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Vicente Estevãm Sandeski
HUMANISMO: UMA CONCEPÇÃO ÉTICA DA EDUCAÇÃO
NA CONTEMPORANEIDADE
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Universidade de Passo Fundo, como requisito parcial
para obtenção do título de MESTRE em
EDUCAÇÃO, sob a orientação do Prof. Dr. Ricardo
Rossato
Passo Fundo
2006.
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1
CIP Catalogação na Publicação
___________________________________________________________________
S215h Sandeski, Vicente Estevãm
Humanismo : uma concepção ética da educação na
contemporaneidade / Vicente Estevãm Sandeski. 2006.
150 f. ; 29 cm.
Orientação: Prof. Dr. Ricardo Rossato.
Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade de
Passo Fundo, 2006.
1. Homem. 2. Ser. 3. Modernidade.
4. Ética. I. Rossato, Ricardo, orientador. II. Título. , , ética,.
CDU : 37.015.4
___________________________________________________________________
Catalogação: bibliotecária Jucelei Rodrigues Domingues - CRB 10/1569
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2
Aos meus filhos, Rafael e Ana Caroline, e à
minha esposa Adnilra, companheiros nesta
empreitada, e com gestos de compreensão e
carinho me proporcionaram a realização desse
mestrado
.
3
A Deus, por ter me dado força para concluir este
trabalho.
Aos meus pais Inez e Vicrio (in memorian),
pela vida e pela educação. Aos meus irmãos
Roque, Alcides, Margarida e Otto (in memorian),
pela torcida, carinho.
Ao meu orientador Prof. Dr. Ricardo Rossato,
pela acolhida, por acreditar em mim e
acompanhar-me nesse processo de orientação,
desafiando, impulsionando: a minha gratidão.
Ao Prof. Dr. Agostinho Both, pela
disponibilidade com que acompanhou e
colaborou e pelas sugestões.
Ao Prof. Dr. Euclides Redin, pelas sugestões e
por sua disponibilidade em colaborar com o
trabalho.
Aos professores do Programa de Mestrado em
Educação da UPF, meus agradecimentos.
Aos colegas de turma do mestrado 2004, por
fazerem essa caminhada comigo.
À Universidade de Passo Fundo, pelo apoio e
pela oportunidade desta capacitação docente.
À Universidade Federal de Santa Maria Colégio
Agrícola de Frederico Westphalen,
CAFW/UFSM, pela viabilidade e incentivo à
capacitação de docentes.
Agradeço à direção e colegas professores,
funcionários e alunos - do Colégio Agrícola de
Frederico Westphalen da UFSM pelo apoio a
realização desse mestrado.
4
“Sempre achei que o menos que um escritor pode
fazer, numa época de violências e injustiças como
a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre
a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele
caia a escuridão, própria aos ladrões e aos
assassinos. Segurar a lâmpada a despeito da
náusea e do resto. Se não tivermos uma lâmpada
elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em
último caso, risquemos fósforos repetidamente,
como um sinal que não desertamos nosso posto
(Érico Veríssimo).
5
SUMÁRIO
09
09
27
27
29
32
32
34
43
46
46
48
50
53
58
61
69
72
74
77
83
83
90
6
4.3 Educação como resgate do Humanismo ...................................................................
95
4.4 A Universidade .........................................................................................................
98
4.5 A formação docente ..................................................................................................
103
4.5.1 Possibilidades ..................................................................................................
107
4.6 A ética .......................................................................................................................
115
4.7 A ética em Aristóteles ...............................................................................................
117
4.8 Compreendendo a ética ............................................................................................
123
4.9 A ética e a globalização ............................................................................................
130
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................
134
BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................
144
7
RESUMO
A educação ocupa cada vez mais espo na vida das pessoas e é um processo a
longo prazo, em que a pluralidade de objetivos é uma característica indispensável. Ela
constitui o vínculo entre o passado e o futuro de nossas sociedades. Aquilo que fazemos
hoje será determinante para o tipo de sociedade que desejamos ver instaurar-se, tanto no
que se refere aos seus valores quanto ao bem-estar material e cultural de seus cidadãos. A
educação para a sociedade contemporânea deve projetar no futuro a imagem dessas
sociedades e antever as qualidades que as mulheres e os homens terão de ajudar a
construir. Para isso, ela deve não apenas reagir, mas também agir, fundamentada na ética e
na justiça, portanto, esse é um dos princípio que se propõe entender sobre a educação ao
longo desta dissertação. Trata-se de uma necessidade absoluta, se quisermos nos precaver
contra os efeitos indesejáveis do predomínio, em nossa sociedade, da tecnologia, da
concorrência e das mídias, pois, se não tomarmos cuidado, elas podem levar à
“desumanizaçãodos valores e da cultura. A questão não é rejeitar o progresso científico e
técnico, mas, ao contrário, zelar para que ele se incorpore de forma harmônica ao tecido
social e cultural e aos valores essenciais do ser humano, cuidando para que as diferenças
o aumentem as desigualdades. Nesta época, caracterizada pelo rompimento dos valores e
estruturas da família e da sociedade, a educação ainda é o meio de reconstruir esse tecido
social, originando um novo Humanismo, centrado no “tornar-se humano” nas relações, no
“viver humano”. Para tanto, nesta pesquisa, a ética é entendida como um processo de
construção do homem, que irá orientar as atitudes, a fim de não sucumbir à reificação de
um mundo globalizado, que acentua o econômico, a fragmentação e a exclusão. O
Humanismo, numa concepção ética, não irá se resumir em definições, mas num modo
fundamental de existir, em um modo de ser, um modo de estar no mundo.
Palavras-chave: Homem, ser, ética, modernidade.
8
ABSTRACT
The education occupies more and more space in people's life and it is a long term
process which the plurality of objectives is an essential characteristic. It constitutes the link
between the past and the future of our societies. That we do today will be decisive for the
kind of society that we want to see to establish, as well what it refers to their values as to
their citizens' material and cultural well-being. The education for the contemporary society
should project in the future the image of those societies and before the qualities that
women and men will have to help build. So that, it should not just react, but also to act
based in ethics and in justice, however that is the principle that it intends to understand
about the education along this dissertation. It refers of an absolute need, if we want to
guard against the undesirable effects of the prevalence in our society of the technology, of
the competition and of media, so, if we don't take care, they can take to the
"unhumanization" of the values and of the culture. The subject is not to reject the scientific
and technical progress, but the opposite, to care so that it incorporates itself in a harmonic
way in the social and cultural and in the human being's essential values, being careful so
that the differences don't increase the inequalities. In that time characterized by the
breaking of the values and structures of the family and society, the education is still the
way to rebuilding that social fabric creating a new humanism that is centered in becoming
human in the relationships, in the human living. For so much in that research the ethics will
be understood as a process of the man's construction, that will guide the attitudes in order
to not to give in to the reification of a globalized world that accentuates the economical,
the fragmentation and the exclusion. The humanism in an ethical conception won't
summarize in definitions, but in a fundamental way of existing, in a way of being, a way of
being in the world.
Word-key: Man, being, ethics, modernity.
9
INTRODUÇÃO
O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta, esfria, aperta e daí
afrouxa, sossega depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem. O que
Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre e mais, no meio
da alegria, e ainda mais alegre no meio da tristeza. O certo era a gente estar
sempre bravo de alegre, alegre por dentro, mesmo com tudo de ruim que
acontecesse, alegre nas profundas. Podia? Viver é um negócio muito perigoso,
porque ainda não se sabe, porque aprender a viver que é viver mesmo. Uma das
coisas mais importantes da vida é isso: que as pessoas não estão acabadas mas
estão sempre mudando. Afinam, desafinam, verdade maior foi a vida que me
ensinou. Mestre é aquele que de repente aprende (Guimarães Rosa).
1.1 A vida é uma aprendizagem constante...
Digo: o real não esta na saída, nem na chegada: ele se dise para a gente é no
meio da travessia (Guimarães Rosa).
Trazer ao debate o tema Humanismo, como uma proposta para a educação na
dinamicidade e complexidade atual, é propor uma reflexão que tem como pedra angular o
antropocentrismo. Entendo que só ocorrerá um desenvolvimento, sendo priorizado esse
elemento central que é o homem, frente aos diversos cenários sociais, políticos e
econômicos. A recuperação da concepção histórica dos gregos até alguns fatos marcantes
do presente, proposta nesta pesquisa, não significa prender-se simplesmente ao passado,
numa atitude saudosista; ao contrário, busca-se compreender o processo de construção do
conhecimento humano a partir do humano, em uma perspectiva dialético-reflexiva. Nesse
sentido, faz-se necessário, com base em problemáticas do presente, imergir em elementos
10
do passado para melhor compreendê-las e, por conseguinte, conjecturar possibilidades para
o futuro, mesmo que estas sejam utopias.
O objetivo desta pesquisa será entender o Humanismo numa concepção ética no
contexto atual, tendo a educação como possibilidade de resposta às situações. Estará sendo
tomada a ética como linha norteadora do comportamento humano, a qual possibilitaria uma
educação humanística.
A breve existência com a terra só terá sentido se houver a aprendizagem, a
transformação, pois, como diz Bombassaro (2004, p. 08), “não nascemos humanos, mas
nos transformamos humanos com o outro, nas relações”. No passado, s encontramos
nosso ponto de partida, a origem de nossos pensamentos, que só terão sentido enquanto
movimento. O movimento é vida, arte, cultura, é transformação, e como dizia Raul Seixas,
“eu prefiro ser uma metamorfose ambulante”. Hobsbawm (2000, p.13) tamm afirma que
“determinada etapa histórica não é permanente, que a sociedade humana é uma estrutura
bem-sucedida porque é capaz de mudança e, assim, o presente não é seu destino final”.
Esses pensamentos me sugerem uma experiência bem particular, que me leva a
refletir e a me interessar sobre o tema do Humanismo numa ótica educacional. Inicio
minha trajetória de vida, partindo de princípios simples de vida na década de 60, cercados
de necessidades e dificuldades, mas, nem por isso, distantes de princípios morais familiares
de respeito ao ser humano, mas, em todos os momentos, contendo gestos humanos típicos
da vida simples do interior.
A vida pobre e simples do interior, em momento algum, inviabiliza ou possibilita
maior ou menor grau de moralidade e princípios éticos, com isso, acredito no poder que
emerge da educação, na dignidade e ética vinda pelos sentidos, da percepção de como as
coisas são, de como se percebe e de como se aprende. A percepção de que a educação não
se resume em uma instância delegada a educadores em escolas, mas é também junto a isso,
um processo que se dá ao longo da vida, iniciado no meio familiar, social e ocorrerá ao
longo da vida.
Provenho de uma família católica, praticante, de princípios religiosos intensos e em
que se acentuam normas e crenças presentes na religiosidade popular. Na década de 70,
ingressei no seminário franciscano, na Ordem dos Frades Menores Conventuais, e, por
doze anos, convivi com os frades, sendo um deles. Os muitos princípios humanos que
tragoo provenientes dessa rica experiência de vida.
Posteriormente, na década de 80, as ter deixado a vida religiosa, parto para uma
experiência de sobrevivência em São Paulo e Curitiba, uma descoberta de um universo
11
muito rico e de muitas análises de grande valia para a formação e crescimento do eu
itinerante próprio da natureza humana. Na seqüência, por um período de cinco anos,
mergulho em um universo cultural totalmente diferente do até então conhecido, o norte do
país, mais precisamente o estado do Ama. A experiência me proporcionou uma revisão
de certos conceitos e de vida, am de grandes e ricos conflitos.
o bastando essas grandes diferenças culturais, busco uma outra extremidade, o
sul do país, no Rio Grande do Sul, onde trabalho, vinculado à Universidade Federal de
Santa Maria, no Ensino Médio do Colégio Agrícola do município de Frederico
Westphalen.
Minha experiência pedagógica, isto é, minha atuação docente, iniciou como
catequista, com a formação de lideranças jovens e Comunidades Eclesiais de Bases no
ABC Paulista. Também trabalhei com catequese familiar e formação de seminaristas,
enquanto docente na região metropolitana de Curitiba e no norte do país, pelos oito
municípios do estado do Amapá, e, por fim, na capital, Macapá. Há quatorze anos venho
trabalhando no Colégio Agrícola de Frederico Westphalen, como professor, e junto à
comunidade, com trabalhos sociais. Desempenhei a função de Diretor Geral nesta
instituição de ensino por um período de seis anos, o que me possibilitou uma visão
completa do trato e das relações humanas, assim como suas expectativas.
A minha diversidade de atuação enquanto professor e viajante desse mundo,
nenhuma delas distante da relação com o ser humano, levaram-me a refletir a dimensão do
ser e suas relações no contexto com o outro e com o mundo. Percebi, a partir de mim
mesmo, as inúmeras e múltiplas transformações que ocorreram.
Fazendo uma viagem ao universo da experiência de forma mais detalhada, vou
explicitar o que poderia nortear e sustentar as razões de refletir sobre o tema da
especificidade humana, o Humanismo, pelo fato de não haver como duvidar de que a
riqueza dos escritos, dos testemunhos de vida, é um estilo de reflexão e filosofia, e
conforme a problemática do homem contemporâneo, estes constituem um elemento de
orientação, como um farol a iluminar constantemente a trilha de nossa existência.
Em minha experiência, no contato com a estrutura social de norte a sul do país,
após ter saído de uma vida de seminário, fiquei um longo tempo desempregado, batendo de
porta em porta, para desempenhar funções insignificantes, e cada oferta continha
exigências e requisitos esdrúxulos. Hoje isso me possibilita refletir sobre algumas das
bases de equilíbrio humano e cultural, de valoração do indivíduo enquanto sujeito de sua
história, de seus sonhos, metas e utopias.
12
O desemprego é uma situação que merece ser melhor explorada em nossa
sociedade, pela existência de um percentual elevado de desempregados, e por sua
implicação na vida do indivíduo, de caráter moral, ético, econômico e familiar. Isso leva a
um desajuste das estruturas que mantêm um sistema. Poderíamos retroceder na história,
pois muitos dos grandes conflitos da humanidade são provenientes de algum desajuste
social ou desequilíbrio econômico, propiciando novos rumos. A situação de desemprego
enquanto experiência, os longos dias e horas nas filas de emprego, que o sistema me
impôs, foram válidos. Isso possibilita uma fala relevante e significativa, proveniente deste
conhecimento de uma realidade, proporcionando uma “práxis educativa ctico -dialógica”
em articulação com algumas das angústias e preocupações do homem moderno. De acordo
com Henz, “Teoria e prática, então, não mais serão dicotômicas, mas uma ajudará a pensar
a outra numa necessária, permanente e dialética relação processual em que uma possibilita
a outra a encontrar a sua razão de ser” (2005, p.147).
Segundo Bombassaro, “é na aceitação da diferença que se dá ao homem a
possibilidade de construção do mundo propriamente humano” (2001, p.72). Em minha
prática profissional no norte do país, mais precisamente no Amapá, no contato com a
diversidade cultural, surgiram novos desafios. Lembro-me muito bem de que fiquei alguns
meses em uma situação de desconforto, sem atividades para fazer. Estava acostumado a
um dinamismo, a preencher o tempo com afazeres. Revendo esse período, considero como
a melhor preparação e treinamento que tive, pois o fato de não ter atividade alguma, fez
com que me aproximasse e conhecesse um universo cultural diferente, que inicialmente me
causava estranheza. Mas, com o tempo, os preconceitos, indagações e curiosidades deram
lugar a entendimento, aproximação e à compreeno de que o homem se faz e se constitui
no dia-a-dia, conforme afirma Henz: “é pela reciprocidade de corpos conscientes
pronunciantes, intersubjetivamente, irmos percebendo as forças e possibilidades, os limites
e obstáculos, as correlações e intenções presentes e possíveis no mundo social-humano
(2005, p.144).
Estando em Macapá, lecionei as disciplinas de Filosofia, Psicologia, História da
Educação, Sociologia e História Geral, com que minha formação possibilitava trabalhar, e
que, além disso, me permitiam manter uma constante reflexão e análise da existência a
partir de fatos ocorridos. Segundo Henz, a atuação do docente em sala de aula tem que ser
crítico-reflexiva, autônoma e democrática, possibilitado um confronto, uma releitura das
teorias e do mundo que lhe dará novos sentidos e horizontes,
13
uma vez que as práticas educativas estão perpassadas por um mundo vivo de
interações, encontros e subjetividades e reificações que muitas vezes ocultas,
precisam ser decodificadas e desveladas para que homens e mulheres possam nos
descobrir pelo processo de decodificação da história e do mundo, da vida em que
estamos nos fazendo gente, tanto pelo trabalho como pelas palavras, tanto pelos
sentimentos e emoções como pelas idéias (HENZ, 2005, p.145).
Percebo uma ontologia humanística, a necessidade da valoração humanística nessas
concepções e correlações que ocorrem.
O homem vive, interage, transforma, se adapta, cria relacionamentos, em busca de
uma sobrevivência de forma simples, alocada ao seu tempo e espaço, com seu universo
constituído. Nesse sentido, a concepção do indivíduo, de valor, de ética, nasce do
interacionismo simbólico. São esses fatos que irão pautar e fundamentar uma reflexão, a
posterior, com o intuito de levantar elementos de uma nova concepção de Humanismo para
a educação, mesmo porque, nosso país, composto de inúmeras células isoladas,
encontrando-se ilhas de prosperidade, distantes da realidade dos demais, é um país de
discrepâncias, agressões e alienações, de injustiça. De norte a sul, de leste a oeste, há
situações que o sistema insiste em não ver. Lugares de escalada violência, e de agressão
aos valores humanos, uma negação aos princípios mais básicos: a dignidade humana.
1
“Para o pensamento humanista, somente se admitida a igualdade de todos os seres
humanos pode-se pensar a humanidade” (Bombassaro, 2001, p.72).
O distanciamento social, político e econômico presente nas mais diferentes esferas
e a crescente colonização do mundo da vida
2
o alguns dos principais problemas de nossa
época, orientados pelo poder e pelo dinheiro, gerando, nessa esfera, ações estratégicas
instrumentais com o intuito de conquistar interesses particulares, próprios ou de grupo,
pautados nas prerrogativas “poder” e dinheiro”. A criança, a mulher, o índio, o idoso, o
1
Estou aqui me reportando a uma das questões da pesquisa, da necessidade de rever, diante da situação de
abandono humano e da falta de dignidade e justiça, os parâmetros e nossa concepção de vida. Este dado
mudou o contexto social e econômico cultural. Precisamos rever os parâmetros do humanismo, precisamos
de um novo humanismo, tendo em vista as situações de injustiça, de exploração da vida, de desrespeito aos
valores mais básicos, à dignidade humana.
2
Por sua vez, o mundo da vida representa, segundo Habermas, o lado oposto da esfera sistêmica, pois ele é o
espo onde ocorre de modo espontâneo, natural e intuitivo, a produção simbólica e cultural da sociedade. A
lógica que orienta as ações que nele se desenvolvem não é só o dinheiro e o poder, mas principalmente o
entendimento baseado num “consenso de fundo”. Ao interagirem entre si no mundo da vida, as pessoas
empregam a linguagem, via de regra, como fim para se entenderem mutuamente. Portanto, o que marca a
diferea entre mundo da vida e sistema é o fato de que a linguagem é empregada no primeiro nem sempre
como meio para se atingir fins particulares, mas sim como fim em si mesma para buscar o entendimento
entre os participantes. (DALBOSCO, 2003:06) Trabalho vinculado ao
Núcleo de Pesquisa em Filosofia e
Educação
(Nupefe) e ao projeto de pesquisa
Teorias da Ação e Educão
.
14
cidadão em geral, isto é, o ser humano, sua dignidade como pessoa é relegada a esferas
subjacentes, justificada por teorias e fórmulas
3
.
Na correlação com o Humanismo, revela-se presente o aspecto natural intrínseco do
humano, percebido nas idas experiências do Oiapoque, identificado nas aldeias com o
índio; no Jarí, no contato da vivência nas palafitas, as grandes cheias e alagamentos
evidenciando uma sombra do desespero e da impotência humana; no Mazagão Velho, onde
há resquícios da cultura portuguesa; no Curiaú, um dos redutos ainda vivo de quilombos;
no Calçoene, onde tive contato com o garimpo; no ABCD paulista, meu contato com a
grande metrópole; e tamm em Curitiba, Frederico Westphalen, Passo Fundo. O encontro
com tal qualidade inerente ao humano, ocorrido em todos esses lugares, vem a elucidar que
“as ações verdadeiramente pedagógicas têm a ver com a vid a das pessoas e as relações
pessoais, exigindo muitas vezes a transgressão do instituído e estabelecido, inovando,
modificado, alargando horizontes em função da sensibilidade e do respeito para com
homens e mulheres que estão buscando ser mais” (HENZ, 2005, p.151).
A natureza humana é a que nos iguala, nos torna semelhantes nas situações, regiões,
ultura, traços específicos, distantes ou perto. Faz-nos ser humanos. A constituição humana
transpassa esses dados aparentes. A estranheza é momentânea, o tempo e o espaço são
fundamentados em um paradigma temporal que determina as características, com
capacidade de conhecer e transformar, de indagar, de saber.
Lembro-me ainda enquanto religioso, frei, desempenhando minhas atividades,
orientações e ritos religiosos apropriados a cada momento, previstos e solicitados pelo
cristão católico, nesses momentos sentia e percebia a busca incessante do ser humano sua
esperança, na busca de um sentido para a vida, frente às inúmeras adversidades que as
situações lhe opunham. A busca e o acreditar que é possível um outro mundo, de
preferência aqui na terra, com dignidade, justiça e ética.
Nos muitos lugares em que passei, vi o ser humano jogado à própria sorte, que,
levantando as possibilidades de uma vida justa e digna, hoje, é mínima. Há locais
específicos, em nosso país, que necessitam de força extra para o homem continuar a existir.
o enquanto espaço territorial, mas enquanto espaço de realização da vida humana de
3
Nesse fluir instantâneo, vejamos os últimos acontecimentos na política brasileira, nesse ano de 2005: a
partir de influências econômicas (as “maracutaias”), a indignação, a falta de horizonte digno e ético se
apodera do povo. Levantam-se, aqui, algumas questões, sem o intuito de respondê-las, mas a título de
reflexão: Que valores éticos, permeiam esse cenário? O que faz com que estes políticos permaneçam e
retornem ao poder? Por que calamos? Qual a linguagem, o simbolismo presente nesses atos? O que é
dignidade humana, poder, política, para esses envolvidos? Deparamo-nos com um grande mosaico humano
doente.
15
sonhos e desejos. As mudanças ocorridas no cenário mundial de ordem social, econômica,
política, tecnológica, proporcionaram diferentes impactos no modo de o homem conviver e
se relacionar, e o tão grandes que não mais é possível seguir e pensar um mundo digno
para si e para os outros. Isso não é possível individualmente; há a necessidade de
interferência coletiva, para a melhora das condições de vida em certos lugares. Portanto,
Educar-se e educar requer o reconhecimento e a palavra de seres humanos como
sujeitos cuja constituição se dá por processos de reciprocidades reflexivas,
intersubjetivamente, partindo da realidade para ressignifi-la e tomá-la nas
próprias mãos; tomando consciência do instituído que condiciona, mas não
determina fatalisticamente, podemos construir tempos e espaços instituintes,
onde tudo se e como projeto, como sonho de “inéditos viáveis”, desafiando a
cada uma e a cada um a “dizer a sua palavra” como ação consciente e
engajamento na construção e re-construção da história, do mundo, da própria
existência humana (HENZ, 2005, p.151-152).
Neste contexto de se fazer educação, de se fazer história, eu percebo, enquanto
professor em um Colégio com sistema de internato, com alunos oriundos de mais de
setenta municípios, provenientes de cinco estados, que muitos alunos residem e estudam no
mesmo lugar, porém, em espaços diferentes, com concepções e sonhos diferentes,
altamente propícios para as indagações e reflexões da existência humana, em meio a uma
diversidade de interesses, informações e perspectivas. Não quer dizer que conseguimos o
resgate da humanidade “perdida”, “roubada”, “diminuída por quem ou de quem quer que
seja”. Na possibilidade de práxis educativo-crítico-reflexiva que se apresenta na realidade
educacional em que trabalho, “os questionamentos e as perguntas vêm carregadas d e
cultura, história, posição e classe, sentimentos, denúncias, esperanças, pré-diálogo, escuta,
problematização, sensibilidade, participação, esperança, saberes”. (HENZ, 2005, p.148).
Portanto, estou imbuído de um sonho, de uma educação enraizada no Humanismo com
ideais de justiça, ética, dignidade, um jeito de ser e uma forma de valorizar o homem e o
meio.
Acreditando na possibilidade de um outro mundo, melhor, na ação humana, na sua
interferência educativa para enfrentar a colonização do mundo, da vida com seus
desajustes, assim como suas possibilidades, foco a pesquisa educacional humanística como
temática de minha dissertação e de minhas reflexões.
Essa dissertação tem o intuito de não deixar que me distancie da reflexão e de
acalentar algumas angústias e buscas que pairam em minha mente, diante de um cenário de
16
crise educacional e da falta de legitimidade da escola. Hoje, nós, educadores, lidamos com
um indivíduo que necessita de bases formativas para viver dignamente e humanamente, a
fim de compreender a existência de outras possibilidades.
Minha formação filosófica, de cunho humanístico, me possibilitou bases sólidas,
como também a educação familiar e religiosa me fizeram aprender, desde muito cedo, o
valor da escola e da educação. Sempre foi-nos transmitido que o passaporte do futuro
estava na escola, ou seja, o segredo do nosso sucesso profissional estava em estudar, e isso
dependia de nós.
Hoje, como aluno do mestrado em educação da UPF, percebo, com muito mais
clareza, a minha certeza na escolha pela Filosofia como curso de graduação e a
especialização em Didática Aplicada à Educação Tecnológica. Penso que a educação no
Brasil não é levada a sério pelos governantes, ou seu ritmo de desenvolvimento é tão lento,
que fica difícil perceber mudanças significativas.
A breve trajetória pessoal acima sinaliza uma força emocional muito intensa e
sincera. Isso é válido, pois sabe-se que algumas pessoas, por diversos motivos, não têm a
certeza de que são únicas ou de que sempre estiveram onde estão, pois a contínua
miscigenação e movimentação ao longo do globo, enfim, a globalização imbrica sujeitos e
acarreta tais indefinições.
A humanidade atravessa momentos difíceis. Os valores de sustentabilidade da
existência da “teia da vida” estão em franca decomposi ção. Através do aumento assustador
da violência generalizada a vida foi banalizada. A violência cresce assustadoramente, em
suas múltiplas dimensões, na família, na escola, na ecologia, nos esportes e na sociedade
em geral, nos quatro cantos do mundo e já há ameaças à paz e a continuidade existencial
do próprio planeta, dos seres humanos e de todos os seres vivos. A humanidade está em
busca de uma saída.
Vivemos uma crise sem igual, por seu aspecto avassalador. É uma crise vital: pela
primeira vez, na parcela histórica conhecida, a espécie humana corre um risco iminente de
autodestruição total. Mais do que isso: a própria vida encontra-se ameaçada no planeta que
os antigos gregos, com sua visão orgânica, denominavam Gaia
4
, a deusa da Terra.
Bauman, em seu livro Modernidade Líquida, trabalha a questão como “estágio
fluído da modernidade”, que se manifesta nos mercados abertos e no fato de que a elite
4
Gaia, na mitologia clássica, personificava a origem do mundo, o triunfo e ordenamento do cosmos frente ao
caos, a propiciadora dos sonhos, a protetora da fecundidade e dos jovens.
http://www.nomismatike.hpg.ig.com.br/Mitologia/Gaia.html(Acesso,23/01/2006)
17
global domina sem estar presente. “O engajamento ativo na vida das populações
subordinadas não é mais necessário (ao contrário, é fortemente evitado como
desnecessariamente custoso e ineficaz)e ainda mais a necessidade de reformulações
quanto à eficácia do pensamento modernos e de seus valores, carecendo novos
significados, “agora é o menor, o mais leve e, mais portátil que significa melhoria e
‘progresso’”. Em outro momento, o autor esclarece ainda a dinâmica do mundo de hoje: “é
a velocidade atordoante da circulação, da reciclagem, do envelhecimento, do entulho e da
substituição que traz lucro hoje não a durabilidade e confiabilidade no produto” (2001,
p.21). Bauman faz saber o que está errado com a sociedade, em seu entender. Ela deixou
de questionar, não reconhece nenhum tipo de alternativa para si mesma, portanto, sente-se
absolvida do dever de examinar, demonstrar, justificar a vaidade de suas suposições. Mas
o quer dizer que deixou ou perdeu a capacidade crítica, ao contrário “somos seres
reflexivos que olhamos de perto cada movimento que fazemos, e que estamos raramente
satisfeitos com os resultados e sempre prontos a corrigi-los. No entanto, essa reflexão e
crítica, como diz ele, não vai longe. “Somos talvez mais predestinados à ctica, mais
assertivos e intransigentes em nossas críticas que nossos ancestrais em sua vida cotidiana,
mas nossa crítica é, por assim dizer, ‘desdentada’, incapaz de afetar a agenda estabelecida
para nossas escolhas na ‘política-vida’” (2001, p.31).
E, para entender o pensamento de Bauman a respeito da modernidade,
acompanhamos o que ele diz:
A sociedade que entra no século XXI não é menos “moderna” que a que entrou
no século XX; o máximo que se pode dizer é que ela é moderna de um modo
diferente. O que a faz tão moderna como era mais ou menos há um século é o
que distingue a modernidade de todas as outras formas históricas do convívio
humano: a compulsiva e obsessiva, contínua, irrefreável e sempre incompleta
modernização; a opressiva e inerradicável, insaciável sede de destruição criativa
(ou de criatividade destrutiva, se for o caso: de “limpar o lugar” em nome de um
“novo e aperfeiçoado” projeto; de “desmantelar”, “cortar”, “defasar”, “reunir
ou “reduzir”, tudo isso em nome da maior capacidade de fazer o mesmo no
futuro em nome da maior produtividade ou da competitividade) (2001, p.36).
Essa completa desordem social mundial não pode ser explicada simplesmente a
partir de fatos e exemplos estarrecedores que levam ao questionamento da ação do homem,
mesmo que estes possuam fundamentos racionais e uma base de raciocínio lógico. Essa
desordem social reflete antes uma mudança de pensamento, uma nova consciência do
18
homem da pós-modernidade, cujas idéias antes “pareciam tão firmemente controladas ou
pelo menos ‘tecnicamente controláveis” (BAUMAN, 1999 , p.65).
Bauman, referindo-se à política mundial, diz:
Em poucas palavras: ninguém parece estar no controle agora. Pior ainda o
está claro o que seria, nas circunstâncias atuais, “ter o controle”. Como antes,
todas as iniciativas e ações de ordenação são locais e orientadas para questões
específicas; mas não há mais uma localidade com arrogância bastante para falar
em nome da humanidade como um todo ou para ser ouvida e obedecida pela
humanidade ao se pronunciar. Nem há uma questão única que possa captar e
teleguiar a totalidade dos assuntos mundiais e impor a concordância global
(1999, p.66).
Partindo do exposto acima, a modernidade é uma fênix
5
recém-nascida, majestosa e
assustadora, de olhos fechados, de costas para o passado, a nos propor desafios políticos
radicais e intrigantes enigmas éticos.
A nossa tarefa, como educadores, é determinar que tipo de fênix renascerá, com
uma educação pautada para a transformação com rumos, que habita e irradia, somente
assim poderemos visualizar o ser humano e seus valores.
A superação da tradição, da violência, da dominação política, da exploração
econômica, da destruição do meio ambiente, do histórico enfrentamento cruel entre povos
e nações, da barbárie de todas as matrizes, do ódio arraigado, das novas e modernas
apropriações tecnológicas, em detrimento da realização da plena condição humana para
todos, são condições que exigem corações e mentes, mãos e palavras sensíveis e ternas
para empreender a tarefa de produzir a cultura da paz, da tolerância, da igualdade entre os
sexos, povos, nações e religiões.
O 11 de setembro de 2001, assim como suas conseqüências, que resultaram em
guerras “justificadas” pela caça ao terrorismo, e pela morte de americanos “que podem
matar, mas não podem morrer”, e em vários atentados ocorridos em diversos países, com
os seus inevitáveis e imprevisíveis desdobramentos, pode ser compreendido como um
5
A fênix, ave da mitologia grega, ilustra bem a capacidade de reconstrução do ser humano. Conta-se que ela
era um grande pássaro, semelhante a uma águia. Alimentava-se de incenso e raízes perfumadas. Vivia 500
anos e, antes de morrer, construía seu ninho em forma de piara, com cinamomo, nardo e mirra. Deitada nesse
ninho perfumando, exalava seu último suspiro. Queimado pelo sol, seu corpo transformava-se em cinzas, de
onde nascia uma nova ave para viver mais 500 anos. http://www.centro-
filos.org.br/?action=materiasCoruja&idCoruja=4, (Acesso, 28/08/2005)
19
fatídico símbolo, que precisa ser navegado e interpretado. Evidentemente, aponta para um
impasse de espécie e para uma humanidade cronicamente doente, numa UTI planetária.
Estamos diante do abismo e não temos mais tempo, a maior doença que se
apoderou do ser humano no final de século XX e início deste século XXI é a normalidade,
a patologia da normalidade. Nos acostumamos a tudo, às grandes aberrações que estão à
nossa volta, já não estranhamos mais as agressões ao ser humano, à natureza, à arte, e à
cultura. “O preço do silêncio é pago na dura moeda corrente do sofrimento humano
(BAUMAN, 1999, p.11)
6
.
Uma atitude mundial alheia ao ser humano, atônita, enfraquecida, incomodada, mas
impotente diante da exploração humana, pode ser identificada através das ações em relação
a crianças, mulheres, idosos, pobres, migrantes, negros, nações. Mesmo dentro do
“império”, como pudemos averiguar por ocaso da passagem do furacão Katrina, no dia
31 de agosto de 2005 em New Orleans, nos EUA, existe um despreparo para enfrentar
situações catastróficas, prevalecendo a desigualdade, evidenciando-se a arrogância, e o
imperialismo para com outros povos e nações.
O sistema corrompido predominante, diante dessa patologia social descrita acima,
cria cenários alienantes e satisfaz o indivíduo, proporcionando a manutenção de um
sistema econômico excludente.
Penso que a educação humanística e suas categorias
7
é a proposta adequada, que
através dela podemos encontrar a porta de saída desse futuro incerto que escureceu a
abóbada celeste da realidade humana. Urge tomar-se uma decisão, antes que os homens
anunciem seu fim como lobos sedentos, matando uns aos outros. Porque o maior naufrágio
é o não partir. Lembro a metáfora utilizada por Crema
8
para entender o papel da educação.
Diz ele:
No ocorrido nas ilhas da Ásia, o tsunami devastou tudo o que estava na área de
seu alcance, no entanto, nenhum elefante e nenhum aborígine nativo morador das
ilhas estavam entre os mortos. O fato é que eles escutaram a terra, ela avisou
com antecedência, enviou recados do que ia ocorrer (informação verbal).
6
Volta-se a fazer referência ao tema proposto da necessidade de pensarmos uma nova educação, que venha a
fazer refletir sobre nosso senso de justiça e ética.
7
Essas categorias estão mais explícitas mais adiante em minha dissertação, quando abordo o caráter da
educação humanística e da ética. Mas, a princípio, acredita-se que devam partir da mudança de postura do ser
humano. Essas mudanças, que são na verdade hábitos, devem ocorrer com indivíduos presentes dentro das
estruturas econômicas, sociais, políticas, culturais, criando assim novos modelos.
8
Roberto Crema foi palestrante no 3º Congresso Nacional de Educação para o Pensar e Educação Sexual
Filosofia, Educação e Estética Educação para Sensibilidade: por uma estética dos relacionamentos,
realizado nos dias 18 a 21 de julho de 2005, Florianópolis SC.
20
Ao que me parece, a educação não está ensinando o homem a escutar a terra, há
muitos sinais dos rumos que estão sendo dados, o sistema está desabando. No Brasil, “a
maioria morre de fome, e a minoria morre de medo de quem morre de fome”. Os sinais
estão sendo dados todo o dia, é como um telefone que toca, só que não escutamos.
A metáfora da rã
9
expressa a realidade de nossos dias. Acostumamo-nos, não
ouvimos, ficamos inertes. A humanidade está soçobrando, é um titanic sendo partido ao
meio diante de toda a incredulidade e espanto da humanidade. Em tempos de tragédia e
deslocamentos, precisamos educar para a vida, a crise possibilita crescer, possibilita
retomada. Nós não nascemos prontos, estamos nos auto-fazendo, nos auto-constituindo e a
educação é o elo, a possibilidade, a educação passa a ser um processo connuo e histórico
que se redimensiona a cada momento.
Acredito que, através da educação, podemos responder a um desafio ético
ontológico para a completude humana. Os novos signos, linguagem e sentidos promulgam
um novo tempo. E ela tem de estar sempre interpretando os significados advindos deste,
para dar respostas aos desafios, escutar o que a terra diz estranhar.
Pretendo demonstrar, neste trabalho, que a escola deve ter uma postura reflexiva,
10
uma função pedagógica, que o viver em sociedade vai implicar normas e regras que
precisam ser entendidas e cumpridas, além de que, para o funcionamento de uma
sociedade, há que se formar um cidadão que compreenda, que tenha capacidade de se
posicionar. Aí entra o processo educacional formativo, como suporte para o
desenvolvimento humano integral.
o estamos prontos, nos fazemos, nos constituímos a cada instante nas relações,
nos processos conjuntos de descobertas, nas resignificações de sinais e linguagens do
mundo no instante que vivemos, com afinco e determinação, podendo mudar a própria
história. Um educar que vislumbre um projeto de homem, com capacidades de conviver
em sociedade em um desenvolvimento harmonioso e sadio.
Esta é uma tarefa muito árdua, de modo particular para o educador que tomou
consciência da dramaticidade e desumanidade das atuais estruturas sociais, políticas e
econômicas. O professor Balduíno Antônio Andreola (2005) se interroga se ainda é
9
Conta-se da experiência que foi feita: colocada uma rã em uma panela de água quente ela salta, e ao colocar
uma rã em uma panela com água fria e ir aquecendo, a rã morre sem perceber o que causou sua morte.
10
Quando se fala em “postura reflexiva”, parte -se do princípio que, para uma mudança ser duradoura, ela
necessita de reflexão, isto é análise da ação. Caso contrário, mergulha-se num ativismo, perdendo-se a
dimensão e a condições de parâmetros. A reflexão dita aqui é uma reflexão que leva à conscientização e
produz uma ação de mudança e de transformação. Quando se utiliza o temo “reflexão”, é tomado como uma
práxis-reflexiva.
21
possível falar em diálogos inter-cultural e inter-religioso diante do quadro atual de guerra,
de fome, de miséria, de doenças, da mortalidade infantil, de destruição galopante do
Planeta Terra e da distância cada vez maior que separa e isola as elites privilegiadas das
massas populares nos países ricos, mas sobremaneira nos países pobres ou com graves
problemas de desigualdades sócio-econômicas.
Acredito que o quadro de inércia, do conformismo social e político, da impunidade
e, mais precisamente, da acomodação, também no sentido de nos acostumarmos com uma
situação, é tão grave como as inúmeras agressões que vêm sendo praticadas abertamente
aos nossos olhos, à luz do dia.
Na perspectiva de Humberto Maturana de que os seres humanos são seres culturais
e não só biológicos, e na premissa de Rocco Caporale de que tornamo-nos humanos no
“viver humano”, o processo de humanização depende da relação cultural com ele, não
ocorre da noite para o dia, é necessário um trabalho exaustivo e de longo tempo. Será
propósito desta dissertação elucidar, através da educação, os ideais de ética, justiça,
dignidade e insatisfação do ser humano, no intuito de promoção dos valores do humano,
projetando um ideal humanista capaz de promover o ser humano como o fim
supremo da vida e do desenvolvimento na agenda econômica, social e cultural.
[...] A aceitação do ser humano como valor fundamental indica que é a ética o
elemento constitutivo do humanismo (BOMBASSARO, 2001, p.71).
Nossa existência não se manifesta só pela representação que s fazemos de s
mesmos. Nós somos humanos quando situamos nossas ações. O que me torna humano é a
ação enquanto homem, não sou humano só porque nasci na espécie humana, mas vou me
tornando humano, o homem é o único filhote que precisa de aprendizagem por mais que
esteja no ápice da existência dos seres vivos: eu preciso me educar.
Esse processo de educação humanística se dá através das práticas que se
apresentam frente ao ser humano, na natureza e na própria interioridade. A relação na
natureza segue um processo articulado e a visão que temos dela é a partir de metáforas e da
concepção da relação com o homem, uma relação de poder. Com o ser humano a relação é
hierarquizada, s não somos iguais, estamos marcados por uma relação de poder. Isso é
próprio da natureza humana, é histórico.
22
A questão que se coloca, diante desse aspecto constitutivo da natureza humana, é
como vamos fazer com que toda essa diferença não se transforme em desigualdade? Nós
temos de achar uma maneira de existir, de que as diferenças não se transformem em
desigualdades. Nós vamos nos humanizar através de práticas humanizantes, através de
ações encadeadas, e não avulsas. Nós nos tornamos humanos a partir de princípios,
significações, ninguém é humano sozinho.
Assim, em certo sentido, a globalização implica um acesso mais amplo, mas
o equivalente para todos, mesmo em sua etapa teoricamente mais avançada.
Do mesmo modo, os recursos naturais são distribuídos de forma desigual. Por
tudo isso, acho que o problema da globalização está em sua aspiração a garantir
um acesso tendencialmente igualitário aos produtos em um mundo naturalmente
marcado pela desigualdade e pela diversidade. [...] Assim, em minha opino,
um dos problemas do século XXI será determinar quão forte podem ser os
obstáculos a essa crescente homogeneização (HOBSBAWM, 2000, p.75).
A educação é a ação mediadora da prática, não se nasce sabendo, é preciso ter uma
reflexão autônoma, é preciso desenvolver uma reflexão, criar condições para esse homem
contemporâneo que não é um ser, mas um devir.
Temos uma referência básica e universal, que irá pautar toda nossa proposta
educacional para uma maior dignidade do ser humano, para um convício humano ético. O
ponto de partida é a dignidade humana: precisamos checar seus valores básicos. Se a
humanidade não abrir os olhos, pode sim cair em um precipício, como vem sendo dito por
muitos críticos contemporâneos.
Nunca foi tão importante o sentido a ser dado às coisas como agora. Faz-se
necessário conhecer para transformar, estudar para mudar o rumo do “trem”, porque “do
jeito que está aí não cabe todo mundo”. É necessário um outro olhar, uma outra lógica,
porque a lógica do sistema que está aí é comprometida.
Há uma sensação de insatisfação e a depressão tornou-se a maior doença do final
do século XX. Constata-se que a riqueza traz menos do que parece trazer. Vive-
se um paradoxo: riqueza e abundância material, por um lado, e sofrimento
interior, psicológico e emocional por outro (ROSSATO, 2002, p.31).
23
s somos seres históricos, o processo de humanização é o processo de fazer-se
homem. Em nosso convívio com o outro, no dia-a-dia, há foas humanas e materiais que,
ao invés de ajudar, o transformam em “coisa”. A reificação do homem vai anulando sua
identidade e exigindo dele trabalhos e coisas alienados. A idéia de que o aparato
tecnológico vai resolver os problemas da humanidade, da civilização moderna, implodiu
diante da bomba de Hiroxima.
Vivemos um novo momento, com quebras de paradigmas. Formulações, teorias e
valores tidos como válidos passam a não ter mais sentido de um momento para outro. Os
sistemas e estruturas ao redor estão mudando rapidamente, a cada minuto recebemos
milhões de informações, no estereótipo da pós-modernidade, precisando rever conceitos e
conhecimentos. O cenário global, também chamado de globalização e pós-modernidade,
segue um caráter ideológico produzido pela intelectualidade ornica a serviço da
burguesia. Existem interesses reais para essa concepção de globalização e pós-
modernidade, razões que pretendem esconder as barbáries e as relações de exploração e
massificação.
E para melhor compreender a situação de crise que instaura a condição humana na
modernidade, Bombassaro nos diz que
Essa crise tem suas raízes na modernidade que encobriu a verdadeira questão
sobre o humano, graças ao grande avanço científico e tecnológico e às
promessas de um admivel mundo novo. Uma crise que, como doença,
constitui o mal-estar de toda a civilização (Freud), uma crise profunda de todos
os valores morais, uma crise que destrói a vida (Nietzsche). Como decorrência
dessa crise, somos obrigados a reconhecer uma espécie de declínio da confiança
na razão e a relativização das posições teóricas que afirmam a excelência do
humano [...] Mas essa crise, por outro lado, engendra positividade, pois é ela
que e a filosofia em movimento, no sentido de ampliar a compreeno do
sentido do humano no limiar de um novo milênio (2005, p. 10).
Muitos são os desafios para a educação na atual conjuntura. Cabe, antes de tudo,
recuperar seu objetivo e inventar e reinventar a civilização sem a barbárie, sem deixar de
entender a atual crise por que passa a sociedade. Essas crises provêm de modelos
econômicos que não amenizam as distâncias entre ricos e pobres, mas, ao contrário, dão
sustentação à elite econômica, garantindo seu capital e sua ampliação. Os projetos
educacionais, nesse contexto, procuram ajustar e redimensionar, sem grandes choques
sociais. Daí a necessidade de repensar o caráter pedagógico e sua ação educativa.
24
Ao final do século XX e início do século XXI, o manejo das coisas humanas ficou
mais difícil, vivemos uma industrialização e uma urbanização desenfreada. O homem
trancou-se em casa, s chave e cadeados nas portas e grades nas janelas, trancando
também seu coração. Saviani ilustra isso, dizendo que estamos em meio a uma “Torre de
Babel”, onde cada um fala uma língua e ninguém se entende.
A educação está nesse meio, sem rumo, sem saber para onde vai. Como humanizar
as relações da escola frente a um quadro difícil como esse? O homem é um ser que
aprende. Cabe à educação desempenhar uma ação de aprendizagem dignificante,
transmitida de geração a geração à condição humana.
Em vista das contradições que tomam o mundo como cenário, não perdendo de
vista os projetos emancipatórios da humanidade, cabe à escola, em sua ação pedagógica
que nasce num contexto, assumir valores que provem a solidariedade com todos os
oprimidos e os fracos, com as exigências de defesa da vida, de promoção de sua qualidade
e de solidariedade. O processo educativo deve favorecer tanto a aquisição de
conhecimentos quanto a construção de atitudes e valores éticos que formam o caráter dos
seres humanos em vista de uma sociedade mais humana.
Com o passar do tempo, a modernidade traz um novo conceito de ser humano, isto
é, “o homem como sujeito de sua própria história”, o sujeito como senhor de seu próprio
destino. Esse sujeito autônomo assume novas características a partir do século XIX: sem
negar a idéia de autonomia, vai obrigar o ser humano, na sua concretude histórica, a não
mais ser desvinculado de sua história e do social.
Emerge desse novo conceito um novo perfil antropológico, isto é, a finitude
11
do
homem, e cada vez mais ele toma conhecimento dela. Esse novo perfil de homem deve
apontar um novo perfil de educação, pois educação não se faz sem o conceito de homem
que vai sendo definido na sua ação.
O novo perfil antropológico, como em qualquer outro momento da história
educacional, se for ele comprometido com o conhecimento e com uma educação séria,
precisa do pensamento e da investigação das seguintes questões: Qual é a compreensão de
educação? Qual é a compreensão de ser humano? É necessário verificar o ponto de partida
da reconstrução do conhecimento, que é prerrogativa da escola. O homem se faz e se
humaniza nas inter-relações, éticas e humanísticas, elementos chave de crescimento e
realizações.
11
A finitude, tão importante quanto a maturidade ou outros momentos da vida tidos como essenciais, dá um
tom de sobriedade à avaliação dos valores e hábitos do ser humano.
25
A raça humana triunfou indubitavelmente na ciência e na tecnologia, mas fracassou
“redondamente” na construção da dignidade humana e dos valores éticos, culturais e da
paz. Nenhum sucesso obtido pelos seres humanos, nos moldes tecnológicos, em qualquer
setor da sociedade, compensou o fracasso na trajetória de construção da dignidade humana.
Rossato elucida bem esse avanço ocorrido:
Aquilo que aconteceu no século XVIII e XIX, definitivamente será aprofundado
no século XX, sobretudo na segunda metade: se antes dominava o ritmo da
fábrica, no século XX domina o ritmo da invenção, da inovação e da criação. O
processo tecnológico alcança parâmetros impensados e surgem novos
conhecimentos diariamente. O ritmo de transformação no campo da produção
alcança com a informática um novo patamar. [...] A renovação se faz de
maneira tão acelerada que alguns pesquisadores e cientistas afirmam que nos
últimos 20 anos do século XX, sob o ponto de vista tecnológico a humanidade
avançou tanto quanto nos últimos 20 séculos. Portanto, cada ano do final do
século XX, avançou mais ou tanto quanto um século no passado. De forma que
em um ano de existência o homem hoje assiste a mais mudanças do que uma
pessoa assistia durante o tempo de sua vida. (Artigo não publicado UPF 2005)
Considerando que é a pesquisa que dá subsídios e embasamento para indagações e
construção da realidade, bem como abertura para novas propostas de atuação, é vital sua
realização, paralela ao processo educativo, descobrindo novos rumos para a educação
humanística, novas concepções de entender e relacionar-se com o outro. Isso possibilitaria
uma nova dinâmica, um novo sentido de ver a vida, sem ignorar os avanços científicos e
tecnológicos, nem as críticas ao Humanismo, que possibilitam uma análise e uma ação
efetiva dos discursos da dignidade humana.
Hobsbawm afirma que não é justo ignorarmos o século XX, pois nele tivemos
muitos avanços, a sociedade vive melhor hoje que no passado, mas a preocupação fica e,
quanto ao futuro, do ponto de vista da tecnologia, sem dúvida, o próximo século continuará
a acelerar o triunfo do gênio humano: em termos econômicos ele será mais rico, e talvez
ele seja capaz de se adaptar aos novos ambientes e de usar as enormes forças à sua
disposição sem destruir a si mesmo.
26
Porém, o que não vejo com clareza é o futuro das relações políticas e culturais
entre os seres humanos. Pois grande parte das soluções, grande parte das
estruturas que herdamos do passado foram destruídas pelo dinamismo
extraordinário da economia na qual vivemos. E isto está lançando um número
crescente de homens e mulheres numa situação em que não podem mais
recorrer a regas claras, perspectivas, senso comum; uma situação em que não
sabemos mais o que fazer de nossas vidas, tanto no plano individual como
coletivo. [...] Seu futuro é obscuro. É por esse motivo que, no final do século,
o consigo olhar para o futuro com muito otimismo (HOBSBAWM, 2000,
p.195).
Cabe, numa perspectiva humanística, refletir o caráter ético e bioético e os avanços
da ciência numa preocupação de construir uma sociedade mais humana. Nesse sentido,
somente uma reflexão ética pode nos levar a reconhecer que a liberdade e a
responsabilidade são valores constitutivos do humano, priorizando algumas reflexões no
sentido de uma responsabilidade solidária, de uma análise crítica das ações direcionadas às
necessidades do ser humano para um viver mais solidário e humano.
Baseado nas ponderações acima, pretendo, com este projeto de pesquisa, entender o
Humanismo e refletir sobre o Humanismo ética da educação na contemporaneidade, em
que procuro identificar elementos ético-ontológicos para a educação na sociedade pós-
moderna como possibilidade de promover o ser humano como o fim supremo da vida e do
desenvolvimento na agenda econômica, social e cultural. Pretende-se, com isso,
compreender que, através da ética, da justiça, da dignidade humana, há a possibilidade de
um desenvolvimento econômico, social, político e histórico; e compreender tamm as
implicações da formação humanística na escola. Pretendo saber quais elementos seriam
necessários para uma educação humanística nas nossas escolas no mundo de hoje para a
construção de um homem mais ético e justo.
A finalidade da pesquisa é lançar bases para o aprender a viver junto pela educação
humanística, congregando a ética, a filosofia, a ontologia, a dignidade, a justiça, o respeito,
as ciências redimensionadas para a educação. São apresentados um sonho e uma utopia;
enfim, nutre-se esperanças de que um outro mundo seja possível: este é um dos objetivos
desta dissertação. Assim, neste trabalho, coloco as minhas expectativas de aprender e
pesquisar sobre um assunto que me atrai enquanto profissional e enquanto pessoa.
27
1.2 Questões norteadoras
a)
Como podemos compreender o Humanismo em uma sociedade pós-moderna e
quais suas implicações junto ao indivíduo?
b) Como entender a ética, no contexto atual?
c) Como entender a educação, em uma sociedade pós-moderna, com a incumbência
de arregimentar forças para uma prática humanística, em uma realidade visivelmente
abatida e estarrecida com fatos grotescos e desumanos?
d) Quais seriam os elementos necessários para uma educação humanística?
e) Como entender a pós-modernidade e suas influência para com o indivíduo?
f) Quais seriam os elementos necessários para um resgate da dignidade humana?
g) De que forma a educação poderia influenciar no processo de integração do
indivíduo no mundo moderno?
h) Ainda é possível falar em Humanismo em uma sociedade desintegrada e pós-
moderna?
i) Quais as necessidades e aspirações do homem da sociedade moderna?
j) Qual o ideal de homem no Humanismo educacional?
1.3 Objetivos
Dentre as questões da pesquisa acima mencionadas, que servirão como viés
norteador, partir-se-á de uma concepção de educação humanística ética, buscando
responder o que é uma educação humanística e qual o novo Humanismo para a educação
hoje.
Para atingir os objetivos propostos, farei uma releitura do Humanismo, tendo como
ponto de partida a concepção grega de homem, educação e Humanismo até a pós-
modernidade. Abordar-se-á o homem na sua complexidade social e existencial na pós-
modernidade, identificando elementos de uma educação humanizadora, a saber: o
Humanismo como conceão ética da educação na contemporaneidade.
Destacarei, a partir de referenciais teóricos, o ser humano como o centro da vida e
das diversas relações sociais na pós-modernidade, detendo-me nas categorias que
28
identificam uma educação humanizadora: a ética; a justiça, a ontologia e a dignidade
humana, características dessa educação. Um dos objetivos, portanto, é propor, a partir de
referenciais teóricos, a educação como processo de humanização, a partir de uma
concepção de Humanismo.
O trabalho partirá do enfoque de um homem fragmentado, sem rumo, perdido em
meio a um universo de informações. Um homem tragado por valores de um sistema
neoliberal que absorve e anestesia em troca de uma relativa satisfação de suas
necessidades.
O presente trabalho está pautado na angústia e incompletude humana da sociedade
pós-moderna, saturada tecnologicamente, mas sedenta de seu autêntico ser, na necessidade
de preencher um vazio existencial.
Este trabalho está situado em uma época de globalização, em uma sociedade pós-
moderna. Portanto, vem no sentido de refletir a necessidade de humanizar as tendências
globalizantes possíveis no mundo de hoje. Analisa, dessa forma, uma possibilidade de
menor desigualdade econômica, social e cultural entre pessoas, grupos e instituições, tendo
em vista ser um agravante a redistribuição de renda praticada atualmente no mundo,
principalmente nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, o que propicia
maiores desajustes e agressões aos seres humanos.
O presente projeto localiza o homem como resultado da história, de uma opção
feita, mecanicista e racionalista. Neste ponto, é preciso “refazer”
12
o caminho, não
ignorando o que foi feito, mas mantendo vivas fontes e referências de possíveis caminhos,
sob pena de repetir os mesmos erros.
Caminhar-se-á ao longo do trabalho no intuito de obter uma fundamentação
histórica para, só assim, ter subsídios. A história é tomada como referencial, como
exemplo e modelo, e como localização em tempo e espaço, possibilitando um confronto
com o “outro”.
O maior incentivo para a realização desta pesquisa vem da minha necessidade de
buscar sempre, pois penso que ninguém alcaa um desenvolvimento sem a oportunidade.
Eu quero ter essa oportunidade de desenvolver muitas coisas, principalmente quando me
vejo pesquisando sobre educação, sobre o Humanismo. Isso me envolve e desafia, ao
12
Refazer, no sentido de propor algo a mais diferente, em meio o que existe. Não no sentido de exclusão e
extinção do que foi feito, mesmo porque isso seria absurdo: caminhar dentro de uma possibilidade humana,
em que indivíduos precisam viver suprindo suas necessidades e de seus semelhantes; propor algo em um
sistema que restringe a viabilidade da expressão humana ante o econômico; refazer, num sentido de que um
outro mundo é possível.
29
mesmo tempo em que me realiza profissionalmente, pois é algo em que o elemento
humano é determinante e dominante e em que eso presentes símbolos, valores,
sentimentos, atitudes passíveis de interpretação e decisão. Interpretação e decisão que
possuem, geralmente, um caráter de urgência.
A proposta que pretendo investigar está centrada no “tornar -se humano” nas
relações, no “viver humano”. o se resume a definições, mas refere-se a um modo
fundamental de existir, a um ser que está no mundo.
Pretendo encaminhar a minha pesquisa na perspectiva de uma formação ética e de
uma prática reflexiva, construindo conhecimentos, problematizando e identificando o
Humanismo como um viés para a educação na sociedade pós-moderna, como possibilidade
de promover o ser humano como o fim supremo da vida e do desenvolvimento na agenda
econômica, social e cultural, como está expresso no título deste trabalho: Humanismo: uma
concepção ética da educação na contemporaneidade.
1.4 Metodologia
Esta pesquisa terá como interlocutor um vasto referencial teórico, especificamente
selecionado e altamente qualificado para a compreensão do tema, através do qual buscarei
entender o processo dialético-reflexivo referente ao assunto e sua abordagem qualitativa.
Ao delinear os procedimentos metodológicos, tem-se presente que a pesquisa não é
uma realidade definitiva, mas é um trabalho em processo não totalmente controlável ou
previsível. Adotar uma metodologia significa escolher um caminho, um percurso, sendo
que, muitas vezes, este requer ser reinventado a cada etapa. Precisa-se, então, não somente
de regras, e sim, de muita criatividade, imaginação e dedicação.
Esta pesquisa inscreve-se numa abordagem bibliográfica, de análise de
posicionamentos, pensamentos, sugestões, análise e estudos já feitos no tocante ao tema
educação e Humanismo. Pesquisar é um conjunto de ações propostas para encontrar a
solução para um problema ou a elucidação da questão em estudo. Escolher um tema de
pesquisa significa eleger uma parcela delimitada de um assunto, estabelecendo limites ou
restrições para o seu desenvolvimento.
Nesse sentido, o tema da proposta em investigação transita por vários autores, que
expressam, em suas diretrizes teóricas, a realidade e a esperança de verem a humanidade e
30
a educação terem maior qualidade e dignidade, mais alegria e aprendizagem, encarando o
Humanismo como um jeito de ser, uma maneira de existir, colocando o homem como
centro da vida humana. Para Paviani, “o humanismo não assume aqui uma forma adjetiva,
mas constitui uma ‘realidade ético-ontológica’ um modo fundamental de existir no mundo
(2000, p.27). Nesse sentido, faremos uso, para compor a revisão teórica, das escritas de
Arno Dal Ri Junior, Celso Ilgo Henz, Cristóvam Buarque, Edmund O’ Sullivan, Eric
Hobsbawm, Fritjof Capra, Gomercindo Ghiggi, Gilles Lipovtsky, Jacques Delors, Jaime
Paviani, Miguel G. Arroyo, Leonardo Boff, Luiz Carlos Bombassaro, Paulo Freire,
Ricardo Rossato, Ricardo Timm de Souza, Zygmunt Bauman, entre outros, na perspectiva
de que a confluência destes contributivos teóricos enseje a compreensão da realidade
acerca da educação humanística.
Percebe-se, através da leitura dos autores citados, que uma das grandes
aprendizagens é saber compartilhar para redescobrir, já que o olhar de pesquisador
vasculha lugares já visitados, sendo importante o modo diferente de olhar, e, ainda, que
pesquisar é uma grande aventura, que exige rigor, criatividade, dedicação e espírito de
busca.
Essa é a nossa perspectiva, na abordagem do tema “humanismo não é uma religião,
é uma razão de viver(JUNIOR; PAVIANI, 2001, p.23). Tal concepção supõe a imersão
do cientista no seu objeto de investigação, para assim poder captá-lo em sua realidade
cultural e histórica, na medida em que dela participa. Nessa perspectiva, “a construção do
humanismo é, portanto, obra da humanidade inteira aberta e ecumênica(JUNIOR;
PAVIANI, 2001, p.23); o pesquisador busca visualizar o seu objeto no contexto cultural e
histórico em que ele se situa, considerando também a sua própria história pessoal e
cultural, que vai direcionar a forma como ele próprio percebe os significados e sua
articulação. No processo de compreensão de sentido, sempre há uma “fusão de
horizontes”: o horizonte dos autores da pesquisa, do contexto da análise e o horizonte do
próprio pesquisador, em tensão permanente.
O objetivo, entretanto, reafirmo, não é generalizar, mas compreender
significados,
refletindo sobre as suas implicações, na tensão permanente entre igualdade e diferença, no
que é comum e no que é particular, e no horizonte de compreensão do pesquisador e dos
dados bibliográficos pesquisados, entre o contexto cultural específico e os
condicionamentos materiais concretos que a sociedade pós-moderna sofre nesse contexto.
Para trabalhar o Humanismo como opção ética ontológica da educação na
contemporaneidade, entendendo assim uma seqüência lógica, serão desenvolvidos em
31
quatro capítulos. Tome-se o presente capítulo como o primeiro. No segundo, farei uma
retomada sintética da concepção de Humanismo, homem e educação, desde os gregos até a
idade pós-moderna. Nessa trajetória altamente longa e complexa, deter-me-ei nos aspectos
da concepção de Humanismo, de homem e de educação, partindo dos gregos; a seguir,
abordando a Idade Média, com foco no pensamento da igreja no século XIII e, a seguir, a
Idade Moderna, dando ênfase ao Renascimento e ao Iluminismo, além da Modernidade
propriamente dita. Concluindo esse capítulo, abordarei a Pós-Modernidade.
No terceiro capítulo, serão mais detalhadas a Modernidade e a Pós-Modernidade, os
avanços tecnológicos e o negligenciamento do ser humano em relação à sua totalidade.
Será demarcado o lugar do homem, com todas as problemáticas e diversos referencias
teóricos críticos e dialéticos. Os itens, para uma melhor compreensão desse assunto, serão:
o homem, a globalização, a educação. A temática girará em torno da construção de homem
a partir de um período e de uma mentalidade tecnicistas, vindo a priorizar a máquina, a
tecnologia, em detrimento do homem. Nesse capítulo, serão evidenciados os grandes
desajustes sociais, a discriminação e violência praticadas pelo sistema e pelo homem.
Nesse capítulo, tratarei de um homem fragmentado, violentado ética e moralmente por um
sistema econômico, prioriza elementos que causam um desajuste a seu favor, excluindo
uma maioria.
No quarto capítulo, por sua vez, estará sendo abordada a educação frente ao
Humanismo, suas implicações e perspectivas de esperança no resgate da dignidade humana
e valorização do homem. Buscarei identificar, nas Instituições de Ensino Superior (IES) e
nas escolas, um lugar e um espaço ideal de possibilidade de resgate, desde que
fundamentado cientificamente e humanamente, um espo legítimo de esperança e de
representação. “Gostaria de pensar numa universidade que retorne a falar à sociedade, que
o seja somente um espo de erudição ou de produção de diplomas e títulos formais para
inserção na vida social. Enfim, uma Universidade que recoloca valores que os projete na
sociedade” (JUNIOR; PAVIANI, 2001, p.12).
As considerações finais, que finalizam o presente trabalho, trazem algumas
conclusões, decorrentes da trajetória proposta desde o início, a saber, o Humanismo como
opção ética da educação na contemporaneidade. Concluindo ainda, serão sugeridos alguns
itens para reflexão, a partir de uma concepção de Humanismo e de algumas categorias da
educação, eletivas, quais sejam: a dignidade, a ética, e a justiça; para um posterior
aprofundamento, além de novos vieses de busca.
32
2 DOS CLÁSSICOS À PÓS-MODERNIDADE
Os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e tempestades.
Epicuro (341-270 a.C.), filósofo grego.
2.1 Os textos clássicos
O momento presente oportuniza uma refleo sobre como foi o século XX, quais
foram os momentos importantes e suas conseqüências para as gerações futuras. Oportuniza
uma avaliação dos comportamentos humanos, dos conglomerados econômicos e ações
políticas, possibilita ainda ações e configurações para uma ação pautada no humano, como
demonstra a seguinte formulação: “o século XX é a situação sócio -histórico cultural
particular na qual fracassou definitivamente uma espécie de promessa de conciliação,
vigente na raiz do otimismo não do pensamento, mas do próprio logos grego” (SOUZA
apud SOUZA, p.83).
O estudo dos clássicos vem dar sustentação a ações do presente, numa perspectiva
de resgate do homem, como diz Paviani: “portanto, o humanismo latino, como qualquer
conceito, nasce da necessidade de se buscar uma solução para o perigo que ameaça o
homem contemporâneo” (2001, p.98).
E, nesse sentido, para uma compreensão, faz mister o retorno aos ideais gregos de
educação e de homem, refletindo, assim, o ideal de Humanismo e de mundo. Daí o sentido
de fracasso empregado acima, que vai muito mais longe do que se pensa, pois abrange a
totalidade das repercussões da Paidéia grega, que “com efeit o, foi uma idéia ou ideal de
homem que inspirou todo o conjunto de procedimento práticos e teóricos da genuína
33
Paidéia grega”, (PERINE, 2001, p. 170), expressa na filosofia através de Sócrates, Platão,
Aristóteles e Isócrates, e que aspirava à idéia de homem universal. “Os gregos adquiriram
progressivamente a consciência de que o processo de educação consistia ‘na modelagem
dos indivíduos pela norma da comunidade’” (Idem p. 170), não de forma demagógica, mas
a partir da realidade no convívio da pólis. E as análises de Perini identificam que a idéia de
homem que se revela na Paidéia grega é a do homem político, isto é, sempre vinculado a
uma comunidade, ao mesmo tempo condição para a sobrevivência dos indivíduos e lugar
do exercício efetivo daquilo que os gregos designaram como o específico do homem, a
saber, a sua capacidade discursiva.
A idéia de homem e a idéia de cidade estão, portanto, profundamente vinculadas
na cultura grega, e o vínculo entre elas é estabelecido pela educação. Com
efeito, era por meio da educação que se podia fazer com que as capacidades
naturais se tornassem possibilidades realizadas, isto é, era a educação que
permitia que uma concepção da natureza humana, em estado bruto, pudesse ser
conduzida a uma concepção da natureza humana tal como ela poderia ser se
realizasse a sua idéia ou, o que é o mesmo, o seu
telos
(PERINI, 2001, p.171-
172).
A idéia de homem dos gregos tem sua validade universal e normativa, uma
concepção de que, através da educação (compreendida como formação física e intelectual),
modela-se o indivíduo e tornam-se possíveis diferentes concepções de natureza humana.
Os gregos dão um salto qualitativo na história em sua visão de educação, homem e
sociedade: educa-se para se viver na lis
13
.
A idéia de o homem ser um animal político e de que, na política, estariam presentes
as maiores virtudes, além de um sistema de realização social para proporcionar a felicidade
do cidadão, demonstra uma concepção de homem com justiça e equilíbrio.
Fazer política, para os gregos, era uma arte. Em Roma, aparece o Senado, composto
por homens considerados sábios, na prática, proprietários de terra. Nasce a idéia de nação,
estado, cultura, governo, país.
A idéia de homem grego é de homem urbano, de sociedade. Portanto, a seguir serão
trazidos vários legados da história para melhor compreender esse homem e sua ação, um
13
Naturalmente esse não é o pensamento da Grécia e dos gregos, no entanto, há setores dessa sociedade que
fundamentam essa idéia. O mundo grego contém divisões e separações do homem livre e do escravo, e entre
estes alguns eram cidadãos. Os traços de grandiosidades e de relevância para o mundo de hoje residem em o
homem ser o centro, e na existência de fisofos que fundamentam suas idéias no pensamento. Os romanos,
diferentemente, mais transmitem do que criam.
34
universo de fatos e atitudes que marcarão a história. Surgirão os pilares da Modernidade,
surgirão na história idéias liberais: “o homem lobo do próprio homem; “todos contr a
todos”. O estado natural é superado por um estado social, organizado pela razão. É uma
das temáticas em questão a seguir, com o intuito de fundamentar o homem na história.
2.2 Início do renascimento: revisão do mundo grego
O Humanismo é uma doutrina que tem por objeto o desenvolvimento das
qualidades do homem junto ao outro, na multiplicidade, num processo constante. A
doutrina dos humanistas
14
do Renascimento, que não surge da noite para o dia, é
proveniente de uma série de fatos sociais, históricos. A seguir, serão enumerados alguns
deles: por exemplo, o Grande Cisma (1378), que debilitou a autoridade da igreja e
favoreceu a Reforma; a Guerra dos Cem Anos (1328-1453); bem como as grandes
Invenções e os descobrimentos geográficos. Observam-se as implicações que provocaram
as invenções, a exemplo da ssola, que propiciou viagens mais arrojadas e conquistas de
novas terras, resultando enormes benefícios à ciência, à técnica e ao comércio. A pólvora
transformou a arte da defesa e do ataque e abriu perspectivas para a indústria, ainda em
embrião. A imprensa e o papel acarretaram sensíveis mudanças no mundo da cultura;
livros passaram a ser impressos e distribuídos, semeando frutos de vida e de morte,
restritos até eno aos copistas, e, mais precisamente, à igreja.
15
Tais acontecimentos
14
Ultrapassada a grande fase da Filosofia Escolástica, no final do século XIII, começaram as críticas aos
exageros dos silogismos de que se valiam os escolásticos e às banalidades dos assuntos por eles explorados.
O grande argumento, que dominou os derradeiros tempos desta escola filosófica, foi outro ponto ferozmente
alvejado pelos críticos que desejavam maior apelo à razão. Entre a multidão dos estudantes, todos dirigidos
pelas universidades religiosas, o espírito de crítica, que já aparecia nas esferas dos próprios filósofos, tomou
o aspecto de sátira, toda ela vazada em versos latinos, espalhados por toda a Europa. Estas poesias sensuais,
materialistas, cujos temas principais eram o vinho e o amor, levavam também críticas aos filósofos, aos
teólogos, não poupando abades, bispos e arcebispos. Foram estas duas correntes, a primeira filosófica, e a
segunda literária, que causaram o descrédito da escolástica e prepararam a volta ao paganismo greco-romano.
http://www.nomismatike.hpg.ig.com.br/Humanismo.html
15
O aumento dos manuscritos gregos, mas especialmente latinos, copiados e traduzidos, deu início ao grande
movimento de curiosidade intelectual por conhecer, através dessas obras clássicas, o pensamento, a cultura e
depois os próprios costumes dos pagãos. O trabalho de procura e de tradução passou a ser profissão rendosa e
dignificante. Um grande grupo de homens de inteligência tomou a si esta tarefa, constituindo o que depois se
chamou os Humanistas. Ao movimento intelectual e artístico se deu o nome de Humanismo. O fundamento
etimológico destas duas palavras (humanismo, humanistas) estava em que as obras dos autores greco-latinos,
lidando diretamente com seres humanos, procuram interpretá-los, na poesia, no teatro, nos estudos filosóficos
e morais, de que a Idade Média havia se afastado, estudando, de preferência, as relações entre o homem
35
preparam a Renascença que, por sua vez, adotou uma concepção do homem e do mundo
baseada na personalidade humana livre e no momento presente. Esta nova maneira de
encarar a vida provocou um tipo diferente de educação, chamada humanista, cujo objetivo
era a formação da personalidade humana, em contraposição à vida proporcionada pela
igreja, nos monastérios, uma vida claustral. Daí o termo humanidades, para designar
estudos preferencialmente humanos, em oposição aos estudos teológicos, relativos ao
divino. Reabilitando as nguas e literaturas antigas, esse retorno convencionou-se chamar
de Renascimento,
16
o renascer da cultura greco-romana. Como escreve NERADUA “Trata -
se do afastamento da escolástica medieval e de dar ao homem uma posição central no
universo” (2000, p.79).
Os fundamentos do Renascimento são, também, o caminho para o Iluminismo,
17
visto existir correlação, de muitos séculos, do antigo regime com o sistema feudal, que era
um aparelho estruturado para uma finalidade específica, a partir de vários elementos
internos e externos que o obrigaram a compor uma estrutura, inicialmente para conter as
invasões dos bárbaros
18
. Tal sistema teve uma desenvoltura na sua estruturação e
conjuntura, chegando a um ápice. Estando no auge, e não existindo mais viabilidade para
sua estrutura, fez-se necessário buscar e criar medidas para conviver com a culminância do
sistema, e dois séculos as o apogeu, marca-se a queda do sistema feudal.
Ao mencionar “queda, é importante observar q ue, na queda ou passagem, aparece
implicitamente uma nova sociedade que nasce de uma nova ordem econômica que surge,
de um novo homem que emerge. A queda da estrutura do sistema feudal é inevitável.
Também é entendida como transição, pois nasce para uma finalidade específica, para a
cristão e Deus, colocando-o, portanto, em esfera superior, recolocava o homem no seu plano meramente
natural, não supranatural ou religioso. http://www.nomismatike.hpg.ig.com.br/Humanismo.html
16
A Renascença abriu as portas para a liberdade, que procurou afirmar-se no terreno estético e, também no
religioso. Relacionando-se com este segundo aspecto, surge a Reforma, movimento que principia na
Alemanha, no século XVI, e pelo qual parte da Europa contestou a autoridade do Papa e da Igreja Católica
(ROSA, 1999, p.139).
17
Corrente de pensamento, também chamada de Ilustração, dominante no século XVIII, especialmente na
França, sua principal característica é creditar à razão a capacidade de explicar racionalmente os fenômenos
naturais e sociais e a própria crença religiosa. A razão humana seria então a luz (daí o nome do movimento)
capaz de esclarecer qualquer fenômeno. Representa a hegemonia intelectual da vio de mundo da burguesia
européia e, assim, rejeita as tradições e ataca as injustiças, a intolerância religiosa e os privilégios típicos do
Antigo Regime, abrindo caminho para a Revolução Francesa. Tem início no Renascimento, com a descoberta
da razão como chave para o entendimento do mundo, e seu ponto alto no século XVIII, o Século das Luzes,
difundido nos clubes, salões literários e nas lojas maçônicas. Fornece o lema principal da Revolução
Francesa: "Liberdade, igualdade, fraternidade". Fonte: http://www.conhecimentosgerais.com.br /historia-
geral/ iluminismo Acesso em: 17 fev. 2005
18
Povos não romanos: vândalos, visigodos, ostrogodos, lombardos, normandos, suevos, borguihões,
alamanos, anglo-saxões, hunos, migiares, mongóis, francos.
36
contenção das invasões bárbaras, assim, no momento que a sociedade feudal estava pronta,
estava também superada.
Alguns elementos que contribuíram para a transformação da Idade Média Central
foram o crescimento demográfico proveniente do período de paz, as inovações
tecnológicas para a agricultura, as guerras e o processo de navegação. Dentre as expansões
européias, o principal elemento vem a ser as Cruzadas, de 1096 a 1270, que marcam o
apogeu do sistema feudal, motivadas pelas mesmas razões e mecanismos que levaram ao
seu surgimento: invasões e expansões para difundir e fortalecer um novo sistema
econômico que passa a ser ponto de sustentação para as grandes transformações que irão se
suceder. Analisando criticamente, o processo de invasão ou expansão ganha sentido a
partir da ótica utilizada.
As Cruzadas tiveram um papel importante no desenvolvimento do comércio,
através da reabertura do Mar Mediterrâneo, isto é, proporcionando um renascimento
comercial. Com este, surgiram associações, a exemplo das corporações de ofício, as
“guildase “hansas”, corporações municipais e intermunicipais. Outra conseqüência foi o
fortalecimento das feiras e da moeda e a maior circulação de mercadorias, no entanto,
ainda rudimentar e a partir de uma demanda preestabelecida.
A historiografia da Idade Média apresenta-nos duas visões ao mesmo tempo
opostas e complementares do século XIII. De um lado, todos os historiadores
reconhecem nesse século o zênite e como que o
clímax
da civilização medieval.
Nos cem anos que separam a criação da Universidade de Paris (1200) e os
agudos conflitos doutrinais que a sacodem em torno de 1300, o mundo medieval
conhece profundas mudanças nos campos econômico, social, político, religioso
e cultural. O eixo do poder desloca-se do sacral ao secular. Aos tempos de
prestígio de Inocêncio III sucedem-se os atribulados anos de Bonifácio VIII.
Doutro lado, essas mudanças, ao mesmo tempo em que atestam a pujança de
uma civilização em movimento, alimentam as crises que a encaminharão para
seu declínio e seu fim. O século XIII oferece, portanto, duas visões aos olhos do
historiador: a da civilização que avança para atingir a plenitude de suas
virtualidades criadoras e a da civilização que anuncia, nesse supremo esforço, a
exaustão de suas forças.(LIMA, 2002).
Nos séculos XIV e XV, houve a passagem da Idade Média para a Idade Moderna,
em meio a momentos difíceis e crises de retração de crescimento, proveniente de diversos
fatores, entre eles as mudanças climáticas; a fome; a peste negra, que exterminou um terço
da população européia; a Guerra dos 100 anos, no período entre 1337 e 1453 entre França
37
e Inglaterra, que esvaiu as reservas nacionais
19
. Após esse período, a Europa passa por um
período de relativa tranqüilidade, que gera outros problemas, como crescimento
demográfico, que demanda mais alimento e mais recursos. As soluções para essa carência
m a ser buscadas através das grandes navegações, descobrimentos, invenções e do
mercantilismo, desencadeando o início da Idade Moderna.
A Renascença e o Humanismo marcam um novo estilo de vida, uma filosofia cujas
preocupações não se centram em idéias abstratas, mas no homem concreto.
20
Nesse
sentido, o cartesianismo
21
é um Humanismo enquanto objeto de estudo. Houve muitas
variedades de Humanismo, religioso ou não, mas todas concordam que o homem é o centro
de seu estudo. Como afirmou o escritor latino Terêncio, há mais de dois mil anos: “Sou
homem e nada reputo alheio a mim do que é humano (NERADAU, 2000, p. 79). O
Humanismo, por sua vez, prega que todas as pessoas têm dignidade e valor e, portanto,
devem fazer jus ao respeito dos outros homens. É um voto de confiança no ser humano.
22
O Renascimento foi expressão do momento humanista, que tinha um sentido amplo
e permeava diversas áreas. Portanto o humanismo tinha sentido universalista, e envolvia
o só as letras como também a arte e as ciências. E se poderia dizer que o renascimento
era revestido de cores nacionais.
Emerge uma nova visão do mundo em que o homem, o indivíduo, no sentido mais
genérico, passou a ser o centro das atenções intelectuais. Segundo Aquino,
19
É interessante identificar a compreensão platônica do homem desse período: uma separação nítida entre
corpo e alma. Um mundo perfeito, mundo das idéias, e um mundo imperfeito, o humano. A expectativa de
vida girava em torno de 30 a 35 anos. A prioridade das pessoas era salvar a alma, o que denuncia amplo e
total domínio da Igreja. Tudo isso era favorecido pela sociedade estamental e de ordem, assim composta: a)
Clérigos
oratores
, voltados para o mudo espiritual. b) Nobres
bellatores
cuja atividade era a guerra e
a segurança. c) Servos
laboratores
que constituíam a força de trabalho, a quem cabia manter toda esta
estrutura. As características principais do sistema feudal eram a manutenção de economias autárquicas,
voltadas para a auto-suficiência (mas a busca pela auto-suficiência não quer dizer que ela existia); a
sociedade estamental ou de ordem; e a descentralização política, que passava o poder para as mãos dos
senhores feudais, sendo a Igreja também uma das maiores estruturas deste sistema, zelando pelo legado
cultural da escrita, dos estudos, de “contar a história”.
20
Desde o final do século XIV, na Itália, um certo número de homens cultos, os humanistas (da palavra latina
humanus
: polido, culto), havia se “apaixonado” pela recordação da Antiguidade Greco -Latina. Esforçam-se,
assim, por reencontrar e reunir as obras dos autores antigos, quase todas dispersas nos conventos e mosteiros,
onde os monges as haviam conservado e copiado ao longo da Idade Média (GIRARDET, R. e JAILLET, P.
apud AQUINO, 1993, p.79).
21
Movimento filosófico cuja origem é o pensamento do frans René Descartes (1596-1650), considerado o
fundador da filosofia moderna. http://www.algosobre.com.br/assunto/conteudo/cartesianismo. Acesso: 17
fev. 2005. Seu nome latino era
Cartesius
, daí seu pensamento ser conhecido como “cartesiano” (ARANHA,
1993, p.104).
22
Em um sentido estrito, os humanistas são os letrados profissionais, geralmente provenientes da burguesia,
eclesiásticos, professores universitários, médicos, funcionários, por vezes publicistas, a serviço de uma casa
editora, que exprimem a tendência da sociedade e lhe fornecem suas ferramentas intelectuais (MOUSNIER
apud AQUINO, 1993, p.79).
38
o rígido teocentrismo medieval, que centrava suas atenções na relação Deus-
homem, já foi substituído pela glorificação do humano, pela preocupação
homem-natureza. As pessoas interessadas nessa ruptura com as idéias medievais
buscavam inspiração nas obras greco-romanas para representar seu próprio
mundo (1993, p.78).
O Humanismo deve ser entendido como um movimento intelectual de
valorização da Antiguidade Cssica. o se tratava, porém, de apenas copiar as
realizações do Classicismo Greco-Romano; tal aspecto retiraria ao Humanismo
sua maior amplitude. O Humanismo, embora não sendo a rigor uma filosofia,
representou um movimento de glorificação do homem, tornado centro de todas as
indagações e preocupações. Constituía, em sentido amplo, uma tomada de
posição antropocêntrica em reação ao teocentrismo imperante na Idade Média,
época de predomínio da Igreja e da nobreza feudal e de posição social
subordinada da burguesia. (AQUINO, 1993, p.79).
Em função disso, os humanistas tenderam à valorização da produção cultural da
Antiguidade Greco-Romana, sem que isso queira dizer que pregavam um retorno ao
passado: tomavam-no apenas como fonte de inspiração.
Os humanistas não mais vão aceitar os valores e o modo de vida, enfim, o conjunto
da Idade Média: “O interesse pela Antiguidade era um meio para atingir um fim”. A
Antiguidade representava
aquilo que correspondia aos desejos que sentiam [...] pretendem encontrar nos
antigos o homem, considerado como um ser geral, impessoal, universal, que
existe, sob a mesma forma, em toda parte [...]. O humanismo é uma técnica da
vida cotidiana (MOUSNIER apud AQUINO, 1993, p.79).
O Humanismo teve suma importância, pois conduziu a modificações nos métodos
de ensino, enriquecidos pelo estudo das línguas clássicas (grego e latim) e pela maior
preocupação em estudar a natureza e desenvolver a análise e a crítica na investigação
científica. Igualmente, possibilitou maior conhecimento da Antiguidade, cujas realizações
poderiam servir de modelo nas atividades humanas, seja no campo literário e das artes
plásticas, seja nas instituições políticas e sociais. Além disso, gerou uma renovação
cultural que influiu diretamente no desencadeamento e na evolução do Renascimento.
39
Quero que o homem da Corte seja bem instruído nas letras e que conheça não
apenas o latim, mas o grego [...] Que conheça os poetas e também os oradores e
historiadores, e, além disso, que saiba escrever em verso e prosa,
particularmente nossa língua: am do prazer que terá, não lhe faltarão temas de
conservação com as damas [...] Eu o elogiarei também se souber diversas
línguas estrangeiras, particularmente o espanhol e o francês, porque o uso de
ambas é muito difundido na Itália [...] Quero ainda mencionar mais uma coisa
que, visto a importância que lhe concedo, não gostaria de ver esquecida: é a
Ciência do desenho e a Arte de pintar. (Segundo Baltazar Catiglione, em
O
Homem da Corte
, de 1528, apud ISAAC, J. e ALBA, A. apud AQUINO, 1993,
p.80).
Paralelamente, o estudo do homem e da natureza conduziu ao Renascimento
Científico.
É importante mencionar que o desenvolvimento que acontece no campo filosófico,
juntamente com as demais ciências que o rodeiam nesse período, no Ocidente, ocorre de
forma semelhante no Oriente. A reflexão a seguir aborda esse momento, de forma simples
e rápida, não desmerecendo sua importância, mas visando, ao contrário, lembrar que essas
reflexões também determinaram o rumo da humanidade.
É comum identificar, na Idade Média, um domínio filosófico cristão, chegando-se
mesmo a concebê-la como uma espécie de “idade cristã”. Mesmo privilegiando um campo
de natureza teológica, de domínio da filosofia cristã, a Idade Média produziu, de forma
independente, algumas outras correntes de pensamento. A inovação filosófica diversificou-
se no Oriente, mantendo, porém, o mesmo tópico em comum de inspiração, isto é: as
doutrinas religiosas. Devido a grandes conquistas, à extensão territorial, à diversidade de
povos e culturas, o Oriente garantiu não apenas grande poderio econômico e político como
também riqueza cultural, principalmente na literatura e na filosofia.
Também ocorre conflito entre fé e razão, como no Ocidente: islamismo e judaísmo
se assemelham ao cristianismo. Diversos pensadores buscam uma filosofia própria para
resolver esse problema, obtendo grande êxito.
De acordo com Chalita (2005, p.136), as reflexões que constituíam o pensamento
muçulmano dessa época se fundamentam no conhecimento científico que o islamismo
acumulou ao entrar em contato com diversas culturas. O principal veículo pelo qual os
adeptos da religião de Maomé absorveram o saber dos outros povos foram os textos
antigos, principalmente dos gregos; os pensadores muçulmanos dedicavam-se, com grande
empenho, à tradução das mais variadas obras científicas e filosóficas, cujos temas iam da
metafísica à medicina, passando por lógica, biologia, astronomia, música, entre outros.
40
Essa série de fatores proporciona à filosofia islâmica autonomia em relação às
doutrinas religiosas, tendo grande influência filosófica o pensamento de Aristóteles, por
ocasião da tradução de suas obras. Entre os pensadores islâmicos destacam-se Avicena
23
e
Averróis
24
, e do judaísmo, Maimônides
25
.
Entre uma das obras mais importantes de Avicena, segundo Chalita, está O cânone
da medicina, que, por sua vez, agrupa teorias sobre o funcionamento do corpo humano e
métodos de cura de doenças, tal como foram propostos por pensadores da Grécia antiga e
do Império Romano; também eso presentes descobertas feitas por médicos muçulmanos
e, em menor número, observações que o próprio Avicena recolheu durante o atendimento a
seus pacientes (2005, p.138).
Ainda segundo Chalita, a principal contribuição de Avicena para o pensamento
medieval é sua doutrina sobre essência e existência. São dois termos que, para a filosofia,
representam categorias muito importantes.
Avicena argumentava que, na origem de tudo que existe, está Deus, o criador de
todas as coisas. Somente nele, Ser infinito, onipotente e eterno, essência e
existência estariam unidas, porque Ele não tem origem ou, dizendo de outra
forma, Ele é a origem de si mesmo (CHALITA, 2005, p.139).
Averróis foi um seguidor de Aristóteles, tornando-se um dos maiores comentaristas
de suas obras. Atras de seus comentários sobre a filosofia antiga, integra-a à realidade
social, histórica e religiosa de seu tempo. Ele não defende que os filósofos devam
23
Ibn Siná, conhecido no Ocidente como Avicena (980-1037), passou toda a sua vida na Pérsia, em terras
que hoje fazem parte do Irã, no Oriente Médio. Ainda criança, ganhou fama graças à sua memória
prodigiosa; era capaz de decorar extensos poemas e textos religiosos inteiros. Seu pai, diante das
potencialidades demonstradas pelo jovem, providenciou que ele recebesse uma educação ampla, em cncias
e em doutrina religiosa. O jovem Avicena superou as expectativas do pai e dos mestres, dominando diversos
conhecimentos sobre medicina, lógica, teologia, geometria e astronomia. Aos 21 anos, já tinha uma sólida
reputação como médico, profissão que exerceu em muitas cidades para onde viajou; dessas viagens nasceram
vários de seus escritos (CHALITA, 2005, p.137).
24
Nascido em Córdova, na antiga Espanha sob o domínio muçulmano, Abu al-Walid ibn Ruschd, ou
Averróis (1126-1198), descendia de uma respeitada falia de juristas. Estudou medicina, teologia e, em
filosofia, conheceu a fundo tanto as idéias dos pensadores islâmicos quanto a obra dos filósofos da
antiguidade grega, especialmente Platão e Aristóteles. Trabalhou como médico particular do califa, de quem
ganhou simpatia num curto espo de tempo, e posteriormente veio a ocupar em Córdova o cargo de juiz,
cujas funções incluíam, além de ministrar a justiça, uma significativa parcela de poder de governo sobre a
cidade (CHALITA, 2005, p.141).
25
Nascido em Córdova, (1135-1204), Moshe ibn-Maymon, ou Maimônides, pertencia a uma família culta e
respeitada pela comunidade local. Ainda criança, já impressionava os seus mestres com a sua inteligência,
dentre eles o seu pai, de quem recebeu boa parte de seus conhecimentos de filosofia e teologia. (CHALITA,
2005, p.143).
41
governar, mas sim as pessoas realmente habilitadas a pesquisar e descobrir o mais
verdadeiro e interior significado da vontade divina, expressa pelo texto sagrado e pela
tradição religiosa. Também chama a atenção para alguns contextos de desigualdade,
porém, de forma parcial, e buscando suporte em elementos econômicos. Entretanto, não
pôde sustentar sua filosofia publicamente, pois esta ia de encontro ao pensamento social e
teológico da época.
Maimônides, considerado o maior dos pensadores judeus medievais, procurou
conciliar os princípios religiosos com os conhecimentos e métodos proporcionados pela
filosofia, tendo exercido grande influência tanto no meio judaico como fora dele.
Portanto, assinale-se que o pensamento oriental, mesmo mantendo as inspirações
teológicas para suas construções racionais, muito contribuiu para a difusão do pensamento
grego, com sua arte e filosofia, representando um grande avanço da experiência, isto é, da
ciência.
O Humanismo se origina da vida e do pensamento da Antiguidade greco-romana e
floresceu, como movimento histórico, na Europa, do século XIV ao XVI. Sua abordagem
do estudo do homem formou a essência intelectual da renovação cultural conhecida como
Renascença. A atitude humanista em relação à vida mantém-se até os dias atuais. Começou
com a redescoberta das obras dos clássicos gregos e romanos, desconhecidos na Europa
desde o declínio do Império Romano ou conhecidos apenas em parte e de forma inexata. O
interesse pelos clássicos era um guia para a compreensão da vida, entravando em conflito
com muitos sábios medievais, que pregavam o desprezo pela vida terrena. A compreensão
que se tinha do homem, na época, era como criatura pecadora que deve devotar sua vida a
tentar ganhar o céu. Os humanistas rejeitavam esta visão da natureza pecadora do homem.
Sua maneira nova de encarar a vida durante este renascimento da cultura comou na Itália
do século XIV e espalhou-se pelos demais países europeus até seu ápice, durante o século
XVI, quando o Humanismo já se constituía em uma verdadeira sociedade internacional de
estudiosos.
42
O humanismo e o renascimento [devem ser encarados] como uma “ruptura com
os valores medievais”. Podemos afirmar que o Renascimento é “uma cultura
urbana e burguesa”, mas suas bases foram lançadas em plena Idade Média. A
visão deformada de Idade Média nos foi transmitida pelos pprios
renascentistas, que consideravam a Idade Média “uma noite de mil anos”. Ora, é
erro grave e ridículo, em termos de ciência histórica, ignorar-se a produção
intelectual de qualquer etapa histórica. [...] O humanismo e o renascentismo
representam uma reação aos padrões culturais medievais. Ao teocentrismo
opuseram o antropocentrismo, à fé contrapuseram a razão, ao espírito de
associação defrontaram o individualismo, à religiosidade opuseram o
paganismo, o que não pode ser confundido com ateísmo. Isto mesmo, ateísmo,
ateísmo é a falta de crença em Deus, atitude que a grande maioria não adotava:
os renascentistas continuaram cristãos, embora contestassem a Igreja Católica,
um dos baluartes da sociedade feudal (AQUINO, 1993, p.82-83).
Nos séculos XVI e XVII, desabou literalmente a cosmovisão escolástica
aristotélica- tomista, dominante na Idade Média e que mesclava razão e fé, abalada de
forma profunda e irreversível pela Renascença e, mais tarde, pelo movimento cultural
filosófico do Iluminismo
26
. Nascia então uma nova idade, denominada pelos historiadores
de Revolução Científica, que desvinculou o profano do sagrado, destacando a razão como
valor fundamental, juntamente com a liberdade de pensamento, e erigindo como meta a
bandeira do progresso.
27
O método de investigação empírico-indutivo de Bacon, o
raciocínio analítico-dedutivo de Descartes e a Física Clássica de Newton orientam e
modelam a ciência moderna, com sua tendência à quantificação, previsibilidade e controle.
O mundo passou a ser percebido como uma máquina, gigantesca e maravilhosa.
O movimento cultural renascentista ganhou novo enfoque e interesse, vindo a
desembocar no Iluminismo dos séculos XVII e XVIII, inicialmente na Inglaterra, Holanda
e França, dando origem às idéias de liberdade política e econômica defendidas pela
burguesia,
28
a nova classe que surge juntamente com alguns filósofos, que se intitulam
como os propagadores da luz e do conhecimento.
26
O precursor desse movimento foi o matemático frans René Descartes (1596-1650), considerado o pai do
racionalismo. Em sua obra
Discurso do método
, ele recomenda, para se chegar à verdade, que se duvide de
tudo, mesmo das coisas aparentemente verdadeiras. A partir da dúvida racional poder-se-ia alcançar a
compreensão do mundo, e mesmo de Deus.
27
“Aqueles que se entregam à prática sem Ciência são como o navegador que embarca em um navio sem
leme nem ssola. Sempre a prática deve se fundamentar na boa teoria. Antes de fazer de um caso uma regra
geral, experimente-o duas ou três vezes e verifique se as experiências produzem os mesmos efeitos.
Nenhuma investigação humana pode se considerar verdadeira Ciência se não passa por demonstrações
matemáticas” (Segundo Leonardo da Vinci, em
Carnets
, apud DUPÂQUIER, J. e LACHIVER, M. apud
AQUINO, 1993, p.84).
28
Aqui, marca-se o surgimento de uma nova classe, com poder econômico, que vem a desempenhar um
papel importante, apoiando os reis e o fortalecimento do poder real, bem como a formação dos estados
nacionais e sua centralização política.
43
2.3 Iluminismo
29
As idéias iluministas caracterizam-se pela importância dada à razão: para tudo há
uma explicação racional; só a razão leva ao conhecimento dos fenômenos naturais e
sociais; a crença deve ser racionalizada. De acordo com os iluministas, as leis naturais
regulam as relações entre os homens, assim como os fenômenos da natureza.
O iluminismo compreende três aspectos diferentes e conexos: 1º extensão da
crítica a toda e qualquer crença e conhecimento, sem exceção; 2º realização de
um conhecimento que, por estar aberto à crítica, inclua e organize os
instrumentos para sua própria correção; 3º uso efetivo, em todos os campos, do
conhecimento assim atingido, com o fim de melhorar a vida privada e social dos
homens (ABBAGNANO apud FERNANDES, 2003, p.22).
Sem dúvida, o Iluminismo trouxe grandes avanços que, juntamente com a
Revolução Industrial, abriram espaço para a profunda mudança política determinada pela
Revolução Francesa. Algumas de suas características fundamentais vieram a conduzir uma
linha de pensamento após o período de revoltas. A primeira é a valorização da razão,
considerada como principal instrumento para se atingir o conhecimento, adquirido por
questionamento, investigação e experiência; isso tanto da natureza como da sociedade, da
política ou da economia. Tal concepção revela-se uma crítica ao Absolutismo, ao
Mercantilismo, aos privilégios da nobreza. O iluminismo é anticlerical, negando a
necessidade de intermediação entre os homens e Deus, e exigindo a separação entre Igreja
e Estado. Outra característica é a crença nas leis naturais, nas normas da natureza que
regem todas as transformações que ocorrem no comportamento humano, além da crença
nos direitos naturais, que todos os indivíduos possuem em relação à vida, à liberdade, à
posse de bens materiais. De acordo com o Iluminismo, as relações sociais, como os
fenômenos da natureza, são reguladas por leis naturais. Aqui estão presentes os ideais de
29
O Iluminismo surgiu na Inglaterra, em fins do século XVII. Mas sua supremacia ocorreu na França, onde
se destacaram Diderot e d’Alembe rt os enciclopedistas , que pretendiam fazer uma obra completa dos
conhecimentos filosóficos e científicos da época, a Enciclopédia. O Iluminismo expressava os conceitos da
burguesia liberal. Os filósofos iluministas eram críticos ferrenhos do Mercantilismo, do Absolutismo
monárquico, do clero, da nobreza e, ainda, das concepções religiosas de mundo. Acreditavam que o universo
era governado por uma máquina inflexível, sem intervenção divina. (FERNANDES, 2003, p.23).
44
educação de Rousseau
30
. O ponto de partida do Humanismo de Rousseau é a tese da
bondade humana. Isto contraria um dogma teológico, mas coaduna com os dados da
observação positiva.
O triunfo da razão gerou o racionalismo científico. Dissociou-se o subjetivo do
objetivo, prevalecendo o ideal da subjetividade. A ênfase na quantificação
conduziu a perda da dimensão qualitativa-valorativa. Reduziu-se o mistério ao
comensurável. A ciência desvinculou-se da mística, da filosofia, da ética e
estética, da poesia e, de um certo modo, da própria vida. Enfim, o espírito
comou a degenerar em intelecto (CREMA, 1989, p.23).
A visão que os teóricos iluministas têm do homem é que ele é naturalmente bom e
todos nascem iguais, sendo corrompidos pela sociedade, em conseqüência de injustiças,
opressão e escravidão. A solução é transformar a sociedade, garantindo a todos a liberdade
de expressão e culto, e fornecendo mecanismos de defesa contra o arbítrio e a prepotência.
A sociedade iluminista deve ser norteada pelo princípio da busca da felicidade.
Cabe ao governo garantir os “direitos naturais”: liberdade individual, direito de posse,
tolerância, igualdade perante a lei. A doutrina do liberalismo político substitui a noção de
poder divino pela concepção do Estado como criação do homem e entregue a um soberano
mediante um contrato, o contrato social. Como a idéia de contrato implica sua
revogabilidade, abrem-se as portas para diversas formas de governo.
Todo morrer é também um renascer. No caso da Idade Média, houve o parto de
uma nova era, denominada Renascença ou Renascimento, traduzida por representações
30
Jean Jacques Rousseau nasceu em Genebra, Suíça, em 28 de junho de 1712 e faleceu em 2 de julho de
1778. Entre suas obras destacam-se:
Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens
;
Do contrato
social
, e
Emílio
ou
Da Educão
(1762). A
educação natural
, preconizada por ele, encontra-se retratada na
obra
Emílio
, na qual, de forma romanceada, exe suas concepções, através dos relatos da educação de um
jovem, acompanhado por um preceptor ideal e afastado da sociedade corruptora. Essa
educação naturalista
o significa retornar a uma vida selvagem, primitiva, isolada, mas sim, afastada dos costumes da
aristocracia da época, da vida artificial que girava em torno das convenções sociais. Para ele, a educação
deveria levar homem a agir por interesses naturais e não por imposição de regras exteriores e artificiais, pois,
só assim, o homem poderia ser o dono de si próprio. Outro aspecto da educação natural está na não aceitação,
por Rousseau, de uma educação intelectualista, que fatalmente levaria ao ensino formal e livresco. O homem
o se constitui, para ele, apenas de intelecto, pois
disposições primitivas
, nele presentes, como as emoções,
os sentidos, os instintos e os sentimentos existiriam antes do pensamento elaborado; estas dimensões
primitivas são, para ele, mais dignas de confiança do que os hábitos de pensamento que foram forjados pela
sociedade e impostos ao indivíduo. Rousseau trouxe novas idéias para combater aquelas que prevaleciam há
muito tempo em sua época, principalmente a de que a educação da criança deveria ser voltada aos interesses
do adulto e da vida adulta. Introduziu a concepção de que a criança é um ser com características próprias em
suas idéias e interesses, e desse modo não mais podia ser vista como um adulto em miniatura. Com suas
idéias, ele derrubou as concepções vigentes, que pregavam ser a educação o processo pelo qual a criança
passa a adquirir conhecimentos, atitudes e hábitos armazenados pela civilização, sem transformações.
Disponível em: <www.centrorefeducacional.com.br/Rousseau>. Acesso: 18 fev. 2005.
45
artísticas, científicas e filosóficas que resgataram os antigos clássicos; e, mais tarde,
através do movimento cultural filosófico do Iluminismo, nascia uma nova era denominada
pelos historiadores de Revolução Científica. A partir do método de investigação empírico-
indutivo de Bacon, do raciocínio analítico-dedutivo de Descartes e da Física clássica de
Newton, orientou-se e modelou-se a ciência moderna, com sua tendência à quantificação,
previsibilidade e controle, segundo Roberto Crema.
Finalizando uma abordagem histórica, Neradau faz uma análise bem precisa desse
período, tendo Sêneca como grande teórico, segundo quem o pertencer à humanidade é o
ponto comum entre os habitantes deste imenso império. Dizia Sêneca que tal humanidade
também pertencia aos escravos, “nossos irmãos de escravidão, aos estrangeiros, às
crianças, às mulheres, a todas as categorias que a lei da cidade submetia à superioridade do
homem livre adulto: o único apto à política, à guerra e à reprodução. Neradau esclarece
ainda que talvez nem todas estas idéias tenham sido cumpridas, mas há um mérito na
civilização romana de ter colocado o homem como o centro.
Outro aspecto ainda abordado por Neradau é a dificuldade de implantação do
Humanismo, assim como sua ligação política ao longo dos tempos, desde o mundo
helênico,
31
aos romanos e ao mundo europeu no Renascimento. O Humanismo ultrapassa
as contingências, mas ao mesmo tempo protege, por fazer parte da natureza humana.
cero afirmava ter duas pátrias: uma pequena, onde nasceu, e uma grande, que
era a urbe romana. Sêneca alargará este conceito afirmando ser cidadão do
mundo. O humanismo representa estão uma conciliação entre pequeno e grande,
entre individual e universal, particularmente delicada se trata de definir a
liberdade, o valor mais importante sobre o qual esse se funda. É próprio a esse
respeito que no século XIX, Kierkegaard, Jaspers e Heidegger definem uma
filosofia da existência, da qual Sartre teoriza os princípios fundamentais com a
famosa frase: “a existência precede a essência”. O próprio Sartre tenta fazer
desse pensamento um substituto do humanismo no seu ensaio intitulado: “O
existencialismo é um humanismo, mas na passagem de definido a indefinido,
desnatura o humanismo que, por vocação, possui a faculdade de superar todos
os conflitos de pensamento (NERADAU, 2000, p.81).
31
A era helenística marcou a transição da civilização grega para a romana, em que inoculou sua força
cultural. Não se encontra nela o esplendor literário e filosófico do período áureo da Grécia, mas divisa-se um
grande surto da ciência e da erudição. Chama-se civilização helenística a que se desenvolveu fora da Grécia,
sob influxo do espírito grego. Esse período histórico medeia entre 323 a.C., data da morte de Alexandre III
(Alexandre o Grande), cujas conquistas militares levaram a civilização grega até a Anatólia e o Egito, e 30
a.C., quando se deu a conquista do Egito pelos romanos. Grande parte do Oriente Antigo foi então helenizado
e assistiu-se a uma fusão da cultura grega, revitalizada nas áreas conquistadas, com as tradições políticas e
artísticas do Egito, Mesopotâmia e Pérsia. Depois da morte de Alexandre, a transmissão da cultura grega
persistiu nos grandes centros urbanos, embora sofresse influência dos costumes orientais.
Fonte: http://www.nomismatike.hpg.ig.com.br/ Grecia/Helenismo.html. Acesso: 16 fev. 2005.
46
O Humanismo direciona a atividade humana ao respeito e à dignidade do homem, à
valorização do existir, do ser. O ser humano se define como um ser que está no mundo,
que vive uma determinada circunstância sócio-econômica e histórica. A existencialidade
tem de conviver com o indeterminado, a vida é um salto no escuro, a existência implica
conviver com o indeterminado, com o desconhecido.
2.4 Das humanidades
2.4.1 Conceituação de Humanismo
A teoria que fundamenta a abordagem do problema levantado está reunida neste
capítulo, oriunda de um levantamento bibliográfico sobre o significado de Humanismo e
de educação na perspectiva da emancipação humana.
Os conceitos que definem Humanismo e educação, que compõem este marco
teórico, constituirão os recursos necessários para se analisar o homem na sociedade pós-
moderna. O empenho em perscrutar os estudos de alguns teóricos do Humanismo, do
homem e da educação, pretende uma explicitação consistente do tipo de ser humano que
está sendo formado a partir de uma concepção de homem e mundo e das tendências do
mundo moderno.
A reflexão sobre a dimensão humana na Pós-Modernidade exige, de imediato, uma
definição de Humanismo. Historicamente, o Humanismo (do latim humanitas) é
considerado um movimento intelectual que surgiu no Renascimento, protagonizado, dentre
outros, por Erasmo de Roterdã e Tomas Mórus, opondo-se à “esclerose da filosofia
escolástica”.
32
Baseando-se na civilização greco-latina, buscou, de acordo com Japiassu e
Marcondes (1999), com grande esforço, expressar a dignidade do espírito humano e, com
isso, inaugurou-se um movimento de confiança na razão e no espírito crítico. Ainda
segundo esses autores:
32
Filosofia escolástica: “Maneira de pensar e método ditico que dominou a educação cristã entre os
séculos XI e XV. Sua principal figura foi São Tomás de Aquino. Os escolásticos, de quem o movimento
recebeu o nome, eram os eruditos das primeiras universidades européias. [...] O método escolástico levou a
uma confiança cada vez maior no formalismo - primazia da forma sobre o conteúdo -, que mais tarde foi
considerada a maior fraqueza do método” (ROHMANN, 2000:134-135).
47
Por uma espécie de deslocamento, o termo “humanismo” tomou dois sentidos
particulares: a) na filosofia, designa toda doutrina que situa o homem no centro
de sua reflexão e se propõe por objetivo procurar os meios de sua realização; b)
na linguagem universitária, designa a idéia segundo a qual toda formação sólida
repousa na cultura clássica (chamada de
humanidades
). Numa palavra, o
humanismo é a atitude filosófica que faz do homem o valor supremo e que vê
nele a medida de todas as coisas (1999, p.132).
Uma das formas da compreensão do Humanismo é voltar ao passado, aos gregos e
romanos, isto é, aos textos clássicos, nos quais se tem a primeira idéia de Humanismo. “O
conceito de Humanismo surge da
paidéia
grega e romana como uma noção única e
verdadeira”, desdobrando -se, com a modernidade, em vários humanismos. Como diz
Bombassaro:
Humanitas
é a palavra latina usada para traduzir o termo grego
paidéia
. Trata da
formação e do desenvolvimento de um processo civilizatório. Há sempre um
sentido pedagógico na raiz semântica da própria palavra
humanitas
, quer
estejamos nos referindo à cultura latina antiga, quer façamos referência à
experiência civilizatória da Renascença.
Humanitas
é o nome que designa o
modo constitutivo pelo qual se pode compreender a experiência da formação da
cultura, do desenvolvimento e do aperfeoamento da experiência humana
(2001, p.68).
O termo Humanismo tem uma diversidade de compreensão, assim como tamm
ganhou vários significados com o passar do tempo, em determinados momentos pela falha
no entendimento, em outros pelas análises tendenciosas. Enquanto análise negativa, a
maioria das vezes se tentou incutir um caráter ideológico e de dimensão metafísica. Paviani
diz que essas críticas não fazem justiça à dimensão histórica do Humanismo. Seja qual for
o conceito usado, o Humanismo sempre defende a dignidade da pessoa humana através de
pensamento emancipatório. Segundo Bombassaro o termo humanismo é muito mais
recente. Surgiu somente no inicio do século XIX, para designar um modo de pensar o
humano, uma determinada forma de compreender a experiência humana” (2001, p.68).
Para melhor compreender, não se detendo em levantamentos de forma simples e
supérflua, Paviani defende a necessidade de uma crítica ao pensamento filosófico
humanístico de matriz greco-romana, questionando se, ao tentar tirar o homem da
“barbárie, não o conduz para uma domesticação. “ Assim, humanista pode indicar um
mero sonhador, um conservador, alguém que não se adaptou à realidade contemporânea.
Pode indicar alguém que não aceita o progresso, que lamenta o processo de globalização e
48
que ainda vive um ideal metafísico superado pela prática histórica e social do homem
ocidental” (PAVIANI, 2003, p.10).
Tais equívocos relativos à compreensão do Humanismo podem vir a prejudicar uma
orientação das ações em favor do humano em todos os setores sociais de ação. Para tal, não
pode ser pensado como uma ação metafísica, ideológica ou abstrata, distante ou isolada
dos problemas que cercam o homem em seu dia-a-dia, mas, como diz Paviani “nasce da
necessidade de se buscar uma solução para o perigo que ameaça o homem contemporâneo
(2003, p.11). E, ainda nesse sentido, para uma melhor compreensão do termo como um
jeito de ser:
Temos assim, que o surgimento do humanismo não tem a ver com o uso da
palavra que o designa, mas sim com um determinado modo de compreender o
humano, com uma reflexão sobre o humano que se consolida como um saber.
Desse modo, o humanismo é depositário de um acervo de conhecimento sobre o
modo de viver humano elaborado ao longo do tempo, no discurso da história.
Como tal, ele guarda aquilo que pareceu mais característico do homem
(BOMBASSARO, 2001, p.69).
A partir do exposto por Bombassaro, pode-se compreender o Humanismo como
uma determinada visão de mundo, um jeito de compreender o que há de humano no
mundo, uma forma que transparece valores, um modo de ser, capaz de orientar a própria
ação do homem numa determinada época e numa determinada cultura, “um modo
fundamental de existir no mundo (PAVIANI, 2000, p.27).
2.4.2 Humanismo e contemporaneidade
Repensar o Humanismo hoje é uma forma de conceituá-lo a partir de uma
reconstrução dos textos clássicos, visto ele estar hoje impregnado de adjetivos e
significados finalistas. Portanto, repensá-lo a partir dos textos clássicos é “tecer os
elementos que constituem a noção de dignidade e de liberdade do ser humano”. Sem
dúvida, ao mencionar dignidade e liberdade do ser humano se está entrando em um
universo altamente complexo nos dias de hoje, e que demanda uma profunda alise e
compreensão para que não seja confundido com aspectos ideológicos. Portanto, uma
49
“análise hermenêut ica dos clássicos, da paideia grega, é indispensável”. Como afirma
Kierkegaard, o passado é importante para compreender a vida, o futuro é importante para
vivê-la (apud PAVIANI, 2003, p.19).
Outro elemento que terá uma influência marcante na conceituação do Humanismo e
sua compreensão é a globalização, esse fenômeno absorvido pela sociedade, que deve ser
analisado criticamente, visto não serem possíveis posicionamentos meramente contrários
ou favoráveis a ela. A globalização exerceu papel de alargamento de possibilidades,
permanecendo, no entanto, o grande desafio da redução da desigualdade e do
individualismo, características mais visíveis do processo.
A presença da globalização em nossa época aponta para um processo de
expansão e de uniformização política e econômica sustentado, em grande parte,
pela força militar e por agentes financeiros internacionais que se situam além da
autonomia dos Estados Nações. Caracteriza-se, igualmente, pelo avao
científico e tecnológico que beneficia uma parcela da humanidade, mas tamm
acelera as diferenças econômicas e sociais. Finalmente, entre os problemas da
globalização destaca-se a padronização cultural e dos valores das comunidades
que tendem a sucumbir aos interesses ideológicos dos meios de produção e de
comunicação. Desse modo, põe-se em queso a especificidade antropológica
que plasma a formação humana de cada povo (PAVIANI, 2000, p.25).
Sendo a globalização uma tendência em certos aspectos irreversível, o Humanismo
tende a ser um objeto de reflexão e de mobilização de responsabilidade moral, ético e
cultural, com ações que visam desenvolver um lugar central do homem no universo.
Para compreender, o homem precisa levar em consideração as circunstâncias que o
cercam, “o ser humano não é humano, ele se torna humano. Nesta diferença básica entre o
ser e o tornar-se reside o próprio sentido do humano” (BOMBASSARO, 2005, p 04).
Portanto, a compreensão do humano, o sentido do humano exige uma “hermenêutica dos
atos humanos”, uma compreensão da essência do homem, investigando como ele age no
mundo, como é a relação do próprio com o outro. A compreensão do humano é o ponto
central da concepção humanística, a temática central do Humanismo.
Segundo Bombassaro, a compreeno do sentido do humano está fundada em
princípios que o fundamentam, sendo o primeiro deles a defesa de um princípio básico que
se traduz na aceitação, no reconhecimento e na valorização da divindade pessoal e cultural.
O conceito de Humanismo pressupõe uma concepção do humano como centro da vida da s
50
relações de produção e de comunicação, das relações entre os indivíduos e as sociedades
(BOMBASSARO, 2000, p.27).
Essa compreensão, num sentido crítico do Humanismo, vem a ser uma contribuição
necessária na era da globalização, com a premissa fundamental de que o Humanismo é um
“modo fundamental de existir”, “um ser que está no mundo”. Projeta -se aí um ideal
humanista capaz de promover o ser humano como o fim supremo da vida e do
desenvolvimento da agenda econômica, social, e cultural. Para Paviani, “o humanismo não
assume aqui uma forma adjetiva, mas constitui uma ‘realidade ético-ontológica’, um modo
fundamental de existir no mundo” (2000, p.27).
2.4.3 Homem
A filosofia, as instituições e as organizações atuais buscam um lugar do homem no
nosso tempo, uma redefinição, uma nova concepção de homem; e é imprescindível um
voltar-se sobre ele, visto este ser o pivô central da dissertação: em torno dele desenvolve-se
toda a temática hisrica. Com ele, para ele e por ele se cometeram, ao longo da história,
ações louváveis e absurdas. E a história do homem é dinâmica e evolutiva, partindo de
mitologia, Deus, pensamento, razão: ela não tem um início e um fim, está em franco
crescimento; podemos compará-la à Internet, sistema integrado e planetário.
Para Aristóteles, o homem “é um animal racional”, “um animal político”, esta é
uma das grandes contribuições que os gregos deixaram para o mundo ocidental, esta
concepção de homem, essa visão dinâmica e inserida em um plus cultural.
O século XX é de um racionalismo extremo, o homem vive dentro de um sistema
bancário: casa, empresa, escola. Em seu dia-a-dia, tudo está composto em um sistema,
obedecendo a uma série de programas para desempenhar determinadas atividades que irão
“organizar”, “nortear” e “conduzir as atividades ao longo do dia, sem as quais ele entra
em “pânico”. O homem não consegue mais viver fora do sistema, este está tão presente que
ele não se dá conta.
Tudo é feito em nome de um sistema racional: sistema planetário, sistema terra,
sistema biológico, físico, químico, matemático, não é mais possível viver fora da
cientificidade, mas isso não dá conta do homem, não completa, não satisfaz. Vive-se em
uma sociedade tecnicamente perfeita, mas que é finita enquanto perspectiva para o ser
51
humano, não se vislumbram possibilidades de um desenvolvimento vertical completo no
modelo mecanicista tecnológico em execução que está posto. Vive-se uma crise de crença
religiosa como nunca dantes vista no mundo. Em que se acredita hoje?
Estamos em uma fase da história da vida humana em que se evidenciam estruturas
desumanas, e isso, na maior parte, em decorrência do que se acredita, do que se busca
como essencial e necessário para a vida. No entanto, existem coisas que são definidas e
que se aprendeu a relativizar, como por exemplo o valor da vida humana.
Basta abrir o jornal, folhear uma revista, ouvir um noticiário, conversar com
pessoas de diversos meios, para verificar os diversos desajustes sociais, a injustiça, a
insatisfação que se manifestam nas ações do homem. A violência é companheira constante
e presente nas mais diversas esferas sociais. O planeta está à beira de um caos total, as
guerras retratam a angústia do homem, o tédio se instalou plenamente como uma poeira
que está em todo lugar, sustentado pelo sentido que o indivíduo dá à vida, no sentido de
existir. Conclui-se que é uma fase em que a dignidade da pessoa humana está sendo
banalizada.
Nada do que se faz à pessoa humana é indiferente, tudo o que se diz do humano
interessa e, a partir desta compreensão de mundo, faz-se a humanidade. “Diante disso, o
desafio maior do Humanismo é reafirmar de forma teórica e prática a dignidade do
homem, mas principalmente do outro, reconhecer a alteridade. Assim, como os velhos
humanistas, precisam pensar um humanismo para nossa época” (PAVIANI, 2000, p.35).
Nesse sentido, também Neradau afirma que “a ciência é concebida como meio para
melhorar a vida na terra, antes de ser o que é. Mas, num segundo momento, é uma
manifestação exaltante do gênio humano. A fórmula de Rabelais: ‘ciência sem consciência
nada mais é que a ruína da alma’ consagra como infinitos os limites da pesquisa científica;
o mesmo vale para a atividade econômica” (2000, p.81). Um ser humano que está inserido
no mundo com todas as suas peculiaridades e dinamicidade circunstanciais e planetárias
o pode perder de vista os objetivos da ética e da dignidade, que não se concretizarão
sozinhos e a esmo: isso se dará em um processo integrado, que será visto mais
precisamente no terceiro capítulo, quando abordar-se-á a educação e sua ação junto ao
homem.
Na análise sistemática do mundo moderno, o homem se encontra muitas vezes
tragado por um ativismo automático, isto é um fazer sempre não se atendo a seu sentido,
resposta de um sistema mecanicista, racionalista e individualista. É um conjunto de forças
do mundo globalizado que move o homem em aspirações solitárias e compensatórias, o
52
consumir, o ter suplantando o ser. E isso só é possível devido os espaços vazios deixados
pela diversidade e fragmentação, e as profundas mudanças nas concepções éticas. Portanto
o homem ao ser tragado pelo conjunto de forças do mundo contemporâneo assimila os seus
valores e postura da época, pelo simples fato de contínua e complexa atividade de aprender
e ser sempre, a incompletude humana. Por fim há que se ater no fato da subordinação do
homem pela máquina, pelos diversos sistemas e pelo sistema de comunicação, mais
precisamente pela televisão, que proporciona uma vida irreal, ocasionando períodos de
fuga, em uma forma de despir o indivíduo de seu aspecto humano, crítico e ilimitado.
Séculos atrás, a fuga estava contida e expressa no tabaco. No século XX, o uso das
drogas se espalhou por diversos países, é comum nas mais diferentes culturas. Diz-se que
Hobbes se drogava quando se deparava com a miséria humana. Para Teodoro Adorno,
“vivemos em um mundo administrado”, as coisas se modificam, existe uma evolução, a
máquina ensina o homem a ser humano. Basta olhar para as ações e resultados, basta
refletir sobre os passos dados ao longo da história, para percebermos ações insólitas que
possibilitarão uma profunda reflexão e mudanças de nossas ações. Mas essa questão será
melhor abordada no próximo capítulo, quando será tratada de forma mais precisa a
complexidade do homem em um processo de relação e educação.
Este momento vivido pelo homem, essa miséria humana revela uma crise de idéias
e de projetos que já começara com Descartes, a partir de sua idéia de separação de
Deus/homem/mundo. A sociedade “perfeitaque se estrutura na mode rnidade e no capital
é desumana. Em contraposição a isso, existe uma sociedade a ser feita, alicerçada na ética,
por meio da educação.
A verdadeira descoberta da modernidade é o Cogito cartesiano, a idéia de sujeito
que, aos poucos, transforma o poder de autodeterminação do indivíduo sobre o mundo
físico em autodeterminação dos povos.
Segundo Paviani (2000, p.32), uma vez que o humano se constitui enquanto
linguagem, diálogo, a prática democrática é o modo mais eficiente de renovar as
instituições, atualizar o ordenamento social, criar novas formas de prática política e
atender, ao mesmo tempo, à liberdade dos indivíduos e às necessidades sociais. O diálogo
que a democracia torna possível protege as identidades que a globalização tende a sufocar.
53
2.5 Racionalidade moderna
Neste momento é exposta, mais precisamente, a construção da racionalidade
moderna, fundamental para compreender as raízes da fundamentação contemporânea.
A expressão Humanismo, na sua origem, vincula-se à confiança na razão e no
espírito crítico. Isto impõe a necessidade de se determinar o significado de razão ou de
racionalidade, visando explicitar o entendimento de Humanismo através do qual serão
feitas as análises deste estudo. Habermas (1993, p.45) refere-se a Max Weber como sendo
o pensador que introduziu o conceito de racionalidade, entendendo que trata de uma “ação
racional relativamente a fins”. O que vem a ser uma ação racional com relação a fins? Que
é racionalidade para Weber? O que é ação social na concepção weberiana, a partir da qual
o conceito de Humanismo, historicamente ligado à racionalidade, possa ser explicitado?
Partindo das considerações acima mencionadas, faz-se mister levantar aspectos da
racionalidade da ciência moderna presentes nos trabalhos de alguns de seus fundadores e
nos principais problemas por eles discutidos. A esse respeito, far-se-á menção às
contribuições científicas de Bacon, Descartes e Galileu, a cujos estudos a racionalidade da
ciência e tecnologia modernas é por demais devedora. Não é objetivo do presente trabalho
explorar à exaustão a obra daqueles pensadores, mas avançar, nesta pesquisa, passando ao
largo dos referidos fundadores pode comprometer a qualidade da análise que se pretende
levar a cabo.
O filósofo Francis Bacon (1561-1626) exerceu grande influência sobre os destinos
tomados pela atividade científica nos tempos modernos. Suas propostas metodológicas
para a investigação científica comportam tal importância que, amiúde, tornam-se objeto de
reflexões para o entendimento da racionalidade da ciência moderna. Japiassu (1995)
atribui-lhe o papel de arauto mais significativo da aurora da modernidade, seu profeta mais
importante, um precursor do domínio do ser humano sobre a natureza, o primeiro a lançar
as bases da filosofia e da ciência moderna:
o primeiro a propor um método susceptível de libertar o pensamento da
esterilidade dos métodos escolásticos de pensar e a indicar as razões pelas quais
devemos conhecer: dominar a Natureza pelo saber, a fim de converter nosso
conhecimento em algo útil e proveitoso para a vida dos homens. Muitos o
consideram o inventor do método experimental indutivo, conseqüentemente, o
fundador da ciência moderna, apoiada numa concepção empirista da Natureza
(JAPIASSU, 1995, p.5).
54
O comentário de Capra (1998) sobre Bacon assinala que o “espírito baconiano” deu
novo rumo à investigação científica. Afastando-se da visão contemplativa da ciência, vinda
dos antigos e caracterizada pela busca da sabedoria, da compreensão da ordem natural e a
harmonia com ela ou da maior glória de Deus, Bacon altera substancialmente estes
objetivos, projetando como novo horizonte o domínio da natureza.
Já nos primórdios da ciência moderna aparece a preocupação de tornar idênticos o
saber e o poder, tendo sido Francis Bacon seu destacado defensor. Seguindo explicitação
de Japiassu (1995), nota-se que a matematização da natureza que coma a acontecer
naquele momento possibilita a previo e a aplicação rigorosa dos princípios daí derivados
às coisas. Torna-se importante converter em ação os conhecimentos que vão surgindo,
implicando nisso o esforço de dominação, de apropriação. Assim, a ciência acaba
alastrando-se para as esferas do poder político, que dela passa a se apropriar, tendo em
vista a utilização pragmática destes saberes, em função da administração no trato da
atividade política e dos negócios.
No início da ciência moderna, os inovadores ojerizavam o saber estabelecido a partir
da tradição grega, o saber contemplativo (theoria), contra o qual propunham o saber ativo
(techné). Os iniciadores da ciência moderna almejavam a um saber que revertesse a antiga
mentalidade, para a obtenção de benefícios pticos.
No século XVII, prossegue Japiassu (1995), os velhos professores universitários,
embebidos da mentalidade aristolica sobre a ciência, passaram ao largo das discussões
levantadas por Bacon no sentido da ciência experimental, que teve o seu sucesso através de
Galileu e das formulações elaboradas por Descartes. Tais professores permaneceram
vinculados à mentalidade teorética ou contemplativa de ciência, que estaria reservada aos
homens livres, produtores das chamadas obras liberais; contrariamente a isso, havia a
técnica, que correspondia aos empreendimentos dos artesãos, produtores das obras
“servis”. O preconceito dominante rezav a que a técnica ou atividade dos artesãos, a techné,
era inferior à theoria: conseqüentemente, “assim como a técnica é inferior à ciência, da
mesma forma o artesão é inferior ao homem livre” (JAPIASSU, 1995, p.75).
Tal preconceito atávico atrapalhou o sucesso perseguido pela moderna ciência, que
contava com a matemática e a teoria mecanicista para abordar a natureza, dominá-la e
transformá-la, nos moldes das indicações de Bacon. Portanto, a resistência encontrada
pelos espíritos inovadores constituiu-se em notável dificuldade, que demandou a criação
de espaços alternativos para contornar os obstáculos.
55
Os pioneiros da nova ciência driblaram os entraves a partir do apoio encontrado em
instituições e organizações abertas às suas propostas. A bem sucedida participação da nova
ciência nos projetos náuticos e na arte militar permitiu vislumbrar-se a aplicabilidade dos
conhecimentos científicos na atividade comercial.
Ao tempo em que Galileu desenvolvia prodigiosos experimentos na Itália, Bacon
registrava, na Inglaterra, o método empírico da ciência. Mas a paternidade da ciência
moderna é atribuída a Galileu: foi ele o primeiro a combinar a experimentação científica
com a linguagem matemática para formular as leis da natureza que ia descobrindo
(CAPRA, 1982), como se evidencia deste texto do próprio Galileu:
A filosofia encontra-se escrita neste grande livro que continuamente se abre
perante nossos olhos (isto é, o universo), que não se pode compreender antes de
entender a língua e conhecer os caracteres com os quais está escrito. Ele está
escrito em ngua matemática, os caracteres são trngulos, circunferências e
outras figuras geométricas, sem cujos meios é impossível entender humanamente
as palavras; sem eles nós vagamos perdidos dentro de um obscuro labirinto
(GALILEU, 1991, p.21).
Constata-se que René Descartes (1596-1650) viveu na mesma época de Bacon e
Galileu e se envolveu ativamente com os novos interesses que atraíam a curiosidade do
pensamento humano; usualmente considerado o fundador da filosofia moderna, somou
seus esforços ao conjunto das investigações daquele período, e contribuiu para a
sedimentação do antropocentrismo.
Miccinilli (1976, p.41, apud QUEIROZ, 2001, p.28) observa que, “a partir de
Descartes, Deus e sua existência dependerão do ‘cogito’ subjetivo e assim também o
mundo”. A partir do “cogito”, “o homem deixa de ser considerado como criatura, como
filho de Deus, para ser considerado como Sujeito, como artífice de qualquer criação
histórica”. A atmosfera cultural em que se inseriu esta personagem é lembrada por
Cottinghan:
56
Descartes nasceu em 1596, uns cem anos depois de Colombo ter descoberto a
América, uns setenta anos depois de Magalhães ter circumnavegado o globo e
uns cinqüenta anos depois da publicação do
De Rebolutionibus Orbium
Celestium
, no qual Copérnico declarara que a Terra gira diariamente sobre o seu
eixo e roda anualmente em torno de um Sol central. Morreu em 1650, uns
quarenta anos antes de Newton ter formulado as leis da mecânica e da gravitação
universal, uns 100 anos antes das experiências de Franklin com a electricidade e
uns 150 anos antes de Francis Dalton ter publicado a sua teoria atômica dos
elementos (1986, p.13 apud QUEIROZ p. 29, 2001).
33
A filosofia de Descartes caracteriza-se pela hiper-valorização da razão, do
entendimento, do intelecto. A razão, com suas próprias forças, poderia chegar a descobrir
todas as verdades possíveis. Além disso, ele estabeleceu uma separação entre o corpo e a
consciência, admitindo dois domínios: o da
res extensa
e o da
res cogitans
(substância
extensa e substância pensante, respectivamente). O corpo (
res extensa
) torna-se objeto de
estudo da ciência, devido às suas propriedades materiais, que o sujeitam às leis
deterministas da natureza; a mente (
res cogitans
), por sua vez, torna-se objeto da refleo
filosófica. Descartes enfatiza, ainda, a matematização da realidade, isto é, “usar o seu tipo
de conhecimento, que é completo, inteiramente dominado pela inteligência e baseado na
ordem e na medida, permitindo estabelecer cadeias de razões” (ARANHA; MARTINS,
1993, p.105).
Capra destaca o significado e o alcance da filosofia cartesiana para os séculos
posteriores:
Para Descartes, o universo material era uma máquina, nada além de uma
máquina. Não havia propósito, vida ou espiritualidade na matéria. A natureza
funcionava de acordo com leis mecânicas, e tudo no mundo material podia ser
explicado em função da organização do movimento e de suas partes. Esse
quadro mecânico da natureza tornou-se o paradigma dominante da ciência do
período que se seguiu a Descartes. Passou a orientar a observação científica e a
formulação de todas as teorias dos fenômenos naturais, até que a Física do
século XX ocasionou uma mudança radical.Toda a elaboração da ciência
mecanicista nos séculos XVII, XVIII e XIX, incluindo a grande síntese de
Newton, nada mais foi do que o desenvolvimento da idéia cartesiana. Descartes
deu ao pensamento científico sua estrutura geral - a concepção da natureza como
uma máquina perfeita, governada por leis matemáticas exatas (1982, p.56).
33
A viagem de Colombo efetuou-se em 1492; a circumnavegação de Magalhães, em 1522;
De
Rebolutionibus
, de Copérnico, apareceu em 1543;
Principia
, de Newton, 1687; as experiências de Franklin
realizaram-se em 1752; a teoria de Dalton foi publicada em 1808 (Nota de COTTINGHAM p. 13).
57
Preocupado em construir uma ciência natural completa, como demonstra Capra,
Descartes aplicou sua concepção mecanicista da matéria aos organismos vivos. A partir
dessa premissa, vegetais, animais e seres humanos passaram a ser considerados simples
máquinas. O ser humano seria uma máquina especial porque dotada de uma substância
pensante, a alma racional, ligada ao corpo através da glândula pineal, alojada no centro do
cérebro. Mas o corpo humano não passava de uma máquina animal. Na época de
Descartes, a fabricação de relógios atingira notável perfeição e ele utilizou-os como
metáfora dos corpos dos animais.
Avaliando a influência do pensamento de Descartes sobre a ciência, Capra estima
que “seu método de raciocínio e as linhas gerais da teo ria dos fenômenos naturais que
forneceu embasaram o pensamento científico ocidental durante três séculos” (1982, p.58).
Este pensamento base vai nortear e construir uma nova concepção de homem e de
mundo, vindo a dar sustentação à ostentação científica e tecnológica nos séculos seguintes.
Após ter prevalecido por mais de três séculos, a cosmovisão moderna, sustentada por esse
paradigma, encontra-se decadente sob o peso de suas próprias contradições e incapaz de
responder aos novos desafios.
A concepção moderna de mundo, racionalista, mecanicista e reducionista, deixa um
lado sombrio, uma atitude fragmentada, geradora de alienação e conflitos. Esse
pensamento moderno impõe uma moral laica, o homem é o centro de seu próprio destino,
construtor das instituições e realizador da ordem social, não natural como pensavam os
antigos, nem produto da vontade divina como afirmavam os medievais.
É inegável que o último século tenha sido palco de um notável e extraordinário
progresso científico e tecnológico, que determinou um ritmo acelerado de mudanças
sociais, não de forma solta e casual, mas como resultado de esforços conscientes.
O capítulo seguinte abordará a dinâmica contemporânea, que, evidentemente, será
exposta de forma breve, mas que, no entanto, é indispensável para a compreensão da
temática humanística proposta.
58
3 HUMANISMO, GLOBALIZAÇÃO/PÓS-MODERNIDADE E EDUCAÇÃO
Nenhum ser humano é uma ilha... por isso não perguntem por quem os sinos
dobram. Eles dobram por cada um, por cada uma, por toda a humanidade. Se
grandes são as trevas que se abatem sobre nossos espíritos, maiores ainda são as
nossas ânsias por luz. (...) As tragédias dão-nos a dimensão da inumanidade de
que somos capazes. Mas também deixam vir à tona o verdadeiramente humano
que habita em nós, para além das diferenças de raça, de ideologia e de religião. E
esse humano em s faz com que juntos choremos, juntos nos enxuguemos as
lágrimas, juntos oremos, juntos busquemos a justiça, juntos construamos a paz e
juntos renunciemos à vingança. (Leonardo Boff, teólogo brasileiro)
O objetivo do presente capítulo é fazer uma releitura da educação humanística a
partir de diversos tópicos a serem abordados, possibilitando, assim, um apanhado geral das
ações do homem. Isso possibilitará listar elementos para, em um terceiro momento,
trabalhar as bases e condições necessárias para que ocorra, de fato, uma educação pautada
no Humanismo, que venha a considerar o homem na sua totalidade. Parte-se do particular,
das partes, para chegar a um todo, concebendo que o todo é maior que as partes, como
também a parte é maior que o todo na sua especificidade e em sua profundidade de
abordagem.
Com isso, se expressa um pensamento de valorização dos aspectos isolados, das
construções soltas e individuais, sem expressão, uma vez que a ótica do sistema capitalista
globalizante é outra, mas contendo um poder reflexivo e transformador. Será um capítulo
pigmentado de fatos, expressando-se, através destes, os valores humanos, dando a idéia de
que falta sempre algo, num sentido que o homem está sempre em um processo de
formação, de que o ser humano é como um ser inacabado. Esse algo pode ser entendido
nesse contexto como a ética, a educação ética, a educação humana, que estará presente em
um momento seguinte, ficando, em muitas situações, esquecida e relegada a um segundo
plano.
59
Neste sentido, será feita uma análise educacional refletida a partir de parâmetros
críticos, uma educação para toda a vida, que acontece ao longo desta: dialética, ciente das
ideologias dominantes de nosso tempo, que tendem a massificar e criar desejos comuns,
uma uniformidade de pensamento e de comportamento simplistas.
A análise da globalização é fundamental para conceituar o homem dentro dessa
nova realidade, podendo, assim, entender melhor algumas ações e qual a formação
necessária para o momento. Ao pontuarmos o momento, tendo a história social e política
como parâmetro, o conceito de globalização vai divergir no transcorrer dos acontecimentos
e também a partir do viés analisado, a educação humanística. Há que se ter em mente que a
globalização é um fato, não tem volta, está presente, totalmente ou em parte, em todos os
lugares. Faz-se necessário buscar novas formas de agir, de encarar o mundo e a vida
pessoal, de identificar melhores maneiras de viver, de forma salutar e humana. Questionar
de como conviver nesse mundo globalizado, como ter uma educação ética sensibilizando o
indivíduo do imprescindível processo de mudança de forma acelerada?
Esse indagar se faz necessário porque as velhas formas tradicionais não mais
funcionam a contento para a sobrevivência e a perpetuação da raça humana. Novos
comportamentos exigem formas alternativas de pensar, é necessário estabelecer
perspectivas e possibilidades dentro do cenário “instantâneoe de mud ança globalizado. A
unilateralidade de pensamento e de posicionamento é falha em si mesma e nela reside a
contradição. O homem precisa da flexibilidade reflexiva racional, mesmo porque a todo
momento as coisas mudam, e é imprescindível que se acompanhe essas mudanças. Porem
em nenhum momento perder o foco da ética, do questionamento e do ser humano.
Essas mudanças são características de um mundo marcado de forma espetacular
pelo avanço da tecnologia de comunicação, criando e recriando signos e significados
geralmente ligados a um pensamento hegemônico. É necessário um pensamento crítico
para entender a complexidade cultural da sociedade contemporânea, a capacidade e a
velocidade com que se criam e destroem estruturas, a reprodução de símbolos que mantém
a assimetria do poder.
Segundo Perine, um dos mais refinados produtos da ideologia neoliberal é o
processo de globalização da economia atualmente em curso
34
. No seu entender, dele é
retirado o aspecto humano, o sujeito, o indivíduo, restando apenas como objeto, coisa,
como meio para se conseguir algo. A nova concepção do indivíduo é o individualismo, e
34
Este pensamento é um novo conceito de humanismo, contido no artigo de Marcelo Perine, p.176, do livro
de Arno Dal Ri Junior e Jayme Paviani Humanismo Latino no Brasil de Hoje.
60
em cima dessa concepção é fundamentada a ideologia liberal, bem como a “tríade”
dominante da sociedade moderna, sendo esta o cálculo, a matéria e o mecanismo. O ser
humano passa a valer, nesse sistema, pelo que tem e pelo que pode ter, ocorrendo a
deterioração do indivíduo e de uma sociedade, criando um vazio
35
. A sociedade moderna
fundamentada nos pilares do individualismo, no poder no ter, abre sérias lacunas quando se
leva em consideração o humano. Novos paradigmas se instituem, novos valores se
instalam. Um dos grandes problemas por que passa a humanidade, a solidão na multidão, o
“corre -corre” da sociedade moderna. “Mounier chegou mesmo a afirmar que o
individualismo não era apenas uma moral, mas acima de tudo uma metafísica da solio
integral, a única que nos resta quando perdemos a verdade, o mundo e a comunidade dos
homens” (MOUNIER apud PERINE, 2001, p.173).
Algo não está funcionando direito, pois a miríade de seres vivos a nossa volta
parece estar morrendo. Se estamos educando para o mundo que leva à extinção
tantos seres vivos, precisamos repensar as forças mais profundas em ação em
nossos programas educacionais. Ninguém é capaz de viver apenas consigo
mesmo. Nosso mundo interior é uma resposta ao mundo exterior (SULLIVAN,
2004, p.19).
Muitos outros problemas são reflexo de um conceito proveniente da opção e da
criação feitas pelo homem ao longo da história, sendo muitas vezes impensados e
ignorados seus resultados, tornando-oso complexos e tão intrincados, que o próprio
homem acaba por não os entender. E ainda “é possível ver com certa clareza que o
processo de globalização, cujas características mais salientes são a homogeneização do
mundo e a glorificação da tecnologia, representam à realização acabada e a perfeição do
projeto de modernidade e de seu paradigma de progresso” (MUZIO apud PERINE, 2001,
p.177). A sociedade moderna é “mecanicistae “materialista”, em seu interior nutre um
alto grau de desigualdade e frieza, embrutecendo o indivíduo, distanciando-se das mais
reais necessidades da sobrevivência da espécie. A competição e o lucro, a mais-valia,
tornou-se “regra de ouro” da sociedade, tudo em vista do sucesso.
35
Nessa direção, assume proporções enormes o debate contemporâneo bem trabalhado de Gilles Lipovetsky,
em sua obra
A Era do Vazio: ensaio sobre o individualismo contemporâneo.
A Era do Vazio focaliza o
enfraquecimento da sociedade, dos costumes, do indiduo contemporâneo da era do consumo de massa, a
emergência de um modo de socialização e de individualização idito.
61
O ser humano encontra-se frente a uma dúbia concepção de “sucesso”, a partir da
lógica neoliberal. É um pensamento proveniente de um sistema regido por normas,
estruturas e valores, que sustenta e aliena, fazendo-os reprodutores de uma situação de um
contexto desumano e excludente. “Parece que, com o fim da II Guerra Mundial e o grande
clarão de Hiroshima, o mundo mudou radicalmente. Como que perdeu sua virgindade e
pureza. Mais do que isso, todas as modificações que passaram a ocorrer adquiriram uma
aceleração inusitada, com a qual o estávamos acostumados” (CARAVANTES, 2000,
p.19).
Esta situação de desajuste, dos parâmetros que esvaziam o ser humano e dão novos
valores, já vem sendo difundida e trabalhada por muitos pesquisadores, dentre os quais
pode-se mencionar Bobio, Hobsbawm, Morin, Rossato. Vive-se o final de uma época, o
final de uma era de mudanças tecnológicas, políticas, econômicas, religiosas. Vive-se uma
fase em que o homem esta desestruturado como pessoa, isso em parte do que se acredita.
As mudanças são grandes, e os problemas são também na mesma proporção.
3.1 Pós-modernidade negação das verdades
Antes de adentrarmos na discussão proposta no tema, cabe neste instante uma
abordagem sobre os diversos termos que estão sendo utilizados e serão empregados ao
longo da dissertação, tais como “globalização”, “neoliberalismo”, “modernidade”, “pós -
modernidade. Sua conceituação dará uma visão mais precisa dos dilemas enfrentados pelo
homem.
Como um dos primeiros: a globalização caracteriza-se pela crescente
interdependência de todos os povos e países da superfície terrestre. A partir da década de
1960, passou-se a falar em “aldeia global”, pois a impressão que se tem é de que o mundo
está ficando cada vez menor. É uma particularidade do final do século XX e tem como
conseqüência a desarticulação dos movimentos operários e a derrota da revolução social.
Conseguiu-se a homogeneização da produção e dos padrões de consumo, a imposição
planetária de mecanismos protecionistas das economias nacionais, a oposição à soberania e
o consumo artificialmente criado, tendo a mídia um papel decisivo para o sucesso da
globalização.
62
O significado mais profundo transmitido pela idéia da globalização é o caráter
indeterminado, indisciplinado e de autopropulo dos assuntos mundiais; a
ausência de um centro, de um painel de controle, de uma comissão diretora, de
um gabinete administrativo. A globalização é a “nova “desordem mundial” de
Jowitt com um outro nome. [...] A idéias de “globalização” refere -se
explicitamente às “forças anônimas” de von Wright operando na vasta “terra de
ninguém nebulosa e lamacenta, intransitável e indomável e em ação de
quem quer que seja em particular (BAUMAN, 1999, p.67-68).
No sistema globalizado os donos do mundo estão sentados atrás dos bancos. o os
que controlam os mercados financeiros, as taxas de juros, as infovias de comunicação, as
tecnologias biogenéticas e as indústrias de informação
36
. É ilusório pensar que os
presidentes eleitos têm poder sobre o país.
A globalização é um fenômeno que vem ocorrendo desde os primórdios da
revolução comercial e que impulsionou os grandes descobrimentos, com o
desenvolvimento do mercantilismo, da Revolução Industrial, do imperialismo, do
neocolonialismo, e está diretamente relacionada com o modo de produção capitalista. Sua
origem está no desenvolvimento das forças produtivas capitalistas, na produção em larga
escala acima da capacidade dos mercados nacionais
37
.
No cabaré da globalização, o Estado passa por um strip-tease e no final do
espetáculo é deixado apenas com as necessidades básicas; seu poder de
repressão. Com sua base material destruída, sua soberania e indepenncia
anuladas, sua classe política apagada, a nação-estado torna-se um mero serviço
de segurança para as mega-empresas... Os novos senhores do mundo não têm
necessidades de governar diretamente. Os governos nacionais são encarregados
da tarefa de administrar os negócios em nome deles (BAUMAN, 1999, p.74)
.
36
A globalização é alavancada num tripé financeiro: o sistema bancário, que se assenta no fabuloso valor
patrimonial de várias centenas de bilhões de dólares dos vinte maiores bancos do planeta, e das enormes
quantias depositadas com ativos que chegam a mais de seis trilhões de dólares; os fundos de pensão que
nos E.U.A. chegaram, em 1997, a quase cinco trilhões de dólares, cifra que supera todos os PIBs do mundo,
excetuando-se o norte-americano e possuem 31% das ações cotadas em Wall Street e os fundos mútuos de
ação que nos E.U.A. cresceram de quinhentos bilhões em 1985 para mais de ts trilhões em 1996; e as
seguradoras que, junto com os fundos de pensão, dispõem de mais de cinco trilhões e setecentos milhões de
dólares na França, na Alemanha, no Japão e na Inglaterra. (DREIFUS apud FERNANDES, Miriam Munhoz.
A política econômica da globalização e suas implicações no sistema educacional brasileiro
. Banco de Teses,
CAPES, 2003).
37
Nas palavras de John Kavanagh, do Instituto de Pesquisa Política de Washington: “A globalização deu
mais oportunidade aos extremamente ricos de ganhar dinheiro mais rápido. Esses indivíduos utilizam a mais
recente tecnologia para movimentar larga soma de dinheiro mundo afora com extrema rapidez e especular
com eficiência cada vez maior. Infelizmente, a tecnologia não causa impacto nas vidas dos pobres do mundo.
De fato, a globalização é um paradoxo: é muito benéfica para muito poucos, mas deixa de fora ou
marginaliza dois terços da população mundial (apud BAUMAN, 1999, p.79) .
63
Um dos grandes problemas da globalização é a queso da homogeneização da
cultura e o desrespeito pelas particularidades regionais. Há a imposição cultural de um
povo sobre o outro e as conseqüências desta mundialização são o aumento do desemprego,
da criminalidade e a manipulação das pessoas. Esse fenômeno é bastante acentuado através
das empresas transnacionais
38
, que se movimentam além das fronteiras nacionais e eso
acima do poder do estado; são empresas mundiais com interesses próprios. Esse é um
sistema econômico sem fronteira chamado neoliberalismo
39
.
Com as transnacionais, observa-se uma crise generalizada do estado-nação,
principalmente aqueles que não fazem parte do bloco econômico. Através delas os
governos reduzem sua capacidade decisória. Assim elas acabam com a nacionalidade, com
as necessidades dos cidadãos para dar continuidade aos interesses internacionais.
O mundo moderno é vazio, está em transição, é uma junção de conceitos sem um
conceito definido, uma leitura de mundo que tem significados para uma restrita parcela da
população que detêm o poder da linguagem das infovias de comunicação, deixando grande
parte da humanidade fora.
O discurso dos pós-modernistas também é ideológico e vazio na medida em que
visa a destruição da “ordem” existente para a reformulação de outra ainda, totalmente
indefinida.
o há nada mais ambíguo do que o termo Pós-modernidade. Expressão usada
a torto e a direito, no pressuposto de que o interlocutor participe de um mundo
comum no interior do qual a linguagem adquire significado. Essa ambigüidade
constitui, entretanto, a sua marca. Ela é o pós-moderno da Modernidade:
indefinível, fluído e inconsistente (BENEDETTI, 2003, p.53).
38
As empresas transnacionais, por sua vez, caracterizam-se pela fragmentação da produção: as fábricas
instalam-se onde houver vantagens econômicas para elas. Nunca trazem benefícios duradouros, apenas dão a
iluo de que io gerar lucros, mas, na realidade, ali se instalam, devido a todos os subsídios fiscais que
recebem do Estado subserviente.
39
O neoliberalismo afina-se com qualquer regime que assegure os direitos da propriedade privada. Para ele é
indiferente se o regime é democrata, autoritário ou mesmo ditatorial. O regime político ideal é o que
consegue neutralizar os sindicatos e diminuir a carga fiscal sobre os lucros e fortunas, ao mesmo tempo que
desregula o máximo possível a economia. Pode conviver tanto com a democracia parlamentar inglesa, como
durante o governo da Sra. M. Tatcher, como com a ditadura do general A. Pinochet no Chile. Sua associação
com regimes autoritários é tático e justificada dentro de uma situação de emergência (evitar uma revolução
social ou a ascensão de um grupo revolucionário). A longo prazo o regime autoritário, ao assegurar os
direitos privados, dará lugar a uma democracia. Conferir o endero eletrônico
http://educaterra.terra.com.br/voltaire/
neoliberalismo.
64
O mundo pós-modernista é o da imaginação; nele predomina a imagem, o homem
passa a ter experiências através da realidade virtual. A própria história na era eletrônica é
fantasiada e deturpada através dos meios de comunicação que não têm a preocupação
científica ao montar a história.
Conforme a seguir Benedetti, fala do projeto inacabado da modernidade, um tanto
que vazia:
Fica o indivíduo como entidade suprema, destituído do seu caráter de sujeito.
Um “eu” como referência de um fluxo contínuo de afetos, sentimentos, emoções
e desejos. A satisfação emera, momentânea, torna-se um fim em si mesma,
uma vez que é próprio das grandes narrativas aprisionar a vida humana numa
finalidade, quase sempre de caráter metafísico, reificado (BENEDETTI, 2003,
p.62).
A noção de espaço adquire uma concepção toda própria. “A Pós -Modernidade se
movimenta pelo contemporâneo e pelo simultâneo, em tempo antes sincrônico do que
diacrônico. Relações de proximidades e distância no espaço, e não no tempo, tornam-se
critérios de importância” (BENEDETTI, 2003, p.64).
A pós-modernidade afeta diretamente as relações sociais contemporâneas. Ela é
constituída de diversos elementos, de pedaços juntados ao acaso, assemelhando-se assim
também a sua ação. E conforme Benedetti, “o provisório, o efêmero, o fútil e o temporário
o mais expressivos que o eterno, o imutável, o integrado, o harmônico e o sublime. A
mistura é melhor que a pureza, é preciso levar a sério a sociedade que se reconhece nessa
mudança de valores” (2003, p.69-70).
Deus, Rei, Pai, Razão, História e Humanismo, todos vieram e todos
desapareceram, embora seu poder ainda ressurja em alguns círculos de fé.
Matamos nossos deuses por raiva ou lucidez, o sei , mas ainda assim
permanecemos escravos da vontade, do desejo, da esperança e da crença. E
agora nada temos nada que não seja parcial, provisório, autocriado para
fundamentar nosso discurso.(
HASSAN, I. apud KUMAR apud BENEDETTI,
2003, p.70).
Esclarecidos alguns termos, retorna-se ao objeto do discurso proposto da
modernidade como negação de algumas verdades.
No campo social o indivíduo lida com fenômenos com os quais ainda não se tinha
deparado. O crescimento populacional é um deles. Há um aumento da longevidade das
65
pessoas, somando-se a isso o despreparo para enfrentar esse fato, de forma mais acentuada
em países do terceiro mundo. Passa-se por um momento da vida nunca dantes pensado.
Um estágio em que não se sabe o que fazer com o indivíduo que tem mais de 60 anos de
idade
40
. A humanidade está dando saltos quantitativos em idade, mas ainda deixando a
desejar na qualidade de vida.
Nesse caminho natural do envelhecimento humano, urge a ação da educação de
interferência nas instituições para que tenham novas alternativas, novas ofertas.
Reportando-se ao termo utilizado por Both
41
, o idoso é como artefato que é enviado ao
espaço para se tirar foto e, depois de cumprido seu papel, segue seu rumo sem finalidade.
Na sociedade utilitarista contemporânea, não se tem o que fazer com o idoso. O sujeito
perde o sentido da vida quando se vê sem os parâmetros de uma sociedade que prepara
para ter família e trabalhar, é uma instância máxima de realização pessoal, mas frustrantes
quando cumpre e ultrapassa tal função. Com a revolução industrial, o homem se finda com
o trabalho, isto é, muitos dos seus sonhos e aspirações estão centrados em um produzir,
pensamento que corresponde aos interesses modernos. Essas concepções são características
dessa sociedade contemporânea que trouxeram importantes modificações no campo das
relações sociais.
O processo educacional fundamenta-se numa noção muito básica: O mundo faz
sentido e estamos envolvidos tanto em detectar quanto em criar esses sentidos.
Praticamente desde o como de sua vida as pessoas tentam compreender e
controlar seus mundo e as instituições educacionais devem elaborar e incentivar
tais impulsos (SULLIVAN, 2004, p.394).
O homem constantemente está em movimento, podendo ocorrer a aprendizagem,
que é um processo positivo, como também o processo de estagnação, provocando a
degeneração e conflitos: o negativo. A situão negativa ou positiva vai depender do meio
freqüentado e de seus estímulos. O Afastamento dos contextos da linguagem, da inter-
relação com o meio, provoca rupturas e conflitos, visto o ser humano dispor de um sistema
nervoso para aprender. Em uma estância de inter-relações, um encadeamento de sistemas,
40
Segundo informações do INE (1999 e 2001) e do Eurostat (2000): em 1950 a percentagem (média não
ponderada) da população européia com mais de 65 anos era de 9,4%; em 1980 era de 13,2%; e em 1990 era
de 14,3%. De outra forma, em 1984 existiam 49 milhões de idosos na Europa, e em 2025 prevêem-se 80
milhões. A Europa sofre de um
papy-boom
como lhe chama Robert Rochefort (Veríssimo, 2002, p.69), em
oposição ao
baby-boom
das décadas de 1950 e 1960. JACOB, Luís.
A velhice
(Dissertação de Mestrado),
ISCTE. Disponível em: <http://www.socialgest.pt/gerontologia.htm>.
41
Agostinho Both: graduado em Pedagogia (UPF), especialista em Gerontologia Social (UPF), mestre em
Psicologia (PUC) e doutor em Educação (URGS).
66
se não houver a possibilidade de reproduzir sentimentos, obviamente isso vai levar à
doença: baixando o sistema afetivo, baixam também os sistemas fisiológicos.
Consideramos ainda o envelhecimento como um processo biológico progressivo
e natural, caracterizado pelo declínio das funções celulares e pela diminuição da
capacidade funcional, que é vivido de forma variável consoante o contexto
social de cada indivíduo. Envelhecimento é diferente de velhice, dado que se o
envelhecimento começa assim que somos gerados, a velhice ou os seus sinais e
sintomas físicos e mentais só se manifestam de forma clara a partir de
determinada idade (JACOB, 2001, http://www.socialgest.pt/gerontologia.htm).
A velhice dificilmente poderá se comparar com um entardecer tranqüilo. Muitos
idosos vivem extraordinários dramas, sem casa, sem apoio familiar, sem compreensão e
sem afeto. No meio social, é alvo de vários agentes mórbidos, dado que vários direitos são
negados ao idoso tendo por base unicamente a sua idade, tal como o direito ao trabalho.
Um sistema econômico que se restringe a focar no capital tem uma considerável
fragilidade e falha, o que evidencia um lado complexo e dramático: o idoso é visto como
um grande custo para o sistema, traduzindo-se num encargo brutal para o Estado e para os
contribuintes.
De acordo com Agostinho Both, a política educacional, no que se refere ao
planejamento, em nenhum momento tem o olhar sobre o idoso. O processo de envelhecer
está bastante longe dos olhos de quem planeja a educação, e mesmo quando se pensa a
técnica para facilitar a vida do idoso, pensa-se em um lado competitivo, e na preparação do
estudante para este mercado competitivo
42
.
o é possível esquivar-se da realidade do envelhecer humano, que vem se
apresentando de forma gradativa em todos os países. É necessário mostrar que pessoas
envelhecendo e que há dignidade em morrer, e fazê-lo como uma forma de conscientização
de que o essencial no humano é a humanidade, e não o aspecto aparente cor, sexo, idade.
Os educadores poderiam aceitar e agir de acordo com os princípios morais da ética,
da justiça, da compaixão, de igualdade e do bem-estar para todos. Ao mesmo tempo, em
função dos preceitos que regem a sociedade moderna, é importante que todos aceitem as
42
Muitos resultados positivos em prol da raça humana, na questão da saúde, educação, segurança,
ecossistema, qualidade de vida, tiveram progressos depois que houve alteração curricular. Muitas alternativas
existem, entre elas, a começar em salas de aulas, nas diversas disciplinas trabalhadas pelos professores, trazer
junto a estas uma reflexão dos problemas que afligem a sociedade, focando de modo preciso possíveis
soluções.
Veja
, edição 1862, ano 36, n.7, 16 fev. 2005;
Época
, n.408, 13 mar. 2006; Publicações do Fórum
Social Mundial realizado no mês de janeiro dos ano de 2001, 2002, 2003 e 2005.
67
enormes dificuldades inerentes às formas pelas quais esses termos são defendidos, vividos
e implementados.
No campo político, há uma nova ordem em andamento. Depois da queda do muro
de Berlim e dos conseqüentes alinhamentos, da reunificação alemã, da Glasnost e da
Perestroika, de Gorbatchev, nada mais parece ser impossível. Muitas mudanças ocorrem e
estão ocorrendo procedidas de acordo com o espírito da época, de forma rápida e eficaz.
Grandes acontecimentos em diversos pontos do planeta acontecem com implicações em
vários setores de muitos países. Aqui é possível citar alguns para ampliar a idéia de
complexidade e falta de referência: o ataque às torres gêmeas do World Trade Center,
ocorrido no dia 11 de setembro
43
de 2001, nos EUA, e, em justificativa a este, os diversos
ataqueslicos a países como Afeganistão, Iraque, os possíveis culpados do ataque ao
império americano
44
. Dessa política imperialista norte-americana de desrespeito à vida e ao
planeta, resultam os diversos atentados terroristas por diversos países, matando e
destruindo, causando um caos. Disso ficam grandes incógnitas e perguntas, sobre o valor
da vida, sobre concepção do homem contemporâneo de ser humano e seus projeto para a
raça humana. Fica a pergunta: quais os valores morais e éticos presentes e que fazem parte
da contemporaneidade? São algumas das perguntas e indagações que ficam diante de
atrocidades visíveis no convívio humano. Uma nova ordem manifestando-se em múltiplos
locais, com ações plausíveis e ações condenáveis, distanciando e relegando o ser humano
como peça de um tabuleiro. Como exemplo pode-se citar o caso de Israel, Palestina, China,
Japão, Coréia, Irã, Rússia, países do continente africano, são alguns de atos que estão mais
visíveis na mídia de distanciamento da dignidade humana.
43
Os ataques de 11 de setembro foram uma série de ataques terroristas contra os Estados Unidos em 2001.
Membros do grupo islâmico al-Qaeda seqüestraram quatro aeronaves, fazendo duas delas colidirem contra as
duas torres do World Trade Center em Manhattan, Nova Iorque, e uma terceira contra o quartel general do
departamento de defesa dos Estados Unidos, o Pentágono, em Arlington County, Virgínia, próximo à capital
dos Estados Unidos, Washington, D.C. O quarto avião seqüestrado foi intencionalmente derrubado em um
campo próximo a Shanksville, Pensilvânia, após os passageiros enfrentarem os terroristas.
http://pt.wikipedia.org/wiki/World_Trade_Center
44
O termo “imperialismo” provavelmente se impôs pela primeira vez na década de 1870, na Inglaterra
Vitoriana. Foi usado para designar a política de Disraeli e, com isso, criar a Imperial Federation. A partir
dessa década, deu-se a partilha da África entre os Estados europeus e a ocupação de vastos territórios da Ásia
(China, Pérsia, Império Otomano) (BOBBIO, 2000, p.611). O imperialismo econômico foi definido como
controle (direto ou indireto) de um ps subdesenvolvido por uma potência industrial; o imperialismo surgido
do século XIX substituiu a competição entre muitas firmas por um punhado de corporações gigantescas, em
cada indústria. Houve, ainda, o avanço tecnológico de transportes e comunicações, além do desafio que as
demais nações industrializadas lançaram à Inglaterra. A competição entre os grupos de corporações
gigantescas ocorreram em todo o globo (MAGDOFF, 1978, p.10), o que levou Magdoff a considerar que “O
imperialismo não é uma questão de escolha para uma sociedade capitalista: é seu modo de vida”
(MAGDOFF apud FERNANDES, Miriam Munhoz.
A política econômica da globalização e suas
implicações no sistema educacional brasileiro
. Banco de Teses, CAPES, 2003).
68
A civilização oriunda desse sistema trouxe consigo outro tipo de escassez, em
decorrência de um modelo de homem vinculado à satisfação de necessidades criadas pelo
próprio homem. Para o homem selvagem, não há estoque, não há acúmulo; o estoque de
bens é a própria natureza e a todos pertence, e deles se utiliza com moderação. O homem
tido como civilizado, ao contrário, acumula e disso faz um meio de vida: ele tira partido da
escassez. A conseqüência mais imediata da escassez foi o surgimento da política, a partir
do conflito gerado no processo de apropriação de bens
45
. Ubiratan Rocha da Silva faz um
questionamento da capacidade do homem em ações futuras:O que somos finalmente? O
primeiro ser na escala evolutiva, somente porque foram humanos que a escreveram, pois se
ela tivesse sido escrita por formigas, provavelmente estaríamos entre os últimos. A
humanidade vai testar se é a única inteligente no século XXI”
46
.
A partir da concepção humanística, com fundamentação ética tendo o ser humano
como valor central, o
sistema de desenvolvimento hoje em vigor emerge com base em
determinados pressupostos que constituem um sistema errôneo. Por estar pautado em uma
compreensão errada, tudo o que é constituído sobre esses pressupostos torna-se falho. Para
uma melhor compreensão, a seguir serão enumeradas algumas dentre tantas ações no
sentido falho aqui enunciado: a compreensão de que a natureza foi criada por Deus para o
homem transformar a seu bel prazer; de que os recursos presentes na natureza são
gigantescos e inesgotáveis; a crença da necessidade de um crescimento connuo e na sua
distribuição na medida do aumento do bolo econômico
47
; a manutenção de um sistema
econômico onde existem países transformadores e fornecedores de matéria-prima para
45
As regiões mais afetadas são o sudoeste asiático e o Subsahara africano. Nessas áreas, três quartos da
população subsiste com menos de dois dólares diários e os habitantes carecem de água potável. Enquanto
isso, os países mais desenvolvidos usam cinco vezes mais energia, por pessoa, do que os países menos
desenvolvidos. Segundo o estudo divulgado em Washington, na África a mortalidade infantil é 15 vezes
superior à dos países desenvolvidos. As previsões constantes no relatório do PRB (pesquisa do Departamento
de Referência da População, de Washington, em seu relatório 2005) sobre população indicam que a
população do planeta chegará aos 9 bilhões em 2050 e que o país mais populoso será a Índia.
http://www.parceria.nl/sociedade/so050824pobreza_mundo e
http://www.parceria.nl/sociedade/at_051013criancas
46
SILVA, Ubiratan Rocha da.
Sobre a pobreza do mundo
. Disponível em: <ttp://urs.bira.sites.uol.com.br/
pobre.htm>.
47
Segundo relatório do WWF já estamos a mais de 20% além da capacidade de suporte e reposição do
planeta. Usamos em média 2,3 hectares de recursos naturais por pessoa no mundo para atender às
necessidades de alimentação, energia, etc. Um americano precisa de mais de 9 hectares; um europeu precisa
de mais de 5 hectares; um africano, em média, menos de 1,3 hectares; no Brasil o consumo é de 2,3 hectares;
e o suportável seria de 1,9 hectares. “Se imaginarmos um crescimento modesto de 3% ao ano e projetarmos
sobre os níveis de hoje, o produto mundial bruto, que é hoje de vinte e poucos bilhões, chegaria, no ano de
2050, a 158 trilhões de dólares, o que é impossível, pois não há recursos naturais suficientes. O crescimento
econômico, sozinho, não é o caminho” (WILSON, Edward apud SILVA, Ubiratan Rocha da.
Sobre a
pobreza do mundo
. Disponível em: <ttp://urs.bira.sites.uol.com.br/ pobre.htm>.
69
atingir as necessidades; a despreocupação com os resíduos criados pelo sistema industrial,
classificados como insignificantes, que não são tão nocivos. Isso tudo evidencia a noção de
homem e de mundo que se criou, emergindo indiferença e irresponsabilidade sobre seus
atos. Em cima de premissas enganosas e falhas se criou todo um modelo de mundo. E num
sentido ecológico, de respeito ao planeta Terra, poder-se-ia dizer que “De repente
descobrimos que a espaçonave Terra é modesta em tamanho e tem uma capacidade
regenerativa mais modesta ainda. Geramos mais lixo e poluição do que o planeta pode
suportar” (CARAVANTES, 2000, p.23).
3.2 O Brasil na modernidade
Tem-se uma visão de uma sociedade construída eficazmente sobre a égide do
capitalismo, de forma eficiente, no entanto cega e surda a quaisquer outros valores que não
o de acúmulo de capital, serão evidenciados diversos dados a seguir. Sobre o contexto
brasileiro, no entanto, alguns poderão obter múltiplas interpretações, assim como também
suas razões. Segundo o Sebrae, existe falta de acesso a benefícios legais, exclusão atribuída
a uma grande burocracia
48
. A educação também é entendida como custosa e de má
qualidade, e, além disso, evidenciando dificuldade ao acesso e até discriminação
49
.
O Brasil na modernidade está repleto de afronta a dignidade humana, entre tantos a
pobreza é um mal exibido e bem conhecidos de todo o povo brasileiro, e a pobreza é
apenas um dos muitos sinais de desajuste social. Da pobreza resultam inúmeros outros
problemas de ordem social
50
, que é inconcebível neste país devido à riqueza que dispõe.
Recursos esses propícios para desenvolver uma justiça social. Além desse fator, o Brasil é
48
Segundo o Sebrae, no mercado brasileiro cerca de 13 milhões de pequenos empreendimentos, cerca de 2/3
constituído de micro e pequenos negócios informais, são responsáveis por mais de 60% dos empregos e
ocupações gerados. No entanto, 95% desses empreendimentos não têm acesso ao sistema oficial de crédito,
sobretudo financiamento à produção. Tal exclusão é basicamente atribuída às dificuldades dos pequenos
negócios em atender às exigências de garantia dos financiamentos.
49
Segundo o IPEA, 4,2 milhões de jovens vivem em extrema pobreza. Desses, 67% não concluíram o Ensino
Fundamental e 30,2% não trabalham e não estudam. Os jovens afro-descendentes são os mais excldos: 73%
dos jovens analfabetos são negros e 71% dos extremamente pobres que não trabalham e não estudam são
afro-descendentes.
50
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada IPEA, o Brasil tem 53,9 milhões de pobres. O
estudo Radar Social 2005 considerou pobres as pessoas que vivem com renda domiciliar per capita de até
meio sario mínimo (R$ 120 em 2003). Foram consideradas muito pobres ou indigentes as pessoas com
renda de até um quarto do salário mínimo de 2003 (R$ 60, na época do estudo). Nessas condições vivem 21,9
milhões de brasileiros. A pobreza no país também é maior entre a população negra. Segundo o IPEA, 44,1%
de negros viviam com renda inferior a meio salário mínimo em 2003. Entre os brancos, o percentual era 20,5.
70
um país de grande disparate na distribuição de renda
51
, um país de contrastes, bolhas de
desenvolvimentos
52
.
Somando-se a estes problemas existentes, há uma grande taxa de mortalidade
infantil, um grande descaso com o povo, uma falta de sensibilidade e marginalização
53
.
Amplia-se o número dos excluídos do sistema econômico, dos abandonados, e
determinados grupos aparecem somente quando ocorrem incidentes de grandes proporções.
Um país de dimensões de enormes como o Brasil, com riqueza e potencialidades
como dispões, que adota um sistema econômico neoliberal vem se tornando um “ quintal”
de um sistema econômico, que é perverso ao julgamento da ética e da dignidade humana.
O sistema neoliberal vale-se de políticas imperialistas de nações vorazes que passam por
cima de qualquer cultura, valor na finalidade da obtenção do lucro e do controle. É um
momento da modernidade que caminha com o princípio da fluidez” , rapideze da
mobilidade. De acordo com Bauman,
É a velocidade atordoante da circulação, da reciclagem, do envolvimento, do
entulho e da substituição que traz lucro hoje não a durabilidade e
confiabilidade do produto. Numa notável reversão da tradição milenar, são os
grandes e poderosos que evitam o durável e desejam o transitório, enquanto os
da base da pirâmide contra todas as chances lutam desesperadamente para
fazer suas frágeis, mesquinhas e transitórias posses durarem mais tempo. Os dois
se encontram hoje em dia principalmente em lados opostos dos balcões das
mega-liquidações ou de vendas de carro usados (BAUMAN, 2001, p.21).
Somando-se a esses dúbios princípios que norteiam e comprometem, o mundo
passa por um momento de estrangulamento do uso de recursos energéticos, alguns com seu
uso máximo (petróleo), não apropriado e calamitoso (nuclear), restrito (hidrelétricas),
como tamm o estrangulamento de uso de outros recursos a exemplo o ar, a água. Urge
indagar e buscar soluções para esses atos de uso descontrolado dos recursos existentes e
51
Ainda segundo o IPEA, o Brasil tem a segunda pior distribuição de renda do mundo. Cerca de 1% dos
brasileiros mais ricos detém uma renda equivalente à soma da renda dos 50% mais pobres. O País está na
frente só de Serra Leoa no ranking da desigualdade social. Alagoas é o estado com mais pobres no Brasil.
52
Segundo o Atlas da Exclusão Social, o Brasil é a 15ª economia mundial, dono da 31ª maior renda per
capita do planeta, mas ocupa a 109ª posição pelo IES, Índice de Exclusão Social. Foram pesquisados 175
países e, diferente do IDH ndice de Desenvolvimento Humano), que reúne indicadores de renda per capita,
saúde e educação formal, o IES identificou variáveis como a desigualdade de renda, o desemprego aberto, a
presença da população infantil e a violência.
53
Segundo os dados da Organização das Nações Unidas ONU bastariam US$ 19 bilhões anuais para
eliminar a fome no mundo (mais de 800 milhões não têm o que comer), US$ 10 bilhões por ano para prover
todas as pessoas com água de boa qualidade (1,1 bilhão não têm), US$ 1,3 bilhão para imunizar todas as
crianças contra doenças transmissíveis, US$ 12 bilhões para dar saúde reprodutiva a todas as mulheres. São
gastos por ano US$ 18 bilhões com maquiagem, US$ 15 bilhões em perfumes e US$ 11 bilhões em sorvetes
na Europa.
71
buscar um limite para as ações dos seres humanos no planeta. “Aquilo que chamamos mar
de turbulências é exatamente o produto das inter-relações e interdependências de todas
estas mudanças, que se dão de forma radical, acelerada e, muitas vezes, fora de toda e
qualquer expectativa” (CARAVANTES, 2000, p.26). É importante aqui uma reflexão
sobre os pressupostos que nutrem ações e concepções de vida, que “muitas vezes são
cultivadas sem saber de onde provém” (Idem, p. 26). A não-reflexão e o desconhecimento
podem levar essas ações justamente a resultados indesejados.
o amor é o fundamento do viver humano, não como uma virtude, mas como a
emoção que no geral funda o social, e em particular fez e faz possível o humano
como tal na linhagem de primatas bípedes a que pertencemos, e ao negá-lo na
tentativa de dar um fundamento racional a todas as nossas relações e ações nos
desumanizamos, tornando-nos cegos a nós mesmos e aos outros. Nessa cegueira
perdemos na vida cotidiana o olhar que permite ver a harmonia do mundo
natural ao qual pertencemos, e já quase não somos capazes da concepção
poética que trata desse mundo natural, da biosfera em sua harmonia histórica
fundamental, como é o reino de Deus, e vivemos em luta contra ele.
(MATURANA e VARELA, 1997).
Parece poético, ou a de relativa superficialidade; no entanto, ao adentrar no
campo da razão real dos diversos problemas, constata-se estar aí, no afastamento do
humano nas ações praticadas pelo homem
54
.
Na questão política, questionam-se os representantes brasileiros: onde fica a ética
diante dos últimos fatos que vêm acontecendo agora (em meio ao ano de 2005)? Quem são,
onde estão e o que fazem as autoridades? A quem faz? De uma forma meio descrente, mas
ainda acreditando em caminhos para esse país, poder-se-ia até dizer que se perdeu a ética
nesse país. A violência impera de forma desumana. Matar, roubar virou banalidade
quando veiculado em um meio de comunicação, esses fatos o esquecidos no primeiro
intervalo comercial. Infrações, subornos, autoritarismo, regalias, os valores de justiça, de
igualdade, de dignidade humana se distanciaram. Onde está a justiça social, a honestidade,
a solidariedade, a “vergonha na cara”?
54
Sem tentar responder nada, no entanto numa postura de entendimento, constata-se que um dos reais
motivos que levam a essa parafernália social são os valores dados às ações, aos atos e aos objetos. Com a
mudança de valores, a sociedade está ruindo padrões e valores humanos que mantinham estruturas em pé.
Conforme Guareschi, “podemos dizer, com respeito à educação, que a ética, na era anterior à Modernidade,
era a ética da tradição, ou seja, a medida das coisas, do que era correto ou incorreto era a tradição. [...] com a
modernidade era preciso pensar racionalmente para saber qual a melhor forma de agir. [...] A Modernidade se
construiu dentro de três valores: a racionalidade, o individualismo e o experimentalismo” (GUARESCHI,
2003, p.150).
72
O mundo atual vive uma crise de valores muito grande. Há uma confusão entre os
conceitos adequados de postura das pessoas diante da vida neste planeta. O que existe é a
idéia de que é preciso sobreviver a qualquer custo não importando o que venha a ser feito,
ofuscando uma série de valores concebidos como necessários para a perpetuação da raça
humana, destruindo com isso o pouco que ainda resta. A ausência de parâmetros precisos
de conduta faz com que muitos vivam a ilusão de que tudo se pode, tudo se faz tudo se diz.
A realidade é outra; faz-se aquilo que os meios de comunicação ditam devido a seu grande
poder de influência sobre o comportamento humano.
A modernidade absorveu uma crítica sem consistência e eficiência, pois passou a
existir uma crítica como modismo, existindo, em um primeiro momento, um estanhamento,
que em seguida dá lugar ao normalismo. Aqui reside a doença desse mundo moderno no
que tange às agressões ao ser humano, a falta de indignação às agressões que o cercam.
O homem atual está constantemente compelido a não pensar, porque tem a máquina
que o faz por ele. Cada vez convive menos com outras pessoas, porque tem televisão, jogos
eletrônicos e internet, em que passa horas a fio interagindo com uma máquina. Está
empobrecido intelectualmente, porque perdeu o controle do processo produtivo, já que a
máquina faz quase tudo e o homem está acomodado nesta situação. Na medida em que a
máquina aprende, o homem reduz sua inteligência, uma vez que não a usa.
3.3. Homem, sociedade, educação
O ser humano encontra-se diante de um grande dilema, ou, melhor dizendo,o
grande dilema”, homem, educação, sociedade como entender esses três elementos, e
como eles se relacionam e constituem um todo. Em função de ações e reações, o homem
entra em crise, e agora, e todos os valores em dúvida. A dúvida permanente está na
própria crise dos acontecimentos, através de seus “cacos” com os quais se perde qualquer
noção de conjunto.
Diante da crise que passa a fazer parte do homem moderno, inúmeros valores foram
destituídos diante de uma fragmentação, de um hedonismo. O homem ficou e está à mercê
de uma sociedade andante, que se constitui no tempo o tempo enquanto historicidade,
enquanto finitude.
73
O momento dos educadores é complexo. Existe um desencantamento da sociedade,
dos professores, frente à educação. A sociedade está estática, sem ação e sem possibilidade
de visualizar melhoras. É uma sociedade doente, sem previsões animadoras. Entre todos os
problemas, o salário é um dos menores. Existe um “sintoma de desistir” presente em
muitas instituições sociais, escola, família, religião, política. Urge que se tenha uma
reflexão do porquê desses sintomas. Por que isso acontece? Por que esse mal? O que leva o
ser humano a isolar-se?
Na esfera social, em uma simples comparação, o homem é totalmente diferente dos
animais: ele não pode suprir sozinho sua existência, não produz naturalmente sua
perpetuação, precisa de outros para sua subsistência. Há uma fraqueza humana. A única
forma de suprir essa fraqueza humana foi através das instituições, como família, escola,
igreja, estado. A sua distinção está na capacidade de pensar, planejar, projetar, raciocinar,
enquanto que os animais permanecem a repetir comportamentos desde quando estes são
animais, isto é, parou seu estágio evolutivo enquanto espécie.
Essa impossibilidade de se autogerir caracteriza uma “fraquez a”. A fraqueza
possibilita ao homem na sociedade um lugar de complementação de humanização. O outro
é visto como complemento, como necessidade para constituir-se como indivíduo. Nesse
sentido percebe-se que o homem está sempre em formação, que não existe um fim
enquanto formação, o homem é um constante “vir a serque se constitui nas relações.
O século XX vai falar da incompletude da finitude do ser humano, do ser
inacabado. De estar sempre em processo de se fazer, “vir a ser”. Essa nova vio tira as
certezas do homem, tira-lhe o chão, necessitando um encontro de si mesmo, que se dará a
todo momento.
O século XXI, é também um reflexos das ação humana tecnicista do mundo
moderno, o homem está vivendo em um perfeito individualismo, cada um querendo
garantir o seu lado. Esta sensação egoísta, mesquinha e insaciável está presente na
sociedade como um todo, com reflexos na família. Diante de uma situação que é instigante
e resultado, existe uma sensação de impotência, de desalento, o trem descarrilou”, e ,
dilacerado, o homem busca soluções educacionais na busca de conhecimento. Nisso tudo,
o princípio de onde se parte para essa construção torna contundentes os conceitos
imbricam uma análise profunda e contextualizada com suas implicâncias e vieses. Há que
se ater, mantendo critérios críticos as diversas alternativas educacionais para os muitos
problemas alocados.
74
De que forma o indivíduo constrói sua identidade vivendo socialmente? Para
entender sua posição é necessário entender a situação social da época, do momento, a
circunstância em que o homem se encontra. A noção de igualdade e de moralidade começa
a surgir no processo de socialização. A moralidade tem noção social, é resultado da
sociedade, não tem como ser diferente.
Nesta relação social, homem, educão, reporta-se de forma isolada ao que
Rousseau diz, e que vem a ser uma de suas grandes questões: tornar-se humanos com o
outro, mas o outro os corrompe. Aí reside o problema: como tornar-se humano sem deixar-
se corromper ou absorver conceitos estéreis. O homem acredita exageradamente no poder
da educação, na possibilidade de desenvolvimento integral do homem obedecendo a um
processo natural. A realidade a possibilita ao homem ser mais crítico porque se tem mais
condições de visualizar o todo, cria possibilidade de formar uma sociedade igual para
todos. Não inviabiliza a necessidade de acreditar na educação, somente amplia os
horizontes, possibilitando um pensar centrado.
O pensamento moderno destrói estruturas tradicionais, transformando-as em formas
ultrapassadas e obsoletas. Há o predomínio da razão da técnica, que envolve novas
estruturas e construções, onde o homem passa a viver isoladamente, cada vez mais egoísta
e sem nenhuma preocupação com o outro.
Vivemos no mundo da velocidade: velocidade da informação que não nos permite
aprofundar, questionar, ou criticar o que está sendo transmitido; velocidade nos encontros
entre as pessoas, uma vez que, para tudo, precisa-se de hora marcada. Somos escravos do
relógio, dele não podemos nos afastar porque senão criamos um caos na nossa vida e na de
outros.
3.4. Educação para a solidariedade
As mudanças de comportamentos inadequados para atitudes plausíveis vêem
acontecendo em decorrência de atitudes desastrosas da história da humanidade. Atitudes de
desrespeito ao ser humano enquanto raça, cor, credo, atitudes de negligência ao
ecossistema, atitudes reprováveis de falta de sensibilidade sutileza no trato com o diferente,
com o outro. Esses deslizes humanos resultam em atitudes bruscas e repentinas para
amenizar situações impróprias de momento. Atitudes de distanciamento do outro”, de
75
exclusão vem se concretizando e deteriorando a qualidade de vida do planeta
55
. Levou
muito tempo para que o meio científico absorvesse a idéia da necessidade de preservação e
respeito ao meio ambiente, e de que estes recursos não são infinitos. A noção de uma
catástrofe e de escassez causava descrédito nos cientistas e na opinião pública. Levou
muito tempo para mudar esse pensamento.
Na visão de biólogos competentes, nada de parecido com a atual escala de
extinção de biossistemas do planeta aconteceu nos últimos 65 milhões de anos da
história da terra... [...] Quando perdemos o respeito pelo mundo natural, a terra
passa a correr riscos em toda sorte de manifestações. Torna-se uma mercadoria,
uma série de artigos a ser comprados e vendidos. Sua nobreza, sua dimensão
sublime e sagrada foram perdidas. O respeito à comunidade humana
desapareceu. A reverência sentida pelos atributos assombrosos da natureza
dissolveu-se num mundo mecanicista. Só a medida crassa do valor comercial
determina o valor de qualquer coisa. (SULLIVAM, 2004, p. 20-22) .
As conseqüências desastrosas provenientes de atitudes inadequadas para com o
meio ambiente que foram previstas pelos cientistas há mais de meio século tardaram, mas
chegaram: situação crítica da água potável, efeito estufa, lixo nuclear, chuva ácida,
destruição da camada de ozônio, extinção de animais e plantas, desertificação.
Esse gigantesco problema ambiental compromete a manutenção da vida do planeta,
gerando um maior distanciamento de acesso em igualdade a todas as pessoas, é necessário
a sociedade ater-se a esse problema, de forma critica e reflexiva para a sobrevivência
humana. Essa situação gera privilégio de poucos que detêm o poder econômico,
marginalizando os demais.
Somente ações educativas podem mudar comportamentos inadequados e formar um
comprometimento com a manutenção da vida. Não se pode esperar a vida adulta para
empreender tal programa. O futuro do planeta e da qualidade de vida requer ações
imediatas de formação da consciência ecológica no educando, estimulando-o para a ação
ética e científica que visa conservar o meio ambiente.
A formação dessa consciência fundamenta-se em assimilar valores éticos e morais
de caráter universal, na valorização da auto-estima, na formação do autoconceito e da
55
A sociedade de Crescimento Industrial nos exilou da Terra e nos fez romper os laços com a vida.
Precisamos voltar ao nosso nicho natural. Essa consciência é a base de uma Sociedade de Sustentação de toda
a Vida, aquela que fará nossa desintegração ser criativa e nos garantir ainda futuro. Conferir:
www.leonardoboff.com.br.
76
compreensão científica dos conceitos ecológicos, uma ressignificação constante que
ocorrerá ao longo da vida, uma educação ao longo da vida.
Essa ação educativa centrada no processo ético universal, com ações precisas e
centradas, visa mostrar que não existe a separação entre homem e meio ambiente. Essa
separação vem a favorecer a perpetuação de comportamentos inadequados, e chama a
atenção sobre o fato de estar num sistema fechado, cíclico. Portanto, toda ação destrutiva
do meio ambiente volta-se contra o próprio homem. Somente através da educação
ambiental de base base aqui entendida sob dois aspectos, o primeiro sendo a formação
desde criança, proporcionando noções e consciência na família e escola, e o segundo como
fundamento, estruturas é que faculta ter a esperança em preservar o valor da vida no
planeta.
A incapacidade de expressar nosso êxtase e gratidão pela dádiva da vida
constitui uma perda de sentido em nossa vocação e lugar nos processos mais
amplos da existência. Estamos em um momento incvel da terra e temos de
captar o sentido da vida celebrando a plenitude da nossa vida, tanto no tempo
quanto no espaço (SULLIVAN, 2004, p.405).
Os problemas críticos em que se encontra a humanidade, tais como a ameaça de
uma guerra nuclear, o esgotamento dos recursos naturais não-renováveis, a poluição
hídrica e atmosférica, não são fatos estranhos ao homem. São criação e produto do homem.
Para que o homem e as instituições sobrevivam, várias transformações e novos
aprendizados necessitam ocorrer. O grande desafio com que se defronta é a busca de uma
sociedade auto-renovável, isto é, imune à decadência e à entropia
56
. Tal sociedade é vista
por John Gardner como uma sociedade de homens livres, em que a liberdade individual é
conseguida através do autoconhecimento e onde a educação formal é apenas parte deste
processo global de aprendizagem. “Para o homem a auto -renovação, o desenvolvimento de
suas potencialidades e o processo de auto-descobrimento nunca terminam. Além disso, ele
56
Originalmente, “entropia” (troca interior) surgiu como uma palavra cunhada do grego de em (
en
- em,
sobre, perto de...) e sqopg (
tropêe
- mudança, o voltar-se, alternativa, troca, evolução...). O termo foi
primeiramente usado em 1850 pelo físico alemão Rudolf Julius Emmanuel Clausius (1822-1888).
“Os Sistemas Não -Lineares segundo a 2º Lei da Termodinâmica: “Quanto maior a desordem de um
sistema, maior a sua entropia”. O primeiro exemplo de Vida Artificial, o autônomo celular universal
idealizado por John Von Neumann, se reproduzia sem estar explicitamente programado correndo contra a
entropia.Disponível em: <geocities.yahoo.com.br/paradoxosdafisica/entropia.htm>.
77
é altamente motivado, criativo e inovador, respeitando as fontes de sua própria energia e
motivação” (CARAVANTES, 2000, p.50).
A tarefa crucial do educador é desenvolver uma consciência que procure ver através
da lógica da globalização destrutiva e combiná-la com qualificações críticas para resistir à
retórica que ora nos satura.
No Contexto da educação, é preciso que o educador sinta um desempenho
autêntico em relação ao quadro de referência das instituições educacionais. Com
o estabelecimento de conseqüências insipientes, há uma compreensão de que as
instituições educacionais convencionais estão incrustadas na natureza
problemática dos valores dominantes de nossa cultura (SULLIVAN, 2004, p.71).
Uma das tarefas fundamentais para o homem, hoje, é resistir às vozes do mercado
de um sistema capitalista voraz. Essas vozes fazem perder o bom senso e impedem o ser
humano de encarar a situação da crítica necessária à realidade precária. Essas vozes
transformam um mundo devastado num “país das maravilhas”. No país da maravilhas, as
vozes da propaganda dizem que a exploração irresponsável da terra é um processo criativo
que levará o homem a viver num país das maravilhas. Chamam a isso de progresso.
O homem faz parte da história, tendo participação e responsabilidade efetiva nos
processo descabido de devastação em prol de um errôneo conceito de progresso. E ele
continua nesse processo, em que só enxerga lucro e meios econômicos. Cabe a ele mesmo
a tarefa e o desafio de sair desse estado de transe industrial em que está desde o como do
século XX.
A educação terá uma tarefa educacional fundamental na atual situação: a de
demonstrar a possibilidade e a viabilidade de um mundo melhor, um habitat planetário
global e sustentável, de seres vivos interdependentes, com igualdade e respeito ao outro.
3.4 Novos paradigmas
A dinâmica da busca pela perfeição e pela eficiência é altamente exigida pela
sociedade; em muitos setores, chega-se a dizer que se está gerenciando sistemas e
organizações do século XXI com pensamento e filosofias do século XIX. Esse é o
78
pensamento que ronda nas altas esferas administrativas voltadas para uma grande
rentabilidade. A era do amadorismo na gestão das organizações está findando e
paulatinamente sendo substituída pelo profissionalismo.
A “era das incertezas” , caracterizada pelo desajuste do homem, de suas relações e
valores, envolve o ser humano em momento de ativismo, do ter, do consumismo do
descartável, do imediatismo, do produto, sendo o homem conceituado como coisa como
mais um produtos entre tantos outros
57
.
Os novos paradigmas desconstroem os tradicionais e, de repente, estão sendo
questionados e substituídos por novos valores. De outro lado apresenta-se uma sociedade
esgarçada, cansada, fragilizada, violenta, corrupta. Ao mesmo tempo em que se consti a
civilização, implanta-se a barbárie. Aqui se instala um questionamento de como será
oferecida uma formação integral, e quais as condições nesse momento. Fica a impressão de
que se “rema contra a maré”, uma sensação de impotência diante de tudo. Urge que se
tenham alternativas educacionais, que inicie a formação, a “moldagem
58
do homem desde
“cedo”, uma concepção nova e diferente de homem, mundo e educação.
Nesses novos paradigmas concebidos pela sociedade com a modernidade, se
apresenta simultaneamente ao homem novas conceões de mundo, com isso novos
comportamentos e valores entram na vida humana sem serem questionados e refletidos,
isto é, não ocorre uma auto-reflexão instaurado pela consciência humana no decurso da
experiência histórica, advindo dessa ausência de refleo controvérsia e insatisfação na
atividade humana. O homem passa hoje por um novo momento, com novo ritmo sendo
implementado na história que, segundo Caravantes, implicará mudanças:
O que muitos dirigentes, tanto do setor público como do privado, ainda não
perceberam é que a aventura humana esno limiar de sua história. E como
acontece em qualquer período de transição, certo número de instituições irá
desaparecer, outras serão transformadas, outras ainda crescerão e se
desenvolverão. O certo é que todas serão afetadas de uma forma ou de outra pela
nova situação global, e viver sob tão grandes mudanças requer flexibilidade e
sabedoria (CARAVANTES, 2000, p.49).
Percebe-se a concretização de um fenômeno há muito previsto, uma situação de
mudança, “um ciclo”. A queso que fica é em que situações e condições estar -se-á
57
Esse pensamento vem sendo muito bem trabalhado por Zigmunt Bauman, em seu livro Modernidade
Líquida.
58
Moldagem no sentido de uma formação humastica, contendo as bases da ética, justiça e dignidade.
79
enfrentando esse “mudar”. Trazendo essa questão para um nível mais pessoal, familiar,
identificam-se inúmeras angústias e situações não claras para o homem hoje, que
necessitam ser determinadas para não se incorrer num esmaecer do “serhumano
59
.
A situação é bastante complexa em um momento em que todos estão desesperados.
O homem não sabe como educar seus filhos, que futuro eles terão, qual a melhor forma de
educar. O homem encontra-se literalmente perdido quanto ao futuro. Os sonhos, a utopia
está distante de uma realidade vivida agora no século XXI, apregoada no século XX como
o século do futuro da realização humana. Parece que isso ficou só nas palavras sendo
levadas pelo ralo do sistema econômico. Ser normal é manter o sonho, manter a indignação
e, apesar de tudo, acreditar num projeto educacional, na possibilidade. Poder-se ia até dizer
que toda pessoa saudável é uma pessoa desajustada.
“Toda sociedade se defronta com o problema de sua existência pragmática e ao
mesmo tempo com a verdade de sua ordem” (SHELDON VOEGLIN apud
CARAVANTES, 2000, p.58). Entretanto, a sociedade vem enfrentando sérios problemas
desenvolvidos ao longo destes tempos, manifestando de forma clara a ineficiência e a
inadequada solução de forma criativa e ética. Frente a isso, os problemas se acumulam e se
avolumam, e um “sentimento de desamparo” e de “perplexidade torna -se característica
principal do mundo contemporâneo” (Idem, p. 58).
A partir da Revolução Industrial, a racionalidade funcional passou a predominar em
meio a um cenário de busca de práticas utilitaristas. Essa busca é própria de uma sociedade
que está buscando comodidade e facilidades, mesmo que esse modelo seja proporcionado a
uma minoria, detentora de um poder econômico, que o sustenta. Cria-se, com isso, uma
visão distorcida de homem e de mundo. A partir de certo momento, a economia
neoclássica e sua racionalidade tornaram-se a única forma de analisar toda a história da
humanidade
60
. Esse parâmetro de análise e julgamento resulta numa forma de
planejamento e se estendeu a todos os setores. O mundo torna-se uma aldeia global
capitalista, e o pilar central de toda uma política mundial é o econômico. O ser humano, o
ser, o humanismo cedeu lugar à racionalidade, à oferta e à procura, à mais-valia, à
quantidade, ao ter, valores desprovidos de qualquer qualificação ética. Um ponto de
referência falso passou a ser considerado como o mundo real.
59
É necessário muitas vezes fugir às regras. Em determinadas situações, ser normal é gritar, contestar, não
aceitar o que parece óbvio à maioria, transgredir normas, e freqüentemente ver-se só, um profeta. O problema
está em agüentar aquilo que não pode ser suportado.
60
Falácia econômica de Karl Polanyi falácia é uma armadilha enganosa resultante de um erro lógico.
80
A sociedade industrial encontra-se em uma encruzilhada com senso de urgência.
Manter o ritmo atual, sem ponderações e correções, poderá ser mortal. O repensar dos
valores atuais está se tornando uma necessidade vital, não podendo ser adiada e delegada,
pois está conectada à sobrevivência do homem enquanto espécie. No ritmo estabelecido e a
ótica trabalhada na realidade atual frente toda a complexidade social, política, mundial. há
que se ter atitudes concretas, eficientes, o esquecendo considerações de ordem ética na
busca desses objetivos.
Muitas ações isoladas vêm sendo feitas pelo mundo afora, tantas que seria
necessário um tempo exaustivo de pesquisa para enumerá-los, entre os organismos
nacionais e internacionais: ONGS, instituições religiosas, políticas, sindicatos,
cooperativas, industriais, organizações, fundações em prol do respeito à vida, do respeito
ao outro. Esses organismos todos vêm desenvolvendo ações concretas de crer na
possibilidade de um mundo diferente, que irão desencadear ações e um sentimento de que
as utopias poderão ser concretizadas.
Claro que, para essa política funcionar, é necessária a transformação da sociedade
através da educação, e segundo Maturana, se a vida é um processo de conhecimento, os
seres vivos constroem esse conhecimento não a partir de uma atitude passiva e sim pela
interação. Aprendem vivendo e vivem aprendendo. Essa posição é estranha a quase tudo o
que chega por meio da educação formal. (MATURANA, 2004 p. 12). Existe hoje todo um
discurso dentro da escola onde o que é menos valorizado é o saber. Ela está se
preocupando mais com os aspectos físicos e psicológicos do que o desenvolvimento do
saber. São pouco os que estimulam o questionamento, visto não ser esta a política a ser
seguida
61
.
Essa encruzilhada em que a civilização se encontra chegou a patamares elevados de
técnicas, de produção em escala de bens e serviços cada vez mais sofisticada, buscando
suprir as necessidades criadas pelo sistema, de mídia e comunicação, podendo ocorrer a
massificação e a uniformização de pensamentos. É uma evolução que ocorreu, mas que
o basta a si mesma e não se completa, deixando lacunas e um sentimento de insatisfação
e vazio. É uma necessidade de buscar algo mais. “Pessoalmente, tenho a s ensação de estar
navegando em um barco veloz, à noite, sem um único instrumento de navegação a bordo,
61
De acordo com o Documento de Santa Fé (PADARÓS, 1996), “quem controla a educação define seu
passado e como já se viu também o futuro. O amanhã está nas mãos e no cérebro dos que estão sendo
educados hoje”. Ainda, “os E.U.A. devem tomar a iniciativa ideológica. É essencial que se estimule a
herança cultural comum das Américas. A educação deverá inculcar o idealismo que serve de instrumento
para a sobrevivência”. (PADARÓS apud FERNANDES, Miriam Munhoz.
A política econômica da
globalização e suas implicações no sistema educacional brasileiro
. Banco de Teses, CAPES, 2003).
81
nem mesmo uma bússola e uma carta náutica. Dá para entender onde estamos nos metendo
e quais as possíveis conseqüências? (CARAVANTES, 2000, p.67-68). Isso leva a pensar
onde se quer chegar, com quem se quer chegar e qual o estado que lá irá se encontrar.
Sêneca dizia: “Se não tiveres um porto de chegada, nenhum vento lhe será favorável” ;
ainda mais, o ponto de partida será relevante no percurso a seguir, será determinante. Seo
os momentos mais precisos. Sem planos e metas e reflexão não se empreende longa
viagem; dessa forma o terás “embarcação” para longos empreendimentos, longos
“sonhos. Portando , a preparação, as horas dedicadas, planejadas, revisadas marcao o
“sucesso” sem acontecimentos trágicos. Poderá até ocorrerem imprevistos ao longo do
percurso, mas estarão sob controle
62
.
Viver em sociedade nunca foi uma tarefa fácil, em nenhum momento da história
isso ficou demonstrado. O convívio social é uma aproximação dos contrários, dos
desiguais, de opiniões e interesses diferentes. A postura de indivíduos pautando a ética,
posturas em benefícios morais, tende a ter menor resistência e maior credibilidade.
Ao perguntar se “é possível ser ético”, est ar-se-á expondo um problema gravíssimo
da atualidade, demonstrado que os princípios que regem e norteiam os comportamentos
estão em crise. “O bom cedeu lugar ao útil, o correto, ao funcional, o futuro, ao
imediatismo, e o social ao individualismo exacerbado. Nesse contexto há uma inversão de
valores, onde o honesto é visto como tolo, e o malandro é visto como um exemplo a ser
seguido” (CARAVANTES, 2000, p.71). Há que se pensar e agir eticamente. o se
concebe ética sem ação; elas andam juntas. Agir eticamente é uma opção, ningm obriga
ninguém a ser ou deixar de ser ético, a escolha é rigorosamente individual.
A situão que envolve o homem no dia-a-dia exige posicionamento e postura
diante das estruturas do mundo agitado, em franco processo de transformação, que é
reflexo e também vem incidir sobre os valores. Parte da tarefa e desafio do homem é sair
desse estado de transe industrial em que se encontra alheio aos acontecimentos, distante
das ações futuras, imerso emos valores.
62
De uma forma ilustrativa aborda-se a educação, o caráter imprescindível a ser dado enquanto formação e
preparação de jovens para a vida adulta. Ilustra que uma boa educação resultará um homem equilibrado e
seguro. Ilustra-se que é o momento enquanto jovens na escola que deve ser trabalhado os preceitos morais e
éticos.
82
O homem hoje perdendo a relação com os valores hierárquicos, perde o sentido
da vida, por não conside-los. O homem imerso em meio a tanta tecnologia e o
predomínio da ciência, se “entope” com coisas fúteis e se esvazia de sentido.
Perde a capacidade de contemplação por priorizar a práxis, absolutizando-a,
tornando-se individualista, subjetivista e relativista, não se importa com a ética,
com os valores que norteiam a vida humana, com o transcendente, acaba
buscando o próprio prazer, o lucro. É capaz de manipular tudo, natureza,
pessoas, etc. para desfrutar de um prazer egoísta e mesquinho (VAZ, 1997,
p.101-118).
63
Optar por ser ético, portanto, é optar por dar algum significado à própria existência,
de forma responsável, digna, humana e comunitária, sabendo que essa ação tem
conseqüências a curto e longo prazo e terão implicância na vida dos seres humanos, a
reflexão ética norteará as ações humanas. Os próprios filósofos, como John Locke, Jean
Jacques Rousseau, Emile Durkheim, destacam que nenhuma consideração ética tem
sentido senão dentro de um sistema coerente que inclua pressupostos relativos à natureza
do mundo ou do contexto dentro do qual se esteja atualizando; noções sobre a natureza do
homem, sua capacidade e suas limitações; alguma noção de propósito, que dê significado
às ações próprias que realize, aos hábitos e à educação moral. Como se pode ver, nenhuma
regra de bolso poderia substituir o processo de reflexão pessoal, seus hábitos e a educação
moral. Ao final de tudo, trata-se de como se quer portar diante da vida e de como deseja
sentir-se, cada manhã, ao olhar no espelho. Não há como mentir para si mesmo.
A finalização deste capítulo aponta que o homem encontra-se imerso em uma
grande crise: a crise do sentido, dos valores. Tentativas de pensar o homem sem valor,
sem ética, sem princípios que o norteiam não podem ser consideradas como princípios
educacionais, pois, fora dos valores da moral, da ética, dos hábitos, as coisas perdem o
sentido. Perderam-se os sentidos no momento em que se afastou dos valores reais e
absolutos, dos princípios norteadores de toda a vida humana, de toda cultura humana.
63
Vaz, Henrique C. de Lima, “Filosofia e Cultura: o problema dos fins”, in: Escritos de Filosofia III
Filosofia e Cultura, ed. Loyola, São Paulo, 1997:101-118)
83
4 EDUCAR = HUMANIZAR?
Hoje entendo bem meu pai. Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por
meio de histórias, imagens, livro ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e
pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar suas próprias árvores e dar-
lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar do calor. E o oposto. Sentir a distância
e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para
lugares que não conhece, para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo
como imaginamos e não simplesmente como ele é ou pode ser. Que nos faz
professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e
simplesmente ir ver. (Amy Klink, conceituado velejador brasileiro).
4.1 Humanismo e a educação
A reflexão de caráter humanístico manifesta haver uma possibilidade de a educação
enquanto ação reflexiva e transformadora, ações pautadas em princípios éticos. Consciente
o homem pode ver presente aí possibilidades, é acreditar no homem e sentido nos seres que
o cercam de valorização e revalorização, ganhando sentido e comprometimento. Homem e
mulher, enfim preocupados em aprimorar o conhecimento da complexidade desta casa
comum, que é a Terra, e poder, desta maneira, atuar de forma a garantir a sua
habitabilidade.
Para um estudo da educação humanística, levam-se em consideração alguns dados
já fundamentados nessa dissertação em capítulos anteriores, onde são enfocados
acontecimentos com fatos, dados, possibilitando dar seqüência à análise, neste capítulo.
Esse é um conhecimento que possibilita uma compreensão do ser humano e a resposta às
indagações e angústias que rondam o presente. Um passado que possibilitará fazer uma
conexão com o presente, não dissociado, estanque, mas num sentido de continuidade, de
um processo constante da humanidade.
84
Portanto o que se pretende, munido de uma relativa historicidade humana e de
pensamento enquanto conhecimento feito através do tempo, é ter uma reflexão das diversas
incógnitas em que o homem se encontra, algumas delas suscitadas nessa dissertação em
momentos anteriores. Acredita-se, dessa forma, ser possível ter uma compreensão e uma
reinterpretação, como também buscar respostas às perguntas e muitos questionamentos.
Nesse momento em que se encontra o homem, quais e que respostas serão dadas? Em uma
relação com o passado, o que poderá ser dito do presente? O que se espera da educação?
Que educação? De quem esperar? Qual a formação exigida, a situação dos educandos e
educadores, e muitas outras.
Na tarefa educacional quanto a formação do homem moral, partindo das idéias
essenciais de Sócrates e Platão, vê-se que a formação do homem moral, se dadentro de
um estado
64
justo, e dentro desse estado justo se fará o projeto de homem. Vejamos a
concepção dos gregos de educação a partir de Jaeger:
Ela é o princípio por meio do qual a comunidade humana conserva e transmite a
sua peculiaridade física e espiritual. [...] Na educação, como o Homem a pratica,
atua a mesma força vital, criadora e plástica, que espontaneamente impele todas
as espécies vivas à conservação e propagação de seu tipo. É nela, porém, que
essa força atinge o mais alto grau de intensidade, através do esforço consciente
do conhecimento e da vontade, dirigida para a consecução de um fim.
(JAEGER, 2001, p.3-4).
É no presente, na descoberta do lugar do homem enquanto sujeito que se descobre a
essência da educação. Já dizia Heidegger: “a existência precede a essência”, ou seja, a
razão de ser, o seu sentido, o seu lugar. Nisso tudo se desvenda a necessidade de identificar
qual a função da educação hoje. De que obrigações ela não pode se furtar, e qual o local de
trabalho da educação?
Nesse sentido, na busca de dar respostas a uma situação de incompletude do ser,
frente a todo um quadro social que na maioria das vezes recai sobre o educador, muito se
tem escrito, com uma diversidade de assuntos e enfoques.
Existem muitos escritos apocalípticos, psicologias de momentos e pedagogias de
épocas, tentando desvendar o papel da educação e do educador. Faz-se mister um olhar
sério e crítico, visto estas ações terem implicações no futuro. O avanço da técnica e o
mundo moderno geraram inúmeras indagações. Junto a isso se gerou uma avalanche de
64
“Polis, traduzida por estado. Significa também cidade. Cada cidade era um estado” (ROSA, 1995, p.39).
85
conteúdos a educação entendida como informações conteudistas. Todavia, essa grande
quantidade de informações presentes no mercado é bem diferente de qualidade. Nos
diferentes enfoques que vem sendo dados à educação, aos processos educacionais, impõe e
exige mudanças. Essas inovações geralmente provenientes da evolução tecnológica, dentre
elas muitas resultante de exigências do sistema econômico. Como diz Gamboa, “Nesse
universo de contradições, a educação parece sobreviver às quedas e às destruições,
entretanto é pressionada a assumir novos papéis” (2003, p.79).
Nessa reflexão trilhar-se-á por dois caminhos. Um deles é a educação enquanto
uma base de inserção do indivíduo na sociedade capitalista, aquela originária no momento
do Iluminismo, refém de um sistema capitalista, em constante processo de evolução, que
o tem cara nem forma, pode-se dizer “um camaleão”. O outro é a educação enquanto
processo de formação humana, enquanto base do desenvolvimento pessoal, não impedindo
a outra de existir, interagindo em meio a um processo em desconformidade, justificando
seu existir. Daí novamente as indagações a serem pensadas, da educação nos dias de hoje,
dos elementos que a tornam vitais. Quem é o professor do século XXI? Qual o papel das
universidades no século XXI? A universidade vem exercendo um papel em conformidade
com o ser humano? Diante do processo tecnológico, da pós-modernidade, que saberes são
necessários para os dias atuais?
Para dar seqüência à abordagem dos dois modelos de educação, será feito um
momento de refleo sobre o presente, a partir de algumas situações da sociedade
contemporânea.
O homem se encontra em um “mal -estar” progressivo, e uma definição de
progresso incerta, problemas de diversas ordens surgiram ofuscando o brio tecnológico.,
perdeu-se o sentido sobre diversas relações existentes para ser humano. O homem se
encontra em um mal-estar geral. Para corrigir isso há a necessidade de transformar o
habitat humano em um lugar realmente habitável; isso é um desafio para a humanidade,
pois implica rever conceitos, mudanças, incluir o diferente, criar novos paradigmas, isto é,
uma nova postura de homem e de ser humano. O sistema presente até então denuncia o
modelo econômico praticado há mais de cem anos, que é emergente das ciências e
excludente, tecnicista, fragmentado e finalista.
No entanto, esse sistema, essa nova ordem social vista enquanto denúncia,
possibilita denunciar o mal estar da humanidade, levando a partir do oposto, uma reflexão
com possibilidade de uma ética universal que privilegie a relação do ser humano com o
planeta Terra, apontando limites e possibilidades de desenvolvimento.
86
A questão central que atinge a sociedade global é que os rumos do avanço
tecnológico desencadearam uma corrida autônoma da tecnologia. Ela, que teoricamente
deveria estar a servo do homem, em última alise está a servo de si mesma, ou
melhor, a serviço da lógica das grandes corporações. O Papa João Paulo II, em uma de
suas viagens, disse: O homem é muitas vezes tratado como mero instrumento de
produção, como uma matéria-prima que deve custar o mínimo possível. Em situações
como essa, o trabalhador não é respeitado como um autêntico colaborador do Criador
(Homilia na Coréia do Sul, 1984). A conseqüência de tudo isso é que os processos
tecnológicos levam em conta custo, meio, consumidor. Resultado disso é o ser humano,
enquanto pessoa, desaparecer para ser um cliente que tem desejos satisfeitos. Abismos
tecnológicos se criam, assiste-se a avanços tecnológicos fantásticos, mas, ao mesmo
tempo, há um crescimento imenso da poluição ambiental, da destruição do meio ambiente,
da pobreza e da concentração de renda, dos níveis de poluição nos grandes centros
alarmantes, a saúde está deteriorada, a educação e o acesso à cultura o restritos, am de
um sentimento geral de vazio e insatisfação. No final do século XX e início deste século
XXI se evidenciou a fragilização e a banalização da vida humana.
Esse momento tem suas rzes em momentos anteriores enfocados no primeiro
capítulo desta dissertação, também bem representadas por Gamboa, que diz:
A modernidade caracterizada pela era da razão (cogito cartesiano), a
recuperação da experiência sensível (novo organon baconiano) e a confiança no
poder transformador do homem proclamaram, no século XIX, uma escola
capacitada para disseminar os conhecimentos acumulados e as luzes da razão:
uma escola pública, obrigatória, universal e laica. [...] Entretanto, esse ideário
liberal-iluminista, construído ao longo dessa modernidade, é ambíguo.
(GAMBOA, 2003, p.80).
Esse racionalismo tecnológico tem suas origens no ideal racionalista gestado na
idade moderna. Em relação à educação e ao papel do Estado, mantém-se o mesmo link da
racionalidade utilitarista. Nessa mesma linha, Adam Smith, em riqueza das nações,
defendeu a educação pública e gratuita argumentando que, com gastos muito pequenos, o
Estado pode facilitar e disseminar os pontos necessários e comuns a todos através da
educação. Visto de outra forma, seria delegar ao Estado a função de treinar e qualificar
87
uma mão de obra, expressando assim uma finalidade que é entendida ser a da educação,
como também a uniformização de um mercado consumidor
65
.
É evidente que a educação não é um ato neutro, pois está carregada de interesses e
de valores próprios da cultura de cada sociedade. Isso é possível identificar em diversos
projetos de leis e reformas.
No final do século XX, por exemplo, pôde-se começar a constatar a expansão do
tecnicismo educativo atrelado aos interesses do capitalismo global que exige
investimentos em recursos de informática e de multimeios para formar um
homo
faber
mais eficiente e útil no atendimento às necessidades dessa nova fase do
capitalismo (GAMBOA, 2003, p.86).
Com isso, evidenci-se um sistema educacional atrelado aos interesses dominantes e
que exerce formas de exclusão num discurso em sintonia com as políticas mundiais e do
Banco Mundial. Existe uma compreeno do emprego da educação para qualificação,
como uma variável para o desenvolvimento econômico, uma redefinição do “homo faber
para essa nova fase do capitalismo. De acordo com a política do Banco Mundial, segundo
Gamboa, no final do século XX e início do século XXI, há uma delimitação de nove anos
de escolaridade básica, entende ele haver um paradoxo, e não corresponde com as políticas
do Banco Mundial, como se observa:
E, obviamente, o Banco Mundial não tem nenhum interesse real em pagar uma
educação básica de nove anos [...] que saindo da escola ingressam no setor de
empregos precários, ou no exército de desempregados, cujos ingressos raquíticos
o garantem a reprodução da força de trabalho e em cujo infra-mundo as
habilidades educativas formais adquiridas não são instrumentos necessários na
luta pela sobrevivência (STEFFAN apud GAMBOA, 2003, p.98).
Gamboa prossegue na sua análise: a pessoa deve evitar que sejam dotados de
armas intelectuais, as quais podem transformar esses futuros cidadãos num risco político
para a estabilidade da ordem mundial” (2003, p.99). É só observar ao redor o que vem
acorrendo: o sistema mundial econômico pós-moderno trabalha no sentido de preparar o
65
A exemplo, o que ocorre no Brasil na forma de diversas leis, principalmente a lei 5.692/71 que fixa as
Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras providências.
http://lise.edunet.sp.gov.br/paglei/notas/lei5692_71.htm
88
homem em um aspecto, de que ele não precisa pensar, alguém o faz por ele. Até seu
próprio lazer, alguém sabe o que é melhor para ele. “A implementação dessa política de
formação de ‘capital humano vem sendo dirigida pelo Proto-Estado Mundial, por
intermédio do Banco Mundial, FMI e UNESCO. Tal política prioriza a formação técnica,
desprezando o potencial humano para a criatividade e a produção científica” (GAMBOA,
2003, p.99). Sobre essa situação, Christian Laval diz que “o ‘homem flexível e o
‘trabalhador autônomo constituem assim as referências do novo ideal pedagógico” (2003,
p.03). E esse potencial humano e criativo entendido como um ideal pedagógico é
necessário para romper uma estrutura de servidão momentânea e conformista.
Na sociedade flexível, instantânea, a escola não pode ser camaleônica, não pode ser
instantânea o é possível o instantâneo para o pensamento. O humanizar-se, o tornar-se
humano passa por uma sociedade livre e igual para todos. É necessário o homem estar na
“onda”
66
, mas ele precisa ver a construção de desigualdade social que se instaura no
sistema.
No entanto existe certa autonomia pelo fato de o ser humano ser dotado de
liberdade. Citando FREIRE, que vê a educação como prática da liberdade” (1996,
passim), o ser humano é entendido e se descobre como produtor de cultura. Os homens se
vêem como sujeitos e não como objetos da aprendizagem. O ato de liberdade está presente
a partir da leitura de mundo de cada educando e educador através de trocas dialógicas,
constrói novos conhecimentos sobre leitura, escrita, cálculo. Vai-se do senso comum ao
conhecimento científico num processo contínuo de troca e avanços, necessitando
evidentemente a predisposição do sujeito.
A educação, segundo FREIRE (1996), deve ter como objetivo maior desvelar as
relações opressivas vividas pelos homens, transformando-os para que eles transformem o
mundo. Paulo Freire é um educador com profunda consciência social. Mais do que ler,
escrever e contar, a escola tem tarefas mais sérias, como desvelar para os homens as
contradições da sociedade em que vivem. Portanto, por mais que se construa um protótipo
de homem, há sempre o caráter de liberdade, de construção. A educação é um devir. Nada
pode afirmar a priori sobre o que vai acontecer com o sujeito, situado em um vir a ser, que
possibilita ao homem ser e refazer-se a cada momento. Portanto, a educação tem a
responsabilidade de constituir o homem enquanto ser dotado de liberdade. Nesse viés,
ARROYO diz:
66
Onda aqui é entendido como os momentos fortes do mercado mundial, das tendências. Ilustrativamente a
onda, vai, volta e se refaz de diferentes formas, mantendo-se constante.
89
Este mundo humano para o qual educamos é mais do que um mercado onde
devemos aprender a sobreviver. É um mundo de cultura, de valores, de
representações coletivas, de normas, de “modelos” de homem e de mulheres, de
criança, de jovem ou de adulto. Onde está a diferença entre cuidar, adestrar o
filhote do animal e o filhote humano? “[...] não é tanto o entendimento que faz,
entre os animais, a distinção específica do homem, mas sua qualidade de agente
livre. A natureza comanda o animal e a besta obedece. O homem experimenta a
mesma impressão, mas se descobre livre para aquiescer ou resistir [...]”, nos
lembra Rousseau. O que há de novo em cada criança que chega ao mundo? (ou
que chega à escola?) A essência do novo é a liberdade de que é dotado o pequeno
ser humano (ARROYO, 2004, p.231).
O ato de liberdade está presente em diferentes momentos, mesmo na instância atual,
de um paradoxo existencial da época pós-moderna, em que se tem um reordenamento das
políticas educacionais para um modelo capitalista, neoliberal, persistindo nesse sistema o
caráter de responsabilidade, de liberdade e da prioridade educacional. Diz ARROYO:
Educar para a liberdade e, ao mesmo tempo, educar para que cada filhote
humano interiorize os valores de todos: a cultura. O que nossa sociedade institui
como sentidos para sermos humanos. E mais, colaborar para que se descubra
livre para aquiescer ou resistir. Esse o enigma de toda ação educativa (2004,
p.231).
Emerge um caráter de liberdade como capacidade crítica, o livre-arbítrio de
transitar em diversas culturas sem oprimir e ser oprimido. Essa educação para a liberdade
pode ser entendida como uma educação planetária.
O século XXI é uma época em que as mudanças são constantes, atingem todas as
áreas e têm um caráter universal. Há de se pensar que tipo de educação é necessária para
esse momento. Qual o papel da educação nesse cenário? E diante da afirmação de Jacques
Delors de que “sob diversos aspectos a educação continua sendo o pulso da sociedade. Ela
reflete as tensões de hoje e as aspirações de amanhã” (2005, p.8), qual o saber necessário
requerido para essa época? Qual o saber para que o ser humano não seja tratado e abordado
como mais um produto que precisa ser reciclado, trocado ou substituído? Há que se refletir
se esta mentalidade consumista não vem sendo aplicada ao ser humano?
Questões estas que devem ficar como um constante questionamento diante da
concepção de liberdade, opondo-se a modelos conformistas, excludentes e finalistas.
Algumas das questões para a reflexão serão propostas a seguir, precisando uma
conceituação do que vem a ser educação.
90
4.2 Conceituando educação
A educação é um direito de todos, garantida e presente na Constituição Federal
brasileira
67
. Ela tem um papel estratégico na construção de um novo projeto de
desenvolvimento, que compatibilize crescimento sustentável com ética e justiça social.
O conceito de educação
68
, como sendo de caráter universal, vem sendo trabalhado
desde a Idade Média, sendo evidenciados diferentes enfoques em cada período histórico.
No período da Idade Média e em outros ela é a base de uma sociedade burguesa que surge.
No princípio a burguesia, enquanto classe, é tida como revolucionária, pois vem de
encontro a uma estrutura aristocrática, legitimada pelo poder de então (Igreja e Estado),
propondo algo novo e rompendo certos conceitos. As transformações que surgem nesse
período provocam grandes mudanças no campo social, político, econômico, no saber e em
sua organização. Com Comenius (1592-1670) ocorre a organização do saber. Com a sua
Didática Magna (1632), propõe a todos os homens, pelo fato de todos serem iguais, um
mínimo de saber necesrio, sendo este “universal, público e padronizado” . E conforme
Buffa:
Ensinar a todos porque o homem tem necessidade de se educar para se tornar
homem. O homem tem as sementes da piedade, da moralidade e da sabedoria,
que deverão ser desenvolvidas pela educação. Devem ser enviados às escolas não
apenas os filhos dos ricos ou dos cidadãos principais, mas todos, por igual,
nobres e plebeus, ricos e pobres, rapazes e raparigas em todas as cidades, aldeias
e casas isoladas. Assim, todos saberão para onde devem dirigir todos os atos e
desejos da vida, por que caminhos devem andar, e de que modo cada um deve
ocupar o seu lugar (BUFFA, 1993, p.20).
É evidente que a ideologia burguesa de educação daquele período, como o sistema
capitalista neoliberal, não esteve e nem está voltada para os direitos dos cidadãos, para o
respeito e a valorização de seus ideais, de sua dignidade como pessoa humana. Mas
permanece voltado para uma melhor organização na economia industrial.
67
Artigo 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. E no artigo 206, também vem garantir “liberdade”,
“igualdade”, “valorização.
68
Pelo dicionário, educação é um conjunto de normas pedagógicas para o desenvolvimento geral do corpo e
do espírito; ação de educar; cortesia; polidez.
91
Como um dos primeiros reflexos disso tudo, vê-se uma educação sendo fracionada
e escalonada. O trabalhador desempenhando atividades iguais e rotineiras acaba alienando-
se, imbecilizando-se. Portanto SMITH (1723-1790) em sua obra Riqueza das nações,
expõe a necessidade de uma educação essencial escrever, ler, contar e aspectos básicos
de mecânica. Isso não quer dizer que esteja preocupado com a formação; a proposta é de
um caráter de educação voltado para a empresa, para um maior aproveitamento das
potencialidades do trabalhador.
Também BUFFA analisa o aspecto de manipulação da educação, isto é, o caráter
ideológico e demagógico que a educação passa a exercer: O E stado, afirma ele, pode
fazer isso com poucos gastos e com enormes vantagens, de vez que um povo instruído e
ordeiro obedece aos seus legítimos superiores e não é presa fácil de ilusões e superstições
que dão origem a terríveis desordens (SMITH, 1983, p.213-8, apud, BUFFA, 1993, p.28).
Assim, a educação dos trabalhadores pobres tem por função discipli-los para a
produção. O que vem sendo proposto para a maioria da população é pouco, é o mínimo,
um mínimo necessário para fazer do trabalhador um cidadão passivo que, apesar de tudo,
m alguns poucos direitos” , (idem, p.28), papel que também a universidade vem a
exercer, fragmentando de certa forma o saber e concebendo-o dissociado da realidade,
segundo ROSSATO:
A pluralidade de Universidades diversifica amplamente os modelos afastando-se
das origens e relegando o antropocentrismo do Renascimento a uma área de
estudos. A universidade abrange a universidade do conhecimento, mas os
universitários recebem este mesmo conhecimento fragmentado, desconexo,
descontínuo, sem compreender sua relação profunda com a evolução humana e
com todo o processo de construção do mesmo. Desta forma é possível diplomar-
se, em muitas universidades, sem noção básicas sobre direitos humanos ou, mais
grave ainda, sobre as origens e o destino do homem (2005, p.230).
Levanta-se brevemente essa questão da universidade e da formação do professor,
somente para expressar a amplitude e sua importância e fundamentação do aspectos
críticos da educação. Entretanto, esses dois temas serão abordados logo adiante. Para
ASSMANN, a “educação terá um papel determinante na criação da sensibilidade social
necessária para reorientar a humanidade” (1998, p.26). Nas condições atuais de um grande
avanço técnico científico que prezou pela qualidade de produtos e serviços com o intuito
da satisfação das necessidades de um relativo grupo, e por um outro lado, pela quantidade
92
de produtos focando o lucro, é imprescindível a análise do papel da educação, a práxis.
“Está surgindo uma hipótese desafiadora: a hu manidade entrou numa fase na qual nenhum
poder econômico ou político é capaz de controlar e colonizar inteiramente a explosão dos
espaços do conhecimento. [...] Por isso a dinamização dos espaços do conhecimento se
tornou a tarefa emancipatória politicamente mais significativa” (ASSMANN, 1998, p.27).
Essa idéia desafiadora mencionada acima faz mais sentido ainda no contexto atual,
de globalização, na limitada situação reguladora ao acesso no contexto pós-moderno, não é
concebível somente a alguns o acesso as informações. A pós-modernidade traz a
possibilidade ao acesso a todos, e segundo Barreira “hoje a circulação de conhecimento
depende em grande medida das máquinas informatizadas. Uma das conseqüências disso é a
alteração da relação entre sujeito e conhecimento”. (BARREIRA, 2003, p. 443) Mas essa
eficiência anunciada fica ainda enquanto possibilidade, como diz Barreira, “a modernidade
avançou deixando vazios gerados pela expectativa de suas promessas”(idem, p. 446).
Entende-se estar envolto os termos pós-modernidades e modernidade, onde aborda
a primeira como uma radicalização da segunda
69
. O modo liberal de vida adotado pela
sociedade moderna libera dos modelos tradicionais provocando profundas mudanças nunca
vista. Segundo BARRERA, “o resultado não se rá algo novo, mas aperfeiçoado ou
radicalizado, [...] Trata-se de uma destruição de origem interna, e não externa”.(idem,
p.448). É um tipo de modernização, modificando-se ao se desenvolver onde não é possível
fazer um trabalho de valorização das relações pessoais e ressignificar espaços apropriados
para uma sociedade em constante mudança sem dar um sentido humanístico nos espaços
propícios, escola, família, espaços diversos de relações sociais. Nesse sentido há um viés
transformador e desafiador, como diz ASSMANN:
A humanidade chegou numa encruzilhada ético-política, e ao que tudo indica não
encontra saídas para a sua própria sobrevivência, como espécie ameaçada por si
mesma, enquanto não construir consensos sobre como incentivar conjuntamente
nosso potencial de iniciativas e nossas frágeis predisposições à solidariedade
(1998, p.28).
É um processo estanque, que precisa urgentemente de medidas eficientes, nascidas
dentre os mesmos indivíduos, nas muitas relações sociais, a partir de um processo
consciente, crítico.
69
Os principais autores dessa vertente são Gilddens, Beck e Lash, apud BARREIRA, 2003, p. 446)
93
Nesse sentido FREITAG desponta com uma clareza, abrindo possibilidades ao
dizer que
O homem somente pode vir a ser homem através da educação. Ele não é outra
coisa senão o produto de sua educação. E cabe mencionar que o homem só pode
ser educado por homens, que por sua vez foram educados. Por isso a ausência de
disciplina e instrução em certas pessoas faz delas maus educadores de seus
educandos (FREITAG, 1994, p.22).
Frente esse excerto, o que se entende por disciplina hoje? Qual o limite da
disciplina
70
?
Na verdade a educação aparece como a esperança, como um elemento constituinte
do novo modelo de desenvolvimento que se espera para o ser humano numa ótica
humanística e cidadã que contempla o indivíduo na sua totalidade, possibilitando
realização pessoal e melhoria de qualidade de vida. Ela é vital para romper com a histórica
dependência científica, tecnológica e cultural, é o espaço que consolida nações e ações
democráticas, autônomas, soberanas e solidárias
71
.
Nesse viés, o “humanism o latino, como qualquer conceito, nasce da necessidade de
se buscar uma solução para o perigo que ameaça o homem contemporâneo” (PAVIANI,
2000, p.98). Não se fala mais em avanço, fala-se em garantias mínimas, e que as outras
gerações continuem tendo a chance de existir em um mundo habitável, com ética e
cidadania.
Pensar, portanto o humanismo neste alvorecer de novo século e milênio se
constitui, assim, em reencontrar na raiz mais profunda do existir a razão de ser
do existir. Isto é, constitui o sentido da convivência realmente humana em
direção definitivamente plural, para além de qualquer generalização e
banalização desse sentido; desconstruir as lógicas totalizantes, violentas e
falsamente conciliatórias, que proclamam humanismos grandiloqüentes, ao
mesmo tempo em que semeiam a morte e a destruição, e que se revestem de
formalidades e sutilizas filosóficas para evitar que seu núcleo real seja
percebido; e apostar no propriamente desconhecido: o Outro que, vindo de
infinitamente longe, suporta minha existência ao chamá-la inelutavelmente à
responsabilidade ética (SOUZA, 2001. p.93-94).
70
A disciplina é vital para a manutenção de qualquer sistema. Através dela, corporações, sistemas e
instituições perduram por séculos. Exemplo: religião, igrejas, ordens religiosas, cultura, escolas, crenças.
71
Tomemos o exemplo da Coréia do Sul: o investimento em educação num país devastado pela guerra civil o
fez emergir para o primeiro mundo, galgando espo no meio científico e tecnológico. Muitos outros países,
ao assumirem a educação como ponto central, transformaram-se gradativamente e qualitativamente.
94
A educação aparece como um elo de humanização a ser construído e propõe-se a
ser o espaço legal, legítimo e possível de igualdade entre os homens. No instante em que
for negada a possibilidade de se galgar um outro quadro social, no momento que o
indivíduo deixar de sonhar com a possibilidade de existência de um outro mundo, mesmo
que inicialmente seja de forma utópica, perde-se o caráter mágico e encantador da
educação
72
. Principalmente no cenário atual de globalização, há um desafio
socioeconômico e ético para a educação.
Até poderia ser dito que o ponto nevrálgico na construção de uma sociedade
democrática, centrada a partir da escola, está na “esperança” e na “ética”. E por uma das
razões ser esta, propõe-se a reflexão do humanismo numa concepção ética da educação na
contemporaneidade.
O mundo é o ser humano que constrói e atribui significados. Sendo que cabe a
cada indivíduo e a cada geração perceber-se dentro de seu mundo já construído,
reconstruí-lo e ressignifi-lo. E por que não construir um mundo mais humano,
com justiça e dignidade, onde todos se sintam bem e cooparticipantes dessa
morada comum? A educação é parte da construção coletiva do mundo (CASALI
apud HENZ, 2005, p.329).
Também a educação adquire um conceito social, no dizer de ASSMANN:
É fazer emergir vivências do processo de conhecimento. O “produto” da
educação deve levar o nome de experiências de aprendizagem (
learning
experiences
, como se frisa em inglês), e não simplesmente aquisição de
conhecimentos supostamente já prontos e disponíveis para o ensino concebido
como simples transmissão (1998, p.32).
A escola não pode ser lembrada como simples repassadora de conhecimento, ou
como a educação bancária dita por Paulo Freire, principalmente na Pós-Modernidade, uma
época altamente flexível e rápida, em que se faz necesria uma decodificação crítica dos
desafios pedagógicos que expressam uma nova linguagem. A educação só consegue bons
‘resultados’ quando se preocupa com gerar experiências de aprendizagem, criatividade
72
Contribuindo com esse pensamento, existe um fragmento da fala de Chico Xavier que diz o seguinte: “O
desespero é uma doença. E um povo desesperado, lesado por dificuldades enormes, pode enlouquecer, como
qualquer indivíduo. Ele pode perder o seu próprio discernimento. Isso é lamentável, mas pode-se dizer que
tudo decorre da ausência de educação, principalmente de formação religiosa” (Chico Xavier, em mensagem
recebida via Internet).
95
para construir conhecimentos e habilidades, para saber ‘acessar’ fontes de informação
sobre os mais variados assuntos” (1998, p.32). Paulo Freire, nesse sentido, diz que à escola
o cabe somente ensinar a ler, a escrever e a contar, mas a fazer uma leitura do mundo.
Diz que o homem é alfabetizado quando tem o domínio das ferramentas que possibilitam a
leitura do mundo.
Na compreensão de uma educação contextualizada de época, faz-se mister dialogar
com o homem, com as novas linguagens que surgem desses novos cerios, pós-modernos,
que incidem também na transgressão à ética e aos valores do humano. Uma educação que
resista ao fatalismo, a um discurso hegemônico, imposto por um sistema neoliberal
excludente, que faz vítimas, marginaliza e nega a dignidade humana a quem de direito: o
ser humano. E no embate dessa compreensão, faz-se necessária uma reflexão da proposta
da educação humanística, visto que “o humanismo só é concebível na mul tiplicidade dos
humanos, e em nenhum outro lugar nem como conceito, nem como parte de uma
fórmula, muito menos como objeto de razão”. (SOUZA, 2001, p.89).
A educação humanística torna o homem sensível aos demais, participante de uma
mesma família, e tamm sensível ao meio, isto é, sua morada. Ela também enfoca o
homem como possibilidade, aberto, que se faz e refaz em todos os momentos, o que é
possibilitado pela reflexão crítica. Esses são alguns dos aspectos abordados a seguir.
4.3 Educação como resgate ao humanismo
A educação humanística consiste em uma via de fato, de resgate do homem em seu
todo. Existirão contrapontos a serem superados e reestruturados, que necessitam ser
adequados a cada momento. um grande problema na forma como ela vem sendo
entendida e trabalhada, de forma fragmentada. É dessa forma que ela vem sendo
implementada em muitas escolas, sendo algumas de ênfase técnica e profissionalizante. O
resultado disso é uma pessoa treinada e habilitada para áreas afins, produto de uma época e
de um sistema, entretanto pouco humana, com uma relativa capacidade crítica. É uma
situação típica desseculo que se deve buscar alternativas para reparação, e de forma
urgente.
96
Só se entende a guinada dos rumos ocorrida do início da década passada, que
rompe com a propositura de uma educação emanciparia, centrada na dimensão
política e ética e consubstanciada na formação da cidadania, se forem
considerados os determinantes sociopolíticos e econômicos que estão
provocando mudanças radicais na área educacional e que se consubstanciam no
neoliberalismo, na globalização, nas novas tecnologias e na denominada pós-
modernidade. (OLIVEIRA E SILVA, p.560).
Nesse contexto, basta olhar as diversas medidas sugeridas e proporcionadas pelos
organismos nacionais e internacionais no tocante às reformas educacionais. Poucas delas
vieram no sentido de adequar um desenvolvimento íntegro e completo do indivíduo. Muita
ação tem sido feita por se acreditar que mudanças educacionais e culturais venham a partir
de pacotes e reformas, de cima para baixo, pensadas em gabinetes. Basta olhar os muitos
“pacotes” educacionais brasileiros, reflexos descabidos, gestados em atos desconexos,
emergenciais, paternalistas, e tantos outros absorvidos de outras realidades que não
refletem os anseios dos cidadãos.
Enquanto os educandos, educadores, pais, sociedade, governos e demais
organismos não considerarem a educação como uma forma de realização pessoal, como
uma maneira de amenizar a discriminação social e econômica, e como direito de todos não
será possível garantir um futuro harmônico e de justiça às gerões.
As futuras gerações estarão à mercê de especuladores, de um pragmatismo
filosófico e de uma sociedade vazia e sedenta, saciada com consumismo. Um conformismo
paira sobre as pessoas, manifestando uma forma de desconhecimento e impotência. Num
ponto de vista, o tecnicismo defendido em muitos momentos e implementado por muitas
escolas contrapõe a “centralidade na formação da pessoa humana, isto é, em uma
concepção ontológica em detrimento de uma concepção meramente técnico-científica;
respeito às diferenças individuais; uma formação enquanto cidadão, uma formação
integral” (OLIVEIRA; SILVA, p. 561). Esses são alguns dos princípios que compõe uma
concepção humanista de educação em contraposição a uma educação técnico-científica.
A concepção de Educação de Jacques Maritain, a partir do texto de Oliveira e Silva,
pode se constituir como uma alternativa tanto para enfrentar a primazia de uma educação
conservadora e mercantil, quanto para o resgate de uma educação emancipatória, fundada
no sonho vanguardista de uma pedagogia propulsora do crescimento humano, na formação
da cidadania, do sujeito ético e no embalo do homem superar-se a si mesmo”.(2001, p.
561)
97
É inevitável uma formação humanística para o resgate do homem, com conceitos
universais de dignidade e justiça presente em todos, com um mínimo de respeito as
diversidades que fazem parte da teia social. No atual quadro social os conceitos de
humanismo são cada vez mais imprescindíveis para conter as mazelas sociais, situações de
injustiças e desigualdades, um tanto que esquecida e ignorada
73
.
A passividade humana parece ser uma das ações que imperam o desenvolvimento
cultural e ético de muitos locais. Nesse sentido, Crema diz que o homem padece de uma
patologia social, “a normose”, a normalidade. Ele está se acostumado com as agressões,
entranhadas em um primeiro momento, posteriormente se acostuma com a constância dos
fatos. O sistema educacional se encontra contaminado por essa insidiosa moléstia que leva
à conseqüência trágica.
O primeiro fundamento desta patologia é o sismico. A normose surge quanto o
sistema encontra-se dominantemente desequilibrado. Quando predomina o caos,
a morbidez, a violência, a execução, o desamor, o desrespeito, o cinismo e a
corrupção. Quem pode afirmar que não é este o caso onde o homem se encontra?
Então, ser normal implica em se adaptar ao contexto patológico reinante,
realimentando-o e fortalecendo o
status quo
(CREMA, 1989, p.17).
João Paulo II, na sua encíclica
Sollicitudo Rei Socialis
, dá mostra de sua
preocupação com relação a tal queso nos países “em desenvolvimento” devido às
injustiças sociais decorrentes da “dominaçãodo ambiente, baseadas na especulação
imobiliária desordenada e no nivelamento por baixo, deflagrado pela “instit uição” das
“sub -culturas” e do “subpovo” , o que prejudica o “crescimento econômico” de forma
equilibrada.
Isso posto, pode-se afirmar que não é possível deixar um sistema econômico às
soltas, que se auto-regule e estabeleça as próprias normas, regras e críticas. Faz-se
necessário uma instituição com representação, isenta, e que assegure ideais humanos
universais. E, que de fato assegure o conhecimento à cidadania. A universidade é uma
possibilidade de fato de exercícios de humanismos.
73
Se, por exemplo, analisar o Congresso Nacional Brasileiro, o comportamento de muitos não condiz com o
de legislador representante do povo. Hábitos impróprios são praticados sob patamares de imunidades e
benesses. Constrói-se uma imagem humana cada vez mais egoísta, mais centrada em projetos pessoais, sem
preocupação com a conseqüência de seus atos, banalizando os crimes contra o outro, contra a sociedade,
contra o patrimônio público, contra o meio ambiente, relegando a ética e a moral a instâncias sem
representação. “Refletindo uma imagem humana cada vez mais egoísta e niilista do ponto de vista político,
cultural e social.
98
Portanto, a seguir, abordar-se-á a Universidade, como um espo ideal e legítimo
da construção do saber.
4.4 Universidades
A universidade precisa ser um espaço legítimo de busca do conhecimento local e
respeitado, que propicie a construção de um pensamento ético e científico e a construção
do humano, num ambiente de humanidade.
Passando os olhos rapidamente ao enunciado acima, ele parece obscuro e
impreciso; no entanto, é uma das questões imprescindíveis, perpassa pela necessidade de
compreender, de entender a realidade. Somente a partir de uma leitura do mundo é possível
uma ação transformadora. O modo como se enxerga o mundo corresponde ao modo como
se age para o mundo. Essa é uma das contribuições mais importantes que a universidade
pode dar, a de reconsiderar a leitura de mundo e buscar a máxima clareza acerca das
interpretações que se faz dessa leitura.
Outro aspecto a ser considerado é a existência de somente um único mundo externo
a nós. o há uma “reali dade” independente dos seres humanos, porque a realidade é
precisamente o modo pelo qual se lida com esse mundo. E, além disso, realidade não é
algo estático para ser observado passivamente, é algo a ser conquistado. A realidade é algo
que se faz na leitura no fazer humano.
Este mundo externo ao homem muitas vezes deixa-o chocando e estarrecido. Foram
ações resultantes de um pensamento de época, da construção histórica da humanidade,
portanto a concepção de mundo que se tem, e, em algumas instâncias, que se adquire nos
bancos das universidades dará os destinos e concepções das gerações futuras. Urge que o
professor, o cientista e o técnico, para serem eficientes e competentes em suas áreas, se
humanizem, saindo da especialização para ingressarem em um novo renascimento,
possibilitando novas leituras.
É um pouco difícil pensar isso para a universidade, visto que “ela continua
prisioneira da convicção das certezas apreendidas nos textos filosóficos do começo do
século” (BUARQUE, 1994, p.35). É um novo conhecimento, uma nova forma de buscar o
conhecimento, exigindo dela um navegar em meio às mudanças que estão ocorrendo no
99
mundo. E poderia ser dito mais: ou está no mundo, fazendo uma real leitura, pois o
finalidade na sua existência isolada.
Segundo Buarque, a universidade ao eximir-se, ignorando as crises, perde a sua
característica de contemporaneidade, como também sua perspectiva de mudança e destino.
É a crise que vai mostrar a necessidade de uma reorientação do conhecimento e
da realidade do mundo à qual este conhecimento serve. Vai forçar a universidade
a buscar um novo caminho, a reencontrar seu destino. Vai fazê-la voltar a ser
instrumento de transição. Vai fazê-la viver a contemporaneidade da mudança
(BUARQUE, 1994, p.32).
Portanto, em vez de temer a crise, deve-se se aproveitar dela para seguir
respondendo aos anseios do homem, fazendo uma real leitura, possibilitando ser um agente
de transformação para um futuro mais humano, justificando assim seu papel e sua
existência, saindo do isolamento.
A universidade, no momento em que se encontra, o pode ficar parada observando
que rumo segue as coisas. Ela precisa assumir seu papel, legitimar-se diante do mundo.
Isso exige heroísmo, falta de preconceito, uma visão ampla e abrangente do mundo e do
conhecimento. Exige, sobretudo, uma forte postura ética diante do mundo e de sua crise,
diante do destino da humanidade e do papel de cada intelectual, como também otimismo
em relação ao futuro, ciente das potencialidades geradas pelo desfio da crise.
Mas a universidade, como instituição, ainda não conseguiu dar o salto a esta
nova realidade de ruptura. Os economistas, os sociólogos, os filósofos ainda não
conseguiram transformar uma preocupação em uma teoria. Pior ainda,o
incorporaram a nova preocupação de forma generalizada (BUARQUE, 1994,
p.41-42).
Segundo ROSSATO
74
,No campo do conhecimento há uma mudança substancial.
A universidade não é mais a que ensina a verdade, mas aquela que procura as novas
verdades e ensina a produzir e, sobretudo busca novos meios de aumentar a
produção”(Artigo UPF. 2004). As transformações que vêm ocorrendo no mundo são
74
Autor do livro
Universidade - nove séculos de história
. 2.ed. UPF: Passo Fundo, 2005.
100
grandes
75
. Com isso é inadiável uma reflexão do atual desempenho da universidade na
construção do conhecimento, como também estabelecer uma reflexão: que tipo de
humanismo a universidade concebe? Quais são os valores éticos despendidos e trabalhados
no seio da universidade?
Espera-se a recuperação da lacuna aberta na construção de um pensamento social,
sobre a sociedade atual, visto a dignidade da pessoa humana ter sido banalizada ao longo
dos tempos sem que a universidade tenha feito coisa alguma, ocorrendo o esvaziamento da
ética, e um esvaziamento de toda uma sociedade de humanismo. Entende-se ser o desafio
constante da universidade no mais variados cursos e instância, de promover o ser humano
na mais alta esfera de dignidade.
A tecnociência precisa de uma orientação consciente, ética e solidária, para
deixar de estar a serviço de um egocentrismo desvairado, determinante de
pequenas e imensas catástrofes. O ego, como um fator pessoal básico de
separatividade, encontra-se no fundamento mesmo da crise planetária atual. E
o será pela lógica que criou o problema que se irá solucioná-los,
evidentemente (CREMA, 1989, p.13).
o que a sociedade nem a universidade deva subordinar quem quer que seja, mas
há novos parâmetros éticos que podem ser trabalhados e difundidos dentro desses
organismos sem comprometer sua finalidade, dando apenas um caráter ético, moral e
humano.
Segundo Buarque (1994, p.45) “percebe -se que o processo econômico amea
setores fundamentais sobre a terra, com riscos para o processo civilizatório em marcha
76
.
o existe uma consciência exata dos riscos, dos muitos problemas que cercam o homem,
comprometendo os ideais de justiça, a natureza e o equilíbrio ecológico, inviabilizando um
projeto ético humano.
Em um mundo que está em mudança, em que novos significados, indagações e
angústias surgem ao homem, a universidade o pode ficar isolada, acreditando ainda
75
Vale recordar as palavras de Martin Haidegger: “Nenhuma época acumulou sobre o homem conhecimentos
o numerosos quanto a nossa. Nenhuma época conseguiu apresentar seu saber do homem sob uma forma tão
pronta e tão facilmente acessível. Mas também nenhuma época soube menos o que é o homem” (apud,
CREMA, p. 16)
76
O pensamento moderno se forma, desde os gregos, com uma visão antropocêntrica arrogante, na qual a
natureza é vista como elemento estranho a ser conquistado. O progresso material conquistado com a
revolução industrial leva essa visão ao limite máximo do desprezo à natureza. A universidade se alia nesse
processo em que todo o esfoo se dá no sentido de conhecer para dominar a natureza, transformando-a em
bens e serviços à disposição da sociedade” (BUARQUE, 1994, p.41).
101
ostentar poder e status, valendo-se, pela eternidade a fora, do que fora um dia. Nas atuais
condições, cabe à universidade situar-se como espaço de busca e de definição de uma nova
modernidade de estruturas éticas, mostrando-se um espo inovador criativo e de respeito,
onde todos gostariam de estar, não imitando uma modernidade arcaica e sem perspectiva,
mas avançando na direção de um futuro, de uma nova realidade que pode ser criada e
viabilizada.
Entretanto, se for capaz de navegar as mudanças, de cumprir seu papel de
revolucionária das idéias, a universidade pode ser, no próximo século, a principal
instituição de construção do novo. Constitui, assim, a nova universidade. Para
tanto, o primeiro passo deverá romper as amarras que aprisionam a universidade
hoje (BUARQUE, 1994, p.51).
A atual estrutura desencadeou diversas transformações sociais, exigindo do homem
novas capacidades e conhecimentos, que não eram oferecidos por escolas e universidades,
provocando uma falta de sintonia entre mundo real e a escola. “um currícu lo vicioso que
aprisiona a própria universidade”, “uma ilha se saber em um oceano de ignorância”, o
diploma como a única chance legal para o uso do saber”, “mais uma vez estão dentro da
universidade grandes partes das amarras que impedem as mudanças” (BUARQUE, 1994,
p.57).
Esquecidos ficaram esses grandes problemas da vida, e a universidade não ofereceu
resposta diante das grandes transformações em curso que põem em perigo a identidade do
indivíduo, gerando um risco ao homem e ao sentido da vida. “Toda formação que
desconsidera o humano, a humanidade, as humanidades, torna-se uma pregação contra o
homem, e não responde ao sentido do viver e do conhecer” (ROSSATO, 2005, p.234).
Volta para a universidade a necessidade de passar por cima de todos esses desafios
e dificuldades e dar respostas satisfatórias, assumindo seu lugar no mundo como
revolucionária. Esse é um desafio que se apresenta às universidades, o de encontrar o local
do homem em uma sociedade conturbada, ferida por inúmeras chagas em diversas áreas
sociais, por diversos profissionais. E em dados momentos compactuando com o
pensamento e ações de época, com as feridas do descaso, subserviência, corrupção,
agressão, comodismo, inércia, situações que fazem parte do cotidiano escolar universitário,
e possivelmente dos futuros profissionais que dela sairão e estao inseridos no mercado de
trabalho com esse contraste social.
102
O homem traz em si algo absoluto que não podemos reduzir. Ele exprime a
humanidade do homem. É tarefa essencial da educação buscar o melhor lugar
para o homem. Assim como a Anistia Internacional propõe que nenhum
estudante deveria receber seu diploma sem possuir as noções básicas dos direitos
humanos, assim também nenhum formando deveria chegar ao final de qualquer
curso universitário sem os rudimentos das humanidades e sem estar
minimamente apto a definir o seu lugar na história e interpretar o seu papel na
construção da história dos homens (ROSSATO, 2005, p.234).
Rocco Caporale diz que “As crises [...] são algumas das coordenadas que desafiam
e, ao mesmo tempo, exigem uma ação humanista capaz de devolver ao homem seu lugar
central no universo” (2000, p.26). A crise provoca mudanças, substituição de valores, de
comportamentos frente a um processo de perda gradativa do humanismo, em muitos casos
provenientes da omissão.
A universidade passa por crises, no entanto é um lugar legal e legítimo do saber,
um espaço propício para a leitura do mundo e para a interpretação de seus desajustes, que
possibilitam criar uma consciência ética nos profissionais que irão atuar na realidade
diretamente. Portanto, cabe à universidade compreender e assumir seu papel de
transformar uma realidade em crise e propor soluções em áreas sociais desajustadas
imperceptíveis aos olhos de um sistema neoliberal.
De toda forma, há razões para otimismo. A própria consciência da crise faz da
universidade a instituição social com mais condições de dar o salto de sua
postura segregacionista a uma postura integracionista do conjunto do país, de um
apego ao presente para um compromisso com o futuro, de uma vio dependente
para a formulação de um pensamento nacional consistente com a evolução
internacionalista que todos anseiam (BUARQUE, 1994, p.102).
É possível pensar uma transformação, um mundo melhor, buscar encontrar o lugar
do homem enquanto sujeito. A educação pela universidade é o ponto de sustentação de
revitalização do homem. Conforme Rossato, “o papel da educação como instrumento de
libertação da escravidão da máquina e como único credencial de dignidade” (2005, p.232).
No contexto da universidade levantado até agora, se espera um como de mudança
centrado no humano com dimensões éticas. Ações que conduzirão outras e servirá como
ponto de referência, partindo de uma instituição não comprometida com ideologias
políticas e econômicas neoliberais.
103
O otimismo faz parte da construção de um mundo melhor, portanto é necessário
acreditar, ter esperança, e, com base nesses ideais, ir identificando e buscando soluções
para cada momento e realidade, a criação de novos modelos, de uma Nova Universidade.
Segundo Buarque (1994, p.156), a nova universidade deverá ter o sentimento
planetário. Ela não poderá se limitar a ser uma universidade que pense seu país. Por isso,
ela surgirá em algum país que seja um retrato do planeta. Ela será filha dos assombros que
vivem os homens em seu planeta de hoje, com ela foi filha, na Europa, do assombro dos
homens que, no meio das crenças, descobriram o pensamento grego.
4.5 A formação docente
Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra
o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a
disputa de direita ou de esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra
qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos
ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que
inventou esta aberração: a miséria na fortuna. Sou professor a favor da esperança
que me anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me
consome e me imobiliza (FREIRE, 2004, p.103).
A formação docente envolve muitos fatores, que precisam ser aclarados, e
compreendidos, partindo do simples fato de que não posso ensinar o que não sei
corretamente. Esse aprendizado só vai brotar no momento em que despertar a curiosidade
no professor, será o que inquieta e move a ação de busca. Do contrário, ficará na
estagnação e não ocorre a formação do docente ou a educação continuada. Como diz
Paulo Freire: “O professor que não levar a sério a sua form ação, que não estude, que não se
esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades
de sua classe” (2004, p.92).
É preciso, indispensável mesmo, que o professor se ache “repousado” no saber
de que a pedra fundamental é a curiosidade do ser humano. É ela que faz
perguntar, conhecer, atuar, mais perguntas, reconhecer (FREIRE, 2004, p.86).
104
A proposta do professor é “dialógica”, “aberta”, “, curiosa”, “indagadora” e não
“opressiva” . Ela reproduz uma atitude de curiosidade, fundamental para que ocorra o
conhecimento. Um conhecimento que nascerá do desejo de saber mais, de justiça, de
insatisfação, de indignação. Um saber que ocorre quando se espanta para bem longe o
imobilismo e a inércia diante dos grandes problemas sociais e éticos. Como disse Freire:
“Não é possível formação docente indiferente à boniteza e à decência que está no mundo,
com o mundo e com os outros, substantivamente, exige de nós. Não há prática docente
verdadeira que não seja ela mesma um ensaio estético e ético” (2004, p.45). E diz ainda
mais: que “a educação é uma forma de intervenção no mundo” (2004, p.98).
Uma intervenção que inicia num clima de respeito proporciona uma relação justa,
séria e humilde
77
, de gente incompleta e curiosa que pode saber e que sabe, e o fazer faz
saber. “Movo -me como educador porque primeiro me movo como gente” (FREIRE, 2004,
p.94).
o importa com que faixa etária trabalhe o educador ou a educadora. O nosso é
um trabalho realizado com gente, miúda, jovem ou adulta, mas gente em
permanente processo de busca. Gente formando-se, mudando, crescendo,
reorientando-se, melhorando, mas, porque gente, capaz de negar os valores, de
distorcer-se, de recuar, de transgredir (FREIRE, 2004, p.144).
Na construção do conhecimento, que não ocorre solto “ao vento”, é necessário levar
em consideração os locais, as instituições que possibilitam e viabilizam a educação
continuada. Geralmente vai estar implícito no processo o caráter, os objetivos, a ética que
acabaram sendo absorvidos indiretamente pelos professores.
Portanto, um fator a ser considerado a partir das novas tecnologias e com ela sua
possibilidades, de os professores o mais se dirigirem às universidade tradicionais, que
vivem em uma civilização apartada, isolada, com as cnicas subordinando a ética, que
mantém a indiferença entre os seres humanos, que se movem unicamente pelo capital que
as mantêm. Mas buscar as universidades tradicionais, que farão avançar o pensamento,
combinando o avanço técnico com a ética dos direitos iguais de todos os homens.
77
O que a humildade não pode exigir de mim é a minha submissão à arrogância e ao destempero de quem
me desrespeita. O que a humildade exige de mim, quando não posso reagir à altura da afronta, é enfrentá-la
com dignidade. A dignidade do meu silêncio e do meu olhar que transmitem o meu protesto possível
(FREIRE, 2004, p.121).
105
O que nos parece indiscutível é que, se pretendemos a libertação dos homens,
o podemos começar por aliená-los ou mantê-los alienados. A libertação
autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos
homens. Não é uma palavra a mais, oca, mitificante. É práxis, que implica a ação
e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo (FREIRE, 2004,
p.77).
Freire ratifica sempre a necessidade da humanização do homem, esse homem que
tem que buscar e conhecer a si mesmo como pessoa, como ser humano no mundo. A
liberdade depende do modo como agimos ou pensamos em relação ao outro, pois vivemos
em comunidade. O homem tem que ser crítico, ser sujeito, pois só assim ele saberá
valorizar a sua liberdade, liberdade aqui visualizada como humanização na relação do
eu
com o
outro.
Gosto de ser homem, de se gente, porque sei que a minha passagem pelo mundo
o é predeterminada, preestabelecida. Que o meu “destinoé um dado, mas
algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir. Gosto
de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura
tomo parte é um tempo de responsabilidade e não de determinismo. Daí que
insista tanto na problematização do futuro e recuse sua inexorabilidade.
(FREIRE, 2004, p.52-53).
A formação continuada do docente compreende tamm a construção de processos
emancipatórios como práticas necessária à vivência permanente de uma cidadania ativa,
entendendo a unidade teoria-prática como algo indissociável e mantendo a metodologia da
práxis como princípio de trabalho.
O professor consciente e reflexivo é capaz de compreender a influência da
tecnologia no mundo moderno e é capaz de colo-la a serviço da educação e da formação
de seus alunos/formadores, procurando articulá-la a sua prática docente, no papel de um
agente de mudança, com seriedade e ética. Freire diz que “o preparo científico do professor
ou da professora deve coincidir com a sua retidão ética. É uma lástima qualquer
descompasso entre aquela e esta” (2004, p.16).
É imprescindível, no mundo de hoje, na sociedade de conhecimento, que o sistema
educativo possibilite a formação de pessoas que assimilem a mudança e se adaptem
rapidamente a novas situações, trazendo transformações no que ensinar e em como ensinar.
Quando se fala em formação continuada, serão usadas as palavras de Kant:
106
O homem é a única criatura que precisa ser educada [...] Por ser dotado de
instinto, um animal, ao nascer,
já é tudo o que pode ser
; uma razão alheia já
cuidou de tudo para ele. O homem, porém, deve servir-se de sua própria razão.
o tem instinto e deve determinar ele próprio o plano de sua conduta. Ora, por
o ter de imediato capacidade para fazê-lo, mas, ao contrio, entrar no mundo,
por assim dizer, em estado bruto, é preciso que outros o façam para ele (KANT
apud CHARLOT, 2000, p.51).
Diferentemente dos animais, os seres humanos aprendem uns com os outros, pois
nascer significa aprender, aprender a tornar-se homem e a socializar, pois vivemos em
sociedade. E essa sociedade é hoje chamada de sociedade do conhecimento, na qual novas
formas de aprender, novas competências do professor são exigidas, novas formas de se
realizar o trabalho pedagógico são necessárias e fundamentalmente é necessário formar o
professor para atuar nessa sociedade, em que as tecnologias servem como mediadoras do
processo de aprendizagem.
Dentro do contexto educacional contemporâneo, a formação continuada é uma
saída possível para a melhoria da qualidade do ensino. Por isso, o profissional consciente
deve saber que sua formação não termina na universidade. É preciso formar (ou reformar)
o formador para que ele se atualize, através de uma formação continuada, que deverá
proporcionar independência profissional, autonomia para decidir sobre o seu trabalho e
suas necessidades.
Essa formação continuada
78
o deixa de ser o desafio do professor, para que ele se
mantenha reflexivo e atuante na sua prática. A formação permanente
79
é uma conquista da
maturidade, da consciência do ser. Quando a reflexão permear a prática docente, dotando-a
de vida, a formação continuada será exigência
sine qua non
para que o homem se
mantenha vivo, energizado, atuante no seu espo histórico, crescendo no saber e na
responsabilidade.
O objeto de trabalho dos professores é o ser humano, individualizado e socializado
ao mesmo tempo. As relações que eles estabelece com seu objeto de trabalho são, portanto,
relações humanas, individuais e sociais.
78
A Formação Continuada Um desafio que se apresenta ao profissional de manter-se atualizado, atuante na
sua prática. A modernidade ime mudanças e ao mesmo tempo condiciona a necessidade de adaptações,
especializações, qualificações, aperfeiçoamento, as exigências do mundo moderno. Um equacionar da
educação para empregabilidade como via para a superação da exclusão, seguindo a lógica do mercado, as
políticas de governo, estando atrelada ao sistema econômico.
79
A Formação Permanente uma conquista da maturidade uma necessidade para que o homem se mantenha
vivo, uma integração no dia a dia. O homem é um ser inacabado está em um processo de aprendizagem
constante, a interrupção desse processo é uma ruptura as novas linguagens e interpretações. O homem é um
ser que aprende e se relaciona permanentemente.
107
Assim como não posso ser professor sem me achar capacitado para ensinar certo
e bem os conteúdos de minha disciplina,o posso, por outro lado, reduzir
minha ptica docente ao puro ensino daqueles conteúdos. Esse é um movimento
apenas de minha atividade pedagógica. Tão importante quanto ele, o ensino dos
conteúdos, é o meu testemunho ético ao ensiná-lo. É a decência com que o faço.
É a preparação científica revelada sem arrogância, pelo contrário com liberdade
(FREIRE, 2004, p.103).
A profissão docente se faz no coletivo, na troca entre professor e aluno, nas
intermediações e reflexão, fazendo com que se exteriorizem as múltiplas compreensões de
mundo, e manifestações das diversidades culturais.
Freire (1996, p.59) fala que somos condenados ontologicamente a ser mais.
Portanto, somos seres inacabados, inconclusos. “Conscientes do inacabamento sei que
posso ir além”, diz o autor. “A consciência do mundo e a consciência de si como ser
inacabado necessariamente inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num permanente
movimento de busca(1996, p.64). E é nesse movimento de busca que professores e
professoras permanentemente se constroem como tal durante toda a trajetória profissional.
Por isso é importante continuarmos pesquisando, pois a prática docente não é algo
que se esgota em si mesma, e dada a sua complexidade, é sempre algo que estaremos
buscando melhor compreender, sem a pretensão de querer explicar tudo.
4.5.1 Possibilidades
No início do século XXI, assiste-se, em todo o mundo, a uma profunda
transformação das dimensões, da estrutura e da concepção do que constitui a educação.
Isso se dá, em grande parte, devido às evoluções esboçadas ao longo das últimas décadas.
Assim, os responsáveis nacionais e internacionais enfrentam atualmente desafios
essenciais, que decorrem da necessidade de dar ao homem e à humanidade um sentido
positivo para as grandes tendências.
Neste embate, abordar-se-á a educação como também sendo uma utopia
necessária. Ela deve de fato aspirar à utopia para levar a bom termo mesmo suas tarefas
mais prosaicas. Uma proposta em que a educação repouse sobre os pilares do “aprender a
conhecer, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a viver em conjunto”(DELORS,
2005, p.08).
108
Será uma abordagem no sentido de que a educação tornou-se uma condição prévia,
indispensável ao desenvolvimento social, cultural e econômico, o apenas por sua
capacidade de reduzir as diferenças, mas também como uma compreensão comum entre
pessoas ou grupos étnicos e culturais diferentes.
A educação o é a solução para todos os problemas humanos, pode sim ser
pensada em um espaço de reflexão e construção dos ideais de uma sociedade, pode se
pensar a sociedade ideal e com ela buscar concretizar. A educação sozinha não é o espaço
de transformação, mas sem ela não será possível pensar um mundo mais humano mais
ético, um mundo diferente.
Nesse contexto, a ação educativa requer uma ação direta. Derrubando o mito da
neutralidade, o ato educativo é um ato político de escola, e, como educadores, é importante
que se possa trabalhar por uma educação eficiente e impulsionadora da cidadania.
o é possível pensar uma educação ética sem haver a participação de todos,
criança, professores, escola e família, isto é, a sociedade como um todo, o projeto
educacional ético não pode desenvolver de forma unilateral, como diz Piaget: “quando há
cooperação, há responsabilidade subjetiva e julgamento em função das
interações” (PIAGET, 1996, p. 07). E, ainda mais, as reflexões éticas, estando amparadas
por ações éticas,m possibilidade de viabilizar uma consciência da construção de um
novo caminho.
Para que as realidades morais se constituam é necessário uma disciplina
normativa, e para que essa disciplina se constitua é necessário que os indivíduos
estabeleçam relações com os outros. Que as normas morais sejam consideradas
como impostas a priori ao espírito ou que nos atenhamos aos dados empíricos, é
sempre verdade, do ponto de vista da experiência psicopedagógica, que é nas
relações que se constituem entre a criança e o adulto ou entre ela e seus
semelhantes que a levao a tornar consciência do dever e a colocar acima de seu
eu essa realidade normativa na qual a moral consiste. Não há, portanto, moral
sem sua educação moral, “educaçãono sentido amplo do termo, que se
sobrepõe à constituição inata do indivíduo (PIAGET, 1996, p.3).
A pobreza de noções, conceitos e ações éticas é resultado de um processo
educacional desprovido de recursos, comprometimento, responsabilidade, indo ao encontro
de um sistema que disciplina para a construção de seres estereotipados a serviço da
racionalidade voltada para o domínio e o sucesso de ideologias de um sistema econômico.
“As aprendizagens não são postas a serviço das pessoas, mas a serviço dos organizadores
109
econômicos e políticos, geralmente distanciados da expressão da personalidade(BOTH,
SCORTEGANHA, 2005).
A sociedade tem a tarefa de produzir condições favoráveis ao desempenho
humano nas suas funções biopsicossociais. Para tanto, existem momentos
instituidores de identidade altamente significativos e diferentes. A infância exige
a presença qualificada do Outro, representada nos pais, familiares, vizinhança e
escola. A criança passa de objeto apreciável, ou seja, de sua fase narcísica
produzida nas relações íntimas da família, para uma fase de identificações com
objetos externos em que projeta seus desejos e aprendizagens. A qualidade e
extensão dos objetos ideais dados e assumidos pela criança distribuem-se para o
resto da vida, regulando as oportunidades e mesmo o sucesso afetivo e cognitivo
de todas as fases seguintes, incluindo a velhice.
Aí reside uma das tarefas fundamentais da escola, na geração de ações que
desencadeiem ações efetivas e éticas. A escola passa a ser um laboratório de ética e de
ações éticas futuras. Segundo Piaget (1996, p.09), “Somente cada um, tendo em vista a
educação que recebeu, pode, no que concerne à ‘forma’ , diferenciar o sentimento de dever
do livre consentimento próprio do sentimento do bem”. E diz ainda mais : que o objetivo de
uma educação moral na escola é o de “constituir personalidades autônomas aptas à
cooperação
Logo o homem é um ser em permanente processo que permite o fazer e o refazer
constante do homem no mundo. A busca da transcendência do inacabado abre espaço para
a construção do seu destino, pois a capacidade de aprender pode ser orientada não apenas
para uma adaptação, mas, sobretudo para transformar a realidade.
De acordo com FREIRE, a educação é imprescindível para permitir que o ser
humano possa interagir, relacionar-se com o outro e o mundo de forma ética. A prática
formadora de natureza ética conduz a um futuro esperançoso e de natureza humana.
À medida que se problematizam as relações entre os seres humanos e o mundo,
acredita ser possível reinventá-lo, numa unidade dialética entre reflexão e ação. O
cotidiano é ponto de partida para a revolução permanente estabelecida na consciência da
inconclusão. A educação, assim, tem um papel importante a desempenhar, como prática de
formação que se opõe ao mero treinamento de habilidades técnicas.
Como se evidencia, vem se imprimindo uma necessidade de uma formação
permanente a todos os atores da sociedade, mas só saber não basta. É necessário um saber
alicerçado na travessia da diminuição da distância entre a perversa realidade da exploração
110
dos homens pelos homens mesmos para um nível almejado de justiça igualdade e
dignidade. O desafio educacional é saber como atingir um nível constante de
conscientização em relação a esses problemas e mantê-los em primeiro plano na percepção
cultural, visto que o homem não foi educado para ter uma consciência humanística e
planetária.
No contexto da educação, ao professor cabe permear esse universo de desafios e de
tensões, desempenhando sua tarefa.A tarefa crucial do educador é desenvolver uma
consciência que procure ver através da lógica da globalização destrutiva e combiná-la com
qualificações críticas para resistir a retórica que ora nos satura” (O´SULLIVAN, 2004,
p.66-67).
Uma educação de possibilidades, que não tenha a escola como a principal fonte de
informações, “terá de aprender a dest acar o interesse pedagógico desse novo ambiente e
ajudar os alunos a terem discernimento diante da massa de informação que recebe todos os
dias” (DELORS, 2005, p.21). Nesse contexto da chamada “sociedade do conhecimento”,
necessita-se de flexibilidade, e cada vez mais esta é imprescindível para o conhecimento no
viés ético e social.
A pedagogia escolar deve estar ciente, por um lado, de que não é a única
instância educativa, mas, pelo outro lado, não pode renunciar a ser aquela
instância educacional que tem o papel peculiar de criar conscientemente
experiências de aprendizagem, reconhecíveis como tais pelos sujeitos
envolvidos. Para adquirir essa consciência deve estar atenta, sobretudo, ao fato
de que a corporeidade aprendente de seres vivos concretos e é a sua referência
básica de critérios (ASSMANN, 1998, p.26).
O espo vivido pelo ser humano é o ponto de partida para a construção de uma
sociedade mais humana. Esta é uma experiência social, e em contato com esta o jovem
aprende a descobrir-se a si mesmo, desenvolvendo as relações com os outros e adquirindo
bases no campo do conhecimento e do saber fazer.
Há o reconhecimento de que um corpo docente bem formado e motivado é um
elemento essencial de um ensino de qualidade. Esse saber, esse professor, está preso a uma
realidade, contexto que também necessita ser considerado.
111
É fundamental que seja desvendado o contexto onde o professor vive. A análise
da realidade, das forças sociais, da linguagem, das relações entre pessoas, dos
valores institucionais é muito importante para que o professor compreenda a si
mesmo como alguém contextualizado, participante da história. [...] O
desvendamento da prática é que, provavelmente, passa a dar mais clareza à
trajetória rumo à transformação, uma vez que não há mudança que não ocorra a
partir do concreto, da realidade (CUNHA, 2004, p.169-171).
Cada sujeito é único, com sua realidade, suas percepções, suas experiências que
permitem dar um significado a sua história na construção do cotidiano.
A educação é um elemento necessário do progresso que permite encontrar uma
solução para a eqüidade, mas as exigências do mercadoo grandes demais para poderem
ser satisfeitas apenas pela escolarização. Inúmeras culturas começaram a se dar conta de
que inadequados não são simplesmente seus métodos, mas também seus objetivos e seus
valores fundamentais. Em sua análise da sociedade ocidental, Eckersley fala de uma
derrocada dos valores.
Os flagelos modernos da civilização ocidental, como o suicídio de jovens, o uso
de drogas e a delinqüência, costumam ser explicadas em termos pessoais, sociais
e econômicos: desemprego, pobreza, maus-tratos infligidos às crianças,
dissolução das famílias e outros fatores. Minhas pesquisas pessoais e outros
trabalhos parecem indicar algo mais fundamental na natureza das sociedades
ocidentais. Penso que esse algo mais é um fracasso profundo e crescente da
cultura ocidental, uma incapacidade de dar um sentido, um sentimento de fazer
parte e um objetivo às nossas vidas, assim como um sistema de valores. As
pessoas precisam acreditar em alguma coisa, sentir que pertencem a uma
comunidade e que são membros estimados da sociedade, além de terem um
sentimento de realização espiritual, isto é, o sentimento de estarem ligados e
incorporados ao mundo e ao universo em que vivem (ECKERSLEY apud
DELORS, 2005, p.42).
As razões são muitas para a derrocada dos valores éticos sociais, no contexto atual
um fato importante é a mídia, construindo falsos valores pairando na superficialidade, vem
alcançando níveis sem precedentes na formação de idéias, e um modo de ver a vida com
superficialidade. Tendo como foco o materialismo a capacidade de obter dinheiro,
relegando demais valores do “eu” para um segundo plano.
112
A moral da cobiça deve ser substituída por um devotamento à família, e por uma
participação na vida da comunidade sem recompensa material. Programas
corretivos não conseguiram combater uma desintegração social que se manifesta
por meio da violência, da morte e do uso de drogas (ETZIONI apud DELORS,
2005, p.42).
No âmbito local, assim como no mundial, constata-se a necessidade de um amplo
engajamento social em favor de sociedades que gerem, ao mesmo tempo, harmonia e
eqüidade. Para atingir proporções humanísticas, há que se perceber que a educaçãoo é
uma atividade de entradas e saídas, mas um processo permanente. Percebendo dessa forma
é que instituições e sociedades podeo ter êxito, atenuando as desigualdades.
Na compreensão de a educação expressar uma ação de minimizar as desigualdades,
urge a necessidade de um ensino de qualidade que esteja presente desde o primeiro contato
da criança com a escola, e não a partir de um estágio da vida escolar do jovem ou da
criança. É evidente que isso permeia toda uma ação complexa que envolve a escola, sua
infra-estrutura, a política administrativa e pedagógica, a ação dos professores e sua
capacitação
80
.
A educação e a formação inicial têm uma importância primordial, se
pretendemos que o aprendizado para a vida decole de uma boa base [...].
Devemos lançar as bases de um saber sólido em todos os jovens e alimentar
neles o gosto e a capacidade de adquirir novos conhecimentos aprender a
aprender sem o que não se consegue nenhum progresso (DELORS, 2005,
p.25).
É de fundamental importância a clareza da ação precisa da escola, para evitar
abarcar situações que fogem de sua responsabilidade e de sua capacidade de solucionar, e
evitar prender-se em um ativismo assistencialista. “Deve -se evitar impor à escola um
excesso de exigências. Evidentemente, ela tem um papel nisso tudo, mas seria ilusório e
ineficaz sobrecarregá-la de tarefas que não são de sua responsabilidade” (DELORS, 2005,
p.23). A ação pedagógica deve ser consciente a longo prazo, tendo políticas de
compromisso social, flexibilidade e capacidade de adaptação as novas necessidades.
“Portanto a escola não pode ser planejada , organizada ou orientada apenas em função dos
80
Essa ação de qualidade, de base educacional para o estudante, evitaria atitudes paliativas, discriminatórias,
a exemplo as cotas nas universidades brasileiras. É evidente que existem problemas, mas não é criando um
problema que se resolve outro.
113
imperativos momentâneos da conjuntura econômica ou das filosofias sociais em voga”
(DELORS, 2005, p.24).
Estando certos das limitações de abrangência da educação, prossegue-se na
propositura de explicitar uma agenda mínima que expresse ações concretas, por pequenas
que sejam. A reflexão contemporânea possibilita o resgate à centralidade dos sentimentos,
a importância de pensar novos paradigmas e um cuidado com o outro, um educar.
81
A ética deverá ser o baluarte das atividades dos educadores, com propostas
educacionais emancipatórias, fundamentadas em uma ética universal do ser humano,
perseguindo o sonho de uma sociedade mais justa, digna, isto é, uma sociedade humana.
Entende-se aqui de uma interação e preocupação com os problemas nacionais
brasileiros, que necessita se trabalhar em sala de aula, questões e problemas reais, questões
que afligem a sociedade e a família brasileira
82
. Identificar junto a estes a violência da
mídia, com seus incisivos comerciais, corroborando na construção da linguagem do
mundo, intitulando-se como a única verdade suprema. É necessário entender e dialogar a
tendência de uniformização de pensamento e cultura.
Trabalhar a ideologia consumista adotada, que a tudo justifica, e nesse viés tudo se
constrói e caminha. Essa chamada "slow attitude" dos americanos, apologistas do "Fast"
(rápido) e do "Do it Now" (faça já). Fast Food e o que ele representa como estilo de vida.
A base de tudo está no questionamento da "pressa" e da "loucura" gerada pela
globalização, pelo apelo à "quantidade do ter" em contraposição à qualidade de vida ou à
"qualidade do ser".
81
o deve ser desconsiderada a importância da educação junto ao mercado de trabalho, a qualificação para
uma vida profissional. A educação profissional deve ter dimensões humana e planetária. No entanto tem
também que ter a contribuição social da empregabilidade, isto é, na preparação de jovens para o emprego e
na reciclagem dos ativos, ficando atendo a educação sala de aula, não fique estéril de valores humanos, ou na
total crea de solução para os males sociais, é preciso resistir à tentação de considerá-la como um remédio
para o desemprego. Ela pode sem dúvida melhorar as chances do indivíduo na corrida pelo emprego, mas não
pode criar emprego (DELORS, 2005, p. 22)
82
Trabalhar em sala de aula, a drogas e suas reais conseqüências, com fatos e dados, depoimentos, não só
enquanto teoria, ou um encarte, ou uma mídia bem feita que se perde em meio a tantas outras notícias e
propagandas consumistas.
O aleitamento materno, a fome, a desnutrição, morte, estupro, afinal toda e qualquer tipo de violência ao ser
humano, urge ser abordados em sala de aula, com naturalidade, num processo de reflexão crítica
transformadora. O comodismo, o descaso, estender a responsabilidade, incluir como cidao participante
desde pequeno numa sociedade ativa, estar lá, visualizar, batalhar, querer o diferente através de ações
pequenas que sejam, mas eficientes enquanto processo educativo.
Escola como um lugar de trabalhar a família, o planejamento familiar, métodos contraceptivos, qualidade de
vida, dos direitos, da paz, da harmonia, dos diferentes lares, das diferentes formas de se viver uma harmonia.
114
A educação não se faz sem a perspectiva de transformação do homem e da
sociedade. O que move o ser humano a conhecer é justamente a possibilidade de fazer-se
histórico intervindo no real. A esperança caminha junto com a ética, em direção a um
projeto de homem em sociedade. Conforme Freire:
A ética de que falo é a que se sabe traída e negada nos comportamentos
grosseiramente imorais como na pervero hipócrita da pureza em puritanismo.
A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de
raça, de gênero, de classe. É por essa ética inseparável da prática educativa, não
importa se trabalhamos com crianças, jovens, ou adultos que devemos lutar [...]
O preparo científico do professor ou da professora deve coincidir com sua
retidão ética. É uma lástima qualquer descompasso entre aquela e esta. [...] Na
verdade, falo da ética universal do ser humano da mesma forma como falo de sua
vocação ontológica para o ser mais, como falo de sua natureza constituindo-se
social e historicamente não como um
a priori
da História. (FREIRE, 1996, p. 16-
18)
Os princípios éticos norteadores das ações educativas no presente elucidam muitos
dos comportamentos praticados na sociedade, e as subseqüentes ações e posicionamentos
que acontecerão no futuro, homem, comportamento e sociedade, não podem ser
compreendidos separadamente, estão todos entrelaçados. E as perspectivas de Freire para o
século XXI constituem um desafio de problematizar a sociedade contemporânea. Significa
rever a escola a partir de novos parâmetros capazes de resistir aos modismos e o
instantaneísmos, efeito de uma sociedade liberal consumista.
Conforme Bombassaro (2001, p.71), aquilo que tem significado para o humanista
aparece sobre um pano de fundo ético no qual o humano ocupa a posição central. No
humanismo, a ontologia e a ética manm assim uma estreita relação de
complementaridade.
Partindo das conceituações de Paviani (2000, p. 27), o humano não é um adjetivo,
uma qualidade, mas um modo fundamental de existir no mundo”, e para Bombassaro
(2001, p. 71), o “humanismo pressupõe um a concepção do humano como centro da vida,
das relações de produção e de comunicação”. Ainda Bombassaro (idem, p.71), o
humanismo do qual falamos não adquire uma formulação abstrata nem é um conjunto de
intenções, mas consiste num sistema de crenças e valores vivenciados de um determinado
modo na nossa práxis cotidiana. “O próprio mundo é compreendido como um valore o
humano “ocupa a posição central (idem, p.71).
115
Desse modo, o humanismo é depositário de um acervo de conhecimento sobre o
modo de viver humano elaborado ao longo do tempo, no decurso da história.
Como tal, ele guarda aquilo que pareceu mais característico do homem. Por isso,
o humanismo pode ser compreendido como uma determinada visão de mundo,
uma forma de compreender o que há de humano no mundo, uma forma na qual
transparece um conjunto de valores capazes de orientar a própria ação do
homem, numa determinada época e numa determinada cultura
(BOMBASSARO, 2001, p.68).
O humanismo, numa concepção ética, manifesta um aspecto real, concreto, pois é
por valores que nos movemos e somos. A ética é o elemento norteador de toda atividade
humana.
Neste século XXI o ser humano passa por um distanciamento da ética, e, por
conseqüência, por um esvaziamento de valores. A seguir, será discutida a ética como
processo de construção do homem, numa concepção que orienta as atitudes.
4.6 Ética
Falar de ética é, certamente, uma das questões mais desafiadoras nos dias atuais,
diante das inúmeras situações e transformações que vêm ocorrendo. Também não é
novidade falar em ética, comenta-se o assunto quando se fala de política, de educação, de
família e até mesmo de futebol. Parece que há uma corrida em busca de ética. Muitas vezes
vê-se a palavra sendo usada como chavão, vazia de conteúdo.
O que esta se propondo é, a partir de subsídios contidos nessa dissertação, extraída
da compreensão da realidade atual mais precisamente o século XXI, e juntamente com os
conceitos que possuímos de ética, lançar um olhar crítico sobre o comportamento humano.
Com isso chega-se onde reside a grande dificuldade do homem atual de resgatar os valores
esquecidos, reconstrução dos valores decompostos e adaptar-se aos valores emergentes,
tanto para a família, escola e sociedade. Chegase a realidade do século XXI, o homem
encontra-se em um conflito existencial proveniente da degradação dos valores, oriundo do
individualismo, avanço tecnológico e os paradigmas da globalização.
A ética se constitui em algo que guarda um regime de interdependência com bens
concretos de todas as dimensões do mundo, se constitui em algo que se liga a todas as
coisas associadas à realidade, também não é somente algo construído sobre a realidade,
116
como também não é algo separado da realidade. O valor se constitui num estado das
coisas, numa propriedade delas.
Também a ética o vem a ser um tema meramente teórico, totalmente distante da
prática, devido os diversos sentidos empregados a ela
83
, como também a dinâmica do
mundo moderno e suas relações. No entanto, a ética está presente em todas as ações e
atitudes do homem.
Ética é um pouco como a luz: ela está por tudo, sem ela ninguém vê nada. Mas
quando se pergunta o que é, ficamos sem saber o que responder. E ao mesmo
tempo, ela é tão ou mais importante que a própria luz. Falar dela é difícil e
arriscado, mas imprescindível (PAGGI, 2003, p.160).
Toda ação sempre terá uma dimensão ética, e o maior desafio hoje da humanidade,
através da família, da escola e da sociedade humana, resida na tarefa de resgate dos valores
de sustentabilidade da vida perdidos, na manutenção dos que ainda existem e na construção
de novos valores universais de sustentação do planeta, e dignidade da pessoa humana. Esta
tarefa se torna difícil e ganha graus de complicação cada vez maior devido aos meios de
comunicação, principalmente o televisivo da mídia. A televisão, infelizmente se tornou
uma ferramenta poderosa de desconstrução dos valores morais, espirituais e éticos
84
.
Existe uma grande dificuldade para a maioria da humanidade compreender o que é
correto e o que não é correto, diante da grande crise mundial dos valores “crise”,
“inversãoou até confusão. A sociedade como um todo está a esmo, insegura, agarrando-
se aos pequenos sinais que legitimam sua ação diante das inúmeras tensões sociais. Diante
disso, as crises e tensões sociais aparecem como oportunidades de ir às raízes da ética,
chegando às instâncias na qual se formam continuamente valores. De acordo com Boff,é
por valores que nos movemos e somos” (2003, p. 30).
Cabe, antes de qualquer coisa, buscar um entendimento da compreensão da ética e
sua relação com a moral. Aparentemente, em uma linguagem comum, ética e moral são
iguais, isto é, a partir do julgamento das ações, se diz, “esta é uma ação ética”, ou “esta é
83
“Na ver dade, houve certo abandono da ética a partir da modernidade e criou-se certo pudor de discuti-la,
como se isso fosse coisa de ‘religiãoe não pudesse ser ligado à ciência” (PAGGI, 2003, p.147).
84
A televisão, essa última luz que te salva da solidão e da noite, é a realidade. Porque a vida é um espetáculo:
para os que se comportem bem, o sistema promete uma boa poltrona. (Eduardo Galeano, escritor uruguaio).
117
uma ação moral”. Mas, aprofundando a questão, percebe-se que ética e moral não são
sinônimos.
Numa rápida distinção entre os termos, a ética considera concepções de fundo
acerca da vida, do universo, do ser humano e de seu destino, estatui princípios e valores
que orientam pessoas e sociedade. Uma pessoa é ética quando se orienta por princípios e
convicções. Dizemos, então que tem caráter e boa e boa índole. A moral é parte da vida
concreta. Trata da prática real das pessoas que se expressam por costumes, hábitos e
valores culturalmente estabelecidos. Uma pessoa é moral quando age em conformidade
com os costumes e valores consagrados, que podem ser, eventualmente, questionados pela
ética.
No entanto, esses conceitos ficam vagos e meramente teóricos, não existindo uma
clareza no surgimento deles. Para se chegar à compreensão, vale-se dos gregos para um
melhor entendimento da palavra ética” . Parte-se de dois sentidos da palavra “éthos de
onde se deriva ética. Éthos”, em uma acepção, significa a morada humana e também
caráter, jeito, modo de ser, perfil de uma pessoa. Em uma outra acepção, quer dizer
costumes, usos, hábitos e tradições.
Buscando a total compreensão dessa questão, Boff serve-se de duas palavras
gregas, éthos e daimon
85
.
Com elas os gregos enfrentaram a maior crise de sua história estruturalmente
semelhante a nossa, quando no século VI a.C. surgiu a razão crítica. Esta
ameaçava esvaziar as tradições e os valores que garantiam até então, pela razão
mítica e religiosa, a sociabilidade da cidade grega (polis) (2003, p.33).
A seguir, um entendimento da ética em Aristóteles.
4.7 A ética em Aristeles
Apreender a idéia aristotélica de ética requer, de qualquer maneira, algum
deslocamento de nosso modo usual de perceber o tema. Para Aristóteles, o objetivo da
85
O termo daimon em grego clássico não é demônio, ao contrário, é o anjo bom, o gênio protetor. E éthos
o é primeiramente ética, mas a morada humana. (BOFF, 2003, p.33).
118
ética era a felicidade. A felicidade, para ele, era a vida boa, o que corresponderia à vida
digna. Em uma correlação entre ética e política por política compreendia-se a forma de
vida que melhor corresponde à condição humana , haveria uma subordinação da ética à
política: “os tratados éticos e os tratados políticos pertencem a um mesmo estudo,
classificado como política” (RUSS apud BOTO, 2002, s/p
86
). Fica difícil entender, nos
séculos XX e XXI, essa relação estreita de ética e política, devido aos rumos e agravantes
da relação humana com o termo política . Os gregos partem compreendendo o homem
como um animal político. E ética e política tratavam de postular a obtenção da virtude.
Na ética a Nimaco, há um trecho que expressa, de maneira exímia, o intuito, o
propósito, o objeto e o sujeito do estudo da ética:
Estou falando da excelência moral, pois é esta que se relaciona com as emoções
e ações, e nestas há excesso, falta e meio termo. Por exemplo, pode-se sentir
medo, confiança, desejos, cólera, piedade, e, de um modo geral, prazer e
sofrimento, demais ou muito pouco, e, em ambos os casos, isto não é bom: mas
experimentar estes sentimentos no momento certo, em relação aos objetos certos
e às pessoas certas, e de maneira certa, é o meio termo e o melhor, e isto é
característico da excelência. Há também, da mesma forma, excesso, falta e meio
termo em relação às ações. Ora, a excelência moral se relaciona com as emoções
e as ações, nas quais o excesso é uma forma de erro, tanto quanto a falta,
enquanto o meio termo é louvado como um acerto; ser louvado e estar certo são
características da excelência moral. A excelência moral, portanto, é algo como
eqüidistância, pois, como já vimos, seu alvo é o meio termo. Ademais é possível
errar de várias maneiras, ao passo que só é possível acertar de uma maneira
(também por esta razão é fácil errar e difícil acertar fácil errar o alvo, e difícil
acertar nele); tamm é por isto que o excesso e a falta são características da
deficiência moral, e o meio termo é uma característica da excelência moral, pois
a bondade é uma só, mas a maldade é múltipla (ARISTÓTELES, 1991, p.36).
Para Aristóteles, a virtude seria a forma mais plena da excelência moral. A
excelência moral, revelada pela prática da virtude, seria, antes de tudo, uma disposição de
caráter. Para o exercício da virtude seria, pois, necessário conhecer, julgar, ponderar,
discernir, calcular e deliberar. A virtude, como excelência moral, corresponderia à idéia de
uma razão reta relativa às questões da conduta. Ora, tal disposição do caráter humano teria
por suposto a precedência de uma escolha dos atos a serem praticados e de um hábito
firmado pela repetição para conduzir à ação reta. Nesse sentido, pode-se dizer que, na
Ética de Aristóteles, virtude é hábito hábito constrdo pela contigüidade da relação
potência e ato:
86
Artigo sem numeração de página.
119
quanto às várias formas de excelência moral, todavia, adquirimo-las por havê-las
efetivamente praticado, tal como fazemos com as artes. As coisas que temos de
aprender antes de fazer, aprendemo-las fazendo-as por exemplo, os homens se
tornam construtores construindo, e se tornam citaristas tocando cítara; da mesma
forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, moderados agindo
moderadamente, e corajosos agindo corajosamente. Essa asserção é confirmada
pelo que acontece nas cidades, pois os legisladores formam os cidadãos
habituando-os a fazerem o bem; esta é a intenção de todos os legisladores; os que
o a põem corretamente em prática falham em seu objetivo, e é sob este aspecto
que a boa constituição difere da má (ARISTÓTELES, 1981, p.35-36).
O comportamento seria, pois, o grande fator distintivo da ética; o modo de agir
perante os outros, perante si próprio, perante os que são próximos, perante a Humanidade.
A natureza da reta razão estaria potencialmente presente no ser humano.
Para Aristóteles, mesmo nos casos difíceis, que envolvem o dilema da moralidade
em seu limite máximo, o pior mal residiria na ação injusta, já que esta pressupõe a
deficiência moral do agente.
“Às vezes, é difícil decidir o que devemos escolher e a que
custo, e o que devemos suportar em troca de certo resultado, e ainda é mais difícil firmar-
nos na escolha, pois em muitos dilemas deste gênero o mal esperado é penoso
(ARISTÓTELES, 1981, p.501 apud BOTO, 2002). E, de qualquer modo, não se pode
esquecer que, para Aristóteles, a felicidade, seja do Estado, seja do indivíduo, corresponde
ao exercício continuado da prática da virtude e da prudência.
Para Aristóteles, em matéria de ética, há de lembrar que existem formas variadas de
errar e uma só de acertar. Am disso, são boas as ações que dirigem a condição humana ao
exercício da sua plenitude ou da realização. Ninguém realiza sua essência enquanto
potencialidade. É somente ao transformar a potência em ato que poderemos desenvolver ao
limite nossas faculdades humanas, obtendo, por tal atividade, a suprema felicidade
contida na auto-realização, nesse ideal intrinsecamente grego de se “realizar aquilo que já
se é (BOTO, 2002).
Pela equidade na ação particular se poderia chegar ao gesto da equidade no seu
sentido universal. Daí, mais uma vez, a tônica do pensamento aristotélico de demarcar a
virtude como um hábito, que só se consolida na ação. Por se tratar de assunto variável, não
seria tema ensinável enquanto saber teórico. Seria, antes, um rol de costumes a ser
repetidamente exercitado para com as gerações mais jovens, com o fito de que estas
venham a adquirir a força moral extraída de três estratégias educativas essenciais:
“exortação, exemplo e envolvimento” (MARQUES apud BOTO, 2002). Segundo Boto,
sob tal tripé estaria colocada a missão do educador quanto à formação dos valores: trata-se
120
de crenças, de formação de hábitos, de constância, de perseverança, de uso repetido, de
exercício refletido, de exemplos a serem seguidos, de ações ponderadas nas trilhas de um
percurso sempre e inevitavelmente incerto.
Segundo Boto, a política para Aristóteles é interesse público, bem comum, justiça e
equidade. O objetivo da associação política não seria, pois, apenas o viver em conjunto,
mas fundamentalmente o bem viver em conjunto, e, se o homem é feito para a sociedade
civil, é ofício do homem a boa vontade na convivência, em quecada um melhor encontra
aquilo de que necessita para ser feliz” (ARISTÓTELES apud BOTO, 2002). A ética de
Aristóteles não é uma disposição de coração: é a revelação da potência em ato, disposta a
agir em direção ao bem comum, à felicidade pública.
Na ética se debatem conflitos de atitudes, não de crenças [...] Por um lado a
educação ética é uma formação do gosto e da sensibilidade, em direção a
determinadas atitudes: a criação e a aquisição de um
ethos
, no sentido origirio
de ‘carátere conjunto de ‘hábitos, sem permitir que se caia na inércia do
‘habitual. Com tal finalidade, a educação deve tender também a formar a razão
autônoma, que assume a responsabilidade de deliberar, argumentar e justificar
seus pontos de vista. Sem dúvida alguma, a melhor via não dogmática para se
conseguir esses dois objetivos educação de atitudes e educação na autonomia
é o exemplo; tamm na retórica clássica a personalidade moral do orador
constituía um elemento importante para atrair a atenção e a adesão do público. O
exemplo persuade do valor intrínseco a certas atitudes e a certos modos de julgar.
As idéias se impõem quando se sabe defendê-las, e a defesa que revela suas
próprias perplexidades e ambigüidades e se mostra capaz de ponderar sobre
elas pode ser mais convincente que uma firme e segura declaração de
princípios (CAMPS apud BOTO, 2002).
A partir do excerto acima, é possível estabelecer algumas formas de trabalhar a
ética no campo educacional, princípios educacionais éticos da formação humana.
Possibilita levantar algumas reflexões sobre valores, e se é possível pensar em um
consenso no plano da moralidade? Nas noções de bem, de bem comum, de felicidade e
até de amizade teriam um mínimo comum passível de ser posto como universal? Sabe-se
que, em tal encruzilhada, situam-se inúmeros dos debates e impasses do mundo
contemporâneo. Trazendo o tema para o cenário educativo, como pensar a educação para o
bem agir?
121
Quando louvou a justiça como primeira virtude da vida política, Aristóteles o fez
de maneira a sugerir que a comunidade que carece de acordo prático com relação
a um conceito de justiça também deve carecer da base necessária para a
comunidade política. Porém, a falta de tal base deve, portanto, ameaçar nossa
própria sociedade. Pois o resultado dessa história [...]o tem sido apenas a
incapacidade de concordar a respeito de um catálogo das virtudes, e a
incapacidade ainda mais fundamental de concordar acerca da importância
relativa dos conceitos de virtude dentro de um esquema moral no qual as noções
de direitos e de utilidade também têm um lugar essencial. Também tem sido a
incapacidade de concordar com relação ao teor e o caráter de determinadas
virtudes. Já que a virtude agora é compreendida em geral como uma disposição
ou sentimento que produz em s obediência a certas normas, o acordo com
relação a quais serão tais normas é sempre pré-requisito para o acordo sobre a
natureza e o teor de determinada virtude. Mas esse acordo prévio quanto à
normas é [...] algo que nossa cultura individualista não pode oferecer
(MACINTYRE apud BOTO, 2002).
A ética se definirá mediante relações de cuidado para com os outros, e os outros são
sempre outros, e nunca serão eu” mesmo. Por outro lado, somente a partir de seu
reconhecimento social é que se poderá, na coletividade, assegurar critérios para regular
intenções de “vida boa, com e para os outros, em instituiçõ es justas (RICOEUR, 1995,
p.162). Nos termos desse autor:
Se implica o outro de si, a fim de que se possa dizer de alguém que ele se estima
a si mesmo como um outro. A dizer a verdade, é só por abstração que se pode
falar em estima de si sem pô-la em dupla com uma demanda de reciprocidade,
segundo um esquema de estima cruzado, que resume à exclamação tu também: tu
também és um ser de iniciativa e de escolha, capaz de agir segundo razões, de
hierarquizar teus fins; e, estimando bons os objetos da tua busca, és capaz de
estimar a ti mesmo. O outro é, assim, aquele que pode dizer eu como eu e, como
eu, ser considerado um agente, autor e responsável pelos seus atos. Do contrário,
nenhuma regra de reciprocidade seria possível. O milagre da reciprocidade é que
as pessoas são reconhecidas como insubstituíveis umas às outras na própria
troca. Essa reciprocidade dos insubstituíveis é o segredo da solicitude [...] Viver
bem, com e para o outro, em instituições justas. Que a intenção do bem viver
envolva de algum modo o sentido da justiça; isso é exigido pela própria noção do
outro. O outro é tamm o outro do tu. Correlativamente, a justiça estende-se
para além do face-a-face. Duas asserções estão aqui em jogo: de acordo com a
primeira, o viver bem não se limita às relações interpessoais, mas estende-se à
vida nas instituições; de acordo com a segunda, a justiça apresenta traços éticos
que não estão contidos na solicitude, a saber, essencialmente uma exigência de
igualdade de uma espécie diferente da daquela da amizade. [...] Pode-se, com
efeito, compreender uma instituição como um sistema de partilha, de repartição,
que se refere a direitos e deveres, rendimentos e patrimônios, responsabilidades e
poderes; vantagens e encargos. É esse caráter distributivo no sentido amplo da
palavra que e um problema de justiça. Com efeito, uma instituição tem uma
amplidão mais vasta do que o face-a-face da amizade e do amor (RICOEUR,
1995, p.163-164).
122
Se a ética requer a vida ativa, que é o que caracteriza a própria condição humana, o
indivíduo atua como ser ético perante os outros. Não se pode ser ético quando não se
convive; é, portanto, a esfera pública e coletiva que possibilita a expressão da virtude.
Além disso, as virtudes do comportamento traduzem-se no hábito, e não no postulado de
intenções. Se, portanto, necessário percorrer com ética a própria vida, uma vez que é
mais trabalhoso agir pelo bem do que dizê-lo. Para Aristóteles, ética e política são práticas
que se definem pela ação. Agindo eticamente é que se adquire a prática da virtude.
Educando com correção é que se torna educador.
Segundo Boto(2002), a magia da ação educativa está quando assume a confluência
proposta por Aristóteles da imitação/representação do bom, do belo e do bem, é uma tríade
necessária para pensar a formação da virtude ao educar. Trata-se de criação de bitos
justos precisamente no meio, pela prudência do discernimento; alicerçados pela eqüidade
das práticas; e de criações de rotinas e de rituais coletivos, públicos e dirigidos ao bem
comum.
O ser humano é o único ser vivo, na Terra, capaz de emitir juízo de valor, valorar as
coisas que estão ao seu redor. Deve-se lutar para ampliar a consciência, a fim de aumentar
a percepção, a incorporação e a construção de novos valores no contexto social no qual se
encontra imerso, que ganham sentidos novos. E com sua capacidade racional deve o
homem construir uma hierarquia de valores, resgatando os desconstruidos na história
através da ação das ideologias dos tempos.
Os valores éticos possuem, na família, a sua principal fonte de apoio, para, a partir
daí, encontrar ressonância em todas as esferas da vida humana, vinculados ao seu mundo
social e histórico, à subjetividade das pessoas e ao inter-relacionamento interdependente
destas pessoas com a natureza e com os demais seres vivos.
A questão que se levanta é como entender tudo isso, não ficando em uma mera
teoria, ou tão somente em uma reflexão. Na verdade a ética é um ensaio humano, pode-se
chegar até ela, na medida em que se habilitar a “fazer”, a praticar”, o entendimento do
“aprender fazendo”, portanto se entende que somente se entenderá o significado da ética na
vida real criando hábitos e rotinas de vida.
123
4.8 Compreendendo a ética
Èthos é então sinônimo de ética, o conjunto ordenado dos princípios, valores e das
motivações últimas das práticas humanas, pessoais e sociais. Éthos significa também o
caráter, o modo de ser de uma pessoa ou de uma comunidade.
A ética é de ordem prática, uma perfeita relação de convivência com o outro. Uma
pessoao pode ser ética sozinha. A ética requer uma relação, e é essa relação que vai ser
ética ou não. Conforme Guareschi, o pode uma pessoa ser ético sozinha, quem vai
decidir se o sujeito é ético ou não o os outros” (2003, p.156).
Acredita-se estar aqui implícita uma das questões fundamentais do humanismo,
uma indagação presente ao longo dos textos. Conclui-se que, para se falar em ética, há a
necessidade de levar em conta duas coisas: que ética é uma relação e existe ética na medida
em que as ações-relações respeitam os direitos dos outros. Como diz Boff (referência), é
uma ação de cuidado, ou melhor, uma forma aqui de entender, de reproduzir a ética como
cuidado
87
.
Vê-se, portanto, que a ética é a relação do homem com o outro, e essa relação não
se dá de forma automática. Ela ocorre a partir de um processo, e esta relação com o outro
necessitam de um aprendizado, noções e conceitos. Aristóteles diz que o homem é um ser
social. Entende-se, portanto o homem desde a infância até o final da vida. O homem não
nasce um ser social, mas se faz, o homem é um ser que se constrói. O seu comportamento,
a sua conduta, as suas regras ou suas leis são construídas ao longo dos tempos e da sua
história. Se não houvesse uma interação social, a sociedade não se desenvolveria e ficaria
em um nível instintivo
88
. O educador Paulo Freire explana essa questão da seguinte forma:
O inacabamento do ser humano, ou a sua inconclusão, é próprio da experiência vital.
Onde há vida, há inacabamento. Mas só entre mulheres e homens o inacabamento se
tornou consciente” (2004, p.50).
87
O termo cuidado vai ser amplo, a falta de cuidado no trato da natureza e dos recursos escassos, a ausência
de cuidado com referência ao poder da tecnociência que construiu armas de destruição em massa e de
devastação da biosfera e da própria sobrevivência da espécie humana nos está levando a um impasse sem
precedentes. Ou cuidamos ou perecemos” (BOFF, 2003, p.48).
88
De acordo com Guareschi, (2004, p. 162), o cerne da questão está em ser a ética algo inacabado e em
contínua elaboração e que dia a dia deve ser discutido e melhorado. Isso só é possível através da
comunicação, do discurso, do diálogo, da fala, mas um discurso de que todos podem e deve participar, em
igualdade de posições, em que cada um fala livremente o que pensa e escuta com respeito o que o outro diz.
124
O homem, esse ser inconcluso, subentendendo nisso sua condição no mundo, de um
ser que está numa perspectiva de aprender e aprender sempre, daí o fato de estar sempre
em conexão com o mundo
89
.
Uma conscncia e uma aprendizagem constante numa práxis contínua realizada em
direção aos sonhos e leitura de mundo visto que o desenvolvimento social da pessoa
depende de fatos externos. Como o desenvolvimento da lógica, na criança, é uma função
que está em relação direta com sua fala socializada.
O aprendizado no diálogo começa cedo junto à família. As curiosidades da criança
o supridas e dirigidas a partir das conversas familiares, aprendendo a reconhecer
momentos certos da participação em diálogos fundamentados em valores, e de seqüência
lógica. Quando em idade de ingresso à escola, esta vem dar continuidade ao processo
iniciado na família, da garantia dos hábitos morais e intelectuais
90
.
Essas são as implicações positivas de se buscar com as crianças a educação moral,
que se iniciada cedo, na infância, e se prolonga por toda a vida, porque a educação moral
o tem fim. O processo é gradual, e a consciência da complexidade das situações morais e
da relativa utilização de métodos para resolver problemas morais vai se instaurando
gradativamente.o vai existir regras e manuais de bolso para determinadas situações,
eles acontecem e a ação ou reação estará alicerçada nas concepções de vivência ética. O
mundo que está constantemente mudando, um mundo onde são necessárias habilidades
para se adaptar às novas situações que vão surgindo ao longo da existência. Somente com
responsabilidade e capacidade, poder-se-á dar respostas eficazes aos problemas e desafios
encontrados na educação humanística.
A educação ética, de valores, carece ser conduzida para um reflexão da realidade
comunitária, tendo como objetivo equipar o educando com ferramentas de reflexão dentro
de um contexto de investigação, numa educação para a cidadania, para o social. Os
educandos precisam aprender como viver de modo a diminuir as chances das crises sociais
e melhor controlá-las. É a educação ética um instrumento sólidos que vai prevenir, no
futuro, os vícios, o crime, o uso das drogas e, conseqüentemente, diminuir a incidência de
89
Entendendo nesse sentido de estar aberto para o mundo, numa contínua aprendizagem, sobrecai uma
grande responsabilidade para professores. Muitas posturas na vida vio desse diálogo e leitura feitos junto
aos professores criando as sensibilidade e resistências. Como diz Paulo Freire, “de criar resistência, como
uma forma de dizer não à fome, à dor, à injustiça, ao desconforto. “Nã o é na resignação, mas na rebeldia em
face das injustiças que s afirmamos” (1996, p.78.)
90
A relação professor-aluno precisa possuir um nível semelhante de diálogo e de comunicação direta. Estarão
expressos na ação simultaneamente tanto o aprendizado como o respeito mútuo.
125
doenças sexualmente transmissíveis, de desrespeito às raças, a deficientes físicos, idosos,
estrangeiros e que as difereas naturais necessárias não se tornem em desigualdades.
A educação tem andado muito distante da realidade. Faz pouco tempo que alguns
educadores e determinadas instituições vêm propondo e trabalhando outros enfoques dento
desse cenário educacional altamente fragmentado. Segundo Freire a presença no mundo
o é a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se insere. É a posição de quem luta
para não ser apenas objeto, mas sujeito também da história” (2004, p.54). Urge esse
reencontro com o ser humano, a necessidade de identificar que ele faz parte de um todo,
que todos fazem parte de uma mesma e grande família, de ter uma educação planetária,
uma educação que desenvolva as habilidades de pensamento de maneira que seus aspectos
éticos possam ser manejados a partir de sua própria perspectiva e situação.
A educação humanística estende ao educando de ter atitudes mais abertas e
flexíveis em relação às possibilidades de uma determinada situação de complexidade da
existência humana, e assim sendo, a desenvolver um senso de proporção ética sobre sua
própria situação. Nesse viés os educandos vão se envolvendo cada vez mais na prática
habitual de considerar com flexibilidade e respeito o outro, e demais ações de seu exterior,
tornando-os sensíveis à complexidade das situações e a necessidade de levar em conta o
maior número possível de dimensões. Portanto, demanda à educação uma atitude que
implique práticas e exercício de cidadania de dimensão moral tais como “consolar, cuidar,
aconselhar, compartilhar, respeitar, interagir, criar, inovar” envolvendo-os os educandos na
ação, desenvolvendo-lhes o cuidado e a dignidade, a justiça, porque, como diz FREIRE, a
educação é uma forma de intervenção no mundo.
Ninguém pode estar no mundo, com o mundo e com os outros de forma neutra.
o posso estar no mundo de luvas nas mãos constatando apenas. A
acomodação em mim é apenas caminho para a inovação, que implica decisão,
escolha, intervenção na realidade. Há perguntas a serem feitas insistentemente
por todos s e que nos fazem ver a impossibilidade de estudar por estudar. De
estudar descomprometidamente como se misteriosamente, de repente, nada
tivéssemos que ver com o mundo, um lá fora distante mundo, alheio de nós e
s deles (FREIRE, 2004, p.77).
O objetivo da educação ética é proporcionar as condições necessárias para a
identificação das situações que clamam por uma postura moral e para a capacidade de
126
avaliação moral recorrente a tal postura. A sensibilidade para os contextos ou situações é
fundamental, em função do tipo de critério que a eles deve ser aplicado.
A escola pode oferecer condições para o estudante envolver-se em procedimentos
que alimentem hábitos participativos, racionais e cooperativos, não só discutindo questões
morais, mas também praticando a moralidade na micro sociedade que é. A vincia de atos
morais dentro de um espaço investigativo avalia e consolida atos de cunho ético.
Logo, educar para o exercício da cidadania e para a justiça e dignidade humana,
pessoal e social é um processo que tem, na comunidade de investigação, um modelo a ser
internalizado e praticado não só na escola, mas também na sociedade. Essa educação deve
criar, em todas as pessoas, interesses em promover o bem geral, a fim de que encontrem
sua própria felicidade realizada naquilo que podem fazer para melhorar as condições dos
outros.
Segundo THEOBALDO,
nesta perspectiva utilitarista, o papel da escola em relação à educação está em
alimentar o convívio social e em promover a educação através da interação e
conjugação dos interesses individuais e sociais. Esta é a única forma de a
educação moral escapar da inocuidade da recitação de regras e, efetivamente,
formar o caráter para a consideração das causas sociais (1998, p.28)
Portanto, é possível perceber que a educação ética está interligada em dois pontos
fundamentais, sendo um deles o desenvolvimento cognitivo e o outro o da sensibilidade
descentralizada. Esses elementos são fundamentais para o desenvolvimento e
comportamentos autônomos éticos.
Foi defendido desde o princípio dessa dissertação a idéia de que a sala de aula é o
espaço fundamental para realizar a educação humanística, isto é, cidadã, digna e com
justiça. Expressando de outro modo, é o fio condutor que possibilita uma refleo
comprometida, baseada em critérios teóricos, norteando uma verdadeira discussão ética.
Na opinião de FÁVERO et al. (1998, p.40), conhecer alguns pontos fundamentais
sobre a ética não é apenas uma queso acadêmica ou restrita a alguns momentos em que a
sociedade discute mais acaloradamente. È tamm uma necessidade para a convivência
social e a realização humana. Não é possível pensar em sociedade digna, democrática,
127
feliz, justa sem passar pela discussão ética. “Viver eticamente é viver conforme a
justiça”(apud, FÁVERO, 1998, 40)
91
. A seguir, Fávero exemplifica essa questão:
A Ética é uma espécie de bússola que aponta o rumo de nossa navegação no mar
da história. O não uso dessa “bússola” possibilita ao homem entrada por atalhos
desviantes, declinantes e destrutivos da vida. O Ódio, as lutas, as guerras são
exemplos que encontramos no decorrer da história do não uso da “bússola”
orientadora, que levam a humanidade à beira do desaparecimento. Portanto a
“ética administra exatamente as encruzilhadas da vida e os conflitos da
liberdade: por um lado, aponta os caminhos da construção pessoal e coletiva e,
por outro, adverte contra as ameaças da autodestruição” (1998, p.40).
O ser humano é um ser de potencialidades. Isso significa que deve, portanto,
construir ou conquistar seu próprio ser. Ele não nasce pronto, mas se faz humano, se torna
pessoa. O grande desafio da vida do ser humano é esse processo de construção do próprio
ser. Essa construção é uma permanente possibilidade e não acontece individualmente, de
forma isolada, mas num contexto de relações e situações que o ser humano estabelece com
o mundo.
O homem é dotado de relativa liberdade nas suas ações, e, tem como embasamento
as experiências, os ensinamentos, as instituições de ensino e a convivência. É nesse sentido
que se fala da aprendizagem ética. A forma como se organiza o sentido que se dá à
existência e o modo como se soluciona os problemas que surgem na relação com outras
pessoas e com a natureza, que são de nossa inteira responsabilidade e esta
responsabilidade deve se estender sobre todas as ações e suas conseqüências. Depende da
responsabilidade a convivência humana e a realização de um mundo mais humano. È
necessário e urgente criar consciência da responsabilidade do ser no mundo, somente será
melhor se houver o empenho nessa direção. Nesse sentido FREIRE nos diz que:
A prática educativa tem de ser, em si, um testemunho rigoroso de decência e
pureza. Uma crítica permanente aos desvios fáceis com que somos tentados, às
vezes ou quase sempre, a deixar as dificuldades que os caminhos verdadeiros
podem nos colocar. Mulheres e homens, seres históricos sociais, nos tornamos
capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper,
por tudo isso nos fizemos seres éticos. Só somos porque estamos sendo. Estar
sendo é a condição, entre nós, para ser. Não é possível pensar os seres humanos
longe, sequer, da ética, quanto mais fora dela. Estar longe, ou pior, fora da ética,
entre nós, mulheres e homens, é uma transgressão (FREIRE, 1996, p.33).
91
É a tese principal de Olinto Pegoraro, em seu livro
Ética e justiça
, onde defende que o ser humano tem em
suas mãos o seu destino: pode construir-se ou perder-se, dependendo do rumo que ele imprime às decisões e
ações ao longo da vida.(apud, FÁVERO,1998, 40).
128
Reafirmando o caráter reflexivo que se deve ter, principalmente quando se está
demasiadamente envolto em uma realidade, acostuma-se a viver na injustiça com a
convicção de que não há outra saída, se não houver um espaço consciente de reflexão que
possibilite abrir novos horizontes.
A indignação é a experiência que permite também desmascarar o mal travestido de
normalidade
92
, e descobrir, mesmo que parcial e superficialmente, o bem e a justiça,
abrindo assim a possibilidade de construir um futuro diferente e melhor que o presente. Foi
essa postura de indignação ética que possibilitou as mudanças ocorridas no decorrer da
história.
Acredita-se que não existam fórmulas prontas nem soluções mágicas que possam
reverter situações de injustiça. Não temos um mundo melhor, nem uma sociedade justa,
digna e humana, se continuarmos acreditando ingenuamente que as mudanças passam pelo
campo das leis, dos decretos, da forma de governo ou até mesmo dos discurso moralistas
que se escuta
93
, há muito tempo, pronunciados por aqueles que se consideram os “perfeitos
cidadãos. Tamm seria ingênuo acreditar cegamente que a escola é capaz de educar o
cidadão integralmente. Entretanto, ela ainda possui um papel importante e fundamental.
o é possível pensar que a escola sozinha pode transformar o mundo, mas também é
verdade que não é possível pensar em nenhum tipo de sociedade diferente, mais justa, mais
fraterna, sem contar com a contribuição da escola.
Umas das tarefas mais importantes da prática educativo-critica é proporcionar
condições em que os educandos, em suas relações uns com os outros e todos com
o professor ou a professora, ensaiam a experiência profunda de assumirem-se.
Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante,
transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de
amar (FREIRE, 2004, p.41).
Nesse sentido, acredita-se que a escola é o lugar privilegiado para a vivência dos
valores, e a sala de aula, o lugar por excelência da discussão ética. Isso não significa dizer
que a escola deve-se omitir de trabalhar com os conhecimentos historicamente produzidos,
mas, sim, que esses devem ser discutidos, recombinados, reinventados, reproduzidos,
92
Utilizado em outro momento da dissertação de CREMA como “normose”.
93
Se assim fosse, o Brasil seria um exemplo às outras nações por causa de belas leis, normas, decretos,
pareceres, projetos. Porém, em muito deixa a desejar, ficando em baixos níveis estatísticos em diversas áreas
tais como: a distribuição de renda, saúde, educação, justiça. No Brasil as relações democráticas e
cumprimento dos ditames da lei funciona muito bem na teoria, no papel.
129
aprovados à luz da ética. A escola deve optar, em seu fazer pedagógico, por um dos
caminhos: ou ela serve para conservar uma situação de dominação, de injustiça, de
exploração, ou ela está a servo da transformação, da mudança, da cidadania. Pois,
segundo FREIRE (1996, passim), é impossível na verdade a neutralidade da educação.
Quanto aos educadores, elesm o privilégio e o desafio de estar em contato com
crianças, adolescentes e jovens. Por isso,o podem ser meros repetidores de uma moral
que já existe. A prática pode ser mais construtiva, de modo que elabore, dentro da
realidade em que se vive, uma ética que não fira os preceitos básicos da vida humana em
sociedade e também ajude a manter os sonhos e ideais capazes de se tornarem realidade.
De acordo com Freire (2004, p.94), é necessário o professor “deixar claro , com seu
testemunho, que o fundamental no aprendizado do conteúdo é a construção da
responsabilidade que se assume”.
O espo da escola pode ser o espo do saber em construção, portanto provisório,
e também o espaço da construção de instrumentos de emancipação, onde professor e aluno
se percebam como sujeitos do fazer e refazer, comprometidos com o homem real. Para
isso, ambos precisam entender o processo social e situar-se nele através das ciências, da
reflexão ética e da ação política.
Educar é mais do que transmitir conhecimentos: é construir o próprio ser humano, é
buscar a motivação do viver, que só poderá ser pleno se comprometido com os demais
viveres. Portanto, um viver esperançoso e solidário, que acredite nas possibilidades no
amanhã e que seja gestado na concretude do pensamento da práxis cotidiana. Segundo
Paulo Freire,
A raiz profunda da politicidade da educação se acha na educabilidade mesma do
ser humano, que se funda na sua natureza inacabada e da qual se tornou
consciente. Inacabado e consciente de seu inacabamento, histórico,
necessariamente o ser humano se faria um ser ético, um ser de opção, de decisão.
Um ser ligado a interesses e em relação aos quais tanto pode manter-se fiel à
eticidade quanto pode transgredi-la (2004, p.110).
Uma pratica educativa jamais pode desvincular-se de um posicionamento político e
social, uma vez que o conhecimento e sua construção só têm sentido se atrelados à busca
de uma sociedade mais justa. Não é possível falarmos em educação sem vislumbrarmos o
papel que ela desempenha para situar o homem como sujeito histórico, consciente do seu
lugar no mundo e crítico o bastante para nele intervir. Portanto, também não é possível
130
desvincular a pedagogia da utopia. E, para agir no mundo, é preciso desvelá-lo,
compreendê-lo, e engajar-se na busca do devir.
4.9 A ética e a globalização
Um dos efeitos mais avassaladores do capitalismo globalizado e de sua ideologia
política, o neoliberalismo, é a demolição da nação e do bem comum ou do bem-estar
social. Sua palavra de ordem é conquistar.
praticamente tudo está sob o signo da conquista. Conquistar a terra inteira, os
oceanos, as montanhas mais inacessíveis e os recantos mais inóspitos.
Conquistar povos [...], espaços extraterrestres, [...] a vida e manipular seus genes
[...], tudo é objeto de conquista (BOFF, 2003, p.20).
Esse é o pensamento pós-moderno
94
característico dessa época, que entende tudo
como espo para conquista, voraz e insaciável
95
. O pensamento pós-moderno
96
entende a
si mesmo como justificativa e solução mediadora das diferenças, instituindo novos sentidos
e novas linguagens.
Para enfrentar esse descalabro humano faz-se urgente uma revolução ética, mais
que uma revolução política, despertar um sentimento profundo de irmandade e de
familiaridade que torne intolerável essa desumanização que imprecam os vorazes
dinossauros do consumismo de continuarem em seu vandalismo individualista. Precisa-se
de uma ética que se solidarize com todos esses caídos, abandonados e esquecidos.
94
Termo ainda contestado, por muitos autores quanto o emprego da palavra “pós -moderno”, se questiona se
realmente a pós-modernidade existe ou ela é um braço da modernidade individualista.
95
“Já conquistamos 83% da Terra e nesse afã a devastamos de tal forma que ela ultrapassou em 20% s ua
capacidade de suporte e regeneração” (BOFF, 2003, p.20). “Vivemos tempos de grande barbárie, porque é
extremamente parca a solidariedade entre os humanos. 1.4 bilo de pessoas vivem com menos de um dólar
por dia. Dois terços destes são constituídos pela humanidade futura: crianças e jovens com menos de 15 anos,
condenados a consumir 200 vezes menos energia e matérias-primas do que seus irmãos e irmãs norte-
americanos. Mas quem pensa neles? Os países opulentos não têm o mínimo senso de solidariedade, pois
destinam menos de 1% de sua riqueza interna para debelar este flagelo” (BOFF, 2003, p.53).
96
O pensamento pós-moderno se constitui dentro de ts valores: a racionalidade, o individualismo e o
experimentalismo.
131
Segundo Paulo Freire, no discurso do pensamento moderno fala muito em ética,
mas esconde que a sua ética é a ética do mercado, não a ética universal do ser humano,
que, pela opção de ser gente, deve-se lutar bravamente:
O discurso da globalização astutamente oculta ou nela busca penumbra a
reedição intensificada ao máximo mesmo que modificada, da medonha
malvadeza com que o capitalismo aparece na história. O discurso ideológico da
globalização procura disfarçar que ela vem robustecendo a riqueza de uns poucos
e verticalizando a pobreza e a miséria de milhões. O sistema capitalista alcança
no neoliberalismo globalizante o máximo de eficiência de sua malvadez
intrínseca (FREIRE, 1996, p.128).
No pensamento pós-moderno, ninguém é levado a construir algo em comum. A
única coisa em comum que resta é a guerra de todos contra todos em vista da sobrevivência
individual, pensamento desenvolvido dento das salas de aula. O liberalismo incute a
necessidade da competição.
Neste contexto, quem vai cuidar do ser humano, de seu destino, da morada humana
coletiva, a Terra? Como diz Boff (2003, p. 64), o neoliberalismo é surdo, cego e mudo a
essa questão fundamental. E seria contraditório, pois defende políticas contrárias ao bem
comum. Cita-se a carta da terra
97
, que reproduz o momento preocupante que se encontra a
humanidade:
Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que
a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada
vez mais interdependente e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes
perigos e grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer que no
meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma
família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos
somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito
pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa
cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da
Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande
comunidade da vida, e com as futuras gerações (Disponível em:
http://www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/_arquivos/carta_terra.doc
97
Carta da Terra
será o equivalente à Declaração Universal dos Direitos Humanos, apropriada para os
tempos atuais. Será um documento baseado na afirmação de princípios éticos e valores fundamentais que
nortearão pessoas, nações, estados, raças e culturas no que se refere ao desenvolvimento sustentável com
eqüidade. Ela será proclamada pelas Nações Unidas nos primeiros anos do Século 21.
www.paulofreire.org.
132
A modernidade é a ruptura, um discurso de unidade da pretensão de universalidade
contra um discurso que tenta articular o mundo como totalidade, capaz de abranger todas
as dimensões do real, “construída dentro de ts valores: a racionalidade, o individualismo
e o experimentalismo” (GUARESCHI, 2003, p.151).
Segundo Guareschi, o pensamento liberal minou as estruturas da sociedade anterior
às classes especificas, a nobreza, aristocracia, poderes e benefícios hereditários. A grande
virada com o liberalismo que surge está baseada no individualismo, e, tendo o indivíduo
como centro, de que as coisas não ocorrem naturalmente, traduzir a necessidade de
barganhar, impor desafios, dando um sentido de um prélio constante. Esse pensamento não
ficou só restrito ao campo político ou econômico, ele se expandiu por todos os segmentos,
chegando ao Estado e à educação
98
.
Esse pensamento e a prática neoliberal chegam a um individualismo exacerbado
que se transformou em uma “selvageria” econômica, incutindo uma mentalidade de “quem
pode mais, chora menos, “cada um por si”, cuidando do seu e ninguém por todos.
O liberalismo cria modelos e linguagens. Sua influência está presente na educação e
na família, evidenciando alterações enormes na relação entre pais e filhos, como
ambivalências, individualismo, valores, e a interferência na construção da personalidade.
Existe também nas relação escolares, entre professor e aluno e entre este e os colegas. Uma
valorização exacerbada no consumismo na competição uma verdadeira guerra pela
sobrevivência. “A construção da personalidade de uma pessoa se dá na e a partir da relação
com outra e não como um átomo isolado, determinado de dentro para fora. [...] o
liberalismo que prega um tipo de relação em que cada um se guia por si sem depender do
outro [...]” (GUARESCHI, 2003, p.154).
Segundo GUARESCHI, vive-se hoje uma época ainda marcada por uma censura
camuflada, talvez muito pior do que aquela divulgada amplamente, porque ela o só inibe
o ser humano ao silêncio aterrador, como também ao conformismo de fazer acreditar,
aceitar passivamente na “nulidade” da capacidade de ser, pensar e agir.
Hoje o homem enfrenta uma realidade em que a ética parece uma palavra
esquecida no campo social por grande parte da população, outros substitutos de benefícios
econômicos a grupos minoritários da sociedade passam a ter maiores espaços e defendidos
98
“Isso foi assim em todos os campos. [...] No campo político, começaram as revoluções, c omo é o caso da
Revolução Francesa. No campo econômico, isso fica mais claro ainda no fundamento legitimador que dá
sustento ao capitalismo, expresso pelo lema: “laissez -faire, laissez-prasser”, isto é, deixe fazer, deixe passar.
Ninguém deve interferir. Nem mesmo o Estado. A única tarefa do Estado é cuidar pra que ninguém tire as
coisas dos outros. Estado mínimo. Mas o que é meu, é meu e ponto final” (GUARESCHI, 2003, p.152).
133
pelos beneficiados. Nessa mesma ótica de pensar se instaurou o jeito de levar vantagem”,
o jeitinho para resolver contratempos” em qualquer segmento da sociedade nos mais
diversos grupos sociais, a lei do menor esforço, do descaso, da insensibilidade.
Fica a impressão de que um egocentrismo atroz ocupou o interior de cada cidadão
e originou toda a atual miséria das relações. O outro estranho a mim, políticas
governamentais, as organizações públicas e privadas a responsabilidade, romperam-se
relações de cooparticipação, de solidariedade.
Esse quadro social, aparentemente irreversível, pode ser transformado através da
educação uma educação com um caráter ético humanístico. Ela tem o poder de iniciar em
sala de aula a mudança, a formação de um novo homem mais humano e ético.
Quando falo em educação como intervenção me refiro tanto a que aspira a
mudanças radicais na sociedade, no campo da economia, das relações humanas,
da propriedade, do direito ao trabalho, à terra, à educação, à saúde, quanto a
que, pelo contrário, reacionariamente pretende imobilizar a história e manter a
ordem injusta (FREIRE, 2004, p.109).
É o momento de unir as ciências e fazê-las instrumentos eficazes na busca de
relações humanas mais qualitativas e menos egstas. É tempo de admitir as falhas e
enxergar o quanto insustentável está a situação existente. Nenhuma mudança virá num
“passe de mágica”, mas desenvolvendo desde cedo nas crianças nos jovens, nas escolas
uma reflexão, isto é, a capacidade de pensar com autonomia e confiança em si mesma.
Uma reflexão que leve à ação, a partir de seu mundo, a partir da sala de aula. Uma refleo
que converta as relações do homem em relações éticas e humanas.
134
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa surge a partir da reflexão sobre o comportamento humano
contemporâneo. Uma série de questionamentos e de indagações não respondidas conduziu
à pesquisa e à reflexão do comportamento humano e de seus valores.
Esta pesquisa não respondeu a todas as questões levantadas; elas, porém, serviram
como elemento norteador. Muitas perspectivas e campos de investigação ficaram abertos,
ficando um convite para novas pesquisas e aprofundamento.
A temática educação, homem, mundo é altamente complexa e ampla, portanto o
foco da pesquisa fixou-se no entendimento de ser o humanismo uma concepção ética da
educação na contemporaneidade.
Procurou-se aqui abordar o humanismo como um jeito de ser, um modo de ser que
acontece no fazer humano, no constituir-se humano, estabelecendo referenciais éticos na
construção de uma sociedade menos desigual.
Outro aspecto importantíssimo que norteia este trabalho é a consciência de ser, do
ser humano inacabado, um connuo processo de aprendizagem, o poder de refletir sobre si
mesmo, de buscar, da construção de seu mundo e de suas relações, o saber de que se pode
ir além. A educação como possibilidade do deixar ser, isso é uma característica própria do
humanismo, também presente em muitos momentos da história da humanidade.
No intuito de entender a educação como uma importante aliada na construção de
um mundo mais digno para todos, buscou-se entender os fundamentos da racionalidade
iluminista e a conseqüente razão tecnológica instrumental que se mantém até os dias de
hoje como forma de compreensão e intervenção na realidade.
Também se buscou um estudo dos textos clássicos com o intuito de entender um
dos muitos momentos da construção do pensamento da humanidade e sua diversidade
135
estrutural, tendo com isso uma visão do passado possibilitando passos mais claros para um
futuro da educação.
Os diversos referenciais teóricos abordados vão abrir possibilitaram a compreensão
do sentido humano, o possibilitar que em muitas ações praticadas pelo homem nos dias
atuais são respostas de uma conjuntura histórica, não são fatos isolados necessita estar
atento ao ocorrido. Com isso, muitas das diversas “criseshumanas, sejam elas de ordem
sociais, políticas, econômicas tem alguma relação com ões e opções feitas pelo homem
ao longo da história.
Compreendeu-se na dissertação que o homem é temporalidade, isto é, que ele é e se
faz nas ações e situações provocando uma cadeia de fatos subseqüentes proveniente de sua
concepção de mundo, isto é sua razão e vontade. O sujeito não age automaticamente,
existe uma justificativa para seus atos, o diferencial está na liberdade de decidir e agir sem
a submissão. Portanto percebe-se que a modernidade ao mesmo tempo em que cria
situações de engessamento nos múltiplos campos da ação humana que é próprio de um
sistema neoliberal, também propicia condições favoráveis para a critica e a compreensão,
necessitando ai a intervenção da educação. E a ação educativa é um ato de minar a
uniformidade de pensamento da compreensão do mundo no qual vivemos e podemos
transformar.
Compreendeu-se que, apesar dos atos de atrocidades cometidos na história, desde
os gregos e romanos antigos, e nos diversos processos de colonização como também nos
incessantes conflitos que eclodem a todo momentos por inúmeros motivos ao redor do
planeta, o humanismo é um projeto de valores dignos, e as ações impróprias, recriminadas,
detestadas pela humanidade, o invalidam o cultivo desse ideal.
A pesquisa transitou entre os temas Modernidade, Pós-Modernidade, Globalização
com o intuito de compreender a velocidade das mudanças tecnológicas e econômicas, uma
intrincada rede de relações que afeta a todos.
O homem é protagonista de uma história com a característica de mudanças rápidas,
de atitudes e comportamentos dimicos e velozes. Nesse sentido, se faz necessária uma
ação com a mesma dinâmica, valendo-se de parâmetros justos e éticos. Urge, na atual
conjuntura, uma leitura da história e do ambiente, visto que nos séculos XIX e XX o
equilíbrio entre formação racional, prática e humana foi mal estabelecida. Sobre essa
perspectiva de releitura da história e do ambiente, pode-se sugerir que uma educação de
qualidade para todos deve ser diferente da educação dos séculos referidos, devendo
136
abranger, ao mesmo tempo, as formações ética com práticas de justiça e dignidade aliada a
racionalidade e a tecnologia.
Considerando o modo como o mundo tecnológico invadiu as formas cotidianas de
vida, jogando o homem num ritmo frenético e transformando-o em mero espectador
passivo dos aparelhos eletrônicos, que são os mais diversos possíveis. Percebe-se por um
prisma, que isso tudo traz um relativo bem estar ao indivíduo. Isso posto, talvez soe um
pouco estranho, diante desse contexto, compreender o significado de educação do resgate
de valores para consigo mesmo e para os outros, uma educação como atitude reparadora de
perdas do sentido da vida, como protagonista de novas inserções e proposta e com
aquisições específicas em razão de conhecimentos e dos novos espaços e sentido para a
vida. Não é uma atitude saudosista de ações do passado, mas crer na possibilidade de a
educação romper o individualismo e o bem estar particular, trazendo o homem para uma
realidade de responsabilidade. E bastante alentador a posição de Kaku:
A retomada da idéia do humanismo, como movimento que resgata o ser humano
e seus valores, e tudo que a partir daí construiu-se em diversas áreas do saber
humano, a fim de continuar construindo a partir de valores humanos ou seja,
valores éticos é um resgate capital para repensar a complexidade do momento
histórico vivido pela humanidade. O estágio de coisificação do ser humano, a
perda da solidariedade em vasta parcela da população, a ausência da capacidade
transformadora de uma realidade com a aceitação impassível e conformista da
situação em vigor são indícios da naturalização da desumanidade e barbárie por
que passamos atualmente; é uma situação que não pode perdurar, sob pena de
produzir e reproduzir-se um ciclo de realimentações negativas, que levaria a
humanidade como um todo a estágios mais profundos de dor e sofrimento,
situação assistida impassivelmente por todos. Seria o maior retrocesso da
humanidade e da condição humana jamais registrada. (KAKU, 2001, 518)
O homem precisa aprender a refletir e a enxergar além das aparências, a fim de que
possa separar o “joio do trigo”, o “veneno do alimento”, aquilo que o torna “feliz do que o
torna escravo” da ganância dos que visam apenas ao culto do ter, do “poder e do prazer".
Os benefícios da evolução e do progresso da ciência e da tecnologia devem ser
dirigidos para o bem comum e não permanecer concentrados nas mãos de poucos
poderosos, que escravizam milhões de seres humanos, não lhes propiciando as mínimas
condições para uma vida digna.
Esses temas a serem feitos pelo homem está idealizado em uma educação ética,
demonstrada nos exercícios de cidadania, justiça, igualdade, de uma reflexão que envolva e
137
responsabilize o homem, possibilitando assim ações efetivas de maior dignidade humana.
Esse delineamento de temas vem dizer em parte sobre os possíveis caminhos para entender
o campo da educação transformadora, presente em um estado real, como também
idealizando um mundo humano possível.
Pôde-se perceber que humanização é reconhecer o outro como ser humano, como
potencialidade realizadora, que não se dá de maneira neutra e secundária, mas num sentido
de relações e aliança. Uma aliança com a sociedade, com a família, a escola para o resgate
dos valores de sustentabilidade do humanismo, de uma ética educacional, pelo fato de ser
por valores que nos movemos e somos.
As inúmeras reflexões e indagações sobre o humanismo geralmente resultam da
leitura de recortes e quadros sociais anti-humano, de situações que levam a
questionamentos da ações humanas. E o mais trágico nisso tudo é o fato de o humano estar
ameaçado pelo próprio humano, isto é, por uma concepção da existência humana que não
corresponde àquilo que a experiência histórica procurou alcançar, seguindo idéias de
igualdade, justiça e dignidade humana.
O que está em jogo nesse conflito não é apenas a sobrevivência de uma tradição
de pensamento. Se o conflito atual de humanismo. Se o conflito atual de
humanismos que disputam a hegemonia da nossa adesão for resolvido em uma
direção, s podemos ainda falar de cidadãos, de relações de cooperação, de
bens partilhados, de comunidade moral, de ideais de justiça e de felicidade, esta
entidade como a realização das cidades e aspirações dos indivíduos e das
comunidades vivendo solidamente, como disse Celso furtado. Caso contrário, só
nos resta prepararmo-nos para sucumbir aos novos bárbaros que já não estão do
outro lado da fronteira, mas que nos governam há alguns anos. (PERINE, 2001,
p. 180-181).
Uma das grandes falhas do mundo moderno é de ter relegado o ser humano a um
plano secundário, elegendo como prioridades o lucro, o poder, o prestígio, isto é, vãos
valores tornando o homem vazio de si mesmo e de significados para a vida, ofuscando as
noções de liberdade, felicidade e da verdadeira educação.
Na modernidade, a globalização coloca em xeque o humanismo, pelo seu sistema
individualista, centralizador, que rompe a diversidade cultural e as diferenças,
substituindo-o por uma característica universal niveladora. Segundo Perine:
138
o desafio que se coloca no umbral do século XXI é nada menos do que mudar o
curso da civilização, deslocar o seu eixo da lógica dos meios a servo da
acumulação, num curto horizonte de tempo, para uma lógica dos fins em função
do bem-estar social, do exercício da liberdade e da cooperação entre os povos.
Devemos nos empenhar para que esta seja a tarefa maior dentre as que
preocupao os homens no correr do próximo século: estabelecer novas
prioridades para a ação política em função de uma nova concepção do
desenvolvimento, posto ao alcance de todos os povos e capaz de promover o
equilíbrio ecológico. O objetivo deixaria de ser a satisfação das necessidades
fundamentais do conjunto da população e a educação concebida como
desenvolvimento das potencialidades humanas nos planos ético, estético e da
ação solidária. (PERINE, 2001, p. 179)
Conclui-se que o humano só é concebível na multiplicidade dos humanos e em
nenhum outro lugar. O humanismo é uma concepção de homem que se dá nas diversas
relações, um “modo de ser”, um “jeito de ser no mundo”, Um jeito de agir livre e com
dignidade, opondo-se aos anti-valores anti-humanos, que cria fornecedores e usuários
vistos como mercadorias no modelo de globalização neoliberal em curso.
É exatamente por isso que hoje, mais do que nunca, a principal questão básica da
educação volta-se para o processo de constituição do humano. Somente podemos
responder quem somos, nós, os seres humanos, se tivermos presente que não
nascemos humanos, mas que nos tornamos humanos pela
educação.(BOMBASSARO, 2005, p. 13).
O tornar-se humano é a maneira de ser do homem, a maneira de viver. Como diz
Bombassaro, “não nascemos humanos, nos tornamos humanos na convivência. Tornamos
humanos na medida em que, para além de nossa constituição biológica, crescemos numa
determinada maneira de viver dentro de uma comunidade humana” (2001p. 60).
Os homens são seres de relações, e é nessa analogia que acontece a ética, a ética é
afinidade com o outro, é nas relações que se constituem como seres humanos, e constroem
um mundo propriamente humano. Segundo Paulo Freire (1996, passim), a prática denuncia
o que o homem é. Para o professor, não é possível existir a ruptura entre teoria e prática,
assim como também não é possível ser a favor do homem adotando concepções e idéias
contrárias. Isso a princípio, enquanto a favor da dignidade, da justiça, ética, da democracia,
o professor mantém um comportamento contrário qualquer forma de discriminação e
dominação. Com essa postura é a favor da esperança e contra o desengano. Para um
educador é imprescindível a coerência entre o que se diz e o que se faz.
139
Tem-se conhecimento do avanço tecnológico da modernidade, das inúmeras
práticas e idéias equivocadas que se apresentou na forma de tempos de superação, de
todas as descobertas e necessidades humanas, mas tamm a época da destruição do
próprio habitat na qual o ser humano vive e, por extensão, a época que instaura a
possibilidade da destruição do próprio homem.
No entanto, uma educação humanística requer a valorização humana, da
diversidade cultural e do ecossistema. É preciso redescobrir, reinventar o homem, o
humano, a fim de não sucumbir à reificação de um mundo globalizado que acentua o
econômico, a fragmentação e a exclusão. O avanço tecnológico em nenhum momento se
colocará a serviço de liberdade, igualdade e consciência social se não houver a intervenção
da consciência humana.
No movimento da história percebe-se a necessidade da educação continuada devido
ao crescimento exponencial do conhecimento, que multiplica-se a passos largos,
determinando que haja cada vez mais conceitos e procedimentos que devam ser aprendidos
e desaprendidos ao longo de uma vida.
A dinâmica do mundo de hoje aponta para uma nova estrutura necessária ante as
mudanças no processo de conhecimento, sinaliza para uma formação connua, tanto em
sentido profissional como tamm no aprendizado, suscitando novas formas de perceber,
conhecer e de relacionar-se. A educação permanente possibilita uma interação com as
novas linguagens, reduzindo os conflitos, possibilitando uma menor defasagem dos
conteúdos a serem apreendidos, reduzindo possibilidades de distanciamento e
desigualdades.
O processo de construção de uma educação humanística não termina nunca.
Quando avançamos alguns passos, o objetivo se afasta, porque o mundo se modifica, as
demandas aumentam e as relações ganham novas linguagens. No entanto, é possível
produzir um tipo de radiografia a cada momento. A radiografia atual pode mostrar que, no
caminho, existem algumas heranças perigosas e determinados indícios alentadores.
Na perspectiva educacional para as universidades, se pensa serem elas uma real
possibilidade da gestação e construção de espaços éticos e dignos. Ela é composta por
seres humanos que interagem em um processo dinâmico, contínuo e interdependente,
ocorrendo, contudo de em muitos momentos agirem criando algumas lacunas que
marginalizam e relegam o ser humano a partir da lógica do mercado. Essa lacuna, porém,
pode ser transposta por um processo educativo que vislumbre o futuro, permitindo que as
140
crianças, adolescentes e jovens transcorram as fases da vida de forma plena e ética,
desenvolvendo uma atitude ativa na busca do ser humano saudável.
Há a necessidade de a educação ter alguns princípios de ação, e, segundo Piaget
(1996, p. 02), uma educação com espírito de disciplina, isto é, um sistema de regras, uma
educação que cultive a solidariedade, uma educação que propicie autonomia e liberdade.
Segundo Both (2005, p.7), uma educação que possibilite a releitura dos conteúdos e dos
mundos, que promova o cuidado ao possibilitar o conhecimento, o hábito e a ação. Uma
educação como forma de comprometimento e de responsabilidade para consigo e para com
os outros, resultando, assim, no cuidado mútuo. Uma educação como forma de
emancipação na vida escolar, despertando para o exercício da cidadania e o senso de
responsabilidade. Uma educação como forma de buscar uma melhor qualidade de vida
frente à dinâmica do mundo, dando capacidade de cada ser atingir seu objetivo.
Foi constatado nos referenciais teóricos que a civilização trouxe para o homem uma
série de problemas com os quais ele tem de conviver, dando sentido aos novos “valore s.
Há de existir em momentos de sua vida, a começar pela escola, uma reflexão desse novo
homem que se faz, desse jovem de hoje, adulto de amanhã, modelo e ação de uma
sociedade que acontece. Os modelos de justiça, de ética, de dignidade humana deverão ser
cultivados, acreditando que a educação trabalhe a partir da realidade do aluno e que
proceda a práticas críticas e transformadoras, para que seja possível se levar a sério uma
educação humanística.
Estar na luta por um mundo melhor, mais justo, humano e ético, esse é o desafio da
época. É o desafio da educação. Portanto, o momento seria de reinterpretar e redefinir o
conhecimento humano, estabelecendo as bases do conhecimento experimental como as
bases de todo o conhecimento, isto é, uma educação planetária, desde que exercidas com o
vivo sentimento do seu uso e sua conseqüência humana.
a educação que move a escola porque é a sua seiva vital, transformado-a em
centro cultural de articulação social, caracteriza-se como centro do fazer ciência,
arte, potica, ética, comunicação com várias linguagens, [...] construir uma
convivência solidária, pela crítica e superação dos conflitos (ALBUQUERQUE,
2005, p.332).
A educação vem sendo colocada no centro da modernidade, aí é que reside a
esperança, a utopia de o conhecimento possibilitar o viés ético-ontológico-humanístico.
141
A sala de aula é um espo propício para o desenvolvimento da sensibilidade, da
dignidade, da ética e da justiça no ser humano, sendo necessário, para tanto, o professor e a
escola terem as habilidades e estratégias para o desenvolvimento das atividades formativas,
o que irá desencadear uma ação pedagógica crescente.
A sala de aula como um espaço produtivo e interativo, segundo Both, permite que o
saber seja construído coletivamente, respeitando a diversidade dos sujeitos envolvidos,
pelo confronto e intercâmbio das experiências e vivências, pela análise da realidade como
participante ativo, estimulando o conscientizar e o agir. O tomar consciência possibilita
tanto transformar-se como ser agente de transformação (2005, p. 06).
Pode se dizer que a educação é um instrumento fundamental para a formação de
hábitos que resultarão em ações em prol do humano. Sem a educação as ações ficariam
avulsas e sem consistência; através dela, molda-se e idealiza-se um jeito humano de ser
um jeito de ações éticas, resultado de longa “preparação” desde a infância, por meio do
diálogo reflexivo, de relação com o outro. Ações de dignidade, de justiça, são resultados de
um processo formativo que acontecem também na escola. As pessoas precisam ser
educadas a se relacionar dialogicamente. Segundo Piaget, “nenhuma realidade moral é
completamente inata” (1996, p.02).
o é possível falar em educação sem vislumbrar o papel que ela desempenha para
situar o homem como sujeito histórico, consciente do seu lugar no mundo e crítico o
bastante para nele intervir.
o é possível pensar uma educação ética sem haver a participação de todos,
criança, professores, família, sociedade. Assim como também as perspectivas
educacionais, os projetos da escola. O projeto educacional ético não pode se desenvolver
de forma unilateral, como diz Piaget:quando há cooperação, há responsabilidade
subjetiva e julgamento em função das interações” (1996, p.07). E, ainda mais, as reflexões
éticas amparadas de ações éticas têm possibilidade de viabilizar uma consciência da
construção de um novo caminho.
Conforme Bombassaro (2001, P. 79), que em cada uma das universidades e escolas,
que em cada sala de aula, em cada disciplina, possam se transformar os valores do
humanismo em uma forma de vida. Isso pode não parecer uma proposta ousada, mas ainda
continua sendo um autêntico desafio. É um começo, um sonho pequeno, todavia urgente e
real.
Paulo Freire esteve sempre preocupado com a humanização, portanto, em suas
obras, está presente uma leitura da humanização do homem, não assistencialista, mas uma
142
humanização no sentido de se colocar no lugar do outro, no lugar do oprimido, do
injustiçado. Sempre voltado para a liberdade do homem, ele escreveu:
O sonho pela humanização, cuja concretização é sempre processo, e sempre devir,
passa, pela ruptura das amarras reais, concretas, de ordem econômica, política, social,
ideológica etc., que nos estão condenando à desumanização. O sonho é assim uma
exigência ou uma condição que se vem fazendo permanente na história que fazemos e que
nos faz e refaz (FREIRE, 1996, p.99).
Segundo Both (2005, p.2), a escola é o espaço oportuno para refletir sobre a
posição social que velhos e crianças ocupam na sociedade brasileira e desenvolver, nos
sujeitos envolvidos, a criticidade de si mesmo e da realidade que vivenciam, bem como o
uso da criatividade para a elaboração interna de conceitos, através da conscientização e do
comprometimento pela vida. Isso revela a necessidade da implementação de novas
pedagogias, tendo a escola como um espaço aberto para uma prática educativa
participativa e dialógica que permita a reflexão sobre a realidade vivida, com a finalidade
de que crianças e jovens, ao desenvolverem uma consciência crítica, sejam construtores
ativos da sociedade em que vivem. Para tanto, a escola deve estar articulada com a vida
social, econômica e política do país, aproximando o ensino ao contexto em que está
inserida e à vida do grupo a que está integrada.
Portanto, a educação humanística, numa dimensão ética na contemporaneidade, é
construída sobre valores e ideais que ultrapassam o conhecimento que está situado nas
esferas do saber, do pensar e do julgar. Ela acontece na ação e na relação de tornar-se
humano, sendo a educação uma via permanente voltada para a realidade da vida. Sem os
alicerces de uma educação básica profissional adequada, não se pode reestruturar as formas
de trabalho, de produção, de lazer, de organização social.
O tipo de homem contemporâneo que a sociedade precisa, é um homem ético, essa
ética deve ser visualizada na maneira de observar, de captar problemas que eso a sua
volta, na forma de pensar as possibilidades de solução, seja na educação, na família, no
trabalho, no clube, em qualquer lugar. O resgate do ser humano como valor, para am de
uma retomada do individualismo egoístico que marca os tempos mais recentes da história
da humanidade, é a retomada do humano enquanto humano valor e que pertine diretamente
aos seus sentimentos, afetos, razão etc., num resgate ético e contraponto da coisificação
existencial do ser humano [...]. (KAKU, 2001, p. 524) diante perda de sentido,
possibilidades e utopias.
143
A dignidade da pessoa humana é algo que deve ser considerar sempre e, é esta
condição que deve mover leva à ão; a cada novo passo, uma nova caminhada, a cada
nova caminhada, um novo obstáculo e, a cada novo obstáculo, uma nova conquista. Isto é
uma concepção Ética de humanismo: Reconhecer a dignidade de pessoa humana e a partir
daí identificar um modo de ser, um jeito de ser humano.
Esta dissertação compreendeu a ética como sendo a linha norteadora do
comportamento, ou melhor, de uma forma humanística de comportamento. E, nesse
comportamento, a ética não se apresenta como um conjunto de elementos e nem é como
categoria, dado o distanciamento da sociedade e da educação. Ela é bem mais abrangente.
A ética se configurou como um processo de construção do homem.
A ética é uma concessão que orienta atitudes humanísticas.
144
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