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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
MESTRADO EM ENFERMAGEM
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FILOSOFIA, SAÚDE E SOCIEDADE
MODALIDADE INTERINSTITUCIONAL
UFSC/UCS/UNIVATES/FEEVALE
COMPREENDENDO MULHERES GESTANTES / PUÉRPERAS COM
HIV/AIDS: CONTRIBUIÇÕES PARA A SUPERAÇÃO DOS DÉFICITS DE
AUTOCUIDADO
LIGIA MARIA SCHERER
FLORIANÓPOLIS, OUTUBRO 2006.
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LIGIA MARIA SCHERER
COMPREENDENDO MULHERES GESTANTES/PUÉRPERAS COM
HIV/AIDS: CONTRIBUIÇÕES PARA A SUPERAÇÃO DOS DÉFICITS DE
AUTOCUIDADO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Enfermagem da Universidade Federal de Santa
Catarina para obtenção do título de Mestre em
Enfermagem, área de concentração: Filosofia, Saúde e
Sociedade.
Orientadora: Dra. Miriam Süsskind Borenstein
FLORIANÓPOLIS
2006
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Dedico este trabalho aos meus pais, pelo amor
incondicional e exemplo de vida.
AGRADECIMENTOS:
A Deus, pela minha vida!!!!
Pelas vezes em que: “existiam apenas duas pegadas na areia, mas foram os momentos
em que Ele me carregou nos braços!”.
E pela bela natureza que criou. A serra de Caxias do Sul e o frio que passamos lá! Mas
que proporcionou momentos acolhedores e lindos! A beleza de Florianópolis, a beira mar, as
belas praias que também tive a oportunidade de conhecer!
Por ter nos guiado e protegido dos perigos da estrada!
Aos meus irmãos, cunhados e sobrinhos, pelo amor, carinho, respeito e até apoio
financeiro.
A minha orientadora, Miriam Süsskind Borenstein, pelo carinho, paciência, respeito
e compreensão de minhas limitações.
A banca examinadora, por aceitar fazer parte deste processo.
Este trabalho tem muitos nomes. Pessoas que me deram um pouco de seu lar, seu
carinho, respeito, amor e me permitiram a concretização deste sonho: Ana Cristina, Ana
Paula, tio Rubem, tia Vani, Maicom, Carla, Nilton, Juliana, Mariana, Felipe, Micheli,
Mara, Fábio, Marlene, Cris, João Manoel, Silvana, Juliano e tantos outros.
As minhas colegas, Tatiana, Sônia e Justina, pelo apoio, parceria, e amizade
construída ao longo destes dois anos de convivência. A Tati, pelo apoio em todos os
momentos, por me mostrar o quanto podemos fazer e superar! Valeu!!!
As minhas colegas de trabalho, pela compreensão em cobrir minha ausência e
facilitar as trocas de plantões.
As universidades conveniadas (UFSC, UNIVATES, FEVALLE, UCS), pela
oportunidade de participar deste mestrado e acreditar em nosso potencial. Aos professores da
UFSC por dividirem conosco sua trajetória! Com certeza este programa vale a pena! Continue
proporcionando isso tudo aos que estão distantes!
Aos profissionais do SAE e as minhas flores, que me proporcionaram um
crescimento pessoal e profissional indescritível.
A secretária da pós-graduação Claudia, por sua competência, paciência, por estar
sempre nos ajudando e fazendo a ponte em todos os momentos!
“Se meus joelhos não doessem mais
Diante de um bom motivo que
Me traga fé
Se por alguns segundos eu observar
E só observar
A isca e o anzol, a isca e o anzol
A isca e o anzol, a isca e o anzol
Ainda assim estarei pronto pra comemorar
Se eu me tornar menos faminto
Que curioso, que curioso
O mar escuro trará o medo lado a lado
Com os corais mais coloridos
VALEU A PENA, EH EH
VALEU A PENA, EH EH
SOU PESCADOR DE ILUSÕES
SOU PESCADOR DE ILUSÕES
Se eu ousar catar
Na superfície de qualquer manhã
As palavras de um livro sem final
Sem final, sem final, sem final, final”
VALEU A PENA!!!!!
O Rappa – Pescador de Ilusões
SCHERER, Lígia Maria. Compreendendo mulheres gestantes/puérperas com HIV/AIDS:
contribuições para a superação dos déficits de autocuidado. 2006. Dissertação (Mestrado em
Enfermagem) – Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa
Catarina. 133 p.
Orientadora: Dra. Miriam Süsskind Borenstein
RESUMO
Trata-se de um estudo qualitativo do tipo convergente assistencial, que teve como
objetivos compreender e analisar os déficits de autocuidado de gestantes/puérperas com
HIV/Aids e identificar os fatores que influenciam no engajamento do autocuidado. O estudo
foi realizado com dez gestantes/puérperas com HIV, que freqüentavam um Serviço de
Atendimento Especializado em DST/Aids, em um município do interior do estado do Rio
Grande do Sul. A coleta de dados foi iniciada em abril de 2005 e se estendeu até maio de
2006. Para tanto, foram realizados encontros individuais com as participantes, nos quais, foi
aplicado um instrumento previamente elaborado, baseado na Teoria do Autocuidado de
Dorothea Orem utilizando como base os requisitos de autocuidado: universais,
desenvolvimentais e desvio de saúde. Além disso, foi realizado um grupo focal no qual se
buscou resposta mais consistente para algumas questões que ficaram pendentes. Todas as
entrevistas, assim como o encontro em grupo, foram gravados transcritos, categorizados e
interpretados. As categorias de análise foram assim determinadas: 1 - o perfil das
participantes; 2 - os déficits de autocuidado; 3 - fatores que dificultam no engajamento do
autocuidado; 4 - fatores que contribuem no engajamento do autocuidado; 5 - as mudanças de
atitudes e 6 - perspectivas para o futuro. Durante as entrevistas, foi possível, além dos
objetivos de pesquisa propostos, promover um ambiente acolhedor e de interação entre
enfermeira e cliente. No grupo, as participantes do estudo tiveram a oportunidade de trocar
experiências de vida, compartilhar seus medos, saberes, angústias e, a partir daí, buscar
juntas, clientes e enfermeira, a competência necessária para o autocuidado.
Palavras-chave: Gestantes. Síndrome de Imunodeficiência Adquirida. HIV. Autocuidado.
ABSTRACT
The present research is a qualitative study of the assistencial convergent kind, which
has as its main objective to understand and analyze the flaws concerning the self-care of
pregnant and puerperal women suffering from HIV/Aids and also to identify the variables
which might influence in the enrollment into the self-care. The study was conducted with ten
of pregnant and puerperal women with HIV, who frequented a Service of Attendance
Specialized in DST/AIDS, in a city of the interior of the state of Rio Grande do Sul. The data
collection was initiated in April, 2005 and it extended itself until May, 2006. In order to
collect the data individual meetings with the participants had been carried through, in which
an instrument previously elaborated, based on Dorothea Orem’s Self-care Theory having as
specific basis the following requirements of self-care: universal, developmental and shunting
line of health. Besides that, a focal group was carried through to search a more consistent
reply for some questions that had been left unanswered. All the interviews, as well as the
group meetings, had been recorded, transcribed, categorized and interpreted. The categories
of analysis had been determined thusly: 1 - the profile of the participants; 2 - self-care deficit;
3 - variants which make it difficult the enrollment in self-care; 4 - variants that contribute in
the enrollment in self-care; 5 - the changes of attitudes and 6 - future perspectives. During the
interviews, it was possible, besides the considered objectives of the research, to promote a
friendly environment and interaction between nurse and client. In the group, the participants
of the study had had the chance to exchange life experiences, to share their fears, knowledge,
distress and from then on, to search as a group, client and nurse, the necessary ability for the
self-care.
Key-Word: Pregnants. Acquired Immuno Deficiency Syndrome. HIV. Self-care.
RESUMEN
Se trata de un estudio cualitativo del tipo convergente- asistencial, que tuvo como
objetivos aprehender y analizar los déficits de auto cuidado de gestantes y parturientas con
VIH/ SIDA e identificar los factores que influencian la relación con el auto cuidado. El
estudio fue realizado con diez gestantes / parturientas con VIH que asistían al Servicio de
Atención Especializado en Enfermedades Sexualmente Transmitidas/ Sida en un municipio
del interior del Estado de Río Grande del Sur. La recolección de datos comenzó en abril de
2005 y se extendió hasta mayo de 2006. Para ello, fueron realizados encuentros individuales
con las participantes en los cuales fue aplicado un instrumento previamente elaborado, basado
en la Teoría del Auto cuidado de Dorotea Orem utilizando como base los requisitos del auto
cuidado: universales, de desarrollo y desvío de salud. Además de eso, fue realizado un grupo
focal en el que se buscó la respuesta más consistente para algunas cuestiones que quedaron
pendientes. Todas las entrevistas, así como el encuentro en grupo, fueron grabadas,
transcriptas, categorizadas e interpretadas. Las categorías de análisis fueron determinadas
como se detalla a seguir: 1- el perfil de las participantes; 2- los déficits de auto cuidado; 3-
factores que dificultan el relacionamiento con el auto cuidado; 4- factores que contribuyen
con el relacionamiento con el auto cuidado; 5- los cambios de actitudes y 6- perspectivas para
el futuro. Durante las entrevistas fue posible, además de los objetivos de pesquisa propuestos,
promover un ambiente acogedor y de interacción entre enfermera y cliente. En el grupo, las
participantes del estudio tuvieron la oportunidad de intercambiar experiencias de vida,
compartir sus miedos, conocimientos, angustias y, a partir de ahí, buscar, juntas, clientes y
enfermera la habilidad necesaria para el auto cuidado.
Palabras llave: Mujeres embararazadas. Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida. VIH.
Autocuidado.
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Caracterização das gestantes/puérperas com HIV participantes do estudo .....47
SUMÁRIO
LISTA DE QUADROS .........................................................................................................11
1 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................14
2 REVISÃO DE LITERATURA...................................................................................22
2.1 A Aids – uma breve revisão histórica ......................................................................22
2.2 A Aids e a reprodução – um direito a ser conquistado ...........................................26
2.3 A Aids e o acompanhamento terapêutico.................................................................28
2.4 A Aids e a prevenção da transmissão ao recém-nascido.........................................30
2.5 A Aids e a feminilização da doença...........................................................................31
3 REFERENCIAL TEÓRICO.......................................................................................35
3.1 A biografia de Dorothea Elizabeth Orem................................................................36
3.2 A Teoria Geral do Autocuidado...............................................................................37
3.2.1 A Teoria do Autocuidado ..........................................................................................38
3.2.2 A Teoria do déficit de autocuidado ...........................................................................41
3.2.3 A Teoria de Sistemas de Enfermagem.......................................................................42
3.3 Conceitos Relacionados ao Estudo............................................................................43
4 METODOLOGIA........................................................................................................46
4.1 Tipo de pesquisa..........................................................................................................46
4.2 Contexto do estudo .....................................................................................................46
4.3 Os sujeitos da pesquisa...............................................................................................47
4.4 Coleta de dados...........................................................................................................48
4.5 Análise dos dados........................................................................................................50
4.6 Considerações éticas...................................................................................................51
5 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA......................................53
5.1 O perfil das participantes...........................................................................................53
5.1.1 A descoberta do HIV.................................................................................................53
5.1.2 O conhecimento acerca da doença.............................................................................59
5.1.3 Sentimentos em relação à não amamentarem............................................................61
5.2 Os Déficits de Autocuidado........................................................................................66
5.2.1 Alimentação...............................................................................................................66
5.2.2 Ingesta Hídrica..........................................................................................................70
5.2.3 Sono e repouso...........................................................................................................71
5.2.4 Vida sexual ..............................................................................................................72
5.2.5 Lazer e recreação.......................................................................................................75
5.2.6 Solidão e interação social ..........................................................................................76
5.3 Fatores que dificultam no engajamento do autocuidado........................................79
5.3.1 O preconceito.............................................................................................................79
5.3.2 O isolamento..............................................................................................................84
5.3.3 A mentira...................................................................................................................88
5.3.4 A doença afetando a comunicação, a auto-estima e o atendimento profissional.......89
5. 4 Fatores que contribuem no engajamento do autocuidado....................................91
5.4.1 Rede de apoio familiar e social..................................................................................91
13
5.4.2 Rede de apoio profissional ........................................................................................94
5.5 As mudanças de atitude .............................................................................................98
5.5.1 Ao tratamento ............................................................................................................98
5.5.2 À alimentação..........................................................................................................100
5.5.3 À higiene e ao risco de contaminação .....................................................................101
5.5.4 Às atividades físicas ................................................................................................102
5.5.5 Na responsabilidade.................................................................................................103
5.6 Perspectivas para o futuro.......................................................................................104
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................108
REFERÊNCIAS..............................................................................................................115
APÊNDICES...................................................................................................................121
ANEXOS..........................................................................................................................130
1 INTRODUÇÃO
Em meados dos anos 80, tornou-se pública a existência de uma nova doença,
até então desconhecida no meio médico. Uma doença, para a qual não se conhecia a
causa nem a cura, foi então descoberta, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
(SIDA) (NASCIMENTO, 2005).
Inicialmente a Aids foi associada a “grupos de risco”, tais como homossexuais
e, posteriormente, a prostitutas, dependentes químicos e hemofílicos que viviam em
grandes centros urbanos. Dessa forma, as pessoas acreditavam que, não fazendo parte
desses grupos, estariam a salvo desse problema de saúde, além de reforçar o
preconceito contra essas pessoas (SANTOS; SANTOS, 2006).
Entretanto, com o passar do tempo, o perfil dos clientes infectados pelo Vírus
da Imunodeficiência Humana (HIV) sofreu uma transformação e qualquer indivíduo
passou a ter a possibilidade de contrair o vírus e adquirir a doença. Não mais somente
aqueles que tinham uma vida sexual considerada promíscua, mas a epidemia se
alastrou para as pessoas independentemente de classes, raças e sexo.
A análise de dados notificados no Ministério da Saúde (MS) permite afirmar
que a epidemia de Aids no Brasil encontra-se em patamares elevados, tendo atingido,
em 2003, 18,4 casos por 100mil habitantes. Observa-se entre os homens uma
tendência de estabilização. Neste grupo populacional foi registrada, em 2003, uma
taxa de 22,8 casos por 100mil homens, menor do que a observada em 1998, de 26,4
por 100 mil. Entretanto, observa-se ainda o crescimento da epidemia em mulheres,
com maior taxa de incidência observada em 2003: 14,1 casos por 100 mil mulheres
(BRASIL, 2003).
Se compararmos, por exemplo, o número de casos de Aids notificados pelo MS
segundo a faixa etária, no ano de 1993, somando o número de notificações de casos de
homens dos 20 aos 34 anos eram 20.813 casos, contra 4.990 casos notificados em
mulheres na mesma faixa etária. Já em 2004, foram notificados um total de 3.117
casos entre homens de 20 aos 34 anos e 2.457 casos de mulheres nesta mesma faixa
15
etária. Com esses dados, é possível dizer que, em 1993, a proporção do número de
casos entre homens e mulheres era de 4 para 1, enquanto que, em 2004, era
praticamente 1,27 para 1,27 (BRASIL, 2004c).
Segundo dados do Sistema Nacional de Vigilância em Saúde, publicados no
Relatório de Situação do Rio Grande do Sul, foram diagnosticados até dezembro de
2004, 31.290 casos de Aids, sendo 20.375 homens e 10.913 mulheres. Também foram
notificados 1.220 casos de transmissão vertical do HIV até 2004. (BRASIL, 2006)
Esses dados fazem pensar na importância do olhar para a questão da
contaminação feminina diante do HIV/Aids. O Ministério da Saúde vem atuando
efetivamente na prevenção e controle, possuindo programas de controle da Aids desde
1985, com o acesso universal aos medicamentos anti-retrovirais, instituídos pela Lei n°
9.313, de novembro de 1996. Nesses programas, está inserido o de Prevenção da
transmissão vertical, ou seja, da mãe para o filho, que abrange o pré-natal, parto e
puerpério (BRASIL, 2004a).
As mulheres são, segundo dados do Ministério da Saúde, a maioria da
população brasileira e as principais usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS).
Freqüentam os serviços de saúde para o seu próprio atendimento, bem como,
acompanhando crianças e outros familiares, pessoas idosas, com deficiência, vizinhos
e amigos. Pensando nisso, o Ministério da Saúde criou os princípios e diretrizes da
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher para o período de 2004 a
2007. Dentre seus objetivos específicos podemos citar:
- Ampliar e qualificar a atenção clínico-ginecológica, inclusive para as
portadoras de infecção pelo HIV e outras Doenças Sexualmente Transmissíveis
(DSTs);
- Promover, conjuntamente com o Programa Nacional – DST/AIDS, a
prevenção e o controle das doenças sexualmente transmissíveis e da infecção pelo
HIV/AIDS na população feminina (BRASIL, 2004b);
O meu interesse pela área da Saúde da Mulher surgiu a partir de práticas
curriculares realizadas durante o Curso de Graduação em Enfermagem, na
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ),
realizadas no período de 1996 a 2000.
16
Ao concluir o Curso de Graduação e com o desejo de aprofundar
conhecimentos teóricos e práticos mais específicos na área da saúde da mulher, fiz
seleção e fui aprovada para o Curso de Especialização em Enfermagem Obstétrica na
Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP). Durante o ano de
2000, realizei o referido curso e, concomitantemente, passei a participar de um projeto
de pesquisa cujo objetivo era investigar o “Acesso e Qualidade Análise Situacional das
Ações da Saúde da Mulher, nas unidades básicas do Município de São Paulo”. Esse
projeto foi financiado pelo MS e Fundo das Nações Unidas para Infância (UNICEF).
Tanto o Curso de Especialização quanto o trabalho desenvolvido no projeto
contribuíram, de modo expressivo, para minha formação como enfermeira. Por esse
motivo, ao concluir o Curso de Especialização em 2001, passei a atuar como
enfermeira assistencial na maternidade de um hospital de médio porte em um
município do interior do Estado do Rio Grande do Sul.
Essa instituição, já há algum tempo, estava cadastrada no Programa de
Prevenção de Transmissão Vertical do HIV/Aids, junto à Secretaria da Saúde do
Estado e já vinha recebendo Testes Rápidos para testagem de HIV e Sífilis. Esses
testes eram aplicados em algumas gestantes e em outras clientes que apresentavam
intercorrências clínicas, quando o médico assim o solicitava. Por se tratar de uma nova
rotina instituída e pelo fato dos profissionais não estarem familiarizados e capacitados
adequadamente para a indicação desta, muitos testes perderam o seu prazo de validade.
Segundo autoridades do Ministério da Saúde (MS), isso tem ocorrido
comumente, pois muitos profissionais da área da saúde não possuem conhecimento
suficiente sobre o diagnóstico e tratamento da Aids. Por esse motivo, mostram-se
incapazes de atender adequadamente à mulher gestante portadora do HIV/Aids. Isso
implica na impossibilidade de uma abordagem mais técnica, humanitária e
conscienciosa da mulher acometida pelo HIV na gestação, das manifestações clínicas
da doença e, como não dizer, da superação dos preconceitos a respeito da doença.
Segundo o MS (BRASIL, 2004a), a transmissão vertical é a principal via de
infecção pelo HIV na população infantil. Em nosso país, essa forma de transmissão
tem sido responsável por cerca de 90% dos casos notificados de Aids em menores de
13 anos. Estima-se que 15 a 30% das crianças nascidas de mães soropositivas para o
17
HIV adquirem o vírus na gestação, durante o trabalho de parto ou parto, ou por meio
de amamentação. Há evidências de que a maioria dos casos de transmissão vertical do
HIV ocorre mais tardiamente na gestação, durante o trabalho de parto ou no parto
propriamente dito.
Em 1994, os resultados do Protocolo n° 076 do Aids Clinical Trials Group
(ACTG) comprovaram que o uso do Zidovudina (AZT) pela mulher durante a
gestação, trabalho de parto e parto e pelo recém-nascido pode reduzir a transmissão
vertical do HIV em cerca de 70% dos casos. Em 1998, um estudo realizado na
Tailândia demonstrou que o uso de um regime de tratamento de curta duração de AZT
oral, iniciado na 36
a
semana de gestação e mantido durante o trabalho de parto, sem a
administração de AZT para o recém-nascido e com substituição do aleitamento
materno foi capaz de reduzir, aproximadamente, 50% a taxa da transmissão. Esse
estudo demonstrou que o uso de AZT, mesmo durante um curto período de tempo,
leva à diminuição do risco da mãe transmitir o HIV para o seu filho (BRASIL 2004a).
Em minha prática cotidiana no ambiente hospitalar, observei, por exemplo, que
num universo de 51 parturientes que realizaram o teste rápido, no período
compreendido entre janeiro a dezembro de 2004, 20 dessas parturientes, realizaram
seis ou mais consultas de pré-natal e não receberam, em nenhum momento, o resultado
da sorologia para HIV (registros feitos no caderno de controle interno do hospital
sobre o uso dos testes rápidos realizados, para posterior encaminhamento à
Coordenadoria de Saúde respectiva, sobre a utilização de testes e medicamentos para
prevenção da transmissão vertical (TV)). Cabe destacar que muitas mulheres se
referiram ao fato de terem coletado o exame em nível ambulatorial. Em alguns casos,
inclusive, observei que algumas gestantes fizeram mais de dez consultas de pré-natal,
ou seja, buscaram dez vezes o atendimento e não receberam nenhum tipo de
informação. Frente a isso, passei a me questionar acerca do por que não lhe foi
proporcionado este resultado, visto que a assistência de enfermagem no pré-natal,
dentre suas finalidades, deve proporcionar à gestante orientações sobre as rotinas
propostas pela unidade e pelo Ministério da Saúde, firmando a importância das
mesmas para elas, o que inclui exames como o da sorologia para o HIV.
Acredita-se também que quanto mais cedo se conhece um resultado positivo
18
para o HIV, mais cedo se torna possível iniciar a medicação. Talvez nesse momento
um serviço de busca ativa da enfermagem fosse necessário e adequado para resgatar
essa gestante e comunicar-lhe sua sorologia, tanto para negativo ou positivo e
informando-a, através de um aconselhamento, o significado deste resultado.
Atualmente, o Brasil adota uma política de oferta universal do teste anti-HIV
para as gestantes no pré-natal. No entanto, a realização do teste não pode ser
compulsória. É obrigatório solicitar o consentimento verbal da mulher, devendo o
exame ser acompanhado de aconselhamento pré e pós-teste.
É recomendada a realização de teste para HIV na primeira consulta pré-natal. O
Ministério da Saúde enfatiza a necessidade de realizar pelo menos uma sorologia para
HIV, durante o período gestacional. A repetição desta sorologia, ao longo da gestação
ou na admissão para o parto, deverá ser considerada em situações de exposição
constante ao risco de aquisição do vírus ou quando a mulher se encontra no período da
janela imunológica. (BRASIL, 2004 a).
Dessa forma, quando não é oferecida a testagem para o HIV no pré-natal,
deverá ser oferecida durante o trabalho de parto, na admissão da parturiente. O
objetivo de detectar gestantes soropositivas ainda não testadas e lhes oferecer o AZT
injetável até o momento do clampeamento do cordão umbilical e após, o AZT solução
oral, para o recém nascido (RN), na tentativa de negativar a sorologia da criança.
Nesta ocasião, é realizado o aconselhamento prévio sobre o teste, explicando que é um
procedimento emergencial, de diagnóstico rápido, devido à possibilidade do uso do
AZT injetável. A maioria das gestantes que chegam ao hospital sem o resultado do
exame para HIV coletado no pré-natal, demonstra compreensão sobre o HIV e a
testagem, e afirma, inclusive, já ter sido aconselhada no pré-natal, o que facilita a
aceitação.
Ao analisar as barreiras para o acesso ao teste de detecção do vírus HIV, Rosa
(2003) detectou que o acesso aos cuidados pré-natais foi a mais importante condição
associada ao teste de HIV. A baixa escolaridade e mãe sem companheiro foram
associadas ao não-teste para HIV e que cuidados pré-natais em clínicas privadas
também se apresentaram como barreira para o acesso ao teste para o HIV. Afirmou
ainda que, apesar da alta taxa de realização do teste de HIV no primeiro e no segundo
19
trimestre, um grande número de mulheres HIV positivas foram diagnosticadas
tardiamente no terceiro trimestre. Para ele, esses achados realçaram a importância do
teste rápido como uma estratégia complementar para o aumento da taxa de oferta do
teste para HIV.
No decorrer de minha prática profissional nesta maternidade, deparei-me,
inúmeras vezes, com situações extremamente angustiantes como, por exemplo, quando
gestantes que já tinham confirmado o diagnóstico de HIV durante o pré-natal
chegavam ao hospital em período expulsivo e eram encaminhadas imediatamente para
a sala de parto, sem ter recebido o AZT injetável (medicação preconizada pelo
Ministério da Saúde para essa situação). Uma delas teve seu filho em casa, sem a
ajuda de nenhum profissional da saúde, chegou no hospital trazida pela assistência
pública da prefeitura que, através da comunicação de um vizinho, ficou sabendo do
fato. Em alguns desses episódios, cheguei a receber ligação telefônica da Secretaria de
Saúde Pública do Estado do Rio Grande do Sul para explicar por que eu havia
dispensado o xarope de AZT oral (para o recém-nascido), os comprimidos de
Cabergolina (inibidor de lactação) e as latas de leite NAN, sem ter dispensado e ou
utilizado o AZT injetável da mãe, sendo que era o esperado, porém expliquei em cada
momento o porquê da situação e fui compreendida.
Esse tipo de situação me preocupava sobremaneira, pois sabia que a falta de
informações ou falha de comunicação com a equipe de saúde, acarretaria em um
problema irremediável: o nascimento de mais um bebê com HIV. Como essas
situações se tornaram instigantes, resolvi, então, buscar uma forma de tentar minimizar
o problema, tentando atuar mais efetivamente com essa clientela, pois percebi que se
essas gestantes fossem bem orientadas e conscientizadas acerca do uso da medicação
anti-retroviral para a prevenção da transmissão vertical do vírus do HIV, os seus bebês
teriam ótimas perspectivas de vida, assim como elas próprias.
Percebi, também, a necessidade de buscar um aprimoramento acadêmico que
subsidiasse minha prática profissional. Estava ansiosa por adquirir novos
conhecimentos a respeito de paradigmas, teorias, métodos, entre outros, que
enriquecessem minha vida profissional e pessoal. Em decorrência dessas necessidades,
após seleção, ingressei no Curso de Mestrado em Enfermagem na Universidade
20
Federal de Santa Catarina (UFSC) e, por ocasião da disciplina Projetos Assistenciais
de Enfermagem e de Saúde, resolvi desenvolver uma prática assistencial junto a
gestantes com HIV em atendimento no Serviço Especializado de DST/Aids em um
município de médio porte do Estado do Rio Grande do Sul. Essa escolha foi realizada
após analisar as situações vivenciadas em ambiente hospitalar e descritas
anteriormente e tendo oportunidade de conhecer teorias de enfermagem no decorrer do
desenvolvimento do mestrado, optei pela teoria do Autocuidado de Orem, pois o
autocuidado efetivamente executado contribui, de maneira específica, para a
integralidade da estrutura humana, para o funcionamento da pessoa e para seu
desenvolvimento (FOSTER; JANSSENS,1993)
Busquei implementar essa prática tendo por base a Teoria do Autocuidado de
Dorothea Orem, por entender que esta Teoria fornece subsídios no sentindo de
oferecer às gestantes com HIV uma oportunidade de melhorar seu autocuidado e, com
isto, poderiam obter resultados mais expressivos no que diz respeito aos cuidados de si
e à minimização de risco de transmissibilidade para seu feto e, por conseguinte, uma
diminuição no índice da transmissão vertical.
Ao desenvolver a prática assistencial com as gestantes que aceitaram fazer parte
deste projeto, enfrentei inúmeras dificuldades em decorrência de escolher trabalhar
com portadoras de HIV/Aids em uma cidade pequena, no interior do RS. Em
conseqüência disso, obtive um pequeno número de participantes e apenas duas fizeram
parte da prática. Uma delas, em especial, foi muito importante, pois demonstrou
interesse genuíno em continuar o vínculo comigo após o nascimento de seu filho.
Durante os encontros realizados, essa participante expressou suas angústias frente ao
atendimento hospitalar por ocasião do parto e também por se sentir muito solitária,
pois não tinha, além de mim, alguém com quem pudesse compartilhar seus problemas.
Isso fez com que eu passasse a reavaliar a possibilidade de ampliar o estudo para
mulheres puérperas portadoras de HIV. Afinal, essas mulheres também, a exemplo das
gestantes, poderiam se beneficiar com a assistência de enfermagem, que contribuiria
para o seu autocuidado após o parto, como continuidade do processo de prevenção da
transmissão. Dessa forma, esta dissertação teve a seguinte questão norteadora: Quais
os déficits de autocuidado vivenciados por gestantes/puérperas portadoras de HIV e
21
quais os fatores que influenciam e interferem nesse processo?
Tendo os seguintes objetivos:
Objetivo Geral
- Compreender, com base na Teoria de Dorothea Orem, os déficits de
autocuidado apresentados por um grupo de mulheres gestantes/puérperas com HIV,
que realizam tratamento no serviço especializado em DST de um município de médio
porte do interior do Estado do Rio Grande do Sul.
Objetivos Específicos
- Identificar os Déficits de Autocuidado de mulheres gestantes/puérperas com
HIV;
- Analisar os fatores que influenciam e/ou restringem as mulheres
gestantes/puérperas com HIV no seu autocuidado.
2 REVISÃO DE LITERATURA
2.1 A Aids – uma breve revisão histórica
Diferentes são as maneiras que os grupos sociais costumam reagir às doenças.
Determinados quadros patológicos que dominaram uma época, como a peste, no
século XIV, a tuberculose e a cólera no século XIX, regrediram em outras.
Atualmente, os tumores malignos, as doenças cardio-circulatórias e, mais
recentemente, a Aids têm predominado nos séculos XX e XXI (SILVEIRA;
NASCIMENTO, 2004).
Assim, conhecer a história das doenças tem sido uma forma de compreender
uma sociedade, devendo sempre se levar em conta a articulação entre a doença que
predomina em uma determinada época, a configuração histórica e ideológica que a
contextualiza e o estágio de desenvolvimento da medicina, pois a representação não é
simples reflexo do real, está enraizada na realidade social e histórica.
Muitos historiadores e pesquisadores traçam paralelos entre a epidemia da Aids
hoje e as outras grandes epidemias do passado, como por exemplo, entre a Aids e a
Tuberculose, Analisando elementos culturais, políticos e sociais que pontuam aspectos
em comum entre ambas, como a concepção estigmatizadora que cada epidemia
constituiu em sua época.
A Aids, em especial, foi estigmatizada desde o inicio da epidemia. O primeiro
texto oficial a respeito da doença foi um artigo publicado no Morbidity and Mortality
Weekly Report (MMWR) de 5 de junho de 1981. O artigo relatava o caso de cinco
jovens do sexo masculino sem história prévia de imunodeficiência, homossexuais,
moradores de Los Angeles, que apresentavam infecção pulmonar atribuída ao
Pneumocystis carinii (PPC), microorganismo já conhecido, que só produzia infecção
na vigência de baixa imunidade. O editorial do artigo chamava atenção para o fato de
todos os pacientes se autodefinirem homossexuais, o que sugeria uma associação entre
23
aspectos do estilo de vida homossexual à doença adquirida por contato sexual e a
pneumonia por Pneumocystis carinii (NASCIMENTO, 2005).
Segundo Nascimento (2005), em meados de 1982, a doença foi denominada
Acquired Immunodeficiency Syndrome (AIDS), em português foi chamada de
Síndrome da Deficiência Imunológica Adquirida. A partir de então a sigla passou a
designar uma nova epidemia. Em virtude dos primeiros casos notificados
anteriormente, a doença fora denominada como “pneumonia gay”, “câncer gay”,
“síndrome gay”. Porém, não demorou muito para que a constatação da doença fosse
percebida em usuários de drogas injetáveis e hemofílicos, aumentando então o número
de grupos de risco.
A denominação de grupos de risco foi um dos principais fatores de
disseminação da doença, pois a população que não se enquadrava nestes chamados
grupos de risco acreditava estar imune a esta epidemia. A disseminação da doença foi
acompanhada por reportagens na imprensa que, se por um lado divulgava os esforços
da comunidade científica para saber mais sobre a doença, por outro reforçava no
imaginário coletivo a concepção da Aids como efeito necessário de condutas
reprováveis pela moralidade dominante. A doença, ao revelar uma condição
estigmatizante, confirmaria ao mesmo tempo uma identidade (NASCIMENTO, 2005).
Apesar dos avanços técnicos, científicos e filosóficos, a sociedade reproduziu,
no início da epidemia, os mesmos valores de um século atrás, quando publicava
anúncios sobre tuberculose, cheios de preconceitos e moralidades. A História de uma
Cocote, desenhada por Vale e publicada no Jornal Carioca “O Tupy”, em agosto de
1872, demonstra bem como era a representação da tuberculose no período analisado:
A narrativa acompanha a trajetória de uma “dama das camélias tupiniquim”.
Após uma infância dentro dos padrões morais vigentes, abençoada por anjos,
de um lar aconchegante e freqüência à escola, a jovem libertina desperdiça a
saúde e a vida entre namoros e orgias, terminando em um leito de hospital. A
seu lado, uma escarradeira testemunha a presença da tísica, castigo para uma
vida degenerada (NASCIMENTO, 2005, p. 135).
Trata-se de uma história edificante que expressa a concepção da tuberculose à
24
época, relacionando a doença a um tipo de comportamento socialmente reprovável,
sendo, portanto, de responsabilidade individual (NASCIMENTO, 2005).
No Brasil, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) foi notificada pela
primeira vez em 1982, quando sete pacientes homo/bissexuais foram notificados.
Considerando o período de incubação do HIV, pode-se deduzir que a introdução do
vírus no país deve ter ocorrido no final da década de 70 e sua difusão, num primeiro
momento, entre as principais áreas metropolitanas do centro-sul e, após, para as
demais regiões. (CASTILHO; CHEQUER, 1997).
As políticas públicas relacionadas à Aids passaram por vários períodos. Cada
governo que se sucedeu atuou e entendeu a questão da epidemia da Aids de maneira
distinta. Alguns investiram mais, outros menos, alguns aumentaram verbas e outros
reduziram, porém, o que sempre impulsionou as políticas de saúde pública em relação
a esta epidemia já foi a atuação das Organizações não Governamentais (ONGs).
Neste contexto, o período entre 1992 e 1996 foi marcado por transformações no
cenário nacional de respostas frente à epidemia de HIV/Aids, que incluíram os
setores não-governamental e governamental. Em 1992, o “Projeto de Controle da
AIDS e DST”, conhecido como “AIDS I”, iniciado em 1993; e o impacto da decisão
do Ministério da Saúde, em 1996, em dar acesso universal, na rede pública, aos
medicamentos para HIV/AIDS, como terapia combinada de anti-retrovirais, são
exemplos de ações governamentais importantes neste período. (GALVÃO, 2000).
Esta conquista científica (anti-retrovirais) e de ação do governo brasileiro
melhorou de forma expressiva a qualidade de vida dos portadores de HIV/Aids e a
imagem da doença, mas não impediu que ela continuasse se alastrando e recebendo
novas orientações. A Aids expandiu-se na periferia das cidades, no interior (onde a
população encontra-se mais pobre e com baixa escolaridade, o que é chamado de
pauperização e interiorização) e, entre as mulheres, chamado de feminilização da
epidemia (NASCIMENTO, 2005).
Diante desse quadro, é possível afirmar que a Aids tem se propagado entre os
grupos populares em situações mais vulneráveis, tanto na escala sócio-econômica mais
baixa, quanto nas questões de gênero. Rodrigues Junior e Castilho (2004), em seu
trabalho sobre o perfil epidemiológico da epidemia de Aids, numa abordagem espaço-
25
temporal dos casos notificados entre 1991 e 2000, constataram a tendência de maior
número de mulheres na categoria de transmissão heterossexual, desde 1992.
Traduzindo com isso, a maior vulnerabilidade feminina em relação à capacidade de
negociar sexo seguro e a menor possibilidade de acesso aos serviços de saúde
reprodutiva. Constataram ainda, a crescente proporção de casos da categoria de
transmissão ignorada, o que preocupa, pois o sistema de vigilância epidemiológica está
em constante processo de aprimoramento. Porém, a maioria das notificações nessa
categoria foi do sexo masculino com baixo grau de escolarização, constatando assim,
que o sistema de vigilância epidemiológica apresenta, além da sub-notificação e do
atraso de notificação, o viés de classificação.
A precária condição econômica da grande maioria da população brasileira faz
com que o acesso aos serviços de saúde seja dificultado e, para as mulheres, a situação
é ainda mais grave, pois freqüentemente estas sofrem as conseqüências, tanto
relacionadas com as desigualdades sociais, quanto às relacionadas ao gênero. Assim,
apenas as informações sobre formas de transmissão e situações de risco podem ser
insuficientes para a adoção de comportamentos protetores, ou seja, a transformação do
conhecimento na adoção de práticas protetoras é mediada por questões de gênero,
classe social, etnia e fatores individuais. Com isso, o poder do conhecimento na
mudança de comportamento depende das alternativas e perspectivas existentes para
cada indivíduo (FERREIRA, 2003).
Ao estudar a sexualidade e prevenção de DST/Aids de homens rurais em um
município da Zona da Mata pernambucana, Alves (2003) detectou que o elevado
número de casos nessa comunidade se deu em virtude da baixa condição econômica,
social e de instrução. Todos diziam conhecer o preservativo, porém menos da metade,
referiam usar. Embora os homens tivessem conhecimento sobre a possibilidade de se
contaminarem pelo vírus do HIV, estes não utilizavam mecanismos protetores.
Esse estudo reforça as colocações de Ferreira (2003) que afirma que não basta
apenas estar informado sobre a maneira de prevenção, pois isso não indica que serão
modificados os comportamentos e práticas de risco. As questões econômicas, sociais,
culturais e principalmente relacionadas ao gênero estão diretamente ligadas ao assunto.
Com todas estas informações, as notificações de casos em mulheres, ou seja, a
26
feminilização, têm crescido substancialmente.
O fornecimento de medicação anti-retro viral pelos serviços de saúde, instituída
no Brasil a partir de 1996, proporcionou aos portadores de HIV, a possibilidade de
uma melhor qualidade de vida e também a retomada da atividade reprodutiva. Os
casais contaminados pelo vírus do HIV puderam começar a pensar em futuro com a
ampliação de suas famílias, o nascimento de um filho.
2.2 A Aids e a reprodução – um direito a ser conquistado
Historicamente, os direitos reprodutivos são compreendidos como uma quarta
geração de direitos que sucede aos direitos civis, políticos e sociais. Seu marco
constitutivo no tempo pode ser localizado entre as décadas de 70 e 90, tendo sua
formulação se iniciado a partir das ações e articulações internacionais do movimento
feminista.
De um modo geral, os direitos reprodutivos se baseiam no reconhecimento do
direito básico de todos os casais e indivíduos de decidirem livre e responsavelmente
sobre se desejam ou não ter filhos. Inclui também o direito de tomar decisões relativas
à reprodução sem sofrer discriminações, coações ou violência, tal como se estabelece
em documentos de direitos humanos, além de alcançar o mais alto nível de saúde
sexual e reprodutiva. Falar em direitos humanos significa, por exemplo, o direito à
vida, a integridade física, psíquica e social, o direito de exercer livremente a
sexualidade e de escolher a sua situação conjugal, a liberdade de formar ou não uma
família, o direito de receber informações claras, oportunas e científicas sobre a
sexualidade, de dispor de opções com mínimo risco e de serviços de saúde adequados,
de receber tratamento justo e respeitoso das autoridades e receber proteção diante da
ameaça ou da violação dos direitos fundamentais, sexuais e reprodutivos
(PORTELLA, 2002).
Ainda, em sua análise sobre os direitos reprodutivos, Portella (2002) cita que,
do ponto de vista da reprodução, devem fazer parte dos direitos humanos: a posse de
condições para uma boa criação e educação das crianças, como a licença à
27
maternidade, a oferta de creches e de educação de qualidade entre outros vários fatores
essenciais a vida humana.
Freitas; Gir; Furegatto (2002), em seu estudo sobre a sexualidade do portador
do vírus HIV, revelaram que a atividade sexual em pessoas que descobrem ser
soropositivas sofre alterações no início. Detectaram que o número de relações sexuais
diminui por medo da discriminação, culpa, medo da morte e o próprio isolamento que
a doença inicialmente impõe.
No entanto, o que se visualiza mais comumente é o relacionamento sexual e
afetivo entre casais soro discordantes. Nesses casos, os maiores desafios são a
manutenção da vida afetivo-sexual e o enfrentamento da prevenção sexual do HIV.
Reis e Gir (2005), em seu estudo com casais soro discordantes, destacaram que
existe entre estes uma maior motivação para o uso do preservativo, visando à proteção
do parceiro soro negativo. Enfatizam ainda que isso nem sempre é fácil para o casal,
pois implica na transformação e incorporação de hábitos, geralmente permeados por
conflitos, contradições e, para alguns, interferindo no prazer sexual, mencionado
principalmente pelos homens.
Dessa forma, este novo olhar sobre a sexualidade e o desejo reprodutivo entre
os portadores de HIV, fortalecidos pelos anti-retrovirais que melhoraram a qualidade
de vida e possibilitaram gerar uma criança soro negativa, atingiu também a questão da
reprodução assistida.
A técnica de purificação do sêmen foi desenvolvida por um pesquisador italiano
em 1992. Além da Itália, esta técnica é utilizada na Espanha e México. A técnica
consiste em separar o espermatozóide do líquido seminal e das outras células antes de
introduzi-lo no óvulo, após a purificação e a constatação de que os vírus foram
eliminados, os espermatozóides são injetados nos óvulos. A purificação da amostra
não é bem sucedida em apenas 5% dos casos, onde a amostra é então desprezada
(FAÚNDES, 2002).
A reprodução, em todos os sentidos, desde a geração, passando pela gravidez e
chegando ao nascimento, é sempre associada à idéia de transmissão e continuação da
vida. Uma série de valores positivos é associada à fertilidade, à capacidade de gerar
novas vidas e em especial, à maternidade. Ter uma família, filhos, significa não estar
28
só e não ficar só. Ter com quem se preocupar e ter um objetivo na vida, para muitos é
o que significa. Para as pessoas que se deparam com o vírus do HIV e pensam na
possibilidade de, apesar de tudo, poder gerar uma vida sem a culpa da
transmissibilidade do vírus, é uma grande conquista.
2.3 A Aids e o acompanhamento terapêutico
Contudo, para que possam melhorar a qualidade de vida e dispor destas
melhorias que a ciência propiciou, as pessoas contaminadas pelo vírus do HIV devem
estar sempre em acompanhamento, realizando exames de carga viral e CD4 para
detectar a necessidade medicamentosa e, diante disso, seguir corretamente a prescrição
médica.
De uma forma geral, os tratamentos de doenças consideradas crônicas são de
baixa adesão por parte dos portadores e pioram sua adesão quando é associada à
doença, uma limitada perspectiva de sobrevida. A utilização incorreta da terapêutica
pode produzir resistência viral às drogas utilizadas, constituindo a barreira primária
para a eficácia do tratamento a longo prazo. Nesta perspectiva, Figueiredo et al.
(2001), desenvolveram um estudo sobre a adesão de pacientes com Aids, afirmando
que uma das formas de minimizar a não adesão é a possibilidade de estes pacientes
receberem uma atenção individualizada que transmita confiança, estabelecendo
empatia, credibilidade e respeito. A utilização de recursos didáticos como panfletos e
guias são também de excelente ajuda, mas não substituem a atenção individual do
profissional enfermeiro/a.
Muitos enfermeiros/as já começam a desenvolver um vínculo com portadores
do HIV antes mesmo de ser detectado o vírus. Isso pode ser possível durante a prática
do aconselhamento, realizada diante da coleta do exame inicial, abordando questões
sexuais, implementando ações preventivas da infecção pelo HIV e das DSTs, no
âmbito individual e coletivo.
O aconselhamento é visto hoje como uma importante estratégia que visa a
ampliar o acesso da população à realização do teste anti-HIV e para a detecção da
29
sífilis. Pauta-se no processo de escuta ativa do cliente, por meio do contato direto, em
que o profissional busca promover ou estabelecer uma relação de confiança com ele,
oferecendo estratégias que lhe facilitem reconhecer-se como sujeito de sua própria
condição de saúde (CAPPI et al., 2001).
A atuação da equipe de saúde, em especial o enfermeiro/a junto aos clientes
portadores do vírus HIV devem lançar mão de várias estratégias, não apenas no
aconselhamento, mas em atividades educativas, formação de grupos de apoio para os
clientes, para familiares, entre outros. Assim, para que o enfermeiro/a possa orientar
seus clientes/comunidade, necessita possuir conhecimentos e habilidades técnicas,
pedagógicas e de planejamento sobre as práticas educativas em HIV/Aids, a fim de
desenvolver e administrar tal processo educativo (TORRES; RUFFINO, 2001).
Torres e Enders (1999), em um estudo realizado sobre as atividades educativas
na prevenção da Aids em uma unidade básica de saúde, avaliaram que algumas ações
educativas desenvolvidas tinham como características: a falta de um planejamento
específico, o não envolvimento efetivo da equipe, o fato das atividades serem
esporádicas e isoladas e a abordagem utilizada sendo comportamentalista. Em
decorrência dessas características percebidas, as autoras apontaram a necessidade de
traçar objetivos, metas, estratégias e ações educativas em conjunto, bem como, a
necessidade de capacitar recursos humanos envolvidos na operacionalização dos
programas e a alocação de recursos materiais necessários.
Outra ação importante que o enfermeiro/a pode desenvolver nesta área está
relacionada com a formação de grupos de familiares de portadores do HIV/Aids, pois
ao longo do desenvolvimento da doença ocorrem perdas significativas na vida do
portador, como a deterioração da saúde, mudança na aparência física e mudanças nas
relações familiares. Além disso, o portador deve se adaptar à ingesta de medicamentos
e ao convívio com doenças oportunistas e, finalmente, com a ameaça da morte. Todas
essas alterações provocam mudanças e exigem uma nova forma de viver, assim novos
relacionamentos serão estabelecidos.
As pessoas que adoecem tendem a voltar à casa materna onde são recebidos
pela mãe. Ao assumir esse cuidado, a mãe e/ou o cuidador vivenciam a experiência de
ter um parente acometido pelo HIV, passando pelas fases de enfrentamento de uma
30
doença grave e preparo para a morte, permanecendo em um contínuo entre o cuidar e o
abandono. Assim, a família passa a ser fundamental no tratamento do cliente. É
preciso que a equipe de saúde se proponha a ajudá-la nas dificuldades que surgirem ao
longo do desenvolvimento da doença (SILVEIRA; CARVALHO, 2002).
A questão do HIV/Aids vai muito além da atuação do enfermeiro/a, apesar de
ele ser uma peça chave neste processo. Ela inclui políticas públicas sérias,
comprometidas com a complexidade desta epidemia, como coloca Meirelles (2003):
Os elementos essenciais para o sucesso das ações e prevenção da infecção
pelo HIV: o acesso à informação e educação, a disponibilidade de serviços
sociais e de saúde eficazes e um ambiente social adequado a eliminar
barreiras e a promover mudanças que exigem o envolvimento e participação
de diversos atores e setores da sociedade para o seu alcance efetivo.
(MEIRELLES, 2003, p. 10).
2.4 A Aids e a prevenção da transmissão ao recém-nascido
No que diz respeito às políticas de prevenção da transmissão vertical,
preconiza-se que todas as gestantes devam ser testadas durante o pré-natal. Quando
isso não acontece, é realizado a testagem rápida no âmbito hospitalar (BRASIL,
2004a). Indica-se às gestantes com HIV positivo que façam uso de medicação via oral
durante a gestação e AZT injetável durante o trabalho de parto até o momento do
clampeamento do cordão umbilical.
Após o parto, o recém-nascido deverá receber o AZT injetável e a puérpera, a
Cabergolina via oral, para inibir a lactação. O aleitamento materno também é uma das
formas de transmissão do vírus HIV, portanto está contra indicado nesses casos. As
puérperas com HIV recebem, já na alta hospitalar, latas de leite artificial, para que de
fato não amamentem seus filhos. Outros cuidados também são necessários, como o uso
da camisinha em todas as relações sexuais, para evitar um aumento da carga viral,
especialmente da mulher.
Assim, a questão dos cuidados em relação à transmissão vertical envolve o pré-
31
natal, o nascimento e o puerpério, uma vez que cada uma dessas fases inclui alguns
cuidados específicos.
Geralmente a descoberta da sorologia positiva tem como conseqüência um
desgaste físico e emocional imenso, que muitas vezes altera todo o ciclo familiar e
afetivo desta gestante. Após, vem à necessidade de tomar medicações específicas,
passando pela internação com cuidados especiais, medicamentosos e finalmente, o ato
de não amamentar que, em geral, para as mulheres é algo muito difícil de não poder
realizar, uma vez que as políticas de saúde vigentes no país são de incentivo ao
aleitamento materno.
Vários trabalhos publicados colocam os sentimentos das mulheres soropositivas
em relação ao ato de não amamentar. Paiva e Galvão (2004) destacam que a não
amamentação é encarada pelas mulheres como uma situação de dor e padecimento, a
qual se confronta com seu desejo social de ser “mãe”. As restrições no estabelecimento
do vínculo mãe-filho, as vivências anteriores à amamentação, o conhecimento prévio
das vantagens do aleitamento natural, enfatizadas e divulgadas constantemente pelos
meios de comunicação e nas instituições de saúde em países em desenvolvimento
dificultam a decisão pelo ato de não aleitamento.
Santos (2004, p. 13), em seu estudo sobre a compreensão do significado da
privação do ato de amamentar para o ser-mulher/mãe HIV positiva, entre suas
unidades temáticas, encontrou: “Percebendo-se como ser-mulher/mãe privada do ato
de amamentar: dói o coração da gente, a gente quer dar de mamar e não pode dar” .
Com isso, a autora afirma que há, por parte das mães, um sentimento de dor e
pesar pela privação do aleitamento do seu filho.
2.5 A Aids e a feminilização da doença
Segundo o Boletim Epidemiológico AIDS/DST (2005), as taxas de incidência
de Aids mantêm-se ainda em patamares elevados: em 19,2 casos por 100mil habitantes
em 2003, basicamente devido à persistência da tendência de crescimento entre as
mulheres que, neste mesmo ano, atingiu 15 casos por 100mil mulheres. A razão entre
os casos masculinos e femininos continua decrescente, ficando 15 casos masculinos
32
para cada 10 casos femininos (ou 1,5:1). Essa mudança no perfil epidemiológico fez
com que muitos trabalhos acadêmicos se direcionassem para a feminilização da Aids.
Xavier (2001), em seu estudo realizado com 20 mulheres portadoras de HIV
e/ou AIDS que freqüentavam o ambulatório de um hospital da Universidade Federal
do Rio de Janeiro – Rio de Janeiro, verificou que estas se contaminaram a partir de
relações sexuais com seus parceiros que eram fixos e únicos. Essas mulheres
confirmaram que, embora tivessem adquirido a doença, se consideravam saudáveis,
pois não apresentavam sintomas. Esta autora verificou que um dos problemas que mais
ocorria era a infidelidade masculina nos relacionamentos heterossexuais. Refere-se,
ainda, ao fato de que as mulheres sabiam que seus companheiros tinham relações com
outras mulheres, mas consideravam ser algo normal, ou seja, que a infidelidade
masculina era aceita e validada pelos valores machistas daquela clientela. Esse estudo
demonstrou que muitas mulheres sentiam-se seguras em seus relacionamentos estáveis
e consideravam estarem protegidas, ainda que houvesse sido comprovada a
infidelidade de seus parceiros.
Outro aspecto importante mencionado por Xavier (2001) em seu trabalho foi a
questão de gênero, que apareceu como resposta ao comportamento, às relações de
poder e de negociação quanto ao autocuidado, ou seja, as mulheres se sentiam
impotentes para negociar o uso da camisinha, confirmando não ser uma atitude fácil
para a mulher com relacionamento estável, visto que isso coloca em dúvida a
fidelidade e o amor.
Ao discutir sobre as questões de gênero, Meirelles (2003) afirma que a
dominação masculina tem raízes na formação da sociedade, na educação que estes
sujeitos recebem, de acordo com a cultura local e que vai determinar de que forma
serão estabelecidas as suas relações sociais. Esta dominação masculina contribui para
que a mulher tenha a sua vulnerabilidade à infecção pelo HIV aumentada, conseqüente
à submissão, à violência e ao medo das reações que tal comportamento traz.
Brum (2004), em seu estudo com donas de casa, em união estável, descobriu
resultados semelhantes, pois as mulheres não usavam camisinha em seus
relacionamentos sexuais, uma vez que confiavam em seus parceiros e estes eram
únicos. Em contrapartida, as mulheres que utilizavam a camisinha em suas relações
33
sexuais eram aquelas que confiavam nos parceiros, mas tinham medo de adquirir Aids,
já que tiveram a oportunidade de conhecer ou conviver com alguém portador da
doença. Isso pode ser confirmado nas seguintes falas: “A AIDS é uma doença que me
preocupa sim, porque não tem cura, né? E não é bom pra ninguém. E como eu sei que
ele é meio “safado”, eu me cuido dela, sempre tenho uma camisinha, sempre uso”
(BRUM, 2004, p. 77).
Para muitas mulheres, o cuidar de si não está vinculado, por exemplo, ao uso de
camisinha em suas relações sexuais, mas sim, em asseio pessoal ou cuidado com o
corpo. Isso pode ser comprovado por Brum (2004), ao revelar que o cuidar de si
acontecia a partir da realização da higiene corporal, por não andar com os pés
descalços, não se molhar, nem fazer esforços físicos ou ao fazerem suas caminhadas e
exercícios físicos. Outro grande cuidado referido pelas mulheres foi a realização dos
exames preventivos de câncer de mama ou do colo do útero.
Quanto ao referir sobre comportamento preventivo com relação ao câncer do
colo uterino, Westrupp (1998) cita que é importante no que diz respeito à maneira
como a mulher se previne, ou como busca a manutenção de sua saúde, relacionadas à
sexualidade e com isso à prevenção das DSTs/Aids.
Outra pesquisadora que trabalhou com mulheres com HIV/Aids foi Carmo
(2002), que assim se refere:
Dentro desse contexto, podemos dizer que somos passageiros da agonia por
antecipação, alvos diretos ou indiretos da AIDS, pois seu contorno não é tão
preciso, a ponto de podermos considerar essa doença fora da faixa de
probabilidade para nossas vidas. Isso nos leva à apreensão de que a
reafirmação dos preconceitos e a caracterização da AIDS como doença
estigmatizante se imponha como dominante e passe a orientar o nosso dia-a-
dia (CARMO, 2002, p. 22).
Todos esses aspectos abordados pelas autoras/pesquisadoras nos diversos
trabalhos apresentados, demonstram a vulnerabilidade e passividade com que as
mulheres têm se colocado diante dessa doença e o quanto esta necessita avançar, tanto
34
em termos de conscientização e condutas, mas principalmente em termos de mudança
de comportamentos. Está demonstrado que estar casado ou estar usando uma aliança
não protege, ao contrário, está provocando malefícios à mulher que não têm retorno. É
necessário que as mulheres adquiram conhecimentos a respeito do HIV/Aids e passem
a se conscientizar e buscar meios para se autocuidar e também a sua prole. A
enfermeira, como membro da equipe de saúde, poderá, com certeza, proporcionar um
auxílio importante no autocuidado dessas mulheres e seus filhos.
3 REFERENCIAL TEÓRICO
A história da enfermagem modificou-se após os registros de Florence
Nigthtingale, com a conseqüente instituição da enfermagem moderna, estabelecendo
um contraste entre a prática da Enfermagem exercida por pessoas preparadas para tal e
a prática anterior. Ainda que de forma empírica e sem consciência disso, Nightingale
atuou embasada num Modelo de Enfermagem (CARRARO, 1998).
A Enfermagem, assim como outras profissões, vem, ao longo do tempo,
construindo um corpo próprio de conhecimentos e firmando-se como ciência. As
Teorias da Enfermagem são construções teóricas, relativamente recentes da profissão e
se caracterizam como um corpo de conhecimentos científicos, filosóficos,
proporcionando, muitos deles, um construto para o processo de cuidar. Dentro desse
contexto, encontrei como suporte teórico para esta dissertação a Teoria do
Autocuidado de Dorothea Elizabeth Orem. Esta teoria, apesar de ter sido escrita há
vários anos, ainda é referência ao se tratar de autocuidado. Não é possível, dentro da
enfermagem, falar em autocuidado sem citar Orem.
Maia (1991), ao dissertar sobre competência do indivíduo para o autocuidado,
em sujeitos portadores de hipertensão, coloca que o autocuidado em doença crônica é
um processo de adaptação a uma nova forma de viver e conviver com as limitações na
procura da menor dependência dos agentes farmacológicos e da assistência dos
profissionais da saúde. No caso do HIV, em alguns momentos, a dependência
medicamentosa ou farmacológica é indispensável. Por outro lado, quanto à questão
dos profissionais da saúde, a independência e produção de ações de autocuidado à
saúde por parte do indivíduo são as resultadas de um atendimento adequado dos
profissionais de enfermagem quanto às questões referentes à educação em saúde,
distribuição de responsabilidades e de cuidado.
O HIV é um vírus ainda sem cura e atinge diretamente o sistema imunológico
do ser humano infectado. Dessa forma, uma vez adquirida, muitos cuidados são
36
necessários para manter a qualidade de vida. É neste momento que a enfermagem pode
e deve atuar, em especial, quando se trata da prevenção da transmissão vertical.
Explicar sobre o que é o vírus HIV, sua atuação sobre o sistema imunológico, a
necessidade de medicação durante a gestação e o parto, os cuidados com a não
amamentação, o uso de xarope pelo recém-nascido e todas as implicações em ser
portador de HIV e as necessidades de atitudes de autocuidado.
Em 1958, Orem (1995) teve uma intuição acerca do porquê os indivíduos
necessitam da ajuda da enfermagem e podem ser ajudados através dela. Essa reflexão
permitiu formular, então, seus conceitos sobre a enfermagem.
3.1 A biografia de Dorothea Elizabeth Orem
De acordo com Foster e Janssen (1993), Dorothea Elizabeth Orem nasceu em
Baltimore, Maryland, em 1914. Iniciou seus estudos em Enfermagem na Escola de
Enfermagem do Providence Hospital, em Washington, D.C., concluindo seu curso no
início dos anos 30. Em 1939, obteve grau de Bacharel em Ciências em Educação de
Enfermagem. Em 1945, o grau de Mestre em Enfermagem, pela Catholic University of
América, USA. Nessa época, tornou-se Diretora da Escola de Enfermagem do
Hospital da Providência e Diretora do Serviço de Enfermagem do Hospital de Detroit.
Durante sua carreira profissional, trabalhou como enfermeira particular em uma
equipe, como educadora e administradora e consultora de enfermagem.
Entre 1949 e 1957, foi assessora de Serviços Institucionais do Conselho de
Saúde do Estado de Indiana e, posteriormente, entre 1958 e 1959, participou como
consultora para a Secretaria de Educação do Departamento de Saúde, Educação e
Bem-estar de um projeto que tinha como objetivo melhorar o treinamento de
enfermagem prática (vocacional). Esse trabalho levou-a a investigar questões
relacionadas à: “que condições existem na pessoa quando essa pessoa ou outras
determinam que ela deva estar sob cuidados de enfermagem?” Sua resposta envolvia a
idéia de que a enfermeira é o “outro eu”. Essa idéia migrou para o seu conceito de
enfermagem de “autocuidado”. Percebeu, então, que quando as pessoas são capazes,
37
cuidam de si mesmas. Quando uma pessoa não consegue autocuidar-se, o enfermeiro,
então, oferece ajuda e pode cuidar (FOSTER ; JANSSEN, 1993, p. 91)
No ano de 1959, o conceito de Enfermagem de Orem foi publicado pela
primeira vez como autocuidado. Em 1965, ela se uniu a vários outros catedráticos da
Catholic University of América para formar o Comitê Modelo de Enfermagem
(Nursing Model Commitee). Em 1968, um setor do Nursing Model Commitee
contribuiu seu trabalho através do Nursing Development Conference Group (NDCG).
Esse grupo foi formado para produzir uma estrutura conceitual para a enfermagem e
estabelecer a disciplina de enfermagem. Seus resultados estão publicados no “Concept
Formalization in Nursing”: Process and Product, respectivamente, em 1973 e 1979
(FOSTER; JANSSEN,1993, p. 92).
A partir de 1970, Orem passa a dedicar-se a sua empresa de Consultoria,
denominada de Orem & Shilds, em Chevy Chase, Maryland. Posteriormente,
desenvolveu seus conceitos de autocuidado e, em 1971, publicou “Nursing:concepts of
practice”. A segunda, a terceira e a quarta edições de sua proposta teórica foram
publicadas em 1980, 1985 e 1991, respectivamente. A primeira edição centralizava o
foco no indivíduo, a segunda foi ampliada para incluir as unidades multipessoais
(famílias, grupos, comunidade). A terceira edição voltou-se para a Teoria Geral de
Enfermagem de Orem, que é formada por três constructos teóricos: (1) a teoria do
autocuidado, (2) a teoria dos déficits de autocuidado e (3) a teoria dos sistemas de
enfermagem (FOSTER; JANSSEN,1993, p. 92).
3.2 A Teoria Geral do Autocuidado
Para Orem (1995), o cuidado é uma palavra usada para significar diferentes
coisas em diferentes contextos. Na profissão de cuidado da saúde, é comumente usada
com o senso de tomar conta, cuidar. Cuidar significa assistir, ser responsável por, fazer
provisões de ou para, cuidar de algumas pessoas ou de algumas coisas. Agente de
cuidado é o termo geral. Na profissão saúde, as pessoas qualificadas para cuidar outras
sobre condições específicas são os profissionais como: enfermeiros, assistentes sociais,
38
fisioterapeutas e outros (OREM, 1995).
E, a enfermagem, vista como cuidado, de acordo com Orem (1995), é
necessariamente entendida como uma parte da referência de quando e por que o
indivíduo ou o grupo precisa ser ajudado através da enfermagem e dos tipos de ações
que são válidos e confiáveis em cada necessidade.
De acordo com Orem, a enfermagem tem como especial preocupação a
necessidade de realizar ações de autocuidado ao indivíduo e o oferecimento e controle
disso está em uma base contínua para sustentar a vida e a saúde, recuperar-se da
doença ou ferimento e compatibilizar-se com seus efeitos (FOSTER; JANSSEN,1993,
p. 92). Orem considera que as pessoas desejam e podem se tornar aptas no seu
autocuidado, podendo os profissionais de enfermagem assumir esta tarefa, quando as
pessoas não apresentam condições para fazê-lo por si próprias (LEOPARDI,1999, p.
75).
Orem desenvolve sua Teoria Geral de Enfermagem, em três partes relacionadas:
A Teoria do Autocuidado
A Teoria de Déficit de Autocuidado
A Teoria de Sistemas de Enfermagem
3.2.1 A Teoria do Autocuidado
Para Orem (1995), o autocuidado é a ação madura das pessoas que
desenvolveram a capacidade de cuidar delas mesmas e de suas situações em seus
ambientes; a agência ou o poder de agir deliberadamente para regular fatores internos
e externos que afetam seu próprio desenvolvimento e funcionamento. Ele também é
entendido como a condução voluntária do comportamento, guiado por princípios que
dão duração para a ação. Em termos de ego, na psicologia, ele é o comportamento do
ego processado. O autocuidado também é entendido como atividade de aprendizagem,
aprendida através de relação interpessoal e da comunicação. As pessoas adultas são
vistas como tendo o direito e a responsabilidade de cuidar de si mesmas e manter a sua
própria vida racional e saudável e, conseqüentemente, ter tais responsabilidades por
pessoas socialmente dependente delas.
A Teoria do Autocuidado engloba o autocuidado, a atividade de autocuidado e
39
a exigência terapêutica de autocuidado, bem como os requisitos para o autocuidado. A
prática de atividades, iniciada e executada pelo indivíduo em seu próprio benefício,
para a manutenção da vida, da saúde e do bem estar. O autocuidado efetivamente
executado contribui, de maneira específica, para a integralidade da estrutura humana,
para o funcionamento da pessoa e para seu desenvolvimento (FOSTER;
JANSSEN,1993, p. 91).
Orem (1995), ao citar os fatores básicos condicionantes para o autocuidado,
inclui: idade, gênero, estado de desenvolvimento, estado de saúde, orientação sócio-
cultural, recursos disponíveis nos sistemas de saúde, fatores ambientais, entre outros.
Essa autora esclarece que os requisitos de autocuidado são formulados sobre as
ações que são conhecidas como necessárias para o regulamento dos aspectos do
funcionamento e do desenvolvimento humano. Os tipos de requisitos de autocuidado
são: universal, desenvolvimental e de desvio de saúde. Esses requisitos podem ser
definidos como ações voltadas para a provisão de autocuidado.
Requisitos universais de autocuidado: estão associados a processos de vida e à
manutenção da integridade da estrutura e funcionamento humanos, são comuns a todos
os seres humanos durante o ciclo vital. Orem (1995) identifica como requisitos de
autocuidado:
1. A manutenção de ingestão suficiente de ar;
2. A manutenção de ingestão suficiente de água;
3. A manutenção de ingestão suficiente de alimento;
4. A provisão de cuidados, associada a processos de eliminação e excreção;
5. A manutenção de um equilíbrio entre atividade e descanso;
6. A manutenção de um equilíbrio entre solidão e interação social;
7. A prevenção de riscos à vida humana, ao funcionamento humano e ao
bem-estar humano;
8. A promoção do funcionamento e desenvolvimento humanos, em grupos
sociais, conforme o potencial humano, limitações humanas conhecidas e
o desejo humano de ser normal.
Os requisitos desenvolvimentais de autocuidado: são requisitos de autocuidado
40
referentes ao desenvolvimento humano. Estes se classificam principalmente em etapas
específicas do desenvolvimento humano e em condições e eventos de vida
(nascimento, infância, adolescência, gestação e velhice) que o afetam.
Para Orem (1995), cada indivíduo se desenvolve como um ser humano único na
sociedade e, em cada uma das etapas de desenvolvimento, devem ser considerados os
requisitos de autocuidado universal, porque podem haver exigências específicas de
saúde, de acordo com a etapa de desenvolvimento pelo qual o indivíduo está passando.
Os requisitos de autocuidado relacionados às condições que afetam adversamente o
desenvolvimento humano implicam na provisão de cuidados. Estes cuidados devem
visar à prevenção dos efeitos negativos destas condições e buscar suavizar ou superar
estes efeitos.
Os eventos do ciclo vital são reconhecidos por Orem (1995) como essenciais
para os processos naturais de desenvolvimento de uma pessoa. Estar à mercê das
condições adversas poderia representar uma oportunidade crescente das capacidades
que tem o indivíduo de enfrentar suas próprias necessidades de autocuidado.
Os requisitos de Autocuidado nos desvios de saúde: estes requisitos fazem-se
necessários no momento em que as pessoas encontram-se doentes, com diagnóstico de
patologias específicas, incluindo defeitos e incapacidades. Durante uma enfermidade é
necessário mudança na estrutura humana, no funcionamento físico e nos hábitos
diários, em que as pessoas focalizam suas atenções nelas mesmas. Os requisitos para o
autocuidado por desvio de saúde são:
1. Busca e garantia de assistência médica adequada;
2. Conscientização e atenção aos efeitos e resultados de condições e estados
patológicos;
3. Execução efetiva de medidas prescritas pelo médico;
4. Conscientização e atenção, ou regulagem de efeitos desagradáveis ou
maléficos de medidas prescritas de cuidados médicos;
5. Modificação do autoconceito (e da auto-imagem), na aceitação de si
como estado um estado especial de saúde e necessitando de formas
específicas de cuidados de saúde;
41
Está relacionado também ao aprendizado da vida, associado aos efeitos de
condições e estados patológicos, bem como de efeitos de medidas de diagnóstico e
tratamento médicos, em um estilo de vida que promova o desenvolvimento contínuo
do indivíduo (FOSTER; JANSSEN,1993, p. 92).
3.2.2 A Teoria do déficit de autocuidado
A teoria de Déficit de autocuidado constitui a essência da teoria geral de
enfermagem, uma vez que se delineia quando há necessidade da enfermagem. A
enfermagem passa a ser exigência quando um adulto acha-se incapacitado ou limitado
para prover seu autocuidado contínuo e eficaz. Orem (1995) identifica cinco métodos
de ajuda:
1. Agir ou fazer para o outro;
2. Guiar o outro;
3. Apoiar o outro (física ou psicologicamente);
4. Proporcionar um ambiente que promova o desenvolvimento pessoal
quanto se tornar capaz de satisfazer demandas futuras ou atuais de ação;
5. Ensinar o outro.
Orem apud Foster e Janssen (1993) identifica cinco áreas de atividade para a
prática da enfermagem:
1. Iniciação e manutenção das relações enfermeiro-cliente, com pessoas,
famílias ou grupos, até que os clientes possam, realmente, ser
dispensados da enfermagem.
2. Determinação da possibilidade de os clientes serem ajudados pela
enfermagem e a maneira como isso pode se dar.
3. Resposta às solicitações, desejos e necessidades dos clientes, de contato
e ajuda de profissionais de enfermagem.
4. Prescrição, oferecimento e regularidade de ajuda direta a clientes e seus
outros importantes, sob a forma de serviços da enfermagem.
5. Coordenação e integração dos serviços de enfermagem com a vida diária
42
do cliente com outros cuidados de saúde necessitados ou sendo recebidos
e com outros serviços de caráter social ou educativo, necessário ou sendo
recebidos.
3.2.3 A Teoria de Sistemas de Enfermagem
A Teoria de Sistemas de Enfermagem baseia-se nas necessidades de
autocuidado e nas capacidades do cliente para a execução de atividades de
autocuidado. Orem identificou três classificações de sistemas de enfermagem para
satisfazer aos requisitos de autocuidado do paciente: 1. O sistema totalmente
compensatório; 2. O sistema parcialmente compensatório e 3. O sistema de apoio-
educação.
1. O Sistema totalmente compensatório: ocorre nas situações em que o
indivíduo se apresenta incapacitado para atender suas necessidades de
autocuidado, ficando na dependência do profissional.
2. O Sistema parcialmente compensatório: representado por uma situação
em que o cliente apresenta algumas dificuldades de competência para
atender suas necessidades de autocuidado. Nesta situação, tanto o
enfermeiro/a quanto o cliente executam medidas ou outras ações de
cuidado.
3. O Sistema de apoio-educação: situa-se quando o indivíduo necessita de
assistência de enfermagem para adquirir habilidades e competências,
aprendendo a executar ações de autocuidado, de acordo com suas
necessidades. As exigências do cliente quanto ao autocuidado resumem-
se à tomada de decisões, controle do comportamento e aquisição de
conhecimentos e habilidades. A enfermagem e o cliente entram em
acordo no desenvolvimento das ações de autocuidado e seu principal
papel aqui é o de promover o cliente a um agente cuidador (FOSTER;
JANSSEN, 1993).
43
3.3 Conceitos Relacionados ao Estudo
A Teoria de Orem discute quatro conceitos principais: ser humano, saúde,
sociedade e enfermagem.
Ser humano
Segundo Orem (1995) os seres humanos diferem de outras coisas vivas por
possuírem algumas capacidades como: 1) a de refletir acerca de si mesmos e de seu
ambiente, 2) a de simbolizar aquilo que vivenciam e, 3) a de usar criações simbólicas,
idéias e palavras, no pensamento, na comunicação e no direcionamento de esforços
para realizar e fazer coisas que trazem benefício a si mesmos ou a outros. O
funcionamento humano integrado inclui aspectos físicos, psicológicos, interpessoais e
sociais e são inseparáveis do individual. Orem também refere que o ser humano possui
potencial para a aprendizagem e o desenvolvimento, sendo influenciado por fatores
como: idade, capacidade mental, estado emocional, situação econômica e social, a
cultura e a sociedade em que vive. Este ser humano necessita de informações e apoio
para que possa exercer seu autocuidado e também do seu filho, na busca de um viver
mais saudável (OREM, 1995).
Sendo assim, o ser humano, tendo capacidade de refletir acerca de si mesmo, e
do meio em que vive, pode avaliar as situações nas quais esse meio o expõe e tomar
atitudes frente a isso. Neste estudo, o ser humano é compreendido como a
gestante/puérpera com HIV, sob uma perspectiva individual ou em grupo. Ela,
portanto, sofre a ação do meio na qual vive, é influenciada pela cultura de sua região,
idade, estado emocional, porém, ela possui a capacidade de ser humano que pensa,
reflete e age e pode modificar suas ações dependendo das informações e apoio que
receber para que, então, possa exercer seu autocuidado.
Saúde
Orem (1995) apóia a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), como
um estado de bem-estar físico, mental e social e não simplesmente a ausência de
enfermidade ou doença. Para ela, os aspectos físicos, psicológicos, interpessoais e
44
sociais da saúde são inseparáveis no indivíduo. Apresenta a saúde com base no
conceito de cuidados preventivos de saúde. Esse cuidado da saúde inclui a promoção e
manutenção da saúde (prevenção primária), o tratamento da doença ou ferimento
(prevenção secundária) e a prevenção de complicações (prevenção terciária).
No caso das gestantes/puérperas com diagnóstico positivo, o ser humano é
susceptível às influências que poderão ocasionar alterações no seu estado bio-psico-
social. Embora o conceito de doença não esteja explícito nos conceitos de Orem, neste
caso, existe um diagnóstico e a saúde deste ser humano está necessitando dos cuidados
da saúde citados por Orem (1995), como a promoção, manutenção da saúde e
tratamento para prevenir complicações para ela mesma e para seu filho (transmissão
vertical).
A saúde neste estudo está diretamente ligada ao que as gestantes/puérperas
entendem por saúde, pois apesar de possuírem um diagnóstico como o vírus ou a
doença, elas podem se sentir saudáveis e conviver com o meio sem dificuldades. Este
processo vai depender de encontrar novas maneiras de se adaptar à doença e ao meio
onde vivem, desenvolvendo novas habilidades para o seu autocuidado e o cuidado do
seu filho.
Sociedade
O conceito de sociedade/comunidade é explicado por Orem como um grupo
de pessoas que vivem juntas numa mesma área, cidade ou distrito sob as
mesmas leis. Este grupo, segundo Orem, constituído de indivíduos e
famílias, compartilham não somente uma área e ambientes comuns, mas
também de interesses comuns nas instituições que governam e regulam seus
processos de vida (OREM apud FOSTER; JANSSEN, 1993, p. 96).
Desta forma, considerando as gestantes e/ou puérperas inseridas em um
contexto social, sofrendo influências do meio, para ser possível realizar este estudo de
motivação para o autocuidado, devem ser considerados os valores individuais e
coletivos, vislumbrando que esses irão influenciar decisivamente nas ações de
autocuidado das gestantes e/ou puérperas portadoras do vírus HIV.
Enfermagem
Para Orem (1995), a enfermagem como cuidado, é necessariamente entendida
45
como uma parte da referência de quando e por que o indivíduo ou o grupo precisa ser
ajudado através da enfermagem e dos tipos de ações que são válidos e confiáveis em
cada necessidade.
A enfermagem tem sido descrita como serviço humano preocupado com a
saúde e o bem estar do individuo e do grupo. Mais especificamente tem sido descrita
como serviço de ajuda preocupada com auxiliar indivíduos a alcançar objetivos por
eles mesmos, os quais não são capazes de realizar sem ajuda de outros. A forma ou
estrutura da prática da enfermagem se deriva da natureza da enfermagem com o
serviço humano com exigência de encontro e interação social, como também da ajuda
e cuidado como característica da enfermagem.
É um mundo de experiências com pessoas, de busca de informação, de julgar
e de agir, e agir para alcançar os resultados previstos, que cumprem com os
requisitos existentes ou projetados para as pessoas pela enfermagem. Isto
também é a procura e a construção do conhecimento (OREM, 1995, p. 4).
Isso significa que a enfermagem deve ter a percepção de quando o indivíduo
precisa ser ajudado, procurando sempre, a manutenção da saúde e do bem estar deste
indivíduo, avaliando suas ações de maneira tal que em nenhum momento venha a
prejudicá-lo. A enfermagem tem, portanto, a característica de interação social,
buscando a troca de experiências para a construção do conhecimento.
Assim, no contexto das gestantes e/ou puérperas soropositivas, o papel do
enfermeiro/a é trabalhar junto com estas para promover ajuda, fornecendo apoio e
subsídios para ela então recuperar a responsabilidade por si e pelo bebê, tendo em vista
que este depende em muito do seu autocuidado para ter a oportunidade de um viver
saudável diante da problemática da transmissão vertical.
Além disso, reforçando sempre, a construção do conhecimento, em uma relação
de colaboração entre enfermeiro/a e gestante/puérpera com HIV, na busca do
desenvolvimento de ações efetivas de autocuidado, promovendo melhorias na sua
condição de conviver e viver com HIV.
4 METODOLOGIA
4.1 Tipo de pesquisa
Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo convergente-assistencial. A
principal característica desse tipo de pesquisa consiste na sua articulação intencional
com a prática. Com isso, as ações de assistência vão sendo incorporadas no processo
de pesquisa e vice-versa. A articulação da pesquisa convergente assistencial com a
prática assistencial ocorre principalmente durante a coleta de informações quando os
participantes da pesquisa (pesquisadores e componentes da amostra) se envolvem na
assistência e na pesquisa (TRENTINI; PAIM, 2004).
Este tipo de pesquisa não se propõe à generalização; pelo contrário, é
conduzida para descobrir realidades, resolver problemas específicos ou
introduzir inovações em situações específicas, em determinado contexto da
prática assistencial; portanto, se caracteriza como trabalho de investigação,
porque se propõe a refletir a prática assistencial a partir de fenômenos
vivenciados no seu contexto, o que pode incluir construções conceituais
inovadoras. O ato de assistir/cuidar cabe como parte do processo de
pesquisa.
A pesquisa assim compreendida valoriza o “saber pensar” e também o “saber
fazer”. A prática assistencial de enfermagem necessita ser renovada e, para
isso, precisa ir além do simples “fazer” que se traduz em seguir,
automaticamente, determinações procedentes de um conhecimento
preestabelecido (TRENTINI; PAIM, 2004, p. 29).
4.2 Contexto do estudo
O estudo foi realizado em um Serviço de Atendimento Especializado em
DST/Aids (SAE) em um município do interior do estado do RS. O SAE deste
município está em funcionamento desde o ano de 1999. É constituído por equipe
multiprofissional (três médicos, sendo um clínico, um obstetra e um Pediatra, uma
47
enfermeira, uma auxiliar de enfermagem e uma assistente social). O serviço realiza o
acompanhamento de clientes com provável diagnóstico de HIV/Aids, realizando
exames - a testagem para HIV, carga viral e CD4, distribuindo medicação. É referência
para quarenta municípios desta região.
Esse serviço foi escolhido como local de coleta de dados por ser o serviço de
referência para as gestantes diagnosticadas durante o pré-natal, ou, anterior a ele, mas
que realizam seguimento de seu pré-natal nesta instituição.
4.3 Os sujeitos da pesquisa
Fizeram parte deste estudo dez gestantes/puérperas com HIV positivo. O
critério de corte foi a saturação e a repetição de dados. Como critério de inclusão,
utilizou-se:
Ser gestante/puérpera com diagnóstico de HIV;
Possuir condições físicas e de disponibilidade para vir ao SAE;
Ter interesse em fazer parte deste estudo.
Quadro 1: Caracterização das gestantes/puérperas com HIV participantes do estudo
A pesquisa contou com um total de dez mulheres gestantes/puérperas com HIV,
48
sendo sete puérperas. A idade variou de dezoito a trinta e nove anos, sendo a maioria
pertencente à faixa etária de vinte a vinte e cinco anos. Metade das pesquisadas têm
Ensino Fundamental Incompleto, quatro Ensino Fundamental Completo e apenas uma
Ensino Médio.
A maioria (oito) vive com um parceiro (são casadas ou vivem uma união
estável), sendo que sete deles com sorologia discordante. Oito vivem em casa alugada.
A renda média ficou compreendida entre 1,42 salários mínimos e 2 salários mínimos.
A maioria das pesquisadas trabalha fora, em indústrias da região e conta com o
rendimento do companheiro para ajudar nas despesas da família.
Metade das entrevistadas está em sua primeira gestação ou pariram o primeiro
filho e oito delas descobriram ser soro positivas nesta gestação.
O momento do parto e nascimento do filho caracteriza-se como um evento
importante na vida da mulher e de sua família. Atualmente tal evento tem sido
assistido por políticas de humanização da assistência, com vistas à integralidade dessa
assistência, sem abandonar a tecnologia e a valorização da cultura. A maioria das
mulheres deste estudo descobriu ser portadora de HIV durante a realização do pré-
natal. Isso significa que os profissionais da saúde devem, cada vez mais, estarem aptos
a atender com qualidade e humanização esta nova clientela que está surgindo.
Os resultados aqui encontrados em relação à idade materna, escolaridade e
época da descoberta de diagnóstico materno corroboram com os resultados
encontrados em outras pesquisas, que foram desenvolvidas em diferentes regiões do
Brasil. (FERNANDES; ARAÚJO; MEDINA-COSTA, 2005; CAVALCANTE et al.,
2004; SOUZA JUNIOR et al., 2004).
4.4 Coleta de dados
A coleta de dados teve início com a realização da disciplina do mestrado,
Projetos Assistenciais de Enfermagem em Saúde, desenvolvida no primeiro semestre
do ano de 2005, na qual se implementou a assistência de enfermagem com gestantes
com HIV, baseada na teoria do Autocuidado de Orem. Nessa oportunidade, foi
49
possível acompanhar efetivamente, apenas uma gestante, de um universo de quatro,
que naquele momento estavam em acompanhamento no SAE, pois uma delas não
aceitou participar da prática, outra evadiu para outro município, uma participou de
apenas um encontro e ganhou seu bebê, restando apenas uma. Porém, com esta
gestante foi possível desenvolver uma atividade longa, uma vez que ela apresentava
uma carência grande de acompanhamento terapêutico da profissional enfermeira.
Foi realizado o acompanhamento dessa gestante do pré-natal ao puerpério e,
neste momento, pôde-se refletir sobre a necessidade de incorporação de puérperas no
contexto desta pesquisadora, pois a prevenção da transmissão vertical estende-se até os
dois anos de vida do recém-nascido. Além disso, a compreensão da experiência
vivenciada no trabalho de parto e pós-parto imediato seria de suma importância para
compreender as inquietações iniciais da pesquisadora, sobre como as gestantes vêem
seu autocuidado diante das práticas de saúde necessárias para a prevenção da
transmissão vertical, durante a internação hospitalar para o parto.
Observando algumas falhas no processo de captação de dados, pelo instrumento
de coleta, foi realizada uma revisão, baseada em Orem (1995) e em outros trabalhos de
enfermagem que utilizaram este referencial. Melhorias foram buscadas e, para
avaliação e opinião, encaminhadas para as seguintes professoras doutoras em
enfermagem da UFSC: Betina H. S. Meirelles, Evanguelia K. A. dos Santos e a
doutoranda em enfermagem Ana R. C. R. Maia.
A partir daí e pela aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFSC e da
Secretaria de Saúde do Município em questão, a coleta de dados foi reiniciada. Em um
primeiro momento, foi realizado um contato telefônico, convidando-a para participar
do estudo. Diante de uma resposta afirmativa, agendou-se o encontro no SAE. A
opção por desenvolver as atividades de pesquisa apenas no serviço e não no domicílio
se deve pela necessidade de discrição da pesquisadora, pois muitos familiares não têm
conhecimento do diagnóstico destas gestantes/puérperas.
A coleta contou, finalmente, com duas etapas: encontros individuais e um
encontro em grupo. No primeiro encontro individual, a gestante/puérpera fora
informada sobre os objetivos do estudo e a relevância de sua participação. Também
fora aplicado um instrumento buscando identificar os requisitos de autocuidado
50
universais, de desenvolvimento e desvios de saúde, conforme a proposta de Dorothea
Orem (Apêndice A). Nesta mesma oportunidade, a gestante/puérpera era informada e
convidada para a segunda etapa.
A segunda etapa constituiu-se da realização de uma atividade grupal. Este
encontro foi utilizado como grupo focal, onde foram levantadas dúvidas da
pesquisadora ainda não sanada, guiado, inicialmente, por um instrumento (Apêndice
B). Ao mesmo tempo, foi oportunizada a troca de experiências por parte das
pesquisadas e foram trabalhados alguns déficits já identificados no decorrer das
entrevistas individuais.
Como foram coletados dados tanto em nível individual como coletivo, foi
implementado o processo de enfermagem de Orem. O encontro individual favoreceu o
conhecimento da gestante/puérpera de forma mais aprofundada e proporcionou que ela
expressasse mais abertamente seus problemas. E o encontro coletivo proporcionou
maior integração e socialização de problemas, idéias, soluções, compartilhamentos e
oportunidades de busca alternativas para minimizar os seus problemas. Estes encontros
foram muito importantes, porque em uma cidade do interior, as pessoas portadoras de
HIV/Aids são estigmatizadas e excluídas do meio social onde vivem.
As entrevistas e os encontros foram gravados em fita cassete após terem sido
autorizados pelas participantes. Posteriormente, foram transcritas na íntegra. Outra
forma de registro foi feita no Diário de Campo, destinado a registrar as observações
desta pesquisadora e os sentimentos logo após os encontros, a fim de não perder
percepções e dados que eram de extrema importância para o estudo.
4.5 Análise dos dados
A análise dos dados foi feita a partir da transcrição das fitas e das leituras
sucessivas de todo o material transcrito. Após, seguiram-se as fases estabelecidas por
Trentini e Paim (2004).
A fase da apreensão se iniciou com a organização dos relatos das informações e,
posteriormente, com a codificação destes, identificando as falas segundo o referencial
51
adotado nesse estudo, a Teoria Geral do Autocuidado de Dorotéa Orem.
A fase de categorização foi realizada a partir da codificação, quando estes
foram agrupados por semelhança, que culminaram em seis categorias: 1.O perfil da
amostra; 2. Os déficits de autocuidado; 3. Fatores que dificultam no engajamento do
autocuidado; 4. Fatores que contribuem no engajamento do autocuidado; 5. Mudanças
de atitudes e 6. Perspectivas para o futuro.
A fase da interpretação ocorreu a partir das categorias identificadas, quando
buscou-se interpretar os achados à luz de toda literatura obtida para esse estudo
(Referencial teórico e literatura sobre HIV/Aids) o que consistiu da possibilidade de
dar significado a estes achados e descobertas e contextualizá-los em situações
similares. Segundo Trentini e Paim, (2004), a intenção é de socialização de resultados
singulares.
4.6 Considerações éticas
Este estudo respeitou os quatros referenciais básicos citados na Resolução n°
196, de 10 de outubro de 1996, (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 1996) que
são: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça, bem como assegurou os
direitos e deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa
e ao Estado.
A proposta de pesquisa somente foi desenvolvida com a autorização dos
responsáveis pelas instituições envolvidas, a saber, a Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC) (Parecer Consubstanciado no. 045/06) e o Serviço de Atendimento
Especializado do município (Declaração 09/01/2006), quando se obteve Parecer
favorável das referidas Comissões de Ética dessas instituições. Após, a proposta foi
apresentada para as equipes envolvidas e só posteriormente foi implementada.
Quanto às participantes, no primeiro contato mantido, foram explicitados os
objetivos da investigação e a importância da participação destas. Em seguida, foram
feitas orientações em relação aos direitos de participarem ou não do estudo e do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido e suas implicações. Desta forma, foi garantido a
52
todas as participantes o direito de participar e/ou desistir em qualquer fase da
investigação, se assim o desejasse. Além disso, para o anonimato das participantes,
foram adotados os nomes de flores. Questões que surgiram ao longo do processo
foram discutidas também com a orientadora do trabalho, respeitando o direito de
todos.
5 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS DA PESQUISA
A partir dos objetivos propostos e da análise de dados, foram identificadas
algumas categorias de análise no estudo realizado com as gestantes/puérperas com
HIV, em atendimento em um serviço especializado em DST/Aids (SAE), de um
município de médio porte do interior do Estado do Rio Grande do Sul. Isso só foi
possível através de uma interação eficaz entre enfermeira e sujeitos do estudo. Essa
interação permitiu compreender algumas inquietações que foram surgindo durante a
prática profissional referentes ao ser gestante/puérpera portadora do vírus HIV, suas
necessidades bio-psico-sociais, suas relações com a família, sociedade, trabalho,
profissionais da saúde e o seu autocuidado diante de tudo isso.
Neste trabalho foi possível perceber as seguintes categorias de análise:
1. O perfil das participantes;
2. Os déficits de autocuidado relacionados com o HIV;
3. Fatores que dificultam no engajamento do autocuidado;
4. Fatores que contribuem no engajamento do autocuidado;
5. Mudanças de atitudes;
6. Perspectivas para o futuro.
5.1 O perfil das participantes
5.1.1 A descoberta do HIV
No início dos anos 80, o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) passou a
tomar notoriedade em nosso meio. Inicialmente, era chamado de peste gay, visto
encontrar-se disseminado nesse grupo. No entanto, com o passar do tempo, outros
grupos apresentaram o vírus, sendo denominados grupos de risco, aumentando a
54
discriminação às pessoas infectadas (NASCIMENTO, 2005).
O preconceito, a falta de informações, o “não é comigo” compuseram as
características mais importantes que acompanharam o surgimento dos
primeiros casos de AIDS no Brasil, e, de certa forma, estendem-se até hoje
formando idéias e representações que foram se sobrepondo umas às outras.
Avanços científicos e tecnológicos contribuíram para o desenvolvimento de
recursos diagnósticos, prognósticos e terapêuticos mais eficazes, sem que
isso correspondesse à diminuição da incidência e prevalência dos casos. A
AIDS deixou de ser “privilégio” de grupos para atingir populações diversas
(NASCIMENTO; BARBOSA; MEDRADO, 2005, p. 78).
Ainda hoje, a pessoa que adquire o HIV carrega um certo estigma em relação a
ser portador desse vírus. Ao descobrir-se soro positivo, vários conflitos pessoais e
familiares afloram. Ser portador de HIV é algo difícil de ser aceito por qualquer
pessoa, independente de questões econômicas, educacionais e sociais. Para as
gestantes/puérperas deste estudo, o momento da descoberta, em sua maioria, foi
durante o pré-natal, pois o teste para HIV é oferecido como rotina a todas as gestantes
do país. Esse resultado corrobora com os achados de outros estudos, nos quais a
maioria das gestantes com HIV descobriu sua sorologia no pré-natal (FRIEDRICH et
al., 2001), (CASTILHOS et al., 2002). Para elas, a descoberta trouxe conflitos pessoais
e familiares, pois o resultado modifica para sempre a vida de qualquer pessoa, em
especial, por ser uma doença ainda sem cura:
Olha, faz quase um ano que eu descobri que tinha HIV positivo. Foi durante
minhas consultas de pré-natal. Eu descobri porque fiz os exames e as gurias
me encaminharam para vir aqui conversar e pegar o resultado. Eu nem
imaginava! Quando elas me falaram, primeiro eu não acreditei, depois
fiquei uma semana trancada no meu quarto, foi difícil! Depois, conversando
aqui com as gurias, fui melhorando e comecei a tomar meus
remédios...Passei a tomar remédio pros nervos, fiquei com medo que
ninguém mais me aceitasse, minha mãe principalmente...depois deu tudo
certo, agora tô me cuidando....tudo que eu posso fazer.... (Amor perfeito).
Eu descobri quando eu tava grávida de três meses do meu nenê...Porque
quando eu fiquei sabendo, eu pensei que o mundo tinha acabado para mim e
pronto. Pensava que eu tinha pegado dele, que eu tinha usado mesmo
sabonete, pente, eu achava que se comia no mesmo prato pegava. Aí, mais o
medo que eu tava grávida e meu casamento tinha acabado e pronto. Só que
na hora, assim, te vêm muitas coisas na cabeça: vontade de matar, vontade
de sair correndo de não ver ninguém. Então, a enfermeira aqui, que me deu
o diagnóstico, eu tenho muita confiança nela... (Tulipa).
55
Ainda que a descoberta de serem soropositivas trouxesse alguns sentimentos e
modificações na vida destas mulheres, algumas relatam que foi muito importante a
realização do teste e a descoberta do resultado, pois do contrário, jamais teriam o
diagnóstico:
Eu não tenho a doença, só o vírus! Olha, no início é um desastre tu receber
uma notícia assim, mas eu tive muitas orientações! Que nem meu marido.
Outro ia brigar, mas ele me mandou ter calma. Muitas pessoas ficaram do
meu lado, então minha vida segue normal que nem minha vida de antes..
não mudou nada... Eu tive o diagnóstico agora na gravidez. Nos primeiros
dias foi muito difícil, porque eu pensei que eu tenho esse vírus, ele ainda não
tem cura.......mas daí passa e tu tem que seguir vivendo normal... como
qualquer outra pessoa... No começo foi assim chocante, mas depois eu acho
que ela veio numa hora boa, porque em primeiro lugar eu nunca ia
descobrir que eu tinha esse vírus, para mim eu acho que veio em boa hora.
Se eu não ia tá grávida eu não ia descobri! (Violeta)
Eu acho que chegou na hora certa porque senão eu nunca ia ficar sabendo!
(Orquídea)
Essas falas me fazem refletir sobre a importância que tem sido a
implementação, pelo Ministério da Saúde, da Política de Prevenção da Transmissão
Vertical, não só pela transmissão vertical propriamente dita, mas especialmente pela
oportunidade das mulheres terem acesso ao teste para HIV de maneira gratuita assim
como o seguimento do tratamento em serviços públicos especializados, os SAEs dos
municípios.
No que se refere à maneira como as gestantes/puérperas deste grupo adquiriram
o vírus, percebi que a maioria das mulheres tinha como parceiros usuários de drogas,
parceiros soropositivos ou parceiros fixos que não tinham conhecimento da sorologia:
Eu descobri durante a gravidez, nos exames. Meu marido fez o teste e deu
negativo....eu tive um outro namorado antes dele, que usava drogas, mas eu
acho que nem ele sabia. Eu não tenho mais contato com ele, pois eu morava
em São Paulo, agora tô aqui.... (Crisântemo)
56
Eu peguei assim de uma relação assim meio forçada. Eu não queria e
aconteceu e daí eu peguei...porque quando isso aconteceu logo eu fiquei
sabendo que ele morreu de uma infecção por causa que ele levou uma
facada. Ele era um drogado e várias coisas e daí eu fiquei sabendo e depois
de um tempo que eu vim fazer o exame.. (Margarida)
Eu descobri que estava infectada pelo vírus do HIV na gravidez, mais ou
menos no terceiro mês. Mas eu já desconfiava, porque ele tem há mais ou
menos cinco anos. Temos outras duas filhas, uma de oito e outra de dois
anos. Depois da primeira filha, nós ficamos separados um tempo. Quando
voltamos, ele tinha essa coisa. Da outra, o médico fez o teste e eu não tinha
nada. Eu dei de mamá no hospital, mas em casa não, pois eu tinha medo de
passar para ela. Já queria ter feito o teste antes, mas tinha medo, então
agora fiz... (Rosa)
Essa última fala me faz refletir sobre algumas coisas, como, por exemplo, a
vulnerabilidade feminina diante da doença. Nesse caso, a falta de poder para a
negociação sexual do uso da camisinha, bem como, a dificuldade de entendimento da
doença fez com que ela se contaminasse. Na fala a seguir, fica evidente a falta de
entendimento do risco de contaminação por parte da paciente:
Tu sabe, ele tá naquela fase que eu tava, porque tu tá um tempo com uma
pessoa que tem e tu não pega. Daí tu fica achando que tu nunca vai pegar.
Só que daí, um dia, tu faz um exame e dá positivo e já era! Eu tinha ficado
grávida outra vez e não tinha dado nada só que desta vez foi! Ele tá bem, ele
não precisa nem de remédio! (Rosa)
Em contrapartida, a descoberta do parceiro quanto à sorologia da
gestante/puérpera foi interessante e revelou uma postura compreensiva diante da
situação:
A enfermeira chamou meu marido aqui para conversar e dizer o que tinha
acontecido. Ela ficou sozinha com ele e fez aquele testezinho feito na hora,
né?! E o dele deu negativo. E eu escutando tudo do lado de lá da porta.
Pensei, não, agora meu casamento acabou mesmo, querendo ou não. Aí, eu
já tava acabada de tanto chorar, né! Aí ele entrou lá dentro ele me abraçou,
sabe? Daí ele queria conversar comigo e saber e eu dizia que não. Não
queria mais conversa, que eu sabia que tinha terminado tudo e ele dizendo
que nóis temo uma filha, né, e tudo, mas pra mim tava eu pensando e depois,
né... como é que vai ser? Vou tê uma filha positiva, né e o mamá? (Tulipa)
57
Bom, pra mim, na época que eu descobri, eu tava com outro. Agora eu
arrumei outro. Foi difícil pra mim falar! Bah, meu Deus, como é que eu
falo! Como é que eu não falo! Bom, quando eu descobri, meu ex-marido me
aceitou. Tava tudo bem. Mas daí o meu amor acabou e eu pensei que eu não
ia conseguir outra pessoa que me aceitasse com esse vírus. Mas daí eu me
apaixonei por outro! Olha, eu chorei, daí eu conversei com ele e disse que
eu não ia me sentir bem, porque o importante de uma relação é a confiança.
Ele aceitou tão bem, melhor do que eu até! (Amor Perfeito)
Geralmente, quando da descoberta da soropositividade há uma suspensão
momentânea das investidas afetivas e sexuais. A revelação do status soropositivo pode
representar a ruptura de relacionamentos tradicionais, uma redefinição dos papéis de
gênero e a assunção de identidades consideradas pelo grupo de referência como
desviante, como traidor/infiel, homossexual, usuário de drogas, profissionais do sexo,
dentre outros ... (MAKSUD, 2002).
Isso demonstra o porquê de tanto receio em revelar o seu estado de
soropositivo, uma vez que isso pode revelar práticas sexuais e comportamentais nem
sempre tradicionais. Nesta pesquisa, a revelação ao parceiro não representou a ruptura
nas relações. Pelo contrário, na maioria dos casos, o parceiro sorodiscordante é a única
pessoa da família que tem conhecimento do diagnóstico e oferece apoio, como será
demonstrado na rede de apoio familiar.
Algumas gestantes/puérperas revelaram que apesar de terem descoberto seu
estado soropositivo nesta gestação, durante seus exames de pré-natal, já estavam
desconfiadas de seu diagnóstico em virtude de doações de sangue. A doação de sangue
também tem sido um importante meio para a sociedade descobrir a sorologia diante do
HIV, pois também é obrigatória sua testagem, entre outras, para poder viabilizar a
transfusão sangüínea:
Eu tenho outros filhos, um com nove e o de doze anos que eu te falei e o meu
nenê, e eu descobri nesta gravidez com uns oito meses, é que eu fui para
fazer e não tinha as coisas...e ... depois eu fui deixando e quando fiz veio
logo o resultado e as gurias me falaram.... mas eu já desconfiava que tinha
alguma coisa... É que uma vez uma vizinha se operô em Porto Alegre e nós
tinha que ir lá para doar sangue, isso faz uns cinco anos e então depois eu
recebi uma carta para ir lá e eu fiquei com medo e não fui... fiquei
58
imaginando mil coisas....a gente conhece muita gente que até morreu disso
lá na vila onde eu morava antes...eu fiquei com aquilo, depois me
esqueci....e quando era pra fazer pro pré-natal eu tive medo, eu até sonhei
que eu tinha, e quando eu sonho...é porque acontece mesmo, então eu
sabia... (Hortência)
Eu descobri porque ele foi doá sangue para um parente dele, dia 31 de
dezembro e aí chamaram ele e deram o resultado. Eu já tinha feito os
exames da gravidez e não tinha jeito de dar certo, dava indeterminado. Mas
aí eu achei que era certo que eu também ia ter. Eu nunca tinha feito teste
para HIV antes, tinha feito outros exames mas não este de HIV. Ah, foi um
choque! Mas fazer o quê? Tem que aceitar, aconteceu... daí vida normal!
(Orquídea)
A forma como a pessoa recebe a informação sobre o resultado de um teste de
laboratório é de suma importância para o enfrentamento do diagnóstico. Atualmente
nenhuma pessoa pode coletar exame para HIV sem participar de um aconselhamento,
seja ambulatorial ou hospitalar, bem como, receber o resultado, seja ele positivo ou
negativo, sem o devido aconselhamento. Além disso, este resultado deve ser dado por
profissionais devidamente capacitados para o enfrentamento de reações inesperadas:
Ah, eu tava baixada com suspeita de câncer no útero e com pontada forte no
pulmão. Tava magra, magra, magra, não caminhava mais, não conseguia
comer, doía até pra pentear os cabelos, não podia sentar na cama, nem
botar assim os pés no chão! Tava com trinta e oito quilos, mas eu achei que
era por causa do câncer e da pontada. Daí, um dia a médica veio e disse
que ia fazer o exame de HIV. A guria do laboratório também falou, mas eu
tava achando que ia morrer de pontada, nem tava querendo saber daquilo.
Depois que eu melhorei, ganhei alta, fui chamada pra vir aqui. Aqui mesmo
nesta cadeirinha que eu estou sentada hoje. Faz três anos, mas eu não sei há
quanto tempo eu tenho por que não sei onde que eu peguei. Ter tido o
resultado aqui foi ótimo. Pois por mais que as gurias têm aquele carinho,
paciência especial eu já queria me matar! Imagina se fosse de qualquer jeito
no hospital? Eu já tava procurando corda, faca, pra me matar!! Pensei:
como vou contar isso pros meus pais, pros meus amigos pros meus
filhos?!...Quando me bate um desespero ou eu vou na mãe ou eu venho aqui
porque as gurias sempre atendem a gente bem ...às vezes uma propaganda
na TV, no rádio...meu Deus do céu!!! Eu tenho isso!!! Então, depois que eu
vim aqui, eu continuei a tomar os remédios, aqueles iguais ao do hospital,
um pontudinho amarelo e uns outros, tomava quatro, hoje em dia tomo dois
só. (Girassol)
Pediram pra mim fazer exame de sangue. Eu tava uns dois mês grávida. Daí
pediram para mim vir aqui. Daí me explicaram. Tu sabe como elas são,
59
falam tudo direitinho, com calma, mas eu não acreditei... chega me dá água
nos olhos de fala...eu pensei em me matar, mas aí eu fiz que não acreditei..
(Jasmim)
Todas essas informações, referentes à descoberta do HIV neste grupo de
mulheres, me fazem pensar o quanto nós, profissionais da saúde, devemos estar
preparados para enfrentar esta doença. Em primeiro lugar, pelo estigma que a Aids
carrega desde sua descoberta, por ser uma DST, entre outros fatores. Em segundo
lugar, por ainda não ter cura e, portanto, descobrir-se ser soropositivo é desastroso
para qualquer pessoa.
O HIV infecta as células do sistema imunológico, especialmente as células
T, levando a uma severa imunodepressão e tornando a pessoa mais suscetível
a doenças infecciosas. Quando uma pessoa tem AIDS, isso significa dizer
que o vírus já causou danos suficientes ao sistema imunológico, permitindo
que infecções e alguns tipos de câncer se desenvolvam. (BRASIL, 2004b)
Devemos ter clara a dimensão da nossa participação neste contexto, pois uma
palavra mal empregada pode ter grandes significados, assim como uma abordagem
adequada pode amenizar o impacto deste diagnóstico no portador do vírus do HIV e
ser motivo para influenciar positivamente no seu autocuidado.
5.1.2 O conhecimento acerca da doença
Há alguns anos, receber o diagnóstico de Aids era quase uma sentença de
morte. Atualmente, porém, a Aids já pode ser considerada uma doença crônica. Isso
significa que uma pessoa infectada pelo HIV pode viver com o vírus por um longo
período sem apresentar nenhum sintoma ou sinal. Isso tem sido possível graças aos
avanços tecnológicos e às pesquisas que propiciam o desenvolvimento de
medicamentos cada vez mais eficazes. Deve-se, também, à experiência obtida ao longo
dos anos por profissionais de saúde.
Existem muitos estudos sobre a qualidade de vida de portadores de HIV. Canini
et al. (2004) desenvolveram uma revisão de literatura sobre as produções referentes a
60
isso e constataram que nos últimos cinco anos, a maioria dos estudos sobre a temática
está sendo desenvolvida nos Estados Unidos. Porém, a Aids hoje é uma doença com
distribuição mundial e, segundo dados epidemiológicos, acomete parcela importante
da população brasileira, o que remete ao conhecimento da necessidade de
desenvolvimento de pesquisas na área.
Neste sentido, Castanha et al. (2005), em seu estudo sobre qualidade de vida de
soropositivos para o HIV, coloca que, apesar da evolução terapêutica, observa-se,
ainda hoje, a associação com a morte e todo o sofrimento que lhe é pertinente. Neste
estudo, as mulheres entrevistadas representaram a Aids como uma doença que traz
com ela o preconceito e que uma das maneiras de enfrentá-lo é através da esperança e
do suporte que pode vir através da religiosidade objetivada na figura de Deus. No
grupo dos homens, a qualidade de vida está associada ao trabalho e ao apoio advindo
da amizade. A Aids foi representada enquanto uma doença que pode trazer inúmeras
conseqüências psicossociais, profissionais, familiares e orgânicas. E que, a qualidade
de vida abrange diferentes domínios, tais como: o domínio psicológico, relações
sociais, ambiente aspectos espirituais.
Todos esses fatores possibilitam aos portadores do vírus terem uma sobrevida
cada vez maior e com melhor qualidade. Com isso, reforço a importância que nós
profissionais da saúde temos em dar condições ao portador de HIV enfrentar melhor o
fato de ser soropositivo. Uma das maneiras de apoio pode ser a educação e o
esclarecimento sobre o significado de ter HIV. Nessa pesquisa, todas as
gestantes/puérperas estão em atendimento em um serviço especializado, por isso,
revelaram ter conhecimento acerca do HIV e da Aids, das formas de transmissão e o
diferencial entre ser portador de HIV ter Aids, como pode ser observado nas falas:
Sim, eu sei alguma coisa sobre meu problema, sei que é um vírus, eu não tô
doente ainda, tenho que tomar sempre meus remédios, sei como pega, como
passa e não passa, acho que já sei de tudo! Mas sei que vai chegar uma
hora que eu vou cair e não vou levantar mais. (Girassol)
Ah, sobre o HIV, eu sei que eu tô bem, que tenho que me cuidar...sei como se
pega, como não se pega, que não tem cura...Tem que se cuidá, usar
camisinha, ninguém tá livre. (Amor Perfeito)
Sobre o HIV eu sei um monte de coisa. Sei que é um vírus, que ainda não
tem cura, mas não é a doença, que eu tenho que me cuidar, fazer meus
61
exames, usar preservativo...acho que eu já sei tudo sobre isso, já li, as
gurias já falaram. (Orquídea)
O que eu sei é que eu tenho que me cuidar para não me cortar e estas coisas
porque tu te sente fraca, o resto é normal....sei que eu tomo remédio para
baixar a carga viral e só! (Margarida)
Fica evidente a importância de proporcionar ao portador de HIV o
conhecimento acerca do vírus HIV e da Aids, a diferença entre elas e suas relações. O
conhecimento servirá de suporte desde a descoberta do HIV, pois existe um impacto
diferente entre saber que se é soropositivo ou que se tem Aids, a doença instalada.
5.1.3 Sentimentos em relação à não amamentarem
O vírus HIV pode ser transmitido de uma mãe contaminada pelo HIV para seu
bebê. Isso é chamado de transmissão vertical (TV). Ela pode ocorrer durante a
gravidez, durante o trabalho de parto, o parto e a amamentação.
Os riscos dependem:
Da duração da amamentação: quanto mais tempo a amamentação durar,
maior o risco de TV. Acredita-se que o risco seja de mais ou menos 5%
nos primeiros seis meses, 10% durante os primeiros 12 meses e 15-20%,
se o bebê for amamentado por 24 meses;
Da saúde do seio: o risco é maior se os mamilos racharem ou sangrarem,
ou se o seio estiver com feridas ou inflamado (mastite, abscesso na
mama);
De quando a mãe se contaminou com o HIV: o risco de TV é maior se a
mãe se contaminar durante a gravidez ou quando estiver amamentando;
Do estado imunológico da mãe: o risco é maior, se a imunidade da mãe
estiver baixa, como por exemplo, devido à má-nutrição ou por que ela
está em um estágio avançado da doença causada pelo HIV.
(ASHWORTH, 2006).
62
As mães portadoras do HIV têm uma escolha difícil, principalmente se viverem
em condições sócio-econômicas desfavoráveis. No Brasil, todas as puérperas com HIV
têm acesso ao leite artificial para seu filho, saem da maternidade com quatro latas de
leite artificial e, após, continuam recebendo em nível ambulatorial. Essa política é de
suma importância, pois a UNICEF calcula que para cada criança que morre por causa
do HIV através da amamentação, muitas morrem porque não são amamentadas.
Assim, assegurar que as crianças serão alimentadas adequadamente é garantir que toda
a política de prevenção da transmissão vertical seja efetiva e benéfica para o recém-
nascido (ASHWORTH, 2006).
Dessa forma, a gestante com HIV recebe orientação durante todo o pré-natal
sobre o fato de não amamentar, porém, isso causa um grande sofrimento às mulheres,
pois amamentar é inerente ao fato de ser mãe, além de ser amplamente divulgada na
mídia a importância do leite materno na nutrição da criança. Vários trabalhos foram
publicados revelando o sofrimento da mulher mãe com HIV sobre o ato de não
amamentar. Paiva e Galvão, (2004) e Santos (2004) encontraram resultados
semelhantes aos apresentados pelas gestantes/puérperas deste estudo que revelou
sentimentos de dor e padecimento, como o encontrado nestas falas:
Eu falei o tempo todo que eu não tinha leite. Mas pura mentira eu tava com
os peitos cheios! Com uns peito desse tamanho e como doía! Os
comprimidos para secar o leite que a gente ganha no hospital não adiantou,
eu tive que tirar em casa, parecia uma vaca leiteira! Eu fiquei sofrendo! O
que tinha! Latejava! E eu levantava para fazer a mamadeira e via os meus
peitos cheios eu chorava! (Amor Perfeito)
Meu Deus!! Pro meu guri, eu amamentei até os quatro ano. Sabe, daí dessa
aqui, eu não ia sabendo, né, que eu não ia podê amamentá ela, sabe, como é
que ia sê, como é que ia fica, sabe? Foi assim, pra mim o mundo tinha
acabado, o mundo tinha terminado naquele momento ali! Aí, depois eu fui
vendo que não, sabe, depois que ela veio também, né? Foi feito já o
primeiro exame nela, né? Deu que tava baixinho né? Não tá alto, ih pra vê
se ela tem mesmo e se ela não tem é só depois, né?! Só que, quando ela
nasceu, meu Deus, me assustei que eu tava cheinha de leite, sabe. E eu
assim tu sente aquela vontade, sabe, tu que dá mamá pro teu filho, tu qué
amamenta, tu qué, parecia assim que se eu não desse mamá pra ela que ela
não ia sabe que eu era a mãe dela. Eu sentia isso sabe, aí a médica dizia pra
mim tu tem que dá mamá pra ela, quando tu for dá na mamadeirinha, né,
bota ela bem pertinho do teu peito, né, que daí ela vai, vai sê a mesma coisa,
só que eu não achava assim, não achava que se eu desse mamá na
mamadeira pra ela, ela ia acha que eu não fosse a mãe dela sabe, fosse
qualquer uma pessoa, né, e não. (Tulipa)
63
Ah, foi muito ruim porque eu dei de mama pros outros dois. E aí as pessoas
me perguntavam e eu tinha que inventar uma desculpa. (Hortência)
É muito ruim, né? Não poder amamentar, ia três, quatro vez na UTI visitar
ela, não podia tirar meu leite! (Girassol)
Para mim, foi muito difícil não poder dar de mamá, pois eu achei que ia
amamentá! (Jasmim)
Geralmente o processo de amamentação e de desmame está relacionado com o
momento histórico ao qual ele está inserido. Antigamente existiam amas de leite,
escravas que amamentavam os filhos dos senhores. Algumas décadas passadas, os
anos 50 e 60, foram marcados pelo intenso ingresso no mercado dos leites artificiais.
Atualmente, o que está em alta é o incentivo ao aleitamento materno. Logo, quando as
mulheres não amamentam, isso se reflete de forma negativa nos sentimentos das
mulheres portadoras de HIV, diante do fato de se sentirem excluídas da amamentação
natural de seus filhos (PAIVA; GALVÃO, 2004).
As intensas campanhas de incentivo ao aleitamento materno, as iniciativas
públicas como a Iniciativa Hospital amigo da criança, Método Mãe Canguru,
Humanização do parto e nascimento, todas essas propõem o aleitamento materno
exclusivo e o início precoce do aleitamento, bem como, os profissionais da saúde
reforçam suas orientações direcionadas ao aleitamento materno, como pode ser
comprovado nas falas:
Lá na firma tem curso de gestante. Eu sempre participo e as enfermeiras
sempre falam da amamentação. Então, eu acho que é uma coisa boa, quanto
mais peito melhor. Tem mulher que tem vergonha, mas eu acho que quem
pode deve, eu apoio. Tem até uma colega minha que não amamentou porque
tinha vergonha. Na minha cabeça é que eu vou ter que dar o leite em pó,
fazer as mamadeiras para não passar isso pro nenê e é só o que eu quero
cuidar dele. (Violeta)
Isso nos faz refletir sobre o tipo de profissionais que nós também somos. Será
que estamos mantendo essa mesma postura? Quando estamos em um grupo de
gestantes e estamos orientando aleitamento materno, levamos em consideração que
64
talvez uma delas possa estar infectada com o vírus do HIV e que não poderá
amamentar? Os encontros com Rosa foram marcantes quanto a isso, pois em uma de
suas falas, colocou:
Eu tenho medo de como vai ser no hospital. Eu sei que não vou poder dar de
mamá, mas e daí, se chegar umas bem chatinhas querendo que dê de mamá?
E tem umas bem chatinhas que ficam insistindo, elas ficam ali colocando à
força! E se minha mãe chegar e elas estarem trazendo a mamadeira, o que
eu vou dizer? (Rosa)
Essas palavras, (bem chatinhas), ecoaram de uma maneira tão forte que a partir
desse dia, passei a mudar minha própria conduta no hospital. Sempre fui defensora da
Iniciativa Hospital Amigo da Criança. Insistia para ter índices altos de aleitamento
materno exclusivo e fazia comentários com as colegas sobre as mães que não estavam
muito a fim de amamentar e ainda acreditava que estava preparada para atender às
gestantes/puérperas com HIV! Estimular sim, incentivar sim, falar sobre os benefícios
do aleitamento materno, mas respeitar a escolha da puérpera sem discriminá-la por
isso. Outro aspecto diz respeito às orientações em grupos de gestantes. Falar sobre
aleitamento materno, mas enfatizar que ele é utilizado para beneficiar o recém-nascido,
imunologicamente e nutritivamente. Dessa forma, não amamentar, para mães
portadoras de HIV, também é beneficiar imunologicamente, pois estarão dando
chances aos recém-nascidos de crescer sem o vírus do HIV.
Ser mãe é, acima de tudo, querer o melhor para seu filho, mesmo que isto
represente algumas privações. Pensar que todo o sacrifico é necessário para o bebê
crescer saudável, ou pelo menos ter uma chance a mais. Dar apoio, orientar para no
final poder ter algum resultado positivo. As gestantes/puérperas deste estudo
demonstraram claramente este sentimento:
Olha que eu adoraria dar o peito. Eu adoraria ver aquele leite sair....mas se
é aquela coisa que tu tem que entender ... que se é para o bem da
criança....você não vai poder dar esse peito pra ele. (Violeta)
65
No dia da realização do encontro do grupo focal, Rosa recebeu o resultado do
primeiro teste para HIV de seu bebê, o qual deu resultado negativo! Estávamos na sala
reunidas quando a assistente social do SAE bateu na porta, entrou e entregou o
resultado para Rosa. Ela abriu e começou a chorar! Eu chorei também, pois para mim
foi o resultado de um ano de encontros, conversas e trabalho. Rosa foi acompanhada
desde a realização de minha Prática Assistencial, disciplina integrante do Curso de
Mestrado da UFSC, portanto, desde o mês de abril de 2005, quando ela ainda era
gestante.
Este sentimento de vitória também faz parte do dia-a-dia dos profissionais do
SAE, pois, para eles, cada resultado negativo é sinal de dever cumprido. Quando
iniciei meu projeto de Prática Assistencial, uma das minhas inquietações, originadas
de minha experiência profissional, era de não conseguir desenvolver meu papel de
profissional, junto às gestantes com HIV que chegavam ao hospital em período
expulsivo e não recebiam o AZT injetável no momento do parto. Saber por que elas
não procuravam com antecedência o atendimento sabendo desta necessidade. Cabe à
enfermeira orientar, explicar, justificar, mas não é possível fazer o tempo todo pelo
outro. Assim, todo o processo de tomar a medicação no pré-natal, receber o AZT no
momento do parto, não amamentar, medicar o recém-nascido é tarefa da própria
gestante/puérpera com HIV. Cabe a nós, profissionais, comemorarmos juntos quando
o objetivo maior, que é a redução nos índices de transmissão vertical no país é
alcançado.
A fala a seguir, ao meu ver, resume o sentimento do dever cumprido da mãe
contaminada pelo vírus do HIV:
...mas valeu o esforço, talvez foi bem maior do que as mães que dão de
mamá, porque tu querer, ver teus peitos cheios e não poder dar?! Valeu a
pena! Eu carrego na minha bolsa junto comigo até hoje o resultado da
minha filha, deu negativo!!!! (Amor Perfeito)
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Neste momento é que se evidencia o quanto foi difícil para a puérpera com HIV
superar todos os obstáculos oriundos do tratamento e das condutas necessárias para se
tentar evitar uma transmissão vertical do vírus do HIV.
5.2 Os Déficits de Autocuidado
A teoria de déficit de autocuidado constitui a essência da teoria geral da
enfermagem de Orem. Ela delineia quando há necessidade da presença enfermagem.
Enfermagem como cuidado é necessariamente entendida como uma parte da referência
de quando e por que o indivíduo ou o grupo precisa ser ajudado através dela e dos
tipos de ações que são válidas e confiáveis em cada necessidade (OREM, 1995, p. 21).
Neste estudo foram identificados déficits relacionados à alimentação, ingesta
hídrica, sono e repouso, vida sexual, lazer e recreação, solidão e interação social.
5.2.1 Alimentação
A alimentação da mulher durante a gravidez tem a finalidade de manter a
gestante saudável, formar o bebê, armazenar nutrientes para a fase de
amamentação e para o bebê nos seus primeiros meses de vida. Portanto, um
bom suporte nutricional nessa fase irá ajudar a mulher a ter uma gestação
saudável e segura. Contudo, precisamos desmistificar a idéia de que a
grávida deve ‘’comer por dois”. A alimentação da gestante deve mudar mais
qualitativamente do que quantitativamente. Um ligeiro aumento no número
de calorias e uma boa modificação no número de nutrientes garantirão o
equilíbrio nutricional ideal. Atualmente, já se considera normal a mulher que
engorda 9 a 11 Kg por gestação, lembrando sempre que mulheres obesas não
devem necessariamente engordar, uma vez que já possuem condições
calóricas para a gestação (GONÇALVES,1999, p. 12).
Para este estudo, organizei um instrumento baseado em literatura da nutrição
para gestantes e crianças vivendo com HIV/Aids, no qual constavam três tipos de
alimentos: construtores (proteínas), energéticos (carboidratos e gorduras) e reguladores
(vitaminas e minerais). Podemos concluir que nosso corpo precisa, diariamente, de
alimentos pertencentes aos três grupos em quantidades adequadas. As proteínas, os
carboidratos, as gorduras, as vitaminas, os minerais e a água, quando estão unidos,
realizam melhor a sua função. Quando um corpo está bem nutrido, as pessoas ficam
67
mais fortes e resistem melhor às doenças, e respondem melhor ao seu tratamento.
Todos esses nutrientes são necessários, de forma equilibrada, para que o organismo
seja considerado saudável. E isso só é possível com uma alimentação balanceada.
(GONÇALVES,1999)
Há uma tendência na literatura em afirmar que a gestação não agrava a
evolução da infecção pelo HIV nas mulheres que apresentam um número
elevado de CD4, nunca foram atingidas por doenças oportunistas e que se
encontram em bom estado nutricional. Por outro lado, quando o sistema
imunológico está fraco (principalmente abaixo de 200 CD4) ou quando a
mulher contrai doenças oportunistas e não se apresenta em bom estado
nutricional, os problemas médicos são mais freqüentes e também, é mais
elevado o risco de que a criança seja portadora do vírus. (GONÇALVES,
1999, p. 13).
Assim, quando a gestante soropositiva não se alimenta bem, ela tem agravado
ainda mais o estado de imunodeficiência, tornando-se muito mais susceptível às
infecções e suas complicações e não responde ao tratamento prescrito pelo médico.
Sendo assim, a gestante desnutrida, infectada pelo HIV, pode vir a desenvolver os
sintomas de Aids bem mais rapidamente que as bem nutridas, comprometendo a sua
saúde e de seu bebê (GONÇALVES, 1999).
Nesse estudo, encontrei gestantes/puérperas com desnutrição, porém, elas
apresentaram dificuldades em relação ao número de refeições e não quanto à qualidade
das refeições, pois quando se alimentavam, revelaram consumir todos os tipos de
alimentos questionados. Como pode ser observado nas falas:
Eu faço em média três refeições por dia....café da manhã, almoço, janta na
firma. É que na firma não tem horário, às vezes é às cinco e meia da tarde,
às vezes às seis. Não tem bem um horário.....na firma eu trabalho direto e
não pode fazer lanche. (Orquídea)
Bom, eu não comi nada, já acordei enjoada, quase vomitei no ônibus vindo
pra cá! Vou comer ali por umas duas horas da tarde. Como arroz, feijão, o
que tiver, saladas. De tarde, como frutas, se tiver, ou pão, à noite como pão.
(Rosa)
Às vezes eu faço uma alimentação por dia, é que eu não sinto fome assim. Às
vezes eu como assim direitinho. Eu já ganhei bastante xingão da médica.
Ela já me deu remédio pra comer... (Tulipa)
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Eu não como de manhã, almoço de meio dia, de tarde como alguma
coisinha e janto. Às vezes, de manhã, eu como uma banana lá no mercado
onde eu trabalho. (Crisântemo)
Algumas gestantes/puérperas afirmaram que aumentaram o número das
refeições porque tinham medo de morrer magras, ou com aspecto de paciente em fase
terminal, como no início da epidemia em que não existia esta expectativa de vida e as
medicações não estavam ao alcance de todos:
Sabe o que é? Quando eu ganhei o nenê eu era um palitinho. E, ai meu
Deus! Eu achei que ia morrer. Eu olhava pra mim e dizia: meu Deus, eu tô
emagrecendo! Eu vou morrer! Porque geralmente as pessoas que têm ficam
secas por causa da Aids! Então, eu me levantava de madrugada pra comer,
de medo de morrer sequinha! Isso tudo é uma coisa que fica na tua cabeça,
tu não precisa falar, tu come só pra não ficar matutando! (Amor Perfeito)
Outro fator mencionado pelas gestantes/puérperas deste estudo, foi a
diminuição no número de alimentações devido à depressão que desenvolveram após a
descoberta do diagnóstico:
Logo que eu descobri, eu tive depressão ... Fiquei uma semana sem se
alimentar, só tomando chimarrão... Por causa desse problema que eu tenho,
mas eu tenho que tirá isso, não ficar nervosa, meu marido tá me ajudando.
(Jasmim)
Mas um pouco da minha falta de apetite é por causa dos remédios pra
depressão que eu tô tomando, que tira um pouco a fome. É que eu posso
ficar fraca, aí minha carga viral pode subir e eu tenho que me cuidar... Isso
da alimentação mudou sim. Eu não consigo explicar, eu vou lá na mãe e ela
diz que eu sempre comia fruta e verdura. (Tulipa)
É aí que eu te digo... tu sofre muito... tu emagrece, não dorme. (Girassol)
Contudo, uma alimentação balanceada é indispensável para qualquer ser
humano. Não basta comer todos os tipos de alimentos, é necessário também dosá-los
69
para a manutenção do corpo e do peso. As gestantes/puérperas revelaram um aspecto
de sua alimentação importante para nós profissionais da saúde abordarmos com vistas
ao autocuidado. O medo de morrer magra, com aspecto terminal faz com que elas
comam mais vezes que o necessário e algumas delas estão, em virtude disso, com
sobrepeso. Assim, para que possamos desenvolver uma política de saúde efetiva
visando o autocuidado, devemos encorajar uma alimentação equilibrada, respeitando a
individualidade de cada uma e enfatizando que este tipo de atitude pode desenvolver
outras complicações de saúde desnecessárias, como o diabetes méllitos tipo 2,
colesterol alto, levando a complicações cardíacas, entre outros.
Nesse momento fica evidenciado o papel do enfermeiro/a como educador/a.
Demonstrando para as portadoras de HIV, o quanto é importante adquirir novos
hábitos alimentares, de maneira simplificada, de fácil entendimento, para que, através
da educação, o autocuidado com relação à alimentação seja adequado. Além disso,
devem-se levar em conta, as condições sócio-econômicas e culturais da
gestante/puérpera com HIV, fazendo uma adequação dietética individualizada e
adequada para cada uma delas.
Além disso, algumas gestantes/puérperas com HIV mencionaram o fato de
terem diminuído o número de refeições após o diagnóstico de HIV, em especial por
terem desenvolvido a depressão. O HIV envolve muitos aspectos emocionais e até
algumas privações, como, por exemplo, o fato de mãe com HIV, não poder
amamentar. Essas privações trazem grande sofrimento psíquico e afeta toda a dinâmica
da vida desta paciente, logo, é necessário ter um cuidado especial quando for abordada
a questão da alimentação, especialmente se a proposta for a eliminação de hábitos
nocivos como comer comidas muito gordurosas, por exemplo:
Ao trabalhar a alimentação, é preciso levar em conta que para muitas pessoas
comer é uma coisa muito importante, um dos maiores prazeres da vida, uma
grande compensação. O simples fato de alguém chegar e impor o abandono
de hábitos alimentares de uma vida inteira é difícil ou pode parecer até
impossível. Por isso, é importante conhecer este ser humano que necessita
adequar ou até mudar certos hábitos, para então desenvolver alternativas
razoáveis de adequação, que permitam transformações sem “privar” a pessoa
dos prazeres ou sacrificá-la. (BASTOS, 2002, p. 81)
70
5.2.2 Ingesta Hídrica
Durante a gestação ocorrem modificações funcionais e anatômicas no
sistema urinário, podendo persistir até 6 semanas após o parto. Os rins
crescem cerca de 1,5cm pela maior vascularização e ao aumento do espaço
intersticial. O volume renal aumenta 30% à ultra-sonografia por aumento do
fluxo plasmático e da filtração glomerular. Ocorre ainda, aumento do néfron
e dilatação dos cálices, da pelve renal e ureteres; em decorrência da
hipotonia muscular causada pela progesterona, logo no inicio da gestação
(10a semana). Esta dilatação é mantida, posteriormente, pela compressão
mecânica do útero gravídico, mais acentuada à direita pela sua dextro–
rotação. Além de dilatados, os ureteres tornam-se tortuosos. Com o evoluir
da gestação, a bexiga eleva-se estirando a área do trígono e modificando a
porção intravesical do ureter, favorecendo o refluxo urinário e conseqüentes
infecções. Todas estas modificações contribuem para a estase urinária e o
crescimento de bactérias. A infecção urinária é a infecção mais comum e a
primeira causa de sepsis durante a gestação, além de se associar com
trabalho de parto prematuro e suas complicações. (BELLA et al., 2006).
Neste estudo, observei que as gestantes/puérperas possuem déficit de ingesta
hídrica, tomam menos água que o recomendado para qualquer pessoa, e em especial,
durante a gestação e por isso, muitas referiram terem tido vários episódios de infecções
urinárias durante seu pré-natal, podendo então, estar associado a pouca ingesta hídrica
como constatado nas falas:
Não bebo muita água, numa base de um litro por dia. (Violeta)
De manhã em casa tomo um copo de suco, ou de água, ás vezes mais. Ontem
não sei o que eu tinha, cada pouco tinha que tomar água... mas, às vezes
fico até no intervalo do trabalho sem tomar água.(Orquídea)
Eu não sou muito da água...antes de sair de casa eu tomo um copo de suco,
na firma eu tomo um pouco de água. (Amor Perfeito)
Meu sono agora tá ruim, pois eu tenho que levantar muito de noite para ir
ao banheiro, tô com problema de bexiga, cada pouco tem que tar indo... mas
hoje vou na médica consultar e fazer os exames de urina....bom, eu tenho
sempre esse problema de infecção faz uns oito anos. (Orquídea)
71
Todos os organismos vivos apresentam de 50 a 90% de água em si. O próprio
corpo humano é constituído em 70% por água que, em constante movimento, hidrata,
lubrifica, aquece, transporta nutrientes, elimina toxinas e repõe energia, entre inúmeras
outras utilidades. Em constante renovação, um indivíduo adulto perde, por dia, em
condições normais, uma média de 2,5 litros de água (cerca de 800 ml pela expiração e
urina, 1,2 litros pela transpiração e 0,6 litros pelas evacuações fecais). Sendo assim,
um adulto normal deveria beber pelo menos estes dois litros e meio diariamente, para
evitar a desidratação (ALCÂNTARA, 2006).
Existem várias formas de o organismo eliminar a água que ingerimos. Pela
urina, transpiração, fezes. Por isso, é necessária uma adequada ingestão de líquidos
para que o organismo continue em constante equilíbrio e nosso organismo não
desidrate. Também é importante avaliar a qualidade da água que será ingerida, uma
vez que pode ser meio de contaminação para o organismo. Neste momento, o
enfermeiro/a deve atuar para orientar as gestantes/puérperas com HIV para aumentar
sua ingesta hídrica, ferver e resfriar a água, se for necessário, para melhorar seu
autocuidado em relação a isso.
5.2.3 Sono e repouso
O sono é um estado de repouso normal e periódico que se caracteriza
especialmente pela suspensão da consciência, pelo relaxamento dos sentidos e dos
músculos, pela diminuição do ritmo circulatório e respiratório e pela atividade onírica
(sonhos). O sono é uma necessidade física primordial para uma boa saúde e uma vida
saudável, na qual há uma restauração física que protege o ser do desgaste natural das
horas acordadas (CRONFLI, 2006).
Neste estudo, as gestantes/puérperas se referiram ao fato de que a descoberta do
HIV alterou o seu sono e repouso, pois a ansiedade gerada pela doença faz com que
tenham constantes insônias e assim, não conseguem ter um repouso ideal:
Às vezes eu acordo às duas horas e vou dormir de novo ali por umas quatro
horas da madrugada, às vezes é por causa do nenê, ele chora às vezes e aí
então eu demoro de novo para dormir, mas isso faz parte, foi assim das
72
outras vezes também, nenê é isso aí! Mas às vezes é porque eu acordo e fico
pensando nisso e não consigo dormir. (Hortência)
De vez em quando vou dormir à meia noite, às vezes às nove, é que tenho
muito pesadelo....eu acordo de noite.....eu tô tentando me acostumar ainda
com isso. (Jasmim)
Às vezes não consigo dormir, a gente fica pensando...fica nervosa se a filha
não volta, mas de dou umas voltas e depois eu durmo. Mas logo que eu
descobri o vírus foi pior porque eu fiquei desesperada, não conseguia
dormir, tinha pesadelo.. é muito difícil. (Girassol)
Eu tenho insônia, pesadelo! Depois que eu descobri ficou tudo um pouco
difícil neste sentido... é quando a gente deita a gente começa a pensar... Aí
não dorme mais! Às vezes vou dormir ali por umas duas horas. (Amor
Perfeito)
Eu durmo bem por causa dos remédios que eu tô tomando, se não, não sei.
Eu não dormia nem de noite nem de dia. Isso entrô na minha vida, como eu
vou te dizer, no começo eu achei assim, que isso era uma doença terminal,
que eu ia morrer, que eu ia durar uns meses.. Meu marido me xingava,
falava que não era assim, que nóis ia lutá, vencê! Pode ser que daqui a
alguns dias vai ter remédio pra isso...tomo minha medicação, a nenê pode
ser negativa! Se eu tomar os remédios assim direitinho, eu acho que um dia
vou ficar sem o vírus, vou acordar e tá boa! Pra mim eu penso isso!
(Tulipa)
Dar apoio, ouvir suas queixas pode ser, neste momento, um fator facilitador do
enfermeiro/a diante da angústia apresentada pela portadora de HIV, uma vez que isso
pode propiciar um nível de relaxamento que permita a ela conseguir dormir. Outro
fator que pode ser utilizado pelo enfermeiro/a é o estímulo a atividades físicas que
promovem a liberação natural de endomorfinas, enzimas que provocam um
relaxamento e um intenso bem-estar, podendo auxiliar na questão do sono.
5.2.4 Vida sexual
Hoje, o principal método de prevenção do contágio do HIV é o método de
barreira, ou seja, a camisinha masculina e/ou feminina. O estabelecimento de vínculos
conjugais tem o poder de gerar sentimentos de proteção e confiança entre parceiros,
que não se sentem suscetíveis ao contágio por um vírus considerado, sob a ótica da
sociedade, como distante de si.
73
Brum (2004) realizou um estudo com mulheres e verificou que grande parte
deste grupo pesquisado demonstrou que acreditava na fidelidade dos parceiros e que
isso era a razão para o não uso da camisinha, bem como, a maioria não gostava de usar
camisinha em suas relações sexuais, o que demonstrou na prática o risco ao contágio
do HIV. Isso é comum em toda a sociedade.
Já em outro estudo realizado por Reis e Gir (2005), foi revelado que o não uso
do preservativo, mesmo em casais com um dos parceiros com HIV, tinha como
argumento a dificuldade em transformar e incorporar novos hábitos, como é o uso da
camisinha. Além disso, a desconfiança sobre a eficácia do preservativo e a diminuição
do prazer sexual, foi mencionada pelos entrevistados como motivos para o não uso do
método de barreira.
Nós não estamos usando camisinha porque ele não quer usar, eu já tentei
usar até aquela camisinha das mulheres, mas ele não quer. (Hortência)
De método anticoncepcional eu uso o comprimido, camisinha usamos... não
sempre, ele não gosta de usar. (Jasmim)
Para mim também é difícil! Com o meu outro foi fácil, mas esse agora ta
difícil, ele não quer de jeito nenhum! Eu digo pra ele pôr favor vamos nos
cuidar, mas ele não pegou ainda e não quer usar! (Amor Perfeito)
Ele fez o teste e deu negativo, ele não pegou, mas às vezes a gente usa
camisinha. (Margarida)
Além do fato de não querer o uso do preservativo como forma de proteção,
alguns parceiros soro negativos utilizam esta postura como prova de amor, ou seja, o
amor existente entre ambos é mais forte que a possibilidade de vir a adquirir um vírus,
ou ainda, o tornar-se igual faz com que a relação se torne mais próxima:
Quando meu marido descobriu que eu tinha HIV, eu morria de medo, achei
que ia ficar sozinha e grávida ainda, mas quando as gurias contaram pra
ele, ele ficou mais amoroso ainda comigo do que antes, ele nem queria usar
camisinha, pois ele disse se tu tem eu também quero ter. (Girassol)
74
Porém, em alguns casos, a única estratégia para defender-se do parceiro é a
abstinência:
Usamos preservativo às vezes, ele não gosta...na verdade, depois que eu
descobri isso eu não durmo mais com ele. Eu tentei falar, mas ele não quer
falar sobre o assunto...Nem vai quere usar camisinha...ele ta dormindo na
cama da minha guria mais velha e ela dorme comigo, quando eu ganhar o
bebê, eu vou ficar mais forte e vou falar com ele, se não quiser usar
camisinha, não vai ter nada eu tenho que me cuidar, tenho as meninas e quero
me cuidar, por mim e por elas. (Rosa)
Ficou também evidenciado que o número de relações sexuais diminuiu entre os
parceiros. O não uso do preservativo no plano conjugal, anterior À relação soro-
discordante, persiste mesmo após o diagnóstico, como foi mencionado. Desta forma, a
diminuição na freqüência das relações sexuais fica evidenciado, talvez como uma
forma de proteção, mas que tem influência negativa ao portador do HIV:
É, dá pra ver, antes era uma coisa, agora é outra, ele não me ama mais do
jeito que ele amava... é, logo que casamos era festa todo dia né, mas vai
diminuindo, sei lá, isso é normal quando a gente casa, sabe lá se é normal
mesmo, mas depois do diagnóstico mudou. (Hortência)
Nossas relações sexuais são as mesmas, só que diminuímos um pouco, não
sei se por causa da gravidez ou do HIV. (Margarida)
A literatura consultada revela ainda que:
Associada à tendência heterossexual da epidemia, existe a feminilização, que
aponta uma maior exposição da mulher, seja por uma maior vulnerabilidade
biológica, uma menor detenção de poder nas decisões que envolvem a vida
sexual e reprodutiva, um envolvimento emocional diferenciado, em relação às
parcerias, ou, ainda, pela crença de invulnerabilidade feminina, visto que
inicialmente a mulher não era incluída nos chamados “grupos de riscos”. Uma
quarta tendência fala da pauperização da doença, no sentido de haver uma
incidência maior de casos de AIDS nas populações de menor nível
socioeconômico. (NASCIMENTO; BARBOSA; MEDRADO, 2005, p. 78)
75
Na busca pela promoção do autocuidado em portadores do vírus do HIV, cabe
ao enfermeiro/a, enquanto educador, proporcionar o maior número de informações
pertinentes ao uso do preservativo e sua implicância direta na questão do HIV. Se por
um lado evita o contágio do parceiro soro-negativo, por outro, evita o aumento da
carga viral no cliente já infectada no caso do parceiro ser soropositivo também, pois, a
cada ejaculação, o homem introduz na mulher uma carga viral a mais, interferindo no
seu quadro clínico.
Orem (1995) coloca que o a conduta de autocuidado é afetada pelo auto-
conceito e pelo nível de maturidade do individuo. Então, a maneira como a mulher se
coloca diante do companheiro e o grau de maturidade para decidir e impor o uso da
camisinha são fatores decisivos na condução do autocuidado.
Dentro deste enfoque, também seria importante o enfermeiro/a referenciar o uso
do preservativo feminino como uma estratégia de cuidado, porém, o alto custo do
produto, a pouca divulgação na mídia e as dificuldades de fornecimento na rede
pública impedem seu uso em escalas maiores.
5.2.5 Lazer e recreação
O lazer é um direito humano básico, como educação, trabalho e saúde, e
ninguém deverá ser privado deste direito por discriminação de sexo, orientação sexual,
idade, raça, religião, credo, saúde, deficiência física ou situação econômica. Para
atingir um estado de bem-estar físico, mental e social, um indivíduo ou grupo deve ser
capaz de identificar e realizar ações, satisfazer seus desejos, vontades, interagir com o
meio em que vive. O lazer é, portanto, visto como um recurso para melhorar a
qualidade de vida. Neste estudo, as atividades de lazer foram deixadas de lado após a
descoberta do HIV. Apenas pequenos passeios como andar nas ruas e ir ao shopping
foram mencionadas como as atividades de lazer:
Às vezes eu saio com minhas filhas, vou para o centro, ando nas ruas. Mas
gosto de ficar um pouco em casa, depois desta coisa, não sei. (Rosa).
Nós moramos perto do shopping, de domingo nós saímos caminhar, três,
quatro quadras e só. (Tulipa)
76
Eu tenho mania de ficar em casa, mas acho que é normal...não foi sempre
assim (silêncio).... Antes eu saía bastante, ia nos bailes, nas festas, quando
eu descobri isso eu comecei a ficar mais em casa. (Margarida)
Aos domingos vamos no shopping...agora ficou difícil sair.(Crisântemo)
Meu passeio é ir na mãe! (Girassol)
Vou na minha cunhada... e só, não sou muito de sair! (Orquídea)
As atividades de lazer são importantes para manter a saúde mental de qualquer
pessoa. A restrição nas atividades de lazer, nos portadores de HIV é um fator a ser
analisado quando se avalia a qualidade de vida destes pacientes. Os resultados
encontrados neste estudo vão ao encontro de outros estudos, que demonstraram que as
mulheres após o diagnóstico de soro-positividade relataram mudanças significativas
em suas vidas, que resultaram em limitar as suas vivências e atividades de lazer ao
ambiente de suas casas (REIS; XAVIER, 2003).
5.2.6 Solidão e interação social
Assim como diminuem as atividades de lazer, também restringem sua interação
social, o querer ficar mais em casa, ficar sozinha, faz com que também diminuam sua
rede de relações sociais. Ainda, o fato de restringirem seus contatos em relação ao seu
diagnóstico, contar para o menor número de pessoas possíveis, surge como um fator de
angústia e isolamento. Reis e Gir (2005), em seu estudo com mulheres com HIV,
também encontraram o medo, a insegurança, a busca pelo isolamento e a solidão como
resposta à nova realidade. Neste estudo, isso pode ser revelado nos seguintes relatos:
Mudou só o meu pensamento...meu pai e minha mãe, meus irmãos sabem,
mas meus filhos não eu tenho medo. (Girassol)
No meu bairro, eu conheço, tem a Carla e o marido dela, tem um outro guri
que é amigo da minha filha que pego com drogas, i tem vários!! Eu já vi ela
aqui no posto mas ela fala pra todo mundo que tem, pega os remédios e sai
bem faceira, eu já não falo. Eu tenho medo que vão me rejeitar,
principalmente meus filhos, mas eu até acho que não, porque eu falo
bastante assim com elas sobre se cuidar e esse amigo da minha filha vai lá
77
em casa, vai com elas pro colégio, elas ate dançam nos bailes com ele,
porque eu já expliquei como se pega e estas coisas. (Girassol)
Eu não contei para ninguém quase, ficou só entre meu marido e eu e as
enfermeiras e meu médico na minha família ninguém sabe, eu penso que se
foi difícil pra mim aceitar, eles vão ficar com isso na cabeça por causa disso
eu já nem procuro falar. (Violeta)
Eu ainda não contei pra ninguém, meu marido também é soro positivo e
todo mundo sabe dele, eu não tenho coragem de contar pra ninguém! Pra
mim é difícil... eu só converso aqui...meu marido eu tento conversar com ele
mas ele não quer falar..sei lá...nem toca no assunto...mas eu acho que ele é
bem mais forte do que eu porque ele não ta nem ai! ...(choro)...pra mim tudo
mudou, eu era feliz e agora sou triste, tô sozinha, não posso falar. (Rosa)
Para os gaúchos, o chimarrão, bebida feita a base da erva mate, servida em cuia
de porongo, com água quente, é referência cultural. É a primeira bebida a ser servida
quando se recebe uma visita. É geralmente feita uma roda, onde as pessoas conversam
e trocam informações, é símbolo de receptividade e acolhimento. Em muitas falas, o
chimarrão foi mencionado, pois como passa de mão em mão, de boca em boca, foi
citado como algo a ser eliminado após o diagnóstico do HIV, “se eu tenho HIV, então
ninguém mais vai ir à minha casa tomar chimarrão comigo”! Isso foi dito por muitas.
A eliminação deste ritual de amizade e interação social foi sentida com muita dor em
especial por esta gestante/puérpera, que sentiu na rejeição do irmão, na roda de
chimarrão, seu momento de maior dor, após a descoberta de seu diagnóstico:
Foi assim, a primeira vez que eles foram lá em casa, meu marido tomô um
porre, ele disse que não conseguia mais fica só com ele aquilo ali, que era
demais só pra ele carregá aquilo ali né, ele que me ajudava com os
medicamento por que eu sô muito esquecida, né, ele cuidava os horário pra
mim dos medicamento, tudo. Aí, ele pegô um dia foi, um dia que a mãe teve
lá, ele tomô um porre e ele veio chamou meu padrasto e meu irmão, e ele
contou pro meu padrasto e meu irmão, só que eu não sabia. Depois que eles
foram embora aí que ele veio me contá que ele tinha falado. Eu pensei, meu
padrasto não vai querê me vê na frente dele. Bom, eu esperei uns dias e fui
lá na minha mãe só pra sabê como que tava o ambiente lá, eu queria
descobri como que tava lá o ambiente, aí quando eu fui pra lá. Foi aonde
que o meu padrasto, na roda de chimarrão, o meu padrasto alcançou o
chimarrão pra mim. Aí eu tomei, aí era a vez do meu irmão depois tomá, e
ele sabia que eu tinha, aí ele pegô e disse, não quero mais, já to cheio! Isso
foi a mesma coisa que, eu disse pro meu marido, era melhor que ele tivesse
78
me dado um tapa na cara que não ia doer tanto, daí naquele tempo eu já
sabia que não era numa cuia de chimarrão que tu ia pegá, não era comendo
no mesmo prato que tu vai pegá. Meu Deus, pra mim doeu tanto, tanto,
tanto. Daí meu padrasto que gostava muito de mim e era coisa que, nunca se
demo sabe, a partir desse momento, foi um momento em que eu e ele,
entramo assim numa situação assim de pai e filha mesmo sabe, como se nós
fosse sangue do mesmo sangue. (Tulipa)
Outra situação que demonstra o déficit de autocuidado em relação à interação
social é quando o portador do HIV resolve contar sobre seu diagnóstico para alguém
em quem ele confia, em especial, amigos, colegas de profissão, e se depara com
situações inesperadas:
Eu acho assim de mim, se eles souberem vão me tratar com essa diferença...
Eu tenho uma amiga que descobriu, tinha uma amiga que sempre ela ia na
casa dela e ela descobriu que essa amiga tava com HIV. Isso ela contou pra
mim quando eu já sabia...(choro)...e ela nunca mais foi na casa dela. Eu até
pensei em contar pra ela, mas depois disso... Ela achava que se tomasse em
um copo de água ia pegar, ai eu falei pra ela, que não é assim, ela até disse
que talvez vai voltar lá. (Crisântemo)
Rosa demonstra, com clareza, a dificuldade de interação social quando afirma
que a única pessoa com quem tem algum tipo de interação social, além de seu restrito
vínculo familiar, é a pesquisadora e demonstra sua imensa satisfação emocional ao
participar pela primeira vez de uma atividade de grupo com outros portadores de HIV,
como forma de interação social:
No começo eu tava com um pouco de medo, chorei um pouco mas foi
maravilhoso pois foi a primeira vez que eu pude falar e saber de outra
mulher, como foi. Porque como tu sabe, tu foi a única pessoa com quem eu
falei assim, mais tempo. Eu confiei muito em ti, e agora é isso, meu nenê é
negativo! Mas eu nem posso dizê pra minha mãe que eu consegui! Isso é
difícil! Então vir aqui para conversar foi muito bom mesmo. (Rosa)
79
Dessa forma, a interação social, quando existe, é limitada, não traz para o
portador de HIV nenhum alívio em relação à doença, apenas relações informais, sem
muitos vínculos. Entretanto, mesmo que seja um vínculo profissional, o enfermeiro/a
pode contribuir muito com a paciente no seu autocuidado. Pois, segundo Orem (1995),
é neste momento que o enfermeiro/a deve lançar mão de um dos métodos de ajuda,
neste caso, proporcionar um ambiente que promova o desenvolvimento pessoal,
quanto a tornar-se capaz de satisfazer demandas futuras e atuais de ação.
5.3 Fatores que dificultam no engajamento do autocuidado
Para Orem (1995), existem fatores condicionantes que afetam de maneira direta
sobre o autocuidado do individuo assistido pela enfermagem. Durante a realização
deste estudo, pude observar alguns fatores importantes e decisivos neste processo.
Como fatores que dificultam no engajamento do autocuidado, posso citar: o
preconceito, o isolamento, a mentira e a doença afetando a comunicação, a auto-estima
e o atendimento profissional. E, como fatores que contribuem para o engajamento do
autocuidado, foram identificados: a rede de apoio familiar e a rede de apoio
profissional.
5.3.1 O preconceito
Segundo Carmo (2002), tanto para gestantes como para as pessoas de uma
maneira geral, o medo da discriminação está relacionado ao estigma da Aids, que
denota a orientação sexual e o estilo de vida que a pessoa portadora mantinha. Isso
induz a ocultarem seus problemas e, assim, evitar a curiosidade e o ostracismo social,
ou seja, a restrição no número de pessoas que sabem seu diagnóstico é uma maneira
que o portador de HIV encontra para se defender dos julgamentos e suposições nem
sempre verídicas das pessoas de seu convívio social. Neste estudo, o medo da
discriminação social em relação ao HIV foram mencionados e observados em duas
80
situações: o preconceito do próprio portador de HIV e a visão deste em relação ao
preconceito da sociedade:
Agora que eu to separada, tô parada, mas antes minha vida sexual era
normal. Só que como eu já te disse, ele não queria de jeito nenhum usar a
tal da camisinha. Ele não se acertava, colocava camisinha e... não
conseguia sei lá... por mais que ele sabia que eu tenho HIV, ele dizia que se
eu tinha ele queria ter também. Bom se fosse eu e tivesse com alguém que
me dissesse que tinha AIDS e eu não tinha, pra começo de conversa eu não
te quero mais, pode seu preconceito meu mas se eu tivesse a escolha eu não
queria, mas eu não tive...mesmo que me dissesse que beijo não pega eu não
ia querer beijar mais... pode ser preconceito meu mas eu tenho... por que,
ter HIV tu pode tá, dormindo, tá andando, tá numa festa, tá transando e tu
não esquece que tu tem AIDS. Se eu tenho uma gripe, uma dor de cabeça, eu
já penso que vou cair doente, vou ficar magrinha e morrer. É só o
psicológico, no meu caso, não sei como é com outras pessoas, tu que
conversa com outras pessoas deve saber. (Girassol)
Há, eu conheço um monte de gente lá na vila que tem, pessoas que eu nem
imaginava e que eu vi aqui! E tinha uma amiga nossa que tinha e que nós
sabia, só que já morreu. A gente via, ela tinha ganhado nenê só que ela não
admitia, a gente via assim que ela tava doente e fraca. Tem muita
discriminação, eu também tinha preconceito, quando aquela minha amiga,
que tinha HIV vinha na minha casa e eu tava tomando chimarrão eu parava
de tomar... agora eu sei que as outras pessoas também vão ter medo de mim,
é igual como eu fui, só que agora eu sei que por chimarrão não pega”.
(Hortência)
Nessa fala, a gestante/puérpera revela que tinha preconceito em relação aos
portadores de HIV, porém ressalta que não possuía conhecimento suficiente em
relação a esta doença e que por isso tinha o mesmo tipo de atitude que hoje condena.
Apesar dos mais de vinte anos de epidemia de Aids, a grande parte da população
desconhece as formas de transmissão do vírus HIV, fazendo com que tomem atitudes
como esta, em relação ao chimarrão, sendo que esta via de transmissão ainda não foi
detectada, bem como, desconhecem as possibilidades de vir a adquirir o vírus do HIV.
Nesta próxima fala, fica evidenciada a surpresa de descobrir, em seu convívio social e
ou familiar, outras pessoas que adquiriram o vírus, demonstrando que só é observada
sua existência quando se descobre ser soropositivo:
Tu sabe, quando eu peguei eu achei que ninguém tinha, daí minha tia ligou
pra minha mãe apavorada contando que meu primo tinha pego HIV! Daí
minha mãe falou pra ela, não julga teu filho, fica calma porque ela também
tinha o problema dentro de casa! Depois eu descobri tantas pessoas que
tinham que não muda em nada! É só tomar o remédio, cuidar um pouco da
81
alimentação!... às vezes eu me sinto diferente, se descobrirem que eu tenho
vão se afastar de mim. Pode ser que ficam ali conversando contigo, ali na
hora, mas depois! (Amor Perfeito)
O medo do preconceito, da discriminação, dificulta o acesso ao diagnóstico do
HIV precocemente, ser portador de uma doença estigmatizante como esta faz com que
as pessoas evitem ao máximo realizar o exame. Durante os encontros com Rosa, foi
possível detectar que esta, em um momento de sua vida, optou por tentar um aborto ao
vislumbrar a possibilidade de ter o diagnóstico de HIV:
Ninguém me obrigou a fazer o exame, é que no fundo eu não queria saber, a
última coisa que eu ia fazer na minha vida era este exame, só assim se eu
tivesse morrendo no hospital... Eu não fiquei triste porque tava grávida, mas
tentei tirar a criança para não ter que fazer o teste. Da outra, eu me escapei,
o exame deu negativo, e eu não amamentei mesmo assim, de tanto medo de
fazer o exame e ter isso... Mas agora tá tudo bem, eu tô feliz com minha
menina, a mais velha, esta que veio comigo hoje, me ajuda muito, então tá
tudo indo bem, eu acredito que ela vai ficar sem o vírus, pois nós fizemos
tudo certo, tomei minha medicação, ela tomou o xarope e vai dar tudo
certo... (Rosa)
Crisântemo revela seu preconceito em relação a ser HIV positiva, comparando o
fato de ser portadora do vírus com o fato de estar suja:
Sei lá, a gente se sente um pouco suja, né?! Representa que as pessoas
sabem, que têm um pouco de receio de chegar perto....(Choro)....Sei lá, aqui
eu sei que não, as pessoas querem ajudar... eu não tive assim nenhum
problema ainda, mas representa assim, é que poucas pessoas sabem que eu
tenho...mas eu acho que é ... (Crisântemo)
Outro ponto detectado no estudo e que revela dificuldade no engajamento do
autocuidado, diz respeito ao preconceito que elas julgam ter na sociedade em relação
ao ser gestante/puérpera, com HIV:
Ninguém me discrimina porque não sabem que eu tenho só meu marido
sabe... Às vezes eu venho aqui pra pegar alguma coisa ou fazer consulta e se
tem alguém do bairro ou da vila que eu conheço, eu disfarço, faço de conta
82
e pergunto informação e vou embora. Ligo e marco outro dia, eu não sei se
não vão falar de mim, todo mundo sabe que quem vem aqui nesta sala tem
alguma coisa. (Hortência)
Estas colocações revelam que, muitas vezes, uma consulta marcada, um exame
agendado pode ser perdido pelo fato de a gestante/puérpera com HIV não entrar na
sala de atendimento por ver alguém que conhece no serviço. Isso pode ser, talvez, um
alerta para os serviços especializados em DST/HIV, quem sabe a não identificação da
sala, ou a diversificação dos serviços pode vir a ser uma arma para os profissionais da
saúde. Apesar de que, pode ser observado, na sala de atendimento do SAE, o
agendamento de procedimentos oftalmológicos para a população em geral, o que
movimentou o serviço, desta forma, acredita-se que estratégias diversas devem ser
aplicadas para garantir o acesso e a garantia de anonimato aos portadores de HIV.
Esta percepção de medo da perda do anonimato diante da comunidade também
se reflete nas relações familiares. Durante a realização do grupo focal, enquanto Rosa
lamentava a conduta de sua sogra que contou para todo o bairro sobre a sorologia de
seu filho, Amor Perfeito, a orientava quanto a sua experiência com relação ao
anonimato e ao seu círculo de confiança:
Tu já sabe em quem tu deve de confiar! Essa mulher nunca que deve de ficar
sabendo, é carta fora do baralho! O meu padrasto não sabe até hoje, porque
falar pra ele é mesma coisa que pegar um microfone e sair falando, por isso
minha mãe já disse que ele nunca vai saber! (Amor Perfeito)
Foi possível observar ainda, em relação ao preconceito, colocações
significativas referentes ao ser portador de uma doença crônica:
É que as pessoas se assustam com o nome AIDS/HIV! Agora tu dizer eu
tenho câncer é diferente! O câncer, a diabetes é bem pior que a AIDS!
Porque se tu tem diabetes e se machuca e tu ta doente tu tem que cortar a
perna! O câncer se tu não tratar bem tu morre logo, então, as pessoas tem
83
medo do NOME Aids! Bom, eu falo assim, meus vizinhos não precisam
saber, só minha família! (Amor Perfeito)
Isso se torna significativo, pois se compararmos o HIV e a Aids da maneira
como foi colocada pelo Amor Perfeito, com outras doenças crônicas, realmente vamos
compreender o significado disso. Normalmente, os ambulatórios de saúde pública
utilizam os grupos como estratégia de cuidar, sempre com um grande índice de
freqüência e participação. Dizer que está indo ao grupo de gestante, ao grupo de
hipertenso, ao grupo de diabéticos parece ser uma atividade aceita pela sociedade, ao
contrário, dizer que está indo ao grupo de HIV, vai soar com outra conotação diante da
sociedade.
Este preconceito é colocado por todas as gestantes/puérperas com HIV deste
estudo, justificando o preconceito como um dos fatores limitantes de tratamento e
autocuidado:
Mas eu acho que ainda tem muito preconceito, ainda mais aqui. A hora que
as enfermeiras vieram para me trocar de quarto elas já ficaram me olhando,
imagina se soubessem o escândalo que iam fazer! (Rosa)
Aquela minha amiga que ficou doente, daí sabe, o povo começou a falar,
ninguém mais queria ir na casa da mãe dela tomar chimarrão, nem sentar
na cadeira que ela tinha sentado essas coisas assim...por isso eu escondo,
minha mãe e meu pai sabem, eles me ajudam, ainda mais uma filha, né?!
Eu tava desesperada quando contei, vou me matar... se fosse outros iam
dizer te vira, né, mas eles não... por isso eu digo, não muda nada na
alimentação só no psicológico... tu fica triste até morrer.(Girassol)
Preconceito tem, isso tem... As pessoas falam, fulano tem AIDS, essas
coisas... Meu marido no começo via alguém e achava que este alguém
estava olhando ele já pensava que sabia o que ele tinha, mas agora ta
melhor... (Orquídea)
Eu acho que existe sim o preconceito, tem pessoas que acreditam que pode
pegar em um aperto de mão, se sabem que tu tem HIV não vão se aproximar
muito, tomar chimarrão, pode ser teu amigo, mas vai ter medo de se
aproximar, nem todas as pessoas, mas a maioria. (Violeta)
Não é só aqui nesta cidade, tem muita discriminação, tem gente que acha
que se sentar no mesmo banco pega... ignorância... As pessoas que têm são
normais como qualquer outra pessoa, eu me sinto assim, como tu, as gurias
aqui do posto, normal, mas eu tenho certeza, que se eu for ali na rua e
84
disser que sou HIV positiva, tenho certeza que de dez pessoas, duas vão vir
falar comigo, as outras vão atravessar a rua.. .é muita gente que não
compreende, vamos usar bem a palavra é ignorante, nessa parte. Pode ver,
quando a gente tá ali fora na sala de espera e tá sentada e levanta, pode ver,
as pessoas esperam pra sentar, tu mesmo que sempre tá ali, pode cuidar,
eles acham que pegam com o calor da bunda... Estes dias, uma mulher
bateu no meu ombro e pediu se eu ia consultar ali na salinha, eu disse que
sim, ela perguntou há quanto tempo eu tenho... daí eu disse pra ela, isso não
é pergunta que se faça! Virei as costas e fui embora... Tem muita gente que
não tá preparada para o HIV, ... às vezes eu me sinto excluída”. (Tulipa)
Ao longo da coleta de dados, algumas estratégias foram usadas, uma delas foi a
sala de espera. Enquanto aguardava as gestantes com entrevistas agendadas, em alguns
momentos fiquei sentada na sala de espera do SAE, não é uma sala exclusiva. O SAE
fica alocado em três salas do ambulatório do centro da cidade, apesar de ter um
funcionamento autônomo, está vinculado ao ambulatório. São salas ao final do
corredor onde existem outros consultórios, todos iguais, porém, em frente à sala de
coleta de exames do SAE, o espaço é maior, mais ou menos quatro metros de largura
por quatro metros de comprimento, mobiliado apenas com cadeiras dispostas em torno
da parede. Inicialmente, não observei nada de diferente, nem tinha como saber quem
esperava qual consultório, porém, a partir deste momento, passei a observar esta
situação. Realmente, o corredor fica lotado de pessoas, inclusive em pé, enquanto
existem cadeiras sobrando neste espaço, o que, de certa forma, confirma as queixas de
Tulipa.
5.3.2 O isolamento
O isolamento é um fator que dificulta no engajamento do autocuidado. A falta
de interação com pessoas da família para dividir sentimentos, sofrimentos, adquirir
apoio na luta pela conquista de um viver saudável aumenta o risco de desenvolvimento
de sofrimentos psíquicos, como, por exemplo, depressão:
Eu acho tão legal assim, mãe e filho junto! A mãe dando atenção, a minha
família tem que ficar junta, lá em casa todo mundo tem tempo, mas ninguém
fica junto... meu marido também tem HIV e ele não gosta de ficar em casa, tá
sempre na rua... não toca no assunto... E eu não tenho com quem conversar, é
85
bom falar sobre as coisas, é o único lugar que eu converso, eu só falo com
você! Eu tenho irmãs, mas elas não são de confiança, não dá pra falar com
elas, tenho medo de contar e elas saírem falando. Do meu marido foi assim, a
mãe dele contou pra toda a rua e eu não quero isso pra mim! (Rosa)
Sinto falta de apoio... (choro)... não posso falar com ninguém, converso pouco
com minha família, no trabalho não posso falar... tenho que ficar no meu
canto, acho que é melhor não falar.! (Crisântemo)
A utilização do isolamento como estratégia de auto-proteção limita o portador
de HIV ao convívio social, diminui as chances de trocar informações sobre a doença e
ter acesso a melhores condições de vida:
Eu me sinto bem melhor em casa.( Margarida)
... eu digo mesmo que eu sou preguiçosa... eu sou mais de ficar quieta no meu
canto, não sei, parece que eles vão me olhar e saber que eu tenho, sei lá, mas
eu sei que se eu não falar eles não vão saber, mas prefiro então ficar em casa.
(Tulipa)
Em contrapartida, o isolamento como estratégia de atenção nos serviços de
saúde pode até ter seu lado positivo diante da gestante/puérpera com HIV. Em nossa
prática hospitalar, usamos como rotina, colocar a parturiente e/ou puérpera em quarto
isolado, em primeiro lugar, por ter presença de grande quantidade de sangue
contaminado, como, por exemplo, no uso de vaso sanitário e de chuveiro, que
normalmente são compartilhados por outras parturientes que estão em outros quartos.
Em segundo lugar, para evitar constrangimentos desnecessários pelo fato de não
poderem amamentar e ter que ficar justificando isso para as outras puérperas do
quarto.
Este momento foi também mencionado pela maioria das puérperas:
No hospital eu fiquei sozinha num quarto, foi bom porque era meu primeiro
filho, e ninguém me incomodou, nem perguntou, as enfermeiras traziam os
mamas e tudo bem. (Amor Perfeito)
Para mim, foi bom, eu fiquei num quarto sozinha, até meu irmão pediu porque
se eu tava pelo SUS, eu disse que a cama estava reservada para outra, então
me colocaram aqui, e eu achei bem melhor e não ia reclamar. Um dos medos
que eu tinha, tu sabe né? Era das outras mulheres me perguntarem sobre o
dar de mama, e ai eu achei que foi muito bom ter ficado sozinha, não tive que
86
me estressar inventando e inventado coisas pras outras pessoas, foi só eu e
pronto! Foi muito tranqüilo mesmo. (Rosa)
Quando fiz a cesariana não fiquei sozinha , tinha outras pessoas, mas depois
fiquei no quarto sozinha. Foi bom, minha sogra me visitou, minha mãe, todo
mundo, só que eu tinha anemia mesmo então tava forte, eles já sabiam, então
ninguém pensou nada.(Jasmim)
No hospital eu fiquei num quarto sozinha e foi bom porque ninguém me
perguntava nada. Meus parentes não perguntavam muito porque eu tenho
ferida no útero então falei que o antibiótico era muito forte então não podia
dar de mamá e eles acreditaram.(Hortência)
Para outras gestantes/puérperas com HIV, o fato de terem ficado sozinhas,
isoladas da enfermaria, foi sentido como um fator de discriminação. Com isso,
acredita-se que se tivermos o cuidado com as questões de eliminação e higiene, seja
possível evitar este tipo de situação que estimula ainda mais o estigma e o preconceito.
Dar a possibilidade de escolha, para as gestantes/puérperas com HIV, se querem ou
não ficar em quartos individuais e que estratégias gostariam que fossem utilizadas
durante o atendimento, seria algo terapêutico e saudável.
Concordo com Coelho e Motta (2002) quando referem que fica evidente a
dificuldade que os profissionais da saúde no seu relacionamento com pacientes com
HIV no processo de maternidade. Percebe-se que a equipe de saúde, às vezes, ao invés
de proporcionar um ambiente acolhedor e protetor, cria um ambiente ameaçador e
constrangedor. Os relatos a seguir evidenciam a situação comentada:
No hospital, sabe que, também não ia pode dá mamá, daí não deixava entra,
as mulher vinham pra mim e me perguntavam né, porque que eu tava num
quarto separado, porque que não me botaram junto com elas, aí eu só dizia
que eu não podia sabe, que eu tinha problema que eu não podia.... E daí,
acho que mais ou menos elas sabiam né, porque, só que assim, tu se sente
diferente dos outros. Sabe, tu se sente, como é que eu vô dizê, é como se
naquela hora tu ficasse lá embaixo porque eles vêm te perguntam. Tu não
vai saí dizendo pra todo mundo o que é que tu tem, né, assim como até hoje,
minha mãe não sabe dizê o que eu tenho, quando eu ganhei a nenê que a
minha mãe foi a primeira vez lá em casa, minha mãe viu meus peito cheio de
leite e fico muito braba, tu não vai dá de mamá pro teu filho? Né claro, eu
chorei sabe, só que eu tive que dizê que eu tinha pego hepatite na gravidez,
né, e daí eu não podia dá de mamá pra ela, e ela acredita nisso até hoje, ela
às vez me pergunta, bah tu tá fazendo os exame? Como é que tá a hepatite?
87
Sabe, aí eu fico assim, porque eu tô mentindo pra minha mãe e com ela não
sei dizê no jogo aberto sabe?! Só que eu tenho medo, não sei, eu tenho medo
da reação dela, e já meu padrasto, que eu não me dava com meu padrasto,
meu padrasto sabe. (Tulipa)
Quando eu fui ganhar o nenê, eu fiquei num quarto sozinha, nos outros
quartos tinha duas, três e no meu quarto só tinha eu.... (choro)... o pessoal
pergunta por que eu não tava amamentando daí eu falei que tava com
anemia forte, sempre mentindo. (Crisântemo)
Eu só achei estranho que me colocaram em um quarto, no fundão do
corredor ao invés de me colocarem junto com aquela mulherada toda! Eu já
pensei que era porque eu tenho AIDS! Perguntei e me disseram que não
tinha outra vaga, mas claro que tinha vaga, tinha cama sobrando, eu vi!
Mas aí também deu infecção na cesárea e até que ficou bom eu não podia ir
ver a minha nenê como eu já te disse. Mas eu tinha muita dor, mas eu tinha
também muita fé! Depois passou tudo! (Girassol)
Sobre o cuidado da enfermagem Orem diz:
O cuidado da enfermagem, por exemplo, é necessariamente entendido dentro
de um padrão de referência de quando e por que os indivíduos sozinhos ou em
grupo precisam e podem ser ajudados através da enfermagem e os tipos de
ações que são válidas e confiáveis para atingir tais necessidades. (OREM,
1995, p. 21)
Nesse sentido, as condutas da enfermagem devem estar coerentes com as
necessidades do cliente. No entanto, às vezes isto não acontece, e as ações realizadas
pela enfermagem não preenchem este princípio de Orem.
Portanto, a enfermagem deve estar atenta, também, para o tipo de ação que está
desenvolvendo quando se tenta estimular o autocuidado com gestantes/puérperas com
HIV, pois, como foi visto, existem condutas que poderão influenciar de forma negativa
sobre o portador de HIV e ao invés de beneficiá-lo, podemos estar dificultando seu
processo de viver e conviver como portador deste vírus.
88
5.3.3 A mentira
Como estratégia, as gestantes/puérperas costumam arrumar desculpas
convincentes para as pessoas de seu vínculo ou para quem necessitar na tentativa de
justificar suas condutas, como, por exemplo, sobre o não amamentar, ficar em um
quarto sozinha, dar medicação ao recém-nascido, entre outros, e isto provoca um
desgaste psicológico entre elas. O fato de estar sempre criando histórias e inventando
fatos gera muita angústia e, às vezes, faz com que o tratamento seja até abandonado,
visto que não é uma doença aparente, mas crônica e, assim, as conseqüências serão
apenas ao longo do tempo:
Minha mãe acredita em tudo que eu falar, se eu disser que o guri já nasceu
com gripe ela vai acreditar, então eu vou tirar o rótulo e pronto e ela não vai
perguntar. As minhas gurias perguntam o que eu tomo e eu disse que é
vitamina e tem mesmo uns comprimidinhos de ferro que eu tomo.(Rosa)
Eu estou mais feliz, pois ontem eu consultei com a doutora e ela me disse que
pode ser de parto normal. Eu prefiro, pois as outras já foram, assim, vou estar
em casa antes, e não correr o risco de alguém me ver sem dar de mamá no
hospital, aquelas coisas né? (Rosa)
Essa colocação representa todo o sofrimento pelo qual passam as gestantes com
HIV, pois, além das questões normais referentes ao tipo parto, ao nascimento, a
hospitalização em si, que angustiam qualquer gestante, ainda procuram estratégias para
manter sua privacidade diante do diagnóstico da doença:
...muitas pessoas perguntavam porque eu não amamento, eu disse que meu
leite secou...tinha pouco, ela não pegou...é difícil falar direto....foi difícil...
mas o leite que ela tomou fez bem pra ela, deu certo! (Jasmim)
...ficam me perguntando pó rque eu tÔ dando leite de latinha, o Nestogeno, se
o leite de caixa é bem mais barato... eu digo que por que eu vou reclamar do
meu marido, se ele consegue comprar esse leite? Por que eu vou brigar com
ele? ninguém sabe que eu ganho aqui no posto. (Rosa)
Outra coisa que incomoda muito é a mentira, ter que mentir, minhas filhas
perguntavam pra mim se eu tava tirando leite e eu tinha que mentir... quando
eu levei a nenê pra casa, elas perguntavam, mãe por que tu não dá o peito pra
ela?E eu tinha que mentir! É porque o leite secou! Isso incomoda ter que
mentir pra própria filha, pras amigas.... Talvez isso mude com os anos...e eu
possa conversar com alguém. (Jasmim)
Eu sinto falta de apoio da minha mãe, eu ainda não contei pra ela, sinto muito
por que ela pensa que eu tenho um problema e na verdade eu tenho outro
totalmente diferente e isso eu acho muito ruim, ter que sempre estar mentindo
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aqui e ali! (Tulipa)
A dificuldade em contar aos seus familiares sobre o seu diagnóstico é um fator
que influencia de maneira negativa no autocuidado. Orem (1995) coloca que o
autocuidado é afetado pela localização do indivíduo na constelação familiar. No caso
da gestante/puérpera com HIV, esta relação é afetada e evidenciada no momento da
maternidade. O apoio da mãe diante da maternidade da filha poderia diminuir
ansiedades comuns e, neste caso, o apoio seria também não julgar as condutas
adotadas, uma vez que são necessárias para o seu autocuidado e o cuidado do recém-
nascido, na tentativa de evitar a transmissão vertical do HIV.
5.3.4 A doença afetando a comunicação, a auto-estima e o atendimento profissional
Durante a realização das atividades, seja na Prática Assistencial, seja na
ampliação da coleta de dados, foram observadas condutas e posturas nas
gestantes/puérperas, comuns à maioria das participantes do estudo e que permitiu
algumas considerações.
Rosa foi acompanhada em toda a sua jornada de gestante a puérpera. Nos
primeiros encontros, mantinha a cabeça e a voz baixa, evitava manter um contato olho
a olho. Na medida em que os encontros foram acontecendo e ela se sentindo segura na
presença da pesquisadora, essa postura foi sendo modificada. O que se pode apreciar,
portanto, foi que o fato de ser HIV positiva a colocava em uma posição de defesa e
introspecção. Falar baixo, com o rosto voltado para baixo, era uma forma de evitar ou
dificultar a troca de informações. Rosa não contou seu diagnóstico para ninguém de
sua família, a não ser a seu próprio marido que também é soropositivo. Isso nos leva a
crer que não apenas com os profissionais da saúde é difícil interagir, mas com os
familiares também, o que só aumenta a solidão e o isolamento das mulheres
gestantes/puérperas com HIV.
Crisântemo apresentava o mesmo tipo de postura durante a coleta de dados.
90
Como Rosa, seu diagnóstico era do conhecimento do marido e da sua mãe, a qual
mora em outro estado, dificultando o contato. Assim, também é possível citar
Margarida, Jasmim e Hortência. Para essas pacientes, ter HIV é uma situação que
afeta, além da saúde, a auto-estima e a comunicação com outras pessoas o que as
limitam nas relações de melhoria na qualidade de vida.
Também foram dificultados os encontros, propriamente, pois na maioria dos
casos, para cada entrevista foram marcados pelo menos três encontros. A pesquisadora
ia até o SAE como o agendado, porém as clientes não compareciam, ligavam e
solicitavam outro encontro. Quando o encontro era realizado, o porquê da ausência era
esclarecido, sempre que, no corredor do posto de saúde se encontrava alguém que por
ventura as clientes conheciam, elas arrumavam alguma desculpa para estar ali, como
marcar alguma consulta, pegar algum remédio e iam embora, por medo de serem
descobertas, como pode ser comprovado pelas falas:
Bom eu só aceitei conversar contigo porque tu não é do meu bairro, porque se
eu venho aqui e tem alguém que eu conheço eu do meia volta, ou vou no
balcão peço informações, pego algum remedinho, saio e volto depois...Se eu
pudesse eu ia pra Porto Alegre me tratar, mas não tenho dinheiro. (Girassol)
Ninguém me discrimina porque não sabem que eu tenho só meu marido
sabe...às vezes eu venho aqui pra pegar alguma coisa ou fazer consulta e se
tem alguém do bairro ou da vila que eu conheço, eu disfarço, faço de conta e
pergunto informação e vou embora, ligo e marco outro dia, eu não sei se não
vão falar de mim, todo mundo sabe que quem vem aqui nesta sala tem alguma
coisa. (Hortência)
Essas mesmas dificuldades são relatadas pelos profissionais do SAE. Segundo
estes, muitas vezes são agendadas consultas, encontros grupais com pacientes e, na
maioria das vezes, os pacientes não comparecem. Porém, como são todos conhecidos,
e este tipo de atitude é comum, os profissionais estão preparados para proporcionar
novas oportunidades. Isso demonstra a dificuldade em se manter um sistema de saúde
de qualidade e com continuidade de atenção para os portadores de HIV.
Outro fator que pode ser mencionado, além das dificuldades de interação
durante a coleta de dados, a transcrição dos depoimentos foi extremamente trabalhosa.
91
Este fator foi de extrema dificuldade para a pesquisadora, que necessitou de um
número elevado de horas para transcrever o material, isto porque, a maneira de
expressão, cabeça baixa, voz embargada, dificultava a gravação, bem como a
transcrição. Porém, o diário de campo foi importante nesta etapa.
5. 4 Fatores que contribuem no engajamento do autocuidado
5.4.1 Rede de apoio familiar e social
A família é a base da sociedade, é nela que nascemos, crescemos e que
adquirimos muitos dos valores que servirão de base para nossa vida. Meirelles (2003)
coloca que ainda existe muita resistência dos pais aos trabalhos educativos
relacionados à prevenção da Aids realizados nas escolas, mas por outro lado, existem
pais que deixam a discussão destes temas para as escolas, por considerarem de difícil
abordagem ou por insegurança. Isso nos mostra o quanto ainda esta questão é difícil de
discutir no ambiente familiar. Desta forma, dificultando a revelação do diagnóstico de
soro-positividade por parte de algum membro da família.
Rede de apoio social é um sistema composto por vários objetos sociais
(pessoas), funções (atividades destas pessoas) e situações (contexto) que oferecem
apoio instrumental e emocional à pessoa em suas diferentes necessidades. Apoio
instrumental é entendido como ajuda financeira, ajuda na divisão de responsabilidade
em geral e informação prestada o indivíduo. Apoio emocional, por sua vez, refere-se à
afeição, aprovação, simpatia e preocupação com o outro e também a ações que levam a
um sentido de pertencer ao grupo (CRAIG; WISTON, apud DESSEN; BRAZ, 2000).
Os suportes são fundamentais para a manutenção da saúde mental, para o
enfrentamento de situações estressantes, para o alívio do estresse físico e mental. As
pessoas que compõem a rede social de apoio e as funções que exercem mudam de
acordo com o contexto sócio-cultural, o tempo histórico e o estágio de
desenvolvimento do indivíduo e da família enquanto grupo (DESSEN; BRAZ, 2000).
Em seu estudo sobre a rede social de apoio durante transições familiares
decorrentes do nascimento de filhos, Dessen e Braz (2000) referiu a importância da
92
rede de apoio familiar para as gestantes. O autor relacionou o trabalho doméstico, a
participação do pai na vida familiar, a participação em especial das avós maternas nos
cuidados com a gestante/puérpera e o bebê, bem como o apoio psicológico recebido
foi considerado de maior relevância.
Este estudo com gestantes/puérperas revelou a grande importância da rede de
apoio familiar para esta nova fase da vida da mulher, o vir a ser mãe. Isso nos faz
refletir sobre as dificuldades enfrentadas pela portadora do vírus do HIV que, em
muitas situações, não pode contar com a ajuda de sua família e tem que tomar atitudes,
como o não amamentar, dar medicação ao recém-nascido e tudo isso, cuidando para
que ninguém descubra, ou ainda, não pode socializar suas angústias em relação ao fato
de não amamentar, como será sua permanência no hospital, o uso das medicações,
entre outros assuntos, que afetam a vida desta gestante. Desta forma, quando a família
sabe e apóia a gestante/puérpera com HIV, essa vivência passa a ser menos sofrida:
Apoio eu tenho, tenho minha mãe, vó, dinda que sabem e meu namorado que
dão o maior apoio. Sabe, tem pessoas que abandonam, né? Mas elas não
desde o começo ficaram do meu lado. (Margarida)
... minha mãe, meus irmãos, toda a minha família me dão o maior apoio, e me
ajudam, isso eu não posso negar! Eles sempre me ajudaram nunca me
botaram pra baixo! Jamais eles me discriminaram, tipo tu tem AIDS, jamais,
sempre me trataram normal! (Amor Perfeito)
Tsunechiro e Bonadio (1999), no estudo realizado com a família como suporte à
gestante, encontraram o marido ou o pai da criança como a pessoa mais citada pelas
gestantes. Como aquele que ouve queixas, compartilha sentimentos, dá atenção,
esclarece dúvidas, além de ser o provedor financeiro. Também destacam a importância
da mãe, das irmãs, dos irmãos, tias e outros parentes consangüíneos enquanto rede de
apoio. Destacaram que a mãe e as irmãs servem para dar conselhos e esclarecer
dúvidas, provavelmente em função de experiências vividas. As gestantes também
encontram suporte fora do âmbito familiar com as amigas, vizinhas, patroa, colegas de
trabalho e outras gestantes.
93
Estes dados reforçam os resultados encontrados em nossa pesquisa, pois a
maioria das gestantes/puérperas com HIV se referiram ao marido como a principal
pessoa da família com quem dividem sentimentos e angústias, quando não é o único:
Meu marido é a única pessoa da minha família que sabe o que eu tenho,
minha mãe é doente, então não dá pra contar pra ela, não adianta, não quero
incomodar ela! (Hortência)
Ficou só entre eu e meu marido, às vezes nós conversamos sobre o assunto,
mas eu tomo meus remédios, e as vezes eu tô me esquecendo e então ele diz
pra mim se não tá na hora e se eu já tomei! (Violeta)
Stefanelli; Gualda; Ferraz (1999), estudando a convivência familiar do portador
de HIV e do doente de Aids, encontraram os sentimentos de solidão e isolamento do
portador de HIV/Aids demonstrando a relevância do suporte familiar no processo de
adaptação à nova condição de vida. Sentimentos como solidão, perda do significado da
vida e desesperança, sentimentos de ambivalência entre contar e não contar e para
quem contar sobre a doença, apareceram. A pessoa com HIV/Aids após passar pela
fase de querer manter sigilo procura os amigos, grupos, e alguns, só em fase muito
avançada procuram a família.
Em nossa experiência foram encontradas situações semelhantes. A maioria das
gestantes/puérperas com HIV contou seu diagnóstico apenas para o marido, algumas
também contaram para a mãe e em alguns casos o próprio marido contou para seus
familiares sobre a sorologia da esposa para aliviar sua própria responsabilidade. O
relato a seguir confirma o que diz o estudo referido por Stefanelli; Gualda; Ferraz
(1999):
Quando minha filha nasceu minha mãe veio pra cá, me ajuda. Eu contei pra
ela depois que eu já tinha saído do hospital. Ela veio comigo até aqui no SAE
para minha consulta, então a enfermeira comentou com ela, minha mãe é meio
parada assim, ela não entendeu. Daí eu comecei a chorar e ela já sabia o que
era... (choro)... Meu marido,é ele quem me ajuda também! Ele mudou comigo
depois do HIV, agora ele me trata melhor, não que me tratasse mal antes, mas
agora ele conversa mais, da mais atenção, carinho... e minha mãe quando ela
vem pra cá. (Crisântemo)
94
Desta forma, a rede de apoio familiar é fator indispensável como facilitador
para o autocuidado de gestantes/puérperas com HIV. Mesmo que seja apenas o
marido, este representa o suporte íntimo da paciente. Ele é alguém em quem ela pode
se apoiar para a busca de um viver saudável, mesmo diante de uma doença crônica e
até o momento sem cura, como é o caso do HIV. E, quando esta rede de suporte se
amplia, os reflexos são significativos para a paciente:
Porque assim, antes de acontece isso, nóis nunca se demo, e agora depois que
isso ocorreu sabe, que a gente ficou sabendo, eu chego lá e ele já me chama
prum canto, aí a mãe diz, já vão começar os dois de conversinha, aí ele me
pergunta como é que eu tô, sabe? como é que tá o vírus, se tá alto ou se tá
baixo, se eu tô me cuidando, se eu t tomando a medicação. Ele tem um
cuidado assim de pai mesmo sabe, e isso eu fiquei muito feliz com ele. Eu
achei que ele ia me excluí, mas não, bah, ele tá sendo um pai mesmo. Eu acho
até que se não fosse sabe assim, se nós fosse pai e filha mesmo, do mesmo
sangue, eu acho que ele não agiria tanto assim comigo, de me cuidá. (Tulipa)
Nesse sentido, talvez fosse adequado estimular junto com a gestante/puérpera
com HIV, a ampliação de sua rede de apoio familiar. Discutir com ela sobre os
benefícios proporcionados com isso e os reflexos sobre o seu autocuidado.
Enfatizando que os aspectos positivos serão bem maiores que uma possível rejeição.
5.4.2 Rede de apoio profissional
A política do Ministério da Saúde na luta contra a Aids tem tido muito sucesso
e seus esforços são indiscutíveis. Aspectos como a distribuição universal e gratuita de
medicamentos anti-retrovirais pelo SUS implementada desde 1997 teve repercussão
mundial. Porém, em alguns locais do país, está sendo observada desatenção, descaso e
maus tratos aos usuários no SUS. A Associação Brasileira Interdisciplinar (ABIA) de
Aids publicou algumas reclamações que usuários do sistema fizeram a eles.
Atualmente quando alguém decide saber se é infectada ou não pelo vírus do HIV, tem
que estar disposto a enfrentar algumas situações adversas, como demora no resultado
e, após, percorrer postos de saúde para ver onde há disponibilidade de atendimento.
Esta é a realidade encontrada nos grandes centros do país (RAXACH, 2005).
95
Como esse estudo foi desenvolvido em um município de médio porte do
interior do estado gaúcho, a realidade percebida foi muito diferente. Assim como a
rede de suporte familiar é muito importante para o portador do vírus HIV, a rede de
suporte profissional também é indispensável, e neste caso, os profissionais da saúde
representaram para as gestantes/puérperas, além de atendimento à saúde, apoio
psicológico e social, como pode ser observado a seguir:
Eu tenho muita confiança aqui nas gurias do SAE, elas é que me dão a maior
força! (Crisântemo)
Eu só converso sobre o meu problema aqui no SAE com as gurias! (Hortência)
Eu ainda não contei pra ninguém além do meu marido porque eu sinto muito
apoio aqui nas gurias do SAE, então não senti falta ainda! (Violeta)
A Dotora S. e as gurias, elas que me ajudaram a enfrentar isso. Quando eu
tava morrendo no hospital ela vinha do meu lado, me dizia te anima, eu vou te
botar de pé outra vez, me fazia eu sentar na cama, eu ficava um pouco ela me
segurava, eu tinha vontade de vomitar ela me alcançava aquela travessinha e
ficava do meu lado! Tu vai falar, tu vai andar, vai criar teus filhos e teus
netos! Quando eu via tava mais de meia hora sentada! (Girassol)
Pude perceber, ao longo deste um ano de convivência com a equipe do serviço
de atendimento de gestantes/puérperas, o grau de comprometimento profissional e
social das profissionais com os clientes. Além da responsabilidade com o tratamento
de sua clientela presente, em momentos de ausência destes ao serviço, faziam a busca
destas clientes, oferecendo apoio psicológico, escutando, dando conselhos, recebendo
em contraponto, o retorno afetivo e agradecimentos.
Todas as gestantes/puérperas com HIV deste estudo, referiram-se aos
profissionais e ao serviço com carinho e respeito, enfatizando a habilidade destes em
revelar o diagnóstico durante o aconselhamento. Sendo assim, a importância ficou
evidenciada na maneira como elas estão enfrentando sua sorologia:
...as gurias aqui, a minha doutora, a enfermeira M. porque foi ela que me deu
o diagnóstico, eu adoro ela, me sinto uma filha dela...elas são responsáveis,
por eu ainda estar de pé! (Tulipa)
O pessoal aqui é que me ajudam, as gurias são quem me orientam, e me
apóiam e me escutam... (Jasmim)
96
No início de minhas atividades no SAE, com a prática assistencial, encontrei
Rosa, uma gestante com diagnóstico de HIV de poucos dias. Ela já havia passado pelo
aconselhamento, já estava em acompanhamento quando eu iniciei minhas atividades.
Como meu foco inicial eram gestantes com HIV, tive problemas em conseguir sujeitos
para minha prática. Havia na oportunidade, quatro gestantes com o diagnóstico de
HIV, uma delas, não aceitou participar das atividades, outra se evadiu, foi morar em
outro município, a terceira, pude realizar apenas um primeiro contato, pois logo
ganhou seu bebê. Assim, Rosa ficou com minha dedicação exclusiva, trabalhei com
ela durante toda a sua gestação, concluí minhas atividades curriculares da disciplina
acadêmica, mas não parei de encontrar com Rosa, pois não me sentia capaz de
abandoná-la.
Contudo, o acompanhamento de Rosa no puerpério, me inspirou para a
ampliação do meu estudo, pois vi a necessidade de inclusão de puérperas, haja vista
que os cuidados com a saúde e com o bebê continuam até dois anos de vida, quando se
define a sorologia da criança se negativa ou positiva. Rosa adquiriu o vírus do HIV de
seu marido, companheiro de oito anos. Tem três filhas, sendo que as duas primeiras
não têm o vírus. O marido de Rosa foi usuário de drogas injetáveis e adquiriu o vírus
ao longo do tempo. Toda a família sabe da sorologia dele, pois sua mãe se encarregou
de divulgar para todos, inclusive para a comunidade. Desta forma, Rosa, agora
também soropositiva, tem medo de revelar seu diagnóstico, apenas seu marido e os
profissionais do SAE sabem. Seu marido não quer falar sobre o assunto e ela conta
apenas com o apoio dos profissionais para expor seus sentimentos, angústias, medos e
compartilhar sua felicidade.
Sendo assim, Rosa encontrou em mim seu suporte principal durante um bom
tempo. Suas falas depositavam em mim a responsabilidade que eu tinha adquirido
quando atuava no serviço:”Me sinto melhor por você estar aqui e poder continuar
conversando, eu quero continuar participando, pois você é a única pessoa com quem
eu falo! Meu marido não toca no assunto, não contei pra ninguém, é só aqui que
falo”! (Rosa)
A realização do encontro em grupo, apesar de ter contado apenas com três
gestantes/puérperas com HIV, foi uma experiência emocionante. Foi a primeira vez
97
que elas participaram de uma atividade em grupo e tiveram a possibilidade de interagir
com outras portadoras de HIV. Ficou clara a necessidade delas em dividirem seus
sentimentos, pois, trocaram idéias de uma maneira voraz, falavam simultaneamente,
riam e choravam. Foi muito importante para Rosa, pois Amor Perfeito, uma jovem de
dezoito anos, tem uma experiência diferente, conseguiu falar com seus familiares e
isso lhe deu uma energia maior e ela conseguiu passar para Rosa. Como já mencionei,
neste dia, Rosa recebeu o primeiro resultado da sorologia de seu filho o que provocou
comoção em todos nós, foi uma maravilhosa coincidência do destino! Rosa referiu
apenas uma imensa tristeza em não poder dividir esta conquista com seus familiares:
No começo eu tava com um pouco de medo, chorei um pouco, mas foi
maravilhoso, pois foi a primeira vez que eu pude falar e saber de uma outra
mulher como foi a sua experiência. Porque tu sabe, tu foi a única pessoa com
quem eu falei assim, mais tempo, eu confiei muito em ti, e agora é isso, meu
nenê é negativo! Mas eu nem posso dizer pra minha mãe que eu consegui! Isso
é difícil! Então vir aqui para conversar foi muito bom mesmo! (Rosa)
Isso tudo prova a grande importância que a rede de apoio profissional tem na
vida dos portadores de HIV e a dificuldade em se organizar grupos deste tipo, uma vez
que o portador de HIV necessita de muita segurança para se expor, mesmo com
pessoas que vivem a mesma problemática.
Saliento ainda, a oportunidade que vivenciei em participar e ver a mobilização
dos profissionais do SAE, em angariar fundos para manter suas atividades de cunho
social diante de sua clientela. Foi organizado um chá beneficente, com o apoio do
comércio do local. Este foi realizado em uma concessionária de carros importados,
teve desfile de moda e coquetel. Além da mobilização de toda a comunidade, vi o
esforço destes profissionais em vender ingressos, para garantir o sucesso do evento.
O comprometimento, o envolvimento deste grupo de profissionais mostra o
quanto é possível fazer a diferença e o que se consegue fazer, se existir empenho e
doação.
Em contrapartida, a vivência das gestantes/puérperas no cuidado hospitalar,
mostrou que ainda existem profissionais despreparados e com dificuldade no manejo
com o portador de HIV:
Foi fácil, tinha nas fichas, fiz o remédio... No hospital teve uma enfermeira que
foi uma mãe pra mim, me ajudou... mas tinha uma que perguntou como é que
tu pegou, tu não se cuidou? Isso me revoltou sabe, não gostei , fiquei nervosa,
fiquei lá em baixo... tem certas ocasiões que se tu falar isso, tu não vai dar
98
nem bola, enquanto outras... eu tava ali pra ganhar meu nenê não pra ficar
respondendo isso. (Tulipa)
Atualmente já existe uma política forte e estruturada para a educação
continuada dos profissionais da saúde pública. Muitos cursos com patrocínio do
governo são realizados, onde os profissionais da rede ambulatorial podem participar,
sendo liberados de seu turnos de trabalho, recebendo diárias para transporte e
hospedagem. Já para os profissionais da rede hospitalar, a participação em eventos
científicos ou grandes treinamentos dependem da disponibilidade econômica dos
profissionais, em alguns casos se consegue a dispensa das horas de trabalho, mas isso
se a instituição considerar de seu interesse, caso contrário, o profissional deverá
compensar as horas de trabalho. Essa diferença está se refletindo no atendimento, no
despreparo dos profissionais dos hospitais, uma vez que a questão econômica faz toda
a diferença neste processo.
5.5 As mudanças de atitude
Ainda que existam déficits em relação ao autocuidado apresentado
anteriormente, algumas condutas referentes ao engajamento no autocuidado, que
foram mencionados por algumas das gestantes/puérperas com HIV podem ser citados,
em relação:
5.5.1 Ao tratamento
Algumas das gestantes/puérperas com HIV deste estudo, em suas falas,
demonstram o engajamento do autocuidado em relação ao seu tratamento, seja na
realização de exames, na medicação, bem como, em mudanças de hábitos, como, por
exemplo, o uso da camisinha, abandono do cigarro entre outros, o que pode ser
exemplificado nas falas:
Antes do HIV eu não usava nenhum método contraceptivo, agora, toda a vez
99
nós usamos camisinha, depois do diagnóstico foi a única coisa que mudou,
mas nenhum de nós fica falando no assunto HIV...eu to fazendo meu pré-
natal, e sempre que tenho algo diferente eu venho aqui e faço minhas
consultas. (Orquídea)
Meu companheiro sabe que eu tenho HIV, ele fez o exame e não tem, agora
nós usamos preservativo, nós nos cuidamos ele aceitou numa boa.. eu também
tomo meus remédios direitinho! É ruim ter que fazer todo dia a mesma coisa,
levantar, tomar remédio, antes de dormir de novo. Eu tava tomando dois por
vez, agora vou passar a tomar quatro! Outra coisa, quando eu cheguei no
hospital, as enfermeiras já sabiam que eu era HIV, já sabiam que eu vinha,
mas mesmo assim, eu falei! (Amor Perfeito)
Eu mudei em algumas coisas, por exemplo, o cigarro, eu diminui muito meu
cigarro, eu fumava duas carteiras por dia, comecei me alimentar melhor, uma
carteira dura dois dias... eu quero parar de fumar. Outras coisas, antes eu
bebia muito, fumava, é que eu trabalhava em uma maloca! Agora, quase toda
a semana eu to aqui no SAE, sempre faço as minhas consultas. Hoje eu me
sinto mais adulta, se eu tivesse a cabeça que eu tenho agora, não tinha
acontecido tudo isso!... Mas hoje eu to melhor, porque antes do diagnóstico eu
fumava mais, bebia, bebia uma caixa de cerveja por dia... agora não bebo
mais, me sinto mil vezes melhor! Eu não dormia direito, era gordinha, toda
inchada de bebida! Eu passei a me cuidar melhor, eu prefiro a vida que eu
tenho hoje com HIV do que a vida que eu tinha, agora eu tenho pessoas que
me respeitam, que me ajudam, se importam comigo... .a única coisa é que eu
tenho que cuidar de mim! Tenho que cuidar dos meus filhos, dar um futuro
pra eles. (Jasmim)
Essa fala me marcou intensamente, pois demonstrou um lado do portador de
HIV que eu não havia percebido. O sentimento do cuidado, do ser cuidado. Ser
respeitado, mesmo diante de uma doença estigmatizante como é o HIV. Trouxe para
ela, valorização pessoal e deu um novo sentido para a vida. Quando ela diz, tenho
pessoas que me ajudam e me respeitam, nos faz refletir sobre a importância do cuidado
humanizado e da empatia do cuidador com o ser cuidado.
O serviço, assim como está estruturado, tem facilidade de acesso, o que é de
suma importância para as gestantes/puérperas com HIV:
...eu venho sempre nos dias de pegar remédio, que não é uma consulta, e
quando sinto alguma coisa de diferente já marco consulta, e tem os dias dos
exames, venho também, na verdade to sempre aqui! (Girassol)
Como cuidado preventivo do HIV, eu tenho vindo bastante nos médicos, eu
tenho dois planos de saúde, eu tenho o plano SUS o plano ULBRA, cada
semana eu tenho consulta na ULBRA e no SUS eu faço meu pré-natal, me
100
cuido bastante mesmo. De médico eu tenho o ginecologista e aqui na médica
do SAE por causa do HIV. Faço meus exames todo. (Violeta)
De cuidado preventivo, a qualquer coisa eu venho, faço todas minhas
consultas, exames, sempre me cuido bem quanto a isso. Bom por enquanto eu
me sinto bem, mas eu tenho medo de morrer e deixar meus filhos, tá louco!
Eles são pequenos ainda... Eu sei que tenho que me cuidar, por enquanto eu só
tenho o vírus, mas talvez um dia vou ter que tomar remédio, por enquanto
não... tô bem....tenho que ir no médico tenho que me cuidar....às vezes tenho
gripe, mas só... (Hortência)
O engajamento no autocuidado com relação ao tratamento tem grande
influência, pela forma como o serviço está organizado e as facilidades de acesso. Isso
demonstra o quanto é importante a flexibilidade de horários, mas principalmente, o
ambiente e os profissionais acolhedores que respeitam as visitas não agendadas e as
dificuldades individuais dos clientes.
5.5.2 À alimentação
Quanto à alimentação, o fato de ter HIV contribuiu para uma tomada de atitude
diante do que comer. Ainda que tenham dificuldade em manter uma alimentação
balanceada, algumas mencionaram a introdução de novos hábitos, como comer frutas,
verduras, acrescentar refeições antes desrespeitadas como pode ser observado nas
falas:
É que antes eu não me alimentava direito, não tomava café, comia errado, e
agora eu venho me cuidando, comendo mais certo, por causa da minha
doença. E também por causa da minha depressão, mas agora tô melhor...
(Jasmim)
Antes eu não me preocupava tanto em comer frutas verduras, agora como
melhor, cuido pra comer direitinho. Que nem tomar o remédio é uma coisa
sagrada pra mim, acordar de manhã tomar o remédio! Pro nenê também foi
sagrado, os 4ml sempre dei certinho o Bactrim. Eu coloquei sempre o
despertador e hoje a vitória está linda! (Girassol)
O HIV não trouxe limitação pra minha vida, só me ajudou, antes eu não
almoçava direito, não tomava café, agora tô me cuidando! (Amor Perfeito)
Sim, eu tenho alguns cuidados com a alimentação, antes eu sempre fazia
regime, me cuidava, agora eu tenho medo...Eu acho que é uma forma de
cuidado, porque estes tempos, logo que eu ganhei, eu fiz um pouco de regime e
me senti cansada, fraca e ai eu vim aqui no médico e fiz uns exames de sangue
101
e vi que era anemia.. então eu parei... e também, porque eu não quero ficar
fraca por causa desta doença... (Hortência)
Ainda que com alguns equívocos, as participantes deste estudo demonstraram
que o HIV não trouxe apenas pontos negativos para sua vida, mas através dele,
algumas posturas tiveram que ser tomadas em relação ao autocuidado, proporcionando
um amadurecimento para elas.
5.5.3 À higiene e ao risco de contaminação
O conhecimento acerca da doença mencionado anteriormente também refletiu
em ações de autocuidado. Saber as formas de contágio fez com que as mulheres deste
estudo adquirissem novos hábitos:
Para mim, esta gestação foi uma lição de vida, pois a minha filha foi
importante. Meus filhos são importantes. Deus me livre eu perder o amor dos
meus filhos! Sabe em casa eu cuido muito, Deus me livre eu contaminar um
dos meus filhos, cuido muito a questão de limpeza, coloco muita Kboa no vaso
depois que eu uso e puxo um monte de vez a descarga, cada um tem sua
toalha, não deixo ninguém usar a minha. Cuido quando vou fazer pão pra
mão não ter nenhum machucado, se tiver não faço, se me corto saio correndo
longe. Eu sei que é difícil de pegar assim, mas eu cuido muito!! (Girassol)
Eu também mudei em algumas coisas em casa por causa da minha mãe, eu
tenho que cuidar as coisas que uso, as coisas de unha, por exemplo, pois
minha mãe em casa! (Margarida)
Cuido também com as coisas de higiene, quando venho fazer os exames cuido
se a agulha é nova, se saiu do plástico! Eu acho que agora eu me cuido muito
mais que antes. Antes eu saia de qualquer jeito, agora eu uso creme no rosto,
me arrumo pra sair, passo batom antes eu nunca liguei. Agora eu sei que
tenho que me cuidar muito mais. (Tulipa)
Esse cuidado com a aparência me chamou muito a atenção, pois demonstra uma
ação de autocuidado que reflete na auto-estima. Estar arrumada, passar o batom, usar
creme, são cuidados importantes para qualquer mulher e, neste caso, só foi despertado
em Tulipa pelo fato de estar com o HIV.
102
Também apareceu em suas falas o cuidado em relação à prevenção da
contaminação do bebê, além da questão da medicação, do não amamentar, como pode
ser observado na fala:
Lá em casa estes dias eu cortei o dedo com a tesoura da grama, e a nenê
tinha um machucadinho na perna eu enrolava meu dedo, cuidava pois assim
eu sei que pega, no contato com sangue, me ensinaram, nestas partes é o
que eu cuido. (Tulipa)
Wiethauper; Cechin; Correia (2003) colocam que o fato da gestante carregar em
seu ventre um filho, um outro ser, poderá transformar-se em esperança, na alegria, ou
desesperança. E esta vivência representa a possibilidade de concretização de um
profundo desejo de gerar um filho, um papel que a sociedade culturalmente lhe legou.
Porém, sentimentos de culpa se misturam ao desejo de ser mãe, quando se referem aos
cuidados do recém-nascido, o medo de transmitir o vírus e a culpa que isso gera, são
carregados pelas portadoras de HIV, o que ficou claro na fala de Tulipa.
5.5.4 Às atividades físicas
A prática regular de atividade física é a principal responsável por hábitos de
vida mais saudáveis. Além dos benefícios já conhecidos tais como prevenção de
doenças cardíacas, prevenção de osteoporose, redução do colesterol, redução da
hipertensão, combate à obesidade e tantos outros, o exercício físico tem um efeito
ainda mais importante: O indivíduo que se torna capaz de incorporar a atividade física
na sua vida habitual de maneira definitiva encontra uma nova maneira de viver. A
atividade física previne a depressão, melhora o humor e a sensação de bem-estar
(FONTES, 2006).
Embora não sendo uma atividade desenvolvida por todas as participantes do
estudo, foi mencionada por algumas delas, como pode ser visto nas falas:
Na firma a gente faz exercícios antes de começar o trabalho, uns cinco
minutos por dia... e eu tô fazendo caminhadas, eu caminho bastante e gosto
de fazer caminhadas, isso mudou porque antes eu não caminhava tanto.
(Orquídea)
Eu agora faço atividades físicas na firma, a gente joga futebol, faz exercícios
103
antes de começar o trabalho e eu caminho às vezes! (Amor Perfeito)
... na firma a gente faz exercício para os nervos antes de iniciar o trabalho,
para não encarangar no frio, exercícios para pernas, braços...e eu também
faço caminhadas! (Violeta)
Se a atividade física, além de todos os benefícios mencionados acima, apenas
melhorar a auto-estima, por si só, já é um bom motivo para as gestantes/puérperas com
HIV realizarem. E também o fato das empresas estarem estimulando exercícios físicos
ou ginástica laboral é um ponto positivo que pode influenciar e estimular a realização
de exercícios físicos regulares.
5.5.5 Na responsabilidade
Toda doença crônica exige do portador mudanças de hábitos e
responsabilidades. Por exemplo, o portador de diabetes mellitus necessita eliminar de
sua dieta o açúcar, e/ou, substituí-lo por adoçante dietético. O portador de hipertensão
necessita restringir o uso de sal em sua alimentação. Isso demonstra a responsabilidade
que portadores de doenças crônicas têm na manutenção de sua qualidade de vida
enquanto crônicos. Neste estudo, a questão da responsabilidade despertada pelo fato de
serem portadoras de um vírus ainda sem cura, surgiu de várias formas, como revela a
fala:
Antes eu era largada, não queria nada com nada, assim deixava, se me
pediam alguma coisa eu nem dava bola. Agora tudo que vêm me falar eu
penso, respondo, assim no serviço, eu nem pensava em trabalhar, agora eu
tenho uma filha, tô comprando as coisas pra minha casa, depois que eu tive o
diagnóstico eu passei a ter mais responsabilidade sobre a minha vida!
Eu acho que nem minha mãe teria conseguido me transformar tão
profundamente em relação aos meus hábitos e cuidados como o fato de ter
adquirido este vírus. Agora eu falo com as pessoas com calma, eu respeito,
antes eu era agressiva...isso são coisas que eu acho que ficaram de positivo
na minha vida! Acho que se eu não tivesse eu não estaria mais calma, talvez
eu nem teria condições de cuidar do meu filho como eu tenho cuidado! Hoje
na minha idade eu me sinto meio perdida, tão nova com este problema?! E
agora tenho filho, marido, mas se eu não tivesse esse problema eu não daria
bola pro meu filho. Eu não ia trabalhar, fazer nada. Eu preferia ter esta
doença com a responsabilidade que eu tenho agora a viver como eu vivia.
(Amor Perfeito)
104
Amor Perfeito, a mais jovem puérpera com HIV deste estudo, traz à tona a
questão da gravidez na adolescência, acompanhada pela descoberta da
soropositividade. A gravidez na adolescência, por si só já é um problema, uma vez que
vai limitar a vida de uma menina, trazer conflitos com o pai da criança e com as
famílias dos dois e, muitas vezes, essa gravidez é também acompanhada do abandono
escolar. Neste caso, além de tudo isso, Amor Perfeito descobriu ser portadora do vírus
HIV. Quando ela coloca sua postura pessoal anterior, revela o quanto a situação a fez
amadurecer e as condutas de autocuidado que tomou para contornar isso. Neste
sentido, Tulipa também coloca:
Agora depois do HIV, eu penso mais, não brigo tanto, antes eu fazia tudo pela
minha cabeça. Se não der certo, tudo bem. Mas antes, era uma e duas e eu
dizia tô indo lá pra mãe. Agora não, briguinha todo mundo tem. Se eu me
separar dele, ele me entende, me aceitou, será que outra pessoa vai me ajudar,
vai me aceitar?Eu penso muito nisso.... (Tulipa)
O sentimento de responsabilidade expresso pelas clientes demonstra a
transformação psicológica que acontece em quem se vê, em algum momento de sua
existência, portador do vírus HIV.
5.6 Perspectivas para o futuro
Ainda que diante de um resultado positivo para o HIV, um vírus ainda sem cura
e carregado de estigma pela sua história, as participantes deste estudo demonstraram
perspectivas em relação ao seu futuro. Para algumas, a maternidade, significou a
aposta em uma nova expectativa de vida, o que também foi evidenciada em outros
trabalhos.
Em seu estudo sobre o cuidado á mulher soro-positiva no ciclo grávido-
puerperal, com as percepções das enfermeiras, Coelho e Motta (2002), encontraram
105
como uma possível justificativa da busca pela maternidade pelas mulheres portadoras
de HIV, uma maneira de continuarem suas vidas. A possibilidade de este filho
negativar a sorologia, significou a possibilidade de continuidade á sua vida. Isso
também foi evidenciado por Franco e Figueiredo (2004), ao trabalhar com mulheres
usuárias de drogas soropositivas para o HIV e estas também viam no cuidado do filho
uma perspectiva para o futuro. Neste estudo, a maioria das gestantes/puérperas com
HIV descobriram seu diagnóstico no pré-natal e este mesmo sentimento foi observado:
Cuidar do meu nenenzinho , trabalhar... (Orquídea)
Eu só quero cuidar da minha filha que é a única coisa que eu tenho na vida...
O primeiro exame que eu fiz nela deu negativo! (Crisântemo)
Penso só em cuidar dos meus filhos e ser feliz! E o que me ajuda é a fé, eu
botava na cabeça que ia me matar.... daí que nem agora com meu nenê eu me
senti mãe pela primeira vez , sabe, que eu cuidei, me ajudou e aliviou, cada
sorrisinho dela! (Jasmim)
Outro aspecto que surgiu como perspectiva de futuro, foi querer continuar seu
ritmo normal:
Eu quero casar e eu quero continuar meu serviço e levar uma vida normal e
esquecer isso, fazer o que eu tenho que fazer e tentar esquecer, para levar uma
vida normal. (Margarida)
Aha, eu quero trabalhar, construir minha casa, e se Deus quiser reunir todos
os meus filhos, é só isso que eu quero....(choro). (Tulipa)
Essa banalização ou minimização da soropositividade também foi evidenciada
por Franco e Figueiredo (2004). A banalização, definida como uma concepção de
normalidade, envolvendo condição de vida anterior e com a perspectiva de
medicalização, ensejada pelo advento dos coquetéis, os relatos de vulnerabilidade e
dificuldades para sobreviver, faz com que o fato de conviver com HIV/Aids seja
secundário. Esses aspectos também se empregam neste contexto, pois, para algumas,
106
as precárias condições de vida e os problemas de relacionamento familiar são mais
significativos para elas do que o HIV.
As expectativas em relação ao futuro dependem da maneira como cada uma
delas encara seu estado soropositivo. Girassol ainda não conseguiu assimilar sua
situação, fala o tempo todo em morrer:
Eu não tenho nenhuma expectativa de futuro! Sabe, eu não tenho nenhum
motivo pra me segurar aqui. Minhas filhas tão grande, meu guri já tem dez
aninhos e a nenê tem o pai dela... (Girassol)
Já, Amor Perfeito acredita que sua vida é melhor agora, mesmo depois do resultado de
sua sorologia: “Se continuar assim como está, tá bom!” (Amor Perfeito)
A esperança na descoberta da cura é o que move a maioria das participantes
deste estudo: “Olha sei lá, eu acho que ainda podem descobrir a cura e eu me curá! E
seguir minha vida em frente, não abaixar a cabeça e seguir minha vida em frente, se
não vai ser pior pra mim!! Sigo trabalhando, tenho minha profissão, sigo normal!”
(Violeta)
Este sentimento em relação à cura do HIV, também foi mencionado por Carmo
(2002), ao analisar as possibilidades vividas por um casal soropositivo, os quais se
acomodavam na esperança de que Deus lhes enviasse a cura, para só então eles
poderem viver seus dias com saúde e trabalho.
A cura para o vírus do HIV é o que todos queremos. Porém, enquanto isso não
acontece, precisamos encontrar maneiras de conviver com este vírus. Adotar práticas
seguras, orientar e apoiar o portador de HIV para um viver saudável e com qualidade
de vida. A atenção deve ser orientada não apenas ao controle da infecção e da
epidemia, mas no bem-estar de todos os portadores de HIV, analisando cada caso, cada
situação, para oferecermos as melhores estratégias de atendimento de maneira
individualizada e humanizada.
O autocuidado de Orem propiciou uma boa estratégia com relação a isso, pois
com a identificação dos déficits de autocuidado foi possível realizar um cuidado
humanizado e efetivo com este grupo de mulheres. Acreditando assim, que no final
desta proposta metodológica, convergente-assistencial, as perspectivas em relação ao
futuro destas mulheres possam ter sido ampliadas.
107
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao iniciar as atividades acadêmicas da Prática Assistencial, alguns desafios
deveriam ser superados. O primeiro dizia respeito ao tempo, pois atuava como
enfermeira assistencial em um hospital, com carga horária diária de seis horas, e após,
continuava nessa mesma instituição como supervisora de alunos de graduação da
universidade a qual sou vinculada. Quando iniciei o mestrado, acreditava que poderia
diminuir minha carga horária de trabalho, porém aconteceu justamente o contrário,
tive que assumir um número maior de turmas de estágio para viabilizar
economicamente o Curso de Mestrado (pagamento do Curso propriamente dito e
despesas com livros, materiais diversos e viagens para poder freqüentar as aulas em
Caxias do Sul/RS e Florianópolis/SC). Esta experiência também foi válida, pois pude
compreender melhor os meus alunos do Curso de graduação, uma vez que, a grande
parcela destes é constituída por estudantes trabalhadores como eu. Percebi o quanto é
complicado vivenciar esse processo.
O segundo desafio foi conseguir um número relativo de gestantes com HIV
positivo, foco inicial da prática assistencial, para participar desse estudo. Por ser uma
região com baixo índice estatístico de HIV/Aids, consegui efetivamente somente duas
gestantes, e desenvolvi minha assistência com estas, porem, isso não impossibilitou o
desenvolvimento do meu trabalho, pelo contrário, a vivencia com Rosa, foi o que me
despertou para a ampliação do estudo com puérperas portadoras do vírus HIV. A
questão da transmissão vertical e o autocuidado referente a isso, não se limitam ao pré-
natal, mas também ao puerpério, até o recém-nascido completar dois anos de vida.
Gradativamente as dificuldades foram sendo superadas. Contei com o apoio da
equipe do SAE, que não mediu esforços em disponibilizar salas, e horários alternativos
para mim. Assim como, contei com o apoio de minha orientadora, que soube lidar com
minhas dificuldades e me iluminar com sua experiência e capacidade.
Minha mobilização pessoal em desenvolver este estudo foi fruto da experiência
109
profissional como enfermeira assistencial em Maternidade. Fui responsável pela
normatização da política de prevenção da transmissão vertical do HIV/Aids neste
local, com a instituição de rotinas adequadas e treinamentos para a equipe de trabalho.
As vivências com gestantes e parturientes nesta situação, é que me estimularam a
pesquisar sobre o assunto. Primeiramente, quis saber o porquê, que algumas gestantes
com diagnóstico prévio de HIV, só procuravam o hospital, tardiamente, dificultando
que o uso de anti-retrovirais fosse realizado três horas antes do nascimento do bebê,
como o preconizado pelo Ministério da Saúde. Eu me questionava sobre o
entendimento destas mulheres, frente ao seu papel nesse cuidado, foi então, que, optei
pela teoria do autocuidado de Orem.
As definições de Orem frente ao autocuidado foram importantes na construção
deste conhecimento. Paulatinamente, fui incorporando a teoria e implementando as
atividades acadêmicas de prática. Quando Orem (1995), diz que a enfermagem tem
sido descrita como serviço humano preocupado com a saúde o bem estar do indivíduo
e do grupo, mais especificamente, ela acredita que a enfermagem pode ser descrita
como serviço de ajuda, preocupado em auxiliar indivíduos a alcançar objetivos por
eles mesmos, os quais não são capazes de realizar sem ajuda de outros. Hoje, consigo
entender o que acontece com estas gestantes/puérperas com HIV.
Entendo ser neste momento que a atuação da enfermeira se faz necessária.
Quando ela consegue identificar os pontos que necessitam serem modificados, frente
ao autocuidado deste individuo. Estes pontos são então, os déficits de autocuidado.
Neste estudo, pude perceber que de uma maneira ou de outra, as gestantes/puérperas
com HIV desenvolvem seu autocuidado, mas não de uma forma sistematizada. O
autocuidado de cada uma sofre influências diversas, tais: idade, capacidade mental,
estado emocional, situação econômica e social, diversidade cultural e social no qual,
esta inserida, bem como, a aceitação do seu estado soropositivo tem influência
significativa neste processo.
Como coloca Orem (1995), este ser humano necessita de informações e apoio
para que possa exercer seu autocuidado e também do seu filho, na busca de um viver
mais saudável. As trocas de experiências vivenciadas, tanto nas entrevistas individuais
como no grupo, foram importantes, pois, oportunizaram trocas entre enfermeiro/a –
110
gestante/puérpera e entre as próprias gestantes/puérperas. Isto oportunizou a
incorporação de medidas de autocuidado, revendo conceitos, condutas, déficits de
autocuidado na perspectiva de ampliar os conhecimentos sobre o HIV/Aids e as
representações disso no cotidiano de cada uma.
Stefanelli; Gualda; Ferraz (1999) afirmam que a doença crônica tem múltiplas
dimensões e gera uma gama de demandas que assumem a conotação de desafios ao
desenvolvimento de cada um, na tentativa de adaptação à nova condição de vida que
se apresenta. Essas demandas sofrem interferências da natureza da doença, recursos
sociais e econômicos. As autoras afirmam ainda que a singularidade de ser ou estar
doente depende do ambiente sócio-econômico e cultural. Isso pode ser observado,
desde a postura física durante as entrevistas até nos déficits encontrados.
Ainda que não fazendo parte dos objetivos propostos, enquanto categoria de
análise, o perfil das participantes é de suma importância na compreensão do processo
de viver das gestantes com HIV. Em primeiro lugar, quanto à descoberta da doença foi
discutido o estigma que a Aids carrega até hoje, em virtude dos perfis dos primeiros
portadores do vírus do HIV. Discutiu-se a dimensão da descoberta do HIV durante os
exames de pré-natal e a forma de revelar o diagnóstico durante um aconselhamento,
uma vez que isso pode amenizar o impacto do resultado. O conhecimento acerca da
doença surgiu como um fator positivo e com influência sobre as ações de autocuidado
destas mulheres. Em contrapartida, os sentimentos em relação ao fato de não poder
amamentar, foram motivos de dor e sofrimento para elas.
Com referência aos déficits de autocuidado, os quais delineiam quando a
enfermagem se faz necessária e passam a ser uma exigência quando um adulto acha-se
incapacitado ou limitado para promover seu autocuidado contínuo e eficaz, foram
identificados os seguintes déficits: na alimentação, pois as gestantes/puérperas não
estão fazendo um número adequado de refeições, em número reduzido ou aumentado,
referindo-se ao medo de “morrer sequinha” como motivo principal. Quanto à ingesta
hídrica, não estão ingerindo quantidades adequadas de líquidos, apresentando
constantes infecções urinárias. O déficit de sono e repouso demonstrou que o HIV gera
ansiedades que resultam em dificuldade de relaxar e dormir. Além disso, o fato de
serem portadoras de HIV fez com que diminuíssem o número de relações sexuais e
111
revelaram dificuldades em relação ao uso de camisinha, constituindo o déficit de vida
sexual. Apresentaram ainda, déficit em relação ao lazer, a solidão e interação social.
Neste momento, pude observar o quanto à teoria do autocuidado é importante e
aplicável, pois, através dos déficits identificados foi possível obter uma visão do que
era necessário fazer no sentido de estimular, modificar condutas, traçar estratégias,
como foi a idealização da atividade em grupo, para promover o autocuidado nestas
gestantes/puérperas com HIV. Ainda que sua leitura tenha uma linguagem difícil e em
alguns momentos, a meu ver, pouco objetiva, a leitura de trabalhos feitos à luz desta
teoria e sua tradução feita por outros teóricos, foi possível vislumbrar sua importância
e, neste caso, o encaixe perfeito com meus anseios enquanto pesquisadora. Isso tudo
vai ao encontro do que a própria teórica refere sobre a teoria dos déficits de
autocuidado:
A teoria deficitária do autocuidado na enfermagem é reconhecida no texto (e
através de inúmeros enfermeiros e enfermagem prática, pesquisa e educação) a
descrição explanatória do que é a enfermagem e do que ela deveria ser. É
usado por enfermeiras para dar direções na prática e a outras áreas e promover
pesquisas na enfermagem. É útil começar os esforços com alunos para mostrá-
los o foco relevante da enfermagem e as características específicas em
situações de cuidado com a saúde. (OREM, 1995, p. 11)
Quanto aos fatores que dificultam no engajamento do autocuidado, foram
identificados, o preconceito, o isolamento e a mentira. E como fatores que contribuem
no engajamento do autocuidado, foram citadas a rede de apoio familiar e a rede de
apoio profissional. Diante dos fatores limitadores e dos estimuladores, cabe destacar
aqui, o papel essencial dos profissionais da saúde, em especial, da enfermagem. Para
Orem (1995), a forma ou estrutura da prática da enfermagem se deriva da natureza da
enfermagem com o serviço humano com exigência de encontro e interação social,
como também da ajuda e cuidado como característica da enfermagem. O mundo da
enfermagem é um mundo de experiências com pessoas, de busca de informação, de
julgar e de agir, e agir para alcançar os resultados previstos que cumprem com os
requisitos existentes ou projetados para as pessoas pela enfermagem. Isso também é a
112
procura e a construção do conhecimento.
As gestantes/puérperas foram unânimes em dizer o quanto os profissionais da
saúde são indispensáveis neste momento de suas vidas. Eu pude vivenciar essa
realidade com maior particularidade, na convivência com Rosa, e nas transformações
que observei referentes ao seu autocuidado, bem como, minha imensa satisfação,
enquanto facilitadora deste processo, ao vislumbrar o brilho nos olhos de Rosa durante
o encontro em grupo e a voracidade com que trocava experiências e vivências no
grupo, o mesmo acontecendo com as outras participantes. Essa interação social,
juntamente com a participação da enfermeira, proporcionou um ambiente favorável à
construção de conhecimentos que possivelmente influenciam no engajamento do
autocuidado.
Sendo o autocuidado uma ação madura e que as pessoas engajadas no
autocuidado têm requisitos e são capazes de agenciar seu próprio autocuidado, foi
possível observar que algumas gestantes/puérperas com HIV deste estudo assumiram
efetivamente realizar ações que refletem seu engajamento no autocuidado: no
tratamento, freqüentando o serviço de saúde, tomando sua medicação, informando, em
alguns casos, os serviços de saúde, sobre sua sorologia e necessidade de tratamento.
Na alimentação, introduzindo em sua dieta frutas e verduras, antes não ingeridas. Na
sua higiene pessoal e no risco de contaminação, introduzindo novas maneiras de agir e
ainda realizando algum tipo de atividade física em suas vidas, mesmo que seja ainda
de forma incipiente e finalmente, na responsabilidade, reorganizando sua maneira de
agir e pensar diante de si e dos outros.
Betinho, famoso sociólogo que faleceu vítima da Aids, escreveu em 1994, em
seu livro, A cura, as seguintes palavras:
Hoje, pode-se dizer que a AIDS ainda não tem cura, mas poderá ter. Que a
AIDS é curável e que a cura ou o controle da doença é uma questão de tempo.
Acabar com o mito da fatalidade da AIDS é absolutamente necessário para que
possamos mudar os comportamentos e as atitudes das pessoas e dos governos.
É necessário comunicar a toda a sociedade que a ciência avançou e avança e
que os dia da AIDS estão contados. A esperança não é um ato de
irracionalidade é uma esperança que anda de braços dados com a vida e a
solidariedade. Viver, sob o signo da morte não é viver. Se a morte é inevitável,
o importante é saber viver, e para isso é importante reduzir o vírus da AIDS à
sua real dimensão: um desafio a ser vencido. É fundamental, portanto,
reafirmar que esse vírus não é mortal. Mortal somos todos nós. Isso sim é o
inevitável e faz parte da vida! (SOUZA apud CASTILHO, 2003, p.5).
113
A Aids continua sem cura, mas como disse Betinho, poderá ter. Acabar com o
mito da fatalidade é absolutamente necessário, e continua sendo, uma vez que as
pessoas continuam se contaminando e as práticas de risco continuam existindo, não
mais na conotação de grupos de risco, mas de comportamentos de risco.
Quando ele mencionou que era preciso comunicar à sociedade que a ciência
avançou, me faz pensar em algumas coisas. Eu, hoje com 29 anos, vi na televisão
Cazuza (famoso cantor de rock brasileiro) terminar seus dias de glória em uma cadeira
de rodas, caquético. Eu, assim como aqueles que vivenciaram os anos oitenta têm
noção do significado do HIV/Aids na vida de qualquer pessoa e o que pode vir a
ocorrer. O que me assusta é que, com o advento dos coquetéis e da melhoria da
qualidade de vida do portador de HIV/Aids, isso possa ser um fator negativo na
questão da prevenção do HIV/Aids. Ou seja, hoje no Brasil se vive e convive bem com
a sorologia, com uma certa qualidade de vida, e com acesso facilitado a medicamentos
e tratamentos, o que pode vir a se tornar banal, na visão dos atuais jovens e
adolescentes, a questão da gravidade do HIV/Aids.
A esperança, mencionada por Betinho, também apareceu nas falas das
participantes deste estudo, cada uma com sua particularidade. Para algumas, o cuidar
do recém-nascido foi o maior estímulo de esperança, enquanto outras, a fé na
descoberta da cura do HIV/Aids foi o principal. Neste processo, o apoio psicológico e
moral do enfermeiro enquanto educador e cuidador são de suma importância e fator de
mobilização para o desenvolvimento de ações de autocuidado.
Gostaria de salientar o quanto foi importante a introdução de um referencial
teórico neste processo. A teoria de Orem guiou minhas práticas profissionais,
fornecendo uma base teórica para sistematização de minhas ações, provando a grande
importância de métodos de trabalho na prática da enfermagem, como ciência, como
produtora de conhecimento. Além disso, a utilização de referenciais teóricos na prática
114
da enfermagem propicia o desenvolvimento de cuidados qualificado e humanizados
para a população assistida.
Por fim, a construção deste trabalho surgiu de inquietações referentes a minha
prática profissional algumas delas clareadas através da convivência com as
gestantes/puérperas com HIV, outras no decorrer da análise dos dados e na busca do
embasamento bibliográfico. Pude compreender as inquietações iniciais, as gestantes
com HIV têm receio das equipes hospitalares, pois não as conhecem e isso faz com
que temam as suas garantias de sigilo justificando suas atitudes, chegar em período
expulsivo e ganhar seu filho em casa. A implementação de atividades no pré-natal com
relação ao autocuidado resultou em atitudes diferenciadas e que refletiu na conduta
correta aos cuidados preventivos da transmissão vertical sendo uma boa referência
para os profissionais da saúde. Esta pesquisa também salientou a necessidade de
proporcionar aos profissionais da rede hospitalar um momento de discussão sobre suas
práticas e as dificuldades que ainda encontram no manejo a gestantes com HIV.
Os resultados aqui descritos serão publicados na forma de artigos, em revistas
especializadas, em eventos científicos e na região onde foi desenvolvido o estudo, para
implementar e melhorar as práticas de saúde com esta clientela.
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APÊNDICES
APÊNDICE A
ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA PARA REALIZAR COM
GESTANTES/PUÉRPERAS COM HIV/AIDS
Roteiro para identificação dos Déficits de Autocuidado (Baseado em Orem (1995) e
Adaptado de MANTELLI; SOUZA, 2004).
DADOS DE IDENTIFICAÇÃO
1. Nome:
2. Naturalidade:
3. Endereço:
4. Telefone:
5. Cidade:
6. Idade:
7. Escolaridade:
8. Estado civil:
9. Profissão/ ocupação:
10. Religião:
11. Número e idade dos filhos
INFORMAÇÕES REFERENTES AOS REQUISITOS DE AUTOCUIDADO
UNIVERSAIS
1. Como é sua alimentação:
ALIMENTOS CONSTRUTORES:
FONTE:
PROTEÍNAS
NENHUM POUCO
(mês, semana)
MÉDIO (vezes
dia)
MUITO
(vezes por dia)
Leite e
derivados
Ovos
Carne :
Gado
Frango
Peixe
Leguminosas:
Feijão
Lentilha
Ervilha etc.
Sementes:
Nozes
Amêndoas etc...
123
Vísceras ou
miúdos:
Fígado,
Língua,
Coração
ALIMENTOS ENERGÉTICOS
FONTES:
carboidratos,
gorduras
NENHUM POUCO
(mês, semana)
MÉDIO
(vezes dia)
MUITO
(vezes por dia)
Cereais:
Arroz
Milho
Trigo
Farinhas (Pães e
Massas)
Açucares
(mascavo,
melado, mel...)
Gorduras
(azeite,
manteiga, óleos)
Batatas, aipim,
ALIMENTOS REGULADORES
FONTES:
VITAMINAS/
MINERAIS
NENHUM POUCO
(mês, semana)
MÉDIO
(vezes dia)
MUITO
(vezes por dia)
Frutas
Legumes
Verduras
1. Como você avalia o que ingere durante o dia? Como foi, durante a gestação, esta
alimentação? Alguma coisa lhe faz mal? Alguma coisa modificou após o diagnóstico?
Como você lida com isso (autocuidado)? Sente-se motivada para alimentar-se?
(Fatores ambientais que interferem no padrão de ingestão alimentar: hábitos e tabus
relacionados com a alimentação, facilidades e limitações para uma alimentação
adequada).
2. Quantas refeições faz por dia? Fica períodos longos sem se alimentar? Como são os
alimentos em termos de temperos? Como é o ambiente em que se alimenta
(ventilação, iluminação, odor)? Ganhou muito peso durante a gravidez? Tem gazes,
azia?
3. Como é sua ingesta hídrica? Quanto você ingere de líquidos nas 24 horas? O que
costuma ingerir? Como foi na gestação? Alguma coisa modificou após o diagnóstico?
124
Como você lida com isso? Sente-se motivada para ingerir líquidos? Fatores ambientais
que interferem nos hábitos de ingestão hídrica.
5. Como é seu sono e repouso? Quantas horas costuma dormir por dia? Considera
suficiente? Como é sua condição para dormir (ambiente físico, cama, colchão,
travesseiro, roupas de cama)? Costuma utilizar algum tipo de medicamento? Tem
insônia? Algum tipo de cuidado especial (colchão, travesseiro, ambiente, banho, copo
de leite, reza)? Como foi na gestação? Alguma coisa modificou após o diagnóstico?
Como você lida com isso? Sente-se motivada para manter equilíbrio entre sono e
repouso? Fatores ambientais que interferem no atendimento da necessidade de
estabelecer equilíbrio entre atividade e repouso.
6. Como são suas eliminações (urinárias, intestinais, menstruais, vômitos)? Quais são as
características destas (em termos de cor, odor, quantidade, consistência, entre outros)?
Apresenta alguma característica diferente do normal? Tem constipação? Apresenta
hemorróidas? Como foi na gestação? Alguma coisa modificou após o diagnóstico?
Como você lida com isso?
7. Como é sua respiração? Apresenta tosse, dispnéia, catarro? Como são as
características destas alterações? Como foi na gestação? Alguma coisa modificou após
o diagnóstico? Como você lida com isso? Sente-se motivada para manter o sistema
respiratório saudável? Influências ambientais (sócio-culturais) que interferem nos
hábitos e comportamentos relacionados ao sistema respiratório.
8. Como é sua vida sexual? Mantém relações sexuais com vários parceiros? Qual a
freqüência que mantém relações sexuais? Usa algum método contraceptivo? Qual?
Sente algum desconforto durante as relações? Após o diagnóstico mudou alguma
coisa? Como você lida com isso?
9. Como é sua vida em termos de atividades físicas? Costuma realizar algum exercício?
Que tipo? Com que freqüência? Tem algum problema para não realizar exercícios?
Como foi na gestação? Alguma coisa mudou após o diagnóstico? Como você lida com
isso? Sente-se motivada para realizar exercícios físicos?
10. Costuma realizar algum tipo de lazer? Que tipo? Com que freqüência? Como foi feito
durante a gestação? Alguma coisa mudou após o diagnóstico? Como lida com isso?
Diminuiu a interação social após o diagnóstico?
11. Você trabalha? Em quê? Com que freqüência? O dinheiro que ganha é suficiente para
suas necessidades e de sua família? Trabalhou na gestação? Como foi? Costuma
realizar alguma atividade em casa? Que tipo? Com que freqüência? Como foi na
gestação? Alguma coisa mudou após o diagnóstico? Como lida com isso?
12. Tem realizado alguns cuidados preventivos (consultas ao ginecologista,
oftalmologista, clínico)? Quais? Realiza exames de rotina? Com que freqüência?
Como foi na gestação? Alguma coisa mudou após o diagnóstico? Como você lida com
isso?
13. Como estão suas condições em termos de pele (integridade, coloração, textura)
mucosas? Segmentos, órgãos, sentidos (visão, audição, tato, olfato e odor)? Corpo de
125
um modo geral? Tem alguma anormalidade física? Apresentou alguma modificação
durante a gestação, que fosse fora do normal? Alguma coisa mudou após o
diagnóstico? Como você lida com isso?
14. Como estão suas condições de orientação no tempo e espaço, postura, ansiedade,
medo, comportamento? Apresentou alguma modificação destas na gestação? Alguma
coisa modificou após o diagnóstico? Como você lida com isso?
15. Você tem apresentado alguma alteração nos sinais vitais (pulso, pressão arterial,
temperatura, respiração), no peso e altura? Como foi na gestação? Alguma coisa
modificou após o diagnóstico? Como lida com isso?
16. Faz uso de bebidas alcoólicas? Que tipo? Qual a quantidade? Com que freqüência?
Usou na gestação? Apresenta efeitos colaterais após o uso abusivos? Alguma coisa
modificou após o diagnóstico? Como lida com isso?
17. Faz uso de cigarros? Qual a quantidade? Com que freqüência? Usou na gestação?
Apresenta efeitos colaterais após o uso abusivo? Alguma coisa mudou após o
diagnóstico? Como lida com isso?
18. Você cuida do seu bebê? Como você cuida do seu bebê? Alguém mais te ajuda?
Como é para você cuidar do seu bebê? Como você lida com isso?
19. Como é sua vida familiar? Com quem vive? Com é o relacionamento com estes?
Como foi o relacionamento durante a gestação, parto e puerpério? Alguma coisa
mudou após o diagnóstico? Como lida com isso?
20. Que tipo de habitação possui (casa, apartamento, tipo de construção)? É própria ou
alugada? Possui saneamento básico? Quem é o provedor da casa? O local onde mora
satisfaz suas necessidades (tamanho, claridade, ventilação, estrutura física, móvel
etc...) Como você lida com isso?
21. Quem proporciona apoio em relação aos seus problemas? Como foi apoio durante a
gestação? Alguma coisa mudou após o diagnóstico? Como lida com isso?
22. Como são suas relações sociais? Com quem costuma se relacionar? Tem amigos?
Têm parentes? Como foram essas relações durante a gestação? Alguma coisa mudou
após o diagnóstico? Como vem lidando com isso?
23. Costuma participar de algum grupo? Qual? Com que freqüência? Como foi durante a
gestação? Alguma coisa mudou após o diagnóstico? Como vem lidando com isso?
INFORMAÇÕES REFERENTES AOS REQUISITOS DE AUTOCUIDADO
DESENVOLVIMENTAIS
24. O que representou para você esta gestação? Apresentou algum problema específico
durante a gestação? Qual? Como lidou com isso?
25. Realizou consultas pré-natais? Quantas? Em que local? Como foi atendida no pré-
natal?
126
5. Apresenta alguma dúvida relacionada à amamentação? Qual? Em virtude do
diagnóstico como vem lidando com essa situação?
6. Como se sente na sua idade? Você se sente em relação a sua saúde?
7. Como você definiria sua vida? Tranqüila, agitada, preocupada, descreva-a?
8. Que perspectiva tem em relação ao seu futuro?
INFORMAÇÕES REFERENTES AOS REQUISITOS DE
AUTOCUIDADO DE DESVIOS DE SAÚDE
9. O que sabe sobre seu problema de saúde? (fatores de risco, manifestações clínicas,
tratamento medicamentoso)?
10. Como foi a descoberta do HIV? O que sentiu quando soube? O que é ser soro
positivo? O que mudou na sua vida após a descoberta? O que tem contribuído para
enfrentar melhor o fato de ser HIV positivo?
11. Quem lhe ajudou durante a gravidez e no diagnóstico? Fez algum tratamento na
gravidez? E atualmente? Como tem lidado? Que tipo de cuidados que vem fazendo ou
mantendo?
12. Como foi o pré-natal, o parto e atualmente como vem sendo o puerpério? E o
atendimento de enfermagem e de outros profissionais como foi, e como tem sido
atualmente? Está adequado? Atende as suas exigências?
13. Que cuidados de saúde que você tem com seu bebê? Ele faz algum tratamento? Como
foi para você não amamentar?
14. Você tem alguma limitação na sua vida decorrente da infecção pelo HIV? Como
enfrenta esta situação? Quais as tuas necessidades de cuidado?
15. Como as pessoas a tratam quando sabem do seu problema de saúde? Você considera
que elas fazem algum tipo de discriminação? A cultura influencia? Quais são as
pessoas que mais têm dado apoio? Como você trabalha com isso? Com a
discriminação?
16. Você tem tido alguns outros desconfortos e/ou problemas (fraqueza, tontura,
desmaios, dor, problemas de pele, articulares, infecções, entre outros). Como você lida
com isso?
17. Quem você acha ser o responsável pelo sucesso de seu tratamento?
18. O que tem contribuído para enfrentar melhor o fato de ter HIV/Aids?
APÊNDICE B
Roteiro para encontro coletivo:
Como foi a descoberta de ter HIV?
O que sentiu ao saber que tinha HIV positivo?
O que é ser soro positivo para você?
O que mudou na sua vida depois da descoberta?
O que tem contribuído para enfrentar melhor o fato de ter HIV/Aids?
Como você percebe atualmente sua saúde?
O que você espera na sua vida futura?
APÊNDICE C
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
CAMPUS UNIVERSITÁRIO - TRINDADE
DEPARTAMENTO DE ENFERMAGEM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
MESTRADO EM ENFERMAGEM
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu,--------------------------------------------, ao assinar este documento, estou ciente de
estar dando meu consentimento para participar do estudo intitulado “Compreendendo de
mulheres gestantes/ puérperas com HIV/AIDS: contribuições para a superação dos
déficits de autocuidado”, orientado pela Professora Dra. Miriam Süsskind Borenstein e
conduzido por Lígia Maria Scherer, aluna do Curso de Mestrado em Enfermagem da
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
Declaro ainda, que estou ciente de que o objetivo geral desta pesquisa é compreender
os déficits de autocuidado, baseados na Teoria de Orem, de gestantes/puérperas portadoras do
vírus HIV. A identificação dos déficits e a análise destes permitirão descobrir os fatores que
influenciam e ou restringem para nós, mulheres gestantes/puérperas com HIV, no nosso
autocuidado. Isto servirá também para a melhoria do atendimento prestado pelos profissionais
da saúde através do conhecimento destes déficits, bem como, pela oportunidade que terão de
conhecer a realidade vivenciada pela mulher gestante/puérpera com HIV/Aids no seu
autocuidado, proporcionando assim, um atendimento mais humano e fundamentado para nós e
futuras clientes.
Autorizo, ainda, o uso do gravador para o registro das entrevistas e das atividades
grupais, assim como, do registro fotográfico. Não serão identificados os nomes, portanto os
mesmos serão fictícios. As atividades terão início com entrevista individual e após, reuniões
de grupo para discussão dos déficits de autocuidado encontrados. Tenho o direito de desistir
em qualquer parte do processo, sem que isso acarrete qualquer prejuízo a minha pessoa.
129
Declaro, também, que todas as informações aqui fornecidas foram dadas por livre e
espontânea vontade. Para qualquer dúvida e informações adicionais poderei contatar a
Enfermeira Lígia Maria Scherer através dos telefones: 0xx(51)3712 4198(residencial) ou
0xx(51) 9954 0449(celular), e-mail: ligiascherer@yahoo.com.br. Ou sua orientadora, Profa.
Dra. Miriam Süsskind Borenstein, 0xx(48) 32231050 (residencial) ou 0xx(48) 33319480
(Profissional), 0xx(48) 9953 0865(celular), e-mail: miriam@nfr.ufsc.br.
----------------------------------------------- ---------------------------------------------------
Assinatura e RG do entrevistado Lígia Maria Scherer – Pesquisador principal
ANEXOS
134
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