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UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO (UCDB)
ADRIANA RITA SORDI LINO
A INFLUÊNCIA DAS RELAÇÕES FAMILIARES NO
AJUSTAMENTO ESCOLAR DA CRIANÇA KAIOWÁ
CAMPO GRANDE-MS
2006
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ADRIANA RITA SORDI LINO
A INFLUÊNCIA DAS RELAÇÕES FAMILIARES NO
AJUSTAMENTO ESCOLAR DA CRIANÇA KAIOWÁ
Dissertação apresentada ao Programa de
Mestrado em Psicologia da Universidade
Católica Dom Bosco, como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre em
Psicologia, área de concentração:
Comportamento Social e Psicologia da Saúde,
sob a orientação da Profª. Drª. Sonia Grubits.
CAMPO GRANDE-MS
2006
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FICHA CATALOGRÁFICA
Lino, Adriana Rita Sordi.
A influência das relações familiares no ajustamento escolar da criança
Kaiowá/ Adriana Rita Sordi Lino; orientadora Sônia Grubits. Campo
Grande, 2006.
XXX f; il. : 30 cm.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Católica Dom Bosco. Programa
de Mestrado em Psicologia.
Orientadora: Sonia Grubits.
Inclui bibliografias
1. Guarani – Kaiowá – Crianças 2. Relações familiares 3.
Comportamento escolar I. Grubits, Sonia II. Título
CDD – 155.424
Bibliotecária responsável: Cecília Luna – CRB 1/ 1.202
A dissertação apresentada por ADRIANA RITA SORDI LINO, intitulada “A INFLUÊNCIA
DAS RELAÇÕES FAMILIARES NO AJUSTAMENTO ESCOLAR DA CRIANÇA
KAIOWÁ”, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em PSICOLOGIA à
Banca Examinadora da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), obteve conceito............,
para aprovação.
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________
Profa. Dra. Sonia Grubits (orientadora/UCDB)
____________________________________________
Prof. Dr. Ivan Darrault-Harris (Escola de Altos
Estudos em Ciências Sociais de Paris)
____________________________________________
Profa. Dra. Liliana Andolpho Guimarães (UCDB)
____________________________________________
Profa. Dra. Regina Célia Ciriano Calil (UCDB)
Campo Grande-MS, de 2006.
A Rafael Yan, meu filho,
Pelos momentos vazios de mim...
Que a inocência de criança, perdoava e
Impedia, que a vontade esmorecesse.
AGRADECIMENTOS
A Deus que no corre-corre de minha vida esqueço muitas vezes de agradecer, obrigada
por me proporcionar o mais belo dom: o dom da vida.
Ao meu filho, pela paciência dos momentos em que, mesmo estando por perto
fisicamente, me ausentava em espírito, e, mesmo assim, me revestia de amor e carinho.
À minha orientadora doutora Sonia Grubits, pela paciência e dedicação
imprescindíveis à realização desta dissertação.
Aos meus pais, pelos primeiros ensinamentos de ética e humildade, “molas mestras”
indispensáveis em vários momentos da vida de um pesquisador.
Às minhas irmãs Márcia e Maristela, co-responsáveis por tudo o que me tornei.
A todo o quadro de funcionários da escola do Agustinho, em especial às
coordenadoras Aglaídes da S. B. de Souza e Gislaine V. dos Santos, ao professor indígena
Édio Felipe Valério e ao funcionário Jair Freitas, que colaborou direta ou indiretamente de
forma decisiva para a realização da pesquisa em campo.
Ao Capitão Luciano Arévalo, primeiro contato com a etnia Kaiowá, por desmistificar
os caminhos.
A amiga Carla C. B. Valotta, que por mais longe que esteja, fisicamente sempre se faz
presente quando preciso;
À UNIGRAN – Centro Universitário da Grande Dourados, pela oportunidade de
iniciação no mundo acadêmico.
À amiga Jucirlene de Oliveira Teixeira, pela pessoa especial que é, e pela parceria e
apoio em muitos projetos indígenas.
Ao indígena Almires Martins Machado, pelos ensinamentos a respeito do seu povo.
À comunidade indígena Guarani-Kaiowá, objeto de estudo de minha pesquisa, em
especial às suas crianças, sempre fontes de minha inspiração e luz.
Tupi, Guarani, Tupinambá, Xavante,
Kamayurá, Yanomani, Kadiweu, Taikarramãe,
Kaingang, Krahô, Kalapato, Yawalapiti. São nomes
Que pulsam no chão dessa terra chamada
Brasil, formando suas raízes, troncos, galhos e
frutos.
Jecupé, 1998
RESUMO
Observações realizadas junto a escolas indígenas apontam para o fato de que manifestações de
indisciplina por parte das crianças indígenas, não são comuns. Estaria na especificidade das
relações familiares dessa cultura, este comportamento? A partir desta questão, este estudo
objetivou verificar como estas características sócio-culturais específicas se refletem no
comportamento infantil e repercutem na adaptação ao ambiente escolar. Para tanto, através de
entrevistas e observações de crianças e pais, foram realizados quatro estudos de caso. Os
participantes desta investigação, três crianças do sexo feminino e uma do masculino,
pertencem à etnia Guarani-Kaiowá e são alunos de uma escola da reserva Bororó, situada no
município de DouradosMS. Pode-se observar que: o diálogo e respeito mútuo são
característicos da relação entre pais e filhos, o que pode ser observado por meio do tom sereno
e suave, com o qual as mães dirigem-se aos filhos. A curiosidade infantil não é reprimida,
permitindo a exploração do ambiente, bem como a participação em todas as atividades
familiares, sem restrição, punição ou castigo. Provavelmente, estes sejam alguns dos fatores
que facilitem a convivência, os relacionamentos e também o comportamento escolar.
Palavras-chave: Guarani-Kaiowá. Crianças. Relações familiares. Comportamento escolar.
ABSTRACT
Observations have been taken place at Indian schools register the fact that children’s
indiscipline is uncommon. Would such behavior reside on the specificities of the family
relations? From this question this study aimed to verify how these specific socio-cultural
characteristics reflect upon children’s behavior and deflect on the adaptation to the school
environment. Therefore four case studies have been developed through parents and children’s
interviews and observations. The participants of this investigation, three female children and
one male belong to the Guarani-Kaiowá ethnic group. And are pupils at a school placed at
Bororo Reservation, in Dourados County, MS. It has been possible to observe that: the
dialogue and the mutual respect are characteristics of parents and children relation, which can
be observed by means of the sweetness and calmness of the tune mothers address their
children. The children curiosity is not repressed, allowing environment exploration as well the
participation in all family activities, without restriction, time-out or punishment. Probably
these facts may be the factors that facilitate familiarity, relationships and also the school
behavior.
Key-words: Guarani-Kaiowá. Children. Family life. School behavior.
RÉSUMÉ
A partir d´observations faites dans des écoles d’indiens, il apparait que les manifestations
d´indiscipline chez l´enfant indien sont peu courantes. Ce comportement serait-il lié aux
spécifités des relations familiales de cette culture? Précisément, cette étude a pour objectif de
vérifier comment ces caractéristiques socio-culturelles spécifiques se reflètent dans le
comportement des enfants et se répercutent dans leur adaptation à l’ambiance scolaire. Pour
ce faire, quatre études de cas ont été faites au travers d´interviews et d´observations tant
d´enfants et que de leurs parents. Les sujets de cette recherche, trois filles et un garçon
appartiennent à l’etnie Guarani-Kaiowá et sont élèves d´une école de la Réserve Bororó à
Dourados/MS. On a pu observer que dialogue et respect mutuel caractérisent la relation entre
parents et enfants, ce que démontre la façon calme et douce dont les mères s’adressent à leurs
enfants. La curiosité de l’enfant n’est pas réprimée, ce qui lui permet exploration de son
environnement et participation à toutes les activités familiales, sans crainte ni punition.
Vraisemblablement, ces quelques facteurs facilitent la convivialité, les bonnes relations ainsi
que le bon comportement en milieu scolaire.
Mots-clés: Guarani-Kaiowá. Enfant. Relations familiales. Comportement à l’école.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 - Localização dos atuais povos indígenas de Mato Grosso do Sul........................38
FIGURA 2 - Mapa da reserva indígena Bororó. ......................................................................40
FIGURA 3 - Escola Municipal Indígena do Agustinho, localizada na reserva indígena
Bororó –blocos....................................................................................................53
FIGURA 4 - Escola Municipal Indígena do Agustinho, localizada na reserva indígena
Bororó – entrada principal...................................................................................53
FIGURA 5 - Moradias
de uma das crianças participantes da pesquisa, localizadas na
Reserva................................................................................................................54
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................15
2 REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................................................19
2.1 A RELAÇÃO DA CRIANÇA NAS SOCIALIZAÇÕES ............................................20
2.1.1 A socialização primária e a família.....................................................................20
2.1.2 O processo de socialização secundário e o surgimento da escola.......................24
2.1.3 A socialização da criança Guarani-Kaiowá ........................................................27
2.2 OS POVOS GUARANI/KAIOWÁ..............................................................................33
2.2.1 Da chegada ao Brasil...........................................................................................34
2.2.2 Os Kaiowá de Dourados......................................................................................37
3 OBJETIVOS.......................................................................................................................45
3.1 OBJETIVO GERAL.....................................................................................................46
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .......................................................................................46
4 QUESTÕES METODOLÓGICAS..................................................................................48
4.1 OS PROCEDIMENTOS E A TÉCNICA.....................................................................50
4.2 FORMA DE ANÁLISE................................................................................................51
4.3 AS CRIANÇAS SELECIONADAS.............................................................................52
4.4 O LOCAL DE REALIZAÇÃO DA PESQUISA .........................................................52
4.4.1 A escola...............................................................................................................52
4.4.2 As residências......................................................................................................54
4.5 QUESTÕES ÉTICAS...................................................................................................54
5 RESULTADOS E ANÁLISES..........................................................................................57
5.1 CONTATOS E EXPERIÊNCIAS NO LOCAL DA PESQUISA................................58
5.1.1 Dados sobre a reserva indígena Bororó...............................................................59
5.1.2 Dados sobre as casas ...........................................................................................61
5.1.3 Dados sobre a escola ...........................................................................................63
5.1.4 Outros dados significativos e interessantes colhidos em campo sobre a
cultura Guarani-Kaiowá......................................................................................64
5.1.5 Dados sobre as crianças escolhidas (dados coletados em campo, na escola
e junto da família) ...............................................................................................65
5.2 AS ENTREVISTAS .....................................................................................................67
5.3 ANÁLISE POR TEMAS SELECIONADOS...............................................................72
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................85
REFERÊNCIAS .....................................................................................................................88
APÊNDICES...........................................................................................................................92
14
A fertilidade da imaginação é imprescíndivel
para que se efetue a passagem do
imperfeitamente ao menos imperfeitamente
conhecido, aquilo a que chamamos
descobrimento. (
Darwin)
15
1 INTRODUÇÃO
16
O objetivo principal desta investigação é identificar na cultura Guarani-Kaiowá
1
, suas
normas, crenças, bem como a representação social da infância, tendo como recorte as relações
familiares e o estilo de educação e a sua repercussão na formação da identidade da criança,
suas conseqüências no comportamento escolar.
Na atualidade, a indisciplina escolar é um dos temas que mais afligem professores,
técnicos e pais na sociedade nacional envolvente, tanto no que se refere à clareza quanto ao
consenso sobre indisciplina, quanto ao porquê das crianças não aceitarem regras e limites e,
de um modo geral, terem um comportamento grupal de muita inquietação, denominado
usualmente de “bagunça”.
A partir de observações de educadores, também de outros pesquisadores e
profissionais que trabalham e estudam grupos indígenas e da experiência da própria
pesquisadora que freqüenta a reserva de Dourados, nota-se que as crianças são tranqüilas,
alegres e acolhem bem os visitantes. Relatos de indisciplina são praticamente inexistentes.
Portanto, esta pesquisa destinou-se a averiguar por meio de uma reflexão teórico-prática sobre
os fatores familiares e culturais do grupo Guarani-Kaiowá, que influenciam a adaptação das
crianças à escola.
Neste sentido, buscou-se, na literatura, a conceituação do comportamento escolar na
cultura não indígena, bem como em relação à cultura aqui abordada, a Guarani-Kaiowá,
visando a adquirir um entendimento sobre a influência do relacionamento familiar e aspectos
culturais na socialização primária e secundária da criança.
Assim, por meio de pesquisa de campo, realizamos um estudo de caso, com quatro
crianças, uma do sexo masculino e três do sexo feminino, alunas da Escola Municipal
Indígena do Agustinho, localizada na aldeia Bororó
2
, no município de Dourados-MS.
Observações participantes, entrevistas semi-abertas com as mães, professores e familiares,
tanto na escola quanto nas casas.
1
Guarani-Kaiowá: todas as referências bibliográficas encontradas se referem à etnia Kaiowá, como uma
ramificação do grande grupo Guarani. Na reserva de Dourados os Kaiowá, desconhecem ou não aceitam que
sua etnia seja um subgrupo dos Guarani. Para eles, Kaiowá e Guarani são duas etnias distintas e independentes.
Neste trabalho usaremos o termo Guarani-Kaiowá como encontrado na literatura.
2
Bororó: o termo significa na língua do tronco lingüístico Macro-Jê, grande pátio da aldeia. A Reserva Bororó
de Dourados não tem qualquer relação com a etnia Bororo localizada no estado do Mato Grosso.
17
Finalmente, por meio de um paralelo entre a análise dos dados coletados em campo e a
pesquisa bibliográfica, chegamos às nossas análises e considerações finais.
18
É diante da tormenta, é pela luta que se
comprova a resistência, tanto do homem como
das coisas. Viver é lutar, avançar, criar,
superar-se, crescer. E isto requer coragem.
(
Alberto Montalvão)
19
2 REFERENCIAL TEÓRICO
20
2.1 A RELAÇÃO DA CRIANÇA NAS SOCIALIZAÇÕES
A presente pesquisa tem como objetivo principal verificar a relação da criança
indígena com seus familiares, enfocando os aspectos culturais no desenvolvimento da
educação e o posterior ajustamento da criança à escola. Faz-se imprescindível a explanação a
respeito das socializações, pois os indivíduos não nascem membros da sociedade, mas com
predisposição à convivência, assim será induzido a participar socialmente.
Os temas que seguem dizem respeito à revisão teórica, sobre as socializações, tanto
primária quanto secundária, bem como a literatura encontrada quanto à socialização e
cuidados com a criança indígena.
2.1.1 A socialização primária e a família
A família exerce um papel fundamental na sociedade na qual está inserida. A esta é
delegada a função da criação dos filhos. Sendo o primeiro grupo social do qual a criança faz
parte.
Quando a família permanece estruturada emocionalmente durante o tempo em que a
criança está se desenvolvendo, cada filho pode se beneficiar desse bom relacionamento, tendo
assim um crescimento e enriquecimento de sua personalidade. Winnicott (1982) afirma que os
pais normais são aqueles que têm probabilidade de realizar e manter uma família de crianças
normais e sadias.
Vários autores pontuam essa relevância.
A família é o principal agente socializador. Os pais têm a responsabilidade
de fazer com que seus filhos desenvolvam características de personalidade e
de comportamento que sejam considerados adequados a seu sexo e aos
vários subgrupos culturais a que pertencem (religioso, classe social, etc.)
(RAPPAPORT, 1981, p. 75).
Para Bock et al. (1996, p. 249),
A família é forte transmissora de valores ideológicos. A função social
atribuída à família é transmitir os valores que constituem a cultura, as idéias
dominantes em determinado momento histórico, isto é, educar as novas
21
gerações segundo padrões dominantes e hegemônicos de valores e de
conduta. É responsável pela sobrevivência física e psíquica das crianças,
constituindo-se no primeiro grupo de mediação do indivíduo. É na família
que ocorrem os primeiros aprendizados dos hábitos e costumes da cultura. È
na família que se concretiza, em primeira instância, o exercício dos direitos
da criança e do adolescente, o direito aos cuidados essenciais para seu
crescimento e desenvolvimento físico, psíquico e social.
Para Hutz (2005), quando os pais oferecem aos filhos um ambiente incentivador e
protetor, representado por afeto e atenção, acrescidos de exigências e restrições, constituem a
base necessária para a socialização.
A família é, então, a primeira instituição na qual a criança será inserida após seu
nascimento e é na família que receberá todo o suporte para fazer parte da sociedade, tais como
regras, normas, valores culturais, morais e religiosos.
Além da função biológica e de organização da base emocional, a família também tem
uma função ideológica.
Reis (1984, p. 104), refere que:
Para entendermos mais profundamente como a família cumpre suas funções
de agente de reprodução ideológica é necessário voltarmos a atenção para o
seu funcionamento interno. Nesta perspectiva, podemos observar o que mais
a diferencia de outros grupos: ela é o lócus da estruturação da vida psíquica.
É a maneira peculiar com que a família organiza a vida emocional de seus
membros que lhe permite transformar a ideologia dominante em uma visão
de mundo, em um código de condutas e de valores que serão assumidos mais
tarde pelos indivíduos.
A autora cita conceitos desenvolvidos por Mark Pôster (1979), pois para ele a família
é o lugar onde se forma a estrutura psíquica e onde a experiência se caracteriza, em primeiro
lugar, por padrões emocionais. A função de socialização está implícita nesta definição, mas a
família não está sendo conceitualizada primordialmente como uma instituição investida na
função de socialização. Em vez disso, é considerada a localização social onde a estrutura
psíquica é proeminente de um modo decisivo.
Assim, de acordo com os parâmetros da Psicologia Social, a instituição denominada
família é responsável pela socialização primária, a primeira socialização que o individuo
experimenta na infância, e em virtude da qual torna-se membro da sociedade.
22
Pois, segundo Reis (1984, p. 104).
É na família que os indivíduos são educados para que venham a continuar
biológica e socialmente a estrutura familiar. Ao realizar seu projeto de
reprodução social, a família participa do mesmo projeto global, referente à
sociedade na qual está inserida. É por isso que ela também ensina a seus
membros como se comportar fora das relações familiares em toda e qualquer
situação. A família é, pois, a formadora do cidadão.
Segundo Berger e Luckmann (1985), a sociedade, enquanto formadora de cidadãos
deve ser entendida como uma realidade tanto objetiva quanto subjetiva, ou seja, um processo
dialético, em que ao mesmo tempo, em que o homem é produto deste meio e também seu
produtor, e tudo isso se processa em três momentos distintos, a exteriorização, a objetivação e
a interiorização. Estes três momentos não devem ser pensados isoladamente, mas em
decorrência de um processo simultâneo, cujo ponto inicial é a interiorização, ou seja, a
apreensão e interpretação dos acontecimentos para um indivíduo em uma dada sociedade. A
esse respeito, referem que:
Dito de maneira mais precisa, a interiorização neste sentido geral constitui a
base primeiramente da compreensão de nossos semelhantes e, segundo lugar,
da apreensão do mundo como realidade social dotada de sentido (WEBER;
SCHUTZ, 1962 apud BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 174).
A apreensão de interpretação referida por Berger e Luckmann (1985), começa com o
fato do indivíduo “assumir” o mundo no qual os outros já vivem, o que constitui um processo
original que irá variar de pessoa para pessoa, e este mundo uma vez reconhecido poderá ser
modificado à maneira de cada um. Como cita Weber e Schutz (1962 apud BERGER;
LUCKMANN, 1985, p. 174): “Em qualquer caso, na forma complexa da interiorização, não
somente “compreendo” os processos subjetivos momentâneos do outro mas “compreendo” o
mundo em que vive e esse mundo torna-se o meu próprio”.
Neste sentido, a socialização primária ocorre em circunstâncias carregadas de afeto. A
criança identifica-se com os outros pela multiplicidade de modos emocionais, porém a
interiorização só ocorrerá se for precedida pela identificação e é por meio desta que a criança
torna-se capaz de identificar a si mesma absorvendo os papéis e as atitudes dos outros,
tornando-os seus.
23
Já na socialização secundária, o indivíduo estabelece suas relações a partir de suas
idiossincrasias, dependendo dos conteúdos específicos já interiorizados na socialização
primária. “Na socialização primária, por conseguinte, é construído o primeiro mundo do
indivíduo” (BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 182).
Diante dessas premissas considera-se que a educação recebida na família cumpre um
papel primordial na constituição do indivíduo cultural. Tem-se o conhecimento de que a mãe
é muito importante para a criança, é o primeiro olhar, o primeiro contato, é quem cuida,
ampara, alimenta. A família de um modo geral também desempenha esse papel, inicialmente
por meio do pai, e depois dos outros membros da família, como: irmãos, tios, avós, etc. Mas é
a mãe ou quem desempenha esse papel, quem inicialmente acolhe a criança, cuida dela e
permite a entrada do “Outro” nessa relação.
A socialização primária termina, quando for interiorizado o “outro generalizado”,
possibilitando ao indivíduo tornar-se membro efetivo da sociedade e possuir subjetivamente
uma personalidade e um mundo. Assim, inicia-se a socialização secundária.
Segundo Reis (1984), a família tem sido foco de atenção de vários estudiosos e apesar
de todas as críticas em relação a esta instituição, não pode ser negada sua importância no nível
das relações sociais, pois é na família, entre indivíduo e a sociedade, que aprendemos a
perceber o mundo que nos cerca. Cabe à família o processo de socialização primária, o qual já
vimos e que carregamos vida afora, e particularmente, a formação de nossa identidade social.
Em outras palavras, é por meio da socialização primária que a criança irá formar sua
personalidade. Um processo dialético de identificação e auto-identificação, em que o
indivíduo não somente absorve os papéis e atitudes dos outros, mas também assume o mundo
desses outros.
É interessante ressaltar que os conteúdos específicos que são interiorizados na
socialização primária, variam naturalmente de sociedade para sociedade.
A socialização primária cria na consciência da criança uma abstração
progressiva dos papéis e atitudes dos outros particulares para os papéis e
atitudes dos outros em geral. Por exemplo, na interiorização das normas há
uma progressão que vai da Expressão “mamãe fica zangada comigo agora” a
esta outra “mamãe fica Zangada comigo toda vez que eu derramo a sopa”.
Desde que mais outras pessoas significativas (pai, avó, irmã mais velha, etc)
apóiam a atitude negativa da mãe com relação ao ato de derramar a sopa, a
generalidade da norma é estendida subjetivamente. O passo decisivo ocorre
24
quando a criança reconhece que todos são contra o fato de entornar a sopa, e
a norma generaliza-se tomando a expressão “Não se deve derramar a sopa”,
sendo o “se” parte de uma generalidade que inclui, em princípio, toda a
sociedade, na medida em que é significativa. Esta abstração dos papéis e
atitudes dos outros significativos concretos é chamada o outro generalizado.
Sua formação na consciência significa que o indivíduo identifica-se agora
não somente com os outros concretos, mas com uma generalidade de outros,
isto é, com uma sociedade. Somente em virtude desta identificação de
generalidade sua identificação consigo mesmo alcança estabilidade e
continuidade (MEAD, 1959 apud BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 178).
Para Berger e Luckmann (1985), à consciência do outro generalizado, equivale a dizer
que, ao mesmo tempo em que a realidade é objetiva, ela é subjetiva, aquilo que é real ‘fora’
corresponde ao que é real ‘dentro’ e implica a interiorização, constituindo-se no mais
importante instrumento de socialização. A realidade objetiva pode ser facilmente “traduzida”
em realidade subjetiva e vice-versa, o que implica tamm dizer que esse processo nunca é
estático, porém, segundo os autores acima, a socialização primária tem maior valor para o
indivíduo, mas a estrutura básica de toda a socialização secundária deve assemelhar-se à da
socialização primária.
“O mundo da infância, em sua luminosa realidade, conduz a ter confiança não somente
nas pessoas dos outros significativos, mas nas definições da situação dadas por estes”,
segundo Berger e Luckmann (1985, p. 182). Assim, nesta etapa do desenvolvimento da
consciência da criança, o mundo da infância é o mundo real e não poderia ser de outra
maneira. E provavelmente conserva a sua peculiaridade familiar do “mundo doméstico”, por
mais afastado que o individuo se encontre dele.
Todas estas considerações denotam que os aspectos abordados nesta pesquisa em
relação à socialização primária da criança condizem com a interiorização de alguns aspectos
educacionais na família que posteriormente, deverão ser generalizados por esta mesma
criança em ambiente escolar, ou seja, na socialização secundária.
2.1.2 O processo de socialização secundário e o surgimento da escola
A socialização secundária é a interiorização de submundos institucionais ou com base
nas instituições. É a aquisição do conhecimento de funções específicas observadas direta ou
indiretamente na divisão do trabalho, ou melhor, é a socialização encontrada no contato com
25
instituições fora do ambiente familiar. Esses submundos são realidades caracterizadas por
componentes normativos, afetivos e cognoscitivos, sendo este o momento em que se
concretiza a aprendizagem. Portanto, a socialização secundária é realizada também na escola,
podendo até ser denominada como o segundo grupo social no qual a criança é inserida.
De acordo com Vygotsky (1987), autor que aborda a formação do psiquismo humano
em seu contexto histórico-cultural, as características de cada indivíduo são formadas a partir
de inúmeras e constantes interações do indivíduo com o meio, compreendido como contexto
físico e social que inclui as dimensões interpessoal e cultural. Logo, desde o nascimento e
durante toda a vida, este mesmo o indivíduo estabelece trocas recíprocas com o meio, já que
ao mesmo tempo em que internaliza as formas culturais, as transforma e intervém no universo
que o cerca.
Para o autor acima citado, de tradição sócio-interacionista, os processos psicológicos
originam-se nas relações interpessoais e se desenvolvem ao longo do processo de
internalização de formas culturais de comportamento. Ele chama atenção para o importante
papel mediador exercido por outras pessoas nos processos de formação dos conhecimentos,
habilidades de raciocínio e procedimentos comportamentais de cada indivíduo.
Vygotsky (1987) explica que é por intermédio dessas mediações, encontradas
inicialmente no meio familiar, que o humano até então imaturo, apropria-se de forma ativa
dos modos de funcionamento psicológico, do comportamento e da cultura, ou melhor, do
patrimônio da história da humanidade e de seu grupo social.
Dessa maneira, ao internalizar as experiências fornecidas pela cultura familiar e social,
a criança reconstrói individualmente os modos de ação realizados externamente e aprende a
organizar os próprios processos mentais, a controlar e dirigir seu comportamento (auto-
governar-se) e a agir no meio.
Para Berger e Luckmann (1985), o que já foi introjetado na socialização primária, em
uma atmosfera carregada de afetividade, prosseguirá com as identificações mútuas na
socialização secundária, porém sem necessariamente haver afetividade. É também, na
socialização secundária, que se adquire o conhecimento de funções específicas.
A criança interioriza o mundo dos pais como sendo o mundo, e não como o
mundo pertencente a um contexto institucional específico. Algumas das
crises que acontecem depois da socialização primária são causadas na
26
verdade pelo reconhecimento de que o mundo dos pais não é o único mundo
existente, mas tem uma localização social muito particular, talvez mesmo
com uma conotação pejorativa (BERGER; LUCKMANN, 1985, p. 189).
Em suma, na socialização secundária não ocorrerão identificações como na
socialização primária, mas farão parte da vida do indivíduo como os muitos grupos a que este
indivíduo pertence, como: a igreja, a escola, o trabalho, a comunidade, entre outros, e dessa
forma, o processo de socialização é ininterrupto, ocorrendo conseqüentemente a formação da
identidade do indivíduo.
Sabemos que o processo de socialização é a apropriação da realidade subjetiva, pois
cada indivíduo entende a realidade como ela se apresenta, de acordo com sua subjetividade. É
no processo de socialização primária que a família, veiculada principalmente pelos pais,
principais agentes de educação da criança, inicia o processo de socialização, o mesmo
processo de educação pelo qual a criança passa a ver o mundo extra-familiar e todas as
relações sociais posteriores à família.
Segundo Áries (1981), na sociedade medieval a infância era limitada até a idade que
necessitava de cuidados físicos para a sobrevivência (por volta dos sete anos); após esta fase,
as crianças conviviam com os adultos em todos os momentos e compartilhavam dos trabalhos,
jogos, orgias, etc.
É a partir da sociedade industrial que a escola surge, como forma de separar a criança
do contato direto com o adulto e também como forma de educá-la. Grande parte deste feito
deve-se às atitudes moralistas da igreja da época. Desse momento em diante, a criança é
cerceada da presença do adulto, tornando este contato extremamente limitado. Só
posteriormente é que a sociedade buscará um meio termo para esta questão, deixando que as
crianças participem um pouco mais da companhia dos adultos. Essa questão merece total
destaque na referida pesquisa, pois, não se presencia nas sociedades indígenas, em se tratando
do grupo pesquisado Guarani-Kaiowá, qualquer privação da criança em relação à presença do
adulto. O que vemos é a total liberdade da criança em meio ao seu povo, fato este que será
tratado detalhadamente na análise dos resultados.
Atualmente, a escola tem como objetivo garantir a aprendizagem de certos conteúdos
e o desenvolvimento pleno do cidadão. Um desses aspectos diz respeito à socialização da
criança, sendo esta uma de suas principais finalidades. Sabe-se que o processo de socialização
27
de uma criança não se inicia na escola e é na escola que ela apenas se concretiza, por meio das
relações sociais extra-familiares. Neste sentido, a criança sofre um contínuo processo de
socialização. Miranda (1984, p. 130-131) refere que,
[...] dizer ao contrário, seria dizer sobre a incapacidade de adaptação às
normas sociais. Neste caso, é plenamente justificável a função da escola, ou
seja, de promover a adaptação do indivíduo à sociedade, desde que este
indivíduo não esteja plenamente adaptado.
A questão da indisciplina em sala de aula de escolas de nossa sociedade é um dos
temas que atualmente mais mobilizam professores, técnicos e pais, desde a educação infantil
ao ensino médio, fato que não é evidenciado em escolas indígenas.
Segundo Rego (1996), entende-se por disciplina, ordem, respeito, obediência às leis,
etc. porém, supõe-se que a criança já tenha adquirido anteriormente o conhecimento de
valores éticos como: entendimento de regras, partilha de responsabilidades, cooperação,
reciprocidade, solidariedade, etc. e ainda o reconhecimento dos direitos do outro, sem o qual
fica impossível a convivência em grupo. Esses valores têm origem na família, ou seja, na
socialização primária.
Assim, estudar a escola a partir da análise de seu cotidiano é compreender a ação de
cada sujeito que nela atua, entendendo essa realidade articulada à realidade da sociedade em
que esse sujeito vive.
2.1.3 A socialização da criança Guarani-Kaiowá
Um estudo antropológico sobre a mulher indígena brasileira (TEVES, 1978), refere
que, ao nascer, a criança é levada ao olhar da mãe, que a sente por outro olhar de posse e a
aconchega em seus braços, perto do seio desnudo, estimulando-a a mamar. Desse momento
em diante não há separação intensa, até que se possa perceber robustez e independência, ou
seja, a fuga dos perigos reais da aldeia.
O bebê dorme ao lado da mãe, sempre agarrado ao seio, que se torna objeto de
brincadeiras e satisfação oral. Pode chegar-se ao seio sempre que desejar. A mãe indígena
vigia constantemente, mas não pune a criança, não bate, não grita, não castiga fisicamente. O
controle sobre a educação é feito por meio da palavra, das conversas. A mãe é muito
28
cuidadosa, atenciosa. A presença materna é intensa, e quando, porventura, a mãe precisa
ausentar-se por algumas horas, é substituída por outras mulheres da aldeia, principalmente da
família, tias, avós ou filhas mais velhas.
Os outros que existem na reserva fazem parte de um contexto social para a criança,
que desde muito cedo aprende a ser livre, a brincar sem punições por suas iniciativas de
curiosidade. Dessa forma, percebe-se que desde o nascimento, a criança é bem-vinda nessa
população. A gravidez de uma maneira geral é bem recebida pelas indígenas.
Alguns autores destacam o cuidado das índias com a gestação e o parto. Entre estes,
citamos Teves
3
(1978, p. 20), que diz:
Os cuidados durante a gestação são de ordem alimentar e mágica. Há, porém
os que se relacionam com as atividades diárias tanto para o homem como
para a mulher (casal), os relacionados com as práticas sexuais, e as atitudes
seguir na vida cotidiana. [...] E como regra geral a mulher indígena se
submete a uma dieta, como meio de evitar complicações para si e para seu
filho.
Para o mesmo autor, os cuidados com a gestação estão relacionados às prescrições
alimentares antes e depois do parto. Há restrição a certas atividades consideradas perigosas e a
obediência a certos tabus de ordem mágica. Cuidados e proibições que são valores de sua
cultura e devem ser respeitados, pois, se não o forem, alguma coisa acontecerá de mau para a
mãe, para o filho e para o pai. Por exemplo, para a mãe: doença, morte e loucura. Para o filho:
doença, morte e anormalidade. Para o pai: doença e morte do filho. Desse modo, a índia e seu
esposo seguem alguns rituais, para que nada de mal lhes aconteça.
Porém segundo Schultz (1960 apud TEVES, 1978, p. 30), “As atividades das gestantes
são normais, não sendo bom para a criança quando a mãe fica muito tempo em casa, quieta, a
criança demora para nascer. Onde trabalhar não demais traz saúde à criança”.
Em relação às práticas abortivas e anticoncepcionais, Teves (1978) diz que as
indígenas de uma forma em geral gostam de ter filhos. O fato de algumas evitarem ter filhos
se deveria a questões sociais, econômicos, emocionais, físicos, mágicos, etc. ou mesmo,
quando estão amamentando um filho e engravidam, vendo a possibilidade de não mais poder
3
Este autor em especial cuja obra trata de questões sobre parto, gestação, maternagem e infância, foi citado por
diversas vezes por ser o único que aborda o tema com tamanha especificidade.
29
alimentar a criança, sacrificam aquele que ainda está para nascer. As práticas usadas vão de
simples chás, passando a simpatias, rezas, massagens, entre outros. Cada tribo conhece muitas
espécies de plantas usadas como abortivas. Como cita Teves (1978, p. 36), “A mulher
Guarani, usa, para assegurar a gravidez ou provocar o aborto (o que é raro), plantas e
simpatias. [...] Dizem eles que existe uma planta a qual chamam membê-erê (erva para evitar
filhos) usada para esse fim”.
Em relação ao parto, Teves (1978) diz que não existe uma técnica específica e se
espera que tudo seja resolvido de forma natural. E qualquer mulher que já tenha tido um filho
pode fazer o parto,
Sendo assim, o parto da mulher indígena é, na maior parte das vezes, um
assunto normal que qualquer mulher que já tenha experiência, por ter tido
filho ou por ter assistido ao nascimento de crianças, pode-se apresentar como
parteira, pois não é necessário uma grande aprendizagem para isto. É só ter
coragem, calma, e saber esperar até que haja a expulsão fetal. De resto, é
pela simples observação que aprendem a cuidar do recém nascido (TEVES,
1978, p. 41).
Conforme Meliá (1979), as pessoas implicadas no parto, quem põe o nome, quem dá o
primeiro banho ou quem corta o cordão umbilical, vão ter muita influência na educação da
criança. Para o autor o comportamento dos pais no parto também tem uma projeção educativa,
ou seja os cuidados com a gestação, o resguardo da mãe ou couvade
4
e certas dietas, são
fatores que pretendem assegurar a boa criação do recém-nascido.
Ainda em relação ao parto,
A mulher indígena quase sempre tem uma atitude calma e normal quando
vai enfrentar o parto (com exceção das primíparas que às vezes se mostram
nervosas por não saberem o que vai acontecer) e daquelas mulheres que não
têm marido e não querem o filho, que se apresentam temerosas talvez por
muitas delas pretenderem sacrificar o filho (TEVES, 1978, p. 47).
Ainda segundo Teves (1978), após o parto toda mulher indígena recebe alguns
cuidados, mas estes variam de tribo para tribo, em algumas nem se pode dizer que haja
resguardo, os cuidados são somente aqueles da hora do parto.
4
Couvade: resguardo masculino.
30
Teves (1978, p. 57) cita que: “Em algumas tribos entre estas por mim estudadas, por
exemplo, a mulher ao dar a luz recebe cuidados, é submetida a uma dieta alimentar e
resguardo de atividades cotidianas, como entre as Guarani, segundo informação das próprias
índias”. E que, as indígenas do litoral brasileiro dos primeiros anos de colônia não obedeciam
a nenhum resguardo e sim os homens, quando se dava o nascimento de um filho.
Descreve Teves (1978, p. 61), o que seria o resguardo masculino, denominado como
couvade, “A couvade ou sobreparto masculino ou ainda ‘choco’ é o resguardo paterno, prática
usada entre algumas tribos brasileiras e que hoje está quase em desuso por causa da
aculturação”.
Também viajantes quinhentistas referem-se a uma prática dizendo que o
marido se deitava na rede onde ficava todo coberto até que a ferida umbilical
do filho cicatrizasse. Ali recebia comida, bebida e presentes de amigos e
parentes. A esposa mimava-o e protegia-o para que ele não tomasse ar,
porque isto prejudicaria a criança. Se levantasse e fosse trabalhar, o filho
morreria (TEVES, 1978, p. 62).
A couvade, segundo Schaden (1954, p. 95), “[...] é o conjunto de medidas mágicas
para neutralizar a vulnerabilidade física e psíquica decorrente de um estado de fraqueza”.
Teves (1978, p. 64), ainda cita que “[...] a finalidade deste costume parece ser de defender os
males da criança que nos primeiros tempos de vida é imaginada em conexão direta com o pai,
como fazendo parte dele”.
Na Sociedade Nacional envolvente, o homem também tem o direito à licença
paternidade, pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), artigo 473, previsto pela
Constituição Federal de 1988, no seu artigo 7ª, inciso IX, dando-lhe cinco dias úteis a contar
do momento do nascimento do filho, porém para o fim de acompanhamento do cônjuge e de
providências sobre a documentação da criança, o que demonstra ser bem diferente da cultura
estudada onde a couvade diz respeito a ordens míticas e mágicas.
Em relação à alimentação, a criança mama quando quer, recebe o máximo de atenção,
procura-se satisfazer suas necessidades. “O período de latência estende-se até os dois anos e
às vezes mais” (MELIÁ, 1979, p. 19).
Teves (1978, p. 71), diz que,
O horário para mamadas é cousa que não existe entre mulheres indígenas. A
31
criança mama quando tem fome. Vive pendurada ao seio da mãe. Já é tão
comum isto, que as mães conversam com as outras pessoas e a criança
continua mamando e às vezes brincando com o próprio seio materno, como
se este fosse chupeta.
Outra questão que merece ênfase diz respeito à como a mãe indígena Guarani-Kaiowá
faz o treino dos esfíncteres de seus filhos. O controle dos esfíncteres é realizado de maneira
gradativa, conforme a mãe vai conhecendo o filho, porém, a mãe não se importa se a criança a
suja, ou suja a roupa. Teves (1978, p. 73) cita, que “[...] não há nada que se possa chamar de
controle das necessidades fisiológicas no comportamento das crianças indígenas. [...] Não há
nenhuma preocupação neste sentido por parte dos pais.” Dessa forma, o controle é realizado
de forma natural e espontânea.
Em relação aos cuidados sociais para com a criança durante os primeiros passos, o
autor cita que, a mãe está sempre por perto, e quando não está, tais cuidados provêm de outros
membros da família. Pois, quando a mãe está próxima,
[...] o filho está sempre vigiado por ela, a criança está sempre ali, perto,
agarrada à mãe ou sentada nos joelhos dela ou próximo a ela. [...]
Geralmente é agarrando às pernas da mãe ou dos irmãos que dá seus
primeiros passos (TEVES, 1978, p. 73).
Segundo Teves (1978), ao sinal de algum perigo, há sempre alguém que socorre a
criança indígena, seja a mãe, e quando está ocupada, os outros membros da família.
“Os pais indígenas não exercem sobre seus filhos uma vigilância como entre os pais
civilizados. Deixam-lhes bastante liberdade e não interferem mesmo no sentido de obrigá-los
a fazer aquilo que eles não gostam” (TEVES, 1978, p. 85).
Percebe-se essa mesma liberdade em relação aos jogos e brincadeiras.
Conforme Meliá (1979, p. 19),
Possivelmente é o jogo um dos elementos mais importantes da educação
indígena. Sabe-se que a criança aprende brincando. A originalidade aqui é
que o índio, já desde pequeno, brinca de trabalhar. Seu brinquedo é,
conforme o sexo, o instrumento de trabalho do pai ou da mãe. O índio, que
brincou de trabalhar, depois vai trabalhar brincando. O seu jogo é brinquedo,
não lhe deu ilusões, que depois a vida lhe negará. Pequenos arcos e flechas
nas mãos de um menino ou pequenos cestos dependurados da cabeça de uma
menina, que vai com a mãe buscar mandioca na roça, são cenas que têm
encantado qualquer visitante de uma aldeia indígena.
32
Outra questão que merece destaque, em se tratando da educação indígena, diz respeito,
a não haver punição física para as crianças. Essa é a opinião de todos os autores que focalizam
em seus trabalhos esse aspecto.
Em relação a educação, Shaden (1976 apud MELIÁ, 1979, p. 12) cita que:
[...] a vida em sociedade requer obediência a um conjunto de normas de
comportamento aprovadas pela tradição. Estas normas, variáveis de um povo
para outro, devem ser aprendidas e aceitas pelo indivíduo enquanto se
desenvolve a sua personalidade. Isto se obtém pela educação, processo que
abrange as atitudes, práticas e precauções, conscientes ou inconscientes,
intencionais ou não – aos membros do grupo, características físicas, mentais
e morais necessárias à vida adulta no contexto social. Educar é, enfim,
formar o tipo de homem ou de mulher que, segundo o ideal válido para a
comunidade, corresponda à verdadeira expressão da natureza humana. De
acordo com a definição deste ideal e na medida em que o admite e exige a
cultura, a educação age no sentido de tornar semelhantes os indivíduos. Por
outro lado, os diversifica na medida em que o impõe o funcionamento
normal do sistema, em correspondência com sua maior ou menor
complexidade.
A educação nesta sociedade é dividida em dois momentos, um em que o filho é
presença constante na vida da mãe, até provavelmente um ano de vida e um segundo
momento onde se dá a imitação da criança pelos jogos e afazeres dos adultos.
Meliá (1979, p. 14) divide a educação em primeira e segunda infância; em relação à
primeira infância, diz: “[...] a educação de hábitos motores, o estreito relacionamento com a
mãe, são geralmente as principais características da educação nesse período”.
Apresenta duas etapas: a imitação da vida do adulto pelo jogo e a imitação
pelo trabalho participativo. A criança indígena faz em miniatura o que o
adulto faz, vive no jogo a vida dos adultos. Aprende as atividades sociais
rotineiras, participa da divisão social do trabalho e adquire as habilidades de
usar e fazer instrumentos e utensílios de seu trabalho, de acordo com a
divisão de sexo. [...] Uma dupla atitude aparentemente contraditória chama a
atenção do observador de fora numa sociedade indígena: as crianças gozam
de uma grande liberdade nos seus movimentos, fazendo o que bem querem,
sem que os adultos se imponham a elas com continua admoestações ou
proibições; por sua vez essas mesmas crianças não dão motivo de
aborrecimento aos pais ou a outros membros da comunidade. [...] O respeito
que os pais têm com as crianças, o modo de falar com ela, de persuadi-la
quase que nos pareceriam exagerados. O adulto considera o papel da criança
na sociedade com muita seriedade. O que não quer dizer que as relações
entre eles sejam tensas ou tristes. Adulto brinca com criança e criança brinca
com adulto (MELIÁ, 1979, p. 14-20).
33
Para Schaden (1954), a criança Guarani é notadamente independente. O Guarani não
acredita na conveniência e eficácia de métodos educativos. O adulto respeita a personalidade
e a vontade individual da criança. Isso ocorre pelo fato dele acreditar que a personalidade já
nasce pronta.
Segundo Darrault-Harris e Grubits (2000, p. 119), “Para o Guarani, o individuo é bom
ou mau desde seu nascimento e, por isso, de acordo com sua crença, reconhece pouco a
responsabilidade moral”.
Para Meliá (1979, p. 27), o sentido da educação Guarani-Kaiowá, é sobretudo moral e
espiritual, e portanto “conservando e aperfeiçoando o ‘modo de ser’ Guarani. A educação está
orientada a saber para que viver e viver perfeitamente, alcançando a perfeição pela reza, pela
não violência e pela visão ‘teológica’ do mundo”. O que para o Guarani só pode ser alcançado
por meio da comunidade e da inspiração.
Assim, o foco deste trabalho não é verificar como a criança se socializa, mas sim,
como a cultura Guarani-Kaiowá socializa a sua criança. Não tem como objetivo neutralizar a
questão da dialética entre indivíduo e sociedade, pois se sabe que a criança também é sujeito
da ação, mas, diante das peculiaridades da sociedade estudada, do meio sociocultural de cada
criança, ou seja, o meio histórico-social, esse processo de desenvolvimento será diferente de
acordo com cada cultura. Essa pesquisa aborda as questões culturais específicas desta
sociedade na formação da identidade da criança indígena Guarani-Kaiowá, fazendo-se
presente no ajustamento dessa criança ao ambiente escolar.
2.2 OS POVOS GUARANI/KAIOWÁ
Para entender melhor o grupo estudado e a atual situação dos Kaiowá, faz-se
necessário explanar a respeito dos nativos Tupi-Guarani que habitavam o Brasil e todo o
território sul americano, na época da chegada dos colonizadores a estas terras, buscando
assim, compreender sua história, fazendo um recorte em relação à cultura Guarani, para em
um segundo momento explanar sobre as especificidades da região indígena de Dourados e a
população Guarani-Kaiowá, que habita o local.
34
2.2.1 Da chegada ao Brasil
Segundo Darrault-Harris e Grubits (2000, p. 95), no século XII, quando chegaram os
primeiros colonizadores ao litoral brasileiro, “Os Tupi-Guarani, dominavam parte da Bacia
Amazônica, [...] grande extensão do litoral atlântico, enquanto os Guarani ocupavam o litoral
mais ao sul, estendendo seus domínios para o interior, até os rios Paraná, Uruguai e Paraguai”.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2002), estima-se que
por volta do século XVI, com a chegada dos portugueses e espanhóis, a população indígena
que vivia no Brasil era em torno de 5 milhões de índios. Hoje, não passam de 700 mil pessoas,
distribuídas em cerca de 215 povos, em um território de 478.721 km
2
, ou seja, em menos de
11% de todo o território brasileiro. Isto demonstra como esta população foi dizimada, no
decorrer da história, pelo próprio homem dito civilizado. Primeiramente eles foram
catequizados pelos missionários, e os que se opunham a isso, morriam em confrontos. Em
seguida, foram escravizados e morriam pelos maus tratos, à frente dos combates morriam na
luta pela terra, e tantos outros morreram vitimas de doenças infecto-contagiosas, trazidas
pelos próprios colonizadores.
Troquez (2002) relata que, com a chegada dos portugueses, houve a busca de
apropriação de terras para as suas coroas. Estes estabeleceram os primeiros contatos, a
princípio de forma pacífica, devido à necessidade de conhecer o território ocupado pelos
indígenas, oferecendo em contrapartida segurança aos Guarani durante os ataques,
principalmente dos franceses em busca também das terras. Até aquele momento existia um
relacionamento de trocas, porém a convivência direta com esses indígenas proporcionou aos
europeus o reconhecimento rapidamente das terras, desfazendo o vínculo, e assim, passaram a
dominar os índios Guarani como presa fácil e a aproveitar-se deles como mão de obra
escrava. As relações tornaram-se críticas e os índios reagiram aos portugueses, que roubavam
suas terras e mulheres e transmitiam-lhes doenças.
Desse modo, nos anos seguintes, vieram também os jesuítas com o objetivo de
catequizar os índios, processo que não encontrou resistência, visto que estes já estavam
cansados da exploração sofrida.
35
Os jesuítas conseguiram juntar a maioria dos Guarani, que povoava o Paraguai em
uma organização política, econômica e coletiva, elevando as tribos a um desenvolvimento
material jamais alcançado.
Assim, segundo Darrault-Harris e Grubits (2000), com o fim das missões jesuíticas,
uma parte das tribos Guarani juntou-se à população rural do Paraguai e constitui o grupo dos
“Guarani modernos”. Outra parte fugiu para as matas e reuniu-se ao grupo que não pertencia
às missões jesuíticas, voltando a viver a antiga vida de lavradores e caçadores, os Kaiowá. Na
guerra com o Paraguai, viram-se envolvidos nas lutas e tiveram seus primeiros contatos com
os brasileiros. Cessada a guerra, eles continuaram a viver na região.
Aos poucos, com a chegada dos extratores de erva-mate, os Guarani foram engajados
neste trabalho e toda a região foi devastada. Essa exploração de erva mate foi realizada
principalmente em Mato Grosso, pelos paraguaios que falavam também o Guarani e
ensinaram aos índios as técnicas de extração e preparo da erva, além do uso de ferramentas,
aguardente, sal e outros. Porém, um aspecto relevante citado por Troquez (2002), é a troca do
hábito de explorar a terra pelo da extração de erva-mate, incentivados pelo salário, o que
resultou em abandono das terras, que passaram a ser ocupadas por fazendeiros, obrigando os
índios Guarani-Kaiowá a se readaptarem em sua forma de ser.
Segundo Ribeiro (1977, p. 107),
Um após outro, os maiores grupos foram sendo engajados como assalariados
temporários dos ervateiros, acostumados a fazer deste trabalho fonte de
suprimento de artigos antes desconhecidos e que se haviam tornado
necessidades vitais para eles. A maioria daquelas tribos entrara em colapso
pela impossibilidade de conciliar as exigências do trabalho assalariado
individual com sua economia coletivista. Deste modo os Guarani escapavam
das missões, dos paulistas e dos colonos paraguaios, caem novamente na
penúria e no desespero a que tantas vezes já os tinha levado o contato com a
civilização.
Ainda segundo Ribeiro (1977), por volta de 1940 a atividade ervateira entrou em
decadência, mas os índios Guarani continuaram trabalhando como assalariados na “limpeza”
das fazendas ocupadas pelos colonos até os anos 70, quando estas ganharam grande impulso
da mecanização e os índios passaram a ser presença dispensável.
Nesta época, já sem espaço físico, os Guarani são levados aleatoriamente para oito
reservas indígenas, que ficavam propositalmente próximas às cidades, com o intuito de
36
civilizá-los, pois na época prevalecia o pensamento de que eram povos culturalmente
atrasados e próximos à cidade se tornariam mais civilizados. Mas, “A vida Guarani nunca se
liberta, nem se abstrai da questão da terra” (MELIÁ, 1990 apud DARRAULT-HARRIS;
GRUBITS, 2000, p. 98). Não se prende a ela como algo fixo e imutável, depois de trabalhá-la,
dela se desprendem, pois a vêem apenas como possibilidade de coleta, caça e principalmente
cultivo. Assim, buscam uma outra terra que seja fértil e, portanto, melhor para a agricultura.
Meliá (1990 apud DARRAULT-HARRIS; GRUBITS, 2000, p. 98) cita a “Terra Sem
Mal” como um elemento essencial na construção do modo de ser Guarani, e o aponta como
motivo da migração desse povo.
Para Darrault-Harris e Grubits (2000, p. 98),
Alguns povos Tupi-Guarani, muitos dos quais não sobreviveram até nossos
dias, como os Tupinambás, que viviam no litoral na época da conquista,
acreditavam na existência de uma “Terra Sem Mal”, um lugar onde os
homens eram imortais, o milho crescia sozinho, sem necessidade de cultivo,
e as flechas atingiam por si próprias os animais na floresta. Esse paraíso era
situado, geralmente, na direção do sol nascente e menos freqüentemente no
“centro-do-mundo”.
Ainda para Mélia (1990 apud DARRAULT-HARRIS; GRUBITS, 2000, p. 100), a
terra para o Guarani, ou tekohá, é um espaço sociopolítico. Nela se dão as relações
econômicas, sociais e organizações político-religiosas, essenciais para esse povo. Sua terra,
significa o “[...] modo de ser, modo de estar, sistema, lei, cultura, comportamento, hábito,
condição, costume” (MELIÁ, 1990 apud DARRAULT-HARRIS; GRUBITS, 2000, p. 99).
De acordo com o autor acima citado, a personalidade do Guarani constrói-se sobre o
ideal Xamã, o Xamã-pai, figura típica dos líderes político-religiosos. Assim, o herói não seria
um grande guerreiro, mas um grande pajé.
Na cultura Guarani há um predomínio da religião sobre todas as demais esferas
sociais, pois o Guarani tem como referencial a esfera cosmológica. Isto pode ser evidenciado
em algumas produções infantis.
Viveiros de Castro (1986 apud DARRAULT-HARRIS; GRUBITS, 2000) relata que o
universo Guarani é composto em camadas, em oposições: céu/terra, deuses/homem,
floresta/água.
37
Na cultura Guarani/Kaiowá, a oposição pertinente parece ser entre os
domínios celestes-ou céu, apenas morada dos deuses, e a mata, com a esfera
humana (aldeia) ocupando uma posição intermediária. Por outro lado, o eixo
Leste-Oeste mantém seu valor simbólico. A destruição do mundo começará
pelo Oeste – e é por isso que as migrações Apapocuva seguiam em direção
ao oriente. E sabemos como a “Terra Sem Mal” era localizada, ora no leste,
ora no céu, no zênite (SHADEN, 1962 apud DARRAULT-HARRIS;
GRUBITS, 2000, p. 105).
Shaden (1962 apud DARRAULT-HARRIS; GRUBITS, 2000) diz que, a alma do
Guarani já nasce com potencial e qualidade, e eles não se preocupam com o desenvolvimento
da natureza psíquica. Assim, a base da organização social é a família grande. Desse modo, a
criança não focaliza suas emoções em uma única pessoa, mas em muitas pessoas, pois vários
adultos são responsáveis por sua educação. O autor, atribui a isso à instabilidade nas relações
amorosas dos Guarani.
Segundo estudos e observações de Shaden (1974), a criança Guarani é
notavelmente independente. O Guarani não acredita na conveniência e
eficácia de métodos educativos, a não ser a título excepcional ou por via
mágica. As crianças Guarani são tratadas como adultos e são mais francas e
menos retraídas do que eles, quando em contato com estranhos, e, por isso,
são poucos os brinquedos, que se reduzem à imitação de atividades dos
adultos. O Guarani respeita a personalidade e a vontade individual infantil,
não ocorrendo a repressão no processo educativo infantil. Assim, na
infância, o Guarani, segundo Shaden, não aprende a se dominar e a
contrariar as suas inclinações e o seu temperamento (DARRAULT-
HARRIS; GRUBITS, 2000. p. 113).
Na atualidade, vários problemas vão se acumulando nas reservas. Além da falta de
terras suficientes para o plantio, há problemas sociais e culturais, causados pela própria
proximidade da cidade. A seguir, passa-se a descrever a reserva indígena de Dourados e os
Guarani-Kaiowá que habitam a região.
2.2.2 Os Kaiowá de Dourados
O parque indígena de Dourados-MS foi fundado em 1925, sendo dividido em duas
reservas: Jaguapiru e Bororó. Ocupam este parque dois dos maiores grupos indígenas do
estado do Mato Grosso do Sul. Nele se encontram os índios Guarani, subdivididos em sua
linhagem étnica em: Kaiowá e Ñhandeva e tamm os Terena, pertencentes ao tronco
Aruaque.
38
De acordo com Censo 2000, a população indígena residente na reserva de Dourados
era de 9.146 índios, mas estimativas atuais indicam que este número esteja em torno de
11.000 índios, tendo em vista que a média de nascimento anual é de 400 crianças
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2002).
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2002) estima que a população
indígena brasileira esteja em torno de 734.131 indivíduos. Deste total, 60% encontram-se
localizados na região Norte. São, ao todo, 441 áreas indígenas oficialmente reconhecidas
(terras delimitadas, homologadas e registradas), em 215 culturas diferenciadas, que ocupam
menos de 11% do território brasileiro.
FIGURA 1 - Localização dos atuais povos indígenas de Mato Grosso do Sul.
Fonte: Mato Grosso do Sul (1990).
39
A Figura 1 apresenta a localização dos principais povos indígenas de Mato Grosso do
Sul. O que pode ser evidenciado é que a área dos Kadiwéu é a única contínua, sendo que as
demais etnias encontram-se dispersas em pequenas comunidades.
Segundo Troquez (2002), os Guarani-Kaiowá são reconhecidos por conseguirem
preservar suas “raízes” culturais, retardando a influência da civilização, graças a seus líderes e
pais de família que sempre priorizaram a própria cultura. Possuem especificidades no dialeto
5
e sua estrutura familiar é composta de famílias numerosas, com grande quantidade de filhos.
As terras são comunitárias e pertencem a toda a aldeia, apesar de cada família usufruir
de seu lote. Atualmente, é muito difícil encontrar na reserva de Dourados descendentes puros,
porque, principalmente as etnias Guarani-Nhandevã e Terena estão miscigenadas, tanto com
relação às etnias existentes na reserva de Dourados, quanto com relação ao não índio.
O Guarani-Kaiowá, por sua vez, tem uma localização territorial na reserva Bororó, em
uma área de 13 km
2
de extensão, mais ao fundo do parque indígena de Dourados e por isso
mais distante da cidade que as demais, o que talvez favoreça a reclusão da etnia, sendo a mais
pura em comparação à miscigenação cultural na reserva de Dourados.
5
A questão do dialeto é uma característica dessa reserva. O que existe na literatura diz respeito à uma
significativa homogeneidade lingüística. Alguns indígenas da Reserva de Dourados, justificam estas
especificidades, como sendo em decorrência da região proveniente do Guarani, como existem especificidades
em relação a características regionais no Brasil
.
40
FIGURA 2 - Mapa da reserva indígena Bororó.
Fonte: Secretaria de Educação do município de Dourados.
6
Na reserva de Dourados, nos últimos anos, aconteceu um aumento populacional
considerável, o que gerou a necessidade de maior cultivo das terras para a sobrevivência. Em
conseqüência disto, ocorrem conflitos freqüentes com os fazendeiros locais e com a própria
Fundação Nacional do Índio (FUNAI).
Segundo Troquez (2002), em 1910 o governo, sem condições de se manter indiferente
a tantas questões políticas, vê-se pressionado a estabelecer políticas indigenistas e assim criou
o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), chefiado pelo Marechal Cândido Mariano da Silva
Rondon. Em 1967, sucedendo ao SPI, foi criada a FUNAI, que passa a ser um órgão tutelar,
garantindo-lhes o estatuto do índio e tendo como proposta defender-lhe os direitos. Sua
atuação deveria ser efetiva e eficiente o que muitas vezes não é o que se constata.
6
Mapa cedido pela Secretaria de Educação do Município de Dourados, na ocasião do censo de 2005, porém sem
especificação de data e autor.
41
Seus objetivos básicos eram: garantir a subsistência das comunidades indígenas, por
meio do incentivo à produção dos bens de consumo e geração de excedentes, e que poderiam
ser comercializados, assegurando o poder aquisitivo necessário à subvenção de outras
necessidades, viabilizando o uso da terra e conseqüentemente, garantindo sua ocupação.
Atualmente, o que vemos é um quadro de fome e miséria desta população, falta de
moradia e de saneamento básico, o que também está ligado à perda de grande parte de suas
terras, ao excesso de população na maioria das reservas e ao contínuo processo de
deterioração dos recursos naturais.
Não existe território suficiente para manter a subsistência das famílias. A distribuição
da terra por família não se dá de forma proporcional, causando uma série de problemas para a
comunidade. A distribuição de lotes por família é alterada, quando os filhos se casam, sendo
necessário subdividir a porção de terra da família. Para melhor entender esta questão, se
repartirmos a área de Dourados por pessoa, aproximadamente 11.000 índios, tem-se uma
proporção de 0,32 hectares por indivíduo.
Segundo Troquez (2002), o território de Dourados foi estabelecido pelo Decreto n.
401/1915, a área delimitada foi de 3.600 hectares, mas somente em 1975 esta área foi
demarcada, e se efetivou o título definitivo de reserva indígena, embora com uma defasagem
de 61 hectares com relação ao proposto pelo decreto.
Segundo Silva (2001 apud TROQUEZ, 2002), os próprios índios dividiram a área,
com ajuda de um engenheiro da Fundação Nacional do Índio, em lotes de mais ou menos 6 a
8 hectares por família. Como a população da época era de 548 índios, sobravam lotes, o que já
não acontece hoje em dia. Pois, no momento do casamento de um filho, o lote é subdividido
para o sustento de mais uma família que se forma, conforme Darrault-Harris e Grubits (2000,
p. 12), relataram:
As novas condições de vida, a que a tribo está sujeita há alguns decênios,
provocam o fracionamento da família-grande e, concomitantemente, a
substituição da casa grande por algumas cabanas do tipo caboclo, mais ou
menos próximas umas das outras.[...] ao contrário das aldeias dos povos
indígenas do Brasil central, com suas casas geometricamente dispostas em
círculos, em torno de um pátio cerimonial, a aldeia Araweté, grupo Guarani
estudado por Viveiros de Castro, 1986, dá a impressão inicial de um caos, o
que ilustra a organização do referido grupo, de um modo geral.
42
Esse pode ser considerado um dos maiores problemas da comunidade, pois se os
espaços de plantio são insuficientes, a família não consegue se manter e passa a arrendar a
terra para os fazendeiros, restando aos homens da família sair da aldeia para trabalhar nas
usinas de álcool, tanto do município de Naviraí-MS quanto de Nova Alvorada do Sul-MS e
Rio Brilhante-MS, permanecendo lá, aproximadamente, por três meses.
Segundo Darrault-Harris e Grubits (2000, p. 112), o fato do homem ter que se ausentar
em busca de sustento, vem acontecendo desde a época dos ervais:
A economia, deixando de ser auto-suficiente, obriga o homem a sair da
aldeia e trabalhar nos ervais, a fim de ganhar o dinheiro de que precisa para
obter tantas coisas consideradas indispensáveis e que somente a civilização
lhe pode proporcionar. Pelo fato de cada adulto isoladamente ganhar seu
dinheiro, segundo os serviços que presta aos patrões, rompe-se a primitiva
produção original.
Como na cultura Guarani-Kaiowá o casamento ocorre em um período bem precoce do
desenvolvimento, sendo entre 14 e 15 anos para a mulher, ou antes, assim que entrar na
puberdade, e 16 e 17 anos para os homens, muitos desses rapazes acabam indo para as usinas
e nunca mais voltam à aldeia. As jovens índias sem o marido para ajudá-las na criação e
sustento dos filhos, geram um quadro social difícil. Muitas vezes essa mulher torna-se
“pedinte” na cidade, praticando a mendicância. Em alguns casos, mesmo quando o marido
volta para casa, encontra sua família em péssimas condições, tanto em relação à saúde em
geral quanto em relação à pobreza e fome.
Troquez (2002), além da questão da fome, descreve um outro agravante da atual
situação desse povo, que diz respeito ao contato que os índios têm com os não-índios no
trabalho das usinas de cana, assimilando hábitos e vícios que têm trazido severos prejuízos à
comunidade Guarani-Kaiowá, resultando em alcoolismo, aumento de doenças sexualmente
transmissíveis, violência e o uso de drogas, agravado pelo fato peculiar desta reserva ser
muito próxima da cidade. A FUNAI, tem efetuado tentativas de controlar esta situação. Uma
delas é bloqueando a entrada de pessoas estranhas na reserva, só permitindo a entrada de
pessoas autorizadas pelo órgão. Os jornais têm denunciado que a situação em relação ao
tráfico de drogas dentro da reserva já é de grandes proporções.
A falta de recursos básicos, de espaço para o plantio de agricultura de subsistência tem
levado os índios a adoecerem por desnutrição, desidratação, tuberculose e diarréia ou por
doenças mais comuns nesta comunidade. Mesmo com as ações da Fundação Nacional da
43
Saúde (FUNASA), órgão responsável pela saúde indígena desde 1990, por meio de ações
sociais como distribuição do leite em pó, e da multimistura, ainda assim a situação é grave,
tendo em vista que a ala da desnutrição infantil, um anexo do Hospital da Missão Caiuá
localizado próximo à aldeia, conserva sempre todos os seus leitos lotados, denunciando um
quadro de poucos recursos. Algumas explicações da FUNASA, para justificar o quadro da
desnutrição infantil, versam sobre as questões de saneamento básico, o que faria a criança
adoecer com sintomas de diarréia e vômito e chegar ao hospital com o quadro desnutrição,
não causada pela fome, mas pelas condições do local.
Outra questão que merece destaque, em se tratando de particularizar a referida
população, diz respeito ao suicídio. Segundo Darrault-Harris e Grubits (2000), os suicídios
ocorrem efetivamente na população jovem, sendo realizado na maioria das vezes, por
enforcamento com corda grossa, cinto ou cipó, atado a uma árvore ou uma viga.
Várias são as tentativas de explicação para essa problemática: fatores sociais,
culturais, econômicos e políticos, a própria sujeição do índio ao capitalismo e não mais à
exploração dos recursos naturais. Além disso, a distorção de sua cultura por meio do contato
indiscriminatório com os não-índios e até mesmo a entrada nas aldeias de outras religiões,
fazendo com que percam seus referenciais, sua identidade e sintam-se confusos. Há ainda
autores que citam o suicídio como um ato de heroísmo ou mesmo de insanidade mental.
Como esta pesquisa não tem por intuito averiguar tal questão, mas apenas especificar os
problemas da população, não deter-se-á neste assunto.
A estrutura política das aldeias é centrada na pessoa do capitão, título dado ao líder da
comunidade. Na aldeia Jaguapiru, a escolha do líder acontece por meio de um processo
democrático de eleição, enquanto que na aldeia Bororó ocorre a nomeação do capitão,
indicada pelos membros da comunidade, associada a aspectos culturais. No caso do atual
capitão da reserva Bororó, seu sogro é quem lhe deixou o cargo.
Segundo Darrault-Harris e Grubits (2000), a cultura Guarani é de forte orientação
masculina, tanto em relação à religião, quanto em relação às questões de organização social e
política. Percebe-se que muitos são os conflitos existentes, alguns característicos de toda a
população indígena, independente da reserva a que pertencem, decorrentes, conforme
apresentado, pela história da própria política nacional e outros bem peculiares à realidade
local.
44
Sou um só, mas sou único.
Não posso realizar tudo, mas posso fazer
alguma coisa.
E, por ser incapaz de tudo, não vou recusar o
pouco que posso fazer.
(Edward E. Halle, 1822-
1909)
45
3 OBJETIVOS
46
3.1 OBJETIVO GERAL
Realizar um estudo de caso com quatro crianças de 9 anos de idade, sendo três do sexo
feminino e uma do sexo masculino, da etnia Guarani-Kaiowá, da reserva indígena Bororó no
município de Dourados-MS, enfocando a influência das relações familiares e culturais no
ajustamento da criança ao ambiente escolar.
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Identificar quais os aspectos culturais relacionados com as atividades infantis, normas
e crenças, contidos nos processos de socialização primário e secundário.
Caracterizar a representação social da infância e coletar dados sobre a formação da
personalidade da criança na escola, bem como nas famílias estudadas.
Reunir subsídios e informações relevantes que possam contribuir para discussões e
reflexões sobre o ajustamento da criança indígena e não indígena ao ambiente escolar.
47
Felicidade é crescer tendo ciência e
consciência do que acontece em seu entorno.
(
Sérgio de Souza Barros)
48
4 QUESTÕES METODOLÓGICAS
49
Nesta pesquisa qualitativa, por meio da realização de um estudo de caso, buscou-se
caracterizar a relação da criança com os familiares, principalmente com a mãe, no intuito de
analisar as especificidades da cultura e educação Guarani/Kaiowá para a formação do
indivíduo e a repercussão dessa formação, observada no comportamento da criança indígena
no âmbito escolar.
Quanto ao método qualitativo de pesquisa, Grubits e Darrault-Harris (2004) citam-no
como uma forma de pesquisa que vai além das manifestações imediatas ou de dados isolados,
buscando o sentido oculto, ultrapassando as aparências para alcançar a essência dos
fenômenos.
Para Chiazotti (1991 apud GRUBITS; DARRAULT-HARRIS, 2004), na abordagem
qualitativa existe uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito da investigação.
Pesquisador e pesquisado assumem uma relação dinâmica. Também para Bogdan e Biklen
(1998 apud GRUBITS; DARRAULT-HARRIS, 2004), o significado que os indivíduos dão às
coisas e às suas vidas são focos de atenção especial, o que supõe o contato direto e
prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação investigada. A preocupação com o
processo é maior que a preocupação com o produto, em que o interesse do pesquisador ao
estudar determinado problema é verificar como este se manifesta nas atividades,
procedimentos e interações cotidianas.
Para Trivinõs (1987 apud GRUBITS; DARRAULT-HARRIS, 2004, p. 108), o
pesquisador se envolve na vida da comunidade, com todos seus fenômenos essenciais e
acidentais, porém em uma ação disciplinada orientada por princípios e estratégias gerais,
sendo toda a atividade marcada por traços culturais peculiares;
O ambiente, o contexto no qual os indivíduos realizam suas ações e
desenvolvem seus modos de vida fundamentais, tem um valor essencial para
obter das pessoas uma compreensão mais clara de suas atividades. [...] O
meio, com suas características físicas e sociais, confere aos sujeitos traços
que são percebidos pelo entendimento dos significados que ele estabelece.
Portanto, as tentativas de compreender a conduta humana, isolada do
contexto no qual se manifesta, criam situações artificiais que prejudicam
uma visão mais fidedigna da realidade, podem levar a enganos, à elaboração
de postulados inadequados e interpretações equivocadas.
Assim, entende-se o método qualitativo como sendo a forma mais adequada para a
realização do referido estudo de caso. Porém, como citado por Grubits e Darrault-Harris
50
(2004), torna-se importante não perder de vista o objeto de estudo e suas formas peculiares de
relacionamento.
O estudo de caso, segundo Chizotti (1991, p. 102), é uma caracterização de pesquisa,
que tem como método a coleta e registro de dados de um ou vários casos a fim de ordenar o
relatório crítico de uma experiência:
O caso é tomado como unidade significativa do todo e, por isso, suficiente
tanto para fundamentar um julgamento fidedigno quanto propor uma
intervenção. É considerado também como um marco de referência de
complexas condições socioculturais que envolvem uma situação e tanto
retrata uma realidade quanto revela a multiplicidade de aspectos globais,
presentes em uma dada situação.
O autor, acima citado, diz que o desenvolvimento do estudo de caso, supõe três fases:
o primeiro é a delimitação do caso, que deve precisar os aspectos e os limites do trabalho para
reunir informações sobre um campo específico e fazer análise dos objetos definidos a partir
dos quais se possa compreender uma situação; o segundo momento é o trabalho de campo que
visa a organizar e reunir um conjunto de informações; e o terceiro momento é a organização e
redação do relatório, tendo como objetivo, apresentar os múltiplos aspectos que envolvem um
problema, mostrar sua relevância, situá-lo no contexto que acontece e indicar as
possibilidades.
Iniciaremos com a apresentação dos procedimentos e a técnica que foram utilizadas na
delimitação dos casos, bem como dos demais aspectos do trabalho como as autorizações para
a pesquisa, coleta de dados, registros e análise.
4.1 OS PROCEDIMENTOS E A TÉCNICA
Em um primeiro momento realizaram-se visitas para conhecimento do local, e contato
prévio com as autoridades, buscando solicitar autorização para a realização da pesquisa.
A pesquisa iniciou-se na escola para a seleção e posteriormente para a observação das
quatro crianças, tanto em sala de aula quanto no momento de atividades ao ar livre (na aula de
Educação Física e no intervalo), visando, assim, a averiguar o comportamento dessas crianças
em todos os momentos da escola – inclusive nos momentos de atividades não dirigidas.
51
As observações priorizaram aspectos de relacionamento social entre as crianças,
comportamentos, brincadeiras mais freqüentes e aspectos emocionais. Paralelamente, essas
crianças foram examinadas em seu ambiente familiar, incluindo os mesmos aspectos
verificados na escola e visando, também, a observar o relacionamento dos familiares com a
criança, principalmente o relacionamento desta com sua mãe.
Toda a pesquisa em campo foi registrada por escrito, para que a partir desses registros
e da revisão bibliográfica pudéssemos fazer o roteiro de entrevista. Realizou-se entrevista
semi-aberta com professores, visando a averiguar aspectos pertinentes à referida cultura e/ou
às próprias crianças. Entrevista semi-aberta com as mães e familiares, na própria residência de
cada criança e, como citado anteriormente, em apenas um caso na escola. Todas foram
gravadas em fita k-7 e transcritas na íntegra.
As entrevistas priorizaram aspectos característicos do meio familiar e cultural, visando
desde à gravidez, ao nascimento e desenvolvimento da criança, métodos de educação que
seriam próprios da referida comunidade indígena, fazendo com isso um paralelo entre essas
especificidades próprias da cultura para a formação da personalidade da criança indígena, que,
provavelmente, repercutem no comportamento dessa criança na escola.
4.2 FORMA DE ANÁLISE
Mediante o material colhido, buscou-se fazer uma análise qualitativa de relatos e falas
agrupados por temas selecionados, visando a entender e interpretar a significação dos
fenômenos em foco, buscando determinar por meio dos significados como se dá o processo de
formação da personalidade e da educação da criança indígena Guarani-Kaiowá e suas
especificidades culturais, revelado no posterior comportamento em ambiente escolar.
Os temas para análise foram selecionados visando a contemplar os objetivos propostos
e para a interpretação dos dados foram utilizados preceitos de compreensão da psicologia
social, de estudos sobre esta população indígena, associando a isso discussões sobre a cultura
local.
52
4.3 AS CRIANÇAS SELECIONADAS
Foram selecionadas quatro crianças da etnia Guarani-Kaiowá, sendo três crianças do
sexo feminino e uma criança do sexo masculino, todos apresentando 9 anos de idade no
momento da pesquisa. Destas quatro crianças, três moram com o pai legítimo e uma não, mas
todas residem com a mãe, na reserva indígena Bororó e estão regularmente matriculadas na
escola municipal do Augustinho, do município de Dourados-MS.
Inicialmente, a intenção era encontrar as crianças com características definidas para a
escolha dos participantes: ter 9 anos de idade, residir com a mãe e não ter problemas
orgânicos ou físicos. Apenas quatro crianças apresentavam as referidas características.
4.4 O LOCAL DE REALIZAÇÃO DA PESQUISA
A pesquisa de dados em campo realizada na reserva indígena Bororó, priorizou alguns
locais especificamente: a Escola; as residências; mas também foram coletadas informações
em conversas formais e informais na própria comunidade.
4.4.1 A escola
A Escola Municipal Indígena do Agustinho era apenas uma extensão da Escola
Municipal Tengatui-Maracatu
7
até o início de 2005. A partir de janeiro de 2005 foi promovida
à escola, porém ainda com recursos muito escassos, tanto em relação aos recursos de uso
permanente quanto os de uso cotidiano ou materiais de expediente.
Está localizada na reserva indígena Bororó, a 8 km da cidade. Sua população é
Guarani, subdividida em Gurarani-Nhandeva e Guarani-Kaiowá e Terena, porém com quase
que total predominância do Guarani-Kaiowá (FIGURA 3-4).
7
A escola Municipal Indígena Tengatui Maracatu, é a maior escola da reserva indígena Jaguapiru e Bororó. E
considerada a escola modelo da reserva.
53
FIGURA 3 - Escola Municipal Indígena do Agustinho, localizada na reserva indígena Bororó –
blocos.
Fonte: Adriana Rita Sordi Lino, 2006.
FIGURA 4 - Escola Municipal Indígena do Agustinho, localizada na reserva indígena Bororó –
entrada principal.
Fonte: Adriana Rita Sordi Lino, 2006.
54
4.4.2 As residências
Reunimos observações realizadas nas quatro moradias das crianças participantes da
pesquisa, localizadas na Reserva, próximas à escola, tornando fácil acesso a ambos os locais
(FIGURA 5).
FIGURA 5 - Moradia de uma das crianças participantes da pesquisa, localizadas na Reserva.
Fonte: Adriana Rita Sordi Lino, 2006.
4.5 QUESTÕES ÉTICAS
Em relação às questões éticas, sabe-se que a pesquisa com seres humanos demanda
alguns aspectos éticos fundamentais. Neste sentido, este estudo cumpriu todas as exigências
da Resolução n. 196/1996, da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), cuja área
temática diz respeito à população indígena, sob Registro n. 12.066, na CONEP, Processo n.
25000.093492/2005-12.
Cumprimos também, todas as exigências da Resolução n. 016, de 20 de dezembro de
2000, do Conselho Federal de Psicologia (CFP), a qual tem a atribuição de complementar a
Resolução CONEP n. 196/1996.
55
Obteve-se a permissão da FUNAI, para a realização desta pesquisa, bem como foram
assinadas todas as declarações de consentimento livre e esclarecida, informando e
esclarecendo sobre a participação voluntária, os objetivos, os procedimentos e o uso das
informações coletadas, inicialmente pelo capitão da reserva indígena Bororó, depois pelos
responsáveis da escola municipal do Agustinho e pelos professores participantes da pesquisa
8
.
Também faz-se necessário esclarecer que todos os responsáveis legais, no caso as
mães das crianças participantes da pesquisa, assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (APÊNDICE A), informando e garantindo que a participação é voluntária, que
foi informada e entendeu com clareza os objetivos, os procedimentos da pesquisa e o uso das
informações coletadas. Às crianças foi informada em linguagem acessível sobre sua
participação, sobre os objetivos, os procedimentos e sobre as informações coletadas, aque
concordaram em participar da pesquisa.
Em favor das questões éticas em pesquisa com seres humanos, alguns cuidados foram
tomados em relação ao sigilo. Um desses cuidados, versa sobre o sigilo em relação aos
participantes da pesquisa. Desse modo, os nomes das crianças bem como dos pais foram
preservados, sendo usados para a identificação apenas números.
8
Houve autorização para a divulgação das imagens apresentadas neste trabalho.
56
O procedimento é um espelho em que cada
um mostra a sua própria imagem. (
Goethe)
57
5 RESULTADOS E ANÁLISES
58
Neste capítulo faremos a exposição dos resultados obtidos, diante das observações,
dos contatos e experiências na reserva, na escola e nas casas, bem como das especificidades
culturais das famílias e das crianças. Posteriormente agruparemos as entrevistas de acordo
com os temas selecionados na literatura, a fim de corroborar ou não os fatos levantados.
5.1 CONTATOS E EXPERIÊNCIAS NO LOCAL DA PESQUISA
Durante o ano de 2005, freqüentamos a Escola Municipal Indígena do Agustinho,
quinzenalmente, às quintas-feiras, sempre no período matutino, como voluntária, a fim de
prestar serviços como psicóloga, auxiliando a coordenação e alguns professores. Situação em
que procuramos também coletar dados de observação.
Assim, em uma dessas visitas à Reserva de Dourados, observou-se o relato de uma
mãe indígena quanto ao relacionamento mãe/criança, na qual algumas peculiaridades dessa
população no que diz respeito à cultura familiar foram constatadas. Uma destas
peculiaridades, dizia respeito ao modo pelo qual a mãe indígena Guarani-Kaiowá chama a
atenção de seu filho, que passo a descrever a seguir: a mãe senta-se no chão, junto à criança,
provavelmente em posição de igualdade, ou seja, o olhar de ambos devem estar em um
mesmo nível, a criança deve ver os olhos da mãe de igual para igual, nem visto de cima, nem
de baixo, mas paralelo ao seu olhar. Além disso, é explicado à criança o que ela não pode
fazer, sem nenhuma alteração da voz, até o momento em que a criança entenda o que está
sendo pedido a ela.
Esta descrição é, entretanto, apenas um exemplo da observação de peculiaridades
culturais que se buscou averiguar na pesquisa em outra ocasião. Entendendo esse fragmento
de observação aqui descrito, como especificidade da educação e/ou socialização primária
recebida pela criança indígena da referida etnia estudada, é por meio dessas particularidades
que buscaremos fazer o paralelo dessa educação recebida na família com a educação
demonstrada na escola, ou seja, na socialização secundária da criança Guarani-Kaiowá.
Dessa forma, também participamos de algumas comemorações realizadas na escola,
como a festa do Dia do Índio, do Dia das Mães e do Dia das Crianças. Estas participações
foram de grande importância, pois, queríamos conhecer melhor aquela comunidade e também
a realidade a que estava disposta a pesquisar.
59
5.1.1 Dados sobre a reserva indígena Bororó
Participamos como voluntária do censo realizado pela Secretaria de Educação do
município de Dourados, quando a convite das coordenadoras da escola, visitamos algumas
residências aleatoriamente. Ao todo foram 20 moradias, verificando e certificando-me de
alguns aspectos apenas vistos nas bibliografias pesquisadas, tendo assim contato direto com a
realidade da reserva indígena Bororó e com a sua comunidade, que passamos a descrever a
seguir.
As residências localizadas próximas à Escola Municipal Agustinho foram divididas
em regiões, ao todo 30 regiões. Cada uma com cerca de 10 a 20 residências. Os professores
foram divididos por região, sempre com um auxiliar que poderia ser aluno maior de 13 anos
ou pai de aluno que falasse a língua Guarani-Kaiowá e assim servisse de intérprete nas
entrevistas.
No questionário da Secretária de Educação existiam algumas questões, na maioria
objetivas, como: nome do entrevistado, quantidade de pessoas residentes na casa, tipo de
moradia, benfeitorias: água encanada e luz elétrica, número de crianças que freqüentam a
escola, interesse em cursos profissionalizantes, como padaria, corte e costura, cabeleireiro,
informática, secretariado, etc., ocorrência na residência de alguma criança com problemas
especiais e se esta estaria freqüentando a escola, a renda média da família e a quantidade de
pessoas que trabalham, recebimento de benefícios do governo, como Bolsa Escola, Programa
de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), programa de distribuição de cesta básica de
alimentos do governo Federal – Segurança Alimentar, Instituto Nacional de Serviço Social
(INSS), etc.
A maioria das moradias era de alvenaria com luz elétrica e água encanada, se não
dentro da casa, pelo menos o encanamento chegava até o lado de fora. Em todas as
residências foram encontradas (em média) mais de 3 crianças por família, na faixa etária de 6
a 12 anos e matriculadas na escola. As menores de 6 anos não estavam matriculadas e as
maiores de 12 anos, na maioria dos casos, encontravam-se fora da escola.
Na região que percorremos havia apenas uma menina de 16 anos que estava na 6ª série
e nossa intérprete de 18 anos, aluna matriculada na 5ª série do ensino fundamental. Em várias
residências que visitamos, as meninas de 14, 15, 16 e 17 anos não estavam freqüentando a
60
escola, pois já se encontravam grávidas ou com bebês de colo, morando próximas à residência
dos pais do esposo.
Outra questão observada, foi que os homens, por falta de terra para o plantio, buscam
o sustento da família, procurando serviço nas usinas de Rio Brilhante, Maracaju e Naviraí,
ficando a mãe em casa com seus filhos pequenos, ou mesmo a jovem já grávida à espera do
retorno do esposo.
A renda média fica em torno de um salário mínimo, às vezes mais, sendo que na
maioria dos casos, só o homem se encontrava trabalhando. Apenas em duas residências a
mulher trabalhava, em ambos os casos, como funcionárias das escolas da reserva.
Um fato que ficou evidente foi a questão do desemprego. Em várias residências
nenhum dos cônjuges estava empregado. Questionados quanto à renda, disseram não possuir
renda alguma. Em relação ao tipo de ajuda do governo, apenas citaram a Segurança
Alimentar, justificando que a distribuição só está acontecendo nos últimos meses devido ao
escândalo em nível nacional e até internacional da desnutrição infantil. Anteriormente às
mortes por desnutrição, havia total descaso do governo em relação a estes benefícios. Quanto
aos cursos profissionalizantes, todos acharam a idéia boa, escolhendo entre informática,
padaria, cabeleireiro e corte e costura. Não foi encontrado nenhum caso de criança portadora
de necessidades especiais.
Com relação à língua Guarani-Kaiowá, todos os entrevistados foram unânimes em
responder que na residência todas falam a língua materna. O uso constante nesta reserva da
língua Guarani é controvertido, quando relacionado à aprendizagem escolar. É contraditório a
escola ensinar em língua Portuguesa, idioma ao qual a criança não está familiarizada,
dificultando assim sua aprendizagem. Essa questão será melhor discutida no item 5.1.3.
Em todos as casas fomos bem recebidos. Apenas em uma residência, uma jovem
adolescente de 16 anos, que se encontrava grávida, não quis nos receber, pois o esposo não se
encontrava, estava trabalhando na usina de Naviraí. Na residência ao lado, pertencente aos
pais do esposo, dispuseram-se a responder todas as questões do censo.
As visitas nos levaram à constatação de que esta população, em relação à questão
socioeconômica, sofre de privação de recursos, escassez de benefícios e carência tanto
alimentar quanto de outros serviços. O espaço de plantio é pequeno. As únicas plantações
61
visualizadas foram mandioca, milho e alguns pés de banana. Não há matas, nem rios, apenas
algumas represas, onde tivemos a oportunidade de observar crianças brincando na água pela
manhã. Também ficou evidente a proximidade das crianças aos adultos, não sendo reprimidas
quanto à participação nas conversas, nem quanto às brincadeiras ou ao barulho, brincam
sempre em grupos de duas ou mais crianças, com folhas, pauzinhos e pedrinhas, ou ainda no
jogo de imitação dos adultos. Quando chegávamos, elas vinham ver o que estava acontecendo
e em nenhum momento, percebemos uma repreensão solicitando que elas se retirassem,
mesmo quando o assunto dizia respeito ao suicídio. Em uma das residências conversando com
um menino, a primeira coisa que nos contou foi que o irmão mais velho havia sido encontrado
morto com uma corda no pescoço bem próximo dali, apontando para uma mata a uns 400
metros de distância.
Todos essas observações foram importantes para o desenvolvimento da pesquisa,
facilitando muito o acesso ao material colhido, pois já me encontrava familiarizada com a
reserva, com algumas famílias, com todos os funcionários da escola, sendo muitos da própria
comunidade local.
5.1.2 Dados sobre as casas
Descrição das residências das quatro crianças participantes da pesquisa:
Residência 1:
Em relação ao ambiente físico, constatou-se que a residência é simples, de alvenaria,
sem reboco, de chão batido. Tem três cômodos, sendo uma cozinha e dois quartos. Tem pouca
mobília, basicamente o necessário, um fogão à lenha de alvenaria, mesa, bancos, rede e
camas. O banheiro que eles denominam de “casinha”, fica localizado do lado de fora da
residência. De ambos os lados da casa havia uma roça de milho, que servia de subsistência
para aquela família e ao fundo uma pequena reserva de árvores.
Na residência moram doze pessoas, os pais da criança e dez filhos. A criança
participante da pesquisa é a 5ª filha do casal. No momento da entrevista, apenas quatro
crianças encontravam-se na casa, um bebê de 10 meses, dois meninos de 2 e 4 anos, e uma
menina de 5 anos; o restante encontrava-se na escola.
62
Residência 2:
Em relação ao ambiente físico, pôde-se constatar que a residência é simples, parte de
alvenaria, sem reboco, e parte de madeira, de chão batido. Tem três cômodos, uma cozinha
que além do fogão a lenha, tem uma mesa e uma prateleira com utensílios de cozinha,
algumas cadeiras e mais dois cômodos com colchões e redes. O banheiro também está
localizado na parte externa da residência. De ambos os lados ao fundo da casa, a terra estava
sendo preparada para a roça.
Na residência moram doze pessoas, os pais da criança, sete filhos legítimos e três
crianças adotivas. A criança participante da pesquisa é a 7ª filha legitima do casal. No
momento da entrevista, apenas as três crianças que a família cuida encontravam-se na casa.
Residência 3:
Em relação ao ambiente físico, como nas demais residências visitadas, a simplicidade
comum já encontrada, construção de alvenaria, sem reboco. Uma residência de três cômodos,
uma cozinha e dois quartos. Pouca mobília; um fogão a gás, mesa, cadeiras e alguns bancos,
camas, armário, sofá e aparelho de televisão. O banheiro esta localizado dentro da residência.
O pai da criança morreu acometido de tuberculose. Esta é das mães, a mais nova entrevistada
até o momento.
Na residência moram sete pessoas, a mãe da criança com seu novo companheiro, cinco
filhos. A criança mais nova, ainda bebê, é filha do novo marido. A criança participante da
pesquisa é o 3º filho do primeiro casamento da mãe. No momento da entrevista, apenas duas
crianças estavam em casa, uma de dois anos, que brincava com outra criança mais velha de
aproximadamente 3 anos de idade e o bebê.
Residência 4:
Inicialmente não foi realizada a entrevista nesta residência, pois, por duas vezes não
encontramos ninguém em casa. Resolvemos então realizar a entrevista na escola e
posteriormente visitar a residência da criança.
63
Em visita a esta residência constatamos que era aparentemente a mais humilde das
casas visitadas. Sua construção é parte de madeira e parte de lona, tendo ao fundo uma
varanda coberta de sapé. A residência tem três cômodos, um que serve de cozinha e outros
dois de quartos, o banheiro esta localizado fora da casa. Na mobília somente o necessário,
como fogão à lenha, utensílios de cozinha, bancos, camas, redes e aparelho de televisão.
De ambos os lados da casa muitas plantas como chás, ervas e outras, algumas árvores.
A terra estava sendo preparada para a roça. Na residência moram sete pessoas, o casal, quatro
filhos do casal e uma filha do primeiro casamento do esposo. A criança participante da
pesquisa é a 3ª filha do casal. No momento da visita encontravam-se em casa os pais, um
menino de 11 anos e a criança número 4. Ambos sentaram-se junto aos pais, permanecendo
como ouvintes da conversa.
5.1.3 Dados sobre a escola
A Escola Municipal Indígena do Agustinho, atende alunos do pré à 5ª série do ensino
fundamental, com idades que variam de 5 a 17 anos. Possui atualmente (dados colhidos no
final de 2005), 305 alunos matriculados. Esse número oscila chegando a 320 alunos, pois
alguns não estão regularmente matriculados por falta de documentação, apesar de
freqüentarem as aulas.
Em relação aos aspectos físicos, possui 12 salas de aula, banheiros, cozinha, sala de
professores, que serve também de biblioteca, secretaria, sala dos coordenadores. Porém, no
tocante aos aspectos organizacionais a escola não tem direção, apenas duas coordenadoras,
uma por turno (matutino e vespertino), exercendo também a função de professoras em
períodos alternados com a coordenação. Em seu quadro de funcionários constam 18
professores, sete professores indígenas e onze não indígenas, além de uma cozinheira, um
auxiliar, duas faxineiras, um zelador de pátio e dois guardas. A língua usada na escola é
somente o português, ao contrário da escola Tengatui-Maracatu, que utiliza o modelo bilíngüe
de ensino, com as línguas Guarani e Português. É a única das cinco escolas da reserva que
utiliza tal modelo. As demais utilizam como modelo de aprendizagem apenas o português.
Neste sentido, existe uma peculiaridade local, observada na pesquisa e também citada
pelos professores, pois a própria população se divide quanto à opinião em relação ao modelo
64
bilíngüe. Alguns indígenas têm resistência em aceitar o ensino na língua materna Guarani-
Kaiowá, pois justificam que a língua materna não será necessária para o filho no decorrer da
vida acadêmica, ao contrário da língua Portuguesa, que acreditam ser essencial para a criança
freqüentar outra escola, sem dificuldades. Acontece que muitas vezes, a criança tendo
aprendido em casa apenas a língua materna, não entende os ensinamentos do professor em
língua portuguesa, gerando em decorrência disso problemas de aprendizagem em algumas
crianças. Essa resistência, segundo os professores, é também em relação ao professor
indígena, pois segundo estes, os próprios índios são preconceituosos e preferem que o
professor seja não índio, por acreditarem que o professor não índio é mais capacitado para
ensinar que os professores índios.
5.1.4 Outros dados significativos e interessantes colhidos em campo sobre a
cultura Guarani-Kaiowá
Para nossa surpresa, e também para os professores indígenas que residem na região,
verificou-se que no mapa do ano de 2000 existia por região, um número exato de residências,
porém esse número havia aumentado cerca de três vezes. Um exemplo disso é que na região
onde trabalhamos existiam no mapa anterior, 20 residências, porém a casa representada pelo
número 260, no mapa, na realidade já não era mais única, havia agora a 260A, 260B e 260C,
casas bem próximas ligadas por caminhos, pertencentes à família que foi crescendo,
denotando como os lotes foram sendo subdivididos conforme a família foi se expandindo,
mantendo a mesma numeração, pertencentes aos filhos que foram se casando e constituindo
suas famílias.
Segundo Schaden (1974 apud DARRAULT-HARRIS; GRUBITS. 2000, p. 112).
As novas condições de vida, a que a tribo está sujeita há alguns decênios,
provocam o fracionamento da família-grande e, concomitantemente, a
substituição da casa grande por algumas cabanas do tipo caboclo, mais ou
menos próximas umas das outras.[...] ao contrário das aldeias dos povos
indígenas do Brasil central, com suas casas geometricamente dispostas em
círculos, em torno de um pátio cerimonial, a aldeia Araweté, grupo Guarani
estudado por Viveiros de Castro, 1986, dá a impressão inicial de um caos, o
que ilustra a organização do referido grupo, de um modo geral.
Confirmando a citação acima que, nesta reserva indígena a população tenta por meio
65
da divisão dos lotes, manter a estrutura social da família, e assim, o modo de ser Guarani,
buscando, preservar suas raízes culturais, corroborando a descrição dos autores citados
anteriormente.
Outro fator interessante é que sempre o filho homem permanece próximo aos pais, fato
constatado em três dessas residências, pois os esposos dessas jovens estavam trabalhando nas
usinas de Naviraí e Rio Brilhante, e elas se encontravam sozinhas, em suas residências,
localizadas sempre muito próximas da residência dos pais do esposo. Inqueridas a esse
respeito, disseram que os homens para manter a família vão para a usina e permanecem por lá
de dois a três meses, não tendo data certa para o retorno. Alguns homens trabalham também
nas fazendas próximas dali.
Os homens por falta de terra para o plantio, partem em busca de trabalho nas usinas de
Rio Brilhante, Maracaju e Naviraí, para manter o sustento da família. A mãe com seus filhos,
ou à jovem grávida ficam em casa à espera do esposo. Assim, é a mulher que assume a
responsabilidade de sustentar os filhos até o retorno desse homem, ou seja, aproximadamente
por um período de 2 a 3 meses, o que a obriga, dada as dificuldades, muitas vezes à prática da
mendicância na cidade de Dourados. Além disso, quando o homem retorna para casa,
encontra sua família muitas vezes doente e ele, também, tendo adquirido o vício do álcool e
das drogas, no convívio com os não índios.
Em concordância com Darrault-Harris e Grubits (2000), no momento em que a
economia nas reservas deixou de ser auto-suficiente, o homem viu-se obrigado a sair e
trabalhar fora desses domínios, a fim de ganhar o dinheiro de que precisa e que somente a
civilização lhe pode proporcionar. Primeiro, conforme relatado pela história, vai trabalhar nos
ervais e, atualmente, nas usinas de álcool e nas fazendas da região.
5.1.5 Dados sobre as crianças escolhidas (dados coletados em campo, na
escola e junto da família)
As crianças indígenas riem, brincam, fazem gracejos como qualquer outra criança
índia ou não índia, porém o grau de tolerância dos adultos é bem maior, não se irritam com
facilidade, não mandam que parem, nem que se retirem. Outra questão que chamou a atenção
nas crianças indígenas é o fato de não terem muito clara a noção de idade, que a população
66
não índia leva tanto em consideração. A mãe indígena não se lembra direito nem da sua idade,
nem da de suas crianças, ocorrendo o mesmo com as próprias crianças, quando inquiridas
sobre o assunto.
Segue abaixo a descrição de cada criança e sua família.
Criança 1:
A criança 1 é do sexo feminino, nascida de parto normal na reserva de Dourados-MS.
É filha legítima, a quinta filha de dez irmãos. Estuda na 3ª série da Escola Municipal Indígena
do Agustinho. Senta-se na primeira fileira ao lado de uma colega também participante da
pesquisa. É uma criança tranqüila, dócil e muito sorridente. Um pouco tímida, ao contrário da
colega que senta ao seu lado e é também participante da pesquisa e é bem extrovertida.
Durante todo o tempo de observação, permaneceram brincando, fazendo gracejos e rindo,
porém, ao pedido do professor de silêncio obedeceram imediatamente.
Criança 2:
A criança 2 é do sexo feminino, nascida de parto normal na reserva de Dourados-MS.
É filha legítima, a mais nova de sete irmãos. Estuda na 3ª série da Escola Municipal Indígena
do Agustinho. Senta-se na primeira fileira ao lado de uma colega também participante da
pesquisa. É uma criança tranqüila, dócil, muito curiosa, ri e conversa bastante. Foi a primeira
criança que veio conversar comigo. Queria saber o que eu ia ficar fazendo ali. Contou que
mora com os pais e que gosta de vir para a escola aprender e também brincar.
Criança 3:
A criança 3 é do sexo masculino, nascido de parto normal na reserva de Dourados-MS.
É o terceiro filho, o mais novo do primeiro casamento da mãe. Tem dois irmãos mais novos
do segundo casamento da mãe. Seu pai faleceu de tuberculose, quando ele era ainda bebê (9
meses). Estuda na 3ª série da Escola Municipal Indígena do Agustinho, sentando-se na
terceira fileira ao lado de outro garoto. É uma criança tímida, quando ri abaixa a cabeça.
Muito inteligente, participativo nas aulas, principalmente nas de Matemática. Faz perguntas
ao professor e resolve todos os problemas da matéria.
67
Criança 4:
A criança 4 é do sexo feminino, nascida de parto normal na reserva de Dourados-MS.
É a terceira filha de quatro irmãos do casal. E a quinta filha do total de seis filhos da mãe.
Estuda na 3ª série da Escola Municipal Indígena do Agustinho, sentando-se na quarta fileira.
É uma criança tranqüila, dócil e um pouco tímida, mas quando questionada sobre algum
assunto, mostra-se comunicativa. No momento da visita a casa, mostrou-se bem mais
comunicativa do que na escola. Contou que gosta de brincar de boneca e das aulas de
Educação Física.
5.2 AS ENTREVISTAS
Foram realizadas, ao todo, quatro entrevistas em fevereiro de 2006, com duração
média de 1 hora cada, além de observações realizadas no decorrer do ano de 2005, período em
que a pesquisadora realizou o trabalho voluntário como psicóloga na Escola Municipal do
Agustinho, tendo a oportunidade de conhecer as crianças, o quadro de funcionários e algumas
pessoas da comunidade. O período de observação prosseguiu até o mês de junho de 2006.
Conforme procedimento escolhido, selecionadas as quatro crianças, das quais algumas
já tinham sido observadas no decorrer do ano de 2005, realizamos as entrevistas com as mães.
A seguir apresentaremos uma breve transcrição de cada entrevista, seguida de uma análise dos
depoimentos agrupados por temas relevantes, observados nas falas das mães ou na literatura
correspondente.
Entrevista 1:
No dia 9 de fevereiro de 2006, uma quinta-feira, às 9 horas da manhã, em companhia
da coordenadora da Escola Municipal do Agustinho, na reserva indígena Bororó, visitamos a
residência da criança 1. Tínhamos como objetivo realizar a entrevista com a família, observar
o relacionamento familiar, bem como os aspectos culturais.
Quando chegamos, avistamos o pai da criança na roça de milho e este ao nos ver, veio
ao nosso encontro. A mãe que estava dentro de casa também veio nos atender e trazia nos
braços um bebê. Como já havíamos conversado com os pais na escola, eles já sabiam que se
68
tratava da pesquisa e foram solícitos. Em seguida o pai trouxe um banco de madeira para que
nos sentássemos e conversássemos.
Na residência moram doze pessoas, os pais da criança e dez filhos. A criança
participante da pesquisa é a 5ª filha do casal. No momento da entrevista, apenas quatro
crianças encontravam-se na casa – o bebê de 10 meses, dois meninos de 2 e 4 anos, e uma
menina de 6 anos; o restante encontrava-se na escola.
Na oportunidade, pudemos constatar a proximidade das crianças com os pais e
também a intimidade do relacionamento. As crianças permaneceram todo o tempo ao nosso
redor, brincando de corre-corre, faziam gracejos uns com os outros e em nenhum momento,
aproximadamente duas horas de entrevista e observação, interromperam nossa conversa e
também não foram repreendidas pelos pais. No decorrer da entrevista, a mãe não teve
qualquer constrangimento em dar o seio para o bebê, que resmungava em seu colo a mamar.
Permaneceu todo o tempo com o bebê no colo e vez por outra, olhava, conversava e
levantava-o à sua frente.
O pai também permaneceu conosco, participou da entrevista e vez por outra dava sua
opinião, ou mesmo quando a mãe não entendia as questões, ele as esclarecia. Em todo o
momento percebi que o ambiente era harmonioso tanto em relação aos pais quanto em relação
aos filhos. Também pude constatar que em nenhum momento houve gritos, chamados e
repreensões, o que pode ser evidenciado também, em relação à fala dos pais na entrevista.
Encerramos a entrevista, agradecemos a oportunidade e ficamos de voltar em outro momento.
Entrevista 2:
No dia 16 de fevereiro de 2006, uma quinta-feira, às 9 horas da manhã, em companhia
do auxiliar da coordenação da Escola Municipal do Agustinho, na reserva indígena Bororó,
visitamos a residência da criança 2.
O pai da criança não estava em casa, apenas a mãe, lavando roupas. Ficou um pouco
resistente no início, com nossa presença. Quando perguntamos se gostaria que eu voltasse em
outro momento, ou quando seu esposo estivesse em casa, não sabia bem o que responder, mas
quando o auxiliar da coordenação a estimulou, dizendo que a pesquisa era para ajudar a
conhecer a própria cultura e que eu estava sempre na escola e que era conhecida de todos,
69
concordou em participar naquele momento. Convidou-nos para sentar, apontando para dois
tocos de árvore, a fim de conversarmos.
Na residência moram quatorze pessoas, os pais da criança, sete filhos legítimos e cinco
filhos “Guachos”
9
. Estas crianças são cuidadas por esta família, pois seus pais morreram. A
causa da morte foi suicídio. A criança participante da pesquisa era 7ª filha legítima do casal.
No momento da entrevista, apenas três das crianças que a família cria, encontravam-se na
casa.
Como na primeira entrevista, foi constatada a proximidade das crianças com a mãe,
pois, estas permaneceram todo o tempo ao nosso redor, brincando de corre-corre, faziam
gracejos uns com os outros e, em nenhum momento, interromperam nossa conversa e também
não foram repreendidas pela mãe.
Entrevista 3:
No dia 24 de fevereiro de 2006, uma sexta-feira, às 9 horas, em companhia do auxiliar
da coordenação da Escola Municipal do Agustinho, na reserva indígena Bororó, visitamos a
residência da criança 3.
Ao chegar na residência dessa criança, a mais distante visitada até aquele momento,
havia várias pessoas sentadas nos fundos da casa, entre estas, tios, sobrinhos da mãe
entrevistada e avó materna da criança, que só falava o Guarani. Em torno da residência, havia
outras casas, formando um aglomerado, ou seja, quatro residências muito próximas e ligadas
por caminhos, cercadas por várias árvores. Ao redor e por todos os lados, plantações de milho.
Na residência moram sete pessoas, a mãe da criança com seu novo companheiro, cinco
filhos, sendo que a mais nova, ainda bebê, é filha do novo marido. A criança participante da
pesquisa é o 3ª filho do primeiro casamento da mãe. O pai da criança, faleceu há 7 anos, de
tuberculose. Esta foi a mãe mais nova já entrevistada. No momento da entrevista, apenas duas
crianças estavam em casa, uma de 2 anos, que brincava com outra criança mais velha um
pouco, de aproximadamente 3 anos e o bebê, que permaneceu no colo da mãe durante todo o
tempo.
9
Guachos: denominação usada pelos indígenas da reserva para as crianças órfãs, que no caso de falecimento ou
abandono dos pais, são criadas por outra família que não a família biológica da criança.
70
Também nesta residência as crianças permaneceram por ali. O bebê de apenas três
meses no colo da mãe chorava e resmungava um pouco mais do que o da primeira entrevista e
a mãe, mesmo tendo várias pessoas ao seu redor, não solicitou a ninguém que a auxiliasse nos
cuidados para com ele. As demais crianças apesar de estarem por perto, não incomodavam e,
em nenhum momento, reclamavam atenção atrapalhando a entrevista.
Entrevista 4:
No dia 27 de fevereiro de 2006, uma segunda-feira, às 10 horas, realizamos a
entrevista de número 4, na própria escola, pois visitamos a residência da criança 4 por duas
vezes, e não encontramos ninguém em casa. Como naquele dia, a escola estava realizando
reunião de pais e filhos, resolvi fazer a entrevista na própria escola, a fim de agilizar a
pesquisa.
O pai da criança também estava no local e foi quem chamou a mãe para participar. A
mãe encontrava-se acompanhada por outras crianças, sendo seus quatro filhos legítimos e dois
apenas do esposo. Dentre os filhos do casal, havia uma criança de 6 anos, que a mãe me
mostrou, dizendo que no próximo ano freqüentaria a escola. Durante a entrevista a mãe
pareceu-me um pouco entristecida, talvez pelo fato de ter criado três filhos do esposo, que não
a obedeciam, fato que ela não aceita, referindo-se a esse assunto em vários momentos da
entrevista. Afirmava que mesmo os filhos que já haviam saído de casa e que são adultos a
obedecem, e os do marido não o fazem. O que de certa forma, pôde nos confirmar, o quanto
esse aspecto da educação dos filhos é importante para esta população, e quando isso não
ocorre, resulta em um sentimento de tristeza ou de menos valia, ou mesmo de impotência
diante da situação, gerando nos pais insatisfação.
Assim, no dia 8 de agosto de 2006, no período vespertino, passei inicialmente pela
escola e em companhia da criança 4 nos dirigimos à sua casa com o objetivo de observar
aspectos físicos e socioculturais daquela família,relacionamento entre pais, filhos e cônjuges.
Queria entender melhor o descontentamento da mãe em relação aos filhos do esposo.
Ao chegarmos a casa, o pai da criança estava sentado em um banco do lado de fora,
embaixo de uma árvore, vindo ao nosso encontro. Sua esposa que estava dentro de casa veio
também. Conversamos por cerca de uma hora, e como achei que o pai da criança estava muito
pálido e com emagrecimento notável, perguntei se estava acontecendo alguma coisa ou se
71
estava doente. Respondeu-me que estava muito doente, com diabetes e que por várias vezes
tinha saído de casa para ir ao hospital fazer exames, pois a doença manifestou-se no final do
ano anterior e a partir de então tudo se tornou muito difícil. Entendi naquele momento, porque
havia feito várias visitas à residência não encontrando ninguém no local, pois sempre que
saem levam junto os filhos menores e as filhas mais velhas encontravam-se na escola.
Verifiquei que ao redor da casa a terra estava muito seca e sem cultivo algum.
Questionado sobre o cultivo disse que não esta conseguindo trabalhar na roça. O pai
prosseguiu dizendo que estava com dificuldades para trabalhar e até para se alimentar. O
médico o proibiu de comer o que mais o alimentava a mandioca
10
. Além disso, na reserva
indígena, não há legumes e verduras para se fazer uma alimentação especifica para a situação.
Apontou-me uma horta, dizendo que ganhou da FUNASA sementes para plantar, mas como
criava algumas galinhas, precisava primeiro de uma tela para cercar a horta.
Neste momento perguntei para a mãe como estava, respondeu-me que cansada com a
situação, mas que estava contente, porque a prefeitura estava construindo outra casa para eles
morarem
11
. Assim fui conhecer a nova residência já em fase final de construção. Uma casa de
dois quartos, sala, cozinha e banheiro interno, coberta de telha, piso de cimento, etc. bem aos
moldes de casas da cidade.
Moram na casa, os quatro filhos legítimos do casal, uma menina de 6 anos, outra de 10
anos (a criança 4), um garoto de 11 anos e outra de 13 anos, e mais uma garota de 18 anos,
que é filha apenas do esposo. O pai me mostrou uma residência bem próxima onde mora um
filho seu de 21 anos já casado. O filho mais velho da esposa, também de 21 anos, casou-se e
foi morar na reserva de Caarapó, e o outro esta trabalhando na usina.
Perguntei a mãe sobre sua reclamação, na entrevista anterior, acerca da desobediência
dos filhos. Respondeu-me que os filhos dela nunca deram trabalho, mesmo os que já estavam
casados ainda a obedeciam. Disse que fica descontente com a filha do esposo que mora na
mesma casa, observando que a cria desde os 5 anos de idade, mas de uns tempos para cá,
muitas vezes, não quer obedecê-la. Afirma que, quanto aos outros filhos não tem problema
nenhum.
10
Na reserva indígena a cultura predominante é de milho e mandioca e mesmo a cesta de alimentos cedida pelo
governo é basicamente de alimentos com carboidratos.
11
No trajeto, antes de chegar nesta residência, percebi que várias casas que antes eram apenas “barracos de
lona”, foram mudadas e construídas no local casas de alvenaria com reboco tipo chapiscado.
72
Desta forma, verifiquei que o fato da filha, apenas do marido, não lhe obedecer, foge
completamente da questão estudada, pois além de não ser a mãe legitima, trata-se de uma
adolescente.
Passamos agora à análise qualitativa de relatos e falas, agrupados por temas, dos
aspectos encontrados, fazendo paralelo com a literatura.
5.3 ANÁLISE POR TEMAS SELECIONADOS
Em relação à quantidade de filhos, intervalo entre as gestações e idade para o
primeiro parto:
Dentre todas as entrevistas realizadas, a quantidade de filhos identificada foi de no
máximo dez e no mínimo cinco filhos: dez filhos a mãe 1; sete filhos a mãe 2; cinco filhos a
mãe 3, aliás a mãe mais nova; e seis filhos a mãe 4. Evidenciamos assim a tendência de uma
grande quantidade de filhos nessa população.
Nota-se, como se pode observar na literatura, a grande quantidade de filhos entre as
indígenas, fato apontado por Teves (1978), ao citar que a gravidez de uma maneira geral é
sempre bem recebida pelas indígenas. Parecem concordar que ter filhos é sempre bem aceito
por elas.
O intervalo médio entre as gestações ficou em torno de dois anos. A idade do primeiro
parto de 17 anos (mãe 1), 19 anos (mãe 2), 13 anos (mãe 3) e 23 anos (mãe 4), o que também
confirma a literatura consultada quando relata que o casamento na cultura Guarani,
normalmente acontece entre 13 a 14 anos para as meninas e 16 a 17 para os meninos. Em
nossa pesquisa apenas a mãe 4 teve seu primeiro filho com mais idade.
Em relação à troca de parceiros:
Ficou evidente a maior liberdade na troca de parceiros, pois das quatro entrevistadas,
apenas uma estava no primeiro casamento, as demais já se encontram no segundo casamento.
O motivo de três mulheres estarem no segundo casamento foi a morte dos esposos: uma por
suicídio; outra por doença (tuberculose); e outra por homicídio.
73
Para Schaden (1954), a alma do Guarani já nasce com potencial e qualidade e não se
preocupam com o desenvolvimento da natureza psíquica. Assim, a base da organização social
é a família grande. Desse modo, a criança não focaliza sua afetividade em uma única pessoa,
mas em muitas pessoas da família, pois vários adultos são responsáveis por sua educação. O
autor, atribui a isso a instabilidade nas relações amorosas do Guarani, que enquanto criança
não focaliza sua afetividade em uma única pessoa, e sim em todos os membros da família
grande. Assim, posteriormente, na fase adulta reproduz essa mesma característica afetiva, ou
seja, também não focaliza sua afetividade em uma única pessoa, podendo assim ter uma maior
facilidade na troca de parceiros.
Em relação à gestação e ao parto:
Todas as entrevistadas disseram sentir-se muito bem durante a gestação, sem
problemas de saúde. Duas mães realizaram pré-natal na gravidez de todos os filhos, as outras
duas não.
Em relação à gestação, apenas a entrevistada de número 3 revelou ter necessitado de
cuidados, porém, não nos disse qual. Esta observação não condiz com a literatura pesquisada,
que declara haver necessidade de alguns cuidados durante a gestação. A literatura refere-se a
esses cuidados, porém, alerta que a índia não deve parar de trabalhar para que o parto não seja
muito difícil de se realizar.
Segundo Teves (1978, p. 20),
Os cuidados durante a gestação são de ordem alimentar e mágica. Há, porém
os que se relacionam com as atividades diárias tanto para o homem como
para a mulher (casal), os relacionados com as práticas sexuais, e as atitudes
seguir na vida cotidiana [...] E como regra geral a mulher indígena se
submete a uma dieta, como meio de evitar complicações para si e para seu
filho.
Conforme fragmentos de entrevistas (FE) abaixo:
Passa bem, trabaiando né, trabaiando, ajudando, quando ta na escola,
trabaia, faz comida pra chega e aí tem comida pra criança. (FE-3)
Naquele tempo não tinha consulta... não tinha, não tinha nada... era difícil
ir no hospital... não tinha carro, nem carroça tinha.. Não tinha nada... aí eu
não fui fazê consulta... nem o pré-natal não fiz. (FE-2)
74
Teves (1978) cita que, devido à aculturação, o parto que antes era normalmente
realizado em casa, ou na mata, passou a ser realizado nos últimos anos, nos hospitais, pois
todas as índias entrevistadas haviam tido seus filhos no hospital, principalmente os filhos mais
novos. Os primeiros filhos de todas as índias entrevistadas nasceram em casa com ajuda da
mãe como parteira, fato que coincide com a literatura que afirma ser sempre a mãe ou alguém
da família que atua como parteira.
Em relação ao parto, Teves (1978) diz que não existe uma técnica específica, espera-se
que tudo se resolva de forma natural. Sendo assim, o parto da mulher indígena é, na maior
parte das vezes, um assunto tratado com naturalidade, qualquer mulher que já tenha vivido a
experiência de ter um filho ou de ter assistido ao nascimento de crianças, pode apresentar-se
como parteira, pois não é necessário uma grande aprendizagem para isto. “É só ter coragem,
calma, e saber esperar até que haja a expulsão fetal. De resto, é pela simples observação que
aprendem a cuidar do recém nascido” (TEVES, 1978, p. 41).
Confirmando a literatura, apresentamos a seguir fragmentos de entrevistas abaixo:
Foi normal, e esses outro tudo em casa, era com minha mãe. (FE-2)
Foi em casa quatro, depois o resto foi no hospital. (FE-1)
Dois que foi no hospital, mas o resto foi em casa. (FE-4)
Em relação às práticas anticoncepcionais:
As práticas anticoncepcionais vão de simples chás a simpatias, rezas e massagens.
Segundo as entrevistas realizadas das quatro mulheres apenas a mais nova utiliza
remédio produzido em laboratório como método anticonceptivo. As demais utilizam algumas
ervas em forma de chás como método, demonstrando como em alguns aspectos a cultura
indígena ainda é muito preservada. Como revela a fala de uma mãe:
Índia toma até hoje remédio casero. (FE-4)
75
Em relação aos cuidados pós-nascimento, como resguardo da mãe, reza, simpatia,
ritual em relação à criança:
Em relação ao resguardo da índia, duas entrevistadas disseram que há resguardo
durante apenas dez dias: Tem, tem , nóis somo índia, deiz dia já tá bom, porque é remédio
casero melhora ligero né! (FE-1). As outras duas entrevistadas disseram não fazer nenhum
resguardo após o nascimento do bebê.
Conforme encontramos na literatura, em concordância com Teves (1978), toda mulher
indígena, após ter um filho, recebe alguns cuidados, mas estes variam de tribo para tribo,
sendo que alguns desses cuidados nem ao menos se pode chamar propriamente de resguardo.
Referem-se apenas àqueles da hora do parto.
Apesar de em vários aspectos, notar-se na referida reserva o fenômeno social da
aculturação do indígena Guarani-Kaiowá, constatamos em duas entrevistas o resguardo
masculino, chamado de couvade, corroborando a literatura, apesar da ressalva, na própria
literatura, de tratar-se de uma técnica já em desuso.
A couvade é o conjunto de medidas mágicas para assegurar a saúde física e mental da
criança e da família, como citado por Tevês (1978, p. 62).
Também viajantes quinhentistas referem-se a uma prática dizendo que o
marido se deitava na rede onde ficava todo o tempo coberto até que a ferida
umbilical do filho cicatrizasse. Ali recebia comida, bebida e presentes de
amigos e parentes. A esposa mimava-o e protegia-o para que ele não tomasse
ar porque isto prejudicaria a criança. Se levantasse e fosse trabalhar, o filho
morreria.
Nesta direção o autor ainda cita que em muitas tribos brasileiras verificaram-se várias
práticas para cortar malefícios que podem ocorrer antes, durante e após o nascimento das
crianças. São cuidados ou proibições que devem ser respeitados, pois, se o não forem, alguma
coisa acontecerá de mau para a mãe, para o filho e para o pai.
Confirmando a literatura, segue fragmento de entrevista:
A gente trabaiá né? Primero a família que a gente cuida né, pra nóis ter
boa saúde e trabaia na roça, é primero a família que tem, que nóis exige
que caia imbigo da criança, já sarô, tem que primero coisa entrá na roça e
trabaiá, [...]. (FE-1, pai)
76
Perguntei se podiam trabalhar antes da queda do umbigo.
Antes não, perigoso dá sanguera no imbigo, isso é evitamento, né! aí depois
que cai pode trabaiá, cedo e à tarde, trabaiá treis dia, depois de treis dia
você quiser guardá um dinheirinho ou se não compra alguma coisinha com
o dinheirinho e trazê pra casa. Tá trazeno prosperidade pra casa. Além tem
pessoa que tem vontade de trabaiá, cedo e levanta, e não vai trabaiá pra
fora não, agora os que não faz , o primero filho, a primero família né,
começou a bebê, começou brigá, aí é aquele jeito até o fim da vida. (FE-1)
Pai fica em casa uma semana sem faze nada, pra não inflama o imbigo.
(FE-2)
Também conforme Meliá (1979), o parto tem seu próprio ritual. As pessoas implicadas
normalmente são da família e vão ter muita influência na educação da criança, seja quem
recebe a criança nos braços, seja quem dá o nome, seja quem corta o cordão umbilical. Tanto
o pai quanto a mãe tentam assegurar a boa criação do recém-nascido, através de dietas e tabus
alimentares ou da libertação de alguns trabalhos pesados.
Em relação à alimentação da criança:
Todas as entrevistadas responderam que a amamentação ocorre até aproximadamente
dois anos de idade, devendo ir de um ano e seis meses aos dois anos. Exatamente como foi
encontrado na literatura.
Teves (1978) afirma que: o horário para as mamadas não existe entre mulheres
indígenas, pois a criança mama quando tem fome. A amamentação é tão comum entre as
indígenas que as mães conversam com as outras pessoas e a criança continua mamando ou, às
vezes, brincando com o próprio seio materno.
Outro aspecto relevante da cultura estudada na referida reserva, diz respeito a como
tirar o seio da criança, visto que tem liberdade para mamar o quanto quer e ao fato de que
muitos acreditam que não pode passar de determinado período, tamm por motivos místicos
e mágicos. Todas as entrevistadas foram unânimes em afirmar que se deve passar alguma
coisa no bico do seio para a criança rejeitá-lo. “Muitos são os expedientes usados. Exemplo:
esfregar no bico do seio pimenta, colocar algodão com resina para impedir que a criança
mame. As substâncias amargas são as mais usadas” (TEVES, 1978, p. 72). Confirmando o
autor, citamos o fragmento de uma entrevista:
77
Passava alguma cosa no peito, aí criança não pega mais. (FE-3)
Esse evitamento pra dismama, e porque se não, deixa muito criança pegado
com mãe, depois se mama 2-3 ano não obedece os pais a criança... (FE-1,
pai)
A questão da mamada ser estendida até mais idade gerando a desobediência da criança
em relação aos pais pode ser característico dessa reserva, pois não encontramos nada a
respeito na literatura pesquisada.
Meliá (1979, p. 19), acrescenta que, “A criança mama quando quer, recebe o máximo
de atenção, procura satisfazer suas necessidades. O período de lactência estende-se até os dois
anos e, às vezes, mais”.
Em relação à presença materna:
O que ficou evidente nesta pesquisa é que a mãe tem presença constante na vida da
criança, principalmente até completar um ano de vida.
Em um estudo antropológico da mulher indígena brasileira, desde o parto aos cuidados
com a criança, Teves (1978) relata que ao nascer, a criança é levada ao olhar da mãe, que a
sente por outro olhar de posse e a aconchega em seus braços, perto ao seio desnudo,
estimulando-o a mamar. Desse momento em diante não há separação intensa, até que se possa
perceber robustez e independência, ou seja, a fuga dos perigos reais da aldeia.
O mesmo autor relata que o bebê dorme ao lado da mãe, estando sempre agarrado ao
seio, sugando-o quando desejar, tornando-o seu objeto de brincadeiras e satisfação oral. A
mãe indígena vigia constantemente, mas não pune a criança, não bate, não grita, não castiga
fisicamente. O controle da educação é feito por meio da palavra, das conversas, o que faz da
mãe muito cuidadosa, atenciosa. A presença materna é intensa e quando porventura a mãe
precisa se ausentar por algumas horas, é substituída por outras mulheres da aldeia,
principalmente da família, tias, avós ou filhas mais velhas. A criança indígena é sempre
tratada com muito carinho, sendo sempre vigiada de perto pelos familiares. Ao sinal de algum
perigo sempre alguém que vem em seu socorro.
Confirmando o autor citado selecionamos o fragmento de uma entrevista a respeito de
quem cuida da criança indígena.
78
É o pai índio sai muito né, não cuida [...] mais, mais é a mãe [...] é, aí se
vai na roça é pequeno fica em casa se é grande vai junto... a criança memo
quando o pai dele fica na roça, todo mundo ajuda, dia de sábado assim, fica
tudo junto...[...] só o pequenininho que não, eu memo tem 5 criança que tô
cuidano, [...]. (FE-2)
Os fragmentos encontram sustentação em Meliá (1979), que divide a educação em
primeira e segunda infância. Na primeira infância, observa-se o estreito relacionamento com a
mãe, é geralmente a principal característica da educação nesse período. Na segunda infância,
conforme constatado na pesquisa, a criança apresenta um comportamento de imitação dos
adultos, aprendendo as atividades sociais rotineiras, participando da divisão social do trabalho
e adquirindo habilidades de usar e fazer instrumentos e utensílios de trabalho.
Em relação ao controle dos esfíncteres:
Em todas as entrevistas ficou evidente que a mãe não se importa com os dejetos da
criança, porém a ensina desde muito cedo. Todas as entrevistadas revelaram que, por volta de
um ano de idade, a criança aprende a controlar os esfíncteres.
Neste aspecto, relatamos a descrição feita pela mãe 1, de como isso ocorre. A mãe
indígena percebe desde muito cedo, quando a criança chora, geme, resmunga, com o objetivo
da defecação ou micção. Assim, a mãe tira-lhe a roupa e permite que a criança faça suas
necessidades fisiológicas. Após alguns meses realizando esse treino, a criança acostuma-se a
essa permissividade e apenas consegue fazer suas necessidades, quando a mãe tira-lhe as
roupas. Isso demonstra como a mãe indígena está próxima à criança e como a criança é
ensinada, pois a mãe sabe se seu filho chora de dor ou simplesmente para lhe avisar que quer
que lhe tirem as roupas com objetivo de fazer suas necessidades fisiológicas.
Nota-se como a escuta dessa mãe é atenta ao filho, como ambos têm uma relação
muito próxima, e como tudo isso permite à criança uma tranqüilidade, por saber que quando
necessário, a mãe está pronta a lhe atender. Conseqüentemente esta situação por certo
estende-se a outros cuidados dessa mãe, levando também a um equilíbrio emocional em
relação aos outros meios em que a criança está inserida, ou seja, na vida posterior dessa
criança.
Para confirmar citamos fragmento da entrevista, com relato dos pais sobre controle
dos esfíncteres:
79
E quando ele vai faze ele chora... começa a movimentá... chora, chora... ai
mãe já sabe e tira logo (pai). E vai ensinano... tudo minhas criança assim tô
ensinano. (FE-1)
Em relação ao brincar e às brincadeiras:
Por meio das observações efetuadas, pôde se constatar que a criança indígena brinca
com outras crianças, porém sem ter uma brincadeira estabelecida, como é o caso das crianças
não índias, que brincam de casinha, de boneca, etc., (apenas no caso do jogo de bola, entre os
meninos indígenas, isso é mais comum). As crianças conversam, correm atrás umas das
outras, brincam de empurra-empurra, fazem gracejos. Sempre estão muito próximas aos
adultos, seja do pai na roça, ou da mãe em seus afazeres.
Segundo Meliá (1979), o jogo é possivelmente um dos elementos mais importantes da
educação indígena, pois a criança aprende brincando. Porém, já desde pequeno brinca de
imitar os adultos e seu brinquedo é, de acordo com o sexo, o instrumento de trabalho do pai
ou da mãe. Assim, pequenos arcos e flechas podem ser encontrados nas mãos de um menino
ou pequenos cestos dependurados na cabeça de uma menina que vai com a mãe buscar
mandioca na roça. Estas cenas são comuns a qualquer visitante em uma reserva indígena e
inclusive na reserva indígena de Dourados. Conforme fragmento de entrevista que segue:
Eles brincando assim só, nem na bola, nem nada, só brincando assim com
outro. (FE-2)
Em relação à Educação e a formação da personalidade da criança:
O que se denota pela pesquisa, em relação a como acontece a educação da criança
indígena Guarani-Kaiowá, dado que as quatro mães entrevistadas praticamente deram a
mesma resposta, é o diálogo a principal forma de educar uma criança, a conversa, o uso de
conselhos e da não punição física. Meliá (1979) cita que uma dupla atitude aparentemente
contraditória chama a atenção do não índio ao observar uma sociedade indígena: as crianças
gozam de uma grande liberdade de ação, “fazendo o que querem”, sem que os adultos se
imponham com admoestações ou proibições; nota-se que essas crianças não dão motivos de
aborrecimento aos pais ou a outros membros da comunidade.
80
O adulto considera a criança na sociedade indígena com muito respeito, carinho e
seriedade. O carinho que os pais têm com as crianças, o modo de falar e de persuadi-la é
extremamente respeitoso.
A seguir, apresentamos o fragmento das quatro entrevistas realizadas, que tornam
evidente a questão de como acontece a educação da criança indígena Guarani-Kaiowá, foco
principal da pesquisa:
Em relação aos conflitos conjugais:
É resolvido assim na palavra, entende, assim cada um entende, se encaixar
casal o esposo e a esposa, ai pedia perdão e acabo.. é isso. Isso, já passa
pra criança de forma mais tranqüila... então, isso aí, nóis não mostra briga
pra criança, se briga com a mãe ou com pai, já o filho e filha... ‘o pai tá
brigano’, já sai o pai briga também vamo briga. O pai e a mãe não briga os
filho também não vamo briga... [...]. (FE-1, pai)
Em relação à pergunta de como se educa as crianças indígenas:
Eu aconselho né? Aconselho primerô pra depois perguntá. Tem que
aconselhá pra depois perguntá... já foi feito memo né? Você pergunta se ele
já conta... o caminho é pro dia de amanhã, o que já passô, já passô por que
ele vai crescê, e é assim que nóis carrega a família, casado também é tudo
assim, aconselhá, perguntá pra depois fala qual é o caminho certo... tem
dois caminho pra gente segui, desde criança, o bem e o mal, então nóis já
fala isso pra ele, depois de sete ano ele já escuta a voz do pai e da mãe.
(FE-1, pai)
Criança tem que conversa muito com ele, conversá, assustá, aí ele é
obediente [...]. (FE-2)
Pra educá? Eu acho que é... Pra educá não dá pra batê. É só conversa
memo, conversá muito. Pra educá mesmo as criança. Pra batê, aí machuca
e sobe na cabeça, e é pior para as criança, e não adianta, por isso tem que
só conversá e pôr a criança no caminho [...]. (FE-3)
Ensina, conversa, eu sento com os guri e falo vocês é tudo guachebá
12
.
Vocês têm que me escutá. (FE-3)
Oh!. isso aí têm que se com a palavra... que não prejudica. (FE-1)
12
Guacheba: termo que significa criança órfã. Neste caso a mãe se refere ao pai falecido.
81
Tem uma diferença que o branco tem a cabeça que estuda, mas nas idéia
são fraco, o índio não tem estudo mas nas idéia tem mais atenção, por
aconselhá a família, é por aí, só isso que eu sei. (FE-1, pai)
Os fragmentos citados acima encontram sustentação em Rappaport (1981). Sobre a
relevância da família para a educação da criança, atesta que é de responsabilidade dos pais
fazer com que seus filhos desenvolvam características de personalidade e de comportamento
que sejam considerados adequados a seu sexo e aos vários subgrupos culturais a que
pertencem.
Todos os entrevistados disseram que a família tem influência na formação da
personalidade da criança. Ao contrário de Schaden (1954), que cita que o Guarani acredita
que a personalidade da criança já nasce pronta.
Seguem fragmentos de duas entrevistas:
Criança é, é pra ficá no lugar dos pai, cresce, não sabe o dia e chamado do
pai... o pai sobe e a criança ficá, e o conselho é levado pra frente, e a
criança fica relembrando o que pai falava pra ele [...]. (FE-1)
Eu acha que é a família que ensina as criança, acho que criança nasce tudo
bonzinho mesmo né, depois fica pegando costume pra fica assim, teimoso,
aonde a família põe no caminho, né! (FE-3)
Porém Meliá (1979) cita que o sentido da educação Guarani-Kaiowá, é sobretudo
moral e espiritual, e portanto deve conservar o ‘modo de ser Guarani’. Sendo assim, a
educação está orientada a alcançar a perfeição por meio da reza, da não violência e da visão
‘teológica’ do mundo, o que para o Guarani só pode ser alcançado por meio da comunidade e
da inspiração.
Também Bock et al. (1996) afirma que a família é responsável pela sobrevivência
física e psíquica das crianças. É na família que ocorrem os primeiros aprendizados dos hábitos
e costumes da cultura, que se concretiza, em primeira instância, o exercício dos direitos da
criança e do adolescente, o direito aos cuidados essenciais para seu crescimento e
desenvolvimento físico, psíquico e social. A função social da família é transmitir os valores
que constituem a cultura, as idéias dominantes em determinado momento histórico, isto é,
educar as novas gerações segundo padrões dominantes e hegemônicos de valores e de
conduta.
82
Reis (1984) coloca que para entendermos como a família cumpre suas funções de
agente de reprodução ideológica é necessário voltarmos a atenção para o seu funcionamento
interno. Neste sentido, podemos observar o que mais diferencia a família de outros grupos:
“ela é o locus da estruturação da vida psíquica”. A maneira com que a família organiza a vida
emocional de seus membros é que lhe permite transformar a ideologia dominante em uma
visão de mundo, em um código de condutas e de valores que serão assumidos mais tarde pelos
indivíduos.
Berger e Luckmann (1985) vêem na Socialização Secundária que o que foi introjetado
na socialização primária, em uma atmosfera carregada de afetividade, ou seja, na família, será
vivenciado e atualizado nos outros grupos de que o indivíduo fará parte. Em decorrência
disto, como foram introjetadas as normas, regras e a afetividade do grupo primário, serão
também externalizadas e vivenciadas pelo indivíduo no grupo secundário, ou seja, no
momento da ida da criança à escola.
Em visitas à reserva, em especial à Escola Municipal Indígena do Agustinho, em
observações e nas entrevistas, pôde-se constatar, como as crianças tinham bem internalizadas,
as normas e regras de convivência. Em nenhum momento mostraram-se apáticas aos jogos e
brincadeiras, ao contrário, riam, faziam gracejos, brincavam umas com as outras, etc., porém
a um pedido de silêncio do professor, logo obedeciam. Esta observação, confirma os vários
autores citados anteriormente, de que é na primeira forma de socialização, aquela recebida
dentro do seio familiar, que está a resposta que procurava ao comportamento disciplinado das
crianças indígenas em sala de aula.
Nota-se que uma característica muito importante nesta população, é o respeito com
que ocorre esse processo, pois a mãe índia não grita com a criança, não bate, e sim conversa
muito, tendo neste instrumento da linguagem, tanto corporal quanto verbal, o principal
artifício para a educação de uma criança. O que denota grande diferença da nossa população
não índia em relação ao mesmo assunto.
Buscando analisar esta situação da sociedade nacional envolvente, percebe-se que
antes apenas o homem partia em busca do sustento do lar. A partir da década de 1960, a
mulher também passou a ganhar o mercado de trabalho, inicialmente na profissão de
professora, por ser uma espécie de “cuidadora” de crianças e hoje em todos os ramos
possíveis. Os filhos que antes eram deixados apenas a seus cuidados, passaram a ser deixados,
83
nas escolinhas, creches e maternais, na presença das babás ou mesmo sozinhos em casa, na
presença dos games, televisores e computadores, ou quando não, apenas na rua brincando
aqui ou ali com outras crianças, enquanto os pais não voltam do trabalho.
Além disso, os pais de volta ao lar, já cansados pelo desgaste diário, nem sempre ou
poucas vezes têm paciência em conversar com a criança, explicar algo até que ela entenda. O
que observamos é que em meio a gritos a mãe solicita alguma coisa à criança, partindo, às
vezes, para a agressão física. Assim, a criança não índia se difere muito da criança indígena,
que tem todo o carinho, respeito, atenção de seus familiares.
Neste estudo, o que ficou constatado é que mesmo em se tratando de uma reserva com
uma grande complexidade de problemas sociais, políticos e econômicos, etc., como é a
reserva de Dourados, a maneira como a criança indígena é educada, corrigida, ensinada, na
primeira socialização a que este indivíduo pertence, ou seja, na socialização primária, difere
muito das crianças não índias, demonstrando assim, como essas crianças se ajustam ao
ambiente escolar, ou seja, na socialização secundária, e o quanto difere o comportamento
escolar em relação à sociedade nacional envolvente.
Assim, fica evidente que o estudo das sociedades indígenas pode e tem muito a
contribuir com a sociedade não índia, porém, fica uma indagação a ser respondida por aqueles
que trabalham com a questão indígena:
O que fazer para que os aspectos culturais evidenciados nesta pesquisa sejam
preservados e também sirvam de modelo a toda a sociedade?
84
À verdade chega não só pela razão, mas
também pelo coração. (
Blaise Pascal)
85
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
86
Por meio de observações em escolas, tanto particulares quanto municipais e estaduais
da sociedade nacional envolvente, pode se observar que, um dos temas que mais afligem
professores, coordenadores, psicólogos e pais é a questão da indisciplina. Verificamos por
meio de observações em escolas indígenas, que em relação a esta população o problema da
indisciplina escolar não existe. Assim, ao iniciar a pesquisa o grande foco de investigação era:
Estaria nas relações familiares, ou seja, na socialização primária, a origem do
comportamento escolar da criança indígena Guarani-Kaiowá?
Em visitas à reserva, em especial à Escola Municipal do Agustinho, em observações e
nas entrevistas, pudemos constatar, como as crianças tinham bem internalizadas as normas e
regras de convivência. Em nenhum momento se mostraram apáticas aos jogos e brincadeiras,
ao contrário, riam, faziam gracejos, brincavam umas com as outras, etc., porém a um pedido
do professor de silêncio, logo obedeciam.
Em todas as visitas, observações e entrevistas realizadas havia muitas crianças por
perto, e assim foi se tornando evidente nos casos estudados, como estas crianças eram tratadas
pelos seus familiares.
Essa riqueza de relacionamentos é encontrada nos primeiros vínculos da mãe indígena
com a criança. O vínculo é intenso até o momento em que a criança não precise mais dela. A
mãe, ao mesmo tempo, não cerceia seu filho dos simples conhecimentos cotidianos de que
toda a criança se ocupa, não restringe suas curiosidades cotidianas de exploração do ambiente,
muito menos com admoestações sem fundamento. Não pune, não restringe sua presença
física, não castiga. A mãe permite ao filho estar por perto e principalmente estar seguro, pois
ela sempre está ali, continente em seu lugar de guardiã. Possivelmente gera na criança uma
segurança interna.
Um aspecto que muito nos chamou a atenção, foi o respeito que pais e filhos têm uns
pelos outros. A mãe fala em tom sereno, as crianças sentem-se seguras, brincam ao redor dos
pais, enquanto estes conversam. Não atrapalham ou querem chamar a atenção para si. Apenas
excepcionalmente, quando a mãe tem por objetivo corrigir o comportamento de um filho,
observa-se uma fala mais ríspida, em tom mais acentuado.
Dados da literatura foram confirmados: que uma mãe indígena não bate em seu filho,
ou mesmo grita com ele. Em seus relatos, todas foram unânimes em afirmar que o principal
meio de educar uma criança é pelo diálogo, sendo de fundamental importância para a
87
formação de uma criança conversar, não importando a idade, pois muito cedo já ocorre está
troca entre pais e filhos.
Sabemos, segundo alguns relatos e mesmo as entrevistas, que a troca de parceiro é
comum entre os indígenas. Mas o pai também tem papel fundamental na criação dos filhos,
pois atribuem os problemas de comportamento e indisciplina escolar de certas crianças,
àquelas que não tem pais ou são criadas por outras pessoas. Percebe-se em uma reserva
indígena que o homem tem papel preponderante. A ele cabe a função de líder, seja como
capitão da reserva, pajé ou cacique, é o homem quem decide todas as questões políticas e
religiosas. O homem vai à guerra, na luta pela posse das terras e assim cabe a ele também a
criação dos filhos. Note-se que a mãe índia tem papel fundamental, tanto em relação aos
primeiros cuidados, quanto em relação à educação, mas por ser uma sociedade em que o
homem tem voz ativa, cabe ao homem também o papel na educação dos filhos. Como a
organização familiar Guarani é de famílias numerosas, os outros membros da comunidade,
também exercem influência nessa educação, como irmãos, tios, avós e outros.
Desse modo, a criança indígena é educada, orientada e ensinada, na primeira
socialização a que este indivíduo pertence, ou seja, na socialização primária, demonstrando
como essas crianças, por meio da educação indígena Guarani-Kaiowá, ajustam-se ao ambiente
escolar, ou seja, socialização secundária, pois é na escola que a criança indígena demonstra
todos os cuidados afetivos que recebeu no seio familiar e como isso gerou nesta mesma
criança, aspectos de personalidade que a faz mais tranqüila, dócil e disciplinada. Como isso
não ocorre de forma esporádica, ou seja, com uma ou outra criança, mas de uma maneira geral
nesta população, constata-se por meio desse estudo de caso que está nas características de
educação e/ou criação, peculiares à cultura, a resposta aos primeiros questionamentos, do por
que as crianças indígenas são tão tranqüilas em ambiente escolar e como isto difere quando se
aborda o mesmo assunto em relação às escolas da sociedade nacional envolvente não índia.
Diante de uma reserva com problemas tão complexos, como a falta de terra para o
plantio, condições de miséria e fome, evidenciados nas questões da desnutrição infantil, além
de problemas como alcoolismo, drogas, bem como do suicídio, e outros tantos fatores, como a
proximidade da reserva à cidade, acarretando uma verdadeira invasão de costumes, pudemos
constatar que alguns aspectos culturais ainda estão muito presentes, demonstrando quanto a
população não índia ainda tem a aprender com os Guarani.
88
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92
APÊNDICES
93
Apêndice A
Declarações de Consentimento Livre e Esclarecido
Declaração de Consentimento Livre e Esclarecido – as mães das crianças
Gostaríamos de contar com a sua colaboração para a realização da presente pesquisa, “UM ESTUDO
SOBRE A INFLUÊNCIA DA RELAÇÃO ENTRE A CRIANÇA KAIOWÁ E SUA MÃE NO
COMPORTAMENTO ESCOLAR”.
O trabalho será feito com as crianças, mães e familiares, também com os professores, na escola e nas
casas. Os resultados da pesquisa serão divulgados em revistas científicas e congressos. E também, na
própria comunidade indígena, através de palestras, encontros e reuniões com as mães, visto que serão
os maiores beneficiados em certificar-se e conscientizar-se das características da própria cultura.
Sua participação é voluntária e a sua recusa não envolve qualquer penalidade, você poderá desistir de
participar a qualquer momento. Abaixo coloco meu nome e endereço para que, havendo alguma
questão, sinta-se à vontade para me procurar e/ou o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UCDB.
Adriana R. Sordi Lino, documento de identidade n. 515.601 SSP/MS e CPF. 489.523.381-20, é
professora do Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN, Mestranda em Psicologia pela
UCDB, pode ser encontrada nos telefones: 9971-9072 e 427-0164.
Agradeço a sua colaboração.
Eu li as afirmações acima e concordo em participar da pesquisa:
Data: ............./............./......................
Nome: ........................................................................................................................................................
Assinatura: .................................................................................................................................................
94
Declaração de Consentimento Livre e Esclarecido – aos representantes da Escola
Eu, representante dos professores da Escola Municipal Indígena do Augustinho, da Reserva indígena
Bororó de Dourados-MS, declaro estar de pleno acordo, colaborar e autorizar a realização da presente
pesquisa, “UM ESTUDO SOBRE A INFLUÊNCIA DA RELAÇÃO ENTRE A CRIANÇA KAIOWÁ
E SUA MÃE NO COMPORTAMENTO ESCOLAR”.
O trabalho será feito com as crianças, mães e familiares, também com os professores, na escola e nas
casas. Os resultados da pesquisa serão divulgados em revistas científicas e congressos. E também, na
própria comunidade indígena, através de palestras, encontros e reuniões com as mães, visto que serão
os maiores beneficiados em certificar-se e conscientizar-se das características da própria cultura.
A participação é voluntária e a sua recusa não envolve qualquer penalidade, você poderá desistir de
participar a qualquer momento. Abaixo coloco meu nome e endereço para que, havendo alguma
questão, sinta-se à vontade para me procurar e/ou o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UCDB.
Adriana R. Sordi Lino, documento de identidade n. 515.601 SSP/MS e CPF. 489.523.381-20, é
professora do Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN, Mestranda em Psicologia pela
UCDB, pode ser encontrada nos telefones: 9971-9072 e 427-0164.
Agradeço a sua colaboração.
Eu li as afirmações acima e concordo em participar da pesquisa:
Data: ............./............./......................
Nome: ........................................................................................................................................................
Assinatura: .................................................................................................................................................
95
Declaração de Consentimento Livre e Esclarecida – ao Capitão da Reserva Bororó
Eu, Capitão da reserva Indígena Bororó do município de Dourados-MS, declaro estar de pleno acordo
e autorizar a realização da presente pesquisa, “UM ESTUDO SOBRE A INFLUÊNCIA DA
RELAÇÃO ENTRE A CRIANÇA KAIOWÁ E SUA MÃE NO COMPORTAMENTO ESCOLAR”.
O trabalho será nesta Reserva indígena do Bororó, feito com as crianças, es e familiares, também
com os professores, na escola e nas casas. Os resultados da pesquisa serão divulgados em revistas
científicas e congressos. E também, na própria comunidade indígena, através de palestras e/ou
encontros e reuniões com as mães, visto que serão os maiores beneficiados em certificar-se das
características da própria cultura.
A participação é voluntária e a recusa não envolve qualquer penalidade, a pessoa poderá desistir de
participar a qualquer momento. Abaixo coloco meu nome e endereço para que, havendo alguma
questão, sinta-se à vontade para me procurar e/ou o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UCDB.
Adriana R. Sordi Lino, documento de identidade n. 515.601 SSP/MS e CPF. 489.523.381-20, é
professora do Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN, Mestranda em Psicologia pela
UCDB, pode ser encontrada nos telefones: 9971-9072 e 427-0164.
Agradeço a sua colaboração.
Eu li as afirmações acima e concordo em participar da pesquisa:
Data: ............./............./......................
Nome: ........................................................................................................................................................
Assinatura: .................................................................................................................................................
96
Declaração de Consentimento Livre e Esclarecida – ao professor
Eu, professor(a) da Escola Municipal Indígena do Agustinho, da reserva Indígena Bororó de
Dourados-MS, declaro estar de pleno acordo, colaborar e autorizar a realização da presente pesquisa,
“UM ESTUDO SOBRE A INFLUÊNCIA DA RELAÇÃO ENTRE A CRIANÇA KAIOWÁ E SUA
MÃE NO COMPORTAMENTO ESCOLAR”.
O trabalho será nesta Reserva indígena do Bororó, feito com as crianças, mães e familiares, também
com os professores, na escola e nas casas. Os resultados da pesquisa serão divulgados em revistas
científicas e congressos. E também, na própria comunidade indígena, através de palestras e/ou
encontros e reuniões com as mães, visto que serão os maiores beneficiados em certificar-se das
características da própria cultura.
Sua participação é voluntária e a recusa não envolve qualquer penalidade, a pessoa poderá desistir de
participar a qualquer momento. Abaixo coloco meu nome e endereço para que, havendo alguma
questão, sinta-se à vontade para me procurar e/ou o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UCDB.
Adriana R. Sordi Lino, documento de identidade n. 515.601 SSP/MS e CPF. 489.523.381-20, é
professora do Centro Universitário da Grande Dourados – UNIGRAN, Mestranda em Psicologia pela
UCDB, pode ser encontrada nos telefones: 9971-9072 e 427-0164.
Agradeço a sua colaboração.
Eu li as afirmações acima e concordo em participar da pesquisa:
Data: ............./............./......................
Nome: ........................................................................................................................................................
Assinatura: .................................................................................................................................................
97
Apêndice B
Comunicado aos pais
Solicitamos sua presença na escola municipal do Agustinho, no dia ........../........../..............., às 9 horas,
para tratar de assunto referente ao seu filho (a) .........................................................................................
Dourados-MS,
À COORDENAÇÃO.
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