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Universidade Federal da Bahia
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
LUIZ PAULO JESUS DE OLIVEIRA
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o caso dos trabalhadores de rua na cidade de Salvador.
Salvador (BA)
2005
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ii
LUIZ PAULO JESUS DE OLIVEIRA
A
CONDIÇÃO
“PROVISÓRIA-PERMANENTE”
DOS
TRABALHADORES
INFORMAIS:
o caso dos trabalhadores de rua na cidade de Salvador.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais, Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da
Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre em Ciências Sociais.
Orientadora: Profa. Dra. Maria da Graça Druck de Faria.
Salvador (BA)
2005
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Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca do CRH
O48 Oliveira, Luiz Paulo Jesus de,
A condição “provisória – permanente” dos trabalhadores informais: o
caso dos trabalhadores de rua na cidade de Salvador / Luiz Paulo Jesus de
Oliveira. – Salvador, 2005.
236p
Dissertação (Mestrado ) - Universidade Federal da Bahia.
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2005.
Orientadora: Profa. Dra. Maria da Graça Druck de Faria.
1. Trabalho. 2. Mercado de Trabalho – Salvador, Região Metropolitana
de (BA). 3. Setor informal (economia) - Salvador, Região Metropolitana
de (BA). I. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas.
CDU: 331.5(813.8)
iii
LUIZ PAULO JESUS DE OLIVEIRA
A Condição “Provisória-Permanente” dos Trabalhadores Informais: o
caso dos trabalhadores de rua da cidade de Salvador
Dissertação apresentada ao Programa Pós-Graduação em Ciências
Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Federal da Bahia como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em
Ciências Sociais, com área de concentração em Sociologia e aprovada em 11
novembro de 2005, pela Comissão formada pelos professores:
iv
À Nadir, Augusto e Íris.
v
AGRADECIMENTOS
Agradecer é antes de tudo um gesto de reconhecimento de que o nosso trabalho não foi
escrito solitariamente, mas que é produto de uma construção coletiva, fruto do processo de
descoberta do mundo e do aprender com os outros. Por isso, várias pessoas e instituições,
cada uma ao seu modo, são co-autoras desta Dissertação de Mestrado.
Agradeço aos meus pais, Luís Carlos e Maria da Conceição, que sempre
proporcionaram todas as condições necessárias para que eu pudesse concluir meus estudos de
graduação e prosseguir na carreira acadêmica. A eles, a minha eterna gratidão.
À Nadir, amável companheira, pela paciência, a dedicação e o incentivo constantes,
principalmente nos meus momentos de “crises de pensamentos”. Aos meus pequenos filhos,
Íris e Augusto, pelas energias positivas que sempre me animaram durante todo o período de
redação desta dissertação.
À equipe de pesquisadores e do corpo administrativo do Centro de Recursos Humanos
da Universidade Federal da Bahia pela contribuição que ofereceram para meu
amadurecimento intelectual e pessoal, e pelo acolhimento fraternal que me deram durante os
últimos anos, seja como bolsista de iniciação científica do PIBIC/UFBA ou como aluno do
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, vinculado à linha de pesquisa Trabalho,
Saúde e Meio Ambiente.
À equipe de estudantes que participaram da pesquisa de campo, Bartira Barreto, Theo
Barreto, Bruno Durães, Misael, José Carlos Exaltação, Márcio Nicory, Cristiana Taquari e
Luiza Trabuco, colegas com quem tive a honra de compartilhar as principais dificuldades e
alegrias do trabalho de campo.
vi
Aos professores e colegas do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais pelos
momentos de socialização do saber sociológico e de trocas de experiências.
A Theo Barreto e Selma Cristina, meus sinceros agradecimentos pelo companheirismo
e solidariedade que sempre tiveram comigo, principalmente nos momentos de angústias, de
solidão e de dificuldades na escrita desta dissertação.
Aos colegas da disciplina Leituras Dirigidas, Denise, Iuri Ramos, Regina Antoniazi, e
Serra Neves, pelos comentários, sugestões e críticas que foram feitas ao meu projeto de
pesquisa, as quais nos ajudaram a pensar melhor sobre o próprio objeto de estudo.
À professora Ângela Borges (UCSAL) e ao professor Pedro Vasconcelos (UCSAL),
pelas importantes sugestões e críticas que fizeram ao meu trabalho no exame de qualificação.
À professora Iracema Brandão Guimarães (UFBA) e ao professor Jacob Carlos Lima
(UFSCAR), por terem aceito gentilmente o convite para participarem da Banca de defesa da
dissertação.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela
concessão da Bolsa de Mestrado, sem a qual seria impossível o desenvolvimento desta
dissertação.
Aos trabalhadores informais de rua da cidade de Salvador que foram entrevistados
durante o trabalho de campo por terem me permitido “testemunhar” a luta cotidiana de quem
precisa inventar o seu próprio trabalho.
Por fim, um agradecimento muito especial à Profª. Graça Druck pela sua orientação
cuidadosa durante a minha trajetória acadêmica nesta universidade e pelo exemplo de
seriedade e compromisso com o serviço público e de luta por uma sociedade mais justa e
humana. A esta “artesã” da sociologia agradeço pelas lições aprendidas para toda a vida.
vii
O trabalho excessivo da parte empregada da classe trabalhadora engrossa as
fileiras de seu exército de reserva, enquanto, inversamente, a forte pressão que
este exerce sobre aquela, através da concorrência, compele-a ao trabalho excessivo
e a sujeitar-se às exigências do capital. A condenação de uma parte da classe
trabalhadora à ociosidade forçada, em virtude do trabalho excessivo da outra
parte, torna-se fonte de enriquecimento individual dos capitalistas e acelera ao
mesmo tempo a produção do exército industrial de reserva, numa escala
correspondente ao progresso da acumulação (MARX, 2001, p. 740).
viii
RESUMO
O presente estudo analisa como a condição de trabalhador informal torna-se “provisória-
permanente” no novo contexto de flexibilização do trabalho. Ou seja, como o trabalhador se
insere em uma atividade informal que, aparentemente é uma forma de sair do desemprego
enquanto não encontra um emprego e, com o passar do tempo, por condições estruturais do
mercado de trabalho, continua na mesma condição: trabalhador informal. No intuito de
mapear a complexidade de tal análise, aborda-se as recentes transformações no âmbito do
mundo do trabalho, dando ênfase ao processo de reestruturação produtiva e as suas
conseqüências para o mercado de trabalho brasileiro, em particular para a Região
Metropolitana de Salvador. Busca-se evidenciar as condições de trabalho e de vida dos
trabalhadores de rua de Salvador, bem como a trajetória ocupacional e as estratégias
encontradas, que possibilitam a permanência na atividade informal sob a égide da incerteza,
da vulnerabilidade e precariedade do trabalho e que, diante do desemprego estrutural, faz da
condição provisória uma condição permanente. Neste quadro, discute-se, criticamente, a
empregabilidade dos trabalhadores informais, indicando os atributos e valores que regem esse
tipo de trabalho nas ruas e que passa a ser uma noção re-inventada como símbolo da
modernidade organizacional das empresas. Este estudo se baseia nos dados da Pesquisa
Emprego e Desemprego para Região Metropolitana de Salvador (PED/RMS) e nos principais
resultados da pesquisa de campo do projeto: “Velhos e Novos Trabalhadores Informais – os
trabalhadores nas ruas de Salvador” (CRH/UFBA), realizada no período de 2000-2002, além
de entrevistas qualitativas que descrevem as trajetórias de trabalhadores de rua de “sucesso”
em Salvador.
PALAVRAS –CHAVE: Trabalho informal, mercado de trabalho, empregabilidade.
ix
ABSTRACT
The present study analyses how the informal worker’s condition becomes permanent in the
new context of work adaptation. Or either, how the worker inserts in an informal activity that
apparently is an alternative to the unemployment until he finds a job and, with time, by
market conditions, stills in the same situation: informal worker. In intention of map the
complexity of such analysis, one approaches the recent transformations in the scope of the
work world, giving emphasis to the productive reorganization process and their consequences
to brazilian market, especially the Salvador.It shows the work conditions and the life of
workers in Salvador streets, as well as the occupational trajectory and strategies used to
maintain the informal activity under the the shield of uncertain, vulnerability an bad
conditions of work, and that, in face of unemployment, makes the provisory condition an
permanent one. At this point, it is argued, critically, the use of informal workers, their
attributes and values that rule this kind of work at streets, that becomes a reinvented notion as
companies symbol of modern organizational modernity. This study bases on the research Job
and Unemployment at the Metropolitan Region of Salvador and in the most important results
from the field survey of the project: “Old and New Informal Works - The Workers at
Salvador Streets” (CRH/UFBA), carried through 2000-2002, as well as qualitative interviews
that describes the path of “successful” street workers in Salvador.
Key-Words: Informal work, work market, employment.
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LISTA DE TABELAS
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222
Tabela 19
O
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224
xi
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................... 12
CAPÍTULO 1
O EXÉRCITO INDUSTRIAL DE RESERVA DE MARX COMO CATEGORIA DE
ENTENDIMENTO DO TRABALHO INFORMAL................................................
25
1.1. A categoria Trabalho em Marx...................................................................................... 25
1.2. O conceito de exército industrial de Reserva................................................................. 33
CAPÍTULO 2
A TRAJETÓRIA DO CONCEITO DE TRABALHO INFORMAL: EVOLUÇÃO,
DIVERGÊNCIAS E CONTRADIÇÕES..........................................................................
51
2.1. A origem do termo e a critica a noção de setor informal............................................... 57
2.2. O novo status da informalidade no Brasil contemporâneo............................................ 77
CAPÍTULO 3
TRABALHO INFORMAL E EMPREGABILIDADE: O QUE HÁ EM COMUM?
UM NOVO NOME PARA VELHAS COISAS?............................................................
90
CAPÍTULO 4
MERCADO, TRABALHO E INFORMALIDADE NA “CIDADE DA BAHIA”.........
4.1 Mercado de Trabalho na Bahia: um breve histórico.......................................................
4.2 A Bahia no ritmo e na dança da reestruturação produtiva e da “desertificação
neoliberal”: as principais mudanças no mercado de trabalho baiano na década de 90...
4.3 Um retrato do trabalho informal na cidade de Salvador................................................
4.3.1 A evolução do trabalho por conta própria em Salvador (1997-2004) .................
4.3.2 O perfil do trabalhador informal ..........................................................................
4.3.3 As condições de trabalho .....................................................................................
4.3.4 Ocupações e setor de atividades...........................................................................
4.3.5 Os rendimentos dos trabalhadores informais .......................................................
4.3.6 A contribuição para previdência social ...............................................................
4.4 Colocando o retrato no álbum do trabalho informal da cidade de Salvador ..................
107
108
121
129
131
132
138
142
144
146
147
CAPÍTULO 5
A CONDIÇÃO “PROVISÓRIA-PERMANENTE” DO TRABALHADOR
INFORMAL: O Trabalho nas Ruas de Salvador...........................................................
5.1 Os trabalhadores que vivem do trabalho informal nas ruas da Soterópolis do século
XXI.................................................................................................................................
5.2 O ingresso na informalidade: “o desemprego me levou a isso, mas é provisório...até
eu achar uma coisa melhor”..........................................................................................
5.3 Trabalhar nas ruas de Salvador: riscos, incertezas e vulnerabilidade social..................
5.4 As trajetórias de “sucesso” do trabalho informal: uma crítica à noção de
empregabilidade.............................................................................................................
6.4.1 Lúcia: da necessidade à baiana de acarajé .........................................................
6.4.2 Robertinho: de menino de rua a baleiro .............................................................
6.4.3 João: eu só vendo camarão .................................................................................
5.5 Da continuidade involuntária a formalidade desejada: a ambivalência da condição
“provisória-permanente” dos trabalhadores informais...................................................
149
153
164
170
184
186
197
210
219
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................. 225
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 228
12
INTRODUÇÃO
O início de um estudo é tão importante quanto o seu fim, mas a sua singularidade no
corpo de um texto é a de anunciar o que está por vir, é adiantar ao leitor os horizontes da
narrativa e a lógica da argumentação discursiva e, sobretudo, deve indicar a posição que o
autor assume perante o mundo dos sentidos que suas palavras buscam abranger. Dito desta
forma, não nos resta outra opção senão a coerência, é nosso dever agora explicitar o que está
por vir e os encadeamentos teórico-metodológicos que tecem esta dissertação de mestrado.
A socióloga da USP, Professora Vera Telles, em alguns dos seus artigos publicados
durante a década de 90 geralmente os introduz afirmando o seguinte: “Nesses tempos difíceis
em que os destinos do país estão decididos numa encruzilhada de alternativas incertas...” ou
então: “Nestes tempos de mudança e futuro incerto...” (TELLES, 2001a). A autora através
destas frases anuncia o drama da sociedade brasileira, do Brasil Real versus Brasil Formal, da
encruzilhada social e política em que se encontra a problemática da pobreza, da cidadania e
do trabalho. O conteúdo valorativo de tais frases, se transferido para o momento atual,
mostra-se mais desconcertante do que nunca na história de nossa sociedade, pois estamos
vivendo em tempos que o medo insiste em frustrar a esperança e a incerteza do amanhã se
torna cada vez maior. É “nestes tempos” que as relações entre o mundo do trabalho e a
cidadania são extremamente problemáticas em nossa sociedade, as quais são marcadas pela
progressiva flexibilidade do mercado de trabalho e das relações de trabalho que, do ponto de
vista da dimensão político-institucional, tem como exemplo mais evidente as reformas
sindical e trabalhista do Governo Lula, cujo objetivo central é adequar a legislação trabalhista
e sindical às regras do mercado flexível, legitimando a “institucionalização da precarização
do trabalho”, na qual se inscreve a precariedade como uma nova forma de dominação do
13
capitalismo flexível
1
, fundamentada na gestão racional da insegurança do trabalho e da vida,
como bem afirma o sociólogo francês, Pierre Bourdieu (1998a, p.124-125, grifo nosso
)
)
:
:
A precariedade se inscreve num modo de dominação de tipo novo, fundado
na instituição de uma situação generalizada e permanente de insegurança, visando
obrigar os trabalhadores à submissão, à aceitação da exploração. Apesar de seus
efeitos se assemelharem muito pouco ao capitalismo selvagem das origens, esse
modo de dominação é absolutamente sem precedentes, motivando alguém a propor
aqui o conceito ao mesmo tempo muito pertinente e muito expressivo de
“flexploração”. Essa palavra evoca bem essa gestão racional da insegurança, que,
instaurando, sobretudo através da manipulação orquestrada do espaço da produção,
a concorrência entre os trabalhadores dos países com conquistas sociais mais
importantes, com resistências sindicais mais bem organizadas – características
ligadas a um território e a uma história nacionais – e os trabalhadores dos países
menos avançados socialmente, acaba por quebrar as resistências e obtém a
obediência e a submissão, por mecanismos aparentemente naturais, que são por si
mesmos sua própria justificação.
O direito ao trabalho como elemento de integração dos sujeitos à sociedade, o qual
assegura a cada trabalhador direitos sociais e o estatuto de cidadão, têm sido o alvo de
desregulamentação por parte das políticas neoliberais nos países centrais e nos países latino
americanos. O que assistimos no Brasil durante a década de 90 e na metade da primeira
década deste novo século é o desmonte da nossa “sociedade salarial incompleta”, se
pensarmos nos termos em que se refere Castel (1998) para descrever o processo de desmonte
da sociedade salarial na França com a crise do Estado Bem-Estar Social. Embora nos anos
80, durante o período de reabertura democrática, os direitos do trabalho e da cidadania
constituíssem parte central da agenda pública da sociedade brasileira e, na Constituição de
1988, tenha tido destaque com promessas animadoras de universalização dos direitos sociais,
redução da pobreza e erradicação da miséria. Nos anos 90, a implementação da agenda
neoliberal e as transformações do mundo do trabalho tiveram como resultados imediatos o
aumento do desemprego, da informalidade, da flexibilização das relações trabalhistas e
redução de direitos trabalhistas e sociais. Em lugar de políticas sociais de caráter universal,
ganha cada vez mais destaque o desenvolvimento de políticas sociais focalizadas com público
1
Sobre a Reforma Trabalhista e Sindical no governo Lula e o seu contexto histórico ver Druck (2004)
14
alvo seleto, “os bons pobres”, e o que é mais grave, a pobreza
2
não é tratada como um
problema político, mas como uma figura da paisagem natural de um país tropical, e por isso
mesmo, é matéria de filantropia, é objeto de gestão filantrópica. O Programa Comunidade
Solidária do Governo FHC e o Programa Fome Zero do Governo Lula são bons exemplos
disto.
Neste cenário, as diferenças entre ajuda humanitária e direitos, cidadania e filantropia,
política e bons sentimentos se tornam embaraçadas, e a questão social é vista apenas como
uma questão de governabilidade. Diante do quadro de transformações ocorridas no Brasil nos
últimos anos, com a implementação das políticas neoliberais, com a reestruturação produtiva
e a hegemonia da economia financeira, constata-se um problema teórico e político, a saber,
uma espécie de fetiche da prática e da reflexão social em que as conseqüências resultantes das
mudanças em curso se apresentam como se fossem dotadas de vida própria, parecendo não
haver alternativas ou outros campos de possibilidade frente ao quadro perverso de
vulnerabilidade social e desemprego crescente, de modo que, a única coisa que resta ao
Estado é a gestão da pobreza através dos diversos programas sociais focalizados. Este fetiche
da prática se expressa em um certo tipo de reflexão social, sustentada em um diagnóstico
fatalista, que converge em torno da perda ou o esvaziamento do poder estruturante do Estado
e das circunstâncias da reestruturação produtiva numa economia globalizada em que o
emprego assalariado com carteira assinada e com direitos sociais garantidos é considerado
como uma realidade do passado ou uma utopia. Na verdade, o que se escamoteia no atual
quadro de transformações políticas e sociais são as conseqüências da ruptura da relação entre
direitos e trabalho. Como afirma Telles (2001b, p.35):
2
Como afirma Telles (1993, p.13): A pobreza não é simplesmente fruto de circunstâncias que afetam
determinados indivíduos (ou famílias) desprovidos de recursos que o qualifiquem para o mercado de trabalho.
O pauperismo está inscrito nas regras que organizam a vida social. É isso que permite dizer que a pobreza não
é apenas uma condição de carência, passível de ser medida por indicadores sociais. É antes de mais nada uma
condição de privação de direitos, que define formas de existência e modos de sociabilidade (grifo nosso).
15
Se não é mais possível imaginar a integração de toda a população
trabalhadora no modelo de cidadania salarial tal como foi desenvolvida
historicamente nos países europeus, o problema político maior é o da possibilidade
de uma regulação democrática da economia e sociedade, e o estatuto de uma nova
cidadania a ser ainda reinventada.
Sabemos que esta questão não é exclusividade da realidade brasileira, embora o
problema aqui seja mais grave devido à fragilidade das referências políticas a partir das quais
se possam imaginar as configurações possíveis de uma cidadania a ser inventada. Além disso,
as atuais tendências de reconfiguração do mercado de trabalho só fazem aumentar o chamado
“mercado de trabalho informal”, este “mundo sem mediações políticas e sem direitos
garantidos”, apontando para um processo crescente de desassalariamento do trabalho
socialmente protegido em que o que era símbolo do atraso parece ascender como sinônimo do
nosso moderno e flexível mercado de trabalho, o que nos anos 70 era tido como exceção do
processo de desenvolvimento do país agora aparece como uma regra da modernização
econômica neoliberal seletiva.
Perante o desafio de reinventar a cidadania, corre-se o risco de cair no círculo da
denúncia social que apenas indica as causas do nosso fracasso e lamenta, de forma nostálgica
a perda de um futuro pretérito, que poderia ter acontecido e não aconteceu, ou ainda, em nome
das urgências do presente e do decreto de morte de nossa sociedade salarial incompleta, abre-
se um novo campo para um pragmatismo bem fundamentado em pesquisa acadêmica,
inteiramente refém das formas neoliberais de gestão da cartografia da pobreza, que se
restringe apenas a proposição de políticas de emprego direcionadas para os “excluídos” do
mercado de trabalho.
É justamente por conta das urgências do presente que o discurso neoliberal afirma a
necessidade de positivar o desmonte da sociedade salarial, e para isso, é preciso forjar uma
nova cultura do trabalho sustentada em valores que afirme o engajamento pessoal do
16
trabalhador no processo de trabalho e na “desconstrução” da noção de trabalho assalariado,
mas protegido, em outras palavras, do emprego com carteira assinada; no seu lugar o auto-
emprego ou o par empregabilidade/empreendedorismo ocupa o núcleo central da moderna
forma de trabalho do capitalismo flexível. Como alternativa capaz de atender as urgências do
nosso presente, o trabalho informal em suas diversas facetas é apresentado como a solução
para o problema grave do desemprego, capaz de proporcionar ao contingente de trabalhadores
desempregados uma maneira “segura e próspera” de obter renda.
No entanto, para fugir do fetiche da prática e da reflexão social, é preciso desvelar este
mundo heterogêneo e complexo do chamado mercado de trabalho informal que, tendo em
vista as tendências recentes de flexibilização das relações de trabalho no país, anuncia o
futuro do mercado de trabalho brasileiro. (OLIVEIRA, F., 2003a). Com este propósito, o
nosso estudo dedica especial atenção ao que classicamente a literatura sociológica e
econômica denomina como “trabalho informal”, “informalidade”, “mercado de trabalho
informal”, “setor informal” etc. Trata-se de um problema teórico e político que desde a
década de 60 está presente no debate público e acadêmico, resultando em inúmeros estudos e
pesquisas desenvolvidos ao longo destas décadas.
Enquanto problema cognitivo e político, o trabalho informal tem uma historicidade
que não podemos desconsiderar no momento em que reconstruirmos a trajetória do conceito e
das suas diversas formas de abordagens. A construção do conceito e o que ele pretende
explicar está estritamente relacionado com os problemas que estiveram presentes na agenda
do debate público da sociedade brasileira aos longos destes anos. Por isso, as metamorfoses
do conceito são expressões das diversas transformações que ocorreram no mercado de
trabalho e na sociedade brasileira de uma forma em geral. Para alguns autores, a exemplo de
Machado da Silva (2003), o conceito de informalidade no atual quadro de desestruturação do
mercado de trabalho e reestruturação produtiva perdeu a sua capacidade explicativa, já que há
17
uma desmontagem ou desativação do conjunto de referências que sempre pautou o debate
sobre a informalidade no Brasil e nos países do terceiro mundo, isto é, a perspectiva de
universalização da cidadania salarial. Com o “processo de informalização das relações de
trabalho”, o par analítico informal-formal, ao que tudo indica torna-se insuficiente para dar
conta da realidade social em que vivemos. (MACHADO DA SILVA; CHINELLI, 1997;
MACHADO DA SILVA,1996, 2003; MALUGUTI,2001; NORONHA,2003)
È como se junto com a referência da cidadania salarial como parâmetro de
modernidade, fosse também desativado o jogo de oposições – formal e informal,
Brasil legal e Brasil real, moderno e atrasado – que montava o campo do debate (e
da polêmica). Sob referências teóricas diferentes e mesmo divergentes, o mercado
informal sempre foi figurado como o ponto de fuga da modernidade brasileira, o
registro inescapável de suas várias incompletudes, seja como reposição do “atraso
que mantém a sociedade atada às suas origens, seja como a prova de verdade da
“comédia do progresso” ao expor o avesso das coisas, seja enfim como marca
diferenciadora do capitalismo periférico. (...) Há nisso tudo uma relação entre os
parâmetros normativos do debate público e o mapa cognitivo que dá plausibilidade
às questões em pauta. E é esse mapa cognitivo que está em questão, mapa cognitivo
que não tem a ver com a soma de informações e qualidade de pesquisas que as
fornecem, mas com uma certa forma de colocar em perspectiva a realidade social,
permitindo a crítica, o julgamento e as referências comuns sem as quais as
diferenças ou divergências (teóricas, políticas) se reduzem a uma espécie de
cacofonia – que é exatamente o que parece ter tomado conta do debate (?) público
nos últimos anos (TELLES,2001b, p.35).
Contudo, não encontramos na literatura da sociologia e economia do trabalho um
termo substituto, salvo a proposta ainda incipiente de Machado da Silva, que sugere a
substituição do conceito de informalidade pelo de empregabilidade/empreendedorismo como
categoria de entendimento das recentes transformações do mercado de trabalho no Brasil.
Embora admitamos que o uso indiscriminado do conceito de informalidade, para explicar toda
e qualquer situação considerada como precária no mercado de trabalho, pode levar a uma
banalização e esvaziamento da capacidade explicativa e força prática do conceito, o tema, do
ponto de vista da problemática sociológica, merece ainda um exame minucioso, pois o
trabalho informal ainda está no centro das nossas atuais inquietações analíticas. Talvez a
realidade empírica que denominamos de trabalho informal seja a chave enigmática da
18
contemporaneidade, uma espécie de termômetro a indicar o grau das contradições sociais do
“desenvolvimento” de um país periférico sob a égide do capitalismo flexível.
É justamente a mutação da realidade empírica que interpela a nossa capacidade
analítica de descrever e nomear as “ordens das coisas” que compõe este contraditório e
complexo mundo do trabalho informal. Seria bastante cômodo e seguro à reflexão crítica dos
nossos tempos, se tão somente recorrêssemos às referências do passado não tão distante para
entendermos as mudanças na estrutura da social e do mercado de trabalho.
Do ponto de vista metodológico entendemos que o trabalho informal não pode ser
compreendido como uma coisa em si mesma, a qual dispõe de propriedades substanciais, uma
espécie de essência biológica, mas sempre deve ser entendido como algo relacional que se
define pela sua exterioridade mútua, ou seja, na sua reciprocidade com os demais elementos
sociais que compõe e estruturam o mercado de trabalho. O trabalho informal não é uma coisa
estática e que existe no vazio, é antes de tudo uma atividade humana situada em um contexto
social. A posição que os agentes sociais (leia-se trabalhadores informais) ocupam na estrutura
do mercado de trabalho é o que possibilita entender porque um ato particular existe como um
ato particular do possível e não como ideal. Em outros termos, estamos afirmando que o
mundo do trabalho informal não é uma realidade que existe “à margem” do mercado de
trabalho, pois o mercado de trabalho não é uma dualidade estrutural, mas um continuum
social em que os agentes estão distribuídos de acordo com certas regras que regulam o uso
social da força de trabalho, as quais funcionam como práticas incorporadas à vida cotidiana
dos agentes. Como afirma Bourdieu:
(...) falar de um espaço social, é dizer que se não pode juntar uma pessoa
qualquer com outra pessoa qualquer, descurando as diferenças fundamentais,
sobretudo econômicas e culturais (1998b, p.138).
O espaço social me engloba como um ponto. Mas esse ponto é um ponto de
vista, princípio de uma visão assumida a partir de um ponto situado no espaço
social, de uma perspectiva definida em sua forma e em seu conteúdo pela posição
19
objetiva a partir da qual é assumida. O espaço social é a realização primeira e última
que comanda até as representações que os agentes podem ter dele (2001, p. 27).
Um ponto de partida importante para o nosso exercício teórico - a fim de que este
também não seja mais uma "voz exaltada” a reforçar “o coral cacofônico” do debate público
sobre trabalho informal, ou para não cairmos no discurso escorregadio que afirma que o
trabalho informal é intrínseco à nossa história e se desenvolveu paralelamente ao
desenvolvimento do capitalismo no Brasil – é estabelecer as diferenças históricas do trabalho
informal no mercado de trabalho brasileiro como tarefa indispensável para análise
sociológica. Uma das características sempre ressaltada pelas análises sobre o trabalho
informal nos anos 60 e 70 é o seu caráter “transitório”, ou seja, ele é descrito como um
conjunto de atividades de baixa capitalização, não tipicamente capitalistas, com uso de força
de trabalho familiar, que com o processo de desenvolvimento e industrialização do país, iria
progressivamente desaparecer, sendo então integrado ao mercado de trabalho formalizado e
protegido socialmente.
A questão-problema que orienta este trabalho de pesquisa busca justamente
demonstrar que: o que marca o trabalho informal nos dias atuais de “modernidade” neoliberal
é que seu caráter transitório se tornou permanente, o que antes era visto como um caso atípico
do mercado trabalho urbano, agora passa a ser uma regra normativa do mercado flexível, se
transformando numa forma de inserção, que engloba da maioria da “classe-do-vive-do-
trabalho”, à estrutura sócio-econômica da sociedade brasileira e da sociedade baiana, cujos
valores e características que sempre constituíram tradicionalmente as chamadas “estratégias
de sobrevivência” dos trabalhadores informais agora são transmutados em personificações do
novo trabalhador do capitalismo flexível.
Neste sentido, a problematização teórica deste estudo se enquadra na perspectiva
analítica que apreende o trabalho informal como um processo resultante das transformações
20
correlacionadas e interdependentes da esfera econômica e esfera política que estão em curso
na sociedade brasileira, ou seja, o trabalho informal compreende todas as formas e relações
de trabalho não protegidas socialmente. Portanto, o trabalho informal reúne o conjunto de
trabalhadores que têm uma inserção precária no mercado de trabalho:
(...) o conjunto de indivíduos assalariados que foram contratados à margem
da legislação laboral ou da seguridade social; o conjunto de trabalhadores por conta
própria e de empregadores que não exercem profissões liberais e que não dependem
de mão-de-obra assalariada para o desempenho do seu trabalho; o trabalho sem
remuneração; e o serviço doméstico. (CACCIAMALI, 2000, p.165)
Neste sentido, esta dissertação de mestrado busca problematizar sociologicamente a
condição “provisória-permanente” do trabalho informal no contexto de reestruturação
econômica, de desestruturação do mercado de trabalho e de vulnerabilidade social, a partir das
condições de trabalho e vida de um segmento específico que compõe a realidade empírica da
informalidade na cidade de Salvador: os trabalhadores informais que tem na rua o espaço
privilegiado de trabalho através da oferta de bens e serviços à população em geral.
De modo explícito, pretendemos encontrar respostas para o seguinte problema: Como
a condição de trabalhador informal torna-se provisória-permanente? Ou seja, como e
porque o trabalhador que se insere em uma atividade informal, como situação provisória
até obter um emprego transforma essa condição – a de trabalhador informal – em
permanente?
Como categoria sociológica, a condição “provisória-permanente” diz respeito
essencialmente às práticas dos agentes sociais que fazem do trabalho informal a sua forma de
reprodução social que, por sua essência, é ambivalente, isto é, a condição de trabalhador
informal é ao mesmo tempo uma condição permanente e provisória. Trata-se de uma condição
estruturada ao longo do tempo e do espaço social, logo ela é permanente, mas que é
experimentada como uma situação momentânea, temporária. O enfoque analítico aqui
21
adotado quer entender como é possível, do ponto de vista sociológico, a constituição de
trajetórias ocupacionais permanentes, sob o signo do provisório, buscando identificar os
principais elementos estruturantes das experiências de trabalho que possibilitam a constituição
desta condição. Em outros termos, trata-se de compreender como “a vida inteira [do
trabalhador informal] se passa sob o signo do provisório” (BOURDIEU, 1979). Por outro
lado, esta categoria procura dar conta do processo das disposições econômicas e do
comportamento dos agentes, que permitem identificar até que ponto a passagem da condição
de provisória à permanente do trabalhador informal, se dá através das escolhas dos
trabalhadores ou como uma defesa e saída diante da reestruturação econômica e da crise do
emprego.
Nesta direção, partimos de três hipóteses gerais para empreendermos a investigação
sociológica da condição “provisória-permanente” do trabalhador informal:
1) O elemento determinante da condição “provisório-permanente” do trabalhador
informal dos anos 90 é o processo de desestruturação do mercado de trabalho que
elimina postos de trabalho formal restringindo as formas de inserção na estrutura
produtiva, fazendo com que o trabalho informal seja a regra do mercado flexível;
2) O estatuto do trabalho assalariado socialmente protegido, simbolizado na “carteira de
trabalho assinada’”, se constitui como a principal expectativa subjetiva a compor o
imaginário social do trabalhador informal, a qual possibilita que a condição
permanente experimentada como condição provisória.
3) O trabalho informal é, na sua essência, um trabalho flexível, no qual atributos e
qualidades que caracterizam a “empregabilidade”, como flexibilidade, capacidade de
iniciativa, criatividade, facilidade de adaptação às mudanças, agilidade, convivência
com riscos e incertezas, são “qualidades” intrínsecas dos trabalhadores informais.
22
No que diz respeito aos procedimentos de verificação empírica das hipóteses que
norteiam a reflexão sociológica da problemática em questão nesta dissertação de mestrado,
faz-se necessário explicitar como foram construídos os dados que consubstanciam o presente
estudo. Buscamos analisar a condição “provisória-permanente” do trabalhador informal a
partir de um trabalho de pesquisa constituído das seguintes fontes de dados:
1) Os dados secundários, sistematizados pela Pesquisa de Emprego e Desemprego
(PED), realizada pela Universidade Federal da Bahia, Dieese e SEI/Secretaria de
Planejamento do Estado da Bahia, com recorte, da distribuição dos ocupados
segundo a ocupação, permitiram construir uma visão panorâmica do trabalho
informal na cidade de Salvador (1997-2004), analisando um segmento específico de
trabalhadores informais, que mais se aproxima do objeto em estudo, qual seja: os
trabalhadores por conta própria.
2) Pesquisa de campo: análise dos dados da pesquisa “Velhos e Novos Trabalhadores
Informais – os trabalhadores nas ruas de Salvador” (CRH/UFBA)
3
, realizada no
período de 2000-2002 com 191 trabalhadores informais de rua. Esta pesquisa dispõe
de informações sobre o perfil dos trabalhadores, composição do grupo doméstico,
condições e processo de trabalho, trajetória ocupacional e expectativas futuras de
trabalho.
3) Análise de caráter qualitativo das trajetórias de trabalho e de vida de três
trabalhadores informais de rua: um vendedor ambulante de praia, um baleiro e uma
baiana de acarajé, com o objetivo de identificar as estratégias de “empregabilidade”
desenvolvidas pelos mesmos para se manterem na atividade informal.
3
Esta pesquisa foi coordenada pela Profa. Graça Druck e contou com apoio financeiro do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Tecnológico (CNPq).
23
Por último, gostaríamos de ressaltar que a presente dissertação é composta de cinco
capítulos e as considerações finais.
No primeiro capítulo, resgataremos as formulações de Marx sobre o Exército
Industrial de Reserva e a sua importância teórica para compreendermos o espaço que ocupa o
trabalho informal no conjunto do sistema capitalista. A escolha deste autor para iniciarmos a
discussão teórica se justifica principalmente pela sua valiosa contribuição teórico-prático para
o entendimento das relações sociais que se estabelecem entre os homens através da atividade
fundante da sociabilidade humana - o trabalho - no contexto sócio-histórico da sociedade
capitalista. As suas formulações a respeito das relações de dominação e de apropriação do
trabalho no mundo capitalista nos oferecem um bom mapa da cartografia social do mercado
de trabalho e os processos a ele associados, demonstrando como os sujeitos que vivem do
trabalho, seja do exército da ativa ou de reserva, estão todos integrados e subordinados à
lógica de produção e reprodução do capital. Portanto, não há lugar, na teoria de Marx, para
uma compreensão “dualista” do mercado de trabalho e da sociedade em seu conjunto.
Ademais, a teoria marxista em concomitância (e contraposição) com a teoria da marginalidade
social se constituem como os principais aportes teóricos que fundamentam o debate
conceitual sobre a problemática da informalidade na América Latina.
No segundo capítulo, faremos uma reconstrução da trajetória do conceito de trabalho
informal e suas diferentes abordagens, na tentativa de identificar as matrizes discursivas que
informam o debate teórico sobre o tema e os desafios postos à problemática da informalidade
na contemporaneidade. Na seqüência, problematizaremos as relações entre informalidade e
empregabilidade buscando demonstrar como está sendo forjado um discurso ideológico de
dominação política que se apresenta sob o rótulo de “novo”, um conjunto de atributos e
qualidades do trabalhador flexível que, para aqueles que vivem na solidão do trabalho
informal, é a condição indispensável para sua sobrevivência e manutenção da atividade.
24
No quarto capítulo, apresentaremos uma breve retrospectiva histórica do mercado de
trabalho na Bahia e a importância do trabalho informal no processo de desenvolvimento
capitalista da região. Daremos ênfase especial à configuração do trabalho informal na cidade
de Salvador no contexto das recentes transformações ocorridas no mercado de trabalho
metropolitano durante a década de 90, para isto, faremos uso dos dados secundários da
PED/RMS (1997-2004).
E no último capítulo, analisaremos os principais achados da pesquisa de campo que
realizamos com os trabalhadores que fazem das ruas de Salvador o seu espaço de vida e de
trabalho, e os estudos de casos como exemplos típicos de “empregabilidade”, à luz dos
pressupostos teórico-metodológicos que orientam o conjunto do trabalho.
25
CAPÍTULO 1
O EXÉRCITO INDUSTRIAL DE RESERVA DE MARX COMO CATEGORIA DE
ENTENDIMENTO DO TRABALHO INFORMAL
Antes de discorrer sobre o exército industrial de reserva, questão de fundo que
interessa aos propósitos explicitados na introdução, convém que façamos uma breve síntese
da categoria trabalho em Marx.
1.1 A categoria trabalho em Marx
A produção marxiana do conhecimento possui uma marca distintiva dos demais
clássicos da sociologia
4
, que se expressa na formulação da teoria da práxis humana. Para
Marx, teoria e prática não se dissociam, fazem parte do agir humano. Apenas conhecer a
realidade não é suficiente para justificar a existência de um pensamento social ou de uma
sociologia do conhecimento, mas antes de tudo é preciso conhecer a realidade para
transformá-la, pois o processo de construção do conhecimento é eminentemente reflexivo, é a
síntese do conhecer-fazer-transformar. Este é o ponto de ruptura de Marx com os jovens
hegelianos. Na sua concepção os filósofos até então só haviam especulado sobre a realidade,
no entanto, era necessário ir para além da especulação filosófica, era chegada a hora de
transformar a realidade vivida e produzida pelos sujeitos históricos. Por isso, a teoria da
4
De acordo com Jeffrey Alexander, não é por acaso que a Marx, Weber e Durkheim seja conferido o status
privilegiado de clássicos da sociologia, pois “um clássico é o resultado do primitivo esforço da exploração
humana que goza de status privilegiado em face da exploração contemporânea no mesmo campo”
(ALEXANDER, 1998, p. 24).
26
práxis humana tem como preocupação central explicar as relações sociais que os homens
estabelecem uns com os outros em comunidade, num determinado momento histórico, tendo
em vista a realização de um projeto emancipador da vida humana. Para tanto, Marx assume
como pressuposto teórico-prático da investigação social as seguintes premissas:
Os homens fazem a sua história, mas não fazem como querem; não a fazem
sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam
diretamente, legadas e transmitidas pelo passado (MARX, 1977, p.17).
As nossas premissas são os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições
materiais de existência, quer se trate daquelas que encontrou já elaboradas quando
do seu aparecimento quer das que ele próprio criou (MARX, 1976, p.18).
Ao definir os homens, o seu agir e as condições materiais de vida como premissas
básicas para desenvolvimento de uma teoria da práxis, Marx demonstra que a sua
compreensão da realidade social tem como matriz fundamental a materialidade social dos
homens. Ao produzir os meios de existência, os homens produzem indiretamente a sua
própria vida material e, é esta capacidade de produzir os seus meios de existência que os
distinguem dos animais. A forma como os homens manifestam a sua vida refletem os que eles
são. “O que são coincide, portanto, com a sua produção, isto é, tanto com aquilo que
produzem como a forma como produzem. Aquilo que os indivíduos são depende, portanto das
condições materiais da sua produção” ( MARX, 1976, p.19). Ao afirmar que é a vida real, a
atividade prática quem define o que os homens são, Marx rejeita qualquer concepção de
homem como sujeito abstrato e da história como um movimento da consciência, pois é o real
que determina a consciência e não a consciência que determina o real.
Lembremos-nos que o primeiro pressuposto da existência humana é que os homens
devem estar em “condições de fazer história”, mas para isto, antes de tudo é preciso viver, ou
seja, os homens precisam comer, beber, se vestir, ter onde morar etc. Portanto, o primeiro ato
histórico é a produção dos meios que possibilitem aos homens satisfazer estas necessidades
27
essenciais da vida, pois a produção da própria vida humana é uma condição fundamental de
toda a história. Satisfeita esta primeira necessidade, ação de satisfazer as necessidades básicas
e os instrumentos utilizados conduzem a produção de novas necessidades, e para Marx, isto
constitui o segundo fato histórico. Além disso, existe outro fato que intervém diretamente no
desenvolvimento histórico, é que dia após dia, os homens renovam a sua própria vida, criam
novos homens, reproduzem-se. Desta forma, a produção da vida surge como uma relação
dupla que, por um lado, é uma relação natural sustentada pela reprodução biológica dos
homens, e por outro lado, é uma relação social, isto é, é uma ação resultante da
interdependência humana em sociedade, que através do trabalho assegura a produção material
e simbólica da vida.
Neste sentido, a categoria trabalho assume uma importância central para a produção da
vida material, pois o trabalho é o elemento mediador entre o homem e a natureza, é através
desta capacidade criadora que os homens produzem os seus meios de existência. Ao
transformar a natureza a fim de satisfazer as suas necessidades, o homem transforma a sua
própria natureza e a sua relação com os outros homens. O trabalho é a atividade fundante da
sociabilidade humana, é a forma como os homens organizam a produção e distribuem a
riqueza, é a forma pela qual os homens estabelecem vínculos e laços sociais com os outros
homens e tomam consciência de que vivem em sociedade. Aliás, o indivíduo só se torna ser
social por intermédio do trabalho como categoria mediadora da vida social, a qual confere
dignidade ao homem enquanto ser genérico que reconhece no processo de exteriorização do
seu trabalho a sua própria essência, a condição de homem. Para Marx, o trabalho tem um
duplo conteúdo: por um lado assume um conteúdo ontológico, formador do ser social; e por
outro, o trabalho também tem um conteúdo histórico, porque todo homem é um ser histórico e
por isso o trabalho assume formas concretas historicamente, a exemplo do trabalho escravo,
do trabalho livre e do trabalho assalariado, típico da sociedade capitalista. Na perspectiva
28
marxiana, toda atividade humana (o trabalho) é histórica e ontológica, não há atividade
humana historicamente produzida que não seja ontológica ou vice versa
5
.
A historicidade é um elemento importante para compreender a categoria trabalho. Na
sua principal obra, O Capital, Marx explicita com toda clareza que o seu objetivo principal é
estudar o trabalho em uma determinada sociedade datada e situada historicamente que aos
poucos, pelo jogo de forças dos agentes constituintes, se impõe ao mundo como forma
universal de organizar, de sentir e viver a vida, qual seja, a sociedade capitalista. Em
coerência com o seu objetivo, o autor do Capital assume uma postura crítica com relação à
sociedade capitalista, que se expressa de forma visível na adoção do método dialético da
essência e da aparência dos fenômenos como método de investigação social. Ao adotar o
método dialético entre aparência e essência na produção do conhecimento, o percurso
metodológico traçado por Marx tem como objetivo romper com uma visão parcial ou
fragmentada da realidade social, que parte do pressuposto da aparência dos fenômenos sociais
como algo dado. Para Marx, a construção do conhecimento deve partir da aparência dos
fenômenos, porém não deve se contentar apenas com a forma pela qual os fenômenos se
apresentam na realidade, é preciso buscar as suas origens, a aparência dos fenômenos não é
suficiente para explicá-los, é preciso descobrir a sua essência. Por isso, tanto na obra d’O
Capital quanto nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos, Marx estabelece um diálogo com
os economistas clássicos – Adam Smith e David Ricardo – demonstrando como estes autores
tomam a aparência dos fenômenos como algo dado para explicar o trabalho na sociedade
capitalista, como por exemplo, na análise da mercadoria e da propriedade privada.
5
Barreto (2004, p. 13, grifo nosso ) sintetiza o duplo conteúdo do trabalho em Marx da seguinte forma: “Cada
sociedade, cada cultura, cada época histórica, vai ser resultado daquilo que os homens que nela vivem (ou
viveram) produzirem. E a forma como os homens que vivem nesta sociedade vão produzir, vai depender
diretamente dos meios de produção herdados das gerações anteriores. O trabalho possui, também, um
significado histórico, já que, apesar de ser sempre atividade vital do homem, o trabalho, a ação humana de
interferir na realidade produzindo e reproduzindo a existência material e simbólica do homem, assume
formas diferentes nos vários momentos históricos. O tipo de realidade, a forma de ser de cada sociedade e de
“seus” homens num dado momento histórico será constituída a partir da forma que o trabalho, enquanto
força produtiva e mediação do homem com o mundo social e natural, assumir”.
29
Para Marx, a sociedade capitalista é um sistema social produtor de valores de troca, no
qual a mercadoria é a menor unidade de riqueza. A partir do método dialético, ele procura
desvendar a essência da mercadoria. Por isso, a pergunta central que a análise marxiana busca
responder em O Capital é: em que condições históricas particulares o produto do trabalho
humano assume forma de mercadoria, e, portanto, assume a forma valor? O esforço teórico
empreendido por Marx nesta obra é para demonstrar que a essência da mercadoria é o
trabalho humano, ou melhor, é o dispêndio de idêntica força de trabalho; excluídas todas as
qualidades particulares das mercadorias, o que há de comum em todas elas é que em todas há
trabalho humano.
Uma das características essenciais da sociedade capitalista segundo Marx é
mercantilização da vida. O que importa é o valor de troca das mercadorias, o verbo
preponderante das relações sociais é o ter e não o ser social, os homens valem pelo valor que
agregaram no processo de produtivo, ou seja, só valem enquanto força de trabalho. Sendo
assim, o capital é uma relação social de dominação entre os homens, em que há duas classes
em conflito, os proprietários dos meios de produção (os burgueses) e não proprietários (os
proletários) que, expropriados da terra e das suas formas tradicionais de vida e de trabalho,
dispõem apenas de uma única mercadoria à venda no mercado para garantir a sua reprodução
social: a sua força de trabalho.
No Manifesto Comunista, Marx e Engels (1990, p. 96), explicitam as transformações
radicais que ocorreram com a expansão do capitalismo:
Onde quer que tenha assumido o poder, a burguesia pôs fim a todas as
relações feudais, patriarcais e idílicas. Destruiu impiedosamente os vários laços
feudais que ligavam o homem e seus ‘superiores naturais’, deixando como única
forma de relação de homem a homem o laço do frio interesse, o insensível
‘pagamento à vista’. Afogou os êxtases sagrados do fervor religioso, do entusiasmo
cavalheiresco, do sentimentalismo pequeno-burguês nas gélidas do cálculo egoísta.
Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca e em nome das numerosas
liberdades conquistadas estabeleceu a implacável liberdade de comércio... A
burguesia despojou de sua auréola toda a ocupação até então considerada honrada e
30
encarada com respeito. Converteu o médico, o jurista, o poeta, o homem de ciência
em trabalhadores assalariados.
Estas rupturas provocadas pelo sistema capitalista de produção ao conjunto do tecido
social pré-existente à sua formação reforçam a premissa básica do materialismo histórico, isto
é, “o que os homens são depende, portanto, das condições de produção material da vida”
(MARX, 1976, p.19). O sistema capitalista de produção de mercadoria submeteu todas as
esferas da vida social à lógica do cálculo econômico, pautada na acumulação da riqueza
através da expropriação do trabalho humano.
O desenvolvimento da sociedade capitalista pressupõe uma condição essencial, o
surgimento da divisão social do trabalho. Para Marx, a divisão social do trabalho só surge
efetivamente quando há a separação entre trabalho intelectual e trabalho manual. Esta divisão
é eminentemente social porque remete a uma relação de poder, em que quem decide o que vai
ser feito, como e quando vai ser feito não é o trabalhador, mas quem compra a sua força de
trabalho, o capitalista. No cerne da divisão do trabalho está o processo de alienação do
trabalho. Como descreve Marx:
A partir do momento em que os homens vivem na sociedade natural, desde
que, portanto, se verifica uma cisão entre o interesse particular e o interesse comum,
ou seja, quando a atividade já não é dividida voluntariamente, mas sim de forma
natural, a ação do homem transforma-se para ele num poder estranho que se lhe opõe
e subjuga, em vez de ser ele a dominá-la. Com efeito, desde o momento em que o
trabalho começa a ser repartido, cada indivíduo tem uma esfera de atividade
exclusiva que lhe é imposta e da qual não pode sair; é caçador, pescador, pastor ou
crítico e não pode deixar de o ser se não quiser perder os seus meios de
subsistência... Esta fixação da atividade social, esta petrificação do nosso próprio
trabalho num poder objetivo que nos domina e escapa ao nosso controle contrariando
a nossa expectativa e destruindo os nossos cálculos, é um dos momentos capitais do
desenvolvimento histórico até os nossos dias.(1976, p.40-41)
O efeito social da fragmentação do trabalho é a fragmentação do próprio trabalhador,
que cada vez menos utiliza a sua capacidade de produzir enquanto força de trabalho,
aprofundando dessa maneira, a alienação do trabalho. O ser humano torna-se apenas
fragmento do seu próprio corpo. O capitalismo produz o rompimento do trabalhador com os
31
meios de produzir a sua própria existência, provoca a separação do “caracol de sua concha”,
transformando o homem em um ser estranhado que não reconhece o produto do seu próprio
trabalho.
Como observamos, o processo de apropriação do trabalho alheio, ou melhor, o
processo de alienação do trabalho pressupõe a divisão social do trabalho. O processo de
alienação é intrínseco à forma como o trabalho se consolidou na sociedade capitalista. Para
Marx, quatro momentos constituem o processo de alienação: o primeiro se refere à relação do
trabalhador com o produto de seu trabalho, em que este lhe aparece como algo estranho,
alheio, uma vez que o trabalho é algo imposto para garantir a sua sobrevivência e não para
satisfazer as necessidades; o segundo se refere à própria atividade em que o trabalhador está
separado do ato de produzir, é apropriação do controle do trabalho por outros homens, a sua
atividade aparece como sofrimento, como a desrealização do trabalhador; o terceiro momento
diz respeito ao processo de fragmentação do homem como espécie humana através da qual o
trabalho aparece como propriedade privada, do Capital; e por fim o homem não se reconhece
como homem, ser genérico.
Segundo Marx, é com a expansão do capitalismo e com a consolidação do sistema
fabril (a grande indústria) que o trabalho torna-se uma atividade destituída de sentido para o
trabalhador, é a configuração extrema da exploração do trabalho e alienação do trabalho. O
sistema fabril transforma o trabalhador em um apêndice da máquina, a máquina suga o
trabalho vivo na busca incessante de maiores lucros para o capital. Constitui-se um fetiche da
tecnologia, na qual a produtividade do trabalho aparece como produtividade da máquina.
Todavia, a máquina em si mesma não é responsável pelo despojamento dos trabalhadores dos
meios de subsistência, ela é uma vitória do homem sobre as forças naturais, facilita o trabalho
humano, mas a forma como é utilizada no sistema capitalista gera resultados totalmente
contrários, aumenta a jornada de trabalho, intensifica o trabalho, escraviza o homem que se
32
torna seu eterno serviçal e pauperiza os trabalhadores. Desta forma, o uso da maquinaria
redefine a relação de poder e de subordinação do trabalhador, alterando qualitativamente o
conteúdo do seu trabalho e a sua capacidade produtiva.
Desta forma, a vida inteira do trabalhador é confiscada aos interesses imperativos do
capital, pois há uma subordinação real do trabalho ao capital na grande indústria. O trabalho
na fábrica exaure todas as forças do trabalhador, o capitalismo torna-se o legislador absoluto
que dita as regras, como bem afirma Marx, no regime fabril cessa de fato toda liberdade do
trabalhador, este está submetido a uma tirania física e espiritual. A exploração do trabalho é
realçada na sua forma espúria, o trabalho fabril degrada a condição do homem.
A diretriz de economizar os meios sociais de produção, diretriz que
concretiza, de maneira cabal e forçada, no sistema de fábrica, leva o capital ao roubo
sistemático das condições de vida do trabalhador durante o trabalho (MARX, 2001,
p.486).
O capitalismo se constitui como o modo de produção e reprodução social que se baseia
centralmente na expropriação do trabalho alheio, exaurindo progressivamente uma de suas
principais riquezas: o trabalhador. O trabalhador é explorado em toda a sua dimensão humana
e com base na autonomia do instrumental de trabalho, a maquinaria, lhe submete a uma
competição com a própria máquina que é resultado do próprio trabalho humano, assim como,
transforma todos os indivíduos em força de trabalho disponível ao processo de produção de
capitalista
6
. Trata-se da fragmentação do homem e do produto de sua ação humana, o
trabalho. Mas a lógica social do modo de produção e reprodução do sistema capitalista
também produz uma outra forma de fragmentação do trabalho, é a fragmentação social e
política da classe trabalhadora. Com o desenvolvimento das forças produtivas e da
produtividade do trabalho, com a ampliação do sistema de produção e da acumulação
6
O trabalho obrigatório, para o capital, tomou o lugar dos folguedos infantis e do trabalho livre realizado, em
casa, para a própria família, dentro de limites estabelecidos pelos costumes” (MARX, 2001, p.451)
33
capitalista em escala global, há uma modificação progressiva e radical na composição social
do capital que resulta na constituição de uma população relativamente supérflua de
trabalhadores ao processo de produção. Dessa maneira, é constituinte do modo de produção e
acumulação capitalista a formação de um exército de trabalhadores inteiramente disponível às
necessidades do capital, que recebe de Marx a denominação de Exército Industrial de Reserva
ou Superpopulação Relativa.
1.2 O conceito de Exército Industrial de Reserva
É no capítulo XXIII d’O Capital (Livro I, vol. II) que Marx desenvolve com
profundidade o conceito de Exército Industrial de Reserva. Seu objetivo principal neste
capítulo, intitulado: A lei geral da acumulação capitalista, é examinar as influências que a
expansão do capital exercem sobre o destino da classe trabalhadora. Qual a sorte da classe
trabalhadora com o aumento do capital? Esta pergunta é central para entendermos o papel do
exército industrial de reserva no conjunto do sistema capitalista. Dois fatores são
fundamentais para responder a tal pergunta: a composição do capital e as mutações que
ocorrem com ele ao longo do processo de acumulação.
Para Marx, a composição do capital tem dois aspectos interdependentes: 1) todo
capital é composto segundo o valor; 2) e todo capital apresenta uma composição técnica. Do
ponto de vista do valor, a composição do capital tem como condição determinante a
proporção em que o capital se decompõe em constante (o valor dos meios de produção) e
variável (o valor da força de trabalho – a soma geral dos salários). Do ponto de vista da
matéria que põe em movimento o processo produtivo, a composição do capital é determinada
34
pela relação entre o volume dos meios de produção aplicados e a quantidade de trabalho
necessário para que estes meios sejam aplicados, por conseguinte, o capital é composto dos
meios de produção e da força de trabalho viva. Entre estas duas formas de composição há
uma estreita correlação. Denomina-se de composição orgânica do capital (ou simplesmente
composição do capital), a correlação em que a composição segundo o valor é determinada
pela composição técnica do capital e expressa as mudanças que nela ocorrem.
Segundo Marx, o aumento de capital demanda necessariamente aumento da sua parte
variável, ou seja, da força de trabalho viva. Uma parte da mais-valia que é convertida em
capital adicional sempre tem que ser transformada em capital variável, constituindo um fundo
adicional de trabalho. Supondo-se que a composição orgânica do capital não se alterará, isto é,
que para determinada massa de meios de produção empregados sempre será necessária a
mesma quantidade de força de trabalho e, levando em consideração que estas condições se
manterão inalteradas, a procura de trabalho e os salários dos trabalhadores aumentariam na
mesma proporção do acréscimo de capital. Marx exemplifica didaticamente esta suposição
afirmando:
O capital produz anualmente mais-valia, parte da qual se agrega todo ano ao
capital original; esse acréscimo aumenta todo ano com o acréscimo do capital que já
está em funcionamento; além disso, a escala da acumulação pode ser ampliada,
alterando-se apenas a repartição da mais-valia ou do produto excedente em capital e
renda, se houver um incentivo especial ao impulso de enriquecimento, como, por
exemplo, quando surgem novos mercados, novas esferas de aplicação do capital, em
virtude do desenvolvimento de novas necessidades sociais etc. Esses fatores podem
fazer as necessidades de acumulação do capital ultrapassarem o crescimento da
força de trabalho ou número de trabalhadores, a procura de trabalhadores pode ser
maior que a oferta, ocasionando assim a elevação dos salários É o que teria
acontecido, caso não se alterasse a suposição que fizemos anteriormente (MARX,
2001, p.716).
No entanto, independente das condições sociais em que se conservam e/ou se
reproduzem os assalariados, sejam elas favoráveis ou não a estes, a característica fundamental
da produção capitalista permanece intocável. A reprodução simples ou ampliada produz
35
continuamente a estrutura social da relação capitalista, a relação de dominação entre
capitalista e assalariados. Nesta relação, a força de trabalho é fonte geradora do capital, tem
de ser incorporada constantemente a este, como meio de expandi-lo, fazendo-o crescer e se
multiplicar pelos confins do mundo. Na condição de assalariado, o trabalhador não pode se
livrar dele, está pelas suas próprias mãos escravizado às amarras do capitalismo. A sua
reprodução, na verdade nada mais é do que a própria reprodução do capital. “Acumular
capital é, portanto, aumentar o proletariado” (MARX, 2001, p. 717). A relação que se
estabelece é de interdependência, porém, a afirmação de um é a negação do outro.
Quando o capitalista compra a força de trabalho não a faz para satisfazer as suas
necessidades pessoais através dos serviços prestados por ela ou dos bens que ela pode
produzir. Esta não é a regra específica da produção capitalista. O capitalista compra a força de
trabalho porque quer aumentar seu capital, para tanto, é necessário que esta mercadoria
específica, força de trabalho, produza mercadorias que contenha mais trabalho do que é
preciso para sua reprodução, ou seja, o trabalho não-pago ou trabalho gratuito. A lei absoluta
do modo de produção capitalista é a produção de mais-valia. “A força de trabalho só é
vendável quando conserva os meios de produção como capital, reproduz seu próprio valor
como capital e proporciona, com o trabalho não-pago, uma fonte de capital adicional
(MARX, 2001, p. 722). A lei absoluta da acumulação capitalista exclui qualquer possibilidade
de diminuição da exploração da força de trabalho, da mesma maneira que impede todo
aumento do preço do trabalho que comprometa cronicamente a reprodução contínua da
relação capitalista, bem como a sua reprodução em escala ampliada. A lógica da produção
capitalista inverte a “ordem das coisas”, o trabalhador existe para as necessidades imperativas
da expansão do capital, ao invés da riqueza material existir para as necessidades sociais do
trabalhador. Aqui o trabalhador encontra-se subjugado ao capital pelos frutos que são colhidos
com suas próprias mãos.
36
Observada estas características gerais do sistema capitalista, Marx prossegue a sua
argumentação afirmando que no decurso do processo de acumulação alcança-se sempre um
determinado patamar de desenvolvimento, que a produtividade do trabalho transforma-se na
mais poderosa alavanca da acumulação capitalista.
O grau de produtividade do trabalho, numa determinada sociedade, se
expressa pelo volume relativo dos meios de produção que um trabalhador, num
tempo dado, transforma em produto, com o mesmo dispêndio de força de trabalho
(MARX, 2001, p. 725).
Com o aumento da produtividade do trabalho há um decréscimo da quantidade de
trabalho em relação à massa dos meios de produção empregada, ou seja, ocorre uma redução
do fator subjetivo do processo de trabalho em relação aos fatores objetivos. Esta é a principal
mudança na composição técnica do capital, que por sua vez, reflete imediatamente na
composição do capital segundo o valor (aumento da parte constante às custas da parte
variável).
O desenvolvimento da produtividade do trabalho coletivo pressupõe a cooperação em
escala ampliada. A existência de vários trabalhadores atuando ao mesmo tempo em um
mesmo local de trabalho, produzindo o mesmo tipo de mercadoria sob a direção de um
mesmo capitalista se consolida historicamente como a premissa básica para a produção
capitalista. Quando o capitalismo emprega vários trabalhadores que anteriormente
trabalhavam isoladamente, implementa-se uma mudança nas condições do processo de
trabalho
7
. Neste sentido, “chama-se de cooperação a forma de trabalho em que muitos
trabalham juntos, de acordo com um plano, no mesmo processo de produção ou processos de
produção diferentes, mas conexos” (MARX, 2001, p.378). É somente com base neste
pressuposto que se pode organizar a divisão e combinação do trabalho, otimizar os meios de
7
Processo de trabalho compreendido como a relação que os homens estabelecem com os meios de trabalho, os
instrumentos de trabalho e o resultado da própria atividade realizada.
37
produção através da concentração em massa; introduzir um novo instrumental de trabalho, a
maquinaria, capaz de transformar o processo de produção e a relação do trabalhador com seu
próprio trabalho, enfim, assegurar a expansão do capital mediante a extração da mais-valia ou
do trabalho excedente. A existência da cooperação em grande escala também pressupõe que
os meios de produção social e os meios de subsistência se tornem propriedades particulares de
capitalistas. É apenas sob a forma capitalista que a produção de mercadorias torna-se
produção em larga escala. Todos os métodos elaborados pela gerência capitalista para elevar
a força produtiva social do trabalho têm uma dupla funcionalidade, servem a um só tempo
para ampliar a produção do trabalho excedente, fator constitutivo da acumulação, e para
acelerar a acumulação.
Acumular para produzir e produzir para acumular muito mais, este é o ciclo perene do
capitalismo. A acumulação do capital é um fator de desenvolvimento do modo de produção
capitalista, este por sua vez, através do processo de valorização e exploração do trabalho vivo
(a força de trabalho) converte parte do trabalho não-pago (mais-valia) em mais capital,
impulsionando o aceleramento da acumulação. Assim, toda acumulação é um meio para uma
nova acumulação. O crescimento da quantidade de riqueza produzida pelo capital faz com
que a acumulação aumente progressivamente a concentração dessa riqueza nas mãos de
capitalistas individuais, da mesma forma que aumenta a produção de mercadores em larga
escala e os métodos de produção. Esta concentração decorrente da acumulação de capital
caracteriza-se por dois aspectos importantes: a) trata-se de concentração crescente dos meios
de produção social nas mãos de capitalistas individuais e do comando sobre o trabalho; b)
parte do capital social situado em cada ramo de produção é repartida entre os vários
capitalistas individuais que se confrontam com produtores independentes e concorrem entre
si.
38
Outro processo decorrente da acumulação do capital é a centralização dos capitais.
Diferente da concentração simples dos meios de produção e do comando do trabalho, a
centralização é a concentração de capitais já formados que têm a sua liberdade confiscada, é a
expropriação do capitalista pelo capitalista, onde diversos capitais pequenos se transformam
em poucos capitais grandes. Os seus limites não estão dados pelos limites absolutos da
acumulação. “O Capital acumula aqui nas mãos de um só, porque escapou nas mãos de
muitos noutra parte” (MARX, 2001, p.729).
A centralização de capitais é um mecanismo social de importância fundamental para o
progresso da acumulação social, pois acelera e amplia as transformações na composição
técnica do capital aumentando às custas da parte variável a parte constante, como
conseqüência imediata, há uma redução da procura relativa de trabalho. Os novos capitais que
surgem no decorrer do processo de acumulação normal têm como seu campo de atuação
preferencial a exploração de inventos e descobertas, cujo objetivo é aperfeiçoar a produção
industrial, introduzindo mudanças tecnológicas e na gestão do trabalho. Por sua vez, todo
capital velho em determinado momento rejuvenesce, renasce com a introdução de técnicas
modernas, reduzindo a quantidade de trabalho em detrimento do aumento do volume de
máquinas e de matérias-primas a serem empregadas. Esta redução da procura relativa de
trabalho decorrente do processo de renovação de capitais é mais intensa quanto maior for o
processo de centralização de capitais. De acordo com Marx (2001 p. 731):
O capital adicional formado no curso da acumulação atrai, relativamente à
sua grandeza, cada vez menos trabalhadores. E o velho capital periodicamente
reproduzido com nova composição repele, cada vez mais, trabalhadores que antes
empregava.
Neste sentido, constata-se que o modo de produção capitalista e os diversos processos
a ele associados, o desenvolvimento da força produtiva do trabalho e as mudanças na
composição técnica do capital, não apenas acompanham o progresso da acumulação social ou
39
da riqueza social, avançam com rapidez muito maior. Com o crescimento do capital, varia a
relação entre capital variável e capital constante, ou seja, o valor que o capital emprega em
força de trabalho do seu volume global reduz progressivamente, ao mesmo tempo, o valor
empregado em meios de produção aumenta cada vez mais em relação ao valor global do
capital. No entanto, a procura de trabalho não é determinada pela magnitude global do capital,
mas pela magnitude do capital variável. Assim sendo, a procura de trabalho cai
progressivamente com o aumento do capital global, ao invés de crescer proporcionalmente
com ele. Ao aumentar o capital global, com ele também aumenta a força de trabalho, mas em
proporções cada vez menores. Aparentemente esta redução relativa da parte variável, que é
resultante do processo de aceleração da acumulação geral, pode dar a impressão de que há
um crescimento absoluto da população trabalhadora muito mais rápido do que a oferta de
trabalho, ou se preferirmos, os meios de ocupação desta população. Mas, faz parte da lógica
da produção capitalista criar uma população “excedente” que se torna “supérflua” na medida
em que não é necessária ao ciclo de expansão do capital, ou seja,
(...) a acumulação capitalista sempre produz, e na proporção da sua
energia e de sua extensão, uma população trabalhadora supérflua
relativamente, isto é, que ultrapassa as necessidades médias da expansão do
capital, tornando-se, desse modo, excedente. (MARX, 2001, p.733) (grifo nosso).
O fato de existir uma população trabalhadora supérflua inteiramente disponível aos
interesses do capital é com certeza um bom indicador da perversão social da sociedade
capitalista, e das amarras a que estão acorrentados os trabalhadores neste sistema societal. É a
acumulação capitalista que produz esta população excedente de trabalhadores, mas quem
produz a acumulação do capital? Não são os próprios trabalhadores que através da
expropriação do seu trabalho fornecem ao capital (que compra a sua força de trabalho) uma
fonte adicional de capital, o trabalho não pago, a mais valia? Embora ocorram constantes
transformações na composição técnica do capital, o trabalho vivo continua sendo a fonte
40
central de valorização do capital, portanto elemento constitutivo da acumulação do capital.
Por isso, a população trabalhadora, ao produzir a acumulação do capital, produz, em
proporções crescentes, os meios que fazem dela, relativamente, uma população supérflua”
(MARX, 2001, p. 734).
A população trabalhadora excedente é um mecanismo de regulação social do
sistema capitalista. Sendo resultado do desenvolvimento da riqueza concentrada nas mãos dos
capitalistas torna-se uma engrenagem indispensável da acumulação, uma condição necessária
do modo de produção capitalista. Esta população excedente constitui o que Marx denomina de
exército industrial de reserva, o qual se encontra sempre disponível para o Capital como se
fosse criado e mantido por ele. Mas como é que este exército se mantém inteiramente ao
dispor da vontade soberana do “deus-capital?” É muito simples. Quando o capitalista acumula
capital, o seu desejo compulsivo é de sempre e cada vez mais expandir o capital. Para
expandi-lo, obviamente, precisa de trabalho vivo, de força de trabalho. O exército industrial
fornece ao capital o material humano necessário para sua expansão, dispõe de uma legião de
trabalhadores sempre pronta para vender a sua força de trabalho, pois esta é a única
mercadoria que lhe pertence e cuja venda assegura a sua reprodução social. Com a expansão
do capital decorrente do volume de riqueza social produzida, o progresso da acumulação
transborda-se em novos capitais que se lançam impetuosamente para os velhos ramos de
produção ou então forjam ramos inteiramente novos. Quando isto ocorre, o exército industrial
de reserva oferece grandes quantidades de força de trabalho necessárias para estes novos
ramos sem causar prejuízos para os outros ramos.
Na visão de Marx, a indústria moderna tem um curso peculiar, nunca visto na história
da humanidade e nem nos primórdios do capitalismo, o seu ciclo de desenvolvimento é
decenal, apresentando movimentos pendulares que gravitam entre fases de atividade média,
de produção a pleno vapor ou de crise de estagnação. Este ciclo de desenvolvimento industrial
41
baseia-se na constituição contínua, na maior ou menor incorporação e na reconstituição do
exército industrial de reserva. É específica da estrutura da indústria moderna, a transformação
constante de parte da população trabalhadora em desempregados ou parcialmente
empregados. A época moderna se instaura sob o signo de uma forma de trabalhar e produzir
que continuamente transforma grandes massas de seres humanos em supérfluas, revoluciona
os meios de produção, inventa novos métodos de trabalho e eleva de forma gigantesca a
produtividade da força de trabalho coletiva.
O progresso é a sua marca maior, sob seus ombros a acumulação do capital põe em
movimento um capital variável com maior quantidade de trabalho, porém recrutando cada vez
menos trabalhadores, aumentando conseqüentemente a exploração da força de trabalho
empregada que produz um volume cada vez maior de riqueza para capital. Com isso, nasce
um regime peculiar de dominação política do trabalho, cujo principal elemento de regulação
social do modo de produção e acumulação capitalista fundamenta-se na fragmentação da
classe trabalhadora, na competição e na concorrência instaurada no seio dos próprios
trabalhadores, divididos e separados pela fronteira social dos que constituem o exército da
ativa e o exército de reserva do modo de produzir capitalista. O exército industrial de reserva
é o principal elemento de regulação social do sistema capitalista, é isto que faz dele uma
condição necessária para reprodução da acumulação capitalista. Conforme observa Marx:
O trabalho excessivo da parte empregada da classe trabalhadora engrossa as
fileiras de seu exército de reserva, enquanto, inversamente, a forte pressão que este
exerce sobre a aquela, através da concorrência, compele-a ao trabalho excessivo e a
sujeitar-se às exigências do capital. A condenação de uma parte da classe
trabalhadora à ociosidade forçada, em virtude do trabalho excessivo da outra parte,
torna-se fonte de enriquecimento individual dos capitalistas e acelera ao mesmo
tempo a produção do exército industrial de reserva, numa escala correspondente ao
progresso da acumulação. (MARX, 2001, p. 740).
Além disso, o exército industrial de reserva regula o conjunto dos movimentos gerais
dos salários, pois é a sua expansão ou concentração, a depender das mudanças periódicas do
42
ciclo industrial, que determina a baixa ou a alta dos salários. É um elemento importante de
regulação do mercado de trabalho. Enquanto regulador social do sistema, o exército industrial
de reserva cria as condições para que se torne completa a dominação do capital sobre o
trabalho, consolidando desta forma, o despotismo do capital. Como lei intrínseca ao
desenvolvimento do capitalismo, o exército industrial de reserva exerce um papel normativo e
coercitivo sobre a classe trabalhadora, impede a organização conjunta de empregados e
desempregados contra a lógica social da acumulação do capital, qual seja, a riqueza absoluta
do capital é a pobreza absoluta do trabalho. Logo, a existência do exército industrial tem
como função política fragmentar a ação da classe trabalhadora, de tal forma que, cada
trabalhador empregado não reconheça o outro, o desempregado, como alguém que
compartilha da mesma situação de classe, a de assalariado, mas como um inimigo, um
concorrente em potencial que a qualquer momento pode tomar o seu lugar; e assim, o
trabalhador é compelido a trabalhar excessivamente, aumentando o capital e ampliando a
massa de trabalhadores que engrossam as fileiras do exército industrial de reserva.
A superpopulação relativa que constitui o exército industrial de reserva não é uma lei
abstrata, é o produto da ação humana num determinado contexto histórico que continuamente
assume as seguintes formas na sociedade capitalista:
1) A superpopulação em forma flutuante: é composta pelo conjunto de
trabalhadores que depende do ciclo de expansão-retração do capital, sendo
ora repelidos, ora incorporados ao processo produtivo. Com o crescimento da
indústria, esta população aumenta com velocidade muito maior que aquela
em que é consumida. Fazem parte deste conjunto, todos os trabalhadores que
são expulsos das grandes indústrias por causa da introdução da maquinaria e
da utilização da força de trabalho das mulheres e das crianças;
43
2) A superpopulação relativa latente: é resultante do processo em que a
produção capitalista penetra no campo e transforma a agricultura em um
empreendimento tipicamente capitalista, fazendo com que parte da população
trabalhadora rural esteja constantemente disponível para engrossar as fileiras
do proletariado urbano industrial;
3) A superpopulação relativa estagnada: é constituída por parte do exército
industrial de reserva em ação, mas com ocupação completamente irregular.
Trata-se de um reservatório inesgotável de força de trabalho sempre
disponível às necessidades do capital, com condição de vida normal bastante
precária e abaixo da média da classe trabalhadora que beira ao nível da
subsistência. A característica fundamental de sua existência é a duração
máxima de trabalho e o mínimo de salário, cujo exemplo clássico é o trabalho
doméstico. Engrossam as suas fileiras todos os trabalhadores demitidos das
indústrias e expulsos da agricultura, e de modo especial dos ramos de
atividades em decadência. A legião de trabalhadores que compõe a
superpopulação estagnada aumenta no mesmo passo em que a aceleração da
acumulação do capital aumenta o contingente de trabalhadores supérfluos, é
nela que se encontra, se reproduz e se perpetua a maior parte da classe
trabalhadora excedente.
4) Por fim, no “mais profundo sedimento da superpopulação relativa vegeta no
inferno da indigência, o pauperismo” (Marx, 2001, 747). É a camada social
constituída por vagabundos, prostitutas e pelo refugo do proletariado. Está
dividida em três categorias. A primeira engloba todos os sujeitos aptos para
trabalhar, cujo número aumenta nos momentos de crise econômica e diminui
em tempos de expansão. Na segunda categoria, se enquadra os órfãos e os
44
filhos das viúvas que irão compor exército de industrial de reserva, sendo
rapidamente incorporados ao exército da ativa nos períodos de expansão do
capital. E a terceira, diz respeito aos degradados, desmoralizados, os
inválidos para trabalhar. Segundo Marx, o pauperismo é o espaço social para
onde vão os inválidos do exército ativo de trabalhadores e o peso morto do
exército industrial de reserva.
Já salientamos que a produção e reprodução do exército industrial de reserva é um
processo social que nasce e se consolida com o desenvolvimento do próprio capitalismo. A
sua existência revela um paradoxo do capitalismo. Todos os sujeitos sociais que dependem da
venda da sua força de trabalho para viver estão subordinados a relação de dominação
tipicamente capitalista, estejam integrados ao exército de trabalhadores da ativa ou da reserva,
todos são agentes do capital, são produtores e reprodutores da lógica social do capitalismo.
Esta lógica é prescrita por uma lei soberana, quanto maior a riqueza absoluta do capital tanto
maior será a superpopulação relativa de trabalhadores supérfluos, o progresso absoluto da
acumulação do capital é a miséria generalizada dos trabalhadores.
A lógica social do capitalismo subverteu a relação entre trabalho vivo e trabalho
morto; entre homem e natureza; enfim, a relação entre a força de trabalho e os meios de sua
sobrevivência. Graças ao progresso da produtividade do trabalho coletivo, um volume muito
maior de meios de produção podem ser empregados com menor dispêndio de trabalho
humano, ao invés do trabalhador empregar o instrumental de trabalho é o instrumental de
trabalho quem emprega o trabalhador. E o que é pior, quanto mais se eleva a produtividade do
trabalho, maior será a pressão que exercerá o trabalhador sob os meios, e mais precária ainda
será a sua condição de existência, isto é, a venda da sua força de trabalho para aumentar a
riqueza do capital.
45
O trabalhador, ao fornecer os meios necessários para que o capital cresça e se expanda
cada vez mais, também lhe oferece os mecanismos que fazem dele uma força de trabalho
supérflua, excedente. Portanto, o filho primogênito da modernidade, o capital, cresce e se
reproduz das energias vitais do trabalho humano, como um vampiro suga-lhe até a última gota
de sangue e depois decreta a sua sentença de morte: engrossarás a legião do exército de
trabalhadores supérfluos e lá viverás até o dia que eu desejar ou talvez para todo o sempre.
As palavras de Marx explicitam a perversão social da moderna forma de trabalhar e produzir:
(...) dentro do sistema capitalista, todos os métodos para elevar a
produtividade do trabalho coletivo são aplicados à custa do trabalhador individual;
todos os meios para desenvolver a produção redundam em meios de dominar e
explorar o produtor, mutilam o trabalhador, reduzindo-o a um fragmento de ser
humano, degradam-no à categoria de peça de máquina, destroem o conteúdo do seu
trabalho, transformado em tormento, tornam-lhe estranhas as potências intelectuais
do processo de trabalho, na medida em que este se incorpora a ciência, como força
independente, desfiguram as condições em que trabalha, submetem-no
constantemente a um despotismo mesquinho e odioso, transformam todas as horas
de sua vida em horas de trabalho e lançam sua mulher e seus filhos sob o rolo
compressor do capitalismo. Mas todos os métodos para produzir mais-valia são, ao
mesmo tempo, métodos de acumular e todo aumento da acumulação tornam-se,
reciprocamente, meio de desenvolver aqueles métodos. Infere-se daí que, na medida
em que se acumula o capital, tem de piorar a situação do trabalhador, suba ou desça
sua remuneração. A lei que mantém a superpopulação relativa ou o exército
industrial de reserva no nível adequado ao incremento e à energia da
acumulação acorrenta o trabalhador ao capital mais firmemente do que os
grilhões de Vulcano acorrentavam Prometeu ao Cáucaso. Determina uma
acumulação de miséria correspondente à acumulação de capital. Acumulação de
riqueza num pólo é, ao mesmo tempo, acumulação de miséria, de trabalho
atormentante, de escravatura, ignorância, brutalização e degradação moral, no pólo
oposto, constituído pela classe cujo produto vira capital. (MARX, 2001, p.749)
(Grifo nosso).
Até o momento, o que fizemos foi uma reconstrução teórica das principais
formulações de Marx a respeito do trabalho na sociedade capitalista, dando acentuado
destaque à importância do conceito de exército industrial de reserva. Ao formular este
conceito, o autor de O Capital acaba construindo uma espécie de cartografia social do
mercado de trabalho na sociedade capitalista, privilegiando em sua abordagem, os aspectos
relacionais e a funcionalidade das partes constituintes do mercado de trabalho na estrutura
social do sistema capitalista, o que implica em dizer que, não há lugar na teoria de Marx para
46
uma compreensão dualista do mercado de trabalho e dos processos a ele associado, bem como
da sociedade em seu conjunto.
Nesta cartografia social do mercado de trabalho, os agentes sociais estão distribuídos
conforme a posição que ocupam na estrutura da produção e reprodução da sociedade, sendo
que a análise opera sempre com um princípio de diferenciação e integração social, o
princípio da integração sistêmica do trabalho na sociedade capitalista. Sendo assim, todas as
formas de trabalho e inclusive as que supostamente “não têm forma” estão inscritas na
dinâmica capitalista. Entendemos que o conceito de exército industrial de reserva é uma
categoria teórico-empírica importantíssima para compreendermos a problemática do chamado
“mundo do trabalho informal” na sociedade em que vivemos no limiar do século XXI.
(ALVES, M.A., 2001).
Vimos anteriormente que a existência de uma superpopulação relativa de
trabalhadores excedentes é uma lei histórica do capitalismo, aliás, sempre é bom lembrar que
um dos pressupostos da teoria social de Marx é de que os homens fazem a história, portanto, o
exército industrial de reserva é uma configuração histórica do capitalismo que reflete
continuamente as mudanças que ocorrem ao longo do seu desenvolvimento. Sabemos que o
capitalismo é uma relação social que tem características universais, mas que pode variar de
um estado nação para outro. O modo de produção capitalista assume certas especificidades
que refletem o jogo de forças da luta de classes e da formação histórica de cada Estado Nação.
O papel que exerce o exército industrial de reserva tanto nos países da América Latina quanto
nos países Europeus, onde prevaleceu por um bom tempo o modelo do Estado de Bem-Estar
Social, é o mesmo. No entanto, as formas históricas que assume variam de acordo com o
processo acumulação capitalista nas diversas realidades nacionais. Assim, dentre as diversas
formas que assume o exército industrial de reserva na sociedade contemporânea, a legião de
homens e mulheres que vivem do trabalho do informal é um dos segmentos mais importantes
47
que constituem a superpopulação relativa de trabalhadores supérfluos no capitalismo
moderno, de modo especial nos países em desenvolvimento.
Como parte constituinte do exército industrial de reserva, o conjunto de atividades que
compõe o trabalho informal faz parte da cartografia social do mercado de trabalho. Não está à
“margem” da dinâmica social do capitalismo, é um agente produtor e reprodutor do capital,
portanto, está subordinado à lógica da relação tipicamente capitalista. O capital também suga
todas as suas energias, mas ao contrário da força de trabalho humana expropriada diretamente
no processo produtivo, ele não paga nada pelo seu trabalho, é um trabalhador gratuito mantido
pelos proventos da parte ativa do exército de trabalhadores, é um “assalariado em idéia” que
produz indiretamente mais-valia, contribuindo para o processo de acumulação do capital
(DURÃES, 2004). Enquanto agentes sociais subordinados à lógica capitalista, os
trabalhadores informais também desempenham um papel fundamental no processo de
circulação das mercadorias e no custo da reprodução da força de trabalho.
Se observarmos atentamente as principais características que definem as formas que
são continuamente assumidas pelo exército industrial de reserva, veremos que o conjunto dos
trabalhadores informais, que compõe a cena urbana da maioria das grandes cidades
brasileiras, encontra-se subdividido entre a superpopulação relativa flutuante e a
superpopulação relativa estagnada. Uma parcela significativa das atividades informais é
criada e recriada pelo processo de expansão-retração do ciclo econômico, é o caso do
segmento de trabalhadores autônomos mais especializados que prestam serviços para
empresas e pessoas físicas que, devido ao processo de reengenharia dos arranjos produtivos e
do movimento de “terciarização” da economia, têm maiores chances de obter maiores
rendimentos. Uma outra parte dos trabalhadores informais vive sob signo da “duração
máxima de trabalho e mínimo de salário”. Estão completamente ocupados, mas de forma
irregular. Enquadram-se aí todos os trabalhadores que fazem da rua o espaço privilegiado para
48
oferta de bens e serviços à população em geral: os vendedores ambulantes fixos e não-fixos,
os biscateiros, os feirantes, as baianas de acarajé, donos de negócio familiar; compõem a
superpopulação relativa estagnada.
As recentes transformações que vem ocorrendo no mundo do trabalho nas últimas
décadas, principalmente a partir da crise do fordismo e da vigência de um novo regime de
acumulação, têm implicado em um processo de reconfiguração interna da própria população
trabalhadora excedente. Com a “flexploração” do exército de trabalhadores da ativa no
contexto do capitalismo flexível
8
, cresce constantemente a superpopulação relativa, e de modo
especial nas formas flutuante e estagnada, as quais são constituídas em sua quase totalidade
pelos desempregados e trabalhadores informais respectivamente. Tendo como base a
realidade brasileira, observa-se que a reestruturação produtiva do capital e a adoção das
políticas neoliberais são fatores que contribuem decisivamente para avanço da “flexploração
do trabalho” em nosso país, interferindo diretamente na posição que ocupam os trabalhadores
na cartografia social do mercado de trabalho e do exército industrial de reserva.
Trata-se basicamente de dois movimentos: primeiro, é o movimento de transição da
condição de desempregado para a de trabalhador informal, ou se preferirmos, a migração de
parcela crescente da superpopulação flutuante para a estagnada. Este movimento reflete a
situação do trabalhador desempregado que não consegue encontrar emprego e na urgência de
continuar sobrevivendo, tem no trabalho informal a única opção de trabalho e renda. O
segundo movimento refere-se a transição de parte da superpopulação relativa flutuante para o
pauperismo. No contexto de flexibilização e precarização do trabalho, o desemprego
8
Para Harvey o capitalismo flexível está sustentando num novo regime de acumulação que pode ser
caracterizado do seguinte modo: “ A acumulação flexível, (...) é marcada por um confronto direto com a rigidez
do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e
padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas
maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas
de invocação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos
padrões de desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, por exemplo, um
vasto movimento no emprego no chamado ‘setor de serviços’, bem como conjuntos industriais completamente
novos em regiões até desenvolvidas.”(HARVEY,1999,p.140).
49
estrutural têm sido um dos maiores problemas sociais de nossa época, o tamanho da
superpopulação relativa flutuante cresce a níveis inusitados na história do capitalismo a ponto
de colocar em risco o tecido social de uma forma em geral, e tem como conseqüência mais
grave a transição de parte dos desempregados para o pauperismo, fazendo aumentar o número
dos “inúteis para o mundo” (CASTEL, 1999).
Atento aos objetivos de nossa pesquisa talvez seja pertinente afirmar que a condição
provisória-permanente do trabalhador informal é a condição social resultante do movimento
de transição da superpopulação flutuante para a estagnada sendo, no contexto do capitalismo
flexível, uma das formas centrais do exército industrial de reserva e um meio indispensável
para a valorização do capital. É extremamente instigante entendermos como esta condição
provisória-permanente do trabalho informal se reproduz na dinâmica social do capitalismo,
seja tanto do ponto de vista de sua inserção na estrutura produtiva quanto do ponto de vista da
construção simbólica que classifica e dá sentido a esta condição. A subordinação do trabalho
informal à lógica social do capitalismo não implica apenas na definição do lugar que este
ocupa na estrutura econômica da sociedade, mas diz respeito também a um processo de
convencimento ideológico e de mobilização contínua dos agentes reprodutores do capital a se
predisporem a agir de determinada forma que assegure a reprodução do sistema como um
todo.
A formação e manutenção de um exército de trabalhadores excedentes inteiramente
disponível aos interesses do desenvolvimento capitalismo pressupõe a invenção contínua de
“uma ilusão de época”, ou seja, a imputação de um conjunto de valores pertencentes à classe
burguesa para toda a classe trabalhadora. A reprodução de um discurso empresarial que
mobilize as capacidades pró-ativas do trabalhador aos interesses do capital é essencial para
fazer dos trabalhadores que compõem o exército industrial de reserva agentes incondicionais
do capital. Consideramos que no contexto do capitalismo flexível, a difusão da ideologia
50
empresarial do empreendedorismo/contrapropismo, isto é, a idéia do “trabalhador: patrão e
empregado de si mesmo”, se apresenta como um poderoso mecanismo de dominação
simbólica que inscreve e perpetua o trabalhador informal na lógica de reprodução do sistema
capitalista.
Portanto, o exército industrial de reserva é uma formulação teórico-empírica de
entendimento do trabalho informal na atualidade, através dele é possível delimitar o campo de
ação do trabalho informal na cartografia social do mercado de trabalho, e as suas formas de
integração na estrutura social da sociedade capitalista. Ademais, cabe registrar que este
referencial marxista é um dos principais aportes teóricos que fundamenta o debate conceitual
e político sobre a problemática do trabalho informal no processo de industrialização dos
países da América Latina, e de modo especial no Brasil, onde desde a década 70 há uma vasta
produção intelectual no campo das ciências sociais que, apoiada nas principais formulações de
Marx, produzirá uma teoria crítica sobre a problemática do subdesenvolvimento e da
marginalidade social na América Latina (ALVES, M. A., 2001).
51
CAPÍTULO 2
A TRAJETÓRIA DO CONCEITO DE TRABALHO INFORMAL: EVOLUÇÃO,
DIVERGÊNCIAS E CONTRADIÇÕES.
Desde a sua origem, nos meados da década de 60 e 70, o conceito de trabalho
informal ou de informalidade tem se constituído como um problema teórico e político que de
uma forma ou de outra sempre esteve presente na agenda pública dos problemas sociais da
realidade brasileira. A trajetória do conceito e os deslocamentos do seu campo semântico são
imagens refletidas das metamorfoses da questão social brasileira, um termômetro social das
contradições do desenvolvimento capitalista num país periférico como o Brasil.
Na vasta literatura produzida sobre o trabalho informal no campo das ciências sociais
e da economia, a noção de informalidade é um dos termos mais polêmicos e objeto de
intensos debates e controvérsias, pois engloba várias situações analiticamente distintas, como
setor informal, mercado informal, economia subterrânea e outros. A heterogeneidade de
sentidos e usos práticos é uma marca histórica do conceito de informalidade. No entanto, a
dinâmica evolutiva do conceito está essencialmente relacionada com as principais
tematizações da realidade social, ou seja, os sentidos atribuídos ao conceito de informalidade
são sempre construídos reflexivamente, dependem do movimento real do mundo social. O
grande desafio imposto à percepção social subjacente a produção sociológica é a capacidade
de elaborar esquemas cognitivos que expliquem a complexidade do movimento do real. Este
talvez seja um dos maiores problemas do conceito de informalidade na contemporaneidade,
qual seja, o risco de esvaziamento da sua capacidade analítica e força prática diante das
transformações recentes no mundo do trabalho.
52
A noção de informalidade desde sua origem se consolidou como uma categoria
analítica voltada para o entendimento do problema da integração social do imenso
contingente de trabalhadores que migravam do campo para as cidades dos países
subdesenvolvidos ao “setor moderno” da economia. (CACIAMALI, 1991; FILGUEIRAS;
DRUCK;AMARAL, 2004).
De acordo com Machado da Silva (2003, p.142):
(...) desde sua origem, ‘informal’ tem sido uma noção orientada para
discutir ‘o outro lado’ da problemática, se não exatamente do emprego, ao menos da
mobilização ativa do trabalho – ela foi proposta para analisar as dificuldades e
distorções da incorporação dos trabalhadores ao processo produtivo em contextos
nos quais o assalariamento era pouco generalizado.(Grifo do autor)
Neste primeiro momento, o debate é marcado por muita polêmica e pelo confronto de
duas posições polares, embora compartilhassem de pressupostos comuns. De um lado, estava
a “teoria da modernização” que sustentava a tese que o baixo nível global de capitalização dos
países do mundo subdesenvolvido produzia uma estrutura de emprego urbano bastante
desequilibrada, contudo, esta situação era considerada como provisória, caracterizava-se
como uma forma de pré-incorporação dos trabalhadores migrantes aos empregos assalariados,
cujos comportamentos e atitudes estavam defasados em relação aos padrões da sociedade
moderna, mas também já não eram mais completamente tradicionais. Nesta mesma direção,
surgia uma nova interpretação, porém em uma versão menos otimista devido às dificuldades
do processo de industrialização nos países subdesenvolvidos baseado no modelo de
substituição de importações, isto é, a “teoria da marginalidade”, a qual enfatizava que as
conseqüências do processo de modernização das economias dos países em desenvolvimento
geravam uma estratificação social em que os trabalhadores não incorporados ao processo
produtivo estariam fadados às situações de trabalho marginais em longo prazo, estando
excluídos dos padrões sócio-culturais e econômicos da sociedade moderna. Por esta ótica, o
53
trabalho informal é considerado como marginal, desintegrado da estrutura produtiva e não
exerce nenhuma função na estrutura econômica da sociedade. Portanto, estas duas teorias
operam com dualismo estrutural que opõem “tradicional” ao “moderno”, o “marginal” ao
“integrado”. (MACHADO DA SILVA, 1993; KOWARICK, 1975, ALVES, 2001).
Do outro lado do debate, a crítica marxista enfatiza as contradições intrínsecas ao
processo de acumulação capitalista que produz por sua própria lógica um excedente de
trabalho necessário para a reprodução do sistema. Inspirados pelas formulações de Marx,
diversos autores irão se contrapor a perspectiva dual que considerava o trabalho informal
como disfuncional ou “afuncional” à estrutura produtiva e buscarão reunificar a análise da
estrutura social. Uma primeira tentativa de reação é formulada no âmbito da “teoria da
dependência”, ainda bastante marcada pelo dualismo estrutural. Esta teoria propôs uma
distinção conceitual entre exército industrial de reserva e “massa marginal”, categoria
constituída de trabalhadores “afuncionais” para o processo produtivo.
Logo depois, surgiu a tese da “superexploração” da força de trabalho que se
consolidou como uma crítica a todas interpretações dualistas (inclusive de “massa marginal”).
O livro de Francisco de Oliveira (1972), A critica a razão dualista, é um dos clássicos desta
tese, uma vez que reafirma que a unidade da exploração capitalista é toda a classe
trabalhadora e não apenas a parcela dos trabalhadores que estão inseridos no exército da ativa,
pois mesmo as formas de trabalho consideradas como não-tipicamente capitalistas estão
subordinadas à lógica do capital e contribuem para o processo de acumulação na medida que
rebaixam o custo de reprodução da força de trabalho. Com base na tese da “superexploração
da força de trabalho serão desenvolvidas durante a década de 70 uma série de estudos e
pesquisas que problematizarão, à luz das realidades regionais, as principais questões
suscitadas pela perspectiva do dualismo estrutural, dentre elas cabe merecido destaque os
estudos realizados pela sociologia baiana, importante referência na literatura sobre trabalho
54
informal. Trata-se da coletânea de textos organizada por Vilmar Faria e Guaraci Adeodato
que foi publicada pela Editora Vozes em 1980, intitulada: Bahia de todos os pobres.
De forma sintética, poderíamos afirmar que neste primeiro momento da trajetória do
conceito de informalidade, a configuração do debate se estruturou basicamente em torno de
duas questões: as formas de inserção dos trabalhadores informais à estrutura produtiva e o
grau de integração das atividades informais à estrutura produtiva. Estas eram questões que
estavam no centro da polêmica e das divergências teóricas entre as perspectivas da dualidade
estrutural e a crítica marxista. Embora o debate fosse polarizado neste primeiro período –
década de 1970 até o início da década de 1980 -, havia um consenso entre as diferentes
abordagens sobre “os usos sociais do trabalho”. De acordo com Machado da Silva (2003) os
pontos de consenso do debate seriam os seguintes: 1) as diversas análises sobre a
informalidade concentraram-se na organização do mercado de trabalho urbano; 2) a aceitação
de que a economia tinha um núcleo dinâmico que funcionava como alavanca do
desenvolvimento e dava consistência ao sistema econômico; sendo que durante as décadas de
60/70 este papel foi atribuído ao setor secundário, de tal forma que o emprego assalariado
estável na indústria era o ponto de referência implícita em todas discussões sobre a
informalidade; 3) todas as posições tinham como pressuposto que a relação de assalariamento
era típica da organização do trabalho urbano-industrial e compartilhavam da idéia de que o
trabalho assalariado industrial tinha propensão a se universalizar como forma de produção de
riqueza e reprodução social; 4) por fim, o último ponto em comum era questão do “pleno
emprego”, não se tratava apenas de uma pura especulação ou ideologia, a problemática da
informalidade tomava como referência o exemplo histórico da tendência do assalariamento
nos países centrais, de modo particular nas social-democracias européias, e o debate girava
em torno da possibilidade real de que tal tendência também ocorresse no Brasil. Dessa forma,
55
“o par formal-informal” correspondia à forma aparente do jogo claro-escuro representado pelo
ideal inatingido do pleno do emprego (MACHADO DA SILVA, 2003, p. 148).
Na virada dos anos 80, configura-se um novo momento na trajetória do conceito de
informalidade. Com a crise do fordismo e do Estado de Bem Estar, a noção de informalidade
se generaliza e é importada pelas análises contemporâneas dos países mais industrializados,
perdendo a exclusividade de ser uma questão relacionada aos problemas do processo de
urbanização e industrialização no mundo subdesenvolvido. Constata-se aqui um deslocamento
do campo semântico do conceito, se no primeiro momento a análise está centralizada no ponto
de vista dos trabalhadores, ou seja, é o trabalho informal e suas formas de integração ao
processo produtivo; agora a perspectiva analítica privilegia a dimensão dos conflitos de
legitimidade e o quadro político-institucional que regulam as atividades laborais, por
conseguinte, as análises são construídas a partir do ponto de vista dos agentes sociais que
usam o trabalho. Ao invés de trabalho informal passa-se a falar em economia informal,
também denominada de economia ilegal, submersa, subterrânea. A implicação imediata de tal
mudança de enfoque é que perde completamente o sentido da análise setorial do mercado de
trabalho, pois o critério básico de definição do campo empírico da informalidade é o conjunto
de atividades ou formas de produção e as relações de trabalho que fogem a regulação do
Estado, seja estas tributárias, trabalhistas ou de qualquer outro tipo. Portanto, o papel do
Estado e sua capacidade de intervir na economia é o eixo central do debate sobre a
informalidade neste momento. (MACHADO DA SILVA, 1990, 1993, 1996;
CACCIAMALLI, 1991,2000; LAUTIER, 1993, 1997).
Por último, evidencia-se um terceiro momento na trajetória do conceito de
informalidade, marcado por uma ampla revisitação da literatura clássica sobre o tema e de
novas polêmicas. A configuração do debate anuncia “os sinais dos tempos”, é forjado no bojo
do acirramento das conseqüências da reestruturação produtiva e da flexibilização das relações
56
de trabalho, bem como da focalização das políticas sociais. Desta vez o deslocamento do
campo semântico tem como quadro de referência principal a problemática da flexibilidade do
trabalho, de modo a ampliar as dimensões cognitiva e social do conceito e com isto os riscos
de rebaixamento do seu “status cognitivo”. Seu campo semântico não se restringe apenas à
questão da integração da população pobre ao mercado de trabalho urbano, pois o movimento
real do fenômeno tornou-se ainda mais heterogêneo e complexo, assim como também se
tornaram mais fluídas as fronteiras entre o que é ou não é informalidade. Nesta direção, o
conceito de setor informal perde a sua força teórica e prática, sendo substituído
principalmente pela idéia de “processo de informalidade, “processo de informalização do
trabalho” ou “atividades não-fordistas” (CACCIAMALI, 2000; MACHADO DA SILVA;
CHINELLI,1997; FILGUEIRAS; DRUCK; AMARAL, 2004).
Nota-se a partir da década de 90, uma redefinição da problemática da informalidade
que aponta para uma nova perspectiva analítica empenhada na construção de um mapa
cognitivo e social que apreenda o trabalho informal como um espaço de dimensões
correlacionadas, ou seja, trata-se de um enfoque analítico que tenta articular a questão da
inserção produtiva e os conflitos de legitimidade associados à constituição da (s) cidadania (s)
(PAIVA, PONTENGY; CHINELLI, 1997). Sendo assim, a informalização do trabalho é um
processo resultante das transformações correlacionadas e interdependentes da esfera
econômica e da esfera política que estão em curso na sociedade brasileira.
Ao nosso ver, o que está em jogo na pauta de discussão é um fato inteiramente novo,
trata-se de um deslocamento radical do status da informalidade, o que antes representava uma
situação transitória na estrutura do mercado de trabalho, agora se apresenta como uma
situação permanente. O símbolo do atraso se converteu em sinônimo da modernidade. Na era
da “desertificação neoliberal” (ANTUNES, 2004) a informalidade é sinônimo de flexibilidade
e precarização do trabalho, sendo que todas as características que constituíram
57
tradicionalmente as estratégias de sobrevivência dos trabalhadores informais são transmutadas
em personificações do novo trabalhador do capitalismo flexível. (DRUCK, 2000; BARRETO,
2003, LIMA; SOARES,2002).
Após ter mapeado os principais momentos da trajetória conceitual da informalidade,
consideramos que seja interessante dar um “mergulho” na história do conceito, de modo que
possamos avaliar a sua validade teórica e o “novo status” na atualidade.
2.1 A origem do termo e a crítica a noção de setor informal
Na ampla literatura da sociologia do trabalho e da economia do trabalho é consenso
que a noção de “informal” surge pela primeira vez no âmbito dos estudos da Organização
Internacional do Trabalho, denominado de Programa Mundial de Emprego. Esta noção torna-
se canônica e difundida a partir de um estudo da OIT sobre a estrutura produtiva e do
emprego no Ghana em 1971 e no Quênia em 1972. (CARVALHO; SOUZA, 1978;
CACCIAMALI, 1991)
Uma das principais contribuições deste estudo foi o desenvolvimento de uma tipologia
alternativa, denominada de setor formal/informal, ao modelo dual clássico (setor
moderno/atrasado) bastante utilizado para analisar a estrutura produtiva, de emprego e renda
dos países com processo de industrialização tardia. A criação de uma nova tipologia
fundamentava-se no diagnóstico de que:
(...) o processo rápido de industrialização tinha gerado inúmeras e variadas
atividades que, embora modernas, tinham características peculiares: não eram
organizadas com base no trabalho assalariado e seu nível de remuneração
distanciava-se fortemente desse setor, situando-se próximo daquele das atividades
tradicionais (CACCIAMALI, 1991, p.123).
58
Segundo este estudo, o setor informal é resultante do excedente de força de trabalho
gerado pelo alto crescimento demográfico, que provocou um processo de migração do campo
para cidade, gerando um aumento desproporcional do contingente de trabalhadores urbanos à
capacidade de absorção da estrutura produtiva dos países em desenvolvimento.
(FILGUEIRAS, DRUCK, AMARAL, 2004). Para definir o que era setor informal, a OIT a
partir da pesquisa do Quênia estabeleceu os seguintes critérios:
Setor Formal Setor Informal
Defronta-se com barreiras à entrada Há facilidade de entrada
Depende de recursos externos
O aporte de recursos é de origem
doméstica
A propriedade do empreendimento é
impessoal
A propriedade do empreendimento é
individual ou familiar
Opera em larga escala Opera em pequena escala
Utiliza processos produtivos intensivos
em capital e tecnologia importada
Tecnologia adaptada e de cunho
trabalho intensivo
A mão de obra adquire as qualificações
requeridas por meio de escolaridade
formal
A mão-de-obra qualifica-se fora do
sistema escolar formal
Atua em mercados protegidos através
de tarifas, quotas, etc.
Atua em mercados competitivos e não
regulamentados
Fonte: Cacciamali (1991)
Esta noção de “setor informal” formulada pelos técnicos da OIT, logo foi incorporada
pela literatura especializada aos estudos sobre mercado de trabalho, no entanto, devido à falta
de rigor e homogeneidade na aplicação teórico/prática mostrou-se insuficiente e/ou limitada
para se entender a complexidade da dinâmica das sociedades do mundo subdesenvolvido, e
por isso, a divisão da economia em dois setores foi bastante criticada.
Embora o propósito da nova tipologia fosse apresentar um modelo analítico alternativo
ao modelo dual estrutural, na verdade tratou-se apenas de uma re-nomeação da dicotomia
estrutural, uma vez que as análises continuaram apreendendo a dinâmica social através de
59
uma abordagem dual-estática, bem como consideravam que estes dois setores eram
independentes e tinham características peculiares. A própria forma como o conceito foi
utilizado pelas diversas análises contrariava completamente o próprio diagnóstico que
fundamentou a construção da nova tipologia, a informalidade estava sempre associada às
camadas mais pobres da população e não se levava em consideração as formas de inserção da
população trabalhadora na estrutura produtiva de cada país.
Na essência a nova tipologia acaba ratificando as principais formulações da “teoria da
modernização”. De que forma? Na medida em que as análises vigentes no início da década de
70 interpretavam a estrutura sócio-econômica a partir de dois setores considerados como
independentes um do outro, o que se observava é que as mesmas acabavam reproduzindo a
forma como a teoria da modernização interpretava a mudança social nos países em
desenvolvimento e a dinâmica de integração/ não integração correlacionada a este tema. De
acordo Kowarick (1975) tal teoria apreende as mudanças do processo de industrialização e de
urbanização das sociedades na forma de “desajustes”, e estes são definidos a partir de um
conjunto de padrões caracterizados como “moderno”, o que pressupõe a noção de “tempos
históricos distintos”, ou seja, em determinado momento de uma sociedade coexistem padrões
que marcam épocas históricas diferentes. Estes padrões podem ser traduzidos em termos de
atrasos (tradicional) e avanços (moderno) de um setor em relação ao outro.
Neste sentido, a persistência de um setor informal é interpretada como a persistência
do tradicional em relação ao moderno, é o conjunto de atividades que não se orienta pela
racionalidade econômica típica das sociedades modernas. Contudo, a persistência de “formas
arcaicas de produzir e trabalhar” era vista como um processo de transição que tenderia a
desaparecer na medida em que aumentasse o progresso econômico e social das sociedades em
desenvolvimento. Este raciocínio também se aplica à maioria das análises iniciais que
utilizavam o conceito de setor informal, pois o informal é categorizado como a falta de algo
60
que existe no setor formal e que com o aumento do progresso do econômico das sociedades
em desenvolvimento tenderia a desaparecer.
No entanto, esta tendência não se confirmou com o passar dos anos da década de 70,
mas pelo contrário, a história do processo de industrialização e urbanização dos países da
América Latina demonstrou que o setor informal continuou a coexistir ao lado das modernas
formas de trabalho, em especial com o trabalho assalariado fabril. A partir desta constatação
histórica, o modelo dual-estático mostrou-se inadequado para compreender à dinâmica de
desenvolvimento do capitalismo nos países periféricos, de modo particular os processos de
integração da população trabalhadora à estrutura produtiva. Como afirma Kowarick (1975, p.
56): “a própria idéia de dualidade, entendida como contrastes entre estruturas cujas
dinâmicas são diferentes e autônomas encobre e escamoteia o problema”.
Em meados da década de 70, o problema central que se vislumbrava na produção
sociológica e econômica da América Latina a respeito da informalidade era entender como a
força de trabalho (nos termos marxistas) se integrava ao processo produtivo na medida em
que o capitalismo expandia, penetrava e dominava os diversos setores da economia. Deste
ponto de vista, recompor a unidade analítica e metodológica era tarefa primordial para
compreensão do processo de desenvolvimento capitalista nas sociedades latino-americanas.
Não se tratava mais de estruturas polarizadas e dicotômicas, mas uma única estrutura social,
um continuum social formado por diferentes atividades econômicas, que se interpenetravam
sob a dinâmica do capitalismo em razão do próprio processo de acumulação capitalista.
Trata-se de uma única lógica estrutural, de tipo capitalista, a qual ao mesmo
tempo gera e mantém formas de inserção na divisão do trabalho não tipicamente
capitalistas que longe de serem um peso morto constituem partes integrantes do
processo acumulação. (KOWARCIK, 1975, p. 61).
61
Conforme afirmamos anteriormente em torno da questão da informalidade estruturou-
se um debate polarizado por diferentes vertentes teóricas, sendo que a polêmica foi intensa
principalmente entre as vertentes da teoria da marginalidade e a crítica marxista.
O que é importante relembrar da teoria da marginalidade é a tese que o processo de
desenvolvimento (leia-se subdesenvolvimento) capitalista nas sociedades da América Latina
tem por característica a qualidade de “superexcludente” e de estar associado à criação e
manutenção de relações de produção não tipicamente capitalistas. Esta “superexclusão” seria
resultante das singularidades históricas do desenvolvimento capitalista nestas sociedades, ou
seja, o processo de industrialização das sociedades latino-americanas, principalmente a partir
da segunda guerra mundial, se deu com base no capital monopolista, cujo nível tecnológico já
era relativamente elevado e poupador de mão de obra, que tinha como conseqüência principal
a exclusão social de boa parte do contingente de trabalhadores urbanos dos setores dinâmicos
da economia urbano-industrial; isto é, a formação de um contingente de trabalhadores
marginais que se inseria na divisão social do trabalho através das atividades não tipicamente
capitalistas.
Nos países periféricos, a fraca capacidade de integrar a força de trabalho aos
segmentos mais dinâmicos da economia é resultante da dependência estrutural ao capital
estrangeiro, na medida em que este controla o processo de expansão da acumulação apoiando-
se numa tecnologia poupadora de força de trabalho. Por esta razão, a industrialização
dependente seria por excelência excludente, na sua própria lógica está contida a
marginalização crescente da população urbana. Em outros termos, isto significa que é peculiar
do capitalismo periférico a formação de um conjunto de trabalhadores descartáveis ao
processo de acumulação capitalista, que não teria nenhuma função na produção da riqueza, ou
seja, um peso morto para o sistema capitalista. Assim, os trabalhadores ocupados em
atividades não tipicamente capitalistas (setor informal) poderiam ser considerados como
62
trabalhadores marginais, já que não desempenham nenhuma função na estrutura produtiva da
sociedade capitalista. Nesta direção, alguns “teóricos da marginalidade” (CEPAL) irão
questionar a validade do conceito de exército industrial de reserva, argumentando que devido
às singularidades do processo de acumulação capitalista nos países da América Latinha,
haveria uma “massa marginal” (NUN, 1969) ou “um pólo marginal” (QUIJANO, 1966) que
não desempenhariam nenhuma função no processo de reprodução do capital, ou seja, nem
toda a população excedente gerada pelo capitalismo latino-americano assume a função de
exército industrial de reserva, tornando-se “afuncionais” ou “disfuncionais” para o processo
produtivo.
Por sua vez, a crítica marxista foi quem mais levou a sério a tarefa de recompor a
unidade analítica e metodológica de entendimento do processo de acumulação capitalista na
realidade latino-americana e os problemas associados a este. Mas, qual seria esta unidade de
análise? O elemento desencadeador do processo de acumulação é a exploração de todo o
conjunto da força de trabalho, sejam daqueles que estão no exército da ativa ou de reserva. O
texto de Francisco de Oliveira, Crítica à razão dualista, publicado pela primeira vez em 1972
e re-editado em 2003, é uma referência clássica fundamental para compreendermos como as
formas de trabalho não tipicamente capitalistas estão subordinadas a lógica do processo de
acumulação e como estão profundamente imbricadas com os setores modernos da economia.
A perspectiva analítica de Francisco de Oliveira (2003) propõe uma revisão do modo
de pensar a economia brasileira pós-revolução de 30, quando predomina a estrutura produtiva
de base urbano-industrial em detrimento do fim da hegemonia agrário-exportadora. A análise
do autor busca romper com as visões economicistas que separavam as condições econômicas
das condições políticas que possibilitaram o processo de acumulação capitalista. Segundo
este autor, boa parte da intelectualidade latino-americana, durante as décadas de 60 e 70,
encontrava-se em um “beco sem saída”:
63
(...) enquanto denunciavam as miseráveis condições de vida de grande parte
da população latino-americana, seus esquemas teóricos e analíticos prendiam-nos às
discussões em torno da relação produto-capital, propensão pra poupar ou investir,
eficiência marginal do capital, economias de escalas, tamanho do mercado, levando-
os, sem se darem conta, a construir o estranho mundo da dualidade e a desembocar,
a contragosto, na ideologia do círculo vicioso da pobreza (OLIVEIRA, F., 2003,
p.31).
Embora reconhecesse a importância da contribuição dos métodos de análise
desenvolvidos pelos teóricos da CEPAL (Comissão de Emprego para América Latina), este
autor tornou-se um dos principais críticos da teoria do subdesenvolvimento, pois na sua visão
o esquema cepalino concebia o problema do desenvolvimento a partir das relações exteriores,
a oposição entre nações, desconsiderando os conflitos internos relacionados a oposição das
classes sociais. Para Oliveira, o subdesenvolvimento não é apenas uma peculiaridade histórica
das economias pré-industrializadas, mas antes de tudo o subdesenvolvimento é uma formação
capitalista, é produto da expansão do capitalismo. Como afirma o próprio autor:
(...) no plano teórico, o conceito de subdesenvolvimento como uma
formação histórico-econômica singular, constituída polarmente não se sustenta
como singularidade: este tipo de dualidade é encontrável em quase todos os
sistemas, como em quase todos os períodos. Por outro lado, a oposição na maioria
dos casos é tão somente formal: de fato, o processo real mostra uma simbiose e uma
organicidade, unidade de contrários, em que o chamado ”moderno” cresce e se
alimenta da existência do “atrasado”, se quiser manter a terminologia. ( Oliveira, F.,
2003, p. 32).
Sendo assim, não se trata de uma dualidade estrutural, mas de uma integração
dialética. O mérito das formulações de Francisco de Oliveira é demonstrar como o processo
de expansão de capitalismo no Brasil se desenvolve através da integração dialética de
“setores” da economia considerados como polares e independentes. A discussão sobre o papel
do chamado setor serviços na equação urbano-industrial é um bom exemplo para entendermos
“a integração dialética”, assim como para demonstrar como as “atividades não-tipicamente
capitalistas” (o trabalho informal) são fundamentais à dinâmica capitalista. De acordo com
64
Oliveira, os teóricos do subdesenvolvimento consideravam que uma das características do
“modo de produção subdesenvolvido” era a existência de um setor de serviços “inchado” que
funcionava como um peso morto na formação do produto social. No entanto, a tese defendida
por Oliveira é totalmente diferente desta. Na sua concepção,
(...) o crescimento do Terciário [ou setor de serviços], na forma em que se
dá, absorvendo crescentemente a força de trabalho, tanto em termos absolutos
como relativos, faz parte do modo de acumulação urbano adequado à expansão do
sistema capitalista no Brasil; não se está em presença de nenhuma ‘inchação’,
nem de nenhum segmento ‘marginal’ da economia (OLIVEIRA, F., 2003a, p. 55)
(Grifo nosso).
Portanto, o tamanho do setor de serviços está estreitamente relacionado com a
acumulação urbano-industrial. Ou seja, a intensificação do processo de industrialização
exigiu das cidades brasileiras – epicentro do novo ciclo de expansão – infra-estrutura e uma
variedade de serviços para os quais as mesmas não estavam preparadas. Como a intensidade
do crescimento industrial no período de 1930-60 não permitiu uma intensa e simultânea
capitalização dos serviços, sob o risco de que estes disputassem com a indústria os poucos
fundos para acumulação capitalista, a expansão do capital resolveu esta contradição através do
crescimento não-capitalista do setor de serviços, o qual não é contraditório com a forma de
acumulação e nem é obstáculo para o crescimento da economia. Sob a aparência de
“inchado”, o setor de serviços esconde um mecanismo fundamental da acumulação
capitalista:
Os serviços realizados à base de pura força de trabalho, que é remunerada a
níveis baixíssimos, transferem, permanentemente, para as atividades econômicas de
corte capitalista, uma fração do seu valor, ‘mais-valia’ em síntese. Não é estranha a
simbiose entre a ‘moderna’ agricultura de frutas, hortaliças e outros produtos de
granja com o comércio ambulante? Qual é o volume de comércio de certos produtos
industrializados tais como lâminas de barbear, pentes, produtos de limpeza,
incrementos de corte, e um sem número de pequenos objetos, que é realizado pelo
comércio ambulante de ruas centrais de nossas cidades? Qual é a relação que existe
entre o aumento da frota de veículos em circulação e os serviços de lavagem de
automóveis realizados braçalmente? Esses tipos de serviços, longe de serem
excrescência e apenas depósito do ‘exército industrial de reserva’, são adequados
65
para o processo de acumulação global e da expansão capitalista e, por seu lado,
reforçam a tendência à concentração de renda (OLIVEIRA, F., 2003a, p. 58).
Desta forma, o processo de expansão e acumulação capitalista no Brasil pós-anos 30
se consolidou com base em uma intensa exploração da força de trabalho, e se constitui como
um exemplo das teses de Trotsky sobre o desenvolvimento desigual e combinado do capital.
Nas próprias palavras de Francisco de Oliveira:
(...) a expansão do capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no
arcaico e reproduzindo relações arcaicas no novo, um modo de compatibilizar a
acumulação global, em que a introdução de relações novas no arcaico libera força de
trabalho que suporta a acumulação industrial-urbana e em que a reprodução de
relações arcaicas no novo preserva o potencial de acumulação liberado
exclusivamente para fins de expansão do próprio novo. (OLIVEIRA, F., 2003a ,
p.60).
Ao formular o problema do desenvolvimento do capitalismo no Brasil nestes termos,
Francisco de Oliveira contribui decisivamente para uma reorientação do debate sobre a
informalidade. Podemos afirmar que A crítica à razão dualista é um dos primeiros textos da
produção sociológica da América Latina a superar a visão dualista e estática do setor
informal, abrindo caminho para uma série de trabalhos posteriores que, seguindo a mesma
linha teórica, buscaram demonstrar, a partir das diversas realidades regionais, como o
conjunto de atividades ‘não-capitalistas’ que compõe o trabalho informal está integrado ao
processo de acumulação contribuindo decisivamente para o processo de urbanização e
industrialização do Brasil, não se tratando, portanto, de nenhum peso morto e empecilho à
lógica social do capitalismo. Entre os diversos trabalhos publicados durante a década de 70 e
início anos 80, podemos citar Machado da Silva (1971, 1979); Kowarick (1975); Paoli (1974);
Berlinck (1975), Prandi (1978); Singer (1976; 1980); Carvalho e Souza (1978;1980); Souza
(1980) Faria (1980).
66
Um ponto de partida interessante para exemplificar este debate é a formulação
posposta por Prandi (1978) para compreender as especificidades do trabalho informal, em
uma sociedade capitalista, a exemplo da sociedade brasileira. O autor elege como categoria de
análise “o trabalhador por conta própria”. De acordo com seus critérios é uma categoria que
reúne uma diversidade de trabalhadores que, do ponto de vista de sua inserção na divisão do
trabalho, depende essencialmente do dispêndio de sua força de trabalho, e na maioria das
vezes do uso da força de trabalho dos membros da família, necessitando de baixa ou nenhuma
capitalização; a qual é composta de artesãos, pequenos vendedores (em sua maioria
ambulantes), os ocupados em oficinas de reparação e pequenos consertos, prestadores de
serviços pessoais e outros. De modo geral, o trabalhador por conta própria dispõe de um baixo
nível de qualificação e vive em péssimas condições de trabalho, embora existam casos de
“bem sucedidos” que logram melhores condições de vida. Além disso, compõe a categoria, os
profissionais liberais e técnicos não assalariados.
A tese central de Prandi, baseado no referencial marxista, é de que o trabalhador por
conta própria estaria teoricamente fora da lógica estrutural simples da relação capital x
trabalho. Diferentemente do trabalhador assalariado ele não é um agente direto da
acumulação, mas desempenha um papel de coadjuvante secundário, nem por isso menos
importante, já que ocupa, na divisão do trabalho, as lacunas abertas e mantidas pelo
desenvolvimento contraditório das forças produtivas capitalistas. A sua existência vem de
épocas passadas, mas sobreviveu e se enraizou nas brechas do modo de desenvolvimento
capitalista sem nenhum obstáculo à sua expansão, contudo, ao se inserir na dinâmica da
sociedade capitalista depende dela para continuar a existir. Como afirma Prandi, o
trabalhador autônomo:
É seu patrão e seu próprio empregado. Mas depende da ordem burguesa, pois
é nesta ordem que sua existência está enclausurada, como um espelho a refletir a
memória do passado. Mesmo que se trate de categoria de recriação ou expansão
67
recentes, o trabalho autônomo não pode – sob o capitalismo – desprender-se de sua
condição histórica de forma passada, arrastando atrás de si o arcaísmo advindo de
sua incapacidade de gerar sobretrabalho alienável para o capitalista. Isto não
significa que seja, simplesmente um peso morto na sociedade, pois vai participar do
momento-de-forças através do qual o modo de produção capitalista procura anular
resultantes de suas contradições, jogando inclusive com relações sociais que, à
primeira vista, podem parecer estranhas. Assim, o trabalho autônomo, no nível
formal e aparente, nem está subordinado ao capitalista nem às classes assalariadas,
mas tem sua exploração determinada no todo dinâmico do modo capitalista de
produção, que, por ser predominante, historicamente já colocou em plano
secundário o trabalhador incapaz de gerar excedente, mesmo que ainda dele faça
uso, na finalidade última de se realizar. (PRANDI,1978, p.31)
Seguindo a lógica deste argumento, é preciso situar o trabalho por conta própria (leia-
se trabalho informal) no quadro geral da acumulação capitalista. Primeiramente, é preciso
levar em consideração que a parcela da população que sobrevive do “auto-emprego” faz parte
do exército industrial de reserva, estando inteiramente disponível aos interesses imediatos do
capital. Segundo, quando o trabalhador por conta-própria presta serviços ou vende
mercadorias à população a baixos custos, isto contribui diretamente para o rebaixamento do
salário necessário à reprodução do trabalhador assalariado, proporcionando o aumento da taxa
de exploração do sobretrabalho. Quem se beneficia com isso? A classe expropriadora da força
de trabalho é claro. De toda forma, a sorte do trabalho por conta própria, independente das
modalidades ocupacionais que este assuma, depende da sorte do capital, que se expressa como
um conjunto de mudanças sociais em que estão condensadas em transformações nas relações
de produção e de trabalho. Disto resulta, que o trabalhador autônomo pode sofrer uma dupla
expulsão: primeiro, quando o trabalhador é expulso do mercado de trabalho assalariado
porque não tem condições de competir com os demais assalariados, o trabalho autônomo
existirá como forma alternativa de sobrevivência; e segundo, o trabalhador autônomo pode ser
expulso da condição de trabalhador não-assalariado na medida em que o capital assume de
modo intensivo as atividades antes realizadas sob a forma de auto-emprego. Neste caso, há
duas saídas, uma é o trabalhador mudar de ramo, mantendo-se na forma de auto-emprego, e a
outra, é torna-se um trabalhador assalariado. Na visão de Prandi, uma tendência normal do
68
desenvolvimento do capitalismo é que progressivamente os trabalhadores autônomos se
tornem trabalhadores assalariados, tendência que partir dos anos 80 começou a dar fortes
sinais de inversão.
Além disso, para este autor o trabalho por contra própria pode ser compreendido como
uma forma de trabalho não pago. Na medida em que o pagamento da força de trabalho não
corresponde mais ao necessário à sua própria reprodução, o trabalhador e sua família são
obrigados a ter que completar o montante necessário. Se esta complementação é feita através
do trabalho por conta própria, isto se configura na verdade em um trabalho não pago. O
trabalhador é obrigado a estender a sua jornada de trabalho, ou seja, “nas horas vagas” ele é
obrigado a produzir bens que lhe permitam complementar o necessário à reprodução familiar,
o que passa a representar um equivalente de ganhos subtraído do trabalho pago ao trabalhador
assalariado, sendo por isso mesmo um trabalho não-pago. Desta forma, o trabalho por conta-
própria é entendido como uma forma entre várias outras que existem (trabalho doméstico,
trabalho assalariado não produtivo) que permite a extração da mais-valia relativa.
A problemática do “setor informal” também nos remete a uma questão teórica muito
importante, como é possível pensar as atividades não-capitalistas que compõe o “setor
informal” tendo em vista uma sociologia das classes sociais? Também aqui recorro às
formulações de Francisco de Oliveira contidas em O elo perdido – classe identidade de classe
na Bahia
9
, as quais são bastante pertinentes no tocante a questão da identidade de classe dos
trabalhadores que estão inseridos no chamado “setor informal”. De acordo com Oliveira
(2003b), o setor informal pode ser definido como um conjunto de atividades não-homogêneas
que não é capitalista, mas que está inserida no interior do capitalismo, contudo, o que lhe dá
homogeneidade enquanto forma, não enquanto atividades concretas, é a inexistência de
9
A primeira edição deste livro foi publicada em 1987 pela editora Brasiliense, sendo reeditada recentemente pela
editora Fundação Perseu Abramo no ano de 2003.
69
estruturas formais de produção ou de circulação, o que implica em afirmar que o capital não é
o sujeito direto destas relações, e a força de trabalho não é uma mercadoria.
Neste caso, o tempo de trabalho necessário não se constitui como um pressuposto para
realização dos serviços e não reaparece como substância da materialidade dos valores que
produzem ou vendem. Tanto do ponto de vista do processo de reprodução ampliada quanto do
reconhecimento do “outro”, o tempo de trabalho do “informal” não é “socialmente
necessário”, ou seja, os serviços e os valores de uso que são produzidos por ele aparecem ao
“outro” como se fossem produzidos pelo jogo do azar. Assim sendo, não existe medida de
igualdade. Embora tenha trabalho no “informal”, não há trabalho abstrato, assim sendo, a
identidade de classe permanece “numa espécie de circuito externo às determinações dos
trabalhos concretos” (OLIVEIRA, F. 2003b, p.75), em que a força de trabalho do “informal”
aparece como autônoma e livre da expropriação do capital.
Portanto, do ponto de vista lógico-dialético não há lugar para representação dos que
exercem os “trabalhos concretos” do informal, já que
(...) os trabalhadores do 'informal’ estão colocados no último degrau do
amplo proletariado, mas não são operários, tampouco podem ser assimilados aos
capitalistas, pois, embora possuam os meios de produção, estes não se mostram no
produto, do que decorre que não é capital que se trata. Esta externalidade do modo
de produção capitalista é que finalmente, os define dentro da estrutura social, (...)
falta-lhes um internalidade que a própria situação material torna permanentemente
ambígua, o que lhes rouba a possibilidade de identificação. (OLIVEIRA, F., 2003b,
p. 76).
Em certo sentido, os trabalhadores do “informal” constituem uma espécie de “classe
inacabada” em que a representação está sujeita a oscilação da concretude da luta de classe e
se ajusta conforme a hegemonia conjuntural.
Carvalho e Souza (1980) ao analisarem a expansão do capitalismo na cidade de
Salvador também demonstram como atividades não-tipicamente capitalistas estão articuladas
e subordinadas a lógica da acumulação capitalista. As referidas autoras destacam que a rápida
70
expansão industrial da região, assim como em outras regiões de “desenvolvimento
dependente”, é fruto da integração dialética de formas de trabalho tipicamente capitalista
(trabalho assalariado) e das atividades não tipicamente capitalistas (trabalho informal). A
própria expansão do capitalismo é quem decide sobre os destinos das atividades não-
tipicamente capitalistas. Em que sentido? Certas atividades são completamente extintas
devido a penetração do capital em espaços econômicos antes ocupados por trabalhadores
autônomos ou donos de negócio familiar; outras sobrevivem mais ou menos a este processo, e
por último, algumas atividades surgem ou se expandem ocupando espaços abertos pela
própria expansão do capital. Em resumo, o próprio processo de acumulação capitalista tem a
capacidade de criar, recriar ou destruir os espaços que são ocupados na estrutura produtiva
pelas atividades informais.
A persistência das atividades não-tipicamente-capitalistas na região decorre dos
próprios padrões de expansão do capitalismo que avançam reproduzindo as “velhas” formas
de trabalhar e produzir. A existência destas formas de inserção na divisão do trabalho, ao
invés de ser uma situação inútil, marginal ou parasitária, possibilita a criação de condições
que asseguram uma maior exploração da força de trabalho e maiores taxas de mais-valia.
Sendo assim, a informalidade contribui com o processo de acumulação e expansão do
capitalismo das seguintes formas:
1) facilitam de maneira mais direta o processo de acumulação em
algumas empresas do setor capitalista, como ocorre, por exemplo,
quando tais empresas se apropriam da produção de pequenos
produtores autônomos, realizando grandes lucros na etapa de
comercialização;
2) asseguram a manutenção do exército de reserva que o capitalismo
necessariamente exige e produz;
3) atendem à demanda de certos bens e serviços quando ainda não
existem condições que atraiam investimentos capitalistas para a
produção de bens equivalentes ou sucedâneos;
4) estimulam um maior consumo de determinadas mercadorias do
setor capitalista, principalmente ao facilitar a sua circulação;
71
5) contribuem para reduzir os custos de reprodução da força de
trabalho (CARVALHO, 1986, p.10).
Uma outra série de estudos sobre o “setor” informal também foi desenvolvida ao
longo da década de 70, a partir de uma perspectiva antropológica e sociológica, privilegiando
como eixo central as condições de subsistência e reprodução social dos estratos mais baixos
da força de trabalho urbana. Tendo como referência empírica os problemas de ocupação e
renda nas principais cidades nordestinas decorrentes do processo de industrialização e
urbanização daquela região, vários estudiosos voltaram as suas atenções para a questão das
estratégias de sobrevivências” dos trabalhadores de baixa de renda, ou seja, estavam
preocupados em analisar o conjunto de opções, comportamentos e meios encontrados por
estes trabalhadores para subsistirem e se reproduzirem frente às dificuldades e condições de
emprego (VIANA, 1980; LOPES et. al., 1979; MACHADO DA SILVA 1979; CARVALHO,
1986).
De um modo geral, estes estudos constataram que as dificuldades de sobrevivência, as
alternativas e estratégicas utilizadas pelos segmentos mais pobres dos trabalhadores urbanos
são resultantes do padrão de desenvolvimento capitalista fundamentado na superexploração
da força de trabalho e na sua pauperização. Um dos principais indicadores de tal padrão de
desenvolvimento seria o predomínio de remunerações abaixo do valor da força de trabalho,
que por sua vez, são totalmente insuficientes para assegurar as mínimas condições de
reprodução do trabalhador e dos seus dependentes. Diante da necessidade de continuar a
sobreviver e se reproduzir socialmente, restam aos trabalhadores se submeterem a dois
processos: 1) é necessário aumentar a quantidade de trabalho necessário e com isso ampliar a
jornada de trabalho e expandir para os demais membros da família a responsabilidade pelos
proventos do grupo doméstico, os quais devem exercer qualquer tipo de atividade remunerada
para compensar a defasagem real do salário do chefe da família; 2) faz-se necessário
72
comprimir os gastos com consumo e o padrão de vida da família, os quais se concretizam na
privação de bens e serviços essenciais à sobrevivência. Neste sentido, constata-se uma ampla
combinação e complementação de várias formas de inserção ocupacional, entre as quais se
destacam diversas modalidades de extensão da jornada de trabalho, a exemplo das horas
extras; a combinação de trabalho assalariado com conta própria; bem como, a inserção de
todos os membros da família nas atividades informais, desde as crianças até os idosos como
forma de minorar as dificuldades de sobrevivência.
O que fica evidente nestas análises é que a unidade de trabalho real não é o indivíduo
(o trabalhador) e sim o grupo doméstico, sendo que não é só importante a venda da força de
trabalho familiar, mas também a produção de valores de uso para o consumo da família e as
estratégias elaboradas pelo grupo familiar para vencer o pauperismo. Cabe ainda destacar, que
as estratégias utilizadas pelos estratos de baixa renda para “driblar” a miséria não giravam
apenas em torno do trabalho, mas também recorriam a outros expedientes do cotidiano urbano
como alternativa para reduzir os gastos e de adaptação às condições de extrema privação,
como por exemplo: a burla ao pagamento da luz e da água (o famoso “gato”); a utilização do
crédito informal (“o fiado”) nos pequenos estabelecimentos comerciais próximos da
vizinhança; os mutirões de moradia etc (MACHADO DA SILVA, 1979; VIANA, 1980). A
principal contribuição dos estudos sobre as “estratégias de sobrevivência” foi revelar a
existência de um mecanismo fundamental para a viabilização da reprodução social de um
contingente de trabalhadores urbanos em péssimas condições de trabalho e de vida, isto é, a
rede de relações sociais que se estabelecem entre parentes, amigos e vizinhos. Através da
troca de bens, serviços e favores estes trabalhadores conseguiam enfrentar as situações de
crise e sobreviver em meio aos sobressaltos da luta diária pelo direito de viver e de trabalhar
nos grandes centros urbanos.
73
Ademais, os estudos sobre as “estratégias de sobrevivência” reforçam a tese sobre a
importância das atividades não-capitalistas, seja como parte constituinte do exército industrial
de reserva ou como forma complementar de renda para os assalariados, assim como,
demonstram que apesar da heterogeneidade das formas de inserção ocupacional e de suas
lógicas distintas de funcionamento, todas estão subordinadas à relação de dominação da
sociedade capitalista, entre capital e trabalho (CARVALHO, 1986). Desta forma, reinvenção
contínua e o laboratório de “idéias“ experimentado cotidianamente pelos trabalhadores
informais não se resumem simplesmente às capacidades “artísticas” e “inventivas” dos
indivíduos, estão inscritos na lógica da produção e concentração da riqueza da sociedade
capitalista, pois é da miséria da classe trabalhadora que sobrevive o capital. As palavras de
Viana sintetizam muito bem o sentido das “estratégias de sobrevivência”:
Os inúmeros e engenhosos recursos, dia a dia inventados,... inevitável
exploração do trabalho infantil, a compra miúda, para cada dia, para cada refeição,
para cada prato, o sentimento de solidariedade que resulta finalmente de uma parcela
extra, e, todavia imprescindível, de trabalho não pago, e tantos outros, não são apenas
testemunhos da capacidade de inventar e se virar, triste improvisação cotidianamente
renovada pelas camadas pobres da população em sua árdua luta pela sobrevivência.
São feições concretas assumidas pela superexploração a que é submetida a classe
trabalhadora brasileira para sustentar o crescimento desse capitalismo selvagem, com
sua acumulação selvagem e sua dominação selvagem. Só assim se pode fazer uma
acumulação capitalista de tal ordem, represando de todas as maneiras possíveis
quais manifestações de vida das classes exploradas, entretendo-as com sua
sobrevivência, induzindo a usar toda a sua imaginação pra sobreviver em proveito da
acumulação. (VIANA,1980, p.213-214) (Grifo nosso)
Neste breve resumo que apresentamos até aqui, podemos observar que as diversas
análises empreendidas durante a década de 70 estavam repensando a problemática da
informalidade sob novos olhos. Uma das suas principais características é a critica ao modelo
dualista da economia e da sociedade, e por isso mesmo, vários autores desenvolveram
pesquisas tentando demonstrar como todas “formas de trabalhar e produzir” se articulavam e
se subordinavam à lógica da acumulação do capitalismo no Brasil e na América Latina.
Contudo, observa-se que, apesar das diversas análises criticarem a idéia original do conceito
74
de informalidade (na sua forma estática e independente), estas continuaram a explicar a
dinâmica do mercado de trabalho ainda com um enfoque setorial, embora dinâmico,
subordinado e intersticial
10
.
Em poucas palavras, o critério delimitador da noção de “setor informal” passa a ser a
relação do trabalhador com os meios e os instrumentos de produção. Assim sendo, a
informalidade pode ser definida e mensurada como:
(...) um conjunto de atividades e formas de produção não tipicamente
capitalistas, caracterizadas em especial por não terem a busca do lucro o seu
objetivo central e por não haver uma separação nítida entre capital e trabalho, ou
seja, o produtor direto, de posse dos meios de produção, executa e administra a
atividade econômica, com o apoio de mão de obra familiar e/ou alguns ajudantes
(FILGUEIRAS; DRUCK, AMARAL, 2004, p. 213).
De acordo com este critério, a informalidade é constituída basicamente pelos
trabalhadores por conta própria ou autônomos, a pequena produção e a produção familiar,
sendo que a forma de inserção do trabalhador informal na economia se dá através do mercado
de bens e serviços e não pelo mercado de trabalho. (BORGES; FRANCO, 1999).
Machado da Silva (1996) sugere que o debate sobre a informalidade até o início dos
anos 80 estava sustentado na distinção clássica existente na teoria econômica entre “emprego”
e “ocupação”, em que o emprego diz respeito a uma relação formal, isto é, uma relação
produtiva de compra e venda da força de trabalho juridicamente regulamentada; e todas as
outras modalidades de usos produtivos de trabalho (outras ocupações), que em sua
diversidade tem em comum a condição de não serem reguladas, seriam “informais”. Esta
suposição desdobra-se em uma segunda, em que esta diferença entre emprego e ocupação
transforma-se em uma hierarquia, tanto do ponto de vista dos resultados econômicos quanto
10
... o espaço econômico informal, que é intersticial às atividades econômicas dominantes, é o ocupado de forma
permanente e constitui parte integrante de um mercado de trabalho em equilíbrio, embora o tipo de produtores e
a oferta de bens e de serviços modifiquem-se ao longo do tempo. O vínculo estrutural entre os setores formal e
informal é concretizado por meio de um fluxo de renda também permanente do primeiro para o segundo setor,
através de vínculos subcontratação, prestação de serviços, venda de mercadorias, poupanças acumuladas em
empregos formais e aplicadas em atividades informais (CACCIAMALI, 1991, p. 126).
75
da proteção social dos trabalhadores. Portanto, o que está implícito na problemática da
informalidade é um parâmetro de relação produtiva tida como ideal: o assalariamento, cuja
referência concreta é o “emprego assalariado fordista”, típico da experiência histórica dos
países europeus, que estabeleceram o Estado de Bem Estar Social.
A partir dos anos 80, a noção de informalidade ganha um novo sentido, deixa de ser
categoria exclusiva de entendimento dos problemas relacionados à integração dos
trabalhadores a estrutura produtiva dos países subdesenvolvidos e passa a ser incorporada às
análises da realidade contemporânea dos países capitalistas centrais. Nestes países, o tema da
informalidade alcança notoriedade pública com a crise do Estado Bem-Estar Social e do
Fordismo, pois até então, esta problemática não tinha visibilidade e não se constituía como
um problema social grave. Isto se deve, ao fato de que nestes países, pós 2ª guerra mundial, a
forma de integração da população trabalhadora ao mercado de trabalho foi marcada por uma
forte regulação do Estado, o que dificultou a ilegalidade nas relações de trabalho. Todavia,
com a adoção generalizada dos programas de liberação econômica, fundamentados na
ideologia neoliberal, e a implementação da reestruturação produtiva como formas de resposta
ao colapso político da social democracia e do fordismo, respectivamente, coloca-se em
questão a proteção social da classe trabalhadora conquistada durante “os anos dourados”, ao
mesmo tempo em que se criam as condições para o surgimento de um conjunto de atividades
não regulamentadas pela legislação existente em cada país (MACHADO DA SILVA, 1996;
FILGUEIRAS; DRUCK; AMARAL, 2004).
Neste contexto, o debate da informalidade não diz respeito às formas de integração da
população trabalhadora à estrutura produtiva e ao mercado de trabalho, mas as dimensões dos
conflitos de legitimidade e o quadro político institucional que prescreve as condições de uso
social do trabalho pelos diversos agentes econômicos. O conceito de informalidade passa a
expressar o conjunto de atividades e formas de produção, bem como as relações de trabalho
76
que fogem ao marco regulatório do Estado. O critério delimitador da informalidade passa a
ser a questão da ilegalidade, de modo que, a noção de “informal” passa a contemplar:
(...) atividades e práticas econômicas ilegais e/ou ilícitas, com relação às
normas e regras instituídas pela sociedade. Com isso, a informalidade identifica-se
com a chamada economia subterrânea, ou ainda com a economia submersa, sendo
redefinida, portanto, por um critério jurídico; e não mais pelo uso de um critério
econômico (FILGUEIRAS; DRUCK; AMARAL, 2004, p. 214).
Por esta definição, informalidade não pode ser considerada como um setor da
economia, mas como uma forma de desregulamentação social do trabalho que perpassa desde
as atividades e empresas não registradas até as empresas capitalistas juridicamente
legalizadas. Por conseguinte, o trabalhador informal tanto pode se inserir na estrutura
produtiva através do mercado de trabalho como pelo mercado de bens e serviços. Portanto, “a
noção de informalidade não se define mais por contraposição ao assalariamento, mas sim à
iniciativa econômica que escapa à regulação social” (MACHADO DA SILVA, 1996, p.34)
Uma das questões que está no centro do debate sobre a economia submersa/ilegal é o
papel do Estado e sua capacidade de intervenção na economia. Entre os vários argumentos
que tentam justificar porque a informalidade escapa à regulação do Estado, destaca-se o
argumento bastante difundido pelo discurso liberal que afirma que a informalidade é uma
resposta ao peso excessivo do Estado, não apenas em termos fiscais, mas, sobretudo às
regulamentações burocráticas. No entanto, a relação da informalidade-Estado não se restringe
apenas à questão de excesso de normatividade jurídica ou da carga tributária, envolve também
variantes políticas que são fundamentais para entender as mediações entre trabalho e direitos.
De acordo com Lautier (1991,1997) a evolução da economia informal é ao mesmo tempo um
sintoma e a causa da transformação da relação do Estado com os cidadãos, uma característica
do processo de fragmentação social e do caráter virtual da democracia.
77
Falar da economia informal é situar-se em uma problemática na qual a
intervenção do estado é considerada como necessária ao funcionamento de toda
atividade econômica: ele define as regras da concorrência, as de uso do trabalho;
permite a reprodução dos trabalhadores de uma geração à outra, fixa normas
relativas ao produto (qualidade, segurança) etc. E obviamente, cobra impostos, taxas
e cotas para financiar sua própria atividade e também para atender a objetivos
políticos, sociais ou éticos. (LAUTIER, 1997, p. 61)
Neste sentido, podemos afirmar que a problemática da informalidade está associada ao
conjunto de transformações que ocorrem no mundo do trabalho no contexto de globalização,
de reestruturação produtiva e de neoliberalismo. Se no primeiro momento, a noção de
informalidade tinha como parâmetro de referência a generalização do pleno emprego e da
proteção social, a partir dos anos 80 a própria noção de informalidade passa a ser um
parâmetro de referência para explicar o processo de flexibilização e precarização do trabalho,
um espelho da crise da sociedade salarial e da relação Estado-Economia em tempos de
hegemonia do projeto político neoliberal.
2.2 “O novo status da informalidade” no Brasil contemporâneo
Sabemos que a informalidade (independente do critério delimitador) sempre esteve
presente na realidade histórica da sociedade brasileira, assim como na de todas as sociedades
subdesenvolvidas, integrando-se dialeticamente ao processo de desenvolvimento do
capitalismo periférico. Além disso, também é verdade que o sistema fordista de produção e o
Estado de Bem-Estar nunca se concretizaram plenamente no Brasil; se pensarmos nos termos
de Robert Castel, o que tivemos foi uma sociedade salarial incompleta. Entretanto, durante o
período de 1940 a 1980 houve um processo de estruturação do mercado de trabalho, cujos
indicadores mais visíveis são a evolução do emprego com carteira assinada e da produção
78
organizada. A partir da década de 80, observa-se que há um processo de desestruturação do
mercado de trabalho, havendo uma redução do trabalho com carteira assinada e aumento da
precarização do trabalho (assalariados sem registro, ilegal, clandestino, trabalho por conta
própria, sem contribuição para previdência), além do aumento da participação do setor
terciário na alocação da força de trabalho. De acordo com Pochmann, nos anos 90 os sinais da
desestruturação do mercado de trabalho são mais evidentes ainda:
(...) de cada dez ocupações geradas entre 1989 e 1995, apenas duas eram
assalariadas, ante oito não-assalariados, sendo quase cinco de conta própria e três
ocupações sem remuneração. (...) Em virtude disso, observa-se nos anos 90 um
movimento de desassalariamento, provocado fundamentalmente pela eliminação de
empregos com registro. (POCHMANN,1999, p.75) (Grifo nosso)
A década de 90 marca a entrada “triunfante” do Brasil na nova ordem produtiva
mundial e do advento de um novo e precário mundo do trabalho. É a época da reestruturação
produtiva das empresas e da desestruturação da vida dos trabalhadores. Os sinais dos novos
tempos são percebidos por todas as esferas da sociedade, o esvaziamento do poder
estruturante do Estado e a ditadura do mercado flexível rebatem diretamente na vida daqueles
que vivem do trabalho. Durante “a década da desertificação Neoliberal” (ANTUNES, 2004),
as estatísticas oficiais registram as maiores taxas de desemprego na história do país, a
síndrome subjetiva do desemprego passa a ser um dos principais problemas sociais do Brasil
globalizado (SANTOS, 2000). A terceirização difunde-se como prática de gestão e
fragmentação/segmentação da classe trabalhadora. Observa-se a redução do emprego
industrial e a crescente terciarização da economia. (DRUCK, 1999; ALVES, G., 2000)
Neste contexto, a informalidade ganha novos contornos empíricos e teóricos, passa a
ter um “novo status”, traduz-se como um processo de informalização e precarização das
relações de trabalho no Brasil. Observa-se um processo de conversão social do que a
literatura sobre informalidade tradicionalmente vem denominando de “atividades não-
79
tipicamente capitalistas”, as quais passam ocupar um espaço um lugar de destaque no
capitalismo flexível. O que no passado era “não-tipicamente capitalista”, leia-se trabalho
informal por conta própria, agora se transformou em uma das formas de reprodução do
capital, logo, o trabalho informal é na sua essência capitalista. Como demonstra Francisco de
Oliveira (2003a) no ensaio sobre o Ornitorrinco, toda a luta do capital é para encurtar as
distâncias entre o tempo de trabalho total e o tempo de trabalho da produção. Do ponto de
vista teórico, podemos afirmar que o capitalismo flexível busca transformar o tempo de
trabalho em trabalho não-pago, ou melhor, de uma fusão da mais-valia absoluta e relativa:
(...) na forma absoluta, o trabalho informal não produz mais do que uma
reposição constante, por produto, do que seria o salário; e o capital usa trabalhador
somente quando necessita dele, na forma relativa, é o avanço da produtividade do
trabalho nos setores da acumulação molecular digital que permite a utilização do
trabalho informal. A contradição: a jornada de mais-valia relativa deveria ser de
diminuição do trabalho não pago, mas é o seu contrário, pela combinação das duas
formas, Então, graças à produtividade do trabalho, desaparecem os tempos de não-
trabalho: todo tempo de trabalho é tempo de produção. (OLIVEIRA, F., 2003a, p.
136).
De acordo com este autor, a tendência recente do capital é suprimir cada vez mais os
salários como “capital variável” dos seus custos, ou seja, o pagamento do salário do
trabalhador passa cada vez mais a depender dos resultados das vendas das mercadorias e não
mais um adiantamento do capital, deixando de ser, portanto, um custo para o capital. Uma das
conseqüências disto é que os postos de trabalhos não precisam ser mais fixos e os
trabalhadores não precisam ter contrato de trabalho. Além disso, as regras do Welfare se
transformam em obstáculo para realização da acumulação do capital, pois elas regulam os
salários como uma forma de adiantamento e de custo do capital. O elemento central de tal
processo para Oliveira é a elevada produtividade do trabalho, pois:
(....) se o capital não pode igualar tempo de trabalho a tempo de produção
pela existência de uma jornada de trabalho, e pelos direitos dos trabalhadores, então
se suprime a jornada de trabalho e com ela os direitos dos trabalhadores, pois já não
80
existe medida de tempo de trabalho sobre o qual se assegura os direitos do Welfare.
(...) No fundo, só a plena validade da mais-valia relativa, isto é, de uma altíssima
produtividade do trabalho, é que permite ao capital eliminar a jornada de trabalho
como mensuração do valor da força de trabalho, e com isso utilizar o trabalho
abstrato dos trabalhadores “informais” como fonte de produção de mais-valor. Este
é o lado contemporâneo não-dualista da acumulação do capital na periferia,
mas que começa também a se projetar no núcleo desenvolvido. (OLIVERA, F.,
2003a, p. 137) ( Grifo nosso).
Neste sentido, a configuração da informalidade na contemporaneidade tem como um
dos seus principais determinantes as recentes transformações que ocorreram no mundo do
trabalho, que faz do trabalhador flexível um dos principais agentes de reprodução do capital
flexível. Vários estudos têm demonstrado que o aumento da informalidade nos anos 90 é
resultante da migração de trabalhadores inseridos em atividades formais (capitalistas e/ou
legais) para atividades informais (não-tipicamente capitalista e/ou ilegais), caracterizando o
que tem sido denominado de “nova informalidade”. (BALTAR; DEDECCA, 1997; SILVA,
P., 2002; FILGUEIRAS; DRUCK; AMARAL, 2004).
Esta nova informalidade é resultante do processo de reestruturação produtiva e
flexibilização do trabalho em curso no país desde os anos 90, que tem resultado na redefinição
das atividades informais. Se no passado a informalidade era caracterizada como uma espécie
de resíduo de trabalhadores urbanos não incorporados aos setores organizados da economia,
na atualidade ela se constitui como o lugar de exílio dos trabalhadores expulsos do trabalho
organizado e protegido socialmente.
De acordo com Druck (2000) o processo de reestruturação produtiva ao mesmo tempo
em que cria novas formas de atividades informais também destrói, redefine e reproduz, de
modo generalizado, as formas pretéritas do trabalho informal. A expansão do capitalismo
flexível no Brasil não apenas reproduz o velho trabalhador informal, como vem dando origem
a novos trabalhadores informais, detentores de um nível de qualificação profissional muito
mais elevado e cujas trajetórias ocupacionais são marcadas por uma longa experiência
acumulada nas atividades formais. A inserção destes novos trabalhadores, tanto pode ser
81
através das velhas ou de novas formas de atividades formais. Sendo assim, “a nova
informalidade” pode ser:
(...) caracterizada pela presença de novos trabalhadores informais, em velhas
e novas atividades, articuladas ou não com os processes produtivos formais, ou em
atividades tradicionais da ‘velha informalidade’ que são por ele definidas.
(FILGUEIRAS, DRUCK; AMARAL, 2004, p. 215)
Para Noronha (2003) a nova informalidade também pode ser definida como
informalidade pós-fordista, já que esta resulta de mudanças nos processos de trabalho, novas
concepções gerenciais e organizacionais e novos tipos de trabalho que não exigem tempo nem
locais fixos provocados pela crise do fordismo ou da sociedade industrial. Na visão de Soares
e Lima (2002), a nova informalidade pode ser considerada como o sinônimo da flexibilidade
dos novos tempos, representa o retorno do ônus da reprodução da força de trabalho na própria
família e do enfraquecimento da regulação sobre o mercado de trabalho, podendo ser
caracterizada como um processo de incorporação de contingentes de trabalhadores antes
inseridos no mercado de trabalho formal e protegido, que por conta das mudanças recentes do
capitalismo juntam-se ao “velho informal” autônomo de todos os tipos e compartilham da
falta de perspectiva de inserção da formalidade, que outrora era vista como um futuro
desejado.
O debate sobre a informalidade durante a década de 90 pode ser caracterizado pela
tentativa de superação dos enfoques analíticos que vigoraram nas décadas anteriores. Devido
ao quadro de mudanças que ocorrem no âmbito do Estado, da economia e do mundo do
trabalho pós-crise do fordismo e do Estado de Bem-Estar Social, alguns autores têm proposto
a ampliação teórica e empírica do conceito. Independente das posições assumidas por cada
autor individualmente, há um esforço comum em compreender o fenômeno da informalidade
como um processo determinado por múltiplas causas correlacionadas e interdependentes. No
atual “estado das artes”, destaca-se as análises que consideram a informalidade a partir da
82
junção dos dois critérios: a da ilegalidade e o das atividades não tipicamente capitalistas, ou
seja, trata-se de um enfoque analítico que combina e correlaciona a inserção dos trabalhadores
na estrutura produtiva e os problemas do quadro político institucional que regula o mercado
de trabalho. A noção de informalidade passa a ser mais ampla do que o conceito de setor
informal ou de economia submersa, diz respeito a uma dinâmica processual que engloba o
conteúdo explicativo destes dois últimos conceitos, buscando superar as dificuldades de
caracterizar os trabalhadores informais no contexto de precarização, flexibilização e
desregulamentação das relações de trabalho no Brasil.
Jakobsen; Martins e Dombrowski (2000) demonstram muito bem em pesquisa
realizada na maior metrópole do país, São Paulo, a complexidade e heterogeneidade do
trabalho informal nos dias de hoje:
É evidente a diferença entre os diversos tipos de trabalhadores informais. Sob
o rótulo de informal ocultam-se desde trabalhadores razoavelmente capitalizados –
como os perueiros, proprietários de seus veículos com acesso a financiamentos
bancários – até ambulantes, vendedores em trens ou vendedores em faróis, que
compram diariamente pequenas quantidades de artigos para vender durante o dia.
Para estes, a incerteza e a insegurança são constantes e a sobrevivência é
conquistada a cada dia. Também há uma grande diversidade de trajetórias de vida:
trabalham como informais jovens, crianças e adolescentes, ao lado de pessoas
idosas; muitos estão na informalidade há mais de dez anos, outros há menos de um
ano; enquanto alguns são ex-assalariados, outros jamais chegaram a ter o primeiro
emprego. Esta diversidade demonstra a complexidade do chamado setor informal e
coloca em questão os conceitos normalmente utilizados para estudá-lo.
(JAKOBSEN; MARTINS; DOMBROWSKI, 2000, p. 50-51)
Diante da complexidade e diversidade da realidade empírica descrita pela noção de
informalidade, há uma vasta literatura crítica que nos oferece alguns elementos para repensar
a problemática em questão. Para Maluguti (2001, p. 14-15) a universalidade da informalidade
como fenômeno e/ou objeto é um dos exemplos da sua complexidade, pois:
83
(...) mesmo sendo uma realidade empírica imprecisa, com contornos incertos,
suas manifestações intuitivas podem ser vislumbradas nos dois hemisférios, nos
países desenvolvidos do norte ou nas nações subdesenvolvidas do Sul. Sabe-se hoje
que a informalidade não é uma aberração produzida pelo subdesenvolvimento ou
pela dependência. Sua existência parece estar entranhada no âmago das relações
capitalistas de produção, na relação salarial aparentemente mais ‘sadia’ típica e
tradicional. O ‘não-formal’ manifesta-se em regiões ou países de inequívoca
vocação capitalista, em empresas públicas ou privadas, em instituições
governamentais ou civis. Portanto, não é que possa ser eliminado da dinâmica social
e econômica capitalista.
Antes de delinear as principais propostas de superação das noções clássicas de
informalidade, convém lembrar que embora se reconheça que a noção de informalidade desde
sua origem seja teoricamente ambígua e empiricamente imprecisa, esta noção mesmo com
todos os problemas e críticas que são apresentadas pela vasta literatura, ainda carrega um forte
valor explicativo. Enquanto não se estabelecer, tanto em termos práticos e simbólicos, um
padrão de integração societal alternativo ao regime salarial, que seja eticamente aceitável e
economicamente viável, a noção de informalidade continuará sendo a categoria de apreensão
intelectual dos usos sociais do trabalho que se reproduzem de maneira contrastiva ao padrão
de integração societal do regime salarial.
Machado da Silva e Chinelli (1997) afirmam que a idéia de processo de
informalização das relações de trabalho tem sido a noção cada vez mais utilizada para
descrever o impacto dos processos em curso no mundo do trabalho sobre a estrutura do
mercado de trabalho, e está associada principalmente aos problemas resultantes da tendência
mundial do crescimento do desemprego e da precarização do emprego assalariado. De acordo
com estes autores, a evolução do emprego no Brasil nos últimos anos aponta para um
processo de informalização que se apresenta como “círculo vicioso” e “círculo virtuoso”. Os
autores descrevem este processo da seguinte forma:
Trata-se, de um lado, da informalização colada ao empobrecimento do
conjunto dos trabalhadores, que vai desde o afrouxamento da proteção legal do
emprego, até a franca ilegalidade das relações trabalhistas, passando pela situação de
pobreza de segmentos que apenas conseguem acionar estratégias de sobrevivência
que reproduzem as dificuldades de sua incorporação produtiva. De outro, dos
84
processos de informalização que envolvem, via de regra, os segmentos mais
afluentes e qualificados da força de trabalho, até então imunes à retração
econômica e ao desemprego. (MACHADO DA SILVA; CHINELLI, 1997, p.26-27)
(Grifo nosso).
Embora este processo envolva diferentes dimensões da vida econômica e distintas
categorias de trabalhadores, o ponto em comum é a crescente desigualdade econômica que
aprofunda cada vez as distâncias entre as categorias sociais, colocando em questão a própria
integração social da sociedade. Como afirma Barreto (2004) a precarização do trabalho e das
condições de vida é a “homogeneização sui generis” do conjunto de trabalhadores que estão
desempregados e na informalidade, é esta a condição que unifica os diferentes segmentos
ocupacionais no mercado de trabalho flexibilizado.
Cacciamali (2000) toma como ponto de partida para redefinição do conceito de
informalidade, o processo de acumulação capitalista mundial e os seus efeitos regionais e
institucionais, assim como as relações de subordinação que são produzidas e suas
especificidades nacionais e locais. Tendo em vista tais mudanças, a autora considera que o
conceito de “processo de informalidade” torna-se mais apropriado à compreensão dos seus
efeitos sobre as formas de organização da produção, do trabalho assalariado e de outras
formas de inserção dos trabalhadores. Ao invés de se reportar a um objeto de estudo fechado,
trata-se da análise de um processo, o qual é definido como:
(...) um processo de mudanças estruturais em andamento na sociedade e na
economia que incide na redefinição das relações de produção, das formas de
inserção de trabalhadores na produção, dos processos de trabalho e de instituições.
(CACCIAMALI, 2000, p.163)
Ao analisar o processo de informalidade, Cacciamali propõe a existência de quatro
elementos que condicionam a configuração da estrutura produtiva, dos mercados de trabalho e
da informalidade: os processos de reestruturação produtiva; a internacionalização e a
expansão dos mercados financeiros; o aprofundamento da internacionalização e a maior
85
abertura comercial das economias e a desregulamentação dos mercados de trabalho; os quais
geram inseguranças nos negócios provocando menores taxas de crescimento econômico e do
emprego.
De acordo com a referida autora, decorrem do processo de informalidade dois
fenômenos principais. O primeiro diz respeito a reconfiguração das relações de trabalho nas
formas de organização de produção e do mercado de trabalho informais, as quais podem ser
mensuradas mediante categorias analíticas que representem as formas de trabalho assalariado
não registrado junto à seguridade social, mas que também podem ser explicitadas através de
outras formas de contratações (legais e/ou consensuais), a exemplo de cooperativas de
trabalho, empresas terceirizadas, agências de trabalho temporário, locadoras de mão de obra,
trabalho assalariado disfarçado sob forma de trabalho autônomo etc. O conjunto destas
relações tem em comum a vulnerabilidade, a insegurança da relação de trabalho e incerteza
dos rendimentos, ausência de qualquer tipo de regulamentação e proteção social; o uso
flexível do trabalho, baixa remuneração e baixo nível de qualificação. O segundo fenômeno
refere-se ao auto-emprego e outras estratégias de sobrevivência encontradas pelos indivíduos
diante das dificuldades de reinserção ou de inserção no mercado de trabalho, ou que por
opção, obtêm renda através do trabalho por conta própria e de microempresas. Trata-se
basicamente do que tradicionalmente vem sendo denominado pela literatura de setor informal.
Desta forma, o processo de informalidade pode ser apreendido tanto pelas inserções
relacionadas a determinadas formas de organização da produção não tipicamente capitalista
quanto pelas diferentes formas de assalariamento ilegal. A partir deste conceito, a
informalidade passa a apreendida como:
(...) o conjunto de indivíduos assalariados que foram contratados à margem
da legislação laboral ou da seguridade social; o conjunto de trabalhadores por conta
própria e de empregadores que não exercem profissões liberais e que não dependem
de mão-de-obra assalariada para o desempenho do seu trabalho; o trabalho sem
remuneração; e o serviço doméstico. (CACCIAMALI, 2000, p.165)
86
Filgueiras, Druck e Amaral (2004) também propõem uma redefinição do conceito de
informalidade a partir da junção dos critérios de ilegalidade e de atividades não tipicamente
capitalistas. Tomando como base as estatísticas oficiais do país que mensuram o mercado do
trabalho, os autores elaboram uma noção de informalidade que se identifica com todas as
formas de trabalho precário, ou como se reportam os autores, “todas as formas e relações de
trabalho não-fordistas”. Esta definição também engloba tanto as atividades e formas de
produção não tipicamente capitalistas, sejam estas legais ou ilegais, quanto às atividades e
relações de trabalho ilegais, capitalistas ou não capitalistas. Segundo os autores a redefinição
da noção de informalidade busca expressar o grau de precarização do mercado de trabalho,
uma vez que:
A denominação ‘não fordista’ busca sintetizar os trabalhadores que têm uma
inserção precária no mercado e que, portanto, não estão sob a proteção das leis
sociais e trabalhistas reguladas pelo Estado, conforme estabelecido nos países
centrais pós II Guerra Mundial, com a implementação do Estado-de-bem-estar-
social e, no Brasil, com a consolidação das Leis do Trabalho (CLT). É um trabalho
não regulado. (FILGUEIRAS, DRUCK; AMARAL, 2004; p. 215).
A partir das noções acima mencionadas de processo de informalização das relações de
trabalho; processo de informalidade; e de atividades não-fordistas, evidencia-se o
deslocamento do campo semântico da noção de informalidade na contemporaneidade e a
importância que a mesma assume como categoria explicativa das conseqüências sociais do
processo de
reestruturação produtiva sob a estrutura do mercado de trabalho. Ambas as
propostas buscam superar a noção de setor informal, os enfoques analíticos apreendem a
informalidade como um espaço social do mercado de trabalho em que as dimensões da vida
econômica e política se interpenetram, coexistem e se influenciam mutuamente, isto é, a
87
informalidade é compreendida como o processo de precarização e flexibilização do trabalho,
que não diz respeito apenas aos aspectos relacionados à inserção produtiva e a reprodução
social dos trabalhadores que encontram dificuldades de se integrarem ao mercado de trabalho
formalizado, mas também envolve as questões políticas que “institucionalizam” a
precarização como regime de dominação política e de exploração da força de trabalho. Em
termos sociológicos, trata-se justamente de entender como a institucionalização da
precarização é incorporada às práticas dos trabalhadores informais.
Paralelo as estas proposições conceituais, alguns autores têm despertado interesse para
as diferentes lógicas sociais que movem os agentes e as redes de sociabilidades que são
construídas a partir do trabalho informal. Em certo sentido, caracteriza-se como um retorno da
temática das estratégias de sobrevivência acionadas pelo conjunto de trabalhadores que
ingressam nas formas tradicionais de informalidade. (SORJ, 1993; PAIVA; POTENGY;
CHINELLI, 1997). Para Maluguti (2001) as fronteiras entre “informal” e "formal” são
bastante tênues, o que exige a elaboração de instrumentos teóricos que permitam compreender
a informalidade não como um setor fechado ou relacional, mas como relações intercambiadas
que compõe a trajetória ocupacional de um trabalhador de uma forma seqüencial ou
seqüencial-múltipla. O autor defende a tese de que “informal” está no “formal” e o “formal”
está no “informal”, um não existe sem o outro. Do ponto de vista das práticas laborais trata-se
de processos indissociáveis, pois
(...) mesmo nas relações salariais mais ‘transparentes’ contêm informalidades
mais ou menos latentes, mais ou menos realizadas, e que informalidades aparentes
são, quase sempre, manifestações de um salariado que perde sua materialidade
relacional. (MALUGUTI, 2001, p. 14)
De acordo com Malaguti existem várias situações ocupacionais em que o trabalhador
pode ser ao mesmo tempo trabalhador assalariado e trabalhador informal, mas como
88
classificá-lo a partir dos conceitos clássicos de informalidade? Na sua visão, os conceitos
tradicionais de informalidade não servem para explicar estas situações múltiplas vivenciadas
em um determinado momento da trajetória de um trabalhador, pois o trabalho assalariado e
trabalho autônomo são apreendidos como situações isoladas e estáticas. Nestes casos, a
análise das trajetórias ocupacionais se apresenta com um instrumento analítico mais
adequado para se entender como as condições objetivas e subjetivas são indissociáveis, pois
(...) a análise das relações entre as diversas vivências econômicas do
trabalhador permite-nos compreender sua personalidade profissional, seu nível de
engajamento em disputas econômicas ou políticas, sua classe social, sua posição no
interior de uma mesma classe, e, conseqüentemente, sua consciência de classe
(MALAGUTI, 2001, p.145).
Ao nosso ver o uso das trajetórias é uma ferramenta operacional que pode ajudar na
análise do trabalho informal, entretanto, é preciso ter muito cuidado para não reduzir o
entendimento das múltiplas situações ocupacionais vivenciadas pelos trabalhadores ao plano
das representações sociais. Entretanto, a proposta de Malaguti não se aplica à realidade social
de imensa maioria dos trabalhadores informais, pois várias pesquisas têm demonstrado que o
trabalho informal se constitui como a principal e única fonte de renda daqueles que se inserem
no mercado de trabalho através das atividades informais; além disso, a jornada de trabalho
diária é tão extensa que não oferece nenhuma condição para o exercício de outra atividade,
seja assalariada ou não. (JAKOBSEN; MARTINS; DOMBROWSKI, 2000; DRUCK 2002;
BARRETO, 2003; SOARES; LIMA, 2002).
Além destas questões um tanto quanto centradas nos aspectos metodológicos da noção
de informalidade, está em andamento um debate sobre o esgotamento da força cognitiva e
prática da noção da informalidade. No âmago da questão está a consolidação de um padrão
societal alternativo ao regime salarial pautado fortemente em termos práticos no engajamento
89
pessoal dos trabalhadores e simbolicamente no binômio empregabilidade/empreendedorismo
da ideologia empresarial.
Recentemente, Machado da Silva (2003) ao fazer um mapeamento das principais
questões que nortearam o debate sobre a informalidade nas últimas três décadas, reconsidera
posições assumidas em escritos anteriores e defende a tese de que há um esvaziamento do
conceito de informalidade e sua força explicativa, tornando-se um resíduo do passado, cujo
valor é apenas descritivo, e mesmo assim totalmente dependente dos contextos discursivos a
que se refere. O autor propõe como termo substituto à noção de informalidade, o conceito de
empregabilidade, entendida como uma cultura do trabalho em gestação, moldada em valores
e práticas totalmente distintos à história do assalariamento.
Concordamos parcialmente com o diagnóstico apresentado por Machado da Silva,
principalmente em relação aos perigos de uma cultura do trabalho pautada na
empregabilidade, todavia, discordamos do autor no que se refere a sua proposta de
substituição da noção de informalidade pela noção de empregabilidade. Defendemos a tese de
que ocorre um processo simbólico, econômico e político que confere a noção de
informalidade um novo “status”, em que as características que sempre constituíram
tradicionalmente as chamadas estratégias de sobrevivência dos trabalhadores informais
agora são transmutadas em personificações do novo trabalhador do capitalismo flexível.
Assim como, a noção de informalidade é desde a sua origem comprometida
ideologicamente, a noção de empregabilidade ao que tudo indica é mais comprometida ainda.
Trata-se de uma noção completamente forjada no âmbito do discurso empresarial.
Acreditamos que esta noção padece totalmente de problematização sociológica, tornando-se
necessária uma sociogênese do conceito. Afinal de contas o que há em comum entre
informalidade e empregabilidade? Um novo nome para velhas coisas? Esta é a questão
central que tentaremos responder na próxima secção.
90
CAPÍTULO 3
TRABALHO INFORMAL E EMPREGABILIDADE: O QUE HÁ EM COMUM? UM
NOVO NOME PARA VELHAS COISAS?
“Lá vai a empregabilidade, corre, pega ela, não a deixa escapar, dependes dela para se
manter vivo no mercado de trabalho em constante mutação, ela é a chave do sucesso para
quem deseja ter trabalho e renda nos dias hoje, em que emprego fixo, com horário certo para
bater o ponto não existe mais, é coisa do passado”, exclamava em alto e bom tom um “guru
da administração”, levando as gargalhadas o público de um workshop composto de pequenos
empresários, estudantes e jovens empreendedores em um hotel de luxo com vista para o mar,
na terra de “todos os santos” e “encantos mil”, cidade de São Salvador da Bahia.
Do seu púlpito, de olhos bem abertos, com boa postura corporal e firmeza no timbre
de voz, assim como os pastores performáticos das igrejas pentecostais, o “guru” apresentava
para o seu público o perfil do trabalhador do século XXI. Para exortar o “espírito” que move
o novo trabalhador, tomava de empréstimo a frase do famoso filósofo grego Heráclito: “Não
existe nada permanente, exceto a mudança”. Completando o ritual, ele descrevia as
características do trabalhador demandado pelo “mercado”, o “ente” que domina e decide
sobre a vida e os destinos dos pobres mortais, em lugar do “trabalhador-dinossauro” ascende
o “trabalhador-super-homem” afirmava o guru. O trabalhador acomodado, dependente,
carreirista, resistente a mudanças é peça de museu, de antiquário; as empresas de hoje
esperam dos seus empregados novas atitudes, posturas e conhecimentos. O trabalhador-super-
homem é por excelência flexível, tal como camaleão que muda de cor de acordo com o
tempo, deve sempre ajustar e adequar as suas “habilidades” e “competências” às
91
necessidades das empresas, deixar para traz os resquícios do emprego fordista e encarar o
futuro com coragem e ousadia.
E para terminar o espetáculo em grande estilo, a iluminação do cenário aos poucos se
obscurece e os slides se projetam no telão, e ali as palavras por efeito lúdico davam vida à
imagem do trabalhador-super-homem: liderança; facilidade de comunicação; flexibilidade e
capacidade de adaptação às mudanças; capacidade de organizar e transmitir as idéias;
criatividade e iniciativa na resolução de problemas e tomadas de decisões; trabalho em
equipe; ambição de carreira; capacidade de lidar com situações diferentes; e por último, não
ter medo de ficar desempregado e acreditar no seu próprio sucesso e autodesenvolvimento.
Luzes acesas, de volta ao mundo real, o último conselho do “guru” para quem deseja
ser um profissional de sucesso, mais uma vez ele falava por metáforas, buscava inspiração no
livro do pequeno príncipe de Saint-Exupéry (1964), em tom melodramático, relembrava da
passagem em que a raposa diz para o principezinho: “Tu és eternamente responsável por
aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa...” Traduzindo a metáfora para a platéia, ele
dizia: tu és inteiramente responsável pelo emprego que tu tens, és responsável pelo teu próprio
sucesso profissional, pense sempre positivo e não deixe se abater pelo pessimismo dos outros,
o teu futuro depende exclusivamente de você, confie na sua força interior e jamais as portas
do mercado se fecharão pra você. Seja gestor do seu próprio tempo e do seu trabalho! O
segredo é não desistir, se não conseguir o emprego que deseja, continue tentando, pois quem
espera alcança! Lembre-se sempre da lição de Santa Tereza d’Avilla: “Nada te perturbe.
Nada te espante. Tudo passa. A paciência tudo alcança”.
O que descrevemos nas linhas acima pode ser denominado de “fábula da
empregabilidade”, e se constitui num recurso metodológico que fazemos uso com o objetivo
de mapear o lugar de onde ecoam os sentidos simbólicos e práticos desta noção, que se
propagou de forma endêmica durante a década de 90 no Brasil, e rapidamente foi incorporada
92
ao discurso dos principais atores da cena pública de nossa sociedade, ganhando plausibilidade
entre tecnocratas, educadores, políticos, líderes sindicais, pesquisadores do mundo do trabalho
etc, bem como obteve visibilidade e destaque público através da mídia. Esta fábula é síntese
de uma das mais novas panacéias do mundo empresarial: a empregabilidade. Basta acessar
qualquer site de pesquisa na Internet e teremos um bom panorama desta panacéia, este é um
campo empírico interessante para compreendermos a sua gênese social e ideológica
11
. A
primeira evidência empírica fundamental é de que se trata de uma noção eminentemente
inventada e germinada no ambiente empresarial, este é o seu berço de origem, e em segundo
lugar, os seus principais agentes de divulgação e de propagação são os consultores de
mercado, executivos, administradores de empresas, donos de agências de emprego e banco de
talentos que contam também com o suporte das escolas de administração e das “Business
School” espalhadas pelo país. O fato de ser uma noção completamente forjada pela ação
empresarial indica o quanto é perigoso à análise sociológica adotar uma categoria produzida
pelo mundo prático, sem contudo recorrer ao exercício reflexivo que é inerente à prática de
pesquisa sociológica (BOURDIEU, 1998b).
A postura teórico-metodológica que adotamos para analisar a noção de
empregabilidade procede a investigação social a partir da dialética marxista. No mundo
prático, a noção se apresenta apenas em sua dimensão intrumental-adaptativa, mas por detrás
das aparências há muito mais do que isto. A relação entre aparência e essência é fundamental
para entendermos os sentidos simbólicos/ideológicos e práticos que são imputados pelos
agentes produtores e reprodutores do discurso da empregabilidade e o seu lugar no processo
de reprodução social do capitalismo no patamar de desenvolvimento em que se encontra na
atualidade.
11
Em pesquisa que realizamos recentemente pelo www.google.com.br tomando como critério busca o termo
empregabilidade e que fosse em páginas do Brasil, encontramos 42.700 registros sobre o termo, distribuídos em
806 páginas da Internet. Data da pesquisa 29.11.2004.
93
O que está em jogo é como a produção simbólica fortalece os contornos da dominação
política das classes dirigentes sob as classes trabalhadoras, mediante a mobilização e
manipulação subjetiva das qualidades e atributos pessoais dos indivíduos, que são obrigados
continuamente a recriar a capacidade criadora de transformar o mundo e a natureza, o seu
trabalho, para se reproduzirem enquanto sujeitos biológicos e sociais em condições sociais
similares aos primórdios do capitalismo selvagem.
A força simbólica do termo empregabilidade reside justamente na capacidade de
nomear e ordenar coisas, e assim, fazer com quer elas existam no mundo social sem serem
questionadas e funcionem como uma modelagem das práticas sociais dos agentes em que as
regras são vividas sem serem percebidas como regras. De que forma o discurso da
empregabilidade modela as práticas dos trabalhadores? A modelagem das práticas envolve
desde os pequenos detalhes do vestir, se comportar e agir dos trabalhadores, as suas redes de
sociabilidade até os requisitos formais da experiência profissional, mas o que está no centro
da modelagem das práticas é o forte apelo ao engajamento pessoal do trabalhador. Este deve
se doar ao mercado de “corpo e alma”, ofertando ao capital todos os seus dons e talentos e,
como recompensa pelo seu bom desempenho, terá o direito de decidir sobre o seu próprio
futuro. Mas qual destino? O de ser ou não uma força de trabalho atraente à exploração do
capital. O trabalhador assume ônus de ser inteiramente responsável pelo seu fracasso ou
sucesso no mercado de trabalho. Este pressuposto revela com certeza a essência do discurso
da empregabilidade, responsabilizar e culpar o indivíduo pelo seu “fracasso” no mercado de
trabalho, isto é, a situação de precarização do trabalho e do desemprego passa a ser um
problema individual de cada trabalhador que não se adaptou e não acompanhou as mudanças
em curso na economia e no mundo do trabalho.
O questionamento de um consultor em gestão empresarial é bastante emblemático a
este respeito: A pergunta hoje talvez não seja mais “Se há ou haverá emprego?”, e sim “Para
94
quem há ou haverá emprego?” (SILVA, F., 2004). A lógica do discurso empresarial da
“empregabilidade” busca a todo custo acentuar o problema do emprego e do desemprego
apenas como uma questão de falta de adequação da força de trabalho às contingências do
mercado de trabalho na contemporaneidade, o que implica em afirmar que os determinantes
econômicos e políticos das mudanças em curso no mundo do trabalho quando aparecem na
prática discursiva, assumem o papel de atores secundários do processo de precarização, ou
seja, inverte-se a relação entre variáveis dependente e independente.
Nestes tempos de mercado flexível precisa-se também de homens flexíveis que tenham
a coragem de se arriscar, sem medo do novo e que estejam sempre dispostos a correr riscos.
Na fase atual do capitalismo de acordo com Sennett, as relações sociais são estabelecidas na
perspectiva de “curto prazo” afetando o caráter pessoal dos indivíduos, principalmente porque
não oferece condições para construção de uma narrativa linear de vida, sustentada na
experiência. A nova ordem concentra-se na capacidade imediata, não leva em conta que a
acumulação dá sentido e direito às pessoas, por isso, o trabalho precisa ser flexível e os
trabalhadores flexíveis ao tempo de trabalho, às condições de trabalho. A lógica da
flexibilidade exige trabalhadores tolerantes com a fragmentação e que aprendam a lidar com
os riscos do trabalho. Sendo assim, o trabalho flexível põe em questão o caráter justamente
pela impossibilidade de se constituir laços e vínculos sociais duradouros em uma sociedade
cuja dinâmica privilegia as relações de curto prazo. A flexibilidade do trabalho exige também
uma flexibilidade da vida, requer que os sujeitos que vivem do trabalho se dobrem de acordo
com os “ventos” tempestivos do novo capitalismo. Como afirma Sennett:
Talvez o aspecto da flexibilidade que mais confusão causa seja seu impacto
sobre o caráter pessoal.(...) Caráter são os traços pessoais a que damos valor em nós
mesmos, e pelos quais buscamos que os outros nos valorizem. Como decidimos o
que tem valor duradouro em nós numa sociedade impaciente, que se concentra
no momento imediato? Como se podem buscar metas de longo prazo numa
economia dedicada ao curto prazo? Como se podem manter lealdades e
compromissos mútuos em instituições que vivem se desfazendo ou sendo
continuamente retroprojetadas? (SENNETT,1999, p.10) (Grifo nosso).
95
Por detrás da fábula do “trabalhador-super-homem” se escamoteia à lógica do “curto
prazo” e da descartabilidade social (SENNETT, 1999) do novo regime de dominação política
e de exploração do capitalismo flexível, a “flexploração do trabalho”, para utilizarmos a
expressão formulada por Bourdieu (1998a), bem como o processo de diminuição e
desregulamentação do trabalho estável, protegido socialmente e a expansão diversificada das
formas de trabalho parcial ou part-time, terceirizado, cooperativado, sem carteira assinada etc.
Entender a configuração do campo semântico da noção de empregabilidade e suas
armadilhas políticas é um passo importante para o exercício sociológico, para que possamos
desvelar o jogo dialético da aparência-essência que permeia toda a construção social da
categoria. O leitor pode estar se perguntando: mas afinal de contas o que é mesmo
empregabilidade? Bem, seja nos textos acadêmicos ou nos receituários dos “gurus” da
administração (que não são poucos), a definição consensual do termo refere-se à capacidade
que indivíduo possui de, ajustando-se às contínuas mudanças do mercado de trabalho,
manter-se empregado.
Ao contrário da trajetória do conceito de informalidade, a noção de empregabilidade
surge primeiramente nos países centrais, de modo especial na Europa. Para alguns autores o
termo é utilizado inicialmente nos estudos realizados sobre o desemprego na Europa a partir
da década de 60 e em seguida foi incorporado às políticas de gestão de recursos humanos das
empresas. (GAZIER, 1990). O termo é originário do francês, “employabilité”, e refere-se a
um conjunto de habilidades e competências que tornam um indivíduo “empregável”
(SOUZA;SANTANA; DELUIZ,1999, p.68), poderia ser também definida como “ a
probabilidade de saída do desemprego ou, formulada de maneira positiva, como capacidade
de obter um emprego” (GAZIER, 1990 APUD HIRATA, 1997). Em inglês, o termo
equivalente seria “employability”, isto é, “a condição de dar emprego ao que se sabe, a sua
96
expertise, a habilidade de ter emprego” (MINARELLI,1995, p.37), a qual teria sido
desenvolvida inicialmente por profissionais de outplacement, responsáveis em selecionar
executivos e em seguida se generalizou para as diversas áreas como sinônimo de
autodesenvolvimento pessoal (SARSUR; MENDES, s.d).
Além disso, observa-se que a dimensão instrumental-adaptativa da noção não se
restringe apenas à passagem de uma situação de desemprego para a de emprego, tamm
envolve outras variáveis, como idade, sexo, experiências prévias, rede de relações sociais,
origem social, concepções, valores, aspirações, trajetórias de vida, os quais se constituem
como fatores de sucesso na conquista de um emprego (SHIROMA; CAMPOS,1997,p.27). De
todo modo, o que aparece como traço marcante da noção é sentido socialmente imputado,
refere-se basicamente aos atributos pessoais e/ou os traços da personalidade do trabalhador e
não a idéia de posto de trabalho, ou seja, a empregabilidade é “atributo e virtude do indivíduo
em sua relação com o mundo do trabalho e não oportunidade criada pela estrutura sócio-
econômica” (PAIVA, s.d).
Sendo assim, o que está implícito é a completa desconstrução da noção de qualificação
atrelada ao modelo de gestão e organização do trabalho fordista, pois o objetivo é justamente
legitimar as práticas empresariais do padrão flexível de produção, e desta forma, superar uma
cultura do trabalho pautada no trabalho assalariado socialmente protegido. Todavia, é “aí que
mora o perigo”, sendo imprescindível ao pesquisador social atentar para os usos ideológicos e
políticos da noção de empregabilidade, pois:
Tal como vem sendo utilizada, (...) está associada a uma política de seleção
da empresa e implica em transferir a responsabilidade da não contratação ou da
demissão ao trabalhador. Um trabalhador “não empregável” é um trabalhador não
formado para o emprego, não-competente. O acesso ou não ao emprego aparece
como dependendo da estrita vontade individual de formação, quando se sabe que
fatores de ordem macro e mesoeconômicas contribuem decisivamente para essa
situação individual.(HIRATA,1997,p.33)
97
Para Frigotto (1999) a noção de empregabilidade busca “positivar a situação de
desmonte da sociedade salarial”, a eficácia do discurso insiste continuamente na produção da
idéia do “fim do emprego” e imputa das formas mais simples às mais complexas, o seu
substituto, a empregabilidade. A empregabilidade e seu parceiro de caminhada – o
empreendedorismo, são apresentados como a solução para o problema do desemprego
estrutural, efeito social de primeira grandeza do processo de reestruturação produtiva no
mundo. Os dois textos que seguem abaixo sintetizam a tônica do discurso ideológico
empresarial e o elevado grau de coisificação da categoria em questão.
Empregabilidade, pra que te quero?
Para nos colocarmos no mercado de trabalho é necessário planejar e
implantar o nosso marketing pessoal direcionado para o principal objetivo:
colocação no mercado de trabalho. Mas para isto temos que ter mais habilidades,
saber ouvir, ter obstinação, ser generalista, estar em aprendizado constante, ter
espírito de equipe, ser flexível e etc. Inglês e Informática então, tornam-se
obrigação. Claro que muitas vezes para obter essas ferramentas é preciso muito
sacrifício como: participar de palestras e seminários na parte da noite, estudando aos
sábados, muita leitura e até mesmo esquecendo o domingo com a família e amigos.
Mas para que tudo isso? Se por mais qualificada que a pessoa seja, ela não encontra
a oportunidade de um bom trabalho onde possa pôr em prática tudo que sabe; que
lhe assegure a satisfação das necessidades básicas? Enfim, não são encontrados
meios de retornar para si, todo o investimento feito ao longo dos anos de estudo e
preparo para enfrentar o mercado que o cada dia se torna mais e mais exigente e
competitivo. Então, surgem varias perguntas:
Para que estudei tanto?
Será a minha idade?
A minha raça ou cor?
Minha crença?
Minha aparência? Etc...
Assim como existem vírus mutantes, temos que nos adequar a todo
momento, e estar abertos a mudanças do mercado de trabalho. O conforto de
um emprego estável, sem dúvida gera segurança; mas, gera também
acomodação. É hora de esquecer que um dia já trabalhamos com carteira
assinada, tivemos os nossos benefícios, chefes, cartão de ponto e etc...
A realidade é que, temos que aceitar as mudanças que estão aí. Não aceitá-
las, faz-nos parecer com o avestruz, que com medo, esconde sua cabeça num buraco.
Nos escondermos no nosso mundinho não adianta, achando que, ele sim é o certo.
Temos que nos dar oportunidade, fazer o momento, e o principal: aprender a ousar.
Hoje o mercado de trabalho encontra-se retraído pelo momento político-
econômico no qual estamos vivendo e mais do que nunca a visão de mercado agora
é outra. Precisamos sim: estar prontos para ser gestores do nosso próprio
trabalho. (DOMINGUEZ, s.d.) (Grifo nosso).
A empregabilidade é um conceito mais rico do que a simples busca ou
mesmo a certeza de emprego. Ela é o conjunto de competências que você
98
comprovadamente possui ou pode desenvolver – dentro ou fora da empresa. É a
condição de se sentir vivo, capaz, produtivo. Ela diz respeito a você como indivíduo
e não mais à situação, boa ou ruim da empresa – ou do país. É o oposto ao antigo
sonho da relação vitalícia com a empresa. Hoje, a única relação vitalícia deve ser
com o conteúdo do que você sabe e pode fazer. O melhor que uma empresa pode
propor é o seguinte: vamos fazer este trabalho juntos e que ele seja bom para
os dois enquanto dure; o rompimento pode se dar por motivos alheios à nossa
vontade. (...) (empregabilidade) é como a segurança agora se chama.
(MORAES, 1998 apud FRIGOTTO, 1999) (Grifo nosso).
Uma das marcas do capitalismo flexível é a disposição de arriscar e de “não deixar que
nada se grude na gente” (SENNETT, 1999), este é um dos aspectos singulares que se pode
evidenciar com bastante clareza no discurso empresarial da empregabilidade. A imagem de
um trabalhador associada a idéia de um vírus mutantes nos remete de certo modo a uma
imagem do trabalho como sendo continuamente sendo mudado de vaso. De acordo com
Sennett, a instabilidade das organizações flexíveis do novo capitalismo obriga os
trabalhadores constantemente a correrem riscos com seu trabalho, a “trocar de vasos” para se
manter vivos. “A moderna cultura do risco é peculiar naquilo que não se mexer é tomado
como sinal de fracasso, parecendo a estabilidade quase uma morte em vida. O destino,
portanto, conta menos que o ato de partir” (SENNETT,1999, p.102)
Além disso, o que mais chama atenção no argumento empresarial é como as mudanças
que vem ocorrendo nos últimos anos no mundo do trabalho são apresentadas como se fossem
resultados da fatalidade econômica, ou como obra do acaso, fruto do destino e não da vontade
política dos homens que concentram em suas mãos as riquezas socialmente produzidas. Frente
ao que está acontecendo, predomina um sentimento de impotência individual e coletiva em
que não há nada o que fazer, a não ser, aceitar as regras vigentes do “moinho satânico” do
mercado e se submeter ao despotismo total do capital. O poder simbólico de expressões, tais
como “vírus mutantes” e “empregabilidade é como a segurança agora se chama”, traz à tona
a lógica social arraigada às relações de poder no mundo do trabalho, dissimuladora da
realidade social, principalmente quando se constata que um imenso contingente de
99
trabalhadores no Brasil e no resto do mundo, todos os dias da semana, todos as semanas do
mês e todos os meses do ano estão à procura de emprego e não encontram, fazendo do ato
incessante pela procura de emprego uma verdadeira profissão e vivendo do “ócio forçado”.
Forrester (1997, p. 118-119, grifo nosso) chama atenção para o caráter mistificador da
idéia de empregabilidade e para o grande segredo mágico que se esconde na palavra:
(...) uma bela palavra soa nova e parece prometida a um belo futuro:
"empregabilidade”, que se revela como um parente muito próximo da flexibilidade,
e até como uma de suas formas. Trata-se, para o assalariado, de estar disponível para
todas as mudanças, todos os caprichos do destino, no caso dos empregadores. Ele
deverá estar pronto para trocar constantemente de trabalho (como se troca de camisa,
diria a ama Beppa). Mas, contra a certeza de ser jogado "de um emprego a outro",
ele terá uma "garantia razoável", quer dizer, nenhuma garantia de encontrar emprego
diferente do anterior que foi perdido, mas que paga igual. Tudo isso transborda de
bons sentimentos, mas ser jogado de pequenos empregos para empregos pequenos
não tem nada de novo, e quanto, às “garantias razoáveis” suspeita-se que elas serão
consideradas cada vez mais “não razoáveis” e não existentes. Inventarão, todavia, o
nome de um gadget para distrair as multidões. Lembrem-se: empregabilidade.
Mesmo entre os agentes do discurso empresarial, há quem perceba a farsa e o
“charlatanismo” dos “gurus” da empregabilidade. Vejamos o que afirma um tecnólogo e
consultor em comércio exterior:
É possível até mesmo traçar um paralelo entre os métodos utilizados em
certos templos religiosos surgidos nos últimos anos e o sistema de vendas dos
charlatões da empregabilidade: consistem, basicamente, na exploração da falta de
perspectivas e da necessidade do vislumbre de um futuro mais promissor. Seja
através do pagamento de dízimos a falsos pastores ou pelo desembolso de altas
somas em troca dos ensinamentos de um “guru” (saliente-se a utilização de termos
de cunho místico em meio empresarial, utilizados em tom jocoso mas refletindo a
idéia da posse de poderes sobre-humanos pelos que seriam capazes de conduzir seus
discípulos ao “paraíso”), o que se apresenta a quem busca ajuda é sempre a idéia
de que “quanto maior o investimento, maior é o retorno”, deixando claro que,
caso o pagante não atinja seus objetivos, deve continuar tentando – e
“investindo” – até que sua persistência seja recompensada. Em suma, a mais
antiética utilização da fé de quem se encontra necessitado de apoio. (PENSCHI,
2003) (Grifo nosso).
100
Leite (1997) considera que o conceito de empregabilidade é bastante problemático
quando se objetiva analisar a configuração do mercado de trabalho e do emprego no quadro
geral das mudanças provocadas pelo processo de reestruturação produtiva, principalmente
quando se discute a relação entre qualificação e desemprego. Para a autora, os pressupostos
do conceito não se sustentam quando confrontados com a dinâmica do próprio mercado de
trabalho na conjuntura dos anos 90. Em primeiro lugar, é falacioso o argumento de que o
desemprego não é resultante do desequilíbrio entre a magnitude da população
economicamente ativa e as ofertas de trabalho na atual fase de desenvolvimento do
capitalismo, e sim um problema de inadequação da força de trabalho às exigências de
qualificação impostas pelo novo paradigma da produção, ou seja,
(...) parte-se do princípio de que os trabalhadores que estão desempregados
encontram-se nessa situação não porque haja falta de emprego, mas porque não se
adequariam às novas exigências de qualificação das empresas. (LEITE, 1997, p. 64-
65)
Tais suposições não resistem ao fato de que os investimentos em qualificação e
formação profissional, principalmente na metade da década de 90 no Governo FHC, não
foram suficientes para inibir as taxas crescentes de desemprego registradas no país. Na
essência não só os pressupostos em que sustenta o conceito são falsos como a solução
proposta para o problema, a saber, a educação, pois é consenso que a educação não tem a
capacidade de resolver isoladamente o problema do desemprego, basta lembrar da grande
quantidade de indivíduos com diploma de nível superior que estão desempregadas. Além do
mais, é preciso levar em consideração que “o conceito joga sobre o trabalhador a
responsabilidade pelo desemprego, ao trazer implícito que o mesmo se deve a uma
inadequação da mão-de-obra às ofertas existentes no mercado de trabalho” (LEITE, 1997, p.
65), e o que é pior, busca neutralizar os pontos de tensão do conflito social que estão postos
101
nas tendências de precarização do trabalho, impondo à força de trabalho a aceitação de
qualquer condição de trabalho como forma de escapar do desemprego.
Por outro lado, autores como Nádia Guimarães (2003) acreditam que a noção de
empregabilidade, se enriquecida semanticamente, pode ser útil como ferramenta metodológica
de compreensão do que a autora denomina de “desemprego de longa duração”. Na sua visão,
a empregabilidade não pode ser compreendida simplesmente a partir das características
individuais dos trabalhadores que “habilitam-se a obter e manter-se em um emprego”, mas
deve ser apreendida como uma construção social que decorre da interação estratégica tanto
dos trabalhadores quantos dos empregadores. As chances de um trabalhador ser bem sucedido
na procura de um emprego são delimitadas para além da vontade e conduta individuais, há
elementos do contexto produtivo que delimita a trajetória ocupacional de um trabalhador,
impondo exigências e restrições à sua inserção no mercado de trabalho. A abordagem sobre a
empregabilidade requer uma análise longitudinal que busque compreender o percurso das
trajetórias ocupacionais desenvolvidas por cada trabalhador, sendo preciso atentar ainda para
as estratégias de busca de emprego que se constitui a partir das redes sociais, como
experiências anteriores de trabalho e o grupo familiar como fator de explicação do êxito na
obtenção de um novo posto de trabalho. Neste sentido, afirma Sorj (2000 p.32):
(...) uma das formas de assegurar a empregabilidade em longo prazo é
transformar as múltiplas redes de sociabilidade – como a família, grupos de
vizinhança, a igreja, associações profissionais, clubes e partidos políticos - em
fontes de informações e de renovadas oportunidades no mercado de trabalho.
Para além do mundo das aparências, o discurso da empregabilidade revela-se como um
dos principais mecanismos ideológicos de mobilização do exército de trabalhadores da ativa e
da reserva do capitalismo flexível. A reinvenção contínua dos métodos de exploração da força
de trabalho é essencial para o processo de produção e acumulação capitalista, bem como para
102
assegurar a existência de uma massa de trabalhadores que contribua para o progresso da
ordem burguesa.
Do ponto de vista do exército da ativa, o discurso da empregabilidade se apresenta
como um elemento de diluição das fronteiras sociais que separam o capital e o trabalho, sendo
que, o esforço estratégico da engenharia organizacional é para abrandar o conflito de classe.
Isto pode ser evidenciado nas pequenas sutilezas da gestão empresarial, as quais podem ser
percebidas até mesmo quando entramos em uma grande rede de supermercado e de confecção
de nosso país. Difunde-se a concepção de que o trabalhador é um colaborador, parceiro,
associado de determinada empresa e não empregado, de modo que, passa-se a idéia de que os
interesses do patrão são os mesmos do empregado, e o sucesso da empresa é
conseqüentemente também o do trabalhador. Este é um simples exemplo dos mecanismos de
cooptação ideológica da gestão flexível do trabalho que condicionam subjetivamente a
fragmentação dos coletivos de trabalhos e põe em questão uma cultura de trabalho típica do
período fordista, ao mesmo tempo em que reforça o “enclausuramento” do trabalhador e de
sua substância à ordem burguesa.
Do ponto do vista do exército industrial de reserva, levando em consideração as suas
formas concretas e a sua integração sistêmica à produção e reprodução social do capitalismo,
o discurso de empregabilidade se reveste basicamente sob o rótulo do “patrão e empregado de
si mesmo”, ou do “empreendedor”. A apologia ao “trabalho por conta própria” e a exaltação
de suas virtudes constituem como elemento de mobilização do contingente de trabalhadores
que vivem na informalidade e a perpetuação da forma de trabalhar e produzir à reprodução do
sistema capitalista. O discurso da empregabilidade é uma das principais ilusões da época da
reestruturação produtiva, de globalização e do neoliberalismo, principalmente em contextos
societais em que o “estatuto salarial” não se universalizou como padrão integração social,
como é o caso do Brasil.
103
Na nossa concepção, se levarmos em conta a história do trabalho e o processo de
integração social da classe trabalhadora ao desenvolvimento da sociedade capitalista no
Brasil, é possível afirmar que a empregabilidade não é uma novidade nem teórica e nem
empírica. Na verdade, trata-se da produção de um discurso simbólico-ideológico de
convencimento que se apropria de velhas coisas, tidas como atrasadas, que agora são
metamorfoseadas em ícones do novo e moderno mundo do trabalho, intrínsecas ao perfil do
trabalhador do século XXI. Mas, quais são as velhas coisas? Na essência, o conteúdo e as
propriedades estruturantes da noção de empregabilidade consideradas como típicas do
trabalhador do novo paradigma produtivo não passa de uma transmutação das características e
atributos do tradicional trabalhador informal, que historicamente compõe a cena urbana da
maioria das cidades brasileiras. Por esta razão, reiteramos completamente a afirmação de
Druck (2001 p.87-88, grifo da autora):
Os conteúdos da empregabilidade e da competência, associados ao novo
trabalhador e às novas formas de organização do trabalho valorizam qualidades ou
qualificações individuais tais como: iniciativa, criatividade, capacidade de
adaptação, flexibilidade, capacidade de solucionar problemas e lidar com o
inesperado e outras. Ora, se examinarmos com atenção, é possível perceber que
essas qualidades são típicas dos trabalhadores que vivem na informalidade ou na
“solidão do mercado”, e que sempre constituíram a grande parte – hoje a maioria –
dos trabalhadores brasileiros. Isto significa dizer que na história do trabalho no
Brasil, empregabilidade e competência, são dois “velhos modelos”, associados
muito mais a precarização do trabalho e emprego, típicos de países
subdesenvolvidos do que à revolução tecnológica e de novos padrões de
organização do trabalho.
Nesta perspectiva, não concordamos com a posição assumida por Machado da Silva
(2003) no tocante a sua sugestão de que a categoria empregabilidade seria o equivalente
funcional do conceito de informalidade, devido ao seu esvaziamento como categoria de
entendimento dos problemas associados à configuração do mercado de trabalho e da
integração social. Embora estejamos completamente de acordo com o seu posicionamento
sobre os perigos de cultura do trabalho fundamentada no binômio
104
empregabilidade/empreendedorismo. Ao invés de esvaziamento, acreditamos que se trata de
um novo status teórico conforme demonstramos na seção anterior, em que o que era
considerado como marginal, atrasado, exceção etc., se tornou sinônimo da moderna forma de
produzir e trabalhar capitalista.
Ao revisar a literatura sobre a informalidade da década 60 a 80, evidencia-se como o
modo de trabalhar e a condição existencial dos trabalhadores informais se expandiram para o
conjunto de classe trabalhadora na atualidade. O próprio trabalho de Machado da Silva (1961)
nos oferece uma boa tipificação do tradicional trabalhador informal (o biscateiro), a qual é
muito pertinente para elucidar como as características e qualidades típicas daqueles que se
encontram no trabalho informal, próprias da sua condição de existir enquanto força de
trabalho superexplorada, no contexto de hoje são apropriadas pelo discurso da
empregabilidade. Vejamos:
Na medida em que os biscateiros dependem fortemente da personificação das
relações de trabalho, há um fator de natureza psico-social que desempenha papel
relevante na qualidade dos contatos e, portanto, no próprio controle do mercado.
Trata-se do que se poderia chamar de “personalidade”. Com este termo procura-se
englobar um conjunto de características psicológicas socialmente relevantes,
relacionadas a expectativas culturais em torno do comportamento do trabalhador.
Tais características incluiriam a “simpatia”, “extroversão”, “bom humor”, etc. que
influem sobre a facilidade de estabelecer boas relações primárias; e também “auto-
confiança”, “iniciativa”, etc., que afetam a agressividade na procura de serviços
...
“Qualidades” dessa natureza são significativas em qualquer caso, mas afetam mais
profundamente as situações em que a “confiança interpessoal” é fator básico.
(MACHADO DA SILVA, 1961,p.77)
Existe alguma diferença substancial entre o que Machado da Silva denominou na
década de 60 de personalidade e a idéia de empregabilidade difundida na “década de
desertificação neoliberal?” A resposta é não. O que há de novo é o processo em que a
personalidade” do trabalhador informal sob as lentes ampliadas da “flexploração do
trabalho” é convertida na imagem do “novo de trabalhador”, substituta da representação do
105
trabalhador com carreira, com emprego assalariado e socialmente protegido. Sendo assim, a
velha condição de trabalho informal passa a ocupar um lugar destaque na configuração do
mercado de trabalho, figurando-se como a forma de integração da maioria da classe
trabalhadora ao mercado de trabalho. A triste improvisação inventada continuamente pelas
camadas populares na sua luta árdua pela sobrevivência nos grandes centros urbanos deste
país, tão bem caracterizada por Viana (1980), nos dias de hoje parece se universalizar como
feições concretas da superexploração do trabalho flexível. Usar a imaginação pra sobreviver
em proveito da acumulação do capital transformou-se na qualidade intrínseca do trabalhador
flexível. Desta forma, trabalho informal é a expressão máxima do trabalho do flexível, cuja
única chance de estabilidade para o trabalhador é a sua própria “empregabilidade”, ou seja, a
sua capacidade renovada de inventar e “se virar” em meio às incertezas, vulnerabilidade e
riscos do mercado de trabalho.
Os efeitos sociais de uma cultura do trabalho pautada na “personalidade” do
trabalhador, que se aflora como uma regra de civilidade e de integração do trabalho ao mundo
do capital, põe em questão o estatuto do trabalho protegido socialmente, por conseguinte, as
mediações políticas entre trabalho e cidadania. Como afirma Machado da Silva (2003, p.
166):
Uma cultura do trabalho organizada em torno da categoria “empregabilidade”
fere de morte os valores da solidariedade social tão dificilmente institucionalizados
sob a fórmula "trabalho livre, mas protegido” e torna-se o centro de legitimação
ideológica da fragmentação social.
Por último, é importante destacar os elos de ligação entre a problematização que
acabamos de apresentar sobre a noção de empregabilidade e a questão teórico-empírica de
fundo deste trabalho, ou seja, a condição provisório-permanente do trabalhador informal.
Acreditamos que através da apreensão sociológica das propriedades estruturantes do mundo
106
prático dos sujeitos que vivem do trabalho informal, em particular das atividades informais
tradicionais, é possível compreender como a substância da “empregabilidade” é um elemento
estruturante da reprodução continuada no tempo e no espaço social do trabalho informal. Na
medida em que o esquema cognitivo ordena e classifica as experiências concretas e lhes
confere singularidade às práticas laborais do trabalhador informal, o “planetário de erros
(THOMPSON, 1981) do discurso estigmatizado da empregabilidade é contrastado com a
realidade sócio-histórica da informalidade, a qual desvela a sua gênese e nos oferece os
elementos para pensar como o capital transforma em novas todas as velhas coisas. Desta
maneira, o quadro analítico de reflexão sociológica que ora adotamos, nos permite ler e
interpretar as mutações do mundo do trabalho a partir das propriedades intrínsecas do trabalho
informal e do seu espaço na cartografia social do mercado de trabalho, e assim, descortinar o
mundo das aparências das novas formas de dominação do capitalismo flexível e relacioná-las
com os dilemas e as contradições do progresso capitalista da sociedade brasileira.
107
CAPÍTULO 4
MERCADO, TRABALHO E INFORMALIDADE NA “CIDADE DA BAHIA”
Neste capítulo apresentaremos um breve quadro da evolução do mercado do trabalho
na Bahia e as suas principais tendências, buscando entender o lugar do trabalho informal na
cartografia social do trabalho na sociedade baiana, e de modo especial, no contexto sócio-
histórico da sociedade soteropolitana, ou se preferirmos, da “cidade da Bahia”. Por fim, na
esteira de tal percurso, nos interessa entender a configuração da informalidade nos anos 90,
para tanto, tomaremos como unidade analítica o núcleo mais tradicional da informalidade, ou
seja, o conjunto de atividades informais que geralmente são classificadas pelas pesquisas
oficiais que medem os índices de emprego e desemprego no Brasil, a exemplo da PED e
PME, como trabalho por “conta-própria ou autônomo”.
Neste sentido, faremos uso dos dados secundários da PED (1997-2004) para cidade de
Salvador, os quais nos permitem construir uma visão panorâmica do trabalho informal no
horizonte das mudanças que ocorreram na sociedade e no mundo do trabalho ao longo dos
anos da década de 90 na cidade das “tradições”, de “todos santos e orixás”, de “todos ritmos e
cores”; contrastada com a cidade moderna (ou pós-moderna!), das desigualdades sociais e da
pobreza, de “todos os pobres” e poucos ricos, enfim, cidade dos desempregados.
108
4.1 Mercado de Trabalho na Bahia: um breve histórico
Ao nosso ver, retroceder no tempo histórico da sociedade baiana tendo em vista o
processo de formação do seu mercado de trabalho é fundamental para entendermos o atual
“estado das artes” do mundo do trabalho, principalmente quando levamos em consideração os
usos sociais da força de trabalho baiana e as suas formas de integração na cartografia social
do mercado de trabalho regional.
Dentre tantos outros mercados, qual é a especificidade do mercado de trabalho na
Bahia? A partir de que momento na história da Bahia é possível falar em mercado de
trabalho, nos moldes da produção capitalista?
Antes de entrarmos no mérito das questões acima levantadas, é importante esclarecer a
seguinte dúvida: de que “Bahia”, está se falando? É a “Bahia Sertaneja” ou é a “Bahia
Litorânea”, formada pela cidade de Salvador que no máximo se estende ao seu interior mais
próximo, o Recôncavo Baiano? Se levarmos em consideração o próprio processo de
povoamento e de formação histórica da Bahia, veremos que a cidade de Salvador e os seus
arredores mais próximos constituíam em termos geográficos, culturais e econômicos o centro
dinâmico da província da Bahia no final do século XIX. De certo modo, pode-se afirmar que
a Bahia se resumia à cidade de Salvador, a qual era atribuído o título de “Cidade da Bahia”.
Não é por acaso que até hoje ainda é bastante comum no interior do Estado a seguinte
indagação quando alguém anuncia que vai à Capital: “vai para Bahia?” Para além do
imaginário popular, também é verdade que por um bom tempo a dinâmica econômica do
estado da Bahia se concentrou na cidade de Salvador e seus municípios vizinhos, compondo
o que hoje se conhece como região metropolitana de Salvador, que por sua vez teve influência
direta na estrutura do mercado de trabalho baiano como veremos mais adiante.
109
Desde a sua fundação até as primeiras décadas do século XX, a cidade de Salvador
caracterizou-se como um espaço não-produtivo, contudo, de controle social das funções
político-administrativas e mercantis. Predominava em Salvador e nos seus arredores, uma
economia agrário-mercantil, voltada essencial para o comércio internacional, sendo que a
presença da indústria era bastante incipiente, caracterizada por processos de produção quase
artesanais e com estreito vínculo com a agricultura. Por conseguinte, o mercado de trabalho
era também um mercado “não-produtivo”. Referindo-se ao mercado de trabalho da Cidade de
Salvador na segunda metade século de XIX, Mattoso (2000, p. 14) afirma o seguinte:
(...) Salvador é uma cidade essencialmente comercial, especializada no
comércio de exportação e importação e na redistribuição regional de mercadorias.
Aí oferecem-se todos os serviços que se pode encontrar em uma capital
administrativa.
Além disso, é um mercado de trabalho que já nasceu com uma dupla estrutura,
segmentado pela cor e diferenciado para o trabalhador escravo e o trabalhador livre, pois
existia um mercado de trabalho para os homens livres brancos, mulatos, negros e alforriados,
e um outro mercado para os escravos. A diferenciação existente entre o trabalho livre e o
trabalho escravo se sustentava basicamente na obrigação dos escravos para com os seus
proprietários em entregar parte considerável de seus ganhos. A estrutura ocupacional deste
mercado apresentava um leque variado de ocupações, artesões de todos os tipos, alfaiates,
carpinteiros, sapateiros, pedreiros, marceneiros, barbeiros até as atividades do pequeno
comércio e serviços de rua.
Com o declínio e a decadência da economia de base agrário-mercantil, a cidade de
Salvador, o principal núcleo urbano da Bahia, sofrerá diretamente com os impactos de tal
processo, uma vez que as atividades que compõe a sua estrutura produtiva funcionavam
como suporte à base econômica vigente e eram completamente dependentes de sua lógica de
funcionamento. Tal processo acabou abortando a emergência de um processo de
110
diversificação das atividades produtivas, bem como o próprio processo de expansão das
atividades capitalistas. Como a indústria baiana estava vinculada ao setor agro-exportador (as
fábricas de charutos, as usinas de cana-de-açúcar e as indústrias têxteis), à medida que se
fechavam “as portas” do mercado internacional, tais indústrias se voltaram para o mercado
interno, o qual era pouco dinâmico, estando as mesmas fadadas à estagnação ou ao
desaparecimento.
Aliado isso, a criação de um mercado nacional e a concentração da industrialização no
Centro-Sul do país, fez com que se agravasse ainda mais o quadro sócio-econômico baiano
herdado após a decadência da economia agrário-exportadora. A “opulência” da cidade da
Bahia do século XIX fora completamente substituída por um longo período de estagnação
econômica e populacional que irá perdurar até a década de 50, com a descoberta e exploração
de petróleo no Recôncavo baiano, que por durante três décadas se constituirá como o único
produtor nacional de petróleo, sendo responsável por boa parte da produção nacional.
(OLIVEIRA, F., 2003b). Este processo de estagnação econômica que ocorrera nos 50 anos
iniciais do século XX ficou conhecido na literatura como “enigma baiano”. A historiadora
Kátia Mattoso, talvez tenha expressado muito bem a partir de sua experiência pessoal o que
seria o “enigma baiano”:
(...) Minha essência grega tinha inconscientemente ajudado no esforço de
tornar-me uma verdadeira baiana, de uma Bahia envelhecida, inerte, imóvel,
lentamente adormecida, prisioneira de um passado que não pareceria poder ir
embora. As ladeiras da minha Soterópolis davam-se agora a impressão de uma
cidade bombardeada pelo passado: mansões de dois ou três andares, terrenos baldios
invadidos por uma vegetação luxuriante que no entanto mal escondia as feridas de
paredes rachadas, que tinham pertencido as baianos abastados? ... A cidade só ficava
lúgubre quando, ao chegarem as fortes chuvas de inverno, literalmente afundava na
lama, por horas ou dias. Mas, com o sol, era bela como uma rainha destronada que
não corresse atrás de riquezas perdidas e conservasse o porte altivo. Os números
bairros residenciais habitados por população abastada – Vitória, Canela, Graça ou
Barra – não podiam comparar-se às magníficas casas da Avenida Paulista ou do
Jardim Europa, que eu descobrira em São Paulo. Aqui, quase nada era novo ou
realmente moderno. Por que a fortuna abandonara esta cidade tão orgulhosa?
(MATTOSO, 1992, p.17-18)
111
A estrutura produtiva e social da cidade de Salvador durante as primeiras décadas do
século XX permaneceu completamente inerte, mas com uma grande contradição: “muitos
homens precários em uma ordem não-escravocrata” (OLIVEIRA, F.,2003b, p. 34). Sob o
manto da imponência e ostentação de oligarquia local, a exemplo dos Catarinos, Sá, Calmons,
Sá Calmons, Marianis, Magalhães e tantos outros, “vegetava” grande parte da população não-
reconhecida socialmente, na qual se enquadram as domésticas e domésticos, funcionários
públicos, os poucos operários e muitos biscateiros que sobreviviam dos mais diversos
expedientes, desde a pequena produção artesanal até o trabalho de rua. Em termos
capitalistas, tratava-se de uma divisão de trabalho ainda incipiente, exceto as poucas
atividades que estavam ligadas diretamente ao setor capitalista, o resto da cidade vivia de
“expedientes”. Era justamente a circulação do excedente concentrado nas mãos da oligarquia
financeira e as suas despesas vultosas com os “suntuários” que possibilitavam a reprodução
dos diversos “expedientes”, dos quais que se ocupavam grande parcela da força de trabalho
soteropolitana. Portanto, a forma predominante de inserção da população trabalhadora a
estrutura produtiva e ao mercado de trabalho nesta época na Bahia, era através das
denominadas de atividades não-capitalistas. De acordo com Carvalho e Souza (1980, p.75), a
ocupação dos trabalhadores nestas atividades se dava basicamente de duas formas:
- em uma produção artesanal ou no pequeno comércio e serviços destinados
ao atendimento das necessidades de consumo da população urbana de baixa renda;
- na prestação de certos serviços pessoais, nos serviços domésticos e outros,
voltados para as necessidades de consumo das camadas de altas rendas.
Dados do Censo do 1950 atestam a importância histórica de uma economia urbana na
cidade de Salvador. Lopes (1968) citado por Carvalho e Souza (1980), analisando o avanço
do processo de urbanização no Brasil, constata que mais da metade das atividades que
constituíam o setor de serviços em Salvador eram desenvolvidas por lavadeiras, cozinheiras,
112
bordadeiras e sapateiros, enquanto que em São Paulo este percentual para o mesmo período
era de apenas 26%. Além disso, destacava-se a grande presença dos vendedores ambulantes,
que representavam aproximadamente 26% da população ocupada no comércio de
mercadorias, já em São Paulo este percentual era de 11%.
Estes dados demonstram que no caso da cidade de Salvador, as atividades não-
capitalistas, ou seja, o trabalho informal, é “... um fenômeno com profundas raízes na vida e
na história da cidade” (BAHIA.SECRATRIA DA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DA BAHIA,
1983, p.22), que antecede o próprio processo de industrialização da Bahia. Quando o moderno
capitalismo chega às terras da Bahia, aqui já encontrara um exército industrial de reserva em
grande abundância.
Portanto, é somente na segunda metade do século XX que começa a se vislumbrar a
montagem de um mercado de trabalho urbano pautado na relação salarial, com ampliação do
emprego industrial e com a intervenção direta do Estado (AZEVEDO, 2000). Antes disto, a
força de trabalho não havia se constituído como uma “mercadoria” na Bahia, ou seja:
(...) a mercadoria “força de trabalho” não existe: na maior parte dos casos, o
trabalho não se perfaz socialmente; mesmo quando formas de auto-subsistência
urbana se afirmam, o que existe é uma espécie de troca, materialmente fundada, por
acerto, até possível de quantificar-se – um balaio de peixes por dez acarajés -, mas
não se trata de igualdade. (OLIVEIRA, F., 2003b, p. 41).
O início da exploração e refino de petróleo pela Petrobrás na década de 50 é um marco
histórico importante no processo de desenvolvimento econômico e na estruturação do
mercado de trabalho na Bahia. Após décadas de estagnação econômica, começavam a
despontar alguns sinais do aquecimento da economia e de mudanças no mercado de trabalho.
Os investimentos realizados pela Petrobrás na Bahia não tiveram paralelo na sua história
econômica, cujos efeitos proporcionaram uma série de mudanças tais como: a elevação do
produto industrial; o aumento do emprego industrial e da massa de salários; o estímulo ao
113
surgimento de indústrias complementares (a exemplo das empresas dos ramos químico e
metalúrgico); a dinamização do setor da construção civil e de obras de infra-estrutura, do
comércio e dos serviços; além de influenciar no crescimento populacional, econômico e
urbano da cidade de Salvador e da sua Região Metropolitana.
Entretanto, a implantação da Petrobrás não foi suficiente para produzir uma ampla
diversificação da estrutura produtiva de Salvador, e nem tão pouco do Estado em seu
conjunto. É somente na década de 60 que se intensificará o processo de industrialização no
Nordeste e na Bahia, o qual se dará principalmente sob a égide dos incentivos fiscais da
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE. Tratava-se de uma
“industrialização incentivada”, em que os capitais do Centro-Sul e os capitais internacionais
investiam na região com incentivos fiscais públicos, podendo obter elevadas taxas de lucros
através da isenção do imposto de renda e da transferência de recursos públicos para as
empresas privadas, ou seja, os empréstimos de investimento obtidos na rede de bancos
oficiais.
A Bahia foi extremamente beneficiada com os recursos da SUDENE, calcula-se que
no período de 1960 a 1970, 41,3% das inversões totais tenham sido aplicadas no Estado,
sendo responsáveis por 25,6% dos empregos criados no Nordeste neste período (OLIVEIRA,
2003b, p. 37).
Neste contexto, nos fins da década de 60, com a implantação do Centro Industrial de
Aratu, se inicia uma nova fase do processo de industrialização na Bahia que se consolidará no
final da década de 70 com a criação do moderno parque industrial, isto é, do Pólo
Petroquímico de Camaçari, o qual se transformará no fator dinâmico da economia regional,
provocando uma significativa diversificação na estrutura produtiva de Salvador e do mercado
de trabalho metropolitano.
114
Este processo de industrialização que se configurou na Bahia apresentou algumas
características importantes, sendo que, a mais relevante é o seu caráter complementar à
estrutura industrial do Centro-Sul, pois as empresas que se instalaram no moderno parque
industrial baiano eram basicamente constituídas por industrias produtoras de bens
intermediários, bens de capital ou bens de insumo durável, que tinham seus mercados
localizados principalmente naquela região ou no exterior. Além do mais, a forma de
integração da Bahia na divisão regional do trabalho foi fundamental para que a economia
brasileira se tornasse nacional, contudo, era bastante evidente que se tratava de modelo de
relações de subordinação inter-regiões, pois as empresas que constituíram o moderno parque
industrial dependiam muito mais dos interesses extra-regionais do que da articulação das
forças locais. O capital que investia na Bahia, era ao mesmo tempo um capital de circulação
nacional, movido pelas oportunidades de retorno e de lucro que eram oferecidas pela região
naquele momento. (CARVALHO; SOUZA, 1980; DRUCK, 1999; OLIVEIRA, 2003b).
Por fim, destaca-se o caráter de “enclave” deste processo de industrialização para a
economia baiana, uma vez que havia uma pequena articulação da indústria moderna com as
atividades tradicionais desenvolvidas no Estado, já que o conjunto destas empresas não
demandava pelos de bens e serviços já existentes, devido a sua própria composição e
características.
Contudo, as transformações sócio-econômicas que ocorreram durante esta fase do
processo de industrialização deram “novas cores” à paisagem da Bahia. A região
metropolitana de Salvador se transforma completamente, passa por um intenso e rápido
processo de urbanização e de crescimento populacional, e a sua estrutura de emprego se altera
radicalmente. Segundo Francisco de Oliveira (2003b), entre 1940 e 1970, há uma “des-
ruralização” da população economicamente ativa e um aumento expressivo do emprego
115
industrial, que passa de 16,5% para 26,1% neste período, e setor terciário passa de 59,9% em
1949 para 68,2% em 1970.
No caso específico do Pólo Petroquímico de Camaçari, estima-se que tenha sido
criados 25 mil empregos somente durante o período de construção das plantas industriais,
sendo a construção civil o setor de maior absorção da força de trabalho (SILVA, E. A;
PEREIRA, 1986, p.03). A partir do seu pleno funcionamento em 1978, surgiram novos
postos de trabalho permanentes, mais qualificados e com melhores salários. De acordo com
Borges e Franco:
(...) em pouco mais de sete anos, foram gerados em torno de 20 mil empregos
diretos e mais de cerca de 25 mil nas empresas prestadoras de serviços – terceiras.
Os postos de trabalho gerados diretamente nas empresas petroquímicas destacaram-
se no conjunto da indústria da RMS por pagarem salários acima da média regional,
por um nível médio de qualificação/escolaridade da mão-de-obra igualmente
elevado, por buscarem a estabilização da mão–de-obra e por concederem benefícios
– salários indiretos – usufruídos por parcelas muito reduzidas dos trabalhadores da
região. (BORGES; FRANCO, 1997,p.70)
As novas cores pinceladas à paisagem baiana pela industrialização tardia, aos poucos
demonstravam a sua incapacidade de apagar os “borrões” da estrutura social da região, ao
mesmo tempo em que contribui para aumentá-los. Embora seja verdade que a industrialização
criou novos empregos, mas não em número suficiente para compensar o acelerado
crescimento demográfico decorrente em grande medida dos fluxos migratórios, que
aumentaram progressivamente com a própria expansão da industrialização na Região
Metropolitana de Salvador. Abundância da mão-de-obra preexistente ao processo de
industrialização se converte toda ela em força de trabalho disponível ao capital, no momento
em que as relações de produção se estabelecem nos moldes capitalistas. Como afirma
Oliveira:
116
(...) a marcha do processo de industrialização libera quantidades crescentes
de força de trabalho, que podem sr empregadas ou permanecer latentes, à disposição
do capital, conforme o ciclo do processo de acumulação. Este “à disposição” não é
simplesmente a existência de braços a empregar: sua determinação mais precisa
significa que a população, a mão-de-obra e a força de trabalho estão
irreversivelmente separadas do mercado, isto é, mediante a compra dos meios de
subsistência produzidos capitalistamente. Entretanto, as formas dessa compra são
complexas, dependendo, em primeiro lugar, do ritmo da acumulação do capital e,
em segundo, da maneira como essa acumulação cria uma superpopulação relativa
(...) (OLIVEIRA, F., 2003b, p. 49-50).
O processo de industrialização na Bahia traz consigo a possibilidade de uma nova
forma de trabalhar capaz de modelar um modo de vida, cuja efetividade está essencialmente
centrada na racionalidade do trabalho e na consolidação de uma sociedade salarial.
Entretanto, observa-se na trajetória da história da Bahia que o industrialismo, entendido como
forma de trabalhar e de viver, não se estabeleceu na sua forma completa (DRUCK, 1999).
Embora o trabalho assalariado tenha se tornado a principal forma de reprodução do capital na
Bahia, o processo de industrialização não foi capaz de criar um mercado de trabalho
homogêneo; mas pelo contrário, o que se observou foi a consolidação de um mercado de
trabalho com fortes traços de heterogeneidade, fragmentação e hierarquização. (OLIVEIRA,
2003b).
De acordo com Druck (1999) a trajetória da região é portadora de uma singularidade
histórica, uma vez que:
A industrialização, embora tenha acelerado e contribuído, decisivamente,
para definir um novo padrão de racionalidade na atividade produtiva, fê-lo numa
dimensão ainda marcada por fortes traços de uma sociedade “desorganizada”. Nesta,
o trabalho deixou de ser escravo e compulsório, mais ainda não é totalmente
considerado gratificante e livre, mesmo porque este novo tipo de trabalho –
assalariado – é ofertado para uma pequena parcela da sociedade. (DRUCK, 1999, p.
171).
Nos moldes em que se processou o avanço do desenvolvimento capitalista na Bahia e
em Salvador acabou resultando num agravamento da heterogeneidade da estrutura produtiva
pré-existente e da concentração da renda, de modo que, “... reproduzem-se as condições para
117
a coexistência de formas avanças e atrasadas de capitalismo com formas não-capitalistas de
produção e se acentuam as disparidades inter e intra-setoriais” (CARVALHO; SOUZA, 1980,
p. 82).
Vários estudos realizados a partir da década de 70 demonstram as diversas facetas da
heterogeneidade do mercado de trabalho, da estrutura ocupacional e da renda. Singer (1980),
assinalava que em 1971, dois terços da força de trabalho estavam ocupadas em atividades que
não se vinculavam diretamente ao setor capitalista da economia urbana de Salvador. Estudos
posteriores também chamam atenção para importância que as atividades não-capitalistas
(trabalho por conta-própria, o trabalho doméstico etc.) assumem no avanço da expansão
capitalista na Bahia. (JELIN, 1974; FARIA, 1976; PRANDI, 1978; CALVANTI; DUARTE,
1980).
Neste sentido, Carvalho e Souza (1980) apontam que embora às atividades não-
capitalista (o trabalho informal) sejam profundamente arraigadas na história da economia
urbana da cidade de Salvador, a explicação para sua expansão e reprodução está fortemente
relacionada com o desenvolvimento capitalista e sua expansão a partir da década de 70 na
Bahia. Afirmam as autoras:
Incapaz de proceder a uma maior homogeneização da estrutura produtiva,
com uma expansão da organização e do emprego capitalistas mais generalizados, o
próprio desenvolvimento ora em curso tem estimulado os mecanismos pelos quais
se alimenta a oferta urbana de trabalho e criado paralelamente condições que
viabilizam tanto a sobrevivência quanto a reprodução das atividades organizadas em
moldes não-capitalistas de produção. (...) Como a penetração do capitalismo não se
dá simultaneamente em todos os setores, e no caso baiano ela se processa de modo
especialmente concentrado, subsistem “espaços econômicos vazios” que podem ser
preenchidos pelas atividades em questão (...). (CARVALHO; SOUZA, 1980, p.
83,85).
Para Oliveira (2003), a heterogeneidade do mercado de trabalho regional revela uma
forma de divisão social do trabalho comandada pelo setor capitalista da economia, que utiliza
o trabalho informal e de seus “expedientes” para a produção de valores de uso, quer seja para
118
mercadorias simples, ou como função de “reserva” tendo em vista o próprio ciclo de
acumulação. Daí, conclui o autor:
A verdade, entretanto, é que nas condições concretas da economia brasileira,
e tendo em conta as especificidades da integração da Bahia e particularmente de
Salvador no processo da expansão do capitalismo oligopolista no Brasil, essa “era
de ouro” jamais chegará: o pleno emprego keynesiano pode ser bem uma miragem
das praias douradas da Bahia de Todos os Pobres, onde o único pecado é ser
trabalhador. (OLIVEIRA, 2003b, p. 53).
Após este breve retrospecto, gostaríamos de apresentar uma síntese dos principais
traços estruturais do mercado de trabalho da Bahia, de modo particular, da Região
Metropolitana de Salvador:
1) Até a metade do século XX a “Cidade da Bahia”, principal centro urbano do Estado,
era um “espaço não-produtivo”, mas profundamente “vocacionada” às funções
político-administrativas e mercantis, sendo a grande maioria da sua força de trabalho
ocupada em atividades ligadas ao setor de serviços e comércio, organizadas de forma
quase artesanal e com baixa produtividade.
2) A presença de uma economia urbana enraizada na história da cidade, atestando a
importância das atividades não-capitalistas (trabalho informal) na estrutura produtiva
da cidade de Salvador e sua precedência ao próprio processo de industrialização do
Estado.
3) A formação de um Exército Industrial de Reserva que é anterior ao processo de
industrialização. A decadência da economia agrário-exportadora, a saturação dos
minifúndios e centralização do processo de industrialização no Sudeste, contribuíram
para a formação do EIR antes mesmo que a nova indústria chegasse a Bahia.
119
4) Também se observa, na cidade de Salvador, uma forte concentração de renda que é
anterior a expansão do capitalismo nas regiões periféricas do Brasil, que se agravará
ainda mais com o desencadeamento da industrialização regional.
5) A partir da década de 50, com a implantação da Petrobrás, se inicia o processo de
industrialização na economia regional e a configuração de um novo mercado de
trabalho montado no assalariamento da população trabalhadora; que se consolidará no
final da década de 60 e durante a década de 70 com a instalação do Centro Industrial
de Aratu e do Pólo Petroquímico de Camaçari.
6) A forma de integração da Bahia na divisão nacional do trabalho e a economia
brasileira foram marcadas por dois aspectos importantes: seu o caráter complementar
ao processo de industrialização do Centro-Sul e a subordinação aos interesses
capitalistas sediados naquela região.
7) Tal processo resultou em uma frágil articulação da indústria moderna com as
atividades tradicionais pré-existentes no Estado, contribuindo decisivamente na
formação de economia, e de um mercado de trabalho regionais marcados por uma
forte heterogeneidade estrutural.
8) Longe de produzir um mercado de trabalho homogêneo, o que se observou ao longo
da segunda metade do século XX na Bahia, com a sua “industrialização tardia”, foi a
formação de um mercado de trabalho heterogêneo, segmentado e hierarquizado em
que apenas pequena parcela da população trabalhadora pôde sentir o “gosto” do
emprego assalariado e protegido socialmente, enquanto que a imensa maioria da força
de trabalho se ocupava de diversos “expedientes” urbanos para assegurar a própria
reprodução social.
9) A pobreza é um dos traços mais marcantes do mercado de trabalho na Bahia e da
Região Metropolitana, a qual não se expressa simplesmente pela presença histórica do
120
“gigante invisível” – o informal, mas principalmente pelo grande número de empregos
com vínculos precários e à margem da legislação social do trabalho. Entretanto, foi
desta pobreza que se alimentou a expansão do capitalismo na Bahia, ao mesmo passo
que criou as condições para a sua reprodução e persistência; longe de ser um
empecilho ao processo de industrialização, o trabalho informal ocupou um papel
importante no processo de acumulação, principalmente como estratégia de
rebaixamento dos custos de reprodução da força de trabalho e lócus da população
trabalhadora excedente.
10) Por último, é importante destacar o peso do emprego público e o papel do Estado na
configuração do mercado de trabalho metropolitano. No contexto regional, marcado
pela subutilização da força de trabalho disponível, onde grande parcela da população
trabalhadora se ocupava do trabalho informal, o emprego público afigurou-se como
uma política compensatória amplamente utilizada pelas elites políticas, que se tornou
mais recorrente na Bahia durante a crise dos anos 80. Concomitante a isto, os
incentivos e subsídios concedidos pelo Estado às empresas privadas durante o
processo de industrialização, principalmente a partir da década de 70, resultaram
diretamente na geração de empregos com carteira assinada.
Este breve resumo dos principais traços estruturais do mercado de trabalho na Bahia,
demonstra que seu processo de estruturação é relativamente recente e menos “organizado” do
que das regiões mais desenvolvidas do país. Todavia, fica evidente que:
(...) quatro décadas de expansão capitalista, de industrialização e de
urbanização estruturaram uma sociedade urbana onde o acesso a um emprego – e a
qualidade desse emprego – são cruciais para a determinação da posição social, das
condições de vida e do acesso a bens e serviços da população.
Ao final dos anos 1980, a metrópole baiana já se constituía, portanto, em uma
sociedade de assalariados, frágil e incompleta, marcada pela precariedade, pela
heterogeneidade e pela informalidade que nela sempre estiveram presentes.
(BORGES, 2003, p. 81)
121
Portanto, a configuração sócio-histórica do mercado de trabalho baiano revela a outra
face da nossa “baianidade”, jamais explicitada pelo discurso oficial do Estado: a
“baianidade” dos baianos (as) que dependem exclusivamente da venda da sua força de
trabalho para se reproduzirem socialmente, circunscritos numa cartografia do trabalho clivada
sob signo da pobreza generalizada e das práticas laborais socialmente desprotegidas. Sendo
assim, a trajetória do mercado de trabalho baiano traz consigo as marcas da sua própria
história, marcada pela opulência da sociedade escravista do passado à exploração capitalista
moderna, que apenas reproduz e atualiza as velhas desigualdades sociais. Por isso, tomamos
de empréstimo o famoso verso de Ary Barroso (1997) contido na música “Na Baixa dos
Sapateiros”, para encerrarmos esta breve revisão histórica do mercado de trabalho baiano: “Ô
Bahia, Ô Bahia que não me sai do pensamento...”.
4.2 A Bahia no ritmo e na dança da reestruturação produtiva e da “desertificação
neoliberal”: as principais mudanças no mercado de trabalho baiano na década de 1990
A Bahia de tantas expressões culturais, artísticas e musicais, tão bem contada nos
romances de Jorge Amado, cantada nas músicas de Dorival Cayme, Gilberto Gil, Caetano,
Gal, Maria Betânea e do axé music, presente nas obras de arte de Caribé. A terra de tantos
santos e orixás, da festa do Bonfim, da festa da senhora das águas, Iemanjá. Do Carnaval
dividido entre cordas e blocos que leva multidões às ruas de Salvador. Bahia das revoltas dos
malês, da sabinada, dos alfaiates. “A Bahia que tem personalidade de um país, e o Dois de
Julho é o seu principal mito de origem” (REIS, 1989). Terra das manifestações de rua
pedindo a cassação do Senador que fraudou o painel do senado. Terra que dizem ser de um
122
chefe e senhor, mas que também deu ao presidente Lula a sua maior votação entre as capitais
do país. A terra que tem na sua gente de cor a lembrança dos traços da escravidão, hoje com
novos traços de exclusão que ainda relega aos negros os alçapões da sociedade baiana.
Também é a terra de homens e mulheres que, ao contrário do que normalmente se propaga na
mídia nacional (principalmente no Sudeste) e internacional, trabalha dia e noite, de segunda a
domingo, feriados e dias santos, descendo e subindo ladeira, correndo da polícia ou do
“rapa”
12
para sobreviver, como o é caso de tantas Marias e Josés que vivem da informalidade.
Entretanto, convém lembrar que a Bahia também é a terra de trabalhadores e
trabalhadores que ao longo da década de 90 sofreram com as conseqüências infortunas das
“reestruturações” e “flexibilizações” que ocorreram no Brasil, principalmente no mundo do
trabalho. Como antigamente, a Bahia continua interligada ao mundo, não só pelo porto da
baía de todos os santos, pelas práticas culturais, mas também porque os interesses capitalistas
aqui também se fazem presentes e trazem efeitos sociais desastrosos. A Cidade da Bahia,
capital do Brasil Colônia por mais de dois séculos e meio, ou ainda, como formula o
historiador Cid Teixeira, a “Capital do Atlântico Sul”, agora no limiar do século XXI se
transformou na “Capital Brasileira do Desemprego”. De acordo com os dados da PED, a taxa
de desemprego na Região Metropolitana de Salvador, no ano 2000, era de 26,6%, considerada
a mais alta do país, o que quer dizer que cerca de 393 mil pessoas, em média, estavam à
procura de uma ocupação na RMS.
A Bahia não vive simplesmente do ritmo e da dança do carnaval, mas também
acompanha o “ritmo” e a “dança” da nova ordem produtiva na qual o Brasil se inseriu na
década de 90, forjada no bojo da crise do modelo brasileiro de desenvolvimento e na adoção
do ideário neoliberal pelo Estado brasileiro. A crise econômica e a liberalização comercial
também tiveram seus efeitos sobre os setores mais dinâmicos da economia baiana, de modo
12
Denominação atribuída pelos trabalhadores de rua aos fiscais da Secretaria de Serviços Públicos/ SESP da
Prefeitura Municipal de Salvador/Ba.
123
especial, no setor industrial, no qual o Pólo Petroquímico de Camaçari é a grande expressão.
Se durante a década de 80 o Pólo Petroquímico de Camaçari foi uma “fábrica de fazer
fábricas” não se pode afirmar o mesmo para a década de 90. O que se observou foi um
processo intenso de reestruturação das empresas, de ajustes, de fusões, demissões em massa,
adoção de novas práticas de gestão e organização do trabalho. (OLIVEIRA, L.P, 2003).
É no contexto de reestruturação produtiva e da “desertificação neoliberal” da década
de 90 (ANTUNES, 2004), que a Bahia vivenciou um radical desmonte da sua já frágil e
incompleta sociedade salarial. A desestruturação do mercado de trabalho metropolitano se
traduziu principalmente através do aumento do desemprego e da precarização do seu “núcleo
estruturado”, lócus do emprego social protegido, bem como, pela baixa qualidade dos postos
de trabalho abertos durante a década. Aliado a tudo isso, se observou uma nova configuração
do núcleo “não-estruturado” deste mercado, em especial, o surgimento de uma “nova
informalidade”. (BORGES, 2003).
O processo de desestruturação do mercado de trabalho metropolitano envolve um
conjunto de mudanças que se expressam através do comportamento da oferta, dos níveis de
subutilização da força de trabalho e suas desigualdades, bem como através da distribuição
setorial da ocupação e das formas de inserção no mercado de trabalho da RMS. O esboço, que
iremos traçar a seguir, apresenta as principais mudanças no mercado de trabalho
metropolitano durante a década de 90 que se baseiam principalmente nas formulações de
Borges (2003)
13
, assim como nas formulações de outros autores que também analisam as
mudanças do mercado de trabalho na RMS neste período
14
.
13
Trata-se da tese de doutorado de Ângela Maria Carvalho Borges, intitulada: Desestruturação do Mercado de
Trabalho e Vulnerabilidade Social: a região metropolitana de Salvador na década de 90, defendida no Programa
de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia, no ano de 2003.
14
A exemplo dos trabalhos de: Filgueiras e Pinto (2003); Santana (2003); Suerdieck (2003); Souza, L. (2003);
Souza, Sampaio Rodarte e Filgueiras (2002); Guimarães, I. B. (2002); Azevedo (2000); Carvalho; Almeida e
Azevedo (2000); Borges e Guimarães, (1997).
124
Do ponto de vista da oferta da força de trabalho, verifica-se que as principais
mudanças ocorridas no mercado de trabalho metropolitano durante a década de 90 foram:
1) A população em idade ativa
15
(PIA) durante a década de 90 apresentou uma taxa de
crescimento inferior à da população economicamente ativa
16
(PEA) e dos ocupados,
de modo que, não contribuiu para elevar a pressão da oferta sobre o mercado de
trabalho da RMS. Todavia, constata-se que os jovens e a mulheres foram os grupos
que mais pressionaram o mercado de trabalho regional nos anos 90.
2) A população economicamente ativa tornou-se mais feminina, aumentou a proporção
dos jovens e dos trabalhadores mais maduros, bem como, elevou-se o nível de
escolaridade da força de trabalho. Além disso, as diferenças de gênero indicam que a
PEA feminina é mais escolarizada do que a masculina.
3) Durante os anos 90, o mercado de trabalho regional, historicamente marcado por uma
frágil e limitada sociedade salarial, respondeu a expansão da oferta de trabalho e aos
ganhos de escolaridade com um aumento expressivo da subutilização da oferta
existentes, ou seja, com o aumento das taxas de desemprego para todos os grupos
etários e ambos os sexos, explicitando os seus limites de incorporação da força de
trabalho
17
.
4) Segundo os dados da PED a taxa de desemprego total na RMS evoluiu de 21,6%, em 1997,
para 26,6% em 2000. Como já foi dito, anteriormente a taxa de desemprego na RMS foi
15
Corresponde à população com dez anos ou mais.
16
É a parcela da PIA ocupada ou desempregada.
17
Borges (2003, p. 98), com base nos dados do IBGE/PNAD, demonstra que a radicalidade das mudanças
ocorridas no mercado de trabalho metropolitano na década de 90. Afirma a autora: “... no início do período
considerado (1992), em cada mil pessoas em idade ativa, 553 era economicamente ativas, sendo que, 488 dessas
estavam ocupadas e apenas 65 encontravam-se em situação de desemprego aberto. Já a composição do
incremento da PIA entre 1992 e 1999 é totalmente distinta: em cada mil novos integrantes desse agregado, nada
menos do que 965 era economicamente ativos e 542 estavam ocupados. Entretanto, mesmo assim, 423 ficaram
desempregados”.
125
considerada, neste ano, a mais alta do país, mesmo havendo um incremento considerável (5,6%)
de novos postos de trabalho neste período. Vale ressaltar ainda, que neste ano, a taxa de
desemprego total chegou a ser de 28,6% no mês de março o que corresponde a uma média de
417 mil pessoas à procura de ocupação.
5) Embora as mudanças ocorridas no mercado de trabalho tenham atingido
negativamente grande parte dos trabalhadores, percebe-se que o grau de exposição dos
trabalhadores ao principal risco do mercado de trabalho, o desemprego, é bastante
diferenciado se analisado segundo os atributos natos e/ou adquiridos. Sendo assim, os
segmentos que estão em mais desvantagens e expostos ao risco do desemprego são: os
jovens, as mulheres (em todas as idades) e os menos escolarizados. Já os homens, os
adultos e os mais escolarizados são os segmentos menos expostos ao risco do
desemprego.
6) Entretanto, foram justamente os segmentos historicamente melhor situados no
mercado de trabalho que foram atingidos pelos efeitos perversos da reestruturação
produtiva e das políticas neoliberais, pois as taxas de desemprego masculino e dos
adultos cresceram mais que a feminina e a dos jovens, respectivamente. Além disso, as
taxas de desemprego também cresceram relativamente entre os trabalhadores com a
escolaridade mais elevada (os portadores do diploma do 3º grau), o que indica que a
conquista do diploma não é suficiente para afastar o “fantasma” do desemprego.
Conclui-se, portanto, que as mudanças ocorridas na década de 90 indicam que houve
uma “precarização” generalizada da força de trabalho, que atingiram indistintamente
tanto os segmentos melhor posicionados no mercado de trabalho metropolitano quanto
os mais vulneráveis historicamente neste mercado.
7) Por fim, no que diz respeito às outras desigualdades, observa-se que a segmentação
por cor é uma das mais importantes no mercado de trabalho da RMS. As taxas de
126
desemprego e a distribuição dos desempregados por cor revelam que os trabalhadores
negros estão mais expostos ao risco do desemprego do que os trabalhadores brancos.
De acordo com Filgueiras e Pinto (2003), as desigualdades raciais no mercado de
trabalho metropolitano se tornaram mais acentuadas durante a década de 90, baseado
em dados da PED/RMS dos anos 80 (1987/1988) e dos anos 90 (1997/2002), os
autores ressaltam que estas desigualdades se agravaram ainda mais, pois o desemprego
entre os negros, grupo historicamente em desvantagem, aumentou muito mais do que
o dos brancos entre as últimas duas décadas.
Do ponto de vista, da estrutura ocupacional /setorial e das formas de inserção no
mercado de trabalho da RMS, constata-se que as principais mudanças foram:
1) A exemplo do aconteceu com as demais regiões metropolitanas brasileiras, uma das
principais mudanças na estrutura ocupacional da RMS foi a redução do peso das
atividades industriais e aumento relativo e absoluto das atividades terciárias na
incorporação da força de trabalho, ou seja, a “terciarização da ocupação”.
2) A redução do peso das atividades industrias na RMS está associado ao processo de
reestruturação produtiva da indústria petroquímica baiana iniciado no final dos anos
80 e radicalizado durante a década de 90, que resultou no “enxugamento” do moderno
operariado baiano, bem como influenciou diretamente no declínio de número de
postos gerados no setor industrial, sendo o chamado setor terciário o principal
responsável pela incorporação de novos trabalhos ou pela re-inserção dos que foram
expulsos do setor industrial.
3) Quanto à composição do emprego, observa-se que boa parte dos ocupados no
Terciário encontrava-se no setor de Prestação de Serviços e no Comércio, seguidos
127
dos Serviços classificados na rubrica do Social (Educação, Saúde etc.), e, em menor
proporção, nos serviços relacionados à produção, a exemplo dos Serviços Auxiliares
da Atividade Econômica.
4) De acordo com Carvalho, Almeida e Azevedo (2001) a terciarização que ocorreu nas
metrópoles brasileiras nas últimas décadas, a exemplo da RMS, não pode ser
confundida com a terciarização “espúria” dos anos 60 e 70; pois muitos segmentos do
setor de serviços apresentam uma dinâmica própria, que independe do desempenho
imediato do setor industrial, como é o caso do turismo e dos serviços sociais
(educação e saúde). Entretanto, não se pode deixar de reconhecer, que o processo de
terceirização que ocorrera nos 90 contribuiu de forma considerável para a expansão
dos serviços, principalmente dos serviços auxiliares.
5) Quanto às formas de inclusão da população trabalhadora ao mercado de trabalho
metropolitano, observa-se uma redução da participação do núcleo estruturado do
mercado de trabalho, lócus do emprego protegido (celetistas e funcionários públicos),
no total de ocupados da RMS. O reverso deste “encolhimento” é o aumento do
processo de informalização das relações de trabalho, ou seja, do núcleo “não
estruturado”
18
do mercado de trabalho, que agrega desde os pequenos empresários
bem-sucedidos até o biscateiro e o vendedor ambulante de rua.
6) Embora as atividades “não-capitalistas” tenham um forte peso histórico na estrutura
ocupacional do mercado de trabalho da RMS, durante os anos 90 não houve um
aumento expressivo da proporção dos ocupados por conta-própria, tal como se deu em
outras metrópoles brasileiras, indicando para um processo de saturação do “informal”,
18
Para Borges (2003, p. 117) o segmento não-estruturado do mercado de trabalho são: “... por um lado,
consultores especializados de diversos áreas, prestadores de serviços e assalariados precários da cascata de
terceirização, todos eles integrando as velhas e novas formas de flexibilização da compra de força de trabalho
pelo capital, e, por outro, os trabalhadores por conta própria, os não remunerados e os trabalhadores
domésticos que vendem seus serviços/produtos para famílias e para o público em geral.
128
isto é, a redução da capacidade do trabalho por conta-própria de funcionar como
“válvula de escape” para os que não conseguem emprego.
7) É neste de cenário de completa incapacidade do núcleo estruturado do mercado de
trabalho de absorver a força de trabalho de existente e de fortes indícios de saturação
do informal, que se evidencia o processo de desestruturação do mercado de trabalho
baiano, aumentando ainda mais o grau de vulnerabilidade social dos trabalhadores
baianos da década de 90.
Portanto, o conjunto de mudanças que ocorreram no mercado de trabalho da Região
Metropolitana de Salvador na década de 90, atesta o completo desmonte da frágil e
incompleta sociedade salarial. Os números da PNAD para esse período apontam para este
grave quadro do mercado de trabalho metropolitano, uma vez que:
(...) em cada 1.000 novos ocupados, apenas 54 lograram encontrar um
emprego no núcleo e todos na condição de funcionários públicos. Com isso, 946 em
cada 1.000 ocupados, foram jogados em posições “fora do núcleo”, onde se
destacam, o emprego sem carteira, o vínculo precário e sem a cobertura social
mínima assegurada pela CLT
19
(341 em cada 1.000), o trabalho por conta própria
(231), o trabalho doméstico (152) e para o negócio próprio, na condição de
empregador, destino de 104 em cada 1.000 novos ocupados. (BORGES; DRUCK,
2004, p.3)
Este processo de desestruturação do mercado de trabalho baiano tem como uma das
suas principais conseqüências, a reconfiguração do seu traço mais marcante, qual seja: a sua
pobreza. A “Bahia de Todos os Pobres”, já não é mais composta apenas dos pobres que
sempre foram pobres, mas dos pobres que se tornam pobres por conta dos efeitos perversos da
reestruturação produtiva
20
na terra que também é de “Todos os Santos”. A desestruturação do
mercado de trabalho metropolitano acompanhou muito mais o “ritmo” e a “dança” do novo e
19
Consolidação das Leis do Trabalho.
20
Ver Nadia Guimarães (2002) e Menezes, Muricy e Carera-Ferandez (2001).
129
precário mundo do trabalho do que o som dos tambores e atabaques da “Velha Bahia”. Como
afirma Borges:
(...) na RMS, aparentemente, o segmento não-estruturado cresceu mais pela
precarização do emprego e pela expansão ou informalização dos pequenos negócios
– dos tradicionais aos novos empreendimentos-, do que pelo trabalho autônomo
(BORGES, 2003, p.298).
(....) Ao contrário do passado, quando o segmento não-estruturado crescia
pela expansão dos mesmos bolsões de informalidade, durante a década de 1990,
com a desestruturação do núcleo, ele cresce em todas as atividades, mas
principalmente nos espaços historicamente estruturados. (BORGES, 2003, p. 300).
Mas, Ô Bahia, Ô Bahia que não sai do pensamento” (BARROSO, 1997) o que será
que aconteceu em meio a tantas reestruturações, desestruturações e turbulências da década da
“desertificação neoliberal”, com o nosso velho e tradicional “mercado de trabalho informal”
da cidade de Salvador? Quem são os filhos ilustres desta terra, que se ocupam das chamadas
atividades não-capitalistas, ou como preferem outros, do trabalho por conta-própria, seja nas
vias públicas, nas praias ou nos cômodos das suas próprias residências? Em resumo, qual é o
seu retrato na capital brasileira campeã do desemprego nos dias hoje?
4.3 Um retrato do trabalho informal na Cidade de Salvador
Retratar a cidade de Salvador do ponto de vista do trabalho informal, exige do
pesquisador o refinamento do seu olhar e a constante adequação das lentes e dos ângulos de
apreensão da realidade social pesquisada. Podemos retratá-lo em suas diversas dimensões e de
diversos ângulos, e é justamente sobre este ponto que a depuração do olhar se torna
indispensável. Sendo assim, nesta seção iremos retratar o trabalho informal na cidade de
Salvador de um ponto de vista panorâmico e genérico. Para tanto, utilizaremos os dados da
130
PED/RMS, os quais nos oferecem algumas variáveis e indicadores que nos permitem “tirar”
um retrato panorâmico do trabalho informal na metrópole baiana. Vejamos quais foram os
critérios adotados para a feitura deste retrato:
1) O trabalho informal será analisado a partir de um ângulo específico, isto é, a partir do
seu “núcleo mais tradicional” e que tem maior peso entre os segmentos que constituem
o núcleo não-estruturado do mercado de trabalho, qual seja: os trabalhadores por
conta própria ou autônomo. Tal delimitação foi feita tendo em vista o próprio recorte
empírico da nossa pesquisa de campo – os trabalhadores informais de rua. De acordo
com os critérios metodológicos da Pesquisa de Emprego e Desemprego, considera-se
como conta-própria ou autônomo a “... pessoa que explora seu próprio negócio ou
ofício, sozinho ou com sócio (s), ou ainda com a ajuda de trabalhador (es) familiar
(es)”, a qual “... pode ter eventualmente algum ajudante remunerado para auxiliá-lo
em períodos de maior trabalho” (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA..., 2003,
p. 50). Portanto, este é o segmento específico do trabalho informal que mais se
aproxima e engloba o conjunto de trabalhadores pesquisados neste estudo.
2) A amostra é constituída do total de pessoas ocupadas, que trabalham na cidade de
Salvador, que segundo a posição na ocupação foram classificadas como conta-própria
para o público ou conta-própria para empresa (42.829 casos) para o período de 1997 a
2004.
3) A partir desta amostra, foram realizadas tabulações especiais que levaram em
consideração o tempo de duração na atividade, sendo a amostra classificada por
“ingressos na década de 90” ou “ingressos antes década de 90”; o perfil dos
trabalhadores, as condições de trabalho, os rendimentos, a distribuição setorial das
atividades e as principais ocupações.
131
4.3.1 A evolução do trabalho por conta própria em Salvador (1997-2004)
A partir dos dados da PED é possível identificar os movimentos mais gerais do
trabalho informal na cidade de Salvador entre a segunda metade da década de 90 e os
primeiros anos de 2000. A evolução da ocupação das atividades por conta-própria aponta para
dois aspectos importantes do trabalho informal na cidade de Salvador: i) a persistência de um
espaço significativo na estrutura ocupacional da cidade de Salvador para atuação dos
trabalhadores informais; ii) a proporção de trabalhadores por conta própria entre os ocupados
permanece praticamente estável em Salvador, o que parece indicar que a capacidade de
incorporação da força de trabalho nestas atividades já atingiu o seu limite, confirmando a tese
de Borges (2003) sobre a “saturação do informal”.
Os dados da PED para o período analisado indicam que o trabalho por conta própria
representa 23,3% do total de ocupados da cidade de Salvador, configurando-se como o
núcleo central do trabalho informal na metrópole baiana, sendo responsável por quase a
metade das ocupações informais. A evolução do trabalho por conta própria durante o período
de 1997 a 2004, demonstra que durante a segunda metade da década até o ano de 2001 houve
uma redução progressiva do percentual de trabalhadores ocupados nas atividades do núcleo
central do trabalho informal, exceto no ano de 1999, voltando a crescer em 2002 e mantendo-
se estável até 2004. No período de 8 anos (1997-2004) a participação do trabalho conta-
própria na estrutura ocupacional de Salvador cai de 24,6% em 1997 para 23,5% em 2004.
Esta redução do trabalho por conta-própria, revela que o trabalho informal tem os seus
próprios limites enquanto lócus aglutinador da população soteropolitana desempregada e que
não encontra emprego, bem como, nos oferece elementos para problematizar a ideologia do
“contrapropismo/empreendedorismo” amplamente difundida por diversos setores da
sociedade brasileira durante os anos 90, uma vez que nem mesmo na cidade de Bahia, terra de
132
“gente criativa”, que se diverte e trabalha a um só tempo, tal ideologia prevalece. Além disso,
a evolução do núcleo central do trabalho informal na cidade de Salvador também é um forte
indicador do processo de desestruturação do mercado de trabalho metropolitano, ou seja, o
grau de flexibilidade do mercado de trabalho regional já atingiu o seu patamar máximo, por
conta disto, a saturação deste espaço na estrutura ocupacional demonstra que o trabalho
informal tem uma lógica própria de funcionamento, não sendo tão desorganizado quanto se
pensa, sinônimo de anomia social, mas pelo contrário, trata-se de um espaço do mercado de
trabalho com regras próprias que também se tornou seletivo.
Ao que tudo indica, o núcleo mais tradicional do trabalho informal da cidade de
Salvador – as atividades não-capitalistas – formado pelos trabalhadores por conta-própria ou
autônomos também se tornou moderno, já não é mais somente sinônimo de pobreza e
marginalidade social, mas também pode ser uma estratégia bem-sucedida de inserção e
ascensão social para um grupo bem seleto com atributos específicos. No entanto, as chances
de sucesso são bastante remotas, o que prevalece ainda é a precariedade social, a
imprevisibilidade e instabilidade dos ganhos e a pobreza da imensa maioria dos trabalhadores
ocupados nas atividades informais, sendo o trabalho informal de rua um dos exemplos mais
emblemáticos.Ademais, na cidade da Bahia o moderno reinventou o tradicional, transformou
a dinâmica da velha informalidade soteropolitana e rejuvenesceu o rosto dos homens e
mulheres que se ocupam das atividades que compõem o cotidiano da economia urbana da
capital baiana.
4.3.2 O perfil do trabalhador informal
Na análise da distribuição dos trabalhadores por conta-própria segundo os atributos
pessoais, constata-se que em Salvador estes trabalhadores são principalmente homens
133
(57,4%), negros (86,5%), chefes de família (50,8%), concentram-se mais nas faixas etárias
adultas (82,4%), são não-migrantes (97%) e trabalham para população em geral (81,1%). Este
perfil permanece praticamente inalterado quando desagregamos a distribuição dos
trabalhadores por conta-própria para o público e para empresa, conforme a tabela seguinte.
Tabela 1
Distribuição dos Trabalhadores por Conta-Própria que trabalham na Cidade de
Salvador segundo Sexo, Faixa Etária, Cor, Posição na Família, Tempo de
Residência na RMS e Grau de Escolaridade, 1997 a 2004.
(Em %)
Conta-Própria Atributos
Para o Público Para Empresa
Conta-Própria
Total
Sexo
Masculino 54,8 68,5 57,4
Feminino 45,2 31,5 42,6
Idade
10 a 17 3,7 5,9 4,1
18 a 24 11,7 21,1 13,5
25 a 39 38,2 40,4 38,7
40 e mais 46,3 32,6 43,7
Cor
Branca 12,4 17,7 13,4
Negra 87,5 82,2 86,5
Posição na Família
Chefe 51,4 47,8 50,8
Cônjuge 23,5 13,5 21,6
Filho 18,3 28,5 20,2
Outros 6,8 10,2 7,4
Tempo de Residência na RMS
Menos de 3 anos 2,6 4,6 3,0
Mais de 3 anos 97,4 95,4 97,0
Grau de Escolaridade
Analfabeto 6,5 2,2 5,7
1º Grau Incompleto 46,1 32,6 43,6
1º Grau Completo 10,9 11,1 10,9
2º Grau Incompleto 6,8 8,5 7,1
2º Grau Completo 24,7 33,4 26,3
3o Grau Incompleto 2,0 4,4 2,5
3o Grau Completo 3,0 7,7 3,9
TOTAL 100,0 100,0 100,0
FONTE: PED RMS (1997/2004) SEI/SETRAS/ UFBA / DIEESE/SEADE.
Elaboração Própria
134
Tradicionalmente, este segmento do informal sempre foi marcado pela presença dos
homens, dos mais velhos, dos menos escolarizados, além de ser um espaço de fácil entrada no
mercado de trabalho para os migrantes. Entretanto, durante a década de 90, este perfil dos
trabalhadores informais sofreu algumas alterações consideráveis. Os dados analisados
demonstram que o trabalho informal na cidade de Salvador é quase na sua totalidade
vivenciado por soteropolitanos e por migrantes que residem na RMS há mais de três anos,
uma vez que os fluxos migratórios para a capital baiana já não são tão intensos e nem o
principal elemento de expansão do mercado de trabalho local como ocorrera nas décadas 50,
60 e 70.
As mudanças no perfil destes trabalhadores se tornam mais evidentes quando
comparados com os dados da PED/RMS do final da década de 80 (87/88) para o segmento ora
estudado. Observa-se que aumentou a proporção dos trabalhadores informais do sexo
masculino, chefes de família, mais velhos e mais escolarizados nos anos 90. Esta mudança do
perfil do trabalhador informal está fortemente relacionada com as transformações ocorridas no
mercado de trabalho regional na última década, pois foram justamente estes segmentos do
mercado de trabalho os mais penalizados com os efeitos da reestruturação produtiva e das
políticas neoliberais.
Em relação ao grau de escolaridade, é importante destacar que apesar da elevação do
nível de escolaridade dos trabalhadores informais da amostra, ainda é bastante significativo o
percentual dos trabalhadores informais com 1º grau incompleto (43,65), que somados com o
percentual dos trabalhadores analfabetos (5,75) representam praticamente a metade da
amostra analisada, e apenas 6,4% dos trabalhadores têm o 3º grau (incompleto e completo).
De modo em geral, trata-se de uma força de trabalho ainda com baixo grau de escolaridade.
135
A distribuição dos ocupados nas atividades informais segundo o tipo de demandante
do serviço, o público em geral ou as empresas, demonstra que existem diferenciações
importantes no interior do núcleo tradicional do trabalho informal. No tocante à questão do
gênero, verifica-se que a diferença entre homens e mulheres que trabalham para o público é
relativamente equilibrada, 54,8% e 45,2% respectivamente; no caso dos trabalhadores conta-
própria para empresa, a presença dos homens é bem superior, cerca de 68,5%, chegando a ser
mais do que o dobro da proporção de mulheres.
Quanto à idade, também se verifica que trabalhadores informais que trabalham para
público tendem a ser mais velhos, e os que trabalham para empresa são mais jovens,
concentrando-se nas faixas de 18 a 24 anos e de 25 a 39 anos. Por fim, os trabalhadores
informais que oferecem os seus bens e serviços à população em geral são menos escolarizados
em relação aos que trabalham para empresas.
Desse modo, chega-se à conclusão de que os trabalhadores informais que exercem
suas atividades para o público em geral são mais velhos e menos escolarizados, sendo que o
principal requisito de inserção é a própria experiência adquirida ao longo do tempo no
exercício da ocupação, onde se desenvolvem e se consolidam as habilidades necessárias para
o bom desempenho das atividades.
Por outro lado, os trabalhadores informais que prestam seus serviços para empresa(s)
são mais jovens e têm maiores ganhos em termos de escolaridade, onde a qualificação técnica
é uma condição indispensável para o exercício da ocupação, já que os serviços demandados
pelas empresas são mais especializados e as chances de remuneração são muito maiores.
O tempo de permanência dos trabalhadores nas atividades informais é outro indicador
que pode ser construído a partir dos dados da PED, o qual nos permite identificar o conjunto
136
de trabalhadores que ingressaram na informalidade na década de 90
21
. Constatamos que
80,5% dos trabalhadores informais da amostra estudada começaram a exercer as suas
atividades na década de 90 e 19,5% começaram antes da década de 90. Embora não se tenha
como mensurar, provavelmente uma parcela significativa dos trabalhadores que ingressaram
na informalidade nos anos 90 vivenciaram os efeitos perversos da reestruturação produtiva e
da desestruturação do mercado de trabalho baiano. Este dado também demonstra que houve
uma configuração interna do núcleo tradicional do trabalho informal na cidade de Salvador,
marcado principalmente pela presença de novos trabalhadores informais.
A composição dos trabalhadores segundo o tempo duração na atividade aponta para o
fato de que a condição de trabalhador informal não é experienciada da mesma forma por todos
trabalhadores, ou seja, para os trabalhadores que estão exercendo as atividades informais há
mais tempo, como é o caso dos que ingressaram antes da década de 90, a condição de
trabalhador informal se apresenta como uma condição permanente, ou seja, configura-se
como uma forma permanente de inserção no mercado de trabalho. Por outro lado, para os
trabalhadores que estão tendo os primeiros contatos com o mercado de trabalho ou que
começaram a exercer as atividades informais como estratégia de enfretamento do
desemprego, a condição de trabalhador informal se apresenta como uma condição provisória,
que com passar do tempo também se torna permanente, tendo em vista a própria estruturação
do mercado de trabalho regional.
21
A metodologia adotada pela PED não nos permite identificar a trajetória anterior de trabalho dos
entrevistados, pois o questionário da pesquisa apenas pergunta sobre o tempo de permanência do entrevistado no
trabalho que ele está exercendo no momento da realização da pesquisa. No caso específico dos trabalhadores por
conta própria, considera-se o período ininterrupto de trabalho em que houve uma regularidade da atividade, sem
períodos extensos de não-trabalho ou de procura de trabalho.
Com base no tempo de duração ininterrupta das atividades informais, adotamos o seguinte procedimento
metodológico: como estamos trabalhando com uma série histórica, a simples agregação dos dados por intervalos
de tempo não é suficiente para identificar quem são os trabalhadores informais da década de 90, por isso
realizamos uma tabulação especial em que foi considerado como trabalhador informal dos anos 90 aqueles que
exerciam as suas atividades informais há menos de 7 anos a partir da série inicial da Pesquisa Emprego e
Desemprego (RMS) analisada neste estudo, isto é, 1997.
137
Conforme a tabela 2, a distribuição dos trabalhadores por conta própria por tempo de
permanência na atividade informal segundo os atributos pessoais apresenta as principais
diferenças de perfil dos novos e velhos trabalhadores informais da cidade de Salvador.
Tabela 2
Distribuição dos Trabalhadores Conta-Própria que trabalham na Cidade de
Salvador por Tempo de Permanência na Atividade segundo Sexo, Faixa Etária,
Posição na Família e Grau de Escolaridade, 1997 a 2004.
(Em %)
Tempo de Permanência na
atividade informal
Atributos
Antes da década
de 90
Década de 90
Conta-Própria
Total
Sexo
Masculino 62,9 56,1 57,4
Feminino 37,1 43,9 42,6
Idade
10 a 17 (1) 5,1 4,1
18 a 24 1,8 16,3 13,5
25 a 39 24,4 42,1 38,7
40 e mais 73,7 36,4 43,7
Posição na Família
Chefe 69,1 46,3 50,8
Cônjuge 19,5 22,1 21,6
Filho 7,0 23,4 20,2
Outros 4,4 8,1 7,4
Grau de Escolaridade
Analfabeto 9,0 4,9 5,7
1o Grau Incompleto 48,3 42,4 43,6
1o Grau Completo 11,3 10,8 10,9
2o Grau Incompleto 4,8 7,7 7,1
2o Grau Completo 21,9 27,4 26,3
3o Grau Incompleto 1,2 2,8 2,5
3o Grau Completo 3,6 4,0 3,9
TOTAL 100,0 100,0 100,0
FONTE: PED RMS (1997/2004) SEI/SETRAS/ UFBA / DIEESE/SEADE
Elaboração Própria
Nota: (1) A amostra não comporta a desagregação para esta categoria
Ao compararmos o perfil do trabalhador informal segundo o tempo de permanência
atividade, verifica-se que há diferenças qualitativas importantes entre os velhos e novos
138
trabalhadores informais. Observa-se que os trabalhadores que ingressam na informalidade
antes da década de 90 são homens (63%), têm 40 anos ou mais (74%), são chefes de família
(69%) e com baixo grau escolaridade.
Por sua vez, os trabalhadores que ingressaram na informalidade a partir dos anos 90
apresentam um perfil bem diferente, uma vez que se observa uma maior participação das
mulheres, o que indica que o trabalho informal se tornou mais feminino, bem como, são mais
jovens (16,35) e adultos (42,1%). Além disso, percebemos uma maior presença dos cônjuges
e dos filhos entre os trabalhadores informais ingressos a partir dos anos 90, o que indica que
os efeitos da crise do mercado de trabalho provocaram uma reconfiguração da família,
exigindo que as perdas sociais dos trabalhadores fossem redistribuídas no interior dos grupos
familiares, de modo que, a inserção dos cônjuges e filhos nas atividades informais pode ser
uma forma de compensar o desemprego dos chefes de famílias (GUIMARÃES, I. B., 2002).
Por último, conclui-se que estes trabalhadores apresentam um grau de escolaridade mais
elevado do que os dos trabalhadores informais ingressos antes da década de 90.
4.3.3 As Condições de Trabalho
No que se refere às condições de trabalho, os dados captados pela PED oferecem
alguns indicadores do grau de precariedade em que são exercidas as atividades informais por
conta própria, bem como, explicita os próprios limites do trabalho por conta própria como
alternativa e solução para o desemprego.
Uma das características centrais do núcleo tradicional do trabalho informal é que se
trata de atividades produtiva marcadas pelo signo da solidão, ou seja, são atividades com
baixo nível de capitalização, pequenos negócios em que o trabalhador exerce suas atividades
solitariamente ou no máximo com a ajuda de familiares ou sócios, vivendo da “solidão do
139
mercado” e da sua própria sorte, pois na maioria dos casos não tem quem o substitua em casos
de doença ou acidente como veremos de forma mais detalhada no próximo capítulo. Segundo
os dados da PED, 67,6% dos trabalhadores informais da amostra trabalham sozinhos, 17%
trabalham com familiares ou sócios e apenas 15,3% trabalham para empresas. No caso
específico dos trabalhadores informais que exercem suas atividades através da oferta de bens
e serviços à população em geral, a solidão do mercado é mais forte ainda, a imensa maioria
dos trabalhadores trabalham sozinhos (80%) e apenas uma pequena parcela dos trabalhadores
com a ajuda de familiares ou sócios.
Tabela 3
Distribuição dos Trabalhadores Conta Própria que trabalham na Cidade de Salvador
por Tamanho da Empresa segundo o tipo de demandante do serviço, 1997 a 2004.
(Em %)
Conta Própria
Tamanho da Empresa
Para o Público Para Empresa
Total
Trabalha sozinho 79,8 15,5 67,6
Trabalha com familiares ou sócios 20,2 3,8 17,1
1 A 2 empresas - 12,3 2,3
3 A 5 empresas - 14,0 2,6
6 A 9 empresas - 7,8 1,5
10 A 49 empresas - 13,0 2,5
50 A 99 empresas - 2,7 0,5
100 A 499 empresas - 3,3 0,6
500 OU MAIS empresas - 4,0 0,8
NÃO SABE - 23,6 4,5
Total 100,0 100,0 100,0
FONTE: PED RMS (1997/2004) SEI/SETRAS/ UFBA / DIEESE/SEADE
Elaboração Própria
Outro indicador importante das condições de trabalho é o local de trabalho, os dados
PED revelam que os trabalhadores por conta-própria que prestam seus serviços diretamente
para o consumidor, em sua maioria, exercem suas atividades sem instalações fixas, mas
140
possuem equipamentos (30,3%) como é o caso dos vendedores ambulantes que trabalham nas
vias públicas (rua, praça, praia etc.), de porta em porta ou em casa de clientes; ou em cômodos
não adaptados das residências (21,2%).
Além disso, cabe destacar que estes trabalhadores também podem assegurar os seus
proventos exercendo suas atividades sem instalações fixas, mas com equipamentos
automotivos, a exemplo dos motoristas de táxi, dos condutores de transportes de escolar, dos
donos de caminhões ou caminhões que fazem fretes etc. Também podem trabalhar em
barracas ou bancas, a exemplo das bancas de jornal, de frutas. E na pior das hipóteses, podem
exercem suas atividades sem instalações fixas e sem equipamentos, como é o caso dos
vendedores ambulantes sem ponto fixo, que circulam pelas ruas da cidade vendendo cartão
telefônico, objetos de pessoais etc. Já os trabalhadores informais que prestam serviços para
empresas estão principalmente alocados fora da residência (75,5%).
A PED também dispõe de informações que permitem caracterizar o grau de autonomia
do trabalhador por conta própria no exercício de suas atividades. A partir da análise do tipo de
demandante do serviço, o público em geral ou a empresa – e a propriedade dos instrumentos
de trabalho utilizados no exercício da atividade, pode-se avaliar o grau de subordinação de
trabalhador informal. Entre os trabalhadores que prestam serviços para o público em geral,
92,1% são proprietários dos seus instrumentos de trabalho, enquanto que apenas 35,4% dos
trabalhadores conta-própria para a empresa têm a propriedade de seus meios de trabalho, o
que resulta em elevado grau de subordinação do trabalhador, configurando na maioria dos
casos uma relação de assalariamento disfarçado. A jornada semanal de trabalho dos
ocupados no núcleo tradicional do trabalho informal da cidade de Salvador é bastante intensa,
desmentindo o mito do baiano preguiçoso. Ao contrário do que geralmente se afirma na mídia
do sul e sudeste do país, Salvador é uma cidade do trabalho, o que pode ser comprovado pela
intensidade da jornada de trabalho semanal dos soteropolitanos que vivem do trabalho
141
informal, pois 66% dos trabalhadores informais da amostra estudada trabalham até 48 horas
semanais. Os dados da PED demonstram que os conta própria que trabalham para público têm
jornadas mais extensas, já que 35% têm jornada acima de 48 horas semanais, enquanto que
entre os que trabalham para a empresa este percentual cai para 28%. Portanto, a jornada de
trabalho dos trabalhadores por conta-própria tende a ser geralmente mais elevada do que
jornada de trabalho fixada na CLT
22
.
O percentual de trabalhadores que possuem trabalho adicional é completamente
inexpressivo, apenas 9% dos trabalhadores por conta própria têm trabalho adicional
remunerado, o que indica o grau de precariedade da inserção destes trabalhadores no mercado
de trabalho. Além disso, este dado aponta para uma certa inversão de um dos aspectos do
trabalho informal bastante ressaltado nos estudos de tal temática nos 60 e 70, qual seja: o
caráter complementar da atividade informal na reprodução social do trabalhador e de sua
família. Os dados da demonstram que o trabalho informal acaba sendo a única e exclusiva
fonte de renda dos trabalhadores que se inserem nestas atividades, ou seja, o que no passado
era uma forma de complementar a renda familiar, no presente tornou-se a forma principal de
inserção no mercado de trabalho e de sobrevivência de inúmeros trabalhadores. Além disso, o
tempo diário do trabalhador informal é praticamente todo ele convertido em tempo de
trabalho, não lhe sobrando muito tempo ou praticamente nenhum que possa ser dedicado às
outras atividades laborais ou não-laborais.
Neste sentido, os dados da PED demonstram que 60% dos trabalhadores por conta-
própria não desejam e não têm disponibilidade efetiva de trabalhar mais horas, além das horas
normalmente trabalhadas. Portanto, as condições de trabalho do núcleo tradicional do trabalho
informal da cidade de Salvador têm como marca maior a precariedade do trabalho e
conseqüentemente da vida dos homens e mulheres que vivem da informalidade.
22
Após a promulgação da Carta Magna de 1988, a jornada de trabalho no Brasil, foi reduzida de 48 horas
semanais para 44 horas semanais, com flexibilidade para algumas atividades específicas que têm
regulamentação específica ( digitação, atividades com equipamento radioativo, etc.)
142
4.3.4 Ocupações e Setor de Atividades
No que concerne ao perfil setorial do trabalho informal na cidade de Salvador, os
dados da PED revelam que os setores de serviços (58,8%) e comércio (25%) respondem por
84% do total da ocupação entre os trabalhadores por conta própria.
No setor de serviços, os trabalhadores informais exercem principalmente as atividades
ligadas aos serviços de alimentação (9,8%), serviços de reparação em geral (7,9%)
23
, serviços
pessoais (6%) e transportes (6%).
No caso dos trabalhadores que atuam para empresa(s), há algumas especificidades que
merecem ser ressaltadas. A maior concentração destes trabalhadores se dá principalmente nos
serviços auxiliares (11,9%), serviços pessoais (7,7%) e serviços especializados (7,7%). Além
disso, é importante destacar a participação desta categoria ocupacional no setor industrial
(7,1%), a qual é bem maior do que a proporção registrada para os conta própria para o
público. Por sua vez, os conta própria para o público apresentam uma maior concentração nos
serviços de alimentação (10,9%), de reparação em geral (9,1%) e de transportes (6,2%).
Em relação ao comércio, cabe destacar que a inserção dos trabalhadores informais que
atuam junto ao público se dá com maior intensidade nas atividades relacionadas ao comércio
ambulante, seja ele realizado em vias públicas, de porta em porta ou em casas; que
corresponde a 14% do total dos ocupados nesta categoria. Observa-se ainda, que as atividades
relacionadas ao comércio são atividades típicas dos trabalhadores por conta-própria que atuam
junto à população em geral, sendo responsável por 84,5% do total de ocupados neste setor.
No que concerne às ocupações, o trabalho informal na cidade de Salvador apresenta
uma ampla heterogeneidade de atividades, que agrega desde as atividades mais tradicionais
até atividades mais modernas. Conforme a tabela 4, entre as ocupações que mais se destacam
23
Inclui-se neste subsetor as atividades de reparação, reforma e conservação de mobiliário, instalações elétricas e
sanitárias, artigos de uso pessoal e doméstico, inclusive eletrodomésticos; alfaiates e costureiras sob medida,
tricô e crochê sob encomenda.
143
são as seguintes: os vendedores ambulantes e vendedores de jornais e revistas, com 24,2% do
total das ocupações; seguidos dos motoristas e tratoristas com 7,9%. Além disso, aparecem os
trabalhadores em atividades de serviços (garçons, copeiros, atendentes de bar, cabeleireiros,
esteticistas), os trabalhos que são oferecidos a domicílio (pedreiros, lavadeiras, passadeiras) e
os trabalhadores braçais.
Tabela 4
Dez principais ocupações dos trabalhadores informais que trabalham na cidade
de Salvador, 1997 a 2004.
Em (%)
Posição Ocupações
Vendedores Ambulantes (baleiros, doceiros, feirantes,
quitandeiras, sorveteiros etc.).
16,4
Vendedores (jornais, revistas etc.). 7,9
Motoristas, Tratoristas e Operadores de máquinas da construção
civil.
5,9
Barbeiros, Cabeleireiros, Esteticistas, Maquiladores, etc. 5,4
Atendentes de bar e lanchonetes, Copeiros e Garçons. 5,0
Trabalhadores braçais (ajudante de pedreiro, carregadores,
lavadores de carro, etc.).
4,4
Pedreiros 4,4
Cozinheiras 4,4
Alfaiates e Costureiras 3,7
10º Lavadeiras e Passadeiras 2,9
Total 60,4
FONTE: PED RMS (1997/2004) SEI/SETRAS/ UFBA / DIEESE/SEADE
Elaboração Própria
Por fim, os dados da PED indicam que as ocupações dos trabalhadores informais
variam de acordo com tempo de permanência na atividade, sendo assim, observa-se que as
atividades mais tradicionais, como alfaiates e costureiras, proporcionalmente têm maior
incidência entre os trabalhadores mais velhos (ingressos na informalidade antes dos anos 90),
que geralmente são portadores de um ofício.
144
Constata-se ainda, que as atividades tradicionais como os barbeiros, cada vez mais
tendem a perder espaço para os serviços de beleza mais sofisticados, exercidos por
trabalhadores mais novos e qualificados, a exemplo dos depiladores e maquiladores. No
contexto da globalização e do capitalismo flexível, os padrões de consumo são completamente
alterados, fazendo com que a demanda por certos serviços prestados por trabalhadores
informais tradicional diminua completamente. Aquiles (2003, p.7) retrata muita bem esta
situação:
“Peixe freeescô. Olha aêê o vermelho, a guaricema, o olho-de-boiêê”,
gritavam os vendendores subindo as enladeiradas ruas dos bairros de classe média
com seus cestos de peixes cobertos por folhas verdes, nem bem o dia acordava,
duas, três décadas atrás. À tardinha, o som do triângulo intercalado pelo grito
“taboooca” e o sino do sorveteiro marcavam a hora do lanche da garotada.
Durante todo o dia, passavam os amoladores de facas, tesourinhas e alicates
tocando suas gaitas coloridas anunciando o serviço. No Caminho das Árvores, onde
é grande o número de salões de beleza, o amolador, com seu carrinho com uma roda
de bicicleta que serve para se locomover e rodar o esmeril, é presença quase diária.
Hoje, poucos são os profissionais de serviços essenciais, ou não, que sobreviveram
ao crescimento das cidades, à tecnologia, à globalização. Os poucos que restaram
foram banidos para os bairros periféricos, quando não, desapareceram ou estão em
vias de extinção como os taboqueiros, com suas duas latas de querosene soldadas
uma sobre a outra e pintada de cores vivas, e os lambe-lambes, uma das paisagens
mais marcantes dos jardins e praças das grandes cidades.
4.3.5 Os Rendimentos dos Trabalhadores Informais
A análise dos rendimentos só confirma a dura realidade dos homens e mulheres que
vivem do trabalho informal na cidade de Salvador. O rendimento real médio dos
trabalhadores por conta própria, de acordo com a PED, é de R$ 527,00 e a mediana dos
rendimentos é R$ 293,00. A distribuição dos rendimentos por percentis mostra claramente
que as atividades ou negócios desenvolvidos pelos trabalhadores informais na maioria das
vezes apenas lhes garantem o mínimo para sobreviver, pois 50% dos trabalhadores ganham
até R$ 293,00, ou seja, abaixo do salário mínimo fixado em lei (R$ 300,00).
145
Contudo, constata-se que existe uma pequena parcela de trabalhadores que auferem
rendimentos mais elevados, isto é, 10% dos trabalhadores têm rendimentos acima de R$
1.149,00, e apenas 1% dos trabalhadores ganham acima de R$ 3.528, constituindo a elite do
trabalho informal na cidade de Salvador, formada principalmente pelos trabalhadores
portadores das melhores credenciais escolares, qualificados e que acumularam experiências
anteriores em emprego com carteira assinada
24
.
Ademais, os dados da PED também demonstram que os segmentos da força de
trabalho que têm menores rendimentos entre os trabalhadores informais por conta-própria
coincidem com os segmentos mais vulneráveis do mercado de trabalho da RMS, isto é, as
mulheres, os negros, os jovens e os menos escolarizados. Por outro lado, para o total de
trabalhadores por conta-própria, os homens, os brancos, os mais velhos e mais escolarizados
são os mais bem posicionados em termos de rendimentos.
Se olharmos a distribuição dos rendimentos médios segundo o tipo de demandante do
serviço, os conta-própria para a empresa estão mais bem inseridos, independente de qualquer
atributo pessoal. O rendimento médio do trabalhador informal que trabalha para o público é
de R$ 442,25, o que representa cerca de 60% do valor recebido pelo trabalhador por conta-
própria que trabalha para empresa. Tal diferença se justifica, sobretudo, porque os serviços
prestados pelos trabalhadores conta-própria para empresa tende a ser mais especializados e
possuem um valor agregado mais elevado do que os serviços e/ou mercadorias oferecidos por
aqueles que trabalham para a população em geral. (Ver tabela a seguir)
24
Sobre a Elite do Informal na Região de Metropolitana de Salvador ver o estudo de Silva (2002).
146
Tabela 5
Rendimento Real Médio
(1)
dos Trabalhadores Conta-Própria que trabalham na
Cidade de Salvador segundo Sexo, Faixa Etária, Cor, Posição na Família e Grau
de Escolaridade, 1997 a 2004.
(Em reais)
Conta-Própria Atributos
Para o Público Para Empresa
Conta-Própria
Total
Sexo
Masculino 557,54 835,38 621,32
Feminino 314,54 531,08 344,38
Idade
10 a 17 91,38 109,69 96,38
18 a 24 266,58 348,09 290,84
25 a 39 471,13 791,23 533,41
40 e mais 495,82 1068,44 575,17
Cor
Branca 720,57 1320,59 871,21
Negra 404,46 614,20 442,08
Posição na Família
Chefe 556,81 1025,97 641,13
Cônjuge 335,76 624,44 369,66
Filho 300,25 398,77 326,58
Outros 341,21 444,82 368,22
Grau de Escolaridade
Analfabeto 223,68 212,72 222,84
1o Grau Incompleto 316,02 357,42 321,88
1o Grau Completo 460,29 543,03 476,66
2o Grau Incompleto 417,46 480,31 431,70
2o Grau Completo 611,51 935,84 689,01
3o Grau Incompleto 855,30 1333,37 1016,27
3o Grau Completo 1243,41 2005,75 1521,74
FONTE: PED RMS (1997/2004) SEI/SETRAS/ UFBA / DIEESE/SEADE.
Elaboração Própria
Nota:
(1)
Inflator utilizado – IPC da SEI. Valores em Reais de Novembro de 2004
Exclusive os Trabalhadores por Conta-Própria que não tiveram remuneração no mês.
4.3.6 A contribuição para Previdência Social
Levando em consideração os dados apresentados acima sobre os rendimentos dos
trabalhadores, deduz-se sem muita dificuldade que a contribuição à previdência social por
parte dos trabalhadores afigura-se como uma questão secundária. Os ganhos auferidos pela
147
maioria dos trabalhadores não asseguram nem o mínimo necessário para a reprodução social
do trabalhador, que é a compra da cesta básica. De acordo com os dados da PED, 87% dos
trabalhadores por conta-própria não contribuem para previdência social, o que implica em
dizer que apenas 13% dos trabalhadores informais têm acesso ao seguro social em casos de
doenças e invalidez e a imensa maioria dos trabalhadores está completamente exposta à
vulnerabilidade social e excluída dos direitos sociais mínimos. Além disso, verifica-se que
dos trabalhadores por conta-própria para o público são mais vulneráveis, apenas 11%
contribuem para previdência social contra 18% dos trabalhadores por conta-própria para
empresa.
4.4 Colocando o retrato no álbum do trabalho informal da cidade de Salvador
Através dos dados da PED buscamos recortar o trabalho informal de um ângulo muito
ampliado, o qual nos permitiu delinear os principais traços do núcleo tradicional da
informalidade na cidade de Salvador, de modo que, temos um retrato geral deste espaço,
historicamente importante na cartografia social do mercado de trabalho soteropolitano.
A análise destes dados acaba por revelar o retrato principal do trabalho informal na
cidade da Bahia dos dias atuais, constituindo-se como um pano de fundo do capítulo seguinte,
a “foto inicial” do álbum seriado do trabalho informal na metrópole baiana que terminará de
ser construído no capítulo seguinte. Sendo assim, quais são os traços principais da “foto
inicial” que acabamos de revelar? Em poucas palavras, arriscaria afirmar: os trabalhadores
informais da cidade de Salvador são homens, negros, chefes de família, têm mais de 40
anos e baixo nível de escolaridade. Dedicam-se em sua imensa maioria às atividades
informais que oferecem bens e serviços à população em geral, concentrando-se
principalmente nos setores de serviço e comércio. Trata-se de vendedores ambulantes,
148
motoristas, cabeleireiros, garçons, trabalhadores braçais, pedreiros, cozinheiras e outros
que ingressaram na informalidade em sua maioria a partir dos anos 90; que trabalham
sozinhos ou com ajuda de familiares quase todos os dias da semana, com extensas
jornadas de trabalho e baixa remuneração. Entretanto, há uma pequena parcela bem mais
qualificada e escolarizada que presta serviços mais sofisticados e especializados,
principalmente para empresas, auferindo melhores rendimentos e constituindo uma “Elite
de Informal” na cidade de Salvador. Por fim, o último traço que sobressai é o grau de
vulnerabilidade social dos homens e mulheres que vivem do trabalho informal, grande
parte dos trabalhadores informais não contribui para a previdência social, estando
completamente à margem dos direitos sociais mínimos assegurados pela Carta Magna de
1988.
Portanto, é neste cenário do trabalho informal da cidade de Salvador que buscamos
problematizar a condição provisória-permanente dos trabalhadores que têm na rua, o espaço
privilegiado para oferta dos seus bens e serviços à população em geral. Entender a lógica da
reprodução social desta condição, suas propriedades estruturantes e estruturadas, as
estratégias desenvolvidas pelos agentes do trabalho informal e suas perspectivas futuras são as
principais questões que permeiam a análise do trabalho de campo que desenvolvemos entre
os de 2000 a 2002 na cidade de Salvador, e, é justamente sobre isto que versam as páginas do
próximo capítulo.
149
CAPÍTULO 5
A CONDIÇÃO “PROVISÓRIA-PERMANENTE” DO TRABALHADOR INFORMAL:
o trabalho nas ruas de Salvador.
Salvador, 09 de julho de 2001, praça Carneiro da Silva, avenida Joana Angélica,
centro da cidade, este é o marco inicial do nosso trabalho de campo, momento germinal das
nossas inquietações teórico-metodológicas a respeito da condição provisória-permanente dos
trabalhadores informais da cidade de Salvador. Enfim, o começo de um longo percurso de
pesquisa, de andanças, que não foram poucas, pelas ruas, praças e praias da cidade de
Salvador, nas quais se intercambiavam o olhar aguçado do pesquisador pelo seu objeto, a
caneta, o papel, as falas, gestos e atitudes dos trabalhadores. Deste encontro, nem sempre
fácil, do “estranho” com o “nativo”, nasceu uma vasta e rica experiência de pesquisa, que nos
possibilitou fazer a difícil travessia sociológica do mundo teórico ao mundo prático e o seu
reverso.
A cada retorno ao trabalho de campo sempre encontrávamos novas supressas,
obstáculos e descobertas. Falo no plural porque não se tratou de um trabalho individual, mas
que contou com a participação de vários bolsistas de iniciação científica, todos estudantes de
graduação em Ciências Sociais, integrados por dois projetos de pesquisa sobre o trabalho
informal vinculados à linha de pesquisa “Trabalho, Saúde e Meio Ambiente”, do Centro de
Recursos Humanos
25
. Ao longo do trajeto de pesquisa, víamos que as possibilidades de
entendimento do objeto de estudo e os enfoques teórico-metodológicos a serem adotados
poderiam ser múltiplos e complementares. Por conta disso, cada integrante da equipe
25
Refiro-me aos projetos de pesquisas intitulados: 1) Velhos e Novos Trabalhadores Informais – o trabalho nas
ruas em Salvador -Bahia (2000-2002) coordenado pela Profa Graça Druck; 2) Inserção Social, Informalidade e
Família (2000-2002), coordenado pela Profa. Iracema Guimarães; ambos financiados pelo Conselho Nacional
de Desenvolvimento Tecnológico ( CNPq).
150
pesquisa, aos poucos despertou o seu olhar para certos aspectos do trabalho informal na
cidade de Salvador, elegendo-os como temas de monografias
26
e dissertação de mestrado
27
.
No caso específico do autor deste estudo, a escolha do objeto e sua delimitação
empírica se deram no próprio fazer-se da pesquisa de campo, fruto do jogo dialético entre
paixão-estranhamento pelo objeto de estudo. Considero que o objeto de pesquisa é alguma
coisa semelhante a um labirinto, composto por numerosos caminhos entrelaçados e
intrincados, de feitio tão complexo que só a muito custo se consegue encontrar a saída.
Desvendar os “mistérios” que se escondem por detrás do objeto é a tarefa do pesquisador, que
só a faz quando percorre os diversos caminhos existentes no labirinto. Mas, para não se perder
no labirinto, o pesquisador precisa se resguardar com instrumentos teórico-analíticos que lhes
permitam compreender a lógica funcional do objeto e suas racionalidades. Mas bons
instrumentos de nada servem, se o pesquisador não estiver atento às imprevisibilidades da
própria textura do labirinto. Por isso, deve explorar todas as potencialidades presentes nos
caminhos do labirinto e delas se apropriar para refazer os seus instrumentos em busca da
saída. Logo, a compreensão do objeto é um processo que se desvela no próprio ato de
construção do objeto de pesquisa. Em se tratando da pesquisa sociológica, a construção do
objeto envolve entre outras coisas, o ir ao encontro das pessoas reais em contextos reais no
desafio de tornar claros os mistérios que os rodeiam, suas situações e condições de vida que
possibilitam a constituição de sujeitos sociais.
Sendo assim, a pesquisa sociológica é constituída de “objetos-labirintos” como é o
caso da pesquisa sobre o trabalho informal nas ruas de Salvador que desenvolvemos nos
últimos cinco anos. O trabalho informal na cidade de Salvador é um labirinto social
complexo, heterogêneo, antagônico, tradicional e moderno que exige uma vigilância (talvez
epistemológica) sobre as diversas pistas que encontramos constantemente pelos seus
26
Ver os trabalhos monográficos de Barreto, 2003; Durães, 2004; Souza, M., 2005.
27
Ver os projetos de dissertação de Barreto, 2002; Oliveira, L. P., 2002; Durães,2003.
151
caminhos. É percorrendo seus caminhos que encontramos as marcas da condição provisória-
permanente do trabalho informal, cristalizadas e silenciadas nas disposições corporais, verbais
e laborais dos trabalhadores informais que se apropriam das ruas de Salvador para trabalhar.
Por isso, não basta simplesmente entrevistar o sujeito da pesquisa, é preciso também olhar as
nuanças do espaço de trabalho investigado, as interações que os trabalhadores estabelecem
entre si, os conflitos existentes, a linguagem social, os espaços de sociabilidade etc., ou seja, é
necessário compreender as práticas laborais dos agentes do trabalho informal nas suas
manifestações plurais, que geralmente são silenciadas pelos dados estatísticos sobre o
mercado de trabalho. No entanto, não se trata de negligenciar o dado estatístico, mas
complementá-lo com a descrição e análise do cotidiano de trabalho dos homens e mulheres
que dão feições concretas ao trabalho informal na cena urbana da cidade de Salvador.
Neste sentido, antes mesmo de adentrar na análise dos dados da pesquisa de campo, é
essencial que façamos algumas considerações sobre o formato da pesquisa de campo e os
critérios metodológicos adotados, tendo em vista os próprios objetivos deste estudo.
Em primeiro lugar, é bom destacar que se trata de uma pesquisa composta de uma
amostra de 191 trabalhadores informais que têm na rua o espaço privilegiado de trabalho
através da oferta de bens e serviços à população em geral, distribuída por algumas áreas da
cidade de Salvador, onde a presença do trabalho informal de rua é bastante significativa. A
composição da amostra não obedeceu a um critério estatístico específico, de modo que, a
amostra da pesquisa não pode ser considerada como representativa do universo dos
trabalhadores informais de rua da cidade de Salvador. Sendo assim, a pesquisa reúne uma
amostra de estudos casos, a qual busca agregar as principais atividades informais
desenvolvidas nas ruas da cidade.
152
Para realização da pesquisa de campo, elaboramos um questionário com 87 perguntas
abertas e fechadas, distribuídas em cinco blocos
28
, que foi utilizado durante as entrevistas
realizadas com os trabalhadores. Todas as entrevistas foram concedidas pelos trabalhadores
no próprio local de trabalho, fazendo com que a coleta dos dados não se restringisse apenas à
aplicação do questionário, exigindo da equipe de pesquisa a observação cuidadosa do espaço
de trabalho e suas conflitualidades. Diria que em muitos casos, esta observação foi
participante, tendo um papel relevante para o desenvolvimento da pesquisa. Por isso, a análise
que faremos dos dados, construídos a partir das informações contidas nos questionários, será
sempre acompanhada das principais observações registradas por este pesquisador durante o
período de realização da pesquisa (2001 e 2002).
Ainda sobre o formato da pesquisa, convém ressaltar que o seu recorte empírico está
muito associado ao conjunto de atividades que compõem o “setor informal”, ou seja, são as
atividades mais tradicionais do trabalho informal, entre as quais se enquadram as atividades
que são exercidas nas ruas. À primeira vista, este recorte parece ser contraditório ao conceito
de trabalho informal que adotamos neste estudo, não obstante a isto, o presente recorte nos
oferece alguns elementos que possibilitam desenvolver uma linha argumentativa que busca
problematizar e desconstruir certas qualidades e valores atribuídos ao novo trabalhador,
gerado sob a égide do capitalismo flexível.
Nesta perspectiva, decidimos ampliar um pouco mais a nossa pesquisa de campo.
Além do primeiro momento, onde realizamos entrevistas com 191 trabalhadores,
acrescentamos uma nova etapa de pesquisa, que ocorrera no 1º semestre do corrente ano.
Nesta etapa, buscamos desenvolver uma análise de caráter qualitativo, através de depoimentos
28
1) o perfil dos trabalhadores (sexo, escolaridade, idade, cor, local de nascimento, local de moradia); 2) a
composição do grupo doméstico (número de pessoas com quem mora e o grau de parentesco, idade, sexo,
escolaridade, ocupação, renda das mesmas);3) condições e processo de trabalho (jornada de trabalho, registro da
atividade, renda, problemas enfrentados no dia-a-dia do trabalho, assistência médica); 4) trajetória ocupacional,
expectativas sobre atividade exercida e redes de solidariedade (que atividades desenvolver antes exercer a
atividade informal, se pretende continuar nesta atividade, quem mais ajuda nos momentos de dificuldades etc.)
153
gravados sobre a trajetória ocupacional e de vida de três trabalhadores informais de rua: uma
baiana de acarajé, um baleiro e um vendedor de camarão na praia. O objetivo principal é
identificar as estratégias de “empregabilidade” desenvolvidas por estes trabalhadores que lhes
possibilitam a permanência nas atividades informais. Cabe destacar, que as três entrevistas
foram realizadas com trabalhadores que não fizeram parte da amostra de 191 entrevistados.
Feitos estes esclarecimentos, procuro nas partes seguintes deste capítulo fazer uma
“aventura sociológica” circunstanciada no mundo prático dos trabalhadores informais de rua
da cidade de Salvador. Seguindo as suas trilhas sinuosas e imbricadas, tento delinear os
principais contornos da condição “provisória-permanente” dos trabalhadores informais
através de uma narrativa analítica entrelaçada por questões centrais, a saber: Quem são os
trabalhadores que vivem do trabalho informal nas ruas da Soterópolis
29
do século XXI?
Como ingressaram no trabalho informal? Quais são as suas condições de trabalho e de vida?
E por último, quais são as perspectivas futuras destes trabalhadores, em relação as suas
próprias trajetórias de trabalho?
5.1 Os trabalhadores que vivem do trabalho informal nas ruas da Soterópolis do Século
XXI
Aos olhos dos visitantes que vêm à cidade de Salvador, geralmente se apresenta a
imagem de uma “cidade do não trabalho”, cuja força motriz é movida pelo encanto, a alegria,
a exuberância da música, da dança e da culinária, e, em especial, pela sensualidade de seu
povo. Assim, a imagem que é construída – para dentro e para fora – é a do baiano que por
29
Segundo o dicionário Aurélio, Soterópolis é a helenização do nome da cidade de Salvador.
154
obra da natureza, já nasceu espontâneo, preguiçoso e lascivo, como diz o ditado popular:
baiano não nasce, estréia!”. Mas, como afirma Espinheira (2002, p.24), “Salvador é uma
cidade dissimulada. Jamais é o que se diz dela, jamais se apresenta ao olhar em toda a sua
plenitude”.
Aos olhos dos estranhos, a cidade dissimulada não se deixa ver em sua nudez, o que
se esconde por detrás das históricas ruas, becos, ladeiras e praças. Mas, a nossa Soterópolis é
muito mais do que um cenário bonito, metamorfoseado em cartão postal ou peça publicitária,
a serviço da indústria cultural e do entretenimento; ela é também, composta de espaços de
trabalho, apropriados por baianos e não-baianos, que do nascer ao pôr-do-sol disputam os
espaços públicos com os transeuntes na luta pela conquista do “ganha pão” de cada dia. Por
isso, as ruas da Cidade de Salvador são espaços de múltiplos significados, testemunhas
ocultas das folias, tradições, revoltas, guerras, e acima de tudo, da história do trabalho, dos
“vendedores” e “ganhadores” da sociedade escravocrata aos “trabalhadores livres” da
sociedade baiana capitalista do século XXI, que insistem tal como no passado em ocupar os
espaços públicos para trabalhar.
Neste sentido, interessa-nos percorrer as ruas da cidade de Salvador como espaço de
trabalho e entendê-las do ponto dos sujeitos que trabalham nelas. Para tanto, faz-se necessário
esboçar os principais traços dos trabalhadores de rua da Soterópolis do Século XXI, no que
diz respeito ao seu perfil.
Sabemos que o trabalho de rua está profundamente arraigado na economia urbana da
cidade de Salvador e persiste até os dias de hoje, sendo um dos principais espaços de
reprodução do trabalho informal na cartografia social do mercado de trabalho metropolitano.
De acordo com os dados da PED, cerca de 7,5% dos trabalhadores por conta-própria que
155
atuam para população em geral, exercem suas atividades nas ruas ou vias públicas da cidade
de Salvador
30
.
Os dados da pesquisa realizada com os trabalhadores informais de rua apresentam uma
realidade bastante heterogênea e complexificada, um verdadeiro mosaico, que congrega no
mesmo espaço de trabalho – a rua, um continuum de atividades que reúne desde as mais
tradicionais, velhas conhecidas do cenário urbano da cidade; até as mais modernas, surgidas
no bojo das mudanças ocorridas na estrutura ocupacional e social da cidade de Salvador
durante os anos 1990.
Assim, assiste-se a uma nova configuração do trabalho informal nas ruas da cidade,
altamente influenciada pelos impactos da reestruturação produtiva e da desestruturação do
mercado de trabalho metropolitano. As ruas de cidade de Salvador deixam de ser um espaço
de trabalho exclusivo dos segmentos mais vulneráveis da força de trabalho e passam também
a serem ocupadas por novos trabalhadores, expulsos do emprego protegido, que exercem
velhas e novas atividades informais.
Nas nossas andanças pelas ruas desta cidade, não encontramos apenas o ambulante que
vende cartões telefônicos, morador do subúrbio ferroviário e que anda de transporte coletivo,
mas também o ex-trabalhador do Pólo Petroquímico de classe média, morador da Pituba, que
diariamente estaciona seu carro particular em frente à Igreja de São Bento para vender
cachorro quente, ou ainda, a arquiteta que deixou o “atelier” para trabalhar com o transporte
de crianças e adolescentes das principais escolas particulares, dos bairros nobres e de classe
média da cidade.
Durante a pesquisa de campo, mapeamos algumas das principais atividades que
constituem o mosaico do trabalho informal nas ruas de Salvador. Do total de 191
trabalhadores entrevistados, conforme a tabela a seguir, 73,8% são vendedores ambulantes
30
Segundo a classificação da PED, o trabalho informal de rua pode ser mensurado através dois subsetores: o
comércio varejista realizado em vias públicas (postos móveis, barracas ou bancas, veículos) e os vendedores de
rua (acarajé, café, bolinho, doces, pipoca, etc.)
156
com ponto fixo ou não, entre os quais se incluem os vendedores de produtos diversos, de
alimentos, de balas, café, frutas, utensílios do lar, adornos etc. Além destes, 14,2% são
motoristas que fazem transportes e fretes, taxistas e condutores de transporte escolar. E por
fim, 12% são prestadores de serviços, entre os quais se destacam os pintores, mecânicos,
eletricistas, garçons e os guardadores de carro.
Tabela 6
Distribuição dos Entrevistados por Atividades Informais
Atividades V.A. %
Vendedor Ambulante/Camelô 141 73,8
Prestadores de Serviço 23 12,0
Condutores de transporte escolar 11 5,8
Taxista 9 4,7
Motorista autônomo que faz transporte ou frete 7 3,7
Total 191 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo CRH/UFBA (2001-2002).
Este conjunto de atividades, exercidas pelos entrevistados, estão espalhadas por todos
os “cantos” da cidade, desde a “velha” Salvador (Calçada, Subúrbio Ferroviário, Liberdade
etc.), passando pelo “miolo” da Cidade (Brotas, Cabula e adjacências) até o seu “interior”
mais longínquo ( Cajazeiras). Entretanto, a distribuição espacial dos trabalhadores indica que
há uma territorialidade do trabalho informal, ou seja, há espaços de trabalhos específicos para
cada atividade nas ruas de Salvador.
Dessa forma, ao longo da pesquisa de campo verificamos que o centro da cidade é o
coração do trabalho informal de rua da Cidade de Salvador, ali, para cada beco ou rua existe
um tipo de vendedor ambulante específico, quer seja de roupas, flores, de eletroeletrônicos,
fitas, cd’s, de frutas, de ervas ou de alimentos. O relógio de São Pedro é ponto ideal para
aqueles que desejam usufruir os serviços prestados pelos trabalhadores de ofício (sapateiros,
pintores, mecânicos, eletricistas etc).
157
Os taxistas geralmente se concentram em pontos de grande circulação de pessoas,
como os shoppings, os hospitais, as estações de transbordo de passageiros (Estação
Rodoviária e Estação da Lapa). O Largo de Rio Vermelho, de Amaralina e de Itapuã são
pontos tradicionais das baianas de acarajé. Os motoristas autônomos que fazem transportes ou
fretes de todo gênero, também podem ser encontrados em grande número na Sete Portas, no
Largo do Tanque e nas inúmeras rótulas dos bairros populares, desde Periperi até as
Cajazeiras.
E por último, os condutores do transporte escolar, estes podem ser facilmente
encontrados nos horários de entrada e saída de estudantes das escolas particulares da cidade,
distribuídas principalmente pelo Centro, Barra, Ondina, Itaigara e Pituba.
Se observarmos a distribuição dos entrevistados por local de trabalho, veremos que a
maioria dos entrevistados exerce suas atividades ns ruas do centro da cidade (62,8%), seguido
dos que trabalham na área da Cidade Baixa e Liberdade (15,6%), nos bairros da orla marítima
(10,5%); na Rodoviária/Estação Iguatemi ( 9,3%) e Cajazeiras (2,1%).
Tabela 7
Distribuição dos Entrevistados por Local de Trabalho
Local de Trabalho V.A. %
Centro 120 62,8
Rodoviária/Iguatemi 17 8,9
Piatã 5 2,6
Amaralina 3 1,6
Ondina 5 2,6
Barra 7 3,7
Calçada 14 7,3
Comércio 2 1,0
Av. Suburbana 2 1,0
Liberdade 12 6,3
Cajazeiras 4 2,1
Total 191 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo CRH/UFBA (2001-2002)
158
Vejamos agora qual é o perfil dos entrevistados ocupados nas diversas atividades do
trabalho informal de rua em Salvador, que constituíram os estudos de casos da amostra
pesquisada.
O trabalho informal nas ruas de Salvador é realizado tanto por homens e como
mulheres, mas apresenta uma nítida divisão sexual do trabalho. A presença dos homens nas
atividades informais pesquisadas é bem maior do que a das mulheres, representado cerca de
66% do total dos entrevistados. De acordo com Iracema Guimarães (2003), vários fatores
sócio-culturais podem estar influenciando na restrição da inserção das mulheres nas atividades
informais realizadas em vias públicas, uma vez que o trabalho nas ruas está constantemente
exposto a vários tipos de risco. Além disso, a restrição das mulheres nas atividades informais
pode estar relacionada com os tipos de mercadorias e serviços que são prestados a população
em geral, principalmente entre os vendedores ambulantes, que na maioria das vezes resultam
em um intenso desgaste das forças físicas, ou seja, são atividades que necessitam do “trabalho
pesado”, que do ponto de vista do constrangimento simbólico e das representações sociais
estão mais associados aos homens, atribuindo-se às mulheres o estereotipo do “ser frágil”.
Neste sentido, as atividades desenvolvidas pelas mulheres estão relacionadas à produção e
comercialização de alimentos, dentre eles o mais famoso – o acarajé, bem como, na venda de
confecções, de bordados, flores e peças de decoração. Todavia, também registramos a
presença das mulheres em atividades que geralmente eram realizadas por homens, como é o
caso da atividade de taxista, ou ainda, em novas atividades informais, a exemplo da condução
de transporte escolar.
Do ponto de vista das gerações, as expressões e fisionomias dos homens e mulheres,
trabalhadores e trabalhadoras informais, oferecem aos olhos curiosos do pesquisador um bom
retrato da composição de gerações. As ruas da cidade, enquanto espaços de trabalho,
comportam trabalhadores de todas idades, os quais experienciam as atividades informais de
159
diferentes maneiras. Para os jovens, ansiosos pela conquista do primeiro emprego, o trabalho
informal tende a ser uma condição provisória, pois as chances de encontrar um emprego com
carteira assinada podem ser bem maiores. Para os mais velhos, as atividades informais, a
depender dos seus atributos pessoais e/ou adquiridos, podem se apresentar como uma forma
de re-inserção ocupacional ou de inserção permanente no mercado de trabalho.
De acordo com a distribuição dos entrevistados por faixa etária, 44% dos trabalhadores
estão na faixa etária de 40 anos ou mais, seguida dos que têm de 25 a 30 anos com 36,1%, a
faixa etária considerada como mais produtiva para o mercado de trabalho.Na faixa de 18 a 24
anos, segmento importante dos jovens, encontram-se 17,8% dos trabalhadores e apenas 2,1%
têm de 10 a 17 anos, faixa das crianças e adolescentes. Portanto, trata-se de trabalhadores
mais velhos ou que estão em plena idade produtiva, de modo que são trabalhadores que já
acumularam uma experiência de trabalho, sejam elas decorrentes de atividades informais
anteriores ou de empregos com carteira assinada.
Tabela 8
Distribuição dos Entrevistados por Faixa Etária
Faixa Etária V.A. %
Até 17 anos 4 2,1
18 a 24 anos 34 17,8
25 a 39 anos 69 36,1
Acima de 40 anos 84 44,0
Total 191 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo CRH/UFBA (2001-2002).
A distribuição dos entrevistados por cor apresenta resultados proporcionalmente
semelhantes aos dados censitários da região Metropolitana de Salvador, 16,3% são brancos,
44,7% pardos e 38,9% pretos. Somando-se pardos e pretos, 84% dos entrevistados são
160
negros
31
. O trabalho nas ruas de Salvador, historicamente carrega as marcas das desigualdades
raciais, dos escravos do passado aos trabalhadores “libertos” de hoje, da escravidão à exclusão
social, a condição social dos negros continua a mesma. Os registros do viajante alemão
Robert Avé-Lallemant quando da sua passagem por Salvador em 1859 continua valendo até
hoje, os quais vale a pena recordar: “Tudo que corre, grita, trabalha, tudo que transporta e
carrega é negro; até os cavalos dos carros da Bahia são negros”. (AVÉ-LALLEMANT,
1980, p. 22). O amanhecer e o entardecer do trabalho informal nas ruas de Salvador,
dependem dos negros, pois são eles que levam e trazem as mercadorias e produtos
comercializados pelos vendedores ambulantes (também negros) do centro da cidade.
No que se refere ao nível de escolaridade dos trabalhadores, 4,2% são analfabetos;
62,4% têm o 1º grau, sendo que, 41,4% têm o 1º grau incompleto e 17,8% têm o 1º grau
completo. Dos entrevistados, 31,9% têm o 2º grau, sendo 14,1% com 2º grau incompleto e
18,8% com o 2º completo. E apenas 3,2% têm o nível superior completo. Estes indicadores do
nível de escolaridade parecerem atestar a hipótese de que o trabalho informal é o celeiro da
força de trabalho “desqualificada”, onde prevalece o conhecimento tácito adquirido com a
própria experiência de trabalho, logo, o capital escolar não seria o pré-requisito básico capaz
de assegurar a permanência dos indivíduos no trabalho informal. Entretanto, vários estudos
sobre a informalidade no Brasil têm alertado para o fato de que são os trabalhadores informais
mais escolarizados que têm maiores chances de obterem maiores rendimentos. Situação
confirmada em nossa pesquisa, pois seis entrevistados têm o nível superior completo (quatro
homens e duas mulheres) e são os que têm os maiores rendimentos.
31
Para a variável cor utilizamos os mesmos critérios adotados pelo Censo do IBGE.
161
Tabela 9
Distribuição dos Entrevistados por Grau de Escolaridade
Grau de Escolaridade V.A %
Analfabeto 8 4,2
1o Grau Incompleto 79 41,4
1o Grau Completo 34 17,8
2o Grau Incompleto 27 14,1
2o Grau Completo 36 18,8
3o Grau Completo 6 3,1
Não respondeu 1 0,5
Total 191 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo CRH/UFBA (2001-2002).
A pesquisa também buscou investigar sobre o estado civil dos entrevistados. De certo
modo, este é um assunto que envolve a vida íntima das pessoas, fazendo lembrar dos afetos
que se perderam no tempo, dos entes que já se foram ou das paixões secretas que não podem
ser reveladas. Registramos situações, durante o trabalho de campo, de entrevistados que se
sentiram constrangidos quando perguntados sobre a vida conjugal. Dentre elas, destaco uma
situação que se tornou embaraçosa para o próprio pesquisador, a saber: perguntada sobre a sua
situação conjugal certa vendedora ambulante relutou em responder, olhava para todos os lados
dando a impressão de que estava apreensiva e com medo de alguém ou de alguma coisa, mas
depois de uma longa pausa respondera que era casada. No compasso de sua resposta, se
aproximava um vendedor bastante enfurecido, e, de forma nada amigável começara indagar a
um integrante da equipe de pesquisa: “Do que se trata? Quem é você? Quem mandou fazer
esta pesquisa?”. Educadamente, o pesquisador esclareceu quais eram os objetivos da pesquisa
ao vendedor. Embora não tivesse se convencido, permitiu que a vendedora continuasse a
entrevista. Na “cabeça” do pesquisador, as interrogações vinham uma atrás da outra, as quais
começaram a se desfazer quando a própria entrevistada resolveu esclarecer o mal-entendido.
Na verdade, o vendedor enciumado era seu amante, daí porque se sentiu tão acanhada em
162
responder sobre este quesito do questionário. Apesar destas situações desconfortáveis, foi
possível obter de todos entrevistados informações a respeito do estado civil. Deste modo, a
distribuição dos entrevistados por estado civil apresenta a seguinte distribuição: há uma
predominância dos casados (38,2%) ou dos que vivem em concubinato (17,8%), que somados
perfazem 56% do total de trabalhadores entrevistados. Os demais são solteiros (32,5%),
separados (5,3%), divorciados (3,7%) e viúvos (2,8%).
Tabela 10
Distribuição dos Entrevistados por Estado Civil
Estado de Civil
V.A %
Casado 73 38,4
Solteiro 62 32,5
Concubinato 34 17,8
Separado 10 5,2
Divorciado 7 3,7
Viúvo 4 2,1
Não respondeu 1 0,5
Total 191 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo CRH/UFBA (2001-2002).
Nesta direção, identificamos também que 42,4% dos entrevistados são responsáveis
pelo sustento das suas famílias, o que demonstra que eles são os chefes provedores dos seus
respectivos grupos domésticos. Entretanto, 23,4% dos entrevistados dividem esta
responsabilidade com o seu companheiro ou companheira e 14,7% com os outros parentes.
Ainda sobre o perfil, evidencia-se a partir dos dados da pesquisa, que 47,6% dos
trabalhadores pesquisados são soteropolitanos, e 46,1% são oriundos de outras cidades da
Bahia. Embora seja significativa a participação dos “Severinos” na metrópole, os dados sobre
o tempo de residência indicam que estes trabalhadores já moram na cidade de Salvador há um
bom tempo, uma vez que, apenas 8% residem na capital baiana há menos de três anos. Assim
163
sendo, conclui-se que as atividades informais de rua da cidade de Salvador são exercidas por
trabalhadores e trabalhadoras que bem ou mal já conhecem as tramas e alegrias do cotidiano
da grande metrópole. Sejam soteropolitanos ou não, os trabalhadores conhecem como
ninguém a cidade onde moram e os seus inúmeros problemas (infra-estrutura, transporte
coletivo, violência urbana etc.) De acordo com a tabela abaixo, a maioria dos trabalhadores
pesquisados moram nos bairros populares de Salvador (64%), entre os quais se destacam o
Subúrbio Ferroviário (20,4%), Cabula (13,1%) e Liberdade (11,5%). Mas, existe uma parcela
significativa dos entrevistados que moram no centro da Cidade (20,4%) e no bairro de Brotas
(10%). E apenas 3,7% dos entrevistados, moram na orla atlântica da cidade.
Tabela 11
Distribuição dos Entrevistados por Local de Moradia
Descrição V.A. % Válido
Centro 39
20,4
Brotas 17
8,9
Península Itapagipana / Subúrbio Ferroviário 39
20,4
Liberdade/ Retiro /São Caetano 22
11,5
Marechal Rondon / Pirajá / Valéria 7
3,7
Pernambúes/Saramandaia 10 5,2
Cabula / Pau da Lima 25
13,1
Cajazeiras / Mussunrunga / São Cristóvão 19
9,9
Itapuã / Boca do Rio/ Costa Azul / Pituba 7
3,7
Nordeste de Amaralina 4
2,1
Lauro de Freitas 2
1,0
Total 191
100,0
FONTE: Pesquisa de Campo CRH/UFBA (2001-2002)
Com base nestas informações obtidas, pode-se traçar uma síntese do perfil dos
trabalhadores informais entrevistados, qual seja: São mais homens do que mulheres, negros,
casados, chefes de família, mais velhos, não-migrantes, moram em bairros populares e
têm baixo nível de escolaridade. Este perfil dos entrevistados não é muito diferente do que
164
encontramos, a partir dos dados da PED, para o conjunto de trabalhadores informais por conta
própria que trabalham na cidade de Salvador, conforme foi analisado no capítulo anterior.
5.2 O ingresso na informalidade: “o desemprego me levou a isso, mas é provisório... até eu
achar uma coisa melhor”.
A inserção de homens e mulheres, jovens, adultos e velhos, migrantes ou não-
migrantes no mundo do trabalho informal envolve um conjunto de elementos sociais que
modelam e direcionam as formas de integração dos indivíduos no mercado de trabalho.
Durante a pesquisa de campo perguntamos aos trabalhadores como foi que eles
ingressaram nas atividades informais. As respostas dos entrevistados a esta questão sempre
vinham acompanhadas de uma explicação sobre os motivos que os levam a ingressar no
trabalho informal. Para os trabalhadores, informar sobre as formas ou maneiras de ingresso
nas atividades que exercem atualmente, requer a elaboração de uma justificativa plausível
para si e para os outros, que legitime a própria condição de trabalhador informal. Em outras
palavras, isto significa que o como
é precedido de um porquê.
A necessidade de o trabalhador apresentar uma justificativa plausível sobre a sua
condição de trabalho, revela a centralidade do trabalho enquanto forma de integração social
dos homens ao mundo, e as conseqüências sociais e morais da sua ausência. As justificativas
dos trabalhadores convergem em torno do valor social do trabalho na sociedade capitalista.
Enquanto força de trabalho, todo trabalhador precisa assegurar a sua própria reprodução social
e de sua família, não podendo assegurá-la através de um emprego assalariado, o trabalhador
precisa encontrar uma forma alternativa, mesmo que seja provisória, que lhe permita
165
sobreviver, e assim fugir do “estigma” do desempregado. Esta seria a lógica social que
modela as justificativas dos trabalhadores informais pesquisados, escutamos várias vezes as
seguintes falas:
Foi o desemprego que me levou a isso, é melhor trabalhar nas ruas como
vendedor ambulante do que roubar. (Vendedor Ambulante, 30 anos, 2 anos na
atividade).
Eu estava desempregado, precisava arranjar dinheiro para dar o que comer
para os meus filhos e não encontrava emprego, a única solução foi trabalhar no
mercado informal. (Vendedora Ambulante, 40 anos, 10 anos na atividade).
Olha moço, eu só estou aqui até arranjar uma coisa melhor, um emprego, eu
não posso ficar parado, né? (Vendedor ambulante, 26 anos, 6 meses na atividade).
Estas falas dos trabalhadores indicam que o desemprego e a lei imperativa da
sobrevivência numa grande metrópole, como é o caso da cidade de Salvador, se constituem
como as justificativas mais plausíveis capazes de legitimar o ingresso no trabalho informal.
Trata-se de uma consciência prática que só se apresenta ao sujeito como tal, na medida em
que este é questionado sobre a sua própria condição, exigindo-lhe a elaboração de uma
justificativa coerente com as práticas laborais exercidas. Tal elaboração não é produzida
aleatoriamente, é formada a partir das próprias experiências de trabalho que antecederam ao
momento de ingresso no trabalho informal.
As trajetórias anteriores de trabalho são importantes para compreendermos qual é o
lugar da ocupação atual na trajetória social de cada trabalhador. A trajetória atual de trabalho
deve ser considerada como um ponto, que pode assinalar para uma mobilidade ascendente ou
descendente, na trajetória sócio-ocupacional do trabalhador. No caso analisado, 51,3% dos
trabalhadores pesquisados tinham um emprego com carteira assinada na sua atividade
anterior, ou seja, vieram do núcleo estruturado do mercado de trabalho. Para estes
trabalhadores, possivelmente o ingresso na atividade representou uma reconversão de suas
166
trajetórias de trabalho, dando início a um processo de mobilidade descendente e de
precarização social. Do restante da amostra, 18% eram empregados sem carteira-assinada,
15% já trabalhavam como autônomos, e 5% eram empregadas domésticas e trabalhadores
rurais, respectivamente. Estes dados sobre a última atividade exercida antes do ingresso dos
entrevistados na informalidade é um forte indicador da nova configuração do trabalho
informal na cidade de Salvador como já mencionado anteriormente.
As informações sobre as trajetórias de trabalho dos entrevistadas mostram também que
a passagem de último trabalho para o atual não se deu de forma automática. Entre o último
trabalho e o ingresso na informalidade, 50% dos entrevistados viveram a experiência do
desemprego. Para os entrevistados que ficaram desempregados, o ingresso na informalidade
precedeu de um bom tempo de procura de trabalho, destes, 33,3% ficaram menos de 1 ano à
procura de trabalho e 40,6% ficaram de 1 a 2 anos. Portanto, uma parcela significativa dos
trabalhadores da amostra pesquisada já sentiu na “pele” o drama do desemprego e as suas
implicações morais e sociais.
Levando em consideração as trajetórias de trabalho anteriores à inserção dos
entrevistados no trabalho informal, bem como as próprias justificativas apresentadas por estes
em relação à condição de trabalhador informal, constata-se que a inserção dos trabalhadores
no trabalho informal está condicionada por valores e processos inerentes a estrutura do
mercado de trabalho local, que obriga os sujeitos a aceitarem tal condição como a mais
plausível de ser vivida num contexto de desemprego e precarização do trabalho.
No entanto, esta plausibilidade depende em grande medida das formas de inserção dos
trabalhadores, que podem favorecer ou não a permanência no trabalho informal. A escolha da
atividade, do local de trabalho, do tipo de serviço ou mercadoria a ser comercializada, envolve
uma série de condicionantes, dentre elas, o volume de recursos financeiros disponíveis, o
167
capital social acumulado nas trajetórias de trabalho anteriores e a rede de suportes relacionais
que podem ser acionados pelos trabalhadores para o exercício da atividade informal.
Neste sentido, observa-se que boa parte dos entrevistados contou com algum tipo de
ajuda para iniciar a sua atividade (54%), sendo que a ajuda de parentes, amigos e
vizinhos/colegas é a que mais aparece. Os dados da pesquisa evidenciam que as relações de
parentesco é uma das principais “portas de entrada” do trabalho informal nas ruas de
Salvador. Geralmente os trabalhadores ingressam na atividade informal trabalhando para os
parentes (pai, mãe, tio, irmão, primo etc) e em seguida montam os seus próprios negócios, e
começam a trabalhar sozinhos. Alguns depoimentos, abaixo relacionados, ilustram muito bem
a importância de redes de parentesco para ingresso na informalidade, vejamos:
Eu estava me separando do marido, que era vendedor ambulante e tinha duas
barracas na Avenida Sete. Tudo aconteceu quando um ajudante do meu marido ficou
doente: fui substituir e fiquei. (Vendedora ambulante, 42 anos, 8 anos na atividade).
Eu era balconista e fui mandada embora, precisava de emprego, o meu
marido era do ramo, fui ajudá-lo e estou até hoje. (Vendedora ambulante, 41 anos,
15 anos na atividade).
Meu pai trabalhava na rua, ele ficou doente, tive que ficar no seu lugar e
continuo até hoje.(Vendedor ambulante, 26 anos, 5 anos na atividade).
Comecei na atividade ajudando a minha mãe na praia, vendendo lanches;
depois bronzeador, caranguejo e atualmente vendo queijo. (Vendedor ambulante de
praia, 21 anos, 10 anos na atividade).
A minha família vendia acarajé, é hereditário, da minha avó passou para
minha mãe, que depois passou pra mim. Comecei vendendo acarajé na porta de casa
porque estudava e não podia acompanhar a minha mãe, depois passei a vender nas
festas de largo até vir para o largo de Amaralina, onde estou há 28 anos. (Baiana de
acarajé, 45 anos, 32 anos na atividade).
Comecei na atividade com meu pai. Vi que a porra dava dinheiro e comecei a
trabalhar. (Vendedor ambulante de praia , 22 anos, 3 anos na atividade)
As redes de parentesco não se constituem apenas como uma das portas de entrada no
trabalho informal na cidade de Salvador, mas desenvolve um papel fundamental para
constituição de redes solidariedade no espaço de trabalho. É bastante comum encontrar numa
168
mesma rua vários membros de uma mesma família, como pai, mãe, filhos, irmãos e tios
trabalhando na mesma barraca ou em barracas separadas.
Além das redes de parentesco, existem outras formas de inserção na atividade
informal. Registramos casos em que os trabalhadores utilizam os recursos financeiros
provenientes, na maioria das vezes, da indenização do último emprego para ingressar na
informalidade, bem como, buscam tirar proveito do capital social acumulado nas experiências
anteriores de trabalho no momento da escolha do tipo de serviço ou mercadoria que irá
comercializar na sua nova atividade. Nestes casos, o ingresso na atividade informal
geralmente não conta com ajuda de ninguém, sendo uma decisão do próprio trabalhador, que
na maioria das vezes se vê obrigado frente à situação de desemprego a “inventar” uma forma
de trabalho e de obter renda. Entretanto, existem algumas exceções, para as quais a inserção
na atividade informal se configura como uma opção do trabalhador em relação ao seu trabalho
anterior. Os depoimentos a seguir, expressam bem estas duas situações:
Trabalhava como arquiteta numa fábrica de móveis. Quando foi um dia, fui a
lavagem de Guarajuba e tinha um amigo que estava fazendo transporte para
lavagem. A partir daí despertei o interesse pela coisa, vi que dava dinheiro, me
juntei com quatro amigos e formamos uma cooperativa de transporte escolar.
(Condutora de transporte escolar, 38 anos, 8 anos na atividade).
Fui demitido, passou dos quarenta não tem mais trabalho. Com a indenização
do emprego comprei esta Kombi. (Motorista autônomo que faz frete, 45 anos, 6
anos na atividade).
Trabalhava como camelô há 14 anos na frente do Iguatemi. Na gestão de
Antonio Imbassay, a prefeitura retirou todos os ambulantes da área, daí um amigo
deu a idéia: “rapaz vai dirigir táxi, que é melhor do que ficar correndo do Rapa”.
(Taxista, 43 anos, 4 anos na atividade).
Comecei vendendo caldo de cana por iniciativa própria, o desemprego me
levou a isso. Depois coloquei uma barraca de lanches e hoje vendo passadeiras,
tiaras e pulseiras. (Vendedora ambulante, 29 anos, 7 anos na atividade).
Fiquei desempregado, e com o dinheiro que recebi da indenização, resolvi
por iniciativa própria comprar uma guia de cafezinho. (Vendedor ambulante, 39
anos, 3 meses na atividade).
169
Além das formas de inserção na atividade informal, o tempo de permanência dos
trabalhadores nas atividades é outro aspecto fundamental que nos ajuda a entender a nova
configuração do trabalho informal na cidade de Salvador. O tempo de permanência dos
trabalhadores pesquisados é mais um indicador que confirma a existência de uma nova
informalidade na metrópole baiana. Do total da amostra, 67% dos entrevistados têm até 10
anos na atividade informal, ou seja, a maioria dos entrevistados se inseriu na informalidade na
década de 90, período em que se intensificam as transformações no mercado de trabalho no
Brasil e na Bahia. Este indicador confirma que:
(...) o crescimento do número de trabalhadores informais e o surgimento de
novas atividades informais é uma das conseqüências mais graves da reestruturação
produtiva, pois indica uma regressão social nas formas de inserção do trabalho e nas
condições de vida, gerando uma maior exclusão social e uma maior precarização do
trabalho e da vida. (DRUCK, 2000, p.03).
Quando contrastamos o tempo de permanência na atividade com os motivos
apresentados pelos trabalhadores para justificar e legitimar a própria condição de trabalhador
informal, revela-se a questão central deste trabalho. Escutei inúmeras vezes, de vários
trabalhadores com quem tive oportunidade de conversar e entrevistar durante os dois anos de
pesquisa de campo, a seguinte sentença prática: “foi o desemprego que me levou a isso, mas é
provisório... até eu achar uma coisa melhor” (leia-se “emprego”). Nesta sentença está
condensada a síntese da condição do trabalhador informal: o provisório que se tornou
permanente e o permanente que é vivido sob o signo do provisório.
A práxis do trabalhador informal se realiza na negação e afirmação do “provisório-
permanente”, que se constituem como dimensões inseparáveis de uma única condição. Do
ponto de vista das elaborações e representações dos sujeitos, a inserção na informalidade é
concebida como uma solução “provisória” para o drama do desemprego e uma forma
plausível de assegurar a reprodução social, mas o próprio tempo de permanência é a negação
170
de suas elaborações, demonstrando que os sujeitos já fincaram raízes no trabalho informal.
Mas, como é possível que o permanente seja experienciado sob o signo do provisório? A
afirmação do permanente como provisório está consubstanciado na própria lógica de
reprodução das práticas laborais da informalidade.
5.3 Trabalhar nas ruas de Salvador: riscos, incertezas e vulnerabilidade social.
Nas ruas de Salvador, trabalhar é um verbo intransitivo, faça sol ou faça chuva, a
qualquer hora do dia ou da noite, sempre encontrarás um trabalhador informal disposto a lhe
oferecer algum tipo de serviço ou mercadoria. A todo custo ele se esforçará para convencê-lo
a ficar com o produto, mesmo que você não queira, insistirá: “fique, eu faço um desconto
especial pra você”. Em último caso se valerá da situação de desemprego, transformando-a
em uma poderosa estratégia de marketing para tentar conquistar o público, pois é bastante
comum ouvirmos dos baleiros nos ônibus coletivos da cidade de Salvador, frases que são
proclamadas em alto e bom som tais como: “Bom dia pessoal, esta é a maneira digna que tem
o desempregado de comprar comida pros seus filhos, uma é dez e seis é cinqüenta...”; ou
então, “É dez centavos, é luta contra o desemprego, a bala de gengibre é dez centavos,
vamos pessoal ajudar este pai de família a fugir da triste estatística do desemprego do nosso
país”. Os trabalhadores informais procuram utilizar todos os artifícios possíveis, desde a boa
educação à qualidade do produto, para que ao chegar o final de mais um dia de trabalho
possam suspirar tranqüilos, na certeza de que não faltará o dinheiro do transporte, da comida e
do aluguel, mesmo que seja só por um dia. Mas o cotidiano dos trabalhadores informais de
171
rua é marcado muito mais pela incerteza do presente contínuo do que pela certeza do dever
cumprido.
Trabalhar nas ruas da cidade de Salvador foi uma experiência inteiramente nova para
60% dos entrevistados, um mundo desconhecido que estava por ser desbravado. Embora boa
parte dos trabalhadores pesquisados tenha contado com ajuda de alguém, principalmente das
redes de suporte primário para ingressar no mundo do trabalho informal, trabalhar nas ruas na
capital baiana é uma atividade solitária, pois 73% dos entrevistados trabalham sozinhos. Para
estes, o aprendizado da gramática e da linguagem do trabalho informal foi um processo de
maturação adquirido no próprio cotidiano de trabalho. É no próprio fazer-se do trabalho
informal que os agentes aprendem o sentido do jogo e de como se posicionar nas inúmeras
circunstâncias do cotidiano de trabalho.
O trabalho informal nas ruas de Salvador tem uma gramática e linguagem social que
ordenam as práticas dos trabalhadores. Através da linguagem, os trabalhadores explicitam as
regras e normas que regulam as suas práticas de trabalho. Durante o trabalho de observação
de campo constatamos que a linguagem social do trabalho informal de rua se resume a três
palavras básicas: “guia”, “freguês” e “Rapa”.
A “guia” é o nome atribuído pelos trabalhadores aos instrumentos de trabalho, que
pode variar de acordo com o tipo de atividade, ou seja, para o vendedor ambulante com ponto
fixo a barraca é a sua guia, para a baiana de acarajé é o tabuleiro, para o ambulante que circula
pela cidade pode ser um caixote de madeira ou um carrinho de supermercado etc. A guia tem
um forte valor simbólico, pois sua função é conduzir o trabalhador na luta diária pela
conquista de seus proventos, sem a guia não há como trabalhar, é o seu “meio” ou
“instrumento” de trabalho.
Mas de nada adianta ter a “guia”, se não tem “freguês”. “Freguês” na linguagem do
trabalho informal é o indivíduo que compra os serviços ou mercadorias que são oferecidos
172
pelos trabalhadores. A noção também indica que as relações de troca assumem um caráter
personalizado, permitindo, tanto a quem compra quanto a quem vende, a possibilidade de uma
comunicação direta e de um bom acordo entre as partes.
Toda linguagem tem suas normas e regras de uso, esta é a função do “Rapa”. “Rapa” é
o nome popular atribuído aos agentes da Secretaria de Serviços Públicos, responsáveis pela
fiscalização e ordenamento das vias públicas onde podem trabalhar os vendedores ambulantes
de Salvador. É o Rapa quem fiscaliza o tamanho das barracas, quais as áreas que podem ser
ocupadas, se o trabalhador informal tem licença pra trabalhar em determinado local etc. Além
disso, o “Rapa” é quem literalmente rapa as mercadorias dos ambulantes irregulares, pois
quando alguém grita: “lá vem o Rapa”, os vendedores em situação irregular decifram a
mensagem rapidamente e começam a se dispersar, fugir ou se esconder por ruas e becos do
centro da cidade.
Mas não é só a prefeitura quem define os espaços de trabalho utilizados pelos
trabalhadores informais. Segundo os dados da pesquisa, 40% dos trabalhadores declararam
que são eles próprios quem definem o espaço aonde realizam suas atividades. Além disso, é
importante destacar que no caso dos taxistas e dos condutores de transporte escolar, também
existem regras que são estabelecidas pela prefeitura, bem como, há taxas e vistorias que são
realizadas periodicamente.Verifica-se ainda, que 67% dos entrevistados têm algum tipo de
registro da atividade, sendo que a inscrição/cadastro e o pagamento de taxas para prefeitura
são as principais formas de registro da atividade.
A gramática do trabalho informal nas ruas de Salvador não se resume apenas à questão
da regulação do espaço público que é apropriado pelos trabalhadores, envolve também uma
articulação bem organizada das atividades informais com o comércio da cidade. Observa-se
que há uma rede de estabelecimentos comerciais, principalmente no centro da cidade,
exclusivamente especializados no fornecimento em atacado e varejo de mercadorias de todo
173
gênero para os vendedores ambulantes. De certo modo, a agilidade e rapidez dos vendedores
ambulantes em oferecer produtos diversos em situações específicas
32
está relacionada com a
existência de redes de estabelecimentos voltados para as demandas do trabalho informal de
rua.
A articulação do comércio ambulante e os estabelecimentos comerciais nos remetem a
uma questão central, qual seja, a função que exerce o trabalhador informal de rua no processo
de valorização do capital. Marx já demonstrara que o processo de acumulação se realiza em
um movimento circular, que começa no processo de produção e se concretiza na esfera da
circulação das mercadorias. Para haver acumulação, o capitalista precisa conseguir vender
suas mercadorias e converter o dinheiro recebido em capital. Neste sentido, o trabalhador
informal de rua exerce um papel fundamental no processo de circulação de mercadorias, são
agentes de reprodução do capital. Vivem em função do capital, num movimento ininterrupto
compram e vendem mercadorias, usam todas suas energias físicas e mentais em favor da
reprodução da ordem capitalista e em troca recebem o mínimo necessário que assegure a sua
existência enquanto força de trabalho.
Mas cumprir tal função não é fácil, os trabalhadores informais enfrentam muitas
dificuldades no cotidiano de trabalho, trabalhar nas ruas implica em correr riscos, viver sob a
égide da incerteza e estar vulnerável socialmente. O cotidiano dos trabalhadores informais é
marcado por conflitos, competição e fragmentação social. Cada trabalhador, a seu modo,
busca potencializar as suas habilidades na tentativa de neutralizar ou até superar as
dificuldades encontradas no espaço de trabalho, no esforço quase sobrenatural de tornar a rua
um espaço de trabalho menos degradante.
A lista de dificuldades enumeradas pelos trabalhadores, conforme tabela, indica que o
principal problema encontrado no dia-a-dia é a ação do poder público através da fiscalização e
32
Cito como exemplo as inúmeras vezes que Salvador amanhece chovendo e na mesma da hora aparecem vários
vendedores ambulantes com guarda-chuvas a serem comercializados para a população em geral.
174
repressão dos agentes públicos da Prefeitura (o Rapa). A área do centro da cidade, por
exemplo, é regulamentada pela Prefeitura Municipal de Salvador, sendo que a fiscalização é
bastante rigorosa. Segundo os entrevistados o “Rapa” (denominação atribuída pelos
trabalhadores de rua aos fiscais da Secretaria de Serviços Públicos/ SESP) “atrapalha a vida
deles”, já que a fiscalização da Prefeitura faz uma série de exigências com relação a
organização da barraca (ponto fixo de trabalho), como por exemplo: é proibido que se
coloque coberturas de proteção contra sol e chuva nas barracas, as mercadorias não podem
ser colocadas para fora da barraca.
Tabela 12
Principais Problemas Enfrentados pelos Entrevistados no Cotidiano
de Trabalho
Descrição Freqüência % (*)
Prefeitura / Fiscalização / Repressão 40 23,30
Condições do Comércio 36 20,90
Condições de Trabalho nas Ruas 34 19,80
Infra-estrutura 29 16,90
Relacionamento com Colegas 15 8,70
Violência 7 4,10
Problemas no trânsito 6 3,50
Fila de espera para corrida de táxi 2 1,20
Carros Clandestinos 1 0,60
Falta de passageiros 1 0,60
Falta de trabalho 1 0,60
FONTE: Pesquisa de Campo CRH/UFBA (2001-2002)
*
Percentual válido para 149 entrevistados com respostas múltiplas
Além disso, os vendedores ambulantes são proibidos de entrarem e atuarem em alguns
pontos estratégicos da cidade, a exemplo das estações de transbordo de passageiros. No
decorrer da pesquisa de campo, presenciamos em frente ao Shopping Iguatemi algumas cenas
que ilustram bem a ação do “Rapa”. Os pontos de ônibus localizados em frente ao shopping
são espaços privilegiados para atuação dos trabalhadores informais de rua, ali se encontram
centenas de pessoas à espera do transporte coletivo que podem consumir uma série de
175
mercadorias a preços mais baratos do que os encontrados dentro do Shopping. Mas a presença
dos vendedores ambulantes é motivo de conflitos e ações repressivas do Rapa, que proíbe
terminantemente a venda de bebidas e comidas neste local. Mesmo assim os vendedores
ambulantes insistem em ocupar aquele espaço. Registramos certa vez, as peripécias de um
vendedor ambulante de refrigerantes e água mineral para fugir da ação repressora do Rapa: na
tentativa de não ter suas mercadorias apreendidas, o vendedor colocava a sua própria vida em
risco, se escondia atrás dos ônibus com uma caixa de isopor nas mãos para não ser pego pelo
Rapa. Este é apenas um exemplo de tantas outras situações humilhantes que passam os
trabalhadores informais de rua que não dispõem de um ponto fixo para exercer as suas
atividades e ocupam espaços proibidos pela SESP.
De acordo com os entrevistados, as formas de abordagens dos fiscais da prefeitura são
impróprias, pois os trabalhadores são abordados como se fossem marginais ou ladrões. Uma
entrevistada de 41 anos, vendedora ambulante e há 15 anos na atividade, deu o seguinte
depoimento em relação à atuação da fiscalização da prefeitura:
(...) se não oprimisse tanto o povão melhoria muito, pais de família são
tratados como marginais, a gente não trabalha porque gosta, mas porque precisa
sustentar a família. Você acha que a pessoa que não tem ponto fixo, toma chuva e
corre do Rapa por que gosta???
A atuação violenta do Rapa contra os trabalhadores informais de rua de Salvador,
principalmente contra os vendedores, motivou dois artistas baianos, Edson Gomes e Zé Paulo
(1997), a compor a música “Camelô” que se tornou um hino de defesa dos trabalhadores
informais, a qual expressa bem a condição do trabalhador informal de rua da “Cidade da
Bahia”:
Sou camelô, sou do mercado informal,
Com a minha guia sou profissional,
Sou bom rapaz, só não tenho tradição,
176
Em contrapartida, sou de boa família,
Olha doutor! Podemos rever a situação,
Pare a polícia, ela não é a solução não.
Não sou ninguém,
E não tenho para quem apelar,
Só tenho o meu bem,
Que também não é ninguém
Quando a polícia cai em cima de mim,
Até aprece, que sou fera...
Em ritmo de Reage, tal música pode ser escutada em alto e bom som nas principais
barracas dos vendedores ambulantes do centro da cidade, bem como, nos “carrinhos” dos
vendedores de café, de balas e doces que se espalham entre as ruas e passarelas da cidade.
Mas os trabalhadores não se contentam apenas em reproduzir a música através do som do
rádio, eles também fazem questão de cantar e dançar, numa forma irreverente de protestar
contra a repressão e a violência do “Rapa”.
As dificuldades encontradas no cotidiano do trabalho nas ruas de Salvador não se
resumem apenas à ação do poder local através dos agentes de fiscalização. As péssimas
condições do comércio é outro problema presente entre os trabalhadores informais, uma vez
que se trata de um tipo de atividade que depende diretamente da oferta de bens e serviços para
população em geral. Por esta razão, as ruas do centro da cidade, as quais estão mais próximas
da Estação de Lapa (a maior estação de transbordo de passageiros da cidade), a exemplo da
rua Coqueiro da Piedade, rua Nova de São Bento, Portão da Piedade, Praça Carneiro Ribeiro,
são os espaços geográficos considerados pelos trabalhadores como os melhores pontos para
venda de mercadorias, e por isso mesmo são alvos constantes de disputa entre os próprios
trabalhadores e de conflito com a fiscalização da prefeitura. Recentemente, no ano de 2004, os
vendedores ambulantes da rua Coqueiro da Piedade ameaçaram interditá-la, alegando que os
vendedores de rua não-licenciados estavam invadindo a área e atrapalhando a passagem dos
177
pedestres. No Jornal ATARDE do dia 10.10.2004, Andrade (2004) publicou a seguinte
matéria sobre a questão acima mencionada:
Os comerciantes e ambulantes licenciados da Rua Coqueiros da Piedade
estão ameaçando fazer uma manifestação, caso a Secretaria de Serviços Públicos
(Sesp) não tome uma providência até o próximo dia 30. Eles se queixam da
proliferação de vendedores de rua não-licenciados, que vêm atrapalhando o
comércio local, uma vez que a via é estreita e ainda sofre um fluxo diário de cerca
de 450 mil pessoas por dia.
A idéia de fechar a rua para protestar contra omissão da Sesp, que não estão
cuidando do ordenamento de ambulantes; contra a Polícia Militar, que não está
fazendo a segurança; e contra as constantes ameaças que vem sofrendo dos
ambulantes clandestinos na área. Os manifestantes alegam também que estão tendo
prejuízos, já que computaram uma queda no movimento de cerca de 50%.
Os vendedores de rua, que não pagam impostos, chegam com a banca e espalham
sua mercadoria no chão, impedindo a passagem de transeuntes e dos clientes das
lojas. Não é a toa que a Rua Coqueiro da Piedade, que se assemelha a um mercado
popular ao ar livre, hoje está sendo comparada, pelos comerciantes e ambulantes
cadastrados, à Feira do Rolo, na Cidade Baixa. Eles contam que os clientes, em
especial os mais antigos e de idade avançada, estão evitando a rua por medo devido
às constantes brigas na área. (ANDRADE, 2004, p.18).
No caso das ruas onde o trânsito de pessoas é menor, a situação dos trabalhadores é
mais precária, registramos relatos de entrevistados que dizem passar quinze dias sem vender
nada, escutamos inúmeras vezes afirmações do tipo: “estou pagando para trabalhar” ou “este
mês eu paguei para trabalhar”. Também pudemos constatar que havia ruas, principalmente as
transversais da Avenida Sete, que estavam praticamente vazias. Possivelmente boa parte dos
trabalhadores que trabalhavam nestas ruas migrou para outras áreas da cidade, ou então, se
tornaram vendedores ambulantes não-licenciados a disputar com os vendedores ambulantes
“estabelecidos” as vias públicas com maior fluxo de pessoas, a exemplo da rua Coqueiro da
Piedade.
No caso dos trabalhadores de praia, as atividades por eles desenvolvidas são marcadas
ao extremo pelo signo da sazonalidade, já que o fluxo de pessoas e banhistas se dá com maior
intensidade na alta estação, isto é, no verão, sendo que na época de inverno estes
trabalhadores migram para outras áreas da cidade, bem como, passam a realizar outras
178
atividades, como vender ou “alugar” cartão telefônico, ou ainda vender guarda-chuvas nas
ruas do centro da cidade.
Para os taxistas e os condutores de transporte escolar, os problemas enfrentados no
dia-dia de trabalho diferem relativamente dos vendedores ambulantes. Os taxistas
entrevistados relataram que o grande número de taxistas
33
e os assaltos, principalmente à
noite, são os principais problemas encontrados no cotidiano de trabalho. De acordo com um
taxista entrevistado, que trabalha na área da Rodoviária das 4:00 da manhã às 9:00 da noite, a
fila de carros à espera de passageiros é muito grande, e conseqüentemente, o número de
“corridas” feitas no dia é bastante reduzido; o que obriga os taxistas a trabalharem durante a
noite e estarem sujeitos a assaltos. Já os condutores de transporte escolar alegaram que os
problemas de trânsito, a exemplo dos congestionamentos, e o transporte escolar clandestino
são os principais problemas encontrados no exercício da atividade.
As condições de trabalho nas ruas é outro problema gravemente enfrentado pelos
trabalhadores informais, pois a falta de infra-estrutura, os assaltos e roubos constantes fazem
parte da dura realidade de quem trabalha nas ruas de Salvador. Os trabalhadores estão
expostos às intempéries climáticos, às péssimas condições de iluminação e higiene das ruas,
estando privados até de sanitários públicos, tendo que recorrer aos sanitários privados dos
bares, lojas e shoppings.
Além das condições de trabalho nas ruas e do comércio, a precarização do trabalho
informal se concretiza na extensa jornada de trabalho e no número de dias trabalhados na
semana. Conforme as tabelas 13 e 14, a maioria dos trabalhadores trabalha de segunda a
sábado com uma jornada diária acima das 8 horas diárias estabelecidas pela lei trabalhista. O
grau de precariedade do trabalho é tamanho que 65% dos entrevistados têm jornada diária de
10 horas ou mais, sem levar em consideração o tempo de locomoção da moradia para o local
33
Segundo informações do Sindicato da categoria, existem hoje em Salvador aproximadamente 8.000 taxistas
licenciados.
179
de trabalho. Assim sendo, a maior parte dos trabalhadores passam mais tempo na rua do que
em casa, sobrando pouco tempo para o convívio familiar, descanso e lazer.
Tabela 13
Distribuição dos Entrevistados por Dias da
Semana Trabalhados
Número dias V.A. % (*)
2 1 0,5
3 3 1,6
4 4 2,1
5 37 19,7
6 95 50,5
7 48 25,5
Total 188 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo CRH/UFBA (2001-2002)
*
Foram consideradas apenas as respostas válidas.
Tabela 14
Distribuição dos Entrevistados por Jornada de
Trabalho Diária
Jornada de Trabalho Diária V.A. % (*)
4 a 7 horas 17 9,1
8 horas 22 11,8
9 horas 18 9,6
10 horas 35
18,7
11 horas 33
17,6
12 horas 35
18,7
Mais de 12 horas 27
14,4
Total 187 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo CRH/UFBA (2001-2002)
*
Foram consideradas apenas as respostas válidas.
O grau de precariedade dos trabalhadores informais de rua torna-se mais evidente
ainda, quando analisamos os ganhos mensais dos entrevistados. Um elemento fundamental a
ser considerado é a incerteza que norteia as atividades informais, de modo especial, as
atividades tradicionais como vendedor ambulante. Muitos trabalhadores não sabem nem
calcular quanto ganha por mês. Foram várias as situações durante a pesquisa de campo, em
180
que os trabalhadores informais não sabiam nem se iriam conseguir o dinheiro do vale-
transporte para voltarem para casa. “Tem dia que saio colado [não vende nada], isso aqui é
uma aventura, igual a Tarzan na selva afirmou um entrevistado de 25 anos, deficiente físico
e vendedor de CDs. A impossibilidade de calcular os próprios ganhos, freqüentemente se
converte em uma imprevisibilidade da própria vida dos trabalhadores. Como é possível prever
o futuro, se os trabalhadores não têm nenhum controle sobre o presente? A vida inteira passa-
se sob o signo “aleatório”, o presente é vivido em si mesmo, não tendo nenhuma relação com
o futuro. (BOURDIEU, 1979).Por isso, trabalhar nas ruas Salvador torna-se uma “aventura”,
na maioria das vezes perigosa, estando os trabalhadores entregues a própria “sorte”, onde tudo
parece ser fruto do “destino” ou do “azar”.
É importante destacar que os trabalhadores tiveram muitas dificuldades para declarar
quanto ganham no mês, pois para a imensa maioria dos entrevistados o ganho é diário,
prevalecendo a lógica da sobrevivência imediata. No que se refere aos ganhos mensais, 61%
dos entrevistados têm ganhos de até 2 salários mínimos
34
. Por outro lado, a informalidade
comporta um segmento de trabalhadores altamente qualificados e com elevados níveis de
escolaridade - a “elite do informal” - no caso estudado apenas 3% dos entrevistados têm
rendimentos superiores a 10 SM, que são justamente os trabalhadores que tinham boa
ocupação na formalidade e foram demitidos na década de 90 com o processo de
reestruturação produtiva. Neste sentido, encontramos ex-trabalhadores do Pólo Petroquímico
de Camaçari, que com o dinheiro da indenização, compraram automóveis, tipo “besta”, para
fazer transporte de estudantes dos colégios particulares da cidade ou então compraram táxi
para “rodar” nas ruas da cidade.
34
O valor de referência do salário mínimo na época da pesquisa era de R$ 200,00
181
Tabela 15
Distribuição dos Entrevistados por Ganho Mensal
Ganho mensal V.A. % (*) % Cumulativo
Menos de 1 SM 23 18,7 18,7
1 a 2 SM 52 42,3 61
2 a 5 SM 33 26,8 87,8
5 a 10 SM 11 8,9 96,7
Acima de 10 SM 4 3,3 100
Total 123 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo CRH/UFBA (2001-2002)
*
Foram consideradas apenas as respostas válidas.
Os ganhos auferidos pelos entrevistados também denunciam a incapacidade dos
trabalhadores informais de contribuírem com a previdência social ou de terem um plano de
saúde particular. Apenas 20% dos trabalhadores entrevistados pagam INSS e 26% tem plano
de saúde. Como é possível contribuir com a previdência e/ou ter um plano de saúde, ganhando
duzentos ou trezentos reais por mês? Para quem vivem do trabalho informal, o sonho da
aposentadoria por tempo de contribuição não passa de uma frustração, regularmente
corroborada pelas péssimas condições de trabalho e de remuneração.
Para os trabalhadores informais, as palavras do Apóstolo Paulo, “quem não trabalha
não deve comer”, se tornam imperativas. Na solidão do mercado, o trabalhador deve rezar ou
apelar para “todos santos” para nunca adoecer ou ficar impossibilitado de trabalhar, caso
contrário, pagará pelo preço de ser “patrão e empregado de si mesmo”. Esta é a situação de
60% dos entrevistados, os quais não têm quem os substituam em casos de doenças ou de
qualquer outra eventualidade. Talvez, a quarta estrofe da canção Sou Camelô, seja a síntese da
condição social do trabalhador informal: “Não sou ninguém, e não tenho para quem
apelar, só tenho o meu bem, que também não é ninguém”.
Entregues à solidão do mercado, os trabalhadores informais são feições concretas da
fragmentação dos coletivos de trabalho, imersos num mundo em que não há parâmetros e nem
medidas de igualdades, onde cada um constitui o seu próprio mercado, as possibilidades de
182
uma ação coletiva dos trabalhadores frente aos problemas do cotidiano de trabalho são
bastante reduzidas. Conforme Francisco de Oliveira (2003b), os trabalhadores informais
formam uma “classe incabada”, cuja representação está subordinada à oscilação da luta de
classe que varia de acordo com a conjuntura. No nosso entendimento, o reconhecimento dos
trabalhadores informais de rua enquanto classe, só se realiza quando há uma situação
concreta que atinge a todos os trabalhadores indistintamente.
Se fizermos uma retrospectiva na história recente do trabalho de rua da cidade,
veremos que o re-ordenamento espacial do trabalho informal no centro da cidade realizado
pela Prefeitura Municipal de Salvador, durante os primeiros anos (1997-2000) da gestão do
prefeito Antonio Imabassay, foi uma situação concreta que possibilitou uma atuação mais
coletiva e organizada dos trabalhadores informais através dos sindicatos. Nesta situação
específica todos os trabalhadores corriam risco de perder os seus pontos de trabalhos,
podendo ser recolocados para outras áreas da cidade ou até serem proibidos de trabalhar
naquela área da cidade. Este período foi marcado por muitas manifestações, revoltas e
conflitos entre os trabalhadores e agentes da fiscalização da prefeitura.
Nesta direção, um dado surpreendente é a taxa de sindicalização de 26% dos
entrevistados, considerada alta para a maioria das categorias de trabalhadores. Mas esta alta
taxa de sindicalização não deve ser interpretada como um reflexo de uma grande coesão e
união de classe. Na verdade, os dados seguintes mostram que a relação destes trabalhadores
com seu sindicato é conflituosa e cheia de dificuldades.
Quando perguntados sobre o que acham do sindicato ou associação da sua categoria,
somente 20% dos entrevistados fazem algum tipo de avaliação positiva e 58% fazem
avaliações negativas, afirmando que o sindicato não resolve nada, não tem força política, ou
que não confiam no sindicato. Vale ressaltar ainda que 22% não sabem ou não conhecem o
183
sindicato. Portanto, apesar da alta taxa de sindicalização entre os trabalhadores de rua a
grande maioria deles não se identifica, ou não confia em seu sindicato ou associação.
A relação destes trabalhadores com o sindicato é um assunto bastante delicado e
necessita de mais atenção, já que revela a dificuldade destes trabalhadores de se organizarem
coletivamente para resolver problemas ou melhorar suas condições de trabalho. A grande
maioria dos entrevistados avalia os sindicatos de forma negativa e quando avaliam de forma
positiva tratam o sindicato a partir de uma relação utilitarista, paternalista e assistencialista.
Alguns depoimentos revelam bem esta relação:
“o sindicato dos ambulantes não faz nada... prefeitura faz o que quer e eles
não resolvem nada”.
“Não ajuda em nada, não procura botar agente num lugar melhor pra vender”.
“O sindicato não trás nenhuma vantagem para mim”.
“Não confio nessas coisas, na hora da precisão agente vai lá e eles negam”.
“O sindicato não tem força, não tem o apoio da categoria”.
“Quando agente precisa eles atendem, quando a prefeitura quer tirar a gente
de um lugar, da rua, o sindicato aparece, discute e reivindica”.
São diversos depoimentos com conteúdo semelhante, onde o sindicato aparece como
um ente distante, algo que não pertence e nem é o trabalhador. Estes trabalhadores enxergam
o sindicato como uma instituição externa a eles, semelhante à prefeitura, que deve servir a
eles, mas com a função de se opor ao poder público que oprime os trabalhadores.
Em suas falas não é possível captar qualquer identificação com o sindicato, em sua
maioria eles não participam do sindicato e nem são o sindicato. Sempre estão à espera de que
o sindicato venha até eles. A fala de um outro trabalhador ilustra bem esta situação:
(...) quem faz um sindicato ser ruim ou bom somos nós. A atuação do
sindicato não está sendo boa por causa de nós mesmos... você é convidado para
participar das reuniões e não vai, não sabe o que está acontecendo... está não está
184
sendo bom ... não devia nem esperar convidar... Eu mesmo, só vou lá quando preciso
de algum documento ou coisa parecida.
Portanto, o informal não é o lugar das ações coletivas. Entre os informais, cada um
cuida de si. O sindicato é para servir, para resolver problemas, este é um retrato claro e triste
da fragmentação da classe trabalhadora.
5.4 As trajetórias de “sucesso” do trabalho informal: uma crítica à noção de
empregabilidade
Na solidão do mercado, os trabalhadores informais precisam inventar e reinventar
continuamente estratégias, adquirir habilidades, construir uma “personalidade” que torne o
imperativo: “quem não trabalha não deve comer”, menos pesado sobre os ombros daqueles
que têm na rua, o espaço privilegiado de trabalho. É justamente sob este ponto, que a
realidade sócio-histórica dos trabalhadores informais de rua se contrapõe e desvela o
“planetário de erros” da empregabilidade.
Para quem vive do trabalho informal nas ruas de Salvador, o conteúdo simbólico e
prático desta “bela palavra”, que soa como inteiramente nova entre os empresários,
consultores de RH, economistas, pedagogos, tecnocratas e até mesmo entre os sociólogos; é
um velho conhecido, pois para os trabalhadores informais “a fábula da empregabilidade” se
traduz como uma das principais estratégias de permanência no trabalho informal.
No mundo do trabalho informal, a fábula perde o seu encanto, perde sua força mágica,
se encontra no estado puro, é apenas realidade, a fórmula real encontrada por homens e
mulheres que diariamente precisam construir o seu mercado, ocupar um espaço nas ruas de
185
Salvador para trabalhar e estabelecer relações personalizadas com o público consumidor de
seus produtos e serviços.
A análise da trajetória dos trabalhadores informais pode nos auxiliar na produção de
uma crítica à noção de empregabilidade. A partir de três trajetórias diferenciadas, buscamos
problematizar o “sucesso” no informal e as “virtudes” do binômio
empregabilidade/empreendedorismo. No final do capítulo 3, defendemos a tese que na
atualidade a noção de informalidade assume um novo status, em que as características que
sempre constituíram tradicionalmente as estratégias de sobrevivência dos trabalhadores
informais são transmutadas em personificações do novo trabalhador do capitalismo flexível.
Neste sentido, as trajetórias de um baleiro, de um vendedor de camarão e de uma baiana de
acarajé são bastante elucidativas a este respeito, pois as estratégias desenvolvidas por estes
trabalhadores para permanecerem no trabalho informal demonstram que as “qualidades” e
“virtudes” amplamente difundidas como sendo do novo trabalhador flexível, fazem parte do
habitus do trabalhador das ruas, ou seja, é parte constituinte e constituidora da própria
condição de trabalhador informal, especialmente os conta-própria.
No centro desta problemática está a questão do sucesso na atividade informal. Mas o
que significa realmente para os trabalhadores informais a palavra sucesso? Ao nosso ver, para
muitos trabalhadores o sucesso na atividade informal apenas confere um “status” privilegiado,
capaz distingui-los dos demais trabalhadores informais pelas capacidades e habilidades
pessoais empreendidas na conquista de uma melhor posição na cartografia do trabalho
informal. Contudo, tal “status” não pode ser traduzido em absoluto como sinônimo de ganhos
reais, em se tratando das condições de trabalho e de vida. Desde os trabalhadores que vivem
do anonimato do trabalho informal, como é o caso de Lúcia do Acarajé, até os mais famosos
e reconhecidos publicamente através dos espaços midiáticos regionais e nacionais (TV, Rádio
186
e Jornal), a exemplo de Robertinho Baleiro e João do Camarão
35
; as “qualidades” e
“virtudes” atribuídas ao novo trabalhador flexível são elementos centrais que possibilitam a
permanência na atividade informal e conseqüentemente, o sucesso na trajetória de trabalho
atual em que se encontra cada um dos casos a serem analisados a seguir.
5.4.1 Lúcia: da necessidade à baiana de acarajé
Na condição de morador da cidade de Salvador também transito e percorro as suas
ruas como qualquer cidadão comum, seja em busca de trabalho, para estudar, para festejar,
para comprar ou para fazer tantas outras coisas que a metrópole baiana pode nos oferecer. Foi
no trajeto quase que diário nos idos de 1999-2000, entre o Centro de Recursos Humanos
(Federação) e o ponto de ônibus da Avenida Garibaldi, que conheci Lúcia, a baiana de
acarajé. Na espera do transporte coletivo para voltar pra casa, sempre havia um tempo breve,
mas o suficiente, para comer o bolinho mais famoso da culinária afro-baiana, o acarajé. Aos
poucos e com o passar do tempo, eu mesmo já havia me tornado um “freguês” assíduo de
Lúcia do acarajé. Mas o que há de tão especial no acarajé desta baiana, que faz com que as
pessoas até mesmo se desloquem de outras partes da cidade para comê-lo? Parafraseando
Dorival Caime, o que é que a baiana tem? Para tentar responder a tal indagação, convido o
leitor a conhecer a trajetória de trabalho e de vida de Lúcia, a baiana de acarajé.
Lúcia tem 48 anos, estudou até o 3º ano primário, é casada, teve sete filhos, entre os
quais três já falecidos. Soteropolitana, morou no bairro da Saramandaia durante 27 anos,
próximo às imediações da Rodoviária/Estação Iguatemi, mas a violência urbana fez com que
35
Como se trata de trabalhadores informais amplamente conhecidos no cenário urbano da cidade de Salvador,
optamos pelo uso do nome próprio e do “apelido” de cada um deles. Para tanto, todos os três trabalhadores
(Lúcia do Acarajé, Robertinho Baleiro e João do Camarão) não apresentaram nenhuma objeção quanto à
publicação de seus nomes e respectivas trajetórias de vida e de trabalho.
187
ela se mudasse há menos de um ano para rua Jardim Botânico, bairro de Ondina, próximo do
seu local de trabalho. Por um instante, Lúcia silenciou-se e em seguida afirmou:
Mudei por motivo de violência, tive três perca de filhos e não agüentava
mais, ... morreram por causa da violência, da violência mesmo. Eu tive um que os
caras queria matar ele, eu tive que tirar da minha residência, esse aí morreu
atropelado. E o outro, meu primeiro menino, o mais velho, ele se envolveu mesmo
com droga, tá entendendo, aí eu já tava esperando; o segundo atropelado e o terceiro
uma briga, era aniversário dele, ele saiu mais o irmão pra comemorar o aniversário,
bebendo e tal, aí veio um pessoal discutindo com ele por bebida mesmo, aí teve
troca de ofensa, troca de murros e eles.... Geralmente quem apanha não esquece e
quem bate esquece né? Aí quando foi de manhã cedo tô vendo aquela confusão,
aquele menino falando sobre a briga, menino que bate esquece e quem apanha se
lembra, não deu outra, perdi este filho por causa desta briga.
A perda dos filhos se constitui como um dos momentos mais tristes e difíceis da
história de vida de Lúcia, que se soma à sua árdua e sinuosa trajetória de trabalho. Ao falar da
morte de seus filhos, Lúcia demonstrara no semblante e no jeito de falar uma certa resignação,
pois para ela “a vida nunca foi fácil”, de modo que a morte de seus filhos era apenas mais
um ciclo de sua história de vida que se completara. Segundo Lúcia, desde cedo ela já sabia
qual seria o seu destino, trabalhar pra viver:
A minha vida... desde a infância que eu trabalho, eu me chamo trabalho, eu
não tive infância, eu tive trabalho, desde quando eu me entendi, fui entendendo a
vida, eu fui trabalhando. É... eu fui babá, trabalhei de doméstica, faxineira, tomando
conta de criança então foi assim, levando, levando.Eu nunca achei pai e mãe pra me
dar nada, e já fui enxergando a cara da minha vida do dia-a-dia.
A inserção de Lúcia no mundo do trabalho se dá inicialmente através do trabalho
doméstico. Quando se casou e constituiu família deixou de trabalhar como doméstica e
encontrou um emprego com carteira assinada, de cobradora de transporte coletivo. Trabalhou
como cobradora durante três anos, mas pediu para sair porque não conseguiu se adaptar aos
riscos da profissão devido aos assaltos e freqüentes discussões com passageiros que queriam
pular o torniquete sem pagar passagem. Depois desta experiência, Lúcia trabalhou como
lavadeira com carteira assinada durante uns dois anos. Estes foram os únicos empregos com
188
carteira assinada na sua trajetória de trabalho. Daí pra frente, a sua trajetória ocupacional traz
as marcas de quem vive no mundo do trabalho informal. “Ah eu ainda tenho história”,
afirmara Lúcia ao se referir à sua trajetória de trabalho. E na seqüência de sua fala, ela
descreve as suas experiências de trabalho:
Fui vender comida em obras, procurar um meio de ganhar dinheiro né? Aí eu
vendia café de manhã lá no STIEP nesta época e vendia o almoço. Vendia mingau,
café pros peão e onze hora eu levava o almoço numa marmita que eu tinha, e aí foi
levando, minha vida trabalhando né? Fiquei parada um tempo, depois surgiu um
diacho de uma feirinha lá na comunidade, achei de botar uma barraquinha,
comercializava cereais, que era o quê? Farinha, era só farinha que eu vendia, era só
farinha. Depois fiquei um tempo parada, só as coisas piorando, só o marido
trabalhando e nada, nada, nada dava, via as crianças sentindo necessidade das coisas
e o negoço foi pegando. Até quando surgiu... o meu menino vendia cafezinho de
manhã....
A expressão “até quando surgiu...” é utilizada por Lúcia para demarcar um ponto de
inflexão importante na sua trajetória de trabalho, ou seja, o momento em que ela ingressou
definitivamente no trabalho informal, através da comercialização do acarajé; e a expressão “o
menino vendia cafezinho” diz respeito aos suportes relacionais encontrados para começar a
nova atividade. O ano de 1988, momento importante na história da democracia brasileira, é
também para Lúcia um marco temporal decisivo na sua história de vida e de trabalho, pois,
naquele momento ela ingressava uma nova atividade, transformando-se em Lúcia, a baiana
de acarajé. Embora a atividade de baiana de acarajé seja uma atividade tradicional na cidade
de Salvador, passada de geração em geração, fortemente entrelaçada com a religiosidade do
Candomblé, a trajetória de Lúcia é uma exceção, pois a sua inserção nesta atividade se deu
por outros motivos, como ela própria afirma:
O que me levou ao mercado informal foi a minha necessidade mesmo, a
necessidade de alimento, não tinha trabalho pra gente se manter, então eu via meus
filhos sentindo fome, aí eu dizia: oh meu Deus eu tenho que trabalhar de qualquer
coisa; aí eu resolvi colocar um tabuleiro pra comercializar o acarajé. O meu filho [o
mais velho] foi quem me ajudou, foi quem comprou todo o meu material, vendendo
189
cafezinho e cada semana [ele] comprava uma peça, comprou primeiro a boquinha,
depois comprou o bujãozinho, depois o moinho e... agora só tá faltando o ponto, aí
eu disse, vou procurar! Aí foi que me indicaram uma pessoa na Barra, que era
camelô também, ambulante, ... que me indicou um lugarzinho pra eu sentar na areia
pra comercializar o meu acarajé. Aí eu fiquei vendendo num período de três anos lá
na Barra, aí teve um ano que foi tanta chuva, que eu fiquei sem trabalhar, aí sentir
dificuldade porque a pessoa sem dinheiro não tem como ajudar na despesa da casa,
aí sentia dificuldade... meu Deus eu tenho que arranjar um ponto pra trabalhar de
segunda a sexta, pelos menos né, vou pra praia no final de semana e tenho mais uma
coisa pra ganhar um dinheirinho de segunda a sexta. Foi quando eu descobrir a
avenida Garibaldi... e tô até hoje trabalhando aqui, tenho quatorze anos aqui na
Garibaldi.
Lúcia começou com um pequeno tabuleiro e na medida em que foi aumentando a
demanda e o seu acarajé tornou-se conhecido, ela foi ampliando o seu tabuleiro.
Era um tabuleirinho pequeno de madeira, tá entendendo, e com um plástico,
tá entendendo, e pronto, eu comecei com pouquinhas coisas, geralmente eu trazia o
quê? Um quilo de feijão e três abarazinhos, tudo pouquinhos que não sobrasse por
outro dia, tudo, tudo pouquinho.
Recém chegada, Lúcia precisou de ajuda para se estabelecer no seu novo ponto de
trabalho. Morando na Saramandaia, não tinha condições de levar e trazer diariamente todos os
seus equipamentos de trabalho, para tanto, contou inicialmente com o apoio das donas de uma
barraca que tinha ao lado de seu ponto de venda, assim como, contou com o apoio de clientes,
a exemplo dos funcionários do Banco Central. Com o passar do tempo, Lúcia começou a
conquistar os seus clientes, não só através da qualidade do quitute, mas também através da
forma sempre gentil, educada e risonha de atendê-los; e “... aí o pessoal foi aumentando, um
foi passando o comércio pra o outro, gostava do acarajé e foi passando, graça a Deus eu
tenho uma clientela... tenho todos os meus clientes.... são uma alma amiga, meus clientes é
quem me dá força pra eu enfrentar este dia-a-dia.”
Para se fixar no ponto, a baiana de acarajé também buscou estabelecer uma relação de
confiança com os seus clientes, que em boa parte são funcionários das clínicas médicas e
centros comerciais, os quais têm exercido um papel fundamental para permanência da baiana
190
no ponto de trabalho. Depois de certo tempo, as donas das barracas, onde Lúcia guardava a
sua “guia” de trabalho, pediram para ela encontrar outro lugar para guardar o seu material
porque iriam precisar do espaço ocupado pela sua “guia”.
A partir daí encontrar um lugar para guardar os instrumentos de trabalho tornou-se um
problema constante para Lúcia, o qual pôde ser contornado através dos próprios clientes, que
trabalham nos prédios das imediações e conseguiram junto com os síndicos concessões para a
que baiana pudesse guardar os seus instrumentos de trabalho. No entanto, Lúcia precisou
mudar o local de guardar os seus instrumentos de trabalho várias vezes, já que a cada
mudança de síndico não havia nenhuma certeza de que ela poderia continuar guardando a sua
“guia” em um determinado prédio. Não foram poucas às vezes em que Lúcia colocou a mão
na cabeça e disse: “pôxa meu Deus tá ficando pesado... aonde eu vou guardar este tabuleiro?
E agora?” Atualmente, ela não tem se preocupado com esta questão, pois o síndico anterior e
atual do prédio onde ela guarda o tabuleiro não tem imposto nenhum empecilho, contudo, ela
se diz preparada para “outra embarcação”.
Morando próxima de casa, Lúcia traz todos os dias apenas as mercadorias que serão
comercializadas no tabuleiro, a massa do acarajé, abarás, bolinhos de tapioca, cocadas e
refrigerantes, para tanto, ela conta com ajuda do seu filho Laércio. Dos filhos de Lúcia,
Laércio (21 anos) é o que está mais envolvido diretamente com o trabalho da mãe, é o
responsável pelas finanças do tabuleiro; embora toda a família se envolva no processo de
produção do “quitute” da baiana.
A jornada de trabalho da baiana de acarajé, talvez seja o exemplo mais elucidativo da
representação que ela faz de si mesmo quando ela diz “eu me chamo trabalho”. Vejamos
como a própria Lúcia descreve o seu dia de trabalho:
É uma grande jornada, de cinco e meia da manhã até dez da noite trabalhando
né, eu passo a manhã toda na cozinha preparando este quitute, aí termino de preparar
191
os quitutes, é o horário que eu já venho me dirigindo pro ponto para receber os
meus clientes né isso? É o horário de três horas da tarde pra três e meia, aqui eu fico
até nove horas, quando dá oito horas aqui já está deserto, eu fico aqui até noves
horas, nove e meia, porque às vezes tem um cliente que vem pára o carro, pede um
acarajezinho fica conversando, acaba ficando né, eu não posso dizer pra o cliente ah
eu vou me embora, tenho que esperar ele terminar pra eu me deslocar. ... Quando
chega em casa, a gente lava os pratos da venda, que é pra não dormir prato sujo.
Durante a semana, de segunda à sexta, esta é a rotina diária de Lúcia, mas engana-se quem
pensa que o final de semana da baiana é dedicado para o tempo livre. O sábado é dedicado
para comprar os ingredientes necessários para fazer o “quitute” durante a semana, é o dia que
Lúcia vai à Feira de São Joaquim para comprar o feijão, o amendoim, o quiabo, o camarão e
outras iguarias; assim como, para ir ao supermercado comprar outros itens da cesta básica que
são necessários para a venda do acarajé e para próprio consumo da família E o domingo? O
que faz a baiana no domingo? Vai à praia, à Igreja?
Domingo, geralmente eu adianto as coisas, eu faço sempre no domingo o
quê? Adianto assim, o amendoins que eu tenho que torrar, descascar, o
adiantamento da venda de segunda-feira. Eu torro amendoins pra semana toda, eu
corto quiabo pra semana toda, então eu tenho um trabalho de fazer isso, porque o
quiabo eu cozinho aquela quantidade, eu compro uma média de duzentos quilos de
quiabo, dois centos, duzentos, aí eu corto ele todo no domingo, fervento e aí eu
congelo ele pro dias da semana, o amendoim também.
Tal como na música do imemorável Cazuza (1988), “o tempo não pára, não pára
não....”, o tempo de trabalho de Lúcia não pára , é de domingo a domingo. Faça sol ou faça
chuva, de segunda a sexta, o turista ou o nativo da cidade de Salvador, ao passar no final da
tarde pela Av. Garibaldi, próximo ao Banco Central, encontrará a baiana Lúcia e o seu
tabuleiro, pronta para atender a quem assim desejar degustar uma das comidas mais típicas da
culinária baiana, o acarajé.
As estratégias desenvolvidas por Lúcia para conquistar os clientes, revelam as
habilidades e qualidades pessoais necessárias para conseguir se manter na atividade informal.
Durante toda sua trajetória de baiana de acarajé ele sempre buscou adequar as suas
192
características pessoais ao trabalho, transformando sua aparência, o seu jeito de falar em
estratégicas de venda e convencimento dos seus clientes. Toda paramentada como manda a
tradição, Lúcia se veste de baiana, ao chegar no seu ponto de trabalho ela cumpre o ritual o
diário:
Aqui eu visto a minha saia, a minha bata, como a origem, uma baiana tem
que botar a saia dela, o torço, uma baiana não pode trabalhar sem o torço dela, ela
tem que tá com a bata dela, com a saia dela...
Toda de branco, em sinal de pureza e limpeza, a baiana tem sempre um sorriso
estampado no rosto para acolher os seus clientes, bem humorada e extrovertida busca romper
as barreiras da impessoalidade, tratando a todos como se fossem pessoas íntimas de sua casa.
Ela estabelece uma comunicação direta com os clientes, fazendo com que ninguém se sinta
estranho aos arredores do seu tabuleiro. Usando palavras com terminações em inho (s) e inha
(s), ela sempre se dirige às pessoas da seguinte forma: “oi minha lindinha como vai?”, oi meus
menininhos tudo bem? Por conta da sua forma de tratamento, a baiana tornou-se conhecida e
dispõem de uma boa clientela.
Para Lúcia as principais qualidades que uma baiana deve ter para conquistar os seus
clientes são as seguintes:
Higiene em primeiro lugar, começando na casa dela até o ponto, e depois
ser comunicativa não ficar de cara feia, ter uma mercadoria que agrade o cliente,
porque não adianta, você tem que fazer a coisa que agrada a ele, tá agradando a
você tá agradando ao seu cliente, tudo que você faz com amor você transmite, você
não acha isso? Então se você faz uma coisa assim, mal humorada, você não vai ter
vitória nisso. ... Graças a Deus eu nunca me decepcionei com o meu público, que eu
não passasse minha massa toda, meu abará todo, amanhã é outro dia, pronto,
amanhã Deus me ajuda a passar todo e vou levando minha vida. A única coisa que
eu não quero fazer é queimar minha imagem, é trabalhar com mercadoria ruim, essa
massa que eu não vendi hoje, eu vou trazer pra vender amanhã, não vai prestar, aí eu
vou queimar minha imagem, isso que eu não quero. Eu quero trabalhar pouco, mas
pouco certo.
Além destas qualidades, higiene, comunicação e qualidade do produto, Lúcia também
desenvolveu outras estratégias para conquistar os seus clientes, dentre elas se destacam a
193
compra de bancos plásticos e o serviço de pronta de entrega de acarajé. Para Lúcia a
necessidade de colocar os bancos surgiu a partir do seguinte:
... O banco é uma maneira, por que às vezes tendo o banquinho pra o cliente é
bom, você sabe, tem cliente que às vezes quer comer uma acarajé já cansado do dia-
a-dia, então o banco é uma maneira de você conquistar os clientes, se dedicar pra
ele, olhe sente aqui, às vezes chega com a mão cheia de livros não tem como fazer o
lanche, você coloca seus material ali pra lanchar mais à vontade ... aí eu sempre
tinha dois banco, sempre tive banco, não tinha muito banco, .... hoje eu tenho quatro
banquinho, pra sentar uma senhora, um pessoa com criança eu já dou o banquinho
pra sentar.
Já o serviço de entrega de acarajé é outra estratégia utilizada por Lúcia. Este serviço é
de responsabilidade do seu filho Laércio, quando os clientes da região não podem vir até o
ponto da baiana para comprar acarajé, eles ligam para o telefone celular dele, que vai
imediatamente levar acarajé no endereço do cliente.
Além de comercializar a acarajé no ponto da Av. Garibaldi, Lúcia também trabalha em
eventos e festas da cidade de Salvador. Através dos seus clientes, ela começou a ser
convidada para fazer e servir caruru em festas promovidas por eles em suas próprias casas e
depois passou em trabalhar em eventos.
... Foi fazendo caruru, clientes, Lúcia vem cá ... vem cá baiana vou dar um
caruru lá em casa e quero servir antes uns acarajezinhos e uns abará pequeno, você
vai? Eu vou, e aí a pessoa, quanto é? Eu falei é tanto, tanto...
...Eu agradeço aos clientes, você viu aquele senhor naquele dia? Eu trabalho
com ele também em evento, ele faz os bufet, então quando às vezes tem acarajé ele
leva a mim pra fazer o acarajé pra servir lá o pessoal.
Outro aspecto importante que merece ser destacado é a capacidade de liderança e a
autoridade exercida por Lúcia junto a outros trabalhadores informais que atuam na área,
principalmente entre os guardadores de carros. Sempre atenta a tudo que acontece, Lúcia
busca apaziguar as brigas e os conflitos existentes entre os guardadores.
194
.... Os meninos que guarda carro aqui eu sempre reclamo um pouco com eles,
problema deles mesmos, guardador-carro, aquela ganância ... aí eu falo, gente pára
aí de violência, o mundo é para todo mundo, ganho o seu, ganho o dele, pra que
isso, pra que quer pegar o dinheiro do seu colega.
Por estar a muito tempo naquele local, há quatorze anos, Lúcia já conhece muito bem
quem são as pessoas que trabalham por ali, quais são os lugares e os horários considerados
perigosos onde podem ocorrer assaltos, roubos etc. Por isso, ela nunca deixa as suas clientes
subirem a ladeira que dá acesso ao viaduto da Av. Cardeal da Silva (bairro da Federação)
sozinhas, sempre pede a um dos guardadores de carro para acompanhá-las. Afirma Lúcia:
.... eu peço porque às vezes, como outro dia mesmo, puxaram a bolsa da
moça lá em cima, então eu tô trabalhando aqui, mas fico aqui ligada, ligada mesmo,
aí vezes eu tô sentindo que tá tendo um movimento estranho, pessoas estranhas na
área assim, aí eu digo não suba, agüente um pouquinho, tem pessoas estranhas aí,
não sei qual é de mesmo.
As estratégias desenvolvidas por Lúcia para conquistar os seus clientes e manter-se na
atividade informal demonstram que “qualidades” e “virtudes” atribuídas ao trabalhador
flexível, na verdade se configuram para Lúcia como estratégias de sobrevivência. Sem estas
“qualidades” as chances de êxito de Lúcia como baiana de acarajé seriam remotas. Imersa
num mercado de trabalho, onde cada um faz o seu próprio mercado, ser criativa, inovadora,
comunicativa, ágil e flexível são características fundamentais para tentar neutralizar os riscos
e incertezas advindos da própria condição de trabalhador informal.
Neste sentido, o sucesso na atividade tem significado particular para Lúcia, qual seja, a
certeza de que seus filhos e sua família não passarão necessidades, desde o comer ao vestir. O
sucesso se traduz como garantia mínima de sobrevivência e nada mais do que isto. Ao final do
mês, Lúcia nunca sabe ao certo qual foi o seu ganho, apenas sabe que deu para pagar as
contas, o que revela a completa ausência da lógica capitalista em sua atividade laboral e a
prevalência a lógica da sobrevivência. Quando questionada sobre os ganhos mensais, a baiana
de acarajé respondeu:
195
Ah, no mês eu não fico com nada, porque paga um, paga outro, paga isso,
pago aquilo e quando vou ver o dinheiro sumiu; porque eu não tenho aquela relação
do mês que eu deveria fazer, fazer isso, somar, eu já falei com meu menino, ô
Laércio a gente tem que trabalhar anotando as coisas, por que aí eu não sei se tô
ganhando, se eu tô perdendo. Ganhando eu sei que tô porque não tá faltando comida
dentro de casa, a minha água e minha luz eu pago, conta de telefone eu pago né, se
precisar de uma roupa eu compro, você também, então a gente precisa ter meu filho
a base, porque assim a gente fica cego no tiroteio sem saber né? Só sei que o
dinheiro tá entrando, aqui eu separado tanto de um, tanto de outro, aqui é de pagar a
feira, aqui é de pagar fulano, aqui é de pagar beltrano, aqui é do Atacadão.
Lúcia tem plena consciência do grau de vulnerabilidade social da sua condição de
trabalho, bem como, sabe que a máxima do Apóstolo Paulo, “quem não trabalha não deve
comer”, torna-se mais premente ainda no seu caso. Não é por caso que ela própria se definiu
como “eu me chamo trabalho”. Ao rever o seu passado e ao avaliar o seu presente, Lúcia em
voz serena e compassada exclamou: “Rapaz, isso aí foi fibra, isso aí é uma vida difícil, uma
vida complicada porque a gente não sabe o que pode acontecer”. Passado de “fibra”, presente
“difícil” e o futuro “imprevisível”, eis a condição da trabalhadora Lúcia do Acarajé.
Ao avaliar a sua condição trabalho, Lúcia deixa claro quão ilusória é chamada
independência do trabalhador informal, amplamente valorizada pelo discurso ideológico do
binômio empregabilidade/empreendedorismo. Vejamos o que diz Lúcia a este respeito:
É luta viu, eu avalio assim, se eu não vir eu não vou ter o dindim, eu tenho
que vir trabalhar com chuva, sem chuva, no caso de doença, só seu não puder vir
mesmo, e outra, eu tenho um compromisso muito grande com meu cliente, eu
acho se eu não vier pro ponto eu tô devendo explicação pra ele, porque eu tenho
muitos clientes que se desloca de outro local, de outros lugares pra vir ao tabuleiro
da baiana e chegar aqui a baiana não está. Pra você manter o seu dia-a-dia tem que
ser correta. Você não é correta quando está trabalhando de carteira assinada?
Você não tem que tá todo dia batendo o seu cartãozinho, pra você não perder o
seu trabalho? Então eu acho que a baiana tem que ter a sua responsabilidade
.
Ao falar da responsabilidade da baiana com o seu trabalho, Lúcia dá uma boa
demonstração de como funciona na prática, o conselho dado pelo “guru da administração” a
196
sua platéia ao parafrasear a passagem do livro do Pequeno Príncipe de Saint-Exupéry (1964):
Tu és eternamente responsável por aquilo que cativas
36
.
Sobre as suas perspectivas futuras, Lúcia afirmou que pretende continuar trabalhando
como baiana até quando as suas forças vitais assim permitir, “... pretendo até o dia que Deus
me dê saúde e força pra trabalhar”, exclamou a baiana. Perguntei para Lúcia se já surgiu
alguma vez a oportunidade de mudar de trabalho e a resposta foi negativa, também ela própria
reconheceu: “não tive oportunidade, porque também nem tive tempo de sair pra procurar
nada, meu dia-a-dia é isso aqui mesmo, acordo de manhã já preparando a minha venda, já
saindo pr’aqui”. Além disso, Lúcia acredita que com a idade que tem (48 anos) e grau de
escolaridade (3º primário) não encontraria mais emprego com carteira assinada. Portadora de
um habitus de trabalho engendrado ao longo do tempo no mundo do trabalho informal, a
baiana de acarajé acha que teria muitas dificuldades para se adaptar novamente às regras de
um emprego com carteira assinada. Pensando no futuro, Lúcia vem contribuindo há alguns
anos com a previdência social, mas enquanto não chega o dia de se aposentar, ela pretende
continuar como baiana de acarajé.
Perguntei ainda se ela considerava as atividades do trabalho informal uma alternativa
ao desemprego, com bastante propriedade, a baiana declarou que em país onde tanta gente
passa fome e está desempregada é feliz aquele que tem coragem de trabalhar com um balaio
ou tabuleiro na cabeça, tal como, era antigamente na cidade de Salvador, onde as pessoas
saíam vendendo na cabeça de porta em porta. Para ela, o único problema é a atuação do
poder público:
Acho que tem que dá oportunidade pra o camelô trabalhar e não correr atrás
do camelô. Tem que correr é atrás do marginal, porque o camelô tá trabalhando pra
defender o pão do dia-a-dia da casa dele e o tempo que estão procurando perturbar o
camelô, eles vá procurar tirar os ladrão de circulação. Antes ter camelô do que
ladrão na esquina, o camelô tá ali vendendo o negocinho dele, já não vai pegar nos
pé dos outros, já tem o dinheiro de comprar o pão, de comprar uma roupa, o
36
Ver Capítulo 3, p. 91.
197
dinheiro de comprar uma farinha pra não pegar nos pé do outros eu acho né. A gente
deve dar valor a quem trabalha, tá trabalhado é esse que a gente deve dar valor.
A história de Lúcia é um caso particular, contudo, representativo da imensa maioria
dos trabalhadores anônimos que vivem do trabalho informal de rua da cidade de Salvador, que
continuamente precisam inventar o cotidiano de trabalho, buscando converter todas as
qualidades pessoais e habilidade em estratégicas eficazes de convencimento do público do
demandante dos seus serviços e produtos, na luta diária contra riscos e incertezas do mundo
do trabalho informal. Portanto, para Lúcia o sucesso significa a garantia mínima de
sobrevivência, ou como ela própria diz: “garantir o cala-boca dos meninos, ... defender a
alimentação dos meninos, satisfeita ou não satisfeita, eu tenho que trabalhar”!
5.4.2 Robertinho: de menino de rua a baleiro
Vale do Canela, Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, este é o
cenário onde atua “Robertinho Baleiro”, um dos mais “famosos” trabalhadores informais de
rua da cidade de Salvador, tendo sido várias vezes objeto de matérias jornalísticas a imprensa
escrita, falada e televisada da Bahia e do Brasil; bem como, tornou-se amplamente conhecido
no ambiente empresarial e das escolas de administração da metrópole baiana como o ícone do
binômio empregabilidade/empreendedorismo ou como “homem de sucesso, sendo convidado
para dar palestras aos funcionários de grandes corporações e participar de aulas inaugurais
das escolas de administração; além disso, é reconhecido publicamente pela comunidade
universitária pelos serviços de utilidade pública prestados à população em geral. Sendo
homenageado por dezesseis vezes por formandos dos cursos de Pedagogia, Secretariado e
outros com o título honorífico “Amigo da Turma”.
198
A seguir buscamos recompor a história de vida e de trabalho de José Roberto de Jesus,
o “Robertinho Baleiro”, para que o leitor possa entender as condições objetivas e subjetivas
que transformaram este trabalhador informal em um ícone da empregabilidade.
José Roberto de Jesus, 30 anos, nasceu na cidade de Serrinha, interior da Bahia, e,
desde os seis anos de idade, parafraseando Lúcia, já foi “conhecendo a cara da sua vida”.
Sua mãe teve oito filhos, e por ter não condições de criá-los, “saiu dando cada um, a uma
pessoa pra criar” afirmou Robertinho. Mas, a sua nova mãe também não teve condições de
criá-lo e acabou abandonando-o “no meio da rua”. Durante oito anos, a rua se tornou um
espaço de múltiplas funcionalidades na trajetória de vida de José Roberto. Era ao mesmo
tempo, lugar de dormir, comer e trabalhar. Ele também não teve infância, cresceu sob o signo
da exclusão social. Para sobreviver catava lixo e papelão para vender, eis o seu “batismo” no
mundo do trabalho informal. Aos quatorze anos, o menino de rua, catador de lixo, resolveu
dar um novo “rumo” a sua vida, começa a trabalhar como vendedor ambulante e deixa de
morar na rua. A fala de Robertinho abaixo descreve o fato acima citado:
....Aconteceu que depois que eu comecei a vender papelão, eu aí ajuntava o
dinheiro pra comprar outras coisas pra vender, com o dinheiro do papelão eu sair do
meio da rua... Quando eu interei os quatorze ano, foi que eu peguei e comecei
vender outros produtos, vender roupa, vender panelas e lá fui sempre fazendo minha
...construindo meu ritmos de vidas e lá fui crescendo, é.... subindo de vida entendeu?
É... sempre crescer, nunca deixei cair. Depois, aí fui pra Itaberaba, Castro Alves,
este lugar tudo vender, Araci, Jorrinho...
A expressão “lá fui crescendo” é utilizada por Robertinho para demarcar os pontos de
ascensão na sua trajetória de trabalho e de vida. De catador de lixo e de papelão a vendedor
ambulante é o primeiro momento da ascensão. Encarnando a figura típica do ambulante
tradicional, ou seja, aquele que não permanece no mesmo lugar, que sai de porta em porta, de
localidade em localidade para vender seus produtos, Robertinho durante três anos percorreu
várias cidades do interior da Bahia no esforço cotidiano para assegurar a sua sobrevivência.
199
Em 1993, aos 17 anos, ele veio trabalhar na cidade de Salvador. Robertinho disse que
veio para capital baiana porque a vida nômade que tinha, de hoje estar em uma cidade,
amanhã em outra era muito desgastante, por isso, decidiu morar “... uma cidade maior, um
lugar que pudesse ficar numa cidade só, ganhando dinheiro, sem precisar tá viajando pros
interior”.
Ao chegar em Salvador, Robertinho dava início um novo ciclo da sua trajetória de
trabalho. Portador de uma experiência de trabalho na rua e no comércio ambulante, ele passa a
trabalhar nas ruas de Salvador, como vendedor ambulante, dando continuidade a atividade
que exercia anteriormente, mudando apenas a dimensão territorial do seu trabalho. Se antes
ele saía de cidade em cidade para comercializar seus produtos, agora suas “andanças” se
restringiam às ruas de uma grande metrópole urbana. Vender picolé foi sua primeira
atividade, mas não foi por muito tempo, como é ele próprio relata:
Vendi picolé durante uns dois mês, mas o picolé não tava dando, o custo
[leia-se lucro] era muito pouco, chovia, quando dava aquela chuva a gente não podia
ganhar dinheiro, aí eu decidi a vender chocolate nos coletivo em Salvador. Eu vi o
pessoal vendendo, a minha curiosidade foi maior e eu também me interessei a
trabalhar dentro dos coletivo vendendo chocolate. Aí eu comecei: venha qualquer
peça é cinqüenta, aceito vale, aceito o passe, e lá fui... até que um certo dia eu parei
no ponto da faculdade e foi lá que comecei a vida, a construir o meu pequeno
negócio.
A partir de 1994, ele começou a se fixar em um ponto, é partir deste momento que
José Roberto de Jesus se transforma em Robertinho Baleiro. No início do referido ano, ele
conhece a Faculdade de Educação, no Vale do Canela, e começa a vender chocolates em um
pequeno tabuleiro dentro do pátio da faculdade com a devida autorização da direção da
escola. Além da venda, começou a anunciar em voz alta, de dentro do pátio, os transportes
coletivos que passavam em frente à faculdade e os seus respectivos roteiros. Desde então, ele
se tornou uma referência para os alunos e a população que transita naquela região em termos
de informação sobre os transporte coletivo na cidade de Salvador. Ao oferecer este serviço de
200
informação, o vendedor de chocolates começou paulatinamente a aumentar as suas vendas e a
dispor de um leque considerável de clientes.
À medida que o tempo passava, Robertinho tornava-se mais conhecido, conquistava a
confiança da sua clientela e se estabelecia na atividade. Em 1997, ele sai de dentro do pátio e
vai para o ponto de ônibus, passando a ocupar um pequeno espaço, debaixo do pé de uma
mangueira existente no estacionamento da Faculdade. Tal mudança foi acompanhada de uma
série de inovações visando uma melhoria no atendimento aos clientes e na prestação dos
serviços de informação.
Debaixo do pé de mangueira eu construí uma barraca maior, botei lona, é...
televisão pro pessoal assistir, fiz um banquinho botei do lado e lá comecei a
conquistar a população, dali eu fui conversando com motorista, levando água pra
motorista, é... dando informação pra aluno. Chegava no ponto seis horas da manhã e
só saía onze da noite, nunca deixava aluna sozinha no ponto, quando eu tava lá
esperava saí no último horário pra que ela não fosse assaltada.
A capacidade gerencial, a criatividade, o serviço de informação e preocupação com a
segurança dos clientes
37
, principalmente as mulheres, possibilitaram que Robertinho se
destacasse dos demais vendedores de balas e doces da cidade. Em 1999, a pedido da direção
da Faculdade, a Prefeitura de Salvador através do RAPA tentou removê-lo do local, mas com
o apoio da comunidade universitária, ele conseguiu impedir que as suas mercadorias fossem
apreendidas, fazendo com que a própria direção revogasse a sua decisão anterior. É
justamente neste momento que emerge com bastante força simbólica o nome: Robertinho
Baleiro, conforme podemos observar no relato a seguir:
A maior guerra foi 99.... que a prefeitura de Salvador tentou me tirar com o
pedido da Faculdade. .... Eu aí larguei a barraca lá e mandei eles ir panhando a
mercadoria enquanto eles podia, que eu ia chamar a comunidade. E aí começou a
descer os alunos da Faculdade de Educação, professores, funcionários, de Direito,
Escola de Música, veio todo mundo, o pessoal foi chamar, Administração, ICS,
Medicina e a população todo se reuniu, mais de três mil pessoas se reuniu pra que
37
À noite na região onde fica localidade a Faculdade de Educação, o Vale da Canela, os riscos de assaltos são
constantes, inclusive já foram registrados casos de tentativas de estupros às estudantes.
201
eu... não me tirasse. O Rapa já tava com toda a mercadoria dentro do carro e foi
obrigado a devolver a mercadoria entendeu? E aí o pessoal começou a gritar:
“Robertinho é nosso, Robertinho não sai”, porque muita gente transformou um
nome, aí eu crie o baleiro, o pessoal chamou Robertinho e eu criei o Baleiro pra
combinar com nome Robertinho Baleiro; e esse nome foi crescendo. E aí eu
fiquei ali no ponto mesmo durante, de novembro de 99 fiquei até quase na entrada
de 2000, aí o diretor da Faculdade de Educação com o Reitor, reuniu, diretor de
Administração, reuniu pra saber o que eu era, como é que um rapaz como eu tinha
mais de três mil pessoa ao meu favor, entendeu? Que é difícil, achar muita gente
assim pra reunir, ajudar uma pessoa só e povo naquela época tava debaixo de chuva
gritando: Robertinho não sai, Robertinho é nosso. Daí surgiu a liderança do Diretor,
Reitor viu que eu tinha minha gente e fez uma assembléia geral de mil pessoas pra
dizer realmente o que eu fazia na Universidade pra o público, e aí com a história...
todo mundo assinou a meu favor e só três pessoa assinou contra e eu ganhei questão,
o Diretor aí queria me dar a cantina de lá de dentro entendeu? Eu não aceitei a
cantina, aonde hoje é uma livraria você sabe disso, lá agora é uma livraria, ali podia
ser minha cantina, eu podia estar com aquele espaço ganhando mais dinheiro, mas
eu não me interessei por este espaço porque a população me ajudou do lado de fora,
que a população precisa de eu... sempre ali no ponto, que é pra sempre ajudar.... eu
puder ajudar a população a pegar um transporte, ao máximo de segurança e sempre
eu venho com esta comunicação com o público.
Após este acontecimento, Robertinho Baleiro, recebeu autorização da direção para
ocupar uma guarita da Faculdade que fica mais próxima ainda do ponto de ônibus, a qual se
encontrava desativada, onde ele permanece até os dias de hoje. A guarita abandonada foi
transformada em um bomboniere, o que deu a Robertinho melhores condições de trabalho.
Contudo, ele precisou inovar mais uma vez, pois ao se mudar para guarita havia ficado muito
distante do público e não dava mais para anunciar o ônibus em viva voz, eis a novidade: a
implementação de um sistema de som. A idéia se concretizou da seguinte forma:
O sistema de som foi o seguinte, como eu tava lá no ponto, eu ficando junto
da população e falava com a população, muita vezes eu tava sentado na barraca aí eu
gritava: tá descendo Cabula VI, falava o roteiro, não no microfone na boca mesmo,
o pessoal já ia subindo, dava risada assim tal, aquela graça. Quando eu entrei pra
essa guarita, que eu transformei em uma bomboniere, eu fiquei isolado do público
entendeu? Mais afastado, ficou aquele negoço diferente, eu aí inventei de colocar
uma caixa de som debaixo do pé de manga e uma cá na guarita, comecei a fazer
propaganda entendeu? Aí eu comecei a dar o roteiro dos transportes, tinha gente que
olhava pra trás, ficava olhando achando ingraçado aquilo ali e muitas vezes não
sabia, aí via o carro e via eu falava, aí falava: esse aí serve. Aí eu falava, aí entreva
no ônibus. Eu falava: Sussuarana, Orla, Pituba, Itaigara, Iguatemi e Paralela, “ah
esse é o meu, eu vou”. Aí o pessoal já ia entrando no ônibus, aí eu: bora motor!, aí
motorista logo desconfiado com aquela voz que nunca tinha visto, pouca hora foi
todo mundo se acostumando. Hoje um motorista de ônibus leva minha informação
pra outros motorista, conversa na garagem, as conversas vai sempre aumentando.
Entendeu como é que é?
202
Com a implementação do sistema de som, Robertinho não só anunciava o horário dos
ônibus, como também começou a fazer propagandas dos doces e lanches comercializados na
bomboniere. Além disso, ele também sintoniza o seu sistema de som nas freqüências de
Rádios FM da cidade, possibilitando aos passageiros que estão à espera do transporte coletivo
ouvirem diversos estilos da música brasileira.
Durante a nossa pesquisa de campo, antes de realizarmos a entrevista com Robertinho,
fomos várias vezes e em horários diferenciados à Faculdade de Educação para observarmos o
cotidiano de trabalho do referido entrevistado. As reações das pessoas que estão no ponto de
ônibus ou dentro dos transportes coletivos são diversificadas, quando ele anuncia no
microfone: informação é aqui com Robertinho Baleiro, ao seu lado, deixando vocês bem
informado sobre transporte coletivo, pra qualquer lugar de Salvador, ou então pra qualquer
cidade da região metropolitana da nossa capital baiana, baiana, baiana... Alguns põem a
cabeça na janela ônibus com olhar de espanto, outros que estão no ponto dão risada; mas
todos parecem aprovar a criatividade do baleiro.
A distância com que identifica os ônibus é outra coisa impressionante, quando o
ônibus aponta no início da avenida, ela já anuncia no seu sistema som, dando tempo aos
passageiros que porventura estiverem lanchando ou afastados do ponto se deslocarem para
pegar o transporte coletivo. Quando questionado sobre como surgiu a idéia de anunciar os
roteiros dos ônibus, ele respondeu: “...surgiu uma coisa de eu perceber que a população
precisa de informação, e com essa informação eu venho trazendo mais clientes pra mim, mais
vendas e mais amizades com o público, entendeu?”. Ainda sobre esta questão, perguntei
como é que ele que faz para identificar os ônibus com tanta distância, ele afirmou:
É tudo memorizado na memória. Eu tô aqui eu posso ver tudo que tem daqui
até chegar na Faculdade, entendeu? Como é a pista, como é a rua, como é as casas,
toda pista, todo lugar onde o ônibus passa eu fecho a visão e vejo tudo todos os
pontos aonde ele vai parar. Eu fui gravando isso e tudo foi ficando na memória.
203
Além do serviço de informação sobre transporte coletivo, Robertinho também utiliza
outras estratégias para conquistar os seus clientes. Uma forma de atrair os clientes são as
promoções de salgados que funcionam da seguinte maneira:
O salgado que eu vendo é o seguinte, a gente vende o salgado tem uma
promoção, o salgado é 1,50 se levar miúdo paga um 1,30, todo mundo já me leva o
dinheiro trocado, tem também as propagandas que eu faço, vai ter show, como vai
ter no parque de exposições, o show de Calcinha Preta que virou sucesso e toda vez
eu faço, é... a universitária que tiver de calcinha preta ou passageira do ponto
ganha um lanche grátis com suco ou refrigerante basta provar que tá de calcinha
preta, aí o povo se interessa vai vindo, toda hora chega na barraca e lancha de graça
na hora.
Para Robertinho a melhor estratégia para conquistar o cliente, é tratá-lo bem:
Sempre os clientes tem a razão em primeiro lugar, depois tem que saber que
a gente é um ser humano como todos é... muitas vezes a gente tem aquele pânico né,
o cliente: oh Robertinho este lanche tá salgado; aí eu : não me dê aqui, eu boto no
saco, pode escolher outro produto que a gente não cobra; muita vez o cliente tá ali
e o salgado caiu no chão, olho assim pra cara do cliente e dou um salgado entendeu?
Porque tá enfrente a bomboniere ainda lanchando, e caiu porque não foi ele que
deixou cair, caiu por cair, então eu dou outro grátis, aí ele vai e compra mais
salgado. Muitas vezes vai gastar um real, gasta dois, gasta três.
Por fim, Robertinho afirmou que é preciso ter sempre uma novidade para chamar
atenção do público demandante de suas mercadorias. Uma das inovações que ele fez questão
de mencionar foi o “Quadro do Robertinho”, cuja finalidade é :
O quadro do Robertinho, é... que toda faculdade tem um quadro que você
pode ver a programação, então eu criei aquele quadro da bomboniere como
propaganda, entendeu? Propaganda que todo mundo se interessa, veja que todo
mundo chega lá vai logo olhando pra frente, pra ver o que é que tem de interessante,
entendeu? Até o pessoal já começou agora com propaganda, botar negoço de festa,
tudo; porque é um lugar que muita gente vai, e o pessoal sempre quer ver, o que é
que tem de novidade e eu criei como um quadro sem cobrar nada.
204
Robertinho destacou ainda duas novidades que estavam por vir: a volta do microfone
sem fio e a farda personalizada com os dias da semana.
A novidade é o microfone sem fio que voltou e que começa amanhã e que a
galera não tava vendo mais. Com o microfone sem fio, eu vou lá levar água por
motorista, eu já anunciou o carro que vem atrás, o outro carro, indo pro ônibus já
estou anunciando outros transportes, falando com o motorista já na caixa também,
entendeu? E com microfone sem fio eu sempre gostei, por que essa é uma
transmissão de voz, se chegar no ônibus, Robertinho fala, se eu tiver atendendo o
cliente eu não preciso pegar no microfone, é melhor pra mim.
Eu tô com projeto agora de fazer farda, trabalhar lá com farda que eu nunca
fiz entendeu? A farda ela vai ser um casaco, tipo guarda-pó, todo branco, com nome
do Robertinho e o nome do dia, porque muita gente acorda assustado e nem sabe
que dia é. Aí chegou lá, olhou pro Robertinho e ver que dia é, segunda-feira, terça-
feira na camisa. E com isso, a galera vai se acostumar mais ainda: Oh que dia é
hoje? Deixa eu ir lá ver o Robertinho pra ver que dia hoje, já olha e nem precisa
falar comigo.
Todas estas inovações e estratégias de venda são resultantes das habilidades e
qualidades pessoais de Robertinho que foram adquiridas com a experiência de trabalho nas
ruas, trata-se de um conhecimento tácito, pois ele só estudou até 2ª série primária, como ele
próprio diz, “foi com o ritmo de vida que vim aprendendo cada vez mais”. E qual ritmo de
vida? O ritmo moldado pela experiência de trabalho, de quem desde os seis de idade precisou
trabalhar para sobreviver. Mas, o que faz de Robertinho Baleiro um ícone do binômio
empregabilidade/empreendedorismo?
Robertinho tem todas as competências e habilidades exigidas pelas novas formas de
organização do trabalho, é criativo, tem iniciativa, tem capacidade de liderança, capacidade de
solucionar problemas e de lidar com situações inesperadas; bem como, é polivalente, sabe
fazer várias coisas ao mesmo tempo. Como ele próprio diz: “você sabe que eu dou
informação sobre transporte ao mesmo tempo, vendo mercadoria ao mesmo tempo... atendo
cinqüenta dentro de 10 e 15 minutos..., dou troco ao mesmo..., e ninguém fica com raiva por
que atendi muito bem”.Para o discurso ideológico da empregabilidade, Robertinho é tido
como exemplo mais claro a ser seguido pelos “empreendedores de sucesso”. O que interessa
ao discurso ideológico são as apenas as qualidades e habilidades individuais de Robertinho, as
205
quais se apresentam separadas condições objetivas que possibilitaram a sua existência. Por
isso, quando os empresários de grandes corporações convidam Robertinho para dar uma
palestra, não estão interessados em conhecer as suas condições objetivas de trabalho, e nem
tampouco as estratégias utilizadas para convencer os clientes a comprarem as suas
mercadorias. Na essência, o que desejam os empresários é que a trajetória de trabalho deste
vendedor ambulante sirva como exemplo a ser seguido pelos funcionários de suas respectivas
empresas. Neste sentido, o próprio Robertinho deixa de ser apenas um ícone da
empregabilidade, passando a ser um agente reprodutor do discurso ideológico da
empregabildiade/empreendedorismo, reafirmando uma cultura do trabalho pautada no
engajamento pessoal do trabalhador.
Mas quando correlacionamos as qualidades e atributos pessoais com as condições
reais de trabalho de Robertinho Baleiro, observamos que estas qualidades e atributos pessoais
são partes constituintes do seu habitus, necessárias à própria reprodução da condição de
trabalhador informal. Ser flexível, criativo, ter capacidade de lidar com problemas, ser
comunicativo não pode ser traduzido como sinônimo de qualidade de vida e de trabalho.
A jornada diária de trabalho de Robertinho demonstra muito bem o preço de quem é
patrão e empregado de si mesmo”, “gestor do seu próprio tempo”. A rotina diária de
Robertinho é a seguinte:
Saio daqui [do lugar onde mora] cinco e meia da manhã, seis horas, chego na
bomboniere umas seis e cinco, e volto, retorno por volta das dez da noite, dez, dez e
dez, são dezessete horas na Ufba. Trabalho de segunda a sexta, dia de sexta fecha
sete horas da noite. Eu cheguei uma época a trabalhar aos sábados mesmos até meio-
dia, como até você se lembra disso, realmente eu trabalhava só que não tinha retorno
entendeu? Como eu já trabalho dezessete horas, um puchamento né, é um trabalho
muito puchado que eu faço...
Da hora que chega na bomboniere até a hora de sair, o ritmo de trabalho de Robertinho
é intenso, “o tempo de trabalho não pára”, às vezes não sobra tempo nem para almoçar.
206
Chego seis hora da manhã, arrumo a bomboniere toda, já começo a vender
salgados, seis e meia, já ta vendendo lanche porque a população tem aula sete horas,
muita vez saiu de casa sem tomar café, aí fala tem o Robertinho que chega seis
horas, então tem gente que vem com aquele negoço na cabeça que tem eu no ponto
pra servir serviço...Quando dá meio-dia assim, eu tenho um contrato com a cantina
de Administração pra me servir almoço mais barato, um preço... entendeu? E tem
vez que não dá pra almoçar, porque é muito atendimento, aí eu como lanche, tomo
suco, parei de tomar refrigerante, tomo mais suco, entendeu? Por que é a
alimentação melhor.
Devido a sua extensa jornada de trabalho e o ritmo “acelerado” com que desenvolve
as suas principais tarefas na bomboniere, tivemos muita dificuldade para marcar uma
entrevista com Robertinho. No dia sete de abril do corrente ano, estivemos na bomboniere
com intuito de agendar um horário no final de semana para realizarmos tal entrevista. Só para
conseguirmos falar com ele demoramos, precisamente, quatro horas e trintas minutos, pois o
fluxo de pessoas comprando lanches e pedindo informações era intenso. Por isso, tivemos que
realizar a entrevista em um dia de domingo, na sua residência, no bairro do Garcia.
Um dos problemas que geralmente Robertinho enfrenta no dia-a-dia de trabalho é
decorrente do próprio ritmo “acelerado” da rotina de trabalho:
Problema sempre acontece, muita vez a gente tá na bomboniere tem um
estresse alguma vez, é por causa da forma de atendimento né, é muita coisa ao
mesmo tempo, mas a gente controla, dá... sorre, fala e brinca com o motorista, muita
vez eu tô lá, peço calma ao pessoal e pra que eu realmente não fique muito
preocupado, na hora que vejo aquela aglomeração, eu aí dou aquela paradinha,
anuncio um negoço no microfone, dou uma risada, faço um brincadeira, aí já
esquece os problema e começa tudo de novo.
A chuva também dificulta o seu trabalho:
É... em tempo de chuva a venda cai um pouco, o sol é melhor. Com a chuva a
população não tem como lanchar, fica sempre recuado, dentro da faculdade querendo
que a chuva passe, muita vez quando a chuva passa já tá na hora de ir pra casa.
E por último, as greves de estudantes, professores e funcionários da UFBA:
207
Tem um paradeiro de greve da Ufba, de três meses de greve, mas eu sempre
fico ali, porque tem os funcionário, muitas vezes tem um aluno, tem gente que pára
no ponto e sempre compra e tem um ponto de venda que pára, mas pára totalmente
de vez.
Embora a chuva e as greves atrapalhem o cotidiano de trabalho de Robertinho, ele
afirma que mantém sua “a estabilidade em alta programação de fazer alguma coisa e nunca
ficar parado”. Quando questionado sobre os ganhos mensais, desconversou e preferiu manter
em segredo, apenas disse que dava para “ganhar um trocadinho” e que tinha uma boa venda.
Todas as mercadorias que comercializa são compradas às vista e entregues na própria
bomboniere, como é o caso dos doces e lanches. Os ganhos auferidos por Robertinho com a
venda de lanches e doces ainda não lhe permitiram realizar um dos seus sonhos, a casa
própria. Atualmente está morando em um quarto, sala e banheiro, alugado por R$ 180,00
mensais no bairro do Garcia. Além disso, paga a pensão de três filhas que moram com a mãe
na cidade de Feira de Santana. Também revelou que não paga INSS e nem tem plano de
Saúde.
Depois que se tornou conhecido, principalmente a partir das matérias publicadas em
jornais da cidade e as reportagens de TV sobre a sua história de trabalho, Robertinho começou
a ser convidado para palestras, que inicialmente foram gratuitas e agora são pagas, sendo que,
uma hora de palestra custa R$ 200,00.
As palestras tá surgindo mais por causa das propagandas, depois de sair no
ano 2000 na TVE, espelho da Bahia, foi um sucesso; já sair no ATARDE por quatro
vezes; sair na BAND, a Band jogou até nacional; sair no BA TV meio-dia por dez
minutos quase, você sabe né... os empresários realmente quer ver o que é que eu
faço pra conseguir a população que eu tenho do meu lado.
Até o momento em que foi realizada a entrevista, Robertinho já tinha proferido oito
palestras para funcionários de empresas como Odebrecht e Perini, em encontros de negócios
no Hotel da Ondina e do Corredor da Vitória, e a alunos de Faculdades de Administração.
208
Robertinho estava bastante contente no dia em que realizamos a entrevistada com ele, pois era
o dia em que seria exibido no programa Fantástico da Rede Globo uma reportagem no
quadro organizado por Regina Casé, intitulada: Trabalhos diferentes, que contava a sua
história e a dos outros trabalhadores informais da cidade de Salvador, a exemplo de João do
Camarão. Durante todo mês de março, ele anunciou no serviço de som da bomboniere:
“Robertinho não é mais da Bahia, Robertinho agora vai ser mundial, internacional, vai sair
no Fantástico, no dia dez de abril”. Ao falar sobre a repercussão da matéria do Fantástico na
sua vida de pessoal, ele afirmou:
É uma emoção, é uma emoção que eu tenho de ver minha foto ali, todo
mundo que tá na sua casa tá vendo minha imagem lá, entendeu? É um destaque né?
Como hoje, muita agente... você sabe que a universidade... todo mundo vai assistir o
Fantástico.... Como hoje vai sair no fantástico, todo mundo vai falar: ah Robertinho,
o cara da barraquinha... todo mundo já vai saber, aqueles pessoal que passava no
ônibus. Amanhã mesmo é um dia muito esperado para mim, um dia de alegria, só de
ver a população chegando lá e me pegando, já sabe como é né?
Amanhã mesmo eu tô animado, quer dizer, vai sair no Fantástico, eu posso receber
uma ligação da Europa, da Espanha, de São Paulo, de Rio Janeiro, pouca hora eu
posso ser chamado pra dar uma palestra lá... agora depois do Fantástico, eu não
posso aceitar uma palestra por menos de 500,00 reais, tenho que aumentar cada vez
mais.
Robertinho estava maravilhado com a chance de ser um “ator global”, mesmo que
fosse por alguns segundos no horário nobre do domingo à noite, e com as vantagens
econômicas e simbólicas que poderia tirar deste acontecimento. Neste sentido, perguntei a ele
se tinha vontade de deixar a sua “guarita” para se tornar um profissional do marketing e
propaganda, a resposta foi incisiva: não. A sua pretensão é tentar conciliar as duas atividades.
Então, perguntei se ele gostaria de mudar para um emprego com carteira assinada, e a resposta
também foi não. Ele justificou a sua resposta do seguinte modo:
Porque seria o seguinte, vamos dizer: eu tô lá no meu ponto, surge um
emprego pra eu ganhar cinco mil reais por mês, vamos dizer que eu vou trabalhar
um mês, dois mês, três mês eu trabalho lá e vou pra fora, eu já perdi meu ponto lá.
Ah, é cinco mil, eu vou criar olho grosso por cinco mil? Mas, eu posso ser
desempregado de novo. Aí vou sair da mídia, eu vou ser um empregado dos outro, o
209
que eu não queria ser, porque eu vi cinco mil na frente, salário de cinco mil reais e aí
eu falo, é... cinco mil é mais vantagem, mas muita vez você vai ganhar dez mil num
lugar e não é vantagem, porque um mês, dois mês você estar desempregado. Eu
tenho um trabalho que realmente, eu tenho aquilo ali, um futuro cada vez mais ... eu
fazendo amizade com a população e do jeito que vou tratando a população...
A justificativa apresentada demonstra a coerência de sua consciência prática, por isso
ele prefere manter a sua “estabilidade em alta programação” na atividade informal, do que
arriscar mudar de trabalho e ficar desempregado, como ele próprio afirmou: “é preferível não
trocar o certo pelo duvidoso”. A fala de Robertinho também demonstra como o emprego
socialmente protegido tornou-se uma condição provisória e instável no contexto de desmonte
da nossa “sociedade salarial incompleta” e do capitalismo flexível.
Diante da sua pretensão óbvia de continuar na atividade informal que realiza há 13
anos, perguntei a Robertinho qual era a chave do “sucesso” e ele respondeu:
A chave do sucesso é o segredo, é você manter sempre, sempre manter, o que
sempre você quer fazer. Eu vou fazer isso hoje, aí não faz, deixo pra amanhã, aí não
pode, porque realmente tem uma chave, eu tô aqui hoje, aí eu chego assim: poxa não
vou trabalhar hoje, segunda feira, eu tô cansado, trabalho pra mim mesmo, vou
trabalhar amanhã. Não, tenho que ir trabalhar, porque realmente se eu fizer isso,
pode ser um dia de terça, aí toda hora vai queimando dia e a população vai sentindo
falta. Aí qualquer coisa, quando vou dar uma palestra, esses dias eu não fui chamado
ainda, mas eu sei que depois do Fantástico vai aparecer alguma... eu aviso
antecipado no microfone, Robertinho tal ... vai sair tal dia, tal hora e vou avisando, e
a população tá ciente daquilo.
A chave do sucesso de Robertinho está na força radical do verbo intransitivo:
trabalhar, conjugado continuamente através das suas habilidades e qualidades pessoais
empregadas na arte de produzir engenharias de convencimento e de persuasão da população
em geral que compra os seus produtos. É assim, que o “ícone da empregabilidade”, ocupa
dezessete horas diárias, na solidão do mercado, ele busca no trabalho a redenção do seu
próprio passado. Sendo assim, o trabalho informal sempre foi para Robertinho uma condição
permanente, a única alternativa de inserção no mercado trabalho.
210
5.4.3 João: eu sou João, eu só vendo camarão.
Porto da Barra, ponto turístico da “Soterópolis” baiana, uma das praias mais
freqüentadas do verão, seja por turistas ou baianos, espaço de lazer, de festa, de encontros
afetivos e de trabalho. É nas interfaces entre o lúdico e o labor, que podemos compreender a
trajetória do vendedor ambulante João Arnaldo de Oliveira Soares, popularmente conhecido
como João do Camarão. Este é um dos trabalhadores que ocupa uma posição de destaque
entre os demais trabalhadores informais que vivem da ofertas bens e serviços aos banhistas
das praias de Salvador. Tal posição está consubstanciada em um conjunto de habilidades e
qualidades pessoais que, associadas ao tipo de produto comercializado, possibilitam a
aquisição de um capital simbólico e econômico, permitindo a João do Camarão ocupar uma
posição privilegiada na cartografia social do trabalho do informal.
João Arnaldo Oliveira Soares, 51 anos, natural de Feira de Santana, Bahia, estudou até
o quarto ano primário, casou-se por duas vezes, tem quatro filhos e atualmente está solteiro.
Reside há cinco anos na cidade de Salvador e mora no bairro de Brotas.
Assim como, Lúcia do Acarajé e Robertinho Baleiro, começou a trabalhar desde
criança, sua trajetória de trabalho é profundamente marcada pelo signo da mutabilidade,
sendo constituída por um conjunto de experiências descontínuas, alinhavadas no mundo do
trabalho informal. Voltando mais uma vez à “fábula da empregabilidade”, podemos dizer que
a célebre frase do filósofo grego Heráclito: “não existe nada permanente, exceto a mudança”;
evocada pelo “guru da administração” para exortar o “espírito” que move o novo trabalhador,
se aplica literalmente à trajetória de trabalho de João do Camarão. Flexibilidade, inovação e
criatividade são as palavras de ordem que acompanham a trajetória de quem sempre precisou
211
inventar continuamente formas de trabalhar para sobreviver e nunca experimentou o “gosto”
de ter um emprego com carteira assinada.
... Nunca tive emprego não, sempre criei, sempre fui comerciante, ambulante,
camelô, camelô ou ambulante é a mesma coisa né? ...Eu chego em qualquer cidade
hoje, amanhã eu tô trabalhando, eu crio uma coisa pra trabalhar, chego em qualquer
lugar vejo o que posso comprar e vou vender, não fico parado não, então... Minha
vida sempre foi essa aí.... eu sempre soube me virar, ganhar meu dinheirinho.
A história de João é a história de um trabalhador flexível por excelência, tal como o
camaleão que muda de cor conforme a variação climática. Ele teve sempre que “se virar”,
garantir a sua reprodução social. Na vida de João, o trabalho é antes de tudo uma “viração”
que se expressa no mosaico de atividades informais realizadas ao longo de sua trajetória.
João começou a trabalhar aos 8 anos, sua primeira atividade foi de carregador de
compras em feira livre, aos quatorze anos passou a trabalhar como servente na construção
civil. Depois decidiu colocar uma barraca de frutas e uma banca de revistas por um período,
mas como os ganhos auferidos com estas atividades não eram suficientes, acabou se
desfazendo deste comércio e comprando um táxi para trabalhar na “praça” de Feira de
Santana. Como não obteve êxito na terra natal como taxista, João vendeu o táxi e foi morar na
cidade do Rio de Janeiro. Ao chegar na capital fluminense tentou trabalhar mais uma vez
como taxista, mas a “quebradeira foi geral” como afirmou próprio João, levando-o a mudar
de atividade novamente. Desta vez, decidiu vender camarão nas praias cariocas, mas a
concorrência com outros trabalhadores ambulantes era demais, fazendo com que ele tomasse
uma nova decisão, qual seja: regressar para Bahia e “se virar” na cidade de Salvador de “dia”
e de “noite”. No relato descrito abaixo, João nos conta um pouco sobre esta nova fase de sua
trajetória de trabalho, ou seja, como surgiu a história de João do Camarão:
Na verdade eu comecei no Rio de Janeiro, comecei vendendo no Rio,
comecei a criar umas brincadeirazinhas: camarãozinho, bichinho caprichadinho,
vamos comer o bichinho; era só isso. Aí depois eu fui criando, eu criei: eu sou
João, vendo camarão, e aí no Rio começou a inchar demais, e aí eu vim aqui no ano
212
2000 e lancei aqui. Aí começou o negoço... a dar Ibope aqui, aí eu trabalhava de dia
aqui [na praia] e de noite no táxi, e fiquei nos dois, mas o negoço do camarão
começou a dar mais, aí fiquei só no camarão, hoje em dia é só camarão.... graças a
Deus hoje em dia dar pra viver tranqüilo.
Conforme podemos observar na fala de João, a comercialização de camarão na praia
do Porto da Barra é um marco diferencial na sua trajetória de trabalhador informal. Mas, qual
foram as estratégias inventadas por João para se manter nesta atividade e ocupar uma posição
de destaque entre os demais trabalhadores informais que também se apropriam do espaço da
praia para trabalhar?
A música é uma das principais estratégias utilizadas por este trabalhador para
conquistar e fidelizar a sua clientela. Quando morou no Rio de Janeiro, João do Camarão foi
sambista e percussionista da Mangueira onde aprendeu o gingado que hoje é bem utilizado na
sua rotina de trabalho na ensolarada orla baiana. Trajando um calção, camiseta e gorro
brancos; e cantando versos de músicas de sua autoria, no ritmo de pagode, do samba e do axé
music, ele desfila pela areia do Porto da Barra carregando nas mãos uma bandeja com espetos
de camarão, chamando atenção de todos os banhistas que, contagiados com sua forma criativa
de vender o produto, não resistem e acaba comprando a iguaria que pode ser saboreada com
limão, azeite de oliva e molho de pimenta. Os banhistas geralmente são abordados da seguinte
maneira:
Eu abordo cantando, brincando, geralmente eu chego pro cliente e digo:
vocês querem comer camarão, camarão é do João, oh que vamos, que vamos
comer o bichinho, camarão no espetinho, vocês querem comer camarão, camarão
é João. Olha o bicho de perna, sem cabeça e sem orelha, olha o bicho de perna,
sem orelha e sem cabeça. Vamos comer camarão! Quer dizer, é uma maneira de
eu oferecer o meu produto sem estressar o cliente, sem abusar entendeu? Eu posso
oferecer o produto brincando, cantando, aí quando o cliente quer, ele solicita, ele
compra quando dá vontade. Aí eu vou levando assim...
As letras das músicas de João do Camarão geralmente enfatizam as qualidades do
produto ofertado que são associadas a aspectos culturais da Bahia com o intuito de chamar
213
atenção principalmente dos turistas, para os quais ele geralmente canta versos que falem sobre
seus lugares de origem, conforme podemos observamos nos versos das músicas abaixo
citadas:
No verão passado eu criei:
Eu vou, que vou, na virada da maré, vou vendendo camarão e cantando o
meu axé / eu vou, que vou, na virada da maré, vou vendendo camarão e cantando
o meu axé. Porto da Barra é o point do verão e o pôr do sol é a grande curtição,
Bahia linda terra que Deus abençoou, o padroeiro é Senhor do Bonfim e a capital
é Salvador. Aí vamos que vamos, aí eu vou.
É festa , é festa o verão chegou, é alegria em Salvador, Porto da Barra é a
tradição, é tiragosto de camarão, pode faltar cerveja, pode faltar limão, só não
pode faltar é camarão. Olha bicho de perna, sem cabeça e sem orelha, olha o bicho
de perna, sem orelha e sem cabeça, e aí vai.... eu sou João, eu só vendo camarão,
vamos comer o bichinho, camarão é no espetinho e aí vai levando.
Esse ano eu fiz uma musiquinha, é... fiz assim, alô, alô, é uma homenagem
ao visitante:
Alô, alô, sejam bem vindos a Salvador, Bahia é sol o ano inteiro, é de
janeiro a janeiro, Porto da Barra tem camarão, o verdadeiro é do João, porque é
de qualidade, é qualidade, é camarão mais gostoso da cidade, é de qualidade, é
qualidade, é camarão mais gostoso da cidade. Não tem lambreta, nem siri, nem
lagostão, alô vocês! O melhor petisco é o camarão.E aí vai levando, não tem siri,
nem lagostão...
Teve um ano que eu fiz uma música em homenagem as mulheres:
Viva, viva, viva! Viva o povo brasileiro, viva o carnaval da Bahia
contagiando o mundo inteiro. Viva o carnaval da Bahia contagiando o mundo
inteiro. Bata na palma da mão, mexe com tanta emoção, venha pro Porto da Barra,
venha curtir este verão. Oh Bahia, Bahia, Bahia, Bahia que encanta tantos
corações, na alegria, e alegria, alegria que eleva as multidões. Alô mulheres,
mulheres, mulheres vocês são lindas de nossos corações, alegria, alegria, alegria
que anima os foliões. Lá na praia eu digo: Roberto você é linda, este menina mora
meu coração, se você é linda bata na palma da mão.
De vez em quando eu faço uma homenagem a galera, pra o pessoal do Rio de
Janeiro eu digo assim:
Ô meu Rio de Janeiro, o ano inteiro é futebol, é Maracanã, ô meu de Rio
de Janeiro, o ano inteiro é futebol, é Maracanã. Cidade maravilhosa, cheia de
encantos mil, aí eu digo, vamos comer camarão, camarão é do João! Eu vou me
embora, vou me embora pomba minha, tenho muito que fazer, eu vou partir para
bem longe pomba minha, vou levar o meu bem querer. E vamos comer camarão!
É aquela brincadeirazinha que a gente faz com os clientes de outros Estados, faz
aquela homenagem, pro pessoal do Ceará eu digo: no Ceará não tem disso não... e
aí vou levando vamos comer camarão e aí emendo né, brincando, uma maneira de
brincar e chamar a atenção da galera, por que aí você conquista o coração da galera
e todo mundo sai comprando.
214
Ao oferecer o produto ao cliente cantando João conseguiu se destacar dos demais
trabalhadores informais que atuam no Porto da Barra, ficando bastante conhecido entre os
banhistas que freqüentam regularmente a praia. Para João, duas qualidades são indispensáveis
para se “dar bem” na atividade que ele desenvolve:
Você ser higiênico né? Andar limpo, ter uma boa qualidade, pra o cliente
comprar hoje e comprar amanhã. Respeitar o cliente, não ser explorador,
principalmente cobrar um preço justo, para as pessoas comprarem e recomendar pra
outras pessoas compra e aí você vai, atinge o público da terra e o público que vem
de fora, você recebe o carinho das pessoas e a confiança né? A boa qualidade recebe
a confiança, se você não explorar, você obtém a confiança, as pessoas confia, sabe
que você não é ladrão, que você trabalha com honestidade, dignidade e respeita o
seu trabalho. E aí um vai passando pro outro, compre o camarão de João, às vezes
tem pessoas que nem come camarão, mas passou a gostar de mim como pessoa,
confia no meu trabalho, ele aí traz um amigo que come camarão e o amigo compra o
camarão e vai levando...
Pra conquistar o público é aquele negoço, vender qualquer pessoa vende,
qualquer pessoa que chegar aqui vai vender, agora se ele não souber conquistar o
coração do público ele não vai vender como eu vendo entendeu? Por que aí é
seguinte, tem que conquistar, tem que ter um certo tempo pra conquistar a
confiança, por exemplo, eu lancei isso aqui no ano de 2000 e hoje em dia vamos
dizer assim, o que eu vendia no ano todo de 2000 eu vendo numa época dessa de
inverno. Então o indivíduo tem conquistar o público, ter sua qualidade, fazer um
produto de boa qualidade, nunca vender de má qualidade, para que o cara compre e
fique para sempre. Eu acho que é isso aí.
Quando começou na atividade em 2000, ele trabalhava sozinho e comprava o camarão
em pequenas quantidades para vender na praia, mas agora que o pequeno negócio começou a
se expandir, ele afirmou que “compra toneladas de camarão” para vender, o que exige a
participação de familiares e vizinhos que lhe ajudam no processo de produção e venda do
camarão durante o verão. A música não é a única estratégia utilizada por João para tornar a
sua atividade lucrativa, segundo ele “pra poder ter uma boa venda e dar pra sobreviver” é
preciso ter preço competitivo e boa qualidade do produto, por isso, ele compra o camarão em
grande quantidade durante o inverno a preço mais barato para vender no verão. Para tanto, ele
dispõe uma infra-estrutura adequada com refrigeradores para estocagem do camarão, que
geralmente é comprado na Ilha de Itaparica, Valença e Canavieiras.
215
Questionado sobre os ganhos auferidos no mês, ele apenas se limitou a dizer que
“vende legal”. Mas pelas informações que ele nos concedeu sobre a quantidade de espetos de
camarão que são vendidos no inverno e no verão, pode-se concluir que comercialização do
camarão é relativamente lucrativa, principalmente se levarmos em consideração os ganhos
obtidos pela maioria dos trabalhadores informais de rua da cidade de Salvador. No inverno,
João trabalha sozinho, vende em média 100 espetinhos por dia, sendo que 50 espetinhos são
comercializados por R$ 2,00 e os outros 50 são comercializados por R$ 3,00. Se
considerarmos que ele trabalha todos os dias da semana e somarmos o lucro bruto dos dias
trabalhados, veremos que João ganha em média R$ 1750,00 na semana, supondo-se que ele
gaste 50% deste total com despesas, ele teria um ganho semanal de R$ 875,00. No Verão, as
vendas de João se elevam em dez vezes. Contando com a ajuda de familiares e vizinhos ele
vende em média 1000 espetinhos no final de semana, sendo que, são comercializados três
tipos de camarão: o pequeno a R$ 2,00, médio a R$ 3,00 e o grande a R$ 6,00. Do mês de
agosto até fevereiro, o espeto de R$ 6,00 é o que mais vende; de modo que, as despesas com
pessoal são compensadas com a venda deste tipo de camarão “grandão” como afirmou João.
Além disso, cabe ressaltar que durante os dias do carnaval, João trabalha de dia na areia da
praia do Porto da Barra e, durante as noites do carnaval, ele monta uma barraca no circuito
oficial para vender bebidas e petiscos, e para isto, conta com ajuda do filho mais velho e dos
irmãos que moram em Feira de Santana.
A jornada de trabalho de João é bastante intensa. Das nove da manhã até as cinco
horas da tarde, João faz e refaz inúmeras vezes todo o percurso da praia, só almoça ao
entardecer quando termina sua jornada de trabalho. Para ele, o seu trabalho é saudável e
divertido, “um lazer remunerado” que compensa todo o desgaste físico e mental do dia-a-dia
de trabalho, “me sinto como uma artista no palco” completou o vendedor de camarão.
Contudo, ele não deixou de reconhecer as desvantagens do trabalho informal:
216
O cara que trabalha e é assalariado que ganha sei lá, 2000 ou 3000, ele gasta
o dinheiro e sabe que no próximo mês vai ter o mesmo salário, o autônomo, ele
precisa guardar o dinheiro, não pode gastar tudo que ganha, senão ele fica sem nada,
por isso tem que ser planeado, sempre tem que fazer uma poupança.
Por isso, João fez questão de afirmar que planeja os seus gastos de acordo com o que
ganha, no inverno “quando o movimento tá fraco eu não venho de carro todo dia, venho de
ônibus”. Planejar significa antes de tudo racionalizar as condutas. São justamente as
condições econômicas adquiridas por João, com a venda do camarão, que lhe permitem
controlar o presente e planejar o futuro. Com a venda do camarão, João já conseguiu comprar
uma casa no bairro de Brotas e um carro, Montanha da Chevrolet, que é utilizado para
trabalhar e comprar o camarão nos criatórios de pesca do camarão. Além disso, paga INSS e
tem plano de saúde, diferenciando-se completamente da média dos trabalhadores informais de
Salvador.
Para João não basta apenas planejar para se “dar bem” num mercado de trabalho onde
as pessoas têm que criar o seu próprio mercado, pois “neste tipo de negoço você precisa
arriscar pra ganhar alguma coisa, tem que arriscar, senão fica a vida descascando coquinho
e não descasca coco, não sobe nunca na vida”. Por isso, ele investe quase todo o lucro na
compra do camarão no inverno para obter uma margem de lucro muito maior no verão, e
assim, acumular. Em relação ao futuro, João declarou que pretende trabalhar por mais dois ou
três anos para abrir um restaurante especializado em camarão, mas enquanto isso não
acontece, ele continua mercando musicalmente o seu produto no Porto da Barra e pregando o
seu axé:
Venho de branco pregando a paz e Oxalá é nosso pai, Iemanjá é minha
sereia e as crianças brincam na areia. Iemanjá é minha sereia e as crianças
brincam na areia. Ô timbalaiê é alegria, ô timbalaiê eu sou filho da Bahia,
timbalaiê eu sou João, timbalaiê eu só vendo camarão.
217
A “alegria” do “filho da Bahia”, João que só vende camarão fez que com a trajetória
deste vendedor ambulante ganhasse uma certa visibilidade pública através da mídia local,
nacional e internacional:
Por causa do meu trabalho, minha alegria né, o pessoal faz umas
materiazinha comigo, na verdade estas matérias até ajuda por que de qualquer modo
vai divulgando, hoje em dia através do meu camarão sou conhecido no mundo
inteiro, jornal do mundo inteiro já fez matéria comigo, TV Italiana, Americana, do
Canadá já fizeram matéria comigo, pra mim é legal já fiz uns programas na
televisão...
Além de ter participado alguns vezes de programas na televisão, de veiculação
regional e nacional, João do Camarão recentemente recebeu um “cachê” de R$ 250,00 por ter
participação da gravação de um comercial sobre um prêmio de publicidade da TV Bahia,
filiada da Rede Globo. Além disso, João é bastante prestigiado pelos artistas das bandas axé e
de pagode de Salvador, sendo convidado pra cantar, ou se preferirmos, “fazer seu comercial”
em cima dos trios elétricos durante o carnaval ou nas festas que são realizados durante o ano
nas “agitadas” noites da capital baiana.
Ao avaliar a sua condição de trabalho, João explicita os motivos porque pretende
continuar na atividade informal:
É maneira de você sobreviver né? O ser humano precisa sobreviver, cada um
tem que se virar como pode, cada um tem que correr atrás do seu, Deus disse: faz
por ti, que eu te ajudarei. É uma maneira de você vencer na vida, é o tipo da coisa,
você já ganhou experiência e não quer mais emprego, e depois, eu vou arranjar mais
emprego aonde, não tem mais emprego não, 51 anos vou arranjar emprego mais
aonde, não arrumei quando era novo, vou arrumar agora depois de velho? No Brasil
não tem emprego, mas tem trabalho, basta ser criativo. Se você for criativo, você já
era..., agora tem que ser criativo, ter força de vontade, ser perseverante, acreditar no
que você faz e acreditando no que você faz, você vai a qualquer lugar, você vai
longe. Você pode vender picolé, de picolé você sobe, vai subindo de degrau em
degrau até aonde você quer, basta ter fé né?
Os motivos apresentados por João para continuar na atividade informal são coerentes
com a sua trajetória de trabalho, a trajetória de quem nunca teve oportunidade de trabalhar em
218
um emprego com carteira. Ao analisar a sua história de trabalho e a experiência acumulada
nas sucessivas atividades informais desenvolvidas ao longo de sua vida, João sabe que
precisará continuamente converter suas habilidades e atributos pessoais em formas criativas e
inovadoras de trabalhar pra sobreviver. Ele sabe que faz parte do “Brasil que não tem
emprego” e para fugir do estigma do “vagabundo” tem que “se virar como pode...correr atrás
do que é seu”, pois esta é vocação de quem não tem emprego.
Para os agentes ideológicos do binômio emrpegabilidade/empreendedorismo, as
palavras de João de Camarão se constituem como a evidência mais concreta do que venha a
ser a empregabilidade, ou seja, a capacidade que o indivíduo tem de se ajustar às contínuas
mudanças do mercado de trabalho e manter-se ocupado, pois esta é chave do sucesso do novo
trabalhador demandado pelas empresas do século XXI. Mas, na essência as palavras de João
nos oferecem elementos concretos que demonstram qual falacioso é o discurso empresarial da
empregabilidade, que apresenta como se fossem inteiramente novas, qualidades e valores que
fazem parte do habitus do trabalhador informal. Aliás, não é por acaso que escolhemos as
trajetórias de Lúcia do Acarajé, Robertinho Baleiro e de João do Camarão, trata-se da história
de trabalhadores informais que já estão nesta condição há muito tempo, as quais demonstram
as habilidades e virtudes atribuídas ao novo trabalhador flexível, são para eles estratégias
eficazes de sobrevivência encontradas para se manter na atividade.
219
5.5 Da continuidade indesejada a formalidade desejada: a ambivalência da condição
“provisória-permanente” dos trabalhadores informais.
O percurso que fizemos neste capítulo inicia-se com uma caracterização dos
trabalhadores que vivem do trabalho informal nas ruas de Salvador do século XXI, em
seguida buscamos circunscrever a condição de trabalhador informal a partir dos motivos
apresentados pelos entrevistados que justificam o ingresso na informalidade. Depois,
tentamos demonstrar que as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores pesquisados
são marcadas profundamente por riscos, incertezas e vulnerabilidade social. E por último,
tendo como referência as trajetórias de “sucesso” de três trabalhadores informais de rua,
procuramos apresentar uma crítica à noção de empregabilidade. Agora, ao chegarmos no
último ponto deste percurso, tentaremos analisar a ambivalência da condição “provisória-
permanente” dos trabalhadores informais a partir de suas perspectivas futuras em relação às
suas trajetórias de trabalho.
Durante a pesquisa de campo, perguntamos aos 191 trabalhadores entrevistados se eles
pretendiam continuar na atividade que exerciam. Segundo o dicionário Aurélio, pretender
significa aspirar a, desejar, querer; sendo assim, 58% dos entrevistados afirmaram que
querem continuar e 42% não querem continuar na atividade informal.
As justificativas apresentadas pelos trabalhadores que pretendem continuar indicam
claramente quais são as propriedades estruturais que fazem do trabalho do informal uma
condição permanente de trabalho. Através de suas respostas, os entrevistados buscavam
encontrar as “razões” que explicasse a sua própria condição de trabalho, como se estivessem a
se perguntar: “por que estou aqui?”. Para a maioria dos entrevistados que pretendem
continuar a falta de oportunidade de emprego (44,2%), principalmente por causa da crise
220
de desemprego do país, da idade e do nível de escolaridade, é o motivo capaz de explicar a
permanência na atividade informal. Além deste motivo, 35,6% dos entrevistados pretendem
continuar porque estão satisfeitos com atividade que exercem, pois é a forma (única!) que
eles têm de garantir o sustento; e, 9,6% pretendem continua porque trabalha pra “si
próprio”. Diante destes motivos apresentados, podemos afirmar que a pretensão de continuar
na informalidade antes de tudo é indesejada, bem como, expressa um processo de
conformismo e desalento social dos trabalhadores informais que, ao avaliarem os seus
atributos pessoais e/ou adquiridos e as suas respectivas chances de inserção no núcleo
estruturado do mercado, tomam consciência de que a única alternativa que lhes restam para
fugir do desemprego é se ocupar de uma atividade informal nas ruas da cidade de Salvador.
Neste sentido, observa-se que os trabalhadores que querem continuar geralmente são os mais
velhos e os menos escolarizados, ou seja, são os segmentos da população trabalhadora que
estão em mais desvantagem no mercado de trabalho metropolitano.
Tabela 16
Os motivos para continuar na atividade informal
Porque pretende continuar na atividade atual V.A. % (*)
Falta de oportunidade de emprego 46 44,2
Está satisfeito (porque gosta, é a forma de garantir o
seu sustento).
37 35,6
Trabalha pra "si próprio" 10 9,6
Outros 10 9,6
Total 104 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo CRH/UFBA (2001-2002)
*
Foram consideradas apenas as respostas válidas.
Por outro lado, os motivos apresentados pelos entrevistados que não pretendem
continuar na atividade expressam as insatisfações dos trabalhadores com uma condição de
trabalho constituída de sobressaltos e incertezas quanto ao amanhã-próximo e ao futuro-
221
distante, fazendo com o que é “permanente” seja vivido sob o signo do “provisório”. Por isso,
59% entrevistados que não querem continuar por causa da instabilidade e insegurança da
atividade informal de rua que exercem; 24,7% porque os rendimentos auferidos são
insuficientes; 9,6% por causa do controle da Prefeitura e 6,8% porque o trabalho é cansativo.
Como podemos observar todos estes motivos apresentados sintetizam os riscos, incertezas e a
vulnerabilidade social a que estão submetidos aqueles vivem do trabalho informal de rua,
conforme já discutimos na terceira seção deste capítulo.
Tabela 17
Os motivos dos entrevistados parao continuar na atividade informal
Porque não pretende continuar na atividade atual V.A. % (*)
Instabilidade / insegurança 43 58,9
Rendimento insuficiente 18 24,7
Controle da Prefeitura 7 9,6
O trabalho é cansativo 5 6,8
Total 73 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo CRH/UFBA (2001-2002)
*
Foram consideradas apenas as respostas válidas.
Ao correlacionarmos os motivos dos trabalhadores que querem continuar e dos que
não querem continuar na informalidade, conclui-se que as justificativas apresentadas pelos
entrevistados obedecem a uma mesma lógica de representação social do trabalho informal, ou
seja, os motivos para continuar ou não na atividade informal se legitimam na negação da
própria condição de trabalhador informal. Deste modo, é nas “negatividades” do trabalho
informal que se afirmam os motivos para continuar, expressos na falta de oportunidade de
emprego; ou para não continuar, expressos na instabilidade e insegurança da atividade.
“As negatividades” do trabalho informal também se explicitam nas respostas dos
entrevistados sobre a seguinte questão: “você gostaria de mudar para um emprego com
carteira assinada?” De acordo com o dicionário Aurélio, gostar quer dizer: tomar o gosto a;
222
provar; ter gosto ou prazer em. Era justamente este o sentimento que os entrevistados
buscavam explicitar ao responderem afirmativamente à pergunta acima mencionada. Resposta
que na maioria das vezes vinha acompanhada de expressões gestuais e verbais que tornavam
mais enfático o “gosto em provar” de um emprego com carteira assinada, a exemplo do brilho
do olhar, do movimento repentino de braços e mãos seguidos da pronúncia rápida de uma
frase curta: “claro que sim!”.
De acordo com os dados da pesquisa de campo, 72% dos entrevistados gostariam de
mudar para um emprego com carteira assinada e 28% afirmaram que não gostaria de mudar.
Os motivos declarados pelos trabalhadores que gostariam de mudar para um emprego com
carteira demonstram muito bem como o estatuto do trabalho socialmente protegido,
condensado simbolicamente na “carteira assinada”, se constitui como a principal expectativa
subjetiva a compor o imaginário social da maioria dos trabalhadores informais. Dentre os
motivos apresentados pelos entrevistados que gostariam de mudar para um emprego
assalariado se destacam os seguintes: ter direitos trabalhistas (44,2%); ter trabalho certo e
seguro (20%); ter salário certo (14,2%); melhor renda (10,8%) e melhores condições de
trabalho (5,8%).
Tabela 18
Os motivos dos entrevistados que gostariam de mudar para um
emprego com carteira assinada
Porque gostaria V.A. % (*)
Ter direitos trabalhistas 50 44,2
Trabalho certo e seguro 24 20,0
Ter salário certo 17 14,2
Melhor renda 13 10,8
Melhores condições de trabalho 7 5,8
Como segunda alternativa complementar a renda 4 3,3
Assistência médica 1 0,8
Livrar-se do controle da prefeitura 1 0,8
Total 120 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo CRH/UFBA (2001-2002)
*
Foram consideradas apenas as respostas válidas.
223
Todos estes motivos apresentados não só expressam “as negatividades” do trabalho
informal, como também indicam quais são as propriedades estruturais que possibilitam que a
condição de trabalhador informal seja experienciada sob o signo do provisório. Para a maioria
dos trabalhadores informais entrevistados, o sonho de ter um emprego com carteira assinada
significa fundamentalmente a esperança de se tornar um cidadão portador de direitos,
reconhecido socialmente através do trabalho, bem como, a possibilidade real de não ter a vida
inscrita no “jogo do azar” ou do “aleatório”, e aprisionada no mundo de quem precisa
inventar cotidianamente o seu mercado de trabalho para sobreviver. Portanto, as incertezas,
riscos e inseguranças dos rendimentos e das condições de trabalho de quem vive das
atividades informais nas ruas de Salvador se constituem como uma das propriedades
geradoras de uma experiência de trabalho vivida no tempo e no espaço social sob a égide do
provisório.
Por outro lado, os motivos dos entrevistados que não gostariam de mudar para
emprego com carteira assinada revelam que nem todos que estão na condição de trabalhador
informal vivenciam tal condição como sendo provisória, configurando-se como uma condição
permanente de inserção na cartografia social do mercado de trabalho. Entre os motivos
indicados pelos entrevistados, se destacam: não quer patrão (31%); salário insuficiente
(28,6%); desalento por idade (19%) e não se adaptaria ao emprego com carteira assinada
(9,5%). Tais justificativas demonstram que no conjunto dos trabalhadores informais de rua da
amostra estudada há uma pequena parcela que não acalenta nenhuma esperança de um dia ser
um empregado com carteira assinada, pois sabem que as chances de inserção núcleo formal
do mercado são mínimas, para não dizer nenhuma, bem como, têm plena consciência de que
são portadores de um habitus do trabalho informal incompatível com as regras
institucionalizadas e com a disciplina do trabalho assalariado.
224
Tabela 19
Os motivos dos entrevistados que não gostariam de mudar para um
emprego com carteira assinada
Porque não gostaria V.A. % (*)
Não quer patrão 13 31,0
Salário é insuficiente 12 28,6
Desalento pela idade 8 19,0
Não se adaptaria 4 9,5
Salário insuficiente e instabilidade no emprego 1 2,4
Melhoria do padrão de vida 1 2,4
Gosta do que faz 1 2,4
Desalento total 1 2,4
Desalento por qualificação 1 2,4
Total 42 100,0
FONTE: Pesquisa de Campo CRH/UFBA (2001-2002)
*
Foram consideradas apenas as respostas válidas.
Portanto, acredito que a condição de trabalhador informal nas ruas de Salvador é, na
essência, uma condição de trabalho ambivalente, pois ela é provisória e permanente ao
mesmo tempo. Tal ambivalência da condição do trabalhador informal de rua se expressa
fortemente quando os sujeitos entrevistados são interpelados sobre as suas perspectivas
futuras de trabalho. Ao apresentarem os motivos pelos quais pretendem ou não continuar na
atividade informal; ou porque gostariam ou não de mudar para um emprego com carteira
assinada, os entrevistados explicitam os elementos geradores das propriedades estruturais da
condição provisória-permanente do trabalhador informal.
Em breves palavras, diria que a ambivalência da condição de trabalhador informal nas
ruas de Salvador pode ser traduzida pelo binômio: continuidade indesejada -formalidade
desejada. Eis a essência da condição “provisória-permanente” do trabalhador informal.
225
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao nosso ver, as linhas finais desta dissertação devem trazer as marcas daquilo que
aprendemos e acumulamos ao longo do percurso analítico-discursivo que construímos para
responder ao problema de pesquisa explicitado na introdução.
Buscamos problematizar a condição “provisória-permanente” do trabalhador informal
a partir de uma perspectiva teórica-prática que compreende o trabalho informal como
processo resultante das transformações correlacionadas e interdependentes na esfera
econômica e política da sociedade brasileira, circunscrito no quadro geral da “flexploração”
do trabalho do capitalismo flexível.
O esforço analítico empreendido nesta dissertação tentou demonstrar que o trabalho
informal, ou seja, todas as formas e relações de trabalho não protegidas socialmente, no
contexto de reestruturação produtiva, de desestruturação do mercado de trabalho e
“desertificação neoliberal” da sociedade brasileira na década, passa a ser a forma de
integração da maioria da “classe que vive do trabalho” à cartografia do mercado de trabalho
brasileiro. Assim sendo, observa-se que o trabalho informal que na década de 60 e 70 era
considerado como uma situação transitória, fadada a desaparecer com o avanço e
desenvolvimento do capitalismo no Brasil, agora se tornou sinônimo do nosso moderno e
flexível mercado de trabalho.
No quadro de desmonte da nossa “sociedade salarial incompleta”, o trabalho informal
(leia-se o trabalho não protegido socialmente) configura-se como uma regra normativa do
mercado flexível, onde se universaliza os valores e as características que sempre constituíram
as tradicionais “estratégias de sobrevivências” dos trabalhadores informais para o conjunto da
226
classe trabalhadora, que agora são reapropriados pelo discurso ideológico do capital e
personificados na figura do novo trabalhador do capitalismo flexível.
Tomando como unidade de análise empírica, a realidade social dos trabalhadores
informais da cidade de Salvador que têm na rua o espaço privilegiado de trabalho através da
oferta de bens e serviços à população em geral, buscamos entender como é engendrada a
condição “provisória-permanente” do trabalhador informal.
Neste sentido, constata-se que frente ao processo de reestruturação produtiva e
desestruturação do mercado de trabalho metropolitano na última década, o trabalho informal
passa a ser ocupado por homens e mulheres que foram expulsos do núcleo estruturado do
mercado de trabalho; os quais para fugir do “fantasma” do desemprego fazem do trabalho nas
ruas uma forma de permanente de inserção no mercado de trabalho. Entretanto, a condição de
trabalhador informal é experienciada sob o signo do provisório. Os achados da pesquisa
indicam que a condição de trabalhador informal é ambivalente, pois é ao mesmo tempo
provisória e permanente.
É permanente porque as possibilidades efetivas de inserção ou re-inserção no núcleo
estruturado do mercado de trabalho tornaram-se mínimas no contexto de desregulamentação e
flexibilização do trabalho, principalmente para os trabalhadores informais mais velhos e
menos escolarizados. Sendo assim, o mundo do trabalho informal se configura como a única
alternativa plausível para fugir do “estigma social” do desemprego e assegurar a reprodução
dos homens e mulheres “sem-emprego”. Por outro lado, os riscos, as incertezas e a
instabilidade das condições de trabalho nas ruas combinadas com a esperança de ter um
emprego com carteira assinada fazem com que a condição permanente do trabalhador
informal seja vivenciada sob o signo do provisório.
Portanto, podemos concluir que “nestes tempos difíceis” de desregulamentação, de
precarização e flexibilização do mundo do trabalho, o trabalho informal entendido como
227
processo de informalização das relações de trabalho; tornou-se uma regra normativa do
mercado de trabalho e o seu reverso, o trabalho social protegido (emprego) tornou-se uma
exceção, logo, o que era provisório tornou-se permanente e o que era permanente se tornou
provisório. Eis a comédia da modernidade brasileira!
228
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