônea contra-informação.” (FERRARI, 2000, p. 192, grifo do
autor).
Por informação falsa entende o autor, “[...] aquela que é conscientemente deformada e
manipulada de má fé pelos seus próprios gestores.” (FERRARI, 2000, p. 192), e que se traduz
no ocultamento de fatos objetivamente acontecidos, na transformação das opiniões expressas,
no cancelamento de frases significativas, na extrapolação de outras do seu contexto aparente.
Ferrari (2000, p. 192) afirma existir um “[...] mostruário de truques aos quais se recorre
em todos os campos em que se faz informação, da escola aos jornais.” Por informação falsa
se entende, segundo ele, também “[...] aquele notável fluxo de informações viciadas por erros
determinados por engano ou ignorância dos informantes.” (FERRARI, 2000, p. 192). Isto é,
“[...] um fluxo que compreende também numerosas informações que, podendo induzir a erro,
o público teria o direito de não receber.” (FERRARI, 2000, p. 192).
O jurista Ferrari (2000) vê nos conselhos profissionais de jornalistas um instrumento
fundamental para a prevenção destas distorções e para a democratização da imprensa, citando,
como bom exemplo, a Ordem dos Jornalistas da Itália, entidade que possui uma estrutura de
base local organizada em torno de conselhos regionais, eleitos diretamente pela categoria, e
92
que, segundo o secretário da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), Celso Augusto
Schroder, é o modelo inspirador da proposta do Conselho Federal de Jornalismo, elemento
central deste nosso estudo.
Mas esta questão será tratada mais adiante.
2.1.4 IMPRENSA BRASILEIRA
O Brasil é um dos últimos países do mundo, excetuados os da África e da Ásia, a ter
uma imprensa regular, assim como também é um dos últimos a ter fábricas e mercado próprio.
E apesar de, na Europa, a imprensa estar no esplendor da sua pluralidade e liberdade, após
impor-se sobre a monarquia, aqui ela chega ainda sob a sua tutela, embora sob a máscara do
ideário iluminista, ou mesmo para servi-la oficialmente.
Até 1808, data da chegada de Dom João VI e a família real, as letras impressas, tanto
em livros quanto em periódicos, eram proibidas no Brasil, sendo reprimidos com rigor e
violência os que ousavam implantar gráficas clandestinas e divulgar panfletos, conforme
relata Sodré (1966) na sua obra clássica “A história da imprensa no Brasil”.
As poucas tentativas de implantar tipografias legais, ainda que fossem somente para
imprimir letras de câmbio ou mesmo orações devotas nos “santinhos” do catolicismo,
acabavam esbarrando na intransigência das autoridades portuguesas:
Imprensa, universidades, fábricas – nada disso nos convinha, na opinião do
colonizador. [...] Com a abertura dos portos às nações amigas quebrou-se o
monopólio com Portugal e o país viu florescer o comércio. O isolamento
português com a presença francesa em seu território europeu fez com que o
governo investisse na criação de fábricas de ferro, pólvora, vidro na colônia
americana. Também havia a necessidade de se fazer imprimir os atos do
governo e de divulgar notícias interessantes à Coroa. Daí ter-se implantada
aqui também, logo após a chegada do rei, a imprensa. (LUSTOSA, 2004, p.
7-8).
93
Do que produzia a imprensa oficial, contudo, nada atraía a atenção do público, “[...]
nem era essa a preocupação dos que faziam o jornal a Gazeta do Rio de Janeiro, o jornal da
corte. Nele só se publicavam relatos sobre a saúde dos príncipes europeus e, às vezes, alguns
documentos oficiais e panegíricos da família real portuguesa.” (SODRÉ, 1966, p. 23).
Se o primeiro periódico impresso livremente no Brasil foi patrocinado oficialmente
pela corte, começando a circular em 10 de setembro de 1808, isso não lhe dá, depois de
algumas revisões de historiadores, a condição de fundador da imprensa brasileira. Pelo
contrário, nas últimas décadas do século XX, intensificou-se o movimento que passou a
reconhecer um periódico editado em Londres, o Correio Braziliense, como o marco inicial da
história do jornalismo brasileiro. Seu primeiro número chega ao Brasil em 1º de junho de
1808, pouco mais de três meses antes do início de circulação da Gazeta do Rio de Janeiro.
O Correio Braziliense surge, então, no momento em que a conjuntura política e
econômica no Brasil passa a viver um dinamismo inusitado, especialmente com a abertura dos
portos e a presença do rei e de sua corte no Rio de Janeiro.
Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça nasceu no Uruguai, estudou em
Lisboa, conheceu os Estados Unidos e retornou a Portugal, onde residiu até 1805,
transferindo-se, então para Londres, onde permaneceu até a morte, em 1823. Segundo Bahia
(1967) e Sodré (1966), Hipólito teria ido para a Inglaterra porque temia o cárcere da
inquisição do Santo Ofício, uma vez que era maçom, ordem secreta cujos ritos pressupunham
a liberdade religiosa que Portugal não permitia.
Apoiado, então, na tradicional solidariedade dos irmãos maçons, Hipólito passou a
viver em Londres, como tradutor e professor de português, colaborando numa obra sobre
Portugal e em uma gramática. E foi a partir de Londres, também com a solidariedade dos
maçons, que passou a produzir e imprimir o Correio Braziliense.
94
Pelo que costumava publicar, vários de seus biógrafos afirmam, com convicção, que
ele tomara a iniciativa de produzir o jornal acreditando que a vinda do futuro rei d. João VI
era um sinal de profunda transformação institucional do Brasil e também de Portugal.
Também costumam lhe atribuir uma identidade com o pensamento iluminista e com os ideais
revolucionários do final do século XVIII, na Europa e na América.
Essa identidade, de fato, consta em seus artigos, principalmente no que diz respeito ao
aspecto econômico-liberal do iluminismo, mas de longe seriam idéias republicanas, uma vez
que, nesses mesmos escritos, aparecem evidências de que Hipólito da Costa era
assumidamente monarquista.
É importante registrar que, em Londres, Hipólito fizera amizade com o duque de
Sussex, também maçom e filho do rei da Inglaterra. Sendo assim, ficara protegido pelas leis
inglesas e sentiu-se à vontade para publicar o que queria, tanto sobre o Brasil como sobre
Portugal e a situação internacional, conforme Lustosa (2004, p. 17): “Era para informar os
brasileiros do que se passava no mundo, para influir sobre seus espíritos direcionando-os no
sentido das idéias liberais, para chamar a atenção para o caráter daninho do absolutismo ou de
qualquer forma de despotismo que Hipólito escrevia.”
Isso não significa que o editor-proprietário do Correio Braziliense fosse um militante
contra a monarquia européia. Na verdade ele não poderia ser considerado nem mesmo um
revolucionário. Seu jornal, diz Sodré (1966), não foi fundado para pregar a independência e,
de fato, não a pregou , mas, sim, para preparar o Brasil para o liberalismo econômico e suas
instituições.
Hipólito era um monarquista reformista e estava motivado em defender as reformas
administrativas e uma legislação que visassem o desenvolvimento do comércio com a Europa,
especialmente com a Inglaterra, onde mantinha fortes laços de proximidade com a realeza em
95
seus negócios mercantis de transporte marítimo e de fluxo de imigração, mais precisamente
da colonização pelo braço livre.
Não são exatas, então, as afirmações de que a motivação de Hipólito da Costa, com o
seu jornal, tivesse sido a luta contra o modelo feudal, assim como foi à luta da imprensa
européia na época do iluminismo. Simplesmente pelo fato de que no Brasil nunca existiu esse
sistema político-econômico, o feudalismo.
Para Gorender (1998, p. 9), “[...] na Europa, a acumulação original do capital realizou-
se no bojo do feudalismo. No Brasil nunca houve feudalismo.” Segundo o autor, nosso
modelo de acumulação de capital foi conseqüência do modelo escravista, que perpassou a
independência em 1822, e só se esgotou, ainda que não totalmente, mais de 50 anos depois.
Entre os temas de mais destaque no Correio Braziliense estavam a substituição
gradativa do trabalho escravo pelo trabalho livre, o que Hipólito achava viável através da
imigração de europeus pobres para o Brasil, desde que houvesse leis claras e eficazes que
permitissem a redução do papel do Estado sobre as ações da sociedade.
Apesar do caráter anti-escravagista desses textos, o jornal não esteve na vanguarda das
lutas abolicionistas. Conforme a pesquisa de Sodré, Hipólito só tratou da questão dos
escravos, pela primeira vez, em 1814, afirmando ser contrário ao instituto servil. No ano
seguinte, voltou ao assunto entendendo ter “‘[...] chegado o tempo em que esta questão de
escravatura deve ser decidida afinal’ [HIPÓLITO apud SODRÉ, 1966, p. 25] e achando que o
problema do tráfico poderia ser controlado com a introdução de máquinas e o início da
imigração.” (HIPÓLITO apud SODRÉ, 1966, p. 25).
De qualquer modo, quando promovia a imigração de europeus para o Brasil, Hipólito
acabava aproximando-se ainda mais da maçonaria e da realeza de Londres que mantinha
negócios com as companhias navais que transportavam os europeus para trabalhar na
América.
96
Nos artigos do Correio Braziliense, Hipólito manifestava-se contra os monopólios que
constrangiam o progresso do comércio e da indústria e queria a transparência das contas
públicas, além de uma maior participação do povo na política, mas desde que isso não se
confundisse com a liderança do processo de transformação do sistema de governo.
É que Hipólito não se apresentava como um democrata: queria que as reformas fossem
feitas pelo governo antes que o povo as fizesse, o que evidencia sua posição não
revolucionaria: “Ele acreditava que a monarquia constitucional tal como conhecia na
Inglaterra, ou seja uma monarquia liberal como é até hoje, era o melhor dos governos
possíveis.” (LUSTOSA, 2004, p. 177-178).
O fato de defender a preservação da monarquia, ainda que com reformas, não
descredenciava o Correio Braziliense como um jornal de caráter militante. Diz Lustosa (2004)
que os custos da publicação de um jornal eram altos e o retorno mal dava para cobri-los. O
próprio Hipólito se queixaria, nas páginas do Correio, do enorme trabalho que tinha para
publicá-lo, das despesas e das necessidades de desenvolver, paralela à atividade jornalística,
alguma outra que lhe garantisse o sustento da família.
Disso, se pode concluir que o Correio Braziliense era, de fato, militante em pelo
menos em dois aspectos: perpassava o ideário iluminista-liberal-econômico e não objetivava
lucros em si, apesar, de ser um instrumento de poder que beneficiava suas relações com o
poder econômico europeu. Já, para Lustosa, a condição militante de Hipólito fica revelada
quando se observa que o Correio Braziliense vai circular apenas durante o período de 12
anos, entre a vinda de d. João VI - que foi a sua motivação para fazer o jornal - e a declaração
de independência do Brasil, em 1822.
Para Lustosa (2004), a imprensa brasileira começa, desta maneira, como uma atividade
de militância política, ou seja, com as mesmas características da imprensa européia do século
anterior. Enquanto durou – diz ela -, a atividade jornalística de Hipólito José da Costa foi um
97
esforço permanente para levar a Ilustração, o ambiente do iluminismo, ao cenário intelectual e
político do Brasil.
Outro argumento de Lustosa, para sustentar a sua condição militante, é o de que, desde
Londres, o editor vinha saudando, a partir de 1820, os jornais e jornalistas que surgiam, já
livres, no Brasil e que, vendo o êxito da Independência, Hipólito julgou encerrada a sua
missão, parando de publicar o Correio Braziliense no mesmo ano, apenas dois meses depois
do grito do Ipiranga.
Permanecendo em Londres, Hipólito seguiu com suas atividades profissionais como
professor e tradutor, as que lhes dava sustento, e colaborando para o reconhecimento de nossa
Independência na Europa, durante o ano de 1823, ao final do qual morreu subitamente, “[...]
deixando um legado que o faz ser hoje reconhecido como o fundador da imprensa brasileira.”
(LUSTOSA, 2004, p. 20).
Para, Sodré (1966), no entanto, o desaparecimento do jornal, justo no ano da
independência, se deu por outro motivo, o que fica claro nas palavras escritas pelo próprio
Hipólito da Costa:
Ninguém deseja mais do que nós reformas úteis, mas a ninguém aborrece
mais do que nós sejam essas reformas feitas pelo povo. Reconhecemos as
más conseqüências desse modo de reformar. Desejamos as reformas, mas
feitas pelo governo, e urgimos que o governo as deve fazer enquanto é
tempo, para que se evite que sejam feitas pelo povo. (HIPÓLITO apud
SODRÉ, 1966, p. 68).
Sodré (1966) registra que essas palavras são de 1811, mas que Hipólito permaneceu
fiel ao que elas traduziam de conteúdo político:
Essa era, sem dúvida, também, a posição da classe dominante no Brasil na
época. Mas esta evoluiu, progressivamente, esposando, em 1822, a solução
da independência . Hipólito da costa, não a esposou; aceitou-a. Foi
ultrapassado pelos acontecimentos e, portanto, pela parte mais importante do
98
seu público. E o Correio Braziliense perdeu a razão de existir, por isso
mesmo. (SODRÉ, 1966, p. 33, grifo do autor).
O que se pode deduzir, então, das diferentes opiniões sobre Hipólito da Costa, é que,
assim como não se pode negar a importância histórica que teve nos primórdios da nossa
imprensa, também não se pode omitir que ele tinha motivações de interesse particular,
econômicas, no caso, em suas ações como editor-proprietário do Correio Braziliense.
Conclui-se, então, que a imprensa brasileira já nasce liberal-econômica, com Hipólito
da Costa, embora no aspecto político ainda fosse monarquista, até porque, assim também se
apresentava, e de forma diretamente estatal, através da Gazeta do Rio de Janeiro, o jornal da
corte e primeiro a ser impresso no Brasil, com regularidade.
Ou seja, já no seu nascedouro, a imprensa brasileira é controlada, de um lado, pelo
governo, e, de outro, pelo liberalismo econômico, nunca pela sociedade, aliás, como ainda
permanece.
No decurso desta historia, desde o Império até nossos dias, a imprensa brasileira nunca
deixou de ser liberal, embora tivesse deixado de ser monarquista, tornando-se republicana e
consolidando-se como atividade empresarial voltada ao lucro.
Na Europa, apesar de também apresentar-se hoje concentrada e predominantemente
liberal, sua condição plural e militante ainda revelava bastante vigor até os anos 1980, quando
muitos jornais partidários ou representativos de categorias sociais capitularam ao avanço da
hegemonia capitalista e das novas tecnologias da comunicação. Mesmo assim, há
remanescentes, como o Le Monde Diplomatique, um jornal militante da esquerda e de grande
prestígio internacional.
Mesmo não tendo experimentado a condição plural militante da época do iluminismo,
como na Europa, por já ter nascido capitalista, a imprensa brasileira teve seus momentos de
pluralidade em determinadas circunstâncias históricas. Por exemplo, logo depois da
99
Independência, embora a coroa brasileira logo tivesse tratado de censurá-la. Mais tarde,
durante o processo de industrialização do país, a imprensa operária viveu grande
efervescência, apesar dos enfrentamentos com a censura e a repressão durante o Estado Novo
e o regime militar.
Aliás, foi durante o regime militar, paradoxalmente, que, conforme registra Bernardo
Kucinski (2005), o Brasil viveu um dos momentos de maior pluralidade na imprensa,
especialmente pela pujança e qualidade dos veículos ditos alternativos, ou “nanicos”, como
eram chamados, embora alguns tivessem alcançado expressão nacional e grandes tiragens:
Pasquim, Opinião e o Movimento, os de maior destaque e extremante críticos, estavam entre
muitos outros que, embora unidos na oposição à ditadura, eram diferentes entre si, pois
mantinham suas bandeiras, por exemplo, anarquistas, marxistas, nacionalistas,
internacionalistas, católicas, feministas, para citar algumas.
Diz Kucinski (2005) que mesmo a imprensa convencional, que mantinha com o
regime militar uma relação de complacência, divergia de determinadas posições adotadas pelo
governo e, nestas circunstâncias, criticava pesadamente. Foram assim as críticas às políticas
agrícolas, à edição do AI-5 que fechou o Congresso e ao programa nuclear brasileiro, em
1975. Ele lembra também que, durante os primeiros anos da ditadura até fins de 1968, revistas
convencionais como, por exemplo, Visão e Veja, expressavam visões bem diferentes dos
problemas brasileiros. E também havia jornais remanescentes da era do populismo, Última
Hora e o Correio da Manhã, que criticava ferozmente o regime militar, ambos fechados por
ações arbitrárias ou mesmo por estrangulamento econômico.
Para Kucinski (2005), a diversidade de opiniões e a crítica expressavam as
contradições do regime autoritário. Ele lembra que nesta época a burguesia dividia-se em
facções bem demarcadas, com interesses conflitantes. Entretanto, com o advento do
100
neoliberalismo essas frações da burguesia foram fundidas “[...] numa grande e única
metafísica do negócio, num capitalismo global e único.” (KUCINSKI, 2005, p. 117).
Kucinski (2005) lembra também que na ditadura chegou a haver, inclusive, censura
prévia até dos veículos convencionais, mas que hoje nenhum jornal deste tipo adota uma linha
editorial crítica: o advento da democracia, em vez de abrir mais interfaces de conflito entre o
jornalismo e o Estado e aumentar o espaço a profundidade da critica, tornou-a ainda mais
superficial.
Nunca houve tanta falta de pluralismo na mídia brasileira como nos tempos atuais de
hegemonia neoliberal, diz Kucinski (2005, p. 115, grifo do autor):
[...] Ocorre que se deu um processo de seleção natural pelo qual os
jornalistas que já tinham prestígio, mas não aderiram ao projeto neoliberal,
foram sendo alijados dos melhores espaços, especialmente da televisão e das
mesas-redondas, apesar de alguns ainda mantém colunas em jornais. Esses
espaços foram paulatinamente sendo re-alocados. Assim, os jornalistas com
mais espaço na mídia, as verdadeiras ‘grifes’, jornalísticas, são também os
que apóiam o projeto neo-liberal.
Kucinski (2005) entende que, no Brasil, o consenso proposto pelo ideário liberal não
precisa ser produzido ao longo de um complexo processo midiático de debate argumentativo.
Ele já nasce pronto e acabado, nas matizes dos jornais e das revistas semanais. A ideologia de
todos os veículos da grande imprensa possui o mesmo código genético. Com uma ou outra
exceção já não há jornais de esquerda nem jornais alternativos.
O que mais impressiona no panorama da mídia brasileira da era neoliberal, diz
Kucinski, é o contraste entre a crescente polarização da sociedade, com aumento significativo
das diferenças e dos conflitos sociais, e a ausência de qualquer polarização ideológica entre os
veículos de comunicação de massa.
Diz ainda Kucinski (2005) que, no jornalismo neoliberal brasileiro, a mídia fala em
nome do interesse público mas serve ao interesse privado. Para ele a privatização do estado
101
brasileiro correspondeu à privatização das emissoras de rádio e TV . Esse processo se deu no
bojo da concentração de emissoras e televisão em poucas mãos; só que estas mãos foram, em
sua maioria, as dos políticos conservadores:
[...] No Brasil da era neoliberal, 31,2% das emissoras de rádio e TV são
controladas por políticos conservadores. Em alguns estados, um único chefe
político tem o controle da quase totalidade das emissoras. Em contraste,
associações populares e sindicatos nunca receberam uma concessão de rádio.
(KUCINSKI, 2005,
p. 119-120).
Para o professor, apesar de defender a atuação das agências reguladoras em
substituição à atuação direta do Estrado, o neoliberalismo resistiu o quanto pode à instalação
do Conselho de Comunicação Social, previsto pela Constituição de 1988 para ser a agência
reguladora da concessão e da programação. Comportamento idêntico, podemos observar em
torno do projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo, como veremos a seguir.
Kucinski conclui que, apesar da mídia celebrar a era pós-moderna propondo a
convivência dos contrários, da tolerância ética e das diversas formas de pluralismo, menos do
modelo econômico, não tolera a divergência e não admite valores que não sejam os seus,
desclassificando a todos que dela divergem chamando-os de dinossauros.
Exatamente como fez com os que se propuseram a defender o projeto do Conselho
Federal de Jornalismo.
Para os professores Guareschi e Biz (2005), há algo mais grave ainda na dificuldade
de se obter avanços na solução dessas distorções referidas por Kucinski: a própria mídia
neutraliza toda e qualquer possibilidade de discussão dos seus problemas.
Para os professores, há um círculo vicioso na análise da democratização da
comunicação no Brasil: “[...] Por que a mídia não discute a mídia? Por que a mídia não educa
para que possa ser entendida? Por que não discute a diferença entre mídia impressa e mídia
102
eletrônica, com suas conseqüências, finalidades e responsabilidades? Por que a legislação
sobre a mídia não é veiculada?” (GUARESCHI; BIZ, 2005, p. 74-75).
Para eles o que há é uma espécie de burla da legislação - que é clara - sobre o papel
educativo da mídia. Entendem que, se a mídia não cumpre esse papel, dificilmente outro setor
irá fazê-lo, constituindo-se, então, uma espécie de circulo vicioso.
“[...] Além de tudo, a mídia influi poderosamente nas escolas, nas famílias e em todas
as esferas da sociedade. Se ela não for crítica dela mesma, não haverá maneira de chegarmos
a uma verdadeira democracia na comunicação.” (GUARESCHI; BIZ, 2005, p. 75).
Uma tentativa de buscar essa democratização foi o projeto de criação do CFJ, cuja
idéia não tem conseguido transpor a barreira imposta pela própria mídia como forma de
proteger-se. Para Guareschi e Biz (2005, p. 74, grifo do autor), “[...] a questão da criação do
Conselho Federal de Jornalismo vem comprovar o pavor e a resistência dos ‘donos’ da mídia
à mínima organização dos profissionais.”
2.1.5 CONSELHO FEDERAL DE JORNALISMO
A proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) foi anunciada dia 4 de
agosto de 2004, pelo então Secretário de Imprensa do Palácio do Planalto, jornalista Ricardo
Kotscho, representando o presidente Luís Inácio Lula da Silva, na abertura do XXXI
Congresso Nacional dos Jornalistas, realizado em João Pessoa, Paraíba. O anúncio,
testemunhado diretamente pelo autor desta pesquisa (participando do evento como
palestrante), foi recebido sob fortes aplausos por uma platéia de jornalistas, de todo o país,
presentes na cerimônia inaugural do encontro bienal da categoria.
103
A notícia, se não chegou a ser exatamente uma surpresa, também não deixou de causar
impacto positivo entre os que participavam do encontro. Afinal, esta é uma questão em debate
pela classe desde a década de 1960, quando a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ)
lutava também pela regulamentação da profissão. Na época, não se tinha clareza sobre a
melhor denominação para a proposta, sendo que parte dos envolvidos nos debates preferia
denominá-la de Ordem dos Jornalistas do Brasil, enquanto outra já então preferia a
denominação de Conselho Federal de Jornalismo.
De qualquer modo, se o reconhecimento da profissão de jornalista acabou
regulamentado oficialmente no final daquela década, mais precisamente em novembro de
1969, a proposta do Conselho ficou preterida por mais 35 anos, apesar de permanecer em
discussão no âmbito da categoria.
Diz a revista Imprensa (VENCESLAU, 2004) que, em 1985, Gabriel Romeiro,
candidato a presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, propõe em sua
plataforma lutar pela criação de um conselho federal, nos moldes da Ordem dos Advogados
do Brasil. Romeiro é eleito mas a idéia divide os sindicalistas.
Já em 1990, a pedido do novo presidente do mesmo Sindicato dos Jornalistas do
Estado de São Paulo, Antônio Carlos Fon, o advogado João Manuel Reigoto elabora o projeto
de criação da Ordem dos Jornalistas do Brasil (OJB), projeto que chega a ser encartado no
jornal da entidade e amplamente divulgado no estado.
Dois anos depois, em 1992, uma frente de sindicatos leva a proposta de criação da
OJB para o congresso da FENAJ, no Rio de Janeiro, mas a proposta acaba vetada pelos
presentes, inclusive pelo jornalista catarinense Sérgio Murillo, que mais tarde, em 2004, viria
a ser o presidente da Federação, já tendo mudado de opinião sobre a idéia de um conselho
federal para a categoria.
104
Ainda segundo a mesma reportagem da revista Imprensa (VENCESLAU, 2004), só
em 1997, num congresso da FENAJ realizado em Vila Velha, que a proposta é aprovada para
ser encaminhada ao presidente da República e, dele, para o Congresso Nacional. Mesmo
assim, no ano seguinte, 1998, temendo reações contrárias, a FENAJ muda de estratégia:
desiste do conselho e tenta convencer o Executivo e o Legislativo a lhe darem status de
conselho, com direito a fiscalizar o diploma e o registro profissional dos jornalistas em
atividade. O projeto passa pelo Congresso, mas é vetado pelo presidente Fernando Henrique
Cardoso.
Na verdade a idéia de um Conselho não só volta à estaca zero como a situação dos
jornalistas diplomados fica até pior que antes. Em 1º de novembro de 2001, a juíza Carla
Rister, da 16ª Vara do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, atende em liminar a um
pedido do Ministério Público, encaminhado por André de Carvalho Ramos, procurador
regional dos direitos do cidadão, acabando com a obrigatoriedade do diploma para o exercício
da profissão de jornalista.
É de se registrar que a decisão da juíza de São Paulo ocorreu apenas três meses depois
do Sindicato do mesmo estado anunciar a “Campanha pela Valorização do Jornalista”, o que
seria uma grande ofensiva contra estagiários “irregulares” e repórteres sem diploma ou sem
registro profissional.
Segundo relata o repórter Venceslau (2002), ao anunciar a campanha, o então
presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, Frederico Ghedini, usou a
Folha de São Paulo, “histórica e ideologicamente” contra o diploma, como exemplo de
empresa que não respeita a lei exigindo o diploma para o exercício da profissão.
Ao repórter, o sindicalista afirmou: “Nós vamos lá com a fiscalização. E vamos logo.
Vai se criar uma situação em que as pessoas que foram irresponsavelmente chamadas para
exercer a profissão não vão mais poder exercê-las. E ainda correm, o risco de ser presas.”
105
(VENCESLAU, 2002, p. 26). O repórter da revista Imprensa (VENCESLAU, 2002) lembra
da imagem que ficou ao terminar a entrevista com o presidente do Sindicato de São Paulo:
Papeando depois de desligados os gravadores, a imagem que nos vem à
cabeça é de um camburão estacionado em frente à Folha, abarrotado de focas
e repórteres. Ou ainda do comandante Hamilton, o piloto do helicóptero que
fazia reportagens do ar para a Rede TV!, sendo autuado em flagrante, logo
depois das aterrissagens por não possuir registro de jornalista.
(VENCESLAU, 2002, p. 26).
A Campanha pela Valorização do Jornalista ainda nem tinha saído da sede do
Sindicato e a juíza Carla Rister já havia dado seu despacho: “O decreto lei 972, de 1969,
editado durante o regime militar e que exige diploma para o exercício da atividade
jornalística, contraria a Constituição de 1988, que prevê a livre expressão de atividade
intelectual.” (VENCESLAU, 2002, p. 27).
Ou seja, a questão do exercício profissional do jornalista acabou sendo interpretada
pela juíza do Trabalho de São Paulo como a própria questão da liberdade de imprensa.
A reação da categoria dos jornalistas à decisão da juíza também é relatada pelo
repórter Venceslau (2002, p. 27, grifo do autor):
Passado o susto inicial, Sindicatos e FENAJ passaram a dizer, em coro, que
a liminar não duraria muito. Aos estudantes que questionavam se valia a
pena para continuar estudando jornalismo, a resposta era padrão. ‘A liminar
deve cair a qualquer momento e seu registro perderá a validade. Siga em
frente, termine o curso’. Nos bastidores, a juíza Ríster, ora era vista como
alguém que buscava os holofotes para si, cora como representante dos
patrões. Estes soltaram rojão quando souberam que a ‘ofensiva’ prometida
fora abortada em cima da hora. ‘São as empresas que lucram quando enchem
a redação de estudantes, que não ganham nada ou ganham um salário
simbólico’, diz Fred Ghedini. Mal sabia ele que nenhum instrumento
jurídico, passeata, abaixo assinado ou lobby seria capaz de derrubar a
supostamente frágil liminar ao longo do próximo ano.
106
Nem ao longo dos próximos anos. Pelo menos até meados de 2005, quando estamos
concluindo o presente estudo. E não foi por falta de reação ou mobilização por parte da
FENAJ, sindicatos da categoria, profissionais da imprensa, estudantes e professores de
jornalismo. Afinal, desde que a liminar da juíza Carla Rister entrou em vigor, os sindicatos de
todo o país foram obrigados a promover milhares de registros provisórios mesmo para aqueles
sem qualquer tipo de diploma.
Em 10 de setembro de 2002, antigo Dia Nacional da Imprensa, uma passeata, em Belo
Horizonte, envolvendo todos esses segmentos, marca o lançamento oficial do movimento que
espera criar, o mais rápido possível, o Conselho Federal de Jornalismo.
Mais que uma defesa do diploma, a categoria decide retomar e encampar a luta pela
criação de uma autarquia federal, com poderes para fiscalizar e punir, assim como existem os
conselhos ou as ordens dos advogados, engenheiros, médicos, farmacêuticos, relações
públicas e de diversas outras categorias. O projeto da FENAJ é encaminhado ao governo,
através do ministro do Trabalho de Fernando Henrique Cardoso, Paulo Jobim, mas o
presidente não chega nem a recebê-lo, muito menos a encaminhá-lo ao Congresso.
Em abril de 2004, já sob o novo governo, o presidente Lula, numa audiência
solicitada pela FENAJ, recebeu cerca de 30 jornalistas, representando a categoria de vários
estados do país, que lhe fizeram a entrega formal do projeto para a criação do CFJ e o pedido
de encaminhamento ao Congresso.
Até por lei não poderia ser de outro modo: projetos de criação de qualquer órgão
federal devem ser emanados do poder Executivo por se tratar de uma prerrogativa
constitucional do Presidente da República. Até então, a FENAJ não havia obtido êxito em
outras tentativas de encaminhar não só a proposta do Conselho como de outras que visassem
uma melhor fiscalização do exercício profissional.
107
Desta vez foi diferente, apenas cerca de 100 dias após a diretoria da FENAJ ter sido
recebida em audiência pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, o projeto de criação do CFJ já
estava sendo remetido do Palácio Planalto para o Congresso Nacional, cumprindo o trâmite legal.
A data de 4 de agosto não foi escolhida pelo presidente Lula, mas pela própria
Federação Nacional dos Jornalistas, já que neste dia seria a abertura do XXXI Congresso
Nacional dos Jornalistas, o que, como já foi dito, de fato aconteceu em João Pessoa.
Como o anúncio formal da decisão do presidente da República foi feito em primeira
mão para a categoria, numa noite de quarta-feira, a notícia só foi destaque nos principais
telejornais na noite de quinta-feira, dia 5, nos jornais do centro do país a partir da sexta-feira,
dia 6 de agosto, e, no final da semana seguinte, transformou-se em assunto central e tema de
capa em Veja, Istoé e Carta Capital, três das quatro revistas semanais brasileiras de
informação jornalística geral e circulação nacional, sendo também tratada na mesma semana
pela quarta revista do gênero, a Época, embora, nesta, apenas no interior da edição e com
menos destaque.
Mesmo assim, Época, como também Veja e Istoé, dedicou praticamente todo o espaço
reservado ao tema para condenar o projeto do CFJ como sendo uma tentativa revanchista do
Governo Lula - que enfrentava uma fase sob acusações de corrupção - de impor a volta da
censura ou do controle autoritário da imprensa, desconsiderando todo o longo histórico do
encaminhamento da proposta pela Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ).
A condenação da proposta de criação do CFJ não ficou só nas revistas semanais.
Todos os principais veículos de informação do país, entre impressos e eletrônicos, criticaram
o projeto, quase sempre atribuindo a iniciativa ao Governo, o que não era verdade.
Os líderes da categoria nunca deixaram de acreditar que haveria fortes reações
contrárias das empresas de comunicação, mas não contavam com a coincidência de uma série
de reportagens, principalmente de Veja e de Istoé, contra o Governo.
108
Nos primeiros vinte meses de seu mandato, o presidente Lula, viveu três grandes
momentos de tensão com a mídia. O primeiro foi o chamado “escândalo Valdomiro Diniz”,
um funcionário da Loteria do Rio de Janeiro que fora chamado para auxiliar o Chefe da Casa
Civil, José Dirceu, e foi flagrado em ação de corrupção ou tráfico de influência. Embora
imediatamente afastado do Palácio do Planalto, o caso provou forte desgaste no Governo
Lula. O segundo foi o caso Larry Rother, correspondente do jornal New York Times, que
mostrou o presidente Lula como supostamente alcolista, o que foi respondido pelo governo
com a expulsão do correspondente, ato que acabou reconsiderado diante da reação da
imprensa. Por último, o anúncio quase simultâneo de alguns projetos e intenções relacionados
com a comunicação no país, incluindo o controle da produção do cinema e da TV, a lei da
mordaça do Ministério Público, a proibição de funcionários públicos de darem declarações
para a imprensa e a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo.
Para Venceslau (2004, p. 18),
[...] foi o conselho que despertou as mais iradas reações de repúdio: Os
grupos editoriais Globo, Abril, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil e Record
formaram uma frente informal contra a proposta. Ao grupo uniram-se
juristas, personalidades, oposição, setores da situação, além de boa parte da
base das redações. [...] Na enxurrada de informações sobre a criação do
conselho, divulgadas na mídia, muita coisa foi ignorada, distorcida ou
editorializada.
Para o jornalista e então Secretário de Imprensa da Presidência da República, Ricardo
Kotscho, “[...] o que aconteceu [...] foi um massacre da mídia: de cada cinqüenta matérias
sobre o conselho, quarenta e nove e meia eram contra.” (VENCESLAU, 2004, p. 27).
De fato, não se percebeu qualquer dos grandes veículos de comunicação do país fazer
a defesa da proposta ou mesmo poupá-lo de alguma crítica. O “placar” de opiniões publicadas
pela imprensa registrou, de fato, flagrante desvantagem à proposta. A edição da revista Veja
do dia 11 de agosto de 2004, selecionada como parte da análise que se faz nesta pesquisa,
109
além da capa e da Carta do Editor condenando a proposta como autoritária e ameaçadora à
liberdade de imprensa, publica outras três cartas de leitores e mais 34 depoimentos
selecionados de personalidades contrárias à criação do Conselho.
Na defesa do projeto apenas uma frase do então Secretário de Imprensa da Presidência
da República, Ricardo Kotscho, e duas do então assessor especial do presidente Lula, o
jornalista Frei Betto, a quem a revista trata, no interior do texto, como “[...] figura cavilosa,
que é padre quando lhe convém, jornalista quando lhe convém e assessor do presidente da
República quando lhe convém.” (GASPAR, 2004, p. 48). Embora citando nominalmente
todos os diretores da FENAJ, e o que seriam as suas opções partidárias, ninguém da entidade
proponente do projeto do CFJ foi entrevistado por Veja para falar sobre o assunto.
Já a Rede Globo de Televisão teve pelo menos este cuidado na edição do Jornal
Nacional que foi ao ar no dia seguinte ao da apresentação do projeto. Usando quatro
entrevistas com jornalistas, o JN selecionou apenas uma favorável, a do presidente da FENAJ,
Sérgio Murillo de Andrade, e, mesmo assim, com um aproveitamento mais limitado que o
oferecido ao presidente da Associação Brasileira de Imprensa, Maurício Azêdo, editado por
último na seqüência das entrevistas e com forte crítica ao projeto.
A forma como foi editada esta matéria pelo Jornal Nacional, limitando a fala de
Sérgio Murillo e dando a última palavra a Maurício Azêdo, revela não apenas um alinhamento
desse último com a opinião dos empresários de comunicação, o que foi declarado por ele
mesmo, como também alimenta um debate, cada vez mais agudo, sobre qual das duas
entidades tem mais legitimidade para representar a categoria: FENAJ ou ABI?
Um esforço para oferecer elementos a esta questão se faz, aqui, necessário, diante das
exigências do método de pesquisa adotado (o contexto sócio-histórico para fins de
interpretação e re-interpretação), podendo ser este o caminho de identificação da genealogia
110
da proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo, reflexão esta que se oferece a
seguir.
Para Sérgio Murillo de Andrade, jornalista e professor de Jornalismo em Santa
Catarina, empossado presidente da FENAJ no mesmo Congresso em que o projeto do CFJ foi
anunciado, “[...] existe uma campanha sistemática das empresas de comunicação contra a
organização da [...] categoria. E isso não vem de hoje.” (VENCESLAU, 2004, p. 19). Se
existe tal campanha, não se dispõe de provas documentais sobre ela, embora haja elementos
através dos quais se possa promover uma interpretação de profundidade para verificar se, de
fato, ela se caracteriza. Este, aliás, foi um dos propósitos do presente estudo.
E se a suposta campanha das empresas de comunicação contra a organização dos
jornalistas “não vem de hoje”, como diz o presidente da FENAJ, aparentemente, pelo menos,
não era assim no início do século XX, quando jornalistas, gráficos, funcionários
administrativos, colaboradores e donos de jornais criaram, juntos, a Associação Brasileira de
Imprensa (ABI), em 1908, por ocasião do centenário da edição do primeiro jornal brasileiro, o
Correio Braziliense.
Era uma outra realidade: o rádio e a televisão só chegariam depois disso e os jornais
brasileiros dependiam dos assinantes, sendo a publicidade escassa e, no começo, até gratuita.
O que havia de imprensa, embora já dispondo de condições de produção industrial, como as
linotipos de composição mecânica e as grandes rotativas, ainda não se caracterizava como o
que hoje se reconhece como mídia comercial de massa, dependente muito mais do “mercado”,
da publicidade, ou dos “patrocinadores” – e cada vez mais dos patrocinadores políticos
(governos, empresas estatais, concessionários de serviços públicos, lobbies etc) - que
propriamente dos leitores, ouvintes, telespectadores, do público enfim.
Lima Sobrinho (1997, p. 44) conta que, quando assumiu a presidência da ABI pela
primeira vez, em 1926, aos 29 anos de idade, ainda existia o jornalismo “[...] romântico, [...]
111
resultado, muitas vezes, da exaltação das doutrinas e da fascinação das idéias, mas algumas
vezes surgido de pruridos vaidosos, criadores da ambição de renome e de evidência.”
Com o desenvolvimento industrial da imprensa, diz Barbosa Lima Sobrinho, se
transforma o próprio jornalista, fazendo praticamente desaparecer os que faziam deste ofício
uma atividade de vida romântica. Ao longo do século XX, o jornalismo vai progressivamente
abandonando a condição inicial de militância (partisan press), ou mesmo de sacerdócio, para
se transformar cada vez mais num negócio (penny press), e num grande negócio.
Na década de 1930, já eram vários os grandes jornais nas principais cidades do país,
correspondendo à expansão do processo industrial brasileiro e ao conseqüente
desenvolvimento da burguesia e do proletariado urbano.
É nesse momento que vai ocorrer o início efetivo da profissionalização do jornalismo
brasileiro, até porque é quando surgem também as imposições das leis trabalhistas e da
organização dos trabalhadores, através dos sindicatos, separados por categorias. São eles que
passam a representar oficialmente os trabalhadores.
O primeiro e até hoje maior sindicato de jornalistas do país é o de São Paulo, com
4.500 associados. Junto com outros 30 sindicatos da categoria de todas as regiões brasileiras,
promoveu a criação da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) em 1946, reconhecida
oficialmente em 25 de agosto de 1953.
A FENAJ, com sede e foro no Distrito Federal, reúne, em 2004, cerca de 30 mil
jornalistas sindicalizados do país, que trabalham em jornais, portais de internet e em rádios e
emissoras de televisão – abertas, públicas e a cabo -, além de assessorias de imprensa
públicas, privadas, sindicais e do chamado terceiro setor. Sua representatividade pode ser
avaliada, quanto mais não seja, por ser uma das únicas federações de trabalhadores do país
que elege a diretoria através do voto direto, tendo tido a participação, na eleição de maio de
2004, de cerca de 5 mil dos seus 30 mil associados. É também a FENAJ que representa, no
112
Brasil, as entidades internacionais dos jornalistas, sendo a responsável pela emissão da
credencial internacional da categoria, reconhecida pela Organização das Nações Unidas e pela
diplomacia mundial.
Outras categorias profissionais que se agregavam exclusivamente em torno da ABI
também foram, com o tempo, formando seus sindicatos e associações próprias, como os
publicitários, as empresas de propaganda, os gráficos, o pessoal administrativo e operacional
das empresas jornalísticas e/ou de comunicação. Até mesmo as empresas editoras de jornais,
as empresas editoras de revistas e as emissoras de rádio e televisão têm hoje os seus
sindicatos e as suas associações separadas. Os próprios anunciantes, segmento financiador da
comunicação, se reúnem em associações específicas.
A Associação Brasileira de Imprensa, no entanto, mesmo com toda a emancipação das
mais diferentes categorias profissionais que sempre procurou representar, continuou existindo,
inclusive com a participação e a liderança regular de jornalistas. Durante a ditadura militar, e
enquanto permaneceu sob a presidência de Barbosa Lima Sobrinho, a entidade teve sempre
uma destacada atuação política, juntamente com a Ordem dos Advogados do Brasil, a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e outras entidades, não apenas na defesa da
imprensa, como também na luta pela redemocratização do país e contra todos os atos
arbitrários do regime.
Mas a legitimidade da ABI, como representante da imprensa brasileira na luta contra a
ditadura, estava justamente na figura de Barbosa Lima Sobrinho, o mais novo e o mais velho
presidente da entidade, tanto por seu carisma e respeitada biografia, como remanescente de
uma imprensa outrora militante e não voltada ao lucro. Depois de dirigir a Associação entre
1926 e 1934, quando se elege deputado federal, Lima Sobrinho volta ao comando da ABI em
1974, sendo sucessivamente reeleito até a sua morte, quando chegava aos 102 anos de idade.
113
Além de jornalista e político, Lima Sobrinho foi também jogador e cartola do futebol
de Pernambuco, onde nasceu e para onde voltou, em 1945, com a redemocratização do país,
retomando a carreira política e chegando a governador do estado, cargo exercido de 1948 a
1951. Sem nunca ter abandonado o jornalismo, mesmo enquanto governador, Barbosa Lima
Sobrinho jamais parou de escrever, inclusive livros, condição que o levou à Academia
Brasileira de Letras, da qual também foi presidente, eleito em 1953.
Entre os seus 29 livros, todos sobre questões políticas e históricas, um dos primeiros
foi “O problema da imprensa”, publicado em 1923, quando ele completava 25 anos de idade.
A obra foi reeditada, revista e atualizada em 1988 e, por último, em 1997, comemorando os
100 anos do autor. É nesta terceira edição que estão as suas principais reflexões reunidas
durante os 85 anos que dedicou à prática e à análise do jornalismo brasileiro. Nela Barbosa
Lima Sobrinho vai sustentar “o valor de um freio legal” (LIMA SOBRINHO, 1997) para a
atividade da imprensa. Dizia ele que “[...] todas as nações do mundo adotaram medidas
regulamentando a liberdade de imprensa, entendida não como um regime de ausência absoluta
de leis preventivas [...], mas como significando a interdição da censura prévia.” (LIMA
SOBRINHO, 1997, p. 58).
O autor dizia que não basta à sanção da opinião pública como juiz único para os
delitos de imprensa: “O povo se deixa facilmente arrastar pelas demasias do jornalismo”
(LIMA SOBRINHO, 1997, p. 58). E completa: “[...] está fora de dúvida, pois, a legitimidade
de legislação regulamentadora da imprensa.” (LIMA SOBRINHO, 1997, p. 59).
Com o retorno do país à democracia e com a morte de Barbosa Lima Sobrinho e,
ainda, sobretudo, com a emancipação das diferentes categorias que deram origem à entidade,
a ABI entrou em profunda crise de representatividade e, em conseqüência desta, numa severa
crise financeira da qual não sairia, pelo menos, até maio de 2004.
114
Foi neste momento que, na tentativa de recuperar tanto as finanças quanto a sua
representatividade, a ABI faz coincidir - por isso mesmo - o processo eleitoral ordinário da
entidade com o reforço a uma campanha nacional de associativismo. A campanha tinha
começado no ano 2000 e visava evitar que a entidade tivesse que fechar as suas portas por
falta de recursos. O apelo não se restringia à categoria dos jornalistas, mas envolvia todas as
diferentes classes profissionais relacionadas à imprensa, aliás, em consonância com a gênese e
o estatuto da entidade, como já foi descrito.
Mesmo assim, o resultado foi pífio. Aquela eleição da ABI não conseguiu reunir mais
que 300 votos, quase todos de eleitores do Rio de Janeiro, cidade de onde a entidade nunca
saiu, mesmo depois de mais de 40 anos da transferência da capital para Brasília.
O presidente que assumiu em 2003, Maurício Azêdo, também nasceu na antiga capital,
foi jornalista durante 40 anos, mas se afastou da profissão desde que ingressou na carreira
política, sendo eleito vereador pelo PDT e assumindo, depois, uma cadeira no Tribunal de
Contas do Rio de Janeiro.
Em entrevista à revista Imprensa (VENCESLAU, 2004, p. 20) Azêdo afirmou ser
“totalmente contra” a proposta de um Conselho Federal de Jornalismo porque o projeto tem
“[...] disposições nocivas para os jornalistas, como a cassação de registro profissional e a
proibição do exercício da profissão.”
As disposições que o presidente da ABI considera “nocivas para os jornalistas” são
exatamente as que objetivam prover uma cultura de respeito ao código de ética, coibindo os
abusos. O que estava previsto no projeto era o direito a qualquer pessoa ou instituição que se
sentisse prejudicada por um jornalismo tendencioso, poderia recorrer aos conselhos regionais
para expressar sua reclamação. Como em outros conselhos, os jornalistas teriam sempre
115
garantido um amplo direito de defesa. O tribunal de ética seria formado por jornalistas
idôneos e representantes da sociedade civil, todos eleitos diretamente pela categoria.
3
Criticando a FENAJ, por ter estado “[...] acumpliciada com a ditadura militar durante os
anos de chumbo, enquanto a ABI, junto com o Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, ficou na
linha de frente”, Maurício Azêdo declara então que a entidade sob sua presidência nunca teve a
pretensão de representar a categoria dos jornalistas, mas o pensamento e a idéia da imprensa
desde 1908, ano de sua criação: “Nossa causa á liberdade de expressão, a liberdade de
imprensa.” (VENCESLAU, 2004, p. 20).
Para a FENAJ, conforme seu presidente Sérgio Murillo de Andrade, no caso do
projeto do Conselho, “[...] a ABI se posicionou ao lado das empresas de comunicação e
distante da base dos jornalistas. Além de se instalarem no Rio de Janeiro, eles são a linha
auxiliar dos empresários da mídia.” (VENCESLAU, 2004, p. 20).
Em setembro de 2004, enquanto a FENAJ sustentava em seminários e debates nas
escolas de jornalismo do país que o propósito do Conselho sempre foi exclusivamente o de
proteger a profissão nos seus aspectos éticos e trabalhistas, um novo presidente da Associação
Nacional de Jornais tomava posse no cargo declarando que a sua prioridade inicial seria
acompanhar a tramitação do projeto do CFJ no Congresso Nacional. Para o novo presidente
da ANJ, Nelson Sirotsky, a criação do Conselho Federal de Jornalismo seria “[...] uma
ameaça efetiva à liberdade de imprensa e de expressão.” (SIROTSKY, 2004, p. 17).
Embora pressionado pelos empresários para retirar o projeto do CFJ do Congresso, o
presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, presente na mesma cerimônia de posse da
nova diretoria da ANJ, também discursou, mas não fez qualquer menção de voltar atrás na
3
Analisar o mérito da proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo não é, porém, o objeto
desta pesquisa. De qualquer forma, oferecemos, em anexo, tanto o texto original quanto a proposta
substitutiva que procurou eliminar os termos que suscitaram as dúvidas e críticas às intenções da
FENAJ. Isto porque a polêmica originada em torno deste processo constitui-se no contexto histórico
sob o qual a nossa pesquisa foi desenvolvida.
116
questão do Conselho. O presidente, que já havia chamado de “covardes” os jornalistas que
não defenderam a sua entidade no caso da proposta, sequer mencionou o caso do Conselho
Federal de Jornalismo quando, no discurso, fez sua declaração de fé na liberdade de imprensa:
Vivemos, felizmente, numa democracia consolidada e nosso empenho tem
sido no sentido de fortalecê-la e aprofundá-la. A sociedade precisa do
jornalismo para fiscalizar seus governantes e suas autoridades. A melhor
receita para o vigor do jornalismo é, sem dúvida nenhuma, a liberdade. Esse
é o único modo de construir uma imprensa mais plural, mais representativa,
menos preconceituosa e mais responsável. Claro que, como cidadão, posso
às vezes sofrer intimamente ao presenciar uma injustiça cometida por um
erro qualquer da imprensa. Mas, na condição de governante, não posso me
incomodar quando leio uma crítica séria ao governo numa página de jornal.
O que me incomodava era viver sob um regime no qual o governo se
dedicava a censurar artigos de jornal. Isso não voltará a acontecer no Brasil
e, muito menos voltará a acontecer de forma dissimulada. Não se depender
da minha vontade. (SILVA apud SIROTSKY, 2004, p. 17).
Assim, se a proposta do Conselho Federal de Jornalismo poderia ser ou não uma
ameaça à liberdade de imprensa, isto, pelo menos no discurso, não era a intenção do governo
do presidente Lula. E também ficara mais difícil identificar tal ameaça no teor do projeto
depois que a Federação Nacional dos Jornalistas apresentou, no final de novembro de 2004,
diversas alterações deixando mais claros os objetivos da entidade com a nova legislação e
retirando todos os termos que vinham sendo considerados como indicativos de ameaça à
liberdade de imprensa no país.
Mesmo assim, nem o projeto original e nem o seu substitutivo chegaram a merecer a
atenção dos parlamentares do Congresso que, em votação simbólica, depois de acordo de
lideranças, inclusive do partido do presidente da República (o Partido dos Trabalhadores),
rejeitaram, antes mesmo do final de 2004, a proposta encaminhada pela categoria dos
jornalistas de todo o país. A rejeição teve como base o parecer relator do projeto, deputado
Nelson Proença, empresário controlador de concessões de emissoras de rádio, assim como
mais de um terço da composição dos parlamentares do Congresso Nacional.
117
A questão, pois, segue aberta no momento em que se conclui este estudo. Para que um
conselho profissional de jornalistas venha a ser criado, como é a vontade da própria categoria,
outro projeto deverá ser encaminhado ao Congresso. Mas como fazê-lo passar como uma lei
se o poder dos que controlam a informação se mostra maior do que o daqueles que são eleitos
pelo povo para fazer as leis?
2.2 Análise formal ou discursiva
Na análise formal ou discursiva, segunda fase do método da Hermenêutica da
Profundidade, Thompson (1995) diz que as construções simbólicas são produtos
contextualizados e têm a função e o objetivo de dizer alguma coisa sobre algo.
Este tipo de análise enfoca, em especial, a organização interna das formas simbólicas,
com suas características estruturais, seus padrões e relações, servindo para a construção do
campo-objetivo. Para Thompson (1995) há formas variadas de conduzir a análise formal ou
discursiva, de acordo com o objeto e as circunstâncias de investigação.
Neste trabalho nossa opção foi pela análise narrativa, uma das formas propostas pelo
autor, que a define como um discurso que narra uma seqüência de fatos e/ou histórias. O material
empírico selecionado – no caso, as revistas semanais de informação brasileiras – reúne as edições
que trazem a abordagem sobre a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo,
servindo-se, em diferentes momentos do conceito iluminista de liberdade de imprensa.
Sendo assim, o nosso foco, nesta fase da aplicação do referencial metodológico da
Hermenêutica de Profundidade, é a identificação do uso do conceito de liberdade de imprensa,
objetiva ou subjetivamente, no objeto pesquisado.
118
Cabe aqui lembrar que a decisão de enviar ao Congresso Nacional a proposta de
criação do Conselho Federal de Jornalismo foi anunciada no dia 4 de agosto de 2004, na
sessão de abertura do XXXI Congresso Brasileiro de Jornalistas, em João Pessoa, Paraíba.
Como a medida não estava prevista e seu anúncio ocorreu numa noite de quarta-feira,
numa cidade fora do circuito regular da cobertura jornalística, o tema só repercutiu na mídia
nacional a partir de sexta-feira, nos principais jornais e telejornais do país, conforme já
destacado anteriormente.
Assim, as revistas semanais de informação, com fechamento regular entre quinta e
sexta-feira, trataram do tema de forma limitada na primeira semana para, na semana seguinte,
a terceira do mês de agosto, oferecer uma abordagem de maior destaque, sendo o principal
tema da edição e assunto de capa em três das quatro publicações.
O tema persistiu nas quatro revistas por, pelo menos, mais duas semanas, com
abordagens complementares e manifestações de colunistas e cartas de leitores e/ou de
personalidades citadas, perfazendo, portanto, quatro semanas de repercussão.
Depois de lidos e examinados as formas simbólicas específicas das quatro revistas nas
edições dessas quatro semanas, a opção do recorte principal para a interpretação/re-
interpretação foi pelas edições da terceira semana de agosto, as de formas simbólicas mais
ricas para análise. Foram estas as edições com maior número de páginas, entrevistas,
editoriais e opiniões de colunistas e leitores sobre o tema, sendo também as mais ricas em
ilustrações, inclusive através de capas.
Complementarmente, consideramos para a interpretação/re-interpretação mais uma
edição de cada uma destas revistas, no mesmo período das quatro semanas, destacando delas
as abordagens que poderiam melhor ilustrar e enriquecer a nossa interpretação.
As formas simbólicas selecionadas destas edições, além de descritas, estão
reproduzidas e anexadas a esta análise do material empírico que aqui fazemos.
119
As abordagens sobre o tema publicadas nas demais duas edições de cada uma das
revistas, embora descartadas para efeitos de interpretação/re-interpreteção e não aqui
reproduzidas, são também aqui descritas, ainda que de forma mais resumida, uma vez que –
entendemos assim – integraram o esforço da pesquisa que aqui relatamos.
Mais que isso. Servem, também, de certa forma, para verificarmos se houve, em
algum momento, correções de informações indevidas ou reações contrárias de leitores e/ou de
pessoas mencionadas sobre as abordagens anteriormente oferecidas. Ou, se, ao contrário, tais
edições apenas tenham servido para confirmar os discursos já sustentados nas abordagens
efetivamente analisadas e interpretadas/re-interpretadas.
Para este relatório da análise formal ou descritiva, a que se refere ao material empírico,
optamos por iniciar a apresentação das revistas pela Veja, a mais antiga e de maior circulação.
Não por ser a segunda mais antiga, mas para que nos proporcionasse mais fluência na
sua análise, optamos por apresentar na seqüência a Istoé, uma vez que, na sua abordagem
sobre o tema, esta revista levanta uma polêmica com a primeira, a Veja, referindo-se ao
episódio da cassação do mandato do deputado Ibsen Pinheiro.
Depois analisamos a abordagem da Época, não por outra razão se não a de que, assim,
também facilitaria a nossa descrição já que esta revista revelou argumentos muito semelhantes
aos das duas primeiras na condenação da proposta do Conselho Federal de Jornalismo.
Por último, exatamente por representar o contra-ponto na abordagem das demais,
talvez até por ser - mas, neste caso, não por ser - a revista de menor porte econômico entre as
quatro, analisamos o discurso sustentado pela Carta Capital sobre o mesmo tema.
A apresentação da análise das abordagens sobre o tema selecionadas para a fase
posterior da aplicação da HP, a da interpretação/re-interpretação, obedece aqui à ordem da
data de capa de cada uma das revistas, estando resumidas, na seqüência, as abordagens
descartadas das demais edições das mesmas revistas.
120
2.2.1 VEJA, ed. 1866, 11 ago. 2004
4
A primeira reação de Veja sobre a proposta de criação do Conselho Federal de
Jornalismo aparece na edição de 11 de agosto e restrita a um box de 2/3 de página integrado
ao texto sobre as denúncias levantadas pela imprensa contra o presidente do Banco Central,
Henrique Meirelles.
O box tem o título “Censores, uni-vos!”. É ilustrado com uma foto antiga de Fidel
Castro em uniforme militar, com tanque de guerra ao fundo, charuto à boca e abraçado a um
maço de jornais. Sob a foto, a legenda: “Fidel Castro, quando jovem: mais de um jornal é
desperdício de papel.”
Veja inicia o texto dizendo que “[...] em meio às acusações que a imprensa tem sido
irresponsável na divulgação de denúncias sobre o presidente do Banco Central, o governo
mandou um projeto ao Congresso Nacional propondo a criação de um Conselho Federal de
Jornalismo.”
Veja afirma que o projeto pode parecer bem intencionado, mas que é uma idéia
duplamente espantosa: “Primeiro porque é autoritária, pois um conselho de jornalismo não
terá outra função a não ser cercear a liberdade de imprensa.” Junto a esta afirmação, reproduz
uma declaração do presidente da ABI, Maurício Azedo, para quem “[...] isso pode ser uma
violação da ordem democrática definida pela Constituição Federal.
Em segundo lugar, segundo Veja, o projeto é espantoso, “[...] por ser uma idéia
cubana, já que reafirma a impressão de que o governo acha que deve - e pode – comandar
todos os processos da sociedade, sem entender que o próprio mercado consumidor se
4
As citações constantes neste subcapítulo e no 2.3.1 (que não identificados os autores) foram retiradas
do documento constante no Anexo C - VEJA, ed. 1866, 11 ago. 2004
(Edição complementar para a
análise).
121
encarrega de eliminar as publicações ruins e prestigiar as boas.” Diz a Revista que, em Cuba,
o ditador Fidel Castro mandou fechar todos os jornais, deixando circular apenas um, o
Granma, órgão oficial do Partido Comunista.
Para a Veja, seguindo-se seu “pensamento rupestre” a decisão de Fidel até que faz
sentido, pois ele achava um desperdício de papel manter vários jornais para divulgar o mesmo
fato. Veja diz, então, que “[...] na cabeça do ditador cubano, não existem matizes, nuances,
enfoques distintos, abordagens diversas, muito menos opiniões divergentes.” Sendo assim,
segundo a revista, é lógica a decisão de deixar que circule apenas um jornal.
A revista conclui que
[...] talvez o governo ganhasse em tempo e, sobretudo, em transparência, se a
proposta enviada ao Congresso decretasse o seguinte: de agora em diante, o
Brasil se bastará com a leitura do Em Questão, informativo eletrônico
distribuído pelo governo federal cujo conteúdo é tão eletrizante que agora
ganhou o apelido de Pravda.
2.2.2 VEJA, ed. 1867, 18 ago. 2004
5
Esta edição traz matéria de capa, editorial, mais 12 páginas de reportagens, entrevistas,
pesquisa histórica, fotos, ilustrações e a coluna de Tales Alvarenga, do quadro regular de
colunistas da revista.
A revista mostra, sob um fundo vermelho, uma estrela no centro da qual se projeta a
figura de um olho, e traz o título “Tentação autoritária”, acompanhado do subtítulo “As
investidas do governo do PT para vigiar e controlar a imprensa, a televisão e a cultura.”
5
As citações constantes neste subcapítulo e no 2.3.2 (que não identificados os autores) foram retiradas
do documento constante no Anexo D - VEJA, ed. 1867, 18 ago. 2004
(Edição principal para a
análise).
122
Já na ‘Carta ao Leitor’, seção que corresponde ao editorial ou opinião da empresa
editora sobre questões da atualidade, a revista conceitua a proposta de criação do CFJ como
“[...] um retrocesso à lenta, mas firme caminhada que o Brasil começou a empreender, nos
últimos dez anos, rumo ao que se define como ‘sociedade aberta’. Este tipo de organização
social tem como base moral a democracia e como base material a economia de mercado.”
Na mesma ‘Carta ao Leitor’, Veja vai atribuir ao filósofo grego Aristóteles (384 a 322
a.C.) a produção do que ela considera a definição clássica do papel da imprensa: “Alguns
poucos cidadãos adquirem o poder de fazer políticas públicas, todos, porém, têm o direito de
criticá-las.”
Para a Veja a sabedoria de Aristóteles estava principalmente “[...] em ter estabelecido
que os governos e seus críticos, embora façam parte da mesma sociedade, ocupam nela
esferas inteiramente diferentes.” E, pelo raciocínio do filósofo, “[...] enquanto os governos
têm o poder, os críticos, o direito.” Assim, para a Veja, é por esta razão que a qualidade da
imprensa deve ser sempre medida por seu grau de independência nas relações com os
governos.
Na ilustração do texto da revista, um busto de Aristóteles com a legenda: “Aristóteles:
uns governam, outros criticam.”
Ao concluir a ‘Carta ao Leitor’, Veja cita a Primeira Emenda à Constituição dos
Estados Unidos, em 1791: “Os legisladores americanos escreveram simplesmente que é
vedado ao Congresso fazer leis impondo uma religião ou restringindo a liberdade de
expressão e de imprensa. Ponto. Sem adjetivos. Sem Vacilações.”
Na matéria principal, intitulada “O fantasma do autoritarismo”, a foto de abertura
mostra o presidente Lula em posição de sentido, passando em revista as tropas em uma
solenidade militar, com o comando batendo continência e, ao fundo, uma unidade da
123
Cavalaria. A legenda da foto diz: “Lula na parada – O presidente em cerimônia militar no
Planalto: vítima do regime de exceção e beneficiado pelo denuncismo.”
Sobre o texto de abertura, assim como nas demais páginas da matéria, figura a
reprodução da ilustração da capa, já descrita anteriormente. O subtítulo diz: “Lula se deixa
enganar por uma associação de assessores de imprensa de empresas estatais que se fazem
passar por jornalistas e manda para o Congresso um projeto de lei que representa o mais sério
ataque à liberdade de expressão no Brasil desde o regime militar.”
O texto principal, ao referir-se ao Conselho Federal de Jornalismo, a revista afirma
que o presidente Lula “[...] despachou ao Congresso uma proposta que, em resumo, consiste
no mais severo ataque à liberdade de imprensa no país desde o regime militar (1964-1985).”
Afirma também que a criação do Conselho Federal, cuja missão é “[...] orientar, disciplinar e
fiscalizar [...]” o exercício da profissão de jornalista, está mantido apesar de ser, segundo a
revista, uma flagrante tentativa de cerceamento da liberdade de imprensa, do pensamento e da
expressão.
Veja diz que “[...] em sua defesa o governo alega que não é autor do projeto nem
pretende baixar controle algum sobre a imprensa.” O texto cita o secretário de imprensa do
Palácio do Planalto, Ricardo Kotscho, reproduzindo frase de artigo publicado na Folha de São
Paulo: “O governo não terá nenhuma ingerência neste assunto: trata-se de uma iniciativa dos
próprios jornalistas, que indicarão livremente os integrantes do Conselho.”
Ainda em Veja:
Da Esplanada, Frei Betto, assessor especial do Presidente Lula, disse que os
grandes meios de comunicação ‘ fazem um terrorismo psicológico porque
não querem perder o monopólio da palavra’ e por isso são contra o conselho.
‘Há tempos que os jornalistas, e eu me incluo como profissional do
jornalismo, querem um conselho próprio para a regulamentação da ética
profissional’. Desconhecem-se as razões pelas quais Frei Betto possa saber o
que querem os jornalistas brasileiros. Mas talvez tenha razão, pois, mutante
como é, hora se comporta como jornalista, ora como assessor de Lula, ora
como padre, dependendo do que mais lhe convém em cada momento.
124
A mesma menção é usada duas páginas após para legendar a foto de Frei Betto, sob o
título de “sacerdote de si próprio”, onde a revista afirma: “O projeto só agradou a figuras
cavilosas como Frei Betto, que é padre quando lhe convém, jornalista quando lhe convém e
assessor do presidente quando lhe convém.”
Mais adiante Veja admite que a
[...] a imprensa, por sua natureza e pela particularidade de seu exercício está
entre as que mais cometem erros e fazem julgamentos precipitados. Ela
precisa mesmo estar sob constante vigilância. Ocorre que está, sempre. Cada
vez que chega às bancas, os jornais e as revistas estão se submetendo à
julgamento popular instantâneo.
E a revista volta a citar,outra vez, o Assessor de Imprensa do Palácio, Ricardo
Kotscho, quando afirma:
O objetivo central da criação do CFJ - a exemplo do que há muito corre com
advogados, médicos, economistas e outras categorias – é exatamente
defender a dignidade e a ética exigidas no exercício da profissão para
garantir à sociedade a plenitude da liberdade de imprensa, e não a liberdade
para alguns profissionais e algumas empresas divulgarem o que bem
entendem a serviço de seus interesses.
Para a Veja, os conselhos têm efeito secundário e muitas vezes nulo no
comportamento ético e na prática cotidiana dos profissionais: “Não existe ética coletiva. A
ética é uma instância individual, ensinava o sociólogo alemão Max Weber.”
Entre as 34 fotos de personalidades da vida política brasileira que depõem na
reportagem sobre os projetos do CFJ e/ou da ANCINAV, três são de membros do Governo. A
de Frei Betto, já comentada aqui; a de José Dirceu, tratado na legenda como o “Caco” da Casa
Civil - e onde Veja afirma que “[...] sua assessoria incluiu o artigo que tornou o projeto ainda
mais liberticida”; e a de Luiz Gushiken, secretário de Comunicação e Gestão Estratégica, cuja
125
legenda diz “A última do ‘China’: Na Alemanha nazista, ser judeu não era uma questão
absoluta. Goehbels decidia quem era judeu. Gushiken disse que a liberdade de imprensa
também não é absoluta.”
Adiante, Veja afirma que “[...] os assessores de Lula teriam poupado o governo de
constrangimentos e desgastes desnecessários com o projeto estapafúrdio, caso tivessem
informado corretamente o presidente. Aparentemente não o fizeram.”
Segue afirmando que é de se supor que o presidente foi levado a acreditar na
Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), patrona do projeto. Para a Veja, a FENAJ não é
uma entidade composta de jornalistas no pleno exercício da profissão. Diz ela que, do ponto
de vista legal, a FENAJ tem aparência de um órgão legítimo que representa os 100 mil
jornalistas brasileiros, mas que, com menos de 30 por cento dos jornalistas sindicalizados, a
entidade representa uma minoria.
Afirma, também, que a diretoria eleita um mês antes (julho de 2004) não é uma
expressão de jornalistas que trabalhem em jornais, revistas, rádio e televisão. Para a revista, a
diretoria é composta majoritariamente por profissionais que estão afastados das redações,
prestando assessoria de imprensa a empresas estatais e a políticos, e que é formada de sete
jornalistas dos quais apenas dois não são filiados ao PT, e que dos dois não filiados, um é
publicamente simpático ao partido.
Mais adiante, Veja volta a admitir que “A imprensa – no Brasil e no mundo – comete
erros e exageros.” Lembra que Alceni Guerra, ministro da Saúde do governo Fernando Collor,
foi massacrado pela imprensa, inclusive pela própria Veja, sob suspeitas que mais tarde se
comprovaram infundadas; que Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-secretário geral da
Presidência da República no governo Fernando Henrique, foi indevidamente acusado pela
mídia de fazer tráfico de influência, quando estava no cargo, e que Ibsen Pinheiro – ex-
126
deputado, foi vítima de matéria que continha números errados a respeito de dinheiro por ele
movimentado e acabou cassado pela CPI do Orçamento.
Veja reitera que a imprensa erra, mas que os erros acabam aparecendo quando não são
corrigidos e quando, logo em seguida, a apuração correta dos fatos vem à tona. “VEJA
lamenta os enganos que cometeu nos casos de Alceni, Eduardo Jorge e Ibsen Pinheiro”,
desculpa-se a revista.
Na mesma reportagem, Veja afirma que a imprensa não é complementar ao estado:
“Ela é livre, independente e, em seus melhores momentos, antagônica ao Estado”. Adiante,
cita o diretor da Faculdade de Jornalismo da Universidade de Columbia, em Nova Iorque,
Josh Friedman, para o qual a criação de um conselho regulatório da imprensa é uma ameaça à
democracia, constituindo-se em um absurdo.
Para Veja, neste episódio o fato mais perigoso é que o governo dá a impressão de
quem tem vontade de controlar tudo:
Como o próprio nome diz, totalitarismo é a doutrina que não se satisfaz em
controlar os processos sob a competência do Estado. O totalitarismo almeja
controlar todos os processos, mesmo aqueles nos quais, a interferência
estatal deveria ser meramente marginal, como a vida em família, a pesquisa
científica e a produção artística.
Veja conclui a matéria principal afirmando que
[...] na Itália fascista o ministro da Educação, Giovanni Gentile, um dos
nomes mais influentes do governo Mussolini, dizia o seguinte: ‘tudo para o
Estado, nada contra o Estado, ninguém fora do Estado’. O Brasil de Lula,
obviamente, não é parecido com isso. O governo do PT está apenas confuso.
É liberal na economia e autoritário na política.
A matéria termina com a citação do antropólogo Roberto da Matta, da PUC do Rio de
Janeiro, para o qual “[...] há um lado liberal e outro reacionário, hierárquico e autoritário no
127
governo que quer cada macaco em seu galho vigiado constantemente por um gorila.” E que,
assim, o governo Lula estaria querendo “reviver a tática gorilista da ditadura”. Veja conclui:
“Parece tolo. É um perigo”.
A reportagem de Veja é acompanhada de 33 depoimentos, fora do corpo da matéria,
todos contrários ao projeto, nenhum a favor.
Veja, na mesma matéria, abre um box para confrontar o pensamento de duas
personalidades históricas sobre a liberdade de imprensa. De um lado, o ex-líder soviético
Vladimir Ilyich Lenin e, de outro, o líder da luta pela independência dos Estados Unidos
Thomas Jefferson.
De Lenin, Veja extrai a afirmação: “Por que deveríamos aceitar a liberdade de
expressão e de imprensa? Por que deveria um governo, que está fazendo o que acredita estar
certo, permitir que o critiquem? Ele não aceitaria a oposição de armas letais. Mas as idéias são
muito mais fatais do que as armas.”
De Jefferson, Veja extrai:
Uma vez que a base de nosso governo é a opinião do povo, nosso primeiro
objeto deve ser mantê-la intacta. E, se coubesse a mim decidir se precisamos
de um governo sem imprensa ou de uma imprensa sem governo, eu não
hesitaria um momento em escolher a segunda situação.
Veja opina que essas duas formas de pensar fizeram com que os Estados Unidos “[...]
hoje são o que são, enquanto pela razão inversa, a União Soviética morreu.”
128
2.2.3 VEJA ed. 1868 e ed. 1869
6
As edições de Veja pesquisadas mas descartadas para a análise foram a da quarta
semana de agosto, com data de capa de 25 de agosto de 2004, e a da semana seguinte, com
data de capa de 1º de setembro de 2004. Na edição de 25 de agosto, Veja ocupa-se do tema
Conselho Federal de Jornalismo repetindo as críticas já estampadas nas edições anteriores e
para sustentar suas respostas à Istoé nos ataques que esta revista lhe fez sobre o caso Ibsen
Pinheiro, edição que foi selecionada para análise.
Também nesta edição Veja publica um texto editorializado repercutindo a declaração
do presidente Lula em que chama de “covardes” os jornalistas que não defenderam a proposta
do CFJ. A revista, porém, não acrescenta argumentos contra o Conselho, limitando-se a
críticas à declaração do presidente. A outra edição de Veja descartada para análise, a do dia 1º
de setembro de 2004, aborda a questão do CFJ apenas em cartas de dois leitores elogiando a
abordagem da revista.
2.2.4 ISTOÉ, ed. 1819, 18 ago. 2004
7
Esta é a edição de Istoé que traz, como reportagem de capa, a revelação de que a
revista Veja contribuiu irresponsavelmente para a cassação do ex-presidente da Câmara
6
As citações constantes neste subcapítulo foram retiradas do documento constante no Anexo E - VEJA
ed. 1868 e ed. 1869 Edições (pesquisadas e descartadas para a análise).
7
As citações constantes neste subcapítulo e no 2.3.3 (que não identificados os autores) foram retiradas
do documento constante no Anexo F - ISTOÉ, ed. 1819, 18 ago. 2004
(Edição principal para a
análise).
129
Federal Ibsen Pinheiro ao sustentar, por razões econômicas da própria revista, uma
informação que (a revista) sabia estar equivocada e que traria grande prejuízo moral e político
para o deputado, além de conseqüências imprevisíveis para o cenário político brasileiro. O
título de capa é “Ibsen Pinheiro massacrado”.
O tema é tratado inicialmente no editorial “A lição de Ibsen”, assinado pelo diretor de
redação, Hélio Campos Mello, no qual afirma que “O governo Lula vem patinando feio na sua
dificuldade crônica de convivência democrática com as críticas.” Cita, como uma prova disso,
o que aconteceu no episódio do artigo do The New York Times, em que o governo chegou a
ser mais desastrado do que o próprio autor de uma reportagem, determinando a sua expulsão
do país.
O editorial qualifica como “o ápice da insensatez” o envio ao Congresso Nacional do
projeto do Conselho Federal de Jornalismo. Sustenta que isso mostra a intenção de tolher uma
das funções básicas do jornalismo que é olhar o poder e relatar o que de errado nele se
encontrar. O editorial afirma também que o que rege o jornalismo é a constituição e, como em
tudo, os erros existem, mas são exceções e não a regra. Diz ainda que o erro afeta a
credibilidade e que a punição vem do leitor. Cita o livro “Constituição do Brasil interpretada”,
do professor Alexandre de Moraes, que diz:
A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos de uma sociedade
democrática e compreende não somente as informações consideradas
inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também as que possam causar
transtornos, resistência e inquietações, pois a democracia somente existe
baseada no pluralismo de idéias, na tolerância de opiniões e do espírito
aberto ao diálogo.
O editorial conclui reproduzindo uma das declarações da entrevista de Ibsen Pinheiro
publicada na mesma edição:
130
O denuncismo tem cura, a verdade aparece. Na imprensa censurada, o
denuncismo é eterno e mais: vejo com preocupação quando se pretende criar
um Conselho Federal de Jornalistas com a função de supostamente orientar e
fiscalizar, mas, sem dúvida, ainda que a proposta seja de boa fé, o conteúdo
será o patrulhamento.
Só depois disso, Istoé, na reportagem assinada por Weiller Diniz, ocupa-se do assunto
central: narra as declarações do jornalista Luiz Costa Pinto, de apelido Lula, que conta os
bastidores da reportagem de capa de sua autoria na revista Veja , em novembro de 1993, onde
afirmara que a CPI do orçamento descobrira que Ibsen havia movimentado um milhão de
dólares em suas contas. O relato acusa Waldomiro Diniz, então assessor de José Dirceu, de ter
vazado uma falsa prova. Conta que Waldomiro foi à redação da revista em Brasília levando a
informação da referida movimentação e apresentando sete boletos de depósitos bancários, já
dolarizados por ele, enquanto dizia: “Pegamos Ibsen”.
Neste momento, os trabalhos de fechamento da edição estavam avançados . Dali três
horas no máximo, a edição deveria baixar para a gráfica da Editora Abril em São Paulo. A
revista acabou indo para a gráfica com esta denúncia, ganhando matéria de capa. Na
madrugada, o autor da matéria recebe a informação, através de Paulo Moreira, editor
executivo da revista, de que Adam Sum, revisor, havia detectado que os cálculos de
dolarização estavam errados e que, na verdade, Ibsen havia movimentado não um milhão de
dólares, mas mil dólares.
O editor executivo Paulo Moreira disse da impossibilidade de suspender a publicação
com a denúncia porque já tinham sido rodadas um milhão e 200 mil capas e representaria um
prejuízo de 100 mil reais em valores atuais para a empresa. Alegou, ainda, que não era mais
possível mexer no texto de dentro da revista para não atrasar as remessas para o Rio de
Janeiro e o interior de São Paulo. Ordenou ao repórter que conseguisse em dez minutos
alguém para sustentar, em “on” esta dolarização de um milhão de dólares, o que, segundo o
131
repórter, foi feito pelo deputado Benedito Gama. A revista foi publicada com a capa trazendo
a manchete “Até tu, Ibsen?” e sustentando a versão incorreta.
Esta retranca da matéria é acompanhada de um box com a opinião da revista sobre a
proposta do Conselho Federal de Jornalismo e da Agência Nacional do Cinema e do
Audiovisual, sobre o que comentaremos mais adiante.
A matéria de capa traz, como segunda retranca, uma entrevista com o próprio ex-deputado
Ibsen Pinheiro, que, na época da publicação, era candidato a vereador em Porto Alegre, com o
título: “Decidi não morrer” e com o subtítulo “Ibsen Pinheiro faz um desabafo emocionado sobre
o processo de que foi vítima e garante: eu não guardo ódio.” Na entrevista o ex-presidente da
Câmara narra a Istoé os transtornos pessoais e políticos decorrentes da cassação.
A entrevista termina perguntando a Ibsen e, como vítima de erro jornalístico, ele acha
que o trabalho da imprensa deve ser limitado. A resposta de Ibsen foi a de que, “Se a imprensa
comete desvios de conduta, só a própria liberdade de imprensa é capaz de corrigi-los, pois pior
que o denuncismo é a censura. O denuncismo tem cura, a verdade aparece. Já na imprensa
censurada o denuncismo é eterno.” E completa: “Vejo com preocupação quando se pretende
criar um Conselho Federal de Jornalistas, com a função de, supostamente, orientar e fiscalizar,
mas, sem dúvida, ainda que a proposta seja de boa fé, o conteúdo será o patrulhamento.”
O box que acompanha a primeira retranca de reportagem de capa manifesta a opinião
da revista sobre os projetos de criação do Conselho Federal de Jornalismo e da Agência
Nacional de Cinema e Audiovisual. Intitulado “Mão pesada”, o box diz o seguinte:
A ‘mão pesada’ do Governo Lula sobre a liberdade de expressão apareceu
com força. Duas semanas depois da devassa da imprensa sobre os
presidentes do Banco Central e do Banco do Brasil, o governo revidou com
iniciativas que prendem a língua dos servidores, atravancam o tráfego de
informações e intimidam produtores culturais.
132
O texto afirma que o projeto do Conselho Federal de Jornalismo sofreu influências na
Casa Civil para que, além dos jornalistas, o órgão proposto também possa fiscalizar as
empresas de comunicação. Diz , ainda, que o Planalto prepara um decreto visando amordaçar
os servidores públicos em torno das investigações e que, “Para complementar o surto
autoritário, o presidente afia a caneta para um decreto que amplia a quebra do sigilo bancário
e telefônico das pessoas e empresas.”
A revista conclui afirmando que o Secretário Especial de Comunicação da Presidência
da República, Luiz Gushiken, avisou que “Liberdade de imprensa é um valor definitivo à
democracia, mas não é algo absoluto.” Ao que a revista arremata: “Agora ninguém duvida”.
2.2.5 ISTOÉ, ed. 1820, 25 ago. 2004
8
A edição de Istoé selecionada para análise complementar é a da quarta semana de
agosto e que dá seqüência à polêmica em torno do caso Ibsen Pinheiro, tanto através das
cartas de leitores, quanto de uma tréplica a Veja. Mas, no que diz respeito ao tema do
Conselho Federal de Jornalismo, o que interessou recortar dessa edição para o estudo é a
entrevista especial com o doutor em Comunicação e professor Muniz Sodré, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, e que critica a proposta do CFJ.
Muniz Sodré é integrante do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, um
grupo de 80 notáveis de várias áreas de atuação que discute os assuntos mais importantes do
País e assessora o presidente da República.
8
As citações constantes neste subcapítulo e no 2.3.4 (que não identificados os autores) foram retiradas
do documento constante no Anexo G - ISTOÉ, ed. 1820, 25 ago. 2004
(Edição complementar para a
análise).
133
A entrevista é apresentada sob o título “Divergir é ajudar” e, nela, Muniz Sodré
discorre sobre a questão da liberdade de imprensa, destacando a proposta de criação do
Conselho Federal de Jornalismo. Para o professor, “Mais perigosa que alguns artigos
francamente autoritários é a intenção do projeto.” Ele diz que o prestígio do jornalismo no
ocidente foi conquistado graças à liberdade de expressão, liberdade de opinião.
O professor sustenta que um conselho “[...] no qual o jornalista pudesse discutir ética,
relação com as empresas, relação da imprensa com o governo ou avaliar descaminhos éticos
de cobertura é desejável. Mas uma proposta desse tipo não deveria nem de leve ser mostrada a
ninguém do poder. Muito menos a Gabinete Civil.”
Para Muniz Sodré, um conselho de jornalismo deveria nascer de um consenso, não
apenas entre profissionais e donos de imprensa, mas também de determinados grupos da
sociedade civil, como OAB e ABI e pergunta:
Será que a ABI não poderia cumprir este papel? Houve um tempo em que a
OAB e a ABI foram importantes para a sociedade brasileira. Se tiver a forma
de um conselho que conte com interlocutores de fora da classe jornalista,
mas que não sejam do Estado. Esse é o principal defeito deste conselho:
incluir o Estado nisso. Essa é uma questão dos jornalistas e da sociedade
civil.
2.2.6 ISTOÉ, ed. 1818 e ed. 1821
9
As edições de Istoé descartadas para o presente estudo são as da segunda semana de
agosto e a da última, com data de capa de 1º de setembro de 2004. A edição do dia 11 de
agosto publica reportagem sobre a Operação Anaconda, de responsabilidade da Polícia
9
As citações constantes neste subcapítulo foram retiradas do documento constante no Anexo H -
ISTOÉ, ed. 1818 e ed. 1821 (Edições pesquisadas e descartadas para a análise).
134
Federal que grampeou e denunciou juizes, advogados e empresários como supostos
integrantes de uma quadrilha de venda de sentenças. A edição foi descartada porque a revista
não debate a questão do CFJ, mas apenas faz menção à possibilidade de jornalistas virem a
sofrer censura e serem punidos com a disposição do governo de estabelecer leis que afetem a
liberdade de imprensa.
Já a edição do dia 1º de setembro de 2004 trata a questão do CFJ apenas na seção de
cartas dos leitores, três contra a sua criação e, entre a primeira e a segunda carta, uma a favor
da proposta. Em nenhuma delas, porém, ocorrem argumentos que não constem do material
selecionado para análise.
2.2.7 ÉPOCA, ed. 326, 16 ago. 2004
10
Também para a revista Época, assim como para Veja e Istoé, a proposta de criação do
Conselho Federal de Jornalismo e de outros projetos que visariam controlar a informação
seria uma reação às denúncias de corrupção de setores do Governo, como as que envolveram
os presidentes do Banco Central e do Banco do Brasil. Isso fica claro quando a revista decide
abordar, nesta edição, a proposta de criação do CFJ em box, anexado à reportagem, sobre as
referidas denúncias. O próprio título do box confirma a intenção da revista: “O risco
autoritário – Projetos oficiais para controlar a informação coincidem com queixas de
‘denuncismo’ do próprio governo.”
10
As citações constantes neste subcapítulo e no 2.3.5 (que não identificados os autores) foram
retiradas do documento constante no Anexo I - ÉPOCA, ed. 326, 16 ago. 2004 (Edição principal
para a análise).
135
Neste box, Época diz que o Governo parece flertar com o autoritarismo de Cuba, da
China e da ex-União Soviética. Para a revista, “A nova versão do projeto, ao ser modificado
na Casa Civil, dá espaço para uma tentativa de controle da imprensa.” Diz à revista que o
projeto foi bombardeado por diversas entidades, destacando a ANER (Associação Nacional
das Empresas Editoras de Revistas), que “[...] se opõe com veemência a que se delegue a esse
Conselho poderes autoritários de controle da imprensa.” e reproduz declaração do senador
Tasso Jereissati (PSDB): “O Conselho, a mordaça para os servidores e o controle do
Ministério Público são tentativas de fascismo.”
A revista diz que reclamações contra a imprensa não são novidades e que, em 1939, o
ditador Getúlio Vargas alegou ameaças à segurança nacional para criar o Departamento de
Imprensa e Propaganda, órgão que censurava jornais e fazia propaganda do regime. Assim,
como o DIP, um conselho de imprensa pode servir como um filtro para higienizar a
informação: “É uma máscara para velhas políticas autoritárias”, diz a historiadora Maria Luiz
Tucci Carneiro, da USP.
2.2.8 ÉPOCA, ed. 327, 23 ago. 2004
11
A edição de Época selecionada para a análise complementar é a do dia 23 de agosto de
2004, quarta semana do mês. Nesta edição a revista vai tratar da criação do Conselho Federal
de Jornalismo em três espaços distintos.
11
As citações constantes neste subcapítulo e no 2.3.6 (que não identificados os autores) foram
retiradas do documento constante no Anexo J - ÉPOCA, ed. 327, 23 ago. 2004
(Edição
complementar para a análise).
136
O primeiro na seção ‘Bastidores’, assinada por Thomas Trauman, com o tema
aparecendo no quadro ‘Mico da Semana’. O quadro é ilustrado com a figura do mico e com a
foto do presidente Lula, ironizando o presidente Lula por achar que os repórteres contrários ao
Conselho Federal de Jornalismo sejam covardes. Sob o título “Pena que é preciso explicar
tudo”, o texto diz:
OK; o presidente Lula não foi ao Gabão para aprender como se permanece
décadas no poder, não acha que os repórteres contrários ao Conselho Federal
de Jornalismo sejam covardes e nem quer impedir o Congresso de ter acesso
aos gastos oficiais. Mas é constrangedor sua assessoria ter de esclarecer
coisas assim.
Na seção ‘A Semana’, uma charge para criticar as propostas de criação do Conselho
de Jornalismo e a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual. A charge é composta de
cinco tesouras abertas em posição de corte, formando a figura de uma estrela, símbolo do
Partido dos Trabalhadores, tendo no meio dela a sigla PT. O título aparece em letras
vermelhas , cores do partido descrito como Partido da Tesoura.
A seção ‘Carta do Editor’, assinada pelo Diretor de Redação Aloizio Falcão Filho, é
dedicada ao tema da proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo. Com o título
“Os covardes de Lula”, o diretor da revista afirma que o presidente Lula resolveu provocar os
jornalistas que estavam em seu encalço, chamando-os de covardes. A razão, disse o
presidente, foi a falta de apoio à criação do Conselho Federal de Jornalismo, um projeto que
segundo ele, sempre foi desejo da categoria. Diz ainda que,
[...] dado o passado histórico do presidente sindicalista, é provável que ele
queira vender a idéia que a rejeição ao CFJ é algo tramado pelos patrões. Ou
seja, os jornalistas, especialmente os repórteres do Planalto são coitadinhos
amedrontados que precisam se colocar contra o Conselho para manter os
respectivos empregos.
137
O diretor da revista sustenta que o presidente Lula defende o Conselho não porque
acredite nele, mas porque lhe convém. Afirma que, embora a FENAJ concorde com o
presidente, pouquíssimos jornalistas da ativa apóiam o Conselho. Mais adiante ressalta que
“Os verdadeiros covardes são aqueles que se escondem das denúncias e das notícias
indigestas para o Governo.”
Para sustentar que o Conselho de Jornalismo seria ineficaz, o diretor da Época se
socorre do exemplo dos conselhos regionais de medicina que, segundo o articulista, punem
quem erra, mas não previnem os deslizes. O texto conclui afirmando que, “Enquanto não
houver uma forma mais confiável de coibir os abusos que o CFJ, é bom lembrar que os
profissionais irresponsáveis são punidos pelo mercado.” Para ele, “Quem erra feio vai para a
rua porque o leitor não gasta seu dinheiro para ser ludibriado - ele quer a verdade, queira ou
não o governo.”
2.2.9 ÉPOCA, ed. 325 e ed. 328
12
As edições de Época descartadas para a análise são as do dia 9 de agosto de 2004,
segunda semana do mês, e a do dia 30, última semana do mesmo mês. A do dia 9 registra a
primeira reação da revista aos projetos de criação da Agência Nacional do Audiovisual
(ANCINAV) e do Conselho Federal de Jornalismo. Sobre este, a edição de Época faz um
registro breve na seção ‘A Semana’ com o título “Imprensa: jornalistas na mira de Lula”. O
texto diz que, “Depois da encrenca com o jornal The New York Times, o presidente quer
agora orientar, disciplinar e fiscalizar os jornalistas brasileiros.”
12
As citações constantes neste subcapítulo foram retiradas do documento constante no Anexo K -
ÉPOCA, ed. 325 e ed. 328 (Edições pesquisadas e descartadas para a análise).
138
A outra edição de Época, também descartada da análise, a do dia 30 de agosto de
2004, trata do tema liberdade de imprensa e Conselho Federal de Jornalismo, novamente na
‘Carta do Editor’, como já havia feito na edição de 23 de agosto, mesmo sem registrar
qualquer reportagem sobre o assunto no corpo da revista. Na ‘Carta do Editor’, sob o título
“Mais sobre liberdade de imprensa”, o diretor de Redação, Aloizio Falcão Filho, questiona o
que seria da imprensa se desde o início do ano já existisse o Conselho Federal de Jornalismo,
“dominado por membros do Governo”. Afirma ainda que provavelmente a revista Época teria
sido objeto de análise ao ter denunciado o caso Valdomiro Diniz e que o governo poderia
retaliar a revista orientando o CFJ a puni-la ou aos seus profissionais de alguma forma.
Também afirma que a simples existência do CFJ, nos termos que constam do projeto atual, é
uma espada colocada sobre a liberdade de imprensa. Diz que “Diante da possibilidade de ter o
registro profissional cassado, muitos jornalistas podem pensar duas vezes antes de escrever
algum texto considerado ofensivo pelo governo.” Embora esta ‘Carta do Editor’ ofereça
elementos para análise no contexto deste nosso estudo, mas, precisando fazer a opção,
identificamos material mais rico nas edições selecionadas, conforme descrito.
2.2.10 CARTA CAPITAL, ed. 304, 18 ago. 2004
13
Nesta edição, Carta Capital dedica à capa, o editorial e mais 11 páginas sobre os
enfrentamentos do governo com a mídia. Diz a chamada de capa: “O poder e a mídia:
Conselho de Jornalismo, Agência do Audiovisual, Lei da Mordaça, sigilo quebrado: os
13
As citações constantes neste subcapítulo e no 2.3.7 (que não identificados os autores) foram
retiradas do documento constante no Anexo L - CARTA CAPITAL, ed. 304, 18 ago. 2004 (Edição
principal para a análise).
139
mandachuvas dizem-se acuados pelo Governo.” Também já na capa, Carta Capital apresenta
uma chamada complementar para o mesmo tema: “Os mandachuvas dizem-se acuados pelo
governo.”
A reportagem de capa é composta de 11 páginas, além de um texto de opinião que
corresponde à carta ao leitor ou ao editorial da revista, também a ser analisado aqui. A
reportagem está dividida em três retrancas, sendo as duas primeiras também com um box
adicional cada.
A primeira retranca da reportagem de capa tem o título “Excesso de peso” e o
subtítulo “Os problemas são antigos e imponentes, mas as soluções precisam mirar o alvo
certo e ser refletidas com maior cuidado.” Neste texto, a revista, ao abordar a apresentação
simultânea de duas propostas polêmicas, quais sejam, a criação do CFJ e da Lei do
Audiovisual, afirma que o governo federal erra de alvo quando acusa os profissionais da
imprensa de deslizes éticos, ignorando o fato de que são os patrões que mandam: “Quando o
assunto é o poder dos donos, faz-se silêncio na esplanada dos ministérios.”
O box da primeira retranca, intitulado “Temos o dever de investigar”, é um artigo do
procurador regional da República, Nicolao Dino, presidente da Associação Nacional dos
Procuradores da República, que faz a defesa da importância para a sociedade brasileira do
Ministério Público trabalhar na apuração de crimes.
A segunda retranca, intitulada “Na TV, tática de guerra”, e subtítulo “O projeto de
Agência para regular o audiovisual é bombardeado no nascedouro”, é assinada por Ana Paula
Souza, e discorre sobre o “bombardeio” que as grandes redes de comunicação desencadearam
contra o projeto de criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual. Cita a Rede
Globo de Televisão que, através do Jornal Nacional, do dia 5 de agosto, dedicou fartos
minutos ao ataque contra a proposta e, no dia 6, no mesmo programa, apresenta o comentário
140
de Arnaldo Jabor, fazendo críticas ao projeto ao afirmar que “Durante o dia o governo finge
ser liberal e à noite deixa aflorar sua vocação autoritária.”
Cita também o diretor da Rede Bandeirantes, Antônio Telles: “A constituição já
estipula nossas obrigações.” E acrescentando: “Ninguém deve dizer o que demos apresentar.”
Cita também Denis Munhoz, diretor da TV Record, que preocupa-se com o faturamento das
emissoras. Para ele, “Nenhuma emissora irá suportar arcar com a taxação de 4 por cento do
faturamento publicitário.”
Esta retranca é concluída com a opinião do professor Laurindo Leal Filho, da USP,
estudioso da televisão do Brasil, que assim resume a questão:
O projeto da Ancinav não toca nos problemas de fundo da televisão que só
poderiam ser enfrentados por meio de uma lei de comunicação eletrônica de
massa que substitua o Código Brasileiro de Radiodifusão de 1962. Se
mesmo sem tocar em questões mais profundas, o projeto foi bombardeado, o
que dizer de projetos mais ambiciosos. Não é à toa que há 40 anos as regras
da TV são as mesmas. E os donos também.
No box que complementa a segunda retranca, um artigo assinado pelo consultor
editorial da revista, Luiz Gonzaga Belluzzo, e intitulado “As necessárias leis da imprensa”,
com o subtítulo “Metidos até o pescoço em negócios que envolvem o Estado, os grupos de
comunicação deixaram de ser, há muito, instrumentos do exercício da crítica e do estímulo à
controvérsia.” Neste artigo, Belluzzo fala da liberdade de imprensa, referindo-se a Marx:
“Sinto-me autorizado a invocar um verdadeiro campeão das liberdades: o jovem Karl Marx”.
Ele escreveu páginas memoráveis sobre a liberdade de imprensa: “A imprensa livre é o olhar
onipotente do povo, a confiança personalizada do povo nele mesmo, e a franca confissão do
povo a si mesmo.”
Segue Belluzzo:
141
Essas palavras foram escritas como uma defesa apaixonada da liberdade de
imprensa, diante dos arreganhos absolutistas do Estado prussiano que
acabava de editar um código de censura. Contra esta pretensão, o ultra
republicano Marx reivindicava a promulgação de uma lei de imprensa: A Lei
de Censura e a Lei de Imprensa são tão diferentes quanto o capricho e a
liberdade.
Volta Belluzzo dizendo que “Ele (Marx) suspeitava que a ausência de uma lei que
regulamentasse o exercício da liberdade de opinião e de informação, tornando-as disponíveis
para todos, transformaria a livre opinião no privilégio e no capricho de poucos.” (Ou seja,
valeu a profecia de Marx: a imprensa é um capricho de poucos...). Ao falar sobre as
transformações do papel dos meios de comunicação na sociedade moderna, o autor cita Paul
Virilio que chegou a uma conclusão drástica: “A mídia é o único poder que tem a prerrogativa
de editar as suas próprias leis, ao mesmo tempo que sustenta a pretensão de não se submeter a
nenhuma outra.” Segue o autor: “Esta reivindicação tornou-se mais agressiva na proporção
em que os meios de divulgação e de formação de opinião transformaram-se em grandes
empresas e ampliaram suas relações com o mundo dos negócios.” Para Belluzzo, a imprensa
perdeu a legitimidade ou a autoridade moral para emitir suas críticas quando diz : “[...]
metidos até o pescoço nos negócios, não raro em negócios que envolvem o Estado, esses
grupos de comunicação deixaram de ser, há muito tempo, instrumentos do exercício da crítica
e do estímulo à controvérsia.”
Na conclusão de Luiz Gonzaga Belluzzo:
A importância crescente dos meios de comunicação exprime hoje o caráter
cada vez mais diferenciado e abrangente dos processos de controle social e
político exercidos em nome de uma liberdade abstrata. Numa sociedade
encantada pela inversão de significados e pelo ilusionismo necessário da
liberdade de escolha do indivíduo-consumidor, a preservação da liberdade de
opinião e de informação, como direito coletivo, exige a crítica impiedosa de
todos os poderes, sobretudo dos que se consideram acima de qualquer
suspeita.
142
A terceira e última retranca da matéria de capa de Carta Capital n. 304 tem como
título “A ética dos mercados” e subtítulo “Sevencko anota: notícias que afetam a economia
são consideradas antipatrióticas.” Trata-se de uma entrevista concedida pelo historiador
Nicolau Sevcenko ao subeditor da revista Sérgio Lírio. Para o historiador, qualquer notícia
que tenha repercussão ruim junto aos indicadores de mercado é dada a ela a conotação de
antipatriótica e, portanto, de elemento nefasto a quem a divulgou: “Esse é o critério agora pelo
qual são avaliados aqueles com atitude mais crítica investigativa e que cobram posições éticas
ou de competência do governo. A democracia fica para trás e a idéia de que a democracia
existe para servir à população também.”
Na seção A Semana, que corresponde ao espaço de editoriais da publicação, o diretor
da revista, Mino Carta escreve, em tom irônico, o artigo sob o título “Caubóis da liberdade de
imprensa”, com o subtítulo “Como não poderia deixar de ser, os rapazes do bando agem a
mando do dono da manada.”
Já na primeira linha, afirma que “voltam a desembainhar suas espadas, perdão, suas
penas, os paladinos da liberdade de imprensa [...]”
Mais adiante questiona: “Que vem a ser esta liberdade de imprensa reclamada pelos
donos da mídia nativa e seus solertes porta-vozes?” Questiona ainda: “Não viria a ser a
liberdade dos próprios patrões e de os seus interesses os quais não coincidem necessariamente
com os interesses do povo e da nação?”
Depois Mino Carta é diz: “Já escrevi e me cito: nossa imprensa serve o poder porque o
integra compactamente mesmo quando no dia-a-dia toma posições contra o governo ou contra
um ou outro poderoso.”
Mino Carta ratifica a linha editorial da revista quando diz: “Desde o seu nascimento há
dez anos, Carta Capital manifesta-se contra a concentração do poder midiático e a favor de
143
uma lei destinada a limitar os alcances de quem por hora pode espalhar a vontade em todas as
latitudes e longitudes do setor.”
E conclui:
Certos debates só terão sentido quando a liberdade de opinião corresponder à
cidadania de cada um, o direito efetivo à independência das idéias e ao
espírito critica, o acesso indiscriminado às mais diversas penas e vozes. Elas
próprias livres das pressões, quando não dos vetos do poder. Se não for
assim, não há diálogo, mas monólogo.
2.2.11 CARTA CAPITAL, ed. 305, 25 ago. 2004
14
A edição de Carta Capital selecionada para análise complementar é a do dia 25 de
agosto de 2004, quarta semana do mês. Nesta edição, são dois espaços editoriais em que a
questão da liberdade de imprensa é considerada.
O primeiro, na seção ‘A Semana’, espaço editorial da publicação, o diretor da revista,
Mino Carta, assina o texto “Munição de graça para o inimigo” e o subtítulo “Ao acusar os
jornalistas de ‘covardes’, o presidente faz a felicidade dos patrões.” Neste texto, Mino Carta
afirma discordar da idéia inicial de um conselho federal de jornalistas porque a maioria destes
não são profissionais liberais, mas empregados das empresas e cumprem as ordens de quem
lhes paga salários.
Mino Carta afirma que a maioria dos profissionais de jornalismo é simpática ao
presidente Lula e ao seu partido e que os donos dos veículos de comunicação e seus
apaniguados mais próximos são unanimemente contra. Diz também que, ao definir como
14
As citações constantes neste subcapítulo e no 2.3.8 (que não identificados os autores) foram
retiradas do documento constante no Anexo M - CARTA CAPITAL, ed. 305, 25 ago. 2004 (Edição
complementar para a análise).
144
covarde a categoria dos jornalistas, em bloco, por não aderir à proposta de um conselho
federal, o presidente erra por generalizar o que julga condenável mas falha principalmente por
errar o alvo.
Para Mino Carta o problema é outro: “Aspirações não se coadunam com a existência
de empresas de comunicação que abarcam, indistintamente, todos os setores da mídia.”
Afirma que ao fazer tal crítica o presidente da munição de graça aos seus verdadeiros
inimigos eventualmente dissimulados que são os “[...] desastrados senhores da mídia atolados
na sua própria incompetência.”
Carta Capital entende que a idéia do Conselho é prematura enquanto o poder dos
barões da mídia não for controlado.
Ao referir-se ao plebiscito na Venezuela que manteve o presidente Chávez no governo
pelo voto popular, Mino Carta afirma que, conforme as tradições latino-americanas, a mídia
não passa de um dos rostos do poder medieval, antidemocrático por natureza e golpista. Este
texto não fala diretamente de modo objetivo em liberdade de imprensa, porém deixa claro a
impossibilidade da total consolidação do processo democrático com a existência de empresas
monopolistas que abarcam sozinhas todos os setores da mídia.
Na seção ‘Cartas Capitais’, a manifestação do leitor Nagib de Melo Jorge Neto, para
quem a imprensa não pode ficar sem controle. Para ele a imprensa, assim como todos os
demais centros de poder, precisa ter sua atividade regulamentada e submetida aos princípios
do estado democrático de direito que não se restringem a uma imprensa livre, mas encetam
também uma imprensa responsável e comprometida com a verdade. Aponta como sendo o
caminho mais seguro para isso a progressiva democratização dos centros de poder.
O missivista manifesta um temor: “Quem controlaria os controladores? Os donos da
mídia? O próprio estado na sua face mais leviatânica?” Ele responde citando o pensador
Norberto Bobbio: “Quando se deseja saber se houve um desenvolvimento da democracia, o
145
certo é procurar perceber se aumentou não o número dos que têm o direito de participar das
decisões, mas os espaços nos quais podem exercer este direito.” No Brasil, ainda não se
exerce a democracia na imprensa, conclui o leitor.
2.2.12 CARTA CAPITAL, ed. 303 e ed. 306
15
As edições de Carta Capital descartadas para análise são a do dia 11 de agosto e a do
dia 1º de setembro de 2004. A do dia 11 de agosto, segunda semana do mês, aborda a questão
da liberdade de imprensa sem mencionar a proposta do Conselho Federal de Jornalismo. Trata
de uma ação judicial do Banco Opportunity contra o jornalista Rubens Glasberg por causa das
reportagens publicadas sobre supostas irregularidades no controle da telefonia.
A edição do dia 1º de setembro é a que comemora o 10º aniversário da revista e no
editorial, “Tempo novo, receita nova”, o diretor Mino Carta vai falar da história deste modelo
de revista, da própria criação de Carta Capital. Ao referir-se ao mercado da comunicação de
um modo geral, Mino Carta afirma que a imprensa se entregou à busca da tiragem em
detrimento da qualidade e, ao que parece, do próprio negócio, considerando a situação
econômica precária das grandes empresas. A questão do poder da mídia e da liberdade de
imprensa aparece também nesta edição de Carta Capital, na matéria “Nova ordem mundial:
uma entrevista com o inglês George Monbiot, que propõe um movimento político sem
fronteiras para democratizar a globalização”. Ao ser questionado por Carta Capital sobre a
imprensa dos Estados Unidos, Mobiot diz que “[...] está claro que o poder nos Estados Unidos
está nas mãos da mídia, não nas dos políticos.”
15
As citações constantes neste subcapítulo foram retiradas do documento constante no Anexo N -
CARTA CAPITAL, ed. 303 e ed. 306
(Edições pesquisadas e descartadas para a análise).
146
Nesta edição, a revista publica as cartas de dois leitores que fazem referência ao texto
“Caubóis da liberdade de imprensa”, publicado na edição 304 e assinado por Mino Carta. A
primeira carta, assinada por Artur Marciano, afirma que os donos das empresas de
comunicação, que reclamam dinheiro publico para tapar seus rombos e chamam a sociedade
para a defesa da liberdade de imprensa, são os mesmos que sustentaram por décadas a
ditadura militar da qual saíram os caciques que controlam a política e os meios de
comunicação em suas regiões de origem.
A segunda carta é assinada por Milena Cardoso Costa acusando a revista de órgão
comunista que apóia o que há de comunista no partido que hoje nos governa. A leitora indaga
se Mino Carta espera que “seus amigos” nunca sairão do Palácio do Planalto. A leitora
conclui que “[...] é possível que venhamos a ter algum governo de direita em breve graças
inclusive à incompetência do PT.” E questiona: “Então o que dirá o senhor Mino Carta sobre
a Censura à Imprensa?” A carta da leitora Milena Cardoso Costa não fica sem resposta. É o
próprio Mino quem responde, ironicamente: “Não sei qual é o regime alimentar de Lula e
companhia. Quanto a mim, me apraz informar à senhora Milena que devoro criancinhas
semanas adentro, no almoço e no jantar.”
2.3 Interpretação/re-interpretação
Uma vez identificado o contexto sócio-histórico da imprensa e promovida a análise da
narrativa dos objetos deste estudo, chegamos à terceira fase da aplicação do método da
Hermenêutica de Profundidade, a fase da interpretação/re-interpretação. É aqui que
147
relacionamos a análise extraída da narração das revistas sobre o tema ao contexto sócio-
histórico da imprensa e à sua condição atual.
Diz Thompson (1995) que, por mais rigorosos e sistemáticos que os métodos da
análise formal ou discursiva possam ser, eles não podem abolir a necessidade de uma
construção criativa do significado, isto é, de uma explicação interpretativa do que está
representado ou do que é dito.
Para ele as formas simbólicas ou discursivas possuem o que descreve como “aspecto
referencial”, construções que tipicamente representam algo, referem-se a algo, dizem alguma
coisa sobre algo. É este “aspecto referencial” que Thompson nos sugere procurar e
compreender no processo da interpretação. Thompson (1995) acrescenta que o processo de
interpretação mediado pelos métodos do enfoque da HP é simultaneamente um processo de
re-interpretação. Isto, porque as formas simbólicas que são objetos de interpretação são parte
também de um campo pré-interpretado, ou seja, já são interpretadas pelos sujeitos que
constituem o mundo sócio-histórico.
Ao desenvolver uma interpretação que é mediada pelos métodos do enfoque da HP,
estamos re-interpretando, então, um campo pré-interpretado; estamos projetando um
significado possível que pode divergir do significado constituído pelos sujeitos que compõem
o mundo sócio-histórico.
A ordem de apresentação das revistas nesta fase da interpretação/re-interpretação
obedece ao mesmo critério adotado na fase anterior, a fase da análise formal ou discursiva.
148
2.3.1 VEJA, ed. 1866, 11 ago. 2004
A primeira reação de Veja sobre a proposta de criação do Conselho Federal de
Jornalismo aparece na edição de 11 de agosto, limitada a um box de 2/3 de página integrado
ao texto sobre as denúncias levantadas pela imprensa contra o presidente do Banco Central,
Henrique Meirelles. O box tem o título “Censores, uni-vos!”. É ilustrado com uma foto antiga
de Fidel Castro em uniforme militar, com tanque de guerra ao fundo, charuto à boca e
abraçado a um maço de jornais. Sob a foto, a legenda: “Fidel Castro, quando jovem: mais de
um jornal é desperdício de papel.”
Ao iniciar o texto qualificando como “acusações” as críticas que a imprensa recebeu
do Governo e como “denúncias” as críticas que o governo recebeu da imprensa, Veja coloca-
se numa condição de poder privilegiado com o qual sente-se no direito de criticar, mas
apresenta-se como vítima ao ser criticada. Ou seja, considera-se com legitimidade para
colocar-se em condição superior a do próprio governo, poder constituído democraticamente
através do voto direto da maioria da população.
Seguindo o que Thompson (1995) descreve como modos de operação da ideologia,
esta ocorre já neste primeiro parágrafo do texto em análise, através do discurso de
legitimação, servindo-se da estratégia de racionalização, estratégia esta que é entendida pelo
autor como “[...] uma construção simbólica de uma cadeia de raciocínio que procura defender
ou justificar um conjunto de relações ou instituições sociais, e com isso persuadir uma
audiência de que isso é justo e digno de apoio.” (THOMPSON, 1995, p. 83).
Outra estratégia de legitimação que aparece nesta mesma parte inicial do texto em
análise é a da universalização, estratégia esta que se caracteriza por apresentar acordos que
servem aos interesses de alguns como sendo do interesse de todos.
149
Como já ressaltamos na análise sócio-histórica, para fundamentar a legitimação como
modo de operar a ideologia, Thompson (1995) se socorre de Max Weber, para quem as
relações de dominação podem ser representadas como legítimas, justas e dignas de apoio.
Para o sociólogo alemão, existem três tipos puros de dominação legítima: a de caráter racional
(baseada nas ordens estatuídas e no direito de mando daqueles que estão nomeados para
estabelecer a dominação), a de caráter tradicional (baseada nas tradições vigentes e na
legitimidade daqueles que, em virtude destas tradições, consideram-se representativos) e a de
caráter carismático (baseada na veneração extracotidiana da santidade, do poder heróico ou do
caráter exemplar de uma pessoa ou das ordens por esta reveladas ou criadas).
No caso do texto em análise, Veja enquadrada-se no tipo de dominação de caráter
tradicional, baseado no suposto de que a imprensa é tradicionalmente um poder institucional,
representativo da sociedade, e, assim, merecedora de proteção legal e de intocabilidade
absoluta. Esta condição, porém, foi forjada nas circunstâncias da imprensa do final do século
XVIII, muito diversa da condição da imprensa no início do século XXI, definitivamente de
caráter concentrado e comercial, como descrevemos neste estudo.
Para Veja o conceito de liberdade de imprensa é o conceito econômico liberal de que o
melhor controle é o não controle. No entanto, mascara sua postura ideológica utilizando-se de
forma extemporânea do conceito clássico iluminista de liberdade de imprensa, aquele que,
embora liberal, apresentava-se baseado na pluralidade de opiniões e na representatividade das
mais diferentes classes sociais.
Se, para Weber, legitimidade significa o reconhecimento por parte dos sujeitos de uma
sociedade sobre o direito de seus governantes exercerem o poder, autores mais recentes, como
Lyotard (1998) e Levi (2004), como já vimos anteriormente, entendem que a definição geral
de legitimidade, proposta originalmente, acabou por se revelar insatisfatória ao longo do
150
tempo, uma vez que pode ser aplicada a qualquer conteúdo, não exclusivamente ao poder do
estado.
Para Lyotard (1998), questões de legitimação são questões de estilo que dizem
respeito aos meios apropriados para fins específicos (discurso) e não podem ser separadas da
consideração sobre suas dimensões sociais e culturais. Para Levi (2004), a legitimidade hoje
se configura pelo seu aspecto democrático:
Em cada manifestação histórica da legitimidade vislumbra-se a promessa,
até agora incompleta na sua manifestação, de que uma sociedade justa, onde
o consenso, que dela é a essência, possa se manifestar livremente sem a
interferência do poder ou da manipulação e sem mistificações ideológicas.
(LEVI, 2004, p. 678).
Ainda no primeiro parágrafo, Veja diz que foi em meio às acusações de que a
imprensa tem sido irresponsável na divulgação de denúncias sobre o presidente do Banco
Central que o governo mandou um projeto ao Congresso Nacional propondo a criação do CFJ.
Ao relacionar os dois fatos, Veja atribui, de forma indireta, um caráter revanchista no
que seria uma iniciativa do Governo, embora a proposta tenha sido originada na própria
categoria dos jornalistas, através da sua entidade maior, a FENAJ. Veja afirma também que o
projeto pode parecer bem intencionado, mas que é uma idéia duplamente espantosa porque é
“autoritária” e porque “não terá outra função a não ser cercear a liberdade de imprensa”.
Ao rotular o projeto como “idéia autoritária” e alegar que “[...] não terá outra função a
não ser cercear a liberdade de imprensa”, a revista age com o que Thompson (1995) classifica
como uma dissimulação. Para Thompson (1995) a dissimulação consiste em estabelecer ou
sustentar relações de dominação pelo seu ocultamento, negação ou por desviar a atenção do
que é mais importante.
Neste caso, Veja opera a ideologia de forma dissimulada, através da estratégia de
deslocamento, uma vez que oculta toda longa história da reivindicação do Conselho por parte
151
dos jornalistas, desvia para o Governo a autoria da proposta, que é dos jornalistas, e nega que
a criação de qualquer autarquia federal, por força da Constituição, deva ser uma prerrogativa
do poder executivo através do presidente da República.
Ao reproduzir uma declaração do presidente da Associação Brasileira de imprensa,
Maurício Azedo, para quem a proposta do CFJ “pode ser uma violação da ordem democrática
definida pela Constituição Federal”, Veja vai buscar o referendo de uma entidade que não é a
de representação oficial da categoria dos jornalistas, mas uma entidade de caráter social,
formada por empresários da comunicação, políticos, publicitários e também por jornalistas,
principalmente do Rio de Janeiro.
Como registramos na contextualização sócio-histórica, segundo a FENAJ, “A ABI
posicionou-se ao lado das empresas de comunicação e distante da base dos jornalistas.”
Contrariando uma regra elementar do jornalismo, qual seja a de ouvir as partes
envolvidas numa questão, Veja não abre espaço em suas publicações para a FENAJ, a
entidade oficial de representação dos jornalistas brasileiros, uma das únicas federações de
trabalhadores com eleições diretas em todos os estados e justamente a autora da proposta de
criação do Conselho.
Ouvindo a ABI e não a FENAJ, Veja opera a ideologia através do modo denominado
por Thompson (1995) como o de fragmentação, no qual as relações de dominação podem ser
mantidas segmentando indivíduos e grupos que representam perigo ao poder. Isso é feito,
nesta parte do texto de Veja através das estratégias de diferenciação e de expurgo do outro.
Diferenciação é “[...] a ênfase que é dada às distinções ou diferenças existentes nos
grupos apoiando as características que os desunem lhes impedindo de se constituírem desafio
à relações de poder.” É o que ocorre quando Veja aposta na divisão da categoria dos
jornalistas ao não reconhecer a importância da FENAJ e valorizando a entidade de menor
152
representação, no caso a ABI, contrária ao projeto, como flagrantemente convém ao interesse
da empresa editora da revista.
Como estratégia de expurgo do outro, Thompson (1995, p. 87) define como “[...] a
construção de um inimigo coletivo a serviço do mal o qual deve ser combatido e hostilizado
por todos.” É o que parece Veja praticar, na medida em que hostiliza e expurga a Federação
Nacional dos Jornalistas (FENAJ).
Ainda segundo Veja, o projeto do CFJ é espantoso, por ser uma idéia cubana, já que
reafirma a impressão de que “O governo acha que deve – e pode – comandar todos os
processos da sociedade, sem entender que o próprio mercado consumidor se encarrega de
eliminar as publicações ruins e prestigiar as boas.”
Ao fazer a afirmação taxativa, e até dogmática, de que o mercado se encarrega de
eliminar o ruim e prestigiar o bom, Veja, não apenas se faz de desinformada sobre produtos de
baixa qualidade que se perpetuam e até se proliferam no mercado da comunicação, como
alguns programas de televisão, como também se enquadra no modo de operar a ideologia que
Thompson (1995) denomina como reificação, no qual “As relações de dominação podem ser
estabelecidas e sustentadas pela retração de uma situação transitória, histórica, como se esta
situação fosse permanente, natural e atemporal.”
Uma das estratégias da reificação, e que se enquadra neste caso, é a eternalização,
pela qual, “Fenômenos sócio-históricos são esvaziados em seu caráter histórico, e
apresentados como permanentes e imutáveis.” No momento em que diz que o mercado regula
tudo e seleciona o que é bom do que é ruim, Veja usa um dogma liberal como definitivo,
imutável ou perene, desconsiderando todo um debate teórico a respeito, próprio do campo da
economia política.
Diz também, a revista que, em Cuba, o ditador Fidel Castro mandou fechar todos os
jornais, deixando circular apenas um, o Granma, órgão oficial do Partido Comunista. Para a
153
Veja, seguindo-se seu “pensamento rupestre” a decisão de Fidel até que faz sentido, pois ele
achava um desperdício de papel manter vários jornais para divulgar o mesmo fato. Veja diz,
então, que “na cabeça do ditador cubano, não existem matizes, nuances, enfoques distintos,
abordagens diversas, muito menos opiniões divergentes”. Sendo assim, segundo a revista, é
lógica a decisão de deixar que circule apenas um jornal.
A revista conclui que
Talvez o governo ganhasse em tempo, e sobretudo em transparência, se a
proposta enviada ao Congresso decretasse o seguinte: de agora em diante, o
Brasil se bastará com a leitura do Em Questão, informativo eletrônico
distribuído pelo governo federal cujo conteúdo é tão eletrizante que agora
ganhou o apelido de Pravda.
Assim, para se posicionar contra o projeto, Veja vai resgatar o discurso midiático
clássico das potências do Ocidente durante o período da Guerra Fria. É o que Thompson
(1995) classifica como unificação, o modo de operação da ideologia que ignora as diferenças
ou divisões, servindo-se da estratégia de padronização, que é apresentar as formas simbólicas,
ou o discurso, adaptadas a um referencial padrão, no caso o discurso anticomunista.
2.3.2 VEJA, ed. 1867, 18 ago. 2004
Esta edição traz matéria de capa, editorial, mais 12 páginas de reportagens, entrevistas,
pesquisa histórica, fotos, ilustrações e a coluna de Tales Alvarenga, do quadro regular de
colunistas da revista.
Ao mostrar, sob um fundo vermelho, uma estrela, símbolo do PT, a capa desta edição
responsabiliza o partido do governo pelo que julga “Tentação autoritária”. O título que vem
154
acompanhado do subtítulo “As investidas do governo do PT para vigiar e controlar a
imprensa, a televisão e a cultura.” A projeção da imagem de um olho vigilante ou observador
no centro da estrela antecipa e sintetiza o caráter ideológico das reportagens publicadas nesta
edição, atribuindo ao governo federal e ao seu partido um suposto caráter autoritário
cerceador da liberdade de imprensa e de expressão.
Assim, já na capa desta edição, há, por parte de Veja, a manipulação ideológica da
forma simbólica através do que Thompson define como dissimulação, o que se observa
através da estratégia de deslocamento, processo onde as conotações positivas ou negativas
deslocam-se em relação às pessoas ou objetos com a intenção de manter ou estabelecer
relações de dominação.
Neste caso, a conotação autoritária que Veja denuncia no Governo é ‘deslocada’ para o
Partido dos Trabalhadores. Manifesta-se, aqui, ainda outra forma de dissimulação, através da
estratégia que Thompson classifica como tropo, ou seja, o uso figurado das formas simbólicas
através de figuras de linguagem. Aqui é usada a metonímea, forma que envolve o uso de uma
característica relacionada a algo para referir-se à própria coisa, embora não exista conexão
necessária entre a forma simbólica usada e a coisa a qual está se referindo.
Para Thompson, no uso da metonímea, o que se quer dizer pode estar suposto ou
subentendido, de maneira positiva ou negativa - sem que isto seja dito explicitamente -, o que
é feito através da associação com algo. É o que acontece na propaganda, lembra Thompson
(1995), onde o sentido é mobilizado de maneira sutil ou sub-reptícia, sem tornar explicitas as
conexões entre os objetos referidos ou supostos pelo anúncio. Um exemplo prático disso são
as propagandas de cigarros onde implicitamente se associa a saúde e o esporte ao produto,
como se fossem coisas compatíveis.
No caso em análise, a estampa de um olho observador dentro da estrela símbolo do
Partido dos Trabalhadores sugere, por associação, que o partido está impondo ao governo um
155
perfil sensor sobre a sociedade. O que a revista procura passar pelo artifício desta metonímea
acaba se confirmando, de forma direta, através do subtítulo na mesma capa: “As investidas do
governo do PT (grifo nosso) para vigiar e controlar a imprensa, a televisão e a cultura.”
Já, na mesma edição, a ‘Carta ao Leitor’, seção que corresponde ao editorial ou
opinião da empresa editora sobre questões da atualidade, traz o título “O Valor da Liberdade
de imprensa.” Ao usar o termo valor, neste título, Veja prepara o terreno para, no discorrer
sobre o assunto principal da matéria, ratificar a sua condenação ao projeto de criação do
Conselho Federal de Jornalismo, a pretexto de que o governo não dá à liberdade de imprensa
o valor que deveria dar.
Trata-se de um texto de evidente apelo ideológico, como observaremos aqui, sempre à
luz da metodologia da Hermenêutica de Profundidade. A começar pelo uso da palavra valor,
termo que é absolutamente subjetivo, até porque parte de premissas pré-interpretadas, uma
vez que aquilo que tem determinado valor para alguns pode não ter o mesmo valor para
outros.
Ao usar esta expressão, esta ‘Carta ao Leitor’ da revista Veja pode ser enquadrada no
modus operandi que Thompson denomina como unificação, pelo qual, relações de dominação
podem ser estabelecidas e sustentadas através da construção, no nível simbólico, de uma
forma de unidade que interliga os indivíduos numa identidade coletiva, independente das
diferenças e divisões que possam separá-los. Ou seja, aqui a revista tenta passar a idéia de que
há um conceito coletivo (construção simbólica) do que seja valor e do que seja valor de
liberdade de imprensa.
É natural conferir maior, menor, igual ou diferente valor às coisas ou situações com
base em concepções ou interesses, principalmente políticos ou econômicos. Deste modo, o
conceito de liberdade de imprensa possui um determinado valor para os veículos da mídia
comercial na hora de defender a sua imunidade ao controle social, mas não tem o mesmo
156
valor quando a discussão é a democratização da imprensa, por exemplo no caso da
legalização das rádios comunitárias.
Na segunda linha da sua ‘Carta ao Leitor’, Veja anuncia que nesta edição traz os
depoimentos de dezenas de “brasileiros ilustres” que estão indignados com o projeto do
Conselho Federal de Jornalismo e da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual.
Fica explicito aqui o desconforto da revista em conviver com a idéia da aprovação
destes dois projetos, uma vez que as personalidades que se manifestam de modo contrário são
qualificadas como “brasileiros ilustres, tratamento que não é dado às personalidades,
igualmente importantes, que se posicionam favoravelmente em relação a estes projetos. A
essas pessoas, não é dado, sequer, o espaço para o direito de defesa.
Ao proceder desta forma, Veja age mais uma vez através da dissimulação, utilizado-se
novamente da ferramenta de manipulação ideológica descrita por Thompson como
deslocamento. Neste caso, as pessoas contrárias aos projetos recebem uma valoração positiva,
o que não acontece com as pessoas que são simpáticas a eles.
A revista conceitua a proposta de criação do CFJ como “[...] um retrocesso à lenta,
mas firme caminhada que o Brasil começou a empreender, nos últimos dez anos, rumo ao que
se define como ‘sociedade aberta’. Este tipo de organização social tem como base moral a
democracia e como base material a economia de mercado.”
Ao formular esta afirmação, Veja manifesta explicitamente a sua defesa do modelo
neo-liberal, implementado a partir da década de 1980 no Brasil, baseado na liberdade de
economia de mercado, ou seja, sem nenhum controle social sobre as instituições, em especial
sobre a mídia. Assim, Veja utiliza-se ideologicamente do processo denominado por
Thompson como naturalização, onde o estado das coisas faz parte de uma criação do próprio
processo social, ou seja, que o conceito liberal ou neoliberal de sociedade é natural e
inevitável.
157
O conceito de naturalização é encontrado também no “Convite à Filosofia”, de Chauí
(1999). Ela diz que
[...] a naturalização surge como forma de idéias que afirmam que as coisas
são como são porque é natural que assim sejam. As relações sociais passam,
portanto, a serem vistas como naturais, existentes em si e por si, e não como
resultados da ação humana. A naturalização é a maneira pela qual as idéias
produzem alienação social, Istoé, a sociedade surge como uma força
natural, estranha e poderosa, que faz com que tudo seja necessariamente
como é. (CHAUÍ, 1999, p. 417).
Nesta mesma argumentação, Veja usa novamente o artifício da unificação, através do
qual, segundo Thompson, pela construção de nível simbólico se estabelece uma unidade que
interliga os indivíduos numa unidade coletiva. Aqui isso é feito através do recurso da
simbolização da unidade, onde se tenta criar uma unidade nacional em torno da economia de
mercado, aqui endossada pela revista como “sociedade aberta”.
Na mesma ‘Carta ao Leitor’, Veja vai atribuir ao filósofo grego Aristóteles (384 a 322
a.C.) a produção do que ela considera a definição clássica do papel da imprensa, muito
embora a imprensa só viesse a existir, efetivamente, quase dois milênios depois disso, entre os
séculos XV e XVII da era cristã. Segundo a revista, o filósofo teria dito que “alguns poucos
cidadãos adquirem o poder de fazer políticas públicas, todos, porém, têm o direito de criticá-
las”.
Ainda sobre o que seria o pensamento do filósofo, para a Veja a sabedoria de
Aristóteles estava principalmente “[...] em ter estabelecido que os governos e seus críticos,
embora façam parte da mesma sociedade, ocupam nela esferas inteiramente diferentes.” E,
atribuindo o raciocínio ao filósofo, “[...] enquanto os governos têm o poder, os críticos, o
direito.” Assim, para a Veja, é por esta razão que a qualidade da imprensa deve ser sempre
medida por seu grau de postura crítica nas relações com os governos.
158
Para ilustrar o texto da revista, a reprodução de um busto de Aristóteles, e, na sua
legenda, a redução do que seria o pensamento do filósofo: “Aristóteles: uns governam, outros
criticam.”
Reduzir Aristóteles a uma expressão tão simplista e descontextualizada indica a
prática de manipulação por parte de um dos maiores veículos de comunicação do país.
Aristóteles foi um dos maiores gênios da História e um dos principais fundadores dos
alicerces do conhecimento científico e político acumulado nos últimos 23 séculos, tendo
inspirado gerações e gerações de pensadores como Hegel, Marx e tantos outros.
Veja ignora – ou omite - que Aristóteles defendia a liberdade de expressão de todos os
indivíduos, não apenas em relação ao poder governamental, mas em relação a todas as formas
de dominação, inclusive a dos senhores proprietários das riquezas, mesmo que estes não
integrassem o governo. Esse registro nos permite interpretar que a concepção aristotélica de
liberdade de expressão não pode ser usada para legitimar o conceito de liberdade de imprensa
nos moldes como é aplicado hoje, generalizadamente, pelos empresários da mídia.
Quanto mais não seja, simplesmente porque a mídia não dá espaço para a
manifestação de todos os cidadãos, muito menos quando o tema é o próprio poder da
imprensa. Isto fica evidente, por exemplo, quando Veja não abre qualquer oportunidade para a
FENAJ fazer a defesa do projeto do CFJ de sua autoria.
Veja omite também, ou também demonstra desconhecer, que foi a partir da elaboração
do conceito de democracia pelos atenienses que ficaram consolidados os três direitos
fundamentais que caracterizam até hoje o “ser cidadão”: Igualdade, liberdade e participação
no poder. Para a Chauí (1999, p. 432) “Aristóteles afirmava que a primeira tarefa da justiça
era igualar os desiguais, seja pela redistribuição da riqueza ou seja pela participação no
governo.”
159
Eis o núcleo do pensamento de Aristóteles sobre a questão da igualdade e da
democracia:
Primeiro devemos perguntar quais são as características que definem
oligarquia e democracia, em particular de que modo à oligarquia e a
democracia enxergam a justiça. Pois todas, de algum modo, objetivam a
justiça, mas não avançam além de um certo ponto no que se referem à justiça
absoluta. Portanto, parece que o justo é igual, e é, mas não para todas as
pessoas; apenas para as que são iguais. O desigual também parece justo, e é,
mas não para todos, apenas para os desiguais. Cometemos erros terríveis ao
negligenciar esse ‘para quem’ quando decidimos o que é justo. O motivo é
que tomamos decisões sobre nós mesmos, e os homens, em geral, são
péssimos juízes quando os seus interesses estão envolvidos. Assim, como
justiça significa o justo para certas pessoas em relação a certas coisas (uma
distinção apontada em minha Ética a Nicômaco), esses homens, embora
concordando quanto à igualdade da coisa, discordam quanto ao ‘para quem’;
e isso, em especial, pelo motivo já mencionado, de julgar a partir de seus
próprios casos, e portanto, julgar mal. (ARISTÓTELES, 2004, p. 226, grifo
do autor).
Ou seja, faltou ao editor de Veja consultar o núcleo do pensamento de Aristóteles,
disponível na coleção Os Pensadores, da própria editora para a qual trabalha, ou esta parte foi
inconveniente para as argumentações da revista.
Ao concluir a ‘Carta ao Leitor’, Veja se apropria também da primeira emenda à
Constituição dos Estados Unidos, em 1791: “Os legisladores americanos escreveram
simplesmente que é vedado ao Congresso fazer leis impondo uma religião ou restringindo a
liberdade de expressão e de imprensa. Ponto. Sem adjetivos. Sem vacilações.”
Não é o que relata Hudon (1965, p. 220), o jurista norte-americano que na década de
50 elaborou um tratado específico sobre a procedência da Primeira Emenda. O autor sustenta
a inconsistência filosófica do dispositivo constitucional dizendo que:
Desde o início foi de vacilação a história da lei da palavra e da imprensa nos
Estados Unidos. Em grande parte isso se deve à falta de uma filosofia básica
que servisse como influência estabilizadora na interpretação da primeira
emenda. A premissa é que isto foi causado não por dados insuficientes com
que determinar os interesses merecedores de proteção sob ela [...], mas pelo
desprezo dos dados existentes, ou seja, pelo desprezo do ambiente de direito
160
natural de que provieram a Constituição e a Emenda e da relutância em
colocá-las em sua perspectiva correta. (HUDON, 1965, p. 220).
Também o professor de jornalismo da Universidade de Nova York, John William
Tebbel (1974, p. 434), sustentava, na época do escândalo de Watergate, que “[...] os
americanos falam muito de liberdade de imprensa e da primeira emenda, [...] mas há prova
abundante de que tudo não passa de uma manifestação externa de caráter ritualístico.”
Tebbel (1974) questiona ainda a capacidade de um dispositivo constitucional formal
ser a garantia para o exercício da liberdade de imprensa:
Alexander Hamilton, opondo-se à idéia confortável de Jefferson, de que
bastaria apenas incorporar o princípio da liberdade de imprensa numa
constituição para torná-la viável, escrevia desdenhosa e profeticamente em
1788: ‘O que significa uma declaração de que a liberdade de imprensa será
inviolavelmente preservada?’ O que é liberdade de imprensa? Quem é capaz
de lhe dar uma definição que não deixe qualquer brecha para uma evasão?
Considero isto impraticável e daí chego à conclusão de que sua segurança,
por mais perfeita que seja a declaração que possa ser inserida em qualquer
Constituição, deve depender totalmente da opinião pública e do espírito
geral do povo e do governo. (TEBBEL, 1974, p. 456, grifo do autor).
Se, no processo de independência dos Estados Unidos e dos demais movimentos
revolucionários europeus do século XVIII, o primado da razão sustentava a liberdade de
expressão, em oposição aos mandos absolutistas e aos dogmas teocráticos, não é menos
verdadeiro que o liberalismo clássico, enquanto provedor da expansão capitalista, acaba
apropriando-se, no decorrer do século XIX, do mesmo ideal libertário do iluminismo, mas agora
como suporte teórico para a defesa da liberdade de mercado, ou a chamada livre iniciativa.
Já na década de 1980, o jornalista e professor norte-americano Philip Meyer, da
Universidade Chapel Hill, da Carolina do Norte, em sua obra “A Ética no Jornalismo”
(MEYER, 1989, p. 18-19) vai concluir que um dos problemas históricos da imprensa é a
tendência de sempre invocar a primeira emenda reflexivamente para justificar o seu auto-
161
interesse imediato ou mesmo sua mera conveniência, uma vez que o dispositivo “[...] é uma
parte tão poderosa e integral da legislação básica americana, que sua prática pode ser o
mesmo que invocar as sagradas escrituras para furtar-se a recolher o lixo.”
Com isso, o autor ratifica o entendimento de que a imprensa se serve de uma
legislação extemporânea e de escassa consistência filosófica como escudo para proteger seus
interesses econômicos assumidos no processo de transição de uma imprensa militante
(partisan press), predominante nos séculos XVII e XVIII, para uma imprensa que vai se
caracterizar, a partir do século XIX, como predominantemente comercial (penny press) e cada
vez mais concentrada.
Ao se apropriar do filósofo grego Aristóteles, bem como da elaboração da primeira
emenda à constituição dos Estados Unidos, omitindo o contexto sócio-histórico em que o
filósofo viveu, assim como o contexto sócio-histórico no qual a emenda americana foi escrita,
a revista opera ideologicamente também através da dissimulação, pela qual, conforme
Thompson, o ocultamento e a negação são usados para a manutenção das relações de
dominação.
Este proceder enquadra-se ainda no modo de operar a ideologia que Thompson
descreve como reificação. O autor explica que a ideologia como reificação envolve a
supressão ou o ofuscamento do caráter sócio–histórico dos fenômenos ou, citando Leford
(apud THOMPSON, 1995, p. 88), envolve o restabelecimento da “[...] dimensão da sociedade
sem história no próprio coração da sociedade histórica.”
Ao afirmar, com convicção, ainda na sua ‘Carta ao Leitor’, que “A qualidade da
imprensa deve ser medida por seu grau de independência em relação aos governos”, Veja
utiliza-se do modo de operar a ideologia descrito por Thompson como padronização, pelo
qual formas simbólicas são apresentadas como um fundamento aceitável por todos na medida
162
em que busca criar um senso comum de que a imprensa pra ser livre basta apenas não sofrer
influencia do poder dos governos e apenas deste.
Assim, a revista ignora que a qualidade da imprensa também depende do grau de
independência que deve ter do poder econômico e não apenas do político. Até que ponto, por
exemplo, os veículos de comunicação comerciais são livres para se posicionar contra os
malefícios do tabaco e dos agrotóxicos, sendo eles patrocinado pelas empresas que produzem
e comercializam estes produtos?
Na matéria principal da edição, intitulada “O fantasma do autoritarismo”, a foto de
abertura mostra o presidente Lula em posição de sentido, passando em revista as tropas em
uma solenidade militar, com o comando batendo continência e, ao fundo, uma unidade da
Cavalaria. A legenda da foto diz: “Lula na parada – O presidente em cerimônia militar no
Planalto: vítima do regime de exceção e beneficiado pelo denuncismo.”
Aqui, Veja tenta atribuir ao presidente, que já foi vítima da repressão militar quando
líder sindical, um caráter ditatorial semelhante aos comandantes dos governos do regime
militar implantado no Brasil a partir de 1964. Ao fazer isso, a revista mais uma vez manipula
ideologicamente a forma simbólica através do processo de dissimulação e que, com base em
Thompson é feito, neste caso, através do processo chamado de deslocamento, onde a
característica autoritária que marcou o regime militar é transferido ao presidente Lula.
Ocorre aqui também o processo de dissimulação denominado tropo, através do uso da
figura de linguagem denominada metonímea, pela qual, sem que se diga explicitamente,
impõe-se um valor positivo ou negativo através da associação com algo. Neste caso, a revista
associou a presença do presidente em uma solenidade militar aos governos passados da
ditadura militar.
Quando a revista insiste em associar o projeto do CFJ aos atos do regime militar - no
caso, especificamente, a censura -, insistindo, também, que se trata de um ato da iniciativa do
163
Governo, o que tampouco procede, como já descrevemos, torna-se possível enquadrá-la na
estratégia nominalização/passivização dentro do modo da reificação. Isso porque Veja,
agindo assim, dá nome -‘censura’, ‘autoritarismo’- à ação, não apenas neutralizando o caráter
sócio-histórico da proposta, como também se fixando em uma ou outra expressão empregada
no documento, expressões estas que a própria FENAJ, desde o primeiro momento, se dispôs a
substituir e até a retirá-las, sem qualquer prejuízo ao espírito real da proposta.
Sobre o texto de abertura, assim como nas demais páginas da matéria, figura a
reprodução da ilustração da capa, já descrita anteriormente. O subtítulo diz: “Lula se deixa
enganar por uma associação de assessores de imprensa de empresas estatais que se fazem
passar por jornalistas e manda para o Congresso um projeto de lei que representa o mais sério
ataque à liberdade de expressão no Brasil desde o regime militar.”
Quando diz “[...] que se fazem passar por jornalistas [...]”, a revista está se referindo à
direção da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), promotora do projeto do Conselho
Federal de Jornalismo. Ao dizer que “Lula se deixa enganar”, a revista dá a entender que o
presidente foi ingênuo e negligente.
Na seqüência da frase, ao dizer que o presidente se deixa enganar “[...] por uma
associação de assessores de imprensa de empresas estatais”, Veja age de forma tendenciosa,
rotulando preconceituosamente os associados da FENAJ e desrespeitando não só os
profissionais, como a própria legislação, já que a regulamentação vigente da profissão inclui a
assessoria de imprensa como uma atividade de exercício exclusivo de jornalistas.
Cabe aqui, então, indagar: se alguém é diplomado regularmente e exerce a profissão
em assessoria de imprensa, como se pode afirmar que este alguém ‘se passa por jornalista’? E
que diferença, em essência, há entre um assessor de imprensa e um jornalista empregado em
veículo, considerando o caráter comercial da maior parte dos veículos de mídia na atualidade?
164
Ao proceder assim, a revista opera de forma ideológica utilizando-se do artifício
denominado por Thompson de fragmentação, através do que ele classifica como expurgo do
outro. Por este processo, manipula-se a forma simbólica de modo a construir um inimigo
coletivo a serviço do mal que deve ser combatido por todos. No caso, a revista atribui ao
presidente a pecha de ingênuo e autoritário e aos diretores da Federação Nacional dos
Jornalistas a acusação de pessoas inescrupulosas que se fazem passar pelo que não são.
No texto principal, ao referir-se ao Conselho Federal de Jornalismo, a revista afirma
que o presidente Lula “[...] despachou ao Congresso uma proposta que, em resumo, consiste
no mais severo ataque à liberdade de imprensa no país desde o regime militar (1964-1985).”
Essa afirmação é feita com base em uma frase do texto do projeto que diz que o Conselho
servirá para “orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão”.
Esta frase, no entanto, é recortada de seu contexto uma vez que Veja omite os critérios
e o modo como se daria essa orientação, disciplinamento e fiscalização da profissão. O texto
do projeto deixa claro que não se trata de reprimir a liberdade de expressão do profissional.
Ao contrário, pelo projeto, o conselho profissional teria poder de dar maior respaldo e
segurança aos jornalistas ao sofrerem hostilidades ou represálias decorrentes das suas
manifestações no exercício da profissão.
Ao fundamentar toda a sua argumentação apenas em cima de uma frase e descolando-a
do texto e do contexto do projeto, a revista opera mais uma vez ideologicamente pelo modo
da dissimulação, através do recurso que Thompson denomina como tropo, pelo qual – como
já se descreveu antes, uma parte é usada para referir-se ao todo.
Veja diz que, “Em sua defesa, o governo alega que não é autor do projeto nem
pretende baixar controle algum sobre a imprensa.” O texto cita o secretário de imprensa do
Palácio do Planalto, Ricardo Kotscho, reproduzindo frase de artigo publicado na Folha de São
165
Paulo: O governo não terá nenhuma ingerência neste assunto: trata-se de uma iniciativa dos
próprios jornalistas, que indicarão livremente os integrantes do Conselho.
Ainda na mesma reportagem Veja cita o jornalista, escritor e pensador social Frei
Betto:
Da Esplanada, Frei Betto, assessor especial do Presidente Lula, disse que os
grandes meios de comunicação ‘fazem um terrorismo psicológico porque
não querem perder o monopólio da palavra’ e por isso são contra o conselho.
‘Há tempos que os jornalistas, e eu me incluo como profissional do
jornalismo, querem um conselho próprio para a regulamentação da ética
profissional’. Desconhecem-se as razões pelas quais Frei Betto possa saber o
que querem os jornalistas brasileiros. Mas talvez tenha razão, pois, mutante
como é, hora se comporta como jornalista, ora como assessor de Lula, ora
como padre, dependendo do que mais lhe convém em cada momento.
A mesma menção é usada, duas páginas após, para legendar a foto de Frei Betto, sob o
título de “sacerdote de si próprio”, onde a revista afirma: “O projeto só agradou a figuras
cavilosas como Frei Betto, que é padre quando lhe convém, jornalista quando lhe convém e
assessor do presidente quando lhe convém.”
Os modos de operação da ideologia sugeridos por Thompson parecem insuficientes
para dar conta deste tratamento que Veja oferece a Frei Betto. Melhor talvez classificá-lo
como desrespeito ou manipulação baixa.
A revista sequer chega a contestar o que foi dito por ele e já parte direto para o ataque
pessoal, classificando-o de “figura cavilosa” e “mutante”, uma vez que “sacerdote de si
próprio” e “jornalista e assessor do presidente da República quando lhe convém”. Além de
ofender a condição de religioso, que não tem nada a ver com o tema. Não só apropria-se
ilegitimamente do conceito iluminista de liberdade de imprensa, como não abdica do princípio
absolutista da inquisição da doutrina da fé. Ao desconsiderar um cidadão que nada mais fez,
no caso, do que expressar sua opinião, a revista agiu com flagrante preconceito, como se
alguém não pudesse exercer o sacerdócio, manifestar-se como jornalista ou escritor e também
assessorar o presidente do seu país naquilo que lhe for solicitado.
166
Frei Betto, aliás, tem sido muito mais que isso nos últimos 40 anos. Trata-se de um
dos intelectuais brasileiros mais reconhecidos internacionalmente, tendo publicado mais de 30
obras, entre ensaios e outros escritos, grande parte delas traduzidas e publicadas em diversos
países.
A violência ou virulência com que a Veja ataca Frei Betto, esta sim, parece ter um
caráter “gorilista” - para usar um termo da própria revista contra o CFJ – pois equivale àquela
que o religioso sofreu como um dos brasileiros mais combativos contra a ditadura militar de
1964, a pior que o Brasil já viveu, tendo sido preso e arriscado a vida, em diversos momentos,
para tentar salvar a vida de vários militantes e perseguidos pelo regime, o que nem sempre,
aliás, conseguiu.
Este procedimento de Veja não se restringe a Frei Betto. Junto à foto de Luiz
Gushiken, secretário de Comunicação e Gestão Estratégica, outra legenda preconceituosa: “A
última do ‘China’: Na Alemanha nazista, ser judeu não era uma questão absoluta. Goehbels
decidia quem era judeu. Gushiken disse que a liberdade de imprensa também não é absoluta.”
Ao chamar o secretário de Comunicação de ‘China’, a revista incorre novamente em
preconceito, desta vez étnico, e em hipocrisia, uma vez que também cita o regime nazista para
o qual ser judeu não era uma questão absoluta: critica o preconceito dos nazistas em relação
aos judeus mas acaba cometendo o mesmo em relação à condição de Gushiken como descente
de chineses.
Nestes momentos, a mesma revista Veja, que acusa o governo de não saber conviver
com as críticas, excede-se à sua própria crítica e chega à prepotência e à ofensa pessoal, ou
seja, atropela princípios éticos que talvez pudessem ser preservados caso existisse um
organismo como o Conselho Federal de Jornalismo.
167
Na aplicação de nosso método de pesquisa, em todo caso, nestas duas situações a
revista volta a fazer uso do artifício de manipulação ideológica denominada por Thompson
como expurgo do outro, ‘demonizando’ as figuras de Frei Beto e de Luiz Gushiken.
Mais adiante Veja admite que a
[...] a imprensa, por sua natureza e pela particularidade de seu exercício, está
entre as que mais cometem erros e fazem julgamentos precipitados. Ela
precisa mesmo estar sob constante vigilância. Ocorre que está sempre. Cada
vez que chega às bancas, os jornais e as revistas estão se submetendo a
julgamento popular instantâneo.
Ao fazer essa afirmação, a revista parece ignorar que o leitor não tem o acesso aos
fatos e às fontes que a imprensa tem e, portanto, não possui os elementos necessários para
fazer o julgamento que Veja sugere.
Ao sustentar este paradigma, de que é da própria natureza da mídia o direito de errar e
que o “julgamento” da imprensa pelo público consumidor é suficiente, Veja opera
ideologicamente através da estratégia da naturalização, descrita por Thompson como o estado
de coisas fazendo parte de uma criação do próprio processo social, um acontecimento natural
e inevitável. Isto é, de certa forma, busca dogmatizar o ‘direito’ ao erro e à ‘intocabilidade’ da
mídia.
A revista volta a citar, mais adiante, o assessor de imprensa do Palácio, Ricardo
Kotscho:
O objetivo central da criação do CFJ - a exemplo do que há muito corre com
advogados, médicos, economistas e outras categorias – é exatamente
defender a dignidade e a ética exigidas no exercício da profissão para
garantir à sociedade a plenitude da liberdade de imprensa, e não a liberdade
para alguns profissionais e algumas empresas divulgarem o que bem
entendem a serviço de seus interesses.
168
Para a Veja, no entanto, os conselhos têm efeito secundário e muitas vezes nulo no
comportamento ético e na prática cotidiana dos profissionais: “Não existe ética coletiva. A
ética é uma instância individual, ensinava o sociólogo alemão Max Weber”, afirma a revista.
Se Weber ainda fosse vivo, e tomasse conhecimento do que escreveu Veja, talvez se
dispusesse a cobrar a falta de ética “individual” da revista ao usar seu pensamento de forma
tão descontextualizada e simplista.
A começar pelo fato de que a conceituação geral de ética é própria do campo da
filosofia, não da ciência política ou da sociologia. Tanto que uma das maiores referências em
filosofia no Brasil, a professora Chauí (1999), não menciona Weber em qualquer momento de
sua vasta abordagem sobre ética.
Isso não significa, naturalmente, que um sociólogo, como Max Weber, não possa
ocupar-se também da ética quando aplicada a reflexões de seu campo. Sendo assim, cabe-nos
interpretar a questão ética em Weber por dentro da ciência política, mais precisamente no que
tange a “ética de responsabilidade” e a “ética de valor” – aspectos do campo ético que
pertencem à concepção, por ele definida, como “ação social”.
Em sua obra “Economia y Sociedad”, Weber (1992) trabalha o conceito de ação social
que, analisado através do senso comum, parece nada ter a ver com ética coletiva.
Entretanto, essas são concepções absolutamente intrínsecas, senão vejamos:
O conceito de ação, por tratar do agir humano está naturalmente vinculado ao campo
ético. E o conceito de social o que é senão o coletivo? Toda a ação social, mesmo que
praticada individualmente, sempre trará conseqüências coletivas. Além do mais, é comum, na
sociedade, grupos de pessoas (coletivo) praticarem ações sociais, bem como é comum pessoas
promoverem ações sociais individualmente, porém motivadas pelo mesmo “valor” ou pelos
mesmos interesses. Nesses casos, a ação social é, então, uma questão de ética coletiva, como
podemos concluir a partir do próprio Weber.
169
Weber sustenta que como toda a ação, a ação social pode ser considerada de quatro
formas, a tradicional, a afetiva, a de valor e a racional. Esta última pode ser reconhecida
como “racional segundo o propósito”, que é aquela pela qual se age buscando um fim
específico e levando em conta os resultados da ação; ou também pode ser reconhecida como
racional segundo o valor”, que é aquela determinada pela crença consciente no seu próprio
valor absoluto, quer se interprete como ético, estético, religioso etc., independente dos
resultados.
A partir disto, Weber distingue dois tipos formalmente possíveis de atitudes,
denominando-as como ética de responsabilidade (verantwortungsetrik) e ética dos valores
absolutos (gesinnungsethik).
De acordo com Kunczik (2002, p. 41), o sociólogo alemão, em sua obra Politik als
Beruf (A Política como Profissão), utiliza essa tipologia para analisar a ação política e
jornalística: “Uma pessoa cuja ética abriga unicamente os valores absolutos recusa-se a
assumir a responsabilidade pelas conseqüências das suas ações.”
Assim, parece ser esta a prática que o editor de Veja adota para si e a que também
defende como válida para o jornalismo brasileiro, já que, absolutista na sua visão de liberdade
de imprensa, demonstra não medir as conseqüências em seus ataques a pessoas e instituições.
Vejamos, então, como Weber descreve as pessoas que se pautam pela ética dos valores
absolutos, como o editor de Veja: “O mundo é estúpido e detestável, não eu; a
responsabilidade pelas conseqüências diz respeito, não a mim, mas aos outros, a cujo serviço
estou trabalhando e cuja estupidez e caráter detestável busco erradicar.” (WEBER apud
KUNCZIK, 2002, p. 41).
O que a revista de fato fez, agindo assim, foi apropriar-se do pensamento de Weber
para buscar, ou forçar, uma legitimação do poder da imprensa.
170
Aliás, como já vimos na análise sócio-histórica, o registro fundador do conceito de
legitimidade é do próprio Weber (1980), para quem as relações de poder podem ser
sustentadas pelo fato de serem representadas como legítimas, isto é, justas e dignas de apoio.
E uma das três formas de legitimação de poder, segundo ele, é justamente o uso carismático,
por exemplo, do caráter exemplar de uma pessoa.
Exatamente o que Veja faz com ele, Weber, com Aristóteles, com Jefferson e outros,
deslocando-os, tanto dos seus próprios textos quanto dos seus próprios contextos. Para Weber,
não há nada na vida social que não seja engendrado pelos homens em suas ações e relações
sociais. Ou seja, fora do seu contexto.
Á luz da HP, podemos interpretar, assim, que neste caso Veja operou não apenas
ideologicamente, através da legitimação – quando o sociólogo é usado para referendar a
posição da revista -, como também, mais uma vez, através da reificação, quando elimina ou
ofusca o caráter sócio-histórico dos fenômenos.
Portanto, conclui-se que a ética é tanto uma instância individual, quanto coletiva.
Porém, mesmo que fosse apenas individual (como Veja afirma ser o que Weber sustenta), os
códigos que tratam da ética (constituição, conselhos profissionais código civil etc), pelo
principio universal da eqüidade, devem ser aplicados de forma igual a todos, não podendo
haver distinções ou privilégios.
Podemos então, concluir, a partir disso, que os conselhos profissionais, como a OAB
ou Conselho de Medicina, procedem corretamente quando, baseado em códigos de normas
universais, e sempre garantindo o direito de defesa, avaliam em separado casos de deslize
ético, nada diferente do que faria o Conselho Federal de Jornalismo, caso viesse a ser
aprovado e constituído.
Ou seja, a discussão sobre se a ética é individual ou coletiva não tem nenhuma
procedência como argumento de oposição ao projeto do Conselho Federal de Jornalismo.
171
Podemos concluir, também, que, em nenhum momento, um Conselho Federal de
Jornalismo, procedendo de forma semelhante, contradiz o alegado pensamento weberiano
usado pela revista. Se o estado democrático de direito não fosse desse modo, para que
serviriam os códigos civil e penal ou a própria Constituição?
Se esta é uma reflexão que se pode fazer na perspectiva sociológica, em Weber, na
perspectiva filosófica, a questão ética não a contradiz. Pelo contrário, como conclui Marilena
Chauí (1999, p. 338):
[...] o campo ético é, portanto, constituído por dois pólos inteiramente
relacionados: o agente ou sujeito moral e os valores morais ou virtudes
éticas. Do ponto de vista dos valores, a ética exprime a maneira como a
cultura e a sociedade define para si mesmas o que julgam ser a violência e o
crime, o mal e o vício e, como contrapartida , o que consideram ser o bem e
a virtude. Por realizar-se como relação intersubjetiva e social, a ética não é
alheia ou indiferente às condições históricas e políticas, econômicas e
culturais da ação moral. Conseqüentemente, embora toda ética seja universal
do ponto de vista da sociedade que a institui universal (porque seus valores
são obrigatórios para todos os seus membros), está em relação com o tempo
e a História, transformando-se para responder a exigências novas da
sociedade e da cultura, pois somos seres históricos e culturais e nossa ação
se desenrola no tempo.
Dando seqüência à re-interpretação sobre o material empírico principal da revista
Veja, devemos destacar o trecho em que a revista afirma que “Os assessores de Lula teriam
poupado o governo de constrangimentos e desgastes desnecessários com o projeto
estapafúrdio, caso tivessem informado corretamente o presidente. Aparentemente não o
fizeram.”
Assim, a revista segue insistindo que é de se supor que o presidente foi levado a
acreditar na Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), patrona do projeto: para a Veja, a
FENAJ não é uma entidade composta de jornalistas no pleno exercício da profissão. Diz ela
que, do ponto de vista legal, a FENAJ tem aparência de um órgão legítimo que representa os
100 mil jornalistas brasileiros, mas que, com menos de 30 por cento dos jornalistas
sindicalizados, a entidade representa uma minoria.
172
Afirma, também, que a diretoria eleita um mês antes (julho de 2004) não é uma
expressão de jornalistas que trabalhem em jornais, revistas, rádio e televisão. Para a revista, a
diretoria é composta majoritariamente por profissionais que estão afastados das redações,
prestando assessoria de imprensa a empresas estatais e a políticos, e que é formada de sete
jornalistas dos quais apenas dois não são filiados ao PT, e que dos dois não filiados, um é
publicamente simpático ao partido.
Ao sustentar que assessores de imprensa não são jornalistas, Veja não apenas ignora a
legislação vigente (citar a lei) como também volta a operar ideologicamente através do modo
descrito por Thompson como fragmentação. Isto ocorre, neste momento, utilizando-se da
estratégia de diferenciação, que é a construção simbólica que dá ênfase às distinções,
diferenças e divisões entre pessoas e grupos, apoiando as características que os desunem e os
impedem de constituir um desafio efetivo às relações existentes. A mesma estratégia de
diferenciação pode ser identificada também quando a revista diz que os assessores do governo
informam mal ao presidente.
Mais adiante, Veja volta a admitir que “A imprensa – no Brasil e no mundo – comete
erros e exageros.” Lembra que Alceni Guerra, ministro da Saúde do governo Fernando Collor,
foi massacrado pela imprensa, inclusive pela própria Veja, sob suspeitas que mais tarde se
comprovaram infundadas; que Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-secretário geral da
Presidência da República no governo Fernando Henrique, foi indevidamente acusado pela
mídia de fazer tráfico de influência, quando estava no cargo; e que Ibsen Pinheiro – ex-
deputado, foi vítima de matéria que continha números errados a respeito de dinheiro por ele
movimentado e que –por isso - acabou cassado pela CPI do Orçamento.
Veja reitera que a imprensa erra, mas que os erros acabam aparecendo quando não são
corrigidos e quando, logo em seguida, a apuração correta dos fatos vem à tona. Ao dizer que
os erros “acabam aparecendo” e que a apuração dos fatos “vem à tona”, a revista acredita que,
173
os erros cometidos são naturalmente esclarecidos. Ou seja, parece dizer que a garantia da
qualidade e da seriedade da informação é obra do acaso.
Este é um exemplo claro de prática manipulatória de reificação, conforme a
Hermenêutica de Profundidade, através da estratégia da naturalização. Ou seja, um estado de
coisas que é uma criação social e histórica pode ser tratado como um acontecimento natural
ou como resultado inevitável de características naturais (THOMPSON, 1995).
Assim, na tentativa de justificar-se, na mesma matéria “Veja lamenta os enganos que
cometeu nos casos de Alceni, Eduardo Jorge e Ibsen Pinheiro”. Não fala, porém, de outros
erros pelos quais acabou condenada pela justiça a publicar, compulsoriamente, as próprias
sentenças. Tampouco diz quem irá ressarcir os danos profissionais, morais, familiares e outros
sofridos pelas pessoas acusadas indevidamente.
Agindo deste modo, Veja está novamente dissimulando o discurso através, agora, da
estratégia da eufemização, ou seja, procurando passar uma valoração positiva de erros
anteriores e, assim, desviando a atenção daquilo que é mais importante.
Na mesma reportagem, Veja afirma que a imprensa não é complementar ao Estado:
“Ela é livre, independente e, em seus melhores momentos, antagônica ao Estado”. Entretanto,
Veja omite que muitos veículos de comunicação sobrevivem de verbas públicas e quando
estão em situação financeira difícil buscam socorro nos cofres públicos.
Adiante, a revista cita o diretor da Faculdade de Jornalismo da Universidade de
Columbia, em Nova Iorque, Josh Friedman, para quem a criação de um conselho regulatório
da imprensa é uma ameaça à democracia, constituindo-se em um absurdo.
Para Veja, neste episódio o fato mais perigoso é que o governo dá a impressão de
quem tem vontade de controlar tudo:
Como o próprio nome diz, totalitarismo é a doutrina que não se satisfaz em
controlar os processos sob a competência do Estado. O totalitarismo almeja
controlar todos os processos, mesmo aqueles nos quais a interferência estatal
174
deveria ser meramente marginal, como a vida em família, a pesquisa
científica e a produção artística.
Veja conclui a matéria principal afirmando que
[...] na Itália fascista o ministro da Educação, Giovanni Gentile, um dos
nomes mais influentes do governo Mussolini, dizia o seguinte: ‘tudo para o
Estado, nada contra o Estado, ninguém fora do Estado’. O Brasil de Lula,
obviamente, não é parecido com isso. O governo do PT está apenas confuso.
É liberal na economia e autoritário na política.
A matéria termina com a citação do antropólogo Roberto da Matta, da PUC do Rio de
Janeiro, para o qual “há um lado liberal e outro reacionário, hierárquico e autoritário no
governo que quer cada macaco em seu galho vigiado constantemente por um gorila.” E que,
assim, o governo Lula estaria querendo “reviver a tática gorilista da ditadura”. Veja conclui:
“Parece tolo. É um perigo”.
A revista ignora, então, que o governo é uma frente política composta por diversos
partidos políticos e não apenas pelo PT. Aqui a revista opera outra vez ideologicamente
através da dissimulação, pelo artifício do deslocamento, transferindo a conotação negativa
que atribui ao governo para o Partido dos Trabalhadores.
A reportagem de Veja é acompanhada de 33 depoimentos, fora do corpo da matéria,
todos contrários ao projeto, nenhum a favor. O discurso de todos só difere na adjetivação,
sendo unânimes na interpretação de que a proposta constitui-se num grave atentado à
liberdade de imprensa e de expressão. Mas não dá o direito de expressão favorável nem
mesmo a FENAJ, autora do projeto e acusada de ilegítima na representação da categoria.
Não oferecendo espaço ao contraditório, Veja não apenas incorre num atropelo
elementar do bom jornalismo, como opera ideologicamente uma vez mais através da
dissimulação, pela qual, segundo Thompson (1995, p. 82), “[...] relações de dominação
podem ser estabelecidas e sustentadas pelo fato de serem negadas, ocultadas ou obscurecidas,
175
ou pelo fato de serem representadas de uma maneira que desvia nossa atenção, ou passa por
cima de relações e processos existentes.”
Ao negar ou obscurecer a posição da FENAJ, autora do projeto, e ocultar profissionais
e personalidades a favor do CFJ – como a totalidade ou quase totalidade dos presentes no
Congresso de Jornalistas de João Pessoa –, Veja acaba operando ideologicamente também
através da unificação do discurso. Isso ocorre ao listar mais de 30 pessoas, das mais diferentes
posições na sociedade, como uma unidade coletiva, servindo-se, para tanto, da estratégia da
padronização, na medida em que os apresenta, através da diagramação de suas páginas,
sempre num mesmo padrão de tamanho de fotos e de depoimentos, estes flagrantemente
editados, ou recortados de uma reflexão mais ampla.
A unificação ou a padronização do discurso só não acontece quando, ao contrário
surge a conveniência pela reificação, outro modo de operar a ideologia.
Isso aparece quando Veja, na mesma matéria, abre um box para confrontar o
pensamento de duas personalidades históricas sobre a liberdade de imprensa. De um lado, um
dos líderes da revolução russa e do poder soviético, Vladimir Ilyich Lenin, e, de outro, um dos
líderes da luta pela independência dos Estados Unidos, Thomas Jefferson.
De Lenin, Veja extrai a afirmação:
Por que deveríamos aceitar a liberdade de expressão e de imprensa? Por que
deveria um governo, que está fazendo o que acredita estar certo, permitir que
o critiquem? Ele não aceitaria a oposição de armas letais. Mas as idéias são
muito mais fatais do que as armas.
De Jefferson, Veja extrai:
Uma vez que a base de nosso governo é a opinião do povo, nosso primeiro
objeto deve ser mantê-la intacta. E, se coubesse a mim decidir se precisamos
de um governo sem imprensa ou de uma imprensa sem governo, eu não
hesitaria um momento em escolher a segunda situação.
176
Veja resume assim o que seria a diferença de opinião sobre liberdade de imprensa das
duas personalidades. Mas o faz operando ideologicamente. Primeiro, porque não se ocupa
nem do contexto histórico-social em que ambos viveram, nem do contexto sócio-histórico em
que ambos teriam dito o que aqui a revista publica. Além disso, ao parafrasear ou recortar as
frases que atribui a essas personalidades, a revista acaba promovendo a descaracterização o
pensamento reconhecido destas duas personalidades históricas.
Para nos auxiliar na interpretação deste procedimento de Veja, servimo-nos, aqui, de
um texto do professor Venício Lima, no caso da frase de Jefferson, e da obras de Mario
Casiagli e Oziel Gomes, no caso da frase atribuída a Lenin. Até porque a frase de Lenin,
como publica Veja, não foi encontrada na pesquisa que promovemos percorrendo as suas
Obras Completas (Buenos Aires: Cartago, 1960) assim com a obra Acerca de la prensa
(Editorial Progreso, 1980), editada em espanhol em Moscou, ainda na vigência do regime na
União Soviética, e reunindo todos os escritos do líder comunista sobre a imprensa.
É preciso registrar que a revista não menciona em que obra consta a frase que atribui a
Lenin, o que dificultou sobremaneira nosso trabalho de pesquisa em tentar localizá-la, sem
êxito. O mesmo, aliás, aconteceu com a frase que a revista atribui a Weber. Se a revista não
está forjando frases que não foram ditas, podemos perguntar por que não procedeu como fez,
na mesma edição, com a frase de Aristóteles, da qual cita a fonte.
Da mesma forma, nem Casiagli (1960), nem Gomes (1999), ao fazerem o mesmo
percurso para interpretar o pensamento de Lenin sobre o papel da imprensa, não expõem a
frase que Veja diz ser de Lenin. Sabe-se lá se porque não a encontraram ou se porque não a
reconheceram como significativa do seu pensamento.
Em todo caso, parece mesmo improvável que Lenin tenha feito tal formulação pois, no
mesmo percurso por sua obra – e pelas obras desses autores que tratam de seu pensamento
sobre o tema aqui em questão - pudemos perceber que, de fato, o líder comunista era um
177
veemente crítico da imprensa burguesa, mas, para opor-se a ela, não pregava a sua liquidação,
e, sim, uma ferrenha defesa da socialização das quotas de papel de imprensa, como forma de
assegurar a pluralização da informação, especialmente para a imprensa proletária alternativa,
na qual militou.
No “Projeto de resolução sobre a liberdade de imprensa”, escrito pelo líder da
revolução soviética em 4 de novembro de 1917 e publicado pela primeira vez pelo Pravda, em
sua edição n° 309, de 7 de novembro de 1932, Lenin (1980, p. 32) sustentava:
O Governo Operário e Campesino entende por liberdade de imprensa a
emancipação da imprensa do jugo do capital, a transformação das fábricas de
papel e das gráficas em propriedade do Estado e o reconhecimento a cada
grupo de cidadãos que alcance um certo número (por exemplo 10.000) do
direito igual a desfrutar da parte correspondente das reservas de papel e da
quantidade correspondente de trabalho tipográfico.
Ou seja, é evidente a defesa de Lenin sobre o controle estatal da atividade de
imprensa no regime soviético, mas de nenhuma maneira fica explícita a idéia de que o
governo não pudesse ser criticado.
De qualquer modo, mesmo que Lenin eventualmente tenha dito o que Veja diz que ele
disse, sem fazer qualquer menção à circunstância, ou ao documento, ou mesmo ao momento
em que ele teria dito isso – se é que disse - , para o professor Casiagli (1960, p. 8), “Seguindo
o que propõe o próprio Lenin, é preciso rechaçar qualquer pretensão de absolutizar seu
pensamento” como modelo ou referência. Casiagli (1960, p. 8) acrescenta: [...] É indubitável
que muitos de seus escritos apresentam ainda hoje um grande estímulo político e uma notória
validade teórica. Mas uma ou outra serão tanto mais perceptível e compreendida quanto mais
estes trabalhos sejam relacionados com o ambiente e a época em que ocorreram.”
O professor Casiagli procura identificar o pensamento de Lenin sobre a imprensa
rastreando desde simples intervenções até ensaios e posições assumidas pelo líder soviético
178
durante todo o arco de suas atividades, a partir do primeiro registro, em 1899, até o último
documento de 1922.
E já na introdução de sua obra, Casiagli (1960) adianta que, embora o primeiro e o
último artigo de Lenin atestem que ele jamais abandonou sua convicção de que a imprensa
seria sempre “o centro e a base da organização política.” (CASIAGLI, 1960, p. 9), suas
abordagens sobre o tema aparecem distintas, conforme as circunstâncias políticas e históricas,
quer como escritor e militante na clandestinidade, ao tempo do combate ao czarismo, quer
como homem do governo soviético, depois de 1917.
Mesmo assim, ainda segundo Casiagli (1960), na análise que sustenta o conjunto dos
textos pesquisados, é possível identificar uma constância nas generalizações teóricas que
Lenin faz sobre a imprensa, até nas páginas mais fortuitas. Assim, conclui Casiagli (1960, p.
256):
A idéia mais firme e segura que sublinha todos os seus escritos sobre a
imprensa é aquela relativa à natureza classista da informação. Contra toda
hipócrita pretensão ou declaração de “liberdade”, contra toda ilusão de
objetividade e de neutralidade, Lenin nos recorda que em toda sociedade
classista, e inclusive numa sociedade de transição que conserva as divisões
em classes, as fontes, os meios, o funcionamento da informação, serão
sempre manipulados pela classe dominante. Desde o momento que os
instrumentos preponderantes serão sempre dirigidos por esta, a classe, ou as
classes antagônicas deverão lutar pela conquista de instrumentos próprios,
alternativos. Sustentar que ainda possa prevalecer alternativas neutras neste
processo é um mito, ou, pior, uma enganação.
E Veja assim o faz. Não apenas servindo-se de Lenin, como também de uma reflexão
antiga de Jefferson, mais tarde reformulada.
No caso americano, Jefferson lutava por libertar os Estados Unidos da coroa britânica
e era influenciado pelo pensamento iluminista de então. Ao passo que Lenin ocupava-se em
consolidar o governo comunista inaugurado na revolução de 1917, que destituiu o
179
absolutismo czarista. Para Veja, contudo, essas duas formas de pensar fizeram com que os
Estados Unidos “hoje são o que são, enquanto pela razão inversa, a União Soviética morreu”.
Ao afirmar que os Estados Unidos são hoje o que são, Veja assume categoricamente
que, para ela, este país é um exemplo de democracia. Parece ignorar, contudo, todas as
passagens históricas de caráter totalitário deste país - como o macartismo e a mais recente
caça às bruxas, pós 11 de setembro, do governo Bush. Veja reduz, ao mesmo tempo, os
motivos da derrocada modelo soviético, pelo que sugere supor, a tão somente uma das
opiniões que Lenin expressou sobre a imprensa capitalista.
Ao resumir de uma forma tão simplista a história dos Estados Unidos e da extinta
União Soviética, a revista deixa evidenciado a superficialidade do ponto de vista histórico
com que tenta justificar ideologicamente suas posições. Esse box não deixa dúvidas, também,
quanto ao uso ideológico da forma simbólica.
Ao comparar diretamente Lenin com Jefferson, EUA com URSS, ignorando
totalmente o contexto histórico, Veja pratica a reificação, o modus operandi que envolve a
eliminação do caráter sócio-histórico. No mesmo momento, Veja volta a servir-se da
legitimação, através do elemento narrativização, pelo qual histórias destinadas a contar o
passado fazem parte do presente como algo eteno e aceitável.
Além de ter operado ideologicamente, através da descontextualização sócio-histórica,
podemos interpretar que Veja agiu, no mínimo, com rala seriedade ao generalizar o
pensamento de Thomas Jefferson a partir de uma frase, que, embora dita por Jefferson num
determinado momento, não corresponde à reflexão definitiva do líder político norte-
americano.
É o que identifica o professor Lima (2004), fundador e primeiro coordenador do
Núcleo de Estudos e Mídia e Política da Universidade de Brasília, no artigo “Anotações sobre
Jefferson e a imprensa.” Para ele, sempre que os proprietários da mídia se sentem ameaçados
180
em seus interesses, recorrem a Thomas Jefferson fazendo uso de uma de suas frases, inserida
em longo parágrafo de uma carta escrita de Paris para Edward Carrington, em 1787.
A frase é exatamente a mesma que Veja usa em sua reportagem nesta edição:
Uma vez que a base de nosso governo é a opinião do povo, nosso primeiro
objeto deve ser mantê-la intacta. E, se coubesse a mim decidir se precisamos
de um governo sem imprensa ou de uma imprensa sem governo, eu não
hesitaria um momento em escolher a segunda situação.
Para o professor Venício Lima, a preferência de Jefferson pelos jornais em relação aos
governos é inequívoca, mas, no entanto, há vários outros aspectos que precisam ser
esclarecidos. A começar pelo fato de que a carta de Jefferson não termina onde a imprensa
gosta de botar o ponto. A frase continua. E assim: “Mas insistiria em que todo homem
recebesse estes jornais e os soubesse ler.”
Para o professor, isso vale dizer que existe uma condição para a preferência de
Jefferson pelos jornais, qual seja, a que eles devem chegar a todos e, mais importante, que
todos devem saber ler. Diz Lima que há, aí um inequívoco compromisso com o caráter
universal da opinião do povo e com a necessidade de que todos sejam educados para que
possam ler o que está escrito nos jornais.
Outro aspecto que precisa ser considerado na fala de Jefferson, segundo o professor, é
o de que, se todos devem receber os jornais, isto significa que está implícita a existência do
direito de todos à informação. De fato, diz Lima (2004), “[...] o princípio iluminista que
prevaleceu no século XVIII, e que suporta a posição de Jefferson, é o de que o povo precisa
estar exposto à diversidade de idéias porque é assim que a verdade emergiria.”
Ora, com base neste princípio de que a verdade emerge da diversidade de idéias, a
aplicação do pensamento iluminista de Jefferson à condição do jornalismo, em especial na
imprensa brasileira, resulta descabido, se não mal intencionado, considerando o estágio de
181
concentração dos veículos de comunicação nas mãos de pouquíssimos grupos econômicos,
como descrevemos, anteriormente, na análise sócio-histórica do jornalismo brasileiro.
Ainda de acordo com o professor Lima (2004), há um terceiro aspecto que precisa ser
esclarecido quando se recorre ao pensamento de Jefferson sobre a imprensa:
Jefferson referia-se a uma opinião construída no debate livre de idéias nas
comunidades, no contato face a face, nos town meetings. Era nessa ‘esfera
pública’ que os assinantes de jornais discutiam e definiam quais eram os
interesses da comunidade. É assim que as comunidades devem ser
governadas e é esse tipo de governo que não pode existir sem os jornais.
Para o professor, essa posição republicana de Jefferson contrapõe-se àqueles que
enfatizavam a busca dos interesses privados e individuais como caminho para se chegar ao
bem comum.
Na análise do professor, o mais importante é que os jornais aos quais Jefferson se
referia, eram os jornais da partisan press, ou seja, jornais partidários que expressavam as
posições dos partidos políticos. Esses jornais, diz Lima, desapareceram com o surgimento da
penny press - os jornais-empresa feitos para atender prioritariamente aos interesses dos
anunciantes e do mercado – e com o surgimento do jornalismo profissional.
Concluindo sua análise sobre o uso extemporâneo do pensamento de Thomas
Jefferson no debate moderno sobre a liberdade de imprensa, o professor Venício Lima
convida a refletirmos sobre as diferenças históricas das circunstâncias a que Jefferson se
referia e aquelas em que vivemos hoje no Brasil, mais de dois séculos depois, de profunda
concentração da propriedade privada dos meios de comunicação.
Ou seja, o professor sustenta, então, que na mídia brasileira não há a diversidade ou a
pluralidade de fontes e conteúdos que possam assegurar a posição iluminista de Jefferson. E,
para reforçar seu argumento de que Jefferson é citado indevidamente pela própria mídia no
debate sobre liberdade de imprensa, o professor se serve de uma outra frase do líder norte-
182
americano, quando já então presidente dos Estados Unidos, e que não é usada pela mídia neste
debate, certamente porque lhe contradiria:
É uma triste verdade que a supressão da imprensa não poderia privar mais
completamente a nação de seus benefícios do que se prostituíssem os
jornais, entregando-se à publicação de mentiras. Não se pode agora
acreditar no que se vê num jornal. A própria verdade torna-se suspeita se é
colocada neste veículo polido. A verdadeira extensão deste estado de falsas
informações é somente conhecida daqueles que estão em posição de
confrontar os fatos que conhecem com as mentiras do dia. Encaro realmente
com comiseração o grande grupo de meus concidadãos que, lendo os
jornais, vive e morre na crença de que souberam algo do que se passou no
mundo em seu tempo [...].O homem que não lê jornais está mais bem
informado que aquele que os lê, porquanto o que nada sabe está mais
próximo da verdade que aquele cujo espírito está repleto de falsidades e
erros. (JEFFERSON, apud LIMA, 2004).
Todos estes aspectos comentados por Lima (2004) servem para reforçar nossa
interpretação, à luz da Hermenêutica de Profundidade, de que, no caso deste texto sobre o
pensamento de Jefferson, Veja opera ideologicamente através da reificação, ou seja, recorta
de um contexto apenas frases que lhe servem para a sua argumentação, desconsiderando não
só o contexto sócio-histórico como também o contexto do próprio pensamento do autor. Aliás,
assim como já havia feito, na mesma matéria, com o pensamento de Aristóteles e com uma
frase que a revista diz ter sido dita por Weber, de acordo com o que já interpretamos neste
estudo.
Da mesma maneira, os argumentos de Lima (2004) reforçam também a nossa
interpretação de que o texto em questão de Veja merece ser enquadrado no modo de operação
descrito por Thompson como legitimação, através da estratégia de narrativização, pela qual
histórias que contam o passado e tratam o presente são usadas como parte de uma tradição
eterna e aceitável.
183
2.3.3 ISTOÉ, ed. 1819, 18 ago. 2004
Esta é a edição que traz, como reportagem de capa, a revelação de que a revista Veja
contribuiu irresponsavelmente para a cassação do ex-presidente da Câmara Federal, Ibsen
Pinheiro, ao sustentar, por razões econômicas da própria revista, uma informação que (a
revista) sabia estar equivocada e que traria grande prejuízo moral e político para o deputado,
além de conseqüências imprevisíveis para o cenário político brasileiro. O título de capa é
“Ibsen Pinheiro massacrado”.
O tema é tratado inicialmente no editorial “A lição de Ibsen”, assinado pelo diretor de
redação, Hélio Campos Mello, no qual afirma que “o governo Lula vem patinando feio na sua
dificuldade crônica de convivência democrática com as críticas”. Cita, como uma prova disso,
o que aconteceu no episódio do artigo do The New York Times, em que o governo chegou a
ser mais desastrado do que o próprio autor de uma reportagem, determinando a sua expulsão
do país.
O editorial qualifica como “o ápice da insensatez” o envio ao Congresso Nacional do
projeto do Conselho Federal de Jornalismo. Sustenta que isso mostra a intenção de tolher uma
das funções básicas do jornalismo que é olhar o poder e relatar o que de errado nele se
encontrar. O que é uma falácia, pois o projeto não possui nada que diga que o governo não
possa ser vigiado pela imprensa.
O editorial afirma também que o que rege o jornalismo é a Constituição e, como em
tudo, os erros existem, mas são exceções e não a regra. Afirmação que a revista faz sem
sustentação em pesquisas ou números. Diz ainda que o erro afeta a credibilidade e que a
punição vem do leitor.
184
Ao sustentar que a punição vem do mercado no caso o leitor, a revista Istoé, assim
como a Veja usa de modo ideológico a forma simbólica através da reificação, servindo-se da
estratégia de eternalização, descrita por Thompson (1995) como o uso de fenômenos sócio-
históricos como permanentes, imutáveis e recorrentes. Cita o livro “Constituição do Brasil
interpretada”, do professor Alexandre de Moraes, que diz:
A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos de uma sociedade
democrática e compreende não somente as informações consideradas
inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também as que possam causar
transtornos, resistência e inquietações, pois a democracia somente existe
baseada no pluralismo de idéias, na tolerância de opiniões e do espírito
aberto ao diálogo.
Istoé, entretanto, parece não acreditar no ensinamento que colhe do professor na
medida em que não dá a FENAJ espaço de defesa para que a entidade possa explicar melhor
a idéia do projeto do Conselho Federal de Jornalismo.
O editorial conclui reproduzindo uma das declarações da entrevista de Ibsen Pinheiro
publicada na mesma edição:
O denuncismo tem cura, a verdade aparece. Na imprensa censurada, o
denuncismo é eterno e mais: vejo com preocupação quando se pretende criar
um Conselho Federal de Jornalistas com a função de supostamente orientar e
fiscalizar, mas, sem dúvida, ainda que a proposta seja de boa fé, o conteúdo
será o patrulhamento.
Só depois disso, Istoé, na reportagem assinada por Weiller Diniz, ocupa-se do assunto
central. Narra as declarações do jornalista Luiz Costa Pinto, de apelido Lula, que conta os
bastidores da reportagem de capa de sua autoria na revista Veja , em novembro de 1993, onde
afirmara que a CPI do orçamento descobrira que Ibsen havia movimentado um milhão de
dólares em suas contas.
185
O relato acusa Waldomiro Diniz, então assessor de José Dirceu, de ter vazado uma
falsa prova. Conta que Waldomiro foi à redação da revista em Brasília levando a informação
da referida movimentação e apresentando sete boletos de depósitos bancários, já dolarizados
por ele, enquanto dizia: “Pegamos Ibsen”.
Neste momento, os trabalhos de fechamento da edição estavam avançados. Dali três
horas no máximo, a edição deveria baixar para a gráfica da Editora Abril, em São Paulo. A
revista acabou indo para a gráfica com esta denúncia, ganhando matéria de capa. Na
madrugada, o autor da matéria recebe a informação, através de Paulo Moreira, editor
executivo da revista, de que Adam Sum, revisor, havia detectado que os cálculos de
dolarização estavam errados e que, na verdade, Ibsen havia movimentado não um milhão de
dólares, mas mil dólares.
O editor executivo Paulo Moreira disse da impossibilidade de suspender a publicação
com a denúncia porque já tinham sido rodadas um milhão e 200 mil capas e representaria um
prejuízo de 100 mil reais em valores atuais para a empresa. Alegou, ainda, que não era mais
possível mexer no texto de dentro da revista para não atrasar as remessas para o Rio de
Janeiro e o interior de São Paulo. Ordenou ao repórter que conseguisse em dez minutos
alguém para sustentar, em “on” esta dolarização de um milhão de dólares, o que, segundo o
repórter, foi feito pelo deputado Benedito Gama. A revista foi publicada com a capa trazendo
a manchete “Até tu, Ibsen?” e sustentando a versão incorreta.
Esta retranca da matéria é acompanhada de um box com a opinião da revista sobre a
proposta do Conselho Federal de Jornalismo e da Agência Nacional do Cinema e do
Audiovisual, sobre o que comentaremos mais adiante.
A matéria de capa traz, como segunda retranca, uma entrevista com o próprio ex-deputado
Ibsen Pinheiro, que, na época da publicação, era candidato a vereador em Porto Alegre, com o
título: “Decidi não morrer” e com o subtítulo “Ibsen Pinheiro faz um desabafo emocionado sobre
186
o processo de que foi vítima e garante: eu não guardo ódio”. Na entrevista o ex-presidente da
Câmara narra a Istoé os transtornos pessoais e políticos decorrentes da cassação.
A entrevista termina perguntando a Ibsen e, como vítima de erro jornalístico, se ele acha
que o trabalho da imprensa deve ser limitado. A resposta de Ibsen foi a de que, “se a imprensa
comete desvios de conduta, só a própria liberdade de imprensa é capaz de corrigi-los, pois pior
que o denuncismo é a censura. O denuncismo tem cura, a verdade aparece. Já na imprensa
censurada o denuncismo é eterno”. E completa: “Vejo com preocupação quando se pretende
criar um Conselho Federal de Jornalistas, com a função de, supostamente, orientar e fiscalizar,
mas, sem dúvida, ainda que a proposta seja de boa fé, o conteúdo será o patrulhamento.”
Ao perguntar ao ex-deputado se o mesmo acha que o trabalho da imprensa deve ser
limitado, ao invés de perguntar sobre o que pensa do CFJ, Isto é fez uma pergunta dirigida para
obter a que resposta lhe interessava, numa clara demonstração de manipulação jornalística,
através da indução.
Ao analisarmos este artigo à luz da Hermenêutica da Profundidade, percebemos
claramente que a revista Istoé cria uma cadeia de raciocínio entre assuntos e fatos distintos
para persuadir os leitores. Associa as críticas ao presidente do Banco Central ao envio do
projeto do Conselho Federal de Jornalismo ao Congresso e, dessa forma, atribui ao governo
um caráter revanchista, embora a proposta do CFJ seja bem anterior a estas denúncias.
Utiliza-se, ainda, do ex-deputado Ibsen Pinheiro, que teria sido vítima de um grave
erro da imprensa no passado, mais precisamente da revista Veja, para dizer que quando a
mídia erra, ela mesmo se auto corrige, não havendo, portanto, a necessidade de um Conselho.
Diz a revista Istoé:
Sentindo-se vítima de denúncias contra o presidente do Banco Central, o
governo resolveu atacar a liberdade de imprensa ao propor um conselho de
Jornalismo para fiscalizar e punir jornais e jornalistas. Mas uma revelação
de um repórter em artigo enviado para o livro a ser lançado pelo ex-
187
presidente da Câmara Ibsen Pinheiro mostra que a descoberta da verdade
independe de mecanismos repressivos.
Ora essa associação de fatos distintos e sem relação direta: críticas ao presidente
Banco Central versus Conselho Federal de Jornalismo versus caso Ibsen, configura
claramente o que Thompson chama de racionalização, ou seja, quando o produtor da forma
simbólica usa uma cadeia de raciocínio para persuadir uma platéia de que sua posição é digna
de crédito, visando, assim, estabelecer ou a manter relações de dominação. Neste caso busca
persuadir o público leitor como forma de assegurar a intocabilidade da imprensa.
O box que acompanha a primeira retranca da reportagem de capa manifesta a opinião
da revista sobre os projetos de criação do Conselho Federal de Jornalismo e da Agência
Nacional de Cinema e Audiovisual. Intitulado “Mão pesada”, o box diz:
A ‘mão pesada’ do Governo Lula sobre a liberdade de expressão apareceu
com força. Duas semanas depois da devassa da imprensa sobre os
presidentes do Banco Central e do Banco do Brasil, o governo revidou com
iniciativas que prendem a língua dos servidores, atravancam o tráfego de
informações e intimidam produtores culturais.
O texto afirma que o projeto do Conselho Federal de Jornalismo sofreu influências na
Casa Civil para que, além dos jornalistas, o órgão proposto também possa fiscalizar as
empresas de comunicação. Diz, ainda, que o Planalto prepara um decreto visando amordaçar
os servidores públicos em torno das investigações e que, “[...] para complementar o surto
autoritário, o presidente afia a caneta para um decreto que amplia a quebra do sigilo bancário
e telefônico das pessoas e empresas.”
Conclui afirmando que o Secretário Especial de Comunicação, Luiz Gushiken, avisou
que “Liberdade de imprensa é um valor definitivo à democracia, mas não é algo absoluto.” Ao
que a revista arremata ironizando: “Agora ninguém duvida”.
188
Neste box, Istoé continua utilizando-se da racionalização para operar a ideologia, isso
se revela ao insistir em associar as denúncias contra o presidente do Banco Central ao
projeto do Conselho Federal de Jornalismo e da Agencia Nacional do Cinema e do
Audiovisual, atribuindo desta maneira um caráter revanchista à decisão do governo.
Novamente aqui a revista usa uma cadeia de raciocínio atribuindo uma relação a fatos
diferentes para justificar o significado que quer dar a ação do Governo, qual seja a de
vingança, tentando persuadir o público leitor de que isso é digno de crédito.
2.3.4 ISTOÉ, ed. 1820, 25 ago. 2004
Esta edição de Istoé dá seqüência à polêmica em torno do caso Ibsen Pinheiro, tanto
através das cartas de leitores, quanto de uma tréplica a Veja. Mas, no que diz respeito ao tema
do Conselho Federal de Jornalismo, o que interessa recortar dessa edição para o presente
estudo é a entrevista especial com o professor Muniz Sodré, da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, doutor em Comunicação e integrante do Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social, um grupo de 80 notáveis de várias áreas de atuação que discute os
assuntos mais importantes do País e assessora o presidente da República.
A entrevista é apresentada sob o título “Divergir é ajudar” e, nela, Muniz Sodré
discorre sobre a questão da liberdade de imprensa, destacando a proposta de criação do
Conselho Federal de Jornalismo. Para o professor, “mais perigosa que alguns artigos
francamente autoritários é a intenção do projeto”. Ele diz que o prestígio do jornalismo no
ocidente foi conquistado graças à liberdade de expressão, liberdade de opinião.
189
O professor sustenta que seria desejável um Conselho no qual o jornalista pudesse
discutir ética, relação com as empresas, relação da imprensa com o governo ou avaliar
descaminhos éticos de cobertura. Mas que “[...] uma proposta desse tipo não deveria nem de
leve ser mostrada a ninguém do poder. Muito menos do Gabinete Civil”.
Moniz Sodré diz que esse é o principal defeito deste Conselho: incluir o Estado. Para
ele, essa é uma questão dos jornalistas e da sociedade civil. O núcleo do pensamento do
professor está em condenar o envolvimento do governo neste projeto. Entretanto, não só o
professor demonstra ignorar como também Istoé omite que, por força da legislação vigente, a
criação de um conselho federal profissional, sendo uma autarquia, tem que ser enviado ao
Congresso Nacional pelo poder executivo federal, mais precisamente pelo próprio Presidente
da República.
Ao utilizar-se de uma forma simbólica, no caso uma entrevista descontextualizada da
realidade sócio-histórica, Istoé opera ideologicamente em favor da manutenção do poder da
mídia, o que faz do modus operandi da reificação, que, para Thompson, constitui-se na
eliminação do contexto sócio-histórico, e da dissimulação, onde o ocultamento e a negação
são utilização para estabelecer ou manter relações de dominação. No caso, omite-se que o
projeto passa forçosamente pelo Governo.
2.3.5 ÉPOCA, ed. 326, 16 ago. 2004
Também para a revista Época, assim como para Veja e Istoé, a proposta de criação do
Conselho Federal de Jornalismo e de outros projetos que visariam controlar a informação,
190
seria uma reação às denúncias de corrupção de setores do Governo, como as que envolveram
os presidentes do Banco Central e do Banco do Brasil.
Isso fica claro quando a revista decide abordar, nesta edição, a proposta de criação do
CFJ em box anexado à reportagem sobre as referidas denúncias. Ao anexar o box sobre o
Conselho Federal de Jornalismo à matéria sobre denúncias contra o governo, Época - assim
como Veja e Istoé – promove a manipulação da forma simbólica, através da reificação,
porque também cria a cadeia de raciocínio atribuindo uma relação a situações distintas,
procurando condenar o projeto do CFJ, como se isto fosse uma vingança contra a imprensa
por parte do governo.
Isso fica claro já no próprio título do box: “O risco autoritário – Projetos oficiais para
controlar a informação coincidem com queixas de ‘denuncismo’ do próprio governo.”
Neste box, Época diz que o governo parece flertar com o autoritarismo de Cuba, da
China e da ex-União Soviética. Para a revista, “[...] a nova versão do projeto, ao ser
modificado na Casa Civil, dá espaço para uma tentativa de controle da imprensa.”
Diz a revista que o projeto foi bombardeado por diversas entidades, destacando a
ANER (Associação Nacional das Empresas Editoras de Revistas), que “[...] se opõe com
veemência a que se delegue a esse Conselho poderes autoritários de controle da imprensa.”
Aqui ao contrário de Veja e Istoé, Época admite que o combate ao CFJ é de interesse
dos empresários da comunicação, pelo menos das empresas editoras de revistas. Também
reproduz declaração de um dos maiores empresários de comunicação do país, não por acaso
também um dos principais políticos do país, o senador oposicionista Tasso Jereissati (PSDB-
CE), segundo o qual “O Conselho, a mordaça para os servidores e o controle do Ministério
Público são tentativas de fascismo.”
O fato de Jereissati ser grande empresário da mídia, proprietário de jornais e detentor
de concessões de rádio e TV, além de uma das principais lideranças oposicionistas ao
191
Governo Lula compromete a própria revista ao usá-lo fonte para esta reportagem, uma vez
que é parte interessada e não apresenta qualquer distanciamento do debate sobre a questão.
Assim, Época enquadra-se no processo manipulatório e de operação da ideologia
através da legitimação, neste caso também se baseando em fundamentos carismáticos onde,
segundo Weber, de acordo com Thompson (1995), se faz apelos ao caráter excepcional de
uma pessoa que exerça autoridade com vistas a sustentar relações de dominação como
legítimas, justas e dignas de apoio.
A revista diz que reclamações contra a imprensa não são novidades e que, em 1939,
o ditador Getúlio Vargas alegou ameaças à segurança nacional para criar o Departamento de
Imprensa e Propaganda, órgão que censurava jornais e fazia propaganda do regime. Assim,
como o DIP, um conselho de imprensa pode servir como “[...] uma máscara para velhas
políticas autoritárias”, diz a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, da USP.
A professora ignora que o DIP era um organismo controlado diretamente pelo
governo e não pela categoria dos jornalistas, com a participação da sociedade, como na
proposta do CFJ, bem ao contrário do modelo getulista. Uma comparação descabida, portanto,
e que pode ser interpretada, conforme a Hermenêutica de Profundidade, tanto como uma
dissimulação, uma vez que fica obscurecido o caráter explícito pelo próprio projeto; assim
como uma reificação, uma vez que fica ofuscado o caráter sócio-histórico dos elementos de
comparação.
192
2.3.6 ÉPOCA, ed. 327, 23 ago. 2004
Nesta edição a revista vai tratar da criação do Conselho Federal de Jornalismo em três
espaços distintos.
O primeiro é na seção Bastidores, assinada por Thomas Trauman, onde tema aparece
no quadro “Mico da semana”, sob o título: “Pena que é preciso explicar tudo”. O quadro é
ilustrado com a figura do Mico na vinheta e com a foto do Presidente Lula.
A revista usa de ironia ao afirmar que o presidente Lula não foi ao Gabão para
aprender como permanecer décadas no poder, que não acha que os jornalistas contrários ao
Conselho Federal de Jornalismo sejam covardes e que nem quer impedir que o Congresso
tenha acesso aos gastos oficiais do governo. Mas afirma que é constrangedor a sua assessoria
ter que explicar coisas assim.
No núcleo da ironia de Época reside o fato de atribuir ao Presidente da República um
perfil ditatorial de quem deseja se perpetuar no poder (apenas por ter visitado um país,
omitindo os motivos reais da visita), que ataca categorias de trabalhadores e ainda busca
esconder os “gastos do governo”. Ao fazer uso desses artifícios, Época serve-se do artifício
da fragmentação, aqui através do processo descrito por Thompson por expurgo do outro, na
qual se usa da forma simbólica para a construção de inimigo coletivo que está a serviço do
mal.
Já a estampa do presidente ilustrada com a figura de um mico busca colar ao
presidente uma imagem pejorativa e bizarra. Assim, a revista opera ideologicamente através
da dissimulação, característica geral em que inclui o processo chamado tropo, no qual o uso
figurativo da linguagem é feita através da sinédoque, da metonímea e da metáfora, sendo que,
por metonímea, como é o caso, porque envolve o uso de uma característica relacionada a algo
193
para referir-se à própria coisa, embora não exista conexão necessária entre a forma simbólica
usada e a coisa a qual está se referindo.
De acordo com Thompson, no uso da metonímea o referente pode estar suposto sem
que seja dito explicitamente, de maneira positiva ou negativa, através de associação com algo,
como acontece na propaganda, onde o sentido é mobilizado de maneira sutil e sub-reptícia,
sem tornar explícitas as conexões entre os objetos referidos ou supostos pelo anúncio. No caso
a estampa de um mico junto à imagem do presidente da república, sugere, por associação, que
Lula não age de forma séria e responsável.
Na seção ‘A Semana’, uma charge para criticar as propostas de criação do Conselho
de Jornalismo e a Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual. A charge é composta de
cinco tesouras abertas em posição de corte, formando a figura de uma estrela, símbolo do
Partido dos Trabalhadores, tendo no meio dela a sigla PT. O título aparece em letras
vermelhas, cores do partido descrito como Partido da Tesoura. A charge é composta por cinco
tesouras (ferramenta que simboliza o corte e a censura) que formam a estrela símbolo do
Partido dos Trabalhadores.
Ao publicar esta charge, a revista cria duas situações: atribui ao governo e ao Partido
dos Trabalhadores um caráter ditatorial e autoritário, mistura ações do governo com o do PT
e ignora o fato de que o governo é composto de diversos partidos e não apenas do partido do
presidente.
Ao utilizar-se da forma simbólica, no caso a charge, para passar esses dois sentidos,
Época - assim como Veja e Istoé - também pratica a forma de operar a ideologia descrita por
Thompson como dissimulação, através do processo denominado deslocamento, onde as
conotações positivas ou negativas são mudadas ou transferidas com o propósito de manter
relações de poder. O deslocamento neste caso configura-se pela transferência das ações de
194
governo, encaminhando projetos demandados por setores da sociedade para a
responsabilidade do partido do presidente da República
A seção ‘Carta do Editor’, assinada pelo diretor de Redação Aloizio Falcão Filho, é
dedicada ao tema da proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo. Com o título
“Os covardes de Lula”, o diretor da revista afirma que o presidente Lula resolveu provocar os
jornalistas que estavam em seu encalço, chamando-os de covardes. Para o diretor de Época, o
presidente usou a expressão por causa da falta de apoio dos profissionais da imprensa à
criação do Conselho Federal de Jornalismo, um projeto que segundo ele, sempre foi desejo da
categoria.
O diretor da revista afirma que
[...] dado o passado histórico do presidente sindicalista, é provável que ele
queira vender a idéia que a rejeição ao CFJ é algo tramado pelos patrões. Ou
seja, os jornalistas, especialmente os repórteres do Planalto são coitadinhos
amedrontados que precisam se colocar contra o Conselho para manter os
respectivos empregos.
Afirmando que, devido ao seu passado, o presidente provavelmente vendendo a idéia
que a rejeição ao CFJ seria algo tramado pelos patrões evidencia-se um pré-julgamento da
revista, baseado no preconceito ideológico com relação ao movimento sindical e aos
sindicalistas.
Ao proceder dessa forma, a revista porta-se ideologicamente através da reificação,
modo de operar a ideologia que, neste caso, serve-se do recurso da eternalização. Thompson
explica que, por este processo, tradições e instituições que parecem prolongar-se
indefinidamente sobre o passado - de tal forma que todo o traço sobre sua origem fica perdido
e todo o questionamento sobre sua finalidade é inimaginável - adquirem rigidez que não pode
ser facilmente quebrada e se cristalizam na vida social. Isso se dá, neste caso, pela pecha
195
preconceituosa de que sindicalista é incapaz de ter uma posição abalizada e coerente sobre as
coisas.
O diretor da revista sustenta que o presidente Lula defende o Conselho não porque
acredita nele, mas porque lhe convém. Ele afirma que, embora a FENAJ concorde com o
presidente, pouquíssimos jornalistas da ativa apóiam o Conselho. Afirmação esta que faz sem
nenhuma sustentação estatística Mais adiante ressalta que “os verdadeiros covardes são
aqueles que se escondem das denúncias e das notícias indigestas para o Governo”.
Para sustentar que o Conselho de Jornalismo seria ineficaz, o diretor da Época se
socorre do exemplo dos conselhos regionais de medicina que, segundo o articulista, punem
quem erra, mas não previnem os deslizes.
O texto conclui afirmando que, “Enquanto não houver uma forma mais confiável de
coibir os abusos que o CFJ, é bom lembrar que os profissionais irresponsáveis são punidos
pelo mercado”. Para ele, “Quem erra feio vai para a rua porque o leitor não gasta seu dinheiro
para ser ludibriado - ele quer a verdade, queira ou não o governo.”
Aqui a revista volta a utilizar-se da reificação-eternalização, uma vez que, assim
como Veja e Istoé, insiste em tornar eterno o conceito clássico liberal de que o mercado pode
tudo, regula tudo e resolve tudo, até mesmo os deslizes éticos, o que, na prática, não acontece.
2.3.7 CARTA CAPITAL, ed. 304, 18 ago. 2004
Nesta edição, Carta Capital dedica a capa, o editorial e mais 11 páginas sobre os
enfrentamentos da mídia com o Governo. Diz a chamada de capa: “O poder e a mídia:
196
Conselho de Jornalismo, Agência do Audiovisual, Lei da Mordaça, sigilo quebrado: os
mandachuvas dizem-se acuados pelo Governo.”
A capa sintetiza o juízo que a revista faz da mídia brasileira e de seu poder. A
ilustração, mostrando um aparelho receptor de televisão sob uma coroa real, caracteriza a
mídia atual como um poder imperial, hereditário e absolutista. A capa, assim, já revela uma
posição distinta das demais revistas analisadas, todas elas atribuindo este caráter absolutista
sempre ao Governo e jamais à imprensa.
Assim como Veja usa na capa de sua edição, na mesma semana, a figura de um olho
censor no centro de uma estrela para atribuir ao Partido dos Trabalhadores um caráter
autoritário, o fato de Carta Capital usar uma coroa real sobre um aparelho receptor de
televisão para, também por associação, um caráter absolutista à mídia nos levaria,
naturalmente ao mesmo enquadramento.
Ou seja, as duas revistas deveriam ser enquadradas, assim, no modus operandi da
dissimulação, através de uma das estratégias de tropo, no caso a metonimea, pela qual o que
se diz está suposto sem que seja dito explicitamente, atribuindo valoração positiva ou
negativa, através da associação com algo.
Entretanto, ao contrário de Veja, Carta Capital não pode receber este
enquadramento, uma vez que, para Thompson, dissimulação é um modo de manipular a
forma simbólica com vistas a estabelecer ou sustentar relações de dominação.
Pela nossa interpretação, neste caso das capas das duas revistas, a equiparação não é
possível porque, enquanto Veja busca proteger o poder da imprensa, Carta Capital ao
contrário, não parece tentar sustentar qualquer relação de poder, a não ser a de merecer
reconhecimento como uma revista que se pauta pelos critérios genuinamente jornalísticos e
não por outros interesses.
197
Thompson (1995, p. 76) não deixa dúvida ao afirmar: “Fenômenos ideológicos são
fenômenos simbólicas significativos desde que (grifo do autor) sirvam, em circunstâncias
sócio-históricas específicas, para estabelecer e sustentar relações de dominação.”
Ou seja, só há manipulação ideológica se a intenção for a de estabelecer ou sustentar
relações de dominação o que, se não é o caso de Carta Capital, parece ser o caso das demais
revistas aqui analisadas.
Ainda na capa, Carta Capital apresenta-se também como diferente das demais
revistas ao se colocar fora do rol das empresas que monopolizam a comunicação no Brasil.
Isto fica claro quando usa, também na capa, o subtítulo “Os mandachuvas dizem-se acuados
pelo governo”.
A forma em que o verbo é conjugado neste subtítulo – ‘dizem-se’ - revela o
posicionamento da Carta Capital de crítica aos argumentos da mídia em geral contra os
projetos de regulação das atividades de comunicação no Brasil, entre os quais o que pretendia
criar o Conselho Federal de Jornalismo.
No interior da revista, a reportagem anunciada pela capa é composta de três retrancas
em suas 11 páginas, além de um texto de opinião que corresponde à carta ao leitor ou ao
editorial da revista, texto este que também está interpretado adiante.
A primeira retranca da reportagem de capa tem o título “Excesso de peso” e o
subtítulo “Os problemas são antigos e imponentes, mas as soluções precisam mirar o alvo
certo e ser refletidas com maior cuidado.”
Neste texto, a revista, ao abordar a apresentação simultânea de duas propostas
polêmicas, quais sejam, a criação do CFJ e da Lei do Audiovisual, afirma que o governo
federal erra de alvo quando acusa os profissionais da Imprensa de deslizes éticos, ignorando o
fato de que são os patrões que mandam: “Quando o assunto é o poder dos donos, faz-se
silêncio na esplanada dos ministérios.”
198
Neste ponto a revista dirige a sua crítica ao Governo, atribuindo a ele uma posição
complacente em relação aos ‘barões da mídia’, ao contrário das demais revistas analisadas,
que atribuíam ao Planalto, um caráter vingativo e revanchista.
A questão da liberdade de imprensa é, aqui, indiretamente focada na medida em que o
texto expõe que existe uma generalizada omissão quanto aos prejuízos do monopólio da
comunicação social ao livre exercício do jornalismo.
Assim, promovendo críticas tanto ao monopólio da mídia e às suas operações
ideológicas, como à complacência ou tolerância do Governo quanto ao ‘poder dos patrões da
mídia’, Carta Capital apresenta-se como isenta no que diz respeito à manutenção de relações
de dominação, uma vez que não preserva nem tampouco endossa qualquer um dos lados desta
questão: mídia ou Governo. Ao contrário, a revista defende que a sociedade se aproprie das
instituições e/ou instrumentos democráticos para assegurar a liberdade de informação e de
expressão.
A propósito, esta primeira retranca da reportagem de Carta Capital traz também um
box,, intitulado “Temos o dever de investigar”, e que consiste num artigo do procurador
regional da República, Nicolao Dino, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da
República, que faz a defesa da importância para a sociedade brasileira do Ministério Público
trabalhar na apuração de crimes.
A segunda retranca, intitulada “Na TV, tática de guerra”, e subtítulo “O projeto de
Agência para regular o audiovisual é bombardeado no nascedouro”, é assinada por Ana Paula
Souza, e discorre sobre o “bombardeio” que as grandes redes de comunicação desencadearam
contra o projeto de criação da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual.
Este texto cita a Rede Globo de Televisão que, através do ‘Jornal Nacional’, de 5 de
agosto, dia seguinte ao da apresentação do projeto, dedicou fartos minutos ao ataque contra a
iniciativa e, no dia 6, no mesmo programa, apresentou o comentário de Arnaldo Jabor,
199
condenando o projeto ao afirmar que, “durante o dia, o governo finge ser liberal e, à noite,
deixa aflorar sua vocação autoritária”.
Cita também, o diretor da Rede Bandeirantes, Antônio Telles, segundo o qual “a
constituição já estipula nossas obrigações”. E acrescentando: “Ninguém deve dizer o que
demos apresentar”. Cita também Denis Munhoz, diretor da TV Record, que preocupa-se com
o faturamento das emissoras. Para ele, “nenhuma emissora irá suportar arcar com a taxação de
4 por cento do faturamento publicitário”.
Esta retranca é concluída com a opinião do professor Laurindo Leal Filho, da USP,
estudioso da televisão do Brasil, que assim resume a questão:
O projeto da Ancinav não toca nos problemas de fundo da televisão que só
poderiam ser enfrentados por meio de uma lei de comunicação eletrônica de
massa que substitua o Código Brasileiro de Radiodifusão de 1962. Se
mesmo sem tocar em questões mais profundas, o projeto foi bombardeado, o
que dizer de projetos mais ambiciosos. Não é à toa que há 40 anos as regras
da TV são as mesmas. E os donos também.
Aqui cabe interpretarmos que, embora Carta Capital busque referendar sua posição
servindo-se de recursos idênticos aos das demais revistas (como no caso das ilustrações de
capa e agora usando também uma autoridade acadêmica, como fez Istoé com o professor
Moniz Sodré), a revista novamente não pode ser enquadrada em nenhum modo de operar a
ideologia de acordo com a classificação da Hermenêutica de Thompson.
Isto porque, Carta Capital não estabelece nem sustenta, pela forma simbólica
considerada neste estudo, relações de dominação. Ao contrário, a revista levanta a
importância para a sociedade brasileira de atualizar e democratizar a legislação que trata da
comunicação social. Enfoque que não é considerado, neste debate pelas demais revistas em
análise.
200
A propósito disso, no box que complementa a segunda retranca, um artigo assinado
pelo consultor editorial da revista, Luiz Gonzaga Belluzzo, e intitulado “As necessárias leis da
imprensa”.
A posição aqui relatada apresenta-se de forma flagrantemente contrária a das demais
revistas deste estudo - Veja, Istoé e Época - que omitem a existência de negócios e relações
de interesses entre a mídia e os governos. Aqui, novamente, a revista mostra-se independente,
pelo menos na polêmica em analise, porque não poupa nem o governo nem a mídia,
denunciando ambos de uma só vez.
Neste artigo que estamos interpretando, Belluzzo fala da liberdade de imprensa
referindo-se a Marx:
Sinto-me autorizado a invocar um verdadeiro campeão das liberdades: o
jovem Karl Marx. Ele escreveu páginas memoráveis sobre a liberdade de
imprensa: ‘A imprensa livre é o olhar onipotente do povo, a confiança
personalizada do povo nele mesmo, e a franca confissão do povo a si
mesmo’.
E segue Belluzzo:
Essas palavras foram escritas como uma defesa apaixonada da liberdade de
imprensa, diante dos arreganhos absolutistas do Estado prussiano que
acabava de editar um código de censura. Contra esta pretensão, o ultra
republicano Marx reivindicava a promulgação de uma lei de imprensa: A Lei
de Censura e a Lei de Imprensa são tão diferentes quanto o capricho e a
liberdade.
Volta Belluzzo dizendo que “Ele (Marx) suspeitava que a ausência de uma lei que
regulamentasse o exercício da liberdade de opinião e de informação, tornando-as disponíveis
para todos, transformaria a livre opinião no privilégio e no capricho de poucos.”
Cabe observarmos que, ao invés de buscar teóricos do liberalismo clássico, como
fazem os demais veículos de comunicação, Carta Capital socorre-se de um teórico do
201
socialismo, o maior deles, Karl Marx. Interpretando simplistamente, poderíamos dizer que a
revista estaria operando ideologicamente em favor do controle do Estado sobre a sociedade.
Mas, ao contrário, o pensamento de Marx é aqui utilizado para ratificar a opção pelo
controle social da imprensa. Ou seja, que isso seja feito diretamente pelo povo. O uso que a
Carta Capital faz do Marx (ao contrário de Veja com Aristóteles, Milton ou Jefferson ou
Weber), não se situa fora do contexto sócio-histórico nem mesmo em relação ao próprio
pensamento de Marx.
Ao falar sobre as transformações do papel dos meios de comunicação na sociedade
moderna, Belluzzo cita Paul Virilio que chegou a uma conclusão drástica: “A mídia é o único
poder que tem a prerrogativa de editar as suas próprias leis, ao mesmo tempo que sustenta a
pretensão de não se submeter a nenhuma outra.”
Comenta Belluzo que esta reivindicação tornou-se mais agressiva na proporção em
que os meios de divulgação e de formação de opinião transformaram-se em grandes empresas
e ampliaram suas relações com o mundo dos negócios. Para Belluzzo, a Imprensa perdeu a
legitimidade ou a autoridade moral para emitir suas críticas: “Metidos até o pescoço nos
negócios, não raro em negócios que envolvem o Estado, esses grupos de comunicação
deixaram de ser, há muito tempo, instrumentos do exercício da crítica e do estímulo à
controvérsia.”
A argumentação de Belluzzo, usando Virilio, deixa claro que, ao editar suas próprias
leis e não pretender se submeter a nenhuma outra, envolvendo-se também em negócios sem a
transparência necessária, as empresas de comunicação tornam-se dependentes, tanto do setor
privado quanto dos governos e, portanto, não são livres. Isto significa que a liberdade de
imprensa sem nenhum controle social e só baseada nas leis de mercado, nos moldes como é
defendida pelas demais revistas em análise, é uma pura falácia.
Na conclusão de Luiz Gonzaga Belluzzo:
202
A importância crescente dos meios de comunicação exprime hoje o caráter
cada vez mais diferenciado e abrangente dos processos de controle social e
político exercidos em nome de uma liberdade abstrata. Numa sociedade
encantada pela inversão de significados e pelo ilusionismo necessário da
liberdade de escolha do indivíduo-consumidor, a preservação da liberdade de
opinião e de informação, como direito coletivo, exige a crítica impiedosa de
todos os poderes, sobretudo dos que se consideram acima de qualquer
suspeita.
A terceira e última retranca da matéria de capa de Carta Capital nº 304 tem como
título “A ética dos mercados”, com o subtítulo “Sevencko anota: notícias que afetam a
economia são consideradas antipatrióticas.”
Trata-se de uma entrevista concedida pelo historiador Nicolau Sevcenko ao subeditor
da revista Sérgio Lírio. Para o historiador, qualquer notícia que tenha repercussão ruim junto
aos indicadores de mercado é dada a ela a conotação de antipatriótica e, portanto, de elemento
nefasto a quem a divulgou: “Esse é o critério agora pelo qual são avaliados aqueles com
atitude mais crítica investigativa e que cobram posições éticas ou de competência do governo.
A democracia fica para trás e a idéia de que a democracia existe para servir à população
também.”
Na seção ‘A Semana’, que corresponde ao espaço de editoriais da publicação, o diretor
da revista, Mino Carta, escreve, em tom irônico, artigo sob o título “Caubóis da liberdade de
imprensa”, com o subtítulo “Como não poderia deixar de ser, os rapazes do bando agem a
mando do dono da manada.”
Ao referir-se aos “rapazes do bando”, Mino Carta confirma o que se pode interpretar
sobre caubói (poder paralelo, pistoleiro, fora-da-lei...), e ao usar a expressão “a mando” dá o
caráter de submissão, de obediência cega, sem questionar.
Ao afirmar “dono da manada”, estabelece entre os donos da mídia e seus formadores
de opinião uma relação de propriedade animal e uma mentalidade de rebanho. O que é uma
manada - e o dono da manada - se não isso?
203
Aqui também fica evidenciada, mais uma vez, a diferença de pensamento entre a
revista Carta Capital e as demais em análise. Estas não admitiram, em momento algum de
suas abordagens sobre liberdade de imprensa, que há submissão, esta ‘obediência cega’, como
se refere Mino Carta, nas redações por parte dos jornalistas aos seus patrões.
Quando diz, na primeira linha, “voltam a desembainhar suas espadas, perdão, suas
penas, os paladinos da liberdade de imprensa [...]”, a expressão “desembainhar suas penas” dá
à ‘pena’, símbolo da ferramenta de trabalho do jornalista, uma conotação de arma, a espada.
E, quando chama os formadores de opinião de “paladinos da liberdade de imprensa”, Mino
Carta concentra toda a densidade da sua ironia ao subtender que estes só defendem a liberdade
de imprensa quando isso convém aos seus patrões.
Mais adiante questiona: “Que vem a ser esta liberdade de imprensa reclamada pelos
donos da mídia nativa e seus solertes porta-vozes?” Questiona ainda: “Não viria a ser a
liberdade dos próprios patrões e de os seus interesses os quais não coincidem necessariamente
com os interesses do povo e da nação?” Assim, ele afirma que os interesses da grande
imprensa não são os mesmos do povo e da nação.
Mino Carta é categórico: “Já escrevi e me cito: nossa imprensa serve o poder porque o
integra compactamente mesmo quando no dia-a-dia toma posições contra o governo ou contra
um ou outro poderoso.”
Mais adiante, Mino Carta ratifica a linha editorial da revista quando diz: “Desde o seu
nascimento há dez anos, Carta Capital manifesta-se contra a concentração do poder midiático
e a favor de uma lei destinada a limitar os alcances de quem por hora pode espalhar a vontade
em todas as latitudes e longitudes do setor.”
E conclui:
Certos debates só terão sentido quando a liberdade de opinião corresponder à
cidadania de cada um, o direito efetivo à independência das idéias e ao
espírito crítico, o acesso indiscriminado às mais diversas penas e vozes. Elas
204
próprias livres das pressões, quando não dos vetos do poder. Se não for
assim, não há diálogo, mas monólogo.
Mino Carta faz assim, na revista que dirige, a defesa do controle da mídia pela
sociedade e defende a liberdade de expressão e opinião das pessoas, sem interferência de
qualquer tipo de poder, seja do estado ou seja do capital.
2.3.8 CARTA CAPITAL, ed. 305, 25 ago. 2004
Esta edição registra dois espaços editoriais em que a questão da liberdade de imprensa
é considerada. O primeiro, na seção ‘A Semana’ que, como já foi mencionado, corresponde
ao espaço editorial da publicação, o diretor da revista, Mino Carta, assina o texto “Munição de
graça para o inimigo”, com o subtítulo “Ao acusar os jornalistas de ‘covardes’, o presidente
faz a felicidade dos patrões”.
Mino Carta afirma que a maioria dos profissionais de jornalismo é simpática ao
presidente Lula e ao seu partido e que os donos dos veículos de comunicação e seus
apaniguados mais próximos são unanimemente contra. Diz também que, ao definir como
‘covarde’ a categoria dos jornalistas, em bloco, por não aderir à proposta de um Conselho
Federal de Jornalismo, o presidente erra por generalizar o que julga condenável mas falha
principalmente por errar o alvo.
Para Mino Carta, o problema é outro: “Aspirações não se coadunam com a existência
de empresas de comunicação que abarcam, indistintamente, todos os setores da mídia.”
Afirma que ao fazer tal crítica o presidente dá munição de graça aos seus verdadeiros
205
inimigos, eventualmente dissimulados, que são os “[...] desastrados senhores da mídia
atolados na sua própria incompetência”.
Segundo Mino Carta, deve-se discordar da idéia inicial de um Conselho Federal de
Jornalistas porque a maioria destes não são profissionais liberais, mas empregados das
empresas e cumprem as ordens de quem lhes paga salários. Carta Capital entende que esta
idéia é prematura enquanto o poder dos ‘barões da mídia’ não for controlado.
Ao referir-se ao plebiscito na Venezuela que manteve o presidente Chávez no governo
pelo voto popular, Mino Carta afirma que, conforme as tradições latino-americanas, a mídia
não passa de um dos rostos do poder medieval, antidemocrático por natureza e golpista.
Este texto não fala diretamente de modo objetivo em liberdade de imprensa, porém
deixa claro a impossibilidade da total consolidação do processo democrático com a existência
de empresas monopolistas que abarcam sozinhas todos os setores da mídia.
Na seção ‘Cartas Capitais’, é publicada a manifestação do leitor Nagib de Melo Jorge
Neto, para quem a imprensa não pode ficar sem controle. Para ele a imprensa, assim como
todos os demais centros de poder, precisa ter sua atividade regulamentada e submetida aos
princípios do estado democrático de direito que não se restringem a uma imprensa livre, mas
encetam também uma imprensa responsável e comprometida com a verdade.
Aponta como sendo o caminho mais seguro para isso a progressiva democratização
dos centros de poder. O missivista manifesta um temor: “Quem controlaria os controladores?
Os donos da mídia? O próprio estado na sua face mais leviatânica?” Ele responde citando o
pensador Norberto Bobbio: “Quando se deseja saber se houve um desenvolvimento da
democracia, o certo é procurar perceber se aumentou não o número dos que têm o direito de
participar das decisões, mas os espaços nos quais podem exercer este direito.” No Brasil,
ainda não se exerce a democracia na imprensa, conclui o leitor.
206
A edição que interpretamos neste ponto - justamente a edição complementar de análise
que utilizamos para reforçar a verificação da ideologia no uso do conceito de liberdade de
imprensa, no caso aqui, em Carta Capital - reafirma o pensamento da revista de que não é
apenas a ausência de censura que permite uma imprensa livre. É, sim, um conjunto de fatores
sociais, econômicos e políticos, como o pleno exercício da cidadania de cada um, o direito
efetivo à independência das idéias e ao espírito crítico, o acesso indiscriminado do povo às
mais diversas formas de acesso à educação, ao conhecimento e à informação.
Logo, pela declaração de princípios de seu próprio diretor, e à luz da Hermenêutica de
Profundidade, Carta Capital não pode ser enquadrada em nenhum modo de operar a
ideologia, uma vez que não estabelece nem sustenta qualquer relação de poder. Ao contrário
defende o controle social dos meios de comunicação de massa.
207
3 CONCLUSÕES E OUTRAS CONSIDERAÇÕES
Nosso objetivo geral neste estudo foi o de verificar a presença da ideologia, na sua
concepção crítica em Thompson, no uso do conceito de liberdade de imprensa pela própria
imprensa, na entrada do terceiro milênio, através da análise da discursividade que emprega,
depois de mais de 200 anos da formulação do seu conceito clássico, conceito este que se
origina no auge do movimento iluminista e das revoluções burguesas do século XVIII.
Constituiu-se, em decorrência, como objetivo específico do presente estudo, a
interpretação do uso deste conceito clássico ainda na atualidade e sua pertinência depois das
sucessivas e radicais mudanças, não apenas na condição tecnológica e no caráter sócio-
econômico dos próprios meios de comunicação, como também nos cenários da sociedade
moderna.
A pesquisa que aqui apresentamos teve, pois, a intenção de desvendar o pensamento
político projetado nos discursos da mídia de massa, através das revistas pesquisadas, sobre
liberdade de imprensa, a partir da abordagem que essas ofereceram sobre ao projeto do
Conselho Federal de Jornalismo.
Para tanto, apresentamos uma descrição do projeto e da polêmica causada em torno
dele, assim como uma contextualização sócio-histórica sobre o desenvolvimento do conceito
de imprensa e de liberdade de imprensa, do surgimento até a ocorrência da discussão sobre o
CFJ.
Para procedermos esta investigação, procuramos identificar os diferentes enfoques
entre nos discursos sobre a liberdade de imprensa nas referidas revistas e se, eventualmente,
haveria uma nova concepção sobre o conceito de liberdade de imprensa, ou se, ao contrário,
estes veículos de comunicação nada mais fizeram do que conservar ou reforçar o espírito do
208
liberalismo econômico, utilizando-se, para tanto, do que lhe convém extrair do contexto
iluminista.
Para isso, foi fundamental a opção pela metodologia da Hermenêutica da
Profundidade, com base no referencial teórico de John B. Thompson, cuja aplicação requer
uma análise sócio-histórica, aqui apresentada, e na qual se discorreu sobre o conceito, o
contexto e os modos de operação da ideologia.
Tal análise sócio-histórica foi fundamentada no paradigma dos estudos históricos de
Peter Burke, para quem a Nova História, diferentemente da história tradicional considera
relevante a análise das estruturas sociais, sob todos os ângulos possíveis, e de todos os tipos
de documentos oficiais ou não, ocupando-se dos movimentos da sociedade sem limitar-se aos
rigores da objetividade, diferentemente da história tradicional, que era somente descritiva,
oficialisata e dogmática da objetividade total.
O propósito do estudo foi, portanto, o de verificar, através dahermenêutica de
profundidade, qual a pertinência dos discursos sobre liberdade de imprensa que as revistas
semanais brasileiras ofereceram e sobre que argumentos fundamentaram a sua condição de
instituição de poder privilegiado, imune a qualquer tipo de controle, ao se estabelecer a
polêmica sobre o Conselho Federal de Jornalismo.
Moveu-nos, enfim, neste estudo, o desafio de identificar contribuições que poderiam
ser oferecidas ao conceito de liberdade de imprensa, a partir da análise do contexto sócio-
histórico da imprensa e de sua condição na entrada do século XXI.
Levantamos, como hipótese, que, no debate estabelecido sobre o projeto de criação do
Conselho Federal de Jornalismo, apesar do destaque oferecido pela imprensa em geral – e
pelas revistas semanais em particular –, os cidadãos brasileiros não ficaram adequadamente
informados, mas, sim, submetidos aos interesses próprios da imprensa e do seu poder e,
assim, prejudicados na formação de juízo, logo sobre um setor que desempenha um papel
209
cada vez mais central na construção da sociabilidade, muito especialmente na condição
contemporânea, que é o setor dos meios de comunicação.
Através da aplicação da metodologia da Hermenêutica de Profundidade, nossa
hipótese acabou suficientemente comprovada, na medida em que três das quatro revistas
analisadas, exatamente as de maior tiragem e circulação – Veja, Istoé e Época – operaram
ideologicamente a forma simbólica, utilizando-se dos mais diversos modos classificados por
Thompson.
A interpretação que aqui fizemos sobre estas três primeiras revistas resultou não
aplicável à quarta e última revista do nosso corpus, a Carta Capital, constituindo-se, esta,
então, como veremos adiante, numa exceção.
As demais revistas mostraram-se unânimes na utilização de mecanismos de operação
da ideologia em todos os seus artigos analisados, neste estudo, como forma de sustentar o
poder das grandes empresas de comunicação no Brasil.
Ficou evidente o uso da estratégia de racionalização, na medida em que, em diferentes
momentos, identificamos a construção de uma cadeia de raciocínios para persuadir o público
leitor de que o combate ao projeto do conselho Federal de Jornalismo deveria merecer o
apoio da sociedade.
Também para legitimar-se, serviram-se - Veja, Istoé e Época - da estratégia da
universalização pela qual acordos que servem aos interesses de alguns são apresentados
como servindo aos interesses de todos.
Finalmente, ainda na busca de legitimidade para condenar o projeto de do CFJ e
preservar sua imunidade ao controle social, Veja, Istoé e Época praticaram a narrativização,
servindo-se da história para tratar o presente, como se episódios e/ou personagens do passado
fossem necessariamente parte de uma tradição eterna e aceitável. Assim o fizeram.
210
Para poder legitimar-se, enquanto instituições de poder intocável ou imunes a qualquer
tipo de controle social, Veja, Istoé e Época adotaram, no conjunto, todas as três estratégias
listadas por Thompson para fundamentar relações de dominação como sendo justas e dignas
do endosso público.
Por exemplo, Veja legitima-se, dentre várias formas, servindo-se de figuras históricas,
como Fidel Castro, Max Weber, Aristóteles, Lenin e Thomas Jefferson, pinçando frases fora
do contexto sócio-histórico e até do próprio pensamento destas personalidades. Istoé, por sua
vez, busca legitimar sua defesa da intocabilidade da imprensa através da construção de uma
cadeia de raciocínios convenientes servindo-se, por exemplo, do caso Ibsen Pinheiro, bem
como no comentário que faz sobre as declarações do Secretário Gestão Estratégica da
presidência da República, Luis Gushiken.
a Época, por sua vez, procurou legitimar-se no seu discurso sobre liberdade de
imprensa, servido-se da figura de um senador da República, também empresário da
comunicação, Tasso Jereissati.
As três revistas também fizeram uso do modo de operação ideológico da dissimulação.
Veja, mais uma vez, foi a que mais se utilizou deste modo de operação ideológica. Por
exemplo, na ilustração em que aparece o presidente Lula em parada militar; também na capa
em que estampa a estrela do PT com um olho fiscalizador ao centro; e ainda no uso que fez do
pensamento de Aristóteles.
Istoé, por sua vez, dissimula o seu discurso sobre a liberdade de imprensa quando
omite que o envio do projeto do CFJ ao Congresso é prerrogativa do poder executivo federal.
Época também dissimula quando, por exemplo, apresenta a charge das tesouras
associada à estrela do PT; quando apresenta também a figura do mico associada ao presidente
Lula; e quando compara governo Lula ao período do Estado Novo no governo de Getúlio
Vargas.
211
Já o modo de operar a ideologia através da unificação é praticado, no corpus de nossa
pesquisa, por Veja em diversas situações. Por exemplo, quando explora um conceito próprio
de sociedade aberta.
No que diz respeito ao modo de operar a ideologia pela fragmentação, Veja se
manifesta em pelo menos diferentes ocasiões como, por exemplo, quando demoniza a figura
de Frei Betto ou quando desclassifica a diretoria da Federação Nacional dos Jornalistas.
Época também opera através da fragmentação relacionando o presidente da República à
figura do mico.
Por fim, o modo de operar a ideologia através da reificação é usado pelas três revistas.
Por exemplo, quando Veja considera natural os erros da imprensa, Istoé quando omite que
projetos de criação de autarquia são prerrogativas da presidência da República e Época
quando atribui um caráter revanchista ou vingativo ao governo no caso do envio do projeto do
CFJ ao Congresso em represália às denúncias de corrupção no governo..
Ao terem operado em todos os modos descritos por Thompson e na grande maioria das
estratégias, pudemos comprovar, nesta pesquisa, efetivamente, a presença da ideologia na
abordagem das revistas Veja, Istoé e Época quando tratam sobre o projeto Conselho Federal
de Jornalismo e nas demais considerações sobre liberdade de imprensa.
E importante destacarmos que as três revistas coincidem no mesmo modo e na mesma
estratégia de operar a ideologia quando, reificando, buscam eternalizar o argumento de que o
mercado é soberano e que rege os diversos fatores da sociedade, inclusive a questão ética. Ao
fazerem isso, as três revistas chegam até mesmo a uma semelhança na formulação de tal
discurso. Se não, vejamos:
Veja, condenando o projeto, diz que “o governo acha que deve – e pode – comandar
todos os processos da sociedade, sem entender que o próprio mercado consumidor se
encarrega de eliminar as publicações ruins e prestigiar as boas”; Istoé (no editorial da edição
212
de 18/8/2004, assinado por Hélio Campos Mello, diretor de redação) diz: “A imprensa busca
o acerto. O tamanho e a freqüência do erro afetam a credibilidade. E a punição vem do leitor”;
e Época diz que, “[...] enquanto não houver uma forma mais confiável de coibir os abusos
que o CFJ, é bom lembrar que os profissionais irresponsáveis são punidos pelo mercado.”
Expressando-se desta maneira, de forma muito semelhante, em suas manifestações
editoriais, ou seja, nos espaços em que são sustentadas as opiniões das empresas editoras, as
três revistas empenham-se em eternalizar o conceito clássico liberal de que o mercado pode
tudo, regula tudo e resolve tudo, até mesmo os deslizes éticos.
Com isso, também pudemos comprovar que, nestas três revistas, em nenhum momento
apareceu qualquer nova concepção sobre liberdade de imprensa e nem mesmo sobre a
preferência política das próprias empresas editoras. Ao contrário, ficou ratificada uma opção
insofismável - e até declarada - à concepção política ao liberalismo econômico, embora,
paradoxalmente - ou falaciosamente - se declarem neutras. “São iguais na defesa do
neoliberalismo”, como afirma o professor Kucinski (2005, p. 116).
Sobre a ideologia no uso do conceito iluminista de liberdade de imprensa, devemos
considerar que, através da análise sócio-histórica, ficou evidenciado que, de fato, houve no
iluminismo um conceito de liberdade de expressão e, de certo modo, também de imprensa,
apesar de nele já estarem presentes concepções de cunho econômico como a liberdade de
mercado sem qualquer forma de controle e a intocabilidade da propriedade ou do direito à
propriedade.
É preciso considerar ainda, que naquele contexto histórico – desgaste do feudalismo,
Revolução Francesa, início do Estado burguês -, houve, também, de fato, um período em que
a imprensa foi militante e plural. Condição esta que julgamos ter sido apenas
circunstancialmente natural, daquele momento, isto porque foi só naquele momento que as
diferentes classes sociais estiveram lutando, do mesmo lado, contra o Antigo Regime.
213
Com base nessas evidências históricas e na interpretação/re-interpretação do material
empírico - as revistas em análise -, foi possível concluirmos, até de forma bastante evidente,
que as revistas Veja, Istoé e Época usaram, no episódio do projeto do Conselho Federal de
Jornalismo, o conceito iluminista de liberdade imprensa por uma questão de conveniência, ou
melhor, de coerência com sentido econômico que nele havia, o de liberdade de mercado,
absoluta e sem qualquer controle.
Foi exatamente ao defender esse principio que as três revistas, além da semelhança no
discurso, fizeram o uso dos mesmos modos e das mesmas estratégias de operar a ideologia,
conforme o modelo de análise proposto por Thompson.
Pudemos perceber, ainda, a operação da ideologia, nas narrativas analisadas, na
medida em que Veja , Istoé e Época ignoram o fato histórico de que a imprensa perdeu,
mesmo que paulatinamente, a condição militante e plural que teve no iluminismo, como
procuramos argumentar durante a análise sócio-histórica. A ideologia, neste particular, reside
exatamente na tentativa, através do ocultamento, de inculcar idéia de que a imprensa ainda
permanece na condição militante e plural, o que é cada vez mais falso, em especial no Brasil,
como também resultou explicado.
Se as três revistas mostraram alguma competência na operação da ideologia, também
deixaram a desejar na qualidade das suas argumentações, considerando a forma simplista,
superficial, rala mesmo, se não enganosas, quando abordaram fenômenos culturais, sociais,
filosóficos e políticos.
A exceção neste quadro analisado ficou com a revista Carta Capital, veículo que se
destaca dos demais neste segmento – e até na imprensa brasileira em geral – não só
características editoriais diferenciadas dos demais semanários do país, como também pela
postura crítica em relação aos temas políticos centrais do país e do mundo. Mesmo assim,
recebe ressalvas, como faz Kucinski (2005, p. 116):
214
Entre as revistas semanais que têm grande importância no Brasil, apenas
Carta Capital faz a crítica do neoliberalismo, mas sua tiragem é de apenas
70 mil exemplares e suas críticas são pontuais , discutindo os problemas da
economia globalizada sem necessariamente contrariar seus leitores, em sua
maioria vinculados ao mundo dos negócios.
De qualquer forma, à luz da Hermenêutica de Profundidade, não parecem pequenas as
diferenças entre Carta Capital e as demais revistas analisadas. Embora a revista use de
recursos jornalísticos que poderíamos enquadrar como estratégias de operar a ideologia, por
exemplo, a metonímea - quando na qual atribuiu um caráter imperial à mídia ao associar a
imagem de uma coroa real a um aparelho de televisão -, em nenhum momento foi possível, ao
procedermos a re-interpretação, caracterizar procedimentos deste tipo em qualquer dos modos
de operação descritos por Thompson (1995).
Isto porque, segundo ele, só há manipulação da forma simbólica, com vistas a operar a
ideologia, se isto pretender e/ou vier a estabelecer ou sustentar relações de dominação, a não
ser se, neste caso, entendermos como manipulação da forma simbólica o fato de reivindicar,
para si, uma condição de independência, não integrando o rol de empresas que concentram a
informação, nem tampouco de se arvorar como imune ao controle da sociedade.
Carta Capital, diferente das demais revistas, não sustenta qualquer postura liberal
clássica. E mesmo que tenha se servido, num dado momento da cobertura do caso CFJ, do
pensamento do filósofo Karl Marx, a revista tampouco faz qualquer apologia do controle do
Estrado sobre a mídia, como historicamente se registrou em situações de diferentes governos
identificados com o próprio marxismo.
O que Carta Capital faz na cobertura oferecida no início do debate sobre a proposta
do CFJ, uma abordagem pregando, sim, o controle social da mídia através de mecanismos
representação democrática, como poderia vir a ser o próprio Conselho Federal de Jornalismo.
Assim, hermeneuticamente, com base em Thompson, não sendo ideológica, ou seja,
não defendendo qualquer relação de dominação, Carta Capital contribui para a reflexão que
215
se faz necessária sobre a condição pertinente à contemporaneidade de um conceito de
liberdade de imprensa. E isso ocorreu ao convidar o leitor à discussão deste tema, importante
para a sociedade brasileira e que, se não ignorados pela grande mídia, acaba manipulado por
ela.
Como exemplo, Carta Capital clama por uma atualização da legislação da
comunicação que, ora arcaica, não contempla os avanços trazidos pela tecnologia nas ultimas
décadas, mantendo-se inalterada justamente porque contém mecanismos que preservam os
monopólios ou oligopólios do setor.
Mesmo dentro de uma sociedade de mercado capitalista, como é a brasileira, ainda
assim é possível se fazer à prática do jornalismo sem capitular aos interesses do mercado e
contribuir para a democratização da sociedade, em especial da própria imprensa.
São essas as conclusões a que pudemos chegar aplicando o referencial metodológico
da Hermenêutica de Profundidade.
No entanto, não podemos deixar registrar algumas outras reflexões importantes
obtidas no percurso da pesquisa.
Se, de quatro revistas analisadas, três operaram ideologicamente, manipulando a forma
simbólica, e apenas uma portou-se genuinamente jornalística, podemos concluir que, no
episódio da abordagem do projeto do Conselho Federal de Jornalismo, o cidadão brasileiro
ficou mal informado.
Podemos considerar também que, se, como já abordamos através da reflexão do jurista
Vicenzo Ferrari, ao direito de informar corresponde o dever de bem informar, o que neste
caso não correu, três das quatro revistas analisadas, justamente as de maior circulação, não
cumpriram sua responsabilidade no processo democrático, deixando, assim, ainda mais
justificável, instrumentos de controle social, entre os quais um conselho profissional para a
categoria dos jornalistas.
216
Vale ainda registrar que, embora o projeto do Conselho Federal de Jornalismo tenha
sido obstruído pela pressão das empresas de comunicação, não sendo acolhido para o debate
no seu ambiente próprio – o Congresso Nacional –, enquanto projeto de lei, pelo menos a
polêmica gerada em torno dele já serviu para deflagrar um processo gerador de reflexões
sobre o papel contemporâneo da imprensa, como, por exemplo, fizemos nesta tese.
Por tudo que se depreendeu da pesquisa, a imprensa constitui-se em um poder de fato,
mas não de direito. Ou seja, ela não é legítima enquanto poder institucional. É um poder
paralelo, nas mãos de poucos, que nem sempre atende aos interesses coletivos, mas aos
interesses particulares. E que, no Brasil, permanece, desde o seu nascedouro, imune a
qualquer forma de controle da sociedade.
Se há, então, como ficou provado nesta tese, o uso da ideologia, na concepção descrita
por Thompson, como forma de manipular o sentido para estabelecer ou sustentar relações de
dominação, a imprensa, sem qualquer instrumento de controle social democrático, constitui-
se, de fato, em um poder privilegiado, mas, como tal, ilegítimo. É nesta circunstancia que se
justifica um conselho profissional para a categoria dos jornalistas, não como único, mas como
um dos instrumentos que podem oferecer um caráter mais genuíno à imprensa. E
principalmente mais democrático e livre.
Em conclusão, a construção de uma sociedade democrática de fato e de direito passa
obrigatoriamente pela democratização dos meios de comunicação de massa. Ou seja, pelo fim
dos monopólios e oligopólios do setor e pelo controle, não estatal nem por parte do poder
econômico, mas da sociedade.
217
REFERÊNCIAS
ADEODATO, João Mauricio Leitão. O problema da legitimidade: no rastro do pensamento
de Hanna Arendt. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
ADORNO, T.; HORKHEIMER, M. O Iluminismo como mistificação das massas. In: LIMA,
Luiz Costa (Org.). Teoria da cultura de massa. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
ARENDT, Hanna. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
ARISTÓTELES. Ética a nicômacos. 4. ed. Brasília: UnB, 2001.
ARRUDA, José Jobson de Andrade. História Moderna e Contemporânea. São Paulo: Ática,
1980.
BAGDIKIAN, Ben H. O monopólio da mídia. São Paulo: Página Aberta, 1993.
______. The mediamonopoly. Boston: Beacon, 1997.
BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica: história da imprensa brasileira. 4. ed. São Paulo:
Ática, 1967.
BAHIA, Ricardo José Barbosa. Das luzes à desilusão: o conceito de indústria cultural em
Adorno e Horkheimer. Belo Horizonte: Autêntica/FCH-FUMEC, 2004.
BOBBIO, Norberto. As ideologias e o poder em crise. 4. ed. Brasília: UnB, 1999.
______. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Organizado por:
Michelangelo Bovero. Tradução: Daniela Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política.
12. ed. Brasília: UnB, 2004. 2 v.
218
BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma introduação à
teoria e aos métodos. Porto: Porto, 1994.
BRIGGS, Asa; BURKE, Peter. Uma história social da mídia: de Gutenberg a Internet. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
BURKE, Peter. História e teoria social. São Paulo: UNESP, 2002.
CASIAGLI, Mário. Introdução. LENIN, Vladimir Ilich. La información de clase. Buenos
Aires: Siglo XXI, 1960.
CHAUÍ, Marilena de Souza. O que é ideologia. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1981. (Coleção
Primeiros Passos).
______. Convite à filosofia. São. Paulo: Ática, 1999.
CRUZ, Rui Paulo da. Mídia e participação política. Rio de Janeiro Eduerj, 2000.
FERRARI, Vincenzo. Mídia e Direito à Informação. In: GERMAN, Christian et al.
Informação e democracia. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2000.
FORTUNA, Felipe. John Milton e a liberdade de imprensa. In: MILTON, John. Areopagítica:
discurso pela liberdade de imprensa ao parlamento da Inglaterra. Tradução e notas: Raul de Sá
Barbosa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999. p. 11-32.
GASPAR, Malu. O fantasma do autoritarismo. Veja, São Paulo, ed. 1867, p. 41-51, 18 ago.
2004.
GOMES, Oziel. Lenin e a Revolução Russa. São Paulo: Expressão Popular, 1999.
GOMES, Pedro Gilberto. Comunicação social: filosofia, ética, política. São Leopoldo:
UNISINOS, 1997.
GORENDER, Jacob. A burguesia brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1998.
GUARESCHI, Pedrinho A.; BIZ, Osvaldo. Mídia & democracia. Porto Alegre: Evangraf,
2005.
219
HABERMAS, Jürgen. Teoria de la acción comunicativa. Madrid: Taurus, 1988.
HERZ, Daniel. Os donos da mídia no Brasil [24 abr.2003]. Entrevistador: Luiz Egypto.
[S.l.]: Observatório da Imprensa. Disponível em:
<http://geocities.yahoo.com.br/mcrost11/oi026.htm>. Acesso em: 24 abr. 2005.
HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Mello.
Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
HUDON, Edward G. Imprensa e liberdade. Rio de Janeiro: Lidador, 1965.
JEANNËNEY, Jean-Noël. Uma história da comunicação social. Lisboa: Terramar, 1996.
KUCINSKI, Bernardo. Jornalismo na era virtual: ensaios sobre o colapso da razão ética. São
Paulo: Fundação: UNESP, 2005.
KUNCZIK, Michael. Conceitos de jornalismo: norte e sul: manual de comunicação. 2. ed.
São Paulo: Edusp, 2002.
LAFIS - Pesquisa e Investimentos em Ações na América Latina. Mídia: mercado em
concentração. Carta Capital, São Paulo, n. 116, p. 68, 16 fev. 2000.
LENIN, Vladimir Ilich. Acerca de la prensa. Moscou: Progreso, 1980.
LEVI, Lucio. Legitimidade. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de política. 12. ed. Brasília: UnB, 2004. v. 2, p. 674-679.
LIMA, Venício A. de. Anotações sobre Jéferson e a imprensa. [S.l.]: Observatório da
Imprensa, 24 ago. 2004. Disponível em:
<http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=293JDB001> Acesso em: 07
set. 2004.
LIMA SOBRINHO, Barbosa. O Problema da imprensa. 3. ed. São Paulo: Edusp, 1997.
LÖWY, Michel. Ideologias e ciência social. São Paulo: Cortez, 1993.
LUSTOSA, Isabel. O nascimento da imprensa brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
220
LYOTARD, Jean François. A condição pós-moderna. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1998.
ESTEINOU MADRID, Javir. Meios de comunicação e construção da hegemonia. In: SILVA,
Carlos Eduardo Lins da (Org.). Comunicação, hegemonia e contra-informação. São Paulo:
Cortez, 1982.
MARCONDES FILHO, Ciro. O capital da notícia: jornalismo como produção social de
segunda natureza. São Paulo: Ática, 1989.
______. Comunicação e jornalismo: a saga dos cães perdidos. São Paulo: Hacker, 2000.
MARROU, Henri-Irénée. Sobre o conhecimento histórico. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
MARTÍN-BARBERO, Jesús. Dos meios à mediação: comunicação,cultura e hegemonia. Rio
de Janeiro: UFRJ, 1997.
MENDONÇA, Nadir Domingues. O uso dos conceitos: uma tentativa de
interdisciplinariedade. Petrópolis: Vozes, 1985.
MEYER, Philip. A ética no jornalismo: um guia para estudantes, profissionais e leitores. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
MILTON, John. Areopagítica: discurso pela liberdade de imprensa ao parlamento da
Inglaterra. Tradução e notas: Raul de Sá Barbosa. Rio de Janeiro: Topbooks, 1999.
MOTTA, Luiz Gonzaga (Org.). Imprensa e poder. Brasília: UnB; São Paulo: Imprensa
Oficial do Estado, 2002.
NOVELLI, Ana Lúcia. O Projeto Folha e a negação do quarto poder. In: MOTTA, Luiz
Gonzaga (Org.). Imprensa e poder. Brasília: UnB; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado,
2002.
OPPENHEIN, Felix E. Liberdade. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola;
PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 12. ed. Brasília: UnB, 2004. v. 2, p. 708-
713.
OS PENSADORES: Aristóteles. São Paulo: Nova Cultural, 2004.
221
PACHECO, Paulo. Pires para a mídia. Colaboração de: Luiz Alberto Weber. Carta Capital,
São Paulo, n. 286, p. 30-38, 14 abr. 2004.
PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. 12. ed. Brasília: UnB, 2004. v. 1, p.581-584.
RAMOS, Roberto. A ideologia da Escolinha do Professor Raimundo. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2002.
______. Manipulação e Controle da opinião pública. Rio de Janeiro: Espaço e Tempo, 1988.
RENAUT, Alain (Coord.). Historia da filosofia política. Lisboa: Piaget, 2002. Registra no seu v. 4
“As críticas da modernidade”.
ROHMANN, Chris. O livro das idéias: pensadores, teorias e conceitos que formam nossa
visão de mundo. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
SCHMUHL, Robert. As responsabilidades do jornalismo: as questões da ética no país de
maior liberdade de expressão. Rio de Janeiro: Nórdica, c1984.
SILVA, Carlos Eduardo Lins da (Org.). Comunicação, hegemonia e contra-informação. São
Paulo: Cortez, 1982.
SILVA, Juremir Machado da. A miséria do jornalismo brasileiro: as (in)certezas da mídia.
Petrópolis: Vozes, 2000.
SILVA, Ricardo. A ideologia do Estado autoritário no Brasil. Chapecó: Argos, 2004.
SIROTSKY, Nelson. O brado retumbante dos empresários de jornais. Texto: Regina Grossi.
Entrevista: Fabíola Tarapanoff. Imprensa, São Paulo, ano 18, n. 195, p. 16-20, out. 2004.
SODRÉ, Nelson Werneck. A História da imprensa no Brasi.l Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1966.
SOUZA, Valdemarina Bidone Azevedo e. A pesquisa bibliográfica. Porto Alegre: [s.n.],
1997. Mimeografado.
222
STOPPINO, Mario. Ideología. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO,
Gianfranco. Dicionário de política. 12. ed. Brasília: UnB, 2004. v. 1, p. 583-597.
TAYLOR, S. J.; BOGDAN, R. Introducción a los métodos cualitativos de investigación.
Barcelona: Paidós, 1987.
TEBBEL, John William. Os meios de comunicação nos Estados Unidos. São Paulo: Cultrix,
1974.
THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de
comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 1995.
______. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Vozes, 1998.
TRIVIÑOS, Augusto N. S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa
em educação. São Paulo: Atlas, 1994.
VENCESLAU, Pedro. Nem tudo que reluz é pauta. Imprensa, São Paulo, ano 16, n. 176, p.
25-31, out. 2002.
______. Que imbróglio! Imprensa, São Paulo, ano 17, n. 194, p. 16-27, set. 2004.
WEBER, Max. Textos selecionados. São Paulo: Abril, 1980.
______. Economia y sociedad. São Paulo: Cortez, 1992.
WILLIAMS, Raymond. Cultura e Sociedade. São Paulo: Nacional, 1969.
223
OBRAS CONSULTADAS
ABREU, Alzira Alves de (Org.). A imprensa em transição: o jornalismo brasileiro nos anos
50. Rio de Janeiro: FGV, 1996.
A IMPRENSA e a República: no centenário da república, a história da luta dos jornalistas
brasileiros pela democracia e pela liberdade. Brasília: Ministério da Cultura, 1989.
AMORIM, Aluízio Batista de. Elementos de sociologia do direito em Max Weber.
Florianópolis: Insular, 2001.
BADARÓ, Líbero. Liberdade de imprensa. Cadernos de História, São Paulo, n. 16, p. 55-71,
1981.
BAGDIKIAN, Ben H. Las maquinas de información. México: Fondo de Cultura, 1971.
BETTO, Frei. Batismo de sangue: os dominicanos e a morte de Carlos Marighella. 3. ed. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
BOLAÑO, César Ricardo Siqueira. Globalização e regionalização das comunicações. In:
BOLAÑO, César Ricardo Siqueira (Org.). Economia política, globalização e comunicação.
São Paulo: EDUC; UFSE, 1999. p. 73.95.
______. Indústria cultural: informação e capitalismo. São Paulo: Hucitec/Polis, 2000.
BULIK, Linda. Doutrinas da informação no mundo de hoje. São Paulo: Loyola, 1990.
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia.
São Paulo: UNESP, 1997.
CAPELATO, Maria Helena. Imprensa e história do Brasil. São Paulo: Contexto/Edusp, 1988.
CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e
Terra, 1999a. v. 1.
224
CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e
Terra, 1999b. v. 2.
DANTAS, Marcos. A lógica do capital informação. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1995.
DUPAS, Gilberto. Ética e poder na sociedade da informação: de como a autonomia das
novas tecnologias obriga a rever o mito do progresso. 2. ed. rev. ampl. São Paulo: UNESP,
2001.
EDGAR, Andrew; SEDGWICK, Peter. Teoria cultural de A a Z: conceitos-chave para
entender o mundo contemporâneo. São Paulo: Contexto, 2003.
ESTEVES, João José Pissara Nunes. Espaço público e democracia: comunicação, processos
de sentido e identidade social. São Leopoldo: Unisinos, 2003.
FURTADO, Celso. O capitalismo global. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
GALVÃO, Nogueira Waldimas. Dr. Barbosa Lima Sobrinho: jornalista e democracia. In:
LIMA SOBRINHO, Barbosa. O problema da imprensa. 3. ed. rev. São Paulo: EDUSP, 1997.
p. 191-194.
GERMAN, Christiano et al. Informação e democracia. Rio de Janeiro: EDUERJ, 2000.
GIOVANNINI, Giovanni. Evolução na comunicação: do sílex ao silício. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1987.
GUARESCHI, Pedrinho A. (Org.). Os construtores da informação: meios de comunicação,
ideologia e ética. Petrópolis: Vozes, 2000.
GUARESCHI, Pedrinho A. Sociologia da prática social: classe, estado e ideologia em
diálogo com Erik Wright. Petrópolis: Vozes, 1995.
GUARESCHI, Pedrinho A. Comunicação e poder: a presença e o papel dos meios de
comunicação de massa estrangeiros na América Latina. Petrópolis: Vozes, 1981.
225
______. Sociologia crítica: alternativas de mudança. 45. ed. Porto Alegre: Mundo Jovem,
1999.
GUARESCHI, Pedrinho A.; RAMOS, Roberto. A máquina capitalista. 4. ed. Petrópolis:
Vozes, 1992.
LANER, Vinicius Ferreira. Comunicação, desenvolvimento e democracia: uma análise crítica
da mídia brasileira à luz do direito à informação e à liberdade de imprensa. Santa Cruz do Sul:
Edunisc, 2004. (Série Conhecimento; v. 24 ; Teses e Dissertações).
LECRERC, Gerard. A sociedade de comunicação: uma abordagem sociológica e crítica.
Lisboa: Instituto Piaget, 2000.
LENIN, Vladimir Ilich. Obras Completas. Buenos Aires: Cartago, 1960.
LOPES, Vera Maria N. O direito à informação. Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1999.
MARCONDES FILHO, Ciro (Org.). Imprensa e capitalismo. São Paulo: Kairós, 1984.
MARX, Karl. A liberdade de imprensa. Porto Alegre: L&PM, 1980.
MEDINA, Cremilda de Araújo. Notícia: um produto à venda: jornalismo na sociedade urbana
e industrial. São Paulo: Alfa-Ômega, 1978.
MIRANDA, Darcy Arruda. Comentários à lei de imprensa. 3. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1995.
MORAES, Denis. Planeta mídia. Campo Grande: Letra Livre, 1998.
MOREL, Marco; BARROS, Mariana Monteiro de. Palavra, imagem e poder: o surgimento da
imprensa no Brasil do século XIX. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
NEVES, Francisco de Assis Serrano. Direito de imprensa. São Paulo: Bushatsky, 1977.
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São
Paulo: Brasiliense, 1998.
226
RAMONET, Ignácio. A tirania da comunicação. Petrópolis: Vozes, 1999.
SANTOS, Boaventura de Souza (Org.). Democratizar a democracia: os caminhos da
democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
SANTOS, Milton. Por outra globalização: do pensamento único à consciência universal.
4. ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.
SANTOS, Ricardo. Categorias de Aristóteles. Porto: Porto, 1995.
SILVA, Carlos Eduardo Lins da. Muito além do Jardim Botânico: um estudo sobre a
audiência do Jornal Nacional da Globo entre trabalhadores. São Paulo: Summus, 1985.
SILVA, Carlos Eduardo Lins da. Liberdade de imprensa, independência e responsabilidade
social. Fortaleza: Prefeitura Municipal, 1989.
SOUSA, Jorge Pedro. Elementos de teoria e pesquisa da comunicação e da mídia.
Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2004.
SOUZA, Carlos Alberto de. O fundo do espelho é o outro: quem liga a RBS liga a Globo.
Itajaí: Univali, 1999.
SOUZA, Marcio Vieira de. As vozes do silêncio: o movimento pela democratização da
comunicação no Brasil. Paris: Fondation pour le progrès de l’homme; Florianópolis: Diálogo,
1996.
TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo. Florianópolis: Insular, 2004. v. 1.
WILLIAMS, Raymond (Ed). História de la Comunicación Barcelona: Bosch Casa, 1992. v. 2.
227
ANEXO A - Projeto de Lei 3.985/04
Cria o Conselho Federal de Jornalismo e os
Conselhos Regionais de Jornalismo, e dá outras
providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1
o
Ficam criados o Conselho Federal de Jornalismo - CFJ e os Conselhos Regionais de
Jornalismo - CRJ, autarquias dotadas de personalidade jurídica de direito público, com autonomia
administrativa e financeira.
§ 1
o
O CFJ e os CRJ têm como atribuição orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da
profissão de jornalista e da atividade de jornalismo, zelar pela fiel observância dos princípios
de ética e disciplina da classe em todo o território nacional, bem assim pugnar pelo direito à
livre informação plural e pelo aperfeiçoamento do jornalismo.
§ 2
o
O CFJ terá sede e foro em Brasília e jurisdição em todo o território nacional.
§ 3
o
Cada CRJ terá sede e foro na capital do Estado ou de um dos Estados de sua jurisdição, a
critério do CFJ.
Art. 2
o
Compete ao CFJ:
I - zelar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização do jornalista;
II - representar em juízo, ou fora dele, os interesses coletivos ou individuais relativos às
prerrogativas da função dos jornalistas, ressalvadas as competências privativas dos sindicatos
representativos da categoria;
III - editar e alterar o seu regimento, o Código de Ética e Disciplina, as resoluções e os
provimentos;
IV - estabelecer as normas e procedimentos do processo disciplinar;
V - supervisionar a fiscalização do exercício profissional em todo o território nacional;
VI - colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos de jornalismo e comunicação social com
habilitação em jornalismo;
VII - autorizar, pela maioria absoluta dos seus membros, a oneração de bens imóveis;
VIII - promover diligências, inquéritos ou verificações sobre o funcionamento dos CRJ em
todo o território nacional e adotar medidas para a melhoria de sua gestão;
IX - intervir nos CRJ em que se constate violação a esta Lei ou às suas resoluções, nomeando
composição provisória para o prazo que fixar;
X - cassar ou modificar, de ofício ou mediante representação, qualquer ato de órgão ou
autoridade do CFJ contrário a esta Lei, ao regimento, ao Código de Ética e Disciplina ou às
resoluções e provimentos, ouvida a autoridade ou órgão em causa;
XI - reexaminar, em grau de recurso, as decisões dos CRJ nos casos previstos no regimento;
XII - definir e instituir os símbolos privativos dos jornalistas;
XIII - resolver os casos omissos nesta Lei e nas demais normas pertinentes ao CFJ, assim
como aqueles relativos ao exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo;
XIV - fixar e cobrar de seus inscritos as anuidades e os preços por serviços;
228
XV - fixar normas sobre a obrigatoriedade de indicação do jornalista responsável por material
de conteúdo jornalístico publicado ou veiculado em qualquer meio de comunicação;
XVI - definir as condições para inscrição, cancelamento e suspensão da inscrição dos
jornalistas, bem como para revisão dos registros existentes; e
XVII - estabelecer as condições para a criação e funcionamento das seções dos CRJ.
Parágrafo único. A intervenção de que trata o inciso IX deste artigo depende de prévia
aprovação de dois terços dos membros do CFJ, garantido ao CRJ o amplo direito de defesa.
Art. 3
o
Compete aos CRJ:
I - editar seu regimento e resoluções;
II - criar e regulamentar o funcionamento das suas seções, nas condições estabelecidas pelo
CFJ;
III - reexaminar, em grau de recurso, as decisões dos respectivos presidentes;
IV - exercer a fiscalização do exercício da profissão de jornalista e da atividade de jornalismo;
V - fiscalizar a aplicação da receita, deliberar sobre o seu balanço e as suas contas, bem como
sobre os das suas seções;
VI - fixar tabelas de honorários válidas nas respectivas jurisdições;
VII - deliberar sobre os pedidos de inscrição, cancelamento e suspensão da inscrição dos
jornalistas, bem como de revisão dos registros existentes;
VIII - manter cadastro atualizado de jornalistas inscritos; e
IX - emitir a carteira de jornalista, válida como prova de identidade para todos os fins legais
em todo o território nacional, na qual serão efetuadas anotações relativas às atividades do
portador.
Parágrafo único. Os CRJ exercerão supletivamente, nas respectivas jurisdições, as
competências e funções atribuídas ao CFJ nesta Lei, nas resoluções e nos provimentos.
Art. 4
o
Todo jornalista, para exercício da profissão, deverá inscrever-se no CRJ da região de seu
domicílio, atendendo às condições estabelecidas pela legislação.
Art. 5
o
No exercício da profissão, o jornalista deve pautar sua conduta pelos parâmetros definidos no
Código de Ética e Disciplina, mantendo independência em qualquer circunstância.
Parágrafo único. O Código de Ética e Disciplina deverá regular também os deveres do
jornalista para com a comunidade, a sua relação com os demais profissionais, o dever geral de
urbanidade e, ainda, os respectivos procedimentos disciplinares, observado o disposto nesta
Lei.
Art. 6
o
Constituem infrações disciplinares, além de outras definidas pelo Código de Ética e Disciplina:
I - transgredir seus preceitos;
II - exercer a profissão quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer meio, o seu
exercício aos não inscritos ou impedidos;
III - solicitar ou receber de cliente qualquer favor em troca de concessões ilícitas;
IV - praticar, no exercício da atividade profissional, ato que a lei defina como crime ou
contravenção;
V - deixar de cumprir, no prazo estabelecido, depois de regularmente notificado, determinação
emanada pelos CFJ ou CRJ, em matéria de sua competência; e
VI - deixar de pagar aos CRJ as anuidades a que esteja obrigado.
Art. 7
o
As penas aplicáveis por infrações disciplinares são as seguintes:
I - advertência;
229
II - multa;
III - censura;
IV - suspensão do registro profissional, por até trinta dias; e
V - cassação do registro profissional.
Parágrafo único. O CFJ estabelecerá os procedimentos administrativos para aplicação das
penas previstas neste artigo.
Art. 8
o
O poder de punir disciplinarmente os inscritos no CFJ compete, exclusivamente, ao CRJ em
cuja jurisdição tenha ocorrido a infração.
Art. 9
o
O processo disciplinar pode ser instaurado de ofício ou mediante representação de qualquer
pessoa interessada ou entidade de classe dos jornalistas.
§ 1
o
O processo disciplinar tramitará em sigilo, só tendo acesso às informações e documentos
nele contidos as partes e seus defensores.
§ 2
o
Ao representado será assegurado amplo direito de defesa, podendo acompanhar o
processo em todos os termos, pessoalmente ou por procurador.
§ 3
o
Após a defesa prévia, caso se convença do descabimento da representação, o relator
deverá requerer fundamentadamente o seu indeferimento e conseqüente arquivamento ao
Presidente do respectivo CRJ.
§ 4
o
Compete exclusivamente aos Presidentes dos CRJ a decisão de arquivamento nos termos
do § 3
o
.
Art. 10. Caberá recurso ao CFJ de todas as decisões definitivas não unânimes proferidas pelos CRJ,
ou, sendo unânimes, que contrariem esta Lei, o Código de Ética e Disciplina, decisão ou resolução do
CFJ ou dos CRJ, bem como seus regimentos.
Parágrafo único. Além das partes, o Presidente do CRJ é legitimado a interpor o recurso
previsto neste artigo.
Art. 11. Todos os recursos têm efeito suspensivo, exceto quando se tratar de processos relativos a
eleições ou a inscrições obtidas com falsa prova.
Art. 12. Os Presidentes do CFJ e dos CRJ prestarão, anualmente, suas contas ao Tribunal de Contas
da União.
§ 1
o
Após aprovação pelo respectivo plenário, as contas dos CRJ serão submetidas ao CFJ
para homologação.
§ 2
o
As contas dos CRJ, devidamente homologadas, e as do CFJ serão submetidas à
apreciação do Tribunal de Contas da União.
§ 3
o
Cabe aos Presidentes do CFJ e de cada CRJ a responsabilidade pela prestação de contas.
Art. 13. Constituem rendas dos CFJ e CRJ as doações, legados, rendimentos patrimoniais ou
eventuais, taxas, anuidades, multas e outras contribuições.
Parágrafo único. Constitui título executivo extrajudicial a certidão passada pelo CRJ
competente relativa a crédito previsto neste artigo.
Art. 14. Os empregados do CFJ e dos CRJ são regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho.
230
Art. 15. A organização, estrutura e funcionamento do CFJ e dos CRJ, bem assim as normas
complementares do respectivo processo administrativo serão disciplinados em seus respectivos
regimentos.
Parágrafo único. Cabe ao CFJ dirimir as questões divergentes entre os CRJ, no que respeita ao
processo disciplinar, baixando normas complementares que unifiquem os procedimentos.
Art. 16. Até noventa dias após a posse da primeira composição do CFJ, a competência para a emissão
da carteira de identidade profissional, prevista na Lei n
o
7.084, de 21 de dezembro de 1982,
permanecerá com a Federação Nacional dos Jornalistas Profissionais - FENAJ.
Art. 17. A primeira composição do CFJ será provisória, contando com dez jornalistas profissionais
efetivos e dez suplentes, indicados pelo Conselho de Representantes da FENAJ, e tomará posse em até
sessenta dias após a publicação desta Lei.
§ 1
o
O mandato dos conselheiros provisórios a que se refere este artigo terá a duração
necessária para organizar a eleição de cinco CRJ.
§ 2
o
Caso o mandato provisório ultrapasse dois anos, o Conselho de Representantes da
FENAJ indicará nova composição, nos moldes do caput, para ultimar a eleição dos cinco
Conselhos Regionais.
Art. 18. Enquanto não instalados os CRJ, suas atribuições serão exercidas pelo CFJ.
Art. 19. Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.
Brasília,
EM INTERMINISTERIAL N
º 04/MTE/CCivil
Brasília, 27 de maio de 2004.
231
ANEXO B - Contribuições para subsidiar elaboração de substitutivo
aos projetos de lei que criam a OJB e o CFJ
Baseado no anteprojeto aprovado pelo Conselho de Representantes da FENAJ, em outubro de 2003,
com emendas extraídas do PL 6817 (OJB) e PL 3985/04 (CFJ), recomendações da OAB e
contribuições dos Sindicatos.
PROJETO DE LEI
Ementa: Cria o Conselho Federal dos Jornalistas e os Conselhos Regionais dos Jornalistas e dá outras
providências
CAPITULO I
DOS FINS E DA ORGANIZAÇÃO DOS CONSELHOS DOS JORNALISTAS
Art. 1º. Ficam criados o Conselho Federal (CFJ) e os Conselhos Regionais dos Jornalistas (CRJs),
serviço público não governamental, dotado de personalidade jurídica e forma federativa;
§ 1º – O CFJ não está vinculado a quaisquer entes estatais
§ 2º - O CFJ é órgão de habilitação, representação e defesa do jornalista e de normatização
ética
e disciplina do exercício profissional de jornalista.
§ 3º. Além do disposto no parágrafo anterior, o CFJ tem por atribuição defender o direito à
livre informação plural, a liberdade de imprensa, a observância dos princípios éticos no
exercício da profissão e o aperfeiçoamento do jornalismo.
§ 4º. Os Conselhos Regionais poderão criar sub-seções nas condições previstas nesta lei.
§ 4º. Constituem patrimônio dos Conselhos as doações, legados, rendas patrimoniais ou
eventuais dotações orçamentárias, bens adquiridos, taxas, anuidades, preços de serviços,
multas e outras contribuições.
§ 5º. Constitui título executivo extrajudicial a certidão emitida pela diretoria do Conselho
Regional competente, relativa aos créditos previstos neste artigo.
§ 6º. O CFJ terá sede e foro em Brasília e jurisdição em todo o território nacional.
§ 7º. Cada CRJ terá sede e foro na capital do Estado ou de um dos Estados de sua jurisdição, a
critério do CFJ.
CAPÍTULO II
DO CONSELHO FEDERAL
Art. 2º. O Conselho Federal dos Jornalistas compõe-se de:
- Plenária de Conselheiros Federais
- Diretoria
- Órgãos fracionários
- Comissões.
Art. 3º. O Conselho Federal será integrado por um representante e um suplente de cada Conselho
regional de jornalistas e por conselheiros diretores em numero de cinco membros, sendo um
presidente, um vice-presidente, um primeiro secretário, um segundo secretário e um tesoureiro.
232
§ 1º. Os Conselheiros representantes dos Conselhos Regionais e os conselheiros integrantes
da Diretoria serão eleitos juntamente com a chapa do Conselho Regional.
§ 2º. O presidente exercerá a representação nacional e internacional do Conselho Federal de
Jornalistas, competindo-lhe convocar, presidir e representar o CFJ, ativa e passivamente, em
juízo ou fora dele
§ 3º. O Regulamento Geral definirá as atribuições dos membros da Diretoria e a ordem de
substituição em caso de vacância, licença, falta ou impedimento, bem como as hipóteses de
perda de mandato.
Art. 4º. Compete ao Conselho Federal:
I - zelar pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização do jornalista;
II - representar em juízo ou fora dele, os interesses coletivos ou individuais relativos às
prerrogativas da função dos jornalistas, ressalvadas as competências privativas dos Sindicatos
representativos da categoria;
III - representar os jornalistas brasileiros nos órgão e eventos internacionais de Jornalismo,
exceto naqueles de natureza sindical;
IV - editar e alterar o Regulamento Geral, as Resoluções e os Provimentos que julgar
necessários;
V - supervisionar a fiscalização do exercício profissional em todo o território nacional;
VI - colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos de jornalismo e comunicação social,
habilitação em jornalismo
VII - autorizar, pela maioria absoluta dos Conselheiros, a oneração ou alienação
de bens
imóveis;
VIII - promover diligências, inquéritos ou verificações sobre o funcionamento dos Conselhos
Regionais em todo o território Nacional e adotar medidas para ampliar a sua eficiência e
regularidade;
IX - intervir nos Conselhos Regionais em que constate grave violação a esta lei ou ao
Regulamento Geral;
X - cassar ou modificar, de ofício ou mediante representação, qualquer ato de órgão ou
autoridade do CFJ contrário a esta lei, ao Regulamento Geral, ao Código de Ética e às
Resoluções e aos Provimentos, ouvida a autoridade ou órgão em causa;
XI - reexaminar em grau de recurso, as decisões dos Conselhos Regionais, nos casos previstos
no Regulamento Geral;
XII - definir e instituir os símbolos privativos dos jornalistas;
XIII - emitir a carteira de jornalista, válida em todo o território nacional como prova de
identidade, para todos os fins legais;
XIV - resolver os casos omissos nesta lei e demais normas pertinentes ao CFJ e ao exercício
da profissão de jornalista.
XV - fixar e cobrar de seus inscritos, contribuições, preços por serviços, assim como definir os
casos de isenção e regras de adimplência.
XVI - definir as condições para inscrição, cancelamento e suspensão da inscrição, bem
como para revisão dos respectivos registros dos jornalistas.
Parágrafo único. A intervenção referida no inciso IX deste artigo depende de prévia aprovação
de dois terços dos conselheiros federais, garantido o amplo direito de defesa ao Conselho
respectivo, nomeando-se diretoria provisória para o prazo que se fixar.
XVII - Normatizar o estágio em jornalismo.
CAPÍTULO III
DOS CONSELHOS REGIONAIS DOS JORNALISTAS E DAS SUB-SEÇÕES
Art. 5º. Os Conselhos Regionais de Jornalistas compõem-se:
I - dos conselheiros regionais, em número proporcional ao de inscritos, segundo critérios
estabelecidos no Regulamento Geral, garantindo-se o mínimo de cinco titulares e igual numero
de suplentes;
233
II - de um conselheiro efetivo e um suplente junto ao Conselho Federal de Jornalistas;
III - de diretores conselheiros, no numero de cinco membros, nos mesmos moldes do
CFJ.
Art. 6º. Os atos de constituição dos Conselhos Regionais, expedidos pelo Conselho Federal, definirão
suas áreas territoriais de atuação.
Art. 7º. Os Conselhos Regionais exercerão, nas respectivas jurisdições, as competências e funções
atribuídas ao Conselho Federal, no que lhes couber, observando-se as normas gerais estabelecidas
nesta lei, no Regulamento Geral, no Código de Ética, nas Resoluções e nos Provimentos.
Art. 8º. Compete privativamente aos Conselhos Regionais:
I - Emitir registro profissional para o exercício da profissão de jornalista
II - Fiscalizar o cumprimento da legislação profissional no âmbito de sua jurisdição
III - Editar seu Regulamento Interno e Resoluções;
IV - Criar e regular o funcionamento das sub-seções;
V - Reexaminar, em grau de recurso, as decisões dos respectivos presidentes, da Comissão de
Ética e das Seções;
VI - Fiscalizar a aplicação da receita, deliberar sobre o balanço e as contas das diretorias e das
sub-seções;
VII - Manter cadastro de jornalistas inscritos;
VIII - Fixar, alterar e receber contribuições obrigatórias, preços de serviços e multas;
IX - Acompanhar a realização de concursos públicos para a carreira de jornalista realizados pelos
órgão públicos diretamente ou mediante contratação, nos casos legalmente previstos, no âmbito
da respectiva jurisdição;
X - Desempenhar outras atividades previstas no Regulamento Geral;
XI - Fixar honorários para o trabalho jornalístico
XII - Fiscalizar a observância das normas definidas pelo CFJ na execução do estágio;
XIII – Emitir registro para sociedades de jornalistas, conforme o Artigo 17.
CAPÍTULO IV
DAS COMISSÕES DE ÉTICA
Art. 9º. Junto a cada Conselho Regional funcionará uma Comissão de Ética com sete integrantes,
eleitos pelos jornalistas a cada três anos e composta de quatro jornalistas com exercício profissional
igual ou superior a cinco anos e três representantes da sociedade civil, de ilibada conduta moral,
indicados por suas respectivas entidades de classe, conforme previsto no Regulamento.
§ 1º. Cabe à Comissão de Ética do Conselho Regional competente, julgar os processos
disciplinares, instruídos pelas Seções ou por relatores do próprio Conselho, garantido amplo
direito de defesa ao acusado;
§ 2º. A decisão condenatória irrecorrível deve ser imediatamente comunicada ao Conselho
Regional onde o representado tenha inscrição, para constar dos respectivos assentamentos;
§ 3º. A Comissão de Ética funcionará também como órgão consultivo da classe em questões
deontológicas;
§ 4º. Os jornalistas candidatos as Comissões de Ética dos Conselhos Federal e Regionais não
poderão ter sido condenados disciplinarmente e deverão estar quites com suas obrigações para
com a entidade.
CAPÍTULO V
DAS ELEIÇÕES E DOS MANDATOS
Art. 10. A eleição dos membros dos órgãos dos Conselhos Federal e Regionais, realizar-se-á por voto
direto e secreto, sempre na mesma data, com exceção das Comissões de Ética , ao final de cada
234
mandato de três anos, mediante cédula única, dos jornalistas regularmente inscritos e quites com suas
obrigações, conforme dispuser o Regulamento.
Parágrafo único. Os candidatos devem atender as seguintes condições:
I – situação regular perante o Conselho Regional, inclusive com o pagamento de anuidades;
II - ter sofrido condenação por infração disciplinar, salvo se já tiverem sido reabilitados;
III - Exercer efetivamente a profissão há mais de quinze anos.
Art. 11. Vencerá as eleições para o Conselho Federal, para os Conselhos Regionais e para as Seções a
chapa que obtiver o maior número de votos válidos.
Parágrafo único. As chapas para o Conselho Federal e Conselhos Regionais devem ser
compostas por candidatos à Diretoria e a conselheiros regionais e representantes efetivos e
suplentes ao Conselho Federal.
CAPÍTULO VI
DA INSCRIÇÃO
Art. 12. Devem inscrever-se nos Conselhos Regionais, nos termos do Regulamento Geral, tanto os
jornalistas, quanto sociedades de profissionais.
§ 1º Para inscrição, como jornalista junto ao Conselho Regional da área do domicílio
profissional, além do disposto na legislação que regulamenta a profissão, é necessário:
I - capacidade civil;
II - idoneidade moral;
III - prestar compromisso, perante o respectivo Conselho Regional.
§ 2º A inidoneidade moral, suscitada por qualquer pessoa, será declarada mediante decisão que
obtenha os votos de pelo menos dois terços dos membros do Conselho Regional competente,
em procedimento que siga os termos do processo disciplinar.
§ 3º - Não atende ao requisito de idoneidade moral aquele que tiver sido condenado por crime
infamante, salvo reabilitação judicial.
Art. 13. A inscrição como estagiário será regulamentada pelo Conselho Federal e, além dos requisitos
mencionados no artigo anterior, deverá ser precedida de admissão em estágio profissional de
jornalismo.
Art. 14. Cancela-se a inscrição do jornalista que:
I – assim o requerer;
II - sofrer penalidade de exclusão;
III - falecer;
VI - perder qualquer dos requisitos necessários à inscrição profissional.
§ 1º Ocorrendo uma das hipóteses dos incisos II e III o cancelamento deve ser promovido de
ofício, pelo Conselho competente ou em virtude de comunicação de qualquer pessoa.
§ 2º Na hipótese de novo pedido de inscrição – que não restaura o número de inscrição
anterior – deve o interessado fazer prova dos requisitos dos incisos I, II e III do art. 12.
§ 3º - Na hipótese do inciso II deste artigo, o novo pedido de inscrição também deve ser
acompanhado de documentos que comprovem a reabilitação.
Art. 15. Licencia-se o profissional que assim o requerer, por motivo justificado.
Art. 16. O documento de identidade profissional, na forma prevista em lei e no Regulamento Geral, é
de uso obrigatório para o jornalista e constitui prova de identidade civil para todos os fins de direito.
Parágrafo único. O Conselho Federal baixará normas para a identificação dos estagiários.
235
CAPÍTULO VII
DAS SOCIEDADES DE JORNALISTAS
Art. 17. Os jornalistas podem reunir-se em sociedade de trabalho, na forma disciplinada nesta lei e no
seu Regulamento Geral.
§ 1º - As sociedades de jornalistas adquirem personalidade jurídica com o registro dos seus
atos constitutivos no Conselho Regional em cuja base territorial tiver sede.
§ 2º - As sociedade previstas neste artigo cujo faturamento se enquadrarem nas definições de
micro pequenas e médias empresas, poderão fazer jus aos benefícios legais criados para essas
pessoas jurídicas.
CAPÍTULO VIII
DA ÉTICA DO JORNALISTA
Art. 18. No exercício de sua profissão o jornalista deve pautar sua conduta pelos parâmetros éticos
definidos no Código de Ética, mantendo independência em qualquer circunstância, sem receio de
desagradar a quem quer que seja.
§ 1º. O Código de Ética devera regular também os deveres do jornalista para com a
comunidade, o direito à informação, a relação com os demais profissionais, observado o
disposto na presente lei.
§ 2º. É vedado anunciar ou divulgar qualquer atividade relacionada ao exercício do jornalismo
sem indicação expressa do nome e do número de inscrição dos jornalistas que integram a
entidade, ou o número de registro da sociedade de jornalistas junto ao Conselho Regional.
§ 3º. É direito do jornalista recusar-se a realizar trabalho que afronte a lei, a ética profissional
ou, ainda, suas convicções pessoais;
CAPÍTULO IX
DO PROCESSO NO CFJ
SEÇÃO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 19. Salvo disposições em contrário, aplicam-se subsidiariamente ao processo disciplinar as regras
da legislação processual penal comum e, aos demais processos, as regras gerais do procedimento
administrativo comum e da legislação processual civil, nessa ordem.
Art. 20. Todos os prazos necessários à manifestação de jornalistas, estagiários e terceiros, nos
processos em geral do CFJ, são de quinze dias, inclusive para interposição de recursos, contados do
dia útil seguinte ao da publicação ou notificação.
SEÇÃO II
DO PROCESSO DISCIPLINAR
Art. 21. O poder de punir disciplinarmente os inscritos no CFJ compete exclusivamente ao Conselho
Regional em cuja base territorial onde tenha ocorrido a infração.
Art. 22. A jurisdição disciplinar não exclui a comum e, quando o fato constituir crime ou
contravenção, deve ser comunicado às autoridades competentes pelo respectivo Conselho Regional,
respondendo administrativamente os seus membros por eventual omissão.
Art. 23. O processo disciplinar pode ser instaurado de ofício ou mediante representação de qualquer
autoridade, pessoa interessada ou entidade de classe dos jornalistas, e obedecerá as normas fixadas
nesta lei e no Regulamento Geral.
236
§ 1º. O processo disciplinar tramitará em sigilo, só tendo acesso às informações e documentos
nele contidos as partes, seus defensores e a autoridade judiciária competente, respeitado o
disposto nesta lei.
§ 2º. Recebida a representação, o Presidente deve designar relator, a quem competirá presidir a
instrução do processo e oferecer um parecer preliminar a ser submetido a Comissão de Ética e
Disciplina.
§ 3º. Ao representado será assegurado amplo direito de defesa, podendo acompanhar o
processo em todos os termos, pessoalmente ou por procurador, oferecendo defesa prévia após
ser notificado, razões finais após a instrução e defesa oral perante a Comissão de Ética , por
ocasião do julgamento se o desejar.
§ 4º. Após a defesa prévia, caso se convença do seu incabimento, o relator poderá requerer
fundamentadamente o indeferimento da representação e conseqüente arquivamento, o que
deverá ser decidido pelo plenário do Conselho.
§ 5º. O prazo para defesa prévia poderá ser prorrogado uma única vez e pelo mesmo período,
por motivo relevante, a juízo do relator.
§ 6º. Se o representado não for encontrado, ou for revel, o Presidente do Conselho ou da Seção
deve designar-lhe defensor dativo.
§ 7º. É também permitida a revisão do processo disciplinar, por erro de julgamento ou por
condenação baseada em falsa prova.
Art. 24. O Conselho Regional adotará as medidas administrativas e judiciais pertinentes, objetivando a
devolução dos documentos de identificação profissional do jornalista suspenso ou excluído.
SEÇÃO III
DOS RECURSOS
Art. 25. Caberá recurso ao Conselho Federal de todas as decisões definitivas proferidas pelo Conselho
Regional.
Parágrafo único. Além dos interessados, o Presidente do Conselho Regional é legitimado a
interpor o recurso referido neste artigo.
Art. 26. Cabe recurso ao Conselho Regional de todas as decisões proferidas por seu Presidente, pela
Comissão de Ética, ou pela diretoria da Sub-seção.
Art. 27. Todos os recursos têm efeito suspensivo, exceto quando tratarem de eleições e de
cancelamento de inscrição obtida com falsa prova.
Parágrafo único. O Regulamento Geral disciplinará o cabimento de recursos específicos, bem
como as demais normas para o seu processamento, no âmbito de cada órgão julgador.
CAPÍTULO X
DAS INFRAÇÕES E SANÇÕES DISCIPLINARES
Art.28- Constituem infrações disciplinares;
I - manter conduta incompatível com o jornalismo, de acordo com as definições constantes do
Código de Ética e do que estabelece esta Lei;
II - exercer a profissão, quando impedido de fazê-lo, ou facilitar, por qualquer meio, o seu
exercício a não inscritos ou impedidos;
III - manter sociedade profissional fora das normas e preceitos estabelecidos nesta Lei;
IV - assinar matéria ou apresentar-se como responsável por publicação, jornal falado ou
televisionado, sem ser o seu verdadeiro autor ou sem ter dado a sua contribuição efetiva e
profissional;
V - violar, sem justa causa, segredo profissional;
VI - solicitar ou receber vantagem para divulgar ou deixar de divulgar informações de
interesse público;
VII - obstruir, direta ou indiretamente, a livre divulgação de informação ou aplicar censura :
237
VIII - divulgar fatos inverídicos, deixando de apurar com precisão os acontecimentos;
IX - aceitar oferta de trabalho remunerado em valor inferior ao piso salarial da categoria ou
com os valores mínimos de honorários fixados pelo respectivo Conselho Regional;
IX - submeter-se a diretrizes contrárias à divulgação correta da informação;
X - frustrar a manifestação de opiniões divergentes ou impedir o livre debate;
XI - concordar ou contribuir, profissionalmente, para a prática de perseguição ou
discriminação por motivos sociais, políticos, religiosos, raciais, de sexo e de orientação sexual;
XII - exercer cobertura jornalística pelo veículo em que trabalhe, junto a instituições públicas e
privadas, onde seja funcionário, assessor ou empregado;
XIII - incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia profissional;
XV - fazer falsa prova de qualquer dos requisitos para inscrição no respectivo Conselho
Regional;
XVI - tornar-se moralmente inidôneo para o exercício do jornalismo;
XVII - praticar crime infamante ou hediondo;
Art. 29. As sanções disciplinares consistem em:
I – Advertência reservada;
II – Advertência pública;
III - Suspensão;
IV - Anulação do Registro
Parágrafo único. As sanções devem constar dos assentamentos do jornalista inscrito, após o
trânsito em julgado da decisão.
Art. 30. A advertência é aplicável nos caso de;
I - Infrações definidas nos incisos, I, II, III, IV, V, VI, e VIII do art. 29;
II - Violação a preceito do Código de Ética;
III - Violação a preceito desta Lei, quando para a infração não se tenha estabelecido sanção
mais grave.
Parágrafo único. A advertência pode ser aplicada por meio de oficio reservado, sem registro
nos assentamentos do inscrito, quando apresente circunstância atenuante.
Art. 31- A suspensão é aplicável nos caso de;
I - infrações definidas nos incisos IX, X, XII, XIII, XIV, XV e XVI do art. 29.
II-reincidência em infração disciplinar;
§ 1º. A suspensão acarreta ao infrator a interdição do exercício profissional, em todo o
território nacional, pelo prazo de trinta dias a doze meses, de acordo com os critérios de
individualização previstos neste capítulo;
§ 2º. Na hipótese do inciso XIII, do art. 29, a suspensão perdura até que satisfaça
integralmente a dívida.
§ 3º. Na hipótese do inciso VII, XVI e XVII. do art. 29, a suspensão perdura até que o
jornalista, preste novas provas de..habilitação.
Art. 32. A anulação do registro é aplicável nos casos de:
I – aplicação por três vezes de suspensão
II – infrações definidas nos incisos VII, XII, XVUII e XVIII do rt. 29
Parag. Único – Para a aplicação da sansão disciplinar de anulação de registro é necessária a
manifestação de dois terços dos membros do Conselho Regional Competente
CAPÍTULO XI
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 33. O Conselho Federal dos Jornalistas, por deliberação de pelo menos dois terços de seus
conselheiros, editará o Regulamento Geral, no prazo de 180 (cento e oitenta ) dias, contados a partir da
posse do primeiro Conselho Eleito, devendo, dentre outras, explicitar as regras para o exercício do
estágio.
238
Art. 34. Aos servidores dos Conselhos Federal e Regionais, aplica-se o regime da Consolidação das
Leis do Trabalho.
Art. 35. No prazo máximo de 180 dias, a partir da publicação desta Lei, o Ministério do Trabalho e
Emprego repassará a Comissão Eleitoral instituída pelo Artigo 38, a relação completa dos jornalistas
registrados em todo país.
Art. 36. O Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Jornalistas adotam o Código de Ética,
conforme Anexo Único, podendo este ser alterado somente por Resolução do CFJ, após deliberação
de Conferência Nacional, convocada exclusivamente para este fim pelo CFJ.
Parágrafo único - Participam da Conferência delegados eleitos na proporção definida pelo
Regulamento Geral.
Art. 37. Até 90 dias após a posse da primeira Diretoria do CFJ, a competência para a emissão da
carteira de identidade profissional, prevista na lei n. 7.084 de 1982 permanecerá com a FENAJ.
Art. 38. O processo eleitoral da primeira composição do CFJ será organizado por uma Comissão
Eleitoral composta por sete membros, sendo cinco indicados pelo Conselho de Representantes dos
Sindicatos junto a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) e dois pelo Conselho de Comunicação
Social do Congresso Nacional.
§ 1º. O mandato da Comissão Eleitoral é de ate 12 meses, não renovável.
§ 2º. No processo eleitoral da primeira composição do Conselho Federal votam todos os
jornalistas com registros definitivos e provisionados, conforme legislação em vigor;
§ 3º. A composição desse primeiro CFJ será de um efetivo e um suplente por Estado da
Federação.
§ 4º. Em sua primeira reunião plenária, os conselheiros escolherão, entre eles, os integrantes
da primeira diretoria.
Art. 39. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 40. Revogam-se as disposições em contrário.
ANEXO ÚNICO
Código de Ética do Jornalista
O Código de Ética do Jornalista fixa as normas a que deverá subordinar-se a atuação do profissional,
nas suas relações com a comunidade, com as fontes de informação e entre jornalistas.
I - Do Direito à Informação
Art. 1° O acesso à informação pública é um direito inerente à condição de vida em sociedade, que não
pode ser impedido por nenhum tipo de interesse.
Art. 2° A divulgação da informação, precisa e correta, é dever dos meios de comunicação pública,
independente da natureza de sua propriedade.
Art. 3° A informação divulgada pelos meios de comunicação pública pautar-se-á pela real ocorrência
dos fatos e terá por finalidade o interesse social e coletivo.
Art. 4° A prestação de informações pelas instituições públicas, privadas e particulares cujas atividades
produzam efeito na vida em sociedade é uma obrigação social.
239
Art. 5° A obstrução direta ou indireta à livre divulgação da informação e a aplicação de censura ou
auto-censura constituem delito contra a sociedade.
II - Da Conduta Profissional do Jornalista
Art. 6° O exercício da profissão de jornalista é uma atividade de natureza social e de finalidade
pública, subordinado ao presente Código de Ética.
Art. 7° O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta
pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação.
Art. 8° Sempre que considerar correto e necessário, o jornalista resguardará a origem e identidade das
suas fontes de informação.
Art. 9° É dever do jornalista:
I - divulgar todos os fatos que sejam de interesse público.
II - lutar pela liberdade de pensamento e expressão.
III - defender o livre exercício da profissão.
IV - valorizar, honrar e dignificar a profissão.
V - opor-se ao arbítrio, ao autoritarismo e à opressão, bem como defender os princípios
expressos na Declaração Universal dos Direitos do Homem.
VI - combater e denunciar todas as formas de corrupção, em especial quando exercida com o
objetivo de controlar a informação.
VII - respeitar o direito à privacidade do cidadão.
VIII - prestigiar as entidades representativas e democráticas da categoria.
Art. 10. O jornalista não pode:
I - aceitar oferta de trabalho remunerado em desacordo com o piso salarial da categoria ou
com a tabela fixada pelo Conselho Regional de Jornalistas.
II - submeter-se a diretrizes contrárias à divulgação correta da informação.
III - frustar a manifestação de opiniões divergentes ou impedir o livre debate.
IV - concordar com a prática de perseguição ou discriminação por motivos sociais, políticos,
religiosos, raciais, de sexo e de orientação sexual.
V - exercer cobertura jornalística, pelo órgão em que trabalha, em instituições públicas e
privadas onde seja funcionário, assessor ou empregado.
III - Da Responsabilidade Profissional do Jornalista
Art. 11. Observada a legislação, o jornalista é responsável por toda a informação que divulga, desde
que seu trabalho não tenha sido alterado por terceiros.
Art. 12. Em todos os seus direitos e responsabilidades, o jornalista terá apoio e respaldo das entidades
representativas da categoria.
Art. 13. O jornalista deve evitar a divulgação de fatos:
I - com interesse de favorecimento pessoal ou vantagens econômicas.
II - de caráter mórbido e contrários aos valores humanos.
Art. 14. O jornalista deve:
I - ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, todas as pessoas objeto de acusações não
comprovadas, feitas por terceiros e não suficientemente demonstradas ou verificadas.
II - tratar com respeito a todas as pessoas mencionadas nas informações que divulgar.
Art. 15. O jornalista deve permitir o direito de resposta às pessoas envolvidas ou mencionadas em sua
matéria, quando ficar demonstrada
a existência de equívocos ou incorreções.
240
Art. 16. O jornalista deve pugnar pelo exercício da soberania nacional, em seus aspectos político,
econômico e social, e pela prevalência da vontade da maioria da sociedade, respeitados os direitos das
minorias
Art. 17. O jornalista deve preservar a língua e a cultura nacionais.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo