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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
EDINALVA PADRE AGUIAR
CURRÍCULO E ENSINO DE HISTÓRIA: ENTRE O PRESCRITO E O
VIVIDO. VITÓRIA DA CONQUISTA-BA, BRASIL (1993/2000)
UBERLÂNDIA – MG
2006
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II
EDINALVA PADRE AGUIAR
CURRÍCULO E ENSINO DE HISTÓRIA: ENTRE O PRESCRITO E O
VIVIDO. VITÓRIA DA CONQUISTA-BA, BRASIL (1993/2000)
Dissertação apresentada junto ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação
da Universidade Federal de Uberlândia, como requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Educação.
Linha de Pesquisa: Saberes e Práticas Educativas
Orientadora: Prof.ª Drª. Selva Guimarães Fonseca
UBERLÂNDIA – MG
2006
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III
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
A282c
Aguiar, Edinalva Padre, 1969-
Currículo e ensino de História: entre o prescrito e o vivido. Vitória
da Conquista-BA, Brasil (1993-2000). / Edinalva Padre Aguiar. - 2006.
199. : il.
Orientadora: Selva Guimarães Fonseca.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Uberlândia, Progra-
ma de Pós-Graduação em Educação.
Inclui bibliografia.
1. História
- Estudo e ensino - Teses. 2. Currículos - Teses. 3. Prática
de ensino - Teses. I. Fonseca, Selva Guimarães. II. Universidade
Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação em Educação. III.
Título.
CDU: 930:37
Elaborado pelo Sistema de Bibliotecas da UFU / Setor de Catalogação e Classificação
IV
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
Edinalva Padre Aguiar
CURRÍCULO E ENSINO DE HISTÓRIA: ENTRE O PRESCRITO E O
VIVIDO. VITÓRIA DA CONQUISTA-BA, BRASIL (1993/2000)
Dissertação aprovada em 02 de junho de 2006
para a obtenção do título de Mestre em Educação
Banca examinadora:
________________________________________________
Profª. Drª. Selva Guimarães Fonseca – UFU
________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Augusto Lima Ferreira - UCSal
________________________________________________
Profª. Drª. Sandra Cristina Fagundes de Lima – UFU
A minha mãe Vitória, “fulô” mais perfumada do meu
jardim, cujo nome inspira minha vida.
Aos professores e professoras, especialmente da disciplina
História, por exercerem um ofício desafiador e...
de rara beleza.
VI
AGRADECIMENTOS
Vencido mais esse desafio me resta agradecer:
Sempre, a Deus, Senhor da Vida...
A Jesus, Amigo presente a todo instante.
À professora Selva,
Pela orientação segura e paciente e por aceitar trilhar comigo esse caminho.
Aos professores/as colaboradores/as,
Que gentilmente me “emprestaram” suas narrativas e reflexões.
À minha família e amigos,
Por me ajudarem sempre e entenderem minhas “ausências”.
A Maria Alessandra,
Pelas leituras e críticas sempre coerentes. Por tudo...
A Claire,
Pelas várias correções, acompanhadas de sua doce amizade.
A Dio,
Pelas conversas e desabafos “dissertativos”.
Ao professor Carlos Augusto Ferreira,
Pelo incentivo.
À professora Cristina Dantas Pina,
Pela primeira leitura do projeto e sugestões dadas.
À professora Ana Palmira,
Pelo incentivo e oportunidade de apresentação do projeto no grupo de estudos e pesquisas
“Fundamentos da Educação em Vitória da Conquista-BA”, por ela coordenado junto ao
Museu Pedagógico.
À professora Lívia Diana Magalhães,
Pela atenção e empréstimo de livros.
Aos professores/as do Mestrado,
Que ajudaram a clarear caminhos.
Aos companheiros/as do Mestrado,
Com quem dividimos muitas de nossas alegrias e angústias, especialmente Taita, que conheci
no início desse percurso, tornando-se companheira de desafios...
VII
Às professoras Graça Cicillini e Mara Rúbia Marques,
Por terem aceitado participar da Banca de Qualificação.
A James, Jesus e Gianny,
Pela forma carinhosa e eficiente com que sempre nos atenderam.
À Salete,
Pela elaboração da ficha catalográfica.
Aos funcionários/as do Museu Regional/UESB,
Pelo incentivo e ajuda.
Às funcionárias da UESB Maristela, Karine, Gil, Nadir e Railda,
Pela ajuda nos trâmites burocráticos.
À Cristina Vilimovic,
Pela ajuda com as capas dos livros.
A Paula Cristina, David e Zélia Chequer,
Pela cuidadosa ajuda na parte técnica.
Aos colegas do Sá Nunes,
Pelo encorajamento.
Ao Sr. Salvador Magalhães,
Que ajudou a “abrir” as portas da SEC-BA para mim.
A Maria Terezinha Ferreira de S. Santos,
Sem ela, eu não teria tido acesso às “sugestões curriculares” do Estado da Bahia.
Ao Sr. Luiz (DIREC-20),
Sempre atencioso quando de minhas consultas aos Diários Oficiais do Estado.
Ao casal Olga e Décio,
Que foram os primeiros a nos receber em Uberlândia. Deus os ampare sempre!
A Lúcia Padre,
Que me recebeu carinhosamente em sua casa.
A Ana,
Que me deu seu carinho de mãe em Uberlândia.
Aos professores Carlos Augusto Ferreira e Sandra Cristina Fagundes,
Por aceitarem compor a banca examinadora.
Ao professor Gledison Pinheiro,
Pelo empréstimo de material e andanças por Salvador.
À professora Antonieta Tourinho,
Pela confiança em me emprestar sua tese original.
VIII
Às diretoras e secretárias dos colégios: Centro Integrado de Educação Navarro de Brito,
Escola Estadual Adélia Teixeira, Escola Estadual Eraldo Tinoco, Escola Agrotécnica Sérgio
de Carvalho, que facilitaram o acesso aos diários de classe.
À Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e Secretaria Estadual da Educação,
Pela dispensa de minhas atividades laborativas.
À Universidade Federal de Uberlândia, Programa de Pós-Graduação em Educação,
Pela confiança depositada na execução deste projeto.
IX
O currículo nunca é simplesmente uma montagem neutra
de conhecimentos, que de alguma forma aparece nos
livros e nas salas de aula de um país. Sempre parte de uma
tradição seletiva, da seleção feita por alguém, da visão
que algum grupo tem do que seja o conhecimento
legítimo. Ele é produzido pelos conflitos, tensões e
compromissos culturais, políticos e econômicos que
organizam e desorganizam um povo.
(APLLE, 2000, p. 53, grifo do autor).
RESUMO
Esta pesquisa tem como objeto de estudo o currículo e o ensino de Hisria no nível
médio na cidade de Vitória da Conquista, BA, Brasil, nos anos de 1993 a 2000. Seu objetivo
geral é analisar os currículos de História prescritos e vividos no ensino médio da rede pública
estadual deste município. Os objetivos específicos são: 1) Identificar e discutir os currículos
oficiais prescritos, tanto em nível nacional como estadual e os livros didáticos sugeridos pela
SEC-BA para o ensino de História no nível médio, durante o recorte temporal da pesquisa; 2)
Analisar as relações entre saberes, formação e práticas no ensino de História no nível médio;
3) Analisar as relações entre o currículo oficial prescrito e o vivido pelos professores e
professoras, buscando compreender tensões, aproximações e distanciamentos entre as duas
dimensões curriculares. A pesquisa utilizou como base metodológica a abordagem qualitativa
e como fontes: a LDB 9.394/96, os currículos oficiais federais (DCNEM e PCNEM) e
estaduais (sugestões de conteúdos), livros didáticos indicados nessas sugestões, diários de
classes e decretos. Complementando as fontes escritas, foram utilizadas também fontes orais.
A história oral temática inspirou a realização de entrevistas com docentes que lecionavam a
disciplina nesse nível de ensino, durante o período abordado. A dissertação está organizada
em três capítulos. No primeiro, foi feita uma análise de como ocorreram as discussões
curriculares no Estado da Bahia durante o período abordado. No segundo, buscou-se perceber,
pela análise dos diários de classe e das entrevistas, as práticas pedagógicas dos professores/as
de História. No terceiro, a intenção foi compreender no diálogo entre as narrativas dos/as
docentes e na literatura das áreas de currículo e ensino de História, como o ensino ocorria na
sala de aula, como se dava o processo de transposição didática, quais as concepções de
currículo dos/as docentes e qual a influência do currículo oficial sobre o vivido: disputas e
conciliações. Ficou constatado que o currículo oficial foi elaborado distante da realidade, era
baseado num tempo linear e em uma cultura etnocêntrica. Verificou-se também que houve
XI
mudanças significativas implementadas a partir da entrada de professores/as licenciados em
História no magistério do ensino dio. Concluiu-se que as relações entre o currículo
prescrito e o real são mediadas por formas de poder, tensões, limites e possibilidades
epistemológicas, políticas e pedagógicas.
Palavras-chave: Ensino de história. Currículo. Práticas docentes.
XII
ABSTRACT
This research has the objective of studying the curriculum and teaching of history at the
secondary school level in the city of Vitória da Conquista, Bahia, Brazil, during the years
1993-2000. Its general objective is to analyze the curriculi of history teaching as it is
prescribed and as it is actually carried out in secondary school education in the state public
school system of this city. The specific objectives are: (1) identify and discuss the official
prescribed curriculi (on the national level as well as the state level), and the didactic books
suggested by SEC-BA for the teaching of history at the secondary school level, during the
period being studied; (2) analyze the relationships between knowledge, education, and
practise in the teaching of history at the secondary school level; (3) analyze the relationships
between the officially prescribed curriculum and that actually used by the teachers, with an
eye toward comprehending the tensions, proximities and distances between the two curricular
dimensions. The research used a qualitative methodology and the following written sources:
LDB 9.394/96, the official Federal (DCNEM and PCNEM) and state curriculi (suggested
content), didactic books suggested for use by the state, class diaries, decrees and acts. Oral
sources were used to complement the written sources. The thematic oral history inspired the
carrying out of interviews with the staff who taught the discipline at this level of teaching,
during the period under study. This paper is organized into three sections. The first section
contains an analysis of how curricular discussions occurred in the state of Bahia during the
period under study. In the second section, the pedagogical practices of history teachers were
looked at via analyses of class diaries and interviews. In the third section, the intention was to
comprehend, in dialogue between the narratives of the teachers and the literature in the areas
of curriculum and teaching of history, how the teaching occurred in the classroom, how the
didactic process was developed, what were the concepts of the curriculum of the teachers and
what influence the official curriculum had over the actuality: arguments, conciliations, and
distancing. It was determined that the official curriculum was elaborated distant from school
reality, scheduled linearly, and was ethnocentric and evolutionistic. It was also determined
that there were significant changes implemented, beginning with the entrance of the history
teachers into teaching at the secondary school level. It was concluded that the relationships
between the prescribed curriculum and the one actually used were mediated by forms of
power, approximations, distances and epistemological, political and pedagogical tensions.
Key words: history teaching. Curriculum. Teaching practices.
XIII
LISTA DE SIGLAS
AC (Atividade Complementar)
BCN (Base Nacional Comuma)
Cades (Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário)
Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)
CEB (Câmara de Educação Básica)
CEE (Conselho Estadual de Educação)
CFE (Conselho Federal de Educação)
CNE (Conselho Nacional de Educação)
DCN (Diretrizes Curriculares Nacionais)
DCNEM (Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio)
Direc (Diretoria Regional de Educação e Cultura)
Enem (Exame Nacional do Ensino Médio)
Faaeba (Faculdade de Educação do Estado da Bahia)
Faced (Faculdade de Educação/UFBA)
IAT (Instituto Anísio Teixeira)
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
LDB (Lei de Diretrizes e Bases)
MEC (Ministério da Educação e Cultura)
NAV (Núcleo Avançado)
NBA (Núcleo Básico)
NDE (Núcleo de Demandas Específicas)
NSE (Nova Sociologia da Educação)
PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais)
PCNEM (Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio)
PD (Parte Diversificada)
PEI (Programa de Enriquecimento Instrumental)
PNLD (Programa Nacional do Livro Didático)
PPG (Programa de Pós-Graduação)
SEC-BA (Secretaria da Educação e Cultura do Estado da Bahia)
Smed (Secretaria Municipal de Educação e Desporto/VC)
Ucsal (Universidade Católica de Salvador)
Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia)
Ufba (Universidade Federal da Bahia)
UFU (Universidade Federal de Uberlândia)
Uneb (Universidade do Estado da Bahia)
Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)
Unicamp (Universidade de Campinas)
USP (Universidade de São Paulo)
XIV
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAMINHOS DE UMA CONSTRUÇÃO, CONSTRUÇÕES DE UM CAMINHO
14
CAPÍTULO I
1 CURRÍCULOS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA NO ESTADO DA BAHIA:
UMA REVISÃO HISTÓRICA
................................................................................
35
1.1 Mapeando o cenário ........................................................................................... 36
1.2 Currículos de História no Estado da Bahia: prescritos ...................................... 38
1.3 Currículos oficiais e livros didáticos de História ............................................... 61
CAPÍTULO II
2 SABERES E PRÁTICAS DE ENSINO DE HISTÓRIA NO NÍVEL MÉDIO ... 77
2.1 Educação e ensino em Vitória da Conquista-BA .....
..........................................
78
2.2 Currículos e ensino de História no Estado da Bahia ..........................................
83
2.3 Currículo vivido(?): o que dizem os diários de classe .......................................
87
2.4 Formação inicial e continuada dos/as docentes ................................................. 92
2.5 Concepções: ser professor/a e ensino de História ............................................ 104
CAPÍTULO III
3 ENTRE O CURRÍCULO PRESCRITO E O VIVIDO: TENSÕES, APROXI-
MAÇÕES E DISTANCIAMENTOS ......................................................................
114
3.1 Ensi
no de História na sala de aula: o currículo vivido ......................................
118
3.2 Currículo: como os/as docentes o concebem .....................................................
130
3.3 Currículo oficial e vivido: tensões, aproxi
mações e distanciamentos ...............
136
CONSIDERAÇÕES FINAIS
................................................................................
149
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 155
ANEXOS ................................................................................................................. 163
14
14
INTRODUÇÃO
CAMINHOS DE UMA CONSTRUÇÃO, CONSTRUÇÕES DE UM CAMINHO
O ensino de História tem sido amplamente discutido e revisto. Isso vem ocorrendo,
especialmente, em função das transformações por que m passado as sociedades nas últimas
décadas. O esfacelamento de parte do mundo socialista, a consolidação do processo de
globalização, as aberturas políticas, uma maior organização e reivindicações de grupos sociais
e étnicos, tradicionalmente colocados à margem da sociedade, o desenvolvimento das novas
tecnologias da informação e comunicação são exemplos representativos de algumas dessas
mudanças. A essas questões devem ser somadas a revisão e ampliação das pesquisas e teorias
na área da historiografia, da educação e do currículo, como alguns dos fatores que
possibilitaram o repensar e o fazer cotidiano do ensino de História em sala de aula.
No caso do Brasil, essa necessidade de repensar o ensino de História liga-se, ainda, a
outras particularidades históricas, uma vez que o processo de colonização gerou
características peculiares e uma cultura variada. Deve ser atribuída, também, aos regimes
políticos adotados em nosso país, ao longo da sua história, constituídos em bases que pouco
abriram espaço para a participação democrática e o exercício da cidadania plena, que ficaram
restritos, quase sempre, a uma minoria, constantemente sequiosa de manter seu status quo.
A História ainda é concebida pela maioria das pessoas como ciência do passado.
Marc Bloch
1
(1987, p. 29) não admitia esse entendimento restritivo e a definiu como “a
ciência dos homens no tempo”. Segundo ele, ao se entender a História por essa ótica, seriam
ressaltadas características fundamentais à sua compreensão, especialmente seu caráter
humano, pois para ele “[...] o objeto da história é por natureza o homem [...], ou melhor, os
1
Historiador francês. Um dos fundadores da revista Annales d’histoire économique et sociale (1929-1939). De
acordo com Peter Burke (1997, p. 11-12), essa revista visava promover um novo paradigma para a História à
medida que propunha a substituição da tradicional narrativa pela história-problema, a interação com outras
disciplinas e questionava a ênfase nos acontecimentos políticos.
15
15
homens” (p. 28). Mas ela não é ciência dos homens, Bloch completa dizendo que ela é a
relação que os homens travam entre si mediada pelo tempo, entendido não de forma linear,
cronologicamente determinado, mas carregado de dialeticidade, pois “é também perpétua
mudança” (p. 29).
March Bloch não escondia sua paixão e devotamento pela História. Propugnava por
uma História que respondesse às perguntas das crianças, dos jovens e que estivesse em de
igualdade com outras disciplinas escolares
2
Preocupava-se com a forma como o ensino de
História deveria ser ministrado e defendia que ele ocorresse de maneira prazerosa, sedutora e
que extrapolasse os muros da escola.
Apesar de seus esforços, bem como de outros historiadores, em defesa da História e
seu ensino, no que diz respeito à sua prática em sala de aula, ela continua a ser vista, por
muitos, sob a perspectiva tradicionalista e a ser entendida como estudo do passado, um
passado que privilegia os acontecimentos políticos, as guerras e os “heróis”. Mesmo com as
consideráveis mudanças ocorridas ao longo do século XX e início do século XXI, em muitas
escolas o ensino de História continua a carregar em si a tradição positivista, que nem mesmo
outras formas de interpretações da realidade, tais como o marxismo e a nova história,
conseguiram romper. Além disso, o ensino, em muitas realidades escolares, ainda é
ministrado de acordo com o modelo herdado dos jesuítas, em que o professor fala, detém a
verdade, e o aluno somente escuta e, no caso de História, “memoriza” os fatos.
Como Marília Cruz (2001, p. 75-76), entendemos que
[...] nós, professores de História, clamamos por um novo ensino de História,
que consiga trazer à escola a riqueza das novas concepções de produto do
conhecimento histórico e de ensino-aprendizagem.
[...] Trata-se, essencialmente, de uma questão de mudança de mentalidade,
de aceitação do novo e de todas as suas conseqüências, pois a conservação
2
Disciplina escolar aqui é entendida como “[...] conjunto de conhecimentos identificado por um título ou rubrica
e dotado de organização própria para o estudo escolar, com finalidades específicas ao conteúdo de que trata e
formas próprias para sua apresentação”. (FONSECA, T., 2004, p. 15).
16
16
do velho “paradigma” de ensino escolástico mostra nas estatísticas as suas
conseqüências de insucesso escolar [...].
Concordamos com a autora que é preciso considerar a centralidade do papel dos
professores/as nesse processo de modificação; no entanto, é importante destacar que não se
trata somente de uma mudança de mentalidade, uma vez que isso seria colocar, unicamente,
sobre seus ombros a responsabilidade pela melhoria da qualidade da educação. Essa questão
extrapola os muros da escola e diz respeito, também, ao modelo político, econômico, social e
cultural construído em nosso país. As dificuldades vividas por aqueles/as que lidam com
educação revelam sua face mais complexa, a sala de aula.
Uma das dificuldades que se apresenta no exercício do magistério relaciona-se à
identidade profissional do/da docente. Essa dificuldade é apontada por Selva Fonseca (2003,
p. 28), ao afirmar que o/a docente vive uma ambigüidade, pois
[...] ocupa uma posição estratégica e ao mesmo tempo desvalorizada;
desenvolve uma prática cultivada e ao mesmo tempo, aparentemente,
desprovida de saberes; vive cotidianamente o dilema entre a autonomia
profissional e a ameaça da proletarização e da reprodutividade.
O processo de proletarização
3
pelo qual passam os/as profissionais docentes não diz
respeito, unicamente, a fatores financeiros, à desvalorização salarial, liga-se ainda à perda de
autonomia sobre seu próprio fazer, à precarização das condições de trabalho, à política de
formação inicial e continuada e ao desencanto com a profissão.
Além das questões apontadas, é preciso considerar também o fato de que muitos
professores/as escondem-se atrás do que Antonio Nóvoa chama de “discursos álibis”, numa
tentativa de mascarar sua responsabilidade frente aos problemas educacionais. Entendemos
3
Sobre proletarização ver entre outros: ENGUITA, Mariano F. A ambigüidade da docência: entre o
profissionalismo e a proletarização. Tradução de Álvaro M. Hipólito. Teoria & Educação, Porto Alegre, n. 4,
1991, p. 41-61 e CONTRERAS, José. A autonomia de professores. Tradução de Sandra T. Valenzuela. São
Paulo: Cortez, 2002.
17
17
que parte dessas mudanças requer a participação e o compromisso desses/as profissionais, o
que implica no seu envolvimento na luta por uma sociedade de fato mais humanizada.
O interesse pelo tema desta pesquisa surgiu da nossa vivência como professora de
História, no ensino médio da rede pública estadual de Vitória da Conquista, município do
Estado da Bahia, Brasil. A cada início do ano letivo, especialmente durante as semanas
pedagógicas momento dos professores/as elaborarem seu currículo anual eram freqüentes
as dúvidas. No caso da disciplina História, algumas indagações nos acompanharam: O que
devemos ensinar? Por que escolhemos tais conhecimentos, e o outros? Como romper com
um ensino eurocêntrico, branco, heterossexual, masculino e linear? O que alunos/as gostariam
de aprender? Como despertar neles/as o interesse e o gosto pela História? Como alunos/as e
docentes podem construir um currículo em que se sintam representados? Como fazer com que
indivíduos comuns, e não somente alguns, apareçam como produtores da história no tempo?
Qual a concepção de História e de seu ensino, nós professores/as temos? Esses
questionamentos nos levaram ao objeto desta pesquisa: a análise de como os professores e
professoras constroem os currículos escolares.
No ensino médio, há uma outra questão que atinge todas as disciplinas e se relaciona
ao tipo de educação básica promovida pelo Estado. Queremos “preparar” o aluno/a para o
mercado de trabalho seja no contexto imediato ou para ingressar na universidade,
oportunizando reais chances de concorrer ao vestibular ou propiciar-lhes uma formação de
caráter mais geral que os/as ajude a se verem como seres integrais e que os/as habilitem ao
exercício da cidadania plena.
Aos questionamentos, somavam-se as angústias, a cada balanço realizado nos finais
de ano, durante e após os Conselhos de Classe, que, em vez de se constituírem em momento
de avaliar o processo de ensino-aprendizagem, funcionam, de maneira geral, como meio de
aprovação em massa dos alunos. Destaca-se nesses conselhos, o fato de os gestores
18
18
“precisarem” fornecer números indicadores educacionais positivos à Secretaria Estadual de
Educação, tendo que contar, para isso, com o aval dos/as docentes.
Das incertezas e ansiedades partilhadas por outros/as colegas mas,
principalmente da vontade de (re)pensar a prática escolar cotidiana, nasceu o projeto de
pesquisa apresentado e aprovado junto ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Uberlândia, com o intuito de contribuir para o ensino de
História e para o campo de estudo do currículo.
Consideramos superada a visão de currículo como algo técnico, cuja elaboração se
baseia apenas em indicações oficiais, desprovidas de qualquer interesse. Ao contrário, quanto
mais os teóricos se debruçam sobre seu estudo, tanto mais percebem o quanto ele é carregado
de ideologias, valores e representações. Daí questionarmos o modo como está organizado o
conhecimento escolar, pois essa organização implica em relações de poder.
Num mundo “à deriva”, onde as correntes críticas e pós-críticas mudaram,
radicalmente, a forma de olhar o currículo, compartilhamos a concepção de Tomaz Tadeu da
Silva (2002, p. 150). Segundo ele,
O currículo tem significados que vão muito além daqueles aos quais as
teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar, espaço, território. O
currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem, percurso. O
currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no currículo se forja
nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O currículo é
documento de identidade.
Embora, há muito tempo, seja alvo de atenção dos que procuravam entender o
processo educativo, o estudo do currículo foi ampliado no final do século XIX e início do
século XX nos Estados Unidos, quando um grande número de estudiosos começou a analisá-
lo de forma mais cuidadosa, criando, assim, um novo campo de investigação. Claro que o
currículo estava implícito nas teorias pedagógicas, porém o sentido que atualmente lhe
atribuímos só pôde emergir graças
19
19
[...] a formação de um corpo de especialistas sobre currículo, a formação de
disciplinas e departamentos universitários sobre o currículo, a
institucionalização de setores especializados sobre o currículo na burocracia
educacional do estado e o surgimento de revistas acadêmicas especializadas
sobre currículo. (SILVA, 2002, p. 21).
Segundo Antonio Flavio Moreira e Tomaz Tadeu da Silva (1995, p. 11), inicialmente
o campo de estudo do currículo foi dominado por duas tendências: uma primeira que tinha
como ideal elaborar um currículo que atendesse aos interesses dos alunos, cujos nomes de
destaque são os de Dewey e Kilpatrick; uma outra que esperava que o currículo desenvolvesse
características consideradas desejáveis a um adulto, tendo como principal expoente Bobbitt.
Sem representar uma transferência fax símile dos modelos norte-americanos (MOREIRA,
1990), no Brasil essas tendências contribuíram, respectivamente, para o surgimento do
escolanovismo, nos anos de 1920 e 1930, e do tecnicismo, cuja presença foi marcante nos
anos de 1970, sob o regime ditatorial, como resultado da forte ligação entre o governo
brasileiro e os Estados Unidos e a necessidade de preparação de mão-de-obra especializada.
Em meio a Guerra Fria, especialmente depois que os russos lançaram o Sputnik,
4
o
governo norte-americano começou a culpar os educadores progressistas pelo fracasso na
corrida espacial e passou a defender uma maior qualidade no ensino. Por isso, recursos
federais foram alocados para a realização de reformas, em que o novo modelo de currículo
deveria enfatizar a prática investigativa e o pensamento indutivo. No entanto, essas medidas
foram neutralizadas pelos graves problemas que atravessava a sociedade norte-americana nos
anos de 1960.
Durante o primeiro governo do presidente Richard Nixon,
5
as palavras de ordem
voltaram a ser eficiência e produtividade. Nesse contexto, os discursos pedagógicos seguiam
três tendências: uma que defendia a escola tecnocrática e eficaz; outra que era favorável ao
4
Primeiro satélite artificial do mundo, lançado ao espo em 1957 pelos russos.
5
Eleito pela primeira vez presidente dos Estados Unidos em 1968 e reeleito em 1973 renunciou ao cargo em
1974.
20
20
humanismo e pregava maior liberdade na escola; e uma terceira de caráter utópico, que
desejava o fim da escola. Ocorre que nenhuma delas questionava de maneira mais profunda o
tipo de sociedade que havia se consolidado e o papel da escola nessa sociedade.
Apesar das tentativas realizadas anteriormente em vários países, os estudos sobre
currículo vieram a deslanchar após uma conferência realizada na Universidade de
Rochester, Nova York, em 1973. A despeito das várias correntes que dela fizeram parte e de
suas divergências, o chamado movimento de reconceptualização rejeitava o entendimento
dominante sobre currículo, que o compreendia unicamente como atividade técnica e
administrativa. De acordo com Antonio Flavio Moreira e Tomaz Tadeu da Silva (1995, p. 15),
a partir dessa conferência, duas grandes tendências se desenvolveram: uma associada às
Universidades de Wisconsin e Columbia, fundamentada em bases neomarxistas e na teoria
crítica da Escola de Frankfurt; e uma segunda, cujo maior desenvolvimento se deu na
Universidade de Ohio, e estava ligada à fenomenologia e hermenêutica.
No final dos anos 70 do culo XX, surgiram outras tendências que incrementaram o
campo do currículo. Entre elas, a dos autores neomarxistas que, nos Estados Unidos, foram os
precursores do que passou a ser denominado de Sociologia do Currículo, que buscou analisá-
lo em suas relações com aspectos sociais variados, como cultura, poder, ideologia etc. O
objetivo primordial desses estudos era entender a favor de quem era aplicado o currículo e
como fazê-lo em prol das classes oprimidas.
Nesse período, sociólogos britânicos também manifestavam essas mesmas
preocupações e procuraram traçar novos caminhos para a Sociologia da Educação. Essa
discussão deu-se, principalmente, em função dos sociólogos do Departamento de Sociologia
da Educação do Instituto de Educação da Universidade de Londres, que começaram a ver a
Sociologia da Educação como uma Sociologia do Currículo, opondo-se a “antiga” Sociologia
da Educação, que dava ênfase à empiria e à estatística, e não à problematização do currículo.
21
21
Essa tentativa de compreender melhor o campo do currículo passou a ser denominada de
Nova Sociologia da Educação (NSE) que, de fato, representou a primeira corrente sociológica
voltada para o estudo do currículo e sua relação com as formas de poder.
Embora os primeiros textos da NSE não fossem homogêneos e, atualmente, ela tenha
se dissolvido frente a uma diversidade analítica e teórica, como os estudos de gênero, raça,
etnia, cultura, pós-estruturalismo e pós-modernismo, não podemos deixar de levar em conta a
grande contribuição norte-americana e européia para o desenvolvimento da NSE e para a
Sociologia do Currículo. Antonio Flavio Moreira e Tomaz Tadeu da Silva (1995, p. 20)
consideram que
suas formulações têm constituído referência indispensável para todos os que
se vêm esforçando por compreender as relações entre os processos de
seleção, distribuição, organização e ensino dos conteúdos curriculares e a
estrutura de poder do contexto social inclusivo.
No Brasil, os primeiros estudos sobre o currículo deram-se em torno da década de
1920. Para Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo (2002, p. 14), esses estudos eram
marcados por transferências instrumentais de teorias americanas, concepção criticada por
Antonio Flávio B. Moreira (1990, p. 18), para quem o próprio desenvolvimento do campo do
currículo em sua origem “[...] deve ser visto mais como um compromisso entre interesses
divergentes que como a expressão coerente de determinados propósitos e ideologias”. De
acordo com esse autor, é impossível pensar o campo do currículo como mera transferência,
conforme defendem as perspectivas do imperialismo cultural e do neocolonialismo. Para ele,
isso seria simplificar os ajustamentos, filtragem e reinterpretação que essas teorias sofrem no
contato com outros países. Conforme o próprio autor:
[...] as duas abordagens principais da transferência educacional falham
principalmente por não levar em conta, nas interpretações, a mediação dos
contextos culturais, políticos, sociais e institucionais dos países centrais e
22
22
periféricos e por não avaliar devidamente a importância das resistências,
adaptações, rejeições e substituições que ocorrem durante o processo
(MOREIRA, 1990, p. 24).
Apesar de não concordar com estudos que defendem a pura transferência
educacional, este autor afirma que, durante vários anos, houve o predomínio das teorias norte-
americanas nos estudos e práticas curriculares brasileiros. Somente a partir dos anos de 1980,
com o enfraquecimento da Guerra Fria e as lutas pela redemocratização do país, a hegemonia
do referencial funcionalista norte-americano foi abalada, abrindo espaços para autores
europeus e dando lugar às vertentes marxistas, que aqui foram disputadas por dois grupos: o
da pedagogia crítico-social dos conteúdos e o das propostas relacionadas à educação popular.
De acordo com Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo (2002, p. 14), no início da
década de 1990,
os estudos em currículo assumiram um enfoque nitidamente sociológico, em
contraposição à primazia do pensamento psicológico até então dominante.
Os trabalhos buscavam, em sua maioria, a compreensão do currículo como
espaço de relações de poder.
Atualmente, o campo do currículo encontra-se bastante ampliado e relaciona-se a
ideologia, cultura, identidades e poder, nas perspectivas mais variadas, como a
multirreferencialidade, currículo em rede, currículo rizomático, entre outras. Representa,
portanto, uma vasta área onde muito a se pesquisar, especialmente com fundamento na
prática pedagógica e no cotidiano escolar, buscando assim o entendimento – ainda que parcial
de como as relações de poder, oposão, resistência e subversão se estruturam por meio
dele.
Nesse contexto de produção acadêmica, o objetivo desta pesquisa é analisar os
currículos de História prescritos e vividos no ensino médio da rede pública estadual do
município de Vitória da Conquista, BA, Brasil, no período de 1993 a 2000. Como objetivos
23
23
específicos, buscamos: 1) Identificar e discutir os currículos oficiais prescritos e livros
didáticos sugeridos pela SEC-BA para o ensino de História no nível médio, durante o recorte
temporal da pesquisa; 2) Analisar as relações entre saberes, formação e práticas do ensino de
História no nível médio; 3) Analisar as relações entre o currículo oficial prescrito e o vivido
pelos professores e professoras, buscando perceber tensões, aproximações e distanciamentos
entre as duas dimensões curriculares.
Para a compreensão de currículo prescrito ou oficial, utilizamos o conceito de Ivor
Goodson (2003, p. 21) que também o denomina de currículo escrito para quem esse tipo
de currículo “[...] nos proporciona um testemunho, uma fonte documental, um mapa do
terreno sujeito a modificações; constitui também um dos melhores roteiros oficias para a
estrutura institucionalizada da escolarização”. Estamos entendendo como currículo oficial,
portanto, aquele elaborado nas/pelas instituições e órgãos públicos responsáveis pela
educação formal.
Por sua plasticidade conceitual e também inspiradas em Ivor Goodson, concebemos
o currículo vivido como aquele modelado na prática e que se processa na interação e
intercâmbio entre seus protagonistas. É no interior da sala de aula que ele se constrói,
envolvendo o imprevisível, o pensar, o sentir, a socialização, as formas singulares de
transmissão, recepção e produção de saberes, as mensagens, os valores, as iias que são
partilhadas no diálogo.
A escolha do recorte temporal (1993/2000) deve ser explicada. Inicialmente, nossa
pretensão era abranger desde a década de 1970 na tentativa de comparar os currículos
construídos e implantados durante a Ditadura Militar com aqueles elaborados no processo de
redemocratização do país. Ocorre, porém, que, ao realizar o levantamento dos currículos
24
24
oficiais, no caso, as sugestões de conteúdos
6
que foram encaminhadas nos anos de 1970 pela
Secretaria de Educação e Cultura da Bahia (SEC-BA), via Diretoria Regional de Educação,
jurisdicionada em Vitória da Conquista (Direc/20), às unidades escolares a ela integradas,
constatamos a inexistência desses registros. Nas escolas percorridas, o arquivamento de
documentos mais antigos, tais como atas de reuniões, diários de classe ou programas das
disciplinas. A ausência do que constituiria as prescrições legais, ou currículos oficiais, nos
impossibilitou recuar mais no tempo a investigação e nos obrigou a definir como início da
pesquisa os anos de 1993 pelo fato de os currículos prescritos terem sido localizados a partir
desse ano e, como data final, o ano de 2000 por ter sido esse o ano de início da reforma
curricular que visava adequar os currículos da rede estadual de ensino à LDB 9.394/96, às
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).
A própria SEC-BA não possui sob sua guarda essas indicações de conteúdo, bem
como outros documentos educacionais de natureza variada.
7
Graças ao interesse de uma
funcionária da Direc/20 em guardar alguns documentos considerados “papéis velhos”,
tivemos acesso às sugestões encaminhadas nos anos de 1990, porém de maneira incompleta e
descontínua.
A importância e o olhar do pesquisador/a, do administrador/a escolar e dos técnicos
de Secretarias de Educação, sobre documentos produzidos no âmbito da escola ou a ela
concernentes não são os mesmos. O pesquisador/a enxerga nos documentos, especialmente
nos mais antigos, a possibilidade de trazer à tona aspectos da história e da memória escolar,
enquanto técnicos/as e administradores/as os vêem como algo que tem um tempo de vida pré-
definido, sendo válido apenas enquanto servem para encaminhamento de processos, depois
passam a ser considerados pertencentes ao arquivo inativo, cujas dependências físicas não
6
Vários professores e funcionários da SEC-BA garantiram que chegaram a conhecer os livros contendo essas
sugestões, lembrando-se inclusive do seu formato e variação de cores. Infelizmente, não tivemos acesso a
nenhum deles que correspondesse aos anos de 1970 e 1980, o que enriqueceria sobremaneira este trabalho.
7
Segundo informações obtidas junto a SEC-BA, esse fato deve-se a um incêndio sofrido em suas dependências
em outubro de 2003, reduzindo à cinzas arquivos que constitam acervo sobre a história da educação na Bahia.
25
25
comportam sua guarda por um período maior que o prescrito por leis específicas. Diante
disso, constatamos com tristeza a inexistência ou a conservação de documentos
fundamentais para a reconstituição dessa história no Estado da Bahia.
Também consideramos dispensável fazer uma retrospectiva do ensino de História nas
duas décadas imediatamente anteriores ao período em foco, uma vez que o tema já foi
amplamente analisado, sob diversas vertentes teóricas.
8
Nosso interesse pelo estudo no campo do currículo veio dos questionamentos,
anteriormente descritos, e das leituras que nos indicavam não ser ele um campo neutro e
destituído de disputas. Concordamos com Tomaz Tadeu da Silva (2001, p. 29) quando
expressa:
[...] como macrodiscurso, o currículo tanto expressa as visões e os
significados do projeto dominante quanto ajuda a reforçá-las, a dar-lhes
legitimidade e autoridade. Como microtexto, como prática de significação
em sala de aula, o currículo tanto expressa essas visões e significados quanto
contribui para formar as identidades sociais que lhe sejam convenientes.
Se entendermos o macrodiscurso como o currículo prescrito ou oficial, as
possibilidades de mudança exíguas, uma vez que ele é construído distante de seus principais
atores/atrizes – aqueles/as que vivem o dia-a-dia da escola – e cujos interesses, na maioria das
vezes, são conflitantes com os de quem o “fabrica”. Por outro lado, como microtexto, pode,
sim, ser alterado pelo currículo vivido e ajudar a subverter o projeto dominante, formando
identidades representativas dos/das que estão na sala de aula, que vivem o cotidiano escolar e
social, pois como diz Paulo Freire (2003, p. 23), “a consciência crítica [...] é anárquica”.
Visando alcançar os objetivos expostos, foi traçado um caminho metodológico. Não
concebemos a empiria separada da teoria e, muito menos, nossas reflexões e seus resultados,
8
Para maiores referências, ver CAIMI, Eloísa Flávia. Conversas e controvérsias: o ensino de história no Brasil
(1980-1998). Passo Fundo: UPF, 2001, onde é possível encontrar um mapeamento feito pela autora sobre a
produção relativa ao ensino de História nas décadas de 1980 e 1990.
26
26
distantes de ambas. Essas fases vão desde as formulações pessoais sobre o que foi lido e
discutido, aos momentos de análise do material coletado durante o trabalho de campo, que,
por sua vez, perpassam a escrita. Carregamos, em nós, lembranças dos diálogos com os
autores/as escolhidos/as, com os professores/as e colegas, com os sujeitos da pesquisa, com
nossos orientadores/as, com outras pessoas não diretamente envolvidas e ainda com diferentes
linguagens, tais como poesia, filme, conto e literatura. Tudo está sempre sendo revisitado.
É preciso ter em mente, também, que o conhecimento é socialmente produzido. Nos
apoiamos em autores/as e teorias para criarmos, segundo a conceituação de González Rey
(2002, p. 7), as “zonas de sentido” de nossas próprias pesquisas e, com base nelas,
produzirmos novos conhecimentos.
Grandes são as dificuldades nesse processo de construção, e não nos referimos
somente às questões teóricas. Durante os dois anos em que estamos envolvidos em uma
pesquisa que culminará com a Dissertação, tantas coisas ocorrem no mundo e nos fazem
mudar o olhar e também pensar sobre outras tantas que antes não tínhamos em mente. Isso diz
respeito ao global, às ações sociais que acabam por interferir em nossas vidas.
Porém, as mudanças que nos afetam de maneira mais intensa são aquelas
relacionadas ao nosso cotidiano mais próximo, afinal a vida não estaciona enquanto estamos
vivendo “o tempo da pesquisa”. Entre os que passam por esse momento alguns se casam,
outros ficam noivos; uns rompem casamento, “desrompem”; outros tantos sofrem saudades da
família, dos amigos e amores distantes; uns tantos mudam-se de casa, de cidade; perdem
pessoas queridas. Outras horas nos alegramos, rimos, choramos; fazemos preces. E assim a
vida vai passando, a nossa história vai sendo construída, pois, como diz o poeta Ferreira
Gullar,
a história humana não se desenrola apenas nos campos de batalha e nos
gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas
27
27
e galinhas; nas ruas de subúrbio, nas casas de jogo, nos prostíbulos, nos
colégios, nas ruínas, nos namoros de esquina [...].
9
Mas o que estas questões tão particulares têm a ver com a escolha metodológica? Na
verdade, ao decidirmos sobre nosso objeto de pesquisa, ao defini-lo, estamos agregando a
ele a nossa subjetividade, nossa cultura, nossas representações de mundo, pois, conforme as
palavras de Ivor Goodson (2003, p. 101), “[...] o conhecimento não é um processo de pesquisa
desapaixonada. É, sim, um empreendimento social e politicamente fundamentado [...]”. E é a
partir do que somos, de nossa visão política e social, que previamente traçamos a metodologia
que poderá melhor nos conduzir ao sucesso de nossa empreitada.
Assim, entre idas e vindas, entre orientações, leituras, discussões em sala de aula,
reflexões, foi possível entender que a abordagem qualitativa melhor se adequaria ao objeto,
aos problemas e ao objetivo focalizados. Foram utilizadas fontes orais complementadas por
fontes escritas. Um outro fator que influenciou nessa escolha relaciona-se às características
desse tipo de abordagem, em que o pesquisador aparece de fato como produtor de
conhecimento, não como alguém que está acima do objeto cognoscível, mas que interage com
ele, influencia e é influenciado.
Apesar dessa valorização do sujeito pesquisador, consideramos que a pesquisa
apenas traz uma versão possível ao “nosso” objeto, não a última e verdadeira, uma vez que o
importante não são as respostas que se obtenham, e sim a construção do conhecimento que
venha proporcionar. Essa maneira de olhar o sujeito e a pesquisa aponta, também, para a
superação da suposta neutralidade científica.
Na abordagem qualitativa, a singularidade tem um caráter de legitimidade, pois
“compreender a ciência como produção diferenciada de indivíduos com trajetórias únicas,
pressupõe recuperar o lugar central do cientista como sujeito de pensamento e, com isso, o
lugar central do teórico na produção científica [...]”. (GONZÁLEZ REY, 2002, p. 28).
9
Extraído de: <http://www.klickescritores.com.br/pag_escrit/fgullar06.htm>. Acesso em: 29 jul. 2005.
28
28
Uma outra característica desse tipo de abordagem é que, enquanto nos referenciais
metodológicos pautados no mecanicismo, o sujeito da pesquisa aparece, simplesmente, como
mais um elemento a ser estudado, nela ele pode interferir no processo. Ocorre uma relação de
diálogo, de reciprocidade, sem hierarquização, representando a união entre comunicação e
emoção. Entre pesquisador e sujeito, a interação ocorre de forma horizontal, especialmente à
medida que aceitamos que todos/as têm um saber.
O fato do sujeito pertencer a ambientes sociais e culturais diversos nos obriga a levar
em conta que suas respostas são carregadas de subjetividade pessoal e social, o que,
entretanto, não deve ser considerado elemento que falseia a pesquisa. Por constituir-se em
uma relação de troca, ao participar dessa construção, o sujeito da pesquisa também reflete
sobre o seu fazer.
Se na perspectiva positivista o uso de instrumentos representa um fim em si mesmo
para se conseguir dar respostas, na abordagem qualitativa eles passam a ser “[...] uma
ferramenta interativa, não uma via objetiva geradora de resultados capazes de refletir
diretamente a natureza do estudado independentemente do pesquisador”. (GONZÁLEZ REY,
2002, p. 80).
Para o desenvolvimento desta investigação, nosso corpus documental constitui-se do
referencial bibliográfico, que possibilita uma melhor compreensão dos temas apontados
ensino de História e currículo , de documentos oficiais, como Leis e Resoluções Federais e
Estaduais, recolhidos junto à Direc-20, ao Conselho Estadual de Educação (CEE) e ao
Instituto Anísio Teixeira (IAT).
10
Realizamos também o levantamento de teses e dissertações
sobre o ensino de História no acervo da Faced/Ufba, Mestrado em História/Ufba,
10
De acordo com: <http://www.sec.ba.gov.br/iat/>. Acesso em: 11 nov. 2005, o IAT, criado em 1983, é um
órgão em regime especial de administração direta, integrante da estrutura da Secretaria da Educação e Cultura, e
tem como finalidade planejar e programar estudos e projetos referentes a ensino, pesquisa, informações
educacionais e capacitação de recursos humanos na área de educação.
29
29
Faaeba/Uneb, Ucsal, UFU e bancos de dados da Unicamp, USP e Capes a fim de identificar o
estado da arte.
Constatamos que os trabalhos relacionados ao ensino de História no Estado da Bahia
ainda são poucos. Foram localizadas quatro teses de doutoramento e quatro dissertações de
Mestrado. As teses são: História do Brasil: a versão fabricada nos livros didáticos de 2º
grau (Faced/PPG/Ufba, 1981) de autoria de Maria Laura P. B. Franco; Procedimentos de
hipermídia em rede de computadores, um ambiente mediador para ensino-
aprendizagem de História (Faced/PPG/Ufba, 2001) de Alfredo Eurico Rodrigues Matta; O
ensino de História: inventos e contratempos (Faced/PPG/Ufba, 2003) tendo como autora
Antonieta de Campos Tourinho e A formação e a prática dos professores de História:
enfoque inovador, mudança de atitudes e incorporação das novas tecnologias nas escolas
públicas e privadas do Estado da Bahia, Brasil (Universidad Autónoma de Barcelona,
2004), cuja autoria é de Carlos Augusto Lima Ferreira. As dissertações de mestrado são: O
ensino de História numa sociedade de classes: análise comparativa entre as escolas
públicas e escolas particulares (Faced/PPG/Ufba, 1979) de Tereza Cristina Álvares de
Aragão; O ensino de História nas escolas de ensino fundamental e médio de Salvador de
Bahia: análises de variáveis e a contribuição do computador (Universidad Autónoma de
Barcelona, 1997) de Carlos Augusto Ferreira; A formação do professor de História:
implicações e compromissos (Faced/PPG/Ufba, 1991) de Maria Inês Correa Marques e
Epistemologia, linguagem e ensino de História: sentido implicado e compreensão
respondente no encontro dialógico entre palavras e contrapalavras (PPGEC/Uneb, 2004)
cuja autoria é de José Gledison Rocha Pinheiro.
Além das fontes acima indicadas, realizamos a análise documental dos PCNs para o
Ensino Médio (Ciências Humanas e suas Tecnologias e Bases Legais), das sugestões
curriculares elaboradas pela Secretaria Estadual da Educação-BA uma vez que elas
30
30
representam o currículo prescrito. Por entendermos que os livros didáticos são expressões do
currículo em sala de aula, analisamos seis dos que foram indicados nas sugestões
curriculares” do Estado da Bahia durante o recorte temporal da pesquisa. Nessa análise não
foram considerados os discursos presentes ou subjacentes aos textos, e sim sua forma de
organização e o currículo neles apresentados. Outra fonte que compõe o corpus da pesquisa
são os diários de classe de História referentes ao ensino médio durante o período em foco.
Optamos por analisá-los como dimensões do currículo vivido porque, mesmo entendendo que
o registro pode ser modificado pelo professor/a, via de regra, ele representa, traduz, manifesta
vivências curriculares.
O trato com a documentação exige acuidade, uma vez que não a concebemos como
mera narração. O desafio é tentar captar o somente o explícito, mas também os silêncios
dos documentos, lembrando que eles não constituem elementos neutros, pois carregam
subjetividade tanto relacionada ao contexto em que foram produzidos, quanto de quem os
produziu. Sua análise deve dar sentido aos problemas levantados e considerar também a
complexidade das relações sociais e, conseqüentemente, de suas produções.
Buscando a ampliação da análise, utilizamos fontes orais por meio da técnica da
história oral temática.
11
Foram realizadas entrevistas orais semi-estruturadas, gravadas em
áudio e, posteriormente, transcritas e textualizadas, entendendo essa técnica não como simples
coleta de dados, mas uma forma de dar acesso às vozes dos sujeitos, uma vez que não se
assemelha a “[...] um perene tagarelar ou a um praguejar repetitivo. Pois não é de palavras
apenas que a linguagem está esvaziada, mas de história”. (KRAMER; SOUZA, 1996, p. 16).
Lembramos que histórias carregam humor, ironia, sentimentos, reflexões e que, num sentido
11
Para BOM MEIHY (2002), a história oral temática serve como técnica na medida em que, estabelecendo um
diálogo com outras fontes escritas ou imagéticas, as complementam.
31
31
benjaminiano,
12
não estão preocupadas em dar respostas e sim relacionar memória e
historicidade, narrar o que é verdadeiro, tem importância e sentido para quem está contando.
Realizamos oito entrevistas semi-estruturadas com professores/as de História,
enfocando, especialmente, os temas: ensino de História, formação, currículo e práticas
pedagógicas. Esse número foi definido por considerarmos que atende aos objetivos propostos.
Os entrevistados foram dois professores e seis professoras, atuando ainda na docência com
exceção de uma aposentada. Todos/as são graduados em História. Uma delas formou-se
inicialmente em Ciências Sociais vindo a complementar sua formação em serviço em
programa desenvolvido pelo MEC para qualificação de professores/as leigos. Uma outra
depoente possuía a graduação curta em Estudos Sociais, cursando a licenciatura plena em
História também já no exercício do magistério, lecionando essa disciplina.
Para a escolha dos sujeitos, utilizamos como critérios que tivessem sido
professores/as da disciplina no nível médio durante o recorte temporal da pesquisa e o fato de
terem se colocado à disposição para narrar suas experiências docentes no período em foco;
duas delas foram indicadas por outros professores. Todos os entrevistados/as concordaram em
ter seus nomes e narrativas divulgadas para o fim da pesquisa. Em função disso, não foi
necessário valer-nos do critério de invisibilidade da identidade dos sujeitos; os nomes
utilizados são, portanto, reais.
13
A Dissertação está organizada da seguinte forma: o primeiro capítulo Currículos
para o ensino de História no Estado da Bahia: uma revisão histórica faz uma análise de
como ocorreram as discussões curriculares no Estado durante o período abordado. Para tanto,
apoiamo-nos nas DCNs de História para o Ensino Médio; nos PCNs de História para esse
mesmo nível de ensino; nas sugestões curriculares estaduais e nos livros didáticos indicados
12
Em seu artigo O narrador. Considerações sobre a obra de Nicolai Leskov, Walter Benjamin (1994, p. 205)
afirma que a narrativa não está preocupada em dar respostas verdadeiras e definitivas ao narrado e sim
reconstituir memórias e socializá-las, dando-lhes sentido. Para ele, é por meio da narrativa que intercambiamos
experiências.
13
Nos anexos a relação dos professores/as colaboradores/as, bem como o roteiro de entrevista.
32
32
nos programas oficiais da SEC-BA. A análise do currículo prescrito é importante, pois, como
afirma Paulo Freire (1992, p. 110), o problema fundamental, de natureza política e tocado
por tintas ideológicas, é saber quem escolhe os conteúdos, a favor de quem e de que estará o
seu ensino, contra quem, a favor de que, contra que [...]”.
No segundo capítulo, Saberes e práticas no ensino de História no nível médio,
procuramos compreender, pela análise dos diários de classe e das entrevistas, dimensões dos
saberes e práticas pedagógicas dos professores/as de História. Algumas discussões presentes
nesse capítulo são: De acordo com os diários de classe, o que era ensinado? Qual a
importância da formação inicial e continuada na (re)elaboração dos saberes e na prática dos
professores/as de História? Que concepções os/as docentes têm sobre si e sobre o ensino de
História?
No terceiro capítulo, Entre o prescrito e o vivido: tensões, aproximações e
distanciamentos, buscamos perceber, no diálogo entre as narrativas dos/as docentes e a
literatura da área, como ocorria o ensino de História na sala de aula, o processo de
didatização, as concepções de currículo dos/as docentes e a influência do currículo oficial
sobre o vivido, disputas, conciliações e distanciamentos.
Nas Considerações Finais, apresentamos sínteses e reflexões sobre a investigação,
entendendo que todo trabalho de pesquisa ocorre com base em recortes, sempre arbitrários,
porém inerentes ao próprio pesquisar. Além do mais, esses recortes representam pontos de
vista, olhares sobre o mundo com as lentes que cada um pode ou tem para olhar, uma vez que
não temos a pretensão de esgotar o tema e muito menos achar que se trata de uma versão
verdadeira. Se assim agíssemos, estaríamos negando a dialética da história e da construção do
conhecimento.
Destacamos que o trabalho de pesquisa representa uma oportunidade de exercitarmos
o nosso livre pensar, prática referendada por González Rey (2002, p. 124), quando afirma que
33
33
“a criatividade e independência do pesquisador para ‘soltar’ seu pensamento são uma
condição essencial da construção teórica”.
Enxergando-nos, então, como construtores do conhecimento e esperando que este
trabalho possibilite uma perspectiva a mais para se entender e olhar o mundo ou mais
modestamente o ensino de História recorremos a Cecília Meireles (2002, p. 48):
Reinvenção
A vida só é possível
reinventada.
Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vêm de fundas piscinas
de ilusionismo... – mais nada.
Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.
Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! mentira
da lua, na noite escura.
Não te encontro, não te alcanço...
Só – no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só – na treva,
fico: recebida e dada.
Porque a vida, a vida, a vida,
a vida, só é possível
reinventada.
Cabe a todos nós, no processo de pesquisa ou fora dela, contribuirmos para
reinventar a vida, de maneira que ela fique mais bela. No caso do procedimento científico,
com os princípios que lhe são próprios e ajudam nesse reinventar, lembrando que o caminho
34
34
da reinvenção se faz correndo riscos de acertar, de errar, riscos inerentes ao próprio viver.
Este trabalho é parte desse processo.
35
35
CAPÍTULO I
1 CURRÍCULOS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA NA BAHIA: UMA
REVISÃO HISTÓRICA
[...] o Estado pode legislar mudanças no currículo, na avaliação
ou na política [medida produzida ela própria através de
conflitos, acordos e manobras políticas], mas os autores da
política e os autores do currículo podem não ter condições de
controlar os significados e implementações de seus textos.
Todos os textos são documentos “permeáveis”. Estão sujeitos a
“recontextualização” em todos os estágios do processo.
(APPLE, 2003, p. 106, grifos do autor).
Neste capítulo, produzimos uma retrospectiva sobre questões que envolvem o
currículo de História no nível médio, no Estado da Bahia, especialmente, na cidade de Vitória
da Conquista, durante os anos de 1990. O objetivo é discutir a constituição curricular dessa
disciplina apresentada nas propostas oficiais elaborados pela SEC-BA para o período em foco,
as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs)
14
e os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs),
15
correspondentes ao ensino médio, aos quais todos os Estados da Federação tiveram
que se adequar. Por entendermos que o livro didático tem constituído um dos principais
elementos no processo de seleção curricular, foram analisadas também seis das obras
indicadas pela SEC-BA, em seus programas, durante o recorte temporal da pesquisa.
Segundo Circe Bittencourt (2004, p. 12), na história dessa disciplina, podemos
perceber que as propostas curriculares nacionais implementadas a partir dos anos de 1990
deveram-se à necessidade de reelaboração tanto de conteúdos, quanto de métodos e
relacionam-se, ainda, “aos debates e confrontos surgidos no final do período da ditadura
militar”. Analisando as prescrições curriculares elaboradas a partir da última década, essa
autora afirma:
14
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio foram estabelecidas pela Câmara de Educação
Básica, através da Resolução nº. 3, de 26 de junho de 1998 do Conselho Nacional de Educação.
15
Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio foram instituídos pelo MEC no ano de 1999.
36
36
A leitura dos programas curriculares pode deixar uma impressão de
ambivalências e contradições quanto à dimensão de tais formulações, mas
acreditamos que essa é uma condição inevitável considerando-se que as
intenções do poder instituído e as da escola não são necessariamente
coincidentes (BITTENCOURT, 2004, p. 12).
Tais propostas carregam em si projetos políticos, valores, concepções de Estado, de
identidade e de cidadania, numa variação conceitual em que a visão pode ser comparada a um
caleidoscópio, cujas formas se alteram a depender da posição em que olhamos.
1.1 MAPEANDO O CENÁRIO
Inicialmente, é necessário situar geograficamente o lugar de onde falamos. O
município de Vitória da Conquista localiza-se, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), na microrregião geográfica do Planalto da Conquista e mesorregião
centro-sul baiano; ocupa uma área total de 3.204 km², incluindo 11 distritos e dista 512 km de
Salvador por via rodoviária. A população estimada para 2004 é de 281.684 mil habitantes.
16
A cidade teve como motor inicial de seu desenvolvimento econômico a pecuária.
Após a abertura da estrada Rio-Bahia na década de 1940, desenvolveram-se também o
comércio, a prestação de serviços e a agricultura. No ano de 2005, possuía mais de 300
estabelecimentos de ensino nos níveis fundamental e médio sendo um federal, com cursos
técnicos de nível médio – uma universidade estadual e três faculdades privadas.
16
Dados extraídos de: <http://www.ibge.gov.br/cidadesat/default.php>. Acesso em: 03 nov. 2005.
37
37
Figura 1 – Mapa do Estado da Bahia. Em destaque a cidade de Vitória da Conquista.
Fonte: Laboratório de Cartografia da Uesb.
De acordo com Maria Aparecida de Sousa (2001, p. 108), o processo de ocupação da
região começou em fins do século XVIII com o capitão-mor João Gonçalves da Costa,
integrante da bandeira do mestre-de-campo João da Silva Guimarães, e está ligado à expansão
colonizadora portuguesa e à busca de ouro, uma vez que as regiões auríferas das Gerais e Rio
de Contas já começavam a dar indícios de esgotamento. Ainda, segundo a autora, “as
primeiras referências do arraial da Conquista, no final do século XVIII, falam da existência de
um pequeno povoado onde moravam mais de 60 pessoas, entre índios aculturados e escravos
[...]”. (SOUSA, 2001, p. 164).
A denominação Conquista representa uma alusão à vitória obtida pelos colonizadores
frente aos embates ocorridos entre estes e as tribos Ymboré (ou Aimoré), Pataxó e Kamakã
(ou Mongoió), primitivos grupos habitantes da região que lutaram tenazmente para garantir a
38
38
posse de suas terras. No ano de 1840, o então arraial da Conquista foi elevado à condição de
Vila e Freguesia, passando a chamar-se Imperial Vila da Victoria. Em 1891, ascendeu à
categoria de cidade, recebendo a denominação de Conquista, sendo seu nome, finalmente,
modificado para Vitória da Conquista no ano de 1943.
1.2 CURRÍCULOS DE HISTÓRIA NO ESTADO DA BAHIA: PRESCRITOS
No Brasil, os anos de 1980 foram marcados por intensas discussões no campo
político e educacional. Particularmente para o ensino de História, foi uma cada em que as
lutas sociais, a mudança de mentalidades e uma maior participação popular obrigaram a rever
as finalidades e as práticas em sala de aula. Para Selva Fonseca (2000, p. 47), havia, “[...] de
um lado, um amplo debate, troca de experiências, um movimento de repensar as
problemáticas das várias áreas. Por outro lado, a permanência de uma legislação elaborada em
plena ditadura”.
Caminhando para a superação dessa dualidade, em 1988, foi promulgada a primeira
Constituição Federal pós-regime militar. Isso representou para o país a possibilidade de serem
elaboradas leis de caráter mais democrático.
Em seu art. 205, a Carta Magna reafirma o papel do Estado como gestor do sistema
educacional e chama a atenção para a responsabilidade da família e da sociedade. Em relação
ao nível médio, garante no art. 208, inciso II, sua progressiva universalização e gratuidade.
17
Em 20 de dezembro de 1996, foi aprovada uma nova lei de diretrizes e bases da
educação. Entretanto, a Lei 9.394/96 não foi construída pelos agentes da sociedade civil mais
diretamente envolvidos com a educação. A proposta discutida, elaborada e apresentada por
esses agentes, após anos de tramitação no Congresso Nacional, foi substituída pela do então
17
Os dados da SEC-BA apontam crescimento de 214,4% durante os anos de 1991-2001 no número de matrículas
do ensino médio no Estado (Diário Oficial, Salvador, 24 jan. 2001, p. 12).
39
39
senador Darcy Ribeiro. Segundo Pedro Demo (1997), ela não contempla as expectativas da
sociedade brasileira e é reflexo de um Congresso cuja ação está voltada a atender aos
interesses dos grupos no poder.
O ensino médio é tratado na LDB, na seção IV, Artigos 35 e 36. O Artigo 35
estabelece que ele é a etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos e deve
ter como finalidades:
I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no
ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para
continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a
novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a
formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico;
IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
O artigo 36 trata da questão curricular, que deverá observar as diretrizes abaixo
especificadas:
I - destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da
ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da
sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de
comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania;
II - adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa
dos estudantes;
III - será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina
obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter
optativo, dentro das disponibilidades da instituição.
§ 1º Os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação serão
organizados de tal forma que ao final do ensino médio o educando
demonstre:
I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que presidem a
produção moderna;
II - conhecimento das formas contemporâneas de linguagem;
III - domínio dos conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao
exercício da cidadania.
40
40
§ 2º O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá
prepará-lo para o exercício de profissões técnicas.
§ 3º Os cursos do ensino médio terão equivalência legal e habilitarão ao
prosseguimento de estudos.
§ 4º A preparação geral para o trabalho e, facultativamente, a habilitação
profissional, poderá ser desenvolvida nos próprios estabelecimentos de
ensino médio ou em cooperação com instituições especializadas em
educação profissional.
A LDB define, então, o nível dio como prosseguimento e aprofundamento do
ensino fundamental, a formação para o trabalho, diz que ele deve preparar o aluno para outros
níveis de educação, porém pouco prescreve sobre a formação histórico-social que
possibilitaria posturas reflexivas, debates e uma formação mais integral.
Em seu artigo 26, a LDB ratifica a Base Nacional Comum (BNC) para os ensinos
fundamental e médio, complementada por uma Parte Diversificada (PD). A disciplina História
permaneceu na BNC e a elaboração do seu currículo, tendo como parâmetro as diretrizes do
Conselho Nacional de Educação, passou a ser prerrogativa das próprias Unidades de Ensino.
De acordo com as bases legais dos PCNs para o Ensino Médio,
[...] a Base Nacional Comum não pode constituir uma camisa-de-força que
tolha a capacidade dos sistemas, dos estabelecimentos de ensino e do
educando de usufruírem da flexibilidade que a lei não permite, como
estimula. (BRASIL, 1999, p. 38).
É preciso considerar que essa “permissão” e “estímulo” à flexibilidade do/a docente
na elaboração do currículo é relativa. O controle por parte do Estado sobre o que será
ensinado se por meio das DCNs, dos PCNs e das avaliações nacionais, uma vez que são
eles os responsáveis por instituir oficial e nacionalmente os currículos. Embora apareçam
como sugestões para a elaboração dos programas escolares, ao indicar que os professores e
professoras se apropriem dessas propostas para a elaboração do seu currículo passam a ter o
papel de prescritores oficiais. O material didático-pedagógico e os livros didáticos são
41
41
produzidos em consonância com essas propostas. Um outro fator controlador que também
limita a autonomia escolar em relação ao currículo é o Exame Nacional do Ensino Médio
(Enem). À medida que o processo de avaliação é padronizado e que este, por sua vez, pauta-se
nos PCNs, o Governo Federal acaba por “forçar” um currículo nacional comum.
18
A questão a ser observada não é somente o fato de ser um currículo único
padronizado para todo o país, mas, também, conforme afirmação de Maria Izabel Hentz
(1998, p. 62), saber se a socialização do currículo pode trazer conhecimentos significativos
para as camadas populares. Para ela, o importante é o “[...] marco referencial a partir do qual
o mesmo se estrutura em caráter nacional”. Ele deve abrir espaço para as peculiaridades, caso
contrário não atingirá os/as discentes.
As propostas educacionais voltadas para a escola pública, elaboradas e postas em
prática nesse período, a consideram como um espaço idealizado e não em sua face real, onde,
em geral, os recursos pedagógicos o restritos, o pessoal de apoio e administrativo é
contratado em número insuficiente, a direção acumula funções administrativas e pedagógicas,
os alunos/as em sua grande maioria oriundos de classes economicamente desfavorecidas
têm baixo capital cultural,
19
as turmas são lotadas, além da variação de séries e a extensa
carga horária dos professores/as que precisam, para aumentar sua renda, quase sempre se
desdobrarem em três turnos, em duas ou mais escolas. Em alguns casos, como forma de
garantir sua sobrevivência, exercem, paralelamente, funções que, muitas vezes, não guardam
qualquer relação com a educação. Grande número de docentes é do sexo feminino e, via de
regra, acumula suas atividades profissionais às atividades domésticas e o cuidado aos filhos.
18
A respeito dessa discussão, ver: FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas
do conhecimento escolar. Tradução de Guacira L. Louro. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1993; APPLE,
Michael. Conhecimento oficial: a educação democrática numa era conservadora. 2. ed. Tradução de Maria
Isabel E. Bujes. Petrópolis: Vozes, 1999.
19
Embora controverso, o termo capital cultural foi usado por Michael Apple (2002, p. 61), ao afirmar que
devemos ver no conhecimento uma forma de capital a ser acumulado, assim como o faz as instituições
econômicas em relação ao capital financeiro, alertando que nesse processo de acumulação a escola e outras
instituições culturais têm papel fundamental.
42
42
No caso das escolas estaduais baianas, esse quadro se agrava pela extinção de alguns
cargos e funções, como, por exemplo, o de coordenador pedagógico. Um outro problema
relaciona-se à falta de contratação de pessoal para dar atendimento nas bibliotecas que, na
maior parte do tempo, permanecem fechadas e com o acervo quase sempre defasado.
também a questão do corpo gestor das unidades de ensino, que não é eleito pelos membros da
comunidade escolar. Trata-se, ainda, de cargos sujeitos a favores políticos, bastando que o/a
profissional indicado tenha passado por um exame de certificação cujos critérios não são
claramente especificados.
Situações como essa, tendem a limitar ou dificultar a democracia nas unidades de
ensino, local que tem como uma de suas tarefas precípuas possibilitar a prática da cidadania
em sua mais ampla acepção. Questões dessa natureza indicam a falta de discussão sobre a
implementação de políticas públicas e, ainda, como privado e público se confundem no Brasil
e especialmente na Bahia.
Ainda que se trate de um outro momento e outras circunstâncias, a análise feita por
André Chervel (1990, p. 192) relaciona-se às mudanças educacionais da década de 1990 no
Brasil. Para esse autor, quando novos objetivos são impostos e ocorre renovação do sistema
educacional, “[...] cada docente é forçado a se lançar por sua própria conta em caminhos ainda
não trilhados, ou a experimentar as soluções que lhe são aconselhadas”. Mais um desafio para
o professor/a, já tão afeito a mudanças que recaem, prioritariamente, sobre ele/a.
Na Bahia, a Secretaria Estadual da Educação e Cultura elaborou e implementou
durante os anos de 1990 os projetos “Educação: Caminho para a Cidadania” e “Ação Educar:
Qualidade, Compromisso de Todos”, por meio dos quais distribuiu, às unidades escolares,
sugestões de conteúdos programáticos que deveriam ser seguidos pelos professores/as.
Mesmo aparecendo sob o título de “sugestões”, tratava-se de uma produção de um órgão do
43
43
Estado, no caso a SEC, logo o se encontra destituído de intencionalidades, muitas vezes
conflitantes com as dos grupos a que se destinam. Como afirma Katia Abud (2004, p. 29),
os currículos e programas das escolas públicas, sob qualquer forma que se
apresentem [guias, propostas, parâmetros], são produzidos por órgãos
oficiais, que deixam marcas com suas tintas, por mais que os documentos
pretendam representar o conjunto dos professores e dos “interesses dos
alunos”. E por mais que tais grupos reivindiquem participação na elaboração
de instrumentos de trabalho, ela tem se restringido a leituras e discussões
posteriores à sua elaboração.
Com o projeto “Educação: Caminho para a Construção da Cidadania”, elaborado no
ano de 1993, a Secretaria da Educação da Bahia lançou livros com sugestões de conteúdos
programáticos para os ensinos fundamental e médio, considerando as alterações trazidas pela
Lei nº. 7.044 de 1982. Na apresentação dessas sugestões, a então secretária Dirlene Matos
Mendonça (1993, p. 5) afirma:
Este trabalho foi produzido para o uso diário da prática pedagógica, dos
professores e dos alunos, que deverão ter clareza dos seus objetivos, das
intenções do processo educacional, desencadeado pelas escolas através do
trabalho pedagógico das diversas disciplinas.
Ou seja, as sugestões ali contidas deveriam servir para o/a docente nortear o seu
trabalho pedagógico, no que, segundo podemos inferir do discurso da secretária, estaria
carecendo de clareza quanto aos objetivos e intenções a serem alcançados. Seria então a
Secretaria da Educação responsável por auxiliá-los nessa tarefa.
As sugestões de conteúdos trazem objetivos gerais, sob o nome de “Para que
estudar” e os conteúdos a serem ministrados com a denominação “O que estudar”, para as três
séries. Indica, ainda, Fontes de estudo”, que, além de relacionar livros didáticos, fazem
44
44
referência a dois autores Sérgio Buarque de Holanda e Leo Huberman que, considerando
o cunho de suas obras, serviriam de referencial teórico para os professores e professoras.
20
Os objetivos a serem alcançados eram comuns para as três séries. Em relação ao
ensino de História, esperava-se que, a partir dos conteúdos sugeridos, o aluno e a aluna
conseguissem:
“Compreender o processo evolutivo das sociedades humanas do ponto de vista
econômico, social, político e cultural;
Analisar a evolução histórica do Brasil no contexto da história mundial;
Situar-se diante dos problemas da atualidade;
Compreender a participação do homem como agente histórico e transformador da
realidade;
Questionar a importância e as condições do exercício da cidadania”.
São objetivos abrangentes e que já vêem o homem como ser histórico, atuante e
capaz de mudar a realidade vigente. Sugere que a História do Brasil deva ser abordada sem
perder de vista os fatos mundiais. Segundo esses objetivos, o ensino de História deve cumprir
o papel de ajudar o/a discente a situar-se no tempo presente e na sociedade em que está
inserido. No entanto, uma outra face é observada: o uso do termo “evoluçãopode sugerir
uma análise histórica em cadeia, fatos/conseqüências sem problematizar as diferenças,
mascarando conflitos.
Para Circe Bittencourt, a meta de formação do pensamento crítico e de alunos/as que
se vejam como sujeitos transformadores, atribuídas ao ensino de História, não é nova, ela
encontra-se expressa desde os anos de 1950. O que modificou, segundo sua opinião, nas
propostas dos anos de 1990, é a ênfase dada “[...] ao papel do ensino de História para a
compreensão do ‘sentir-se sujeito histórico em sua contribuição para a ‘formação de um
20
Obras indicadas no anexo A.
45
45
cidadão crítico’”. (BITTENCOURT, 2004, p. 19, grifos da autora). Para ela, um dos fortes
motivos pelo qual a História tem se mantido como disciplina escolar, apesar das várias
reformas educacionais, é justamente sua finalidade política, relacionada à construção da
cidadania. Porém, chama a atenção para o conceito de cidadão que está sendo utilizado, pois,
muitas vezes, ele aparece somente como cidadania política,
21
enquanto a
[...] cidadania social que abarca conceitos de igualdades, de justiça, de
diferenças, de lutas e de conquistas, de compromissos e de rupturas tem sido
apenas esboçada em algumas poucas propostas. E, mais ainda, existe uma
dificuldade em explicar a relação entre a cidadania social e a política, e entre
cidadania e trabalho. [...]. Em uma sociedade como a nossa em que as
desigualdades sociais são gritantes, o compromisso da História seria o de
aprofundar esta complexa noção para evitar banalizar o termo.
(BITTENCOURT, 2004, p. 22).
No caso específico da Bahia, os conteúdos indicados pela SEC, no ano de 1993,
sofriam influência marxista. Isso se evidencia pelo fato de contemplar os modos de produção
e uma visão etapista da história. Os aspectos econômicos e políticos sobressaem em relação
aos culturais e sociais. Os fatos estão organizados numa perspectiva de linearidade e
evolução. Propostas relacionadas à Nova História não haviam sido incorporadas. O modelo
utilizado para a divisão do tempo histórico é o quadripartido para a História Geral e o
tripartido para a História do Brasil.
22
A seguir, apresentamos os conteúdos sugeridos pela Secretaria da Educação do
Estado no ano de 1993, para as três séries:
23
21
Sobre isso é importante a discussão conceitual apresentada por CANIVEZ, Patrice. Educar o cidadão?
Campinas: Papirus, 1998.
22
De acordo com estudos realizados por Eloísa Flávia Caimi (2001, p. 114-116), a partir das décadas de 1980 e
1990 a historiografia relacionada ao ensino de História criticava o ensino pautado na memorização de datas,
numa visão ilustrativa da disciplina, em uma memorização acrítica, na periodização linear e evolutiva, nas
divisões tripartite da história do Brasil [Colônia, Império de República], quatripartite de história geral [Idade
Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea] e mesmo a versão pentapartite baseada no marxismo
[comunidades primitivas, escravismo, feudalismo, capitalismo e socialismo].
23
Foram traçados conteúdos de caráter geral e junto com eles, definições mais particulares sobre o que deveria
ser priorizado para a transposição didática. Ver anexo B.
46
46
1ª Série 2ª Série 3ª Série
A transição do feudalismo para
o capitalismo
Consolidação do capitalismo e das doutrinas
sociais do século XIX
Os fundamentos antigos da
civilização ocidental
O movimento renascentista
O capitalismo monopolista e o apogeu da
hegemonia européia
O mundo medieval
A Reforma e a Contra-
Reforma
Da instalação do II Império à crise estrutural
que levou à República
A transição do feudalismo para
o capitalismo
A expansão ultramarina O capitalismo em crise
A decadência do Antigo
Regime
O Absolutismo da época
moderna
República brasileira, Primeira República,
apogeu e crise
A consolidação do capitalismo
– o século XIX
O Brasil no sistema colonial
português
A república brasileira de 1930 a 1945 O capitalismo em crise
A Ilustração e a crítica ao
Antigo Regime
O mundo dividido – século XX O mundo pós-guerra
A Revolução Francesa e o fim
do Antigo Regime
A república brasileira de 1945 a 1964 O mundo atual
A crise do sistema colonial no
século XVIII
Ditadura e repressão Brasil de 1964 a
1984
A Era Napoleônica e a reação
conservadora
O difícil caminho para a democracia
A formação e consolidação do
Estado monárquico brasileiro
O mundo atual
Analisando os conteúdos propostos, é possível afirmar que eles são apresentados
numa perspectiva de evolução que vai do sistema de produção feudal ao capitalismo. O
tratamento dado à temporalidade é homogêneo, eurocêntrico, seguindo uma dimensão
cronológica de linearidade e seqüencialidade. As abordagens econômica e política têm
tratamento privilegiado, em detrimento de outras como, por exemplo, a social e a cultural. A
História do Brasil é pouco abordada e aparece inserida na História da Europa.
Observando os conteúdos da 3ª série, podemos notar a repetição de alguns dos temas
indicados para as séries anteriores. Os tradicionalmente excluídos por questões étnicas, de
gênero, de orientação sexual, por serem idosos ou portadores de deficiências físicas, entre
outras, também não aparecem nessa indicação curricular, mesmo em um momento em que
essas questões já eram problematizadas.
47
47
No ano de 1996, a Direc-20 enviou para as escolas, por meio de sua Assessoria
Pedagógica de História, uma outra listagem de conteúdos programáticos para o nível médio
de ensino. Embora o documento seja intitulado “sugestões de conteúdos programáticos”,
possuía caráter prescritivo, uma vez que deveria servir de base para a elaboração do currículo
em toda a rede estadual. Caso elas fossem recusadas, haveria o risco de o ensino ocorrer de
maneira fragmentada nas escolas que integravam a rede.
De acordo com essa Assessoria, a proposta resultou de discussões promovidas pela
Direc-20 e contou com a participação de seus técnicos, professores(as) da educação sica e
docentes do Departamento de História da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
(Uesb). O documento alertava que a elaboração dos conteúdos foi baseada “[...] não somente
na sistematização da História oficial; ressaltava, também, as divergências, as composições, os
conflitos, enfim, as contradições para melhor entendimento da dinâmica social” (DIREC-20,
1996, p. 3). A despeito dessas observações, não foi dado prosseguimento às discussões sobre
as mudanças curriculares para o ensino de História a serem implementadas na rede estadual.
Isto pode ser percebido pela indicação do conteúdo que naquele ano, permaneceu
praticamente igual ao de 1993.
24
Embora estivesse em vigor a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação e, com
ela, a necessidade de adequação dos sistemas de ensino dos Estados da Federação, na Bahia,
para os anos de 1997 e 1998,
25
continuaram sendo indicadas, para o ensino de História,
basicamente as mesmas sugestões de 1993 e 1996, tanto no que diz respeito ao conteúdo
programático, quanto ao referencial bibliográfico.
No ano de 1997, houve uma pequena mudança no agrupamento de assuntos, como,
por exemplo, “Renascimento e Reforma”. Outros que apareciam em destaque, como
“Absolutismo”, passam a integrar o tema Expansão Ultramarina”. Foram acrescentados os
24
Ver anexo C.
25
Ver anexo D.
48
48
seguintes assuntos: “A Crise do Sistema Capitalista”, o “Período Entre Guerras” e a “Segunda
Guerra Mundial”. A história do Brasil aparece, timidamente, no programa, figurando apenas
como complemento da história européia.
Atendendo às necessidades de adequação à LDB 9.394/96
26
no que diz respeito ao
currículo, a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE) instituiu
as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (Resolução nº.. 3, de 26 de junho de
1998). Se formos ao significado do termo, veremos que, de acordo com o Dicionário Houaiss
da Língua Portuguesa, diretriz significa, entre outras coisas, esboço em linhas gerais, de um
plano, projeto etc, diretiva; norma de procedimento, conduta etc; conjunto de princípios e
normas de procedimentos, regras de comportamento. Ou seja, por se tratar de lei de caráter
geral, não cabe à LDB estabelecer currículo, porém, em seu desdobramento, acaba por
estabelecer o que deverá ser o prescritor nacional para a escolha tanto de disciplinas quanto da
seleção de conteúdo, na medida em que estabelece objetivos e competências para essas
disciplinas, por meio das Diretrizes.
De acordo com a Resolução nº. 3, de 26 de junho de 1998, “[...] a organização do
currículo e das situações de ensino aprendizagem e os procedimentos de avaliação deverão ser
coerentes com princípios estéticos, políticos e éticos”. Esses princípios deverão abranger: I) a
Estética da Sensibilidade que relaciona-se à criatividade e superação da padronização; II) a
Política da Igualdade, partindo do reconhecimento dos direitos humanos, direitos e deveres do
cidadão e visando constituição de identidades e igualdade no que diz respeito aos bens sociais
e culturais; III) a Ética da Identidade, que deve buscar a superação, a dicotomia entre o mundo
moral e o mundo da matéria.
26
O Artigo 9º, Inciso IV da LDB 9.394/96, previa que fossem estabelecidas “[...] em colaboração com os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino
fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar
formação básica comum.
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49
Como estruturadores dos currículos do ensino médio, devem ser considerados os
princípios pedagógicos da Identidade, Diversidade e Autonomia, Interdisciplinaridade e
Contextualização. As diretrizes trazem essas bases como estruturantes do currículo, impondo
as bases de um currículo nacional. Cabe questionar: como usar o conceito identidade”
especialmente no Brasil e demais países colonizados – onde as identidades são plurais e estão
em formação? Como falar em autonomia e diversidade no contexto de diretrizes de caráter
nacional? Quanto à interdisciplinaridade, a Resolução afirma que
As disciplinas escolares são recortes das áreas de conhecimentos que
representam, carregam sempre um grau de arbitrariedade e não esgotam
isoladamente a realidade dos fatos sicos e sociais, devendo buscar entre si
interações que permitam aos alunos a compreensão mais ampla da realidade.
(Art. 8º, Parágrafo III).
Como a interdisciplinaridade poderá ocorrer no cotidiano das escolas em um modelo
de educação que não cria, nas próprias unidades escolares, espaço de discussão sobre teorias e
práticas pedagógicas? A própria interdisciplinaridade não acaba por reforçar a
disciplinarização, uma vez que se vale dos conhecimentos produzidos em suas ciências de
referência?
De acordo com a Resolução CNE/CEB nº. 03/98, a base nacional comum dos
currículos de ensino médio deverá estar organizada em áreas de conhecimento, assim
definidas: I) Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; II) Ciências da Natureza, Matemática
e suas Tecnologias; II) Ciências Humanas e suas Tecnologias. Essa última área – que
interessa ao presente estudo deverá ter, de acordo com o Art. 10, como objetivo: “[...] a
constituição de competências e habilidades que permitam ao educando”:
a) Compreender os elementos cognitivos, afetivos, sociais e culturais que
constituem a identidade própria e dos outros.
b) Compreender a sociedade, sua gênese e transformação e os múltiplos
fatores que nelas intervêm, como produtos da ação humana; a si mesmo
50
50
como agente social; e os processos sociais como orientadores da dinâmica
dos diferentes grupos de indivíduos.
c) Compreender o desenvolvimento da sociedade como processo de
ocupação de espaços físicos e as relações da vida humana com a paisagem,
em seus desdobramentos político-sociais, culturais, econômicos e humanos.
d) Compreender a produção e o papel histórico das instituições sociais,
políticas e econômicas, associando-as às práticas dos diferentes grupos e
atores sociais, aos princípios que regulam a convivência em sociedade, aos
direitos e deveres da cidadania, à justiça e à distribuição dos benefícios
econômicos.
e) Traduzir os conhecimentos sobre a pessoa, a sociedade, a economia, as
práticas sociais e culturais, em condutas de indagação, análise,
problematização e protagonismo diante de situações novas, problemas ou
questões da vida pessoal, social, política, econômica e cultural.
f) Entender os princípios das tecnologias associadas ao conhecimento do
indivíduo, da sociedade e da cultura, entre as quais as de planejamento,
organização, gestão, trabalho de equipe, e associá-las aos problemas que se
propõem resolver.
g) Entender o impacto das tecnologias associadas às ciências humanas sobre
sua vida pessoal, os processos de produção, o desenvolvimento do
conhecimento e a vida social.
h) Entender a importância das tecnologias contemporâneas de comunicação
e informação para o planejamento, gestão, organização, fortalecimento do
trabalho de equipe.
i) Aplicar as tecnologias das ciências humanas e sociais na escola, no
trabalho e outros contextos relevantes para sua vida (Art. 10, Inciso III).
Sobre as tecnologias que podem ser aplicadas ao currículo, Maria Izabel Hentz
(1998, p. 62) chama a atenção que a escola não deve utilizar as novas tecnologias
simplesmente para instrumentalizar profissionalmente o aluno e sim levá-lo a compreender
que elas representam uma produção cultural e seu aprendizado uma oportunidade de
intervenção social. A utilização da tecnologia como de qualquer outro recurso didático-
pedagógico o pode ter um fim em si mesmo, uma vez que representa um meio para se
alcançar a intencionalidade do processo educativo. Se essa tecnologia não for problematizada,
haverá apenas a transposição de uma metodologia tradicional para um novo recurso.
O conceito de cidadania que aparece nos objetivos também requer reflexões. Em um
contexto de políticas neoliberais, que cidadão/cidadã esperamos formar? Essa concepção pode
variar conforme os interesses a que eles estejam vinculados. Se nos anos de 1970 havia a
intenção de uma formação tecnicista, no modelo neoliberal, que começou a ser instalado no
51
51
Brasil no final dos anos de 1980, o cidadão/cidadã deve ser alguém não somente produtivo,
mas, também capaz de dar soluções imediatas a fim de sanar os problemas cotidianos que
venham a surgir em seu desempenho profissional.
Para Maria Izabel Hentz (1998, p. 71),
[...] um currículo que se coloca como parâmetro para as mais diversas
realidades dentro de uma nação, mesmo a partir de uma perspectiva
neoliberal, pode ser um currículo emancipador, se a comunidade escolar
tiver clareza, no seu projeto pedagógico, do homem [cidadão ou
consumidor] que ela quer formar e para que sociedade [democrática ou de
mercado].
Em 1999, foram lançados os PCNs para o Ensino Médio. De acordo com a
apresentação de suas bases legais, os Parâmetros vieram cumprir um duplo papel, o de
“difundir os princípios da reforma curricular e orientar o professor, na busca de novas
abordagens e metodologias”. (HENTZ 1998, p. 11). Dessa afirmativa, podemos depreender que
a reforma do ensino médio necessitava de novos norteadores para o currículo, e os PCNs
constituiriam os referenciais da prática pedagógica, dos livros didáticos e das avaliações.
Seguindo os princípios propostos pela Comissão Internacional sobre Educação para o
século XXI da Unesco (BRASIL, 1999a, p. 33), a reforma curricular brasileira adotou como
“diretrizes gerais e orientadoras” quatro premissas: a) aprender a conhecer; b) aprender a
fazer; c) aprender a viver; d) aprender a ser. De acordo com o texto do mesmo documento (p.
35):
[...] a partir desses princípios gerais, o currículo deve ser articulado em torno
de eixos básicos orientadores da seleção de conteúdos significativos, tendo
em vista as competências e habilidades que se pretende desenvolver no
Ensino Médio.
A questão a ser discutida é: para quem esses currículos selecionados são
significativos? As competências e habilidades servem a quê ou a quem? Portanto, o é
52
52
somente o fato da significação que deve ser considerado; especialmente, o que deve ser
levado em conta é: para que tipo de sociedade se quer formar o indivíduo?
Visando melhor determinar a proposta trazida pelas DCNEMs, os PCNs ratificaram
as áreas e definiram as disciplinas que as integram, bem como sua razão de ser no currículo.
Assim, o volume 4, voltado para a área de Ciências Humanas e suas Tecnologias justifica a
importância do ensino de História por sua possibilidade de “[...] ampliar estudos sobre as
problemáticas contemporâneas, situando-as nas diversas temporalidades, servindo como
arcabouço para a reflexão sobre possibilidades e/ou necessidades de mudanças e/ou
continuidades”. (BRASIL, 1999b, p. 41).
Ao tratar do que e do como ensinar, os Parâmetros destacam as contribuições das
correntes historiográficas relacionadas ao marxismo e à Escola dos Annales, a fim de
construir um novo olhar sobre a História, que vem sendo e deve ser modificada também como
disciplina escolar.
No que diz respeito à metodologia a ser utilizada para o ensino, este documento
aponta, como modelo metodológico, os próprios caminhos aplicados ao estudo da História
como ciência, ampliando, inclusive, a noção de documentos a serem utilizados em pesquisas
desenvolvidas pelos alunos/as do nível médio. Segundo o documento, uma das maiores
contribuições da disciplina nesse nível de ensino é desenvolver no aluno/a a capacidade de
aprender nas entrelinhas, ou seja, aprender a interpretar o dito e o não dito, uma vez que um
ensino ministrado dessa forma possibilita aos educandos(as) “[...] a construção dos laços de
identidade e consolidação da formação da cidadania”. (BRASIL, 1999b, p. 46). De acordo com
a proposta trazida pelos PCNs, “identidade” e cidadania” passam a ser as principais
categorias para o ensino de História.
Uma outra categorização apontada como importante para a disciplina é a de “tempo
histórico”, que deverá ser [...] entendido como objeto da cultura, como criação de povos em
53
53
diversos momentos e espaços”. (BRASIL, 1999b, p. 47). Ao entender que existem várias
concepções de tempo histórico, o aluno/a estará apto a “[...] situar-se na sociedade
contemporânea para melhor compreendê-la” (p. 48). O documento ressalta a importância
dessa apreensão na formação da cidadania, pois, ao perceber que o tempo histórico é uma
construção social, o/a discente terá condição de “[...] discernir os limites e possibilidades de
sua atuação, na permanência ou na transformação da realidade histórica em que vive” (p. 52).
A relação memória e História, também é destacada. O texto do documento imputa à
História um compromisso fundamental com a memória “[...] livrando as novas gerações da
‘amnésia social’ que compromete a constituição de suas identidades individuais e coletivas”
(p. 54, grifo do original).
Quanto ao papel a ser desempenhado pelo professor/a, o texto aponta que cabe a
ele/a “[...] Identificar e selecionar conteúdos significativos [...] exigindo a escolha de temas
que possam responder às problemáticas contundentes vividas pela nossa sociedade [...]” (p.
52).
O documento destaca, mais uma vez, a necessidade da disciplina “[...] para as novas
gerações, considerando-se que a sociedade atual vive um presente contínuo, que tende a
esquecer e anular a importância das relações que o presente mantém com o passado” (p. 53).
Essa é uma das preocupações trazidas por Eric Hobsbawm (1996, p. 13), que nos chama
atenção para o fato dos jovens manterem um distanciamento com as gerações passadas e com
o passado público. Segundo sua opinião, as novas gerações estão vivendo uma espécie de
“presente contínuo”, afirmando ser esse um triste fenômeno que caracteriza o século XX.
Diante disso, o autor reforça a importância do papel do historiador/a uma vez que sua função
primordial é fazer lembrar o que outros esqueceram. A isso, aplica-se também, o ensino de
História.
54
54
Os PCNs para o Ensino Médio definem três competências de caráter geral que
deverão servir de base para as três áreas definidas, a saber: a) representação e comunicação,
que destaca o papel da linguagem como formadora de sentidos, como meio para se ter acesso
ao conhecimento, responsável, ainda, por sua sistematização; b) investigação e compreensão,
que identifica as variadas formas de conhecimento científico, seus procedimentos e conceitos,
adotando-os como instrumentos de intervenção no real, na tentativa de solucionar problemas;
c) contextualização sócio-cultural, trata-se de buscar perceber a relação existente entre
sociedade e cultura e sua importância para os diversos saberes.
Seguindo as competências gerais, foram elaboradas competências e habilidades
específicas a serem desenvolvidas por meio de cada disciplina. Para História em relação à
representação e comunicação, espera-se que os educandos/as, ao concluírem o 3º ano, tenham
capacidade de:
“Criticar, analisar e interpretar fontes documentais de natureza diversa,
reconhecendo o papel das diferentes linguagens, dos diferentes agentes sociais e dos
diferentes contextos envolvidos em sua produção;
Produzir textos analíticos e interpretativos sobre os processos históricos, a partir
das categorias e procedimentos do discurso historiográfico” (p. 55).
Quanto à competência geral investigação e compreensão, as habilidades e
competências relacionam-se à capacidade de:
“Relativizar as diversas concepções de tempo e as diversas formas de periodização
do tempo cronológico, reconhecendo-as como construções culturais e históricas;
Estabelecer relações entre continuidade/permanência e ruptura/transformação nos
processos históricos;
55
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Construir a identidade pessoal e social na dimensão histórica, a partir do
reconhecimento do papel do indivíduo nos processos históricos, simultaneamente como
sujeito e como produto dos mesmos;
Atuar sobre os processos de construção da memória social, partindo da crítica dos
diversos “lugares de memória” socialmente instituídos” (p. 55).
No que diz respeito à contextualização sócio-cultural, espera-se que alunos a alunas
estejam aptos/as a
“Situar as diversas produções da cultura as linguagens, as artes, a filosofia, a
religião, as ciências, as tecnologias e outras manifestações sociais nos contextos históricos
de sua constituição e significação;
Situar os momentos históricos nos diversos ritmos da duração e nas relações de
sucessão e/ou de simultaneidade;
Comparar problemáticas atuais e de outros momentos históricos;
Posicionar-se diante de fatos presentes a partir da interpretação de suas relações
com o passado” (p. 55).
Analisando as competências específicas determinadas para o ensino de História, é
possível constatar que elas fogem da realidade vivida em sala de aula e inclusive ao âmbito da
própria escola, uma vez que o aprendizado das várias formas de linguagens, seja gestuais,
escritas, imagéticas ou orais, é um processo que começa anteriormente a ela e prossegue para
além dela. O desenvolvimento do senso estético também é algo que se relaciona ao tipo de
cultura que socialmente foi construída. Para adquirir as competências especificadas, é
necessário, por exemplo, desenvolver o hábito de visitar museus, pontos históricos e ir com
maior freqüência ao cinema, teatro, inacessível para muitos brasileiros/as.
Baseando-se em estudo feito por Roupé et al. Acácia Kuenzer (2001, p. 19-20),
analisa a pedagogia por competências, indicando algumas dificuldades em sua aplicação.
56
56
Entre elas estão a questão da racionalidade técnica e a idéia de ciência trazida por esse modelo
como algo definitivo, que não leva em consideração o seu processo, o que acaba por reificá-
la, além de não contemplar as diferenças e a dinâmica social. Outras críticas apontadas pela
autora, dizem respeito à idéia de perfeição embutida na competência e à individualização que
essa pedagogia gera o que pode mascarar a contradição capital/trabalho. A esse respeito,
devemos ainda acrescentar que essa pedagogia cria a necessidade de algo ou alguém que
exerça um papel prescritor, que defina quais deverão ser essas competências.
No Estado da Bahia, a Resolução nº. 127/97 do CEE “Fixa normas preliminares
visando à adaptação da legislação educacional do Sistema Estadual de Ensino às disposições
da Lei 9.394/96, e outras providências”. Entre as “outras providências”, está incluída a
autonomia escolar para a definição do seu novo currículo, que deverá ser elaborado na
proposta pedagógica,
[...] cujas linhas gerais deverão está traduzidas no regimento da instituição,
será formulada pelo estabelecimento de ensino, com a participação do corpo
docente e em articulação com os demais integrantes da comunidade escolar,
devendo conter os objetivos, metas e processos didático-pedagógicos a
serem cumpridos. (Art. 3º, § 1º).
Por meio da Portaria nº. 1285, de 28 de janeiro de 2000, a Secretaria da Educação do
Estado aprovou a proposta de “Adequação Curricular para o Ensino Médio”, em atendimento
aos dispositivos legais determinados pela Câmara de Educação sica (CEB) dos Conselhos
de Educação Nacional e Estadual. Nessa Portaria, o Estado resolve: “Implantar a nova
organização curricular para o Ensino Médio [...] como diretriz para a elaboração do Projeto
Pedagógico das Unidades Escolares da Rede Estadual (UEE) que oferecem esta etapa final da
Educação Básica” (Art. 1º). A Portaria estipula, ainda, o tempo que as unidades de ensino
teriam para se adequarem, sendo o ano de 2002 o último prazo, uma vez que essas mudanças
se fariam por série a cada ano (2000: 1º ano, 2001: 2º ano, 2002: 3º ano).
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Essa Portaria traz dois anexos referentes à “adequação curricular para o ensino
médio” tanto na Base Nacional Comum, quanto na Parte Diversificada. No primeiro anexo, o
Estado referenda os artigos 35 e 36 da LDB 9.394/96. Destaca que o redirecionamento presta-
se a atender as “[...] fundamentações postas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio [...] e reitera as recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais do
Ensino Médio”. (BAHIA, 2000, Anexo I).
Com base nessa Portaria, é possível afirmar que o Estado da Bahia começou a
realizar sua reforma curricular, adotando, como descritores dos currículos, o modelo
construído para todo o país, através das Diretrizes e dos Parâmetros. Na parte diversificada,
denominada de Núcleo de Demandas Específicas (NDE), as escolas podem escolher as
disciplinas que melhor atendam à demanda de mercado regional. Para os municípios de
Vitória da Conquista, Jequié e Itapetinga (localizados na mesorregião Centro-Sul do Estado),
A SEC-BA sugeriu as seguintes disciplinas para as Ciências Humanas e suas Tecnologias:
Estudos Geográficos para Planejamento Agropecuário; Estudos Geográficos para o
Planejamento Agroindustrial; Estudos Geográficos para o Planejamento Agrícola; Estudos
Geográficos para o Planejamento de Espaços Industriais; Estudos Sócio-Culturais e
Identidade; Biogeografia do Semi-Árido; Geografia dos Transportes e Distribuição da
Produção; Saúde e Bem Estar Social (BAHIA, 2000, Anexo II).
Fazendo uma análise desse quadro curricular, é possível observar que História é
praticamente eliminada. A ênfase era na área da Geografia. Provavelmente essa indicação se
deu em função das necessidades mercadológicas regionais, uma vez que essa região do Estado
se caracteriza pela produção agropecuária.
Devemos lembrar, ainda, que o NDE corresponde a 25% da carga horária total e que,
portanto, as sugestões para a área de Humanas têm que concorrer com as demais áreas e
disciplinas.
58
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O documento mantém reduzida a carga horária das humanidades e a hierarquização
das disciplinas, na medida em que estabelece para a área de Linguagem, Códigos e suas
Tecnologias e Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, uma carga horária anual
de 350 horas, enquanto a área de Ciências Humanas e suas Tecnologias conta com 300 horas.
A incoerência na distribuição da carga horária aparece no texto do próprio documento que
traz a seguinte observação:
As cargas horárias das disciplinas devem ser estabelecidas no Projeto
Pedagógico da Escola. Reitera-se o equilíbrio na constituição das cargas
horárias das disciplinas, ao longo do ano letivo, superando-se a
predominância de uma delas sobre as demais. A atribuição das cargas
horárias das disciplinas requer um sensível planejamento na seleção de
conteúdos, na escolha das alternativas que consolidam a autonomia e o
protagonismo. (BAHIA, 2000, Anexo I, p. 2, grifos nossos).
Embora o documento indique que deva haver “equilíbrio” de carga horária entre as
disciplinas, dando à Unidade Escolar autonomia, na prática cotidiana das escolas, as
disciplinas que integram a área das humanidades têm sua carga horária reduzida. Nesse caso,
algumas delas acabam por ficar em desvantagem em relação a outras, em função da
valorização dada ao pragmatismo e a urgência de adequação dos alunos/as ao modelo de
produção que exige mão-de-obra o somente qualificada, mas também com poder de
decisão, espírito de equipe e raciocínio lógico. Nesse sentido, as disciplinas ligadas às
ciências exatas são consideradas mais apropriadas do que as que compõem as humanidades,
pois estas últimas exigem elaborações de pensamento que, muitas vezes, não são adequadas
ao mundo imediato, ao mundo do trabalho, onde o tempo é mercadoria. Em função disso,
ocorre a diminuição da carga horária de algumas disciplinas que, mais especialmente,
propiciem o livre pensar.
A Resolução nº. 124 de 2001, do CEE da Bahia, demonstra que, até aquela data, o
redirecionamento do ensino médio ainda não havia ocorrido, uma vez que convoca
59
59
[...] as instituições de ensino de Educação Básica e Educação Profissional
de Nível Médio que ainda não protocolaram os processos de adequação de
seus cursos à Lei 9.394/96, sua regulamentação, e às Diretrizes Curriculares
Nacionais [...] a tomarem essa providência até 28 de dezembro de 2001.
Atendendo à Resolução nº. 3 de 26 de junho de 1998 da Câmara de Educação Básica
do Conselho Nacional de Educação que “Institui as Diretrizes Curriculares para o Ensino
Médio”, pela Portaria nº. 3157 de 16 de abril de 2002, a SEC-BA começou a implementar a
Reforma do Ensino Médio. Em seu Artigo 1º, essa Resolução traz o seguinte texto:
As Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio (DCNEM),
estabelecidas nesta Resolução, se constituem num conjunto de definições
doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos a serem
observados na organização pedagógica e curricular de cada unidade escolar
integrantes dos diversos sistemas de ensino, em atendimento ao que manda a
lei, tendo em vista veicular a educação com o mundo do trabalho e a prática
social, consolidando a preparação para o exercício da cidadania e
propiciando preparação básica para o trabalho.
As Diretrizes Curriculares Nacionais seriam, então, o modelo “doutrinário” no qual
as Unidades Escolares deveriam se pautar para elaborar seu currículo, o que garantiria ao
aluno/a a capacitação para o mundo do trabalho e o pleno exercício da cidadania e da vivência
social.
Além das disposições previstas nas Diretrizes, a Portaria da SEC-BA, “reitera as
recomendações dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio”, ratificando as
competências e habilidades como estruturadoras do currículo. Assim, os PCNs acabam por
definir os parâmetros para a atividade docente.
Embora as medidas do governo federal para realizar a Reforma do Ensino dio
tenham se dado nos anos de 1990 e do governo estadual a partir de 2000, na Bahia a Reforma
ainda estava em curso até o ano de 2005. Algumas questões foram modificadas, como, por
exemplo, a ampliação da carga horária de 180 para 200 dias letivos e a organização curricular
que, atualmente, é dividida em três núcleos: Núcleo Básico (NBA), que integra a Base
60
60
Nacional Comum, e está mais diretamente, relacionado à prática das disciplinas consideradas
formais; Núcleo Avançado (NAV), que também está ligado à Base Nacional, trata da
ampliação de competências relacionadas a questões pedagógicas de ensino-aprendizagem, que
possibilitem ao educando/a “[...] a compreensão sobre temas, questões, estruturas, esquemas e
relações existentes na aprendizagem” (BAHIA, 2002, p. 1, Anexo Único) e o Núcleo de
Demandas Específicas (NDE), que se encontra na Parte Diversificada do currículo e propõe o
desenvolvimento de competências que ajudem a relacionar a escola com o mundo do trabalho
sem, no entanto, constituir uma formação profissional. Referendando os PCNs, a nova
organização escolar estadual manteve as áreas de conhecimento. As disciplinas que integram
a área de Ciências Humanas e suas Tecnologias são: História, Geografia, Sociologia e
Filosofia.
Ainda que as Unidades Escolares gozem de uma relativa autonomia para a
elaboração de seus projetos pedagógicos, constatamos que, no Estado da Bahia, até o ano de
2000, os currículos prescritos para o ensino de História no nível médio não haviam sofrido
reformulações que os adequassem aos novos parâmetros ou mesmo às concepções
historiográficas mais recentes. As práticas pedagógicas ocorridas no interior das escolas, o
dialogavam com esses referencias. O particularismo da escola e/ou do professor/a, o uso do
livro didático, a falta de uma discussão mais aprofundada sobre o próprio campo do currículo,
sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais e sua forma de implantação, continuavam a dar o
tom na definição curricular.
61
61
1.3 CURRÍCULOS OFICIAIS E LIVROS DIDÁTICOS DE HISTÓRIA
O livro didático constitui não a única, mas uma das principais fontes utilizadas pelo
professor/a em sua prática pedagógica. Isso é corroborado por estudiosos do campo
educacional e por pesquisas variadas.
27
Embora o Estado brasileiro já o comprasse das editoras desde os anos de 1960, sua
difusão ampliou-se a partir de 1985.
28
Para Selva Fonseca (1998; 1999, p. 39), o livro didático
representa “[...] o principal veiculador de conhecimentos sistematizados, o produto cultural de
maior divulgação entre os brasileiros que têm acesso à educação escolar”.
Ainda que a massificação do livro didático tenha ocorrido nos anos de 1980, esta
autora (2003, p. 50) informa que a partir das reformas da década de 1970, os livros didáticos,
passaram a assumir também a forma do currículo prescrito, naquele momento histórico, em
que havia a preocupação de atender aos ditames do capital, do governo ditatorial e disseminar
uma história excludente.
Décio Gatti Jr. (2004, p. 238) assinala o livro didático como principal veiculador dos
programas curriculares oficiais. A respeito do que determinava a seleção dos conteúdos que
seriam abordados nos manuais didáticos, esse autor informa que
[...] a constituição dos conteúdos disciplinares, expressos nos livros
didáticos, não era a transposição dos saberes produzidos na pesquisa
científica, mas sim, resultado de um leque amplo de fatores, tais como: as
novidades produzidas no âmbito da ciência, que são selecionadas conforme
as opções teórico-metodológicas dos autores e, por vezes, dos editores; as
mudanças curriculares e programas provenientes dos diversos órgãos
que legislam sobre a educação escolar; a sociedade civil, especialmente a
mídia [...]. (GATTI JR., 2004, p. 18, grifo nosso).
27
Sobre o livro didático e sua utilização ver, entre outros: Décio Gatti Jr. (2004); Circe Bittencourt (2004); Thais
Nívia de L. Fonseca (2004); Selva G. Fonseca (1998-1999); Carlos Augusto L. Ferreira (1997).
28
De acordo com Selva Fonseca (1998; 1999, p. 40), a política de distribuição do livro didático no Brasil foi
definida no Decreto Federal nº. 91.542 de 19 de agosto de 1985, com a instituição do Programa Nacional do
Livro Didático, passando a ser o Estado brasileiro o principal comprador dessa mercadoria. No entanto, essa
distribuição era apenas para o antigo 1º grau. O ensino médio passou a receber gradativamente por disciplinas,
livros didáticos a partir de 2003.
62
62
Inicialmente, o governo não possuía mecanismos de controle e de avaliação da
qualidade do material encaminhado às unidades de ensino.
29
Até o ano de 1994, as editoras
enviavam os catálogos para as escolas, e os docentes, diretores e supervisores faziam as
escolhas sem ter acesso à avaliação da obra ou a uma melhor referência sobre ela. Acabava
prevalecendo a lei da propaganda.
Durante a Ditadura Militar, os livros sofreram com a política de censura, tanto por
parte do Governo como pelos próprios autores que temiam não ver suas obras publicadas. Nos
anos de 1980 e 1990, os livros didáticos utilizados nas escolas brasileiras deixaram de ser
cerceados e passaram a ter um controle de qualidade, quando começaram a ser avaliados por
comissões de especialistas das áreas, sob a coordenação do MEC.
No ano de 1995, a Unicamp
30
realizou uma pesquisa sobre os livros didáticos.
Segundo Carlos Augusto Ferreira (1997, p. 18), “[...] houve uma constatação de que eles o
reprodutivistas, mantenedores da ordem estabelecida, cujos conteúdos são trabalhados de
forma acrítica e passiva, contendo sempre a visão dos dominadores”. Devemos considerar que
o livro didático é uma mercadoria e, como tal, atende aos interesses do mercado e dos grupos
que o regulam. Sua qualidade também se relaciona aos custos e à margem de lucro das
editoras. Não é, portanto, neutro, tem sua própria historicidade, está impregnado de valores,
interesses e ideologias que, em grande parte das vezes, não coincidem com as expectativas
daqueles a quem visa atender, no caso, os professores/as e alunos/as da educação básica.
A atuação do professor e da professora diante de qualquer fonte, seja um filme, uma
notícia de jornal ou revista, um poema etc. pode assumir formas variadas, dependendo da
maneira como a concebe. Conforme Circe Bittencourt (2004, p. 73), “os usos que professores
e alunos fazem do livro didático são variados e podem transformar esse veículo ideológico e
29
O processo de avaliação dos livros didáticos passou a ocorrer a partir de 1994 (FONSECA, 1998; 1999, p. 41).
30
Universidade Estadual de Campinas. Pesquisa sobre o livro didático. Campinas: 1995.
63
63
fonte de lucro das editoras em instrumento de trabalho mais eficiente e adequado às
necessidades de um ensino autônomo”.
A autora reforça a importância do papel dos professores/as na seleção do livro
didático ao afirmar que essa seleção vai além do próprio livro, pois, cotidianamente, ainda que
tenha suas escolhas limitadas por projetos ou programas escolares, o eles/as que definem
quais textos e imagens serão utilizados.
Ao revisitarmos a história do livro didático, identificamos que, até a primeira metade
do século XX, os manuais escolares que tratavam de História Geral eram produzidos por
estrangeiros. Os que tratavam da História do Brasil eram elaborados, predominantemente, por
autores nacionais. Em 1861 foi lançado um dos primeiros livros didáticos para o ensino de
História brasileira, cujo título é Lições de História do Brasil para uso dos alunos do
Imperial Colégio de Pedro II, de Joaquim Manuel de Macedo, sócio do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro (IHGB) e professor do Colégio Pedro II. Na época, a obra foi adotada
em várias escolas do país e pretendia não somente sugerir conteúdos, como também indicar
metodologias para o ensino dessa disciplina (FONSECA, T., 2004, p. 49).
Pelo fato de inexistir uma política de aquisição e distribuição de livros didáticos por
parte do MEC para o ensino médio, cabia aos/as docentes indicarem os livros didáticos que
deveriam ser adquiridos. Diante disso, obras variadas eram sugeridas e não o chamado livro
único. Os alunos/as da rede pública tinham dificuldades de acesso à bibliografia o que
acabava por dificultar o trabalho em sala de aula.
Nas “Sugestões de Conteúdos” encaminhadas pela Secretaria da Educação do Estado
da Bahia às Unidades Escolares nos anos de 1990, além do elenco de conteúdos havia a
indicação de livros didáticos para o ensino da disciplina História no nível médio. Essa
recomendação era idêntica para as três séries. Porém, as sugestões curriculares não
apresentam justificativas para a indicação daquela bibliografia.
64
64
Por considerarmos os manuais didáticos veiculadores dos currículos oficiais,
assumindo assim um caráter prescritivo, analisamos seis das obras propostas pelas “Sugestões
Curriculares” de 1993, cuja indicação se repetiu até o ano de 2000, sofrendo apenas pequenas
variações durante a década.
A primeira obra analisada é História do Brasil de autoria de Olavo Leonel Ferreira.
O livro apresenta imagens em preto e branco, que o ocupam espaço maior que o texto
escrito, cumprindo a função de complementá-lo, auxiliando seu entendimento. O autor
distribui os conteúdos em duas partes: a primeira contempla o Brasil antes da Independência,
começando pelas grandes navegações comerciais e o descobrimento do Brasil e vai até o
Brasil às speras da independência. A segunda parte trata do Brasil Independente do
Primeiro Reinado à República depois de 1964. A cada fim de capítulo, o autor traz um
resumo, uma cronologia básica, questões propostas, a serem respondidas pelos alunos/as
algumas inclusive “de vestibular”, conforme o autor como complementação, um texto para
leitura e análise, que é extraído de autores e documentos variados. Os capítulos trazem
também, em destaque, a explicação de alguns termos e fatos, a exemplo do significado de
tribo e do que foi a Revolução de Avis.
O que primeiro se destaca em relação ao livro é seu aspecto cronológico linear. A
História do Brasil é narrada de forma factual, com um enredamento em cadeia,
fatos/causas/conseqüências. A História anterior à chegada dos portugueses aparece de maneira
tímida, sendo relatado, brevemente, o modo de vida dos tupis,
31
sua contribuição para a
cultura brasileira e ainda as formas de extermínio praticadas contra eles. Ou seja, a história
indígena é contada em relação à história do colonizador.
31
O autor adverte para a existência de outros grupos indígenas e de diferenças entre eles, entretanto, segundo sua
afirmação, privilegia os tupis pela extensão das fontes de estudo desse grupo em particular.
65
65
Figura 2 – Capa do livro História do Brasil, de Olavo Leonel Ferreira.
11. ed. São Paulo: Ática, 1986. Formato 21x14 cm.
As questões propostas têm um caráter factual, não ensejando ao aluno/a
oportunidade de analisar e dar respostas críticas ao conteúdo desenvolvido. Alguns exemplos
podem ser observados nas seguintes questões: “Que objetivos tinha a expedição de Martim
Afonso de Sousa?, Qual atividade econômica ofereceu a Portugal as primeiras vantagens
conseguidas no Brasil?” e O que é uma tribo?”. Com questionamentos elaborados dessa
forma, esperava-se que os alunos/as respondessem de acordo com o texto, bastando para isso
sua memorização.
Os assuntos de ordem política e econômica predominam em relação ao social e
cultural. Isso pode ser atestado pela divisão dos capítulos, onde o social aparece subordinado,
especialmente, ao contexto político, e o aspecto cultural, poucas vezes e com prioridade para
alguns tipos culturais, é abordado. Para ilustrar a afirmação, vejamos alguns títulos de
conteúdos da segunda parte, que compõe a maioria do livro: Capítulo 8 O Primeiro Reinado
(1822-1831); Capítulo 9 As Regências (1831-1840); Capítulo 10 O Segundo Reinado:
consolidação; e assim vai até o capítulo 17 que trata da República depois de 1964.
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A segunda obra indicada é História do Brasil: da Colônia à República, de Elza
Nadai e Joana Neves.
Em tamanho maior que o primeiro, aparece, ainda, com figuras em preto e branco.
Na apresentação dirigida ao Aluno, as autoras advertem tratar-se de uma obra cuja
preocupação o é trazer “[...] um amontoado de datas, nomes e fatos que devem ser
decorados, mas a possibilidade de conhecer uma história global e dinâmica que lhe sirva de
referência para compreender, de forma mais abrangente a nossa realidade vivida”. (NADAI;
NEVES, 1998, p. 3).
É possível perceber, pelo discurso das autoras, algumas mudanças e preocupações
em relação ao ensino de História. Enquanto o primeiro livro analisado apenas apresenta a
obra, no caso em questão, aparece a preocupação com o aluno/a, o principal público a que se
destina o trabalho.
Figura 3 – Capa do livro História do Brasil: da colônia à república, de Elza
Nadai e Joana Neves. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1988. Formato 19x27 cm.
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O livro está divido em 14 capítulos, cujos textos básicos são acompanhados de notas
explicativas, em forma de rodapé, de uma leitura complementar e de propostas de estudo.
Uma das primeiras observações que se pode depreender da obra de Elza Nadai e
Joana Neves é que elas iniciam com os grupos autóctones, e não com a História de Portugal, o
que demonstra uma perspectiva histórico-escolar mais crítica e ampliada. Entretanto, sua
abordagem continua linear e com ênfase nos acontecimentos políticos. A diferença é que, nos
textos complementares, aparecem questões sociais como a “cruenta” atuação dos bandeirantes
em relação aos índios, a democracia racial tratada como mito e grupos, tradicionalmente,
marginalizados como mulheres e operários.
Assim como Olavo Leonel Ferreira, as autoras utilizaram, na construção dos textos,
documentos variados como jornais, iconografia e revistas. Uma diferença em relação ao
primeiro é que trazem uma vasta referência bibliográfica de autores consagrados pela
historiografia brasileira como Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, Fernando
Novais, Emília Viotti da Costa, Roberto Simonsen, Caio Prado Júnior, Capistrano de Abreu
entre outros, não só nos textos complementares, mas também no próprio corpo dos textos
básicos. A referência a esses autores, além de possibilitar uma melhor base para os alunos/as,
também remete professores/as a outras fontes de estudo: a autores clássicos da historiografia
brasileira.
As propostas de estudo, permitem aos alunos/as, uma maior reflexão e a construção
de idéias próprias, uma vez que se trata de questões abertas como, por exemplo, “por que a
proclamação da República não foi uma revolução?”, ou ainda, justifique a seguinte
afirmação: ‘a agricultura exportadora foi a base da organizão republicana’”, e
contemplando questões sociais, dentro da mesma proposta de estudo, também consta a
seguinte questão: “a república foi organizada para se evitarem as transformações sociais. Esta
afirmação está correta? Justifique sua resposta”. Os/as discentes são motivados a
68
68
desenvolverem suas próprias concepções acerca do tema discutido e a formularem
argumentos que justifiquem suas idéias.
No final do livro, as autoras apresentam uma bibliografia comentada que contempla
autores de História, Literatura, Economia, Sociologia e alguns brasilianistas, oportunizando
aos/as docentes referências que possibilitam o aprofundamento de estudos sobre os temas
abordados.
Ao contrário do livro de Olavo Leonel Ferreira, na obra de Elza Nadai e Joana
Neves, a iconografia ocupa em várias passagens espaço igual ao do texto, mantendo relação
com ele. No entanto, pelo baixo padrão de qualidade gráfica, algumas figuras não têm boa
visualização, particularmente, fotos mais antigas e gravuras.
No ano de 1996, o livro História do Brasil de Nelson Piletti, também indicada nas
“sugestões curriculares” da SEC-BA, já se encontrava em sua 14ª edição, àquele tempo
reformulada e atualizada, contendo manual do professor e questões de vestibular em cada
capítulo.
Diferentemente das outras obras analisadas, ele inicia com a letra de uma música
“Canção do Novo Mundo” de autoria de Beto Guedes e Ronaldo Bastos.
32
O livro está
dividido em 37 capítulos, distribuídos em 11 unidades; glossário, caracterizando conceitos
abordados nos textos e uma bibliografia variada tanto em número de autores, quanto de áreas
e editoras. No livro destinado aos docentes, encontram-se, ainda, as respostas das questões no
manual do professor.
Assim como Elza Nadai e Joana Neves, o autor faz uma abordagem sobre a situação
indígena anterior à chegada dos europeus, o que denominou de pré-história americana,
destacando a importância da Arqueologia na elaboração o desse conhecimento, como
também situando o leitor/a sobre o trabalho do arqueólogo/a no Brasil. Embora siga uma linha
32
NASCIMENTO, Milton. Milton Nascimento ao vivo. São Paulo: Polygram, 1983. Faixa 9.
69
69
cronológica, o livro introduz algumas mudanças, relacionando temas tradicionalmente
tratados na disciplina com a atualidade. Um exemplo é a abordagem sobre os indígenas
primitivos, a discriminação racial presente na mentalidade contemporânea como fruto da
escravidão e o movimento operário. Numa tentativa de discutir problemas da atualidade,
apresenta peças de publicidade como difusoras da ideologia dominante, a luta camponesa, o
movimento estudantil, problemas socioeconômicos, como a violência, a fome, a concentração
de terras, a habitação, a saúde. Evoca, também, a presença de grupos, até então, pouco
lembrados nos livros didáticos, como a criança, a mulher, os idosos e temas, como cultura,
educação, ecologia, religião e a conceituação do neoliberalismo com suas possíveis
conseqüências.
Figura 4 – Capa do livro História do Brasil, de Nelson Piletti.
14. ed. São Paulo: Ática, 1996. Formato 24x17 cm.
Sobre o aspecto iconográfico, o livro diferencia-se em relação aos outros dois
anteriormente analisados, pelo padrão gráfico, em especial a utilização de cores. Apresenta
figuras, mapas, charges, fotografias, gravuras, que, à semelhança do que foi detectado no livro
de Elza Nadai e Joana Neves, ocupam um espaço quase igual ao destinado ao texto escrito.
70
70
As atividades propostas são semi-estruturadas. A maioria induz a respostas
encontradas no próprio texto, outras devem ser formuladas pelo aluno/a. Um exemplo que
pode ser dado para a primeira opção é o seguinte: “O que se entende por pré-história do
Brasil?” e para a segunda “Escreva algumas palavras sobre os artefatos de pedra feitos pelo
homem pré-histórico brasileiro”. Em todos os finais de capítulo, o livro traz propostas
metodológicas, como redação relacionada ao assunto tratado, discussão em grupo, debate,
análise de texto, síntese do assunto, pesquisa individual ou em grupo (que, no caso, diz
respeito basicamente à coleta de dados), entrevista, texto para análise (também seguido de
questões). O livro traz, ainda, o que chama de aprofundamento, que é a indicação de outros
títulos da mesma editora sobre o assunto discutido no capítulo.
A quarta obra indicada e analisada refere-se à coleção composta por dois volumes de
autoria de Aquino, Denize e Oscar.
33
O primeiro volume, que contempla as Idades Antiga e Medieval – Das comunidades
primitivas às sociedades medievais , está dividido em oito partes com um número variado
de unidades em cada uma delas. A primeira parte é destinada ao sentido e método da História,
suas fontes e problemas e ainda a evolução da historiografia no Ocidente.
Os capítulos não são anunciados pelo assunto que será tratado, mas por títulos/temas
sugestivos que pretendem despertar a curiosidade dos alunos/as como, por exemplo, Da
fragilidade do Homem nasceu sua força...”, só depois vindo o assunto, no caso, Da origem
do Homem à Revolução Neolítica. Trabalha com uma cronologia linear, tematizada, de
inspiração marxista.
A maior parte da obra contempla a sociedade ocidental, mas alguns capítulos
destinam-se às sociedades do chamado Oriente Próximo. Os textos são dialogados, os autores
fazem perguntas travando uma discussão com os leitores/as. Coerente com o título, o livro
33
Sobre a história de vida do autor e a historicidade dessa obra, ver a narrativa do professor/autor Rubim Santos
Leão de Aquino em FONSECA, Selva Guimarães. Ser professor no Brasil. Campinas: Papirus, 2003, p. 156-
164.
71
71
aborda temas econômicos e sociais que aparecem em maior número. As questões são
nomeadas como “Destaques das Unidades” e são apresentadas de forma semi-estruturada.
Ao final de cada capítulo, os autores trazem uma conclusão”, tratando-se de um
pequeno resumo do capítulo. Isso pode tornar-se um problema à medida que os alunos/as
podem não tirar suas próprias concepções ou idéias acerca do tema desenvolvido. Ao finalizar
cada parte, os autores apresentam um quadro sinótico destacando períodos e fatos marcantes
dos temas discutidos.
Figura 5 – Capa do livro História das sociedades: das comunidades primitivas às sociedades medievais,
de Rubim Aquino, Denise Franco e Oscar Lopes, Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1980. Formato 25x18 cm.
As imagens são em pequeno número, não chegando a disputar espaço com os textos
escritos que são extensos. São todas em preto e branco e em sua maioria aparecem como
desenhos. No final do livro, os autores fazem uma indicação bibliográfica dividindo-a em
fontes históricas e “obras consultadas”, contemplando, além de referências historiográficas,
também de Filosofia, Educação e Economia.
O segundo volume, que trata das Idades Moderna e Contemporânea, mantém o
mesmo padrão de texto, iconografia e tipo de abordagem. Focaliza também os aspectos
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72
econômicos, sociais e políticos, tendo como referência a historiografia marxista. Não
aparecem os temas relativos à História e ao ofício do historiador. O número de partes em que
ele está dividido é menor, quatro ao todo. Na conclusão, há também uma bibliografia variada.
É interessante observar que, na edição de 1993, os autores apresentam ao final de cada
unidade uma bibliografia intitulada “Para saber maise a indicação de filmes com uma breve
sinopse, sob o título “Filme também é história”. Embora sua utilização como recurso didático
continuasse sendo uma escolha ou possibilidade do/a docente, a indicação feita pelos autores
demonstra que, na década de 1990, outras linguagens apareceriam vinculadas ao ensino de
História nos livros didáticos.
Figura 6 Capa do livro História das sociedades: das sociedades modernas às sociedades atuais, de Rubim
Aquino, Francisco Alvarenga, Denise Franco et al. 2. ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1983. Formato 25x18
cm.
Outra obra indicada é História Antiga e Medieval, de José Jobson Arruda.
Apresenta-se dividida em seis temas centrais.
73
73
Figura 7 – Capa do livro História Antiga e Medieval, de José Jobson Arruda.
4. ed. São Paulo: Ática, 1981. Formato 14x21 cm.
Embora não deixe de tratar das sociedades orientais, a obra destaca as sociedades do
Ocidente. É interessante que, mesmo sendo indicada para o ensino dio vel em que ao
menos teoricamente os alunos/as deveriam ter visto o assunto uma preocupação, por
parte do autor, em explicitar os métodos da História, seu nascimento como narrativa, seu
status de ciência e sua relação com outras Ciências Sociais. Faz referência a alguns conceitos
básicos, como modo de produção, estrutura, conjuntura, sistema. Traça uma “periodização da
história”, explicando a importância do tempo para essa ciência. Traz alguns documentos
básicos”, datas e fatos essenciais”, um resumoe, ao final do capítulo, um vocabulário”.
Essa forma de divisão espresente em todos os capítulos. Ao tratar da Antigüidade Oriental,
o autor privilegiou os aspectos sociais e culturais do Egito e, para os outros povos, os aspectos
políticos e econômicos. Quanto aos gregos e romanos, por contarem com maior espaço no
livro, várias características foram abordadas, especialmente, a política. Ao tratar do período
Medieval, o Ocidente ocupa papel de destaque, e o Oriente aparece apenas em sua relação
com o primeiro. As imagens estão em preto e branco e não disputam espaço com o texto
74
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escrito. Ao final da obra, o autor apresenta um índice analítico e uma bibliografia
comentada” sobre os temas abordados.
Mais do que recurso ou fonte didática, os livros norteiam não conteúdos a serem
ministrados, mas também a “didática do professor/a, na medida em que sugerem
metodologias, fontes, atividades, formas de avaliação. Difundem pontos de vista e ideologias
nos textos-base e também nos complementares, quase sempre denominados de “textos para
análise”.
Nesse caso, assim como na utilização de qualquer instrumento mediador do processo
ensino-aprendizagem, a forma de recepção da obra e sua utilização dependem da formação
docente, do conhecimento das práticas pedagógicas e dos procedimentos didáticos, dos
conteúdos de sua disciplina e das teorias que lhes servem de referências, além dos saberes
práticos advindos da experiência, da reflexão constante sobre o processo cognitivo e de
ensinagem. Ou seja, o/a docente, revestido de um corpus de saberes profissionais, pode
superar a mera reprodução dos livros didáticos.
Observamos que , nesse conjunto de obras, um processo de homogeneização dos
temas e formas de abordagem que pode ser atribuído ao fato de haver certo “consenso social”
sobre o que deve ser ensinado ou ainda por questões mercadológicas.
34
Constatamos que os conteúdos dos livros didáticos analisados se aproximam dos
conteúdos programáticos para o ensino médio sugeridos pela SEC-BA, por meio de seus
programas, na medida em que privilegiam os aspectos políticos e abordam noções de tempo
histórico sob a perspectiva da linearidade. Questionamos: São os programas determinantes
dos conteúdos presentes nos livros didáticos, ou vice-versa?
Eles dialogam com asSugestões Curriculares” à medida que tratam de uma história
generalizada, sem espaço para o local e o regional. Embora não justifique, isso pode ser
34
De acordo com Décio Gatti (2004, p. 160), o livro ditico que alcançava uma boa colocação em termos de
vendas acabava sendo tomado como padrão na elaboração de outros.
75
75
explicado pelo fato do grande mercado editorial concentrar-se nas regiões Sul e Sudeste do
país e a História apresentada nos manuais didáticos publicados até então, privilegiar
acontecimentos a elas relacionados.
Embora também atuem com prescritoras, reconhecemos que as obras analisadas
extrapolam os programas oficiais do Estado da Bahia e deles se distanciam quando incluem
facetas do social, em especial ao contemplarem grupos tradicionalmente excluídos dos textos
históricos escolares. A questão é que, seja pelas mudanças na ciência de referência, seja por
demandas político-pedagógicas ou por pressões sociais, os livros didáticos têm melhorado
tanto em qualidade gráfica quanto em termos de abordagem.
Embora seja passível de críticas, como qualquer outro tipo de material pedagógico, a
nosso ver, corroborando outras pesquisas, o livro didático não pode, simplesmente, ser
descartado, inclusive por representar uma das principais formas de acesso da grande maioria
da população a um saber formal, ao conhecimento da cultura produzida pelas várias
sociedades, em épocas distintas e, no extremo, talvez o único livro que aquele/a que passa
pela escola pública tenha acesso em sua vida. Deve ser levado ainda em conta um outro fator:
a pouca diligência (ou interesse) do Estado em suprir as escolas de materiais didático-
pedagógicos variados, a exemplo das novas tecnologias de informação e comunicação.
Aos professores/as sujeitos envolvidos em teias de conhecimento que vão sendo
tecidas por aquilo que os alunos/as trazem e suas vivências, pelas contradições e adversidades,
a decisão de acatar ou não o prescrito no currículo oficial ou no livro didático não é uma
atitude simples. Segundo Ubiratan Rocha (2003, p. 163),
o currículo escrito é o resultado de complexas, sutis e, às vezes,
contraditórias tomadas de decisão que incluem desde as diretrizes político-
ideológicas mais amplas, que norteiam o documento, até as decisões que
derivam de pequenos embates em torno da inclusão, ou não, de determinados
objetivos, temas, conceitos e orientações metodológicas no interior dos
grupos responsáveis pela sua redação.
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76
O currículo prescrito e o livro didático passam a ter importância na medida em que
atendem às expectativas daqueles que laboram, cotidianamente, na escola, pois são eles “[...]
apenas um dos níveis em que se opera a seleção cultural. O que os alunos aprendem e deixam
de aprender [...] é mais amplo e mais complexo do que qualquer documento”. (FONSECA,
2003, p. 33).
A escola tem sua dinâmica própria e
entender essa dimica [...] pressupõe não somente explicitar de que maneira
os conteúdos se realizam na prática em sala de aula, mas assegurar aos
professores que as relações dos conteúdos programáticos atingem maior ou
menor grau de legitimidade quando considerados por eles adequados e
necessários. (MARTINS, 2000, p. 129).
O ensino de História, especialmente pelo papel que sempre desempenhou e pelo
caráter formativo que lhe é inerente, extrapola o currículo oficial. Pode ser visto e praticado
de forma desafiadora, que ajude alunos e alunas a desenvolverem sua autonomia intelectual.
Ou, por outro lado, se visto de forma a-histórica, pode ser alienado e alienante. É importante
pensarmos sobre isso, pois à História não cabe o papel de enterrar seus mortos em um passado
distante. Ela é viva, a História é vida!
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77
CAPÍTULO II
2 SABERES E PRÁTICAS DE ENSINO DE HISTÓRIA NO NÍVEL MÉDIO
[...] nunca é demasiado falar acerca dos homens como os únicos
seres, entre os inconclusos”, capazes de ter não apenas sua
bprópria atividade, mas a si mesmos, como objeto de sua
consciência, o que os distingue do animal, incapaz de separar-se
de sua atividade.
(FREIRE, 2003, p. 88, grifo do autor).
No capítulo anterior, analisamos os currículos prescritos pela SEC-BA para o ensino
de História durante os anos de 1990. Trata-se, portanto, de uma análise do currículo oficial.
Nesse capítulo, analisaremos a forma como ocorria o processo de seleção curricular, as
relações entre os saberes e as práticas pedagógicas dos professores/as de História no nível
médio no período estudado. Para isso, foram registrados os depoimentos de oito docentes
licenciados em História, que atuaram no ensino médio durante o período em foco.
Ao registrarmos as vozes dos professores/as não estamos preocupados com a busca
da verdade aparente ou daquela que se esconde por trás das palavras e dos silêncios, pois a
narração “[...] não está interessada em transmitir o ‘puro em si’ da coisa narrada como uma
informação ou um relatório”. (BENJAMIN, 1994, p. 205, grifo do autor). Para ele, a narrativa é
um fazer artesanal, assim, à medida que narram, os professores/as vão modelando um pensar
sobre o fazer e o ser docente.
Na interface entre seleção curricular, didatização, processo ensino-aprendizagem,
também entram como componentes os saberes da ciência de referência, sua interpretação e
reavaliação, pois é importante considerar que os conhecimentos advindos das teorias não
devem ser comunicados em seu “estado puro”. Faz-se necessário, nessa análise, repensar o
processo de didatização, uma vez que “[...] a exposição didática, à diferença da exposição
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78
teórica, deve levar em conta não apenas o estado do conhecimento, mas, também, o estado do
conhecente [...]”. (FORQUIN, 1992, p. 33).
E essa escolha e as demais são fortemente mediadas pela subjetividade pessoal e
social dos docentes, suas ideologias, seus interesses, visões de mundo, seus saberes e suas
representações. Entretanto, antes de travarmos essa discussão, é necessário termos uma visão,
ainda que panorâmica, da educação em Vitória da Conquista.
2.1 EDUCAÇÃO E ENSINO EM VITÓRIA DA CONQUISTA-BA
A primeira unidade de ensino de nível médio, instalada no município, foi a Escola
Normal, inaugurada em 20 de março de 1952. Antes disso, a cidade dispunha de algumas
poucas escolas de “primeiras letras” e uma de nível ginasial, que, atualmente, corresponde às
últimas quatro séries do ensino fundamental, no chamado Ginásio de Conquista,
popularmente conhecido como Ginásio do Padre, por ter sido o Padre Luiz Soares Palmeira
seu diretor durante longos anos. Tratava-se de uma instituição de ensino particular, que
admitia alunos de baixa renda mediante a concessão de bolsas. As pessoas mais abastadas e
que desejassem que seus filhos cursassem o colegial, hoje ensino médio, e a universidade
encaminhava-os a outros centros, especialmente Salvador (capital do Estado) e Teófilo Otoni
(cidade localizada no Norte do Estado de Minas Gerais).
Segundo Geisa Flores Mendes,
35
a implantação da Escola Normal cuja
denominação passou a ser, a partir de 1956, Instituto de Educação Euclides Dantas, em
homenagem a este professor representou na memória local um processo de modernização,
de ruptura com o passado “arcaico”. Em virtude da falta de licenciados, a maioria de seus
docentes era médicos, engenheiros, advogados.
35
Mesa-redonda: A História da Educação em Vitória da Conquista. Museu Regional de Vitória da
Conquista/Uesb, 15 set. 2001. Gravado em fita k-7.
79
79
Essa realidade não se alterou até os anos de 1970, quando foi implantada no
município a Faculdade de Formação de Professores, que contava, inicialmente, com o curso
de Letras de curta duração e, em seguida, o curso de Estudos Sociais e Ciências. Essa
faculdade tornou-se a Universidade do Sudoeste da Bahia, em 25 de agosto de 1981,
posteriormente denominada Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
36
e funciona em três
campi, contando com um total de 35 cursos entre licenciaturas e bacharelados.
A Secretaria Municipal de Educação e Desporto (SMED), legalmente responsável
por “oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade o ensino
fundamental” (LDB 9.394/96, Título IV Da Organização da Educação Nacional, Art. 11,
Inciso V), mantinha sob sua responsabilidade, durante o ano de 2004, um total de 202 escolas
de ensino fundamental e 8 creches, entre sede e distritos. O número de matrículas na rede
municipal, naquele ano, foi de 40.094 alunos. De acordo com dados levantados junto a essa
Secretaria, todos os professores e professoras que ministram o ensino de História são
licenciados na disciplina, perfazendo um número total de 60 docentes. O piso salarial por 20
horas/aula semanais era de R$ 430,00 (quatrocentos e trinta reais).
37
Os representantes da SMED, juntamente com os professores/as da rede municipal,
elaboraram, no ano de 2004, um “plano de curso” de 5ª a 8ª série, para a disciplina História.
38
Trata-se de um elenco de assuntos a serem trabalhados, sem contar com qualquer referência
teórica, seja do campo da Pedagogia ou da historiografia. Nesse plano, observamos que o
ensino de História está organizado em fatos e em uma cronologia linear. Inicia-se com a Pré-
História e vai até o Golpe Militar de 1964 no Brasil. É possível constatar que a história
européia ocupa a maior parte do currículo. O livro didático adotado no mesmo ano para todas
as séries traz o suplemento “manual do professor”. Faz parte da coleção Nova História
36
A UESB passa a ter essa denominação a partir da autorização nº.. 94 250 publicada no DOE em 23/04/1987.
37
Dados levantados junto a SMED/VC, durante o ano de 2004.
38
Ver anexo E.
80
80
Crítica, de autoria de rio Furley Schimidt, da editora Nova Geração,
39
adquirido pelo
Governo Federal por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). O “plano”
contém os procedimentos metodológicos a serem adotados pelos professores/as que, no
entanto, se confundem com recursos didáticos.
Nesse plano, espera-se que sejam adquiridas, por parte dos alunos/as, habilidades e
competências, diferenciadas por série e que se relacionam aos conteúdos ministrados. Ocorre
que as habilidades e competências apontadas indicam objetivos a serem alcançados. Uma
outra questão observada é que não indicação bibliográfica que possa subsidiar o
professor/a em seus estudos e práticas pedagógicas.
Em relação à responsabilidade do Estado, a Direc-20, órgão representativo da
Secretaria Estadual da Educação junto aos municípios, tem sob sua jurisdição sete deles,
somando um total de 72 escolas nos níveis fundamental (5ª a 8ª série) e médio, sendo que 38
desse total se localizam em Vitória da Conquista e, em 16 dessas unidades escolares, funciona
o nível médio de ensino. Em 2005, foram matriculados 36.507 alunos na rede estadual. Desse
total, o ensino médio é responsável pelo maior percentual com 16.586 matrículas.
40
O número de professores/as da rede estadual que atuava no município era de 1.402;
desse total, 363 possuem formação em nível dio, e 1.039, em nível superior. Os/as
docentes da disciplina História somavam 92 e, de acordo com o Setor de Cadastro da Direc-
20, são todos/as licenciados na disciplina. Entretanto, é possível constatar que algumas
escolas ainda contratam, em caráter temporário, profissionais com outras habilitações,
inclusive bacharéis, especialmente para o ensino de História, Geografia e Artes, disciplinas
consideradas por um grande número de gestores/as, educadores/as e alunos/as fáceis” de
serem ministradas, “decorebas” ou de menor importância.
41
39
SCHMIDT, Mário Furley. Nova história crítica. São Paulo: Nova Geração, 1999.
40
Dados levantados junto a Direc-20, durante o ano de 2006.
41
Dados relativos à contratação e à existência de professores de outras licenciaturas dando aulas de História
foram encontrados durante a pesquisa de Doutorado realizada por Carlos Augusto L. Ferreira (2004, p. 215), em
81
81
Cabe lembrar que, desde 1971, a LDB autorizava a regência de classe no nível médio
somente a profissionais licenciados na disciplina ou “habilitados em exames de suficiência
regulados pelo Conselho Federal de Educação e realizado em instituições oficiais de ensino
superior indicados pelo mesmo Conselho. (BRASIL, Parágrafo Único, “c”, do Art. 77 da LDB
5.692/71). Salvo o caso de haver pouca oferta de licenciados, poderiam lecionar profissionais
formados em outros cursos superiores, atendendo, porém, ao pré-requisito de serem “[...]
registrados no Ministério da Educação e Cultura, mediante complementação de seus estudos,
na mesma área ou em áreas afins onde se inclua a formação pedagógica [...]”. (Art. 78). A
carência de professores licenciados – particularmente em História – não faz parte da realidade
na região Sudoeste baiana, uma vez que, desde o ano de 1985,
42
funciona na Uesb, campus de
Vitória da Conquista, o curso de Licenciatura em História,
43
que tem habilitado docentes para
ministrarem a disciplina.
O regime de trabalho dos professores e professoras da rede pública estadual é
disciplinado pelo Estatuto do Magistério Público do Ensino Fundamental e Médio do Estado
da Bahia (Lei nº. 8.261 de 29 de maio de 2002). Quanto à definição de cargos e salários, a
categoria está dividida em quatro níveis e cinco classes que vão de “A” a “F”, ocorrendo
variação salarial entre eles.
44
Seguindo determinações nacionais, o currículo do ensino médio na Bahia em 2004
possuía uma base nacional comum e uma parte diversificada (LDB 9.394/96, Art. 26).
Conforme determinação dessa lei, a disciplina História deve responsabilizar-se pelo estudo
outras cinco cidades baianas. De acordo com essa pesquisa, em 1999 o número de contratados pelo Regime
Especial de Direito Administrativo (REDA), era de 6.100 em todo o Estado. O que, segundo sua opinião, acaba
por comprometer a qualidade do ensino e enfraquecer a organização dos professores.
42
Embora tenha começado a funcionar no segundo semestre desse ano, a primeira colação de grau só ocorreu no
ano de 1992 quando o curso foi reconhecido pela Portaria . 1.070 de 14 de julho daquele ano.
43
Inicialmente o curso era oferecido somente no turno noturno. Desde o ano de 1998, passou a ser também
ministrado no turno vespertino, aumentando, assim, o atendimento à demanda local e regional.
44
De acordo com o Diário Oficial do Estado, de 14 de setembro de 2004, o piso salarial para uma carga horária
de 20 horas/aulas semanais, correspondente ao nível I, classe A, era R$ 277,36 (duzentos setenta e sete reais e
trinta e seis centavos), enquanto o nível IV da mesma classe percebia uma remuneração de R$ 489,01
(quatrocentos oitenta e nove reais e um centavo).
82
82
“[...] da realidade social e política, especialmente do Brasil”. (Art. 26, Parágrafo 1º). Em
relação ao conteúdo, “o ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das
diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente as matrizes
indígena, africana e européia”. (Art. 26, § 4º).
Ocorre, entretanto, de maneira geral, que a carga horária da disciplina no nível médio
na Bahia era e continua sendo de apenas duas horas/aulas semanais, sendo cinqüenta minutos
(no turno noturno menor ainda, cerca de quarenta minutos) o tempo de cada aula. Além do
currículo a ser tratado, esses minutos têm que ser compartilhados com situações que
comprometem sobremaneira o processo de ensino-aprendizagem, tais como a enorme lista de
chamada, os reiterados pedidos de silêncio, a tentativa de ganhar a atenção da turma e a
necessidade de construir um ambiente adequado ao desenvolvimento da aula.
Devemos chamar atenção ainda para o fato da carga horária de História ser menor se
comparada a de outras disciplinas como, por exemplo, Matemática e Língua Portuguesa que
contam com quatro horas/aulas por semana. O reduzido número de aulas da disciplina é
herança da Reforma de 1º e 2º Graus, promovida pela LDB 5.692, de 11 de agosto de 1971,
quando o ensino teve que se adequar à Doutrina de Segurança Nacional. Embora essa
alteração seja prerrogativa das escolas,
45
no Estado da Bahia, essa discussão não foi realizada,
mantendo a hierarquização das disciplinas e a desvalorização das humanidades,
46
pois o
mesmo fato ocorre com o ensino de Geografia, Sociologia e Filosofia, sendo as duas últimas
ainda mais prejudicadas, uma vez que são ministradas, unicamente, em uma das séries do
ensino médio e contam apenas com uma hora/aula semanal. Em geral, as disciplinas
Sociologia e Filosofia são ministradas por profissionais sem a devida formação; constam do
45
A partir de sua missão e meta estabelecidas no Projeto Pedagógico Escolar, as unidades de ensino têm relativa
autonomia para realizarem a distribuição de carga horária, desde que respeitem o percentual de 75% para o
núcleo comum e 25% para a parte diversificada.
46
Essa hierarquização foi estabelecida pela Resolução nº. 06/86 do Conselho Federal de Educação (CFE), que,
em seu Art. 7º, estabelecia: “Dar-se-á no currículo, especial relevo ao ensino de Português e de Matemática de
modo a assegurar-se sua presença em todos os períodos letivos”.
83
83
currículo para cumprirem uma obrigatoriedade legal e servem, quase sempre, para
complementação de carga horária do professor/a. Isso gera distorções no ensino dessas
disciplinas, que têm sua importância minimizada.
Ainda que a prioridade da profissionalização trazida pela LDB 5.692/71 tenha sido
alterada pelo Artigo 4º da Lei nº. 7044 de 18 de outubro de 1982, muitas escolas que optaram
pela formação geral ainda vivem a dualidade entre esse tipo de formação e a
profissionalizante. Isso pode, a nosso ver, ser repensado mediante a elaboração, por parte de
toda a comunidade escolar, de um sério Projeto Pedagógico, permanentemente, revisto e
avaliado. A própria Secretaria da Educação da Bahia reconhece a importância da Unidade
Escolar ter clareza de seus objetivos e intenções ao afirmar:
É através do Projeto Pedagógico que a escola sabecom clareza para onde
vai, como caminhar e por que vai nesta ou naquela direção, pois a função, a
razão de existir da Escola deve estar espelhada no Projeto de tal forma que
qualquer pessoa alheia à Escola, ao lê-lo, entenda o que propõe a Unidade
Escolar.(BAHIA, 1998, p. 10).
Acreditamos que nenhum Projeto Pedagógico pode ter sucesso se não for
acompanhado de outras mudanças na educação escolar, especialmente no que diz respeito ao
aumento de verbas, à valorização profissional dos/as docentes como profissionais da
educação, em relação ao salário, à carga horária e condições de trabalho, formação inicial e
continuada de qualidade, melhoria nas condições didático-pedagógicas e autonomia da escola
tanto na elaboração do seu projeto quanto na gestão e aplicação das verbas.
2.2 CURRÍCULOS E ENSINO DE HISTÓRIA NO ESTADO DA BAHIA
Segundo Carlos Augusto Ferreira (2004), o ensino de História praticado nas escolas
baianas, em geral, não oferece aos alunos condições de perceberem a relação entre o tempo
84
84
presente e os acontecimentos ocorridos no passado. Isso acontece, de acordo com o autor,
pelo pouco preparo do professor/a e por sua postura ainda ligada à cronologia linear do
positivismo.
Compreender as mudanças realizadas pelos seres humanos, o tempo histórico (seja
no sentido braudeliano de cotidiano, conjuntura e estrutura, seja no tempo Kairós dos gregos
antigos, no cíclico dos povos africanos, ou no tempo linear do medievo ocidental) e as
relações que o passado mantém com o presente matérias primordiais da sua disciplina é
um dos grandes desafios para o professor/a de História. A esse respeito, Antonieta Tourinho
(2003, p. 21), interroga:
Como possibilitar que um aluno de escola pública viaje” da Salvador do
século XXI para a Lisboa do século XVI e isto tenha sentido em sua vida
atual? Como possibilitar que ele chegue próximo de acontecimentos como a
Revolução dos Alfaiates, a Sabinada, a Revolta dos Malês que, apesar de
estarem tão perto espacialmente, estão tão distantes dele?
Na tentativa de responder a essas questões, a autora nos remete diretamente ao
professor/a, interrogando que sentido a história tem em sua própria vida e que motivações
eles/as encontram para lidar com o passado. Essas indagações relacionam-se, fortemente, com
a escolha do currículo de História. As prescrições oficiais atendem às expectativas dos
professores e professoras, dos alunos e alunas? Os motivam ou fazem com que eles/as
procedam a novas escolhas, partindo daquilo que lhes desperta interesse? Ao contrário do que
pregam as teorias reprodutivistas, a sala de aula é um campo aberto de possibilidades, e, como
tal, sujeito a mudanças e acontecimentos inesperados.
Tentando desvelar os “inventos e contratempos” que ocorrem no cotidiano da sala de
aula, Antonieta Tourinho revela, por meio do memorial de estágio de um dos seus alunos, a
imagem que os/as discentes de uma escola pública de Salvador têm da disciplina História,
85
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que, embora não deixe de ser considerada importante, é ainda vista somente como estudo do
passado.
Na tentativa de superar o distanciamento imposto por algumas práticas pedagógicas
mediadas pelo currículo e possibilitar que o aluno/a da educação básica se aproxime de sua
própria historicidade, Antonieta Tourinho (2003, p. 208) propõe
[...] concepções pedagógicas, que não hierarquizando os saberes, incentivem
a produção do conhecimento nas escolas e concepções historiográficas que,
acolhendo o homem comum e o seu cotidiano na história da humanidade,
dêem espaço à inclusão do universo do aluno no processo de ensino e
aprendizagem em história.
Uma dessas formas de aproximação entre aluno/a e currículo é constatada pela
própria Antonieta Tourinho. Para a autora, ao tratar dos chamados “heróis” ou figuras
emblemáticas consagradas pela historiografia tradicional, o ensino de História, aos poucos,
tem dado lugar a outras, cuja relação com os grupos sociais, geralmente, excluídos do
currículo, passam a integrá-lo. Um exemplo disso é a figura de Zumbi dos Palmares, um dos
líderes na luta contra a escravidão. Atualmente ele ocupa um espaço nos saberes escolares,
onde por muitos anos figurou a imagem da Princesa Isabel, considerada como “redentora” dos
escravos. No caso específico da Bahia, a autora afirma que alguns nomes de pessoas
envolvidas em movimentos de cunho estadual, como a Balaiada, a Sabinada, a Revolta dos
Alfaiates e a Revolta dos Malês, embora não tenham a popularidade de Tiradentes, já não
soam o distantes aos ouvidos dos alunos/as das escolas públicas baianas ou, ao menos,
soteropolitanas.
Fatos históricos relativos ao Estado da Bahia também ganham importância nos
currículos. A “Conjuração Baiana”, por exemplo, passou a ter tanto destaque quanto a
“Conjuração Mineira”. Queremos chamar a atenção que não se trata de uma simples mudança
na seleção de conteúdos e sim de paradigmas. O que destacamos é a valorização de fatos
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históricos e pessoas representativas de grupos sociais, sobre os quais os currículos de História
silenciaram de maneira contumaz.
Outro fator salientado por Antonieta Tourinho (2003, p. 234) é o de que “essas
inovações no ensino de História na educação sica acompanham, lentamente, muitas vezes,
aos tropeços, as inovações historiográficas que vêm teorizando e pesquisando sobre histórias
do cotidiano”, revelando o descompasso entre o tempo da produção acadêmica e aquele que
transcorre no viver/fazer da escola.
Uma outra mudança é apontada por Gledison Pinheiro, ao relatar o depoimento de
dois professores que atuam em diferentes escolas públicas da cidade de Salvador que,
contrariamente, ao que acontecia com os interesses vinculados ao ensino de História desde o
século XIX e meados do século XX, qual seja, o de formar uma identidade nacional comum,
pregam o direito à diversidade e alteridade. Para ele, tanto a postura de um quanto de outro,
em vez de incentivar o culto e a mitificação dos homens que supostamente
fizeram a história, acredita que o saber histórico deve colaborar na formação
de um sujeito crítico de seu tempo e partidário da pluralidade cultural. Ao
defender essa formação, o professor apresenta, do ponto de vista político e
cultural, objetivos mais próximos dos ideais do ensino de história
contemporâneo. (PINHEIRO, 2004, p. 55).
Segundo o autor, algumas mudanças curriculares e metodológicas propostas, a partir
das décadas de 1980 e 1990, foram incorporadas, ao menos, parcialmente, pelos
professores/as de História do Estado da Bahia. No entanto, para ele, apesar das
transformações pelas quais essa disciplina vem passando nos últimos anos, seja em seus
aspectos epistemológicos, seja na cultura escolar, seus agentes ainda não atentaram para a
importância da linguagem como mediadora desse processo. Não se trata de análise de
discurso, e sim do vazio e do silenciamento que existe frente à problematização relativa à
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episteme-linguagem-ensino de história, conforme suas próprias palavras. (PINHEIRO, 2004, p.
81). Esse é mais o desafio posto e a ser enfrentado pelo professor/a de História.
2.3 CURRÍCULO VIVIDO(?): O QUE DIZEM OS DIÁRIOS DE CLASSE
Fizemos o levantamento de análise de diários de classe em quatro unidades escolares
que ofereciam o ensino médio, durante a década de 1990.
47
O trabalho com os diários nos
possibilitou verificar que conteúdos foram selecionados para esse nível de ensino.
Durante a década em foco, o ensino médio era ministrado no município em oito
escolas da rede estadual.
48
Apesar de desobrigadas de oferecer a formação profissionalizante
desde 1982, conforme Artigo 4º da Lei nº. 7044 de 18 de outubro daquele ano, as unidades
escolares da rede estadual local continuaram a manter esse tipo de ensino, passando a adotar a
formação geral somente a partir de 1997. Os cursos ministrados nas oito escolas
compreendiam: Magistério, Técnico em Contabilidade, Auxiliar de Escritório, Técnico em
Agropecuária e Auxiliar de Enfermagem.
Em razão da permanência dos cursos profissionalizantes, que davam maior espaço
em sua matriz curricular às disciplinas voltadas para a formação técnica, a disciplina História
figurava na série inicial do 2º grau. Em função disso, a maior parte do conteúdo analisado
nos diários de classe diz respeito à 1ª série do ensino médio.
Por serem o registro, a representação do professor/a, optamos por incluí-lo como
fonte de consulta e análise, na busca de compreender o que acontecia no cotidiano da escola e,
mais precisamente, o vivido da sala de aula, embora tenhamos o entendimento que se trata de
47
O levantamento dos diários de classe foi realizado nas seguintes unidades escolares: Centro Integrado de
Educação Navarro de Brito; Colégio Estadual Adélia Teixeira; Colégio Estadual Eraldo Tinoco e Escola
Agrotécnica Sérgio de Carvalho.
48
As escolas que contavam com o ensino médio eram: Instituto de Educação Euclides Dantas (Escola Normal);
Centro Integrado de Educação Navarro de Brito; Colégio Estadual Adélia Teixeira; Colégio Estadual Abdias
Menezes; Colégio Estadual Polivalente; Colégio Estadual Vilas Boas Moreira; Colégio Estadual Eraldo Tinoco;
Escola Agrotécnica Sérgio de Carvalho.
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um registro formal, prescritivo, o que cria a possibilidade de alguns dos conteúdos neles
assinalados não terem sido abordados e impossibilita ainda a apreensão sobre a forma como
foram tratados esses conteúdos.
O possível distanciamento e aproximação entre o vivido na sala de aula e o
registrado no diário, ficou evidente no depoimento da professora Maria do Carmo, que
demonstra haver, de fato, um “território de disputa” entre o currículo institucionalizado e o
vivenciado na sala de aula. Ao relatar as possibilidades de mudança do currículo vivido e o
envolvimento dos/as docentes em um processo educacional complexo, ela dá o seguinte
exemplo: “eu tenho uma caderneta de uma disciplina que sou obrigada a trabalhar para
completar minha carga horária. E para satisfazer o oficial, eu vou ter que assinar um
determinado conteúdo”. Entretanto, o conteúdo lançado no diário de classe não corresponde
ao que foi ministrado pela professora, que se nega a abordar assuntos que não sejam
pertinentes a sua área de formação, subvertendo o que dita o currículo oficial. Para Silma
Nunes (1996, p. 38), atitudes como essas representam uma rebeldia tácita, que faz com que
o/a docente faça, mas, faça do “seu jeito”.
Na análise dos diários, constatamos que predominava a história cronológica linear,
tradicionalmente aplicada ao ensino de História. Ao contrário do que previam as “sugestões
curriculares” da SEC-BA nos anos de 1990, onde a maior parte do conteúdo contemplava a
história européia, a abordagem sobre a História do Brasil se destacava e aparecia, na maioria
das vezes, a partir da Crise do feudalismo, da Expansão Marítima e da consolidação do
modelo capitalista de produção. Os aspectos políticos eram os mais tratados, desde a
constituição do Governo Geral até os primeiros governos pós-1964. Em alguns casos, a
História do Brasil era articulada à História Geral da Europa.
As alterações do currículo expressas na prática pedagógica e registradas nos diários
de classe demonstram ser ele resultado de combinações complexas algumas vezes
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divergentes e contraditórias que deve ser analisado não como algo estático, mas em uma
dinamicidade que se transmuta e se constrói no vivido. E, embora sofra limitações pelas
prescrições dos programas e livros didáticos, pelas condições reais da sala de aula, essas
alterações explicitam uma margem de autonomia do/a docente na prática curricular.
Aparecem temas relacionados à Antigüidade, especialmente a história clássica
européia, com destaque para Grécia e Roma. A Idade Moderna, quase sempre, era tratada a
partir do processo de “descoberta” e ocupação do Brasil, aparentemente, numa relação causal,
conforme preconizava a sugestão curricular oficial.
Também referendando a prescrição curricular do Estado, o identificamos nenhum
registro de assuntos que contemplassem a história local. Quanto à história regional, aparece
apenas duas vezes nos assuntos intitulados “ocupação do Nordeste” e “ocupação e
desenvolvimento da cidade do Salvador”. Podemos inferir que talvez isso ocorresse por falta
de material didático que tratasse do tema, uma vez que os livros didáticos, principal fonte de
seleção do professor/a e produzidos em sua maior no Sul e Sudeste do país, não
contemplavam a história regional, especialmente do Nordeste, uma vez que apresentavam os
fatos em uma perspectiva mais global.
Negando a proximidade territorial e cultural, a América Latina, poucas vezes, foi
abordada e, na maior parte delas, apenas no tocante ao processo de independência das
colônias espanholas. Essa ausência ou silêncio revela uma aproximação com o currículo
oficial que pouco espaço dava à história latino-americana.
Destoando dos demais diários de classe, identificamos em um deles abordagens
conceituais. Antes de entrar em “conteúdos históricos” propriamente ditos, foram discutidos
os conceitos de sociedade, economia, política, cultura, modo de produção, estrutura,
conjuntura, sistema e representação.
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90
Em alguns diários, aparecem as questões “O que é História” e “Por que estudar
História”, revelando a preocupação do/a docente em discutir a disciplina e seus fundamentos,
possivelmente numa tentativa de despertar no aluno/a sua valorização, ao mesmo tempo em
que procura dar sentido ao seu estudo.
Embora apareçam poucas vezes, outros temas foram abordados, tais como o racismo,
decorrente da escravidão, a organização do movimento negro, as lutas de trabalhadores, a
violência contra a mulher, as desigualdades sociais, a educação, o inchaço das cidades, temas
que, até aquele momento, ainda eram pouco abordados pela historiografia e não eram tratados
com ênfase nos livros didáticos.
Em dois dos diários analisados são relatados os mesmos assuntos em duas séries
diferentes. Terá havido, de fato, repetição dos conteúdos, ou equívoco ao se fazer o
lançamento? Ou quem sabe, conforme afirma Gimeno Sacristán
o professor se dedica em suas classes mais a uns que a outros, obriga a
realizar umas atividades e não outras em função da valorização e opções
pessoais que ele toma: comodidade pessoal, condições da aula, percepção de
necessidades nos alunos de reforçar mais umas tarefas e aprendizagens do
que outras etc. (2000, p. 175).
São questões que demonstram como o currículo vivido pode e é modificado pelo
sujeito que conduz o processo de ensino-aprendizagem na sala de aula.
Em alguns casos, a abordagem do conteúdo é iniciada a partir da Antigüidade
Ocidental e Oriental e chega até o Brasil atual. Questionamos como o/a docente conseguiu
ministrar assuntos variados dentro de uma cronologia tão extensa em um único ano letivo,
ainda mais se considerarmos que a aula de história era ministrada em apenas dois horários
semanais.
O ano de 2000 foi consagrado às “comemorações” pelos quinhentos anos de
“descobrimento” do Brasil. Vários diários evidenciam uma suspensão temporária dos
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91
conteúdos que vinham sendo abordados, para a organização e apresentação de trabalhos e
discussões concernentes ao tema. Isso evidencia a flexibilização e adequação que o currículo
vivido possibilita e re-cria no interior das escolas.
É preciso considerar que os diários não podem ser analisados como elementos
isolados, uma vez que servem como registro do currículo, expresso na prática pedagógica que
por sua vez é
[...] algo fluido, fugaz, difícil de apreender em coordenadas simples e, além
disso, complexa enquanto nela se expressam múltiplos determinantes, idéias,
valores e usos pedagógicos. A pretensão de compreender os processos de
ensino com certo rigor implica mergulhar nos elementos diversos que se
entrecruzam e interagem nessa prática tão complexa. (SACRISTÁN, 2000, p.
202).
A variedade de assuntos desenvolvidos, o fato de na mesma série e escola serem
trabalhados conteúdos distintos, a repetição de assuntos em séries diferentes nos
possibilitaram perceber que as sugestões curriculares da SEC-BA, durante a década de 1990,
não eram seguidas ou, ao menos, não eram seguidas na sua totalidade. Demonstram, ainda,
que o havia uma interlocução entre os/as docentes, ficando a seleção e organização
curricular a critério de cada um/a. O trabalho de re-construção curricular de forma coletiva
não fica evidenciado nos registros dos documentos. Essa variação também pode ter ocorrido
em função da necessidade de adequação às condições de seu desenvolvimento e ao nível
educativo de cada turma.
Na análise dos diários de classe também foi possível perceber aproximações e
distanciamentos com as sugestões curriculares da SEC-BA nos anos de 1990. Sua linearidade,
o destaque para as questões políticas e a relação causal dos fatos, aproxima o que neles está
relatado com o currículo prescrito. Entretanto, o destaque para a História do Brasil, a
abordagem conceitual evidenciada em um deles, a flexibilização para se tratar temas ausentes
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nas prescrições como o racismo, a questão de gênero, lutas de trabalhadores, demonstram o
distanciamento e a liberdade do/a docente na prática curricular.
2.4 FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA DOS/AS DOCENTES
Embora não seja nossa intenção examinar detidamente a formação inicial e
continuada, vamos tratar dessa questão, uma vez que ela é constitutiva do processo de seleção
curricular, na dinâmica do currículo vivido, pois “o tipo e o grau de profundidade que se
imprime à formação do professor, tende a se refletir no currículo da sala de aula”. (ROCHA,
2002, p. 22). A necessidade dessa reflexão se torna ainda mais premente, tendo em vista que
as políticas públicas voltam a implementar e incentivar o aligeiramento da formação superior,
descaracterizando a formação inicial. Por meio das vozes dos professores/as de História,
compreendemos sua importância na prática pedagógica.
Se no Brasil o ensino de História passou por transformações no decorrer dos anos de
1980 e 1990, em Vitória da Conquista, particularmente, essas alterações foram significativas
na última década o somente pelas mudanças políticas ocorridas no país em função do
processo de redemocratização e das reformas educacionais, mas, fundamentalmente, pela
realização de concurso público para docentes da rede estadual no ano de 1993, o que
possibilitou a entrada na educação sica de professores/as especialistas. Antes disso, havia
uma carência de docentes licenciados em História e a maioria dos que ministravam essa
disciplina, especialmente no nível médio, era oriunda de outras formações, que incluíam o
bacharelado e a licenciatura curta em Estudos Sociais.
O depoimento da professora Janilde confirma a ausência de licenciados/as em
História, durante as décadas de 1970 e 1980, antes da implantação da licenciatura em História
na Uesb, o que abria espaço para que advogados, engenheiros, juízes ministrassem aulas da
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disciplina. Ela mesma formou-se em Ciências Sociais, vindo a habilitar-se posteriormente em
História pela Cades.
49
Assim como a professora Janilde, a professora Maria do Carmo corrobora o fato de
que docentes o especialistas davam aulas de História anteriormente à década de 1990. Para
ela, os professores/as recém-formados pela Uesb e que foram admitidos no concurso de 1993
enfrentaram o desafio de mudar a prática recorrente de aulas que se baseava no uso de
questionários, posteriormente, utilizados como forma de avaliação, o que exigia do aluno/a
apenas decorá-lo, e, do professor/a, seguir os textos dos livros didáticos sem uma análise mais
aprofundada. Lembrando aquele momento, ela afirma:
Eu, e acredito que todos os meus colegas, tivemos muita dificuldade, porque
estávamos começando algo novo não somente enquanto profissionais, como
também estávamos alterando a realidade que estava montada. Que realidade
era essa? Professores não licenciados em História ou Geografia [davam
aula]. Uma boa parte deles não tinha Graduação (Profª. Maria do Carmo).
Quase todos os/as colaboradores, à exceção da professora Janilde, licenciaram-se em
História pela Uesb. Para a professora Silvone, que graduou-se em Estudos Sociais e veio a
cursar a licenciatura plena em História anos depois de efetivo exercício do magistério, sua
formação inicial “deixou muito a desejar. Ficava sempre vago e sentia na prática da sala de
aula a necessidade de mais informação e de maior segurança com a disciplina”.
As licenciaturas curtas que, via de regra, empobreciam a formação do professor/a,
também cumpriam “[...] o papel de legitimar o controle técnico e as novas relações de
dominação no interior das escolas”. (FONSECA, S., 2004, p. 20), na medida em que retirava do
professor a possibilidade de uma formação mais ampla, limitando o conhecimento curricular e
sua capacidade de reflexão crítica sobre sua formação e fazer pedagógico.
49
Com a criação do Ministério da Saúde em 1953, o Ministério da Educação e Saúde Pública deixou de ter sob
sua responsabilidade os assuntos atinentes à saúde, passando a chamar-se Ministério da Educação e Cultura.
Nesse mesmo ano foi criada a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES),
vinculada à Diretoria do Ensino Secundário, cujo objetivo era habilitar os docentes em disciplinas específicas. A
campanha foi implementada nos Estados por meio de suas respectivas Secretarias.
94
94
Embora a formação plena dessa professora tenha ocorrido em serviço e no turno
noturno o que para ela é um dos fatores que reduz a qualidade do curso licenciar-se em
História ajudou em sua atuação como professora dessa disciplina. Segundo ela, após ter feito
o curso de História, “na prática da sala de aula, percebo que vou com mais segurança. E tenho
também as informações, apesar de não serem completas, mas já tenho mais segurança” (Profª.
Silvone).
Apesar de algumas ressalvas, nenhum dos entrevistados/as deixou de considerar o
significado marcante da formação inicial. De acordo com suas afirmativas, o curso de
História, para além da qualificação profissional, possibilitou mudanças pessoais que
fomentaram uma nova forma de olhar e entender o mundo, alterando seus valores e práticas
sociais. A narrativa da professora Janilde evidencia essa mudança:
Quando eu comecei a fazer Ciências Sociais, eu me despontei com uma
vontade muito grande de abrir mais os horizontes. Porque eu acho que o
ensino de História, das Ciências Humanas, de maneira geral, à pessoa
uma formação mais humanística e uma curiosidade muito grande e faz com
que comecemos a questionar, a não ver o fato, mas questioná-lo e,
principalmente, trazê-lo para os dias atuais (Profª. Janilde).
Embora haja um consenso o fato de que a formação do profissional acontece ao
longo da carreira e não em um momento estanque, é inegável a importância da formação
inicial. De acordo com Selva Fonseca (2004, p. 60), é primordialmente
[...] nos cursos superiores de graduação, que os saberes históricos e
pedagógicos são mobilizados, problematizados, sistematizados e
incorporados à experiência de construção do saber docente. Trata-se de um
importante momento de construção da identidade pessoal e profissional do
professor, espaço de construção de maneiras de ser e estar na futura
profissão.
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95
Para alguns dos entrevistados/as, a formação em História foi quase “acidental”.
Apesar disso, eles/as declararam que durante o curso o apaixonamento” foi inevitável. Esse
é, por exemplo, o caso do professor Genilson:
Eu sempre gostei de Biologia. E como eu não tive condições de sair para
realizar esse sonho, eu fiz vestibular para História. no primeiro semestre,
eu fui me descobrindo dentro do curso, talvez por isso o curso me pegou
pelo pé, me virou de cabeça para baixo, mexeu muito comigo, com minha
estrutura. E fui percebendo coisas, outras dimensões de sociedade, de vida,
de relacionamentos. Essa experiência foi o que me motivou a ir gostando
muito de História e não gostando de História, mas gostando da
possibilidade de entrar numa sala de aula e passar a lecionar. O que até então
pra mim era um desafio muito grande (Prof. Genilson).
Embora, inicialmente, também não desejasse cursar História, e sim Letras
Vernáculas, a professora Maria Helena entende que a formação inicial não serviu,
unicamente, para sua preparação profissional. Representou uma realização pessoal e trouxe
ganhos para sua vida, evidenciado na seguinte afirmação: “O curso de História abriu muito
minha visão para o mundo não só em termos profissionais, mas em termos do que estamos
fazendo no mundo” (Profª. Maria Helena).
Assim como a professora Maria Helena, a professora Lígia entende que a formação
inicial contribuiu para sua atuação profissional e, principalmente, para sua formação como ser
humano, ajudando a olhar um mundo de outra forma.
Apesar de destacar a importância dessa fase, o professor Genilson não deixou de
fazer críticas ao modelo de formação que recebeu na Universidade. Para ele, a discussão sobre
educação
não aconteceu a contento, eu acho que está uma lacuna muito grande,
porque o curso que fazemos é um curso de formação de professores e o
diálogo das licenciaturas com a educação para mim ainda está muito distante
de acontecer. É como se você quisesse formar um profissional, mas sem
discutir profundamente educação no país. Então as discussões que havia
sobre educação se davam dentro de disciplinas específicas, as chamadas
disciplinas de educação (Prof. Genilson).
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Esse distanciamento entre as chamadas “disciplinas teóricas” e aquelas que integram a
parte pedagógica é uma questão recorrente. No caso particular da Uesb, o curso vivia uma
dubiedade porque, mesmo sendo de licenciatura, as disciplinas da área de Educação
ocupavam um campo marginal, além de serem poucas se restringem aos últimos semestres.
Isso implica dizer que, embora o/a discente estivesse habilitando para ministrar aula, essa
formação não lhe permitia ter a dimensão da realidade educacional, e ele/a acabava tornado-se
professor/a na atuação prática mais que na própria formação inicial. Esse fosso entre a
formação e a prática gera inúmeros problemas ao processo de ensino aprendizagem. Fazendo
um balanço acerca das discussões sobre o ensino de História,
50
Joana Neves (2005, p. 76)
informa que, entre os anos de 1981-1986, o MEC realizou um levantamento dos cursos de
História de todo o país a fim de construir um diagnóstico a respeito deles. Para ela, a
discussão sobre a constituição e a qualidade dos cursos ainda está em pauta,
[...] notadamente aquelas que apontam as dicotomias que impregnam a
problemática da formação profissional. Relembrando as fundamentais:
licenciatura-bacharelado, ensino-pesquisa, transmissão-produção de
conhecimento, professor-pesquisador.
A professora Maria do Carmo também teceu críticas à formação recebida na
Universidade. Para ela, foi uma formação extremamente voltada para um marxismo ortodoxo
e economicista, não dando a/ao futuro professor a possibilidade de conhecer outras vertentes
teóricas, o que ela veio a descobrir em sua prática pedagógica e na formação continuada.
Apesar disso, ressaltou que a formação universitária lhe deu pistas a serem trilhadas.
De acordo com Sandra Pesavento (2004, p. 11), até o início da década de 1990, a
formação pautada no modelo marxista ortodoxo era comum no âmbito das academias
brasileiras, uma vez que “o materialismo histórico não era entendido como o mais
50
Sobre isso, ver: FENELON, a Ribeiro. A questão dos Estudos Sociais. Cadernos Cedes. A prática do
ensino de História. Campinas: Cortez, n. 10, p. 11-23, set 1986.
97
97
adequado e completo para dar conta das realidades nacional e internacional, como também
vinha armado de um aparato teórico definido e coerente”.
Para a professora Rosemary, a importância da formação inicial não foi menor. De
acordo com sua opinião, o curso de História teve uma significação pessoal por lhe abrir
horizontes e possibilidades. Entretanto, no que diz respeito à contribuição para sua prática
pedagógica, ela teceu as mesmas críticas do professor Genilson ao afirmar:
Eu acho que o curso deixou a desejar nessa questão da formação, da idéia de
que era um curso também de licenciatura. As disciplinas da parte
pedagógicas [eram] mais no final e [esse] é um fator agravante (Profª.
Rosemary).
Preocupado com uma formação que prepare melhor o futuro professor/a para atuar na
educação básica, Jean-Claude Forquin (2002, p. 241) afirma que “[...] se o trabalho dos
professores exige conhecimentos específicos a sua profissão e delas oriundos, então a
formação de professores deveria, em boa parte, basear-se nesses conhecimentos”.
A professora Rosemary entende que o modelo de formação a que foi submetida
gerou um distanciamento da realidade da sala de aula ao não considerar os desafios do seu
dia-a-dia. A forma encontrada para superá-los foi passar a vê-los como inquietações que a
impulsionaram a mobilizar outros repertórios do saber docente.
O sentimento de descompasso entre a formação inicial e a prática educativa não é
exclusivo dos sujeitos desta pesquisa. José Esteve (1995, p. 109) demonstrou que, em estudos
realizados em diferentes países, é coincidente a “[...] tese de que a formação inicial dos
professores tende a fomentar uma visão idealizada do ensino, que não corresponde a situação
real da prática quotidiana [...]”.
Destacando a importância da formação inicial, mas, também, considerando as
dificuldades que cercam o ensino de História e defendendo que a atuação deva ser na área
específica, o professor Marlúcio afirmou:
98
98
Eu acho fundamental que o professor tenha a formação na área específica. Se
eu não tivesse o curso de Licenciatura em História eu jamais teria condição
de fazer o trabalho que faço hoje na escola. Muita gente acha que qualquer
pessoa pode dar aula de História, mas, na realidade, nós percebemos muito
bem que se você não tiver uma formação específica, se você não tiver
conhecimento, você não consegue fazer um [bom] trabalho na área (Prof.
Marlúcio).
A análise do professor Genilson é similar à do professor Marlúcio. Para ele, a
atuação de docentes com Licenciaturas Curtas ou Bacharelados comprometia a qualidade das
aulas e “acarretava uma série de coisas negativas para o próprio ensino de História. Não tendo
profissionais formados, qualquer pessoa dava aula de História” (Prof. Genilson).
Um outro fator agravante na falta de formação específica é a forma como a disciplina
era ministrada, o que acabou criando para os professores/as recém-licenciados o desafio de
modificar o ensino e despertar o interesse dos alunos/as para a nova forma de compreender a
História. Como resultado disso, o professor Genilson faz a seguinte observação:
Quando eu [entrei], o maior desafio para mim foi tentar transformar a
disciplina em algo prazeroso, porque toda vez que eu discutia com os meus
alunos eu percebia que História era algo extremamente negativo, muito ruim
de se trabalhar, e eu ficava atribuindo isso à forma como se trabalhava antes
(Prof. Genilson).
Sobre a importância da formação contínua para a prática docente, a professora Lígia
destacou: “A participação em eventos sempre tem um reflexo positivo. São novas discussões,
visão diferente de um assunto que já tínhamos uma concepção formada. Quando eu voltava
era mais uma discussão pra ser colocada em prática” (Profª. Lígia).
Apesar de reconhecer a relevância em participar de eventos ligados à Educação e a
História, o professor Genilson destacou que esses eventos faziam com que ele percebesse
como algumas discussões sobre educação não surtiam efeitos nas práticas cotidianas. A esse
respeito fez a seguinte avaliação:
99
99
A primeira importância era reafirmar a angústia que eu tinha como
profissional de tentar entender todo esse arcabouço que é a educação. De
reafirmar, inclusive, que tem muita coisa que fica só no plano de teorização.
Que as mudanças práticas o muito lentas. E não para me revoltar, mas,
pelo menos, para eu tentar ter uma dimensão de como atuar diante de tanta
angústia, de olhar para os lados e ver tanta coisa que você queria dentro da
educação. Sei lá, de tentar incitar um colega a mudar, para participar junto
contigo, para perceber que, pelo menos, se a gente está ali dentro,
independente de tudo, independente de salário, porque a questão salarial, o
caminho é discutir pela via política mesmo, é você participar, é você militar
(Prof. Genilson).
O processo de formação continuada permite construir/descontruir/reconstruir
conhecimentos e práticas. Isso é reconhecido pela professora Maria do Carmo, ao afirmar que:
“Através dos eventos você atualiza seus conhecimentos, revê esses conhecimentos, revê a sua
prática. É uma espécie de radiografia do ensino naquele momento”. Segundo ela, a troca de
experiência, o diálogo que ocorre nesses momentos, ajuda também no processo de auto-
afirmação na prática pedagógica.
Para a professora Rosemary, esses contatos podem possibilitar a descoberta de
soluções para dificuldades comuns a quase todos e que muitas vezes são simples, mas que não
haviam sido pensadas. São também enriquecedores por representar novas “alfinetadas”, pois,
de acordo com sua opinião, ao concluir o curso universitário, o recém-formado/a sai cheio de
inquietações que
não deveriam ser, mas são acalmadas. Quando você vai para o seu cotidiano
na sala de aula e a prática, as sessenta horas, a vida normal, as dificuldades
todas lhe transportam para uma mesmice e uma rotina, que é ruim. E esses
encontros têm justamente, a meu ver, o papel de voltar às “alfinetadas”, ou
seja, voltar a te sacudir (Profª. Rosemary).
A relevância da troca de experiências não com professores/as do mesmo nível de
ensino, mas, também, com profissionais diretamente envolvidos com a pesquisa é confirmada
por Maurice Tardif (2002, p. 52), para quem
100
100
é através da relação entre os pares e, portanto, através do confronto entre os
saberes produzidos pela experiência coletiva dos professores, que os saberes
experienciais adquirem uma certa objetividade: as certezas subjetivas devem
ser, então, sistematizadas a fim de se transformarem num discurso da
experiência capaz de informar ou de formar outros docentes e de fornecer
uma resposta a seus problemas.
Uma outra questão lembrada pela professora Rosemary foi a “avaliação” e a forma
pouco inovadora como os professores de História lidam com ela. Segundo sua opinião,
a disciplina tem mil possibilidades avaliativas. A avaliação escrita é apenas
uma, e, nós na nossa prática, costumamos, às vezes, esquecer das outras
possibilidades. Então, nos encontros, nos cursos, nós sempre comentávamos
como é importante também a avaliação oral. Valorizar a fala do aluno,
valorizar o envolvimento do aluno na sala de aula (Profª. Rosemary).
Para a professora Janilde, participar de seminários ou congressos representava
sempre a possibilidade de descobertas. Embora valorize esses encontros, a professora Maria
Helena afirmou que seu aprendizado maior se deu na universidade e na própria sala de aula.
Para a professora Silvone, participar de cursos refletia em sua prática “porque passava a atuar
com base naquilo que teve de informação do curso” (Profª. Silvone).
É importante destacar que todos os professores/as entrevistados/as possuem pós-
graduação em nível de Especialização, o que demonstra preocupação com o aperfeiçoamento.
Entretanto, maiores graus de certificação como o Mestrado e o Doutorado podem ser
obtidos fora do município. No Estado da Bahia, apenas duas universidades oferecem
Mestrado e Doutorado em História, em Educação ou áreas afins, a Universidade Federal da
Bahia (Ufba) e a Universidade do Estado da Bahia (Uneb) e somente nos campi localizados
na capital, o que dificulta o acesso a esses níveis de formação.
No entanto, é necessário considerar que
[...] pensar a formação docente implica pensar simultaneamente nos vários
aspectos que constituem esse processo: formação inicial [cursos de
licenciatura], formação contínua [cursos, treinamentos em serviços,
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101
assessorias etc], condições de trabalho (materiais, carga horária, salário) e
regulamentação da carreira. (FONSECA, S., 2004, p. 73).
No que tange à formação, o sentimento de incompletude tem levado esses professores
e professoras a se preocuparem, em “estar”, continuamente, em formação, entendendo que “os
sujeitos constroem seus saberes, permanentemente, no decorrer de suas vidas”. (FONSECA,
2003, p. 199). Isso acaba por refletir-se, positivamente, na relação com os saberes e práticas
pedagógicas. Os professores/as defendem que a busca pela qualificação deve ser constante,
pois o conhecimento, em qualquer área, é abrangente e mutável. Em função disso, entendem
que o educador/a não deve nunca considerar-se plenamente formado/a. Para não correr o risco
de ter seus conhecimentos defasados. É importante destacar ainda que “[...] o processo de
formação do ser humano é tão rico, complexo e variegado quanto o próprio ser humano”.
(TARDIF, 2002, p. 174).
Apesar dessa busca por constante qualificação, o professor Genilson destacou o
baixo nível de profissionalização a que estão submetidos os professores/as. Segundo sua
concepção, “a profissão de professor em nosso país e, especificamente, na Bahia, precisa
chegar a um grau que [...] não chegou ainda, que é um grau de profissionalização, somos
professores, mas não somos profissionais”.
E explica o que, em seu entendimento, pode definir um profissional:
Ser profissional é, acima de tudo, construir o respeito a uma profissão que é
importante e que não cuidamos dela; ser profissional é estar inovando, é
estar estudando. E não se consegue conceber educação sem leitura, sem esse
processo de formação constante, porque, na mentalidade de muitos colegas,
infelizmente, a formação é obtida no curso de graduação. Não entendem
que têm que estar sempre se aperfeiçoando, caminhando em busca de mais
conhecimento (Prof. Genilson).
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Para Clermont Gauthier (1998), pensar em que se constitui o corpus docente ajudaria
sobremaneira no processo de profissionalização. Estar ciente de que um repertório de
conhecimento” e que esse repertório mobilizado na sala de aula pode fazer com que o/a
docente veja em seu fazer, de fato, um ofício. De acordo com o autor, embora o ofício de
ensinar seja antigo, a identidade profissional dos/as docentes ainda é vacilante. Essa
dificuldade em formar uma identidade profissional acaba por repercutir no processo de
profissionalização.
Analisando as Diretrizes Curriculares para a formação de professores da educação
básica, Regina Célia do Couto (2004, p. 59) afirma que nela “[...] o ponto central é o
desenvolvimento de competências para o exercício da profissão professor/a. Esta concepção
de formação fundamenta-se no saber fazer, ou seja, é preciso dominar conteúdos, técnicas
para ensinar”. O que pode significar reduzir o repertório de conhecimentos que o professor/a
tem de mobilizar na prática docente, aparentemente, simplificando-a.
Para a autora, as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos superiores de
História, que devem nortear os cursos de formação em nível superior, também estão “cheio de
ausências”. Uma delas é seu silêncio em relação à função docente, uma vez que esse
documento sequer menciona a palavra professor/a.
Em sua análise, entre outras questões, o professor Genilson também se preocupou
com as finalidades educativas ao questionar: “Não existe um projeto de educação no nosso
país. Isso mais angústia ainda. Definir o que você quer com esses meninos no processo da
educação. Aonde você quer levá-los?” (Prof. Genilson).
Sua crítica atinge o modelo educacional, repercutindo não na prática pedagógica,
mas também na relação entre os/as colegas. Segundo sua opinião:
Não há uma coisa mais importante dentro da educação do que discutir
política educacional dentro da escola. E, por não se discutir política
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educacional dentro da escola, a gente não se conhece, a gente não se
entende, a gente não entende a educação, a gente não sabe para onde se
direcionar dentro da educação. [Tem] muita gente perdida (Prof. Genilson).
E incluindo-se nessa crítica, afirma: “Nós não estamos tendo a capacidade de
perceber, de ver quais o os anseios dos nossos alunos, o que eles querem, o que eles
precisam” (Prof. Genilson).
Sobre a valorização de significados para os alunos/as, Maria Auxiliadora Schmidt
(2004, p. 60) afirma que, em sala de aula, os questionamentos sobre um determinado tema
estudado podem advir de questões levantadas pelos historiadores, mas também de
“representações dos alunos, de forma tal que eles encontrem significado no conteúdo que
aprendem”.
A ação educativa tem uma finalidade e intencionalidade, não é destituída de
neutralidade. Ela compreende o conhecimento que se quer transmitir, a forma de transmissão,
bem como o estado do conhecente. Se não estiver presente essa reflexividade, poderemos
incorrer no erro de inculcar em nossos alunos/as informações e conhecimentos que não
tenham nenhum sentido para eles/as, e esse sentimento de não pertença faz com que neguem,
de formas tácitas ou explícitas, a educação escolar. Pensar sobre isso é também tentar
perceber se não estamos reforçando a dominação de classe ao promover alguns e algumas e
condenar outros/as ao fracasso.
2.5 CONCEPÇÕES: SER PROFESSOR/A E ENSINO DE HISTÓRIA
Segundo António voa (1995), a profissão docente na Europa teve sua gênese no
interior de algumas congregações religiosas, somente vindo a passar por um processo de
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profissionalização, caracterizada por um corpo de saberes e um sistema normativo, à medida
que o ensino deixou de ser uma atividade secundária ou acessória, quando saiu da tutela da
Igreja e passou a ser responsabilidade do Estado. Era um tempo em que a identidade
profissional ainda estava por se definir.
Ao longo dessa caminhada, vários paradigmas de formação docente foram re-
construídos. No caso brasileiro, podemos destacar: o prático, o técnico, o crítico reflexivo e o
reflexivo investigativo. Para António Nóvoa, a formação de professores/as é um campo
difícil, uma vez que não produz apenas profissionais, mas, sim, uma profissão. Segundo ele, é
necessário que haja uma parceria entre a academia e a escola.
De acordo com Selva Fonseca (2003, p. 22), o historiador que atua na sala de aula é
“[...] um profissional docente, cujo ofício consiste no domínio e na transmissão de um
conjunto de saberes através de processos educativos desenvolvidos no interior do sistema de
educação escolar”. É, portanto, alguém que, ciente das finalidades da educação, deve buscar
sua autonomia intelectual, a fim de construir uma teia de conhecimentos, tecida juntamente
com o aluno/a. Dessa teia, composta pela cultura mais ampla produzida pela sociedade,
deverá emergir uma cultura escolar significativa.
Porém, a complexidade da sala de aula faz com que, em alguns momentos,
professores e professoras saiam da sua condição de formadores, na concepção corrente do
termo, para assumirem funções diversas e atividades diferentes, daquelas relacionadas ao
ensino formal. Os sujeitos da pesquisa deram respostas variadas para a questão sobre o que é
ser professor/a. Foram apontados o papel de “conselheiro”, de “babá” dos filhos de alunas,
que, por não terem com quem deixá-los, os levam para a sala de aula, de “ouvintes”. Na
cotidianidade passam por momentos delicados como, por exemplo, ao fazerem a chamada,
ouvir da turma que determinado aluno está preso. Situações insólitas que fazem com que a
sala de aula seja mais do que espaço da educação formal. Revela ainda que o currículo
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ultrapassa, em muito, a dimensão do livro didático ou do programa prescrito e previamente
selecionado.
Situações que comportam novidades e extrapolam as ações pedagógicas no fazer
educativo foram analisadas por José Esteve. Ele entende que houve um aumento das
exigências em relação à docência e que
para além de saber a matéria que leciona, pede-se ao professor que seja
facilitador da aprendizagem, pedagogo eficaz, organizador do trabalho de
grupo, e que, para além do ensino, cuide do equilíbrio psicológico e afectivo
dos alunos, da integração social e da educação sexual [...].
Apesar de exigir que os professores cumpram todas essas novas tarefas, é
interessante observar que não houve mudanças significativas na formação
dos professores. (ESTEVE, 1995, p. 100, grifo do autor).
O autor lembra que, paralelamente ao aumento das atribuições educativas, outros
agentes de formação, como a família, por exemplo poderíamos acrescentar as instituições
religiosas e culturais diminuíram ou restringiram sua responsabilidade educativa,
transferindo-a para a escola.
Para Gimeno Sacristán (1999, p. 66-67), as surpresas da sala de aula tornam o ensino
uma arte porque “[...] para executá-lo, conta com a graça e a maestria de quem o conduz, pois
a direção que a atividade deve tomar precisa ser encontrada durante o seu próprio processo de
desenvolvimento”.
As imagens que os/as docentes de História sujeitos da pesquisa têm de si relacionam-
se às dimensões variadas que contemplam questões em que se mesclam o cognitivo, o
intelectivo, o afetivo, o social e o cultural. também uma relação direta entre o fazer
educativo e o processo identitário, pois a concepção que têm de si é definida pela ação de
educar.
Entendem a profissão como um desafio permanente, mas também como
oportunidade de ajudar jovens e adultos/as a construírem uma sociedade melhor. No geral,
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mantêm a esperança sobre a possibilidade transformadora da educação. A sua identidade
docente vai sendo produzida a partir da significação que dão ao fazer do seu ofício.
Maria Auxiliadora Schmidt (2004, p. 55) afirma que
a imagem do professor de História é geralmente marcada pela ambigüidade.
Ora é visto como sacerdote, ora como um profissional da ciência, parteiro da
nação, da revolução militante, porta-voz do verdadeiro passado ou
apanhador de diferenças, de indeterminados [...].
Essa afirmação encontra eco entre os entrevistados/as. Em uma perspectiva que
confere ao exercício da docência características especiais, a professora Maria Helena a
como missão, e o ensino de História como responsável por ajudar alunos e alunas a
transformarem a sociedade na qual estão inseridos. A esse respeito, ela afirma: “É uma missão
importante, e quando a gente gosta, faz com amor, tudo compensa, mesmo com as
dificuldades, as barreiras que enfrentamos no dia-a-dia na sala de aula. Eu vejo como uma das
missões mais importantes” (Profª. Maria Helena).
O papel do professor como formador de cidadãos aparece no relato da professora
Janilde: “Eu sempre procurei ser uma professora que deixasse marcas nos meus alunos, e
marcas de vontade de crescer, de vontade de descobrir, de questionar e principalmente de
vontade de ser cidadão” (Profª. Janilde).
Os termos cidadão/cidadania aparecem com freqüência nas narrativas, e o
desenvolvimento da cidadania como uma das atribuições do ensino de História. A nosso ver,
esse conceito não se limita à cidadania política, pois o que normalmente vemos é que [...] a
grande maioria dos cidadãos – sem falar dos que não votam – são politicamente ativos apenas
no momento das eleições, ou seja, episodicamente”. (CANIVEZ, 1998, p. 29). Portanto, é
ampliado o conceito de cidadão/ã e de cidadania, cabendo uma reflexão sobre sua utilização.
Esse mesmo autor nos chama a atenção para o tipo de cidadão/ã que a escola deve
ajudar a formar, uma vez que a ação educativa não se limita à transmissão de informação ou
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instrução que apenas cientifique sobre direitos e deveres fazendo com que os educandos/as se
conformem com o tipo de sociedade vigente; deve possibilitar que cada um/a se conscientize
de sua condição de “governante potencial”.
Ver-se como agente transformador, como agente da “revolução militante” é um outro
aspecto destacado. O próprio ato de ensinar História serviria, intrinsecamente, como meio de
transformação. Nesse sentido se vêem como desmistificadores de uma dada realidade. O
depoimento do professor Marlúcio corrobora essa afirmativa:
Eu acho que o grande papel do professor é buscar desmascarar uma
realidade, principalmente o professor de História. Então pra mim é
fundamental ser professor no sentido de buscar desmascarar essa realidade
para o aluno, mostrar a ele as possibilidades do mundo (Prof. Marlúcio).
Para a professora Maria do Carmo, exercer a docência “[...] é ajudar alguém a
desvendar novos caminhos. Dar oportunidade para que ele descubra algo melhor em sua
vida”. Essa idéia é encontrada em Maria Auxiliadora Schmidt (2004, p. 57), ao afirmar que
“o professor de História pode ensinar o aluno a adquirir as ferramentas de trabalho
necessárias; o saber-fazer-bem, lançar os germes do histórico”.
Demonstrando a dificuldade de definir uma função tão complexa, conceituar algo
que se relaciona com visão de mundo, com subjetividade e tantos outros fatores, a professora
Rosemary deu a seguinte resposta:
Eu não tenho uma resposta acabada para dizer o que é ser professora. O que
eu posso dizer é o que eu tenho conseguido ser nesse período. Eu já fui
alguém que, simplesmente, expôs conteúdo. fui alguém que ouviu do
outro e tentou compreender sua realidade. fui conselheira. dei auxílios
financeiros em alguns momentos. Fui babá na sala de aula. Fui idealizadora.
Eu me vejo numa condição de um ser humano, que também tem as suas
frustrações e, às vezes, as levo para sala de aula, quando não devia. Mas que
tenta exercer um papel dentro da sociedade e que isso tenha um valor para
aquelas pessoas que estão ali perto de mim (Profª. Rosemary).
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Entendendo o professor/a como alguém em quem alunos/as, algumas vezes,
costumam se espelhar e, refletindo a mudança que ocorreu em seu próprio olhar sobre a
docência, a professora Lígia assim define a atividade educativa:
Antes não dava tanta importância ao ofício de professor como eu dou hoje,
porque eu vejo que nós temos uma influência muito grande com os
adolescentes, com os jovens, até com as pessoas mais velhas. E o professor
tem uma função importante. É ele que, às vezes, passa a ser o espelho para
um adolescente, o espelho para um jovem (Profª. Lígia).
Para a professora Silvone, exercer a docência vai além de questões pedagógicas e
cognitivas. É uma ação difícil, que inclui a educação do ser. Segundo ela, o exercício
profissional exige aptidão e desprendimento. De acordo com sua opinião:
Nem todos aqueles que exercem a profissão de professor conseguem
realmente sê-lo. Porque, além do conhecimento, além das informações, de
estar em dia com os conteúdos, tem que ter humildade, tem que ter sabedoria
para poder ajudar na transformação do outro, do educando, moral e
intelectualmente falando (Profª. Silvone).
Ao ser interrogado sobre o que é ser professor, Genilson deu a seguinte definição:
Alguns colegas acham que ser professor é ser revolucionário, eu não consigo
enxergar. Eu queria até ter essa dimensão de que o professor seria
revolucionário. Eu acho que a revolução ela é mais dentro da gente, ela é
mais pessoal. Ser professor para mim é perceber que está tudo perdido e de
repente achar que as coisas têm jeito. É viver sempre essa oscilação de
angústia e de felicidade, porque tem momentos, tem lampejos de felicidade
(Prof. Genilson).
As narrativas dos professores/as revelam a preocupação em legitimar, socialmente,
seus fazeres pedagógicos. Destacam que, embora em descompasso com a atual realidade e
expostos a uma gama de dificuldades, o professor/a ainda cumpre um importante papel.
Ligados de maneira íntima à definição da própria função docente, ao narrarem sobre
o ensino de História, os entrevistados/as foram unânimes em destacar seu papel de formador
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de identidades, sua função de situar os alunos e alunas no tempo e na realidade social, de
ajudar a desenvolver neles/as a vivência da cidadania, numa relação de construção de sentidos
próprios.
Questões de ordem filosófica e ontológica como, por exemplo, o fato de
considerarem o ensino de História responsável por ajudar os alunos e alunas a entenderem a
forma de ser e estar no mundo, de explicar esse mundo, as complexidades das relações sociais
e o respeito às diferenças, também são revelados nas narrativas. A respeito disso o
depoimento da professora Maria Helena é marcante:
São muitos pontos que a gente poderia colocar como importantes. Mas, acho
que o inicial mesmo é dar oportunidades pra que o aluno crie uma identidade
histórica, crie uma identidade dele como cidadão, como pessoa e consiga se
colocar no mundo, saber a que está aqui, a que se propõe e o que ele pode
fazer pela comunidade, pela vida, como cidadão (Profª. Maria Helena).
O professor Marlúcio lembrou que o ensino de História deve ter significado para
os/as educandos, alertando que, se isso o ocorrer, o processo de ensino-aprendizagem pode
ficar seriamente comprometido. Sobre o seu papel ele afirma:
O ensino de História para mim é a busca do entender-se enquanto ser no
mundo em que se vive. A partir do momento em que você pega os conteúdos
de História e procura refletir sobre a sua prática no mundo, esse ensino tem
uma função no sentido de desmascarar a realidade, ao fazer uma reflexão
sobre as coisas do mundo. História pra mim é buscar fazer com que você
reflita enquanto ser no mundo para transformar a realidade que você está
vivendo (Prof. Marlúcio).
Ainda sobre o ensino de História, a professora Lígia afirma que o considera
“fundamental porque não é trabalhado só o conteúdo da disciplina. Se trabalha também
questões do dia-a-dia, questões morais, a questão do cidadão, a visão que cada um tem, a
questão de comportamento” (Profª. Lígia). Para a professora Silvone, que também costuma
considerar o cotidiano dos alunos/as e seu caráter formativo de cidadania, o ensino de História
envolve o campo político, social e cultural.
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Segundo a concepção da professora Rosemary, o ensino de História é importante
para buscar “mecanismos para que o indivíduo, nosso aluno se identifique como um ser
social, como um ser que age, que interage. E entender a realidade social na qual ele está
inserido. Ser capaz de tomar posições.
A professora Maria do Carmo destacou a importância do ensino de História da
seguinte maneira:
Eu diria duas rápidas definições. Uma delas é ajudar o indivíduo a entender
as transformações, entender as mudanças sociais. E outra é propiciar ao
indivíduo uma certa ferramenta para que ele se torne agente desse processo
histórico, para que ele possa ser uma pessoa construtiva. Simplesmente
[fazer] o aluno entender, torná-lo espectador do que está acontecendo, ele
não vai contribuir muito na sociedade (Profª. Maria do Carmo).
A concepção do professor Genilson assemelha-se às demais no que diz respeito à
responsabilidade do ensino de História em provocar possíveis mudanças e fazer com que
alunos e alunas tomem consciência do mundo em que estão inseridos, mas considera também
como esse conhecimento é por eles/as apreendido. Para ele
ensinar História não é promover revolução. É um desafio intenso. É tentar
entender o que se passa na cabeça dos alunos, é tentar dar uma dimensão
para que eles percebam o mundo em que vivem, o universo em que vivem, o
que eles querem, quais são seus objetivos. Ensinar História, eu acho que é
fincar o pé no presente e tentar vislumbrar o que se pode [esperar] de bom lá
adiante (Prof. Genilson).
Esse professor compreende que o ensino da disciplina não é uma tarefa fácil. Para
ele, uma das dificuldades está no fato de se trabalhar com conceitos e no plano teórico. Mas
lembra que, apesar dessa barreira, “é fundamental teorizar, conceituar, pensar o mundo, e
pensar o mundo na perspectiva de ver saída, de se situar, de se colocar como importante, de
perceber diferenças” (Prof. Genilson).
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Aponta, ainda, como obstáculo, no exercício da profissão, a contradição a que
estamos sujeitos no fazer cotidiano, pois, segundo sua concepção, algumas vezes, nos
surpreendemos fazendo coisas que, muitas vezes criticamos. Daí a necessidade de estarmos
atentos, destaca ele. Acrescenta a pouca relação que temos com a memória, o que seria um
outro fator que acaba por dificultar o ensino de História.
Embora História e memória estejam, intimamente, relacionadas, a valorização do
agora, o pragmatismo imposto pelo modelo social que construímos e, no caso do Brasil, onde
a identidade histórica é difusa e variada, a deusa Mnemosine” tem enfrentado barreiras para
se fazer presente nas aulas de História. Essa situação também pode ser um reflexo da
dificuldade que temos em exercitar a memória, pois, tratando-se de uma representação,
lembrar é tornar presente o ausente. No caso especial do ensino de História, é fazer lembrar
algo da memória social que não está no cotidiano, mas, conforme entende Agnes Heller
(1993, p. 13-14), “existiu naquele tempo” e, se “existiu, logo existe porque o sabemos”. A
memória também se relaciona a poder, pois lembrar ou esquecer pode nos conduzir ao
fortalecimento de determinados grupos em detrimento de outros.
O interessante é que, mesmo com o “apagamento” da memória, os saberes históricos
nunca foram tão intensamente difundidos. Eles estão presentes na vida cotidiana graças,
especialmente, aos filmes, romances, livros, telenovelas e artigos de jornais.
A dificuldade em lidar com a memória se reflete no ensino de História, pois uma das
principais atribuições do professor/a dessa disciplina é fazer lembrar, e imbuído de uma
intencionalidade, e não pela pura fruição de recuperar o passado. Nessa intencionalidade, “o
passado deve ser interrogado com base em questões que nos inquietam no presente [...] as
aulas de História serão muito melhores se conseguirem estabelecer um duplo compromisso:
com o passado e com o presente” (PINSKY, J.; PINSKY, C. B., 2003, p. 23), tendo no aluno e na
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aluna a razão do fazer pedagógico. Despertar neles/as o interesse pelo rememorar, por
estabelecer elos significativos entre passado e presente.
O trabalho com a memória relaciona-se ao processo de construção identitária e,
segundo Marcos Silva (2003, p. 67), “a memória dominante, para se afirmar, precisa sufocar
ou submeter memórias autônomas, provando que sua existência se num espaço de lutas,
configurando poderes menos visíveis e muito eficazes na construção de identidades sociais”.
Um tema também caro ao ensino de História é a democracia. Para o professor
Genilson, a forma como se estrutura a educação em nosso país e, especialmente, no Estado da
Bahia, dificulta sua abordagem. Segundo sua opinião:
Ensinar História é difícil em função de relação existente dentro das escolas,
em que o diretor é colocado por fulano, por beltrano. É a gente pregar
democracia, discutir democracia com os nossos alunos e perceber que tem
diretores que estão há vinte anos no mesmo cargo, na mesma escola (Prof.
Genilson).
A afirmação do professor Genilson nos remete a Gimeno Sacristán (2000, p. 48),
para quem “é pouco crível que os professores possam contribuir para estabelecer
metodologias criadoras que emancipem os alunos quando estes estão sob um tipo de prática
altamente controladora”.
As narrativas dos professores/as expressam a importância do ensino de História não
somente como disciplina que complementa a educação escolar, mas também pelo seu caráter
conscientizador, pela sua capacidade de ajudar alunos/as a apreenderem a complexidade do
real, por tentar desenvolver a compreensão das raízes históricas para que entendam e
respeitem as diferenças e lutem contra as desigualdades. Um ensino que possa ajudá-los/as a
se sentirem sujeitos históricos, capazes de modificar a sociedade construída e reconstruída
historicamente.
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Essa perspectiva laa um desafio para professores/as, qual seja, “[...] neste
momento, mostrar que é possível desenvolver uma prática de ensino de História adequada aos
novos tempos (e alunos): rica de conteúdo, socialmente responsável e sem ingenuidade e
nostalgia”. (PINSKY, J.; PINSKY, C. B., 2003, p. 19).
Aliando história e docência, Selva Fonseca (2004, p. 245) nos lembra que a História,
como saber disciplinar, desempenha um importante papel na formação do ser, que vive numa
sociedade marcada pelas diferenças e contradições, chamando atenção, então, para o fato de
que o professor/a deve compreender seu ofício como uma forma de luta tanto política quanto
cultural.
No processo de formação inicial e permanente e, primordialmente, no espaço da sala
de aula, locus privilegiado do diálogo, dos embates, debates, transmissão e produção de
conhecimentos, o exercício do ofício de professor/a, de forma crítica, reflexiva e inovadora,
pode contribuir, efetivamente, para um tipo de educação que desvela a realidade e ajuda as
novas gerações a ser tornarem portadoras de uma consciência histórica. Isso possibilita situar
o indivíduo na sociedade, no tempo e no espaço. Uma educação que carrega em si os germes
da transformação, pois vivemos em um mundo que, contrariamente ao que tentam nos impor,
não espronto, deve ser problematizado. O mundo, a vida, a sociedade, a cultura compõem
um vir a ser dinâmico, escancaram possibilidades de mudança, de renovação e também de
conservação. O ser humano, agente histórico, como seu principal artífice, pode tomar essa
tarefa em suas mãos.
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114
CAPÍTULO III
3 ENTRE O CURRÍCULO PRESCRITO E O VIVIDO: TENSÕES,
APROXIMAÇÕES E DISTANCIAMENTOS
Aqui nesse barco ninguém quer a sua orientação. Não temos
perspectiva, mas o vento nos a direção. A vida que vai à
deriva é nossa condução. Mas não seguimos à toa. Não
seguimos à toa.
(Arnaldo Antunes).
51
Neste capítulo, buscamos compreender, no diálogo entre as narrativas dos/as
docentes e a literatura da área, como ocorria o ensino de História na sala de aula, o processo
de didatização, as concepções de currículo dos/as docentes e a influência do currículo oficial
sobre o vivido, disputas, conciliações e distanciamentos.
Seguindo os passos de Jean-Claude Forquin (1992, p. 28), podemos afirmar que a
questão sobre como os professores e professoras escolhem os conteúdos que serão abordados
nas aulas foi durante muito tempo “[...] um ponto cego da sociologia da educação”. Isso é,
particularmente, verdadeiro no Brasil e, especialmente no Estado da Bahia, onde esses estudos
ainda são iniciais.
As pesquisas que ultrapassam os trabalhos relacionados aos conteúdos formais e
incluem também a história das disciplinas, a forma como o currículo é construído no espaço
da sala de aula, teve seu desenvolvimento na década de 1960 na Europa e vêm encontrando na
História Cultural uma articulação interdisciplinar frutífera.
Durante muitos anos, a escola básica do Brasil foi considerada mera reprodutora, um
dos aparelhos ideológicos de Estado, visão que é inspirada nas idéias de Althusser. O
desenvolvimento do campo de investigação, denominado História Cultural,
52
ampliou as
51
Volte para o seu lar. ANTUNES, Arnaldo. Mais Marisa Monte. Faixa 2, nº. 796081-2 EMI s/d, CD (digital
áudio).
52
Para saber mais ver, entre outros, Roger Chartier, Peter Burke, Jean Hébrard.
115
115
análises ligadas à História da Educação e Ensino de História. O conceito de cultura
53
não é
considerado homogêneo. O que em comum entre esses estudiosos é concebê-la na “[...]
mesma idéia de resgate de sentidos conferidos ao mundo, e que se manifestam em palavras,
discursos, imagens, coisas, práticas” (PESAVENTO, 2004, p. 17), ou como afirma Peter Burke
(2005. p. 10), “o terreno comum dos historiadores culturais pode ser descrito por uma
preocupação com o simbólico e suas interpretações”.
Inspirados nos estudos culturais, alguns estudiosos, como André Chervel e Ivor
Goodson, passaram a compreender a transposição didática como algo que se limita a
reproduzir e hierarquizar conhecimentos. Entendem que a escola é produtora de uma cultura
própria, a denominada cultura escolar, que o é uma produção puramente endógena.
Portanto, o pode ser vista isoladamente. Ela se estabelece em uma relação de mão dupla,
onde, ao mesmo tempo, em que é influenciada pela cultura geral, a influencia.
Ao redefinir o lugar da cultura, retirando-a da superestrutura, e, ao deixar de vê-la de
forma reificada, as concepções de currículo foram, radicalmente, modificadas. Para Tomaz
Tadeu da Silva (2001, p. 17), nas concepções trazidas pelos estudos culturais, a cultura pode
ser desmontada, desconstruída. Ela se em um contexto de relações sociais, que, por sua
vez, se estabelecem em meio a negociações, conflitos e poder. Sendo, portanto, integrante da
cultura, o currículo está sujeito às mesmas variações.
De acordo com Silva, assim como a cultura, o currículo deve ser entendido como:
“prática de significação” uma vez que ele é uma forma de compreender o mundo, de torná-lo
inteligível, de dar sentido a ele; prática produtiva”, pois, como foi construído, pode ser
recriado, desconstruído a todo tempo. Por ser produzido no interior dos grupos sociais e nas
53
Embora não haja um consenso sobre o conceito de cultura, o aqui adotado foi retirado de Peter Burke (2005, p.
43), para quem. “O termo cultura costumava se referir às artes e às ciências. Depois, foi empregado para
descrever seus equivalentes populares – música folclórica, medicina popular e assim por diante. Na última
geração, a palavra passou a se referir a uma ampla gama de artefatos (imagens, ferramentas, casas e assim por
diante) e práticas [conversar, ler, jogar]”. Ou ainda “[...] de pensar a cultura como um conjunto de significados
partilhados e construídos pelos homens para explicar o mundo”. (PESAVENTO, 2004, p. 15).
116
116
relações entre eles e indivíduos, deve ser visto, ainda, como “prática social”. Sendo resultado
dessa prática, onde o poder de um grupo se manifesta sobre outro, o currículo também
expressa relação de poder”. Produzindo e nos produzindo, é ele responsável por formar
“identidades sociais”.
Diante disso, analisar como ocorre a produção da cultura escolar, tendo como uma
de suas vertentes a escolha do que será ou não ensinado, nos leva a perceber que esse
processo não é destituído de neutralidade, pois, além de produtora de conhecimentos, a escola
é cenário de relações sociais, é espaço de transmissão de saberes que, ao longo do tempo,
foram consolidados e validados socialmente. A outra face evidencia, segundo as palavras de
Jean-Claude Forquin (1992, p. 29), “zonas de sombra”, aquilo que quase sempre é esquecido
ou não é considerado importante o suficiente para ser transmitido. Às sombras, evidenciadas
pelo autor, poderíamos acrescentar o seu oposto, ou seja, a luz, a fim de afirmar que a
“tradição seletiva”
54
consolidou alguns conteúdos a tal ponto que a legitimidade de sua
transmissão não chega a ser questionada. É de fato um conhecimento considerado válido? Por
quem? Para quem? Dificilmente se pergunta de quais grupos sociais eles são representativos.
Selecionar os conhecimentos que serão evocados ou esquecidos no tempo da
escolarização pode representar um “território de disputa”, que se instala entre os
representantes de políticas públicas mais amplas e os/as que atuam, cotidianamente, no
interior das escolas. Entretanto, esse embate nem sempre é permanente, pois algumas vezes a
escola aceita o oficial sem maiores questionamentos e, utilizando mecanismos próprios, o
reproduz em parte ou no todo.
Nesse processo de seleção, os/as docentes ocupam um papel central, pois são eles/as
efetivamente, e a despeito do que diz o currículo oficial, os/as responsáveis por essa seleção,
54
“[...] seleção feita por alguém, com sua particular visão sobre o conhecimento legítimo e a cultura, uma
seleção que no processo de privilegiar o capital cultural de um grupo desprivilegia e de outro”. (WILLIAMS,
Raymond apud APPLE, 1999, p. 77).
117
117
resignificação, transcriação e transmissão em sala de aula. Ou seja, são eles/as, juntamente
com os educandos/as, os principais atores/atrizes do currículo vivido.
As pesquisas sobre o ensino de História que fazem referência, especialmente, ao
Estado da Bahia, poucas vezes, têm dado voz aos professores/as. Por ser eles/as os/as
responsáveis pelo currículo vivido, somente auscultando o que dizem e fazem, poderemos
esclarecer o que ocorre nos limites da sala de aula, quando a porta é fechada. várias
lacunas e contradições entre o que dizem a LDB, as DCNEM, os PCNs e o currículo vivido
pelos professores/as. Nesse capítulo buscaremos compreender algumas dessas lacunas. Se
“[...] as práticas escolares o são um retrato fiel dos planejamentos” (FONSECA, T., 2004, p.
68), faz-se necessário levantar um questionamento: Aque ponto os professores/as são re-
construtores do currículo?
Segundo a autora citada, “a maioria esmagadora dos trabalhos analíticos sobre o
ensino de História dedica-se às suas dimensões formais, ou seja, às formulações dos
programas e das diretrizes curriculares, à produção dos livros didáticos e paradidáticos”.
(FONSECA, T., 2004, p. 69-70). Para ela,
aquilo que diz respeito à maioria, contudo, não parece chamar muito a
atenção dos pesquisadores do ensino de História, isto é, como ocorre, na
prática, as apropriações de programas e de diretrizes curriculares, de
livros didáticos e paradidáticos, das propostas de inovação. Ainda são muito
incipientes as pesquisas neste sentido, não obstante seja um campo de
investigação altamente propício e farto de possibilidades. (FONSECA, T.,
2004, p. 70, grifos nossos).
Embora não seja o nosso foco de estudo, queremos chamar a atenção para o fato de
que, na análise do currículo vivido, deve ser levada em conta também o papel dos alunos e
alunas, pois os conhecimentos transmitidos nem sempre são por eles/as apreendidos da forma
como os/as docentes esperam, desejam ou crêem ter ocorrido. Uma investigação sociológica
pode ajudar a compreender o porquê de, inúmeras vezes, os alunos/as não conseguirem
118
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“entender” o que lhes é ensinado e, em alguns momentos, de formas variadas, subverter ou
rejeitar o currículo, dizendo não ao estabelecido, numa política “silenciosa”, contrária aos
arranjos sociais dominantes.
Embora o texto escrito predomine no fazer cotidiano da sala de aula, o texto oral
representa uma outra face do currículo vivido, pois as falas do professor/a e aluno/a podem
também conter “verdades acabadas”, preconceitos e discriminações.
A análise do currículo vivido nos remete àquilo que é “gritado”, que aparece em
demasia, mas também ao que é silenciado, ao não dito. Opostos que ajudam a formar jovens e
adultos/as em nossas escolas. Questionamos: Que tipo de formação estamos dando aos nossos
alunos e alunas? Qual ou quais modelos de formação “queremos” propiciar, mediante o
currículo que fabricamos e vivenciamos na sala de aula?
O campo do currículo, sua legitimação, aplicação e transcriação, relaciona-se às
disputas de poder, seja ele exercido na micro ou na macroesfera. O papel da escola, mediado
pelo processo ensino-aprendizagem, pode ser o de legitimador da ideologia do Estado, dos
interesses do capital dos grupos dominantes, ou um local de subversão” da ordem
estabelecida, da organização social e embates políticos, das lutas pela valorização da
educação.
3.1 ENSINO DE HISTÓRIA NA SALA DE AULA: O CURRÍCULO VIVIDO
Mais que o currículo oficial que, muitas vezes, nem chega a ser lido, o currículo
vivido em sala de aula é um dos responsáveis pela formação de identidades, culturas, visões
de mundo. Seus silêncios e seus cantares ecoam na vida dos/as milhares de jovens que passam
pela escola básica. Isso confere à tarefa do professor/a uma enorme responsabilidade e a
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119
necessidade do constante refletir sobre sua prática, as escolhas do que comporá esse currículo
e de sua intervenção no real.
Ao relatar a influência que os currículos oficiais exerciam na seleção de conteúdos e
em sua prática em sala de aula, durante as décadas de 1970 e 1980, a professora Janilde
afirmou:
Muitas vezes eu não tinha direito a escolhas, porque os programas, o
currículo vinha pronto, e a gente procurava adequá-lo. Eu sempre tentei
colocar no currículo, mesmo vindo da Secretaria, um pouco do atual. Sempre
procurei ser muito localizada, se é um fato do Brasil, tentar localizar a Bahia,
tentar localizar Conquista para que pudéssemos entender melhor (Profª.
Janilde).
De fato, o currículo oficial do Estado não contemplava fatos da história regional ou
local, deixando brechas para que o professor/a pudesse incluí-los ou negligenciá-los.
Segundo a professora Janilde, o controle sobre sua prática era exercido de maneira
sutil, pelas avaliações de aprendizagem dos alunos/as, cuja elaboração era supervisionada
pelos coordenadores indicados pela Secretaria da Educação e deveriam estar de acordo
com os programas oficiais, contemplando o currículo prescrito.
Mesmo exercendo a docência no contexto do Regime Militar, ela afirmou que,
apesar do cerceamento estabelecido pelo currículo oficial e seus mecanismos de controle,
sempre encontrava na sala de aula um espaço de liberdade para trabalhar conteúdos que,
embora fossem indicados pela Secretaria, eram por ela contextualizados e criticados. De
forma, irreverente asseverou: “a gente saía por debaixo do pano”. Ela não permitia que sua
prática em sala de aula fosse, completamente, determinada por uma norma estabelecida
anteriormente e externa ao seu próprio fazer cotidiano, demonstrando o que já fora
evidenciado em outras investigações sobre o ensino de História nesse contexto. Segundo
Selva Fonseca (2003, p. 24),
120
120
[...] o fazer histórico realizava-se, no campo da política, numa posição
ambígua, pois, se por um lado estava extremamente próximo ao poder
dominante, por outro se distanciava e constituía um outro poder que
dispunha de estratégias, símbolos e fatos capazes de alterar o jogo das forças
políticas.
A professora Janilde atuava então, utilizando o poder que a sala de aula pode
conferir, livrando-se assim, ao menos parcialmente, das “macro-forças” repressoras.
Em seu depoimento, a professora Lígia informou que, ao chegar à escola no início
dos anos de 1990, lhe foi entregue uma sugestão de conteúdos elaborada por um professor do
Departamento de História da Uesb e encaminhada pela Direc-20 e que não diferia muito do
currículo proposto pela SEC-BA. Assim como a professora Janilde, ela seguia esse currículo,
mas também fazia modificações, incluindo assuntos, cuja discussão estivesse candente no
momento e despertasse o interesse da turma, lacuna também deixada pelo currículo prescrito.
Apesar da influência do “currículo oficial” sobre suas escolhas, o “livro didático”
representava para ela um forte referencial na hora de selecionar os conteúdos.
A professora Rosemary também utilizou o currículo oficial sugerido pela Direc-20,
mas, igualmente, fazia as alterações que melhor se adequassem a sua prática cotidiana e
considerassem a realidade dos alunos/as, sua condição de aprendizagem e faixa etária em que
estivesse trabalhando. Algumas das mudanças por ela introduzidas visavam incluir a história
local e os conteúdos que contemplassem a História Imediata.
Embora concorde que o currículo oficial exercesse influência sobre a seleção do que
seria ensinado, o professor Marlúcio afirmou que o livro didático era e ainda é a maior
referência nesse processo. Para ele,
essa reflexão que os PCNs trouxeram [sobre] o trabalho contextualizado, a
questão de discutir as competências e habilidades virou uma moda na escola.
De certa forma isso interfere na hora de definir os conteúdos. [Mas], o livro
didático para mim ainda é a forma que o professor tem para selecionar os
conteúdos (Prof. Marlúcio).
121
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A afirmativa acima é reforçada pela professora Maria do Carmo ao narrar que, no
momento de realizar a seleção curricular,
tinha um currículo oficial, tinha o livro didático que era o único. E o livro
didático passava a centralizar quase tudo. Quer dizer, o que você trazia era
um complemento. Partia-se do livro didático e, aí, dava-se uma fugidinha,
pegando algo para complementar (Profª. Maria do Carmo).
Embora tenha consciência da importância do livro didático, no fazer cotidiano da
sala de aula, o professor Genilson afirmou nunca tê-lo valorizado com intensidade. Segundo
ele, ao utilizar esse recurso trabalhávamos sempre com diversos livros para poder
proporcionar comparações entre eles e tirarmos resultados”. E continuou a ressaltar: “eu
entendo que, na verdade, o livro didático tem sua importância, sobretudo para um povo que
pouco lê. Mas, também percebo que ficar preso a ele é muito pouco”.
Para a professora Rosemary, a ausência do livro didático no ensino médio, tanto pode
ter um caráter negativo, quanto positivo. Daí entender que “[...] isso tem dois lados: ao
professor a possibilidade de trabalhar com diversos autores, vendo pensamentos diferentes.
Por outro lado, cria uma dificuldade se analisarmos a realidade social do nosso aluno”.
As narrativas deixam explícito o peso do livro didático sobre a seleção curricular e o
currículo vivido. Pesquisas diversas já demonstraram como esta fonte é determinante no
processo. Para Selva Fonseca (2003, p. 12) um fator que ajuda a explicar a força do livro
didático em sala de aula é o pouco crédito dos professores/as sobre seus próprios saberes, por
acharem que “[...] não têm muito a dizer”, pautam seu trabalho quase que exclusivamente no
texto didático.
Além da influência exercida pelo livro didático, no momento dessa seleção, a
professora Maria do Carmo salientou a importância da oralidade no currículo vivido. Para ela,
os alunos/as trazem na memória o que foi dito pelo professor/a, a forma como foi trabalhado
determinado conteúdo, e não os livros didáticos utilizados. Reproduzindo o depoimento de
122
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alguns de seus ex-discentes ela afirma: “[...] você não um aluno dizendo: ‘como eu me
lembro daquele livro didático’, ou ‘eu me lembro daquele conteúdo do livro didático, ao
contrário, ele diz: ‘como eu me lembro de tal aula que você deu, de como você conduziu’”.
A oralidade da sala de aula não se constitui de um discurso vazio e, muito menos,
num monólogo que reforça a educação “bancária”, que hierarquiza conhecimentos e
atores/atrizes. Em nossas práticas pedagógicas, a sonoridade, a força das palavras pode ser
transformadora e construtora de significados, tanto para educadores/as quanto para
educandos/as.
Embora apenas um depoente tenha relatado que contava com a participação direta
dos/as estudantes, na elaboração do currículo, o interesse deles/as também era considerado.
Conforme vimos nas narrativas acima, o currículo vivido se afastava do oficial para atender às
necessidade imediatas da sala de aula. Isso fica ainda mais evidente nos depoimentos que se
seguem, pois, ao serem questionadas sobre a forma como selecionavam seus conteúdos,
algumas das professoras afirmaram:
Eu aproveitava o livro como básico, mas eu buscava muito o interesse do
aluno (Profª. Janilde).
A primeira coisa que nós temos que ver é um pouco a realidade em que
estamos trabalhando, a realidade da clientela, para depois nortear o nosso
planejamento (Profª. Maria Helena).
A partir dos currículos que recebia da Secretaria de Educação e dos livros
didáticos, fazia uma relação dos conteúdos que tinham mais a ver com a
vivência do aluno (Profª. Silvone).
O professor Genilson disse contar com a participação dos alunos e alunas no
processo de seleção de conteúdos. Sua organização curricular era feita da seguinte maneira:
“Eu tinha uma prática de, na primeira semana, dialogar com os alunos, passar um questionário
e a partir dessa enquete montava o planejamento e selecionava os conteúdos”. Porém, lembra
que isso ocorreu somente nos primeiros anos de sua atividade profissional, pois,
123
123
posteriormente, essa seleção passou a ser realizada juntamente com os outros/as docentes,
integrando um programa de disciplina comum a todos.
Em sua narrativa, a professora Lígia apontou dois fatores que para ela são
importantes no momento da definição curricular e influenciam suas escolhas. Um é sua
própria afinidade com o conteúdo. Destacamos que a subjetividade não impõe limites à ação
pedagógica. É impossível separar o ser do profissional. De acordo com Gimeno Sacristán
(1999, p. 31), ação pedagógica e subjetividade se combinam mutuamente. Para o autor,
a ação pedagógica não pode ser analisada somente sob o ponto de vista
instrumental, sem ver os envolvimentos do sujeito professor e as
conseqüências que tem para sua subjetividade que intervirá e se expressará
em ações seguintes.
O outro fator levantado pela professora é a exigência dos exames vestibulares. Ao
analisar as reformas curriculares ocorridas em Minas Gerais na década de 1980, Selva
Fonseca (2004, p. 18) constatou que “os vestibulares massificados passam a exercer pressão
sobre os currículos e os processos de ensino nas escolas de ensino médio, dificultado o resgate
da reflexão, do livre debate, enfim, da formação integral dos jovens”. Os próprios alunos/as
passam a solicitar que os conteúdos abordados contemplem as exigências do vestibular,
diminuindo assim, a margem de escolha dos/das docentes.
Para a professora Rosemary, mesmo levando em consideração que os conteúdos
desenvolvidos devam contribuir para que alunos e alunas formem sua visão de mundo, ela
lembra que, na verdade, quem detém o controle da escolha, na maioria das vezes, é o próprio
professor/a. Ele/a é quem considera quais conteúdos são importantes para os/as discentes.
Mas, julga essa escolha complicada, pois “[...] o que é mais importante para mim, pode,
necessariamente, não ser mais importante para o [aluno/a]”.
É possível perceber que a elaboração do currículo é permeada por relações de poder,
pois, ao mesmo tempo em que a escolha está previamente traçada nos recursos didático-
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pedagógicos, evidenciando o poder que “vem de cima”, o professor/a também o detém, uma
vez que é ele/a que, em última instância, define o conhecimento considerado válido e que
deve ser transmitido. Ao mesmo tempo, alunos e alunas também podem aceitar ou refutar o
conhecimento previamente escolhido.
Uma outra questão que apareceu nos depoimentos é a importância da experiência
profissional na construção do currículo. Segundo os professores/as, a experiência confere uma
maior segurança e autonomia no processo de seleção curricular, bem como na prática
pedagógica. De acordo com Maurice Tardif (2002, p. 48), pesquisas “[...] indicam que, para
os professores, os saberes adquiridos através da experiência profissional constituem os
fundamentos de sua competência. É a partir deles que os professores julgam sua formação
anterior ou sua formação ao longo da carreira”.
O conceito de experiência nos remete a questões sobre o como, o porquê e o para quê
escolhemos determinados conhecimentos, pois “[...] os conteúdos ocupam papel central no
processo de ensino-aprendizagem, e sua seleção e escolha devem estar em consonância com
as problemáticas sociais marcantes em cada momento histórico”. (BEZERRA, 2003, p. 39).
Não se trata de uma simples organização e exposição de conteúdos, com a intenção de
cumprir um programa, mas como percebemos sua dimensão formadora de identidades,
valores e cultura.
Assim como na pesquisa coordenada por Ana Maria Monteiro (2003, p. 31),
identificamos tanto nos diários de classe, como nas narrativas dos/as docentes, que, no
decorrer dos anos de 1990, o processo de seleção curricular foi marcado pela presença da
periodização tradicional que divide a História em Antiga, Medieval, Moderna e
Contemporânea. Para ela, a cronologia pautada nesse modelo representa uma simplificação e
homogeneização de cunho europeizante, interrogando se essa forma de representar o tempo,
ainda tão freqüente, não necessita ser aprimorada ou, ainda, se sua utilização relaciona-se ao
125
125
fato dos professores e professoras não dominarem recursos alternativos para o trabalho com as
noções de tempo. Esta constatação nos leva a questionar a “força dos currículos prescritos”
que, a partir dos anos de 1980, passaram a incorporar duas concepções: a história temática e a
organização pela seqüência dos modos de produção”. As propostas curriculares de rios
Estados da Federação e os PCNs consagram a organização curricular por eixos temáticos. A
Bahia manteve seu currículo pautado nos modos de produção.
No que diz respeito aos aspectos que eram destacados no ensino de História, a
professora Janilde afirma que, nos anos de 1990, Se estudava mais o aspecto político e
econômico, principalmente econômico”. Quanto a outras diferenciações, o professor Marlúcio
tentava não abordar somente esses aspectos. Para ele,
era preciso também mostrar que existia uma outra forma de estudar a
História. E a linha das mentalidades possibilitava, por exemplo, fazer um
estudo das mulheres. E isso levava os meninos a se interessarem mais pela
História, porque, em vez de ficar discutindo muito a questão política ou
então muito a questão econômica, tentava fazer um trabalho que pudesse
pincelar um pouco dessas coisas todas (Prof. Marlúcio).
Trabalhar com mentalidades, de fato, pode contemplar aspectos que antes o eram
percebidos e despertar o interesse da turma. Ao tratar do uso de mentalidades dentro do
estudo da História Cultural, Sandra Pesavento (2004, p. 31) lembra que até a terceira geração
dos Annales “a história das mentalidades apontava para os caminhos das elaborações mentais
e dos fios de sensibilidade que percorriam o social de ponta a ponta, mas não se definia
teoricamente”. Segundo ela, para Jacques Le Goff, o termo imaginário passou a ser utilizado
em substituição a mentalidade, por exprimir uma melhor capacidade de representação do
mundo (p. 45).
Os professores e professoras entrevistados/as afirmaram valer-se de questões da
História Imediata para despertar o interesse dos alunos/as. A esse respeito, a fala do professor
126
126
Genilson é emblemática: “Está se vivendo um presente, o aqui e agora. E a relação com o
passado é uma coisa muito fluída, de pouca importância”.
A utilização de fatos que estejam acontecendo pode representar um recurso valioso
para alcançar os/as discentes. Entretanto, Maria de Lourdes Janotti (2004, p. 43) adverte que é
necessário que se tome cuidado com o presenteísmo exagerado, que pode tender a
desqualificar o passado e explicar o presente pelo presente numa perspectiva sociológica e
não histórica. Chama a atenção para outro fator preocupante na utilização da História
Imediata: o perigo de desqualificar o passado público pode também acarretar a perda da
visão dialética da História e da vontade política que leva à crítica e à construção de projetos”.
Embora fossem e continuem sendo os principais recursos didáticos à disposição do
professor/a, a velha tríade “quadro negro, cuspe e giz” jáo reinava absoluta na sala de aula
na década de 1990. No processo de didatização, os professores/as conviviam com outros
recursos e costumavam fazer a interlocução com variadas formas de linguagem. Foram
citados pelos/as entrevistados/as: mapas, imagens (sob a forma de vídeos seja
documentários ou ficção fotografias, gravuras etc), literatura (verso), músicas,
transparências, reportagens de jornais e revistas, documentos primários, alguns, inclusive,
pertencentes aos próprios alunos/as, utilizados para abordar sua história pessoal. Embora
utilizassem esse aparato metodológico, por meio das entrevistas, é possível perceber que os
professores/as não usavam essas linguagens como fontes históricas, mas tão somente como
recursos didáticos.
As metodologias de ensino eram bastante variadas. Mesclavam-se entre a
participação do professor/a e um maior envolvimento dos alunos/as. Incluíam aula expositiva,
pesquisa, elaboração de jornais, confecção de cartazes, exibição e comentários de filmes e
documentários, discussões e trabalhos variados em grupo, apresentações orais, teatralização,
realização de feiras culturais, palestras, elaboração de histórias em quadrinhos, gráficos,
127
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paródias, painel integrado. Ao fazer alusão às metodologias e à necessidade de superar a falta
de determinados recursos, uma das professoras entrevistadas afirmou: “trabalhar em escola
pública é ser um artista”.
Os trabalhos em grupo e a conexão entre currículo e a vida dos educandos/as são
propostas que figuram entre nós desde os pioneiros da Escola Nova. Entretanto, as narrativas
dos colaboradores/as nos mostraram que essas mudanças e incorporações foram
implementadas pelos novos licenciados que passaram a ministrar as aulas de História no
município de Vitória da Conquista, no período em questão.
A diversidade de recursos didáticos, de fontes e de metodologias, que aparece nas
narrativas dos professores/as, nos leva a inferir que, embora os programas oficiais e os diários
de classe dos anos de 1990 apontem para uma história ensinada em conformidade com o
modelo tradicional, é possível perceber que os/as docentes que começaram a atuar, naquele
momento, traziam em sua formação uma compreensão diferenciada tanto da história quanto
do seu ensino, rompendo com a idéia de que bastava ao aluno/a a postura mecanicista de
decorar. A sala de aula passou a ser compreendida como espaço plural, onde a
problematização, em vez de mascarada, deveria ser estimulada.
Todos concordaram que o ensino e a aprendizagem no nível médio são mais
complexos, especialmente em função da ausência, naquele período, do livro didático
encaminhado pelo MEC, pela falta de bibliotecas equipadas, de laboratórios, auditórios, salas
de áudio-visual, pelo reduzido número de aulas da disciplina História na distribuição de carga
horária e, ainda, pelo baixo capital cultural dos alunos.
Alguns dos/as docentes entrevistados revelaram a dificuldade de trabalhar no período
noturno, onde está matriculada a grande maioria dos/das discentes do ensino médio. Alguns
obstáculos relacionados ao ensino noturno aparecem no depoimento da professora Lígia. Ela
destacou as constantes reclamações dos alunos/as sobre os trabalhos extra-classe, uma vez que
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quase todos que estudam nesse turno são também trabalhadores/as. De acordo com essa
situação, O professor, tem que levar [o texto] para o aluno para que ele faça a sua leitura e
análise. Eu acredito que o próprio aluno está muito acostumado em receber do professor
tudo bonitinho” (Profª. Lígia).
Diante de tal afirmativa, é necessário que interroguemos: Para os alunos/as das
escolas públicas estaduais da cidade de Vitória da Conquista, o que significa estar em um
ambiente, cuja intenção é a educação formal, que, se por um lado, exige do/da docente um
corpus
55
de saber, por outro, exige também dele/a comprometimento, ação e interesse?
Estamos conseguindo despertá-los para o entendimento sobre a importância do passado, da
memória, das mudanças e permanências e do seu papel como aluno/a?
Poderíamos entender que a relação com a escola e com outras instâncias de
conhecimento é a própria relação com o saber. Para Bernard Charlot (2000, p. 77), “a relação
com o saber é uma forma de relação com o mundo”. Isso inclui, portanto, a escola. Segundo
ele uma das causas dos alunos/as entrarem na escola”, mas a “escola não entrar neles” é a
homogeneização a que estão submetidos/as; o efeito surtido em um indiduo não,
necessariamente, será o mesmo em outro, ainda que estejam envolvidos na mesma
intencionalidade. É preciso buscar a relação que cada um desses indivíduos estabelece com
uma dada situação.
Para o autor, a interação com o mundo é permeada por um universo de significados.
O ser relaciona-se consigo e com o outro por meio do simbólico e, em última instância, é por
esse simbólico que ele se relaciona com o saber. A escola deve, então, procurar desvendar o
que representa o simlico para seus alunos e alunas. A relação com o saber, também, é
definida pelo tempo marcado pela dialeticidade, um tempo que “[...] não é homogêneo, é
ritmado por momentos significados, por ocasiões por rupturas; é o tempo da aventura
55
Maurice Tardif (2002, p. 36) coloca que esse corpus provém de uma mistura mais ou menos coerente de
outros saberes e é constituído pelo “[...] saber oriundo da formação profissional e dos saberes disciplinares,
curriculares e experienciais”. Sobre o assunto, ver também Clermont Gauthier, 1998.
129
129
humana, a da espécie, a do indivíduo”. (CHARLOT, 2000, p. 79, grifo do autor). Esse tempo se
interpenetra nas dimensões presente, passado e futuro. O homem na sua historicidade é
resultado de construções anteriores, mas também forjador do presente e com a
responsabilidade de deixar um legado para o futuro. Esse é outro fator que, no processo de
individuação dos/as discentes, a escola deve estar atenta, ao pensar em suas finalidades
educativas.
As questões acima apresentadas nos conduzem a outras: será que estamos pensando,
ou melhor, nas reais condições da escola, temos condição de pensar sobre qual ou quais
relações nossos alunos e alunas estão estabelecendo com o saber? Os/as olhamos como
individualidades? Percebemos sua historicidade? Será que o ensinado es fazendo sentido
para eles/as? Desejam esse ensinado? Essas questões podem nos livrar da armadilha de fazer
do processo ensino-aprendizagem uma colcha de retalhos, com temas/fatos/assuntos sem
qualquer conexão com a realidade e o contexto social e cultural do educando/a.
Analisando as dificuldades de encontrar interlocutores, a fim de se estabelecer uma
aula-diálogo no ensino médio, especialmente no turno noturno, Ubiratan Rocha (2002, p. 127)
entende ser esse um dos motivos “[...] pelo qual muitos docentes passam a reavaliar as suas
utopias, isto é, as ambições que possuem em relação ao nível de aprofundamento que podem
imprimir aos conteúdos”.
Ainda em relação ao ensino noturno, embora reconheça as dificuldades, a professora
Maria do Carmo destaca uma face positiva, pois, se por um lado, o aluno/a chega à escola
cansado/a, por outro, é portador/a de maior experiência, pelo fato de ser, na maioria das vezes,
trabalhador/a que vivencia a diferenciação de classe e a exploração impingida pelo modelo
capitalista, o que facilita o entendimento sobre determinados assuntos.
Embora também considere as barreiras que envolvem o ensino noturno, a professora
Rosemary incluiu em sua análise outros fatores que contribuem para a baixa qualidade da
130
130
educação escolar no Brasil. Para ela, refletimos pouco sobre a prática, e essa reflexão é de
suma importância, pois
não é fácil trabalhar no ensino público, no Estado da Bahia, em uma escola
do noturno, de periferia. Meu aluno é de fato o trabalhador dessa cidade, eu
trabalho com gente discriminada dentro dela. Não é fácil lidar com a
condição de impotência que a gente sente, de vez em quando. E refletir sobre
essas práticas é bom porque nos dá uma sacudida (Profª. Rosemary).
Ao analisar a importância da reflexão sobre a prática e de como a abordagem
qualitativa e o trabalho com história oral temática provoca reflexões também no sujeito da
pesquisa, ela considera: “talvez, hoje à noite, quando eu chegar na minha sala de aula, eu
vou entender que eu tenho um papel com aquelas pessoas, com as quais eu estou trabalhando,
[entender] que eu tenho as dificuldades, mas eu tenho um papel a ser efetivado”.
3.2 CURRÍCULO: COMO OS/AS DOCENTES O CONCEBEM
Segundo Antonio Flavio Moreira (2000), é possível afirmar que, na década de 1990,
as reformas curriculares executadas pelo Estado não aproveitaram significativamente as
tendências que predominavam no campo das teorias curriculares, que, influenciadas pelos
estudos culturais, pelo pós-modernismo e pós-estruturalismo, abordavam temas como:
[...] o nexo poder-saber no currículo, a transversalidade no currículo, novas
organizações curriculares, as interações no currículo em ação, o
conhecimento e o cotidiano escolar como redes, o currículo como espaço de
construção de identidades, o currículo como prática de significação, a
expressão das dinâmicas sociais de gênero, sexualidade e etnia no currículo,
o multiculturalismo. (MOREIRA 2000, p. 118).
131
131
Mesmo a dinamização nesse campo não foi suficiente para superar o distanciamento
entre o que é produzido na teoria e o cotidiano vivido na escola, tampouco possibilitou a
construção de currículos que contemplem as especificidades brasileiras.
Tomaz Tadeu da Silva (2001, p. 13) elenca quatro concepções curriculares:
1) a tradicional, humanista baseada numa concepção conservadora da cultura
[fixa, estável, herdada] e do conhecimento [como fato, como informação],
uma visão que, por sua vez, se baseia numa perspectiva conservadora da
função social e cultural da escola e da educação; 2) a tecnicista, em muitos
aspectos similar à tradicional, mas enfatizando as dimensões instrumentais,
utilitárias e econômicas da educação; 3) a crítica, de orientação neomarxista,
baseada numa análise da escola e da educação como instituições voltadas
para a reprodução das estruturas de classe da sociedade capitalista: o
currículo reflete e reproduz essa estrutura; 4) a pós-estruturalista, que retoma
e reformula algumas das análises da tradição crítica neomarxista,
enfatizando o currículo como prática cultural e como prática de significação.
As concepções de currículo são importantes e embora apareçam, aqui, segmentadas,
e algumas sejam contraditórias entre si, em nossas práticas cotidianas, muitas vezes elas se
mesclam num estranho amálgama. Isso ficou patente nas narrativas dos professores/as, que
também evidenciam pouca reflexão e conhecimento acerca das teorias curriculares, mas uma
experiência curricular intensa.
Talvez por ser currículo um termo polissêmico, pela complexidade e plasticidade que
envolve sua conceituação, escolha, transmissão e resultados, as concepções de currículo o
são unânimes. De acordo com Tomaz Tadeu da Silva (2002, p. 147), depois das teorias
críticas e pós-críticas, o currículo pode ser pensado de formas variadas, pois “[...] nossa
imaginação está agora livre para pensá-lo através de outras metáforas, para concebê-lo de
outras formas, para vê-lo de perspectivas que não restringem àquelas que nos foram legadas
pelas estreitas categorias da tradição”.
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É importante salientarmos também que o tipo de formação inicial e continuada a que
os professores/as estiveram ou estão sujeitos nos cursos superiores também é um fator que
influencia as concepções de currículo.
Passando ao relato dos docentes, ara a professora Lígia currículo é:
Todo um histórico de vida. É uma coisa flexível que você está sempre
criando, sempre inovando. Também é uma relação de conteúdos que você
trabalha. Eu vejo currículo como uma coisa ampla, vai desde um projeto de
vida, como também uma proposta que vai sendo trabalhada em uma
determinada área (Profª. Lígia).
A professora Janilde o definiu como: “Um meio de nortear o ensino”. O professor
Marlúcio percebe o poder imanente à escolha do currículo e seu papel formador de identidade
ao afirmar:
Para mim currículo não é a escolha dos conteúdos que serão apresentados
aos alunos. Eu acho que currículo é muito mais. Ele envolve toda
articulação, uma discussão sobre ensino na escola. Ele passa por uma
questão política, de interesse de cada grupo, de quem está no processo. Mas,
currículo é também o processo de organização, de discussão sobre as
orientações de uma determinada disciplina, de um determinado grupo de
disciplinas que formam uma pessoa (Prof. Marlúcio).
Esse professor entende que o currículo extrapola o próprio assunto abordado. Na sua
opinião, “Muitas vezes, nós não ensinamos, somente, com um determinado conteúdo, mas
também os alunos percebem quem é você dentro da sociedade na sua luta, por acreditar em
determinadas coisas”.
A professora Maria Helena o vê como: “Noções básicas que o aluno tem que adquirir
para se situar no mundo”. Enquanto a professora Silvone entende que
é difícil definir currículo, porque envolve tudo o que acontece na escola e no
ano letivo. Eu acho que envolve tudo da sala de aula e da escola. Eu acho
que currículo engloba tudo; está relacionado à vida do aluno (Profª. Silvone).
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A afirmação denota que o currículo não se esgota na instrução formal. Como práxis,
ele envolve um campo teórico, mas é também prática socializadora e conscientizadora sobre
formas de ser e estar no mundo.
Em um sentido propositivo, a professora Janilde sugere que cada região deveria
elaborar seu próprio currículo, porque isso ajudaria a adequá-lo às necessidades de
aprendizagem dos alunos e alunas.
Para o professor Genilson, a idéia do que seja currículo deve contemplar a
diversidade da sociedade em que vivemos. De acordo com sua opinião, currículo é
um referencial que margem para que possamos construir informações,
para, dentro da intencionalidade de se construir ensino, de se dar alguma
informação ao aluno, um referencial que nos ajudaria a atingir os objetivos
que propomos. Eu o vejo currículo apenas como um emaranhado de
conteúdos, ou como elencar conteúdos. Eu vejo currículo a partir de uma
série de elementos outros que são importantes, como discutir diferenças,
discutir semelhanças, conseguir propor respeito às diferenças, conseguir
promover um ensino com intencionalidade (Prof. Genilson).
Assim como o professor Marlúcio, o professor Genilson ressaltou o poder do
currículo ao afirmar: “Não percebemos a força que está por trás dele, não percebemos que
com ele podemos mover uma série de coisas, podemos proporcionar uma série de coisas”.
Observou também sua dimensão (multi)cultural.
De acordo com a professora Maria do Carmo, currículo é:
A escola perceber a necessidade e discutir uma estratégia de trabalho e
efetivar essa estratégia, de forma que ela possa satisfazer os anseios da
comunidade escolar. Que essa discussão perpassasse o corpo docente, [pois],
em se tratando de uma escola de ensino fundamental, os alunos talvez não
tenham tanta maturidade para opinar. Mas a gente percebe o interesse do
aluno não somente quando ele diz sim ou não, mas no dia-a-dia. Então,
currículo seria você criar linhas de trabalho que pudessem atender esses
anseios. Isso aí, eu diria, seria o ideal. Mas na prática não é bem assim. Na
prática nós temos uma grade curricular montada, onde nós professores não
temos a oportunidade de optar e pegamos essa grade para executar
(Profª. Maria do Carmo).
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Embora considere a complexidade que envolve a seleção curricular, a professora
Rosemary entende currículo como “a seleção do conteúdo que vai ser trabalhado com o aluno
em sala de aula” e conclui achando que essa seleção é feita de acordo com aquilo que se
julga ser mais interessante e necessário ser trabalhado”. Questionamos: A quem cabe fazer o
julgamento do que deve ou não ser ensinado? A esse respeito, Forquin (1992, p. 45) faz uma
consideração arguta: escolher é fato, justificar as escolhas, é necessário.
Às respostas dadas pelos sujeitos da pesquisa, podemos acrescentar a idéia de Tomaz
Tadeu da Silva (2002, p. 15) sobre a reflexão cotidiana em relação ao currículo. Para ele,
[...] quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento,
esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o currículo está
inextricavelmente, centralmente, vitalmente, envolvido naquilo que somos,
naquilo que nos tornamos: na nossa identidade, na nossa subjetividade.
Essa formação identitária não é somente dos jovens alunos e alunas, mas, também,
dos professores e professoras, uma vez que suas escolhas são também forjadas pela
subjetividade pessoal e social e pela sua identidade, sempre em formação.
Sobre a participação dos professores/as nas políticas públicas ficam evidentes as
contradições no projeto de reforma curricular do ensino médio no Estado da Bahia para
adequação à LDB 9.394/96. No ano de 2004, o professor Marlúcio foi eleito delegado com a
finalidade de representar a cidade de Vitória da Conquista e a área de Ciências Humanas nos
encontros que discutiriam a reforma do ensino médio no Estado. Seu depoimento corrobora o
que foi dito no primeiro capítulo, a respeito da pouca, ou quase nula participação dos
professores e professoras nesse processo. De acordo com ele
nós recebemos o documento pronto, na escola, para que os professores
fizessem uma avaliação da reforma curricular. Uma coisa corrida. Na
verdade, eu acho que o governo queria nos mostrar que fez a reforma e que
houve participação dos professores. Na realidade, não percebemos essa
participação, porque os professores não têm conhecimento do conteúdo do
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documento. Alguns professores leram e deram um parecer que ele estava
bom, mas ninguém o discutiu a fundo. Então, para mim, é um documento
que foi feito pelos técnicos da Secretaria de Educação que vai sair como se
tivesse ocorrido uma ampla participação dos professores do estado da Bahia
e, na realidade, nós sabemos que não houve essa participação (Prof.
Marlúcio).
Ainda segundo o professor, os/as docentes que estiveram reunidos como
delegados/as na cidade de Salvador, durante o ano de 2004, cobraram da Secretaria uma
posição em relação às condições de trabalho, por entenderem que, se a reforma não fosse
acompanhada dessas mudanças, não surtiria o efeito desejado. Mas, a seu ver, ficou claro que
havia um documento pronto e que a participação dos delegados/as serviria apenas para
referendar a proposta. Mais que negligenciar a participação do/das docentes, a imposição do
documento, o distanciamento em sua elaboração, significa negar sua autonomia intelectual.
Afirmou, ainda, que o documento final pouco acrescentou aos PCNs e que a Bahia
não conseguiu construir um projeto próprio para o ensino médio, algo que fosse
representativo de sua cultura, que contemplasse suas peculiaridades. Para ele, [...] quando
lemos o documento da Bahia não percebemos tanta diferença dos PCNs em nível nacional. É
muito parecido na contextualização, na forma de interpretar as questões do ensino. É a mesma
coisa!” (Prof. Marlúcio).
“Conceitos não permanecem estáveis por muito tempo. Eles têm asas, por assim
dizer, e podem ser induzidos a deslocar-se de lugar para lugar”. (APPLE, 1999, p. 35). Assim
sendo, o podemos buscar homogeneidade na definição de currículo. Ao conceituá-lo as
vozes dos colaboradores/as evidenciaram sua polissemia. A diversificação é reconhecida por
Philippe Perrenoud (2003, p. 18), ao afirmar ser o próprio currículo “[...] objeto de
controvérsias e interpretações divergentes”.
Portanto, conforme nos lembra Roberto Sidnei Macedo, professores/as, protagonistas
do processo educativo, podem [...] constituir-se enquanto autonomia, autorizando-se como
sujeitos do currículo, nunca como objetos do currículo”. (MACEDO, 2000, p. 30, grifo do
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autor). Portanto, cabe aos professores/as, juntamente com os alunos/as e de forma
democrática, tomar o currículo a seu favor.
3.3 CURRÍCULO OFICIAL E VIVIDO: TENSÕES, APROXIMAÇÕES E
DISTANCIAMENTOS
As narrativas evidenciam que, mesmo havendo uma “sugestão curricular” oficial no
Estado da Bahia, os professores/as que atuaram na década em foco pouco a seguiam. Havia,
portanto, um distanciamento entre o prescrito e o vivido. Constatamos que existia uma
diversidade de formas de elaboração e prática do currículo que não se dava somente de escola
para escola, uma vez que, na mesma unidade de ensino, um professor/a selecionava
determinados conteúdos, enquanto outro/a escolhia assuntos completamente distintos.
Podemos afirmar que havia uma fragmentação e uma dispersão em relação ao ensino
de História. De modo geral, cada professor/a realizava o seu trabalho de maneira isolada, sem
dialogar com os colegas da própria unidade escolar. Para António Nóvoa (1995, p. 22), isso
resulta do fato das escolas dedicarem “[...] pouca atenção ao trabalho de pensar o trabalho
[...]” e tem como conseqüência a redução no potencial tanto do professor/a como da escola.
Ao se referir ao distanciamento entre os/as docentes, a professora Lígia fez uma
sugestão:
Eu poderia colocar que há uma dificuldade dos professores conversarem.
Mesmo nas ACs,
56
que deveria ser um horário para os professores se
reunirem, discutirem conteúdo, discutirem como trabalhar determinado
conteúdo ou algumas questões, acabamos fazendo outras atividades que não
são tão interessantes para a prática pedagógica. Nesses horários específicos,
que é o mínimo que s temos, os professores poderiam discutir os
conteúdos, como está, como os alunos estão recebendo, como melhorar. E,
aí, tentar combinar como deveríamos trabalhar em conjunto. Eu acho que é
56
Atividades Complementares. O horário das ACs corresponde a 25% da carga horária total, sendo então
destinadas três horas-aula semanais para uma carga horária equivalente a 20 horas. A carga horária é organizada
da seguinte forma: 14 horas em sala de aula e 3 horas destinadas às Atividades Complementares.
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uma falha muito grande da gente, porque isso cabe ao professor. Cobrar que
a escola dê esse espaço para conversar com os colegas (Profª. Lígia).
Essa situação de individuação no processo de seleção curricular também foi expressa
pela professora Maria do Carmo, para quem, o ensino se dava de forma compartimentada, “os
professores o sentavam para planejar, para ver de que maneira poderia sair um trabalho
conjunto. Cada um no seu mundo fazia do seu jeito”. Ela ressaltou os problemas que essa
compartimentação traz aos alunos/as quando precisam mudar de escola, ainda que esta integre
a mesma rede.
Dificuldade semelhante é apresentada pela professora Rosemary ao relatar que seu
horário das ACs é dividido com colegas de outras áreas. Isso é interessante, mas seria muito
mais interessante [se] eu estivesse discutindo com os professores da minha área”, afirma.
Esse isolamento revela uma situação incompatível com o processo pedagógico
coletivo, pois o exercício da docência ocorre, fundamentalmente, em uma rede de relações
entre seus protagonistas. Segundo Michael Apple (1999, p. 184), quando isso não ocorre “[...]
reduz as chances de que a interação entre os participantes permita críticas e limita a
possibilidade de que possam surgir oportunidades para repensar e desenvolver um ensino
compartilhado entre pares”.
A questão do trabalho fragmentado, da dificuldade de compartir, também foi
apontada pela professora Silvone, que lembrou a necessidade de incluir alunos e alunas. Ela
destaca que a forma como a educação escolar está estruturada impede essa participação. Para
ela, o planejamento e a seleção curricular não ocorrem como deveria, pois
o certo seria fazer essa programação com o aluno, mas isso nós sabemos que
na realidade não é o que ocorre. Cada um faz para levar pronto para a sala de
aula. E é uma correria, a realidade é essa, cada um para o seu lado. Às vezes
acontecia sentar os professores da mesma área e fazer essa programação
(Profª. Silvone).
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No Estado da Bahia, após anos de lutas promovidas pela categoria dos/as docentes, a
Secretaria Estadual da Educação aprovou no ano de 2002 uma redução na carga horária de
trabalho em sala de aula. Sendo assim, parte dela passou a ser destinada às Atividades
Complementares (AC). No entanto, em função das muitas atribuições que estão a cargo dos
professores/as, em razão do processo de burocratização a que estão submetidos, o tempo
destinado as ACs acaba sendo utilizado para outras tarefas.
O não-aproveitamento do horário das ACs para o trabalho coletivo aparece no
depoimento do professor Marlúcio, responsável pela articulação da área de Ciências Humanas
na escola em que leciona.
Esse horário da AC, muitas vezes, não é utilizado da forma que deveria ser.
Com relação à formação continuada, nós poderíamos fazer leituras, discutir
temas relacionados à nossa área, mas muitas vezes não conseguimos fazê-lo,
por uma rie de questões dentro da própria escola. No dia da AC
[professore/as] têm que atualizar cadernetas, se ocupam com mil e uma
atividades e acabam não fazendo as leituras necessárias (Prof. Marlúcio).
Oficialmente, o horário destinado às Atividades Complementares pode ser
aproveitado para qualquer atividade relacionada ao ensino. Porém, na prática, devido ao
processo de burocratização, denominado por Michael Apple de controle técnico” sobre o
trabalho docente, o tempo pedagógico que poderia servir para realização de estudos,
reflexões, troca de experiência, elaboração de projetos e oportunidade para a construção de
uma teia de saberes, acaba sendo utilizado, quase que exclusivamente, nessas tarefas
burocráticas. O autor nos alerta para o fato de que os educadores e educadoras
[...] precisam entender melhor o que está econômica, política e culturalmente
ocorrendo não apenas na sociedade mais ampla [embora isto seja muito
importante], mas também com eles mesmos. [...]. Através da análise do que
está em jogo e através da formação de coalizões para tentar alterar as
condições de dominação e subordinação que permeiam a sociedade,
podemos também contribuir para o processo da longa revolução. (APPLE,
2002, p. 8, grifo do autor).
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No que diz respeito às relações entre o currículo oficial e o vivido, o depoimento da
professora Maria Helena deixa claro que, embora as prescrições legais existissem, e em
alguns momentos seu cumprimento fosse exigido, elas não conseguiam, de fato, ter força
sobre o currículo vivido.
Na escola pública a gente seguia, realmente, uma orientação da Secretaria de
Educação em termos de rol de conteúdos, até porque tinha alunos que
vinham de outra escola, que vinham de outra cidade e então há um
direcionamento, “tem que ter”. Mas, sempre teve flexibilidade, e eu nunca
abri mão dessa liberdade (Profª. Maria Helena).
A professora Lígia também entende a sala de aula como espaço que pode subverter o
currículo oficial. Isso se evidencia ao afirmar:
Eu vejo que na escola pública tem a facilidade de podermos sair um
pouquinho do que está estabelecido. Podemos modificar o conteúdo, mesmo
que tenha aquele currículo para ser trabalhado, podemos variar. Temos essa
liberdade de modificar o conteúdo, de criar situações novas na sala de aula
(Profª. Lígia).
A professora Silvone reforça a idéia de que o currículo oficial prescrito poderia ser
adotado no todo ou parcialmente, modificado, ressignificado de acordo com as necessidades
da sala de aula. Para ela, a sugestão curricular feita pela Secretaria “era flexível, não era
rígida” (Profª. Silvone).
De acordo com a concepção de Philippe Perrenoud (2003, p. 17), a mudança do
currículo oficial é possível graças ao estatuto e natureza do trabalho docente. Para ele,
[...] a opacidade das práticas pedagógicas e o controle frágil dão aos
profissionais, no cotidiano, uma grande abertura em relação à execução,
tanto dos programas quanto das exigências. A textos ambíguos e/ou
contestados se aliam práticas de ensino e de avaliação que assumem a
liberdade de, por vezes, negar-lhes a validade, por outras, insistir fortemente
sobre seu sentido ou, ainda, ignorá-los.
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140
Embora defenda a liberdade de selecionar o currículo e que este deve centrar-se na
escola, a professora Rosemary entende que essa tarefa deveria acontecer em um processo de
discussão mais aprofundado. Para ela
cada um trabalha da forma que quer. o que eu acredite que o professor
não deva ter liberdade pra isso. Eu acredito que a liberdade de selecionar os
conteúdos é fundamental. Mas, eu acho que tem que ter uma linha dentro
disso que dê uma certa coesão, um ponto fundamental, porque é muito solto
(Profª. Rosemray).
A esse respeito, Antonio Flavio Moreira (2000, p. 126-127) nos chama a atenção de
que
[...] centrar o currículo na concretude das realidades escolares não pode
significar omissão da secretaria ou sua retirada do cenário. Pelo contrário,
além dos indispensáveis recursos e incentivos a serem propiciados em sua
interação constante com a escola, discussões entre os sujeitos dessa escola e
técnicos comprometidos e abertos ao diálogo são necessárias para
incrementar a qualidade do trabalho e garantir o sucesso da proposta, que é
sempre uma intenção, um projeto, que adquire forma própria em cada escola
e em cada sala de aula.
Segundo Michael Apple (2002, p. 42), vários estudos realizados nos Estados Unidos
demonstraram que alunos e alunas, especialmente pertencentes às classes trabalhadoras, iam
às escolas “matar o tempo”, rejeitando completamente o currículo formal ou dando o mínimo
exigido pela escola. Os resultados desses estudos e as narrativas sobre os fazeres dos/as
docentes nos levam a questionar: Será que a ausência do diálogo, do (re)pensar o currículo, a
fragmentação, não contribui para a falta de estímulo e o comportamento de rejeição dos
alunos e alunas ao ensino de História?
Valorizando o papel do/da docente tanto no que diz respeito à seleção, como na
condução do currículo vivido, o professor Genilson o/a como a locomotiva que conduz o
processo de ensino-aprendizagem. Para ele,
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existe uma intencionalidade no processo de construção de conhecimento.
Todo conhecimento é intencional. Se o professor não for a locomotiva, se ele
não conseguir ter essa intencionalidade, levar essa intencionalidade adiante,
o processo de ensino aprendizagem se quebra (Prof. Genilson).
De acordo com Gimeno Sacristán (1999, p. 33),
a intencionalidade é condição necessária para a ação, e compreender esse
elemento dinâmico e motor é fundamental para qualquer educador,
especialmente em um contexto de valores imprecisos e de rotinas
estabelecidas diante de desafios importantes que exigem respostas
comprometidas.
Pensar sobre a intencionalidade da educação escolar é pensar sobre a
responsabilidade que lhe caracteriza, uma vez que sua função, assim como dos demais
mecanismos educativos “[...] é a transmissão, a preservação da experiência humana entendida
como cultura”. (FONSECA, S., 2004, p. 30). E por que não dizer, espaço de produção de um
conhecimento que lhe é próprio.
Ao analisar a educação brasileira, o professor Genilson afirma que a escola não se
modernizou, não se adaptou às mudanças que ocorreram na sociedade, por isso existe um
descrédito muito grande em relação à escola e a educação. A televisão, a Internet, tudo isso é
muito mais prazeroso do que a escola”. Acredita que a educação escolar pode ser um espaço
de transformação, mas não está sendo utilizada para tal. As novas linguagens, a nosso ver, não
competem com a educação. Elas podem ser aliadas e, na medida do possível, incorporadas às
práticas pedagógicas, pois constituem fontes de saberes históricos.
A professora Maria do Carmo fez uma comparação entre a realidade que encontrou
nos anos 90 do século passado e o início do século XXI. Fez ainda uma análise das mudanças
sociais ocorridas, que, no entanto, segundo ela, não foram incorporadas pela escola.
Hoje nós temos mais recursos nas escolas, temos profissionais
especializados, uma realidade bem melhor em alguns aspectos do que na
década de 1990. No entanto, o fruto do nosso trabalho está muito pior. Hoje
142
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nós temos uma série de problemas. Entre esses, a necessidade que o governo
tem de apresentar dados numéricos, de cortar gastos com pessoal, por
exemplo. Então, cria o inchaço nas salas, cria projetos pra empurrar o aluno
para frente. Professores que não têm carga horária são obrigados a pegar
cinco disciplinas. Tem os maus gestores da coisa blica. Ao lado disso,
vemos uma sociedade nova, em mutação, movida por um monte de
problemas sociais, econômicos e políticos. Então, o nosso aluno do século
XXI não é o nosso aluno da década de 1990. É um aluno que tem um outro
perfil. É um aluno que quer mais. Ou seja, a escola, hoje, não é feita para o
aluno. Essa escola esmais para repudiá-lo, ele não se encontra dentro dela.
Como o aluno não se encontra dentro dela, como o professor no momento
também está um pouco perdido, ele não sabe como lidar com essa
problemática; o aluno evade, os professores adoecem (Profª. Maria do
Carmo).
Ao abordar essa situação, a professora Maria do Carmo percebe que, ao “expulsar” o
aluno/a da escola, graves problemas são criados, e a sociedade não tem dado conta de resolvê-
los, formando um círculo vicioso: uma sociedade desigual que produz uma educação de baixa
qualidade o que, por sua vez, contribui para agravar os problemas sociais. Diante de tal
quadro, é necessário que consideremos “[...] as ‘necessidades’ ideológicas, políticas e
econômicas da sociedade na qual as escolas estão imersas e, finalmente, o papel do Estado em
tudo isso [...]”. (APPLE, 2002, p. 57), uma vez que a escola não é uma ilha e não pode sozinha
resolver os problemas sociais e, muitas vezes, nem os seus próprios problemas, sem mudanças
mais amplas e estruturais da sociedade.
Aliada a essas dificuldades, a professora Maria do Carmo também apontou a pouca
autonomia dos professores/as, especialmente no que diz respeito a alguns projetos, como, por
exemplo, o Correção do Fluxo Escolar (Projeto de Aceleração)
57
e o PEI.
58
A esse respeito
afirmou:
57
Projeto implementado no Estado no ano de 2000 “com vistas a reduzir o alto índice de defasagem idade/série
entre os alunos/as matriculados/as na rede pública de ensino, utilizando uma proposta de aceleração respaldada
na LDB 9394/96, e na Resolução do Conselho Estadual de Educação 127/97, e Parecer 255/99, publicado em
D.O.E. de 09/02/2000”. Extraído de: <http://www.sec.ba.gov.br/fluxo/fluxo.htm>. Acesso em: 12 abr. 2006.
58
Programa de Enriquecimento Instrumental. Trata-se de um projeto educacional elaborado em Israel, comprado
e aplicado nas escolas baianas a partir de 1999 com o objetivo de desenvolver a cognição lógico-matemática dos
alunos/as. Ainda o estudos ou avaliações aprofundadas sobre os resultados desse programa que ocupa uma
carga horária considerável, se comparada a outras disciplinas como a própria História, de três horas semanais.
143
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[...] muitas vezes o professor está envolvido numa engrenagem maior, onde
ele não tem oportunidade de discordar. Às vezes ele é obrigado a acatar, por
exemplo, determinados programas por uma questão econômica. E em função
de tudo isso, ele não tem liberdade política de mudar o quadro. Por uma
questão financeira, ele é obrigado a se acomodar (Profª. Maria do Carmo).
Para ela, ao ter que lecionar com base nesse “currículo enlatado”, o professor/a passa
a contribuir para que os governos tenham dados numéricos, considerados positivos sobre a
diminuição no índice de analfabetismo e a idéia que se investe em educação, quando em
verdade, o que está sendo formado são analfabetos funcionais. Segundo seu entendimento, o/a
docente acaba sendo envolvido/a nesse processo, que considera uma engrenagem em que não
lhes resta muitas oportunidades de ação e liberdade pedagógica. As tensões e submissões
ocorrem, muitas vezes, por não haver disponibilidade de carga horária compatível com a sua
formação. E conclui: “Então você é obrigada a repetir aquilo que o oficial quer que você
repita”, o que acaba por fazer do professor um monitor, desqualificando sua função. O que,
aparentemente, se configura como uma aproximação é fruto de um feixe de tensões.
Analisando propostas curriculares sob forma de pacotes”, Apple (1999, p. 210)
afirma:
No contexto imediato, alguns professores podem interpretar isso como uma
ajuda e apreciá-la como mais um recurso. Mas, num contexto mais amplo,
retira do professor um componente vital do processo curricular. Através do
tempo, estas práticas compensatórias de curto prazo funcionam como
privações porque limitam o escopo intelectual e emocional do trabalho dos
professores.
Ainda que o Estado esteja imbuído de boas intenções para erradicar o analfabetismo
entre jovens e adultos, evitar a evasão escolar e melhorar a qualidade no processo de ensino-
aprendizagem, esses programas pré-elaborados revelam-se, na maioria das vezes,
inadequados, distantes da formação do professor/a e enfraquecem a discussão sobre o papel
da escola, enquanto lócus de produção e gestão de um projeto pedagógico. A autonomia
escolar e do/a docente é ignorada.
144
144
Quanto as DCNs e os PCNs para o ensino médio, instituídos nos últimos anos da
década de 1990, não chegaram, imediatamente, às escolas. Isso só ocorreu, efetivamente, a
partir dos anos 2000 e mesmo que o recorte temporal dessa pesquisa seja, justamente, esse
ano, os professores/as fazem breves referências aos PCNs. Contraditoriamente ao esperado
pelo Estado, essas definições ainda são pouco consideradas em suas práticas e no processo de
seleção curricular. Constatamos que até o ano de 2005 não foi realizada pelos professores e
professoras uma discussão mais aprofundada desses Parâmetros.
Entretanto, os “prescritores” acabam chegando por meio dos livros didáticos que
passam pela aprovação do MEC e são organizados de acordo com a prescrição legal. Ainda
que esse currículo oficial diretamente o tenha tanta força no processo de seleção curricular
vivido na escola, se o livro didático continuar a ser a principal forma de realizar essa seleção,
o oficial veiculado por meio dele será implementado, sem questionar se, de fato, ele coincide
com a intencionalidade do processo educativo e se respeita as especificidades das escolas.
Outra questão deve ser considerada no processo de seleção curricular, o acúmulo de
informações e conhecimentos, especialmente os que compõem a produção historiográfica. Se
os professores/as de História não se mantiverem atualizados sobre essa produção, correm o
risco de trabalharem com saberes históricos escolares distantes das novas investigações,
descoladas das produções historiográficas.
Entendendo que a seleção curricular deve ser relativizada a fim de que o
contemple somente as prescrições de caráter nacional, ou somente de caráter local, Selva
Fonseca (2004, p. 35) aponta algumas questões a serem consideradas nesse processo, que, de
acordo com sua opinião deve incluir:
[...] conteúdos que fazem parte da chamada cultura comum, permitindo a
todos os alunos igualdade de acesso ao que de mais universal e
permanente nas produções do pensamento humano, mas também
conhecimentos de experiências históricas específicas dos grupos e projetos
representativos para a história de cada um. Em outras palavras, buscam-se o
145
145
respeito à diferença, à diversidade, o espírito democrático, a tolerância e a
solidariedade, sem perder de vista as referências universais da cultura, dos
problemas e da história dos homens.
Consoante com a própria ciência histórica que, constantemente, tem reelaborado suas
explicações sobre o passado, reinventando-o e tentando responder a novas indagações, as
concepções sobre currículo, a formação dos alunos e alunas, requerem novas práticas
escolares.
Devemos estar atentos a essas questões porque
no espaço da sala de aula, é possível o professor de história fazer emergir o
plural, a memória daqueles que tradicionalmente não têm direito à história,
unindo os fios do presente e do passado, num processo ativo de
desalienação. Mas também pode, inconsciente ou deliberadamente, operar o
contrário, apenas perpetuando mitos e estereótipos da memória dominante.
(FONSECA, S., 2004, p. 35).
Nosso mundo de certezas ruiu, vivemos a era das dúvidas, das suspeitas. Nesse
sentido, é preciso (re)pensar o ensino de História e, dentro dele, a elaboração do currículo e as
finalidades do processo educativo, a fim de que sejam mediadores na construção de
sociedades mais democráticas e de respeito à pluralidade.
Um dos papéis da História é indagar o pretérito na busca de compreendê-lo e
possibilitar mudanças no presente. O historiador/a impregnado de passado vive o tempo do
agora, das indagações, e, nesse agora, o pode mais contar com as metanarrativas. A esse
respeito Sandra Pesavento (2004, p. 62) interroga: “O historiador, realmente, pode concluir
que hoje, possui mais dúvidas que certezas, mas isso, afinal de contas, não seria a base e o
fundamento de toda a aventura do conhecimento?. Parafraseando suas indagações,
interrogamos: e o processo educativo, também, não é aventurar-se pelo novo/velho processo
de descoberta? Estamos nos tempos das incertezas. Vamos nos aventurar nesse tempo.
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As possibilidades de mudança podem não estar presentes no currículo posto pelo
oficial ou pelo livro didático, mas sim no currículo vivido que é reinventado, reconstruído por
professores/as e alunos/as cotidianamente, convergindo para um ato criativo, adaptativo no
real imediato que é a sala de aula. O currículo pode trilhar outros caminhos. Aliás, trazer os
alunos e alunas para essa discussão é ainda um desafio a ser enfrentado.
Não entendemos que o currículo seja o único território de disputas, de possíveis
alterações da realidade. Temos consciência de que “as condições de trabalho dos professores,
nomeadamente os constrangimentos institucionais também constituem entraves às práticas
inovadoras”. (ESTEVE, 1995, p. 107) e que a educação formal nos vincula “[...] a formas
prévias de reprodução, mesmo quando nos tornamos criadores de novas formas”. (GOODSON,
2003, p. 106). O que estamos advogando é que o professor/a (re)conquiste sua autonomia na
elaboração curricular. Uma autonomia politicamente comprometida com mudanças sociais e
com bases éticas, entendendo que essa elaboração deve ser pautada na reflexividade e na
constante reavaliação/ressignificação, uma vez que não devemos considerá-la,
definitivamente, pronta. Diante disso, queremos reafirmar a importância e o poder que tem o
currículo no difícil processo de transformação. Lembrando Apple (2002, p. 102), se ainda
encontramos pessoas que resistem e mantêm “[...] seus conhecimentos, humanidade e
dignidade, então a ação curricular pode ser mais importante do que imaginamos”.
As narrativas dos professores/as nos revelam que existem aproximações entre o
currículo vivido em sala de aula e o que é definido pelos órgãos estatais. Essas aproximações
se dão de diversas formas e também na medida em que, para não correr o risco de prejudicar
os alunos/as, caso mudem de escola ou de rede, “cumprem”, mesmo que em parte, as
“sugestões” oficiais.
Distanciam-se, entretanto, quando atentam para a realidade do cotidiano, quando
“adaptam” o oficial às necessidades da sala de aula, às singularidades do grupo de alunos,
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quando tentam perceber e trabalhar a “relação com o saber” que os alunos/as demonstram de
maneira clara ou tácita.
A zona de fronteira entre aproximar-distanciar acaba compondo um cenário
permeado por tensões do ponto de vista epistemológico, pedagógico e político, quando a
escola e seus agentes não validam o conhecimento proposto pelo oficial. Nesse caso, os/as
principais protagonistas da relação ensino-aprendizagem buscam outros caminhos e outros
conhecimentos que sejam significativos para sua cultura pessoal e social. Essa disputa leva a
indagações sobre o conhecimento socialmente válido. No caso particular de História, nos
remete a questionamentos sobre o que da produção historiográfica mundial e do Brasil vale a
pena ser transmitido, discutido e reelaborado em sala de aula. Como isso deve ocorrer? Com
que sentido?
Essa zona de fronteira está vinculada a aspectos políticos, numa concepção ampla
desse termo. A negação, ainda que parcial, limitada, do que prescreve o oficial pode se dar no
campo da contestação aberta por meio das lutas sindicais, dos embates eleitorais ou pela
negação velada. No último caso, o currículo que compõe o projeto pedagógico da unidade
escolar pode coincidir com o oficial. No entanto, sua reconstrução na sala de aula se processa
de forma diferenciada, o que foi narrado por uma das professoras entrevistadas.
A correlação de forças no campo político é desigual. Por representar a maioria da
população e ter em suas mãos amplas atribuições, o Governo acaba por localizar-se na esfera
do macropoder. No caso brasileiro, essas atribuições vão, muitas vezes, além do que é
estabelecido em lei, pois a estrutura administrativa do país carrega o ranço colonial em que
público e privado tendem a confundir-se. Outro fator que contribui para esse alargamento de
poder é nossa frágil democracia e a prática de uma cidadania vacilante.
É na esfera do micropoder que a força dos professores/as pode manifestar-se, pois é
ele/a quem detém o controle do processo de ensino-aprendizagem. Dependendo da concepção
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de história, de currículo e da forma como são abordados, pode desvelar a realidade e ajudar na
construção de identidades próprias, na vivência da cidadania plena, contribuindo para o
rompimento das relações de poder que se instituem de cima para baixo e privilegiam alguns
em detrimento da maioria.
Por meio das entrevistas, foi possível observar que os distanciamentos ocorrem no
campo didático. Ao realizar a transposição do conhecimento oficial manifesto nos manuais
didáticos ou nos programas os professores/as mobilizam seu repertório de saberes,
construído ao longo da formação inicial e permanente, da experiência profissional, permeado
pela sua subjetividade pessoal e social.
Pensar sobre a fabricação do currículo e na forma como ele é vivido em sala de aula,
é pensar no como e no porquê das escolhas. E transcender a isso é analisar o tipo de formação
que está nele embutida, considerando o que ele diz, mas também o que cala. Isso demanda
exercício de permanente reflexão que deve ser enfrentada por todos os professores e
professoras.
Atentos às finalidades do processo educativo, é necessário que olhemos o currículo,
particularmente, o currículo de História, como algo que deve ser constantemente reelaborado,
ressignificado, acompanhando os embates e as mudanças pelas quais passa a sociedade, tarefa
da qual os professores e professoras do século XXI não podem se furtar.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
As relações entre o currículo oficial, prescrito nas DCNs, nos PCNs, nas sugestões
curriculares e nos livros didáticos, e o currículo vivido, expresso nas vozes dos professores/as
e nos diários de classe, evidenciam embates que se travam cotidianamente, tensões,
aproximações e distanciamentos mediados pelos saberes e práticas escolares que se dão no
campo político, epistemológico e pedagógico. Nessa tessitura, estão envolvidos
professores/as, alunos/as, gestores/as, especialistas e a comunidade em geral.
A tensão se estabelece à medida que o currículo oficial tenta, como um polvo de
longos braços, abarcar o cotidiano da escola sem atentar para suas especificidades, surpresas,
imprevisibilidades e singularidades. Elaborado longe do espaço escolar e, na maioria das
vezes, sem a participação dos/das principais envolvidos/as no processo de ensino-
aprendizagem, tenta se estabelecer o somente por meio de leis, decretos e portarias, mas,
também, pela indústria cultural expressa nos livros didáticos,
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materiais paradidáticos e
recursos audiovisuais. Evidencia-se como se fosse destituído de neutralidade. Subjacente a ele
um discurso legitimador e, por isso, com poder de definir os conhecimentos socialmente
válidos que merecem ser transmitidos ou esquecidos.
Na tensão existente entre currículo oficial e vivido, é possível perceber aproximação
quando os professores/as se apropriam das sugestões de conteúdos elaboradas pela SEC-BA e
quando utilizam o livro didático como o maior referencial na seleção de conhecimentos.
O currículo vivido se afastava do prescrito quando os/as docentes adaptavam,
recriavam, faziam mudanças parciais ou o abandonavam totalmente. Nenhum dos sujeitos o
aceitava incondicionalmente. O distanciamento se dava ainda quando os livros didáticos
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Embora não o trate como um “super-poder” Apple (1999) demonstra a influência que o Estado exerce sobre a
elaboração e distribuição do livro didático.
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indicados pela SEC-BA, embora em grande parte contemplassem suas sugestões, também
extrapolavam o oficial, afastando-se dele. Uma outra manifestação desse distanciamento pode
ser verificada por meio das metodologias desenvolvidas e pelas concepções de História,
disseminadas e recriadas no currículo vivido.
No primeiro capítulo, analisamos o curculo oficial como algo que não é destituído
de neutralidade, trazendo de forma implícita ou explícita valores de determinados grupos. A
mesma afirmativa é válida para o currículo vivido, que também comporta intenções e
interesses e se liga à concepção de mundo, de educação e de história dos/as docentes.
Num momento em que as teorias curriculares se encontravam em ampla revisão,
em processo de discussão em nível internacional, no Estado da Bahia, foi possível constatar a
existência de um currículo elaborado e encaminhado às unidades escolares pela Secretaria
Estadual da Educação, corporificado apenas em uma “lista de conteúdos”, na indicação de
livros didáticos e em objetivos a serem alcançados. Não qualquer referência teórica, seja
do campo do currículo, da História ou da Educação, que embase essa listagem. O documento
não se preocupa em explicitar e situar o lugar de onde fala, o contexto em que foi produzido,
simplificando o que ocorre na sala de aula.
A história a ser ensinada prescrita nesses currículos priorizava o estudo da Europa,
em detrimento da História do Brasil, e silenciava, totalmente, a respeito da história regional e
local. Mantinha a idéia etapista e mecanicista ao interligar os fatos em causas e
conseqüências. As discussões, as novas abordagens no campo da historiografia, não foram
incorporadas e não contemplavam as chamadas “minorias” nem a diversidade cultural.
Todos/as os/as colaboradores/as da pesquisa foram unânimes em afirmar que o
espaço da sala de aula deve ser entendido como local do debate, do diálogo, onde apareça não
somente a fala do professor/a, as vozes dos alunos/as também precisam ser ouvidas. Flávia
Caimi (2001, p. 120) constatou em outra pesquisa que as
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[...] atividades como trabalhos ditados, aulas expositivas, longos
questionários e leitura repetida do livro didático são ainda muito comuns no
ensino de história. Trata-se de atividades que correspondem a um verbalismo
vazio, no qual os conteúdos se centralizam apenas no discurso, sem
possibilitar a interação do aluno com o conhecimento histórico, nem a
elaboração mental, oral e escrita, por parte dele.
Essa interação – conforme definem os sujeitos – pressupõe que o processo de ensino-
aprendizagem deve ser dialógico. Concordamos com a autora citada e questionamos: A forma
como vimos trabalhando e os ruídos da comunicação têm, realmente, oportunizado ouvirmos
as vozes dos nossos alunos/as?
Ao longo deste trabalho, explicitamos que a questão não é ser contra ou a favor de
um currículo oficial, seja em nível estadual ou federal. O que devemos considerar é seu
caráter, suas intencionalidades implícitas ou explícitas. É importante perceber os grupos que
se fazem presentes e ausentes, que vozes ecoam e calam. Especialmente, no que diz respeito
ao ensino de História, quais concepções de História ele contempla, qual visão de mundo e
projeto social expressa, que tipo de cidadania defende. Sendo um território de disputa,
devemos estar atentos ao que silencia, ao que diz e ao que “dita” o currículo oficial, a fim de
percebermos nas “cores de suas tintas” a favor de quem ou contra quem ele se coloca.
Atentos à polissemia do termo currículo e ao que nos adverte os especialistas desse
campo, devemos olhá-lo e entendê-lo não somente como grade curricular ou seleção de
conteúdos, mas como espaço de disputas e rejeições, de desvelamentos e ocultações, como
formador de identidades, como mapas sem fronteiras definidas e passíveis de mudanças,
como algo que, enquanto é feito, se faz.
De acordo com os depoimentos, foi possível perceber que mudanças importantes
começaram a ocorrer no ensino de História no município de Vitória da Conquista nos anos de
1990, como a diversificação de todos de ensino, a introdução de novas concepções de
História e a busca pelo prazer que a disciplina pode proporcionar. Os professores/as recém-
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formados, concursados, tentaram despertar nos/as discentes a idéia de que somos todos/as,
indiscriminadamente, sujeitos históricos.
Vivemos um tempo paradoxal. Enquanto as liberdades individuais e sociais
avançam, também a exploração e a intolerância recrudescem. Um tempo em que tanto a
escola quanto seus atores/atrizes precisam se atualizar a fim de que não sejam antigas
personagens deslocados/as do novo cenário, pois, é nesse tempo sem nexo, de
transgressão/rompimento de fronteiras “[...] que nós educadores e educadoras (pós)críticos/as,
nos vemos moralmente obrigados, mais do que nunca, a fazer perguntas cruciais, vitais sobre
nosso ofício e nosso papel, sobre nosso trabalho e nossa responsabilidade”. (SILVA, 2001, p.
8).
Nesse “eterno mundo em transe”, muitas são as indagações, algumas sequer serão
respondidas. Mas isso deve nos estimular a atitudes reflexivas e um novo (?) olhar sobre o
fazer docente.
Pensar sobre a constituição do conhecimento, os objetivos e as funções sociais da
educação nesta pesquisa, nos levou também a pensar em diálogo com os professores/as e
autores, no tipo de concepção curricular que temos utilizado como base em sala de aula.
Estaremos sendo tradicionalistas? – título que ninguém quer assumir – tecnicistas? Críticos ou
pós-estruturalistas? Conceituações que não aparecem nas narrativas dos sujeitos da pesquisa e
que nos levam a inferir que, ainda, são poucos os estudos e reflexões no campo do currículo.
Refletimos também sobre a pertinência dessas classificações. As narrativas nos revelam uma
complexidade e riqueza de experiências.
Ao chegarmos ao final de um trabalho de pesquisa, guardamos a sensação que muito
havia por ser dito, que outro tanto nos escapou dos sentidos e da sensibilidade. É bom que seja
assim, pois a produção do conhecimento deve se complementar, formando uma teia. Estar
aberto a incertezas e indeterminações.
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Esperamos ter conseguido responder as perguntas por nós formuladas sobre o fazer
do professor/a de História na década de 1990 e alcançar os objetivos que nos moveram. Que
esta investigação represente uma contribuição para o debate sobre educação, ensino de
História, currículo, especialmente no Estado da Bahia, onde ainda várias lacunas no que
diz respeito a esses temas. Esperamos que este trabalho instigue outros questionamentos e
estimule novas experiências de criação, que estimule o “olhar que pergunta”, pois fazer
ciência é alojar/desalojar/realojar.
Procuramos dar acesso às vozes dos/as docentes de História, não nos preocupando
em aferir verdades, mas ouvir atentamente, vivendo o desafio de educar o olhar, a audição, na
tentativa de desvelar, de registrar os fazeres e saberes por eles/as narrados e, de alguma forma,
proporcionar espaços e tempos de reflexão sobre o que mudou e o que permanece em sua
prática, sobre a importância de ser professor/a e de se verem também como produtores de uma
história.
No trabalho com as fontes orais, uma coisa deve ser destacada, embora no caso dessa
pesquisa os/as docentes fossem interrogados sobre o passado, o fato de ainda exercerem a
docência, faz com que em suas narrativas passado e presente se interpenetrem num só tempo.
Nesse caso, os relatos das experiências vividas mesclam-se com o que é realizado, o ausente
se faz presente no aqui e agora, o lembrar, o rememorar não representam o exato vivido, mas,
sim, sua reconstrução, uma representação. Quem viveu também não é mais o mesmo/a, pois
carrega em si as experiências e a imbricação de sua memória individual com a memória social
e coletiva. (Como o treco estava deslocado antes, passei para cá).
Alguns concordarão com a “realidade” narrada neste trabalho. Outros poderão
complementá-la. Outros tantos divergirão. Pois “[...] a cada dia descobrimos que aquilo que
um dia demos o nome de realidade é, na verdade, uma leitura de mundo que as pessoas que a
vivem contam para elas, sobre elas e entre elas”. (BRANDÃO, 2003, p. 82, grifo do autor). É
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assim que a ciência se constrói, que a humanidade se transforma, errando, acertando,
arriscando-se, cada um, a seu modo, reinventando a vida num processo cíclico que, ao mesmo
tempo em que carrega o já vivido, pode construir uma sociedade melhor para todos.
Ao caminhar por zonas fronteiriças entre História, Educação e Currículo, nosso olhar
sobre esses campos se modificou. Nosso compromisso com um ensino que possibilite
emancipar o ser e propor um mundo com mais pontes e menos barreiras se ampliou. Um
mundo sem opressão, no sentido mais amplo do termo. O ensino de História é parte dessa
construção!
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curricular. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
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SUAREZ, Daniel. O princípio educativo da nova direita: neoliberalismo, ética e escola
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BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros
curriculares nacionais: ensino médio: bases legais. Brasília: Ministério da Educação;
Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 1999a.
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curriculares nacionais: ensino médio. Ciências Humanas e suas tecnologias. Brasília:
Ministério da Educação; Secretaria de Educação Média e Tecnológica, 1999b.
BRASIL. Constituição Federal. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em:
3 ago. 2005.
DIREC-20. Assessoria Pedagógica de História. Listagem de conteúdos programáticos.
Vitória da Conquista, 1996. Texto datilografado.
163
ANEXOS
164
LISTA DE ANEXOS
ANEXO A – Sugestão Bibliográfica 1993 – SEC/BA
ANEXO B – Sugestão de Conteúdos 1993 – SEC/BA
ANEXO C – Sugestão de Conteúdos 1996 – SEC/BA
ANEXO D – Sugestões de Conteúdos 1997/1998 – SEC/BA
ANEXO E – Plano de Curso 2004 – SMED/VC
ANEXO F – Relação de Docentes Entrevistados/as
ANEXO G – Roteiro de Entrevista
165
ANEXO A – Sugestão Bibliográfica 1993 – SEC/BA
166
ANEXO B1 – Sugestão de Conteúdos 1993 – SEC/BA
167
ANEXO B2 – Sugestão de Conteúdos 1993 – SEC/BA
168
ANEXO B3 – Sugestão de Conteúdos 1993 – SEC/BA
169
ANEXO B4 – Sugestão de Conteúdos 1993 – SEC/BA
170
ANEXO B5 – Sugestão de Conteúdos 1993 – SEC/BA
171
ANEXO C1 – Sugestão de Conteúdos 1996 – SEC/BA
172
ANEXO C2 – Sugestão de Conteúdos 1996 – SEC/BA
173
ANEXO C3 – Sugestão de Conteúdos 1996 – SEC/BA
174
ANEXO C4 – Sugestão de Conteúdos 1996 – SEC/BA
175
ANEXO C5 – Sugestão de Conteúdos 1996 – SEC/BA
176
ANEXO C6 – Sugestão de Conteúdos 1996 – SEC/BA
177
ANEXO C7 – Sugestão de Conteúdos 1996 SEC/BA
178
ANEXO D1 – Sugestões de Conteúdos 1997/1998 SEC/BA
179
ANEXO D2 – Sugestões de Conteúdos 1997/1998 SEC/BA
180
ANEXO D3 – Sugestões de Conteúdos 1997/1998 SEC/BA
181
ANEXO D4 – Sugestões de Conteúdos 1997/1998 SEC/BA
182
ANEXO D5 – Sugestões de Conteúdos 1997/1998 SEC/BA
183
ANEXO D6 – Sugestões de Conteúdos 1997/1998 SEC/BA
184
ANEXO D7 – Sugestões de Conteúdos 1997/1998 SEC/BA
185
ANEXO D8 – Sugestões de Conteúdos 1997/1998 SEC/BA
186
ANEXO D9 – Sugestões de Conteúdos 1997/1998 SEC/BA
187
ANEXO D10 – Sugestões de Conteúdos 1997/1998 – SEC/BA
188
ANEXO D11 – Sugestões de Conteúdos 1997/1998 – SEC/BA
189
ANEXO D12 – Sugestões de Conteúdos 1997/1998 – SEC/BA
190
ANEXO D13 – Sugestões de Conteúdos 1997/1998 – SEC/BA
191
ANEXO D14 – Sugestões de Conteúdos 1997/1998 – SEC/BA
192
ANEXO E1 – Plano de Curso 2004 – SMED/VC
193
ANEXO E2 – Plano de Curso 2004 – SMED/VC
194
ANEXO E3 – Plano de Curso 2004 – SMED/VC
195
ANEXO E4 – Plano de Curso 2004 – SMED/VC
196
ANEXO E5 – Plano de Curso 2004 – SMED/VC
197
ANEXO E6 – Plano de Curso 2004 – SMED/VC
198
ANEXO F – Relação de Docentes Entrevistados/as
1. Genilson Ferreira da Silva (Entrevistas realizadas em 11 e 22/08/05)
2. Janilde Novaes Franco da Mota (Entrevista realizada em 12/04/05)
3. Lígia Malena Coelho Silva (Entrevista realizada em 28/09/05)
4. Maria do Carmo Rodrigues Araújo (Entrevista realizada em 08/10/05)
5. Maria Helena Teles Rodrigues (Entrevista realizada em 27/07/05)
6. Marlúcio da Silva Gomes (Entrevista realizada em 15/08/05)
7. Rosemary Prado Rodrigues (Entrevista realizada em 11/10/05)
8. Silvone Alves dos Santos (Entrevista realizada em 02/09/05)
199
ANEXO G – Roteiro de Entrevista
Formação inicial e continuada
Qual sua formação inicial?
Onde se formou?
Em que ano concluiu?
Possui outras formações (graduação, pós-graduação)?
Em que instituições?
Há quanto tempo exerce a docência?
Sempre lecionou a disciplina História?
Em quais escolas trabalha/trabalhou?
Qual sua carga horária semanal?
Como você analisa sua formação inicial? Qual a contribuição da formação na prática
pedagógica?
Costuma (ou costumava) participar de congressos, Cursos etc, relativos à História ou a
Educação em geral? Com que freqüência?
Para sua prática pedagógica, qual a importância em participar desses encontros/Cursos?
Experiência profissional
Para você o que é ser professor/a?
Para você qual a importância do ensino de História?
Como você selecionava o que seria ensinado?
Como o currículo selecionado ocorria em sala de aula?
Havia definições legais sobre o que deveria ser ensinado em História? Isso era cumprido?
Quais as influências dos currículos oficiais (sugestões da SEC, DCNs, PCNs) para sua
prática de ensino de História?
Você utilizava livro didático? Qual? Como era a sua relação com o livro?
Quais eram os reCursos didáticos utilizados (livros, revistas, outros)?
Já participou de alguma discussão sobre currículo?
Para você o que é currículo?
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo