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UNIVERSIDADE PAULISTA
PROGRAMA DE MESTRADO EM COMUNICAÇÃO
CARLA MARIA OSÓRIO DE AGUIAR
IMAGENS DA INTOLERÂNCIA NA MÍDIA
Apropriação dos Elementos da Cultura Negra pela Igreja
Universal do Reino de Deus na Configuração dos
Programas Religiosos da TV Record
São Paulo
2007
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CARLA MARIA OSÓRIO DE AGUIAR
IMAGENS DA INTOLERÂNCIA NA MÍDIA
Apropriação dos Elementos da Cultura Negra pela Igreja
Universal do Reino de Deus na Configuração dos
Programas Religiosos da TV Record
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado em Comunicação da Universidade
Paulista, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em
Comunicação, na área de concentração
Comunicação e Cultura Midiática
Orientador: Prof
a
Dr
a
Malena Contrera
Segura.
São Paulo
2007
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CARLA MARIA OSÓRIO DE AGUIAR
IMAGENS DA INTOLERÂNCIA NA MÍDIA
Apropriação dos Elementos da Cultura Negra pela Igreja
Universal do Reino de Deus na Configuração dos
Programas Religiosos da TV Record
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Comunicação da Universidade
Paulista, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Comunicação,
na área de concentração Comunicação e Cultura Midiática.
Aprovado em, de 2007.
Comissão Examinadora
_________________________________________
Prof
a
Dr
a
Malena Contrera Segura
Universidade Paulista
Orientadora
_________________________________________
Prof
a
Dr
a
Carla Reis Longhi
Universidade Paulista
_________________________________________
Prof. Dr. Muniz Sodré Cabral
Universidade Federal do Rio de Janeiro
4
Aos meus pais Carlos Alberto Ozório de
Aguiar e Nayr Caliaro de Aguiar e ao meu
querido filho Igor Osório Sant’anna.
5
Agradecimentos
Aos Deuses do Orun.
A minha querida família pela paciência e incentivo. Ao meu filho Igor por iluminar os
meus dias.
A Mãe Stella e a todos os filhos do Ilê Axé Opô Afonjá pelo aprendizado, carinho e
amizade. A Mestre Didi e Juanita pela troca de experiências.
Aos amigos intelectuais Hédio Silva, Hélio Santos e Maria de Lourdes Siqueira, com
quem muito aprendi sobre a comunidade negra brasileira.
A Bernadette Lyra, sempre amiga e incentivadora.
Ao casal Otávio e Lurdinha pela acolhida em São Paulo.
A minha orientadora Malena Contrera por acreditar nesta idéia e pelo apoio
dispensado.
Aos meus amigos de turma e professores da UNIP.
Aos meus amigos do Espírito Santo.
Sinceramente, muito obrigada.
6
RESUMO
Este trabalho se propõe analisar os programas Mistérios e Casos Reais, exibidos
respectivamente, pela TV Record (SP) e sua afiliada na Bahia, TV Itapoan, na grade
de programação da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). O objetivo é
identificar as estratégias de comunicação utilizadas na apropriação e
recontextualização dos elementos culturais das religiões afro-brasileiras pela IURD,
através dos programas de televisão. Na apropriação do universo sagrado das
religiões de matriz africana pela programação religiosa da IURD, exibida pela TV
Record e afiliadas, ocorre, na configuração da linguagem desses programas, uma
transformação dos elementos constituintes da cultura negra em imagens portadoras
de uma mensagem de intolerância religiosa. Devido à profusão de trabalhos
acadêmicos desenvolvidos sobre o tema, tanto nas ciências sociais quanto na
comunicação, foi imprescindível um levantamento bibliográfico atualizado a cerca do
objeto pesquisado. Para a análise dos programas da TV Record, que teve como o
objetivo identificar os elementos da cultura negra apropriados pela Igreja Universal
do Reino de Deus e a sua reelaboração em espetáculo televisivo, recorremos aos
estudos da comunicação, nos campos específicos da cultura e da mídia. Após uma
análise sistemática dos programas religiosos da TV Record, foram selecionados e
gravados para compor o corpus da pesquisa, os programas Casos Reais e
Mistérios, ambos exibidos em canal aberto. Para análise dos programas
selecionados fizemos uma decupagem da técnica (trilha sonora, vinhetas, edição de
imagens e as narrativas) com o objetivo de entender as estratégias de comunicação
utilizadas. A decupagem vem acompanhada da identificação e análise dos usos dos
elementos simbólicos da cultura negra na propaganda religiosa da IURD. Como o
projeto trata de um tema que está envolvendo a sociedade civil organizada também
foi usada como fonte de pesquisa a Ação Civil Pública proposta pelo Ministério
Público Federal e organizações não-governamentais, pedindo direito de resposta
coletivo aos programas religiosos, que enfocam de maneira discriminatória os cultos
afro-brasileiros, exibidos pelas emissoras de TV Record e Rede Mulher. A pesquisa
também acompanhou pela imprensa nacional a repercussão sobre o tema, utilizando
as matérias como fonte de pesquisa para a discussão. No primeiro capítulo deste
trabalho serão apresentados os conceitos que abarcam objeto de pesquisa e o
7
referencial teórico dos estudos da cultura e da mídia que vão fundamentar a análise.
Serão traçados também um breve histórico do movimento neopentecostal, com
destaque para Igreja Universal do Reino de Deus e como também das religiões de
matriz africana no cenário religioso brasileiro. O segundo capítulo traz a análise dos
programas Mistérios e Casos Reais, exibidos pela TV Record, na grade de
programação da IURD. Partes representativas da decupagem técnica dos
programas, contendo os elementos visuais e as falas dos participantes, foram
utilizadas de forma descritiva no corpo do trabalho para o melhor entendimento do
nosso objeto de estudo. O objetivo é identificar as estratégias de comunicação
utilizadas na apropriação e recontextualização dos elementos culturais das religiões
afro-brasileiras na configuração dos programas religiosos da IURD. No terceiro
capítulo fazemos uma discussão sobre intolerância religiosa no contexto legal e a
reação da sociedade civil frente ao discurso da IURD contra as religiões de matriz
africana. Para concluir este capítulo trataremos do jogo cultural que estabelece nas
relações de disputas pelo espaço social, entre a IURD e as religiões de matriz
africanas, e o papel dos meios de comunicação, em especial da televisão, nesta
questão.
8
ABSTRACT
This work intends to analyze the TV shows Mistérios and Casos Reais, exhibited
respectively by TV Record (SP) and their partner in Bahia, TV Itapoan, as part of
Igreja Universal do Reino de Deus (IURD)’s regular scheduled programs. Our
objective is identifying the communication strategies used in the appropriation and re-
conceptualization of cultural elements from African-Brazilian religions by IURD
through TV shows. In the appropriation of the sacred universe of religions of African
nature by IURD’s religious programs, shown by TV Record and partners, it occurs, in
those shows’ language configuration, a transformation of the African culture elements
into images that bear a message of religious intolerance. Due to the great number of
academic works developed over this subject, both under social sciences and
communication, it was vital to gather an updated bibliography on the researched
subject. For the analysis of TV Record’s shows, which intended to identify the
elements of African culture used by Igreja Universal do Reino de Deus and their
reconfiguration into television spectacles, we turned to the studies of communication
in the specific fields of culture and media. After thorough analysis of TV Record’s
religious shows, we selected and recorded Casos Reais and Mistérios to compose
the research’s body, both currently exhibited on open channels. In order to analyze
the selected shows we performed a frame-to-frame analysis of their technical
aspects (soundtrack, signatures, image edition and narrative) with the intention of
understanding the different communication strategies used. This frame-to-frame
analysis is followed by the identification and analysis of the symbolic elements of the
African culture in religious propaganda at IURD. As the project deals with a subject
that involves the common civil society, it was also used as a research source the
Public Civil Action presented by the Federal Public Ministry and some Non-
Governmental Organizations, requesting collective right of reply concerning religious
programs at TV Record and Rede Mulher that depict African-Brazilian cults in a
prejudicious way. The research process also followed the repercussion of the subject
on the national media, using the reports as sources for discussion. In the first chapter
of this work piece it will be presented the concepts that involve the research object
and the theoretical reference of the studies of culture and media that will be the basis
for the proposed analysis. A brief history of the neo-Pentecostal movement will also
9
be described with emphasis on the Igreja Universal do Reino de Deus and African
religions in the Brazilian religious scenery. The second chapter brings an analysis of
the shows Mistérios and Casos Reais, exhibited by TV Record, as part of IURD’s
scheduled programs. Pivotal segments of the program’s technical frame-to-frame
analysis bearing visual elements and participants’ dialogues were used in a
descriptive way in the body of the work, for better a understanding of our object of
study. The objective is identifying the communication strategies used in the
appropriation and re-conceptualization of the cultural elements from African-Brazilian
religions in the configuration of religious shows at IURD. In the third chapter we
discuss religious intolerance in a legal context and the reaction of the civil society
before IURD’s speech against African-Brazilian religions. To conclude this chapter
we will deal with the cultural game that is established in the relationships of dispute
for social space, between IURD and the African-Brazilian religions, and also the
media’s responsibility, particularly the TV channels’, in this matter.
10
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ......................................................................................
11
1 A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS E AS RELIGIÕES DE
MATRIZ AFRICANA ....................................................................................
15
1.1 Os dois lados da moeda - definindo o objeto de pesquisa .................
15
1.2 A busca da prosperidade e a parceria entre Deus e o Diabo no
movimento neopentecostal ...................................................................
17
1.3 A IURD: um fenômeno religioso e político ............................................
23
1.4 A IURD: um fenômeno midiático ...........................................................
31
1.5 Diáspora negra: as religiões de matriz africana no Brasil ...................
40
1.6 A indústria cultural: do popular ao massivo .........................................
49
2 A SESSÃO DO DESCARREGO .................................................................
52
2.1 Mistérios: as estratégias de comunicação da IURD na TV ..................
52
2.2 A apropriação do universo religioso afro-brasileiro ............................
61
2.3 O Vale do Sal: a Sessão do Descarrego em São Paulo
........................
69
2.4 O Demônio no Tapaué: a Sessão do Descarrego na Bahia .................
79
3 A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA ..................................................................
90
3.1 A mídia a serviço da fé: o contexto jurídico e reação da
sociedade civil .........................................................................................
90
3.2 Devorados ou devoradores? ..................................................................
105
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .........................................................................
114
5 REFERÊNCIAS ............................................................................................
118
ANEXO A - AÇÃO CIVIL PÚBLICA MATÉRIAS JORNALÍSTICAS ..............
124
ANEXO B - MATÉRIAS JORNALÍSTICAS .....................................................
167
ANEXO C - DVD COM OS PROGRAMAS DA TV RECORD .........................
11
APRESENTAÇÃO
O espetáculo televisivo da intolerância
Na disputa por mais fiéis os meios de comunicação de massa se tornaram um
poderoso aliado de evangelização das igrejas neopentecostais. As chamadas
“igrejas eletrônicas”, que surgiram nos Estados Unidos e se difundiram no Brasil
desde o início da década 1980, hoje realizam transmissões ao vivo de cultos
religiosos e programas de evangelização.
Numa demonstração do seu poder econômico e político a Igreja Universal do Reino
de Deus (IURD) assumiu a Rede Record de televisão em 1989, por 45 milhões de
dólares. A TV, que disputa espaço na audiência com outras grandes emissoras do
país, como a Rede Globo e o SBT, exibe diariamente além dos telejornais,
teledramaturgias e programas infantis, uma programação reservada à Igreja
Universal do Reino de Deus, que inicia a partir das 23 horas e segue por toda a
madrugada.
Os programas religiosos da TV Record não se contentam em pregar a doutrina
evangélica, como também promovem cerimônias de descarrego de fiéis, numa
alusão clara aos cultos afro-brasileiros e aos seus praticantes.
Diante da diversidade dos ataques as religiões afro-brasileiras, destacamos as
sessões de exorcismo ao demônio. É importante lembrar que, a associação do diabo
aos deuses das religiões de matriz africana é anterior as sessões de descarrego
promovidas pela Igreja Universal do Reino de Deus. A ideologia cristã vem
associando o diabo aos deuses dos chamados cultos pagãos desde a Idade Média.
Sendo assim, a TV Record exibe em programas diários ex-mães-de-encosto a
serviço da verdadeira fé, numa alusão as mães-de-santo, cargo honorífico dos
terreiros de candomblé, exorcismo de pessoas incorporadas por demônios, que são
associados aos deuses das religiões de matriz africana, como também depoimentos
12
de pessoas que deixaram as religiões de matriz africana (trevas) para integrarem a
Igreja Universal do Reino de Deus (luz).
As imagens da intolerância religiosa, exibidas para todo o Brasil pela TV Record, em
telecultos que se apropriam na realidade dos elementos rituais dos cultos de matriz
africana, merecem um estudo mais aprofundado. Afinal, estamos tratando da
televisão, um importante meio de comunicação de massa, na produção e difusão
cultural na pós-modernidade, que possui um forte potencial multiplicador dessa
intolerância.
Quando o culto sai dos templos e ganha as telas de TV entra em cena a cultura de
massa e o culto religioso se traduz em produto midiático. O espetáculo religioso
toma o lugar dos antigos ritos, os sacerdotes se transformam em estrelas de
televisão, um jogo de cena, uma estratégia mercadológica, em busca de
espectadores fiéis.
A idéia desta pesquisa surgiu a partir do conhecimento de uma Ação Civil Pública
apresentada em 2004, pelo Ministério Público Federal e por duas organizações não-
governamentais, contra a Rede Record e a Rede Mulher. Segundo a ação, ambas
emissoras exibem programas da IURD, com forte teor ofensivo às religiões de matriz
africana.
A discussão, que ganhou as páginas dos principais jornais do país, também foi parar
nos meios acadêmicos. No entanto, nos últimos anos muito foi discutido e escrito
sobre a onda do neopentecostalismo, um fenômeno recente que não para de
crescer no país, mas sobre o ponto de vista das religiões evangélicas. Neste caso, o
ataque às religiões afro-brasileiras foi tratado apenas como mais uma estratégia das
religiões neopentecostais de abarcar um número maior de fiéis.
Esta pesquisa estabeleceu como recorte teórico os elementos da religiosidade afro-
brasileira apropriados pela IURD, partindo do pressuposto que no Brasil eles
constituem um imaginário cultural, fruto da capacidade histórica de resistência das
religiões de matriz africana na disputa pelo espaço social.
13
Como parte da metodologia de pesquisa, após uma análise sistemática dos
programas religiosos da TV Record, fizemos a seleção, gravação e a decupagem
técnica os programas Casos Reais e Mistérios, exibidos respectivamente, pela TV
Record (SP) e sua afiliada na Bahia, TV Itapoan, na grade de programação da Igreja
Universal do Reino de Deus (IURD).
Na análise dos programas selecionados a decupagem da técnica (trilha sonora,
vinhetas, edição de imagens e as narrativas) teve com o objetivo dar uma melhor
visualização dos elementos a cultura midiática utilizados como estratégias de
comunicação na apropriação dos elementos simbólicos da cultura negra na
propaganda religiosa da IURD.
A Ação Civil Pública movida contra a Rede Record e a Rede Mulher, como também
as matérias jornalísticas publicadas na imprensa nacional e internacional sobre a
IURD compõem as fontes documentais desta pesquisa e foram incorporados à
discussão do tema.
No primeiro capítulo serão apresentados os conceitos que vão fundamentar a
análise do nosso objeto de pesquisa, com base no referencial teórico dos estudos da
cultura e da mídia. O referencial teórico desta pesquisa está consubstanciado
basicamente em três autores, que legaram uma expressiva contribuição aos estudos
da comunicação, Muniz Sodré, Edgar Morin e Jésus Martin-Barbero.
Ainda neste capítulo, a partir de uma revisão bibliográfica, vamos traçar um breve
histórico do movimento neopentecostal, com destaque para expansão da Igreja
Universal do Reino de Deus nos mercados religioso, político e midiático.
Este capítulo vai incorporar também uma breve referência a um terceiro programa
da IURD, Hora dos Empresários, exibido pela TV Itapoan, afiliada da TV Record na
Bahia, com objetivo de enriquecer a reflexão teórica.
O segundo capítulo se propõe analisar os programas Mistérios (SP) e Casos Reais
(BA), exibidos pela TV Record, na grade de programação da IURD. A análise destes
14
programas tem como objetivo identificar os elementos simbólicos, da cultura negra
apropriados pelos programas televisivos da IURD.
Para pensar as estratégias de comunicabilidade utilizadas pelos programas
religiosos da TV Record foi necessário recorrer também às especificidades do
veículo televisivo. A utilização dos gêneros televisivos, muitas vezes constituiu uma
chave metodológica importante para identificar a forma como os programas se
configuram. Para esta análise foi importante pensar nos dispositivos que compõem a
cultura midiática e que estruturam a mediação de massa na televisão.
No terceiro capítulo discutimos o jogo cultural que se estabelece nas relações de
disputa pelo espaço social, entre a IURD e as religiões de matriz africana, e o papel
dos meios de comunicação, em especial da televisão, nesta questão. Aqui entra em
cena a televisão cumprindo um papel privilegiado como mediadora cultural na
contemporaneidade. Ainda neste capítulo pretendemos apontar algumas formas de
resistência cultural negra e sua trajetória na conquista de legitimidade social no
Brasil.
1 A IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS E AS RELIGIÕES DE
MATRIZ AFRICANA
Quem quer que se disponha a investigar a
multiplicidade de conceitos que, como nuvens
ou moscas, pairam sobre a palavra cultura,
descobre que as muitas definições estão
determinadas, primordialmente, pela posição
ocupada pelo investigador. Ao investigador cabe
o peso e o tom do que é dito.
Bernadette Lyra
1.1 Os dois lados da moeda - definindo o objeto de pesquisa
Quando escolhemos como objeto de pesquisa os elementos da cultura negra
apropriados pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), presentes no marketing
15
religioso da IURD e exibidos nos programas de televisão da Rede Record
1
, um
poderoso meio de comunicação de massa, sabíamos que estávamos tratando de
algo complexo.
Inicialmente, porque quando falamos de cultura negra no Brasil estamos tratando de
um tema, que envolve territórios culturais transplantados da civilização africana, hoje
arraigados no nosso imaginário popular, nas nossas crenças, na nossa visão de
mundo e, por que não dizer, no nosso jeito de ser brasileiro.
Como parte da mesma moeda, a Igreja Universal do Reino de Deus, um fenômeno
religioso, político e midiático que, apesar de marcar a sua presença num tempo
histórico relativamente curto no Brasil, já demonstrou o seu poderio na disputa pelo
espaço social.
Acrescido ao valor de troca, já que estamos usando a moeda como figura de
linguagem, está a televisão e o seu papel de mediadora de culturas, saberes,
relações de poder e construtora de espaço social.
Como este trabalho vai analisar programas televisivos de cunho religioso, buscará o
seu referencial teórico em duas grandes áreas do conhecimento, os estudos de
comunicação e da cultura. Sendo assim, pretendemos percorrer alguns meandros
culturais e comunicacionais, pelos quais perpassam o diálogo religioso e midiático
estabelecido pela Igreja Universal do Reino de Deus, através dos programas
Mistérios e Casos Reais, exibidos pela TV Record, em São Paulo e na Bahia
respectivamente, com as religiões de matriz africana no Brasil.
1
Desde que passou a ser administrada pela Igreja Universal em 1989, a Rede Record de Televisão
fez várias mudanças na programação e, atualmente, concorre com o SBT pelo segundo lugar no
ranking em audiência da TV brasileira. A emissora oferece programas de música, infantis, religiosos,
além de telenovelas e telejornais. Os investimentos em equipamentos e profissionais têm sido
constantes na emissora, outro grande passo foi a implantação do núcleo de teledramaturgia. A
emissora foi fundada em 1953, conta atualmente com 98 estações afiliadas, e centenas de
retransmissoras por todo território nacional. Em 2004 foram 12 estréias de novos programas, além de
bater o maior faturamento da história da Record: R$ 500 milhões, 41% superior ao ano anterior. A
audiência também cresceu: 19% na média diária e 37% no horário nobre, segundo dados do Ibope.
Em 2006, a Record consolida a vice-liderança em faturamento publicitário e audiência, marcando um
crescimento histórico na TV brasileira. Diante desse crescimento nas verbas de publicidade e na
audiência, a emissora venceu o Prêmio Caboré (2006), um importante prêmio da propaganda
brasileira, na categoria veículo de comunicação - mídia eletrônica.
16
É importante destacar que a cultura negra, como parte constituinte do imaginário
popular brasileiro, é o resultante dos quatro séculos de presença negra no Brasil.
Sendo assim, trata-se de um repertório cultural inesgotável que vem sendo
apropriado pelos programas televisivos da IURD, com o propósito de fortalecer sua
propaganda religiosa.
Apesar de este trabalho ter como objetivo demonstrar que esse discurso auto-
referenciado, estabelecido pela IURD e mediado pela televisão, com as religiões de
matriz africana, carrega um conteúdo permeado de preconceito e intolerância
religiosa, pretendemos também abordar as formas de resistência cultural negra de
reação a mais uma tentativa de demonização e exclusão de seus valores, crenças,
frutos de sua herança cultural.
Sendo assim, o discurso da IURD apresenta referências a um binarismo, de forma a
antagonizar com o universo sagrado das religiões de matriz africana. Sendo assim,
cria-se uma visão dualista entre o bem e o mal, onde a IURD se apropria das
práticas rituais e do universo simbólico das religiões afro-brasileiras para combater,
em nome do bem, os espíritos malignos comandados pelos terreiros de candomblé e
umbanda.
Outro objetivo deste trabalho é de analisar as estratégias de comunicação utilizadas
nos programas televisivos da IURD exibidos pela Rede Record. Aqui, entram em
cena os elementos da cultura de massa, utilizados na produção dos programas,
acomodando gêneros televisivos como o melodrama, o suspense, a publicidade e
até elementos do telejornalismo. A utilização desses gêneros, muitas vezes se
mistura, a partir de um forte conteúdo melodramático, de texto e imagem, na
construção da mensagem televisiva dos programas religiosos.
Neste primeiro capítulo, vamos construir o referencial conceitual de cultura sob as
várias vertentes: cultura negra, cultura de massa e cultura popular. A partir dessas
modalidades culturais, ao longo deste trabalho, engendrar uma reflexão teórica
sobre os meios de comunicação de massa como produtores de cultura na pós-
modernidade e, a partir do nosso objeto de pesquisa, avaliar como tais meios
desempenham o papel central na valorização da diversidade ou no acirramento das
desigualdades.
17
Ainda neste capítulo vamos traçar um breve contexto histórico da IURD, com
destaque para a sua entrada no mercado empresarial da comunicação e nos
campos político e religioso. Já as religiões afro-brasileiras serão abordadas como
matriz cultural negra, irradiadoras de valores morais e estéticos.
1.2 A busca da prosperidade e a parceria entre Deus e o Diabo no
movimento neopentecostal
O movimento pentecostal é composto por denominações que migraram dos Estados
Unidos, nas primeiras décadas do século XX. O sociólogo Paul Freston (1993)
denomina as três etapas de desenvolvimento do pentecostalismo no Brasil em
ondas. A primeira onda, notadamente pentecostal, é marcada pelo surgimento da
Congregação Cristã (1910) que irá se estabelecer em São Paulo e, em seguida, a
Assembléia de Deus (1911), com sede em Belém do Pará.
Em um segundo momento histórico, destaca-se, a partir do ano de 1950, a segunda
onda pentecostal que traria milagres, curas divinas e utilização dos meios de
comunicação de massa, representada pelas igrejas: Igreja do Evangelho
Quadrangular - Cruzada Nacional de Evangelização (1953); Igreja Pentecostal “O
Brasil para Cristo” (1956); a Igreja Pentecostal “Deus é Amor” (1961); Casa da
Benção (1964); Metodista Wesleyana (1967), entre outras de menor importância.
Na terceira onda surgiram as igrejas neopentencostais: a Igreja Universal do Reino
de Deus (1977), a Igreja Internacional da Graça (1980), ambas no Rio de Janeiro, e
ainda, a Igreja Renascer em Cristo (1986), em São Paulo. Fundado por pastores
brasileiros, esse movimento religioso está centrado numa ideologia trazida também
dos Estados Unidos, a chamada Teologia da Prosperidade, que segundo Campos
(1997, p. 36) é “um conjunto de idéias formuladas nos Estados Unidos, popularizada
pelos televangelistas e por protestantes sul-coreanos, a qual valoriza e considera o
consumo de bens e serviços típicos da sociedade de consumo, como sinais visíveis
que o fiel convive com o senhor”.
18
As igrejas pentecostais possuem características que as diferenciam das igrejas
evangélicas tradicionais. Sua doutrina religiosa possui como características gerais
os dons do Espírito Santo: falar em línguas (glossolalia), de evangelização, de cura
e profecias.
Há que sublinhar que o movimento pentecostal, cuja teologia é
marcadamente fundamentalista, reinstala no culto cristão o culto do
êxtase, através do forte apelo emocional das suas reuniões. A
participação sensorial no culto se amplia, uma vez que o corpo se torna
um veículo efetivo do Espírito Santo. Assim, falar na língua dos anjos,
movimentar-se intensamente, soltar brados de aleluia passam a ser
sinais eficazes da presença divina no culto. [...] O culto pentecostal é,
em certa medida, uma desracionalização do culto protestante histórico
(KLEIN, 1999, p. 32).
Já para os neopentecostais a ênfase está no aqui e no agora, nas questões relativas
às condições econômicas e sociais, tais como adquirir bens materiais, crescimento
no prestígio social, melhoria no emprego, melhoria no relacionamento conjugal,
entre outras, levando tais igrejas a crescer enormemente nos últimos anos.
A posse, a aquisição e exibição de bens, a saúde em boas condições e
a vida sem maiores problemas ou aflições são apresentadas como
provas da espiritualidade do fiel. Muitos líderes pentecostais recriminam
tais crenças, tanto por razões teológicas quanto pelo fato de que seus
fiéis são escancaradamente pobres. Os adversários dessa teologia a
acusam de atentar contra a soberania de Deus. Pois seus adeptos são
instruídos a estabelecer relações com o Todo-Poderoso em que os
verbos exigir, decretar, determinar, reivindicar freqüentemente
substituem os verbos pedir, rogar, suplicar (MARIANO, 2005, p.157-
158).
Segundo o sociólogo Ricardo Mariano (2005), o termo neopentencostal, consagrado
pelos pesquisadores brasileiros para classificar as novas igrejas pentecostais, é uma
tentativa de demarcar o surgimento de algo novo e até surpreendente no campo
evangélico. Para o pesquisador, a Igreja Universal do Reino de Deus revela, em
suas características marcantes, muito sobre o neopentecostalismo.
A guerra espiritual contra o diabo e seus representantes na terra, a chamada “guerra
santa”, é um fator marcante no movimento neopentecostal. O diabo seria o
responsável pela fome, a miséria, as doenças e a traição, que teriam origem em
forças malignas, devendo ser superadas espiritualmente, como explica Mariano
(2005, p. 113):
19
Os neopentecostais crêem que, o que se passa no ‘mundo material’
decorre de uma guerra travada entre as forças divinas e demoníacas no
‘mundo espiritual’ [...] Os seres humanos, conscientes disso ou não
participam ativamente de uma ou de outra frente nesta batalha [...]
Incumbidos por suas igrejas (que se dizem erguidas por Deus para
combater o Diabo, atividade que vêem como precondição para
evangelizar lugares e indivíduos submetidos a Satã) de se engajar no
‘bom combate’, os neopentecostais passaram a enfrentar o inimigo de
Deus e da humanidade.
Sendo assim, Deus e o Diabo se tornaram parceiros inseparáveis nos cultos
neopentecostais, principalmente os iurdianos. Com o culto centrado no exorcismo,
os crentes acreditam que podem ser vítimas ou até possuídos pelo próprio demônio,
causador de todos os males em suas vidas. Sendo assim, o diabo no papel de
opositor acaba por assumir uma posição de destaque na visão de mundo dos
neopentecostais.
É Jean Baudrillard (2002, p. 100) quem vai diferenciar o mal, do que as pessoas
chamam de infelicidade (a miséria, a violência, o acidente, a morte), segundo ele, o
que existe é uma confusão, uma tentativa de “transcrever para o real a influência
espiritual do mal”.
A estratégia de tornar o diabo a estrela maior em seus cultos neopentecostais
parece estar em consonância com os apelos da contemporaneidade, que segundo
Michel Mafessoli (2004, p. 29), o ”bem” como um valor absoluto estaria chegando ao
fim de um ciclo e o “mal” pode estar retornando ao estrelato na pós-modernidade.
Constata-se a volta do mal com toda a força. Refiro-me à face obscura
da nossa natureza. Aquela mesma que a cultura pode em parte
domesticar, mas que continua a animar os nossos desejos, nossos
medos, nossos sentimentos, em suma todos os afetos. Está de volta
com toda a força talvez seja aquilo mesmo a que nos referimos há
algumas décadas, de maneira bastante incerta, como ‘a crise’.
Fantasma que assombra a consciência dos dirigentes da sociedade, e
que nada mais faz além de expressar o que eles haviam negado, mas
que continuava existindo naquela memória imemorial que é o
consciente coletivo. A atualidade mais recente não se mostrou
propriamente avara em matéria de fenômenos aterrorizantes: da queda
das Torres Gêmeas ao terrorismo biotóxico, passando pela
exacerbação de ameaças tanto mais angustiantes por serem difusas, a
volta do mal está na ordem do dia.
20
Para Mariano (2005) a origem dessa guerra espiritual travada pelos neopentecostais
no Brasil, principalmente a partir da década de 90, está baseada na Teologia do
Domínio.
Forjada nos EUA no final dos anos 80, a Dominion Theology, como é
conhecida lá, proliferou rapidamente entre os segmentos evangélicos
brasileiros, principalmente os neopentecostais. A teologia do domínio
envolve tudo o que se refere à luta dos cristãos contra o diabo. Nessa
nova formulação teológica, porém, a guerra é feita contra demônios
específicos, os espíritos territoriais e hereditários, no Brasil identificados
aos santos católicos, em razão de muitos deles darem nomes a
cidades, e às entidades das religiões mediúnicas (MARIANO, 2005, p.
137).
Depois de várias investidas de profanação aos símbolos religiosos da Igreja
Católica, como o famoso episódio conhecido como “chute na santa” protagonizado
pelo bispo Von Helde da IURD, e diante das exaustivas críticas feitas pela imprensa
e pela sociedade civil em repúdio ao ato, as religiões afro-brasileiras pareciam ter se
tornado para os neopentecostais um alvo alternativo ou, quem sabe, menos
protegido.
Numa verdadeira caça às bruxas, que remontam ao período medieval, as igrejas
neopentecostais, com destaque para a Igreja Universal do Reino de Deus,
reinaugura, no Brasil, uma “guerra espiritual” contra a presença demoníaca,
realizando rituais de exorcismo numa tentativa de converter os seguidores das
religiões de matriz africana.
Se o ritual do exorcismo não é recente nos meios pentecostais, a
Universal o exacerba nos cultos de libertação, concedendo ao Diabo e
aos demônios, identificados às entidades e aos deuses das religiões
afro-brasileiras e espíritas, destaque e importância sem precedentes
(MARIANO, 2005, p. 43).
O templo é outra característica marcante das igrejas neopentecostais. Teatros,
cinemas e casas de espetáculo têm dado lugar aos templos espalhados por todo o
Brasil. O culto tradicional dos protestantes vem se transformando, a cada dia, em
verdadeiros espetáculos. Pesquisando sobre a igreja Renascer em Cristo, Klein
(1999, p. 40) analisa:
A composição de um culto espetacular deve-se orientar pela expressiva
separação que se dá entre o espaço reservado àqueles que
21
performatizam a cena, os atores, e a platéia que assiste à performance.
Para isso, o culto/espetáculo anseia a busca de espaços, de modo que
a presença do público fique restrita à passividade espectadora e a
presença dos atores torne-se ainda mais iluminada. A instalação dos
templos neopentencostais em antigas salas de cinema e teatro, desta
forma parece explicitar a proposta de um culto que obedeça a regra do
espetáculo. E certamente a performance daqueles que conduzem a
cena buscará recursos mais fascinantes se maior for a platéia.
Os novos templos da Igreja Universal do Reino de Deus, geralmente conhecidos
como Templo Maior ou Catedral da Fé, apresentam mega-estruturas que remontam
a um verdadeiro shopping da fé. Lanchonetes, estacionamentos cobertos, ar-
condicionado central, câmeras de vídeo e seguranças, tudo isso é o que oferece, por
exemplo, o Templo Maior da cidade de Salvador, na Bahia.
Vale destacar que a cidade de Salvador traz a maior concentração populacional de
negros fora da África, estimada em 82%, segundo dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). A forte influencia das religiões de matriz africana
levou Salvador a ser considerada como a “Roma Negra” ou a “Meca Negra” da
diáspora africana.
Em visita a Salvador é possível observar, bem em frente ao maior shopping da
cidade, o shopping Iguatemi, o mega templo da IURD com capacidade de receber
confortavelmente cerca de 9.000 fiéis. No shopping da fé, os visitantes que não
teriam condições financeiras de freqüentar o outro shopping, podem vivenciar uma
experiência de integração social, ser chamado de irmão, assistir numa cadeira
confortável a um culto espetacular, ouvir do pastor que os seus problemas podem
ser solucionados de uma forma mágica e, quem sabe, até aparecer na TV.
A grandiosidade e beleza das igrejas não é nenhuma novidade para a população de
Salvador, já que a igreja católica construiu templos de rara beleza na cidade
histórica. No entanto, a modernidade do templo iurdiano vem inaugurar um novo
atrativo aos moradores da metrópole.
A formação dos pastores das igrejas neopentencostais também se diferencia muito
dos antigos sacerdotes dos cultos protestantes. Com a tarefa de arrebanhar uma
22
multidão de fiéis e de pregar para as câmeras de televisão, os novos pastores,
necessitam muito mais que vocação espiritual e aulas de teologia.
A revista Veja (2006) publicou uma reportagem, mostrando as diferenças entre a
formação dos pastores para os três principais seguimentos evangélicos. Segundo a
Veja, para formar pastores protestantes tradicionais é necessário cerca de cinco
anos, realizando um curso superior de teologia, além de um ano de estágio sob a
supervisão de um ministro.
Para os pentecostais, como os pastores da Assembléia de Deus e Deus é Amor, o
curso de teologia não precisa ser de nível superior, sendo necessário, portanto cerca
de três a quatro anos de formação.
Já os pastores neopentencostais, realizam cursos práticos, ministrados nas próprias
igrejas para aprenderem técnicas de oratória, técnicas usadas pelos apresentadores
de televisão, etiqueta, além de gestão financeira dos templos. Dependendo das
qualidades apresentadas, um candidato a pastor pode estar pronto, num período
máximo de seis meses.
1.3 A IURD: um fenômeno religioso e político
A Igreja Universal do Reino de Deus é um empreendimento constituído
recentemente, surge no Rio de Janeiro, no ano de 1977, como uma idealização de
Edir Macedo, Romildo Soares e Roberto Augusto Lopes, em um local onde antes
funcionava uma funerária. Nasceu de uma dissidência da Igreja Nova Vida, que
continha os germes do pentecostalismo com suas práticas de combate ao diabo.
O líder atual da IURD é o bispo Edir Bezerra de Macedo, que nasceu em fevereiro
de 1945, na cidade de Rio das Flores, no Estado do Rio de Janeiro. Aos dezessete
anos, Macedo trabalhava como servente na Loteria do Rio, conseguiu promoção e
chegou à função de agente administrativo (1977), pediu licença da Loterj, emprego
do qual acaba se desligando definitivamente, em 1981, para se dedicar à religião.
Freqüentou duas faculdades, a Universidade Federal Fluminense, onde iniciou o
23
curso de matemática e não concluiu, e a Escola Nacional de Ciência e Estatística,
onde acabou não concluindo também o curso de estatística. Aos 18 anos, converte-
se ao pentecostalismo e passa a freqüentar a Igreja Nova Vida, pois foi através
dessa denominação que a irmã conseguiu ser curada de uma bronquite asmática.
O próprio Macedo alega que chegou ao “fundo do poço” e procurou ajuda em outras
religiões como na Igreja Católica e na Umbanda, fatos que são narrados em seu
livro Orixás, caboclos e guias: deuses ou demônios? (MACEDO,2005).
Por doze anos foi fiel da “Igreja Nova Vida” mas como não conseguiu apoio para
seus empreendimentos religiosos, Macedo funda junto com Romildo Soares,
Roberto Augusto Lopes, Samuel e Fidélis Coutinho, a Cruzada do Caminho Eterno.
Mesmo tendo sido agraciado com o título de pastor pela Casa da Benção, Macedo
fica responsável pela tesouraria da Cruzada do Caminho Eterno. Mas a união dura
apenas dois anos, ocorrendo nova cisão e Romildo Soares, Edir Macedo e Roberto
Lopes fundam a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), no dia 9 de julho de
1977. De todos os fundadores Macedo é o único que continua até hoje.
No ano de 1981, criam o episcopado e Edir Macedo e Roberto Lopes se auto-
consagraram bispos. Edir Macedo fica no Rio de Janeiro e Roberto Lopes vai para
São Paulo, permanecendo na cidade até 1984, e funda uma igreja na capital. A
primeira sede da IURD, em São Paulo, foi no Parque D. Pedro II, mais tarde
transferida para o Bairro da Luz, e posteriormente para o antigo cinema Cine Roxi,
no bairro de Brás, tornando-se sede naciona,l em 1992. Em 1986, Lopes é eleito
deputado federal (1986 a 1989) e participando da Assembléia Nacional Constituinte ,
e se afasta da IURD, poucos meses após a vitória, retornando para a Igreja Nova
Vida. Ainda no ano de 1986, Macedo se muda para os Estados Unidos.
Edir Macedo retorna em 1989, transfere a sede da Universal para São Paulo. Em
1990, a IURD elege três deputados federais, dois pelo Rio de Janeiro e um por São
Paulo, e quatro deputados estaduais, dois do Rio de Janeiro, um em São Paulo e
um na Bahia.
24
Segundo Mariano (2005), a Universal do Reino de Deus, ao lado da Assembléia de
Deus, é a igreja neopentecostal com maior sucesso eleitoral, e vem lançando
candidaturas próprias, desde 1982. As bancadas evangélicas cumprem um papel
importante “para expandir seu crescimento e defender seus interesses corporativos,
entre os quais alardeia o da liberdade religiosa” (MARIANO, 2005, p.91). A presença
de seus representantes nos poderes constituídos também é uma forma de garantir a
manutenção das concessões públicas de emissoras de rádio e TV.
Sendo assim, as igrejas evangélicas neopentecostais marcam a sua presença
também no cenário político brasileiro. Segundo o cientista político Waldemar
Figueiredo Filho (2005, p. 16), esse fenômeno de “visibilidade adquirida na
participação política tem como particularidade o engajamento dos evangélicos na
mídia, inclusive e principalmente na qualidade de empresários da indústria do rádio
e televisão”.
Segundo Oro (2003, p. 55), a Igreja Universal tem um modo próprio de fazer política.
“Desde 1997, adotou no âmbito nacional, o modelo corporativo da ‘candidatura
oficial’, cujo número de candidatos para os distintos cargos eletivos depende do
capital eleitoral de que dispõe”.
Isso pode significar, por exemplo, que um membro da Igreja do Rio de Janeiro pode
vir se candidatar para deputado no estado do Espírito Santo, cumprindo previamente
o prazo de troca de domicílio eleitoral exigido pela legislação, e se eleger com os
votos da Igreja local. Uma vez lançados os candidatos, usam os cultos, as
concentrações em massa e a mídia própria (televisão, rádio e jornal) de acordo
com a legislação eleitoral para fazer publicidade dos mesmos” (ORO, 2003, p. 55).
Vale destacar, também as estratégias de campanha da IURD para a divulgação de
seus candidatos que vão, desde a apresentação aos fiéis/eleitores nos templo, até o
uso das passagens bíblicas na campanha publicitária durante o período eleitoral. As
fachadas dos templos e o palco-altar são lugares estratégicos para a colocação de
banners com fotos e nomes dos candidatos e provérbios bíblicos, de incentivo ao
voto.
25
Além destes procedimentos, em 2002, em Porto Alegre um mês antes
das eleições, uma grande faixa foi afixada no fundo da ‘catedral da fé‘
contendo os dizeres: ‘vamos orar pelos nossos representantes‘
(seguiam os seus nomes), após o que parecia a passagem dos
Provérbios 29:2: Quando se multiplicam os justos o povo se alegra;
quando porém domina o perverso o povo geme (ORO, 2003, p. 55-56).
Inicialmente, candidatos iurdianos ou apoiados pela IURD não precisavam estar
ligados a nenhum partido específico. A IURD construiu uma bancada, cujo apoio aos
candidatos estava mais relacionado à fidelidade às orientações da Universal, do que
ao partido político. Como mostra Oro (2003) essa fidelidade era um fator decisivo no
apoio da Universal na reeleição de parlamentares, nas eleições de 2002.
Relativamente às eleições proporcionais para os legislativos estaduais
a IURD enfrentou, nas eleições de 2002, um problema até certo ponto
inesperado. Trata-se de parlamentares estaduais apoiados ou egressos
da própria igreja em eleições passadas, mas que não receberam apoio
da Igreja nas últimas eleições e concorreram ‘espontaneamente’ à
reeleição. Isso ocorreu, por exemplo, no Rio de Janeiro, no Ceará e no
Rio Grande do Sul. Em seu lugar, a Igreja apresentou e apoiou outros
candidatos que foram, em sua maioria, eleitos, diferentemente daqueles
que se lançaram por conta própria, como veremos mais à frente,
amargaram uma estrondosa derrota (ORO, 2003, p. 54).
O Partido Liberal (PL) se tornou um importante nicho político para as candidaturas
da IURD. No primeiro mandato do presidente Lula, membros da bancada da IURD,
como o senador Marcelo Crivella (RJ) e parte dos deputados na Câmara Federal
pertenciam ao PL, partido aliado do PT, Partido dos Trabalhadores, desde as
eleições. Ainda segundo Oro (2002), por outro lado, boa parte dos deputados da
IURD se encontrava em outros partidos e chegou a fazer oposição ao governo.
Este fato porém, em vez de denunciar a incapacidade política da IURD
ou uma dificuldade de entendimento entre os deputados iurdianos,
parece, antes, revelar o modo ‘sofisticado‘ de fazer política dessa
Igreja, que distribui seus deputados em diferentes partidos para
alcançar melhor poder de barganha política, o que não impede que em
determinadas situações os interesses da Igreja se sobreponham aos
dos partidos (ORO, 2003, p. 54).
Nas eleições de 2006, a Universal lança o Partido Republicano Brasileiro (PRB),
com candidaturas próprias para deputados estaduais e federais
2
, chegando a
2
Segundo dados do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) publicados pela
Folha Online de 11/10/2006, a bancada ligada à IURD no Congresso Nacional encolheu, dos 22
deputados eleitos para a legislatura passada (2002 a 2006) foram eleitos apenas 4 deputados e
26
disputar uma vaga majoritária para o governo do estado do Rio de Janeiro, com o
pastor e senador da república, Marcelo Crivella. Na eleição para presidência da
República, o PRB participou da coligação que elegeu o presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, tendo o vice-presidente, José Alencar, na sua lista de filiados.
A criação de um partido político fez parte da estratégia político-eleitoral da equipe de
articuladores da campanha de Marcelo Crivella para concorrer às eleições de 2006.
A estratégia inicial era de divulgar a formação um novo partido para congregar não
só evangélicos, mas também outros membros.
O partido que inicialmente se chamava Partido Municipalista Republicano (PMR) foi
criado em outubro de 2005. No ato de lançamento, em Belo Horizonte, o bispo da
IURD, Marcelo Crivella chegou a declarar que o partido também receberia “os
espíritas, os católicos, os umbandistas, os que não têm religião, mas têm amor no
coração a este país e querem construir conosco uma mudança, uma
transformação”
3
, mas parece que a estratégia de desvincular o partido da igreja, não
funcionou, pelo menos na imprensa que continuou a divulgar, durante o período
eleitoral, o vínculo do candidato com a IURD.
Na época o partido recebeu adesões importantes como a do cantor de pagode e
apresentador de televisão, Netinho e do antigo militante do Partido Democrático
Trabalhista (PDT) e professor de direito em Harvard, Mangabeira Unger. O PMR
criado em 2005 mudou de nome no ano seguinte, passando a ter a sigla PRB.
A força a política da IURD foi determinante em 1992, quando o seu líder Edir
Macedo é preso acusado de charlatanismo, curandeirismo e estelionato. Ele ficou
preso na 91ª Delegacia de Polícia da zona oeste de São Paulo, chegou a receber
visita de Luis Inácio Lula da Silva e de seu cunhado Romildo Soares. Após doze dias
foi solto.
Sua detenção foi espetacular. Para prendê-lo foi montada uma
verdadeira operação militar. Como protestaram alguns líderes
pentecostais, o aparato repressivo empregado era desproporcional à
mantido 1 senador, Marcelo Crivella. Vale destacar, que alguns ex-deputados nem chegaram a se
candidatar, como ex-bispo da IURD Carlos Rodrigues, que renunciou ao mandato depois de ter seu
nome envolvido no caso mensalão.
3
Informações publicadas no site do Instituto de Estudos da Religião (ISER) http://www.iser.org.br/publique/
media/religiao_espaco_publico.pdf
27
periculosidade e à capacidade do acusado de resistência à prisão.
Nada menos que cinco delegados e 13 agentes da Delegacia de
Capturas e do Grupo de Ação e Repressão a Roubos Armados foram
mobilizados. Empunhando revólveres e metralhadoras e ocupando
cinco carros, os policiais cercaram o automóvel do Bispo no bairro
paulistano de Santo Amaro, quando ele saía de um dos maiores
templos da Universal na capital. Dada a voz de prisão, Macedo seguro
pelos braços, passou pelo humilhante constrangimento de ser
transportado, como um meliante qualquer, num camburão. Chegando à
delegacia, era esperado por reportagem da TV Globo, única emissora
informada da operação. Esse foi um duro golpe em quem, havia apenas
duas semanas, fora recebido no Palácio do Planalto pelo então
presidente Fernando Collor de Mello (MARIANO, 2005, p. 75).
A lista de processos na justiça não parava por aí. Segundo Mariano (2005, p. 75-76),
desde outubro de 1991, a Justiça Federal já havia solicitado a sua prisão temporária.
“Três dias antes da prisão, Edir Macedo havia sido indiciado com base no artigo 15
da Lei do Colarinho Branco, acusado de usar a Universal como uma instituição
financeira clandestina”. No entanto, à época, não chegou a ser indiciado.
Porém, nada disso afetou a consolidação da Igreja Universal do Reino de Deus
como um fenômeno no mercado religioso brasileiro. De acordo com Campos (1999,
p.355), até 1995, a Igreja Universal do Reino de Deus alcança números
surpreendentes de templos abertos no Brasil e no mundo.
O sucesso desse empreendimento pode ser medido pelo número de
templos abertos até 1995: 2014 no Brasil e 236 em 56 países, nos
quais são atendidos cerca de quatro milhões de pessoas, que
participam dos cultos, correntes de fé e campanhas de fé. A média
mensal de inaugurações naquele período foi de 9,32 novos templos por
mês no país e 1,96 no exterior. Segundo estimativas da imprensa, pois
não há estatísticas seguras, a Igreja Universal do Reino de Deus
(IURD) arrecadou, em 1995, aproximadamente 950 milhões de dólares.
Esse caráter expansionista da IURD, a levou a investir fortemente no mercado
religioso internacional. Estima-se que hoje a IURD chegue a possuir 3.000 templos
espalhados por diversos países, incluindo Portugal, Angola, Moçambique, Argentina,
Uruguai e África do Sul, com um número de fiéis que ultrapassa um milhão.
O continente africano foi um alvo importante para a IURD em seu projeto de
expansão. Apesar de ter enfrentado algumas dificuldades em países como a Zâmbia
que, segundo informações do jornal Angola Press (30/01/2007), dois pastores da
28
Igreja chegaram a ser deportados sob a acusação de satanismo, a IURD alcançou
um relativo sucesso em países como Angola e África do Sul. Em Angola, um país
que ainda sofre com as conseqüências da guerra, a IURD vem investido num projeto
assistencialista, como também informa o Angola Press.
Mil e seiscentas pessoas desfavorecidas das províncias de Luanda e
Bengo vão se beneficiar do projecto 'Mega Natal’, a ter início dia 21
deste mês, sob a égide da Associação Beneficiente Cristã (ABC) afecta
a Igreja Universal do Reino de Deus. De acordo com uma nota na
imprensa da associação chegada hoje a Angop, o projecto, enquadrado
no programa festivo da área social da Igreja, beneficiará o lar da
terceira idade ‘Beiral’, o centro de acolhimento Kuzola, o Hospital
pediátrico, a Comarca de Viana, a Leprosaria de Cacuaco, el Luanda e
a população da comuna do Calomboloca no Bengo.
Na África do Sul, segundo Paul Freston (1999), a igreja que chegou por volta de
1992, já em 1995, lotou um estádio em Soweto. Edir Macedo dedicou uma atenção
especial ao país, dividindo a sua residência entre Nova Iorque e a Cidade do Cabo,
por volta de 1990, devido a importância estratégica desse país. “A África do Sul
estaria subvencionando o trabalho em mais 12 países do continente” (FRESTON,
1999, p. 388).
No Brasil, a expansão da Igreja Universal do Reino de Deus acompanhou o
crescimento das igrejas evangélicas. Observando os dados do censo de 1991 e de
2000 podemos constatar que, enquanto o percentual de evangélicos cresce, o
número de católicos diminui, como também das religiões de matriz africana
(Tabela1).
TABELA 1 CENSOS DEMOGRÁFICOS 1991/2000
Religiões 1991 (%) 2000(%)
Católica 83 73,6
Evangélica 9 15,4
Espírita 1,1 1,3
Afro-brasileiras 0,4 0,3
Outras religiosidades 1,4 1,8
Sem religião 4,8 7,8
Fonte: IBGE (1992; 2000).
29
O neopentecostalismo é a vertente pentecostal que mais cresce atualmente no país.
Esse crescimento vem sendo encabeçado pela Igreja Universal do Reino de Deus.
Essa vantagem percentual que pode ser explicada por vários fatores que se
congregam. Ainda segundo Mariano (2005), esse fato aponta para fatores sócio-
econômicos de seu público-alvo, em consonância com as práticas religiosas
oferecidas pelos neopentencostais.
Perder necessariamente sua distintividade religiosa, as igrejas
neopentecostais revelam-se, entre as pentecostais, as mais inclinadas
a acomodarem-se à sociedade abrangente e a seus valores, interesses
e práticas. Daí seus cultos basearem-se na oferta especializada de
serviços mágico-religiosos, de cunho terapêutico e taumatúrgico,
centrados em promessas de concessão divina de prosperidade
material, cura física e emocional e de resolução de problemas
familiares, afetivos, amorosos e de sociabilidade. Oferta sob medida
para atender a demandas de quem crê que pode se dar bem nesta vida
e neste mundo, recorrendo a instituições intermediárias de forças
sobrenaturais. Com tal estratégia, empregada também nos
evangelismos pessoal e eletrônico, atraem e convertem
majoritariamente indivíduos dos estratos pobres da população, muitos
deles carentes e em crise pessoal, geralmente mais vulneráveis a esse
tipo de prática. Não obstante o apelo sistemático à oferta de soluções
mágicas configura uma prática usual nas religiões populares no Brasil,
observa-se que, no caso neopentecostal, tal procedimento,
diferentemente do que ocorre no catolicismo popular, por exemplo, é
orquestrado pelas lideranças eclesiásticas e posto em ação nos cultos
oficiais e por meio do evangelismo eletrônico (MARIANO, 2005, p. 24).
Apesar de a teologia fundadora da Igreja Universal do Reino de Deus ser
pentecostal e os iurdianos se denominarem evangélicos, a sua liturgia é muito
sincrética. Na prática, a Universal é uma igreja das grandes cidades, que por onde
passa se apropria do universo religioso de outros segmentos.
Para Leonildo Silveira Campos (1997, p.47), o crescimento das igrejas
neopentencostais, principalmente da Igreja Universal do Reino de Deus, pode ter
sido beneficiados pelas transformações ocorridas no ocidente, como por exemplo, o
surgimento de novos movimentos religiosos vindos do oriente.
O rompimento do monopólio ocidental e cristão sobre as expressões
religiosas, trazendo profundas implicações inclusive para o
ecumenismo. Enfraquece-se a rígida separação entre a fé cristã e
paganismo, implicando segundo alguns, em uma ‘hindinização’,
‘maometização’ ou ‘budinização’ do cristianismo. No caso da Igreja
30
Universal, tem havido uma certa ‘umbandinização’ de sua visão de
mundo e discurso.
Segundo Campos (1999, p. 360), ainda há a possibilidade de analisar o
neopentencostalismo iurdiano sob a luz da teoria da pós-modernidade, em que os
indivíduos buscariam uma espiritualidade dentro de si mesmos, desprezando a
mediação das instituições religiosas tradicionais. “Este clima cultural teria facilitado o
aparecimento de uma religiosidade centrada nas necessidades e desejos de massas
segmentadas, situação pluralista na qual se torna plausível o emprego do marketing
religioso”.
Foram as religiões de matriz africana, nos chamados cultos afro-brasileiros, que a
Ig reja Universal do Reino de Deus encontrou um terreno fértil para sua expansão.
Tanto os seguidores dos cultos afro-brasileiros, quanto os seus rituais foram alvos
de conversão e de apropriação por parte da IURD. Para Ricardo Mariano (2005),
esses fatores apontam para uma verdadeira perseguição religiosa das igrejas
neopentecostais aos seguidores das religiões de matriz africana no Brasil, ao
mesmo tempo em que seus seguidores se tornaram uma espécie de público alvo
importante.
Umbanda, candomblé e suas variantes regionais têm muitos aspectos
palpáveis para temer a expansão do neopentecostalismo, visto que o
objetivo da guerra espititual é, além de converter os adeptos das
religiões adversárias, fechar centros espíritas, tendas de umbandas e
terreiros de candomblé existentes ao redor dos crentes (MARIANO,
2005, p. 117).
A chamada “Guerra Santa” promovida pela IURD contra as religiões de matrizes
africanas fica explícita nos seus programas religiosos, exibidos em diversos canais
de TV, constitui objeto de análise desta pesquisa. Sendo assim, buscamos mostrar a
participação dos meios de comunicação de massa, em especial da televisão, na
difusão de idéias e no crescimento da Igreja Universal do Reino de Deus.
1.4 A IURD: um fenômeno midiático
31
Entre outros fatores que levaram os números relacionados ao crescimento da IURD
está a utilização dos meios de comunicação de massa. O emprego profissional dos
meios de comunicação, entre os evangélicos, somente se tornou possível através de
uma mentalidade empresarial voltada para a captação de recursos financeiros, a
centralização no gerenciamento dos recursos e a implantação de estratégias para
sua expansão.
Dados publicados pela Folha Online
4
, até o final de 2006, a Rede Record consolida a
vice-liderança em audiência e faturamento, desbancando o SBT. Ainda segundo o
veículo de comunicação, dos R$ 950 milhões relativos à receita bruta da emissora,
prevista para 2006, cerca de R$ 240 milhões são provenientes dos dízimos
depositados pelos fiéis.
[...] nos seus esquemas de marketing, o rádio e a televisão caminham
juntos e se subordinam a estratégias religiosas, cujas funções são levar
a qualquer custo as pessoas, para o ‘endereço da benção’, transmitir os
rituais realizados nos templos e fora deles, inserir durante a
programação vinhetas, spots e jingles ressaltando milagres prodígios e
os resultados alcançados através de sua mediação com o sagrado. A
insistência nos resultados, o oferecimento de soluções para uma classe
média oprimida pela crise econômica e para camadas pobres em busca
de ascensão social, acrescido das mutações provocadas pela ‘pós-
modernidade’, fez com que a comunicação dessa Igreja assumisse
como fim, a satisfação dos sonhos e desejos do público-alvo
(CAMPOS, 1997, p. 276).
Inicialmente o rádio foi uma porta de entrada da IURD. O veiculo foi utilizado em
larga escala para a divulgação da sua propaganda religiosa com objetivo atrair fiéis
para os seus templos.
Sua expansão se deve, em grande medida, à sua eficiência no uso dos
meios de comunicação de massa, sobretudo o rádio, veículo no qual
sempre se fez proselitismo. Nos primórdios, procurava alugar horário
nas emissoras logo após o término de programas de pais e mães-de-
santo, para aproveitar a audiência dos cultos afro-brasileiros. Seu
primeiro programa, na Rádio Copacabana, durava irrisórios 15 minutos.
Mas em pouco tempo a igreja expandiria sua presença nas ondas
radiofônicas. Em abril de 1983, já transmitia 27 programas de rádio. A
compra da primeira emissora, a Copacabana, do Rio, ocorreu no ano
seguinte. Mas foi a partir de 1988 que a igreja, com mais de 400
4
CASTRO, Daniel. Dízimo da Igreja Universal leva a Record à vice-liderança. Folha Online, São
Paulo, 4 jun. 2006. Disponível em: <http://www.1folha.uol.com.br/folha/ilustrada/utl90u61067.shtml>.
Acesso em: 3 ago. 2006.
32
templos, deslanchou a compra de rádios. Em 1990, já havia adquirido
emissoras nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Minas
Gerais, Goiás, Bahia, Rio Grande do Sul e Paraná. Bastariam poucos
anos mais para que possuísse uma rede em expansão de cerca de 40
emissoras (MARIANO, 2005, p. 66).
No entanto, a sua incursão não se limitou ao rádio, em pouco tempo a televisão
passou a integrar a estratégia de comunicação e marketing da IURD. O programa O
Despertar da fé transmitido inicialmente pela Rede Bandeirantes, para os Estados
de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Pernambuco e pela TV Itapoan, da Bahia. No
ano de 1983, já era transmitido para todo o país. Mas o fato que foi determinante
ocorreu com a compra da Rede Record de Rádio e TV, em novembro de 1989.
Para comprar esta tradicional, porém decadente e virtualmente falida
rede de televisão com uma dívida na faixa de 300 milhões de dólares,
posteriormente quitada -, a liderança da igreja, oculta na transação,
feita por testas-de-ferro, não mediu esforços, ou melhor, sacrifícios.
Realizou a campanha ‘sacrifício de Isaac’, na qual seus pastores
doaram cinco salários mensais, carros, casas e apartamentos. Com o
mesmo espírito de renúncia e despojamento, fiéis de todo o país foram
convocados a participar do sacrifício, doando, além de dízimos e
ofertas, jóias, poupança e propriedades. Desde então a Universal não
parou mais de fazer aquisições e negócios milionários (MARIANO,
2005, p. 66-67).
A compra da Rede Record, sem dúvida, foi um dos episódios mais marcantes do
final da década de 1980 relacionados a IURD. A partir desse acontecimento, as
atenções se voltaram para a Universal e a principal questão levantada foi como a
IURD conseguiu os 45 milhões de dólares para da compra da TV?
A imprensa saiu em busca de todo o tipo de informação sobre a Igreja Universal do
Reino de Deus e do seu principal líder, Edir Macedo. Surgem denúncias de
charlatanismo e curandeirismo. Mas a Record, após a compra, se ergue pagando
seus credores e surgindo como uma concorrente à altura da Rede Globo e das
outras grandes emissoras do país.
Em parte movidas pelo temor do virtual acirramento da concorrência
com a Record, que nas mãos dos novos proprietários se reabilitaria
financeiramente e partiria agressivamente para a disputa de audiência,
duas redes de TV, Globo e Manchete, nos programas Globo Repórter e
Documento Especial (programas exibidos em 15.9.90; 4 e 11.5.90), se
esquadrinharam a ‘seita’. A Rede Globo, apoiada em opiniões de
religiosos católicos e pastores protestantes históricos, exagerou nas
críticas. Ridicularizou a crendice, a ignorância e a ingenuidade dos
crentes. Questionou a idoneidade religiosa de Macedo e a eficácia das
33
curas, bênçãos, práticas rituais e promessas taumatúrgicas da
Universal (MARIANO, 2005 p. 70).
A compra de emissoras não pára por aí. Para estabelecer o seu poderio como uma
forte concorrente no campo da comunicação do país, a IURD partiu para a aquisição
de pequenas emissoras afiliadas à Rede Record que, segundo dados publicados
pela Folha Online (CASTRO, 2006), esse número chega a 98 afiliadas, em todo o
país.
Diante de um mercado religioso em expansão, a Igreja Universal do Reino de Deus
utiliza, além da Rede Record
5
e suas afiliadas espalhadas pelo país, espaços
comprados em outras emissoras menores. Essas emissoras, como a Rede Gazeta,
CNT e Rede Mulher, admitem essa produção independente de cunho religioso na
sua programação, como um negócio aparentemente mais lucrativo que a
publicidade.
Pensando a TV, como um veículo que cumpre um papel de formador de
comportamentos, padrões de consumo e de opiniões, hegemônicos e
homogeneizantes, e os difundem para todo o país através das redes de televisão,
podemos constatar que a Record-Universal entrou com um dado novo no equilíbrio
de forças entre as demais redes, como a Globo, a partir da década de 90.
Inicialmente, ela vem dar visibilidade a um setor constituinte de um grupo social
denominado de evangélicos, que reúne uma multidão de excluídos da programação
5
De acordo com dados divulgados na programação das TVs no jornal O Estado de São Paulo de 11/09/2005 a 16/09/2005, os
programas evangélicos exibidos em canais abertos para a cidade de São Paulo se distribuem nas grades das emissoras da
seguinte forma:
Rede Record: domingo às 7:45 - Ainda é tempo, às 8 horas - O Santo Culto em seu Lar; Segunda à sexta - Desperta São
Paulo às 5 horas e da 1 hora da manhã e diante entra no ar a programação da IURD; Sábado às 7horas - Em busca do Amor,
às 8 horas - O Santo Culto em seu Lar.
Rede TV: todas as madrugadas às 2 horas programa da Igreja Bola de Neve; Domingos às 9:30 Está Escrito, às 13 horas
Vitória em Cristo,; Segunda à sexta às 5:30 - Desfrutando a Vida diária, às 6 horas Igreja do Poder de Deus; Sábados às 8:15 -
Cristo para as Nações, 8:45 - Vitória em Cristo, às 10 horas - Igreja Pentecostal, às 10:30 - Ministério Comunidade Cristã.
Rede Gazeta: domingos das 6 às 8 da manhã programação da IURD; Segunda à sábado dois programação da IURD: às 6
horas e às 20 horas com duas horas de duração cada;
Rede Bandeirantes: domingos às 5:30 - Igreja da Graça; Segunda a sábado, mais dois programas da Igreja da Graça: das
5:30 às 7:30 e das 21 às 22 horas - O Show da Fé;
Rede 21: domingos às 15 horas - O clube 700 (programa Norte Americano)
Rede CNT:domingos às 8 horas - Assim Diz o Senhor, às 14horas Igreja Renascer, às 15 horas - Despertar de um Mundo
Melhor, às 16:30 horas - Fonte da Vida; Segunda a sexta às 9 horas Igreja Renascer, às 10 horas -Posso Crer no Amanhã, às
18:30 e as 20:30 - Programação da IURD; Segundas, quartas e sextas-feiras às 17horas - Projeto Vida Nova na TV; Terças e
quintas às 17horas - Hora de Vencer; Sábados às 8 horas - Despertar de um Mundo Melhor, às 14 horas Igreja Renascer, às
15horas - Vitória em Cristo, das 18:30 às 20:30 Programação da IURD;
Rede Mulhe r: domingos às 7 horas - Programa da Família (IURD), às 8 horas Casos Reais (IURD), às 9 horas - O Santo Culto
em seu Lar (IURD), das 22 à 00 hora - Momento dos 318 (IURD), à 00 hora - Casos Reais (IURD); Segunda às 7 horas -
Casos reais (IURD), às 8 horas - Hora dos empresários (IURD); Segundas a sextas-feiras às 13 horas - Caminho de Luz
(IURD), às 16 horas programação da IURD, às 22 horas Casos reais (IURD), às 23 horas - Em busca do Amor, a partir da meia
noite até 4 da manhã a grade é preenchida com programação da IURD.
34
tradicional das TVs, passando a atuar como nova força política, muitas vezes
fanatizada.
Quanto aos programas da IURD, apesar de todo o aparato técnico da Rede Record,
responsável pela sua produção, exibição e distribuição, eles aparentam ser de baixo
custo de produção. Os programas geralmente contam com a apresentação de um
pastor da Igreja, dentro de pequeno estúdio composto de um cenário simples, no
formato talk show. O pastor-apresentador realiza entrevistas com fiéis e fala
diretamente aos seus telespectadores. A programação conta, ainda, com vinhetas
computadorizadas e imagens externas produzidas dentro dos templos da IURD.
Em programas um pouco mais elaborados contam com a participação de outros
profissionais, que se apresentam como jornalistas, produzindo matérias com
pessoas que testemunham os milagres operados pela fé e pela participação da
IURD em suas vidas.
Segundo a grade de programação da TV Record, esses programas se concentram,
de meia noite às seis da manhã. Segundo o IBOPE, em maio de 2006, a Record
marcou nesse horário 0,8 ponto, enquanto a Globo, que é líder em audiência,
chegou a 4,9 pontos. Vale destacar que cada ponto, na região metropolitana de São
Paulo, corresponde a cerca de 54.500 domicílios.
Os conteúdos dos programas, carregados de imagens fortes, como cenas de
exorcismo praticado pelos pastores, no interior dos templos da IURD, foram
relatados em várias matérias publicadas pela imprensa brasileira, como na Revista
Época.
Em pleno horário nobre da televisão, demônios e almas de má índole
estrelam uma estranha atração, com ares de reality show [...] Dramas
de toda sorte, martela o programa, são causados por encostos, almas
penadas que seguindo os ditames das religiões afro-brasileiras, têm o
dom de entravar a vida das pessoas [...] Às vezes a retórica fica mais
macabra. Em vez de encostos, exibisse o que seria a manifestação do
próprio demônio (MANSUR; VICÁRIA, 2004)
Sendo assim, além da teologia da prosperidade, a IURD tem lançado mão de uma
outra ferramenta ideológica na sua prática religiosa, a satanização das religiões afro-
35
brasileiras. Segundo o discurso iurdiano, a origem de todos os males, a miséria, a
fome, a traição, o desemprego são frutos da presença de encostos ou demônios na
vida das pessoas.
Se os evangélicos identificam as entidades da umbanda, os deuses do
candomblé e os espíritos do kardecismo com os demônios, os
neopentecostais vão bem mais longe ao vê-los como responsáveis
diretos por uma infinidade de males, infortúnios e sofrimentos. Apesar
disso, o combate à macumba, aos exus, guias, pretos-velhos e orixás
tornou-se um de seus principais pilares doutrinários (MARIANO, 2005,
p.115).
Por outro lado, a IURD utiliza os mesmos elementos presentes nos cultos de matriz
africana no Brasil como estratégia para atrair o público alvo, através dos programas
de televisão. Recriando um cenário mitológico, os programas apresentam ex-mães-
de-encostos, banhos de descarrego, entrevistas com pessoas possuídas por
entidades dos cultos afro-brasileiros. Nos cultos, os fiéis podem receber consultas
espirituais e uma infinidade de “produtos espirituais” extraídos diretamente da cultura
popular que recebem uma nova embalagem como perfumes para espantar mal-
olhado, sabonetes de ervas, óleos sagrados, rosa branca, sal grosso, entre outros.
É importante destacar que a distribuição de produtos extraídos da cultura popular,
como também a apropriação do universo sagrado das religiões de matriz africana,
não pode ser tratada apenas de uma estratégia de marketing religioso da Igreja
Universal do Reino de Deus.
A intolerância religiosa fica muito clara no discurso da Igreja, propagada nos templos
e nos programas de televisão que, ao mesmo tempo em que se utiliza desta herança
cultural, incita contra as religiões que praticam e preservam esses costumes.
A reação da sociedade civil organizada foi imediata. Através de uma iniciativa do
movimento social negro, protocolou em dezembro de 2004, no Tribunal da Justiça
Federal, no Estado de São Paulo, uma Ação Civil Pública contra a Rede Record e a
Rede Mulher. A ação tem como objetivo garantir um direito de resposta coletivo, e foi
movida pelo Ministério Público Federal, o Instituto de Tradição e Cultura Afro-
brasileira (INTECAB) e o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e
Desigualdades (CEERT).
36
A fundamentação jurídica destaca a importância da diversidade cultural e o
desrespeito com que os programas religiosos veiculados pelas emissoras vêm
tratando as religiões de tradição africana no Brasil. Baseada na Constituição Federal
(1988) e na Lei de Imprensa (1967), a ação civil pública atenta para o fato de o
veículo de comunicação de concessão pública em ofender “toda uma coletividade
formada não apenas pelas pessoas que professam religiões afro-brasileiras, mas
por todos que prezam pelo respeito à nossa diversidade étnica, religiosa e por
valores culturais” (BRASIL; MPF, INTECAB; CEERT, 2004, p.26).
A ação cita, ainda, as expressões pejorativas usadas nos programas “Sessão de
Descarrego” e “Mistérios” transmitidos pelas duas emissoras, que foram gravados e
apresentados como provas documentais no processo jurídico, tais como: “encosto”,
“demônios”, “espíritos imundos”, “pai de encosto”, “mãe de encosto”, “bruxaria”,
“feitiçaria” e “sessão de descarrego”.
Em 28 de maio de 2005, a ação recebeu uma sentença favorável do Tribunal de
Justiça de São Paulo, cabendo ainda recurso ao Supremo Tribunal de Justiça, em
Brasília. Na sentença, a Juíza Maria Claudia Gonçalves Cucio concedeu o direito de
resposta de uma hora, nos mesmos horários de transmissão dos programas
“Sessão de Descarrego” e “Mistérios”, durante sete dias consecutivos. Além disso, a
juíza determina que deverão ser inseridas três chamadas diárias, durante a
programação, comunicando a exibição do horário do programa de resposta.
Apesar de recorrerem contra a liminar, as emissoras tiveram os seus pedidos
negados pelo Tribunal Regional Federal, restando apenas um recurso em última
instância de julgamento, o Supremo Tribunal Federal.
Apesar de a Rede Record e suas afiliadas não divulgarem os nomes e os horários
dos programas da IURD, em suas grades de programação das emissoras, elas
seguem um mesmo padrão de produção, de conteúdo e de programação. Vale
destacar que, os programas podem sofrer algumas modificações de estado para
estado, como por exemplo, ter nomes diferentes na Bahia e em São Paulo, apesar
de cumprir o mesmo objetivo, como o de divulgar a Sessão de Descarrego. A
apresentação também fica a cargo dos pastores locais.
37
A partir de uma observação sistemática podemos notar que, a cada dia da semana,
um programa é exibido para um público alvo específico, que geralmente
corresponde aos cultos praticados pela igreja.
Os cultos da IURD são divididos de acordo com os dias da semana e seguem
geralmente este padrão: segunda-feira congresso empresarial (para melhoria das
condições financeiras, para os desempregados, endividados e problemas
relacionados aos negócios e problemas com a justiça); terça-feira sessão do
descarrego (onde é retirado o olho-grande, a inveja, os trabalhos espirituais feitos
em casas de Umbanda e Candomblé); quarta-feira corrente dos filhos de Deus;
quinta-feira corrente da família (problemas de família, vícios, alcoolismo, traição);
sexta-feira o grande desafio da cruz (onde os problemas existentes são
encaminhados a Deus e Ele é desafiado a resolvê-los); sábado jejum dos
impossíveis (causas que são consideradas impossíveis devem ser levadas à Igreja
para serem resolvidas), às 8:00 e terapia do amor (pessoas que querem encontrar
um amor ou mesmo mantê-lo), às 19:00, domingo terapia espiritual.
A divisão dos cultos pelos dias das semanas também é uma prática das religiões de
matriz africana. No candomblé, por exemplo, muitos terreiros dedicam as segundas-
feiras aos orixás Exu e Omolu, as terças-feiras ao orixá Ogum, as quartas aos orixás
Xangô e Yansã, as quintas a Oxóssi, as sextas a Oxalá e os sábados à Yemanjá e
Oxum e o domingo a todos os orixás.
É importante observar que as práticas mágicas ensinadas pelos pastores nos
programas de televisão da IURD também estão relacionadas com o universo
mitológico dos deuses do panteão afro-brasileiro.
Esse é o caso, por exemplo, do programa Hora dos Empresários, exibido às
segundas-feiras, na TV Itapoan
6
, da Bahia. O programa é apresentado pelo bispo
Francisco Decothé, tem como objetivo divulgar o culto: a Vigília dos 318 pastores,
que acontece toda segunda feira, no Templo Maior de Salvador. O programa e o
6
Programa analisado foi gravado na integra no dia 24/4/2006. A produção do programa é local,
realizado nos estúdios da TV Itapoan, afiliada da TV Record na Bahia, e conta também com imagens
do culto da Vigília dos 318 pastores, que acontece todas as segundas-feiras no Templo Maior, em
Salvador.
38
culto têm como público-alvo, empresários, profissionais liberais, como também
pessoas que enfrentam dificuldades financeiras e aspiram à estabilidade econômica.
Nesse programa são exibidas entrevistas de pessoas que conseguiram vencer nos
negócios, depois de freqüentarem as reuniões da Vigília dos 318 pastores. Um bloco
do programa, chamado de “A Hora do Empreendedor”, é reservado para relatar as
histórias de pessoas bem sucedidas nos negócios que, segundo o pastor, não
deixam de freqüentar as reuniões no templo, todas as segundas-feiras.
No programa analisado, por exemplo, é exibida uma reportagem com a empresária
baiana, dona de uma revendedora de equipamentos para academia de ginástica,
que conseguiu sair do vermelho freqüentando o culto.
Apesar de o programa se chamar a Hora dos Empresários, na sua maior parte, o
mesmo exibe a apresentação de testemunhos de pessoas que precisam de
emprego, saldar dívidas ou resolver problemas com a justiça. Para essas pessoas,
mais humildes, desempregados, endividados ou que almejam simples estágio para
os filhos, o programa apresenta uma espécie de “amuleto mágico” para a solução
dos seus problemas financeiros. Trata-se da tocha do fogo sagrado.
O programa mostra repetidamente uma vinheta com uma tocha de fogo, que vai
marcar o intervalo entre um dos depoimentos de pessoas que vão falar sobre a
eficiência desse amuleto poderoso. Este foi o caso, por exemplo, de Dona Eliete,
que testemunhou para o programa que, depois de usar a tocha, o filho de 24 anos
conseguiu, o seu primeiro emprego.
Foto 1 - Entrevistados do programa e no centro a tocha de fogo
Fonte: Programa Hora dos Empresários de 29/04/ 2006.
39
Ao se referir ao uso do amuleto, o pastor enfatiza que, além de resolver os
problemas financeiros, pode ser utilizado para solucionar problemas com a justiça.
No programa, aparecem também imagens que remetem a passagens bíblicas no Rio
Jordão. No estúdio de TV, o pastor mostra uma jarra com as águas do Rio Jordão e
fala que, ao lado da tocha de fogo, as águas podem resolver os problemas
financeiros e judiciais na vida das pessoas.
Foto 2 - Pastor-apresentador e o jarro com a água do Rio Jordão
Fonte: Programa Hora dos Empresários de 29/04/ 2006.
Sabemos que o fogo é um elemento mítico que remete aos primórdios da
Humanidade, mas para as religiões de matriz africana, principalmente o candomblé,
Xangô é o deus do fogo, o orixá da justiça. Já as águas doces dos rios são lugares
de adoração do orixá Oxum, a deusa da beleza e da prosperidade.
1.5 Diáspora negra: as religiões de matriz africana no Brasil
A África passa bem, obrigada, na diáspora.
Stuart Hall
40
A leitura de Stuart Hall (2003), dissecando sobre a influência da diáspora caribenha
e africana na cultura contemporânea inglesa, nos fornece um panorama inicial para
tratarmos sobre ampla contribuição da cultura africana no Brasil, numa diáspora de
quase 400 anos.
As culturas, é claro, têm os seus locais. Porém não é mais tão fácil
dizer onde elas se originam. O que podemos mapear é mais
semelhante a um processo de repetição-com-diferença, ou de
reciprocidade-sem-começo. Nessa perspectiva, as identidades negras
britânicas não são apenas um reflexo pálido de uma origem
‘verdadeiramente’ caribenha, destinada a ser progressivamente
enfraquecida. São o resultado de sua própria formação relativamente
autônoma. Entretanto, a lógica que as governa envolve os mesmos
processos de transplante, sincretização e diasporização que antes
produziram as identidades caribenhas, só que agora, operam dentro de
uma referência diferente de tempo e espaço, um cronotopo distinto - no
tempo da différance (HALL, 2003, p.36-37).
Falar de uma hegemonia cultural branca no Brasil seria desprezar a forte influência
do negro nas expressões culturais contemporâneas e no imaginário popular
brasileiro. Ela está presente, como em outros múltiplos exemplos, na esquina de
uma cidade cosmopolita, como o Rio de Janeiro, onde alguém canta um samba de
Noel sob o acompanhamento do compasso da batida numa caixinha de fósforos.
O acarajé, a feijoada, o batuque, as festas de santo, o samba são muitas as
contribuições da cultura negra no Brasil. Muitas delas eleitas como símbolos de um
jeito de ser brasileiro. Ainda, segundo Hall, não importa o quanto diferentes possam
ser os grupos étnicos que compõem uma nação, uma cultura nacional busca sempre
unificá-los numa identidade cultural.
Uma forma de unificá-las tem sido a de representá-las como a cultura
subjacente de um único povo. A etnia é um termo que utilizamos para
nos referirmos às características culturais língua, religião, costume,
tradições, sentimento de lugar que são partilhados por um povo. È
tentador, portanto tentar usar a etnia dessa forma fundacional. Mas
essa crença acaba, no mundo moderno por ser um mito. A Europa
Ocidental não tem qualquer nação que seja composta de apenas um
único povo, uma única cultura ou etnia. As nações modernas são,
todas, híbridas culturais (HALL, 2003, p 36 e 37).
Para Garcia Canclini, assim como no passado houve uma tendência de origem
européia em igualar todos os homens sob a denominação abstrata de cidadãos, hoje
existe uma tentação de imaginar que a globalização nos unificará e nos tornará
41
semelhantes. No entanto, para entender como conviver melhor com as diferenças, e
buscar formas consensuais de cidadania, precisamos recorrer ao passado histórico,
e desvendar as velhas formas de dominação entre os povos que, com suas
ideologias, marcaram o nosso imaginário de estereótipos e preconceitos que
precisam ainda ser superados.
Segundo Canclini (2003), apesar de não haver um consenso quanto ao momento
histórico em que se deu o início do processo da globalização econômica e cultural, é
necessário nos atentar para dois processos anteriores: a internacionalização e a
transnacionalização.
É o processo de internacionalização da economia e da cultura, que se inicia com as
navegações transoceânicas, no século XVI, que proporcionou a abertura comercial e
o processo de colonização das sociedades européias para o extremo Oriente e para
a América Latina.
No Brasil, o modelo de colonização portuguesa ultramarina foi baseado na divisão
das terras para os donatários, na exploração das riquezas naturais, no tráfico
negreiro e na catequização dos índios. Vale ressaltar que o tráfico de escravos da
Costa da África para o Novo Mundo se tornou um negócio altamente rentável que
perdurou por mais de trezentos e cinqüenta anos.
Os navios negreiros transportavam através do Atlântico, durante mais
de trezentos e cinqüenta anos, não apenas o contingente de cativos
destinados aos trabalhos de mineração, dos canaviais, das plantações
de fumo localizadas no Novo Mundo, mas também a sua
personalidade, a sua maneira de ser e de se comportar, as suas
crenças (VERGER, 1981, p. 23).
Ainda segundo Verger (1981), desde o desembarque dos primeiros navios negreiros
no Novo Mundo existia uma preocupação em salvar a alma dos africanos da
idolatria, sendo assim, eles eram obrigatoriamente batizados na verdadeira fé cristã.
O chamado “paganismo negro” foi perseguido oficialmente pelo Estado brasileiro. Na
Bahia, até 1976, ainda existia uma lei que obrigava que os templos de religião de
matriz africana tivessem um registro na delegacia para realizarem seus cultos. Uma
42
outra lei, na Paraíba (1966), obrigava as sacerdotisas e sacerdotes daquela religião
se submeterem a exames de sanidade mental.
É por essa época que praticamente se institucionaliza um tipo de
opressão especial, a do controle policial nos terreiros de candomblé,
obrigando-os a se ficharem na Delegacia de Jogos e Costumes, da
Secretaria de Segurança Pública. A partir da década de 50, passou a
se exigir a solicitação de licença para ‘bater’ Candomblé, ou seja, para
que se pudessem realizar suas cerimônias religiosas, os cultos as suas
divindades, geralmente obedecendo, quase todos eles, um calendário
litúrgico internamente estabelecido. Os sacerdotes que não
providenciassem, a tempo, a sua licença e, sem ela realizasse suas
festas públicas, estariam cometendo uma infração e podiam, por isso,
ter seus espaços sagrados interditados ou invadidos tão
agressivamente quanto o foram durante as primeiras décadas do
século XX (BRAGA, 1995, p. 27).
Hoje, o Brasil é um Estado laico, ou seja, o Estado nem apóia nem adota nenhuma
religião. Segundo a Constituição Brasileira de 1988, todas as crenças e religiões têm
liberdade de culto e devem se tratadas com respeito.
No entanto, em plena pós-modernidade, as velhas formas latentes de intolerância,
xenofobia e racismo tomaram novos meandros e, através de novos disfarces,
marcam a sua presença num espaço de grande importância na mídia brasileira, a
televisão.
Tendo em vista a forte presença da cultura negra nos programas religiosos da IURD
exibidos pela TV Record, vamos traçar alguns conceitos que permeiam esse
território cultural transplantado pelos povos africanos, na diáspora.
O candomblé de culto aos orixás representa uma parte substancial do patrimônio
cultural da diáspora negra no Brasil. As danças, os toques dos instrumentos
percussivos, as comidas, os banhos sagrados, as festas de santo, os terreiros de
candomblé, a arte e uma estética afro-brasileiras, além de uma infinidade de práticas
mágicas que compõem um universo mítico amplo e complexo, fazem parte da
herança cultural de matriz africana no Brasil.
43
A história dos deuses yorubás
7
, pesquisada pelo etnógrafo Pierre Verger (1997), que
remonta à África mítica, mostra os orixás como antepassados divinizados que
carregam poderes ligados aos elementos da natureza, que lhes correspondem.
Sendo assim, Xangô, por exemplo, é o orixá do trovão, guerreiro destemido que
cospe fogo pela boca, Oxum é contemplada nas águas e tem poderes sobre os rios
e Yemanjá é associada às águas dos oceanos e dos mares.
Essas representações são importantes para entendermos principalmente os
conteúdos das imagens produzidas nos programas da IURD, que acionam através
das imagens televisivas retiradas do imaginário cultural, que se apresentam de
forma menos explícita que o discurso dos pastores, mas que está presente na
mitologia dos deuses nagôs.
Isso é que se dá claramente, no programa A Hora dos Empresários, onde aparece
repetidamente a tocha do fogo sagrado e imagens das águas do Rio Jordão. A
associação do fogo e das águas doces, na mitologia nagô, remonta ao casamento
dos orixás Xangô e Oxum.
Segundo uma das histórias pesquisadas por Pierre Verger (1997), sabe-se que
Xangô, antepassado divinizado, rei de Oyó um antigo reino africano, era dono de um
imenso palácio e era casado com três orixás femininos do panteão nagô, Yansã,
Oxum e Obá. Essa mitologia ilustra, ainda, como esses orixás foram divinizados e
associados às forças da natureza.
Xangô construiu um palácio de cem colunas de bronze. Ele tinha um
exército de cem mil cavaleiros. Vivia com suas mulheres e seus filhos.
Iansã, sua primeira mulher, era bonita e ciumenta. Oxum, sua segunda
mulher, era coquete e dengosa. Obá, sua terceira mulher, era robusta e
trabalhadora. Sete anos mais tarde, foi o fim do seu reino. Xangô,
acompanhado de Iansã, subiria à colina de Igbeti, cuja vista dominava
seu palácio de cem colunas de bronze. Ele queria experimentar uma
nova fórmula que inventara para lançar raios. A fórmula era tão boa
que destruiu todo o seu palácio! Adeus mulheres, crianças, servos,
7
Segundo a antropóloga Juana Elbein Santos (1998, p. 29), “todos os grupos étnicos provenientes do
sul e centro do antigo reino do Daomé e do sudoeste da Nigéria, uma vasta região conhecida como
Yorubá land, são conhecidos no Brasil com o nome Nagô. Da mesma forma que a palavra Yorubá na
Nigéria, ou Lucumi em Cuba, o termo Nagô no Brasil acabou se aplicando coletivamente a todos
estes grupos vinculados por uma língua comum, preservando as suas variantes dialetais”.
44
riquezas, cavalos, bois e carneiros. Tudo havia sido fulminado,
espalhado e reduzido às cinzas. Xangô desesperado, seguido apenas
por Iansã, voltou para Tapá. Entretanto, chegando em Kosô seu
coração não agüentou de tanta tristeza. Xangô bateu violentamente
com os seus pés no chão e afundou-se terra à dentro. Iansã, solidária,
fez o mesmo em Irá. Oxum e Obá transformaram-se em rios e todos se
tornaram orixás (VERGER, 1997, p. 36).
Para as comunidades-terreiros, essas histórias, que remontam a um passado
civilizatório africano são de grande importância. Para os filhos-de-santo e filhas-de-
santo, herdeiros míticos dos orixás, essas histórias falam de seus ancestrais.
Na Bahia, os nagôs foram os últimos grupos de africanos a se estabelecerem no
Brasil, entre o fim do século XVIII e início do XIX. Esse grupo se instalou
principalmente em territórios urbanos, implantando suas associações em torno do
culto aos orixás.
Para Muniz Sodré (2000), a forma mítica foi essencial ao impulso nagô de
preservação de seus dispositivos culturais de origem. Assim, os terreiros de
candomblé constituíram espaços de heterogeneidade cultural e ao mesmo tempo de
resistência política à ordem e à ideologia dominantes.
Tudo isso decorre de um pacto simbólico ou seja uma rede de signos
e de alianças legitimadoras do consenso intercultural (entre as diversas
etnias de origem africana) e transcultural (negros com brancos)
historicamente estabelecido na conjuntura de formação nacional. Nada
disto pode ser entendido pela pura abordagem culturalista, uma vez
que este pacto simbólico decorre de um agir político grupal. A política
está na mobilização dos recursos para a consolidação das alianças
internas ao grupo e nas táticas de aproximação com a sociedade global
hegemônica (SODRÉ, 2006, p. 56).
Sendo assim, é importante destacar que, além dos nagôs, muitos outros grupos
étnicos que desembarcaram, no período da escravidão no Brasil, formaram cultos às
diferentes divindades africanas, algumas vezes associadas às divindades indígenas,
que dão origem ao conjunto das religiões afro-brasileiras. Nesse contexto, podemos
citar os candomblés angola, congo e jejes, o tambor de mina, o catimbó, a jurema e
a encantaria.
45
Foi com os olhares debruçados nos terreiros de candomblés, que muitos
pesquisadores de diversas áreas do conhecimento
8
, buscaram entender como se
deu esse fenômeno historicamente e a reelaboração desse conjunto de práticas e
reposição de valores, fruto de um processo civilizatório negro-africano, na formação
sócio-cultural brasileira, que constitui hoje uma importante matriz cultural negra.
Dada a importância desse ethos, conjunto de práticas e representações simbólicas,
que mediam as relações entre os homens e os deuses e estruturam toda uma visão
de mundo, que alguns autores reconhecem nessas tradições como uma cultura de
Arkhé.
Para Muniz Sodré (2000), na cultura afro-brasileira a idéia de Arkhé não equivale à
de um evento inaugural, repetitivo e imutável. Por isso, não carrega a visão como
sugere Mircea Eliade (2002), de um “homem arcaico”, condenado a repetir “gestos
inaugurados por outros”, mas de um conceito dinâmico que ao mesmo tempo, que
reverencia o sagrado (origem), reatualiza, através das trocas rituais, as relações
entre os deuses e os seres.
Nesse caso, o corpo constitui um elemento importante para compreendermos a
relação intrínseca entre homens e os deuses nas religiões de matriz africana.
A experiência sacra é mais corporal do que intelectual (a cabeça, por
exemplo, é um lugar sagrado, enquanto receptáculo do divino), mais
somática do que propriamente ‘psíquica’, quando se entende psiquismo
como registro de interiorização não ritualizável. Por outro lado a
corporalidade na Arkhé não se define em termos exclusivamente
individuais, mas grupais, ou melhor, ritualísticos. O corpo integra-se ao
simbolismo coletivo na forma de gestos, posturas, direções do olhar,
mas também de signos e inflexões microcorporais, que apontam para
outras formas perceptivas [...] O rito não é nenhuma técnica externa ao
corpo do indivíduo, mas o lugar próprio à sua plena expressão e
expansão (SODRÉ, 1999, p. 178).
É a partir da liturgia negra, onde o corpo grupal corresponde a um território místico,
cultural e ativo, que podemos nos indagar como se deu o surgimento do primeiro
8
CARNEIRO, Edson. Candomblés da Bahia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978; BASTIDE,
Roger. O Candomblé da Bahia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978;; VERGER, Pierre. Orixás:
deuses Iorubás na África e o Novo Mundo. São Paulo: Corrupio, 1981; RODRIGUES, Nina. Os
africanos no Brasil. São Paulo: Nacional, 1935; LANDES, Ruth. A Cidade das Mulheres. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1967; entre outros.
46
terreiro de candomblé na Bahia. Afinal, como poderiam os africanos, recém
chegados ao Brasil, e desprovidos de nenhum recurso material ou garantia de
direitos, reconstruir seus territórios culturais?
Registros históricos (VERGER, 1997; LUZ, 2000) contam que foi uma mulher
africana chamada Yanassô, escrava liberta, filha espiritual do orixá Xangô, ao lado
de outras mulheres teriam fundado o terreiro Iyá Omi Axé Airá Intilé, próximo a Igreja
da Barroquinha, na Bahia. Foi trazendo Xangô consigo (em seu corpo) que a
Yanassô instala na Bahia o axé que marcará o início do culto aos orixás, conforme a
tradição do antigo império nagô.
Apesar de não haver uma precisão na data da fundação desse terreiro, foi a partir
dele que surgiram, na Bahia, três outros importantes terreiros nagôs: Ilê Axé Opô
Afonjá, Casa Branca e Gantois. Esses terreiros se destacam na preservação da
herança cultural africana no Brasil, dentro da tradição do culto aos orixás. Sobre
esses terreiros, a antropóloga Juana Elbein dos Santos (1998, p. 33) faz a seguinte
observação:
Na diáspora, o espaço geográfico da África genitora e seus conteúdos
culturais foram transferidos e restituídos no terreiro.
Fundamentalmente, a utilização do espaço e a estrutura social dos três
terreiros tradicionais Nagô mantiveram-se sem grandes mudanças.
Sendo assim, esses espaços constituem matrizes culturais importantes para
entendermos esse complexo mundo de crenças, costumes e valores culturais que
cercam o culto dos deuses africanos no Brasil.
No entanto, apesar de os terreiros espalhados pelo país, manterem muitos
elementos culturais fundadores comuns, nem tudo é tradição nos cultos de matriz
africana. O surgimento da umbanda, que se autodenomina uma religião brasileira,
talvez seja o maior exemplo da adequação da cultura negra aos valores da
sociedade branca.
A umbanda aparece, pois como uma solução original, ela vem tecer um
liame de continuidade entre as práticas mágicas populares à
dominância negra e a ideologia espírita. Sua origem consiste em
reinterpretar os valores tradicionais, segundo o novo código fornecido
pela sociedade urbana industrial (ORTIZ, 1999, p. 48).
47
O antropólogo Reginaldo Prandi (2005), também fala das adequações sofridas pelas
religiões de matriz africana, à sociedade de massa do século XX e como se dá o
trânsito de negros e brancos no candomblé e na umbanda.
Ultrapassada a primeira metade do século XX, a possibilidade de
escolher o candomblé como religião deixou de ser prerrogativa do
negro, abrindo-se a religião afro-brasileira para todos os brasileiros de
todas as origens étnicas e raciais. A sociedade branca, que já no início
do século criara uma versão mais branqueada do candomblé a
umbanda capturou então, num outro movimento de inclusão, aquela
que durante um século tinha sido a religião dos negros. Já estamos na
sociedade de massa e o candomblé seria o grande reservatório da
cultura brasileira mais próxima da África (PRANDI, 2005, p.169 -170).
Apesar de a umbanda ser uma religião que abarca, além dos elementos da sua
matriz cultural negra, elementos do cristianismo e do kardecismo, ela se reaproxima
do candomblé por ambas serem religiões mágicas. Isso pressupõe um
conhecimento para o uso das forças sobrenaturais na intervenção no mundo dos
humanos (PRANDI, 2005). O atual mercado religioso se apropriou de muitos ritos de
magia das duas religiões, como por exemplo, os oráculos.
A umbanda e o candomblé, cada qual ao seu modo, são bastante
valorizados no mercado de serviços mágicos. No entanto, embora sua
clientela sempre tenha sido grande (e não necessariamente religiosa),
ambos enfrentam hoje a concorrência de incontáveis serviços mágicos
e esotéricos de todo tipo e origem, sem falar de outras religiões e
agências que inclusive apropriam de suas técnicas, sobre tudo
oraculares. Concorrem entre si e concorrem com os outros (PRANDI,
2005, p. 232).
Por outro lado, as religiões de matriz africana tradicionais não conseguiram se
adaptar para atender às demandas culturais da sociedade de massa. Ainda existem
terreiros formados de pequenos núcleos constituídos por troncos familiares e que
preservam princípios como o segredo, os rituais complexos e o tempo necessário
para a aprendizagem e a dedicação ao sacerdócio.
Os meios de comunicação também não pouparam a cultura negra e sua religião.
Segundo Muniz Sodré (2000), o tratamento da mídia dado ao negro, conceituado por
ele de racismo midiático, é baseado em fatores como a negação, o recalcamento e a
estigmatização.
48
Com referência ao negro, a mídia e a indústria cultural, constroem
identidades virtuais a partir, não só da negação e do recalcamento, mas
também de um saber de senso comum alimentado por uma longa
tradição de preconceitos e rejeições. Da identidade virtual nascem os
esteriótipos e as folclorizações em torno do indivíduo de pele escura
(SODRÉ, 2000, p. 246).
O caso da reportagem do Globo Repórter, que foi ao ar, em maio de 1999, sobre o
candomblé, é um bom exemplo da folclorização e do desrespeito às religiões de
matriz africanas pela mídia. A reportagem tinha como destaque, adentrar nos
espaços sagrados do candomblé, revelando mistérios antes nunca mostrados.
Utilizando recursos de edição, mostrou lugares sagrados de um outro pequeno
terreiro da Bahia, como sendo da Casa Branca, um dos terreiros mais tradicionais do
culto nagô. A reportagem causou revolta nos terreiros de candomblé da Bahia
citados pelo programa, que acusaram de “sensacionalismo”, “manipulação de
informação” e “profanação de espaços sagrados”.
Apesar de não ter sido feita nenhuma resposta formal por parte dos representantes
da religião, a Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, Stella de Oxóssi e o Babalorixá e
antropólogo Julio Braga, deixaram público o seu repúdio ao programa, durante um
debate, com a participação da jornalista Mônica Wadvogel
9
, em Salvador, na ocasião
das comemorações dos 500 anos do Brasil.
Todo esse contexto histórico de construção de identidade étnica, a partir de uma
herança cultural que, ao mesmo tempo, foi acompanhada de uma exclusão social,
pode nos fornecer pistas importantes para entender a escolha das religiões de
matrizes africanas como alvo de ataque da Igreja Universal do Reino de Deus, como
também o crescimento vertiginoso de adeptos aos seus templos.
1.6 A Indústria cultural: do popular ao massivo
9
Na época a jornalista Mônica Waldvogel trabalhava na Rede Globo, onde permaneceu até 2004,
apresentando o Jornal da Globo e o Jornal Hoje. Depois trabalhou no SBT de 2004 a 2006, onde
apresentou o programa de entrevistas "Dois a Um". Em março de 2006 passou a integrar o time de
âncoras do Jornal das Dez, no canal pago Globo News.
49
O conceito de indústria cultural surge com a escola de Frankfurt, na Alemanha. Essa
perspectiva de pensamento inaugurada por Adorno e Horkeimeir vai encontrar ecos
na obra de Edgar Morin, que trata da cultura de massa, por volta de 1960, na
França.
Para Morin (1990), o século XX, marcado pela industrialização, a colonização da
África e a dominação da Ásia, estendeu o seu domínio colonizador às culturas,
transformando tudo em mercadorias, a industrialização do espírito.
Sendo assim, segundo Morin, a cultura de massa, oriunda da imprensa, do cinema,
do rádio, da televisão, consolida-se como uma terceira cultura capaz de projetar-se
sobre as culturas clássicas religiosas e humanistas- e as nacionais.
[...] a cultura de massa é uma cultura: ela constitui um corpo de
símbolos, mitos e imagens concernentes à vida prática e a vida
imaginária, um sistema de projeções e de identificações específicas. Ela
se acrescenta à cultura nacional, à cultura humanista, à cultura religiosa
e entra em concorrência com estas culturas (MORIN, 1990, p.15-16).
Partindo do pressuposto que a cultura de massa cumpre o papel de mediadora do
real e do imaginário, Edgar Morin (1990) vai analisar na obra A Cultura de Massa no
século XX: o espírito do tempo, os papéis desempenhados da estética, do lazer, da
juventude, do amor como catalisadores dessa nova ordem cultural.
E é porque a cultura de massa se torna o grande fornecedor dos mitos
condutores do lazer, da felicidade, do amor, que nós podemos
compreender o movimento que a impulsiona, não só do real para o
imaginário, mas também do imaginário para o real. Ela não é só
evasão, ela é ao mesmo tempo, e contraditoriamente, integração
(MORIN, 1990, p. 90).
Na América Latina, um outro pesquisador da comunicação Jésus Martin-Barbero
(2003), se debruçou sobre o tema dos meios de comunicação de massa como
mediadores culturais. Em sua análise sobre os meios de comunicação, Martin-
Barbero inverte os vetores, partindo da cultura popular para a cultura de massa.
Do popular para o massivo: a mera enunciação desse percurso pode
resultar desconcertante. O percurso sem dúvida, indica a mudança de
sentido que hoje nos permite irem compreensão dos processos sociais
baseada na exterioridade conspirativa da dominação a outra que os
pensa a partir da hegemonia pela qual se luta, na qual se constituem as
classes e se transforma incessantemente a relação de sentido de
forças que compõem a trama social. Pensa a indústria cultural a partir
50
da hegemonia, implica em dupla ruptura: com a positivista tecnologista,
que reduz a comunicação a um problema de meios, e com o
etnocentrismo culturalista, que assimila a cultura de massa ao
problema da degradação da cultura. Essa dupla ruptura ressitua os
problemas no espaço das relações entre práticas culturais e
movimentos sociais, Isto é no espaço histórico dos deslocamentos de
legitimidade social que conduzem da imposição, submissão à busca do
consenso. E assim, não resulta tão desconcertante descobrir que a
constituição histórica do massivo, mais que a degradação da cultura
pelos meios, acha-se ligada ao longo e lento processo de gestação do
mercado, do Estado, e das culturas nacionais, e aos dispositivos que
nesse processo fizeram a memória popular entrar em cumplicidade
com o imaginário de massa (MARTIN-BARBERO, 2003, p.137-138).
Essa transposição cultural, que incorpora os conteúdos da cultura popular urbana na
América Latina pela indústria cultural, está centrada na
[...] sedução tecnológica e incitação do consumo, homogeneização dos
estilos de vida desejáveis, banimento do nacionalismo para o limbo
anterior ao desenvolvimento tecnológico e incorporação dos antigos
conteúdos sociais, culturais e religiosos à cultura do espetáculo (Martin-
Barbero, 2003, p.280).
Ainda segundo Martin-Barbero, a televisão está no centro dessa nova dinâmica
cultural, que se inaugura na América Latina, a partir da década de 1960. Esse
fenômeno também altera a noção de cultura. Afinal, o que é produzido pela televisão
é de competência cultural ou apenas do meio de comunicação?
As visões dos autores serão muito importantes, tanto do ponto de vista teórico como
metodológico, para análise do nosso objeto de pesquisa. Em Edgar Morin vamos
buscar entender o fenômeno da expansão do mercado da fé no Brasil. A proposta
dos neopentencostais, principalmente da Igreja Universal do Reino de Deus de usar
estratégias de marketing empresarial, para atrair fiéis, formar pastores e massificar
sua imagem de sucesso, através dos meios de comunicação de massa.
Este estudo pretende, no próximo capítulo, identificar as estratégias de comunicação
utilizadas na apropriação e recontextualização dos elementos culturais das religiões
afro-brasileiras pela IURD, através dos programas de televisão exibidos pela TV
Record, bem como levantar as pistas no sentido de entender como esta apropriação
se dá a partir do imaginário cultural brasileiro.
51
2 A SESSÃO DO DESCARREGO
Este capítulo versa sobre a proposta de analisar os programas Mistérios e Casos
Reais, exibidos pela TV Record, em São Paulo, e pela sua afiliada na Bahia, a TV
Itapoan, respectivamente. Ambos os programas fazem parte da grade de
programação da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e têm como objetivo
divulgar as Sessões do Descarrego, que acontecem nos templos da IURD das
cidades de Salvador (BA) e Santo Amaro (SP).
52
Inicialmente, foi realizada uma decupagem técnica do programa Mistérios, exibido
pela TV Record, em 24 de novembro de 2004
10
, contendo os elementos visuais e as
falas dos participantes. Partes representativas da decupagem serão utilizadas de
forma descritiva no corpo do trabalho para o entendimento do nosso objeto de
estudo. O objetivo é identificar as estratégias de comunicação utilizadas na
apropriação e recontextualização dos elementos culturais das religiões afro-
brasileiras pela IURD, por meio do programa.
Uma análise comparativa evidencia o programa Casos Reais
11
, exibido pela TV
Itapoan, em 29 de abril de 2006, para mostrar as variações que ocorrem na Sessão
do Descarrego, na Bahia. O objetivo é de complementar a pesquisa, dando um
panorama representativo das estratégias dos programas da IURD veiculados pela
TV Record e suas afiliadas.
2.1 Mistérios: as estratégias de comunicação da IURD na TV
Aprofundando a reflexão empreendida sobre a televisão como produtora e
transmissora de cultura, muitos pesquisadores se debruçaram sobre o universo
televisivo numa tentativa de entender os códigos e as técnicas que estruturam o
meio e a mensagem. O comunicólogo, Arlindo Machado (2003, p. 70), pesquisador
pioneiro da televisão no Brasil, traz algumas considerações importantes sobre a
amplitude desse meio de comunicação.
A televisão abrange um conjunto bastante amplo de eventos
audiovisuais que têm em comum apenas o fato de a imagem e o som
serem constituídos eletronicamente e transmitidos de um local
(emissor) a outro (receptor) também por via eletrônica. Cada um
desses eventos singulares, cada programa, cada capítulo de programa,
cada bloco de capítulo de programa, cada entrada de reportagem ao
10
A escolha deste programa Mistérios para uma análise mais detida para pesquisa, se deve ao fato
de ele compor os anais da Ação Civil Pública movida contra a Rede Record e a Rede Mulher, como
prova documental do processo.
11
A escolha do programa Casos Reais se deu, tendo em vista a alta participação na Sessão do
Descarrego, numa das cidades mais negras do país e pela forte presença das religiões de matriz
africana.
53
vivo, cada vinheta, cada spot publicitário, constituem aquilo que os
semioticistas chamam de enunciado. Os enunciados televisuais são
apresentados aos espectadores numa variabilidade praticamente
infinita.
Ainda segundo Arlindo Machado, esses repertórios culturais enunciados por meio
dos programas televisivos não estão expressos apenas nos conteúdos verbais,
figurativos, narrativos e temáticos, mas também na forma de manejar os elementos
dos códigos audiovisuais. Sendo assim, o autor vai conceituar esses modos de
trabalhar a matéria televisual, categorizando-os em gêneros.
Michele e Armand Matterlart (1998) fazem essa discussão sobre a utilização dos
gêneros pela indústria cultural, a partir da internacionalização da produção e do
mercado das telenovelas, que pretende absorver um público cada vez maior e
culturalmente diversificado. Os autores destacam o melodrama como um gênero
sincrético que, visto a partir de “uma matriz industrial, revela cada vez mais seu
potencial de universalidade” (MATTERLART; MATTERLART, 1998, p. 194).
O programa Mistérios utiliza-se de gêneros televisivos bem conhecidos pelo público
e incorporados à cultura midiática. O melodrama, por exemplo, marca a sua
presença na teledramaturgia. No programa, utiliza-se muito o cenário de atores
como recurso audiovisual, contracenando apenas com gestos, enquanto uma voz off
relata a cena que remonta ao que poderíamos chamar, pensando de forma clássica,
de gênero híbrido que mistura elementos que vão do telejornalismo à
teledramaturgia.
O conceito de gênero trabalhado pelo cientista da comunicação Jésus Martin-
Barbero (2003), nos ajuda na análise e leitura do programa Mistérios. Segundo
Martin-Barbero, para os meios de comunicação, o gênero é antes de tudo, uma
estratégia de comunicabilidade.
A consideração dos gêneros como fatos apenas ‘literários’ não
cultural - e por outro lado, sua receita de fabricação ou etiqueta de
classificação nos têm impedido de compreender sua verdadeira função
e sua pertinência metodológica: a chave de análise dos textos massivos
e, em especial, os televisivos (MARTIN-BARBERO, 2003, p.314).
54
Assim, para Martin-Barbero (2003, p. 181, 324), não é possível se pensar a cultura
de massa, como uma ruptura da cultura popular, “o massivo foi gerado lentamente a
partir do popular”. O autor conclui então, que o melodrama, a comédia, o
dramatismo religioso e a narrativa oral “são mostras do popular ativado pelo massivo
hoje na América Latina”.
No programa Mistérios, a teledramaturgia e o telejornalismo vão se associar,
cumprindo uma dupla função: os elementos do telejornalismo vão garantir maior
credibilidade à ficção e a participação de atores encenando, vai proporcionar um
apelo emocional às reportagens.
No referido programa, os elementos do telejornalismo podem ser identificados no
cenário, na postura do pastor-apresentador, na equipe de reportagem, nas
entrevistas e reportagens. Apesar de a utilização desses elementos formatarem o
telejornal, as normas práticas do telejornalismo não são seguidas como, por
exemplo, na ausência de créditos dos entrevistados.
O programa analisado anuncia uma matéria sobre o Vale do Sal que, segundo o
pastor Luciano, “é o maior vale construído em São Paulo”. O programa mostra que o
Vale do Sal é representado por um grande tapete feito de sal grosso, por onde os
fiéis passam, durante a Sessão do Banho de Descarrego, no Templo Maior da
IURD, em Santo Amaro (SP).
Nessa matéria estão presentes vários elementos do telejornalismo: narração em off,
entrevistas realizadas no local e “cabeça de passagem”, como é chamada no jargão
do telejornalismo, em formato stand-up.
Tecnicamente falando, um telejornal é composto de uma mistura
distinta de imagem e som: gravação em fita, filmes, material de arquivo,
fotografia, gráficos, textos, além de locução, música e ruídos. Mas,
acima de tudo e fundamentalmente, o jornal consiste de tomadas em
primeiro plano, enfocando pessoas falando diretamente para a câmera
(posição stand-up), sejam elas jornalistas ou protagonistas:
apresentadores, âncoras, correspondentes, repórteres, entrevistados,
etc (MACHADO, 2003, p.103-104).
55
Por outro lado, a “matéria” traz a participação de atores que vão encenar os textos
narrados em off pela repórter. Nesse caso, as imagens produzidas por meio da
encenação de atores vão substituir as imagens captadas da realidade. Vale destacar
que essa “mistura” do telejornalismo com a teledramaturgia é uma velha confluência
conhecida do público de televisão. Esse é recurso recorrente nos programas
jornalísticos policiais, como a Cidade Alerta da TV Record e a Linha Direta da Rede
Globo, na reconstituição de crimes, associados, muitas vezes, utilizando trilha
sonora de filmes de suspense.
Nesse caso é importante destacar o fato de, os atores do programa Mistérios
contracenarem apenas com gestos e sem palavras, eles remontam a um teatro
popular do século XVIII que, segundo Martin-Barbero, esse tipo de espetáculo
popular era chamado melodrama, especialmente na França e na Inglaterra.
Como nas praças de mercado, o melodrama está misturado, as
estruturas sociais com as do sentimento, muito do que somos
machistas, fatalistas, supersticiosos e do que sonhamos ser, o roubo
da identidade, a nostalgia e a raiva. Em forma de tango ou de
telenovela, de cinema mexicano ou reportagem policial, o melodrama
explora nestas terras um profundo filão de nosso imaginário coletivo, e
não existe acesso à memória histórica nem projeção possível sobre o
futuro que não passe pelo imaginário. De que filão se trata? Daquele
em que se faz visível a matriz cultural que alimenta o reconhecimento
popular na cultura de massa (MARTIN-BARBERO, 2003, p. 316).
O autor relata que essa forma-teatro da época “tem haver com as formas e modos
dos espetáculos de feiras e com os temas das narrativas que vêm da literatura oral,
em especial os contos de medo e de mistérios, com relatos de terror” (MARTIN-
BARBERO, 2003,169-170).
Na matéria sobre o Vale do Sal, podemos observar a utilização desse modo teatral
transportado para a televisão, associado à narração off, técnica utilizada no
telejornalismo. Assim mostra o programa:
VÍDEO ÁUDIO
Atores contracenando. Planos curtos e
fechados de homens e mulheres
expressando desespero. Uma mulher
chora, outra está deitada na cama dos
Narração off -
Angústia, insônia, depressão e desejo de
suicídio. Uma vida sofrida, cheia de altos e
baixos, de ressentimentos. Esta é uma fase
56
filhos, olhando para a câmera. Um homem
contorce o corpo como se sentisse dor.
em que você se encontra hoje. Você só
tem uma certeza, do jeito que está, não dá
para continuar.
Na teledramaturgia descrita, os movimentos de câmera, a iluminação e os efeitos de
computação na edição de imagens vão contribuir para a elaboração das cenas. Os
closes de rostos perturbados, as edições em slow (movimento lento) de pessoas
com insônia, as panorâmicas em contra-plongée, o ângulo de filmagem de baixo
para cima, de pessoas com as mãos na cabeça constituem uma tentativa de criar
um clima de medo. A câmera, às vezes, assume a posição dos espíritos
perturbadores, que tiram o sono e conduzem ao desespero e à loucura.
Para Michel Martin (2003, p.31-32), ainda no início do cinema, a câmera
permaneceu fixa, como se cumprisse o papel do “regente de orquestra”. Algum
tempo depois, “a câmera deixou de ser apenas a testemunha passiva, o registro
objetivo dos acontecimentos, para tornar-se ativa e atriz”.
Na seqüência de imagens, depois de uma vinheta, a matéria volta com o formato do
telejornal, mostrando imagens captadas in loco, dentro do Templo Maior. Em plano
aberto, podem ser vistas centenas de pessoas presentes à Sessão do Banho de
Descarrego.
VÍDEO
ÁUDIO
A câmera mostra, num movimento
panorâmico, uma mesa branca gigantesca,
onde pessoas vestidas de branco sentadas
de um lado conversam com as pessoas
que freqüentam o templo.
Narração off
A partir das duas horas da tarde, os
mistérios que perturbam a sua vida podem
ser solucionados.
Depois de serem atendidas pelos obreiros da IURD, as pessoas passam pelo Vale
do Sal. Entrevistas são realizadas para as câmeras de TV, massificando os
testemunhos de fé que, anteriormente, ficariam restritos ao templo. Enquanto os fiéis
passam pelo Vale do Sal, a repórter pergunta: “o que a senhora espera ao passar
por este vale?”
57
Foto 3 - Obreiros em atendimento espiritual aos Foto 4 - Mulher passando pelo Vale do Sal e
fiéis, Santo Amaro (SP) falando para a câmera de TV
Fonte: Programa Mistérios de 24/11/2004. Fonte: Programa Mistérios de 24/11/2004.
A mulher que carrega uma criança nos braços, responde: “Eu sinto paz dentro do
meu coração. Eu sinto que o mal está saindo mesmo, se tinha algum mal, ele está
sendo repreendido.”
Vale destacar a figura do pastor-apresentador. Eloqüente, descontraído e bem
vestido, o pastor Luciano, ora se coloca como um porta voz da Igreja, dando
conselhos e apontando soluções para o telespectador, ora como âncora de um
programa de televisão.
A televisão recorre a dois intermediários fundamentais: um personagem
retirado do espetáculo popular, o animador ou apresentador, e um certo
tom que fornece ao clima exigido, o coloquial. O apresentador-animador
presente nos noticiários, nos concursos, nos programas educativos e
até nos ‘culturais’, para reforçá-los mais que um transmissor de
informações, é na verdade um interlocutor, ou melhor, aquele que
interpela a família convertendo-a no seu interlocutor. Daí seu tom
coloquial e a simulação de um diálogo que não se restringe a um
arremedo do clima ‘familiar’ (MARTIN -BARBERO, 2003, p.306).
No papel de apresentador, o pastor Luciano cumpre todas as funções do jornalista-
âncora. Além de apresentar o programa, ele realiza entrevistas em estúdio, chama
ao vivo a equipe externa de reportagem e anuncia as matérias gravadas. Na
reportagem sobre o Vale do Sal, o pastor chega a cumprir o papel do repórter, ao
fazer uma passagem em formato stand-up, diretamente do Templo Maior, numa
reportagem que ele mesmo anuncia dentro do estúdio.
58
Vale destacar que essa passagem do pastor-apresentador Luciano, do estúdio para
dentro da notícia (pastor-repórter), no Templo Maior, em Santo Amaro, ocorre de
forma natural, onipresente.
VÍDEO
ÁUDIO
Cabeça de passagem em stand-up
A câmera mostra o pastor Luciano em cima
do altar-palco e depois migra, em
movimento panorâmico, para mostrar as
pessoas passando pelo Vale do Sal, e
depois retorna para ele.
Nós estamos aqui na Sessão de
Descarrego. Neste exato momento as
pessoas estão passando pelo maior vale
construído em São Paulo, o Vale do Sal.
São pessoas que têm problemas familiares,
problemas no casamento, problemas
econômicos, problemas espirituais,
problemas e mais problemas. E que
passam pelo Vale do Sal para terem esses
problemas resolvidos. E se você tem algum
desses problemas e quer resolvê-los, você
precisa passar neste Vale do Sal. É
domingo agora, as três da tarde, na
avenida João Dias, 1800, em Santo Amaro,
São Paulo. Eu aguardo por você.
Quando a imagem do pastor migra do estúdio para dentro do templo, mostra ao
telespectador que poderá encontrá-lo pessoalmente na Sessão do Banho de
Descarrego. Ao mesmo tempo, para o fiel freqüentador da Igreja, a figura do pastor
na televisão é de um velho conhecido, um amigo conselheiro nas horas difíceis.
A narrativa do programa é basicamente formada por três partes:
- Na primeira parte, o programa está voltado para a implantação do medo, criando
um clima de terror, através de imagens computadorizadas de raios e trovões, a
utilização de cenas e trilha sonora do filme de suspense Sexto Sentido (Sixth Sense,
EUA, 1999), além de atores contratados, encenando pessoas que estão passando
por dificuldades e uma narração off que fala sobre um mundo sobrenatural.
- Num segundo momento, a narrativa do programa Mistérios busca uma associação
do problema da vida cotidiana das pessoas aos fenômenos sobrenaturais. Nessa
parte, entra a participação de pessoas por telefone ou entrevistados na rua, que
expõem seus problemas financeiros ou sentimentais, que serão analisados por uma
ex-mãe-de-encosto.
59
- Por último, a solução é apresentada pela Igreja Universal do Reino de Deus,
através do seu representante, o pastor Luciano, que indica a sessão de descarrego
como um caminho para purificar o mal da vida das pessoas.
O uso de vinhetas é recorrente durante o programa Mistérios. As vinhetas Sessão
Especial Banho de Descarrego e Vale do Sal, que são apresentadas repetidamente
durante o programa, remetem aos anúncios publicitários. Vale lembrar que o
programa Mistérios tem como produto principal, a divulgação da Sessão Banho de
Descarrego.
Foto 5 - Vale do Sal no Templo Maior de Santo Amaro (SP)
Fonte: Programa Mistérios de 24/11/2004.
As estratégias de marketing também estão presentes no programa religioso como,
por exemplo, o telemarketing do SOS espiritual. Várias atendentes trabalham ao
telefone, anotando as demandas do público, como a solicitação de orações,
enquanto o pastor divulga o telefone do SOS espiritual para que os telespectadores
liguem e participem do programa. Sobre as diversas estratégias do marketing
religioso da Igreja Universal, o pesquisador Leonildo Silveira Campos (1997, p. 224-
225) analisa:
60
A rigor, no universo de discurso da Igreja Universal não há ‘produtos’
novos e sim formas diferenciadas de ‘manufaturar’ e expor antigos
‘produtos’, cuja distribuição não é monopólio desta ou aquela igreja ou
agência religiosa. Essa grande linha de produtos liga práticas mágicas
e comuns na religiosidade popular a ‘produtos’ típicos da pós-
modernidade, que enfatizam o bem-estar psicológico e social dos
indivíduos. A diferença está na habilidade da propaganda em combinar
o velho com o novo, permitindo a construção de pontos de ligação da
magia e religião, do pentecostalismo com antigas formas de
religiosidade cristãs ou não-cristãs, ainda vivas na América Latina.
Como já afirmamos, a narração em off é um recurso de edição do audiovisual, que
associa imagens e texto narrado. Essa técnica quando utilizada, por exemplo, nos
telejornais em off, geralmente são lidos pelo repórter ou pelo apresentador, o mesmo
vai relatar o fato jornalístico presenciado ou apurado. Essa voz que pode produzir
sentidos de realidade, de verdade ou de emoção no telespectador carrega muita
vezes um status de ser a voz da própria notícia ou a voz da emissora.
No programa Mistérios, esse recurso audiovisual é utilizado em larga escala,
principalmente para narrar textos que cobrem as teledramaturgias. Mas no
Programa Mistérios, de quem será essa voz? E que tipo de sentido ela produz na
interpretação das mensagens veiculadas no programa?
Segundo Roland Barthes (1970), todo texto é formado de códigos, que constituem
pontos de referências, estilhaços de coisas que já foram lidas, vistas, feitas ou
vividas. Nesse sentido, cada um pode, de acordo com a sua bagagem cultural e
experiência de vida, interpretar os códigos que marcam a leitura do texto
audiovisual.
[...] cada código é uma das forças que se apropriam do texto e este é
uma rede, uma das vozes com a qual se tece o texto. Ao lado de cada
enunciado é possível escutar vozes em OFF (BARTHES, 1970, p.28).
Sendo assim, vamos recorrer aos elementos da cultura negra para penetrar no
conteúdo das imagens e do texto, ou seja, nos códigos visuais e sonoros do
Programa Mistérios para ouvir o que nos dizem as vozes em off.
2.2 A apropriação do universo religioso afro-brasileiro
A influência da cultura africana no Brasil se deu em várias modalidades como na
61
culinária, na música, na língua e na religião. Segundo Muniz Sodré (1983, p. 133), a
reposição cultural negra, presente especialmente nos terreiros de candomblés,
manteve intactas as formas essenciais de diferenças simbólicas, como os ritos de
iniciação e o culto aos mortos, “capazes de acomodar tanto conteúdos de ordem
tradicional africana, como aqueles reelaborados e amalgamados em território
brasileiro”.
Para o historiador das religiões Mircea Eliade (2002), as culturas são permeadas de
símbolos e imagens. Segundo Eliade, as imagens, os arquétipos e os símbolos são
diversamente vividos e valorizados por cada cultura. As imagens e símbolos são
frutos de múltiplas atualizações e a sua presença conserva as culturas “abertas”.
O antropólogo Gilbert Durand (1988, p. 15), chega a afirmar que o símbolo “é uma
representação que faz aparecer um sentido secreto; ele é a epifania de um mistério”.
O programa Mistérios traz muitas expressões e imagens portadoras de sentidos
para cultura afro-brasileira. Expressões como “encosto”, “mãe-de-encosto”,
“bruxaria”, “feitiçaria” e “sessão de descarrego” utilizadas pelo programa são
associadas aos cultos afro-brasileiros de forma pejorativa, com o objetivo de
demonizar essas religiões. Na apropriação do universo sagrado das religiões de
matriz africana, pelo programa de televisão da IURD, ocorre uma transformação em
imagens da intolerância religiosa.
A palavra mistério, que dá o nome ao programa, tem um sentido especial para as
religiões de matriz africana. Para os seus seguidores, o mistério está associado à
idéia do segredo e à preservação dos ritos aos deuses.
Nesse sentido, Juana Elbein dos Santos (1998) descreve o exemplo do terreiro
nagô
12
, onde o espaço é dividido essencialmente em três partes: as casas templos
12
Segundo Juana Elbein Santos (1998, p. 29) todos os grupos étnicos provenientes do sul e centro
do antigo reino do Daomé e do sudoeste da Nigéria, uma vasta região conhecida como Yoruba land,
são conhecidos no Brasil com o nome Nagô. Da mesma forma que a palavra Yorubá na Nigéria, ou
Lucumi em Cuba, o termo Nagô no Brasil acabou se aplicando coletivamente a todos estes grupos
vinculados por uma língua comum, preservando as suas variantes dialetais.
62
dos orixás, consagradas a um orixá ou a um grupo de orixás; um espaço virgem que
compreende as árvores e uma fonte de água; um espaço de adoração aos mortos.
Vale destacar que uma parte do terreiro é de livre acesso público, em contrapartida,
existem espaços onde somente os iniciados podem adentrar.
Sendo assim, o segredo é um elemento importante que faz parte do universo ritual e
simbólico nos cultos de matriz africana. Somente aos iniciados no mistério é
permitido o acesso aos rituais reservados, que foram repassados às gerações,
mantendo a preservação e a integridade dessa herança africana no Brasil.
Entrar para o candomblé impõe a necessidade de aprender grande
quantidade de cânticos e danças, palavras e expressões, modos de se
comportar e de se relacionar com deuses, com humanos e com objetos
sagrados, além de receitas culinárias, fórmulas mágicas e listas
intermináveis de tabus tanta coisa que parece não ter fim. E não tem
mesmo. Tudo vai sendo apreendido aos poucos, tudo cercado com
uma aura de mistério, cada coisa como um segredo novo (PRANDI,
2005, p.10).
Segundo Muniz Sodré (1983), quando o segredo é institucionalizado, como no caso
da cultura nagô, é ele que estrutura as relações no interior do grupo religioso. A
comunicação se dá através dos atos ritualísticos. A relação se estabelece entre
quem vai repassar o segredo e quem vai recebê-lo. “Entrar no segredo de alguém é
entrar na regra de um jogo” (SODRÉ, 1983, p.138).
Ainda segundo Muniz Sodré, diferentemente da visão ocidental, na cultura nagô
conhecer a regra não implica acabar com o segredo, já que não existe uma verdade
única a ser descoberta.
No auô, o segredo nagô, não há nada que possa ser dito que possa
acabar com o mistério, daí a sua força. O segredo não existe para
depois da revelação se reduzir a um conteúdo (lingüístico) de
informação. O segredo é uma dinâmica de comunicação, de
redistribuição de axé, de existência e vigor do jogo cósmico (SODRÉ,
1983, p. 142).
Sendo assim, o programa Mistérios pretende cumprir o falso papel de revelar a
todos a verdade, no sentido bíblico, democratizando os segredos e mistérios das
religiões de matriz africana, antes privilégio de uma casta de iniciados. No entanto, o
que ocorre é uma dessacralização dos segredos das religiões de matriz africana,
numa tentativa de despontencializá-las.
63
Tentando reproduzir, através de imagens produzidas tecnologicamente, uma aura de
mistério, o programa busca seduzir seu público, utilizando a ficção. A trilha sonora e
as cenas do filme de suspense norte americano Sexto Sentido (Sixth Sense, EUA,
1999) fazem parte da vinheta de abertura do programa. Na seqüência de imagens,
depois do ator hollywoodiano Bruce Willis, protagonista do filme, aparecem cenas
produzidas pela TV Record com atores locais, contracenando brigas de casais,
falsidade entre amigos, desespero e loucura. As imagens são acompanhadas por
um texto narrado em off, que fala de um mundo paralelo, oculto e sobrenatural.
VÍDEO ÁUDIO
Seqüência 01
Edição de cenas do filme americano Sexto
Sentido: um menino com o olhar assustado,
o ator Bruce Willis, que faz o papel de um
homem que já morreu e que só aparece
para o menino. Uma mulher na cozinha,
que mostra os pulsos cortados.
Seqüência 02
Atores encenam papéis de pessoas que
estão visivelmente passando por
dificuldades. Na primeira cena, duas
amigas se abraçam, sendo que uma delas
expressa falsidade no olhar. Na seqüência,
cenas de mulheres sozinhas chorando,
intercaladas com cenas de discussão entre
casais.
BG: Trilha sonora do filme Sexto Sentido.
Narração off:
Esse mundo oculto desperta a curiosidade
de muitas pessoas. É verdade. Mas
existem aquelas que tentam com ele tirar
algum proveito. Uma ajuda aparentemente
fácil. Os resultados desta ajuda são vistos
hoje em dia como dificuldade de melhorar
de vida e a infelicidade.
A atuação do que há neste mundo oculto é
também sorrateira, o que leva pensar a ser
natural. E, acreditando assim, muitas
pessoas desistem de tentar.
Desconhecido, sobrenatural, outro mundo,
o além... Afinal, o que acontece lá pode
impedir a felicidade de alguém aqui?
Na cosmogonia nagô, o mundo é dividido em duas partes: o aiyê, o mundo dos vivos
e o orun, morada dos deuses e dos ancestrais. O trânsito entre esses dois mundos é
feito através dos rituais, como o da possessão, quando os orixás visitam o aiyê,
através dos corpos de seus filhos (iniciados). Sendo assim, para os seguidores das
religiões afro-brasileiras sejam eles de candomblés nagôs, jejes, angolas ou
umbandistas, a representação de um mundo paralelo (duplo), que rege a vida dos
seres vivos, é algo sagrado.
Uma outra apropriação do universo religioso afro-brasileiro é a figura apresentada
pelo programa como uma ex-mãe-de-encosto. Apesar de o termo mãe-de-encosto
64
não pertencer a nenhuma religião de matriz africana, no Brasil, remete ao cargo
supremo das suas sacerdotisas, as mães-de-santo
13
.
A cadeira de mãe-de-santo é um dos cargos mais conhecidos das religiões afro-
brasileiras. Apesar de os homens também ocuparem essa função, foram as
mulheres que se tornaram célebres na história e no imaginário popular brasileiro.
Mãe Menininha do Gantois e Mãe Senhora, homenageada com o título de Mãe Preta
do Brasil, são alguns exemplos da popularidade e do prestígio dessas sacerdotisas.
Foto 6 - Mãe Stela de Oxossi (à esq.) ao lado de filhas-de-santo e abiãs do
Ilê Axé Opô Afonjá, Salvador (BA)
Fonte: Carla Osório (2000).
No programa, a ex-mãe-de-encosto tenta reproduzir o papel da mãe-de-santo,
dando consultas aos telespectadores. No entanto, nesse caso o seu papel se
inverte. Ela é quem vai desvendar publicamente os mistérios, ao invés de ser a
guardiã deles.
13
Segundo Edson Carneiro (1978), as lideranças do candomblé são chamadas de diversas maneiras.
No caso dos candomblés nagô, são usadas as expressões yôrubas, yalorixás e babalorixás, que
significam exatamente, pais e mães-de-santo. Nos candomblés jejê, os chefes se chamam vodunô e
as mulheres de Guaiaku.. Nos candomblés de angola e congo, tata de inkice para o pai, e mamêto de
inkice, a mãe.
65
Numa estratégia de legitimar o discurso do pastor, a ex-mãe-de-encosto confirma,
que os males que assolam as pessoas vêm de “trabalhos feitos” por espíritos
inferiores, os encostos, comandados pelos cultos afro-brasileiros e, somente o “pai
das luzes”, poderá salvá-las do inimigo.
Nesse caso é importante entender quem são os encostos. Segundo o vocabulário
pesquisado pela etnolingüista, Yeda Pessoa de Castro (2001), Falares Africanos na
Bahia, encosto é “espírito que está ao lado ou se junta a uma pessoa viva,
conscientemente ou não, prejudicando-a com suas vibrações negativas” (CASTRO,
2001, p. 228).
O trabalho da etnolingüista nos fornece pistas importantes para entender o sentido e
o uso de palavras como encosto, que é um termo oriundo dos falares populares no
Brasil. Sendo assim, vamos abrir um parêntesis para discutir a influência recíproca
da língua portuguesa e das diversas línguas africanas e indígenas na construção do
português brasileiro.
Para entender o sentido de muitas palavras faladas no Brasil não será possível
recorrer apenas ao estudo da língua portuguesa. Isso se deve à presença massiva
de africanos no Brasil, desde o período da escravidão. A diáspora africana
contribuiu, de forma determinante, na construção da língua falada e escrita no país,
até os dias de hoje.
Segundo Castro, estima-se que 5 a 8 milhões de africanos foram introduzidos no
Brasil para trabalhar como escravos. Esse contingente populacional correspondeu a
75% de negros em relação ao número de portugueses e outros europeus, segundo o
censo de 1823, um ano após a independência. A ocupação do território nacional,
pelos africanos e seus descendentes, cresceu vertiginosamente com a aproximação
da abolição da escravatura, quando o tráfico interno de escravos foi intensificado.
Na intimidade deste contexto histórico, o isolamento social e territorial
em que foi mantida a colônia pelo monopólio do comércio externo
brasileiro feito por Portugal até 1808, condicionou um ambiente de vida
de aspecto conservador, mas aberto à aceitação de empréstimos
culturais mútuos de interesses comuns e tendência niveladora. Aqui
destacam-se a ação socializadora da mulher negra servindo de “mãe-
66
preta”, no âmbito da família colonial e o tráfico de influências exercido
pelo escravo ladino, aquele que logo cedo, sabendo falar o português,
podia influir sobre um número maior de ouvintes por participar de duas
comunidades socio-lingüisticamente diferenciadas, casa-grande e
senzala, tomando como exemplo o binômio consagrado pela obra do
mesmo nome de Gilberto Freire (CASTRO, 2001, p. 63).
Quanto à linguagem religiosa, que interessa mais detidamente a este trabalho, a
autora vai dividi-la em cinco níveis: a língua-de-santo, a linguagem do povo-de-
santo, a linguagem popular, o português regional da Bahia e o português do Brasil. A
palavra encosto, por exemplo, está situada no português regional da Bahia.
[...] é o falar das pessoas das camadas sociais economicamente
privilegiadas, entre as quais é cada vez maior o número de seguidores
dos candomblés em conseqüência mesmo da mobilidade do povo-de-
santo. Além disto, os candomblés têm atraído um número cada vez
maior de intelectuais, artistas, profissionais liberais, políticos de todas
as partes. Por outro lado, a exploração turística, a propaganda
comercial e a sua utilização por órgãos governamentais junto aos meios
de comunicação, sobretudo redes de televisão, têm contribuído para
popularizar, também no exterior, as divindades dos candomblés da
Bahia, seus símbolos, danças e cânticos (CASTRO, 2001, p.123).
Essa referência nos leva a concluir que, apesar de não fazer parte da linguagem
ritual sagrada utilizada pelos terreiros (língua-de-santo
14
), a palavra encosto é uma
apropriação do universo religioso afro-brasileiro.
Encontramos, ainda, outras fontes que nos forneceram significados diferentes para o
termo. Para o Wikipédia, dicionário livre da Internet, encosto é um espírito maligno
ou demônio que prejudica a vida das pessoas desprotegidas. O verbete cita, ainda:
[...] de acordo com os neopentecostais, a presença do encosto pode
sensorialmente ser notada quando o indivíduo tem audição de vozes e
visão de vultos, doenças que os médicos não conseguem descobrir,
depressão e traços de homossexualidade. Esses sintomas podem ser
sucedidos por alcoolismo e dependência de drogas (ENCOSTO, 2006).
Não é por acaso, que o Wikipédia associa o termo “encosto” aos neopentecostais. A
popularidade dessa expressão aumentou muito com a sua divulgação pelos
programas de televisão da IURD. No Programa Mistérios, o “encosto” é a motivação
14
“Neste contexto, língua deve ser entendida mais como um veículo de comunicação simbólica do
que propriamente de competência lingüística. O seu uso é circunscrito a um sistema lexical de base
africana relacionada ao universo religioso dos recintos sagrados, onde se desenrolam as cerimônias
do culto” (CASTRO, 2001, p. 80).
67
de todos os problemas sociais, financeiros, emocionais, de saúde pelos quais as
pessoas passam. Se a pessoa tem insônia é devido à presença do “encosto” na sua
vida. Se ela está sem dinheiro ou seu filho é usuário de drogas, a culpa também é
do “encosto”.
É importante destacar que, no programa Mistérios ocorre uma associação dos
“encostos” às entidades cultuadas pelas religiões afro-brasileiras. Essa associação
fica clara, por exemplo, na deturpação do nome mãe-de-santo para mãe-de-encosto.
Durante o trecho da entrevista abaixo, o pastor Luciano chega a se referir à ex-mãe-
de-encosto como uma ex-bruxa. É importante destacar que, em nenhum momento, o
programa mostra nem o rosto e nem o nome da senhora, que se apresenta como
uma ex-sacerdotisa da religião de matriz africana, convertida pela IURD.
VÍDEO ÁUDIO
O programa mostra na tela duas janelas
lado-a-lado, uma com a imagem do pastor
e outra com a imagem da ex-mãe-de-
encosto. A imagem do pastor aparece do
lado direito da tela, num plano mais
fechado, tendo ao fundo o estúdio bem
iluminado. A imagem da ex-mãe-de-
encosto aparece do lado esquerdo da tela,
de perfil no contra-luz totalmente preto com
um fundo vermelho chapado.
A imagem da ex-mãe-de-encosto toma
toda a tela da TV. GC (gerador de
caracteres) na parte inferior da tela: EX-
MÃE-DE-ENCOSTO SERVIU AOS
ENCOSTOS POR MUITOS ANOS.
Entrevista:
Pastor - E é coisa feita mesmo?
Ex- mãe É coisa feita. Ela tem que
procurar rapidamente o pai das luzes, para
que Deus venha dar a vitória para ela.
Pastor - A senhora entendeu amiga?
Amiga de Guarulhos Entendi, sim.
Pastor - E quem está falando é uma senhora
que já foi bruxa. A senhora foi bruxa por
quantos anos?
Ex- mãe Mais de cinco.
Pastor - Então, a senhora sabe o que os
encostos são capazes de fazer tanto da
linha da esquerda como da direita, de todos
os lados, né?
Ex- mãe De todos os lados. Eles falam
que tem a linha da direita e da esquerda,
mas eles só praticam o mal. Eles enganam
as pessoas. Levam as pessoas a crer
naquilo que eles estão ali fazendo para a
pessoa ficar perturbada e ficar cega
espiritualmente.
A oposição entre o bem e o mal, a magia e a religião, a luz e a sombra marcam tanto
as imagens quanto o discurso do programa. Nessa entrevista entre o pastor Luciano
e a ex-mãe-de-encosto, para desvendar o mistério da “amiga de Guarulhos” a
68
oposição maniqueísta fica bem definida. Enquanto a ex-mãe-de-encosto aparece
numa posição contra luz total, com um fundo vermelho, a imagem do pastor é
apresentada num quadro ao lado, bem iluminada, num fundo claro de tons pastéis.
Foto 7 - Pastor Luciano e a imagem da ex-mãe-de-encosto
Fonte: Programa Mistérios de 24/11/2004.
Nesse mesmo trecho da entrevista é feita uma outra referência aos “encostos” que
remete à umbanda, quando falam das entidades de esquerda e direita. Segundo
Hélide Maria dos Santos Campos (2002), o Bispo Edir Macedo, fundador da Igreja
Universal do Reino de Deus, é ex-umbandista. Esse fato nos despertou a
necessidade de conhecer melhor os rituais da umbanda.
2.3 O Vale do Sal: a Sessão do Descarrego em São Paulo
Vários autores, pesquisadores da umbanda, a conceituam como uma religião
brasileira. Isso quer dizer que, apesar de manter um substrato das religiões de
matriz africana, a umbanda absorveu outras influências como o kardecismo,
69
catolicismo popular e o culto aos caboclos (CONCONE, 1987; ORTIZ, 1999).
Como religião universal, isto é, dirigida a todos, a umbanda sempre
procurou legitimar-se pelo apagamento de feições herdadas pelo
candomblé, sua matriz negra. (...) a umbanda absorveu do kardecismo
algo de seu apego às virtudes da caridade e do altruísmo, assim
fazendo-se mais ocidental que as demais religiões do espectro afro-
brasileiro, mas nunca completou o seu processo de ocidentalização,
ficando no meio do caminho entre ser religião ética, preocupada com a
orientação e conduta e a religião mágica, voltada para a estrita
manipulação do mundo (PRANDI, 1997, p.11, 12).
É no ritual umbandista que vamos encontrar as sessões de descarrego, hoje
apropriadas pela Igreja Universal do Reino de Deus. Na umbanda, o médium
incorporado por um espírito de direita (caboclos, pretos velhos e exus batizados)
afasta os espíritos de esquerda (exus não-batizados), que estão prejudicando a vida
da pessoa, causando fome, doença, miséria e sofrimentos.
Aqui vamos abrir mais um parêntesis para conhecer um personagem controvertido
do panteão de deuses nagôs, que ganhou uma forte projeção no imaginário cultural,
através da Igreja Católica, como também da Umbanda, o orixá Exu.
O pesquisador Fabio Lima (1999, p. 6), na monografia apresentada ao Curso de
Antropologia da UFBA, faz a seguinte pergunta: Que diabo é Exu?
Exu é um dos orixás mais importantes do panteão africano cultuado nas
Américas e no Brasil. Exu é tido como um trickster, um trapaceiro,
mágico, coringa o que levou ao pensamento de uma sociedade
marcada pela ideologia do cristianismo a associá-lo ao Diabo. Na
umbanda, Exu é tido como espírito em evolução. Para os iniciados nos
candomblés do modelo jeje-nagô, Exu representa o princípio da
dinâmica e da comunicação, responsável pela sexualidade, logo pela
perpetuação da espécie.
Para entender a visão sobre Exu, segundo os umbandistas, antes de mais nada, é
preciso se destacar o caráter ambivalente entre a umbanda e quimbanda. Para
Renato Ortiz (1999, p. 88), “a quimbanda se apresenta como uma dimensão oposta
da umbanda, ela é a sua imagem invertida; tudo que se passa no reino das luzes
tem o seu equivalente negativo no reino das trevas”.
Sendo assim, para os umbandistas, Exu é uma entidade de esquerda (quimbanda),
70
ou seja, um espírito em evolução. Já os orixás são considerados as forças da
umbanda, portanto não incorporam nos médiuns, mas influenciam através da sua
vibração na linha de entidades de luz (pretos-velhos, crianças, caboclos). Os exus,
ao contrário dos orixás, incorporam nos médiuns para trabalhar e se desenvolverem,
neste caso são chamados de “exus batizados”.
Talvez seja esta uma das figuras mais controvertidas da umbanda,
temido e respeitado ao mesmo tempo. Taxado de espírito atrasado,
mas também considerado um agente mágico universal. Há
umbandistas que distinguem inclusive Exu pagão (espíritos ainda
empedernidos na prática do mal e de atos repulsivos, abjetos, odiosos,
etc) e Exu batizado (que seriam espíritos que apesar de não ter
nenhuma evolução, reconhecendo o erro que praticavam agora só
praticam o bem sob orientação de um guia de elevada luminosidade)
(CONCONE, 1987, p.140).
Para os terreiros de candomblé, originalmente, Exu é o orixá responsável pela
comunicação entre os deuses e os homens (aiyê e o orun). A antropóloga Juana
Elbein dos Santos (1998) explica que Exu é um elemento constitutivo e dinâmico de
tudo que existe. Segundo a pesquisadora, cada pessoa e cada orixá têm o seu
próprio Exu. Sendo assim, ele está relacionado aos homens e aos ancestrais,
tamanha é a importância de Exu para a cosmogonia nagô.
Nesse sentido, como Olorun (Deus), entidade suprema protomatéria do
universo, Èsú (Exu) não pode ser isolado ou classificado em nenhuma
categoria. É um princípio como o asé (axé) que ele representa e
transporta, participa forçosamente de tudo. Princípio dinâmico e de
expansão de tudo que existe, sem ele todos os elementos do sistema e
seu devir ficariam imobilizados, a vida não se desenvolveria. (...) Assim
como Olorun (Deus) representa o princípio da existência genérica, Èsú
(Exu) é o princípio da existência diferenciada em conseqüência de sua
função de elemento dinâmico que o leva a propulsionar, a desenvolver,
a mobilizar, a crescer, a transformar e a comunicar (SANTOS, 1998,
p.131).
Com o tempo a representação dessa entidade foi ganhando novos significados.
Segundo Roger Bastide (1978), o caráter fálico de Exu, por exemplo, contribuiu para
a sua associação ao diabo. É interessante observar os argumentos do pesquisador
francês, que demonstram bem como historicamente vem sendo construída uma
visão distorcida e preconceituosa sobre este orixá.
As estatuetas mais antigas de Exu encontradas nos candomblés
apresentam caráter fálico muito acentuado. Ora padres e frades, desde
o início da colonização, tiveram que lutar contra a poligamia masculina,
71
contra a sedução das índias nuas e da Vênus negra, contra a volúpia
dos senhores brancos e o erotismo das mulatinhas. Para amedrontá-
los, recorreram em seus sermões à ameaça de castigos infernais e,
ainda mais do que nos países europeus, cujo clima mais temperado
não incita a tanta lubricidade, ligaram o amor carnal ao diabo, desejoso
de perder o maior número de almas possível, por meio do pecado da
carne. O membro viril de Exu, tanto quanto seus chifres, nos parecem,
pois responsável por sua identificação brasileira com o diabo
(BASTIDE, 1978, p.172).
Apesar de a exibição na íntegra das sessões de descarrego pelos canais de
televisão associados à IURD terem diminuído consideravelmente, podemos ainda
assisti-las num templo da Igreja da Universal do Reino de Deus, mais próximo de
nossas casas.
Na edição de maio de 2005, da revista Caros Amigos, o repórter João de Barros,
publicou uma matéria, onde descreve uma Sessão de Descarrego promovida no
Templo Maior da IURD, comandada pelo Bispo Luciano, apresentador do programa
Mistérios, para uma platéia eufórica. Na matéria, Exu é citado textualmente:
No corpo da moça que urra resta aprisionado o chefe, Exu caveira, o
Pai da morte, Senhor das Trevas. Não basta expulsar o encosto terrível
amarrado, segundo Luciano. Tá amarrado ou não está pessoal?
Tá!!, respondem os crentes.
Nãããão!, berra o encosto, que continua com os braços para trás.
Tá amarrado pessoal, mas eu vou libertá-la de vez, amém?, pergunta
para que todos respondam o mesmo.
Amém, responde a platéia.
O Bispo continua: vou libertá-la para o espírito da luz voltar a reinar
sobre esta desgraçada.
Em seguida anuncia: fará o encosto passar pela via do sal, cujo
caminho - ele aponta é uma trilha no fundo do palco.
Lá pessoal, o capeta vai arder, vaticina. Em seguida, pega o microfone
numa das mãos, caminha em direção a Célia Regina, gira a cabeça da
jovem pra lá e pra cá, ela se bate, ambos simulam uma breve luta, mas
o pastor mantém-na presa pelos cabelos.
Qual é seu nome demônio? E o encosta, o de voz enrolada de bêbado,
revela-se Exu caveira.
E o que você tem feito na vida dessa mulher? Diga em nome de Jesus.
O encosto confessa ter alojado nela para roubar-lhe o marido e, por
isso deixou o filho do casal nas trevas.
O Pastor simula surpresa e dirige-se ao garoto que confirma, com
aceno de cabeça.
Os fiéis se agitam. Alguém berra: Sai!! E a assembléia fica em
polvorosa. Sai, sai!!!, ouve-se no salão.
Luciano começa então a queimar o encosto com unção de óleo.
A histeria toma conta da sessão:
72
Queima, queima, queima (nº 98 p. 28,29).
É no ritual umbandista que vamos encontrar as sessões de descarrego, hoje
apropriadas pela Igreja Universal do Reino de Deus. A representação de Exu na
umbanda é um bom exemplo de como esta reinterpretação se deu. Suas diversas
representações como a Pomba-gira, Zé Pelintra, Tiriri, Tranca-rua, muitas vezes
remetem aos espíritos desencarnados de prostitutas, malandros, ciganas, entre
outros. Para Reginaldo Prandi (2005, p. 82), a Pomba-gira é um bom exemplo das
múltiplas formas assumidas por Exu, no lado esquerdo da umbanda, a chamada
quimbanda.
O imaginário tradicional umbandista, para não dizer brasileiro,
acreditava que muito da maldade humana é próprio das mulheres, que
o sexo feminino tem o estigma da perdição, que é a marca bíblica,
constitutiva da humanidade, desde Eva. O pecado da mulher é o
pecado do sexo, da vida dissoluta, do desregramento, é o pecado
original que fez o homem se perder. Numa concepção que é muito
ocidental e muito católica. Então Exu também foi feito mulher, deu
origem a Pomba-gira, o lado sexualizado do pecado. Quem são as
pomba-giras na quimbanda? Prostitutas, cortesãs, companheiras
bandidas dos bandidos amantes, alcoviteiras, cafetinas, jogadoras de
cassino, artistas de cabaré, atrizes de vida fácil, mulheres dissolutas,
criaturas sem família e sem honra.
Ainda segundo Prandi, é também no ritual umbandista, que Exu assume a forma de
diabo, segundo uma das configurações desse antigo personagem, saída do
imaginário popular cristianizado.
Esse é o domínio de Exu cristianizado no diabo. Quando incorporado
no transe ritual, Exu veste-se de capa preta e vermelha e leva na mão o
tridente medieval do capeta, distorce mãos e pés imitando os cascos do
diabo em forma de bode, dá as gargalhadas soturnas que se imagina
próprias do senhor das trevas, bebe, fuma e fala palavrão. Nada a ver
com o traquinas, trapaceiro e brincalhão dos deuses iorubas (PRANDI,
2005, p. 82-83).
73
Foto 8 - Representação de Exu como Foto 9 - Exu representado como uma mulher
Diabo (pombagira) e como um homem
Fonte: Carla Osório (2007). Fonte: Carla Osório (2007).
Sendo assim, voltando ao Programa Mistérios não é à toa que a ex-mãe-de-encosto
aparece na tela num contra-luz total sobre um fundo vermelho. A mistura do
vermelho-preto na imagem remete às cores de Exu, nas religiões de matriz africana
e que foi associada historicamente, no imaginário popular, como a figura do próprio
diabo.
Foto 10 - Ex-mãe-de-encosto
Fonte: Programa Mistérios de 24/11/2004.
74
Na IURD, o ritual do descarrego tem o mesmo objetivo da umbanda, entretanto ele é
feito por um pastor e em nome do Espírito Santo, além disso, envolverá um aparato
cênico, com luz, câmera e muita ação.
Para o pesquisador da comunicação, Alberto Klein (2004, p. 152), a contaminação
televisiva do espaço religioso estabelece parâmetros, fixa critérios, determina ângulo
e distâncias de uma nova espécie de liturgia.
Assim é que os cultos e missas tornam-se mais televisivos e portanto,
mais espetaculares. Nada é mais sutil aos sentidos da visão e da
audição: os gestos e a movimentação corporal devem ser bastante
visíveis, o louvor e os cânticos devem-se render necessariamente em
decibéis bastante elevados, a voz do pregador se eleva, retumba,
repercute tactilmente em nossa pele. A ela as vozes da platéia reagem
gritam falam as línguas dos anjos, assobiam, choram, braços se
erguem, o corpo inteiro entra em êxtase espiritual. No palco um corpo
explora todo o espaço possível, pula, movimenta-se, dança, anima o
público. Tudo se agiganta aos olhos e ouvidos.
No período da pesquisa utilizamos a observação participante numa vista à Catedral
da Fé de Santo Amaro, em São Paulo, onde são gravadas as imagens que serão
exibidas na programação da Rede Record, inclusive o programa Mistérios.
Em vista ao templo, pudemos observar uma câmera fixa no fundo da igreja,
registrando a atuação do pastor no palco, enquanto uma câmera móvel, montada
numa grua, sobrevoa a platéia e registra os detalhes da cena. Numa ilha de edição é
escolhida a melhor imagem, que é transmitida simultaneamente num telão, no fundo
do palco. O telão que, na realidade, é uma tela plana de cerca de 3 metros de
extensão, substitui o antigo altar. A platéia presente no templo pode escolher entre o
espetáculo que está acontecendo no palco ou assisti-lo no espaço virtualizado.
Roteiro definido, a Sessão do Descarrego, que pode durar cerca de uma hora, tem
início. Enquanto os espíritos são dominados pelo pastor e seus obreiros,
constituídos por ex-mães-de-encosto, o espetáculo é entremeado por histórias de
ficção contadas por personagens que têm suas vidas infernizadas por maridos
alcoólatras, pragas rogadas por ex-sogras, falsos amigos.
75
As trilhas sonoras remontam aos clássicos filmes de terror, algumas vezes são
utilizadas também sonoplastias que, junto com a música, reproduzem gritos e sons
de assombração.
No centro das atenções, a grande atração do espetáculo, exu ou o diabo, é
entrevistado pelo pastor e confessa toda a sua maldade para com a vítima. Na
performance, o pastor, para vencer as trevas, trava uma luta com o espírito do mal,
que pode chegar inclusive a um embate físico com a pessoa possuída.
Depois da catarse, a platéia relaxada canta hinos de louvor e deposita o que pode
nas sacolas. Na próxima sessão, o culto espetáculo espera contar com a
participação de mais encostos. Afinal, sem o diabo não existe um opositor para ser
combatido, e sem o opositor a Igreja Universal do Reino de Deus perde a sua estrela
maior.
A transmissão das sessões de exorcismo pela mídia televisiva, revela uma nova
face dos cultos neopentecostais. A televisão vai traduzir a espetacularização, que já
pauta os cultos religiosos e a participação dos fiéis nos templos, em um show de
imagens. Baseado no estudo do cientista da comunicação Harry Pross, que
denomina as mídias eletrônicas como portadoras técnicas de símbolos, Alberto Klein
(1999, p. 108) faz a seguinte observação acerca do problema religião versus meios
de comunicação:
A mídia eletrônica, ou terciária (cf. Pross), traz uma nova configuração
para os cultos. Demônios adquirem status de personagens de rádio e
TV, ganhando sua expressão maior nas sessões de exorcismo.
Contudo a figura que está circunscrita reduz-se a um componente de
um culto construído como show. [...] É a anulação de qualquer
possibilidade de participação. A celebração religiosa transforma-se em
pura representação de imagens, e como tal é absorvida pela audiência.
O programa Mistérios analisado não apresenta mais as sessões de exorcismo
realizadas durante a Sessão do Descarrego. Respondendo na justiça à Ação Civil
Pública, pedindo direito de resposta, a IURD limita-se a mostrar na programação da
TV Record, a passagem pelo Vale do Sal. No programa, esse curioso ritual segue a
seguinte seqüência:
76
Primeiro os fiéis participam de uma consulta espiritual sentados numa imensa mesa
branca frente a frente com obreiros da igreja, também vestidos de branco. Em
seguida, passam pelo Vale do Sal, que corresponde a um tapete de sal grosso de
grande extensão, onde outros obreiros de mãos erguidas oram por essas pessoas,
com uma platéia ansiosa que assiste a tudo, enquanto aguarda a sua vez. No fim do
culto, todos levam para casa um frasco, contendo o banho de descarrego, de
conteúdo não identificado.
Nessas cenas que aparecem no programa, editadas no formato de uma matéria
jornalística, revelam outros elementos rituais das religiões de matriz africana. Pode-
se destacar, por exemplo, o uso da mesa branca utilizada pelos obreiros da IURD
para o atendimento espiritual, dentro do Templo Maior.
Foto 11 - Mesa branca de atendimento espiritual Santo Amaro (SP)
Fonte: Programa Mistérios de 24/11/2004.
Segundo Castro (2001, p. 282), a mesa é uma “denominação de certas sessões
rituais, sobretudo na umbanda”. Encontramos, ainda, uma outra referência à mesa
num culto de origem banto, praticamente extinto no Brasil, mas que influenciou
fortemente os candomblés de angola e congo.
A cabula é uma confraria de irmãos devotados à invocação das almas,
de cada um dos kimbula, os espíritos congos que metem medo. [...]
Toda confraria cabulista constitui uma mesa. O chefe da mesa é o
embanda, a quem todos devem obedecer (LOPES, 2005, p. 248).
77
O uso de roupas brancas, geralmente utilizadas pelos obreiros da IURD, também é
comum entre os praticantes da umbanda. Durante as giras ou sessões, os médiuns
devem ir sempre de branco e de pés descalços. Segundo o cientista social Nei
Lopes (2005, p. 253), a palavra umbanda vem do quimbundo, língua de Angola, uma
derivação do verbo kubanda (desvendar), e significa a arte do curandeiro, os
médicos. Sendo assim, o uso do branco remete às curas espirituais realizadas por
pessoas com capacidades mediúnicas desenvolvidas.
Para o candomblé, o uso de roupas brancas é um antigo costume nos rituais, que
permanece até hoje. Segundo o antropólogo Pierre Verger (1981), na Bahia, por
exemplo, isso se deve à importância do orixá Oxalá. É devido ao sincretismo
religioso desse orixá, que uma das maiores festas brasileiras, a lavagem das
escadarias da Igreja do Senhor do Bonfim, reúne milhares de pessoas, todo ano, na
Bahia.
No Novo Mundo, na Bahia principalmente, Oxalá é considerado o maior
dos Orixás, o mais venerável e o mais venerado. Seus adeptos usam
colares de contas brancas e vestem-se geralmente de branco. Sexta-
feira é o dia da semana consagrado a ele. Esse hábito de se vestir de
branco na sexta-feira estende-se a todas as pessoas filiadas ao
candomblé, mesmo aquelas consagradas a outros orixás, tal é o
prestígio de Oxalá (VERGER, 1981, p. 259).
O verbete da Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana, além de confirmar a
versão de Pierre Verger, remete à influência islâmica do costume.
O costume de trajar vestes brancas às sextas-feiras, observado, no
Brasil, pelos praticantes das religiões de origem africana, geralmente
associada ao culto de Oxalá, vem da África, mas parece ter origem na
tradição islâmica. Segundo Al-Omari, historiador árabe da Idade Média
(citado por J. Ki-Zerbo), nas sextas-feiras, os negros muçulmanos se
dirigiam bem cedo às mesquitas cobertos de 'belas vestes brancas'
(LOPES, 2004, p. 587).
78
Fotos 12 e 13 - Festa do Nosso Senhor do Bonfim, Salvador (BA)
Fonte: Carla Osório (2002).
Ao final do programa é exibida uma vinheta com imagens de um filme, que mostram
o personagem bíblico Davi, no Vale do Sal. Segundo uma passagem bíblica, foi no
Vale do Sal que Davi e Amazias derrotaram 18 mil edonitas. Durante a vinheta, a
narração off diz que foi no Vale do Sal que Davi venceu os inimigos poderosíssimos.
Na Sessão do Banho de Descarrego, os “inimigos” a serem vencidos no Vale do Sal
são os encostos e não mais os edonitas.
Os aspectos simbólicos do sal estão presentes em várias culturas milenares. As
culturas grega, hebraica, árabe, japonesa, africana, entre outras, atribuíram
significados diferenciados ao uso do sal.
Observamos que no Japão, o sal (shio) é considerado um poderoso
purificador. No mais antigo livro xintoísta japonês, o Kojiki, é possível
encontrar uma origem mitológica. O grande Kami Izanakino-Kimoto,
tendo-se maculado querendo rever a sua mulher nos Infernos, vai se
purificar lavando-se na água do mar. [...] Certos japoneses jogam sal
todos os dias na soleira de suas casas e também dentro delas após a
saída de uma pessoa malvinda. Os campeões de sumô, luta tradicional
japonesa, jogam sal nos ringues antes dos combates, em sinal de
purificação e para que a luta transcorra num espírito de lealdade
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 1989, p.798).
O banho, como ato de imersão purificador, esteve presente em todos os lugares em
todos os tempos. O uso desse ritual purificador e regenerador é um elemento
marcante nas religiões afro-brasileiras. O banho de abô, por exemplo, que utiliza
ervas para afastar os maus espíritos, é uma prática recorrente nos terreiros de
candomblé nagô.
79
A utilização do sal no banho é uma das modalidades do banho de descarrego, uma
prática ritual umbandista. Esse banho é comumente utilizado, devido à sua
simplicidade. Segundo a prática umbandista, com uma mistura de sal grosso, em
água morna ou fria, a pessoa pode se livrar de energias negativas, evitando desse
modo, doenças e distúrbios. Sendo assim, apesar de a representação do Vale do
Sal estar presente na mitologia cristã, o uso do sal no banho de descarrego é um
ritual claramente umbandista.
O Vale do Sal associado à Sessão do Descarrego e à mesa de obreiros vestidos de
branco, dando consultas espirituais aos fiéis, são alguns elementos presentes no
programa, que ilustram a herança umbandista nos ritos iurdianos. É importante
destacar que, apesar da proximidade com os ritos umbandistas, essas imagens,
presentes no imaginário popular brasileiro, estão associadas às demais religiões de
matriz africana.
2.4 O Demônio no Tapaué: a Sessão do Descarrego na Bahia
O programa Casos Reais, exibido pela TV Itapoan, afiliada da Rede Record, na
Bahia, mantém a mesma estrutura de apresentação do programa Mistérios.
Realizado num pequeno estúdio de TV, o programa conta com duas câmeras, um
pastor-apresentador, entrevistas no estúdio, o S.O.S espiritual e muitos testemunhos
de fé registrados pela equipe de reportagem. Na Bahia, o programa Casos Reais
cumpre o mesmo papel do programa Mistérios em São Paulo, divulgar a Sessão do
Descarrego.
Por outro lado, no que tange às estratégias de divulgação da Sessão do Descarrego,
o programa Casos Reais difere em diversos aspectos do irmão paulista. Enquanto
em São Paulo o programa Mistérios é mais centrado em problemas financeiros, na
Bahia, as curas são um forte apelo às sessões do descarrego comandadas pelo
bispo Sérgio Corrêa, apresentador da versão baiana do programa.
80
Durante o programa, o bispo Sérgio Corrêa apresenta aos telespectadores do
programa diversos milagres de cura que acontecem no templo maior da IURD,
durante a sessão do descarrego. São aleijados que largam as muletas e voltam a
andar, pessoas que alcançaram a cura do câncer, entre outros. Milagres realizados
em nome Jesus Cristo, e com a utilização de mais um instrumento utilizado para as
curas, a Rosa Branca da Paz.
Ao contrário da Sessão do Banho do Descarrego de São Paulo, na Bahia a
expressão banho não existe mais. Lá o sal é substituído pela rosa branca, e o culto
passa a se chamar simplesmente Sessão do Descarrego.
Um caso de cura que marcou o programa de 29 de abril de 2006, foi a cura do
câncer de Jéssica, uma moça de 14 anos, que foi dar o seu testemunho na igreja,
exibido na íntegra pela TV Record. Durante o testemunho, a mãe de Jéssica explica
que a menina desenvolveu um câncer maligno na perna, próximo à virilha. Segundo
a mãe, os médicos disseram que se não conseguissem extrair o tumor, que estava
agarrado ao osso, teriam que amputar a perna de Jéssica. Sendo assim, antes da
internação, a mãe e o pai foram para a sessão do descarrego orar e pegar uma rosa
branca para levar ao hospital. Batendo com a rosa branca na perna de Jéssica sua
mãe falou: aí não é o seu lugar demônio! Segundo a mãe de Jéssica, depois de ter
usado a rosa branca, a operação foi um sucesso, o tumor soltou do osso da perna
da menina.
Fotos 14 e 15 - Bispo Sérgio Corrêa entrevistando a família de Jéssica
Fonte: Programa Casos Reais de 29/04/ 2006.
O testemunho seria mais um entre tantos apresentados pelo programa, se não fosse
81
a mãe ter levado o tumor num vasilhame plástico para o bispo Sérgio Corrêa exibi-lo
para a platéia, na igreja e para os telespectadores da TV.
Com a rosa branca numa mão e o tumor dentro de um tapaué na outra, o pastor diz,
olhando para a câmera: “Olha a cabeça do gigante cortada! Olha só a prova do
milagre de Deus. O que você quer que mostremos mais para provar que este Deus
existe?”
Foto 16 - Bispo Sérgio Correa mostrando o “demônio no tapaué”
Fonte: Programa Casos Reais de 29/04/ 2006.
A cena carregada de um apelo popularesco, evidencia o tumor no tapaué,
representando a cabeça do gigante cortada da perna de Jéssica, remete a um
personagem extraído do imaginário popular brasileiro, o diabo da garrafa. O escritor
Guimarães Rosa fala desse personagem no livro Grandes Sertões: Veredas e nas
histórias de Monteiro Lobato, Pedrinho prende dentro da garrafa um outro diabinho,
o saci-pererê. Na novela o Rei do Gado, exibida pela Rede Globo, o diabo da
garrafa teve uma participação como ator coadjuvante.
Vestido totalmente de branco e realizando curas espetaculares, a atuação do bispo
Sérgio Corrêa, remete aos milagres bíblicos praticados por Jesus Cristo.
Principalmente na exibição de curas realizadas pelo bispo Sérgio Corrêa, em
pessoas aleijadas que deixam suas muletas e recomeçam a andar.
82
Foto 17- Bispo Sérgio Corrêa na Sessão do Descarrego
Fonte: Programa Casos Reais de 29/04/ 2006.
Por outro lado, para as religiões de matriz africana, como o candomblé que tem forte
influência na cultura baiana, a sessão do descarrego e, principalmente, o uso da
rosa branca remetem a outros imaginários.
Quanto ao uso da roupa branca, o trabalho dos médiuns e a sessão do descarrego
já foram amplamente discutidos no programa Mistérios. Tendo em vista a presença
histórica dos terreiros de candomblé, na Bahia, vamos buscar os elementos das
culturas jeje-nagô
15
presentes na versão baiana da sessão do descarrego, a fim de
continuar a análise da apropriação do universo sagrado das religiões de matriz
africana, desta vez pelo programa Casos Reais.
Para a cultura jeje-nagô, o orixá da saúde é Omolu ou Obaluayê. Segundo Pierre
Verger (1981, p. 252), “[...] a origem do culto a Omolu, na África, é tão antiga quanto
imprecisa. No Brasil, ele apresenta nomes diferentes de acordo com as nações dos
terreiros. Para os jejes ele é Xapanã, um antigo ancestral Tapa”.
Nas histórias míticas pesquisadas pelo etnógrafo Verger (1997, p. 61), na África, o
investigador relata:
15
Segundo o antropólogo Vivaldo da Costa Lima (1977), a expressão jeje-nagô é fruto de um
sincretismo religioso entre estes povos que inicia, ainda na África e se estende com maior intensidade
para os terreiros de candomblé na Bahia.
Quanto aos jejes, segundo o historiador Marcos Carvalho (2006), são povos que viviam no antigo
Reino do Daomé, onde hoje está localizado o Benim. Os jejes vieram da África para o Brasil
escravizados no século XVIII e se estabeleceram, principalmente nos estados da Bahia e do
Maranhão. Dentre os povos jejes que desembarcaram no Brasil, podemos destacar, os fons,
ashantis, mahis, guns, entre outros.
83
Xapanã é considerado o deus da varíola e das doenças contagiosas.
Ele tem também o poder de curar. As doenças contagiosas são na
realidade punições aplicadas àqueles que o ofenderem ou conduzirem-
se mal. Seu verdadeiro nome, é perigoso demais pronunciar. Por
prudência, é preferível chamá-lo de Obaluaê, o ‘Rei Senhor da Terra’
ou Omolu, o ‘Filho do Senhor’.
No Brasil, esse poderoso e temido deus africano é cultuado pelos adeptos do
candomblé e simpatizantes, todas as vezes que algum caso de doença recai sobre
um membro da família. Seus seguidores vestem branco e nos rituais ao orixá são
utilizados banhos de pipoca. Nos terreiros, a festa dedicada ao orixá é conhecida
como Olubajé, e geralmente ocorrem no mês de agosto.
A devoção a Omolu, na Bahia, também pode ser observada no sincretismo religioso
entre as religiões católicas e o candomblé, onde o culto ao Orixá na Bahia é
sincretizado na devoção a São Lázaro. Às segundas-feiras, várias pessoas se
reúnem à frente da pequena Igreja de São Lázaro, no bairro da Federação, para
tomar banhos de pipoca e pedir as bênçãos do orixá da saúde.
No exterior da Igreja encontram-se mulheres que pagam promessas a
Omolu ou a Obaluayê, ao ‘velho’ como diz o povo de santo. Elas são
chamadas “pagadoras de promessas”, e se vestem com roupa branca
ricamente bordadas em Richelieu à moda do candomblé. Sobre suas
cabeças, elas carregam tabuleiros de pipocas, cobertos com uma fina
toalha em linho bordada, rigorosamente engomada. Essas pagadoras
de promessa vão a Igreja São Lázaro, a fim de solicitar a benção ao pai
da saúde, Omolu/Obaluayê simbolicamente representado naquele local
(SIQUEIRA, 1998, p. 371).
84
Foto 18 - Sacerdotisa do candomblé na festa
de São Lázaro, Salvador (BA)
Fonte: Carla Osório (2000).
Segundo Roger Bastide, devido ao seu caráter perigoso de Omolu, tanto ele como
Exu, devem ser agradados, logo no início da semana. Na citação abaixo, Bastide
traz também uma expressão utilizada pelo antropólogo Edson Carneiro (1937), que
explica bem o papel que Omolu vem representando historicamente no candomblé,
junto à população desfavorecida da Bahia.
Omolu é o deus da varíola, das doenças da pele, das epidemias que
com tanta freqüência dizimavam escravos no Brasil, é por isso uma
entidade igualmente perigosa que é preciso amansar logo no início da
semana. Pois estes dois deuses, na verdade, só são cruéis para
aqueles que não lhes rendem a homenagem devida. São ambos, ao
contrário favoráveis se lhes forem ofertados os alimentos e sacrifícios
que reclamam de fiéis. Não é sem razão que E. Carneiro chama Omolu
de ‘médico dos pobres’, de protetor dos humildes da Bahia
(CARNEIRO, 1937, apud BASTIDE, 1978, p. 99).
A Sessão do Descarrego, comandada pelo bispo Sérgio Corrêa, ao invés de utilizar
banhos de pipocas para realizar as curas milagrosas, utiliza rosas brancas.
A rosa branca aparece nas mãos do bispo-apresentador, logo no início do programa,
quando ele cumprimenta os telespectadores dando bom dia, minutos após ter
rompido a meia noite, de segunda para a terça-feira. Ele diz que passará a
85
madrugada com os telespectadores, consagrando a rosa branca e um perfume,
contido num pequeno frasco.
A rosa branca aparece também nas mãos das repórteres juntamente com o
microfone, durante as entrevistas com pessoas que dão seus testemunhos de cura
para a TV, em gravações externas.
Uma vinheta é rodada durante o programa com uma rosa branca desenhada
seguida de uma legenda “rosa branca da paz”, que cobre as imagens de centenas
de fiéis dentro do Templo Maior de Salvador, durante a Sessão do Descarrego.
Ao final do programa analisado, um super close é feito na rosa branca, que está na
mão do bispo, enquanto ele ora, pedindo a cura de pessoas que sofrem de todos os
tipo de doenças, inclusive a aids.
Fotos 19 e 20 - Rosa Branca e Perfume de Jesus usados na Sessão do Descarrego
Fonte: Casos Reais de 29/04/ 2006.
A rosa branca e o perfume fazem parte das oferendas de um dos orixás mais
populares no Brasil, Yemanjá. No panteão dos deuses nagôs, Yemanjá figura como
mãe dos orixás, como Xangô, Ogum, Oxumaré e Exu.
A relação entre os orixás Yemanjá e Omolu é também muito estreita. Segundo a
antropóloga Maria de Lurdes Siqueira (1998), Omolu, que no Brasil é considerado
filho do orixá Nanã, teria sido salvo e adotado por Yemanjá, quando sua mãe viu que
ele tinha nascido doente e o atirou no pântano. “Esse é o grande motivo por sua
devoção a este orixá” (SIQUEIRA, 1998, p. 116).
No dia dois de fevereiro, dia consagrado a Yemanjá, no calendário religioso afro-
brasileiro e nas festas de virada de ano, de norte a sul do país, milhares de pessoas
86
vão à praia para entregar presentes ao orixá da águas. Rosas brancas e perfumes
são as principais oferendas entregues ao mar, seguidas dos pedidos de bênçãos e
proteção.
A Yemanjá, que na língua yorubá significa a mãe dos filhos peixes, é considerada no
Brasil, a rainha do mar. Protetora da vida dos pescadores e da boa pesca, a
devoção ao orixá ilustrou histórias imortalizadas na literatura brasileira, pelo escritor
Jorge Amado
16
.
Foto 21 - Festa de Yemanjá no Rio Vermelho, Salvador (BA)
Fonte: Carla Osório (2001)
Fotos 22, 23, 24 - Festa de Yemanjá em Camburi, Vitória (ES)
Fonte: Carla Osório (2007).
16
Jubiabá (1935); Mar Morto (1936); Bahia de Todos os Santos (1945); Gabriela Cravo e Canela
(1958); Tieta do Agreste (1977).
87
Apesar de se apropriar visivelmente de vários elementos que compõem o universo
simbólico das religiões de matriz africana, no programa Casos Reais, o bispo Sérgio
Corrêa, mesmo estando na Bahia, não poupa ataques às entidades e aos
seguidores dessas religiões.
Numa consulta espiritual pelo telefone, realizada durante o programa com uma
pessoa identificada como “Amiga de Brotas” fala ao bispo Sergio Corrêa sobre os
problemas sentimentais com o marido. Os encostos e feitiços são identificados por
ela como os responsáveis pelo problema. O bispo aconselha a mulher a procurar a
Sessão do Descarrego para retirar esse mal de sua vida. Segue abaixo, trechos do
diálogo:
Amiga de Brotas Eu estou com um problema difícil bispo. Meu marido
está com um espírito obsessor. Ele se envolveu com uma mulher de
rua e esta mulher fez um trabalho para ele.
Bispo E como ele está se comportando?
Amiga de Brotas Bebendo muito, modificou o seu comportamento
ficou violento, me agride verbalmente. Eu já não sei mais o que eu faço.
Todo dia eu ligo a televisão faço uma oração e coloco a foto dele junto
com a rosa, e peço para ele sair desta vida e largar esta mulher.
Bispo Não tem sido suficiente por que em casa a fé não funciona
como na igreja.
[...] Se essa mulher fez um feitiço, certamente ele não fez um feitiço em
casa. Ela deve ter ido em casa de encosto, deve ter ido em
encruzilhada, deve ter ido no mar, nas matas. Ela saiu de casa para
agir com a fé negativa dela.
Essa que o bem sempre vence o mal é conversa fiada. O bem só vence
o mal se confrontar com o mal. Ela está agindo, sexta-feira ela está
trabalhando. A senhora pode estar conosco amanhã?
Amiga de Brotas Tô relutando tanto bispo todo dia eu peço a pessoas
para irem comigo a igreja, mas uma coisa me puxa para ir e outra para
ficar em casa só assistindo.
Bispo Essa coisa que te puxa para ficar em casa e não vir é
exatamente o encosto que ela está pagando, que ela está trabalhando
para amarrar a sua vida.
Amiga de Brotas Uma vida estabilizada financeiramente começou a
desandar tudo.
Bispo Mas a senhora entendeu, essa força que a senhora sente para
não vir à reunião da Sessão do Descarrego é a força do encosto, que
ela está pagando, trabalhando, engambelando, presenteando para
destruir o seu marido.
Amiga de Brotas E está destruindo, já está perdendo até a saúde.
Bispo A senhora vai esperar o seu marido morrer?
Amiga de Brotas Não! São 23 anos de casamento.
Bispo Então usa a inteligência. Olha só ela está trabalhando a
senhora está de braços cruzados, esperando o seu marido morrer,
esperando as coisas acontecerem, por que Deus é grande. Deus é
88
grande, mas se a senhora não buscar ele, ele continuará grande e a
senhora pequena. A senhora tem de buscar... Posso esperar a
senhora?
Amiga de Brotas Pode.
Bispo Eu posso separar uma rosa e um perfume para a senhora
colocar na roupa dele?
Amiga de Brotas Pode.
Mesmo que “Amiga de Brotas” seja uma personagem montada pelo programa, já
que não temos nenhum meio seguro de verificar a veracidade deste depoimento,
devido a ausência do crédito da entrevistada, esse diálogo elucida bem as
estratégias de convencimento utilizadas pelo bispo para conquistar mais uma fiel. O
telespectador, que se identificar de alguma forma com o caso apresentado, pode vir
a recorrer a Sessão do Descarrego para a solução dos seus problemas, acusando
algum encosto como responsável.
Suposições à parte o que fica são as referências claras às entidades cultuadas pelas
religiões afro-brasileiras de forma pejorativa. Como na passagem em que o bispo diz
que o feitiço pode ter sido feito numa casa de encosto, numa encruzilhada, no mar
ou nas matas. E conclui: ela saiu de casa para agir com a fé negativa dela. Por fim,
o bispo recomenda o uso da rosa e perfume nas roupas do marido, oferecidos por
ele na Sessão do Descarrego para a solução do problema.
Ao se apropriar dos elementos da religiosidade afro-brasileira, a Igreja Universal do
Reino de Deus estabelece ao seu público algumas regras. Por um lado, a IURD,
através da sua visão da moral cristã, tenta dessacralizar as religiões afro-brasileiras
demonizando seus deuses, sacerdotes e rituais. Por outro, a IURD utiliza essas
mesmas práticas rituais, em nome do Espírito Santo, para se livrar dos maus
espíritos, associados por ela às religiões de matriz africana.
Nos programas pesquisados, com a apropriação dos elementos culturais
constituintes das religiões de matriz africana no Brasil, ocorre uma reelaboração
desse universo sagrado em imagens de intolerância religiosa.
Essa mensagem truncada, cheia de armadilhas, ganha muitos vieses de sentido,
quando adaptadas à linguagem televisiva. A força da presença dos elementos da
89
cultura negra no imaginário brasileiro e a divulgação massiva dos cultos iurdianos,
através dos meios de comunicação, garantem o sucesso de público. A população
responde, participando dos programas, lotando os templos.
90
3 A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA
Os atos que carregam uma motivação compassiva
são atos construtivos. Os atos motivados pela
ignorância, o ódio e a inveja são atos destrutivos,
mesmo que sejam religiosos. A compaixão correta
é aquela que vem acompanhada da sabedoria.
Dalai Lama
3.1 A mídia a serviço da fé: o contexto jurídico e reação da
sociedade civil
Em 1982, a Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU) promulga a Declaração
para Eliminação de Todas as Formas de Intolerância baseadas em Religião e
Crença. A declaração apresenta indicativos claros sobre a liberdade de crença e
religião como uma garantia da pessoa humana, e que a sua violação, seja através
do Estado, instituição, grupo de pessoas ou pessoas de outras crenças, constitui
uma violação aos direitos humanos e às liberdades fundamentais proclamados na
Declaração Universal de Direitos Humanos.
Em 1993, a Assembléia Geral da ONU decidiu que no aniversário do cinqüentenário
de sua fundação, em 1995, seria declarado o Ano Mundial da Tolerância, como
reconhecimento de que a humanidade ainda estava longe de alcançar o ideal que
levara a criação da organização em 1945: a paz mundial. Sendo assim, o 16 de
novembro ficou decretado como Dia Mundial da Tolerância.
Vale destacar que, o conceito de tolerância expresso no artigo primeiro da
Declaração Princípios sobre a Tolerância (UNESCO, 1995)
A tolerância é o respeito, a aceitação e o apreço da riqueza e da
diversidade das culturas de nosso mundo, de nossos modos de
expressão e de nossas maneiras de exprimir nossa qualidade de seres
humanos. É fomentada pelo conhecimento, abertura de espírito, a
comunicação e a liberdade de pensamento, de consciência e de
crença. A tolerância é harmonia na diferença. Não só um dever de
ordem ética, é igualmente uma necessidade política e de justiça. A
tolerância é uma virtude que torna a paz possível e contribui para
substituir uma cultura de guerra por uma cultura de paz.
91
Essa discussão ganhou espaço entre pesquisadores e pensadores, no Foro
Internacional sobre a Intolerância, promovido pela Organização das Nações Unidas
para a Educação, Ciência e Tecnologia (Unesco), em 27 de março de 1997, na
Academia das Culturas (Sorbonne), em Paris, para discutir e conceituar as
intolerâncias religiosas, étnicas e raciais.
Segundo o filósofo italiano Umberto Eco (1997), o fundamentalismo, por exemplo, é
uma forma de intolerância perigosa, já que o indivíduo perde a capacidade de
interpretação simbólica na interpretação das escrituras sagradas.
O fundamentalismo ocidental moderno nasce nos meios protestantes
dos Estados Unidos, no século XIX, e caracteriza-se pela vontade de
interpretar literalmente as Escrituras, em particular no que concerne às
observações sobre a cosmologia, quando a ciência da época parecia
negar a veracidade do conto bíblico. Donde, é claro, a recusa
freqüentemente intolerante a qualquer interpretação alegórica e a
qualquer forma de educação que ponha em dúvida as Escrituras
como se verificou por ocasião da polêmica sobre a teoria de Charles
Darwin (ECO, 1997, p.15).
O historiador francês, Jacques Le Goff (1997), lembra a participação da Europa
cristã na perseguição aos povos não cristãos, como registros históricos que não
podem ser esquecidos.
Entre os excluídos, os menos tolerados e os mais perseguidos são os
heréticos. A partir do momento em que, no lugar dos pequenos grupos
da Alta Idade Média, surgem as heresias de massa, como a dos
cátaros, a Igreja os vê como um perigo maior a unidade cristã. Ao
rejeitar a verdade, depois de tê-la recebido, são os renegados, os
traidores de Deus. A Igreja (os poderes laicos aplicam suas sentenças
enquanto braço secular) cria contra eles um tribunal de exceção, a
Inquisição, e as fogueiras começam a arder (LE GOFF, 1997, p. 40).
Em 2001, a ONU elege a cidade de Durban, na África do Sul, para realizar a III
Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e
Intolerância Correlata. Intelectuais brasileiros, a convite da Secretaria de Estado dos
Direitos Humanos e do Ministério das Relações Exteriores, se organizaram em pré-
conferências nas cidades de Belém, São Paulo e Salvador com objetivo de preparar
uma agenda para o Brasil, a ser discutida na África do Sul.
Os aspectos legais, culturais, sócio-econômicos, religiosos entre outros que
92
permeiam questões como discriminação racial e intolerância religiosa foram
amplamente debatidos por intelectuais e pesquisadores, tais como:
Ivair Augusto dos Santos A Democracia e Questão negra no Brasil (SP); Hédio
Silva Jr. Reflexões sobre a aplicabilidade da Legislação Anti-racismo (SP);
Petronilha Beatriz - Pode a Educação Prevenir Contra o Racismo e a Intolerância?
(SP); Wania Sant’anna Novos Marcos para as Relações Étnico/Raciais no Brasil:
uma responsabilidade coletiva (BA); Vanda Machado Intolerância Religiosa:
vigiando e punindo (BA) (SABOIA, 2001).
Na publicação dos anais que contêm os debates realizados, o sacerdote Gilson
Leite Oni Fadaká, ogã alabê da Casa Fanti-Ashanti, de São Luiz do Maranhão,
denuncia a perseguição praticada pelos evangélicos às comunidades-terreiros.
Além de toda essa violência verbal, construtora de imagens e
referenciais negativos acertando em cheio a nossa dignidade enquanto
sujeitos e coletivamente enquanto povo, provocando baixa estima,
insegurança e intolerância no meio social, estamos vivendo a violenta
profanação dos nossos espaços sagrados onde grupos de protestantes,
sob a alegação de expulsar o demônio, estão invadindo terreiros e
quebrando tudo o que encontram pela frente, em nome de Jesus Cristo.
Em outros espaços de comunidade-terreiro de igual valor religioso,
estão sofrendo ameaças de apedrejamento, invasão e promessas de
cultos relâmpagos nas portas de entrada (LEITE, 2001, p. 287).
Paralelamente, o povo-de-santo começa a se organizar com manifestações públicas
e ações na justiça em protesto aos ataques sofridos por evangélicos. Um caso que
se tornou público na imprensa
17
foi o da mãe de santo baiana, Gildásia dos Santos,
conhecida como Mãe Gilda. A sacerdotisa e seu terreiro foram alvos de perseguição
de membros da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD).
Os familiares de Mãe Gilda moveram uma ação contra IURD no Tribunal de Justiça
da Bahia, pedindo uma indenização. A acusação era que o jornal Folha Universal,
de propriedade da IURD, teria publicado uma foto da mãe-de-santo, extraída de uma
reportagem da Revista Veja. Na foto Mãe Gilda aparece com uma tarja preta nos
olhos seguida de uma legenda “macumbeiros charlatões lesam o bolso e a vida dos
clientes”.
17
Universal condenada por Intolerância - Jornal A Tarde 20/03/2004; Mães-de-santo fazem
manifestação em frente ao TJ - Folha Online 04/05/2005; Jornal do Brasil 07/07/2005, revista ISTO É
13/07/2005;
93
É importante destacar a capacidade da mídia na amplificação dos fatos. Nesse caso,
o jornal Folha Universal foi utilizado pela IURD para amplificar a ofensa à Mãe Gilda
e ao povo de santo. Segundo depoimentos de familiares, devido aos constantes
ataques ao seu terreiro, a partir da publicação da foto, a mãe-de-santo entrou em
depressão e morreu vítima de enfarto, em 2000. A data de sua morte, 21 de janeiro,
foi transformada pela Câmara Municipal de Salvador em Dia contra a Intolerância
Religiosa.
Apesar de as garantias legais previstas na Constituição Brasileira e nos tratados
internacionais, da organização da sociedade civil e das pesquisas acadêmicas, a
intolerância religiosa historicamente se apresenta como uma erva daninha difícil de
exterminar. Mas quando essa mensagem de intolerância vai parar nos meios de
comunicação de massa, como por exemplo, a televisão, que no Brasil é fruto de uma
concessão pública, quase sempre nas mãos do capital privado, de quem será a
responsabilidade? Qual será o limite entre a liberdade de imprensa e o respeito à
liberdade de crença? Qual é o papel do Estado nessa discussão? E qual será o
papel dos meios de comunicação?
Numa sociedade midiatizada, onde os meios de comunicação de massa alcançaram
um status de esfera pública, torna esse tema complexo tanto para as Ciências
Jurídicas, como para as Ciências Sociais aplicadas, onde estão inseridos os estudos
de comunicação social.
A Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal e o Centro de Estudos
das Relações Trabalhistas e Raciais (CEERT) contra a Rede Record e TV Mulher se
baseou na Constituição Brasileira (1988) e na Lei de Imprensa (1967), como
instrumentos legais capazes de coibir os abusos, e que prevêem o Direito de
Resposta.
A Constituição brasileira prescreve (BRASIL, 1988, p. 12):
Art. 5º - Todos são iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no país a inviolabilidade do Direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
94
[...]
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de
indenização por dano material, moral ou a imagem;
[...]
A Lei de Imprensa nº 5.450 dispõe:
Art. 29 - Toda pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade pública,
que for acusado ou ofendido em publicação feito em jornal ou periódico,
ou em transmissão de radiodifusão, ou cujo respeito os meios de
informação e divulgação veicularem fatos inverídicos ou, errôneos, tem
direito de resposta ou retificação (BRASIL, 1967).
Ainda segundo a Constituição Federal, em seu artigo 21, que trata das concessões
públicas dos canais de rádio e televisão, destaca que as emissoras de comunicação
têm por obrigação honrar a concessão pública recebida observando entre outros, os
princípios relativos à promoção da cultura nacional e regional, bem como o respeito
aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
As concessões públicas de canais de televisão que exibem programas religiosos,
como a Rede Record, parecem esbarrar no princípio constitucional da laicidade do
Estado brasileiro. Vale destacar que, no caso da TV Record, além de professar suas
mensagens religiosas de caráter neopentecostal, dedica boa parte de sua
programação a ofensas dirigidas às religiões afro-brasileiras.
Por outro lado, esse princípio da laicidade poderia entrar em choque com outro
princípio constitucional o da liberdade de expressão e de manifestação do
pensamento, no qual estaria o direito de comunicar as idéias religiosas.
Neste caso, a Ação Civil Pública se baseou na Lei de Imprensa e na Constituição
Federal, que são marcos no estabelecimento do Estado Democrático de Direito,
contra censura e no exercício da liberdade de expressão e de crença, para cumprir o
papel de proteger as minorias culturais do poder do capital das grandes redes de
comunicação.
Segundo Reginaldo Prandi (2005, p. 234), que registrou este importante episódio em
seu livro Segredos Guardados: orixás na alma brasileira, entre as religiões de matriz
95
africanas e a Igreja Universal do Reino de Deus, diz que: “tudo isso é apenas o
começo de uma luta que pode reencenar, com novos oponentes, a luta de Davi
contra Golias”.
Segundo Muniz Sodré (1989), o Brasil apesar de ser um exemplo da diversidade
cultural, esta heterogeneidade é negada pela cultura tecnologizada (urbano-
industrial), cujo símbolo vem a ser a televisão. Não se trata apenas de uma
invisibilidade de grupos étnicos e culturais na programação televisiva, mas de uma
apropriação das culturas tradicionais pela cultura midiática, que transforma tudo o
que toca em espetáculo televisivo.
O sistema televisivo se investe, como qualquer outro setor acionado
pelo avanço tecnológico, de caráter monopolístico, com suas inevitáveis
conseqüências: escala de produção elevada e, na luta pelo domínio do
mercado cultural, destruição ou assimilação das culturas
concorrenciais. Estas culturas diferenciadas, implicando
freqüentemente em formas alternativas de comunicação (comunicação
interpessoal e oral via de regra) são incompatíveis com o código
implícito do médium (SODRÉ, 1989, p.125).
Ao contrário dos códigos de comunicação televisivos, as culturas tradicionais ou as
culturas de Arkhé, como na cultura nagô, a comunicação se dá através da troca, já
que a palavra pronunciada tem poder de ação. As trocas estão baseadas nas
relações interpessoais, a presença real do grupo é necessária para que tudo ocorra
bem durante o ritual. O corpo é expressão do divino.
Duas pessoas, ao menos, são indispensáveis para que haja a
transmissão iniciática. O asé e o conhecimento passam diretamente de
um ser para o outro, não por explicação ou raciocínio lógico, num nível
consciente e intelectual, mas pela transferência de um complexo código
de símbolos em que a relação dinâmica constitui o mecanismo mais
importante. A transmissão efetua-se através de gestos, palavras
proferidas acompanhadas de movimento corporal, com a respiração e o
hálito que dão vida à matéria inerte e atingem planos mais profundos da
personalidade (SANTOS, 1998, p.47).
Essa é uma diferença entre o espetáculo televisivo e o ritual, em que o primeiro não
requer a participação e nem a troca com o telespectador, a comunicação se dá de
forma unilateral através do aparato tecnológico. Nesse sentido, há o esvaziamento
do sagrado para as religiões de matriz africana, onde a magia não poderia circular
no mundo virtual, via satélite.
96
Sobre o esvaziamento do universo religioso através da cultura de massa, Edgar
Morin (1990, p. 79), destaca:
O mundo imaginário não é mais apenas consumido sob forma de ritos,
de cultos, de mitos religiosos de festas sagradas nas quais os espíritos
se encarnam, mas também sob a forma de espetáculos, de relações
estéticas. Ás vezes até as significações imaginárias desaparecem;
assim, as danças modernas ressuscitam as danças arcaicas de
possessão, mas os espíritos não estão nelas. Todo um setor de trocas
entre o real e o imaginário, nas sociedades modernas, se efetua no
modo estético, através das artes, dos espetáculos, dos romances, das
obras ditas de imaginação. A cultura de massa é, sem dúvida, a
primeira cultura da história mundial a ser também plenamente estética.
Nos programas da Universal exibidos pela Rede Record é comum vermos pastores
colocando copos de água sobre a mesa, e pedindo ao telespectador que faça o
mesmo em casa, pois ao final do programa, ele vai abençoar a água. Este é um
exemplo claro da apropriação da cultura popular, das benzedeiras, por exemplo, que
rezam com copo d’água, como também do deslocamento do ritual para o espaço e
tempo televisivos. O programa gravado pode ser repetido várias vezes na
programação da emissora e o copo d’água pode ser um apelo para manter o
telespectador ligado até o final do programa.
Foto 26 - Bispo Sérgio Corrêa no “ritual televisivo” do copo de água
Fonte: Programa Casos Reais de 29/04/ 2006.
97
Aqui a televisão invade o terreno do sagrado. No encerramento do programa é
comum o pastor repetir a seguinte frase “Neste instante ao beber desta água
abençoada você estará curado”. Sobre a questão deste “instante mágico”
transportado para videoteipe, o pesquisador Alberto Klein (2004, p. 149), pergunta:
Que instante afinal? Da perspectiva de quem? Do pastor, no momento
da gravação, ou do telespectador no momento da recepção? Trata-se
de mais uma perda do aqui agora do fenômeno religioso. É possível
que as forças do mal não tenham caído por terra por justamente não
reconhecerem tal instante. Em que momento o copo d’água foi
abençoado, se ainda considerarmos a possibilidade de uma
transmissão miraculosa de poder através da televisão? Já vimos tudo
isso com Uri Gheller realizando prodígios como fazer relógios
quebrados funcionarem através de mensagens enviadas pela TV. É
justamente essa plasticidade temporal do videoteipe que condiciona
uma nova dimensão religiosa e nos propõe questionamentos
disparatados. Plasticidade ou suspensão do tempo?
Segundo Martin-Barbero (2003), a televisão, pensada a partir do paradigma cultural,
como uma expressão da cultura de massa impregnada pela cultura popular, cumpre
o papel de acionar esses conteúdos que compõem uma memória da cultura
matricial.
O que ativa essa memória não é da ordem dos conteúdos, nem sequer
dos códigos, é da ordem das matrizes culturais. Daí os limites de uma
semiótica ancorada na sincronia quando se aborda a questão do tempo
e seus descompassos, os profundos anacronismos de que está feita a
modernidade cultural. Mas também de uma antropologia que ao pensar
os nexos dissolve os conflitos, congelando o movimento que dá vida as
matrizes. Porque dizer matriz não é evocar o arcaico, e sim explicar o
que porta o hoje, o residual [...] Veios de entrada para aquelas outras
matrizes dominadas, porém ativas, acham-se no imaginário barroco e
no dramatismo religioso, na narrativa oral, no melodrama e na comédia
(MARTIN-BARBERO, 2003, p.323-324).
Nesse sentido, poderíamos pensar os programas televisivos da IURD, ainda sobre o
ponto de vista estético, através do apelo grotesco que marca boa parte dos
programas de televisão. Segundo Muniz Sodré e Raquel Paiva (2002, p. 116), estes
programas seguem uma fórmula.
A fórmula desfile de conflitos familiares, brigas de vizinhos, confissões
de pequenos criminosos e viciados, geralmente alvos de duras diatribes
morais do apresentador, aberrações diversas seria retomada com
sucesso na segunda metade dos anos noventa por programas como
Ratinho e Leão.
98
No entanto, o riso espontâneo, um traço característico do grotesco, diante do
cômico, do diferente ou do estranho, presentes nas manifestações culturais
populares, sede o seu lugar para o riso sarcástico e cruel diante das imagens de TV.
E essa idéia na TV aberta, privilegia fortemente a ótica do grotesco. Primeiro
que suscita o riso cruel, que parece assumir contemporaneamente foros de
liberdade de pensamento. A hilaridade sempre foi um vitorioso recurso
universal da mídia, mas agora se impõe com um novo estilo, em que a
crueldade entendida ora como gozo com o sofrimento do outro, ora como
nenhuma contemplação ética com o tema em pauta é o traço principal
(SODRÉ; PAIVA, 2002, p.132).
Analisando um dos episódios do programa Fala que Eu Te Escuto, podemos refletir
o discurso de intolerância dos programas da IURD na TV Record, que extrapolam o
conceito de grotesco na mídia. O programa exibido pela TV Record de São Paulo,
na madrugada de domingo de 28 de janeiro de 2007, discutia o caso da atriz Susana
Vieira, cujo marido foi preso após agredir uma garota de programa e depredar o
motel. O bispo-apresentador, Clodomir Santos, convocou os telespectadores a
participarem do programa pelo telefone, lançando a seguinte questão: a macumba é
a responsável pela crise no casamento da atriz da Rede Globo?
Numa ligação feita por uma mulher, identificada como uma professora de São Paulo,
o bispo Clodomir Santos foi acusado de promover discriminação religiosa na TV, ao
se referir sobre os rituais do candomblé. Segundo a matéria de Sérgio Ripardo,
publicada pela Folha Online, em 28/01/2007, ao atender a ligação, o bispo
aparentou “surpresa” com os questionamentos feitos pela professora, que se disse
uma estudiosa do tema, e se sentiu “ofendida” com a forma “negativa”, com a qual a
Igreja Universal do Reino de Deus descrevia os rituais afro.
A telespectadora sugeriu que a Record parasse de depreciar outras
religiões, pois uma emissora de TV é uma concessão pública. O bispo
Clodomir respondeu que seu programa não censura temas apenas
aborda assuntos da atualidade, como o caso da prisão do marido da
atriz. Ele também citou o direito constitucional de discutir assuntos
ligados a outras religiões, como qualquer outro canal [...] Ele disse
também que a Igreja Universal não discrimina negros, como se acusa,
pois o contingente de fiéis afrodescendentes é relevante (RIPARDO,
2007).
99
Esse mesmo programa mereceu uma crítica publicada em maio de 2006, no mesmo
veiculo, onde o jornalista Sérgio Ripardo faz a seguinte análise:
Em uma avaliação rápida e preconceituosa, 'Fala que Eu Te Escuto'
parece um programa tosco, trash, risível, voltado para pessoas
desesperadas, de baixa renda, com suas promessas de resolver todos
os problemas do desemprego à impotência sexual. Não é bem assim.
A seu modo e ao público a que se destina, há uma dose de
profissionalismo engajado nos planos de poder da Igreja Universal. O
bispo Clodomir Santos age como um 'âncora da CNN' ao manter o
sangue frio e o controle de cada músculo da face ao ouvir algumas
perguntas impagáveis de seus telespectadores (RIPARDO, 2006).
Sob o ponto de vista estético, o grotesco marca presença nos programas iurdianos
de TV, mas realmente não dá para rir de tudo. O conteúdo ofensivo e a intolerância
religiosa da IURD com as religiões de matriz africana ficam claros, na declaração da
professora de São Paulo, que parece ter furado a triagem telefônica da produção do
programa para colocar suas críticas.
Quanto aos “planos de poder” citados pelo jornalista parecem incluir o “relevante”
“contingente” de fiéis afrodescedentes, como se reportou o bispo Clodomir ao se
referir aos negros, em resposta à professora de São Paulo que, segundo ele, não
são discriminados pela IURD. Uma declaração irônica do bispo Clodomir, em se
tratando de que a IURD não discrimina os negros, um público alvo em potencial de
fiéis ou eleitores que, segundo dados do Censo 2000, corresponde a 49% da
população brasileira, já que discrimina sim, a sua cultura fruto de um passado
civilizatório africano.
Em sua passagem pela Igreja Universal em Salvador, na Bahia, o bispo Clodomir
protagonizou mais um episódio claro de intolerância religiosa. Segundo uma matéria
publicada no jornal A Tarde
18
, o bispo proibiu seus fiéis de consumirem o acarajé.
Na época, o bispo apresentava o programa Ponto de Luz, exibido diariamente às 13
horas na TV Itapoan, filiada da Rede Record na Bahia. Durante uma entrevista, uma
convidada do programa, Rosália Cardoso, que se apresentou como vítima de
18
UNIVERSAL agora condena acarajé. A Tarde Online, Salvador, 18 jan. 2003. Disponível em:
<www.atarde.com.br>. Acesso em: 25 jan. 2006.
100
encostos, o bispo disse que “depois de ingerir (a comida) a pessoa passa a
desenvolver uma série de problemas”, referindo-se à culinária afro-brasileira.
E complementou: “Na Bahia isso é mais comum. Lá em São Paulo também.
Normalmente os problemas da vida sentimental são causados pela ação dos
encostos” (A TARDE ON LINE, 2003)
O acarajé, o abará, o caruru, todos preparados com azeite de dendê, são exemplos
das comidas que compõem as oferendas sagradas aos orixás, e que integram o
cardápio da tradicional culinária baiana. O acarajé, por exemplo, é oferecido a
Yansã, orixá feminino divinizado nos ventos, raios e tempestades. O caruru é a
comida de Xangô, o orixá da justiça.
Foto 27- Filha-de-santo do Ilê Axé Opô Afonjá preparando acarajé
Fonte: Carla Osório (2001).
É na preparação dessas iguarias, nas cozinhas dos terreiros de candomblé, que
surgem uma das figuras mais emblemáticas dos cartões postais, a figura das
baianas do acarajé. Vestidas de branco com seus colares de contas coloridas, essas
vendedoras de quitutes, espalhadas em cada esquina da cidade, muitas vezes
retiram deste trabalho sua principal fonte de renda.
Esses episódios nos remetem a uma pergunta incômoda: por que diante do discurso
ofensivo às religiões afro-brasileiras, praticado pela IURD através dos meios de
101
comunicação, ao mesmo tempo em que se apropria do universo sagrado dessas
religiões, os seus templos estão lotados de afrodescendentes, que se declaram
convertidos à verdadeira fé?
É importante destacar que sem uma pesquisa específica fica muito difícil de saber
quem são os adeptos neopentecostais, mais precisamente dos seguidores da Igreja
Universal do Reino de Deus.
Os números disponíveis e o cruzamento de dados do IBGE (Tabela 1), que apontam
o crescimento dos seguidores da IURD e a diminuição do número de pessoas que
se declaram de outras religiões, por razões culturais e históricas não conseguem
precisar quantos são os adeptos das religiões afro-brasileiras que migraram para
esta denominação neopentecostal.
Historicamente, sabemos que nos números relativos aos adeptos da religião
católica, poderiam conter os adeptos das religiões afro-brasileiras que não se
declaravam como tal, ou que professavam as duas religiões simultaneamente. Os
motivos para tal comportamento podem ser explicados pela perseguição sofrida pelo
Estado e pela dominação da igreja católica, adotada como religião oficial, e pelo
preconceito latente que perdura até os dias atuais na sociedade brasileira contra
essas religiões.
Com o tempo, as religiões afro-brasileiras tradicionais se espalharam
pelo Brasil todo e passaram por muitas inovações, mas quanto mais
tradicionais os redutos pesquisados, mais afro-brasileiros continuam a
se declarar e a se sentir católicos. Mais perto da tradição mais católico.
Um mapeamento nas diferentes regiões do país mostra que afro-
brasileiros ao em número relativamente pequeno no nordeste, religião
onde a religião tradicional se formou, o que pode parecer paradoxal, e
em número bem maior nas regiões, onde se instalou recentemente, ou
seja já no século XX, e onde a mudança religiosa no campo afro-
brasileiro tem se mostrado mais vigorosa, caso do sudeste e do sul. De
todo modo, até hoje o catolicismo é uma máscara usada pelas religiões
afro-brasileiras, máscara que evidentemente as escondem também do
recenseamento (PRANDI, 2005, p.216 -217).
Segundo Prandi (2005, p. 10),o candomblé é uma religião minoritária, de poucos
fiéis e muitos clientes”. Ao contrário das igrejas neopentencostais, não tem um
caráter expansionista, na busca de novos fiéis. Ligado à tradição, o candomblé não
102
faz propaganda de suas práticas e os veículos de comunicação não são bem vindos,
na maioria das casas de culto.
Por outro lado, alguns autores, como Leonildo Silveira Campos (1997), analisaram o
processo de crescimento das IURD como um fenômeno da pós-modernidade, no
que tange o mercado religioso. Segundo Campos, a eficácia do marketing religioso
das igrejas neopentecostais se deve, entre outros motivos, à força do mercado sobre
a escolha religiosa das pessoas.
A transformação do campo religioso em mercado religioso é uma
conseqüência da força homogeneizadora do mercado sobre o universo
religioso. A crescente aplicação do marketing na geração de atos e
instituições religiosas está elevando o gosto do comprador e
transformando-o na instância máxima de julgamento dos fenômenos
religiosos. É o público consumidor criado, descoberto e organizado,
segundo as regras mercadológicas, que determina tanto as formas de
elaboração e de distribuição dos bens religiosos, como a própria
estrutura assumida pela instância produtora (CAMPOS, 1997, p.204).
Para atender uma clientela religiosa oferecendo eficácia nos serviços prestados, é
preciso atender suas necessidades e desejos, sob o forte argumento que é possível
interferir magicamente nos processos de busca de soluções para as mais caras
demandas, sejam elas sociais, econômicos ou sentimentais. Com o slogan “pare de
sofrer” a IURD transformou seus templos, espalhados por todo país, em verdadeiros
“pronto-socorros” espirituais, prestando atendimento a quem quer que necessite
dele.
Sejam portanto, quais forem as maneiras de se classificarem as
necessidades humanas, não se pode deixar de lado que as instituições
para o atendimento delas, principalmente as demandas reprimidas.
Inclusive o sucesso institucional é medido pelo número de interessados
atraídos por suas atividades e discursos. No caso estudado, a Igreja
Universal oferece bens simbólicos, que prometem soluções
segmentadas num espectro muito mais amplo, ela procura atacar a
fome de favelados, moradores de rua, presos, idosos em asilos e
crianças de orfanatos, distribuindo-lhes cestas básicas de alimentos,
roupas e agasalhos para o frio, ao lado de uma pregação de cura divina
e de milagres para esses mesmos carentes. Dessa maneira ela
consegue oferecer a cada um de acordo com as suas necessidades
(CAMPOS, 1997, p.228).
103
Além dos templos, os meios de comunicação de massa constituem um outro ponto
importante na propaganda e distribuição de seus produtos. É na televisão que se dá
a eficácia da mensagem da IURD, que se coloca como uma agência espiritual capaz
de resolver qualquer problema apresentado pelo seu público consumidor, se
necessário ao vivo e para todo o Brasil.
Divulgando curas e milagres através dos testemunhos de pessoas na televisão,
manifestando que conseguiram um emprego, pagaram as prestações da casa
própria ou mesmo tiveram o marido de volta, a IURD se estabeleceu junto ao seu
público.
Por pertencer a um ramo pentecostal e ser considerada como uma igreja evangélica,
a IURD legitimou seus seguidores como pessoas de bem, herança do
protestantismo tradicional. Essa legitimidade social levou, por exemplo, empresas a
recrutarem trabalhadores evangélicos preferencialmente
19
.
Com o seu discurso radical de ser uma força capaz de combater o mal na
sociedade, através da “guerra espiritual” entre os eleitos dos filhos de Deus contra
as religiões de matriz africana, como representantes do diabo na terra, reforçou o
processo de estigmatização dos seguidores das religiões afro-brasileiras, de
feiticeiros e pessoas voltadas para a prática do mal.
Por outro lado, apropriando-se das práticas rituais e do universo sagrado das
religiões afro-brasileiras na elaboração e comercialização de seus produtos
espirituais, a IURD aciona a força de um imaginário cultural amalgamado em 400
anos de presença negra no Brasil.
Aqui a televisão cumpre muitos papéis nesse processo. Primeiro, o papel de
catalisar, por meio do discurso, o imaginário cultural brasileiro e reelaborá-lo em
diversos elementos que compõem a cultura midiática, como em vinhetas
19
Esta preferência por trabalhadores evangélicos foi destaque na reportagem especial publicada no
Jornal A Tribuna (ES) em 02/07/2005. A matéria obteve destaque na manchete do jornal: Cem
empresários contratam empregados em igrejas. A reportagem, que ocupou as páginas 2 e 3, destaca
que o objetivo dos empresários é “encontrar funcionário de boa índole, éticos, educados e de
confiança”.
104
computadorizadas, entrevistas com testemunhos de fé, pastores-apresentadores,
trilha sonora de filmes hollywodianos e a teledramaturgia, tudo a serviço do discurso
ideológico da IURD.
Segundo o papel de oferecer os diversos produtos elaborados pelo marketing
religioso iurdiano, extraídos a partir de elementos constituintes da religiosidade
popular. Sessões do descarrego, sabonetes de arruda, perfumes de Jesus, tapetes
de sal grosso, rosas brancas são exemplos de uma infinidade de produtos que não
param de ser elaborados com distribuição garantida para um público disposto a
experimentar de tudo em troca de uma promessa de felicidade.
Fotos 28, 29, 30 - Produtos da IURD distribuídos na Sessão do Descarrego
Fonte: Yahoo Image acessado em 19 de setembro de 2006.
E por último, os programas televisivos da IURD cumprem o papel de oferecer
legitimidade social, muitas vezes negadas a uma população que vive à margem do
processo de desenvolvimento global. Essa legitimidade social é fruto da visibilidade
e do vínculo social proporcionados pelos meios de comunicação, principalmente
pela televisão, dentro dos parâmetros da cultura de massa.
Ao se tornarem o grande referencial comum, reunindo pessoas ao seu
redor, os meios de comunicação de massa adquirem um “poder
emblemático”. Tamanho poder de regulação social da comunicação só
poderia estar certamente nas mãos dos meios que possuíssem um
enorme poder simbólico, que se constituíssem de fato como portadores
legítimos da comunicação social, coisa que se torna compreensível
quando sabemos que eles são agentes estratégicos exatamente porque
são um dos territórios partilhados em grande escala (CONTRERA,
2002, p.49).
105
Assim, a exibição na TV dos testemunhos de cura de ex-usuários de drogas que se
misturam aos de ex-mãe-de-encosto convertidos, por exemplo, vem legitimar
através dos meios de comunicação a opção religiosa dos chamados evangélicos e
assegura a visibilidade pública.
3.2 Devorados ou devoradores?
Muitas foram as estratégias de resistência e preservação dos cultos de matriz
africana no Brasil. A organização política dos terreiros e os sincretismos religiosos
com outras religiões, em especial a religião católica, foram historicamente
importantes para o povo-de-santo neste processo.
Uma vela para o santo e uma oferenda para o orixá ou rezar para Santa Bárbara,
cultuando Yansã, foi uma das estratégias praticadas pelos descendentes de
africanos, no Brasil, com o objetivo de garantir a sua sobrevivência e a de sua
religiosidade, ocupando espaços importantes na sociedade branca, como as praças
públicas e as igrejas católicas. Uma relação complexa e que envolvera conflitos de
interesses.
As irmandades negras, confrarias religiosas católicas são um exemplo desta
organização, que existem até hoje espalhadas pelo país. Vamos destacar a
Confraria de Nossa Senhora de Boa Morte, na cidade de Cachoeira, localizada no
recôncavo baiano. Fundada por mulheres africanas, escravizadas ou libertas, a
confraria foi criada com o objetivo de ajudar a comprar alforrias de escravos, na
região, onde trabalhavam ativamente no ciclo da cana-de-açúcar.
A cidade histórica foi palco de uma confraria composta apenas por mulheres
sexagenárias, que surgiu em Salvador e, por volta de 1820, se expandiu para
Cachoeira. Fiéis a sua religião de origem, essas mulheres deveriam continuar
freqüentando o candomblé, como também eram responsáveis por realizar a festa
anual em devoção a Nossa Senhora de Boa Morte.
106
Quando a irmandade da Boa Morte se expandiu para Cachoeira, ficou
instalada em uma casa residencial na rua da Matriz (atual rua Ana
Nery, 41). Não se sabe porquê dessa Irmandade não se instalar em
uma das igrejas existentes em Cachoeira, ou até mesmo construir uma
igreja própria; em vez disto, abrigou-se em uma casa onde havia uma
grande concentração de africanos. Essa casa, ainda em bom estado, é
conhecida em Cachoeira como Casa da Estrela, porque fixada no chão
da calçada, na porta de entrada, há uma estrela em granito, disfarçando
um Èsù (exu) assentado pelas muitas africanas que passaram por lá.
Até os dias de hoje, a Irmandade da Boa Morte, quando sai em
procissão pelas ruas de Cachoeira, carregando a imagem da Santa, ao
passar pela Casa Estrela, para por alguns minutos, “saudando” as
antigas irmãs que ali moravam e relembrando, também que foi naquela
casa que tudo começou (CARVALHO, 2006, p.24).
Foto 32 -Festa de Nossa Senhora da Boa Morte,
Cachoeira (BA)
Fonte: Carla Osório (2000).
Foto 31- Mulher da Irmandade da Boa Morte
Fonte: Carla Osório (2000)
A festa da Irmandade da Boa Morte, uma das mais tradicionais festas religiosas da
Bahia, acontece no mês de agosto e reúne todos os anos centenas de pessoas na
cidade de Cachoeira. Numa missa realizada, durante o ciclo de festa de Nossa
senhora da Boa Morte, no ano de 1999, o bispo negro, ex-bispo auxiliar da
arquidiocese de Salvador (BA) e atual bispo de Bagé (RS), Dom Gílio Felício fez um
pedido de desculpas formal pela perseguição histórica praticada na igreja católica
contra as mulheres da irmandade. Desde 1995, o bispo Dom Lucas Moreira Neves,
107
as havia proibido de comungarem e desautorizou os padres a celebrarem missas na
sede da irmandade.
Muitas transformações aconteceram ao longo dos anos, como os sincretismos entre
os deuses de diversas etnias africanas presentes no Brasil e com outras religiões
como a católica e a kardecista, as religiões de matriz africana ganharam território
junto a setores da classe média e a intelectualidade brasileira e, hoje, são
reconhecidas como um importante celeiro cultural, marcado pela pluralidade.
Reginaldo Prandi (2005) fala do segundo momento vivido nos candomblés e casas
de umbanda, das grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, que nas
décadas de 1960 e 1970, caminhavam de volta aos terreiros baianos em busca de
uma legitimidade cultural, através dos processos de dessincretização com a religião
católica e a africanização dos ritos afro-brasileiros.
Começava o que chamei de processo de africanização do candomblé
(Prandi, 1991), em que o retorno deliberado a tradição significa o
reaprendizado da língua, dos ritos e mitos que foram deturpados e
perdidos na adversidade da diáspora; voltar a África não para ser
africano, nem para ser negro e muito menos pobre, mas para recuperar
um patrimônio cuja presença no Brasil é motivo de orgulho, sabedoria e
reconhecimento público, e assim ser o detentor de uma cultura que já
ao mesmo tempo é negra e brasileira, porque o Brasil já se reconhece
no orixá, o Brasil com axé. Tem orixá na alma brasileira (PRANDI,
2005, p. 241).
Os índices de escolaridade média, em anos de estudos por religião, podem
demonstrar o reflexo da penetração da classe média escolarizada no candomblé e
na umbanda (Tabela 2). Vale observar que os pentecostais apresentam os menores
índices de escolaridade, nos dois censos apresentados (1991 e 2000).
108
TABELA 2 - ÍNDICES DE ESCOLARIDADE MÉDIA/RELIGIÃO
Religiões 1991 (%) 2000(%)
Católica 4,6 5,8
Evangélica 4,7 5,8
Evangélicas históricas 5,8 6,9
Evangélicas pentecostais
4,0 5,3
Espírita 8,3 9,6
Afro-brasileiras 6,3 7,4
Candomblé (*) 7,5
Umbanda (*) 7,3
Sem religião 5,1 5,7
Total para o Brasil 4,7 5,9
(*)\Dados não disponíveis.
Fonte: IBGE (1991; 2000).
Por outro lado, boa parte dos terreiros ainda está localizada em bairros pobres,
situados na periferia dos grandes centros. A situação sócio-econômica dos adeptos
das religiões afro-brasileiras é um reflexo da condição da maioria da população
negra no Brasil.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relativos ao
PNAD de 2002, o rendimento da população branca é quase o dobro da população
negra no Brasil. Vale destacar, que segundo a metodologia de pesquisa do IBGE, os
números relativos à população negra são resultados da somatória de pretos e
pardos.
Em relação aos rendimentos percebidos, a população ocupada de cor
preta ou parda apresentou valores que eram praticamente a metade
dos auferidos pela população branca, em todos os níveis geográficos.
Enquanto o rendimento médio mensal da população preta e parda
chegava a R$ 409,00, o da população branca era de R$ 812,00.
Relação semelhante se verifica na análise do rendimento-hora, que
eram de R$ 2,60 para pretos e pardos e de R$ 5,00 para os brancos.
Se, além da cor, forem comparados os rendimentos de homens e
109
mulheres, verifica-se que os homens ganham em torno de 44% a mais,
mas o rendimento das melhores brancas é quase 40% mais elevado
que o de homens pretos ou pardos, sugerindo que a discriminação por
cor é ainda maior que a de gênero (IBGE, 2004).
O gráfico com dados da Pesquisa Mensal de Emprego, de março de 2004 (IBGE,
2004), relativos aos rendimentos classificados por grupos em salários mínimos
recebidos, segundo o recorte racial dos trabalhadores nas principais regiões
metropolitanas brasileiras é bastante revelador na diferença entre brancos e negros.
Quanto maior a remuneração, de 3 a 5 salários mínimos para cima, maior o número
de trabalhadores brancos ocupados.
Quanto à taxa de desocupação, o número de negros desempregados pode chegar
ao dobro de brancos, em cidades como Salvador ou alcançar uma diferença de
5,3% em São Paulo, como demonstram os dados abaixo:
110
Com a promessa de emprego e melhoria de condição de vida, o discurso iurdiano,
baseado na teologia da prosperidade, pode atingir em cheio a população negra,
seguidora das religiões de matriz africana.
Por outro lado, não se pode crer numa dominação total e irrestrita do capitalismo e
dos meios de comunicação às religiões de matriz africana, que sobreviveram
secularmente no Brasil, enfrentando a repressão estatal da polícia e a igreja católica.
A resistência da cultura negra se deu historicamente, através de muitos meandros.
Algumas linhas teóricas apontam para uma afirmação cultural, “eu me aproprio da
sua cultura sem perder a minha”. Um verdadeiro jogo de espelhos ou uma espécie
de jogo cultural, onde a assimilação dos valores dominantes se dá sem perder os
seus referenciais étnicos.
Esse jogo de assimilação no contato com outras etnias e outras
religiões fez com que o negro aceitasse as diferenças sem negar (no
sentido de resistir) a cultura do branco colonizador e do índio. Ao
contrário, afirmou a sua cultura, assimilando o que era diferente de seu
universo, e incorporou esses novos elementos às representações do
deu mundo simbólico (CARDOSO; BISPO, apud OSÓRIO; BRAVIN;
SANTANNA, 1999, p. 20).
Muniz Sodré (1988) fala da importância do jogo para a cultura negra, quando trata
da dança e da festa. Segundo ele, “a dança é um jogo de descentramento, uma
reelaboração simbólica do espaço” (p.123). Ainda segundo Sodré (1988, p. 127),
quando jogos de expressão como a dança e a música se articulam simultaneamente
com jogos de espaço e os jogos miméticos, se simula parodicamente uma outra
identidade.
Viajantes estrangeiros observavam, desde a segunda metade do século
dezenove, que durante as festas carnavalescas no Brasil os negros
imitavam com perfeição gestos das cortes européias. De um modo
geral, as artes do espetáculo (onde entram a dança e a música)
favorecem a mimicry, que conferem asas largas a ilusão. Esta palavra,
aliás vem de in-lusio, por sua vez deriva de in-ludo, que significa
propriamente “em jogo”. O jogo da mimicry funda-se na injunção de
iludir o outro, de fingir ser alguém diferente (o senhor) e, por aí,
recuperar a fruição do mundo que lhe tinha sido expropriada (SODRÉ,
1988, p.127).
111
Essa visão de Muniz Sodré é relevante para avaliarmos o fenômeno de crescimento
iurdiano com toda a sua complexidade, segundo os propósitos descritos neste
trabalho. A ininterrupta reconquista do espaço social pelos afro-descendentes pode
atingir mais uma vez o centro desta questão.
Aqui entra em jogo a legitimidade social oferecida pelas igrejas evangélicas aos afro-
descendentes e aos seguidores das religiões de matriz africana através da
visibilidade dos meios de comunicação, promessas de emprego, reestruturação
familiar, ou ainda, a oportunidade de participar do processo de modernização das
grandes cidades, freqüentando os cultos em mega templos, equipados com
tecnologias avançadas, localizados muitas vezes em áreas nobres.
Por outro lado, a população afro-descendente, que visivelmente lota os templos,
participa dos cultos que lhes são bastante conhecidos. Os personagens principais do
espetáculo iurdiano, os seguidores das religiões de matriz africana conhecem bem.
Como nos rituais afro cantam, dançam, aplaudem e, podendo até incorporar seus
deuses e entidades, ainda assim, se autodenominam evangélicos.
Nesses processos de assimilação cultural, muito da originalidade e a força da matriz
cultural vem sendo desgastada e perdida.
Evidentemente as culturas negras de um modo geral pagaram um
preço muito alto em termos de descaracterização e expropriação de
suas formas originais, mas isto fazia parte das mutações no interior do
grupo, dos acertos ou das negociações implícitas na luta pela
continuidade simbólica na diáspora (SODRÉ, 1988, p.142).
Por sua vez, a IURD com o objetivo de se aproximar da população negra investe
todo o seu marketing religioso. Produtos religiosos são divulgados nos templos e na
televisão, como sabonetes de arruda, vales construídos de sal grosso, rituais de
descarrego, rosas brancas, um arsenal de bens simbólicos para conquistar o seu
público-alvo.
112
Assim como no Brasil, essa estratégia da IURD pode ser verificada também em
países da Europa, onde a diáspora negra também marca a sua presença. Na
Inglaterra, por exemplo, a IURD é considerada uma igreja afro-caribenha.
Segundo Paul Freston (1999), a estratégia da IURD de se estabelecer na Inglaterra
junto ao público negro, pode ser verificada inicialmente na escolha dos bairros, onde
ela instalou os seus templos.
Numa primeira tentativa, a IURD tentou comprar o Bryxton Academy, um importante
palco de shows de rock, mas a compra vazou na imprensa, culminando no veto da
venda pela Câmara.
O Rainbow Theatre, que a IURD comprou meses depois, fica num
bairro diversificado: indianos, paquistaneses, gregos, irlandeses, negros
e ingleses brancos convivem nas ruas deterioradas ao redor. Mas o
Brixton Academy mostra a estratégia com que a IURD chegou à
Inglaterra. Brixton é o mais famoso bairro negro de Londres. O templo
que acabaram comprando lá é freqüentado exclusivamente por negros,
embora os pastores sejam portugueses brancos. Mesmo no Rainbow,
90% do público é negro. A IURD, no contexto inglês, fez da
comunidade Black o seu principal público-alvo. E se aproxima da
categoria, no mundo religioso inglês, de Igreja afro-caribenha
(FRESTON, 1999, p. 396).
Ainda segundo Freston, este título de “Igreja Negra” parece preocupar a IURD, já
que na Inglaterra a comunidade negra deveria ser apenas uma “porta de entrada”
para a igreja num país branco de tradição anglicana.
Por outro lado, a IURD parece ter consciência do perigo de ficar
aprisionada na categoria de Black Church, e se esforça para que a
comunidade negra seja a porta de entrada e não o destino final. Ao
contrário do que faz na África negra, a Igreja não procura mandar uma
alta porcentagem de pastores brasileiros negros para a Inglaterra. Em
Brixton há pastores portugueses (FRESTON, 1999, p.398).
Em território brasileiro, nas cidades como Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, nos
templos da IURD, a presença de negros é maciça. Nos programas de televisão da
IURD, também é muito comum ver pessoas negras dando os seus testemunhos de
fé e milagres alcançados, tais como conseguir o seu primeiro emprego.
113
No Brasil, onde o negro ocupa a base da pirâmide sócio-econômica e a cultura
negra se mostra como um forte alicerce de resistência, o discurso contraditório da
IURD voltado para essa população, parece cair como uma luva. Ao mesmo tempo
em que IURD prega a prosperidade econômica como uma demonstração de fé e
acusa os “encostos” de todas as mazelas sociais, ela se apropria das práticas
mágicas, dos rituais e do universo sagrado das religiões de matriz africana para
resolver os problemas de seus fiéis. Se, por um lado, o discurso iurdiano é
carregado pela intolerância religiosa com as religiões de matriz africana, por outro, a
prática antropofágica diante da cultura negra, a tornou dependente desse universo
simbólico.
Sendo assim, diante dos descompassos na luta pela continuidade simbólica da
cultura negra na pós-modernidade e da condição de exclusão sócio-econômica dos
negros, abre-se uma nova disputa pelos espaços social, político e cultural entre a
IURD e as religiões de matriz africana no Brasil. Um jogo, onde os devoradores
podem estar sendo devorados.
114
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não foi nossa pretensão, nesse espaço delimitado de um estudo de mestrado, dar
conta de todos os aspectos de um fenômeno tão complexo como o das telecultos e
suas formas de apropriação dos símbolos e das práticas rituais das religiões de
matriz africana. Buscamos tratar apenas de como isso foi realizado pelos programas
da IURD, que compõem o corpus desta pesquisa. No entanto, apesar dessa
delimitação muito clara, acreditamos que este trabalho nos levou a diagnosticar
alguns procedimentos que a IURD utiliza nessa apropriação, que podem ser
emblemáticos das práticas midiáticas de intolerância religiosa.
A apropriação e a recontextualização dos elementos simbólicos da cultura negra
pela Igreja Universal do Reino de Deus que vimos apresentando segue alguns
critérios: por um lado a IURD, através da sua visão da moral cristã, tenta
dessacralizar as religiões afro-brasileiras demonizando seus deuses, sacerdotes e
rituais, por outro lado, a IURD se utiliza dessas mesmas práticas rituais e do seu
universo simbólico, em nome do Espírito Santo, para exorcizar os maus espíritos,
associados por ela às religiões de matriz africana.
Esta apropriação da cultura negra pode ser verificada, por exemplo, nos produtos
utilizados no marketing religioso da IURD. Estes produtos vão desde objetos para
serem distribuídos nos cultos das igrejas e que podem ser usados em rituais
mágicos, como sabonetes de arruda, perfumes, rosas brancas, tochas de fogo,
como também peças de publicidade para televisão, como nas vinhetas, nas
teledramaturgias, nas falas dos entrevistados que dão os seus testemunhos de fé.
Para tentar garantir uma certa legitimidade na sua propaganda religiosa na TV a
IURD utiliza elementos da cultura midiática, bastante conhecidos pelo público. Nos
programas da IURD analisados estão presentes os elementos que compõem o
telejornal, como a utilização de repórteres, a elaboração dos cenários e a postura de
apresentação do pastor. Esta pretensão de maquiar o seu discurso religioso em
discurso legitimado, com a utilização dos elementos que configuram o telejornal,
acaba se transformando num melodrama ao mesclar-se com a teledramaturgia.
115
Nas teledramaturgias presentes nos programas analisados, o melodrama é utilizado
como recurso técnico, dando um apelo emocional as “reportagens” criando ora um
clima terror e medo em torno das imagens, ao falar sobre os problemas sociais,
sentimentais e espirituais, ora de emoção para falar das soluções oferecidas pela
Igreja.
Elementos simbólicos dos rituais afro, reelaborados ao contexto da IURD, também
marcam a sua presença nos telecultos da IURD. Como exemplos podemos citar: as
sessões de descarrego e consultas espirituais de obreiros e pastores vestidos de
branco, transmitidos ao vivo e a cores para todo o Brasil.
Nesta apropriação dos elementos culturais das religiões afro-brasileiras pelos
programas de evangelização da TV Record, ocorre uma reelaboração do ritual
sagrado em espetáculo televisivo, cuja principal mensagem acaba sendo a da
intolerância.
O que interessa especialmente aos estudos da comunicação e da mídia é a forma
como a televisão, ao exercer o seu papel de meio de comunicação de massa,
potencializa a mensagem dos neopentecostais de intolerância religiosa na
sociedade.
A amplificação dessas questões realizada pelo aparato eletrônico da mídia, via TV,
por outro lado, mobiliza a sociedade civil que vem movendo ações judiciais contra a
IURD e o seu discurso ofensivo contra as religiões de matriz africana. A imprensa
também vem publicando matérias que demonstram reações desta prática antiética
da IURD.
Por outro lado, pudemos perceber um processo que nos parece antropofágico, no
qual os elementos devorados acabam por engolir o devorador, dando provas da
força da presença dos elementos da cultura negra no imaginário brasileiro, já que a
divulgação massiva dos cultos iurdianos através dos meios de comunicação são
praticamente o suficiente para garantir o sucesso de público aos templos e a
audiência na televisão, dando provas claras do fascínio e da identificação gerada por
esses elementos.
116
Numa clara estratégia de ampliação de mercado, a IURD vem investindo na
população negra como público-alvo de sua propaganda religiosa. Na TV é comum
ver a imagem de pessoas negras nos programas, como também em depoimentos
gravados nos templos ou nos estúdios de televisão falando das realizações
proporcionadas pela conversão religiosa.
No seu discurso contraditório a IURD parece estar presa numa armadilha, que ela
mesma criou. Ao utilizar a “guerra santa” contra as religiões de matriz africana como
uma das principais estratégias para atrair seus fiéis, a IURD vem se tornando
dependente destas religiões para manter o seu marketing religioso para atrair o seu
público.
Sendo assim, este trabalho se propôs a cumprir o papel de registrar um fenômeno
ímpar do cenário religioso brasileiro. Como num registro fotográfico, pretendeu-se
fazer um instantâneo dessa realidade que não para de gerar novos fatos polêmicos
há todo momento. Nesta disputa entre a IURD e as religiões de matriz africana, o
jogo parece estar só começando, mas já há sinais de que será longo e complexo.
Se por um lado, a IURD não para de crescer no mercado religioso, político e dos
meios de comunicação, a cultura negra já deu historicamente provas de sua
capacidade de afirmação cultural e política sobre as tentativas de setores da
sociedade hegemônica de exclusão social e desvalorização cultural. Por enquanto, a
televisão vem se mostrando com trunfo diferenciado nas mãos da IURD nesta
disputa. Diante de tamanha visibilidade oferecida e da identificação dos elementos
simbólicos da sua cultura apropriados pela IURD, o público negro responde, lotando
os templos e marcando presença nos cultos televisionados. Porém, tudo isso nos
remete a idéia de um jogo, um jogo a ser jogado.
Afinal, no Brasil, um país de contrastes sociais e raciais, a população negra para
resistir e manter viva a sua cultura teve recorrer a estratégias como a reelaboração
dos ritos religiosos num processo de afirmação de seus valores e crenças.
117
Diante de todos os conflitos decorrentes da pós-modernidade, a cultura negra tem o
privilégio de trazer no seu universo religioso afro-brasileiro, uma matriz cultural viva
e capaz de recarregar o seu repertório cultural toda vez que for acionada. A força
dessa matriz é o grande diferencial das religiões afro-brasileiras nesta disputa.
118
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