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MARIA DE LOURDES CAMPOS HAMES
AMARRAS DA LIBERDADE:
REPRESENTAÇÕES MATERNAS DO PROCESSO DE AMAMENTAÇÃO-
DESMAME DE CRIANÇAS COM IDADE SUPERIOR A DOIS ANOS
FLORIANÓPOLIS
2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM
DOUTORADO EM ENFERMAGEM
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: FILOSOFIA, SAÚDE E SOCIEDADE
MARIA DE LOURDES CAMPOS HAMES
AMARRAS DA LIBERDADE:
REPRESENTAÇÕES MATERNAS DO PROCESSO DE AMAMENTAÇAÕ-
DESMAME DE CRIANÇAS COM IDADE SUPERIOR A DOIS ANOS
FLORIANÓPOLIS
2006
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© Copyright 2006 – Maria de Lourdes Campos Hames.
Ficha Catalográfica
H212a Hames, Maria de Lourdes Campos
Amarras da liberdade: representações maternas do processo de
amamentação-desmame de crianças com idade superior a dois anos /
Maria de
Lourdes Campos Hames — Florianópolis (SC): UFSC/PEN, 2006.
176 p.; il.
Inclui bibliografia.
1. Saúde – Mulher. 2. Amamentação – Desmame. I. Autor.
CDD 18ª ed. – 610.736 78
Catalogado na fonte por Lidyani Mangrich dos Passos – CRB14/697 – ACB439.
MARIA DE LOURDES CAMPOS HAMES
AMARRAS DA LIBERDADE:
REPRESENTAÇÕES MATERNAS DO PROCESSO DE AMAMENTAÇÃO-
DESMAME DE CRIANÇAS COM IDADE SUPERIOR A DOIS ANOS
Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em
Enfermagem da Universidade Federal de Santa
Catarina, como requisito final para obtenção do título
de Doutor em Enfermagem na Área de Concentração:
Filosofia, Saúde e Sociedade.
Orientadora: Dra. Telma Elisa Carraro
FLORIANÓPOLIS
2006
Dedico este estudo a todas as mulheres...
Mulheres “Marias”, por hora perdidas, ás vezes encontradas,
caladas, gritantes, sensíveis e de guerra. Que se agarram ao viver
e se deixam perder, pelo amor a seus filhos que as fazem sofrer,
que lhes dão alegrias, que não as deixam esconder.
Que nos acertos e nos erros se dizem felizes e se
reconhecem...eternas aprendizes!
Maria de Lourdes Campos Hames. (2006)
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Agradecimentos
A Deus, que traça os caminhos da minha vida e me dá a
oportunidade de renascimento a cada dia.
A meu pai (in memorian) pelo ensinamento da humildade, último grau da
sabedoria que o ser humano pode alcançar e pela grandeza que representou na
sua passagem pelo mundo da vida. Que sua luz continue a brilhar na eternidade.
À minha mãe (Lilia), pela exemplo de esperança, luta e
perseverança. Mãe, sei dos teus momentos de sofrimento e das
tuas orações quando me sentias angustiada, sem muita
perspectiva. Sei dos dias que chegasses em silêncio em minha
casa e, em silêncio saíste, pois me vias em frente a um
computador redigindo essa Tese e não querias me interrmper.
Saibas mãe, este foi um dos preços mais caros que paguei para
poder chegar até aqui... Por isso, te digo com a voz da minha
alma: este título também é teu! Serei Doutora em
Enfermagem... És Doutora da Vida!
A Pedro, meu marido, pelo estímulo e companheirismo constante ao longo dessa
trajetória. O teu amor me fez lutar! Foram muitas as noites de luzes acesas no
quarto! E tu, sobre a cama sempre a me esperar. Ás vezes me virava e te via
dormindo. Só então me dava conta do adiantado da hora. Quero te dizer, mesmo
dormindo, tua presença se fazia força e me impulsionava a ir além. Amo-te cada
dia mais e mais!
A meus filhos Pedro Felipe e Camila, por crescerem comigo em
sabedoria e independência nos últimos quatro anos. Saibam,
8
meus amores, meus recolhimentos e ausências foram necessários,
tanto para mim, quanto para vocês. Vivemos juntos, ou melhor,
ainda estamos vivendo e negociando, nosso segundo desmame: o do
crescimento da independência, o “adultecer”. Há de ser assim... é
da natureza! Sejam felizes naquilo que desejarem e jamais se
afastem do bem. O amor que construímos, nada poderá apagar!
À minhas duas irmãs Telma Campos da Cunha e Adriana Dutra Tholl, uma
de sangue e coração, outra de amor e compartilhamento. Amigas de sempre!
Lembro das palavras de apoio, do carinho, das ajudas práticas, das chegadas
sem hora marcada, da constante disposição. Vocês foram minhas outras mãos e
cabeça, verdadeiros anjos que me impulsionaram a escalar os degraus deste
saber. Diivido com vocês o título que receberei!
Á minha grande família: Teófilo, Andréia, Eduardo, Eloísa,
Alexandre e Priscila; Sílvio, Telma, Juninho, Elisa e Mônani
e Hélen e Willian; Antônio Carlos, Marlete, Fábio, Aline e
Marlon; Elson, Olindina, Bruna e Matheus; Odair, Maria
Aaparecida, Caroline e Maria Eduarda. Poder contar com vocês
foi mais uma bênção de Deus, pois algo maior não pode existir.
O apoio familiar, revelados pela paciência e compreensão
preencheu as diversas falhas que fui tendo por força das
circunstâncias e me tornou mais forte. Obrigada!
Ao meu sogro Amâncio e minha sogra Maria, pelo exemplo de vida, valor e
afetividade.
Aos meus afilhados- filhos de coração: Derilson, Elisa, Fábio,
Fabiano, Bruna e Caroline.
9
À Professora Orientadora e Amiga Telma Elisa Carraro (Pós-Doutora). pela
abertura e grandeza de espírito revelada desde o primeiro acolhimento, por saber,
com delicadeza, abrir-me as portas para o crescer e o saber, fazendo críticas e
sugestões relevantes ao bom êxito dessa Tese e pela disponibilidade revelada ao
longo destes quatro anos de orientação.
À Dra.ívis Emília de Souza que compõe a Banca
Examinadora, por aceitarem avaliar essa Tese.
Ás amigas Ana Cristina Tavares dos Santos, Dionice Furlani, Nen Nalu
Alves das Mercês e Silmara da Costa Maia. Mulheres fortes de almas
sublimes, que souberam sorrir e chorar comigo. Vocês se fizeram cais e me
permitiram aportar durante as tempestades de desespero e ansiedade.
Às duas grandes amigas de encontro e (re)-encontro nesse Curso:
Celina Maria Araújo Tavares e Maria de Fátima Motta
Zampieri.
A quatro almas iluminadas que comigo caminham e me protegem, Cléa Prá,
Lígia Dutra, Maria da Neves Schweitzer e Zislene Cardoso Nogueira.
As sempre amigas Daniela Laureano, Eli Siebert, Ingrid
Bertold, Lindaura dos Santos Júlio, Luciana Mendes,
Maria de Fátima Padilha, Rose Junckes da Silva Mattos,
Tânia Soares Rabello e ao amigo Antônio Schweitzer.
Ás colegas das diversas unidades que compõe a Maternidade do Hospital
Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina.
10
Á Universidade Federal de Santa Catarina e seus professores,
berço do meu aprendizado e formação da graduação ao doutorado.
Me orgulho de fazer parte dessa história.
Ás(aos) colegas de turma, pelos momentos de convívio e as pelas trocas de
saberes.
Á Claudia Crespi Garcia, Sr. José Jorge Cortês Siqueira e
Odete Maria da Rosa,. pela disponibilidade e apoio constante
ao longo dessa trajetória.
À Universidade do Vale do Itajaí.
Ás mulheres participantes do estudo, razão desse sucesso. Foi
com as palavras de vocês que estruturei esses saberes. Obrigada
por me abrirem as portas de suas casas de e seus corações e me
receberem com naturalidade e comprometimento.
Honra ao Mérito
Muitas vezes, só agradecer não basta! É preciso mais quando abrigamos anjos
em nossos espaços. Eu sei que durante toda a minha vida e, principalmente, ao
longo dos últimos quatro anos, convivi com divindades que têm forma e nome de
gente, mas agem como seres superiores, tornando-se a essência da magia, fonte
de constante energia, persistência e luta para com os que com eles co-existem. A
eles é preciso honrar... Por isso, simbolicamente, coloco no peito de cada uma
dessas pessoas a medalha de honra ao mérito:
Adriana Dutra Tholl / Celina Araújo Tavares/ Elson Luiz de Campos/
Maria Oliveira de Campos/ Olindina Renaud Pacheco de Campos/
Pedro Hames/ Telma Elisa Carraro/
Telma Campos da Cunha /Silmara da Costa Maia
A história já mostrou que muitas pessoas de valor nem sempre foram reconhecidas na sua época!
Para vocês, minha homenagem!
HAMES, Maria de Lourdes Campos. Amarras da liberdade: representações maternas do
processo de amamentação-desmame de crianças com idade superior a dois anos, 2006. 176p.
Tese (Doutorado em Enfermagem) – Curso de Pós-graduação em Enfermagem, Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2006.
Orientadora: Dra. Telma Elisa Carraro.
RESUMO
O processo de amamentação mostra-se imbricado em uma espessa rede de valores
constituindo-se numa junção multidimensional e exigindo diferentes abordagens e
intervenções para uma atuação efetiva na problemática nos dias atuais. Considerando a
escassez de estudos que abordam o processo de desmame enquanto parte do amamentar bem
sucedido na perspectiva da mulher, operacionalizei a pesquisa que originou esta Tese,
objetivando conhecer as representações maternas do processo de amamentação-desmame de
crianças com idade superior a dois anos. A pesquisa envolveu trinta e duas mulheres
residentes em treze localidades do município de Biguaçu, em Santa Catarina, cujos filhos
haviam nascido no período de outubro de 2002 a outubro de 2003. Constituiu-se de uma
pesquisa qualitativa de caráter exploratório-descritivo, que teve como referencial teórico a
Teoria das Representações Sociais, de Serge Moscovici. Para a coleta dos dados foram
utilizados instrumentos como a entrevista individual semi-estruturada, o diário de campo, bem
como, a escuta sensível. Os dados obtidos foram transcritos e validados pelas participantes,
para serem utilizados no estudo. Foram cumpridas as normas das Resoluções 196/96 e 251/97
do Conselho Nacional de Saúde, que trata da pesquisa envolvendo seres humanos.
Operacionalizada através de sessenta e quatro encontros (trinta e dois para coleta dos dados e
trinta e dois para validação dos mesmos) face à face com as participantes, em seus domicílios,
os dados obtidos foram analisados à luz do referencial teórico de escolha. Desta análise foi
possível identificar três temas. O primeiro tema, denominado “Eu amamentei meu filho por
mais de dois anos e desmamei, apesar de tudo!”, trata da representação dos sentimentos
maternos no amamentar-desmamar e mostra a complexidade que envolve o processo para
quem o vivencia. Em suas representações, únicas e irrepetíveis, estas mulheres colocaram
sentimentos e significados, muitas vezes contraditórios, mostrando a ambigüidade que cerceia
o processo e o simbolismo que o comporta, enquanto possibilidade de crescimento ou amarra
ideológica. No segundo tema, “Como aconteceu o desmame”, apresento os contornos do
desenho que o amamentar-desmamar riscou na vida destas mulheres. As práticas de desmame
identificadas deixaram transparecer a evidência que, de certa forma, elas agem com base nos
conhecimentos e formas aceitas e conhecidas no meio familiar e social em que se inserem,
prevalecendo a vontade e o interesse da criança sobre os da mãe. O terceiro tema, “Quem
amamentou o João, que o desmame!”, aponta as insistentes tentativas de camuflagem social
da violência perpetrada na esfera privada do amamentar-desmamar na perspectiva do ser
mulher, alertando para a existência de realidades silenciadas e tornadas imperceptíveis pela
convivência social, cujas práticas familiares e profissionais coniventes, tornam-se geradoras
de um desamparo cuidativo. No aprofundamento das relações interpessoais foi possível
identificar a influência da construção social do modelo de maternidade (ideal da boa mãe) e a
mística da unidade mãe-criança, bem como, a necessidade de individuação dos sujeitos
envolvidos no processo. Finalmente, o estudo me permitiu concluir que não há, atualmente,
um posicionamento epistemológico, que dê sustentação aos argumentos da mulher nutriz em
suas crises e conflitos no processo de amamentar-desmamar.
Palavra chave: Saúde da mulher. Amamentação. Desmame.
HAMES, Maria de Lourdes Campos. Amarras de la libertad: representaciones maternales del
proceso amamantar-despechar de niños que tienen más de dos años de edad, 2006. 167f. Tesis
(Doctorado en Enfermage) - Curso de Pos-graduación en Enfermage, Universidad Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2006.
Orientadora: Dra. Telma Elisa Carraro
RESUMEN
El proceso del amamantar se muestra imbricado en una espesa red de valores que se constituye en
una junción multidimensional y exige diferentes abordages y intervenciones para una actuación
efectiva en la problemática en los días actuales. Considerando que hay una escasez de estudios
que abordan el proceso de despecho mientras parte del amamantar bien sucedido en la perspectiva
de la mujer, he operacionado la pesquisa que originó esta Tesis, on el objetivo de conocer las
representaciones maternales del proceso de amamantar-despechar de niños que tienen más de dos
años de edad. La pesquisa há envuelto treinta y dos mujeres residentes en trece localidades del
municipio de “Biguaçu”, en Santa Catarina, cuyos hijos havian nacido en el periodo desde octubre
de 2002 hasta octubre de 2003. Se constituyó de una pesquisa calitativa de carácter explotatorio-
descritivo, que tuvo como referencial teórico la Teoria de las Representaciones Sociales, de Serge
Moscovici. Para la colecta de los dados han sido utilizados instrumientos como la entrevista
individual semi-estruturada, el diario de campo, asi como tambien el escucha sensible. Los dados
adquiridos han sido transcritos y validados por las participantes, para que fueran utilizados en el
estudio. Fueron complidas las normas de las Resoluciones 196/96 y 251/97 del Consejo Nacional
de la Salud, las cuales se tratan de la pesquisa envolviendo seres humanos. Operacionalizada por
sesenta y cuatro encuentros (treinta y dos para colecta de los dados y treinta y dos para la
validación de los mismos) cerquita de las participantes, en sus domicilios mas precisamente, los
dados adquiridos fueron analisados de acuerdo con el referencial teórico escojido. De esta análise
fue posible identificar tres temas. El primer tema, nombreado “Amamanté mi hijo por más de dos
años y lo despeché, apesar de todo!”, se trata de representación de los sentimientos maternales en
el proceso amamantar-despechar y muestra la complexidad que envuelve el proceso para quién lo
vive. En sus representaciones, únicas y sin repeticiones, estas mujeres pusieron sentimientos y
significados, muchas veces contradictorios, mostrando la ambiguidad que se envuelve en el
proceso y el simbolismo que lo comporta, mientras posibilidad de crescimiento o amarra
idiológica. En el segundo tema, “Como ocurrió el despecho”, presento las líneas del dibujo que el
mamamantar-despechar a dibujó en la vida de estas mujeres. Las prácticas del despecho
identificadas dejarón transparecer la evidencia de que, de cierta forma, ellas actuan com base en
los conocimientos y maneras aceptas y conocidas en el medio familiar y social en que ellas se
encuentran, prevaleciendo la voluntad y el interés del niño sobre los de la madre. El tercer tema
“Quien amamantó a Juan, que lo despeche” apunta las insistentes tentativas de camuflaje social de
la violencia perpetrada en la esfera particular del amamantar-despechar en la perspectiva del ser
mujer, alertando para la existência de realidades que son silenciadas y tornadas imperceptibles por
la convivencia social, cuyas prácticas familiares y profisionales conniventes, se tornan geradoras
de un desamparo cuidativo. En el aprofundamiento de las relaciones interpersonales ha sido
posible identificar la influencia de la construcción social del modelo de la maternidad (un ideal de
la buena madre) y la mística de la unidad madre-niño, asi como también, la necesidad de
individualización de los sujectos envueltos en el proceso. Finalmente, el estudio me ha permitido
concluir que no hay, actualmente, un posicionamento epistemológico, que sostenga a los
argumientos de la mujer nutriz en sus crises y conflictos en el proceso de amamantar-despechar.
Palabra clave: Salud de la mujer. Amamantación, Despecho.
HAMES, Maria de Lourdes Campos. Morring cables of the freedom: maternal
representations of the process of breast-feeding/weaning of children with superior age the two
years. 2006. 176f. Thesis (Doctorate in Nursing) – Course of After-graduation in Nursing,
Federal University of Santa Catarina, Florianópolis, 2007.
Mastermind: Dra. Telma Elisa Carraro
ABSTRACT
The breast-feeding process reveals imbricated in a thick net of values consisting in a
multidimensional junction and demanding different approachings and interventions for an
effective performance accomplishes in the problematic of the current days. Considering the
scarcity of studies that approach the wean process while part of successful breastfeed in the
perspective of the woman, I accomplished the research that originated this Thesis,
objectifying to know the maternal representations of the process of breast-feeding/weaning of
children with superior age the two years. The research involved thirty-two resident women in
thirteen localities of the city of Biguaçu, in Santa Catarina, whose children had been born in
the period between October 2002 and October 2003. It was consisted of a research qualitative
of character exploratory-descriptive, that the Theory of the Social Representations had as
referencial theoretician, de Serge Moscovici. For the collection of the data instruments had
been used as the half-structuralized individual interview, the daily of field, as well as, sensible
listening. The gotten data had been transcribed and validated by the participants, to be used in
the study. The norms of Resolutions 196/96 and 251/97 of the National Advice of Health had
been fulfilled, that it deals with the research involving human beings. It was executed through
sixty-four meetings (thirty-two for collection of data and thirty-two for validation of the same
ones), face to face with the participants, in its domiciles, the gotten data had been analyzed to
the light of the theoretical reference of choice. In this analysis it was possible identify three
subjects. The first subject, called “I breastfed my son for more than two years and weaned,
although everything! ”, it deals with the representation of the maternal feelings in breast-
feeding/weaning and shows the complexity that involves the process for who lives deeply it.
In theirs representations, only and non-repeatedly, these women had placed feelings and
meanings, many times contradictories, showing the ambiguity that surrounds the process and
the symbolism which infix itself, while possibility of growth or ideological mooring cable. In
the second subject, “How did it happen the weaning”, I present the contours of the drawing
that breast-feeding/weaning scratched out in the life of these women. The identified practices
of weaning had left to be transparent the evidence that, of certain form, they act on basys in
the knowledge and accepted and known forms in the familiar and social way where they are
inserted, taking advantage the will and the interest of the child on the ones of the mother. The
third subject, “Who breastfed João, who weans him!”, it points the insistent attempts of social
camouflage of the violence perpetrated in the private sphere of breast-feeding/weaning in the
perspective of the being woman, alerting for the existence of silenced realities and it becomes
imperceptible for the social acquaintanceship, whose familiar and professional practices are
conniving, they become generating of a careful abandonment. In the deepening of the
interpersonal relations it was possible identify the influence of the social construction of the
maternity model (ideal of the good mother) and the mystique of the unit mother-child, as well
as, the necessity of individuation of the involved citizens in the process. Finally, the study
allowed me to conclude that it does not have, currently, an epistemological positioning, that it
gives sustentation to the arguments of the wet nurse woman in its crises and conflicts in the
process breastfeed-wean.
Key Word: Woman’s health. Breast-feeding. Weaning.
Somos um!
O meu sim é diferente do seu, assim sua história é diferente da minha...
Não viemos ao mundo por acaso, simplesmente por vir.
Temos um lugar a ocupar, um papel à nossa espera, uma missão a cumprir.
Um apelo nos é feito a cada instante e nossa resposta é urgente e inadiável,
única e singular.
Esta é a responsabilidade de cada um: a certeza de que somos insubstituíveis, na
íntegra, porque ninguém é igual, pessoa alguma é igual a mim ou a você.
O meu sim é diferente do seu, assim como a sua história é diferente da minha.
Mas, embora únicos, não vivemos separados.
Fazemos parte de um bloco, de uma gigantesca engrenagem, que depende de
cada um isoladamente.
Há uma ligação constante e permanente de cada um com o todo.
O mundo, a humanidade, depende da minha decisão, da sua ação, do meu
espírito, da sua inteligência, do meu otimismo, da sua compreensão, do meu
amor.
Se você se esquivar, se você negar a sua parte, haverá uma lacuna e ninguém
poderá preenchê-la. O que é seu, só você mesmo pode dar. Porque você é único.
O mal do nosso tempo, o nosso mal, é acusar o mundo e a humanidade, como se
não fizéssemos parte dele e fôssemos, tão somente, simples expectadores.
O mundo somos nós, nós somos a humanidade.
(Autor desconhecido)
LISTA DE IMAGENS
Imagem 01 http://inlisboa.com/Newsletter/Newscon1.htm ............................... 01
Imagem 02 http://inlisboa.com/Newsletter/Newscon1.htm ............................... 05
Imagem 03 http://aleitamento.org.br/galeria/pmoden5.htm ............................ 18
Imagem 04 http://aleitamento.org.br/galeria/pmoden51.htm .......................... 26
Imagem 05 http://aleitamento.org.br/galeria/pmoden20.htm .......................... 59
Imagem 06 http://aleitamento.org.br/galeria/pmoden27.htm .......................... 72
Imagem 07 http://ibge.org.br/mapavirtual/pmoden44.htm .............................. 89
Imagem 08 http://aleitamento.org.br/galeria/pmoden46.htm .......................... 97
Imagem 09 http://ibge.org.br/mapavirtual/pmoden49.htm .............................. 147
Imagem 10 http://aleitamento.org.br/galeria/pmoden50.htm .......................... 155
SUMÁRIO
LISTA DE IMAGENS .................................................................................................... 15
1 UM COMEÇO DESVELADO E APROVADO PELO FIM...................................20
2 RECORTES NECESSÁRIOS À COMPREENSÃO DA AMAMENTAÇÃO E DO
DESMAME - UMA PASSAGEM PELA LITERATURA ...............................................28
2.1 Na episteme do processo de amamentação... o conhecimento dado e o negado...28
2.2 Sobre o desmame – conceitos, recortes históricos e implicações...........................32
2.2.1 Vantagens da amamentação prolongada para a mulher ............................................40
2.2.2 Vantagens da amamentação prolongada para a criança ............................................42
2.3 Decidindo sem livre arbítrio, com pouco conhecimento e sem apoio - a situação
materna no processo de amamentação-desmame..........................................................45
2.4 A harmonia conflitual expressa nas categorias de desmame..................................53
2.5 A expressão das práticas de desmame usualmente utilizadas no mundo ocidental
e os motivos para sua utilização ......................................................................................56
3 O REFERENCIAL TEÓRICO..................................................................................61
3.1 A gênese da Teoria das Representações Sociais e a polissemia do conceito.........63
3.2 Críticas à Teoria das RS ............................................................................................66
3.3 Os processos formadores da TRS, seus pressupostos e sua aplicabilidade..........68
4 DESCREVENDO OS CAMINHOS METODOLÓGICOS.....................................74
4.1 O município de Biguaçu - local escolhido para o desenvolvimento do estudo......74
4.1.1 Alguns recortes históricos .........................................................................................76
4.1.2 Aspectos geo-políticos-econômicos atuais................................................................ 78
4.1.3 A saúde no município................................................................................................78
4.2 Os sujeitos da pesquisa...............................................................................................79
4.2.1 Processo para determinação das participantes da pesquisa .......................................80
4.3 Instrumentos e métodos para coleta e registro dos dados .....................................82
4.4 Interpretação e análise dos dados ............................................................................85
4.5 O respeito aos princípios éticos ................................................................................88
5 UMA BREVE APRESENTAÇÃO DOS SUJEITOS DO ESTUDO........................91
6 DESCREVENDO, DISCUTINDO E COMPREENDENDO O PROCESSO DE
AMAMENTAR-DESMAMAR CRIANÇAS COM IDADE SUPERIOR A DOIS
ANOS.................................................................................................................................99
6.1 Eu amamentei meu filho por mais de dois anos e desmamei, apesar de tudo!..100
6.2 Como aconteceu o desmame....................................................................................121
6.3 Quem amamentou o “João”, que o desmame!......................................................141
7 DE TUDO FICOU O AMOR ... DA MÃE PELO FILHO(A)... DO FILHO(A)
PELA MÃE.....................................................................................................................149
REFERÊNCIAS..............................................................................................................157
18
APÊNDICES...................................................................................................................168
ANEXOS..........................................................................................................................173
O desejo não tem a ver com qualquer espécie
de essência espontânea, mas com artifício,
criação de sentido, produção de mundo.
Félix Guatari e Suely Rolnik (1996
)
Imagem
3
UM COMEÇO DESVELADO E APROVADO PELO FIM
As inquietudes do meu ser enfermeira sempre me impulsionam a desafios e
descobertas. Ora, sabemos que ao desvelar realidades outras se colocam,
interdependentes e necessárias, embora até então oclusas na nossa ignorância de
perceber o vivido com a profundidade que o mesmo sucita. E foi isto que aconteceu
comigo. Mesmo antes de iniciar o Doutorado, já sentia despertar o desejo da
continuidade, da complementação do saber. A vivência de dois Cursos de
Especialização em Projetos Assistenciais em Enfermagem e Enfermagem Obstétrica,
aliada à experiência do Mestrado nessa
1
Universidade ao longo dos últimos cinco
anos, pontuou meu crescimento pessoal e profissional e despertou novos
questionamentos.
Embora o objetivo da dissertação que desenvolvi no Curso de Mestrado
(HAMES, 2001) estivesse centrado no reconhecimento dos conflitos maternos para o
amamentar, a utilização de determinadas estratégias metodológicas como a escuta
sensível (BARBIER, 1993) e a observação participante (HAGUETTE, 1992),
trouxeram ao contexto relacional o tema que agora apresento como proposta de
pesquisa para o Doutorado: - as representações maternas do processo de desmame
2
de
crianças com idade superior a dois anos.
Isto porque o relato das participantes a respeito do processo de amamentar
mostrou claramente que o período de desmame traz, embutido em seu simbolismo,
uma série de tabus e preconceitos que levam a mulher, muitas vezes, ao abandono em
termos assistenciais, por considerar apenas as normas pré-estabelecidas da
puericultura, convencionalmente utilizadas, cujos condicionantes biológicos se
1
Universidade Federal de Santa Catarina
2
Desmame compreendido como o processo de introdução de alimentos na dieta da criança, além do leite
materno, após os seis meses, até a exclusão completa da amamentação (CARVALHO, 2004).
21
sobrepõem aos culturais e sociais. Desta forma, minimizava a complexidade do
desmamar, transformando este processo em ato solitário, a ser resolvido entre a mulher
e o filho(a). Destarte, o profissional se exclui das ações de educação em saúde e apoio
neste momento, para além do biologicamente determinado; ações que poderiam ser
essenciais para a passagem pelo processo de forma mais amena para os sujeitos
envolvidos.
Talvez seja pertinente colocar, neste momento, porque utilizo o termo
amamentação e não aleitamento materno em meu discurso pessoal e profissional, já
que o segundo é o termo que aparece como descritor na maioria das Bases de Dados
oficialmente reconhecidas. Pois bem, não é apenas uma questão de semântica. Penso
que aleitamento materno, embora seja usado como sinônimo de amamentação sugere
um processo unilateral de responsabilidade exclusiva da mulher. Por outro lado, o
termo amamentação deixa transparecer uma certa reciprocidade, diria até uma
cumplicidade que envolve, no mínimo, dois sujeitos mulher e criança, instigando o
diálogo, pois traz em seu bojo a proximidade com a palavra mãe e mama.
(CARRARO; SOUZA, 2004).
No desenvolvimento da pesquisa que originou a monografia Representações
maternas do saber e da prática da amamentação (HAMES, 2002), no Curso de
Especialização em Enfermagem Obstétrica, com certa freqüência, a fala das mulheres
deixava transparecer que, além do início, também o fim do processo trazia embutido
não apenas uma aparente ou real harmonia, mas também um conflito expresso ou
velado. Conflito superficialmente compreendido, e dotado de duplo sentimento: - o da
necessidade estruturante da condição de individuação dos sujeitos envolvidos mulher-
criança e, desta forma, vivido em aparente harmonia e o do lado amargo e sofrido da
consciência desperta da mulher que se rebela contra o instituído que a destituí da
capacidade de definir, a seu critério, o tempo adequado para amamentar o filho (a).
Tal fato pode ser expresso nas constantes procura à triagem (emergência)
obstétrica de mulheres em processo de desmame abrupto, com seios ingurgitados e
lágrimas nos olhos. Lágrimas que não são apenas de dor física, mas também de
compadecimento pelo seu sofrimento psicológico e pelo sofrimento da criança.
22
Situação que por necessidade material ou por imposição familiar e/ou social, acabam
obedecendo, sem atentar para seus próprios limites físicos e psicológicos.
A escassez de estudos que abordam o processo de amamentação prolongada e
desmame enquanto parte do processo de amamentar bem sucedido na perspectiva da
mulher em questão, parece naturalizar e universalizar o vivido, como que a ignorar a
sua multidimensionalidade imbricada de condicionantes sociais e culturais. Parece-me
ainda que quanto maior é a idade da criança em processo de desmame, mais limitadas
e confusas são as orientações científicas sobre a questão. Isto porque, com raras
exceções, procuram avançar para além das concepções biologicistas. Há um pano de
fundo social que mascara esta realidade para além da compreensão da maioria dos
sujeitos envolvidos, sejam eles profissionais de saúde, mulheres e/ou famílias. Algo
que só poderá ser apreendido pelo resgate da subjetividade e pela proximidade com os
mesmos, pois “o conhecimento humano evolui da experiência sensível à lógica
racional” (COLTRIN, 1996, p. 73), e é na práxis das relações sociais que se estabelece
a procura de uma realidade, mesmo que não a única, mesmo que não a definitiva.
Corroborando as citações anteriores, minha prática assistencial no Serviço de
Enfermagem de Emergência Obstétrica e Ginecológica de um hospital público de
Florianópolis e a experiência como docente em disciplinas que tratam do tema em uma
Universidade particular do estado, tem me mostrado que, com muita freqüência, as
mulheres chegam tanto ao início, quanto ao final da condição de nutrizes, não
reconhecendo a existência de dificuldades, desconhecendo ou conhecendo
superficialmente as formas de resolução dos estressores situacionais que o momento
comporta, podendo constituir-se fator de descrença no processo e desestímulo para
vivê-lo em outra situação de maternidade.
No cotidiano profissional do pesquisar-cuidar-educar para o processo, o
amamentar mostra-se imbricado em uma espessa rede de valores que envolve
mulheres, crianças, famílias, profissionais e sociedade, constituindo-se numa
combinação multidimensional, exigindo diferentes abordagens e intervenções para
uma atuação efetiva na problemática que é o ser mãe, amamentar e desmamar o
filho/a nos dias atuais. Considerando os dois lados do processo, a natureza e a cultura
23
pontuadas por Almeida (1999) e Almeida e Novak (2004), a necessidade desta
compreensão lança-se como perspectiva de saúde não apenas no plano biológico, mas
também de auto-realização dos sujeitos envolvidos. Concordo com os autores quando
fazem menção que estes dois significados atribuídos à amamentação surgem, ora
fundidos- quando os dois aspectos se associam de forma que um toma a denominação
do outro, ou seja, para que a amamentação possa ser perpetuada como um ato cultural,
ela deve ser assimilada como algo que faz parte da natureza, não cabendo
questionamento algum, ora afastados, quando depara-se com interpretações culturais
que não aceitam reduzir o ser humano à condição de um mamífero qualquer,
redirecionando e redimensionando o movimento natural da espécie humana.
No entanto, a mentalidade da construção social do biológico no cenário da
amamentação imposto pela Medicina Higienista do século XVIII, permanece
hegemônica na forma de pensar a temática nos nossos dias. Desta forma, os
profissionais tendem a supervalorizar o conhecimento científico em detrimento dos
demais, possibilitando o surgimento de construções cientificistas, cuja propriedade
discursiva visa atender os interesses de grupos sociais, afastando-se da realidade da
mulher e do filho(a) em questão e tornando o tema em um assunto de pouca relevância
científica, romântico e ultrapassado. (ALMEIDA; NOVAK, 2004).
Ao contrário do que se pensa, o processo de amamentação e o desmame como
parte do mesmo não é apenas um processo instintivo. Precisa ser ensinado e aprendido
numa relação que rompa com o instituído, em favor ou contra o instituinte. E esse
aprendizado precisa ser feito na dialogicidade da realidade, posibilitando a troca de
saberes, a espontaneidade e a subjetividade, para que o amamentar-desmamar sejam
mutuamente benéficos. (HAMES, 2001; ALMEIDA, 2004; ARAÚJO, 1997).
O desejo embutido na construção dessa Tese, as diferentes oportunidades de
interação, que vivenciei, não impõem a obrigatoriedade do seu esgotamento.
Compreendo que a vida não traz em sua trajetória a determinação definitiva, porque o
mundo e as pessoas são plurais e singulares ao mesmo tempo. Além disto, as verdades
científicas, temporais e permanentemente dinâmicas, nos mostram que o vivido é
sempre maior que qualquer descrição ou representação que se possa fazer dele,
24
principalmente quanto esse envolve um processo multidimensional como se configura
o amamentar-desmamar na sociedade atual e ao longo de toda a história da
humanidade.
Reconheço a necessidade emergente de trazer à comunidade acadêmica e à
sociedade, de uma forma geral, as construções e desconstruções do viver o processo de
desmame através das representações que as mulheres fazem do mesmo, pois minha
experiência docente-assistencial e os conhecimentos adquiridos ao longo da minha
vida acadêmica mostraram lacunas e vieses, que precisam ser trabalhados, tais como o
velamento dos conflitos, a supremacia do saber científico que sufoca e condiciona o
vivido, a pouca relevância dada pela academia em relação ao tema, as construções
ideológicas em torno da questão, entre tantos outros. Acredito, ainda, poder
proporcionar subsídios para identificar as necessárias mudanças qualitativas no agir-
educar do enfermeiro diante da situação de estudo, quer no plano formal, quer no
político, criando espaços para a formulação de novos questionamentos que direcionem
à sua autonomia intelectual, desafiando-o a trabalhar o pensamento diferente (não
antagônico) de viver o amamentar-desmamar, aceitando o contraditório para favorecer
crescimento na diversidade e aprender com o conflito.
Identificar, pela fala das mulheres, as potencialidades e limitações no viver e no
apreender o desmame na sua relação com o filho (a), família, comunidade acadêmica e
sociedade, através de suas próprias representações, acredito, faça parte de um
encaminhamento para o desvelamento do desenho que esta trajetória riscou em suas
vidas privadas. Este reconhecimento trará novas indagações, porque dinâmico é o
viver e o ser no mundo, desde a mais remota antiguidade. Duby e Perrot (1991, p.7),
em sua coleção que trata da história das mulheres no Ocidente, deixam claro, em
diversas partes da obra, que estas não tiveram, ao longo da evolução da humanidade, a
oportunidade de falar com liberdade de seus verdadeiros sentimentos e, quando os
falavam, estes eram escritos por homens; por isso menciona que “A história das
mulheres é, de certa forma, a história do modo como elas tomam a palavra”.
Concordo com Borges (1991) ao citar que as mulheres, na maioria das vezes, já
estão acostumadas ao silêncio e se nós não proporcionarmos tempo para que as
25
mesmas expressem suas dificuldades, elas terão dificuldade em romper estas barreiras
culturais sozinhas. Por isso, é necessário que o profissional de saúde aprenda a
estimulá-las para que elas possam romper o silêncio de coisas encaradas como tabus e
sobre as quais, durante anos, não foram estimuladas a falar.
Referindo-se às possibilidades de atuação da enfermeira na atenção à mulher no
ciclo gravídico-puerperal em nível institucional, Merighi (1998) menciona que a alta
demanda se contrapondo à escassez de recursos humanos e ao curto espaço de
permanência das mulheres na instituição, são fatores que dificultam o envolvimento
profissional com as mesmas, porém não deve impossibilitá-lo. Atuar de modo
impessoal, não permitirá a abertura de canais para a intercomunicação profissional-
mulher, empobrecendo o cuidado, essência da enfermagem, uma vez que impede que
as mesmas expressem o que realmente lhes é significante.
Quando ultrapassamos o determinismo da imutabilidade desta realidade em que
vivemos, temos a condição de nos libertarmos das barreiras lógico-ideológicas que se
apresentam como intransponíveis, desenvolvendo não apenas o nosso potencial crítico-
profissional para lidar com a situação, mas também, favorecendo o desenvolvimento
de uma consciência popular a respeito do processo de desmame. Afinal, as pessoas,
como seres históricos, não podem ser tratadas fora do pano de fundo da sociedade em
que vivem.
Isto porque nossa própria condição humana de sermos conscientes nos classifica
como sapiens sapiens, ou seja, o ser que sabe que sabe, característica que nos
diferencia enquanto seres humanos. Desta forma, projeta-se na nossa interioridade,
caracterizando a consciência de nós mesmos, nossa identidade enquanto movimento de
pertença e, na sua exterioridade, como consciência do outro (COLTRIN, 1996),
questões que encontrei no desenvolvimento desta pesquisa. No entanto, como salienta
Rouquette (2001), as diferentes modalidades de conhecimento social como as
opiniões, representações e ideologias, podem ser organizadas de acordo com uma
estrutura de cognição partilhada, onde as opiniões, diversas, influenciáveis, mutáveis e
fortemente ligadas às pessoas, não bastam para caracterizar um indivíduo ou um
grupo. Há necessidade de considerar-se o conjunto dessas opiniões.
26
A partir das percepções, comentários e literatura apresentados e, reconhecendo
que, na maioria das vezes, quanto maior a idade da criança amamentada, mais
tumultuado é o desmame, defini como objetivo desse estudo:
Compreender as representações sociais do processo de amamentação-
desmame de crianças com idade superior a dois anos na perspectiva das
mulheres que o vivenciam.
O Referencial Teórico norteador do estudo, a Teoria das Representações Sociais
de Moscovici (1978), mostrou o contorno antropológico, sociológico e psicológico das
participantes da pesquisa, mostrando-se como um caminho metodológico adequado e
eficiente como desvelador do vivido no processo de amamentação-desmame.
Portanto, permaneçamos ou iniciemos nosso ato solidário de admirar-nos com o
mundo e com o viver, promovendo coincidências e estranhamentos na investigação
diagnóstica das representações maternas do processo de desmamar crianças maiores de
dois anos nesse estudo, que denominei: Amarras da liberdade: representações
maternas do processo de amamentação-desmame de crianças maiores de dois anos de
idade. Fica feito o convite para uma leitura atenta... Que possa ser luz em caminhos
escuros e interpretado de formas diferentes, na tentativa de contemplação de um viver
que carrega consigo o prazer e o sofrimento, não apenas para conhecê-lo, mas para
penetrar em seu sentido.
.
A dimensão subjetiva da negociação de saberes,
revela a natureza ambivalente e contraditória
com que o ser humano percebe um determinado
fenômeno.
Ivone Evangelista Cabral (1999
)
Imagem
4
2 RECORTES NECESSÁRIOS À COMPREENSÃO DA
AMAMENTAÇÃO E DO DESMAME - UMA PASSAGEM PELA
LITERATURA
Para uma melhor compreensão, este capítulo do trabalho foi dividido em cinco
itens, cada qual contemplando uma das partes do estudo em questão. Na primeira
parte, abordo a amamentação sob o prisma histórico e educativo, salientando em sua
episteme, o conhecimento dado e o negado, sua história, avanços e retrocessos.
Prossigo falando a respeito do desmame e da amamentação, seus conceitos, recortes
históricos, implicações, desdobramentos e vantagens. O prazer o desprazer da mulher
nutriz e da criança no processo de amamentação-desmame, como uma questão de
educação e apoio, emerge como ponto fundamental neste contexto. Finalizo, trazendo
à tona a harmonia conflitual expressa nas categorias de desmame, a expressão destas
práticas usualmente utilizadas no mundo Ocidental e os motivos para sua utilização,
bem como os sentimentos maternos no processo de desmame e a necessária
abordagem de apoio à mulher nutriz e família em processo de amamentação-desmame.
2.1 Na episteme do processo de amamentação... o conhecimento dado e o negado
O reconhecimento do valor nutricional-imunológico e afetivo do leite humano
com enfoque sobre a criança, enquanto perspectiva político-econômica e social para
redução dos altos índices de morbiletalidade infantil, principalmente nas populações
mais carentes, foi alvo de exaustivos estudos nas últimas três décadas e, sua
relevância, não posso deixar de pontuar. Mas como toda abordagem unilateral de um
processo multidimensional, a forma pela qual se configura o processo de amamentação
29
deixa muito a desejar e a própria vivência do processo pediu novos esclarecimentos.
Segundo Rea (2003), o acúmulo de informação científica sobre o tema numa
perspectiva pediátrica, acabou por deslocar o enfoque dos estudos para outros campos
e abordagens, como a saúde da mulher, a sua satisfação, os seus conflitos e a educação
em saúde para a questão. Embora poucos estes estudos têm se tornado
significativamente relevantes na recondução da abordagem do tema, apontando
perspectivas que valorizam a mulher e a criança. Um exemplo pioneiro de valorização
da mulher no processo de amamentação é apresentado na Tese de doutorado de Souza
(1993a) da Escola de Enfermagem Anna Nery que, ao enfocar a gestante diante da
possibilidade de amamentar numa perspectiva fenomenológica, aponta para a um novo
desenho de atenção, ao constatar que cuidar sempre com o intuito da concretização da
amamentação, sem que se considere o ser-mulher envolvido em sua complexidade de
viver, não seria garantia de uma atuação de qualidade.
Outros exemplos aparecem nos trabalhos de Dias (1996), Queiroz (1996),
Araújo (1997), Silva (1997), Almeida (1999), Barreto (1999), Machado (1999), Dias
(1999), Hames (2001 e 2002).
O modelo implantado na década de 80 para reduzir o desmame precoce e
diminuir as taxas de desnutrição e mortalidade infantil no Brasil manteve os mesmos
padrões do modelo estabelecido pela medicina higienista do século XVIII,
conservando o reducionismo biológico e colocando a mulher como a grande
responsável pela saúde da criança. No final da década de 80, a baixa resolutividade das
ações empregadas foi claramente percebida quando se confirmou que o acesso do
lactente ao seio materno passou de 7% para 33%, porém estabilizou-se neste patamar,
determinando o esgotamento do modelo promotor do aleitamento materno.
(ALMEIDA; NOVAK, 2004; MONSON, 1991).
Nos anos 90, o Brasil vivenciou uma grande crise no paradigma da
amamentação, incluindo em suas ações aspectos sociais, culturais e políticos, em
contraposição a imagem unicamente biológica, psicoafetiva e culpabilista materna dos
modelos anteriores. Quando se observou que somente a promoção não era suficiente
para garantir o resgate do ato de amamentar, a proteção e o apoio começaram a aflorar.
30
(ALMEIDA, 1999). Este resgate que tentou transformar o ato de amamentar em
processo manteve limites definidos previamente, desconsiderando, com raras
exceções, o real desejo e conhecimento dos envolvidos para a vivência do mesmo.
Corroborando esta idéia Almeida (1999, p.49) enfatiza que:
Ao se focalizar a amamentação com lentes de promoção, proteção e apoio
tornam-se visíveis os contornos que a caracterizam como um fato social, cuja
historicidade revela o equívoco das formulações políticas que a contemplam
como uma prática natural e possível de resgate. Os valores da amamentação
são definidos com base em elementos culturais construídos socialmente,
configurando-se como um híbrido natureza-cultura, na qual os condicionantes
socioculturais tendem a se sobrepor aos determinantes biológicos. Esta forma
mais abrangente de se pensar o aleitamento exige que se estabeleça um novo
foco sobre a mulher, que não pode continuar a ser tratada como sinônimo de
mãe-nutriz, responsável pelo êxito da amamentação e culpada pelo desmame
.
Desde a infância, a sociedade estimula a mulher a ser mãe, no entanto, não
fornece o suporte necessário para que a maternidade não seja um sacrifício, e sim, uma
experiência rica e agradável. Amamentar não deve significar privação da liberdade
feminina e sofrimento. Devemos, enquanto sociedade, assegurar à mulher nutriz o
direito de trabalhar, estudar, divertir-se, passear, namorar e continuar amamentando
pelo tempo que desejar. (WABA, 2003).
A Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a
Infância e Adolescência (UNICEF) preconizam que desde a infância e durante a
adolescência, as meninas deveriam ser orientadas positivamente em relação à
amamentação através das vivências e da educação formal. Ver freqüentemente
mulheres amamentando, especialmente na mesma família ou grupo social é uma forma
importante através da qual, meninas e adolescentes, podem desenvolver atitudes
positivas em relação à amamentação. (OMS;UNICEF, 1989).
A mulher precisa ser amparada para poder desempenhar o seu papel de mulher,
mãe e nutriz e este apoio será mais eficaz, quanto maior for a capacidade do serviço
em lidar com os conflitos e as ambigüidades que se colocam à mulher. (SILVA, 1997).
Por sua vez, Araújo (1997) salienta que as ambigüidades entre o querer e o poder
31
amamentar por parte da mulher podem ser definidas como uma questão que se situa
entre o assumir riscos ou garantir benefícios, título de seu livro.
Oliveira, Camacho e Tedstone (2004) fizeram uma revisão de literatura
buscando identificar estratégias e procedimentos efetivos utilizados para aumentar o
período de amamentação. Incluíram intervenções durante a gestação e após o
nascimento da criança nas unidades de saúde, no âmbito comunitário e nas consultas
hospitalares. Não foram incluídas no estudo, as intervenções durante o parto. As
intervenções que se mostraram mais efetivas foram uma combinação de educação,
assessoramento e apoio intensivos e em longo prazo. Durante o atendimento pré-natal,
a educação em grupo se mostrou efetiva. As visitas domiciliares que enfocavam as
preocupações maternas relativas ao processo de amamentação e as ajudavam a
resolver as dificuldades com o envolvimento dos familiares como parte importante do
apoio ao aleitamento, foram de grande valia no período pós-parto e na manutenção da
amamentação por períodos mais prolongados. A educação em saúde individualizada
foi efetiva neste período, o que caracteriza, a meu ver, a individualidade dos sujeitos
no processo de amamentar. Os pesquisadores apontaram, ainda, que ações educativas
nas quais não acontece interação interpessoal e as informações são contraditórias, não
possuem efetividade neste processo.
Tais constatações nos fazem acreditar que o conhecimento materno sobre o
processo de amamentação-desmame, que precisaria ser viabilizado através de um
cuidado baseado no apoio e na educação em saúde comprometida e individualizada à
cada situação vivenciada pela mulher, encontra-se muito aquém do desejado pelas
mesmas. Nesse emaranhado de contradições, a abordagem perde o foco de um
processo com sujeitos múltiplos, refletindo a unilateralidade e reducionismo com que é
tratado pela academia e sociedade. Cabe à mulher o dever de amamentar e a culpa pelo
fracasso, se a mesma não se concretizar de acordo com os parâmetros normais
estabelecidos pela comunidade em que vive.
32
2.2 Sobre o desmame – conceitos, recortes históricos e implicações
A OMS e a UNICEF (1989) definem o desmame como um processo pelo qual
outros alimentos são introduzidos gradualmente na dieta de uma criança em regime de
aleitamento materno exclusivo, primeiro para complementar o leite materno e,
progressivamente, para substituí-lo e adaptar a criança à alimentação do adulto. O
ideal é que a criança seja alimentada exclusivamente com o leite materno até os seis
meses de idade, desde que o crescimento e o desenvolvimento estejam adequados.
Podemos dizer que o desmame é, para o lactente, um processo de adaptação
nutricional, social e ambiental. (OMS/UNICEF, 1989).
Segundo Huggins e Zeidrich (1994) a palavra desmame é antiga e significa
fazer a transição da amamentação exclusiva para a amamentação mista, até a criança
abandonar o hábito de mamar. Porém, o que deveria ser um processo de negociação
entre a mulher nutriz e o filho(a), perdeu seu significado original em função do
desmame precoce, ou seja, aquele ocorrido antes dos 6 meses de vida da criança, uma
vez que, nesta idade, a mesma não pode protestar à decisão materna.
O desmame precoce não é aconselhável, pois crianças alimentadas
exclusivamente com leite materno até o quarto ou sexto mês de vida, têm menores
riscos de contrair doenças.
Estudos têm procurado respostas para os altos índices de desmame precoce em
nosso meio. Um exemplo é o de Almeida (1997), que ao estudar o significado do
desmame precoce para as mulheres, menciona que a amamentação está sendo
reconstruída da mesma forma como foi desconstruída no passado, ou seja,
ideologicamente. Perpassa, portanto, por mitos, conceitos e preconceitos que
correspondem aos interesses históricos e sociais. Neste processo, as informações
recebidas pelas mulheres vão sendo valoradas, qualificadas ou não, a depender dos
interesses que envolvam o ato de amamentar, gerando sentimentos também variáveis
no tempo, que vão do alívio à culpa por não ter amamentado por tempo suficiente.
Segundo Elias (2000), os motivos alegados pelas mães para não amamentarem
ou para interromperem precocemente a amamentação de seu filho (a), indicam que
33
existe um desconhecimento generalizado do processo fisiológico da lactação e do fato
de que a maioria das mães pode amamentar e produzir leite em quantidade suficiente
para os seus filhos.
Evoluir nesta descrição para além do conceito e das causas de precocidade do
desmame, sua abordagem centrada nos efeitos sobre a criança (biológicos, sociais e
afetivos) foi tarefa fácil. Se compreendermos o desmame como parte do processo de
amamentação, veremos que esta tarefa se tornará mais fácil. Buscando alguma
fundamentação teórica, aponto a seguir o que a literatura científica traz a respeito do
tema, ressaltando com raríssimas exceções, uma abordagem para além do modelo
biologicista.
Hentschel (1997) menciona que o desmame ideal é aquele em que a mulher e
filho não se lembram quando foi a última mamada. Levy (2001) cita que o desmame
(que acredito ser de crianças com mais de 2 anos, pois a autora trata simultaneamente
do tema pré-escola), representa o início da independência da criança e que esta não é
uma tarefa fácil para a mãe e a criança. Tirar-lhe o que a sustenta afetiva e fisicamente
é agressivo e angustiante. Por um lado a criança começará a ter noção que não é um
continuum da mãe e, por outro, a mãe perderá a sensação de que é parte da criança, se
sentirá perdendo algo. Salienta que a separação é um processo que gera sentimentos
que precisam ser entendidos, portanto, expressados.
Segundo Elias (2000) é muito difícil estipularmos até que idade a criança
precisa ser amamentada. Se a mãe puder e desejar continuar a amamentação além do
primeiro ano de vida, deve fazê-lo, porém o esquema alimentar não pode ser
prejudicado e as mamadas devem ter horários e limites. Lana (2001), ao discorrer
sobre a introdução de alimentos complementares, salienta que o momento de parar de
amamentar, após os dois anos, é quando um dos parceiros envolvido achar que está
pronto. Contudo, convém colocar que, na atualidade, trabalhamos com uma verdade
contraditória a estipulação de horários, chamada livre demanda na amamentação,
preconizando a colocação da criança para mamar sempre que a mesma desejar.
As estatísticas mostram que o índice de desmame precoce no Brasil vêm
diminuindo nos últimos anos, porém, muito aquém do esperado. (BRASIL, 2002a), o
34
que nos leva a crer que o modelo de educar para amamentar já não atende as
necessidades manifestadas pelas pessoas que cuidamos. E o tema por si só é muito
complexo, pois quando falamos em educar para amamentar, precisamos considerar
toda uma carga histórica, política, ideológica e cultural que não pode ser expressa em
números e indicadores estatísticos, mas que se mostra imperiosa na atitude da mulher,
família e comunidade que se apresenta como sujeito do nosso cuidado.
No incentivo à prática da amamentação através da educação em saúde é
necessário considerar que a mulher vivencia a sua experiência e que, independente de
estar desenvolvendo há minutos, dias ou meses, ela possui conhecimentos e valores
que precisam ser considerados. Esta rede da mulher nutriz com o mundo é uma
realidade tão concreta que se sobrepõe a outros tipos de discursos teóricos. Só desta
forma estará despertando esta mulher para uma opção consciente e crítica do
amamentar. (DIAS, 1999).
Raramente a sociedade compreende o desmame como um momento que pode
ser experenciado como conflitual no ciclo de vida da mulher e da criança. Quando
ignoramos a existências dos conflitos e dificuldades, colocamos em risco o bem estar
destas crianças e de suas mães. Afinal... “É preciso que a mulher, em nossa sociedade,
tenha peito para prosseguir amamentando ou dar continuidade ao aleitamento.”
(ÁVILA, 1998, p.178). Precisamos descobrir que atrás de um par de mamas existe
uma pessoa, uma mulher, uma mulher e mãe, uma mulher, mãe e nutriz (HAMES,
2001). Só que isto não é fácil, uma vez que, o longo e complexo caminho trilhado para
a incorporação da cultura do desmame precoce e a descrença no poder da
amamentação no Brasil, tem sua origem com a chegada dos colonizadores europeus.
A primeira referência que se tem da amamentação no Brasil, remonta a época
do descobrimento e está contida na Carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal:
“[...] Também andava lá outra mulher, nova, com um menino ou menina atado com
um pano aos peitos, de modo que não se lhe viam senão as perninhas [...].” (AB-
EDITORA, 2000, p.9). Lançava-se assim, o primeiro olhar sobre este processo
legitimado na cultura da mulher indígena brasileira até o ano de 1500 dC. É
interessante observar que os portugueses manifestaram e registraram maior estranheza
35
ao ver as índias amamentando, do que a sua própria nudez, tal era o descaso que
tinham pelo processo.
Relatos de jesuítas e viajantes da época confirmam que a amamentação era
prática instituída no Brasil Tupinambá e que o problema do desmame começa a ser
desenhado a partir da importação de um modelo de regime alimentar europeu, onde o
amor materno era ignorado por não ser considerado um valor social e moral e
amamentar era algo indigno para uma dama da sociedade européia, tarefa relegada às
amas-de-leite. Na relação colonizador X colonizado predominou a cultura européia,
trazendo nefastas conseqüências para a saúde infantil. (ALMEIDA, 1999).
Importantes aspectos dos indígenas brasileiros com relação a amamentação
prolongada são registrados por Almeida (1999) e merecem ser mencionados. Um deles
refere-se ao fato de que o regime alimentar do lactente acompanhava o
desenvolvimento da marcha: na fase de colo, sua alimentação era basicamente de leite
materno; a mãe colocava uma massa pré-mastigada de grãos de milho nas mãos do
filho(a), dando-lhe o direito de decidir levá-la ou não à boca. O início da marcha dava
a criança o direito de alimentar-se com o que a família ingeria, porém, sem abandonar
o seio materno; a duração da amamentação mista persistia até mais de dois anos,
existindo relatos de amamentação até os sete anos. O desmame se dava em caso de
morte materna, doenças graves da mãe ou casos interditados pela cultura, como filhos
de inimigos com mulheres da tribo e filhos de índias que mantinham relações sexuais
com mais de um parceiro; a compatibilização da tripla jornada de trabalho. A índia
conseguia harmonizar as funções de mãe, nutriz e trabalhadora, apesar da grande carga
de trabalho que a sua sociedade lhe impunha.
No Mundo Antigo, mulheres pertencentes aos povos egípcios, babilônicos e
hebreus amamentavam seus filhos até três anos. Em Esparta, as mulheres, sempre
amamentaram seus filhos. Plutarco menciona que o segundo filho do rei Themistes
herdou o trono por ter sido amamentado por sua mãe, a rainha, enquanto o primogênito
foi nutrido por uma ama-de-leite. (SHORT, 2003).
Segundo Dettwyler (2004) há ainda uma série de culturas pré-transicionais no
mundo, nas quais todas as mulheres amamentam a criança por vários anos, mas a
36
influência ocidental está afetando até as regiões mais remotas. A Coréia, por exemplo,
encontra-se nos primeiros estágios de transição da amamentação universal a longo
prazo para a adoção de mamadeiras. De acordo com as pesquisas, há uma redução na
incidência e duração da amamentação da década de 1960 para 1990, liberada pelas
mulheres coreanas urbanas, mais educadas, das classes superiores. Da mesma forma, a
China está começando a transição para a mamadeira, vivenciando um rápido declínio
na prevalência da amamentação em áreas urbanas e periurbanas. Salienta ainda o
autor, que estudos antropológicos não Ocidentais, revelam que as mulheres
amamentavam seus filhos até três ou quatro anos.
Através da análise dos estudos desenvolvidos por Lawrence, Lee, Majluf e
Gordon, Charnov e Berrigan e Harvey e Clutton-Brock, Carvalho (2004, p.2)
questiona quem seriam os excêntricos e insiste na afirmativa, ao acrescentar “[...] Não
seria interessante nos compararmos a outros mamíferos para determinar qual a idade
do desmame ideal se não tivéssemos sido influenciados por questões comerciais ou
culturais?” Para complementar, cita exemplos de estudos antropológicos
desenvolvidos pelos autores supra-citados e suas conclusões. Lawrence (1989)
concluiu, em sua pesquisa, que os mamíferos desmamam quando suas crias triplicam
ou quadruplicam seu peso de nascimento e que este fato tem aparecido extensamente
na bibliográfica sobre a amamentação; Lee, Majluf e Gordon (1991) indicam que o
desmame nos grandes mamíferos ocorre alguns meses depois que o peso do
nascimento quadruplica. O lactente humano quadruplica seu peso do nascimento, em
torno dos 27 meses (meninos) e aos 30 meses (meninas); Charnov e Berrigan (1993)
recomendam o desmame da criança quando a mesma alcançar 1/3 do peso do adulto.
Nós, humanos, alcançamos tamanhos bastante variáveis; porém com base neste critério
o desmame teria lugar entre os 4 – 7 anos de vida; Harvey e Clutton-Brock (1985)
mencionam que o desmame deve acontecer de acordo com o tamanho corporal
feminino. Publicaram um estudo que incluía uma equação para calcular a idade do
desmame em função do peso do corpo da mulher adulta. Esta fórmula prediz que o
desmame para os humanos seria entre os 2,8 e 3,7 anos; Smith (1991) constatou que
muitos primatas desmamam sua prole quando rompe os seus primeiros molares
37
permanentes. Nos humanos, os molares emergem entre os 5,5 ou 6 anos.
É interessante salientar que os seres humanos alcançam autonomia imunológica
em torno dos seis anos de vida, o que nos permite inferir que, ao longo do passado
evolutivo, as crianças dispunham de uma imunidade ativa até aproximadamente esta
idade. (CARVALHO, 2004).
Carvalho (2004) menciona que entre as espécies de primatas de grande
tamanho, a duração do período de aleitamento materno excede em 6 vezes a duração
média do período de gravidez. Utilizando-se este critério, a idade natural do desmame
de nossas crianças seria de 4,5 anos.
Os dados disponíveis sugerem que as crias humanas estão desenhadas para
receber todos os benefícios da amamentação durante um período mínimo de 2,5 anos e
um aparente limite máximo de 7 anos. Hoje em dia muitas sociedades podem
satisfazer as necessidades nutritivas das crianças a partir do 3° ou 4° ano de idade, com
alimentos de adultos modificados.
As sociedades industrializadas podem compensar alguns (e não todos) os
benefícios imunológicos da amamentação por meio de vacinas, antibióticos e
melhorias sanitárias e higiênicas. Porém, as necessidades físicas, cognitivas e
emocionais das crianças persistem. Os profissionais de saúde, principalmente
os pediatras, nutricionistas, psicólogos, os pais e o público em geral deveriam
tomar consciência de que para alguns autores, entre os 3 e os 5 anos é uma
idade razoável e apropriada para o desmame dos humanos, ainda que seja
pouco habitual, e não cultural em nossas sociedades amamentar uma criança
quando ela não é mais um bebê. (CARVALHO, 2004, p.1).
Cuba vive o processo de desmame de duas maneiras. Por um lado, o país está
iniciando uma nova forma de alimentar suas crianças. As mulheres de níveis
educacionais mais elevados vêm apresentando períodos de amamentação cada vez
mais curtos. Por outro lado, há estratégias nacionais para apoiar e promover a
amamentação, com a participação de todos os hospitais governamentais. Estratégias
como a Iniciativa Hospital Amigo da Criança e o desenvolvimento de programas
educacionais em creches e escolas elementares e secundárias, visam a criação de uma
38
cultura que valorize a amamentação entre meninas e meninos desde a mais tenra idade.
(WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2004). Estas estratégias podem levar Cuba a
evitar a mudança completa da cultura da alimentação com leite materno para o uso da
alimentação com fórmulas.
Os países do Golfo Árabe (Bahrain, Kuwait, Omã, Qatar, Arábia Saudita e
União dos Emirados Árabes) vivem inteiramente a fase transicional, poucas mulheres
das classes alta e média amamentam até seis meses ou o fazem apenas por algumas
semanas, enquanto as mães com mais idade mantêm a prática por mais tempo. É
preciso destacar a influência da renda do petróleo nos estilos de vida dessas mulheres,
incluindo o emprego usual de criadas e babás estrangeiras, que dão leite artificial às
crianças usando mamadeiras. A transição da amamentação para a alimentação artificial
foi bastante rápida nesta parte do mundo. Já na Austrália, Canadá e Estados Unidos
(EUA), sociedades consideradas mais avançadas, as mulheres de rendas mais altas e
maior escolaridade têm amamentado por períodos cada vez mais longos. Esta
tendência, que se iniciou na década de 1970, foi estimulada por uma declaração de
1997 da Academia Americana de Pediatria, recomendando que todas as crianças nos
EUA fossem amamentadas, no mínimo, por um ano. Neste país, a amamentação por
três anos ou mais está se tornando cada vez mais comum, bem como a amamentação
em série, ou seja amamentar, simultaneamente, filhos de diferentes idades. Os maiores
avanços com relação a amamentação nos EUA ocorreram somente nas últimas décadas
entre as integrantes do Programa de Nutrição Suplementar para Mulheres e Crianças
(WIC), mulheres pobres e com nível de educação mais baixo. Isto indica que vem
ocorrendo uma disseminação gradual dessa prática, até então mais incidente nas
classes superiores desse país. (DETTWYLER, 2004).
A forma particular como uma população responde à influência das nações
industrializadas e das companhias multinacionais que fabricam fórmulas infantis, está
diretamente relacionado a fatores sociais, culturais, políticos e econômicos, o que torna
difícil prever como se processará a transição da cultura do desmame, para o desmame
desta cultura.
A afirmativa científica de que a amamentação deve ser exclusiva até o 6° mês
39
de vida da criança, para, a partir daí permanecer de forma mista, parece firme e vem
sendo cada vez mais confirmada pelos estudiosos do assunto. Porém, a limitação
sutilmente imposta pelos meios de comunicação que sugerem o encerramento do
processo aos dois anos de idade, vem sendo questionada e estudada nos países mais
desenvolvidos, como o Japão, os Estados Unidos da América, a Inglaterra e a França a
partir do reconhecimento dos benefícios do leite materno para a criança, mesmo com
idade superior a essa. Só recentemente, alguns textos informativos e com pouco
conteúdo científico têm sido veiculados na mídia eletrônica brasileira, neste caso a
Internet, apontando os benefícios da amamentação prolongada para a nutriz e a
criança. Considerando as condições sócioeconômicas da população brasileira e
mundial, o grande contingente que mais necessitaria de acesso a esta informação,
acaba não tendo conhecimento da mesma.
Um estudo objetivando identificar a evolução do tempo de amamentação mista
no Brasil constatou que, em 1975, uma em cada duas mulheres amamentava até o 3º
mês de vida da criança. Após 25 anos, ou seja, em 1999, um inquérito realizado,
mostrou que este índice aumentou para 10 meses. (REA, 2003).
A American Academy of Pediatrics citada por Bonyata (2004) menciona, desde
1997, que amamentar crianças maiores de dois anos é normal. Recomenda que as
crianças sejam amamentadas até o tempo que a mãe e o bebê quiserem. A Organização
Mundial de Saúde corrobora esta idéia e reforça a importância de amamentar até os
dois anos de vida ou mais, já na Declaração de Innocent, de 1990. Bonyata (2004),
apoiada nos estudos realizados por Davidowitz, em 1992, menciona que a média de
idade de desmame em todo o mundo é de 4,2 anos.
A necessidade de aprofundar estes estudos partiu do reconhecimento de que as
características do envelhecer e da duração da vida são peculiares a cada espécie e do
reconhecimento de que a alimentação adequada, um destes fatores, interfere no padrão
genético, acelerando o processo de envelhecimento nos humanos. (CABRAL e
CAMPESTRINI, 2004).
Os recortes históricos e implicações, apresentados nessa etapa do estudo nos
levam a considerar a multiplicidade de valores e práticas que o amamentar-desmamar
40
comporta, desde os tempos mais remotos na sociedade em que se desenvolve.
Haveremos de considerar esta pluralidade de saberes e seres envolvidos, ou
correremos o risco de atuar de forma generalizante e despersonalizada, (des)cuidando,
(des)construindo e abolindo a face nutriz que diante de nós se coloca.
2.2.1 Vantagens da amamentação prolongada para a mulher
Levando em consideração que uma das preocupações das mulheres no
puerpério é o retorno ao peso anterior à gestação, estudos recentes têm demonstrado
que o processo de amamentação prolongada mantém relação direta com esta
diminuição.
A idéia de quanto maior o período de amamentação, menor o risco de obesidade
materna, mesmo considerando os fatores emocionais, é defendida nos estudos de
estudo de Kac (2003, p.11). Esse nutricionista, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), desenvolveu um estudo com 479 mulheres durante 24 meses em uma
unidade de saúde da região central daquela cidade. Em seus resultados, concluiu que:
[...] para cada quilo que a mãe ganha durante a gestação, 35% deste valor fica
retido após nove meses do nascimento do bebê. ‘A natureza é sábia porque a
gordura acumulada será depois utilizada na produção de leite. Assim, uma
mãe que amamenta apenas um mês pode, após nove meses, ter três quilos a
mais de que uma que amamentou seis meses’ (Grifo do autor).
Outra constatação da pesquisa supra-citada apontou que o nível de instrução da
mãe e o acesso a informação adequada (educação em saúde), são fatores determinantes
que poderiam diminuir a obesidade pós-parto. (KAC, 2003). Afirma ainda o autor, que
a atenção à mulher não acaba no pré-natal, pois a assistência pós-parto, e dentro dela a
amamentação prolongada e o desmame, é tão importante quanto a do período anterior.
Além da comprovada diminuição do sobrepeso materno no puerpério com a
amamentação prolongada, atualmente, o Departamento de Nutrição Social Aplicada do
41
Instituto de Nutrição da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ), vem
investindo em mais pesquisas neste segmento, agora sobre outros enfoques. Espera-se
que, até 2006, haja mais três estudos analisando a dinâmica do padrão de consumo de
alimentos na gravidez e no pós-parto, a auto-estima em mulheres após a gravidez e a
amamentação como fator de proteção para o sobrepeso infantil.
Bonyata (2004) baseada em estudos de outros pesquisadores relaciona alguns
benefícios da amamentação prolongada para a mulher, dentre os quais, destacou:- a
redução do risco de câncer de ovário. (SCHNEIDER, 1987); a redução do risco de
câncer de útero. (BROOCK, 1989); a redução do risco de câncer de endométrio.
(PETTERSON, 1986); proteção contra osteoporose (durante a amamentação, a mulher
experimenta uma diminuição na densidade óssea. A densidade óssea de uma mãe que
está amamentando pode ser reduzida, em geral em 1 a 2%. No entanto, a mãe tem essa
densidade de volta e pode até ter um aumento, quando o bebê é desmamado. Isso Não
depende de um suplemento adicional na alimentação da mulher. (BLAAUW, 1994); a
redução do risco de câncer de mama. (Mc TIEMAN, 1986; LAYDE, 1989;
NEWCOMB, 1994; FREUDENHEIM, 1994), além de ter demonstrado capacidade de
diminuir a necessidade de insulina da mãe diabética. (DAVIES, 1989).
Outra vantagem para a mulher que amamenta refere-se a elevação dos níveis de
prolactina e ocitocina, que juntas funcionam como opiáceos naturais, produzindo uma
sensação de relaxamento para a mesma. Um estudo recente mostrou que a lactação
diminui a química do corpo como a reação ao estresse. Esses hormônios, agindo em
conjunto, induzem nas mães a sensação de calmaria, podendo ajudá-las a lidar com
mudanças típicas do comportamento das crianças. (ODENT, 2000).
Muitas mulheres experenciam a fertilidade reduzida quando estão
amamentando, chegando a dois anos de amenorréia ou mais. Isto poupa estas mulheres
da preocupação e gasto relacionado à menstruação e também reduz a probabilidade de
engravidar. Outras pesquisa mostraram que a amamentação longa pode protege-la de
artrite reumatóide. Finalmente há evidências científicas de que a amamentação
prolongada diminui o risco de câncer de mama. (BENGSON, 2000).
Bertoldo (2003, p.85) em sua Dissertação objetivando cuidar da mulher em
42
processo de vivência do puerpério com o olhar voltado à amamentação e direcionada
pelo Modelo de Cuidado de Carraro salientou o quanto foi importante e necessário
para a mulher puérpera e sua família poder contar com um profissional de saúde
acompanhando este trajetar na sua totalidade e não apenas, a interface do aleitamento
materno. Vislumbrou as particularidades da vivência do processo com três nutrizes e
constatou que cada uma delas vivenciou, a seu modo, “a incorporação do papel
materno à sua identidade, sem deixar de lado seus outros papéis femininos, tais como:
ser esposa, dona de casa, enfim... Mulher”.
Quiçá de todas as vantagens que a amamentação traz à mulher, devemos
considerar os significados atribuídos pela mesma ao processo de amamentar e os
benefícios para si, uma vez que em sua pluralidade e singularidade de viver e ser
mulher, outros valores que desconhecemos podem se sobrepor a estes, fazendo-a
ignorar ou deixar de vê-los, como a própria sobrevivência da família.
2.2.2 Vantagens da amamentação prolongada para a criança
Quanto maior a duração da amamentação, maior o impacto nas notas de QI
(quociente de inteligência) das crianças em idades maiores. Este foi o resultado de um
estudo publicado pela Escola de Medicina Christchurch, da Nova Zelândia. Os
pesquisadores da instituição testaram o QI de 413 crianças que nasceram com menos
de 1500 gramas.Os recém-nascidos de baixo peso que são amamentados ou recebem
leite materno em mamadeira parecem apresentar QI mais altos aos sete e oito anos, em
comparação com crianças similares que não foram amamentadas. (CORREIO
BRAZILIENSE, 2003).
Horwood e Fergusson (1998) comprovaram com seus estudos que crianças que
foram amamentadas por mais tempo, tiveram melhor desempenho na escola e
conceitos maiores. Os autores desse estudo, que acompanharam um grupo de crianças
até os 18 anos, descobriram que quanto mais tempo as crianças são amamentadas,
maiores as notas que recebem nas avaliações.
Crianças maiores amamentadas adoecem menos. Este foi o resultado do estudo
desenvolvido por Goldman e cols., em 1983, uma vez que há um aumento dos fatores
43
de imunidade a medida que a criança cresce e mama menos. (BONYATA, 2004).
Briend e cols. (1988), Rhode (1988), Shattooc e Stepens (1975) e Whitehead
(1985) que desenvolveram pesquisas em países subdesenvolvidos, onde o apetite de
uma criança desnutrida é de fundamental importância para a sua recuperação,
recomendam que o processo de amamentação persista até que a mesma se recupere.
Gulick (1986), que desenvolveu uma pesquisa com crianças de países desenvolvidos,
onde o desmame não é uma questão de vida ou morte, concluiu que crianças
amamentadas adoecem menos que as alimentadas artificialmente.
Victora (1984) comprovou com seus estudos, que o leite do segundo ano de
vida é muito semelhante ao do primeiro ano, proporcionando à criança, em cada 500
ml mamados: “95% do total de vitamina C, 45% do total de vitamina A, 38% do total
de proteínas e 31% do total de calorias necessárias no segundo ano de vida. O leite
materno permanece sendo uma fonte importante de proteína, gordura, cálcio e
vitaminas mesmo após os dois anos de vida, é o que comprova os estudos de Jelliffe e
Jelliffe (1978).
Outra constatação importante apontada em estudos científicos é que as crianças
amamentadas por mais tempo têm menos alergias. Isto porque quanto mais tarde se
introduz o leite de vaca e outros alimentos com potencial alergênico, menos
posssibilidade terão estas crianças de apresentarem reações alérgicas (SAVILAHTI,
1987).
Ferguson et al (1987) num estudo com bebês amamentados por mais de um ano
mostrou uma ligação significante entre a duração do período de amamentação o
ajustamento social de crianças de 6 a 8 anos de idade. Os pesquisadores afirmam que
existem tendências estatisticamente significantes que nos fazem acreditar que quanto
maior for o período de amamentação, menos desequilíbrio de conduta terá esta criança
diante de situações conflitantes. Afirmam ainda, que mamar durante a infância ajuda a
criança a fazer uma transição gradual para o desmame, ajudando-a a superar
frustrações, acidentes e o stress diário da vivência da infância.
Atender as necessidades de dependência da criança, de acordo com o tempo
único da mesma, é a chave para ajudá-la a alcançar sua independência. Crianças que
44
conquistam a independência em seu próprio ritmo são mais seguras que as crianças
forçadas a isso prematuramente. (FERGUSON, 1987).
Goldman et al (1983) comprovaram com seus estudos, que os fatores de
imunidade do leite materno aumentam em concentração à medida que o bebê cresce e
mama menos. Portanto, crianças maiores continuam recebendo os benefícios da
imunidade.
Um estudo de Bangladesh demonstrou os efeitos que essa imunidade pode ter.
Naquelas condições precárias de sobrevivência, descobriu que crianças desmamadas
entre o 18º e 36º mês de vida tiveram o risco de morte dobrado em relação a crianças
que ainda mamavam. Este efeito foi atribuído especialmente aos fatores de imunidade
presente no leite humano, mesmo considerando que as condições de nutrição também
tiveram papel importante neste índice de mortalidade. (BRIEND et al., 1988).
A amamentação prolongada funciona ainda como um conforto para a criança,
ajudando-a a fazer a transição da agitação para a calmaria, de uma atividade à outra, de
acordada à dormir. É referida como um importante fator capaz de fortalecer os
vínculos com a criança, acalmando-a nos dias mais conflituosos. Isso faz com que a
criança sinta que está tudo bem com seu mundo novo. (BENGSON, 2000).
As políticas públicas de atenção à saúde da criança no Brasil e no mundo têm
apontado para a necessidade do resgate da prática do aleitamento materno como uma
questão de sobrevivência e qualidade de vida infantil, quer seja no plano físico, quer
seja no plano afetivo, econômico e/ou político como apresentamos. Recentemente, a
comunidade científica começa a estudar os efeitos da amamentação prolongada, tanto
para a criança, quanto para a mulher nutriz. No entanto, nos falta, ainda, uma
instituição ou um órgão que planeje e coordene essas ações em nível nacional e que
inclua a mulher como protagonista deste processo, uma vez que a mesma não pode ser
considerada apenas um meio para se possuir uma criança sadia.
45
2.3 Decidindo sem livre arbítrio, com pouco conhecimento e sem apoio - a situação
materna no processo de amamentação-desmame
Embora o Brasil tenha progredido nas medidas de proteção e promoção à
amamentação, ainda estamos longe de atingir o ideal de que todas as mulheres tenham
o conhecimento e o apoio para poderem decidir amamentar seus filhos; o que se
precisa agora é estar alerta para as dificuldades que ela enfrenta para amamentar e
como se pode ajudá-la nesta tarefa. (BRASIL, 2002b).
As estatísticas mostram que o índice de desmame precoce vem diminuindo nos
últimos anos e o período de amamentação, sutilmente aumentando no Brasil. Porém,
estes índices estão muito aquém do esperado. (BRASIL, 2002a), o que nos leva a crer
que, o modelo de educar e apoiar para o amamentar, já não atende as necessidades
manifestadas pelas mulheres que cuidamos. E o tema por si só é muito complexo, pois
quando falamos em educar para amamentar, precisamos considerar toda uma carga
histórica, política, ideológica e cultural que não pode ser expressa em números e
indicadores estatísticos, mas que se mostra imperiosa na atitude da mulher, família e
comunidade que se apresenta como sujeito deste cuidado.
A mulher tem o direito de escolher a melhor forma de alimentar seu filho,
decisão pessoal que deve ser tomada com base em informações corretas e nas
expectativas que ela tenha naquele momento em relação à maternidade e aos cuidados
com a criança. Esta decisão deve ser respeita por todos, seja qual for. Porém, é quase
inevitável que nesse processo, a mulher sofra influências, sentindo-se insegura quanto
as melhores opções para ela e o bebê. Neste contexto, família, meios de comunicação,
trabalho, instituições religiosas e a própria formação desta mulher, são fatores que
influenciam nesta decisão. (WABA, 2003).
É assunto de domínio acadêmico que os sentimentos que a amamentação aflora
nas mulheres, estão relacionados com a história de vida das mesmas. Desta forma,
terão influência fatores culturais, sociais, antropológicos e, até, sentimentos originados
na fase de amamentação dessas mulheres. Tais questões nos fazem refletir sobre
possibilidade que nós temos em modificar a capacidade para o amor dos homens,
46
influenciando de maneira mais efetiva nas objeções de cunho cultural e psicológico
que interferem de forma positiva ou negativa no desenvolvimento da amamentação.
(MARCOLINI, 1993).
A situação de amamentação-desmame constitue-se num período de ricas
transformações biológicas, psicológicas e sociais para a mulher, uma vez que aponta
caminhos para que ela se re-descubra e se re-invente, assim como a criança.
(NORONHA, 1993).
Corroborando esta citação, Hames (2001) salienta que o ideal materno na
sociedade Ocidental traz embutido duas condições importantes: o ideal da boa mãe e a
imagem da unidade mãe-filho. A projeção da imagem da mãe socialmente perfeita no
nosso meio revela a inclusão de uma importante questão, composta por múltiplas
dimensões: o sucesso na amamentação-desmame. Isto implica dizer que falar no
conflito do processo de amamentação, inevitavelmente, significa falar de um dos mais
importantes conflitos da maternidade, mesmo reconhecendo que o segundo não
decorre totalmente do primeiro. Um conflito com potencial positivo, uma vez que
aponta caminhos para que esta mulher e criança se descubram e se re-inventem na
situação. Afinal, a criação deste ideal social de maternidade foi feito por mulheres e
homens, e só a compreensão da realidade mais ampla possibilitará a reconstrução do
mesmo.
Se percebermos desta forma, o conflito que decorre da ambigüidade entre o
querer e o poder amamentar, ou até, numa perspectiva mais profunda, entre o poder e o
não poder amamentar por parte da mulher, leva inevitavelmente à reflexão. A partir
desta reflexão, a percepção do real emerge, e mesmo que ele não represente o ideal
socialmente construído e legitimado, o seu desenvolvimento conduzirá esta mulher e
sua família à vivência de um conflito positivo, que poderá livrá-la da angústia e da
culpabilização que envolve o tema no contexto social em que se insere. (HAMES,
2001).
No ideal de maternidade, se a mulher nega o conflito, ela faz o jogo da
sociedade e reforça a divisão das mães em boas e más. Isto porque no ideal da unidade
mãe e filho, mulher e criança são apresentados em um processo evolutivo simétrico.
47
Mas ambos possuem seus processos evolutivos com significados psicológicos
específicos para si. Quando há conflito na maternidade, amamentação-desmame, não é
justo colocarmos a mãe contra a criança – seria mais coerente apontarmos a mãe e a
criança, lado a lado (mesmo que a primeira dependa totalmente da segunda). Se
colocarmos a criança em processo simétrico ao da mulher, o desejo da liberdade
materna, sempre figurará ao lado do medo do sentimento de abandono e culpa pelo
insucesso do processo de amamentar-desmamar, acarretando à mãe toda a carga de
responsabilidade pelas conseqüências na saúde física e emocional da criança, além do
que, a mulher-nutriz pode sentir-se privada de sua própria identidade, do tempo e do
seu espaço para si. Talvez seja mais coerente abordar a questão, considerando a
conectividade nas relações entre mãe e criança - uma conectividade que acredito,
permita que ambas adquiram a sua independência na situação, sem que,
necessariamente, uma seja prejudicada pela outra. As teóricas do Stone Center (nos
Estados Unidos da América) salientam que a falta de conectividade da mulher nutriz e
da criança, impede a relação de evoluir no sentido de compreensão mútua e, desta
forma, pode se colocar como limitante da situação. (PARKER, 1997). Portanto,
acreditamos que a individualidade da mulher, que deve ser preservada na maternidade
e na amamentação-desmame, não será definida em termos negativos como separação
da criança, processando-se através da sua individuação.
A amamentação não pode ser vista somente sob a perspectiva da criança, em
detrimento à compreensão do desenvolvimento materno, e nem vice versa. A
singularidade dos sujeitos-mãe e criança pede que o tema seja tratado como parte deste
desenvolvimento para que ambos se beneficiem do ato.
Falando do processo de separação-individuação que envolve a maternidade,
Parker (1997, p. 138) mencionando Mahler, diz que o desenvolvimento do ser mãe se
processa em sentido vertical, enquanto o do filho, em sentido horizontal. Desta forma,
as mulheres “migram da condição de ser uma mãe que ampara uma cabeça, para uma
mãe que empurra um carrinho, depois para uma mãe que segura uma mão, daí para
uma mãe que acena com a mão, e finalmente para uma mãe que espera uma mão para
segurar”.
48
O que hoje chamamos de instinto maternal, é um sentimento condicionado a
determinantes sociais, culturais e psicológicos, que nada tem a ver com o seu
determinante biológico. Se compreendermos isto, talvez consigamos entender em
profundidade o que Lana (2001, p.7) diz: “Ser mãe pressionada pelo paradigma
vigente, pode ser padecer. Ser mãe vinculada afetivamente, é um paraíso. E a
amamentação é uma das chaves da porta deste paraíso”.
Parece-me claro que, estamos precisando de uma nova subjetividade que
considere, no ato do amamentar, não só o corpo lactante, mas a possibilidade de uma
nova linguagem sob a óptica do corpo feminino - suas experiências, seus sentimentos
seus pensamentos. (MACHADO, 1999; HAMES, 2001; RAMOS; ALMEIDA, 1993;
SOUZA, 1993a).
A ação humana participativa e não intromissiva zela pelo bom senso no cuidado
a família e, desta forma, coloca-se como bandeira diretiva dos valores do instituinte, a
favor ou contra o instituído. A lógica humana do humanizar, longe de ser cacofonia,
manifesta-se como a verdade no ponto de limite, difícil, mas não impossível, do cuidar
terapêutico e do cuidar paternalista. Longe da iatrogenia do ato institucionalizado e
medicalizado de “assistir” o parir, nascer e amamentar-desmamar encontra-se a
presença humana do profissional que cuida e conforta mulheres e famílias vivendo o
momento refletido em contradições que oscilam do conflito, desespero e dor, ao
prazer, emoção e alegria.
A tendência construtiva do reconhecimento do conflito, da ambigüidade que
permeia o amamentar, é a busca e o encontro de um ponto de equilíbrio temporário,
que será desenvolvido à medida que esta mulher adquira confiança no seu desempenho
como mãe, aproximando e contextualizando riscos e benefícios do ato em si para
ambos, mãe e filho, sujeitos plurais e, ao mesmo tempo, singulares na situação.
Afinal, a partir do momento que uma mãe leva pela primeira vez o recém
nascido à mama, ela passa, a saber, que as mensagens sentimentais que acompanham a
amamentação são tão importantes para o bem estar daquela criança, quanto o seu pró-
prio leite. E ela tem razão. Sem estas mensagens, o alimento não bastaria para estimu-
lar o desenvolvimento emocional e até mesmo físico da criança. (BRAZELTON, 1994).
49
Sabemos que a fome é multidimensional, assim como as pessoas e o próprio
processo de amamentação e não se resolve apenas no plano biológico, com o estômago
cheio. Há necessidade de mais: - mãe e filho precisam encontrar este ponto de
convergência para que o amamentar seja mutuamente benéfico. Por isso, precisamos
reconhecer os artifícios ideológicos e a dinâmica das argumentações econômicas e
políticas que o tornaram estranho à própria mulher e à sociedade, como uma chave
para desmontar o ideal da imutabilidade da condição do desmame precoce e do
aparente impedimento do prolongamento do processo, a partir da compreensão dos
seus significados em cada situação vivida.
A própria dinâmica emocional do puerpério, que se configura como conflitual,
traz à tona emoções maternas. Através de mecanismos psicossomáticos específicos,
estas emoções afetam a lactação. Por um lado, a tranqüilidade e a confiança da mulher
facilitam o processo e, por outro, a ansiedade, o medo, a fadiga, a dor e a tensão o
dificultam, uma vez que bloqueiam o reflexo da liberação do leite pela inibição
hipotalâmica da secreção de oxitocina e pela liberação de epinefrina, que impede a
ação da ocitocina nas células mioepiteliais. (MALDONADO, 1984).
Milliet (1993), ao referir-se ao atendimento psicológico no puerpério, menciona
que para as mulheres parece ser imprescindível um espaço para serem ouvidas em seus
sentimentos, dúvidas e dificuldades; momentos que funcionam como possibilidade de
desenvolvimento, propiciando uma re-descoberta da situação vivida, o que lhes
acarreta tranqüilidade e bem estar, repercutindo diretamente na criança. Afirma ainda
que toda a intervenção que facilita a relação da mãe com a criança, desmistificando
esteriótipos e fortalecendo os sentimentos de competência materna, favorecem a saúde
psíquica de ambos. Tendo ter como base os conteúdos emergentes na situação
interativa, esta intervenção deve conter as solicitações emocionais correspondentes às
dúvidas e necessidades de orientações, situando-a no centro do contexto do pós-parto
imediato, marcado pela hipersensibilidade e a crise (conflito).
Precisamos enfocar o simbolismo nas nossas relações de cuidar, dando muito
mais valor ao seu significante que ao seu significado – porque este contexto faz
emergir o limite entre a fantasia e a realidade. “O pensar mágico não é apenas uma
50
categoria formal de relacionamento, mas sim um modo de relacionamento do ego com
toda a estrutura do meio social.” (NORONHA; MONTGOMERY, 1993, p.15).
E Maffesoli (1984, p.7) bem o disse... “O vivido não é sintoma de outra coisa (a
verdadeira vida, a sociedade perfeita, o paraíso ou o amanhã que canta); vale por si
mesmo e nós temos que apreciar-lhe a força ‘de afirmação’ (mesmo relativa)”.
Conforme Paiva (1992), esta ambigüidade - que menciona como ambivalência -
manifesta-se entre o entender-se mãe presa ao filho e a vontade de romper com este
domínio e recobrar sua independência; entre o desejo de independência nos cuidados
com a criança e a necessidade física e psicológica de ser auxiliada; o desejo de retornar
ao trabalho e o de não se separar da criança. Dias (1996) afirma que, os sentimentos da
nutriz dependem de tudo que acontece a sua volta, com as pessoas que a rodeiam. Um
pai não ficará indiferente ao choro ou ao desconforto da sua criança e uma avó se
preocupará com a satisfação de seu neto.
A contragosto do que penso e desejo, percebo que a mulher anda muito só no
conflito do amamentar-desmamar, agravando o inevitável grau de depressão
quimicamente comprovado do puerpério e impedindo a interação das condições
psíquicas e sociais da maternidade com o seu lado biológico.
A capacidade de estar consciente da ambigüidade permite à mulher manter a
atitude definida como equilibrada e saber, por exemplo, que uma parte dela deseja
silenciar a criança a qualquer custo enquanto a outra, deseja apaixonadamente, fazer o
máximo pela mesma. (NORONHA; MONTGOMERY, 1993).
A atenção da mulher nutriz deve estar direcionada não somente para o bebê,
mas para a compreensão e reconhecimento de sua própria realidade interna. É preciso
que as mulheres tenham a liberdade de pensar sobre esta ambigüidade, ao invés de
temerem por abrigarem tais sentimentos.
A negação deste reconhecimento pode refletir uma incapacidade (por não achar
termo mais apropriado), desta mulher em lidar com o seu self em nível consciente. É
como se a dor deste reconhecer, a levasse a negar a existência do conflito. Portanto,
quem o expressa, está mais próximo de compreendê-lo.
Parker (1997, p. 26 e 194) menciona:
As experiências pessoais surgem da interação das forças psíquicas com as
51
forças externas [p.26]. As vozes das mães nos dizem que elas chegam às
condições maternas trazendo consigo suas vidas de mulheres negras, mulheres
brancas, mulheres de diversas etnias e uma profusão de classes sociais e níveis
econômicos. O freqüente conflito entre essas forças que influenciam umas às
outras constantemente, conferem profundidade e riqueza a psicologia da
maternidade [p.194].
A dinâmica conflitual que acompanha o amamentar-desmamar na realidade de
algumas mulheres, não deve ser entendida apenas sob o prisma da negatividade e do
seu fracasso como nutriz. A flutuação entre o querer e o não querer amamentar,
representará um fator negativo se a mulher e sua família não conseguirem lidar de
forma efetiva com esta angústia e culpa que decorre do processo de consciência do
manifestado, porque a maternidade não acontece somente dentro do contexto privado,
do limite familiar.
A equipe de saúde deve estar preparada para cuidar da mulher nutriz e sua
família, inserida num contexto social de crença ou descrença no poder do aleitamento.
Saber trabalhar os mitos e os conflitos no dado momento da sua ocorrência, fortalecerá
a autoconfiança materna; através do esclarecimento das dúvidas e da informação a
respeito das modificações que este processo originará em seu corpo e mente e as
questões adaptativas do RN, a puérpera será capaz de superar os seus próprios
conflitos, trabalhar as questões familiares, tornando o ato de amamentar prazeroso,
saudável e feliz. (HAMES, 1998).
É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem, que se pode melhorar a
próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão crítica necessita ser
de tal modo concreto, que quase se confunda com a prática. O seu distanciamento
epistemológico da prática enquanto objeto de sua análise, deve dela aproximá-lo ao
máximo. “Quanto melhor faça esta operação tanto mais inteligência ganha da prática
em análise e maior comunicabilidade exerce em favor da superação da ingenuidade
pela rigorosidade.” (FREIRE, 1999, p. 43 - 44).
As mulheres, na maioria das vezes, já estão acostumadas ao silêncio e se nós
52
não proporcionarmos tempo para que as mesmas expressem suas dificuldades, elas
terão problemas para romper estas barreiras culturais sozinhas. Por isso, é necessário
que o profissional de saúde aprenda a estimulá-las para que elas possam sair do
silêncio de coisas encaradas como tabus e sobre as quais, durante anos, não foram
estimuladas a falar. (BORGES, 1991).
O incentivo à amamentação deve incluir um forte componente de apoio à
mulher em resposta às suas necessidades. A mãe não é somente um veículo para se
chegar a um lactente sadio; é participante ativa na obtenção da saúde da criança e de si
própria. As práticas ótimas de amamentação beneficiam a mulher também, e somente
se ela estiver convencida disso fará o esforço necessário para levar a cabo este
comportamento. Alcançar esta convicção materna é, antes de tudo, questão de
educação e apoio. (CARVALHO, 1997).
Conforme Abbagnano (1998, p. 496):
[...] a grande harmonia é a individualidade duradoura, conexa na unidade do
fundamento. É por esta razão que, a noção de liberdade nunca abandona as
civilizações mais avançadas; a liberdade, em cada um dos seus muitos
sentidos, é a exigência de vigorosa auto-afirmação, pois o corpo segue a lei
mecânica, a alma, a sua própria espontaneidade.
Negar o saber é, com certeza, privar mulheres do exercício de sua cidadania; é
mantê-las presas, privá-las de sua capacidade de ser nutriz, contribuindo para a
pauperização da população e manutenção do modelo hegemônico de educação em
saúde. Longe de ser uma prática coletiva e individualizada, a educação em saúde ainda
mostra-se excludente, presa aos ditames do ensino tradicional, abstrata e fragmentada,
desconectada da realidade em que se aplica; processo unilateral, de manutenção de
poder.
Sobre uma educação não linear para o processo, que considere os encantos e
desencantos em suas minúcias e o apoio profissional e social para o amamentar,
esboçam-se traços para o reconhecimento, por parte das novas gerações que se
formam, da grande perda que o abandono desta prática acarretou a humanidade,
53
apontando, em cada vivência, novos horizontes para se ultrapassar barreiras cotidianas
que se colocam como obstáculos, reais ou imaginários, para o resgate da crença no
valor da amamentação.
2.4 A harmonia conflitual expressa nas categorias de desmame
A falta de um acordo no senso comum e no mundo científico sobre a duração da
amamentação e a idade ideal para o desmame, deixa nutrizes e profissionais de saúde
confusos, provocando, muitas vezes, situações de conflito pessoal, profissional e
social.
A Academia Americana de Pediatria recomenda que as crianças sejam
desmamadas aos doze meses, enquanto a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o
Fundo das Nações Unidas para a Infância e a Adolescência (UNICEF) preconizam que
este processo se estenda até os dois anos ou mais. (BRASIL, 2002a). Neste
controverso emaranhado, muitas mulheres omitem que ainda amamentam seus filhos,
enquanto outras mantém, a seu contragosto, a amamentação dos filhos maiores de um
ano para evitar a desaprovação dos profissionais de saúde ou dos próprios membros da
família. (CARVALHO, 2003).
As mulheres estão preocupadas não só em como e quando deve ocorrer o
desmame, mas também como consegui-lo com respeito às necessidades de cada
criança bem como suas próprias necessidades.
Alguns desmames geralmente são fáceis tanto para a nutriz, quanto para seu
bebê, principalmente se for iniciado nos primeiros seis meses de vida e pode acontecer
de várias maneiras. Porém, os métodos mais utilizados podem ser divididos em quatro
categorias: desmame súbito, desmame planejado ou gradual, desmame parcial e
desmame natural. (BENGSON, 2000).
No desmame súbito, como o próprio nome indica, ocorre uma interrupção
abrupta do processo de amamentação, sem nenhum aviso prévio ou planejamento.
(BENGSON, 2000). Esta opção deve ser utilizada somente em caso de extrema
necessidade, uma vez que é a que traz mais conseqüências físicas e psicológicas para a
54
mãe e a criança. Não é difícil compreendermos tal fato, uma vez que temos a noção de
que o leite materno não nutre apenas o corpo físico, mas funciona como fonte de
conforto e proximidade, tanto para a criança, quanto para a mulher. A
multidimensionalidade da fome e do processo de amamentação pode tornar esta
transição abrupta do processo em frustração, tanto para a mulher, quanto para a
criança, principalmente se a amamentação se desenvolveu de forma prazerosa e foi
fonte de desenvolvimento do apego.
Esta categoria de desmame súbito é difícil para ambos (mulher nutriz e
filho(a)), mas é emocionalmente mais traumático para a criança. Mulheres que
viveram o desmame desta forma, relatam ter apresentado desconforto pelo
ingurgitamento mamário, inclusive com risco de desenvolver mastite puerperal. Além
disto, as alterações hormonais associadas a esta categoria de desmame, faz com que
essas experenciem sentimentos de tristeza e, em alguns casos, depressão,
especialmente se elas não estiverem sentindo-se confortáveis com a idéia de desmamar
o filho(a) naquele momento. (BENGSON, 2000).
No desmame gradual ou planejado, que pode durar semanas ou meses, a nutriz
prepara o bebê para o desmame, usando a distração com atividades interessantes,
enquanto substitui gradativamente, o leite materno por fórmulas. Para que esta
transição se dê com conforto e segurança, a nutriz precisa estar segura da sua decisão e
estar disponível para a criança. (BENGSON, 2000).
Recentemente, assistindo ao programa Pequenos Desafios exibido em
12/10/2004, no canal Discovery Health, que abordava a questão do desmame, pude
constatar a importância da participação familiar neste processo. Para diminuir a
ansiedade da mãe e do lactente nos horários de mamada, geralmente, o pai ou outro
membro da família saía com a criança de casa e a levava para passeios em locais que
lhe agradavam, como parques e zoológicos.
Infelizmente, muitas mulheres brasileiras não possuem uma estrutura familiar
que lhes permita viver o processo desta forma, ficando, geralmente, somente sobre sua
responsabilidade a atenção e distração, bem como o oferecimento de outro tipo de
alimento para substituir a mamada para a criança. Bengson (2000) sugere que a mulher
55
deve usar estratégias, além de oferecer outro tipo de alimento nos horários das
mamadas, como ler histórias e brincar com a criança para substituir a amamentação e
diminuir sua ansiedade neste momento. Desta forma, a criança passará pelo processo
de forma mais amena e será menos estressante para ambos. Assim, quando o desmame
ocorre gradualmente, a nutriz tem menos possibilidade de sofrer ingurgitamento
mamário e/ou mastite puerperal, uma vez que as mudanças hormonais ocorrerão de
forma mais amena.
Cabe salientar que a opção pelo desmame gradual é uma decisão materna,
familiar ou social, e que, muitas vezes, a criança não demonstra sinais de rejeição à
mama, ou seja, não parece pronta para desmamar sozinho. Quando o desmame é
planejado, conseguido gradualmente e com amor, o resultado é positivo para mães e
bebês.
Na modalidade de desmame parcial as nutrizes procuram por um acerto entre
amamentar o bebê com freqüência e o desmame total. Neste caso, a nutriz opta por
substituir horários de amamentação que são mais difíceis para ela, como durante a
noite, por outros tipos de alimento.
O desmame natural representa deixar a criança decidir pelo fim do processo de
amamentação por sua própria conta e gosto. Bengson (2000) relata que no livro
“Desmamar, a arte das mulheres que amamentam, a autora descreve a filosofia
embutida neste processo, ao mencionar que nós acreditamos que a amamentação ideal,
em termos de relacionamento mãe-filho(a) é aquela que persiste até que a mesma não
procure mais a mama materna. Muitas mulheres escolhem esse caminho por
reconhecerem o quanto é importante a amamentação para seus filhos ou por
acreditarem ser mais fácil esperar que a mesma desmame sozinha.
A mesma idéia, menciona Bengson (2000), encontra-se expressa no livro de
Eda Lê Shan, intitulado “Como os filhos crescem, ao salientar que quando uma
necessidade é alcançada, ela é, automaticamente, abandonada. Às vezes esta
necessidade é abandonada pela criança mais cedo que esperamos e outras vezes não.
Por exemplo, alguns pais podem se sentir preocupados porque o filho de seis meses
ainda mama, enquanto outros poderão achar natural um filho de dois anos mamar.
56
Cabe colocar, nessa etapa do estudo, porque utilizei como referência principal
para justificar e explicar as categorias de desmame, a autora Diane Bengson. Apesar
dos meus esforços com o intuito de conseguir bibliografia que fundamentasse essas
categorias, a principal fonte científica foi encontrada no livro intitulado “ Como o
desmame acontece”, da referida autora, publicado nos Estados Unidos da América, no
qual descreveu com propriedade essas categorias, o que reafirma a minha constatação
referente a falta de referencial bibliográfico sobre o tema e o pouco interesse da
academia para incitar estudos sobre o mesmo.
2.5 A expressão das práticas de desmame usualmente utilizadas no mundo
ocidental e os motivos para sua utilização
A falta de um consenso no mundo científico sobre a questão da amamentação
prolongada e do desmame, faz com que muitas mulheres optem por estratégias
familiares, geralmente utilizadas por parentes próximos, que nem sempre representam
o seu desejo e/ou o desejo do filho(a) naquele momento. Desta forma, a ignorância
com relação às práticas de desmame natural torna o processo conflitual. Passo, a
seguir, a discorrer sobre os métodos mais empregados, de acordo com as descrições
contidas no Huggins e Zeidrich (1994) e Bengson (2000), sem entrar na questão se a
prática é ou não ideal.
No desmame súbito, a técnica da “mama picante”, onde se coloca molho de
pimenta quente ou alguma substância falsa em cima do mamilo, é muito utilizada.
Neste caso, acredita-se que a criança vai se incomodar com o gosto desagradável
existente na região mamilo-areolar e abandonar a amamentação. Só que isto nem
sempre ocorre; a criança poderá querer continuar mamando. (BENGSON, 2000).
Outro caminho para o desmame súbito é usar histórias ou outros métodos para
amedrontar a criança, fazendo com que esta não queira mais mamar. Esta prática,
embora utilizada por algumas mulheres, não é indicada, uma vez que o abandono do
processo de amamentação pela ameaça, pode trazer danos psicológicos, com
repercussões futuras no desenvolvimento dessa criança. O que se aconselha é uma
57
discussão honesta, dentro de seu nível de compreensão, uma negociação, onde mãe e
criança possam dividir seus sentimentos e expectativas de uma forma simples.
Técnicas como afastar a criança da mãe por períodos longos (sete dias ou mais),
fazer curativos ou pintar os mamilos e aréolas mamárias com substâncias vermelhas,
sugerindo sangue, ou fazer curativo sobre esta região, são práticas normalmente
relatadas nas emergências obstétricas em casos de desmame abrupto. Neste caso, o
desconforto e o sofrimento físico e emocional acometem tanto a mãe, quanto o
filho(a).
Entre os fatores que interferem na decisão materna por utilizar um ou outro
método de desmame ou negociá-lo com a criança, segundo Bengson (2000)
encontram-se: a crítica e pressão de amigos e família, a pressão do parceiro para
desmamar, concordar para não discordar (não gerar conflitos), pressão e comentários
de amigos e vizinhos, pressão para o desmame quando volta para o trabalho ou escola,
desmame devido ao uso de medicação pela mulher e quando o médico sugere o
desmame.
Muitas mulheres têm dificuldades de lidar com a pressão para o desmame
quando esta vem de amigos e membros da família. Se ela se sentir impotente diante da
situação, pode acreditar que sua necessidade e a de sua criança não são consideradas,
ou que ninguém entende a questão do vínculo com a criança, assim como ela. Se, ao
contrário, desconsiderar esta pressão e escolher métodos diferentes, os próprios
familiares podem acreditar que esta teve uma atitude corajosa, forte, reforçando sua
confiança. Neste caso, ela precisa ter um sistema de apoio eficiente. Infelizmente, a
prática cotidiana mostra que este sistema de apoio centrado na decisão da mulher
nutriz, dificilmente existe na nossa realidade, pois a criança é sempre colocada em
primeiro plano.
Quando a crítica para interromper o processo de amamentação vem do parceiro,
com quem divide as responsabilidades de cuidar da criança, a mulher nutriz pode ficar
confusa e não saber lidar com a situação. Os companheiros, geralmente, apontam
questões relativas ao relacionamento, que não podem ser desconsideradas na interação
conjugal, como querer sair sozinho com a esposa, acreditar que o processo está
58
desgastando a mulher, ou mesmo, temer a forma como as outras pessoas percebem a
manutenção da amamentação. Neste caso, entra novamente em jogo, a negociação na
perspectiva de buscar alternativas criativas que atendam às necessidades das pessoas
envolvidas.
Às vezes o conflito sobre o desmame não pode ser resolvido. Talvez por causa
de outros problemas dentro do relacionamento familiar. Neste caso, se a mulher insistir
no assunto, esperando o aceite total de seu ponto de vista, pode não ter sucesso. É bom
ter o apoio da família, mas nem sempre é possível. Aprender a concordar e discordar, e
não tocar mais no assunto, talvez seja necessário para preservar um relacionamento
aceitável no meio familiar. As críticas da família podem causar na mulher dúvidas
sobre sua própria decisão. Ela precisará de apoio, precisará conversar com amigas que
já amamentaram crianças mais velhas.
É muito comum, vizinhos e amigos exercerem pressão sobre a mulher para
desmamar a criança no momento que elas consideram adequado, desconsiderando as
peculiaridades de cada situação. Muitas vezes, opinam sobre o assunto sem sequer ser
solicitado. A mãe-nutriz precisa compreender que a definição de quando parar de
amamentar é uma decisão particular ou compartilhada com a criança e sua família.
Begnson (2000) salienta que a pressão nem sempre é verbalizada claramente e
menciona, como exemplo, convites para eventos somente para adultos. Nossa
realidade mostra que a gestação, o parto e a amamentação são eventos em que as
pessoas parecem sempre querer deixar prevalecer a sua opinião do vivido. Por isso, a
mulher nutriz precisa sentir-se segura da sua decisão e ter um sistema de apoio
contínuo, para não encerrar o processo de forma traumática para si e/ou o filho(a).
Muitas mulheres pensam seriamente em desmamar a criança quando voltam a
trabalhar. Esta parece uma escolha simples, que vai ser compreendida pelos outros.
Mas nem sempre o processo se desenvolve harmoniosamente. A criatividade e a
flexibilidade a ajudarão a descobrir a melhor solução para si e o filho(a).
Algumas opções que podem ser utilizadas por essas mulheres, conforme
mencionadas por Bengson (2000) são:- deixar a escola na hora do almoço para
amamentar o bebê que está sendo cuidado próximo; trabalhar meio período, com
59
flexibilidade de horário ou em casa, ou reorganizar o horário de trabalho para facilitar
a amamentação; trazer o bebê para o trabalho ou escola; atrasar ou modificar a volta ao
trabalho até que o bebê esteja maior e trabalhar durante um horário mais reduzido e
deixar o bebê mamar com mais freqüência enquanto estão juntos.
Algumas vezes, uma doença que a mulher apresente durante a amamentação
com necessidade de usar determinado medicamento, pode fazê-la pensar sobre o
desmame, antes que ela e a criança sintam que estão prontos para vivenciar o processo.
Mas isto pode ser conduzido de outra forma. Existem sempre alternativas para o
desmame em circunstâncias difíceis. Além disto, existem várias maneiras criativas
para lidar com as críticas relacionadas à amamentação prolongada, mesmo quando
estas vêm de médicos ou outros profissionais. Os comentários dos profissionais de
saúde e pessoas leigas que viveram ou não a condição de nutrizes sobre o desmame,
devem ser avaliados pela mulher, se a criança estiver com crescimento e
desenvolvimento adequados e se a mesma não estiver interessada em iniciar o
processo. (BENGSON, 2000).
É assunto discutido na literatura e evidente na prática cotidiana com mulheres
em processo de amamentar-desmamar, que os profissionais da saúde têm opiniões
variadas sobre o mesmo. Há os que entendem e apóiam a idéia da amamentação até
que a criança não necessite mais. Outros mantêm a opinião sobre a amamentação e o
desmame que, ideologicamente, circula em seu meio social. Nestes casos, uma das
saídas para a mulher é perguntar ao profissional que aconselhou o desmame, qual o
risco para a criança se ela continuar mamando e quais as evidências científicas que
comprovam tal risco. Isto porque, infelizmente, a hegemonia do saber científico ainda
coloca o profissional de saúde como responsável pela definição da alimentação da
criança, o que pode deixar a mulher confusa em sua decisão de como e quando
desmamar.
Inútil transformar o mundo: é suficiente
transformar a idéia que alguns fazem dele.
Simone de Beavoir (1980
)
Imagem
5
3 O REFERENCIAL TEÓRICO
O delinear de um referencial teórico para nortear uma pesquisa é sempre uma
escolha complexa. Buscar subsídios para compreender o significado atribuído pelas
mulheres à vivência do processo de amamentação e desmame de crianças maiores de
dois anos de idade não foi diferente nesta realidade.
Passando pela compreensão das formas de apreensão ritualizadas e
ideologizadas que se construíram socialmente em torno e para o processo, até o
reconhecimento da sua vivência conflitual, expressa ou oculta, chego a condição de
elaboração deste estudo acreditando que a amamentação possui um modelo social
regulador que impacta, de maneira extremamente significativa a sua concretude,
portanto, passível de ser desvelado através da Teoria das Representações Sociais
desenvolvida por Moscovici (1984).
Pensando nessa perspectiva parece-me claro que as Representações Sociais
(RS) despontam como possibilidade de compreensão deste fenômeno
multidimensional. Jodelet (2003) considera a pessoa em seu contexto sócio-histórico,
no qual a experiência e a prática cotidiana lhe permitem, tanto a apropriação, como a
reconstrução dos significados atribuídos aos objetos. As RS regem nossa relação com
o mundo e os outros, organizando nossa comunicação e conduta, articulando o vivido,
a experiência do concreto e os interesses que o mobilizam.
No contexto dessa pesquisa, isso ocorre entendendo a representação como a
manifestação integrada do modo como a mulher nutriz apreende o mundo e seus
próprios processo íntimos (percepção e significantes), podendo ser compartilhado ou
refletir um modo particular, principalmente nas situações em que a experiência é
subjetiva e envolve fatos cujo enfrentamento é negado.
Tenho consciência de que o termo representação, mesmo antes de ser
representação social, é por si mesmo complexo e não consensual, constituindo-se em
62
um jogo psicológico que mediatiza o ser e o meio. Schopenhauer (2001) menciona que
o mundo representacional comporta dupla natureza, necessárias e inseparáveis. Uma
refere-se a pluralidade têmporo-espacial do objeto; a outra, que foge a esta
configuração, define o caráter uno e indivisível em cada ser percebido.
E o próprio Moscovici (1978) menciona que as representações, enquanto
entidades quase tangíveis fazem-se presentes na maioria das relações sociais que se
estabelecem, nas comunicações permutadas, nos objetos produzidos ou consumidos,
englobando a substância simbólica e a prática que os produz. Na noção de RS
encontramos a correspondência da sociabilidade, onde a realidade é elaborada
coletivamente no plano das trocas e das práticas no cerne de uma questão histórica.
Trazendo a marca da cultura das relações intergrupais, fornece a substância para os
julgamentos e engajamentos sociais, distribuindo simultaneamente a existência (o que
não é representado não existe) e a coerência e importância do vivido. (MOSCOVICI,
1984).
Duveen (2003) salienta que o interesse de Moscovici sempre foi de pesquisar a
variação e a diversidade das idéias coletivas nas sociedades contemporâneas, uma vez
que as mesmas refletem uma distribuição desigual do poder e geram uma gama de
representações. Diz o autor, que em qualquer cultura, há pontos de conflito e até
mesmo fraturas e, é, em torno destes pontos, que as representações emergem. Dizendo
de outra forma, nesses pontos de clivagem há uma falta de sentido, um ponto que
permite o afloramento do não –familiar, colocando em seu lócus, algum tipo de
trabalho representacional. A procura de conhecimento nos conduz ao tumulto da vida
e da sociedade humana, onde o mesmo toma aparência e forma.
As formas e os conteúdos pelos quais as representações sociais se revelam, são
as provas mais fidedignas de que as mesmas constituem-se um domínio que associa o
psíquico e o emocional. Isso nos faz pensar na importância e na possibilidade de
mudanças que o pensamento científico, estudado através da mesma, pode exercer, na
medida em que as representações não se reduzem somente a interpretação dos fatos
sociais, mas despontam como instrumento de transformação da realidade, enquanto
processo. (NÓBREGA, 2001).
63
3.1 A gênese da Teoria das Representações Sociais e a polissemia do conceito
As Representações Sociais, enquanto abordagem teórica (Teoria das
Representações Sociais (TRS) originou-se em 1961 na França, com a publicação de La
psychanalyse, son image et son public, por Serge Moscovici. Constitui um termo
filosófico que significa a reprodução de uma percepção anterior ou do conteúdo do
pensamento e que nas ciências sociais pode ser entendido como categorias de
pensamento, de ação e de sentimento que expressam a realidade, possibilitando sua
explicação, justificativa e questionamento. (MINAYO, 1999).
Moscovici elaborou esta Teoria no contexto do pós Segunda Guerra, período
em que se buscava, nas ciências humanas e sociais, respostas aos conflitos entre a
sociedade e os indivíduos. Na tentativa de controlar comportamentos o individualismo
torna-se o ideal Ocidental, enquanto o coletivismo predomina no Oriente. (PADILHA,
2003). O arcabouço teórico das RS surgiu de uma cultura profissional que procurava
solução para problemas comuns ligados à experiência cotidiana e, por tradição, num
determinado grupo. (LEOPARDI, 2001).
Moscovici (1984) substituiu a noção de representações coletivas de Durkheim
pelo conceito de RS para justificar a diversidade da origem, tanto dos indivíduos,
quanto dos grupos e por reconhecer a importância da comunicação enquanto fenômeno
que agrupa os indivíduos numa rede de interações em que qualquer coisa de individual
pode tornar-se coletiva e vice-versa. Segundo Nóbrega (2001, p. 61):
[...], nesse processo de comunicação, as RS se elaboram na antinomia onde
são simultaneamente geradas e adquiridas. Para ele (Moscovici), as RS não
são nem homogêneas nem partilhadas enquanto tais por toda a sociedade. E
uma vez forjadas em condições socialmente desiguais, como resultado da
divisão social do trabalho, as representações são, portanto, sociais, já que
partilhadas, mas não homogêneas, porque partilhadas na heterogeneidade da
desigualdade social.
O autor da Teoria insiste na especificidade das representações, por não querer
64
vê-las, como no passado, reduzidas a resíduos intelectuais, que não mantém relação
como o comportamento original. Ao contrário, acredita que elas possuem uma função
constitutiva da realidade que conhecemos por experiência, na qual as pessoas se
movimentam. A representação é composta de figuras e expressões socializadas e a
organização destas imagens e da linguagem que as expressa, se tornam comum.
A reprodução das representações sociais leva ao remodelamento dos elementos,
remanejando as estruturas e reconstruindo o fenômeno no contexto dos valores, das
noções e das regras do indivíduo, inserido em um dado contexto histórico-temporal.
(MERCÊS,1998).
Sobre esta dinamicidade Moscovici (1984, p.25-26) registra:
Conjuntamente, uma representação social é a organização de imagens e
linguagem, porque ela realça e simboliza atos e situações que se tornam
comuns. Encarada de um modo passivo, ela é apreendida a título de reflexo, na
consciência individual ou coletiva, de um objeto, de um feixe de idéias que lhe
são exteriores. A analogia com uma fotografia captada e alojada no cérebro é
fascinante; a delicadeza de uma representação é, por conseguinte, comparada
ao grau de nitidez ótica de uma imagem. É neste sentido que nos referimos
frequentemente, à representação (imagem) do espaço, da cidade, da mulher, da
criança, da ciência, do cientista e daí por diante. A bem dizer, devemos
encará-la de um modo ativo, pois seu papel é modelar o que é dado do
exterior, na medida em que os indivíduos e os grupos se relacionam, de
preferência com os objetos, os atos e as situações constituídos por (e no
decurso de) miríades de interações sociais. Ela reproduz, é certo. Mas essa
reprodução implica um remanejamento das estruturas, uma remodelação dos
elementos, uma verdadeira reconstrução do dado, no contexto dos valores, das
noções e das regras, de que se torna, doravante solidário. Aliás, o dado externo
jamais é algo acabado e unívoco; ele deixa muita liberdade de jogo à atividade
mental que se empenha em apreendê-lo. A linguagem se aproveita disso para
circunscrevê-lo, para arrastá-lo no fluxo de suas associações, para impregná-lo
de suas metáforas e projetá-lo em seu verdadeiro espaço, que é simbólico. Por
isso, uma representação fala tanto quanto mostra, comunica tanto quanto
exprime. No final das contas, ela produz e determina os comportamentos, pois
define simultaneamente a natureza dos estímulos que nos cercam e nos
provocam, e os significados das respostas a dar-lhes.
O conceito de RS encontra-se fortemente tecido por um grupo de elementos de
natureza diversificada, como inserções sociais, fatores afetivos e sistemas de valores.
Este grupo de elementos deve comportar o instrumento conceitual utilizado para
65
clarificá-lo. (SÁ, 1996). Para Figueiredo (1999) as RS são tipos de organização
psicossociológica, expressos como uma forma particular de conhecer e comunicar-se
com o mundo, abstraindo o sentido real das coisas. Por sua vez, Padilha (2003) refere
que o conjunto das representações sociais engloba noções de origem psicológica
(imagem e pensamento) e sociológica (cultura e ideologia). Assim, o conceito de RS
aponta para uma realidade que articula um conjunto de elementos tais como, inserções
sociais, processos cognitivos, afetividade, valores sociais e ideologias.
Alguns autores como Durkhein, Weber, Schutz e Marx, trataram, com viés, o
mundo das idéias e o seu significado no conjunto das relações da sociedade, ou seja, as
representações sociais. A partir das idéias de Marx, Gramsci e Luckács abordam as
relações sociais. Gramsci fala do senso comum e do bom senso, mencionando que o
primeiro tem um papel transformador e, mesmo sendo fragmentado e contraditório,
deve ser recuperado criticamente, uma vez que corresponde espontaneamente às reais
condições de vida das pessoas. Fala ainda que todos nós, por pertencermos a um
determinado grupo, partilhamos de um mesmo pensar e agir, transformando-nos desta
forma, em conformistas de alguns tipos de conformismo, ou seja, ao mesmo tempo em
que aponta os elementos ilusórios, empenha-se na importância de compreensão do
senso comum na reversão do modelo social hegemônico. Luckács, por sua vez, inclui
as representações de Marx, à noção de visão de mundo, considerando-a como a
integração do pensamento individual ao conjunto da vida social. (MINAYO, 1999).
Tavares e Teixeira (1998) mencionam que o termo RS é polissêmico, e que tem
sido utilizado como método e como teoria, tanto pelo materialismo histórico, quanto
pela fenomenologia e psicologia social. Citam ainda, que alguns fatores têm
favorecido a sua utilização pelos enfermeiros, como o interesse pela metodologia
qualitativa, a possibilidade de estudar a produção simbólica como uma forma de
realizar pesquisas mais criativas, a valorização do saber popular, a possibilidade de
revelar situações do cotidiano da prática não visíveis objetivamente e a possibilidade
do estudo da sensibilidade e da emoção.
Desta forma, a TRS mostra a capacidade das pessoas para assenhorar-se do
mundo por intermédio de conceitos, afirmações e explicações surgidas no dia-a-dia das
66
interações sociais, a respeito de qualquer objeto social ou natural, para familiarizá-lo,
garantindo a comunicação no interior do grupo e a interação com outras pessoas e
grupos. (SOUZA, 1993b). Assim sendo, se constroem no desenvolvimento da
comunicação, através da qual, as pessoas põem a prova, por meio de suas ações, o
significado valorativo dos que se comunicam com ela, pesando vantagens e
desvantagens, selecionando seus comportamentos e coordenando-os em função de uma
procura de personalização. (QUEIROZ, 1996).
3.2 Críticas à Teoria das RS
No mundo Ocidental, marcado pelo individualismo do período pós-guerra, a
Teoria das RS dentro de uma disciplina mais ampla, como a psicologia social, teve
uma recepção fragmentada e problemática. Padilha (2003, p.3) menciona que na
América Latina e no Brasil, como parte da mesma, a psicologia social “oscila entre o
pragmatismo norte-americano e a psicologia social européia. No final dos anos 70
surgem propostas concretas de uma psicologia social amparada na realidade destes
países [...] ”.
Moscovici (2003) sugere que a psicologia social contemporânea continua a
apresentar um tipo descontínuo de desenvolvimento de paradigmas, que mudam
constantemente; paradigmas solitários,, como descreve. Desta forma, cada novo
paradigma aparece desconectado de seus antecedentes e pouco deixa aos seus
sucessores. Nesta perspectiva, “há algo de notável na persistência da Teoria [...]
durante um período de 40 anos. No espírito de sua problemática relação com o terreno
[...] da corrente em voga, a Teoria [...] sobreviveu e prosperou.” (MOSCOVICI, 2003,
p. 19). Acredita o autor, que sua Teoria não apenas se tornou uma das contribuições
teóricas mais persistentes e duradouras na psicologia social, como também foi
amplamente difundida pelo mundo.
Conceitos que atuam em grande grau de profundidade necessitam de mais de 50
anos para serem introjetados nas camadas mais baixas da comunidade científica. É
67
devido a este fato, que muitos de nós, apenas agora começamos a perceber o sentido
de certas idéias que estiveram encubando na sociologia, antropologia e psicologia.
(MOSCOVICI, 1984).
Para que possamos compreender a contribuição da Teoria de Moscovici (2003,
p. 18-19), faz-se premente lembrar de tudo contra o qual sua inovação
psicossociológica reagiu:
[...] a revolução cognitiva, na psicologia, iniciada na década de 50, legitimou a
introdução de conceitos mentalistas que tinham sido proscritos, pelas formas
mais militantes do comportamentalismo, que dominou a primeira metade do
século XX e, subsequentemente, as idéias de representações foram o elemento
central na emergência da ciência cognitiva nas últimas duas décadas. Mas a
partir desta perspectiva, a representação foi geralmente vista num sentido
muito restrito, como uma construção mental dum objeto externo.
Desta forma, embora se tenha permitido o desabrochar de um cálculo
informacional, onde as representações eram termos centrais, seu caráter simbólico
raramente figurou em tais teorias.
Faar (1998) salienta que sem este caráter simbólico não há representação, mas
distorções do pensamento comum. Quando o pensamento comum se afasta da lógica
sistemática da ciência, torna as representações estáticas na organização cognitiva.
As RS atravessam as posições ideologizadas, através da análise científica das
mentalidades e práticas sociais, tornando-se um sistema teórico importante, conforme
registra Abric (1998, p.27):
O sucesso desta teoria é testemunho da renovação do interesse pelos
fenômenos coletivos, e mais exatamente pelas regras que regem o pensamento
social. O estudo do pensamento ingênuo, do senso comum aparece a partir de
então como essencial. A identificação da visão de mundo que os indivíduos ou
os grupos têm e utilizam para agir e para formar posição, é indispensável para
compreender a dinâmica das interações sociais e clarificar os determinantes
das práticas.
68
3.3 Os processos formadores da TRS, seus pressupostos e sua aplicabilidade
As RS possuem uma estrutura de dupla natureza – conceptual e figurativa, pois
são consideradas como “um processo que torna o conceito e a percepção de algum
modo intercombináveis, visto que se engendram reciprocamente (PEDRA, 1997, p.
55). Assim, para Moscovici (1978), a estrutura de cada representação tem duas faces
tão pouco dissociáveis como a frente e o verso de uma folha de papel: a face figurativa
e a face simbólica, percebendo-se, desta forma, em toda figura um sentido e em todo
sentido uma figura.
A duplicação de um sentido por uma figura, pela qual se dá materialidade a um
objeto abstrato, é cumprida pelo processo de Objetivação- face figurativa. A
duplicação de uma figura por um sentido, pela qual se fornece um contexto inelegível
(cognitivo) ao objeto, é cumprida pelo processo de Ancoragem- face simbólica.
(MOSCOVICI, 2003).
Moscovici (1984) demonstrou que as RS são modalidades de conhecimento que
se articulam no dia-a dia, de acordo com dois processos formadores, fundamentais: a
objetivação e a ancoragem. Estes processos guiam o método de investigação com
relação aos sujeitos da pesquisa. Por exemplo, a aplicação de uma determinada
técnica como a entrevista, permite que a representação seja objetivada, dando
significado à figura emergida. Quando a tecemos de acordo com a concepção teórica,
classificando-a e denominando-a, estamos fazendo a ancoragem.
Na objetivação fundamentalmente, o objetivo consiste em materializar as
abstrações, corporificar os pensamentos, tornar físico e visível o impalpável, enfim,
transformar em objeto o que é representado faz com que se torne real um esquema
conceptual, transformando o que era abstrato em elemento concreto.
Segundo Pedra (1997) apoiado em Moscovici e Jodelet, para se chegar à
objetivação, passa-se por 3 fases distintas.
Construção seletiva: tanto os grupos sociais como os indivíduos que os
integram, têm uma forma específica de apropriar-se das informações e dos saberes de
um objeto determinado.
69
Esquematização flutuante: é necessário selecionar as informações pertinentes e
determinados objetos ou situações para organizar a imagem do objeto ou da situação
para que seja coerente e expressível (formação do núcleo figurativo).
Naturalização: é uma das características do sistema figurativo; ele se ontologiza
e passa a pertencer a natureza. Como algo que sempre esteve aí, é apontado como
senso comum, e que serve para ontologizar os modelos que se tornam elementos
familiares, os fenômenos (aspectos teóricos) da ciência.
Os elementos do pensamento se concretizam e, portanto, adquirem um status de
evidência na realidade e no termo do senso comum. Os indivíduos utilizam uma
espécie de grau de leitura das informações, para tornar os elementos do modelo
figurativo uma realidade plausível e, desse modo, dar-lhes uma “existência palpável”
(NÓBREGA, 2001, p.74).
A ancoragem permite a incorporação do que é desconhecido ou novo em uma
rede de categorias usuais. Moscovici (1984) coloca que se a objetivação explica como
os elementos representados em uma teoria se integram enquanto termos da realidade
social, a ancoragem permite compreender a maneira na qual eles contribuíram para
exprimir e constituir as relações sociais. A inserção orgânica é um outro pensamento já
construído, ou seja, são as simbolizações ou percepções colhidas a partir dos relatos
verbais ou escritos sobre os conhecimentos a respeito do fenômeno ou objeto. Ela
representa a integração cognitiva do objeto representado a um sistema de pensamento
social pré-existente, dotando-o de genealogia e incluindo-o num complexo de palavras
específicas da identidade cultural das pessoas. Tem a função de interpretação da
realidade (pela tradução do fato) e de orientações de condutas e relações sociais (pela
tomada de decisões e ações).
É pela ancoragem que as funções básicas das RS se articulam, quais sejam:
função cognitiva da integração da novidade;
função de interpretação da realidade;
função de orientação de condutores e das relações sociais.
Assim, as RS estabelecem as direções para as condutas sociais, na medida em
que põem em jogo imagens articuladas de parcerias e situações.
70
A classificação e a nomeação são as duas formas de ancorar uma representação.
Segundo Padilha (2003), a classificação implica em classificar e nomear tudo que
resta. O fato de termos a capacidade de falar ou julgar alguém ou alguma coisa, nossa
capacidade de comunicar algo sobre ele, nos permite imaginar o incomum dentro de
nosso mundo comum. Classificar é atribuir um grupo de comportamentos e normas a
alguém. A nomeação, que vai além de simplesmente dar nome a um fenômeno ou
objeto, é o complemento da classificação. Significa ser retirado de uma obscuridade
inquietante e ser premiado com uma associação assim como a colocação dentro de um
emaranhado de palavras especiais.
A TRS tem como pressupostos básicos (MOSCOVICI, 1984):
o sujeito e o objeto não são heterogêneos em seu campo comum. O
objeto está inscrito num contexto ativo, dinâmico, pois é parcialmente
percebido pela pessoa e pela coletividade como prolongamento de seu
comportamento e só existe para eles, enquanto função dos meios e dos
métodos que permitem conhecê-lo.
é o processo de interação que confere um sentido às representações
sociais no fluxo das relações entre grupos e pessoas, as quais criam e se
comunicam ao invés de apenas utilizarem e selecionarem uma
informação circulante na sociedade. Isto faz com que as representações
sejam conjuntos dinâmicos, cujo status é o da produção de conhecimento
e relações com o meio ambiente, de uma ação que modifica tais
comportamentos e relações e não simplesmente os reproduz ou reage ao
estímulo exterior.
Tavares e Teixeira (1998, p. 51) mencionam que alguns fatores têm favorecido
a adesão de enfermeiros para utilizarem as representações sociais ao abordarem
questões a serem estudadas, como:
a crítica aos modelos positivistas que limitam a participação do sujeito
da pesquisa;
o interesse pela metodologia qualitativa;
a possibilidade de estudar a produção simbólica como uma forma de
71
realizar pesquisas mais criativas;
a participação política dos usuários dos serviços de saúde;
a valorização do saber popular;
a ampliação do conceito de saúde e de doença;
a possibilidade de revelar situações do cotidiano da prática não visíveis
objetivamente;
e o estudo da sensibilidade e da emoção.
Como exemplos da sua utilização na enfermagem, dentro da área de estudo
desta pesquisa, saliento os desenvolvidos por Araújo (1997) em seu livro intitulado
“Querer/poder amamentar- uma questão de representação?”, que ao enfocar as
representações sociais das mulheres que amamentam sobre o aleitamento materno e o
seu corpo, deixa transparecer a necessidade de estudos que apontem os fatores que
interferem no processo para o desenvolvimento de uma ação profissional
comprometida, de qualidade e com característica transformadora, e Pereira (1999) que
critica e analisa em sua dissertação “Amamentação: desejo ou sina”, os discursos
oficiais sobre amamentação, enfocando a educação na escola e na família como forma
de reprodução da ideologia dominante, levando-nos a repensar nossa forma de cuidar
das pessoas que vivenciam o processo.
Tendo como base as bibliografias e discussões apresentadas, para finalizar essa
etapa do trabalho, ouso apresentar os pressupostos elaborados para caracterizar o
contexto relacional das mulheres em processo de amamentar-desmamar crianças com
idade superior a dois anos, como segue:
o processo de amamentar-desmamar crianças com idade superior
a dois anos é um fenômeno heterogêneo e dinâmico, percebido e
vivido de diferentes maneiras pelas distintas mulheres que o
experenciam, comportando uma prática condizente ao modelo
social e historicamente construído e aceito e/ou, ao contrário,
contradizendo-o para (re)criá-lo ou fazê-lo diferente, a depender
da circulação de informações entre o saber científico e o senso
comum no contexto em que se desenvolve.
72
as mulheres que amamentam seus filhos por mais de dois anos, o
fazem a partir de elaborações mentais construídas socialmente, na
dinâmica que se estabelece entre a sua atividade psíquica e o
objeto do conhecimento, ou seja, a amamentação-desmame, numa
relação direta com a prática social e histórica tornada comum pela
linguagem e/ou experiências vivenciadas ou observadas no seu
cotidiano, a depender do que ela seleciona para fazer parte do seu
campo perceptivo.
Desta forma, percebo que tal referencial foi pertinente ao desenvolvimento do
estudo em questão, pois a amamentação-desmame vem se mostrando como um
processo sócio-histórico construído, (des)construído e (re)construído ao longo da
evolução da humanidade.
A in
q
u
ietação é a maior virtude do
p
ensador e as interrogações prevalecem
sobre as respostas.
J
osé Terra (1965
)
Imagem
6
4 DESCREVENDO OS CAMINHOS METODOLÓGICOS
Neste capítulo do estudo, procuro explicitar as formas de condução da pesquisa
que originou essa Tese com vistas ao alcance do objetivo proposto. A sua construção
iniciou há aproximadamente 45 meses, quando estruturei as primeiras intenções de
estudo para a seleção ao Curso de Doutorado nessa Universidade. A partir daí, a
instrumentalização metodológica oferecida nas diversas disciplinas que compõem a
grade curricular do Curso e o desejo de desvelar certos pontos obscuros da realidade
das representações maternas do processo de desmame de crianças maiores de dois anos
de idade, levaram-me a conduzir o processo da forma como passo a apresentar.
Convém ressaltar que o aprofundamento teórico a respeito do tema foi peça
fundamental para o bem caminhar, gerando satisfação com o trabalho e a certeza do
dever cumprido, tanto no plano pessoal, quanto profissional.
4.1 O município de Biguaçu - local escolhido para o desenvolvimento do
estudo
Sabemos que as representações sociais são elementos simbólicos que os homens
expressam mediante o uso de palavras e de gestos. No caso desse estudo, o uso da
linguagem comunicação verbal e não verbal, mostrou como as mulheres que
amamentaram crianças com idade superior a dois anos de idade representam o
fenômeno e quais os significados para si. Essas mensagens foram construídas
socialmente e, estão, necessariamente, ancoradas no âmbito da situação real e concreta
das pessoas que as disseram. Portanto, para estudá-las, em primeiro lugar é
indispensável conhecer as condições de contexto em que essas mulheres se
encontravam inseridas mediante a realização de uma cuidadosa análise contextual.
75
Afinal, entendo que as representações sociais são historicamente construídas e
estão estreitamente vinculadas aos diferentes grupos socioeconômicos, culturais e
étnicos que as expressam por meio de mensagens que se refletem nas diferentes
atitudes e nas diversificadas práticas sociais. Devemos considerar que as
representações sociais muitas vezes idealizadas a partir da disseminação de mensagens
e de percepções advindas do senso comum, sempre refletem as condições contextuais
dos sujeitos que as elaboram, ou seja, suas condições socioeconômicas e culturais. Daí
a importância de conhecer os emissores não somente em termos de suas condições de
subsistência ou de sua situação educacional ou ocupacional. É preciso ampliar esse
conhecimento pela compreensão de um ser histórico, inserido em uma determinada
realidade familiar, com expectativas diferenciadas, dificuldades vivenciadas e
diferentes níveis de apreensão crítica da realidade. (FRANCO, 2004).
Reconhecendo o mencionado anteriormente, para conhecer o contexto em que
viviam as mulheres participantes do estudo, ou seja, as 13 localidades do município de
Biguaçu
3
busquei indicadores sociais e de saúde que as caracterizassem. Fiz vários
levantamentos de dados estatísticos nos centros de informações disponíveis on-line e
no próprio município; entre eles posso destacar o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), Secretaria de Estado da Saúde e Desenvolvimento Social,
Secretaria Municipal de Saúde, Prefeitura Municipal e Serviço de Vigilância
Epidemiológica e Sanitária.
Encontrei muita dificuldade para o acesso e obtenção desses dados, uma vez
que grande parte dos indicadores que buscava, não se encontrava computado por
localidade e, alguns, nem por município. Além disso, o conhecimento desses dados
eram frequentemente, centralizados em uma única pessoa, o que dificultava ainda mais
a procura. Outros só estavam disponíveis através de consulta manual. Foram inúmeras
idas e vindas, até se chegar à pessoa e a alguns dos indicadores desejados. Passo a
apresentar o fruto deste trabalho garimpeiro que visa mostrar as condições de vida e
saúde da população em estudo para que se possa compreender melhor suas
representações a respeito do processo de amamentar-desmamar crianças com idade
3
Saveiro, Rio Caveiras, Três Riachos, Jardim Europa, Bairro João Rosa, Sorocaba de Fora, Morro da Bina,
Prado, Saudade, Bom Viver, Tijuquinhas, Vendaval e Jardim Janaína.
76
superior a dois anos. Além disso, utilizei dados de um trabalho acadêmico
desenvolvido por Camila Campos Hames, referente as características histórico-sócio-
econômico-cultural e geográfico de Biguaçu.
4.1.1 Alguns recortes históricos
A cidade de São Miguel da Terra Firme (primeiro nome que Biguaçu recebeu)
surgiu em 1748, com a chegada de imigrantes portugueses provenientes de três Ilhas
pertencentes ao Arquipélago de Açores, em Portugal: - a Ilha Graciosa, a Ilha São
Miguel e a Ilha São Jorge, acometida por constantes abalos sísmicos e foram
assentados no vilarejo de São Miguel. Estes casais atenderam a um apelo do então
Presidente da Província de Santa Catarina, Brigadeiro José da Silva Paes, que queria
povoar a região para defesa territorial, uma vez que era área cobiçada por ingleses,
franceses e espanhóis. Na época, “São Miguel da Terra Firme” servia de posto de
abastecimento de água doce para os navios que navegavam na região. O governo
português determinou a construção das povoações sempre dentro de um formato: praça
central, tendo numa das faces a igreja e noutra a casa do governo; dessa praça, sairiam
ruas paralelas com certo número de palmos para cada família. As casas baixas,
agregadas umas as outras, geralmente com testada exíguas e duas águas, alinhavam-se
em ruas estreitas, partindo do centro, as três fontes de água existentes nas
proximidades. (HAMES, 2003).
Em 1756, São Miguel da Terra Firme foi elevado à categoria de Freguesia. O
vigor econômico desta Freguesia ficou bem caracterizado no cenário colonial que se
edificou na Vila, cujo ponto mais destacado é o conjunto composto pelo Sobrado,
Capela e Aqueduto incluindo ainda uma chácara com área de 154.704 m² situados à
margem da BR 101, no km--. Mesmo sendo o primeiro povoado de Biguaçu, São
Miguel acabou decaindo economicamente devido aos freqüentes surtos de malária da
região (BIGUAÇU, 2004).
Em 8 de fevereiro de 1758 a freguesia de São Miguel foi elevada à categoria de
Vila. A partir do ano de 1829 iniciou-se o processo de colonização germânica pelo
interior do município, comportando também sua organização política. Em 17 de maio
77
de 1833, essa Freguesia foi elevada à condição de município, com sede em São
Miguel, emancipando-se do município de Nossa Senhora do Desterro (atual
Florianópolis). No século XVIII, a cidade que hoje é sede do município, situada às
margens do rio Biguaçu, nem existia. O município resumia-se apenas à Vila de São
Miguel. As primeiras casas de Biguaçu foram construídas em 1840. No ano de 1866 a
sede do município foi transferida para a localidade de Biguaçu, situada às margens do
rio de mesmo nome, passando o município a denominar-se Biguaçu. Entretanto esta
sede voltou a São Miguel, aí ficando até 1894, por determinação de seu primeiro
prefeito, João Nicolau Born. (BIGUAÇU, 2005).
Os açorianos, embora desenvolvessem outras atividades de subsistência,
mantiveram a continuidade da tradição pesqueira. Sua chegada influenciou o
desenvolvimento local através de construções de moradias e prédios públicos, assim
como a implantação e o desenvolvimento das "armações" de baleia, passando a
desempenhar atividades em alto-mar e estimulando o desenvolvimento da construção
naval. Desta forma, foram de suma importância para a constituição da cultura
biguaçulense, pois deixaram heranças culturais que permanecem até hoje, como: a
tecelagem manual, as técnicas de pesca, o folguedo "boi-na-vara", o "pão-por-Deus",
as danças (fandangos), as festividades do Ciclo do Divino Espírito Santo, além do
substrato lingüístico. (HAMES, 2003).
Os casarios típicos constituem-se em um dos mais raros conjuntos
arquitetônicos de valor histórico do litoral de Santa Catarina que se mantém até hoje
com as características originais da cultura açoriana. (BIGUAÇU, 2005). Participaram
também da constituição cultural de Biguaçu negros e espanhóis, entre outros povos.
(BIGUAÇU, 2005; BIGUAÇU, 2004).
A diversidade étnica e cultural que tanto enriquece uma coletividade é também
fator determinante da multiplicidade de crenças e valores que se atribui a um
determinado processo. Desta forma, o amamentar-desmamar conforme a percepção
das mulheres desse município, também foi feito de fragmentos de crenças, tabus,
saberes e práticas selecionados para compor o campo perceptivo das mesmas de
acordo com as suas necessidades e as necessidades e exigências do meio em que se
78
inseriam.
4.1.2 Aspectos geo-políticos-econômicos atuais
Com uma superfície territorial de 302 Km², clima sub-tropical e população
estimada para 2006 de 48.077 habitantes, Biguaçu pertence a Região da Grande
Florianópolis e localiza-se a 17 km da capital, Florianópolis.
Deste total, estima-se
que 24.061 sejam do sexo masculino e 24.016 do sexo feminino. Da população
estimada para 2006, 22.907 residem em áreas urbanas e 5.170 em áreas rurais. A
população residente com mais de 10 anos é de 38.327 habitantes, sendo que
35.371 são alfabetizados, o que corresponde a um índice de 93,2%. O número de
nascidos vivos entre 10/2003 e 10/2004 foi de 595 crianças, totalizando uma média
de 45,8 nascimentos/mês. O acesso ao município é feito pela rodovia BR 101 que
corta o mesmo em uma vasta extensão litorânea. Limita-se ao norte com os municípios
de Canelinhas e Tijucas, ao sul com São José, a leste com Governador Celso Ramos e
o Oceano Atlântico e a oeste com Antônio Carlos e São João Batista. Suas atividades
econômicas principais são a agricultura de sobrevivência, o trabalho em indústrias e o
comércio. (BIGUAÇU, 2004).
Biguaçu é, atualmente, um município pouco desenvolvido. A infra-estrutura é
deficiente, os serviços de apoio à comunidade são escassos e o acesso a educação e
saúde são precários. A população empobrecida é constituída por grande contingente de
imigrantes vindos do interior do estado, além do Paraná e Rio Grande do Sul. Por falta
de condições, essas famílias invadem áreas públicas e constroem habitações em locais,
geralmente insalubres, formando pequenas favelas.
4.1.3 A saúde no município
Biguaçu possui 13 Centros de Saúde com clientela exclusiva do Sistema Único
de Saúde (SUS), quais sejam: Centro de Saúde Três Riachos; Centro de Saúde, Centro
de Saúde Sorocaba de Dentro, Centro de Saúde Sorocaba de Fora, Centro de Saúde
Estiva, Centro de Saúde Cacoeira , Centro de Saúde Tijuquinhas, Centro de Saúde
Prado, Centro de Saúde Santa Catarina, Centro de Saúde Janaína , Centro de Saúde
79
Bom Viver , Centro de Saúde Marco Antônio, Unidade Centra de Biguaçu e CIABS
(Clínica Integrada de Atenção Básica em Saúde), situada no Jardim Carandaí.
Segundo dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Saúde (2006), nessa
rede estão implantadas 12 equipes do Programa de Saúde da Família, assim
distribuídas: 01 equipe no Centro de Saúde Três Riachos (atende também em Sorocaba
de Dentro e Sorocaba de Fora); 02 equipes no Centro de Saúde Estiva (atende também
o Jardim Carolina e Areias de Cima); 02 equipes no Centro de Saúde Prado (atende
também o Jardim Anápolis; 01 equipe na comunidade do Vendaval (atende também
Santa Catarina e Unidade Central), 01 equipe no Centro de Saúde Janaína; 01 equipe
no Centro de Saúde Bom Viver, 01 equipe no Centro de Saúde Marco Antônio, 02
equipes na Unidade Central de Saúde e 02 equipes na CIABS. O Centro de Saúde
Estiva está em construção, por isso, as equipes de saúde deste local atendem
momentaneamente, no Centro de Saúde de Areias de Cima, pertencente ao município
de Governador Celso Ramos.
Dos 595 nascimentos de 10/2002 a 10/2003 em Biguaçu, 11,43%
representavam recém-nascidos (RNs) de baixo peso ao nascimento (inferior a 2500g) e
88,57% RNs com peso normal ao nascimento (igual ou superior a 2500g). Com
relação ao desenvolvimento das atividades de Pré-natal, 59,50 gestantes fizeram 7 ou
mais consultas (pré-natal completo), 30,92 realizaram de 4 a 6 consultas (pré-natal
incompleto), 6,55% realizaram de 1 a 3 consultas e 3,03 não realizaram nenhuma
consulta de pré-natal. Deste total de nascimentos, 36,30 eram filhos de mães
adolescentes. (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE DE BIGUAÇU, 2006).
4.2 Os sujeitos da pesquisa
Participaram e foram sujeitos centrais na construção de histórias e saberes
relativos ao processo de amamentação-desmame, 32 mulheres que experenciaram a
condição de nutrizes de crianças com idade superior a dois anos, no período
compreendido entre outubro de 2003 e outubro de 2004. Desse total de mulheres, 28
80
residiam no município de Biguaçu, Santa Catarina, por ocasião do nascimento da
criança, e 4 em outras regiões do sul do Brasil.
Na escolha das participantes foi considerado o sentimento de empatia entre as
mulheres e a pesquisadora e valorizada a representatividade referente à profundidade e
diversidade das informações relativas à temática em questão. (TRENTINI; PAIM,
1999).
4.2.1 Processo para determinação das participantes da pesquisa
Biguaçu não possui Comitê Municipal de Aleitamento Materno organizado e
nem dados epidemiológicos sistematizados relativos à prevalência da amamentação.
Portanto, para a operacionalização desse estudo no município foi desenvolvida, em
2005, pesquisa em parceria com a Secretaria de Saúde de Biguaçu, para a
determinação dos indicadores de amamentação no município. Para tanto, foram
selecionadas, separadas e digitadas em programa eletrônico em softare da Microsoft
(Eccel), os 18 indicadores de saúde constantes das Declarações de Nascidos Vivos
(DNVs) recolhidas naquela Secretaria e referentes aos nascimentos do período de
outubro de 2002 a outubro de 2003, num total de 595. Após a digitação dos
indicadores no referido programa eletrônico, formamos planilhas, selecionando as
mulheres por rua, bairro e unidade de saúde de referência. Essas planilhas foram
impressas e entregues às enfermeiras em reunião da Secretaria Municipal de Saúde de
Biguaçu, realizada em 10/2005 por solicitação da enfermeira-pesquisadora, que se
comprometeram e realizaram, com auxílio dos agentes comunitários de saúde, o
levantamento dos dados referentes à prevalência da amamentação no município
naquele período. Nessa mesma reunião, o projeto de estudo foi apresentado à equipe
de saúde. Os resultados obtidos foram disponibilizados à Secretaria de Saúde do
município, convertendo-se em importante instrumento para delimitação dos
indicadores de amamentação para Biguaçu, no ano de 2002/2003. Do universo de 595
mulheres, as que compuseram o grupo que amamentaram pelo menos um de seus
filhos (as) por 24 ou mais meses, foram consideradas participantes em potencial da
pesquisa, a depender do seu desejo. Esta “seleção” foi organizada em uma tabela
81
denominada “Instrumento para Determinação das Participantes da Pesquisa”
(Apêndice 1), contendo, além dos indicadores de saúde da DNV, o número do
telefone da mulher, a Instituição onde foi realizado o parto, a Unidade de Saúde (US)
de contra-referência e o telefone deste local (dados fornecidos pelos agentes
comunitários de saúde). Após a realização deste diagnóstico epidemiológico
retrospectivo, o estudo foi desenvolvido no domicílio das mulheres que aceitaram
participar da proposta.
Acredito ser pertinente salientar, nesta etapa do trabalho, que as 32 mulheres
identificadas como nutrizes de crianças com idade superior a dois anos, no estudo
epidemiológico retrospectivo do município em questão, foram contactadas pela
enfermeira-pesquisadora. O que mais me deixou surpresa foi a constatação que,
independente do nível socioeconômico ou da localidade de residência, todas possuíam
telefone, sendo que 14 eram de serviço móvel e pré-pagos.
Este número de participantes atendeu e superou as exigências do referencial
teórico, a Teoria das Representações Sociais (RS), constituindo-se em 100% das
mulheres identificadas e que se inseriram no critério “amamentar um dos filhos por 24
meses ou mais”.
A coleta ainda foi ampliada, por solicitação de participantes, para mais 4
mulheres que na época determinada não moravam em Biguaçu, portanto as DNVs não
se encontravam na Secretaria de Saúde do município e não fizeram parte do universo
de DNVs do período, recolhidas na Secretaria de Saúde de Biguaçu. Os relatos destas
4 participantes vieram corroborar os relatos apresentados pelas demais 28 mulheres,
quando já havia ocorrido a saturação da amostra.
Padilha (2003, p. 18-19) menciona que:
É interessante ressaltar que por serem as RS formas de conhecimentos
produzidas ou elaboradas coletivamente, isto é, por um grupo social, significa
dizer que o número de sujeitos constituintes da amostra não pode ser um
número pequeno que não represente um grupo. Tal seleção deve ser feita de
modo criterioso, que compreenda uma produção de um grupo, senão os
estudos serão apenas clínicos e não de RS. Para tanto, existem técnicas a se
considerar para definição do número de sujeitos como, por exemplo, quando o
discurso começa a ser saturado ou repetitivo, atestado nos estudos
exploratórios a serem feitos para definição ou exploração do instrumento a ser
elaborado.
82
Todas as mulheres encontravam-se em condições de manter uma boa
comunicação verbal, o que viabilizou o processo de interação interpessoal
pesquisadora-mulher, pois nas RS, as participantes não assumem apenas a condição de
informantes, mas constituem sujeitos ativos do estudo.
4.3 Instrumentos e métodos para coleta e registro dos dados
As RS emergem da fusão do percebido (conceito) e do seu caráter imaginário,
por comportar três aspectos: o significante, o criativo e o autônomo. O aspecto
significante ocorre mediante atos e palavras que tornam presente o não visível e o
aspecto criativo acontece a partir do processo de construção – o qual se comporta
possuidor de autonomia e de uma criação individual e coletiva própria da
representação, por não constituir-se apenas de uma simples reprodução. (JODELET,
2000). Portanto, toda imagem tem um sentido e todo sentido tem uma imagem.
Para identificarmos as RS de um fenômeno precisamos buscar a face simbólica
e a figurativa deste fenômeno num determinado contexto. Para tanto, necessitamos
utilizar técnicas variadas para coletas de dados, estratégias que permitam que o
indivíduo ou grupo social possa interagir em relação ao objeto de representação
explorando a subjetividade, pois as representações ultrapassam o limite da concretude.
Figueiredo e Carvalho (1999) salientam que as técnicas de coleta de dados de
uma pesquisa com referencial teórico das RS, devem permitir uma atitude de
construção do real que se efetue a partir das informações que a pessoa fornece através
de suas percepções e sensações, de seus sentidos. Interessa tudo o que a pessoa
vivenciou (aprendeu) ao longo de sua história (experiência de vida) como resultado de
sua relação com o objeto ou fenômeno estudado. Abrange, assim, o sistema cognitivo
e simbólico (conhecimentos, crenças, imagens, significados, opiniões) referentes a
uma circunscrição na realidade social.
Como o projeto de pesquisa já havia sido aprovado pelo Comitê de Ética da
UFSC (Anexo 1) e liberado pela Secretaria de Saúde de Biguaçu, iniciei, em fevereiro
83
de 2006, os primeiros contatos com essas mulheres para apresentação e discussão da
proposta de Pesquisa e do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(ANEXO 2),
tomando, assim, ciência do seu aceite ou negação em participar da mesma e aplicação
de um roteiro de Entrevista Individual Semi-estruturada
(APÊNDICE 2). Cabe
salientar, que mulher alguma negou sua participação no estudo. Como o primeiro
contato foi feito por telefone, solicitavam maiores esclarecimentos a respeito da
pesquisa, o que era feito no primeiro encontro com as mesmas. As entrevistas foram
gravadas em fitas cassete, transcritas com a maior brevidade possível, para acréscimo
dos dados relativos à escuta sensível, conforme sugere Barbier (1993, p. 107-108)...
Cria-se uma zona de produção de dados, cuja riqueza e diversidade representa
a própria emergência do conhecimento. A atenção-concentração é máxima,
tudo ao redor gera dados valiosos. A emoção que está no corpo participa como
uma conduta de ação indireta sobre outrem pela comunicação, e mergulhar no
sentimento do outro significa ouvir e refletir junto com ele sobre o que ele tem
a dizer, ou seja, considerar o sensível diante do real.
Cabral (1999, p. 58) ao referir-se a escuta sensível menciona que “não é
possível desconsiderar o corpo e seu movimento como possibilidade de sentir o
mundo”; que além de se fazer ouvidos e ouvir o que interessa a si mesmo e a pesquisa,
se exige que se ouça o que interessa ao outro também, aguçando a capacidade de ver
além dos limites previamente estabelecidos.
Martins e Bicudo (1994) referem que a entrevista, tida como recurso da
pesquisa qualitativa, caracteriza-se como um encontro social, com características que
lhe são peculiares como a empatia, a intuição e a imaginação, que devem mediar o
diálogo entre o entrevistador e o entrevistado. Abordar o entrevistado e convidá-lo a
participar de um projeto, pressupõe obviamente uma apreciação dele a respeito dos
objetivos e até certo ponto, da utilidade social do mesmo.
Ao término de cada entrevista, fazia as anotações relativas às percepções e
sentimentos que afloravam no contexto interativo pesquisadora-mulher-ambiente,
dados que serviam para interpretação de fatos, falas e simbolizações-objetivações
84
posteriormente elucidadas, compondo o diário de campo. Trentini e Pain (1999)
mencionam que anotações compreendem os detalhes notados durante a entrevista e
descrição dos participantes: aparência, modo de vestir, de falar, de agir, a fisionomia,
os gestos corporais e olhares, as posturas, a aceitação, a motivação, os espaços
temporais e locais, a ansiedade, o tom de voz, o sorriso, os lapsos de memória, a
firmeza, o nervosismo, as alterações de timbre na voz, os modos de sentar, a inibição e
desinibição, a disponibilidade, a comunicação não verbal ou verbal, a segurança, a
tristeza, a apatia, a participação ativa, a vergonha, a desatenção, o interesse, as fácies, a
comunicação e interação e o contexto onde vivem e atuam.
Acredito que esta associação me permitiu captar as percepções (interpretações)
das mulheres sobre as vivências-significados a respeito do processo de amamentar-
desmamar (ancoragem), transformando a imagem em linguagem e dando-lhe uma
explicação.
O conteúdo das entrevistas foi validado pelas entrevistadas, individualmente,
em data e horário combinados com as mesmas, solicitação do desenvolvimento de um
trabalho ético e comprometido, o que demandou grande esforço por parte de ambas,
pois o processo de feed-back tornou-se moroso, embora plenamente justificável. Antes
do retorno para validação, os relatos foram exaustivamente ouvidos, bem como eram
relidas as anotações do diário de campo. No dia 22/02/2006 foi realizada a primeira
entrevista e a última no dia 20/07/2006. Mattos (2002) cita que é a percepção de estar
contando uma história que abre a possibilidade de abandono das análises macro-
estruturais, muitas vezes vazias de conteúdo, para o resgate de vidas.
Vidas que se produzem também como obras de arte a partir das práticas sociais
que foram/vão sendo construídas através do tempo no cotidiano. Neste sentido, o que
a pessoa pensa e faz, traz internamente um conjunto de afetos que oscilam do prazer ao
desprazer, e estes não podem ser ignorados no ato educativo e, muito menos, no
processo de pesquisa.
Por isso, acredito que as técnicas escolhidas para a realização dessa pesquisa
foram efetivas, uma vez que trataram, com individualidade e sem paternalismo, a
história de uma vivência – o amamentar-desmamar - cujos episódios podem ser
85
colocados numa seqüência de acontecimentos que não precisa, necessariamente, estar
atrelada a uma experiência temporal, mas que se desenvolve enquanto processo que
não se esgota no presente, mas recorta o passado e projeta-o no futuro no movimento
do vivenciado pelas mulheres. Dar voz à mulher, permitir que ela fale de si mesma e
saber ouvi-la em seus medos, alegrias, vitórias e fracassos, limites e possibilidades,
simultaneamente, entre tantos outros fatores, foram fortes indicativos da
adequabilidade das técnicas e métodos de coleta de dados, bem como do referencial
teórico, à proposta do estudo.
4.4 Interpretação e análise dos dados
A análise e interpretação dos dados num estudo que envolva RS processa-se a
partir de um referencial teórico estabelecido, que neste caso corresponderá a própria
Teoria das RS. Analisando a fala das mulheres obtida na relação interpessoal das
aproximações para o estabelecimento do vínculo e coleta dos dados necessários a
formação-reestruturação do conhecimento, combinado com as observações da escuta
sensível, acredito ter atendido aos três aspectos citados por Moscovici (1984) para
analisar as dimensões das RS:
a informação, ou seja o nível de informação dos sujeitos a respeito
do objeto representado;
a atitude com relação ao objeto;
o campo da representação, isto é, a abrangência da representação,
sendo tal abrangência organizada, o que significa que
compreende uma hierarquia de seus componentes.
Jovchelovitch (2000, p.21) menciona que:
Quem interpreta sabe que a busca de uma interpretação final e única é um
desejo, não uma possibilidade. Interpretar a vida social é um processo que
envolve um encontro entre o pesquisador, que é um sujeito, e seu objeto, que
na maioria das vezes, também tem sujeito. Encontro, diálogo, representação: o
ato de pesquisa não escapa destes determinantes. A interpretação é também
representação e enquanto tal está aberta à interrogação e à diferença.
86
Nesta perspectiva, a análise e interpretação das falas maternas do processo de
desmame e das estratégias de cuidado da situação, percebido de diferentes formas por
diferentes mulheres, aliada à escuta sensível nas relações interativas que o estudo
sucita, acredito, proporcionou a identificação das potencialidades e limitações no seu
decurso.
Lancei meu olhar sensível na tentativa de captar o que estava subentendido nos
fatos do cotidiano do desmame, enquanto perspectiva de significa-lo para esta mulher,
família e sociedade. O caminho será árduo, por isso o percorri cautelosamente, não
sem medos, mas com certeza, com satisfação!
Para organização e sistematização dos dados, utilizei os momentos sugeridos
por Vachod e Santos (1996). Foram eles:
1º Momento- resultou da objetivação e correspondeu a gênese da
RS através das falas maternas da vivência do processo de
amamentação-desmame. Com estes dados, pude chegar ao
processo de formação dos núcleos figurativos, que correspondiam
aos temas em questão, que possuíam a propriedade de serem
representados e que expressavam a concretude da idéia.
2º Momento- correspondeu a interpretação das falas que cada uma
das mulheres possuem sobre a sua vivência da amamentação-
desmame, constituindo um significado próprio e consciente das
informações já conhecidas por elas. Correspondeu a identificação
do processo de ancoragem. Simbolizações e percepções foram
colhidas a partir dos relatos verbais sobre os conhecimentos a
respeito do fato; a partir daí foram identificados temas que tinham
a propriedade de representar estes conhecimentos (núcleos
simbólicos).
3º Momento- foi a validação das configurações das RS da
amamentação-desmame pelas mulheres, confirmando a
identificação desta representação para que, posteriormente, este
mesmo fenômeno pudesse ser avaliado. Foi a parte mais complexa
87
e demorada em todo o processo de pesquisa; no entanto, foi a que
mais resultados apontou.
Momento- correspondeu a sistematização das informações,
agrupando os temas de destaque por classificação em núcleos
figurativos e núcleos simbólicos através da aproximação com os
conteúdos teóricos que deram sustentação a pesquisa (literatura e
referencial teórico).
Foram seis meses de trabalho exaustivo e prazeroso, 64 encontros, onde as
descobertas aconteciam gradativamente, tanto para a pesquisadora, como para as
mulheres entrevistadas. Convém reafirmar que a postura de proximidade entre a
pesquisadora e as mesmas, foi visível e gradativamente benéfica para o alcance dos
objetivos propostos. Sentia e podia constatar nos relatos que, quanto mais estas
mulheres confiavam na minha pessoa, melhores e mais profundas tornavam-se suas
falas, mais emoção e transparência afloravam em seus relatos e, também, mais
subsídios me davam para poder desdobrar o dito no momento em que era dito,
objetificando-o para o aprofundamento do tema estudado. Obviamente, não foi com a
totalidade das entrevistadas que o processo se fez desta forma. Respeitei os espaços de
cada uma com relação a sua individualidade e limitação momentânea em expressar o
vivido.
Embora tenha sido laboroso, me senti vitoriosa chegando até este fim, que
compreendo, sempre traz embutido um novo recomeço. Não tenho, também, a
pretensão de ter conseguido, através desse estudo, apresentar uma descrição completa
do tema em questão. Contudo, o fiz com a firme convicção de apresentá-lo o mais
próximo possível do contexto sócio-político-econômico-social em que as mulheres se
encontravam inseridas, na perspectiva de desvelar sentidos e feitos que possam estar
contribuindo para o desenvolvimento de uma prática diferente para o processo de
amamentar-desmamar, mesmo que não necessariamente nova. O que trouxe ao
contexto acadêmico são exemplos a serem somados a gama de significações que a
sociedade nega-se a ver.
Passei por dificuldades de operacionalização centradas na estrutura dos serviços
88
(equipes sobrecarregadas, inexistência de relações formais ou informais entre as
instituições envolvidas e as comunidades, resolutividade parcial dos serviços da rede
básica, questões políticas para determinação das participantes) e do cuidado, (por
trabalhar com imagens e mitos de um processo multifacetado de influências sociais e
culturais), por questões éticas e legais (o “saber” como forma de poder, o consenso do
discurso e a insensatez da prática) além de questões ligadas a própria sobrevivência
(baixo nível socioeconômico das mulheres envolvidas). Mas todas essas questões são
percalços que nos fazem querer mais e mais desvelar os incógnitos mistérios que se
sucedem e, desta forma, acredito, ter deixado para a academia, profissão, mulheres
participantes e, por extensão, suas famílias e sociedade, possibilidades e limites de um
agir comprometido bilateralmente, onde objetividade e subjetividade possam ser
consideradas e onde, o único resultado esperado não seja, precisamente, o sucesso e a
harmonia na amamentação-desmame.
4.5 O respeito aos princípios éticos
Este projeto passou pela aprovação pelo Comitê de Ética da Universidade
Federal de Santa Catarina, para posterior desenvolvimento. Foram obedecidos os
demais preceitos éticos e legais exigidos pela Resolução196/96 e 251/97 do Conselho
Nacional de Saúde (CNS) e complementares que dispõe sobre as Diretrizes e Normas
que Regulamentam a Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, com a aplicação do Termo
de Consentimento Livre Esclarecido contendo a explanação da problemática, os
objetivos, os procedimentos a serem utilizados para a sua efetivação, os riscos e/ou
desconfortos previsíveis e os benefícios às participantes, bem como a confiabilidade
do estudo e a liberdade para desistir em participar do mesmo a qualquer momento.
No primeiro encontro, as mulheres foram esclarecidas sobre o conteúdo do
termo de consentimento livre e esclarecido, ressaltando os pontos relativos ao
anonimato, sigilo das informações e utilização de pseudônimo, para em seguida, pedir
a sua aprovação e assinatura do mesmo. Seguindo os princípios éticos da beneficência
89
e justiça, todos os procedimentos da pesquisa não resultaram em qualquer risco à vida,
à integridade e à saúde das participantes. Todas as participantes foram tratadas de
forma igualitária, sem qualquer tipo de discriminação. As informações obtidas na
entrevista e nos encontros permanecem confidenciais, sendo usadas somente para este
estudo. Foi mantido o sigilo profissional; evitando-se emitir julgamentos sobre o
conhecimento/crença ou conduta das envolvidas no estudo.
Para a garantia do anonimato das participantes, foram utilizados como
pseudônimos, o nome de deusas e musas gregas. (SANTOS, 2006), como segue: Gaia,
Athena, Árthemis, Afrodite, Hera, Perséfone, Demeter, Héstia, Átropos, Láquesis,
Cibele, Nêmesis, Medusa, Héctate, Tênus, Psique, Cloto, Dríades, Core, Helena de
Tróia, Isis e as musas Colíope, Clio, Euterpe, Thália, Melpôneme, Terpíscore, Érato,
Polímnia, Ênnias e Celeste.
Desta forma, passo a apresentar, no capítulo seguinte, cada uma dessas deusas,
tentando mostrar as particularidades do viver e/ou sobreviver a condição de desmame.
Por mais que o cotidiano seja alvo de nossas reclamações,
ele nos tenta, perturba, seduz... e nos faz caminhar,
sentir, pensar, agir.
Cleusa Rios Martins e Flávia Regina Ramos (1997
)
Imagem
7
5 UMA BREVE APRESENTAÇÃO DOS SUJEITOS DO ESTUDO
A amamentação configura-se como uma vivência complexa e especial no ciclo
reprodutivo e evolutivo da mulher. É essa rede pluridimensional que o torna particular.
A decisão materna em amamentar ou não a criança, bem como por quanto tempo o
fará, dependerá do entrelaçamento dos fatores citados e das significações pessoais que
a mesma construiu ao longo de sua vida. Pensando nesta perspectiva, não poderia
iniciar a apresentação dos resultados dessa Estudo sem antes relatar detalhes
introdutórios da individualidade das 32 mulheres participantes, necessários para um
início de uma compreensão que envolva mais que o contexto biológico que o processo
de amamentar-desmamar crianças com idade superior a dois anos, comporta. Desta
forma, passo a apresentá-las, salientando que uma compreensão mais ampliada se dará
a medida que o leitor avançar nas apresentações e discussões que se seguem a essa
etapa do trabalho.
Gaia é uma mulher da raça branca, tem 37 anos, 6 filhos e vive em união
consensual com o companheiro. Possui ensino médio completo. Trabalha 6 h por dia
como agente de serviços gerais em uma indústria do município. A filha que
amamentou por 32 meses nasceu em setembro de 2003, a termo, de parto cesáreo,
pesando 2965g, no Hospital Regional de São José Dr. Homero de Miranda Gomes
(HRSJHMG), em São José, Santa Catarina, assim como todas as demais crianças
filhas das participantes deste estudo. A renda familiar é de até 3 salários mínimos
regionais (SMR). Na mitologia grega Gaia é a personificação da Terra, também
chamada de Mãe, aquela que nasceu imediatamente após o caos.
Athena é uma jovem de 25 anos, que vive em união consensual com o
companheiro e possui ensino superior completo. Trabalha 08 h por dia em uma
instituição de saúde. Tem 1 filho, nascido a termo, em abril de 2003, de parto normal,
pesando 3770g. Pertence a raça branca e possui renda familiar superior a 7 SMR.
92
Amamentou o menino por 27 meses. Na mitologia grega Athena é a deusa da
sabedoria e da civilização; busca a realização profissional numa carreira, envolvendo-
se com educação, cultura, justiça social e política.
Árthemis é uma mulher da raça branca, de 39 anos, casada e que tem 2 filhos.
Fez curso superior e se orgulha disso. Trabalha 08 h por dia em uma instituição de
saúde. O filho nasceu em maio de 2003, a termo, de parto cesáreo, pesando 3510g e foi
amamentado por 28 meses. A renda familiar é superior a 7 SMR. Na mitologia grega
Àrthemis é a deusa das selvas.
Afrodite é uma mulher negra que tem 25 anos. Vive em união consensual com o
companheiro e possui ensino fundamental incompleto. Não trabalha fora de casa. A
filha que amamentou por 30 meses, nasceu em maio de 2003, a termo, de parto
cesáreo, pesando 3560g. A renda familiar fica entre 1 a 3 SMR. Na mitologia grega,
Afrodite é a deusa do amor, da beleza e da fertilidade.
Perséfone tem 25 anos, vive em união consensual com o companheiro e possui
ensino superior completo. Trabalha 8 h por dia como agente de serviços gerais em um
condomínio do município. Tem 2 filhos. O filho que foi amamentado por 36 meses,
nasceu em outubro de 2002, a termo, de parto normal, pesando 3195g. A renda
familiar fica entre 1 a 3 SMR. É da raça negra. Na mitologia grega, Perséfone é a
deusa do mundo espiritual, do ocultismo, das experiências místicas e das visões.
Demeter tem 25 anos, vive em união consensual com o companheiro e possui
ensino fundamental incompleto. Não trabalha fora de casa. A filha que amamentou por 36
meses, nasceu em julho de 2003, a termo, de parto normal, pesando 3700g. Possui renda
familiar de 1 a 3 SMR e é da raça branca. Na mitologia grega, Demeter é a deusa das
colheitas, a mãe-terra que gosta de ficar grávida, de amamentar e de cuidar das crianças.
Héstia tem 32 anos, é casada e possui ensino fundamental incompleto.
Trabalha 8 h por dia em uma instituição de saúde. Tem 02 filhos. O último filho
nasceu em maio de 2003, a termo, de parto normal, pesando 3280g e foi amamentado
por 30 meses. É da raça branca e possui renda familiar entre 1 a 3 SMR. Héstia, na
mitologia grega, é a deusa virginal da fogueira doméstica, presente em todos os lares
gregos. Preside a vida doméstica e as coisas privadas.
93
Átropos tem 26 anos, é solteira e não possui companheiro. Possui ensino
fundamental incompleto. Trabalha de 3ª a 5ª feira durante todo o dia como manicura,
em sua própria casa. Na 6ª e sábado trabalha em um salão de beleza. Tem 1 filho que
nasceu em março de 2003, a termo, de parto normal, pesando 3650g e foi amamentado
por 24 meses. É da raça branca e possui renda familiar entre 1 a 3 SMR. Na mitologia
grega, Átropos é a deusa da vida e da morte; a Moira que cortava o fio da vida em
determinado momento.
Láquesis é uma mulher de 29 anos, solteira e que não possui companheiro.
Possui ensino fundamental incompleto. Tem 2 filhos, 1 menina e 1 menino
(gemelares). Nascidos em setembro de 2002, a termo, de parto cesáreo, pesando,
respectivamente, 2100g e 2600g, as crianças foram amamentadas por 36 meses. Não
trabalha fora de casa. Vive com uma irmã que a sustenta e aos filhos, que recebem
ocasionalmente a pensão judicial do pai biológico, pois este não possui emprego
formal. A renda familiar fica entre 1 a 3 SMR. É da raça branca. Na mitologia grega,
Láquesis é a 2ª deusa da vida e da morte; a Moira que determinava o comprimento do
fio da vida.
Cibele, mulher de 25 anos, é casada e possui ensino médio completo. Não
trabalha fora de casa neste momento. Tem uma filha. A filha que amamentou por 31
meses nasceu em outubro de 2002, a termo, de parto cesáreo, pesando 2080g. Possui
renda familiar entre 4 a 7 SMR. É da raça branca. Na mitologia grega, Cibele é a deusa
do poder de fertilidade da natureza.
Nêmesis tem 31 anos, vive em união consensual com o companheiro e possui
ensino fundamental incompleto. Não trabalha fora de casa. Tem 02 filhos. O último
filho nasceu em junho de 2003, a termo, de parto normal, pesando 4030g e foi
amamentado por 33 meses. A renda familiar fica entre 1 a 3 SMR. É da raça branca.
Na mitologia grega, Nêmesis é a deusa da justiça, que pune o orgulho excessivo, a
arrogância, a felicidade não merecida e a falta de moderação.
Medusa tem 39 anos, vive em união consensual com o companheiro, tem ensino
fundamental incompleto e possui renda familiar de 1 a 3 SMR. Não trabalha fora de
casa. A filha que amamentou por 36 meses, nasceu em junho de 2003, a termo, de
94
parto normal, pesando 3560g. É da raça branca. Na mitologia grega, Medusa é a deusa
da esperteza.
Héctate tem 45 anos, é casada e possui ensino fundamental incompleto. Não
trabalha fora de casa. Tem 03 filhos. O filho que nasceu em outubro de 2003, a termo,
de parto cesáreo, pesando 3965g, foi amamentado por 27 meses. A renda familiar fica
entre 1 a 3 SMR e é da raça branca. Na mitologia grega, Héctate é a deusa da cura,
proteção e magia.
Tênus tem 19 anos, é casada e possui ensino fundamental incompleto. Não
trabalha fora de casa. Tem 01 filho. O menino nasceu em outubro de 2003, a termo, de
parto normal, pesando 3600g e foi amamentado por 25 meses. A renda familiar fica
entre 1 a 3 SMR e é uma mulher da raça branca. Na mitologia grega, Tênus é a deusa
das tarefas.
Psique, que na mitologia grega é a deusa da beleza perfeita, tem 22 anos, vive
em união consensual com o companheiro, possui ensino superior incompleto e renda
familiar entre 1 a 3 SMR. Não trabalha fora de casa. Possui uma filha, nascida em
agosto de 2003, a termo, de parto cesáreo, pesando 2730g, que foi amamentada por 30
meses. É da raça branca. Na mitologia grega, Psique é a deusa da beleza.
Circe tem 18 anos, vive em união consensual com o companheiro e possui
ensino fundamental incompleto. Não trabalha fora de casa. Tem uma filha que nasceu
prematura, em agosto de 2003, de parto normal, pesando 2100g e que foi amamentado
por 30 meses. Possui renda familiar entre 1 a 0 SMR. É da raça branca. Na mitologia
grega, Circe é a deusa dos vôos noturnos.
Cloto tem 41 anos, vive em união consensual com o companheiro e possui
ensino fundamental incompleto. Trabalha como doméstica 08 h por dia. Tem 04 filhos
nascidos vivos e um morto (não sabe a causa, apenas que a criança nasceu muito
pequena e fraquinha). A menina que nasceu em junho de 2003, a termo, de parto
normal, pesando 3200g foi amamentada por 25 meses. A renda familiar fica entre 1 a 3
SMR. É da raça branca. Na mitologia grega, Cloto é a deusa da vida e da morte, a 3ª
Moira que fiava o fio da vida.
Dríades tem 21 anos, vive em união consensual com o companheiro e possui
95
ensino médio incompleto. Trabalha como agente de serviços gerais em uma indústria
da região. Tem 01 filho. O menino nasceu em dezembro de 2002, a termo, de parto
normal, pesando 3450g e foi amamentado por 24 meses. A renda familiar fica entre 1 a
3 SMR. É da raça branca. Na mitologia grega, Dríades é a deusa dos espíritos
femininos da natureza.
Core tem 39 anos, vive em união consensual com o companheiro e possui
ensino fundamental incompleto. Trabalha como agente de serviços gerais em uma
indústria da região. Tem 03 filhos, sendo que o último, um menino, nasceu em maio de
2003, a termo, de parto normal, pesando 4050g e foi amamentado por 36 meses. A
renda familiar fica entre 1 a 3 SMR. É da raça branca. Na mitologia grega, Core é a
deusa do alimento e da semente.
Helena de Tróia tem 19 anos, vive em união consensual com o companheiro e
possui ensino médio completo. Trabalha na área da saúde. Tem uma filha. A menina
nasceu em março de 2003, a termo, de parto normal, pesando 3520g encontrava-se em
processo de desmame da criança durante a realização da entrevista. A renda familiar
fica acima de 7 SMR. É da raça branca. Na mitologia grega, Helena de Tróia é a mais
bela de todas as mulheres, esposa de Menelau, rei de Esparta.
Isis tem 36 anos, vive em união consensual com o companheiro e possui ensino
superior completo. Trabalha como pedagoga 08 horas por dia. Tem uma filha. A
menina nasceu em janeiro de 2003, a termo, de parto normal, pesando 3540g e foi
amamentada por 26 meses. A renda familiar fica acima de 7 SMR. É da raça branca.
Na mitologia grega, Ísis é a deusa da lua.
Colíope tem 28 anos, vive em união consensual com o companheiro possui
ensino fundamental incompleto. Não trabalha fora de casa. Tem uma filha. A menina
nasceu em fevereiro de 2003, a termo, de parto cesáreo, pesando 3960g, no
HRSJHMG, em São José. A renda familiar fica entre 1 a 3 SMR. É da raça negra.
Amamentou a criança por 44 meses. Na mitologia grega, Colíope é a musa da poesia
épica e da eloqüência.
Clio tem 26 anos, é casada e possui ensino fundamental incompleto. Não
trabalha fora de casa. Tem uma filha. A menina nasceu em julho de 2003, a termo, de
96
parto normal, pesando 3170g e foi amamentada por 30 meses. A renda familiar fica
entre 1 a 3 SMR. É da raça branca. Na mitologia grega, Clio é a musa da história, a
que confere fama.
Thália tem 28 anos, é casada e possui ensino superior completo. Trabalha
diariamente, 08 h em uma instituição de ensino. Tem 01 filho. O menino nasceu em
novembro de 2002, a termo, de parto cesáreo, pesando 3555g e foi amamentado por 30
meses. A renda familiar fica entre 1 a 3 SMR. É da raça branca. Amamentou o menino
por 30 meses. Na mitologia grega, Thália é a musa da comédia.
Melpôneme tem 24 anos e possui ensino fundamental incompleto. Não trabalha
fora e é sustentada pelos pais, além de receber pensão do pai biológico da criança.
Tem 01 filho. O menino nasceu em maio de 2003, a termo, de parto normal, pesando
2670g e foi amamentado por 30 meses. A renda familiar fica entre 01 a 03 SMR. É da
raça branca. Na mitologia grega, Melpôneme é a musa da tragédia, a cantora.
Terpíscore tem 28 anos, vive em união consensual com o companheiro e possui
ensino médio completo. Trabalha como agente de serviços gerais em uma firma da
região, 12 horas, em dias intercalados. Tem 01 filho. O menino nasceu em junho de
2003, a termo, de parto normal, pesando 3600g e foi amamentado por 34 meses. A
renda familiar fica acima de 7 SMR. É da raça branca. Na mitologia grega , Terpíscore
é a musa da poesia lírica e da dança.
Érato tem 21 anos, vive em união consensual com o companheiro e possui
ensino fundamental incompleto. Não trabalha fora de casa. Tem uma filha. A menina
nasceu em janeiro de 2003, a termo, de parto normal, pesando 3680g e foi
amamentada por 32 meses. A renda familiar fica acima de 7 SMR. É da raça branca.
Na mitologia grega, Èrato é a musa do verso erótico.
Polímnia tem 24 anos, vive em união consensual com o companheiro e possui
ensino médio completo. Não trabalha fora de casa. Tem 01 filho. O menino nasceu em
agosto de 2003, a termo, de parto normal, pesando 2970g e foi amamentado por 26
meses. A renda familiar fica acima de 7 SMR. É da raça branca. Na mitologia grega,
Polímnia é a musa dos hinos sagrados e da narração das histórias.
Ênnias tem 25 anos, vive em união consensual com o companheiro e possui
97
ensino médio incompleto. Não trabalha fora de casa. O filho que nasceu em março de
2003, a termo, de parto cesáreo, pesando 3465g foi amamentado por 26 meses. A
renda familiar fica acima de 7 SMR. É da raça branca. Na mitologia grega , Ênnias é a
deusa do elo mãe-filho.
Celeste tem 29 anos e vive em união consensual com o companheiro. Possui
ensino fundamental incompleto. Não trabalha fora de casa. Tem 02 filhos, sendo que o
último, um menino, nasceu em janeiro de 2003, a termo, de parto normal, pesando
2520g e foi amamentado por 28 meses. A renda da sua família fica entre 1 a 3 SMR. É
da raça negra. Na mitologia grega, Celeste é a musa da astrologia.
Horas tem 28 anos e vive em união consensual com o companheiro. Possui
ensino fundamental incompleto. Não trabalha fora de casa. Tem uma filha que nasceu
em maio de 2003, a termo, de parto normal, pesando 3000g e foi amamentada por 29
meses. A sua renda familiar fica entre 1 a 3 SMR é da raça branca.
Hera tem 35 anos e vive em união consensual com o companheiro. Possui
ensino fundamental incompleto. Não trabalha fora de casa. Tem 08 filhos, sendo que o
último, um menino, nasceu em agosto de 2003, a termo, de parto normal, pesando
3000g e foi amamentado por 24 meses. É uma mulher da raça negra e possui renda
familiar fica entre 1 a 3 SMR. Na mitologia grega, Hera era a primeira-dama do
Olimpo, rainha e companheira do poder, esposa de Zeus, o deus de todos os deuses.
A opção por denominar as participantes da pesquisa com as denominações das
deusas gregas não foi ocasional. Por muitos dias pensei em nomes e expressões que
pudessem representar a luta, a garra, o apego à vida, a emoção e a fragilidade e a força
feminina no processo de desmamar, quase por conta própria, o filho(a) maior de dois
anos. Ao mesmo tempo pensei em algo místico, que se situasse entre o sonho e a
realidade, entre o bem e o mal, tal como se situa o processo de desmame, na
atualidade. Queria empoderá-las pelos nomes e, acredito ter conseguido. Dei a elas
valores da terra e do céu (universo humano e espiritual), a alegria, o trabalho, o
conhecimento, a poesia, a comédia, a tragédia, a vida, a morte, a beleza, a glória, o dia
e a noite, entre outros.
Passo, agora, a apresentar os resultados da pesquisa e seus desdobramentos.
Mire e veja: o mais importante e bonito do
mundo é isto; que as pessoas não estão sempre
iguais, ainda não foram terminadas, mas elas
vão sempre mudando.
J
oão Guimarães Rosa (1986
)
Imagem
8
6 DESCREVENDO, DISCUTINDO E COMPREENDENDO O
PROCESSO DE AMAMENTAR-DESMAMAR CRIANÇAS COM IDADE
SUPERIOR A DOIS ANOS
A idéia de transitar pelos caminhos da vida, observando, rabiscando e ousando
reconhecer suas limitações-avanços, tristesas-alegrias, dor-prazer sempre na
perspectiva de conhecer seus significados, me acompanhou. Já no Curso de Mestrado
me senti impelida por esta busca; no entanto, naquele determinado momento, meu
percurso se desenhou de forma diferente, porém muito prazeroso. Tão prazeroso que
me impulsonou no desejo da continuidade: ir além para ouvir mais e de forma mais
intensa o que as mulheres que amamentaram-desmamaram crianças maiores de 2 anos
tinham a colocar... e colocaram. Indignações, acomodações, inquietudes, formas
diferentes de viver, sentir e expressar este processo vieram a tona em cada encontro,
mágico e único em sua natureza e ordem... plurais em sua diversidade e concretude.
Situações semelhantes, para além da condição nutriz; mulheres diferentes, para além
da condição de gênero e nível sócioeconômico. Abateram minha ingenuidade em
acreditar que, por pertencerem a uma determinada área geográfica, poderiam ser
prisioneiras de condições determinadas de vida e saúde, papéis que insistimos incutir...
esteriótipos banais que destituem o que convencionalmente chamamos de arquétipo
fundador, sua essência indivisível.
Para a devida compreensão deste transitar por entre o senso comum e o saber
científico a respeito do tema em questão e tendo como referencial norteador a Teoria
das Representações Sociais, passo à descrição analítica dos dados obtidos nas
entrevistas e validações das mesmas com as participantes do estudo, observações da
escuta sensível e anotações do diário de campo, para responder ao objetivo proposto,
qual seja, conhecer e compreender o significado do processo de amamentação-
desmame de crianças com idade superior a dois anos na perspectiva das mulheres que
100
o vivenciaram. Das falas das participantes e dos dados citados surgiram três grandes
temas que mereceram consideração para análise.
O primeiro tema apresentado nesse capítulo foi denominado: - Eu amamentei e
desmamei meu filho maior de dois anos, apesar de tudo! Nele, apresento as
significações do amamentar-desmamar no processo, na perspectiva de contemplação
das histórias de vida das mulheres participantes. Já o segundo tema refere-se à forma
descrita por estas mulheres da forma como aconteceu o desmame em cada realidade.
Encerro este capítulo, abordando o terceiro tema, denominado: Quem amamentou o
“João”, que o desmame! Nele falo do descaso social e profissional para a questão.
Cabe ainda colocar que a análise do conteúdo subjetivo embutido nas falas
maternas e nas descrições das impressões registradas no diário de campo que
exemplificam os resultados permite inúmeras interpretações além das que menciono;
porém ressalto os pontos que considero mais significativos para atender ao objetivo do
estudo e também aos interesses das participantes, sujeitos ativos no processo de
construção de representações sociais, o qual, segundo Moscovici (1984) é dinâmico.
Esta análise, por hora mostra o lado cognitivo do ato de amamentar-desmamar
crianças com idade superior a dois anos com base na psicologia social e, por outro,
mostra as artimanhas ideológicas e sociais que desenham o seu perfil, individual e
exclusivo na condição feminina de mulher-mãe-nutriz, cujas bases podem ser
encontradas na antropologia e sociologia.
6.1 Eu amamentei meu filho por mais de dois anos e desmamei, apesar de tudo!
O mundo da vida é complexo. Porém, é também, fascinante. Descrevê-lo, no
alvorecer do terceiro milênio, é quase uma missão impossível. Como mencionado ao
longo deste estudo, reconheço que a maternidade e o amamentar-desmamar se
articulam com a historicidade, tornando o processo diferentemente possível ou
impossível de acontecer a depender do contexto em que os sujeitos envolvidos se
encontrem inseridos.
101
De fato, a maternidade e a amamentação podem ser concebidas como
construções sócio-históricas que transcendem a pura questão biológica e, como tal,
podem ser pensadas a partir do referencial de estudo das Representações Sociais.
Moscovici (1978) observa que as representações sociais são modalidades
específicas de conhecimento que tem por função a elaboração e comunicação entre os
indivíduos, nas quais o desconhecido torna-se familiar e o imperceptível perceptível.
Elas se formam a partir das interações do indivíduo com a sociedade, promovendo
transformações recíprocas. Essa forma de conhecimento socialmente elaborada e
partilhada oferece possibilidades de construção de uma realidade comum a um
conjunto de pessoas. Por sua vez, Sá (1998) salienta que não há uma divisão entre
elementos individuais e coletivos de uma representação, uma vez que toda
representação tem sua origem na interação social dos indivíduos com a sociedade. Na
verdade, o processo de gênese das representações tem lugar nas mesmas circunstâncias
e ao mesmo tempo em que se manifestam. Elas são construídas tanto a partir de teorias
do senso-comum decorrentes das práticas cotidianas, como a partir do conhecimento
produzido na academia que se incorpora ao cotidiano dos indivíduos.
Ainda segundo Moscovici (1978), a representação social é um meio através do
qual a subjetividade pode ser pensada em todas as disciplinas sociais; é uma forma de
compreender e dar significado à realidade da vida cotidiana, ao mesmo tempo que
constrói esta realidade. A perspectiva é de entender o ser humano exteriorizando-se na
atividade como subjetividade objetivada, construindo-se como identidade. É aí que
Moscovici (1986, p. 475) vê a possibilidade de avançar e distanciar-se da compreensão
presente em outras abordagens psicológicas que critica. Nesse sentido, visualiza que:
"o ato de representação é um ato de pensamento por meio do qual um sujeito se
relaciona com um objeto... não existe nenhuma representação social que não seja de
um objeto, ainda que seja mítico ou imaginário".
E apreender os significados atribuídos pelas mulheres participantes à
amamentação-desmame de crianças com idade superior a dois anos, passou pelo
entendimento da subjetividade da ação expressa não apenas pela linguagem verbal,
mas também por meio da linguagem simbólica que o processo comporta, entendendo
102
que estas foram construídas não só por mecanismos cognitivos, mas também por
determinações socioculturais e, portanto, ideológicas.
Foi caminhando nas possibilidades e no tempo cronológico de cada uma dessas
mulheres... caminhar intencionado e comprometido com o cuidar do ser entrevistado,
que em suas representações, únicas e irrepetíveis, estas mulheres colocaram
sentimentos e significados muitas vezes contraditórios, mostrando a ambigüidade que
cerceia o processo e o simbolismo que o comporta, enquanto possibilidade de
crescimento ou amarra ideológica. O medo, a frustração, a ansiedade, a insegurança, a
vergonha, a sensação de perda da liberdade, a necessidade, o prazer, a obrigação, o
desconforto, o conforto, a resignação, a segurança, o compromisso, a consciência e o
amor, entre tantos outros sentimentos, enriqueceram o contexto e atribuíram múltiplos
significados ao amamentar-desmamar crianças com idade superior a dois anos,
enriquecendo o contexto relacional da pesquisa, o que nenhuma pessoa sensível
poderia deixar de mencioná-los. E é sobre este processo conflitual de viver o desmame
que passo a falar.
Cabe aqui uma ressalva: como desmamar é a fase final do processo de
amamentação, tornou-se extremamente difícil tanto para as mulheres participantes
relatarem os fatos separados, bem como descrevê-los de outra forma, nesse estudo. Por
isso, o amamentar-desmamar foram tratados como duas faces de uma mesma moeda,
como, na verdade, o são. Para tanto, inicio a apresentação a partir dos atributos sobre
os significados deste processo, ancorados nos aspectos positivos que o mesmo
comporta, quase sempre associado exclusivamente ao amamentar.
Presente em todas as falas e expresso pelas diferentes formas de expressão não
verbal, as mulheres entrevistadas manifestaram abertamente a satisfação por terem
amamentado por um período superior a 2 anos suas crianças.
Significando prazer e orgulho, o sentimento de satisfação transpareceu na
representação de praticamente todas as entrevistadas. O prazer e o orgulho não vinham
apenas de suas falas, mas da forma como embalavam as crianças em seus braços, da
forma como as olhavam, da forma como as mostravam dormindo e elogiavam seu
desenvolvimento físico e intelectual. Prazer e orgulho que, de certa forma, mostravam
103
a sua onipotência na situação. Para ilustrar este dizer, escolhi entre tantas citações, as
palavras de Clio, mulher altiva, no auge dos seus 26 anos e mãe de uma menina:
Amamentar para mim é um prazer. Por mais que eu esteja cansada, por mais
que eu tenha serviço, eu sempre dou um jeitinho. Eu não me importo com o
lugar e com o barulho que os outros fazem. Eu sei que só eu posso fazer isto
por ela. É parte de mim que ela está recebendo... É muito gostoso quando ela
começa a notar a gente, a puxar a roupa da gente para pegar o peito. (Clio).
A vivência do amamentar prazeroso na situação de Clio reforçou o sentimento
de maternidade e confirmou a citação de Martins (1985) de que a natureza não iria se
enganar e fazer do ato de amamentar uma experiência penosa para as mães. Segundo
Araújo (1997), as mulheres que viveram a amamentação como uma experiência
positiva, a consideram como um ato natural, oportuno e fisiológico, além de
acreditarem que o leite materno é o ideal para a criança.
Na verdade, autores consagrados na literatura científica da saúde da mulher e da
criança como Ariés (1986), Badinter (1985), Hays (1998) e Delassus (1999) têm demonstrado
que a forma de conceber a família, a reprodução e a relação pais-filhos, são intrínsecas à
organização da sociedade Ocidental contemporânea.
Desta forma, o modo como a mulher vivencia a maternidade (e a amamentação-
desmame), ao longo de sua trajetória de vida, está intimamente relacionado à maneira
como a sociedade define a família, diferenciando e atribuindo papéis a homens e
mulheres. Desta forma, ser mãe e nutriz, historicamente, é uma experiência
configurada pelo sacrifício que a define e dignifica. (BADINTER, 1985; PARKER,
1997; SOIFER, 1992; ROSALDO; LAMPHERE, 1979).
Essa ideologia, tal como é vivida nos nossos dias, pode ser concebida como
uma construção sócio-histórica nascida na sociedade burguesa patriarcal.
Transcendendo em muito a questão biológica, confere à mulher o direito natural de
amar o filho sem restrições.
Por sua vez, Celeste, uma jovem de raríssima beleza, pele jambo, olhos cor de
mel e que viveu a condição nutriz por duas vezes, mostrou-me que o prazer relatado no
104
processo de amamentar-desmamar, pode advir da consciência no valor do processo na
saúde da criança e no desenvolvimento dos vínculos afetivos entre mãe e bebê.
Sabe L., quando tive a A.(1ª filha) achava que nunca mais ia querer colocar
uma criança no peito. Era muita dor, muito cansaço! Cheguei a me
arrepender de ter engravidado! Mas eu sabia que eu não ia ter dinheiro para
comprar o leite em pó para ela. Hoje eu posso comprar o leite, mas eu acho
agora, que isso é mais importante para elas, sabe. Estar juntinho da gente,
olhando para a gente é coisa que me dá prazer. (Celeste).
Quando parou de falar, seus olhos brilhavam de lágrimas, deixando transparecer
a emoção que o momento suscitava. Se fosse analisar a situação considerando apenas
as questões biológicas, teria perdido a magnitude expressa na citação, cujos
componentes afetivos valoraram o processo e possibilitaram a transcendência da pura
necessidade econômica, visível na situação que se apresentava aos nossos olhos, para
uma compreensão com fortes componentes psico-sociais. A transcrição das palavras
de Hera deixa clara esta satisfação manifestada pelas participantes:
E á noite ele se esbaldava mamando. Porque à noite ele dormia agarrado no
peito. Eu adorava dar de mamar. Então, aquilo pra mim, além de ser
prazeroso, era... eu sabia, importante para ele. Tanto é que essa criança não
teve gripe... teve muito pouco. Ele é uma criança alegre, é uma criança forte.
Dava pra ver que era uma criança feliz com aquilo que estavam fazendo com
ele. (Hera).
Moscovici (1989) coloca que as pessoas procuram causas para os fatos que
pertencem a sua experiência e formas de comportamento, assim como o de outras
pessoas; a esta procura de causas, o autor chama de imputações; elas constituem um
desafio que enfrentamos quando alguém não se conforma com a nossa representação
de um fato ou experiência. Elas explicam ações visíveis, reconstruindo motivos
velados. Desta forma, a dedicação e o carinho permaneceram como esquemas
105
referenciais básicos da maternidade e, consequentemente, do processo de
amamentação e desmame, pois conforme representada por Celeste e Hera, o seu agir
teve como base a clássica visão da mãe ligada ao afeto.
Isto nos coloca novamente diante de um contexto atual com base histórica que
privilegia a mulher mãe numa visão individualizada de servir, nutrir, proteger e ensinar
o filho. A mãe ideal, dedicada, preocupada e cuidadosa como menciona Badinter
(1985).
Podemos analisar as falas de Celeste e Hera, colocadas anteriomente, sob três
aspetos. Inicialmente o prazer expressado pelas mulheres ao falarem dos significados
valorativos do amamentar, podem ser interpretados como viés ideológico, se foram
definidos não pelo seu desejo de ser nutriz, mas para atender a representação
idealizada da maternidade que ainda vigora em nosso meio. Se assim for interpretado,
o mencionar que é prazeroso, bom, agradável, saudável, certo, ecológico, amorável,
seguro, entre tantos outros significantes positivos, é politicamente correto e reproduz o
discurso normativo e verticalizado sobre a mulher que biologicamente é dotada de
total capacidade de nutrir o filho com o leite de suas mamas lactantes.
Porém, este discurso pode ter surgido para justificar a tentativa materna de
suprir as carências nutricionais do filho(a), que a família, por dificuldades econômicas,
não conseguia suprir. Cabe dizer que a pobreza extrema foi o contexto que
predominou entre as participantes desse estudo. Souza (2000, p. 67) corrobora tal
situação ao salientar que “ao se mostrar como todas, a mulher não fala de si, não se
mostra como-ser-aí no modo de ser da autenticidade e sim no modo próprio de ser do
cotidiano inautêntico.” (Grifo nosso).
Numa outra perspectiva, essa fala pode representar o verdadeiro prazer da
mulher em estar com o filho numa relação de proximidade e intimidade, numa relação
de troca que nutre física e emocionalmente ambos. Pryor (1981), referindo-se aos laços
afetivos que envolvem o processo, menciona que muitas mulheres são dotadas de uma
extraordinária força para manter a amamentação, o que facilita a superação de
qualquer dificuldade, nada tendo a ver com a sensação de culpa ou o medo de fracassar
como mãe. É realmente um laço de amor, de afetividade.
106
A ambigüidade que permeia o processo pode ser identificada em quase todos os
relatos das participantes e aqui aparece manifestada na fala de Héstia:
Amamentar é muito bom... a gente sabe! Eu sempre gostei muito de
amamentar. Eu sempre dizia isso para a enfermeira do posto. O carinho, a
carinha dele... olha, é uma coisa sem explicação. Às vezes eu estava cansada,
suada, [...] Para mim não era a hora certa. Mas não tem hora certa, não é?
Se ele quiser é para dar. Então eu dava. É bom mesmo! (Héstia).
A ambigüidade permeia o puerpério e, com ele, o amamentar-desmamar.
Advém das contradições entre o vivido pela mulher nesse processo e o que
socialmente é aceito e considerado correto pela sociedade em que vive. O conflito
entre o ser mãe nutriz inicia com a negação, culturalmente aceita, dos conflitos entre
os papéis de mulher, mãe, nutriz e, muitas vezes, trabalhadora e articuladora do lar.
Aliado à dependência física e emocional de uma criança, cuja responsabilidade social
é atribuída à mulher, a ambigüidade de sentimentos faz com que a mesma, ora deseje e
o veja como algo importante para ambos, ora rejeite e negue o processo, por se sentir
consumida pelo mesmo.
Na verdade, o modo como as mulheres concebem e trazem para si os atributos
identificados nas figuras de admiração do amamentar-desmamar revela um paradoxo.
Se, por um lado, elas consideram importante a existência de uma força interna que as
mobilize a alcançar seus sonhos e a superar as adversidades que surgem no decorrer do
processo, paralelamente, percebem esta força como limitante, uma vez que as torna
incapazes para a negação. O que está “fora delas” as sufoca, impedindo-as de mover
seus sonhos em outra direção senão aquela pré-definida. Talvez possa supor que,
diante da precariedade de valores sociais que caracteriza o processo no mundo
contemporâneo, o que se acirra pelas dificuldades econômicas e sociais próprias da
comunidade estudada, estas mulheres vivenciem de forma intensificada uma situação
de forte desamparo, alimentada por uma ameaça explícita de exclusão frente à
sociedade. Acabam por incorporar o sofrer como inevitável e, até certo ponto,
107
necessário. As palavras de Circe são uma amostra da ambigüidade que comporta o
viver o amamentar em nossos dias sob a perspectiva feminina que, envolta em
esteriótipos banais, não percebe que violenta seus próprios desejos.
Não posso dizer que amamentar é um sacrifício. Para mim nunca foi. Foi
prazer mesmo. Oras, eu sou mulher, então eu sou mãe... e mãe amamenta...
[...] Não ter nadinha doendo, é difícil. O bico do peito rachou e até corria
sangue no começo... A minha mãe dizia que era só um tempo. E foi. Vê só, se
eu tivesse parado naquela época, talvez hoje essa criança não fosse assim tão
forte, porque o leite é uma vacina e também é carinho. Criança precisa de
carinho... é um anjinho, precisa de cuidado. Por eles a gente suporta tudo!
(Circe).
.
Um dos fatores que mais contribui para a manutenção desta situação tem como
base o critério da sacralidade imposta e aceita pela mulher no ato da amamentação,
como parte da maternidade. Há uma “troca” da doação e do sofrimento materno pelo
reconhecimento social da boa mãe. Penso que este tipo de percepção torna bastante
árduo o processo de amamentar para as mulheres e reconstruir a si próprias, enquanto
sujeitos capazes de se inserir e de participar do corpo social como nutrizes conscientes.
Medusa falou desta sacralidade que amamentar representa:
[...] Eu nunca tive vergonha de amamentar, nunca tive vergonha de mostrar o
meu seio onde eu tivesse com o meu filho. Era para ele comer... porque aquilo
ali era para mim uma coisa considerada sagrada, divina, um ato nobre, de
amor. (Medusa).
Assis (2004) enfatiza que a sacralidade contida no ato de amamentar acaba por
prejudicar a amamentação. Idealizada e divinizada, a nutriz é considerada santa em
cujo colo acolhe um anjo, o que a faz aumentar seus conflitos, uma vez que não é santa
e nem segura um anjo em seu colo.
108
Amamentar significou uma questão de sobrevivência das crianças para um
número significativo de mulheres que participaram da pesquisa e apareceu vinculada,
tanto ao prazer que o processo comporta, como à busca de uma alternativa a mais para
nutrir a criança, como se fosse necessário justificar a miséria que viviam à condição de
ter filhos e ter a obrigação de alimentá-los para manter a saúde. Isto ficou claro nas
falas de Cloto mulher de 41 anos, aparência franzina, mãe de 4 filhos e senhora de uma
disposição de admirar qualquer um, apesar das limitações de toda ordem que a vida lhe
oferecia, e de Gaia, 37 anos e seis filhos:
Eu dei o peito para todos eles, do maior ao menor. Era assim que todo mundo
faz aqui onde eu moro! Ou a gente dá o peito ou mamadeira de leite em pó...
E o leite está caro! Não dá para comprar para todo mundo. E se todo mundo
diz que é bom, deve ser mesmo! Eu sou pobre, mas as minhas crianças tem
saúde, graças a Deus! Por isso eu acho que dar de mamar é bom, é de graça,
não estraga e está sempre pronto. (Cloto).
Eu dei de mamar para os três mais novos! Porque os outros... Eu morava no
sítio e lá tinha vaca. Então eu tinha que ir para a roça. Não dava para dar de
mamar muito tempo. Passava o tempo de repouso e a gente dava outra coisa
para a criança. Mas isso já faz muito tempo! O mais velho já é casado. [...]
Quando eu vim morar aqui é que comecei a ouvir sobre a amamentação,
assim por mais tempo. Até acho que se eu soubesse como é bom para a
criança e para a gente, porque evita até câncer no seio – a enfermeira falou
na palestra, eu tinha feito mais esforço para dar (de mamar) por mais tempo.
Então esses três pequenos não vão ter do que reclamar, porque aqui eu
sempre dou um jeitinho.[...]. Na verdade, eu só paro de amamentar quando
eles querem... e nem ligo para o que os outros dizem! [...]. E não é porque eu
sou pobre e não tenho muito dinheiro para comprar coisas boas para eles
comerem! É porque eu entendi que é saúde... e a senhora sabe: -saúde não
tem preço! (Gaia).
Visto com olhar epistemológico a ambigüidade expressada para a mesma
questão pode parecer dicotômica, uma vez que se mostra a partir de diferentes
referenciais: o primeiro representa a ideologia
4
, numa perspectiva dialética, enquanto a
segunda, aparentemente, traz a tona o processo de construção de uma consciência a
4
O termo ideologia deve ser compreendido a partir da perspectiva de Sawaia (1995) com sendo um conjunto de
representações que se torna partilhado coletivamente pela reificação de escolas de pensamento e não por
consenso e interação.
109
respeito do processo. No entanto, como coloca Sawaia (1995), unir esses dois
conceitos é uma clara tentativa de buscar novos caminhos que diminuam as fronteiras
em que a ciência dividiu e separou o homem da sociedade e, consequentemente, a
ciência natural da ciência social. Aponta ainda que ambos os conceitos partem do
pressuposto epistemológico de que o conhecimento não descobre, mas cria, porque
também a realidade não é dada diante da pessoa, a qual cumpre compreender por sua
descrição fiel; ela resulta da objetivação da subjetividade
5
.
Dando seqüência aos significados maternos para o processo de amamentar-
desmamar crianças maiores de dois anos de idade, passo a apresentar a descrição das
características baseadas nos atributos negativos, que não devem ser compreendidas
como opostos aos atributos positivos anteriormente mencionados, uma vez que a
ambigüidade de sentidos maternos configura o viver o processo em sua contemplação
maior. Como a situação anterior, extraí trechos das falas das mulheres que podem, em
determinados momentos, congregar mais de uma categoria de análise, pois o
fenômeno encontra-se imbricado numa rede flexível de valores e crenças que, em
minha opinião, é fator preponderante para que a mulher nutriz construa sua
representação para que possa viver, sobreviver ou não viver a situação, a depender do
momento histórico em que esteja inserida. E, como aponta Moscovici (1989), nesta
construção histórica que a pessoa cria sua representação, reafirmando a visão de
sujeito ativo e criativo na sociedade e mostrando-nos o poder cognitivo de construção
do real e a sua função simbólica.
Na ordem de prioridade como prevaleceram nas falas femininas, faço este
recomeço com a apresentação dos atributos negativos do processo a partir da
manifestação por parte da quase totalidade das mulheres sobre as críticas recebidas
com relação ao tempo que permaneceram amamentando. Relendo suas falas, tornou-se
claro a forte imposição profissional e social para desmamar totalmente a criança até os
dois anos, reflexo de um discurso generalista, esgotado para as deferentes realidades
vividas em cada situação de amamentação. Thália expressou seu descontentamento:
[...]. É uma coisa bem estranha! Porque as pessoas querem te dizer quando
5
Subjetividade deve ser entendida, neste momento, como o resultado da subjetivação da objetividade
(SAWAIA, 1995).
110
dar e quando não dar de mamar! [...] Eu estudei, trabalho o dia inteiro!
Então quando chegava em casa ela queria mamar. Era uma forma de ficar
mais próxima dela, era carinho, amor! O que pode incomodar os outros,
então? Não me interessava se ela tinha um, dois ou três anos. Não faz mal
para a criança... faz é bem! Ela é bem segura hoje em dia! Até demais, eu
acho! (Thália).
Amamentar-desmamar significou viver momentos de ansiedade, expressos ou
velados, intensos ou tênues, situação que pode ser claramente identificada na
fala de Mélphone que viveu pela primeira vez a condição nutriz e que, aparentemente,
não possuía qualquer impedimento de ordem física que pudesse ter afetado o
desenrolar da amamentação, mostrando a natureza híbrida entre natureza e cultura que
o processo comporta, conforme descrita por Almeida (1999):
Eu gosto de amamentar e sei o quanto é bom para o meu filho, mas tem hora
que eu ficava nervosa.... sei lá. Ficava agoniada achando que tinha pouco
leite... e depois ele se afogava. Aí eu não entendia mais nada... Todo mundo
queria me ajudar, mas parece que ninguém ia conseguir. Aí eu achei que iria
ficar contente e ia ser fácil desmamar. Mas não foi assim... Foi um sacrifício.
Eu fiquei muito nervosa mesmo. Ele chorava e eu não sabia se dava ou não
dava o peito. Eu chorava também! (Mélphone).
Marcolini (1993) afirma que a ansiedade é o sentimento materno que mais
freqüentemente se associa à amamentação e, consequentemente, ao desmame. Com o
nascimento, o filho idealizado passa para o mundo real e torna-se humano e, portanto,
imperfeito. A mulher precisa lidar, já nos primeiros instantes de pós-parto, com este
ser prematuro (se comparado a outros animais) e dependente. Tão grandes são as
exigências do RN e da sociedade para que a integração entre o mesmo e sua mãe se
concretize que a situação gera grande ansiedade na mulher. Uma ansiedade gerada
pela insegurança que será tanto maior, quanto mais frágil for a sua representação da
fragilidade da criança. Da criança que era, a mulher passa a condição da criança que
111
tem em seus braços com a responsabilidade de cuidar, de nutrir, de proteger.
Na análise deste discurso, é pertinente colocar ainda, que a mulher tem em sua
formação o esteriótipo de ser insegura e frágil, naturalmente. E assim se representa –
por desconhecimento, por ignorância em desempenhar seus papéis sociais. Além disto,
o puerpério representa período de extrema vulnerabilidade para a mulher, onde ela
experimenta a sensação de desamparo e de fragilidade diante do vivido, conseqüência
do seu ser biológico e social. Queiroz (1996) lembra que a mulher nesta fase do ciclo
reprodutivo feminino, é considerada frágil, dependente e sensível, guiada pela emoção
e não pela razão; enfim, vivendo um “estado especial de graça”, necessitando ainda
mais de apoio, atenção e segurança.
Noronha e Montgomery (1993) afirmam que sempre que algo novo surge
estamos indevidamente preparados para ele. Por mais que tenhamos nos preparado,
seremos sempre imperfeitos diante do novo, e na busca por esta perfeição surge a
ansiedade – sentimento experenciado pela sensação de angústia e desamparo. Uma
criança que nasce, será sempre novidade e, portanto geradora de apreensões,
constituindo num marco inicial de um processo de transformação pessoal tanto para a
mulher quanto para a família.
Amamentar-desmamar significou viver momentos de medo e angústia,
representada pela manifestação da insegurança materna no seu potencial como nutriz,
fazendo-as viver conflitos tanto no início, como no final do processo. Como exemplo,
apresento as fala de Cibele, 25 anos, que teve a 1ª filha por opção e Héstia, 32 anos,
mãe de 4 crianças:
A gente tinha que amamentar até o 6º mês, sem dar água, nem chá. Depois
era para dar o suco, a papinha e a sopa. Isso eu já sabia. Como e quando dar
o peito, eu sabia. O que eu não sabia era como tirar... depois que a criança
fica grande... a gente se vê numa situação! (Cibele).
Aí fica complicado, porque a gente tenta, mas a coisa tem que ser devagar.
Não dá para fazer 2 anos hoje e amanhã dizer: - Olha nenê, você tem 2 anos,
você não precisa mais do meu leite e de hoje em diante, eu não vou te dar
mais o peito. Tem que dar um tempo, esperar que as pessoas resolvam. E
quando a gente conversou e eu li naquela folha6... Eu não sabia, por exemplo,
que o leite depois dos 2 anos também ajuda a criança. Será que eles sabem
disso! (Héstia).
6
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
112
Polímnia, 24 anos, mãe de uma criança de quase 3 anos, expressou o conflito
vivido no desmame e a angústia e o medo que o mesmo comporta:
Meu Deus... foi muito difícil. Ele chorava o tempo todo, não queria desgrudar
de mim. Nem para ir no mercado. [...] E ainda ele estava com um quilo a
menos que o peso da idade. A médica dizia que era por causa do leite do peito
que eu ainda não tirei. Ela me ensinou algumas coisas! Mas parecia que ele
só se contentava com o meu leite...[...] Ele estava morto de fome, mas só
queria o mamar. (Polímnia).
Celeste trouxe em sua fala, a questão da imagem banalmente esteriotipada, que
compara o leite em pó como superior ao leite materno e a angústia que pode gerar nas
mulheres que desejaram e não puderam alimentar artificialmente os filhos:
Eu vi a minha prima mostrar... a minha tia mostrava para todo mundo... como
a filha dela era gorda e forte e como eu era pequena e magra. A minha mãe
não gostava. Ela tinha raiva disso. Um dia ela disse para minha mãe que eu
era doente... eu tenho asma... porque ela não me deu comida certa quando eu
era pequena. A comida certa era o leite de lata. A minha mãe chorou... eu
lembro! Mas ela não podia comprar....[...]. Hoje eu podia dizer o contrário
para ela! Eu só dei de mamar para ele (o filho) até os seis meses e ele não tem
asma. E continuei até quase dois anos e meio. Ele tem saúde, é forte... [...].
(Celeste).
Confesso que tal situação não me surpreendeu, uma vez que a proteção ao
aleitamento materno, feita através da divulgação e da fiscalização da Norma Brasileira
para Comercialização de Alimentos para Lactentes, que se encontra em pleno vigor,
foi implementada pelo Programa de Incentivo ao Aleitamento Materno (PNIAM) a
partir da década de 90, e Celeste nasceu em 1977. O que me deixou chocada foi a
amargura e o sentimento de inferioridade trazido a tona pela participante, que se sentiu
diminuída por ter sido amamentada com exclusividade e, apesar disto ter adquirido
uma patologia crônica de etiopatogenia multifatorial, na qual a amamentação a
protegeu do agravamento da mesma e, apesar disso, reconhecer que o aleitamento
113
materno era algo importante e amamentar seu filho menor por mais de dois anos.
Obviamente ainda desconhecia a proteção do aleitamento materno nos casos de
problemas respiratórios. Além disso, tal situação nos faz pensar nos sentimentos das
mulheres que não desejaram (ou não desejam) amamentar os filhos que, por
associação de diferentes condicionantes e determinantes da situação de saúde,
possuem alguma doença crônica e não dispõe, nem do conhecimento básico sobre os
benefícios protetores da amamentação e nem de outra saída para alimentar a criança,
senão com seu próprio leite. Aqui penso no compromisso social não só dos
profissionais de saúde, mas de toda a comunidade, no sentido de saber o momento
certo para falar ou para calar a respeito da amamentação, diante de uma compreensão
deturbada ou incompleta da expressão do vivido na situação de mãe-nutriz ou de mãe-
não nutriz.
A questão da construção social das representações do “leite fraco” e do “pouco
leite” originados da incapacidade dos higienistas em ajudar a mulher-nutriz a vencer a
historicidade dos seus costumes, permanece até hoje em nosso meio, servindo de “álibi
social” para o desmame. Almeida (1999) atenta para o fato de que raramente as
mulheres assumem o desmame e que, grande parte das vezes, lançam mão de respostas
estereotipadas, congruentes com o que é aceito e esperado no contexto sociocultural
em que se encontram para justificar o insucesso com a amamentação. Por outro lado,
Assis (2004), numa abordagem psicanalítica, menciona que a idéia do leite fraco,
aguado, trata-se de uma representação que mostra o medo da nutriz ser ela própria
aguada, sem força psíquica para cuidar da vida de seu filho.
Araújo (1997) fala que a mídia, ao longo da história criou a equivalência do
leite em pó maternizado com o leite materno, processo de naturalização do
conhecimento científico de que fala Moscovici na Teoria das Representações Sociais.
A figura da mãe como fonte de alimento desaparece, sendo substituída pela mamadeira
e pela presença do médico. Situação simbólica que exemplifica tal processo de
naturalização são as fotos de crianças sentadas em frente às pilhas de lata de leite
vazias, sinal de “status” e poder econômico principalmente na década de 70. Sobre o
relatado Moscovici (1989) cita que um dos componentes a ser considerado no campo
114
de estudo das representações sociais é o modo com as pessoas hierarquizam e
coordenam os significados e atitudes, dizendo que o mesmo comporta todo o
repertório simbólico a respeito do objeto de representação. E, ao longo dessa pesquisa
ficaram explícitas essas naturalizações.
Vencedoras de uma grande batalha, que foi iniciar e manter a amamentação
com pouco ou sem apoio algum na sociedade em que viviam, as mulheres
participantes referiram um embate forte com seus próprios sentimentos e com os
sentimentos das pessoas com que conviviam, já que, para proceder o desmame,
gradativamente ou bruscamente, a depender das condições que se apresentaram em
cada situação, precisaram conviver, não apenas com o choro da criança, mas também
com o inconformismo da família diante do mesmo. Sobre o choro de seus filhos e suas
implicações, estas mulheres falaram:
Às vezes eu ficava confusa, porque ela chorava muito (olhou para a criança
que estava no meu colo) e eu ficava pensando: -ela deve estar com fome!. ...
Não sei não, acho que pode não estar sustentando. Eu sei... todo mundo falava
que não, mas mesmo assim...! Não é que eu não acreditasse... mas alguma
coisa dentro de mim dizia que podia ser fome. (Cibele).
Não gosto de ver meu filho chorar, ainda mais quando eu sei que a solução
está comigo. Basta dar de mamar. (Horas).
A minha mãe dizia: eu te falei para tirar o peito antes! Está vendo? Agora
quem sofre é a criança. Ele já está grande, já entende. Não adianta forçar!
Agora deixa até ele não querer mais, porque ninguém agüenta esta criança
chorando, agarrada em ti o dia todo [...]. (Átropos).
Em nossa sociedade, o choro sempre representou sofrimento, dor, fome,
desconforto. Sempre esteve atrelado a sentimentos negativos e a perda. Não é de se
estranhar tal depoimento, porque por mais conscientes que estejamos a respeito da
amamentação, com certeza não ficaremos indiferentes ao choro de nossos filhos,
mesmo quando sabemos que esta é a principal forma de comunicação da criança com o
mundo. Há de se compreender que estas alegações míticas femininas encontram-se
impregnadas de um pedido latente de ajuda para a solução das dificuldades
115
vivenciadas no decorrer e final do processo e para as quais não encontram respostas
convincentes, questão que será tratada em destaque ao longo desse estudo.
(ALMEIDA, 1999; SILVA, 1999).
Cabral e Tyrrel (1995) salientam que as mudanças que parecem ocorrer na
maneira com que as mulheres cuidam de seus filhos, encontram-se em estreito
relacionamento com as necessidades de sobrevivência, os valores culturais e os
avanços da ciência, fatores que juntos permitem essa movimentação.
E sobre o desespero e angústias geradas pela incapacidade em desmamar com a
eficiência que o modelo da boa mãe coloca e a sua associação com as dificuldades
vividas no início do processo de amamentação, também se manifestaram:
Me lembro uma vez que liguei para uma amiga e pedi socorro. Eu estava
desesperada, não sabia mais o que fazer... Tinha que voltar a trabalhar e não
conseguia fazê-lo pegar a mamadeira. Era uma batalha! Tinha que deixar
com fome... chorar de fome. Ela trouxe uma mamadeira diferente, com bico
que parece uma mama e mesmo assim não pegava. Gritava quando via a
mamadeira. [...] E o meu leite escorrendo... e o menino chorando... chorando
de fome. Que sofrimento! Com isso eu não me conformava. (Athena).
[...] E olha que ele chorou... mais de noite, que de dia. Até os vizinhos ficaram
assustados! Eu cheguei a me arrepender... Devia ter dado a mamadeira antes.
[...]. (Árthemis).
Eu não quero mais filhos, e nem posso... Porque a gente trabalha e tudo [...]
Mas uma outra criança. ... Eu acho até que ia dar mamadeira com outro leite.
Só para ir se acostumando. Porque o leite materno é ralo, diferente do leite
em pó Como ele chorava muito, eu cheguei a achar que ele ficava com fome.
[...] Mas eu acho que era cólica. E olha que eu não sou leiga nesse assunto.
Só assim ele não ia sofrer tanto naquela hora (do desmame). (Helena de
Tróia).
Almeida (1999) relata que as justificativas supra-citadas para fundamentar a
necessidade de inserir complementos ao leite materno e/ou desmamar a criança é uma
construção social. Esta iniciou no século XIX devido a incapacidade dos profissionais
de saúde e da sociedade em responder, com fundamento, uma questão de cunho
cultural. Durante quase dois séculos as mulheres foram desestimuladas a amamentar os
filhos, considerado um ato primitivo, típico de povos subdesenvolvidos, relacionado à
116
pobreza e tido como constrangedor pela classe burguesa da Europa e Ásia. O retorno à
prática fundamentado apenas em sua dimensão biológica, que não pode ser
desconsiderada no processo, e centrada na visão do “instinto”, isto é, algo inerente à
natureza feminina, não necessitando ser ensinado, fez com que muitas mulheres
vivessem intensamente o conflito da transição cultural.
Outra constatação sobre o significado do amamentar-desmamar é de que a nutriz, por
hora, sente-se consumida pelo processo de amamentação prolongado, cerceada em sua
liberdade, a ponto de relatar sentir que a situação é desgastante, suga-lhe as energias, não é
mais prazerosa, não vê a necessidade da sua continuidade, porém não consegue pôr um ponto
final no processo.
Para mim chegou! Ele já mamou muito tempo. Queria ficar todo o tempo
pendurado. Era uma coisa louca. Era só me ver. E a gente com muita coisa
para fazer e a criança ali, agarrada, chorando... (Érato).
Meu Deus, quanto tempo eu não saia à noite para dançar. [...] Era ruim
também quando tinha uma festa. A gente ia, mas ela queria mamar na hora
que não dava. Ali.. no meio da festa... (Clio).
Ramos e Almeida (2003) apontam situação semelhante a vivenciada pelas
mulheres que desmamaram suas crianças após os dois anos de idade, ao estudarem as
alegações maternas para o desmame e concluírem que a solidão e o isolamento da
mulher que amamenta, além da necessidade não atendida de apoio constante dos
serviços de saúde e outros segmentos da sociedade, são fatores desencadeantes de
significação do amamentar- desmamar ancoradas nos atributos negativos do processo
para si e a criança (é sofrimento, é dor, é cansaço, é ruim, é chato, é cansativo, a
criança chora muito). Assim, corroboram a menção da necessidade de reformulação do
modelo assistencial contemporâneo, no sentido de envolver a compreensão da
subjetividade feminina e que este não é um processo instintivo, mas precisa ser
ensinado e aprendido pela mulher e sociedade para aumentar sua eficácia.
Na sua simplicidade, Ísis trouxe à tona a representação da importância do apoio
familiar e social (enquanto infra-estrutura de serviços e profissionais habilitados para
117
lidar com a questão) para que o sucesso da amamentação-desmame se faça de modo
positivo, tanto para a mulher, quanto para a criança:
Eu tinha dois medos quando engravidei. [...} O segundo era não conseguir
amamentar. Eu não fui amamentada. Eu achava que também não ia
conseguir. Era quase um pavor, porque eu queria muito. Mas, se não fosse a
ajuda do meu marido e do meu obstetra, eu acho que não teria conseguido.
(Ísis)
Uma mulher apoiada pelo marido e pelos profissionais, estará mais preparada
para desempenhar sua função nutriz, terá maiores chances de superar barreiras e será
mais feliz na experiência, mesmo quando os conflitos existirem. Corroborando esta
representação, Ávila (1998) menciona que a amamentação exige da mulher não apenas
querer alimentar o bebê: pede paciência para o aprendizado, prontidão e
disponibilidade da mesma, ressaltando que o desempenho favorável da mulher nutriz
depende do apoio e incentivo do ambiente que a cerca, e, em grande parte, da
qualidade do cuidado que a “família amamentadora” recebe nos momentos de
dificuldades no desenrolar do processo. Todo o ambiente em torno da nutriz pode
influenciar de forma positiva ou negativa na manutenção do aleitamento materno.
Outro fator que merece relevo neste estudo refere-se ao fato das mulheres
sentirem-se sufocadas pelas campanhas de incentivo ao aleitamento materno, que na
minha percepção, apresentam um caráter apelativo aos sentimentos maternos e
limitantes no tempo de amamentação. Escutando sensivelmente suas falas, percebi
sentimentos de culpa e, até certo ponto, de perda da liberdade de decidir na sua
situação existencial, a melhor escolha para si e o filho. Com amargura no olhar Héctate
falou:
Esse é meu 3º filho, e agora eu consegui dar de mamar, porque dos outros
dois, eu não pude. Pelo menos não pude como eu queria. Eles só mamaram
uns 15 dias, mas pra mim foi um sacrifício. Eu via na televisão as
propagandas, as atrizes bonitas amamentando. E elas estavam ali,
trabalhando e amamentando e eu só em casa, nem isso conseguia fazer.
Parece que é fácil, mas não é não. Eu sei porque passei por isso! Dar a
mamadeira pra eles foi horrível, depois eu me acostume i- acho que foi
melhor mesmo! (Héctate).
118
Devemos ficar atentos, pois a ideologia contida nas campanhas de incentivo à
amamentação, coloca a mulher como responsável pela amamentação e pelas supostas
conseqüências de sua ausência na saúde dos filhos, quer sejam de ordem física ou
emocional. Desta forma, reduz as questões sociais do processo, extremamente
problemáticas, em questões individuais, jogando sua responsabilidade para a mãe de
forma opressiva e violenta, mesmo que sutil e disfarçada. (DIAS, 1999).
Precisamos entender que uma mulher jamais poderá ser tratada como um
objeto, uma espécie de mamadeira natural para a criança que amamenta. Ela deve ser o
centro de nossa atenção e ação. A amamentação só se dá através dela, e só se dará a
contento se suas necessidades físicas, emocionais, sociais, culturais, intelectuais e
profissionais forem pelo menos razoavelmente atendidas. É preciso cuidar bem da
mãe, para que ela possa cuidar bem do bebê. (REGO, 2002).
Porém, em nossa cultura, é forte a idéia de que a mulher precisa sujeitar-se a
todo e qualquer sacrifício para amamentar-desmamar, o que origina o conflito entre o
cuidar da criança e o cuidar de si. As palavras de Psique e Horas exemplificam essa
sujeição:
Quando eu comecei a tirar o peito... Porque fui eu quem quis tirar... Acho que
se deixasse por conta, ela estava mamando até hoje, foi porque não dava
mais. Até para tomar banho era difícil. Porque a gente fica em casa toda a
vida e a criança acha que pode estar sempre grudada. Mas não [...]. Já foi
tempo demais para ela. Porque se tu amamentas, tu amamentas. Não dá para
sair muito tempo. Ninguém quer ficar com ela. Eu não tinha mais tempo para
mim. (Psique).
Eu sou vaidosa, gosto de me arrumar. E com ele pendurado para mamar não
dava... {...] Numa festa a roupa da gente fica toda amassada. Um dia eu olhei
o meu cabelo [...] Queria pintar de novo. Estava um horror. Mas como somos
só eu e ele o dia todo... Não dá para levar para o salão, porque ele meche em
tudo, não fica parado um instante. Acabou é que o meu cabelo ficou essa
droga. (Horas).
Sobre essa necessidade humana de cuidar de si, Radunz (2001) aponta algumas
dimensões, das quais destaco: mostrar-se apresentável, mesmo sabendo que a
aparência física nem sempre é sinônimo de bem estar consigo mesma; assumir esta
119
responsabilidade de cuidar-se e a pressuposição de que o mesmo é um exercício de
afetividade consigo mesma, principalmente porque vivemos num mundo de
valorização da forma física, em detrimento das qualidades intelectuais e afetivas.
Salienta que a busca e observância do cuidado de si encontra-se significativamente
atrelado aos valores e crenças pessoais e ao sentimento de gostar de si, significando
auto-estima e respeito para consigo, o que o deve ser confundido com egocentrismo
ou egoísmo.
Precisamos pensar o nosso ser profissional e o ser nutriz, pensar aqui entendido
nas palavras de França e Dias (2001), como um des-velamento que tanto procura
explicitar aquilo que nele permanece como impensável, como ultrapassar o sistema
dominante de reflexão em que se insere.
Algumas mulheres entrevistadas mostraram sentir medo dos efeitos que a
amamentação prolongada pudesse causar ao seu corpo e seio, interpretando como uma
agressão a si, além de relatarem sentir dor. Thália e Érato falaram a respeito.
Eu sempre quis amamentar... sempre quis. Era uma coisa desejada, mesmo
antes de engravidar. Quando realmente amamentei e vi meu seio daquele
tamanho, pensei: Meu Deus, isso vai cair tudo. Vai ficar horrível e eu não
tenho dinheiro para fazer plástica. Além disso, no começo eu sentia muita dor.
Eles racharam (os mamilos), parecia que ia cair um pedaço.... (Thália).
Quando eu estava tirando o peito... Porque aí ele fica meio mole, assim caído
mesmo, eu pensei. Agora deu... Dei de mamar e vou ficar com essas duas
coisas penduradas! A mãe dizia que voltava, mas eu não acreditei. Acho até
que não voltou tudo. Um pouquinho sempre fica não é? Eu queria arrumar,
mas se tiver outro, vai acontecer tudo novamente... Aí não adianta. É melhor
esperar um pouco mesmo. (Érato).
Quando o bebê nasce e vai para o seio, mobiliza na mãe os movimentos mais
intensos de amor, gratificação e ternura; também desperta sentimentos persecutórios
de que ele não vai apenas sugar o mamilo, mas também mordê-lo e machucá-lo. Isso
pode corresponder a realidade, porque o mamilo pode ser lesado pelo ato da sucção na
pega inadequada. Porém, essas fantasias provocam um conflito emocional que pode
aparecer na forma de ansiedade e angústia insuportáveis, se a mulher quiser
120
amamentar e, ao mesmo tempo, temer fazer isto por acreditar que seu corpo será
ferido.
Uma atitude acolhedora e compreensiva para com a mulher em suas
dificuldades no amamentar-desmamar tem mais serventia que o discurso instituído,
por vezes acusatório e quase sempre generalizado. Isto porque, ao invés de conselhos,
estas mulheres precisam adquirir instrumentos educacionais e habilidades práticas que
as faça sentirem-se confiantes na sua condição de mulher nutriz. (ASSIS, 2004).
Milliet (1993) afirma que é imprescindível ter um espaço para que a mulher
possa ser ouvida empaticamente em seus sentimentos, dúvidas e dificuldades relativas
ao processo de amamentar-desmamar o filho, pois esses momentos funcionam como
possibilidade de desenvolvimento, propiciando uma re-descoberta da situação vivida,
o que lhes acarreta tranqüilidade e bem estar, repercutindo em benefícios próprios aos
envolvidos. Aponta, ainda que toda a intervenção que facilita a relação da mãe com a
criança, desmitificando esteriótipos e fortalecendo os sentimentos de competência
materna, favorecem a saúde psíquica de ambos.
Assis (2004, p. 64) menciona:
Os profissionais da área da saúde e as mães atentas sabem que os bebês não
buscam no seio apenas o alimento material, o leite que sacia a fome; buscam
também o aconchego, o afago, o calor, a voz, a textura da pele, o cheiro, todo
o SER que acompanha o leite. Para a formação do corpo, o leite é
fundamental; para a formação do psiquismo, a emoção que acompanho o
aleitamento é o pilar principal. A mãe que amamenta o bebê oferece a ele a
oportunidade de viver a experiência do apaziguamento, da continência para as
aflições, da satisfação das necessidades, do acalanto.
Como pôde ser observado nos relatos das participantes, amamentar-desmamar
crianças com idade superior a dois anos na perspectiva materna, aparece permeado de
valores, crenças e tabus, envolvendo sentimentos ora contraditórios, ora ambivalentes.
Contemplando a alegria e a dor, o prazer e desprazer, o encanto e o desencanto, torna-
se um processo individualizado e único em cada situação em que se apresenta.
Levando em consideração esta singularidade, passo a descrever as diversas formas
121
como este se desenvolveu na realidade das mulheres participantes dessa pesquisa.
6.2 Como aconteceu o desmame
A prática para desmamar identificadas junto as mulheres participantes deixou
transparecer a evidência que, de certa forma, elas agem com base nos conhecimentos e
práticas conhecidas e aceitas no meio familiar e social em que se inserem,
prevalecendo a vontade e o interesse da criança sobre os da mãe.
Eu sempre pensava nela. Eu sabia que não precisava mais, que era só para
fazer a vontade dela. E a gente não queria que fosse uma coisa ruim, porque
ela mamou tão bem! Minha sogra dizia que não tinha problema, que ela ia
largar sozinha! A mãe também falava assim... Aí eu deixei até que consegui
convencer ela... (Clio).
A forma como se desenvolve o desmame está relacionada com a experiência
vivida pelas nutrizes durante o período de amamentação e, até mesmo, às vivências
anteriores a mesma, como a gestação, história familiar e conhecimentos anteriores. è
no decorrer da amamentação que a mulher consegue perceber a existência de
significativas, distintas e sucessivas mudanças em seus sentimentos com relação ao
processo e a forma como vivencia/vivenciou a experiência nutriz. (MARCON, 1996).
O meio mais empregado foi o desmame progressivo para que o mesmo não
trouxesse sofrimento à criança. Elas referiram que essa opção não aconteceu por acaso,
elas abdicaram de si em favor da criança, porque, desta forma, acreditavam favorecer a
passagem menos traumática, nesta fase de conflito, para ambas. Ísis mencionou esta
perspectiva:
Quando foi para desmamar eu comecei a conversar com ela... porque eu
queria parar, mas ela não! Então foi assim, um tempo que eu dei de mim para
ela. Não sei se dá para entender. Eu adoro a minha filha e não gosto de a ver
chorar, ainda mais se a causa do choro for eu. ´[...]. É engraçado, porque as
coisas têm que ser assim... Eu também tinha a solução para o problema.
122
Bastava a deixar mamar! Então foi aos pouquinhos. Demorou, mas pelo
menos ela sofreu menos! (Ísis).
Uma característica que ficou evidente foi que quase todas as participantes
procediam da mesma forma, no que se referia ao período em que começavam a
desmamar a criança. Inicialmente tentavam estratégias para desmamar durante o dia e,
somente após a criança se acostumar, iniciavam a fase do desmame noturno, referido
como mais difícil e sofrido para a criança e como um alívio para elas quando
consumado, uma vez que não tinham mais o sono interrompido. Helena de Tróia
colocou bem este processo:
Fui tirando aos pouquinhos. De dia, nos finais de semana, meu marido saía
com ela. Ele joga no time daqui. Então levava ela e a irmã dele ia junto. Eles
ficavam a tarde inteira e ela não pedia para vir embora e nem para
mamar.[...] De noite foi mais demorado, mais difícil. Eu tentei tudo:- prometi
presente, passeio, trazer amiguinhas para brincar e nada... aceitava e voltava
a dar uma recaída. Não usei aquelas coisas de pintar o seio com mercúrio,
colocar esparadrapo para dizer que estava machucado. Achava que isso
podia deixá-la nervosa... aí ia ser mais difícil. Não sei se fiz certo, mas falei
com o pessoal do posto onde trabalho e eles disseram que estava certo. E foi
indo, nem sei quanto tempo demorou, mas ela acabou esquecendo. (Helena de
Tróia).
A opção pelas práticas de desmame, conforme relatada por Helena de Tróia,
pode ser determinada pelos ensinamentos compartilhados na rede social e/ou
transmitidos entre as gerações de uma família. A estratégia de afastar as crianças de
suas mães para que elas desistam do aleitamento materno também foi empregada pelas
demais participantes, como relatadas nos estudos desenvolvidos por Van Der Sand
(1999), Marcon (1996) e Melatti e Melatti (1982) e como foi expresso por Thália:
Eu tinha lido alguma coisa, mas na hora de desmamar parece que nada se
encaixava. Então minha mãe falou:- deixa ela comigo umas noites, garanto
que ela vai esquecer! Ela só mamava mesmo a noite, porque de dia eu
trabalhava e adorava...adora ainda, ficar na mãe, porque ela é a primeira
123
neta... lá só tem menino e todos dão muita bola para ela. E assim foi. Na
primeira noite, quem chorou fui eu. Porque eu disse para a mãe:- Se ela
chorar me traz de volta, não deixa ela chorar, me traz de volta! E assim foi
que aconteceu. O que foi mais difícil, depois, foi convencer ela a dormir a
noite em casa. (Thália).
É pertinente lembrar que das trinta e duas participantes, apenas nove tinham
emprego formal, situação diferente da vivenciada pelas demais mulheres de classes
populares. A maioria das mulheres, vinte e duas, trabalhavam no lar, realizando os
afazeres domésticos e cuidando dos filhos. Estas referiram ter mais dificuldades em
desmamar, já que a presença física da mãe fazia com que as crianças lembrassem da
amamentação e solicitassem a mamada. Diante do fato, no período de desmame,
tentavam manter-se afastadas das crianças ou levá-las para a casa da mãe, sogra, irmã
ou amigas que se dispusessem ou tivessem disponibilidade em ajudá-la. Dentre as que
referiram esta prática temos Héstia:
Como eu disse, foi complicado porque eu fico sempre em casa. E nessa hora a
gente precisa de alguém para ajudar, para levar e cuidar da criança! E tem
que ser alguém que a gente conhece e confia...[...] A minha mãe não mora
perto, então minha irmã ficou com ela quase uma semana. Meu Deus...
Chorava ela e eu! A minha irmã dizia que era só quando ela falava ao
telefone comigo, mas eu acho que não era não. Mas ela também mandou a
dela para a casa da sogra e deu certo, então eu fiz. Como eu falei para a
senhora, antes eu tentei de tudo. Essa foi a minha última opção. (Héstia).
Esta atitude nos permite tecer considerações em relação aos fatores que
influenciam o comportamento humano, como o citado por Alencar (1982) ao salientar
que agimos de acordo com a influência da cultura que nos circunda, ou seja, pelas
crenças, sentimentos, costumes, valores, compartilhados pelos membros de um grupo
social e que são transmitidos de uma geração à seguinte através da aprendizagem.
As práticas que compreendiam o ato de colocar algo artificial sobre a mama que
124
indicasse doença ou ferimento, como mercúrio cromo, esparadrapo e curativo ou
substâncias que alterassem o sabor do leite materno, como o vinagre e o suco do limão
foram ensinadas e incentivadas por vizinhas e familiares, porém algumas mulheres
recusavam-se em praticá-las, pois acreditavam que elas trariam prejuízos a si próprias
e às crianças. Outras relataram que nessa idade a criança já conhece outros sabores e
tem uma grande capacidade para saber se a mãe está mentindo com relação a sua
saúde, o que torna essas práticas pouco eficazes. No entanto, esta prática foi referida
por 12 das participantes, vindo a ser utilizada somente após a vivência de conflitos
entre o querer desmamar por parte da mulher e o desejo da criança em permanecer
mamando. Entre os inúmeros relatos, transcrevo as falas de Héstia e Circe.
Eu coloquei de tudo! Porque estava desesperada. Antes de mandar ela para
casa da minha irmã, coloquei mercúrio, passei vinagre e tudo. Ela ria de mim
e dizia: ”tu não tá dodói nada”. Fiz isso várias vezes! Mas não deu certo!
(Héstia).
Uma vez eu passei vinagre para ver se ela deixava. Só que ela é muito experta
e disse para mim: “mãe, tu pingasses vinagre no teu peito! Vai lavar que eu
quero mamar e está sujo”! Todo mundo riu. Ela já sabia o gosto do vinagre!
(Circe).
Algumas participantes mostraram resistência à utilização destas práticas para
concretizar o desmame. Acreditavam que os efeitos psicológicos sobre a criança
pudessem ser negativos, a ponto de interferir na formação da sua personalidade, uma
vez que poderia romper de forma traumática a relação de apego e vínculo entre a
mulher e a criança, relação de intimidade formada e fortalecida ao longo de mais de
dois anos de convívio prazeroso. Athena e Árthemis expressaram esse sentimento:
Eu não usei essas coisa que ensinam para a gente colocar, como mercúrio,
esmalte vermelho e coisas com gosto ruim. Eu acho que se amamentei e ela
gosta tanto, porque acabar assim. Acho até que isso pode prejudicar a
criança, que depois pode não querer mais tomar leite... até não querer
amamentar, porque aquilo pode ficar gravada na memória dele.[...].
(Athena).
Não usei nada! E olha que tive vontade! [...] Acho que é porque a gente sabe
um pouco sobre como se forma a personalidade da criança. Pensei no trauma
125
que isso pudesse causar nele (filho) e não via sentido em acabar como se tudo
tivesse sido uma coisa ruim. (Àrthemis).
As mulheres deixaram transparecer em suas falas que o que sabem sobre o
amamentar é o que, culturalmente trazem consigo, ou seja, suas percepções e
sentimentos do valor da amamentação e da sua multi-dimensionalidade exercem
influências diretas na maneira com que elas irão proceder o desmame de seus filhos.
Porém, ficou claro, que estas mulheres tinham uma grande intimidade com o
verdadeiro sentido do amamentar, o que facilitava a identificação e aplicação de
estratégias de desmame baseadas na negociação com a criança e com a família. Na fala
de Hera e Arthemis, exemplos deste saber comum e, ao mesmo tempo, tão rico e
carregado de sentimentos.
Como eu fiz para desmamar. Primeiro para mim dar de mamar é uma coisa
maravilhosa. [...]. Eu amamento porque gosto e sei como é importante para
as crianças. Então eu fui aos poucos, conversando com ele, explicando e
fazendo outros carinhos. Eu troquei o carinho da amamentação por outras
coisas que ele gostava.[...]. Então a gente saía e eu comprava um chocolate.
Outra vez a gente via um filme juntos. Ele gosta de brincar na rua, porque já é
grandinho... Então eu ficava na frente de casa e ele ficava brincando. Para ter
idéia, a minha mãe mora no sítio. E lá ele fica solto e não pedia para mamar.
Demorou, foi aos poucos. Eu acho que foi mais difícil para mim do que para
ele. (Hera).
Amamentei esse tempo todo com muito prazer. [...] Foi difícil algumas horas,
mas acho que o lucro para a saúde é bem maior. [...] Desmamei com a ajuda
da minha mãe e do meu marido. Eles ficavam com ela, brincavam e ela... Ela
ficava agitada e eu também. É aquela questão da união que se cria. A gente
sente essa necessidade e ela também. Mas ela tem que crescer... E foi assim.
(Arthemis).
Pryor (1981) menciona que quanto mais familiarizada com a amamentação for a
mulher, menos suscetível será aos modismos e críticas dos demais membros da família
e da comunidade em que se insere, ou seja, mais segura estará na sua decisão e
126
estratégia de desmame. Desmamará seu filho de acordo com o que acreditar ser certo e
pertinente para o momento que vive, tornando-se alheia ou menos sensível às críticas
e, desta forma, sofrendo menos as intempéries do processo. Reforça que a essência do
relacionamento estabelecido na amamentação não é o de estabelecer regras gerais de
agir, mas, simplesmente deixar fluir o processo para uma sintonia de receptividade.
Ouvir das mulheres-mães as estratégias que realizam para facilitar o desmame é
válido para conhecermos os costumes, as crenças e as práticas que permeiam esse
processo, pois assim é possível estar ao lado e apoiar as mulheres sem desqualificar
suas vivências e seus valores culturais. (SONEGO: VAND DER SAND, 2002).
Há de se considerar com urgência, o fato das mulheres nutrizes possuírem
representações do amamentar-desmamar ancoradas em vários atributos negativos
sobre o que falta saber e o que falta fazer para modificar a lógica colocada na
superficialidade das ações profissionais e sociais, uma vez que estas vêm funcionando
como afirmação da irrelevância científica que norteia o processo e desestimulando
uma prática social cuja relevância não pode ser negada. A negação da negação da
harmonia (“É assim mesmo!”) e a ignoração dos conflitos, bem como as repetidas
estratégias dos discursos decorados consolida uma visão de contínuo descaso para com
a mulher que amamenta e, necessariamente desmama, o que pode repercutir em
atitudes e comportamentos não desejados em gestações futuras. As palavras de Circe
trazem essa expressão:
Quando ele tinha mais de um ano.... Um dia eu fui no posto e ele quis mamar.
Eu botei do meu jeito, mas a enfermeira queria que eu o colocasse assim...
barriga com barriga, igual quando ele era pequenino. Era para dar exemplo
para as outras mães, eu sei. Mas ele já era grande e pesado. Não parava um
minuto. Não dava... E eu também não tinha mais rachadura no bico do peito.
Porque isso foi só no início. No início sim, eu precisei de ajuda. Mas ninguém
estava lá para dizer- faz assim ou assado. Tive que me virar com o que sabia e
aprendi na maternidade. Para desmamar foi um sacrifício. Cheguei a me
arrepender. E também as pessoas diziam que ele ia acostumar, mas demorou.
Hoje eu penso que não quero ter outro filho, não. A vida está difícil. Mas se
tiver, vou pensar bem se vou dar de mamar! (Circe).
127
Helena de Tróia também reafirmou a postura de decidir por si mesma o tempo
para o desmame da filha, diante dos confusos discursos que permeiam o processo nos
dias de hoje:
[...] Quando eu estava desmamando a M. eu não sabia se devia mesmo,
apesar das pessoas me dizerem para deixar de amamentar. É assim sabe...
você fica entre uma cruz e uma espada, sem ter certeza se está certa. São
tantas pessoas dando opinião... Mas eu fiz como achei certo! (Helena de
Tróia).
No cerne desta questão encontra-se a amamentação-desmame, cujo incentivo e
cuidados devem ser implementados através da educação em saúde, para possibilitar
aos sujeitos envolvidos condições de manter o processo e superar as dificuldades que,
por ventura, venham a sofrer. Uma educação que respeite os seus valores, que
considere os seus saberes e que numa relação de proximidade contribua para permitir-
lhe expressar-se com liberdade (contribuindo para esta possibilidade no espaço
institucional).
Cabral e Campestrini (2005) relatam que é o desenvolvimento da atividade
curricular que os alunos convivem com a triste realidade de profissionais renomados,
porém adversos (acomodados, velados) à causa da amamentação, deformando o pouco
saber que conseguiram adquirir nos meios acadêmicos e na própria vida cotidiana.
Assim perpetuam o modelo de cuidado com educação ambígua e digna de pouco
crédito por parte da clientela e distorcem saberes sobre o aleitamento materno,
apoiados por rotinas e serviços de saúde inadequados ao cuidado efetivo das famílias
que vivenciam o processo. Com uma simples canetada em uma folha de receituário,
executam o desmame, desmontando idéias e desejos maternos e de acadêmicos com
relação ao processo, inibem iniciativas criativas possíveis de se desenvolverem em
serviços materno-infantis, fechando o ciclo de descrédito no aleitamento materno. Por
outro lado, é na mesma atividade assistencial que nos deparamos com discentes
surpreendentes, inconformados com as práticas vigentes no campo de atuação,
envolvem-se em estratégias no sentido de resgatar a milenar prática e ajudar as
128
mulheres a amamentar suas crianças o tempo que desejarem. Serão estes futuros
profissionais que lutarão para mudar a hegemonia biologicista sobre o social que ainda
permeia o processo, sendo capazes de fazer a diferença no contexto do cuidar-educar
mulheres e famílias para o amamentar-desmamar.
Vieira et al. (2004) citam que o incentivo à amamentação deve fazer parte do
pré-natal, uma vez que muitas gestantes chegam a esta condição trazendo consigo
muitas dúvidas e mitos a respeito do processo. Ressaltam ainda, que se estas
orientações fossem adequadas, isto é, atendessem a solicitação de aprendizado da
gestante, seu impacto seria bem maior do que se a mulher as recebesse na condição de
puérpera. É pertinente mencionar que estes mesmos autores referem como situação
agravadora do desmame precoce, o fato dos obstetras (e aqui incluo a enfermeira) não
orientarem as gestantes no preparo das mamas para a lactação, relegando o assunto a
um grau de insignificância no contexto da gestação.
Por outro lado, há de se considerar o momento que a mulher vivencia e se ela
está em condições de apreender os conhecimentos com ela compartilhados durante o
período gestacional. Este fato reforça a necessidade de cuidado que a mulher puérpera
tem, incluindo-se aí a educação em saúde e o apoio à amamentação. Até porque, como
afirma Mendonça (1987) a ação educativa deve estar fundamentada na investigação da
realidade social. Ela é uma atividade coletiva que se dá através de processos objetivos,
que permitem ao profissional conhecer os problemas de saúde da população, e
processos subjetivos, relativos à percepção popular de seus problemas e a investigação
do seu saber.
Assim, a verdadeira relação educativa dialógica supera a dicotomia entre o
saber popular e o saber científico, integrando-os num plano de horizontalidade, onde a
reciprocidade de interesses se faça presente, na medida em que a própria
transformação da realidade é construída.
Jovchelovitch (1994, p. 20) salienta que a dimensão cognitiva, afetiva e social
estão presentes na própria noção de representações sociais, uma vez que o caráter
simbólico e imaginativo destes saberes traz à tona a dimensão dos afetos, porque
quando sujeitos sociais empenham-se em entender e dar sentido ao mundo, eles
129
também o fazem com emoção, com sentimento e com paixão. A construção da
significação simbólica é, simultaneamente, um ato de conhecimento e um ato afetivo.
Tanto a cognição, como os afetos, que estão presentes nas representações sociais,
encontram sua base na realidade social.
No emaranhado contexto do educar para a amamentação-desmame na realidade
desse estudo, das trinta e duas mulheres participantes, nove referiram não ter recebido
qualquer orientação dos profissionais de saúde sobre a amamentação e todas
mencionaram que o desmame sequer foi falado durante os atendimentos de pré-natal;
doze mencionaram que a receberam, avaliando as informações como adequadas, e seis
as receberam e consideraram inadequadas, uma vez que não vieram ao encontro de
suas expectativas, caracterizando o discurso decorado de um profissional que, por
negligência ou desconhecimento, não compreende a realidade social da pessoa que
cuida e nem a complexidade do processo em questão. E todas amamentaram seus
filhos por mais de dois anos.
Exemplo disso pode ser identificado na fala de Arthemis, quando se impôs
diante dos profissionais e amigas que a criticavam por não conseguir desmamar o filho
no período prescrito socialmente como certo:
O pessoal do hospital falava, as minhas amigas falavam... E olha que elas
também amamentaram. Tu tens que desmamar esse menino. E falavam que ele
nunca ia sair da fase oral, que isso ia ser problema para ele, que ele não ia
desgrudar de mim. Parece que estava incomodando a elas. Nessa hora eu
preferia ter menos conhecimento e deixar as coisas fluírem. Mas eu sabia que
elas podiam estar certas... e isso me dava medo. Então eu decidi. Vou
desmamar quando eu e o L. quisermos (olhos brilhantes de lágrimas)....
Porque as pessoas têm mania de criar o filho dos outros? (Arthêmis).
Quanto ao conteúdo abordado pelos profissionais de saúde nos
acompanhamentos de pré-natal, todas as participantes mencionaram a ênfase nas
alterações mamárias decorrentes da gestação e no valor nutricional, imunológico e
afetivo do leite materno. A fisiologia da lactação, os impedimentos físicos decorrentes
do processo e os cuidados com as mamas no puerpério tiveram enfoque superficial,
130
deixando de ser abordado em 14 situações. A percepção materna do aspecto estético e
sexual das mamas e a legislação de proteção à nutriz, não foram abordados em
nenhuma das situações representadas. Bem o diga, que o saber prévio do amamentar
questionado pelos profissionais que as atenderam, limitou-se, no discurso destas
mulheres, ao questionamento com ar de cobrança: -Você amamentou seu(ua) outro(a)
filho(a)?
A resposta ao questionamento de qual profissional as orientaram, sete
responderam ter sido a enfermeira, e três o médico (obstetra). Os saberes maternos
sobre amamentação foram referidos pelas puérperas como um mix entre o senso
comum e o cuidado sob a forma de educação em saúde.
No relato de Nêmesis aparecem os reflexos do desamparo e do despreparo que
circunda a condição da mãe-nutriz em nosso meio, causa freqüentes do seu insucesso
no processo:
Quando eu dei de mamar pela primeira vez, eu não imaginava que podia ter
problema. Eu não sabia nada, mas também não sabia que não sabia. Lá no
posto acho que não falaram, nem me lembro se disseram alguma coisa.
Quando ficou todo rachado, era final de semana, não tinha posto aberto. Mas
doía tanto que eu chorava e não tinha vontade de colocar a menina para
mamar... aí eu chorava também porque eu sabia que ela estava com fome. Foi
muito difícil! Não sei como agüentei... Até minha mãe que me acha mole, ficou
com pena! Meu marido queria comprar o leite, por que a mamadeira eu já
tinha no enxoval, mas a gente não sabia como fazer. Além disso, eu também
tinha medo de levar o nenê no médico e pedir a receita do leite, porque eu
sabia que ele ia brigar comigo para amamentar... Por isso eu fiquei com medo
e achei que era muito sofrido. Eu precisei de ajuda, muita ajuda. Não é bom
sentir dor! Ta louco! (Nêmesis).
Negar o saber é com certeza, privar mulheres e crianças do exercício de sua
cidadania; é mantê-las presas, privá-las de sua capacidade nutriz, contribuindo para a
pauperização da população e manutenção do modelo hegemônico de educação em
saúde. (HAMES, 2001).
A mentalidade da construção social do biológico no cenário da amamentação
imposto pela medicina higienista do século XVIII, permanece hegemônica na forma de
131
pensar a temática nos nossos dias. Desta forma, os profissionais tendem a
supervalorizar o conhecimento científico em detrimento dos demais, possibilitando o
surgimento de construções cientificistas, cujas propriedades discursivas visam atender
os interesses de grupos sociais, afastando-se da realidade da mulher e da criança em
questão. (ALMEIDA, 1999).
Cukier (1983) salienta que muitos autores vêm demonstrando o despreparo
profissional nas questões referentes a profilaxia e tratamento das intercorrências
clínicas da amamentação, bem como da inadequação das atitudes que antecedem estas
orientações.
Araújo (1997) menciona que a orientação para a amamentação parece hoje,
“terra de ninguém”- não existem responsáveis. O apoio advindo de outras mulheres
que haviam amamentado, não é mais comum nos nossos dias. A tarefa que passou a
ser dos profissionais de saúde parece que não está sendo tratada com a seriedade que
necessita, fato transparente na realidade deste estudo.
Os profissionais de saúde devem trocar vivências com as mulheres e que este
intercâmbio de experiências e sentimentos é considerado a melhor forma de promover
a compreensão do processo de gestação e amamentação. (BRASIL, 2002b).
Isto porque as mulheres geralmente se representam como pessoas que não
sabem nada em relação à maternidade, que não reconhecem que possuem um saber e
até desvalorizam suas experiências como mulheres. Fala que tal fato pode ser
explicado pela própria condição feminina na sociedade, que atribui à mulher um valor
inferior ao do homem. (QUEIROZ, 1996). Segundo a autora (p.39):
A função reprodutiva é, ainda hoje, a referência para a educação das crianças.
Por isso, o universo feminino é compreendido de forma limitada, consagrando
a mulher como mãe, esposa e dona de casa. Beauvoir (1980) destaca inclusive,
que ‘não se nasce mulher, torna-se mulher’. O masculino e o feminino são
criações culturais e, como tal, são comportamentos apreendidos através do
processo de socialização, que condiciona diferentes sexos para cumprirem
funções sociais específicas e diversas.
132
Este sentimento de vazio de saber tornou-se transparente na representação de
Horas:
Eu não sabia nada, parecia uma tola. E olha que não era a primeira vez que
eu tava dando de mamar. Mas a enfermeira veio e colocou ele certinho no
meu colo e teve que me lembrar um monte de coisa.... (Horas).
O enfoque biológico e descontextualizado das ações de educação em saúde para
a amamentação configurou a representação das participantes sobre as informações
recebidas durante os atendimentos de pré-natal. Uma abordagem que ainda
desconsiderou a existência de dificuldades e, conseqüentemente, privou-as de prevení-
las ou enfrentá-las na vivência do ato. Por isso concordo com Ávila (1998, p.178) ao
mencionar que “É preciso que a mulher, em nossa sociedade, tenha ‘peito’ para
prosseguir amamentando ou dar continuidade ao aleitamento”. É preciso descobrir que
atrás de um par de mamas, existe uma pessoa, uma mulher, uma mulher e mãe, uma
mulher, mãe e nutriz.
Porém, não é apenas na gestação que a mulher precisa de orientação e apoio
para amamentar. O puerpério configura-se como um período de muitas exigências e de
conturbados sentimentos. Carraro (1999) menciona que o puerpério é um período de
restauração, de mudanças, de encontros, interações e trocas. Ele traz uma grande
bagagem cultural que, muitas vezes, vai de encontro ao conhecimento científico, mas
que precisa ser respeitado pelos profissionais de saúde para que o cuidado seja efetivo.
Enfatiza que:
A enfermagem, enquanto profissão integrante da equipe multiprofissional que
atua junto à mulher no tempo do puerpério, deve estar preparada com toda a
ciência e arte pertinentes a esta profissão, apoiada em conhecimentos amplos
também de outras áreas e sabendo identificar os riscos que a mulher está
exposta. (CARRARO, 1999, p. 58).
133
Athemis, mulher com nível de instrução superior e mostrando consciência em
relação ao processo, representou em sua fala esta visão reducionista que circunda os
profissionais que atuam junto às mulheres na gestação e na amamentação:
Eu dou de mamar para os meus filhos porque sei o quanto é importante para
nós dois, porque o que eles me falaram eu já sabia. Fica só na coisa do é bom,
é bom para vocês dois e não sai muito disso. Mas eu sei que tem muito mais
coisas por trás, senão, todo mundo dava de mamar, não é L.? (Arthemis).
Ávila (1998) cita que o profissional que deseja trabalhar com mulheres na
eminência ou vivência da amamentação, deve, em primeiro lugar, respeitar o direito de
escolha da mulher e tentar conhecer os verdadeiros obstáculos que a impediram de
prosseguir. Tentar impor a sua vontade e crença, só a fará sentir-se culpada,
diminuindo a sua reflexão a respeito do assunto e a possibilidade de mudar de posição
com relação ao assunto.
Nenhuma mulher deve amamentar obrigada, mas quem deseja fazê-lo tem o
direito de receber a informação adequada e a ajuda que necessita, porque o tema é fato
de relevância num país em desenvolvimento como o Brasil, onde a desnutrição é a
causa principal da alta taxa de morbimortalidade infantil.
Há necessidade de que o cuidado expresso pela educação para o processo de
amamentação seja contínuo e que considere a mulher dentro do seu contexto de vida,
permitindo-lhe expressar-se com liberdade transpareceu na representação das
participantes. Para exemplificar, transcrevo as palavras de Gaia:
Das duas últimas gravidezes o meu marido foi junto no pré-natal - porque a
gente mora longe do posto e tem muito mato perto... e cada vez a gente
aprendeu um pouco... Agora ele presta atenção pra mim, aqui no posto,
porque eu tenho que cuidar da menina. Porque lá a enfermeira é muito boa –
e o médico também. Sempre tem uma coisinha pra aprender, sempre tem; a
gente nunca sabe tudo! (Gaia).
134
Corroborando esta representação, Ávila (1998) menciona que a amamentação
exige da mulher não apenas querer alimentar o bebê: pede paciência para o
aprendizado, prontidão e disponibilidade da mesma, ressaltando que o desempenho
favorável da mulher nutriz depende do apoio e incentivo do ambiente que a cerca, e,
em grande parte, da qualidade do cuidado que a família amamentadora recebe nos
momentos de dificuldades no desenrolar do processo. Todo o ambiente em torno da
nutriz pode influenciar de forma positiva ou negativa na manutenção do aleitamento
materno.
O desconhecimento da realidade nutriz e do próprio processo de amamentação e
suas implicações e efeitos pluridimensionais tem papel deletério sobre o processo e os
sujeitos envolvidos; por essa razão, é imperativo criar caminhos de comunicação mais
transparentes, mais ágeis, para aproximar profissionais de saúde, nutrizes, famílias e
sociedade. Esses caminhos far-se-ão fora do âmbito da racionalidade linear: não basta
informar e divulgar. É preciso mobilizar, fazer acreditar, envolver, provocar a
participação efetiva, criando condições para uma crítica ancorada em maior
objetividade (que no caso dessa pesquisa, na maioria das vezes, partiu da objetivação
da subjetividade) e, se não for possível, aceitar a negação informada, porque a saúde
em si, não pode se sobrepor a liberdade da pessoa em decidir pelo sim ou pelo não ao
processo.
Sobre uma educação não linear para o processo, que considere os encantos e
desencantos em suas minúcias e o apoio profissional e social para o amamentar-
desmamar, esboçam-se traços para o reconhecimento por parte das novas gerações que
se formam, da grande perda que o abandono desta prática acarretou à humanidade,
apontando, em cada vivência, novos horizontes para se ultrapassar barreiras cotidianas
que se colocam como obstáculos, reais ou imaginários para o resgate da crença no
valor do aleitamento materno. (HAMES, 2001).
Os relatos sempre nos reservam algo de imprevisível e surpreendente,
apontando um tom intimista que desafia o nosso pensar. Isto porque a trama que
engendra a teia do viver não é linear. A história é reconstituída através de episódios
que se desencadeiam no íntimo de seus protagonistas, que transitam pelo espaço e pelo
135
tempo criando um clima, ora de sonhos, ora de pesadelos. A realidade não é dada, é
construída de partes que formam um todo, mas não representam as suas
individualidades. Homens e mulheres, pais e mães, filhos e filhas, avôs e avós num
mesmo contexto, a primeira vista tão igual e, verdadeiramente tão diferentes. Às vezes,
nos basta um olhar, a ocorrência de um fato corriqueiro que acreditamos ser o mesmo
de todos os dias para então percebermos que as histórias são descritas e escritas de
diversas formas, de acordo com as verdades internas e externas que experenciamos ao
longo da vida.
No transcurso da pesquisa o reconhecimento das estratégias de resistência das
mulheres para o desmame de crianças com idade superior a dois anos, foi o dispositivo
que acenou para a possibilidade de associar amamentação com poder feminino e início
do desenvolvimento da sua consciência como nutriz.
Thália, pedagoga, colocou seu inconformismo, sinal dessa resistência, quando,
com veemência, colocou sua posição diante do ensinamento e da conduta que
considerou contraditória com o momento que vivia com o filho:
[...] Porque eu sou assim. Até ouço a opinião dos outros, mas faço o que acho
certo, principalmente quando eu sinto que quem está me atendendo não quer
me ouvir. Desculpe L.! Eu sei que as pessoas não fazem por maldade, mas fica
difícil se todo mundo dizer como você tem que criar seu filho.... e todo mundo
com uma opinião diferente, uma recomendação diferente. Uma vez eu precisei
levá-lo na emergência do hospital. Ele estava com muita asma... Meu Deus...
ele só mamava, não queria mais nada. O médico não tinha paciência e vivia
dizendo para eu tirar ele do peito, para dar a comidinha que vinha, que ele já
tinha 3 anos. Eu fiquei muito confusa, não sabia o que fazer, porque ele comia
outras coisas e eu fazia o acompanhamento no posto. Era só naquela hora que
ele estava com o soro e com medo de tomar injeção que ele não aceitava
outra comida. Acho que ele queria ficar só comigo, aí se agarrou no peito e
não largava. Foi muito triste para mim ver ele sofrendo e ter que negar o
peito. Então eu ia no banheiro e lá eu dava de mamar! (Thália).
Ao trazer à tona as representações maternas das vivências anteriores do
processo de amamentação-desmame, estas mulheres as enfocaram sob o prisma da
educação para o processo, colocando-se hora como vítimas de uma situação fadada ao
sucesso ou ao fracasso, hora como autoras desta mesma história, cheia de contrastes e
136
polaridades, marcada por contradições, configurando uma desordem.
Porém, a representação dessa desordem, traz em seu bojo, a possibilidade de
fazer o amamentar-desmamar de forma mais consciente. Compreendo que uma época
de movimento e de consciência da desordem é, também, uma época de grandes
possibilidades. Neste sentido, o conturbado contexto de transformação do cuidado à
mulher em processo de amamentação-desmame começa a esboçar uma perspectiva
promissora. É como coloca Moscovici (1978), ao mencionar que abrem-se as fissuras
no velho, para que o novo possa se inserir e, neste movimento de entrar e sair, as
representações se modificam e modificam os sujeitos, mostrando a sua dinamicidade.
Portanto, não podemos conceber as RS como mera reprodução do real no plano
subjetivo. Elas são, antes de tudo, uma reorganização significativa, na qual se
estruturam o pensar e o agir da pessoa. Pelas RS não se constróem uniformidades de
posição e pensamentos, mas, como afirmam Bursztyn e Tura (2001), semelhanças e
diversidades, onde a apropriação dos conteúdos veiculados supõe uma gama de
crenças, valores e normas sociais que marcam determinadas culturas e contextos
pessoais simbólicos, que fazem parte de uma totalidade social.
Magalhães e Stoer (2003) ao falarem da necessidade de resgatarmos a diferença
na cultura ocidental, mencionam que precisamos retomar o movimento de olhar no
espelho de nossas próprias faces civilizacionais e, constantemente, nos questionarmos
sobre nossas práticas e saberes. Citam que, uma das provas de nossa insegurança
civilizacional são os modelos de conceptualização e legitimação das diferenças,
construídos ao longo da história, como o etnocêntrico, o da tolerância, o da
generosidade e o relacional.
Athena, consciente das diferenças de aprendizado e apoio que cada mulher
possui na amamentação-desmame, exclama:
Eu tinha uma amiga. Eu já falei dela. Era ela que me ajudava. Ela era
enfermeira. Até acho que foi pela ajuda dela que para mim, amamentar o A.
foi tão bom. Mas eu penso, por exemplo, o meu obstetra nunca sentou para
conversar sobre a amamentação. Só olhou as minhas mamas e disse que tava
tudo certo. Mas eu tinha muita preocupação, porque o meu mamilo não era
saliente e eu achava que ele não ia conseguir pegar. Acho que a gente tem que
ser ouvida, porque eu tinha muitas dúvidas! Graças a Deus e a minha amiga
eu consegui esclarecer tudo. Mas quem não tem, como vai aprender? Numa
palestra que tudo parece que vai dar certo? Cada um tem uma necessidade,
137
cada pessoa é diferente da outra. (Athena).
O esgotamento do modelo promotor e culpabilista do aleitamento materno,
constatado pela estagnação dos índices de amamentação exclusiva nos últimos anos
em nossa sociedade, nos levam a questionar as formas ideológicas de desconstrução e
reconstrução social desta prática, híbrida de valores. (ALMEIDA, 1999). O interesse
mercadológico, a questão do gênero, a aparente incapacidade epistemológica
profissional de responder a alteridade das mulheres nutrizes em seus distintos
contextos de vida ao longo da história, a constatação da descrença no processo, entre
outros fatores, nos impelem à necessária procura do estabelecimento de uma nova
relação profissional para este cuidar-educar, uma relação regida pela ética e pela
responsabilidade.
Trata-se da necessidade de construção de um novo horizonte na prática
profissional que considere a diferença não como uma concorrência ou ameaça, mas
como uma riqueza que, ao ser compartilhada, promoverá um mútuo crescimento. A
diferença que desabona foi expressa por Átropos, manicura, mãe de um garoto de 3
anos:
Acho que eles (os profissionais de saúde) têm que entender. Eles querem que
todo mundo faça o que eles mandam... e olha que mandam! A gente fica na
fila um tempão, pega um número para consulta para ouvir: Por que não tirou
o peito do menino ainda? A gente tinha conversado na última consulta. Todo
mundo consegue... Então porque você não tirou ainda? É a tua liberdade,
mulher! Parece que a gente é burra, é uma incapaz. Mas antes... antes era...
Tem que dar mamar, tem que dar. O que era tão bom agora é ruim? Vai fazer
o meu filho ficar doente? E também, quem disse que eu quero tirar. O meu
filho não está com problema nenhum... Eu trabalho em casa, então não têm
problema. (Átropos).
Para o estabelecimento desta nova relação precisamos respeitar a nutriz como
138
dona de sua vida, ser único, livre, autônomo; precisamos nos despir da supremacia do
saber profissional e, sem manter a mulher na ignorância, deixar aberto o espaço ao
diálogo com sensibilidade e reflexão.
Ísis colocou:
Eu sei que sou mãe e posso amamentar. Isso não precisava ser dito. Mas
muitas dúvidas eu só consegui foi carregar comigo, porque tinha muita gente
buzinando no meu ouvido, todos querendo criar a minha filha... Só porque eu
engravidei mais tarde que o comum, não significa que eu estou despreparada
ou mais preparada que as outras mulheres. Eu sou eu [...] Têm coisas que
podem ser besteira... que eu tenha pensado... mas ninguém pode me julgar por
isso! (Ísis).
A lógica de que desmamar é algo que não merece atenção, porque ocorre
naturalmente, deixa muitas mulheres no abandono da vivência conflitual do processo,
fator extremamente importante na representação que farão do desmame posteriormente
e, cujas interferências podem se estender para a representação da amamentação,
incutindo atributos negativos a uma situação vivida na alegria e no prazer da troca foi
relatado por Demeter e Core:
Eu ia no posto, mas não dizia que estava amamentando. Tinha medo que eles
brigassem comigo. Sofri sozinha, porque pensei que aquilo só acontecia
comigo. Eu não tenho mãe morando perto e nem posso ligar para ela, porque
ela mora muito longe. Então eu fiquei assim, meio abandonada, rezando para
não acontecer nada com o meu filho, porque demorou quase um ano para ele
parar de vez de mamar. (Demeter).
Na idade do “C” (filho), ele já entende. Que nem ela (referindo-se a cunhada)
passa o remédio no peito e ele não pega. Só que de noite ele fica doente e eu
não posso dar. [...] É que ás vezes a gente fica com dó e acaba dando de novo.
Ah, mas, se eu engravidar de novo, eu não vou dar de mamar de novo. Vou
dar mamadeira. (Core).
O entendimento de como o amamentar-desmamar se processa na percepção da
mulher nutriz, única e exclusiva na sua história de vida, é um caminho epistemológico
139
para tornar mais eficiente o agir profissional. (REZENDE, 2002). Este agir
profissional comprometido foi verbalizado por Tênus, 19 anos e um filho de 2 anos e
nove meses:
Lá no posto, os enfermeiros sempre me atenderam bem. Eu não sabia nada...
então tinha que aprender tudo. Só que tinha que prestar atenção e fazer do
jeitinho que elas ensinavam. Porque elas sabem, não é? Elas devem saber
mais que a gente. Teve um grupo de gestantes. Eu entrei e fui em 3 reuniões.
O pessoal da universidade foi um dia lá e falou da amamentação e perguntou
se a gente queria dar de mamar. Foi assim, uma conversa. Eu acho que
perguntei até demais. (Tênus).
Por outro lado, o contrário também transpareceu nas falas das participantes,
como referido por Dríades e Colíope:
Porque, eu fui mãe muito cedo, não sabia nada. Aí na maternidade eles
ajudaram. Mas quando eu cheguei em casa... dava até medo do tamanho dos
peitos. Era muita dor. E só diziam: - tem que esvaziar, se não inflama. Foi por
Deus mesmo, que eu consegui me safar. E para desmamar, eu pensei que ia
ser fácil, mas passei um cortado! Não tinha ninguém para ajudar, não!
(Dríades).
Olha, para desmamar a R. foi um sufoco. Engraçado que todo mundo dizia
que era fácil, que não tinha problema. Eu demorei quase um ano. (Colíope).
Pensando a prática cotidiana, quantas vezes nos vemos diante de situações de
cuidado que, de antemão, já percebemos ineficazes! Mas calamos e abandonamos esta
mulher nutriz ao infortúnio gerado pelo modelo regulador da conduta moral na
situação. Modelo que construímos, enquanto profissionais e nutrizes e do qual nos
tornamos vítimas. Quantas vezes percebemos, estas mulheres, violentadas pelo nosso
cômodo silêncio.
Mas o silêncio da nutriz diante do que é considerado incorreto pelo profissional
incomoda e é uma omissão expressa à pessoa que cuidamos, ferindo os seus direitos e
140
descaracterizando a visão de que esta deve estar integrada e ser participante ativa do
seu próprio cuidado. (SELLI, 1998).
Waldow (1998) cita que o cuidado é um processo, portanto, só pode se dar de
forma interativa entre o cuidador e a pessoa a ser cuidada. A relação de cuidado será
estabelecida se certas condições como a disponibilidade, a receptividade, a
intencionalidade, a confiança, o conhecimento, entre outras, se fizerem presentes.
Desta forma, estar com o ser que será cuidado (para além do corpo físico), permite o
envolvimento deste na relação, facilitando a expressão da consciência, do afeto e da
subjetividade- condição essencial para a expressão da alteridade dos sujeitos
envolvidos.
A despersonalização do ser nutriz, parte de um juízo científico considerado
verdade una, fixa e incapaz de permitir a transparência dos seres na relação de
proximidade. Coloca-se a semelhança e a pertença como a chance de sobreviver
ileso na estrutura desenhada por todos e para todos.
Eu acho que dar de mamar é importante, mas... (olha para mim fixamente,
como a pedir minha aprovação para poder falar) é chato, às vezes, só às
vezes. (Cloto).
Porque quando as duas meninas eram pequenas- e elas só mamaram menos
de um mês- e eu ia no médico, ele perguntava:- só mama, não é? Eu fazia
assim (gesto de aprovação) com a cabeça, mas elas não mamavam mais. O
meu maior medo era o médico pedir para eu colocar elas no peito ou se elas
vomitassem outro leite... que deve ser diferente. Mas eu não tinha coragem de
dizer que não tinha conseguido. Hoje eu acho que falava, mas esse mamou até
quando não quis mais. (Héctate).
Não é mais possível estar e falar num face a face com a mulher nutriz
(in)consciente da condição de submissão que estamos submetidos (e aqui incluo a
cegueira profissional para o modelo normalizador da conduta nutriz). Só que o
necessário rompimento requer, a priori, algo que precede a nossa intencionalidade - o
desejo, a necessidade. Quando começarmos o reconhecimento da mulher que
amamenta e desmama, para além da totalidade nutriz, começaremos a desenvolver
uma prática educativa libertadora e de apoio como expressão maior do cuidado.
141
A análise dos conteúdos que compuseram este subtítulo do estudo expressos nas
falas das mulheres participantes nos fazem pensar na existência de uma aparente
ignoração acadêmica e cuidativa para com o cotidiano de conflito ou de harmonia em
que o desmame se processa. Não é exagero afirmar que essas se encontram “des-
cuidadas” e, por hora, marginalizadas pelo fracasso de um sucesso:- desmamar sem
sofrer, ou melhor, sem fazer o(a) filho(a) sofrer. Disfarçada em responsabilização
feminina, algo para ser resolvido entre mãe e filho(a), no espaço privado do lar, a
barbárie continua. E o que mais assusta, é que os bárbaros residem dentro de nós...
6.3 Quem amamentou o “João”, que o desmame!
Os múltiplos contextos relacionais experenciados no decurso desta pesquisa,
deixaram transparecer as insistentes tentativas de camuflagem social da violência
perpetrada na esfera ''privada'' do amamentar-desmamar, alertando para a existência de
realidades silenciadas e tornadas imperceptíveis pela conivência social com práticas
familiares e sociais coniventes. E é sobre o abandono em que se encontram estas
mulheres, abandono que vem transformando um fato de responsabilidade social numa
prática a ser resolvida a dois: mãe e filho(a), que discutirei neste tema do estudo. Isto
porque a violência instituída pela negação do cuidar-educar para os conflitos
embutidos no desmame, vem de encontro aos próprios atos das mulheres e crianças;
tem ferido seus sentimentos. Muitas nutrizes negam-se a manterem-se aprisionadas em
seus próprios mitos e ousam ir além, buscando novas práticas no seio da sociedade que
habitam e, as constroem, representativamente, na insistência em procurar ajuda
profissional e fazê-los despertar para o vivido e ainda não percebido (ou ignorado)
pelos mesmos.
E esse não é um espaço de certezas, mas de contestação e dúvidas que são
pouco ouvidas e, muito menos, atendidas. Não há um posicionamento epistemológico
que dê sustentação aos argumentos da mulher nutriz em suas crises e conflitos, porque
eles extrapolam o biológico e se inserem onde o profissional e a sociedade não
142
arriscam entrar com medo de comprometer-se: o social e o político. Banaliza-se este
cotidiano para (sobre)viver. Sobre a “terra de ninguém” em que se encontra, Isis
coloca:
Ninguém diz o que fazer; dizem até que é só tirar o peito... só tirar! (face de
descaso). Como se a gente pudesse guardar a
mica’ no armário e passar a
chave! Bem se sabe que elas não amamentaram esse tempo todo. (Isis).
Algumas das representações dessas mulheres, que, para nós, podem ter sido
moldadas não só no período de socialização (tempo vivido), mas também na relação
que estabelecem com a família e os mais próximos, podem ser geradoras de conflitos.
A prática que esperamos delas, enquanto profissionais de saúde, é o sucesso na
amamentação-desmame. E sobre isto devemos repensar nossa prática. Será que só o
sucesso da mulher como nutriz torna nosso cuidar eficaz? As mulheres estão imersas
em um contexto sócio-cultural onde não só o discurso técnico e o senso comum,
reforçam o poder do leite materno para a criança até os dois anos de idade, mas
também constatam o poder desse discurso, ao conviverem com nutrizes competentes
no processo de amamentar-desmamar, cujos filhos não demoram a alcançar o tão
almejado desmame, fator primordial para o reconhecimento social da sua competência
nutriz. As mulheres sabem que o esperado delas, enquanto mães competentes, é o
sucesso na amamentação. Entretanto, sentem que desmamar uma criança que não quer
que isto aconteça, é uma tarefa complexa, a qual dificilmente é discutida com elas sob
essa óptica. Afrodite expressou seu descontentamento pela responsabilidade que
pesava sobre seus ombros, ao referir-se à complexidade do processo e ao descaso
social para o mesmo:
Muita gente pensa que é fácil desmamar, que não tem nada de diferente... Mas
tem! Têm dias que a gente não sabe o que faz, porque a criança chora, o
marido chama, tem um monte de roupa para lavar, tem que fazer a comida... e
nem sempre a criança concorda em não mamar naquela hora. [...]. A gente
fica assim, confusa, porque parece que nada do que a gente faz e o que a
gente pensa tem valor para os outros. Mas a gente não pára o dia inteiro.
(Afrodite).
143
Tamanha é a desvalorização dada ao tema desmame que a realização dessa
pesquisa foi motivo de espanto para algumas participantes. As palavras de Héstia
expressam essa admiração:
Nunca pensei que alguém viesse me perguntar sobre isso (desmame). Parece
mentira. Ah, se a senhora tivesse vindo antes, como tinha sido bom! Porque a
gente precisa de ajuda. Tem gente que ajuda e tem gente que atrapalha... [...].
(Héstia).
O arcabouço ideológico de um processo mascarado como puramente biológico,
nega os conflitos, enaltece a harmonia aparente, camufla as estratégias e condena as
nutrizes e seus filhos a uma solitária busca de alternativas. Este arcabouço de
compreensão unidimensional tem como base um modelo de atenção à saúde
biologicista e promotor de uma consciência ilusória e dominadora e, portanto,
ideológica: - a negação das múltiplas dimensões do todo vivido deste processo natural,
porém sócio- culturalmente determinado.
Sozinha no amamentar e sozinha no desmamar... Esta é a constatação maior
dessa pesquisa. O cuidado, que deveria ser operacionalizado sob a forma de apoio e
educação em saúde, quando aparece, compartimentaliza e reduz as mulheres em
mamas. Desconsidera-se a emotividade, o sofrimento, as necessidades e os desejos dos
envolvidos. E quando se manifesta ambíguo e descompromissado, pode, por vezes, ir
de encontro às crenças e valores envolvidos na situação específica, porque generaliza o
vivido e faz com que as mulheres fechem-se em si mesmas, se reconhecendo
diferentes e incapazes. As palavras de Athena trouxeram a expressão deste
des(cuidado), com os olhos lacrimejando:
Um dia eu estava muito nervosa! Marquei uma consulta com o pediatra, mas
eu acho que era eu quem precisava consultar. Tu olhas a criança e não vê
jeito de tirar de uma vez o peito. E fica todo mundo buzinando no teu ouvido: -
tem que desmamar! Tem que desmamar. O médico disse que não via
problema nenhum, que era assim mesmo; eu tinha que resolver com ele (a
criança). Eu voltei para casa desanimada.[...]. Até hoje eu acho que fiz
alguma coisa errada! (Athena).
144
O grande questionamento que devemos fazer nos fazer, profissionais de saúde e
sociedade, é o seguinte: - Estas mulheres estarão dispostas a repetir a experiência, ou
serão “sutilmente” forçadas a tal, uma vez que, se amamentou “certo”, não tem como
“não amamentar” numa próxima paridade. Realmente, tenho dúvidas. Medusa, 21
anos, coloca bem a questão ao mencionar com ênfase e convicção:
O próximo (filho)... vou dar mamadeira. Assim quando eu quiser parar de
dar, basta guardar. Porque no começo é tudo bom, tudo certo. Depois quem
sofre é a gente. É a gente que tem o peito, é a gente que amamenta. Então
para tirar é com a gente também! Só com a gente! Olha que eu passei
trabalho! (Medusa).
Embora reconheça a existência de uma linha de pensamento que considera esses
conflitos como estimulantes e não como limitadores, porque nós sabemos da sua
importância no desenvolvimento de um pensamento crítico que desafie a tentativa de
padronização e classificação dos comportamentos humanos, nesta e em outras
situações terapêuticas, penso que, sair desta normalidade e arriscar-se no desconhecido
do fenômeno é essencial para o estabelecimento e manutenção de relações
interpessoais, que independa de níveis de saber. Nestes espaços serão produzidas
linguagens diferenciadas de poder e de responsabilidade social.
Penso, como mencionam Santos, Novelino e Nascimento (2001) que estamos
nos distanciando dos momentos sociais em que rígidas barreiras limitavam os papéis
femininos aos espaços privados. Acredito, como salientam, que, aos poucos, a
realidade sócio-político-afetiva da mulher vem adquirindo novos alcances,
modificando valores, códigos afetivos e representações que orientam suas experiências
sobre o que vivem. Este novo horizonte que se desenha é, ainda, afetado por uma rede
ancorada em circunstâncias históricas anteriores. Esta rede, conforme as autoras, passa
pela concepção da naturalidade da maternidade e, consequentemente, da
amamentação, enquanto fenômeno biológico, restrito à esfera feminina e
individualizado, ou seja, sem necessidade de comprometimento social para a solução
das dificuldades que se apresentam e sem necessidade de maiores estudos para a sua
145
compreensão.
Por outro lado, as atitudes maternas, bem como o papel de mulher mãe, tem se
modificado no decorrer de nossa história, o que pode nos levar a pensar a maternidade
e seus desdobramentos como um comportamento social que se ajusta a um
determinado contexto sócio-histórico. (BADINTER, 1985). É o que Motta (2001)
afirma que o ideal da boa mãe, embora tenha sofrido algumas modificações nas
últimas décadas, sempre foi eficaz para os costumes familiares e a distribuição de
papéis. Se a anatomia e fisiologia feminina lhe permite o direito de reproduzir, é,
então, ela a melhor pessoa para maternar. Isso coloca a mulher numa posição difícil,
uma vez que os avanços lhe garantiram alguns direitos, mas mantiveram, com raras
exceções, os mesmos ditames oficiais sobre o comportamento materno idealizado, que
vigora há mais de um século.
Mais do que criticar a perspectiva ideológica da sociedade, precisamos nos
lançar nos espaços já conhecidos, lavar os olhos e tentar ver o já compreendido sob
uma nova perspectiva. Mesmo sabendo que a construção social do conhecimento sobre
o amamentar-desmamar tem sido feito da mesma forma há séculos, ou seja,
ideologicamente, o ser humano representa o mundo a partir do que ele seleciona para
entrar em seu campo perceptivo- e aí reside a esperança de um viver diferente, onde as
pessoas possam individualizar o coletivo e coletivizar o individual. Ênnias expressou
essa possibilidade.
Hoje eu penso assim:- quem amamenta sou eu. Eu sei pouco sobre isso (aleitamento
materno), mas sei como é importante para a criança. Então não adianta vir
com aquela questão, agora é hora disso, amamenta, pára de amamentar e
tudo mais! Eu vou ouvir, mas vou fazer o que eu quiser ou o que eu puder.
Vamos supor que eu tenha outro filho e agora eu vou começar a trabalhar e
não vou poder sair toda hora para amamentar, então eu não vou trabalhar? E
aí como ficam as minhas contas? A gente tem que pensar em tudo. Antes era
só eu, mas agora tem ela. Não dá para ficar esperando cair dinheiro de céu.
Aqui é todo mundo igual. Ninguém tem comida sobrando para dar para os
outros! (Ennias).
Em tempos remotos o script da mulher limitava-se ao desempenho dos papéis
146
de esposa, mãe e dona de casa, sem que a mesma desenvolvesse consciência do que
isto representava. Com os avanços femininos ela passou a agregar novos valores e
afazeres ao seu cotidiano, multifacetando seus papéis. Contudo, a ampliação desse
script está condicionada ao “ser” (Grifo da autora) que a mulher é. Ainda há aquelas
que desconhecem esses avanços e acabam reproduzindo a maneira de viver de suas
antepassadas, enquanto outras empenham-se em ampliar esse script, dia após dia.
(CARRARO, 1999). A autora faz uma diferenciação entre o trabalho doméstico e a
prática social doméstica. Coloca que o primeiro apresenta-se mascarado por uma
invisibilidade por ser inerente a vida familiar e sobrecarrega a mulher, não respeitando
suas necessidades ergonômicas, fisiológicas e psicológicas. Por sua vez, a prática
social doméstica, amplia o script feminino, acrescentando, além do trabalho
doméstico, o cuidado as crianças e ao homem. Quando assume os papéis de mãe e
educadora, a mulher torna-se uma articuladora doméstica. Esses papéis podem surgir
naturalmente ou não. Quando a natureza se encarrega do processo, a intuição e a
percepção feminina não são suficientes para intrumentalizá-la e a mulher lança mão de
alguns recursos empíricos que tem acesso, como as recomendações passadas de “mãe
para filha” (Grifo da autora) ou a procura do diálogo com pessoas mais experientes.
Quando esse processo acontece de forma mais consciente, a mulher se
instrumentabiliza através de fontes como leituras, videos e profissionais.
Ao agir no cotidiano, seu atributo de articuladora da família funde-se com o
trabalho doméstico, com a vida, podendo ainda, invadir outras esferas
temporais, em conseqüência do que não lhe “sobra tempo” para o lazer e o
descanso. Muitas de suas atividades o centralizadas e inadiáveis, enquanto
outras são indelegáveis. Por fundir-se e confundir-se com o trabalho
doméstico, a ação da mulher enquanto articuladora de sua família torna-se
invisível, juntamente com este. Essa invisibilidade social custa caro à mulher,
por fazê-la sentir-se desvalorizada em sua mais pesada carga de trabalho, além
de consumir boa parte de sua vida. Todavia, o mesmo atributo se reveste de
um poder, também invisível, que na maioria das vezes, nem mesmo a mulher
percebe. É ela quem propicia e conduz a interiorização dos papéis sociais: das
normas, dos hábitos e até mesmo da sexualidade nos membros da família. Mas
nem sempre ela tem consciência do seu poder, tanto que muitas vezes, ela na
transmissão cotidiana da ideologia e da sexualidade, acaba perpetuando sua
própria desvalorização e opressão. (CARRARO, 1999, p. 25-26).
147
Chego ao final desta etapa do estudo apontando que, na maioria das vezes, as
representações sociais do processo de amamentar, são divulgadas pelos diferentes
meios de comunicação e, conseqüentemente, absorvidas, sem uma reflexão mais
crítica no que concerne aos fundamentos reais, concretos, históricos, científicos e
teóricos que as embasam. E o desmamar sequer é mencionado. A mulher nutriz
absorve essas representações ideologizadas sem fazer uma reflexão crítica a respeito
das mesmas, tomando-as como certas e imutáveis. Naturaliza o saber que, por vezes,
entra em contradição com as condições psicológicas, sociais e/ou históricas que possui
para viver este processo, na sua efetividade pelo sim ou pelo não. Em ambos os casos,
o conflito será iminente, uma vez que ela não foi capaz de desenvolver uma
consciência
7
própria e crítica do que foi apresentado como verdade. Contudo, para que
ela alcance essa reflexão crítica a respeito do que é para si amamentar-desmamar, é
preciso que se efetue um sólido e consistente trabalho no sentido do desenvolvimento
da consciência. Franco (2004) cita que a atividade humana é o suporte orientador da
formação da consciência e não se esgota no fazer por fazer, mas, encaminha a pessoa a
se reconhecer em seu processo.
7
A palavra consciência deve ser compreendida para além da visão do estar ciente de”, mas como iia
construída a partir da própria vida das pessoas e das condições de sua existência. Isso significa que devemos
conhecer como se formam as relações vitais das pessoas em determinadas condições sociais e históricas (no caso
chamo a atenção para o processo de amamentação-desmame) e que estrutura particular engendra tais relações.
(ABAGNANO, 1998; FRANCO, 2004)
E dep
o
i
s da memória vem o temp
o
trazer novo sentimento de memórias,
até que, fatigado, te recusas
e não saibas se a vida é ou foi.
Carlos Drumond de Andrade (2003
)
Imagem
9
7 DE TUDO FICOU O AMOR ... DA MÃE PELO FILHO(A)... DO
FILHO(A) PELA MÃE
Entre os elementos essenciais na construção do conhecimento tendo como base
as representações sociais, encontramos a objetividade e a subjetividade, caminhos
diferentes que se unem e, por onde, necessariamente, precisamos passar para alcançar
o conhecimento de significados sobre um determinado fenômeno, cuja face, a primeira
vista, nos parece sempre a mesma, neste caso, as representações maternas do processo
de desmame de crianças maiores de dois anos na perspectiva materna.
Sabemos que ao longo da história em diferentes espaços, o ato de amamentar-
desmamar revelou diferentes significados decorrentes da junção de um polo biológico
e de um cultural, que podem se apresentar juntos ou separados. (ALMEIDA, 1997).
Isto originou uma série de significações, que vão do necessário ao prazeroso e do certo
ao errado, dicotomisando as relações num cotidiano polêmico que extrapola os limites
de compreensão e intervenção da academia e se insere em todos os nexos da sociedade
a fim. Desta forma, no confuso cotidiano, o amamentar-desmamar surge permeado por
um julgamento moral, ora generalizado, ora individualizado, exibindo a teatralidade, a
astúcia, o trágico de seus elementos para além do binômio alienação x liberação, mas
como conseqüência de condicionantes sociais, políticos, econômicos e culturais.
Pokldek (2002) salienta que a atitude de olhar e compreender a pessoa através
de seu inacabamento, é condição primordial para vivermos a experiência da
perplexidade, a admiração de conhecer o desenvolvimento do ser, que se dá a partir do
momento em que, como cuidadora, me envolvo com o que se mostra na sua própria
historicidade, denunciada e declarada na expressão da sua corporeidade.
Continuando nessa reflexão, percebo que o necessário progresso científico que
nos garante a sobrevida biológica diante das situações mais críticas, pode, em
determinadas situações, retirar-nos o que nos diferencia enquanto humanidade: - a
150
condição de sapiens sapiens, ou seja, de seres que sabem e sabem que sabem (CHAUÍ,
2000), destituindo-nos da individualidade e do subjetivismo.
Enquanto profissional da saúde e pessoa acredito que viver somente sob o
prisma da racionalidade sistêmica contemporânea é correr o risco de desconstruir
nossa identidade e, conseqüentemente, daqueles que cuidamos. Na relação de cuidado
há necessidade de mais- todos sabemos.
Apesar dos esforços no sentido do desenvolvimento de uma ação profissional
efetivamente comprometida no que se refere à mulher em processo de amamentação-
desmame nas duas últimas décadas, ainda percebemos a existência de uma suposta
verdade absoluta para a questão - único risco a ser percorrido pela diversidade de vidas
que o vivenciam. Esta verdade comporta uma harmonia permanente e um
conhecimento implícito da maternidade como algo inerente à condição feminina: dois
mitos construídos socialmente. O reducionismo científico desta unicidade acaba,
arbitrariamente, aprisionando a mulher em sua própria história, condicionando-lhe o
pensamento e a certeza da imutabilidade da sua condição de nutriz e de pessoa,
removendo-lhe o caráter subjetivo, desconsiderando a sua concretude histórico-sócio-
política, eternamente inconclusa. Sobre esta arbitrariedade, manifesto o meu
inconformismo. Fico perplexa diante da constatação da inabilidade em
compreendermos que a pluralidade destas mulheres é que determinará as suas
singularidades. Afinal, já é hora de perceber que o social, enquanto totalidade, produz
fenômenos psicossociais que possuem uma lógica diferente da lógica individual,
porque existe uma relação fundamental entre o geral e suas partes, entre o particular e
o universal, entre a unidade e a totalidade. (MOSCOVICI, 1984).
Para o desenvolvimento de uma práxis libertadora que permita a expressão da
concretude sócio-histórica em que se desenha o amamentar-desmamar em sua
singularidade e pluralidade através de vozes femininas, precisamos deixar de lado a
totalidade englobante que nos impede de ouvi-las e vê-las, sufocada numa cultura em
que o Nós é visto como o Eu, modelo de uma práxis dominadora e excludente.
Precisamos abandonar certos princípios morais, impetrando em seu lócus, uma
consciência ética. Somos responsáveis pelo que construímos. Precisamos permitir a
151
transparência dos rostos que se colocam diante de nós enquanto alternativa de
construção de um novo modelo de atenção à saúde cuja prática se dê numa relação de
horizontalidade e onde ambos, cuidador e ser cuidado, precisam desistir de algo para
que o cuidado ético se estabeleça. Se, por um lado, a mulher nutriz precisa despir-se da
sua posição de mera receptora de cuidado e fazer valer a sua autonomia, como já
esboça fazer, por outro, o profissional de saúde precisa despir-se da sua condição de
autoridade suprema (mesmo que mascarada na forma do princípio da beneficência).
E se compreendêssemos este preceito, veríamos, como cita Melo (1987), que
embora as pessoas apresentem necessidades comuns, estas se expressam de diferentes
maneiras, segundo características do próprio indivíduo, do grupo e da comunidade a
que pertencem. Desta forma, o processo educativo em saúde deve passar,
necessariamente, pela discussão e definição dos objetivos da população e de como ela
acredita que possam ser resolvidos.
Collet, Scheneider e Corrêa (2000) ao abordarem os avanços e desafios da
pesquisa em enfermagem, corroboram tal constatação salientando que o sentido maior
de uma pesquisa deve estar voltado para qualificar o cuidado em suas diversas
dimensões.
De fato, a partir do instante em que nos conscientizamos da necessidade de
mudar nosso cuidado, o tempo passa a ser nosso aliado, carregando de possibilidades e
de esperança nossas expectativas pessoais e profissionais e nos impulsionando para
novas atuações, menciona Carvalho (2003).
Sabemos ainda, que a enfermagem faz a sua história em cada momento de
concretização de um cuidado eficaz e, portanto, comprometido com as reais
necessidades das pessoas que cuida em seu cotidiano. Ficou claro, após a apresentação
e discussão dos dados referentes à vivência materna do processo de amamentação-
desmame de crianças maiores de dois anos, o (des)cuido em que essas se encontram e
a falta de apoio social, profissional e familiar para a superação das dificuldade
enfrentadas pelas mesmas, bem como a urgência em se re-definir esse cuidar, quer seja
através da educação em saúde para o processo, quer seja, na existência de um sistema
profissional e social de apoio à mulher nutriz.
152
Mas, o exercício diário do ser enfermeira ultrapassa, em muito, a competência
técnica do cuidado corporal, independente da área de atuação que estejamos
envolvidas. Especificamente sobre a problemática amamentar-desmamar crianças com
idade superior a 2 anos em uma comunidade carente de toda natureza, precisamos
considerar que o processo é multidimensional e começa numa questão anterior...
Questão que envolve uma concretude que pouco conhecemos. Acredito que a
compreensão da necessidade deste aprofundamento e, o agir no sentido deste devir,
nos conduzirá à descoberta da dimensão esquecida do cuidado objetivado e alienado, a
subjetividade, o eu escondido.
Contudo, reconheço que as mudanças se processam morosamente. Como
exemplo, saliento uma análise descritiva das produções científicas da pós-graduação
em enfermagem sobre o tema amamentação desenvolvido por Sydronio, Souza e
Almeida (2006). Os autores apontaram que desde a década de 70, o tema
amamentação vem sendo objeto de estudo para a profissão, contribuindo nas mudanças
do modo de cuidar no processo. Mencionam que este caminho iniciou com estudos
cujo foco centrava-se na dimensão biológica e avançaram até o social, trazendo para o
centro da discussão, não apenas as necessidades do lactente, mas também as
experiências, expectativas e necessidades da mulher nutriz,, considerando a sua
subjetividade e contribuindo para a transformação do modelo biologicista hegemônico
de cuidar, no processo vigente até a década de 80. Colocam que alguns estudiosos
como Arantes (1991), Campestrini (1988) e Souza (2000) foram pioneiros na busca da
compreensão a respeito da experiência da mulher em amamentar, o que favoreceu a
construção de saberes e práticas com capacidade de promover as transformações
sociais necessárias para favorecer o aumento dos índices de amamentação em nosso
meio.
Por outro lado, Liesenfeld e Meyer (2003), ao analisarem os programas de
incentivo ao aleitamento materno no Rio Grande do Sul e no Brasil, tomando como
referências as políticas concebidas e executadas no Brasil desde a década de 90,
apontam para a perspectiva crítica de que a amamentação, da forma como vem sendo
definida e colocada para a sociedade e, particularmente, para a mulher, mãe e nutriz,
153
permanece contestada, negada e impossibilitada perante a nossa cultura, uma vez que
engendra uma rede de politização da maternidade (grifo nosso). Mencionam que esta
rede, que denominam teia discursiva, engendra poderes que instituem e atravessam os
programas supra-citados, reforçando a representação de corpo e identidade da mulher e
mãe. Desta forma, procuram reduzir no âmbito do feminino e da maternidade, uma
série de problemas que a sociedade globalizada e excludente não consegue resolver
como a fome, a mortalidade infantil, a violência contra a criança, além de tantos
outros.
Infelizmente, a evolução da amamentação não acompanhou o progresso
mundial, uma vez que a desinformação vem pesando significativamente nesta
estagnação e o entusiasmo de grande parte dos profissionais pelo tema é tímido e
limitado. Corroborando tal constatação, o enfoque dado ao assunto nos currículos
escolares, prejudica os acadêmicos quando relegam sua importância social e inibem a
mudança de comportamento com relação ao assunto. A partir de então, o profissional
formado passará a acreditar que não é vantajoso discutir o assunto “desinteressante”
com a clientela, perpetuando o modelo de descrença no processo.
Segundo Nakano e Mamede (2004) a amamentação e, com ela, o desmame,
como prática cobrada socialmente e pouco valorizada pela academia, impõe à mulher
responsabilidades na determinação presente e futura das condições de bem estar físico
e emocional da criança e não lhe dá opção de decidir sob livre arbítrio. Se ela
contrariar as normas sociais pré-determinadas, começará a conviver com as
ambigüidades decorrentes de forças conflitivas. Isso porque, as mulheres de hoje,
sobrevivem acumulando papéis têm suas representações negligenciadas e são caladas
antes mesmo de falar, principalmente quando o assunto for algo considerado inerente a
sua função feminina, como se configura a amamentação e o desmame, fazendo-as
sentirem-se excluídas, acreditando numa diferença pessoal de atitude e pensamento.
Sei que como pesquisadora e pessoa humana é quase impossível ter me eximido
de algum viés ideológico no decorrer do desenvolvimento desse estudo, mas prefiro
crer, como enfatizam Lutz e Dalmolin (2003), que um dos caminhos para fugir do
mesmo é o envolver-me, como fiz, numa perspectiva de múltiplos olhares... olhares
154
sobre a vida, o cotidiano, o particular e o coletivo. Desta forma, acredito ter
oportunizado o dinamismo da mulher nutriz, pela significação do seu próprio saber-
fazer no processo de amamentar-desmamar crianças com idade superior a dois anos, a
partir de suas necessidades de ser natural e social, simultaneamente.
Gostaria de expressar a minha satisfação quando da conclusão dessa pesquisa e
salientar minha euforia com efetivação da etapa de coleta, registro e validação dos
dados destas 32 participantes, uma vez que possuía grande preocupação com a questão
numérica, exigida pelo referencial teórico norteador da pesquisa. Acreditava que o
tempo e o volume de informações pudessem prejudicar o andamento das ações
planejadas rumo a defesa do estudo, bem como a sua qualidade. Ao contrário do que
pensei, o volume se fez necessário e não foi em vão que 32 transcrições de entrevistas
foram feitas, pois sei que possuo material para analisar muito mais que o processo de
amamentar-desmamar criança com idade superior a dois anos. Sinto-me satisfeita e
realizada, uma vez que consegui, não sem esforço, mas com garra e prazer, superar o
que parecia um grande empecilho, transformando-o em força para fazer melhor e
sempre. Cada caminho de ida e volta de uma entrevista ou de uma validação dos
relatos da mesma foram marcantes, promissores e me fizeram pensar, com
profundidade, cada forma de viver este processo, mesmo sabendo da sua parcialidade
enquanto processo unilateral de questionamentos.
A condição de abandono da mulher nutriz retratada nas inúmeras variáveis que
configuraram a descrição das significações do desmame nesse estudo, para além de
uma discussão legal, pede uma atitude imediata por parte do setor saúde, da sociedade
e órgãos afim, para a efetividade digna deste viver em sua pluridimensionalidade,
(des)velando modelos cuidativos, éticos, sociais, econômicos e políticos. Afinal, re-
significar o cuidar no contexto desigual da saúde dos nossos dias, requer uma apurada
revisão dos preceitos humanísticos que constituem este agir, no sentido de possibilitar
aos envolvidos (cuidador- pessoas cuidadas), o desenvolvimento de uma consciência
crítica numa práxis libertadora- o estabelecimento de uma relação dialógica onde
ambos se contemplam e são contemplados.
Percebo que precisamos clarear, tanto para os profissionais da saúde quanto
155
para a mulher e a sociedade, a compreensão epistemológica entre o que se coloca
como verdade e aquilo que, neste momento histórico, se desconsidera quando se fala
em desmamar uma criança, pois a historicidade desse processo comporta elementos
heterogêneos não presentes na constituição do discurso científico contemporâneo. A
generalização já não mais responde às expectativas das mulheres e, do senso comum,
começa a emergir na sociedade brasileira (muito recentemente) e na mundial, uma
inquietude frente ao conformismo dado ao tema e a sua generalização.
Afinal, a resistência das mulheres em atender as determinações relativas ao
tempo de amamentação de seus filhos, bem como a expressão de sua indignação diante
do des(cuido) em que se encontram e no desrespeito ao seu pensar e viver o processo
nos diz claramente que “é melhor correr o risco da miséria a ser enclausurado no
conforto imobilista das soluções totais.” (SILVA, 1990, p. 265).
E de todas as representações maternas do processo de amamentar-desmamar
crianças com idade superior a dois anos, expressadas em suas narrativas ambivalentes,
contraditórias e/ou harmônicas, estas mulheres deixaram transparecer que, de tudo...
Tudo o que foi vivido, sentido, compreendido, esquecido, ficou apenas o amor... O seu
amor pela criança amamentada e a amor desta criança, pela mãe nutriz.
Ima
g
em 1
4
Citar é continuar uma carreira do passado e dar
contexto ao presente; citar é refletir sobre o que
foi dito e foi feito antes, pois se não o fizermos,
falamos no vácuo, onde a voz humana não faz
som.
Alberto Manguel (2005
)
Imagem 1
0
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<http://www.aleitamento.org.br/arquivos/toddler1.htm>. Acesso em 12/06/2006.
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VACHOD, Luiza, SANTOS, Rosângela S. Montando o quebra-cabeça das
representações Sociais: um estudo com gestantes de risco. Revista Enfermagem.
UERJ, ed. Extra – out. 1996.
VAN DER SAND, I.C.P. O bem estar da criança sempre em primeiro lugar: o
processo da alimentação do lactente sob a ótica das mulheres mães de Ijuí/RS. 1999.
Dissertação. (Escola de Enfermagem da USP)- Universidade de São Paulo, 1999.
VIEIRA, Graciete Oliveira; ALMEIDA, João Aprígio Guerra de; SILVA, Luciana
Rodrigues; CABRAL, Vilma Alves; NETTO, Pedro Santana. Fatores associados ao
aleitamento materno e desmame em Feira de Santana, Bahia. Rev. Bra. Saúde
Matern. Infant., Recife, v. 4, n. 2, abr./jun. 2004. p. 143-150.
VICTORA, C.G. et al. Is prolonged breastfeeding associed with malnutrition? Am J
Clin Nutr, Lancet, n. 39, 1984. p. 307-14.
WABA. Amamentação – responsabilidade de todos. 1996. Disponível em:
http://aleitamento.org.br/folder96.htm. Acesso em set. 2003.
WALDOW, Vera Regina. Cogitando sobre o cuidado humano. Revista Cogitare
Enfermagem, Curitiba, v.3, n. 2, jul.dez. 1998. p. 7-10.
WHITEHEAD, R. G. The human weaning process. Pediatr, n. 75, 1985. p. 189-93.
WORLD HEALTH ORGANIZATION. Baby-Friendly Hospital Initiative. 2004.
Disponível em <http://www.who.dk/WHO-Euro/about/babies.htm
<http://www.who.dk/WHO>. Acesso 11 set. 2004.
APÊNDICES
APÊNDICE 1
INSTRUMENTO PARA DETERMINAÇÃO DAS PARTICIPANTES DA PESQUISA
PESUDÔNIMO/NOME
I
EC
E
Ocupação NV NM
Bairro TP S R P Temp. Am.
LEGENDA:
I= idade materna
EC= estado civil
E= escolaridade materna
NV= nascidos vivos
NM=nascidos mortos
TP= tipo de parto
S= sexo de RN
R= raça
P= peso do RN
Temp. Amament.= tempo de amamentação
APÊNDICE 2
TERMO DE CONSETIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Projeto de Pesquisa:
Amarras da liberdade: representações maternas do processo de
amamentação-desmame de crianças com idade superior a dois anos
Explanação do problema- Nos últimos 30 anos, dado ao grande número de mortes
em crianças, principalmente em menores de 1 ano de idade nos países pobres, a
sociedade, autoridades e organizações governamentais e não-governamentais vêm
trabalhando no sentido de resgatar a prática da amamentação exclusiva até o 6º
mês de vida, pois inúmeros estudos apontam para a eficácia deste ato para a
redução do ciclo desnutrição-doença-morte. Apesar de sabermos que o leite
materno tem muitas qualidades nutricionais, imunológicas e afetivas e trazer
inúmeros benefícios para a mãe e a criança, ainda são muitas as mulheres que,
mesmo iniciam e encerrram o processo de amamentação de forma conflitual.
Acreditamos que isto ocorra por falta de apoio e educação adequada à esta
mulher/família que traz consigo toda uma gama de valores e crenças , muitas vezes
desconsideradas no processo educativo para o amamentar/desmamar. Se por um
lado, a falta ou inadequação de respostas às estas dúvidas e conflitos levam muitas
mulheres/famílias a manifestarem o desejo de não querer ou não poder amamentar
seu(ua) filho(a), por outro lado, o pensamento dominante sobre o valor nutritivo,
imunológico e afetivo do leite humano para a criança, faz com que muitos
profissionais e até mesmo pessoas da família e sociedade ignorem as mulheres que
vivenciam este processo, considerando apenas o seu aspecto biológico,
desconsiderando os condicionantes sócio-econômico-culturais que o permeiam,
impedindo que estas expressem seus verdadeiros sentimentos em relação ao que
estão vivendo. Compreendendo que o amamentar/desmamar nos dias atuais, nem
sempre se processa harmonicamente, buscamos, através desta pesquisa, algumas
respostas que possam nos ajudar no direcionamento de uma assistência de melhor
qualidade e mais próxima da realidade de quem vivencia este processo- a
mulher/família no contexto social. Você é nossa convidada a participar desta
proposta e ajudar-nos a encontrar algumas respostas.
Objetivo da proposta- Conhecer e compreender os significados do processo de
amamentação-desmame de crianças com idade superior a dois anos na sua
perspectiva.
Procedimentos- Se você aceitar participar desta proposta de pesquisa,
conversaremos a respeito da amamentação na sua história de vida e na história de
sua família (como você viveu esta experiência em gestações anteriores e a vive no
momento, quais foram ou são as dificuldades e facilidades que fizeram ou a fazem
manter ou não esta prática, o que você sentiu e sente ao amamentar-desmamar.
Cabe mencionar que o seu desejo de permanecer ou deixar de participar da
171
pesquisa será respeitado. Todas as informações que decorram dos nossos
encontros serão estritamente confidenciais e você não precisará responder a
nenhuma pergunta que não deseje. Para que o processo se desenvolva desta
forma, acredito que precisaremos nos encontrar no mínimo, duas vezes, em local
que combinaremos e for mais adequado a sua realidade.
Risco e/ou desconfortos previsíveis- A participação nesta pesquisa não está
associada a nenhum risco para a sua saúde e/ou de sua criança. No entanto você
precisará dispor de algum tempo para os encontros e conversa com a pesquisadora.
Benefícios para os participantes- Ao participar desta pesquisa você estará
ajudando a obter informações que serão importantes para a melhoria da qualidade
de assistência prestada a mãe-nutriz que amamenta sua criança por períodos longos
e, necessariamente, um dia precisará desmamar.
Confiabilidade- Todas as informações que você fornecer durante os encontros
serão estritamente confidenciais. Você não será identificada em nenhuma
apresentação dos resultados desta pesquisa. Antes de assinar este documento,
você deve esclarecer com a pesquisadora qualquer dúvida que você tenha em
relação a proposta.
Conseqüências da decisão de não participar ou abandonar a proposta: A sua
participação nesta proposta é voluntária. Você poderá ainda, desistir de participar da
proposta em qualquer momento do desenvolvimento da mesma, se for de seu
desejo.
Esclarecimento de dúvidas- Se você desejar conversar com alguém sobre esta
proposta por achar que não foi tratada adequadamente, por se sentir prejudicada por
estar participando da mesma, poderá contatar a professora responsável pela
orientação da pesquisadora:
¾ Drª Telma Elisa Carraro - Fone: (0XX) 48 3234 7499
Eu, .............................................................................................................................................................,
de acordo com as termos descritos neste documento e esclarecimentos feitos pela
enfermeira/pesquisadora , aceito participar desta proposta.
Assinatura da mulher nutriz
Pesquisadora: Maria de Lourdes Campos Hames
Fone: (0XX) 48 3257 6307/ 8411 6981
APÊNDICE 3
ROTEIRO DE ENTREVISTA INDIVIDUAL SEMI-ESTRUTURADA PARA COLETA
DOS DADOS
1- Dados para caracterização das participantes da pesquisa
Dados de identificação da mulher nutriz
Nome: Pseudônimo:
Raça: Profissão: Idade:
Estado Civil: Fone:
Endereço
Rua:
Bairro:
Complemento: CEP:
Informações ginecológicas e obstétricas da mulher nutriz
Gesta Para Aborto Tipo de parto:
Dados de identificação dos filhos
N° de filhos amamentados:
Tempo de amamentação:
Idade do desmame:
Tempo para o desmame:
Tipo de parto:
Sexo da criança:
Renda familiar:
que 1 S.M.R.
De 1 a 3 SMR De 4 a 7 SMR
de 8 SMR
SALÁRIO MÍNIMO REGIONAL
2 QUESTÕES NORTEADORAS
¾ Como aconteceu o processo de amamentação-desmame de seu filho com idade
superior a dois anos?
¾ Que significados esta vivência representou para você?
ANEXOS
ANEXO 1
TERMO DE ACEITE DA PREFEITURA MUNICIPAL DE BIGUAÇU
175
ANEXO 2
PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA DA UFSC
177
Livros Grátis
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