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CELINA MARIA ARAUJO TAVARES
A ATUAÇÃO DA ENFERMEIRA: UMA
CONTRIBUIÇÃO PARA A PREVENÇÃO DO CÂNCER
GINECOLÓGICO
FLORIANÓPOLIS
2006
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
DOUTORADO EM ENFERMAGEM
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FILOSOFIA, SAÚDE E SOCIEDADE
CELINA MARIA ARAUJO TAVARES
A ATUAÇÃO DA ENFERMEIRA: UMA
CONTRIBUIÇÃO PARA A PREVENÇÃO DO CÂNCER
GINECOLÓGICO
FLORIANÓPOLIS
Nov/2006
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CELINA MARIA ARAUJO TAVARES
A ATUAÇÃO DA ENFERMEIRA: UMA
CONTRIBUIÇÃO PARA A PREVENÇÃO DO CÂNCER
GINECOLÓGICO
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Enfermagem, da Universidade Federal de
Santa Catarina, como requisito para a obtenção do
Título de Doutor em Enfermagem - Área de
Concentração: Filosofia, Saúde e Sociedade.
Orientadora: Dra. Maria Tereza Leopardi
FLORIANÓPOLIS
Nov/2006
4
© Copyright 2006 – Celina Maria Araujo Tavares.
Ficha Catalográfica
T231a Tavares, Celina Maria Araujo
A atuação da enfermeira: uma contribuição para a prevenção do câncer
ginecológico [tese] / Celina Maria Araujo Tavares. – Florianópolis: UFSC/PEN,
2006.
total de páginas p.269; il.
Inclui bibliografia.
Possui Gráfico e Tabela.
1. Enfermagem. 2. Enfermeiro - Atuação. 3. Câncer ginecológico –
Prevenção. I. Título.
CDD21ª ed.– 616.994 65
Catalogado na fonte por Lidyani Mangrich dos Passos – CRB14/697 – ACB439.
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6
Dedico este trabalho aos meus filhos
Thiago,
a sua ausência me fez abandonar
tudo que havia construído para recomeçar, e
Eduardo,
cuja presença me deu forças
para iniciar uma nova vida.
7
Agradecimentos
Agradeço...
À Deus, que me carregou em seus braços nas horas mais difíceis da vida,
Ao meu companheiro José Pedro pelo amor, carinho e apoio em todos os
momentos,
À Dra. Maria Tereza Leopardi, minha amiga e orientadora Tetê, que confiou em
mim sabendo interpretar e sistematizar idéias e desejos,
Às enfermeiras que participaram deste estudo com tanto carinho, consideração e
contribuições,
Às Equipes Técnicas da Secretaria Municipal de Saúde por compreenderem a
proposta e abrirem as portas das unidades sanitárias para o desenvolvimento do estudo,
Aos meus pais Pedro (In memorian) e Celina, que sempre apoiaram os meus
estudos como uma oportunidade de crescimento na vida,
À Jane e todas as queridas alunas, amigas e cuidadoras Fernanda “Hermana”,
Daniela, Mariane, Jane, Taíse e Fernanda, sem elas não teria conseguido fazer este
trabalho,
À todas e todos colegas da Turma de Doutorado 2003, em especial Leonor,
Eliana, Lourdinha, Ana Lúcia, Lorena, Tânia, Fátima e Zídia, com as quais compartilhei
momentos de estudo e de amizade,
À todas professoras e professores, funcionárias e funcionários da PEN e, em
especial às amigas e exemplos de mulher, Ana Lúcia, Flávia, Francine, Marta, Denise
Pires,Vânia e Lygia Paim, querida amiga que reencontrei em Florianópolis,
Aos membros da Banca de Qualificação pelas contribuições e incentivo,
Aos colegas do Grupo PRÁXIS – Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Saúde,
Trabalho e Cidadania, pelo maravilhoso espaço de debate e crescimento profissional,
além das contribuições feitas a este estudo,
Aos membros da Banca de Defesa pela disponibilidade que demonstraram ao meu
convite para análise do relatório final da pesquisa e pelas contribuições ao seu
aprimoramento,
Aos novos amigos Arlindo, Janete, Jaqueline, Janaina, Joyce e Beatriz que me
acolheram quando vim para esta Ilha da Magia,
Às colegas da Faculdade de Enfermagem da Universidade Federal de Mato
Grosso e, em especial, à Maria Aparecida Gaíva, amiga de todas as horas,e
Ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de
Santa Catarina pela convivência e oportunidades de aprendizado.
Obrigada.
8
Quando tu olhas
para essas mulheres padecidas,
atingidas pelas chamas
que as queimam na intimidade,
teu olhar descobre vidas
confinadas nos espaços da doença.
A crença na esperança
alcança o olhar ao longe e vê saídas,
vê caminhos não revelados.
Essas mulheres,
tão desesperançadas
recebem ânimos de teus olhos,
de teus cuidados,
de tantos sonhos acumulados
em teu viver de mulher sem ódio,
mulher certeza de tantas vitórias.
Não sei,
se tua luta não é só tua.
Contaminaste os expectantes
de teu viver,
nos ensinaste que o destemor rompe fronteiras,
contorna montes
e pode nos conduzir à ilimitude do humano.
As mulheres do teu cuidar,
do teu compromisso, de tuas preces,
de teus suores cotidianos,
olham comovidas o porto seguro
da nau errante.
Sonhos são vidas,
são esperanças que se consolidam
no atrevimento do teu trabalho.
Na solidão, construístes o espaço
onde o medo não habita
nem a fraqueza se espalha.
somente a garantia do lutar lança raízes
que se aprofundam em teu caminho.
Nas entranhas do feminino
construístes a garantia da vida
e a alimentaste com o leite mais sagrado
de seios tão resguardados e protegidos
pelo conhecimento buscado.
Não há mortes! Nem sofrimentos!
Não há descaso nem descuido,
há, sobretudo, desejo...
...desejos de permanência
no espaço sagrado do viver,
do procriar, do aleitar,
do compartilhar
com todas as mulheres ameaçadas
o caminho do saber que constrói
viveres e saberes da...
...saúde!
Saúdo-te com respeito,
com o peito genuflexo,
com o perfeito reflexo do verbo SER...
SER MULHER...
José Pedro R.Gonçalves
23 de maio de 2006.
Á UMA MULHER/ESPERANÇA
9
TAVARES, Celina Maria Araujo. A Atuação da Enfermeira: uma contribuição para a
prevenção do câncer ginecológico, 2006. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Curso de Pós-
Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 269 p.
Orientadora: Dra. Maria Tereza Leopardi, Defesa: 30/11/2006
RESUMO
Considerando que a caracterização do processo de trabalho e a instrumentalização adequada
dos profissionais que atuam na Atenção Básica em Saúde são condições necessárias para a
qualificação da assistência na prevenção do câncer ginecológico, problema relevante de saúde
pública, e acreditando que a enfermeira é uma profissional que pode fazer diferença neste
processo, decidi aprofundar a compreensão sobre o assunto, num estudo qualitativo, na
perspectiva do Materialismo Histórico e Dialético. Os objetivos foram: determinar os limites e
as possibilidades do trabalho da enfermeira no desenvolvimento de ações de promoção à
saúde e de prevenção do câncer ginecológico; analisar o seu processo de trabalho em unidades
básicas de saúde buscando a compreensão das correlações e mediações com o
desenvolvimento histórico desse trabalho; propor uma contribuição à reestruturação do
processo de trabalho em relação à saúde da mulher, que possibilite o aumento da cobertura da
assistência preventiva do câncer ginecológico e a modificação do seu perfil epidemiológico
numa determinada área. A investigação foi desenvolvida num Município de médio porte do
Estado de Santa Catarina. Os dados foram coletados em todas as Unidades Básicas, no ano
2005, utilizando como estratégias: coleta de dados epidemiológicos, observação sistematizada
da estrutura e do atendimento nas dezenove unidades, entrevista semi-estruturada com uma
enfermeira do PSF de cada serviço e quatro reuniões com as entrevistadas na opção técnica de
Grupo Focal. A pesquisa atendeu as exigências éticas da Resolução nº196 do Conselho
Nacional de Saúde, preservando o anonimato das informantes e as situações encontradas. Na
sistematização dos dados foi realizada análise temática do conteúdo das entrevistas,
identificando as categorias e subcategorias que expressassem conteúdos significativos para a
questão de pesquisa. Os dados da análise situacional e do Grupo Focal foram confrontados
com as categorias obtidas, confirmando-as e dando sustentação para a discussão dos
resultados. A pesquisa evidenciou que a prática profissional das enfermeiras do estudo está
intimamente ligada ao sistema de saúde vigente, ao modelo assistencial adotado no
Município, ao modelo de formação profissional e às concepções filosóficas e ideológicas
sobre saúde e processo de trabalho do modo de produção capitalista vigente. A organização da
assistência preventiva está baseada na interpretação do Programa do Ministério da Saúde,
centralizada na coleta de colpocitologia, para as mulheres que comparecem espontaneamente
aos serviços, privilegiando a reprodução de rotinas e a produtividade. A assistência prestada
tem forte influência da formação no modelo biomédico, ficando em segundo plano as ações
de promoção da saúde. O trabalho está centrado na execução de tarefas e atividades
programáticas e sua distorção tem relação direta com a inadequação dos instrumentos de
trabalho disponíveis e utilizados pelas enfermeiras. Os fatores determinantes dos problemas
identificados são complexos, indo além do âmbito da área da saúde e da categoria
profissional. Visando contribuir com a requalificação da assistência foi proposta uma
estratégia de trabalho para a ampliação do conhecimento das profissionais e das mulheres e a
definição de um processo de avaliação sistemático das ações, que retroalimente as práticas
profissionais e atenda as necessidades de saúde da população.
Palavras-Chave: Enfermagem, Condições de Trabalho, Prevenção de Câncer de Mama,
Prevenção de Câncer de Colo Uterino
10
TAVARES, Celina Maria Araujo. La Actuación de la Enfermera: una contribución à la
prevención del cáncer ginecológico, 2006. Tesis (Doctorado en Enfermería) - Curso de
Posgrado en Enfermería, Universidad Federal de Santa Catarina, Florianópolis. 269 p. Tutora:
Dra. Maria Tereza Leopardi, Denfesa: 30/11/2006
RESUMEN
Considerando que la caracterización del proceso de trabajo y la instrumentalización adecuada de
los profesionales que actúan en la Atención Básica en la Salud son condiciones necesarias para la
cualificación de la asistencia de la prevención del cáncer ginecológico, problema relevante de la
salud pública, y creyendo que la enfermera es una profesional que puede establecer diferencias en
este proceso, decidí profundizarme en la comprensión del asunto, en un estudio cualitativo, dentro
de la perspectiva del Materialismo Histórico y Dialéctico. Los objetivos fueron: determinar los
límites y las posibilidades del trabajo de la enfermera en el desarrollo de las acciones de
promoción de la salud y de la prevención del cáncer ginecológico; analizar su proceso de trabajo
en unidades básicas de la salud buscando las correlaciones y mediaciones con el desarrollo
histórico de ese trabajo; proponer una contribución a la restructuración del proceso de trabajo
relacionado con la salud de la mujer, que posibilite el aumento de la cobertura de la asistencia
preventiva del cáncer ginecológico y la modificación de su perfil epidemológico en una
determinada área. La investigación fue desarrollada en un Municipio de medio porte del Estado
de Santa Catarina. Los datos fueron recolectados en todas las Unidades Básicas, en el año 2005,
utilizando como estrategias: recolección de datos epidemológicos, observación sistematizada de la
estructura de la atención al enfermo en las diecinueve unidades, entrevista semiestructurada con
una enfermera del PSF de cada servicio y cuatro reuniones con las entrevistadas usando la opción
técnica de Grupo Focal. La investigación atendió las exigencias éticas de la Resolución n° 196 del
Consejo Nacional de Salud, preservando el anonimato de los informantes y de las situaciones
encontradas. En la sistematización de los datos fue realizado un análisis temático del contenido de
las entrevistas, identificando las categorías y subcategorías que expresasen contenidos
significativos relacionados con el objetivo de la investigación. Los datos del análisis situacional y
del Grupo Focal fueron confrontados con las categorías obtenidas, confirmándolas y dando
sustentación para la discusión de los resultados. La investigación evidenció que la práctica
profesional de las enfermeras del estudio está intimamente ligada al sistema de salud vigente, al
modelo asistencial adoptado en el Municipio, al modelo de formación profesional y a las
concepciones filosóficas e ideológicas sobre salud y al proceso de trabajo dentro del modo de
producción capitalista vigente. La organización de la asistencia preventiva está basada en la
interpretación del Programa del Ministerio de Salud, centralizada en la recolección de exámenes
citológicos o preventivos del cáncer de cuello del útero, para las mujeres que comparecieron
espontaneamente a dichos servicios, privilegiando la reproducción de rutinas y la productividad.
La asistencia prestada tiene una fuerte influencia de la formación en el modelo biomédico,
quedando en un segundo plano las acciones de promoción de la salud. El trabajo está centrado en
la ejecución de las tareas y actividades programáticas y su distorsión tiene una relación directa con
la falta de adecuación de los instrumentos de trabajo disponibles y utilizados por las enfermeras.
Los factores determinantes de los problemas identificados son complejos, yendo más allá del
ámbito del área de la salud y de la categoría profesional. Con el objetivo de contribuir a la
recualificación de la asistencia fue propuesta una estrategia de trabajo para la amplificación del
conocimiento de los profesionales y de las mujeres, y la definición de un proceso para la
valoración sistemática de las acciones, que retroalimente las prácticas profesionales y atienda las
necesidades sanitarias de la población.
Palabras claves: Enfermería, Condiciones de Trabajo, Prevención de Cáncer de Mama,
Prevención de Cáncer de Cuello Uterino.
11
TAVARES, Celina Maria Araujo. The Nurse’s Role: a contribution for gynecological cancer
prevention, 2006. Thesis (Ph. D. in Nursing) – Post Graduation Course in Nursing,
Universidade Federal de Santa Catarina (Federal University of Santa Catarina), Florianópolis.
269 p. Supervisor: Dra. Maria Tereza Leopardi. Defense: 30/11/2006.
ABSTRACT
Considering that the characterization of the process of work and the adequate
instrumentalization of the professionals who work in Basic Health Care Services are necessary
conditions for the qualification of care in the prevention of gynecological cancer, a relevant
public health issue, as well as believing that the nurse is a professional who can make a
difference in this process, I decided to investigate more in-depth our comprehension concerning
this subject in a qualitative study, under the perspective of Dialectic Holistic Materialism. The
objectives of this study are to determine the limits and possibilities for nursing work, in the
development of actions that promote the basics of health, seeking to better comprehend the
correlations and mediations with historic development in this study, to propose a contribution to
the re-structuring of preventative care for gynecological cancer, and to modify the
epidemiological profile in a determined area. The investigation was developed and carried out
in a mid-sized county of the state of Santa Catarina, Brazil. The data was collected in all the
Basic Health Care Clinics of the National Health Care System (SUS) during the year 2005,
using such strategies such as collecting epidemiological data, systematic observation of the
infra-structure and the quality of the attendance of the nineteen units, semi-structured interviews
with a PSF nurse from each service, and four meetings with those interviewed in the technical
option of the Focus Group. The research fulfilled the ethics rigors of Federal Resolution #196 of
the National Health Council, preserving the anonymity of each of the informants in each
situation encountered. Through the systematization of the data, thematic analysis and
classification of the content of the interviews took place, which identified the categories and
sub-categories that best expressed significant content with respect to the research questions. The
situational analyses of the data and of the Focus Group were compared with the established
categories, confirming them and supporting them in the discussion of the results of the study.
The research and subsequent study evidenced that the professional practice of nurses in this
study is intimately linked to the current health care system in Brazil, to the care model currently
adopted by the county, to the professional education model, and to the philosophical and
ideological conceptions about health care and the process of work in the current capitalistic
production mode. The organization of preventative care is based upon the interpretation of the
Ministry of Health’s Program, centralizing on the collection of colpocitology for women who
spontaneously present themselves in request of the Health Care Clinic’s services, privileging the
reproduction of routines and of productivity. The care given has a strong influence from the
formation of the biomedical model, relegating actions for the promotion of health in the
background. The work examined in this study is centered on the execution of tasks and
programmatic exercises, and their distortion has a direct relationship with the inadequacy of the
work instruments available and utilized by the nurses. The determining factors of the problems
identified are complex, and go beyond the scope of the health care domain and the professional
category itself. Seeking to contribute with a requalification of care, a work strategy for the
amplification of knowledge of the professionals and the women attended, as well as a definition
of the process of the systematic evaluation of actions, which feedback professional practices and
attend the health care needs of the local population were proposed.
Key words: Nursing, Working Conditions, Breast Cancer Prevention, Cervix Neoplasms
Prevention.
12
LISTA DE APÊNDICES E ANEXO
Apêndice A - Roteiro para observação sistemática da assistência preventiva........ 252
Apêndice B - Instrumento semi-estruturado para entrevista................................... 253
Apêndice C - Planejamento da primeira reunião com o Grupo Focal..................... 254
Apêndice D - Planejamento da segunda reunião com o Grupo Focal...................... 255
Apêndice E - Folha de registro das dificuldades e propostas para a assistência..... 258
Apêndice F - Planejamento da terceira reunião com o Grupo Focal....................... 259
Apêndice G - Folha de propostas para a assistência.................................................. 260
Apêndice H - Planejamento da quarta reunião com o Grupo Focal........................ 261
Apêndice I – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido..................................... 263
Apêndice J - Quadro de registro das entrevistas........................................................ 265
Apêndice L - Quadro de Categorias Temáticas......................................................... 266
Apêndice M - Quadro de Subcategorias Temáticas................................................... 267
Anexo - Aprovação no Comitê de Ética ..................................................................... 268
13
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Organização das Unidades Sanitárias do Município.............................. 84
Figura 2 - Apresentação dos dados epidemiológicos e das entrevistas.................... 102
Figura 3 - Materiais utilizados na discussão sobre técnica de coleta de CCO........ 104
Figura 4 - Materiais utilizados na discussão sobre técnica de ECM....................... 106
Figura 5 - Resultado apresentado pelo grupo vencedor da dinâmica..................... 108
Figura 6 - Esquema teórico Processo de Trabalho em Saúde e na Enfermagem... 113
Quadro - Categorias Temáticas e Subcategorias...................................................... 115
Figura 7 - Funcionamento das Unidades Básicas...................................................... 166
Figura 8 - Funcionamento da Administração Municipal......................................... 167
Figura 9 - Aspectos relacionais................................................................................... 167
Figura 10 - Organização dos serviços......................................................................... 168
Figura 11 - Atuação dos profissionais: percepção do processo de trabalho........... 169
Figura 12 – Força de trabalho: percepção sobre a capacitação.............................. 180
Figura 13 - Instrumentos de trabalho: infra-estrutura............................................ 191
Figura 14 – Objeto de trabalho: percepção do atendimento preventivo................ 207
Figura 15 - Objeto de trabalho: percepção em relação ao exame preventivo........ 208
Figura 16 - Representação sobre o Processo de Trabalho Real das Enfermeiras.. 213
Figura 17 - Proposta para a requalificação da assistência....................................... 222
Figura 18 - Proposta para avaliação da assistência preventiva............................... 235
14
SUMÁRIO
CAPITULO 1 - APROXIMAÇÃO COM O TEMA DE ESTUDO.......................
16
1.1 A atuação profissional na área de saúde da mulher.........................................
16
1.2 O problema de pesquisa......................................................................................
18
1.3 A tese defendida...................................................................................................
19
1.4 Os objetivos traçados para o estudo.................................................................
20
CAPÍTULO 2 - O PROCESSO DE TRABALHO..................................................
22
2.1 Referencial teórico...............................................................................................
22
2.2 O processo de trabalho na Saúde e na Enfermagem........................................
26
2.3 Organização dos serviços de saúde....................................................................
31
2.3.1 A Atenção Básica..............................................................................................
33
2.3.2 A Estratégia de Saúde da Família ..................................................................
37
CAPÍTULO 3 - A MULHER....................................................................................
41
3.1 A condição feminina............................................................................................
41
3.2 O câncer ginecológico..........................................................................................
48
3.2.1 Por que a preocupação com o câncer ginecológico?......................................
48
3.2.2 A implementação de políticas públicas...........................................................
53
CAPÍTULO 4 - A BASE METODOLÓGICA........................................................
58
4.1 O método de investigação....................................................................................
58
4.2 O Local e os sujeitos da pesquisa.......................................................................
60
4.3 O percurso metodológico....................................................................................
62
4.3.1 A coleta de dados..............................................................................................
63
4.3.2 Os cuidados éticos.............................................................................................
72
4.3.3 A análise dos dados...........................................................................................
74
15
CAPÍTULO 5 - O PROCESSO DE TRABALHO E A PREVENÇÃO DO
CÂNCER GINECOLÓGICO NO MUNICÍPIO....................................................
81
5.1 Compreendendo o cenário do estudo.................................................................
81
5.2 Os sujeitos envolvidos no estudo........................................................................
89
5.3 O olhar epidemiológico no município................................................................
91
5.4 O trabalho com o Grupo Focal...........................................................................
100
5.5 Categorias temáticas encontradas......................................................................
110
5.6 Apresentação e discussão das categorias...........................................................
116
5.6.1 A organização do trabalho...............................................................................
116
5.6.2 A força de trabalho...........................................................................................
169
5.6.3 Os instrumentos de trabalho...........................................................................
181
5.6.4 O objeto de trabalho.........................................................................................
191
CAPÍTULO 6 - CAMINHOS E POSSIBILIDADES.............................................
209
6.1 Outro olhar...........................................................................................................
209
6.2 Outras possibilidades..........................................................................................
218
6.2.1 A ampliação do conhecimento........................................................................
223
6.2.2 O processo de avaliação..................................................................................
229
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................
236
8 REFERÊNCIAS......................................................................................................
242
9 APÊNDICES...........................................................................................................
252
10 ANEXO...............................................................................................................
268
16
CAPITULO 1
1 APROXIMAÇÃO COM O TEMA DE ESTUDO
1.1 A atuação profissional na área de saúde da mulher
Sempre atuei na área de Saúde da Mulher, desde a época de estudante de
graduação. Durante minha vida profissional, tive experiências em diferentes campos
da especialidade atuando como docente e buscando, concomitantemente, desenvolver
atividades que propiciassem a estruturação de serviços ou o exercício da prática
assistencial em propostas de extensão.
Ao coordenar um projeto de integração docente-assistencial com a Secretaria
Municipal de Saúde de Cuiabá, de 1996 a 1999, tive a oportunidade de estruturar, com
uma colega, um ambulatório de enfermagem para a prevenção de câncer ginecológico,
numa unidade básica de um bairro periférico da cidade. Foi uma experiência rica e
gratificante.
Desde o início, procurei estudar o assunto, planejar a organização do serviço,
estabelecendo vínculo com a comunidade para desenvolver um trabalho de qualidade,
com a preocupação de implementar uma metodologia, produzir material educativo,
desenvolver pesquisas, acompanhando e avaliando a assistência prestada. Assim,
buscava sistematizar o atendimento de modo que facilitasse a atuação da enfermagem
nessa área e que pudesse ser aplicável em outras realidades.
Esta experiência convenceu-me que a prevenção do câncer ginecológico não
poderia ficar reduzida e limitada à execução de um procedimento (coleta de citologia),
sendo muito mais ampla. Ela inclui, principalmente, ações de promoção da saúde, com
difusão de conhecimentos sobre as enfermidades, seus fatores de risco, hábitos de vida
17
saudável, auto-exame das mamas, detecção precoce e tratamento de doenças
sexualmente transmissíveis e de lesões precursoras do câncer do colo de útero.
Significa prestar uma assistência integral à mulher, com a preocupação de tomar
contato com a sua história de vida ginecológica e reprodutiva, proceder a um exame
clínico geral e específico, realizar o procedimento de coleta de material para citologia
e, principalmente, promover a saúde das mulheres, por meio de atividades educativas
individuais e coletivas. Para isso, foi necessário organizar o serviço, estabelecer a
rotina de atendimento e sistematizar os dados cadastrais, buscando realizar o trabalho
em equipe, com profissionais capacitados tecnicamente e conscientizados do seu papel
profissional e social.
Naquele trabalho, pude me aproximar da Coordenação Estadual do Programa de
Prevenção de Câncer Ginecológico, participar de discussões e reflexões sobre as ações
que estavam sendo desenvolvidas na região e sobre a atuação dos profissionais lá
inseridos. O maior contato com a área e com os dados disponíveis deixou- me
preocupada, pois observei que as ações eram pontuais ou ligadas às campanhas do
Governo Federal e, apesar de todo esforço da Coordenação Estadual de Combate ao
Câncer em Mato Grosso, os profissionais, de modo geral, não tinham muito
envolvimento com a prevenção e com a modificação dos índices de morbimortalidade.
Além disso, foi evidente que a capacitação técnica para atuação na área era
insuficiente, pois as lâminas de citologia que chegavam ao Laboratório Central
indicavam erros técnicos na execução do procedimento, tais como ausência de dados
clínicos nas fichas de coleta, escolha inadequada do momento e do material para
coleta, pelo excesso de piócitos e sangue nas lâminas, má distribuição do material
coletado na lâmina concentrando as células em áreas espessas e, também, problemas
com a fixação do material.
Ao terminar o projeto e o convênio com a Secretaria Municipal de Saúde,
percebi que deveria aproveitar a experiência que havia acumulado para difundir a
prevenção do câncer ginecológico e desenvolver uma proposta de capacitação para
enfermeiras, incentivando-as a assumirem com maior ênfase a prevenção do câncer
ginecológico como parte de suas atribuições. Estava confiante sobre o resultado que
18
esse trabalho poderia dar, pois acredito no potencial da profissional enfermeira,
realizando ações eficientes na promoção da saúde e na prevenção primária,
contribuindo para a modificação positiva do perfil epidemiológico da doença.
Tenho convicção de que a enfermeira pode fazer diferença na qualidade da
assistência prestada à mulher e na prevenção das enfermidades que a acometem, ao
desenvolver uma assistência sistematizada, integral e de qualidade, com
conhecimentos e habilidades técnicas, tendo respaldo legal para desenvolver estas
atividades nos serviços de saúde. Além disso, tem formação voltada para o cuidado
mais integral da mulher, é responsável pelas ações e supervisão da equipe de
enfermagem e utiliza a comunicação como instrumento de trabalho em práticas
educativas para a saúde.
A produção de um trabalho comprometido, competente e com resolutividade
para a população depende, também, do desenvolvimento de ações profissionais de
manejo das situações de saúde e de organização do processo de trabalho, livre de
excessos burocráticos e com o envolvimento humano da enfermeira, daí a necessidade
de estudar em profundidade a sua natureza e apontar meios para qualificá-lo.
1.2 O Problema de Pesquisa
Na continuidade de minhas atividades profissionais, fiz propostas de
capacitação de enfermeiras e de equipes de enfermagem, assim como de reorganização
dos serviços municipais de saúde, para possibilitar o desenvolvimento de ações
visando a prevenção do câncer ginecológico. Logo no início, percebi que as
dificuldades de infraestrutura dos serviços eram contornáveis, porém foi evidente que
no trabalho das enfermeiras não acontecia o envolvimento sistemático com a
prevenção do câncer.
A partir daí decorre o questionamento sobre quais os limites e as possibilidades
para o desenvolvimento de ações de promoção à saúde e de prevenção do câncer
ginecológico, assim como sobre quais são as dificuldades para a efetivação de um
19
trabalho capaz de diminuir a sua incidência e sobre o que impede as enfermeiras de
assumirem este trabalho como parte de sua competência técnico-profissional.
Durante a vivência assistencial é possível identificar que as enfermeiras
queixam-se de assumirem muitas responsabilidades para o número de trabalhadores
das equipes de enfermagem. O processo de trabalho da enfermagem em muitos
serviços de saúde é caracterizado pela existência de poucos profissionais ou de pessoal
capacitado, situação que pesa e acaba debilitando o esforço diário na produção de
serviços mais qualificados.
Mesmo considerando a justeza desse argumento, não faz sentido a enfermeira
envolver-se pouco com a prevenção do câncer ginecológico, como rotina em sua
prática de trabalho, já que existe respaldo legal e técnico do Ministério da Saúde para
isso. Além disso, é importante considerar, nesta reflexão, que os dados sobre a
mortalidade pelo câncer ginecológico são elevados e crescentes e, apesar de todas as
informações disponíveis, as campanhas governamentais apresentam visível dificuldade
em modificar, significativamente, o perfil epidemiológico e as práticas profissionais.
Pensando assim, decidi aprofundar a compreensão sobre o problema. Assim,
assumo como problema de pesquisa
, a seguinte questão:
Como estruturar o trabalho da enfermeira nas unidades básicas de saúde
para qualificar a assistência na prevenção do câncer ginecológico?
1.3 A Tese Defendida
Ao desenvolver esta investigação científica, busco contribuir para a prevenção
do câncer ginecológico, numa caminhada em que a enfermeira tenha efetiva
participação, através da incorporação de ações na sua prática profissional que envolva,
além dos procedimentos técnicos, a promoção à saúde, a proteção específica e a
educação da mulher, visando o autocuidado.
A prevenção do câncer é um problema complexo, cuja responsabilidade não
deve ser atribuída somente a uma categoria profissional, mas aos profissionais e
instituições em conjunto. No entanto, pensar sobre as nossas práticas como
20
trabalhadores da área de saúde, refletindo sobre a profissão de enfermagem e o seu
lugar no conjunto da ação assistencial, é um passo necessário para a transformação do
trabalho e da assistência.
Desse modo, defendo no processo investigativo a seguinte tese
:
“A caracterização do processo de trabalho e a instrumentalização
adequada dos enfermeiros que atuam na Atenção Básica em Saúde são condições
necessárias para a qualificação da assistência de enfermagem na prevenção do
câncer ginecológico”.
1.4 Os Objetivos Traçados para o Estudo
No desenvolvimento desta investigação científica, tenho como compromisso
profissional realizar um trabalho que possa, em alguma extensão, contribuir com a
saúde das mulheres atendidas nos serviços públicos de saúde. Em conseqüência, abre-
se um quadro em relação à necessidade de desenvolvimento de estudos que, além de
mostrar as deficiências na implementação da assistência, levantem novas
possibilidades de trabalho em termos organizativos e operacionais.
Assim, para desenvolver a tese proposta, estabeleci os seguintes objetivos:
Determinar os limites e as possibilidades do trabalho da enfermeira no
desenvolvimento de ações de promoção à saúde e de prevenção do câncer
ginecológico em Unidades Básicas de Saúde;
Analisar o processo de trabalho das enfermeiras em unidades básicas de saúde,
buscando a compreensão das correlações e mediações da prevenção do câncer
ginecológico com o desenvolvimento histórico deste trabalho;
Propor uma contribuição à reestruturação do processo de trabalho em relação à
saúde da mulher, que possibilite o aumento da cobertura da assistência preventiva
do câncer ginecológico e a modificação do seu perfil epidemiológico numa
determinada área.
21
Para alcançar os objetivos propostos e responder ao problema de pesquisa,
trabalhei com enfermeiras que atuam em unidades básicas de saúde, numa abordagem
qualitativa, na perspectiva do Materialismo Histórico e Dialético.
A caracterização do processo de trabalho específico na prevenção do câncer
ginecológico foi o recorte escolhido para, a partir dele, estabelecer os pontos nodais
que desfiguram o processo de trabalho das enfermeiras e impossibilitam a realização
da finalidade do seu trabalho.
A análise dos seus elementos permitiu o aclaramento dos determinantes que
induzem ao atual quadro epidemiológico, em que a baixa cobertura e o aumento das
mortes por câncer ginecológico estão ligados, também, à incapacidade política dos
profissionais em definirem ações propositivas e prioritárias para a assistência da
população.
22
CAPITULO 2
2 O PROCESSO DE TRABALHO
2.1 Referencial teórico
O termo “materialismo” está vinculado a uma corrente filosófica que atribui
causalidade à matéria, posicionando-se contra o “idealismo”, por não admitir que as
formas ideais - “Pensamento”, “Razão” ou “Espírito” - possam ser consideradas como
o “princípio” da organização social. Significa que não se parte daquilo que os homens
dizem, imaginam e pensam, mas do seu processo de vida real e das repercussões
ideológicas deste processo vital (MARX, ENGELS, 1996; LALANDE, 1999).
O termo “materialismo histórico” foi utilizado por Friedrich Engels para
designar a interpretação proposta por Karl Marx, segundo a qual os fatos econômicos
constituem a base e a causa determinante dos acontecimentos históricos e sociais
(LALANDE, 1999). Está ancorado na perspectiva que concebe a natureza humana
sendo intrinsecamente constituída por relações de trabalho e de produção. O
importante não é tanto o que o homem produz, mas como produz, porque isso
determina o modo de sua relação com os demais homens (ABRÃO, COSCODAI,
2002).
Para Marx, o trabalho é um processo no qual o homem age, media, regula e
controla a sua relação com a natureza, para apropriar-se da matéria natural, de modo
que ela seja útil para a sua vida. Com o seu trabalho, ele obtém um resultado que,
desde o início, foi pensado e idealizado num projeto para alcançar uma finalidade e
que, ao mesmo tempo, reflete as condições do processo de trabalho (MARX, 1983;
HARNECKER, 1983).
A história se dá segundo as circunstâncias que são modificadas pelo trabalho
humano. Ao desenvolver o trabalho, o homem modifica a natureza e o ambiente e, ao
23
mesmo tempo, modifica a si próprio, numa relação que caracteriza a sua humanidade.
À medida que ele transforma intencionalmente o mundo para satisfazer as suas
necessidades, condição fundamental de toda a história, com o seu trabalho ele produz e
estabelece relações sociais e políticas. O trabalho tem, por um lado, um conteúdo
econômico vinculado à produção de objetos úteis que satisfaçam necessidades
humanas e, por outro, um conteúdo filosófico vinculado à autoprodução do homem,
tornando-se a sua “práxis” (MARX, 1983; LEOPARDI, 1999).
Produção e relação social são construídas historicamente, constituindo a
particularidade, integralidade, complexidade e temporalidade do ser humano que, ao
mesmo tempo em que é único e singular, também é um ser genérico, universal e social.
Em seu percurso na história está sempre em movimento, transitando entre a sua
individualidade e sua condição de ser social (CAPELLA, LEOPARDI, 1999;
LEOPARDI, 1999).
O ser humano, ao realizar uma atividade laboral, desenvolve todo um processo
orientado para alcançar um determinado fim. Utiliza meios de trabalho (instrumentos
de trabalho) para conseguir a transformação do “objeto” sobre o qual atua na
finalidade pretendida desde o início. Para Marx
(1983, p.150-1),
o meio de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas que o trabalhador
coloca entre si mesmo e o objeto de trabalho e que lhe serve como condutor
de sua atividade sobre esse objeto. [...] Os instrumentos de trabalho não são
somente medidores do grau de desenvolvimento da força de trabalho
humana, são indicadores, também, das condições sociais nas quais se
trabalha.
O ser humano, no seu processo de trabalho, além de utilizar instrumentos para
mediar sua atuação sobre o objeto de trabalho, “conta, em sentido lato, entre seus
meios com todas as condições objetivas exigidas para que o processo se realize”. Sem
elas, mesmo que não entrem diretamente no processo, não poderia ocorrer o trabalho.
Ao final do processo, o trabalho integra-se ao objeto e o trabalhador terá um produto,
produzido com a energia da sua força de trabalho, para satisfazer uma necessidade
humana. Então, “o trabalho está objetivado e o objeto trabalhado” (MARX, 1983,
p.151).
24
Nas sociedades em que existe a propriedade privada dos meios de produção,
que representam as condições materiais indispensáveis a todo processo de produção,
os homens que não possuem estes meios terminam por trabalhar para aqueles que os
possuem. Ao considerar o processo de trabalho na obtenção do resultado – o produto –
aparecem os instrumentos e o objeto de trabalho, como meios de produção, e o
trabalho do homem como trabalho produtivo. Assim, o processo de produção no
capitalismo não produz somente produtos materiais, mas produz e reproduz, também,
relações de produção (MARX, 1983; HARNECKER, 1983).
O produto, dependendo da posição que ocupa no processo de trabalho, pode ser
resultado, obtido ao final do trabalho; objeto de trabalho ou produto semi-elaborado,
quando serve de matéria prima para outro trabalho; instrumento ou meio de trabalho,
ao entrar em novos processos de trabalho como meio de produção (MARX, 1983,
p.152).
A força de trabalho realmente ativa, “trabalho vivo” ou em “actu”, produz
coisas (produtos ou serviços) que servem para satisfazer necessidades humanas de
alguma espécie e que passam a ter um valor de uso, independentemente da forma de
organização social (MARX, 1983, p.149-155). No modo de produção capitalista, a
força de trabalho do ser humano é comprada para produzir coisas que tenham, além do
valor de uso, um valor de troca, ou seja, valor relativo em moeda corrente, que permite
compra e venda no mercado, tornando-se uma mercadoria. Dessa maneira, ao produzir
uma mercadoria no modo capitalista, o seu valor de troca assume uma relação
quantitativa, eliminando a dimensão de utilidade do produto do trabalho e reduzindo o
próprio trabalho a uma dimensão abstrata (HARNECKER, 1983).
O valor de troca do produto tem que ser mais alto que a soma dos valores da
matéria prima, dos meios de produção e da força de trabalho empregada, ou seja, ter
um valor adicional para gerar capital e lucro. A força de trabalho torna-se mercadoria,
na medida em que é comprada e cujo consumo (trabalho) gera um outro valor (produto
do trabalho), ela é a única mercadoria capaz de criar valor (MARX, 1983;
HARNECKER, 1983).
25
A diferença entre o valor da força de trabalho, que corresponde ao salário pago
ao trabalhador para a sua sobrevivência e o valor do produto que ele produz é a “mais-
valia”, que o capitalista toma para si convertendo em capital acumulado. Isso
corresponde ao mais-trabalho ou ao trabalho excedente que o trabalhador deve
despender e significa a repartição desigual da riqueza entre trabalhador e capitalista
(MARX, 1983; HARNECKER, 1983; ABRÃO, COSCODAI, 2002).
Ao lidar com a produção de coisas materiais, a constatação desse processo de
troca de mercadoria por capital pode ser compreendida com maior facilidade. Todavia,
quando o trabalho acontece para satisfazer necessidades de coisas não-materiais
(cuidado, interação, bem-estar, segurança, amor, por exemplo), em áreas sociais como
a educação e a saúde, o processo parece bem mais complexo dado que, entre outras
questões, o consumo realiza-se durante o próprio trabalho (LEOPARDI, GELBECKE,
RAMOS, 2001).
Quando ocorre, na relação capital-trabalho assalariado, a redução do
trabalhador na participação e intervenção consciente do processo de trabalho, ele não
percebe a importância e o destino do produto do seu trabalho. Desse modo, ele se
coisifica e tudo que constitui a sua natureza interna - subjetividade, capacidade de
pensar e agir, criatividade e trabalho – acaba aparecendo esvaziado e alienado na
sociedade, sem um objetivo próprio. Esta situação anula o trabalhador, entrando no
funcionamento do processo como se fosse uma peça da engrenagem de uma máquina
(BASBAUM, 1985).
É necessário compreender o valor do trabalho na sociedade, percebendo-o para
além de simples redução em mercadoria ou forma de emprego. O ser humano, ao
transformar o seu pensamento em ação, exteriorizando-o para o mundo, mostra-se
como sujeito. Ser sujeito, então, é um atributo daquele que pensa, age e conhece, que
realiza uma ação porque decide e determina como ela será. O fazer do ser humano
como sujeito ultrapassa a prática produtiva para a satisfação material pessoal e social.
É um fazer pensado, simbolizado e marcado, assim, pela sua subjetividade. Este
sujeito, enquanto trabalhador, exercita a sua capacidade de agir, criar e transformar
como ser social, criando simbolicamente a vida (RAMOS, 1999).
26
Esta constatação é importante, porque estabelece a priori o paradigma de
análise, no qual é possível sinalizar a linha sob a qual estará focada a reflexão neste
estudo, sem deixar de observar que comportamentos profissionais e individuais são
desenvolvidos num contexto em permanente mudança como expressão da
sociabilidade e da particularidade dos sujeitos envolvidos, assim como das
determinações históricas próprias deste contexto.
2.2 Processo de trabalho em Saúde e na Enfermagem
O trabalho na área de saúde faz parte do chamado “setor de serviços” e está
situado na esfera da produção do trabalho não material. Ele é essencial para a vida
humana e tem como característica ser consumido enquanto é produzido, ou seja,
completa-se no ato de sua realização. Por isso, “o produto é indissociável do processo
que o produz”, tal como na realização da própria atividade assistencial (PIRES, 1999,
p.29).
A assistência à saúde envolve um trabalho coletivo, do tipo profissional -
realizado por trabalhadores que dominam conhecimentos e técnicas específicas para
prestar a assistência, podendo ser direcionada para indivíduos, grupos ou coletividades
com carecimentos ou necessidades de saúde ou com risco de adoecer, em espaço
institucional, domiciliar ou comunitário. Além dos profissionais com formação e
qualificação específica para a área, estão envolvidos na assistência, direta ou
indiretamente, trabalhadores com diversas qualificações que realizam as chamadas
“atividades de apoio” (PIRES, 1999, p.30-1).
A ação desenvolvida pelos profissionais trabalhadores da área de saúde incide
sobre seres humanos com problemas concretos ou potenciais de saúde, ou seja,
necessidades, que se tornam “objeto” no processo de trabalho em saúde. O processo
assistencial é realizado por diferentes trabalhadores que utilizam diferentes
instrumentos de trabalho, almejando “diferentes finalidades específicas, sem que
necessariamente tenham diferentes objetos” (LEOPARDI, GELBCKE, RAMOS,
2001, p.36).
27
Em termos gerais, ao longo dos tempos, as relações de trabalho vêm sofrendo
modificações, mas permanecem marcadas pela divisão do trabalho. Trabalhos que não
produzem riquezas materiais e financeiras são menos valorizados, ainda mais se
exigem investimentos desvinculados de um retorno imediato, como no caso da
assistência à saúde pública. Por isso, ainda é necessário um maior investimento na área
de saúde, para atender as demandas de assistência da população e melhorar as
condições de trabalho dos profissionais.
A organização do trabalho em saúde tem sido caracterizada pelo parcelamento,
em termos operacionais, das necessidades assistenciais e pela especialização, com a
fragmentação do conhecimento profissional. O trabalho é compartimentalizado,
cabendo a cada grupo profissional prestar parte da assistência que, separada dos
demais, duplica, muitas vezes, os esforços. As avaliações são feitas e registradas em
separado, empobrecendo a assistência e desintegrando o trabalho em equipe (FARIA,
1999; LEOPARDI, 1999; PIRES, 1999).
Ao mesmo tempo, a divisão do trabalho na área da saúde gerou a condição de
complementaridade e interdependência dos diversos trabalhos especializados. Porém,
ainda existe uma hegemonia do saber médico como condutor das práticas dos demais
profissionais com direcionamento para o Modelo Biomédico
1
. Além disso, quando os
membros da equipe multiprofissional possuem autoridades desiguais, surge tensão na
busca da ampliação da autonomia técnica dos profissionais, gerando, muitas vezes,
conflitos e decisões divergentes (SCHRAIBER, 1990).
O modelo biomédico, fortemente alicerçado no pensamento cartesiano, divide o
corpo humano em partes. Como em uma máquina, reduz estas partes em fragmentos
cada vez menores, detendo-se, de certa forma, apenas nos problemas fisiológicos. A
especialização exagerada, conduzida como única forma de assistência, provoca uma
incompreensão global do ser humano e do processo saúde-doença de modo integral.
Capra (1995, p.116) diz que neste modelo,
1
Nome dado por Capra (1995, p.116) ao modelo médico ocidental que constitui o alicerce conceitual da
moderna medicina científica, influenciada pela concepção mecanicista da vida, presente no desenvolvimento da
Biologia, e pelo paradigma cartesiano, em que o corpo humano é considerado uma máquina que pode ser
analisada em termos de suas peças.
28
o corpo humano é considerado uma máquina que pode ser analisada em
termos de suas peças: a doença é vista como um mau funcionamento dos
mecanismos biológicos, que são estudados do ponto de vista da biologia
celular e molecular: o papel do médico é intervir, física ou quimicamente,
para consertar o defeito no funcionamento de um específico mecanismo
enguiçado.
Esta abordagem na assistência à saúde mostra-se, cada vez mais, incapaz de
compreender a condição humana, seja na situação de saúde ou de doença. Por isso,
“não pode mais se ocupar com o fenômeno da cura”, constituindo-se na deficiência
mais séria dessa abordagem (CAPRA, 1995, p.116).
Barbara Starfield (2002, p.20), analisando a área de saúde afirma que,
conforme o conhecimento se acumula, os profissionais tendem a, cada vez
mais, se subespecializar para lidar com o volume de novas informações e
administrá-lo. Portanto, em quase todos os países, vemos as profissões da
área de saúde ficarem mais fragmentadas, com um crescente estreitamento
de interesses e competências e um enfoque sobre enfermidades ou tipos de
enfermidades específicas em vez de sobre a saúde geral das pessoas e
comunidades.
A proposta de prestar o cuidado baseado na especialização, leva o profissional a
ficar encarregado por somente uma parte da intervenção e, desse modo, ele não pode
ser responsabilizado pelo resultado global do tratamento. Por outro lado, a proposta de
cuidado ou assistência generalista corre o risco de transformar profissões e
especialistas em técnicos polivalentes, com atribuições semelhantes, perdendo a sua
especificidade e resolutividade (CAMPOS, 1997).
A saúde pública brasileira sofre influência da linha taylorista de administração,
com acumulação de normas administrativas e padronizações técnicas, guiadas por
crenças na possibilidade de controlar e regulamentar o conjunto total do trabalho.
Campos (1997) aponta para a fragmentação, a imobilidade, a desarticulação das linhas
de intervenção com os sistemas de informação e a burocratização. Os compromissos
passaram a ser indiretos com a saúde, em geral, e com a coletividade, distanciando-se
dos sujeitos usuários dos serviços públicos de saúde.
Os resultados desse modelo baseado na especialidade e na diminuição crescente
da capacidade de cada profissional em resolver problemas têm, como conseqüência,
tratamentos cada vez mais longos, custos crescentes, sofrimento dos usuários e perda
29
da visão integral do sujeito que necessita de cuidados em saúde. A fragmentação do
trabalho pelo enfoque excessivo na especialização, aponta que os profissionais
parecem não estar aptos para entender o fenômeno humano em sua
multidimensionalidade, o que leva a pensar que um dos caminhos possíveis para
romper esta limitação será a concepção interdisciplinar do trabalho.
Na maioria das relações de trabalho na área de saúde, a hierarquia do poder está
presente de maneira forte, sendo caracterizada pela valorização do saber em
detrimento do fazer, com primazia do saber médico, centrado no diagnóstico e na
terapêutica medicamentosa ou cirúrgica. Ao mesmo tempo em que os médicos
dominam o processo de trabalho, repassam campos de atividades para outros
profissionais que, geralmente, realizam aquilo que lhes foi delegado, mantendo,
porém, um certo espaço de conhecimento próprio e de poder de decisão (LEOPARDI,
1999; PIRES, 1999).
A hierarquia acontece como numa cascata, dos médicos em relação aos demais
profissionais, dos profissionais de nível superior sobre os de nível médio e elementar e
dos profissionais de saúde sobre os indivíduos que necessitam do cuidado. Nesse tipo
de relação, o indivíduo deixa de ser sujeito de direito, submetendo-se aos cuidados dos
profissionais, com quase nenhuma autonomia (LEOPARDI, 1999; PIRES, 1999;
FRIEDRICH, SENA, 2002).
No processo de trabalho da área de enfermagem fica bem evidente a hierarquia
e a divisão entre as categorias que compõem a equipe. Geralmente, a assistência é
organizada com divisão de tarefas, cumprimento de prescrições e normas, valorização
de técnicas e pouco poder de decisão. Essa lógica causa uma distorção na prática de
grande parte dos profissionais, gerando mais fragmentação no cuidado, o
desenvolvimento de atividades sem uma compreensão mais ampla do processo de
trabalho e a inobservância da integralidade do usuário. Como conseqüência ocorre,
também, a invisibilidade dos resultados do trabalho executado e a insatisfação do
trabalhador.
As questões organizacionais e relacionais no trabalho da enfermagem acabam
reduzindo a assistência à realização de tarefas e ao cumprimento de aspectos
30
burocráticos institucionais, que são privilegiados em detrimento do contato mais direto
com a população. Faz-se necessário, então, que a assistência de enfermagem seja
focada sobre a integralidade e complexidade das pessoas, pela realização de um
trabalho organizado, que rompa, em parte, com a divisão por tarefas e possibilite uma
visão mais global das necessidades humanas e do fazer profissional. Assim, o trabalho
do profissional passa a ter um outro sentido, com maior autonomia, responsabilidade e
valor dentro da comunidade em que está inserido (CAPELLA, LEOPARDI, 1999;
PIRES, 1999; RAMOS, 1999; GELBCKE, 2002).
Assim, a complexidade dos problemas de saúde exige um trabalho cooperativo,
que substitua a visão fragmentada e que coloque o indivíduo enfermo ou carente de
cuidado no centro das ações, como sujeito de direito e co-responsável, também, pelo
seu cuidado. A inversão da submissão e dependência dos indivíduos ao poder dos
profissionais de saúde e das instituições de saúde é uma meta que deve ser perseguida.
Não se pode pensar em assistência integral, deixando de fora o saber da pessoa ou
desconsiderando sua condição de sujeito, no seu processo de viver, adoecer, curar ou
morrer. A assistência integral será possível, enquanto projeto interdisciplinar, com
aglutinação de saberes direcionados num sentido comum - o ser humano (CAPELLA,
LEOPARDI, 1999; PIRES, 1999).
Esta situação impõe desafios para a gestão do trabalho cotidiano das equipes de
saúde, apontando para a necessidade de projetos sustentados coletivamente e de
sujeitos sociais defensores de crenças e valores condizentes com projetos éticos.
Diante da complexidade estrutural e funcional da assistência à saúde e da óbvia
dependência que carrega em relação ao mundo produtivo, não é tarefa fácil a
modificação de suas características.
Mesmo quando são evidentes as necessidades de mudanças, elas nem sempre
são percebidas pelos profissionais, gerando, antes de tudo, um desrespeito ético à
condição humana. É necessária, portanto, uma profunda transformação desta práxis,
pois algumas experiências demonstraram que diferentes formas de atuação profissional
são viáveis e possíveis.
31
2.3 Organização dos serviços de saúde
Tendo como base o conceito ampliado de saúde elaborado na 8ª Conferência
Nacional de Saúde, a Constituição Brasileira de 1988 considerou a saúde “um direito
de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença, de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”. Para
implementar este princípio, instituiu o Sistema Único de Saúde (SUS), cuja gestão é de
responsabilidade da União, dos Estados e Municípios (BRASIL, 1994, p.96-7).
Este sistema prevê a estruturação de serviços e o desenvolvimento de ações de
modo a integrar uma rede regionalizada, hierarquizada e descentralizada, com direção
única em cada esfera de governo, que promova o atendimento integral dos cidadãos,
priorizando as atividades preventivas, mas sem o prejuízo dos serviços assistenciais, e
a participação da comunidade (BRASIL, 1994).
As discussões realizadas na 12ª Conferência Nacional de Saúde, apresentadas
no seu relatório final (AROUCA, 2004), reconhecem o ser humano como ser integral e
a saúde como qualidade de vida, estando diretamente ligados com o conceito
constitucional de cidadania, traduzido em condições de vida e participação social da
população. O documento explicita, também, que essas condições são historicamente
determinadas e que para garantir o direito à saúde para a população, através da
implementação de políticas sociais e econômicas que assegurem o desenvolvimento
econômico sustentável e distribuição de renda, é necessário o esforço de todos os
setores da sociedade no desafio de romper com a espiral multidimensional que
caracteriza os vários processos de exclusão e desigualdades.
O documento destaca que o Brasil tem três instâncias de poder governamental –
federal, estadual e municipal – que conferem, principalmente na co-gestão de
responsabilidades, grande complexidade nas relações entre as diferentes esferas de
governo. Além disso, ampliando a dificuldade de gestão, existe a dimensão geográfica
do País, com suas diversidades regionais, a concentração histórica do poder no nível
central e a dependência de recursos financeiros federais nas áreas sociais (AROUCA,
2004).
32
Implementar o direito à saúde no cotidiano dos serviços de saúde, num modelo
de atenção que atenda aos princípios de universalidade, integralidade, eqüidade,
descentralização e controle social, tem sido o maior desafio do SUS diante da
magnitude dos problemas e das restrições econômico-financeiras. Para a consolidação
do Sistema e a garantia da integralidade na atenção, em ações coordenadas e
integradas,
torna-se imperativo promover a efetiva cooperação entre as três esferas de
governo, assentada em bases jurídicas sólidas, que definam claramente os
papéis e responsabilidades comuns e específicas de cada ente, que
potencializem os recursos financeiros e integrem a formulação de políticas,
de planejamento, de coordenação e de avaliação do sistema, incluindo os
mecanismos de interação e de co-gestão para lidar com conflitos (AROUCA,
2004, p.67).
Por ser de responsabilidade constitucional do Estado, o SUS tornou-se a
principal fonte de financiamento do setor saúde, gerenciando recursos financeiros
insuficientes para atender a maioria da população, não conseguindo inverter a lógica
da assistência especializada e curativa para uma população doente, com carências
sócio-econômicas, nutricionais e educacionais. A prevenção e a promoção na saúde
ficaram submetidas a um segundo plano, sendo alvo de ações específicas em
campanhas nacionais desencadeadas e financiadas pelo Governo Federal. Estes
entraves têm impedido uma mudança mais significativa nos níveis epidemiológicos de
morbimortalidade da população, pois
a NOB 96, apesar de ser um importante instrumento na operacionalização do
sistema [...] no corpo de seu texto aparecem propostas contraditórias [...] ao
mesmo tempo em que aponta as relações de independência do município
como gestor pleno, coloca projetos de incentivos de financiamento das ações
de saúde de modo verticalizado, sem respeitar as distintas realidades sociais
e sanitárias de cada região (BUENO, MERHY, 2006, p.3).
Disponibilizar serviços de saúde para toda a população, com qualidade e
integralidade, continua sendo um entrave para que o SUS funcione em todo território
nacional como um sistema eficiente de atenção à saúde. Assim, torna-se necessário um
esforço de todos os setores da sociedade e, em particular, dos profissionais de saúde,
na luta pelo avanço do SUS e pela ampliação da cobertura com qualidade,
identificando o que pode e deve ser feito para melhorar o Sistema.
33
2.3.1 A Atenção Básica
A tendência à especialização na área da saúde no modelo biomédico, embora
ofereça uma atenção altamente eficaz para as doenças individuais, não consegue
produzir uma atenção básica efetiva. Ela não pode maximizar a saúde, porque a
prevenção e a promoção requerem uma abordagem mais ampla que o enfoque
centralizado na enfermidade. Além disso, a atenção especializada, no geral, exige mais
recursos financeiros do que a atenção básica, pois enfatiza o desenvolvimento e uso de
tecnologias de alto custo.
É necessário compreender que a saúde de um indivíduo ou de uma população é
determinada não só pela sua combinação genética (biológica), mas, também, pelas
modificações no ambiente social e físico, por comportamentos determinados cultural
ou socialmente e pela natureza da atenção à saúde que é oferecida. Assim, Starfield
(2002, p.26) aponta que,
a saúde está diretamente associada à vantagem social em termos absolutos.
Quanto mais recursos sociais de indivíduos e comunidades, maior a
probabilidade de uma saúde melhor. Além disso, a privação social relativa,
mais do que a absoluta, também está associada a uma saúde pior. Ou seja,
quanto maiores as disparidades na riqueza em qualquer população, maior as
disparidades na saúde.
Como os serviços de saúde são um dos determinantes diretos na qualidade de
vida e de saúde, eles têm um papel importante na melhoria da saúde das pessoas,
mesmo frente às notáveis iniqüidades na distribuição de riquezas. Então, é importante
que estejam estruturados para atender de forma abrangente a maior parcela possível da
população, com uma atenção integral que promova a saúde e maximize o bem-estar,
oferecendo serviços de prevenção, cura e reabilitação (STARFIELD, 2002).
O Sistema Único de Saúde tem dado ênfase ao princípio da descentralização,
fomentando a municipalização dos serviços básicos de saúde, que ficam responsáveis
pelas ações em seu âmbito de abrangência, com a cooperação técnica e financeira das
demais esferas governamentais. Tem sido um processo lento e progressivo, pois exige
o desenvolvimento de novas competências e capacidades do gestor local e a
34
redefinição de funções do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais de Saúde
(AROUCA, 2004).
O Sistema prevê a estruturação de serviços e o desenvolvimento de ações numa
rede regionalizada e hierarquizada, sendo a Atenção Básica o primeiro nível do
Sistema. A lei orgânica nº 8.080/90 explicita que ela se fundamenta nos princípios do
SUS, de saúde como direito, integralidade da assistência, universalidade, eqüidade,
resolutividade, intersetorialidade, humanização do atendimento, participação da
comunidade. Deve desenvolver ações individuais e coletivas voltadas para a promoção
da saúde, a prevenção de agravos, o tratamento e a reabilitação (BRASIL, 1999;
BRASIL, 2002c).
Para nortear a operacionalização e a regulação do SUS, foi elaborada a Norma
Operacional Básica (NOB), com a participação de gestores das três esferas de governo.
A sua aplicação possibilitou o fortalecimento do SUS e impulsionou o processo de
descentralização do setor saúde no País. Aprimorada e re-editada em 1996, indicou a
grande responsabilidade dos municípios em estabelecer ações, no seu sistema de
saúde, no sentido de garantir o atendimento integral da população residente em seu
território. A NOB/96 instituiu, ainda, as bases para o redirecionamento do modelo de
atenção à saúde, indicando que ele deveria estar centrado na qualidade de vida das
pessoas e do seu meio ambiente, na integração da equipe de saúde com a comunidade,
especialmente com os seus núcleos sociais primários, as famílias (BRASIL, 1997;
BRASIL, 1999).
A implantação do SUS tem demonstrado a dificuldade em ser operacionalizado
por ser um sistema complexo e universal, voltado para a modificação dos fatores
determinantes da situação de saúde e a implementação de um modelo que requer a
transformação na relação entre usuário e agentes do sistema de saúde. A intervenção
ambiental esbarrou em questões políticas, econômico-financeiras, geográficas,
gerenciais, institucionais, corporativas e mercantis, dentre outras.
Apesar dos inegáveis avanços, o SUS carece ainda de uma ampliação da
atenção sobre as necessidades de saúde das populações, com alternativas mais
adequadas às diferentes realidades. Desse modo,
35
É necessário que o processo de trabalho em todas unidades do sistema SUS
seja reorganizado tomando como substrato às necessidades de saúde da
população, seu sofrimento e doença, pautado pela efetiva eficácia das ações
de saúde na defesa da vida dos usuários individuais e coletivos, sob pena de
permitir que os sistemas, paralelos e privados, dos seguros saúde e
cooperativas assistenciais, se consolidem definitivamente como perspectiva
para a população em geral, pelo menos no plano imaginário (BUENO,
MERHY, 2006, p.2).
Os serviços de saúde e os profissionais inseridos no SUS nem sempre têm uma
visão clara da necessidade de mudança deste modelo de atenção, reforçando a atenção
curativa especializada, que consome a maior parte dos recursos financeiros para
atender somente uma parcela dos que necessitam de assistência. A perpetuação dessa
prática tem gerado baixos salários, remuneração dos procedimentos por tabelas
defasadas, falta de estrutura física e material nos serviços de saúde, insatisfação e
revolta da população, desvios de recursos, fraudes no sistema e descrédito da
sociedade no SUS.
Por outro lado, consolidou-se culturalmente a idéia de que um bom serviço de
saúde é aquele voltado para o tratamento e a cura de doenças, de modo que a oferta de
serviços de promoção e proteção à saúde não será imediatamente compreendida como
uma política satisfatória. Além disso, ainda é necessária uma grande oferta de serviços
curativos, suficientes e qualificados, para atender a demanda da população que
apresenta agravos.
Romper com esta estrutura, portanto, não é uma tarefa fácil, pois os fatores
intervenientes são muitos e poderosos. Não deve ser um esforço restrito a um só
segmento, mas ao poder público, aos profissionais de saúde, à população organizada e
esclarecida sobre os seus direitos. A nós, profissionais de saúde, cabe tentar, em
conjunto com a população organizada, modificar algumas práticas e rotinas de
atendimento de modo a buscar a promoção da saúde.
O início dessa mudança pode ser o reconhecimento dos direitos de cidadania da
pessoa, percebendo-a como sujeito que tem o direito de decidir. Assim, a
implementação de um atendimento ético, acessível, digno, respeitoso e com
profissionais capacitados, mostra-se como uma exigência de nosso tempo, além de
36
uma sustentação das relações no campo da saúde para que se tenha uma assistência
mais visível e resolutiva.
Entretanto, qualquer mudança não pode ser embasada só na perspectiva de
modificações técnicas, devendo ser considerado o contexto social - em suas dimensões
culturais, políticas e científicas - para compreender e dimensionar as ações de saúde,
propiciando a organização e empoderamento
2
de grupos e indivíduos, na conquista de
garantias de assistência bem como de mínimos preceitos éticos ao convívio coletivo.
Necessidades sociais só poderão se transformar em questões perturbadoras
da ordem estabelecida (e definidora de direitos, que deverão ser
concretizados por políticas), se forem “problematizados” por classes, frações
de classes, organizações, grupos e, até, indivíduos, estrategicamente situados
e dotados de condições políticas para incorporar estas questões na pauta de
prioridades públicas (PEREIRA P, 2002, p.20).
O simples fato de a saúde ser uma questão social suscita diferentes formas de
reação, em um movimento de tendências e contra-tendências em torno de sua efetiva
resolução, numa arena incontestável de conflitos e interesses. Apesar de o Governo
Federal ter diminuído a sua participação no financiamento da saúde pública, de 77,7%
no final da década de 80, para 53,7% em 1996, ela não foi acompanhada da redução de
sua presença na determinação da política, principalmente no nível da atenção básica
(MARQUES, MENDES, 2002).
O Ministério da Saúde, em 26 de janeiro de 2001, aprovou a Portaria nº 95 - a
Norma Operacional da Assistência à Saúde/SUS (NOAS-SUS), que tem como
objetivo aprofundar o processo de regionalização, de modo a garantir o acesso da
população à todas as ações e serviços de saúde, otimizando os recursos disponíveis.
Seu pressuposto é que o SUS depende da compatibilização dos princípios de
descentralização, ampliando a responsabilidade dos municípios, de regionalização com
planejamento territorial supramunicipal e de hierarquização com a estruturação de
serviços resolutivos em rede (MARQUES, MENDES, 2002).
Essa Portaria utiliza o financiamento como principal instrumento de política de
saúde, transferindo recursos para Estados e Municípios, para incentivar a ampliação
2
Do termo original da língua inglesa, empowerment que pode ser entendido como o aumento do poder e autonomia pessoal
e coletiva de indivíduos e grupos sociais nas relações interpessoais e institucionais, principalmente daqueles submetidos a
relações de opressão, dominação e discriminação social (VASCONCELOS, 2003).
37
das ações de Atenção Básica, ultrapassar os limites dos Municípios com a qualificação
de microrregiões e organização de serviços de média e alta complexidade, na busca da
integralidade do cuidado. Ao mesmo tempo em que aumenta a responsabilidade de
atuação dos Municípios na Atenção Básica, atrela esse aumento ao recebimento de
incentivo financeiro, mantendo a descentralização tutelada pelo nível federal.
[...] o estilo de governo e a estrutura de poder das organizações condicionam
e determinam comportamentos e posturas. Um sistema de poder altamente
verticalizado, com tomada centralizada de decisões, tende a estimular
descompromisso e alienação entre a maioria dos trabalhadores. Um processo
de trabalho centrado em procedimentos e não na produção de saúde tende a
diluir o envolvimento das equipes de saúde com os usuários (CAMPOS,
1999, p.395).
Assume uma lógica organizacional e programática em que o elemento de
referência é o grau de complexidade tecnológica existente nos municípios. Desse
modo, a delimitação territorial correspondente a dois níveis de atenção: a atenção
básica ampliada e a atenção integral à saúde. A primeira organizada no espaço de um
módulo assistencial e a segunda num conjunto de módulos integrados em uma
microrregião de saúde, que pode corresponder a vários municípios (TEIXEIRA, 2002).
Todas estas mudanças foram e são importantes para a estruturação e
funcionamento do Sistema de Saúde, mas ainda não foram suficientes para a
transformação do modelo assistencial. É necessário, então, que ocorra modificação no
processo de trabalho em saúde em relação às suas finalidades, assim como nos meios e
instrumentos utilizados no trabalho, no perfil dos trabalhadores e nas relações
estabelecidas com a população usuária. Deste modo, ocorrerá a transferência do foco
do trabalho, hoje centrado nos procedimentos, para as necessidades das pessoas,
tornando-se estas as finalidades do processo de assistência à saúde.
2.3.2 O Programa de Saúde da Família
Em meio a todas estas dificuldades na implementação do SUS, de modo a
cons
olidá-lo e mudar a lógica do atendimento, garantindo os seus princípios básicos,
foi lançado, em 1994, o Programa de Saúde da Família. Ele teve como antecessor o
38
Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), implantado com sucesso em
algumas regiões do nordeste, dando enfoque à família como unidade programática de
saúde e introduzindo a noção de área de cobertura por família. Assim, o enfoque saiu
do indivíduo para a família (VIANA, DAL POZ, 2005).
A implantação do PACS em outras regiões não se constituiu em apenas mais
um programa vertical do Governo Federal. Ele foi um auxílio real na (re)organização
dos sistemas locais de saúde e na implementação do SUS, à medida que o Programa
exigia, para o repasse de recursos, requisitos como o funcionamento dos Conselhos
Municipais de Saúde, a existência de uma unidade básica de referência do programa,
um profissional de nível superior na supervisão e auxílio às ações e a existência do
fundo municipal de saúde (VIANA, DAL POZ, 2005).
Até esse período, o Sistema de Saúde quase não tinha avançado em estratégias
de organização da assistência para dar respostas aos seus pressupostos e às
inquietações dos gestores municipais. O Programa de Saúde da Família no Brasil surge
num período de “vazio programático nos três níveis de governo” (VIANA, DAL POZ,
2005, p. 238), em que a política de saúde seguia repetindo modelos antigos e
superados, numa inércia e sem interlocução com outros setores da área social. Para a
sua estruturação, o modelo de saúde da família brasileiro contou, desde o início, com a
colaboração internacional de médicos de família do Canadá, Cuba, Inglaterra e Suécia
(CHAVES, 1999).
A segunda versão do PSF, de 1997, buscou diferenciá-lo de outros programas
do Ministério definindo-o como “estratégia” de reorientação do modelo assistencial
para atingir os objetivos do SUS. Entretanto, acabou ratificando-se como programa
quando definiu objetivos, metas e passos, formulando o seu modus operandi. Mesmo
assim, a proposta permanece, constituindo-se como um importante desafio para a
ruptura do modelo assistencial biomédico e a construção de uma nova prática de
atuação profissional (RIBEIRO, PIRES, BLANK, 2004).
O PSF tem em sua matriz tecnológica um alto grau de responsabilização e se
organiza em um processo de trabalho pró-ativo [...] deve-se focalizar a
organização da assistência à saúde com base, não no território, mas nas
pessoas com diferentes situações de vulnerabilidade (MARSIGLIA,
SILVEIRA, CARNEIRO JUNIOR, 2005, p.74).
39
A mudança do modelo assistencial foi incorporada no discurso das políticas de
saúde, sendo compreendido como peça fundamental na reestruturação da atenção
básica e, em alguns casos, como extensão de cobertura para áreas sem nenhuma forma
de assistência. No entanto, o PSF ainda não conseguiu, no conjunto da rede, modificar
significativamente a organização dos serviços de saúde, assegurando aos usuários
acesso aos níveis de maior complexidade, nem assegurar a universalização da
cobertura, mesmo na atenção básica (TEIXEIRA, 2002; MARSIGLIA, SILVEIRA,
CARNEIRO JUNIOR, 2005).
Estes questionamentos permanecem, mas é inegável que o PSF tem conseguido
atingir populações de áreas que não recebiam nenhuma forma de assistência à saúde e
incluir segmentos populacionais de áreas com bom desenvolvimento da assistência,
mas que não tinham acesso universal. É necessário reconhecer que o PSF contribuiu
muito para a expansão do SUS, “em dezembro de 2005, as equipes Saúde da Família
já estavam presentes em 4.984 municípios, o que significa 89,6% do total de
municípios brasileiros” (BRASIL, 2006b, p.9).
Tendo como eixo central o fortalecimento da atenção básica, o PSF foi
idealizado como mecanismo de rompimento do comportamento passivo das unidades
básicas de saúde, introduzindo uma visão ativa de intervenção em saúde, para agir
sobre ela preventivamente e sendo instrumento de reorganização da demanda. Uma
assistência que deve ser prestada entendendo a subjetividade do indivíduo e o seu
caráter social, enquanto parte integrante de um contexto mais amplo que é a família e a
comunidade (BRASIL, 2006b; VIANA, DAL POZ, 2005).
A partir da implantação do PSF, começaram as discussões sobre os critérios
para a distribuição de recursos, para romper com a forma exclusiva de pagamento por
procedimentos. A lógica do PSF evidenciou que algumas atividades não poderiam ser
remuneradas tomando como base os procedimentos. Foi criado, então, o Piso da
Atenção Básica (PAB), prevendo em sua parte fixa a remuneração per capita, para os
municípios que desenvolvessem ações básicas de saúde, e recursos adicionais (a parte
variável do PAB) para aqueles que estivessem implementando o PSF (VIANA, DAL
POZ, 2005).
40
Para desenvolver o controle social nesses municípios, foram implantados
conselhos municipais e locais de saúde, mas ainda permanecem as dificuldades de se
desenvolver justiça social e de “responder às demandas heterogêneas da população,
especialmente nas áreas metropolitanas e nos centros das grandes cidades”
(MARSIGLIA, SILVEIRA, CARNEIRO JUNIOR, 2005, p.73).
Além disso, existem problemas na prática assistencial das equipes do PSF com
relação às condições de trabalho, com a persistência da lógica taylorista de
organização e gestão do trabalho, bem como falta de preparo dos profissionais para
desempenharem suas atribuições. A formação profissional ainda não privilegiou esta
visão de mudança no processo de trabalho em saúde e nem os trabalhadores foram
capacitados suficientemente para atender as necessidades complexas encontradas em
diferentes sujeitos e famílias (TEIXEIRA, 2002; FERTONANI, 2003,).
Viana e Dal Poz (2005, p.234) afirmam que,
a tendência é que o PSF se torne um programa para as populações mais
deprimidas socialmente e continue o modelo antigo em algumas áreas, de
pouco risco, dentro dos municípios. Entretanto, em municípios carentes, ele
pode vir a ser o modelo único de assistência.
A expansão do Programa tem sido dificultada por inúmeros fatores, dentre eles:
a estrutura centralizadora e burocratizada do Ministério da Saúde; a resposta lenta das
instituições de ensino em explorarem nos currículos a formação generalista necessária
na saúde coletiva, com especial resistência nas faculdades de medicina; resistências de
corporações profissionais e empresariais e; a representação social de atenção primária
como sinônimo de tecnologia simplificada e menos qualificada (VIANA, DAL POZ,
2005).
41
CAPITULO 3
3 A MULHER
3.1 A condição feminina
Ao se falar sobre a saúde da mulher, é necessário discorrer sobre as questões da
produção de representações do feminino e masculino, assim como dar a devida
importância aos fatores culturais no processo de formação de comportamentos de
saúde, pois preconceitos, estereótipos e significados têm um peso enorme na sua
produção.
Remontam a tempos muito antigos, no período neolítico, os indícios de
sociedades em que a mulher possuía grande prestígio e valor, associada ao poder da
fecundidade e da fertilidade. Nessa época em que o ser humano começou a dominar o
conhecimento sobre a natureza, as mulheres estavam na linha de frente assumindo a
primazia no sustento da comunidade, pois elas passaram a cultivar a terra e a
domesticar os animais. Isto não significa que “reinava um matriarcado todo-poderoso”,
mas evidenciava um sistema de valores em que o poder feminino tinha extrema
importância na sua realidade histórica. Nesse período, foi encontrado o culto às
Deusas-Mãe, difundido em todo o Oriente Médio, através da representação de
personagens femininos de porte imponente e natureza divina evidente (BADINTER,
1986).
Dois milênios depois, num período mal conhecido, os estudos indicam um
período de equilíbrio na relação homem-mulher, dando a impressão que havia uma
congregação dos sexos cunhada por uma estima mútua. O homem aproximou-se da
mulher reivindicando a sua participação nas diferentes tarefas e funções que,
anteriormente, eram de domínio delas. Esta colaboração pode ser interpretada como o
início do despojamento das mulheres antes do começo do longo combate pela
42
supremacia de “Um sobre o Outro”. Aos poucos, começou o reconhecimento de que
era necessária a participação dos dois sexos para procriar e para produzir. O culto da
Deusa-Mãe não foi substituído, mas foi introduzido o culto ao Deus-Pai. Os “Homens
e as Mulheres dividiriam entre si a terra e o céu” (BADINTER, 1986, p.72-73), sob a
ótica de que o outro é necessário para realizar a mesma tarefa. Este período foi
designado como Matrístico, pela arqueóloga lituana Marija Gimbutas, para “designar
culturas nas quais homens e mulheres viviam em cooperação e livres de diferenças
hierárquicas de parte a parte” (MARIOTTI, 2002, p.40).
Na idade do bronze, com o desenvolvimento da técnica do arado, a agricultura
tornou-se domínio dos homens, os instrumentais de sua propriedade exclusiva e o
campo seu bem. “A charrua-falo concedeu ao homem um papel cada vez mais
importante, transformando-o em fertilizador da terra” (BADINTER, 1986, p.74),
embora não fosse negado o papel essencial das mulheres no processo da fertilidade e
da fecundidade. Entretanto, quando o homem descobriu que a substância do macho, o
sêmem, era responsável pela fecundação da mulher, firmou-se a idéia de que o filho
ficava ligado ao pai, continuando a linhagem de seus ascendentes. Termina, assim, o
período de igualdade da primeira fase da história do ser humano passando para a
submissão da mulher, graças à monopolização de todos os poderes pelo homem.
O nascimento do patriarcado e a sua manutenção necessitaram da reunião de um
certo número de condições ideológicas para estabelecer o poder masculino. A mulher
foi considerada um ser passivo, a matéria prima, e o homem um ser ativo, a força vital
que dá forma à matéria. Quanto mais radical a sociedade patriarcal se mostrava em
relação à mulher, mais expressava o seu próprio medo. A exclusão das mulheres, nesta
lógica, protegeria os homens da concorrência e da comparação com elas, dando-lhes a
falsa segurança da sua especificidade e superioridade. Esta estrutura patriarcal fez com
que a mulher sofresse opressão, refletindo na sua marginalização dentro do contexto
social (ROSALDO, 1979; BADINTER, 1986).
Nos sistemas patriarcais mais radicais,
não basta, para os homens, que eles detenham os poderes mais importantes,
que reinem tanto sobre a família como sobre a Cidade, isto é, como Deus
todo-poderoso sobre o universo. É preciso impor, também, sistemas de
representações e de valores que justifiquem tal equilíbrio [...] Embora
43
reduzida a quase nada a mulher sempre constitui um perigo no imaginário do
homem. [...] ela é sempre percebida como uma ameaça de desordem e
anarquia (BADINTER, 1986, p.92).
Nas sociedades contemporâneas, existe o domínio masculino, variando em grau
e expressão a subordinação feminina. A desigualdade dos sexos ainda hoje é um fato
universal na vida social, fazendo com que a mulher seja vista como subalterna,
limitada e destinada a ocupar postos considerados de menor importância. Mesmo as
mulheres que conseguiram alcançar cargos de influência e poder, em relação ao
homem de sua idade e de seu status social, parece que ela carece de poder reconhecido
e valorizado culturalmente (ROSALDO, 1979; HIDALGO, 2006).
Para Muraro e Boff (2002, p.203), “o feminino não se esgota na mulher nem o
masculino no homem. Ambos os gêneros são definidos no nosso inconsciente e pela
totalidade das características que os sistemas econômico e cultural lhes atribuem”.
O conceito de gênero foi incorporado pelo feminismo e pela produção
acadêmica sobre mulheres nos anos 70. Na década de 80, surgiam e se multiplicaram
nos Estados Unidos os departamentos de estudos femininos, aumentando os estudos
que problematizavam os papéis das mulheres na história, no cotidiano e as "culturas
femininas". A partir dessas pesquisas, a categoria das relações de gênero começou a
aparecer, sendo considerada como uma categoria de análise de importância
fundamental para a própria pesquisa histórica (WOLFF, POSSAS, 2005).
Haraway (2004, p.205) alerta, entretanto, que é necessária a compreensão
semântica e cultural para a utilização da categoria de gênero.
A diferenciação complexa e a mistura de termos para ‘sexo’ e ‘gênero’ são
partes da história política das palavras. Os significados médicos
acrescentados a ‘sexo’ se somam progressivamente a ‘gênero’[...] Em todas
as suas versões, as teorias feministas de gênero tentam articular a
especificidade da opressão das mulheres no contexto de culturas nas quais as
distinções entre sexo e gênero são marcantes.
No Brasil, a história do movimento feminista tem seu início associado à
resistência à ditadura militar e aos movimentos de esquerda. Entretanto, isso não
garantiu que o movimento de esquerda estivesse realmente comprometido com o
feminismo, no clima de intensa transformação cultural dos anos 1960 a 1970, o único
44
valor estável na relação de gênero era a "superioridade masculina" (WOLFF,
POSSAS, 2005).
Para Natansohn (2005, p.297), o movimento feminista pretende
recuperar as experiências corporais desprezadas pelo sistema patriarcal,
afirmando positivamente aquilo que sempre representou a sujeira e o medo,
e tentando recuperar a subjetividade perdida no discurso cartesiano da
ciência moderna para o qual o corpo é uma máquina e o corpo feminino,
uma máquina imperfeita.
Morgado (1986) afirma que o próprio casamento funcionava como um fator
limitador da potencialidade feminina. Mesmo com todas a mudanças que já ocorreram,
a mulher ao casar perde uma parte da sua individualidade, a sociedade espera e cobra
que ela se satisfaça com o que a sua constelação familiar lhe oferece. Queira ou não,
em fatos que não são nem percebidos no cotidiano, a mulher ao casar modifica o
nome, modo de se vestir, maneira de se comportar em público e de expor as suas
idéias, tempo de lazer e tipo de divertimento que seleciona, tempo para cuidar de si e
de sua saúde. Os relacionamentos sociais individuais com amigos homens ou amigas
mais liberadas e independentes são questionados. Aos poucos, muitas deixam de ter
opiniões próprias, passando a refletir o pensamento do marido e filhos, sufocando a
sua criatividade e capacidade de pensar por si própria.
Farah (2004, p.49) explica que o Feminismo da Igualdade defende que “as
únicas diferenças efetivamente existentes entre homens e mulheres são biológicas-
sexuais e que as demais diferenças observáveis são culturais, derivadas de relações de
opressão e, portanto, devem ser eliminadas”. Por isso, essa concepção tem sido
rejeitada e o conceito proposto pelo Feminismo da Diferença tem sido utilizado com
maior freqüência. Nele,
gênero remete a traços culturais femininos (ou, no pólo oposto, masculinos)
construídos socialmente sobre a base biológica. Constrói-se assim uma
polarização binária entre os gêneros, em que a diferença é concebida como
categoria central de análise, fundamental na definição de estratégias de ação
(FARAH, 2004, p.49)
É necessário compreender que as mulheres são diferentes dos homens e esta
diferença não pode ser utilizada como justificativa da desigualdade entre os sexos. A
revalorização da diferença não tem porque enfraquecer a luta pela igualdade, mas deve
45
redefini-la. Qualquer ação não deve reforçar estereótipos sobre as mulheres como seres
frágeis, incompletos, dependentes e sem vida própria. Ao contrário, deve afirmar os
valores constitutivos da identidade feminina, para reivindicar sua presença e impacto
em todas as esferas e dimensões da vida social (OLIVEIRA, 1993).
A complementaridade dos sexos é evidente, basta olhar a própria anatomia, mas
em toda coletividade humana sempre existiram tarefas reservadas a um sexo e
proibidas ao outro. Mesmo em diferentes sociedades, a divisão sexual do trabalho
parece ser uma constante. O sexo feminino participou tanto quanto o masculino na
obra da socialização. A contribuição das mulheres foi diferente, porém essencial, pois
os cuidados maternos são a primeira fonte da sociabilidade humana. São as mães que
ensinam as regras elementares da vida social, a linguagem e o amor. Porém, a
construção androcêntrica da vida social ainda tem colocado as mulheres em radical
desvantagem frente ao controle das rendas e do poder, tanto no âmbito doméstico
como na sociedade mais ampla (BADINTER, 1986; BREILH, 1996).
Mesmo com todas as forças contrárias, a mulher tem conseguido, aos poucos,
algum espaço na vida produtiva e pública, mas ainda é reduzido o seu lugar entre os
que decidem os caminhos a serem percorridos por toda uma sociedade. Nas últimas
décadas, porém, as mulheres passaram a emergir como sujeitos da história,
modificando os sistemas simbólicos masculinos (MURARO, BOFF, 2002).
Elas começaram a entrar em massa no sistema produtivo durante a década de 60
e nos anos 80. Além das atribuições com o desempenho reprodutivo e o atendimento
às demandas familiares, a mulher inseriu-se no mercado de trabalho formal e informal,
embora esta inserção tenha sido efetivada com dupla jornada de trabalho. No âmbito
doméstico com execução das tarefas de administração da casa, representação familiar e
atendimento à demanda de atenção afetiva e, no âmbito público-profissional, sujeita à
competitividade, afirmação profissional, discriminação salarial e de poder (BREILH,
1996).
Esta sobrecarga acarretou uma diminuição na sua possibilidade de descanso e
de recreação. Agravando este quadro, encontramos a inadequação dos postos de
46
trabalho, com tarefas incompatíveis com as necessidades ergonômicas, fisiológicas e
psicológicas próprias da mulher (BREILH, 1996).
O atual modelo de desenvolvimento econômico, o crescimento da tecnologia na
lógica do capitalismo competitivo e da globalização, também vem mudando a
sociedade. Como decorrência, tem provocado o deslocamento e a recomposição da
força de trabalho, com a incorporação em espaços de trabalho mais precários,
modificando a vida dos indivíduos, sua saúde e as estratégias de sobrevivência. Essas
mudanças sociais determinaram conseqüências diferenciadas para homens e mulheres.
Agravaram-se os índices epidemiológicos ligados aos trabalhos que os homens
desempenham e ficou exacerbado o seu perfil competitivo e agressivo, com o aumento
das taxas de mortalidade por causas violentas. As mulheres sofreram, também, as
conseqüências desse processo. Breilh (1996) afirma que estudos realizados na América
Latina permitiram identificar algumas destas conseqüências:
a) aumento dos lares chefiados por mulheres;
b) expansão do trabalho feminino de baixa qualificação;
c) aumento da tripla jornada de atividades das mulheres, pela necessidade de renda
para a sua sobrevivência;
d) ampliação da força de trabalho feminina;
e) feminilização das profissões que estão perdendo prestígio e nas de alta
periculosidade epidemiológica e,
f) agravamento na falta de acesso aos bens de consumo e serviços.
A característica do perfil de saúde das mulheres é complexa, porque na
determinação de sua vida e saúde concorrem problemas oriundos da organização da
sociedade. Segundo Langdon (1995), as novas discussões em Antropologia
questionam a dicotomia cartesiana presente no modelo biomédico. Para aprofundar
esta discussão é necessário entender a cultura como dinâmica e heterogênea e a doença
como processo e como experiência. A autora afirma que na visão da Antropológica
Simbólica, a doença “é concebida em primeiro lugar como um processo experienciado
cujo significado é elaborado através de episódios culturais e sociais e, em segundo
lugar, como um evento biológico” (LANGDON, 1995, p.9). Um processo que requer
47
interpretação e ação no meio sóciocultural, com o enfoque no indivíduo como um ser
consciente que percebe e age.
Nas últimas décadas, tem ocorrido um grande desenvolvimento na área de
Saúde Reprodutiva, especialmente com relação ao corpo feminino.
Natansohn (2005, p.297) afirma que,
os movimentos feministas têm destacado a questão da saúde e direitos
reprodutivos da mulher como bandeira de luta, o que não deixa de apresentar
problemas, pois, enquanto se privilegia a área da saúde como um dos pivôs
da militância feminista, tanto na teoria como na prática mergulham-se as
mulheres na medicalização e no jogo de regras e definições do poder
médico.
Com o aumento da participação feminina em todos os pólos da sociedade, o
perfil da mulher vem mudando gradativamente, tornando-a crítica e reivindicadora de
seus direitos, especialmente de uma melhor qualidade de vida e saúde. É necessário
saber, porém, que a qualidade de vida se forja por meio de uma luta permanente e
dinâmica entre o interesse privado e a necessidade coletiva, entre os processos
destrutivos de diversas ordens e os processos protetores que se fazem possíveis nestas
dimensões da realidade sócio-epidemiológica, com os grupos e suas famílias
(BREILH, 1996).
Estes fatores apontam para a necessidade de uma ação mais efetiva dos
profissionais de saúde ao prestarem a assistência, no sentido de considerar a mulher no
seu contexto sócio-cultural, compreendendo a sua inserção familiar e comunitária para
que possa resgatar a essência do humano na destinação do seu cuidado profissional.
Estas questões implicam diretamente no modo como a mulher cuida de si e no
modo como a sociedade dá importância aos agravos relacionados à mulher, indicando
a necessidade de compreender os padrões culturais para prestar a assistência de forma
adequada. Isto é necessário para que o trabalho seja conduzido, ao mesmo tempo, com
delicadeza e firmeza, respeitando os desejos das mulheres, sem deixar de informar
tudo o que for possível para ajudá-las em suas decisões.
48
3.2 O câncer ginecológico
3.2.1 Por que a preocupação com o câncer ginecológico?
Nesta pesquisa, o câncer ginecológico foi utilizado como uma temática
detonadora da análise do processo de trabalho das enfermeiras e sobre o modelo de
atendimento prestado no Município estudado. Esta escolha deveu-se à relevância que o
câncer tem como problema de saúde pública, devendo ser alvo da preocupação dos
profissionais de enfermagem e merecendo uma reflexão sobre as repercussões na vida
e saúde da mulher. Para melhor apropriação da temática, apresentarei uma breve
revisão bibliográfica sobre ela.
O câncer não é uma doença única e com uma única causa, mas é um processo
comum a um grupo heterogêneo de doenças, que diferem em sua etiologia, freqüência,
manifestações clínicas e prognóstico. Entretanto, o câncer é desencadeado por fatores
ambientais em 80% dos casos. Ele é classificado, geralmente, segundo sua localização
primária, tipo histopatológico e extensão anatômica dos tumores (INSTITUTO, 2002a;
2002b).
Os dados epidemiológicos existentes indicam que o câncer que mais acometerá
a população brasileira será o de pele não melanótico, seguido pelo da mama feminina.
Analisando as neoplasias, segundo o sexo, estima-se que as mulheres serão mais
acometidas, mas a mortalidade no sexo masculino será maior. A maior incidência de
câncer nas mulheres, por localização primária, será o de pele, mama, colo de útero,
cólon e reto, dados que continuam se mantendo nos últimos anos (INSTITUTO,
2002a; 2002d; 2003; 2005; KLINGERMAN, 2002a).
O câncer, cada vez mais, configura-se e se consolida como um problema de
saúde pública. Estimou-se para o Brasil, no ano de 2003, a ocorrência de 402.190
casos novos e 126.960 óbitos, sendo a segunda causa de morte por doença no País. No
ano de 2006, a estimativa continua ampliando, chegando a 472.050 novos casos de
câncer (INSTITUTO, 2003; 2005).
49
A incidência do câncer cresce progressivamente e muitos óbitos poderiam ser
evitados com ações de prevenção e detecção precoce. Circunstâncias como
desatualização técnico-científica, serviços de saúde insuficientes e mal distribuídos,
recursos humanos escassos em quantidade e qualidade, e a incipiência das informações
gerencial e epidemiológica, explicitam a dimensão do problema e a sua tendência de
crescimento (INSTITUTO, 2002c; 2003; 2006b; KLIGERMAN, 2002b).
O Ex-Diretor do Instituto Nacional do Câncer (INCA), o médico Jacob
Klingerman (2002b) destaca que a redução da incidência do câncer está diretamente
ligada às medidas de prevenção e de conscientização da população quanto aos fatores
de risco, além da capacidade dos serviços de saúde em detectar precocemente a doença
e tratá-la adequadamente. Ainda há muito a fazer, neste sentido, para obter um
verdadeiro impacto sobre a mortalidade causada por ela, pois ainda predomina a
assistência curativa e individualizada às pessoas doentes.
Ele ressalta que é necessário respeitar a heterogeneidade regional, descentralizar
as ações para interiorizar a prevenção e o controle do câncer, obter recursos
financeiros governamentais e estabelecer ações normativas. Afirma que deveria ser
prioridade o controle dos fatores de risco, a detecção precoce de cânceres do colo de
útero, mama, pele e boca, o funcionamento de sistemas de avaliação e vigilância, a
qualificação de recursos humanos e a implementação de pesquisas.
Quando estudamos, por exemplo, a evolução lenta do câncer ginecológico e a
possibilidade de descoberta de lesões precursoras do câncer de colo de útero, com um
exame citológico, e de nódulos mamários pequenos com o auto-exame das mamas,
vemos que o problema não deveria ter a dimensão que ainda possui.
Na mulher, a preocupação com o câncer ginecológico, além da esfera
epidemiológica, tem uma dimensão social. Mulheres que ficam doentes, ou morrem,
desestabilizam as famílias, desamparando os filhos e causando um problema
financeiro de reflexos intrafamiliar e na economia do País, pois a mulher vem
assumindo uma grande parcela da força de trabalho atualmente. Muitas vezes, ela é a
única fonte fixa de rendimento da família, então os custos sociais são de difícil
quantificação, mas são bastante elevados. Além disso, a prevenção do câncer
50
ginecológico é muitas vezes mais barata que o tratamento de um câncer invasivo, que
requer serviço especializado, pessoal altamente qualificado, exames sofisticados,
medicamentos e procedimentos de alto custo (INSTITUTO, 2002a; 2002g; 2003).
O câncer do colo do útero ainda é um problema sério no Brasil, diferentemente
dos países desenvolvidos. De todas as mortes de mulheres por câncer no País em 2003,
na faixa etária de 35 a 49 anos, 16% foram devidas ao câncer do colo do útero. Outro
fato preocupante é que este tipo de patologia, de 1979 a 2000, teve um aumento de
33,1 % no coeficiente específico de mortalidade (INSTITUTO, 2003).
Existe, também, uma grande variação na taxas de incidência nas regiões e
estados, refletindo as desigualdades sociais e a falta, durante muitos anos, de um
programa de prevenção organizado que estimulasse a procura regular e o acesso ao
exame. Epidemiologicamente, onde há maior pobreza as neoplasias cérvico-uterinas
predominam sobre as de mama (INSTITUTO, 2003; 2006b; GUARISI et al., 2004).
O câncer do colo é uma doença crônica que ocorre a partir de mudanças intra-
epiteliais, tem estreita ligação com a infecção pelo Papiloma Vírus Humano (HPV)
transmitido sexualmente. O tempo de evolução até o câncer invasor leva, em média, de
10 a 15 anos. Por esta característica, a detecção precoce, pela realização do exame
citológico, tem sido uma estratégia segura e eficiente para modificar as taxas de
incidência e mortalidade (INSTITUTO, 2000a; 2000b; 2002f).
Quando o rastreamento é realizado dentro dos padrões de qualidade, apresenta
uma boa cobertura para o câncer invasor, 80%, segundo a Organização Mundial da
Saúde (OMS). Se as lesões iniciais são tratadas, a redução da taxa de câncer cervical
invasor pode chegar a 90%. Por isso, a implementação de exames colpocitológicos
periódicos, com a freqüência estabelecida pelo resultado dos exames anteriores, deve
ser priorizada (INSTITUTO, 2000a; 2000b; 2002f; 2006b).
O Instituto Nacional de Câncer divulgou um estudo que comparou a citologia
convencional (Exame de Papanicolau) com cinco estratégias de rastreamento. “A
análise econômica mostrou que o teste de Papanicolaou foi o que apresentou a melhor
razão custo-efetividade entre as estratégias analisadas” (INSTITUTO, 2006a, p.2).
51
O câncer de mama, seguindo o padrão mundial, é a segunda neoplasia com
maior incidência de casos por 100.000 habitantes e maior mortalidade na população
feminina brasileira. No período de 1979 a 2000, houve um aumento de 80,3 % na taxa
de mortalidade pela patologia. Sua distribuição geográfica no Brasil, como no câncer
do colo, não é uniforme entre as regiões e estados. Em 2006, as maiores estimativas
são para as Regiões Sudeste, 71 novos casos por 100.000 mulheres, e Sul, 69 novos
casos por 100.000 mulheres (INSTITUTO, 2003; 2005).
Ele se apresenta, geralmente, como um nódulo na mama que leva cerca de seis a
oito anos para atingir um centímetro de diâmetro. O tumor mamário mais comum é o
Carcinoma Ductal Infiltrante (CDI) e as primeiras metástases aparecem, com
freqüência, nos gânglios linfáticos axilares. O tumor pode ser palpável ou pode
aparecer como microcalcificações agrupadas, distorções do parênquima mamário,
neodensidade localizada ou presença de tumores de tamanhos variados, que por conta
do tamanho da mama, são impalpáveis (INSTITUTO, 2001).
Qualquer mulher pode vir a ter câncer de mama, mas existem fatores de risco
que aumentam a probabilidade de a patologia aparecer. Dentre estes, o fator familiar
(mais aceito cientificamente), os clínicos, os hormonais e reprodutivos, os nutricionais
e os fatores ambientais. Por isso, a maioria dos esforços no controle da doença tem
sido na direção de detecção precoce de tumores pequenos, para o possível tratamento
na fase inicial. Na Europa, a sobrevida cumulativa é de 91 % após 1 ano e de 65 %
após 5 anos (INSTITUTO, 2002d; 2002e; 2003; 2005).
No Brasil, 60 % dos tumores são diagnosticados em estádio III ou IV, sendo
que cerca de 80% deles são descobertos incidentalmente pela mulher, por isso,
continua sendo considerado importante para a descoberta da doença o auto-exame
mensal das mamas (AEM), o exame clínico das mamas nas consultas ginecológicas e
de prevenção e a mamografia acima de 45–50 anos (INSTITUTO, 2002e; 2003).
O tratamento clássico para o câncer de mama é a retirada cirúrgica do tumor, do
quadrante da mama comprometido ou da mama inteira, mastectomia total, juntamente
com os gânglios linfáticos axilares próximos à mama afetada, seguida de
quimioterapia e radioterapia. Entretanto, a doença, além dos efeitos patológicos sobre
52
a mulher, ocasiona transtornos psico-emocionais, prejudicando a auto-estima, a
sexualidade e o relacionamento conjugal, familiar e social. Atualmente, tem sido dada
muita importância aos resultados estéticos no tratamento, com técnicas cirúrgicas que
permitem a preservação ou reconstrução do órgão, possibilitando melhor recuperação
física e emocional (INSTITUTO, 2002e).
Para compreender a situação do câncer ginecológico em Santa Catarina, analisei
os dados disponíveis nos bancos de dados do Ministério da Saúde (BRASIL, 2005b) e
da Secretaria Estadual de Saúde de Santa Catarina. Eles apontam que houve, nos
últimos anos, um grande esforço para a ampliação da cobertura de exames preventivos
de colo uterino nos serviços públicos de saúde. Entretanto, a cobertura alcançada ainda
é baixa, em média 20,18% no ano de 2005, e não tem sido suficiente para modificar
substancialmente o coeficiente de mortalidade (TAVARES, PRADO, 2006).
Os dados disponíveis no Sistema de Informações em Saúde (BRASIL, 2002b)
permitiram o cálculo dos coeficientes de mortalidade por câncer de colo, no Estado de
Santa Catarina, na Região Sul e no Brasil, no período de 2000 a 2003. Em Santa
Catarina ele variou, em média, de 15,69 a 12,72 por 100.000 mulheres nos anos
analisados e comparando-os com os encontrados na Região e no País foi possível
observar que o Estado apresentou uma tendência de declínio nos coeficientes e se
manteve abaixo daqueles encontrados na Região Sul (TAVARES, PRADO, 2006).
Todas as Regionais de Saúde do Estado tiveram um aumento significativo no
número de coletas realizadas, entretanto os dados indicam que problemas gerenciais e
técnicos têm dificultado a ampliação e melhoria na qualidade dos serviços ofertados e
a diminuição dos índices de morbimortalidade por câncer de colo do útero
(TAVARES, PRADO, 2006).
Os dados levantados nessa pesquisa (TAVARES, PRADO, 2006) indicam que
os problemas na leitura das lâminas foram elevados, em média de 34,54% no ano de
2004, predominando, como causas, ausência de células cervicais, esfregaço purulento
e esfregaço com áreas espessas. Estas causas podem ser explicadas por erros na técnica
de coleta e pelas condições clínicas das mulheres que foram submetidas à coleta de
CCO, já que a maioria dos resultados indicava processos inflamatórios.
53
Os problemas gerenciais, encontrados nos dados de 2004 que analisei, e que
podem estar associados à manutenção de um perfil epidemiológico para o câncer de
colo uterino desfavorável no Estado, foram: baixa produtividade nos serviços, em
média 20 exames de CCO por mês por unidade de coleta; concentração de unidades de
coleta nos Municípios Sede das Regionais de Saúde, em percentuais que chegaram até
a 75%; grandes diferenças populacionais, territoriais, no número de municípios das
Regionais e na relação entre serviços disponíveis e população a ser atendida; dados
subestimados por provável deficiência no registro das informações (TAVARES,
PRADO, 2006).
Os dados sobre o monitoramento da população de risco e o diagnóstico precoce
de tumores na mama no Estado não estavam disponíveis nos bancos de dados
consultados. Só encontrei os dados sobre mortalidade por câncer de mama (BRASIL,
2002b), no período de 1999 a 2001, que apontaram coeficientes, entre 26 e 28 por
100.000 mulheres, e sem tendência evidente de diminuição, indicando a necessidade
de reestruturação do trabalho assistencial.
3.2.2 A implementação de políticas públicas
Em
1997, o Ministério da Saúde lançou o Programa Nacional de Controle do
Câncer do Colo do Útero e de Mama - Viva Mulher, com o objetivo de reduzir,
substancialmente, o número de mortes causadas pelo câncer de colo e de mama,
através de um acesso mais efetivo ao diagnóstico precoce, pelo exame de Papanicolau
e exame clínico das mamas, além de disponibilizar tratamento adequado para as
mulheres que apresentassem tumores (BRASIL, 1998; INSTITUTO, 2002g).
O Programa iniciou com um Projeto Piloto, passou por uma Fase de
Intensificação, em 1998, e pelas Fases de Consolidação I (1999) e II (2002). Na Fase
de Intensificação, o foco foi a sensibilização da sociedade pelos meios de
comunicação, a estruturação da rede assistencial nos estados e o cadastramento dos
exames realizados no Sistema de Informação do Câncer do Colo do Útero
(SISCOLO). O processo de descentralização do Programa foi iniciado, com
54
padronização de normas, estabelecimento de condutas e revisão dos valores pagos
pelos procedimentos financiados pelo Sistema Único de Saúde (BRASIL, 1998).
Na Fase de Consolidação, foram estabelecidas diretrizes para sistematizar as
formas de atuação. A avaliação quantitativa do Programa, nesta fase, evidenciou o
aumento do número de exames citopatológicos realizados e a redução no percentual de
amostras insatisfatórias, mas os percentuais de exames com alteração e o grau de
comprometimento deles permaneceu em patamares semelhantes. O Ministério
identificou, entre outras, a necessidade de supervisão técnica rotineira das Secretarias
Estaduais de Saúde, a melhoria no fluxo de informações, a introdução da taxa de
cobertura da população feminina pelo exame citopatológico, entre os indicadores da
atenção básica, e a ampliação da capacitação dos recursos humanos (INSTITUTO,
2002g).
As campanhas governamentais, de diagnóstico precoce do câncer do colo
uterino e de mama, levaram as mulheres a procurar os serviços de saúde,
principalmente no período em que a campanha estava sendo divulgada. Entretanto,
esta conscientização de que o exame preventivo de câncer é um exame que se faz de
modo sistemático, parece que ainda não está evidente. Várias mulheres o percebem
como uma assistência prestada esporadicamente (KLINGERMAN, 1999).
Um trabalho de pesquisa no México identificou a necessidade de implementar
atividades educativas sobre a importância do exame de CCO nos Programas de
Prevenção de Câncer, pois as mulheres em idade fértil daquele país, geralmente,
submetem-se ao exame de forma oportunista (PÉREZ et al., 2003).
Lopes e Souza (1997) identificaram que o exame ginecológico é uma situação
conflituosa que a mulher vive e que pode levar a um descompromisso com o seu
cuidado em atividades de caráter preventivo. No estudo que desenvolveram,
emergiram como aspectos restritivos ao exame:
- a vergonha e insegurança da nudez, pela horizontalidade da mesa de exames,
pelo desconhecimento do corpo e das terminologias utilizadas pelos
profissionais de saúde;
55
- o desconforto pelo uso do instrumental, pela cobrança dos profissionais que
permaneça relaxada, pelo anonimato;
- a ameaça e temor de sentir dor, da situação vexatória do exame que envolve a
sua genitalidade e sexualidade, do resultado do exame;
- a possibilidade de atendimento desumanizado por parte dos profissionais de
saúde durante a assistência.
Outra situação que minha experiência no atendimento demonstrou foi que as
mulheres procuram o atendimento ginecológico por terem uma queixa, geralmente
associada a um processo inflamatório genital com corrimento. Para elas, o exame
especular e a coleta do material para citologia são somente para verificar a causa da
queixa. Não há uma vinculação clara do atendimento com o exame preventivo de
câncer, principalmente quando já é prescrita alguma terapêutica. Assim, muitas delas
nem voltam para buscar o resultado do exame.
Além disso, tenho observado, com preocupação, que o exame das mamas
dificilmente é realizado na consulta ginecológica de demanda, nos serviços básicos de
saúde. Para as mulheres, o exame ginecológico é somente o relato das queixas para o
profissional médico, o exame especular ou a coleta de citologia. A maioria das
mulheres que atendi na Rede Básica de Saúde informou que era a primeira vez que
uma profissional de saúde examinava suas mamas.
Na minha atuação profissional, constatei que muitas mulheres referem nunca
terem sido orientadas sobre o auto-exame das mamas (AEM) ou tomado contato com o
assunto, antes ou durante as consultas. Para as que receberam alguma orientação, ela
foi dada sem a discriminação das etapas do exame e sem o esclarecimento de dúvidas.
O AEM era compreendido, então, como tocar e palpar as mamas de modo
assistemático, desconhecendo as etapas de inspeção e de expressão.
As campanhas de rastreamento das patologias que aconteceram foram
importantes, pois acabaram ressaltando a visão de prevenção do câncer, mas o ideal
seria um trabalho regular, sistematizado, com pessoal qualificado que valorize, além
do exame, a educação e a divulgação da prevenção, atingindo, assim, maior número de
mulheres. O próprio Ministério da Saúde (BRASIL, 1998) reconhece que há carência
56
de uma rede de atendimento hierarquizada. As articulações entre as instituições ainda
não estão evidentes, faltando pactuar compromissos na integração do sistema de saúde,
evitando a descontinuidade e ineficiência das ações.
Serrano (2002), ao avaliar o Programa Viva Mulher em Santa Catarina no ano
2000, afirmou que existia uma carência na organização do Sistema de Saúde do
Estado. Identificou distribuição desigual na oferta de serviços, sistema de referência
que não assegura o acesso ao atendimento nem supre as necessidades da população de
cada região. Constatou que a distribuição dos serviços de prevenção, diagnóstico e
tratamento do câncer ginecológico predominava no litoral, refletindo a concentração
histórica do poder político.
A autora, ao levantar os indicadores propostos para a avaliação do Programa,
identificou que eles estavam abaixo dos padrões esperados e que os acertos e
desacertos em abordar a questão apontavam para a necessidade de rever as práticas, de
modo a permitir o acesso à saúde como direito de cidadania.
Nos últimos anos, a Secretaria Estadual de Saúde de Santa Catarina vem
desenvolvendo, no Programa Viva Mulher, atividades de supervisão das Regionais de
Saúde, capacitações no Programa SISCOLO, estabelecimento de parcerias para
implementar a divulgação do Programa e de ações de promoção da saúde, implantação
do Programa de Controle de Qualidade nos laboratórios, divulgação do Programa em
setores organizados da sociedade, promoção e divulgação da temática na mídia em
dias comemorativos e implementação de parcerias com as Secretarias Municipais de
Saúde (SANTA CATARINA, 2004).
Fica evidente nos relatórios de avaliação, porém, que existem algumas
dificuldades técnicas e políticas que diminuem o ritmo de implementação das ações.
Dentre elas, estão descritas dificuldade de comunicação entre a Secretaria e os
parceiros municipais, falta de recursos humanos e de apoio logístico, morosidade
burocrática e a extensão numérica de municípios e regionais no Estado.
Ao realizar uma análise epidemiológica retrospectiva sobre prevenção de câncer
ginecológico no Estado, em 2004, pude identificar baixa cobertura da população
feminina na realização da colpocitologia oncótica (CCO), baixa produtividade de
57
exames por unidade de coleta, concentração de unidades de coleta nos municípios sede
das Regionais de Saúde, elevado número de exames citológicos com limitação,
elevado número de citologias com resultado “inflamatório”, falta de informações sobre
rastreamento do câncer de mama, elevado coeficiente de mortalidade por câncer de
mama e pequena modificação no coeficiente de mortalidade por câncer de colo, apesar
da grande ampliação na oferta de exames de CCO (TAVARES, PRADO, 2006).
São necessárias, então, a valorização e o reforço de ações de promoção da
saúde, ampliação da cobertura da prevenção do câncer ginecológico para a redução do
risco de sua ocorrência, mobilização e empoderamento da população feminina na
busca do seu direito à saúde.
58
CAPITULO 4
4 A BASE METODOLÓGICA
4.1 O método de investigação
Neste estudo, trabalhei numa abordagem qualitativa, com a análise do
problema na perspectiva do Materialismo Histórico e Dialético. A escolha deste
caminho deveu-se à compreensão de que buscar o conhecimento numa perspectiva
histórica, cercando o objeto de estudo com a compreensão de todas as suas mediações
e correlações, constitui rica possibilidade para a possível explicação de fenômenos
sociais (MINAYO, 1994).
Enquanto o materialismo histórico representa o caminho teórico que aponta
a dinâmica do real na sociedade, a dialética refere-se ao método de
abordagem deste real. Esforça-se para entender o processo histórico em seu
dinamismo, provisoriedade e transformação (MINAYO, 1994, p. 65).
O método dialético e a teoria do materialismo histórico, dependendo da forma
como são utilizados, podem ser instrumentos adequados para o trabalho científico e
para a transformação social. A dialética é meio de transformação do conhecimento real
pela análise crítica do concreto. A demonstração da verdade, bem como a sua
descoberta, realiza-se segundo as leis inerentes ao mundo objetivo. A demonstração da
verdade é indissolúvel do processo de sua obtenção. Para proporcionar validade em
qualquer construção teórica, é necessário mostrar o caminho pelo qual o nosso
pensamento chegou até ela, analisar o material factual, as leis e formas de sua
elaboração e o método de construção da teoria (KOPNIN, 1978).
O processo de obtenção da verdade, ainda que provisória, não pode ser
representado sob uma forma em que ela seria inicialmente descoberta e depois
demonstrada. O processo de descoberta compreende também o processo de
59
demonstração. Este processo, geralmente, compreende a refutação de uma verdade
anteriormente existente (KOPNIN, 1978).
A hipótese fundamental [...] é de que nada existe de eterno, fixo e absoluto.
Portanto não há nem idéias, nem instituições e nem categorias estáticas.
Toda vida humana é social e está sujeita a mudança, a transformação, é
perecível e por isso toda construção social é histórica (MINAYO, 1994,
p.67-68).
Para a compreensão do objeto, quando se utiliza o método dialético, significa
que metodologicamente é necessário:
- resgatar os fenômenos em suas relações que são contraditórias e determinar o
movimento do real;
- compreender as diferenças numa unidade ou totalidade parcial, entendendo as
determinações essenciais e as condições e efeitos de sua manifestação;
- analisar a gênese e o desenvolvimento do objeto em sua trajetória histórica e factual,
desmascarando os fatos, revelando a sua essência, ultrapassando o plano da aparência,
numa relação entre o passado e o presente, o antes e o daqui a pouco;
- buscar as conexões internas, os nexos que explicam os fenômenos, refletindo o
particular, sempre tendo em vista o geral e o todo. O objeto não pode ser estudado nele
mesmo, é preciso levar em conta que ele está em constante relação com o todo, com a
sociedade, em mútua e permanente complementaridade e determinação (MINAYO,
1994; NOGUEIRA, GELBECKE, 2000).
Leopardi (2001) explica que o processo de investigação dialética inicia-se com
um inventário provisório, para delinear o problema, os objetivos e a direção da
investigação. O pesquisador identifica as contradições ou conflitos em relação ao
objeto pesquisado, de maneira que o seu movimento é de ir à raiz do problema, para
desvendar as condições do seu aparecimento.
Como segundo passo, o pesquisador faz o resgate crítico do conhecimento
produzido sobre o tema e, assim, tenta identificar possibilidades de análise e indicar
premissas de como avançar nesse conhecimento. A seguir, avalia conceitos e
categorias que possam auxiliar na organização dos dados obtidos na investigação,
facilitando a decisão sobre as questões prioritárias que devem ser aprofundadas. A
60
retomada da discussão teórica, nesse momento do estudo, é importante para comparar
os dados e desafiar o próprio pensamento, para não imprimir, nos resultados,
preconceitos e ideologias.
Com os dados levantados e analisados, o pesquisador estabelece as conexões
entre o objeto de estudo e a totalidade, evidenciando mediações e contradições, entre a
parte e o todo, para identificar determinações do problema. Desse modo, tenta sair da
aparência e ir para a essência do fenômeno estudado. Ao final do processo de
investigação, o concreto aparece como síntese e como resultado de múltiplas
determinações que explicam o fenômeno como ele é e discute as implicações para uma
ação que possa promover as transformações desejáveis socialmente.
Uma pesquisa na perspectiva do Materialismo Histórico e Dialético é aquela
que busca justiça social, construção da cidadania, autonomia e liberdade dos sujeitos,
através de uma postura ética e crítica, no sentido de encontrar os caminhos mais
verdadeiros e próximos da realidade, identificando seus elementos contraditórios, para
subsidiar as bases das mudanças necessárias (LEOPARDI, 2001).
Além deste processo qualitativo, para ilustrar a realidade da prevenção do
câncer ginecológico no município estudado, lancei mão de métodos quantitativos para
a análise epidemiológica, sem constituí-los como foco do estudo.
4.2 O local e os sujeitos da pesquisa
Na definição do local onde poderia desenvolver este estudo, tomei como base o
levantamento epidemiológico retrospectivo que realizei, em 2004, sobre a prevenção
do câncer ginecológico em Santa Catarina (TAVARES, PRADO, 2006). A análise dos
dados indicou que várias regiões não apresentavam bons indicadores de assistência
preventiva para o câncer ginecológico. Dentre elas, optei em trabalhar com um
município de médio porte, situado próximo à capital do Estado, onde poderia fazer a
investigação na totalidade de suas unidades sanitárias.
Acredito que um estudo detalhado do Município “A” auxiliará na compreensão
dos limites e possibilidades da prevenção do câncer ginecológico, podendo ser
61
significativo, também, para a compreensão das atividades que são desenvolvidas em
outros municípios do Estado.
O Município “A”, no ano de 2004, teve uma população feminina estimada em
72.151 mulheres, com idade acima de 15 anos (BRASIL, 2005b). A sua Rede Básica
Municipal de Saúde é composta por uma Policlínica e dezoito Centros de Saúde, onde
estão implantadas 40 Equipes de Saúde da Família, também responsáveis pela
assistência à mulher. No entanto, nos primeiros oito meses do ano de 2004, as coletas
de citologia, para rastreamento de lesões precursoras de câncer do colo uterino,
alcançaram somente 18,34% desta população feminina.
Na definição dos sujeitos da pesquisa, optei em compor o grupo de participantes
com enfermeiras(os) que atuassem nas Equipes de Saúde da Família das dezenove
unidades sanitárias do Município. Dessa forma, poderia contar com um grupo
homogêneo de profissionais, que vivenciam regimes de trabalho, experiências
profissionais e diretrizes administrativas semelhantes.
Escolhi estudar a temática da pesquisa com as(os) enfermeiras(os), por entender
que atuam, dentro de sua competência técnico-profissional, junto às comunidades.
Assim, em sua atividade profissional, têm possibilidade de prestar assistência,
promover atividades de educação para a saúde, interagir com instituições e lideranças
comunitárias, estimular a mobilização e a organização das mulheres.
No Programa, estes profissionais, além de prestarem assistência direta nas
unidades básicas e no domicílio, são responsáveis pelo gerenciamento da unidade e
organização das rotinas de trabalho da instituição, assim como pela supervisão e
capacitação das Auxiliares de Enfermagem e Agentes Comunitários de Saúde
(BRASIL, 2000).
Acredito que uma modificação ou ampliação nas atividades, que este
profissional desenvolve ou que estão sob a sua responsabilidade e supervisão, poderá
fazer grande diferença na cobertura da prevenção do câncer ginecológico e nos seus
índices de morbimortalidade na região.
62
4.3 O percurso metodológico
Residindo há pouco tempo em Santa Catarina, decidi, ainda no período de
disciplinas do doutorado, conhecer alguns serviços de saúde e o desenvolvimento do
Programa de Prevenção do Câncer Ginecológico. Para isto, cursei a Disciplina de
Estágio de Docência, supervisionando alunos de graduação em unidades básicas, e fiz
uma aproximação com a Coordenação do Programa Viva Mulher, da Secretaria
Estadual de Saúde (SES), para apresentar uma proposta de estudo independente sobre
a prevenção do câncer ginecológico, por meio de um levantamento epidemiológico
(TAVARES, PRADO, 2006).
A proposta do estudo independente foi aceita na SES e desenvolvida. O
resultado foi apresentado às Coordenadoras do Programa no Estado, como uma
contribuição para o trabalho da Equipe Técnica. Este estudo proporcionou, além da
visão sobre as regiões do Estado, uma interação com os técnicos da SES,
oportunizando que fosse convidada para participar de um processo de capacitação
gerencial para profissionais dos municípios do interior.
No final de 2004, fui convidada para participar de uma capacitação, que iria
acontecer no Município “A”, pois eu já havia exposto o interesse em desenvolver lá a
pesquisa da tese de doutorado. Durante as atividades, fui apresentada aos profissionais
responsáveis pelo Programa na Regional de Saúde, no Município e no Laboratório de
Citologia. Pude, então, expor o interesse e marcar uma reunião para tomar
conhecimento dos trâmites necessários ao desenvolvimento do estudo.
Em fevereiro de 2005, após a mudança do Governo Municipal, apresentei o
projeto de pesquisa e os documentos exigidos pelo Comitê de Ética, para serem
apreciados pelo Secretário Municipal de Saúde, pelo Coordenador da Área de Saúde
da Mulher e pelo Coordenador da Atenção Básica. O termo de aceite foi devolvido no
início de março de 2005 e, após a aprovação do projeto de pesquisa no Comitê de
Ética (em anexo), iniciei o contato com os serviços e a coleta de dados nas dezenove
unidades sanitárias.
63
4.3.1 A coleta de dados
Para o desenvolvimento da pesquisa, decidi coletar os dados utilizando quatro
diferentes estratégias, com a finalidade de obter informações mais sólidas e
compreender o fenômeno em toda a sua complexidade e, ainda, com a triangulação,
poder validar os dados.
Como primeira estratégia, realizei uma análise documental, através do
levantamento e avaliação epidemiológica do Município, com os dados brutos
disponíveis no Sistema de Informações em Saúde e Programa Viva Mulher do
Ministério da Saúde (BRASIL, 2005a; 2005b).
Para complementar os dados documentais, fiz uma aproximação com a
Secretária Municipal de Saúde, buscando conhecer as diretrizes estabelecidas pela
Coordenação Local do Programa e levantar informações sobre a prevenção do câncer
ginecológico disponíveis em seus arquivos.
Em continuidade à primeira etapa da coleta de dados, realizei observações nas
Unidades Básicas do Município “A”. Na primeira visita, fui conhecer a localização de
cada Centro de Saúde, os responsáveis pelas Unidades e as enfermeiras do PSF,
acompanhada pela enfermeira da Equipe Técnica de Saúde da Mulher do Município.
Em quinze unidades, foi possível contar com a presença dela nas visitas. Nas quatro
unidades restantes, ela manteve contato telefônico falando sobre o meu trabalho e
marcando um horário para a minha visita.
A segunda visita foi realizada, após agendar o encontro com um(a) dos(as)
enfermeiros(as), para que pudesse conhecer a estrutura física do serviço, a sua
organização, os profissionais envolvidos, as atividades desenvolvidas, os horários de
funcionamento e o acesso das mulheres ao exame preventivo.
Nessa oportunidade, como permaneci mais tempo nas unidades, aproveitei para
interagir com as(os) profissionais e, durante o contato pessoal, para convidá-las(los) a
participarem da pesquisa, agendando o dia e o horário para a observação do
atendimento e, posteriormente, para a entrevista. As(os) enfermeiras(os) com as quais
mantive o primeiro contato aceitaram participar do estudo, exceto duas que não
puderam, pois estavam saindo ou sendo transferidas do centro de saúde.
64
A terceira visita em cada uma das unidades foi marcada em horário de
atendimento e permaneci, por algumas horas, acompanhando a assistência prestada.
Nem sempre com a(o) enfermeira(o) com a(o) qual havia mantido contato
anteriormente, mas, sim, com a funcionária responsável pelo atendimento no setor.
Para seguir o rigor metodológico durante a observação sistematizada do
atendimento, foram seguidas as premissas de estar atenta
, sem desviar a atenção para
eventos que não estivessem relacionados com a questão de pesquisa; ser precisa
,
descrevendo de forma objetiva os detalhes sobre a situação observada procurando não
expressar opinião ou emitir críticas; ser exata e completa
, anotando o fato como ele
aconteceu, onde, quando, quem e como participou; ser sucessiva e metódica
,
utilizando um instrumento de observação para que houvesse ordem e sucessão no
relato (LEOPARDI, 2001).
Através da observação, entrei em contato direto com a assistência tal como ela
estava acontecendo, sem nenhum tipo de intermediação, sendo possível registrar
imediatamente os dados, utilizando um formulário (Apêndice A), para facilitar e focar
a minha observação nos aspectos relacionados aos objetivos do estudo e fazer o relato
cursivo dos fatos. Este contato foi bem interessante, sendo possível observar diferentes
fatores envolvidos no atendimento e interagir com profissionais e mulheres.
Inicialmente, explicava o trabalho que estava fazendo e solicitava a anuência
da(o) profissional e da mulher para permanecer na sala durante o atendimento e só
permanecia após o consentimento. Mesmo assim, a minha presença causou, num
primeiro momento, um pouco de constrangimento para as envolvidas, mas procurei
colocar-me como uma profissional que estava à disposição para qualquer ajuda. Com
isso, fui bem recebida e aceita por todas, exceto em uma unidade, onde houve
problema de comunicação e a servidora não quis aceitar minha presença antes de falar
com suas chefes, certificando-se que eu tinha autorização para estar fazendo o
acompanhamento.
Ainda que adequada sua atitude, pois não havia sido avisada, esta situação
inicial foi percebida pelas mulheres que tiveram resistência à minha presença. Por isto,
65
nesta unidade, só pude acompanhar um exame, além de coletar dados dos livros e das
fichas de atendimento.
Em quatro unidades não foi possível fazer a observação do atendimento,
porque, no período da coleta, o setor de prevenção de câncer não estava funcionando.
Em duas delas por falta de funcionário, uma por falta de material e outra em razão da
reforma do prédio.
As etapas de observação e de entrevista aconteceram de março a junho de 2005,
entretanto não consegui agendar um horário para a observação destas unidades. Por
isso, considerei que seria melhor abdicar dessas observações e realizar somente as
entrevistas, para não prejudicar o andamento do trabalho, além de o material coletado
trazer informações consistentes sobre o atendimento na área de prevenção.
Como segunda etapa da coleta de dados, realizei entrevista em cada uma das
dezenove Unidades Básicas do Município, no período de maio a julho de 2005, com
um(a) enfermeiro(a) de uma das Equipes de Saúde da Família que aceitasse participar
do estudo e que atuasse na Unidade pesquisada. Como a grande maioria dos
entrevistados foi composta por mulheres, os participantes do trabalho serão referidos,
sempre, no gênero feminino.
As entrevistas ocorreram sempre na unidade de atuação da enfermeira, em sala
reservada e por um período que variou entre 30 e 90 minutos. Elas foram agendadas
com antecedência, em contato pessoal, no horário escolhido pela profissional.
Estabeleci, no método de coleta de dados, que a entrevista só ocorreria após ter
realizado a observação sistemática do atendimento na unidade, para que eu pudesse
compreender as informações que as entrevistadas estavam repassando e associá-las à
realidade encontrada.
A primeira parte do roteiro de entrevista semi-estruturado (Apêndice B)
continha perguntas gerais para caracterização dos sujeitos da pesquisa e do seu
envolvimento com ações de prevenção do câncer ginecológico. A segunda parte do
roteiro continha perguntas relacionadas a um dos objetivos desta pesquisa, ou seja,
determinar os limites e as possibilidades do desenvolvimento de ações de promoção à
66
saúde e de prevenção do câncer ginecológico em Unidades Básicas de Saúde do
Município.
Com este instrumento, pretendi realizar a entrevista de modo a obter respostas
sobre o assunto, que pudessem ser analisadas, também, em conjunto. Para ampliar o
enfoque dado nas respostas das enfermeiras entrevistadas, as perguntas indicavam que
as dificuldades, as facilidades e as proposições deveriam abranger aspectos
relacionados à unidade básica onde cada uma trabalha, ao Município “A” e, também,
com relação à sua atuação e à atuação da equipe com quem trabalha. Desta forma,
busquei estimular a análise das enfermeiras sobre o seu micro e macro espaço de
atuação, sobre a sua individualidade e sobre o coletivo com o qual convivem.
Como terceira etapa da coleta de dados, realizei quatro reuniões, com as
enfermeiras entrevistadas nas unidades básicas, no período entre 30 de agosto e 23 de
novembro de 2005, utilizando a estratégia de Grupo Focal. A orientadora desta
pesquisa participou como observadora de duas reuniões do Grupo, a primeira e a
terceira.
O Grupo Focal é uma forma de coletar dados diretamente de um grupo em torno
de um tema coletivo, fundamentado na discursividade e interação dos participantes, e
pressupõe a construção do conhecimento na tradição dialética, em espaços de
intersubjetividade. É conduzido em um ambiente natural, no qual as participantes se
influenciam mutuamente e a moderadora facilita e focaliza as discussões, ouvindo,
observando e coletando as informações. Trata-se de um fórum para reflexão e busca de
soluções inovadoras relacionadas a uma determinada situação. Cria um processo no
qual grupos podem visualizar e definir a complexidade dos problemas e as soluções
(KREUGER, 1988; STEWARD, SHAMDASANI, 1990; LEOPARDI, 2001; KIND,
2004).
A opção pelo uso da técnica de Grupo Focal, neste estudo, foi para direcionar a
discussão de forma mais aprofundada com todo o grupo, admitindo que o pensar
coletivo de forma dinâmica favorece o processo de integração das participantes e
possibilita a observação de semelhanças e controvérsias, além de facilitar o
envolvimento das participantes no processo de reflexão e de mudança. Assim, é
67
possível propor atividades de prevenção para o câncer ginecológico, de forma viável
para a realidade do Município e de suas diferentes comunidades.
As reuniões do Grupo Focal aconteceram sempre na Sala de Educação em
Saúde da Policlínica do Município “A”, por ser um local central, facilitando o
deslocamento de todas as participantes e por ter o espaço e a estrutura necessária para
a realização dos trabalhos.
As reuniões foram agendadas em intervalos de um mês e aconteceram em
comum acordo com os membros do Grupo, no horário das 14 às 16 horas, trazendo
menor transtorno na dinâmica de atendimento das profissionais nas unidades básicas.
Para que as enfermeiras não tivessem problemas administrativos, ao se afastarem dos
locais de trabalho para a reunião, elaborei uma carta convite, assinada por mim e pela
Coordenadora Municipal do PSF ou da Saúde da Mulher, que era entregue com
antecedência mínima de 15 dias, para que todas conseguissem remarcar as suas
agendas de trabalho.
Seguindo a metodologia, com as fases propostas por Kind (2004) para o
funcionamento de grupos focais, e visando sistematizar as discussões, preparei um
roteiro para cada reunião do Grupo, que contemplasse as seguintes etapas: motivação
,
reflexão e debate sobre a prevenção do câncer
ginecológico, reflexão e debate sobre o
processo de trabalho em saúde e na enfermagem e síntese com as propostas do Grupo
sobre a temática. Este roteiro era preparado antes de cada reunião, levando em
consideração as discussões da reunião anterior, os temas e os questionamentos
expressos pelas participantes.
Visando auxiliar as participantes a se concentrarem, refletir e assumir uma
posição sobre o assunto de uma forma mais prazerosa, privilegiei o lúdico nas
dinâmicas grupais utilizadas. A princípio pareciam brincadeiras, mas, ao final de cada
dinâmica, o grupo havia discutido o assunto de modo a auxiliar na análise dos
problemas elencados.
Para melhor compreensão passo a elencar as atividades que foram propostas
para cada reunião do Grupo Focal. A primeira reunião (Apêndice C) foi planejada
contemplando as seguintes atividades:
68
a) Objetivos da Pesquisa – explico para o Grupo os objetivos do trabalho e peço a
participação de todas nas atividades, deixando claro a liberdade de participação de
cada uma e pedindo permissão para gravar os trabalhos;
b) Identidade do Grupo
- cada enfermeira é apresentada utilizando durante a dinâmica
a luz de uma vela para destacar a participante que está no centro das atenções, assim as
participantes podem perceber afinidades e iniciar uma identificação com o grupo;
c) O que eu penso do preventivo
- reflexão sobre a percepção que as enfermeiras
participantes do estudo têm sobre o preventivo, antes de iniciarmos o trabalho com o
Grupo Focal, para estabelecer a ligação com o assunto estudado;
d) Dados identificados
- apresentação da primeira análise dos dados obtidos nas etapas
de análise situacional e de entrevistas. Pretendi que os dados fossem o ponto de partida
e embasamento para as discussões do Grupo e que, diante deles, as enfermeiras
pudessem refletir sobre o seu processo de trabalho e as ações de prevenção do câncer
ginecológico desenvolvidas nos serviços;
e) Temas que deveriam ser aprofundados
– após a reflexão, em 4 subgrupos, as
participantes apresentam propostas de temas e prioridades para serem discutidas nas
próximas reuniões.
A necessidade expressa pelas participantes na primeira reunião foi de uma
proposta de inclusão da discussão sobre o procedimento técnico de coleta de CCO.
Assim, a segunda reunião do Grupo Focal foi planejada (Apêndice D) contemplando
as seguintes atividades:
a) Objetivos da Pesquisa
– explico rapidamente para o Grupo, os objetivos do trabalho
e peço a participação de todas nas atividades;
b) Reapresentação dos Membros
– nova apresentação das participantes para incluir no
Grupo as que não estiveram na reunião anterior;
c) Dúvidas na coleta de CCO
– discuto a coleta de CCO com as participantes,
utilizando moldes esculpidos representando colos com os achados clínicos mais
comuns, para discriminar as etapas do exame e esclarecer as dúvidas existentes;
69
d) Processo de Trabalho em Saúde e na Enfermagem - faço uma breve discussão
teórica sobre os elementos do processo de trabalho para subsidiar a discussão em
grupo;
e) Reflexão e Implementação de estratégias para a prevenção
do câncer nos serviços -
as participantes formam 4 subgrupos para discutir o assunto, analisando e dando sua
opinião sobre pequenos textos distribuídos sobre a temática. Apresentam a síntese dos
grupos e temática para discussão. Para encerrar a reunião, faço a distribuição de um
roteiro (Apêndice E), visando auxiliar na análise e registro de como o trabalho está
sendo realizado nos serviço e quais as propostas sugeridas e implementadas por cada
participante;
A insegurança e retração das participantes nas reuniões foram consideradas para
subsidiar o planejamento da terceira reunião do Grupo Focal (Apêndice F), assim
como a continuidade da discussão sobre os procedimentos técnicos. Por isso, o
planejamento contemplou as seguintes atividades:
a) Objetivos da Pesquisa
– explico rapidamente para o Grupo, os objetivos do trabalho
e peço a participação de todas nas atividades;
b) Relação de Confiança
– inicio os trabalhos com uma dinâmica “relação de
confiança”, para integrar o grupo e propiciar maior participação de todas;
c) Dúvidas no Exame das Mamas
– discuto a técnica e as etapas do exame clínico das
mamas e das orientações para o auto-exame das mamas;
d) Discussão sobre o Processo de Trabalho no Município
– retomo a discussão dos
textos da reunião anterior que ficaram inacabados devido ao horário. O relator de cada
subgrupo apresenta a síntese das reflexões;
e) Reflexão e síntese sobre as propostas de mudanças
– as participantes discutem em
subgrupos os problemas e as propostas de mudança, que foram trazidas pelas
participantes, das experiências nas unidades básicas. Fazem o relato, discutem e ao
final repasso novo roteiro (Apêndice G) para continuarem anotando as propostas de
mudança implementadas nas unidades básicas;
A maneira como as enfermeiras desenvolveram as discussões nas reuniões
anteriores levou-me a supor que esta quarta reunião seria suficiente para encerrar os
70
trabalhos com o Grupo. O planejamento da quarta reunião do Grupo Focal (Apêndice
H) contemplou as seguintes atividades:
a) Motivação
– explico rapidamente porque estamos reunidos, qual o objetivo do
trabalho e sobre a necessidade de participação de todas;
b) A corrida de carros
– as participantes dividem-se em três subgrupos para participar
de uma dinâmica que valoriza e discute o trabalho em equipe. Ao final do jogo todas
discutem, buscando associar a experiência às suas situações de trabalho nas unidades
básicas;
c) Progredindo na discussão sobre mudanças
na prevenção do câncer – as participante
dividem-se em subgrupos para discutir as contribuições que trouxeram, com as
experiências que estão desenvolvendo em suas unidades;
d) Conclusões dos Subgrupos
– as relatoras apresentam a síntese das reflexões no
grupo para a discussão de todas que apontam prioridades e estratégias para a
implementação;
e) Avaliação
– Antes de encerrar a reunião, proponho uma discussão de avaliação do
trabalho no Grupo Focal, buscando qual a contribuição que ele pode dar à prática
profissional de cada participante, para atividades de prevenção do câncer ginecológico,
e quais as limitações que ainda permanecem.
Acreditando que, nesse momento, essa era a possibilidade máxima de reflexão e
contribuição do Grupo, proponho o encerramento das reuniões e coloco-me a
disposição de todas.
Com o término da coleta de dados no Grupo Focal, achei melhor fazer uma
pausa para que pudesse retomá-los, novamente, amadurecida com outras leituras e
experiências. Nesse período, participei da capacitação promovida pela Coordenadoria
de Saúde da Mulher do Município “A”, para as profissionais da área de enfermagem
(enfermeiras, técnicas de enfermagem e auxiliares de enfermagem) que atuam nas
unidades básicas em atividades de prevenção do câncer ginecológico.
Fui convidada para falar, nessa capacitação, sobre os problemas na assistência
preventiva do câncer ginecológico nos centros de saúde do Município, identificados
durante a pesquisa. Aproveitei a oportunidade para cumprir o compromisso que havia
71
assumido com as participantes do estudo, de falar sobre as dificuldades e as
necessidades que foram explicitadas durante as discussões, repassando para a
Coordenação Municipal do Programa uma cópia digital da minha apresentação sobre
os problemas encontrados nas unidades básicas, com relação à prevenção do câncer
ginecológico.
Pouco tempo depois, fui convidada para participar de outra capacitação no
Município, dirigida para as equipes do PSF da unidade básica que é referência
municipal para a assistência ginecológica. Nessa oportunidade, pude explanar, além
das dificuldades encontradas nas unidades, sobre o câncer cérvico-uterino e o objetivo
da prevenção; as diretrizes para realizar uma boa coleta de CCO e as estratégias de
ação para a organização do serviço e sobre o desenvolvimento de uma assistência de
qualidade e a sua avaliação.
A ampliação da minha participação na capacitação e a abordagem mais
detalhada do tema foi motivada pelo interesse despertado sobre a metodologia e as
dinâmicas que utilizei nas discussões do assunto nas reuniões do Grupo Focal,
divulgada pela enfermeira da unidade que participou do estudo.
Para compreender, com mais detalhes, como estava sendo realizada a
assistência às mulheres encaminhadas com achados clínicos nas mamas, entrei em
contato com a mastologista que atua no ambulatório especializado da Policlínica. Fiz
uma aproximação e acompanhei o atendimento prestado no serviço, tendo acesso,
também, aos prontuários e livro de registro dos exames citológicos, feitos com
material obtido por punção com agulha fina (PAF).
Com a observação desta última atividade encerrei a coleta dos dados da
pesquisa. Com a observação das atividades e serviços, o levantamento de dados
epidemiológicos, o levantamento das percepções das enfermeiras participantes do
estudo e as discussões em grupo, foi possível fazer um levantamento abrangente e
detalhado de dados sobre a prevenção do câncer ginecológico no Município “A” e a
atuação das enfermeiras nessa assistência. Procurei resgatar, nesse movimento, o
fenômeno e suas relações, para poder compreender as suas determinações essenciais
72
no contexto histórico e temporal, ultrapassando o plano da aparência e buscando
revelar a sua essência.
4.3.2 Os cuidados éticos
A pesquisa qualitativa tem sido utilizada, na Enfermagem, dirigida às situações
sociais, valorizando a intersubjetividade, enfatizando a participação dos sujeitos
pesquisados e colocando o pesquisador na c
ondição de sujeito. O trabalho validado é
aquele que descobre a verdade de uma determinada realidade através da fidelidade aos
princípios da pesquisa em estudo. Assim, o rigor científico foi um norte perseguido
neste trabalho de investigação, para o estudo ter validade e confiabilidade.
Por envolver seres humanos, a pesquisa atendeu as exigências éticas
explicitadas na Resolução nº196 do Conselho Nacional de Saúde (1996). Foi
encaminhada para análise e aprovação do Comitê de Ética da UFSC (em Anexo),
encaminhada e aprovada na Secretaria Municipal de Saúde e discutida com as
profissionais participantes.
Nesta pesquisa ficaram firmados, entre outros, os seguintes compromissos
éticos: a obtenção do consentimento livre e esclarecido dos envolvidos (Apêndice I); a
ponderação entre riscos e benefícios; a utilização de procedimentos para assegurar a
confidencialidade, privacidade e proteção da imagem; o respeito aos valores culturais,
sociais, morais, religiosos e éticos; o respeito aos hábitos e costumes das participantes;
a garantia do retorno dos dados e benefícios obtidos com a pesquisa para as pessoas
envolvidas.
O trabalho foi apresentado, discutido e devolvido para os Responsáveis
Técnicos da Área de Saúde da Mulher e do Programa de Saúde da Família do
Município, desde a fase inicial do projeto. Durante o desenvolvimento da pesquisa fui
repassando para a Coordenação Municipal do Programa os dados epidemiológicos, os
principais problemas identificados na observação das atividades e uma análise parcial
indicando as áreas e ações que poderiam ser feitas para melhorar a cobertura e a
qualidade da assistência.
73
No final de 2005, relatei os principais problemas encontrados nas Unidades
Básicas do Município, com relação à prevenção do câncer ginecológico, na
capacitação promovida pela Secretaria Municipal, para as profissionais de enfermagem
das unidades básicas envolvidas com a prevenção. Nessa ocasião, repassei as
informações em documento digital para a Coordenação de Saúde da Mulher,
entendendo que o tempo de execução das atividades acadêmicas e de pesquisa é
diferente da dinâmica necessária para os serviços assistenciais.
Para a coleta de dados, convidei enfermeiras que aceitassem participar do
estudo e que trabalhassem no Programa de Saúde da Família do Município “A”. Para
que dados obtidos fossem representativos de todos os serviços municipais e fidedignos
à realidade encontrada, cada Unidade Básica de Saúde foi representada por uma
participante no estudo. Mesmo tendo estabelecido esta diretriz, para a inclusão das
participantes no estudo, as profissionais envolvidas tiveram liberdade para participar,
ou não, de todas as etapas da coleta de dados e de sair do estudo em qualquer tempo.
Em todos os momentos da pesquisa, as profissionais foram informadas sobre o
trabalho desenvolvido, para que fosse executado com a concordância e o envolvimento
de todas. Meus comparecimentos nas unidades, para as visitas, observação das
atividades e entrevistas, foram agendados com as enfermeiras participantes, nos dias
da semana e horários escolhidos por elas, de modo que a minha presença não
perturbasse o desenvolvimento de suas atividades.
Antes de realizar as entrevistas, expliquei detalhadamente os objetivos do
trabalho, solicitei a sua assinatura no termo de consentimento informado e a permissão
para gravar. Para cada entrevistada, garanti que seria preservado o seu anonimato e
esclareci que na entrevista não estava sendo feito nenhum tipo de julgamento pessoal
ou sendo avaliadas as respostas como certas ou erradas.
As entrevistas foram gravadas e, no seu transcorrer, foi necessário solicitar
maiores esclarecimentos sobre uma ou outra afirmativa, repetir alguma fala da
entrevistada buscando a sua compreensão e validação, retomar a questão quando a
entrevistada desviava a sua resposta para outro assunto, dar algumas explicações ou
retomar os objetivos do trabalho, para deixar a entrevistada à vontade e respeitar a sua
74
limitação de reflexão sobre algum dos aspectos. Este processo buscou estabelecer uma
relação de confiança e interação com os sujeitos da pesquisa, baseado em princípios
éticos e de respeito às pessoas.
Para garantir a presença das enfermeiras nas reuniões do Grupo Focal, sem que
houvesse prejuízo em suas atividades profissionais ou qualquer problema funcional
nos serviços, foi encaminhado com antecedência, antes de cada reunião, um convite
assinado por mim e pela Coordenadora Municipal do PSF, contendo o dia e horário em
que seria necessário o seu afastamento da unidade para participar das reuniões.
O relatório final apresenta total transparência e fidelidade às interpretações e
experiências vivenciadas, preserva a essência do discurso das participantes e procura
garantir o anonimato das informantes e das situações encontradas nas observações,
através de nomes fictícios
3
e de colocações genéricas sobre os acontecimentos.
4.3.3 A análise dos dados
A análise dos dados foi realizad
a durante todo o percurso de desenvolvimento
da pesquisa. Os dados identificados em cada etapa da coleta foram analisados, mesmo
que parcialmente, para subsidiar a implementação da etapa seguinte de coleta de dados
e serem validados pelos sujeitos da pesquisa.
Na primeira etapa da pesquisa, as informações do Banco de Dados do
Ministério da Saúde (BRASIL, 2005a; 2005b) permitiram a análise da prevenção de
câncer cérvico-uterino no Município através das variáveis: exames realizados,
adequabilidade das lâminas, identificação de mulheres no primeiro exame preventivo,
cobertura do exame citológico para a população feminina e mortalidade pela patologia.
Com relação ao câncer de mama só foi possível analisar dados sobre a mortalidade.
Os dados epidemiológicos foram selecionados e organizados em séries
históricas, em tabelas e gráficos, para que fosse possível calcular e analisar a
freqüência absoluta e relativa, as tendências das séries, o cálculo da razão média entre
3
Cada enfermeira participante da pesquisa recebeu o nome de uma árvore utilizada na extração de madeira de
lei, por considerar que o trabalho dessas profissionais, apesar de todos os problemas identificados, dá sustentação
para o trabalho dos demais membros das Equipes de Saúde da Família e para o funcionamento das Unidades de
Atenção Básica no Município estudado.
75
as lesões citológicas de baixo e alto grau, os coeficientes de mortalidade e a cobertura
de exames de CCO em relação à população das áreas atendidas pelas unidades básicas
de saúde (KERR-PONTES, ROUQUAYROL, 1999; PEREIRA M, 2002).
Junto à Coordenadoria Municipal do Programa de Saúde da Família obtive
dados sobre a distribuição e localização das equipes de PSF, o número e as
características demográficas da população cadastrada por cada equipe. Com estes
dados foi possível calcular a abrangência do Programa no Município, a diferença entre
a população cadastrada e a estimada pelo IBGE, formando a base para os cálculos de
cobertura da população de cada área.
A Coordenadoria Municipal do Programa de Saúde da Mulher tinha iniciado o
seu trabalho há pouco tempo, por isso estava revendo as normatizações técnicas
existentes. Os dados disponíveis sobre a prevenção do câncer ginecológico estavam
contidos nos mapas de produção de cada unidade básica. Entretanto, alguns desses
mapas apresentavam problemas, pois estavam preenchidos de forma incompleta ou
incorreta, por isso tive que abrir mão desta fonte e buscar as informações sobre o
número de coleta de CCO por Unidade Básica no Laboratório de Citologia e nos livros
de registro das unidades. Foi possível calcular, então, a cobertura de exames
realizados, na população feminina cadastrada na área de abrangência de cada unidade
sanitária, a produtividade mensal em cada unidade e as áreas do Município que
apresentavam maior déficit de cobertura.
Os dados obtidos nas observações de cada unidade foram analisados em
quadros comparativos da infraestrutura encontrada, das atividades desenvolvidas pelos
componentes da equipe de saúde e da capacidade instalada para o atendimento
preventivo. As observações das atividades foram digitadas e analisadas, destacando,
das descrições, os fatores relevantes do atendimento e os principais problemas
encontrados nos aspectos: técnico, estrutural, ambiental, organizacional e relacional.
Para a organização e análise dos dados obtidos nas entrevistas foi necessário
primeiro transcrever todo o material gravado em cada entrevista, compreendendo que
era a oportunidade de ter o primeiro contato com os dados obtidos de uma maneira
mais sistematizada. O ir e vir das fitas durante o processo de transcrição, apesar de ser
76
demorado e cansativo, deu a oportunidade de um maior contato com o conteúdo das
falas, facilitando a compreensão e a etapa seguinte do processo, a análise.
A proposta metodológica, para trabalhar o material obtido na segunda parte da
entrevista, foi a análise temática do conteúdo expresso nas falas das enfermeiras, por
isso utilizei o suporte metodológico de Bardin, discriminado em Minayo (1994).
Apesar de bastante formal, mantendo a crença na importância da regularidade, a
análise temática de conteúdo trabalha com os significados em lugar de inferências
estatísticas. Trabalhar com ela “consiste em descobrir os núcleos de sentido que
compõem uma comunicação cuja presença ou freqüência signifiquem alguma coisa
para o objetivo analítico visado” (MINAYO, 1994, p.209).
Seguindo as etapas do método, as respostas, depois de transcritas, foram lidas
exaustivamente para que fosse possível perceber, no seu conteúdo, as principais
comunicações das entrevistadas. Foi muito interessante esta fase de leitura flutuante
do
material transcrito, deixando-me impregnar pelo seu conteúdo, porque pude descobrir
nas falas das enfermeiras comunicações que não havia percebido durante a entrevista.
Algumas que, aparentemente, não haviam feito muitas observações sobre o assunto,
guardavam informações reveladoras e importantes para a compreensão do fenômeno.
Após a leitura de todo o material, pude efetuar a composição do corpus
a ser
analisado, que correspondeu ao conjunto de textos transcritos da segunda parte das
entrevistas. Para sistematizar esta fase da análise, elaborei um Quadro de Registros
com cinco colunas (Apêndice J). A primeira para a colocação de um código de
identificação em cada entrevista; a segunda para a transcrição do texto compondo os
registros das falas das enfermeiras; a terceira para a identificação das categorias
temáticas contidas nas falas; a quarta para a discriminação das subcategorias e a quinta
para os conteúdos expressos.
Nos textos transcritos, selecionei os elementos que continham afirmações sobre
o assunto pesquisado, sendo recortados e separados em unidades de registro, ou seja,
em segmentos do texto que contemplassem conteúdos sobre o assunto e que
expressassem uma unidade com significado. Os elementos foram de composição e
tamanhos variados, ora por meio de parte de uma frase, ora por um conjunto de frases.
77
Os registros foram colados na ordem em que apareceram na entrevista para dar o
sentido do discurso, um em cada linha do Quadro de Registro da entrevista
correspondente, e foram identificados por códigos com nomes de árvores, para
preservar o anonimato.
Analisando cada registro detalhadamente evidenciei os temas abordados que se
constituíram em núcleos de sentido relacionados aos objetivos da pesquisa. Fiz e refiz
este processo, respeitando os princípios da homogeneidade (organizando o material
segundo um único princípio); exclusão mútua (cada elemento pertencente a uma única
categoria); pertinência (material pertencente ao quadro teórico selecionado);
objetividade e fidedignidade (com variáveis de análise bem definidas) e produtividade
(importante para fornecer resultados férteis que permitam inferências com relação ao
objeto de estudo) (RODRIGUES, LEOPARDI, 1999).
Nos registros das falas, separados por tema segundo a analogia, identifiquei as
categorias temáticas e subcategorias, que indicavam o significado expresso pela
entrevistada durante a sua fala. No início deste processo surgiram inúmeras categorias,
mas à medida que as unidades de registro eram analisadas e antes de chegar à metade
delas, pude formar um esquema prévio das categorias, que auxiliou na categorização
do restante das entrevistas e nos ajustes que se mostraram necessários. Para facilitar a
visualização, coloquei cores diferentes neste esquema, uma para cada tema, que foram
transferidas para os Quadros de Registros de cada entrevista.
Com todas as entrevistas categorizadas, separei os registros pelas cores e os re-
agrupei nos Quadros de Categorias Temáticas (Apêndice L), que contemplavam falas
de todas as enfermeiras sobre determinada categoria temática e subcategorias. Cada
Quadro de Categoria foi analisado e dele feita outra separação, formando, então, os
Quadros de Subcategorias (Apêndice M).
Analisei estes quadros e os revisei, trocando alguns registros de lugar para que
ficassem mais coerentes ainda. Com os quadros completos, tive a preocupação de
contar quantos registros de falas estavam compondo cada uma das categorias e
subcategorias. Estas totalizações foram acrescentadas no esquema de categorias para
que se pudesse perceber, no conjunto, a densidade das tendências nas falas das
78
entrevistadas. Esta contagem permitiu mais um olhar sobre os dados obtidos, todavia a
preocupação primordial no processo de análise foi com os conteúdos expressos que
pudessem subsidiar explicações que respondessem à questão de pesquisa.
O material sistematizado, dessa forma, facilitou a análise dos dados contidos
nos quadros de Categorias Temáticas e Subcategorias e auxiliou na elaboração de
figuras esquemáticas, que permitiram a visualização geral das informações obtidas.
Assim, pude estabelecer hipóteses iniciais
para as questões colocadas teoricamente,
ainda de forma flexível, para permitir o surgimento de hipóteses emergentes na
continuidade da investigação.
Estas figuras esquemáticas contendo as informações das entrevistas foram
apresentadas nas reuniões com o Grupo Focal, etapa seguinte da pesquisa, para que
fossem validadas pelas participantes e auxiliassem nas discussões em grupo. Durante a
primeira reunião do Grupo apresentei, também, os principais problemas na
organização dos serviços e no atendimento, identificados nas minhas observações e na
análise dos dados epidemiológicos.
Cabe, aqui, esclarecer que as reuniões com o Grupo Focal foram planejadas
para atender aos objetivos do estudo, mas houve flexibilidade para realizar
modificações conforme as necessidades identificadas com as participantes.
É importante ressaltar que qualquer conclusão ou proposta que possa ser feita
com este estudo, requer a inclusão dos profissionais envolvidos na decisão de fazer, ou
não, algo diferente do modo como atuam e se organizam. Por mais que eu possa tentar
auxiliar na análise da situação e nas formas de resolução dos problemas, sou um
membro externo às circunstâncias diárias com as quais as profissionais dos serviços
estão envolvidas e sujeitas. A participação delas promove o seu envolvimento com a
comunidade local e com soluções mais adequadas e bem sucedidas, porque serão
apropriadas e sustentáveis para responder as prioridades da própria comunidade.
Com o encerramento das reuniões do Grupo Focal, pude fazer uma avaliação da
participação das enfermeiras e da representatividade das Unidades Básicas do
Município no estudo. Estiveram em todas as reuniões 6 (seis) enfermeiras
representando suas unidades (31,58%); em três reuniões 5 (cinco) enfermeiras
79
(26,32%); em duas reuniões 5 (cinco) enfermeiras e em uma reunião 2 (duas)
enfermeiras. Duas unidades liberaram uma enfermeira a mais para participar de, pelo
menos, duas reuniões e uma unidade encaminhou diferentes enfermeiras em duas
reuniões. Participaram do Grupo Focal três enfermeiras que não foram entrevistadas e
que representavam suas unidades, no lugar das outras que se afastaram por
transferência ou demissão.
Considerei a freqüência nas reuniões boa, 57,90% de representação em três
reuniões ou mais, principalmente considerando que o trabalho com o Grupo Focal
transcorreu ao longo de 3 meses. Somente uma enfermeira que foi entrevistada não
compareceu a nenhuma reunião, apesar de ter recebido todos os convites e ter
assegurado que iria remanejar sua agenda para comparecer.
Na Unidade Básica em que ela trabalha não pude fazer, também, a observação
do atendimento, porque, no período da coleta, ele foi suspenso para a execução de
obras e por falta de material. Por isso, é necessário ressaltar que, apesar da boa
recepção que tive em todos os momentos do estudo, existiu uma resistência velada, já
esperada, num trabalho que propõe a análise da organização dos serviços e das práticas
das profissionais.
O término das reuniões do Grupo Focal foi um momento de impasse para mim.
Com a coleta de dados encerrada deveria pensar qual seria a melhor maneira de
trabalhar tantas informações e por onde deveria iniciar a discussão. Fiz uma pausa no
contato com os dados e retomei a leitura dos referenciais teórico e metodológico, para
que pudesse compreender as informações obtidas e definir o caminho que deveria
seguir.
Para reiniciar a análise das reuniões do Grupo Focal, as gravações foram
transcritas e lidas várias vezes, procurando fazer um resumo esquemático das
atividades desenvolvidas, das minhas impressões sobre as reuniões e as participações
das enfermeiras e dos assuntos discutidos em cada reunião. Assim, foi possível
analisar as falas comparando-as com o quadro de categorias temáticas, sistematizado
com o discurso expresso nas entrevistas. Pude confirmar, então, que as falas das
80
participantes no Grupo Focal reforçavam as categorias temáticas encontradas nas
entrevistas.
Esta pausa para pesquisa e leitura do referencial teórico e de experiências sobre
a organização de serviços de saúde auxiliou na análise dos dados obtidos e subsidiou a
sua discussão. Porém, a descrição dos dados e escolha da seqüência com que deveriam
ser apresentados foi um processo demorado. Tive que reler inúmeras vezes o material
transcrito, para fazer a escolha dos registros que ilustrassem melhor o assunto
abordado, escrever livremente para depois realizar cortes, ajustes e modificar a
seqüência do texto, de modo a facilitar a compreensão do leitor.
Escolhi iniciar a descrição da análise dos dados tomando como base as
categorias identificadas nas entrevistas e agregando à discussão os dados obtidos na
análise situacional (documentos e observação) e nas reuniões do Grupo Focal.
Acredito que desse modo, é possível estabelecer uma triangulação na análise, com a
comparação e diálogo entre as informações obtidas pelas diferentes estratégias
utilizadas na coleta dos dados.
81
CAPITULO 5
5 O PROCESSO DE TRABALHO E A PREVENÇÃO DO CÂNCER
GINECOLÓGICO NO MUNICÍPIO
5.1 O cenário do estudo
O Município “A” teve, no ano de 2005, a sua população estimada em 196.907
habitantes (BRASIL, 2005b), com a maioria vivendo em sua área urbana. Ele cresceu
rapidamente nas últimas décadas, graças ao grande fluxo migratório (RIBEIRO, 2005).
Está localizado no litoral, próximo à capital do Estado e hoje está entre os primeiros
em número populacional no Estado de Santa Catarina.
O Município possui infra-estrutura urbana desenvolvida de forma desigual,
dispondo de bairros com intenso comércio, construções de alto padrão e população
com poder aquisitivo elevado em alguns bairros e, em outros, encontra-se regiões com
precária infra-estrutura sanitária, com ocupação desordenada e irregular do território,
por uma população carente e dependente dos serviços públicos. Possui, também,
localidades onde o urbano e o rural convivem lado-a-lado, com extensas áreas
formadas por pastos para criação de animais, surgindo, logo a seguir, um aglomerado
urbano.
Na área da saúde, o Município “A” possui dezenove Unidades Sanitárias sendo,
em sua maioria (63,16%), Centros de Saúde Tipo II, com estrutura física e
arquitetônica similares. Seis Unidades são classificadas como Centros de Saúde Tipo I,
sendo que nos quatro menores o atendimento é feito somente por uma equipe de PSF.
Em um Centro de Saúde Tipo II funcionam, além da atenção básica,
atendimentos especializados em saúde mental, aos usuários HIV soropositivos e em
ginecologia, sendo referência para colposcopia, biópsia e cauterização de lesões em
colo uterino.
82
Uma das Unidades tem estrutura de Policlínica, sendo referência municipal de
especialidades e possuindo, também, equipes de PSF, responsáveis pela atenção básica
à população da área geográfica onde está localizada. Na Policlínica funciona o
ambulatório de mastologia do Município.
O Município implantou em 2001, de acordo com as diretrizes políticas e
financeiras do Governo Federal, o Programa de Saúde da Família (PSF)
4
. Até o final
de 2004, estavam implantadas 40 (quarenta) equipes de PSF, em todas as dezenove
Unidades de Saúde do seu território. Neste período, houve um crescimento
significativo dos recursos federais transferidos ao Município para a atenção básica de
saúde, principalmente para o PSF (BRASIL, 2005b).
Para a implementação do Programa de Saúde da Família, cada equipe foi
composta por um(a) médico(a), um(a) enfermeiro(a), duas auxiliares de enfermagem e
um grupo de quatro a sete agentes comunitários de saúde (ACS). No final de 2004, já
estavam cadastradas pelos ACS e contabilizadas pela Coordenadoria Municipal do
Programa 40.958 famílias. O número de famílias por Equipe de PSF variava de 633 a
1.456, de acordo com a área territorial de abrangência e a densidade demográfica. Este
número aproxima-se do recomendado pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2002a),
para a implantação de equipes de PSF (entre 600 e 1.000 famílias, sem ultrapassar o
limite máximo de 4.500 pessoas), mas algumas equipes são responsáveis por um
número excessivo de famílias.
Nas famílias cadastradas, há 56.318 mulheres com 15 anos ou mais de idade.
Este número correspondia a 78,06% da população feminina estimada pelo IBGE para
o Município naquele ano (BRASIL, 2005b). Fazendo a relação entre o número de
mulheres cadastradas em cada uma das áreas e o número de agentes comunitários
incluídos na equipe, obteve-se a média de 251,41 mulheres com 15 anos ou mais, para
serem visitadas por Agente Comunitário de Saúde, anualmente, nos domicílios.
A maioria das Unidades Sanitárias possui uma coordenação técnico-
administrativa, responsável pelo seu funcionamento e à qual todos os funcionários
4
A diretriz governamental atual é Estratégia de Saúde da Família, porém neste trabalho utilizaremos a
nomenclatura de Programa de Saúde da Família (PSF) por ser expressão comum nas falas de todos os
profissionais com quem tive contato no Município.
83
(equipes PSF, funcionários efetivos, pessoal terceirizado) estão vinculados. Entretanto,
as equipes de PSF estão subordinadas, também, à Coordenação Municipal do
Programa, de onde recebem as diretrizes para o desenvolvimento das atividades e para
onde encaminham relatórios, produção das atividades, solicitações, possuindo,
portanto, duplo comando administrativo. Esta Coordenação da Unidade, em alguns
locais, é exercida por uma das enfermeiras do PSF, em outras por uma enfermeira
efetiva não pertencente às equipes e, em outras, por outro profissional efetivo.
Nas Unidades, algumas atividades estão ligadas às equipes do PSF, com a
lógica de um atendimento centrado na prevenção e promoção da saúde das famílias da
área adstrita, enquanto outras estão organizadas em setores, no modelo tradicional
centrado nas queixas ou doenças, com atendimento curativista e privilegiando a
medicalização, solicitação de exames e procedimentos. Por isso, a estrutura física das
Unidades mantém salas onde funcionam atendimentos que podem estar vinculados ou
encaminhados pelas equipes de PSF, mas que podem ser executados sem qualquer
interligação com as equipes.
A Figura 1 esquematiza a organização das Unidades Sanitárias do Município,
com a sua coordenação técnico-administrativa e a utilização do espaço físico pelos
serviços e atendimentos disponibilizados. Nela é possível visualizar que as unidades
sanitárias são divididas em setores fragmentados, organizados no modelo gerencial
tradicional que favorece o atendimento por agravos e para a execução de
procedimentos. As equipes de PSF estão situadas como mais um setor nas unidades,
utilizando as instalações físicas e com responsabilidade de vigilância à saúde da
população de uma área geográfica definida.
Os Agentes Comunitários de Saúde são concursados, trabalham 8 horas por dia
e recebem remuneração em torno de um salário mínimo. Os médicos e enfermeiras das
equipes de PSF trabalham de segunda a sexta-feira, com carga horária de 8 horas
diárias (40 horas semanais), como é recomendado pelo Ministério da Saúde (BRASIL,
2002a).
84
FIGURA 1 - Organização das Unidades Sanitárias do Município “A”
Os profissionais das equipes são contratados por Regime Especial Temporário
5
,
o que ocasiona alta rotatividade dentro da equipe, principalmente do profissional
médico, provocando interrupção e mudanças no planejamento e na execução das
atividades. Este contrato temporário de trabalho acaba sendo mais atrativo para
profissionais recém-graduados ou com pouco tempo de experiência profissional. Por
isso, o grupo de enfermeiras entrevistadas tem tempo de formação entre 2 e 4 anos e
mais da metade desempenha suas atividades no centro de saúde há menos de um ano.
Os funcionários efetivos do Município têm jornada de trabalho de 6 horas
diárias (30 semanais) e trabalham no período matutino ou vespertino. Por isso, o
funcionamento da
maioria das Unidades Sanitárias é das 7 às 19 horas, permanecendo
abertas ao público após a saída de médicos e enfermeiras das equipes de PSF, com os
5
Contrato temporário de trabalho com a Secretaria Municipal de Saúde, por 2 anos, após processo seletivo por
entrevista, análise de currículo ou prova de conhecimentos.
Triagem e
procedimentos
Farmácia
Curativo
Preventivo
Odontologia
Vacina
Recepção e Arquivo
Especialistas
Gerência
Unidade
τ
Equipe
PSF D
Equipe
PSF B
Equipe
PSF A
Equipe
PSF C
Área
Territorial B
Área
Territorial D
Área
Territorial A
Área
Territorial C
85
funcionários efetivos realizando agendamentos, curativos e encaminhamentos. Em
algumas Unidades, neste horário acontece também atendimento com médicos
especialistas.
Em todas as unidades, pelo menos um profissional da equipe de enfermagem é
o responsável pela maioria dos exames de citologia oncótica (CCO) realizados. Em
oito destas unidades (42,10%), a responsabilidade é predominantemente das
enfermeiras do PSF e em nove outras (47,37%) é predominantemente do técnico ou
auxiliar de enfermagem. Em duas Unidades, o atendimento do preventivo ginecológico
está desativado, uma por estar aguardando o fim da reforma do prédio e outra por não
possuir um funcionário para desenvolver essa atividade. Nestas duas, quando estavam
em funcionamento, os exames eram realizados, também, por auxiliares de
enfermagem.
Geralmente, os médicos do PSF não realizam a coleta de CCO, fazendo
somente o encaminhamento para o setor. Na maioria das unidades que dispõem de
ginecologistas, os profissionais realizam consultas clínicas, instituem terapêuticas,
solicitam exames de maior complexidade e, eventualmente, realizam a coleta de CCO
durante a consulta.
O acesso ao exame preventivo acontece por demanda espontânea. Em algumas
unidades ele é agendado, em outras está organizado por livre demanda, porém são
limitados por senhas e horários. Essa sistematização acaba acarretando filas para
obtenção da senha, demora no atendimento, dispensa de usuárias e incompatibilidade
de horário para as mulheres trabalhadoras.
Dez Unidades (52,63%) disponibilizam a coleta de CCO em número inferior a 5
(cinco) períodos por semana e em três delas somente em um dia na semana, em um
dos períodos (manhã ou tarde), mostrando-se insuficiente para a cobertura da
população das suas áreas de abrangência. Somente na maior unidade do Município o
atendimento funciona durante todo o dia, recebendo, também, mulheres que moram
nas áreas de abrangência de outros centros de saúde e até de municípios vizinhos.
A análise numérica dos exames realizados pelas unidades sanitárias, no ano de
2004, mostrou que existe uma concentração na oferta e realização de exame
86
preventivo na área urbana central do Município. Esta região possui 38,23% da
população feminina cadastrada pelas equipes de PSF e as cinco unidades sanitárias
localizadas nesta área foram responsáveis por 41,03% dos exames de CCO coletados,
sendo mais da metade só em duas delas. As outras quatorze Unidades que ficam ao
norte e ao sul do Município, algumas em áreas populosas e de menor desenvolvimento
econômico-social, atendem 61,77% da população feminina cadastrada pelo PSF e
responderam pela coleta dos exames restantes (58,97%).
As atividades de prevenção são realizadas, predominantemente, na sala de
ginecologia, mas em sete Unidades (36,84%) foi montada uma outra sala, exclusiva
para a coleta de CCO. Em cinco delas, esta sala resultou da adaptação de uma pequena
sala de preparo de material já existente na estrutura do prédio.
Na maioria dos serviços, foi referido que existem materiais disponíveis para a
coleta de CCO, com algumas queixas em função do reduzido número de pinças de
Cheron e de espéculos nº1, além da não regularidade no recebimento de materiais de
consumo. No entanto, na fase em que observei as unidades, foi possível identificar
que, em alguns serviços, faltam materiais, enquanto em outros, eles existem estocados
em volume além da sua necessidade de consumo.
Os livros de registro das coletas estão organizados de diferentes maneiras, a
partir do entendimento pessoal de cada profissional, acarretando informações
demasiadas e repetidas ou informações insuficientes. Em alguns livros, as anotações
estão dispostas em seqüência e não em colunas, dificultando a visualização do
atendimento, a localização dos dados das mulheres e qualquer tentativa de análise
estatística da demanda.
De uma a duas vezes por semana, os exames coletados nas unidades são
encaminhados para o laboratório, através do motorista da Secretaria Municipal de
Saúde. Em sete (36,84%) unidades não existia qualquer tipo de controle sobre o envio
das lâminas para o laboratório, dificultando a responsabilização por extravios, danos
ou trocas. Os resultados dos exames retornam às unidades, também, através do
motorista, num período médio de 30 dias, podendo ser maior em algumas unidades.
87
A entrega dos resultados para as mulheres varia também. Em cinco unidades é
feita durante a consulta de enfermagem, nas demais é entregue no balcão de recepção,
algumas vezes com anotação da conduta adotada para o caso ou com um pedido de
agendamento de consulta; outras, sem nenhuma informação. Nesse caso, fica sob a
responsabilidade da mulher a iniciativa de agendar uma consulta, tentar compreender a
linguagem empregada no laudo e, muitas vezes, guardar o exame sem dar importância
para ele.
Na grande maioria das unidades, o resultado do exame é anotado no livro de
registro e somente em algumas são feitas anotações no prontuário. Em duas, é anotado
somente o resultado microbiológico e, na unidade que realiza a maior quantidade de
exames, o resultado não está sendo registrado. O exame clínico das mamas, quando
realizado, geralmente não é registrado.
Durante a observação das atividades desenvolvidas pelos profissionais nas salas
de preventivo, pude identificar problemas no ambiente, nos materiais, na organização
do trabalho, na execução do atendimento e na atitude dos profissionais e das mulheres.
Com relação ao ambiente e aos materiais, os principais problemas identificados
foram: salas improvisadas em áreas físicas incompatíveis com o tipo de atendimento;
falta de pias para a lavagem das mãos dos profissionais, mesmo nos consultórios
ginecológicos; mobiliário antigo com problema de conservação, apresentando
ferrugem e deficiência na higienização; falta de mesa auxiliar para a colocação do
material para a coleta, em algumas unidades; na maioria das unidades existiam lençóis
e camisolas em número insuficiente para a demanda; falta de toalha de papel para a
secagem das mãos e de forro descartável para a mesa de exame; déficit de pinças de
Cheron e deficiência na limpeza do ambiente, em várias unidades.
Com relação à organização do trabalho, os principais problemas que observei
foram: utilização da sala de ginecologia por diferentes profissionais e para diferentes
atendimentos, inclusive com crianças; oferecimento de vagas para o preventivo aquém
da demanda ou necessidade da população, em algumas unidades a mulher aguarda
pelo atendimento durante muitas horas; realização da anamnese, geralmente, só pela
ficha de requisição de exames, com pouco ou nenhum registro no prontuário;
88
identificação e mobilização das mulheres feita somente por meio da orientação
individual durante os atendimentos; em alguns locais, utilização da pia do banheiro das
usuárias para os profissionais lavarem as mãos e para, ao final do atendimento,
lavarem os espéculos e pinças utilizadas.
Em vários serviços, o atendimento preventivo é realizado como uma atividade
separada do contexto do Programa de Saúde da Família, por uma funcionária
designada só para esta atividade. A demanda ao serviço é atendida no balcão de
recepção, sem nenhuma vinculação, conhecimento ou encaminhamento dos
profissionais do PSF. Não fica nítida a linha de comando e supervisão da funcionária
que fica no setor, se é exclusivamente da gerência ou das enfermeiras do PSF também.
Os profissionais responsáveis pela área territorial de moradia da mulher nem sempre
têm acesso aos dados do exame.
Na execução do atendimento, existem problemas em relação aos procedimentos
e ao conhecimento. O Exame Clínico das Mamas (ECM) não é realizado em todos os
atendimentos e, muitas vezes, são feitos com deficiências técnicas que, com certeza,
dificultam a percepção de qualquer alteração. A orientação sobre o Auto Exame das
Mamas (AEM), algumas vezes não é realizada e, em outras, é feita de modo
incompleto. Não são utilizados materiais com qualquer ilustração que auxilie na
orientação do AEM, na grande maioria das unidades.
Os problemas técnicos que identifiquei na observação da atuação dos
profissionais, durante a coleta de material para a citologia oncótica, foram: existência
de muitas dúvidas na avaliação clínica do colo e na avaliação do Teste de Schiller;
dúvidas na coleta do material da junção escamo-colunar (JEC); colocação do material
coletado em camada espessa na lâmina; fixação tecnicamente incorreta e lâminas
sendo guardadas sem esperar o tempo de secagem; material em uso e material
contaminado sendo colocados junto com o material esterilizado e, em duas unidades,
as lâminas coletadas colocadas dentro do armário com material limpo e esterilizado;
falta atenção das profissionais às normas de biosegurança, para a sua proteção e
proteção das mulheres; a lavagem correta das mãos não é uma prática corrente.
89
Pude perceber que, em alguns serviços, as mulheres não têm abertura para fazer
questionamentos ou esclarecer dúvidas. As orientações recebidas ou a falta delas
levam as mulheres a demonstrar apreensão e preocupação, por não compreenderem o
que está sendo encontrado no exame. Além disto, muitas delas demonstram
constrangimento durante o atendimento, principalmente nos serviços em que são
obrigadas a trocar de roupa na frente da profissional, sem nenhum biombo ou
proteção.
Durante a realização dos atendimentos, algumas profissionais de enfermagem são
formais no contato com a mulher, outras receptivas e, outras, impositivas e críticas.
Muitas profissionais não explicam previamente que irão fazer o exame das mamas e
surpreendem as mulheres quando solicitam que elas tirem toda a roupa. Além disso,
várias mulheres têm o seu corpo exposto desnecessariamente, por causa da infra-
estrutura inadequada da sala ou por falta de cuidado da profissional em cobrir a mulher
durante o exame.
Pude observar que várias orientações foram repassadas de modo insuficiente para
esclarecer as mulheres, deixando-as apreensivas. Um fato que me chamou a atenção,
no diálogo das profissionais com as mulheres, foi que, antes do procedimento, as
próprias profissionais reforçam verbalmente que o exame é “chato e incômodo”,
aumentando a tensão e o medo durante o atendimento.
5.2 Os sujeitos envolvidos no estudo
Como expliquei na metodologia, entrevistei uma enfermeira de uma equipe do
PSF em cada Unidade Sanitária do Município “A”. Atualmente, as enfermeiras
respondem, junto com a sua equipe de enfermagem, pela a maioria dos procedimentos
e intervenções relacionadas à prevenção do câncer ginecológico no Município. É uma
profissional que, além das atribuições compartilhadas com a equipe, tem uma gama de
funções e responsabilidades sobre o pessoal de nível médio e elementar, sendo um
elemento-chave na implementação de qualquer proposta de intervenção sobre a
assistência a ser prestada.
90
Na primeira parte do roteiro de entrevista obtive dados que me auxiliaram a
caracterizar os sujeitos envolvidos neste estudo, que passo a descrever. O grupo foi
composto, majoritariamente, por enfermeiras, a maioria delas (63,16%) é formada há
menos de quatro anos e possui experiência profissional, predominantemente, em
unidades básicas de saúde. Entretanto, elas desempenham suas atividades no Centro de
Saúde onde estão lotadas atualmente há menos de um ano (52,63%).
A grande maioria (78,95%) refere que não recebeu capacitação sobre o
Programa Viva Mulher. Quanto à equipe com quem trabalham, não sabem afirmar se
eles receberam ou não este tipo de capacitação. As que referem ter tido alguma
capacitação, no Município ou em outro serviço, não o associam ao Programa Viva
Mulher.
Nas capacitações, formais ou informais, que aconteceram no Município, nas
quais algumas entrevistadas participaram, recordam como temas abordados,
principalmente, DST (25,00%), técnica de coleta (12,50%), vulvo-vaginites (6,25%) e
ectopia no colo uterino (6,25%), mas predomina na memória delas, como o tema mais
relevante, o Teste de Schiller (50,00%), apontando a importância que os responsáveis
por estas capacitações têm dado a ele.
A grande maioria do grupo de participantes (84,21%) afirma que não utiliza
nenhum dado epidemiológico no planejamento da assistência à mulher. As que
referem usar algum dado, baseiam-se na sua percepção informal do atendimento ou da
demanda no preventivo. Muitas delas complementaram, inclusive, que nunca
receberam qualquer informação deste tipo da Secretaria Municipal, mas acham que
seria importante para o seu trabalho.
Todas as entrevistadas afirmam que o profissional da Unidade, responsável pela
maioria do atendimento às mulheres na prevenção do câncer ginecológico, é um
membro da equipe de enfermagem, predominando as enfermeiras (47,37%) e, em
seguida, as técnicas de enfermagem (42,10%).
Quando questionadas se desenvolvem alguma atividade de prevenção do câncer
ginecológico, as enfermeiras respondem afirmativamente. Somente uma delas, afirma
que não faz a coleta de CCO e dentre as atividades que ela desenvolve não reconhece
91
nenhuma que classifique como de prevenção do câncer ginecológico, apesar de afirmar
que realiza exame clínico das mamas em algumas consultas e faz orientações para as
mulheres com dúvidas.
Na metade das citações das entrevistadas que referem desenvolver atividades de
prevenção, esta ação é classificada como de natureza assistencial, predominando a
coleta de CCO (29,27%) e a abordagem individual para a identificação e adesão das
mulheres para o exame (21,95%). As atividades de natureza educativa ficam em
segundo lugar (21,95%), destacando-se atividades com grupos na comunidade e em
escolas, assim como orientações na consulta de planejamento familiar.
As atividades administrativas ocupam o terceiro lugar nas citações (15,85%).
Dentre elas, predominam as atividades de fechamentos de mapas de produção e
relatórios, o preenchimento da requisição do exame e anotações no livro de registro do
preventivo. As atividades gerenciais ocupam o quarto lugar (12,20%), sendo, em sua
maioria, relativas a pedido e controle de materiais.
As enfermeiras, quando questionadas sobre o significado da palavra avaliação
respondem de forma variada, mas predomina a ligação de avaliação com controle e
classificação de desempenho, tal como nas práticas educativas da pedagogia tecnicista,
que Pereira (2003) descreve como controlada e dirigida pelo professor, que trabalha
com atividades mecânicas e com os antagonismos: certo/errado, aprovado/reprovado.
Outro significado expresso para a avaliação foi como ação realizada para obter dados
dos pacientes através da anamnese e do exame físico, característica da semiologia na
abordagem clínica.
5.3 O olhar epidemiológico no Município
Para estudar e compreender a realidade não basta ir a ela com esta
determinação, porque sua composição não é facilmente evidenciável, ainda mais se
desejamos considerar fatos dos quais temos poucas informações. Apesar disso, é
possível destacar em dados epidemiológicos as dimensões implicadas com os esforços
que indiquem ações, adequadas ou inadequadas, dos gestores e dos profissionais de
92
saúde, para a melhoria do quadro de morbimortalidade em uma dada comunidade, no
caso deste trabalho, o câncer ginecológico, no Município “A” do Estado de Santa
Catarina.
Focando o olhar sobre prevenção do câncer ginecológico, encontrei no Sistema
de Informações do Ministério da Saúde alguns dados, principalmente sobre os exames
de colpocitologia oncótica (CCO) realizados. As informações sobre o monitoramento
da população de risco e o diagnóstico precoce dos tumores de mama não estavam
disponíveis nas fontes consultadas, somente dados sobre a mortalidade. Outra
dificuldade que encontrei foi obter dados sobre algumas variáveis, pela faixa etária,
por isso, nesta pesquisa, trabalhei com os dados sobre a população feminina com idade
igual ou maior que 15 anos.
Analisando o número de exames apresentados pelo Município, para pagamento
do procedimento, no ano de 2004, verifiquei que houve uma diminuição no número de
exames de CCO realizados de 2002 para 2004, entretanto houve uma maior aprovação
para pagamento dos exames encaminhados e uma melhoria na qualidade das lâminas
(Gráfico 1).
0
2000
4000
6000
8000
10000
12000
14000
16000
18000
20000
2001 2002 2003 2004
Ano
Número de exames
Apresentadas
Aprovadas
Negadas
GRAFICO 1: Distribuição dos exames de citologia oncótica para câncer de colo uterino
no Município “A” - SC, no período de 2000 a 2004, segundo a aprovação para
pagamento pelo SUS. Florianópolis, abril de 2005.*
* Fonte: DATASUS – Informações em Saúde (BRASIL, 2005b).
93
Foi possível calcular na Base de Dados (BRASIL, 2005b), também, a cobertura
de exames de CCO na população feminina com idade igual ou maior que 15 anos,
tendo como base os dados de estimativa populacional do IBGE para o mesmo ano, que
no Município “A” foi de 18,34%.
A classificação de adequabilidade
6
das lâminas de CCO para a leitura no
Sistema Bethesda (SOUEN, CARVALHO, PINOTTI, 2001), emitida pelo laboratório
que realizou a avaliação citológica dos exames coletados no Município (BRASIL,
2005b), no período de 2001 a 2004, apontou que, em média, 75,38% das lâminas
coletadas eram satisfatórias, mas tinham limitações. Isto significa que houve prejuízo
na interpretação de 50 a 75% das células representadas nas lâminas. As maiores causas
identificadas para a limitação da adequabilidade nesse período foram: áreas espessas
(20,98%), presença de sangue (11,33%) e esfregaço purulento (11,28%).
O cálculo do percentual médio de lâminas insatisfatórias para a leitura
(BRASIL, 2005b) foi de 0,58%, considerado dentro do esperado na margem de erro.
Nessas lâminas houve prejuízo na leitura e interpretação em mais de 75% da amostra
das células epiteliais presentes, sendo rejeitadas para emissão de laudo de acordo com
o Sistema Bethesda (SOUEN, CARVALHO, PINOTTI, 2001). As maiores causas
identificadas para a insatisfação foram: material escasso ou hemorrágico (35,45%),
dessecamento (18,73%) e identificação não coincidente da lâmina com o formulário
(18,73%).
Analisando estes dados, é possível inferir que as limitações e insatisfações
apontadas no exame laboratorial podem ser explicadas por erros na técnica de coleta
ou pela influência do quadro clínico das mulheres submetidas à coleta de CCO, por
terem processos inflamatórios agudos. A falta de qualidade do material examinado é,
sem dúvida, um dos motivos responsáveis pelos resultados falso-negativos, que podem
mascarar, como afirmam Souen, Carvalho e Pinotti (2001), lesões precursoras ou
afastar dos serviços de saúde as mulheres com risco para o câncer de colo uterino.
6
O Instituto Nacional de Câncer publicou este ano (INSTITUTO, 2006b) uma nova nomenclatura para laudos
cervicais, entretanto quando os dados deste trabalho foram levantados ainda estava em vigor a nomenclatura que
está especificada no texto.
94
A análise dos dados epidemiológicos, no período de 2001 a 2004, mostrou que
houve uma melhoria na qualidade das lâminas encaminhadas para o laboratório
(Gráfico 2), diminuindo o percentual de lâminas com limitações, de 89,41%, no
primeiro ano, para 41,39% no último ano da série analisada. Este período coincidiu
com a implantação do Programa de Saúde da Família no Município “A” e com o
desenvolvimento de algumas capacitações para os profissionais da Rede.
A realização de capacitação é uma estratégia importante para a obtenção de
resultados citológicos mais confiáveis e pode ser implementada como um processo
permanente, para sanar problemas técnicos e melhorar o rastreamento de lesões
precursoras.
Ao analisar os resultados laboratoriais dos 47.558 exames citopatológicos sem
lesão precursora ou indicação de malignidade, no período de 2002 a 2004, identifiquei
que somente 361 lâminas, 0,76% dos resultados, estavam dentro dos limites de
normalidade. Os resultados predominantes foram os processos inflamatórios (35.203 -
74,02%).
Já que a maioria das mulheres que se submeteu ao exame de CCO tinha
processo inflamatório, procurei identificar, no resultado microbiológico dos exames,
GRÁFICO 2: Distribuição dos percentuais de exames de citologia oncótica para câncer
de colo uterino no Município “A” - SC, em mulheres com idade igual ou maior que 15
anos, no período de 2001 a 2004, segundo a classificação de adequabilidade das lâminas
para a leitura. Florianópolis, abril de 2005.*
* Fonte: DATASUS – Informações em Saúde (BRASIL, 2005b).
0
10
20
30
40
50
60
70
80
90
2001 2002 2003 2004
Satisfatória
Satisfatória com Limitação
Insatisfatória
95
os principais agentes etiológicos responsáveis por esses processos. Predominaram
cocos e bacilos (38,18%) e gardnerella (8,13%). A cândida estava presente em
somente 2,57% dos resultados. Este tipo de análise é importante para auxiliar os
gestores na disponibilização de tratamento para as mulheres que procuram os serviços
públicos e para auxiliar na escolha da terapêutica adequada aos processos
inflamatórios mais encontrados.
Nos resultados dos exames com lesão precursora ou indicação de malignidade,
predominaram as de Baixo Grau (90,53%), entretanto, quando calculei a razão média
entre o número de lesões de Baixo Grau e as de Alto Grau, encontrei um número
elevado, indicando que, para cada 9,75 mulheres identificadas com alteração nos
resultados do CCO no Município “A”, nos três anos estudados, uma delas estava com
lesão de Alto Grau ou câncer invasor.
Um dos objetivos descritos no Programa Viva Mulher é ampliar o acesso das
mulheres ao diagnóstico precoce através da citologia oncótica, por isso procurei
analisar os dados informados pelas mulheres sobre a realização de exames citológicos
anteriores, disponíveis no Sistema de Informação nos anos de 2003 e 2004. O
percentual de mulheres submetidas à coleta de CCO pela primeira vez foi baixo,
5,25% na média dos dois anos, e chamou atenção o percentual médio de 22,64% de
mulheres que não souberam informar se já haviam realizado este tipo de exame
anteriormente. Este número elevado pode ser decorrente de desinformação da mulher
sobre a realização da coleta de CCO durante o exame ginecológico, ou pelo
preenchimento incompleto das fichas de anamnese encaminhadas para o laboratório e
cadastradas no Sistema de Informação (BRASIL, 2005b), indicando deficiências no
processo de trabalho e necessidade de capacitação dos profissionais.
Quando analisei o total de exames coletados em cada Unidade Sanitária do
Município e encaminhados para o laboratório, no ano de 2004, pude calcular a
cobertura dos exames realizados, tomando como base a população feminina cadastrada
pelos Agentes Comunitários de Saúde e a produtividade de cada serviço. A cobertura
variou muito entre as Unidades, mas em média foi de 23,88%.
96
No entanto, deve ser ressaltado que houve concentração de coletas em duas
unidades, 27,91% do total de exames realizados no Município, que atendem, também,
mulheres residentes fora de sua área de abrangência. As outras 17 Unidades, algumas
em áreas populosas e de desenvolvimento econômico-social mais carente,
responderam pelo restante das coletas dos exames, evidenciando o deslocamento das
mulheres para os locais onde havia maior oferta do procedimento.
A produtividade estava muito baixa e com grande variação também.
Identifiquei que, em média, foram coletados 59 exames por mês em cada Unidade.
Considerando-se que cada mês tem em torno de 20 dias úteis, seriam menos de 3
coletas por dia de trabalho. Esta situação ficou mais preocupante quando dividi o
número obtido pelos profissionais que foram referidos como os responsáveis pelas
coletas nas Unidades. O cálculo da produtividade variou, então, de 0,6 a 3,72%
atendimentos por profissional por dia de trabalho.
É lógico que estes números são médias e, além disto, na maioria das unidades,
as coletas não eram realizadas todos os dias. Todavia, os serviços poderiam planejar
um aumento progressivo do atendimento, para a ampliação da cobertura, sem
ocasionar uma sobrecarga de trabalho para as profissionais envolvidas, identificando e
priorizando as mulheres da área com maior risco.
Como afirmei anteriormente, o Programa Viva Mulher foi lançado com o
objetivo de reduzir, substancialmente, o número de mortes causadas pelo câncer de
colo de útero e de mama (INSTITUTO, 2002g). Por isso, procurei calcular e analisar
os coeficientes de mortalidade por essas duas patologias no Munipio, no período de
1998 a 2003, com o número de óbitos registrados e disponíveis no site do Ministério
da Saúde (BRASIL, 2006a). Foi possível, também, comparar os coeficientes
encontrados no Município “A” com os do Estado de Santa Catarina, da Região Sul e
do Brasil. É importante a comparação com os índices obtidos em universos maiores,
pois eles absorvem mais as pequenas variações, mantendo um traçado melhor e menos
flutuante.
A análise dos dados feita através da apresentação gráfica (Gráfico 3) permite
observar que houve uma grande variação no coeficiente de mortalidade por câncer de
97
colo uterino no Município “A”, com dados iniciais bem abaixo dos apresentados no
Estado, na Região e no País, alcançando-os só após o primeiro período de
consolidação do Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero e de
Mama. Estes números, dos anos de 98 e 99, podem estar associados à deficiência no
preenchimento dos atestados de óbitos e no registro das informações.
O coeficiente de mortalidade por câncer de colo no Município apresentou uma
elevação significativa nos anos 2000 e 2001, ultrapassando os demais, para depois cair
e se estabilizar nos anos seguintes. Este dado assume grande importância quando o
associamos ao número da população feminina do Município. Ela pulou de 79.321
mulheres, em 1999, para 88.968 mulheres no ano 2000, quando ocorreu o censo
demográfico, com a provável inclusão numérica da população proveniente de fluxo
migratório. O coeficiente, ao invés de cair, subiu consideravelmente, reforçando a
afirmativa anterior de deficiência nos registros e ampliando a suspeita de que os
números anteriores eram, provavelmente, bem maiores.
0
5
10
15
20
25
1998 1999 2000 2001 2002 2003
Ano
Mortalidade/100.000 mulheres
Município "A"
Santa Catarina
Região Sul
Brasil
Outro dado que deve ser considerado é que, neste mesmo período, ocorreu um
aumento significativo de coletas de CCO. Este exame tem como objetivo realizar um
rastreamento de lesões precursoras para que sejam tratadas, evitando, assim, o câncer
invasivo e o aumento da mortalidade. Quando há aumento do rastreamento de lesões e
GRÁFICO 3: Distribuição do coeficiente de mortalidade por câncer de colo
uterino, por 100.000 mulheres, no Município “A” - SC, no período de 1998 a 2003.
Florianó
p
olis
,
maio de 2006.*
* Fonte: Ministério da Saúde, DATASUS (BRASIL, 2006a)
- Só estavam disponíveis os dados até o ano de 2003.
98
tratamento precoce, o que se espera é uma curva em constante tendência de declínio,
mas ainda não é possível fazer esta afirmativa devido à variação dos dados.
O coeficiente de mortalidade por câncer de colo uterino no Município parece
estar acompanhando os coeficientes do Estado desde 2002, mas para fazer a afirmação
de uma pequena tendência de declínio será necessário o acompanhamento dos
coeficientes nos anos subseqüentes. Associando-o aos dados sobre atendimento, será
possível verificar se as estratégias utilizadas para prevenir a mortalidade estão sendo
efetivas ou não para esta finalidade.
Observando os dados contidos no Gráfico 3, principalmente sobre o Estado, a
Região Sul e o Brasil, fica evidente a manutenção da curva de mortalidade pelo câncer
de colo, nos seis anos analisados, com um pequeno declínio na Região Sul e um pouco
mais significativo no Estado de Santa Catarina. Aí está o foco central da investigação:
o que está e o que não está sendo feito para que os coeficientes de mortalidade
continuem mantendo-se em níveis elevados? Os dados, reforçando a questão de
pesquisa, apontam que a baixa qualificação da assistência preventiva está intimamente
relacionada com a maneira como o trabalho dos profissionais está estruturado nas
unidades básicas de saúde.
A análise do Gráfico 4 evidenciou que os coeficientes de mortalidade por
câncer de mama no Brasil e em Santa Catarina permaneceram praticamente inalterados
durante os seis anos analisados. O coeficiente da Região Sul apresentou um ligeiro
aumento nos dois últimos anos, além de estar, em todos os anos da série, bem acima da
média brasileira.
O coeficiente de mortalidade por câncer de mama no Município estudado teve
grande variação nos anos analisados. Iniciou muito elevado, caindo bruscamente nos
anos de 2000 e 2001, para voltar a subir em 2002 e manter-se mais elevado que os
coeficientes do Estado, da Região Sul e do Brasil.
Quando tracei uma linha imaginária entre o primeiro e o último ponto na
seqüência de dados do Município “A” no gráfico, ficou aparente uma tendência de
declínio no coeficiente de mortalidade por câncer de mama. Ele deve atingir o mesmo
99
patamar encontrado no Estado e no Brasil agora, no ano de 2006, mas ainda é
prematuro fazer esta afirmação.
A grande queda observada nos anos 2000 e 2001 pode estar associada à
deficiência de registro dos óbitos e ao aumento da população feminina nos dados
demográficos do ano 2000 por fluxo migratório no Município, cerca de dez mil
mulheres a mais. O declínio na curva de mortalidade, entre 2002 e 2003, pode estar
associado às ações de diagnóstico precoce e de acompanhamento das mulheres com
alterações no exame clínico das mamas que foram encaminhadas para o Ambulatório
de Mastologia da Policlínica do Município, mas é necessário um maior
acompanhamento desse indicador.
0
10
20
30
40
50
60
1998 1999 2000 2001 2002 2003
Ano
Mortalidade/100.000 mulheres
Município "A"
Santa Catarina
Região Sul
Brasil
Apesar de o Ambulatório de Mastologia da Policlínica não possuir um sistema
organizado de cadastro dos atendimentos, em que fosse possível realizar
levantamentos estatísticos, encontrei registros de exames por punção com agulha fina
desde o final de 2001. Mesmo com as limitações de diagnóstico que este exame
possui, não tenho dúvidas que o tipo de assistência prestada tem conseguido realizar
diagnósticos mais precoces dos tumores de mama, viabilizando a implementação de
GRÁFICO 4: Distribuição do coeficiente de mortalidade por câncer de mama
feminina, por 100.000 mulheres, no Município “A” - SC, no período de 1998 a 2003.
Florianó
p
olis
,
maio de 2006.*
* Fonte: Ministério da Saúde, DATASUS (BRASIL, 2006a)
- Só estavam disponíveis os dados até o ano de 2003.
Tendência
100
terapêutica e diminuindo a mortalidade pela patologia no Município. Acredito que este
coeficiente poderá manter a tendência de queda, se houver um melhor rastreamento
dos casos nas unidades básicas, ampliação do atendimento no ambulatório
especializado, ampliação nas autorizações para a realização de mamografias e
disponibilização de punção por agulha grossa para exame histológico dos casos
suspeitos.
5.4 O trabalho com o Grupo Focal
Como expliquei no percurso metodológico, realizei quatro reuniões com o
grupo de enfermeiras inseridas na pesquisa, com o objetivo de coletar dados através da
discussão e aprofundamento da temática pelas participantes.
A primeira reunião teve a participação de 16 enfermeiras, representando quinze
unidades básicas, pois uma das unidades liberou uma segunda enfermeira do PSF para
participar das atividades. As representantes de quatro unidades não compareceram.
Como nem todas as enfermeiras se conheciam, na primeira reunião do Grupo
Focal, antes de abordar a temática, procurei desenvolver uma técnica de apresentação
dos membros levantando afinidades pessoais e profissionais, visando estabelecer uma
identidade para o Grupo (Apêndice C). Aos pares, cada uma se apresentou a outra
colega, para que depois ela a apresentasse para o grupo. Dessa maneira, todas falaram
e ficaram atentas às características pessoais expressas pelas colegas. Mesmo assim, as
participantes demonstraram uma certa timidez.
Para fazer a ligação com o assunto estudado, realizei uma dinâmica em que
cada participante do Grupo escrevia, em duas palavras, o que acha de bom e de ruim
no preventivo. A grande maioria colocou como aspecto positivo o fato de estar
fazendo prevenção e como aspecto negativo o constrangimento pela exposição do
corpo.
Nas discussões do início da reunião, as participantes estavam receptivas, mas
caladas em sua maioria, de modo que algumas participantes lideraram mais as falas;
uma delas fazendo, inclusive, brincadeiras e gozações que dispersavam o grupo.
101
Retornando as informações obtidas nas primeiras etapas da coleta de dados para
o Grupo, apresentei a primeira análise dos dados epidemiológicos, das entrevistas e
das observações (Figura 2). Com isso, pretendi que os dados fossem o ponto de partida
para as discussões e que, diante deles, as enfermeiras pudessem refletir sobre o seu
processo de trabalho e as ações de prevenção do câncer ginecológico desenvolvidas
nos serviços.
No entanto, durante a apresentação dos dados, o grupo permaneceu pouco
participativo frente à realidade que foi encontrada e estava sendo exposta. O silêncio
na sala, os olhares e as comunicações não verbais das enfermeiras denotavam o
constrangimento delas e sinalizavam para o desejo de não continuar a discussão,
situação que me deixou bastante tensa e preocupada.
O fato de ficar evidenciado que cada uma estava atendendo de uma maneira
acabou angustiando a todas. Transparecia, nas reflexões do Grupo, a necessidade de
ser direcionada a forma como elas deveriam atender as mulheres em serviços de
prevenção do câncer ginecológico. As falas estavam focadas na questão técnica, com a
justificava de que os problemas e erros identificados aconteciam por falta de
capacitação e de normatização no Município.
Não queria que a minha exposição fosse compreendida como uma crítica ao
trabalho desenvolvido pelas enfermeiras, mas que indicasse os problemas, para que
pudessem ser solucionados ou contornados, melhorando a cobertura e a qualidade da
assistência preventiva.
Expliquei ao grupo, novamente, os objetivos do trabalho e que a minha função
era de facilitadora nas discussões sobre o assunto. Propus, então, que as participantes
formassem quatro subgrupos e refletissem sobre o assunto, tomando como base os
dados encontrados. Para auxiliar o trabalho dos subgrupos e focar a discussão na
temática trabalhada, solicitei que procurassem responder às seguintes questões: quais
os quatro principais temas que deveriam ser aprofundados nas discussões dos
próximos grupos e em que ordem de prioridade eles deveriam ser discutidos?
As participantes expuseram, durante as apresentações dos subgrupos, suas
expectativas de capacitação técnica sobre o preventivo, utilizando o espaço das
102
reuniões do Grupo Focal. Foi colocada com muita ênfase a necessidade de
normatização do procedimento para ser aplicada em todas as unidades básicas.
Figura 2 - Apresentação dos Dados Epidemiológicos, das Observações e das
Entrevistas para as Enfermeiras do Grupo Focal.
103
Foi uma situação difícil para mim, pois o objetivo do meu estudo era discutir e
compreender o processo de trabalho das enfermeiras na prevenção do câncer
ginecológico, entretanto, a expectativa era outra. Tentei argumentar que havia
sobressaído na coleta de dados as dificuldades na organização dos serviços e, mesmo
assim, as participantes desejavam capacitação técnica para executar o procedimento de
coleta do CCO.
Diante dessa situação compreendi, que deveria modificar o planejamento e o
enfoque nas próximas reuniões. As falas das participantes apontavam que, apesar de
algumas terem sido capacitadas e de várias delas realizarem o exame de CCO, faltava
uma ligação entre a teoria e a prática, entre a necessidade de assistência e a forma
como ela estava sendo desenvolvida, fazendo-me repensar em como deveria conduzir
a reunião seguinte.
Percebi que na realidade encontrada havia um truncamento no processo de
trabalho, por carências instrumentais, e a análise da prática só poderia ser feita após o
preenchimento da lacuna identificada, pois os instrumentos de trabalho não estavam
disponíveis, em vários sentidos, inclusive em termos do conhecimento necessário à
realização do trabalho em si.
Acertada a data da próxima reunião, pelo adiantado da hora, e sem uma
definição de consenso, assumi o compromisso de pensar uma estratégia que pudesse
contemplar as necessidades expostas pelo Grupo e dar continuidade ao trabalho de
pesquisa. Não seria uma tarefa fácil, pois eu teria que estar considerando estas
necessidades e, ao mesmo tempo, evitar o afastamento dos objetivos propostos para o
estudo.
Fiquei, por algum tempo, pensando qual seria a melhor forma de discutir as
dúvidas técnicas, considerando que deveria trabalhar o assunto com um material
concreto, para que elas pudessem utilizar os sentidos para visualizar e manusear colos
em diferentes situações clínicas. Para isto, moldei peças com massa de modelar infantil
representando os tecidos e exemplos de colos, com achados clínicos que poderiam ser
encontrados habitualmente durante um atendimento, e uma mesa com os materiais
necessários para a coleta de CCO (Figura 3).
104
As enfermeiras demonstraram bastante interesse na metodologia, mas fizeram
poucas perguntas e a expressão facial, durante todo tempo, era de dúvida. A postura da
maioria foi de alunas prestando atenção em uma aula, como se estivessem tomando
contato com um assunto pouco conhecido. Algumas pareciam estar ouvindo as
explicações pela primeira vez e, mesmo assim, fizeram poucas perguntas, bem menos
do que eu esperava, e responderam menos ainda as perguntas formuladas durante o
desenvolvimento da dinâmica.
Figura 3 - Materiais utilizados na discussão sobre a técnica de coleta de CCO na
segunda reunião do Grupo Focal
Apesar da pouca devolução aos questionamentos, as participantes afirmaram, na
avaliação final, que a estratégia empregada auxiliou na compreensão da técnica, no
esclarecimento de dúvidas e prendeu a atenção de todas, pois estava próxima à
realidade vivenciada no atendimento cotidiano.
Nesta parte da reunião, acabei dando explicações mais detalhadas sobre a
técnica, ultrapassado muito o tempo previsto inicialmente e prejudicando a outra
atividade programada, ou seja, a discussão teórica sobre o processo de trabalho com
utilização de textos sobre o assunto. Pelo adiantado da hora, foi necessário terminar a
reunião antes das participantes finalizarem a exposição das discussões nos subgrupos.
A segunda reunião do Grupo Focal contou com a participação de 16
enfermeiras, representando 14 unidades básicas. Não compareceram três enfermeiras
que estiveram na primeira reunião e três estavam compondo o Grupo pela primeira
105
vez. Houve maior participação das enfermeiras nessa reunião, mas ainda permanecia
uma certa inibição entre elas, principalmente porque as reuniões estavam sendo
gravadas. A percepção que tive, foi de que algumas pessoas estavam receosas em falar
para não serem identificadas e prejudicadas de alguma forma.
Para aumentar a relação de confiança do grupo comigo e com as atividades que
estávamos realizando, enviei para as participantes, por e-mail, cópia dos textos
trabalhados e da transcrição da segunda reunião do Grupo Focal. Dessa forma,
puderam perceber que a gravação era para auxiliar na transcrição dos fatos e que os
membros do Grupo não estavam sendo identificados em nenhum momento.
Ao final da reunião, sugeri que as participantes do Grupo tentassem propor
algumas estratégias de mudança em seus serviços, baseadas nas discussões feitas
durante a reunião. O roteiro (Apêndice E) distribuído para esta atividade visava
auxiliar na análise e registro de como o trabalho está sendo feito nas unidades de saúde
e quais as propostas sugeridas e implementadas por cada participante. Ele continha
colunas para anotar as dificuldades encontradas, discriminação das prováveis causas,
especificação da proposta para a resolução do problema e ação implementada.
A terceira reunião do Grupo Focal (Apêndice F) contou com a participação de
11 enfermeiras, representando 10 unidades básicas, além da presença de uma docente
da Universidade que estava com um grupo de alunas em atividades práticas na
Unidade. Elas solicitaram permissão para assistir a reunião e o Grupo concordou.
Neste dia, houve menor freqüência, por estar havendo uma greve no serviço de
transporte coletivo.
Por causa da participação tímida de várias enfermeiras nas discussões, planejei
iniciar a reunião (Apêndice F) com uma dinâmica que denominei “relação de
confiança”. A dinâmica visava integrar mais o grupo, de forma descontraída,
quebrando barreiras, compartilhando a caminhada e propiciando maior participação de
todas. Nela, a metade das participantes estaria com os olhos vendados e sendo
conduzida pelas colegas. Foi bem interessante a avaliação que o grupo fez da
experiência. Ao compartilharem a experiência, as participantes estavam mais falantes,
106
cada uma querendo explicar sua sensação, sendo exposto, por várias delas, o
sentimento de insegurança ao ter que se deixar conduzir por outra pessoa.
Durante as discussões trouxemos a experiência para a vida profissional
reforçando a necessidade de a enfermeira ter clareza do caminho que deve percorrer e
da necessidade de integração com os colegas para que haja afinidade e união de
esforços no desenvolvimento do trabalho.
A discussão técnica nesta reunião foi o Exame Clínico das Mamas. Contei com
a participação de uma das enfermeiras para estar ajudando na demonstração das etapas
do exame e utilizei o manequim didático, cedido pela Secretaria Estadual de Saúde,
“Mamamiga” e um folder educativo que elaborei para utilizar na orientação das
mulheres durante o atendimento (Figura 4).
Figura 4 - Materiais utilizados na discussão sobre a técnica de Exame Clínico da
Mama na terceira reunião do Grupo Focal
A participação na atividade foi boa e teve maior número de perguntas. No
entanto, a minha percepção foi que este conhecimento, assim como da coleta de CCO,
não era do domínio de todas. Os questionamentos indicavam que havia, também, um
déficit neste conhecimento, na habilidade para realizar o exame e, por conseguinte, na
107
avaliação clínica e orientação das mulheres com relação a sinais de alerta para câncer
de mama.
No momento seguinte, houve a retomada da discussão sobre processo de
trabalho, que havia ficado inacabada na reunião anterior. A relatora de cada subgrupo
apresentou, para todas, as respostas dadas às questões e houve alguma discussão.
Elas focaram discussão no plano da macropolítica do problema. A análise ficou
circunscrita, prioritariamente, à falta de participação da população, às deficiências das
unidades básicas e às questões de infraestrutura, condução e apoio da Secretaria
Municipal.
As enfermeiras tiveram muita dificuldade em perceber e refletir o problema
dentro do seu micro espaço de atuação, ou seja, sobre a contribuição que cada uma
poderia estar dando e sobre as mudanças na organização do trabalho que poderiam ser
feitas, sem ficar dependentes de esferas sobre as quais não têm interferência direta.
Além disso, várias participantes verbalizaram a sua dificuldade em entender os
pequenos textos distribuídos para nortear as discussões e auxiliar no seu
posicionamento, por não terem contato rotineiro com material reflexivo, só com
bibliografia técnica.
Para subsidiar o momento de reflexão, indaguei quantas participantes haviam
anotado, na folha distribuída na reunião anterior, os problemas identificados e as ações
implementadas em seus serviços. Somente três responderam afirmativamente.
Algumas disseram que chegaram a discutir o assunto na Unidade, que tinham como
contribuir com as discussões, mas que não fizeram anotações.
O Grupo foi, então, dividido em três subgrupos, para que o assunto pudesse ser
discutido e apresentado, mas as participantes continuavam com muita dificuldade em
propor mudanças. Assim, antes de finalizar a reunião, propus que as enfermeiras
continuassem a progredir nas reflexões e nas mudanças e que trouxessem as suas
experiências para a próxima reunião.
Para auxiliar nesta tarefa, distribuí um roteiro (Apêndice G) onde deveriam ser
anotados os problemas identificados e as ações implementadas. Neste roteiro, foram
acrescentadas ao instrumento anterior duas colunas, uma para outras proposições de
108
resolução do problema e outra discriminando o profissional que deveria ser
responsável pelas ações propostas, assim como o período em que elas deveriam ser
implementadas.
O registro da terceira reunião ficou prejudicado, pois ao rodar a fita que estava
no gravador não foi possível perceber nenhum som gravado. Por esse motivo, na
discussão dos dados, não utilizarei exemplos das falas expressas pelas participantes
nessa reunião, por não poder ser fiel ao que foi verbalizado.
A quarta reunião do Grupo Focal contou com a presença de 12 enfermeiras,
representando 11 unidades básicas. A ausência de três enfermeiras foi justificada por
elas estarem em férias ou licença médica. Nesta reunião compareceu uma enfermeira
participante do estudo, que ainda não havia freqüentado nenhuma reunião do Grupo
Focal.
No planejamento, propus iniciar a reunião com o jogo “A eficiência de um
trabalho em equipe – a corrida de carros” (FRITZEN, 2004, p.27-29). O Grupo foi
dividido em três subgrupos para resolver, na maior brevidade possível, um problema
numa corrida de carros, conforme o roteiro explicativo (Apêndice H). O problema,
aparentemente, não tinha nenhuma ligação com a temática estudada, mas tinha a
intenção de refletir sobre o trabalho em equipe.
O subgrupo “vencedor” conseguiu resolver o problema em 15 minutos (Figura
5) e, para finalizar a dinâmica, discutimos sobre como o trabalho foi desenvolvido.
Conforme cada uma ia falando, as dificuldades de um trabalho em equipe foram sendo
evidenciadas e comparadas com a prática profissional.
Figura 5 - Resultado apresentado pelo Subgrupo vencedor do jogo.
SOLUÇÃO
1 – O Shadow, cor azul;
2 O McLaren, cor verde;
3 – O March, vermelha;
4 O Ferrari, cor creme;
5 O Lola, cor roxo;
6 - O Lótus, cor amarela;
7 – O Iso, cor preta;
8 – O Tyrrell, cor rosa.
109
Na etapa seguinte da reunião, discutimos em grupo as sugestões de mudanças
no atendimento à prevenção do câncer ginecológico trazidas pelas participantes.
Semelhante à reunião anterior, houve o retorno dos roteiros com anotações, somente
por duas participantes. Por este motivo, as participantes foram divididas em dois
subgrupos que trabalharam, a partir das anotações disponíveis, mas com a colaboração
e complementação das outras participantes.
O Grupo estava bem participativo, houve discussão e troca de informações
sobre como cada uma vem pensando e implementando ações nas unidades sanitárias
em que trabalham. As participantes começaram a perceber que algumas propostas
poderiam iniciar dentro do seu micro espaço de atuação e que acarretariam, também,
uma mudança na assistência prestada.
Outra questão enfatizada no Grupo foi a necessidade de haver troca de
informações e união entre elas, para conseguirem mudanças mais significativas com
relação à prevenção do câncer.
Expliquei, mais uma vez, que a intenção do meu trabalho não era indicar como
as atividades deveriam ser feitas, mas auxiliar na reflexão das profissionais sobre quais
as modificações seriam necessárias e possíveis nos serviços de saúde do Município
“A”. Expus, também, que estava acreditando que os trabalhos no Grupo Focal
poderiam ser encerrados com essa quarta reunião. Todas concordaram.
Afirmei que, independente do estudo que estava realizando, colocava-me à
disposição para continuar auxiliando na discussão sobre a prevenção do câncer
ginecológico, individualmente nas unidades ou em regiões do Município.
Para terminar, propus que fosse feita uma avaliação do trabalho no Grupo
Focal, tomando como base as seguintes questões:
- As atividades desenvolvidas durante as reuniões do grupo contribuíram, de alguma
forma, com a sua atuação profissional? Como?
- Como você acha que as discussões feitas neste grupo poderiam auxiliar no
atendimento à mulher, com relação à prevenção do câncer ginecológico, no
Município?
110
- Na sua opinião, quais as limitações que ainda permanecem no atendimento à mulher,
em relação à prevenção do câncer ginecológico, no Município “A”?
Na avaliação final das atividades, a participação das enfermeiras foi muito boa,
a melhor dentre todos os trabalhos em grupo. Todas fizeram questão de dar o seu
depoimento e opinião, fazendo, inclusive, observações adicionais a tudo que já
havíamos discutido, em relação ao seu processo de trabalho e à assistência preventiva.
A avaliação sobre a condução dos trabalhos foi positiva, ressaltando-se que
deveriam ser realizadas capacitações com todas as profissionais que estão no
atendimento, de uma forma aberta e dialogada, dando informação e oportunidade de
discussão das vivências do grupo. Assim, conseguiriam ultrapassar as dificuldades
diárias para refletir melhor sobre a prática profissional.
Para fechar a reunião, agradeci a colaboração e procurei fazer um resgate das
propostas que tinham sido expressas, comprometendo-me a repassar as dificuldades
elencadas por elas, para a Coordenação Municipal, durante a capacitação que estava
prevista para o início do próximo mês.
5.5 Categorias temáticas encontradas
Nesta etapa do capítulo, apresento e discuto as categorias temáticas que
emergiram nos discursos das enfermeiras participantes do estudo. Para realizar esta
análise e tentar responder à tese explicitada no primeiro capítulo, busquei apoio teórico
no Materialismo Histórico e Dialético, para compreender o processo de trabalho em
saúde e na enfermagem e, a partir dessa compreensão, focar meu olhar sobre os dados
obtidos.
O processo de trabalho é uma atividade orientada para produzir valores de uso
que irão satisfazer necessidades humanas, condição natural e permanente da vida
humana, independente de qualquer forma de vida e comum a todas as suas formas
sociais. Os elementos básicos do processo de trabalho são a atividade orientada para
uma finalidade ou o próprio trabalho, o objeto sobre o qual incidirá a ação
111
desenvolvida e os meios que o trabalhador coloca entre si e o objeto de trabalho e que
servem como condutores de sua atividade sobre o objeto (MARX, 1983).
O ser humano realiza uma transformação no objeto com o seu trabalho, pensada
desde o início, para a obtenção do produto. Nesse processo, como expus
anteriormente, a força de trabalho empregada pelo trabalhador une-se ao produto
produzido, desse modo o trabalho é objetivado e o objeto é trabalhado (MARX, 1983).
Partindo da compreensão de que o trabalho é uma atividade humana
intencional, em que o ser humano modifica a natureza ou uma dada situação e, ao
mesmo tempo, modifica-se ao desenvolvê-lo, é possível afirmar que existe uma
relação de mútua transformação entre sujeito trabalhador e objeto do seu trabalho, num
movimento de crescente complexidade. Nessa relação dialética, o ser humano produz
relações sociais construídas historicamente com o seu trabalho, transitando entre a sua
individualidade e a sua condição de ser social durante esse percurso. O profissional de
saúde, enquanto trabalhador da instituição em que está inserido, experimenta e
expressa a sua singularidade e a sua condição de ser social ao estabelecer relações com
outros profissionais e com a população (MARX, 1983; LEOPARDI, 1999).
Na produção de coisas materiais, esse processo pode ser compreendido com
maior facilidade. Quando o trabalho acontece para satisfazer necessidades de coisas
não-materiais, o processo parece bem mais complexo, como é o caso do trabalho da
enfermagem (LEOPARDI, GELBECKE, RAMOS, 2001).
Na área de saúde, o trabalho, além de ser complexo é multifacetado, pois
envolve mais de um sujeito e mais de uma necessidade. As relações que se
estabelecem têm, além de uma dimensão técnica, uma dimensão ética, política e
cultural, embora, na maioria das vezes, a sua relevância escape à percepção dos
sujeitos envolvidos pela atual supervalorização da dimensão tecnológica nas práticas
de saúde (CAPELLA, 1998; TEIXEIRA, 2002).
O valor da assistência em um serviço de saúde é socialmente produzido, por
isso o lugar de produção da saúde é demarcado pela conjunção de muitos interesses
que tentam se sobrepor uns aos outros na disputa pela hegemonia. A sua natureza é
constituída em uma luta permanente de influência entre saberes, interesses e
112
necessidades da população, interesses econômicos, interesses corporativos e pelas
práticas políticas, profissionais e de divulgação na mídia. Estes valores e
comportamentos imprimem uma lógica organizacional que, por sua vez, influencia no
processo de trabalho dos profissionais envolvidos (CAMPOS, 2005).
Na área da saúde, o trabalho é desenvolvido majoritariamente em instituições
formais que representam espaços legais de atenção à saúde. Ele faz parte do setor de
prestação de serviços e está na esfera da produção não-material. O trabalho em saúde
completa-se no ato da sua realização, assim, o produto é indissociável do processo que
o produz (PIRES, 1999).
Caracterizando o processo de trabalho em saúde, Pires (1999, p.32) afirma que
o processo de trabalho em saúde e na enfermagem tem como finalidade - a
ação terapêutica de saúde; como objeto
– o indivíduo ou grupo de doentes,
sadios ou expostos a riscos, necessitando medidas curativas, preservar a
saúde ou prevenir doenças; como instrumental
de trabalho – os instrumentos
e as condutas que representam o nível técnico do conhecimento que é o saber
de saúde e o produto
final é a própria prestação da assistência de saúde que é
produzida no mesmo momento em que é consumida.
Considerando este referencial e entendendo que existem dificuldades no
desenvolvimento do processo de trabalho das enfermeiras nos serviços de saúde,
elaborei a figura esquemática a seguir, para auxiliar na sistematização e análise dos
dados obtidos na pesquisa, visando determinar os limites que as enfermeiras enfrentam
para concretizar o potencial do seu trabalho na prevenção do câncer ginecológico,
numa determinada população. Nela, procuro traduzir visualmente os elementos
envolvidos no processo de trabalho em saúde e na enfermagem, de modo a facilitar a
compreensão da realidade encontrada durante o estudo.
Focando o olhar neste estudo, é possível refletir sobre o processo de trabalho
da enfermeira que, através da sua competência técnica e responsabilidade sanitária
sobre a população de uma determinada área, utiliza a força de trabalho
que tem
disponível para atingir a finalidade
de promover o bem-estar e a saúde das mulheres e,
no recorte deste estudo, prevenir o câncer ginecológico. A enfermeira deve utilizar,
como instrumentos,
o seu conhecimento técnico-científico, sua habilidade e
113
experiência profissional e a estrutura disponível nos serviços de saúde, para propor e
desenvolver ações que tenham impacto sobre a mulher, objeto-sujeito do seu trabalho
,
na diminuição da morbimortalidade pelo câncer ginecológico, na ampliação das
informações na comunidade e no fomento do interesse da mulher no seu autocuidado.
Dessa maneira, procurarei discutir os dados obtidos, fazendo o diálogo com os
elementos que caracterizam o processo de trabalho em saúde.
Figura 6 - Esquema Teórico sobre o Processo de Trabalho em Saúde e na Enfermagem
Na discussão dos dados, tomo como ponto de partida as entrevistas
com
enfermeiras do PSF, das dezenove Unidades Básicas de Saúde do Município estudado.
Os achados encontrados no levantamento epidemiológico, na observação sistematizada
e nas reuniões do Grupo Focal serão discutidos durante a apresentação das categorias
temáticas encontradas. Assim, através dessa triangulação, poderei completar as
informações, fazer aproximações, reforçar ou cotejar os dados entre si. Para ilustrar as
afirmações feitas no texto utilizarei, à medida que for discutindo os dados, trechos das
Processo de
Trabalho
Objeto
Pessoal disponível,
competência e
responsabilidade sanitária
Informação, interesse
e autocuidado
Bem-estar das
mulheres e
prevenção do câncer
Conhecimento, habilidade,
estrutura do serviço e
estratégias utilizadas
Organização
-local
-regional
-Nacional
Finalidade
do Trabalho
Instrumentos
Força de
Trabalho
114
falas das enfermeiras e figuras esquemáticas apresentadas e validadas nas reuniões do
Grupo Focal.
Para a análise temática das falas das enfermeiras, foram utilizadas as respostas
que elas deram na entrevista às perguntas que abordavam a percepção sobre as
dificuldades, as facilidades encontradas e a opinião sobre o que deveria ser feito com
relação à prevenção do câncer ginecológico. Aprofundei a análise dos dados,
procurando compreender a realidade através de recortes nos discursos expressos pelas
enfermeiras nas entrevistas. As unidades de significado identificadas nas falas foram
selecionadas a partir de sucessivas leituras, descartes e sínteses, de modo que a
essência dos dados pudesse emergir.
A análise das 1.148 unidades de significado selecionadas e organizadas indicou
que a comunicação das enfermeiras dirigia-se para quatro categorias temáticas,
compostas por nove subcategorias, que, sistematizadas, formaram o Quadro de
Categorias apresentado a seguir. Os registros encontrados em cada uma das
subcategorias foram contados e serviram para indicar os assuntos mais abordados
pelas enfermeiras, em conjunto. É necessário esclarecer, porém, que não houve
descarte de falas, mesmo que únicas, que auxiliassem na compreensão da realidade.
A categoria temática com maior número de considerações foi a organização do
trabalho, abordando o funcionamento dos serviços, a atuação dos profissionais nas
unidades básicas e os aspectos relacionais no processo de trabalho. O segundo tema
mais abordado originou a categoria força de trabalho. Nela foram incluídas as falas
que realçam a importância da capacitação de modo que a profissional tenha
competência técnica para realizar ações de prevenção do câncer ginecológico. A falta
de pessoal foi abordada de forma muito tímida nesta categoria.
No terceiro tema mais denso, as enfermeiras discutiram conteúdos sobre os
instrumentos para o trabalho, exemplificados pela infra-estrutura física e material
dos serviços para o desenvolvimento da assistência.
Como quarta categoria temática, foram sistematizados os conteúdos que
abordavam o objeto de trabalho, sob o ponto de vista das trabalhadoras, através da
percepção que elas têm sobre as mulheres em relação ao preventivo e ao atendimento.
115
Quadro - Categorias Temáticas e Subcategorias Identificadas nas Entrevistas
(Total = 1.148 registros)
Categorias Temáticas
Subcategorias Conteúdos
Captação e Acesso das Mulheres
(164 registros)
Funcionamento do Município
(116 registros)
Funcionamento dos
Serviços
(376 registros)
Funcionamento da Unidade
(96 registros)
Percepção do seu Processo de Trabalho
(148 registros)
Percepção do Processo de Trabalho da Equipe
(123 registros)
Atuação dos Profissionais
(296 registros)
Envolvimento e Interesse na Prevenção
(25 registros)
Na Unidade Básica
(63 registros)
Organização do
Trabalho
(752 registros)
Aspectos Relacionais
(80 registros)
Com outras instâncias
(17 registros)
Necessidade de Treinamento e de Aprender
(106 registros)
Competência Técnica
(19 registros)
Freqüência dos Treinamentos
(12 registros)
Capacitação
(144 registros)
Treinamento Informal
(7 registros)
Falta de profissionais
(8 registros)
Força de Trabalho
(155 registros)
Quadro Funcional
(11 registros)
Pessoal disponível
(3 registros)
Falta ou inadequação de espaço físico
(45 registros)
Multiplicidade de atividades no espaço físico
(14 registros)
Espaço físico
(72 registros)
Espaço Adequado/específico
(13 registros)
Falta ou inadequação de material
(49 registros)
Instrumentos de
Trabalho
(140 registros)
Material
(68 registros)
Material disponível
(19 registros)
Sentimento negativo / resistência ao exame
(32 registros)
Falta de conhecimento / interesse
(21 registros)
Percepção sobre as
mulheres com relação ao
preventivo
(73 registros)
Aceitação do exame / Conscientização
(20 registros)
Acesso ao preventivo
(13 registros)
Qualidade do atendimento/ participação mulheres
(12 registros)
Objeto de Trabalho
(101 registros)
Percepção sobre as
mulheres com relação ao
atendimento
(28 registros)
Restrição ao Profissional
(3 registros)
116
A finalidade do trabalho, em termos de bem-estar das mulheres e da
prevenção do câncer ginecológico, não apareceu claramente nas falas, embora durante
todas as temáticas tenha sido referida a necessidade de oferecer serviços de qualidade.
Não houve, porém, afirmativa que evidenciasse o alcance das finalidades na obtenção
de resultados.
5.6 Apresentação e discussão das categorias
5.6.1 A organização do trabalho
O Tema Organização do Trabalho dominou mais de 65% das falas das
enfermeiras durante as entrevistas, destacando-se, na metade delas, as que abordavam
o funcionamento dos serviços
. Elas tiveram a preocupação em discorrer sobre a
identificação para a captação e acesso das mulheres ao exame, discriminar a percepção
que possuem sobre o funcionamento do Município e sua influência sobre a prevenção
do câncer, além de descrever o funcionamento das unidades básicas com as
dificuldades e facilidades que enfrentam para o desenvolvimento do atendimento
preventivo.
A atuação dos profissionais
foi a subcategoria que esteve presente em segundo
lugar na somatória das falas, discutindo a percepção que possuem sobre o seu próprio
processo de trabalho e o da equipe com quem trabalham, assim como fazendo
colocações sobre o interesse e o envolvimento dos profissionais com a prevenção.
Os aspectos relacionais
, na unidade básica e com outras instâncias, ocuparam o
terceiro lugar nos depoimentos das enfermeiras sobre a organização do trabalho. No
entanto, durante a descrição e discussão dos dados encontrados procurarei mesclar as
informações abordadas nesses três aspectos para facilitar a compreensão e evitar
repetições, pois muitos dados estão conectados e têm a sua origem nas mesmas causas
determinantes, na medida em que a organização imposta aos dados é um artifício para
permitir a análise de uma realidade complexa.
117
Antes de iniciar a apresentação dos dados, é necessário ressaltar que a maioria
das enfermeiras entrevistadas utiliza o termo preventivo como sinônimo do exame
CCO (colpocitologia oncótica). Por isso, muitas respostas referem-se somente ao
procedimento, sem estarem direcionadas a qualquer outra ação que vise a prevenção
do câncer.
Ao analisar a percepção que as enfermeiras entrevistadas têm sobre o
funcionamento dos serviços de saúde e do Município, com relação à prevenção do
câncer ginecológico, foi possível evidenciar que existe uma pluralidade de opiniões
sobre como as instituições funcionam e como elas deveriam estar organizadas.
Algumas têm convicção de que a organização dos serviços e as diretrizes municipais
estão corretas ou são as possíveis, outras não conseguem emitir uma avaliação positiva
ou negativa. Algumas acreditam que as instituições deveriam funcionar de outro
modo, mas ainda expressam muitas dúvidas sobre como as ações de prevenção do
câncer ginecológico deveriam estar organizadas ou ser desenvolvidas.
“Humm... [SILÊNCIO] não vejo nenhum tipo [dificuldade na Unidade] neste
momento” (Tarumã 1)
7
“[O preventivo] fica mais a encargo mesmo do ginecologista. Nós enfermeiros...
mas não tão específico assim.” (Carvalho 14)
“Eu não sei ainda como nós vamos fazer. Não sei como é a demanda, eu não sei se
eu vou marcar tal horário, eu não sei se eu vou deixar por demanda livre” (Cerejeira
8)
Ficou evidente que o processo de trabalho está configurado e é percebido de
diferentes maneiras pelas profissionais. Não existe uma diretriz uniforme na atuação,
na compreensão do atendimento, na priorização das atividades e no resultado das
ações. Não está claro para as profissionais qual a melhor opção, pois o atendimento é
realizado sem estar pautado nas necessidades da população e em definições gerenciais
objetivas. Por isso, continuam com muitas dúvidas sobre como o serviço deveria ser
organizado para que tivesse maior efetividade e alcance.
7
Entre parênteses estão colocados os nomes fictícios das enfermeiras entrevistadas e o número de ordem do
registro da unidade de significado identificada no seu discurso. Os nomes escolhidos foram de árvores que
fornecem madeira de lei, por considerar que essas profissionais dão sustentação para o trabalho nas Unidades
Básicas de Saúde.
118
“O que facilita [no preventivo] é que eu acho que é bem organizado. Eu já peguei
pronto, na verdade estes livros organizados [...] Tem uma rotina, tem essa parte
burocrática que organiza.” (Pinho 13, 14)
“Antes nós trabalhávamos com agenda, aí com agenda faltavam muitas pacientes”
(Aroeira 28)
“Não podemos colocar essa menina na coleta do preventivo porque nós não temos
ninguém para suprir a outra sala.” (Eucalipto 33)
Ao refletirem sobre o próprio processo de trabalho, as enfermeiras afirmam que,
geralmente, não realizam assistência de prevenção do câncer ginecológico. As que
prestam assistência, o fazem em horários limitados e agendados, pois são responsáveis
por outros atendimentos também. A falta de tempo e a sobrecarga de trabalho foram
apontadas como as razões para o atendimento limitado na prevenção do câncer. Elas
relatam dificuldade em conciliar os horários da agenda de trabalho com a forma como
estão organizados os atendimentos de prevenção na unidade.
“Eu não faço a coleta, porque elas acabam vindo em um horário que a gente não está
disponível para fazer [...] Como aqui o é agenda, é demanda livre, isso acaba
sendo uma dificuldade para mim [...] Eu acho que eu poderia fazer, de repente, uma
agenda fechada e fazer uns atendimentos.” (Pau-Brasil 12,16,41)
“A gente já pensou em as enfermeiras estarem fazendo o preventivo. Para a gente,
livre demanda é uma coisa complicada.” (Cambará 21)
“Eu não posso fazer mais vezes. Também tenho outros tipos de consulta para
realizar.” (Pinho 11)
Nas unidades onde observei o funcionamento do preventivo, a maioria oferecia
a assistência em livre demanda, no período matutino ou vespertino, mesmo que fosse
somente uma ou duas vezes por semana. A livre demanda é, também, a diretriz
administrativa da Coordenadoria Municipal de Saúde da Mulher, que vem tentando
implantar essa norma em todas as unidades básicas.
A questão da falta de tempo, enfatizada pelas entrevistadas, reportou-se à
diversidade de atendimentos prestados e à burocracia envolvida nas atividades. O
tempo utilizado nesta forma de trabalho acaba prejudicando ações que elas consideram
importantes ou limitando a sua atuação ao cumprimento de rotinas pré-estabelecidas.
“Preencher aquele tanto de papel, que é bem cansativo [...] às vezes a gente fica mais
tempo preenchendo papel do que propriamente fazendo o exame” (Mogno 38)
“Se eu tivesse mais tempo, porque a gente acaba direcionando para outras coisas [...]
eu nunca pensei em planejar uma atividade exclusivamente para prevenção de
câncer ginecológico.” (Tarumã 9, 10)
119
“Como a gente tem muitas coisas que a gente fica responsável eu acabo não indo
atrás e faço apenas aquilo que é pedido e não além.” (Angelin 66)
O planejamento e a avaliação das atividades também ficam prejudicados,
transformando o processo de trabalho numa rotina cíclica e ineficiente, sem o respaldo
necessário para fazer um trabalho diferente e com qualidade, pois a assistência é
prestada de forma estrangulada, em horários restritos e visando números de produção a
serem alcançados.
Ao mesmo tempo, as enfermeiras reconhecem que têm deficiências no
conhecimento teórico, o que as limitam na prestação da assistência e na ampliação do
seu envolvimento com as ações de prevenção. Ressaltam que a experiência é
necessária para desenvolver a assistência com qualidade e segurança, mas acabam
envolvidas com tantas atribuições que não conseguem aprimorar sua prática. A
insegurança que a falta dessa prática causa acaba por afastá-las mais da assistência,
que passa a ser vista como um procedimento com o qual não possuem muita afinidade
ou que deve ser exercido por outro profissional.
“Eu estava bem mais insegura quando eu comecei a fazer, agora eu já sinto que eu
estou mais segura [...] agora eu estou boa, porque eu não erro mais nenhum colo [...]
no começo a gente apanha, principalmente, porque eu nunca tinha feito assim com
tanta freqüência” (Mogno 103-5)
“Exame de mama. [...] Para mim, e eu sinto em algumas enfermeiras também. [...]
quando não dá nada fico aliviada e quando você pega um caroço [...] você fica numa
insegurança danada” (Cerejeira 27, 28)
“O fato de a gente ter bastante pacientes para fazer isso nos deu uma certa prática.
Isso é bem legal.” (Angelin 35)
“Eu, particularmente, da coleta do preventivo eu não sou fã. Não é uma das coisas
que eu mais gosto dentro da enfermagem.” (Carvalho 56)
Além disso, nas discussões do Grupo Focal, elas apontam que a falta de
conhecimento fragilizam-nas frente aos outros profissionais da equipe, tirando o poder
de argumentação e de comando e cedendo espaço profissional.
“[...] se tu tiver menos conhecimento do que o Técnico de Enfermagem, tu não vai
conseguir construir aquele processo também, porque tu vai discutir com ele e ele vai
te provar que a forma dele é a correta. Não que seja correta, mas ele vai te impor que
aquilo é correto, porque tu não vai conseguir discutir com ele” (Grupo Focal 2).
“[...] vai perder o espaço, é o que acaba acontecendo com a gente e o profissional
médico. Por tu não ter conhecimento, ele coloca aquilo que talvez nem seja o certo,
120
mas como tu não tem uma contra-argumentação tu tem que engolir aquilo” (Grupo
Focal 2).
Durante a observação do atendimento nas unidades, pude perceber que as
enfermeiras e as profissionais de enfermagem de nível médio apresentam dificuldades
técnicas e de embasamento teórico na coleta de CCO e no exame clínico das mamas.
Além disso, cometem falhas graves no manuseio de materiais esterilizados e
contaminados, na lavagem das mãos, no processamento de materiais e no atendimento
das normas de biossegurança, para proteção pessoal e da população atendida. Fica
evidente que as dificuldades técnicas e erros cometidos têm associação com a
deficiência na formação profissional e com a insuficiência de capacitação em serviço e
de supervisão das atividades desenvolvidas.
Todavia, provavelmente, estes achados não estão sendo percebidos ou
valorizados pelas profissionais. Ao se reportarem sobre as dificuldades pessoais, com
relação à prevenção do câncer ginecológico, elas evidenciam, quase que
exclusivamente, o desempenho técnico na avaliação do Teste de Schiller.
Este procedimento foi introduzido na rotina de atendimento da coleta de CCO,
valorizado e cobrado pela Coordenação Municipal do Programa, como uma forma de
ampliar e agilizar a possibilidade de identificação de lesões durante o exame especular.
Entretanto, a maioria das profissionais que realizam o exame permanece com muitas
dúvidas e cometendo erros de avaliação.
“Algumas avaliações (do Teste de Schiller) que eu fico um pouco em dúvida”
(Seringueira 12)
“Eu tenho um pouco de dificuldade na relação do Schiller e na interpretação”
(Aroeira 21)
“A minha maior dificuldade é fazer a avaliação do Teste de Schiller” (Mogno 22)
“Para fazer o Schiller... [...] quando ele está todo pintadinho... Graças a Deus!
Negativo. O negativo eu nunca erro, mas aí quando vai la... [...] e agora, será que é
positivo? [...] o problema é para analisar. Eu tenho um pouco de medo, porque eu
acho que tem que ter muita responsabilidade para analisar aquilo” (Cerejeira 14, 25)
No Município, o Teste de Schiller positivo está sendo usado como critério de
encaminhamento das mulheres para a realização do exame de colposcopia,
independente do resultado do exame citológico. Porém, pude identificar, durante a
observação dos atendimentos nas unidades e nas discussões do Grupo Focal, que as
121
profissionais envolvidas com o preventivo têm muitas dúvidas na avaliação clínica do
colo uterino, conhecimento básico e necessário para proceder a avaliação do colo após
o Teste de Schiller. Como as enfermeiras ficam inseguras pelo déficit de
conhecimento, elas encaminham as pacientes que apresentam qualquer cor ou situação
diferente no Teste como Schiller positivo. Por isto, estão sendo responsabilizadas
pelos encaminhamentos inadequados para o atendimento no serviço de nível
secundário, o que vem causando longas filas de espera para o exame especializado.
As enfermeiras verbalizaram, durante as discussões no Grupo Focal, que a
habilidade do profissional, na técnica de coleta de citologia, está sendo associada à
avaliação correta ou não do resultado do Teste, de modo que ele está sendo usado,
também, como um critério de “avaliação do profissional”.
A demanda excessiva de mulheres sem indicação clínica ou citológica para o
serviço especializado, propiciou a disseminação de uma visão negativa e distorcida da
atuação da enfermeira, inibindo, mais ainda, o interesse e a participação das
profissionais em ações de prevenção do câncer ginecológico.
“Gerou um clima, que os enfermeiros não estão sabendo coletar e que hoje tem uma
fila de demanda grande, para fazer a colposcopia, porque o enfermeiro está
colocando tudo Teste de Schiller positivo [...] foi colocada toda a culpa na gente.”
(Grupo Focal 1)
Apesar das dificuldades e do acúmulo de atividades, várias enfermeiras
acreditam que poderiam melhorar a qualidade da assistência prestada se assumissem o
atendimento, pois valorizam seu trabalho, principalmente pelo papel que
desempenham nas equipes de PSF. Consideram que possuem qualidades pessoais e
profissionais que qualificariam mais a assistência.
“Preventivo é uma coisa que, nós enfermeiras, temos plena capacidade de fazer uma
coisa muito boa” (Mogno 132)
“Tenho a facilidade de ter um pouco de conhecimento para poder passar isso à
frente, para os funcionários e para a população. Nas consultas e em palestras, na
escola, no grupo.” (Ipê 26)
“Quando eu tenho dúvida também, eu não tenho vergonha de pedir ajuda, sempre
chamo alguém ou encaminho para o médico. Já faz parte.” (Cumbarú 28)
“Eu acho que o papel da enfermeira... meu Deus! ...valorizou muito em parte da
orientação. Acho que é uma pessoa que tem muita vontade de orientar, ajuda muita
coisa dentro de uma unidade do PSF” (Garapuvu 12)
122
Ao prestar essa assistência, as enfermeiras acreditam que poderiam identificar
outros problemas nas mulheres, ter controle dos atendimentos preventivos
desenvolvidos, ter mais agilidade no encaminhamento de casos suspeitos, programar e
desenvolver atividades educativas e ter acesso à comunidade, através da interação que
possuem com os Agentes Comunitários de Saúde.
Reconhecem que as profissionais de nível médio, mesmo aquelas que já foram
treinadas e atendem corretamente, ficam limitadas à execução do procedimento de
coleta, deixando de fazer uma anamnese e investigação mais detalhada, capaz de
identificar outros problemas e, assim, promover uma assistência mais integral.
“O fato de eles colocarem que a enfermeira é responsável pela coleta é bom. A gente
acaba tendo mais contato, sabe como as coisas estão acontecendo.” (Angelin 25)
“Eu sempre falei com as outras enfermeiras que eu achava que a gente deveria fazer
o preventivo [...] a gente acaba descobrindo que a paciente [...] tem uma série de
problemas. A gente acaba fazendo um encaminhamento para a ginecologista já após
o preventivo.” (Cambará 48,57)
“A gente tem contato direto com o resultado dos preventivos [...] correlaciono com a
coleta, tenho o controle. Se aparece um NIC aí eu já vou atrás, não deixo para
esperar ela pegar o resultado do exame...” (Angelin 21)
“Tem essa parte do ACS [...] essa ligação (com a comunidade)[...] Esse acesso eu
vejo que é mais fácil da gente poder fazer uma série de coisas” (Jacarandá 44, 47)
“A Técnica faz tudo certinho [...] A questão que muda é a da consulta de
enfermagem que fazemos antes, a gente identifica uma série de outros problemas
que, de repente, ela não está identificando” (Cambará 54)
Por ser uma assistência que exige capacidade de julgamento e de planejamento
de ações específicas e adequadas para o atendimento das necessidades de cada mulher,
acredito que ela deveria ser executada na equipe de enfermagem, prioritariamente, pela
enfermeira. Nos serviços em que precisasse ser delegada para outros membros da
equipe de enfermagem, a enfermeira deveria assumir uma supervisão direta, ficando
disponível para avaliar e tomar decisão nos casos em que fosse necessário.
Mesmo acreditando que as enfermeiras podem desenvolver o trabalho com
qualidade, várias delas não conseguiram fazer uma análise do seu processo de
trabalho, quando questionei sobre as facilidades e dificuldades na sua atuação
profissional. O bloqueio em pensar e expressar “o seu fazer” afastam-nas da situação
de “sujeito”, com autonomia no seu próprio trabalho.
123
“É difícil falar sobre a minha atuação” (Cambará 10)
“É tão difícil se avaliar![...] Ai!” (Carvalho 35, 55)
“É difícil falar da gente. (risos) é complicado falar da gente [...] na minha atuação?
Meu Deus, como é difícil falar da gente!” (Mogno 65, 101)
Entretanto, é fundamental reconhecer que a forma como o processo de trabalho
se organiza e se realiza gera conseqüências não apenas técnicas (no sentido de modos
de fazer), mas também éticas, na medida em que estas definem as possibilidades do
trabalhador ser sujeito moral de suas ações e ter seus direitos respeitados e
considerados nas relações que se estabelecem nos serviços.
Esta discussão teve um certo avanço e amadurecimento para algumas
participantes, com o desenvolvimento das reuniões do Grupo Focal, pois conseguiram
fazer a associação do conhecimento com a autonomia e prática profissional.
“[...] aí entra a questão do conhecimento, se a gente não tiver conhecimento de um
assunto [...] Se tu não tiver conhecimento tu nunca vai conseguir discutir aquilo que
tu quer” (Grupo Focal 2).
“Eu acho que foi útil, também, para a gente estar refletindo mais. O dia-a-dia é
sempre muito corrido, tu não para pra refletir com relação ao trabalho em equipe,
com relação à própria técnica. Queira ou não tem momentos que você acaba ficando
meio mecânico mesmo. Então, parar pra refletir é bom.” (Grupo Focal 4)
O trabalho processado sem planejamento e avaliação das ações desenvolvidas
gera esta situação de alienação, em que as atividades são executadas sem uma
compreensão mais ampla, voltando-se para o desenvolvimento de técnicas e de rotinas
pré-estabelecidas. O trabalho acaba sendo pouco motivador para a profissional,
fazendo com que ela perca a noção da sua importância dentro da equipe e da
instituição. A queixa de falta de reconhecimento e valorização profissional passa a ser
visível no discurso, reforçando a baixa auto-estima e a falta de visão da finalidade do
seu trabalho.
“Eu acho que a profissional é muito pouco valorizada” (Garapuvu 59)
“Eu fico muito cansada em ficar falando sempre a mesma coisa, mas eu penso pelo
paciente, porque se eu fosse pensar pelo meu reconhecimento e pelo meu salário, eu
já estaria desmotivada” (Garapuvu 60)
“É tentar procurar sempre algo melhor para a gente para não desanimar.” ( Garapuvu
89)
124
Esta questão, no entanto, não se esgota na valorização do trabalho, pois a
responsabilização da enfermeira em relação à coleta e interpretação dos achados da
citologia oncótica tem como razão prática a necessidade de qualificação da assistência.
A profissional deve ter competência para realizar o procedimento e as ações educativas
que se fizerem necessárias, mesmo que a sua percepção primeira seja de um trabalho
pouco valorizado.
A análise das percepções das enfermeiras sobre o processo de trabalho da
equipe evidenciou divergências e contradições. No início das entrevistas, o discurso
mais comum era de que não existiam grandes problemas nas equipes, que as mulheres
eram bem atendidas e estimuladas por todos a realizarem o preventivo. À medida que
a conversa foi progredindo durante as entrevistas, cada enfermeira acabou abordando
uma faceta do processo de trabalho da equipe que pode ajudar a compreender como a
assistência preventiva ao câncer ginecológico vem sendo realizada no Município.
“Na equipe todos são muito colaborativos” (Aroeira 25)
“[na atuação da equipe] não tem nenhum problema” (Eucalipto 12)
“Eu acho que as pessoas são abertas [...] Estimulam mesmo as mulheres a fazerem
[o preventivo]” (Mogno 78, 81)
“Coisa que eu observo bastante são os encaminhamentos para fazer a coleta. [...] eu
percebo isso nos prontuários [...] ‘orientada a realização da colpocitologia
oncótica’.” (Pau-Brasil 30, 31)
“No geral eu acho que as pacientes são bem atendidas” (Cedro 15)
“Agora eu estou sem médico do PSF. A gineco é sempre participativa, as auxiliares
também, os ACS também. Não vejo problema nisso [...] eu acho que eles cooperam
assim. Tanto que eles é que dão as orientações lá no balcão” (Pinho 12, 23)
De modo geral, as equipes não possuem capacitação para este tipo de
assistência. Nas entrevistas e observações, pude identificar que as capacitações formais
são oferecidas e direcionadas para algumas profissionais representantes das Unidades.
Naquelas que possuem uma funcionária de enfermagem de nível médio lotada no
setor, a formação é direcionada para ela.
Alguns Centros de Saúde possuem uma funcionária que permanece fixa no
setor durante anos. Em qualquer eventualidade ou modificação no quadro de pessoal o
atendimento é suspenso, como pude verificar em quatro unidades, durante a fase de
observação.
125
“Porque eles [a equipe] não têm treinamento nenhum [...] A Auxiliar que realiza o
preventivo é a única que tem. As outras são informadas, mas são pouco informadas”
(Peroba 12, 13)
“Não [observou dificuldade na equipe], até porque elas praticamente não chamam as
enfermeiras, elas já têm uns bons anos de coleta [...] são pessoas antigas na casa,
entraram na coleta e continuam durante anos” (Seringueira 15, 16)
Os membros da equipe têm diferentes formas de atuação. Nas observações
averigüei que as enfermeiras, quando atendem na coleta de CCO, o fazem por
agendamento e, em alguns locais, somente em um dia da semana. A maioria dos
médicos do PSF, e mesmo alguns ginecologistas, não realizam exame ginecológico.
Atuam na consulta clínica dos sintomas e queixas das pacientes, instituem
terapêuticas, analisam resultados de citologia, fazem encaminhamentos para coleta de
CCO na própria unidade ou encaminhamentos para serviços de maior complexidade.
Por isso, as enfermeiras reforçam, nas entrevistas e no Grupo Focal, a
necessidade de capacitação para que todos consigam desenvolver a assistência e falar a
mesma linguagem.
“Deveria existir uma capacitação, mas para quem está na ponta coletando, chamar
todo este pessoal que está coletando e ver como ele está abordando esta mulher. Ele
é que está respondendo, ele é que está fazendo! Tem que ver como é que está sendo
isso.” (Grupo Focal 4)
“Para que a ginecologista fizesse igual à enfermeira, fizesse igual à técnica. Eu acho
que isso não acontece” (Cambará 7)
“O médico do PSF ele não faz exame ginecológico. Porque ele também não sente
segurança em fazer. A maioria deles não faz [...] eles sabem bem a teoria, mas a
prática eles também não sabem” (Cerejeira 33, 35)
Com relação à atuação da equipe de enfermagem, foram relatadas diferentes
situações. Em algumas unidades, há Técnicas de Enfermagem com experiência e
capacitação para realizar os procedimentos de forma correta, em outras, Auxiliares de
Enfermagem acomodadas ou com deficiência de conhecimento e de prática até para
realizarem orientações mais simples.
“A Técnica é uma ótima funcionária. Nossa! Ela é super organizada, ela cuida de
tudo muito bem, qualquer dúvida que ela tenha ela procura a gente”. (Cambará 53)
“[pessoal de enfermagem] Falta conhecimento [...] tem a questão da insegurança
também. A maioria deles fez o curso e não teve experiência”. (Jacarandá 31, 32)
“A pessoa [do balcão] não sabe dar a informação certa” (Mogno 49)
126
“Eu sinto uma certa dificuldade das auxiliares em preencher aquele papel, elas
ajudam a gente, mas ao mesmo tempo eu tenho que ficar de olho. [...] seria uma
coisa boa, diminuiria o tempo e o meu trabalho, mas ao mesmo tempo eu tenho a
preocupação da informação não estar indo corretamente” (Mogno 39, 40, 41)
Também foi abordada como problema, a deficiência no conhecimento teórico e
prático de algumas Auxiliares de Enfermagem. Elas eram Agentes Comunitários de
Saúde que se inscreveram e fizeram curso de qualificação profissional, através do
Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de Enfermagem (PROFAE).
Este Programa, ligado ao Ministério da Saúde, foi criado para a qualificação de
trabalhadores, que atuavam em serviços de saúde sem a formação necessária ao
exercício de suas funções. Todavia, a sua operacionalização, nos estados e municípios,
nem sempre seguiu esse objetivo e foram realizados cursos para a formação de novos
quadros de pessoal. A metodologia e os materiais didáticos utilizados nos cursos
estavam, porém, direcionados para trabalhadores que já tinham experiência prática,
ocorrendo defasagem na aprendizagem dos alunos que não possuíam experiência na
área de enfermagem.
“Uma grande parte deles era Agente Comunitário de Saúde fizeram o curso do
PROFAE [...] por ser um curso super rápido... não tiveram experiência, nem a
teoria” (Jacarandá 33, 34)
O interesse dos membros da equipe na prevenção do câncer ginecológico é
distinto, mas foi ressaltado como um fator essencial para a identificação e mobilização
das mulheres e para o atendimento de qualidade. Nas unidades básicas onde
acompanhei o atendimento, foi possível perceber que existe, de uma unidade para
outra, grande diferença no envolvimento das enfermeiras e dos demais membros da
equipe com a prevenção do câncer ginecológico, o que reflete diretamente na demanda
e adesão das mulheres ao exame.
“A equipe ela tem que estar atenta a esta questão de se realizar o exame preventivo”
(Cambará 11)
“Não deveria ser uma preocupação só da enfermeira e da pessoa responsável pelo
preventivo, mas dos outros funcionários também. Todo mundo ter uma visão de
captação dessa clientela e de orientação.” (Garapuvu 1)
“Na atuação da equipe, a gente tem bastante dificuldade [...] tem falta de motivação,
de interesse. A falta de interesse dos funcionários é bastante grande” (Cedro 12)
127
“A falta de preocupação deles em estar pegando a clientela e estar informando,
prevenindo [...] Às vezes atendem as pessoas por atender” (Garapuvu 8)
“Muitas mulheres voltam. [...] quando você escuta que a usuária falou que você é
boazinha, que quer fazer o exame com você, isso é legal para a gente.” ( Mogno 77)
Entre as entrevistadas, é consenso a necessidade de ampliação da oferta de
assistência às mulheres com relação à prevenção do câncer ginecológico, seja pelo
aumento nos períodos de atendimento, seja pela mudança na forma de acesso das
mulheres ao serviço ou pelo aumento no número de profissionais envolvidos na
assistência. No entanto, não houve menção de que o aumento da oferta poderia exigir
aumento no quadro de trabalhadores, para que as tarefas já consolidadas não sofram
cortes.
“O ideal seria a gente fazer preventivo todos os dias, de segunda à sexta” (Mogno
91)
“Essa questão da livre demanda [...] é uma grande facilidade para as mulheres.”
(Cambará 24)
“Eu já sugeri em alguns dias fazer em livre demanda [...] já que a gente não pode
assumir todos os dias em livre demanda.” (Cambará 50)
“Além de ter este profissional, que faria o preventivo todos os dias poderia, no outro
período que sobra, o enfermeiro fazer uma ou duas vezes por semana” (Aroeira 45)
“A gente pensa, fazer mais preventivos, fazer mais dias, mas não sei se a quantidade
também vai atingir todo mundo.” (Mogno 121)
O acesso das mulheres ao preventivo, nas unidades básicas, foi apresentado
como problemático, devido ao número reduzido de dias e horários em que ocorre o
atendimento. Faltam vagas ou o tempo de espera é grande para ter acesso ao exame.
Nas unidades em que não há agendamento prévio, as profissionais afirmam que o
atendimento é por demanda livre, mas, mesmo nesses serviços, o atendimento é
oferecido mediante distribuição de senhas em número limitado para as mulheres que
procuram os serviços de forma espontânea.
“No nosso Município, acho que o que acontece é a dificuldade de acesso para elas
poderem fazer o preventivo” (Cerejeira 59)
“Não dá para todo mundo que quer fazer o preventivo” (Mogno 8)
“A gente está com uma demanda reprimida muito grande.” (Eucalipto 43)
“E até a [falta de] disponibilidade de horário para [a mulher] vir fazer, pois a maioria
trabalha o dia todo.” (Guarantã 3)
128
O planejamento de ações nas unidades básicas deveria contemplar, no mínimo,
a análise das necessidades de saúde da população, para que fosse possível definir uma
situação desejada, mesmo que utópica a princípio, de modo a nortear a oferta de
serviços, as ações prioritárias e as estratégias que poderiam ser utilizadas para
melhorar o atendimento e o perfil epidemiológico. A reprodução acrítica de ações
programáticas e de procedimentos técnicos impede que as profissionais tenham uma
visão ampliada da realidade, fragmentando o cuidado e contrariando a lógica de uma
assistência integral centrada na mulher e nos seus problemas de saúde.
Percebi, durante a observação sistemática, que o atendimento é executado nas
Unidades Básicas principalmente de duas maneiras:
reproduzindo
, sem uma análise crítica mais aprofundada, práticas instituídas
anteriormente;
improvisando constantemente
a forma de atuação, visando atender intercorrências
temporárias, mudanças de comando administrativo, mudanças ou adaptações na
estrutura física e modificações na composição da equipe.
A manutenção das práticas instituídas, num primeiro momento, parece ser o
caminho mais fácil para o indivíduo que inicia a sua atividade profissional em um
serviço de saúde. A insegurança, oriunda da falta de experiência profissional e da
deficiência de conhecimento teórico, a necessidade de adaptação ao ritmo da
instituição para a manutenção do emprego e a falta de um posicionamento crítico e
reflexivo leva as profissionais à repetição alienada de práticas e atitudes instituídas,
com a visão ingênua que estão “fazendo atendimento de saúde”.
O profissional recém-chegado, ao levantar questionamentos ou tentar re-
orientar a produção dos cuidados, expõe-se e acaba fazendo emergir resistências que
sustentam o status quo dos profissionais que já atuavam na instituição. Assim, em
grupo, os profissionais tendem a um comportamento repetitivo, temendo as mudanças
e convivendo em padrões estereotipados mais ou menos fixos, resultando na
impotência das pessoas em mudarem o contexto e a si mesmas, não ultrapassando os
bloqueios que as impedem de descobrir novas maneiras de enfrentar velhos problemas
(SILVEIRA, 2004; CAMPOS, 2005;).
129
O trabalho da enfermeira faz parte de um trabalho coletivo, agregado ao
trabalho dos demais profissionais da saúde. A estrutura do processo assistencial reúne
diferentes trabalhadores, instrumentos e finalidades, no entanto, o objeto é o mesmo,
ou seja - pessoas que possuem necessidades concretas ou potenciais de saúde e bem-
estar.
Nesse contexto, a enfermeira orienta o seu trabalho para o atendimento das
necessidades das pessoas através do cuidado. As ações utilizadas por ela na produção
da assistência contemplam três dimensões básicas – cuidar, educar e gerenciar – que se
consolidam num trabalho dirigido ao cuidado e ao autocuidado (LEOPARDI,
GELBECKE, RAMOS, 2001).
Se a necessidade da população em relação à prevenção do câncer ginecológico
não está sendo satisfeita, como foi afirmado anteriormente, a enfermeira deveria
implementar ações que abrangessem: o cuidado, prestando assistência e
desenvolvendo procedimentos para identificar riscos potenciais; a educação, na
disseminação do conhecimento, na valorização do autocuidado e na busca da
autonomia dos indivíduos; o gerenciamento, organizando o serviço e o processo de
trabalho de modo a melhorar a assistência, ampliar a cobertura, estabelecer prioridades
e selecionar estratégias adequadas à realidade.
Em nenhuma das entrevistas foi discriminada qualquer estratégia sistematizada
e contínua para a identificação e mobilização das mulheres na comunidade e para a
mudança na proposta assistencial. As enfermeiras explicaram que a captação para a
realização do exame é feita, predominantemente, pela abordagem e orientação
individual das mulheres atendidas, em algum dos setores do centro de saúde, por elas e
pelos outros membros da equipe.
“Eu vou atender [...] vou convidado para fazer o preventivo, eu fico explicando a
importância” (Aroeira 36)
“Eu avisei [aos funcionários], primeiro passo perguntem para a mulher [...] sobre o
preventivo e já orienta sobre como é para fazer, quando pode fazer, como pode
agendar” (Ipê 48)
“Todos os profissionais batem bastante nessa tecla [...] a gente está todo dia
mandando mulher fazer o preventivo, todo dia mandando elas virem” (Mogno 51)
Guarisi et al. (2004, p.8) ressaltam que
130
os programas que tentam incluir todas as mulheres através de convites
objetivos e personalizados mostram-se mais eficientes do que aqueles em
que os controles são realizados por demanda espontânea. [...] esses
programas não foram implementados na maioria dos países em
desenvolvimento, nos quais os exames são realizados por demanda
espontânea e conseqüentemente a cobertura populacional é baixa.
Captando as mulheres para a prevenção através de demanda espontânea, as
profissionais vivenciam o atendimento somente da mulher que chega à unidade básica,
ou seja, as que conseguem acesso à unidade e às fichas de atendimento, ficando
sempre com uma visão parcial da demanda e das necessidades de assistência da
população em relação à prevenção do câncer ginecológico. A avaliação que possuem
da realidade é limitada e distorcida, pois só uma parte dos problemas chega até a
unidade sanitária, de modo que a maioria acaba não sendo inteiramente conhecida.
Vaughan e Morrow (1997) afirmam que as informações disponíveis sobre a
realidade local são incompletas e sub-utilizadas, pois são obtidas somente com os
usuários que freqüentam os serviços de saúde. Os autores fazem uma analogia desta
situação nomeando-a como o “fenômeno do iceberg”, em que a maior parte das
informações é desconhecida, pois os profissionais só tomam contato com a parte
exposta - a ponta do iceberg, ou seja, a situação de saúde das pessoas que tiveram
acesso aos serviços de saúde, recebendo cuidados curativos ou preventivos. Por isso, é
necessário que os trabalhadores de saúde invistam tempo e esforços para desvendar e
analisar os dados contidos na realidade e que ainda estão ocultos.
Para maior eficiência na identificação e mobilização das mulheres para a
prevenção do câncer ginecológico, algumas enfermeiras acreditam que deveria ser
feita divulgação através de orientação contínua que inclua familiares e amigos e que
não fique limitada às situações especiais ou a grandes mobilizações em campanhas.
“Eu não pergunto só dela, mas se tem outras pessoas que moram com ela, se as
pessoas estão fazendo também. [...] Porque a gente se atenta muito com a pessoa que
está na nossa frente, mas levar a orientação, também, para as pessoas próximas que
moram” (Pau-Brasil 44, 49)
“Sempre estar relembrando a elas sobre a importância [...] senão fica só durante a
campanha. Elas recorrem depois... passou a campanha... tem que ser permanente,
não é?” (Jacarandá 67)
“A divulgação eu acho essencial. O boca-a-boca às vezes vale muito mais.”
(Carvalho 65)
“Eu acredito na divulgação de forma mais freqüente, mais sistemática.” (Tarumã 40)
131
Reconhecem que, mesmo ficando limitadas a uma abordagem individual,
deveria haver maior empenho e interesse na captação para a adesão das mulheres por
parte de todos os profissionais da Unidade, pois nem todos se envolvem. Não existe
uma linguagem ou abordagem uniforme, em relação às ações de prevenção, indicando
dificuldades no diálogo, na troca de saberes e de experiências práticas entre os
profissionais da equipe.
“Eu acho que a equipe toda poderia, no atendimento individual a uma mulher, estar
esclarecendo a importância do exame preventivo. [...] Todo contato que a mulher
tiver aqui na Unidade ser uma oportunidade” (Cambará 15, 16)
“Eu acho que todo mundo deveria fazer isso [falar sobre o preventivo]. Todos os
profissionais, independente de ser enfermeira ou ginecologista, médico, auxiliar ou
técnico, as agentes de saúde.” (Cambará 19)
“Talvez esta parte mesmo do boca-a-boca, do convite, do se interessar se a mulher
fez ou não fez. Talvez falte um pouco isso.” (Pinho 35)
“Para o
Programa ser mais resolutivo, acho que toda equipe deve estar atenta
(Cambará 62)
Nas relações de trabalho, quando o interesse e o conhecimento não são
apropriados de forma igual por todos os membros da equipe, ocorre a diminuição da
capacidade de intervenção do conjunto de profissionais sobre a realidade local. No
serviço de saúde, é fundamental a implementação de um modelo de gestão que
envolva os profissionais, reconstruindo o encantamento para o exercício da própria
profissão, através da valorização do ser humano, da educação continuada e do vínculo
entre os profissionais e destes com a população (CAMPOS, 2005).
A ampliação na captação e adesão das mulheres para a prevenção do câncer
ginecológico, só será possível com o envolvimento e interesse dos profissionais dos
serviços de saúde do Município. Qualquer trabalho que vise a promoção da saúde e a
prevenção primária de doenças implica no envolvimento de todos, num processo
educativo dirigido para a transformação da consciência individual e coletiva das
mulheres, de modo que as pessoas possam fazer escolhas e se comprometerem com o
seu autocuidado.
Todavia, antes da implementação de qualquer estratégia para a identificação de
novas mulheres é necessária a avaliação da organização do trabalho e da capacidade
132
instalada de cada serviço, para que não ocorra uma sobrecarga de trabalho e desgaste
da população na procura do atendimento. No período em que estive observando as
atividades de prevenção nas unidades básicas, pude constatar que as vagas oferecidas
para exames de CCO são poucas, aparentemente aquém da capacidade da estrutura
física e do pessoal disponível.
Na análise epidemiológica, comparando os serviços oferecidos com o número
de mulheres das áreas, foi possível identificar que eles são insuficientes para a
cobertura da população feminina, principalmente a que reside nos extremos norte e sul
do Município e que tem no serviço público a sua única opção de assistência. Além
disso, mesmo considerando somente o número de exames de CCO realizados, a
produtividade dos serviços é baixa e com grande variação.
Sem a modificação no processo de trabalho dos profissionais e a readequação
da lógica organizacional dos serviços, privilegiando a vigilância à saúde, a
responsabilização da equipe de PSF pela população da sua área de abrangência e a
busca da co-responsabilidade das usuárias, dificilmente ocorrerá a ampliação da
cobertura, a melhoria da resolutividade dos serviços locais de saúde e a modificação
dos índices de morbimortalidade por essas patologias no Município.
Um fato explicitado pelas entrevistadas como uma aparente vantagem, o
atendimento de mulheres residentes em outras áreas, ratifica que não acontece um
planejamento das ações assistenciais, tomando-se como base a população residente na
área de abrangência do serviço de saúde. Além disso, é indicativo que está havendo
deslocamento para alguns serviços, provavelmente os que disponibilizam maior
número de vagas para atendimento, como reflexo da falta ou do baixo atendimento em
outros serviços, situação que revela desvios organizacionais na estrutura dos serviços
públicos do Município.
“A gente não faz só o atendimento as pessoas da nossa área de abrangência, às vezes
a gente pega pessoas de fora da área.” (Pau-Brasil 22)
“No Município o acesso que eu acho que é fácil, porque as pacientes não precisam ir
até o serviço de origem dela” (Cambará 25)
Quando questionadas sobre o que deveria ser feito para captar maior número de
mulheres para o atendimento nos serviços de prevenção, enfatizaram que deveriam ser
133
feitos trabalhos educativos em grupos, divulgação em massa e mobilização da
comunidade com o objetivo de esclarecer mais a população do Município.
As enfermeiras reconhecem a importância de atividades educativas em grupos e
na comunidade para a obtenção de parceria e adesão das mulheres à prevenção do
câncer ginecológico, mas, apesar disso, permanecem realizando orientações
individuais e, muitas vezes, parciais para as mulheres que chegam espontaneamente à
unidade.
As profissionais falam de atividade educativa como uma ação extra ou externa à
sua atividade cotidiana, como uma ação que deveria ser realizada, mas que ainda não
está priorizada dentre as atribuições que necessitam desenvolver ou pelas quais são
cobradas na instituição. Uma atividade que deve ser feita, mas que outros membros da
equipe poderiam desenvolver sem a sua participação ou envolvimento, como se fosse
uma ação de menor responsabilidade ou valor, por estar centrada na palavra e não no
procedimento.
“Deveriam ser feitos mais trabalhos educativos” (Cambará 32)
“Eu preciso ir mais em grupo de mulheres” (Ipê 41)
“[Na Unidade deveriam ser feitos] grupos educativos, sala de espera” (Guarantã 20)
“A atividade educativa não precisa ser exatamente o enfermeiro a fazer. Na sala de
espera, qualquer auxiliar de enfermagem, qualquer técnico de enfermagem acho que
poderia dar todas as orientações.” (Cedro 13)
“Para o Programa ser mais resolutivo, a mídia tem um grande papel e toda equipe de
saúde também.” (Cambará 61)
A educação em saúde é uma ação que demonstra maior utilidade quando trata
de fazer circular informações e de modificar hábitos e valores. Muitas práticas de
saúde requerem práticas educativas, pois, mais do que repassar informações, elas
buscam fortalecer o conhecimento das pessoas, ampliando sua capacidade de análise
crítica, de intervenção sobre a realidade e de autonomização, entendida aqui como a
capacidade de eleger e valorar objetivos e crenças e de se sentir responsável por suas
decisões e por seus atos (LEOPARDI, GELBECKE, RAMOS, 2001; TRAESEL et al.,
2004; CAMPOS, 2005).
A educação em saúde pode ser realizada em qualquer espaço ou atividade
desenvolvida na unidade de saúde, tanto individual como coletivamente, com o
134
objetivo de instrumentalizar as pessoas a utilizar o conhecimento para intervir na
realidade de forma consciente e eficaz. Traesel et al. (2004, p.113) afirmam que para a
prática educativa acontecer,
é preciso haver comunicação, ou seja, o profissional de saúde usando
linguagem clara, precisa relativizar seus conhecimentos, conhecer a
realidade com a qual trabalha e perceber o indivíduo como ser relacional,
com toda a sua subjetividade, permitindo que ele se aproprie do
conhecimento técnico, sem descaracterizar o conhecimento popular.
Algumas entrevistadas são de opinião que a população seria captada por meio
de campanhas, mutirões ou de grandes mobilizações, mas há quem não acredite mais
nesse tipo de estratégia.
“Eu acho que deveriam estar realizando mais mutirões, então isso vai motivar”
(Garapuvu 75)
“Eu não sei se uma campanha vai conseguir atingir a meta” (Mogno 116)
O modelo Sanitarista Campanhista, adotado nas primeiras décadas do século
XX, tinha forte vinculação com o modelo econômico agro-exportador e consistia em
desenvolver ações impositivas de erradicação e controle de endemias e epidemias, com
medidas de saneamento do espaço urbano. Seu foco era a população e a estrutura
urbana, tendo como base teórica a epidemiologia, a patologia e a imunologia. As
decisões eram centralizadas e verticalizadas, com forte concentração de recursos
financeiros, humanos e materiais (MENDES, 1995).
Esse modelo foi substituído pelo Modelo Assistencial do Sistema
Previdenciário, focado na atenção curativa, hospitalar, individual e especializada. Ele
foi substituído pelo Modelo Médico-assistencial Privatista, que aprofundou as
desigualdades no atendimento à saúde. Na década de 70, esse modelo chegou ao
limite, culminando com o movimento da reforma sanitária que subsidiou uma nova
visão teórica e política para a saúde, referendada com a criação do Sistema Único de
Saúde (SUS), na Constituição de 1988 (MENDES, 1995).
Apesar de todas essas mudanças, algumas práticas oriundas da visão do Modelo
Campanhista ainda permanecem, dando respaldo às ações dos profissionais de saúde e
dos órgãos governamentais responsáveis pelas políticas públicas. No período em que
135
estive realizando a coleta de dados no Município “A”, acompanhei dois mutirões nas
Unidades Básicas, em finais de semana, com atividades que envolviam a prevenção do
câncer de colo uterino.
Os dados coletados deixam evidente que, para as enfermeiras participantes do
estudo, o termo “captação das mulheres” tem direta associação com divulgação em
massa, através dos meios de comunicação. Argumentam como se fosse uma ação
ampliada e externa às atribuições das equipes que atuam nas unidades básicas. Para
elas, a divulgação em massa deveria ser realizada, independente de datas
comemorativas ou campanhas, sob a responsabilidade principal do Município, mas
outras esferas do poder público também foram citadas.
“Eu acho que o meio de comunicação atinge mais, porque nem todas as mulheres
passam por mim ou pela Técnica ou pelos médicos.” (Guarantã 25)
“Eu acho que deveria ter uma maior divulgação na mídia com relação ao exame
preventivo. O Município fala pouco da prevenção.” (Mogno 20)
“Propagandas existem só quando está perto do dia nacional [...] falta dentro do
Centro de Saúde, da Prefeitura, do próprio Ministério.” (Carvalho 53)
“O município ou o governo federal, qualquer um que seja, que estivesse
mobilizando para fazer [...] mais divulgação na mídia” (Angelin 68, 69)
“É na época de campanha que há publicidade, que as pessoas vem e procuram. [...]
embora eu não concorde com campanha.” (Pau-Brasil 52, 54)
Foi sugerida a divulgação por meio de materiais educativos, que deveriam ser
disponibilizados pelo Município, mas acreditam que a televisão é o meio de
comunicação que consegue atingir mais a população e tem maior credibilidade. Outras
sugestões mais econômicas e com efeito relevante no Município, como rádio e carro
de som, também foram mencionadas.
“Acho que, sei lá! [Município] Disponibilizar folders, material educativo” (Guarantã
21)
“Teve uma época que a gente estava com muita baixa no preventivo, foi feito folders
e cartazes sobre câncer de colo uterino. Eu acho que isso facilita bastante” (Aroeira
32)
“Eu acho que a mídia tem um papel importante [...] Tem cartazes e tudo, mas na
televisão isso não tem” (Cambará 63, 64)
“Quando a mídia vem e fala as pessoas acreditam mais. Acho que a mídia tem um
grande poder de convencimento do povo.”(Angelin 70)
136
“Uma coisa assim que eu observo bem é que as pessoas fazem as coisas quando é
campanha. [...] em rede nacional, quando chamadinhas na televisão” (Pau-Brasil
56, 58)
“Acho que poderia divulgar mais a questão na TV, no rádio ou até em carro de som
[...] carro de som no Município dá muito certo. O pessoal presta bastante atenção”
(Pinho 29, 30)
As indicações das enfermeiras sobre a utilização da mídia vão desde
propagandas que explorem o lado dramático da doença, até aquelas com linguagem
direcionada às diferentes faixas etárias, podendo ser em pequenas chamadas de
incentivo ou em orientações que desmistifiquem crenças e medos das mulheres com
relação ao exame.
“No Município deveria ter divulgação em mídia, convidando as pacientes. [...] Teria
que ser uma propaganda que mostrasse para todas as idades, desde quando
começasse a ter relação sexual até as idosas.” (Aroeira 50, 62)
“Divulgar não só num grupo populacional [...] Porque tu vê no cartaz só uma
menininha e se tu já tem mais idade, tira a tua responsabilidade. Então, direcionar as
propagandas para aqueles grupos, apesar da mensagem ser a mesma para todos
eles.” (Carvalho 66)
“Fazer propagandas com isso: que não é um exame que dói. [...] Para tentar
desmistificar” (Pinho 44, 51)
Chamam a atenção, porém, as afirmativas de que as propagandas deveriam
explorar a doença e as suas conseqüências, para que as mulheres ficassem assustadas e
preocupadas e, assim, procurassem o serviço de saúde em busca do exame. Essa é uma
maneira nada habilidosa ou ética de envolver e mobilizar as pessoas, mas que reflete e
reproduz o direcionamento que o Ministério da Saúde tem dado em suas “campanhas
educativas” como, por exemplo, a do tabagismo.
“Tinha que mostrar assim, fazer elas sentirem na expressão visual ali o que causa
não fazer a prevenção. [...] teria que ser uma propaganda bem chamativa, para
mostrar, antes eu era assim, agora eu estou assim. Alguma coisa que ela consiga ver
a conseqüência que leva a não prevenção.” (Aroeira 63, 67)
“Saber o que é a doença e o que pode causar, porque muitas pessoas sabem que
existe o câncer, mas não sabem que tem que prevenir.” (Seringueira 38)
Acredito que esta é uma visão equivocada e radical que acaba afastando mais
ainda as mulheres. Não é estimulando o medo ou confrontando as pessoas com a
imagem da dor e da morte que haverá maior motivação para procurar os serviços de
saúde. Penso que, na maior parte das vezes, ocorre o afastamento das mulheres por não
137
acreditarem ou aceitarem que possam vivenciar uma situação tão dramática. A adesão
da população ao autocuidado e à prevenção do câncer ginecológico não se fará pela via
do discurso ou das campanhas publicitárias, mas, fundamentalmente, na concretude de
uma assistência humanizada e equânime, em serviços acessíveis e de melhor
qualidade.
As enfermeiras indicam que, para a adesão das mulheres, seriam necessárias,
também, ações de educação em saúde desenvolvidas em escolas e grupos comunitários
na área de abrangência dos Serviços Locais de Saúde.
“Para ser mais amplo, professores da rede pública e da rede privada, que uma pessoa
chegue e possa orientar corretamente, acho que isso seria o ponto chave”
(Seringueira 37)
“Pode fazer palestras voltadas não só na unidade, mas também na comunidade”
(Seringueira 26)
Outra sugestão citada, nesta mesma linha, e que requer parceria com a área de
educação, foi a inclusão da temática “prevenção do câncer ginecológico” nas
disciplinas curriculares do ensino fundamental das escolas municipais.
“Nas escolas se fosse falado mais isso. [...] tivesse na grade curricular alguma coisa
a respeito [...] eu sei que faz parte as DST, o HIV. [...] agora nunca escutei sobre o
câncer de mama, o câncer ginecológico. É uma coisa que deveria haver” (Angelin
71)
“De repente deveria ser feito, desde a escola, que tem muitos que já iniciam...
pequenininho começar a ter este tipo de envolvimento com a comunidade. Ter
algum mecanismo que tu coloque dentro do currículo a parte de saúde. De cuidados
consigo próprio ou com o próximo [...] Esse envolvimento dentro da própria escola.”
(Seringueira 33,34)
“Já está planejado na escola da área. Da quinta série até o terceiro ano do segundo
grau [...] A gente poderia tratar de vários assuntos, tipo... tanto sexualidade, como
DST e aí junto o preventivo.” (Cumbarú 43, 48)
Apesar das enfermeiras explicitarem tantas sugestões e idéias viáveis para
serem operacionalizadas, elas continuam mantendo a rotina da orientação individual,
sem planejar ações mais abrangentes e supervalorizando as dificuldades do dia-a-dia
para justificar a falta de implementação de atividades educativas de cunho coletivo,
que saiam do contato individual e de dentro da Unidade.
“Eu ainda não pensei em como a gente poderia estar atingindo essas pacientes que
não chegam aqui [...], a gente pega paciente que não faz preventivo tem 10 anos.”
(Mogno 119)
138
“Tenho tido também dificuldade em reunir para atividades educativas” (Angelin 17)
“A gente está começando a montar os grupos agora [...] porque até então não tinha
grupos formados.” (Eucalipto 27)
“Hoje em dia fazer um grupo sem custo, sem alguma coisa é muito difícil, então tu
acaba tirando do teu bolso e fazendo” (Garapuvu 63)
Fertonani (2003) identificou, em seu estudo, que os trabalhadores do PSF
utilizam práticas educativas incoerentes com os princípios de liberdade e autonomia do
educando, ao desenvolverem palestras como forma de repasse de informações,
restringindo, assim, os espaços de discussão e reflexão. Além disso, consideram que
folhetos explicativos são suficientes para disseminar as informações à população
atendida.
Nesta visão, bastaria que os folhetos estivessem disponíveis para a leitura das
mulheres, para que elas apreendessem as informações, estando conscientes e aptas
para o autocuidado e para a prevenção do câncer ginecológico. Dessa forma, o contato
pessoal com a população ficaria ainda mais restrito.
Algumas enfermeiras ressaltam a importância da vinculação dos Agentes
Comunitários de Saúde com a equipe do PSF na identificação das mulheres.
Aproveitar o trabalho informativo que os ACS fazem nas residências é um importante
recurso estratégico para a orientação das mulheres sobre a importância da prevenção.
“O Agente de Saúde vai a todas as casas, porque nem sempre todas as mulheres vem
aqui, mas eu acho que o Agente de Saúde tem um papel muito importante de estar
esclarecendo estas mulheres em relação a importância do preventivo” (Cambará 65)
“O papel do Agente de Saúde é levar informação. Então vai estar fazendo o que é o
papel dele. Estar esclarecendo essas mulheres sobre a importância.” ( Cambará 66)
“Os agentes comunitários poderiam estar veiculando [...] este contato que eles têm
eu acho que é um contato diário com as famílias, então já pode orientar a
importância do preventivo.” (Cumbarú 49, 52)
Em minha experiência profissional, tive a oportunidade de implantar, em uma
unidade básica de periferia urbana, um trabalho sistematizado de assistência para a
prevenção do câncer ginecológico. O envolvimento e a colaboração dos ACS, nesse
trabalho, foi fundamental para a divulgação do ambulatório, identificação e
mobilização das mulheres, disseminação de informações e da técnica do auto-exame
das mamas, esclarecimento e desmistificação do exame ginecológico, identificação na
139
comunidade das mulheres com fatores de risco para que fossem atendidas com
prioridade, busca ativa e acompanhamento das mulheres com citologia positiva.
Essa vivência autoriza-me a dizer que, mesmo com condições de infraestrutura
adversas no serviço local de saúde, é possível realizar um trabalho de qualidade, com
cobertura e resolutividade. Para isso, é necessário que os profissionais priorizem, no
seu processo de trabalho, o estabelecimento de vínculo e de responsabilidade com a
comunidade, através do diálogo e do compartilhamento de interesses coletivos, para
alcançar a melhoria das condições de saúde do maior número possível de pessoas.
A maneira como o trabalho está organizado nas unidades sanitárias do
Município estudado, imprimindo um constante déficit de vagas para o atendimento da
demanda, influencia negativamente na saúde do trabalhador, pois gera desgaste
emocional e sentimento de impotência frente à situação de dispensa da mulher e
incerteza no seu posterior comparecimento.
“Essas pacientes que estão voltando (para casa por falta de vaga), meu Deus! será
que na quarta-feira que vem elas vão voltar? [...] É triste mandar essas pacientes
embora” (Mogno 118, 128)
Além disso, os atendimentos são oferecidos, geralmente, em um só período,
matutino ou vespertino, dificultando o acesso da mulher trabalhadora. Na maioria das
vezes, elas não têm conhecimento sobre o seu direito de afastamento do trabalho para
realização do exame preventivo anual e nem da possibilidade de o serviço oferecer o
atestado de comparecimento para justificar a ausência no trabalho.
“Muitas mulheres não sabem que elas têm o direito de um período no ano [...] para
tu vir fazer a coleta do preventivo que, por lei, tu es garantida de fazer isso.”
(Carvalho 51)
No desenvolvimento desta pesquisa, pude constatar que as ações descritas pelas
enfermeiras para aumentar a oferta do serviço de prevenção são acanhadas e
implementadas tomando como base a disponibilidade de espaço nos consultórios, sem
qualquer garantia de atendimento à real necessidade da comunidade. Elas são
estabelecidas sem um planejamento que leve em consideração critérios como
estimativa da população da área, estabelecimento de metas, identificação das mulheres
que apresentam fatores de risco para as patologias, integração entre os membros da
140
equipe e otimização dos recursos humanos disponíveis, estabelecimento de condutas,
capacitação e educação continuada para os profissionais.
“Agora até foi aberto mais um período, acho que ficou bem... não tem lista de
espera.” (Cedro 14)
“Nós temos coletas todos os dias, isso é uma facilidade. [...] são vinte coletas. É um
número bem significativo por dia.” (Seringueira 17, 18)
“Nos dias disponíveis em que está tendo preventivo, um dia pode ser pela manhã
outro dia à tarde [...] Eu acho que isto é uma facilidade para a paciente.” (Garapuvu
15)
Durante as entrevistas e no Grupo Focal, todas as enfermeiras negaram ter
acesso a dados epidemiológicos sistematizados de sua área e do Município. Negaram,
também, ter elaborado ou participado da elaboração de um planejamento visando a
prevenção do câncer ginecológico na área de responsabilidade sanitária de sua equipe.
Relataram que estão disponíveis apenas as informações sobre o total de coletas de
CCO realizadas durante o mês na unidade.
Quando realizei o levantamento de dados documentais na Secretaria Municipal
pude identificar que lá estavam disponíveis somente os números de procedimentos
realizados nas unidades e, às vezes, o número de citologias positivas, nos mapas de
produção que são entregues mensalmente. Alguns desses mapas estavam preenchidos
de forma incompleta ou incorreta, o que me obrigou a confirmar os dados sobre as
coletas realizadas em cada uma das unidades de saúde.
“A gente ter acesso a estes dados (do Município), a gente não tem acesso.” (Angelin
60)
“Outra coisa que a Secretaria poderia fazer, também, é nos mandar dados
epidemiológicos, nós não temos. Nós temos dados do nosso centro de saúde, [...]
mas a gente não sabe no Município.. [...] eu não tenho nada da Saúde da
Mulher”(Cerejeira 62, 63)
“O Município deveria repassar os números. Justamente, porque é fácil ser cobrada,
mas a gente também tem que ter... [...] Mostrar números para a gente ver como está
o funcionamento” (Ipê 38, 40)
Outro problema referido pelas enfermeiras foi a falta de acesso aos dados sobre
o acompanhamento dos casos positivos e sobre os óbitos das mulheres residentes na
área. Este fato dificulta ainda mais a compreensão do padrão epidemiológico das
141
patologias na região e qualquer iniciativa de planejarem estratégias que possam
produzir impacto positivo na diminuição dos coeficientes de morbimortalidade.
“Embora tenhamos uma planilha para alimentar os dados lá na Secretaria de Saúde
nós não sabemos quem são estas pacientes [...] que vão consultar em outro médico, e
isso se perde.” (Angelin 29)
“Agora, que estratégia poderia ser feita eu nunca pensei, nunca pensei mesmo.Tem
algumas coisas que a gente já pensa em relação a estratégias, mas em relação ao
preventivo não, nunca pensei.” (Mogno 120)
Um dos fatores que explica esta dificuldade na disponibilização de dados para
uma avaliação estatística, é a deficiência de registros nos prontuários e arquivos das
unidades.
“Além de ter diferentes profissionais tem diferentes formas de registro e de
prontuário. Cada um fica de uma forma” (Carvalho 32)
“Essa separação de um arquivo específico só para preventivo. É errado. [...] estaria
anotado no prontuário se ela fez a coleta ou não. Aí eu teria mais facilidade para
questionar sobre o preventivo” (Carvalho 21)
“Se existisse este tipo de formulário com certeza, aqui neste arquivo, iria ser
diferente [...] minha área teria uma gaveta. Então, eu poderia fazer essa avaliação.
Isso não acontece. É misturado.” (Carvalho 19)
Durante a observação dos serviços, identifiquei que no prontuário das usuárias,
geralmente, fica pouco ou nenhum registro da assistência, dos achados clínicos, do
resultado da citologia, dos encaminhamentos realizados e do seguimento dos casos.
A falta de dados sistematizados dificulta a avaliação das necessidades das
mulheres, o planejamento da assistência para grupos de risco e o estabelecimento de
estratégias para a ampliação da cobertura de atendimento à população. Sem identificar
as necessidades das mulheres nos serviços locais, as enfermeiras verbalizaram na
entrevista e no Grupo Focal a necessidade de haver uma normatização municipal que
direcione o atendimento e que uniformize a linguagem e as práticas, assim acreditam
que não haveria modificações e divergências.
“A gente peca, no fato de não termos os dados tão bem claros como deveriam ser”
(Seringueira 30)
“Deveria haver padronização na Unidade, porque chega um funcionário novo e está
ali, está escrito, é assim que se faz” (Cambará 42)
“A gente não pode prescrever mesmo [...] Então tu tens sempre que procurar o
médico e a ginecologista para estar dando esse suporte. [...] mas se a gente
conseguisse padronizar de uma maneira bem completa.” (Cumbarú 13, 54)
142
Como o trabalho não é executado após um planejamento e escolha de
estratégias mais viáveis para a realidade encontrada, ele fica centrado em rotinas que
nem sempre são bem compreendidas pelas profissionais e são desenvolvidas de
diferentes maneiras, impedindo uma assistência uniforme e a continuidade das ações
quando há substituição de membros das equipes.
Sem direcionamento de como as ações devem ser desenvolvidas, em alguns
serviços são utilizadas estratégias impositivas, com artifícios que ferem a ética e o
respeito às pessoas, para manter o número de atendimentos ou identificar novas
mulheres. A realização da coleta de CCO é exigida para que a mulher ou sua família
tenha acesso a outros atendimentos na Unidade, como por exemplo, o contraceptivo no
planejamento familiar e a alimentação suplementar para crianças de baixo peso.
“Quando a mulher vem fazer a consulta de puerpério, quando ela vem fazer a
consulta de planejamento familiar, eu já coloco para ela que isso faz parte da entrega
da pílula, do nosso acompanhamento no planejamento familiar, que ela também
faça o preventivo” (Cambará 13)
“A gente fala assim, para receber o leite na Criança a mãe tem que estar com o
preventivo em dia. Para pegar o anticoncepcional eu só dou se elas vão fazer logo, se
elas estão com o preventivo em dia.” (Mogno 123)
A questão da normatização, para uniformizar a assistência prestada nas
diferentes unidades básicas, foi muito enfatizada pelas participantes na primeira
reunião do Grupo Focal, até com certa ansiedade, levando-me a perceber que este
grupo de profissionais estava inseguro e com muitas dúvidas sobre qual deveria ser a
forma mais adequada de prestar a assistência.
Por esse motivo, tive de modificar o enfoque que havia planejado para as
discussões no Grupo Focal, introduzindo estratégias para a explicação da técnica de
coleta de CCO e de exame clínico das mamas, no sentido de tentar dirimir as dúvidas
básicas que o grupo ainda apresentava. Assim, não foi possível desenvolver discussões
mais globais sobre o processo de trabalho da enfermagem, pois o grupo não conseguiu
avançar nas discussões por causa das dúvidas técnicas, o que acabou centralizando o
foco de interesse neste aspecto.
A evidente falta de qualificação fala por si mesma, ou seja, é indicativa de uma
determinada característica no processo de trabalho realizado – a falta de domínio dos
143
instrumentos de trabalho. Por isso, as enfermeiras incorrem em equívocos
organizativos, que resultam em uma assistência sem direção finalística.
“Na verdade o que eu percebo é que precisa uma padronização de todas as unidades
para seguir uma mesma linha [...] Como que é para seguir certinho? Como que é
para andar essa prevenção?” (Grupo Focal 1)
No Município, além da diversidade e falta de continuidade no oferecimento da
assistência preventiva, existe limitação no número de profissionais aptos a desenvolver
ações de prevenção do câncer ginecológico, por falta de capacitações sistemáticas e de
educação permanente em serviço. Durante a observação dos serviços e atividades pude
identificar que, quando acontecem capacitações, elas são realizadas fora do local de
trabalho e direcionadas, geralmente, para a funcionária de enfermagem de nível médio
que está fixa no setor.
Quando ela retorna, após a conclusão da capacitação, não acontece a
socialização do conhecimento com o restante do grupo por causa do ritmo de trabalho
na instituição e pela falta de interesse dos demais com relação ao assunto.
“Até propus para a Chefia, é pegar um dia da doutora à tarde e a gente fazer o
preventivo com ela.” (Mogno 30)
“A gente não consegue (capacitar) por causa da demanda do posto. A gente nunca
consegue tirar todas as técnicas e auxiliares de enfermagem, para poder fazer o
treinamento, porque elas estão sempre ocupadas no posto. [...] Ele está sempre cheio
de gente” (Mogno 111,112)
“A gente vê que muitos deles não querem aprender (pessoal de enfermagem) [...]
Tem aquele que quer aprender, que quer fazer, pede para ser trocado de setor [...]
mas tem aqueles que se acomodam” (Jacarandá 36,37)
Alguns aspectos da organização e funcionamento dos serviços são apontados,
pelas enfermeiras participantes do estudo, como facilitadores e importantes para a
assistência preventiva. Dentre eles, o fato de os resultados das citologias serem
entregues na própria Unidade, pois os profissionais têm acesso prévio ao laudo do
exame, podendo estabelecer condutas e realizar busca ativa dos casos suspeitos e
positivos. Outra facilidade descrita foi a disponibilidade de serviços especializados no
próprio Município, diminuindo o deslocamento das usuárias.
“O fato de vir o resultado para a unidade é ótimo, a gente já vê antes da paciente”
(Angelin 22)
144
“Tem a busca ativa, as agentes vão até a casa da pessoa, por isso eu pego o endereço
certinho... De todos os exames que eu faço” (Angico 35)
“Tem encaminhamento, fácil acesso para mandar para uma especialidade [...] Tem
este suporte. [...] quando a gente tem para onde encaminhar fica tudo mais fácil”
(Seringueira 20,24)
No entanto, algumas profissionais afirmam que o acesso aos serviços de
referência e de maior complexidade é difícil, assim como o retorno dos laudos, com o
parecer e a conduta estabelecida para os encaminhamentos realizados.
“O Município [deveria] estar facilitando mais o acesso do usuário. Porque é muito
complicado, eles complicam muito. [...] é muita burocracia.” (Peroba 26, 27)
“É uma dificuldade enorme a gente saber quem são estas pacientes que estão tendo
nódulos mamários que sejam benignos ou malignos. Porque acaba depois indo para
as mãos do médico e ele acaba não nos passando essa informação.” (Angelin 28)
“A gente ficava angustiada com a paciente que já estava com NIC e precisava fazer
a colposcopia, fazer biopsia e tudo mais e não conseguia, demorava meses para fazer
esse exame.” (Angelin 14)
As enfermeiras, ao relatarem essas distorções no sistema de referência e contra-
referência, reclamam do desgaste profissional e emocional que a vivência desse tipo de
situação acaba trazendo, pois elas nunca sabem os desdobramentos que ocorreram e
ficam na linha de frente de contato com as pessoas e a comunidade.
Todavia, o descontentamento que expressam não parece evidenciar que existe
uma resistência ativa ao problema, com o enfrentamento direto e a busca de
alternativas, mas pode-se situar claramente como uma espécie de ritual de resistência
passiva. As profissionais omitem-se ou não tomam iniciativas, admitindo que algumas
situações fazem parte do trabalho, no sentido de poupar-se frente ao sistema instituído
(LEOPARDI, 2000).
Para a população, fica a percepção, cada vez mais forte, de que a unidade básica
é o serviço de saúde próximo à sua casa, no qual ela pode ser atendida quando está
doente ou num caso de emergência, visão que se distancia do modelo assistencial
proposto para o PSF.
“Os pacientes fazem isso aqui como um pronto atendimento e aí começa a misturar
as situações que tu nunca tem tempo de... talvez ir numa escola, ou fazer grupos,
mesmo em casas das pacientes, chamando todas as mulheres da rua.” (Garapuvu 52)
“Os pacientes, às vezes, eles acabam fazendo o centro de saúde de uma emergência
[...] até paciente parado a gente pega [...] Acaba fazendo um pronto atendimento, é
145
tanta gente que a gente não consegue nem fazer o trabalho de PFS direito”
(Garapuvu 10, 83)
Como uma questão nevrálgica no funcionamento dos serviços de saúde foi
apontada a dicotomia entre a maneira como os serviços estão organizados e o modelo
assistencial adotado pelo Município. As enfermeiras enfatizaram que, apesar da
importância que o PSF tem para o funcionamento das unidades básicas, na prática ele
ainda está distanciado de sua lógica teórica.
“Aqui quem leva a Unidade de Saúde é o PSF.” (Angico 23)
“Existe uma fragmentação entre a atividade ou a equipe do PSF e a da unidade.
Existe este distanciamento [...] E não existe só do PSF para o Centro de Saúde [...]
Existe o distanciamento [entre as pessoas dos diferentes setores]” (Carvalho 24)
“Não é mais Programa, é Estratégia de Saúde da Família, que deveria ser na
verdade. O Programa Saúde da Família deveria absorver a atenção básica. Mudar a
estratégia, já o nome é estratégia saúde da família.” (Angelin 45)
“Com o Programa de Saúde da Família, deveria sim ser implantado o cartão família,
o prontuário família. Ser uma coisa assim modificada no sistema de funcionamento.
[...] foi até tentado introduzir no centro de saúde, mas devido à dinâmica familiar...
às vezes perdia o prontuário também.” (Angelin 37, 38)
Na observação das unidades de saúde, constatei, como foi explicitado na Figura
1 sobre o cenário de estudo, que são mantidos setores onde funcionam atendimentos
no modelo tradicional de assistência curativa, que podem estar vinculados ou serem
encaminhados pelos profissionais do PSF, mas que funcionam, também, sem qualquer
interligação com as equipes.
Com essa divisão físico-administrativa das unidades sanitárias em setores, a
prevenção do câncer ginecológico funciona, em grande parte delas, como um
atendimento centrado no número de coletas de CCO e na possibilidade de haver sala
disponível, sem uma vinculação formal com as atribuições cobradas das enfermeiras
do PSF.
O acúmulo de atividades que as enfermeiras realizam induz à crença e à
repetição do discurso defendido pela Coordenação Municipal, de que o preventivo
deve funcionar separado do PSF, com uma funcionária de nível médio com contrato
efetivo, fixada no setor e responsável por atendimentos, encaminhamentos, controle
dos exames e entrega de resultados. Outras possibilidades, quando pensadas, ocupam
146
uma importância secundária no desenvolvimento das ações de prevenção do câncer
ginecológico nas unidades.
“Como a gente é enfermeira, não pode ficar 8 horas por dia fazendo preventivo.
Então, deveria ter realmente um profissional capacitado fixo no preventivo [...] uma
pessoa efetiva que não saísse. Que ficasse aqui no posto 6 horas.” (Aroeira 44, 58)
“O pessoal do PSF (nível médio) está se oferecendo, só que a gente não pode pegar
o PSF para isso [preventivo]. O PSF tem as suas atribuições” (Aroeira 57)
Dessa forma, delegando o atendimento preventivo somente ao técnico de nível
médio, as enfermeiras estariam afastando, cada vez mais, a possibilidade de tornar
visível seu trabalho. Entretanto, não se pode concluir apressadamente que esta é uma
conduta de recusa de trabalho, porque, no conjunto dos dados, observa-se que isto é
utilizado mais como uma estratégia de justificação de sua escassa inserção no processo
de atenção preventiva.
Este fracasso pode ser imputado à sua dificuldade de avaliar o processo de
trabalho que coordenam ou ao julgamento que fazem de seu trabalho, como contendo
tarefas em quantidades superiores ao que são capazes de assumir. Porém, não fica
evidente em suas falas a necessidade de exigir a alocação de mais enfermeiros para
que, em equipe, possam desenvolver todas as atividades que se fazem necessárias.
As ações preventivas organizadas dessa forma, como atividade marginal às
atribuições da enfermeira do PSF, possibilitam a ocorrência de muitas distorções, que
elas identificam, mas que, aparentemente, ainda não realizaram um movimento
concreto para tentar corrigí-las.
“O preenchimento da ficha era feito, praticamente, no balcão, na recepção e a gente
não, a gente (enfermeira) tenta trazer a paciente para uma sala, para o consultório,
fechar a porta.” (Cambará 56)
“Por causa da demanda e porque atendem muito rápido ali do balcão, as pessoas não
falam de uma forma que a paciente vai compreender, a informação para ali” (Mogno
50)
“Eu acho que melhoraria a assistência para a mulher em relação a essas informações
que a gente (enfermeira) poderia estar dando, ao histórico de saúde reprodutiva, que
isso também é feito.” (Cambará 59)
“A gente tem muitas atribuições, então se tivesse um enfermeiro... que pudesse
tomar conta do centro de saúde, se empenhasse mais no programa saúde da mulher
eu acho que a coisa seria diferente.” (Angico 11)
147
A solução expressa no discurso, seria a enfermeira assumir como sua atribuição
o atendimento preventivo para que ele tenha maior qualidade. Porém, esta afirmativa
choca-se com afirmativas expostas anteriormente, de que, para a enfermeira, é
impossível assumir o atendimento preventivo devido às suas outras atribuições e
cobranças. O ideal aponta para soluções que elas não acreditam possíveis, tornando o
real um muro intransponível.
Além disso, as enfermeiras verbalizam que, para a condução técnico-
administrativa do PSF Municipal, o atendimento à mulher fora do período gestacional
não é considerado e valorizado como um marcador de acompanhamento da assistência
prestada, contrastando com o que está preconizado, na Norma Operacional de
Assistência à Saúde do SUS, como de responsabilidades a serem executadas pelas
Equipes de Saúde da Família na área da Atenção Básica. Inclui, nas ações à saúde da
mulher, a prevenção do câncer de colo uterino, indicando para o rastreamento da
patologia as atividades de coleta ou referência para o exame de CCO, alimentação dos
sistemas de informação, consulta médica e de enfermagem (BRASIL, 2002a).
No Município, a direção técnica das ações de prevenção do câncer ginecológico
nas unidades básicas é vinculada à Coordenadoria de Saúde da Mulher e não à
Coordenadoria do PSF. Logo, um maior envolvimento do profissional com a
prevenção do câncer ginecológico fica como uma iniciativa e atitude de foro pessoal.
Aparece aqui, novamente, o modelo matricial do serviço público de saúde, que implica
em comando duplicado e falta de isonomia.
“[no PSF] não é marcador preventivo e nem mulher, a gente só trabalha com
marcador gestante [...] é como se a atenção não fosse tão especial assim. [...] Apesar
de que o preventivo, HIV, tudo faz parte de uma atenção especial.” (Carvalho 12,
13, 16)
“É claro que a gente dá atenção pra isso (o preventivo), mas não existe um programa
específico para isso, uma ficha que eu possa fazer uma avaliação específica.”
(Carvalho 17)
Esses problemas acabam não sendo discutidos na equipe, na maior parte das
unidades, pois não são viabilizados espaços para reflexão em grupo por causa do
atendimento ininterrupto ao público. Nas unidades onde acontecem reuniões, as
148
profissionais vislumbram um processo de trabalho mais harmônico da equipe e
indicam maior satisfação com o trabalho realizado.
“A gente não tem tempo para chegar, sentar e ter uma reunião. Isso é uma tristeza, a
gente fica angustiada, querendo resolver um monte de problemas, sentar junto e ver
o que está acontecendo” (Angelin 54)
“Não dá para ter reunião com o centro de saúde aberto, porque as pessoas vêm
chegando, o profissional tem que sair e fica aquele rolo [...] Para ter uma reunião de
qualidade, sentar e conversar tudo, teria que fechar o centro de saúde.” (Angelin 56,
57)
“A gente percebeu que é uma coisa da Secretaria. [...] a gente não tem esta abertura
de fechar a Unidade para fazer reunião da equipe. Eu acho que é uma perda também
deles, que poderiam melhorar em muito o atendimento [...] poderia melhorar
algumas questões, até do próprio câncer ginecológico” (Angelin 58)
“Na Unidade eu acho que está tudo dentro do legal [...] nós sentamos todos, a gente
tem reuniões semanais. Nós sentamos todos e falamos com relação ao preventivo”
(Ipê 36,47)
Na avaliação final do Grupo Focal, as participantes destacaram a importância da
discussão em grupo ao propiciar mais segurança e encorajar a fazer mudanças,
ultrapassando os limites das dificuldades e refletindo melhor sobre as situações
encontradas.
“[...] eu acho que mesmo com os problemas que a gente vem passando, dificuldades
profissionais, mas assim mesmo com estas reuniões parece que a gente consegue
ultrapassar os limites das dificuldades e refletir melhor sobre a situação” (Grupo
Focal 4).
“Creio que este fato da gente estar discutindo entre a gente até encorajou, pelo fato
de ter que trazer a tarefa, a modificar alguma coisa. Outra coisa que eu acho ficou
boa da gente sentir essa evolução.” (Grupo Focal 4)
Como expus anteriormente, os serviços estão organizados para atenderem a
demanda espontânea da população, que chega à unidade básica com alguma queixa ou
agravo à saúde, ou seja, a lógica que norteia a assistência é a da queixa e da doença,
reforçando, assim, o Modelo Biomédico, centrado na prática clínica de “consultação”
(SCHRAIBER, 1990).
O direcionamento administrativo prioritário nos serviços de saúde do Município
é a cobertura do atendimento por meio de consultas médicas e de enfermagem, e a
execução de procedimentos. Dessa forma, acaba sendo privilegiada a produtividade
,
por meio do cômputo das atividades realizadas, sem outro parâmetro de avaliação ou
controle da qualidade da assistência prestada.
149
As enfermeiras, além de realizarem consultas aos usuários dos grupos
considerados como marcadores da produtividade do Programa de PSF (por exemplo:
gestantes, crianças de baixo peso, hipertensos, diabéticos, etc), são responsáveis pelo
“acolhimento”. No entanto, observei que esta atividade é compreendida e exercida nas
unidades como uma triagem de usuários não agendados, para definir se eles serão
encaminhados para uma consulta extra com médico da equipe do PSF ou para serviços
de referência. Ela é dividida entre as enfermeiras como mais uma tarefa, a profissional
que está escalada para esta atividade é solicitada durante todo o tempo. Com isso,
atividades preventivas, educativas e de promoção da saúde acabam sendo prejudicadas
ou suspensas.
Para Franco, Bueno e Merhy (2006), acolhimento é uma diretriz operacional do
modelo assistencial, centrado no usuário e no seu problema de saúde. Ele traz uma
ressignificação na relação com o usuário, entendendo-o como sujeito portador de um
problema de saúde, mas que tem uma história de vida responsável pela formação de
sua subjetividade e traz consigo um modo cultural, relações sociais e a origem em um
determinado meio ambiente.
Esta organização dos serviços básicos de saúde dificulta a visualização da
situação das famílias atendidas e o estabelecimento de propostas para a promoção da
saúde e melhoria das condições de vida da população da área. Apesar de cada Equipe
de Saúde da Família ter sob a sua responsabilidade sanitária as famílias de uma
determinada área geográfica, a assistência centrada no atendimento individual
sobrecarrega as agendas dos profissionais, dificulta a integração entre os membros da
equipe e a realização de ações coletivas de promoção da saúde.
Como as Unidades têm sempre uma demanda elevada de atendimentos
individuais, somente uma parte da população da área acaba tendo acesso à assistência
e utilizando os insumos e as instalações do serviço de saúde. Várias famílias ficam
sem o atendimento de suas necessidades e agravos de saúde pelo serviço público.
Muitas vezes, as que deixam de ser atendidas são aquelas que residem nos locais mais
distantes, têm menor nível de informação, poder aquisitivo baixo e condições de vida
mais precárias.
150
“Outra coisa que eu vejo é a população. São sempre as mesmas pessoas [...] só estas
que utilizam o posto sempre." (Garapuvu 68)
“[...] aquela população que realmente estava precisando de uma orientação [...] a
gente acaba não chamando eles [...] eles também, claro, nunca têm nada, porque os
outros que estão todos os dias aqui pegam tudo.” (Garapuvu 70, 71)
O processo de trabalho, desse modo, continuará sendo executado de forma
parcelar, centrado na hegemonia do profissional médico, com as profissionais de
enfermagem dando “apoio” na assistência desenvolvida, sendo responsáveis pela
administração e funcionamento das unidades sanitárias, priorizando, assim, as
atividades administrativas e burocráticas. Nesse processo, as profissionais ficam
aprisionadas e imobilizadas na reprodução de rotinas desgastantes, afastando-se de
atividades propositivas e criativas para o atendimento das necessidades de saúde da
população.
Durante o estudo, foi possível evidenciar que as equipes de PSF do Município
são formadas por trabalhadores recém-graduados, com pouca experiência profissional
e habilidade técnica. Além disso, o vínculo empregatício é por contrato temporário,
existindo elevada rotatividade de profissionais e pouco tempo de permanência na
mesma unidade básica, situação que prejudica o planejamento de ações em médio e
longo prazo, o trabalho em equipe e a criação de vínculo com os colegas e com a
população.
“Tem muita gente nova também. Muito... nova de idade e nova que acabou de se
formar [...] eles vêm para o PSF até conseguirem uma residência ou uma coisa
melhor. Conseguiu, eles saem, vem outro.” (Cerejeira 36, 38)
Existe, ainda, uma diferenciação dos trabalhadores na instituição, de acordo
com o tipo de contrato, de remuneração e de carga horária de trabalho, o que acaba
dividindo os trabalhadores em dois grupos; das equipes de PSF e dos funcionários
efetivos. Esse tipo de divisão administrativa fragmenta as ações, desarmoniza as
relações de trabalho, dificulta a atuação dos profissionais e o desenvolvimento da
assistência. O horário de funcionamento das unidades sanitárias favorece essa
fragmentação, embora permaneçam abertas ao público por doze ou mais horas, as
equipes de PSF que lhes dão sustentação têm jornadas de trabalho que não favorecem
a continuidade da assistência.
151
O funcionamento de Unidades Básicas em horário expandido, inclusive no
período noturno, seria importante, principalmente para a população trabalhadora.
Todavia, a maioria das unidades permanece aberta, com pessoal em atividade
administrativa, fazendo somente agendamentos e encaminhamento para serviços
hospitalares de pronto atendimento.
O pessoal do balcão explica que o médico não está, o médico já foi embora, deu o
horário dele. É uma coisa assim que não entra na minha cabeça (a Unidade
permanecer aberta após a saída do PSF) (Angelin 44)
Todas essas dificuldades, oriundas das contradições entre o modelo assistencial
proposto para o Município e a forma como os seus serviços estão estruturados e
organizados, geram insegurança nas enfermeiras, que se sentem cobradas, sem que
tenham condições adequadas de trabalho, em termos de qualificação,
dimensionamento de pessoal, espaço físico e diretrizes assistenciais.
Assim, é mantido um ciclo estrutural que as condicionam para finalidades que
estão longe de serem aceitas como éticas. O trabalho deixa de ser resolutivo e
qualificado, tornando-se causa de sofrimento moral e psíquico dos trabalhadores.
A base estratégica do Sistema de Saúde, configurada para a descentralização
financeira e das ações e, ao mesmo tempo, para a centralização programática, impõe
um processo de trabalho inflexibilizado e, de certo modo, dirigido para a captação de
recursos econômicos.
“Às vezes a gente quer fazer quantidade, quantidade e perde muito na qualidade”
(Cumbarú 55)
“A gente faz o nosso papel, achamos que está sendo dentro do legal, mas nem
sempre é isso que eles querem [no Município]” (Ipê 39)
“Eles [no Município] também têm que pensar que é a gente que está atuando, a
gente que está na assistência.” (Mogno 94)
“Eu falo lá [Secretaria] ‘tem determinadas coisas que a gente não pode seguir o que
vocês falam, porque vocês estão aqui e falam de uma forma, mas lá é outra
realidade, é outra coisa’. ” (Cerejeira 65)
“A gente fica angustiada, porque a gente gostaria de ir além do que é pedido, mas
como o que é pedido já cobre todo o tempo, a gente não tem tempo nem de pensar o
que a gente pode fazer.” (Angelin 67)
Além disso, falta suporte e conhecimento técnico de outros profissionais da área
de saúde e afins (como psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas, educadores,
152
assistentes sociais), principalmente em atividades de promoção à saúde. Assim, o
atendimento fica centrado nos profissionais do PSF e focado nos cuidados aos agravos
à saúde, limitando a equipe no desenvolvimento de outras atividades que a
comunidade necessite.
“Quando vai realizar estes grupos, que a gente faz de orientação, chega uma hora
que suga tudo de ti, porque é sempre médico-enfermeiro” (Garapuvu 37)
“Eu sinto falta, assim, de profissionais diferentes da área de saúde [...] falta de outros
profissionais dentro da nossa área no Município. Psicóloga, assistente social,
fisioterapeuta...” (Garapuvu 35)
“Aqui [na Unidade] a gente não tem nada assim [...] Chega uma hora que a gente
não tem... se tu quer chamar outro profissional... que o grupo precisa” (Garapuvu 36,
38)
“A quem recorrer para poder ter respaldo para fazer um trabalho de prevenção?”
(Jacarandá 12)
Este trabalho isolado, quase que solitário, gera um sentimento de impotência
frente à gama de problemas que necessitam enfrentar. Isto tem levado as profissionais,
no foco da nossa discussão, as enfermeiras, a valorizarem e reproduzirem de forma
acrítica as rotinas implantadas na instituição.
Visto em sua aparente organização, muito facilmente o olhar busca culpabilizar
exclusivamente os profissionais, pela superficialidade assistencial. É necessário,
porém, refletir que a instabilidade do emprego, as jornadas diferenciadas e a
valorização excessiva ao controle burocrático dos procedimentos realizados, levam a
uma crise estrutural que não permite a realização das finalidades de bem-estar e
qualificação da vida. O trabalho dirige-se ao atendimento de necessidades curativas,
concretas e imediatas das pessoas.
Na implementação da assistência à população, as profissionais deparam-se com
uma realidade muito mais complexa, na qual a resolução pontual de problemas tem
alcance limitado. Sem exemplos práticos de atenção resolutiva, equânime e integral
nas instituições, sem interlocução com os outros profissionais e com os diferentes
níveis de atenção, elas sistematizam e implementam as atividades que consideram
viáveis ou possíveis, dentro da estrutura de trabalho que dispõem. Fazem isso, porém,
sem um planejamento estruturado e critérios claros de avaliação que demonstrem se
elas são efetivas ou não.
153
“[no Município deveria] todo mundo falar a mesma língua, fazer... tornar um
atendimento padrão [...] fazer uma rotina, uma rotina de trabalho” (Eucalipto 6, 9)
“Poderia haver padronização na coleta, isso não há também no Município [...] a
gente sempre pede que todas as rotinas de enfermagem sejam padronizadas e o
preventivo é uma que deveria ser bem padronizada para que todos os centros de
saúde pudessem estar fazendo igual.” (Cambará 5, 6)
“Depois que a gente mudou (a rotina) é que a gente viu que a demanda estava
realmente reprimida” (Cumbarú 2)
Assim, limitações decorrentes da estrutura institucional, falta de planejamento,
multiplicidade de atividades, imposição de rotinas e déficit de conhecimento, aliadas
ao contrato de trabalho de caráter temporário, fragilizam as trabalhadoras, deixando-as
vulneráveis aos diferentes rumos gerenciais decorrentes das mudanças político-
administrativas que acontecem nos serviços públicos e que foi ressaltada nas
discussões do Grupo Focal.
“Eu vejo que quando a gente recebe uma ligação é só para dizer: ‘Oh! Está baixo,
vamos aumentar isso e pa, pa, pa...’ Estão aí no dia-a-dia, não tem uma hora para
pensar, para tentar discutir, para estar a vontade, para estar aprendendo e discutir
quais são as possibilidades que a gente tem para evoluir, para ver como é que nós
vamos captar esta população, vamos ver como, juntamente com todos e, também,
com a Secretaria” (Grupo Focal 4).
“Muitas vezes quando você fica sozinha, a enfermeira sofre, às vezes o médico não
está nem aí.[...] porque o esforço que a gente faz, só é cobrado, é tudo muito rápido.”
(Grupo Focal 4)
“Até mesmo para não ficar nisso de chefia alterar. Agora vocês enfermeiros não vão
fazer mais isso, agora vocês vão... Então, não é assim. É padronizar alguma coisa.”
(Grupo Focal 4).
A percepção das enfermeiras sobre as políticas de saúde do Município
complementa e esclarece algumas dificuldades explicitadas. Um problema apontado
foi o distanciamento entre as expectativas das equipes técnicas do Município e as
atividades concretas nas unidades básicas de saúde, pois as determinações de
atividades não levaram em consideração as dificuldades e diferenças locais.
Além disso, a troca de informações, entre o nível local e municipal, ocorre,
preponderantemente, através de relatórios e mapas de produção. A supervisão direta,
com avaliação das ações desenvolvidas e da qualidade da assistência prestada,
geralmente não é realizada. Assim, a diversidade de ações e linguagens fica cada vez
maior, dificultando o gerenciamento e o desenvolvimento de estratégias eficazes para a
modificação do perfil epidemiológico.
154
“Há necessidade de um elo maior entre o nível central e o local”. (Jacarandá 59)
“[no Município] falta interação” (Garapuvu 2)
“Secretaria de Saúde [deveria][...] colocar mais uma ligação entre os programas, não
ficar tão desvinculados. Aqui é o PSF, aqui é a saúde da mulher... [...] Quer dizer,
fazer uma ligação melhor na própria Secretaria” (Jacarandá 55, 56)
“É entregue uma produção, no dia tal do mês, aí essa produção vai direto para a
equipe de PSF, mas teria que ter uma junção de tudo” (Jacarandá 60)
“Parece que fica uma visão de que eles são tudo assim, Secretaria é só papel...”
(Garapuvu 45)
Este é um problema denunciado em todos os níveis dos serviços públicos de
saúde, ou seja, a falta de diálogo e de interligação entre setores. Esta
incomunicabilidade reproduz-se nos níveis federal, estadual, municipal e local,
levando muitos gestores e profissionais a acreditarem que a assistência torna-se melhor
quando todos cumprem os protocolos programáticos, sem adequação às necessidades
de saúde das pessoas e características epidemiológicas.
Tem como conseqüência duplicação de esforços, ações ineficientes para dar
respostas resolutivas aos problemas, aumento da necessidade de aporte financeiro e de
pessoal, desperdício do recurso público e perda da visão de conjunto, para alcançar o
seu objetivo - a saúde da população. Perpetua-se, assim, o trabalho pouco resolutivo,
que não modifica as condições de saúde da população como um todo e que gera
ansiedade e descontentamento nos trabalhadores.
Algumas enfermeiras não identificam no Município qualquer dificuldade no
desenvolvimento das atividades de prevenção do câncer ginecológico. Outras, não
conseguem, sequer, emitir uma avaliação positiva ou negativa com relação a isto.
“[no Município] eu não estou percebendo dificuldades [...] quando a gente precisa de
algum retorno, alguma coisa a gente tem” (Pau-Brasil 7, 24)
“Eles te dão sempre o retorno. Eu vejo, assim, muito retorno de marcação. [serviços
do Município]” (Garapuvu 17)
“O transporte do material e o retorno do resultado, eu acho que isso é bem positivo.”
(Pau-Brasil 25)
“É difícil de te responder, porque eu não tenho assim.... [conhecimento do
Município] [...] o que eu conheço aqui é por intermédio de outras pessoas”
(Seringueira 10, 21)
“Ah, é difícil! Eu não sei como é nos outros lugares. Eu não sei te responder como é
[no Município]” (Ipê 23, 24)
“Não vem nada em mente [sobre o Município]” (Tarumã 20)
155
Esta incapacidade para pensar o seu trabalho e o contexto em que está inserido
tem múltiplas causas, uma delas pode ser a organização do processo de trabalho
centralizado na burocracia do sistema e dirigido à assistência circunstancial da
demanda. Reforçando isto, existe uma fraca inserção das equipes de PSF na
comunidade, ficando para os ACS a responsabilidade de detectar os problemas,
informar e supervisionar as necessidades de saúde.
Algumas profissionais participantes do estudo entendem que as dificuldades
enfrentadas no seu trabalho têm vinculação com a organização administrativa do
Município e com a ingerência política, por conta da perpetuação da influência político-
partidária na gestão dos serviços de saúde, sem que as questões técnicas identificadas
como necessárias sejam consideradas e priorizadas. As profissionais não se sentem
apoiadas para atividades que criariam maior vínculo com a comunidade.
“[no Município] não temos apoio” (Cerejeira 9)
“O Município eu não sei o que ele está fazendo de facilidade. Eu acho que a
facilidade maior é que nós corremos atrás das coisas” (Garapuvu 21)
“Uma coisa que eu tenho percebido, em todo o sistema, é o transporte.[...] não é só o
negócio do resultado do preventivo.[...] documentos, tudo demora a chegar.”
(Angelin 24)
“O trabalho na comunidade que eu faço [...] coisinhas simples que a gente quer para
melhorar o nosso trabalho. Essa parceria (com o Município) não existe.” (Jacarandá
11)
“Falta material educativo, eu acho que isso é importante ter folder ou outro tipo de
material. [...] eu iria poder trabalhar melhor com as mulheres.” (Peroba 9, 11)
“Se fosse falar do Município entraria na questão política, porque não pode falar do
Município sem falar da questão política. [risos]” (Cedro 25)
As enfermeiras têm percepção de que o seu trabalho precisa ser qualificado,
algumas considerando que o processo de capacitação desenvolvido no Município dá
apoio e facilita a assistência. Porém, outras consideram que o modo como as
capacitações são orientadas e desenvolvidas não as ajudam a enfrentar as diferentes
situações que surgem durante o atendimento e não despertam a atenção e o interesse
dos profissionais.
156
Foi comentado, até, que alguns profissionais participam dos “treinamentos”
para relaxar, ficando afastados do atendimento na unidade, para encontrar colegas de
outros serviços e para aproveitar o lanche que é oferecido.
“[no Município] acho que [facilidade] é a própria capacitação que eles dão para os
funcionários, sempre tem.” (Guarantã 15)
“Eu acho que tem gente capacitada no Município. Tem que se preparar para fazer
uma palestra bem dada.” (Pinho 63)
‘Ter uma capacitação mesmo, não é chegar e falar meia dúzia de palavras, que você
já sabe, e acabou. [...] Não é simplesmente uma capacitação como eles fazem aqui.”
(Peroba 34,36)
“[capacitação] vai lá na frente e mostra um monte de slides [...] quando mostra, tu
não consegue ver, porque é diferente ver no slide e ver na real.” (Cerejeira 15)
“Ir para lá para ficar sentada e esperar só a hora do coffe breake, isso aí não... Ao
meu ver as pessoas vão mais para uma capacitação para distrair, para relaxar.”
(Pinho 64)
Embora haja necessidade de instrumentalização para o trabalho, nem todas as
enfermeiras aprovam o modo como os programas de capacitação são implementados.
Por outro lado, a falta de uma cultura e de uma prática de educação permanente leva
muitos profissionais a não perceberem o momento de capacitação como importante
para o seu crescimento pessoal e profissional.
O posicionamento administrativo equivocado na organização de capacitações,
como se fossem eventos ou momentos de encontro e confraternização dos
profissionais dos serviços, desconfigura sua finalidade precípua, destacada no Grupo
Focal, de enfrentamento e correção dos problemas detectados.
“Deve-se construir o conhecimento em conjunto, assim a própria pessoa chegará a
conclusão [ao conhecimento] desejado. A gente quis dizer que é tu mostrar para o
funcionário a importância do serviço e incluir ele como uma peça importante nesse
serviço. Não é, simplesmente, cobrar dele” (Grupo Focal 2).
“Eu acho que tem que se fazer uma capacitação como a que você fez, mais prática.
Uma coisa que traga esse pessoal que está afastado e que está fazendo, para que eles
tenham as mesmas informações que a gente está tendo aqui.” (Grupo Focal 4)
As enfermeiras ressaltam a importância dos aspectos relacionais no seu
processo de trabalho. Chamam atenção para a necessidade de criação de vínculo com a
mulher como elemento facilitador na realização da assistência preventiva. Afirmam
que uma assistência humanizada e com diálogo aberto é necessária para que a mulher
157
possa sentir-se mais relaxada e consiga estabelecer uma relação de confiança com a
profissional.
Lopes et al. (1999, p. 41) ressaltam, também,
a importância do profissional de saúde considerar os aspectos individuais da
mulher para favorecer a espontaneidade na relação, formando um vínculo
que proporciona melhor compreensão das queixa e dúvidas, assim como,
maior diálogo para trabalhar os tabus durante o atendimento preventivo.
As enfermeiras que falaram em aspectos relacionais durante a entrevista
consideram que possuem um bom relacionamento com a população e com a equipe
por terem características pessoais que as levam a ser comunicativas e acessíveis,
facilitando a conversa e criando vínculo. Este atendimento agrada as mulheres e faz
com que elas valorizem a assistência e retornem à Unidade Sanitária.
“A facilidade em relação a minha atuação é porque eu sou bem acessível” (Cerejeira
46)
“Uma facilidade que eu acho, é ser uma pessoa comunicativa [...] minha facilidade é
essa de conversar.” (Mogno 66, 68)
“A gente tem uma conversa livre [...] não fico falando palavras difíceis, falo bem no
linguajar da população” (Aroeira 23)
“Conseguir brincar na hora do preventivo. Tentar deixar elas um pouquinho mais
relaxadas.” (Mogno 67)
“A gente cria um vínculo assim com a paciente. Eu acho que isso é uma facilidade
que a gente tem.” (Aroeira 37)
Por isso, as entrevistadas ressaltaram que a enfermeira deve ter qualidades e
atitudes pessoais que facilitem a relação no ambiente de trabalho. Estas características
são requisitos necessários para um convívio harmonioso na equipe e para o
desenvolvimento da assistência. É necessário lembrar que, tanto quem executa a ação
como quem recebe, são seres humanos singulares, que possuem valores e crenças
utilizadas nessa relação durante o processo de trabalho, num sistema de trocas
mediadas pelo e no ambiente em que o processo se dá.
Afirmam que o profissional deve ter bom humor e tranqüilidade no
atendimento, utilizando uma conversa aberta e com linguagem acessível, para uma
relação empática que deixe a mulher mais a vontade durante o exame. Ressaltam que a
mulher leva para o resto da vida a experiência do primeiro exame. Experiências
158
desagradáveis e a falta de diálogo podem interferir, significativamente, na adesão dela
a este tipo de cuidado. Por isso, a profissional deve estar atenta, pois um atendimento
desumanizado pode ser motivo para a mulher não querer fazer mais exames
preventivos.
“Eu sempre procuro atender o pessoal de uma maneira mais tranqüila, deixo o
pessoal mais a vontade...” (Cumbarú 29)
“Eu acho que o diálogo, na hora que tu faz [...] a experiência daquele primeiro
exame ela leva para o resto da vida e não quer mais saber de fazer.” (Cedro 35)
Para as enfermeiras, a relação com as mulheres e a comunidade é importante e
deve ser valorizada. Conhecer a comunidade onde se trabalha e as pessoas que estão
sendo atendidas dá concretude e visibilidade ao trabalho da profissional.
A intermediação do ACS é uma estratégia-chave na consolidação dessa relação,
mas deveria ser mais bem utilizada pelas profissionais, na aproximação e inserção da
profissional na comunidade, favorecendo a compreensão da cultura, dos hábitos e dos
principais problemas vivenciados pelas pessoas.
“Tem essa parte do ACS, que é estratégica, e a gente tem essa ligação [com a
comunidade] [...] Esse acesso eu vejo que é mais fácil da gente poder fazer uma
série de coisas” (Jacarandá 44, 47)
“Eu acho formidável é o trabalho com os agentes comunitários, da gente ter esse elo
com a comunidade. A gente chegar, ir atrás, identificar que pessoa que é essa, que
família que é essa.” (Angelin 36)
A interação e o bom relacionamento com a equipe foram enfatizados,
valorizando a união do grupo, a comunicação entre os membros da equipe, a troca de
experiências e o respeito mútuo. Quando as entrevistadas reportam-se aos aspectos
relacionais com os médicos do PSF e com os ginecologistas, indicam que existe uma
boa receptividade, um trabalho colaborativo e uma disponibilidade para tirar dúvidas e
receber encaminhamentos. No entanto, a indicação expressa é de uma convivência que
está baseada e limitada à troca de informações e esclarecimento de dúvidas técnicas.
“[Integração] Isso acontece tanto com o gineco, como com os outros médicos, com
os clínicos e conosco mesmo.” (Tarumã 34)
“A facilidade da equipe é que não existe aqui aquela coisa: ‘Eu sou enfermeiro, eu
sou médico, eu sou auxiliar.’ Aqui todo mundo trabalha
junto” (Cerejeira 52)
159
“Tanto os médicos do PSF quanto a médica ginecologista são bem receptivos neste
sentido. Eles atendem, orientam. [...] Eu acho que é uma equipe bem unida, facilita
bastante.” (Cumbarú 12, 30)
“Tem situações que eu estou em dúvida [...] e a gente está lá discutindo, ou vice-
versa [...] é que os profissionais interagem, muito bem, aqui dentro” (Garapuvu 25)
“Eu busco muito com a gineco, porque agora a gente tem a oportunidade de ter a
ginecologista aqui e aí eu busco muito com ela.” (Mogno 26)
Por isso, o relacionamento fica dependente somente dos momentos em que
acontece troca de informação, permanecendo a sensação de labilidade e fragilidade na
interação da equipe, correndo o risco de tornar-se uma relação de isolamento
corporativo e sem o caráter multiprofissional.
“Que houvesse maior comunicação entre os membros da equipe. Existe em alguns
momentos e em outros momentos não.” (Angelin 62)
“Agora a gente tem até uma ginecologista que está até resolvendo algumas coisas,
mas antes era muito complicado.” (Peroba 5)
“A interação que a gente tem entre um enfermeiro e outro. A gente sempre costuma
discutir algumas coisas que acontecem. [...] A união que a gente tem é uma
facilidade” (Carvalho 42, 46)
A criação de vínculo profissional é necessária e compreende uma relação que
vai além de uma convivência sem conflitos, requer o compartilhamento de saberes e de
poderes, de modo que todos consigam desenvolver um trabalho que seja prazeroso,
que vá além da obrigação do cumprimento de horários contratuais, do convívio formal
ou amistoso entre os profissionais. Requer uma integração dirigida para uma
finalidade, conhecida e reconhecida pelo grupo como importante para a qualificação
do trabalho, neste caso a assistência à mulher para a prevenção do câncer
ginecológico.
Thofehrn (2005, p.187) afirma que os vínculos profissionais,
têm uma natureza implicada em fazeres e palavras, ou seja, ação e discurso,
cujos pressupostos podem ser expressos por flexibilidade, motivação,
comprometimento, possibilidade de realização pessoal, sentimento de prazer,
dinamicidade, ênfase no ser humano, utilização de saber específico, além de
muitos outros, os quais desencadeiam uma determinada atitude – um dever
ser – tanto na relação interna do sujeito trabalhador consigo mesmo, quanto
na relação com os outros.
Numa equipe, cada participante não é um ser isolado, mas um componente do
grupo, que possui uma característica identificadora própria e visível na instituição.
160
Quando esta integração não ocorre, as divergências acabam ocasionando segmentações
do trabalho e lutas de poder, construindo visões equivocadas e preconceituosas com
relação aos profissionais, o que não ajuda o desenvolvimento de ações integradas e a
comunicação entre eles. O modelo assistencial proposto no Município “A” é o da
Estratégia de Saúde da Família, no entanto, o trabalho é desenvolvido de modo
compartimentalizado, em que cada grupo presta parte da assistência de forma isolada
dos demais.
“Infelizmente o PSF é visto como uma coisa a parte do centro de saúde. O PSF é
PSF e o pessoal efetivo é isso e aquilo, então há uma certa divisão. Essa é a maior
dificuldade que eu vejo no sistema.” (Angelin 39)
“[deveria] Tirar este bloqueio que existe entre enfermeiro e técnico de enfermagem,
tirar essa coisa que foi implantada de que só o técnico coleta melhor, ou que só
enfermeiro que não sabe coletar.” (Carvalho 63)
Ao analisar os aspectos relacionais, apareceram nas falas, mais uma vez, a
fragmentação no processo de trabalho e a divisão por especialidades, prejudicando a
visão da profissional sobre a finalidade do seu trabalho - a assistência integral à
mulher. Outro fato importante, que contribui para esta divisão entre os trabalhadores, é
a diferença contratual, discutida anteriormente. Esta situação bloqueia o diálogo e o
estabelecimento dos vínculos profissionais.
“Nós temos um pediatra aqui, contratado, ele praticamente não tem contato conosco.
Justamente porque ele vem, só vem cumprir aquele horário e isso já é uma queixa
até dentro dos próprios médicos, que ele tem os pacientes dele e a gente não tem
quase contato.” (Angelin 46)
O relacionamento com a Coordenadoria Municipal do Programa é descrito
como positivo, no entanto, chama a atenção que as referências verbalizadas têm mais
uma conotação de apoio no repasse de materiais, através de trâmite administrativo
informal e menos burocrático.
As enfermeiras referem que, geralmente, são bem atendidas pela Equipe da
Secretaria Municipal e que obtêm materiais e esclarecimentos quando solicitam. Para
elas, a Equipe da Área de Saúde da Mulher é, aparentemente, competente e bem
preocupada, está sempre tentando fazer algo, mas não consegue muitas coisas, por
falta de apoio nas instâncias superiores da Secretaria.
161
“O acesso com a coordenação é bem fácil [...] por telefone mesmo, não precisa nem
encaminhar memorando, eles já te mandam o que tu está precisando.” (Eucalipto
20,22)
“O pessoal do Programa não tem problema de comunicação. [...] Quando a gente
precisa elas sempre estão disponíveis.” (Cumbarú 25, 26)
“Eles [Equipe do Município] sempre estão prontos para nos ajudar [...] Falta
material a gente pede, eles são prestativos, no que eles podem ajudar eles estão
ajudando [...] Quando temos uma dúvida orientam. Isso facilita o trabalho” (Aroeira
16, 17,34)
“Secretaria... aparentemente eles são bem preocupados [...]. Eles estão sempre
tentando... a gente tem apoio deles. [...] muitas coisas eles não conseguem porque lá
em cima é que seguram.” (Cerejeira 45)
“No Município eu acho que ele tem bons profissionais a frente do Programa... [...] só
que não depende só deles, depende lá de cima, é meio hierarquia e a gente sabe que
por mais que eles tenham um planejamento, a coisa não acontece da forma como
deveria acontecer” (Angico 7, 8)
Na percepção das participantes do estudo, não existe uma ligação clara entre
setores e programas da Secretaria de Saúde. Há descontinuidades, com espaços de
atuação limitados e, por isso, os profissionais das unidades básicas nem sempre sabem
a quem recorrer. Relatam que, principalmente, quando é necessária uma atividade na
comunidade ou a utilização de material educativo, não existe parceria e o trabalho de
prevenção fica sem respaldo.
Além disso, quando as atividades exigem outros custos além dos programados
ou outros materiais, mesmo que sejam coisas simples, as enfermeiras limitam-se por si
mesmas, pois experimentam falta de apoio na Secretaria Municipal e consolidaram a
idéia que só é possível obter apoio para o que está instituído como Programa.
“Se tu quiser fazer alguma coisa extra, um passeio, ou fazer uma atividade em
grupo que requer custos, pode parar de pensar porque não tem.” (Garapuvu 62)
Fica evidente, nas falas das entrevistadas, que há um distanciamento entre o
nível central e o nível local, por falta de supervisão direta e pelo desconhecimento dos
problemas que ocorrem nas unidades básicas, por parte dos administradores em níveis
hierárquicos mais elevados.
O que é chamado, ou entendido, pelas enfermeiras, como avaliação da
Secretaria, corresponde ao preenchimento de questionários que já vêm prontos para
serem respondidos. A ligação com a Secretaria Municipal de Saúde fica limitada,
geralmente, ao repasse de informações sobre o número de atendimentos realizados por
162
mês, sem discussão sobre os problemas identificados ou propostas de atividades a
serem realizadas
Aparece aqui uma inconsistência discursiva, quando as informantes indicam
que esse distanciamento tem levado à falta de padronização e direcionamento das
atividades, assim como ao desconhecimento delas sobre o trabalho e propostas da
Coordenadoria da Saúde da Mulher.
Como a comunicação predominante é feita através de relatórios de produção
mensal, na percepção das profissionais há uma visão de que a Secretaria só se interessa
por “papéis”, perpetuando e valorizando práticas burocráticas. Não percebem uma
supervisão que direcione e estimule a realização das ações, que acompanhe e esteja
preocupada com a qualidade da assistência prestada. Acreditam que a supervisão
deveria ser feita com freqüência para esclarecer dúvidas, identificar necessidades e
compartilhar o planejamento e a implementação de ações conjuntas.
“Eles não sabem aqui na ponta como é, eles sabem lá em cima [na Secretaria]”
(Cambará 44).
“[No Município] há pouco estímulo a respeito do preventivo. Não é uma coisa que
estão juntos, como o pessoal da vacina. [...] Junto, vendo como é que está, ficam
mandando ofícios...” (Angelin 10)
“O pessoal [da Secretaria] dá um suporte, mas presença física, isso não. Via telefone
a gente consegue, às vezes, esclarecer” (Cumbarú 9).
“Tem pouca supervisão e acompanhamento mais de perto. Falta estímulo e
direcionamento” (Angelin 11)
Outra questão levantada foi relacionada à imagem negativa que a
Coordenadoria de Saúde da Mulher tem sobre a coleta de exames de CCO realizada
pelas enfermeiras. Pelos dados obtidos, posso inferir que esta imagem deve estar
associada ao problema de encaminhamentos equivocados de mulheres com Testes de
Schiller falso positivos para colposcopia.
“Existe dentro do Centro de Saúde uma teoria de que enfermeiro não coleta
preventivo [...] eu acho que já parte mesmo da Coordenação do Programa [no
Município] uma imagem negativa das coletas do preventivo por parte do
enfermeiro.” (Carvalho 58,60)
“Eu acredito que, se a Coordenação [do Programa no Município] tem esta imagem
negativa, vamos saber o porque dessa imagem negativa e vamos batalhar em cima
desse grupo, para poder virar a situação, vamos fazer as melhores coletas a dos
enfermeiros.” (Carvalho 62)
163
A afirmativa de que existe uma “teoria” que estabelece que a enfermeira não
coleta preventivo na unidade, indica que a imagem criada levou a limitações de ordem
administrativa ou relacional no serviço, excluindo a profissional da atividade. Esta
avaliação por um só parâmetro desacredita o potencial de uma categoria profissional
para desenvolver ações que contribuam para a prevenção do câncer ginecológico. Ao
contrário disso, os problemas deveriam ser analisados e corrigidos, para que esses
profissionais pudessem ser estimulados e melhor aproveitados em ações de saúde
pública, buscando a modificação dos índices epidemiológicos no Município. A
aproximação do nível central com o nível local poderia acabar com a imagem negativa
que existe sobre o preventivo feito pelas enfermeiras e propiciar um trabalho efetivo
de capacitação, para que os exames coletados pelas enfermeiras possam ter maior
qualidade e eficiência.
Esta colocação fica mais esclarecida quando agregamos informações sobre os
aspectos relacionais com a equipe de enfermagem, em que parece ter sido estabelecida
uma luta de poder baseada no desempenho de realizar, com destreza ou não, o
procedimento técnico de coleta de CCO. A atuação na prevenção do câncer
ginecológico fica, assim, mais uma vez reduzida à realização de um procedimento
isolado, desvinculado de ações que promovam a saúde e previnam efetivamente a
ocorrência das patologias, pois a escolha das profissionais para atuarem nessa
assistência nem sempre é direcionada por critérios bem fundamentados.
No Grupo Focal foi explicitado que a escolha direcionada para uma servidora
de enfermagem de nível médio, com contrato efetivo na instituição, nem sempre leva
em conta o perfil da profissional e se é a opção mais acertada, ao se pensar em
ampliação do atendimento e qualidade da assistência.
“Tinha que ser assim: ‘quem está fazendo o preventivo aqui? Tu gosta do que está
fazendo?’ Porque às vezes tu é obrigada a fazer porque não tinha outra pessoa. Sabe,
não tem este vínculo assim da coordenação que é uma coisa importante. Quem está
coordenando tem que saber, quem está fazendo e quem não está. Então, ele chama a
pessoa efetiva, lá do norte, que está mexendo com injeção, e não sei o que, e vai
botar no preventivo. A pessoa não vai fazer.” (Grupo Focal 2)
Numa análise mais profunda, a realização da coleta de CCO aparece como um
fim em si mesmo, configurado pelo fato de o procedimento tornar-se estatisticamente
164
importante para o Município e referendar repasses financeiros do Ministério da Saúde.
O que o resultado do exame pode indicar para o planejamento de ações, torna-se vazio
em termos assistenciais. Efetivamente, o trabalho não é organizado para um
atendimento que promova a saúde, finalidade precípua da prevenção primária, ao
contrário, atende necessidades concretas de prevenção secundária ou dirigida para
tratamento dos agravos identificados.
Na análise dos dados da Categoria Organização do Trabalho, foi possível
identificar outro tipo de cisão entre os profissionais das equipes de PSF e os
profissionais com contratos efetivos. Esta situação é séria e deveria ser discutida e
revista no Município. Se o modelo assistencial adotado é o da Saúde da Família, não
deveria haver distinção entre os trabalhadores das unidades básicas, nem diferença
entre o contrato e a carga horária de trabalho.
Para os profissionais do PSF, fica a percepção de uma ligação temporária às
unidades básicas onde executam funções específicas e que elas podem continuar
funcionando independentemente da presença deles. Além disso, existe a percepção que
o Programa de Saúde da Família foi o modelo assistencial implantado, para seguir a
proposição programática do Governo Federal, mas que pode ser suspenso ou
modificado a qualquer momento, dependendo da permanência ou do corte do repasse
financeiro para o Município.
Ao se confrontar a assistência prestada com o modelo de organização do SUS
adotado no Município, a prática administrativa dos contratos temporários precisa ser
questionada, pois não favorece o estabelecimento de vínculos institucionais e pessoais,
o reconhecimento das necessidades da comunidade para a elaboração de estratégias de
atendimento e o desenvolvimento de um processo de avaliação dos resultados. Será
possível manter os profissionais estimulados e envolvidos para desenvolver ações
propositivas adequadas à realidade local e, ao mesmo tempo, conciliar as atribuições e
tarefas que desempenham e das quais são cobrados dentro do Programa?
Este tipo de vinculação contratual com o Município parece ser uma das
explicações para compreender por que a maioria das profissionais restringe-se a
desenvolver tarefas desconectadas do contexto sócio-epidemiológico-cultural da
165
população, da área de abrangência da unidade básica em que desempenham seu
trabalho profissional.
Assim, pode-se dizer que a questão organizativa e estrutural do Sistema Público
de Saúde no Município ainda não atingiu o desenvolvimento necessário para a sua
implantação real, aprofundando a lacuna entre a teoria e a prática, traduzida pela
irresolutividade, pela insatisfação profissional e pela manutenção de vícios políticos
históricos.
Dejours (2003), analisando a relação entre sofrimento e trabalho, afirma que,
por trás das aparências nos ambientes laborais, há sofrimento das pessoas, pois as
condições de trabalho perpetuam ou agravam os riscos à saúde dos trabalhadores.
Existe defasagem entre a organização prescrita do trabalho e a organização real do
trabalho, sejam quais forem as qualidades da instituição ou da concepção, “é
impossível nas situações comuns de trabalho, cumprir os objetivos da tarefa
respeitando escrupulosamente as prescrições, as instruções e os procedimentos...”
(DEJOURS, 2003, p.27-36).
Ele destaca como fatores que levam ao sofrimento emocional e mental do
trabalhador, o medo da incompetência, a pressão para trabalhar mal e a falta de
esperança em ter reconhecimento pelo trabalho realizado, podendo desencadear
quadros clínicos denominados de “psicopatologias do trabalho”.
Quando esses tipos de sofrimentos não são acompanhados de uma
descompensação psicopatológica é porque a pessoa empregou contra ele defesas que
permitem controlá-lo. A normalidade, então, é interpretada como o resultado de uma
composição entre o sofrimento e a luta, individual ou coletiva, que é travada contra o
sofrimento, a qual o autor chama de “normalidade sofrente” (DEJOURS, 2003, p.36).
Dentre os trabalhadores que desenvolvem estes mecanismos de defesa o autor inclui as
enfermeiras e os médicos.
Os achados nesta pesquisa evidenciam os inúmeros sofrimentos a que as
enfermeiras, no cotidiano do seu trabalho nas unidades básicas de saúde do Município,
estão submetidas, situação que foi exposta em maior ou menor grau pelas profissionais
participantes e, muitas vezes, não foi percebida conscientemente por várias delas.
166
Dejours (2003) explica que nos últimos 20 anos as pesquisas têm revelado a
existência de diferentes estratégias defensivas. Alerta, porém, que estas estratégias
podem funcionar também “como uma armadilha que insensibiliza contra o que faz
sofrer”. Além disso,
permitem às vezes tornar tolerável o sofrimento ético, e não mais apenas
psíquico, entendendo-se por tal não o sofrimento que resulta de um
padecimento pelo sujeito, e sim o que ele pode experimentar ao cometer, por
causa do seu trabalho, atos que condena moralmente (DEJOURS, 2003, p.
36).
Ao analisar a categoria “Organização do Trabalho” foi possível estabelecer
representações esquemáticas das percepções das enfermeiras (Figuras 7, 8, 9,10 e 11).
Este material foi apresentado e validado na primeira reunião do Grupo Focal e, nas
demais reuniões, ele foi utilizado como elemento de reflexão e discussão.
A percepção sobre o funcionamento da unidade e da esfera municipal
configurou-se como um quadro desfigurado do processo de trabalho, privilegiando
práticas fragmentadas de modo que os trabalhos não encontram sentido nas ações
desarticuladas.
Figura 7 - Funcionamento dos Serviços
Percepção sobre o funcionamento da Unidade*
antes nós trabalhávamos com agenda, aí
com agenda faltavam muitas pacientes;
por causa da demanda e porque atende
muito rápido no balcão não falam de uma forma
que a pessoa vai compreender, a informação
para ali;
a gente tem reuniões semanais, sentamos
todos e falamos com relação ao preventivo;
A gente não tem tempo para chegar, sentar,
ter uma reunião e ver o que está acontecendo;
Os pacientes acabam fazendo o centro de
saúde de emergência, até paciente parado a
gente pega.
Percepção
sobre a
Unidade
Com o Programa de Saúde da
Família deveriam ser implantados
o cartão da família e o prontuário
da família;
O Programa Saúde da Família
deve absorver a atenção básica;
Este boletim diário que a
gente preenche está muito
ultrapassado, o formulário deveria
ser um pouco mais pensado;
Quando a gente tem para
onde encaminhar fica tudo mais
Eu acho que melhoraria a assistência para a mulher
com as orientações que a enfermeira poderia estar dando.
Deveria aproveitar melhor o pessoal da enfermagem
tirando da burocracia;
A facilidade na Unidade é que tem uma
ginecologista também;
O fato de vir o resultado para a unidade é ótimo, a
gente já vê antes da paciente;
Às vezes a gente quer fazer quantidade, quantidade
e perde muita a qualidade.
Deveria haver padronização na Unidade, porque chega
um funcionário novo e está ali, está escrito, é assim que se faz.
Existe uma fragmentação entre a atividade ou a equipe do
PSF e a da Unidade;
Existe o distanciamento entre as pessoas dos diferentes
setores, por especifica-los em cada lugar e não fazer a
rotatividade dos funcionários;
o ideal seria a gente fazer preventivo todos os dias;
deveria ter realmente um profissional capacitado e fixo no
preventivo.
Não tenho assim nenhuma
visão de dificuldade na Unidade;
Eu não sei se eu vou deixar por
de
man
d
a li
v
r
e
ou
mar
c
ar h
o
rári
o
* Esquema apresentado e validado no Grupo Focal de 30/08/2005.
167
Figura 8 - Funcionamento dos Serviços
Percepção sobre o funcionamento da esfera administrativa municipal*
Figura 9 - Aspectos Relacionais
Percepção sobre as Relações na Unidade Básica e em Outras Instâncias*
Poderia haver padronização na coleta, isso não há. É
necessário que todo mundo falar a mesma língua, fazer...
tornar um atendimento padrão;
Secretaria de Saúde deve ligar mais os programas, para
não ficar tão desvinculados;
Deve existir um elo maior entre o nível central e o local;
É necessário estar facilitando mais o acesso do usuário,
eles complicam muito, é muita burocracia;
É muito difícil para os pacientes ter acesso ao exame
especializado;
Não é simplesmente dar uma capacitação como eles fazem
aqui.
Um problema que eu tenho percebido é o transporte, tudo
demora em chegar;
Para a colposcopia que dessem preferência de
atendimento para as com resultados positivos e não para as
que não tem alteração celular, só um Schiller positivo
P
P
e
e
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p
p
i
i
o
o
A Equipe do Município está
sempre pronta para nos ajudar;
Quando temos uma dúvida eles
orientam;
Eles são bem preocupados,
muitas coisas eles não conseguem
porque lá em cima é que seguram;
parece que fica uma visão de
q
ue a Secretaria é só
p
a
p
el
;
A gente faz o nosso papel, achamos que está
sendo legal, mas nem sempre é isso que eles
querem;
eu sinto falta de outros profissionais no
Município;
Não tem como fechar a Unidade para fazer
reunião da equipe, não tem esta abertura pela
Secretaria;
Se tu quiser fazer alguma coisa que requer
custos, pode parar de pensar porque não tem.
Tem determinadas coisas que a gente tem que
adaptar porque eles falam de uma forma, mas
aqui a realidade é outra coisa.
No PSF o preventivo não é marcador e nem a mulher,
a
g
ente só trabalha com marcador
g
estante.
- Eu não sei te responder como
é no Município;
- Eu não conheço a realidade
de todos os postos
- Eu não estou percebendo
dificuldades no Municí
p
io
Falta material educativo;
não temos acesso aos dados do Município
Secretaria poderia mandar dados
e
p
idemioló
g
icos
,
nós não temos
* Esquema apresentado e validado no Grupo Focal de 30/08/2005.
Com a Equipe
Com a Mulher
Com a Secretaria
A gente acaba conhecendo os pacientes e cria um
vínculo;
A gente tem uma conversa livre;
Eu tento conversar bastante, antes de começar a
coleta;
Acho que o diálogo, a experiência daquele
primeiro exame ela leva para o resto da vida;
Muitas clientes falam: “eu só quero fazer se for
contigo!”
Eu brinco também, porque a gente é mulher e
sabe o tanto
q
ue o exame é ruim e constran
g
edor.
A facilidade na equipe é a interação entre um
enfermeiro e outro
Na equipe, a gente trabalha junto;
Tem uma união, todo mundo procura ajudar;
Se houvesse maior comunicação entre os membros da
equipe.
Os médicos são bem receptivos;
A médica da área traz os casos para a gente, ela discute;
O médico especialista praticamente não tem contato
conosco, ele vem só cumprir o horário;
Uma dificuldade é quando a mulher vai para as mãos do
médico especialista, ele acaba não nos passando as
informações.
Infelizmente o PSF é visto como uma coisa a parte do
Centro de Saúde
,
então há uma certa divisão
;
O acesso à coordenação é bem
fácil;
A gente é sempre bem atendida
pelo pessoal do Programa;
Eu acho que já parte da
Coordenação do Programa uma
imagem negativa das coletas do
preventivo por parte da enfermeira.
Aspectos Relacionais
* Esquema apresentado e validado no Grupo Focal de 30/08/2005.
168
Os conteúdos das falas das enfermeiras incluíram, freqüentemente, aspectos
gerenciais e de fluxo de captação e acesso ao exame de CCO, mas abordaram também
aspectos da subjetividade dos trabalhadores, revelando algumas rupturas e bloqueios
nas relações .
Figura 10 - Conteúdos abordados sobre a Organização dos Serviços*
Ao atender vou convidado
para fazer o preventivo;
Eu já coloco que o exame
preventivo faz parte da entrega
da pílula;
Todo contato da mulher com
a Unidade é uma oportunidade
para a equipe estar esclarecendo;
A equipe deve estar
orientando mais as mulheres;
O Agente de Saúde tem um
papel importante , eles têm um
contado direto com as famílias;
No Município deveria ter
divulgação na mídia (TV, rádio e
até carro de som);
A gente deveria fazer um
mutirão para coletar preventivo;
Tenho tido dificuldade em
reunir para atividades
educativas;
deveria ser feito na Unidade
grupo educativo e sala de espera;
O Município deveria
disponibilizar folders e material
educativo
eu observo que as pessoas
fazem as coisas quando é
campanha, porque há
publicidade;
para ampliar a divulgação
ter o envolvimento da escola,
professores que possam orientar,
acho que seria chave;
O exame demora muito para voltar;
Falta estímulo e direcionamento;
Tem pouca supervisão e acompanhamento de perto;
O pessoal da Secretaria dá um suporte, mas
presença física isso não;
Eu sei que eles têm dificuldades com transporte,
mas aí já é um problema geral;
Deveria ver como está sendo feita a assistência e a
qualidade desse atendimento.
a facilidade na Unidade é a livre
demanda;
não dá para todo mundo que
quer fazer o preventivo;
deveria ter disponibilidade de
mais vagas e horários;
eu acho que deveria ter mais
espaço, mais períodos, mais horários,
para a população colher o preventivo.
Tem falta de motivação e interesse
dos funcionários;
Tem muitas pessoas da equipe que
estão interessadas em aprender o
preventivo;
não deveria ser uma preocupação só
da enfermeira, mas dos outros
funcionários também.
Captação das Mulheres
Envolvimento e Interesse
dos Profissionais
Gerenciamento
Organização
do Servi
ç
o
Acesso das Mulheres
* Esquema apresentado e validado no Grupo Focal de 30/08/2005.
169
Figura 11 - Atuação dos Profissionais
Percepção do Processo de Trabalho*
5.6.2 A força de trabalho
Nas entrevistas, as enfermeiras falaram pouco sobre o quantitativo da força de
trabalho da enfermagem. Durante a observação, identifiquei que algumas unidades
possuem, aparentemente, profissionais de enfermagem em número suficiente para o
atendimento, mas outras estão com déficit de pessoal, com profissionais afastados ou
deslocados para funções administrativas que não necessitam de conhecimento técnico
de enfermagem, tais como agendamentos, atendimento no balcão de recepção ou no
arquivo. Uma decisão institucional que poderia ser tomada para ampliar a força de
Na equipe todos são muito colaborativos;
Temos muitas atividades e o tempo acaba sendo
curto;
O perfil do profissional, muitas vezes, não está
voltado para essa prevenção;
Os profissionais ficam cumprindo tarefas e
esquecem de orientar, coisas simples;
Para o pessoal de enfermagem falta de
conhecimento e tem a questão da insegurança
também.
Uma grande parte dos Auxiliares eram ACS que
fizeram o curso do PROFAE e, por ser um curso
rápido, não tiveram a experiência nem a teoria;
A equipe de enfermagem, também, trabalha muito
com a parte administrativa, fica na parte burocrática
de agendamento
Eu acho que as pessoas da equipe são abertas;
O preventivo não é tratado como um tabu, toda a
equipe estimula as mulheres a fazerem;
A equipe não tem treinamento nenhum;
Gostaria que as profissionais que coletam fossem
mais criteriosas.
A maioria dos médicos do PSF não faz exame
ginecológico, porque eles também não sentem
segurança em fazer.
A gente já pensou em só as enfermeiras estarem fazendo o
preventivo;
Para a enfermeira atender em demanda livre seria
complicado por causa das outras atividades;
A gente faz pouco preventivo;
É tão difícil se avaliar!
eu acho que o profissional é muito pouco valorizado;
eu vejo bastante facilidade, porque é o que eu gosto;
Eu tenho dificuldade em dar orientação com relação à
DST e sexualidade, pois cada um tem as suas crenças;
Eu tenho dificuldade em relação ao laboratório,
insegurança na leitura do resultado da lâmina;
A minha maior dificuldade é a avaliação do Teste de
Schiller;
Preencher aquele tanto de papel é bem cansativo;
É legal ouvir que as pacientes gostam do teu atendimento;
Acho que é uma grande facilidade, os profissionais falarem
e a população aceitar fazer;
No começo a gente apanha para fazer o exame, porque
nunca tinha feito com freqüência;
Eu não faço a coleta;
Preventivo é uma coisa que nós enfermeiras temos plena
capacidade de fazer;
Ter bastante pacientes para fazer exame nos deu uma certa
prática bem legal;
A gente fica angustiada, porque gostaria de ir além do que
é pedido, mas como já cobre todo o tempo, a gente não tem
tempo nem de pensar no que pode fazer.
Percepção do Seu Processo de Trabalho
* Esquema apresentado e validado no Grupo Focal de 30/08/2005.
Percepção do Trabalho da Equipe
170
trabalho de enfermagem, nas unidades básicas, seria a substituição deste pessoal por
escriturários ou auxiliares administrativos.
“Falta de funcionários. [...] Falta de profissional.” (Eucalipto 1, 2)
“A equipe de enfermagem, também, trabalha muito com a parte administrativa [...]
Ali no balcão [...] fica mais naquela parte burocrática de agendamento e aí a atuação
da equipe de enfermagem já perde um pouco.” (Jacarandá 49,51)
Com relação às Equipes de PSF, foi possível evidenciar na observação que, em
algumas unidades, faltam principalmente profissionais médicos, por causa da alta
rotatividade provocada pelos contratos temporários de trabalho. A percepção das
enfermeiras é que a quantidade e diversidade de atividades estão além da capacidade
dos profissionais existentes nos serviços. Acreditam que, por isso, a atuação da equipe
acaba ficando restrita principalmente ao espaço físico da unidade, prejudicando o
deslocamento dos profissionais para atividades na comunidade ou fora do espaço
institucional. Desse modo, a força de trabalho existente acaba sendo canalizada,
predominantemente, para o atendimento individual nos consultórios e salas de
atendimento das unidades básicas.
No entanto, ao associar esta percepção com os dados obtidos na categoria
organização do trabalho não é possível identificar com clareza se, na situação
encontrada, o problema na força de trabalho está no déficit de pessoal. Sem uma maior
instrumentalização dos atuais profissionais fica prematuro definir e quantificar a
necessidade de pessoal para assumir uma assistência mais resolutiva e adequada às
necessidades da população.
“[No Município deveria ter] mais profissionais” (Aroeira 48)
“Nós atendemos apenas com um clínico geral do PSF, como é que ele vai dar conta
dessa área inteira?” (Garapuvu 82)
“Se for para sair uma equipe fora da Unidade para fazer um serviço extra, o posto
tem que fechar, porque não tem mais gente para trabalhar” (Garapuvu 85)
As entrevistadas falaram sobre a contratação de médicos ginecologistas para as
unidades básicas, como uma medida viabilizada pela Coordenação Municipal de
Saúde da Mulher para a melhoria no atendimento às mulheres. Elas acreditam que é
um ponto de apoio importante para o trabalho das enfermeiras e médicos do PSF.
171
Entretanto, esta visão reproduz o modelo curativista, deslocando para o tratamento o
esforço que deveria ser dispendido para a prevenção.
“A gente, também, tem uma ginecologista, que não é todo centro de saúde que tem
uma gineco disponível, que é fundamental também.” (Cumbarú 33)
“No Município necessitava de um número maior de ginecologistas [...] Porque
agora, principalmente agora, que só eles podem fazer esta avaliação do
preventivo...” (Carvalho 6)
A fixação de especialistas nas Unidades Básicas pode induzir as profissionais a
pensarem que a presença deles seria a solução para o atendimento ginecológico e a
prevenção do câncer. Esta visão, porém, torna-se contraditória com o modelo
assistencial implementado no Município, Estratégia de Saúde da Família, que visa a
promoção da saúde, através de ações de educação em saúde, promoção de hábitos de
vida saudável e do acompanhamento de agravos com profissionais generalistas.
Nos casos em que um atendimento ambulatorial de maior complexidade fosse
necessário, o Município poderia, como é preconizado pelo SUS, disponibilizar vagas
em serviços de maior complexidade (ambulatórios de especialidades), para onde as
equipes de PSF encaminhariam as mulheres, promovendo, assim, a otimização do
trabalho dos profissionais que fazem parte do seu quadro de recursos humanos.
“A gente vai ter uma demanda reprimida daqui a pouco, daquelas mulheres que
estão com o preventivo na mão e não tem uma continuidade no tratamento.”
(Carvalho 7)
“Eu acho que eles (serviços especializados) deveriam estar, como eu também não
sei... [...] É muita demora, de um ano para o outro, às vezes um ano e meio [...]
esperando uma colposcopia.” (Peroba 29, 30, 31)
Pensando em prevenção secundária do câncer ginecológico como uma ação de
rastreamento de lesões precursoras para o câncer de colo uterino e de nódulos
mamários em estadiamento inicial, passíveis de terapêutica com sucesso, a indicação
técnica seria a implementação de ações que cheguem ao maior número de mulheres de
uma determinada área.
O Programa Viva Mulher, do Ministério da Saúde, estabeleceu como diretriz a
formação de uma rede nacional integrada, com base em um núcleo geopolítico
gerencial sediado nos municípios, de modo a ampliar o acesso das mulheres aos
serviços de saúde, em diferentes níveis de complexidade, buscando a diminuição da
172
morbimortalidade pelo câncer ginecológico. O fortalecimento de pólos secundários
ambulatoriais de assistência e a desospitalização de procedimentos diagnósticos e
terapêuticos, numa estrutura hierarquizada de assistência, serviria não só para a
otimização das ações de controle do câncer ginecológico, mas, também, para a
operacionalização de todas as ações relativas à saúde da mulher, dentro da ótica de
assistência integralizada (BRASIL, 2005).
As falas das enfermeiras com relação à força de trabalho indicaram que existe a
necessidade de ter pessoal qualificado no Município para o desenvolvimento da
assistência, mais do que necessidade numérica de pessoal. O próprio Ministério da
Saúde (BRASIL, 2000, p.11-12) enfatiza a necessidade de qualificação dos
profissionais para atuarem na atenção básica reconhecendo que,
diante da escassez, no mercado de trabalho, de profissionais com perfil para
atuar no Programa de Saúde da Família, impõe-se o desenvolvimento de
programas consistentes de educação permanente, voltados à superação dos
problemas encontrados no cotidiano do exercício profissional. [...] o
processo educacional precisa estar centrado no trabalho, buscando a
competência profissional, com repercussões favoráveis sobre a qualidade do
atendimento à população.
A indicação de deficiência na qualificação da força de trabalho para o
desenvolvimento de ações que visem a promoção da saúde e a prevenção do câncer
ginecológico, ficou muito evidenciada nas afirmações sobre a necessidade de
capacitação dos profissionais e o interesse deles para aprenderem mais, tendo, assim,
competência técnica no desenvolvimento do seu trabalho.
“Não tem pessoal suficiente, não tem pessoal capacitado o suficiente.” (Angico 14)
“[dificuldade] Pessoas capacitadas para fazer o preventivo.” (Cerejeira 2)
“A facilidade que nós temos aqui 2 enfermeiras que podem fazer, antigamente tinha
enfermeira que nem sabia fazer preventivo.” (Cerejeira 42)
“A gente que trabalha na prevenção teria que ter mais capacitação [...] acho que até
para ter um resultado melhor.” (Cedro 26, 27)
“Eu acho que tem que saber fazer o exame, tem muita gente que não está capacitada
para isso. Não sabe fazer. [...] aí era uma outra coisa que tinha que ver os
profissionais que estão fazendo este tipo de exame” (Cedro 37, 38)
“Todas as pessoas deveriam ser treinadas [...] Para uma pessoa poder atuar no
preventivo deveria ser capacitada” (Aroeira 9, 10)
“[...] às vezes eu me sinto impotente de conseguir fazer um exame, conseguir fazer
aquela avaliação...” (Mogno 33)
173
Contudo, a qualificação sem condições adequadas de trabalho pode transferir
responsabilidades políticas para os trabalhadores. Assim, a incapacidade para a
resolução do problema parece ser uma questão mais perversa do que aparenta, pelo
problema da rotatividade de pessoal em razão das características dos vínculos
empregatícios.
Dejours (2003, p.50-51) explica que, para absorver as variações do ritmo de
produção, são realizados contratos de trabalho com prazo determinado, ocorrendo a
“precarização” do trabalho, tanto dos trabalhadores efetivos, que vivem
constantemente sob a ameaça de demissão, como dos contratados temporariamente. A
precarização tem como efeito
a intensificação do trabalho e o aumento do sofrimento subjetivo [...] a
neutralização da mobilização coletiva contra o sofrimento, contra a
dominação e contra a alienação e, como terceira conseqüência, a estratégia
defensiva do silêncio, da cegueira e da surdez.
Para as enfermeiras, as oportunidades de capacitação demoram muito para
acontecer, deixando as profissionais despreparadas para o atendimento. A freqüência
com que as capacitações são oferecidas no Município não está sendo compatível com a
elevada rotatividade na contratação de profissionais das equipes de PSF. As
enfermeiras enfatizam que elas deveriam ocorrer de preferência anualmente. Por causa
disto, muitas profissionais da área de enfermagem, realizam coleta de CCO após um
repasse informal da rotina do setor, pela colega que atuava anteriormente e que, muitas
vezes, também não havia recebido capacitação formal. Desse modo, dúvidas e falhas
técnicas acabam sendo perpetuadas nos serviços.
“A princípio a gente tinha alguns treinamentos, todo ano a gente tinha treinamento
de atualização, mas faz tempo que a gente não tem.” (Cumbarú 6)
“Demora muito tempo para ter treinamento no Município [...] tiveram colegas novas
que entraram nesse meio e ainda não tiveram treinamento.” (Cambará 4, 41)
“Pelo menos uma vez por ano deveríamos receber uma capacitação, uma coisa
levada mais a sério. [...] buscando novos profissionais, porque está sempre mudando
[...] pelo menos uma vez por ano, buscando esses profissionais para atualizar.”
(Angico 15, 40, 41)
“A gente tem uma rotatividade muito grande de profissional... então, com certeza,
tem gente que está na rede hoje que não teve a oportunidade de participar desses
treinamentos e ter novos treinamentos.” (Pau-Brasil 61)
174
“Já que a gente não tem capacitação a gente tenta por aqui mesmo estar fazendo”
(Mogno 29)
“Para a minha atuação eu deveria ter mais cursos, Para a atuação da equipe deveria
ter treinamento [...] É a mesma coisa o preventivo, uma vai ensinando a outra, uma
vai ensinando a outra, mas ninguém tem o curso” (Aroeira 13, 52, 54)
Assumir o atendimento da mulher sem um conhecimento mais amplo da
prevenção do câncer ginecológico, reproduzindo rotinas centradas no procedimento de
coleta do CCO, são estratégias que os dados coletados neste estudo mostraram ser
ineficazes na mudança do perfil epidemiológico das patologias na área estudada. As
enfermeiras foram bastante enfáticas ao colocarem a necessidade de capacitação para
as profissionais do Município. Ressaltaram, no entanto, que a maneira como as
atividades de capacitação têm sido desenvolvidas não estão conseguindo melhorar o
conhecimento e o interesse das profissionais e que, geralmente, existe um
direcionamento da capacitação para a profissional de nível médio que está responsável
pela “sala de preventivo”.
“A Secretaria deveria estar capacitando, não só a pessoa que vai fazer o preventivo
[...] todos os funcionários da unidade deveriam esta indo porque é saúde pública.”
(Peroba 14)
“Eu acho que esse treinamento que é feito para os enfermeiros e para as pessoas que
coletam não deveria ser limitado, deveria ser expandido para todos. Porque eu acho
que todos deveriam saber. [...] sem nenhuma exclusão” (Cumbarú 16, 44)
“Assistir como é que se faz exame de mama realmente. [...] Tem um monte de
novidades aí que as pessoas não estão atualizadas. [...] muitos profissionais vão
chegar ali e dizer: eu sei, eu faço [...] chega na hora tu vai assistir o exame de mama,
Deus me livre, aquilo ali não é exame de mama” (Pinho 58, 59, 61)
“Tem que ter alguém para explicar o que é e não só mostrar [...] Tem que explicar o
que é, porque tem, porque aparece. [...] alguém que ficasse pelo menos uma semana
para ensinar a gente a analisar um colo.” (Cerejeira 13)
Quando a capacitação acontece de modo mais ampliado e com outros
profissionais, é realizada em auditório, estruturada em forma de palestras, havendo
variação nos materiais visuais escolhidos entre os palestrantes, mas nem sempre são
adequadas ao grupo ou são compreendidos. Pude observar que o processo educativo
utilizado baseia-se na pedagogia de transmissão, em que os “treinandos” recebem as
informações como uma “página em branco”, em que os conhecimentos de origem
exógena são repassados e impressos.
175
“Uma coisa assim, não só falado. Mostra desenho, mostra lâmina [...] Para que só
fazer aquilo tudo escrito, faz uma coisa ilustrada bonita.” (Pinho 55)
“Chega lá no treinamento é um material que não entusiasma [...] é uma coisa
monótona, fica só olhando letra, só letra [...] A pessoa [o instrutor] que vai lá para
frente parece mais desanimada do que a que está indo para a palestra.” (Pinho 65,
66)
“[para capacitar] eu acho que tem que ser uma coisa para sacudir. Aquela última já
melhorou. [...] tem que buscar profissionais que gostem daquilo que estão fazendo.”
(Pinho 69)
As participantes que possuem um conhecimento prévio, ou têm maior interesse
pela assistência à mulher, conseguem aproveitar de alguma forma as informações
repassadas, mas as que sentem dificuldades, ou ainda não conseguiram perceber a
magnitude do problema, acabam se afastando cada vez mais. Nos Grupos Focais, nesta
pesquisa, a inadequação foi explicitada quando as participantes ressaltaram a maior
facilidade de compreensão e reflexão com as técnicas grupais utilizadas nas atividades.
“[Dizem]‘Vamos, vamos capacitar, porque a gente tem que trabalhar!’ Aqui não, a
gente esteve à vontade, discutimos, conversamos, tudo mais tranqüilo. Eu acho
assim que foi bem legal.” (Grupo Focal 4)
“A técnica que tu utilizaste foi uma técnica interessante, que chamou a atenção, é
bem diferente de chegar e botar uns cartazes ou passar na TV. Ali, por mais que
soubesse que era massinha, mas estava próximo do real.” (Grupo Focal 4)
“Na reunião tiveram coisas que são simples [...] São coisas que com o dia-a-dia vai
passando e você vai deixando. Eu acho que alguns pontos que eu anotei eu vou atrás,
são coisas simples que eu não fazia porque eu não tinha pensado, mas são simples de
fazer. Eu acho que vai ser legal.” (Grupo Focal 4)
Nas capacitações do Município em que estive presente observei que as
profissionais comparecem, mas elas não participam efetivamente do que está sendo
discutido. Pude observar que algumas profissionais demonstram pouco interesse e
participação, algumas ficam sonolentas, os questionamentos são poucos, com
constante burburinho, dispersão em conversa paralela, longa permanência e interesse
no lanche coletivo. Segundo as próprias informantes, eles têm uma conotação de
encontro com amigas e colegas de outras unidades.
“[Diz] ‘Ah! mais um dia que eu matei, estou aqui sentada.’ ” (Pinho 67)
“Tem que fazer uma capacitação efetiva, que seja boa e depois faça a parte prática
para as pessoas assistirem e tirarem todas as dúvidas que tiverem” (Pinho 60)
176
A importância de capacitações na área é inquestionável para a maioria das
entrevistadas. Elas acreditam que a participação em cursos e capacitações desperta o
interesse por trazer informações atualizadas e faz com que os profissionais busquem
mais conhecimento sobre o assunto, melhorando, desse modo, a qualidade do
atendimento. Contudo, a prática e o discurso distanciam-se, aqui também, pois
apresentam fraca participação mesmo considerando importante a qualificação.
“Mais atualizações e... porque quando a gente vai a algum curso, já volta mais
interessada em buscar mais isso. Desperta mais.” (Jacarandá 68)
“Quando tem treinamento a gente trabalha atualizada, até para fazer este trabalho
de...” (Cumbarú 46)
“Que fossem oferecidos mais cursos, mesmo de treinamento, trazer novidades a
respeito, poder nos trazer as informações de como está o câncer no Município.”
(Angelin 59)
“[deveria ser feito Unidade] reciclagem, oficinas para a equipe de enfermagem [...]
aproveitando melhor eles [...] Muitas vezes nem estão atualizados em muitas coisas.
Isso melhoraria muito.” (Jacarandá 48, 53, 54)
“No Município, falta de treinamento, acho que esse seria o principal problema. [...]
capacitação e atualização, são importantes para gente fazer um trabalho melhor”
(Cedro 6, 11)
O planejamento de uma proposta de formação de pessoal ou capacitação para o
desenvolvimento de qualquer atividade, por educação permanente ou continuada
8
no
trabalho, necessita levar em consideração o nível de conhecimento e de experiência
prévia dos participantes. Desse modo, consegue ajustar a linguagem e o material
didático às necessidades do grupo, fomentar o interesse pelo assunto e tentar
influenciar a prática profissional. Assim, o participante pode ser um agente de
transformação social, detectando os problemas encontrados na realidade local e
buscando soluções viáveis e criativas para eles, através de uma reflexão crítica sobre a
sua prática de trabalho, de modo a traduzir o conhecimento apreendido em uma ação
que atualize e melhore a sua práxis.
Para Ceccim e Feuerwerker (
2004, p.43),
a formação não pode tomar como referência apenas a busca eficiente de
evidências ao diagnóstico, cuidado, tratamento, prognóstico, etiologia e
profilaxia das doenças e agravos. Deve buscar desenvolver condições de
8
Educação continuada neste trabalho é entendida como um “conjunto de práticas educacionais planejadas no
sentido de promover oportunidades de desenvolvimento do funcionário, com a finalidade de ajudá-lo a atuar
mais efetiva e eficazmente na sua vida institucional” (SILVA, PEREIRA, BENKO, 1989, p.10)
177
atendimento às necessidades de saúde das pessoas e das populações, da
gestão setorial e do controle social em saúde, redimensionando o
desenvolvimento da autonomia das pessoas até a condição de influência na
formulação de políticas do cuidado.
As enfermeiras participantes deste estudo acreditam que as capacitações no
Município deveriam atingir todos os servidores, com linguagem e conteúdo
direcionado para cada categoria profissional, reforçando o papel de cada um para
fomentar o trabalho em equipe e as ações de prevenção.
“Uma capacitação para todos.” (Guarantã 23)
“Dificuldade no Município a questão do treinamento [...] Dar mais treinamentos
para as enfermeiras, para as técnicas, para as médicas e até para os outros.”
(Cambará 3, 38)
“Um treinamento direcionado [...] eles dão treinamento para médico [...], mas na
verdade a enfermeira ela quer ter um outro tipo de treinamento. [...] dar um
treinamento voltado para cada funcionário, sobre a importância do trabalho de cada
categoria.” (Cambará 39,40)
“A educação por meio de comunicação, melhor preparação das equipes quanto a
mais cursos mesmos. Não só para o enfermeiro, para o técnico que está na sala, mas
para os agentes comunitários de saúde, que estão diretamente envolvidos com a
comunidade.” (Seringueira 36)
Enfatizam a necessidade de educação permanente ou continuada no trabalho,
pois a experiência prática foi ressaltada como um fator de segurança e de competência
técnica. Então, a capacitação deveria, necessariamente, contemplar atividades práticas,
esclarecendo as dúvidas durante o atendimento e superando as deficiências de
habilidades que são atribuídas à formação acadêmica.
“O fato de eu ter tido um treinamento prático me ajudou bastante.” (Angelin 33)
“Eu deveria melhorar a minha capacitação prática [...] a equipe a mesma coisa”
(Cerejeira 58)
“O que me ajudou bastante foi àquela aula que a gente teve [...] A gente aprende na
faculdade e faz um, dois ou três. Aquela aula que a gente teve foi fundamental,
principalmente, para definir o Schiller” (Cumbarú 27)
“Nós não tivemos nenhuma aula sobre o exame de mama. Eles só falam, exame de
mama [...] O que eu sei é o que eu aprendi na faculdade e o que eu pergunto para os
médicos.” (Cerejeira 30, 31)
“Devia ser uma capacitação mais aprofundada, que não ficasse só na teoria, que
ficasse na prática também.” (Cerejeira 56)
178
Reforço a percepção das enfermeiras quando indicam que capacitação poderia
ser feita nas próprias unidades básicas, utilizando os profissionais com formação e
experiência como multiplicadores e supervisores da assistência prestada. Acredito que
poderia ser realizada, também, nas diferentes regiões do Município, para pequenos
grupos de profissionais, tomando como base de apoio um centro de saúde com espaço
físico mais amplo, disponibilidade de material e com população que pudesse ser
mobilizada com maior facilidade.
“Ter uma pessoa para capacitar a gente, aqui na Unidade. [...] Ou a própria
ginecologista mesmo, que faça preventivo e que chame a gente para ficar do lado.”
(Cerejeira 53)
“Vamos pegar alguém com bastante experiência e vamos botar ali para fazer a
prática e todo mundo assistir [...] Com equipes de 5 em 5, de 8 em 8” (Pinho 56, 57)
“Pedir um suporte da Secretaria para que isso seja feito, demonstrar para eles a
nossa necessidade de estar aprendendo sobre o preventivo, de estar mais atualizada,
mais informada.” (Cambará 35)
Não acredito que capacitações pontuais, desvinculadas do contexto do serviço e
realidade vivenciada pelos profissionais, com o objetivo de desenvolver habilidades
específicas ou repassar normas institucionais, possam ampliar significativamente a
qualidade da assistência prestada. Além disso, foi explicitado no Grupo Focal que não
existe o interesse da Coordenação Municipal do Programa em investir na capacitação
dos profissionais das equipes de Saúde da Família, devido à alta rotatividade
contratual a que estão submetidos.
“Eles também têm medo de chamar uma pessoa do PSF porque tem muita
rotatividade. Vamos dizer, dar um curso, um treinamento para uma pessoa que vai
sair. Então, às vezes eles preferem colocar um efetivo, mas uma pessoa que não tem
nenhum perfil. Então não dá!” (Grupo Focal 2)
A discussão do assunto com a equipe e em reuniões, foi colocada, também,
como uma estratégia para tentar sensibilizar todos os profissionais para a troca de
experiências e para o esclarecimento de dúvidas. Desse modo, a equipe poderá fazer
um trabalho integrado, explorando o potencial e o conhecimento de cada um, somando
os esforços, evitando conflitos e condutas diferentes.
“Uma coisa que eu não sei eu vou lá no consultório do médico da minha equipe e
pergunto [...] eu acho que tinha que ser debatido com o pessoal da equipe” (Mogno
98, 114)
179
“Falo para a mulher que tem uma manchinha e tal quando vier o teu exame eu vou te
passar para a gineco. Aí a mulher chega lá e a doutora fala que não tem manchinha
nenhuma, está tudo bem. É ruim para a gente assim.” (Mogno 35)
“Uma reorientação, porque, às vezes, a gente fica toda vida fazendo, fazendo,
fazendo e não se dá conta que não está fazendo da maneira mais correta.” (Cumbarú
7)
“Poderia a gente parar para estudar isso [preventivo], com todos os membros,
agentes de saúde, auxiliar... [...] eu acho que isso [estudar] poderia ser feito mesmo e
não tem sido feito.” (Cambará 33, 34)
A produção de conhecimento em saúde, em especial na Equipe de Saúde da
Família, tem como característica um processo gerado no trabalho, de modo
participativo, utilizando a confrontação e complementação de saberes e de
experiências entre os membros da equipe e da própria comunidade. Precisa respeitar a
formação individual de cada um de seus membros, evitando, assim, a indefinição de
competências (BRASIL, 2000).
Além da necessidade de participar de capacitações, está evidente para as
enfermeiras que elas devem, também, fazer um movimento para buscar ampliar o seu
conhecimento pessoal e científico, através de leituras e estudos, qualificando e
aprimorando mais o seu trabalho. Essa é uma necessidade de todos os profissionais
durante a sua vida laboral, para conseguir desenvolver um trabalho adequado às
necessidades das pessoas e da instituição, acompanhando a evolução tecnológica e
científica e as mudanças na sociedade em que estão inseridos.
“Por mais que a gente tenha feito o curso de capacitação [...] Para a minha atuação
eu deveria ter [...] mais aprendizado” (Aroeira 20, 53)
“Eu acho que para melhorar a minha atuação eu teria que estar estudando mais,
buscando mais conhecimento. [...] porque eu acho que não é só capacitação, a gente
tem que estudar mais um pouquinho.” (Mogno 102, 106)
“É a (minha) necessidade de mais conhecimento na área de ginecologia. [...] Que eu
também me preocupasse em me capacitar também, que eu fosse correr atrás”
(Angelin 16, 65)
“O que eu faço é correr atrás de livros e internet para pegar estas informações.”
(Garapuvu 7)
“Mesmo com treinamento, mas a gente também tem que buscar. [...] Eu tenho que
melhorar neste sentido. É... sempre estar me atualizando” (Cumbarú 39, 40)
A aquisição de conhecimento na formação continuada tem como finalidade
instrumentalizar tecnicamente e teoricamente para a capacitação para o trabalho. De
180
fato, ao se pensar nas decisões que as enfermeiras precisam tomar no exercício
cotidiano da prática profissional, o conhecimento serve como base, para que as ações
não sejam desenvolvidas no empirismo e com risco para a população atendida.
A percepção das enfermeiras entrevistadas sobre a categoria “Força de
Trabalho” está representada de forma resumida e esquemática na Figura 12, na qual é
possível observar o desejo das enfermeiras em ampliarem o conhecimento teórico e
técnico e a necessidade de maior investimento institucional para conseguir este
objetivo, pois são encontradas situações preocupantes em que somente as rotinas são
repassadas de uma para a outra. Este material foi apresentado na primeira reunião do
Grupo Focal e trabalhado nas demais reuniões como elemento de reflexão e de
motivação para as discussões.
Figura 12 - Força de Trabalho
Percepção sobre Capacitação*
CAPACITA
ÇÃO
Treinamento
Conhecimento
Eu gostaria de saber mais;
Nós não tivemos nenhuma aula sobre o exame de
mama;
Acho que não é só capacitação, a gente tem que
estudar mais;
Que eu também me preocupasse em correr atrás;
A gente poderia parar para estudar com todos os
membros da equipe;
o que eu faço é correr atrás de livros e internet para
pegar estas informações;
No preventivo uma vai ensinando a outra, mas ninguém tem o
curso;
Deveria ter mais cursos de capacitação;
Demora muito tempo para ter treinamento no Município;
Devia ser uma capacitação mais aprofundada, que não ficasse
só na teoria, que ficasse na prática também;
Todas as pessoas deveriam ser treinadas;
Um treinamento direcionado voltado para cada funcionário;
Na verdade a enfermeira ela quer ter um outro tipo de
treinamento.
tem que fazer uma capacitação efetiva para as pessoas
assistirem e tirarem todas as dúvidas que tiverem.
Ao meu ver as pessoas vão mais para uma capacitação para
distrair, para relaxar;
Chega lá o treinamento é um material que não entusiasma,
uma coisa monótona, fica olhando só letra...
* Esquema apresentado e validado no Grupo Focal de 30/08/2005.
181
5.6.3 Os instrumentos de trabalho
Em termos conceituais, a finalidade do trabalho, se dirigida às necessidades
apresentadas, torna-se referência para a definição dos instrumentos de trabalho.
Equipamentos, conhecimentos, espaço físico, métodos e técnicas devem ser, então,
adequados a tais finalidades. Assim, a análise dos instrumentos de trabalho pode tornar
visíveis as finalidades postas, ou seja, os instrumentos tornam-se objetivamente
indicadores do resultado planejado.
Direcionando esta discussão para o objeto deste estudo, as ações de prevenção
do câncer ginecológico, imediatamente pode ser identificado um processo de trabalho
com clara finalidade assistencial. Por isso, os instrumentos devem estar adequados
para a obtenção de resultados assistenciais no sentido de prevenir o câncer
ginecológico. No entanto, os dados evidenciam precariedade e inadequação dos
instrumentos de trabalho para alcançar esta finalidade.
A dificuldade com o espaço físico foi apontada, pela maioria das enfermeiras
logo no início da segunda parte da entrevista, como impeditiva ou como auxiliar nas
atividades de prevenção do câncer. A maneira como as profissionais faziam suas
colocações indicava que, naquele momento, a dificuldade no espaço físico para o
desenvolvimento do trabalho era, para elas, o maior entrave para a assistência. A
resposta vinha quase que automaticamente quando era feita a pergunta, ficando como
primeira impressão que os problemas estavam relacionados aos instrumentos de
trabalho, especialmente à estrutura física dos serviços de saúde.
“A primeira coisa é o espaço físico.” (Jacarandá 1)
“Falta de espaço físico [...] A principal seria falta de espaço físico” (Mogno 1,2)
“A dificuldade é o espaço físico que a gente não tinha outro espaço físico para poder
abrir mais uma sala” (Aroeira 1)
“A dificuldade é do espaço físico e a estrutura da Unidade.” (Cedro 1)
À medida que as entrevistas evoluíam, o discurso das enfermeiras ia deixando
mais transparente que a falta de espaço físico a que elas se referiam era de uma sala
exclusiva para a coleta do exame de CCO. Uma sala que não fosse utilizada pelos
médicos, na qual elas tivessem liberdade de uso e onde o procedimento pudesse ser
182
realizado em qualquer período do dia. A proposta de uma sala exclusiva parecia estar
atrelada ao discurso de atendimento em livre demanda, reforçado pela Coordenação
Municipal, ou sendo utilizada como justificativa para o oferecimento do exame em
poucos ou em só um período por semana.
“Falta o local para a gente ter uma sala exclusiva para o preventivo [...] não tem
como a gente passar a sala do preventivo para outra sala, porque todas as outras
salas estão ocupadas com consultórios médicos.” (Carvalho 1, 3)
“Dificuldade que e acho é o espaço físico [...] acho que se tivesse uma sala só para a
gente colher preventivo, seria direto.” (Cumbarú 1,3)
“[na Unidade deveria ter] uma sala disponível só para o preventivo. Porque a gente
tem pessoas para fazer o trabalho só não tem espaço físico.” (Cumbarú 34)
“Não tem uma sala para se fazer o preventivo em demanda livre. Eu sou obrigada a
agendar.” (Pinho 2)
“Bom seria se a gente tivesse uma sala só para isso, aí tu fazia agendadinho, não
perdia ninguém.” (Cumbarú 56)
Além disso, a fala das enfermeiras reforçava a visão de prevenção do câncer
ginecológico como uma atividade centrada no procedimento de coleta de CCO, que
deveria funcionar como um atendimento à margem ao PSF, com liberdade de local e
horário, para que pudesse ser mais efetiva a assistência à população.
“Nós deveríamos ter em cada centro de saúde uma sala própria e funcionários
próprios para isso, que não precisasse depender de dia, de horário, desse tipo de
coisa.” (Cerejeira 60)
Durante a fase de coleta de dados, pela observação sistematizada dos serviços,
pude verificar que o atendimento preventivo para o câncer ginecológico era realizado
na sala de ginecologia, nos períodos em que ela estava disponível sem o atendimento
do ginecologista, do médico clínico ou outro profissional. Havia uma multiplicidade
de atividades na mesma sala e a divisão para a utilização do espaço parecia estar
direcionada mais pelas relações de poder e status profissional existentes na unidade, do
que pela análise técnica da demanda e das necessidades de atendimento.
Estes dados que identifiquei na observação foram reforçados nas falas das
enfermeiras, durante as entrevistas, e durante as reuniões do Grupo Focal puderam ser
aprofundados nas discussões.
183
“Este consultório é utilizado para a clinica médica de manhã [...] não tem como
parar o atendimento ambulatorial, a parte de consulta, para fazer a coleta de
preventivo, já que é uma demanda espontânea não é agenda” (Pau-Brasil 38,39)
“A gente não tem número de fichas maiores, ou número de pacientes maiores,
porque a gente tem que dividir a sala” (Carvalho 2)
“São várias atividades realizadas na sala ginecológica. Todo dia tem agenda naquela
sala. É difícil fazer por causa disso.” (Mogno 3)
As enfermeiras indicaram a concorrência para a utilização da mesma sala como
um grande entrave para a realização do atendimento às mulheres, no preventivo. Ter
que dividir a sala com outros profissionais e não poder realizar o atendimento nos
horários em que quisesse ou pudesse foi uma situação muito reforçada nas falas.
“Espaço físico, no sentido que essa sala é nossa. É que não tem ginecologista e essa
sala do preventivo, quando a gente quer usar é nossa.” (Angelin 19)
“Eu ia ter uma sala a manhã inteira para poder fazer o preventivo quando eu
quisesse. Iria ser uma maravilha. Agora a ginecologista veio [...] Então isso já me
limita o atendimento do preventivo.” (Cerejeira 3)
“São muitas atividades, muitos profissionais para pouca sala. Tem mais profissional
do que sala disponível.” (Mogno 6)
Na busca de soluções para este “problema”, algumas delas adaptaram um
espaço físico existente na estrutura do prédio, para ser a sala de coleta de CCO.
Observei, em cinco unidades, a transformação de uma sala projetada para lavagem e
preparo de material, medindo aproximadamente 1,5 m de largura, em sala de
preventivo. Este espaço situava-se próximo à entrada da Unidade, no corredor de
circulação, e não tinha acesso direto ao banheiro.
Ao invés de solucionarem o problema, as enfermeiras acabaram criando outro
muito mais delicado e tecnicamente questionável. O tamanho da sala mal comporta a
mesa ginecológica, não sendo possível colocar um biombo ou ter qualquer espaço
reservado para a mulher trocar de roupa sem se expor. Além disso, a área de circulação
interna na sala ficou insuficiente para o profissional desenvolver suas atividades
corretamente.
Algumas enfermeiras conseguem perceber esta situação e enfatizam que o
espaço físico existente na unidade é inadequado para o atendimento preventivo.
“O que eu acho, é o local inadequado [...] a nossa sala é muito pequenininha, não
tem um banheiro” (Pau-Brasil 2, 35)
184
“Dificuldades? O espaço físico... pessoa vir e se despir na frente de uma pessoa
estranha [...] Se tivesse um banheiro ou um biombo, qualquer coisa que facilitasse.
Uma sala um espaço” (Angico 1, 39)
“Já aconteceu de coletar com muita contaminação e de repente eu ter que atender
uma criança [...] Aqui mistura tudo, é complicado.” (Angico 18, 39)
“Primeiramente a dificuldade começa pela estrutura física. É uma sala sem
ventilação, não tem uma janela, não tem ar condicionado [...] não há quem agüente”
(Pinho 1)
“Antes [o problema] era a sala, e continua sendo, porque essa aqui não tem pia”
(Cambará 8)
“Eu gostaria também de ter este espaço para fazer palestras” (Mogno 89)
Apesar de essa experiência ser avaliada como negativa pelas enfermeiras das
unidades que a possuem, em outros locais as profissionais estão buscando a criação de
uma sala desse tipo para resolverem o seu “problema de espaço físico” para o
atendimento preventivo.
“A dificuldade é o espaço físico [...] porque a gente competia com a ginecologista.
[...] agora a gente quer abrir todos os dias então a gente vai abrir outra sala para a
gente ficar independente dela” (Aroeira 2, 4)
“A gente vai abrir do lado da sala de ginecologia na sala de preparo de material [...]
a gente vai fazer naquela salinha ali, vai ficar um pouco apertadinho, mas vai ser ali
que nós vamos coletar o preventivo” (Aroeira 5)
Uma dificuldade que pude verificar durante a observação das unidades foi que,
na maioria dos consultórios e salas de ginecologia, não existe uma pia para os
profissionais lavarem as mãos. Naqueles que têm banheiro para a usuária, a pia é
utilizada também pelos profissionais e, onde não tem, é utilizada a pia de manuseio de
material. Além desta dificuldade na planta física das unidades básicas, as mais
periféricas e menores possuem uma sala comum a todos os atendimentos ou salas com
condições insalubres de trabalho.
Em grande parte das unidades, foi possível identificar que faltam espaços para
trabalhar com grupos e, também, espaços em que a população possa aguardar o
atendimento, sem muita aglomeração de pessoas no mesmo local e com um pouco
mais de conforto.
Entendendo que os meios de trabalho, aqui representados inicialmente pelo
espaço físico, não são apenas medidores do grau de desenvolvimento da força de
trabalho, mas são, também, indicadores das condições sociais nas quais se trabalha
185
(MARX, 1983), é possível compreender toda a ansiedade das enfermeiras ao
colocarem como dificuldade inicial o espaço físico e a estrutura dos serviços. Permite
compreender, em parte, também, a direcionalidade do trabalho para o atendimento
individual da mulher em consultório. Na estrutura física e organizacional das unidades
básicas o consultório é o lócus do desenvolvimento das práticas profissionais de
assistência à população e parece indicar a força e prestígio que o profissional desfruta
perante o grupo e a chefia do serviço.
As diferenças entre as unidades básicas ficaram evidentes nas colocações feitas
pelas enfermeiras sobre o espaço físico. Nas unidades melhor estruturadas para o
atendimento preventivo, as entrevistadas reforçaram que este instrumento de trabalho é
importante para o desenvolvimento da assistência e para a satisfação do trabalhador.
“O espaço físico quer queira ou não vai influenciar no meu trabalho” (Cambará 9)
“A facilidade na Unidade é a estrutura, porque nós temos a estrutura toda
montadinha” (Eucalipto 16)
“Tenho sala ampla [...] Nesta Unidade temos salas.” (Ipê 2,16)
“Eu acho que uma facilidade grande é ter um espaço. [...] ter a salinha ginecológica,
com banheiro com uma pia para a paciente trocar” (Mogno 61, 58)
“Hoje, eu posso dizer que hoje eu tenho uma sala, coisa que eu não tinha antes. Que
vai ficar disponível para mim, pelo menos, o período da tarde e um pouquinho de
manhã.” (Cerejeira 41)
“Nós temos à disposição todas as tardes a sala específica da ginecologia. Tem
banheiro e tudo, né? Está tudo ali bem legal.” (Tarumã 15)
No início do estudo, as falas das enfermeiras apontavam que, se não houvesse
ampliação e mudança na estrutura física das unidades, pouca coisa poderia ser feita
para melhorar o atendimento. Nas entrevistas, a proposta de construção de mais salas,
consultórios e de reforma da Unidade foi referida como primordial para ampliar a
prevenção do câncer ginecológico na rede básica do Município.
À medida que as reuniões do Grupo Focal foram acontecendo, as enfermeiras
foram modificando o foco da atenção do seu discurso, saindo do espaço físico e
centralizando nas questões da organização do serviço como os verdadeiros entraves à
assistência. Foi ressaltada e exemplificada necessidade de rever as práticas
cristalizadas e de negociar com outros profissionais da equipe. As modificações no
planejamento, na divisão e na utilização dos consultórios foram relatadas como uma
186
questão importante que auxiliou na reorganização dos serviços para a ampliação e
melhoria da assistência.
“Tem a questão do espaço físico que impossibilitava de atender em outros horários.
Foi feito um remanejamento do espaço, o pessoal que costumava atender na sala
procurou fazer o atendimento clínico em outra sala, para deixar a sala de ginecologia
o mais livre possível para fazer mais horários de coleta.” (Grupo Focal 4)
“No nosso posto de saúde, eu não sei por que os médicos atendiam pré-natal nesta
sala. A gente conversou e fez com que eles entendessem a mudança. Eles mudaram
para a outra sala e sobrou bastante horário para a gente fazer a coleta.” (Grupo Focal
4)
“No nosso centro de saúde a gente mudou a sala da clínica, que era uma sala maior,
passou para uma sala menor que não tinha maca. A gente conseguiu a maca e
montou duas salas. A gente antes não tinha sala para fazer preventivo à tarde. As
mulheres que trabalham na indústria pela manhã não tinham horário para fazer o
preventivo, agora têm.” (Grupo Focal 4)
Na categoria instrumentos de trabalho, as questões sobre material foram
abordadas também. Nas falas que referiam falta de material para a prevenção, a
maioria especificava que, eventualmente, faltava material ou que faltava um
determinado tipo de material, principalmente pinça de Cheron para a realização do
Teste de Schiller. Ficou subtendido, também, que muitas vezes a falta desses materiais
decorriam de um descompasso entre a previsão de uso, a licitação pública pela
Secretaria e o repasse para as necessidades das Unidades.
“Falta de material para poder começar o atendimento [...] só falta o material”
(Eucalipto 10, 17)
“Às vezes falta material” (Aroeira 6)
“Pinça é um outro problema [falta]” (Pinho 3)
“Deveria ter mais disponibilidade de materiais, a gente não tem muito aquelas pinças
para fazer o Teste de Schiller” (Aroeira 46)
“Como dificuldade temos poucos instrumentos, poucas pinças.” (Ipê 17)
“Na unidade, às vezes há falta de materiais, principalmente de... é... as pinças de
Cheron, poucas camisola” (Angelin 1)
Foram feitos comentários sobre falta de mobiliário, como mesas ginecológicas e
mesas auxiliares. Todavia as referências sobre a falta de material prenderam-se mais
aos materiais de consumo, como luvas de procedimento, fixador, toalha de papel e
guia de requisição para o exame.
187
“Falta de uma maca ginecológica, que a gente não tem. Uma mesa auxiliar para
colocar os materiais” (Cedro 2)
“A gente está tendo, na verdade foi a falta de alguns materiais assim, mas para o
preventivo não necessariamente. [...] Foi a questão da luva ontem” (Pau-Brasil 9, 10)
“Tem na Unidade alguma dificuldade, só que não é sempre [...] Semana passada não
aconteceu o preventivo porque faltou luva” (Mogno 10, 11)
“Falta de material, de folha de requisição [...] Porque faltou o xerox da folha.”
(Jacarandá 5, 6)
Algumas entrevistadas referiram que os materiais são inadequados,
especificando principalmente o número reduzido de espéculos pequenos, de aventais e
de lençóis. Relataram que necessitam improvisar para não parar o atendimento, mas
que acaba havendo prejuízo no desenvolvimento do trabalho.
“O que falta bastante é espéculo nº 1. [...] na minha avaliação da paciente eu quero
usar um espéculo nº 1, mas não tem” (Mogno 17, 18)
“Agora a gente está trabalhando com aquela luva de plástico [...] Luva de
procedimento a gente não tem” (Aroeira 7)
“Não temos materiais suficientes e adequados [...] Se vier uma pessoa obesa mesmo,
não tem uma pinça adequada.” (Angico 6)
“a gente colhe de qualquer maneira, tendo pinça ou não tendo, mas com a pinça
facilita bastante o nosso trabalho.” (Pinho 4)
A metade das enfermeiras entrevistadas negou haver falta de materiais para a
realização do preventivo, deixando claro, novamente, que, na maior parte das vezes,
elas entendem preventivo de câncer ginecológico e o procedimento de coleta de CCO
como sinônimos, reduzindo a prevenção ao procedimento.
“A gente não tem falta de material [...] Tem um acesso rápido, assim, então, nunca
faltou.” (Carvalho 33)
“Material também não falta.” (Cedro 16)
“Quando a gente precisa de material tem” (Pau-Brasil 8)
“O material que não falta, sempre tem material” (Seringueira 23)
“Por enquanto tenho os materiais, lâminas, impressos” (Ipê 19)
“A gente tem os materiais que a gente precisa, raramente falta. Material para
preventivo a gente sempre tem.” (Cumbarú 21)
“Não tem faltado material, pelo menos com relação ao preventivo.” (Tarumã 16)
“A gente tem lençol, tem camisolinha para todo mundo [...] uma coisa que eu nunca
vi faltar aqui são as escovinhas, as espátulas, lâminas. Nunca faltou isso para a gente
fazer o preventivo.” (Mogno 14, 63)
188
Uma questão abordada pelas enfermeiras como precária, foram os meios para o
desenvolvimento de práticas educativas. Falta material e suporte técnico-financeiro
para realizar um trabalho mais ampliado, de cunho educativo e preventivo, que possa
ir além da realização do procedimento de coleta de CCO.
“A gente não tem material educativo. Na unidade nós não temos.” (Tarumã 17)
“Se eu tivesse todos os materiais que eu sonho, digamos assim, ter folder, vídeo...
Seria muito bom, eu iria atuar muito bem, com certeza eu iria conseguir um
pouquinho mais de resultado.” (Peroba 21)
“É frustrante fazendo um preventivo, orientando se a mulher está com uma DST [...]
No final ela pede para eu fornecer os preservativos e eu tenho que dizer ‘Ah,
lindinha está em falta!’ ” (Garapuvu 80)
Durante a observação do atendimento, pude constatar que a disponibilidade de
materiais ocorre de maneira distinta nas unidades sanitárias do Município. Enquanto
em algumas faltam materiais, em outras encontrei materiais estocados em quantidade
bem superior ao atendimento que realizam. Naquele período, algumas unidades
haviam suspendido a coleta de CCO por falta de fixador e em outra havia quatro
frascos guardados no armário, suficientes para um número bem maior de exames do
que realizam. Algumas unidades estavam trabalhando com o último pacote de
espátulas, enquanto em outra tinha estoque de espátulas que chegava a quase mil
unidades. Faltavam luvas de procedimentos em algumas e em uma pude presenciar a
utilização de dois a três pares de luvas no atendimento de uma só mulher.
Na maioria das unidades, as enfermeiras relatam, e pude constatar na
observação, que não existem lençóis e camisolas em número suficiente para atender a
demanda, por isso, estes materiais são utilizados em mais de uma mulher, aumentando
o risco de contaminação. A mesa ginecológica é coberta com um lençol de tecido, que
muitas vezes é somente virado do lado avesso para o próximo atendimento. Para
agravar o problema, não existe toalha de papel ou forro descartável para ser colocado
na área da mesa em que ficam as nádegas da mulher. Para suprir esta deficiência, em
alguns lugares, as profissionais utilizam os campos de TNT (tecido-não-tecido) que
serviriam para a esterilização de materiais. Porém, este material é muito mais caro do
que uma toalha de papel.
189
“Não temos tantos lençóis e aventais, a gente chega a virar para o outro lado para a
paciente deitar.” (Angelin 6)
Observei, em praticamente todas as unidades, que falta toalha de papel para as
profissionais secarem as mãos. Quando existe uma toalha disponível ela é de tecido,
sendo usada pela profissional durante todo o período de atendimento. O uso deste
material em serviços de saúde é condenado há muitos anos pelo seu potencial
contaminante, principalmente se considerarmos que na sala de ginecologia lidamos
com elevado número de agentes microbianos e com doenças sexualmente
transmissíveis. Assim, o trabalho que deveria ser direcionado para a prevenção pode
ser veículo de contaminação e agravo a saúde da mulher.
Uma questão levantada por uma entrevistada, mas que merece um espaço na
discussão, foi a dificuldade em manter uma postura ergonômica durante o
atendimento. A altura da mesa de exame ginecológico e a baixa qualidade do foco de
luz, obrigam a profissional a permanecer por longo período de trabalho em uma
posição inadequada, com potencial para causar dores e lesões músculo-esqueléticas
nas trabalhadoras. Além disso, a má iluminação inviabiliza a execução do
procedimento com qualidade.
“O foco, por exemplo, eu acho bem ruinzinho. A mesa eu não acho tão apropriada
[...] não é ergonômica. A gente fica muito encurvada, às vezes ocasiona dores nas
costas.” (Angelin 2, 3)
Duas entrevistadas fizeram referência à não disponibilização de espéculos
descartáveis para a realização dos exames. Além de considerarem que haveria uma
melhor aceitação por parte das mulheres, explicaram que existe deficiência no controle
de qualidade do processo de esterilização dos materiais. O único material utilizado é a
fita adesiva, que muda de cor quando submetida ao calor. Os Kits de controle de
qualidade da esterilização não são repassados pelo Município para as unidades básicas.
“A única coisa que eu acho, é por que não é utilizado o espéculo descartável? [...] eu
acredito que o Ministério da Saúde... eu não sei, disponibiliza isso para o
Município.” (Cedro 17)
“Eu acho que, na verdade, o ideal seria usar espéculos descartáveis, a gente só
dispõe de espéculos de metal, que têm que ser esterilizados [...] a gente não tem um
controle bem severo da esterilização. Aqui usa somente aquelas fitas [...] se tivesse
um controle de qualidade a mais nesse processo de esterilização” (Angelin 4, 5)
190
Ampliando um pouco mais esta análise, acredito que as enfermeiras não
poderiam pensar em remanejamento de espaço físico ou em qualquer tipo de
ampliação na estrutura e no material, enquanto não tiverem definidas as necessidades
de assistência da população local, para realizarem um planejamento, estabelecendo
prioridades e metas.
Não se trata em pensar apenas numa sala exclusiva para o preventivo de câncer
ginecológico. Antes de qualquer coisa, é necessário identificar que mulheres
necessitam ser avaliadas na comunidade, quanto ao número, características e local de
moradia, como poderia ser organizada esta demanda para evitar filas de espera e
retornos sem atendimento. Só assim poderiam ser, definidas as estratégias necessárias
para promover a saúde das mulheres, evitando ou identificando precocemente o câncer
ginecológico, assim como para determinar o uso e disponibilidade de espaço físico,
material e de pessoal, estimar o número e o tipo de atendimentos que poderiam ser
feitos e calcular os períodos semanais que seriam necessários, estabelecer como as
mulheres poderiam ser captadas nas residências, locais de trabalho e unidade de saúde,
e para onde e como seriam encaminhadas as que apresentassem alteração na citologia
e no exame das mamas. Além disso, seria possível definir o seguimento da mulher que
tivesse diagnóstico de câncer ginecológico e o envolvimento da equipe do PSF com
cada caso.
Estas, dentre outras, são questões necessárias para serem definidos os
instrumentos de trabalho adequados para alcançar a finalidade de prevenir o câncer
ginecológico, ou seja, para uma modificação no enfoque que está sendo dado para
distribuição de espaço, material e qualificação de pessoal. Os meios devem ser
definidos a partir da finalidade e não o contrário, como parece estar acontecendo
atualmente.
A percepção das enfermeiras entrevistadas sobre a categoria “Instrumentos de
Trabalho”, composta pela infra-estrutura dos serviços com relação ao espaço físico e
aos materiais necessários para o atendimento na prevenção do câncer ginecológico,
está representada de forma resumida e esquemática, na Figura 13. Este material foi
191
apresentado na primeira reunião do Grupo Focal e trabalhado nas demais reuniões
como elemento de reflexão e de motivação para as discussões.
Figura 13 - Instrumentos de Trabalho
Percepção sobre o Espaço Físico e os Materiais Utilizados
* Esquema apresentado e validado no Grupo Focal de 30/08/2005.
5.6.4 O objeto de trabalho
Nas entrevistas, emergiram falas sobre a percepção que as enfermeiras têm
sobre as mulheres que elas atendem nas unidades básicas, com relação ao exame
preventivo e ao atendimento de prevenção do câncer ginecológico. Com estes dados
foi possível sistematizar a categoria temática “objeto de trabalho”, sob o ponto de vista
das trabalhadoras.
Com relação ao preventivo, o que ficou mais evidente nas falas das
profissionais foi que elas acreditam que as mulheres possuem sentimentos negativos e
de resistência ao exame. As enfermeiras percebem, nas mulheres que atendem ou
Falta espaço físico
Eu acho o local
inade
q
uado
Temos sala ampla
e toda estrutura
Na realidade é o
tempo de utilização
da sala
Se tivesse uma sala
p
ara o
p
reventivo
São muitas
atividades e
profissionais para
p
ouca sala
Às vezes falta
material
Material não
falta
Temos poucas
pinças
A mesa ginecológica
não é er
g
onômica
O que falta bastante
é es
p
éculo nº 1
O ideal seria usar
espéculos descartáveis
Material
Infraestrutura
Es
p
a
ç
o Físico
Deveria ter mais
disponibilidade de
materiais
São várias
atividades na sala
ginecológica
192
abordam, a demonstração de vergonha e constrangimento. Apesar da divulgação e da
orientação sobre a importância do exame, as informações que circulam entre as
mulheres são que ele é desagradável e constrangedor, o que acaba criando um
sentimento de medo em submeter-se ao exame ginecológico.
“Elas dizem: ‘É um exame muito constrangedor, eu não gosto de fazer, não me sinto
bem. A vizinha faz, diz que é para eu vir, mas diz que é horrível...’ ” (Cedro 31)
‘Eu sei que por mais que a gente converse, por mais que sejamos mulheres, é difícil
uma pessoa vir e se despir na frente de uma pessoa estranha. É constrangedor’
(Angico 2)
“Já é um exame difícil das mulheres...não tem aquela vontade de vir fazer. A
maioria vem fazer porque é obrigada, porque sabe que tem que fazer.” (Pinho 38)
“Apesar de toda a divulgação, ainda [...] hoje a gente atende muitas mulheres que
mesmo sabendo da importância da prevenção [...] elas estão vindo pela primeira vez
por vergonha” (Cedro 30)
Esta “vergonha” parece mais evidente pela resistência que algumas mulheres
têm em relação ao atendimento feito por profissionais do sexo masculino, seja médico
ou enfermeiro.
“Muitas vezes as pacientes não querem fazer com os médicos porque são homens”
(Mogno 133)
“Com o enfermeiro do sexo masculino, existe uma certa resistência” (Angelin 15)
Uma das entrevistadas afirmou que a usuária tem uma noção do exame como
uma agressão à mulher, pois elas têm que expor seu corpo e ter seus genitais
manipulados por uma pessoa estranha e com a qual não tem proximidade ou
intimidade.
“Elas têm uma noção do exame em si, eu acho como... sei lá... como uma agressão à
mulher.” (Cedro 32)
Lopes et al. (1999) apontam a necessidade de ser estabelecido o diálogo entre a
profissional e a mulher, no sentido de ultrapassar as barreiras pessoais e culturais que
influenciam negativamente a realização do exame citológico, pois
existem fortes influências da educação familiar, religiosa e da cultura
patriarcal que condenam a sexualidade feminina e reprimem a descoberta e a
exploração da genitália, fazendo com que as mulheres criem sentimentos
negativos em relação ao seu corpo e a exposição do mesmo (LOPES et al.,
1999, p.41).
193
Este comportamento foi percebido pelas participantes do estudo, principalmente
nas mulheres com mais idade, e atribuído aos tabus culturais ligados à sexualidade, ao
conhecimento e exposição do próprio corpo. Aqui vemos mais um elo rompido no
fluxo do trabalho preventivo, para o qual as enfermeiras não apontam saídas.
“Tem aquela que toma coragem e vem, mas a maioria, principalmente as pessoas
mais velhas, de mais idade, elas têm essa dificuldade. [...] têm vergonha.” (Angico 4,
38)
“A gente tem um pouquinho de resistência com as mulheres que nunca fizeram e
que já tem um pouquinho mais de idade. [...] Só que as idosas [...] elas têm uma
resistência muito grande.” (Ipê 56, 60)
“Ponho as agentes comunitárias em cima, os médicos em cima, mas é difícil pegar
nessa faixa [idosas] [...] algumas eu consigo pegar, mas têm outras que tem uma
resistência terrível.” (Ipê 63, 64)
“A queixa principal eu acho que é a vergonha de fazer, principalmente nas mulheres
de mais idade. [...] tinha que desmistificar essa [vergonha]... mas como faz isso é
que eu não sei.” (Cedro 33, 34)
Lopes (1996) descreve que em sua experiência profissional vivenciou situação
semelhante num ambulatório onde realizava exame preventivo para câncer
ginecológico. O nervosismo e constrangimento eram percebidos pelo comportamento e
sinais que as mulheres apresentavam e que ela relatou em seu estudo.
Na possibilidade de observar esse cenário, percebia comportamentos e
reações que denotavam tensão, humilhação, estresse e vergonha [...] Elas,
freqüentemente, apresentavam-se ruborizadas ou pálidas, com mãos geladas,
com sudorese, com níveis de tensão arterial alterados, muito falantes ou
extremamente caladas, rápidas ao subirem à mesa ginecológica e dela
descerem com a mesma rapidez (LOPES, 1996, p.27).
Este tipo de pré-conceito sobre a realização do exame preventivo é
compartilhado, também, pelas próprias profissionais participantes deste estudo. Na
primeira reunião do Grupo Focal, quando estimuladas a refletirem sobre os aspectos
positivos e negativos do exame, dez das dezesseis participantes referiram que o
aspecto negativo no exame é o constrangimento causado pela exposição da mulher,
devido à necessidade de ser colocada em posição ginecológica. Baseadas na vivência
profissional relatam que a cultura, os tabus ligados ao sexo e à exposição do corpo
interferem na procura das mulheres por este tipo de exame e na freqüência com que o
fazem.
194
“Eu acho que tem muita resistência das mulheres em estar fazendo o exame [...] Por
ser desconfortável...” (Guarantã 1, 2)
“Eu acho que a própria cultura ou o tabu que gira em torno do exame ou mesmo da
paciente ir lá, gera esse constrangimento. A posição da paciente na mesa. Elas
mesmas relatam isso pela cultura que elas têm” (Grupo Focal 1).
“Muitas já pensam que vai doer, vai mexer naquilo que a mamãe disse que não era
para tocar. Até para lavar, muitas pacientes acham estranho lavar a vagina, porque
não querem se tocar. Tem todo esse tabu em cima” (Grupo Focal 1).
Pude perceber que este constrangimento está presente, também, no discurso e
na atuação das enfermeiras enquanto profissionais. Elas falam do exame ginecológico
como um procedimento com o qual têm dificuldade em interagir com a mulher e que
muitos problemas ou queixas delas acabam não sendo percebidos ou explorados por
causa da situação de nervosismo e constrangimento que predomina durante o
atendimento.
“Por causa da posição que não é muito confortável e isso acaba te sufocando, às
vezes elas têm até outra queixa, mas acaba passando batido pelo fato de estar
nervosa” (Grupo Focal 1).
“Muitas vezes elas vão lá falam com a gente, mas aquele segredinho eu acho que
sempre fica escondido em algum lugar que a gente não consegue chegar nele”
(Grupo Focal 1).
Apesar de todas as modificações que têm ocorrido em nossa sociedade nas
últimas décadas, a exposição do corpo e da genitália durante o exame ginecológico
está vinculada a um assunto que ainda é tratado como tabu por muitos – o sexo. Muitas
famílias têm dificuldade em falar sobre o sexo com seus filhos. Esperam, então, que a
escola trate do assunto e eduque o jovem e a escola, por sua vez, espera que as famílias
o façam. Nesse jogo de fugas e contradições, representações equivocadas sobre a
sexualidade, valores e pré-conceitos acabam sendo perpetuados.
Não se pode negar que a sexualidade está sempre presente na vida dos
indivíduos, ela faz parte da existência do ser humano e é expressa a partir da sua
história e do cotidiano em que vive. É necessário ter consciência, porém, que para
viver e expressar a sexualidade e tudo que está ligado a ela, exige uma longa
caminhada, pois o sexo ainda é tratado como algo marginal e vulgar, vinculado à
pornografia ou à “liberação sexual”, gerando sentimentos de culpa e de vergonha em
muitas pessoas. A discussão sobre o assunto é necessária não só nas famílias, mas nas
195
escolas, nos serviços de saúde e em toda a sociedade, pois as representações que os
indivíduos têm sobre a sexualidade podem ser re-elaboradas a partir das interações
sociais que eles estabelecem e das mudanças nas representações coletivas (PATRÍCIO,
LOEFFLER, ANDRADE, 1997).
Meyer e Soares (2004, p.9) afirmam que
o corpo além de ser produzido e ressignificado no centro de variadas redes
de poder e controle é, também, percebido e vivido de forma conflituosa e
ambígua, de tal forma que esses modos de viver o corpo envolvem, ao
mesmo tempo, disciplinamento, coerção, subordinação, saúde, libertação,
gozo e prazer.
Lopes e Souza (1997) apontam que, no exame preventivo, a mulher sente-se
lançada num mundo onde toma contato com a sala de espera cheia de outras mulheres
e histórias, a limitação e horizontalidade da mesa de exame, a nudez e o
desconhecimento do corpo, a insegurança e a cobrança de manter-se relaxada. Um
mundo cheio de terminologias e significados, onde emergem sentimentos de vergonha,
tensão e insegurança.
Uma questão abordada pelas enfermeiras do estudo foi o medo que as mulheres
têm do exame, pois algumas acreditam que é um procedimento doloroso. O medo que
ele seja doloroso pode estar associado à falta de preparo e orientação prévia da mulher.
Ela fica tensa durante o exame, contraindo toda a musculatura pélvica, dificultando a
colocação do espéculo e podendo tornar o exame muito incômodo.
As experiências negativas que as mulheres vivenciaram, anteriormente, também
foram referidas como motivos para desencadear o medo do exame.
“Eu ainda tenho pacientes que não fazem por medo” (Pinho 45)
“Tem gente que sabe da importância e tudo, mas não faz porque acha que é um
exame dolorido.” (Pinho 52)
“Tudo vai da tua primeira experiência [...] se foi horrível tu já não vai querer voltar
[...] para fazer de novo.” (Pinho 47,48)
“Porque se ela vai num lugar onde o preventivo é mal feito [...] Aquilo ali vai
traumatizar aquela pessoa e tão cedo ela não vai querer fazer” (Pinho 37)
Em minha experiência profissional, tenho evidenciado que o exame pode,
também, ser referido como doloroso quando a mulher teve uma experiência pessoal
196
anterior desagradável ou a informação de outras mulheres, da família ou do seu círculo
de relações, sobre um exame realizado por um profissional pouco qualificado
tecnicamente ou que atendeu de forma grosseira, sem privacidade, sem diálogo ou
esclarecimento das dúvidas.
As enfermeiras entrevistadas referem que outras mulheres têm medo de se
submeter ao exame e descobrir que estão com algum “problema”, com uma doença
sexualmente transmissível ou com uma “doença ruim” – o câncer.
“Da população o que eu acho é assim: normalmente elas não querem fazer por medo
de saber o resultado” (Pau-Brasil 3)
“Elas fazem uma vez e não querem fazer mais. [...] Porque deu bom na primeira vez
que elas fizeram e elas têm medo de dar um resultado ruim” (Pau-Brasil 4, 5)
“Outra coisa que eu estou lembrando é a entrega de preventivo. Em muitas unidades
isso ainda é feito no balcão, sem nenhuma orientação. A pessoa leva o preventivo
para casa, some, não sabe nem interpretar, não volta mais no médico” (Grupo Focal
2).
Tenho vivenciado durante o atendimento em serviços de saúde, que muitas
mulheres procuram o atendimento para realizarem o exame preventivo por
apresentarem algum corrimento, querendo identificar a sua causa. A associação do
exame preventivo ao exame ginecológico para diagnóstico e tratamento de vulvo-
vaginites e cervicites é uma prática que vem sendo reforçada há muito tempo pelos
próprios profissionais de saúde. Nas unidades básicas observadas, pude identificar a
preocupação das profissionais em valorizar e priorizar o registro, no prontuário e livro
de atendimento, do resultado microbiológico constante nos laudos do laboratório.
Pinho et al. (2003) relatam que, no estudo epidemiológico que realizaram,
encontraram a associação do exame de CCO com a presença de queixas ginecológicas
em 18,2% das mulheres pesquisadas. Consideram que essa atitude deve ser remetida a
uma questão mais ampla e complexa, ligada à construção cultural do significado do
processo de saúde-doença pelos indivíduos e coletividades.
Em minha experiência profissional, deparei-me, muitas vezes, com mulheres
angustiadas, que pressionavam para saber se a causa do seu corrimento era uma
doença sexualmente transmissível e, embutida na pergunta, a intencionalidade de
confirmar ou não uma suspeita de traição do companheiro. Tal situação necessita de
197
muita sensibilidade e bom senso do profissional, pois implica no envolvimento de
questões emocionais, em que a suspeita de traição do companheiro pode comprometer
a vida pessoal e o relacionamento amoroso da mulher.
Além disso, várias mulheres que fazem o exame de CCO não retornam para
saber o resultado, que fica nos arquivos dos serviços por meses ou anos. Este fato pode
estar associado, ao meu ver, a três motivos: o medo de enfrentar um resultado positivo
para câncer; a convicção de que não têm nada, pois não têm sintomas e quem as
examinou não fez nenhuma referência aos achados clínicos; e por acreditarem que o
exame é para confirmar um corrimento ou outro sintoma ginecológico e que, ao ser
instituída uma terapêutica medicamentosa, o problema está resolvido.
Em um estudo realizado em São Paulo, foi identificado que as mulheres que
nunca se submeteram ao exame de CCO alegaram, como motivo para a sua não
realização, o fato de serem saudáveis e não apresentarem queixas ginecológicas. Os
pesquisadores apontaram que este resultado é semelhante a outros estudos, em que as
mulheres são diagnosticadas com câncer de colo uterino numa fase tardia da doença,
sendo explicado, em parte, pela falta de conhecimento e pela condição assintomática
da doença, contribuindo para a permanência de taxas de mortalidade elevadas (PINHO
et al., 2003).
A mulher pouco orientada faz o exame para descobrir se tem câncer ou não,
pois ela não tem o esclarecimento que o exame tem como objetivo identificar lesões
precursoras pré-malignas com possibilidade de sucesso terapêutico ao redor de 100%
(INSTITUTO, 2000b; 2002f). Desse modo, surge o medo da patologia e da conotação
que ela tem, na população em geral, de doença estigmatizada por ser considerada uma
sentença de morte.
Realizar o exame preventivo para o câncer ginecológico possibilita ir ao
encontro, também, da realidade de ter a enfermidade, de vivenciar a doença,
instalando-se o temor da proximidade da morte. O exame preventivo envolve, assim,
além das dimensões biológica, psicológica e social, a dimensão existencial (LOPES,
SOUZA, 1997).
198
Outra razão apontada pelas enfermeiras para as mulheres rejeitarem a realização
do exame ginecológico nas unidades básicas é a deficiência do espaço físico, de
material e de pessoal dos serviços públicos de saúde.
“[O espaço inadequado] isso faz com que muitas mulheres não venham coletar o
preventivo aqui. Porque uma vem e diz como é, eles passam para os vizinhos, para
os amigos, um vai passando para o outro.” (Angico 3)
“Tem umas que desconfiam da esterilização daquele lugar. Aquele lugar está tão
velho, desprezado, não sei o que...” (Pinho 42)
A imagem que a população tem do SUS, de modo geral, é de uma rede de
serviços sucateados, de difícil acesso, com deficiência de pessoal e com assistência de
baixa qualidade. Seguidamente, as informações transmitidas pela mídia relatam casos
de condições precárias em infra-estrutura, de mau atendimento, de mortes por falta de
assistência e de abandono dos serviços pela falta de financiamento do poder público. A
divulgação de exemplos de serviços públicos que apresentam qualidade é escassa,
reforçando para a sociedade que o bom atendimento em saúde está no setor privado e
com o médico especialista. Esta ambigüidade foi exemplificada em duas falas das
entrevistadas abordando como as mulheres referem-se ao atendimento do médico
ginecologista.
“Muitas só querem coletar com o ginecologista.” (Angelin 74)
“Às vezes o ginecologista é muito rápido, faz as coisas muito rápido, elas mesmo já
reclamaram várias vezes isso para mim.” (Mogno 134)
Há que se pensar, no entanto, que por trás da imagem e da realidade construída,
ao longo dos anos, existe um grande interesse de mercantilização na área da saúde. A
deficiência do modelo atual de organização das práticas e serviços de saúde, pouco
resolutivo e excludente, segue a lógica da medicina tradicional, que desvaloriza a
clínica e saúde pública. Ele se sustenta na crescente especialização e na incorporação
de procedimentos diagnósticos e terapêuticas que utilizam tecnologias cada vez mais
sofisticadas e de alto custo financeiro (BUENO, MERHY, 2006).
Algumas iniciativas municipais, implementadas de forma crítica e criativa, têm
tido sucesso e orientado o discurso para o modelo, que se contraporia à lógica médica
tradicional, como receita para todos os processos de saúde-doença. É necessária, então,
199
a ampliação dessas práticas para que a sociedade possa reconhecer a saúde como um
direito de todos, como está preconizado na Constituição Federal, e a importância do
Sistema Único de Saúde para a sua operacionalização (BRASIL, 1994; FRANCO et
al., 2004; BUENO, MERHY, 2006).
Bueno e Merhy (2006, p.12) ao analisarem a NOB 96, afirmaram que
a legitimação social do SUS passa pela organização de uma rede básica que
garanta amplo acesso e acolhimento aos problemas de saúde da população,
atenção personalizada com projetos terapêuticos singulares que garantam a
equidade e a resolubilidade, com responsabilização e compromissos da
equipe para com a saúde e a vida de seus usuários.
As enfermeiras participantes do estudo apontam, também, que as mulheres não
se interessam pelo exame preventivo do câncer ginecológico ou não possuem
conhecimento sobre ele. Acreditam que este problema dificulta a adesão das mulheres
e justificam como motivos para as mulheres não procurarem atendimento a falta de
informação e de compreensão sobre o que é e quais as conseqüências da doença, o
pensamento mágico de que o câncer é um problema que pode acontecer com os outros
e não consigo própria e a noção de que o exame só é necessário quando ela está
apresentando um corrimento.
“Muita gente faz [preventivo] porque alguém mandou fazer todo ano, não sabe nem
porque está fazendo. Acontece muito disso.” (Eucalipto 29)
“Tem pacientes que há anos não fazem o preventivo. Vão esquecendo e não fazem.”
(Aroeira 66)
“Que a população fosse mais esclarecida. Saber o que é coleta, elas não sabem.
Acho que vem para cá porque está com corrimento.” (Angelin 73)
“Falta mais mesmo, as mulheres estarem se conscientizando do problema. [...] tem
mulheres que nunca fizeram. Quando pergunto: porque tu nunca fizeste? Nunca
ouviu falar? ‘Nunca fiz porque comigo não ia acontecer’ ” (Peroba 43, 46)
“Não está acontecendo a conscientização [...] Da importância delas estarem se
cuidando, dos riscos que elas correm.” (Eucalipto 38, 39)
“A dificuldade que eu te disse é de estar trazendo as mulheres, a população. [...] eu
acho que falta um pouco é de compreensão e interesse da população.” (Peroba 16,
40)
“Tem uma coisa que é muito importante, que é o auto-exame da mama, que muitas
pessoas não fazem e também não dão muita importância” (Seringueira 40)
Os motivos apontados pelas enfermeiras denotam a falta de efetividade dos
serviços e dos profissionais de saúde, em ações educativas capazes de democratizar o
200
conhecimento e envolver a mulher como co-participe do seu cuidado. Na maioria das
unidades básicas observadas, as profissionais direcionam a assistência para a execução
do procedimento de coleta do CCO, repetindo de forma alienada e ingênua práticas e
atitudes instituídas, acreditando que estão realizando a prevenção do câncer
ginecológico.
Observei que as enfermeiras e técnicas de enfermagem das unidades, nas
orientações durante o contato com as mulheres, limitam-se a falar sobre a importância
do exame citológico e a periodicidade em que deve ser realizado. Algumas orientam
parcialmente sobre o auto-exame das mamas, mas as profissionais ainda se colocam
numa postura superior hierarquicamente, como alguém que detém o poder por possuir
o conhecimento.
A fixação na seqüência automática de procedimentos técnicos padronizados
dificulta a comunicação e leva a profissional a perder o interesse em escutar a mulher.
Apesar dessa relação distanciada e alienada, Campos (2005) afirma que os
profissionais ainda possuem a capacidade de influenciar as pessoas, principalmente o
profissional médico, por serem, no imaginário social, defensores da vida e terem
capacidade de resolver problemas de saúde e aliviar muitos sofrimentos.
As profissionais de enfermagem observadas nos serviços estudados, tanto as de
nível médio como as de nível superior, de forma semelhante ao encontrado por
Fertonani (2003) em seu estudo, encontram-se despreparadas para atividades
educativas, em que explorem a capacidade de saber ouvir, compreender e dialogar para
estimular a usuária a exercer a sua cidadania e autonomia.
Campos (2005, p.35) afirma que
a educação em saúde, mais do que difundir informações, busca ampliar a
capacidade de análise e de intervenção das pessoas tanto sobre o próprio
contexto quanto sobre o seu modo de vida e sobre sua subjetividade.
Aprofundando na temática de captação e adesão das mulheres que demonstram
falta de interesse e de conhecimento sobre a prevenção, as enfermeiras afirmaram que
é necessária uma maior divulgação, feita de forma ampla e nacional. Assim, eximem-
se de qualquer ação no seu micro-espaço de atuação profissional e remetem a
201
responsabilidade para instâncias em outros níveis, nos quais não possuem nenhuma
ingerência.
Algumas fizeram esta afirmação enfatizando que, na época da campanha
nacional, houve maior procura pelo exame, porque as mulheres “despertaram para o
problema”. Todavia, não houve nenhuma alusão que essa procura das mulheres pelos
serviços de saúde poderia estar ocorrendo por estar havendo uma maior oferta do
procedimento, além da garantia de que ela seria atendida.
“Acho que ainda não tem uma visão, a nível nacional, acho que essas informações
ainda não chegam.” (Seringueira 39)
“[Na época da campanha] Eu sei que a procura foi grande as mulheres despertaram
aí...” (Tarumã 41)
As participantes acreditam na necessidade de a mulher ser conscientizada para
que tenha iniciativa e procure espontaneamente o serviço de saúde. Desse modo, fica
evidenciado que atribuem somente à mulher a responsabilidade da ação na prevenção.
As colocações feitas não demonstram o desejo de co-responsabilidade, ao contrário,
evidenciam e reforçam a prática hegemônica de demanda espontânea da população ao
serviço de saúde, que fica com a função de oferecer algumas vagas de atendimento
para quem o procura e consegue romper com as limitações de acesso na oferta da
assistência.
“O fato de ela estar vindo buscar, de estar vindo marcar o preventivo, de estar
fazendo o auto-exame de mama, de estar procurando se informar sobre sintomas em
geral. Então eu acho que seria a conscientização.” (Tarumã 38)
“Elas têm que nos procurar... eu acho que a parte delas na prevenção é mais
importante que a nossa, da própria mulher.” (Tarumã 37)
Dentre as profissionais entrevistadas, há, também, quem não acredite que as
mulheres possam ser “conscientizadas” ou esclarecidas, de modo que se preocupem
com a sua saúde e procurem prevenir o câncer ginecológico.
“Não sei também se [...] Se as pessoas vão ser realmente conscientizadas.” (Mogno
122)
A afirmativa da profissional parece denotar que, para ela, não vale a pena
investir em qualquer ação para sensibilizar as mulheres a cuidarem de sua saúde.
202
Desenvolver um trabalho sem acreditar que ele possa dar algum resultado é uma
situação, no mínimo, frustrante e reveladora de um trabalho desenvolvido
mecanicamente, sem qualquer motivação ou significado. Dessa forma, não é possível,
realmente, obter a adesão das mulheres para a realização do exame e ampliar a
cobertura da prevenção na população.
Algumas enfermeiras referem que existe uma maior conscientização das
mulheres nos serviços em que trabalham, acreditam que os fatores determinantes são a
maior escolaridade e o nível sócio-econômico mais elevado da população, na área
geográfica em que a unidade básica está situada.
“A gente já tem uma comunidade mais [...] esclarecida.” (Cumbarú 59)
“Sinceramente... é uma classe mais esclarecida. Então elas compreendem bem, eu
acredito. [...] nível de instrução, de escolaridade da nossa população, é relativamente
alto. É uma facilidade, eles compreendem bem melhor” (Tarumã 5, 18)
Sem dúvida, nenhuma reflexão atinge um ponto tão fundamental quanto a
associação de melhores condições de saúde com maior escolaridade e nível sócio-
econômico da população. Existe muita discussão sobre como a saúde deveria ser
conceituada, numa visão mais ampla e social, utópica de ser conseguida, ou numa
visão mais simples e reducionista, ficando limitada à ausência de doenças.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) incorporou, na sua Constituição de
1946, a definição de saúde como ‘o estado de completo bem-estar físico, mental e
social, e não só a ausência de afecções e doenças’. A OMS na Conferência de Alma-
Ata, em 1978, reiterou esta definição, agregando o conceito de que ‘saúde é um direito
humano fundamental, por isso é um objetivo social muito importante em todo o mundo
a obtenção do maior grau possível de saúde’ (TEJADA, 2003, p.7).
A saúde é uma realidade social complexa que não pode ser separada com
nitidez de outras áreas sociais, onde as decisões políticas não devem ser setoriais, mas
devem comprometer todos os setores. Assim, exige que sejam feitas intervenções nos
setores econômico e social, além do setor da saúde (TEJADA, 2003).
As enfermeiras de quatro unidades básicas afirmaram que percebem como
facilidade no seu trabalho a boa aceitação da população com relação ao exame
preventivo (referindo-o sempre como sinônimo de coleta de CCO). Relatam que as
203
mulheres procuram os serviços, por isso a demanda é sempre elevada. Existe boa
aceitação do exame pelas jovens e idosas, mas a maior demanda é das mulheres mais
jovens que são, também, mais receptivas e abertas às orientações das profissionais.
“A população aceita legal [...] A procura [pelo preventivo] está sendo grande” (Ipê
21, 46)
“Eu tenho uma demanda que vem fazer preventivo sempre.” (Mogno 126)
“Até umas bem velhinhas querem fazer, aceitam, e até as mais novas” (Mogno 57)
“Aqui as jovens são as que mais fazem, principalmente até 19 anos” (Ipê 59)
As enfermeiras têm convicção da boa aceitação com relação ao exame, quando
identificam que existe abertura e aceitação das mulheres com relação às orientações
dadas por elas e pelo fato de a demanda ser espontânea. Como na unidade sanitária
tem sempre demanda para a realização do exame, não sentem necessidade de
desenvolver ações com o objetivo de identificar e mobilizar as mulheres na
comunidade. Destacam que nem precisam ficar insistindo para que elas venham
procurar o serviço. Porém, ao expor esta afirmativa, percebi que não foi embasada
numa reflexão e que isso pode ser um sinal de demanda reprimida, pelo oferecimento
limitado de vagas na grande maioria das unidades.
“A facilidade é que a população aceita também. Elas aceitam a nossa orientação [...]
e a gente vê que a paciente está aqui logo em seguida.” (Mogno 52, 53)
“Elas vêm procurar sempre... Pelo menos a maioria delas estão bem, posso dizer,
abertas para as orientações.” (Tarumã 22)
“[A população aceita] Não tem aquela coisa de estar sempre buscando as pessoas
para fazer o preventivo, assim na comunidade, insistindo, insistindo, insistindo.”
(Seringueira 22)
“A população é bem participativa” (Jacarandá 39)
“A demanda é grande. O pessoal é interessado em fazer o preventivo e em tirar
dúvida.” (Cumbarú 58)
Ao comparar esta informação com a que as participantes deram, sobre a
percepção que têm sobre as mulheres com relação ao acesso para o exame preventivo,
é possível evidenciar que a demanda e a aceitação do exame pelas mulheres estão
diretamente relacionadas ao oferecimento da assistência. Quando o serviço é
disponibilizado e a usuária sente-se acolhida e cuidada, ela se interessa em comparecer
ao atendimento, é participativa, questiona e tira dúvidas. A qualidade da assistência
204
prestada foi apontada, também, como atrativa para a mulher procurar o serviço e o
profissional. Nos locais onde o preventivo é mal feito ou se o profissional machuca a
mulher, ela não retorna mais. É possível evidenciar, então, que a participação das
mulheres e o interesse estão diretamente relacionados à qualidade da assistência
prestada.
Quando o serviço é oferecido com restrições de horário e de demanda, com
pouco acolhimento, com deficiência de material e com baixa qualidade na assistência,
a mulher só comparece e se sujeita aos trâmites burocráticos e às dificuldades
impostas, se está muito consciente da importância da prevenção do câncer, ou quando
não tem outra opção de assistência. Isto ocasiona, muitas vezes, o abandono e a falta
de retorno periódico para a prevenção, por causa do descrédito no serviço. Como
conseqüência, ocorre a descoberta do câncer em estadiamento avançado.
Os dados epidemiológicos neste estudo indicaram que, para cada 9,75 mulheres
identificadas com alteração nos resultados do CCO no Município “A”, no período de
2002 a 2004, uma delas estava com lesão de alto grau ou câncer invasor. Indicaram,
também, que o coeficiente de mortalidade pelo câncer de colo uterino no Município é
elevado e não apresenta tendência de declínio.
Além disso, existe uma visão distorcida na finalidade no exame preventivo. No
Município estudado, ele vem sendo utilizado, pela população e por vários
profissionais, como meio de diagnosticar e tratar vulvo-vaginites e outros problemas
ginecológicos.
“[Elas vêm quando têm corrimento] pela facilidade que elas têm de fazer a coleta do
preventivo, porque marcar o médico é mais difícil do que vir e fazer o preventivo.
Elas já querem tirar esta dúvida já e com o exame ginecológico já vê o corrimento
também.” (Angelin 75)
“A dificuldade maior [no Município] é estar mandando estas mulheres para uma
outra unidade de referência [...] como é uma comunidade muito carente, se torna
difícil elas estarem indo para um outro local. [...] elas não vão pela dificuldade
financeira.” (Peroba 3, 4, 6)
Isso ocorre, principalmente, nas unidades em que a resolutividade é menor e
que o encaminhamento da mulher para serviços de referência é mais difícil, quer pela
falta de vagas ou pela carência financeira da população. Esta distorção contribui, cada
vez mais, com o acúmulo de demanda nas unidades básicas; com a baixa qualidade das
205
lâminas coletadas, por causa dos processos inflamatórios; com a cronificação das
cervicites, pela demora no início do tratamento e com a baixa cobertura do exame de
CCO na população feminina, para rastreamento de lesões precursoras do câncer de
colo uterino.
Cesar et al. (2003), num estudo epidemiológico transversal, identificaram que a
cobertura do exame de CCO é baixa em um município do Rio Grande do Sul.
Ressaltaram a preocupação de que as mulheres que apresentaram maiores riscos de
adquirir a doença, foram as que apresentaram, também, as maiores razões de
prevalência à não realização desse tipo de exame.
Mesmo diante das carências e deficiências evidenciadas nos serviços, uma
profissional expressou no seu discurso que a mulher desiste facilmente. Colocando-se
assim, ela demonstra acreditar que a mulher deve passar por todo tipo de provação e
dificuldade para poder contar com o seu direito de ter, no mínimo, a assistência
preventiva básica.
“Quem realmente precisa vem fazer o preventivo [...] As mulheres dizem que tem
uma fila enorme [para fazer o exame] e que não virão de novo. Elas desistem muito
fácil.” (Aroeira 29)
Fertonani (2003), em seu trabalho, identificou que a forma como os cuidados
são prestados pelos profissionais do PSF não rompe com o modelo médico
hegemônico, centrado na doença e na medicalização. As atividades do Programa que
auxiliariam na mudança de paradigma, como o vínculo com a população e a educação
em saúde, foram observadas, durante a sua pesquisa, na prática de apenas alguns
trabalhadores.
No modelo centrado na doença, o indivíduo é visto fragmentado, composto por
partes que, teoricamente, mantêm uma certa interdependência. Esta abordagem
reducionista traz como conseqüência uma terapêutica voltada para a noção de cura,
como eliminação de sintomas e correção de lesões anatômico-funcionais, ficando em
segundo plano as ações de promoção da saúde, de prevenção e mesmo de reabilitação.
Nesse paradigma, o processo de trabalho em saúde é subdividido em múltiplas
especialidades, fragmentando-se cada vez mais e impossibilitando o estabelecimento
de um processo terapêutico integrado e coerente (CAMPOS, 2005).
206
A perpetuação do paradigma biomédico nos serviços de saúde imprime na
população a cultura da tecnologia incorporada na área da saúde, promovendo a
medicalização, os exames de alto custo e os procedimentos. A valorização deste tipo
de assistência incute na própria população, que a avaliação da qualidade do
profissional e do serviço dá-se pelo uso de tecnologias, pela sofisticação de
tratamentos e exames e pela dispensação de remédios, como foi verbalizado por uma
enfermeira.
“Elas [mulheres] não acham que a prevenção serve. [...] uma orientação que é
importante para ti prevenir [...] parece que eu não orientei nada para eles. Não fiz
nada, não dei remédio, não dei nada” (Garapuvu 11)
A profissional que compreende e valoriza a promoção da saúde e a prevenção
de doenças como o melhor caminho para a melhoria das condições de vida e de saúde
da população, na maior parte dos casos, acaba ficando desestimulada e frustrada em
desenvolver este tipo de atenção, pois a visão prioritária nos serviços e também das
mulheres ainda está focada na doença e no atendimento curativo.
Algumas enfermeiras afirmaram, durante a entrevista, que para modificar este
paradigma deveria ser feito um trabalho nas escolas, sobre a prevenção de doenças
desde a infância, com a inclusão de temáticas sobre a promoção da saúde e prevenção
de doenças nos currículos escolares. A participação da comunidade e de suas
lideranças seria o caminho para alcançar este objetivo, no entanto, a fala apresentada a
seguir expressa mais uma pretensão de trabalho conjunto e um desejo inicial de
realizar uma atividade, cuja iniciativa partiu da orientadora pedagógica da escola.
“Este trabalho na escola a gente já estava pensando em fazer, mas foi a orientadora
que veio aqui e conversou. Ela já participou da nossa reunião de equipe, a gente já
estabeleceu como é que iria fazer ou não. [...] o pessoal participa mesmo, da
comunidade toda” (Cumbarú 61, 62)
A percepção das enfermeiras entrevistadas sobre a categoria “Objeto de
Trabalho”, composta pela maneira como elas vêem as mulheres com relação à
prevenção do câncer ginecológico e ao atendimento prestado nas unidades básicas,
está representada de forma resumida e esquemática, nas Figuras 14 e 15. Este material
207
foi apresentado na primeira reunião do Grupo Focal e trabalhado nas demais reuniões
como elemento de reflexão e de motivação para as discussões.
Figura 14:Objeto de Trabalho
Percepção sobre a Clientela com Relação ao Atendimento.
As mulheres, na percepção das enfermeiras, têm problemas com relação ao
acesso para o atendimento preventivo, mas, ao mesmo tempo, sentem dificuldade para
perceber a importância do exame ginecológico e do exame de CCO. No entanto,
houve, de certa forma, uma tendência em deslocar a responsabilidade somente para as
mulheres, visão que as imobiliza para pensarem ações de intervenção.
As mulheres dizem que tem uma
fila enorme para fazer o exame.
Elas desistem muito fácil.
Como a Clientela
é Percebida com
Relação ao
Atendimento
Muitas vezes as pacientes não
querem fazer com os médicos
porque são homens.
Às vezes o ginecologista é
muito rápido e elas reclamam.
Muitas só querem
coletar com o
ginecologista
Tudo vai da primeira
experiência, se foi horrível
tu já não vai querer voltar.
Se vier aqui e receber uma
orientação, parece que eu não
fiz nada, não dei remédio.
Não existe disponibilidade de
horário para a mulher vir
fazer o exame, pois a maioria
trabalha o dia todo.
Quem realmente
precisa vem fazer
o
p
reventivo.
A gente está com uma
demanda reprimida
muito
g
rande.
* Esquema apresentado e validado no Grupo Focal de 30/08/2005.
208
Figura 15:Objeto de Trabalho
Percepção sobre a Clientela em Relação ao Preventivo.
Como a Clientela é
Percebida com Relação
ao Preventivo
Aqui as jovens são
as que mais fazem.
É um exame difícil, as mulheres
não têm vontade de vir fazer.
A maioria vem porque é obrigada.
Só que as idosas
têm uma resistência
muito
g
rande.
“Nunca fiz porque comigo
não ia acontecer”
Eu acho que elas têm uma
noção do exame como
uma a
g
ressão à mulher.
Normalmente elas não querem fazer
por medo de saber o resultado.
As mulheres são interessadas
em fazer o preventivo e em
tirar dúvida.
Muita gente faz o preventivo
porque mandaram fazer, mas não
sabe nem porque está fazendo.
Apesar de toda a divulgação, a gente
atende muitas mulheres que, mesmo
sabendo da importância da prevenção,
estão vindo
p
ela 1ª vez.
A queixa principal eu acho que é a
vergonha de fazer, principalmente
nas mulheres de mais idade.
“É um exame muito constrangedor, eu
não gosto de fazer, não me sinto bem. A
vizinha faz, diz que é para eu vir, mas
diz que é horrível...”
* Esquema apresentado e validado no Grupo Focal de 30/08/2005.
209
CAPITULO 6
6 CAMINHOS E POSSIBILIDADES
6.1 Outro olhar
No desenvolvimento deste estudo, foi necessário conhecer a realidade da
prevenção do câncer no Município “A”, não somente para identificá-la, num
movimento estático e estéril, mas na possibilidade de encontrar outras formas de
trabalho que favoreçam o exercício de práticas autotransformadoras e que, ao mesmo
tempo, facilitem a transformação de outros profissionais e da sociedade onde estamos
inseridos.
Ao apresentar a minha preocupação com a saúde da mulher, tendo como foco
de estudo a atuação da enfermeira na prevenção do câncer ginecológico, procurei
estabelecer um pequeno corte reconhecível da realidade, considerando o máximo de
dados possíveis sobre ela, para permitir uma decifração das redes entre os micro-
espaços profissionais e os macro-espaços sociais, numa perspectiva de relação entre as
partes e todo.
Foram inúmeras as informações obtidas e as visões que se poderia ter da
realidade. Reconheço, assim, que, ao realizar o trabalho, imprimi as minhas
características pessoais e profissionais no seu delineamento e compreensão, mas
acredito que ele poderá, de alguma forma, contribuir com a discussão do processo de
trabalho da enfermeira inserida na atenção básica de saúde.
A reflexão sobre a prática profissional das enfermeiras participantes do estudo,
com relação à prevenção do câncer ginecológico, foi realizada no seu contexto de
trabalho, pois está intimamente ligada ao sistema de saúde vigente, ao modelo
assistencial adotado, ao modelo de formação profissional e às concepções filosóficas e
ideológicas sobre saúde e processo de trabalho. Assim, ela reflete, além das
210
características profissionais, o momento político-institucional do Município “A” e do
País em relação à organização dos serviços públicos de saúde e da assistência prestada
aos usuários.
Ao lançar o olhar sobre a prática profissional da enfermeira, foi necessário
decompô-la numa análise crítica dos elementos que constituem o processo de trabalho,
na perspectivas do materialismo histórico e dialético. Desse modo, foi possível
considerar, simultaneamente, o externo e o interno, a totalidade e as suas partes,
captando as similaridades, oposições e conflitos.
Para compreender essa realidade, foi necessário olhar o fenômeno pelo menos
sob dois aspectos: o que analisa o processo de trabalho das profissionais enfermeiras
que compõem o grupo de sujeitos da pesquisa e o que analisa o cenário de inserção
dessas profissionais no âmbito dos serviços públicos do Município estudado. Além
disso, é necessário frisar que estarei me reportando à prevenção do câncer
ginecológico, mas esta prática assistencial não está desvinculada do contexto geral em
que ocorrem as outras práticas e atendimentos. Ela reproduz o modelo geral da
assistência e, por isso, sua análise pode ser transposta para o conjunto das ações nele
inseridas.
O Município “A” implantou, a partir de 2001, como modelo assistencial na área
da saúde, a Estratégia de Saúde da Família ou, como é chamado por todas as
profissionais, o Programa de Saúde da Família (PSF). Em pouco mais de dois anos, o
Município tinha quase toda a sua área geográfica sob a responsabilidade sanitária de
40 equipes de PSF. Houve, nesse período, um grande incremento de recursos federais
para a área de atenção básica na rubrica do PSF/PACS.
As equipes são formadas segundo as diretrizes nacionais do Programa, com um
médico, um enfermeiro, dois auxiliares de enfermagem e um grupo de quatro a sete
agentes comunitários de saúde. Os profissionais das equipes passam por um processo
de seleção e são contratados em “Regime Especial Temporário” por dois anos.
Esse tipo de seleção e contrato, conforme já foi apontado, atrai profissionais
recém-graduados com pouca ou nenhuma experiência de trabalho. Eles permanecem
exercendo a função enquanto aguardam outro emprego com estabilidade ou até o final
211
do contrato, acarretando grande rotatividade de profissionais nas unidades básicas de
saúde. Além disso, a remuneração diferenciada e o contrato em período integral
distinguem-nos dos servidores efetivos do Município, que trabalham em um só
período, iniciando aí a primeira cisão.
A organização da assistência preventiva do câncer ginecológico está
sistematizada nos serviços locais de saúde, baseada no Programa do Ministério da
Saúde - Viva Mulher – sob a interpretação da Equipe Técnica da Coordenadoria
Municipal de Saúde da Mulher. Ela é centralizada na coleta de colpocitologia oncótica,
para a população feminina que comparece espontaneamente aos serviços de saúde,
com quase nenhuma avaliação da mama, privilegiando a reprodução de rotinas, a
especialização técnica e a produtividade na realização do procedimento.
Ao mesmo tempo, o atendimento está sob a influência do modelo assistencial
adotado pelo Município – o Programa de Saúde da Família – de modo que os
profissionais das equipes encontram-se envolvidos, também, com a prestação desta
assistência à população de sua área de responsabilização sanitária.
Permeando este duplo vínculo e direcionamento institucional, a organização dos
serviços e a assistência prestada continuam tendo forte influência da formação
acadêmica no modelo biomédico, privilegiando a atenção individual, curativa, médico-
centrada e com valorização da medicalização e das tecnologias. Esta abordagem traz
como conseqüência uma assistência voltada para a noção de cura, ficando em segundo
plano as ações de promoção da saúde. Desse modo, estabelece-se o conflito entre o
que deveria e o que está sendo implementado.
A perpetuação do paradigma biomédico nos serviços de saúde imprime na
população, também, a cultura da medicalização e da tecnologia na área da saúde. A
valorização do profissional e do serviço de saúde está atrelada à execução de
procedimentos e tratamentos. As orientações de hábitos de vida saudável e prevenção
de doenças são consideradas uma assistência simplificada ou menos qualificada e,
portanto, menos valorizada e desejada.
As enfermeiras, nesse emaranhado de contradições, ao mesmo tempo em que se
dizem preocupadas e atentas com relação à prevenção do câncer ginecológico,
212
afastam-se dessa assistência, tanto no âmbito individual como no coletivo, cedendo a
atenção valorizada institucionalmente de execução do procedimento de coleta de CCO
para as profissionais de enfermagem de nível médio e, muitas vezes, não fazem sequer
a supervisão direta da assistência prestada.
A insegurança pela falta de experiência profissional e o afastamento da
assistência criam um abismo, em alguns serviços, entre as enfermeiras e o pessoal de
enfermagem de nível médio que são efetivos no Município, prejudicando a criação de
vínculos e iniciando um “boicote” velado à atuação das enfermeiras nessa área.
O processo de trabalho das enfermeiras apresenta-se, então, de diferentes
formas nas unidades básicas e em constante mudança, dependente do modo como os
serviços estão organizados e são pressionados pelas diretrizes programáticas e
financeiras da política governamental. Ao mesmo tempo, a prática profissional
desenvolvida pelas enfermeiras contribui retroalimentando a organização dos serviços
locais e o atendimento oferecido.
Ao fazer uma análise mais detalhada do processo de trabalho das enfermeiras é
possível compreender que a centralidade do trabalho não está nas mulheres. Ele está
organizado em uma lógica mediada pela distribuição do tempo
, em agendas de
atendimento para a execução de tarefas e atividades programáticas que devem ser
cumpridas para o alcance de metas de produtividade do PSF.
A “avaliação” da Secretaria de Saúde está sendo feita contabilizando os
relatórios mensais de atividades, sem haver, no entanto, uma supervisão da assistência
prestada e de sua qualidade. O trabalho nas unidades básicas, segundo as enfermeiras,
não é acompanhado pela Equipe da Secretaria. Assim, as dúvidas não são esclarecidas
e os problemas técnicos e organizacionais não são corrigidos, perpetuando uma série
de equívocos e erros que comprometem as atividades desenvolvidas.
Fazendo uma comparação entre a configuração do trabalho expressa na Figura 6
apresentada no início do capítulo 5 e a organização delineada pelos dados obtidos, é
possível evidenciar na Figura 16, uma distorção nos elementos constitutivos do
processo de trabalho das enfermeiras, fortemente atrelada à organização dos serviços
de saúde, delineada por programas e incentivos governamentais na área de saúde.
213
Considerando as duas figuras, a idealizada e a real, é possível decifrar a
desfiguração do trabalho das enfermeiras com relação à prevenção do câncer
ginecológico.
A organização do trabalho denota a valorização e a influência constante que
sofre por causa das diretrizes programáticas regionais e nacionais. Ela se apresenta de
modo distinto nas unidades básicas, sem uniformidade, tendo uma associação maior
com as características dos profissionais envolvidos e com a maneira como foram
capacitados para o trabalho, do que com as diretrizes do Programa.
A força de trabalho das enfermeiras está sendo empregada em ações múltiplas
e pontuais, ocupando todo o tempo num trabalho alienado, no qual a profissional não
consegue ver o conjunto do que está produzindo, nem pensar sobre o que deve ser feito
para obter um melhor resultado. O tempo é utilizado em atividades meio e no
Programas Governamentais
Pessoal disponível,
competência e
responsabilidade
sanitária
Informação, interesse
e autocuidado das
mulheres
Bem-estar das
mulheres e
p
reven
ç
ão
Conhecimento,
habilidade, estrutura do
serviço e estratégias
utilizadas
Força de
Trabalho
Or
g
aniza
ç
ão - Local
Regional
e Nacional
Finalidade
Trabalho
Ob
j
eto
Instrumentos
Figura 16 - Representação Esquemática sobre o Processo de Trabalho
Real das Enfermeiras das Unidades Básicas Municipais Estudadas
214
atendimento das mulheres que conseguem ter acesso ao serviço, sem identificar grupos
de risco, estabelecer prioridades ou planejar estratégias para a sua atuação, num
movimento que busque a equidade em suas ações frente ao objeto do seu trabalho
as mulheres das famílias de sua área de responsabilidade sanitária.
A cobertura da população feminina, com relação à prevenção do câncer
ginecológico, permanece baixa e insuficiente para dar visibilidade ao trabalho das
profissionais e, ao mesmo tempo, dar às enfermeiras visibilidade do conjunto dos
problemas ginecológicos e de lesões precursoras para o câncer na população da área.
As enfermeiras estão realizando o trabalho de forma parcelar, com divisão de
tarefas entre os membros da equipe de enfermagem e de saúde da família. A
assistência à mulher é decomposta e distribuída entre os diferentes profissionais de
modo que ela é vista sempre desfocada e parcialmente.
Na maioria das unidades, as relações entre os profissionais acontecem numa
convivência sem conflitos, mas muito longe de ser um trabalho interdisciplinar, pois os
membros do grupo não estão compartilhando saberes e poderes, deixando de criar um
trabalho integrado capaz de expressar uma característica identificadora própria e
visível na instituição.
A distorção na forma como o trabalho está organizado e é desenvolvido tem
relação direta com a inadequação dos instrumentos de trabalho disponíveis e
utilizados pelas enfermeiras, em diferentes níveis, e que procuro especificar nesse
momento.
a) Carência de conhecimento das profissionais sobre a prevenção do câncer
ginecológico decorrente de:
deficiência teórica e de experiências práticas na formação acadêmica;
falta de capacitação para a admissão no trabalho;
pouca iniciativa e interesse das profissionais em estudos que sanem dúvidas e
subsidiem a sua prática profissional;
falta de interesse e de uma cultura das enfermeiras para perceberem o momento
de capacitação como importante para o seu crescimento pessoal e profissional;
215
falta uma proposta sistematizada de educação permanente nos serviços de
saúde do Município;
utilização de práticas pedagógicas inadequadas para a capacitação dos
profissionais em serviço;
priorização, durante as capacitações, de temáticas especializadas ou
inespecíficas para as carências de conhecimento das diferentes categorias
profissionais.
b) Deficiência na captação e adesão das mulheres
decorrente de:
centralização do atendimento na demanda espontânea;
utilização, como estratégia quase que exclusiva de identificação e adesão das
mulheres, a orientação individual dentro da unidade básica;
falta de envolvimento e interesse de muitos profissionais;
utilização de práticas impositivas e eticamente discutíveis no encaminhamento
de mulheres para o exame citológico;
pouca realização e participação em ações coletivas de educação e mobilização
das mulheres;
falta de investigação da cultura local, da percepção e experiências que as
mulheres têm sobre o exame preventivo;
pouca utilização do potencial que os Agentes Comunitários de Saúde têm para
a identificação e mobilização das mulheres para os serviços de saúde e para
identificar a população de risco;
falta de um planejamento de trabalho que considere a população da área, a
capacidade instalada do serviço e a priorização das mulheres que apresentam
fatores de risco;
população pouco motivada, com escassez de informações e não reivindicadora
dos seus direitos.
c) Distanciamento da prática profissional do modelo assistencial proposto no
Município decorrente de:
centralização da assistência no atendimento de consultas individuais no modelo
biomédico;
centralização das atividades na realização de procedimentos;
priorização da produtividade em detrimento da qualidade da assistência;
216
baixa implementação de ações educativas e coletivas de promoção à saúde, que
incentivem as mulheres na aquisição de conhecimentos, na superação de tabus
e no interesse pelo autocuidado.
d) Baixa qualificação técnica na realização do CCO
decorrente de:
deficiência de conhecimento e habilidade técnica das profissionais envolvidas
na assistência; pouca avaliação clínica das mulheres que são submetidas à
coleta de CCO;
deficiência na coleta e preparo do material para o exame citológico, gerando
resultados limitados quanto à adequabilidade da lâmina;
utilização do exame de CCO direcionado para a investigação de agentes
microbianos dos processos inflamatórios; falta de um trabalho integrado na
equipe;
deficiência na formação e capacitação para o trabalho;
falta de supervisão e correção dos problemas identificados na assistência.
e) Pouca investigação dos sinais de alerta para o câncer de mama
decorrente de:
deficiência de conhecimento e habilidade técnica das profissionais envolvidas
na assistência;
não realização do exame clínico das mamas em todos os atendimentos;
orientação reduzida ou deficiente sobre o auto-exame das mamas;
falta de ações educativas sistemáticas sobre o câncer de mama;
falta de um trabalho integrado na equipe e com o serviço especializado de
referência; deficiência na formação e capacitação para o trabalho;
falta de supervisão e correção dos problemas identificados na assistência.
f) Problemas na infra-estrutura e organização dos serviços
decorrentes de:
subdivisão do espaço físico disponível em setores;
priorização de espaços para consultórios de atendimento individual;
inadequação, em algumas unidades, do espaço físico destinado ao atendimento
preventivo;
falta de priorização no uso da sala de ginecologia para o atendimento à mulher;
insuficiência de materiais, em algumas unidades, e inadequação de materiais
em outras;
217
falta de material educativo e de orientação para a população;
falta de materiais básicos de biosegurança e de descartáveis para evitar
contaminações cruzadas.
g) Problemas no gerenciamento dos serviços e das atividades
decorrente de:
diferença nos vínculos, contratos e horários de trabalho entre os profissionais
que atuam nas unidades;
manutenção das unidades sanitárias abertas, após a saída dos profissionais do
PSF, direcionadas para a realização de encaminhamentos e agendamentos;
falta de planejamento, previsão e controle na distribuição de materiais;
falta de supervisão e de acompanhamento da qualidade da assistência prestada;
valorização de atividades burocráticas e do cumprimento de metas de
produtividade.
Desse modo, o trabalho é desenvolvido contendo uma série de equívocos e
erros técnicos, que comprometem a sua qualidade e o alcance completo da finalidade
específica do trabalho de prevenção do câncer ginecológico, de modo a influenciar
significativamente nos índices de morbimortalidade pelas patologias e de promover o
bem-estar das mulheres.
Os achados encontrados neste estudo, mesmo tendo sido investigada somente
uma ação específica na assistência à mulher, assemelham-se aos discutidos no
Capítulo 2 sobre as dificuldades na implantação do SUS e na mudança do modelo
assistencial. As políticas gerenciais e financeiras que têm sido implementadas, nos
micro-espaços de atuação e nas macro-políticas, ainda se têm mostrado inadequadas
para a transformação das práticas profissionais, necessitando de novos olhares e
tentativas para avançar nesse percurso.
A percepção, ao confrontar todos estes problemas, é que os serviços públicos de
saúde ainda estão estruturados e funcionam como uma máquina, que existe,
aprioristicamente, para atender determinações legais e financeiras, ficando a
assistência como subproduto dessa engrenagem. As unidades de saúde apresentam
uma complexa trama de problemas, que leva a uma baixa qualificação e resolutividade
na assistência prestada. Entretanto, permanecem abertas para o atendimento ao público
218
e, com isso, tendem a diminuir tensões sociais e políticas decorrentes das necessidades
de atenção à saúde da população.
Portanto, é necessário compreender Saúde
, como o “resultado dos modos de
organização social da produção, como efeito de múltiplos fatores” exigindo que, o
poder público “assuma a responsabilidade por uma política de saúde integrada às
demais políticas sociais e econômicas e garanta a sua efetivação” (CAMPOS,
BARROS, CASTRO, 2004, p.746) e que a população e os profissionais lutem por
condições de vida mais dignas e pelo exercício pleno da cidadania.
6.2 Outras possibilidades
Diante de todos os fatos apresentados, fica evidente que a assistência preventiva
do câncer ginecológico, ou qualquer outra
, para ter melhor qualidade e efetividade,
depende de uma série de ações que devem ser implementadas ou modificadas, em
diferentes âmbitos e níveis. Iniciam com a compreensão sobre o trabalho realizado, sua
organização, sua finalidade e objeto para o qual está direcionado, assim como a
definição dos instrumentos necessários.
Como coloquei desde o início, minha intenção não é propor normas e modelos
de atuação ou fazer críticas aos serviços e aos profissionais, no sentido de
responsabilizá-los pelos problemas. Antes de qualquer coisa, minha intenção é refletir
sobre os determinantes dos problemas, no sentido de estabelecer um diálogo com
gestores e profissionais que, em conjunto, podem propor soluções viáveis e exeqüíveis
para as situações cotidianas que enfrentam, num movimento contínuo que vai
apontando possibilidades de acordo com as experiências vivenciadas pelos
protagonistas.
A enfermagem, enquanto uma prática social, é determinada pelo contexto
histórico, sócio-econômico e institucional em que está inserida e se integra, numa
mútua influência, com as práticas de outros trabalhadores de saúde na produção da
assistência à população, por isso não pode estar ou ser desvinculada desse contexto.
No entanto, necessita ter clareza que no seu fazer cotidiano pode provocar mudanças
219
que, por menores que sejam, têm impacto na vida e na saúde das pessoas. Então, as
profissionais poderiam sempre tentar melhorar o seu micro-espaço de atuação.
A definição e operacionalização de uma nova proposta de prevenção do câncer
ginecológico no Município “A” passa, em primeiro lugar, pela mudança de paradigma
nas práticas profissionais - da doença para a saúde. Mesmo que não seja possível
institucionalizá-la neste momento histórico, a mudança na postura de alguns
profissionais pode modificar resultados e fazer germinar a semente da inquietação e do
novo em outros atores.
A construção e a viabilidade de qualquer ação que tenha por objetivo a
modificação do instituído passa pela identificação e adesão de líderes
que possam
atuar de modo diferente, mostrando resultados e captando a adesão de outros. Portanto,
é necessário e importante, que as estratégias adotadas, a operacionalização das ações e
a avaliação dos resultados sejam registradas e divulgadas, constituindo-se em material
para subsidiar outras discussões e experiências.
A implementação de práticas assistenciais que tenham efetividade necessita,
antes de tudo, estar sustentada no contexto da realidade de saúde da população a quem
se destina. Por isso, o levantamento das necessidades e a identificação da população de
risco deveriam subsidiar o planejamento das ações, das metas a serem alcançadas, das
estratégias operacionais mais adequadas e da avaliação dos resultados obtidos, ou seja,
para o desenvolvimento de qualquer ação é necessário conhecer a realidade, planejar,
desenvolver as ações e avaliar os resultados.
Outra questão importante é a ausculta e envolvimento de diferentes atores
no
processo, pois o planejamento e a implementação de uma proposta não deve conter
uma só visão de análise e conhecimento, sob pena de ficar impregnada pela concepção
pessoal, seja profissional, política, corporativa ou técnica. O debate e a participação de
diferentes atores - gestores, profissionais e usuários - contemplará a pluralidade e a
complexidade característica de qualquer ação na área de saúde.
Permeando tudo isso, estariam práticas educativas e de capacitação
, pois através
da ampliação do conhecimento, tanto dos profissionais como da população, existe a
democratização das argumentações, a divisão do poder e o trabalho compartilhado,
220
que assim sai da retórica do ‘deve ser’ para o que é possível fazer, no momento
histórico-social e nas condições disponíveis de pessoal, infra-estrutura, de recursos
financeiros e, sobretudo, de compreensão da realidade.
Isto demanda uma luta cotidiana pela melhoria dos serviços e do sistema de
saúde, indo além da prestação do cuidado e da instituição da terapêutica, de modo a
ampliar o olhar que vise promover a saúde dos indivíduos e da coletividade na busca
da autonomia, como uma construção de maior capacidade de análise e de co-
responsabilização pelo cuidado consigo, com os outros, com o ambiente e com a vida
(CAMPOS, BARROS, CASTRO, 2004).
No entanto, a complexidade de todos os fatores envolvidos não permite uma
ação imediata e global no enfrentamento dos problemas, pois eles vão além do âmbito
da área da saúde. Não existem, também, receitas prontas e normativas que assegurem o
sucesso, por isto, é preciso eleger prioridades para iniciar uma proposta de trabalho,
coerente com a realidade identificada e com o envolvimento dos protagonistas.
A análise dos resultados obtidos neste estudo pode levar a distintas
possibilidades, mas acredito que seria necessário investir em dois aspectos, na
ampliação do conhecimento e na definição do
processo de avaliação, nos níveis
local e municipal, para qualquer proposta de mudança no processo de trabalho e na
requalificação da assistência prestada.
Estas duas questões revestem-se de especial importância e são caracterizadas
por:
a) ampliação do conhecimento das mulheres, em atividades individuais e coletivas, no
sentido de instrumentalizá-las para a compreensão dos problemas de saúde e de ações
de co-responsabilidade, que as capacitem para o autocuidado, para a compreensão dos
seus direitos na construção da cidadania e na melhoria da qualidade de vida;
b) ampliação do conhecimento das enfermeiras e demais membros das Equipes de
Saúde da Família para a redefinição de suas atividades para além dos muros das
unidades sanitárias e com a compreensão do modelo conceitual do PSF, qualificação
técnica no atendimento das mulheres, integração da equipe e elaboração de planos
assistenciais conjuntos e adequados à realidade, diálogo entre os diferentes níveis de
221
atenção na busca da integralidade do atendimento às mulheres, diálogo com as
instituições formadoras, para implementação de currículos e atividades educativas que
subsidiem a prática profissional na atenção básica;
c) definição do processo de avaliação, tanto nas unidades básicas como nas
coordenadorias da Secretaria Municipal, como um exercício permanente e sistemático
de análise crítica para instrumentalizar e qualificar a assistência, melhorando a
eficiência dos serviços e a equidade nas ações, para promover a saúde da população do
Município.
Na Figura 17, faço a representação de uma possibilidade inicial de trabalho para
a requalificação da assistência e do processo de trabalho das Enfermeiras e membros
das Equipes de Saúde da Família, das Unidades Básicas do Município “A”, para a
prevenção do câncer ginecológico e também de outras ações. Ela estaria centrada na
ampliação e socialização do conhecimento e num processo de avaliação sistemático
que retroalimente as práticas profissionais desenvolvidas, de modo a atender as reais
necessidades de saúde da população.
Os problemas e limitações evidenciadas no estudo estão interligados também ao
contexto geral do Setor Saúde, Sócio-Econômico, Educacional e das prioridades
político-institucionais hegemônicas dos governos em um dado período. Para resolvê-
los, seriam necessárias intervenções mais abrangentes do que ações direcionadas
somente a uma categoria profissional, as enfermeiras, ou para um problema de saúde
específico, o câncer ginecológico. O que está sendo proposto, aqui, não é um modelo
inovador com a pretensão de ser nomeado como a solução para os problemas
identificados, mas é um exercício de reflexão sobre a assistência vivenciada no
Município, com a intenção de dialogar sobre algumas estratégias que poderiam
ser viabilizadas.
Esta proposta é uma das inúmeras possibilidades. Ela está desenhada em uma
estrutura dinâmica, em que o início pode ser gerado em qualquer ponto de partida,
indo ao seguinte, num deslocamento circular dos elementos, na perspectiva de um
movimento dialético.
222
Figura 17 - Proposta para a requalificação da assistência centrada na ampliação do
conhecimento e no processo de avaliação
No centro da proposta estão os atores envolvidos - gestores, responsáveis pelos
serviços, profissionais de saúde e mulheres - a ligação entre eles é no sentido de
estabelecer uma integração na busca de parcerias que visem a identificação e adesão
de lideranças, a abertura do diálogo, a definição de prioridades e metas, o
planejamento e a implementação das ações, num trabalho conjunto que dê visibilidade
aos resultados.
Como ponto de sustentação da proposta está o processo educativo, através da
capacitação dos profissionais para a assistência e práticas educativas, individuais e
coletivas, com as mulheres. Ele deve estar assentado e priorizar o enfoque da saúde,
tendo a mulher como sujeito de direito e do cuidado, com divisão de poder e
Desenvolver as Ações
Avaliar os Resultados
Planejar as Estratégias
Conhecer a Realidade
Adesão de Líderes
Trabalho Integrado
Diálogo
Divisão de poder
Mulher como Sujeito
Enfoque na Saúde
Integralidade
Cobertura
223
atribuições entre os profissionais e destes com as mulheres, para o enfrentamento dos
agravos à saúde e o estímulo para o autocuidado.
A avaliação envolve o processo e dá respaldo para a proposta, desde o
reconhecimento da realidade, com a identificação dos problemas, até a avaliação dos
resultados obtidos, num circuito ininterrupto em que cada fase subsidia a próxima e
valida a anterior.
Para ampliar a contribuição, passo a detalhar, neste momento, algumas
estratégias que poderiam ser utilizadas para promover modificações no processo de
trabalho, das enfermeiras e dos profissionais das equipes de saúde da família, e na
qualificação da assistência preventiva do câncer ginecológico no Município “A”.
Quero deixar claro, no entanto, que as ponderações e sugestões que estou fazendo
poderiam ser discutidas com estas profissionais em outros tipos de atendimento que
realizam, já que o foco principal do estudo é o seu processo de trabalho nas unidades
básicas de saúde.
6.2.1 A ampliação do conhecimento
Parto do princípio de que a educação é um processo que atua sobre o
desenvolvimento do ser humano, no sentido de integrá-lo ao modo social vigente, por
isso é um processo político e historicamente situado. Então, a educação pode reforçar a
divisão de classes, pelas oportunidades desiguais de acesso, tornando-se um
instrumento de poder, ou ser uma oportunidade de equalização social através do acesso
e das oportunidades de estudo
(SILVA, PEREIRA, BENKO, 1989).
Concordo com as autoras, quando afirmam que:
o homem está continuamente em processo educativo, na tentativa de adaptar-
se às necessidades que surgem e em busca de realizar-se mais como pessoa,
por descobrir-se como ser inacabado. [...] O conhecimento está a serviço da
necessidade de viver e, primariamente, a serviço do instinto de conservação
pessoal (SILVA, PEREIRA, BENKO, 1989, p.1).
Por ser um processo contínuo, a educação está presente em todas as fases da
vida do ser humano, porém, ela tem características e abordagens diferenciadas para as
diferentes idades. A educação de adultos tem como um dos objetivos ordenar os
224
conhecimentos presentes, de modo que os indivíduos compreendam os seus sentidos e
utilizações, possibilitando a formação de uma consciência crítica. Por isso, o processo
educativo deve estabelecer ligação entre aquilo que o indivíduo conhece e vivenciou
com o que ele necessita ou está motivado a aprender (SILVA, PEREIRA, BENKO,
1989).
Então, o processo de educação dos profissionais de saúde, seja na formação
acadêmica, em capacitações para assumir o trabalho ou em propostas educação
permanente em serviço, deve utilizar processos pedagógicos adequados ao perfil dos
educandos, ao conhecimento prévio que têm sobre o assunto e às atividades laborais
que eles necessitam realizar.
O relatório da 12ª Conferência Nacional de Saúde assinala que
entre os profissionais de saúde já existe a consciência de que seus saberes e
sua atuação setorial são insuficientes para alcançar resultados efetivos e
transformadores para problemas complexos e para promover a qualidade de
vida da população. Entretanto, há um longo percurso, tanto no plano do
saber quanto no plano das práticas, que permita fazer a ruptura do próprio
modelo do conhecimento e de formação dos profissionais (AROUCA, 2004,
p.44).
A formação acadêmica dos profissionais, das mais diversas áreas do
conhecimento, tem inúmeras limitações e não pode ser dada como acabada com o
recebimento do diploma e a entrada no mercado de trabalho. As situações que se
apresentam na prática profissional são muito mais complexas do que qualquer
currículo ou professor possa idealizar. É necessária, então, a continuidade do processo
educativo com os profissionais, fundamentada na premissa que
o saber adquirido é simultaneamente a consciência do não-saber restante,
num movimento constante para obter novos e mais aprofundados
conhecimentos, tendo o aprendizado um caráter permanente (SILVA,
PEREIRA, BENKO, 1989, p.6).
Uma das principais fragilidades, encontradas na prática profissional das
trabalhadoras que prestam assistência preventiva do câncer ginecológico no Município
estudado, foi a deficiência de conhecimento e habilidade técnica para realizar a
assistência qualificada, de forma oportuna para a prevenção das patologias e com
caráter educativo para mobilizar as mulheres em direção ao seu autocuidado.
225
A modificação da formação e da gestão do trabalho, envolve mudanças nas
relações, nas ações e nas pessoas, não são questões meramente técnicas, mas
questões de natureza tecnopolítica e implicam na articulação de ações de
saúde intra e interinstitucionalmente. [...] É a partir da problematização do
processo e da qualidade do trabalho - em cada serviço de saúde - que são
identificadas as necessidades de qualificação, garantindo a aplicação e a
relevância dos conteúdos e tecnologias estabelecidas (BRASIL, 2004, p.10).
Assim, a capacitação da profissional ao ser admitida no trabalho deve ser uma
prática constante da Secretaria Municipal de Saúde, não só com relação ao
atendimento preventivo, mas, também, para a assistência básica utilizada no Programa
de Saúde da Família. Além disso, a capacitação epidemiológica sobre os problemas da
comunidade e dos riscos ambientais presentes no território de abrangência da unidade
básica é ferramenta indispensável, que deve ser utilizada no planejamento das ações
propositivas para a realidade local.
Deste modo, haverá investimento não só na qualificação técnica para o trabalho,
mas, também, na potencialização para a criação de vínculo com a comunidade,
considerada pelo próprio Ministério da Saúde como um dos fatores decisivos para a
implementação com sucesso do PSF.
Aspectos que potencialmente promovem a criação de vínculos de
responsabilidade e confiança entre ESF e comunidade adscrita são: atenção à
saúde de qualidade, oportuna, integral, resolutiva e contínua; permanência
dos integrantes das ESF; percepção dos integrantes das ESF da importância
de criação e manutenção de vínculos com a comunidade; conhecimento das
ESF sobre os problemas da comunidade; conselho local de saúde atuante; e,
possibilidade dos usuários apresentarem sugestões e reclamações (BRASIL,
2002c, p. 169).
Já que ressalto o caráter permanente do aprendizado, acredito que, em primeiro
lugar, a Secretaria de Saúde do Município “A” poderia criar um grupo técnico
responsável pela educação permanente das equipes de PSF da sua estrutura. Assim,
profissionais com formação em educação e em saúde dariam assessoria e respaldo
técnico para os profissionais das equipes, em atividades educativas realizadas nas
comunidades, assessoria para as Coordenadorias na estruturação e implementação de
capacitações em serviço, apoio técnico para a produção de material educativo e de
mobilização das comunidades, elaborariam e acompanhariam projetos de integração
226
docente-assistencial e auxiliariam na elaboração de projetos de cunho educativo para a
Secretaria pleitear financiamento.
Como explicitei anteriormente, o aprendizado tem um caráter permanente e em
qualquer momento do desempenho profissional, manifestando-se em três dimensões:
a) na atualização de novos procedimentos técnicos, tipos de abordagens da população,
relação interpessoal e atendimento ao público; b) na discussão de casos clínicos, riscos
e ocorrência de agravos no território, técnicas pedagógicas e relacionais para prática
educativas na comunidade; c) para capacitação e supervisão das atividades do pessoal
de enfermagem de nível médio e ACS.
O Ministério da Saúde, ao traçar a política de educação e desenvolvimento do
SUS, considera que a educação permanente
parte do pressuposto da aprendizagem significativa, que promove e produz
sentidos, e sugere que a transformação das práticas profissionais esteja
baseada na reflexão crítica sobre as práticas reais, de profissionais reais, em
ação na rede de serviços. A educação permanente é a realização do encontro
entre o mundo de formação e o mundo de trabalho, onde o aprender e o
ensinar se incorporam ao cotidiano das organizações e ao trabalho (BRASIL,
2004, p.10).
É necessário que os processos de qualificação dos profissionais estejam
baseados nas necessidades de saúde das pessoas e da comunidade, com o objetivo de
transformar as práticas profissionais e a organização do trabalho, sendo estruturados a
partir dos problemas identificados na atuação e da gestão setorial. Por isso, a
atualização técnico-científica é apenas um dos aspectos da transformação das práticas
e não seu foco central, as mudanças na organização dos serviços e no desenvolvimento
da atenção são engendradas e construídas do dia-a-dia do contexto de trabalho das
equipes (BRASIL, 2004).
A capacitação das enfermeiras e profissionais das equipes de PSF poderia,
então, contemplar quatro aspectos:
a) Capacitação para a admissão
– o profissional admitido nas equipes seria
capacitado para o trabalho, dentro das diretrizes estabelecidas no Município e
no PSF. Assim, assumiria a função, melhor preparado, para desempenhar o seu
227
papel na equipe, evitando o repasse informal e equivocado dos colegas sobre
procedimentos e normatizações;
b) Capacitação para novas propostas assistenciais e rotinas
– capacitação feita em
grupo, com representação de todas as unidades e categorias profissionais, na
qual seriam repassadas novas ações assistenciais e normatizações, para
implantar novos atendimentos e para uniformizar a linguagem e a comunicação
entre as equipes e delas com a Secretaria de Saúde;
c) Educação em Serviço
– esta etapa seria definida nos processos de supervisão e
avaliação do trabalho das equipes, para a realização de capacitações nas
unidades básicas, adequadas às carências de conhecimento dos profissionais em
serviço e às necessidades de saúde da população local;
d) Discussão de casos
– as equipes do PSF poderiam discutir casos individuais e
familiares, identificados em sua área de abrangência, para atualizar ou
aprofundar o conhecimento sobre os problemas encontrados, para nortear as
ações e competências de cada membro e, principalmente, para dar respaldo
técnico para o trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde.
A educação permanente dos profissionais de saúde deveria considerar,
preliminarmente, que a formação e o desenvolvimento podem ser feitos nos locais de
trabalho de forma descentralizada, com crescente complexidade e de maneira
interdisciplinar. As demandas para a capacitação não devem ser definidas apenas por
uma lista de necessidades individuais, nem baseadas nas indicações dos níveis
centrais, mas particularmente dos problemas evidenciados no cotidiano dos serviços de
saúde, garantindo a relevância e a aplicabilidade do conhecimento. Assim, “a educação
permanente em saúde deve ser tomada como um recurso estratégico para a gestão do
trabalho e da educação na saúde” (BRASIL, 2004, p.13).
Concomitante à educação permanente dos trabalhadores, poderia ser ampliado o
conhecimento da população, através da educação em saúde, fortalecendo os cidadãos
na percepção da saúde além do resultado de práticas individuais, mas como reflexo,
também, das condições de vidas, de modo que tomem consciência crítica de si e do
mundo.
228
Traesel et al. (2004) explicam que a educação em saúde não deve estar baseada
em problemas individuais e únicos, mas em problemas coletivos, já que eles têm
origem social, econômica e cultural. Este trabalho, geralmente é um desafio para a
equipe de saúde, pois os profissionais precisam perceber as pessoas da comunidade
como detentoras de um conhecimento, que deve ser respeitado e trabalhado, utilizando
o diálogo e a disponibilidade de “ouvir o outro”, potencializando o saber de cada
pessoa.
Promover saúde é lidar com as questões num movimento que agrega diversos
setores e diferentes disciplinas, é lidar com temas complexos e singulares, como a
saúde e a vida, relacionados amplamente com política, economia, desenvolvimento e
subjetividades, incluindo necessidade de felicidade e prazer. É necessário perceber que
a realidade é dinâmica e pode ter várias descrições, a partir de diferentes olhares sobre
o mesmo fenômeno, que devem ser consideradas na ampliação do conhecimento em
grupo. “Não são apenas processos de intervenção na doença, mas processos de
intervenção para que o indivíduo e a coletividade disponham de meios para a
manutenção ou recuperação do seu estado de saúde” (PEREIRA, 2003, p.1528).
A linguagem utilizada deve ser acessível, possibilitando a aproximação entre o
profissional e as pessoas da comunidade, contemplando o diálogo no qual os
interlocutores são ativos e iguais. Para isso, o profissional deve conhecer a realidade,
respeitar o conhecimento da população, relativizar seus conceitos e estar aberto para o
novo sem qualquer forma de discriminação (TRAESEL et al., 2004).
Outra questão que necessita ser ressaltada é a eleição de técnicas pedagógicas
adequadas para a realização dos processos de educação permanente e de educação em
saúde, pautadas no desenvolvimento das potencialidades humanas e no potencial de
transformação da realidade.
A pedagogia libertadora ou da problematização possibilita uma prática
educativa mais participativa e crítica. Pereira (2003, p.1532) explica que
a aprendizagem se dá através de uma ação motivada, da codificação de uma
situação problema, da qual se distancia para analisá-la criticamente.
Aprender é um ato de conhecimento da realidade concreta, isto é, da situação
real vivida pelo educando, que se dá através de uma aproximação crítica
dessa realidade. O que é aprendido não decorre da imposição ou
229
memorização, mas do nível crítico de conhecimento ao qual se chega pelo
processo de compreensão, reflexão e crítica.
A autora aponta como repercussões da pedagogia da problematização um
educando constantemente ativo e motivado, pois a aprendizagem está ligada aos
aspectos significativos da realidade, promovendo estimulação e desafios concretos,
num ambiente de cooperação entre os membros do grupo e de superação dos conflitos
pela horizontalidade das relações.
É importante que os profissionais de saúde percebam que, mesmo
inconscientemente, utilizam a educação, num ciclo permanente de ensinar e aprender,
pois há uma interseção entre os campos da saúde e da educação, tanto na prestação da
assistência, em qualquer nível de atenção, como na aquisição contínua de
conhecimentos pelos profissionais. Por isso, este aspecto deve ser valorizado na sua
formação e capacitação para o trabalho.
6.2.2 O processo de avaliação
Em
nossa sociedade, a avaliação é um elemento fundamental em todo o
planejamento e empreendimento da ação humana. Nos serviços de saúde, a avaliação
deve ser parte integrante da organização e do planejamento das ações assistenciais e
dos programas. Pires (1999, p.34) aponta que, na maioria das instituições de saúde,
não existem instâncias de planejamento onde se decida que atividades e
conhecimentos estão envolvidos na assistência a ser prestada pela
instituição; que profissionais são necessários para a realização de um
trabalho adequado; que papel cada um deve desempenhar; como as diversas
atividades podem integrar-se. Também não existem espaços conjuntos de
avaliação da assistência prestada e nem avaliação dos resultados.
A avaliação deve ser considerada, então, como um processo permanente e
sistemático de análise crítica, para apreender as lições identificadas na prática, de
modo a melhorar as atividades em curso e planejar diferentes possibilidades de ação
futura. Consiste, fundamentalmente, em fazer um julgamento de valor a respeito de
230
uma intervenção
9
ou algum de seus componentes, devendo ser vista como um
exercício construtivo para a tomada de decisão, orientação da distribuição dos recursos
humanos e financeiros, melhoria da organização e funcionamento do serviço e da
assistência prestada (CONTANDRIOPOULOS et al., 2002).
Para que a avaliação aconteça, é necessário que seja definido claramente por
que ela está sendo feita e quem terá poder para tomar uma decisão diante do seu
resultado. Sem isso, não é possível ter uma avaliação propriamente dita e sim um
diagnóstico de situação. É necessário levar em conta os diferentes atores que ela
envolve e que serão responsáveis pela sua forma particular. Outra coisa que não pode
ser esquecida é que a população usuária do serviço de saúde é a sua beneficiária final,
para que a avaliação não se torne apenas uma medida de restrição ou racionalização de
custos (CONTANDRIOPOULOS et al., 2002; TANAKA, MELO, 2000; 2001).
Em todos os tipos de avaliação, a idéia de qualidade está presente, uma vez que
tem como característica nuclear o estabelecimento de um juízo. Ela serve para
direcionar ou redirecionar a execução de ações, atividades e programas, devendo ser
realizada por todos os envolvidos no planejamento e na execução das ações propostas,
de modo a auxiliar na melhoria das suas atividades cotidianas. Por isso, as avaliações,
atualmente, fazem parte das preocupações de gestores do setor público e privado,
embora ainda participem de forma muito incipiente e marginal nos processos de
decisão (NOVAES, 2000; TANAKA, MELO, 2001).
De um modo ou de outro, estão sempre sendo feitas avaliações no dia-a-dia do
trabalho, sem a preocupação, no entanto, em sistematizar as informações obtidas. Na
realidade, a avaliação é uma seqüência de perguntas, geradas por uma pergunta inicial,
que se quer responder, na medida em que se avança no processo de análise dos dados.
Após a primeira aproximação com os dados, é necessário o aprofundamento do
conhecimento, de modo que novas perguntas sejam formuladas para ajudar a entender
o significado ou a representatividade deles. Assim, pode-se analisar o processo de
trabalho, as relações dele com os resultados e o impacto epidemiológico, visando
9
“Intervenção é constituída pelo conjunto dos meios (físicos, humanos, financeiros, simbólicos) organizados em
um contexto específico, em um dado momento, para produzir bens ou serviços com o objetivo de modificar uma
situação problemática” (CONTANDRIOPOULOS et al., 2002, p.31).
231
entender as repercussões das ações operacionalizadas para atender a população usuária
ou de referência (TANAKA, MELO, 2000; 2001).
É importante estar consciente que a avaliação é um dispositivo para a produção
de informações e que, também, acaba sendo fonte de poder para os atores envolvidos.
Por isso, Contandriopoulos et al. (2002) apontam que, para o aumento das chances de
utilidade dos seus resultados, é necessário que:
- todos os que decidem estejam implicados na definição do problema e que sejam
informados, periodicamente, sobre os resultados obtidos;
- o avaliador seja um agente facilitador e educador na utilização dos resultados;
- a informação da avaliação não seja considerada uma verdade absoluta, mas uma
ferramenta de negociação entre múltiplos interesses;
- estar consciente que a avaliação poderá dar, somente, respostas parciais aos
problemas;
- a avaliação seja feita com rigor e ética.
Para realizar a avaliação, são utilizadas teorias, conceitos e instrumentos de
diversas outras áreas do conhecimento, por isso ela deve ser compreendida como uma
área de aplicação e não como uma ciência. Entretanto, o processo de avaliação em
saúde é complexo e de difícil análise, pois
temos o fato de que o produto final de atividades/serviços de saúde não é um
objeto material, resultante da transformação dos insumos utilizados no
processo de atenção [...] se caracteriza por ser um produto que não é
visualizado, apalpado, armazenado, materializado (TANAKA, MELO, 2001,
p. 4).
A avaliação em saúde tem limitações, pois existem relações complexas entre a
saúde e os setores sociais e econômicos. Geralmente são necessárias avaliações
qualitativas e quantitativas, com o estabelecimento de indicadores sensíveis e
fidedignos. Além disso, é incipiente a tradição em avaliação nas instituições, sendo
comum a resistência em aceitar os resultados da avaliação como instrumentos válidos
para a organização e o gerenciamento dos serviços.
Por causa desta característica, a avaliação deve sempre ser definida tendo como
foco principal o resultado ou produto final que se espera alcançar na população, sem
232
ficar circunscrita, porém, a um único indicador. Por isso, Tanaka e Melo (2001)
recomendam a escolha de três a cinco indicadores. Eles devem ser selecionados pelo
avaliador pela sua importância, capacidade de síntese da situação e facilidade para
obtê-los. Devem ser utilizados de modo contínuo por um período determinado, pois a
avaliação tem como característica a análise de tendência dos indicadores.
É necessária, também, a definição precisa de como os indicadores escolhidos
serão comparados e quais parâmetros serão selecionados em cada um. Estes
parâmetros são referências adotadas por quem está avaliando e podem estar baseados
na situação-problema que se quer modificar, em um padrão técnico identificado na
literatura e ajustado ao contexto local, nas metas quantitativas ou mudanças na
qualidade dos serviços prestados.
Como situações avaliadas no campo da saúde, em geral, são complexas, elas
irão exigir a adoção de múltiplas abordagens para que não se perca a capacidade de
explicação e compreensão dos fenômenos e das possibilidades de intervenção na
situação (TANAKA, MELO, 2000; 2001).
Para a organização e gestão dos serviços no Município estudado, assim como o
planejamento e a priorização de ações, como foi especificado na proposta final deste
trabalho, torna-se necessário o estabelecimento de um processo de avaliação que
considere os problemas identificados, a concepção do modelo assistencial proposto,
seu contexto político, social e econômico e a obtenção de resultados.
Tomando como base o “modelo de avaliação de desempenho do sistema de
serviços de saúde brasileiro” apresentado por Viacava et al. (2004, p.718-722), e
considerando as evidências encontradas neste trabalho sobre a assistência preventiva
do câncer ginecológico no Município “A”, estabeleço como sugestão uma proposta
(Figura 18) para responder as seguintes questões:
a) os fatores determinantes da saúde impactam igualmente as mulheres de todos os
grupos sociais do Município “A”?
b) Como varia o estado de saúde e a ocorrência câncer ginecológico e de suas lesões
precursoras entre as áreas geográficas e os grupos sociais do Município “A”?
233
c) A estrutura dos serviços de saúde, nas diferentes unidades básicas, está adequada à
prestação da assistência preventiva para o câncer ginecológico, de acordo com a
avaliação do estado de saúde identificado na questão anterior?
d) Como está a qualidade da assistência preventiva prestada em cada unidade básica
de saúde?
e) Quais as necessidades e oportunidades para melhorar o desempenho da assistência
preventiva para o câncer ginecológico em cada unidade básica?
f) Como e quanto esta assistência contribui para a melhoria da saúde das mulheres
residentes nas áreas de abrangência das unidades básicas?
Esta proposta, e qualquer outro sistema de avaliação, deverá levar em
consideração a concepção legal do SUS, a forma como vem sendo implementado e os
problemas de saúde identificados como prioritários, permitindo avaliar em que medida
seus princípios e objetivos estão sendo cumpridos (VICAVA et al., 2004).
A proposta de avaliação, explicitada neste trabalho, estaria apoiada em três
dimensões que condicionariam as possibilidades de melhor ou pior desempenho dos
serviços de saúde na qualidade e equidade da assistência prestada, objeto da
avaliação.
Estas três dimensões seriam articuladas, de modo que o desempenho dos
serviços estaria relacionado aos determinantes das condições de saúde, que definem as
necessidades de saúde da população para a indicação do financiamento e dos recursos
físicos, materiais e humanos para o seu bom desempenho.
A qualidade e equidade da assistência perpassam transversalmente estas três
dimensões, pois sofrem influência direta de cada uma das variáveis nelas elencadas.
Por isso, o processo de avaliação deve ser permanente, permitindo ajustes sucessivos e
contínuos para a melhoria constante do desempenho dos serviços de saúde.
A primeira dimensão é composta pelos determinantes da saúde, associados aos
problemas de saúde prioritários, evitáveis e passíveis de intervenção. Parte do
pressuposto que as condições de saúde da população sofrem o impacto importante dos
fatores ambientais, sociais e econômicos e que, por conseguinte, podem intervir nos
resultados do desempenho dos serviços.
234
A segunda dimensão é composta pelas condições de saúde da população, que
são influenciadas pela primeira dimensão e, ao mesmo tempo, servem como
indicadores e parâmetro para a definição da terceira dimensão, representada pela
estrutura dos Serviços de Saúde.
Na terceira dimensão estão contempladas categorias de análise que avaliam a
condução político-institucional na formulação e implementação de políticas públicas,
assim como, no estabelecimento de responsabilidades para a sua execução e
monitoramento. Nesta dimensão estão incluídos os valores e fontes de financiamento,
os recursos humanos, materiais, de estrutura física e de informação, disponibilizados
para a assistência.
A definição dos instrumentos de avaliação deve ser decidida pelos atores
envolvidos - gestores, responsáveis pelos serviços, profissionais de saúde e
representantes da população – num trabalho periódico de acompanhamento que
retroalimente o planejamento e a implementação das ações.
Dessa maneira, haveria um investimento conjunto na construção de consensos
para a definição de instrumentos compatíveis com o objeto e os objetivos da avaliação,
para que esteja comprometida com a melhoria da assistência, com a eqüidade e
efetividade dos serviços de saúde do Município.
O Ministério da Saúde, em sua proposta de institucionalização da avaliação na
atenção básica, indica como pressuposto para a compreensão do processo de avaliação
em saúde que ele é
um processo crítico-reflexivo sobre práticas e processos desenvolvidos no
âmbito dos serviços de saúde. É um processo contínuo e sistemático cuja
temporalidade é definida em função do âmbito em que ela se estabelece. A
avaliação não é exclusivamente um procedimento de natureza técnica,
embora essa dimensão esteja presente, devendo ser entendida como processo
de negociação entre atores sociais. Deve constituir-se, portanto, em um
processo de negociação e pactuação entre sujeitos que partilham co-
responsabilidades (BRASIL, 2005c, p.18).
Nesse sentido, a avaliação auxiliaria a reduzir as incertezas na tomada de
decisão quanto ao melhor caminho na organização dos serviços para a qualificação da
assistência preventiva no Município “A”.
235
Figura 18 - Proposta para a avaliação da assistência preventiva do câncer
ginecológico prestada no Município “A
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Ambientais fatores físicos, químicos e biológicos do ambiente, que atuam
como determinantes de agravos à saúde;
Sócio-econômico-demográficocaracterísticas demográficas e
socioeconômicas, contextuais e dos indivíduos, relacionadas com a produção de
agravos à saúde;
Comportamentais e biológicosatitudes, práticas, crenças,
comportamentos e fatores biológicos individuais, que condicionam, predispõem,
influenciam a ocorrência de agravos à saúde;
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Morbidade ocorrência de lesões precursoras ou iniciais do câncer ginecológico;
Estado Funcionallimitações ou restrições impostas pela doença, na realização
de atividades cotidianas;
Bem-Estarqualidade de vida associada ao bem-estar físico, mental e social das
mulheres;
Mortalidade
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adrão e tendências da ocorrência de óbitos
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elas
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atolo
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Estrutura dos Servi
ç
os de Saúde
Condução capacidade dos gestores municipais em implementar políticas de
saúde, garantindo monitoramento, regulação, participação e responsabilização da sua
execução;
Financiamentorecursos financeiros e modos pelos quais são captados e
alocados;
Recursos profissionais habilitados para a assistência, informações em saúde,
instalações, equipamentos e insumos disponibilizados para a assistência;
Desem
p
enho dos Servi
ç
os Munici
p
ais de Saúde
Acesso capacidade das pessoas em obter os serviços necessários no lugar e
momento certo;
Aceitabilidadegrau em que os serviços de saúde estão de acordo com os valores
e expectativas das mulheres e população;
Respeito ao Direito das Mulheres capacidade dos serviços de prestarem
assistência humanizada e ética às mulheres;
Continuidade
capacidade dos serviços de saúde em prestarem assistência
preventiva de forma ininterrupta;
Adequação grau em que a assistência e procedimentos são prestados baseados no
conhecimento técnico-científico existente;
Segurançacapacidade dos serviços de saúde de identificar, evitar ou minimizar os
riscos potenciais para o câncer ginecológico;
Efetividade grau em que a assistência, serviços e ações atingem os resultados
esperados;
Eficiência relação entre o produto da intervenção de saúde e os recursos
utilizados;
Qualidade e Equidade da Assistência
236
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao propor estudar sobre as mudanças necessárias na assistência à mulher em
relação ao câncer ginecológico, explicitei a minha preocupação profissional e pessoal
dos últimos anos, com o adoecimento e morte de mulheres por causa de patologias que
podem ser identificadas em estágios iniciais, compatíveis com terapêuticas de sucesso.
Além disso, acredito que a enfermeira pode fazer a diferença nesse processo, ao
desenvolver uma assistência sistematizada, integral e de qualidade, com conhecimento
e habilidade técnica, capaz de promover a saúde e prevenir o câncer ginecológico.
Pensando assim, decidi aprofundar a compreensão sobre o assunto, delimitando
como problema de pesquisa, a seguinte questão: Como estruturar o trabalho da
enfermeira nas unidades básicas de saúde para qualificar a assistência na prevenção do
câncer ginecológico?
A abordagem escolhida foi compreender, na perspectiva do Materialismo
Histórico e Dialético, o processo de trabalho
das enfermeiras que atuam em Unidade
Básicas de Saúde, nas Equipes de Saúde da Família, em um município de médio porte
do Estado de Santa Catarina. Ao mesmo tempo, desejava apontar possibilidades que
favorecessem o exercício de práticas autotransformadoras e indutoras de modificações
nas práticas dos outros profissionais e da sociedade, para que o perfil epidemiológico
do câncer ginecológico pudesse ser modificado na área estudada.
Para realizar o estudo foi preciso identificar a realidade para ter uma noção
consistente que permitisse decifrar as redes de relações entre os micro-espaços
profissionais e os macro-espaços sociais, estabelecendo a ligação entre as partes e
todo. Foi necessário olhar o fenômeno pelo menos sob dois aspectos: o que analisa o
processo de trabalho das profissionais enfermeiras que compõem o grupo de sujeitos
da pesquisa e o que analisa o cenário de inserção dessas profissionais no âmbito dos
serviços públicos do Município estudado.
Assim, levantei dados para responder aos dois primeiros objetivos do estudo:
determinar os limites e as possibilidades do trabalho da enfermeira, no
237
desenvolvimento de ações de promoção à saúde e de prevenção do câncer
ginecológico em Unidades Básicas de Saúde e; analisar o processo de trabalho das
enfermeiras em unidades básicas de saúde, buscando a compreensão das correlações e
mediações da prevenção do câncer ginecológico com o desenvolvimento histórico
deste trabalho.
Os resultados da pesquisa evidenciaram que a prática profissional das
enfermeiras participantes do estudo, está intimamente ligada ao sistema de saúde
vigente, ao modelo assistencial adotado no Município, ao modelo de formação
profissional e às concepções filosóficas e ideológicas sobre saúde e processo de
trabalho.
A organização da assistência preventiva no Município está baseada na
interpretação da Equipe Técnica da Coordenadoria Municipal de Saúde da Mulher
sobre o Programa do Ministério da Saúde, centralizada na coleta de colpocitologia
oncótica, para a população que comparece espontaneamente aos serviços de saúde,
com pouca investigação e avaliação da mama, privilegiando a reprodução de rotinas, a
especialização técnica e a produtividade na realização do procedimento.
A organização dos serviços e a assistência prestada continuam tendo forte
influência da formação acadêmica no modelo biomédico, privilegiando a atenção
individual, curativa, médico-centrada e com valorização da medicalização e das
tecnologias, trazendo como conseqüência uma assistência voltada para a noção de
cura, ficando em segundo plano as ações de promoção da saúde.
As enfermeiras, frente a essas contradições, mesmo dizendo-se preocupadas
com a prevenção, afastaram-se da assistência, tanto no âmbito individual como no
coletivo, cedendo a execução da coleta de CCO, atenção valorizada
institucionalmente, para as profissionais de enfermagem de nível médio. O
afastamento da assistência e a insegurança pela falta de experiência profissional,
criaram uma visão negativa nos gestores municipais sobre a participação da
profissional na prevenção do câncer ginecológico e um “boicote” velado à atuação das
enfermeiras nessa área.
238
Ao comparar a visão teórica do processo de trabalho com o processo de
trabalho real das enfermeiras foi possível identificar uma distorção nos seus elementos
constitutivos, fortemente atrelada à organização dos serviços de saúde e dependente do
modo como eles são pressionados pelas diretrizes programáticas e financeiras da
política governamental. Ao mesmo tempo, a prática profissional desenvolvida pelas
enfermeiras contribui para retroalimentar a organização dos serviços locais e o
atendimento oferecido.
A força de trabalho das enfermeiras está sendo empregada em ações múltiplas e
pontuais, no atendimento das pessoas que conseguem ter acesso aos serviços. A
centralidade do trabalho está na distribuição do tempo, em agendas de atendimento
para a execução de tarefas e atividades programáticas, que devem ser cumpridas para o
alcance de metas de produtividade do PSF.
Esta forma de organização ocasiona um trabalho alienado, no qual as
profissionais não conseguem ver o conjunto do que estão produzindo, nem pensar
sobre o que devem fazer para alcançar a finalidade do trabalho de prevenção do câncer
ginecológico, que é influenciar, significativamente, os índices de morbimortalidade
pelas patologias e promover o bem-estar das mulheres, das famílias de sua área de
responsabilidade sanitária.
A distorção na forma como o trabalho está organizado e é desenvolvido tem
relação direta com a inadequação dos instrumentos de trabalho disponíveis e utilizados
pelas enfermeiras, representados pela carência de conhecimento, deficiência na
captação e adesão das mulheres, distanciamento da prática profissional do modelo
assistencial proposto, baixa qualificação técnica na execução da coleta de CCO, pouca
investigação dos sinais de alerta para o câncer de mama, existência de problemas na
infra-estrutura e organização dos serviços, além de problemas no gerenciamento dos
serviços e das atividades.
As evidências encontradas neste estudo corroboram com outros trabalhos que
explicitam as dificuldades na implementação de um novo modelo assistencial no SUS,
que promova a mudança do paradigma da doença para o da saúde. Apontam que ainda
falta um longo caminho a ser percorrido para a melhoria da qualificação e
239
resolutividade da assistência prestada, privilegiando a visão da mulher como sujeito de
direito e co-responsável pelo seu cuidado e saúde.
A tese defendida, de que “a caracterização do processo de trabalho e a
instrumentalização adequada dos enfermeiros que atuam na Atenção Básica em Saúde
são condições necessárias para a qualificação da assistência de enfermagem na
prevenção do câncer ginecológico”, foi confirmada ao longo do estudo.
Os limites incluíram aspectos da organização do trabalho, da força de trabalho,
do objeto de trabalho e, principalmente, dos instrumentos de trabalho. As
possibilidades estão na requalificação da assistência através de novas estratégias de
capacitação dos profissionais e a adoção de um processo de planejamento e avaliação
de todas as etapas do trabalho.
No entanto, os fatores envolvidos e determinantes dos problemas identificados
são complexos e não permitem uma ação imediata e global no seu enfrentamento, pois
eles vão além do âmbito da área da saúde e além da prática das enfermeiras enquanto
categoria profissional. Assim, são necessárias ações visando a mudança no processo de
trabalho e na requalificação da assistência prestada que, pelo menos, minimizem os
problemas encontrados.
Refletindo sobre os resultados obtidos e procurando responder ao terceiro
objetivo do estudo, de “propor uma contribuição à reestruturação do processo de
trabalho em relação à saúde da mulher, que possibilite o aumento da cobertura da
assistência preventiva do câncer ginecológico e a modificação do seu perfil
epidemiológico numa determinada área”, estruturei como sugestão uma proposta
inicial de trabalho elegendo prioridades.
A proposta prevê o direcionamento dos esforços do Município na ampliação e
socialização do conhecimento, para as profissionais e as mulheres, e a definição de um
processo de avaliação sistemático, nos níveis local e municipal, que retroalimente o
planejamento e as práticas profissionais desenvolvidas, de modo a atender as reais
necessidades de saúde da população.
A proposta foi desenhada como uma estrutura dinâmica, em que o início pode
ser gerado em qualquer ponto indo ao seguinte, num deslocamento circular dos
240
elementos, na perspectiva de um movimento dialético. Para isso, torna-se necessário o
envolvimento dos atores do processo - gestores, responsáveis pelos serviços,
profissionais de saúde e mulheres - no sentido de estabelecer uma integração na busca
de parcerias que visem a identificação e adesão de lideranças, a abertura do diálogo, a
definição de prioridades e metas, o planejamento e a implementação das ações, num
trabalho conjunto que dê visibilidade aos resultados.
A sustentação da proposta está no processo educativo, através da capacitação
dos profissionais para a assistência e práticas educativas, priorizando o enfoque da
saúde e tendo a mulher como sujeito de direito, no enfrentamento dos agravos à saúde
e no estímulo ao autocuidado.
A avaliação envolve o processo e dá respaldo para a proposta, desde o
reconhecimento da realidade, com a identificação dos problemas, até a avaliação dos
resultados obtidos, num circuito ininterrupto em que cada fase subsidia a próxima e
valida a anterior.
A proposta de modelo de avaliação, explicitada no trabalho, apóia-se em três
dimensões que condicionariam as possibilidades de um melhor ou um pior
desempenho dos serviços de saúde, na qualidade e equidade da assistência prestada,
auxiliando a reduzir as incertezas na tomada de decisão, quanto ao melhor caminho na
organização dos serviços para a qualificação da assistência preventiva no Município.
Devo ressaltar, no entanto, que a prevenção do câncer ginecológico foi o recorte
escolhido da realidade para o desenvolvimento metodológico do estudo, mas esta
prática assistencial não está desvinculada do contexto geral em que ocorrem as outras
práticas e atendimentos. Ela reproduz o modelo geral da assistência e, por isso, sua
análise pode ser transposta para o conjunto das ações inseridas no Município e,
provavelmente, em outros cenários.
O desenvolvimento desta pesquisa possibilitou um enorme crescimento pessoal
e profissional, no sentido de procurar analisar um problema considerando os múltiplos
fatores envolvidos e indo além da sua aparência inicial, num ir e vir constante até que
a realidade fosse totalmente revelada.
241
Ao mesmo tempo, mostrou que, diante da complexa realidade da área da saúde,
os profissionais de enfermagem realizam trabalhos fragmentados e variados, com
aumento crescente de responsabilidades, em situações de contratos e condições
precarizadas de trabalho. Desse modo, o trabalho perde a finalidade, a visibilidade e o
reconhecimento, trazendo sofrimento ao trabalhador e uma luta constante para manter
a sua integridade física, emocional e profissional.
Apesar de todos os problemas identificados na organização dos serviços e na
assistência prestada, a determinação das enfermeiras participantes do estudo na
sustentação e construção de um sistema de saúde mais universal e humano, deu-me um
novo alento e forças para continuar, como profissional e ser humano, lutando para
promover a saúde e a educação.
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252
9 APÊNDICES
APÊNDICE A - Roteiro para a observação sistemática das atividades de
prevenção ao câncer ginecológico desenvolvidas nas Unidades Básicas de Saúde.
OBSERVAÇÃO COMENTÁRIOS
Ambiente e materiais
Organização do trabalho:
Execução do atendimento:
Atitude do profissional:
Atitude das mulheres:
253
APÊNDICE B - Instrumento semi-estruturado para coleta de dados nas entrevistas
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
DOUTORADO EM ENFERMAGEM
Entrevista com a enfermeira do Programa de Saúde da Família,
no Centro de Saúde....................... do Município “A” - SC
1. Data / horário / profissional:
2. Tempo de formada(o):
3. Há quanto tempo trabalha em Unidade Básica de Saúde (UBS)?
E na Unidade atual?
4. Você recebeu alguma capacitação sobre o Programa Viva Mulher? [ ] não [ ] sim
Quando? Onde? Que instituição era responsável? O que aprendeu?
5. A equipe de enfermagem, com quem você trabalha, recebeu alguma capacitação sobre este assunto? [ ] não
[ ]sim [ ] não sei Quando?
Quem ministrou? Onde?
6. Os outros membros da equipe de saúde, que trabalham nesta UBS, receberam alguma capacitação sobre este
assunto? [ ] não [ ]sim [ ] não sei
7. Quem é o profissional, nesta UBS, que fica responsável pelo atendimento da mulher quanto à prevenção do
câncer ginecológico? (um ou mais)
8. Você desenvolve atividades de prevenção de câncer ginecológico nesta UBS?
[ ] não [ ]sim
Que tipo de atividades desenvolve?
Assistenciais: Administrativas: Gerenciais:
Educativas: Outras:
9. Que dados epidemiológicos você utiliza para planejar a assistência à mulher?
10. O que é avaliação para você? Como você a utiliza no seu trabalho? E na instituição?
11. Quais as dificuldades que você identifica no desenvolvimento das atividades de prevenção do câncer
ginecológico?
nesta Unidade - no Município “A” -
na sua atuação – na atuação da equipe -
12. Quais as facilidades que você identifica no desenvolvimento das atividades de prevenção do câncer
ginecológico?
nesta Unidade - no Município “A” -
na sua atuação – na atuação da equipe -
13. Na sua opinião, o que deveria ser feito com relação à prevenção do câncer ginecológico?
nesta Unidade - no Município “A” -
na sua atuação – na atuação da equipe -
14. O que deveria ser feito para que o Programa fosse mais resolutivo?
254
APÊNDICE C
PLANEJAMENTO DA PRIMEIRA REUNIÃO COM GRUPO FOCAL
PRIMEIRO MOMENTO: Motivação
Tempo: 5 minutos
Atividade
: Explicar rapidamente porque estamos reunidos quais são os objetivos do trabalho e pedir a
participação de todos.
Material utilizado: gravador
SEGUNDO MOMENTO: Identidade do Grupo
Tempo: 15 minutos (total)
Atividade
:Apresentação de cada participante.
Nos primeiros dois minutos, aos pares, cada um se apresenta para a colega dizendo: o nome, se tem
filhos, qual a sua cor preferida, qual a sua maior qualidade e o que mais gosta na enfermagem. Depois,
cada um vai apresentar o colega ao grupo. No momento da apresentação aquele que está sendo
apresentado estará segurando uma vela acesa para que fique em destaque no grupo e seja o centro das
atenções.
Material utilizado: gravador, cartões com as perguntas, vela, fósforo.
TERCEIRO MOMENTO: O que eu penso sobre o preventivo
Tempo: 10 minutos
Atividade
: Cada participante receberá um papel com uma dobra, de um lado colocará, em uma
palavra, o que acha bom no preventivo e do outro lado o que acha ruim no preventivo. Levanta expõe
para o Grupo e cola no painel.
Material utilizado
: gravador, papel, caneta, cartolina, fita crepe e cola.
QUARTO MOMENTO: Apresentação dos Dados Coletados
Tempo: 50 minutos
Atividade
: A pesquisadora apresenta os dados coletados nas entrevistas, nas observações e os dados
epidemiológicos. Com o material vai montando um painel que contenha todas as informações e que
possa servir de base para as discussões nas próximas reuniões.
Material utilizado: gravador, papel Kraft, papéis impressos, cola, fita crepe.
QUINTO MOMENTO: Reflexão
Tempo: 20 minutos
Atividade
: Os participantes analisam os dados em 4 grupos, procurando responder as seguintes
questões:
- De tudo que foi encontrado quais os 4 principais temas que deveriam ser aprofundados nas discussões
dos próximos grupos?
- Em que ordem prioritária deverão ser discutidos?
O relator de cada grupo apresenta para todos os temas e as prioridades elencadas. A pesquisadora finaliza
definindo com o grupo o conjunto de prioridades e por qual iniciaremos a discussão da próxima reunião, que
deverá ser agendada com o grupo.
Material utilizado
: gravador e quadro.
255
APÊNDICE D
PLANEJAMENTO DA SEGUNDA REUNIÃO COM GRUPO FOCAL
PRIMEIRO MOMENTO: Motivação
Tempo: 2 minutos
Atividade
: Explicar rapidamente porque estamos reunidos, quais são os objetivos da reunião e pedir a
participação de todos.
Material utilizado: gravador
SEGUNDO MOMENTO: Reapresentação dos Membros
Tempo: 10 minutos (total)
Atividade
: Apresentação de cada participante, principalmente os que não estiveram na reunião
anterior. Nome e Unidade Sanitária.
Material utilizado: gravador.
TERCEIRO MOMENTO: Dúvidas na coleta de CCO
Tempo: 40 minutos
Atividade
: Todos os participantes ao redor da mesa com a coordenadora das atividades estarão
analisando os moldes de colo e os materiais para a coleta de CCO, discutindo as etapas e tirando as
dúvidas.
Material utilizado: gravador, moldes de massa com formatos de colo uterino, material para coleta de CCO, baner
com os principais achados clínicos na coleta.
QUARTO MOMENTO: Apresentação Teórica do Processo de Trabalho
Tempo: 15 minutos
Atividade
: A pesquisadora apresenta os principais embasamentos teóricos sobre o processo de trabalho
para dar sustentação a próxima etapa da reunião.
Material utilizado: gravador, transparências, material impresso.
QUINTO MOMENTO: Reflexão
Tempo: 40 minutos
Atividade
: Os participantes analisam alguns pequenos textos em 4 grupos, procurando comparar com
os dados encontrados na primeira etapa da pesquisa. Respondem as questões que foram colocadas ao
final de cada texto.
O relator de cada grupo apresenta para todos os textos e as respostas dadas pelo grupo.
Todos os participantes discutem os resultados obtidos e definem a temática para a próxima reunião.
Material utilizado
: gravador, textos impressos, folhas para transcrição das respostas e quadros apresentando os
resultados da primeira fase da pesquisa.
SEXTO MOMENTO: Aplicação das temáticas discutidas
Tempo: 5 minutos
Atividade
: A pesquisadora propõe para os participantes que até a próxima reunião tentem implementar
algumas estratégias de mudança nos seus serviços, baseadas nas discussões feitas em grupo.
Cada participante receberá uma folha onde deverá anotar, de forma resumida, o que foi feito em sua Unidade
como conseqüência das discussões em grupo.
Na terceira reunião as anotações desta folha serão lidas e discutidas por todos do grupo.
Material utilizado
: gravador, folhas para anotações.
256
TEXTOS DISTRIBUÍDOS PARA SUBSIDIAR AS DISCUSSÕES EM GRUPO.
CECÍLIO, Luiz Carlos de Oliveira. Autonomia versus controle dos trabalhadores: a gestão do poder no hospital.
Ciência & Saúde Coletiva, 4 (2):315-29, 1999.
As questões ligadas ao poder e ao controle estão inevitavelmente presentes na vida das organizações e o seu êxito
depende, em grande parte de sua capacidade para manter o controle dos participantes. [...] Quase nunca as organizações
podem confiar que a maioria dos participantes interiorize suas obrigações e cumpra voluntariamente seus compromissos.
O poder e o conflito estão no cerne da compreensão das organizações, mas na saúde não é possível operar sistemas
de saúde sem certo grau de controle institucional.
Como combinar liberdade com controle?
CECÍLIO, Luiz Carlos de Oliveira. Autonomia versus controle dos trabalhadores: a gestão do poder no hospital.
Ciência & Saúde Coletiva, 4 (2):315-29, 1999.
Os médicos gozam de alto grau de autonomia, não estando submetidos a praticamente nenhum mecanismo de
controle. Os médicos têm muito poder nas organizações. No corpo de enfermagem, essas linhas de poder são mais marcadas
quando se olha a linha vertical de comando que vai da enfermeira à auxiliar de enfermagem, mas são menos nítidas quando
se olha a relação entre as enfermeiras e destas com os médicos e com a direção.
Se considerarmos como verdade que o corpo de enfermagem estaria submetido a uma relação assimétrica perante o
poder médico, seria de se esperar a incondicional adesão desses profissionais à implantação de um modelo de gestão mais
democrático e participativo e que horizontalizaria mais as relações dentro da equipe, distribuindo o poder. [...] Por outro lado,
há também fortes resistências do corpo de enfermagem a essas formas mais transparentes de gestão, nas quais há uma forte
publicização dos espaços de gestão e dos processos de trabalho, atravessados por interesses particulares e por acordos
intracorporativos.
Como superar as resistências do corpo de enfermagem à implantação de um modelo de gestão mais democrático e
participativo?
MERHY, Emerson Elias. Saúde: a cartografia do trabalho vivo. São Paulo: Hucitec, 2002. (Saúde em Debate: 145)
Nos últimos séculos, o campo da saúde foi-se constituindo como um campo de construção de práticas e técnicas
cuidadoras, socialmente determinadas, dentro da qual o modo médico de agir foi-se tornando hegemônico. Mas mesmo neste
modo particular de agir tecnicamente na produção do cuidado, há uma multiplicidade de maneiras ou modelos de ação [...]
No campo da saúde o objeto
não é a cura ou a promoção e proteção da saúde, mas a produção do cuidado, por meio do qual
se crê que poderá atingir a cura e a saúde, que são de fato os objetivos
a que se quer chegar.
A vida real dos serviços de saúde tem mostrado que, conforme os modelos de atenção que são adotados, nem
sempre a produção do cuidado em saúde está comprometida efetivamente com a cura e a promoção. [...] poder pensar
modelagens dos processos de trabalho em saúde, em qualquer tipo de serviço, que consigam combinar a produção de atos
cuidadores de maneira eficaz com conquistas dos resultados, cura, promoção e proteção é um nó crítico a ser trabalhado pelo
conjunto dos gestores e dos trabalhadores dos estabelecimentos de saúde.
Como podemos pensar novas formas de gestão do trabalho para que possamos unir os atos cuidadores com os
curadores e promotores de saúde?
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva - Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização.
HumanizaSUS - Política Nacional de Humanização: a Humanização como eixo norteador das práticas de atenção
e gestão em todas as instâncias do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. (Série Textos Básicos de Saúde).
Os inúmeros avanços no campo da saúde pública brasileira convivem, de modo contraditório, com problemas de
diversas ordens. Se, por um lado, é possível apontar avanços na descentralização e na regionalização da atenção e da gestão
da saúde, com ampliação dos níveis de universalidade, eqüidade, integralidade e controle social, por outro, a fragmentação e
a verticalização dos processos de trabalho esgarçam as relações entre os diferentes profissionais da saúde e entre estes e os
usuários. O trabalho em equipe fica, assim, fragilizado para lidar com as dimensões sociais e subjetivas presentes nas
práticas de atenção.
[...]A Humanização, como uma política transversal, supõe necessariamente que sejam ultrapassadas as fronteiras,
muitas vezes rígidas, dos diferentes núcleos de saber/poder que se ocupam da produção da saúde. Deve ser entendida como
um conjunto de princípios e diretrizes que se traduzem em ações nos diversos serviços, nas práticas de saúde e nas instâncias
do sistema, caracterizando uma construção coletiva.
Como poderíamos iniciar, em nossos serviços, uma construção coletiva de humanização da assistência à mulher?
257
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva - Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização.
HumanizaSUS - Política Nacional de Humanização: a Humanização como eixo norteador das práticas de atenção
e gestão em todas as instâncias do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. (Série Textos Básicos de Saúde).
O baixo investimento na qualificação dos trabalhadores, especialmente no que se refere à gestão participativa e ao
trabalho em equipe, diminui a possibilidade de um processo crítico e comprometido com as práticas de saúde e com os
usuários em suas diferentes necessidades. Há poucos dispositivos de fomento à co-gestão, à valorização e à inclusão dos
trabalhadores e usuários no processo de produção de saúde, com forte desrespeito aos seus direitos. Este processo de gestão é
acompanhado com modos de atenção baseados, em grande parte das vezes, na relação queixa-conduta, automatizando-se o
contato entre trabalhadores e usuários, fortalecendo um olhar sobre a doença e, sobretudo, não estabelecendo o vínculo
fundamental que permite, efetivamente, a responsabilidade sanitária que constitui o ato de saúde.
O que poderíamos fazer para superar o olhar sobre a queixa-conduta na assistência prestada?
CAPELLA, Beatriz Beduschi. Uma abordagem sócio-humanista para um modo de fazer o trabalho de
enfermagem. Pelotas/Florianópolis: UFPEL/UFCS, 1998. (Série Teses em Enfermagem)
Atualmente, o trabalho da enfermagem amplia-se para além do cuidado do corpo físico, buscando formas mais
integrais e humanas de atuação, tentando ver o ser humano enquanto universal, concreto, singular, nas suas diversas
dimensões.
Tendo como referência a busca de uma melhor compreensão de seu objeto de trabalho, os profissionais podem
compreender a si próprios, enquanto trabalhadores, em um processo diferenciado de trabalho. [...] Para isto é necessário que
haja possibilidade real de conhecimento crítico do que se passa no processo produtivo. O trabalhador não pode ficar limitado
ao saber prático, o qual deve ser confrontado com o saber histórico e com o saber científico [...] para que estabeleçam a ponte
necessária e dêem suporte na perspectiva de uma real transformação da prática.
Que opções são possíveis para sair de uma perspectiva padronizadora, pouco criativa e burocratizante?
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de gestão do Trabalho e da educação na Saúde. Curso de formação de
facilitadores de educação permanente em saúde: unidade de aprendizagem, análise do contexto da gestão e das
práticas de saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2005.
A integralidade da atenção à saúde supõe, entre outros aspectos, a ampliação e o desenvolvimento da dimensão
cuidadora no trabalho dos profissionais de saúde, para que se tornem mais responsáveis pelos resultados das práticas de
atenção, mais capazes de acolhimento, de vínculo com os usuários e serviços de saúde e, também, mais sensíveis às
dimensões do processo saúde-doença não inscritas nos âmbitos tradicionais da epidemiologia e da terapêutica.
A integralidade pressupõe práticas inovadoras em todos os espaços de atenção à saúde, práticas em diferentes
cenários, bem como em todos os âmbitos do sistema de saúde [...] requer a implementação clara e precisa de uma formação
para as competências gerais necessárias a todos os profissionais de saúde, tendo em vista uma prática de qualidade, qualquer
que seja seu local e área de atuação.
Como desenvolver a capacidade de análise crítica de contextos e situações problema, para desencadear processos de
educação permanente?
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria Executiva - Subsecretaria de Planejamento e Orçamento. Plano Nacional de
Saúde: um pacto pela saúde no Brasil. Disponível em : <http://www.saude.gov.br >. Acesso em: 28 nov. 2004.
A despeito dos muitos avanços ocorridos no setor nos últimos 15 anos, os princípios e diretrizes que norteiam o
Sistema Único de Saúde – SUS – ainda não estão operacionalizados plena e suficientemente. A população ainda depara-se
com uma atenção desprovida da adequada eqüidade, humanização e qualidade. Mudar tal realidade, que é conseqüência de
diversos fatores, é um requisito imprescindível à inclusão social e à integração nacional.
Para a elevação da qualidade da assistência à saúde, prestada à população pelo SUS, é necessária a adoção de
práticas assistenciais resolutivas, seguras, éticas e humanizadas, realizadas com presteza e adequação. Elas deverão ser
acompanhadas de iniciativas para motivação e capacitação dos profissionais de saúde e da consolidação do controle social.
Que estratégias deveriam ser usadas para motivar os profissionais das equipes do PSF, buscando melhorar a
qualidade da assistência?
258
APÊNDICE E - Folha de Registro de Dificuldades e Propostas para a Assistência
Cara (o) colega,
A sua participação efetiva nos nossos estudos e discussões é primordial para que possamos promover uma
verdadeira mudança no nosso processo de trabalho e na qualidade da assistência que prestamos. Por isso gostaria que você
procurasse, até a próxima reunião, pensar sobre o assunto que abordamos, analisar como o trabalho está sendo realizado no
seu serviço, propor outras abordagens para o atendimento e registrar tudo isso para que possamos discutir na próxima
reunião. Para isso, utilize esta folha para fazer o registro.
Dificuldade
encontrada
Provável Causa(s) Proposta para resolução Ação Implementada
259
APÊNDICE F
PLANEJAMENTO DA TERCEIRA REUNIÃO COM GRUPO FOCAL
PRIMEIRO MOMENTO: Motivação
Tempo: 2 minutos
Atividade: Explicar rapidamente porque estamos reunidos, quais são os objetivos da reunião e pedir a
participação de todos.
Material utilizado
: gravador
SEGUNDO MOMENTO: Relação de Confiança
Tempo: 15 minutos (total)
Atividade: O grupo é dividido em dois, em um deles os participantes terão os olhos vendados. Cada um dos
participantes do outro grupo, sem dizer uma palavra, pegará pela mão um dos participantes com os olhos
vendados e conduzirá pela sala, durante 2 minutos, por entre vários obstáculos, previamente colocados. Após
este período, todos sentam e compartilham a experiência e as sensações de ser conduzido e de conduzir,
explorando os sentimentos de medo/confiança, hesitação/segurança e o que mais apreciou no exercício. Ao final
o grupo tenta responder como melhorar a confiança e o relacionamento no ambiente de trabalho.
Material utilizado
: gravador, fita com música, vendas para os olhos.
TERCEIRO MOMENTO: Dúvidas no Exame das Mamas
Tempo: 30 minutos
Atividade
: Todos os participantes ao redor da mesa com a coordenadora das atividades estarão
analisando o molde de mama e o folder de auto-exame, discutindo as etapas do Exame Clínico das
Mamas e tirando as dúvidas.
Material utilizado: gravador, molde da mama amiga, folder de auto-exame das mamas.
QUARTO MOMENTO: Discussão sobre o Processo de Trabalho
Tempo: 25 minutos
Atividade
: Os participantes retomam a discussão dos textos da reunião anterior. Respondem as
questões que foram colocadas ao final de cada texto. O relator de cada grupo apresenta para todos os
textos e as respostas dadas pelo grupo. Todos os participantes discutem as respostas.
Material utilizado: gravador, material impresso.
QUINTO MOMENTO: Reflexão em Subgrupos
Tempo: 40 minutos
Atividade
: Os participantes analisam as mudanças que cada componente do grupo relatou ter
conseguido na sua Unidade. Fazem uma consolidado das mudanças que serão apresentadas para o
grupo todo pelo(a) relator(a).
A coordenadora da atividade propõe ao grupo que explore, também, durante as discussões, as
categorias que apareceram no diagnóstico apresentado na primeira reunião, enfocando: organização do
serviço, percepção do processo de trabalho, infraestrutura, aspectos relacionais e capacitação.
Material utilizado: gravador, anotações de cada participante sobre a sua Unidade Básica, folhas para anotações.
SEXTO MOMENTO: Progredindo nas mudanças
Tempo: 5 minutos
Atividade
: A pesquisadora propõe para os participantes que até a próxima reunião, daqui a 1 mês
tentem continuar implementando estratégias de mudança nos seus serviços, tomando como base as
discussões feitas nas reuniões do grupo.
Cada participante receberá uma folha onde deverá anotar, de forma resumida, o que foi feito em sua Unidade
como conseqüência das discussões em grupo.
Na quarta reunião as anotações desta folha serão lidas e discutidas por todos do grupo, em busca de uma
proposta adequada às necessidades de atendimento do Município.
Material utilizado
: gravador, folhas para anotações.
260
APÊNDICE G - Folha de Propostas para a Assistência
Cara (o) colega,
A sua participação efetiva nos nossos estudos e discussões é primordial para a melhoria do nosso processo de
trabalho e da qualidade da assistência. Por isso, gostaria que você procurasse, até a próxima reunião, pensar sobre o assunto
que abordamos, analisar como o trabalho está sendo realizado no seu serviço, propor outras abordagens para o atendimento e
registrar tudo isso para que possamos discutir no próximo encontro. Utilize esta folha para fazer os registros.
Dificuldade encontrada Ação implementada Outra proposta para resolução Quem deve ficar
responsável e quando
261
APÊNDICE H
PLANEJAMENTO DA QUARTA REUNIÃO COM GRUPO FOCAL
PRIMEIRO MOMENTO: Motivação
Tempo: 2 minutos
Atividade
: Explicar rapidamente porque estamos reunidos, quais são os objetivos da reunião e pedir a
participação de todos.
Material utilizado: gravador
SEGUNDO MOMENTO: Eficiência de um Trabalho de Equipe – A corrida de carros
Tempo: 20 minutos (total)
Atividade
: O grupo é dividido em três subgrupos. A tarefa de cada subgrupo consiste em resolver, na
maior brevidade possível, o problema da corrida de carros, conforme explicação na folha que será
entregue a cada pessoa. Todos os subgrupos procurarão resolver o problema da corrida de carros, com
a ajuda de toda a equipe. Será vencedor da tarefa o subgrupo que apresentar primeiro a solução para o
problema.
Terminado o exercício cada subgrupo fará uma avaliação acerca da participação dos membros da equipe, na
tarefa grupal, com comentários e depoimentos.
A coordenadora enfatizará para o grupo a necessidade do trabalho em equipe para a resolução com maior
eficiência e rapidez dos problemas enfrentados nas atividades profissionais.
Material utilizado
: gravador, fita com música, cartolinas, desenhos dos carros e fita adesiva, pacote de balas.
A CORRIDA DE CARROS (FRITZEN, 2004, p.27-29)
Oito carros, de marcas e cores diferentes, estão alinhados, lado a lado, para uma corrida. Estabeleça a ordem em que os carros
estão dispostos, baseando-se nas seguintes informações:
1. O Ferrari está entre os carros vermelho e roxo;
2. O caro roxo está à esquerda do Lótus;
3. O McLaren é o segundo carro à esquerda do Ferrari e o primeiro à direita do carro azul;
4. O Tyrrell não tem carro à sua direita e está logo depois do carro preto;
5. O caro preto está entre o Tyrrell e o carro amarelo;
6. O Shadow não tem carro algum à esquerda: está à esquerda do carro verde;
7. À direita do caro verde está o March;
8. O Lótus é o segundo carro à direita do carro creme e o segundo à esquerda do carro rosa;
9. O Lola é o segundo caro à esquerda do Iso.
TERCEIRO MOMENTO: Discussão sobre as sugestões de mudanças no atendimento à prevenção do
câncer ginecológico
Tempo: 20 minutos
Atividade
: Os participantes analisam as mudanças que cada componente do grupo relatou ter
conseguido na sua Unidade. Fazem um consolidado das mudanças que serão apresentadas para todo o
grupo pelo(a) relator(a).
Material utilizado: anotações de cada participante sobre a sua Unidade Básica, folhas para anotações.
QUARTO MOMENTO: Apresentação e discussão das conclusões dos subgrupos
Tempo: 40 minutos
Atividade
: Os relatores apresentam a proposta de mudanças discutida no subgrupo para a plenária.
Após todos os relatos a coordenadora propõe que o grupo discuta as sugestões apresentadas e que
explore, também, durante as discussões, as categorias que apareceram no diagnóstico apresentado na
primeira reunião, enfocando: organização do serviço, percepção do processo de trabalho,
infraestrutura, aspectos relacionais e capacitação.
Material utilizado: gravador, anotações de cada subgrupo
262
QUINTO MOMENTO: Avaliação das atividades
Tempo
: 30 minutos
Atividade
: A coordenadora dá a palavra aos participantes para que eles façam uma avaliação das atividades
contemplando os seguintes questionamentos:
As atividades desenvolvidas durante as reuniões do grupo contribuíram, de alguma forma, com a sua atuação
profissional? Como?
Como você acha que as discussões feitas neste grupo poderiam auxiliar no atendimento à mulher, com relação à
prevenção do câncer ginecológico, no Município de São José?
Na sua opinião quais as limitações que ainda permanecem no atendimento à mulher, com relação à prevenção do
câncer ginecológico, no Município de São José?
Material utilizado
: gravador, anotações da pesquisadora
263
APÊNDICE I
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
DOUTORADO EM ENFERMAGEM
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Meu nome é CELINA TAVARES, sou Enfermeira e curso o Doutorado em Enfermagem na
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde estou desenvolvendo a pesquisa “A atuação da
enfermeira: uma contribuição para a prevenção do câncer ginecológico”. Os objetivos deste
estudo são:
1. Determinar os limites e as possibilidades da equipe de saúde em desenvolver ações de promoção à
saúde e de prevenção para o câncer ginecológico em Unidades Básicas de Saúde;
2. Configurar um quadro diferenciador entre ações prescritivas governamentais e ações propositivas
profissionais autônomas em relação à saúde da mulher;
3. Propor uma sistematização do processo de trabalho em relação à saúde da mulher que possibilite à
enfermeira e sua equipe atuarem na prevenção do câncer ginecológico para aumentar a cobertura
da assistência e modificar o perfil epidemiológico numa determinada área.
Cara enfermeira você está sendo convidada para participar desta pesquisa.
A pesquisa será desenvolvida, no período de Março/2005 a fevereiro/2006. Foi oficializada e
aprovada no Programa de Pós-Graduação de Enfermagem da UFSC, no Comitê de Ética da UFSC
para Pesquisas que Envolvem Seres Humanos e na Secretaria Municipal de Saúde.
Sua colaboração nesta pesquisa implicará na participação em duas etapas da pesquisa. A
primeira etapa se dará através de uma entrevista que durará mais ou menos uma hora e será gravada
com o seu consentimento. Esta entrevista será agendada previamente, para o período de Abril a Agosto
de 2005, com a sua indicação para o local do encontro. Durante a entrevista serão feitas perguntas
relacionadas à Prevenção do Câncer Ginecológico na Unidade Básica de Saúde e no Município.
A segunda etapa será composta de 4 (quatro) encontros com as outras participantes do estudo,
que acontecerão no período de setembro/ 2005 a fevereiro/ 2006. Serão discutidos nestes encontros os
assuntos mencionados com maior freqüência nas entrevistas e os seus resultados. Os dias e locais dos
encontros serão decididos com todas as participantes. Através das discussões, buscaremos estabelecer
estratégias para propor uma sistematização do processo de trabalho, em relação à saúde da mulher, que
possibilite aumentar a cobertura da assistência e modificar o perfil epidemiológico no Município.
264
Todas as entrevistas e encontros do grupo serão gravados e anotados pela pesquisadora, sendo
solicitado primeiro o consentimento das participantes. Um resumo dos encontros será entregue a você
para verificar se as informações estão completas e corretas. O resultado final desta pesquisa será,
também, apresentado e discutido com todas as participantes.
Todas as informações obtidas na sua entrevista e nos encontros permanecerão confidenciais.
Embora você conheça a identidade das outras participantes de seu grupo, nomes fictícios serão usados
para manter o anonimato das informações no relatório de pesquisa.
As informações serão usadas somente para este estudo. Durante o estudo e após o seu término,
todas as informações serão guardadas com a pesquisada e somente ela terá acesso a elas.
Sua participação nesta pesquisa é completamente voluntária. Sua decisão em não participar ou
em de retirar-se, a qualquer momento, não te nenhuma implicação para você. Todos os
procedimentos da pesquisa não trarão qualquer risco à sua vida e a sua saúde, mas espero que tragam
benefícios para o seu processo de trabalho.
Caso você tenha ainda alguma outra dúvida em relação à pesquisa, ou quiser desistir, em
qualquer momento, poderá comunicar-se pelo telefone baixo ou fazê-lo pessoalmente.
Doutoranda: Celina Tavares
Telefones: Pós-Graduação da UFSC (48) 331-5142
Residência (48) 3028- 18 46
Assinatura:______________________________________________________
Eu, _____________________________________________________________________________,
fui esclarecida sobre a pesquisa “A ATUAÇÃO DA ENFERMEIRA: uma contribuição para a
prevenção do câncer ginecológico”. Concordo em participar dela e que as informações que eu
prestar sejam utilizados em sua realização.
Florianópolis, ______de ______________ de 2005.
Assinatura: _________________________________________________ RG: __________________
Data do estudo: ______________________
Nota: O presente Termo terá duas vias, uma ficará com a pesquisadora e a outra via com a participante da pesquisa.
265
APÊNDICE J - Quadro de Registros das Entrevistas
Exemplo do Registro da Entrevista com a Enfermeira Cumbarú
Código Registro Categoria
Temática
Subcategoria Conteúdo
Cb1 dificuldade que e acho é o espaço físico
Instrumentos de
Trabalho
Espaço físico Falta ou Inadequação
de Espaço físico
Cb2 depois que a gente mudou (a rotina), que a gente
viu que a demanda estava realmente reprimida
Organização do
serviço
Funcionamento dos
Serviços
Funcionamento da
Unidade
... ... ... ... ...
Cb4 Eu acho que seria o ideal. Para não ficar limitando
muito, apenas tal dia, tal dia, tal dia. Tem pessoas
que não podem determinado dia e acabam
deixando de fazer.
Organização do
serviço
Acesso da mulher
ao preventivo
Faltam
vagas/horários
... ... ... ... ...
Cb6 (no Município) A princípio a gente tinha alguns
treinamentos, todo ano a gente tinha treinamento
de atualização, mas faz tempo que a gente não tem.
Força de
Trabalho
Capacitação Freqüência dos
treinamentos
Cb10 a respeito de orientação sobre DST, a gente tem
dificuldade. [...]É sexualidade em geral é difícil. É
bem complicado porque [...] tem que falar da
maneira correta, de uma maneira neutra [...] é
complicado, pois cada um tem as suas crenças
Organização do
serviço
Atuação dos
profissionais
Percepção do Seu
processo de trabalho
Cb11 Na atuação da equipe eu não tenho muita
dificuldade, porque quando [...] mulheres chegam
aqui com queixa, tu é obrigada a passar para o
médico na hora, não dá para esperar um mês, não
dá para esperar um dia.
Organização do
serviço
Aspectos
Relacionais
Na Unidade Básica
... ... ... ... ...
Cb14 não dá para mandar a pessoa (com queixa) ir
embora e marcar para daqui um mês
Organização do
serviço
Atuação dos
profissionais
Envolvimento e
interesse na
prevenção
Cb15 o pessoal da enfermagem, eu acho que elas têm
pouco conhecimento.
Força de
Trabalho
Capacitação Necessidade de
Treinamento e de
Aprender
... ... ... ... ...
Cb17 na hora que a pessoa vem com a queixa, ela não
quer saber quem é o enfermeiro. Ela não sabe
quem é o responsável que faz, que sabe, ela
pergunta para o auxiliar, para o técnico.
Força de
Trabalho
Capacitação Competência
Técnica
Cb18 E as vezes a pessoa (técnico e auxiliare de
enfermagem) não sabe, manda embora, marca
consulta. Uma coisa que já pode orientar na hora.
Pode resolver na hora.
Organização do
serviço
Atuação dos
profissionais
Percepção do
Processo de trabalho
da equipe
... ... ... ... ...
Cb23 este contato com os outros colegas assim de
informação, de encaminhamento, também é
tranqüilo. [...]se precisar de alguma coisa a gente
sempre se entende.
Organização do
serviço
Aspectos
Relacionais
Na Unidade Básica
... ... ... ... ...
Cb60 A gente já tem uma comunidade mais... não
responsável, mas mais esclarecida.
Objeto de
Trabalho
Percepção sobre a
mulher com relação
ao preventivo
Aceitação do
exame/
Conscientização
Cb 62 o pessoal participa mesmo, da comunidade toda. É
legal
Objeto de
Trabalho
Percepção sobre a
mulher com relação
ao atendimento
Qualidade do
atendimento/
Participação mulher
266
APÊNDICE L - Quadro de Categorias Temáticas
Exemplo da Categoria Temática: Organização do Serviço
Código
Registro Categoria
Temática
Subcategoria Conteúdo
Ar23 a gente tem uma conversa livre, uma conversa...
não fico falando palavras difíceis, falo bem no
linguajar da população
Organização do
serviço
Aspectos
Relacionais
Na Unidade Básica
Ce33 o médico do PSF ele não faz exame
ginecológico. Porque ele também não sente
segurança em fazer. A maioria deles não faz.
Organização do
serviço
Atuação dos
profissionais
Percepção do Processo
de trabalho da equipe
Cb9 O pessoal (da Secretaria) dá um suporte, mas
presença física, isso não. Via telefone a gente
consegue, as vezes, esclarecer.
Organização do
serviço
Aspectos
Relacionais
Com outras instâncias
An10 No Município quem leva os centros de saúde é
o PSF, o enfermeiro do PSF.
Organização do
serviço
Funcionamento
dos Serviços
Funcionamento do
Município
Ar27 a população sempre tem, nunca falta ninguém a
gente sempre tem paciente para atender
Organização do
serviço
Funcionamento
dos Serviços
Captação e Acesso das
Mulheres
Ce35 Eu acho que o diálogo, na hora que tu faz [...] a
experiência daquele primeiro exame ela leva
para o resto da vida e não quer mais saber de
fazer.
Organização do
serviço
Aspectos
Relacionais
Na Unidade Básica
Ga8 A falta de preocupação deles em estar pegando
a clientela e estar informando, prevenindo
[...]As vezes atendendo as pessoas por atender
Organização do
serviço
Atuação dos
profissionais
Envolvimento e interesse
na prevenção
Pe5 Agora a gente tem até uma ginecologista que
está até resolvendo algumas coisas, mas antes
era muito complicado.
Organização do
serviço
Atuação dos
profissionais
Percepção do Processo
de trabalho da equipe
Ja21 (Na equipe) o perfil do profissional, muitas
vezes, não está muito voltado para essa
prevenção
Organização do
serviço
Atuação dos
profissionais
Percepção do Processo
de trabalho da equipe
Ag62 Uma relação maior, que houvesse maior
comunicação entre os membros da equipe.
Existe em alguns momentos e em outros
momentos não.
Organização do
serviço
Aspectos
Relacionais
Na Unidade Básica
Mo103 Eu estava bem mais insegura quando eu
comecei a fazer, agora eu já sinto que eu estou
mais segura com relação...
Organização do
serviço
Atuação dos
profissionais
Percepção do Seu
processo de trabalho
Eu6 (no Município deveria) todo mundo falar a
mesma língua, fazer... tornar um atendimento
padrão
Organização do
serviço
Funcionamento
dos Serviços
Funcionamento do
Município
Ca25 No Município o acesso que eu acho que é fácil,
porque as pacientes não precisam ir até o
serviço de origem dela, elas podem ir a
qualquer centro de saúde.
Organização do
serviço
Funcionamento
dos Serviços
Captação e Acesso das
Mulheres
Pi25 eu acho que de uma maneira geral a gente
caminha em conjunto, senão não daria certo.
(enfermeira e equipe de enfermagem)
Organização do
serviço
Aspectos
Relacionais
Na Unidade Básica
Mo8 não dá para todo mundo que quer fazer o
preventivo
Organização do
serviço
Funcionamento
dos Serviços
Captação e Acesso das
Mulheres
... ... ... ... ...
267
APÊNDICE M - Quadro de Subcategorias Temáticas
Exemplo da Categoria Temática: Organização do Serviço
Subcategoria: Aspectos Relacionais
Código
Registro Categoria
Temática
Subcategoria Conteúdo
Ar23 a gente tem uma conversa livre, uma conversa...
não fico falando palavras difíceis, falo bem no
linguajar da população
Organização do
serviço
Aspectos
Relacionais
Na Unidade Básica
Eu22 Às vezes por telefone mesmo, não precisa nem
encaminhar memorando, eles já te mandam o que
tu está precisando.
Organização do
serviço
Aspectos
Relacionais
Com outras
instâncias
Ar37 a gente cria um vínculo assim com a paciente. Eu
acho que isso é uma facilidade que a gente tem.
Organização do
serviço
Aspectos
Relacionais
Na Unidade Básica
Cr60 eu acho que já parte mesmo da Coordenação do
Programa (no Município) uma imagem negativa
das coletas do preventivo por parte do enfermeiro
Organização do
serviço
Aspectos
Relacionais
Com outras
instâncias
Ce35 Eu acho que o diálogo, na hora que tu faz [...] a
experiência daquele primeiro exame ela leva para
o resto da vida e não quer mais saber de fazer.
Organização do
serviço
Aspectos
Relacionais
Na Unidade Básica
Ag23 O laboratório, eu gosto dele, apesar da demora.
Mas eu vejo assim que melhorou [...] O problema
é que ele é referência para muitas unidades de
saúde
Organização do
serviço
Aspectos
Relacionais
Com outras
instâncias
Mo73 Uma coisa legal que eu já passei pelo corredor e
muitas falaram assim: “eu só quero fazer se for
contigo!”
Organização do
serviço
Aspectos
Relacionais
Na Unidade Básica
Ca46 Quando veio a coordenação, até não faz muito
tempo, como foi bom. [...] A gente esclareceu um
monte de dúvidas, mudou um monte de coisas,
não só em relação ao preventivo...
Organização do
serviço
Aspectos
Relacionais
Com outras
instâncias
Lu45 eu já estou há 3 anos aqui, então tem pessoas que
eu conheço bastante e até quem mora com elas.
Organização do
serviço
Aspectos
Relacionais
Na Unidade Básica
Cb25 a gente, também, é sempre bem atendido (pelo
pessoal do Programa). Não tem problema de
comunicação.
Organização do
serviço
Aspectos
Relacionais
Com outras
instâncias
Ta21 (Facilidade na sua atuação) proximidade. A
relação que geralmente a enfermeira tem com as
paciente, principalmente enfermeira mulher
Organização do
serviço
Aspectos
Relacionais
Na Unidade Básica
... ... ... ... ...
268
10 ANEXO
269
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