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VICTOR MARCELO OLIVEIRA MENDES
A problemática do desenvolvimento em Salvador:
Análise dos planos e práticas da segunda metade do século XX
(1950-2000).
Tese apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de Pós-
Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade
Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de doutor em Planejamento Urbano
e Regional.
Orientador: Prof. Mauro Kleiman
Doutor em Arquitetura e Urbanismo / USP
Rio de Janeiro
2006
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Ficha Catalográfica
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VICTOR MARCELO OLIVEIRA MENDES
A problemática do desenvolvimento em Salvador:
Análise dos planos e práticas da segunda metade do século XX
(1950-2000).
Tese submetida ao corpo docente do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Doutor em Planejamento Urbano e Regional.
Aprovado por:
Prof. Dr. Mauro Kleiman - Orientador
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano
Doutor em Arquitetura e Urbanismo / USP
Prof. Dr. Hermes Magalhães Tavares
Doutor em Política Econômica / Unicamp
Prof. Dr. Rainer Randolph
Doutor em Ciências Econômicas e Sociais / Universidade de Erlangen. Alemanha
Profª. Drª. Sonia Maria Taddei Ferraz
Doutora em Comunicação e Cultura / UFRJ
Prof. Dr. Sylvio Bandeira de Mello e Silva
Doutor em Geografia / Université de Toulouse, França
Rio de Janeiro
2006
Dedico este trabalho aos meus pais.
AGRADECIMENTOS
Quero inicialmente agradecer ao meu orientador – professor Mauro - pelo estímulo e
orientações. Seu apoio foi fundamental para a conclusão desta tese. A ele terei
sempre carinho e admiração.
Não poderia deixar de destacar a importância dos professores Ana Clara (minha
querida orientadora do mestrado), Hermes (por cada uma das conversas que
tivemos ao longo do curso), Jorge Natal (pela clareza como mostrava o pensamento
econômico), Rainer (por toda atenção), Tâmara (pelo carinho nas provocações) e
Vainer (pela dureza fraterna no debate) na minha formação. Saibam que guardo na
mente algumas aulas que me fizeram pensar e repensar conceitos e categorias.
Quero, também, agradecer aos meus avós (os que moram aqui e os que moram em
cima), Adolfo, Renato, Carol, Janaína, amigos da cidade e de outras cidades pelo
apoio e carinho dado ao longo desses anos. Saibam que este trabalho tem um
pouco de cada um.
Agradeço, ainda, aos funcionários do IPPUR pelo carinho e atenção, bem como
meus colegas de curso pela oportunidade de calorosos debates.
Porém, o maior agradecimento que faço é a Deus. Obrigado pela saúde e
oportunidade de cumprir esta jornada.
RESUMO
Este trabalho trata do planejamento do desenvolvimento em Salvador no período de
1950 a 2000. Assim, verifica-se que o Estado da Bahia esteve à frente do
planejamento em quase todos os momentos. Neste sentido, a compreensão do
planejamento em Salvador só é possível compreendendo o planejamento no Estado
da Bahia. Neste contexto, visando romper com um modelo agrário exportador de
desenvolvimento, o estado assume a partir dos anos 1950 o modelo industrial de
desenvolvimento, tendo como marcos os Centro Industrial de Aratu nos anos 1960 e
o Complexo Petroquímico de Camaçari nos 1970, e a partir de 1991 o modelo pós-
industrial de desenvolvimento, tendo como atividade principal o turismo. A
periodização do planejamento tem um rebatimento na escala do planejamento:
enquanto o modelo industrial de desenvolvimento tem como referência espacial a
Região Metropolitana de Salvador, ainda num contexto de planejamento regional, o
modelo pós-industrial de desenvolvimento articula diversas escalas (como estado da
Bahia, a cidade de Salvador, as zonas turísticas da Costa dos Coqueiros e Baía de
Todos os Santos). Mas a mudança de paradigma de desenvolvimento não se
estabelece apenas no plano espacial. Conceitualmente, a opção pelo modelo pós-
industrial de desenvolvimento foi fundamentada em dois modelos estratégicos e
competitivos: o porteriano (clusters) e o city marketing. Ambos possuem forte
tendência exógena. Apesar da mudança de paradigma de planejamento do
desenvolvimento, a capital baiana não conseguiu se desenvolver, tendo como
resultado um quadro de profundas desigualdades sociais, expressas em indicadores
como desemprego e baixa escolaridade. Este trabalho aponta três causas principais
para este quadro: a) a manutenção de uma perspectiva exógena de
desenvolvimento, não favorecendo a retenção dos benefícios gerados pela dinâmica
econômica; b) processo migratório para a capital, contribuindo para um quadro de
favelização; c) baixas condições sociais da população, sendo este ponto não apenas
causa, mas também conseqüência do quadro apresentado, perpetuando um circulo
vicioso.
PALAVRAS-CHAVE: Cluster; desenvolvimento; serviços; estratégia; Salvador.
ABSTRACT
This work talks about the development’s planning in Salvador between 1950 and
2000. Thus, we can realize that the state of Bahia was heading the planning almost
all the time. In this manner, the comprehension of the planning in Salvador is only
possible if we comprehend the planning in the state of Bahia. In this context,
pretending to break the agrarian-export development model, the state has adopted
since the 1950’s the industrial development model, having as its marks The Aratu’s
Industrial Center in the 1960’s and The Camaçari’s Petrochemical Complex in the
1970’s, and from 1991 on, the post-industrial development model, having as its main
activity the tourism. The periodization of the planning has a reflection on the planning
scale: while the industrial development model has as a space reference the
Salvador’s Metropolitan Region, still in a context of regional planning, the post-
industrial development model links several scales (like Bahia state, Salvador city,
Costa dos Coqueiros’ tourist zones and Bahia de Todos os Santos. But the change
of development’s paradigm does not settle only in the space basis. Conceptually, the
option for the post-industrial development model was based on two strategical and
competitive models: the “porteriano” (clusters) and the city marketing. Both have
strong exogenous tendencies. In spite of the development-planning-paradigm
change, the Bahia’s capital did not get to develop itself, having as a result a picture of
deep social unequalities, expressed by indicators like unemployment and low
education level. This work shows three main causes for this picture: a) the
maintenance of a exogenous perspective of development, disfavouring the retention
of benefits created by the economic dynamics; b) existence of few medium-
importance cities in the interior of the state, wich caused the migratory process to the
capital, cooperating to create slums; c) low social conditions of the population, not
only being this point a consequence of the picture exposed, but mainly the cause of
it, producing an everlasting vicious circle.
KEY WORDS: Cluster; development; service; strategy; Salvador.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
15
CAPÍTULO 1: ESTADO, PLANOS E DESENVOLVIMENTO
33
1.1. O ESTADO KEYNESIANO E O DESENVOLVIMENTO 36
1.2. O ESTADO NEOLIBERAL 39
1.3. DESENVOLVIMENTO E ESTADO BRASILEIRO 42
1.4. O PENSAMENTO CEPALINO SOBRE DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO
45
1.4.1. O pensamento de Celso Furtado
50
1.4.2. O pensamento em torno da teoria da dependência
53
1.5. DESENVOLVIMENTO NO BRASIL E A SUDENE 56
1.5.1. A SUDENE e o contexto da sua criação
62
1.6. DESENVOLVIMENTO LOCAL: DISCURSOS E CONCRETUDE 69
1.7. PLANEJAMENTO URBANO: MODELO TRADICIONAL 72
1.7.1. Planejamento urbano e o modelo tradicional no Brasil
74
1.8. MODELOS COMPETITIVOS 79
1.8.1. A origem da competição e da estratégia
81
1.8.2. As diversas abordagens sobre estratégia
82
1.8.3. Breve discussão sobre o conceito de cidade global e aplicação
do conceito estratégia à cidade
84
1.8.4. Empreendedorismo urbano e cidade-empresa
87
1.8.5. City Marketing
91
1.8.6. Modelo catalão
95
1.8.7. O pensamento porteriano
102
1.8.7.1. O modelo porteriano para desenvolvimento de localidades 106
1.8.7.2. O modelo porteriano na periferia, sua perspectiva exógena e seus
limites
119
1.8.8. Confrontando os modelos competitivos
121
1.9. ESTADO E PLANEJAMENTO: BREVE PROBLEMATIZAÇÃO 124
CAPÍTULO 2: A CIDADE DE SALVADOR: PLANEJAMENTO E
DESENVOLVIMENTO DE 1950 A 1991. DO PLANEJAMENTO
URBANO ÀS PROMESSAS DE DESENVOLVIMENTO
128
2.1. SALVADOR: CARACTERIZAÇÃO DEMOGRÁFICA E ESPACIAL 128
2.2. A BAHIA, A CIDADE DE SALVADOR E SUA REGIÃO
METROPOLITANA: A PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO E O
TRAÇO EXÓGENO
137
2.3. O EPUCS – MARCO DO ESFORÇO INICIAL DE PLANEJAMENTO
URBANO EM SALVADOR
143
2.4. A MONTAGEM DO PROCESSO DE PLANEJAMENTO NA BAHIA E
O PLANDEB
149
2.5. O PLANEJAMENTO INDUSTRIAL: O CIA E O COPEC 153
2.5.1. Principais características estruturais da indústria incentivada
na Região Metropolitana de Salvador
163
2.6. DE VOLTA AO PLANEJAMENTO URBANO: O PLANDURB 168
2.7. O PLANEJAMENTO URBANO NORMATIVO 175
2.8. UM BALANÇO DO PERÍODO 182
CAPÍTULO 3: A POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO COM ÊNFASE NO
SETOR DE SERVIÇOS: TURISMO, ENTRETENIMENTO E CULTURA
NA SALVADOR PÓS 1991
189
3.1. O PRODETUR 201
3.2. PRODETUR BAHIA 208
3.2.1. O PRODETUR-NE II
214
3.3. A IMPLANTAÇÃO DO CLUSTER TURISMO, ENTRETENIMENTO E
CULTURA
219
3.3.1. Pelourinho: associação entre espaço, cultura e turismo
225
3.4. RESULTADOS DA ESTRATÉGIA IMPLEMENTADA 230
3.4.1. A perspectiva do crescimento
231
3.4.2. A perspectiva do desenvolvimento
240
3.4.2.1. “Vazamentos” – por conta de compras realizadas fora do local 241
3.4.2.2. Possíveis transferências de excedentes 244
3.4.2.3. Geração e perfil dos empregos 249
CONCLUSÃO
254
REFERÊNCIAS
265
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Diamante de Porter 109
Figura 2 – Influências dos governos sobre os clusters 114
Figura 3 – Influência da firmas sobre os clusters 115
Figura 4 – Modelo espacial de Planejamento de Salvador proposto no
EPUCS
143
Figura 5 - Abertura da Avenida Garibaldi, construída entre 1969-1972 147
Figura 6 - Abertura da Avenida Bonocô, inaugurada em 1970 147
Figura 7 – Concepção de Implantação do CIA, fase final 156
Figura 8 – Abertura da Avenida Paralela, inaugurada em 1974 159
Figura 9 – Condomínio Caminho das Árvores nos anos 1970 178
Figura 10: Cluster Turismo, Entretenimento e Cultura em Salvador 223
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 - Crescimento da população de Salvador, 1872 – 1991 177
Gráfico 2 – Distribuição dos recursos do PRODETUR-BA por setores 214
Gráfico 3 - Receita gerada e impacto no PIB em milhões de US$ (1991 –
2004)
232
Gráfico 4 - Evolução das taxas de desemprego total na RMS (dez 1996 -
dez 2005)
252
LISTA DE MAPAS
Mapa 1 – Localização de Salvador 16
Mapa 2 – Municípios da Região Metropolitana de Salvador - RMS 17
Mapa 3 – Área de atuação da SUDENE 65
Mapa 4 – Vetores de crescimento e distribuição de renda em Salvador 130
Mapa 5 – Zoneamento de Salvador definido pelo EPUCS (DL nº 701/48) 146
Mapa 6 – Vetores de Expansão Urbana definidos pelo PLANDURB 170
Mapa 7 – Nucleação das Atividades e Transporte de Massa segundo o
PLANDURB
172
Mapa 8 – Transporte e Sistema Viário segundo o PLANDURB 174
Mapa 9 – Evolução da Mancha Urbana de Salvador, 1940 – 1980 176
Mapa 10 - Regiões Administrativas (RA´s) de Salvador, segundo o
Decreto nº 7.791 de 16 de Março de 1987
186
Mapa 11- Distribuição espacial das Zonas Turísticas do PRODETUR-BA 211
Mapa 12 – Pólos de Turismo definidos no PRODETUR/NE II 216
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Decálogo do Consenso de Washington 40
Tabela 2: Pactos Políticos e Modelos de Desenvolvimento 43
Tabela 3 - Estratégias de Prebisch para o desenvolvimento da América
Latina
48
Tabela 4 - Revisão histórica das experiências de planejamento econômico
brasileiro
59
Tabela 5 - Projetos de investimentos empresariais concluídos segundo
estado (1959-1999)
66
Tabela 6 - Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDHM segundo
os estados nordestinos e o Brasil – 1991/2000
66
Tabela 7 - Produto Interno Bruto Real a preços de 2000 segundo estados
nordestinos e o Brasil 1990/ 1995/ 2000
67
Tabela 8 Abordagens Estratégicas 82
Tabela 9 – Estratégias básicas para o Empreendedorismo Urbano 90
Tabela 10 – Novas atividades-meio preconizadas pelo modelo catalão para
os governos locais
100
Tabela 11 – Opções de estratégias globais para empresas segundo Porter 105
Tabela 12: Comparação entre serviços avançados e serviços básicos 121
Tabela 13: Comparativo de modelos de gestão de cidades 123
Tabela 14: Os dez municípios com maior população na Bahia (População
estimada em 01.07.2005)
131
Tabela 15: Crescimento populacional na Bahia (1900 – 1980) 132
Tabela 16: Crescimento populacional em Salvador (1620 – 1980) 133
Tabela 17: Participação da população de Salvador na Bahia (1900-1980) 134
Tabela 18: Origem do crescimento da População de Salvador (1950-1970) 134
Tabela 19 – População de 1996 e População Projetada – Região
Metropolitana e Município do Salvador (1996 -2020)
135
Tabela 20 – Número Médio de Habitantes por Domicílio Salvador -
1980/1991/1996
135
Tabela 21 – Estratégias do PLANDEB para a industrialização do Estado 151
Tabela 22 – Estrutura Setorial (%) do PIB da Bahia, 1950-1990 161
Tabela 23 – Participação (%) da indústria baiana na indústria nacional,
1950-1980
162
Tabela 24: Distribuição relativa do número de empresas e do valor das
vendas segundo o tamanho dos Empreendimentos, pelo critério do Número
de Empregados – 1986
163
Tabela 25: Origem do controle acionário do capital da indústria incentivada 164
Tabela 26: Procedência dos insumos e Destino das vendas 164
Tabela 27: Salários médios mensais e salários mínimos da época, segundo
grupos industriais (1986)
167
Tabela 28 - Tipos de Planos segundo a Lei de Processo de Planejamento e
Participação Comunitária - Lei nº 3.345 de 1983
178
Tabela 29 - Hierarquia da rede viária do Município segundo a LOUOS 180
Tabela 30 – Produto Municipal de Salvador em 1991 por Atividade
Econômica
182
Tabela 31 - População Residente – Salvador, Região Metropolitana, Estado
da Bahia e Brasil - 1960/1970/1980/1991
184
Tabela 32 - Taxa de Crescimento Geométrico Média Anual - Salvador,
Região Metropolitana, Estado da Bahia e Brasil - 1960/1970/1980/1991
184
Tabela 33 - Participação Percentual da População dos Municípios da
Região Metropolitana no Total da População da RMS 1960/1991
185
Tabela 34 – Distribuição Espacial da População e da Renda dos Chefes de
Família em Salvador em 1991 por Região Administrativa
187
Tabela 35: Comparação entre a dinâmica industrial e a dinâmica de serviços 191
Tabela 36 – Distribuição dos recursos aplicados no PRODETUR/NE I
(posição em 15.03.2004)
207
Tabela 37 - Objetivos do PRODETUR- BA 209
Tabela 38 – Zonas Turísticas, centros turísticos e destinos-âncora no
PRODETUR
210
Tabela 39 - PRODETUR/BAHIA I – Ações concluídas (posição em 09/2005) 212
Tabela 40 – Pólos de Turismo criados em 2001 e as correspondentes Zonas
Turísticas
217
Tabela 41: Variação da receita gerada e do impacto no PIB derivado do
turismo (Em US$ milhões). Salvador e Bahia (1991-2004)
234
Tabela 42: Distribuição da Renda turística na Bahia – 2004 234
Tabela 43 - Resultados do Turismo Salvador (1991-2004) 236
Tabela 44 - Fluxo Turístico Global em Salvador - 1991-2004 238
Tabela 45 - Mercado comparado dos quinze principais hotéis de grande
porte comparáveis da cidade de Salvador – Bahia (2002)
246
Tabela 46 - Origem dos quinze principais hotéis de grande porte
comparáveis da cidade de Salvador – Bahia (2002)
246
Tabela 47 - Taxa de ocupação dos meios de hospedagem classificados em
Salvador (1995 – 2000)
247
Tabela 48: Pessoal Ocupado nos Hotéis e Salários, de acordo com a
Procedência das Pessoas. Salvador – 2000
250
Tabela 49 - Taxas de Participação e de Desemprego na Região
Metropolitana de Salvador (Dezembro/05)
251
Tabela 50 - Taxas de desemprego total Regiões Metropolitanas e Distrito
Federal (junho/2005 – novembro/2005)
253
Tabela 51: Comparação entre os modelos de desenvolvimento vigentes ao
longo do século XX
259
INTRODUÇÃO
As ações do Estado visando o desenvolvimento econômico capitalista por meio de
Planos compreendem as dimensões do âmbito nacional, regional e urbano.
Experiências históricas de planos para desenvolvimento nos níveis nacional e
regional podem ser destacados no caso dos Estados Unidos – o New Deal como
resposta à recessão da crise de 1929 – e o de planificação indicativa na França pós
2ª Guerra Mundial.
Planos a nível urbano consubstanciam-se de maneira plena no corpo do modelo
nacional-funcionalista no sentido de dar ordem ao caos da cidade - mantê-la sobre o
controle rígido das leis - liberando-a de entraves ao desenvolvimento, fazendo-a
progredir.
No Brasil o marco do planejamento é o Programa de Metas, também conhecido
como Plano de Metas, de 1956, pois é o primeiro plano que não se restringe a
aspectos parciais da realidade econômica ou visando determinado setor ou região
específica, mas medidas coordenadas para orientar tanto o setor público como o
privado para a consecução de objetivos previamente definidos.
Mas já desde a década de 1930 planos destinados ao âmbito urbano são delineados
trazendo no seu corpo o instrumental do zonemaneto – que organiza a cidade por
áreas de especificidade segundo suas funções (habitação, comércio, indústrias...) e
controla o uso do solo urbano, sob os conceitos do modelo racional-funcionalista.
Tratava-se de readequar as cidades brasileiras à industrialização de base urbana,
com o Estado como figura central de sua gestão. Quando das transformações
econômicas introduzem o sistema flexível de produção o modelo racional-
funcionalista encontra seus limites, e planos com base nos conceitos do modelo
estratégico passam a ser aplicados como forma de nova reorganização das cidades.
Neste contexto, o objeto desta tese é a problemática do desenvolvimento na cidade
de Salvador a partir da intervenção do estado através de diferentes políticas,
destacando a política industrial, numa perspectiva regional e a política de serviços,
numa perspectiva local.
Situada na região nordeste do Brasil (latitude -12º58'16'' e longitude 38º30'39''),
possui a terceira maior população do país, com cerca de 2,7 milhões de habitantes e
tem uma estrutura econômica tipicamente terciária, com atividades ligadas ao
comércio e serviços, destacando-se o turismo e o entretenimento. Outras atividades
como a construção civil e outras indústrias de transformação, a exemplo da têxtil,
alimentícia, química, couro, fumo e cacau aparecem com algum destaque.
Mapa 1 – Localização de Salvador
Fonte: Urbe Planejamento Urbano, Regional e Projetos Estratégicos LTDA.
A dinâmica econômica da cidade está ainda bastante associada à sua Região
Metropolitana
1
, especialmente por conta do Centro Industrial de Aratu (CIA) e do
Complexo Petroquímico de Camaçari.
Mapa 2 – Municípios da Região Metropolitana de Salvador - RMS
Fonte: CONDER
Fundada em 1549 para ser a capital do Brasil, posição que manteve durante 214
anos (1549-1763), a cidade possui museus e monumentos artísticos de grande
importância para a cultura e história do país.
A consciência libertária da população de Salvador deu origem a vários movimentos
de contestação, com destaque para a Conjuração dos Alfaiates, em que um grupo
de revoltosos, inconformados com o domínio português, tentou fundar a República
Bahiense. Em 1823, mesmo depois da proclamação da Independência do Brasil, a
1
São 10 municípios (Camaçari, Candeias, Dias D’Ávila, Itaparica, Lauro de Freitas, Madre de Deus,
Salvador, São Francisco do Conde, Simões Filho e Vera Cruz).
Bahia continuou ocupada pelas tropas portuguesas do brigadeiro Madeira de Mello.
No dia 2 de julho do mesmo ano, as milícias patrióticas entraram na Cidade pela
Estrada das Boiadas, atual Avenida Lima e Silva, no bairro da Liberdade. A data
passou a ser referência cívica dos baianos, comemorada anualmente com intensa
participação popular.
Refletir sobre as origens do povo baiano, sua tradição na luta por ideais e
preservação da cultura é de grande relevância para o estudo do atual quadro sócio –
econômico da cidade de Salvador. Sem dúvida, podemos afirmar que a história
deste povo explica e o credencia a preservar e propagar seus costumes e hábitos, já
que estes correspondem a uma construção identitária profunda e, em grande parte,
única. Isto é ainda mais válido ao considerarmos que o desenvolvimento local é um
fenômeno que depende da cultura local, da história de seu povo, do tempo passado
e do presente, articulando num movimento interdependente com a dinâmica local,
regional e global.
Especialmente a leitura de sua história e cultura possibilita compreender o novo
dinamismo econômico e urbano que se impõe na cidade. A adaptação e
transformação da cidade para as atividades do turismo alteraram sua centralidade.
Assim, Santos (1995, p. 16) indica como o turismo impacta sobre a cidade de
Salvador:
[...] o turismo vai aparecer como um fato extremante importante na
compreensão da centralidade, porque, ao lado dos habitantes que
têm uma lógica de consumo de centro ligada ao seu poder aquisitivo
e à sua capacidade de mobilização, vêm os turistas, que são os
homens de lugar nenhum, dispostos a estar em toda parte e que
começam a repovoar, recolonizar, a refuncionalizar e a revalorizar,
com sua presença e o seu discurso, o velho centro.
Entretanto, o turismo aparece de forma mais enfática sobre a dinâmica
soteropolitana nos últimos anos. Já a preocupação com o planejamento do
desenvolvimento da cidade é mais antiga. Na segunda metade do século XX
algumas experiências foram implementadas, variando as escalas de planejamento
(regional x local) e os agentes do planejamento (governo federal – especialmente
através da SUDENE e BNB, governo estadual e governo municipal).
Mas uma série de aspectos históricos ajuda a explicar as alternativas adotadas e os
resultados para a sociedade. Neste sentido, dois podem, inicialmente, ser
destacados para este trabalho. O primeiro diz respeito à economia baiana
marcadamente caracterizada como agro-exportadora até o início dos anos 1950. O
segundo indica uma concentração econômica no litoral, ajudando a explicar o
pequeno número de cidades médias no estado da Bahia.
Assim, verificava-se que, no período colonial, a economia se concentrou no litoral,
favorecida pelo clima, solo e por questões logísticas como a facilidade para a escoar
a produção. Deste modo, foi se fortalecendo a cultura da cana de açúcar na região
da Bahia de Todos os Santos. Já no interior, especialmente na região do Semi-Árido
ocorria uma economia de subsistência com características de policultura. Este
padrão (dinâmica econômica que oferecia condições à urbanização no litoral,
possibilitando mais a frente um processo de industrialização e economia de
subsistência no interior) apresentava como principal exceção as atividades
mineradoras na Chapada Diamantina. Neste sentido, a Bahia foi se posicionando de
forma secundária no processo de desenvolvimento do país, mesmo com a forte
cacauicultura.
Uma revisão das principais ações ligadas ao planejamento do desenvolvimento
mostra a criação de uma Comissão Externa pelo Senado Baiano, em 1891, que à
época considerava que havia uma crise de escassez de oferta de trabalho na
lavoura da cana, que tinha sido estruturada em torno do trabalho escravo, sendo o
governo identificado como o principal responsável pela crise, por não ter adotado
mecanismos de compensação para as perdas dos senhores de escravos.
Já nos anos 1930 são criados, pelo governo estadual, o Instituto Baiano do Fumo e
o Instituto de Cacau da Bahia para organizar os principais produtos da sua
economia, e com uma idéia de cooperação mútua entre os produtores. No período
compreendido entre 1943 e 1947 o Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do
Salvador - EPUCS estabeleceu diretrizes de planejamento urbano, ordenando o
crescimento da capital baiana. Destaca-se que nos anos 1940 a Bahia produzia 95%
do cacau, 30% do fumo, 20% do algodão e 7% do açúcar no Brasil. Havia neste
momento um quadro de profunda insatisfação por parte da elite local: o país já havia
iniciado um processo de industrialização e a Bahia ainda era um estado agro-
exportador.
Nos anos 1950, no Governo Balbino, a idéia do planejar o desenvolvimento ganha
efetivamente força entre os políticos, lideranças empresariais e intelectuais da
época, tendo como marcos a instituição do Conselho de Desenvolvimento da Bahia
– CONDEB e da Comissão de Planejamento Econômico – CPE, em 1955. Naquele
momento a Bahia experimentava um cenário favorável à industrialização em função
da exploração do petróleo no Recôncavo, gerando uma infra-estrutura que foi
dinamizando a Região Metropolitana de Salvador, inclusive fortalecendo o comércio.
Autores como Carvalho Neto (2002, pg. 07) defendem os anos 1950 como marco
institucional do planejamento na Bahia:
O planejamento, como instrumento de orientação do
desenvolvimento econômico e social, surge na Bahia nos anos 50 do
século passado. Conquanto se possam localizar algumas iniciativas
anteriores, o marco institucional do planejamento no Estado foi a
criação do Conselho de Desenvolvimento do Estado da Bahia e a
Comissão de Planejamento Econômico – CEP, em 1955.
Nesta perspectiva, nas décadas de 50 e 60 do século XX, com os investimentos da
Petrobrás e o Centro Industrial de Aratu (CIA), bem como a criação da SUDENE
pelo governo federal, surgem as primeiras promessas reais de desenvolvimento, que
são renovadas nos anos 1970 e 1980 com o Complexo Petroquímico de Camaçari.
Assim, podemos considerar que as promessas de desenvolvimento do Centro
Industrial de Aratu – CIA – e do Complexo Petroquímico de Camaçari se inserem
espacialmente num contexto de impacto de todo estado – no sentido que acelerou
os fluxos migratórios – e especialmente na Região Metropolitana de Salvador. Já
nos anos 90, houve ainda uma busca pelo fortalecimento da indústria baiana,
seguindo uma lógica agressiva de guerra fiscal, tendo como marco a implementação
de uma unidade da Ford (Projeto Amazon – Bahia).
Em todos esses momentos o governo do estado teve um destacado papel no que se
refere ao planejamento do desenvolvimento. Quando da criação do CIA, o estado
preparou boa parte da infra-estrutura necessária para sua implantação, além de
incentivos fiscais e financeiros. Já nos anos 1970, o Complexo Petroquímico de
Camaçari foi constituído num modelo tripartite (estado, capital nacional e capital
estrangeiro). Neste momento, mais uma vez foram utilizados incentivos fiscais e
financeiros. Da mesma forma, verifica-se no Projeto Amazon (Ford) incentivos e
concessões que vão da doação do terreno a uma política agressiva de renúncia
fiscal, passando ainda por melhorias na infra-estrutura de transporte.
Portanto, o período de política de desenvolvimento industrial foi caracterizado por
uma ação efetiva do governo com subsídios, financiamento, incentivos fiscais,
chegando à participação acionária. E justamente esta última característica -
participação acionária do governo – reduziu em alguma medida o traço exógeno do
período. O período pode ser ainda caracterizado pela influência da perspectiva do
planejamento regional, no sentido que havia um objetivo de descentralização
industrial no país, tendo como referências a SUDENE e o BNB.
Já a partir de 1991, mesmo com o esforço oportunista para a captação da Ford, o
que marcou o processo de planejamento foi o fortalecimento de uma política com
ênfase no turismo em todo o estado, sobretudo na capital. Assim, tinha-se um
cenário em que: a) a sociedade contemporânea passou a valorizar cada vez mais os
bens simbólicos e a dinâmica dos serviços foi assumindo um papel de destaque na
economia ocidental, dentro de um contexto de perda de dominância do setor
secundário-industrial (HARVEY, 1992; 1996); b) a emergência de modelos
competitivos e estratégicos de desenvolvimento local como alternativas
hegemônicas (VAINER, 2000).
Para se ter uma idéia da penetração do turismo na sociedade local, em 1999, cerca
de 10,4% das pessoas ocupadas na Região Metropolitana de Salvador estavam
vinculadas a atividades do turismo ou correlatas (no Brasil a participação é de 6,1% ,
enquanto no Nordeste é 5,2%) de acordo com estimativas do Instituto da
Hospitalidade.
Portanto, à uma perda relativa do dinamismo industrial, foi encontrada a nova
alternativa de desenvolvimento que operaria um modelo estratégico e competitivo no
local: o cluster do turismo. O novo choque industrial exógeno que Teixeira (2000) se
referia não veio, mas sim uma política de serviços exógena.
Esgotados os efeitos multiplicadores desses investimentos, e na
ausência de uma dinâmica econômica endógena, o processo de
industrialização fica aguardando um novo choque exógeno que
derrube a apatia e desperte um outro período de otimismo.
(TEIXEIRA, 2000, p. 87).
Assim, aproveitando-se de um programa federal (Programa de Desenvolvimento
Turístico – Prodetur), contando com recursos nacionais e internacionais é realizado
um esforço para o desenvolvimento desta atividade no estado. Dentro desta mesma
linha, passou a ser necessário trabalhar em duas frentes que por fim se mesclavam:
Vender a cidade, utilizando ferramentas de marketing. Logo, o modelo do
marketing city ganhou força.
Formatar o produto cidade através da dinâmica econômica, incluindo
fornecedores, pessoal e outros atores. Logo, passou a ser estimulado o
Cluster Turismo, Entretenimento e Cultura.
Por marketing city compreende-se a transposição do marketing do contexto
empresarial para o dos lugares. Como mostra Kotler (1997) o marketing city é
tratado originalmente na escala nacional, mas pode ser ajustado à escala local.
Entretanto alguns fundamentos devem ser observados como a necessidade dos
líderes governamentais aplicarem os conceitos e ferramentas estratégicas para guiar
o desenvolvimento do local/ região / nação, bem como observar o comportamento
dos produtores, distribuidores e consumidores de um mercado para elaboração das
políticas públicas, construídas então a partir da compreensão do real;
Kotler (1997) destaca ainda a existência de seis estratégias genéricas que podem
ser utilizadas para que os lugares possam melhorar suas posições no ambiente
competitivo que se encontram: a) atrair turistas e visitantes a negócios; b) atrair
negócios de outros lugares; c) manter e expandir os negócios já existentes; d)
promover pequenos negócios e apoiar a criação de novos; e) aumentar as
exportações e os investimentos estrangeiros; f) aumentar a população ou mudar a
combinação de moradores.
Associado ao uso do city marketing, utiliza-se o cluster. Com isto, são articuladas as
atividades ligadas ao turismo, cultura e entretenimento.
No turismo, por exemplo, a qualidade da experiência do visitante
depende não só do apelo da principal atração (como praias ou
localidades históricas), mas também do conforto e do serviço dos
hotéis, restaurantes, lojas de souvenires, aeroportos, outros meios de
transporte e assim por diante. Como ilustra o exemplo, as partes do
aglomerado são, em geral, efetivamente dependentes entre si. O
mau desempenho de uma delas compromete o êxito das demais.
(PORTER, 1999, pg. 230).
De acordo com Porter (1999), gera-se neste momento uma expectativa pelos
benefícios potenciais de um cluster como a redução de custos pela especialização
e/ou aumento de escala, diminuição de riscos pela especialização e/ou divisão dos
investimentos; aumento da qualidade por meio da competição, inovação e ações
conjuntas; maior qualidade e flexibilidade da mão-de-obra pelo aumento e melhoria
da oferta de oportunidades profissionais e treinamento integrado, bem como a
melhora do dinamismo empresarial pela criação e atração de novas
empresas/líderes. Neste contexto, com influência dos ciclos econômicos e do papel
da inovação tecnológica no processo de destruição criadora de Schumpeter, Porter
(1999, p.239) explicita assim a teoria dos clusters:
A Teoria dos Clusters focaliza a maneira como a justaposição de
empresas e instituições economicamente interligadas numa
localidade geográfica específica afeta a competitividade [...] também
proporciona um meio de relacionar de modo mais estreito as teorias
das redes, do capital social e dos envolvimentos cívicos com a
competição entre empresas e a prosperidade econômica –
ampliando seu escopo.
Mantendo uma perspectiva empresarial para o desenvolvimento de um cluster,
associando a uma preocupação com questões como coesão social e política verifica-
se que na visão de Beni (2003, p. 74) um cluster de turismo pode ser definido como:
[...] conjunto de atrativos com destacado diferencial turístico,
concentrado num espaço geográfico delimitado dotado de
equipamentos e serviços de qualidade, de eficiência coletiva, de
coesão social e política, de articulação da cadeia produtiva e de
cultura associativa, e com excelência gerencial em redes de
empresas que geram vantagens estratégicas comparativas e
competitivas.
Portanto, na segunda metade do século XX verificamos dois momentos que se
destacam neste contexto: um primeiro que chamamos de período de política de
desenvolvimento industrial, tendo o CIA e o Complexo Petroquímico de Camaçari
como ícones e o segundo, a partir de 1991, que chamamos de período de política de
desenvolvimento com ênfase no setor de serviços com tônica no turismo, cultura e
entretenimento.
Neste contexto, esta tese de doutorado em planejamento urbano e regional tem
como objetivo central refletir sobre a problemática do planejamento do
desenvolvimento na cidade de Salvador, observando o impacto na dinâmica
econômico-social local e na forma de planejar a cidade. Tal reflexão leva em conta a
observação sobre uma passagem de uma política do planejamento do
desenvolvimento no local: de uma política com ênfase no industrial para uma política
com tônica no setor de serviços.
São ainda objetivos específicos deste trabalho:
Verificar como os dois períodos de políticas de desenvolvimento (industrial e
de serviços) mantiveram ou alteraram seus padrões de relacionamento com a
sociedade e a economia local, particularmente se as opções de
desenvolvimento se apoiaram em perspectivas endógenas ou exógenas e
quais impactos de tais perspectivas;
Analisar criticamente o uso do modelo estratégico em Salvador, identificando
limites ao desenvolvimento econômico e social;
Articular a perspectiva do planejamento e do desenvolvimento à dinâmica
sócio-econômico-espacial de Salvador;
Articular a perspectiva do planejamento e do desenvolvimento à dinâmica
sócio-econômico-espacial de Salvador (micro escala) com o a dinâmica do
capitalismo (macro escala).
Construímos algumas hipóteses para orientar nosso trabalho. A primeira delas trata
da existência de uma passagem de política de Estado para o desenvolvimento
daquela com base na industrialização para outra com base nos serviços. Nesta
passagem necessita ser qualificado o grau de perda de dominância da política para
desenvolvimento pela industrialização, e aquele da emergência e impulso da política
de serviços pela atividade de turismo associado a cultura. Considera-se que a partir
dos anos 1990 a atividade turística alavancou-se de tal forma que passa a ser
dominante, ainda que interpenetrando-se com a atividade industrial. A segunda diz
respeito ao limite dos modelos estratégicos e competitivos, especialmente o
marketing city e o porteriano (dos clusters) no que tange à relação entre crescimento
e desenvolvimento em localidades periféricas.
Neste sentido, verifica-se um esforço governamental para acelerar as taxas de
investimento, muitas vezes apoiadas em algum tipo de renúncia fiscal. Assim, são
valorizados os grandes empreendimentos, os quais assumem uma perspectiva
exógena, considerando a condição duplamente periférica da localidade (país
periférico e local periférico em relação ao país). Como conseqüência o
desenvolvimento não é alavancado tendo entre suas causas principais a
transferência de excedentes para outras localidades (transferências periferia –
centro).
No caso específico de Salvador, com a política com ênfase no setor de serviços
visando o desenvolvimento a lógica de transferência é potencializada à medida que
são implementados novos empreendimentos com serviços avançados para atender
a turistas com renda elevada (ou “turistas qualificados”, observando a denominação
de órgãos oficiais, como a Bahiatursa). Assim, cada vez mais se tem um fluxo
turístico com elevado padrão de exigência que é atendido por empresas que
conseguem romper as barreiras à entrada (como redes internacionais de hotéis,
grandes grupos de locadoras de automóveis e operadoras de turismo).
Ainda em relação a esta segunda hipótese pode-se compreender que o modelo
porteriano foi concebido no (e para o) o centro. A sua transposição (centro para
periferia) poderia gerar uma série de limitações ao próprio conceito e condições para
sua efetivação como defendido por Porter (1999) como a interrelação,
encadeamento, interdependência e correlação entre empresas e setores
componentes, além da presença de instituições financeiras locais fortes.
A segunda hipótese considera que a política baseada no setor de serviços para o
desenvolvimento tem seu efeito reduzido, entre outros motivos pelo padrão de
precarização da mão de obra típico do setor turístico.
Neste sentido, tem-se no local Salvador, através da operação de atividades como
hotelaria, a ponta das cadeias de valores ligados ao turismo, havendo uma demanda
por pessoal com baixa qualificação. Esta hipótese considera que a estrutura das
cadeias de valores do turismo têm na sua operação uma dinâmica que é
caracterizada por pessoal não qualificado e relações precarizadas de trabalho. Com
isto, considera-se a possibilidade de ser necessário à estratégia adotada (o cluster
do turismo) a existência de um grande contingente de pessoal com baixa ou
nenhuma qualificação. Desta forma, mantendo o princípio da eficiência econômica
tem-se um baixo custo de mão de obra, tendendo os salários ao mínimo possível.
Portanto, o quadro de elevadas taxas de desemprego no local apresenta-se como
uma importante vantagem comparativa – na perspectiva porteriana - ou como um
importante atributo – na perspectiva do city marketing - para as empresas que se
instalam no local.
Para verificarmos se tais hipóteses são válidas e para alcançarmos os objetivos
estabelecidos definimos como metodologia básica a análise de planos e documentos
oficias, bem como informações disponibilizadas em sites oficiais. Utilizamos ainda
trabalhos e pesquisas realizadas. Destacamos que a interlocução com
pesquisadores e profissionais das áreas envolvidas neste trabalho foi importante
para desvendar alguns processos.
No que se refere ao recorte do objeto são utilizados dois recortes analíticos:
a) espacial: a cidade de Salvador;
b) temporal: a segunda metade do século XX.
O recorte espacial é justificado pela importância da capital baiana na história e
cultura brasileira, na referência do estado no que diz respeito ao planejamento do
desenvolvimento e à forma como o planejamento se adaptou às novas tendências –
de política industrial para a de serviços, e de desenvolvimento regional para
desenvolvimento local apoiado em modelos competitivos e estratégicos. Chamamos
a atenção dos leitores deste trabalho que o recorte geográfico é a cidade de
Salvador, mas pela sua importância econômica para o estado baiano e pela sua
condição de capital muitas vezes fomos forçados a ampliar este recorte. Verifica-se
que o processo de desenvolvimento de Salvador está bastante associado ao CIA e
ao Complexo Petroquímico de Camaçari, ambos na Região Metropolitana.
Quando a análise aponta para a emergência de uma nova política com tônica nos
serviços de turismo, verificam-se três pontos críticos: a) os dados disponibilizados
pelos órgãos oficiais de turismo são, muitas vezes, aferidos/ estimados a partir de
Salvador e extrapolados para todo o estado; b) a cidade de Salvador se articula com
os municípios mais próximos, especialmente pelo fato de possuir aeroporto
internacional (o outro do estado fica em Porto Seguro, a cerca de 700km de
distância); c) a estratégia de desenvolvimento a partir do turismo foi basicamente
formatada no governo do estado, tendo mesclado em alguns momentos as escalas
de análise.
Julgamos ainda válido trabalharmos a análise do processo de planejamento do
desenvolvimento no período de 1950 a 2000, observando resultados até 2004 como
recorte temporal. O início do recorte é justificado pela importância que a referida
década teve no planejamento no estado e na cidade de Salvador. Já o fim do recorte
(2000) foi definido não apenas por fechar um período de meio século, mas por
termos como premissa que um dado planejamento de desenvolvimento tende a
gerar mais resultados a médio e longo prazo do que a curto prazo. Neste sentido,
valorizamos as decisões, concepções e modelos até 2000. Desta forma, evitamos
analisar, por exemplo, o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU 2004), da
Prefeitura Municipal de Salvador.
Quanto à forma, esta tese estrutura-se em três capítulos. No primeiro capítulo,
fazemos uma revisão sobre as relações entre Estado, Planos e Desenvolvimento
com ênfase no Brasil e na Região Nordeste. Neste capítulo é enfatizado o macro
planejamento econômico, dando destaque a questões que marcaram o pensamento
acerca da relação entre planejamento e estado. Incluímos ainda neste capítulo uma
breve revisão do pensamento econômico brasileiro e a perspectiva CEPALINA,
chegando ao final analisando o papel da SUDENE enquanto a principal experiência
de planejamento regional no país. Ainda no segundo capítulo, reduzimos a escala de
análise e destacamos alguns modelos de desenvolvimento e planejamento local,
especialmente aqueles que situam como modelos estratégicos e competitivos.
Assim, fazemos um paralelo entre esses modelos e os modelos tradicionais de
planejamento urbano. Dentre os modelos apresentados destacam-se o catalão, o
city marketing e o porteriano. Ainda neste capítulo, procuramos discutir os limites de
tais modelos, indicando a lógica subjacente às decisões de utilizá-los.
No segundo capítulo, fazemos uma recuperação do planejamento do
desenvolvimento em – e para – Salvador no período de 1950 a 1990, destacando o
lugar Salvador e sua inserção num ambiente com uma série de dificuldades a serem
enfrentadas.
No terceiro capítulo, apresentamos o modelo de desenvolvimento apoiado no
turismo que vem sendo aplicado em Salvador, especialmente após 1991,
destacando as perspectivas da cidade frente ao contexto de planejamento apoiado
numa lógica empresarial.
Por fim, chegamos às conclusões. Nelas, valorizamos, inicialmente se as hipóteses
estipuladas confirmam-se e, a partir do quadro atual, a reflexão de tendências para o
futuro, abrindo possibilidades para novos trabalhos e análises. Procuramos na
conclusão voltar a uma dimensão mais ampla, inter relacionando os diversos
aspectos e questões que percebemos ao longo do trabalho.
CAPÍTULO 1: ESTADO, PLANOS E DESENVOLVIMENTO
Em um contexto de fluxos econômicos e sociais vinculados a uma ordem global,
marcado pelo modo capitalista de produção, temos a concepção de Estado
associada muitas vezes a algum tipo de discurso ou prática acerca do seu
desenvolvimento, seja econômico, territorial ou social. Entretanto, a inserção da
questão do desenvolvimento como assunto e atividade do Estado é bastante recente
em termos históricos, tendo seu marco temporal os anos 30 do século passado. Até
então, seguindo a visão clássica de Ricardo, se admitia que o mecanismo de preços
associados ao livre comércio tendia a fazer com que os recursos produtivos fossem
utilizados da forma mais eficiente possível, garantindo o progresso econômico dos
países. Foi a Teoria Geral de Keynes que influenciou – além de questões ligadas à
renda e emprego de curto prazo – o interesse pela teoria do crescimento econômico
(KEYNES, 1982).
Neste contexto, trabalhos como o Harrod (Inglaterra) e Domar (Estados Unidos),
com forte influência keynesiana, estiveram no início do pensamento acerca do
desenvolvimento econômico. Harrod e Domar analisaram o crescimento em termos
da evolução da demanda de longo prazo, identificando a demanda efetiva (gasto) e
seus impactos via acelerador e multiplicador com motor do crescimento econômico.
Assim, já no pós-guerra, a preocupação com o crescimento e desenvolvimento
econômico está no centro do pensamento econômico.
De fato, o debate acerca do conceito de desenvolvimento é bastante rico no meio
acadêmico, principalmente quanto à distinção entre desenvolvimento e crescimento
econômico, pois muitos autores atribuem apenas os incrementos constantes no nível
de renda como condição para se chegar ao desenvolvimento, sem, no entanto, se
preocupar como tais incrementos são distribuídos. Deve-se acrescentar que “apesar
das divergências existentes entre as concepções desenvolvimento, elas não são
excludentes. Na verdade, em alguns pontos, elas se completam” (SCATOLIN, 1989,
p.24).
Muitos autores procuram associar desenvolvimento econômico com
desenvolvimento social. Na visão de Vasconcelos e Garcia (1998, p. 205), o
desenvolvimento, em qualquer concepção, deve resultar do crescimento econômico
acompanhado de melhoria na qualidade de vida, ou seja, deve incluir "as alterações
da composição do produto e a alocação de recursos pelos diferentes setores da
economia, de forma a melhorar os indicadores de bem-estar econômico e social".
Para Sandroni (1994), desenvolvimento econômico pode ser compreendido como
crescimento econômico (incrementos positivos no produto) acompanhado por
melhorias do nível de vida dos cidadãos e por alterações estruturais na economia.
Assim, o desenvolvimento depende das características de cada país ou região.
Portanto, depende do seu passado histórico, da posição e extensão geográficas, das
condições demográficas, da cultura, bem como dos recursos naturais que possuem.
Observando a visão de Bresser-Pereira (2003) o desenvolvimento é um processo de
transformação econômica, política e social, não se referindo portanto apenas à
economia, mas também, no âmbito social, político e cultural, sendo que nestes
âmbitos as mudanças constantes e significativas estão diretamente ligados ao
processo de desenvolvimento. O desenvolvimento, portanto, é um processo de
transformação global. Neste sentido, o crescimento do padrão de vida da população
está ligado ao processo de transformação global.
Ainda de acordo com Bresser-Pereira (2003), as transformações devem levar ao
aumento do padrão de vida automático, autônomo e necessário, ou seja, auto-
sustentado. No desenvolvimento o aspecto dominante de seu processo é a
transformação econômica e, como resultado por excelência, o crescimento do
padrão de vida da população no seio da qual ocorre o desenvolvimento.
Já Furtado (1961, p.115-116) define desenvolvimento como sendo “basicamente,
aumento do fluxo de renda real, isto é, incremento na quantidade de bens e serviços
por unidade de tempo à disposição de determinada coletividade”. Mais tarde o
próprio Furtado alertou que a busca incessante por taxas elevadas de crescimento
econômico podem dar a falsa impressão de um maior bem estar das pessoas da
sociedade. Desta forma, Furtado (1974, p.75) alerta que “a idéia de desenvolvimento
econômico é um simples mito. Graças a ela tem sido possível desviar as atenções
da tarefa básica de identificação das necessidades fundamentais da coletividade e
das possibilidades que abrem ao homem os avanços da ciência, para concentrá-las
em objetivos abstratos como são os investimentos, as exportações e o crescimento”.
Portanto, são as pessoas - e seu nível de vida – que devem estar no propósito final
do desenvolvimento.
1.1. O ESTADO KEYNESIANO E O DESENVOLVIMENTO
Quando se quer abordar como o tema do desenvolvimento é incorporado ao
conceito de Estado, por meio de suas políticas, se faz necessário trazer a tona a
contribuição do economista inglês John Maynard Keynes (1883-1946). Contribuição
esta não circunscrita, apenas, a sua principal obra - A teoria geral do emprego, do
juro e da moeda publicado em 1936 -, mas também oriunda da sua própria trajetória
profissional.
O ano de 1929 marca, ainda que simbolicamente, o fim do liberalismo econômico
enquanto doutrina hegemônica nas sociedades capitalistas. E conseqüentemente,
como ressaltado anteriormente, o declínio do sistema político correspondente: o
modelo de Estado Liberal.
O século XIX descobriu a questão social. Tendo falhado ao mesmo
tempo em moral e em competência, o liberalismo duvidou de si
mesmo e da justeza de seus valores. Somente uma reforma
generalizada poderá salvar as aparências. A afirmação de um direito
natural à propriedade, assim como a liberdade de competição, leva
sem nenhuma dúvida à concentração dos bens em mãos de uma
classe privilegiada: conseqüência ao mesmo tempo imoral e perigosa
para a própria liberdade de concorrência, o desenvolvimento dos
monopólios – bem como do destino da classe operária – provocou
inquietação... Ciência e moral são postas em questão (CHÂTELET;
DUHAMEL; PISIER-KOUCHNER , 2000, p.182).
As conseqüências da I Guerra Mundial e da Crise da Bolsa de Valores de Nova
Iorque de 1929, somadas à pressão social que a Igreja Católica vinha fazendo,
desde o final do século XIX, sobre a conduta dos governos dos países capitalistas
centrais por meio das suas encíclicas, faz com que estes Estados nacionais
assumam uma postura mais firme na condução da (des)ordem econômica e na
resolução dos problemas sociais crescentes, sobretudo o desemprego.
Diante de tal quadro econômico e social, da ameaça do socialismo soviético pós-
revolucionário e da incapacidade da doutrina liberal dar respostas eficazes a estas
questões dentro do seu próprio arcabouço teórico, novas idéias, novas teorias
econômicas ganhem mais espaço na sociedade dos anos de 1930.
Parecia muito distante da realidade a imagem de funcionamento de
um sistema econômico criado pelos clássicos e neoclássicos: o pleno
emprego seria o nível norma de operação da economia, e as
distorções que surgissem teriam correção oriunda de remédios
gerados pelo próprio sistema econômico (PINHO, 1998, p. 48).
É deste contexto internacional que as idéias de Keynes começam a reverberar. De
início na Grã-Bretanha nos anos seguintes ao término da Primeira Guerra Mundial,
então uma potência econômica decadente em comparação à ascensão dos Estados
Unidos, para se tornar o pensador econômico mais influente da Europa a partir da
publicação do livro A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, em 1936:
A teoria geral modificou o modo como a maior parte dos economistas
entendia o funcionamento das economias. Nesse sentido, foi
explicitamente revolucionário e teve êxito. Também teve um efeito
revolucionário sobre a política. [...] é uma exploração profunda da
lógica do comportamento econômico sob incerteza, combinada com
um modelo de determinação de renda, no curto prazo, que enfatizava
a quantidade e não o preço como variável de ajuste
(SKIDELSKY,1999, p.43).
Segundo Skidelsky (1999) a influência de suas idéias começara de fato desde o final
da I Guerra com o livro As conseqüências econômicas da paz de 1919, no qual
criticou duramente a postura dos negociadores aliados em extrair da Alemanha
derrotada um grande volume de dinheiro em indenizações de guerra e propunha
“cancelar todas as dívidas de guerra entre os aliados [...] e opunha-se
inflexivelmente a que europeus fizessem empréstimos aos Estados Unidos para
liquidar dívidas impagáveis” (SKIDELSKY,1999, p.33).
No decênio de 1920 esta influência aumenta devido à obra Tratado sobre a reforma
monetária de 1923 que defendia um regime monetário britânico livre da vinculação
da libra esterlina padrão-ouro, que havia sido suspensa durante a guerra e que
estava prestes a ser reinstituído. Diante da consistência da idéias de Keynes e dos
constantes acertos dos seus prognósticos seu pensamento econômico se transforma
em hegemônico já em 1930 a ponto da expressão Revolução Keynesiana ser
cunhada.
Tal é a sua força que passa a servir como adjetivação para um novo modelo de
Estado – o Estado Keynesiano. Estado este caracterizado pela consolidação do
caráter de intervenção na economia via políticas fiscal, monetária e cambial e seus
instrumentos macroeconômicos - cobrança de impostos, contratação de
empréstimos e aumento dos gastos públicos para estimular o pleno emprego,
controle da taxa de juros e emissão de moeda - e, ainda, promover a proteção social
dos indivíduos. Toda esta atuação como forma de garantir as condições de
reprodução da força de trabalho e a estabilidade social, uma paz social.
Assim, cabe ao Estado, segundo Keynes, a função básica de regular
a economia, procurando suavizar as flutuações econômicas e
complementar a iniciativa privada no que tange a realização do
investimento, evitando a estagnação no longo prazo, em face da
tendência declinante (SOUZA, 1999, p.159).
1.2. O ESTADO NEOLIBERAL
Depois de cerca de três décadas de predomínio na forma do Estado intervir na
economia, o keynesianismo já não conseguia dar respostas adequadas às
mudanças que passaram a ocorrer no modo de produção capitalista no decênio de
1970. Mais uma vez se trata do sistema político ter que se adequar ao sistema
econômico. Adequação esta que se conforma num novo modelo de Estado, o
Neoliberal.
Assim, verifica-se a passagem do modelo fordista de acumulação para o modelo
neoliberal, com implicações no campo político-econômico (redução do papel do
estado, desregulamentação, ajuste fiscal) e também empresarial (a exemplo do
sistema de produção flexível, o qual implica numa fragmentação de fases e funções
na produção articulados pelo método just-in-time).
A partir de 1973, o modelo keynesiano de crescimento econômico do
período pós-guerra começa a dar sinais de esgotamento. O mundo
capitalista avançado entra num processo de estagflação, ou seja,
numa longa e profunda recessão combinada, pela primeira vez, com
altas taxas de inflação. Segundo Hobsbawn (1995) a maioria dos
governos considerava a crise passageira. Não haveria porque mudar
políticas que haviam funcionado tão bem por toda uma geração. No
fundo, essas concepções se baseavam na crença do poder ilimitado
de expansão da produção, na possibilidade de um crescimento
permanente e linear da acumulação de capital (SPINOLA, 2004, p.
105).
A combinação de uma série de fatos ajudou a formar o atual quadro político-
econômico no mundo. Três fatos eminentemente políticos parecem marcar
decisivamente o início do Estado Neoliberal que tem como auge, e ícone, o
“Consenso de Washington”:
a) a eleição de Thatcher, em 1979, com um forte programa neoliberal;
b) a chegada em 1980 do republicano Reagan à presidência dos Estados
Unidos; e
c) o fim da experiência de estados centralizados socialistas na Europa
Oriental e na União Soviética, em 1989.
Como aponta Fiori (2001), o Consenso de Washington refere-se a um conjunto de
idéias e políticas econômicas defendidas unanimemente pelas principais burocracias
econômicas norte-americanas e pelos organismos internacionais sediados na cidade
de Washington. A Tabela 1 traz o conhecido decálogo do Consenso de Washington.
Tabela 1 - Decálogo do Consenso de Washington
Medida Conteúdo
1
Disciplina Fiscal – caracterizada por um significativo superávit primário e por
déficits operacionais de não mais de 2% do PIB.
2
Priorização dos gastos públicos, através de seu redirecionamento de áreas
politicamente sensíveis, que recebem mais recursos do que seria
economicamente justificável – como a manutenção da máquina administrativa,
a defesa ou os gastos como subsídios indiscriminados -, para setores com
maior retorno econômico e/ou com potencial para melhorar a distribuição de
renda, tais como saúde, educação e infra-estrutura.
3
Reforma fiscal, baseada na ampliação da base tributária e na redução de
alíquotas marginais consideradas excessivamente elevadas.
4
Liberalização do financiamento, com vistas à formação de taxas de juros pelo
mercado, ou como objetivo intermediário mais realista e até mesmo mais
conveniente no curto e médio prazos - para evitar taxas muito elevadas - ,
procurando o fim de juros privilegiados e visando a obtenção de uma taxa de
juros real positiva e moderada.
5
Unificação da taxa de câmbio em níveis competitivos, como o fim de eliminar
sistemas de taxa de câmbio múltiplos e assegurar o rápido crescimento das
exportações.
6
Liberalização comercial, através da substituição de restrições quantitativas por
tarifas de importação, que, por sua vez, deveriam ser reduzidas para um nível
baixo ‘...de 10% ou, no máximo, perto de 20%’.
7 Abolição das barreiras ao investimento externo direto.
8 Privatização.
9 Desregulamentação.
10 Garantia do direito de propriedade, através da melhoria do sistema judiciário.
Fonte: Ferraz et al (2002 apud SPINOLA, 2004)
De fato, o “Consenso de Washington” parece ter marcado decisivamente o modo de
pensar o Estado e o modo de como o Estado passa a pensar a economia, por meio
das práticas de planejamento ou ausência delas. Servindo como arcabouço teórico,
em última análise ele se encarregou de difundir o modelo de Estado Neoliberal para
todas as outras economias capitalistas – centrais ou periféricas - de forma
indiferenciada como alternativa à crise econômica internacional. Antes mesmo deste
receituário neoliberal ficar pronto no início dos anos 1990, desde o decênio de 1970
o Estado Neoliberal já começara sua escalada na América Latina, pelo governo
ditatorial chileno, passando nos anos de 1980 por países como México, Peru,
Bolívia, Argentina, Venezuela e, por fim, chega ao Brasil no governo Collor
(SPÍNOLA, 2004).
A crise desse Estado surgida em meados de 70 é atribuída, entre
outros fatores, à agenda sobrecarregada, o que significa que as
pressões foram tantas e tão fortes, pressões sociais como demandas
por melhores escolas, equipamentos de saúde mais atualizados,
tipos de exames médicos cada vez melhores e cobertos pelo Estado
que ele ficou incapacitado financeiramente de dar todas estas
respostas. [...] o Estado não conseguindo arrecadar mais o suficiente
para dar respostas na mesma vazão que chegavam-lhes as
demandas. E é recriada assim uma nova crise sistêmica, começando
então uma pregação de retorno aos ideais liberais. (PINHO, 2001,
p.30).
1.3. DESENVOLVIMENTO E ESTADO BRASILEIRO
O Estado brasileiro tem um forte histórico de planejamento governamental,
especialmente entre as décadas de 1940 e 1970. Já no pós-guerra verificava-se o
Plano Salte (saúde, alimentação, transportes e energia). Mais adiante o Plano de
Metas de Juscelino Kubitschek, a criação da Sudene enquanto instrumento de
planejamento regional até os mais recentes planos plurianuais, determinados
constitucionalmente, mostram que o Estado brasileiro procurou em diversos
momentos alavancar o desenvolvimento econômico através de planejamento.
Historicamente verifica-se que as experiências de planejamento mais conhecidas e
ambiciosas foram, no regime militar (1964-1985). Tais experiências propiciaram
taxas expressivas de crescimento, mas a sociedade brasileira permaneceu desigual.
Seguindo a visão de Bresser-Pereira (2003) pode-se fazer uma análise histórica do
processo de desenvolvimento no Brasil observando “duas ferramentas: a idéia de
`modelo de desenvolvimento `, ou seja, de padrões de acumulação, de regime de
política econômica e de distribuição de renda, e a de `pacto político`, ou seja , de
alianças informais de classe” Bresser-Perereira (2003, p. 16).
Mais que isto, Bresser-Pereira sinaliza que, mesmo que imperfeita, exista uma
relativa correlação entre os dois planos. Nesta visão, observa-se que os modelos de
desenvolvimento adotados no Brasil caminharam desde os mais estatizantes aos
mais liberais; voltados para a substituição de importações ao fomento as
exportações; mais concentradores de renda a modelos com uma perspectiva de
afirmação dos direitos sociais. Entretanto, sempre se percebeu a existência de
pactos envolvendo as três classes sociais básicas das sociedades capitalistas
modernas: burguesias, classe média profissional (ou burocrática) e a classe
trabalhadora. A seguir é apresentada uma tabela elucidativa em relação aos
modelos de desenvolvimento econômico e pactos políticos.
Tabela 2: Pactos Políticos e Modelos de Desenvolvimento
Anos Modelos Econômicos Pactos Políticos
1930-1959 Substituição de
importação
Popular-Nacional
1960-1964 Crise-econômica Crise-política
1964-1977 Subdesenvolvimento
industrializado
Burocrático –autoritário
1977-1986 Subdesenvolvimento
industrializado
Popular-Democrático
(crise)
1987-1989 Crise econômica Crise política
1990-2002 Liberal-dependente
(crise)
Burocrático-Liberal
2003-... Liberal-dependente Popular-Nacional
Fonte: Elaborada pelo autor adaptada de Bresser-Pereira (2003)
Se a partir de 1822 tem-se no Brasil um quadro que sinaliza pacto político
oligárquico baseado num modelo primário exportador, no período de 1930-1959
observa-se um forte processo de industrialização com um Pacto Popular- Nacional.
De acordo com Bresser-Perereira (2003), após o período de crise econômica e
política (1960-1964) o país experimenta um Pacto Burocrático- Capitalista ou
Burocrático –Autoritário, reunindo a burguesia, a burocracia militar e civil, e excluindo
a maior parte dos trabalhadores.
Ao se observar os períodos e os respectivos pactos, percebe-se que o Pacto
Popular-Nacional de Vargas foi o primeiro momento em que a participação dos
trabalhadores ocorreu “ainda que de forma limitada” (Bresser-Pereira, 2003, p. 17).
Já no período compreendido entre 1977 e 1986 tem-se um modelo de
“subdesenvolvimento industrializado” que é esgotado, tendo como resultado a crise
econômica e política de 1987-1989. Assim, o país experimente uma ruptura no seu
modelo econômico e no pacto político, assumindo um modelo liberal-dependente e
um pacto burocrático-liberal. Portanto, a compreensão dos modelos de
desenvolvimento econômico no Brasil está associada à compreensão dos pactos
políticos estabelecidos.
1.4. O PENSAMENTO CEPALINO SOBRE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
A partir dos anos 1930 a discussão sobre desenvolvimento aparece na América
Latina no quadro econômico formado pelas repercussões da Crise de 1929 e da
Segunda Guerra Mundial e fixa-se, sobretudo, em três países: México, Argentina e
Brasil. Assim, o debate acerca da questão do desenvolvimento econômico não ficou
restrito à produção dos pensadores norte-americanos e europeus.
É nesse contexto de reorganização da economia mundial que mais um modelo de
desenvolvimento é pensado tendo como pressuposto norteador, de maneira
pioneira, o embate entre os países industrializados ou desenvolvidos e os países
que ainda não haviam se industrializado. Ele é formulado e levado a termo pela
Comissão Econômica para a América Latina e Caribe – CEPAL criada pelas Nações
Unidas no final dos anos 1940 com o intuito de realizar estudos que pudessem
promover um processo de desenvolvimento desta região (SOUZA, 1999), o que já
diferencia do tratamento dispensado ao continente europeu beneficiado amplamente
pelo Plano Marshall.
A preocupação básica da CEPAL era a de explicar o atraso da
América Latina em relação aos chamados centros desenvolvidos e
encontrar as forma de superá-lo. Nesse sentido, a análise enfocava,
de um lado, as peculiaridades da estrutura sócio-econômica dos
países da “periferia”, ressaltando os entraves ao “desenvolvimento
econômico”, em contraste com o dinamismo das estruturas dos
centros avançados; e, de outro lado, centrava-se nas transações
comerciais entre os parceiros ricos e pobres do sistema capitalista
mundial que, ao invés de auxiliarem o desenvolvimento da periferia,
agiam no sentido de acentuar as disparidades. Com isso, a CEPAL
questionava não apenas a divisão internacional do trabalho vigente
no mundo capitalista, como também criticava o destino atribuído aos
países subdesenvolvidos pela Teoria Clássica ou Neoclássica do
Comércio Internacional que sustentava esta divisão. (MANTEGA,
1985, p. 34)
O pensamento cepalino acerca do desenvolvimento influenciaria sobremaneira os
economistas latino-americanos e o próprio governo do Brasil, a partir dos anos 1950.
No país este tema foi traduzido na construção de uma verdadeira ideologia nacional-
desenvolvimentista que atravessou o restante do século XX e, ainda na atualidade,
serve como embasamento teórico aos estatutos de alguns partidos políticos e a
programas de governo.
Como todo modelo teórico que carrega consigo uma determinada ideologia a
CEPAL também teve pensadores responsáveis pelas análises da realidade
econômica da América Latina e fundamentadores da sua visão de desenvolvimento
e, também, de subdesenvolvimento. São eles Raul Prebisch, marcadamente, Hans
Singer e Celso Furtado, este último como maior representante no caso brasileiro.
Pode-se dizer que foi a obra de Prebisch de 1949 e o documento Estudio Económico
da America Latina da própria CEPAL de 1951 que mais contribuíram para a
construção desta escola de desenvolvimento (MANTEGA, 1985). Segundo Prebisch
a concepção clássica de David Ricardo acerca da Teoria das Vantagens
Comparativas não mais deveria ser amplamente utilizada como paradigma para a
estruturação da economia mundial, sobretudo no que diz respeito a produção e
comercialização, visto que ela estava apenas reforçando as disparidades regionais
entre aquele conjunto de países, dito especializados, na produção de produtos
manufaturados e o outro conjunto de países especializados na produção de
alimentos e de matérias-primas por assim dizer.
Estudando a evolução dos preços dos produtos agrícolas e dos produtos industriais
entre 1880-1945 (Prebisch) e 1950-1977 (Singer), estes economistas acabaram por
formular uma tese sobre a deterioração dos termos de troca (SOUZA,1999) ou
deterioração dos termos de intercâmbio (MANTEGA, 1985).
Esta constatação da relação dos termos de troca entre os países fornecedores de
produtos industrializados e os países fornecedores de alimentos e matérias-primas
se constitui na pedra angular de toda a teorização empreendida na construção do
pensamento cepalino para a superação da condição de exploração destes últimos
por parte dos primeiros. Condição esta ratificada pela verificação que não estava
ocorrendo, historicamente, nenhuma transferência de tecnologia para as nações
não-industrializadas que permitissem o seu desenvolvimento.
Então, Prebisch e a CEPAL realizam um diagnóstico da realidade dos países latino-
americanos, enquanto periferia do sistema capitalista mundial, onde se constatam
alguns problemas e obstáculos ao desenvolvimento que precisavam ser superados;
segundo Mantega (1985) e Souza (1999) aponta-se:
(I) a falta de dinamismo das suas estruturas produtivas concentradas
em alguns poucos produtos agrícolas ou primários que não possuíam
nenhum valor agregado; e disto resulta
(II) a dependência comercial, pois estes produtos eram cotados nos
mercados compradores (economias centrais) e não nos fornecedores
(periferia), e a dependência tecnológica visto que era preciso
importar máquinas, equipamentos e outros insumos industriais
essenciais;
(III) a inexistência de um mercado interno entre as economias
periféricas e daí a dependência financeira em relação ao volume de
importações dos países centrais;
(IV) a estrutura agrária fortemente caracterizada pela concentração
fundiária e pelo modo de produção de subsistência;
(V) a falta de uma infra-estrutura de transporte e de comercialização
eficientes que pudessem articular e potencializar os fluxos
econômicos; e
(VI) o excessivo crescimento demográfico no meio rural que resultou
num aumento de pobreza generalizado, no deslocamento de
crescentes contingentes populacionais em direção aos centro
urbanos periféricos e, por conseguinte, no aumento do desemprego e
dos gastos sociais dos governos.
Diante deste quadro, o pensamento cepalino preconiza como mecanismo para
desenvolver os países latino-americanos, ou para acelerar o incipiente
desenvolvimento existente, uma política de industrialização por substituição de
importações, sobretudo daqueles bens que mais sacrificassem as economias latino-
americanas. A Tabela 3 traz as estratégias de Prebisch para o desenvolvimento da
América Latina. Estratégias estas que serviriam de base ao pensamento econômico
brasileiro para a constituição do seu modelo de desenvolvimento a partir dos anos
de 1950 com o Instituto Superior de Estudos Brasileiros - ISEB.
Tabela 3 - Estratégias de Prebisch para o desenvolvimento da América
Latina
Compressão do consumo supérfluo, principalmente de produtos importados,
por meio do estabelecimento de tarifas elevadas e de restrições quantitativas
às importações;
Incentivo ao ingresso de capitais externos, principalmente na forma de
empréstimos de governo a governo, a fim de aumentar os investimentos,
sobretudo para a implantação da infra-estrutura básica;
Realização de reforma agrária, para aumentar a oferta de alimentos e
matérias-primas agrícolas, bem como a demanda de produtos industriais,
mediante expansão do mercado interno;
Maior participação do Estado na captação de recursos e na implantação de
infra-estrutura, como energia, transportes, comunicações etc.
Fonte: Souza, 1999
É certo que ambos contribuíram para a construção tanto do modelo de substituição
de importações como também do paradigma nacional-desenvolvimentista. Mas se a
CEPAL foi responsável pela elaboração de um diagnóstico, no qual o
subdesenvolvimento dos países da América Latina estava intimamente ligado a sua
estrutura interna, e de um prognóstico, pautado na industrialização, reforma agrária,
desenvolvimento do mercado interno e no planejamento econômico estatal, o ISEB
foi o organismo responsável pela nacionalização de parte deste pensamento
cepalino tendo em vista superar o passado colonial e desenvolver o Brasil
(SPINOLA, 2003).
Singer, como já citado, também corrobora na teoria da deterioração dos termos de
troca entre as economias centrais e periféricas. Entretanto, este autor ressalta a
importância das relações de comércio internacional para os países latino-americanos
defendendo, então, uma postura mais estratégica para os dividendos assim obtidos:
eles devem ser investidos na compra de máquinas e equipamentos industriais, da
mesma forma que no setor de infra-estrutura. E mais, visto que a taxa de poupança
interna na região é baixa ele preconiza que “os países em desenvolvimento
deveriam atrair os lucros gerados nos países desenvolvidos, na forma de
investimentos diretos” (SOUZA, 1999, p.205).
Conforme esta concepção, uma política de industrialização deve estar baseada em
investimentos em educação e qualificação de mão-de-obra, em investimentos em
infra-estruturas que propiciassem o incremento das atividades econômicas e na
disponibilização de recursos estrangeiros para a importação de bens necessários a
um processo de desenvolvimento econômico.
Apesar da riqueza da contribuição da CEPAL para as discussões sobre o
desenvolvimento econômico na América Latina, Mantega (1985, p. 42) aponta uma
falha que foi de suma importância para que a realidade socioeconômica desta região
permanecesse sem maiores modificações.
A essa altura [final dos anos 1950] ficava claro que a CEPAL deixara
de analisar com maior profundidade a natureza das relações de
classe do modo de produção capitalista que ela própria receitara
para a América Latina. E aí revela-se a pouca atenção que vinha
dedicando aos aspectos sociais e políticos das transformações em
marcha neste continente, preocupando-se quase que exclusivamente
com os seus aspectos econômicos.
Faltou, então, o pensamento cepalino estabelecer de que forma o produto social
advindo do processo de industrialização, dos aumentos de produtividade e da
utilização de novas técnicas e tecnologias seria redistribuído no conjunto da
população para que esta alcançasse melhorias objetivas das condições de vida.
1.4.1. O pensamento de Celso Furtado
No Brasil, os seguintes autores compartilhavam, em maior ou menor grau, do
pensamento cepalino, entre eles estão Celso Furtado, Maria da Conceição Tavares,
Fernando H. Cardoso, Carlos Lessa, Barros de Castro e José Serra (MANTEGA,
1985). Dentre estes, pode-se apontar Celso Furtado como principal representante do
pensamento cepalino no Brasil, visto que tendo sido um dos diretores da CEPAL e
trabalhado com Prebisch acabou por incorporar o modelo de desenvolvimento
preconizado por esta instituição nos seus diversos trabalhos profissionais
envolvendo a questão do planejamento para o desenvolvimento no setor público
brasileiro, dos quais o Plano de Metas do governo Kubitschek, o relatório do GTDN
2
e a sua atuação na SUDENE como superintendente são emblemáticos.
A partir dos anos 1950, quando os debates a respeito de como o Brasil e seus
vizinhos deveriam proceder para que um processo de desenvolvimento econômico
2
Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste.
fosse iniciado, Furtado apresenta, ao longo dos seus trabalhos, a sua visão de
desenvolvimento econômico.
Este autor, que fez parte da dita corrente nacional-desenvolvimentista (Souza,
1999), também era tributário da doutrina que estabelecia a industrialização, via
substituição de importações, como chave para o desenvolvimento latino-americano,
não obstante, já em 1990, tenha elencado algumas falhas na maneira como esta
estratégia foi implementada pelos governos locais.
O seu viés nacionalista reside na concepção de um modelo de desenvolvimento no
qual esta industrialização deveria ser planejada e coordenada pelo Estado nacional
através da formulação e implementação de projetos prioritários - nos setores de
mineração, petróleo, energia, transportes, telecomunicações e indústrias de base -
que contariam com a participação de empresas estatais criadas para estas
finalidades. E caso o capital nacional não fosse suficiente para financiar esta política
de governo, vide a baixa taxa de poupança interna, capitais estrangeiros deveriam
ser incorporados, mas não recorrendo aos organismos de financiamento
internacionais e sim a outros governos (SOUZA,1999).
A partir da teorização Centro-Periferia proposta por Prebisch, Furtado oferece uma
importante contribuição analítica quando nos seus estudos realiza uma separação
entre as teorias do desenvolvimento e o conceito de subdesenvolvimento.
As teorias do desenvolvimento são esquemas explicativos dos
processos sociais em que a assimilação de novas técnicas e o
conseqüente aumento de produtividade conduzem a melhoria do
bem-estar de uma população com crescente homogeneização social.
(FURTADO, 1990, p. 6)
A teoria do subdesenvolvimento cuida do caso especial de processos
sociais em que aumentos de produtividade e assimilação de novas
técnicas não conduzem à homogeneização social, ainda que causem
a elevação do nível de vida médio da população. (FURTADO, 1990,
p. 7)
Tendo em mente a realidade latino-americana, e a brasileira em especial, entende-
se a importância que este autor atribui aos aumentos de produtividade em uma dada
economia e à questão da utilização de um progresso técnico. Assim, para Furtado,
em países que possuem uma baixa produtividade um processo de desenvolvimento
começa quando, utilizando-se de novas técnicas, incrementos no sistema econômico
como um todo tem início, e não apenas para um setor específico ou subconjunto
econômico o que seria tão somente um crescimento econômico (FURTADO, 1983).
Esta maior produtividade tende a modificar a própria estrutura produtiva deste país
via aumento da renda dos indivíduos, sobretudo em economias agrícolas, o que
tende a causar uma diversificação da procura por mercadorias – outros tipos de
alimentos e manufaturados. Daí que novos investimentos são realizados no sentido
de atender a esta nova demanda dando origem, então, a um novo aumento na
produtividade, na renda, na procura por mais produtos, na diversificação da oferta e
assim sucessivamente.
Esta rápida síntese de um processo de desenvolvimento econômico elaborado por
Furtado é base que ele aplicou para distinguir as economias desenvolvidas das
subdesenvolvidas. E o principal aspecto histórico desta distinção foi a predominância
da simples importação de novas técnicas/tecnologias de produção pelos países
latino-americanos quando da adoção da industrialização para substituir importações,
que o autor denominou de modernização e acarretou uma maior concentração de
renda nas mãos das elites agrícolas e da recém formada burguesia industrial. E isto
em detrimento da opção pelos investimentos em educação e capacitação
profissional para que assim fosse conseguida uma autonomia tecnológica, vide os
casos da Coréia do Sul e Taiwan (FURTADO, 1983).
Não por acaso Furtado afirmava que o subdesenvolvimento é uma variante do
desenvolvimento. A constatação de que o processo de modernização levado a termo
pelos governos locais não se traduziu no esperado progresso tecnológico das suas
estruturas econômicas, seja por não ter gerado aumento de produtividade
significativo seja por não ter gerado a quantidade e qualidade de empregos
necessários à dinamização das suas economias, deve contribuir para que outras
estratégias – tipo homogeneização social da população e busca de uma autonomia
tecnológica - sejam tomadas como boas práticas para o desencadeamento de um
processo de desenvolvimento econômico.
1.4.2. O pensamento em torno da teoria da dependência
Analisando o pensamento cepalino e os seus desdobramentos Cardoso e Falleto
(1969) oferecem uma crítica a este modelo de desenvolvimento, pois para ele os
processos de transformação econômica possuem uma natureza eminentemente
política, dimensão esta que não esteve presente nos estudos da CEPAL para a
América Latina.
Estes autores acreditam que se tenha formado uma verdadeira crença entre os
economistas da região visto que para eles “o desenvolvimento dependeria da
capacidade de cada país para tomar as decisões de política econômica que a
situação requeresse” (CARDOSO; FALLETO, 1969, p.11), isto quer dizer que se
acreditava num modelo de desenvolvimento predominantemente nacional no qual o
mercado interno, e não o externo, ditasse o ritmo deste processo de
desenvolvimento.
Exacerbando a importância do mercado interno para consumo de produtos
industriais, da base industrial formada por indústrias leves de consumo e de alguns
bens de exportação e do grande volume de recursos obtidos com a exportação de
produtos primários, aqueles economistas passaram a preconizar que o
desenvolvimento da América Latina se daria através da adoção de uma política
econômica baseada em duas características - na melhoria contínua da tecnologia
empregada nas atividades econômicas locais, ou seja, num progresso técnico
absorvido dos países centrais; e na atuação direta do Estado no provimento de toda
uma infra-estrutura necessária a acumulação capitalista local.
Diante da constatação de que, ainda nos final dos anos 1950 e no decorrer dos anos
1960, o processo de desenvolvimento dos países latino-americanos não havia se
consolidado, apesar das condições ditas favoráveis, Cardoso e Falleto questionam o
que teria dado errado para o sucesso destas economias.
Ele aponta alguns fatores para este insucesso, entre eles: o tipo de tecnologia
adotado na etapa de substituição de importações que empregava pouca mão-de-
obra; a forte desigualdade na distribuição de renda oriunda desta etapa; a
participação crescente de capitais estrangeiros nas economias nacionais, o que
chamou de “internacionalização do mercado interno”; e, sobretudo, a condição
desfavorável, em termos da comercialização de produtos tipo exportação, que o
mercado mundial passou a oferecer às economias latino-americanas após a Guerra
da Coréia.
Cardoso e Falleto chegam mesmo a não reconhecer a questão do desenvolvimento
dos países latino-americanos nos termos das relações de Centro-Periferia e da
teoria do subdesenvolvimento decorrentes dos estudos de Prebisch e Furtado. Ou
seja, para esses autores não podem existir países periféricos ou subdesenvolvidos,
pois esta teorização coloca num mesmo patamar de análise nações e economias
que se formaram ao longo de um processo histórico bastante diferenciado do
processo de formação das nações e economias latino-americanas.
De forma conclusiva, Cardoso e Falleto acreditam que somente a análise das
condições econômicas objetivas dos países latino-americanos foi um esforço
necessário, mas não suficiente para a transformação daquelas realidades. É, pois,
através do entendimento do jogo de poder (1969, p. 142), isto é, da dimensão
política subjacente às relações de dependência e de dominação externa entre as
economias dependentes (em desenvolvimento) e as economias desenvolvidas ou
dominantes, incluindo aí os interesses políticos e econômicos das elites nacionais,
que ocorrerá a superação do quadro estrutural da dependência.
1.5. DESENVOLVIMENTO NO BRASIL E A SUDENE
Tendo sido o processo de formação do estado brasileiro causador de realidades
regionais tão díspares houve uma convergência intelectual - a partir do momento no
qual a doutrina liberal, que tanto contribuiu para o ocaso do colonialismo e da
economia escravocrata, se mostrou insuficiente para promover o desenvolvimento
da jovem república brasileira - de que o Estado deveria tomar para si esta tarefa.
Segundo Costa (2000), a formação e independência do Estado-Nacional brasileiro
decorreram de um amplo processo de transformações que incluiu movimentos
econômicos, políticos e culturais ao longo da sua colonização. E é no desenrolar
destes movimentos que se assiste ao nascimento da questão do
subdesenvolvimento nordestino.
De fato diversos fatores fizeram com que houvesse o deslocamento do eixo
econômico brasileiro, ainda sob o domínio de Portugal, do Nordeste em direção ao
Centro-Sul. Entre eles destaca-se o declínio da economia açucareira desde o final
do século XVII, o estabelecimento da atividade mineradora na região de Minas
Gerais, a transferência da sede do poder central de Salvador para o Rio de Janeiro
em 1763, e, já no Brasil Império, o crescimento da economia cafeeira nos estados do
Centro-Sul, sobretudo São Paulo, levando esta região em geral e este estado em
particular à vanguarda do processo de industrialização brasileira.
Em razão de sua dimensão territorial, de sua formação econômica
fundamentada em distintos produtos e ciclos de exportação, a partir
dos quais foram criados espaços econômicos ou regiões com
diferentes relações de produção e dinamismo, o Brasil constitui um
país privilegiado para o estudo do desenvolvimento desigual do
capitalismo. Formado por arquipélagos regionais, assiste-se, nos
últimos cem anos, a um processo intenso de formação do mercado
interno nacional, de integração econômica das regiões, com distintos
graus de desenvolvimento, e de constituição de uma estrutura
produtiva complexa e hierarquizada. (CANO, GUIMARÃES NETO;
1986, p. 167).
Mas é somente no bojo da Revolução de 1930, que marca a ascensão ao poder
político da recém formada burguesia industrial brasileira em relação à elite agrícola,
o que afeta o Nordeste, e da necessidade de se empreender um planejamento que
pudesse conter os efeitos da Crise de 1929 que o Estado começa a intervir
diretamente na economia brasileira, seja controlando a oferta de café ou
desvalorizando/controlando o câmbio. Mediante o volume de capital acumulado com
exportações de produtos primários nos anos 1920 (pós-Primeira Guerra) e as
dificuldades de importações do mercado internacional em crise nos anos 1930
começa a se intensificar a acumulação de capital em São Paulo fazendo que este
estado passasse a exercer a importante função de abastecimento do mercado
interno (CANO, GUIMARÃES NETO; 1986).
Não por acaso é também a partir deste momento que o Estado começa a ser
pressionado por grupos de interesses a respeito de seu papel na economia, vide a
polêmica travada entre os ideais liberalistas de Eugenio Gudin, que representava as
oligarquias agro-exportadoras e a burguesia comercial a ela associada, e os ideais
intervencionistas de Roberto Simonsen que representava a burguesia industrial
emergente (MANTEGA, 1985),
É desta conjuntura político-econômica em diante, determinada pelos cenários
internacional e nacional, que a questão nordestina assume contornos mais
acentuados no que diz respeito aos contrates econômicos e sociais desta região
frente ao crescimento e desenvolvimento econômico experimentado pelos estados
do Centro-Sul. Para que se tenha uma noção do abismo que se abriu entre estas
regiões basta dizer que na aurora da difusão do pensamento cepalino, ou seja em
1949, o valor de transformação industrial do Nordeste correspondia a 9,12% do total
nacional enquanto o do Sudeste equivalia a 76,48% (CANO, GUIMARÃES NETO;
1986).
Nesse sentido, Spinola (2003) explana e argumenta acerca da questão do
planejamento no Brasil dando ênfase ao debate e à atuação do governo federal
frente ao problema do subdesenvolvimento nordestino, até o momento histórico no
qual esta atuação sucumbiu perante a utilização de um novo paradigma pelos
governos em geral, sobretudo os ocidentais, o pensamento neoliberal.
Fazendo uma recuperação histórica da experiência brasileira em planejamento,
Spinola (2003) procura demonstrar como o desenvolvimento regional nordestino
esteve explícito no projeto de desenvolvimento econômico brasileiro a partir dos
anos 1950, até que jaz como tema secundário e complementar nas políticas e
planos elaborados dentro do mesmo projeto, mas dentro de uma outra lógica.
Para tanto é feita uma conceituação delimitadora e classificatória do termo
planejamento, na qual são destacados a essencialidade da participação do Estado
num processo de planejamento e o fato de que este processo implica em tomadas
de decisão por parte do governo enquanto agente planejador. Quanto à classificação
ele pode ser normativo, indicativo, agregado (caráter mais macroeconômico),
desagregado (caráter multissetorial), nacional, regional, estadual e municipal.
Se Mantega (1985) destacou os intelectuais nacionais responsáveis pela
reverberação do pensamento cepalino sobre planejamento e desenvolvimento no
Brasil, Spinola (2003) acrescenta as contribuições do pensamento keynesiano e as
contribuições teóricas de Prebisch, Hirschiman, Myrdal e Nurkse para a
compreensão e formulação de políticas tendo como origem e alvo a realidade
(regional) brasileira.
Tabela 4 - Revisão histórica das experiências de planejamento econômico
brasileiro
Ano/Período Evento
1939
Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional ou
Plano Especial (5 anos);
1943 Plano de Obras e Equipamentos (POE), revisão e atualização do anterior;
1946
Constituição Federal, com indicações referentes a planejamento nos campos
da Viação (art. 5°), Colonização (art. 156), Defesa Contra as Secas (art. 198),
Valorização da Amazônia (art. 199) e Vale do São Francisco (art. 29 das
Disposições Transitórias);
1948/50
Elaboração e Aprovação do Plano Salte: Saúde, Alimentação, Energia e
Transporte;
1951/53 Trabalho da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos;
1952/53
Proposta de criação de um Conselho de Coordenação e Planejamento
Econômico (Getúlio Vargas) e posterior sugestão no sentido de confiar-se o
planejamento ao Conselho Nacional de Economia. Criação do BNDE e do
Banco do Nordeste;
1953/55 Trabalho do Grupo Misto Cepal/BNDE;
1956
Criação do Conselho de Desenvolvimento da Presidência da República
(Juscelino Kubitschek) e elaboração do Plano de Metas;
1959
Criação (dezembro) da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste -
Sudene;
1961
Proposta do I Plano Diretor de Desenvolvimento do Nordeste - Criação
(agosto) pelo governo Jânio Quadros, da Comissão Nacional de Planejamento
(Coplan), reorganizada posteriormente (novembro) pelo gabinete Tancredo
Neves.
1962
Criação de um Ministério Extraordinário para elaboração do Plano Trienal
(Celso Furtado);
1963
Proposta (abril) de criação de um sistema nacional de planejamento (Celso
Furtado): Criação (junho) da Coordenação do Planejamento Nacional;
1964
Elaboração do Programa de Ação Econômica do Governo - Paeg - pelo
Ministro Roberto Campos, para o biênio 1964 - 1966 do Governo Castelo
Branco;
1966 Criação da Sudam;
Promulgação da Constituição de 24/1/1967, cujo art. 46 fixou a exigência de
elaboração de planos nacionais de desenvolvimento;
1967
Promulgação do decreto-lei no 200 (28/2/67) que estabeleceu a reforma
administrativa e criou o Ministério do Planejamento e de Coordenação Geral
(MPCG);
Ano/Período Evento
Publicação (março) pelo Ministério do Planejamento de uma série de
monografias traçando as bases econômicas de um Plano Decenal de
Desenvolvimento Econômico;
Publicação (julho), pelo MPCG, do documento Diretrizes do Governo,
Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED), aprovado pelo presidente
Costa e Silva em 14/7/67 e destinado a orientar a ação governamental em
1967 e a elaboração do Plano Trienal do Governo para 1968-70. (O
documento do Programa Estratégico foi divulgado em junho de 1968);
1968 Criação da Suvale, Sudesul, e Sudeco;
Aprovação do 1 ° Orçamento Plurianual de Investimentos (OPI) para o triênio
1968-1970. Divulgação pelo MPCG do Programa Estratégico de
Desenvolvimento (1968 -1970);
Publicação (setembro) do documento de Metas e Bases para a Ação do
Governo, trabalho elaborado pelo Ministro Reis Velloso para o governo
Garrastazu Médici;
1970
Promulgação da lei complementar n° 9 de 11/11/70, que determinou a
apresentação ao Congresso Nacional, até 15/9/71 do I Plano Nacional de
Desenvolvimento e n Orçamento Plurianual de Investimentos para 1972/73/74.
1971
Promulgação da lei n° 5.727 de 4.11.71, que dispõe sobre o I Plano Nacional
de Desenvolvimento (1972/74) e da lei n° 5.753, de 3.12.71, que aprovou o n
Orçamento Plurianual de Investimentos.
1972
Decreto n.o 70.852/72 que dispõe sobre o Programa de Acompanhamento dos
Planos Nacional de Desenvolvimento.
1974
II PND - Plano Nacional de Desenvolvimento (1975/1979) Projeto Brasil-
Potência. Governo Geisel.
1979
III PND - Plano Nacional de Desenvolvimento Econômico (1980/1985) Governo
Figueiredo.
Fonte: Spinola, 2003
Contudo, apesar das iniciativas citadas anteriormente, foi através da política cambial
empreendida entre 1945-1953 que o planejamento econômico é introduzido no país
mesmo que, segundo Spinola, tivesse um caráter defensivo, pois seu escopo
restringia-se ao disciplinamento das importações e exportações, ao controle
monetário e à questão dos subsídios.
Eis que chega a década de 1950 e com ela toda a influência das teorizações de
Prebisch, Singer, Furtado, entre outros. Deste momento em diante ganharia espaço
no Brasil a questão do desenvolvimento brasileiro e nordestino e a idealização do
modelo de industrialização via substituição de importações. Por isso merece a
relevância Comissão Mista Brasil – Estados Unidos (1951-1953) e da Banco
Nacional de Desenvolvimento do Nordeste - BNDE (criado em 1952) no processo de
formulação e implementação de Planos para o desenvolvimento brasileiro e
nordestino em particular.
A Comissão, sob a coordenação de Roberto Campos, coube as funções de
diagnosticar a economia brasileira, o que fez através da identificação de fatores
favoráveis e desfavoráveis (entre eles as condições naturais), e de elaborar uma
estratégia de atuação que foi construída por meio da seleção de regiões de
aplicação de recursos, setores econômicos específicos e projetos individuais para
cada região e setor selecionado, ou seja, uma estratégia baseada em prioridades ou
pontos de estrangulamento. Segundo Spinola (2003) esta teorização é tida pelo
como uma das maiores contribuições para a evolução do planejamento no Brasil.
Quanto ao papel do BNDE é colocado que ele surge da necessidade de financiar, e
implementar, os projetos formulados no âmbito dos Planos Nacionais de
Reaparelhamento Ferroviário e de Reequipamento e Fomento da Economia
Nacional. Empregando como método de planejamento o enfoque dos pontos de
germinação o BNDE logo alcançou um papel de destaque na formulação de novos
projetos mais abrangentes e que pudessem contornar os problemas de escassez de
energia e transportes no Centro-Sul e a ociosidade da energia gerada pela
hidrelétrica de Paulo Afonso, na Bahia.
1.5.1. A SUDENE e o contexto da sua criação
O processo de planejamento regional para o Nordeste pode ser divido, segundo
Holanda apud Spinola (2003), em três fases cujo elemento mobilizador da ação do
Estado são as secas. A primeira correspondeu ao período compreendido entre 1909
e 1948 e é marcada pela construção de açudes, poços e algumas estradas. A
segunda vai de 1948 até 1954 e seu marco corresponde a criação da Comissão do
Vale do São Francisco em 1948 cujo objetivo era desenvolver a sua região de
atuação. E a terceira fase começa em 1954 após a criação do BNB, passa pela
produção teórica do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste –
GTDN e, na seqüência, pela instituição da Superintendência de Desenvolvimento do
Nordeste – SUDENE em 1959.
O documento básico do GTDN de 1959 estabelece como premissa para o
enfrentamento da questão nordestina a superação do foco restrito de combate ao
fenômeno da seca para uma atitude adaptação a este fenômeno. Assim, faz
proposições baseadas em quatro grandes linhas de atuação.
A intensificação dos investimentos industriais visando a criar, no
Nordeste, um centro de expansão manufatureira;
A transformação agrícola da faixa úmida, com vista a proporcionar
uma oferta adequada de alimentos nos centros urbanos, cuja
industrialização deveria ser intensificada;
A transformação progressiva da economia da zona semi-árida, no
sentido de elevar sua produtividade e torná-la mais resistente ao
impacto das secas;
O deslocamento da fronteira agrícola do Nordeste, visando a
incorporar à economia da região as terras úmidas do hinterland
maranhense, em condições de receber os excedentes populacionais
criados pela reorganização da faixa semi-árida. (SPINOLA, 2003, p.
78 a partir do Relatório do GTDN,1959)
A fundamentação do documento do GTDN está baseada no debate sobre
desenvolvimento e subdesenvolvimento praticado nos anos de 1950. Para a
argumentação são empregados: o dualismo estrutural presente no pensamento
cepalino; os efeitos de polarização, de Hirschman (1958); e o processo de causação
circular cumulativa, de Myrdal (1956). E para a construção da solução para a
questão nordestina fazem parte a causação circular em sentido contrário, de Myrdal;
o grande impulso, de Rosenstein-Rodan (1957); as mudanças estruturais baseadas
no pensamento cepalino; o setor exportador como base de recursos, de North
(1955); os investimentos públicos germinativos, de Hirschman; e a industrialização
motriz, de Perroux (1955) (SPINOLA, 2003). Tavares (1989, p. 125) destaca ainda
que “o relatório GTDN é um marco importante no sentido da mudança de rumo da
intervenção do Governo Federal” e tem como base a teoria do desenvolvimento
tratada na CEPAL, bem como a concepção de Myrdal.
Alguns meses antes da criação desta Superintendência, Furtado já noticiava em um
artigo científico que:
A Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE –
pretende ser um órgão de natureza renovadora com o duplo objetivo
de dar ao Governo um instrumento que o capacite a formular uma
política de desenvolvimento para o Nordeste e, ao mesmo tempo, o
habilite a modificar a estrutura administrativa em função dos novos
objetivos. Definidos este objetivos, deixará de haver multiplicidade de
políticas no Nordeste: uma do DNOCS (...) e outra da Comissão do
Vale do São Francisco; uma do DNER e outra do DNEF. (FURTADO,
1959, p. 18)
A experiência da SUDENE compreende, no total, o intervalo temporal 1959-1999.
Todavia seu período áureo é curto passando pelos governos de Kubitschek,
Quadros, Goulart indo somente até o ano de 1964 quando o Golpe Militar retira,
sobremaneira, sua autonomia decisória. Os sucessivos planos nacionais editados
pelo Regime Militar –- Programa de Ação Econômica do Governo (1964-1966),
Programa Estratégico de Desenvolvimento (1967), Programa de Integração Nacional
(1970), o Proterra e o documento Metas e bases para a ação do governo (1970) -
somente promovem o esvaziamento funcional e político do órgão, visto que este
planos se sobrepõem às suas atribuições definidas em seus Planos Diretores, quatro
no total.
O que é interessante reter é o fato de como um esforço de planejamento gestado no
âmbito do Plano de Metas, portanto no curto período de prevalência de um regime
democrático no país, e tendo alcançado grande legitimidade dentro de um projeto de
desenvolvimento regional e nacional, é submetido a partir de 1964, paulatinamente,
a uma marcha de esvaziamento político e financeiro, não obstante estivesse ele
inscrito, ainda, dentro de um projeto nacional-desenvolvimentista.
Spinola (2003) fazendo um balanço da experiência brasileira de planejamento diz
que não obstante o expressivo crescimento da economia brasileira, na segunda
metade do século XX, os resultados ligados ao social são acanhados visto o quadro
formado pelo desequilíbrio regional, pela concentração de renda e por um
significativo contingente populacional ainda permanecer abaixo da linha de pobreza.
E afirma, de forma contundente, que o Brasil continua dependente dos interesses e
das estratégias do capital externo.
Apesar das críticas, Spinola considera válida a experiência de planejamento
brasileira. Um balanço da intervenção governamental e dos esforços de
planejamento no Nordeste indica que a maioria dos programas e projetos formulados
fracassou, pelos mais diversos motivos. Porém, é inegável a contribuição da
SUDENE para o financiamento dos investimentos empresariais, marcadamente o
industrial, que afinal era a sua principal proposição.
Mapa 3 – Área de atuação da SUDENE
Fonte: (SUDENE, 2003)
Ainda que a consideração que agora vai ser tecida valha para a Região Nordeste
como um todo, o exemplo cabal deste sucesso relativo é o caso da Bahia que neste
processo de planejamento encampado pela SUDENE foi o estado nordestino que
mais recebeu investimentos e recursos fiscais, 37,57% e 29,02% respectivamente.
Tabela 5 - Projetos de investimentos empresariais concluídos segundo estado
(1959-1999)
PROJETOS
CONCLUÍDOS
INVESTIMENTOS
TOTAIS
PARTICIPAÇÃO
FINOR
EMPREGOS
DIRETOS
PREVISTOS
ESTADO
Quant. % R$ milhão % R$ milhão % Quant. %
Maranhão 147 6,98 3.235,83 7,55 746,43 6,08 20.287 4,47
Piauí 69 4,56 1.231,07 2,84 502,72 4,09 13.479 2,97
Ceará 350 16,63 3.887,88 9,08 1.706,24 13,89 72.087 15,89
Rio G. do
Norte
123 5,84 1.486,02 3,47 564,21 4,59 28.376 6,26
Paraíba 246 11,69 2.264,01 5,29 976,06 7,95 36.104 7,96
Pernambuco 465 22,09 7.242,89 16,91 2.466,89 20,08 107.782 25,96
Alagoas 60 2,85 1.783,37 4,16 402,29 3,28 10.599 2,34
Sergipe 57 2,71 1.920,62 4,48 344,28 2,80 14.887 3,28
Bahia 396 18,81 16.093,03 37,57 3.564,32 29,02 102.863 22,67
Minas Gerais 165 7,84 3.691,07 8,62 1.009,56 8,22 37.182 8,20
TOTAL
2.078 100,0 42.835,79 100,0 12.283,00 100,0 453.646 100,00
Fonte: SUDENE apud Spinola, 2003
No entanto, a Bahia apresentava em 2000 um Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal - IDHM não somente bem menor que a média nacional como também
menor que os estados do Rio Grande do Norte e Ceará, Unidades Federativas estas
que no âmbito da SUDENE tiveram uma partição bem menos expressiva que a
baiana.
Tabela 6 - Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDHM segundo os
estados nordestinos e o Brasil – 1991/2000
IDHM
Estados
1991 2000
Variação
(%)
1991/ 2000
Maranhão 0,551 0,647 17,4
Piauí 0,587 0,673 14,7
Ceará 0,597 0,699 17,1
Rio G. do Norte 0,618 0,702 13,6
Paraíba 0,584 0,678 16,1
Pernambuco 0,614 0,692 12,7
Alagoas 0,535 0,633 18,3
Sergipe 0,607 0,687 13,2
Bahia 0,601 0,693 15,3
Nordeste 0,517 - -
Brasil 0,707 0,769 8,8
Fonte: SUDENE, 2003
Da mesma forma pode-se dizer quando é analisado o Produto Interno Bruto dos
estados nordestinos quando comparados à média brasileira. É alarmante o fato de
que depois de 40 anos de planejamento regional o Nordeste apenas participe com
13% da formação do PIB brasileiro.
Tabela 7 - Produto Interno Bruto Real a preços de 2000 segundo estados
nordestinos e o Brasil 1990/ 1995/ 2000
PIB Real (US$ milhão)
Estados
1990
1995
2000
Maranhão 4.073 4.553 5.035
Piauí 2.155 2.544 2.915
Ceará 8.152 9.778 11.374
Rio G. do Norte 3.600 4.222 5.082
Paraíba 3.828 4.372 5.052
Pernambuco 12.963 14.374 15.928
Alagoas 3.225 3.447 3.840
Sergipe 2.523 2.745 3.238
Bahia 20.630 22.314 26.356
Nordeste 61.174 68.362 78.818
Brasil 456.258 523.458 602.206
Fonte: SUDENE, 2003
Enfocando as limitações à implementação do planejamento no país o autoritarismo
existente em todos os níveis governamentais pode ser apontado como a principal
causa deste insucesso. Destarte o estado brasileiro ter sido organizado como uma
federação, desde a Proclamação da República até o ano de 1999 existe a
compreensão de que o planejamento do desenvolvimento regional brasileiro sempre
foi um apêndice da estrutura política vigente no país.
Emblemático desta assertiva é o fato de que no decorrer do século XX durante, pelo
menos, 40 anos a autonomia dos Estados e Municípios fora apenas pro forma. Sem
contar outros mecanismos de cerceamento da pretensa autonomia dos entes
federados tais como o aparelhamento e reforma do Estado, a política tributária
praticada e a difusão da ideologia de segurança e de desenvolvimento nacional.
Destacam-se, ainda, fatores como a ausência de transparência e o processo
inflacionário crônico e acelerado a partir dos anos 1980.
No que pese a pressão política e o movimento regionalista, foi a constatação pela
sociedade política do desequilíbrio econômico entre as regiões brasileiras que mais
potencializou a criação dos organismos administrativos responsáveis pela promoção
do desenvolvimento destes subespaços nacionais.
Dentro deste contexto, a SUDENE pode ser considerada como a principal
experiência de planejamento regional no país. Analiticamente podemos
compreender a leitura desta experiência como uma importante deslizamento entre o
macro planejamento do desenvolvimento – no sentido macro econômico – e o
planejamento local – passando no caso pelo planejamento regional.
1.6. DESENVOLVIMENTO LOCAL: DISCURSOS E CONCRETUDE
O pensamento acerca do desenvolvimento não está restrito a uma dimensão macro
econômica, apesar de sua origem conceitual estar associada a uma perspectiva de
Estado- nação. Assim, existe um deslizamento para escalas menores. Isto implica
em pensar modelos ou teorias associadas a escalas regionais ou locais. Como visto,
a experiência da SUDENE é um exemplo deste deslizamento, ainda que preso numa
escala regional.
A compreensão do deslizamento do conceito de desenvolvimento – seja para o
regional, seja para o local – envolve a compreensão do território. Esta compreensão
não se limita apenas a aspectos físicos ou materiais, mas também tudo o que os
atores sociais e econômicos podem comportar, a exemplo de idéias, as
representações, os sentimentos de vinculação, de comportamentos individuais ou de
instituições que participam de uma organização espacial. Como mostra Bastos
(2004), pode-se pensar que o espaço é anterior ao território. É o território que se
forma a partir do espaço, como resultado de uma ação conduzida por um ator
sintagmático em qualquer nível. O ator territorializa o espaço ao se apropriar dele,
concreta ou abstratamente (RAFFESTIN, 1993).
É a noção de território que permite a incorporação do desenvolvimento local. Para
Bastos (2004), desenvolvimento local pode ser compreendido como o território em
movimento. São as alterações das estruturas presentes a partir do passado, das
estratégias e das ações dos diversos atores. Desta maneira, o desenvolvimento é
um fenômeno que depende das relações humanas, pois a economia local não se
move no vazio. O desenvolvimento depende das escolhas, vontades, necessidades,
desejos e crenças dos atores e grupos sociais. Assim, são moldadas as condições
de desenvolvimento local em um dado momento histórico.
No Brasil, uma série de mudanças, como o esvaziamento de políticas de
planejamento regional e a transferência de poder para os municípios – com a
Constituição Federal de 1988 – tem remodelado a forma de pensar o planejamento
local no país.
De fato, o cenário atual tem levado, muitas vezes de forma dogmática, os governos
locais a adotarem modelos de gestão competitiva. Tais modelos de concorrência
interurbana - bem como a realização de projetos estratégicos e o desenvolvimento
de parcerias do público com o privado em ações urbanísticas - são defendidos por
autores como Borja e Castells. Estes autores defendem, ainda, intervenções
funcionais, especializadas e vinculadas às comunicações e atividades conectadas
com a economia globalizada (teleportos, estrutura para feiras e congressos e
parques tecnológicos). Autores de origem do campo empresarial, como Porter,
também defendem o uso de princípios competitivos para a gestão das cidades.
Existe, portanto, uma transposição de primeira ordem do uso de modelos
estratégicos e competitivos - do campo empresarial para o público - e uma
transposição de segunda ordem - de cidades de países / regiões centrais para
cidades de países / regiões periféricas.
O planejamento assume a perspectiva da dinâmica econômica. O social fica
subordinado ao econômico e, como indica Porter (1999), o espaço é tratado no
campo das vantagens comparativas (quando a localização tem o sentido de
proximidade física, gerando menor custo de transporte) e vantagens competitivas
(quando a localização é marcada por um aglomerado de empresas de um mesmo
setor que geram sinergia entre si) ou como um atributo do produto cidade (KOTLER,
1997).
Evidentemente que o arcabouço teórico/conceitual expressa diversas percepções
acerca da competição aplicada às cidades. Entretanto, o núcleo conceitual dos
diversos autores reside na necessidade de os governos locais abandonarem a
condição de gerenciadores de problemas, assumindo uma postura empreendedora,
tendo, muitas vezes, como princípio, a parceria público-privada. Desta maneira,
pode-se identificar diferenças substanciais entre as diversas propostas que são
apresentadas, não existindo, porém, a hegemonia de um modelo. Enquanto cidades
como o Rio de Janeiro e Barcelona utilizam mais marcadamente o modelo de Borja
e Castells, Salvador utiliza o modelo porteriano de competição combinado com o city
marketing. Portanto, nos parece importante destacar que a concepção é a mesma –
apoiada em preceitos como eficiência econômica, abordagem microeconômica e
aceleração das taxas de crescimento – mas a implementação possui diferenças.
1.7. PLANEJAMENTO URBANO: MODELO TRADICIONAL
Após algum tempo do liberalismo existente na sociedade urbano-industrial nascente,
com o desenrolar da Revolução Industrial, foi-se, paulatinamente, percebendo a
necessidade de que algum tipo de regulação deveria recair sobre os espaços
urbanos. Estes, provenientes da expansão acelerada do setor industrial da
economia, com o emprego maciço de mão-de-obra vinda do campo, estavam se
tornando uma verdadeira concentração de problemas sócio-ambientais. Ficava
patente, assim, a incapacidade dos agentes privados/mercado de resolver as
primeiras questões urbanas da era industrial.
O Estado, então, para o bem da sociedade, começa a intervir na estruturação das
cidades. Num primeiro momento de forma pontual e desarticulada para,
posteriormente, nas primeiras décadas do século XX, organizar um discurso de
planejamento urbano que se consolida após a Segunda Grande Guerra. Na
vanguarda da intervenção do Estado nas cidades, ainda no século XIX, aparecem
tanto a Inglaterra quanto a França, num modelo similar de atuação e, um pouco
depois, a Alemanha, já trazendo novas práticas.
O modelo inglês e o francês têm início com a criação de leis sanitárias em face dos
graves problemas de higiene presentes nas cidades industriais. Da mesma forma, as
primeiras leis urbanas também assumem este viés de melhoria da habitabilidade das
cidades. Este modelo coloca na esfera pública tudo que está da edícula (terreno
pequeno) para fora – ruas, redes de percursos, instalações de serviços urbanos etc.
– e colocando da edícula para dentro na esfera privada, ou seja, como área
reservada a atuação dos particulares, mas sob regulamentação do Estado via
Códigos de Obras.
Já o modelo alemão tem características intervencionistas mais fortes, chegando
mesmo a liberar ou proibir determinados usos do solo urbano mediante a
implementação de uma Lei de Zoneamento, prática esta que foi aplicada em várias
cidades em todo o mundo.
Merecem destaque nos primórdios da ação do Estado sobre as cidades as obras de
melhoramento/embelezamento urbano e intervenções no sistema viário –
arborização, definição de fachadas e distâncias, alinhamentos e gabaritos,
alargamento e abertura de novas vias (inclusive demolindo) etc. – cujo maior
exemplo é a remodelação de Paris com as intervenções de Haussman, mas que
também tem as cidades de Versalhes, Washington e Rio de Janeiro como exemplos
(VILLAÇA, 1999).
Se planejamento enseja um conjunto de ações organizadas, e por isso previamente
pensadas, para se atingir determinados objetivos num futuro próximo por meio de
algumas ações específicas, então não se pode dizer que as primeiras ações do
Estado nas cidades se constituíssem num Planejamento Urbano propriamente dito.
Este apenas se consolida a partir do momento no qual a intervenção do Estado na
organização do espaço urbano ganha complexidade, pela própria dinâmica do modo
de produção capitalista em franca evolução.
Por isso mesmo é na cidade industrial que o planejamento urbano surge no final do
século XIX e se afirma no início do século XX decorrente das “brutais condições de
existência das classes trabalhadoras urbanas” (VITTE, 2002, p.24) característico
deste momento histórico de urbanização capitalista acelerada. Daí que os ditos
planejadores de então, mais considerados como reformadores sociais, terem tomado
a questão sanitária como o tema central dos seus discursos e proposições. Neste
ínterim, tem-se o início do processo de despolitização em torno das questões da
cidade visto que este conhecimento específico, e agora técnico, passa a ser
monopolizado pelas administrações urbanas.
1.7.1. Planejamento urbano e o modelo tradicional no Brasil
No Brasil, ainda que outras intervenções como o Plano de Combate para as Secas
(1877), o Plano de 1875 da Comissão de Melhoramentos da Cidade do Rio de
Janeiro, a Reforma Pereira Passos (1903) também do Rio tenham sido encampadas
pelo Estado, estas se acham sob a rubrica de planos emergenciais e planos de
melhoramentos/embelezamentos, como citado anteriormente. Assim, os primórdios
do planejamento urbano brasileiro remetem aos anos 1930, com o Plano Agache
para o Rio de Janeiro e o Plano Prestes Maia para São Paulo.
Se toda atividade de planejamento requer uma concepção ideológica que o embase,
fornecendo-lhe um discurso que o justifique, uma metodologia de trabalho e
instrumentos de aplicação, foi o conjunto de concepções e técnicas do Urbanismo
Modernista preconizados por Le Corbusier e consolidados pela Carta de Atenas em
1933 que forneceu estes subsídios para a construção de um modelo tradicional de
planejamento urbano, também chamado de planejamento urbano modernista. Este
uma forte herança positivista, valorizando a crença do progresso linear capitalista e
na figura do Estado seus pilares principais de desenvolvimento na sociedade do
século XX.
Com isto, as metodologias e proposições usadas pelo planejamento urbano
modernista foram baseadas em critérios de racionalidade e de caráter
exclusivamente técnico, não tendo nenhuma forma de participação da sociedade
civil nas discussões de propostas para a cidade, ficando o espaço urbano submetido
a normas e padrões que propiciassem, segundo vários autores de cunho marxista, a
reprodução da força do capital, conforme os anseios dos atores responsáveis pela
“máquina de crescimento urbano”. É elucidativo observar o pensamento de Maricato
(2000):
A matriz teórica que alimentava o planejamento nos países
capitalistas, mas não só nestes, como também nos países
socialistas, e que embasou o ensino e a prática do planejamento
urbano e regional na América Latina, atribuía ao Estado o papel de
portador da racionalidade, que evitaria as disfunções do mercado,
como o desemprego (regulamentando o trabalho, promovendo
políticas sociais), bem como asseguraria o desenvolvimento
econômico e social (com incentivos, subsídios, produção da infra-
estrutura, regulando preços, produzindo diretamente insumos
básicos para a produção, etc.). (MARICATO, 2000, p. 126)
Desta maneira, o Planejamento Urbano no Brasil conformou-se num modelo
fechado, tecnicista e complexo onde a opinião e os anseios dos citadinos eram
pouco ou nada relevantes e a operacionalização das proposições se revestia de
muitas formalidades administrativas e legais, por vezes, bastante dispendiosas. Ele
foi pautado em instrumentos urbanísticos, tendo nos Planos Diretores e Leis de Uso
e Ocupação do Solo seus representantes mais pragmáticos, que se tornaram
opções mais que perfeitas para solucionar as mazelas sociais.
Contudo, muitos desses planos só tiveram a pretensão de guiar a orientação ao
ambiente construído, não enfrentando as questões sociais. Além dos planos
urbanos, como condutores da organização do espaço, existe uma ampla legislação
urbanística, que oferece aos governos um imenso leque de possibilidades em
promover o melhoramento das cidades como: a ampliação de recursos,
regularização do mercado e de áreas privadas ocupadas irregularmente, preservar o
patrimônio cultural, arquitetônico, urbano e ambiental e promover o desenvolvimento
sustentável. Todavia as legislações, os planos e a centralização, no
encaminhamento da discussão urbana, não responderam às questões conflitantes
dentro do contexto socioespacial e não contribuíram para o acesso ao mercado
imobiliário legal.
Um dos motivos pelo qual isso acontece é que entre a Lei e sua
aplicação há um abismo que é mediado pelas relações de poder na
sociedade. É por demais conhecido, inclusive popularmente, no
Brasil, o fato de que a aplicação da lei depende de a quem ela (a
aplicação) se refere. Essa “flexibilidade” que inspirou também o
“jeitinho brasileiro” ajuda a adaptar uma legislação positivista,
moldada sempre a partir de modelos estrangeiros, a uma sociedade
onde o exercício do poder se adapta às circunstâncias (MARICATO,
2001, p. 42).
Foi sob essa égide de troca de favores e clientelismos que a cidade legal vem se
solidificando. Conseqüentemente, a gestão de outras etapas que estão intrínsecas
com a produção urbana como: fiscalização, regulação, investimentos privados em
empreendimentos públicos e aplicação da legislação urbanística, possuem a mesma
conduta, refletindo no espaço urbano a legislação urbana previamente estabelecida.
Estas reflexões acerca do papel do planejamento ganha um escopo maior a partir da
década de 1970, adentrando pela década de 1980, tendo o intuito de desmascarar a
verdadeira função do planejamento, entendido que através do intervencionismo e do
regulacionismo estatal tinha, segundo vários autores de orientações marxistas, o
intuito tentar manter a cidade às necessidades do capitalismo, ou seja, manter
condições favoráveis, seja a longo ou em médio prazo, o status quo capitalista.
Valorizando o papel de diferentes atores e suas práticas no espaço urbano, no
começo dos anos 70, Henri Lefebvre com O direito à Cidade (1968), Revolução
Urbana (1970) e O pensamento marxista e a cidade (1972), Manuel Castells com A
questão Urbana e David Harvey com A Justiça social e a cidade, proporcionam uma
renovação significativa no debate crítico da pesquisa urbana. Criticando duramente
a concepção de cidade desenvolvida pelo pensamento modernista, o elemento
produção social foi fundamental nas análises dos autores, principalmente Harvey
(1980) e Castells (1989), que discutiram a cidade de forma menos mecanicista e
mais orgânica.
Esse processo desenvolve-se num meio espacial estruturado, criado
pelo homem. A cidade pode, por isso, ser olhada como um ambiente
tangível construído – um ambiente que é um produto social... Ela é
construída com uma tecnologia dada e elaborada no contexto de um
dado modo de produção. O urbanismo é uma forma social, um modo
de vida, ligado entre outras coisas, a uma certa divisão do trabalho e
a uma certa ordem hierárquica de atividades, que é amplamente
consistente com o modo de produção dominante. (HARVEY, 1980, p.
174)
É nesse âmbito, e utilizando-se dos elementos e aspectos emblemáticos, como
ordem, racionalidade e função, do urbanismo e arquitetura modernistas, que a base
da crítica marxista, nos anos 1970 e 1980, tomou forma e força. Especificamente no
Brasil, seguindo a tendência do pensamento europeu, tanto nos anos 1970 quanto
nos 1980, as obras de Castells e Harvey foram base para formulação do discurso e
das análises críticas em torno do entendimento do tema.
Algumas vezes, distorções e excessos na análise do que viria ser planejamento,
remetendo-o a uma categoria de atividade maléfica e autoritária com resultados
desanimadores, foram comuns no meio acadêmico brasileiro e em setores ao qual
foi proposto.
A importação dos padrões do chamado ‘primeiro mundo’, aplicados a
uma parte da cidade (ou da sociedade) contribuiu para que a cidade
brasileira fosse marcada pela modernização incompleta ou
excludente.(MARICATO, 2000, p. 123).
A superação do Planejamento Urbano tradicional por outras abordagens, como
citado no início deste capítulo, se torna clara a partir do momento em que se
constata que ele já não mais atende às demandas da situação atual. Demandas
que, segundo Harvey (1980), derivam da prevalência do mercado sobre o social, da
visão fragmentada do tecido urbano, da preocupação estética nos espaços urbanos
e da efemeridade do cotidiano. Por sinal, há uma convergência no sentido de que
está ocorrendo uma substituição dos instrumentos de planejamento pelos de gestão,
numa alusão à necessidade de se pensar o espaço urbano num longo ou num
curtíssimo prazo.
1.8. MODELOS COMPETITIVOS
Em um ambiente de alta competitividade internacional, a abertura dos mercados
locais/nacionais aos mais diversos agentes, sejam eles empresas ou governos
urbanos, cujos objetivos passaram a ser conseguir os melhores resultados para seus
produtos e serviços ou o melhor desempenho para as economias locais, levaram a
um quadro que tem na perspectiva microeconômica o fundamento para a
propagação de modelos para as cidades. A lógica da competição passou a
prevalecer e os governos das cidades começaram a identificar uma necessidade de
estarem preparados para competirem. Daí a estruturação de um modo de agir
baseado em estratégias.
É sob estas condições que governos urbanos passaram a se valer como maior
intensidade, desde os anos de 1980, de modelos competitivos nos quais
ferramentas e modelos de planejamento do campo empresarial, por sua vez
adaptados do campo militar, passaram a compor uma linha de atuação. Como
primeira experiência, cita-se o plano estratégico de São Francisco, nos Estados
Unidos, em 1982. Em seguida acontecendo em outras cidades, como Nova Iorque,
Montreal, Toronto, Frankfurt, Birmingham, Paris, Lyon, Madrid, Bilbao, Valença e
Málaga. Entretanto, foi o Plano Estratégico de Barcelona de 1992 que apareceu
como marco internacional, assumindo o papel destaque para cidades latino-
americanas (LOPES, 1998).
Nos último quinze anos, cidades brasileiras como Fortaleza, Campos, Juiz de Fora,
Belo Horizonte, Recife e Rio de Janeiro utilizaram em algum momento o plano
estratégico, observando o receituário dos modelos competitivos e estratégicos.
Em virtude da carga empresarial emprestada ao planejamento estratégico, surge
uma das principais críticas aos modelos competitivos, pois. em boa medida, eles
servem para melhorar o resultado de uma pequena parcela do tecido social.
Tomando como exemplo especificamente o plano estratégico, ele serve nas
empresas para atender os interesses de sua elite (acionistas e dirigentes), ocorrendo
o mesmo nas cidades (elite econômica e política).
A rigor, os modelos competitivos têm como preocupação central o crescimento de
dada economia local. Assim, visando acelerar o crescimento existe uma
preocupação com o nível de investimento e consumo. Desta forma, a perspectiva
exógena assume um papel importante, se materializando, por exemplo, através de
investimento de grupos extra-locais ou com o consumo de turistas. Como
conseqüência, a questão do desenvolvimento fica em um segundo plano. Este
quadro torna-se mais crítico em regiões periféricas, onde se verifica uma maior
penetração exógena, considerando sua fragilidade da dinâmica sócio-econômica.
Entretanto, o discurso genérico de crítica aos modelos competitivos não nos parece
adequado, pois antes de qualquer coisa é necessária uma revisão dos principais
modelos, ferramentas e abordagens de competição e estratégias utilizadas pelas
empresas – de onde se toma tais abordagens. Assim, acredita-se, consegue-se
diferenciar as diversas abordagens e suas lógicas de implementação, inclusive
considerando a modalidade planejamento estratégico como apenas umas das
opções do menu de modelos estratégicos e competitivos. Deste modo, o debate
acerca do uso dos modelos competitivos pode ficar enriquecido.
1.8.1. A origem da competição e da estratégia
A estratégia como disciplina provém dos gregos que a definiam como
um conjunto de manobras, ou um esquema utilizado para obter
vantagens sobre um inimigo em combate. O seu caráter extensivo a
distinguia da tática que se referia a ações específicas limitadas.
Assim, sua origem vem da ação militar em tempos de guerra.
(LOPES, 1998, p. 75).
Muito se fala de competição e estratégia, quase sempre associando esses dois
conceitos. Entretanto, a competição existiu bem antes da estratégia. Henderson
(1989) preocupa-se em mostrar que a competição começou com a própria vida.
Assim, de acordo com Henderson (1989), em 1934, o professor G.F. Gause (pai da
biologia matemática), da Universidade de Moscou fez uma observação na qual
colocava colônias de protozoários do mesmo gênero em um frasco com uma
quantidade adequada de nutrientes. A observação mostrou que se os animais
fosses de espécies diferentes conseguiam sobreviver e continuavam vivos em
conjunto. Caso fossem da mesma espécie, não conseguiam sobreviver. As
conclusões desta observação conduziram ao conhecido - no campo da biologia -
Princípio de Gause da Exclusão Competitiva.
Nesta perspectiva, a essência da sobrevivência está na diferença, pois os
competidores que conseguem seu sustento de maneira idêntica não podem
coexistir. Considera-se ainda que quanto mais seres no ambiente, mais competitivo
ele é. Mas, por outro lado, existem mais opções de ser diferente, de criar e manter
uma vantagem.
1.8.2. As diversas abordagens sobre estratégia
No campo da administração, Mintzberg (2000) traz mais luz ao procurar mostrar que
o conceito de estratégia pode variar em função de diversas abordagens. No livro
Safári de Estratégia são apresentadas dez abordagens distintas de estratégia.
Assim, é mostrado como o uso da estratégia, mesmo no ambiente empresarial, não
segue uma lógica única. A tabela 8 expressa as diversas escolas e o cerne de seu
pensamento.
Tabela 8: Abordagens Estratégicas
Abordagem Formulação Estratégica
Escola do Design
Formulação da estratégia como um processo de
concepção
Escola do
Planejamento
Formulação da estratégia como um processo formal
Escola do
Posicionamento
Formulação da estratégia como um processo analítico
Escola Empreendedora Formulação da estratégia como um processo visionário
Escola Cognitiva Formulação da estratégia como um processo mental
Escola de Aprendizado Formulação da estratégia como um processo emergente
Escola do Poder
Formulação da estratégia como um processo de
negociação
Escola Cultural Formulação da estratégia como um processo coletivo
Escola Ambiental Formulação da estratégia como um processo reativo
Escola Configuração
Formulação da estratégia como um processo
transformação
Fonte: Mintzberg (2000)
As dez escolas podem ser agrupadas em três grupos. De acordo como Mintzberg
(2000, p. 14), o primeiro grupo reúne as escolas de natureza prescritiva “mais
preocupadas em como as estratégias devem ser formuladas”, envolvendo a Escola
do Design, a Escola do Planejamento e a Escola do Posicionamento.
Já o segundo grupo considera os aspectos específicos do processo de formulação
estratégica e tem-se preocupado menos com a prescrição do comportamento
estratégico ideal do que como a descrição de como as estratégias são, de fato,
formuladas. Este grupo envolve as seguintes escolas: Escola Empreendedora,
Escola Cognitiva, Escola de Aprendizado, Escola do Poder, Escola Cultural e Escola
Ambiental. Por fim, observa-se que o último grupo contém apenas uma escola,
embora se possa argumentar que esta escola, na realidade, combina as demais. É a
Escola da Configuração.
Na visão de Mintzberg (2000), não parece haver uma escola hegemônica, apesar do
autor reconhecer que a Escola do Planejamento – a qual valoriza o planejamento
estratégico como o núcleo do debate estratégico – e a Escola do Posicionamento –
com forte influência de Porter – possuem um maior destaque.
Fato este que demonstra a importância do modelo desenvolvido pela Harward
Business School que desde 1920 vem incorporando ações estratégicas no seu curso
de políticas de negócios (LOPES, 1998). Segundo este modelo, o ponto de partida
de um pensamento estratégico é um diagnóstico do ambiente na qual está inserida a
organização que almeja não sucumbir à intensa competitividade dos mercados. Este
diagnóstico levaria em consideração os pontos fortes e fracos da organização, bem
como as oportunidades e ameaças oriundas do ambiente externo. Metodologia esta
conhecida como análise S.W.O.T. (Strengths - Pontos Fortes; Weaknesses - Pontos
Fracos; Opportunities – Oportunidades; Threats – Ameaças).
1.8.3. Breve discussão sobre o conceito de cidade global e aplicação do
conceito estratégia à cidade
Um dos conceitos que aparecem com grande destaque no debate acerca das
cidades é o da cidade global. Tal conceito, em sua origem, tem direta relação com
os impactos causados sobre as grandes metrópoles do primeiro mundo através do
processo de globalização da economia, ocorrido a partir do final da década de 70.
Uma crise da centralidade econômica das metrópoles que perderam o controle sobre
as atividades industriais, e foram conduzidas pelas transformações na economia
mundial, considerando que as empresas por elas responsáveis, beneficiadas pelo
desenvolvimento das novas tecnologias de comunicação e informação, passaram a
dispor de maior flexibilidade para escolher os lugares de menor custo para suas
sedes.
A conseqüente crise fiscal, o aumento do desemprego, a falta de solução para os
problemas urbanos agora acrescidos, somaram-se aos demais como ingredientes
preocupantes que colocavam em questão o futuro das metrópoles. Assim, em
paralelo ao diagnóstico da crise, uma extrema alteração e mudança no perfil das
metrópoles que, em substituição às atividades industriais até então vigentes,
passavam a sediar empresas de prestação de serviços com alto grau de
especialização, ligados em sua maior parte ao setor financeiro e da informação e de
origem transnacional, geralmente. Dessa forma, as metrópoles, por um enfoque,
pareciam caminhar para um futuro incerto, e por outro ângulo, readquiriam
relevância estratégica. É o caso dos locais destinados ao setor terciário,
acompanhando a mudança de direção da economia mundial. Portanto, não se
tratava da perda de sua centralidade econômica, mas de sua re-significação no
interior do sistema produtivo internacional. Essas metrópoles assim re-significadas
denominou-se de cidade global (SASSEN, 1998).
Marques e Torres (1997) utilizam o conceito de cidade global para designar o
posicionamento estratégico de algumas metrópoles em relação à economia mundial
e, além disso, para também expressar as contradições deste processo. A
substituição das atividades industriais pelo setor de serviços seria responsável por
promover uma alteração no mercado de trabalho gerando maior polarização social,
já que ao lado da oferta de empregos altamente qualificados e bem-remunerados
demandava serviços de manutenção e sustentação da estrutura produtiva que,
diferentemente dos primeiros, não requerem qualificação e são, por isso, mal
remunerados (SASSEN, 1998). Essa nova divisão do trabalho promoveria uma
alteração quase que imediata no uso da terra, no mercado imobiliário e na estrutura
de consumo, produzindo espaços dualizados no interior das metrópoles (SASSEN,
1998).
O pensamento de que as metrópoles devam ser analisadas em função do processo
de globalização da economia e na condição de cidades globais pode ser melhor
compreendido observando Sassen (1998, p. 11):
Os sociólogos têm demonstrado uma tendência a estudar as cidades
abordando a ecologia das formas urbanas, a distribuição da
população e os centros institucionais ou focalizando as pessoas e os
grupos sociais, os estilos de vida e os problemas urbanos. Essas
abordagens já não satisfazem mais. A globalização da economia,
acompanhada pelo surgimento de uma cultura global, alterou
profundamente a realidade social, econômica e política dos Estados-
Nação, das regiões transnacionais e (...) das cidades. Utilizando-me
do estudo da cidade como um local determinado onde estão
ocorrendo processos globais, procuro definir novos conceitos, úteis
para o entendimento da interseção do global e do local no mundo de
hoje e no de amanhã.
Assim, o que a princípio foi compreendido como um conjunto de especificidades
históricas de algumas metrópoles centrais passou a se constituir em atributo
necessário para que cidade assuma o status de global. Desta maneira, seria global a
cidade que se configurasse como nó entre a economia nacional e o mercado
mundial, congregando em seu território uma grande quantidade de empresas
transnacionais; cujas atividades econômicas se concentrassem no setor de serviços
especializados e de alta tecnologia, em detrimento das atividades industriais;
quando, por conseqüência, o mercado de trabalho fosse polarizado gerando novas
desigualdades sociais e uma forma de segregação urbana dualizada (SASSEN,
1998, VÉRAS, 1997).
Portanto, a lógica de cidade global está diretamente associada à da competitividade
das cidades, havendo atualmente ranking de cidades (globais), contemplando
variáveis como infra-estrutura de comunicações, nível de qualificação de mão de
obra, dentre outras que guardam relação com o conceito de cidade global. Logo,
existem cidades melhores posicionadas, facilitando a captação de investimentos e
intermediando os fluxos financeiros.
1.8.4. Empreendedorismo urbano e cidade-empresa
Este mesmo quadro econômico internacional, fruto da transição do regime fordista
de acumulação para o regime de acumulação flexível
3
e causador, entre outras
coisas, do enfraquecimento do poder estatal em detrimento do fortalecimento das
grandes organizações empresariais (BENKO, 1999), não somente fundamentou o
conceito de cidade global, mas também vem reforçando e dando visibilidade a um
pensamento sobre planejamento e gestão urbana oriunda dos Estados Unidos
desde os anos de 1970, ou seja, anterior ao próprio termo cidade global. Esta
tendência vem sendo denominada de empresariamento urbano por Harvey desde
1989 (HARVEY, 1996) ou de empreendedorismo urbano (COMPANS, 2005).
Neste sentido, a colocação de Harvey (1996, p. 49) é lapidar.
Cito este caso [o de um colóquio realizado em Orleans em 1985] pois
é sintomático de uma reorientação das atitude em relação à
administração urbana ocorrida nas duas últimas décadas nos países
capitalistas avançados. Mais diretamente, a abordagem do
gerenciamento, tão típica dos anos sessenta, deu prontamente lugar
as formas de ação de empresariamento nos anos setenta e oitenta.
Particularmente nos últimos anos, parece ter surgido um consenso
geral em todo mundo capitalista avançado de que benefícios
positivos têm que ser obtidos por cidades que assumem um
comportamento empresarial em relação ao desenvolvimento
econômico.
Segundo Compans (2005), a convergência dos governos urbanos em direção da
adoção do empreendedorismo urbano como paradigma para novas políticas urbanas
em suas administrações é resultado do amalgamento de três fatores principais. O
primeiro foi a falência do modelo de financiamento público para políticas urbanas,
3
A discussão em torno da transição do regime fordista de acumulação para o regime de acumulação
flexível será aprofundada no capítulo 4.
sobretudo aquelas que assegurassem a reprodução da força de trabalho e da
acumulação do capital – habitação, emprego e renda e infra-estrutura urbana e
produtiva -, vigente no regime de acumulação fordista. Pode-se dizer que o marco
internacional desta tendência data de 1972, quando ex-presidente norte-americano
Nixon afirma que a crise urbana está superada pela falta de recursos públicos para
os gastos em políticas urbanas (HARVEY, 1996). Afirma-se nos anos de 1980, com
os governos de Reagan e Margareth Thatcher, na Grã-Bretanha, que promoveram o
desmonte do aparelho social do Estado montado no pós Segunda Guerra.
O segundo fator foram as mudanças na própria essência da acumulação sob o
regime flexível e no paradigma tecnológico que passou a lhe sustentar. Harvey
(1992, p. 140) caracteriza, assim, este novo modelo de acumulação.
Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente
novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros,
novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de
inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação
flexível envolve rápidas mudanças dos padrões de desenvolvimento
desigual, tanto entre setores como regiões geográficas, criando, por
exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado “setor de
serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em
regiões até então subdesenvolvidas [...]
Estas mudanças deslocaram o foco dos poucos recursos públicos disponíveis para
investimentos em setores – telecomunicações, transportes e outros equipamentos e
serviços coletivos - que pudessem apoiar a nova tipologia empresas e serviços que
estava a se formar.
O terceiro fator foi a percepção pelos gestores urbanos e equipes de planejamento
(consultorias ou governamentais) de que o urbanismo modernista, fundamentador do
modelo tradicional de planejamento urbano como visto anteriormente, com sua
metodologia baseada na planificação e forte regulação dos espaços públicos, já não
atendia aos interesses do capital neste contexto de economia globalizada
subjacente à acumulação flexível.
Na visão de alguns autores, essa racionalidade “científica” do
urbanismo moderno teria sido solapada com o advento da
globalização da economia e o colapso do fordismo e da
modernidade. O contexto de incerteza, de instabilidade e
interdependência econômica gerado pela globalização impediria
qualquer prognóstico quanto ao futuro das cidade, uma vez que as
mudanças em suas funções, sua estrutura do emprego e até mesmo
em sua forma física estariam sendo determinadas por fenômenos
externos que escapam ao controle dos responsáveis políticos locais,
tais como as decisões de corporações internacionais e das
instituições financeiras. (COMPANS, 2005, p.105)
Diante deste pensamento, promove-se um discurso pela substituição do antigo
instrumental do urbanismo modernista e do planejamento urbano tradicional – Leis
de Zoneamento, Leis de Uso e Ocupação do Solo, Planos Diretores de caráter
normativo, entre os principais – por uma nova filosofia de pensar a cidade que
atendesse à nova dinâmica do capital. Fato que ocorreria com a adoção pelos
governos urbanos de um novo conjunto de instrumentos de gestão urbana.
Compans (2005) enumera quatro destes novos instrumentos: o Planejamento
Estratégico, a parceria público-privada, o City Marketing e o Urbanismo Flexível (ou
de projetos).
Segundo Souza (2002), esta relação entre a abordagem do empreendedorismo
urbano e o planejamento e a gestão urbana conforma-se numa perspectiva
mercadólifa de administração pública dotada de um espírito empresarial que desde
os anos de 1970 vem ocorrendo, a princípio nos países centrais, no sentido da
desregulamentação e diminuição da presença do Estado também nessas atividades
em detrimento das forças do mercado.
A visão de Vainer (2000, p. 86) sobre o modelo de cidade-empresa confirma a idéia
aventada sobre a nova forma de atuação, sobretudo dos governos municipais, frente
às mudanças da nova ordem mundial.
Assim, ver a cidade como empresa, significa, essencialmente,
concebê-la e instara-la como agente econômico que atua no contexto
de um mercado e que encontra neste mercado a regra e o modelo do
planejamento e execução de suas ações. Agir estrategicamente, agir
empresarialmente, significa, antes de mais nada, ter como horizonte
o mercado, tomar decisões a partir das informações e expectativas
geradas no e pelo mercado.
Já Harvey, ainda em 1989 (HARVEY, 1996), levanta quatro estratégias básicas não
excludentes entre si, chamadas por ele de alternativas, para que administrações
urbanas possam se inserir na competição interurbana que marca a disputa das
cidades por investimentos externos diretos – IED´s, por financiamentos de
organismos internacionais a suas políticas urbanas, por sedes ou escritórios de
empresas multinacionais e de serviços governamentais e por grandes eventos
(feiras, congressos etc.) setoriais internacionais.
Tabela 9 – Estratégias básicas para o Empreendedorismo Urbano
Alternativa Formulação Estratégica
1
A competição no quadro da divisão internacional do trabalho significa a
exploração de vantagens específicas para a produção de bens e
serviços. Podem ser elas os recursos naturais, a localização,
vantagens criadas a partir da provisão em infra-estrutura física ou
social e a concessão de subsídios fiscais.
2
Participar da divisão espacial do consumo por meio dos investimentos
em qualidade de vida e na elevação da qualidade do meio urbano, na
valorização do espaço, na inovação cultural, em equipamentos de
consumo coletivo e de entretenimento - estádios, centros de
convenção, shoppings centers, marinas, praças de alimentação, casas
de espetáculos, shows e festivais - com o objetivo de atrair
consumidores endinheirados.
3
Disputar para assumir o controle e funções de comando de altas
operações financeiras, de governo ou de centralização e
processamento. O que implica em pesados investimentos em
transportes, comunicações, criação de espaços adequados para o
funcionamento de escritórios, e formação de recursos humanos
qualificados para os serviços de apóio.
4
Competir pela redistribuição dos excedentes dos governos centrais
(países financiadores de políticas públicas de outros países) e do
próprio governo nacional para que estes excedentes possam financiar,
ou mesmo patrocinar, políticas sociais.
Fonte: a partir de Harvey, 1996
Percebe-se, então, que os modelos de desenvolvimento do local gerados da
abordagem do empreendedorismo urbano e de cidade-empresa vêm se
conformando em modelos de gestão (urbana) competitiva. Tais modelos de
concorrência interurbana - bem como a realização de projetos estratégicos e o
desenvolvimento de parcerias do público com o privado em ações urbanísticas - são
defendidos por autores como Borja e Castells. Estes autores defendem, ainda,
intervenções funcionais, especializadas e vinculadas às comunicações e atividades
conectadas com a economia globalizada (teleportos, estrutura para feiras e
congressos e parques tecnológicos).
1.8.5. City Marketing
O City Marketing é um modelo de competição entre cidades que utiliza a abordagem
do marketing, enquanto ferramenta do planejamento empresarial aplicada ao
planejamento governamental local. Se no mundo corporativo esta ferramenta
operacionaliza uma estratégia competitiva definida no âmbito de um processo de
planejamento, no contexto dos governos locais o dito city marketing, ou marketing
urbano, vem sendo empregado de forma que consiga o melhor posicionamento no
mercado, marcadamente o internacional, para uma cidade que esteja inserida numa
competição num determinado nicho de mercado: sede de empresas de grande porte
e de instituições governamentais, destinos turísticos, realização de eventos (feiras,
congressos, shows etc), entre outros.
Compans (2005) destaca que apesar deste novo conteúdo sua aplicação não é uma
novidade em si, enumerando três fases evolutivas do conceito de marketing urbano.
A primeira tem início nos anos de 1930 nos Estados Unidos quando os governos dos
estados americanos tentam atrair novas indústrias e investimentos para seus
territórios baseando-se em algumas vantagens comparativas, tipo “mão-de-obra e
terrenos baratos, incentivos fiscais e financiamento público” (2005, p.119).
Posteriormente, ao longo dos anos de 1970 e 1980, com o acirramento da
competição num cenário de crise do sistema capitalista e da relocalização de
empresas globalmente, o escopo do marketing urbano é ampliado passando a
incorporar outras ações. São elas: manutenção dos negócios existentes,
desenvolvimento do turismo, promoção das exportações, atração de investimentos
estrangeiros. Para que estas ações obtenham êxito se torna necessário que as
cidades se adaptem, por meio de investimentos públicos em infra-estrutura urbana,
fortalecimento institucional e incentivo à formação de recursos humanos
qualificados, às necessidades inerentes a cada tipo de atividade econômica
incentivada/atraída.
Esta transposição do marketing empresarial para o contexto dos lugares se faz
necessária, na visão de Kotler (1997), em virtude do atual quadro formado pelo
desenvolvimento e desempenho econômico desiguais destes lugares e dos objetivos
que os governos locais devem alcançar para superar esse quadro. Neste sentido,
para o autor, algumas premissas devem fundamentar a atuação dos governos e
políticas (que trata originalmente na escala nacional, mas que pode ser ajustado
sem problemas à escala local): (I) os líderes nacionais devem aplicar os conceitos e
ferramentas estratégicas para guiar o desenvolvimento de sua nação; (II) as políticas
nacionais devem ser construídas a partir da compreensão do real comportamento
dos produtores, distribuidores e consumidores de um mercado, (III) a idéia de um
único caminho para o desenvolvimento deve ser abandonada visto que a busca pelo
desenvolvimento econômico deve analisar os fatores econômicos, políticos e
culturais; e (IV) a convicção de que a intensa competição global vem expondo as
nações aos problemas de desemprego e empobrecimento , entre outros.
Não por acaso, existe na fase atual uma certa convergência em termos do que seja
empreender uma operação de marketing urbano. Segundo Borja e Forn (1996,
p.33), a “mercadotecnia da cidade, vender a cidade, converteu-se, portanto, em uma
das funções básicas dos governos locais e um dos principais campos de negociação
público-privado”. Para tanto, uma política de promoção da cidade, segundo estes
autores, deve estar baseada fortemente na sua dotação em relação a diversas
estruturas tipo:
Criação, promoção e gestão de feiras e exposições;
Criação de parques industriais e tecnológicos;
Criação de áreas de terciário superior;
Criação de oficinas de informação e assessoramento a investidores e
empresários;
Criação de programas de formação e de apoio técnico, financeiro, comercial
etc;
Criação de torres de comunicação e de comércio internacional;
Ordenação e promoção de áreas/eixos comerciais.
Já segundo Kotler (1997), pode-se considerar que existem seis estratégias
genéricas que podem ser utilizadas para que os lugares possam melhorar suas
posições no ambiente competitivo em que se encontram:
Atrair turistas e visitantes a negócios;
Atrair negócios de outros lugares;
Manter e expandir os negócios já existentes;
Promover pequenos negócios e apoiar a criação de novos;
Aumentar as exportações e os investimentos estrangeiros;
Aumentar a população ou mudar a combinação de moradores.
O que se percebe pelo pensamento dos autores citados é a coexistência de duas
linhas de marketing urbano. A primeira dá uma grande ênfase à questão
midiática/imagética da cidade e a atuação do governo local neste sentido, deixando
para segundo plano o lastro financeiro-econômico que uma economia urbana deve
possuir para que possa atrair e manter aqueles tipos de eventos. A segunda tem
uma abordagem mais empreendedora e centrada nos negócios urbanos.
Mais que isto. Sob as ações de uma operação de marketing urbano uma cidade
tanto pode se tornar um produto/mercadoria quanto uma empresa. Pela primeira
acepção ela é oferecida a turistas e ao trade turístico como produto turístico, a
empresas multinacionais como base geográfica, a visitantes como local de lazer e
entretenimento, a consumidores como shopping de bens e serviços etc.
No sentido de empresa, é concebida a partir de uma postura efetivamente
empresarial, inclusive adotando o planejamento estratégico em sua gestão urbana,
na qual a cidade compete com outras por empresas ou atividades econômicas que
possam melhorar a sua arrecadação; incentiva determinado setor econômico dentro
do seu território; ssumindo a lógica do mercado busca obter lucros que possam ser
reinvestidos em setores urbanos deficitários ou não atrativos ao capital privado e
procura construir parcerias com cidades vizinhas, agentes privados e com órgãos
instituições governamentais supralocais. Assim, por conta de tais diferenças,
optamos por tratar tal acepção como modelo catalão. Logo a seguir é apresentada
esta abordagem.
1.8.6. Modelo catalão
Este modelo de desenvolvimento local é um dos que mais ganhou força ao longo
dos anos de 1990 sendo aplicado pelos governos urbanos, com maior ou menor
grau de fidelidade às obras dos teóricos catalães - Borja, principalmente, Forn e
Castells - a uma variedade muito grande de cidades, a despeito das diferentes
realidades territoriais existentes. Por conta de características próximas ao city
marketing, muitas vezes são tratados como a mesma abordagem.
O modelo catalão se tornou internacionalmente conhecido em 1992 com a
experiência de Barcelona, capital da região da Catalunha na Espanha, através da
elaboração de seu Plano Estratégico como preparação da cidade para sediar os
Jogos Olímpicos de 1992. Contudo, o seu conjunto de idéias e propostas vem sendo
gestado desde 1986 no âmbito do movimento das eurocidades, a exemplo das
Conferências de Roterdam e de Barcelona em 1989 (BORJA, 1996).
A política de construção da Europa deve reconhecer hoje o papel
fundamental das grandes cidades. As eurocidades aspiram a que as
instituições da Comunidade Européia, assim como os governos
nacionais, prestes à grande cidade a atenção que merecem, não
somente pela importância dos seus problemas, que são os da
maioria da população, mas porque um bom funcionamento das
cidades, assim como a intensificação da relação entre elas, é uma
condição indispensável para o progresso da Europa unida. (BORJA;
FORN, 1996, p.32)
Deduz-se, então, que este modelo foi concebido para uma realidade urbana
européia para, num segundo momento, mediante grande aceitação no cenário
internacional, ser estendido para outras grandes cidades mundiais sob a forma de
prestação de consultorias a diversas administrações urbanas, caso da cidade do Rio
de Janeiro.
A idéia mais forte que justifica a adoção deste modelo de desenvolvimento é a
necessidade da elaboração de um projeto de cidade, baseado num plano
estratégico, cujo objetivo é fazer com que as grandes cidades européias possam
enfrentar cinco tipos de desafios: a nova base econômica, a infra-estrutura urbana, a
qualidade de vida, a integração social e a governabilidade. Da mesma forma, as
cidades latino-americanas também devem enfrentar seus desafios que, segundo os
catalães, são o crescimento demográfico, a extensão da cidade não legal, a
marginalidade social, o déficit de infra-estrutura moderna e a fraqueza dos governos
locais.
Para Borja (1996, p. 98), um Plano Estratégico “é a definição de um projeto de
cidade que unifique diagnósticos, concretize atuações públicas e privadas e
estabeleça um quadro coerente de mobilização e de cooperação dos atores sociais
urbanos”. Esta concepção sobre Planejamento Estratégico procura valorizar o seu
poder de aglutinação social. Seu viés empresarial, visto que é trazido do universo
das grandes organizações, aplicado às cidades preconiza que os agentes locais ou
stakeholders (interessados) que, para uma cidade, são o grupo formado pela
população em geral, pelos setores da sociedade civil organizada, pelo empresariado
local ou não-local e pela administração municipal devam ser chamados a pensarem
e discutirem os principais problemas e soluções para a construção deste projeto de
cidade.
Para que este projeto seja exeqüível e tenha eficácia, alguns fatores são
determinantes:
Construção de um sentimento de crise que possibilite despertar nos cidadãos
a necessidade de se obter um consenso entre agentes públicos e privados sobre
os problemas da cidade em busca da superação deles;
Existência de uma liderança política local forte que possa aglutinar os
diferentes interesses presentes na cidade e que tenha a capacidade de levar a
termo o projeto consensualmente construído;
Mobilização de todos os agentes públicos e privados e concretização de
ações que possam dar imediata operacionalidade ao plano;
Construção e/ou modificação da imagem da cidade tanto no plano interno, ou
seja, dos próprios cidadãos em relação a sua cidade, quanto no plano externo;
Questionamento do governo local estabelecido – suas competências e
funções, as práticas atuais, sua organização administrativa, o grau de
participação popular na tomada de decisões, o seu relacionamento com outros
governos.
No modelo catalão, o papel do governo da cidade é tratado, explicitamente, como de
fundamental importância frente o quadro de desafios. Este entendimento é fruto da
percepção de que a hegemonia do pensamento econômico neoliberal praticado
pelos governos norte-americano e britânico a partir dos anos de 1980, e incentivado
pelos organismos políticos e financeiros internacionais cujo exemplo cabal foi o
Consenso de Washington de 1990, não resolveu os problemas das cidades, se não
os agravou.
Daí que o escopo de atuação do governo local deve ser ampliado para além do seu
papel atual de ordenamento e regulação do espaço urbano, o que mostra como este
modelo está inserido na lógica mais ampla da substituição do planejamento urbano
tradicional pela abordagem do empreendedorismo urbano. Segundo Borja (1996),
este novo papel promotor do governo local deve estar assentado em quatro linhas
de ações. A primeira é promover a cidade no exterior, por meio da divulgação das
suas vantagens em infra-estrutura e serviços, com o intuito de atrair visitantes e/ou
consumidores dos equipamentos e serviços urbanos existentes e investidores, o que
implicaria na tarefa de organizá-la espacialmente e administrativamente.
A linha de ação seguinte consiste em articular a administração urbana com outras
administrações públicas, inclusive diferentes escalas, como também estabelecer
parcerias público-privadas, para que assim o governo local tenha condições
operacional-financeira de executar os projetos necessários ao sucesso do projeto de
cidade.
A terceira linha é de caráter mais subjetivo. Ela preconiza que os governos locais
dotem, através da formulação de projetos específicos, “seus habitantes de um
‘patriotismo cívico’, de sentimento de pertencimento, de vontade coletiva de
participação” (BORJA, 1996, p.89) na construção do futuro da cidade.
Por fim, o governo local deve inovar no campo político-administrativo adotando
programas e projetos que trabalhem a cooperação social e participação do cidadão
na vida cotidiana da cidade. Assim, os citadinos agiriam em prol de um bem estar
coletivo o que poderia reduzir os índices de violência urbana e os gastos das
administrações com manutenção de equipamentos e espaços públicos.
Diante deste quadro de novas funções e competências do governo local o modelo
catalão sugere às administrações urbanas que adotem as seguintes atividades-meio,
divididas em blocos, para execução do projeto de cidade. Atividades estas que não
só representam um incremento significativo da máquina administrativa, mas também
uma mudança na atual modelo gerencial de gestão pública em voga.
Tabela 10 – Novas atividades-meio preconizadas pelo modelo catalão para os
governos locais
Blocos de
Atuação
Atividades
Econômico
Desenvolver zonas de atividades empresariais;
Criar bancos com linhas de capital de risco;
Promover empresas públicas e mistas competitivas com o setor privado;
Realizar campanhas internacionais que atraiam investidores e visitantes;
Promover e gerir espaços destinados a feiras e eventos, centros de
convenção e parques industriais e tecnológicos;
Estabelecer escritórios de informação e assessoria para empresários e
investidores locais e internacionais.
Urbanístico –
Moradia e Meio
Ambiente
Definição de grandes obras públicas a serem financiadas pelo Estado
nacional;
Recuperação de áreas decadentes mesmo que pertençam a outros níveis de
governo;
Gestão de programas de habitação;
Delegação de atividades ou transferência da competências sobre o
ordenamento/regulação de questões inerentes ao meio ambiente urbano;
Definição de novas figuras (instrumentos) de planejamento que vinculem
este à execução dos projetos;
Criação de empresas mistas ou consórcios com outras administrações e/ou
agentes privados para tocar grandes programas de desenvolvimento urbano
ou metropolitano.
Segurança do
Cidadão e de
Justiça
Coordenar forças de ordem pública ou do conjuntos de policiais urbanos. Ex:
a criação da guarda municipal em diversas cidades;
Criação de políticas inovadoras para a prevenção / repressão a novas
modalidades de crimes;
Complementar a atuação da Justiça e polícia estatal dentro da sua área
administrativa.
Social e
Cultural
Instituir programas sociais de habitação e urbanização básica: estimulando o
regime de autoconstrução; urbanizando áreas periféricas etc.
Instituir programas de geração de empregos, de serviços pessoais e
urbanos, de manutenção de infra-estrutura e de ecologia urbana.
Compartilhar com a União a competência dos provimentos dos setores
Educação e Saúde.
Infra-estrutura
de Serviços
Urbanos,
Transportes e
Comunicações
Prover infra-estruturas de transporte público, abastecimento de água e de
rede de saneamento em parceria com a União (financiamento) e com
empresas concessionárias (execução);
Negociar constantemente com empresas estatais ou paraestatais sobre a
prestação de serviços que estejam sob o regime de monopólio;
Assumir, sempre que possível, competências políticas e empresariais novas:
implantação de torres de telecomunicações, fiação elétrica da cidade,
autorização para funcionamento de emissoras de rádio e televisão locais e
outras similares.
Fonte: Borja, 1996
O argumento utilizado pelos representantes deste modelo para justificar tal aumento
de responsabilidades e de gastos dos governos locais é o de que para a maioria
deles o principal problema não é a escassez de recursos, e sim a falta de autonomia
decisória para planejar e gerir o seu território da maneira que melhor lhe aprouver.
Para que todas estas novas funções e competências possam ser desempenhadas
de forma eficaz este modelo ainda advoga em favor de uma verdadeira reforma
político-administrativa local, mas com repercussões também nos outros níveis de
governo – estadual e federal para o caso brasileiro em particular. Seus principais
pontos são:
Instituição de estruturas metropolitanas de planejamento territorial e
estratégico por meio de consórcios e parcerias intergovernamentais;
Eleição direta de prefeitos distritais;
Aumento do tempo dos mandatos dos prefeitos para seis anos;
Substituição de políticos por profissionais da área para ocupar cargos
executivos sem que estes sejam sacados na ascensão ao poder por outro grupo
político;
Gestão empresarial dos serviços e atividades públicas;
Construção de uma nova dimensão de relacionamento entre a administração
pública e os administrados: mais participação popular, maior facilidade de
acesso a informações e serviços públicos e mais canais de comunicação.
Internacionalização dos governos locais: busca de crédito no mercado
internacional, representações junto a órgãos intergovernamentais, estabelecer
uma rede de cidades quando possível etc.
Talvez seja porque o desenho do modelo catalão coloque os governos urbanos
como agente fundamental no processo de desenvolvimento local, a despeito da sua
metodologia ser adaptada do pensamento estratégico empresarial, o motivo pelo
qual ele se difundiu tão rapidamente pelas cidades que enxergaram no
empreendedorismo urbana e, por conseguinte, na competição interurbana uma
alternativa de adaptação ao padrão de acumulação flexível, centrado no terciário
avançado, em detrimento ao regime de acumulação pautado na atividade industrial
tradicional.
1.8.7. O pensamento porteriano
Michael Porter é, atualmente, a principal referência no estudo da estratégia
empresarial. Graduado em engenharia - mecânica e aeroespacial - pela Princeton
em 1969, completou seus estudos com uma pós-graduação em business (MBA na
Harvard Business School, em 1971) e depois em business economics (doutorado
concluído em 1973 na Universidade de Harvard).
De forma geral, a visão porteriana foi construída a partir de três movimentos. No
primeiro o da teoria do posicionamento estratégico com a publicação de Como as
Forças Competitivas Moldam a Estratégia em 1979, inspirado na economia industrial
e imediatamente assimilado pelas escolas de negócios. O segundo movimento
ocorre com a publicação de Vantagem Competitiva, em 1985, com destaque para a
noção de cadeia de valores. O terceiro movimento ocorre com a publicação da
Vantagem Competitiva das Nações.
Assim, a evolução do pensamento porteriano fez com que o pensamento competitivo
se deslocasse do campo específico da administração, do marketing e da estratégia,
chegando até à economia política das nações e passando por estratégias de
desenvolvimento regional/local. De fato, as idéias de Porter sobre competição e
elaboração de estratégias globais passaram, desde o final dos anos de 1980, a
compor um receituário específico para empresas, que é o seu enfoque, e governos
de lugares que almejam participarem de mercados externos. Então, no sentido
empresarial, este autor assim se refere à necessidade de ser ter uma estratégia
global.
Assim, a estratégia global se refere às questões especiais que
surgem quando as empresas competem além das fronteiras dos
países. A necessidade de uma estratégia global depende da
natureza da competição internacional de um determinado setor. Não
há um único padrão de competição internacional, mas muitos
(PORTER, 1999, p. 330).
Reconhece Porter que nem todos as atividades econômicas precisam de uma
estratégia global de competição. Por isso as divide em setores multidomésticos –
varejo, construção civil, serviços básicos etc. e em setores globais – aparelhos
eletrônicos de consumo, equipamentos industriais, indústria aeronáutica,
farmacêutica, entretenimento, turismo etc. No primeiro tipo, dadas as características
e dimensões dos mercados locais, não é necessária uma estratégia competitiva
global, mas no segundo, é fundamental.
Se uma estratégia competitiva global deve ser elaborada para pautar a atuação de
empresas em mercados externos então, segundo Porter, alguns cuidados devem
subsidiar a sua construção. A empresa deve: (I) buscar decompor a cadeia de
valores do seu negócio de modo a melhor conhecê-lo e melhor estruturar cada
atividade; (II) entender que cada atividade específica da empresa depende do ramo
do negócio; (III) ter em mente que a busca da eficácia operacional pode fazer parte
de uma estratégia competitiva, visto melhorar o desempenho geral da empresa, mas
não é uma estratégia em si mesma.
A estratégia da empresa define a configuração específica de suas
atividades e a maneira como se compatibilizam entre si. As
diferentes posições estratégicas envolvem atividades sob medida
para a produção de determinada variedade de produtos e serviços,
para atender às necessidades especiais de um determinado grupo
de clientes (PORTER, 1999, p. 333).
Isto posto, fica claro que também será necessário para o sucesso da estratégia
competitiva adotada que a localidade que irá se tornar a nova base de negócios da
empresa seja analisada antes da escolha definitiva.
Não por acaso o principal aspecto para a formulação desta estratégia é substituição
das vantagens comparativas de uma localidade – disponibilidade e custo de
matérias-primas, de mão-de-obra, de capital, de infra-estrutura e de localização -
para um determinado negócio, que podem ser contornadas mediante o atual estágio
do progresso técnico (comunicações, transportes, informática e microeletrônica)
pelas vantagens competitivas locais. Estas são baseadas na produtividade superior
alcançada, na redução dos custos totais e não dos salários da força de trabalho, na
capacidade de inovação e diferenciação de produtos e serviços, na existência de
rivalidade empresarial local, bem como a possibilidade de mensurar melhor o
desempenho de cada empresa e do grupo como um todo (PORTER, 1999).
Nesta perspectiva, o desenvolvimento da empresa deve ser pensado de forma
empreendedora e competitiva buscando a complementaridade entre as atividades
de um negócio, ainda que estejam dispersas em várias cidades, para um
posicionamento adequado na economia globalizada. Entretanto, deve ficar claro que
neste modelo porteriano a competitividade acontece entre as empresas de um
mesmo ramo em diversos locais e não de um local versus outro local.
De forma didática Porter (1999), enumera 11 opções para que empresas construam
uma estratégia global baseada em vantagens competitivas.
Tabela 11 – Opções de estratégias globais para empresas segundo Porter
Opções Formulação Estratégica
1
Construir a globalização com base numa posição competitiva exclusiva que
resulte numa nítida vantagem competitiva: custo bem menor e/ou maior
diferenciação.
2
Ingressar nos mercados internacionais com um posicionamento consistente:
campanha eficiente e de longo prazo sob um posicionamento estratégico
exclusivo da empresa
3
Estabelecer uma base doméstica nítida para que a empresa possa competir em
cada área de negócio estrategicamente distinta: a base doméstica é localidade
onde a estratégia ganha concretude.
4
Bases domésticas de linhas de produtos alavancadas em diferentes
localidades: cada filial da empresa deve especializar-se nos negócios onde
localidade sede apresenta as condições mais favoráveis.
5
Dispersar as atividades para ampliar as atividades da base doméstica: as
empresas devem buscar oportunidades de dispersão.
6
Coordenar e integrar atividades dispersas: a empresa deve manter uma
coordenação central das atividades para que não se percam as vantagens
competitivas adquiridas pela dispersão.
7
Preservar a identidade nacional das unidades de negócios:clientes externos
valorizam a identidade nacional e a cultura que compõem a imagem de
determinada marca ou produto/serviço.
8
Fazer alianças específicas para cada atividade como mecanismos
capacitadores da globalização, mas não como estratégia: as alianças são um
meio para desenvolver uma rede de atividades dispersas, e não um fim em si
mesmas.
9
Expandir a empresa em setores e segmentos com vantagens competitivas
decorrentes da localidade: a depender da localidade um setor ou segmento
poderá receber investimentos ou não.
10
Aprimorar a base doméstica: as empresas devem reforçar os programas de
treinamento especializado e promover pesquisas universitárias entre as
instituições existentes na sua sede sobre sua área de negócio específica.
Também devem direcionar e pressionar os provedores de infra-estrutura local
para atender às suas necessidades e preocupar-se com a regulamentação
local.
11
Mudar a base doméstica se necessário: em caso de debilitação da base
doméstica da empresa esta deve, primeiro, tentar aprimorar a localidade e,
caso não tenha sucesso, transferi-la para uma outra.
Fonte: Porter, 1999
1.8.7.1. O modelo porteriano para desenvolvimento de localidades
O modelo porteriano de competição está fortemente concentrado no conceito de
clusters, cuja tradução mais próxima seria o termo aglomerados. Porter (1999)
define clusters como concentrações geográficas de empresas interligadas entre si,
que atuam em um mesmo setor com fornecedores especializados, provedores de
serviços e instituições associadas.
Assim, as empresas têm em comum o fato de estarem localizadas numa mesma
área e podem contribuir para um sistema que desenvolva produtos característicos da
região. Há, portanto, uma forte sinergia entre empresas, garantindo maior eficiência
da economia local e possibilitando crescimento auto-sustentável. Desta forma, um
cluster é mais que uma simples aglomeração de empresas: é um caminho seguido
por determinada economia, seja local ou regional.
De acordo com Porter (1999), um cluster pode ter sua origem associada a causas
diversas que vão desde circunstâncias históricas, passando por disponibilidade de
qualificações especializadas, conveniência da localização física e infra-estrutura
apropriada, existência de uma demanda local incomum, sofisticada ou rigorosa até a
eventos aleatórios. Outras causas podem ser apresentadas como a existência
anterior de setores fornecedores, correlatos ou de todo um agrupamento relacionado
ou existência de empresas inovadoras que estimulem o crescimento de outras.
Devido ao grau de complexidade alcançado, decorrente das inter relações entre as
várias definições de clusters e os diversos agentes neles envolvidos em um
ambiente de competição internacional, já se fala numa Teoria dos Clusters. Porter
(1999, p.239, 240) enuncia assim esta dita teoria:
A Teoria dos Clusters focaliza a maneira como a justaposição de
empresas e instituições economicamente interligadas numa
localidade geográfica específica afeta a competitividade. Embora
algumas vantagens aglomeradas sejam amplamente independentes
dos relacionamento sociais (por exemplo, a disponibilidade de pools
de capital e de pessoal), a maioria, se não a totalidade, apresenta,
pelo menos, um componente de relacionamento. A identificação da
empresa com um senso de comunidade, decorrente da participação
no aglomerado, no seu “envolvimentos cívico”, transpondo o estreito
confinamento do seu espaço próprio como uma entidade individual,
se transforma diretamente, segundo a teoria dos aglomerados, em
valor econômico. A teoria dos aglomerados amplia ainda mais a
noção de capital social ao explorar os mecanismos através dos quais
a estrutura das redes de relacionamento dentro de uma localidade
geográfica, produz benefícios para determinada empresa. Os
benefícios da confiança e da permeabilidade organizacional,
fomentadas pelas sucessivas interações e pelo senso de
dependência mútua dentro de uma região ou cidade lubrificam as
interações dentro do aglomerado, que aumentam a produtividade,
estimulam a inovação e resultam na criação de novas empresas.
Desta forma, além da concentração geográfica, outras características importantes de
um cluster são: presença de empresas tanto grandes como pequenas; buscar
inovações e agregar maior valor aos produtos e serviços; trabalham também como
economias de escopo e não somente como economias de escala; relacionamento
entre fornecedores e clientes e entre empresas concorrentes; rivalidade com
competitividade entre as firmas; demanda por mão-de-obra, insumos, serviços e
infra-estrutura especializados.
Ainda de acordo com Porter (1999) a teoria dos clusters sugere uma visão mais
complexa das opções de localização das empresas: a localização das empresas
envolve muito mais do que a simples construção de fábricas e escritórios.
Como visto acima, o pensamento acerca dos clusters trata, sobretudo, da
localização das empresas colocando estas como sujeito em detrimento da própria
localidade. Talvez a falta de uma abordagem que proporcione uma análise mais
profunda do papel da localidade e a sua organização espacial torne necessário um
enfoque dos clusters sob o prisma das Teorias Locacionais, pois em seu conjunto
estas não enfocam apenas o contento (firmas), mas também o seu contentor
(espaço geográfico).
Porém autores como Silva (2004, p. 186) destacam que Porter apenas aproximou os
conceitos de agrupamento com o de complexo industrial:
é possível se inferir que, ao incorporar o aspecto da concentração
geográfica no seu conceito de cluster, Michael Porter “mixou” o
conceito de agrupamento com o conceito de complexo industrial,
sendo este mais um aspecto que reforça o caráter abrangente e
universalista da concepção porteriana da teoria dos aglomerados e
das vantagens competitivas.
O fato é que na nova economia, definida com a internacionalização dos mercados
(antes nacionais ou locais) e com o novo paradigma do Estado mínimo, os clusters
representam uma iniciativa inerente ao setor empresarial – não somente de
indústrias, como também o setor de serviços. Isso difere do outro grupo de teorias
que foram gestadas num cenário político-econômico no qual o Estado exercia forte
controle sobre a economia (macroeconomia keynesiana) e sobre o
planejamento/gestão desenvolvimento econômico e dos territórios. Talvez por isso
Porter queira tratar os clusters como uma teoria independente.
O conceito dos clusters está representado graficamente na Figura 1, conhecida
como Diamante de Porter. O Diamante consegue sintetizar esquematicamente as
sinergias entre os seus quatro elementos diretos: Fatores da Produção; Estratégia,
Estrutura e Concorrência; Demanda; e o Cluster. Além disso, compõem o Diamante
as duas grandes influências recebidas pelos clusters – os Governos e o Acaso.
Figura 1 – Diamante de Porter
Fonte: Porter,1999.
Nesta concepção, os Fatores de Produção dizem respeito a todos os insumos
empregados na atividade econômica – recursos naturais, humanos, de capital; infra-
estrutura geral e específica da atividade; sistemas de informação e tecnologia;
instituições de ensino e capacitação (capital humano) etc. cuja qualidade e tipos irão
influenciar diretamente na obtenção da eficácia operacional das empresas
integrantes do cluster independentemente do setor econômico de atuação.
A Estratégia, Estrutura e Concorrência englobam as regras, incentivos e costumes
que determinam o tipo e a intensidade da rivalidade local das empresas, por
conseguinte, o fortalecimento do cluster. Neste componente, são discutidos temas
como substituição da concorrência por diminuição nos preços (concorrência
predatória) e baixos salários para custos totais mais baixos; necessidade de altos
Governo
Estratégia,
Estrutura e
Concorrência
Demanda
Fatores da
Produção
O Cluster
Acaso
investimentos como meio de se obter melhores lucros, via especialização dos
produtos e serviços e qualificação da mão-de-obra.
Além disso, envolve também o ambiente local de negócios determinado pelas
políticas que regem a própria atividade econômica, por exemplo: um Plano Diretor
Urbano, a legislação tributária, um Código Ambiental, ou ainda, a política municipal
de incentivos às empresas pode limitar os investimentos, distorcer a rivalidade ou,
ao contrário, fazer com que se estabeleça um clima tal que empresas de um mesmo
setor possam competir saudavelmente entre si levando a um aumento da
produtividade local.
As Condições de Demanda é que irão caracterizar um determinado mercado,
sobretudo o interno, pois quanto maior a qualidade e especificidade dos produtos
e/ou serviços demandados (procurados) pelos consumidores mais as empresas
terão que investir em P&D (pesquisa e desenvolvimento) e qualificação de pessoal.
Assim, mercados internos desenvolvidos e com população com poder aquisitivo irão
influenciar positivamente o cluster.
O próprio Cluster é uma das quatro facetas do Diamante. Apesar de ser o epicentro
da análise não deve ser considerado isoladamente dos outros componentes.
Corresponde aos setores correlatos e de apoio ligados à cadeia produtiva de um
setor, ou seja, são todas as atividades econômicas que possuem elos ou relações,
sejam verticais - venda e compra - ou horizontais - carteira de clientes, logística
similar, tecnologias, principalmente fornecedores locais especializados e setores
correlatos desenvolvidos.
As estruturas ou desenho dos clusters diferem entre si. Isso se deve a própria
natureza de cada atividade econômica e da sua cadeia produtiva específica. Um
cluster de turismo (setor terciário) necessariamente será diferente de um cluster de
produtos agrícolas (setor primário), que por sua vez diferirá de um cluster de
produtos industriais/industrializados (setor secundário) porque os fatores produtivos
– recursos naturais, capital e trabalho – são organizados de maneiras peculiares em
cada um deles.
Entretanto, as noções de inter relação, encadeamento, interdependência e
correlação entre empresas e setores componentes de um cluster são centrais nessa
discussão. É a quantidade e tamanho das empresas e força dos elos entre elas, a
presença das instituições de capacitação/ensino e financeiras locais fortes, a
presença de insumos locais especializados e órgãos/políticas direcionadas ao
cluster pelos governos locais que determinam o quanto competitivo um cluster
tornar-se-á.
Disso dependerá o quanto a competitividade poderá ser revertida em
desenvolvimento regional/local via investimentos em infra-estruturas físicas, geração
de empregos, negócios, arrecadação de impostos e estabelecimento de um quadro
institucional público condizente com uma administração municipal responsável por
implementar condições que tornem a localidade atraente economicamente.
Completando o Diamante de Porter, estão as influências causadas pela atuação dos
Governos e a influência do Acaso. Na representação do Diamante, o autor posiciona
o elemento Acaso estrategicamente entre os componentes Demanda e Cluster posto
que atribui ao acaso/sorte ou a eventos aleatórios o fato de um determinado cluster
se desenvolver numa localidade sem que existam motivos objetivos para isso, sem
que haja uma intenção ou planejamento prévio. Apesar da controvérsia que o papel
do acaso possa suscitar, ele significa que um cluster pode ter surgido de uma
vocação natural, ou da própria história da localidade, para determinada atividade
econômica. Nesta mesma linha de suscitar controvérsias, é dito que um evento
aleatório, como um acontecimento histórico ou a instalação de uma firma, órgão
público etc., pode gerar um cluster com o decorrer do tempo.
Já o Governo é colocado no Diamante entre os componentes Fatores de Produção e
Estratégia, Estrutura e Rivalidade, pois desempenha um papel de delineador de um
cenário econômico e institucional necessário para que os clusters possam se
desenvolver num ambiente de competitividade. Pelo ideário dos adeptos desta
doutrina o governo teria cinco papéis.
O mais geral diz respeito a proporcionar uma estabilidade política e macroeconômica
ao seu país. O que inclui o regime democrático, instituições públicas transparentes,
controle da inflação, taxa de câmbio e de juros, entre outras variáveis
macroeconômicas. O segundo papel é trabalhar para aumentar a capacidade
microeconômica da atividade produtiva. Encaixam-se aí os investimentos feitos pelo
governo em infra-estrutura física, qualificação de mão-de-obra, criação e
fortalecimento de instituições de apoio, enfim, todos os investimentos mais que
necessários à realização da reprodução do capital. O terceiro papel engloba a
legislação e políticas de incentivos referentes a cada setor econômico definindo
normas e códigos, leis específicas, regulamentação dos setores e tudo que interfira
nas condições de produtividade das firmas. Estes três primeiros papéis podem ser
considerados como os delineadores gerais do cenário ou ambiente de negócios.
Além destas três funções principais ainda atribuem ao governo uma quarta função
que é dedicada exclusivamente às firmas: “a facilitação do desenvolvimento e
aprimoramento dos aglomerados” (PORTER, 1999, p.261), em detrimento da
prática, nas três esferas administrativas, de políticas industriais que são vistas como
causadoras de distorções na competitividade, pois protegem ou subsidiam
determinado setor produtivo impedindo o seu amadurecimento para a
competitividade na moderna economia de mercado.
Isto significa dizer que existe a necessidade de um planejamento econômico
duradouro e suprapartidário, que seja estruturante para o alcance de metas e de
objetivos. Objetivos estes que venham a melhorar o desempenho de todas as
empresas de um do geral e, desta maneira, induzir o desenvolvimento econômico
tanto nacional quanto localmente. Em suma, pelo conceito dos clusters “todas as
políticas governamentais que acarretam custos para as empresas, sem proporcionar
qualquer valor competitivo de longo prazo que compense o ônus adicional, devem
ser minimizadas ou eliminada”. (PORTER, 1999 p. 263).
Na figura 2 são detalhadas as influências dos governos sobre os clusters, a partir do
esquema do Diamante de Porter Mesmo não sendo atribuído a eles o rótulo de
componente na estrutura dos clusters os governos podem definir, sobremaneira, em
face da sua importância, se um cluster logrará êxito ou sucumbirá à competitividade
do mercado.
Numa época na qual aos governos são atribuídas apenas as funções de “criar as
regras econômicas do jogo” e “incentivar a competição para tornar a iniciativa
privada mais eficiente” (NORTH, 2003, p.11), o conceito dos clusters demonstra
estar em perfeita sintonia com a economia global. Por isso mesmo o desempenho
das empresas deles participantes é a chave para o seu próprio sucesso. Este
desempenho é avaliado em função da produtividade e inovação – elementos da
competitividade – que cada empresa pode e deve gerar.
Figura 2 – Influências dos governos sobre os clusters
Fonte: Porter, 1999
Na figura 3 está o esquema do Diamante de Porter para o papel das firmas.
Enquanto aos governos cabem os trabalhos de base, inclusive a dotação de infra-
estruturas de transportes e logística, comunicações, investimentos em pesquisa e
educação, políticas macro e microeconômicas, entre outras ações deste tipo; às
Contexto para a
Estratégia e
Rivalidade da
Empresa
Condições da
Demanda
Empresas
Correlatas e
de Apoio
Condições dos
Fatores
(insumos)
Eliminar barreiras à competição local;
Organizar os órgãos governamentais
pertinentes em torno dos aglomerados;
Concentrar esforços para atrair investimentos
externos nos aglomerados;
Enfatizar a promoção das exportações pelos
aglomerados.
Patrocinar encontros para reunir os
participantes dos aglomerados;
Encorajar esforços específicos do
aglomerado para atrair fornecedores e
prestadores de serviços de outras
localidades;
Estabelecer zonas de livre comércio,
parques industriais e parques de
fornecedores relacionados com o
aglomerado.
Criar normas regulamentares
dinâmicas e pró-inovação,
relacionadas com o aglomerado
de modo a reduzir a incerteza
dos regulamentos; estimular a
adoção antecipada e encorajar o
aprimoramento; patrocinar
atividades independentes de
testes, certificação e avaliação
para os produtos e serviços do
aglomerado; Atuar como
comprador sofisticado dos
produtos e serviços do
aglomerado.
Criar programas especializados
de educação e treinamento;
Implementar atividades de pesquisa,
através da universidade local, sobre
tecnologias relacionadas com o
aglomerado;
Apoiar o levantamento e a
compilação de informações
específicas sobre o aglomerado;
Ampliar a infra-estrutura
especializada em transporte,
comunicações e outras áreas.
firmas cabem as medidas necessárias a sua própria existência e ampliação dos seus
negócios, entenda-se: dos lucros.
Para que os clusters operem de forma eficiente, é necessário o alcance de
cooperação, complementaridade, senso de comunidade e competição. Num cluster,
toda produção é o resultado da grande cooperação entre os diferentes agentes da
cadeia produtiva, desde fornecedores de matéria-prima até vendedores, passando
por produtores, desenhistas e pesquisadores. Esses players se complementam ao
trabalharem em busca de um mesmo objetivo.
Figura 3 – Influência da firmas sobre os clusters
Fonte: Porter, 1999
Contexto para a
Estratégia e
Rivalidade da
Empresa
Condições da
Demanda
Setores
Correlatos e
de Apoio
Condições dos
Fatores
(insumos)
Comercialização conjunta, através de
feiras e delegações comerciais;
Colaboração com os esforços
governamentais de promoção das
exportações;
Criação de listas e catálogos dos
participantes do aglomerado.
Desenvolvimento conjunto de
currículos vocacionais, técnicos,
escolares e universitários;
Patrocínio de centros especializados
de pesquisa universitária;
Manutenção de vínculos estreitos com
os fornecedores de infra-estrutura, para
o atendimento de necessidades
especializadas do aglomerado (por
exemplo, comunicação de dados e
logística);
Desenvolvimento de cursos para os
gerentes, sobre temas referentes à
regulamentação, qualidade e gestão;
Coleta de informações sobre o
aglomerado através das associações
comerciais.
Constituição de uma associação
comercial específica para o
aglomerado;
Estímulo à formação de fornecedores
locais e à atração de investimentos de
fornecedores situados em outros
lugares para a localidade, através de
esforços individuais e coletivos.
Trabalho conjunto com o
governo para dinamizar e
modificar os regulamentos, de
modo a encorajar a inovação;
Constituição de organizações
locais de teste e normatização.
Entretanto, é justamente a competição entre as empresas das várias etapas da
cadeia produtiva que possibilita maior dinamismo à economia. A competição
contínua faz com que o cluster tenha uma produção mais eficaz, com produtos de
qualidade cada vez maior e com mais inovação. Além desta interação entre os
agentes da cadeia produtiva, existiria, também, um intenso relacionamento com a
sociedade local.
Nesta concepção da dinâmica econômica, há grande preocupação com o
desenvolvimento da região e o bem-estar de sua população. Um cluster somente
terá sucesso caso a região se desenvolva e sua população tenha um bom nível de
qualidade de vida. Considerando-se isto, o desenvolvimento econômico não pode
excluir o desenvolvimento social.
Conseqüentemente, como mostra Porter (1999), ao menos em tese, um cluster é
portador dos seguintes benefícios potenciais:
Redução de custos pela especialização e/ou aumento de escala nos setores
da cadeia de negócios;
Redução de riscos pela especialização e/ou divisão dos investimentos;
Redução dos lead times pela melhoria da cadeia de negócios através da
integração entre as empresas;
Aumento da qualidade por meio da competição, inovação e ações conjuntas;
Maior qualidade e flexibilidade da mão-de-obra pelo aumento e melhoria da
oferta de oportunidades profissionais e treinamento integrado;
Aumento do dinamismo empresarial pela criação e atração de novas
empresas/líderes;
Ganho de reconhecimento público.
Apesar de Porter sugerir tais vantagens potenciais para a organização de clusters,
podem ser verificadas fragilidades potenciais quando não são atendidas todas as
ações necessárias, já descritas nos componentes Fatores de Produção e Estratégia,
Estrutura e Concorrência do Diamante de Porter, como investimentos em infra-
estruturas especializadas, educação, incentivos, retirada de barreiras comerciais e
culturais, fortalecimento de instituições, constituição de associações, bom ambiente
de negócios.
Neste sentido, cabe chamar a atenção ao fato de que, de forma equivocada, muitos
estudiosos tendem a aproximar – ou mesmo tratar como sinônimos – clusters e
Arranjos Produtivos Locais (APL´s). Deve-se destacar que “anos antes de Michael
Porter, Ablas e Szamanski (1982) identificaram uma forte aproximação entre o
conceito de filière e os conceitos de agrupamento e complexo” (SILVA, 2004, p.
186). Assim, este autor mostra que o conceito de cluster muitas vezes assume um
papel de conceito “guarda chuva”. Destaca ainda que o cluster assume um caráter
de marca (no sentido mercadológico da palavra) para Porter:
Amaral Filho, comentando sobre Michael Porter ter sido o autor de
maior influência na composição estrutural do conceito de cluster,
menciona um interessante fato, o de este termo só aparecer nos
títulos dos seus artigos em 1998 (Clusters and the new economics of
competition). Em The competitive advantage of nations (1990), Porter
utiliza o termo ‘grupo’ de empresas ou de indústrias, porém, como já
dito, sem a ampliação, generalismo e ênfase da sua posterior
publicação, On competition (1998). Isto deve se explicar, pelo
sucesso por ele obtido durante a década de 1990, que o levou, ao
final da mesma, a uma espécie de consolidação acadêmica e
profissional de uma marca registrada, cluster = Michael Porter, ou
seja, uma patente ideológica e de imagem no mundo competitivo dos
negócios.
O conceito de cluster, em Porter, de certa forma, conforme Amaral
Filho (2001), procura recuperar conceitos tradicionais como “pólo de
crescimento” de Perroux e “efeitos concatenados” de Hirschman,
notadamente na idéia de indústria-chave ou indústria-motriz,
conjugada com uma cadeia de produção e adicionando o máximo de
valor possível. Para Amaral Filho, a estratégia de cluster está mais
próxima da grande produção flexível do que propriamente da
pequena produção flexível. (SILVA, 2004, p. 186)
O fato é que os APL´s têm na sua essência uma lógica embutida de
desenvolvimento endógeno. Assim, o desenvolvimento é realizado com recursos
oriundos do próprio local/ região. Neste sentido, este desenvolvimento permite
maximizar a utilização de fornecedores de materiais e serviços locais. O padrão
empresarial é de micros e pequenas empresas, normalmente intensivas em mão de
obra. Já o nível de precarização da mão de obra tende a ser reduzido, pois por um
lado é estimulada uma cultura empresarial local nos recursos humanos locais e por
outro existe um forte senso cooperativo entre as organizações, aumentando suas
barganhas com compradores e fornecedores.
Diferente de abordagens anteriormente analisadas neste trabalho,
nas quais todo e qualquer tipo de agrupamento de indústrias e de
negócios estaria inserido no “guarda-chuva” conceitual do
agrupamento ou cluster porteriano, Amaral Filho (2001), utiliza o
termo, ao lado dos conceitos de distrito industrial e ambiente
inovador, qualificando-o como uma estratégia diferenciada tendo em
vista o desenvolvimento regional e local.
O cluster, segundo Amaral Filho, é um conceito mais abrangente,
não só porque incorpora vários aspectos das outras duas estratégias,
mas também porque não se restringe às pequenas e médias
empresas. (SILVA, 2004, p. 188)
Já os clusters – enquanto modelo proposto por Porter - são muitas vezes
estimulados a partir uma perspectiva exógena, considerando a valorização implícita
de grandes companhias que assumem o papel de acelerador do desenvolvimento de
um dado cluster. Esta perspectiva exógena, enquanto padrão, ocorre na periferia.
Nas localidades centrais a perspectiva endógena assume um destaque maior.
Assim, na periferia o desenvolvimento é realizado basicamente com recursos
exógenos, com um perfil de grandes empresas e um padrão de importação de
materiais e serviços, não apenas para a implantação do empreendimento, mas
também para sua administração e operação. Este perfil de instalação de empresas
cuja matriz não é do local/ região, tende a não valorizar a mão de obra local,
precarizando as relações de trabalho e, aproveitando-se deste quadro, potencializar
as transferências de excedentes (periferia –centro). Tal perspectiva de
desenvolvimento é estimulada por – em tese - acelerar as taxas de investimento e
crescimento do local/ região.
1.8.7.2. O modelo porteriano na periferia, sua perspectiva exógena e seus limites
Pode-se compreender a adoção de modelos estratégicos e competitivos – que são
típicos de empresas privadas - por parte dos governos como uma transposição de
sua aplicação. Este primeiro tipo de transposição chama-se neste trabalho de
transposição de primeira ordem. Porém, existe ainda mais uma transposição que é a
implementação em cidades/regiões periféricas (inclusive periféricas em relação ao
sue país). Esta transposição chamamos de transposição de segunda ordem.
Desta forma, pode-se realizar uma crítica aos limites de sua implementação quando
da transposição de segunda ordem. Esta crítica parte da idéia
4
de que a implantação
de um cluster, associado a uma perspectiva de desenvolvimento exógeno - termina
por gerar uma profunda transferência de excedentes e apenas algum gotejamento
de benefícios na cidade.
Isto decorre da necessidade de serviços avançados5, tendo as empresas do local
periférico a impossibilidade de avançar na oferta destes serviços6. Há, portanto, um
processo de importação de serviços avançados. Já o gotejamento se dá em serviços
básicos.7.
Desta forma, verifica-se um trade off a ser administrado no desenvolvimento do
cluster, que se refere à oferta de serviços avançados e serviços básicos. O trade off
pode ser melhor compreendido com ajuda da tabela comparativa a seguir.
4
Neste momento reduzimos nossa análise apenas a clusters apoiados em serviços (como
entretenimento e turismo). Mas se ampliarmos a análise, observando as grandes industriais,
verificamos que as matrizes das grandes corporações e os centros de Pesquisa e Desenvolvimento
(P&D) não são descentralizados territorialmente. Assim, as empresas podem operar (produzir,
distribuir e vender) em diversos espaços, mas os excedentes são transferidos para sua sede, onde
efetivamente fica o centro de decisões.
5
Consideramos como serviços avançados, no caso de cluster de turismo: aviação comercial, sistema
financeiro, comércio especializado em artigos de luxo (importados ou não), hotéis padrão cinco
estrelas, empresas de aluguel de carros, telecomunicações (fixa e móvel), dentre outros que
terminam por estabelecer uma série de barreiras de entrada para novos competidores no segmento,
podendo ampliar-se também para o setor de bebidas (lembramos da necessidade de modelos
sofisticados de logística deste setor; como exemplos, podemos observar a estrutura de distribuição da
AMBEV e da Coca-Cola) e alimentos (com redes de restaurantes ou de fast food).
6
As barreiras de entrada podem ser, por exemplo: de elevada necessidade de investimento inicial,
know-how, escala de vendas, relação com fornecedores, dentre outras.
7
Consideramos como serviços básicos: limpeza, segurança, comércio, hotéis de pequeno porte e
pousadas, transporte urbano (em especial táxi e vans), dentre outros que, com poucas barreiras de
entrada, permitem o acesso de novos “empreendedores”.
Tabela 12: Comparação entre serviços avançados e serviços básicos
Tipo de serviço
Aspecto a ser avaliado
Avançados
Básicos
Alavancagem do PIB Alta Baixa
Qualificação exigida para gestão do
empreendimento/ serviço
Alta Baixa
Necessidade de “importação de trabalhador”
8
Alta Baixa
Margem de lucro Alta Baixa
Geração de excedente Alta Baixa
Transferência de excedentes Alta Baixa
Fonte: Elaborada pelo autor a partir de pesquisas para a tese.
1.8.8. Confrontando os modelos competitivos
Dois modelos competitivos propostos podem ser colocados em destaque: o modelo
catalão – tendo como autores de referência Borja e Castells – e o modelo porteriano
– que é implementado pela Monitor Company Group.
9
.
Após uma análise cuidadosa do modelo porteriano e do modelo catalão, pode-se
identificar ao menos três pontos significativos de divergência. A primeira diferença
diz respeito à própria adoção de um modelo, enquanto modelo estratégico.
Enquanto para Porter (1996) a adoção de uma estratégia (afinal o modelo é
estratégico) significa a adoção de um posicionamento único no mercado, para Borja
(1997) deve-se posicionar a cidade num cenário internacional competitivo, abrindo
uma perspectiva de adoção do modelo de cidade global, com uma infra-estrutura de
serviços, que vão desde serviços de telecomunicações a financeiros (portanto, todas
cidades que fizessem tal opção teriam o mesmo posicionamento).
O segundo ponto divergente diz respeito às relações de competição e de
cooperação. Na visão porteriana, percebe-se a valorização do conceito de cluster
8
A importação de trabalhadores faz-se, em geral, de países ou regiões mais avançadas.
9
Empresa de consultoria liderada por Porter.
(PORTER, 1999), o qual pressupõe um bom nível de cooperação entre os players.
Já em Borja (1997), mesmo com uma leitura apurada, não se identifica, na mesma
intensidade, uma preocupação com a cooperação. Assim, pode-se assumir o modelo
porteriano de desenvolvimento de clusters como um modelo competitivo-
cooperativo, ainda que potencialmente exógeno, especialmente na periferia.
A terceira diferença, e a principal, diz respeito ao ator da competição. No modelo
catalão, quem compete é a cidade – como uma empresa – e, no porteriano, quem
compete são as empresas da cidade. O que deve ficar evidenciado é que estas
divergências normalmente não são consideradas no debate sobre o uso dos
modelos nas cidades.
Porter (1996) valoriza a necessidade da eficácia operacional num ambiente
competitivo, mas destaca a diferença em relação à estratégia. Por eficácia
operacional entende-se desempenhar uma atividade melhor e com mais eficiência
do que os concorrentes. Exemplo de eficácia operacional é a redução de defeitos
nos produtos, ou o desenvolvimento de melhores produtos com mais rapidez. O
posicionamento estratégico pressupõe desempenhar atividades diferentes daquelas
dos concorrentes, ou desempenhar as mesmas atividades de forma diferente.
Tal concepção indica que o uso do modelo de “cidades competitivas” (modelo
catalão) não segue efetivamente modelos estratégicos e competitivos, pois busca
apenas aumentar sua eficácia operacional. Com isto, as cidades que optam pelo
modelo catalão podem ser copiadas, não tendo, portanto, vantagem competitiva
sustentável
10
ao longo do tempo. Seguindo a visão porteriana, percebe-se que as
propostas de Borja e Castells (1997), mesmo em um cenário competitivo entre
cidades, não têm sustentabilidade a longo prazo. Desta forma, pode-se entender a
competição de Borja e Castells (1997) como um jogo de soma zero, pois apenas
capta investimentos, antecipando-se a outra(s) cidade(s), enquanto concorrentes. Já
o modelo porteriano pode ser entendido como um “jogo de soma positiva”, tendo,
porém, o resultado apropriado pelas grandes empresas do cluster na sua matriz.
A seguir pode-se fazer uma comparação dos principais modelos de gestão de
cidades utilizados, incluindo o modelo tradicional de planejamento urbano.
Tabela 13: Comparativo de modelos de gestão de cidades
Modelo
Aspecto
Tradicional Catalão City Marketing Porteriano
Origem Urbanismo Planejamento
Estratégico
Marketing Distritos Marshalianos e
Schumpeter
Valorização do
campo social
Média / alta Nenhuma Preocupação para
não arranhar a
imagem do “produto
cidade”
Alta (qualificação e
mercado consumidor)
Valorização do
campo econômico
Média /
baixa
Muito alta Muito alta Muito alta
Metáfora da cidade Espaço
físico
Empresa
11
Produto Conglomerado de
empresas num ambiente
favorável a negócios
Competitividade Não se
aplica
Cidade
competitiva
Produto (cidade)
competitivo
Empresas (da cidade)
competitivas
Gestor / perfil Político =
prefeito
Um líder forte
/ Gerente
Profissional de
marketing
Sinergia das empresas
Stakeholders (ou
interessados na
cidade)
Citadinos Investidores Compradores
(turistas,
investidores,
empresários)
Empresas locais,
empresas de fora da
cidade – fornecedores e
clientes, consumidores
Fonte: Elaborada pelo autor.
10
O termo sustentável tem o sentido específico de “durável” ou de “longo prazo”, como é comumente
utilizado no âmbito empresarial. Neste sentido, não guarda relação direta com preservação de
recursos naturais, como no debate ambiental.
11
Ver Oliveira (1999).
1.9. ESTADO E PLANEJAMENTO: BREVE PROBLEMATIZAÇÃO
A ação do estado através de planos econômicos e urbanos/metropolitanos ao longo
da segunda metade do século XX aponta para uma reflexão sobre as diferentes
políticas do Estado para o desenvolvimento.
A passagem de uma política com ênfase na industrialização para outra com foco no
setor de serviços e tônica na atividade turística será problematizada na medida que
o Estado não abandona completamente a primeira, e nem obtém plenamente o
desenvolvimento através da segunda. Esta alteração de ênfase na política de
desenvolvimento complexifica-se quando observamos o deslizamento entre escalas
de referências territoriais para as políticas – na industrial a escala é a Região
Nordeste e a Região Metropolitana de Salvador, Bahia, a cidade de Salvador, a
metrópole de Salvador expandida para a costa atlântica norte.
A mudança de ênfase na política de desenvolvimento ao abordar a articulação
destas escalas irá também optar pela alteração conceitual do modelo racional-
funcionalista para o estratégico como forma de ordenar e adequar a metrópole para
o novo momento econômico.
A política com ênfase na industrialização para o desenvolvimento visava reduzir o
atraso econômico da Região Nordeste. Esta política foi feita à base de incentivos
fiscais e financeiros e investimentos em infra-estrutura de energia e transportes, e
por meio de pólos de desenvolvimento. Capitaneado pela SUDENE por meio das
proposições dos Planos Nacional de Desenvolvimento – PND principalmente a
Região Metropolitana de Salvador absorve o Pólo Petroquímico, em Camaçari, com
a cadeia produtiva conseqüente, que vem somar-se ao Centro Industrial de Aratu e
seu porto. Este esforço industrializante faz a passagem da dominância da economia
agrário-exportadora para o setor secundário. Mas a maneira de industrialização por
pólos e grandes unidades e plantas produtivas teve como efeito uma concentração
de renda e territorial.
A transformação econômica pela industrialização assim como em outras cidades
onde aconteceu, implicou na necessidade de readequar socio-espacialmente o
território de Salvador. O modelo racional-funcionalista será chamado a classificar as
funções e usos da cidade segmentando-a por classes sociais, adensando e
verticalizando a área infra-estruturada para as camadas de maior renda, onde o
automóvel tem o papel de ligar as várias partes, e conduzindo a população de menor
renda para os subúrbios.
Embora tenha existido de fato um crescimento da participação da indústria no PIB
baiano e da indústria baiana no total nacional, o setor primário continua a ter seu
papel, e o setor terciário mantém sempre seu maior peso e o desenvolvimento obtido
tem seus impactos concentrados na camada de maior renda.
As transformações produtivo-econômicas no bojo de fenômeno da globalização sob
a ideologia neoliberal tendo repercussão no Brasil, atingiram também o Nordeste e
Salvador. Primeiro, porque a política de desenvolvimento está acoplada ao Estado
keynesiano e este sofre um desmonte em busca do chamado Estado mínimo
propugnado pelo neoliberalismo. Em segundo lugar, o esgotamento do sistema
fordista de produção exigiu mudanças na indústria para manter e alavancar a
acumulação, por meio do sistema flexível que será acompanhado por uma
ampliação necessária do setor terciário.
Considerando o caso Salvador, em paralelo a queda da atividade industrial observa-
se um incremento do setor terciário, tendo como aspecto mais visível a atividade
turística, alicerçada na cultura local e no seu potencial de lazer praiano. Constrói-se
assim uma política de desenvolvimento a partir do setor de serviços com ênfase no
turismo, cultura e entretenimento que irá assumindo um papel de dominância.
A ampliação do setor de serviços com foco no turismo e cultura corresponderão a
chamada ao modelo estratégico para um reordenamento territorial na perspectiva
local. O modelo em Salvador opta por buscar colocar a cidade em posicionamento
único no mercado, uma diferenciação expressa com outras cidades brasileiras e
internacionais para dar base de competitividade às empresas que nela instalem-se e
desenvolvam suas atividades. Para o modelo estratégico, ao contrário do racional-
funcionalista para o qual o espaço é uma abstração, o espaço trata-se de um lugar
termo que se referencia a cultura, às representações simbólicas, a um período e
processo histórico determinado.
O processo de busca do desenvolvimento revela-se assim no seu dinamismo, na
sua mutabilidade, e determinadas políticas econômicas e territoriais são
desestabilizadas perdem dominância, mas respostas às necessidades já não são
correspondidas e alternativas aparecem como mais adequadas à respondê-las. A
questão está em que o processo tem características de heterogeneidade. Ao lado do
impulso para uma política de desenvolvimento através do setor terciário com tônica
no turismo, mantém-se o papel da industrialização (e mesmo no interior desta
existem nichos avançados do sistema flexível e parte ainda trabalhando no sistema
fordista), e o papel do setor primário.
Existe assim uma problematização da questão do desenvolvimento na medida que
se tem uma passagem de política com ênfase na indústria para outra política com
tônica nos serviços, com base no turismo. Mas a industrialização mantém-se, ainda
que perdendo dominância, e a política com base nos serviços avança, mas não é
plenamente hegemônica.
Neste sentido percebe-se igualmente como o modelo estratégico de ordenamento
do território, que melhor serve ao novo momento produtivo-econômico, convive com
resquícios importantes do modelo racional-funcionalista, principalmente o
zoneamento da cidade que apóia a industrialização. Poderia-se então refletir-se não
sobre um confronto de políticas e sim pensar numa espécie de co-habitação entre as
duas políticas, ou até melhor, numa interpenetração entre o setor de serviços e o
industrial. Assim, os capítulos 2 e 3 desta tese irão explorar a problemática pelo foco
da alteração e coexistência da lógica industrial para o impulso da política de
desenvolvimento através do setor de serviços por meio do cluster de turismo,
mostrando sua ascensão como escolha principal do Estado para movimentar a
economia de Salvador.
CAPÍTULO 2: A CIDADE DE SALVADOR: PLANEJAMENTO E
DESENVOLVIMENTO DE 1950 A 1991. DO PLANEJAMENTO URBANO ÀS
PROMESSAS DE DESENVOLVIMENTO
2.1. SALVADOR: CARACTERIZAÇÃO DEMOGRÁFICA E ESPACIAL
A cidade de Salvador possui uma geografia peculiar. As ladeiras e os terrenos
acidentados interferiram de forma direta no processo de urbanização. As
particularidades do sítio interferiram na concepção da cidade, dividida em duas
partes: a alta, onde hoje estão localizadas a Praça Municipal e a Praça Castro Alves,
e a baixa, onde se encontram o Mercado Modelo, o Porto e o Comércio.
De início, a cidade apresentou, como boa parte das cidades litorâneas do Brasil, um
crescimento próximo ao mar, a exemplo de Santos, Rio de Janeiro, Aracaju e
Maceió. Assim, a consolidação da urbanização da cidade deu-se na faixa voltada
para a Baía de Todos os Santos. Posteriormente, o crescimento acontece em
direção ao norte da cidade, acompanhando a faixa litorânea banhada pelo Oceano
Atlântico. A partir dos anos 1950, a mancha urbana da cidade passa a ser influencia
pela dinâmica industrial de sua Região Metropolitana.
Segundo conclusões de estudos realizados pela Conder, a cidade de Salvador
apresenta três vetores de crescimento distintos, que determinarão a direção da
expansão da cidade e o perfil das áreas por eles abrangidos
12
. São eles:
12
A questão dos vetores de crescimento será aprofundada no item “3.6. De volta ao Planejamento
Urbano: o PLANDURB”.
a) Vetor 1 – ao longo da Orla de Salvador. Vetor de crescimento econômico
qualitativo, caracterizado por condomínios residenciais de alto luxo,
predominantemente condomínios fechados;
b) Vetor 2 – ao longo da Av. Paralela, seguindo pela Estrada do Côco e em
direção ao Litoral Norte, apresentando derivações importantes como o Miolo
de Salvador
13
, Itinga e Villas do Atlântico – já em Lauro de Freitas – e se
estendendo até os povoados de Camaçari ao longo da Estrada do Côco.
Os estudos realizados apontam para a tendência de que a Av. Paralela abrigue
futuras incorporações comerciais da cidade, incluindo concessionárias de carros,
shoppings centers e universidades. Em função do grande adensamento da Av.
Tancredo Neves, este vetor torna-se a opção natural para o surgimento de novos
edifícios de escritórios. Por outro lado, as regiões no Miolo de Salvador, tenderão a
apresentar crescimento residencial de famílias de renda média/ baixa.
c) Vetor 3 – ao longo da BR-324, que se estende até Simões Filho e deriva
também para o Miolo de Salvador e o subúrbio ferroviário. Área de impacto
industrial que é impulsionada pelo CIA, Complexo Petroquímico de Camaçari
e Pólo Automotivo da Ford.
Portanto, o que pode-se notar é um processo de conurbação entre as cidades de
Salvador e Lauro de Freitas – já de forma mais clara – mas também envolvendo
Simões Filho e Camaçari.
13
O Miolo de Salvador é a área existente entre a Av. Paralela e a BR 324.
Pode-se, também, compreender estes vetores de crescimento como um processo de
segmentação do espaço urbano. Assim, as classes média-alta e alta tendem a
ocupar os espaços do vetor 1, ficando o vetor 2 destinado à classe média-baixa. Já
a classe baixa continua a conviver em condições adversas, em especial no subúrbio
ferroviário.
Mapa 4 – Vetores de crescimento e distribuição de renda em Salvador
Fonte: MDS Data.
Obs: as classes seguem o critério ABA / ABIPEME.
Quando se observam os aspectos demográficos da cidade, não se pode esquecer
de considerar que o estado da Bahia possui como característica marcante uma
Vetor 3
Vetor 2
Vetor 1
concentração da população na capital. Apesar do estado possuir uma área de
564.273 km², ou aproximadamente o tamanho da Espanha, verifica-se uma
concentração populacional em poucos municípios. Enquanto a capital aproxima-se
de 2,7 milhões habitantes, a segunda maior cidade do estado tem uma população de
cerca de meio milhão de habitantes e a terceira cerca de 285 mil.
Tabela 14: Os dez municípios com maior população na Bahia (População
estimada em 01.07.2005)
Cidade População População em relação a
capital
Salvador 2.673.560 100,0%
Feira de Santana 527.625 19,7%
Vitória da Conquista 285.927 10,7%
Ilhéus 221.110 8,3%
Itabuna 203.816 7,6%
Juazeiro 203.261 7,6%
Camaçari 191.855 7,2%
Jequié 148.724 5,6%
Barreiras 134.333 5,0%
Alagoinhas 138.366 5,2%
Fonte: Elaborada pelo autor a partir de dados do IBGE
Este quadro de concentração populacional torna a capital como lugar preferência no
processo migratório. Assim, percebe-se um fluxo migratório bastante acentuado,
especialmente a partir de 1950. Naquele momento, enquanto o estado tinha sua
população crescendo a uma taxa média anual de 2,1%, a capital crescia a uma taxa
de 3,7%. De acordo com a demógrafa Gauraci Adeodato de Souza os anos 1950
representam um período de concentração de uma população empobrecida em torno
de Salvador, gerando uma força de trabalho excedente.
A partir da década de 50 começa a formação, na Bahia, de uma
massa crescente de mão-de-obra empobrecida, nas periferias dos
maiores centros urbanos, especialmente na capital. Constituía-se
assim o que se qualifica de força de trabalho excedente, e já se
observava uma grande desproporcionalidade entre o volume de
trabalhadores proletarizados que os fluxos migratórios traziam para
as cidades e a expansão da demanda por força de trabalho nos
segmentos mais capitalizados da economia. (Souza, 1986, p. 13).
Nos anos 1960 e 1970 a taxa em Salvador apresentava uma taxa média anual de
crescimento da população de 4,5%, sendo que o crescimento na Bahia era de 2,1%
na década de 1960 e 2,4% na década de 1970. Com isto o processo de
proletarização se acelerou na Região Metropolitana de Salvador, gerando ainda um
contexto de mão de obra não qualificada, informalidade e não regularidade nas
relações de trabalho.
As grandes transformações pelas quais passou a Bahia entre 70 e 80
incrementaram fluxos migratórios de todo o tipo, com as mais
variadas trajetórias, especialmente os fluxos de origem rural,
direcionando-se no sentido interior - RMS (capital) e interior - centro-
sul do país. O processo de proletarização nesta década produziu
uma massa explícita de trabalhadores sem terra (ou apenas com um
roçado) e sem emprego regular, o que contribuiu para o agravamento
da pobreza rural e o abandono do campo. (SOUZA, 1986, p. 8).
Assim, como uma das conseqüências do fortalecimento industrial na Região
Metropolitana de Salvador ocorreu um processo migratório, reduzindo os efeitos
positivos das empresas que se instalaram no CIA e no Complexo Petroquímico de
Camaçari.
Tabela 15: Crescimento populacional na Bahia (1900 – 1980)
Ano Bahia Taxa média anual de crescimento em década
1900 2.117.956 Não disponível
1920 3.334.465 2.2 % (1900-1920)
1940 3.918.112 0.81 %
1950 4.834.575 2.1 %
1960 5.920.447 2.1%
1970 7.493.437 2.4 %
1980 9.455.392 2.4 %
Fonte: Elaborada pelo autor a partir de dados do IBGE, IPEA e outras fontes.
Tabela 16: Crescimento populacional em Salvador (1620 – 1980)
Ano Salvador Taxa média anual de
crescimento em década
1620 21.000 Não disponível
1872 129.109 Não disponível
1890 174.412 1.6% (1872-1890)
1900 205.813 1.7%
1920 283.422 1.6 %
1940 290.443 0.16 %
1950 417.235 3.7 %
1960 649.453 4.5 %
1970 1.007.195 4.5%
1980 1.828.300 6.1 %
Fonte: Elaborada pelo autor a partir de dados do IBGE, IPEA e outras fontes.
O que também se verifica, significativamente, é que a proporção da população
baiana na capital aumentou à medida que o CIA e o Complexo Petroquímico de
Camaçari foram entrando na maturidade. Assim, a aceleração desse processo
migratório contribui para quadro de favelização de Salvador.
Assim, quando se observar dados da distribuição da renda de Salvador
14
, verifica-se
que apenas 5,2% das famílias soteropolitanas vivem com renda acima de 20 salários
mínimos e 12,9% possui renda entre 10 e 20 salários mínimos. Outra parcela de
23,2% possui uma renda de 5 a 10 salários mínimos, 33,9% de 2 a 5 e 24,5% possui
uma renda que não ultrapassa 2 salários mínimos.
De fato, a migração contribui bastante para o inchaço da cidade, não favorecendo a
consolidação de uma classe média.
14
De acordo com IBGE (2000).
Tabela 17: Participação da população de Salvador na Bahia (1900-1980)
Ano Participação da população de Salvador na Bahia (em %)
1900 9.6
1920 8.5
1940 7.4
1950 8.6
1960 11.0
1970 13.4
1980 19.3
Fonte: Elaborada pelo autor a partir de dados do IBGE, IPEA e outras fontes.
Para se ter uma idéia deste processo, observa-se que a migração foi responsável
por 57,1% do crescimento populacional do local na década de 1950, 63,6% na de
1960 e 54,9% na de 1970.
Tabela 18: Origem do crescimento da População de Salvador (1950-1970)
1940 1950 1960 1970
População total 290.443 417.235 649.453 1.007.195
(1) Aumento sobre década - 126.502 232.218 357.742
(2) Aumento líquido da
migração
- 72.227 147.804 196.516
(2) / (1) = - 57.1 % 63.6 % 54.9 %
Fontes: Souza, Guaraci Adeodato Alves de, “Urbanização e Fluxos Migratórios Para Salvador”, in
Bahia de Todos os Pobres (Petrópolis: Editora Vozes Ltda. em co-edição com CEBRAP, Caderno
CEBRAP no. 34, 1980) :105 and Faria, Vilmar E., “Divisão Inter-Regional do Trabalho e Pobreza
Urbana: O Caso de Salvador”, in Bahia de Todos os Pobres, op. cit., : 23-40.
Já no período compreendido entre 1991 e 2000, com a capital apresentando uma
série de problemas sociais, como uma elevada taxa de desemprego e falta de
moradia, o fluxo migratório foi reduzido. Somando-se ainda a uma tendência
nacional de redução da taxa de natalidade, Salvador apresentou um menor
crescimento populacional, com uma taxa média anual de 2,26%, ainda assim um
crescimento relativamente alto. Para efeitos de comparação, no mesmo período, o
crescimento anual da população brasileira foi de 1,6% e o da Região Nordeste 1,3%.
Tabela 19 – População de 1996 e População Projetada – Região Metropolitana e
Município do Salvador (1996 -2020)
1996(1) 2000 2005 2010 2015 2020
RMS 2.709.084 3.067.748 3.355.220 3.622.045 3.846.870 4.027.968
Salvador 2.211.539 2.427.745 2.589.705 2.759.744 2.926.458 3.060.540
Fonte: Planejamento, Pesquisa, Consultoria e Assessoria Ltda / SEPLAM (2001).
Obs.: Essa projeção não leva em conta o censo de 2000. Assim, apresenta pequenas
divergências em relação às informações obtidas a partir do último censo.
Soma-se ao fato da capital baiana possuir uma elevada taxa de crescimento
populacional a redução do número médio de habitantes por domicílio. Desta forma, a
pressão por moradia tende a crescer nos próximos anos, somando-se a uma série
de problemas urbanos, hoje observados, tais como saneamento básico, transporte e
segurança.
Tabela 20 – Número Médio de Habitantes por Domicílio Salvador -
1980/1991/1996
Ano Habitantes/Domicílio
1980 5,0
1991 4,3
1996 4,0
Fonte: IBGE - Censos Demográficos, 1980/1991 e Contagem da População, 1996.
Elaboração: PMS-SEPLAM-FMLF-GERIN-SISE, 1998.
Portanto, verifica-se na cidade de Salvador uma dinâmica urbana derivada de um
processo de industrialização realizado na sua Região Metropolitana. Assim, com a
consolidação do parque industrial do CIA e de Camaçari e a falta de perspectiva nas
pequenas cidades do interior, uma massa marginalizada vislumbrou na capital uma
alternativa para sua realidade.
Entretanto, este quadro tornou a cidade de Salvador um espaço de excluídos, com
baixa ou nenhuma escolaridade. Assim, a cidade informal cresceu com as invasões,
que foram muitas vezes retiradas pelo poder público. As relações de trabalho foram
constituídas a partir de vínculos precarizados, favorecendo a exploração, inclusive
da mão de obra infantil. Com isto a promessa de desenvolvimento através da
industrialização foi insuficiente para levar melhores condições de vida à população.
2.2. A BAHIA, A CIDADE DE SALVADOR E SUA REGIÃO METROPOLITANA: A
PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO E O TRAÇO EXÓGENO
A Bahia destaca-se no cenário nacional como um dos estados com história mais
marcante no planejamento. Para que se tenha a dimensão deste fato já nos anos
1930 são criados pelo governo estadual o Instituto de Cacau da Bahia
15
e o Instituto
Baiano do Fumo com a precípua intenção de melhor organizar dois dos principais
produtos da sua economia agro-exportadora. Mas é em meados dos anos 1950, com
o Governo Balbino, que a idéia do planejamento para o desenvolvimento ganha
espaço entre os políticos, intelectuais e empresários da época.
Numa breve recuperação da história do planejamento na capital baiana e no estado
pode-se destacar: (I) o programa da lavoura cacaueira nos anos 30; (II) o Escritório
do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador - EPUCS que estabeleceu diretrizes
de planejamento urbano no intuito de ordenar seu crescimento de Salvador entre
1943 e 1947; e (III) a instituição tanto do Conselho de Desenvolvimento da Bahia –
CONDEB como da Comissão de Planejamento Econômico – CPE ambos em 1955.
Esta comissão, tendo como primeiro presidente o então Deputado Rômulo Almeida,
procura enfrentar o chamado enigma baiano e dá início a um processo sistemático
de estudo e avaliação da situação econômica do Estado, que vai resultar em uma
série de planos e propostas visando a estimular o crescimento econômico e a
inserção da economia baiana no processo nacional de acumulação da capital.
Na realidade, a Bahia nos fins da década de 40 e início dos anos
1950, já reunia as chamadas condições “objetivas” para o
15
No governo Juracy Magalhães.
desenvolvimento: de uma lado havia, entre os lideres políticos e
empresariais, a exemplo de Clemente Mariani e Pinto de Aguiar, e do
próprio Rômulo Almeida (ex-Chefe de Assessoria Econômica do
Governo Vargas, que viria a desempenhar papel fundamental na
consolidação do planejamento e do desenvolvimento na Bahia), um
certo consenso quanto a necessidade de modernização econômica
do Estado, pela via da industrialização, para que se superasse o
modelo agrário-exportador que dava sinais evidentes de exaustão;
ao lado disso, um conjunto de empreendimentos estratégicos tinha
sido ou já se já se achava em fase de implantação, tais como a
geração de energia elétrica de Paulo Afonso, com a construção deda
Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF), e a exploração
do petróleo no Recôncavo, com o advento da Petrobrás e a
implantação da Refinaria Landulfo Alves (RLAM). Ademais, os
acordos com os Estados Unidos, que asseguraram a participação do
Brasil na Segunda Guerra Mundial, delineando um programa de
investimento em setores básicos que viriam a alavancar o projeto
nacional de desenvolvimento, eram um outro fator a impulsionar o
Estado para a rota da modernização. (CARVALHO NETO, 2002, pg.
07):
As elites locais começaram a demandar ainda mais uma inserção econômica efetiva
no cenário nacional em função da crescente perda de importância relativa. Muitas
das ações implementadas nos anos 1950 têm origem nos anos 1930. Afinal, era
necessário romper um quadro involutivo, com uma rede bancária incipiente e uma
dinâmica econômica apoiada numa lógica agrária, sendo sustentada pelo
autofinanciamento e por casas comissionarias (AZEVEDO; VIEIRA LINS, 1969).
Destaca-se ainda que “os setores baianos que haviam apresentado maiores índices
de crescimento entre as décadas de 1930 e 1940 eram, justamente, os de baixo
valor agregado, notadamente os produtos alimentícios”. (LIMA, 2004, p. 27).
De fato, a oligarquia baiana sempre utilizou a máquina estatal para, em alguma
medida, planejar o desenvolvimento ou para obter os frutos do planejamento.
Entretanto, a eficácia de tais planos é contestada com a variação das taxas de
crescimento econômico e do não desenvolvimento no seu sentido pleno,
perpetuando e replicando uma frágil dinâmica sócio-econômica. Mas a esperança do
desenvolvimento é alimentada a cada nova estratégia, plano ou mesmo promessa
de desenvolvimento.
No final do Império, a escravidão começava a ser desmontada. No cenário nacional
observava-se que a elite cafeeira do Centro-Sul resolvia seus problemas de
escassez de mão-de-obra com a imigração européia. Já a economia baiana estava
também em crise, com a indefinição nas elites baianas em termos de estímulos à
imigração européia ou de busca da mão-de-obra de origem chinesa, para suprir uma
declarada escassez de trabalhadores. Alguns autores consideram esta uma das
principais causas da crise de estagnação que mais a frente passou a ser conhecida
como o enigma baiano
16
.
Assim, foi formada uma Comissão Externa pelo Senado Baiano, em 1891, que
considerava que havia uma crise de escassez de oferta de trabalho na lavoura da
cana, que se estruturava em torno do trabalho escravo. O fim da escravidão levava à
falta de força de trabalho e o governo era identificado como o principal responsável
pela crise, por não ter adotado mecanismos de compensação para as perdas dos
senhores de escravos.
A alternativa pela grande propriedade ex-escravista e fundada em trabalho
assalariado/ parceirista em condições quase-escravas implicava claramente a
exclusão da maioria da população negra, assim como dificultava a absorção dos
imigrantes europeus que chegavam e se constituíam como pobres urbanos. Apesar
dos enormes incentivos como isenção de impostos, financiamento de engenhos e
16
A expressão enigma baiano é comumente utilizada para a compreensão do quadro de não
desenvolvimento econômico na Bahia, mesmo considerando todos os esforços de infra-estrutura e
incentivos fiscais para a captação de investimentos.
usinas, construção de estradas de ferro e outras formas de intervenção direta do
governo, durante toda a Primeira República, em apoio à produção de cana-de-
açúcar, a economia do Recôncavo não se dinamizou.
Com isto, os primeiros cinqüenta anos do século XX são de estagnação do
crescimento regional, com a consolidação do cultivo do cacau como principal
produto de exportação e organizador das atividades econômicas locais. Alban (2005,
p. 2), abordando a questão do enigma baiano, assim expõe as prováveis causas da
estagnação da economia baiana nesta fase da sua história econômica:
- ao não participar do dinamismo do café, a Bahia não gerava
grandes excedentes passíveis de serem canalizados para a indústria;
- os excedentes do cacau, além de serem relativamente pequenos,
eram em parte, canalizados para o Sudeste do país em razão da
política de câmbio vigente. Por outro lado, o que ficava em mãos dos
produtores baianos era, em boa medida, em consumo suntuoso, nem
sempre realizado na Bahia;
- a Bahia, nesse sentido, vivia um processo de baixa acumulação de
capital, o que impedia o desenvolvimento de economias urbanas
geradoras de mercados para o desenvolvimento industrial;
- as elites e a população baiana, por fim, decorrentes da colonização
escravocrata-lusitana não detinham capacidades empresariais e
tecnológicas para a aventura industrial. O lucro, salvo raras
exceções, era sempre perseguido dentro de uma perspectiva
mercantil.
Assim, nos anos 1950, o debate em torno do “enigma baiano”, ganhou força. De
acordo com Aguiar (1958) as causas do atraso da industrialização no estado
estavam associadas ao baixo poder aquisitivo do mercado local, ao capital agro-
exportador que se opunha ao crescimento da indústria, à mão-de-obra pouco
qualificada, à inexistência de poupança interna, à falta de insumos básicos e de
mercado consumidor local, dentre outros. Entretanto, poucas foram as propostas
para a inserção da Bahia no processo industrial brasileiro.
Porém, a partir década de 1950, com o processo de industrialização passou a existir
na sociedade a expectativa do desenvolvimento no estado. Paralelo ao processo de
industrialização a dinâmica financeira do estado foi se alterando, tendo uma
redefinição do papel do Banco do Estado da Bahia nos 1960.
A criação do Banco do Estado da Bahia, BANEB, em 1937, sob a
denominação de Instituto Central de Fomento Econômico da Bahia,
ICFEB, apesar de ocorrida em paralelo à formação do Estado
keynesiano brasileiro, não chegou a moldar uma típica instituição
pública financeira de crédito, voltada para o fomento da acumulação
capitalista, nos seus primeiros 25 anos de vida. Tal conformação só
ocorreu a partir de meados de 1960, seja por conta da modernização
do sistema bancário nacional em 1964, seja porque a própria
economia baiana não requisitava uma instituição desta natureza até
finais dos anos 1950. Ao longo das décadas de 1940 e 1950, o
ICFEB teve uma atuação pouco representativa no desenvolvimento
da economia baiana, apresentando-se mais como um órgão
secundário de planejamento estadual do que propriamente como
uma instituição financeira oficial. (LIMA, 2004, p. 22)
Nos anos 50 e 60 do século XX os investimentos da Petrobrás e os incentivos para o
Centro Industrial de Aratu trouxeram ondas de otimismo, em uma economia ainda
fortemente dependente do comércio externo, especialmente das exportações de
cacau. O comércio interno tinha seu desenvolvimento limitado pela alta
concentração de renda. A onda de otimismo materializou-se em um conjunto de
investimentos em projetos fundamentalmente voltados para a produção de bens
intermediários, em uma série de estabelecimentos industriais com altas taxas de
turnover e que se aproveitaram do sistema de incentivos governamentais e das
obras de infra-estrutura e que, depois, com a redução dos incentivos, desativaram os
seus negócios.
Os anos 70 e 80 do século passado testemunharam a consolidação do Complexo
Petroquímico de Camaçari, também fortemente dependente de incentivos e infra-
estrutura pública, a partir da constituição da Companhia Petroquímica do Nordeste
(Copene), em janeiro de 1972. As tentativas de expansão da metalurgia do cobre e
do setor de papel e celulose, da mesma forma, não criaram encadeamentos
intersetoriais capazes de densificar a matriz industrial do Estado, apesar de terem
impactos sobre o volume do PIB baiano. Já no fim do século XX a nova promessa -
a Ford - ainda não conseguiu gerar efetivamente um impacto positivo sobre a
economia local. Portanto, nas últimas décadas a economia baiana e soteropolitana
deparou-se com as promessas de desenvolvimento da Petrobrás, Complexo
Petroquímico de Camaçari, CIA, Ford e turismo. A compreensão do insucesso
dessas promessas no fortalecimento do desenvolvimento local está presente neste
terceiro capítulo.
Neste contexto, estudos sobre a economia baiana mostram que a produção
industrial na segunda metade do século XX destacou-se pelo caráter espasmódico
dos investimentos em blocos concentrados temporalmente, espacialmente e
setorialmente (TEIXEIRA e GUERRA, 2000). Assim, com origem exógena estes
movimentos e seu pequeno efeito para trás na economia, não criou uma dinâmica
endógena de encadeamentos intersetoriais que fosse capaz de alimentar situações
de sustentabilidade interna para o crescimento, gerando um quadro econômico
bastante fragilizado no estado.
2.3. O EPUCS – MARCO DO ESFORÇO INICIAL DE PLANEJAMENTO URBANO
EM SALVADOR
Mesmo que o planejamento praticado pelo Escritório de Planejamento Urbano da
Cidade do Salvador – EPUCS no decênio de 1940 tenha como característica antes a
preocupação com a forma da cidade e com o seu ordenamento urbano (inclusive da
infra-estrutura), que com sua economia ou com o espaço regional no qual está
inserido, é válido aqui abordá-lo. Diversos projetos formatados ao longo dele,
especialmente os referentes ao sistema viário, vieram a ser objetivados nos anos de
1960 e 1970, ainda que não exatamente iguais aos originais. Algumas diretrizes
foram objetivadas quase que imediatamente, como o zoneamento espacial da
cidade.
Figura 4 – Modelo espacial de Planejamento de Salvador proposto no EPUCS
Fonte: S
CHEINOWITZ, 1998.
O plano almejava “corrigir os defeitos da cidade, ordenar seu desenvolvimento e
melhorar a qualidade de vida da sua população” (FERREIRA, MÁRIO L. apud
SALVADOR, 1976) através das seguintes atividades-meio:
1 - preparação da planta cadastral da Zona Urbana da Cidade
mediante projeto e especificações técnicas detalhadas previamente e
aprovadas pelo prefeito;
2 - realização de trabalhos de investigação histórica e científica dos
fatores responsáveis pela atual fisionomia da Cidade e apresentação
deste estudos em forma de monografias enfeixadas em volumes que
comporiam a “enciclopédia urbanística da Cidade do Salvador”;
3 - interpretação dos resultados desses estudos, do ponto de vista da
formação estrutural e funcional da Cidade do Salvador;
4 - composição de um corpo de doutrinas e princípios basilares sobre
o qual possam assentar os projetos a serem discutidos agora e no
futuro;
5 - realização de projetos sugeridos pela investigação e acomodados
às suas conclusões, sobre restaurações e correções da estrutura
atual da cidade e sobre o desdobramento e expansão de novos
setores, que são entregues a prefeitura para a sua possível
execução, à proporção que forem sendo organizados, obrigando-se o
contratante a dar prioridade àqueles que, sem prejuízo justificado do
plano de conjunto, forem preferidos pelo prefeito. (SALVADOR, 1976,
p.39)
Percebe-se que, mesmo com os objetivos de ordenar o desenvolvimento e melhorar
a qualidade de vida da população de Salvador, o plano do EPUCS estabelece,
apenas, como estratégia a intervenção no espaço na linha do Town Planning City
sem acoplar um projeto de economia urbana que pudesse realmente iniciar um
processo de crescimento e desenvolvimento econômico da cidade.
Pode-se observar que a linha de trabalho do EPUCS combina e adapta algumas
influências inerentes a diferentes correntes teóricas difundidas na época: a ideologia
funcionalista de Le Corbusier com a reforma urbana do centro antigo e o
zoneamento a partir de funções urbanas específicas; as concepções sobre a cidade
oriundas da Escola de Chicago vide a valorização de áreas verdes no espaço intra-
urbano contida na Cidade-Jardim de Howard e o esquema de círculos concêntricos e
idéias sobre a expansão física das cidades preconizadas por Burgess, que veio se
constituir com base ao modelo radial-concêntrico formulado pelo EPUCS; e,
sobretudo, aos estudos de Geddes, que a partir da perspectiva histórica da cidade,
visão de cidade como um todo e da necessidade de pesquisas e estudos urbanos
(surveys), nortearam a construção da metodologia de trabalho do escritório.
Seguindo sua intenção de pensar a forma urbana da cidade, o plano do EPUCS
elabora para Salvador projetos em seis setores do urbano:
a) diferenciação de zonas;
b) vias de comunicação;
c) parques e jardins;
d) habitação
e) instalação de serviços públicos e centros cívicos;
f) centros de abastecimento da Cidade, suas instalações e
intercomunicações. (SALVADOR, 1976, p.39).
Este plano, mesmo inconcluso, deixa um importante legado para Salvador. Ele
qualificou profissionais locais para atuarem no processo de planejamento urbano e
se constituiu numa experiência inovadora para o poder municipal. Também lança as
bases para a elaboração e aprovação, já no âmbito da Comissão do Plano de
Urbanismo da Cidade do Salvador – CPUCS (1948-1958) que o substituiu, de dois
instrumentos jurídicos importantes: o Decreto-Lei nº 701/48 que dispõe sobre o
zoneamento e uso do solo na Zona Urbana da cidade e o Código de Urbanismo.
Segundo Scheinowitz (1998), o DL n° 701/1948 foi o primeiro passo da
municipalidade de Salvador para dotá-la de uma rede moderna de circulação. Ele
cria e define, entre outras vias de circulação, três cintas concêntricas, três linhas
radiais, e três circuitos de vias secundárias para, desta forma, articular os espaços
da cidade, inclusive a cidade-baixa e a cidade-alta.
Mapa 5 – Zoneamento de Salvador definido pelo EPUCS (DL nº 701/48)
Fonte: S
ALVADOR, 1976.
Não por acaso, em termos de projetos para a cidade, sua contribuição mais
significativa foi a definição das parkways, ou avenidas de vale, devidamente
ajardinadas e arborizadas destinada ao fluxo mais intenso de veículos. Estas
avenidas viriam a ser as avenidas Centenário (1949), Castelo Branco (1967), Costa
e Silva (1968), Vale do Bonocô (1970), Garibaldi (1977) (VASCONCELOS, 2002), entre
outras avenidas nestas inspiradas.
Figura 5 - Abertura da Avenida Garibaldi, construída entre 1969-1972
Fonte: RCGR Informática, 2002
Figura 6 - Abertura da Avenida Bonocô, inaugurada em 1970
Fonte: RCGR Informática, 2002
Após o término dos trabalhos do EPUCS, em 1947, Salvador viria a passar por um
largo período de tempo, aproximadamente três décadas, sem contar com um
processo formal, endógeno e autônomo de planejamento, quer seja ele urbano ou
econômico – este período é marcado pela falta de novos planos ou projetos,
tentando-se apenas implantar aqueles concernentes aos trabalhos desenvolvidos
quando Mário Leal Ferreira estava à frente do EPUCS, marcadamente o do sistema
de avenidas de vale.
O que de certa forma não deixa de ser um paradoxo porquanto foi a capital baiana a
municipalidade que mais sofreu os efeitos com o planejamento industrial que tomaria
forma a partir dos anos de 1950 e se afirmaria nos decênios de 1960 e 1970. Mas
neste novo processo a questão do desenvolvimento de Salvador não surgiu como
um objetivo específico a ser alcançado, mas veio a reboque do planejamento
econômico do governo estadual e, posteriormente, também do governo federal que
almejavam a industrialização do estado e do Brasil.
2.4. A MONTAGEM DO PROCESSO DE PLANEJAMENTO NA BAHIA E O
PLANDEB
De tão amplamente investigado e debatido pela sociedade baiana em geral e pelos
intelectuais em particular, no âmbito dos estudos sobre o enigma baiano, o tema do
desenvolvimento econômico ou modernização econômica da Bahia se transformou
em programa de governo a partir de 1955 com a administração Antônio Balbino.
Programa este que seria levado a termo via planejamento, tomando este como
“instrumento político para promover mudanças econômicas e sociais e, como tal,
respaldado em decisão política” (CARVALHO NETO, 2002, p.8).
Como se observa, a Bahia não apresentava, nem de longe, as
condições mínimas necessárias ao desenvolvimento do processo de
industrialização. Ao contrário, com suas elites atuando dentro de uma
perspectiva mercantil, o natural era uma involução constante da
economia com a canalização dos parcos excedentes gerados para o
Sul e Sudeste do país, através do sistema financeiro. Para superar o
enigma, portanto, tornava-se necessário reverter essa dinâmica
involutiva natural, o que só poderia ser feito via planejamento (grifo
nosso). (ALBAN, 2005, p.3).
Fruto desta decisão política de iniciar a programação do desenvolvimento do estado
tendo em vista a superação do seu subdesenvolvimento, as criações em 1995, por
decreto, do Conselho de Desenvolvimento da Bahia - CONDEB e da Comissão de
Planejamento Econômico - CPE representam os dois marcos institucionais do
planejamento baiano (CARVALHO
NETO, 2002; SPINOLA, 2003).
A CPE surgiu com o objetivo de diagnosticar a economia baiana,
conceber programas e projetos e institucionalizar o sistema de
planejamento estadual, tendo sido responsável pela elaboração do
Programa de Recuperação Econômica da Bahia, entre dezembro de
1954 e abril de 1955, e, posteriormente o Plano de Desenvolvimento
da Bahia – Plandeb -, concluído em 1959. (SPINOLA, 2003, p. 108).
Enquanto o CONDEB atuava como uma instância política para a problemática do
desenvolvimento econômico, a CPE possuía um caráter mais operacional ou
executivo. Era formada por diversas instituições ligadas as áreas econômica,
financeira e educacional – Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE), Fundação
Getulio Vargas (FGV), Ministério da Agricultura, Superintendência da Moeda e do
Crédito (SUMOC), Banco do Nordeste do Brasil (BNB), Universidade da Bahia (atual
Universidade Federal da Bahia) - e presidida pelo Secretário da Fazenda, no caso o
economista cepalino Rômulo Almeida. Segundo Carvalho Neto (2002), estas são as
competências institucionais da CPE:
Estudar e propor medidas convenientes à estabilidade e desenvolvimento do
estado e de áreas econômicas vizinhas;
Estudar e propor empreendimentos específicos que sejam considerados de alta
relevância para o cumprimento da sua função de impulsionador do
desenvolvimento geral do estado;
Promover uma maior articulação entre atores privados e governamentais
(estadual e federal) como forma de acelerar o processo de desenvolvimento;
Promover de forma direta ou via outras entidades da administração todas as
informações necessárias ao planejamento, instalação e funcionamento de
empreendimentos na Bahia.
Foi esta comissão que, em 1959, concluiu a primeira peça de planejamento formal
baiano, o Plano de Desenvolvimento da Bahia – PLANDEB. O plano estava
fortemente assentado sobre a perspectiva da viabilidade do desenvolvimento de um
parque industrial baiano, fato que se iniciara com a implantação e operação da
Refinaria petrolífera de Landulfo Alves a partir de 1954 em São Francisco do Conde
(VASCONCELOS, 2002). Sua concepção em torno da atividade industrial moderna e
sua implantação em sucessivas etapas traria amplas repercussões econômicas e
espaciais para o estado e para Salvador no decorrer da segunda metade do século
XX. Mais que isso, decorre deste planejamento a arrancada econômica da Bahia e a
fase de expansão demográfica, econômica e de ocupação territorial da capital.
Segundo Spinola (2003), o governo do estado almejava, via industrialização
intensiva espacialmente distribuída segundo o modelo de desenvolvimento teorizado
por Perroux – Teoria dos Pólos de Crescimento -, modificar estruturalmente a base
da economia baiana cujo setor secundário respondia em 1950 por apenas por 8,7%
do PIB do estado e tinha uma participação de 1,4% na produção industrial nacional.
Seus principais objetivos eram: (I) criar um parque industrial no estado; (III) reduzir o
desemprego; (III) aumentar o consumo de matéria-prima e de víveres; (IV) modificar
a estrutura do comércio por meio da produção local de alguns bens de consumo
final; (V) criar condições para a importação de bens de capital e outros bens com
maior valor agregado.
Tabela 21 – Estratégias do PLANDEB para a industrialização do Estado
Estratégia Conteúdo
1
Promover a articulação de um processo de industrialização, a partir da
formação de um pólo de crescimento constituído de indústrias
interdependentes, segundo o modelo clássico de um complexo de siderurgia,
metalurgia e indústrias elétricas, complementando com uma indústria de
mineração e de petróleo e uma infra-estrutura especializada;
2
Formação de um setor agroindustrial moderno, mediante a elaboração de
projetos técnica e economicamente viáveis, e a promoção do
desenvolvimento do interior sustentado na modernização da agricultura e da
pecuária;
3
Apoio às empresas existentes, mediante a modernização e capitalização
daquelas que possuíam capacidade de competir no mercado nacional;
4
Formação de quadros especializados para os segmentos modernizantes da
economia regional.
Fonte: SPINOLA, 2003.
Não obstante a estratégia de desenvolvimento do PLANDEB priorizar o modelo
industrial, do qual derivaram nas duas décadas seguintes tanto o Centro Industrial
de Aratu – CIA quanto o Complexo Petroquímico de Camaçari – COPEC, além de
mais alguns centros e distritos industriais no interior da estado, pode-se dizer que ele
foi mais além do que isso. As estratégias 2, 3 e 4 da Tabela 21 demonstram bem o
escopo que os planejadores baianos tentaram dar ao plano. Tentaram, apenas.
Como se observa até os dias de hoje a Bahia é um estado que é carente de um
contingente adequado de mão-de-obra qualificada para os padrões econômicos
vigentes, de boas instituições de ciência e tecnologia – C&T e ainda possui um
quadro de desenvolvimento caracterizado pela sua má distribuição espacial, nos
extremos do estado e na Região Metropolitana de Salvador – RMS, e pela
concentração da renda em algumas camadas da população.
A seguinte afirmação de Spinola (2003, p. 101) aponta algumas dificuldades
impostas à estratégia de industrialização da Bahia e sintetiza qualitativamente a
experiência baiana de planejamento econômico-industrial empreendida pelo governo
do estado a partir do decênio de 1950 e levada a cabo pelo PLANDEB, tomado
como diretriz pelos planos industriais vindouros, até o decênio de 1980.
Conspiraram contra o esforço modernizador do planejamento baiano
uma estrutura agrária arcaica, reforçada pela carência total de um
background agrícola, comercial ou industrial por parte da
esmagadora maioria da população local, composta por escravos
libertos e suas miscigenações, cujo padrão cultural mal supera o
estágio do neolítico, o que os reduzia, na prática, à condição de
servos rurais ou subalternos urbanos, explorados por uma diminuta
elite pós-colonial, vinculada aos interesses do capital mercantil
dominante na região.
2.5. O PLANEJAMENTO INDUSTRIAL: O CIA E O COPEC
O Plano do Centro Industrial de Aratu – CIA (1966), a cargo do Governo do Estado
da Bahia, dava continuidade ao ideário da Comissão de Planejamento Econômico –
CPE instituída em 1955. Estando inserido no contexto do planejamento regional
instituído pela SUDENE ele visava a atrair investimentos industriais para a Bahia
estimulando o seu desenvolvimento. Ele “constitui uma iniciativa pioneira de
concepção, planejamento e implantação de áreas específicas para a atividade fabril
em todo o Nordeste brasileiro” (SPINOLA, 2003, p. 165) e a sua implantação e
operação, ainda que fora dos moldes planejados, trouxe mudanças significativas
para Salvador, tanto do ponto de vista da economia urbana-regional quando do
ponto do planejamento territorial.
O objetivo fundamental do Centro Industrial de Aratu, segundo o
texto do plano diretor de 1967, era ‘assegurar uma oferta estável e
elástica de terrenos industriais, em área excepcionalmente bem
situada, racionalmente zoneada e bem equipada, assegurando às
indústrias excelentes condições de competitividade, pelas vantagens
iniciais de implantação e baixo custo de operação’, que se
desdobrava na intenção de ‘assegurar, no longo prazo, facilidades
para mais ampla expansão industrial que seja previsível’. A esse
objetivo principal, o documento associava três outros objetivos
correlatos, aos quais declarava atribuir particular importância, mesmo
porque transcendiam ao plano industrial propriamente dito: a) a
criação de um porto regional; b) a execução de programa
habitacional; c) a integração futura da área industrial e dos núcleos
habitacionais na Área Metropolitana da Grande Salvador. (SPINOLA,
2003, p. 167).
Se até aquele momento os produtos reais do plano do EPUCS foram, apenas,
algumas poucas avenidas construídas, o Decreto-Lei nº 701/48 (zoneamento do
solo), o Código de Urbanismo e o plano do CIA impuseram uma outra racionalidade
econômico-espacial, tornando obsoleta as demais proposições daquele primeiro
plano de caráter urbano para Salvador.
A reestruturação de fato da Cidade-real, nesta fase do ciclo industrial
moderno, não se ateve ao plano do EPUCS, mas obedece a outro
movimento de natureza mais regional sobre a realidade urbana. São
obras visando, incrementalmente, a radicalizar o ‘discurso
desenvolvimentista’ aliado ao pragmatismo político em ascensão no
regime militar. O rodoviarismo urbano prevalece como lógica na infra-
estrutura de circulação, e os conjuntos habitacionais espraiados na
periferia fazem contraponto à proliferação de favelas e áreas centrais
decadentes. (SAMPAIO, 1999, p. 217).
Apesar do viés econômico-desenvolvimentista subjacente a indicação da CPE para
a implantação do CIA como vetor, via industrialização, para a superação da
estagnação econômica pela qual a Bahia passava, segundo Sampaio (1999), o
plano do CIA era de inspiração eminentemente modernista porquanto adotava o
ideário do urbanismo modernista preconizado por Le Corbusier – a demasiada
preocupação com a forma urbana, a falta de interesse pela realidade social do
espaço a ser planejado, a projeção de uma cidade-industrial-linear, os grandes
espaços verdes intercalando os lotes destinados às indústrias verdes, o zoneamento
funcional rígido a partir da definição de determinados setores espaciais etc.
Estas características modernistas que impregnaram o plano do CIA teriam um papel
de fundamental importância para a viabilidade e eficácia deste projeto, o que seria
tardiamente observado. De uma forma geral e sintética, o Plano do CIA propunha:
O tratamento da questão do desenvolvimento numa escala regional onde
haveria a formação de uma cidade-industrial-linear em torno da Baía de Todos os
Santos - BTS tendo Salvador como “cabeça do sistema” e “cidades industriais
satélites” situadas no seu entorno. A capital teria sua economia urbana voltada
para as funções turísticas e de terciário moderno. Além disso, a cidade ficaria
como área de preservação do patrimônio histórico, paisagístico e cultural;
Um outro modelo radial-concêntrico, como o do EPUCS. Mas, agora, ao
centro antigo é destinada a função turística e o centro principal da cidade seria
deslocado para a área do Cabula (centro geográfico do município), inclusive com
a transferência das funções administrativas estaduais e municipais;
Figura 7 – Concepção de Implantação do CIA, fase final
Fonte: S
AMPAIO, 1999
A base econômica da região deixaria de ser predominantemente
agroexportadora para tornar-se industrial moderna. Esta atividade industrial não
seria concorrencial com as das indústrias do Centro-Sul, mas sim complementar
a elas o que contradizia o ideário da SUDENE para o Nordeste que preconizava
a formação de indústrias autônomas para a região;
Salvador deveria passar por uma reestruturação espacial intra-urbana a fim
de que se adequasse à nova estrutura macro-espacial proposta, vide que
ocorreria a formação de complexo de facilidades industriais no seu entorno
imediato por meio dos investimentos em infra-estruturas e atração de empresas
de outros estados e países;
A região assim delineada deveria possuir uma inter-conexão física que
contaria com os modais ferroviário, rodoviário, aeroviário e hidroviário de modo a
facilitar o fluxo de matérias-primas, bens finais e pessoas.
A vontade política do governo do estado, não obstante o ambiente autoritário em
face do contexto político da época, e os grandes investimentos para a infra-
estruturação do sítio escolhido (8.800 ha para as zonas industriais e portuárias e
43.600 ha no total) para a implantação do centro, não foram suficientes para o CIA
lograr os resultados esperados ao longo da sua operação, estando atualmente numa
condição bem aquém daquela à época da sua implantação, tanto em termos de
negócios gerados como em termos de geração de empregos. Neste sentido, Spinola
(2003) aponta alguns dos fatores que determinaram tal quadro:
(I) o “gigantismo” sem paralelo do CIA resultou na desarticulação das
indústrias instaladas e no gasto excessivo do governo em dotação de
infra-estrutura em detrimento da disponibilização de mais terrenos
para outras indústrias vindouras;
(II) o sítio escolhido espraiava-se por terrenos pertencentes a quatro
municípios diferentes, ou seja, quatro legislações municipais e
interesses locais diferentes, além disso a base cartográfica utilizada,
bastante imprecisa, levou o projeto a alguns erros elementares;
(III) a baixa densidade de ocupação dos lotes pelas empresas (<
7,0%), determinada pela concepção modernista de intercalar grandes
espaços verdes entre elas, levou a uma situação de precoce
esgotamento de terrenos disponíveis e a uma subtilização da infra-
estrutura instalada;
(IV) a não observância do real em relação ao projetado causou um
revés que minou todo o zoneamento do CIA estipulado pela equipe
de planejamento, posto que a Usina Siderúrgica da Bahia – USIBA
(uma indústria pesada) tendo a anunciada intenção de se instalar,
desde 1963, na área que ocupa até hoje foi definida em 1967 por
aquela equipe como uma Zona de Indústrias Leves e Médias;
(V) a não integração entre o planejamento estadual e o federal, via
Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER, levou o
Plano do CIA para outro caminho não previsto quando da
manutenção do projeto da BR-324 nos moldes ditados pelo órgão
federal em contraposição à construção da via das Torres, que com
26 Km de extensão seria a principal comunicação rodoviária entre as
zonas industriais do centro, e sem a qual algumas destas zonas
ficaram isoladas.
Ainda assim existem algumas contribuições concretas deste ideário nacional
desenvolvimentista, levado a cabo pelo urbanismo modernista contido no Plano do
CIA, no processo de desenvolvimento econômico e territorial de Salvador: a Lei
Municipal nº 2.181/68 (Lei da Reforma Urbana) que instrumentalizou a Prefeitura
(contrariando o conteúdo do DL nº 701/48) no sentido de transferir para outrem, leia-
se particulares, o domínio de terrenos urbanos o que alterou a base fundiária da
cidade e disponibilizou grandes terrenos para a “exploração” do mercado imobiliário
nascente na cidade; a implantação do sistema ferry-boat que veio a conectar as ilhas
da Baía de Todos os Santos ao continente (1970); a construção do porto de Aratu
(1974); a abertura da Avenida Paralela (1971) e a construção do Centro
Administrativo da Bahia – CAB para esta avenida como estratégia para atrair o
crescimento da cidade para este novo vetor de expansão urbano-metropolitana; a
instalação da Central de Abastecimento Alimentar – CEASA de dimensão regional;
além da retificação e duplicação da BR-324 que liga a região ao interior do
continente (GORDILHO-SOUZA, 2000; VASCONCELOS, 2002). Ainda ocorre a
aprovação de um novo Código de Urbanismo em 1972, que veio a substituir o já
ultrapassado Código instituído pelos trabalhos do EPUCS que cerceava a
implantação de novos empreendimentos privados devido ao caráter restritivo à
ocupação e uso do solo imposto pelo zoneamento formulado.
Figura 8 – Abertura da Avenida Paralela, inaugurada em 1974
Fonte: RCGR Informática, 2002
Outra peça do planejamento industrial na Bahia é o Plano do Complexo
Petroquímico de Camaçari – COPEC (1974/75), também a cargo do governo
estadual, cuja implantação na Região Metropolitana de Salvador está inserida na
afirmação de um processo mais amplo, que tinha a política industrial nacional de
substituição de importações como estratégia e a produção de insumos
intermediários e complementares à indústria instalada no centro-sul como linha de
ação. Apesar disto, a concepção do Plano do COPEC, cujos investimentos
industriais eram mais vultosos, se contrapôs à do Plano do CIA, pois localizou o
complexo mais à nordeste do centro industrial o que enfraqueceu o modelo espacial
preconizado pelo planejamento anterior.
Na Região Metropolitana de Salvador, um dos fatores condutores do processo de
industrialização foi a disponibilidade local da matéria prima para a indústria
petroquímica. A Bahia era o maior produtor de petróleo do país, na época, e a
Refinaria de Petróleo Landulpho Alves a única do Nordeste. A consolidação da
indústria petroquímica decorreu do II PND (metade dos anos 70). O COPEC -
Complexo Petroquímico de Camaçari - data de 1978 e foi montado no "modelo
tripartite", em que colaboram o Estado, o capital privado nacional, e o capital privado
internacional. As multinacionais respondem pela tecnologia e o Estado pelo
investimento direto (através da PETROBRAS e subsidiárias) e indireto, através de
incentivos financeiros e fiscais: redução de impostos de importação de
equipamentos e de IPI, isenção de imposto de renda, redução de ICMS em até 60%,
empréstimos favorecidos do BNDES, incentivos fiscais do sistema 34/18 –FINOR da
SUDENE.
A dinâmica do processo ficou a reboque dos efeitos diretos e indiretos do Complexo
Petroquímico de Camaçari tendo maciços investimentos de capitais internacionais e
presença expressiva do Estado como produtor e como gerenciador de uma série de
estímulos. Em 1978 a região captou 48,5% do total dos investimentos fixos em
industrialização incentivada no Nordeste, sendo 40,3% somente para a indústria
química em seus novos projetos petroquímicos (MAGALHÃES, 1983, p. 84-85).
Desta forma, A arrecadação de ICMS na Região Metropolitana de Salvador saltou de
cerca de US$178 milhões em 1978 para cerca de US$688 milhões em 1986
(GARRIDO, 1991, p.85). Para avaliar o peso da petroquímica na economia baiana,
deve-se notar que a participação total das indústrias dinâmicas no VTI (valor da
transformação industrial) passou de 34,5% (em 1959) para 80,4% (em 1985, sendo
43,8% só da indústria química).A participação relativa do setor industrial no total do
PIB estadual passou de 12,0% em 1960, para 30% em 1990.
Em relação ao Complexo Petroquímico de Camaçari verifica-se uma estrutura
industrial baseada no grande capital especializado, oligopólico, tanto público como
privado nacional e multinacional; tecnologicamente mais avançada; de controle
predominantemente extra-regional; voltada fortemente para o mercado nacional,
como centro preferencial da produção de insumos básicos (com destaque para o
petróleo e seus derivados) para a economia brasileira.
O plano do COPEC não tratou do espaço intra-urbano de Salvador como o do CIA
havia tratado, ainda que repercutira de forma ampla sobre ele, mas merece
destaque no campo do planejamento urbano os Planos Pilotos elaborados para
Camaçari e Dias D´Ávila e os Relatórios Preliminares sobre Candeias, Lauro de
Freitas, São Francisco do Conde, Simões Filho, Itaparica e Vera Cruz
(SAMPAIO,1999). Estes últimos já na linha mais do planejamento municipal /
microrregional desenvolvido em larga escala para vários municípios brasileiros sob a
metodologia do SERFHAU que produziu, além dos Relatórios Preliminares,
sobretudo os Planos de Desenvolvimento Local Integrado – PDLI´s.
O PLANDEB, enquanto modelo de desenvolvimento econômico a ser (per)seguido, e
o CIA e o COPEC enquanto objetivações deste modelo, trouxeram um significativo
impacto para a economia do estado da Bahia a partir dos anos 1950 quando teve
início a exploração do petróleo. Pela tabela 22 observa-se que houve uma inversão
na estrutura setorial do Produto Interno Bruto – PIB baiano já no início dos anos
1970. Se até meados do século XX a Bahia era um território cuja economia estava
baseada no setor primário/agro-exportador, com uma pequena participação do setor
secundário/industrial, apenas 8,7% do PIB, em menos de três décadas o setor
industrial assume o posto de “carro-chefe” desta economia. Além do declínio relativo
do setor primário, constata-se também a regularidade do setor de serviços ao longo
destes trinta anos.
Tabela 22 – Estrutura Setorial (%) do PIB da Bahia, 1950-1990
Ano PrimárioSecundárioTerciário
1950 43,4 8,7 47,9
1960 39,7 12,3 48
1970 25,5 26,9 47,6
1980 17,5 30,9 51,6
1990 15 26,9 58,1
Fonte: ALCOFORADO, 2003
Contudo, os dados relativos ao decênio de 1990 já revelam o novo movimento, de
abrangência mundial, que se iniciara em solo nacional no decorrer da década
anterior no âmbito do esgotamento do modelo nacional-desenvolvimentista
encampado pelo Estado brasileiro e se intensificaria nos anos seguintes: a queda da
atividade industrial em detrimento do crescimento do setor terciário, não somente na
diversidade de atividades – setor de Saúde, Educação, Lazer e Entretenimento
(entre elas o Turismo), Ciência e Tecnologia, Administração e Finanças - mas
também em volume de negócios gerados e de mão-de-obra empregada (mesmo que
informalmente).
A Tabela 23 reforça esta expansão da economia industrial baiana. O estado da
Bahia sai de uma irrelevante participação de 1,4% na formação do PIB brasileiro
para 4,7% em 1980. Da mesma forma que indica um movimento de retrocesso ao
mostra que em 1998 a participação do estado caiu para 2,8% do PIB brasileiro.
Tabela 23 – Participação (%) da indústria baiana na indústria nacional, 1950-
1980
Ano Bahia / Brasil
1950 1,4
1960 2,1
1970 3,2
1980 4,7
1998 2,8
Fonte: ALCOFORADO, 2003
Diante desta transformação da economia baiana o território de Salvador já se havia
modificado consideravelmente nos anos de 1970 – novas avenidas para circulação,
crescimento vertiginoso da frota de automóveis, adensamento populacional via
imigrações, “explosão” e verticalização das construções, novos e grandes
empreendimentos privados e públicos (Shopping Iguatemi, conjuntos habitacionais,
equipamentos coletivos, etc.).
O desenvolvimento de um parque industrial no entorno da cidade havia
desencadeado um vigoroso processo de transformação intra-urbana – econômico,
social e espacial – que demandava outros esforços de ordenamento da cidade no
sentido de melhor adaptá-la a esta nova realidade. Esforços estes que partiriam,
entretanto, não somente da administração municipal. Os governos federal e estadual
ao levaram a termo o modelo industrial de desenvolvimento na área metropolitana
de Salvador determinaram, ora implicitamente ora explicitamente, o futuro da cidade.
2.5.1. Principais características estruturais da indústria incentivada na Região
Metropolitana de Salvador
Pesquisa realizada pela SUDENE e BNB em 1988 procurou observar as principais
características estruturais da indústria incentivada nas Regiões Metropolitanas de
Salvador, Recife e Fortaleza. Neste sentido, tal pesquisa contribui com este trabalho
na avaliação do “modelo de desenvolvimento industrial” implementado na RMS.
Assim, observas-se que o perfil industrial incentivado da RMS era de predomínio das
indústrias petroquímicas, de capital intensivo e menos absorvente de mão-de-obra:
mais venda e menos empregos. Naquele momento a Região Metropolitana de
Salvador, 10,5% das empresas respondiam por 43,5% das vendas.
Tabela 24: Distribuição relativa do número de empresas e do valor das vendas
segundo o tamanho dos Empreendimentos, pelo critério do Número de
Empregados – 1986*
Número de empresas Valor das vendas Tamanho, segundo o
número de empregados
(em 31/12/86)
Absol. %
simples
%
Acum.
Absol. %
simples
%
Acum.
Venda
s
Média
s (2)
RM SALVADOR 76 100,0 100,0 47.275 100,0 100,0 622
1 - 50 Empregados 4 5,3 5,3 148 0,3 0,3 37
51 - 100 Empregados 9 11,8 17,1 1.618 3,4 3,7 179
101 - 250 Empregados 19 25,0 42,1 3.616 7,6 11,4 190
251 - 500 Empregados 19 25,0 67,1 9.440 20,0 31,4 497
501-1000 Empregados 17 22,4 89,5 11.884 25,1 56,5 699
1001-2000 Empregados 8 10,5 100,0 20.559 43,5 100,0 2.571
Mais de 2000 Empregados 0 0,0 100,0 0 0,0 100,0 0
Fonte: Pesquisa SUDENE/BNB - 1988. (*) Dados relativos a, respectivamente, 86,4%, 89,4% e
89,3% de um total de, respectivamente, 88, 107 e 84 empresas incentivadas em operação nas
RM's de Salvador, Recife e Fortaleza, em 1986. (2) Valores em Cz$Milhões, dados de 1986.
Ainda a mesma pesquisa realizada pela SUDENE e BNB analisou a procedência do
controle do capital majoritário da indústria incentivada, considerando dois enfoques:
a) número (percentual) de empresas, em relação ao controle acionário e participação
do valor do capital integralizado no conjunto do setor. Como resultado verificou-se na
RMS uma elevada participação de grupos econômicos extra-regionais na direção e
controle dos projetos incentivados, por ambos os enfoques, inclusive maior que as
Regiões Metropolitanas de Recife e Fortaleza.
Tabela 25: Origem do controle acionário do capital da indústria incentivada
Salvador Recife Fortaleza Procedência do
capital controlador
Número
das
Empresa
s (%)
Volume do
Cap.
Majoritário
(%)
Número
das
Empresa
s (%)
Volume do
Cap.
Majoritário
(%)
Num.
das
Empres
as (%)
Volume
Cap.
Majoritário
(%)
Nordeste 39,0 23,5 40,2 29,6 93,2 84,9
Sudeste-Sul 55,9 70,0 48,4(*) 63,2
Norte e Centro-Oeste 9,3 0,3
Exterior 2,1 6,9
Não discriminado 5,1 6,5 6,8 15,1
Fonte: Pesquisa SUDENE/BNB -1988. (*) 44,3 do Sudeste e 4,1 do Sul.
No que tange ao nível de integração regional e extra-regional verificou-se uma maior
ligação das Regiões Metropolitanas de Salvador e Fortaleza com o mercado
fornecedor regional e com o mercado comprador extra-regional, ao passo que a
Região Metropolitana de Recife tinha um relacionamento mais equilibrado entre o
interior e o exterior da região (Nordeste). Isto decorreu do perfil dos respectivos
parques industriais: no caso baiano, a indústria petroquímica; no caso cearense, a
predominância dos bens tradicionais e no caso pernambucano, um maior equilíbrio
entre as plantas antigas e novas.
Tabela 26: Procedência dos insumos e Destino das vendas
Salvador Recife Fortaleza Procedência de insumos /
Destino das vendas
Compra Vendas Compras Vendas Compras Vendas
Nordeste 76,3 34,3 43,5 >50,0 61,5
Sudeste >50,0 20,9 26,9 42,8
Exterior 14,5 14,3
Não discriminado 9,2 15,7 35,6 <50,0 11,6 42,9
Fonte: Pesquisa SUDENE/BNB -1988
Outro aspecto importante é analisar eventuais “fugas
17
”, em função de compras fora
do local. Neste sentido é válido observar a origem dos bens comprados por tais
industrias. A partir da análise da pesquisa, verifica-se que a Região Metropolitana de
Salvador foi a que apresentou maior percentual de bens comprados do Nordeste
(76,3%) o restante vindo do exterior (14,5). A Região Metropolitana do Recife era a
que menos comprava da região Nordeste (43,5%) sendo a que mais comprava do
Sudeste (20,9%), apresentando uma maior diversidade de procedência dos insumos.
Já a Região Metropolitana de Fortaleza adquiria insumos do Nordeste (61,5%) e do
Sudeste (26,9%).
Já a análise do perfil da base tecnológica a partir da procedência tecnológica
predominante indicava que na Região Metropolitana Salvador 55,9% da tecnologia
tinha origem no exterior (indústrias metalúrgica, mecânica, de material elétrico,
comunicações e química, principalmente a última); 27,9% no Sudeste (bebidas,
borracha, mobiliário, matéria plástica, papel; e papelão); 8,1% no Nordeste
(vestuário, calçados e produtos alimentares); os restantes 8,1% não foram
identificados.
Já na Região Metropolitana de Recife 31,7% da tecnologia tem origem no exterior
(principalmente indústrias têxtil e química); 38,3%, no Sudeste; 17,4%, no Nordeste;
10,2%, no Sul; os restantes 2,4% não foram identificados. Enquanto que na Região
Metropolitana Fortaleza a procedência não pôde ser levantada no mesmo padrão
dos casos anteriores, ficando registrada a predominância do Sudeste como origem
da tecnologia, principalmente na indústria têxtil (41,5%), vestuário e calçados
17
No capítulo 3 será detalhado o conceito de fuga e sua aplicação para análise da eficácia de
determinado modelo de desenvolvimento.
(36,7%), metalúrgica (47,4%) e material elétrico e de comunicações (50,0%), não
tendo sido possível computar o total do Sudeste. O Nordeste contribuiu com 25,6%
do total de respostas.
Quando a análise recai sobre quantidade e qualidade dos empregos gerados, o que
se podia verificar é que foram criados na Região Metropolitana de Salvador 36.253
empregos, sendo 70,8% no setor de bens intermediários; 50% constituídos de mão
de obra especializada ou com ensino superior. Já na Região Metropolitana de Recife
gerou-se 47.482 empregos, sendo 51,5% no setor de bens de consumo não
duráveis; predomínio da mão de obra não especializada, que atinge 64,2% do total,
com algumas exceções setoriais. Enquanto que na Região Metropolitana de
Fortaleza 32.408 empregos foram gerados, sendo 73,5% no setor de bens de
consumo não duráveis; predomínio da mão de obra não especializada, exceto na
indústria têxtil, onde a mão de obra especializada atinge 50,7%.
Como aspecto positivo, verificava-se que a melhor remuneração é encontrada na
Região Metropolitana de Salvador, com destaque para o setor de bens
intermediários (e, neste, para as indústrias químicas, onde a média atingiu 12,9
Salários Mínimos/Mês). Válido notar que o salário médio na Região, na época,
estava em torno de 3,1 Salários Mínimos/Mês.
Tabela 27: Salários médios mensais e salários mínimos da época, segundo
grupos industriais (1986)
Salvador Recife Fortaleza Grupos industriais
Cz$1,00 S.M. Cz$1,00 S.M. Cz$1,0
0
S.M.
Bens não duráveis 3.700 4,8 2.573 3,6 1.579 2,1
Bens intermediários 7.855 10,2 3.537 4,6 1.673 2,2
Bens duráveis e de capital 5.641 7,3 3.095 4,0 2.076 2,7
Total Ind. Transformação 6.923 9,0 3.067 4,0 1.633 2,1
Fonte: Pesquisa Direta SUDENE/BNB – 1988. Obs.: Salários médios mensais por empregado a
partir do salário médio anual dividido por 13. Dados referentes a 95,5% (RMS), 91,6% (RMR) e
79,8% (RMF), das empresas em funcionamento na época. S.M. médio anual = Cz$770,00, baseado
na média ponderada do S.M. para o ano de 1986.
Portanto, na Região Metropolitana de Salvador o “modelo de desenvolvimento
industrial” uma estrutura industrial baseada no grande capital especializado,
oligopólico, tanto público como privado nacional e multinacional; tecnologicamente
mais avançada; de controle predominantemente extra-regional; voltada fortemente
para o mercado nacional, como centro preferencial da produção de insumos básicos
(com destaque para o petróleo e seus derivados) para a economia brasileira.
2.6. DE VOLTA AO PLANEJAMENTO URBANO: O PLANDURB
Antes de abordar o Plano de Desenvolvimento Urbano - PLANDURB de Salvador
propriamente dito cabe tratar de uma peça de planejamento contemporâneo a ele e
que lhe forneceu algumas diretrizes macro-espaciais, ou metropolitanas. Trata-se do
Estudo de Uso do Solo e de Transporte – EUST (1975/76) que mesmo elaborado
pelo governo estadual, aliás como os antecessores, através do antigo Conselho de
Desenvolvimento do Recôncavo - CONDER que seria modificado para órgão de
planejamento metropolitano. Segundo Sampaio (1999) este estudo traz a novidade
de ser pensado pelo viés do planejamento urbano-metropolitano, e não do viés do
planejamento industrial moderno do CIA e do COPEC.
Levando em consideração a nova estruturação urbana de Salvador e entorno,
determinada pelo desenvolvimento industrial, este estudo traça diretrizes macro-
espaciais abarcando a problematização em torno das questões de transportes
coletivos, de circulação e do estabelecimento de sub-centros para a consolidação da
recém criada (1973) Região Metropolitana de Salvador - RMS (ROCHA, 2001).
Problematização esta que tem a abertura da Avenida Paralela, cortando uma
extensão de, aproximadamente, quatorze quilômetros Mata Atlântica adentro em
direção ao vetor norte da cidade como um dos seus maiores paradigmas.
Este fato também está articulado a um movimento nacional, que inscrito num
processo de “desconcentração econômica concentrada” e de descentralização
administrativa visava facilitar o controle do poder central sobre as grandes manchas
urbanas, e isso se efetivaria a partir das principais capitais brasileiras e suas áreas
de influência (MENEZES, 2000).
Isto posto, o Plano de Desenvolvimento Urbano de Salvador – PLANDURB
(1975/78) foi a peça de planejamento que como resultados apresentou diretrizes
espaciais em nível intra-urbano (SAMPAIO, 1999). Foi elaborado pelo Órgão Central
de Planejamento – OCEPLAN, órgão da prefeitura de Salvador que criado em 1970
está na linha sucessória do CPUCS (1948-58) e da Seção de Planejamento que
substituira o CPUCS (ambos gestores dos trabalhos do EPUCS).
No documento inicial dos trabalhos do PLANDUB a sua importância assim está
expressa:
A decisão de elaborar Plano de Desenvolvimento Urbano de
Salvador implicou na retomada de um processo de planejamento
que, considerado em seu sentido mais amplo, se interrompera desde
a entrega, à Prefeitura, dos estudos e trabalhos elaborados pelo (...)
EPUCS, nos anos 40, sob a direção do Prof. Mario Leal Leite
Ferreira (SALVADOR,
1976).
Neste sentido percebe-se como os planos citados anteriormente foram exógenos à
Salvador, mesmo que em graus variáveis. Não obstante, o modelo urbano-industrial
consolidado pelo CIA e pelo COPEC consubstanciado aos trabalhos e estudos da
CONDER, enquanto órgão de planejamento supra-local, se configurou como
premissa ao processo de planejamento que viria a estabelecer o modelo físico-
territorial (Mapa 6) para a Salvador-metrópole (SAMPAIO, 1999).
Mapa 6 – Vetores de Expansão Urbana definidos pelo PLANDURB
Fonte: S
AMPAIO, 1999
Rompendo com o urbanismo modernista presente na concepção do plano do CIA
sem, contudo, poder ignorar o legado espacial dele advindo (inclusive consolida
zonas industriais existentes na BR-324), ao PLANDURB coube a função de planejar
a organização do novo espaço urbano de Salvador bastante diferente daquele
planejado pelo EPUCS (TEIXEIRA, 1998).
Nesse sentido, o modelo físico-territorial adotado para a cidade neste plano indica os
dois principais vetores (em direção ao norte) de expansão urbana – a BR-324 e a
Av. Paralela recém inaugurada – e a grande área do “miolo” (área hachurada) como
de ocupação prioritária. Para tanto, adotou a metodologia em voga nos anos de
1970 que era baseada no enfoque sistêmico, ou systems plannings, vide o Plano
Diretor de Desenvolvimento Integrado – PDDI de São Paulo em 1971 e o Plano
Urbanístico Básico – PUB do Rio de Janeiro em 1977.
Demonstrando uma visão de futuro, porquanto foi elaborado entre 1975-1978, este
é, com efeito, o entendimento contemporâneo que Porto (2003, p.88) tem sobre os
dois vetores de expansão urbana preconizados pelo PLANDURB àquela época.
A avenida Paralela (grifo nosso) é mais importante via de articulação
no interior da metrópole, a de maior carregamento de tráfego e a que
tem o papel estratégico de articular o maior centro financeiro,
comercial de serviços da metrópole com toda a sua área de
expansão da orla atlântica. Em continuidade a essa via, a Estrada do
Coco e a Linha Verde funcionam como grandes eixos de interligação
entre a atual e futura metrópole atlântica, na direção de Sauípe e dos
pólos industriais, corredores de serviços e centros de comércio de
porte e características sofisticados. Pelo lado interno da Baía de
todos os Santos, a BR-324 (grifo nosso) completa o binário principal
vertebrante da metrópole, voltada principalmente para o comércio e
de serviços de porte elevado, corredor comercial e de serviços de
apóio às atividades dos pólos industriais e uma série de atividades
urbanas e metropolitanas.
Segundo Teixeira (1998) e Sampaio (1999) estas são algumas características das
propostas deste planejamento para Salvador:
(I) Retoma um processo de planejamento urbano nos moldes do
EPUCS, ou seja, desenvolvido no âmbito da municipalidade e com
um amplo levantamento/diagnóstico da realidade local, agora
(meados dos anos de 1970) bem mais complexa, sem contudo se
ater à questões econômicas. Além disso, institucionaliza a atividade
de planejamento tornando-a sistêmica e contínua;
(II) Na sua fase de leitura da cidade e concepção de projetos
emprega os conceitos de imagem e desenho da cidade contidos nas
teses de Kevin Lynch, fato que leva o PLANDURB a tomar como um
dos seus paradigmas o patrimônio ambiental da cidade;
(III) Plano urbano com ênfase no desenvolvimento físico-territorial, se
diferenciando bastante da concepção urbano-industrial do Plano do
CIA e do Plano eminentemente econômico-industrial do COPEC;
(IV) Utiliza a estratégia e diretrizes elaboradas pela CONDER como
base econômica regional e, conseqüentemente, dá continuidade às
proposições da CPE, as quais pensavam Salvador como uma cidade
cujas atividades estariam mais ligadas ao setor turístico, setor de
serviços e indústrias urbanas de pequeno/médio porte.
Mapa 7 – Nucleação das Atividades e Transporte de Massa segundo o PLANDURB
Fonte: S
AMPAIO, 1999
São utilizados pela equipe de planejadores responsáveis de pensar a cidade
modelos de uso do solo e de transportes para estabelecer a alocação das atividades
econômicas no território da cidade, por conseguinte da distribuição dos empregos, e
a alocação da população em áreas destinadas às habitações (S
AMPAIO, 1999;
ROCHA, 2001).
Nesta concepção Salvador é apresentada como uma cidade polinucleada,
descentralizando em alguns subcentros mais dinâmicos, sobretudo o de Camurugipe
(Região do Iguatemi), as suas atividades econômicas distribuindo-as pelo porte e
pelos tipos de comércios e serviços.
A questão do transporte de massa passa a ser tida como estruturante do espaço
urbano e o modelo radial-concêntrico, presente tanto no plano do EPUCS como no
do CIA, é abandonado passando-se à concepção de sistema viário em grelha com
vias estruturantes ligando o espaço intra-urbano às saídas da cidade cortadas por
vias transversais.
Pode-se dizer que o PLANDURB foi o último e o maior esforço de planejamento para
o espaço urbano soteropolitano em face do volume dos trabalhos produzidos e dos
projetos que viriam a ser implementados nos anos seguintes. De fato, após o
encerramento das atividades de planejamento propriamente dita em 1979, dá-se
início a uma nova fase marcada pela formulação de uma ampla legislação
urbanística fundamentada pelos estudos dele oriundos.
Na verdade, o PLANDURB resultou num conjunto de atividades que,
em três anos (1976-1979), produziu cerca de 54 textos, assim
distribuídos: ’(...) 6 textos de ordem metodológica, 17 estudos e
diagnósticos setoriais, 4 propostas de lei, 1 documento com
indicações sobre política fundiária (RENURB), 3 documentos
contendo diretrizes específicas, e 23 estudos, propostas de
programas e projetos’. (SAMPAIO,
1999, p. 257).
Mapa 8 – Transporte e Sistema Viário segundo o PLANDURB
Fonte: SAMPAIO, 1999
São destaques relevantes do legado desta peça de planejamento urbano para
Salvador: a institucionalização das Unidades Espaciais de Planejamento – UEP´s
que viriam a se tornar a partir de 1987 em Regiões Administrativas - RA´s; a criação
de Zonas Homogêneas da Pituba (1976) e do Nordeste de Amaralina (1978) para
serem tratadas em micro-escala, o que posteriormente seria praticado em todo o
território municipal; o Plano Piloto para Intervenção no Centro de Salvador ou Zona
Central (1978); a concepção do Parque Metropolitano do Abaeté, do Parque de
Pituaçu e do Parque São Bartolomeu (posteriormente implantados); e a criação do
Parque da Orla (1978) (TEIXEIRA, 1998).
2.7. O PLANEJAMENTO URBANO NORMATIVO
Observa-se em Salvador nos anos de 1980 o que se pode chamar de Planejamento
Urbano Normativo. Estas normas – Leis ou Códigos - são resultados do processo de
planejamento local re-inaugurado pelo PLANDURB. E compõem-se basicamente de
três leis. A Lei nº 3.345/83 que trata do Processo de Planejamento e Participação
Comunitária; a Lei nº 3.377/84 que versa sobre Ordenamento, Uso e Ocupação do
Solo - LOUOS; e a Lei n° 3.525/85 que institui o Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano – PDDU para a cidade.
É neste decênio que o sistema de planejamento municipal, eminentemente urbano,
é montado. Valendo-se de um ambiente de redemocratização política, a Prefeitura
tenta ordenar, via leis e decretos, o processo de desenvolvimento econômico e
urbano desencadeado com a implantação e consolidação do parque industrial no
entorno da cidade. No decorrer deste processo Salvador logrou atrair um grande
contingente populacional do interior do estado em busca de oportunidades de
trabalho e melhores condições de vida. Também passou a abrigar uma camada de
população diferenciada social e economicamente, que vinda de outros estados como
profissionais especializados para trabalhar nas indústrias e empresas instaladas,
tratou de demandar por locais mais bem infra-estruturados e que pudessem
proporcionar uma qualidade de vida elevada. O Mapa 9 mostra como se rebateu
espacialmente a expansão urbana de Salvador entre 1940 e 1980 e o Gráfico 2
exprime a velocidade com a qual a cidade cresceu demograficamente a partir do
impulso de industrialização da década de 1950.
Mapa 9 – Evolução da Mancha Urbana de Salvador, 1940 – 1980
Fonte: GORDILHO-SOUZA, 2000.
1940
1976
1970
1980
Gráfico 1 - Crescimento da população de Salvador, 1872 – 1991
Fonte: a partir de G
ORDILHO-SOUZA, 2000.
Não por acaso este sistema municipal de planejamento começa pela normatização
do Processo de Planejamento via edição de Lei. Segunda a Lei nº 3.345/83 Salvador
deve ser planejada em duas escalas: a primeira uma macro-escala de planejamento
que faria a leitura da cidade como um todo, inclusive articulando-a com o espaço
metropolitano (como o PLANDURB havia orientado); e a outra a do planejamento
mais especifico que daria conta do planejamento setorial, leia-se infra-estrutura
urbana, e do planejamento urbanístico que trataria, especificamente, de
intervenções físicas em sub-espaços: logradouros, bairros ou determinadas micro-
áreas (TEIXEIRA, 1998).
Definido como deveria ocorrer o processo de planejamento e diante da crescente
complexificação do uso do solo urbano, o passo seguinte foi a edição de um código
e legislação que desse conta de intervir no espaço ordenando e controlando o uso e
a ocupação do território municipal, a esta altura bastante alterado devido a abertura
de diversas avenidas e do “boom imobiliário” que a cidade sofreu após a instalação
COPEC.
130.000
380.000
630.000
880.000
1.130.000
1.380.000
1.630.000
1.880.000
2.130.000
1
8
7
2
1
8
9
0
1
9
0
0
1
9
2
0
1
9
4
0
1
9
5
0
1
9
6
0
1
9
7
0
1
9
8
0
1
9
9
1
Tabela 28 - Tipos de Planos segundo a Lei de Processo de Planejamento e
Participação Comunitária - Lei nº 3.345 de 1983
Tipo de Plano Conteúdo
PLANO DIRETOR DE
DESENVOLVIMENTO
URBANO
Representação de um modelo conceitual do espaço econômico, social,
político e físico-territorial do Município, através da fixação de diretrizes e
métodos que regem o universo abordado e é produto do processo de
planejamento urbano, sujeito a revisões, atualizações, complementações,
ajustamentos e necessariamente institucionalizado.
PLANO ESPECÍFICO
Representação particularizada e parcializada dos objetivos e diretrizes do
Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano - PDDU, compreendendo os
seguintes níveis
PLANEJAMENTO SETORIAL - elaboração, com bases técnicas, de planos e
programas com objetivo de formular diretrizes ligadas a uma atividade,
disciplina ou tecnologia específica;
PLANEJAMENTO URBANÍSTICO DAS UNIDADES ESPACIAIS - elaboração,
com bases técnicas, de um modelo espacial para um determinado segmento
do tecido urbano.
Fonte: SALVADOR, 1983
Tanto pela construção de inúmeros conjuntos habitacionais para a população de
média renda quanto pela construção de condomínios de casas e edifícios de alto
padrão para a população de alta renda - verticalização dos bairros e/ou nascimento
de novos bairros vide os casos da Pituba, Itaígara e o Horto Florestal.
Figura 9 – Condomínio Caminho das Árvores nos anos 1970
Fonte: RCGR Informática, 2002
A Lei nº 3.377/84 (Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo no Município
da Cidade do Salvador) decorre desta problemática. Nela prevalece a herança do
urbanismo modernista representada pela prática do zoneamento da cidade em
determinadas áreas funcionais. Mas incorporou aos seus estudos a temática da
proteção ambiental através da instituição de Áreas de Proteção Sócio-Ecológica -
APSE. Seus objetivos foram:
estabelecer bases sistemáticas de referência e de direito, para
o exercício do poder de polícia administrativa por parte da Prefeitura
Municipal da Cidade do Salvador, em consonância com as diretrizes
do processo de planejamento municipal;
assegurar às atividades e empreendimentos públicos e
privados, condições locacionais adequadas e de definição precisa,
possibilitando programações confiáveis e de implantação segura;
garantir e defender o valor da terra;
minimizar o risco de aplicações não rentáveis de capitais
públicos e particulares, em iniciativas que envolvam a separação e a
destinação de unidades imobiliárias. (S
ALVADOR, 1984)
A LOUOS estabeleceu seis tipos de usos do solo: (I) Uso Residencial – R; (II) Uso
Industrial – ID;(III) Uso Comercial e de Serviços – CS; (IV) Uso Institucional – IN; (V)
Uso Especial – E e; (VI) Uso Misto – M. E também aperfeiçoou a hierarquização
viária, anteriormente esboçada pelo plano do EPUCS, criando vários níveis
funcionais definidos por conjuntos específicos de parâmetros construtivos.
Em síntese, a função básica dá LOUOS foi a de proporcionar à administração
municipal um mínimo de condições objetivas de controlar o seu espaço urbano. E
isto inclui implicitamente a dimensão econômica da cidade. Pois se para
determinada área municipal a legislação do uso do solo não prevê determinado tipo
de empreendimento – uma indústria, um shopping, um hiper mercado, um
condomínio de casas ou edifícios, um hospital ou um centro de lazer –
automaticamente o grupo empresarial interessado direcionará este
capital/investimento para uma outra cidade, estado ou para o mercado não-
produtivo. Por isso, não é estranho que ao longo de mais de vinte anos de vigência
da LOUOS esta tenha sido sistemática alterada pela municipalidade ao sabor das
necessidades de localização e de espaço físico dos grandes empreendimentos que
aqui aportaram neste interstício de tempo.
Tabela 29 - Hierarquia da rede viária do Município segundo a LOUOS
Classe de Via Função e Características
Vias Expressas
(VE)
função básica é atender aos grandes volumes de tráfego provenientes de
viagens de pessoas e mercadorias, em percursos interurbanos, médios e
grandes, de modo a permitir o escoamento dessa demanda, sob elevado
padrão de fluidez, assegurado por retornos e interseções em níveis
diferenciados e acesso às propriedades lindeiras através de Via Marginal
(VM), cujos pontos de interligação (VM/VE) estão sujeitos a controles
específicos, devendo integrar-se ao sistema de vias arteriais e às principais
vias de acesso à área urbana e não proporcionando conexões diretas com
os pólos geradores de tráfego; Nova redação dada pelo Art. 2º da Lei nº
3.853/88.
Vias Arteriais
(VA)
função básica é atender às grandes demandas de viagens, intraurbanas,
assegurando melhor fluidez no tráfego, adequadas condições de acesso e
circulação dos transportes coletivos, bem como segurança na travessia de
pedestres; Nova redação dada pelo Art. 2º da Lei nº 3.853/88.
Vias Coletoras
(VC)
função básica é coletar e distribuir o tráfego de todas as nucleações de
bairros residenciais, comerciais, de serviços e outros, efetuando a
alimentação das Vias Arteriais (VA) e/ou corredores de transportes
próximos;
Vias Locais
(VL)
função básica é permitir o acesso às moradias, às atividades comerciais, de
serviços, industriais, institucionais, especiais e outras;
Vias Marginais
(VM)
função básica é auxiliar ao sistema de Vias Expressas (VE) e/ou Vias
Arteriais (VA) e que, se desenvolvendo paralela a estas, possibilitam o seu
completo desempenho, assim como o acesso às propriedades lindeiras e às
vias hierarquicamente inferiores;
Vias de
Pedestres (VP)
destinadas, exclusivamente, à circulação de pedestre e cujos padrões
geométricos de desenho são variáveis, de acordo com as exigências
específicas do sítio, clientela ou usuário e, ocasionalmente, podem se
caracterizar, inclusive, como espaços públicos de lazer;
Vias Exclusivas
(VEX)
função básica é atender a uma determinada especialidade e exclusividade
de transporte de passageiros ou carga; Nova redação dada pelo Art. 2º da
Lei nº 3.853/88.
Ciclovias (CV)
função básica é destinar-se, única e exclusivamente, a circulação de biciclos
e/ou equivalentes, não motorizados. Nova redação dada pelo Art. 2º da Lei
nº 3.853/88.
Fonte: SALVADOR, 1984
Quanto a Lei n° 3.525/85 esta significou apenas a institucionalização, por sinal
defasada e sem uma adequada atualização, das propostas contidas no PLANDURB
no formato do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano – PDDU sem que se
avançasse mais além do que já estava pronto (SAMPAIO, 1999).
2.8. UM BALANÇO DO PERÍODO
É fato que o modelo de desenvolvimento adotado no PLANDEB, pautado na
industrialização, definido desde a década de 1950 trouxe transformações estruturais
na economia de Salvador ao logo da segunda metade do século XX.
Em 1991, portanto, antes do novo movimento econômico que mais uma vez alteraria
não somente a economia da Bahia como a do Brasil condicionando, assim, a cidade
a um novo processo de formulação de políticas públicas, a estrutura do Produto
Municipal de Salvador estava configurada conforme apresentada na tabela a seguir.
Tabela 30 – Produto Municipal de Salvador em 1991 por Atividade Econômica
Fonte: SALVADOR, 2004
Pela Tabela 30 pode inferir que em 1991 a cidade “vivia”, sobretudo, de três
atividades econômicas: comércio, serviços e mercado imobiliário. É interessante
destacar que, de uma certa maneira, a concepção do plano do CIA referente a
primazia de Salvador como uma cidade economicamente voltada para as atividades
de comércio e serviços, e isto é histórico, foi potencializada com o desenvolvimento
Atividades Econômicas
Valor Bruto
(R$ Milhão)
%
Agricultura, Silvicultura e Pesca 401,92 3,4
Extrativa Mineral 7,98 0,1
Indústria de Transformação 359,63 3,1
Serviços Industriais de Utilidade Pública 732,98 6,3
Construção 1.226,92 10,5
Alojamento e Alimentação 291,22 2,5
Comércio 1.750,93 14,9
Transportes, Armazéns e Comunicações 981,58 8,4
Estabelecimentos Financeiros 1.075,19 9,2
Aluguel de Imóveis 1.260,22 10,8
Serviços Prestados a Empresas 682,26 5,8
Administração Pública 1.374,03 11,7
Outros Serviços 1.576,65 13,5
Total 11.721,51 100,00
urbano-industrial que agregou novas atividades econômicas à cidade
transformando-a na principal economia urbana do Nordeste.
Contudo, é preciso relativizar a realidade soteropolitano com as dimensões externa e
interna para que se possa apreender de fato os resultados deste processo de
desenvolvimento de Salvador.
Para o primeiro caso em se realizando uma relativização da capital com os demais
municípios integrantes da sua Região Metropolitana percebe-se que, mesmo
Salvador possuindo uma população muito superior as demais cidades, alguns
destes municípios obtiveram uma taxa de crescimento superior a ela,
destacadamente Lauro de Freitas, Camaçari e Simões Filho. E isto é duplamente
preocupante.
Em primeiro lugar a própria cidade já teve uma taxa de crescimento bastante
superior as taxas do estado da Bahia e a do Brasil passando a concentrar, num
curto espaço de tempo, centenas de milhares de novos habitantes. Todavia, a isto
não correspondeu na mesma escala uma organização do mercado habitacional, e
de toda a infra-estrutura urbana a ele subjacente, nem do mercado de trabalho, de
modo que não foi possível absorver todo esta mão-de-obra disponível assim como
não for possível promover boas condições de habitabilidade a uma grande parcela
da população migrante.
Tabela 31 - População Residente – Salvador, Região Metropolitana, Estado da
Bahia e Brasil - 1960/1970/1980/1991
População Residente (hab)
Municípios
1960 1970 1980 1991
Camaçari 21.849 33.273 89.164 113.639
Candeias 18.484 34.195 54.081 67.941
Dias D´ávila - -
-
31.260
Itaparica 25.276 8.391 10.877 15.055
Lauro de Freitas - 10.007 35.431 69.270
Madre de Deus
- - -
9.183
SALVADOR
655.735 1.007.195 1.502.013 2.075.273
São Francisco do Conde 18.455 20.738 17.838 20.238
Simões Filho - 22.019 43.571 72.526
Vera Cruz - 12.003 13.749 22.136
RMS
739.799 1.147.821 1.766.724 2.496.521
ESTADO DA BAHIA
5.990.605 7.583.140 9.597.393 11.867.991
BRASIL
70.191.37093.139.037119.002.706 146.825.475
Fonte: SALVADOR, 2005
Tabela 32 - Taxa de Crescimento Geométrico Média Anual - Salvador, Região
Metropolitana, Estado da Bahia e Brasil - 1960/1970/1980/1991
Taxa de Crescimento (% anual)
Municípios
1960/70 1970/80 1980/91
Camaçari 4,3 10,4 2,2
Candeias 6,3 4,7 2,1
Dias D´ávila - - -
Itaparica - 2,6 3,0
Lauro de Freitas - 13,5 6,3
Madre de Deus - - -
SALVADOR
4,4 4,1 3,0
São Francisco do Conde 1,2 -1,5 1,2
Simões Filho - 7,1 4,7
Vera Cruz - 1,4 4,4
RMS
4,5
4,4 3,2
ESTADO DA BAHIA
2,4
2,4 1,9
BRASIL
2,9
2,5 1,9
Fonte: SALVADOR, 2005
Tabela 33 - Participação Percentual da População dos Municípios da Região
Metropolitana no Total da População da RMS 1960/1991
Participação (%)
Municípios
1960 1970 1980 1991
Camaçari 3,0 2,9 5,0 4,6
Candeias 2,5 3 3,1 2,7
Dias D'Ávila - - - 1,3
Itaparica 3,40 0,7 0,6 0,6
Lauro de Freitas - 0,9 2,0 2,8
Madre de Deus - - - 0,4
Salvador 88,6 87,7 85,0 83,1
São Francisco do Conde 2,5 1,8 1,0 0,8
Simões Filho - 1,9 2,5 2,9
Vera Cruz - 1,0 0,8 0,9
Fonte: SALVADOR, 2005
Em segundo lugar o demasiado crescimento populacional de alguns municípios no
entorno de Salvador põem em xeque a sua capacidade de planejar e dirigir o seu
próprio desenvolvimento econômico e urbano. O desafio é de como considerar em
seu processo de planejamento o movimento de migração de milhares de pessoas
que para a Região Metropolitana se transferem anualmente vindas do interior do
estado, ou, pelo menos, o movimento pendular casa-trabalho-casa / casa-escola-
casa realizado por uma grande quantidade de indivíduos cotidianamente entre
municípios vizinhos e Salvador.
Em realidade isto significa dizer que um processo de planejamento na dimensão
urbana é condição necessária para alcançar um maior patamar de desenvolvimento
econômico, mas não suficiente. Há de se considerar a dimensão metropolitana da
cidade caso se queira obter resultados mais consistentes. Além disso, existe um
outro fato agravante. Tem-se constatado uma tendência de transferência de firmas
da capital para os seus municípios vizinhos na medida que estes vem crescendo
demograficamente.
A segunda relativização necessária ao entendimento do processo de
desenvolvimento de Salvador deve ser feita na sua própria dimensão interna. Fruto
de um planejamento exógeno e mal dirigido, coadunado com a atuação do capital
imobiliário e de forças políticas, este desenvolvimento ocorreu desequilibrado social
e espacialmente.
Mapa 10 - Regiões Administrativas (RA´s) de Salvador, segundo o Decreto nº 7.791 de 16 de
Março de 1987
Fonte: S
ALVADOR, 1987
Tabela 34 – Distribuição Espacial da População e da Renda dos Chefes de
Família em Salvador em 1991 por Região Administrativa
Região Administrativa População (%) (%) da Renda
I Centro 4,50 7,10
II Itapagipe 7,18 4,85
III São Caetano 9,42 4,53
IV Liberdade 8,73 5,26
V
Brotas
8,47
11,34
VI
Barra
3,49
14,10
VII Rio Vermelho 7,82 7,85
VIII
Pituba
3,15
12,84
IX Boca do Rio 3,91 6,91
X Itapuã 6,37 5,40
XI Cabula 5,19 4,41
XII Tancredo Neves 7,37 3,45
XIII Pau da Lima 6,92 4,23
XIV Cajazeiras 4,82 2,48
XV Valéria 2,08 0,84
XVI Subúrbios Ferroviários 10,48 4,41
TOTAL 100,00 100,00
Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 1991
Ao se privilegiar o vetor atlântico da cidade e a região do Iguatemi, ora de forma
clara ora tácita, como áreas preferenciais para o recebimento de investimentos
públicos e privados – infra-estrutura urbana, empreendimentos comerciais e de
serviços (empresariais, educacionais, de saúde e de lazer e entretenimento, entres
os principais) e obras de embelezamento urbano - em detrimento das regiões do
“Miolo” e do vetor da Baía de Todos Santos produziu-se uma cidade espacialmente
segregada e socialmente excludente.
Com o arrefecimento do modelo urbano-industrial da economia baiana que viria na
década seguinte, este desenvolvimento desequilibrado passou a pressionar
fortemente as administrações municipal e estadual. Para além da pressão política
exercitada pela sociedade civil organizada, indicadores econômicos e sociais tais
como a taxa de desemprego, a pobreza urbana, os déficits habitacionais quantitativo
e qualitativo, o nível de instrução da população e os índices de violência urbana,
passaram a demandar dos planejadores baianos uma mudança no rumo do
planejamento para o desenvolvimento, não somente para a capital mas para o
estado como um todo.
CAPÍTULO 3: A POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO COM ÊNFASE NO SETOR
DE SERVIÇOS: TURISMO, ENTRETENIMENTO E CULTURA NA SALVADOR
PÓS 1991
Após um período de esvaziamento do debate acerca do planejamento no final dos
anos 70, e especialmente ao longo dos anos 80 do século passado, a questão do
planejamento do desenvolvimento está de volta à cena. O debate sobre o
planejamento aparece num novo contexto, marcadamente influenciado por uma
abordagem neoliberal, seguindo a cartilha do Consenso de Washington, com
privatizações e desregulamentação.
Entretanto, essa lógica ortodoxa por um lado mantém um estado mínimo, mas ao
mesmo tempo atua planejando e preparando a infra-estrutura para segmentos em
que grandes grupos internacionais ficam com a maior fatia dos lucros gerados.
Particularmente o caso de Salvador é um exemplo dentro desta lógica.
Se, até os anos 1980, a lógica do desenvolvimento a partir da indústria estava
presente, atualmente o mercado dos serviços, dos bens simbólicos e do
entretenimento tem sido a forma como o capital tem se ajustado no local Salvador.
Uma das peculiaridades deste ajuste é aproximação entre o turismo e o capital
imobiliário, seja na construção de equipamentos hoteleiros, seja na construção de
condomínios voltados para o turista estrangeiro. Neste sentido, com a perda de
dominância da política industrial, Salvador acomoda-se numa nova perspectiva:
serviços. Assim, através de uma forte promoção de sua imagem e com a utilização
de modelos estratégicos e competitivos de desenvolvimento (porteriano e city
marketing), mantém uma lógica de reprodução do capital.
Essa estratégia global encontra uma nova dinâmica para a
reprodução do capitalismo: a construção da cidade-mercadoria que,
sob a égide do poder político dos governos locais, perfila-se através
dos processos de reestruturação urbana (como exigência da
economia competitiva) e através da construção de imagem para
vendê-la, para inseri-la no mercado. Como mercadoria especial,
envolve estratégias especiais de promoção: são produzidas
representações que obedecem a uma determinada visão de mundo,
são construídas imagens-síntese sobre a cidade e são criados
discursos referentes à cidade, encontrando na mídia e nas políticas
de city marketing importantes instrumentos de difusão e afirmação.
As representações do espaço e, baseadas nelas, as imagens-síntese
e os discursos sobre as cidades, fazem parte, pela mediação do
político, dos processos de intervenção espacial para renovação
urbana. (SÁNCHEZ, 2001, pg. 33)
Pode-se enxergar claramente a existência de duas tendências distintas. A primeira
tendência aqui tratada como uma política com ênfase no industrial, indo do final da
segunda guerra mundial até a crise do petróleo nos anos 1970, e a segunda como
uma política com ênfase nos serviços iniciada com a perda de dominância da
primeira. Na cidade de Salvador, tais tendências chegaram com algum atraso,
podendo ser considerado de política industrial o período 1950-1990 e de política
com ênfase nos serviços a partir de 1991.
Autores como Harvey (1992) e Masi (1999) procuram classificar os períodos,
definindo-os a partir de algum padrão – ou conjunto de características – existente.
Este esforço pode auxiliar a compreensão de determinados momentos históricos e
os processos de passagens / permanências de políticas tendencialmente existentes.
Destacamos dois grandes grupos de paradigmas associados ao desenvolvimento
econômico, produção, consumo e trabalho ao longo do século XX. Para o primeiro
paradigma, já foram utilizadas diversas nomenclaturas: taylorista
18
-fordista,
keynesiano-fordista, industrial, capitalismo organizado, produção fordista. O segundo
paradigma teve tantas outras nomenclaturas: pós-industrial, acumulação flexível,
capitalismo desorganizado, produção just-in-time.
Tabela 35: Comparação entre a dinâmica industrial e a dinâmica de serviços
Perspectiva de análise Dinâmica industrial Dinâmica de Serviços
Oferta Produtos Serviços e produtos
Organização empresarial
/ microeconômica
Estrutura mecânica Redes de mercado
Foco gerencial Gerência operacional Gerência estratégica
Organização do trabalho Organização vertical do
trabalho
Organização mais horizontal do
trabalho
Escala da produção Produção em massa de bens
homogêneos
Produção flexível e em
pequenos lotes de uma
variedade de tipos de produto
Estoques Grandes estoques e
inventários
Sem estoques
Trabalho Alto grau de especialização de
tarefas
Eliminação da demarcação de
tarefas
Localização das
empresas
Especialização espacial
funcional (centralização /
descentralização)
Agregação e aglomeração
espaciais
Estado Regulamentação, rigidez.
Socialização do bem-estar
social (o Estado do bem-estar
social)
Desregulamentação / re-
regulamentação, flexibilidade.
Privatização das necessidades
coletivas e da seguridade
social
Negociação de salários Negociação coletiva Divisão / individualização,
negociações locais ou por
empresa.
Ideologia Consumo de massa de bens
duráveis: a sociedade de
consumo
Consumo individualizado:
cultura yuppie
Perspectiva do individuo socialização Individualização; a sociedade
do espetáculo
Fonte: Elaborada pelo autor, adaptado de Halal (1986), Swyngedouw (1986) apud Harvey (1992).
É a compreensão da segunda política, com as empresas demandando cada vez
mais relações flexíveis, tendo uma implicação direta sobre a força de trabalho e
18
Taylorismo – Conjunto das teorias para aumento da produtividade do trabalho fabril, elaboradas
pelo engenheiro norte-americano Frederick Winslow Taylor (1856-1915).
sobre a relação com os mercados consumidores, que possibilita compreender a
estratégia vigente em Salvador.
O esgotamento do modelo keynesiano-fordista no início dos anos 70, como aponta
Harvey (1992), é o marco sócio-econômico-político deste processo. Autores e
pesquisadores de diversos campos de conhecimento tentam analisar este processo
seja numa perspectiva econômica, espacial, política e mesmo da relação do
indivíduo com seu cotidiano no trabalho (BECK, 2000; CAPPELLI, 1999; DEJOURS,
1999; HARVEY, 1992; RANSOME, 1999).
Estas mudanças alteraram as relações de trabalho, possibilitando um novo
paradigma de contrato de trabalho, com mecanismos flexíveis e com muitas
vantagens para os empregadores (BECK, 2000; CAPPELLI, 1999). Mas como
aponta De Masi (1999), tais mudanças apresentam-se de formas distintas nos
diversos países, setores da economia e nos distintos tipos de organização. Países
da periferia parecem estar mais vulneráveis às diversas mudanças que se impõem.
Sofrem não apenas no nível individual com seus trabalhadores, mas, principalmente,
no modelo social de exclusão e baixo crescimento econômico. Paralelo a isso,
organizações com maior ênfase em maquinaria e produção em escala têm grandes
dificuldades de conseguir manter a inovação como núcleo de sua estratégia
corporativa.
Neste contexto, Harvey (1992) dedica-se à compressão das questões econômicas e
sociais que interferem diretamente nas relações de trabalho e nos modos de
produção. Como aponta Harvey no final do Século XX, ficaram sinais e marcas em
abundância de modificações radicais em processos de trabalho, hábitos de
consumo, configurações geográficas e geopolíticas, poderes e práticas do Estado.
Mais particularmente no Ocidente, a produção em função do lucro permanece como
princípio organizador básico da vida econômica. Assim, a busca pelo aumento da
eficiência na fábrica foi desenvolvida com o Modelo Taylorismo, sendo consolidada
com o Modelo Fordista de produção. Mais que um modo de produção limitado à
fábrica, foi desenvolvido - por conta de uma grande crise de superacumulação
19
- um
pacto que compreendia o Estado, as empresas, empregados e consumidores. A este
pacto dá-se o nome de modelo keynesiano-fordista, alicerçado no Estado do Bem-
estar. Ou seja, houve a ligação da produção fordista a um modo keynesiano de
regulação estatal.
Como mostra Harvey (1992), o modelo keynesiano-fordista era constituído de
diversos aspectos: a elaboração e proteção dos direitos dos trabalhadores, o
aumento nominal dos salários, o oferecimento de um sistema de proteção social à
população (Estado do Bem-estar) e o aumento da produtividade nas fábricas com a
aceitação por parte dos trabalhadores das práticas racionais de gestão. Tal pacto
garantia como conseqüência a expansão da oferta de produtos e um crescimento da
demanda.
Evidentemente que este pacto não se estendeu a toda economia de forma
homogênea. Harvey aponta uma série de dificuldades que muitos setores da
economia e muitos países – principalmente da periferia - tiveram para manter o
19
A Crise de 29 teve como um dos principais pontos de origem o grande aumento da produtividade
nas empresas, ocasionados pelos métodos taylorista e fordista de produção. Entretanto, estes
métodos eram restritos às fábricas sem que houvesse qualquer modo de regulação estatal.
pacto. Entretanto, nos países centrais, o modelo keynesiano-fordista se expandiu
por parte considerável da economia.
No final dos anos 60 e início dos anos 70, a economia começou a dar sinais de que
haveria um esgotamento do modelo keynesiano-fordista. Novas formas de relação
de trabalho, diferenciação dos trabalhos da órbita central em relação à periférica, o
avanço das pequenas empresas, o crescimento do setor de serviços, a
customização dos mercados e a financeirização da economia desenharam uma nova
forma de acumulação: a acumulação flexível.
Esta nova forma de acumulação, entretanto, mantém a lógica capitalista e suas
características. Como aponta Harvey (1992, p. 164): “Como a acumulação flexível
ainda é uma forma de capitalismo, podemos esperar que algumas proposições
básicas se mantenham.”
Segundo Harvey (1992), são três características básicas do modo capitalista de
produção:
1) O capitalismo é orientado para o crescimento. Não importam as
conseqüências sociais, ambientais ou geopolíticas. Ou seja, a crise é
a falta de crescimento;
2) O crescimento em valores reais se apóia na exploração do
trabalho vivo na produção. Daí a necessidade de controle do trabalho
na produção e no mercado. O capitalismo está fundado numa
relação de classes (capital e trabalho);
3) O capitalismo é por necessidade, tecnológica e
organizacionalmente dinâmico. Os capitalistas - individualmente -
procuram as inovações e conseqüentemente o lucro.
Como mostra Harvey (1992), as crises de superacumulação (capital e trabalho
ociosos sem ter como se unir), capacidade produtiva ociosa, excesso de
mercadorias e estoques, excedente de capital-dinheiro e grande desemprego são
inerentes ao capitalismo. É justamente para conter tais crises que surgem algumas
opções, como a desvalorização de mercadorias, da capacidade produtiva, do valor
do dinheiro (algumas vezes associada à destruição direta) e da própria força de
trabalho. Compreender, então, a desvalorização e até destruição
20
da força de
trabalho como mecanismo para se evitar as crises de superacumulação é
fundamental para a compreensão das mudanças nas relações de trabalho e no
regime de acumulação.
Ainda como opção para se evitar tais crises existe o controle macroeconômico, que
muitas vezes institucionaliza algum sistema de regulação para conter o problema, às
vezes por considerável período de tempo. Daí Harvey (1992) enxerga como virtude
do regime fordista-keynesiano a possibilidade de criação de um equilíbrio de forças,
mesmo tênue, através do qual os mecanismos que causavam o problema da
superacumulação (o ritmo da mudança tecnológica e organizacional e a luta pelo
controle do poder) pudessem ser mantidos sob suficiente controle para garantir um
crescimento equilibrado. Assim, o regime de acumulação fordista-keynesiano foi
sustentado pelo modelo keynesianismo de regulação.
Por fim, o deslocamento temporal
21
e o deslocamento espacial
22
apresentam-se
como opções para evitar as crises de superacumulação. Estes mecanismos podem
ser utilizados de forma isolada ou combinados.
20
Seja com a taxa crescente de exploração, a queda da renda real, o desemprego, mais mortes no
trabalho, a piora da saúde e a diminuição da expectativa de vida.
21
Por deslocamento temporal, entende-se o mecanismo de gerar superávits presentes, com
investimentos de longo prazo (sejam privados ou públicos) em instalações, infra-estrutura física e
social. Assim, acelera-se o tempo de giro. Para que este mecanismo possa ser operacionalizado é
preciso ter capacidade de crédito e capacidade para formar “capital fictício”. Desta forma, o capital
fictício é convertido em capital real, mesmo sem ter lastro em termos de capacidade produtiva real ou
de ativos físicos.
No que se refere à discussão sobre as relações de trabalho, Harvey chama a
atenção para o fato de que as duas estratégias de aumentar a mais valia
continuaram na acumulação flexível:
Mais-valia absoluta: com aumento da jornada de trabalho e implementando a
estratégia com o deslocando das indústrias para a periferia;
Mais-valia relativa: com a redução do padrão de vida dos trabalhadores, que
também pode ser implementada com a transferência das fábricas para
regiões sujeitas a aceitar padrões mais baixos.
Portanto, como mostra Harvey (1992), há uma crescente flexibilização do trabalho
(subcontratação, emprego temporário e atividades autônomas), da produção
(deslocamento de fábricas para a periferia) e do consumo (customização dos
produtos), havendo, então, mudanças significativas com o modelo de acumulação
flexível (após 1973), porém permanecendo a lógica do capitalismo. Sendo, na
verdade, esta flexibilização - da produção, do trabalho e do consumo - um resultado
de buscas de soluções financeiras. Harvey aponta o processo de financeirização da
economia como o aspecto central destas mudanças, não havendo atualmente um
modo de regulação eficaz, o que aumenta a possibilidade de crises.
Tais mudanças na economia e na sociedade também são percebidas por De Masi
(1999). Nesta direção é identificado pelo autor um novo modelo de sociedade: a
sociedade pós-industrial.
22
Por deslocamento espacial entende-se a absorção pela expansão geográfica do capital e do
trabalho. A princípio deve-se pensar nesta alternativa como uma solução de curto prazo, pois só faz
aumentar a escala da competição e os riscos de uma super-acumulação aumentam.
Não se trata, portanto, da fase nova de um velho processo; não se
trata de uma sociedade industrial um pouco mais complexa, um
pouco mais rica, um pouco mais problemática. Como termo “pós-
industrial” indica-se enfim, em todo o mundo um modelo inteiramente
novo de sociedade, que se move sob o signo da conexão e da
reintegração de trabalho e vida, casa e escritório, quantidade e
qualidade, ética e negócio, bens e serviços.(DE MASI,1999, p. 221)
Portanto, verifica-se que Harvey (1992) valoriza o modo de regulação da economia e
os mecanismos que possibilitam a implementação desta lógica de regulação. Por
outro lado, De Masi (1999) valoriza o papel das organizações, do consumo e da
sociedade. Entretanto, a percepção da existência das mudanças e o reflexo na
flexibilização das relações de trabalho é que aproxima De Masi de Harvey.
E é neste contexto de mudanças, após um processo de perda de importância
relativa da política industrial representado pelo CIA e Complexo Petroquímico de
Camaçari, que surge como alternativa para o local Salvador as atividades do
turismo.
Importante verificar que o turismo, representado pela rede hoteleira, restaurantes e
empresas de aluguel de automóveis (...) representam apenas a ponta da cadeia,
pois uma série de outras atividades, como o financiamento de empreendimentos
hoteleiros e infra-estrutura urbana, construção de empreendimentos hoteleiros e
campanhas de marketing para promover o local também estão presentes.
Destaca-se ainda que os pólos de lucros de tais cadeias estão normalmente ligados
a grandes grupos internacionais, articulados ou não a fundos de investimento que
encontram hoje no turismo uma alternativa de investimento. Já a parcela de
endogeinização encontrada no cluster tende a funcionar aumentando a capilaridade
das empresas extra-locais através de serviços básicos como guias, táxis, artesanato
ou pequenos meios de hospedagem. Um dos mecanismos para que isto se torne
possível é o empacotamento e padronização da cultura (MENDES, 2001).
O turismo tem se revelado como uma forma de exploração
planejada, uma estratégia de ampliação da apropriação de recurso
dos países industrializados nos países em desenvolvimento porém
ainda ricos em ecossistemas naturais de interesse turístico. Foi o
caso de Cancun, no México, Cartagena na Colômbia e o litoral
cearense onde os principais empreendimentos são de investidores
norte-americanos, espanhóis, portugueses e franceses. O turismo,
neste caso, também se revela como um campo propício para a
reprodução e consolidação dos valores e interesses de grupos
capitalistas privados e do Estado. São estes que definem o modelo
de desenvolvimento turístico, isto é, o conjunto de estratégias
desenhadas para alcançar objetivos determinados. (ALMEIDA, 2004,
p. 2).
Neste cenário em que o governo local buscava uma nova alternativa de
desenvolvimento e grupos internacionais sinalizavam predisposição a investir em
novos empreendimentos, se observa, no início dos anos 1990, o planejamento para
alavancar o turismo na Bahia. Ainda neste contexto, verificou-se a estruturação de
um programa para o turismo na região Nordeste, com financiamento do Banco
Interamericano de Desenvolvimento. Por fim, soma-se ainda um contexto de crise
que tinha legitimado o turismo como uma alternativa, de acordo com Queiroz (2005,
p. 406):
é necessário, porém, ressaltar que, nesse período, o Brasil
encontrava-se mergulhado em forte crise. As experiências de outros
países subordinados ao Fundo Monetário Internacional (FMI)
apontavam o turismo como uma possível saída para enfrentar a
retração econômica e as desigualdades sociais, o que conduziu o
BID e o Banco Mundial (BIRD) a financiarem projetos direcionados
para essa atividade. Assim, a abertura da linha de financiamento
para o turismo nordestino veio ao encontro da estratégia de auxílio
ao combate à miséria, à fome e ao desemprego que assolavam a
nação brasileira.
A partir deste quadro, a construção de um modelo de desenvolvimento a partir do
turismo foi assumindo um caráter hegemônico na sociedade soteropolitana, tendo
como base a idéia de vocação natural da cidade para o turismo. Assim, desde de
1991, o governo estadual tem estimulado a indústria do turismo de forma nítida,
tendo esta atividade econômica como um dos pilares para o desenvolvimento do
estado. Para tanto, foi implementada uma série de ações a começar por mudanças
na estrutura das secretarias com a criação da Secretaria da Cultura e Turismo.
Desta forma, as políticas de fomento ao turismo deixaram a Secretaria da Indústria e
Comércio; o mesmo ocorrendo com as políticas ligadas à cultura que deixaram a
Secretaria de Educação. Assim, na sua própria concepção, ficava marcada a
intenção de desenvolver o turismo associado à cultura.
Uma série de ações foi posta em prática: criação da Secretaria de Cultura e Turismo,
contratação por parte do Governo da Bahia de empresas de consultoria
23
para
desenvolver as estratégias de desenvolvimento da atividade, num programa multi-
setorial, tendo como resultado o Programa de Desenvolvimento Turístico da Bahia –
PRODETUR-Ba. Neste contexto, após a realização de pesquisas junto ao trade
turístico, o PRODETUR-Ba definiu o mercado internacional como prioritário.
Posicionado como orientador da macro estratégia para o desenvolvimento da
atividade, o PRODETUR-Ba definiu as áreas turísticas potenciais, valorizando a
diversificação da atratividade para o litoral e o interior do estado. Assim, foram
estabelecidas sete zonas turísticas da Bahia que iriam compor os Centros Turísticos
Integrados propostos pelo Programa, sendo: Baía de Todos os Santos, Costa dos
23
Foram contratadas as empresas Consultoria Turística Integrada (CTI) e SOLUÇÃO - Assessoria e
Planejamento.
Coqueiros, Costa do Dendê, Costa do Cacau, Costa do Descobrimento, Costa das
Baleias e Chapada Diamantina. Na sua concepção, a divisão do estado em áreas de
investimento, propiciaria uma maior eficiência na gestão dos recursos.
A compreensão do modelo de desenvolvimento a partir do turismo aponta então
alguns elementos-chave: a) inclusão das atividades ligadas ao turismo como
portadoras de caráter desenvolmentista para o Estado da Bahia; b) mecanismos de
desenvolvimento e financiamento das atividades (no caso o PRODETUR); c)
elaboração de uma política de desenvolvimento regional a partir do governo estadual
(iniciando com a reestruturação da máquina estadual); e d) elaboração de um
modelo de desenvolvimento para a cidade de Salvador a partir do cluster.
3.1. O PRODETUR
Na seqüência do ocaso do planejamento regional no Brasil representado pelo
esvaziamento da SUDENE, e até mesmo pela extinção deste órgão no final da
última década pelo governo Fernando Henrique Cardoso, o Programa de
Desenvolvimento do Turismo no Nordeste – PRODETUR/NE passa a figurar, no
decorrer dos anos 1990, como um dos principais esforços deste tipo de
planejamento, ainda que seja eminentemente setorial visto que trata do setor
turismo.
Para além da questão de um planejamento global versus um planejamento setorial,
é necessário se destacar uma diferença fundamental entre o planejamento realizado
pela SUDENE e os esforços do PRODETUR. Enquanto a SUDENE foi idealizada e
executada de forma centralizada no âmbito do governo federal, sendo a Região
Nordeste, o Espírito Santo e o nordeste de Minas Gerias vistos de forma
complementar e integradora, o PRODETUR foi desenvolvido pelos próprios
governos estaduais para seus respectivos territórios em consonância com diretrizes
estabelecidas pelos organismos de financiamentos, o que de certa forma contribuiu
para uma perda de autonomia decisória quanto à natureza e distribuição dos
investimentos de cada governo e favoreceu o estabelecimento de um clima de
disputa entre os estados nordestinos envolvendo recursos, os projetos dos agentes
privados e a atração de turistas – nacionais e estrangeiros.
Na verdade, a opção pública com ênfase na atividade econômica do turismo como
fator de desenvolvimento para a realidade nordestina dita subdesenvolvida e/ou
dependente, tanto na escala nacional como na internacional, em substituição a
concepção do modelo anterior preconizado pelo GTDN e pela SUDENE, vem atestar
a originalidade das idéias de Christaller sobre o papel do turismo expostas nos idos
de 1963: “Em nossos dias, o turismo oferece às regiões economicamente
subdesenvolvidas uma chance para elas mesmas se desenvolverem já que estas
regiões interessam ao turismo” (CHRISTALLER, 1963 apud SILVA, 2001, p. 127).
Esta visão de Christaller decorre do seu entendimento acerca da necessidade de se
substituir as análises, tomadas isoladamente, das atividades econômicas e das suas
relações funcionais com o espaço onde ficariam sediadas pela análise da
geograficidade dos lugares e, assim, das condições que cada lugar poderia oferecer
em termos da seleção de prováveis atividades econômicas que neles poderiam ser
organizadas.
Pensando quais fatores locacionais um determinado lugar deveria possuir para que
possa desenvolver a atividade turística Christaller faz a seguinte enumeração:
(I) atrações do clima e paisagem;
(II) possibilidades para a prática de esportes;
(III) fontes com qualidades terapêuticas;
(IV) tesouros artísticos e antiguidades;
(V) perspectivas históricas e culturais;
(VI) especialidades econômicas; e
(VII) peculiaridades.
Daí Christaller pensar o turismo como a atividade econômica mais apropriada para
as regiões periféricas: “Assim, somente um tipo de atividade econômica relaciona-
se, de forma típica, com a periferia de uma área já densamente povoada, é a
atividade do turismo” (SILVA, 2001, p. 123), ou seja, aquelas áreas que estariam
distantes das localidades centrais concentradoras de atividades ligadas à
administração pública, às finanças, ao comércio, à educação, à saúde, à cultura etc.
e também distantes das aglomerações industriais já existentes.
O turismo tem, portanto, uma tendência natural para a periferia as
regiões densamente povoadas já que, na maioria das vezes, o turista
procura paisagens remotas e ambientes exóticos, muitas vezes
idílicos (montanhas, florestas, praias, lagoas, áreas naturais etc.).
(SILVA, 2001, p. 126)
Mas, ao mesmo tempo em que este geógrafo alemão acredita no potencial do
turismo para desenvolver regiões periféricas, ele já alerta para o possível
esgotamento desta estratégia caso ocorra um processo seqüencial de produção-
reprodução de periferias turísticas, que ocorreria em função do contínuo progresso
técnico da sociedade representado tanto pelos avanços nos meios de transportes e
comunicações quanto pelos aumentos da renda e do tempo disponível para a
realização de viagens.
Pode-se dizer, então, que o PRODETUR foi uma das respostas dadas pelo conjunto
dos governos nordestinos à crise internacional estrutural em marcha desde os anos
de 1970, que levou a uma reestruturação produtiva do sistema capitalista que, em
síntese, acabou substituindo a prevalência do modelo keynesiano-fordista de
acumulação pela da dominância da acumulação flexível.
Sob este cenário e, ainda, potencializado pela abertura econômica que o novo
governo Collor começara a empreender no início dos anos 1990, a atividade turística
deveria ser incentivada na região de forma a complementar a economia industrial em
fase decadente ou de estagnação, como foi mesmo o caso do Estado da Bahia.
Segundo informações de Queiroz (2002), a iniciativa de se obter uma linha de
financiamento junto a organismo internacional para a implementação de um projeto
turístico foi do governo do Estado de Sergipe, em 1990. Mas em virtude da negativa,
devido ao baixo valor do montante a ser financiado, este estado tratou de expandir a
concepção inicial do projeto para o conjunto dos estados nordestinos
24
.
Ainda em 1990, foi firmado um acordo entre os governos locais (dos estados da
Região Nordeste) e o representante do organismo financiador no qual cada estado
deveria desenvolver para seu território um planejamento de longo prazo para a
atividade turística. Então, em dezembro de 1994, o acordo de parceria é assinado
pelos governos da Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Sergipe, pelo
governo federal, pelo Banco do Nordeste - BNB e pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento – BID. Cabe ressaltar que posteriormente todos os outros
governos locais também foram incorporados ao acordo inicial.
O Programa de Desenvolvimento do Turismo no Nordeste –
PRODETUR/NE - é resultado da parceria entre o Banco do Nordeste
do Brasil - BNB - e o Banco Interamericano de Desenvolvimento –
BID, cujo objetivo geral é a melhoria da qualidade de vida da
população residente nas áreas de sua atuação. O Programa objetiva,
especificamente, o aumento das receitas provenientes das atividades
turísticas e a capacitação gerencial para estados e municípios.
(BANCO DO NORDESTE DO BRASIL, 2005)
O PRODETUR/NE foi divido em duas etapas. Na primeira, firmada através do
Contrato 841-OC/BR, o programa contou com o aporte inicial de US$ 670 milhões,
dos quais US$ 400 milhões corresponderam à parcela financiada e US$ 270 milhões
foram a contrapartida mínima dos governos locais, no entanto o PRODETUR/NE I
24
Este fato sugere que a formulação estratégica está sujeita a incorporação de estratégias
emergentes, como indica Mintzberg (1994). Assim, muitas vezes, a lógica do planejamento
estratégico perde relevância quando se observa as estratégias emergentes.
aplicou investimentos da ordem de US$ 750 milhões nos nove estados da Região.
Nesta etapa, foi privilegiada a implantação da infra-estrutura básica e de serviços
públicos necessários ao perfeito desenvolvimento do turismo na região. Isto
envolveu obras não só de saneamento básico, administração de resíduos sólidos,
construção ou melhoria de rodovias, preservação ambiental e recuperação do
patrimônio histórico-cultural, mas também reformas e construção de aeroportos e
projetos de desenvolvimento institucional tanto para os governos estaduais quanto
para prefeituras envolvidas nos projetos turísticos financiados (BANCO DO
NORDESTE DO BRASIL, 2005).
Pela Tabela 36, percebe-se que foi a reforma ou construção de aeroportos a linha de
ação que mais consumiu os recursos do PRODETUR/NE I, seguida pelas
intervenções em saneamento básico e transportes. Também é trazida a informação
de que foi a Bahia o estado que mais recebeu os recursos do programa.
O Banco do Nordeste – BNB, agente financeiro responsável pelos repasses dos
empréstimos originário do BID, acredita que o PRODETUR/NE I foi uma experiência
exitosa (BANCO DO NORDESTE DO BRASIL, 2005) devido aos seguintes fatores:
a) A quantidade de obras em execução ou concluídas, as quais vão
desde a capacitação de profissionais ligados aos órgãos públicos
gestores da atividade turística, até a construção de aeroportos;
b) O grande número de municípios abrangidos, superior a 180,
beneficiando cerca de 16 milhões de habitantes com as obras de
infra-estrutura;
c) A sua inquestionável contribuição para a mudança de paradigmas,
em relação ao planejamento e gestão da atividade turística regional,
experimentada pelos representantes dos estados nordestinos, que
agora percebem a força alavancadora que possui a integração e
convergência de ações;
d) A visível mudança de cenário da Região Nordeste, que conta,
hoje, com um ambiente propício à expansão da sua indústria
turística, mormente o crescimento que vem sendo registrado no
número do receptivo turístico e a chegada de investimentos privados;
Contudo, não há de se negar a ocorrência de alguns aspectos negativos presentes
no desenrolar do programa, entre eles o fato de que muitas prefeituras desviaram
recursos contratados exclusivamente para projetos turísticos para outras finalidades,
inclusive obras de urbanização e pagamentos de dívidas, que nada tinham a ver
com o escopo da proposta do PRODETUR/NE I.
Além disso, muitos municípios que não possuíam o potencial turístico necessário
para poder serem classificados como verdadeiros destinos turísticos, ou por
apadrinhamento político ou por pressão política junto ao governo de seu estado,
foram incluídos no programa somente tendo em vista a obtenção dos recursos.
Tabela 36 – Distribuição dos recursos aplicados no PRODETUR/NE I (posição em 15.03.2004)
Componentes
Total
UF
Estudos e
Projetos
Desenvolvimento
Institucional
Saneamento Transporte
Recuperação e
Proteção
Ambiental
Recuperação do
Patrimônio
Histórico
Aeroportos US$
AL 18.076,43 247.958,01 1.395.778,00 0,00 0,00 3.686.021,65 0,00 5.347.834,09
BA 3.178.567,2
6
2.322.262,0
0
46.256.864,3
6
47.065.997,62 1.217.560,6
6
9.039.393,71104.362.509,64 213.443.155,2
5
CE 3.440.784,00 2.590.487,00 20.787.749,00 24.588.422,68 4.484.220,00 0,00 73.187.239,59 129.078.902,27
MACEIÓ 1.005.006,66 5.346.936,95 0,00 12.424.927,00 12.931.318,49 4.640.929,44 0,00 36.349.118,54
MA 0,00 3.087.653,29 9.781.301,76 5.107.476,53 0,00 8.681.452,19 13.814.395,00 40.472.278,77
PB 150.580,32 1.043.277,79 20.694.725,36 10.402.993,63 0,00 338.814,57 0,00 32.630.391,67
PE 551.554,66 2.097.102,86 4.577.830,00 9.931.185,89 0,00 13.776.756,69 3.104.380,43 34.038.810,53
PI 411.702,55 1.097.677,83 10.761.134,93 8.486.514,11 0,00 356.345,53 0,00 21.113.374,95
RN 776.790,23 1.996.476,48 5.675.622,16 8.153.000,11 1.458.552,66 0,00 20.180.612,56 38.241.054,20
SE 974.614,69 327.115,17 23.000.050,97 13.330.875,18 0,00 5.035.213,24 8.088.832,23 50.756.701,48
Totais 10.507.676,80 20.156.947,38142.931.056,54139.491.392,75 20.091.651,81 45.554.927,02222.737.969,45 601.471.621,75
Nota: Nos valores ora informados estão contemplados recursos do financiamento (BID) e da contrapartida local
Fonte: Banco do Nordeste do Brasil, 2005
3.2. PRODETUR BAHIA
Elaborado em 1992 por empresas de consultoria contratadas pelo governo do estado,
sob a supervisão da Empresa Baiana de Turismo S.A – BAHIATURSA
25
, órgão oficial
de turismo do estado e responsável pela coordenação e execução da política para este
setor, este programa tendo uma amplitude para 20 anos passou a contar com os
aportes financeiros do BID e do BNB a partir de 1995.
Assim, o Programa de Desenvolvimento Turístico da Bahia – PRODETUR BA -
condensa os investimentos dirigidos à implementação e ao de fortalecimento do turismo
no estado. Segundo dados da Secretaria de Cultura e Turismo, os investimentos
programados pelo governo estadual em infra-estrutura em turismo apontam para uma
alocação de US$2,1 bilhões no período de 1991 - 2005.
Estes investimentos tiveram, na sua origem, o tesouro estadual como fonte
financiadora. Posteriormente, ocorre o envolvimento das seguintes fontes: Banco
Mundial – BIRD, Kreditanstalt für Wiederaufbau – KFW, Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social – BNDS, Fundo Geral de Turismo – FUNGETUR
e Programa de Financiamento ao Turismo do Nordeste.
25
A Bahiatursa – Empresa de Turismo da Bahia S/A. – é o órgão oficial de turismo da Bahia. São
atribuições da empresa a coordenação e execução de políticas de promoção, fomento e desenvolvimento
do turismo no Estado, de acordo com as diretrizes do governo, bem como a administração e
comercialização do Centro de Convenções da Bahia.
Seguindo as diretrizes estabelecidas no PRODETUR-NE, o que levou à definição dos
objetivos constantes na Tabela 37, o PRODETUR-BA tratou de dar ao estado uma nova
divisão regional pautada na geografia econômica ligada ao turismo, ou melhor dizendo,
geografia do turismo. Estudos como o de Spínola (2000) e Mesquita (2001) apontam
para as influências advindas da Teoria das Localidades Centrais – TLC de Christaller e
para a Teoria dos Pólos de Crescimento
de Perroux, no referencial teórico balizador do
estabelecimento de Zonas Turísticas no território do estado da Bahia.
Tabela 37 - Objetivos do PRODETUR- BA
Objetivos do PRODETUR-BA
Desenvolver Centros Turísticos Integrados, capazes de competir a nível
internacional;
Promover o desenvolvimento sustentado, através da adequação da legislação do
uso do solo e ambiental, visando manter a qualidade dos recursos naturais;
Obter a participação do setor privado, a quem cabe a implantação dos projetos
turísticos (hotéis, parques temáticos, marinas, restaurantes, etc.);
Enfatizar o aproveitamento turístico dos atrativos naturais em condições de se
garantir a proteção do meio ambiente, via especificação de uma capacidade de
carga (carrying capacity) conservadora;
Analisar as experiências de outros projetos similares, podendo aproveitar as
iniciativas bem sucedidas e coincidentes com as premissas estabelecidas no
modelo baiano.
Fonte: Secretaria de Cultura e Turismo, 2003
Sob estes princípios, somados à necessidade de alocação de recursos, foram criadas
pelo PRODETUR-BA as sete Zonas Turísticas. Também foi necessário definir no
planejamento espacial do turismo os Centros Turísticos que pudessem desempenhar o
papel das novas centralidades, como exatamente definidas pela TLC. A Tabela 38
aponta as zonas turísticas, os Centros Turísticos e os municípios que as compõem e o
Mapa 11 ilustra a distribuição espacial desta proposição do programa. Note-se que no
mapa disponibilizado pela Superintendência de Investimentos Turísticos – SUINVEST,
pertencente à estrutura da Secretaria de Cultura e Turismo – SCT, além das sete zonas
definidas originalmente foram acrescentadas mais quatro zonas
26
o que demonstra a
intenção do governo estadual em ampliar o número de municípios beneficiados pelo
PRODETUR-BA.
Tabela 38 – Zonas Turísticas, centros turísticos e destinos-âncora no
PRODETUR
Zonas Turísticas
Centros Turísticos/
Circuitos
Ecoturísticos
Destinos-Âncora
Costa dos
Coqueiros
Forte - Sauípe Praia do Forte
Baía de Todos os
Santos
Não-definido
Salvador
Costa do Dendê Não-definido Morro de São Paulo
Costa do Cacau Itacaré - Ilhéus Ilhéus
Costa do
Descobrimento
Porto Seguro –
Caraíva
Porto Seguro
Costa das Baleias
Ponta das Baleias –
Abrolhos
Parque Nacional Marinho
de Abrolhos
Chapada
Diamantina
Circuito do Diamante
Circuito do Ouro
Lençóis
Rio de Contas
Fonte: Bahia, 1993 Apud Queiroz, 2002
Investindo tanto em infra-estrutura básica urbana quanto turística, o governo do estado
da Bahia deu início, a partir de 1991 – com recursos próprios - às intervenções nos
municípios inclusos no zoneamento turístico do estado. Desta forma, procurou-se
qualificar aqueles municípios para a atração e aporte dos investimentos privados em
turismo, lazer e entretenimento.
26
As quatro novas Zonas Turísticas são Vale do Jiquiriçá, Lagos de São Francisco, Caminhos do Oeste,
Caminhos do Sertão.
Mapa 11- Distribuição espacial das Zonas Turísticas do PRODETUR-BA
Fonte: Secretaria de Cultura e Turismo, 2005
A tabela a seguir traz as ações concluídas por Zona Turística e os valores de cada
projeto implementado:
Tabela 39 - PRODETUR/BAHIA I – Ações concluídas (posição em 09/2005)
Projetos
Valor da obra (US$
Mil)
Data de
conclusão
Baía de Todos os Santos 123.187
Recuperação da Igreja do Bonfim 1.195 12/98
Quarteirão Cultural/Praça das Artes 5.429 07/99
C.Histórico Salvador – 6ª Etapa – Sede IPAC –
Fase1(contrapartida)
278 08/99
C.Histórico Salvador – 6ª Etapa –Praça da Sé (contrapartida) 1.494 03/99
Ampliação do Aeroporto Internacional de Salvador 114.570 09/02
Elaboração dos Projetos das Fortalezas - Salvador 201 03/05
Projeto Orla (Elab. Proj. Urbanização Amaralina/Armação)
Salvador
20 05/05
Costa dos Coqueiros 5.528
Sistema de Esgotamento Sanitário de Praia do Forte 1.055 07/01
Sistema de Esgotamento Sanitário de Sauípe 4.473 12/00
Costa do Dendê 3.334
Acesso Aeroporto Valença/Atracadouro B.Jardim
(Contrapartida)
3.046 06/00
APAs Pratigi e Maraú 94 07/00
Restauração de paisagens degradadas e sinalização -APA
Pratigi
7 10/02
Educação ambiental da APA Pratigi 102 06/01
Centro de visitação da APA Pratigi 85 06/01
Costa do Cacau 18.841
Rodovia Ilhéus/Itacaré 18.058 05/98
APAs Itacaré/Serra Grande, L. Encantada e Parque do
Conduru
783 12/03
Costa do Descobrimento 83.966
Sistema de Abast. de Água Belmonte (contrapartida) 982 06/96
Sist.de Abast. de Água Arraial d’Ajuda (contrapartida) 633 08/96
Sistema de Abast. de Água Trancoso (contrapartida) 328 08/96
Aeroporto de Porto Seguro 5.480 12/96
Atracadouro Cabrália/Tombador 256 12/96
Rodovia Cabrália/Belmonte (contrapartida) 8.499 05/97
Sist. de Abast.de Água de P. Seguro - Orla e Frei Calixto (B e
C)
5.361 11/00
Sistema de Esgotamento Sanitário de Belmonte 2.994 08/01
Implantação da APA de Santo Antônio 118 09/02
Urbanização de Trancoso 345 02/03
Receptivo Turístico - Centro Histórico de Porto Seguro 27 10/02
Atracadouro Porto Seguro/Apaga Fogo (contrapartida) 384 12/97
Sist. de Abast. de Água e Esgot. Sanitário de P. Seguro –
Setor A
11.885 08/98
Sistema de Abast. de Água de Santa Cruz Cabrália 744 07/99
Sistema de Abast. de Água de Coroa Vermelha 276 12/99
Drenagem P. Seguro/Acesso Apaga Fogo/Arraial D’Ajuda 5.719 12/99
Rodovia Porto Seguro/Trancoso 21.553 01/00
Plantio de gramas e hidrossemeadura - Rod. P. Seguro /
Trancoso
29 09/01
Recup.de Matas Ciliares de P. Seguro (contrapartida) 315 02/00
Recup. do Patrimônio Histórico de P. Seguro/Trancoso 2.026 04/00
Sistema de Esgotamento Sanitário Coroa Vermelha 1.057 05/00
Sistema de Esgotamento Sanitário Santa Cruz Cabrália 2.870 01/01
Sist. de Esgot. Sanitário de P. Seguro - Orla e Frei Calixto (B
e C)
7.932 10/00
Sistema de Esgotamento Sanitário de Arraial D’ Ajuda 2.767 12/00
Desenvolv. Institucional C.R.A - Centro de Rec. Ambientais 211 12/02
Desenvolvimento Institucional da Embasa 187 07/02
Sistema de Esgotamento Sanitário Trancoso 988 06/03
Chapada Diamantina 7.469
Aeroporto de Lençóis 7.469 05/98
Global 2.272
Desenvolv. Institucional da Sec. da Cultura e Turismo e
Bahiatursa
2.272 03/05
Sub-total 244.597 --
PRODETUR/BAHIA I - AÇÕES EM ANDAMENTO
Projetos
V
alor da obra (US$
mil) *
Data de
conclusão
Costa do Cacau 2.178
Sistema de Esgotamento Sanitário de Itacaré 2.178 02/06
Sub-total 2.178
Total geral 246.775
Notas: Valores das obras sujeitos a alteração até a sua conclusão.
* Total dos investimentos realizados com recursos de diversas fontes (PRODUR, PRODETUR -
BNB/BID, Tesouro Estadual)
Fonte: SUINVEST apud SCT,2005.
Neste processo dos US$ 750 milhões totais desembolsados no âmbito do PRODETUR-
NE, o estado da Bahia canalizou cerca de US$ 245 milhões ou quase 33% deste valor.
Em termos da distribuição destes recursos no território baiana a Zona Turística da Baía
de Todos os Santos foi a maior beneficiada com, aproximadamente, 50% dos US$ 245
milhões, seguida pela Zona da Costa dos Coqueiros com 34%.
Desta forma, o PRODETUR-BA reforçou o papel de Salvador como destino turístico
prioritário na Bahia, em detrimento das demais localidades turísticas, com implicações
diretas sobre preservação/recuperação do seu patrimônio histórico, sobre os setores de
saneamento básico e transportes e na ampliação do seu aeroporto internacional.
Assim, o paradigma de desenvolvimento com ênfase em serviços repete a
concentração de ações governamentais na capital e Região Metropolitana. Em termos
setoriais, o gráfico a seguir aponta que foi o investimento em aeroportos que, com
efeito, mais consumiu os recursos do PRODETUR-BA:
Gráfico 2 – Distribuição dos recursos do PRODETUR-BA por setores
Fonte: SUINVEST apud Secretaria de Cultura e Turismo, 2005
3.2.1. O PRODETUR-NE II
Tendo sido finalizado o desembolso dos recursos da primeira etapa, o PRODETUR/NE
II começa a ser negociado em 2001, levando à assinatura pelo BID, BNB (agente
executor), Ministério do Turismo (governo federal) e pelos governos dos estados
nordestinos do contrato BR-0323 em setembro de 2002 (SCT, 2005). O novo aporte
definido para o programa é o valor de US$ 400 milhões, sendo US$ 260
correspondentes ao BID/BNB, US$ 80 milhões aos estados e US$ 80 milhões ao
governo federal (BANCO DO NORDESTE DO BRASIL, 2005).
O PRODETUR/NE II tem como principal objetivo melhorar a qualidade
de vida da população permanente nos municípios integrantes dos Pólos
de Desenvolvimento Integrado de Turismo prioritários identificados na
área de atuação do Banco do Nordeste, através da geração de maiores
oportunidades de emprego, maior disponibilidade e qualidade dos
serviços urbanos municipais e uma melhor qualidade do meio ambiente.
Neste sentido, uma das premissas básicas do PRODETUR/NE II é o
foco na sustentabilidade dos investimentos realizados na Primeira Fase
do Programa [PRODETUR I], o que significa uma priorização de ações
que visem completar
e complementar os projetos financiados. (BANCO
DO NORDESTE DO BRASIL, 2005)
Do objetivo então delineado apreende-se algumas diretrizes e mudanças conceptuais
nesta segunda etapa. Se antes o foco foi o investimento em infra-estrutura urbana e/ou
turística concretizados através de projetos municipais isolados agora o BID exige que
haja um planejamento mais global por parte dos governos estaduais, ou seja, que os
projetos sejam desenvolvidos numa escala regional. Para tanto tiveram que ser
definidos Pólos de Turismo que agregassem municípios contíguos (14 inicialmente para
todo Nordeste).
Mapa 12 – Pólos de Turismo definidos no PRODETUR/NE II
Fonte: BNB,2005
Deste modo, o governo do Bahia decide criar quatro Pólos de Turismo agregando as
antigas Zonas Turísticas (ver Tabela 40). Segundo Queiroz (2002), o fato de que os
investimentos do PRODETUR I tenham surtido uma maior efeito nos municípios
integrantes do Pólo Costa do Descobrimento levou o governo estadual a escolhê-lo
como aquele que serviria para as avaliações, pelo organismo financiador, dos impactos
socioeconômicos advindos da primeira etapa, enquanto mecanismo para a liberação de
novos recursos. Os estados de Sergipe e Rio Grande do Norte também foram
escolhidos para o mesmo tipo de avaliação.
A questão ambiental também passou a ter relevância visto que as obras executadas
anteriormente – abertura/duplicação de estradas, construção de hotéis e outros
empreendimentos privados etc. – causaram alguns impactos negativos não previstos
em sua totalidade, levantando diversas contendas entre moradores, poder público e
agentes privados tipo ocupação desordenada do solo, favelização na periferia de
alguns destinos turísticos (caso de Porto Seguro), super utilização e/ou contaminação
de mananciais hídricos nas localidades turísticas, entre outros.
Tabela 40 – Pólos de Turismo criados em 2001 e as correspondentes Zonas
Turísticas
Pólos Turísticos Zonas Turísticas
Salvador e Entorno Baía de Todos os Santos e Costa dos Coqueiros
Litoral Sul Costa do Cacau e Costa do Dendê
Costa do Descobrimento Costa do Descobrimento e Costa das Baleias
Chapada Chapada Diamantina:
Fonte: BAHIA, 1993 apud QUEIROZ, 2002
Como o PRODETUR I não atingiu a eficácia esperada, tanto em termos da qualidade e
quantidade das obras executadas como da geração de emprego e renda locais, o
organismo financiador somente passou a aprovar, na segunda etapa, projetos oriundos
dos governos estaduais com um planejamento prévio para o desenvolvimento local, isto
é, substitui-se uma possível estratégia de desenvolvimento turístico estadual de uma
maneira genérica por uma estratégia que enfoque especificamente o desenvolvimento
de regiões-alvo. Assim, verificou-se uma redução da escala, estabelecendo os
seguintes componentes prioritários para o novo programa:
a) Fortalecimento da Capacidade Municipal de Gestão do Turismo: as
atividades neste componente são orientadas para garantir que o
governo local e a população disponham de instrumentos adequados e
desenvolvam a capacidade para manter e incrementar as atrações
turísticas e os serviços locais necessários para o crescimento por longo
prazo do turismo.
b) Planejamento Estratégico, Treinamento e Infra-estrutura para o
Crescimento Turístico: está desenhado para assegurar que os Estados
tenham capacidade de planejamento e funcionamento para realização
de atividades turísticas a seu cargo, assim como possam dispor da infra-
estrutura necessária ao desenvolvimento do setor turismo no estado.
c) Promoção de Investimentos no Setor Privado: tem como objetivo
promover e ampliar a integração com o setor privado como agente
complementar do processo de financiamento do investimento público no
desenvolvimento dos pólos de turismo. (BANCO DO NORDESTE DO
BRASIL, 2005)
Emblemáticos desta nova filosofia são os Planos de Desenvolvimento Integrado do
Turismo Sustentável – PDITS e os Conselhos de Turismo. O primeiro tem o objetivo de:
promover a estruturação e o planejamento do desenvolvimento do
turismo em mesorregiões vocacionadas, formação de parcerias,
mobilização e integração dos atores locais com foco na atividade
turística e nos resultados, em benefício da população local.
(SECRETARIA DE CULTURA E TURISMO, 2005)
Ou seja, é o produto concreto ao qual se refere a exigência de um planejamento local
prévio. No caso da Bahia, este estado elaborou, via consultorias, três dos quatro pólos
existentes - Salvador e Entorno, Costa do Descobrimento e Litoral Sul.
Já a segunda iniciativa (ou exigência) representa a “forte preocupação com o
engajamento da sociedade na definição das ações, reconhecendo-a como instrumento
legítimo de participação no processo” (BANCO DO NORDESTE DO BRASIL, 2005). O
estado da Bahia já conta com os quatro Conselhos referentes aos seus quatro Pólos de
Turismo.
3.3. A IMPLANTAÇÃO DO CLUSTER TURISMO, ENTRETENIMENTO E CULTURA
A partir 1991, com a volta do grupo carlista
27
ao governo do Estado, foi desenvolvida
uma estratégia de desenvolvimento da atividade turística para a Bahia
28
e
especialmente para a capital. Esta estratégia baseou-se na construção de uma vocação
da cidade vinculada às atividades ligadas ao turismo.
Esta vocação era fundamentada nas belezas naturais e riquezas ecológicas, no
patrimônio histórico e na diversidade cultural do Estado e expressa a compreensão da
cidade como organização competitiva. Afinal a idéia de vocação de uma cidade guarda
relação com o conceito de competência essencial proposto por Prahalad e Hamel
(1990)
29
em relação às empresas. Portanto, as atividades empresariais ligadas ao
turismo e entretenimento deveriam ser potencializadas aproveitando da visibilidade da
cultura local.
Convém recordar, neste sentido, que contribuiu intensamente para a
exposição da cultura baiana uma série de novelas televisivas e filmes, a
exemplo de Tieta, Gabriela e o Pagador de Promessas. Contribuiu,
também, número expressivo de escritores, artistas e intelectuais com
destaque nacional e internacional. Podem ser citados, no período mais
recente, Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro, Dorival Caymi, Glauber
Rocha, Caetano Veloso, Cid Teixeira e Orlando Gomes. Mas, talvez, o
27
Grupo político liderado pelo senador eleito e ex-governador Antônio Carlos Magalhães.
28
Pode-se notar, já no final da década de 60, esforços do governo, em direção ao desenvolvimento do
turismo no Estado, inclusive com metas de interiorização da atividade. Desta forma, o Estado, numa
postura empreendedora, construiu e administrou hotéis no interior, como em Lençóis e Itaparica. Já
Queiroz (2005) indica que nos anos 1930 já havia algum esforço para o desenvolvimento do turismo no
Estado.
29
Prahalad e Hamel (1990) escrevem sobre as competências centrais que as grandes firmas possuem
e/ou devem desenvolver, tendo marcado o campo da estratégia nos anos 1990. Neste sentido, a
“vocação para o turismo” aparece no local como uma competência central que deve ser fortalecida a
cada momento.
maior destaque no mercado da indústria cultural seja o produto carnaval.
(MENDES, 2001, p. 59)
Dessa forma, com um grupo bastante alinhado a seu líder político, a máquina pública
passou a desenvolver uma série de ações que visavam o estímulo do turismo. Estas
ações podem ser divididas em investimentos em infra-estrutura e em promoção. Tais
investimentos passaram – como conseqüência - a ter um sentido de direcionar as
atividades empresariais, ao comunicar que o turismo receberia relevante investimento
público, proporcionando, então, novas oportunidades de negócio (MENDES, 2001).
Por infra-estrutura, compreende-se, da ótica do grupo responsável, a melhoria do
“produto” ou, ao menos, seu embelezamento. Foram realizados investimentos nesta
direção, nos municípios, com apoio do Estado e financiamento internacional, através do
PRODETUR.
Em Salvador, foi iniciado o projeto de revitalização do Pelourinho, com a recuperação
dos antigos casarões, bem como o redirecionamento das atividades econômicas.
Foram concebidos, ainda, outros projetos, como o Bahia Azul, a iluminação da orla da
Barra, a revitalização do Dique do Tororó e o reforço da segurança pública - com a
criação da polícia turística - para a melhoria do produto Salvador. Soma-se ainda a
ampliação do aeroporto da capital e a captação de novos empreendimentos hoteleiros
de grande porte e elevado padrão.
Em paralelo a estas atividades, a Bahiatursa, juntamente com a EMTURSA
30
, passou a
desenvolver uma forte estratégia de posicionamento da imagem da cidade, com
investimentos em comunicação e na promoção de eventos. Verificou-se ainda
campanhas direcionadas aos soteropolitanos, seguindo a perspectiva do
endomarketing
31
. Assim, a cidade foi se preparando e ajustando a esta promessa de
desenvolvimento.
Segundo o prefeito de Salvador no período de 1997 a 2004, Antônio Imbassahy, a
Bahiatursa é a responsável pela promoção e a prefeitura pelo produto(Mendes, 2001).
Nesta parceria, cada órgão envolvido tem atribuições claramente definidas e
complementares. Esta afirmação coaduna-se com a orientação do city marketing.
Portanto o modelo do cluster que foi implementado em Salvador estava associado ao
modelo do city marketing.
Assim, deve-se destacar a percepção de Kotler (1997) em relação à imagem de uma
cidade. Nesta percepção, uma cidade deve preocupar-se com a Administração
Estratégica da Imagem (AEI). Com isto, devem estar claramente definidos os
segmentos-alvo dos usuários potenciais e como atingi-los. Mais que isto, é
30
Empresa de Turismo S/A – EMTURSA, foi constituída no dia 18 de fevereiro de 1986, na forma de uma
sociedade de economia mista vinculada à Prefeitura Municipal da Cidade do Salvador com as cotas
acionárias divididas entre o poder público (Prefeitura Municipal de Salvador) e a iniciativa privada através
de um Conselho, sendo que a Prefeitura detem 99% dessas ações. A EMTURSA tem como missão
“Fomentar as atividades turísticas, promovendo Salvador como destino nacional e internacional,
oferecendo aos visitantes e à comunidade, infra-estrutura e serviço de qualidade, gerando emprego e
renda para o Município.”
31
Endomarketing pode ser entendido como o esforço de marketing para dentro da organização
(direcionada aos funcionários). Assim, campanhas instituições tipo “trate bem o turista”, num contexto de
city marketing, podem ser classificadas como endomarketing.
indispensável monitorar a imagem construída do lugar
32. Neste contexto, verifica-se que
são utilizados ao menos dois modelos competitivos simultaneamente: o porteriano e o
city marketing
33
.
Evidentemente que o acionamento do city marketing articulado ao cluster tem gerado
resultados positivos para alguns segmentos da economia soteropolitana. Exemplos de
segmentos com retorno satisfatório têm sido o de hotelaria, companhias aéreas e
locadoras de automóveis (ou de forma geral o que está sendo chamado neste trabalho
de serviços avançados). Somam-se ao grupo de segmentos rentáveis as grandes
cervejarias e empresas de comunicação que investem no carnaval e outros eventos
relacionados, além de construtoras e incorporadoras. Como conseqüência, grande
parte do excedente gerado pelas atividades econômicas do cluster em questão tem
uma transferência imediata para fora da cidade, ou mesmo se realiza fora da cidade.
Desta forma, verifica-se que o cluster, apesar de gerar excedente, os transfere, em boa
parte, para fora, devido ao perfil exógeno dos ofertantes de serviços avançados. A
seguir, pode-se verificar o modelo do Cluster Turismo, Entretenimento e Cultura em
Salvador, elaborado a partir de relatórios do Governo do Estado da Bahia:
Como vem sendo observado, as ações dos governos estadual (a partir de 1991) e
municipal (a partir de 1997), que visam à transformação da cidade de Salvador num
32
Em Salvador, tanto a Bahiatursa como a EMTURSA realizam pesquisas periódicas com os turistas,
além de desenvolver estratégias de comunicação em relação a outros públicos relevantes em feiras e
convenções do trade turístico.
33
Preferimos falar em “ao menos” dois modelos, pois a lógica do modelo catalão também está presente,
inclusive com um plano estratégico para a cidade de Salvador.
pólo turístico, sugerem a adoção do cluster na reflexão da economia local, associando-
se ao modelo do city marketing. A importância da compreensão do conceito de cluster e
da sua aplicação nas cidades – e, neste caso, em Salvador – reside no fato de que sua
busca, de forma sistemática, pelos governos e associações empresariais, poderia
garantir maior eficiência à economia local.
Figura 10: Cluster Turismo, Entretenimento e Cultura em Salvador
Fonte: Mendes (2001)
Nesta forma de compreender a lógica econômica, percebe-se a interação entre cultura,
entretenimento e turismo na cidade de Salvador. Neste modelo que busca a sinergia
empresarial encontram-se incluídos hotéis; teatros; restaurantes; empresas aéreas;
construção e gerenciamento de marinas; eventos esportivos, especialmente os
esportes náuticos; shopping de lazer; blocos carnavalescos; infra-estrutura para o
carnaval e festas populares; dentre outras organizações e iniciativas.
CLUSTER TURISMO,
CULTURA E ENTRETENIMENTO,
Investidores
Transp. marítimo
Meios de
hospedagem
Educação
Mídia / Cinema / TV
/
Revista / Gravadoras
Infra-estrutura
de acesso
Eventos esportivos
Igrejas
/
manifestações religiosas
Exposição de arte
Espetáculos
Restaurantes
Compras
/
Shopping de lazer /
Blocos e bandas
Operadores e agentes
Transp. rodoviário
Companhias aéreas
A
gências de coord. pública
(
Entursa, Bahiatursa, SCT)
A
gências de coord. privada
(ABIH, ABT)
ONG’s ligadas
ao meio cultural
Pode-se ainda observar que, do ponto de vista econômico, existe forte indução deste
cluster pelo governo, especialmente o estadual. Assim, verifica-se a contratação de
empresas de consultoria, esforço promocional, além da infra-estrutura para
desenvolvimento do Cluster Turismo, Entretenimento e Cultura.
Entretanto, constata-se a existência de um cluster espontâneo antes desta estratégia
definida pelo governo estadual, podendo ser atestado pelo comércio nas festas
populares; empresas ligadas ao carnaval, gravadoras, restaurantes e vestuários típicos,
pousadas e restaurantes, artesanatos, dentre outras atividades ligadas à cultura local,
entretenimento e turismo, mesmo que com uma série de dificuldades de coordenação e
cooperação entre empresas e atividades. Autores como Queiroz (2005) indicam que já
na década de 1930 verificavam-se traços do turismo enquanto atividade econômica na
cidade.
Mas este cluster espontâneo, marcadamente caracterizado por organizações locais deu
origem a um novo cluster com a presença de grandes empresas extra-locais. Neste
sentido, observa a existência de um cluster induzido que se sobrepõe ao cluster
espontâneo previamente existente. Tal sobreposição tem como característica final a
apropriação por parte das empresas com perfil exógeno dos apelos do cluster
espontâneo, porém padronizando-os para facilitar a comercialização, inclusive em
escala.
Provavelmente o melhor exemplo para ilustrar tal quadro seja o carnaval. A maior festa
de rua do mundo, de acordo com Guiness Book, tem sido marcada nos últimos anos
pelo crescimento do fluxo turístico e pela oferta de grandes camarotes em quase todo o
circuito do carnaval. Assim, a perspectiva da exclusão pelo consumo se potencializa, à
medida que os pobres da cidade têm que se contentar com um dos cerca de 220 mil
empregos temporários gerados direta ou indiretamente ao evento, como vendedor
ambulante, cordeiros, seguranças, recepcionista, costureira ou camareira, ao tempo
que já não mais são donos do que já foi sua principal festa.
Assim, compreende-se o modus operandi do cluster em desenvolvimento em Salvador
com auxílio de consultores internacionais, como uma ferramenta gerencial que
potencializa o perfil exógeno de um cluster induzido.
Por outro lado, o envolvimento da sociedade local, um dos pressupostos do cluster
enquanto estratégia de desenvolvimento vem enfrentando os limites da desigualdade
social, como a concentração da renda e o baixo nível de escolaridade. Soma-se ainda a
falta de preparo do empresariado local, em especial das pequenas organizações,
refletindo de forma clara em uma baixa eficiência operacional e, ainda, numa baixa
qualidade na prestação dos serviços, limitando os resultados do cluster.
3.3.1. Pelourinho: associação entre espaço, cultura e turismo
Conjunto arquitetônico barroco com a quase totalidade de seus casarões oriundos do
período entre os séculos XVI e XIX, tombado em 1985 pela UNESCO como patrimônio
histórico da humanidade, o Pelourinho é por muitos considerado como o centro
histórico- cultural de Salvador. Seus quarteirões, sobrados e ruas representam a
história e a diversidade étnica e cultural da cidade.
Porém, o Pelourinho atravessou um longo período de degradação até que a partir de
1993
34
é iniciado um processo de revitalização que incluiu a reforma dos casarões,
policiamento ostensivo e remoção de famílias pobres – dando lugar a empreendimentos
comerciais. Neste sentido, observa-se um processo de revitalização da área,
desenvolvido com a seguinte orientação:
[...] o objetivo de explorar todo o potencial turístico do patrimônio
tombado e, neste sentido, a idéia central foi a de transformar um antigo
bairro, degradado sócio-espacialmente, com uso maioritariamente
residencial, ocupado por uma população bastante pobre (prostitutas,
boêmios, artistas no ostracismo, ‘biscateiros’), e em certa medida
‘guetificado’, em um centro cultural e de comércio e serviços de lazer
sob a forma do que se poderia chamar ‘shopping center’ ao ar livre.
(FERNANDES, 1998, p. 20).
Evidentemente este processo gerou resistências sociais e divergências entre lideranças
comunitárias. Estas divergências colocavam em xeque o valor da indenização atribuída
aos antigos moradores – pois, em muitos casos, não serviu ao seu principal fim que era
a aquisição de nova moradia - e os critérios adotados para a obtenção de ponto
comercial na área.
Seja como for, o governo estadual manteve sua convicção na escolha realizada e hoje
o Pelourinho constitui um dos seus principais trunfos na política traçada de
desenvolvimento do turismo.
34
Anteriormente havia sido tentada a implementação de projetos de revitalização, sem que nenhuma
tivesse obtido sucesso.
A recuperação e manutenção do patrimônio histórico tem no Pelourinho
o exemplo mais significativo, considerando o forte apelo de marketing
junto aos mercados emissores. A importância cultural como motivação
de fluxos fez da recuperação do Pelourinho um instrumento motivador
para a implantação de uma indústria cultural. (BAHIATURSA, 2000, p.
18).
Neste sentido, pode-se compreender a intervenção no Pelourinho no contexto macro de
desenvolvimento da indústria do turismo na cidade e não como uma mera intervenção
urbana dirigida à preservação de área historicamente relevante. Assim, tem-se, no
Pelourinho, a clara intenção de favorecer a estratégia de desenvolvimento do turismo
(MENDES, 2001).
Segundo Fernandes (1998), o governo estadual atuou, e ainda atua, de forma incisiva
no Pelourinho, devido a sua importância.
Estratégias governamentais empresarialistas como no caso do Centro
Histórico do Pelourinho são essenciais e importantes em uma cidade
como Salvador que possui mais de 50% de seu mercado de trabalho
alocado no setor serviços. (FERNANDES, 1998, p. 22).
Ainda segundo o autor, a forma como foi conduzido o Programa de Recuperação do
Centro Histórico do Pelourinho reduziu o papel da iniciativa privada na revitalização
desta área:
A ausência de um modelo de gerenciamento para o Centro Histórico do
Pelourinho, por parte do governo estadual que visasse dar um melhor
ordenamento às atividades e ao funcionamento conjunto do lugar,
definindo esferas de responsabilidade para as empresas e o Estado,
levou ao não estabelecimento de uma parceria público-privado no lugar,
elemento de fundamental importância no conceito de empresarialismo
governamental. A gestão realizada de modo exclusivo pelo Governo do
Estado, aliado à incipiente iniciativa autônoma do empresariado no
Centro Histórico Pelourinho, acabou por gerar um processo de
dependência do poder público na gestão do lugar. (FERNANDES, 1998,
p. 34).
Neste sentido, a intervenção no Pelourinho pode também ser compreendida como uma
ação que tinha como objetivo agregar mais valor ao produto Salvador. Assim, o
Pelourinho é, desta perspectiva, mais um elemento do mix de atributos do produto
Salvador.
Entretanto, passados quase quinze anos de sua revitalização o Pelourinho tem
vivenciado um processo de abandono e marginalização. A prostituição antes restrita a
uma clientela de baixo poder aquisitivo passou a ter como clientela preferencial os
turistas estrangeiros.
Se por um lado a revitalização teve um aspecto positivo no que diz respeito à
preservação do patrimônio cultural, por outro, ao enfrentar as primeiras fases do ciclo
de vida do destino turístico, transformando o local em ponto de grande circulação de
turistas e posteriormente chegando ao declínio, verificou-se alguns dos aspectos mais
tristes desta atividade econômica: a prostituição.
O mesmo quadro pode ser verificado no Aeroclube Plaza Show, shopping center
destinado ao turismo e entretenimento. Inicialmente, o empreendimento gerou uma
grande expectativa de geração de empregos, dentro do contexto de fortalecimento do
cluster, mas depois verificou-se – assim como no Pelourinho – que após fortalecer um
vínculo de circulação com os turistas, desterritorizando sua relação com a comunidade
local, o local foi assumindo algumas das características negativas do turismo, como
drogas e prostituição.
3.4. RESULTADOS DA ESTRATÉGIA IMPLEMENTADA
Como visto, o turismo assume um importante papel no crescimento e desenvolvimento
do estado da Bahia e de sua capital. Como destaca o secretário estadual da Cultura e
Turismo, Paulo Renato Dantas Gaudenzi, “para que o turismo concretize efetivamente
seu potencial como vetor de desenvolvimento econômico e social em benefício da
população baiana” é necessário entre outros pontos que “os habitantes das localidades
turísticas [tenham] direito a uma crescente melhoria de qualidade de vida, incluindo o
lazer e atividades recreativas” e “é indispensável o estímulo do governo ao
desenvolvimento dos serviços privados, com vistas ao aumento da renda, do emprego
e da qualidade de vida dos residentes locais” (SECRETARIA DE CULTURA E
TURISMO, 2006). Assim, torna-se necessário realizar uma análise dos resultados da
estratégia implementada em duas perspectivas: a do crescimento e a do
desenvolvimento.
Como visto no primeiro capítulo, o crescimento econômico está normalmente associado
à variação do PIB. Assim, o crescimento econômico foi analisado neste trabalho de
duas formas: a) o crescimento da atividade no local estudado e b) crescimento do PIB
do local estudado.
Já a dimensão do desenvolvimento normalmente é associada a algum grau de
distribuição da riqueza e/ou melhoria de condições de vida da sociedade. Assim, foram
utilizadas três variáveis para a análise: a) existência de “vazamentos” – por conta de
compras realizadas fora do local; b) possíveis transferências de excedentes – quando a
operação se dá no local; e c)geração de empregos e perfil dos empregos.
Evidentemente que outras variáveis poderiam ser incorporadas na análise, entretanto,
por razões metodológicas, incluindo disponibilidade de dados confiáveis foram
utilizadas estas.
3.4.1. A perspectiva do crescimento
Muitos dados são apresentados por parte de parte do governo estadual para respaldar
uma idéia de forte crescimento das atividades turísticas no estado e em Salvador. De
fato, percebe-se um crescimento de 212,87% no estado e na cidade quando se
comparam os anos 2004 e 1991 (início do atual modelo). Dados oficiais apontam para
uma participação de 7,8% da atividade turística no PIB estadual - estimado em US$
30,5 bilhões.
Entretanto, tal crescimento foi consolidado no período compreendido entre 1992 e
1996, quando o estado experimentou expressivas taxas de crescimento de sua receita
turística (28,0% em 1992; 18,8% em 1993; 24,2% em 1994; 47,4% em 1995 e 15,5%
em 1996)
35
. Após esse período de forte expansão, as atividades turísticas enfrentaram
momentos de retração, alternando com pequenas expansões, dando mostras de um
certo esgotamento.
35
Com o Plano Real houve uma valorização da moeda nacional frente ao dólar. Tal valorização ajuda a
explicar o crescimento pós 1994.
Com isto houve, em 2004, um impacto do turismo no PIB do estado de US$ 2,37
bilhões (aumento de 251,1% no mesmo 1991-2004). No gráfico a seguir é apresentada
a evolução da receita gerada pelo turismo na capital, no estado e o impacto no PIB
estadual:
Gráfico 3 - Receita gerada e impacto no PIB em milhões de US$ (1991 – 2004)
Fonte: Secretaria de Cultura e Turismo
Para compreensão do cálculo da receita turística torna-se válido observar o registro
metodológico da Secretaria de Cultura e Turismo.
[...] essa grandeza resulta do produto das variáveis Fluxo Turístico,
Gasto Médio Diário Individual (GMDI) e Permanência Média (PM).
O cálculo da renda gerada é efetuado com base na receita turística,
considerando-se o seu efeito multiplicador que tem início com a
introdução no circuito econômico dos gastos primários dos turistas e se
materializa por um encadeamento de transações e consumos
sucessivos. Origina-se desse movimento uma adição líquida à procura
local, estadual ou regional, assim como à própria demanda nacional
quando o turista provém do exterior, sendo essa demanda financiada
0
500
1000
1500
2000
2500
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Receita Gerada - SSA
Receita Gerada - BA
Impacto no PIB
com moeda estrangeira, carreando maior aporte de divisas ao país
receptor.
Resultante da extensão das Pesquisas “Perfil do Turismo
Receptivo”para um número maior de municípios turísticos da Bahia, a
ampliação da base de dados, permitiu a revisão dos critérios de
expansão do fluxo e da receita turística de Salvador (base de dados
primária e principal) para o âmbito do Estado. Como conseqüência, as
premissas que apoiaram a estimativa da renda gerada pela atividade
turística foram as seguintes:
1. a receita derivada do turismo na Bahia eleva-se para 1,85 do total da
receita turística de Salvador quando se considera a receita global, e para
1,35 quando se estima apenas a receita gerada pelo segmento
internacional;
2. a atividade turística não armazena nenhum resíduo de produção.
Desse modo, o montante dos gastos turísticos (consumo) será
equivalente à receita turística total;
3. estimado para o ano de 1984, o multiplicador dos gastos turísticos
internacionais no Brasil ficou próximo de 2,85, conforme estudo
realizado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas de São
Paulo (FIPE);
4. a renda turística nacional, direta e indireta, foi estimada aplicando-se
um coeficiente de 1,75 aos gastos turísticos de brasileiros em 1988,
tomando-se como base um estudo elaborado em parceria pela
EMBRATUR / OMT;
5. Na estrutura da renda, uma proporção equivalente a 36,1%
corresponde a salários; 57,3%, a lucros em geral; e 6,6%, a impostos e
subsídios, de acordo com o mesmo estudo da EMBRATUR/OMT; e
6. o fluxo turístico global do Estado - nacional e internacional - foi
projetado com base nos resultados de Salvador, depois de aplicados a
estes os coeficientes de 2,2 e 1,5 respectivamente.
Para avaliar a sustentabilidade de tal crescimento é apresentado o quadro a seguir,
destacando a variação da receita gerada e do impacto no PIB derivado do turismo na
capital e no estado no período compreendido entre 1991-2004. Neste sentido, observa-
se uma alternância de crescimento e decréscimo, mesmo quando se consideram as
crises cambiais que o país enfrentou no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000.
Tabela 41: Variação da receita gerada e do impacto no PIB derivado do turismo
(Em US$ milhões). Salvador e Bahia (1991-2004)
1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004
Variação da Receita
Gerada – SSA (em %)
- 27,0 14,9 28,7 48,7 15,1 -3,0 -5,9 -11,7 3,5 -9,7 8,4 13,6 5,0
Variação do PIB –
Brasil (em %)
1,0 -0,5 4,9 5,9 4,2 2,7 3,3 0,1 0,8 4,4 1,3 1,9 0,5 4,9
Variação da Receita
Gerada – Bahia (em %)
- 28,0 18,8 24,2 47,4 15,5 -3,5 -5,2 -8,4 6,3 -14,6 13,3 20,8 5,0
Variação do Impacto no
PIB - Bahia (em %)
- 28,0 18,8 24,2 47,4 15,5 -3,5 -5,2 -8,4 6,3 -14,6 13,3 20,8 5,0
Fonte: Elaborada pelo autor a partir de dados da Secretaria de Cultura e Turismo (2006) / IBGE / SEI
No que se refere à distribuição da renda turística na Bahia, pode-se verificar dados da
Secretaria de Cultura e Turismo (2006) que apontam para uma concentração de 57,3%
desse resultado na conta “lucros em geral”. A seguir é apresentada a distribuição desta
renda:
Tabela 42: Distribuição da Renda turística na Bahia – 2004
Conta Valor (em US$) Participação
Impostos e subsídios 156,5 milhões 6,6%
Salários 855,9 milhões 36,1%
Lucros em geral 1.358,6 milhões 57,3%
Total 2.371 milhões 100,0%
Fonte: Secretaria de Cultura e Turismo (2006)
Especificamente em relação a Salvador pode-se observar que mesmo com a
inconstância das taxas de crescimento da receita, houve uma relativa evolução de
outros indicadores de desempenho da atividade turística. Assim, em 2004, os Meios de
Hospedagem (MHs) classificados/assemelhados de Salvador receberam 668.049
turistas, sendo 501.037 de turistas nacionais (aproximadamente 75% do total) e
167.012 (aproximadamente 25% do total) procedentes de outros países (Secretaria de
Cultura e Turismo, 2004).
Neste cenário, a hotelaria classificada de Salvador contabilizou uma expansão de 15%
(ano de 2004 em relação a 2003), com um crescimento acumulado de 106,5% no
período compreendido entre 1991 e 2004. De acordo com a Secretaria de Cultura e
Turismo (2006), o resultado positivo desses meios de hospedagem reflete basicamente
o bom desempenho do segmento doméstico, que em 2004 cresceu 8,8% em relação a
2003 e 102,5% em relação a 1991.
Já o incremento no fluxo de hóspedes internacionais em Salvador nos anos 2003 e
2004 é explicado pela Secretaria de Cultura e Turismo em função da maturação dos
investimentos estrangeiros em equipamentos hoteleiros de grande porte em toda a
Bahia, particularmente na Costa dos Coqueiros, litoral norte do Estado, a exemplo de
Sauípe, o que ocorreu também em Salvador, propiciando a expansão da oferta
hoteleira em Salvador.
Tabela 43 - Resultados do Turismo Salvador (1991-2004)
Ano Nº Hóspedes
(em mil)
Taxa Ocupação
das UHs (em %)
Nº Turistas
(em milhões)
Participação de Turistas Estrangeiros
(em %)
1991 323,48 44,0 1,14 10,2
1992 318,91 47,3 1,03 13,1
1993 348,72 53,4 1,23 12,9
1994 370,82 54,3 1,35 12,2
1995 376,05 54,1 1,41 16,3
1996 404,11 49,7 1,71 13,7
1997 416,37 50,2 1,75 9,5
1998 431,94 51,9 1,71 10,6
1999 517,55 59,6 1,84 12,0
2000 505,70 65,8 2,01 15,9
2001 518,60 61,8 1,92 15,1
2002 550,48 54,5 2,06 16,6
2003 581,11 58,9 2,19 19,4
2004 668,05 62,1 2,28 19,4
Fonte: Secretaria de Cultura e Turismo.
Nota : A partir de 1995, dados de fluxo e receita de turistas estrangeiros calculados considerando
pesquisas da EMBRATUR / MTur.
Entretanto, verifica-se uma sazonalidade na atividade, mesmo com o crescimento da
média de ocupação: o crescimento no ano de 2004 foi superior em 5,4% ao ano
anterior, representando a segunda mais alta do período estudado (62,1%). Assim, nos
meses de janeiro, fevereiro e julho (alta estação), o nível de utilização da capacidade
hoteleira local atingiu 75,8%, 65,7% e 62,6%, respectivamente, e na baixa estação (de
abril a junho) esses resultados se aproximaram de 50%. No mês de março e entre
agosto e dezembro (média estação), essas médias variaram entre 57,9% e 72,3%, esta
última sendo a segunda mais alta do ano, inclusive superando o desempenho da
hotelaria em meses tradicionais de alta estação, refletindo muito provavelmente a
expansão do turismo de eventos e negócios, um “segmento de mercado definido como
estratégico para o objetivo de elevar a demanda turística nos períodos de média e baixa
estação e manter a lucratividade dos empresários hoteleiros em níveis aceitáveis”
(SECRETARIA DE CULTURA E TURISMO, 2006).
Quando se considera a utilização da capacidade instalada das UHs segundo as
categorias de classificação dos MHs, destacam-se os estabelecimentos de cinco e
quatro estrelas com as taxas mais elevadas da hotelaria no período, situando-se em
72,3% e 64,7%, respectivamente, sendo superiores aos resultados de 2003 em 6,3%
para os 5 estrelas e 5% para os 4 estrelas. Em 2004, a capacidade receptiva total da
hotelaria da capital baiana situou-se em 12 mil UHs e 26 mil leitos. Desta maneira, a
atividade turística apresenta uma característica perversa: a presença da sazonalidade
como inerente à atividade, porém com maior impacto para os hotéis que não são de
alto padrão.
Já com relação ao fluxo turístico global (que inclui o hoteleiro e extra-hoteleiro) de
Salvador, os números são significativos. Em 2004, foram 2.280.530 turistas na capital
baiana, implicando numa variação de 4% em relação ao ano anterior. O mercado
doméstico representou 80,59% e o segmento estrangeiro 19,42% do número de turistas
que se hospedaram em Salvador.
Tabela 44 - Fluxo Turístico Global em Salvador - 1991-2004
Número de Turistas Participação %
Nacionais Estrangeiros (1) Total Nacionais Estrangeiros
1991 1.025.662 116.208 1.141.870 89,82 10,18
1992 892.475 134.402 1.026.877 86,91 13,09
1993 1.071.655 159.337 1.230.992 87,06 12,94
1994 1.185.478 164.299 1.349.777 87,83 12,17
1995 1.178.365 229.482 1.407.847 83,7 16,3
1996 1.474.160 233.149 1.707.309 86,34 13,66
1997 1.579.242 166.478 1.745.720 90,46 9,54
1998 1.533.562 181.428 1.714.990 89,42 10,58
1999 1.623.068 221.162 1.844.230 88,01 11,99
2000 1.688.025 318.915 2.006.940 84,11 15,89
2001 1.625.640 289.780 1.915.420 84,87 15,13
2002 1.720.995 342.940 2.063.935 83,38 16,62
2003 1.767.040 425.780 2.192.820 80,58 19,42
2004 1.837.720 442.810 2.280.530 80,58 19,42
Fonte: SCT - BOHs/FNRHs - Pesquisas Turismo Receptivo
Notas:
(1) A Partir de 1995, dados do fluxo de estrangeiros foram calculados considerando Pesquisas da
Embratur.
(2) Dados passíveis de revisão.
Observa-se que documentos oficiais destacam que a apresentação dos dados
considera para efeito de cálculos e projeções - que auxiliam na definição de ações por
parte da Secretara de Cultura e Turismo - variáveis como:
Nível de atratividade e competitividade da Bahia em relação a outros destinos;
Política de desregulamentação do espaço e do mercado aéreo do Brasil;
Conjuntura econômica do país e do estado;
Perspectivas de crescimento do PIB do país e da Bahia;
Tendências dos fluxos turísticos mundiais projetados pela OMT;
Aspectos da dinâmica social, cultural e econômica no Estado.
No que se refere a esta última variável, a Secretaria de Cultura e Turismo observa que:
[...] foram levadas em conta determinadas características da conjuntura
econômica do Estado, a exemplo de investimentos públicos em infra-
estrutura e do ambiente favorável à realização de negócios e captação
de investimentos privados em diversos setores econômicos,
especialmente na atividade turística. Vale acrescentar que alterações de
tendência no mercado poderão vir a ocorrer, também, pela
implementação de políticas e ações que visem a atrair turistas de maior
poder aquisitivo em nichos mais qualificados, seletivos e exigentes.
Concretizada tal possibilidade, efeitos multiplicadores poderão ser
desencadeados não apenas sobre o segmento turístico, a exemplo da
elevação dos níveis de remuneração da mão-de-obra direta e
indiretamente vinculada ao turismo, mas também sobre as demais
atividades que integram as cadeias de valor que permeiam o turismo: o
lazer e a cultura o Cluster do Entretenimento. Entretanto, para que o
maior poder aquisitivo dessa clientela se materialize em gastos turísticos
na Bahia, gerando receitas em montantes expressivos e crescentes, é
necessário que a implementação das diretrizes do Programa de
Desenvolvimento do Turismo, o PRODETUR, na Bahia não sofra
solução de continuidade e que se dê ênfase à atração, captação e
realização de investimentos públicos e privados, assim como à
qualificação de recursos humanos, serviços e produtos. Esses
elementos, seguramente, conformarão o diferencial que vai assegurar
competitividade aos produtos turísticos ofertados pela Bahia,
capacitando-a a se consolidar como o 1º pólo de entretenimento do
Brasil no ano 2010. (SECRETARIA DE CULTURA E TURISMO, 2006)
Neste sentido, reforça-se o argumento da lógica de alavancagem das atividades
turísticas apoiadas num modelo de cluster, considerando o apoio governamental e da
dependência de linhas de financiamento como o PRODETUR.
Neste contexto o que se observa é um crescimento anual médio de 7,35% no “PIB
turismo” (renda turística) no estado, no período 1991-2004. De fato, esta é uma taxa
superior ao crescimento do PIB nacional e do estadual. Entretanto, este crescimento
tem desacelerado após o boom do período 1992 – 1996. Portanto, tem-se um cenário
de relativo crescimento, alternando crescimento, estagnação e decréscimo do “PIB
turismo” baiano e soteropolitano, com uma contribuição importante para que o estado e
sua capital tenham taxas de crescimento acima da média nacional.
3.4.2. A perspectiva do desenvolvimento
Uma série de variáveis ajudam a explicar o grau de desenvolvimento de uma
determinada região ou localidade. Quando é considerado que o processo de
desenvolvimento está associado a algum grau de endogenia, pode-se incluir entre as
variáveis de análise tal perspectiva. Assim, avalia-se a endogenia considerando-a
como:
Componente básico da formação da capacidade de organização social
da região e nasce como uma reação aos modelos de desenvolvimento
regional que colocam ênfase maior na atração e na negociação de
recursos externos como condição suficiente para a promoção do
crescimento econômico de áreas específicas. Em um processo de
desenvolvimento endógeno, a ênfase maior está na mobilização de
recursos latentes na região, privilegiando-se o esforço, de dentro para
fora, na promoção do desenvolvimento da região. (Haddad, 2001, pg.
49).
Neste sentido, foram eleitos três critérios para a análise da efetividade do
desenvolvimento local. Tais critérios procuram identificar o padrão de destinação da
atividade turística e o rebatimento para a sociedade local. Portanto, julgou-se
importante verificar: a) possíveis “vazamentos” (por conta de compras realizadas fora
do local); b) possíveis transferências de excedentes; c) o impacto na geração e perfil
dos empregos.
3.4.2.1. “Vazamentos” – por conta de compras realizadas fora do local
Estudo realizado por Silva (2004) acerca das “fugas” ou “vazamentos” na atividade
turística em Salvador sinaliza o padrão de “retenção” / “fugas” desta atividade em
Salvador. A intenção do trabalho era identificar se a atividade turística em Salvador e na
Bahia estava sendo potencializada para o desenvolvimento local ou se por conta das
“fugas” isto não ocorria.
De acordo com Silva (2004), as “fugas” ou “vazamentos” da economia de uma região
decorrem de pagamentos efetuados a fornecedores localizados fora da região pelo
suprimento dos inputs necessários à estrutura produtiva da economia dessa região.
Quanto maior o grau de interdependência produtiva e quanto menor o
grau de “vazamentos” nos fluxos de produção e de renda da região para
outras regiões, maiores serão os valores dos efeitos multiplicadores.
Assim, por exemplo, a ocorrência de importação de matérias-primas,
importação de bens de consumo, pagamentos extra-regionais de
dividendos, de serviços de assistência técnica, de custos financeiros,
isto faz com que os impactos econômicos sobre a região sejam bem
menores. (HADDAD, 1999, p. 15, Apud SILVA, 2004, p. 195).
Assim, a existência de vazamentos provoca uma redução dos resultados econômicos
propiciados pela atividade. Neste sentido, numa perspectiva de desenvolvimento
endógeno, a sustentabilidade das atividades turísticas demandam a internalização da
produção de tais inputs, assumindo um modo local de substituição de importações.
De forma adequada, Silva registrou que metodologicamente estabeleceu os hotéis
como base para sua pesquisa, registrando ainda que poderia ter utilizado um outro
universo para a pesquisa, mas que os hotéis compõem o setor mais tradicional do
trade:
Tendo em vista que a hotelaria pode ser considerada como o setor mais
tradicionalmente “turístico”, em certa medida homogêneo e dotado de
identidade própria, constituído para prestar serviços de hospedagem e
hospitalidade a clientes majoritariamente não residentes no local onde
estão instalados os equipamentos hoteleiros, ela deve desempenhar,
dada sua importância e nível orgânico, um papel de liderança na
dinâmica do turismo de uma determinada localidade.
Poderia se ter optado por um outro setor da estrutura produtiva da
economia da cidade de Salvador cujas atividades se dirigissem
majoritariamente ao atendimento e consumo de visitantes, a exemplo da
operação e agenciamento de turismo, dos restaurantes ou de algum
segmento mais específico das atividades de entretenimento, porém, a
disponibilidade de informações e estatísticas foi um fator que exerceu
forte influência na escolha realizada, além de ter ficado explícito no
marco teórico referencial que a hotelaria se constitui uma das áreas
mais bem delimitadas dentre tantas que integram a ampla ‘oferta
turística’, e, por esta razão, se presta com mais facilidade a estudos e
análises. (SILVA, 2004, p. 406)
E completa o registro de sua metodologia:
Para subsidiar a análise do estudo da caracterização competitiva da
hotelaria de Salvador, se procurou obter informações sobre a taxa de
ocupação, período sazonal, faturamento, receita operacional, custo
operacional e gastos com fornecedores, numa perspectiva evolutiva de
três anos, para 1997, 1998 e 1999. Visando identificar a origem ou
destinação dos recursos para os itens faturamento e gastos com
fornecedores se solicitou sua distribuição entre Salvador, Bahia, Outros
Estados e Outros Países, apenas para o ano de 1999.
Se propunha, inicialmente, a examinar a estrutura de receitas e custos
dos 50 hotéis informantes regulares da Bahiatursa em 2000, visando
detetar a possível ocorrência de vazamentos ou fugas da economia de
Salvador e da Bahia, propiciados pela saída para outros estados ou até
outros países de significativos fluxos monetários, pela remuneração de
capitais, mão-de-obra e insumos originados fora da base econômica
municipal e estadual, o que poderia estar significando uma redução e a
não retenção a nível local e regional de uma relevante parcela dos
resultados econômicos gerados pelo turismo da Bahia, em sua capital
Salvador, a partir de um importante e estratégico segmento de sua
sustentação que é o setor hoteleiro. (SILVA, 2004, p. 410)
Assim, após reconhecer problemas e limitações metodológicas e uma dificuldade de
obter os dados verifica-se algumas informações importantes, com destaque para o
padrão de compras dos hotéis padrão 4 e 5 estrelas que:
Compram 17,85% de “Alimentos e afins” em outros estados.
Compram 20,20% de “Bebidas e afins” em outros estados.
Compram 27,29% de “Mobiliário” em outros estados.
Compram 7,99% de “Instalação./Equipamento Ar Condicionado” em outros
estados.
Compram 10,85% de “Eletro-Eletrônicos” em outros estados.
Compram 33,99% de “Roupa Cama/ Mesa/ Banho” em outros estados.
Compram 39,51% de “Equip./ Utensílios/ Cozinha” em outros estados.
Compram 14,97% de “Material de limpeza/ manutenção” em outros estados.
Compram 20,77% de “Serviços Manutenção” em outros estados.
Compram 26,21% de “Serviços de transporte” em outros estados.
Silva (2004) reconhece a questão das fugas na dinâmica do turismo em Salvador,
especialmente nos hotéis de padrão mais elevado:
Como conseqüência, o vazamento no setor hoteleiro afeta o conjunto da
atividade do turismo em Salvador, sendo influenciado e influenciando o
grau de endogeneização da eficiência econômica do turismo na capital
baiana e no Estado da Bahia, causando a redução do nível de retenção
local dos resultados econômicos da atividade do turismo obtidos a partir
do desempenho da hotelaria de Salvador, notadamente dos
estabelecimentos de 4 e 5 estrelas ou de grande porte. (SILVA, 2000, p.
438).
Portanto, o turismo não gerou em Salvador um processo de internalização das
atividades críticas que interagem com as cadeias de valor, especialmente quando se
depara com um padrão mais elevado de hotelaria. Este ponto torna-se ainda mais
crítico ao se observar que operacionalmente o governo local tem feito um esforço de
captação de “turistas qualificados” o que implica na ampliação de hotéis de alto padrão,
num ciclo que tende a se retroalimentar de demanda e oferta de alto padrão.
Neste sentido, fica uma conclusão parcial: o esforço em duas frentes - uma na captação
de “turistas qualificados” e outra na busca de novos empreendimentos de alto padrão –
sem um processo prévio de substituição de importação, apoiado numa lógica de
fortalecimento do empresariado local, reduz significativamente o potencial de
desenvolvimento da atividade turística.
3.4.2.2. Possíveis transferências de excedentes
Outra forma de se avaliar a contribuição da atividade turística para o desenvolvimento
da cidade é observar a existência ou não de possíveis transferências de excedentes
para outros locais / regiões. Diferentemente da questão dos “‘vazamentos’ – por conta
de compras realizadas fora do local” que tem um impacto sobre a estrutura de custos e
despesas das empresas ligadas as atividades turísticas, a questão das “transferências
de excedentes” tem um impacto sobre os lucros.
Uma das formas de avaliar a existência de possíveis transferências de excedentes é –
assim como na questão dos vazamentos - eleger alguma(s) atividade(s) crítica(s) do
turismo e verificar o padrão de origem dos grupos empresariais que a compõe e as
práticas de transferência de excedentes. Neste sentido, foi realizada uma análise das
seguintes atividades: hotéis, locadoras de automóveis e companhias aéreas.
Hotéis:
Como primeiro exercício de análise foi verificada a origem dos principais hotéis da
cidade a partir de dados ABIH - Bahia. Dos quinze principais hotéis verifica-se a
existência de seis com padrão cinco estrelas e nove com padrão quatro estrelas. Estes
hotéis geram um faturamento anual de cerca de 86 milhões de reais por ano (dados de
2002). Deste total, cerca de 23% referem-se a hotéis de redes internacionais e 28% a
hotéis de outras redes que não do local (redes nacionais), totalizando pouco mais de
50% de grupos extra-locais. Quando a análise recai apenas sobre os hotéis padrão
cinco estrelas verifica-se que os grupos extra-locais obtêm cerca de 66% do lucro total
nesta categoria de empreendimento. Cruzando essa informação com dados da
Secretaria de Cultura e Turismo de que cerca de 57% do PIB turístico na Bahia
representa “lucros em geral”, verifica-se um padrão de transferência de excedentes,
especialmente porque se observa um baixo reinvestimento no local por parte de tais
grupos.
Deve-se destacar que, após 2002, outros grupos internacionais instalaram novos hotéis
na cidade, como o Holiday Inn e Accord. Exclui-se ainda desta análise todo o Complexo
da Costa de Sauípe e o Club Mediterranée (Itaparica), marcadamente constituídos por
grupos internacionais. Caso fossem atualizados os dados e/ou considerados tais
empreendimentos por conta de sua integração espacial e econômica com a capital –
lembrando que essas localidades utilizam o mesmo aeroporto e estrutura de serviços
urbanos da capital – o padrão verificado de transferência seria ainda mais intenso.
Tabela 45 - Mercado comparado dos quinze principais hotéis de grande porte
comparáveis da cidade de Salvador – Bahia (2002)
POSICIONAMENTO DE OFERTA DE UH DESEMPENHO QUANTO AO FATURAMENTO DIÁRIA
MÉDIA X OCUPAÇÃO
Hotéis Padrão 5 estrelas UH
Partic.% Diária
média
Ocup.% Faturamento Partic.%
1 Pestana
2 Othon
3 Tropical
4 Sofitel
5 Fiesta
6 Catussaba
433
285
275
192
244
190
27
18
17
12
15
12
132,50
159,23
116,96
198,10
171,50
176,70
53,62
56,08
60,10
60,89
67,95
67,95
11.228.544,09
9.289.035,54
7.055.655,86
8.453.266,15
10.378.540,31
8.326.691,53
21
17
13
15
19
15
TOTAL 1.619 100 54.731.733,4 100
Hotéis Padrão 4 estrelas UH
Partic.% Diária
média
Ocup.% Faturamento Partic.%
7 Atlantic Tower
8 Blue Tree
9 Sol Vitória
10 Golden Park
11 Portobello
12 Marazul
13 Pituba Plaza
14 Monte Pascoal
15 Bahiamar
84
200
180
91
100
124
108
80
129
8%
18%
16%
8%
9%
11%
10%
7%
12%
136,22
172,59
116,76
89,30
97,86
114,09
103,63
129,05
115,61
73,43
45,61
71,09
62,68
66,54
57,53
81,00
74,74
73,21
3.066.807,77
5.746.435,83
5.453.407,74
1.859.151,17
2.376.735,61
2.970.684,32
3.308.926,63
2.816.397,52
3.985.184,04
10
18
17
6
8
9
10
9
13
TOTAL 1.096 100 31.583.730,6236,22 100
TOTAL DAS UH 2.715 86.315.464,09
Tabela 46 - Origem dos quinze principais hotéis de grande porte comparáveis da
cidade de Salvador – Bahia (2002)
Hotéis Origem do grupo
Pestana Internacional
Othon Nacional
Tropical da Bahia Nacional
Sofitel Internacional
Fiesta Local
Catussaba Local
Atlantic Tower Local
Blue Tree Nacional
Sol Vitória Local
Golden Park Nacional
Portobello Local
Marazul Local
Pituba Plaza Local
Monte Pascoal Local
Bahiamar Local
Fonte: Realizada pelo autor para este trabalho.
A análise do desempenho da hotelaria na capital baiana pode se dar ainda observando
a taxa média de ocupação. Assim, ao se estratificar as ofertas extremas, incluindo
serviços avançados e básicos, pode-se verificar os resultados dos hotéis cinco estrelas
(serviços avançados) e dos hotéis uma estrela (serviços básicos). Com isto, a análise
da taxa de ocupação permite identificar que os grandes hotéis possuem uma melhor
performance que os de pequeno porte também neste critério de análise, como
demonstra a tabela a seguir:
Tabela 47 - Taxa de ocupação dos meios de hospedagem classificados em
Salvador (1995 – 2000)
Ano
Categoria (estrelas)
1995 1996 1997 1998 1999 2000
5* 58,10 51,90 54,80 54,40 66,20 79,00
4* 60,90 56,80 51,90 56,30 61,80 65,70
3* 47,40 43,40 47,20 48,60 54,90 60,80
2* 35,90 39,00 32,00 33,50 34,80 38,60
1* 41,20 36,40 39,50 39,70 45,80 49,30
MÉDIA 54,10 49,70 50,20 51,90 59,60 65,80
Fonte: Bahiatursa (2002)
Obs.: Incluso Clube Mediterranée, Itaparica e Praia do Forte. A Classificação foi estabelecida
segundo critérios da Embratur, vigentes até 28/02/97.
Locadoras de Automóveis
36
:
Em relação à análise do setor de locação de automóveis verifica-se uma concentração
crescente por parte das grandes locadoras. De acordo com a Associação de Locadoras
de Automóveis do Brasil, em 2002 eram 254 locadoras no estado da Bahia, passando a
210 em 2003 e 180 em 2004, mesmo com o mercado em expansão: tinha-se uma frota
36
Deve-se considerar que os negócios de locação de automóveis não se relacionam apenas com o
turismo. Muitas empresas e mesmo o poder público adotam práticas de terceirização de frotas, por
exemplo. Entretanto, a desagregação dos dados não foi possível, isolando o aluguel apenas aos turistas.
Por outro lado, a análise realizada neste ponto permanece coerente com as informações obtidas junto a
empresas do setor.
de 8.350 automóveis em 2002, passando a 8.642 em 2003 e 9.321 em 2004, gerando
um faturamento de R$125 milhões.
Esta tendência de concentração está associada à presença de grupos extra-locais,
considerando as barreiras de entrada do setor. Tecnologia de gestão, escala,
capacidade de investimento, relacionamento com grupos financeiros e pontos
comerciais compõem um conjunto básico de variáveis que determinam a viabilidade das
empresas deste setor. Neste sentido, verifica-se a existência de fortes barreiras à
entrada de competidores, assumindo o setor características de oligopólio, sendo que os
principais ofertantes são de grupos extra-locais
37
. Alguns dos fatores determinantes do
sucesso do setor podem ser encontrados na comunicação da Localiza Rent a Car com
os seus investidores:
A competitividade e a implementação da estratégia de crescimento da
Companhia, bem como a competitividade de seu negócio, dependem de
sua capacidade de captar recursos para realizar investimentos e renovar
e expandir sua frota. A capacidade da Companhia de financiar a
substituição de sua frota depende, por sua vez, de sua performance
operacional e de sua capacidade de captar recursos. [...] Falhas na
renovação da frota podem fazer com que o negócio de aluguel de carros
da Companhia se torne menos competitivo. (LOCALIZA RENT A CAR,
2006)
Assim, o padrão do setor favorece os grupos extra-locais, possibilitando a existência de
transferência de excedentes.
37
Pode-se destacar a participação de empresas como a Hertz Rent a Car, Avis Rent a Car, Localiza Rent
a Car e Unidas Rent a Car. A Hertz Rent a Car de origem internacional mantém grande escala nas suas
operações, atuando em todos os continentes. A Avis Rent a Car está presente em mais de 165 países,
possuindo frota superior a 1.200.000 veículos e lojas em 4.800 localidades, operando em cerca de 1.200
aeroportos. A empresa teve um faturamento superior a 5 bilhões de dólares em 2004. A Localiza Rent a
Car, com sede em Minas Gerais, possui 283 agências de aluguel de carros no Brasil. Por fim, a Unidas
Rent a Car, pertence ao Grupo SAG (Soluções Automóvel Global), maior grupo automobilístico de
Portugal com faturamento total de 900 milhões de euros no ano de 2004.
Companhias aéreas:
O perfil de origem das companhias aéreas é ainda mais crítico no que tange ao grau de
endogenia da atividade. Fora pequenas empresas de táxi aéreo com participação
extremamente reduzida, o mercado de aviação civil é basicamente atendido por
grandes companhias do Sudeste brasileiro e de outros países, especialmente Portugal.
Neste sentido, a típica cesta de consumo de um “turista qualificado” - com gastos em
hotéis de alto luxo, companhia aérea e aluguel de automóvel em uma grande rede - que
o estado captou é direcionada a empresas com um padrão de transferência de
excedentes. Assim, o resultado do esforço de desenvolvimento é mais uma vez
minimizado ou neutralizado, ficando apenas algum gotejamento nas empresas locais.
3.4.2.3. Geração e perfil dos empregos
Um dos pontos que apresentam maior consenso ao se discutir as atividades turísticas é
a verificação de um padrão recorrente de mão de obra não qualificada. Observando
dados de pesquisa realizada no mais completo hotel do estado, o SuperClubs
38
,
localizado no Complexo Costa de Sauípe, verifica-se que 64% dos funcionários têm
apenas 1º grau completo e 13% possuem 1º grau incompleto (COUTO, 2003). Este
cenário pode ser explicado pela necessidade de funcionários que atendam a vagas
como camareira, auxiliar de cozinha, copeira, jardineiro, garçom, segurança, carregador
38
Apesar do empreendimento não estar localizado no município de Salvador deve-se observar a
expectativa existente à época de sua implantação no que se refere a geração de empregos entre os
soteropolitanos. Porém, o destaque que é dado a tal empreendimento se dá em função de uma opção
metodológica: observar o que há de mais avançado no turismo local. Neste sentido, a opção tornou-se
válida.
de malas. Neste sentido a opção pelo fortalecimento do turismo é simultaneamente
uma opção de geração de empregos de baixa qualificação e renda.
Este quadro é agravado em função de um padrão de “importação de mão de obra” para
os cargos de gerência e utilização da mão de obra local para trabalhos não
qualificados. Assim, a precarização da mão de obra assume um componente de
“origem do trabalhador”. Dados obtidos por Silva (2004) ajudam a elucidar esta
situação:
Tabela 48: Pessoal Ocupado nos Hotéis e Salários, de acordo com a Procedência
das Pessoas. Salvador – 2000
CATEGORIA (Nº ESTRELAS)
TAMANHO ESTABELECIMENTO (Nº UHs)
1 E 2 3 4 e 5 ATÉ 50 51 A 100 ACIMA DE 100
GERAL
PROCEDÊN-
CIA DAS
PESSOAS
Abs. % Abs. % Abs. % Abs. % Abs. % Abs. % Abs. %
Pessoal Ocupado
Salvador 96 90,80 482 93,41 787 74,63 181 96,14 315 96,67 869 74,72 1.365 81,39
Bahia 7 6,13 28 5,43 183 17,37 4 2,13 11 3,33 203 17,45 218 13,00
Outros
Estados
5 0,97 83 7,85 88 7,57 88 5,25
Outros Países 3 3,07 1 0,19 2 0,15 3 1,73 3 0,26 6 0,36
Total Pessoal
Ocupado
106 100 516 100 1.055 100 188 100 326 100 1.163 100 1.677 100
Salários (R$)
Salvador 32.594 95,18 163.785 87,63 479.222 59,53 51.736 98,11 143.726 97,91 480.138 58,08 675.600 65,84
Bahia 1.293 3,77 14.294 7,65 175.240 21,77 640 1,21 3.066 2,09 187.200 22,65 190.827 18,59
Outros
Estados
6.164 3,30 126.398 15,70 132.482 16,03 132.562 12,92
Outros Países 359 1,05 2.652 1,42 24.171 3,00 359 0,68 26.823 3,24 27.181 2,65
Total Salários 34.246 100 186.895 100 805.031 100 52.735 100 146.792 100 826.643 100 1.026.170 100
Fonte: Hotéis / Pesquisa Direta; BAHIATURSA / Pesquisa de Atualização da Oferta de Meios de
Hospedagem de Salvador – 2000.
A leitura da tabela anterior sugere uma profunda diferenciação salarial entre aqueles
que têm origem na cidade e aqueles que vêm de outros estados e países. Para efeitos
comparativo pode-se verificar que a média salarial (dados de 2000) dos
“soteropolitanos” em hotéis de padrão 4 e 5 estrelas era de R$608,92 e daqueles de
“outros estados” era de R$1.522, 87 ou cerca de 2,5 vezes maior. Nos hotéis 3 estrelas
a diferença ultrapassa 3,6 vezes.
Portanto, a hotelaria – enquanto representante mais emblemático do turismo - além de
ser uma atividade que precariza a mão de obra pela natureza de seu serviço, perpetua
e potencializa a desigualdade à medida que privilegia um quadro de importação de
profissionais qualificados.
Portanto, a expectativa gerada pela criação de empregos a partir do cluster esbarra no
limite que a atividade turística oferece: informalidade, sub-empregos e precarização da
mão de obra. Com isto, a estratégia de desenvolvimento a partir do cluster mostra-se
insuficiente para reverter a questão do desemprego e informalidade em Salvador,
mesmo com a geração de cerca de 400.000 postos em todo o estado
39
.
Tabela 49 - Taxas de Participação e de Desemprego na Região Metropolitana de
Salvador(Dezembro/05)
Indicadores RMS Salvador Demais Municípios
População Economicamente Ativa (em 1.000
pessoas)
1.758 - -
Taxa de Desemprego Total (em %) 23,2 22,6 25,7
Aberto 13,6 12,9 16,9
Oculto 9,6 9,7 8,8
Trabalho Precário 7,4 - -
Desalento 2,2 - -
Taxa de Participação (PEA/PIA) (em %) 61,8 62,3 60
PED RMS – SEI/SETRAS/UFBA/DIEESE/SEADE.
NOTA: Os dados são calculados a partir de informações do trimestre móvel terminado no mês
indicado. A análise de novembro tem, portanto, como base o trimestre móvel de setembro a
novembro.
A partir de fevereiro de 2001 as projeções de população foram ajustadas com base no Censo de
2000.
39
De acordo com dados da Bahiatursa, em 2000, o turismo era responsável por 71.600 empregos diretos
e 322.200 indiretos, totalizando 393.800 empregos.
A partir de janeiro de 2002 as projeções da população em idade ativa foram ajustadas com base no
censo de 2000.
Desta maneira, as taxas de desemprego têm permanecido elevadas
ao longo do tempo como pode-se verificar no gráfico a seguir:
15,0
18,0
21,0
24,0
27,0
30,0
33,0
Dez 1996
A
b
ril
A
g
o
s
to
D
e
z 1997
Ab
ri
l
Agos
t
o
Dez 1
9
9
8
A
b
ril
Agos
t
o
D
e
z 1999
A
b
ril
Agosto
D
e
z 2000
Abr
i
l
Agos
t
o
Dez 2
0
0
1
A
b
ril
A
g
o
s
t
o
D
e
z 2002
A
b
ril
A
g
o
s
to
D
e
z 2003
Abr
i
l
Agos
t
o
Dez 2
0
0
4
A
b
ril
A
gos
t
o
D
e
z 2005
período
taxa de desemprego (em %
)
Gráfico 4 - Evolução das taxas de desemprego total na RMS (dez 1996 - dez 2005)
Fonte: PED RMS-SEI/SETRAS/UFBA/DIEESE/SEADE.
Ao se observar as demais Regiões Metropolitanas do país, verifica-se que a de
Salvador é a que possui maior taxa de desemprego total.
Tabela 50 - Taxas de desemprego total Regiões Metropolitanas e Distrito Federal
(junho/2005 – novembro/2005)
Taxas de Desemprego Total (%) Regiões
Metropolitanas
Jun.05 Jul.05 Ago.05 Set.05 Out.05 Nov.05
Belo Horizonte 17,7 17 16,1 15,4 15,4 15,7
Distrito Federal 19,5 19,1 18,6 18,4 18,2 18,4
Porto Alegre 15 14,5 14,7 14,8 14,8 14,6
Recife 22,6 22,8 22,6 22,4 21,6 21,9
Salvador 25,5 24,9 24,6 23,6 23,3 22,8
São Paulo 17,5 17,5 17,1 16,9 16,9 16,4
Fonte: SEP. CONVÊNIO SEADE–DIEESE; FEE-FGTAS–SINE/RS; STDH/GDF;
CEI/FJP/SETAS/SINE-MG; SEI/SETRAS/UFBA;DIEESE – SEPLANDES/PE.
Desta maneira, o turismo, enquanto atividade econômica tem crescido desde 1991,
mas o quadro de desigualdade social e de não desenvolvimento não se alterou no local
Salvador. O que se observou neste período foi que o turismo penetrou na dinâmica
social e cultural da cidade, mas prioritariamente funcionou de forma precária no
desenvolvimento da cidade. As relações de trabalho se deram de forma a precarizar a
mão de obra, com baixos salários, informalidade e com recorrência de contratação de
mão de obra extra-local para cargos de alta gerência. Os lucros (parte significativa do
“PIB turístico”) ocorreram em empresas extra-locais e o padrão de compras das
empresas do setor indicam um quadro de não endogenia das cadeias de valor
relacionadas.
Após quase quinze anos da estratégia de desenvolvimento através do cluster, o que se
observou foi uma atividade que foi se apropriando cada vez mais dos espaços físicos,
sociais, culturais e econômicos do local. Considerando a perspectiva da população e
empresariado local, verifica-se que o atual paradigma de planejamento do
desenvolvimento ao mesmo tempo em que gerou alguns benefícios manteve e
potencializou as dificuldades sociais e econômicas do lugar.
CONCLUSÃO
Este trabalho mostra que houve uma alteração de política na forma de planejar o
desenvolvimento em Salvador, considerando a segunda metade do século XX. Até o
final dos anos 1980 a perspectiva do planejamento regional estava presente a partir da
busca por um processo com ênfase na industrialização. A partir dos anos 1990 a
perspectiva de uma política com tônica no setor de serviços ganha ênfase, sobretudo
no de turismo, utilizando-se ainda de modelos competitivos e estratégicos de
desenvolvimento local. Assim, a problemática do planejamento do desenvolvimento em
Salvador, no período de 1950 a 2000, é estudada. Desta maneira, verificou-se que o
estado da Bahia esteve à frente do planejamento em quase todos os momentos do
período estudado, através de planos e investimento.
Analiticamente, pode-se verificar que até os anos 1950 a dinâmica da cidade de
Salvador estava apoiada numa política agrária exportadora de desenvolvimento. Tal
política implicava em que o local estava perdendo cada vez mais importância relativa
frente outras regiões do país, especialmente o Sudeste que já havia iniciado um
processo de industrialização. Tal quadro gerava uma insatisfação nas elites
empresariais, políticas e intelectuais da época.
Porém, como se observava, a Bahia não apresentava condições necessárias ao
desenvolvimento do processo de industrialização. Havia uma dificuldade de inserção no
contexto nacional, tendo como agravante o fato de que suas elites atuavam numa
perspectiva mercantil, canalizando os excedentes para as Regiões Sul e Sudeste, por
conta do sistema financeiro.
Para romper esta dinâmica involutiva, a perspectiva do planejamento ganhou força.
Assim, o tema do desenvolvimento econômico da Bahia se transformou em programa
de governo a partir de 1955, no governo de Antônio Balbino. Começava a se desenhar
um cenário que possibilitaria o rompimento do modelo agrário exportador de
desenvolvimento vigente até então. Com isto, o estado, particularmente no espaço da
Região Metropolitana de Salvador, parte para um novo paradigma, com um atraso de
pelo menos vinte anos em relação ao Sudeste: modelo industrial de desenvolvimento.
Aproveitando-se de uma infra-estrutura inicial propiciada pela Petrobrás, os planos e
políticas governamentais foram implementados, levando à efetivação do Centro
Industrial de Aratu e do Complexo Petroquímico de Camaçari.
O fomento às atividades industriais, a partir de um planejamento regional, deram início
ao período do modelo de desenvolvimento industrial que foi até o final dos anos 1980.
Como característica do período, verifica-se a participação do estado, através de
diversas modalidades, como financiador, com renúncia fiscal, investimento em infra-
estrutura e até mesmo com participação acionária. Porém, o que efetivamente marcou o
modelo foi a sua estrutura industrial baseada no grande capital especializado,
oligopólico, tanto público como privado (nacional e multinacional), com controle
predominantemente extra-regional.
Este período teve uma importância no que se refere a taxas de crescimento da
economia baiana e de sua capital, gerando algum dinamismo à economia local. Porém
alguns fatores restringiram o desenvolvimento no território em questão.
A primeira causa é a própria opção de modelo de desenvolvimento apoiado numa
perspectiva exógena, reduzindo os ganhos sociais e econômicos para a sociedade
local.
Outro ponto relevante foi o forte processo migratório, fazendo com que a Região
Metropolitana de Salvador passasse por um processo de favelização, a partir de
elevadas taxas de crescimento populacional. Com isto, valida-se a hipótese de que os
fluxos migratórios reduziram os efeitos das taxas de crescimento. Soma-se a este
quadro de causas o fato de haver profundas desigualdades sociais, reduzindo o
tamanho da classe média local. Portanto, o que se observa é que a concentração de
esforços para o crescimento da Região Metropolitana de Salvador gerou
simultaneamente uma concentração de expectativa de emprego na área. Entretanto, a
expectativa foi maior que o resultado do crescimento, gerando um descompasso entre o
processo migratório e o crescimento.
Com o rompimento, nos anos 1970, do modelo keynesiano-fordista e a perspectiva de
uma acumulação flexível, como observou Harvey (1992), novos padrões se impuseram.
Na Bahia, apareceram de forma combinada: a) a possibilidade de “importação” de
modelos competitivos de desenvolvimento local, b) o esgotamento de um modelo
apoiado em indústria de transformação, com a crescente demanda por serviços e
entretenimento por parte de parcelas bem remuneradas em diversas partes do mundo,
c) a existência de programa específico de financiamento do turismo no Nordeste
brasileiro.
Neste contexto, após um período de esvaziamento do planejamento no estado (anos
1980), a perspectiva do planejamento é retomada nos anos 1990. Neste momento, o
estado assume um novo modelo de planejamento do desenvolvimento para a capital.
Há um rompimento do modelo de desenvolvimento industrial e a nova opção para o
desenvolvimento passa a ser o modelo com ênfase nos serviços representado pelo
cluster do turismo.
Assim, surge o modelo do cluster que passa a ser fomentado como a alternativa de
desenvolvimento, articulando organizações do turismo, cultura e entretenimento.
Porém, o que efetivamente é estimulado é um cluster induzido, caracterizado por
empresas extra-locais, visando a atender as demandas de “turistas qualificados”, em
detrimento ao cluster espontâneo previamente existente com organizações locais.
Mesmo a análise do cluster, a partir da visão de Porter (1999), mostra uma série de
aspectos críticos. Assim, as noções básicas propostas por Porter (1999) como
interrelação, encadeamento, interdependência e correlação entre empresas e setores
componentes se dão de forma precária e dependente de novos investimentos externos.
Da mesma forma, a nítida prioridade aos grandes empreendimentos reduz elos do
cluster.
A presença das instituições financeiras locais fortes – necessárias ao desenvolvimento
do cluster, como mostra Porter (1999) - não apenas não foram ampliadas, mas, pelo
contrário, foram reduzidas. Instituições financeiras locais como o Baneb, Banco da
Bahia e Banco Econômico não mais fazem parte do cotidiano e da dinâmica econômica
local. Pesquisa de Vasconcelos, Fucidji, Scorzafave e Assis (2004) mostra que das 167
instituições bancárias em funcionamento no Brasil, 99 possuem sede no estado de São
Paulo e apenas 4 estão localizadas na Bahia.
Com isto, o que se verifica é um conjunto articulado de ações governamentais de apoio
a determinado setor, em função das demandas da iniciativa privada. O modelo de
desenvolvimento assume a perspectiva microeconômica e espacialmente perde-se a
perspectiva de planejamento regional. Como visto, a escala de planejamento se reduz,
mas ao subordinar a dinâmica local aos padrões de reprodução do capital, a cidade se
insere num contexto macro, assumindo sua condição periférica.
Após analisar a ruptura do paradigma industrial e o avanço do paradigma pós-industrial
de desenvolvimento, verifica-se que ao final de meio século de planejamento do
desenvolvimento permanece um quadro de fortes desigualdades sociais no local
Salvador, mesmo que em alguns momentos possam ser observadas taxas de
crescimento econômico.
Com isso, é exposto ao longo deste trabalho como um determinado lugar enfrenta a
questão do desenvolvimento, alterando e adaptando-se a um novo contexto, mas sem
alterar dois elementos básicos que foram em grande medida causas do não sucesso no
modelo de desenvolvimento industrial: a opção pelo desenvolvimento exógeno e não
enfrentamento às questões sociais mais profundas.
Tabela 51: Comparação entre os modelos de desenvolvimento vigentes ao longo
do século XX
Período Agro-exportador Desenvolvimento com
ênfase na industria
Desenvolvimento com ênfase
nos serviços
Cronologia Até os anos 1950 A partir dos anos 1950 A partir dos anos 1990
Principais ícones
econômicos
Cacau e cana de açúcar CIA e Pólo de Camaçari Turismo
Destinação do
excedente
Sudeste do país em razão
da política de câmbio
vigente
Grandes grupos
nacionais e
internacionais
Grandes grupos internacionais
e nacionais
Mão de obra e
sociedade
Resquícios de uma
sociedade escravocrata,
com trabalho concentrado
na lavoura/ agricultura.
Impacto positivo, ainda
que limitado, no
fortalecimento de uma
nova classe média.
Relações precarizadas e
flexíveis de trabalho como
vantagem comparativa.
Perspectiva do
desenvolvimento.
Endógena, porém com
consumo elevado dos
produtores fora da Bahia.
Exógena Exógena
Papel do Estado Criação de agências e
órgãos de apoio a diversas
culturas (como o cacau).
Planejamento associado
à perspectiva regional
Planejamento associado à
perspectiva competitiva e
estratégica
Fluxo migratório
para a capital
Pequeno Muito alto Alto
Urbanização no
estado
Estado rural Em vias de urbanização Urbanizado
Fonte: Elaborada pelo autor.
Pode-se afirmar que a cidade cresceu economicamente, mas não se desenvolveu. Em
grande medida, o mito do desenvolvimento, como colocado por Furtado (1974), ocorre
na cidade: forte busca pelo crescimento econômico, a exemplo de maiores taxas de
fluxos de turistas e novos empreendimentos, sem que isso signifique desenvolvimento
no seu sentido pleno, com incorporação dos benefícios pela população. Assim, foi
validada a hipótese construída no início deste trabalho de que os modelos competitivos
possuem alguma eficácia para o crescimento de uma dada localidade periférica, mas
não dão conta das questões do desenvolvimento. Portanto, em localidades periféricas
os modelos competitivos apresentam limites claros quando a questão central é o
desenvolvimento.
A própria leitura de Porter (1999) sinaliza que a competitividade deveria ser revertida
em desenvolvimento regional/local via investimentos em infra-estruturas físicas,
geração de empregos, negócios, arrecadação de impostos e estabelecimento de um
quadro institucional público condizente com um governo local responsável por
implementar condições que tornem a localidade atraente economicamente. Porém, as
propostas de Porter, ao desconsiderar a realidade da periferia, perdem relevância à
medida que são implementadas em localidades que não alavancam a sua capacidade
endógena. A presença de insumos locais - elemento básico da formulação de um
cluster – tende a não ocorrer na periferia.
No local Salvador, se observa que mudaram os planos; o paradigma industrial se
esgotou, abrindo caminho para os serviços; a escala de planejamento de ação se
reduziu, mas o desenvolvimento não chegou. Como visto, conceitualmente, a opção
pela ênfase em serviços foi fundamentada em dois modelos estratégicos e
competitivos: o porteriano (clusters) e o city marketing, ambos com forte tendência
exógena.
A alternativa de desenvolvimento passou a ser a venda do simbólico, das emoções, da
música e cultura, do carnaval, das sensações, da alegria, do prazer e felicidade que o
local pode propiciar. O estado e a capital se preparam para esta nova promessa de
desenvolvimento: foi criada a polícia turística, a orla da Barra foi iluminada, o Pelourinho
enquanto espaço da cultura local foi revitalizado, o aeroporto ampliado, novos
empreendimento hoteleiros de grande porte e elevado padrão foram captados.
Entretanto, o soteropolitano começou a ser excluído do consumo e a precarização da
mão-de-obra ficou ainda mais evidente, verificando-se ainda um processo de
importação de mão de obra com forte diferença salarial.
A aceleração da precarização da mão de obra, a manutenção de uma elevada taxa de
desemprego e a informalidade nas relações trabalhistas se somam e se retroalimentam
de maneira perversa. Tudo isto é multiplicado quando se verifica a elevada taxa de
transferência de excedente do cluster. Se por um lado a escala do planejamento vai se
reduzindo, a escala das transferências se amplia. As transferências não se dão apenas
no plano da nação, mas numa escala global, através de grandes grupos internacionais.
Num contexto, em que se busca a desvalorização e até destruição da força de trabalho
enquanto mecanismo para se evitar as crises de superacumulação, como mostra
Harvey (1992), foi verificado que o local Salvador tornou-se uma opção de investimento
dos grandes grupos, inclusive pelas características de sua mão-de-obra. Portanto, o
padrão de precarização da mão de obra – que é um dos elementos chave no atual
regime de acumulação - assumiu a condição de vantagem comparativa no contexto de
absorção de novos negócios. O capital encontra flexibilidade em Salvador. Com isto, o
local passa a ser uma alternativa interessante de investimento.
O modelo com ênfase em serviços chegou à Salvador com os serviços de turismo, ao
tempo em que as matrizes de serviços financeiros saíram, sinalizando que a
implementação deste novo paradigma não valorizou os caminhos preconizados por
autores como Borja e Castells (1997) e Harvey (1992). A tônica em serviços que se
implementou no local Salvador não foi dos serviços financeiros e da alta tecnologia,
mas o do turismo. Portanto, além do limite da implementação de modelos estratégicos e
competitivos deslocados para a periferia, Salvador enfrenta uma segunda questão: o
tipo de atividade principal do modelo (turismo) tem como padrão recorrente a
precarização da mão-de-obra. Com isto, verifica-se uma dupla restrição ao
desenvolvimento: o uso de modelo estratégico na periferia e o tipo de atividade que é
caracterizada pela precarização da mão-de-obra.
Mesmo assim, o turismo passou a evoluir a partir dos anos 1990, aproveitando-se de
algumas vantagens competitivas em andamento (como infra-estrutura hoteleira e
aeroportuária e investimento constante nas “marcas” Bahia e Salvador), mas também
em função de vantagens comparativas como o custo da mão-de-obra.
Mas, ao mesmo tempo em que tantos pontos ainda se apresentam como críticos,
verifica-se que o desenvolvimento a partir do turismo e da cultura assumiu um caráter
hegemônico. Era necessário à cidade haver um caminho para o desenvolvimento e o
turismo assumiu este papel, afinal, o modelo industrial de desenvolvimento foi se
esgotando, abrindo um vácuo que deveria ser suprido.
Neste sentido, surge uma importante crítica à implementação do conceito do Cluster do
Turismo, Entretenimento e Cultura em Salvador. Como destaca Queiroz (2005), a
implementação se deu de forma concentrada, potencializando a precária realidade
socioeconômica da cidade. Portanto, o que se verifica no processo de implementação
do cluster é um direcionamento econômico, social e espacial. Do ponto de vista
econômico, o modelo tem valorizado uma perspectiva exógena; do social, verifica-se
um processo de exclusão do consumo e não integração da população aos benefícios
gerados; do espacial, verifica-se a opção por áreas que assumem maior visibilidade no
“produto Salvador”.
Assim, a valorização da cultura enquanto possibilidade econômica e social é realizada
de forma precária, normalmente associada a algum tipo de apropriação de grandes
grupos. O carnaval soteropolitano é o ápice desde processo. Mais que isto, o processo
de apropriação se dá através da capilaridade que a cadeia de valor assume com as
pequenas organizações. Portanto, pequenas produtoras e/ou blocos carnavalescos se
apropriam da cultura local mercantilizando-a, mas são os grandes grupos econômicos
(como redes hoteleiras) que, ao realizarem transações comerciais e financeiras, se
apropriam efetivamente dos resultados do cluster. Portanto, a parcela de
endogeinização encontrada no cluster tende a funcionar aumentando a capilaridade das
empresas extra-locais. Um dos mecanismos para que isto se torne possível é o
empacotamento e padronização da cultura, como mostra Mendes (2001).
Apesar da mudança de paradigma de planejamento do desenvolvimento, a capital
baiana não conseguiu se desenvolver, tendo como resultado um quadro de profundas
desigualdades sociais, expressas em indicadores como desemprego e baixa
escolaridade. Este trabalho aponta três causas principais para este quadro: a) a
manutenção de uma perspectiva exógena de desenvolvimento, não favorecendo a
retenção dos benefícios gerados pela dinâmica econômica; b) o processo migratório
para a capital, contribuindo para um quadro de favelização; c) baixas condições sociais
da população, sendo este ponto não apenas conseqüência, mas principalmente causa
do quadro apresentado, perpetuando um círculo vicioso.
Assim, este trabalho procurou mostrar como Salvador rompeu uma dinâmica de
desenvolvimento industrial, absorvendo modelos estratégicos e competitivos,
assumindo uma perspectiva com ênfase em serviços e o resultado para a sociedade e
economia local.
Entretanto, deve-se salientar que o debate acerca do planejamento do desenvolvimento
deve incorporar, num primeiro plano, a inclusão da população mais carente, através da
educação, saúde, acesso, moradia e lazer. Reverter mecanismos de perpetuação de
desigualdades não é simples nem se realiza em curto prazo, porém deve ser objetivo
não apenas dos governos, mas principalmente da sociedade local.
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