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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
LEONICE MATILDE RICHTER
MOVIMENTO CORPORAL DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL: EXPRESSÃO, COMUNICAÇÃO E INTERAÇÃO
UBERLÂNDIA
MG
2006
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
R535m
RICHTER, Leonice Matilde, 1980-
Movimento corporal da criança na educação infantil : expressão,
comunicação e interação / Leonice Matilde Richter. - 2006.
174f.
Orientadora: Maria Veranilda Soares Mota.
DISSERTAÇÃO (MESTRADO) UNIVERSIDADE FEDERAL DE
UBERLÂNDIA, PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO.
Inclui bibliografia.
1. Educação de crianças - Teses. 2. Psicologia do movimento - Teses. I.
Mota, Maria Veranilda Soares. II. Universidade Federal de Uberlândia.
Programa de Pós-Graduação em Educação. III. Título.
CDU: 372.3
Elaborado pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de Catalogação e Classificação
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LEONICE MATILDE RICHTER
MOVIMENTO CORPORAL DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL: EXPRESSÃO, COMUNICAÇÃO E INTERAÇÃO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação da Universidade Federal de
Uberlândia, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Educação.
Área de concentração: Linha de Saberes e
Práticas.
Orientadora: Profª. Maria Veranilda Soares
Mota, Dra.
UBERLÂNDIA MG
2006
LEONICE MATILDE RICHTER
MOVIMENTO CORPORAL DA CRIANÇA NA EDUCAÇÃO
INFANTIL: EXPRESSÃO, COMUNICAÇÃO E INTERAÇÃO
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação da Universidade Federal de
Uberlândia, como requisito parcial para
obtenção do título de Mestre em Educação.
Área de concentração: Linha de Saberes e
Práticas.
Orientadora: Profª. Maria Veranilda Soares
Mota, Dra.
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________
Profa. Maria Veranilda Soares Mota – Orientadora, Dra.
_____________________________________________
Profa. Lúcia Helena Ferreira Mendonça Costa, Dra.
_____________________________________________
Profa. Sara Quenzer Matthiessen, Dra.
Uberlândia, 31 de março de 2006
Às crianças
Assim como Reich (1983), destaco a felicidade de ter
estado e aprendido com elas. Quero expressar minha
gratidão pelo carinho a mim conferido. Obrigada, minhas
pequenas amigas!.
Leonice M. Richter
À Ana, minha mãe, amiga, confidente, por quem tenho
profundo amor e admiração.
À Veranilda, mais que uma orientadora, uma amiga, que
está presente em meu coração. Pessoa verdadeiramente
humana e que tem profundo amor pelas crianças.
Amor e gratidão por me acompanharem nesse momento
importante da minha vida.
AGRADECIMENTOS
À profa. Dra. Maria Veranilda Soares Mota, pela compreensão, amizade e carinho na
orientação desta pesquisa, meus agradecimentos sinceros.
Às professoras Dras. Lúcia Helena Ferreira Mendonça Costa e Arlete Aparecida Bertoldo
Miranda, pelas importantes contribuições no exame de qualificação.
À Banca Examinadora, profa. Dra. Sara Quenzer Matthiesen e profa. Dra. Lúcia Helena
Ferreira Mendonça Costa, que cooperaram com intervenções, questionamento e sugestões,
que vieram a contribuir no aperfeiçoamento desse estudo.
À profa. Dra. Olenir Maria Mendes, pela força e por ter me ensinado a dar os “primeiros
passos” como pesquisadora.
Às crianças, às professoras e profissionais da instituição pesquisada, que muito me ajudaram
na realização deste trabalho e confiaram em mim.
À CAPES, pelo apoio financeiro, que permitiu a realização deste estudo.
Às minhas irmãs Solange Richter, Aline Richter e Daniela Richter, por sempre me apoiarem
em minha caminhada e serem minhas amigas.
Especialmente a minha mãe, pela força, amizade e cumplicidade. Ela que sempre foi a fonte
de energia nos momentos mais difíceis e a quem eu amo de forma incomensurável.
Ao meu pai, que, mesmo muitas vezes distante pelas estradas do Brasil, enviou-me força e
estímulo para continuar meu trabalho.
À minha amiga Raquel Aparecida de Souza, por sempre estar comigo, apoiando-me e
torcendo por mim, o meu muito obrigada.
Agradeço a todos que de alguma forma me ajudaram e compartilharam comigo este momento
da minha vida, que viveram comigo essa conquista.
Viver e crescer em seu corpo.
Sentir e criar com seu corpo.
Expressar e comunicar com seu corpo.
Stokoe & Harf, 1987.
RESUMO
Este estudo discute o movimento corporal da criança na educação infantil, forma essencial de
expressão, comunicação e interação. Objetivamos compreender o movimento, a expressão
corporal da criança de 5 e 6 anos no espaço de uma instituição de educação infantil situada em
uma região periférica do município de Uberlândia. Diante de tal propósito, buscamos uma
metodologia que nos possibilitasse apreender o movimento corporal da criança sem ferir, sem
limitar o próprio movimento, a dinâmica, a vida presente no espaço da instituição pesquisada.
Encontramos na pesquisa qualitativa trilhas que nos conduziram à construção de
conhecimentos na interação com os sujeitos pesquisados. Nessa direção, a observação foi a
maior aliada no desenvolvimento de nossa pesquisa, por se tratar de sujeitos/crianças e por
termos como objeto de estudo o movimento corporal delas. Permanecemos por cinco meses,
três dias da semana na instituição, perfazendo um total de 193 horas de acompanhamento.
Utilizamos as notas de campo na qual registramos as observações realizadas na instituição e
fizemos entrevistas com as professoras da turma e com a Coordenadora Pedagógica da
instituição. Fizemos uso também da imagem fotográfica, buscando o registro do movimento
corporal da criança. Nossas análises apontam para a percepção de que o movimento corporal é
entendido como desatenção; por isso, normalmente, é cerceado. Como o movimento não é
assumido pelos profissionais enquanto elemento importante para o desenvolvimento da
criança, também não é tomado como foco de atenção, seja no momento da organização do
espaço, da rotina e da organização do trabalho docente. Mas, os diálogos tecidos nos levaram
a perceber a distância entre o discurso proferido e a prática executada. Na realidade, isso não
significa simplesmente que essas professoras expressam oralmente uma teoria e na prática
assumem uma nova postura. As professoras, na verdade, colocam em prática o que elas
interpretam das teorias, dentre elas a do desenvolvimento infantil. Desse modo, a formação de
professores é foco de atenção em nossas análises finais, pois se constitui em um dos
elementos essenciais para a realização de uma prática docente atenta à importância do
movimento corporal da criança como forma de expressão, comunicação e interação com seus
pares no ambiente escolar.
ABSTRACT
This study discusses the movement of children’s bodies in children’s education, an essential
way of expressing, communicating and interacting. With it, we aim at understanding the
movement, or else, the body expression of five- and six-year-old children within the space of
an institute for children’s education located in the periphery of the city of Uberlândia (Minas
Gerais, Brazil). With such purpose defined, we searched for a methodology likely to make us
learn the body movement of children without breaking or limiting the movement itself, or its
dynamics, or the expression of life in the space of the institution being researched. We found
“trails” in the qualitative research that led us to build knowledge in how to interact with the
subjects of the research. Following such “trails” we noticed that the observation was our
greatest ally in our research, because we were dealing with infant subjects and because we
had in their body movement the main objective of our study. We remained five months in the
mentioned institute, not more than three days per week, which added up to 193 (one hundred
and ninety-three) hours of observation. We used our field notes which registered the
observations held in the institute and interviewed the class teachers as well as the institute’s
Pedagogical Coordinator. We also made use of pictures in a way to register the children’s
body movement. Our analyses point to the perception that the body movement is seen as “lack
of attention”; therefore, it is normally discouraged. As the body movement is not
acknowledged by the professionals as an important element for the children’s development, it
is not as well given the proper focus of attention either at the moment of organizing space and
routine or when the teachers themselves plan their performance. However, the dialogues
developed made us realize the distance between the discourse and the praxis. In fact, this not
merely means that the teachers orally express a theory while assuming a new posture at
practice. Those teachers, indeed, put in practice what they interpret from the theories,
including the one about the children’s development. So, the formation of teachers surely
cannot be taken for granted in our final analyses, for it is one of the essential elements for
carrying out a practice which is attentive enough to the importance of children’s body
movement as a means of expressing, communicating and interacting with their peers in the
school environment.
LISTA DE FOTOS
FOTO 01 Reação corporal da criança diante da disciplinarização (01-07-2006) ..... 31
FOTO 02 Forma de utilização do espaço do refeitório (21-06-2005) ....................... 75
FOTO 03 Corredor que conduz ao banheiro e ao berçário (12-04-2005) .................. 77
FOTO 04 Organização das carteiras na sala de atividades (10-06-2006) .................. 79
FOTO 05 Organização das carteiras na sala de atividades (12-04-2006) .................. 80
FOTO 06 Área externa – Parque (12-04-2006) .......................................................... 82
FOTO 07 Crianças exploram um “morrinho” de terra (28-06-2005) ......................... 83
FOTO 08 Crianças exploram um “morrinho” de terra (28-06-2005) ......................... 83
FOTO 09 Criança explora o ambiente natural do parque (07-06-2005) .................... 84
FOTO 10 Diferentes formas de brincar com um objeto (14-06-2005) ...................... 87
FOTO 11 Diferentes formas de brincar com um objeto (14-06-2005) ...................... 87
FOTO 12 Movimento na exploração dos brinquedos do parque (14-06-2005) ......... 88
FOTO 13 Movimento na exploração dos brinquedos do parque (14-06-2005) ......... 88
FOTO 14 Forma de organização dos materiais (17-06-2005) ................................... 91
FOTO 15 Atividades que requerem atenção focada (escrita) (27-06-2005) .............. 94
FOTO 16 Atividades que requerem atenção focada (escrita) (12-04-2005) .............. 94
FOTO 17 Atividades diferenciadas na rotina da turma pesquisada (20-06-2005) .... 95
FOTO 18 Atividades diferenciadas na rotina da turma pesquisada (20-06-2005) .... 96
FOTO 19 Organização no momento do lanche (17-06-2005) ................................... 97
FOTO 20 Organização no momento do lanche (17-06-2005) ................................... 97
FOTO 21 Atividade de Educação Física desenvolvida em sala (03-05-2005) .......... 103
FOTO 22 Atividade de Educação Física desenvolvida em sala (28-06-2005) .......... 104
FOTO 23 Crianças subindo pela rampa do escorregador (07-06-2005) .................... 108
FOTO 24 Criança seguindo percurso de toquinhos (17-06-2005) ............................ 114
FOTO 25 Crianças se equilibrando no gira-gira (17-06-2005) ................................. 115
FOTO 26 Imita o tropeçar (13-06-2006) ................................................................... 117
FOTO 27 Extenso período de imobilidade exigido das crianças (13-05-2005) ......... 119
FOTO 28 Momentos de atenção e dispersão (17-06-2005) ....................................... 121
FOTO 29 Momentos de atenção e dispersão (17-06-2005) ....................................... 121
FOTO 30 Estratégia para movimentar-se (10-06-2005) ............................................ 122
FOTO 31 Movimento: fonte de atrito (06-06-2005) .................................................. 123
FOTO 32 Movimento: fonte de atrito (06-06-2005) .................................................. 123
FOTO 33 Música e limitação do movimento 10-06-2005 ......................................... 124
FOTO 34 Música e movimento definidos (28-06-2005) ........................................... 125
FOTO 35 Crianças criando novas interpretações dos comandos da música
(28-06-2005) .............................................................................................. 126
FOTO 36 Castigo e resistência das crianças (14-06-2005) ....................................... 128
FOTO 37 Expressão corporal de dúvida (09-05-2005) ............................................. 130
FOTO 38 Expressão da criança diante do erro (09-05-2005) .................................... 131
FOTO 39 Expressão corporal e o processo cognitivo (10-06-2005) ......................... 132
FOTO 40 Expressão corporal da criança diante de uma avaliação da professora
(06-05-2005) .............................................................................................. 133
FOTO 41 Comunicação pela linguagem corporal entre as crianças (06-04-2005) .... 134
FOTO 42 Expressão corporal de desagrado diante da troca de lugares (21-06-2005) 136
FOTO 43 Expressão corporal de desagrado diante da troca de lugares (21-06-2005) 136
FOTO 44 Movimentos e gestos na representação de objetos: binóculo (06-06-2005) 138
FOTO 45 Formas de representações corporais realizadas pelas crianças
(12-04-2005) .............................................................................................. 139
FOTO 46 Formas de representações corporais realizadas pelas crianças
(12-04-2006) .............................................................................................. 139
FOTO 47 Dispersão da criança no momento da contação de história (13-07-2005) 141
FOTO 48 Grupo de crianças se envolve na contação de história ............................. 141
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
EMEI - Escola Municipal de Educação Infantil
LDB - Lei de Diretrizes e Bases
MEC - Ministério da Educação e Cultura
PCC - Professor Complementador de Carga Horária
RCN/EI - Referenciais Curriculares Nacional de Educação Infantil
UFU - Universidade Federal de Uberlândia
UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS......................................................................................................................................... V
RESUMO ........................................................................................................................................................... VII
ABSTRACT ......................................................................................................................................................VIII
LISTA DE FOTOS..............................................................................................................................................IX
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ........................................................................................................XI
SUMÁRIO.......................................................................................................................................................... XII
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 14
1 A ESCOLA “TATUADA” NO MEU CORPO: LEMBRANÇAS DE UMA TRAJETÓRIA ........................14
2 ENCONTROS E DESENCONTROS NA MINHA CAMINHADA ACADÊMICA.....................................16
CAPÍTULO I ....................................................................................................................................................... 21
REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO INFANTIL........................................................................................21
1 CENÁRIO ATUAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL ................................................................. 26
2 CORPO DISCIPLINADO MOVIMENTO CASTRADO.............................................................................. 29
3 A PRÉ-ESCOLA E O MOVIMENTO CORPORAL DA CRIANÇA............................................................ 34
CAPÍTULO II...................................................................................................................................................... 40
MOVIMENTO CORPORAL DA CRIANÇA: MOTOR DA VIDA............................................................... 40
1 COMPREENSÃO FISIOLÓGICA DO MOVIMENTO................................................................................ 41
2 DESENVOLVIMENTO DO MOVIMENTO CORPORAL: INDISSOCIAVELMENTE ORGÂNICO E
SOCIAL............................................................................................................................................................ 46
3 O MOVIMENTO CORPORAL E O PERCURSO DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL....................... 52
3.1 O Movimento Expressivo no Processo de Desenvolvimento Infantil....................................................55
CAPÍTULO III .................................................................................................................................................... 60
RUMOS DA PESQUISA: COMO E POR ONDE CAMINHAMOS.............................................................. 60
1 INSTITUIÇÃO PESQUISADA..................................................................................................................... 62
2 QUEM SÃO AS PROFESSORAS DA TURMA PESQUISADA?................................................................ 64
3 A OBSERVAÇÃO......................................................................................................................................... 66
4 ENTREVISTA............................................................................................................................................... 68
5 IMAGEM FOTOGRÁFICA..........................................................................................................................70
CAPÍTULO IV .................................................................................................................................................... 72
CORPO, MOVIMENTO E INTERAÇÃO: O COTIDIANO NA EDUCAÇÃO INFANTIL....................... 72
EIXO 1: O MOVIMENTO CORPORAL E A DINÂMICA INSTITUCIONAL .............................................. 73
1.1 Movimento Corporal e o Espaço Físico................................................................................................. 74
1.2 Rotina e o Movimento Corporal da Criança .......................................................................................... 89
1.2.1 O dia-a-dia na sala de aula com a professora regente.......................................................................................90
1.2.2 A terça-feira chegou: atividades com a professora de Educação Física e PCC ..............................................101
1.3 Organização do Trabalho Docente....................................................................................................... 108
EIXO 2: INTERAÇÃO PROFESSORAS/CRIANÇAS COM AS FORMAS DE MOVIMENTO ................. 113
2.1 Movimento Passivo ou Exógeno: Equilíbrio da Criança Diante no Mundo ........................................ 113
2.2 Movimento Autógeno ou Ativo: Fonte de Atrito Entre Professoras e Crianças .................................. 118
2.3 Deslocamento de Segmentos Corporais ou de Frações: Forma de Comunicação................................ 129
LIMITES, POSSIBILIDADES E CONQUISTAS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS................. 143
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................................ 146
ANEXOS ............................................................................................................................................................ 155
Anexo I Exemplo do registro da rotina no diário de campo....................................................................................156
Anexo II Roteiro da primeira entrevista com as professoras..........................................................................160
Anexo III Roteiro da segunda entrevista com as professoras e com a pedagoga.....................................................162
Anexo IV Planta baixa da instituição pesquisada....................................................................................................173
Anexo V Construção real da instituição..................................................................................................................174
14
INTRODUÇÃO
1 A ESCOLA “TATUADA” NO MEU CORPO: LEMBRANÇAS DE UMA
TRAJETÓRIA
Nesta pesquisa, as crianças são compreendidas como seres que pensam, sentem, agem
e se manifestam de forma muito própria; são sujeitos criativos, que questionam o ambiente em
que vivem, apresentam uma compreensão do mundo, são sujeitos produtores de cultura e
história, ao mesmo tempo em que são influenciados pela história e cultura que lhes são
contemporâneas. Compreendemos que a criança é integrada pelas dimensões afetiva,
cognitiva, social e motora, como já afirmava Henri Wallon no início do século XX. E essas
dimensões que constituem o sujeito se desenvolvem em interação com o meio, principalmente
com outros indivíduos. É nesta perspectiva que buscamos, nesta pesquisa, compreender como
o corpo, o movimento corporal da criança é trabalhado na educação infantil. A forma como a
criança faz uso do movimento corporal para se relacionar com o meio é uma, dentre outras, de
suas especificidades
1
.
O despertar para o desenvolvimento desta pesquisa está relacionado com a minha
trajetória de vida, com a minha caminhada. Proponho-me a apresentar um pouco quem sou
por entendemos como Nóvoa que “é impossível separar o eu profissional do eu pessoal”
(1995, p.17), e, dessa forma, entendo que os caminhos que me conduziram para o encontro
desse tema de pesquisa estão vinculados, também, com a minha história de vida. Segundo
Wilhelm Reich (2001), a nossa história de vida se encontra registrada em nós, em nosso
corpo, por isso, acredito que buscar entender o movimento corporal da criança na educação
infantil foi um objetivo ao qual cheguei conduzida, também, pelas tatuagens da escola em
mim, no meu corpo.
1
Em nossa sociedade é cada vez mais presente o entendimento da infância como uma fase da vida dotada de
especificidade com essencial importância para a constituição da identidade humana, seja do ponto de vista
subjetivo, seja do ponto de vista social. Especificidades entendidas aqui como o conjunto de características
próprias à criança, como por exemplo, a intensa relação com o mundo da fantasia, o brincar, a ampla utilização
da linguagem corporal como forma de comunicação com o meio.
15
O estudo das primeiras experiências da criança no espaço escolar foi um dos fatores
que me conduziu ao ingresso no curso de Pedagogia, e é um interesse que me acompanha até
hoje, embora, no início de minha formação, não tivesse clareza dos motivos que despertavam
em mim tal desejo. Atualmente, compreendo-os melhor, pois acredito que esse desejo está
concatenado com os meus próprios problemas enfrentados nos primeiros anos escolares. As
minhas primeiras experiências com a escola não foram muito agradáveis, uma vez que, por
“causa dela”, tive que me separar dos meus pais
2
, pois morávamos no Paraguai, e eles
consideraram que seria melhor se eu fosse morar com os meus avós no Brasil, para assim me
alfabetizar na língua portuguesa. Acostumada com a liberdade do pular, do brincar, do
movimento livre de quem mora em um vilarejo, a escola na cidade grande parecia, para mim,
uma grande “jaula” com corpos enclausurados, onde o movimento era compreendido como
indisciplina.
A maioria dos alunos que compunham a turma da primeira série do 1º grau
3
em que
ingressei (1987) possuíam habilidades que eu ainda não havia desenvolvido, já que não tive
acesso à educação Infantil. A professora não teve muito interesse para atender às minhas
necessidades, pois as atividades eram as mesmas para todos os alunos, mesmo que só fosse
possível desenvolvê-las quem tivesse alguns conhecimentos prévios e, como não havia tempo
para explicações individuais que suprissem minhas dúvidas, não consegui acompanhá-los. Em
conseqüência de tal situação, fui reprovada e, no ano seguinte, mesmo lendo com dificuldade
e não conseguindo escrever, passei para a próxima série.
Na segunda série, a situação agravou-se ainda mais e, devido a tantas dificuldades,
retornei ao Paraguai, o que acredito tenha sido um dos meus maiores desafios, uma nova
língua, novas regras ortográficas e pouca compreensão por parte do professor em relação às
minhas particularidades. Sentia-me inferior, envergonhada e acreditava que nunca iria
aprender a ler e escrever. Passaram quase três anos para que eu realmente começasse a
acompanhar os colegas. Nesse momento, já estava na quinta série, mas eis que uma nova
mudança me conduziu novamente para o Brasil, em 1992, e nesse ano, ao passar por um
2
Esta compreensão foi estabelecida por mim na infância, que deve ser entendida dentro de uma lógica, “por eu
ter que ir para a escola me afastaram dos meus pais, então a culpa era de quem? Da escola é claro”. Não estou
defendendo essa lógica, apenas apontando que na condição de crianças/alunos temos as nossas “lógicas” e que
devem ser entendidas. Para Charlot (2005), numa pesquisa, o entendimento da relação aluno/escola, o problema
não é saber quem está certo ou errado, o problema do pesquisador é entender em qual lógica o aluno e o
professor estão se baseando, essa é a diferença, cada um está certo nessa “lógica”, o professor está certo, na sua
lógica na escola, mas o aluno também entende estar certo dentro de sua lógica, enquanto, o trabalho do
pesquisador é saber quais são essas diferentes lógicas.
3
Atual Ensino Fundamental.
16
exame de capacitação, tive que retornar para a quarta série do ensino fundamental, isso foi
muito frustrante, pois passei a estudar na mesma turma que a minha irmã três anos mais nova
do que eu. O sentimento de inferioridade em relação aos outros colegas e, principalmente, em
relação a minha irmã se fez mais forte em mim. Com isso, lembrar da minha história escolar
deixa-me com um “aperto no coração”, essas são as palavras que realmente definem o que
sinto.
Ao redigir estas linhas, vejo o processo de “encolhimento”
4
que vivi no espaço
escolar. Embora a trajetória aqui apresentada não seja algo “muito acadêmico”, considero
relevante apresentá-la, pois são as marcas registradas em mim mesma, da força que as
primeiras experiências escolares representam na constituição do que somos. Além disso,
acredito ser esta trajetória responsável pelo interesse pelo espaço da educação infantil, no
qual, atualmente, a maioria das crianças vive suas primeiras experiências escolares. Portanto,
neste trabalho, direcionamos nosso olhar para a educação infantil, mais especificamente, para
a faixa etária de 5 e 6 anos.
2 ENCONTROS E DESENCONTROS NA MINHA CAMINHADA ACADÊMICA
Ao longo da graduação, desenvolvemos uma pesquisa de iniciação científica
5
, a qual
desempenhou um papel fundamental em minha constituição como profissional da educação e
pesquisadora. Participei, ao longo desses dois anos, da rotina de duas instituições de educação
infantil, sendo uma pública e outra particular, ambas situadas no município de Uberlândia.
Tínhamos como objetivo compreender a prática pedagógica dos profissionais de educação
infantil, centrando nossa atenção no momento da avaliação formal e informal. Mas, ao
acompanhar essas instituições, uma das questões que observávamos e chamava nossa atenção
era que, geralmente, as atividades propostas raramente permitiam o movimento corporal, ao
contrário, este era rigorosamente reprimido. Na sala de aula, eram severas as críticas à criança
que se levantava. As crianças ficavam, muitas vezes, seguidamente, duas horas sentadas.
Diante de situações que desagradassem a professora, o movimento corporal era o primeiro a
4
Sentia vergonha de mim mesma, desejava ser invisível, por isso, a cada dia me encolhia mais, retraia-me e
pouco interagia com os colegas, que, muitas vezes, riam de mim.
5
Pesquisa “A prática avaliativa dos profissionais de educação infantil” desenvolvida entre 2001 a 2003 e que
teve como órgão de fomento o CNPq/UFU.
17
ser alvo de proibições. Como, por exemplo, diante de uma conversa entre as crianças, era
comum a professora privá-las das atividades do parque.
Mencionamos esse fato, pois inquieta-nos pensar que aos corpos infantis se impõem
posturas rígidas num momento da vida em que a sensibilidade corporal é um meio de
conhecimento do mundo e de exploração desse mundo.
Tal situação, embora não constituísse o foco central da pesquisa de iniciação
científica, intrigava-me e despertava em mim o interesse de compreender como o corpo da
criança, o seu movimento corporal, é trabalhado no espaço da educação infantil e qual a sua
importância no desenvolvimento da criança. Esta questão, gestada ao longo da pesquisa de
iniciação científica, impulsionou mais tarde ao desenvolvimento desta pesquisa de mestrado.
Vale ressaltar que as leituras do pensamento de Wilhelm Reich (1897-1957) me fizeram mais
atenta para a dimensão corporal e o movimento da criança, pois esse autor dedicou grande
parte de seus estudos na busca de compreender o ser humano integrado, em que o psíquico e
somático estão em constante relação.
Com o olhar atento às questões apontadas por Reich, observamos a sala de aula. Era
notório o quanto as professoras desconsideravam a dimensão corporal ou reprimiam o
movimento da criança. Constatamos, a partir disso, que tais práticas são decorrentes de um
modo de pensar no qual o desenvolvimento cognitivo é considerado o eixo central do trabalho
docente. Assim sendo, o corpo passa a ser julgado como fonte de desvio de atenção, visto
como prejudicial à aprendizagem, exigindo, para tanto, um corpo o mais imóvel possível. Nas
turmas observadas, eram constantes expressões como o mundo lá fora quer gente esperta, que
saiba ler e escrever, reforçando concepções de que o ler e escrever são focos absolutos de
atenção, e as demais dimensões são secundárias, dentre elas, o movimento corporal.
O estudo de algumas obras de Reich
6
conduziu-me a uma visão mais dinâmica e
relacional do ser humano. Reich tem características que o diferenciam muito dos
pesquisadores da sua época e mesmo da época atual.
Reich foi um pioneiro no que se refere à mudança de paradigma. Teve
idéias brilhantes, uma perspectiva cósmica e uma visão holística e dinâmica
do mundo que superou largamente a ciência de seu tempo e não foi
apreciada por seus contemporâneos. (CAPRA, 1993, p.337)
6
Diante das inquietações provocadas pelos estudos realizados na busca de entender a expressão corporal da
criança, iniciei, em 2005, o curso de “Análise corporal” no Instituto Neo-Reichiano - LUMEN - em Ribeirão
Preto SP. Curso com duração de três anos, ainda em andamento. WWW.institutolumen.com.br
18
Entre as reflexões desse autor, que nos ajuda a tecer nossa teia teórica, está sua
compreensão de funcionamento integrado do ser humano. Tal pressuposto torna-se
fundamental para nós, uma vez que buscamos uma visão inter-relacionada entre o corpo
(como organismos biológico, emocional e social); o movimento (como dimensão do
desenvolvimento humano); e a educação infantil (como espaço a contribuir com esse
desenvolvimento).
O organismo vivo se expressa em movimentos; por isso falamos em
movimentos expressivos. O movimento expressivo é uma característica
inerente ao protoplasma. Distingue o organismo vivo de todos os sistemas
não-vivos. A palavra sugere literalmente - e é assim que devemos considerá-
la - que alguma coisa no sistema vivo “pressiona a si mesmo para fora” e,
portanto, se ‘move’. Isso só pode significar o movimento (REICH, 2001,
p.332).
Percebemos, na compreensão de Reich (2001), uma relação profunda entre o
movimento e a emoção, pois, no sentido literal, “emoção” significa “mover para fora” - ela se
constitui em um movimento expressivo -, ou seja, esse autor sustenta que o movimento
expressa uma emoção, e a emoção está incorporada no movimento.
Na busca de entender o movimento integrado às outras dimensões da criança,
deparamo-nos, com Henri Wallon (1879–1962), outro autor que contribuiu para a nossa
construção teórica, por destacar o papel central da motricidade expressiva, isto é, a dimensão
afetiva do movimento. Ele atribui à função motora um sentido psíquico e compreende a
emoção como um fator fisiológico e também como um comportamento social. Para esse autor,
o sujeito é compreendido como ser total físico-psíquico. Entendemos, assim, que o
movimento corporal não representa o mero deslocamento do corpo ou de segmentos corporais
no espaço, mas envolve inclusive significados, expressões, emoções, que nos contam, muitas
vezes, mais do que as palavras da pessoa. O movimento envolve os desenvolvimentos motor,
cognitivo, social e afetivo.
Nesse processo, autores como Reich (2001, 1999) e Wallon (1971; 1975; 1979), entre
outros, têm nos fornecido alicerces e indicado para a necessidade do trabalho e o
entendimento do movimento corporal como uma dimensão do processo de desenvolvimento
humano que proporciona o entendimento, a expressão e a comunicação de significados
presentes no meio sócio-cultural.
Destacamos, assim, as contribuições de Wilhelm Reich e Henri Wallon. Reich,
pesquisador Austríaco, que se formou em medicina e, ao longo de suas formulações teóricas,
fez severas críticas ao processo de institucionalização dos corpos, compreendendo as marcas
19
do processo histórico registrado no corpo dos indivíduos. Reich, de certa forma, deu início “a
psicologia das expressões não verbais”, como afirmou Gaiarsa (1982, p.3). O francês Henri
Wallon, formado em filosofia e medicina, base teórica que o levou a tecer ricas reflexões
voltadas para a psicogênese. A partir do estudo de vários distúrbios neuropsíquicos, Wallon
7
aprendeu a conhecer a complexidade do dinamismo motor e de suas relações com a atividade
mental, ou seja, evidenciou as relações entre movimento e psiquismo.
O estudo do movimento na criança tem ainda vastas perspectivas. Está, em
primeiro lugar, ligado ao processo das suas noções e das suas capacidades
fundamentais e, quando estas passam sob o controle dominante da
inteligência, fica ainda implicado nos modos sob os quais se exterioriza e se
despende a atividade psíquica (WALLON, 1975a, p.82).
Nesse processo de indagação e busca da compreensão do movimento, da expressão
corporal da criança de 5 a 6 anos no interior de uma instituição de educação infantil, algumas
questões foram norteando este trabalho.
a Como se trabalha com o corpo da criança, com o seu movimento corporal na educação
infantil?
a Como se organiza a rotina em uma instituição de educação infantil em relação à
dimensão do movimento corporal da criança?
a As professoras de educação infantil compreendem o movimento como dimensão do
desenvolvimento da criança?
a Como está organizada espacialmente a instituição escolar em relação ao movimento da
criança?
Diante dessas questões, no primeiro capítulo – REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO
INFANTIL –, apresentamos uma breve contextualização da educação infantil no Brasil e um
diálogo com autores que, de alguma forma, salientam em suas reflexões teóricas, a atenção ao
aspecto do movimento como dimensão do desenvolvimento infantil.
Partindo da visão de que a existência do homem é, indissoluvelmente, biológica e
social, propomos, portanto, no segundo capítulo – MOVIMENTO CORPORAL DA
CRIANÇA: MOTOR DA VIDA –, um entendimento geral do movimento como elemento da
vida, forma de comunicação e interação no meio social e suas bases biológicas.
7
Wallon pesquisou pessoas com distúrbios, para compreender o saudável. “A patologia funciona como uma
espécie de lente de aumento que permite enxergar, de forma acentuada, fenômenos também presentes no
indivíduo normal” (GALVÃO, 2003, p.33).
20
No terceiro capítulo – RUMOS DA PESQUISA: COMO E POR ONDE
CAMINHAMOS –, traçamos a trajetória realizada ao longo do desenvolvimento da pesquisa,
destacando os primeiros contatos com a escola, a caracterização da escola e da turma
entrelaçados à nossa compreensão da pesquisa na condição de produção coletiva do
conhecimento, como forma de estabelecer uma interpretação da realidade.
No quarto capítulo – CORPO, MOVIMENTO E INTERAÇÃO: O COTIDIANO NA
EDUCAÇÃO INFANTIL – discorremos, de forma mais direcionada, sobre o conhecimento
que construímos coletivamente (sujeitos da pesquisa e pesquisadora) sobre o movimento
corporal da criança no espaço da educação infantil.
Este estudo, portanto, relaciona-se com as pesquisas que tecem a discussão sobre a
educação infantil e que vêem a criança como sujeito que interage com seu ambiente.
Esperamos contribuir com essa discussão, investigando o movimento corporal das crianças de
5 a 6 anos que freqüentam essa etapa da educação.
21
CAPÍTULO I
REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO INFANTIL
Criança é vida
(Toquinho)
“Em qualquer lugar criança quer o que?
Criança quer sonhar
Criança quer viver
Agente quer
Agente quer
Agente quer ser feliz
Criança é vida
E agente não se cansa
De ser pra sempre criança.”
A preocupação com a educação infantil é algo recente na história da humanidade. Por
um longo tempo, não se pensava a singularidade da criança, sendo esta considerada um adulto
“em miniatura”. Apenas a partir do século XVI, começou-se a pensar sobre as características
específicas da criança pequena e a atribuir um significado a essa fase da vida humana
(ARIÈS, 1981). Mas, de acordo com Zabalza (1998, p.64), “somente nas páginas do álbum
correspondente ao século XX reconhece-se à infância a identidade de sujeito social, sujeito de
direitos”.
O percurso histórico do atendimento à criança pequena, no cenário brasileiro, envolve
as próprias transformações do contexto social. A “atenção”
8
hoje destinada à infância
9
foi
definida a partir de modificações econômicas e políticas da estrutura social, permeadas por
interesses de grupos sociais. Entretanto “a história das instituições pré-escolares não é uma
sucessão de fatos que se somam, mas a interação de tempos, influências e temas”
(KUHLMANN, 2005, p.81). Esse autor ressalta que pela desvalorização da história, muitas
vezes, incorremos em discussões que nos parecem descoberta atual, mas que, na verdade,
8
Atenção entre aspas, por corroborarmos Rosemberg (2005), sobre as dificuldades que a educação infantil ainda
enfrenta. Embora, não possamos desconsiderar as conquistas legais obtidas nos últimos anos, como veremos ao
longo deste capítulo.
9
A palavra infante, em sua origem latina, recebe um campo semântico ligado à idéia de ausência de fala: in:
prefixo que indica negação; fante: significa falar, dizer. A noção de infância como qualidade ou estado do
infante, sugere aquele que não fala.
22
muitas delas já eram abordadas em longa data. Desse modo, entendemos a importância em
nos dedicarmos, neste momento, a traçar elementos históricos da pré-escola no Brasil, ainda
que sumariamente.
A história das instituições infantis brasileiras seguiu uma trajetória diferente da
européia. Segundo Kramer (1982), enquanto surgiram creches na Europa desde o século
XVIII, os jardins-de-infância apareceram somente a partir do século XIX, no Brasil, tanto as
creches quanto os jardins de infância são instituições criadas no mesmo período histórico
10
.
No Brasil, até meados do século XIX, quase não existiam instituições de atendimento
à infância. Existiam, nesse período, apenas a “Roda dos expostos”
11
, onde se oferecia
assistência às crianças da primeira idade que eram abandonadas. No Brasil, diversas
instituições, como esta, foram criadas e tinham um cunho de assistência às necessidades
básicas da criança.
A roda de expostos foi uma das instituições brasileiras de mais longa vida,
sobrevivendo aos três grandes regimes de nossa História. Criada na Colônia,
perpassou e multiplicou-se no período imperial, conseguiu manter-se durante
a República e só foi extinta definitivamente na recente década de 1950!
Sendo o Brasil o último país a abolir a chaga da escravidão, foi ele
igualmente o último a acabar com o triste sistema da roda dos enjeitados.
Mas essa instituição cumpriu importante papel (MARCILIO, 2003, p.53).
Essas instituições, geralmente, eram mantidas por religiosos, e a infância não era algo
a ser aproveitado; a criança era vinculada às condições de rejeição, e sua educação se
preconizava, sobremaneira, a moralização. O caráter de substituto dos cuidados familiares, de
assistência, das primeiras instituições de atendimento extrafamiliar marcou profundamente a
história das instituições destinadas a atender a criança. Tais práticas ficaram arraigadas na
nossa cultura, deixando vestígios que permanecem até os dias de hoje, como podemos
perceber ao observarmos a valorização do profissional que trabalha na educação infantil,
principalmente, nas creches, vemos que não se têm reconhecido a formação necessária para
exercer tal função, o que é constatado nos baixos investimentos na formação desses
profissionais.
10
Em 1879, tem-se a primeira referência sobre a creche em nosso país (COSTA, 1999, p.10) e o primeiro
jardim-de-infância brasileiro foi inaugurado em 1875 (KRAMER, 1982, p.54).
11
As “rodas de expostos” tiveram origem na Idade Média, na Itália. No Brasil, a primeira foi implantada em
Salvador, outra no Rio de Janeiro e em Recife, todas no século XVIII, com a finalidade de abrigar almas
“inocentes” que tivessem sido abandonadas. Também chamada de “Casa dos Expostos” ou “Casa dos
Enjeitados” (MARCILIO, 2003, p.54).
23
Nos períodos que antecedem a Proclamação da República (1889), vivemos, no Brasil,
uma fase marcada por iniciativas de grupos particulares de proteção à infância, especialmente
médicos e higienistas, mobilizados, notadamente, devido ao elevado número de mortalidade
infantil. As descobertas científicas da época, particularmente na área médica, contribuíram
também para tal mobilização. Interesse que não era igualmente caloroso por parte da
administração pública, que permanecia indiferente às condições das crianças brasileiras,
essencialmente em relação às provenientes de camadas sociais subalternas.
A chegada ao Brasil de algumas idéias do movimento da Escola Nova, que estava se
desenvolvendo na Europa, impulsionou a criação dos primeiros jardins-de-infância pela
iniciativa privada, considerando a importância da educação nos primeiros anos de vida. O
primeiro jardim-de-infância foi criado no Rio de Janeiro em 1875. Logo em seguida, em
1877, criou-se o segundo, em São Paulo. A proposta pedagógica era inspirada em Froebel,
num contexto de uma educação “nova”, “moderna” que se concebe
a natureza da criança como inocência original; a educação deve proteger o
natural infantil, preservando a criança da corrupção da sociedade, e
salvaguardar sua pureza. A educação não se baseia no autoritarismo do
adulto, mas na liberdade da criança e na expressão de sua espontaneidade
(KRAMER, 1982, p.22).
Essa perspectiva, ainda que avance na direção da valorização da infância, trata a
criança como ser abstrato, camuflando ideologicamente a significação social da infância; esta
tendência romântica aponta a pré-escola como jardim-de-infância
12
, onde as crianças são
plantinhas ou sementinhas, cujo desenvolvimento natural deve ser favorecido por meio da
educação.
Em relação ao atendimento público de educação infantil, a primeira referência oficial à
pré-escola ocorreu 1878. Na Reforma Leôncio de Carvalho (1878), encontram-se “citações
aos jardins-de-infância, cuja metodologia estava baseada no ensino ativo” (PACHECO, 2004,
p.43). O jardim-de-infância da Escola Normal Caetano de Campos foi o primeiro jardim-de-
infância público do Brasil, criado em 1896 em São Paulo, como afirma Oliveira (2002).
12
Vygotsky (2003, p.26), ao discutir sua perspectiva do desenvolvimento infantil, lança crítica à concepção que
compara o estudo da criança à botânica, na qual se tem a “noção corrente da maturação como um processo
passivo”, por meio de tal concepção, diz-se que os primeiros anos de educação da criança ocorrem no “jardim-
de-infância”.
24
Ao longo da história do atendimento pré-escolar brasileiro, percebe-se, uma
diferenciação no atendimento destinado à criança de acordo com a sua classe social. Às
crianças de famílias mais abastadas se requeria e se apontava a necessidade de um ambiente
estimulador, que promovesse o seu desenvolvimento afetivo e cognitivo. Já para as crianças
pobres o atendimento oferecido era mais o de guarda (OLIVEIRA, 1992).
Outro elemento importante na história do atendimento institucional à criança, nesse
momento, final do século XIX, foi a fundação do Instituto de Proteção e Assistência à
Infância do Brasil, com sede no Rio de Janeiro, em 1899, que tinha como propósito atender
aos interesses das crianças menores de 8 anos. Dentre outros objetivos, dedicar-se-ia à criação
de maternidades, creches e jardins-de-infância. Em 1919, temos, por iniciativa da equipe
fundadora desse instituto, a criação do Departamento da Criança no Brasil. Nesse período, as
autoridades governamentais, que haviam permanecido inertes em termos de realizações
objetivas a favor da criança pobre e abandonada, começaram a proclamar a necessidade de
seu atendimento, em parte, devido às manifestações do operariado, especialmente nas duas
primeiras décadas do século XX, quando este ganhava corpo como categoria social. Dentre
suas reivindicações, estava a cobrança por atendimento institucional à criança. Entretanto,
somente a partir da década de 30 do século XX, o setor público, no Brasil, passou a participar
com uma contribuição direta no atendimento ao pré-escolar (KRAMER, 1982).
Foi na conjuntura das transformações econômicas, da passagem da monocultura
latifundiária para o início do desenvolvimento da industrialização, no processo de urbanização
e, conseqüentemente, na redefinição do papel da mulher na sociedade, ou seja, a ausência de
mães trabalhadoras dos seus lares, que se constituíram os elementos fundamentais para a
mobilização da criação das instituições educacionais infantis.
Dado o contexto político dos anos 30, o papel do Estado frente à criança era
defendido pelas próprias autoridades governamentais de forma mais
veemente que nos primórdios da República: enfatizavam-se as relações entre
“crianças” e “pátria” e introduzia-se uma nova argumentação sobre a
necessidade de formação de uma raça forte e sadia (KRAMER, 1982, p.62).
Entre os anos 30 e 80 do século XX, vivemos uma fase marcada por trabalhos de
assistência social e educacional à infância, tendo em vista, segundo Kramer (1982),
principalmente o desenvolvimento nacional. As necessidades de uma sociedade urbano-
industrial impulsionavam, nesse período, a expansão de instituições infantis destinadas ao
atendimento de crianças de 0 a 6 anos.
25
O cenário internacional, particularmente a partir de 1960, revelava uma tendência à
educação compensatória, baseada no princípio da privação cultural
13
. As crianças menos
favorecidas, que, em decorrência de sua condição social, passaram por privações culturais,
teriam a oportunidade de, na pré-escola, serem compensadas em relação aos padrões
estabelecidos, ou seja, às crianças privadas culturalmente faltariam determinados atributos,
padrões de atitude ou conteúdos que deveriam ser nelas introjetados na pré-escola, assim,
buscava-se a hegemonização. Essa estratégia de educação compensatória foi assumida no
contexto brasileiro, no nível do discurso, como solução para os problemas educacionais e
sociais, num momento em que essa forma de educação já era “comprovadamente fracassada
em outros países” (KRAMER, 1982, p.12).
No Brasil, foram criados, principalmente a partir de meados da década de 1970,
programas pré-escolares de caráter compensatório, com o objetivo de suprir as deficiências de
saúde, nutrição e as “carências culturais” do meio sociocultural ao qual a criança pertencia.
Segundo essa concepção, sem tais medidas, as crianças não teriam condições de iniciarem o
ensino formalizado, ou seja, evitar-se-iam, por antecipação, problemas da escola de 1º grau.
Assim, julgava-se necessário um ambiente pré-escolar, como o nome sugere, anterior à
educação escolar, como se fosse possível um nivelamento entre as crianças, visto que a
maioria das famílias era percebida como incapaz de educar seus filhos pequenos.
Portanto, as primeiras instituições destinadas ao atendimento infantil apresentavam um
caráter assistencial, durante um longo percurso, marcado por uma concepção de educação
compensatória. Vale ressaltar que a adesão das mulheres de classe média ao mercado de
trabalho foi um importante elemento para “o reconhecimento das instituições de educação
infantil como passíveis de fornecer uma boa educação para as crianças que a freqüentassem”.
(KUHLMANN, 2004, p.199).
Nas décadas de 1980 e 1990, tivemos, no Brasil, o reconhecimento efetivo por parte
do Estado em relação ao atendimento em instituições de educação infantil. A etapa histórica
que estamos vivendo, fortemente marcada pela transformação tecnológico-científica e pela
mudança ético-social, cumpre todos os requisitos para tornar efetiva a conquista do último
salto da educação da criança, legitimando-a, finalmente, como figura social, como sujeito de
direitos na condição de sujeito social (ZABALZA, 1998).
13
A pré-escola era encarada no cenário internacional, por educadores como Froebel (Alemanha - Revolução
Industrial), Montessori (Itália - final do século XIX, inicio século XX) e McMillan (contemporâneo de
Montessori) como uma forma de superar a miséria, a pobreza, a negligência das famílias. Sobre tal discussão, ver
Kramer, 1982.
26
Segundo Kramer (2002), temos feito, nos últimos vinte anos, um sério esforço para
consolidar uma visão da criança como cidadã, sujeito criativo, indivíduo social, produtora da
cultura e da história, ao mesmo tempo em que é produzida, na história e na cultura, que lhe
são contemporâneas.
A constituição de uma concepção de criança como sujeito de direitos que possuem
características específicas, impulsiona-nos na busca, nesse início do século XXI, pela
compreensão dessas especificidades, de modo que possamos desenvolver não apenas o
atendimento, mas um trabalho de qualidade, que promova o desenvolvimento da criança em
suas diversas dimensões. Neste estudo, buscamos compreender uma dentre essas
características próprias da criança, qual seja, o seu movimento corporal.
1 CENÁRIO ATUAL DA EDUCAÇÃO INFANTIL NO BRASIL
Pesquisas desenvolvidas em vários países e em diversos campos de conhecimento
destacam o grande valor das primeiras experiências na primeira infância. Tivemos, nas
últimas décadas, acesso a pesquisas que demonstram, a curto prazo, a importância de
experiências precoces e de qualidade para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social da
criança e, a longo prazo, para seu sucesso na escola e na vida (UNESCO, 2002).
No Brasil, a industrialização, a urbanização, a explosão demográfica nas cidades, as
mudanças da estrutura familiar, a intensificação da participação da mulher no mercado de
trabalho, o desenvolvimento de pesquisas nacionais sobre a criança, entre outros fatores,
ensejaram, nas últimas décadas, movimentos em favor do reconhecimento do direito da
criança pequena
14
à educação institucionalizada.
Consideramos que esse interesse pela criança é marcado também pela realidade que se
estampa diante dos nossos olhos nas últimas décadas do século XX e no início do nosso
século. Crianças são atraídas à rua por força da luta pela sobrevivência nas grandes cidades,
vivendo o encontro com a marginalidade social e com a morte prematura por desnutrição ou
pela violência. Essa realidade, que não dá para ser negada, é também um forte fator de
mobilização para a atenção sobre a infância.
14
Ao utilizarmos a expressão criança pequena, referimo-nos à faixa etária de 0 a 6 anos. Esta expressão é
utilizada por vários autores que se dedicam ao estudo da criança e da educação infantil, como Faria (2003);
Cerisara (2002); Kuhlmann (2004), entre outros.
27
O que desejamos destacar é que a organização governamental não “acordou da noite
para o dia” e percebeu simplesmente a dramaticidade da situação da criança pequena e,
“generosamente”, resolveu agir em torno do problema, realizando, dentre outras medidas, a
regularização do atendimento institucional a essa fase da vida humana.
Diante desse quadro, a infância tornou-se uma questão relevante para o Estado, para
políticas governamentais e não governamentais, legisladores, educadores, psicólogos,
antropólogos, criminologistas. A situação da infância, no Brasil, é alarmante a ponto de,
segundo Leite (2003), já no século XX, as comunicações apresentadas na Reunião de
Antropologia apresentarem, acentuadamente, trabalhos focalizando os “meninos de rua”, o
trabalho infantil, a pobreza, a delinqüência e a violência, que envolvem a criança, realidade
que não pode mais ser mascarada.
A falta de instituições de qualidade de atendimento à criança representa um dentre
tantos problemas que afetam crianças brasileiras e, se a garantia legal da Educação Infantil foi
obtida, isto ocorre, em grande parte, devido à luta de educadores que batalharam por espaços
voltados tanto para o cuidar quanto para o educar, por meio de grupos sociais mobilizados,
trabalhadores que se dedicam à causa da criança/filhos. Essas conquistas legais são frutos de
muita batalha, em que ainda há muito a ser conquistado.
Atualmente, presenciamos, no cenário nacional, por intermédio de ações políticas, os
frutos dessa mobilização em favor da educação infantil. A educação destinada à criança
pequena (0 a 6 anos) passa a ser reconhecida como direito da criança e dever do Estado na
Constituição Federal de 1988. O Estatuto da Criança e Adolescente, de 1990, sustenta,
também, o direito dela a esse atendimento. Reafirmando o caráter educativo, a atual Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº. 9.394/96) integra a educação infantil à
Educação Básica, juntamente com o Ensino Fundamental e Médio. A educação infantil passa
a ser considerada um nível de ensino, primeira etapa da Educação Básica, a qual deve se
efetivar mediante atendimento em creches (0 a 3 anos) e pré-escola (4 a 6 anos) de forma
gratuita, não obrigatória e independente da classe social, gênero, etnia e raça.
A constituição do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
15
(RCN/EI, 1998) também deve ser lembrada como uma importante conquista dos últimos anos,
15
O referencial é apresentado em três volumes. No primeiro volume - Introdução -, temos uma reflexão sobre a
educação infantil no Brasil, sinalizando as concepções de criança, de educação, de instituição e de profissionais
que foram consideradas na definição dos objetivos gerais para esse nível de educação. No segundo volume -
Formação Pessoal e Social -, a discussão está centrada no processo de construção da identidade e autonomia da
criança. Por fim, o terceiro volume - Conhecendo o mundo - apresenta eixos de trabalho (Movimento; Música;
28
cujo objetivo é direcionar o trabalho com as crianças pequenas, subsidiando a elaboração de
propostas pedagógicas institucionais. Entretanto, em muitos casos, este Referencial não é
assumido enquanto proposta, mas sim compreendido, literalmente, como algo a ser
diretamente aplicado na prática. Segundo Silva & Rossetti-Ferreira (2002), nesse caso, acaba
sendo desconsiderado a riqueza do conhecimento oriundo da experiência construída no
cotidiano do espaço escolar.
Os princípios que o RCN/EI afirma seguir envolvem o respeito à dignidade e aos
direitos das crianças, consideradas nas suas diferenças individuais; a socialização das crianças
por meio da participação e da inserção em diferentes práticas sociais; direito de brincar, como
forma particular de pensar, interagir, comunicar e expressar, e o direito aos cuidados
essenciais.
Centrar uma pesquisa na educação infantil exige que consideremos tanto os avanços
como os impasses dessa área, dentre eles, a discussão sobre o binômio cuidar e educar que,
embora tenha sido intenso foco de debate nos últimos anos e a própria LDB (9394/96)
apresentar o educar e o cuidar como forma complementar um do outro, ainda hoje, se divide
em duas tendências que estão presentes em várias instituições de educação infantil
(CERISARA, 2004). É necessário avançar em direção à integração dessas funções. A divisão,
gerada em parte pela hierarquia entre as instituições e profissionais, de acordo com a faixa
etária que atendem (0 a 3 anos - voltada para o cuidado - ou 4 a 6 anos - voltada para a
preparação para o ensino fundamental), ou seja, entre creche (0 a 3 anos) e pré-escola (4 a 6
anos). Tal hierarquia está marcada pela maneira como se constituíram as creches e a pré-
escola no Brasil, o caráter assistencial das creches e a perspectiva mais voltada para a
educação escolar da pré-escola. Destacando nossa compressão de que a pré-escola não deve
ser uma modeladora de crianças, a fim que esta se adapte à estrutura das séries iniciais do
ensino fundamental.
Nesse processo de delineamento de sua identidade como espaço do cuidar/educar, as
pesquisas que focam essa etapa da educação podem contribuir na constituição de suas
características na condição de instituição educativa de modo a compreender e respeitar as
especificidades da criança, uma vez que devemos evitar a cristalização de práticas que
dificultem o seu desenvolvimento para depois tentarmos modificá-las.
Artes Visuais; Linguagem oral e Escrita; Natureza e Sociedade e Matemática), orientados para a construção de
diferentes linguagens pelas crianças.
29
Consideramos importante destacar essas conquistas, pois o momento atual não deve
exercer em nós o efeito de um bálsamo autocomplacente, que leve à perda de uma visão
crítica sobre a situação da educação infantil no Brasil, mas, ao contrário, instigue em nós
mobilizações, pesquisas e discussões, a fim de que esses direitos adquiridos sejam efetivados
e possamos agir no intuito de que não ocorra apenas a expansão desse nível de ensino, mas
também condições para práticas educativas de qualidade para a criança pequena. Pois como
destaca Campos (2005) o momento em que vivemos hoje em nosso país é marcado pelo
divórcio entre a legislação e a realidade. Temos uma tradição cultural e política assinalada por
essa distância e, “até mesmo, pela oposição entre aquilo que gostamos de colocar no papel e o
que de fato fazemos na realidade” (CAMPOS, 2005, p.27). Nesse sentido, concordamos com
ela, de que é necessário refletir e buscar alternativas para diminuir esse abismo entre as idéias
e a realidade, a fim de conseguirmos avançar em direção a uma educação infantil mais
democrática e humana.
2 CORPO DISCIPLINADO MOVIMENTO CASTRADO
O corpo como espaço recortado por práticas de saber,
por práticas de poder e por práticas de subjetivação. O
corpo como palco de lutas e de conflitos, o corpo como
lugar de história (ALVAREZ, 2000, p. 67).
Discutir sobre o movimento corporal da criança no espaço de uma instituição de
educação infantil, leva-nos a questionar a forma como o corpo é considerado, trabalhado em
nossa sociedade e no espaço escolar.
O corpo dos indivíduos está entre os vários mecanismos marcados pelo poder. É no
corpo que o poder intervém materialmente, “atingindo a realidade mais concreta dos
indivíduos (...) penetrando na vida cotidiana e por isso podendo ser caracterizado como
micro-poder” (FOUCAULT, 1988, p. XII). Isso se desvela com a organização social
capitalista em que o corpo torna-se objeto e alvo de poder, ao ser cotidianamente modelado,
adestrado, manipulado e treinado.
O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela
consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no
biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade
capitalista. O corpo é uma realidade biopolítica (FOUCAULT, 1988, p.80).
30
Partindo desse pressuposto, podemos entender que Foucault discorre-nos sobre os
corpos dos indivíduos enclausurados. No corpo, age uma forma específica de poder por meio
da utilização de uma tecnologia própria de controle - a disciplina. Essa tecnologia é utilizada
em prisões, hospitais, escolas, fábricas, exército, e permite o controle minucioso do corpo. Ao
impor uma relação de docilidade, fabrica corpos submissos e exercitados, garantindo a sua
utilidade. Assim, a disciplina é uma forma de poder que trabalha o corpo dos homens e os
fabrica de forma a atender ao funcionamento da sociedade vigente, uma vez que “o corpo só
se torna força de trabalho quando trabalhado pelo sistema político de dominação característico
do poder disciplinador” (FOUCAULT, 1988, p. XVII).
O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do
corpo humano, que visa não unicamente ao aumento de suas habilidades,
nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas à formação de uma relação que,
no mesmo mecanismo, o torna tanto mais obediente quanto mais útil, e
inversamente (FOUCAULT, 1987, p. 127).
Segundo Foucault (2004) a disciplinarização do corpo já existia antes do afloramento
do capitalismo, mas tais processos passaram por mutações, tornando-se sutis, de aparência
inocente, que procuram coerções sem grandeza, micro coerções. Esta é a forma de disciplina
amplamente assumida na contemporaneidade. As técnicas utilizadas são sempre minuciosas,
muitas vezes, íntimas, mas que apresentam notória importância porque definem certo modo
de investimento político e detalhado do corpo, uma microfísica do poder, como define
Foucault.
Nessa educação do corpo, o controle do ato corporal é organizado pela elaboração
temporal, ou seja, o quando movimentar, a disposição das necessidades fisiológicas, entre
outras ações do corpo, passam a ser disciplinados pelo tempo. “O tempo penetra o corpo, e
com ele todos os controles minuciosos do poder” (FOUCAULT, 1987, p.138). Assim como o
tempo, o espaço também é uma estratégia para esquadrinhar os corpos. Esse processo é
fortemente presente na organização escolar, que tem acompanhado o desenvolvimento do
capitalismo. Conforme Foucault (1987), a escola é uma instituição de seqüestro, uma vez que
ela retira o indivíduo por um período da sociedade para depois devolvê-lo de forma adaptada
e, desse modo, acaba reforçando os valores consensualmente aceitos. Assim, nesse processo
de adaptação, a disciplina se torna um importante instrumento ao fabricar corpos “dóceis”
(FOUCAULT, 2004, p.119).
O corpo é produzido culturalmente, e a escola se constitui em um espaço que realiza
de forma significativa essa função de produção/adaptação dos corpos dos educandos. O corpo,
31
tal como a vida, está em constante mutação, cada corpo, longe de ser apenas constituído por
leis fisiológicas, supostamente imutáveis, não escapa à história (SANTA’ANNA, 2000). Ele
é, sobretudo, histórico e alvo principal das relações de poder e saber.
Entretanto não consideramos que nossos corpos sejam totalmente apáticos e pacíficos,
que ficam inertes diante desse processo, mas, ao contrário, também se manifestam, rebelam-
se, encontram meios de se oporem a esse mecanismo de “docilização”. Durante as
observações realizadas por nós, percebemos significativos momentos de manifestação
corporal das crianças burlando as regras definidas pela professora, elas encontram meios para
movimentar/tocar/brincar de modo variado e criativo. Na foto 1, duas crianças brincam com
os lápis de cor em um momento de silêncio em que a brincadeira estava proibida na sala e
para que não fossem repreendidas elas buscam uma alternativa: escondem as mãos embaixo
da mesa. Estas imagens revelam mecanismos encontrados por elas diante da disciplinarização.
Revelam corpos que se inter-relacionam, que brincam, que aprendem, apontando para
indivíduos que são influenciados pela história de seu tempo, mas que também são sujeitos
ativos nessa produção.
FOTO 01: Reação corporal da criança diante da disciplinarização (01-07-2006)
Fonte: Leonice M. Richter
Hoje, as instituições de educação infantil organizam rotinas em que o tempo para
brincar, para o movimento corporal fica cada vez mais restrito. Isso pode ser visto no próprio
32
dia-a-dia das instituições de educação infantil
16
, principalmente as particulares, que
pulverizam o tempo escolar com várias disciplinas, com vários professores (rotinas cansativas
em aulas de inglês, canto, computação e tantas outras atividades). O dia-a-dia da criança
torna-se, em muitos casos, tão “estressante” como o de muitos adultos, com inúmeras
atividades a cumprir e, geralmente, com pouco sentido para elas.
Foucault (1987, p. 127) salienta que essa forma de trabalhar com o corpo no espaço
escolar gera “modos permanentes e petrificados de ação”, produzindo, assim,
comportamentos físicos tensos, que conduzem a doenças respiratórias, gástricas, dentre
outras. Em função dos diversos tipos de estresses. Para ele, o meio social é percebido como
portador de efeitos positivos ou negativos para a saúde (FOUCAULT, 1985, p.107).
Autores como Reich (2001) e Luckesi (1995), também, destacam a influência das
práticas que ocorrem na escola e a relação com a própria saúde corporal. Segundo Luckesi
(1995), as atitudes ameaçadoras, posturas rígidas ao ficar horas sentadas, o medo, a ansiedade
empregados repetidas vezes e a postura corporal de defesa que o aluno assume diante dessas
manifestações são percebidos de forma mais clara pela dificuldade de respirar diante dessas
situações de tensão. A respiração presa parece um antídoto possível contra sensações que se
pretende anestesiar, pois, ao respirar menos, há uma diminuição da oxigenação, o corpo
trabalha como se estivesse “em uma voltagem reduzida”, por isso, sente menos (REICH,
2001). Essa forma de organização corporal vai sendo cristalizada prejudicando o corpo, a
saúde e a própria participação da criança nas atividades propostas.
Vivemos as marcas de uma educação que tolhe o movimento, a expressão corporal,
como se este atrapalhasse o desenvolvimento da criança. No espaço escolar, expressões como:
fique sentado; sente-se direito; fique quieto; não se mexa, fazem, geralmente, parte do
repertório dos educadores. O corpo parece, muitas vezes, ser considerado como inimigo da
aprendizagem, por isso, é cristalizado, disciplinado.
Pereira (1992), em sua pesquisa de mestrado, mostra as dificuldades de relação entre a
professora e as crianças geradas pela restrição do espaço/tempo permitido para o movimento
infantil. Segundo ela, a observação dessas interações causava a impressão de um permanente
desencontro de intenções entre as duas partes, enquanto a professora buscava atenção
concentrada e a contenção motora das crianças, estas procuravam a expansão do movimento.
16
Em nossa pesquisa de Iniciação Científica (RICHTER, 2002/2003), observamos que as crianças passavam,
muitas vezes, mais tempo se organizando para desenvolver as diferentes atividades em diferentes disciplinas do
que as realizando. Na escola pública, a organização o é tão fragmentada com várias professoras, mas a
formatação de corpos “fique quieto, presta atenção” é muito marcante.
33
Nesse sentido, observamos o movimento corporal como elemento de atrito entre as crianças e
a professora, que gera um desgaste nessa relação, uma perda de energia. Justamente nessa
dimensão, ressaltamos a necessidade de um novo olhar sobre o movimento corporal da
criança, especialmente, na educação infantil.
A concepção que orienta tais práticas aponta para a crença da possibilidade de
“imobilizar” o corpo para que, desse modo, a mente “trabalhe melhor”. Na base dessa forma
de pensar, está a visão dualista entre o corpo e a mente, como se estes fossem partes
dissociadas, fragmentadas.
Contudo a mente e o corpo humano apresentam um funcionamento integrado, não há
dualismos. As pesquisas e experiências de Reich relevam-nos esta unicidade. Reich (2001)
constata que as experiências emocionais dão origem a certos padrões musculares que
bloqueiam o fluxo de energia do corpo, ou seja, há uma relação entre o psíquico e o somático.
Tal conclusão leva-nos a compreender que o movimento corporal, a pulsação do nosso corpo,
relaciona-se com as experiências emocionais.
Nossa maneira de ser, nosso modo de andar, de movimentar, de nos relacionar com o
nosso corpo, onde tocar ou não nossos corpos... o corpo, enfim, é modelado, construído,
adequado aos padrões que atendem aos moldes da organização social vigente por meio da
disciplina. “O corpo é objeto de investigação tão imperioso e urgente; em qualquer sociedade,
o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações,
proibições ou obrigações” (FOUCAULT, 1987, p. 126). A construção dos corpos se dá em
meio a relações de poder, marcados pelas técnicas de disciplinarização.
Para compreendermos mais profundamente tais questões, é necessária a análise da
estrutura social em que vivemos, dos valores capitalistas que reforçam e conduzem a essas
ações. Não há como dissociarmos tais questões da necessidade de buscarmos um novo
paradigma de vida, de mundo
17
.
17
O Grupo de pesquisa “Corpo e Educação”, coordenado pela profª. Dra. Maria Veranilda Soares Mota, vem,
desde 2001, buscando compreender a relação corpo/educação. Algumas pesquisas desenvolvidas pelos
integrantes do grupo contribuem para o estudo desta temática: MOYZÉS, Márcia Helena Ferreira (2003);
BACRI, Ana Paula Romero (2005); RICHTER, Leonice Matilde (2002, 2003) PEREIRA, Valéria Rezende,
(2005); LELIS, Maria Terezinha Cararra (2006), FERNANDES, Daniela Mora (2005).
34
3 A PRÉ-ESCOLA E O MOVIMENTO CORPORAL DA CRIANÇA
O organismo vivo possui uma linguagem expressiva
própria, antes de, para além de, e independente de toda a
linguagem verbal (REICH, 2001, p.333).
Pensar a educação e o cuidado das crianças que se encontram na Educação Infantil é
pensar numa fase da vida em que se vivenciam as primeiras experiências escolares,
concomitantemente às expressões afetivas, emocionais e relacionais extrafamiliares. Tal fato
exige a concepção de uma prática pedagógica que conceba a criança como um ser que
pertence a um contexto sócio-econômico-cultural, possuidora de uma história de vida e, que
apresenta várias dimensões (psicomotora, cognitiva, afetiva e social) a serem desenvolvidas e
que, acima de tudo, são crianças. Por isso, na educação infantil, elas têm direito de se
desenvolverem em um ambiente que valorize o mundo da fantasia, da brincadeira, do
movimento, do lúdico, no qual muito se aprende.
As questões levantadas pela criança pré-escolar, usualmente, são respondidas com
conhecimentos fragmentados e ordenados e, com a insatisfação da criança diante das
respostas, são lançadas promessas como: quando você crescer vai aprender. O interesse de
conhecer da própria criança é deixado sempre para depois. Agindo desse modo, segundo
Estebam (2001), sufocamos a natural curiosidade da criança, que vai aprendendo que a escola
não é lugar de perguntas, mas para aprender o que o professor ensina.
A educação infantil é um espaço de aprendizagem, mas isso não denota que, nesse
espaço físico, deva-se reproduzir a forma de organização tradicional de outros níveis de
ensino, já tão criticados ao longo do século.
Portanto, estabelecida em torno da compreensão de que a criança só aprende se o
ambiente estiver organizado em salas de aula, com crianças sentadas em carteiras enfileiradas,
corpos imóveis por várias horas seguidas, onde paire o silêncio profundo, a escola tradicional
é marcada pela limitação do movimento. Diante desta, muitos profissionais adotam, na
educação infantil, o ranço de uma prática que já causou muitos problemas na educação,
assumindo que “o papel da pré-escola é desenvolver hábitos, atitudes, habilidades e
comportamentos necessários à sua vida escolar” (ESTEBAM, 2001, p.23), ou seja, nessa
percepção, a educação infantil é vista como espaço para moldar a criança de maneira que esta
se encaixe perfeitamente nos princípios da escola, no ensino fundamental. Os primeiros anos
de permanência da criança na escola são considerados, por muitos, como momento de
adaptação, principalmente do corpo, às normas do ambiente escolar.
35
Percebemos ser ainda forte a noção de que, para haver aprendizagem, as crianças
devam ser enquadradas em ambientes organizados de modo tradicional, tendo em vista a
disciplinarização dos corpos. Além disso, a educação infantil definida, notadamente nas
últimas décadas no Brasil, como espaço do cuidado e educativo, vem adquirindo, não raro,
conotação propedêutica, particularmente com as crianças de faixa etária de 5 e 6 anos, como
uma forma de legitimar o seu cunho educativo.
O que a criança descobre poder realizar com seu corpo, os movimentos que
gostaria de saber fazer, ou os conhecimentos que desejaria adquirir, não têm
lugar na escola. Tal descoberta é substituída pelos movimentos “necessários”
a uma “boa aprendizagem”, em especial, da leitura e da escrita (ESTEBAM,
2001, p.25).
A educação infantil de qualidade deve potencializar o desenvolvimento global da
criança, deve
contribuir para que as crianças vivenciem as diferentes linguagens utilizadas
na sociedade, aprendendo a ler essas linguagens e a usá-las para se expressar
- a linguagem corporal, a linguagem musical, a linguagem plástica, a
linguagem televisiva, a linguagem cinematográfica, a linguagem fotográfica,
a linguagem do vídeo, a linguagem da mímica, a linguagem teatral e, por que
não, a linguagem da informática (GARCIA, 2001, p. 19).
Dentre as linguagens pouco trabalhadas, ou muitas vezes cerceadas do espaço escolar,
está a linguagem corporal, pois o movimento do corpo, via de regra, é compreendido como
bagunça. Segundo o RCN/EI, evidenciam-se, na educação infantil brasileira, práticas de
contenção do movimento, parece haver a idéia de que o movimento impede a concentração e
a atenção. Mas não seria a proibição excessiva do movimento, a fonte da dificuldade em
manter a atenção?
É muito comum que, visando garantir uma atmosfera de ordem e de
harmonia, algumas práticas educativas procurem simplesmente suprimir o
movimento, impondo às crianças de diferentes idades rígidas restrições
posturais. Isso se traduz, por exemplo, na imposição de longos momentos de
espera - em fila ou sentados - em que a criança deve ficar quieta, sem se
mover; ou na realização de atividades mais sistematizadas, como de
desenho, escrita ou leitura, em que qualquer deslocamento, gesto ou
mudança de posição pode ser visto como desordem ou indisciplina (RCN/EI,
1998, p.17).
Como se vê, o “movimento” é um dos eixos de trabalho apresentados no RCN/EI
como essenciais para o desenvolvimento das crianças. Nesse referencial, compreende-se que o
movimento para a criança pequena “é muito mais do que mexer partes do corpo ou deslocar-
36
se no espaço. A criança se expressa e se comunica por meio dos gestos e das mímicas faciais e
interage utilizando fortemente o apoio do corpo” (RCN/EI, 1998, p.18).
A dimensão subjetiva do movimento deve ser acolhida no cotidiano da educação
infantil, permitindo e propiciando que a criança explore os movimentos como forma de se
comunicar, fazendo conhecer idéias, emoções, sentimentos, ou seja, expressando-se. Nesse
sentido, devemos ampliar as possibilidades expressivas do movimento nas diversas formas de
interação da criança, seja em brincadeiras, danças, teatros, etc. As manifestações de gestos e
movimentos vinculados à cultura com que a criança convive também devem ser realçadas no
espaço da educação infantil.
Reich (1950) faz-nos compreender essa questão quando constata que todo movimento
de um organismo vivo tem uma expressão compreensível, isto é, significativa, pois
corresponde a um movimento definido. Para tanto, a linguagem expressiva do organismo está
além da expressão verbal. Salienta Wallon (1975b, p.75) que o “movimento, pela sua
natureza, contém em potência as diferentes direções que poderá tomar a atividade psíquica”.
Entre movimento e a atividades psíquicas há uma forte relação e não uma negação. A
ampliação dos trabalhos com o movimento possibilita às crianças a própria exploração da
atividade psíquica, uma vez que não somos formados por segmentos dissociados, somos um
todo (corpo-mente) em movimento.
Crianças são mais sensíveis à comunicação do corpo e exprimem suas emoções e
pensamentos por esse meio, são capazes de captar a linguagem corporal do professor
valorizando-a, muitas vezes, mais do que a comunicação verbal. Como destaca Lowen (1982,
p.86), “as crianças estão mais cônscias da linguagem corporal do que os adultos que, após
anos e anos de escolarização, aprenderam a dar mais atenção às palavras e a ignorar a
expressão do corpo”. O corpo fala da nossa história de vida e “fala” não apenas na infância,
mas em todas as fases da vida. Na educação infantil, a valorização do movimento corporal é
ainda mais necessária, considerando que, nesse momento do desenvolvimento do indivíduo,
ele tanto lê quanto se expressa de forma mais acentuada por meio do corpo. A criança pulsa
vida, busca conhecer o mundo, para isso, o movimento é um elemento essencial.
No entanto o corpo da criança, logo que chega à escola, é tolhido de seus movimentos.
O cognitivo é tomado como a base do objetivo do que é desenvolvido na escola e o
movimento é visto, em alguns casos, como obstáculo ao desenvolvimento desse objetivo, ou
ainda, como se o movimento do corpo prejudicasse o processo de aprendizagem. Mas, assim
como afirma Fernandez (1991, p.60), compreendemos que, desde o princípio até o fim, o
processo de aprendizagem passa pelo corpo, “não há aprendizagem que não esteja no corpo”.
37
Tradicionalmente, de acordo com uma visão racionalista e dualista do ser
humano, considerou-se a aprendizagem exclusivamente como um processo
consciente e produto da inteligência, deixando o corpo e os afetos de fora;
mas se houve humanos que aprenderam é porque não fizeram caso de tal
teoria (FERNANDEZ, 1991, p.47)
Segundo a autora, há muitas discussões infrutíferas sustentadas em reflexões que
consideram o ser humano como se este “fosse construído pela soma entre as partes”, mas é
preciso compreender que “o organismo transversalizado pelo desejo e pela inteligência,
conforma uma corporeidade, um corpo que aprende, goza, pensa, sofre ou age”, ou seja, busca
firmar o “lugar do corpo no aprender” (FERNANDEZ, 1991, p.57). O nosso corpo tanto
possibilita trazermos o mundo para dentro de nós como registra as suas experiências (seja de
dor, prazer, medo...) e, por isso, faz parte do aprendizado.
Wallon amplia e esclarece a compreensão do caminho do ‘ato ao
pensamento’, mostrando como, desde o início, o corpo não é neutro, mas se
nutre das relações pessoais e culturais, constituindo-se no principal
instrumento da criança no seu diálogo com o mundo social, possibilitando-
lhe aproximar-se da cultura e construir o pensamento (DIAS, 1996, p.13).
Moyzés (2003) desenvolveu uma pesquisa, por meio da qual realizou um trabalho de
sensibilização e conscientização corporal com um grupo de professoras e observou, após esse
trabalho, uma significativa transformação em suas práticas pedagógicas e salienta que, após
esse trabalho de despertar a consciência corporal das professoras, acentuou-se a interação e o
contato entre elas e seus alunos. Compreendemos que isso ocorre, em parte, devido ao fato de
que o professor, ao tomar consciência do seu corpo, passa a valorizar também as informações
corporais que os alunos lhe apresentam, o que contribuiu para a ampliação dessa inter-relação,
já que a expressão corporal entra em cena como importante fonte de comunicação.
É interessante destacar que, como afirma Moyzés (2003), discutimos de forma
significativa sobre a subjetividade docente nos cursos de formação, mas o corpo do professor
poucas vezes é mencionado, mesmo estando o corpo diretamente relacionado ao que somos.
Enfatiza Louro (2000) que é possível perceber, explicitamente, o quanto o corpo ‘fala’ sobre a
alma, o quanto ele está implicado e envolvido na sua construção e também na construção da
inteligência, da razão, enfim, na construção do sujeito, mas ele parece permanecer
despercebido nas discussões educacionais.
38
As teorias educacionais e as inúmeras disciplinas que constituem os cursos
de formação docente pouco ou nada nos dizem sobre os corpos - dos
estudantes ou dos nossos. Com exceção da Educação Física, que faz do
corpo e de seu adestramento o foco central de seu agir, todas as demais áreas
ou disciplinas parecem ter conseguido produzir seu “corpo de
conhecimento” sem o corpo (LOURO, 2000, p. 60).
Entretanto não ocorreu simplesmente o esquecimento do corpo, há um interesse
velado, o corpo despertou e desperta a atenção no espaço educacional, nas práticas
pedagógicas, mas não como elemento importante na aprendizagem e, sim, como dimensão a
ser neutralizada, imobilizada. Os processos de escolarização sempre estiveram - e ainda estão
- preocupados em vigiar, controlar, modelar, corrigir, construir os corpos de meninos e
meninas, de jovens homens e mulheres (LOURO, 2000). Consolidaram-se, nos últimos
séculos, uma educação
18
preocupada em dar determinada formatação ao corpo, formatação
esta marcada pela imobilidade.
Ao olharmos não só para o corpo da criança, mas para a relação do adulto/educador e
da criança, observamos uma relação de poder. Nesta relação, o adulto estabelece,
detalhadamente, como deve ser organizado o mundo da criança, o que deve aprender; os
horários a seguir; quando pode ou não brincar; como se comportar. Mas, quais são os
parâmetros que assumimos para definir e avaliar tais questões? Definimos de acordo com as
especificidades da criança ou de acordo com o que consideramos importante como adultos?
Entre os desdobramentos na busca da compreensão de tais questões estão os estudos e
pesquisas que pretendem que à própria criança seja vista e ouvida em suas especificidades. O
que propomos é o estudo de uma dessas características marcantes na criança, que é o
movimento corporal, característica essencial em uma instituição que realmente atenda às
necessidades de formação do sujeito criança.
Portanto, ao nos depararmos com o percurso histórico anteriormente apresentado e os
debates políticos/legais atuais da educação infantil, percebemos que, mais do que nunca,
devemos centrar nossos olhares na criança e percebermos o que é próprio a elas e, como nós
na condição de educadores, devemos agir para viabilizar um trabalho que atenda às
especificidades da criança pequena e que, assim, seus direitos como tal sejam respeitados,
dentre eles, a necessidade de um ambiente que permita a exploração, o conhecimento do seu
18
Palavra educação justamente como derivação da palavra educare, que vem do latim e que significa endireitar o
que é torto ou malformado. Nesse sentido, o corpo que é retificado com uma estaca que opõe sua força na
posição reta à força contrária do corpo, levando a uma correção para o que se entendia como “desvios do corpo”.
(FOUCAULT, 2004).
39
corpo e que permita o movimento, elemento essencial para isso. Pois o trabalho, a exploração,
o conhecimento do corpo e do movimento é condição para a construção do conhecimento da
criança, no processo de tomada de consciência de si e na sua diferenciação eu-outro, ou seja,
da própria constituição de si como sujeito.
40
CAPÍTULO II
MOVIMENTO CORPORAL DA CRIANÇA: MOTOR DA VIDA
Estar cheio de vida é respirar profundamente, mover-se
livremente e sentir com intensidade. Essas verdades não
podem ser ignoradas se valorizamos a vida.
(LOWEN, 1984, p.31)
Neste capítulo, propomos uma discussão referente ao movimento corporal da criança.
Buscamos entender o desenvolvimento do movimento corporal e como esse processo é
concebido em nossa cultura, mais especificamente em escolas de educação infantil, onde se
trabalha com a criança pequena.
Essa discussão pressupõe a compreensão de uma concepção sistêmica da vida que,
consciente da inter-relação e interdependência de fenômenos físicos, biológicos, psicológicos,
sociais e culturais, percebe a dinâmica do mundo marcada pelo movimento.
No início do século XX, Albert Einstein introduziu tendências revolucionárias no
pensamento científico tradicional, como a teoria da relatividade, que abalou a visão
mecanicista cartesiana. Do estático passamos a considerar o movimento. O átomo, entendido
na física clássica como partícula dura e sólida, começou a ser compreendido como vastas
regiões onde partículas extremamente pequenas - os elétrons - se movimentam em redor do
núcleo.
A física moderna representa a matéria não como inerte e passiva, mas num
estado de contínuo movimento dançante e vibrante, cujos modelos rítmicos
são determinados pelas configurações moleculares, atômicas e nucleares.
Acabamos por compreender que não existem estruturas estáticas na natureza.
Existe estabilidade, mas essa estabilidade é a do equilíbrio dinâmico, e
quanto mais penetramos na matéria mais precisamos entender sua natureza
dinâmica (CAPRA, 1993, p.83)
A vida, a natureza, o mundo é gerido em movimento, o homem, com suas explicações
marcadas por um olhar estático, foi quem conferiu dimensões passíveis ao mundo. O ser
humano, assim como tudo no universo, também vive marcado pelo movimento. Nosso corpo
é constantemente pulsação, expansão e contração. Neste capítulo, não discutimos o
movimento apenas como deslocamento no espaço, mas também como elemento que mobiliza
41
a vida, como o coração que pulsa, contrai, movimenta, vive. Buscamos entender o movimento
e a sua relação com a criança a partir de um olhar que o compreende como princípio da vida,
vida que é dialética, que é movimento. Ressaltamos essa concepção de movimento por
compreendermos que a convivência em vários espaços sociais conduz nossos corpos a um
processo de institucionalização, em que o movimento é, muitas vezes, negado, cerceado,
restringido, o que contradiz a própria especificidade do corpo, que tem no movimento uma
fonte de interação, de comunicação com seu meio e a própria dinâmica da vida.
Toda a psicologia ocidental evoluiu durante dois séculos quase sem
falar nesta coisa simples: o personagem humano se move - e seu movimento
é uma linguagem completa e complexa, a seu modo tão elaborada quanto a
linguagem verbal, duas linguagens que não podem ser postas em confronto,
muito menos em competição (GAIARSA, 1977, p.9).
Seguindo essa compreensão, entendemos que as pessoas comunicam muito com a
expressão não-verbal, ou seja, por meio dos gestos, da tonalidade da pele, as atitudes e
movimentos corporais.
1 COMPREENSÃO FISIOLÓGICA DO MOVIMENTO
A palavra fisiologia define a ciência que estuda o
funcionamento dos organismos vivos, seu estudo é de
grande importância para a explicação da própria vida.
(GUYTON, 1988).
O movimento é o resultado da atividade muscular e de estruturas cerebrais
responsáveis pela sua organização. O sistema muscular é formado pelos músculos, órgãos
constituídos, principalmente, por tecido muscular especializado em contrair e realizar
movimentos. Os seres humanos e quase todos os animais
19
utilizam-se de músculos para
movimentar o corpo.
Os nossos músculos apresentam três tipos básicos de tecido muscular: o estriado
esquelético (possibilita o movimento corporal); o liso (presente em órgãos internos, como
bexiga, útero, tubo digestivo etc. e na parede dos vasos sangüíneos, cuja contração é
geralmente involuntária); e o estriado cardíaco (presente apenas no coração dos vertebrados e
apresenta contração involuntária).
19
Exceção das esponjas e alguns celenterados que não possuem tecido muscular.
42
O órgão do movimento “sob qualquer uma das formas, é a musculatura estriada”
(WALLON, 1975b, p.76), na qual observamos duas atividades que são estreitamente
consecutivas e complementares. Ocorre, por um lado, a atividade de encolhimento e
alongamento simultâneo das miofibrilas
20
, que é denominada como função cinética ou clônica
do músculo, e, por outro lado, a atividade de tensão muscular, denominada de função tônica
ou postural.
A função cinética (clônica) é visível, pois é a mudança da posição corporal ou de
segmentos do corpo para determinada direção, é o movimento propriamente dito. Para tanto,
exige um mecanismo de contração muscular, que, para ocorrer, segundo Guyton & Hall
(2002), obedece a uma determinada seqüência: potencial de ação, que se dirige ao longo de
um nervo motor até suas terminações nas fibras musculares, se propaga ao longo da fibra
muscular atingindo o retículo sarcoplasmático, o qual libera íons de cálcio no citoplasma. Os
íons de cálcio geram forças atrativas entre os filamentos de actina e de miosina, levando-os a
deslizar ao longo dos demais, o que constitui o processo contrátil.
A fibra muscular, geralmente, é enervada “apenas por uma só terminação nervosa,
localizada próxima da parte média da fibra” (GUYTON & HALL, 2002, p. 63), formando,
entre fibras nervosa e muscular, um espaço sináptico, por onde se propaga o impulso nervoso.
A função tônica (postural) desempenha uma íntima relação com essa função cinética
(clônica) do movimento, pois é a atividade tônica que dá estabilidade ao corpo para a
realização do movimento, é ela que garante, por exemplo, que, ao estendermos o braço para
apanhar um objeto, o corpo permaneça em uma posição que dê sustentação a tal ação, caso
contrário, todo o corpo se direcionaria para a direção do objeto. Por isso, todo movimento
necessita de equilíbrio.
Os movimentos se apóiam num estado de tensão tônica que, no fundo, é o
meio pelo qual se torna possível o equilíbrio mecânico indispensável para
que possa acontecer coordenação entre os movimentos dos vários segmentos
corporais entre si e no seu todo. Assim como não pode haver movimento
sem atitude de fundo, também não pode haver coordenação de movimento
sem equilíbrio de fundo (FONSECA E MENDES, 1987, p.128).
20
Cada miofibrila é formada por filamentos de miosina e actina, que são grandes moléculas protéicas,
responsáveis pela contração muscular propriamente dita. Cada fibra contém de várias centenas a vários milhares
de miofibrilas. (GUYTON & HALL, 2002, p.63).
43
Como sustenta Wallon (1975c), é a função tônica que mantém no músculo certo nível
de tensão, ou seja, o tônus, o qual varia de acordo com as condições fisiológicas próprias do
sujeito ou com as dificuldades do ato em vias de realização. No sistema nervoso, é o cerebelo
o responsável em dar um ponto de apoio ao movimento, em regular sempre o equilíbrio do
corpo, função fundamental, pois qualquer deslocamento de um membro origina um
deslocamento do centro da gravidade, assim, por exemplo,
se estendo horizontalmente o braço de uma boneca posta em pé, ela cai para
o lado do braço levantado. Se tal acidente não nos acontece é por se produzir
uma ação contrária em músculos que, no entanto, permanecem imóveis.
Tomam, sem mudar de forma nem de volume, um grau de consistência em
relação ao esforço a sustentar para manter o corpo na sua atitude de
equilíbrio, seja quais forem as forças que nele se exerçam. É aquilo a que se
chama a função tônica do músculo. Exige uma regulação constante em
relação a intensidade e a direção das pressões que suporta ou que exerce. O
cerebelo é o órgão que mantém essa função (WALLON, 1975, p. 129-130).
O tônus
21
apresenta-se como tensão que regula e controla a atividade postural - suporte
do movimento -, e como “o verdadeiro indicador da personalidade humana”, (FONSECA &
MENDES, 1987, p.125) e, de acordo com Wallon (1975h, p.131), a palavra personalidade é
considerada “no sentido de ser total, físico-psíquico e tal como ele se manifesta pelo conjunto
do seu comportamento”.
Segundo o referencial reichiano, as tensões corporais podem ser vistas como uma série
de constrições, cuja função é limitar o movimento, a respiração e a emoção, funciona como
uma blindagem que anestesia a pessoa. E essas partes tensas do corpo contêm a história de sua
origem. Por exemplo,
a criança ou adulto saudável possui músculos que podem expressar a vasta
gama de emoções de acordo com as exigências da ocasião. Sua face é móvel
e adaptável. A pessoa tensa é restrita e limitada a uma gama estreita de
expressões faciais que adquiriu a fim de enfrentar situações de stress. Não
pode facilmente, de forma consciente, alterar essas expressões. Reich
descobriu que mudanças fundamentais ocorriam somente quando as
emoções presas pelas expressões faciais pudessem ser liberadas
(BOADELLA, 1985, p.115-116).
A função tônica viabiliza a manifestação da emoção. Existe entre a função tônica e a
emoção uma correlação, uma complementaridade.
21
Tônus: nível de tensão da musculatura necessária à manutenção do equilíbrio corporal e o que constitui as
atitudes.
44
O tônus dá forma, “esculpe o corpo, dando-lhe um aspecto que é capaz de comunicar
ao meio que tipo de emoção que o sujeito está vivendo” (MAHONEY, 2000, p.26). O nosso
corpo não “mente”, revela realmente o que estamos sentindo. O corpo revela o que realmente
somos, como expresso na teoria reichiana, principalmente no que se denomina Couraça
Muscular do Caráter, que
pode ser expressa também pelo termo atitude. Assim, a conexão
psicossomática ou psico-muscular se faz completa. (...) Há um componente
muscular claro nesse termo e neste conceito, pois toda a atitude pode ser
vista nas pessoas ainda antes que elas declarem sua posição (GAIARSA,
1977, p.13).
A couraça “funciona sob a forma de atitudes musculares crônicas e fixas” (REICH,
2001, p.313), o indivíduo com o tônus cronificado tem dificuldade na expressão natural. A
esse respeito “recordamo-nos da grande importância da agitação motora na infância, como
meio de descarregar energia” (REICH, 2001, p. 315). Por exemplo, segundo esse autor,
pacientes com bloqueios afetivo deitam-se no divã como tábuas, totalmente rígidos e imóveis.
Há unidade da função psíquica e somática. As observações clínicas realizadas por Reich
revelaram que a inibição da agressão, da angústia, do prazer ou de qualquer emoção forte,
estava regularmente associada a um distúrbio da musculatura corporal, ou na direção do
aumento do tônus: espasmo; ou na direção da redução do tônus: flacidez (BOADELLA, 1985,
p.113). Em ambos os casos, essa tensão da musculatura do corpo relaciona-se com a
personalidade do indivíduo.
O corpo, por meio de nossa musculatura, registra a nossa história de vida. Tonificamos
nosso corpo de acordo com a nossa interação com o ambiente e sujeitos com os quais nos
relacionamos. As condições nas quais nosso corpo se constitui influencia na forma como nos
expressamos e nos manifestamos corporalmente em nosso meio.
Na criança pequena, a expressão corporal é viva, ou seja, manifesta suas reais
sensações, sentimentos e emoções, mas, ao conviver com seu grupo social, ela interage com
normas e valores que “justificam” o modo como ela deve se comportar, dessa ou daquela
maneira, ou seja, será fortemente “adaptada” àqueles padrões social-culturais. Em nossa
sociedade é comum bloquearmos o que estamos sentindo e apresentar comportamentos
mascarados, os quais são socialmente aceitos, mas um olhar atento nos conduz a entender o
que realmente o corpo nos fala.
A forma de comunicação do indivíduo, no caso de interesse dessa pesquisa, da criança,
está intimamente vinculada à função tônica, pois o tônus é a base material da vida afetiva.
45
Tanto o tônus como o movimento, propriamente dito, fazem parte do processo de
comunicação corporal.
A função tônica regula o equilíbrio corporal, no movimento ou na
imobilidade, mas é a expressão de emoções a sua principal finalidade. As
emoções sempre vêm acompanhadas de uma mímica facial e corporal,
traduzidas em atitudes que têm significados específicos conforme a cultura a
que pertence (GARANHANI, 2004, p.23).
Consideramos de suma importância para este trabalho a perspectiva de Wallon, ao
apresentar três formas de movimento: o passivo ou exógena, os deslocamentos autógenos ou
ativos e o deslocamento de segmentos corporais ou de frações. Acreditamos ser relevante
expressar esse aspecto por compreendermos que o movimento, geralmente, é percebido em
apenas uma de suas formas, que são os deslocamentos ativos no espaço, já que se mostra de
forma mais visível. No entanto o movimento é mais amplo, está envolvido com as
características posturais da espécie humana, com a forma de ocupação e deslocamento no
espaço físico, com a comunicação e expressão entre os homens.
A forma passiva ou exógena, como aponta Wallon (1975b), refere-se a movimentos de
reequilíbrio do corpo, de reajuste diante da dependência de forças exteriores, entre as quais
sobressai a da gravidade. Essas reações do corpo são reguladas por um aparelho muito arcaico
na série dos vertebrados e podem manifestar-se desde o período pré-natal. Portanto, é a busca
de posições e pontos de apoio apropriado que levará a criança da posição de deitada para a de
sentada, depois de joelhos e, finalmente, à posição em pé. Cada uma dessas sucessivas etapas
terá uma influência decisiva na interação da criança com seu meio e, conseqüentemente, no
progresso de seu comportamento.
A segunda forma de movimento – deslocamento autógeno ou ativo – é o deslocamento
do corpo e dos objetos no espaço, ou seja, movimentos de locomoção e de preensão, que
permitem à criança a exploração mais intensa do meio físico. Essa dimensão do movimento é
trabalhada e desenvolvida com muito prazer pela criança, ao aprender a andar. Não raro, a
criança irrita-se se lhe privam do deslocamento livre, naturalmente, ela passa a recusar o colo.
O deslocamento de segmentos corporais ou de suas frações é a terceira forma de
movimento apresentada por Wallon (1975b). Trata-se, como ele afirma, de reações posturais
que se exteriorizam como atitudes e como mímicas. Esse movimento relaciona-se com o
íntimo do sujeito, com suas emoções. As atitudes estão relacionadas tanto com a acomodação
ou mobilização, quanto com a vida afetiva.
46
Portanto, compreendemos o movimento corporal da criança de forma mais ampla,
envolvendo essas três formas (passivo ou exógena, os deslocamentos autógenos ou ativos e o
deslocamento de segmentos corporais ou de frações) específicas do próprio movimento do
indivíduo. Pois, ao entendê-lo como uma das formas de comunicação/interação do sujeito, não
podemos nos limitar a vê-lo como o mero deslocamento do corpo ou segmentos corporais no
espaço. Entendemos, para além disso, que, no movimento, a criança também revela a
construção de sua subjetividade, sendo ainda uma forma de se comunicar com seu grupo
social-cultural. O movimento relaciona-se com as dimensões cognitiva, social e afetiva. O
movimento faz parte da vida, pois onde há vida há movimento, mesmo que em nível
microscópico.
2 DESENVOLVIMENTO DO MOVIMENTO CORPORAL:
INDISSOCIAVELMENTE ORGÂNICO E SOCIAL
Ao compreendermos a relação entre orgânico e social, podemos afirmar que a
interação social é condição no desenvolvimento do ser humano. As características individuais
que adquirimos dependem da nossa interação com o meio físico e com a dinâmica social.
Nessa direção, as crianças não são passivas, não são meras receptoras das informações que
estão a sua volta, mas, sim, partícipes de um processo dinâmico.
Wallon
22
(1975d), ao desenvolver sua compreensão da psicogenética humana, sustenta
que somos geneticamente sociais. A psicogênese humana está ligada às condições orgânicas e
às condições relativas ao meio, entendidas estas como esferas interpessoal e cultural. A esfera
interpessoal refere-se ao ambiente humano, enquanto a esfera cultural é constituída por um
conjunto de técnicas e conhecimentos produzidos pelo homem e por suas condições físicas.
Sendo assim, não se pode pensar em meio puramente natural, pois a ação cultural do homem
está sempre presente. O meio torna-se elemento indispensável no desenvolvimento da criança,
22
Wallon desenvolveu o que podemos definir como a psicogênese da pessoa completa e concreta. Completa ao
entender a pessoa como um ser físico-psíquico, em seu domínio motor, afetivo, cognitivo (1975h), ele
considerava que “desde o princípio existem relações extremamente estreitas, extremamente importantes entre o
desenvolvimento biológico da criança e o seu desenvolvimento psíquico (1975g, p.207) e concreta por buscar
entender a criança no contexto e em suas condições de existência, “o estudo da criança exige o do meio ou dos
meios onde ela se desenvolve
(1975f, p.193).
47
ela recebe elementos que motivam suas reações e é nessa relação com esse meio que ela vai
desenvolver suas funções orgânicas.
Em se tratando da linguagem oral, por exemplo, não existe, nos centros de linguagem
do nosso cérebro (condição orgânica), um sistema pronto de língua falada antes de sua
aprendizagem. A capacidade da linguagem é um dos traços da espécie humana, mas é
inconcebível a existência dela sem a interação com o outro, sem a existência da sociedade
(condição relativa ao meio), por isso, o homem necessita da interação social para o
desenvolvimento dessa função mental superior, ou seja, a linguagem oral. O aprendizado,
nesse caso da linguagem, desperta processos internos de desenvolvimento biológico.
As reflexões de Reich (2001b, p.314) destacam a forte interferência do meio ambiente
na formação do indivíduo, até mesmo o medo encontra-se profundamente enraizado na
constituição biológica do homem contemporâneo, pois esta constituição não é inata no
homem, ela resulta da sua história. Segundo esse autor “a ênfase exagerada no fator
hereditário provém, sem dúvida, de um receio inconsciente de uma correta avaliação da
influência exercida pela educação” (REICH, 2001a, p.161).
Esses processos de aprendizagem e desenvolvimento estão imbricados, ainda que
sejam dimensões diferentes e amplamente relacionadas ao meio. Nesse sentido, encontramos
também uma compreensão semelhante no pensamento vygotskyano:
aprendizado não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado
adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em
movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam
impossíveis de acontecer. Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e
universal do processo de desenvolvimento de funções psicológicas
culturalmente organizadas e especificamente humana (VYGOTSKY, 2003,
p.118).
O homem, dessa forma, só é compreendido em um contexto sócio-cultural, pois a
sociedade “marca a sua linguagem, (...) seus valores, suas relações e suas significações”
(BASTOS, 2003, p.15). Indivíduo e sociedade formam uma unidade indissolúvel.
Cindir o homem da sociedade, opor, como, aliás, é freqüente, o indivíduo à
sociedade, significa lhe descorticar o cérebro. Pois se o desenvolvimento e a
configuração de seus hemisférios cerebrais constituem, por assim dizer, os
elementos que seguramente estabelecem a distinção entre a espécie humana
e as espécies vizinhas, esse desenvolvimento e essa configuração devem-se
ao aparecimento de campos corticais (WALLON, 1975f, p.11-12).
48
O desenvolvimento do sujeito não se dá de forma linear e mecanicista, é marcado por
rupturas, retrocessos e reviravoltas, em condições e conflitos de ordem emocional, afetiva,
cognitiva e motora.
O recém-nascido, na nossa espécie, é um ser longe de estar concluído. As
suas insuficiências motoras, perceptivas e intelectuais testemunham-no. Se
ele possui já todos os neurônios, de que poderá até nunca chegar a dispor, a
maior parte deles não está ainda em estado de funcionar por falta das
interconexões necessárias. Os seus prolongamentos neuro-fibrilares só muito
gradualmente se tornam capazes de conduzir o influxo nervoso
23
. Assim se
vão progressivamente fechando os circuitos que correspondem ao exercício
de cada função (WALLON, 1975d, p. 59).
No contexto socio-cultural, na interação com o meio humano, o sujeito vai se
construir, ou melhor, o homem se humaniza em meio à cultura. A “cultura não é apenas um
ornamento da existência humana, mas uma condição especial para ela - a principal base de
sua especificidade” (GEERTZ, 1978, p.58). Segundo esse autor, a cultura é essencialmente
semiótica, pois o homem é um animal amarrado a uma teia de significados que ele mesmo
teceu, e a cultura é essa teia.
Entre os planos básicos para a nossa vida, que os genes estabelecem e o
comportamento preciso que de fato executamos, existe um conjunto complexo de símbolos
significantes. Construídos culturalmente, não existe o que chamamos de natureza humana que
seja independente da cultura, sem o homem não haveria cultura, e sem cultura não haveria o
homem (GEERTZ, 1978, p.61). De acordo com o grupo social-cultural com que a criança
convive, ela vai aprendendo os significados dos seus gestos e expressões corporais. Mas cada
indivíduo constitui de forma única essa interação com a cultura de seu ambiente, somos
únicos, dessa forma, as estruturas psicomotoras (assim como outras funções) “podem
diferenciar-se de um indivíduo para outro, consoante as suas experiências e os seus hábitos
pessoais” (WALLON, 1975e, p.110).
23
A teia de ligações entre os neurônios, a transmissão de “impulsos nervosos” se dá pelas funções sinápticas
(conexões neurais). Sinapse é uma região entre a extremidade do axônio de um neurônio (células nervosas
capazes de receber e transmitir impulsos nervosos) e a superfície de outras células, que podem ser tanto outros
neurônios como, por exemplo, células musculares. Embora o espaço entre ambas seja muito próximo, elas não se
tocam. Em cada indivíduo essas conexões vão se desenvolver de acordo com a relação que ele realiza com o
meio, o que o torna ser único, é o que nos leva a perceber a heterogeneidade entre os indivíduos
(GUYTON &
HALL, 2002). Como já afirmava Reich (2001), cada pessoa tem registrada, (literalmente), em seu corpo, a sua
história de vida.
Segundo o neurologista Domingues (2002), a capacidade cognitiva de uma pessoa está na
“dependência do número de sinápses existente entre os neurônios do sistema nervoso”.
49
Nessa perspectiva, entendemos que é da natureza do organismo humano ser social.
Devemos considerar, ainda, que o meio não é uma entidade estática e homogênea, mas
transforma-se juntamente com a criança. Tanto o meio transforma a criança como este é
transformado no processo de interação. Uma das afirmações fundamentais na obra walloniana
é justamente o reconhecimento da vida psíquica como conseqüente da interação do indivíduo
com o meio físico e humano.
Reich procurou entender como se dá a constituição do psiquismo e ao longo de seus
estudos afirmava que essa constituição se dá na relação da criança com o meio que a envolve,
marcada fortemente pelas interações com as figuras humanas mais próximas a ela. Ele buscou
compreender a constituição da criança concretamente ao tentar entendê-la no processo de
interações com o meio do qual faz parte, com os indivíduos os quais que tece sua relação.
Numa criança recém nascida, um sistema bioenergético altamente maleável
emerge do útero e será influenciado por uma multidão de impactos do meio
ambiente que irão começar a formar o tipo específico de relação da criança
ao prazer e ao desprazer (REICH, 1983, p.91).
A compreensão aprofundada do desenvolvimento da criança e da aprendizagem,
muitas vezes, é dificultada entre nós profissionais da educação, pela própria limitação do
entendimento da relação entre nossa estrutura orgânica e o meio social-cultural. Essa
deficiência acarreta percepções errôneas de estudos clássicos referentes ao desenvolvimento
humano, já que, não raro, ficamos presos a deduções superficiais, presos a chavões,
expressões nem sempre realmente compreendidos. Como anuncia Dantas (1983), filósofos,
psicólogos e pedagogos muito lucrariam estudando e procurando informar-se da “organização
biológica” do homem. Assim como sustenta Charlot (2005), não podemos negar, ou olhar
partes isoladas do indivíduo, de acordo com o que consideramos ser o foco de interesse da
nossa área de estudo, somos um todo.
Somos cem por cento sociais, somos também cem porcento subjetivos,
individuais e o grande mistério das ciências humanos é que o total não é
duzentos por cento, ainda é cem por cento, vou explicar. (...) A relação entre
o social e o individual, ou seja, a relação entre o genético e o adquirido não é
uma relação aditiva (...) Os meus genes provocam efeitos através da minha
vida. O meu comportamento é efeito conjunto do meu material genético e de
toda a minha vida, de toda a minha história (CHARLOT, 2005).
É nessa relação do sujeito, da sua estrutura biológica com seu meio, que se inicia
dentro desse processo de desenvolvimento e aprendizagem do indivíduo, a organização de um
50
sistema de signos que possibilita entendermos o movimento corporal como forma de
comunicação com o mundo e aquisição do mundo.
A criança transforma em símbolos aquilo que pode experimentar
corporalmente e o pensamento se constrói, primeiramente, sob a forma de
ação. A criança precisa agir para compreender e expressar significados
presentes no contexto histórico-cultural em que se encontra (GARANHANI,
2004, p.22).
No início, do processo de interação inter-pessoal e inter-cultural da criança, a emoção,
constitui o elemento mobilizador do elo, da relação do bebê com os sujeitos presentes em seu
ambiente. Nesse início, ocorre uma fusão do bebê com o adulto parceiro (geralmente a mãe),
“a emoção estabelece uma comunhão imediata dos indivíduos entre si (...). O único meio de
expressão de que dispõe o lactante em face do ambiente é a emoção” (WALLON, 1975h,
p.126).
É por meio do grande poder de contágio
24
que a emoção possui que a criança apresenta
condições de mobilizar seus parceiros, pois, sendo as crianças “seres essencialmente
emotivos, e trazendo a sua emoção a tendência forte, porque funcional, a se propagar, resulta
daí que os adultos, no convívio com elas, estão permanentemente expostos ao contágio
emocional” (DANTAS, 1992, p.88). É essa alta contagiosidade que torna a emoção
fundamentalmente social, ainda que suas raízes estejam na vida orgânica (tônus), pois ela
possibilita o primeiro e mais forte vínculo entre os indivíduos e supre a insuficiência da
articulação cognitiva nos primórdios da história do ser e da espécie, pois, na espécie humana,
há um prolongado período de dependência da criança em relação aos demais indivíduos e,
sem a emoção, a criança perece.
Em relação ao movimento, a emoção apresenta um papel central. Ela representa a
fonte de ligação entre o puro automatismo e a vida mental. Nos movimentos descoordenados
de um bebê, percebemos uma descarga de energia e, ao mesmo tempo, a mobilização do meio
vinculado à emoção.
A emoção serviria de transição entre o puro automatismo, que permanece
subordinado aos estímulos sucessivos do meio, e a vida intelectual, que,
precedendo por representações e símbolos, pode fornecer à ação motivo e
meio diferentes do instante presente e da realidade concreta (WALLON,
1975h, p.88).
24
O caráter “altamente contagioso da emoção vem de fato de que ela é visível, abre-se para o exterior através de
modificações na mímica e na expressão facial. (...) A emoção esculpe o corpo, imprime-lhe forma e consistência,
por isso Wallon a chamou de atividade proprioplástica”. Portanto, essa visibilidade se dá por um “diálogo
tônico”, pelo intermédio da atividade tônico-postural (DANTAS, 1992, p.89).
51
Wallon, após analisar as alterações fisiológicas (viscerais e metabólicas)
25
que
acompanham a emoção, percebeu, nas emoções, uma correspondente flutuação tônica, ou
seja, mudanças emocionais eram acompanhadas por flutuações tônicas. Está “na atividade
tônica a raiz comum daquilo que virá a ser a atividade mental ou atenção, e da emoção”
(WALLON, 1975h, p. 82). Diante de tal análise, Wallon passou a utilizar o tônus como
critério de classificação das emoções. As sensações agradáveis na criança, por exemplo, são
geradas à medida que se mantenha um equilíbrio constante entre a excitação e o tônus, e entre
este e as descargas musculares. O tônus “é o material de que são feitas as atitudes e as atitudes
estão em relação, por um lado, com a acomodação ou expectativa perceptiva e, por outro, com
a vida afetiva” (WALLON, 1975, p.77). No caso do mal-estar, ele é causado na criança pelo
hipertono, ou seja, tensão intensa do músculo.
Reich esclarece-nos bem essa questão, ao afirmar que os “estados psíquicos de
ansiedade e prazer são experimentados como funções concretas da motilidade
26
.
Experimentamos diretamente o prazer como um movimento de expansão, de ampliação; a
ansiedade como o movimento de contração, como no medo” (REICH, 1950, p.133).
A valorização do movimento expressivo, como especificidade do ser humano é
destacada por autores como Wallon, Reich e Lowen. O movimento expressivo é uma
especificidade do ser humano, são contrações musculares personalizadas, subjetivas,
relacionadas com a história particular de cada indivíduo.
Qualquer mudança na maneira de pensar de uma pessoa, e, portanto, em seus
sentimentos e comportamento, está condicionada a uma mudança no
acontece, não podem ser resolvidos até que as tensões sejam liberadas
(LOWEN, 1984, p.30).
Podemos, pois, perceber que o movimento corporal não se constitui apenas do
deslocamento no espaço, está também vinculado à expressão das emoções, aos sentimentos e
à formação psíquica do indivíduo. Desse modo, a reflexão sobre o movimento não se restringe
a algo mecânico, de deslocamento do corpo ou segmentos corporais, ao contrário, é uma
dimensão integrada a outras (emocional, motora, cognitiva e social), que se inter-relacionam
em nós, constituindo pessoas completas e globais.
25
Vísceras: Designação genérica de qualquer órgão alojado em uma das três cavidades (craniana, toráxico ou
abdominal). Metabolismo: Mudança da natureza molecular dos corpos.
26
Motilidade: Habilidade de se mover.
52
3 O MOVIMENTO CORPORAL E O PERCURSO DO DESENVOLVIMENTO
INFANTIL
A caracterização do período do desenvolvimento, na qual a criança se encontra ao
vivenciar a situação escolar do último ano da pré-escola, é o propósito deste tópico. Wallon,
ao discutir o desenvolvimento infantil, possibilita-nos entender a relação entre especificidades
de momentos/períodos desse desenvolvimento e a dimensão do movimento corporal da
criança. Não temos como objetivo detalhar essas etapas, mas contextualizar apenas a faixa
etária de 5 e 6 anos, idade das crianças por nós observadas. Para isso, respaldamo-nos em
Wallon, que assume uma perspectiva sócio-interacionista do desenvolvimento infantil.
A definição de etapas do desenvolvimento humano deve-se à identificação de
características, interesses e necessidades próprias de um determinado período do indivíduo.
Em cada etapa, constitui-se uma forma específica de a criança relacionar-se com o meio
(humano e físico), ora orientada para a realidade das coisas, ora para a edificação da pessoa,
ou seja, há uma alternância das fases, em que, ao mesmo tempo, há dependência e
contrariedade. Essa visão do desenvolvimento como um processo descontínuo e não-linear,
em que cada estágio apresenta mudanças profundas nas formas de atividade anterior, suplanta
a noção de uma simples adição de sistemas progressivamente mais complexos.
Há diferentes noções de fases na psicogênese, umas mais fortemente hierarquizadas
27
outras com uma noção menos sistemática. Portanto, utilizar-se de etapas pode “fazer-se de
maneira mais qualitativa, se as diferenças sucessivas de aptidões forem reunidas em sistemas
e se for apreciado um determinado período do crescimento em cada sistema.” (WALLON,
1995, p.13). Dessa forma, somos forçados a ultrapassar nossa razão clássica, a romper com
nossa inteligência linear para melhor compreender as crianças (DANTAS, 1983, p.93).
Inicialmente, no desenvolvimento da criança, os movimentos, após o nascimento, são
impulsivos, descoordenados, revelando sinais para o meio mediante os estados de bem e mal-
estar. Os movimentos “assemelham-se a simples descargas ineficientes de energia muscular,
onde se misturam, sem se combinar, reações tônicas e clônicas” (WALLON, 1975b, p.77) e,
por meio do processo de amadurecimento das estruturas mesoencefálicas do sistema
27
As fases propostas por Piaget, segundo Wallon (1975, p.62) são um exemplo de “fases fortemente
hierarquizadas.
53
piramidal, vinculado à representação social do ambiente, sob a forma de interpretação do
significado (bem-estar e mal-estar) dos movimentos, se introduz a fase expressivo-emocional.
Wallon denominou impulsivo-emocional o período de desenvolvimento referente ao
primeiro ano de vida, no qual predominam as relações emocionais. A criança, nesse período,
está voltada, primeiramente, para sua sensibilidade interna - visceral e afetiva. Entre a emoção
e a razão, ao mesmo tempo em que se desenvolvem etapas de alternância, de predominância
de uma sobre a outra, de conflitos, há entre elas uma complementaridade, assim, por exemplo,
quanto mais elaborada a emoção melhor fluirá a razão.
É na região sub-hemisférica do cérebro, em que se realizam majoritariamente as
funções e manifestações do recém-nascido, que, mais tarde, vão “constituir o fundamento da
vida afetiva do adulto”. Assim, Wallon (1975h, p.41) considera que a emoção é a dimensão
predominante na criança e instrumento de sobrevivência característico da espécie humana.
Exteriorização dos estados fisiológicos de satisfação ou insatisfação, os
reflexos e movimentos impulsivos do recém-nascido causam impactos
afetivos, isto é, provocam contágio emocional no meio humano. A acolhida
concedida pelo meio confere significado a essas manifestações,
transformando-as em meio de expressão. Pela interação com o outro e pela
maturação dos seus sistemas de sensibilidade, o bebê estabelece
correspondência entre seus atos e os efeitos causados no ambiente, passando
a agir com a intenção de obter efeitos determinados (PEREIRA, 1992, p.19).
A partir, mais ou menos, de 1 ano de idade, a criança, fortemente marcada pelo
movimento ativo (exógeno), busca conhecer, entender corporalmente o ambiente em que vive
e os objetos característicos do seu meio cultural. Quanto mais rico, instigante for o ambiente
em que ela vive, mais propícias serão as suas descobertas. Essa questão, que não é nenhuma
novidade, deve ser a nosso ver, ressaltada, pois o espaço físico e as possibilidades do
movimento da criança, muitas vezes, são negligenciados nas discussões referentes à educação
infantil. Várias instituições reservam somente salas pequenas, nas quais as crianças ficam
“presas” tanto pela organização espacial como pela rotina da instituição. No parque, elas não
podem se sujar e, na sala, devem se manter em ordem; sobram-lhes, geralmente, espaço entre
a mesa e a cadeira, local que lhes é reservado para a permanência da maior parte do tempo em
que se encontram na instituição
28
.
O período que se estende entre 1 a 3 anos é, predominantemente, de predomínio
cognitivo. Wallon (1975d) denomina Sensório-Motor e Projetivo a fase em que a criança
28
Tais reflexões foram tecidas num trabalho de iniciação científica realizado entre 2002 e 2003, no qual
acompanhamos a rotina de duas instituições de educação infantil.
54
apresenta potente curiosidade, que está direcionada para objetos exteriores, é uma fase de
investigação do meio que a cerca. “Esta atividade investigadora diferenciada está ligada a
todo um conjunto funcional que é próprio da espécie humana (...) está em relação com a
posição vertical que, dispensando a mão de ser o ponto de apoio ou meio de agarrar, libertou a
sua sensibilidade para o conhecimento” (WALLON, 1975d, p.64).
Por volta do terceiro ano de vida, inicia-se um período chamado por Wallon de
Personalismo, que se estende, aproximadamente, até os seis anos de idade. É marcado por
uma orientação subjetiva, nele, a criança vai buscar a construção da própria subjetividade por
meio de atividades de oposição, sedução e imitação. É o período de discriminação entre o eu e
o outro. Foi justamente tomando como objeto essa etapa que realizamos nossa pesquisa.
Entretanto, ao longo desses três anos, a criança apresenta características que parecem
se contrastar entre si. A primeira característica, que se inicia por volta dos três anos, é a fase
da oposição, fase de recusa ou de reivindicação, na qual a criança, “face aos outros, são
opositores sem outro motivo aparente a não ser o de experimentar o sentimento de sua
independência” (WALLON, 1975d, p.66). Essa oposição marca a busca de afirmação de si, de
diferenciação em relação ao outro. Nesse momento, a criança sente prazer em confrontar-se
com as pessoas de seu meio e o corpo é um dentre os elementos utilizados por ela para retratar
essa oposição.
Após a fase da oposição, emerge uma nova necessidade na criança, a de fazer valer a
sua pessoa, de chamar a atenção, de fazer admitir os seus méritos, de dar espetáculos para os
outros, esta é a fase da sedução, a idade da graça. Nessa altura, começa a chorar por qualquer
inconveniente ou inadvertência e, inversamente, tira delas motivos de graça ou de diversão.
As caretas e facécias grotescas divertem-na. Gosta de rir e de se ver rir (WALLON, 1995,
p.220). A criança agora sente a necessidade de ser olhada, admirada, prestigiada, ou seja,
precisa sentir que agrada aos outros, pois só assim conseguirá admirar-se também. Adota
expressões de sedução, que buscam chamar a atenção, como: olha como eu consigo!..., olha
como eu faço!... A criança descobre e mostra as habilidades desenvolvidas, ainda que
desengonçada.
Os méritos que a criança encontrava em si própria e tentava apresentar já não são
suficientes na terceira fase, passará a ostentar os méritos das pessoas que a rodeiam e que ela
admira, as quais serão tomadas como modelos. A imitação irá marcar essa fase, mas agora a
“imitação ultrapassa o nível do gesto, está no da personagem (...). Imitar alguém é, primeiro
admirá-lo, mas é também, em certa medida, querer substituir-lhe” (WALLON, 1975d, p.67).
Portanto, nessa última fase do personalismo, às vezes, é comum a expressão de confusão e
55
mesmo de culpabilidade ao ser surpreendida enquanto realiza uma das suas imitações. A
imitação será a fonte para a incorporação do outro, o que irá ampliar as suas competências.
Segundo Pereira (1992, p.28), no personalismo, o movimento possui essencialmente
um caráter expressivo “apesar de desenvolver-se o caráter pragmático do movimento,
permanece preponderantemente seu caráter expressivo. O gesto não se submete
completamente ao uso próprio do objeto, usa-o como apoio para sua comunicação
expressiva."
Estaremos, nesta pesquisa, focando nossa atenção para o personalismo, uma vez que,
aos cinco e seis anos de idade, a criança está nessa etapa de desenvolvimento. Quanto às fases
do personalismo, estaremos em contato mais com a fase da sedução e da imitação/usurpação.
Buscamos, portanto, nessa fase do desenvolvimento infantil, compreender como a criança
utiliza o movimento corporal como meio de interação como os pares (criança/criança e
criança/adulto) em uma instituição de educação infantil. Como se manifesta o movimento
expressivo da criança de 5 e 6 anos no espaço da educação infantil.
Após o personalismo, a criança passa pela Etapa Categorial, que se estende entre 6 e
11 anos e da Puberdade e adolescência, que ocorre a partir dos 11 anos.
Percebemos, portanto, nesse percurso, como Wallon (1975f, p.199-200) entende a
criança e sua relação com o meio social ao longo do seu desenvolvimento, ambos ativos e
inter-fluenciáveis, quando a criança, ser essencialmente social, passa pelo processo de
individualização. Ao discutir sobre o estudo psicológico e sociológico da criança, ele salienta
que a “criança não passa do individualismo ao social, mas, pelo contrário, que deve
individualizar-se a partir destas impressões e destas reações que começam por a integrar no
seu meio ambiente”.
3.1 O Movimento Expressivo no Processo de Desenvolvimento Infantil
“... preciso do corpo não só para me comunicar com o
outro, como também para comunicar-me comigo
mesmo” (GAIARSA, 1982).
No início do desenvolvimento da criança, o movimento assume uma função afetiva, ao
agir de forma a mobilizar o meio humano em que vive para as suas necessidades por meio do
seu teor expressivo. A criança, para se fazer entender, apenas possui gestos. Sob a
dependência da mãe, os únicos atos úteis que a criança tem para mobilizá-la “limitam-se a
56
chamar a mãe em seu socorro com os gritos, as suas atitudes e as suas gesticulações. (...) são
gestos virados para as pessoas, são gestos de expressão” (WALLON, 1975g, p.205).
A criança pequena mobiliza o outro por meio do tônus postural, em um contágio
mimético que invade e que o leva à necessidade de atender as manifestações dela, ou seja, é
na relação eu-outro e pelo tônus que as expressões emocionais são significadas. Portanto, ao
nascer, o bebê começa a comunicar-se com o mundo por meio da expressão
emocional/tônica/corporal não intencional, mas, ao estar em contato com o outro, no espaço
sócio-cultural a que pertence, seus gestos, expressões, movimentos vão sendo significados
pelo outro, o que leva a criança a construir uma linguagem corporal que é, ao mesmo tempo,
sócio-cultural e subjetiva, pois cada cultura possui suas representações sobre os movimentos
corporais e cada pessoa constrói, ao longo da sua história de vida, de acordo com sua
vivência, uma forma própria, pois única, de compreender e sentir esse mesmo movimento. O
movimento é, pois, uma grande possibilidade de tradução do mundo interior da criança.
Inicialmente, o ato motor se expressa muito mais na sua função cinética (clônica)
como mecanismo de ação e expressão da criança no mundo. De acordo com Dias (1996,
p.13), o auge desse pensamento via movimento observa-se no período sensório motor e
prolonga-se durante toda a primeira infância (0 a 3 anos), justificando a afirmação de que a
criança pensa na ação. Mas, ao longo do desenvolvimento da criança, o ato motor vai sendo
substituído pelo movimento tônico (postural), e o enfraquecimento da função cinética também
é proporcionalmente relacional à fortificação do processo ideativo, pois o processo de
aquisição dos signos culturais leva o ato motor a desenvolver o ato mental. Mas “embora
imobilizada no esforço mental, a musculatura permanece envolvida em atitude tônica que
pode ser intensa; pensa-se com o corpo em sentido duplo - com o cérebro e com os músculos”
(DANTAS, 1992, p.38).
O movimento expressivo, mesmo que não atue sobre o meio físico, expõe alto grau de
mobilização sobre o meio social. Essa atividade expressiva do corpo (tônus muscular) o
acompanhará ao longo da vida. A expressividade está entre os movimentos involuntários
(controlados em nível subcortical - sistema extrapiramidal
29
), que permanecem inconscientes.
29
Sistema Extrapiramidal: termo muito usado nos círculos clínicos para denotar todas as partes do cérebro e do
tronco cerebral que contribuem para o controle motor e que fazem parte diretamente do sistema
corticoespinhalpiramidal.
57
É só no final do primeiro ano, com o desenvolvimento das praxias,
gestos como o de pegar, empurrar, abrir ou fechar, que se intensificam as
possibilidades do movimento como instrumento de exploração do mundo
físico, voltando a ação da criança para a adaptação à realidade objetiva
(GALVÃO, 2003, p.70).
A criança passa por um processo crescente do domínio das praxias culturais, mas,
segundo Pereira (1992, p.28), “apesar de desenvolver-se o caráter pragmático do movimento,
permanece preponderantemente seu caráter expressivo”. O movimento é de natureza social,
dado que é por ele e por intermédio dele que se processa, provoca e detona a maturação do
sistema nervoso da criança, que é, no seu acabamento e formação individual, função do misto
das relações e correlações entre ação e a sua representação.
Observamos, dessa forma, que, antes mesmo que a criança desenvolva a linguagem
falada, ela já iniciou um processo de internalização de um complexo sistema de signos, de
desenvolvimento da linguagem corporal. A linguagem é um “sistema de signos que possibilita
o intercâmbio social entre indivíduos que compartilham desse sistema de representação da
realidade” (REGO, 2003, p.54). O gesto/expressão/movimento corporal como signo produz
uma idéia (significado) e apresenta uma materialidade (significante). Por exemplo, a criança
na interação com seus pares, aprende/interioriza, que ao mover sua cabeça para cima e para
baixo (materialidade), expressa/comunica algo ao meio (idéia), nesse caso, em nossa cultura a
idéia de afirmação. Temos, dessa forma, a função de comunicação entre indivíduos de um
grupo social, função semelhante à língua falada. Com o tempo, a criança pode usar essa
função de modo intencional.
Nesse processo de interiorização da linguagem corporal, a imitação é um elemento
fundamental, ela é um elemento importante na constituição da linguagem corporal do meio
cultural da criança. Por meio da imitação, a criança irá incorporar modelos, nesse caso,
modelos corporais do ambiente em que vive, mas a criança “só consegue imitar aquilo que
está no seu nível de desenvolvimento” (VYGOTSKY, 2003, p.114). Assim, a imitação, ao
longo do desenvolvimento, possui características diferentes. Segundo Wallon (1975b), no
início, a imitação se dá pela repetição de um gesto que a criança mesma acabou de executar e
que, realizado em frente ao seu campo visual, coloca em jogo um estímulo recente e, por isso
facilmente avivado no aparelho psicomotor. Com o tempo, o modelo imitado já não precisa
ter sido “precedido do mesmo gesto executado espontaneamente, é preciso supor a existência
de sistemas de ligação perceptivo-motoras” (WALON, 1975b, p.80). Em um nível ainda mais
elevado, a imitação não está subordinada a um modelo atual, há entre a observação do modelo
58
e de sua reprodução um período de incubação, nesse caso, entra em relação com a esfera das
representações. Na citação abaixo, Wallon explica com clareza esta questão, ao afirmar que a
criança
não imita senão pessoas por quem se sente profundamente atraída ou senão
que a cativam. No âmago das suas imitações, existe amor, admiração e
também rivalidade, porquanto o seu desejo de participação se transforma
rapidamente em desejo de substituição; muitas vezes, até coexistem os dois,
inspirando-lhe para com o modelo um sentimento ambivalente de submissão
e revolta, de tímido fideísmo e de depreciação (WALLON, 1995, p.162).
Ao retratarmos o tônus muscular, apontamos as especificidades da linguagem
corporal, qual seja, a expressão emocional. Como ressalta Galvão (2003, p.69), uma
característica da psicogenética walloniana é dar ênfase “à motricidade expressiva, isto é, à
dimensão afetiva do movimento, como mostram os estudos sobre as emoções”. Por meio do
corpo expressamos o que estamos sentindo, o que pode ou não ser consciente. Ao ficarmos
com a face vermelha, por exemplo, em uma situação de constrangimento, comunicamos algo,
que pode ser interpretado de diferentes maneiras, pois, implicam significados, ou seja, a
linguagem corporal é cheia de expressão emocional, a qual só é compreendida no contexto em
que se realiza, deve ser vista de forma concreta e, contextualizada nas relações que
mobilizaram a flutuação tônica, como afirma Wallon (1975a). É válido destacar que o corpo
possui uma linguagem que tem particularidades que precisamos compreender. Nosso corpo
não mente, por mais que tentemos com as palavras, nosso corpo expressa-nos de forma a
retratar o que somos e sentimos e, por mais que esta dimensão da linguagem corporal seja
negada, ela marca nossa vida.
Corroboramos Reich (2001), ao enfatizar que nosso corpo revela o que realmente
estamos sentindo, o que somos. É nele que registramos as marcas dos nossos conflitos,
medos, vergonhas, conquistas, enfim, nossa história. Na criança, essa linguagem é ainda mais
aflorada, a criança é o seu corpo. As pessoas nos comunicam muitas coisas verbalmente, mas,
segundo Reich (2001a), devemos prestar atenção em como as pessoas nos falam, nesse caso, a
atenção ao corpo torna-se a grande aliado na compreensão do indivíduo. Ressaltamos,
portanto, a riqueza comunicativa do movimento. O corpo revela muito sobre a criança,
algumas vezes, mais que a linguagem verbal. Não se trata de forma alguma da desvalorização
da expressão verbal na interação com a criança pequena, mas, sim, de ampliar essa relação,
valorizando também o movimento corporal como uma forma de comunicação não verbal.
Portanto, é por meio da interação com seus pares, nesse contexto sócio-cultural, que a
criança constitui sua linguagem corporal, pois o movimento, os gestos, também vão ganhando
59
sentido de acordo com os significados culturais presentes no ambiente vivido pela criança, “a
especialização é um processo estreitamente vinculado ao ambiente cultural, já que demanda o
aprendizado do uso próprio (cultural) dos objetos” (GALVÃO, 2003, p.74). E a linguagem
corporal é apreendida em meio à cultura, sendo “a linguagem o instrumento que vai elaborar e
organizar a expressividade no mundo dos símbolos. Assim, o corpo como um conjunto de
dimensões física, afetiva, histórica e social assume um papel fundamental no processo de
constituição da criança pequena como sujeito cultural” (GARANHANI, 2004, p.25).
Como afirma Wallon (1975, p.142), “seria irrisório limitar a linguagem, por exemplo,
ao simples fato da fonação e não distinguir entre gestos, mesmo exteriormente semelhantes,
segundo as situações que os provocam e o gênero de resultado para que tendem”.
Se a interação entre a criança e seu meio é a base do processo de desenvolvimento do
indivíduo, e a criança pequena utiliza principalmente a linguagem corporal para realizar essa
interação, então, consideramos essencial que os profissionais que atuam na educação infantil
estejam abertos a empregar tal linguagem para, assim, contribuir de forma significativa em tal
processo, pois as escolas de educação infantil devem adequar-se de modo a atender às
especificidades do desenvolvimento infantil em cada uma de suas etapas.
60
CAPÍTULO III
RUMOS DA PESQUISA: COMO E POR ONDE CAMINHAMOS
O universo não é uma idéia minha.
A minha idéia do universo é que é uma idéia minha.
A noite não anoitece pelos meus olhos,
A minha idéia da noite é que anoitece por meus olhos.
(FERNANDO PESSOA, 1981, p.172)
No presente capítulo, apresentamos os caminhos que percorremos ao longo do
desenvolvimento da pesquisa, evidenciando por onde e como caminhamos na busca de
compreender o movimento, a expressão corporal da criança de 5 a 6 anos no espaço de uma
instituição de educação infantil situada em uma região periférica do município de Uberlândia-
MG. Defendemos o estudo contextualizado da criança e, nessa perspectiva, a educação
infantil, meio peculiar à infância, é um contexto privilegiado para nossa investigação. Ao
discutir sobre as pesquisas que têm como objetivo estudar as crianças, Wallon (1995) conclui
que não há dúvida de que, para o conhecimento de seu comportamento, torna-se indispensável
observá-la nos diferentes espaços e exercícios de sua vida cotidiana, dentre eles, a escola.
Diante de tal propósito, buscamos uma metodologia que nos possibilitasse apreender o
movimento corporal da criança sem ferir, sem banir o movimento, a dinâmica, a vida presente
no espaço da instituição pesquisada. Encontramos na pesquisa qualitativa, trilhas que nos
conduziram à construção de conhecimentos na interação com os sujeitos pesquisados.
Na pesquisa qualitativa, os imprevistos, os momentos informais que ocorrem ao longo
da pesquisa são considerados como importantes elementos embebidos de significado. Para
nós, essa característica da pesquisa qualitativa é fundamental, visto que os principais sujeitos
deste trabalho (as crianças) apresentam especificidades que devem ser consideradas, como a
de gerar situações totalmente inesperadas, imprevistas para o pesquisador. Segundo González
Rey (2002), na pesquisa qualitativa, a informação que aparece nos momentos informais da
pesquisa é tão legítima como a procedente dos instrumentos usados.
A definição do qualitativo não se refere “a uma questão instrumental, nem tampouco
uma questão definida pelo tipo de dados que devem ser incluídos, mas que se define
essencialmente pelos processos implicados na construção do conhecimento, pela forma como
61
se produziu o conhecimento” (GONZÁLEZ REY, 2002, p.24). Desse modo, compreendemos
que, na pesquisa qualitativa, é fundamental deixarmos claro como fomos desenvolvendo a
pesquisa, o que deu e o que não deu certo, as perguntas que ficaram sem respostas. É essa a
proposta deste capítulo, mostrar um pouco dessa trajetória .
No início da pesquisa, inquietava-nos o fato de desenvolver um trabalho que
abrangesse a observação de apenas uma turma de crianças de uma instituição de educação
infantil, mas, após os estudos e as reflexões realizadas, principalmente pelos apontamentos de
González Rey (2002), percebemos que o conhecimento científico, a partir desse ponto de vista
qualitativo, não se legitima pela quantidade de sujeitos a serem estudados, mas pela qualidade
de sua expressão. Segundo esse autor, um dos aspectos que caracterizam a produção de
conhecimento na pesquisa qualitativa “é a atenção ao caráter singular do estudado, que se
expressa na legitimidade atribuída ao estudo de casos” (GONZÁLEZ REY, 2002, p.70).
Nesse contexto, o trabalho de campo é um processo permanente de estabelecimento de
relações e de construções de eixos relevantes de conhecimento dentro do cenário em que
pesquisamos o problema, o que se diferencia da coleta de dados, que é “um momento de
acúmulo de informação, à qual será atribuído um significado só posteriormente”
(GONZÁLEZ REY, 2002, p.97).
Em nossa cultura, estamos acostumados a simplesmente impor às crianças o que
consideramos certo ou errado, o que podem ou não fazer, geralmente, não ouvimos, apenas
falamos. Wallon (1995, p.27), ao discutir sobre o estudo da criança, ressalta que ela sabe
apenas viver a sua infância, conhecê-la pertence ao adulto. A preocupação cabível é sobre a
forma como se buscará esse conhecimento: guiado pelo ponto de vista do adulto ou o da
criança. Kramer (2002) ressalta que, normalmente, é a visão adultocêntrica que marca o
estudo da criança, o qual limita a nossa compreensão dessa fase da vida. Acreditamos que o
estudo do desenvolvimento infantil deva tomar a própria criança como ponto de partida,
procurando compreendê-la no conjunto das possibilidades que representa.
Consideramos, pois, a necessidade de voltar a nossa atenção para elas e, deixar que
elas se expressem de modo que as possamos entender. Temos que dar voz às crianças, não
apenas falarmos delas como se fossem totalmente passíveis e sem possibilidade de se
manifestarem. No caso desta pesquisa, intencionamos dar voz às suas expressões corporais,
entender o movimento corporal a partir do próprio movimento das crianças no espaço de uma
instituição de educação infantil.
62
1 INSTITUIÇÃO PESQUISADA
O fator principal da seleção da instituição em que estamos realizando esta pesquisa é o
fato de nela já termos realizado uma pesquisa de iniciação científica no ano de 2003 e, ao
longo dessa experiência, termos estabelecido laços que favoreceram a realização deste novo
trabalho. Acreditamos que esse foi um dos fatores que viabilizou uma recepção positiva por
parte dos profissionais, ainda que um número significativo de professores que conhecemos em
2003 já não trabalhe mais na instituição.
Dessa forma, como já havíamos realizado um trabalho na instituição, os primeiros
contatos, na realidade, constituíram-se em um momento de reencontro, retomada do trabalho.
Propomos, então, um trabalho conjunto, de construção coletiva de conhecimento sobre o
movimento corporal da criança, no qual todos estaríamos aprendendo, participando e
partilhando as descobertas. Os profissionais da instituição foram receptíveis e aceitaram
participar da pesquisa, sentimo-nos acolhidas pela escola, havia, por parte das professoras, o
interesse em participar desse processo.
Os profissionais da instituição que contribuíram com a investigação e nós, como
pesquisadoras, passamos a ser sujeitos ativos da produção desta pesquisa. Por compreender o
conhecimento como construção humana, coletiva, apresentamos, numa reunião organizada
pela diretora, o processo proposto para a pesquisa, bem como os seus objetivos. Estiveram
presentes a essa reunião três professoras (do pré-quatro, do pré-cinco e do pré-seis), a
pedagoga e a diretora da instituição. Nessa oportunidade, foi-nos solicitado um retorno dos
resultados da pesquisa para a instituição e que a escola também fosse beneficiada e não
apenas utilizada como objeto de pesquisa, como corriqueiramente ocorre. Essa afirmativa das
professoras fez-nos confirmar o compromisso de que, uma vez finalizada a pesquisa,
retornaríamos para a sua apresentação, aproveitando para assim discutirmos com as
profissionais da instituão sobre o movimento corporal da criança. Acreditamos que a própria
construção de uma pesquisa que respeite os sujeitos e a instituição, como um espaço cheio de
vida, que como tal não podem ser tratados como objetos utilizados e descartados, já se
constitui um trabalho recompensador para ambas as partes e não apenas para o pesquisador.
É válido ressaltar que a pesquisa não pode estar envolvida com a lógica utilitarista,
como se a finalidade única da pesquisa fosse imediatamente prática, ou seja, como se tudo o
que pesquisamos tenha que ter rapidamente uma finalidade prática, uma utilidade imediata.
Podemos supor, por exemplo, como sustenta Kramer (2003), que as nossas publicações
63
favorecem retornos indiretos para outras equipes e professores que se apropriem de tais
conhecimentos.
A equipe da instituição é constituída pela diretora, por uma pedagoga, três
profissionais, que acompanham em período integral o maternal; uma professora eventual; uma
professora de Educação Física, que ministra aulas de manhã e de tarde em alguns dias da
semana; uma Professora Complementadora de Carga Horária; uma ajudante, que acompanha
as crianças no momento do lanche e outras funções; duas profissionais, que atuavam como
merendeiras e serviços gerais; e um secretário (no meio da pesquisa, esse cargo que era
ocupado por um homem foi assumido por uma mulher, constituindo, assim, um espaço
ocupado apenas por mulheres).
A Escola Municipal de Educação Infantil selecionada atende do maternal à pré-escola.
No ano de 2005, a instituição trabalhou com 176 crianças, sendo 17 crianças no maternal e
nas outras turmas, tanto no período matutino como vespertino; variava-se o número de
crianças por turma, sendo que, no pré-quatro, havia em média 24 crianças por turma. Na
instituição pesquisada, o maternal atende em período integral, e a pré-escola, em dois
períodos (das 7h. às 11hs:10 e das 13hs às 17hs.10) com turmas de quatro, cinco e seis anos,
denominados respectivamente, pré-quatro, pré-cinco e pré-seis.
A escola atende a criança de família de baixa renda, assim como crianças de classe
média baixa. O bairro fica em uma região periférica, sendo a instituição de educação infantil
em referência a única entidade pública, o que a faz ter uma considerável lista de espera.
Nos primeiros contatos com a instituição, ocorrido no mês de março de 2005,
tínhamos a finalidade de acompanhar, conhecer a escola, sentir o contexto, a rotina da
instituição em sua totalidade, somente no mês seguinte nos direcionamos para a observação
de uma turma específica – pré-seis – de forma mais sistemática. Esse mês inicial foi
fundamental, pois possibilitou-nos, ao vivenciar e participar da rotina da escola, entender
melhor a própria turma pesquisada. Também foi por meio dessa participação geral da rotina
escolar que conseguimos estabelecer diálogos mais informais com as professoras, deixando-as
mais à vontade, caso não desejassem participar da pesquisa.
É válido ressaltar que um fator relevante da escolha da turma do pré-seis foi a
manifestação da vontade das professoras da turma (professora regente, Professora
Complementadora de Carga horária, Professora de Educação Física) em cooperar com este
estudo.
A turma era formada por crianças na faixa etária de 5 a 6 anos de idade, sendo ao todo
28 crianças, dentre elas, 11 meninas e 17 meninos.
64
No início do ano letivo, constava no diário da turma a matricula de 31 crianças. Duas
não compareceram e uma passou para o turno vespertino, resultando, então, 28 crianças. No
entanto, no mês de maio, uma menina de 6 anos foi transferida para a primeira série do Ensino
Fundamental, por ser considerada pela professora regente como adiantada, uma vez que já
sabia ler e escrever. Diante da vaga, uma nova criança, que estava na lista de espera (menina),
foi chamada, retornando novamente ao número de 28 crianças na turma.
2 QUEM SÃO AS PROFESSORAS DA TURMA PESQUISADA?
O trabalho de pesquisa realizado na instituição envolveu a participação da professora
regente, a professora de Educação Física e a professora Complementadora de Carga Horária
da turma observada, como destacamos anteriormente.
A professora regente possuía trinta e um anos, formação em magistério, graduou-se
em pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e fez especialização na área de
psicanálise. Trabalha há dez anos com a educação, sempre atuando na educação infantil.
Trabalha há dois anos na instituição pesquisada, especificamente, na turma de pré-seis. Uma
professora que demonstra realmente gostar de sua labuta, pois atua como professora em dois
turnos, mãe de dois filhos, sendo um deles uma menina de apenas dois anos de idade, mas,
ainda que em situações muito difíceis, tem desejo por continuar seu processo de formação
30
,
como ela declarou na entrevista.
... O tempo todo eu trabalhei em período integral, mas eu não tinha criança
pequena. Então por exemplo, ela [filha] fica o dia inteiro na escolinha
31
, quando
eu chego em casa ela não desgruda de mim, é o tempo inteiro, tem vezes que eu
tenho que fazer comida [janta] com ela no colo. Então quando ela vai dormir (até
nove horas ela está dormindo), mas quando ela vai dormir eu já estou arrebentada,
eu não tenho mais ânimo (...), mas meu sonho e fazer mestrado. (Entrevista com a
Professora Regente, 10/11/2005)
30
A professora dentro dos objetivos que se propõe e, considerando a forma que ela busca atingir esses objetivos,
é uma profissional muito responsável. Não observamos momentos de descansos, mas sim de trabalho intenso e
profundo empenho. Ela, de acordo com o seu modo de pensar, quer oferecer o melhor para as crianças, por isso,
exige muito delas. É uma, dentre tantos exemplos do nosso Brasil, mulher guerreira, que ao mesmo tempo é mãe,
professora, mulher, dona de casa e, ainda assim, tem desejos de continuar sua formação. Antes de tudo, temos
muito a agradecer a essas batalhadoras, sentimo-nos muito felizes em partilhar com elas esta pesquisa.
31
O tom de voz indica uma culpabilidade por deixá-la o dia inteiro na creche, segundo Volnovich (2001), esse
sentimento que as mulheres carregam é fruto do discurso ideológico que surgiu no último terço do século XVIII,
que tinha por finalidade a preservação da vida das crianças, para isso, utilizou o poder médico e o poder da
Igreja, fundamentalmente, para influenciar e inculcar nas mulheres sua função de mãe, a qual deve dar o melhor
de si à função materna.
65
A turma pesquisada possuía, nas terças-feiras, três horários de cinqüenta minutos com
uma professora que foi apresentada a mim como PCC. Compreendemos, na entrevistas com a
professora que desempenhava essa função na instituição, e com a pedagoga, que, na realidade,
pairava uma dúvida sobre a real função dessa profissional. Como percebemos pelo trecho da
entrevista abaixo, a própria sigla PCC permaneceu como uma incógnita para a professora que
ministrava aquelas aulas. Ao ser perguntada sobre o que significa PCC, ela afirmou:
... Professor Complementador de Carga horária. (...) O nome exato mesmo eu vim
a aprender faz pouco tempo, eu perguntava para as pessoas e ninguém sabia o que
me falar (...) Os meus colegas mesmo têm muitos que dão e que fazem a mesma
coisa. Sempre um falava uma coisa outro falava outra, aí um colega pegou e
explicou, o PCC é o Professor Complementador, é só para complementar a carga
horária (ENTREVISTA, 28/10/2005).
Certamente, isso gera mal estar, a incerteza do que significa a função que se está
desempenhando, ter que perguntar aos outros - que fazem a mesma coisa - o que significa o
nome que atribuem a esses professores, no mínimo, é muito desconfortável. Mas a situação se
agrava quando encontramos a definição do que significa PCC, quando entendemos que este é
um profissional que está ali, essencialmente, para cobrir a falta do professor regente. Ou
ainda, qual será a importância atribuída ao trabalho que esse profissional realiza com as
crianças? E, seguindo essa lógica, qual é o valor atribuído às atividades realizadas com a
PCC?
A PCC da turma tem trinta e um anos, solteira e não possui filhos. Cursou magistério
devido à influência de uma irmã, que era professora. Após essa formação, por um longo
período, não trabalhou na área da educação, iniciando sua carreira docente somente anos
depois ao passar em um concurso para professores contratados pela prefeitura, em 2002. Atua
há três anos como professora, um ano no ensino fundamental e dois com a educação infantil.
Ao iniciar sua atuação como docente, resolveu ingressar no Normal Superior, em uma
instituição particular, curso que concluiu no final de 2005. Essa profissional buscou na
educação a possibilidade de melhorar suas condições profissionais, não se voltou para a
docência como algo que tenha definido por afinidade.
A professora de Educação Física da turma é casada e tem duas filhas. Esta professora,
por falta de opção, em decorrência das limitações de uma cidade pequena onde morava,
cursou magistério e formou-se em Educação Física pela UFU no ano de 1997. Segundo ela,
essa era a área em que, desde a infância, gostaria de atuar. Ela é especialista na área de
Recreação e Lazer e agora está realizando uma nova especialização em Educação
66
Psicomotora em uma instituição particular, que concluirá no final de 2006. Atua na área da
educação há três anos e meio, sendo que destes trabalha há dois anos na instituição pesquisada
como professora de Educação Física. Em sua carreira, no primeiro ano em que atuou como
docente, teve uma breve experiência em sala de aula como professora regente, trabalhando
com crianças de 6 anos, o que, segundo ela, não foi uma experiência muito agradável.
Essas três profissionais compõem o grupo que atua junto à turma pesquisa e com as
quais desenvolvemos este trabalho.
3 A OBSERVAÇÃO
A técnica da observação em pesquisa é, segundo Helena Vianna (2003), praticamente,
uma das mais importantes fontes da pesquisa qualitativa em educação. Wallon, no seu livro
“A evolução psicológica da criança” (1995, p.33), ao tecer reflexões de como estudar a
criança, reconhece que a psicologia infantil depende quase que exclusivamente da observação,
ela permite o conhecimento da criança contextualizada. Como desejávamos compreender a
criança no contexto da instituição infantil, encontramos na observação uma importante aliada.
A observação, como destaca Vianna (2003, p.14), é uma “técnica metodológica
valiosa, especialmente para coletar dados de natureza não-verbal”, como é o nosso caso, que
temos como objeto de estudo o movimento corporal da criança. Esta é uma tarefa árdua, pois
a fórmula que damos ao movimento corresponde, muitas vezes, às nossas subjetivas relações
com a realidade,
por isso, é muito difícil observar a criança sem lhe atribuir algo dos nossos
sentimentos ou das nossas intenções. Um movimento não é um movimento,
mas o que nos parece exprimir, e, a menos que o hábito seja enraizado, o que
registramos é o significado suposto (WALLON, 1995, p.36).
Diante do nosso problema de estudo, tínhamos a necessidade de observar a relação
entre as educadoras da turma e as crianças, em que a fonte principal de observação seria a
relação entre a proposta de trabalho da professora (considerando a organização da escola) e a
reação da criança quanto ao seu movimento corporal. Ficaríamos atentos à criança em relação
às necessidades dessa faixa etária, visto que ela utiliza o movimento corporal como forma de
expressão, comunicação e interação, quanto à possibilidade de desenvolver essa dimensão na
educação infantil por meio de atividades propostas pelas profissionais. A teoria Walloniana
67
acompanha-nos nesse processo de interpretação, uma vez que esse autor destaca o movimento
corporal como um elemento importante para compreendermos a constituição do sujeito.
No início das observações, ao começar a realizar os registros, um impasse surgiu:
utilizar ou não nomes fictícios. No caso da nossa pesquisa, consideramos, inicialmente, que as
crianças não sofreriam damos quanto à identificação de sua identidade, o que é um elemento
importante nesse processo de decisão quando da utilização ou não do nome fictício, como
destaca Kramer (2002). Mas, ainda assim, definimos pela utilização de nomes fictícios tanto
para as crianças como para os profissionais da instituição, visto que, como as profissionais da
instituição não seriam identificadas, como nos comprometemos com elas, consideramos que,
ao identificar a criança, afetaríamos esse compromisso.
A observação da instituição selecionada ocorreu ao longo dos cinco meses, entre
março a julho de 2005, três vezes por semana, das 7:00 às 11:15. As observações realizadas
no período em que estivemos presentes na instituição foram registradas em um diário de
campo (ANEXO I - Exemplo de uma observação registrada em diário de campo), de forma
parcial, por meio de palavras chave para reavivar a memória e, em outros momentos, de
forma mais literal
32
.
Considerando que “só podemos entender as atitudes da criança se entendemos a trama
do ambiente no qual está inserida” (PEREIRA, 1992, p.49), no mês de março, acompanhamos
as atividades gerais da escola, pela manhã e pela tarde. Atividades como a chegada e a saída
de todas as turmas, o horário do lanche, a utilização do pátio e do quiosque, além de
acompanharmos as atividades específicas de cada turma no interior da sala de aula. No mês
em referência, permanecemos cerca de 55 horas e 25 minutos na instituição, nossa intensa
presença era uma forma de sentir a instituição em sua totalidade, e mesmo tornar a
pesquisadora uma figura mais conhecida tanto para as professoras de turma que iríamos
pesquisar, como das crianças, que, nesse período, ficaram mais acostumadas com a minha
pessoa.
32
A forma de registro, seja literal ou por palavras chave, definia-se de acordo com as condições vivenciadas, ou
seja, em alguns momentos, como quando a professora conversava ou destacava os motivos de atuação na sala,
anotávamos apenas palavras chave e, depois, retomávamos tais registros e os detalhávamos em arquivos no
computador de forma mais próxima possível do contexto de tais comentários. Importante destacar que
procurávamos realizar esse trabalho logo ao retornar da instituição.
68
Selecionada a turma, passamos a observar, a partir de abril, as atividades realizadas
tanto no interior da sala com a professora regente, a professora de Educação Física e a
Professora Complementadora de Carga Horária (PCC), quanto fora da sala de aula, como no
momento do parque, refeitório e nas atividades festivas.
Como a proposta era de acompanhar o cotidiano da turma de crianças do pré-seis,
envolvendo a interação destas com as professoras que trabalhavam com a turma, escolhemos
três dias da semana para estarmos presentes, na segunda e sexta-feira, com a professora
regente
33
, e na terça-feira, dia de módulo da professora regente, acompanhamos a professora
de Educação Física
34
e da professora Complementadora de Carga Horária
35
. Optamos por
realizar este trabalho com as três professoras da turma, já que as aulas de Educação Física e
PCC eram os únicos momentos, dentro da rotina da própria escola, em que as crianças
trabalhavam fora da sala de aula, e se permitiam movimentos mais livres, como a ida ao pátio
e ao quiosque.
O período de observação na turma selecionada perfez um total de 138 horas. Ao longo
de todos os meses, participamos, por cerca de 193 horas e 25 minutos, da rotina da instituição.
4 ENTREVISTA
A entrevista representa, para nós, uma situação de interação humana, que envolve
sentimentos, emoções e expectativas, que se dá em uma construção de ‘entrefalas’,
‘entretextos’, ‘conversa’, de diálogo (SOUZA & KRAMER, 1996, p. 27). No estabelecimento
do diálogo entre entrevistador e entrevistado, há um processo coletivo de produção de
informação.
As entrevistas foram realizadas com as três professoras que ministravam aula na turma
pesquisada, ou seja, com a professora regente, professora de Educação Física e com a
professora Complementadora de Carga Horária. Buscando estabelecer relações da sala de aula
com a dinâmica da instituição, também realizamos uma entrevista com a pedagoga da
instituição.
33
Nesse trabalho a professora regente será denominada prof. R.
34
Nesse trabalho a professora de Educação Física será denominada prof. E.
35
Nesse trabalho a professora de PCC será denominada professora P.
69
Nessa entrevista com a pedagoga, orientamo-nos a partir de três eixos de questões: o
planejamento, a rotina e o espaço físico da escola. Relacionando-as com a discussão sobre o
movimento corporal da criança.
Optamos por trabalhar com entrevista semi-estruturada com as professoras da turma
com a qual desenvolvemos a pesquisa. No primeiro roteiro de entrevista das professoras
(ANEXO II), buscamos dados sobre sua formação, tempo de trabalho na área de educação,
em específico, com a educação infantil, e outras informações sobre a história de vida dessas
profissionais. No segundo roteiro de entrevista (ANEXO III), buscamos possibilitar às
professoras momentos para elas explicitarem e refletirem sobre a forma de organização do seu
trabalho docente e como elas trabalham no ambiente escolar com o movimento corporal, pois
“o movimento reflexivo que a narração exige acaba por colocar o entrevistado diante de um
pensamento organizado de uma forma inédita até para ele mesmo” (SZYMANSKI, 2002,
p.14).
A realização das entrevistas ocorreu no domicílio das professoras, opção feita por elas.
Consideramos, também, esse local mais oportuno, pois, na instituição, não havia espaço para
conversarmos de forma mais reservada. Desse modo, as entrevistas ocorreram em lugares sem
muita agitação e sem pressa, exceto com a professora regente, com a qual realizamos a
entrevista intercalando-a com os cuidados com sua filha pequena, o que exigiu um tempo
maior, dividido em dois dias. A pedagoga considerou a escola como o melhor espaço para a
realização da entrevista.
A entrevista foi uma possibilidade de aprofundarmos nosso entendimento sobre os
significados que as profissionais da instituição atribuem ao movimento corporal da criança, de
entendermos como as educadoras compreendem o movimento (o que é o movimento corporal
para elas?).
Nesse processo, o diálogo “é fonte essencial para o pensamento e, portanto, elemento
imprescindível para a qualidade da informação produzida na pesquisa” (GONZÁLEZ REY,
2002, p.55) e o momento da entrevista, é um dentre os instantes do estabelecimento desse
diálogo, em que ocorre uma influência mútua entre pesquisador/pesquisado. Segundo
Szymanski (2002), a natureza das relações entre entrevistador/entrevistado influencia tanto o
seu curso como o tipo de informações que surgem na entrevista.
Além disso, tivemos a oportunidade de observar a própria expressão corporal das
professoras, já que, como salienta Souza & Kramer (1996), é importante o pesquisador
perceber os não-ditos presentes no gesto, no olhar, na entonação e no corpo, pois tudo isto é
parte integrante do sentido do diálogo. Considerando a importância dessas informações,
70
procuramos registrá-las, somando-as ao conteúdo da entrevista. O estabelecimento do diálogo
entre a pesquisadora e as professoras foi muito significativo para desenvolver o entendimento
que tivemos acerca do nosso objeto de estudo.
5 IMAGEM FOTOGRÁFICA
Utilizamos, também, a máquina fotográfica digital, para registrarmos os fatos e as
expressões corporais das crianças. Mas a questão da exposição da imagem da criança foi uma
preocupação desde o início da pesquisa, como usar a fotografia como metodologia de
pesquisa qualitativa sem ferir os direitos da criança pequena? Utilizar tarjas para a não
identificação da criança? Mas sabíamos que, em se tratando de um estudo sobre a expressão
do corpo da criança, o registro fotográfico era algo importante, pois acreditávamos que, nesse
caso, e em muitos outros, a fotografia “fala” mais do que muitas palavras.
Diante dessa preocupação, logo no início das atividades da pesquisa, realizamos um
encontro com os pais para explicar os objetivos da pesquisa e destacamos que, diante do
nosso propósito de investigação, necessitávamos de alguns instrumentos que possibilitassem-
nos tais registros. Desse modo, solicitamos a eles a permissão para realizar o registro
fotográfico das crianças e usar as fotos no relatório final da pesquisa, bem como na
apresentação de trabalho em evento de caráter científico. Os pais responderam positivamente
às solicitações e mostraram-se, de certa forma, felizes por seus filhos serem participantes da
pesquisa, como demonstraram, em alguns comentários, no dia em que realizamos o encontro,
“acho bom que haja pesquisas sobre as crianças, é bom para elas”. Em relação à utilização ou
não de recursos para preservar o reconhecimento da imagem da criança, os pais consideraram
que isso não traria nenhum prejuízo aos seus filhos, e como a expressão das crianças é muito
importante neste trabalho, muitas fotos são apresentadas sem tarjas.
A fotografia é, segundo Kramer (2002), um constante convite à releitura, a uma forma
diversa de ordenar o texto imagético. Pode ser olhada, muitas vezes, em diferentes ordens e
momentos, pode ter outras interpretações: ela é sempre uma outra foto ali presente, pois uma
foto se transforma cada vez que é contemplada, revive a cada olhar.
Ao longo de nossa permanência na instituição pesquisada, fomos tecendo os fios da
trama de nossa análise das estruturas e possibilidades do movimento corporal da criança nessa
instituição. As dimensões discutidas no capítulo seguinte surgiram no contexto da instituição
71
pesquisada, elementos percebidos entre os registros de pesquisa como essenciais para a
compreensão de nossos propósitos.
Entrelaçamos, nessa tecitura, os registros em diário de campo, organizados mediante
as observações, as vozes das professoras e da pedagoga da instituição, construídas no
processo de entrevista e fotos que focam o movimento corporal da criança. Essa tecitura foi
percebida e compreendida mediante uma reflexão respaldada no referencial teórico
anteriormente apresentado.
72
CAPÍTULO IV
CORPO, MOVIMENTO E INTERAÇÃO:
O COTIDIANO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Dedicamo-nos a entender o movimento corporal das crianças, sujeitos desta pesquisa,
tendo em vista o relacionamento estabelecido com a professora regente, com a professora de
Educação Física e com a Professora Complementadora de Carga Horária (PCC). Envolvemos,
na pesquisa, as três professoras, que trabalhavam com a turma do pré seis, para buscar um
olhar mais global de como o movimento corporal se insere na rotina das crianças na educação
infantil.
Este capítulo foi sendo constituído de leituras e releituras dos dados organizados ao
longo de nossa investigação, por meio da observação, das entrevistas, dos registros
iconográficos e dos registros em diário de campo. Buscando tecer a compreensão sobre o que
vivemos e construímos acerca do nosso problema, organizamos o trabalho em dois eixos de
análise. Um eixo relativo aos elementos da dinâmica da instituição, mais especificamente, a
dimensão do espaço físico, da rotina e do planejamento. Este marca profundamente o segundo
eixo, no qual centramos diretamente nosso olhar para a relação da criança com as professoras.
Para tanto, consideramos as três formas de movimento apresentadas por Wallon (1975b),
quais sejam, o movimento passivo ou exógeno, o movimento ativo ou autógeno e o
deslocamento de segmentos corporais ou frações. Os eixos de análise não foram definidos a
priori, mas foram gestados no cotidiano da escola estudada, ao se destacarem diante de nossos
olhos como elementos importantes na compreensão de nosso problema de pesquisa.
Vale ressaltar que, embora nosso olhar incidisse para a forma como o movimento está
presente na relação educadora e criança, no primeiro eixo, identificamos a questão espacial e
temporal, dimensão, segundo Garanhani (2004)
36
, necessária para entender o movimento no
ambiente escolar.
36
Garanhani (2004) realizou a análise dos saberes das educadoras da pequena infância sobre o movimento
corporal da criança. Para isto, a autora em referência busca a relação de quadro dimensões - temporal,
institucional, espacial, instrucional.
73
Dessa forma, analisaremos a relação professor-crianças, tendo em vista as três formas
de movimento walloniano e a dinâmica da instituição, tendo por referência as três dimensões -
espaço físico, rotina e o planejamento - que interferem diretamente no segundo eixo de
análise.
Segue abaixo a definição da estrutura de análise:
Eixos
Eixo 1: O Movimento corporal e a
Dinâmica da instituição
Eixo 2: Interação professora/criança
com as formas de movimento
Elementos
de análise
O movimento corporal e o espaço físico;
A rotina e o movimento corporal da criança;
O dia-a-dia de sala de aula com a professora
regente;
A terça-feira chegou: atividades com a
professora de educação Física e PCC;
Organização do trabalho docente.
Movimento ativo ou autógeno;
Movimento passivo ou exógeno;
Deslocamento de segmentos corporais
ou frações.
Esses elementos foram discutidos separadamente para a melhor organização textual,
mas, na realidade, estão entrelaçados, imbricados, constituindo um olhar único sobre o
cotidiano da instituição pesquisada. Certamente, outras questões são importantes e não foram
trabalhadas, em parte, pela necessidade de realizar recortes, e outras, pela nossa própria
limitação, pois, diante da complexidade da realidade escolar, apenas abrimos fendas, olhares...
EIXO 1: O MOVIMENTO CORPORAL E A DINÂMICA INSTITUCIONAL
Neste eixo de análise, buscamos entender o ambiente da instituição pesquisada, para,
assim, podermos apreender a dinâmica da forma como as professoras se relacionam com o
movimento corporal da criança. Para tal propósito, abordamos abaixo o Movimento corporal e
o espaço físico
37
; a Rotina escolar e o movimento corporal da criança; e a Organização do
trabalho docente.
37
Zabalza (1998) atribui conotações diferenciadas para os termos espaço e ambiente. O termo espaço refere-se
ao espaço físico, aos locais destinados a atividades caracterizadas pelos objetos, pelos materiais didáticos, pelo
mobiliário e pela decoração. O termo ambiente refere-se ao conjunto de espaço físico e às relações que se
estabelecem nos mesmos, os afetos, as relações interpessoais entre as crianças, entre as crianças e os adultos.
Neste trabalho, fazemos uso desses dois termos considerando essa diferenciação.
74
1.1 Movimento Corporal e o Espaço Físico
A instituição pesquisada foi construída em 1992, especificamente, para atender à
educação infantil, e seu projeto arquitetônico indica áreas que ficaram definidas como uma
etapa seguinte a ser concluída. Passados 13 anos da sua inauguração, o projeto continua
apenas no papel, o que pode ser observado na comparação da planta baixa do projeto
idealizado (ANEXO IV) e a construção real da instituição (ANEXO V). A diretora, bem
como os demais profissionais da instituição não tinham conhecimento desse projeto, o que foi
percebido mediante as entrevistas e conversas informais. Até indagarmos por ele, todos
acreditavam que o projeto não se encontrava na escola. A fala da pedagoga, destacada abaixo,
explicita o fato em referência.
Eu não tenho acesso à planta da escola, porque, quando eu vim para cá, a escola já
tinha dez anos e não fica na escola essa planta. Então não tive acesso. (Entrevista
com a pedagoga, 01/11/2005).
A instituição dispõe, na área interna, de três salas de atividade destinadas às turmas do
pré quatro, cinco e seis, um berçário, um refeitório, diretoria, uma cozinha com despensa, uma
lavanderia, um banheiro para as profissionais da instituição e outro com sanitários adaptados
para as crianças. Na área externa, há um quiosque e um parque.
Além das atividades específicas do refeitório (lanche das crianças), nele se encontram
a mesa de trabalho da pedagoga, uma mesa para o trabalho das professoras eventuais e
materiais da secretaria, como um computador, armários, arquivos com pastas etc. Isto denota
que o trabalho da pedagoga e da secretária se realiza no refeitório, o que implica desconforto e
controle dos movimentos da criança. Mesmo no horário de lanche, as crianças são postas em
fila de forma a conter possível agitação e movimentos que comprometeriam a “ordem”
daquele espaço, que tem funções diversas. Exige-se, pois, uma forma de comportamento da
criança para que se viabilize o trabalho dos outros profissionais que ocupam aquele espaço.
Nesse caso, é sobre a criança que cai o papel de adaptar-se, de agir de forma a não dificultar o
trabalho dos demais profissionais. Assim, é a criança que perde o direito de se movimentar em
um espaço que deveria servir a ela. A criança não é tomada como prioridade. Esse espaço não
lhe permite mobilidade, a ponto de não ser autorizado às crianças buscarem seu próprio
lanche (FOTO 02).
Diante da limitação do espaço físico, percebemos que os profissionais buscam
possíveis adaptações, em que o movimento da criança, geralmente, é o mais restringido.
75
Observamos que, na definição das prioridades quanto à ocupação do espaço, é o movimento
da criança o mais afetado.
A aceitação desse fato revela o quanto o profissional da educação não compreende a
forte influência que o espaço físico exerce sobre o desenvolvimento das crianças. Segundo
Barbosa e Horn (2001), os autores que falam sobre o desenvolvimento infantil são unânimes
em destacar que as aquisições sensoriais e cognitivas das crianças têm estreita relação com o
meio físico e social. Inerente ao papel da pedagoga
38
, deveria estar a preocupação com tais
aspectos e, nesse caso, deveria impulsionar as profissionais da instituição a encontrar
soluções, como requerer à secretaria municipal de educação o término da construção do
espaço físico visto, que há um projeto inacabado há 13 anos.
FOTO 02: Forma de utilização do espaço do refeitório (21-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
O espaço físico representa um importante elemento na organização e desenvolvimento
de qualquer atividade na instituição, dentre eles, a forma como os corpos ocupam tal espaço e
se movimentam nele. Notório se fez o quanto tal questão afeta diretamente a forma como as
38
Entendemos que a forma de utilização do espaço está intimamente relacionada à concepção de
desenvolvimento que as profissionais possuem. A pedagoga ainda que em diversos momentos tenha utilizado em
nossa entrevista o termo interacionismo para apresentar suas explicações sobre o trabalho desenvolvido na
instituição, no dia-a-dia registramos limitações quanto à organização espacial que viabilizasse de forma mais
intensa a interação da criança com e nos diversos locos da escola.
76
profissionais organizam as atividades dentro e fora da sala de atividades por nós observadas.
As crianças, nesse ambiente físico rigidamente organizado, ficam expostas a situações de
estresse, corpos rígidos, o que prejudica suas funções motoras, sensoriais e afeta o próprio
processo de interação entre as crianças, as quais devem permanecer sentadas ao longo de
quase todas as atividades.
Essa questão se faz importante a ponto de ser uma variável constante nas discussões da
educação infantil. Como destaca Oliveira (2005, p. 192), “cada vez mais o ambiente físico e
os arranjos espaciais existentes nas creches e pré-escolas têm sido apontados como setores
que requerem especial atenção e planejamento”.
É questionável o fato de a instituição, ora em análise, ter sido projetada para ser uma
instituição de educação infantil e, muitas especificidades da criança pequena, já discutidas no
momento de sua criação, não terem sido consideradas. Outro fato é que, desde 1998, o RCN
já aponta em suas discussões a importância do movimento para a criança, o que,
conseqüentemente, requer espaços apropriados. Pelo visto, existe um fosso entre o que se
cobra dos profissionais e as condições materiais disponibilizadas.
No projeto arquitetônico assim executado (ANEXO IV), o berçário está situado no
final de um corredor estreito, o que dificulta a passagem dos carrinhos dos bebês, que, muitas
vezes, se chocam contra os cantos da porta da entrada do berçário. Outras vezes, os carrinhos
obstruem a passagem no corredor, o qual dá também acesso ao único banheiro das crianças,
que está localizado em frente ao berçário. As portas do berçário e do banheiro ficam frente a
frente - o que provoca uma série de transtornos (FOTO 03).
Além disso, a limitação física do espaço observado, com seus dois corredores
estreitos, dificulta também a entrada da cadeira de rodas das crianças com deficiência física,
já que a cadeira não entra. Tal situação obriga a professora levar a criança nos braços até esse
espaço e, ao deixar a cadeira na portas acaba obstruindo a entrada e saída do berçário e o uso
do banheiro por outras crianças, como observamos em algumas situações.
O fato de o único banheiro das crianças ficar de frente ao berçário, além dos
problemas citados, perturba o sono dos bebês, o que acontece freqüentemente,
desconsiderando que esses períodos de adormecimento estão relacionados às necessidades da
criança de “restauração ou de instauração biopsíquica” (WALLON, 1995, p.106-107). Muitas
vezes, o sono dos bebês é interrompido pelo barulho das crianças maiores, gerando conflito
entre crianças e professoras. Tanto os bebês como as outras crianças são prejudicadas, uma
vez que a agitação das crianças, principalmente nos momentos em que retornam do parque
77
após uma atividade livre, é reprimida de forma veemente pelas professoras, ou mesmo pelas
profissionais que orientam as crianças no momento de irem para o lanche.
FOTO 03: Corredor que conduz ao banheiro e ao berçário (12-04-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
O corpo das crianças, tanto ao retornar de uma atividade no pátio, quanto ao saírem da
sala depois de um longo tempo sentado, realizando atividades, anseia pela realização de
movimentos. No entanto isso não é considerado. As profissionais da instituição pesquisada
agem como se as crianças estivessem realizando algo impróprio, inadequado à sua natureza,
quando, na verdade, o pedido para que se mantenham acentuadamente quietas corporalmente
e em silêncio nos diversos momentos observados é que é impróprio, pois a criança é
movimento.
Como já evidenciamos, a escola tem um amplo espaço de área livre. Mas o acesso a
esse espaço, como ir para o parque, exige atravessar por um outro corredor situado atrás do
berçário, quando também se reprime a expressividade das crianças.
78
Em alguns episódios, observamos as profissionais responsáveis pelo berçário
chamando a atenção das professoras das turmas das crianças maiores, que, ao voltarem do
parque, faziam barulho nas proximidades do berçário. As professoras, por sua vez,
repassavam para as crianças as advertências, que vão aprendendo a conter seus corpos. A
criança encontra-se, pois, no final de uma cadeia hierárquica de advertência, que, em grande
parte, se refere ao comportamento corporal - exigindo-se dela uma adaptação às limitações do
espaço -, instituindo o que definimos como “silêncio corporal”. E, caso ocorram problemas,
sucedem-se os conflitos entre as crianças e as professoras.
É interessante perceber que esses episódios tão corriqueiros e simples, com o passar do
tempo, parece tornarem-se naturais para as profissionais que ali trabalham. Por serem tão
recorrentes, já não despertam atenção. No entanto, para nós, tais fatos se evidenciavam e
notamos o quanto dificultam a movimentação corporal da criança, bem como o seu processo
de desenvolvimento.
As crianças são reprimidas, pois o mover de seus corpos e suas manifestações vocais
atrapalham a rotina do berçário. Nas entrevistas, as professoras revelam a presença do
problema, como no episódio abaixo relatado pela professora de educação física:
teve um dia, falta de experiência, sei lá o que (...), eu saí com os meninos e os
meninos saíram conversando, e eles acordaram os bebês. Eu queria um buraco
para me esconder, porque eu nunca tinha ligado para essa coisa, que aquele
horário era o horário dos meninos do berçário estar dormindo e que a conversa
dos meninos ia atrapalhar. Sabe quando você não percebe isso, ai acordou os
meninos. Nossa senhora! Que vergonha! (nesse momento a professora se encolheu
na cadeira, parecia reviver de novo a experiência, fica com o rosto vermelho). (...).
Ela [professora do maternal] saiu lá de dentro do maternal e veio danar com os
meninos. Estavam comigo, né! Nossa eu fiquei super constrangida, porque era
uma coisa que eu nunca tinha parado para poder pensar, que aquele horário era
dos meninos estarem dormindo e que os meus poderiam acordar. E ai ela veio... e
como ela já é velha de casa, já conhece as coisa... ai ela danou com os meninos,
tanto é que ela nem me chamou atenção, nadinha comigo, mas foi tudo com os
meninos. Mas eu sei que aquilo era uma carapuça. (Entrevista com a professora de
Educação física, 27/10/2005).
Em tal circunstância, que, inicialmente, envolve o espaço físico, ressalta-se uma
questão mais profunda da relação entre esses profissionais, visto que, na situação, a professora
do berçário não considera nem mesmo a presença e a autonomia da professora de Educação
Física. Esse fato se refletirá diretamente nas crianças, tanto pela via da repressão da
professora do berçário ocorrida naquele momento, quanto da professora de Educação Física,
79
que fica tensa e assim intensifica ainda mais as cobranças quanto ao comportamento da
criança.
Outro fator que merece ser analisado refere-se ao mobiliário do espaço físico em
destaque. A mobília da sala de atividade não é coerente ergonometricamente à dimensão
corporal das crianças. As cadeiras são altas para elas, deixando algumas sem apoio do chão. O
espaço para o número de crianças é pequeno. A sala é organizada em filas, sendo que em duas
filas nas laterais da sala as crianças sentavam-se em duplas, e, no centro ficava uma fila a qual
se destinava às crianças que não mantinham um comportamento adequado, segundo a
avaliação da professora e, portanto, permaneciam individualmente (FOTOS 04 e 05). Para a
professora regente, essa organização permite-lhe garantir maior mobilidade pela sala.
FOTO 04: Organização das carteiras na sala de atividades (10-06-2006)
Fonte: Leonice M. Richter
80
FOTO 05: Organização das carteiras na sala de atividades (12-04-2006)
Fonte: Leonice M. Richter
No entanto as crianças percebem uma intencionalidade de castigo, a ponto de, quando
indicados para se sentarem na fila do centro, é comum dizerem “mas, eu estava quietinho!” A
professora atribui outros motivos na justificativa dessa organização, como, por exemplo,
ajudar de forma mais próxima
39
.
O berçário, a secretaria, o banheiro e a cozinha possuem laje de alvenaria, as três salas
de aula são cobertas com forro de madeira, e as janelas são instaladas no alto da parede, o que
gera uma limitação na circulação de ar, provocando calor que apenas o ventilador, instalado
em cada sala, não é capaz de amenizar. Até junho de 2005, o refeitório, coberto com telha de
amianto, não possuía nenhum tipo de forro, o que deixava o espaço escuro e com uma
aparência descuidada. Somente treze anos após a construção, o refeitório foi forrado, o que
proporcionou um ambiente mais claro e aconchegante.
Diante desses dados, buscamos saber com a direção da escola se os problemas
referentes ao espaço físico já haviam sido apresentados à Secretaria Municipal de Educação.
39
Ao dar explicações usando a lousa, a professora pouco se movimentava, o que fazia intensamente no momento
em que as crianças estavam desenvolvendo atividades. Durante o trabalho em sala de aula, raramente, a
professora se sentava.
81
Ficou evidente que a Diretora não tem percepção da gravidade das limitações espaciais
impostas à criança em desenvolvimento.
Tal fato torna-se contraditório, principalmente num momento em que “as pesquisas
são claras em demonstrar a importância da significação que a criança pequena empresta ao
ambiente físico, que pode lhe provocar medo ou curiosidade, irritabilidade ou calma,
atividade ou apatia” (OLIVEIRA, 2005, p.192). O que percebemos é que o projeto
arquitetônico, de alguma maneira, perdeu a conexão com o corpo humano (SENNET, 2003,
p.15). Destacamos, assim, a importância de um acompanhamento pedagógico na construção e
organização do espaço físico das instituições educacionais, em especial, de educação infantil,
tendo em vista que a
a educação infantil possui características muito particulares no que se refere
à organização dos espaços: precisa de espaços amplos, bem diversificados,
de fácil acesso e especializados (...). O espaço acaba tornando-se uma
condição básica para poder levar adiante muitos outros aspectos-chave
(ZABALZA, 1998, p.50).
Ainda em relação ao espaço físico, a área externa é estruturada em duas instâncias, o
quiosque e o parque. O quiosque é utilizado, geralmente, nas atividades de educação física e
pela PCC. O parque (FOTO 06) ocupa parte considerável do espaço, e nele se encontram
brinquedos fixos (escorregador, balanço, tocos de madeira, traves de futebol) e móvel (gira-
gira). Alguns brinquedos estão danificados, o que não limita o interesse das crianças, pois a
imaginação e a flexibilidade de usar e transformar o mundo é muito aguçada na criança. As
crianças reinventam as possibilidades de utilização dos brinquedos quebrados. Elas
transformam o cenário com imaginação e muita criatividade, ora em um campo, ora em
casinha, ora em passarela...
Para ilustrar este fato, observamos a utilização de uma elevação de terra, denominado
pelas crianças de “morrinho”, e o uso de uma pequena árvore. No “morrinho” (FOTO 07 e
08), as crianças, em momentos livres, rolavam, subiam e desciam correndo, escorregavam,
gerando desafio ao corpo, variadas sensações corporais. Muitas vezes, permaneciam por um
longo tempo inventando situações naquele morrinho e mesmo se esquecendo de outros
brinquedos. Na árvore, observamos a exploração criativa da criança em movimentos corporais
que lhes oferecem muitas experiências (FOTO 09).
82
FOTO 06: Área externa – Parque (12-04-2006)
Fonte: Leonice M. Richter
Sabemos da importância de áreas livres onde a criança possa explorar corporalmente a
própria instabilidade natural do espaço. O viver em cidades impõe a convivência com espaços
amplamente cimentados, o que nos leva a pensar na necessidade de um espaço escolar que
possibilite a experiência infantil em contato com a terra, árvores, grama... Atualmente, o
espaço de algumas instituições de educação infantil tem limitado cada vez mais os não
cimentados. Encontramos escola, como a observada por nós, na pesquisa de Iniciação
Científica (2002), em que toda a área externa era toda coberta por concreto. Falamos sobre a
importância do respeito à natureza e oferecemos experiências em uma selva de pedras para a
criança. A exploração de ambientes naturais possibilita experiências significativas na relação
da criança com a natureza.
83
FOTO 07: Crianças exploram um “morrinho” de terra (28-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
FOTO 08: Crianças exploram um “morrinho” de terra (28-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
84
FOTO 09: Criança explora o ambiente natural do parque (07-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
Um ambiente em que a criança tenha liberdade para explorar diferentes movimentos,
sensações corporais, interações com seus pares em situações imprevistas, aprender um novo
salto, promove condições mais favoráveis de aprendizagem. Como ressalta Faria (2003), o
espaço físico não se resume à sua metragem,
grande ou pequeno, o espaço físico de qualquer tipo de centro de educação
infantil precisa tornar-se um ambiente, isto é, ambientar as crianças e os
adultos: variando em pequenos e grandes grupos de crianças, misturando as
idades, estendendo-se à rua, ao bairro e à cidade, melhorando as condições
de vida de todos os envolvidos (...) e que permitam emergir as múltiplas
dimensões humanas, as diversas formas de expressão, o imprevisto, os
saberes espontâneos infantis (FARIA, 2003, p.70).
Junto ao parquinho, a instituição dispõe de uma considerável área livre, gramada, que
possibilita o movimento livre, sem, no entanto, ser utilizado satisfatoriamente. Esse espaço
tão adorado pelas crianças é, não raro, negado a elas, a ponto de ser alvo de castigo ou
premiação. As crianças acabam aprendendo que um bom comportamento é premiado com o
parque, e o mau comportamento simboliza a sua proibição, como notamos nas falas da PCC
citadas abaixo:
85
PCC: Vai ter [parque], mas depende de como vocês se comportarem.
PCC: Esse negócio do parque funciona bem!
PCC: Matheus você foi um dos que ficaram sem brincar na semana passada e vai
ficar de novo. (Registro em diário de campo, 05/04/2005)
Percebemos que há uma relação de hierarquia inversa da importância atribuída ao
espaço na instituição de Educação Infantil, entre as crianças e os profissionais. As crianças
veneram o parque e os profissionais o assumem como passa-tempo, valorizando,
essencialmente, a sala de aula, o que indica uma concepção de educação infantil voltada,
notadamente, para a alfabetização. Nas falas das professoras, o parque aparece como
recompensa diante do comportamento e do bom desenvolvimento das atividades em sala. A
fala da PCC evidencia a importância dada à tarefa: “Todo dia da minha aula eu levo vocês ao
parque, mas tem que fazer a tarefa direito” (Registrado em diário de campo em 12/04/2005).
Já para as crianças, a expectativa é de vivenciar outras experiências que o espaço possibilita:
Ah.! eu vou andar, vou correr, vou pular, brincar” (Registrado em diário de campo em
12/04/2005).
No episódio abaixo, essa relação de interesse também fica bem evidente:
Criança: Tia e agora? (pergunta a criança após terminar a atividades)
PCC: Depois que limpar a sala nós vamos para o parque.
Criança: Nós vamos ao parque - diz a criança para os colegas (rapidamente, todas
se mobilizam e começam a ajuntar os papéis e organizar a sala, ficam eufóricos e
trabalham em conjunto)
PCC: Não precisa ajuntar os papéis, porque a gente vai varrer tudo. (Registrado
em diário de campo em 05/04/2005).
As possibilidades de trabalho no parque são pouco exploradas pelas profissionais da
instituição, limitando a liberdade de movimentos corporais das crianças. Ao longo do
semestre observado, o espaço livre da escola foi utilizado somente nas terças-feiras pela PCC.
O corpo e seu movimento são negados diante das limitações do espaço da instituição.
Mas há um elemento que envolve mais que a construção física. Há uma construção das
pessoas que ocupam esse espaço, visões, concepções que, de certa forma, são mais rígidas e
fixas que a construção de alvenaria do prédio. A criança pequena vive um momento em que a
exploração no espaço físico é fundamental, pois ela está sujeita a uma dupla história, a “de
suas disposições internas e a das situações exteriores que encontra ao longo de sua existência”
(GALVÃO, 2003, p.29).
86
Entendemos que o espaço é histórico, a sua utilização é histórica. E a forma de utilizar,
de (re) construir esse espaço envolve conflitos, interesses, valores, relação de poder. A criança
também é sujeito dessa construção, pois encontra meios para modificá-lo, organizá-lo de
forma a atender às suas necessidades, buscando transformar a função da utilização dos
espaços, seja brincando nos corredores, seja empurrando a carteira de forma a aproximar-se
de um colega, seja ocupando áreas definidas como proibidas ou ir para o parque quando era
hora de ficar no quiosque. Tais fatos indicam que a criança também é ativa nessa produção do
ambiente, o que pode ser observado nas fotos abaixo (FOTOS 10, 11 e 12), em que as
crianças criam e recriam estruturas imaginárias e, assim, experenciando constroem sua
aprendizagem. Nas fotos indicadas, a mesma estrutura é imaginada por uma criança como um
túnel por onde ela passa, para outra um túnel por onde passa com seu carro, enquanto outras
crianças iniciam movimentos de equilíbrio e outras se imaginam em seus cavalinhos. Para
uma das crianças, esses brinquedos se transformam em um trampolim, a criança experimenta
a busca do equilíbrio, usa os braços como auxílio nessa busca (FOTO 13) e, ao encontrar o
equilíbrio, experimenta o salto que o conduz a infinitos conhecimentos, dentre eles, sensações
corporais, gravidade e a possibilidade do seu próprio corpo. Buscamos apontar a criança na
condição de sujeito que forma e transforma o espaço que ocupa. O movimento corporal é,
pois, fonte da exploração e aprendizagem da criança nesse processo de apreensão da realidade
que a circunda. Nesta situação e em muitas outras observadas, em que os movimentos estão
vinculados a objetos, percebemos que “o objeto não é o que é e sim o que significa”
(DANTAS, 1992, p.93).
Em diversos momentos em que as crianças estavam livremente explorando o espaço
observamos criatividade e autonomia na ocupação desse meio físico. No entanto, muitas
vezes, a orientação dos profissionais indicava restrições ao invés de instigarem esse trabalho
criativo de exploração do meio.
87
FOTO 10: Diferentes formas de brincar com um objeto (14-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
FOTO 11: Diferentes formas de brincar com um objeto (14-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
88
FOTO 12: Movimento na exploração dos brinquedos do parque (14-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
FOTO 13: Movimento na exploração dos brinquedos do parque (14-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
A observação da forma de organização desse espaço leva-nos a concluir, juntamente
com as entrevistas, que o movimento da criança, além de não ser estimulado, é limitado pela
estrutura do espaço e por seu planejamento quanto à sua utilização. Como define Oliveira
89
(2005, p.194), “todo ambiente, sem exceção, é um espaço organizado segundo certa
concepção educacional, que espera determinados resultados”. No caso observado, verificamos
que tanto a construção física do espaço quanto a sua utilização estão orientadas por uma
concepção de pré-escola como um espaço de preparação para o ensino fundamental, em que a
escola opta por favorecer a apropriação da linguagem escrita e acaba por limitar a
possibilidade da exploração das demais linguagens que a criança pode utilizar como forma de
comunicação com seu meio, dentre elas, a corporal. Assim, como Stokoe e Harf (1987),
salientamos que a
importância que damos à expressão está baseada na seguinte idéia: quanto
mais meios de expressão o ser humano puder desenvolver, tanto maior será a
sua riqueza existencial. O indivíduo que só pode expressar sua vida interior
através de uma única via (seja esta escreve, pintar, falar, etc.), não realiza
todas as suas potencialidades. Não queremos dizer com isso que o corpo seja
o meio mais importante de expressão, mas sim que é uma via a mais, que
tem a vantagem de ser a única via utilizada pelo homem desde que ele nasce
(STOKOE E HARF, 1987, p.20).
O ambiente da educação infantil deve possibilitar a expressão corporal, o movimento
da criança, por isso, o profissional da educação deve estar atento à estrutura física, que exerce
influência direta na questão do movimento, pois o movimento supõe a existência de espaço.
1.2 Rotina e o Movimento Corporal da Criança
No contexto da educação infantil utilizamos o termo “rotina” para designar a
organização do tempo. A discussão acadêmica em torno desta questão se faz mediante a
concepção de que a criança, sujeito histórico e social, a qual se constitui pelas interações
sociais, deve ser considerada em suas especificidades. Como ser de natureza singular, não
deve ser exposta ao cumprimento de horários e programações rigidamente cristalizados,
tornando-se cansativa, desmotivadora, cerceadora.
Segundo Freire (1998), a compreensão da rotina para a educação infantil envolve a
expressão do pulsar do coração (com diferentes batidas rítmicas) vivo do grupo, e, dessa
forma, torna-se uma seqüência de atividades, mas que se desenvolvem em um ritmo que é
próprio para cada grupo. A autora ressalta a importância do ritmo como partícipe da rotina da
criança, nesse caminho, podemos encontrar espaço de autonomia e liberdade diante dos
ditames do relógio, o respeito ao pulsar do grupo, do corpo das crianças.
A rotina garante tanto para o professor como para as crianças a organização e a
localização das ações e atividades desenvolvidas no tempo e no espaço. Ela deve, ao mesmo
90
tempo, “oferecer referência, segurança e organização sem se contrapor ao pulsar, ao
movimento e ao prazer” (SERRÃO, 2003, p.28).
Nas nossas observações, a rotina manteve-se rígida ao longo de todo o período
observado. Entre os dias da semana, apenas na terça-feira havia atividades diferenciadas, mas
diferenciadas apenas dos outros dias da semana, pois, entre as terças-feiras, pouca variação
ocorria, conforme especificado no quadro abaixo:
Professora Rotina geral dos dias da semana
Professora regente Segunda;
Quarta;
Quinta e
Sexta-feira.
7:00 às 7:15 (Horário de Entrada)
7:00 às 9:00 Atividades de sala;
9:00 às 9:15 Lanche
9:15 às 11:10 Atividades de sala;
11:10 Começa a liberar as crianças
Professora de Educação
Física;
Professora
Complementadora de Carga
horária.
Terça-feira.
7:00 às 7:15 (Horário de Entrada)
7:00 às 7:50 Educação Física;
7:50 às 8:40 Aula com PCC
8:40 às 8:55 Lanche
8:55 às 10:35 Aula com PCC
10:35 às 11:25 Educação Física.
1.2.1 O dia-a-dia na sala de aula com a professora regente
Com exceção da terça-feira, a turma pesquisada possuía aula somente com a
professora regente, permanecendo, basicamente, envolvidos em atividade que ocorriam dentro
da sala de aula. As crianças permanecem na escola um total de 4 horas e 15 minutos, deste
tempo, a rotina exige que elas fiquem sentadas por cerca de três horas e quarenta minutos,
isso sem considerar o momento do lanche no qual também se mantêm sentadas.
Na chegada à instituição, as crianças ficavam em frente à escola com seus pais ou
adulto responsável até dar o horário da entrada (7h às 7h:15). Ao abrir o portão, geralmente,
uma professora do maternal e a diretora ou pedagoga recebiam as crianças, auxiliando as do
maternal. As crianças do pré direcionavam-se diretamente para a sala de atividade e
acomodavam-se em seus lugares, que com a chegada da professora eram, habitualmente,
redirecionados. Como já mencionado anteriormente, alguns lugares eram definidos pela
91
professora motivados pelo comportamento corporal da criança, ou seja, os que se
movimentavam mais ativamente eram postos em lugares que facilitassem o seu controle.
No início do ano letivo, a professora da turma observada normalizou que as mochilas
deveriam ser guardadas no fundo da sala (FOTO 14). A criança que não cumpria a norma
estabelecida era advertida, e a professora, quase todos os dias, alertava para não se
esquecerem de guardar as mochilas, o que, em alguns momentos, confundia as crianças diante
de outras normatizações.
Professora Regente: Tem uma coisa que vocês esqueceram de novo” (as crianças
nesse momento começam a trocar de lugar)
Professora Regente: Gente eu não estou mandando trocar de lugar, é para colocar
a pasta lá atrás;
Professora Regente: Mas que coisa, essas cabecinhas estão muito fracas, vocês
não prestam atenção;
Professora Regente: Agora eu não vou mais falar, vou chegar e falar: __ ‘Vinícius
você está esquecendo de alguma coisa’” Ela se aproxima da criança
exemplificando como vai fazer, está com uma expressão de reprovação no rosto,
na verdade, essa expressão e o tom da voz avisam mais do que as palavras
proferidas por ela nesse momento. (Registrado em diário de campo, 10/06/2005)
FOTO 14: Forma de organização dos materiais (17-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
92
Na maioria dos dias observados, a professora iniciava suas atividades cantando três ou
quatro músicas de um mesmo repertório, geralmente, selecionadas por ela
40
. No momento da
música, as crianças permaneciam sentadas, mesmo nas músicas em que faziam gestos e que
por isso seria mais apropriado serem cantadas movimentando-se. Durante o período de
observação, uma única música foi trabalhada com as crianças em pé, movimentando-se,
possibilitando a expressão do corpo todo, pois era impossível realizá-la sentados, visto que os
gestos eram realizados em dupla, mas, mesmo assim, havia recomendações quanto à
organização do movimento.
Professora Regente: Pode levantar, mas fica pertinho da sua mesa, pode até ficar
atrás da cadeira” (Música: Pegue o seu par e vamos começar, a palma da minha
mão com a palma da sua mão, que bom que bom que bom elas se encontraram...);
Alexandre: Mais uma, a da barata;
Professora Regente: Só que a da barata pode cantar sentados (as crianças se
sentaram e cantaram a música). (Registrado em diário de campo, 13/06/2005)
A rotina instituída pela professora incluía outros momentos de trabalho com músicas,
no entanto o objeto desses momentos não era explorar a linguagem musical, mas, sim, a
alfabetização. Como observamos no episódio abaixo:
Professora: Tem que cantar, porque cantando a gente aprende o alfabeto. Levanta
as mãos quem quer aprender as letrinhas. (Algumas crianças não levantaram as
mãos, estavam desanimadas e não se sentiam motivadas pela música).
Professora: Vamos gente força nesses bracinhos. (Uma criança permanece com os
braços abaixados);
Professora: Leandro você não quer aprender as letrinhas?
Leandro: Não, por que eu já sei;
Professora Regente: E você não quer aprender mais;
Leandro: Quero. (Registrado em diário de campo, 09/05/2005).
Nesse episódio o gesto da criança revela que a atividade (música do alfabeto), assim
como outras observadas não despertam interesse nas crianças, as quais acabam, diante da
exigência da professora, realizando-as de forma mecanizada. É justamente nessa questão que
o corpo pode ser um forte aliado da professora ao revelar como está a receptividade das
crianças ao que lhe é proposto. Na situação discutida acima, ainda que a criança responda
oralmente “quero”, seu corpo literalmente fala “não quero”. A “expressão do corpo é incapaz
40
Músicas que compõe repertório geralmente utilizado: “A barata”; “O Pintor”; “Pegue o seu par”;
93
de mentir. Podemos ler a verdade se soubermos ler a linguagem expressiva do movimento da
face ou do modo de andar de cada homem” (REICH, 1999, p.26).
Dessa forma, a linguagem corporal deve ser vista e considerada como um meio para a
professora perceber como as crianças estão caminhando em relação ao conhecimento
trabalhado. Olhar o que o corpo comunica envolve redimensionar as atividades, planejá-las,
pois, por essa linguagem, a criança realmente revela o que é importante para si. Assim,
podemos utilizar as informações passadas pelo corpo das crianças em nossa avaliação diária,
verificando, no desenvolvimento do trabalho, se conseguimos ou não alcançar nossos
propósitos. A linguagem corporal pode ser uma aliada do professor para organizar a rotina de
acordo com as necessidades do grupo.
Depois de cantar diuturnamente, a professora trabalhava com o calendário. Havia uma
folha afixada no caderno contendo a estrutura do calendário, que todos os dias as crianças
eram orientados pela professora a completar.
Após o trabalho do calendário, a professora, normalmente, propunha atividades
voltadas para a escrita. A ênfase dada centrava-se na leitura e na escrita, deixando em segundo
plano as atividades voltadas para a matemática ou outros saberes. Após as explicações usando
a lousa, distribuía as atividades mimeografadas e afixadas, por ela, no caderno das crianças.
Esse momento ocupava o tempo entre 7:30 às 9:00, quando se exigia uma atenção focada,
nesse caso, nas atividades mimeografadas.
Geralmente, nesse momento da rotina, a turma encontrava-se organizada de forma
semelhante à estrutura das fotos 15 e 16. Diante das características das atividades propostas
(folhas e atenção focada), o movimento corporal não se constituía em elemento inerente a esse
quadro.
Questionada, na entrevista, sobre a rotina da instituição, a professora salientou a
dificuldade enfrentada na realização de atividades diferenciadas na turma, o que,
provavelmente, implicaria uma movimentação mais presente e, com isso, o medo da perda do
controle da turma e, conseqüentemente, da avaliação dos outros profissionais da instituição.
Atividades que exigem comportamentos mais contidos são mais fáceis para manter a
organização.
Professora: (...) você está ali com vinte e oito crianças na sua mão, que por algum
momento a gente não tem o domínio da sala inteira e que (...) a qualquer momento
o pessoal entra na sala. Então, a gente fica meio ansioso, meio apreensivo mesmo.
(Entrevista com a professora regente, 14/112005)
94
FOTO 15: Atividades que requerem atenção focada (escrita) (27-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
FOTO 16: Atividades que requerem atenção focada (escrita) (12-04-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
95
Ao longo das observações, constatamos dois dias nos quais a professora organizou o
trabalho com jogos. No primeiro dia, as crianças ficaram eufóricas diante da mudança da
cristalizada rotina com a qual conviviam, isso provocou movimentação além da esperada pela
professora, o que a levou, no final desse dia, a manifestar a sua insatisfação com o grupo,
destacando que não seria mais possível esse tipo de trabalho. A movimentação e a euforia
eram naturais, principalmente por haver possibilidade de maior manifestação da criança nessa
forma de atividade, por ser algo novo, diferente, ou mesmo pela dúvida de algumas crianças
de como funcionava essa atividade, visto que era a primeira vez que estava ocorrendo. Ainda
que a professora prometesse que não aconteceria mais esse tipo de atividade com jogos, em
outro dia, ela propôs essa atividade e a participação foi intensa e promissora. Vale ressaltar
que, nesse dia, as manifestações corporais das crianças (FOTOS 17 e 18) eram visíveis no
olhar, no movimentar dos objetos, no envolvimento, trabalho coletivo e participação das
crianças.
FOTO 17: Atividades diferenciadas na rotina da turma pesquisada 20-06-2005
Fonte: Leonice M. Richter
96
FOTO 18: Atividades diferenciadas na rotina da turma pesquisada (20-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
Evidencia-se, na instituição, uma preocupação excessiva com relação ao controle a
ponto de excluírem a prática do recreio do universo vocabular daquelas crianças. Depois de
quase duas horas de atividades sedentárias em sala, às 9:00 as crianças, em fila, são
acompanhadas, habitualmente, pela professora eventual, ao banheiro para lavar as mãos,
conduzidas, em seguida, para o refeitório (FOTO 19 e 20), onde se acomodam à mesa, fazem
oração, recebem o lanche, lancham, bebem água, retornando, em seguida, para a sala de aula
em fila (mesmo sendo a distância muito pequena), para, então, reiniciar uma nova etapa de
atividades e ali permanecem até o momento de saída. A duração do lanche é, portanto, de 15 a
20 minutos. É comum, nesse momento, a repreensão das crianças por parte dos funcionários,
com expressões como:
Vamos gente, fica aí conversando, logo o tempo de vocês acaba, eu já vou
buscar a outra turma;
Olha lá o relógio não pára; (Fala às crianças que estavam conversando na hora
do lanche)
Agora não é hora de brincar é hora de lanchar (Registro em diário de campo,
12/07/2005).
97
FOTO 19: Organização no momento do lanche (17-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
FOTO 20: Organização no momento do lanche (17-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
98
As crianças da instituição pesquisada não possuem recreio. Segundo o Dicionário
Novo Aurélio Brasileiro, a definição de recreio é “divertimento, prazer; coisa(s) que
recreia(m)” e recrear tem o sentido de causar prazer, alegria, divertir, jogar, brincar, o que está
muito envolvido com as características expansivas das crianças. Diante dessa definição, na
instituição pesquisada, as crianças contam apenas com o intervalo para lanchar, logo, não
podendo ser definido como recreio. A própria professora regente reconhece esse fato
Eu não concordo com a postura da escola. Eu acho que os profissionais que
cuidam do lanche são muito agressivos, porque é um momento..., a gente tem que
colocar as regras de que tem que estar mastigando com a boca fechada, essas
coisas (...) Mas eu acho que é um momento também de descontração, deles
estarem conversando com os coleguinhas, estar tendo a troca e isso não é
permitido. Então o momento todo eles são chamados a atenção para fazer silêncio
(...), até o lugar de sentar eles são criticados. Eu acho que poderia eles mesmos
estarem se servindo, estar fazendo a fila e se servindo. Eu tenho uma outra visão
para o funcionamento do período do lanche. E, não, é tudo entregue nas mãos.
Eles só podem na repetição, que eles se levantam e podem se servir, mas a
primeira, como se diz, a primeira rodada não, é tudo entregue nas mãos, eles têm
que estar todos sentados, em silêncio para começar. (Entrevista professora
regente, 14/11/2005)
Como volta o corpo dessas crianças para a sala de aula? Em que momento vão
descansar? Em que hora vão correr, pular, brincar, movimentar? Diante desse quadro, os
momentos de indisciplina, a própria agitação em sala, são frutos, em parte, da falta desse
tempo/espaço para recrear. Essa contenção interfere na participação e motivação das crianças
em sala de aula, o que gera muitos conflitos entre crianças e a professora, diante da tentativa
de movimentar-se da criança. Algumas conseqüências da falta do recreio são notadas e
compreendidas pela própria professora regente, que, na entrevista, destacou a afirmação
abaixo:
gera indisciplina, gera falta de concentração, porque eles não têm, desde das sete
horas que eles entram até as onze e quinze eles não têm um minuto só para eles.
Então várias vezes quando a gente vai iniciar um trabalho que eles não estão
concentrados, estão com vontade de conversar com os colegas, de brincar, eu
entendo que isso é a falta do horário livre, que eu acho muito importante, a criança
tem a necessidade de ter um período livre para ela se expressar, ter a troca
(Entrevista com a professora regente, 10/11/2005).
A falta desse momento livre leva essa professora a ser, em alguns momentos, maleável
com a agitação das crianças.
99
Eu entendo, até deixo eles mais a vontade às vezes, eles não têm lugar para fazer
isso, eu já avisei aqui na escola, mas... (Fala informal registrada em diário de
campo 26/06/2005).
É importante frisar que, na instituição, cada turma lancha em um horário, de forma que
não há interação entre turmas. Pelo menos ao longo de nossas observações, não presenciamos
momento algum de interação entre essas crianças, que se constituem em grupos totalmente
isolados, não havendo interação entre as diferentes faixas etárias, a não ser nas atividades
festivas. A instituição não possibilita o trabalho com as diversas formas de linguagem nem
permite estabelecer relações interpessoais com as crianças das diferentes turmas e faixas
etárias. Peca por cercear excessivamente o movimento das crianças, a ponto de, até mesmo no
momento de saída, a mensagem é de permanecer sentados, como aponta o episódio abaixo:
Professora Regente: Agora já está na hora de ir embora, eu vou recolher os
cadernos e é para ficar sentados.
Professora Regente: Eu acho que vocês não estão ouvindo o que estou falando, é
para guardar os lápis, mas não é para levantar. (Registrado em Diário de Campo,
27-05-2005)
É válido aqui registrar o fato de a rotina da instituição ter sido alterada
momentaneamente mediante o trabalho desta pesquisa. Após alguns dias de observação da
turma, a professora passou a ir cerca de 10 a 15 minutos para o parque antes da saída, fato
observado apenas com a turma em que estávamos realizando a pesquisa, mas o que ocorreu
por duas semanas. Nas demais salas não houve tal “privilégio”. Se a pesquisa tiver mobilizado
tal ação, consideramos como algo positivo. No entanto observamos que, no momento em que
a pesquisa tornou-se parte da rotina da instituição, essa atividade cessou.
Na entrevista com a pedagoga, indagamos sobre como o uso do parquinho aparecia na
rotina da instituição e tivemos o seguinte posicionamento:
No parque, o professor leva uma vez na semana, porque eles já vão duas vezes
com o professor de PCC, o professor de PCC, que trabalha vídeo, trabalha o
brincar e trabalha o parque, então acaba que eles vão duas ou três vezes, mais ou
menos, porque tem o horário de vídeo, tem outras atividades. (Entrevista com a
pedagoga, 01/11/2005)
De alguma forma, a pedagoga afirma existir uma rotina que não condiz com as
observações que realizamos com a turma. Diante dessa diferença entre o que observamos e a
fala da pedagoga, reelaboramos a questão, acrescentando o que havíamos observado quanto à
100
utilização do parquinho e parte da resposta dela. Diante das divergências, a pedagoga teceu
uma nova resposta.
O professor leva mais de uma vez por semana, ou às vezes até mais, então assim
depende muito da programação da semana de como o professor, eu falei três, não
são não, são duas, é uma o PCC e uma vez na semana o professor
41
leva, só que às
vezes o professor varia isso aí de acordo com o planejamento. (Entrevista com a
pedagoga, 01/11/2005).
A tentativa da pedagoga, em afirmar a maior utilização do parque, mostra que ela
estava cônscia de que o parque é importante no trabalho com a criança pequena e que deveria
estar mais presente na rotina delas. Mas, como destaca Machado (1991), ao se referir à
utilização do espaço na educação infantil, “a forma como está organizado, como se apresenta
e o uso que dele é feito indicam até que ponto as prioridades do ‘discurso’ se concretizam na
prática”.
Na entrevista com a professora regente, ressaltamos essa mesma questão sobre a
limitada exploração do parque em suas aulas e que havíamos registrado uma alteração da
rotina ao longo de uma semana específica. Ao confirmar esse fato, a professora apontou para
a limitação imposta pela pedagoga como justificativa para não levar as crianças ao porque,
apesar de reconhecer a necessidade das crianças terem momentos livres para se
movimentarem.
Explicita-se, com isso, a falta de autonomia da professora referente à ocupação do
espaço físico na instituição, a relação de poder que envolve a situação, pois parece-nos
prevalecer a posição da pedagoga. Nessa lógica, o trabalho organizado pela professora é
elaborado em função do interesse da pedagoga e não o oposto, quando, na verdade, o trabalho
da pedagoga deveria subsidiar as necessidades sentidas pela professora no trabalho com as
crianças.
Essa questão aponta para a falta de autonomia docente, visto que prevalece o
posicionamento da pedagoga. A professora, profissional responsável pelo trabalho com a
turma, permanece passível diante do olhar da pedagoga sobre a exploração do parque, do
recreio, entre outros elementos. Com este fato, compreendemos que as profissionais da
instituição percebem a necessidade de um trabalho que permita mais o movimento das
crianças, sendo o momento do parque importante para o desenvolvimento infantil. Notamos
41
No momento da entrevista chamou-nos a atenção o fato de a pedagoga se referir em gênero masculino, sendo
que o quadro de profissionais é totalmente feminino.
101
que o significado do discurso dessas profissionais não tem a mesma conotação atribuída pelos
estudiosos da infância. O discurso acerca do movimento da criança implica uma forma de
manter um comportamento mais contido em sala de aula (entre eles, o não movimento) e
assim atingir uma disciplina que viabilize o silêncio (dentre eles o corporal), elemento que ela
parece considerar necessário ao processo de alfabetização. A professora não via esse
momento como necessário para permitir a exploração do movimento autógeno ou ativo das
crianças. Entendemos tal posicionamento na fala abaixo:
Eu acho que a criança ela tem muita energia. Então quando a gente trabalha o
corporal com ela, a expressão corporal, é a gente que tem um resultado maior né
(...) Se eu explorar a expressão corporal dela, quando eu for por “n” atividades,
quando eu for trabalhar, eu vou falar na escrita, (...) ela vai ter uma maior
concentração. Então isso que leva uma maior facilidade, maior compreensão.
Então, a gente vê que é importante, só que no dia-a-dia da escola, isso passa
despercebido, ninguém dá valor, ninguém valoriza, ninguém preocupa em
trabalhar isso. (Entrevista com a professora regente, 10/11/2005)
Nessa discussão, a professora trouxe também em sua fala um pesar de que as crianças
ali só possuem deveres e não direitos, dentre esses direitos, ao longo de nossas observações,
podemos dizer que o movimento ativo é um dos mais privados, mas ela mesma, em sala de
aula, cerceia esse direito.
Professora Regente: Durante alguns dias, nós poderemos ir ao parque. Mas lembra
das palavrinhas mágicas que nós falamos, quem não respeitar vai ficar aqui na
sala, quem não faz tarefa, quando vejo o colega pedir para fazer xixi só deve pedir
se estiver com vontade. Na hora da fila, não precisa correr, machucar o colega, na
hora do lanche, principalmente. Acredito que todo mundo tem o direito de ir ao
parque, mas têm primeiro os deveres (Registrado em Diário de Campo 17-04-
2005)
A desejada disciplina poderia ser alcançada com a ameaça de uma possível punição,
que é sentida, geralmente, como privação da ação do corpo, seja ao privá-los de ir ao parque,
ou mandar aquele que não segue as regras ficar sentado. É o corpo/movimento que é alvo de
privação, visto que aí está um especial desejo entre as crianças.
1.2.2 A terça-feira chegou: atividades com a professora de Educação Física e PCC
A terça-feira era um dia muito aguardado pelas crianças da turma, pois ali estavam
concentradas as aulas da professora de Educação Física e Professora Complementadora de
Carga Horária (PCC). A terça-feira era o dia de planejamento da professora regente.
102
Esse dia iniciava-se com uma aula de educação física, que se estendia das 7 horas às 7
horas e 50 minutos, seguido de três horários
42
com a Professora Complementadora de Carga
horária (PCC), a qual começava suas atividades às 7 horas e 50 minutos, dava o intervalo
para o lanche (nesse dia da semana, ocorria das 8 horas e 40 minutos às 8 horas e 55 minutos)
e retomava suas atividades até às 10 horas e 40 minutos, seguida, novamente, pela professora
de Educação Física até às 11h:25.
Nas terças-feiras, as crianças tinham permissão para trazer brinquedos de casa e, ao
chegar à sala de aula, tiravam-nos da mochila, tanto para mostrar e atrair a atenção dos
colegas, como para iniciar brincadeiras, ainda que isso não fosse autorizado pela professora.
A professora de Educação Física, usualmente, esperava todas as crianças chegarem à sala (até
7h:15), para, então, iniciar a chamada. Nesse intervalo de tempo, caracterizado pela espera, a
professora não propunha, normalmente, atividade alguma, mas a movimentação das crianças
era repreendida por ela.
As atividades de educação física, durante o período observado, consistiram em ensaios
de coreografias para serem apresentadas para a comunidade nas datas comemorativas, como
dia do índio, festa junina, dia das mães... Tal fato se revelou em manifestações que
condicionavam as músicas trabalhadas com alguma apresentação comemorativa. Nos
períodos nos quais não havia atividades comemorativas previstas no calendário da instituição,
as aulas de educação física eram trabalhadas com a interpretação gestual de músicas definidas
pela professora. Além dessas propostas de atividades, observamos, também, algumas
brincadeiras, normalmente, realizadas no final da aula, conduzidas por essa professora como:
“água e terra”, “estátua”; “arremesso ao cesto”, “carrinho de picolé”, “coelho saiu da toca”,
“boliche” e a “dança da cadeira”.
É interessante salientar como a professora de Educação Física buscava planejar
atividades integradas com o trabalho desenvolvido pela professora regente, como ela mesma
destacou estava sempre buscando brincadeiras, músicas, jogos..., relacionados com o que as
crianças estavam trabalhando em sala de atividade com a professora regente. Por exemplo,
enquanto as crianças trabalhavam com o folclore, a professora de Educação Física explorava
as brincadeiras folclóricas.
42
Na terça-feira, há a particularidade da divisão do tempo por horários de cinqüenta minutos como forma de
organização entre as atividades da professora de Educação Física e a PCC, o que não ocorre nos demais dias da
semana, nos quais apenas a professora regente ministra as atividades.
103
As atividades de educação física eram desenvolvidas, algumas vezes, dentre da sala de
aula, outras no quiosque. Para a realização das atividades na sala, a professora afastava as
mesas e usava o espaço central (FOTOS 21 e 22), espaço este utilizado mesmo em dias
ensolarados, já que, para ela, a possibilidade do movimento era a mesma dentro ou fora da
sala.
Porque para mim eles estão tendo movimentação do mesmo jeito, porque eu
afasto todas as cadeiras, todas, todas mesmo, eu chego elas para lá, lá são vinte
oito, eu coloco quatorze carteiras encostadas de lado e de outro tudo encostado na
parede, fica um espaço enorme para eles (Entrevista com a Professora de
Educação Física, 27/10/2006).
FOTO 21: Atividade de Educação Física desenvolvida em sala (03-05-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
104
FOTO 22: Atividade de Educação Física desenvolvida em sala (28-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
A professora de Educação Física, como observamos, apresentava constante
irritabilidade diante da movimentação das crianças. Contraditoriamente, dentre as professoras
da turma, era ela que mais buscava um rigor quanto à limitação do movimento das crianças.
Essa dificuldade em permitir o movimento das crianças pode ser percebida na própria fala da
professora:
Eu tenho um sério problema (...) Deus encaminha a gente para as coisas certinho,
se eu desse aula, se eu fosso professora regente, eu teria dó dos meus alunos,
porque eles não iam poder nem piscar. (...) Eles [crianças] iam ficar só olhando
para frente, só para mim. Só para mim e para o quadro. (...) Eu descobri isso
dando aula de educação física, eu sou muito autoritária. Eu descobri isso depois
que eu estou dando aula para os meninos. E a professora lá no curso de educação
psicomotora ela fala assim: __ “uma aula de educação física não tem jeito de não
fazer barulho, não tem jeito de não ter alguma algazarra”. E, eu, tem hora que eu
quero por limite para os meus alunos. (Entrevista com a professora de Educação
Física, 27/10/2005).
A aula de educação física, pela sua própria dinâmica de atividades que envolvem
diretamente o corpo, gera excitação e agitação das crianças. Como compreender essa
dificuldade de conviver com o movimento das crianças? Observamos que, na realidade,
105
mesmo na atividade de educação física, o movimento constantemente é associado à
indisciplina, e por isso é cerceado, normalmente, de forma autoritária, como a própria
professora afirma - eu sou muito autoritária. Segundo Reich (1975, p.25), “é mais fácil exigir
disciplina e impô-la autoritariamente do que ensinar as crianças a sentirem prazer no trabalho
independente”.
Na verdade, a agitação das crianças nas aulas de educação física era compreensível,
pois, como as crianças quase não desfrutavam de atividades que trabalhassem o movimento
ao longo da semana, que permitissem a exploração de áreas mais livres, no momento dessa
aula, elas ficavam totalmente eufóricas, pois entravam em contato com diferentes estímulos
que a área externa oferecia, como os raios de sol, o vento, espaço amplo e livre, a
possibilidade de movimentos livres. Elas pareciam, muitas vezes, “explodir” em movimento,
o que, certamente, acabava por dificultar o próprio trabalho dessa professora e gerar muito
atrito da professora com as crianças. É quase impossível para a criança que convive com essa
rotina ao longo da semana conter esse movimento e sensações
43
corporais, ao se encontrar na
aula de educação física.
Na terça-feira, como destacamos anteriormente, a rotina do dia era composta também
pela PCC. Essa professora iniciava, normalmente, suas atividades com uma oração, que era
realizada por uma criança escolhida por ela.
Nessa aula, o trabalho era dividido em atividades dentro da sala e fora da sala. Dentro
da sala, o trabalho mais recorrente era preparar materiais para as datas comemorativas, como
bandeirinhas para festa junina, fazer colagem na semana do dia dos índios. Nos dias em que
essas datas comemorativas não se evidenciavam, as crianças faziam um desenho sobre a
história lida no dia pela professora, faziam trabalhos com pintura. Algumas vezes, as crianças
escolhiam um livro, folheavam-no e depois uma criança era selecionada a contar a história de
acordo com as ilustrações.
As atividades que aconteciam fora da sala, por sua vez, eram divididas entre o
momento de brincar com os brinquedos das crianças trazidos de casa e o parque livre.
Enquanto brincavam com os brinquedos, elas não podiam brincar nos brinquedos do parque,
deviam permanecer apenas no quiosque. Depois, elas deixavam os brinquedos guardados no
quiosque e eram liberadas para brincar no parque, mas já não podiam brincar com os
brinquedos de casa.
43
Consideramos aqui a definição de Lowen (1983, p.55) para sensação: “sensação constitui a percepção de
algum movimento ou evento corporal interno”.
106
Nessa lógica, a professora privava as crianças das escolhas mais simples, pois, mesmo
no espaço aberto da escola, fora da sala de aula, tudo era definido pela professora, não se
permitia a participação da criança nas decisões. Como desenvolver a autonomia, se não há
espaço para construção dessa autonomia. O episódio abaixo aponta para a rigidez da rotina,
mesmo quando essa professora organizava seu trabalho na área externa com as crianças.
Professora: Não é para brincar no parque;
Criança: Mas eu não tenho brinquedo;
Professora: Então vai sentar; (Passam alguns minutos e Paulo Lucas se levanta e
se pendura na trave de futebol)
Professora: Mas será possível. Se você ficar fazendo isso na hora do parque você
vai ficar sentado; (Registro em Diário de Campo, 28/06/2005)
O tempo de permanência fora da sala na terça feira, com a PCC, variava muito, pois,
estava condicionado ao andamento das outras atividades em sala. A média de permanência
nesse espaço era de, aproximadamente, 50 minutos a 1 hora. Desse tempo, eram destinados
cerca de 20 minutos para o momento dos brinquedos de casa no quiosque e o restante para o
parque, ou seja, cerca de 30 minutos. O movimento livre era muito desfrutado pelas crianças,
o espaço era amplamente explorado.
Na rotina da turma, o momento no qual o movimento corporal é mais viável de ser
explorado - parque - está condicionado ao tempo das outras atividades realizadas em sala.
Esses momentos mais livres de movimento ativo foram organizados junto às atividades da
PCC, função criada pela Secretaria Municipal de Educação
44
, com o objetivo de cobrir o
horário de módulo da professora regente, como a própria PCC concluiu:
... o Professor Complementador, é só para complementar a carga horária, só por
causa dos módulos, para cobrir, para acontecer os módulos. (Entrevista com a
PCC, 28/10/2005 - nossos grifos)
Ao perguntar a essa professora sobre o papel da PCC, qual seria o objetivo do seu
trabalho, ela destacou:
... A gente começou de uma forma depois foi adaptando, mudando, depois decidiu
por fazer só mesmo as partes de parque, brincadeira (...) Era para dá só
brincadeira, parque, esses coisas, uma história, (...) mais eu faço brincadeiras, os
meninos levam brinquedo, tem meia hora de brinquedo, meio hora de parque, de
44
Segundo a PCC a Secretaria Municipal de Educação não disponibilizou nem organizou um meio de tornar
explícito o que deveria orientar o trabalho desses professores, “surgiu assim, meio (...) sem muita explicação”
(Entrevista PCC, 28-02-2005).
107
música, essas coisas, mais mesmo com a expressão corporal. (Entrevista com a
PCC, 28/10/2005)
... Mas aquela aula de PCC fica meio difícil falar o que espera, porque não é uma
coisa assim... objetiva, que você tem que alcançar algum objetivo, a gente está
mais para os meninos extravasar, brincar, as brincadeiras (...) Não é uma coisa
assim, é uma coisa mais livre. (Entrevista PCC, 28/10/2005).
Sem muita definição sobre o que realmente deveria ser explorado por essa
profissional, foram selecionadas atividades cujo grau de importância atribuída a elas se
mostravam claramente secundarizados “— só mesmo as partes de parque...”. Para tanto, não
precisam, segundo a PCC, do acompanhamento da pedagoga no processo de planejamento. A
escola tem como interesse central a leitura e a escrita, por isso, atividades como desenho,
histórias, pintura, parque, brincar, movimentar... ficam espremidas e isoladas no horário da
PCC, ou seja, essa professora fica responsável por atividades, na visão das profissionais da
instituição, que não merecem a atenção e orientação cuidadosa. Diante da pergunta de como é
a orientação da pedagoga em relação à organização do trabalho desenvolvido por ela, a PCC
ressaltou
... Olha essa pergunta fica difícil, porque a gente sentou nas primeiras aulas,
depois para o PCC a gente não sentou mais, ela [pedagoga] deixou livre. Até outro
dia ela me falou: __ “é para deixar livre” (...). Para o PCC ela não me orienta.
(Entrevista PCC, 28/10/2005)
Dentre as atividades propostas pela PCC, o momento do movimento corporal estava
presente. Mesmo entre essas atividades, ele aparecia com um grau de valor ainda mais
reduzido, pois o tempo dessa atividade era definido, normalmente, de acordo com o término
das outras atividades organizadas por ela.
Entretanto foi no momento livre na área externa que observamos, ao longo dos meses
em que acompanhamos a rotina da turma, a riqueza e criatividade das crianças em relação à
exploração do seu corpo, movimentos que elas descobrem ser capazes de realizar. Ali, por
exemplo, criavam formas e movimentos diferentes de descer no escorregador, ou mesmo de
subir nele, pois era comum as crianças não subirem pela escada, mas sim, pela própria rampa
de escorregar, como vemos na foto 23 a seguir. A descoberta de diferentes movimentos ao
explorar os brinquedos leva a uma variedade de posições, ações e sensações corporais que
também são apreendidas. O que marca uma iniciativa, a busca das próprias crianças por
conhecer seu corpo e os movimentos que é capaz de realizar.
108
FOTO 23: Crianças subindo pela rampa do escorregador (07-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
O que marca de forma mais veemente a rotina da instituição pesquisada é a adaptação
das crianças a estruturas de comportamento corporal já cristalizadas em outros níveis de
ensino, ou seja, formata o corpo das crianças a ficarem horas sentadas e olhando para um foco
de atenção, ora a professora, ora a folha de atividade.
Portanto, o corpo e o movimento da criança não são trabalhados valorizando uma
concepção de desenvolvimento infantil global (cognitiva, afetiva, motora e social), mas sim
voltada para uma concepção de educação infantil propedêutica (pré-seis com o qual
trabalhamos), que visa à preparação para o ensino fundamental (corporal e psicológica),
realizando, essencialmente, uma rotina que privilegia o desenvolvimento cognitivo da criança
como se este pudesse ser separado dessas outras dimensões.
1.3 Organização do Trabalho Docente
A partir do exposto nesse trabalho, percebemos que a atuação do trabalho docente é,
cotidianamente, coerente com uma forma de conceber as crianças como sujeitos a serem
preparados para se adequarem ao ensino fundamental. Na verdade, é essa concepção que
109
norteia a organização da escola e também o planejamento das professoras. Isso tem-nos
revelado que não há um planejamento visando ás reais necessidades das crianças.
A Secretaria Municipal de Educação ao definir orientações para as instituições de
educação infantil, elaborou um documento – Diretrizes Curriculares de Educação Infantil –
norteador do trabalho nessas instituições. No entanto, pelo que observamos a instituição em
referência não se direciona por esse documento nem pelo Referencial Curricular Nacional
45
,
que, desde 1998, traz parâmetros de orientação para o trabalho da criança pequena pautados
em uma concepção de criança na condição de sujeito histórico/social, que apresenta diversas
linguagens a serem exploradas. Dentre elas, enfatiza a linguagem corporal, via movimento,
fato ocultado no documento do município de Uberlândia.
Indagada na entrevista sobre os referenciais norteadores da instituição, a pedagoga
apontou além do documento do município, outras diretrizes teóricas:
... a gente sempre esta lendo outros teóricos, por exemplo, a gente já leu
“Inteligência Emocional” do Daniel Goleman, que vem muito no sentido de auto-
ajuda no relacionamento pais e filhos. Porque é importante também a gente ter um
referencial para fazer um trabalho com os pais... Eu até acabei de ler um livro do
Içami Tiba que fala da relação professor aluno. Então, ele fala de um novo
paradigma que está surgindo dentro das escolas, que é a questão da teoria
relacional. Muito bom! Então, ele fala que a família está deixando de fazer o seu
papel, e a escola, por sua vez, ela não está preparada para cumprir o papel da
família, então, o professor está se deparando com um novo paradigma dentro da
escola. Então, ele precisa buscar ajuda, ele precisa se preparar para esse novo
paradigma. Saber como lidar com isso. Então, a gente tem lido esse: “Quem ama
educa”, também do Içami Tiba. Muito bom! Nós ainda não lemos, mas eu já li,
quero estar lendo com as meninas também. Então, além das teorias tem livros de
auto-ajuda, artigos em revistas que a gente está sempre lendo. (Entrevista com a
Pedagoga, 01-11-2005).
A base referencial das profissionais da instituição não está alicerçada na discussão
sobre a concepção da criança, sobre a compreensão de desenvolvimento infantil, que deveria
orientar o trabalho das profissionais. A falta de uma referência mais consistente explica a
prática observada por nós na escola, na qual se constata a falta de clareza do que é realmente
importante para o desenvolvimento da criança no espaço da educação infantil.
45
Apesar das críticas tecidas sobre este documento, ele constitui um avanço na história da educação infantil
brasileira.
110
Embora, na escola, se fale em desenvolvimento global da criança, como foi
apresentado para os pais em uma reunião, na prática, há muita dificuldade para a
concretização desta meta, pois parece que o central é sempre a escrita e a leitura. Ao
analisarmos esse discurso, percebemos que as profissionais da instituição na realidade viam o
desenvolvimento global envolvendo a lógica da maturação, assim, além de não se orientar em
um trabalho que valorizasse as diversas dimensões do indivíduo, usavam também essa fala
para desresponsabilizar a instituição na alfabetização de todas as crianças, pois aquela que não
aprendeu a ler e escrever, usa-se como justificava que não estava com maturidade para isso, e
a metodologia nunca era posta em discussão. Ao ser indagada sobre o significado de
desenvolvimento global, expressão muito utilizada pelos profissionais da instituição, a
professora teceu as seguintes considerações:
A escola coloca muito isso. (...) eu acredito que ela coloca como desenvolvimento
global, ela julga a maturidade, então assim se uma criança não conseguiu fazer,
não teve o desenvolvimento da leitura e da escrita, ela [pedagoga] leva para a
maturidade. (Entrevista coma Professora Regente, 14-11-2005)
Na organização do trabalho docente da professora regente, o trabalho envolvia,
basicamente, folhas mimeografadas, como já destacado anteriormente, buscando desenvolver
a alfabetização.
No momento da entrevista, a professora refletiu sobre as manifestações das crianças
(dentre elas, as corporais), que, geralmente no cotidiano da escola, passavam despercebidas,
reconhecia que as atividades propostas por ela não atendiam ás expectativas das crianças.
Sentia-se frustrada, como explicitou na fala abaixo, embora soubesse teoricamente o que era
importante no trabalho com a criança, mas, no cotidiano da instituição, não conseguia
incorporar isso em sua prática.
... eu tenho consciência de que se eu tivesse desenvolvido um outro trabalho,
numa outra... de uma outra forma... eu tenho consciência de que poderia ter
ajudado bem mais... e acaba que eu não fiz... eu sei que é importante, eu sei que
tem que fazer, mas por tudo, pela proposta da escola, pelos profissionais da escola
acaba que a gente vai, vai indo, em outra direção... (voz de lamentação)
(Entrevista com a Professora Regente, 14-11-2005).
A professora de Educação Física, no trabalho com as apresentações, desenvolvia um
trabalho cujo objetivo central focava-se em apresentações para a comunidade. Ao
observarmos as atividades de ensaio das apresentações, percebíamos a preocupação que
envolvia esse trabalho, pois envolvia a avaliação que as pessoas que compunham a platéia
111
(geralmente, familiares das crianças) teriam da instituição. Essa função de fazer a “política de
boa vizinhança” acabava ferindo as necessidades e interesses das crianças, visto que, assim,
não ocorriam atividades que realmente visassem ao desenvolvimento dela. Tomemos o
exemplo do episódio abaixo, em que a professora refere-se ao planejamento dos ensaios da
música “Escravos de Jó”, que seria apresentado pelas crianças à comunidade no dia festivo de
inauguração da pintura da escola. Diante da dificuldade das crianças nos ensaios da música, a
professora ficava mais frustrada. Quando a apresentação não acontecia da forma como foi
programada e ensaiada, decepciona-se. Diante disso, a professora não analisou as dificuldades
que as crianças tiveram ao realizar a apresentação, evidenciando que a finalidade daquela
atividade não era a aprendizagem e o desenvolvimento da criança e, sim, conseguir fazer uma
apresentação na qual a platéia avaliasse positivamente o trabalho da escola. Pelo visto, não se
cogitou sobre a possibilidade daqueles ensaios não terem sentido para as crianças e, por isso,
não haver sentido para elas se empenharem. A criança, realmente, não tem interesse por
aquilo que não é significativo para ela. Este princípio foi esquecido pela professora.
... quando foi agora no folclore, nós fizemos [apresentação] “Escravos de Jó”.
Como era para inaugurar a escola, aí convidou pessoas de fora. Aí eu sei que nós
tivemos que mudar tudinho como que joga a música, como faz o jogo dos
toquinhos...E eles sabiam o que eles tinham que fazer. Só que aquela coisa, assim,
que parece que está dormindo, que não acordou ainda... Então eles tinham noção
do que eles tinham que fazer, mas, por raciocínio lento, não sei te explicar o que é,
falta de interesse, eles não deram conta, nós tivemos que modificar tudinho por
causa disso (...) Eu enxergo a turma, eles são assim..., não é que eles não dão
conta, eles dão conta do que é proposto, mas eu acho que é falta de interesse, eu
não sei se é falta de interesse, amadurecimento da turma. Eu sei que igual eu te
falei do Escravo de Jó, que eu tive que mudar tudinho porque eles não davam
conta, na hora que passar aquele toquinho de um para o outro, juntava tudo, virou
a maior confusão, isso foi um mês de ensaio, um mês! (...) Não deu certo. Nós
tivemos que só passar o toco, normal, cantava a música, não fez zigue, zigue, zá,
não. Nossa! Eu fiquei contrariada de um tanto... (Entrevista com a professora de
Educação Física, 27/10/2005).
Outro caso que nos fez refletir sobre o real objetivo dos ensaios ocorridos na educação
física foi a dança de quadrilha para a festa junina. Durante as aulas em que ocorriam os
ensaios, penas as crianças cujas mães autorizaram e se comprometeram a trazer a criança para
o dia da quadrilha participaram dos ensaios. Aquelas que não tinham autorização ficavam
sentadas olhando as demais crianças em atividade. Evidenciava-se que tais atividades tinham
a função de preparação para a apresentação, sem um propósito planejado por ser um elemento
importante para o desenvolvimento infantil.
112
A instituição de educação infantil não pode ficar à mercê de organizar o seu trabalho
em torno do que os pais consideram bonito, não temos que mascarar, mostrar o que eles
querem ver, é necessário olhar para as crianças e perceber o que, realmente, é importante para
elas. A organização do trabalho docente da professora de Educação Física não olhava para as
necessidades corporais da criança, o que deveria ser o objetivo central das suas atividades.
Quanto à organização do trabalho da PCC, como já evidenciado, sem uma função bem
definida, atrelava suas atividades, usualmente, às datas comemorativas definidas no
calendário da escola.
Diante do exposto nesse primeiro eixo, que enfatiza a compreensão do movimento
corporal e a dinâmica institucional, podemos observar como o espaço, a rotina e a própria
organização do trabalho docente não estão preparados para acolher as manifestações e o
movimento corporal, e este nem mesmo se constitui em foco de atenção por parte das
profissionais.
Percebemos que o planejamento, tanto da professora de Educação Física quanto da
PCC, estava muito influenciado pelas datas comemorativas. Ao olharmos para o espaço físico,
a rotina e o planejamento, vemos que, desde cedo, as crianças vão aprendendo a maltratar o
corpo, diante de rotinas cansativas, da falta de atenção para as suas necessidades, falta de
espaços, de um planejamento que valorize as necessidades corporais, dentre elas, o
movimento.
Entretanto, percebemos que o próprio estado de saúde do professor interfere na forma
como este se relaciona com o movimento ativo da criança. Por exemplo, a professora regente,
por vezes, parava a aula, fechava os olhos, punha a mão no rosto, estava exaurida, esgotada,
estressada. Os seus problemas de saúde estavam cada vez mais visíveis (labirintite, voz sumia,
enxaqueca). O trabalho em dois períodos, a família, falta de tempo impõem muitos bloqueios,
pois uma situação de expansão das crianças parecia a invadir, então, buscava mantê-los em
seus lugares e em silêncio. Como no dia em uma criança se aproximou dela e, sem ouvir o
que a criança queria, mandou-a sentar-se e “explodiu” com a seguinte expressão: “sinto às
vezes que dou mais atenção para essas crianças do que para os meus filhos”. Essa professora
vivia um conflito, parecia criticar-se e indagar-se: “como pode participar de atividades
prazerosas, dar atenção as crianças, enquanto não consegue cuidar bem de seus filhos”.
Apresentamos essa questão por entendermos que as relações na escola são muito complexas,
não basta perceber que as professoras têm dificuldade de trabalhar com atividades que levem
a gerar o riso, o movimento..., temos que compreender o emaranhado de fios que forma a rede
do nosso cotidiano.
113
Compreendemos, portanto, que isso influía, assim como vários outros fatores,
diretamente, na forma como agia com o movimento das crianças, questões que, diante da
limitação deste trabalho, não podemos adentrar de forma mais completa.
EIXO 2: INTERAÇÃO PROFESSORAS/CRIANÇAS COM AS FORMAS DE
MOVIMENTO
Como já indicado no capítulo II deste trabalho, o referencial walloniano discute a
existência de três formas de movimento
46
: o Movimento Passivo ou Exógeno, o Movimento
Ativo ou Autógeno e o Deslocamento de Segmentos Corporais ou de Frações. À luz desta
teoria, conduzimos a análise do movimento das crianças observadas no dia-a-dia da
instituição, levando-se em consideração as reflexões tecidas no primeiro eixo de estudo deste
capítulo, que versa sobre a forma de organização e utilização do espaço nessa instituição, a
rotina que envolve a turma pesquisada e a forma de organização do trabalho das professoras,
ou seja, é dentro da lógica apontada no primeiro eixo em que se dá o movimento, que ele será,
neste segundo eixo, analisado.
2.1 Movimento Passivo ou Exógeno: Equilíbrio da Criança Diante no Mundo
Como movimento de equilíbrio, o movimento passivo ou exógeno está sob a
dependência de forças externas, principalmente a gravidade, e ocorre desde a vida intra-
uterina, possibilitando a adaptação da criança ao meio, ao mundo. São movimentos de
respostas, de compensação e de reajustamento do corpo.
46
Wallon ao realizar suas discussões sobre o movimento não as fez no âmbito escolar, mas esse autor contribuiu
muito para as reflexões sobre o movimento da criança pequena, seja no ambiente escolar ou fora dele, pois ele
atribuiu à função motora e à tonicidade um sentido humano. Embora Wallon tenha concentrado seus estudos
sobre o movimento, essencialmente, referindo-se aos três primeiros anos de vida, utilizamos suas reflexões e as
estendemos à análise desta pesquisa, que versa sobre crianças de 5 e 6 anos, por compreendermos que,
independente da idade, essas três formas de movimento compõe o sujeito, ou seja, o constitui (e também se
transforma) ao longo da sua vida. Entendemos que na faixa etária de 0 a 3 o processo de desenvolvimento da
criança em relação ao movimento (principalmente se tratando do movimento passivo ou exógeno e o movimento
ativo ou autógeno) é mais acentuado, mas consideramos que sempre estamos vivendo novas experiências,
ampliando nossas sensações e possibilidades corporais. Portanto, utilizamos as três formas de movimento
apontadas por Wallon, explorando a riqueza de suas discussões e procurando contribuir com o estudo do
movimento na criança pequena, nesse caso, de 5 a 6 anos.
114
Essa forma de movimento, na idade das crianças pesquisadas (cinco a seis anos), já se
encontra bem desenvolvida, ela que já passou da posição de deitada à posição de sentada,
desta à posição de joelhos e, finalmente, chegou à posição em pé. Nessa idade, como
observamos em muitos momentos, a criança busca realizar posições corporais mirabolantes,
brincando com o movimento de equilíbrio de seu corpo. Tais movimentos desenvolviam-se
principalmente no momento do parque (somente nas terças-feiras), com a utilização dos
brinquedos disponíveis nesse espaço, ou mesmo na exploração natural daquele meio.
Quanto à exploração do movimento exógeno direcionada pelas professoras, ao longo
das observações da turma, não percebemos atividades propostas que levassem a explorar esse
tipo de movimento, mas vale destacar que as crianças, no momento do parque, em que se
encontram mais livres, quando não havia atividades direcionadas pela professora, exploravam
muito essa forma de movimento, ou seja, movimentos que, ao serem realizados pela criança, a
levam à busca de reequilíbrio do corpo, de reajustar-se diante da dependência de forças
exteriores. Portanto, ainda que as professoras não direcionavam atividades específicas na
intenção de desenvolver esse tipo de movimento, as crianças o trabalhavam, como, por
exemplo, ao fazerem o percurso da trilha de toquinhos (FOTO 24), buscando equilíbrio,
utilizando o auxílio dos braços, observando, imitando, aprendendo com os colegas.
FOTO 24: Criança seguindo percurso de toquinhos (17-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
115
Para a instituição em referência, o momento do parque é visto como “passatempo”,
perdendo a percepção de que ele está cheio de vida, cheio de possibilidade de aprendizagem.
Pela limitação do horário de permanência no parque - trinta a quarenta minutos por semana - e
pela forma como as profissionais se referem a ele, é notório que no dia-a-dia não se dá muito
valor a esse momento da rotina.
Iniciar o percurso de toquinhos de madeira, buscar estratégias corporais de equilíbrio e
conseguir chegar ao final sem cair - existindo ou não platéia - aponta para uma construção da
criança que, nessa idade, de acordo com o referencial Walloniano, está no estágio do
personalismo. A criança está voltada para o enriquecimento do eu e a construção da
personalidade, em que cumprir o percurso significa, também, a conquista de autonomia e a
tomada de consciência de si. Passar sobre os toquinhos não é simplesmente algo mecânico,
pois firmar-se diante das forças externas, garantindo o equilíbrio corporal - movimento
exógeno - também dá autonomia na própria definição de onde e como explorar o espaço que
lhe é disponibilizado, instigando o processo de diferenciação eu-outro. Trabalhar essa
segurança é essencial em um momento intenso da construção da personalidade do indivíduo.
Ao buscarem o equilíbrio sobre o gira-gira (FOTO 25), ao descerem o morrinho de
terra, ao subir no escorregador pela rampa e não pela escada, formas de contato da criança
com um espaço onde a própria superfície não é apenas plana, são essenciais para o
desenvolvimento das varias dimensões do indivíduo, dentre elas, a psicomotora.
FOTO 25: Crianças se equilibrando no gira-gira (17-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
116
Ao longo das observações da rotina escolar, observamos que, geralmente, no parque,
as crianças, em algumas ocasiões, intensificavam a possibilidade do desequilíbrio do corpo
subindo em cima de objetos estreitos, imitando animais saltando, correndo pela superfície
desnivelada. Agindo dessa forma, elas trabalhavam com o movimento exógeno. Esses
desafios corporais, colocando a prova o movimento exógeno, levam-nas a muitos acidentes
comuns nessa idade, mas também a muito conhecimento. Na foto 25 observamos as crianças
no gira-gira numa diversidade de ações, participando da exploração do brinquedo.
Outro ponto que destacamos em nossas observações foi o envolvimento do brincar de
forma cômica com o próprio movimento exógeno. O ato de tropeçar
47
foi usado, muitas vezes,
pelas crianças propositadamente como forma de brincar com uma possível falta de equilíbrio
do corpo. Usar o corpo, dessa forma, é compreensível pelo próprio momento de
desenvolvimento do personalismo, caracterizado pela necessidade de chamar atenção, fazer
graça, ser admirada. Por isso, ao intensificar uma falta de habilidade do movimento, torna a
ação motivo de divertimento, como observamos na foto 26, em que uma criança vê nas duas
colegas a platéia, enquanto se movimenta como se tivesse perdido o equilíbrio corporal.
Fazendo assim, a criança também garante uma exploração do corpo e, possivelmente, maior
conhecimento dessa forma de movimento, já estruturada nessa fase de seu desenvolvimento.
Ao focarmos nosso olhar sobre o movimento corporal da criança, percebemos também
movimentos e gestos “exagerados”, tornando a situação cômica de forma proposital, situações
corriqueiras, como tropeçar, bater a cabeça, andar cambaleando como se estivesse tonto. Os
gestos exagerados estão muito relacionados à platéia, a criança faz graça, chama a atenção,
especialmente dos colegas, visto que as professoras não estavam abertas a essa forma de
manifestações. Segundo Wallon, como destacamos anteriormente (CAPÍTULO II), a crianças
na faixa etária entre 5 - 6 anos necessitam do olhar, da atenção, da admiração do outro, o que
é muito importante para a construção da sua subjetividade.
Apesar da proibição de determinadas ações das crianças na sala de aula, observamos
alguns episódios em que elas burlavam o comportamento requerido pelas professoras e,
quando estas percebiam, ocorriam repressões. No entanto, o quiosque e o parque foram o
meio em que essas situações se fizeram mais presentes. As crianças brincavam com a
expressão corporal, o que nos faz entender que isso fazia parte da sua aprendizagem.
47
Tropeçar: Dar com o pé involuntariamente; esbarrar; encontrar empecilho ou obstáculo inesperado.
117
FOTO 26: Imita o tropeçar (13-06-2006)
Fonte: Leonice M. Richter
No trabalho da professora regente, ao longo dos meses observados, não ocorreu a
organização de atividades a fim de mobilizar o envolvimento das crianças nesse tipo de
movimento. Somente nas terças-feiras, como apontado no primeiro eixo, ao discutirmos a
rotina da instituição, as crianças contavam com maior possibilidade para desenvolver essa e as
outras formas de movimento, mesmo que as professoras não indicassem ou organizassem
atividade para esse fim. Em relação à professora de Educação Física, observamos propostas
de atividade, como, por exemplo, atividade com o elástico, a brincadeira do carrinho de
picolé, que, ainda que não organizada com essa intenção, acabam por trabalhar com a
exploração de movimentos de busca do equilíbrio corporal pela criança.
Portanto, na turma de pré-seis, o movimento passivo ou exógeno das crianças esteve
presente em atividade e ocasiões, geralmente, provocas pelas próprias crianças na exploração
do espaço e objetos presentes na instituição. As professoras não identificam esse tipo de
movimento, e, conseqüentemente, não há a sua exploração intencional. O movimento quando
mencionado é concebido somente como deslocamento no espaço.
118
Como a própria professora regente destacou, ela não conseguia compreender ao certo
o tema da pesquisa da qual aceitou participar, pois não entendia o que poderia ser discutido
sobre o corpo, sobre o movimento, o que é compreensível, visto que, ao longo de sua
formação, tanto inicial quanto continuada, não partilhou de discussões sobre esse tema:
... até, quando você entrou na sala eu tive várias perguntas, porque eu achava
muito interessante, o movimento..., assim, ajudar no desenvolvimento da turma,
no desempenho do professor... . Até mesmo agora recente, eu fui fazer um
simpósio e eu fui para a oficina do movimento, mas é... eu saí de lá bem frustrada,
eles colocaram o movimento em cima de teatro. Sabe? Fizeram encenações com a
gente, brincadeira. Assim relacionando, eu não consegui fazer essa relação com a
prática do professor no dia-a-dia. (Entrevista Professora Regente, 14/11/2005)
Se olharmos realmente para a criança e não idealizarmos, hipoteticamente, o que é
importante para ela, perceberemos por que ela fica tão bem e participativa na exploração dos
espaço livre, que desafia o seu corpo a novos movimentos, pois o próprio processo de
desenvolvimento que ela está vivendo aponta para essa necessidade do corpo. Ao negarmos
isso nas instituições de educação infantil, estamos limitando o próprio processo de
desenvolvimento da criança.
Para ocorrer a valorização do movimento, esse profissional deve estar consciente do
significado do movimento para o desenvolvimento infantil, o que depende de uma formação
na qual se adentre de forma mais específica na compreensão do desenvolvimento infantil e o
professor consiga incorporar isso em sua prática. O movimento passivo ou exógeno marca a
forma de posicionamento da criança diante do meio físico, seu equilíbrio diante dos
obstáculos, algo que envolve seu tônus muscular, mas que também se relaciona com o
posicionamento e a postura diante da vida, envolvendo, assim, as próprias características
psicológicas do indivíduo.
2.2 Movimento Autógeno ou Ativo: Fonte de Atrito Entre Professoras e Crianças
O movimento autógeno ou ativo refere-se ao movimento de locomoção e preensão, é a
possibilidade de explorar os espaços e objetos do nosso meio. Ele viabiliza a autonomia para
explorar o mundo que nos cerca, para onde se deseja ir, o que desejamos manusear, conhecer.
Envolve, diretamente, a construção da autonomia do sujeito ao ser explorado.
Assim, foi principalmente essa forma de movimento ativo que observamos, ao longo
da pesquisa, constituir-se fonte principal de tensão nas interações entre as professoras e as
119
crianças. Mas com as professoras (Professora Regente, Educação Física e PCC) esse conflito
assumia particularidades.
O trabalho realizado pela professora regente era quase que exclusivamente no espaço
da sala de aula, com atividades que requeriam atenção concentrada e imobilidade, em que,
como já ressaltamos anteriormente, as crianças permaneciam mais de três horas sentadas
(FOTO 27).
FOTO 27: Extenso período de imobilidade exigido das crianças (13-05-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
De um lado, a professora controla o comportamento e de outro a criança, com muita
energia e disposição para se movimentar, sente-se impulsionada a burlar essa exigência da
professora, o que conseqüentemente engendra situações conflituosas. Segundo Pereira (1992),
esse desencontro de intenção gera desperdício de energia para ambas as partes e se caracteriza
como responsável pelo ambiente de mal-estar. Durante o período observado, eram constantes
as falas abaixo pronunciadas pela professora regente.
Eu não estou entendendo porque chegaram e estão em pé na sala;
Marcos e Caroline eu quero os dois sentados (Registrado em Diário de Campo,
04-04-2005)
Eu ando pela sala, vocês não, vocês sentam (Registrado em Diário de Campo,
06-04-2005)
120
As crianças já haviam incorporado a relação direta entre fazer atividade e a
imobilidade e a passividade corporal. Associavam fazer tarefa com a posição sentada, era algo
já “decorado”, embora nem sempre cumprido pelas crianças. Entretanto essa relação entre
atividade e esse comportamento de imobilidade era burlada pelas crianças, principalmente nas
aulas da PCC e da Professora de Educação Física, e, conseqüentemente, os atritos com essas
professoras, eram mais freqüentes. As crianças, por estarem mais acostumadas a ficar
sentadas com a professora regente e condicionadas ao espaço da sala de aula, acompanhadas
de constantes repreensões, cristalizavam a obediência esperada.
Para de ficar mexendo, se rastejando, presta atenção.
Tem que parar de rir Aline, é muito bom ser feliz, mas na hora da atividade tem
que ficar quieta. (Registrado em Diário de Campo, 04-04-2005)
No episódio abaixo, essa questão também se evidencia:
Professora Regente: Licença turma, mas eu tenho que parar para ver como o
Vanderlei vai resolver o nosso problema.
Professora Regente: Em Vanderlei, você não tem vergonha de eu ter que parar a
aula para dar bronca? O que você vai fazer Vanderlei?
Vanderlei: Ficar sentado. (É interessante destacar que essa criança raramente se
levantava)
Professora Regente: Só isso?
Vanderlei: Ficar em silêncio.
Professora Regente: E para de fazer essa cara, ficar aí rindo. (Registrado em
Diário de Campo, 15-04-2005)
Como o momento de permanência em sala é tão extenso e a inércia é excessivamente
cobrada, chegam determinados momentos em que as crianças já não suportam tal situação e,
por isso, afloram as situações de tensão. Essa forma de organização aponta para inadequações
da instituição para com as necessidades da criança, dentre elas, a falta de momentos da rotina
em que elas tenham condições de realizar o movimento autógeno. Se para um adulto
permanecer muitas horas sentado gera cansaço, para a criança isso é ainda mais pesaroso, o
que era percebido pela própria expressão de cansaço e desânimo das crianças
48
, o que pode
ser observado nas fotos abaixo (FOTOS 28 e 29), em que a professora explica a atividade e
48
Sabemos que a forma como as professoras trabalham com o corpo e o movimento da criança está envolvida
com a própria concepção de criança e do desenvolvimento infantil. Essa concepção orienta a metodologia de
trabalho. O cansaço e o desânimo das crianças, portanto, revela a relação desse sujeito com uma organização
escolar que pouco atende às suas expectativas.
121
por parte das crianças pouca atenção é manifestada. Em outra situação (FOTO 30), a criança
deixa cair o lápis e fica se movimentando ativamente no chão, o que não era necessário
praticamente para pegar o lápis, mas era necessário corporalmente, por isso, ela utiliza tal
pretexto para se movimentar, e foi com esses mecanismos que nós percebemos, em nossas
observações, que a criança dava conta de suportar a rotina que lhe era imposta.
FOTO 28: Momentos de atenção e dispersão (17-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
FOTO 29: Momentos de atenção e dispersão (17-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
122
Foto 30: Estratégia para movimentar-se (10-06-2005)
Havia por parte das crianças uma busca constante por situações e alternativas para
movimentarem-se ativamente. Numa atividade de colorir uma figura, Alexandre coloria
apenas uma parte pequena do desenho e se direcionava até a professora regente e mostrava o
desenho:
Professora Regente: Não é para colorir um desenho e vir mostrar só para levantar
da carteira. (Registrado em Diário de Campo, 03-06-2005)
Em outra situação, a professora estava pedindo para que as crianças levassem o
caderno de bilhete, e a criança, após entregá-lo, não retornou imediatamente para a sua
carteira. Então a professora lhe chamou a atenção:
Professora Regente: Alexandre vai sentar;
Mas a criança não retorna andando, mas sim, dando saltos como se estivesse a
imitar um sapo (FOTOS 31 e 32)
Professora Regente: Alexandre você não consegue sentar sozinho será que eu vou
ter que te ajudar? (Registrado em Diário de Campo, 06-06-2005)
123
FOTO 31: Movimento: fonte de atrito (06-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
FOTO 32: Movimento: fonte de atrito (06-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
124
Ao longo da pesquisa, percebemos que são diversos os fatores que influem nessa
relação de conflito. Primeiramente, percebemos uma disparidade entre os interesses das
crianças o os objetivos e trabalhos propostos pelas professoras.
O movimento ativo era limitado até mesmo ao trabalhar com a música, as crianças
permaneciam, geralmente, sentadas (FOTO 33). A professora regente, ao ser indagada sobre
essa prática, salientou a dificuldade do espaço, como afirmou em sua fala:
... a sala lá não tem muito espaço, mas várias vezes, por exemplo, eu falava __
levanta, guarda a cadeirinha e fica atrás da cadeirinha. Ficar atrás da cadeirinha
porque não tinha outro lugar, porque senão todos querem ou ficar perto de mim ou
ir para o corredor... não tinha jeito. Então é mais por falta de espaço mesmo.
(Entrevista Professora Regente, 14-11-2005)
Diante dessa justificativa, perguntamos por que o espaço do quiosque não era usado
para esse e outros fins, já que ali o movimento era mais viável. A professora afirmou e
ressaltou o motivo.
... Seria melhor. Aí a gente ficaria à vontade. (...) comodismo mesmo do professor
também né, que isso ai eu não teria nenhum impedimento [se referia ao
impedimento da direção e pedagoga]. (Entrevista Professora Regente, 14-11-
2005).
FOTO 33: Música e limitação do movimento (10-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
125
Outro episódio observado nas aulas da professora de Educação Física revela-nos a
oposição de interesses entre professora e aluno. Ao trabalhar com uma música que indicava
comandos corporais, a professora manifestava insatisfação com a forma realizada pelas
crianças, pois as crianças engendravam movimentos criativos, novos, revelando a diversidade
de interpretação corporal de uma mesma letra de música. Eles sentiam e viviam essa
diferença. Essa criatividade corporal do movimento ativo ou autógeno da criança acabava por
tornar-se um conflito entre criança e professora, que exigia que os movimentos fossem feitos
de acordo com a interpretação da música dada por ela. Na foto 34, apresentamos crianças
seguindo o movimento que a professora havia definido e, abaixo, a criança inventando novas
possibilidades (FOTO 35). Havia, pois, uma divergência de interesses entre a criança e as
professoras. Em várias atividades como essa, observamos a criatividade da criança na sua
própria relação de conhecimento do seu corpo. Daí, a enorme diversidade das compleições
motoras (WALLON, 1995, p.15).
FOTO 34: Música e movimento definidos (28-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
126
FOTO 35: Crianças criando novas interpretações dos comandos da música (28-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
A música definia que as crianças deveriam entrar e sair do espaço demarcado pelo
elástico, mas algumas crianças modificam o movimento, uma faz uma pirueta e entra, a
professora fala nesse momento: A atenção tá zero, você não segue o comando. (Registrado
em Diário de Campo, 28-06-2005).
Um elemento importante na idade das crianças da turma pesquisada – 5 a 6 anos - é a
utilização do movimento autógeno ou ativo como elemento de oposição. Como destaca
Wallon (1995), essa fase é marcada pela oposição. Identificamos, na pesquisa, o movimento
ativo como forte elemento para a criança se contrapor à professora. Por isso, compreendemos
que um dos fatores pelo qual é com a professora que mais requer a contenção que as crianças
mais realizam movimentos, pois estão opondo-se a ela. Por isso, é fundamental para o
professor que atua na educação infantil entender as especificidades da criança pequena ao
longo do seu processo de desenvolvimento. Segundo Wallon (1995, p.34), “cada fase é, entre
as possibilidades da criança e o ambiente, um sistema de relações que faz se especifiquem
reciprocamente”.
O movimento ativo envolve a construção da autonomia da criança no tempo e no
espaço, o que deve ser viabilizado em atividades que mobilizem decisões da criança em
relação ao seu movimento. Mas isso não é um processo mecânico, pois, nesse momento, a
127
criança está aprendendo a lidar com dificuldades enfrentadas no dia-a-dia. Diante de um
problema de ordem afetiva ou cognitiva, ela irá ficar em inércia, irá se movimentar em
direção oposta ao problema ou seu corpo irá se preparar para enfrentá-lo? Quando a criança
vence uma barreira física utilizando-se do movimento corporal ela também está construindo
sua subjetividade. Por isso, na idade por nós pesquisada, em que a criança está em um
processo marcante de constituição da personalidade, os profissionais que atuam na educação
infantil deveriam possibilitar propostas de trabalho que considerassem a necessidade da
interação da criança com essas situações. A atitude da criança, na definição de como realizar o
movimento do seu corpo na exploração do seu meio, é essencial para a própria constituição
social da criança.
Nas aulas com a PCC as crianças encontravam no parque, o momento mais propício
de agir livremente, o movimento ativo era o mais rico e vivo possível, como expressa uma
criança quando chegou o momento do parque e iniciou uma brincadeira de casinha embaixo
de uma árvore:
Renata: Tô tremendo de feliz; (Registrado em diário de campo 12/07/2005)
O movimento ativo era explorado nos horários da PCC de uma forma espontânea pela
criança, que, por interação com o espaço e as outras crianças, se aventurava na descoberta das
possibilidades de ocupação do espaço. Nesse contexto, a PCC tinha a percepção de ser mais
um momento de descanso “vigiar enquanto elas brincam”, “... é um momento livre, eu deixo
livre, não coloco muita coisa não” (Entrevista com a PCC, 28-10-2005). Nessa postura, a
professora perdia a oportunidade de observar como as crianças se relacionavam, como se
socializavam ou não. Por exemplo, na hora do pátio Gabriel raramente conseguia ficar muito
tempo brincando com os colegas, logo se isolava, ficava quieto e sentado, forma de agir que
mais se evidenciava nesse espaço, mas, nesse momento, não havia muita atenção por parte da
professora, a qual permanecia desatenta quando ao processo de socialização daquela criança.
Ainda que esse momento apareça como elemento secundário para o qual não se
dedicava muita atenção, nesse espaço do pátio, observamos muitos episódios interessantes de
trabalho da própria criança sobre seu corpo na hora do brincar. Em um episódio, Amanda e
Carolina discutiam sobre uma determinada novela, mais especificamente, sobre a
personagem, que interpretava uma criança cega, fato que as levaram a experiências
interessantes: Amanda fechou os olhos e começou a tocar no rosto da colega, nos braços, nas
mãos, pegou detalhadamente em cada dedo. Depois, inverteram os papéis. Aprenderam, nesse
caso, muito sobre o corpo, o tato, o respeito, o carinho, as sensações ao serem tocadas, a
128
socialização e tantos outros elementos que provavelmente nem conseguimos definir.
(Registrado em Diário de Campo, 12/07/2005)
Vale ressaltar que o conflito entre a criança e as professoras gerado pelo movimento é
positivo, pois revela que a criança não é um sujeito passível diante das regras e imposições do
adulto, nesse caso, o professor. Ao contrário há resistência. Elas são sujeitos ativos na
constituição do mundo. Na foto 36, a seguir, a criança posta de castigo (ficar sentada na
cadeira da professora, não levantar) encontra meio de, mesmo assim, iniciar uma brincadeira
com o colega.
FOTO 36: Castigo e resistência das crianças (14-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
Portando, é importante que o educador observe, nos momentos das atividades livres
como no parque, do que as crianças brincam, como essas brincadeiras se desenvolvem, o que
mais gostam de fazer, em que espaços preferem ficar, o que lhes chama mais atenção, em que
momentos do dia estão mais tranqüilas ou mais agitadas. Este conhecimento é fundamental
para que a estruturação espaço-temporal tenha sentido. Mas a questão é que a instituição já
parece ter tudo isso muito definido e fixado na forma de organização do espaço e do tempo, e
a criança deve apenas se enquadrar, o que gera, entre algumas crianças, a passividade corporal
e, em outras, uma agitação por vezes descontrolada.
129
2.3 Deslocamento de Segmentos Corporais ou de Frações: Forma de Comunicação
De imediatamente eficiente o movimento torna-se,
então, técnico e simbólico e refere-se ao plano da
representação e do conhecimento. Parece que tal
passagem não se opera senão na espécie humana.
(WALLON, 1995, p.143)
Nesta forma de movimento, estão os movimentos de reações posturais, que se dão
mediante o deslocamento do corpo e de suas partes, os quais se traduzem em atitudes
expressivas e mínimas. Estes apresentam um caráter mais psicológico, ou seja, evidenciam
um significado de relação afetiva que se exterioriza na atitude, no corpo, no movimento de
suas frações, comunicam muito mais que a fala oral da criança.
Assim, a linguagem corporal deve ser vista e considerada como um meio para a
professora perceber como as crianças estão caminhando, seja referente ao conhecimento
trabalhado, à afetividade, a sua subjetividade. Olhar o que o corpo comunica, implica a
necessidade do redimensionamento de nossas atividades, pois, por essa linguagem, a criança
realmente revela o que é realmente importante para ela, e, assim, podemos utilizar as
informações passadas pelo corpo das crianças em nossa avaliação diária, verificando se
conseguimos ou não alcançar nossos propósitos. A linguagem corporal pode ser uma aliada
do professor para organizar a rotina de acordo com as necessidades do grupo.
Quanto aos movimentos expressivos da criança, ao longo de nossas observações,
vimos a vivacidade como a criança dispõe desse recurso de comunicação com os demais
sujeitos que a envolvem e como elas captam, a todo momento, a expressividades das
professoras. Dentre uma diversidade de episódios nos quais as crianças se comunicam com
expressões faciais e mímicas, selecionamos alguns para a análise, tendo em vista o modo
como as professoras trabalham com essa forma de movimento da criança, ou seja, como se
relacionam com o movimento expressivo.
É pelo movimento de partes do corpo e mesmo frações que são possíveis nossas
manifestações expressivas. No início da vida, essa forma de manifestação expressiva é ainda
mais intensamente utilizada, do que no próprio adulto. Nesse sentido, falamos com e pelo
corpo. A criança que aprende primeiro a interagir por meio do movimento do seu corpo
(WALLON, 1975) passa por um processo de desvalorização, em nossa sociedade, dessa
linguagem, como se fosse necessária a negação da comunicação pelo movimento corporal
para a predominância de linguagem oral. é claro que a criança, ao desenvolver a linguagem
oral, terá ainda mais elementos de comunicação com o meio, mas o que destacamos é que o
130
corpo não cessa sua comunicação. Essa forma de comunicação está constantemente presente,
mesmo quando conscientemente imaginamos não comunicar nada, os corpos se expressam,
por exemplo, pela sua postura, como andamos, na sua rigidez ou flacidez muscular, pelos
gestos... Por isso, é uma linguagem de cuja existência temos de ter consciência e, assim,
sabermos explorá-la, principalmente, os profissionais que trabalham com a criança pequena,
já que ela capta de forma mais viva a expressividade do outro.
Ao não ser tema de muita discussão nos cursos de formação ou mesmo nas discussões
acadêmicas (LOURO, 2000), a expressão corporal não é valorizada pelas docentes como forte
aliada no processo de conhecimento sobre a criança com a qual trabalha. É necessário atenção
para essa forma de manifestação da criança em nosso dia-a-dia, na relação e interação que
estabelecemos com ela, temos de valorizar as informações que o corpo nos passa.
Na sala de atividades, cotidianamente, observamos as professoras chamarem a atenção
das crianças, que não se manifestavam diante do entendimento ou não do que estava sendo
explicado, quando era visível na expressão do rosto que elas não haviam compreendido.
Infelizmente, as professoras não consideravam a leitura dessa forma de informação
expressiva. A foto 37, a seguir, explica este fato. Ao perceber essa expressão, em que a
criança permanece olhando para a lousa, buscando a compreensão fazem-se necessárias frases
como a seguinte:
Professora Regente: Eu pedi para falar quem não tinha entendido. (Registrado em
diário de Campo, 03/06/2005).
FOTO 37: Expressão corporal de dúvida (09-05-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
131
Ainda nesse episódio
49
, por meio da expressão (FOTO 38), a criança mostrou como
estava aprendendo a lidar com o erro. Nesta situação, ao comparar sua atividade com a do
colega, ele percebeu que errou e ficou muito aflito diante de seu “problema”. Entendemos
que, nesse processo de formação dele, o erro está associado a problema, mas o que nos
interessa aqui é percebermos como essas expressões estão vivamente presentes em nossa sala
todos os dias e nos falam muito sobre como a criança está se constituindo. E como nós
professores temos de valorizar o que a criança expressa corporalmente. Ver essas
manifestações corporais é valorizar a expressão viva presente no cotidiano da educação
infantil.
FOTO 38: Expressão da criança diante do erro (09-05-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
Na situação que envolve o registro fotográfico abaixo (FOTO 39), a criança expressa
como está se relacionando com as atividades propostas pela professora, nesse momento, está
tentando ler a palavra escrita na lousa. Destaca-se sua concentração, participação ativa no
49
Nessa forma de movimento, trabalhamos com esses casos, pois não há como falarmos de uma expressão
descolada do seu contexto, como destacava Wallon (1975), a importância do estudo da criança de forma
contextualizada e concreta. Nesse caso, isso é muito importante, pois uma expressão só é compreensível diante
das situações que a gerou, ou seja, do seu contexto, sendo cada expressão algo único. Portanto, o importante da
utilização desses casos é percebermos a presença desse movimento comunicativo em nosso cotidiano.
132
processo de construção da leitura que aquele meio estava propondo e provocando, pois ficam
perceptíveis possíveis elucubrações e reflexão que está realizando.
FOTO 39: Expressão corporal e o processo cognitivo (10-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
Em outro episódio, as crianças estavam colorindo alguns corações em uma folha
mimeografada, na qual havia uma mensagem para o dia das mães. Mas uma criança não
colore os corações de vermelho como definido pela professora, que ao ver, lançou o seguinte
comentário:
Professora Regente: Eu já falei que só você que não coloriu de vermelho? Nem a
atividade da sua mãe faz com capricho, olha só rapaz essa atividade. Pode apagar
isso ai e colorir de vermelho (Registrado em Diário de Campo, 06-05-2005).
No momento da fala, a criança fez a expressão registrada na foto 40, sua expressão
revelava que a criança ficou diante do comentário da professora, ou de forma mais ampla, no
mínimo, é visível que não estava satisfeita com a avaliação da professora sobre o seu desenho.
133
FOTO 40: Expressão corporal da criança diante de uma avaliação da professora (06-05-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
A criança parece diferenciar como realiza suas comunicações com seus pares, com a
professora e com as outras crianças. Na comunicação entre as crianças, era constante a
utilização do movimento expressivo como forma de comunicação intencional, principalmente
porque em uma relação entre crianças, ambos os sujeitos estão atentos ao que se comunica.
Embora a expressão corporal estivesse presente em todas as relações, seja com as professoras
ou outra criança, com seus colegas (crianças), a linguagem corporal é mais observada. Como
na foto 41, que registra a criança incomodada com a ação do colega (que com a tesoura faz
uma ação como se estivesse a cortar o cabelo dela), ela não fala nada, mas sua expressão
facial aponta seu desagrado.
134
FOTO 41: Comunicação pela linguagem corporal entre as crianças (06-04-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
Num diálogo tecido entre duas crianças, no momento em que estavam desenvolvendo
uma atividade, de colorir a imagem de uma pessoa, revelam o entendimento das
manifestações corporais e os seus significados presentes em nossa cultura. Nesse momento,
elas associam o tom da pele com a raiva.
Alexandre: Você já viu uma cara amarela de raiva?
Vítor: Não, eu já vi cara vermelha de raiva.
Alexandre: Não, é que ela também tá com a cara inchada.
Mas diante desse diálogo, Alexandre, que já havia colorido de amarelo o rosto do
personagem do desenho, pega o lápis vermelho e pinta com muita força por cima
da cor amarela. O colega olha:
Vítor: Nummm!!
Alexandre: Olha que tanto de raiva. (Registrado em Diário de Campo, 03-06-
2005).
Essa situação exemplifica como é rica a aprendizagem na interação entre as crianças e,
isso geralmente passa despercebido por nós professores. É na interação com o colega que
Alexandre aprende ou reelabora a sua compreensão da tonalidade da pele e seu significado
135
expressivo e como a intensidade da raiva pode variar. Além disso, nesse momento que
discutem sobre a expressão de raiva, a própria criança pode estar revivendo e trabalhando com
um sentimento que, no momento real em que ocorreu em sua vida, não tenha conseguido
elaborar, para isso, o momento de interação com seus pares no desenho, na brincadeira, é
fundamental.
Era comum as crianças, nas terças-feiras, ocuparem lugares diferentes daqueles
ocupados nos outros dias da semana, geralmente, definidos pela professora regente. Mas, em
uma terça específica, na aula de educação física, que raramente definia ou trocava as crianças
de lugar (Registrado em Diário de Campo, 26-04-2005), uma criança (Rafael), que sempre se
sentava no fundo da sala - já que “não precisa de muito de ajuda” segundo a professora
regente -, sentou-se na frente, mas, nesse dia, a professora de Educação Física iria ocupar o
espaço da sala de aula. Então, como essa criança sentou-se na fila do meio, e como a
professora resolveu tirar a fila central para obter espaço para a realização da atividade, a
criança teve que se levantar e voltar para o fundo, para uma das únicas carteiras disponíveis.
Sua expressão facial mostrava seu desagrado e insatisfação (FOTOS 42 e 43). Ainda que não
possamos definir os sentimentos precisos da criança naquele momento, a expressão corporal
apontava que a situação que estava vivendo não agradou, embora não tenha manifestado
oralmente. Evidencia-se o quanto, numa cultura extremamente verbal, presa à fala, mesmo
que a criança se expresse nessa idade intensamente pelo movimento corporal pouco se
valorizam essas informações. Segundo Mota (1999), o professor que valoriza a linguagem
expressiva da vida nas crianças, considerando a vivacidade de seu corpo, poderá entender e
responder às necessidades delas.
A criança envolvida no episódio anterior aparecia ao longo das notas de campo,
sempre em cenas em que é a primeira a responder às perguntas da professora regente.
Segundo avaliação dessa professora, ela estava em um processo adiantado de alfabetização.
Entretanto, em muitas situações (como a anteriormente apresentada sobre sua insatisfação de
ter que ir novamente para o fundo da sala), suas vontades e desejos não eram percebidos,
geralmente, retraia-se, ficava calada, ainda que o ocorrido lhe desagradasse. Não eram
percebidos, pois tais questões não eram manifestadas pela linguagem oral, mas pela expressão
corporal.
136
FOTO 42: Expressão corporal de desagrado diante da troca de lugares (21-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
FOTO 43: Expressão corporal de desagrado diante da troca de lugares (21-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
Durante as observações, procuramos chamar a atenção da professora regente para o
recolhimento/retração dessa criança (Rafael), mas a professora, por estar focada, cristalizada
137
na sua preocupação com a alfabetização, nem sequer percebia o que intencionávamos ao
tentarmos induzi-la a um olhar mais atento para essa criança. Suas respostas referiam-se
sempre de modo satisfatório ao processo “adiantado de alfabetização”. Rafael, segundo ela,
era inteligente, respondia prontamente às suas perguntas. Por que a expressão sempre fechada
de Rafael e a dificuldade de brincar no pátio com os colegas não eram percebidas pelas
professoras? Claro estava que a atenção e objetivos das professoras estavam voltados para a
dimensão cognitiva.
A criança deve ser considerada em suas dimensões afetiva, motora, social e cognitiva,
as quais não estão isoladas, mas se retro alimentam. É preciso olhar a criança como uma
pessoa completa e não apenas como uma cabeça pensante. É nesse olhar sobre a criança que o
movimento expressivo assume notória importância para nós professores. No caso do Rafael,
somente a questão da alfabetização era considerada, e suas dificuldades, seu processo de
socialização não eram foco de atenção por parte das professoras. Em uma situação, Rafael,
com uma expressão facial “irritada”, teceu o seguinte diálogo com o colega de mesa:
Rafael: Não vou emprestar nada!
Fábio Augusto: Por que você é tão furioso comigo?
Rafael: Eu sou furioso com todo mundo, com o poste, com a árvore. (bate a mão
sobre a mesa e abaixa a cabeça) (Registrado em diário de campo, 06-04-2006)
Mas, no fundo dessa questão, está nossa própria formação, até que ponto os cursos
oferecem elementos para termos em nosso dia-a-dia o olhar da criança em suas diversas
dimensões.
Um elemento que observamos e que vale destacar sobre o movimento expressivo é a
sua forte relação com o brincar, o brincar e o movimento estão muito associados na infância.
É comum observarmos o movimento dar significado ao objeto com o qual a criança brinca,
nesse caso, o movimento é que viabiliza representação do objeto. Por exemplo, um estojo de
lápis ou uma garrafa de refrigerante que nas mãos das crianças, podem representar um bebê, o
que está em jogo não é a similaridade entre esses objetos com os quais ela brinca e a coisa
denotada, mas, sim, o movimento que ela realiza, nesse caso, o movimento de ninar, mexendo
os braços de um lado a outro. Ou seja, o que importa é o gesto representativo que possibilita o
significado. O gesto que a criança está desenvolvendo no momento do faz de conta possibilita
tornar um objeto presente mesmo na sua ausência. Segundo Vygotsky (2003, p. 143), “o
próprio movimento da criança, seus próprios gestos, é que atribuem a função de signo ao
objeto e lhe dão um significado. Toda atividade representativa simbólica é plena desses gestos
138
indicativos”. Embora o brincar não seja foco de nossa análise, o movimento e os gestos
corporais é muito presente nessas situações de brincadeiras das crianças. Isso pode ser
observado na foto 44:
FOTO 44: Movimentos e gestos na representação de objetos: binóculo (06-06-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
A criança utiliza gestos que comunicam o que os objetos que ela está manipulando
estão designando ou ela mesmo realiza movimentos representativos, tornando-se um
“monstro” (FOTO 45) ou “cachorro” (FOTO 46), por exemplo. Dessa dimensão, observamos
o movimento corporal como meio expressivo da criança, utilizado por ela como elemento
importante do mundo da representação, do desenvolvimento do simbolismo. Ao propiciar
momentos do brincar estamos possibilitando à criança o desenvolvimento de uma expressão
corporal.
139
FOTO 45: Formas de representações corporais realizadas pelas crianças (12-04-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
FOTO 46: Formas de representações corporais realizadas pelas crianças (12-04-2006).
Fonte: Leonice M. Richter
140
As crianças, pela interação, com o meio que as envolvem e com as pessoas que estão
próximas a elas vão construindo seu conhecimento. Portanto, nesse processo de interação e
busca de compreensão do mundo/cultura em que vivem as crianças dispõem de um meio de
interação importante e muito explorado por elas, seu movimento corporal. Os ambientes em
que elas vivem são espaço de estabelecimento de interações, dentre eles, as instituições de
educação infantil.
A criança interage por meio do movimento expressivo com os sujeitos do seu meio. A
organização de um espaço que viabilize às crianças comunicar-se por esse meio deve
possibilitar a ampliação do seu campo de visão das crianças, permitindo que vejam seus
colegas da forma mais completa possível. Na turma pesquisada, as crianças, geralmente
“enfileiradas”, vêem apenas a nuca umas das outras, essa organização evidencia a
desvalorização dessa forma de comunicação (movimento expressivo).
Vale ressaltar que não é nossa intenção realizar um “vocabulário” dos movimentos
corporais, atribuindo significados específicos a determinados movimentos, de forma
mecanizada, ou seja, não é um manual que defina “aprenda a ler a linguagem corporal de seu
aluno”. Isso seria impossível, pois consideramos que, de acordo com a situação, o movimento
assume seus significados, assim como uma palavra possui diferentes significados, os gestos e
movimentos também o possuem. Nesse caso, estamos apontando para a importância do
contexto em que o movimento expressão se desenvolve.
A linguagem corporal é “uma linguagem através da qual o ser humano expressa
sensações, emoções, sentimentos e pensamentos com seu corpo, integrando-o, assim, às suas
outras linguagens expressivas como a fala, o desenho e a escrita” (HARF, 1987, p.15).
Noutra situação, em que analisamos a desconsideração do movimento expressivo, a
PCC lia uma história, enquanto isso, algumas crianças se entretinham com outras coisas,
como Patrick, que ficava brincando com a sombra da sua mão projetada na mesa (FOTO 47),
ou Tiago que olhava para a janela, parecia “ausente”. Já um outro grupo de crianças estava
atento e participativo da atividade proposta, o que ficava bem evidente pelos gestos e
expressões realizados por elas, por exemplo, num instante da história, o cachorro, personagem
dessa história, pega uma planta e caminha sobre apenas duas patas, nesse momento, as
crianças que estavam prestando atenção reproduziram corporalmente como imaginavam a
imagem dessa cena (FOTO 48), o que demonstra a atenção desse grupo de crianças. A cena
gerou a movimentação dessas crianças, foi justamente nesse momento que a professora
interveio falando e olhando para elas:
141
Professora PCC: “vamos prestar atenção”. Em outros momentos da história em
que professora também pede atenção, as crianças riam por que a menina da
história teria dado um beijo em uma flor (Registrado em Diário de Campo,
13/07/2005).
FOTO 47: Dispersão da criança no momento da contação de história (13-07-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
FOTO 48: Grupo de crianças se envolve na contação de história (13-07-2005)
Fonte: Leonice M. Richter
142
Diante da situação relatada, percebemos que os movimentos e gestos reproduzidos
indicavam a atenção das crianças e não o contrário. Esse grupo de crianças estava elaborando
mentalmente a história e reproduzindo-a corporalmente, ou seja, construindo conhecimento.
Desse modo, essas manifestações eram aliadas da professora, pois mostravam o aprendizado
delas, visto que os movimentos estavam sendo materializados, diante da docente, o que a
criança estava elaborando sobre a história. Mas, contraditoriamente, é desse grupo de crianças
que a professora chamou atenção. As crianças que estavam quietas e desatentas à história não
foram cobradas pela professora. Então, o que significa atenção para essa docente? Será que
ela não percebe que essas manifestações se relacionam com o conhecimento construído ou
percebe, mas, na realidade, o que desejava era somente o silêncio das crianças tanto oral como
corporal?
Chegamos a algumas constatações ao longo de nossas observações e de forma mais
específica com esse episódio. Primeiramente, percebemos que, em muitos momentos, o que o
corpo comunica por meio de seus movimentos no espaço escolar não é considerado, pois
passa despercebido pelas educadoras, por isso, não é valorizado. Em outros momentos, ele é
reprimido, porque o objetivo da professora é o “silêncio corporal”, limitando, assim, o espaço
de manifestação dessa forma de comunicação. Definimos o silêncio corporal como corpos
imóveis, que devem calar-se, em que o olhar se direciona, ora para a professora, ora para a
folha de atividade, um corpo que segue as prescrições anunciadas pela professora.
Os movimentos de reações posturais exteriorizam-se como atitudes e como mímicas.
Este movimento relaciona-se com o íntimo do sujeito, com suas emoções. Atua como fonte de
comunicação entre a professora e a criança, é uma forma de linguagem. Portanto, essa forma
de movimento, que está vinculada a uma forma de comunicação dos seres humanos, os quais
atribuem significados às expressões corporais, que, muitas vezes, passam despercebidas aos
nossos olhos de professores, tem muito a contribuir na compreensão da criança que está
notoriamente voltada para essa forma de linguagem.
143
LIMITES, POSSIBILIDADES E CONQUISTAS:
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
Das utopias
Se as coisas são inatingíveis...Ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
MARIO QUINTANA, 1999, p.36
Ao longo deste trabalho as reflexões e diálogos que construímos com as profissionais
e com as crianças da instituição, ressaltaram para nós que o movimento faz parte da dinâmica
da vida da criança, que o movimento é uma linguagem expressiva da vida das crianças. Vida é
movimento. Concluímos, pois, que uma das principais atividades da criança pequena deve ser
o cultivo do movimento.
Nossa pesquisa vem no sentido de contribuir na compreensão das especificidades do
movimento corporal da criança pequena e em conseqüência instigar reflexos e estudos para
que possamos avanças na tentativa de práticas educativas que estejam atentas às
características de ser criança, de ser movimento.
Como ressalta Gaiarsa (1995), cerca de dois terços do nosso cérebro é utilizado para
viabilizar nossos movimentos. Aproximadamente sete bilhões de neurônios, usamos para nos
movermos. Como podemos negar a importância disso para a vida? O movimento humano é
mais que o deslocamento no espaço. Nossos movimentos diferenciam-se dos demais animais
por nossa capacidade de significar nossos gestos, expressões, posturas.
Entretanto, neste estudo consideramos que ainda há muito para incorporarmos este
entendimento em nossa relação cotidiana com a criança pequena na educação infantil. Ainda
perdura uma educação que busca “ensinar” a criança a congelar suas necessidades e
manifestações corporais quando, limitar os movimentos é limitar a inteligência. Justamente no
espaço escolar restringimos o movimento e ao congelar boa parte da capacidade cerebral (dois
terços), provocamos a limitação do desenvolvimento desses indivíduos. Como analisamos ao
longo deste trabalho, o movimento no homem é cheio de emoção e cognição, um tecido com
linhas entrelaçadas.
Na escola pesquisada, os diálogos tecidos nos levaram a perceber a distância entre o
discurso proferido e a prática executada. Na realidade, isso não significa simplesmente que
144
essas professoras expressam oralmente uma teoria e na prática assumem uma nova postura.
As professoras na verdade colocam em prática o que elas interpretam dessa teoria. Assim, o
elemento de contradição está no sentido atribuído à teoria, pois na lógica assumida por essas
profissionais, elas não percebem divergências entre o discurso que adotam e sua prática. Suas
práticas estão respaldadas na interpretação que elas fazem da teoria. A nosso ver, de certa
forma elas criam outra teoria e agem por esta.
Nesse sentido, compreendemos e reconhecemos o trabalho dessas profissionais, as
quais fazem seu trabalho da melhor forma possível, buscam fazer o que acreditam ser o
melhor. Nossa crítica recai na formação desses profissionais, na qual não ocorre uma reflexão
consistente da compreensão da criança e, das condições materiais históricas e políticas.
Essa questão nos remete ao Curso de Pedagogia, que conduz a formação do
profissional da educação infantil. Até que ponto esse processo de formação possibilita a
compreensão e incorporação do sentido da infância e das necessidades dessa fase da vida?
A formação de professores é foco de atenção em nossas análises finais, pois se
constitui em um dos elementos essenciais para a realização de uma prática docente atenta à
importância do movimento corporal da criança, como forma de expressão, comunicação e
interação com seus pares no ambiente escolar. Nos cursos de formação quando se oportuniza
essas discussões, geralmente, limita-se à superficialidade, devido nosso estrito conhecimento
do desenvolvimento humano, o qual envolve, dentre outras coisas, a estrutura biológica desse
processo.
A forma como se estuda nos cursos de formação não permite que se incorpore o
entendimento das teorias, como também não permite uma visão da expressão viva da criança,
como nos ensina Reich (1999). Segundo esse autor, “o bom educador sentirá as qualidades da
Vida viva em cada criança, reconhecerá suas qualidades específicas e fará tudo para que elas
possam desenvolver-se plenamente” (REICH, 1999, p.11). O educador que está atento à
expressão viva da criança, as compreende como elas são. Entende, que embora nem sempre
manifestem o seu pensar oralmente, expressam corporalmente, nos seus olhos, na sua voz, nos
seus movimentos, na sua respiração.
O Curso de Pedagogia deve pensar a educação da criança como um todo. Nesse
sentido, até mesmo a construção dos espaços escolar merecem o olhar desse profissional. O
engenheiro faz cálculos dos alicerces de concreto, mas cabe ao educador refletir e auxiliar
construções que primem a melhor relação possível entre as experiências corporais e os
espaços em que as crianças passam considerável tempo de suas vidas. Nessa pesquisa claro
ficou a desconexão entre a necessidade do corpo da criança e a construção física. Dentre as
145
características das crianças o movimento deve ser entendido como dimensão essencial para o
desenvolvimento global dela.
Vale destacar que não é só a construção física que perdeu a conexão com as
necessidades do nosso corpo, mas a própria forma como a escola trabalha com o corpo da
criança nesse espaço reflete uma desconsideração de suas necessidade, como a própria
limitação do movimento tão presente na rotina da instituição pesquisada.
Ao olharmos realmente para a criança e sentirmos as qualidades da Vida viva em cada
uma delas, vemos a importância do seu movimento e, assim, compreendemos a importância e
necessidade da educação infantil propiciar a elas espaços e rotinas em que interajam, entrem
em contato com a natureza, em áreas que permitam à criança explorar autonomamente esse
espaço. Nossos registros realizados na área livre da instituição, apontam para a criatividade, a
riqueza das interações presentes ali.
Ao nos dedicarmos, neste estudo, à análise da prática presente na educação infantil,
almejamos ampliar as reflexões que instiguem o pensar sobre o nosso próprio relacionamento
com o movimento corporal da criança. Esperamos que os registros contribuam para a
construção de uma educação infantil que olhe e perceba a vida em movimento que marca esse
momento humano por nós denominado infância.
Dentre todas as possibilidades e limites que nos remonta a reflexão nesse trabalho
sobre o movimento, fica registrado uma percepção da criança como sujeito histórico,
participativa na construção da História. Pois ainda que as condições da instituição
restringissem o movimento corporal, havia caminhos, fendas e possibilidades de resistência
das crianças. Resistência ao espaço, à rotina e à própria organização do trabalho das
professoras, que não primam pelo respeito das especificidades da criança, dentre elas, o seu
movimento, essência da vida.
Mais uma vez, remetemo-nos a Reich (1983, p.5), que acredita que “o destino da raça
humana dependerá das estruturas de caráter das Crianças do Futuro. Em suas mãos e corações
repousaram as grandes decisões.” Diante deste trabalho se faz necessário olharmos para a
criança, para a vida que há nela.
146
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Guilherme João de Freitas. Brasília: UNESCO Brasil, OECD, Ministério da Saúde, 2002.
VOLNOVICH, Juan Carlos. Prefácio. In: FERNADEZ, Alicia. A inteligência aprisionada:
abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Trad. RODRIGUES, Iara. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1991.
ZABALZA, Miguel, A. Qualidade em educação infantil. Trad. NEVES, Beatriz Affonso.
Porto Alegre: ArtMed, 1998.
155
Anexos
156
ANEXO I
E
XEMPLO DO REGISTRO DA ROTINA NO DIÁRIO DE CAMPO
Data: 12/04/2005
Terça-feira: Professora de Educação Física e PCC
7:00: Crianças e seus responsáveis começam a chegar no portão da instituição. A pedagoga
recepciona as crianças do maternal.
Aula de Educação Física
A professora aguarda as crianças, sentada em sua mesa.
Professora: “Marcos você ainda não achou uma cadeira para você?” (a criança está em pé e
fica em dúvida onde se sentar, visto que na terça essa escolha era permitida).
Marcos: “Já”. (A criança brinca sentando-se em lugares diferentes)
Professora Educação Física: “Então senta”. (Nesse episódio observamos um exemplo das
alternativas que as crianças encontram para se movimentarem pela sala).
...
FOTO 01: Criança incomoda a colega e ela expressa desagrado.
FOTO 02: Mateus imita um macaco pulando pela sala.
...
Nesse tempo, entre 7:00 e 7:15, como não foi aplicada nenhuma atividade pela professora,
brincadeiras começam a surgir espontaneamente pelas crianças: música da bruxa e imitação
de macacos.
7:08: As crianças começam a fazer sons com a boca e com as axilas. A professora levanta,
não fala nada oralmente, mas as crianças logo param com a brincadeira (obs.: As crianças
estão atentas à expressão corporal da professora).
...
A professora anuncia a atividade prevista para aquele dia: “hoje nos vamos fazer o ensaio para
a apresentação do dia do índio”;
7:20: A professora conduz em fila as crianças até o quiosque para fazer o ensaio.
Ensaio da música: Um, dois, três indiozinho.
157
Situações durante o ensaio:
Francielem: “Tia meus braços não ficam sobre as pernas...”
Professora: “Claro que controla, é você que comanda o seu corpo”.
...
Ao cantar a música a professora esquece de falar o número nove.
Aline: “Tia você não contou o nove”
Vitor: “É claro: os índios não contam o nove” (obs. A professora ignora a fala da criança)
...
FOTO 03: Uma criança observa a outro: posição das mãos na apresentação.
Professora: “Sabe o que está faltando nessa apresentação, está faltando mostrar as mãos”
Professora : “Tão feio, no dia vocês vão querer fazer assim tão feio?”;
(Obs.: As crianças quase não estavam movimentando as mãos.)
...
Uma criança ao terminar o ensaio pede para a professora se vão ir ao parque.
Professora: “Vocês sabem que é a tia Márcia (PCC) é que leva vocês para ao parque, não
adianta nem pedir.”
Professora: “Agora vamos descansar um pouco”.
(Obs.: as crianças não ficam sentadas, logo começam a virar estrelinhas. Diante disso, a
professora pede para que formem a fila para retornar à sala. Olhando para a fila a professora
fala: “Não é para correr como vocês estavam correndo, como vocês fizeram ali na fila. Agora
mesmo vocês têm outra aula e se fizerem isso, não vamos ao quiosque”.)
...
No final dessa aula a professora busca uma jarra de água e serve às crianças na sala mesmo.
Professora: “Quem tomou, sentou”.
Aula com a PCC - 8:00:
Quando a professora chegou na sala, as crianças começaram a gritar.
PCC: “Não precisa disso.” Ela fala imediatamente.
A professora avisa que hoje ela vai contar uma história.
FOTO 04 e 05: Expressão das crianças diante da proposta de atividade da professora.
FOTO 06: Corpo brinquedo: a criança imita um cachorro e a outra tenta provocá-la. Passa a
mão no rosto da colega, acaricia a cabeça.
158
FOTO 07: As duas crianças logo mudaram o animal representado.
...
A PCC afixa no quadro as cenas de uma história e as crianças dizem o que elas vêem na cena.
FOTO 08: Crianças observando atentamente a história.
Alexandre ao ver uma cena da história gesticula como se fosse um leão, está bem atento.
(Obs.: A professora chama duas crianças para ajudar. Diante das crianças que ela escolheu o
Vitor faz o seguinte comentário: “Você sempre chama ele”.)
PCC: “Ah! Então é porque ele é um bom aluno, eu sempre chamo os melhores para me
ajudar”.
...
Depois da história, a professora começa a discutir sobe os índios: Ela pergunta o que eles
sabem sobre os índios.
PCC: Pessoal! O Fábio Augusto, falou que o índio caça para comer, ele não trabalha, não tem
dinheiro....
Alexandre: “Mas índio não existe”
PCC: “Existe sim.”.
Após essa discussão sobre os índios a PCC entrega uma folha mimeografada com a figura de
um índio em um bote e pede para que eles colorirem bem bonito.
FOTO 09: Todas as crianças colorindo.
(Obs.: Nessa atividade as crianças pediram muito para apontar o lápis, usaram essa estratégia
para levantar-se, pois as crianças apontam mesmo quando a ponta está boa.)
...
Rafael: “A cor do passarinho é essa?” (pergunta para a professora)
PCC: “Hoje eu vou deixar colorir com as cores que vocês escolherem, eu quero ver o colorido
de vocês”
A PCC passa por entre as carteiras enquanto as crianças coloriam e ao ver os desenhos
comenta: “Cabelo roxo? Cabelo vermelho?”
...
Toda a turma estava trabalhando quando a criança indaga a professora:
Pedro: “Tia hoje vamos ao parque?”
PCC: “Todo dia da minha aula eu levo ao parque, mas tem que fazer a tarefa direito.”
...
8:40: A professora eventual busca as crianças para o lanche.
159
A pedagoga, após as crianças sentarem-se, pergunta: “Quem vai fazer a oração hoje?” . Todos
levantam as mãos. Ela escolhe o Alexandre.
...
Retorno à sala: 9:00
As crianças continuam: colorir o desenho do índio.
PCC: “Pode caprichar mais nesse colorido”
Depois eles fizeram o recorte da folha que coloriram e a remontam em outra folha: montam
uma quebra cabeça.
Ao terminar essa atividade a professora avisa que é momento de ir ao parque. (10:05)
PCC “Ë para sair em silêncio”
Franciele: “Tia, entra na fila”. (Fala uma criança para mim - pesquisadora)
Franciele: “Vou andar, vou correr e vou brincar”. (Fala da criança na fila em direção a área
externa)
(Obs.: Hoje a PCC não organizou tempo para os brinquedos de casa.)
10:25 Retornam para a sala e aguardam a professora de educação física.
FOTOS 10, 11, 12, 13, 14 crianças explorando os brinquedos do parque.
Aula de educação física
A professora ao chegar na sala logo organiza a fila para irem ao quiosque. Ensaiam
novamente a coreografia do índio.
Depois desse ensaio a professora colocou uma outra música:
- Professora: “Essa música tem uma coreografia que é bem fácil, depois vamos
trabalhar com ela.”
- No final da aula, em torno de 8 minutos antes do término, a professora propõe a
atividade de rolar no chão, nesse momento as crianças se divertem muito. Fotos,
15, 16, 17: Crianças participando da atividade.
- 10:20: Retornam para a sala e aguardam a saída.
160
ANEXO II
R
OTEIRO DA PRIMEIRA ENTREVISTA COM AS PROFESSORAS
50
1) Qual é e como foi a sua formação acadêmica, conte um pouco a sua história?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
2) Há quanto tempo é você é professora?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
3) O que te levou a optar por trabalhar com a educação?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
4) Que planos tem em relação ao seu trabalho enquanto professora?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
5) Quanto tempo trabalha nessa instituição?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
6) Trabalha quantos turnos?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
50
Esse roteiro de questões foi utilizado com as três professoras. De acordo com as especificidades de cada
entrevista novas e diferentes questões foram abordadas.
161
7) Como se sente trabalhando aqui nesta instituição?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
8) Como foram as suas primeiras experiências com a escola enquanto educanda? Fez pré, ou
logo entrou para a primeira série do ensino fundamental?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
9) O que você definiria como uma boa aula?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
162
ANEXO III
R
OTEIRO DA SEGUNDA ENTREVISTA COM AS PROFESSORAS
E COM A PEDAGOGA
1 - ENTREVISTA COM A PROFESSORA REGENTE
A) Sobre o Planejamento
O que você deseja, o que você espera em relação a sua turma – pré-seis? (Intenção da questão:
quais são os objetivos da professora em relação ao seu trabalho desenvolvido com a turma do
pré-seis?)
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Como você organiza, seleciona e define as atividades a serem trabalhadas com a turma?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Quando e como você acha que uma criança está se desenvolvendo bem?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
O que mais te preocupa no desenvolvimento das crianças? Como você avalia se esse
desenvolvimento está acontecendo ou não?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
No dia-a-dia como avalia a participação, o interesse, ou seja, a interação das crianças com as
atividades propostas?
__________________________________________________________________________
163
B) Rotina e Espaço Físico
Em relação à rotina oferecida às crianças do pré-seis, como você a avalia?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Como você se organiza quanto à utilização do espaço/tempo no desenvolvimento das
atividades?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Como se sente em relação ao espaço físico que ocupa com as crianças da turma?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Observei que as crianças iam ao parque somente na aula de PCC, quem e por que definiu-se a
programação de ida ao parque somente na terça?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
O que você acha da forma de organização do lanche?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
E o recreio?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
O que você acha da forma como a escola utiliza o espaço físico?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
164
E na escola de modo geral, como você percebe que se compreende o movimento da criança?
Por que somente a turma do pré-seis passou há ter um tempo, no final da aula, no pátio?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Por que não continuou? Por que logo essa atividade foi suspensa?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Partiu de quem essa proposta? Qual era o objetivo dessa ação?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
C) Movimento Corporal
Como você lida com o movimento em sala de aula? Como se sente em situação de muita
movimentação das crianças?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Como você percebe se a criança esta entendendo a atividades propostas?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Às vezes percebia muita tensão em seu rosto, no seu corpo durante as aulas, me fale um pouco
sobre isso e se isso tem alguma relação com o movimento corporal das crianças?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
165
2 – ENTREVISTA COM A PCC
A) Sobre o Planejamento
O que você deseja, o que você espera em relação a sua turma – pré-seis?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Como você organiza, seleciona e define as atividades a serem trabalhadas?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Como você definiria o desenvolvimento da criança?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Como você avalia o desenvolvimento e aprendizagem infantil?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
O que mais te preocupa no trabalho com as crianças?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
No dia-a-dia como avalia a participação, o interesse, ou seja, a interação das crianças com as
atividades propostas?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
O que orienta o seu planejamento do momento do parque na sua aula?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
166
Você tem orientação da pedagoga em seu planejamento?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
B) Rotina e Espaço Físico
Por favor, fale um pouco sobre seu posicionamento em relação à organização da rotina na
escola e na sua aula, no que se refere ao pátio.
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
O que você acha da forma de organização do lanche na instituição?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
E sobre o recreio?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
O que você acha da forma como os profissionais da escola utilizam o espaço físico?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Em relação à rotina das crianças do pré-seis, como você avalia os momentos voltados para as
atividades corporais?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
C) Movimento Corporal
Como você trabalha com o movimento da criança, na sala ou na área externa?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
167
Como você se sente em situações de muita movimentação das crianças?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
O que você pensa sobre o movimento corporal da criança?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
3 - ENTREVISTA COM A PROFESSORA DE EDUCAÇÃO FÍSICA
A) Sobre o Planejamento:
O que você deseja, o que você espera em relação a sua turma – pré-seis? (Intenção da questão:
qual é o objetivo geral do seu trabalho com a turma do pré-seis)
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Como você organiza, seleciona e define as atividades a serem trabalhadas com sua turma?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
No dia-a-dia como avalia a participação, ou seja, a interação das crianças com as atividades
que você propõe?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Você acha que os interesses das crianças são contemplados nas atividades proposta por você
nas aulas de educação física?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
168
Como você definiria o desenvolvimento da criança? Como você consegue perceber e avaliar o
desenvolvimento da criança?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
B) Rotina e Espaço Físico
Em relação à rotina das crianças do pré-seis, como você a avalia?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
O que você acha da forma de organização do lanche?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
E o recreio?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Como se sente em relação ao espaço físico que ocupa com as crianças da turma nas aulas de
educação física?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Quanto às suas atividades, como você se organiza em relação ao tempo e o espaço?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
C) Movimento Corporal
O que você entende por movimento corporal da criança pequena?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
169
Como você lida com o movimento das crianças no momento da aula de educação física?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
O que você acha da orientação que a escola dá com relação ao movimento da criança?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Em relação aos ensaios para as datas comemorativas nas aulas de educação física, como se
sente?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Partiu de quem essa proposta?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Observei que as crianças iam ao parque somente na aula de PCC, na terça-feira. O que você
acha disso?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
4 - ENTREVISTA COM A PEDAGOGA
Conta um pouco da sua história junto à instituição. Quantos anos você trabalha aqui?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
A) Sobre o Planejamento
Quais são os princípios e objetivos centrais que orientam a instituição?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
170
Realizam o planejamento anual?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Qual referencial é tomado como referencia?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Qual é a forma e o objetivo central nas orientações e discussões com as professoras do pré-
seis?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Como se organizam em relação às atividades comemorativas?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Em relação ao planejamento como você acompanha as professoras?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Nessa orientação do planejamento o que se define em relação ao espaço físico?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
B) Rotina e Espaço Físico
Como se organiza a rotina da instituição como um todo? Como se organiza o horário de
lanche?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
E o parquinho?
__________________________________________________________________________
171
E o recreio?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
O que esperam em relação às crianças, mais especificamente do pré-seis?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Como você avalia o espaço físico da escola?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Na escola não há uma sala específica para você desenvolver suas atividades (atender pais,
reunir com as professoras...), o que me diz a respeito disso?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Você conhece o projeto arquitetônico da escola?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
C) Movimento Corporal
Em relação ao movimento corporal da criança, como a escola se organiza?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Como compreende e trabalham com o movimento da criança no espaço escolar?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Quais são os objetivos em relação à aula de PCC? O que significa essa sigla?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
172
E em relação à aula de Educação Física do pré-seis quais são os objetivos que envolvem essa
atividade?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
Como você observa o trabalho das professoras e dos outros profissionais da escola em relação
ao movimento corporal?
__________________________________________________________________________
__________________________________________________________________________
173
ANEXO IV
P
LANTA BAIXA DA INSTITUIÇÃO PESQUISADA
174
ANEXO V
C
ONSTRUÇÃO REAL DA INSTITUIÇÃO
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
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