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Soraia Nunes Nogueira
A IMAGEM CINEMATOGRÁFICA COMO OBJETO
COLECIONÁVEL:
O colecionador na era digital.
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Soraia Nunes Nogueira
A IMAGEM CINEMATOGRÁFICA COMO OBJETO
COLECIONÁVEL:
O colecionador na era digital.
Dissertação apresentada ao
Curso de Mestrado da Escola de
Belas Artes da Universidade
Federal de Minas Gerais, como
requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Artes Visuais.
Área de Concentração: Arte e
Tecnologia da Imagem.
Orientador: Prof. Dr.
Luiz Roberto
Pinto Nazario
Belo Horizonte
Escola de Belas Artes / UFMG
2004
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DEDICATÓRIA
Aos meus pais Paulo e Leonina, e minha querida irmã Quel, aos quais tanto
amo, e que me deram todo o apoio de que eu precisava.
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
Ao professor e orientador Luiz Nazario pela paciente revisão do meu texto,
pelos livros e filmes emprestados, pelo carinho e pela confiança depositada
em minha carreira ao longo da minha formação tanto na graduação
quanto neste mestrado.
Ao professor e querido amigo Alessandro Ferreira Costa, pelas valiosas
sugestões e pelo apoio de sempre.
Ao CNPq, pela bolsa que me deu maiores possibilidades de desenvolver a
pesquisa.
A Zina e Edna pelo carinho, atenção e ajuda.
AGRADECIMENTOS
Abelardo de Carvalho, pela entrevista concedida.
Adão Fernandes da Silva, pelas boas informações.
Alexandre Martins Soares, pela atenciosa colaboração.
Aos amigos que me deram tanta força e torceram por mim.
André Reis Martins, pela grande força.
Cláudia Jussan, pelo apoio técnico e tantos desenhos inspiradores.
Irley Soares, pela entrevista concedida.
Luciana Fagundes Braga Ferreira, pela explicação de como fazer bonecos e
cenários.
Marco Anacleto, pelo suporte técnico.
Maria Aparecida Araujo Carvalho, pelas técnicas de massa Fimo.
Professor Celso Pereira Fonseca (COLTEC), pelos vidros.
Vlad Eugen Poenaru, pelos muitos conselhos e aulas proveitosas.
SUMÁRIO
Introdução
....................................................................................................................................................................... 1
Capítulo 1 – Colecionando objetos do mundo ............................................................................. 5
Capítulo 2 – A imagem do colecionador no cinema
.......................................................... 29
Capítulo 3 – Preservando universos imaginários ......................................................................... 46
Capítulo 4 – Construindo imaginários colecionáveis
............................................................. 92
Capítulo 5 – Colecionando monstros imaginários
................................................................. 120
Capítulo 6 – Objetos colecionáveis do cinema
....................................................................... 155
Capítulo 7 – Protótipos de um imaginário colecionável
.................................................. 192
Conclusão
.................................................................................................................................................................... 223
Referências bibliogficas
............................................................................................................................. 227
Anexos
............................................................................................................................................................................. 234
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Relógio produzido pela grife suíça TAG Heuer. Foto: Revista ISTOÉ,
n° 1696, 3 de abril de 2002, p.23.
Figura 02 – Abelardo de Carvalho entre suas fotos emolduradas segurando
uma fotografia de pessoa morta de sua coleção de fotografias de falecidos.
Figura 03 – Abelardo e seu baú, onde é guardado o restante de sua
coleção.
Figura 04 – Reserva técnica do Museu de Arte Moderna, no Ibirapuera, onde
está guardada a maior parte de 3.776 obras do acervo. Fotos de Ana Ottoni,
Folha Imagem, da Folha de S. Paulo.
Figura 05 – A mala de Tarsila do Amaral doada pela família da pintora à
Pinacoteca. Fotos de Ana Ottoni, Folha Imagem, da Folha de S. Paulo.
Figura 06 – Alceu Massini, criador do museu de televisores. Fotos de Eduardo
Knapp, da Folha de S. Paulo, 18 de abril de 2004.
Figura 07 Ursinho dinamarquês. Reportagem de Sheila Grecco, Revista
VEJA, 27 de março de 2002, p.72, 73.
Figura 08 – Boneca Licca-Chan. Reportagem de Sheila Grecco, Revista VEJA,
27 de março de 2002, p.72, 73.
Figura 09 – Tomada da instalação “Doador”, de Elida Tessler: conjunto de
objetos cujos nomes terminam com ‘dor’. Fotos do jornal O Estado de S.
Paulo, Caderno 2 Cultura, Domingo, 6 de outubro de 2002.
Figura 10 – Coleções de sapos de João Brito. Fotos do jornal O Estado de S.
Paulo, Caderno 2 Cultura, Domingo, 6 de outubro de 2002.
Figura 11 – Coleção de dados de Dado Bier iniciada pela coincidência de
seu nome, onde abrange todos os tipos e gêneros, dos quais muitos foram
presenteados. Fotos do jornal O Estado de S. Paulo, Caderno 2 Cultura,
Domingo, 6 de outubro de 2002.
Figura 12 – Versão islâmica da Barbie e de seu namorado Ken, apresentada
pelo Ministério da Educação do Irã. São eles os gêmeos Sara e Dara, vestidos
em trajes típicos como iniciativa de combater a “ocidentalização”. Fotos da
ISTOÉ, n° 1693, 13 de março de 2002, p.20.
Figura 13 Imagem do Popcard representando o encontro de
colecionadores de Popcard.
Figura 14 – Capa da revista Collector’s Magazine.
http://www.ipcolecionismo.com.br/revista.php
Figura 15 – Imagem do filme O colecionador.
Figura 16 – Henri Langlois.
http:// www.objectif-cinema.com/ evenements/0258.php
Figura 17 – O colecionador Antonio Leão e seu livro Dicionário de Filmes
Brasileiros.
http://www.cineminha.com.br/noticias.asp?ID=1458
Figura 18 – Centro de documentação da Cinemateca Brasileira, em São
Paulo.
www.cinemateca.com.br
Figura 19 – Instalações de filmes e fitas coloridos no prédio da Paramount
Pictures. Robert McCracken supervisona o acervo de 40.000 metros
quadrados. The permanence and care of color photographs: traditional and
digital color prints, color negatives, slides, and montion pictures, p.331.
Figura 20 Fachada do Acervo de filmes e fitas da Paramount usada
também para produção de muitos filmes. Dentro da estrutura das instalações
há equipamento de refrigeração e filtração de ar. O prédio resistente a
terremoto e a fogo tem seu sistema próprio de gerador capaz de abastecer
de energia todo o prédio por um período indefinido caso haja falta de
energia. The permanence and care of color photographs: traditional and
digital color prints, color negatives, slides, and montion pictures, p.331a.
Figura 21 – Arquivos especialmente projetados, para colocar o rolo de filme
em divisões separadas, simplificando a localização de um rolo específico. A
Paramount inaugurou um programa especial de troca das latas de filmes,
colocando latas alcalinas isoladas de papelão com o intuito de prevenir a
acumulação gradual de vapor de ácido acético, ocorrida nas latas normais.
O ar dessa instalação é filtrado para remover esses vapores. McCracken é
mostrado aqui puxando uma lata contendo um rolo de um negativo original
do filme O Poderoso Chefão – Parte II, Francis Ford Coppola (The Godfather:
parte II, 1974). The permanence and care of color photographs: traditional
and digital color prints, color negatives, slides, and montion pictures, p.332a.
Figura 22 Em cada rolo de filme ou fita é colocado um código de barra e
localização com um sistema sofisticado de inventário com base no
computador. A localização de um rolo em particular pode ser rapidamente
determinada por abertura, prateleira, fileira e número. Quando os rolos de
um filme são removidos para trabalho em laboratório são designados para o
espaço vago novos rolos pelos sistemas de computador. The permanence
and care of color photographs: traditional and digital color prints, color
negatives, slides, and montion pictures, p.332b.
Figura 23 – A Paramount Pictures tem uma produção extensa de televisão
incluindo “Entertainment Tonigth” (apresentações com mais de 100.000 fitas
com entrevistas e shows) e séries do Star Treck. Aqui são apresentadas as
principais instalações de fitas. Desde 1987 todas as produções de cinema e
TV da Paramount têm sido transferidas para fitas digitais. The permanence
and care of color photographs: traditional and digital color prints, color
negatives, slides, and montion pictures, p.332b.
Figura 24 – Uma das três novas instalações de alta segurança da Warner
Bros., sob temperatura fria em seus estúdios na Califórnia. A Warner Bros.
transferiu suas coleções de filmes para essas novas instalações de filmes
coloridos mantidos em 1.7°C e 25%RH em 1992. Aqui são apresentadas as
instalações maiores de filmes P&B que, como as outras duas, são equipadas
com arquivos móveis. John Belkmap, diretor das instalações, e Bill Hartman,
diretor da Administração de Recursos de Estoque e Pesquisas na Corporate
Film Vídeo Services da Warner Bros. Gardiner, vice-presidente das Operações
na Corporate Film Vídeo Services na Warner, aplicou 9 milhões de dólares
nesse depósito refrigerado. The permanence and care of color photographs:
traditional and digital color prints, color negatives, slides, and montion
pictures, p.333a.
Figura 25 – As novas instalações têm um sofisticado sistema de
monitoramento para verificar a qualidade do ar e determinar a presença de
alguma substância prejudicial para as películas. É apresentado aqui o
terminal conectado com o sistema cujo controle se dá por computador. The
permanence and care of color photographs: traditional and digital color
prints, color negatives, slides, and montion pictures, p.334.
Figura 26 – Câmara original dos negativos coloridos, interpositivos coloridos,
dos sistemas de cor YCM, negativos de som, e outros elementos pré-
impressos no Turner Entertainment Co. Film Library, mantidos em instalações
de alta segurança subterrâneas operadas por Records Centers de Kansas,
localizado nos arredores rurais da cidade. Quando essa fotografia foi tirada
em 1987, seu acervo chegava a mais de 50.000 latas mantidas nessas
instalações sob a temperatura de 3.3°C e 40%RH. The permanence and care
of color photographs: traditional and digital color prints, color negatives,
slides, and montion pictures, p.335.
Figura 27 – Latas contendo vários impressos de filmes. Em 1987, a Turner
armazenava vários filmes da United Artists sob acordo de distribuição desses
filmes. The permanence and care of color photographs: traditional and
digital color prints, color negatives, slides, and montion pictures, p.336.
Figura 28 – Galpão de entrada e carregamento com instalações de alta
segurança em Kansas, construída entre pilares de pedra calcária deixados
pelas operações de mineração para suportar o teto da mina. The
permanence and care of color photographs: traditional and digital color
prints, color negatives, slides, and montion pictures, p.336.
Figura 29 Base armazenada duplicada de separações P&B para ... E o
vento levou (Gone With the Wind, 1939). O clássico em technicolor em 3
cores é uma das “jóias” da coroa da coleção Turner Entertainment. The
permanence and care of color photographs: traditional and digital color
prints, color negatives, slides, and montion pictures, p.336.
Figura 30 – Negativos originais de nitrato separados de Branca de Neve e os
sete anões (Snow White and the Seven Dwarfs, 1937). O filme tem sido
exibido muitas vezes desde então e arrecadado milhões de dólares para a
Disney. The permanence and care of color photographs: traditional and
digital color prints, color negatives, slides, and montion pictures, p.354.
Figura 31 – Instalações de armazenamento de filmes coloridos da Biblioteca
do Congresso em Maryland, próxima a Washington, D.C. A umidade
controlada das instalações é mantida a 2.8°C em 25%RH. David Parker,
diretor assistente da seção de curadoria de filmes, broadcasting, gravação
da divisão de som da Biblioteca do Congresso. Stills coloridos, incluindo os
materiais coloridos das coleções da revista Look, são também armazenados
nas instalações de cor. O filme raro a base de nitrato em Technocolor
produzido pela MGM, em 1944, Meet Me in St. Louis, e dirigido por Vincente
Minnelli, também faz parte do acervo do Congresso nas instalações de
nitrato da biblioteca em Ohio. The permanence and care of color
photographs: traditional and digital color prints, color negatives, slides, and
montion pictures, p. 339.
Figura 32 – Imagem do Holocausto. Reportagem Kátia Mello para a revista
ISTOÉ, número 1690, 20 de fevereiro de 2002.
Figura 33 – Capa do CD-ROM Survivors: testimonies of the holocaust.
Reportagem de Kátia Mello para a revista ISTOÉ, número 1690, 20 de
fevereiro de 2002.
Figura 34 – A conquista do Polo, de Georges Méliès. O cinema de horror, por
Joaquim Ghirotti 11/11/2003.
http://www.omelete.com.br/cinema/artigos/base_para_artigos.asp?artigo=1
856 .
Figura 35 – Frankenstein, 1910. O cinema de horror, por Joaquim Ghirotti,
11/11/2003.
http://www.omelete.com.br/cinema/artigos/base_para_artigos.asp?artigo=1
856
Figura 36 – Conde Orlok.
http://vampiromania.globo.com/TV/canal/0,6993,1971-p-6,00.html
Figura 37 – Ator Bela Lugosi como Drácula.
Figura 38 – Personagem Golem. O cinema de horror, por Joaquim Ghirotti
11/11/2003.
http://www.omelete.com.br/cinema/artigos/base_para_artigos.asp?artigo=1
856
Figura 39 – Frankenstein.
http://www.omelete.com.br/cinema/artigos/base_para_artigos.asp?artigo=1
856
Figura 40 – Múmia.
Figura 41 – O Homem Invisível.
Figura 42 – Lobisomem.
http://www.underweb.com.br/artigos.asp?cod=542
Figura 43 – Freaks, 1932. O cinema de horror, por Joaquim Ghirotti,
11/11/2003.
http://www.omelete.com.br/cinema/artigos/base_para_artigos.asp?artigo=1
856
Figura 44 – Teatro Grand Guignol. Gênio do sistema.
Figura 45 – Capa DVD do Zé do Caixão.
Figura 46 – Revistas em quadrinhos
. The monsters show: a cultural history of
horror.
Figura 47 – Bonecos dos personagens.
Figura 48 – Botons.
Figura 49 – Copos.
Figura 50 – Colecionador Forrest J. Ackerman. The monsters show: a cultural
history of horror.
Figura 51 – Revista Famous Monsters of filmland. Edição especial de
colecionador. The monsters show: a cultural history of horror.
Figura 52 – Capas de LPs
.
Figura 53 – Livro de Campanha do filme A marca do vampiro.
Figura 54 – Cartaz do filme Abbott and Costello meet Frankenstein.
Figura 55 – Família Monstro.
http://vampiromania.globo.com/TV/canal/0,6993,1971-p-6,00.html
Figura 56 – Família Adans. The monsters show: a cultural history of horror.
Figura 57 – Personagens de Maurício de Souza.
http://www.terravista.pt/Enseada/8833/Turmapenadinho.htm
Figura 58 – Selos.
http://www.mercadolivre.com.br/jm/item?site=MLB&id=19507187
Figura 59 – Formato 1-sheet. Collectors’s compass: movie collectibles, p.55.
Figura 60 – Formato Window Card. Collectors’s compass: movie collectibles,
p.
108.
Figura 61 – Formato Lobby Card. Collectors’s compass: movie collectibles,
p.61.
Figura 62 – Formato Insert. Collectors’s compass: movie collectibles, p.43.
Figura 63 – Formato Half-sheet. Collectors’s compass: movie collectibles, p.45.
Figura 64 – Formato 3-sheet. Collectors’s compass: movie collectibles, p.109.
Figura 65 – Formato 6-sheet. Collectors’s compass: movie collectibles, p.78.
Figura 66 – Cartaz de Charlie Chaplin. Collectors’s compass: movie
collectibles, p.19.
Figura 67 – Cartaz do filme Bébé Chemineau.
http://www.studium.iar.unicamp.br/um/pg1.htm?=fotopubl.htm
Figura 68 – Cartaz do filme Um corpo que cai (Vertigo, 1957), de Alfred
Hitchcock. Collectors’s compass: movie collectibles, p.59.
Figura 69 – A depravação do homem, pôster, 1927. Design gráfico: uma
história concisa, p.55.
Figura 70 – Foto na gravação do filme A lista de Shindler. Collectors’s
compass: movie collectibles, p.79.
Figura 71 – Greta Garbo. Collectors’s compass: movie collectibles, p.98.
Figura 72 Detalhe da foto do cartaz do filme The Charge of the Light
Brigade. Collectors’s compass: movie collectibles, p.102.
Figura 73 – Hula. Collectors’s compass: movie collectibles, p.47.
Figura 74 – Metropolis, 1926. Collectors’s compass: movie collectibles, p.22.
Figura 75 – The midnighet flyer, Universal.
http://www.filmposter-archiv.de/html/anzeige_gr.php3?id=1100
Figura 76 – Capa do Livro de Campanha do filme China Seas. Collectors’s
compass: movie collectibles, p.84.
Figura 77 Capa de trás do Livro de Campanha do filme China Seas.
Collectors’s compass: movie collectibles, p.85.
Figura 78 – Kit Impresso The Emerald Forest. Collectors’s compass: movie
collectibles, p.87.
Figura 79 – Brinquedo ED 209 do filme Robocop.
http://cgi.ebay.com/ws/eBayISAPI.dll?ViewItem&item=3182225886&category
=4249#ebayphotohosting
Figura 80 – King Kong. Collectors’s compass: movie collectibles, p.17.
Figura 81 – Cartaz de O mágico de Oz. Collectors’s compass: movie
collectibles, p.61.
Figura 82 – Cartazes de filmes de Walt Disney. Collectors’s compass: movie
collectibles, p.52.
Figura 83 – Cartaz produzido por James Montgomery Flagg.
Figura 84 – Cartaz do filme A múmia, 1932. Collectors’s compass: movie
collectibles, p.51.
Figura 85 – Cartaz do filme King Kong, 1933. Collectors’s compass: movie
collectibles, p.63.
Figura 86 – Cartaz do filme Spellbolind, de Alfred Hitchcock. Collectors’s
compass: movie collectibles, p.91.
Figura 87 – Fonte expressionista em caixa alta, caixa baixa, números e
símbolos.
Figura 88 – Ícones dos filmes da Trilogia do caos.
Figura 89 – Cartaz 1.
Figura 90 – Cartaz 2.
Figura 91 – Cartaz 3.
Figura 92 – Cartaz 4.
Figura 93 – Cartaz 5.
Figura 94 – Cartaz 6.
Figura 95 – Cartaz 7.
Figura 96 – Cartaz 8.
Figura 97 – Botons da Trilogia.
Figura 98 – Ímãs.
Figura 99 – Blusa.
Figura 100 – Selos.
Figura 101 – Carimbo.
Figura 102 – Gorro.
Figura 103 – Marcador de livro frente e verso.
Figura 104 – Moeda dos filmes A flor do caos, Selenita Acusa ! e Dr. Cretinus
Retorna...
Figura 105 – Personagens.
Figura 106 – Objetos.
RESUMO
O Projeto de Mestrado em Artes Visuais tem como intuito realizar um estudo
a respeito do que faz o filme ter e ser algo colecionável. A partir do estudo
de quem é o colecionador aprofundamos a análise para os colecionadores
de cinema, abordando sua importância na preservação do cinema, suas
relações com as cinematecas e estúdios e suas características para o
processo de colecionar e classificar seus objetos. Procuramos descrever a
formação da indústria de filmes de Hollywood e seus grandes estúdios, que
criaram uma linguagem característica para instigar o desejo de colecionar
suas imagens. E, dentre desse processo, detalhamos características diversas
dos produtos atraentes para o colecionador. Abordamos o horror
enfocando os monstros clássicos da Universal como base para um dos
gêneros que mais geram colecionadores, ao lado do de ficção científica. E,
como resultado prático, criamos, a partir da produção independente Trilogia
do caos, produtos de interesse para colecionadores, dada a resposta do
público observada durante a longa produção da animação.
SUMMARY
The Project of Master's degree in Visual Arts has as intention to accomplish a
study regarding what makes the film to have and to be something collectible.
Starting from the study of who is the collector we deepened the analysis for
the movies collectors, approaching his/her importance in the preservation of
the movies, their relationships with the cinematheques and studios and their
characteristics for the process of to collect and to classify their objects. We
tried to describe the formation of the film industry in Hollywood and their great
studios, that created a characteristic language to urge the desire to collect
their images. And, among of this process, we detailed several characteristics
of the products, attractive for the collectors. We approached the horror
focusing the classic monsters of the Universal as base for one of the goods
that more generated collectors, beside the one of science fiction. And, as
practical result, we created, starting from the independent production The
chaos trilogy, products of collectors' interest, given the public's answer
observed during the long production of the animation.
INTRODUÇÃO
O ato de colecionar, como arte e prática, atravessa a História até os
dias de hoje, quando alcança um grande mercado mundial. E é dentro do
cinema que encontramos uma das mais peculiares dimensões dessa prática,
com colecionadores a buscar objetos gerados por um mundo fantástico
materializado na coleção. A imagem cinematográfica como objeto
colecionável: o colecionador na era digital pretende sistematizar os
elementos que compõem o perfil do atual colecionador de imagens
cinematográficas, um colecionador que se dedica a armazenar imagens em
movimento por natureza ilusórias e fugidias.
Examinaremos o fenômeno do colecionismo, analisando seus três
principais aspectos: o colecionador, a coleção e o objeto colecionado.
Trilhando o caminho da prática humana de reunir objetos de forma
consciente, definindo o que é colecionar diante da mera acumulação de
objetos, observaremos os limites do colecionador, até que ponto ele pode
chegar e o que é capaz de fazer para adquirir um objeto para sua coleção.
Além disso, abordaremos a amplitude dos gêneros de objetos colecionáveis
e seus aficionados, até o advento de um mercado propício aos
colecionadores, envolvendo negócio e prazer dentro de parâmetros
estipulados tanto pelos interessados quanto pelas instituições criadas para
lidar com as coleções, os museus. E chegaremos, enfim, à era digital, que
permite a máxima exploração das imagens em movimento, produzindo um
novo tipo de coleção e de colecionador.
Notamos que o colecionador de imagens em movimento já existia
desde o início do cinema, o que há de novo no fenômeno é que, na era
digital ele se massifica, e todo um mercado é criado pela indústria
cinematográfica para alimentar suas coleções. Os colecionadores de filmes
voluntária ou involuntariamente contribuíram para a preservação da história
1
do cinema, apesar das dificuldades de relacionamento entre cinéfilos,
estúdios, cinematecas e produtoras. Como extensão e institucionalização do
colecionador de filmes, abordamos a conscientização de todos aqueles
envolvidos em cinema, cada qual com um intuito diferenciado, na criação
de lugares próprios para a película, nos processos técnicos de sua
preservação, na criação de projetos voltados para as produções
cinematográficas, na disponibilização dos resultados para o espectador e na
criação de cineclubes, festivais e mercados numa nova relação entre
homem e imagem.
Na construção do imaginário observamos o poder de Hollywood em
criar a ilusão do movimento, em grandes diretores como Alfred Hitchcock,
que manipulavam o espectador através da edição (planos-seqüências,
planos alternados, planos e contra-planos), criando “rupturas” inconscientes
que provocavam, no espectador, sugestões de imagens ausentes. Ele foi um
dos primeiros mestres do marketing cinematográfico, um dos primeiros
diretores de cinema a vender a própria imagem.
Além disso, como o comércio cinematográfico surgiu desde os
primórdios, e logo após o estabelecimento de Hollywood como centro da
indústria cinematográfica, a criação do sistema de estúdios já estabelecia
um parâmetro inicial para os colecionadores de cinema, principalmente na
definição dos gêneros desenvolvidos em cada estúdio. A produção
cinematográfica diferenciava-se, em todo mundo tendo, consciente ou
inconscientemente, como modelo, o star system da indústria do cinema
americano, cujos estúdios manipulavam a imagem e criavam sistemas de
identidade visual para gerar produtos – das estrelas de cinema aos cartazes
cinematográficos, dos personagens Disney aos monstros da Universal –, os
quais por sua vez geravam colecionadores.
Lançados nas décadas de 1930 -1940, os chamados monstros
clássicos da Universal foram os precursores de um dos gêneros mais
populares do colecionismo cinematográfico, o gênero de terror e ficção
científica. Esse gênero expandiu-se para outros países, sempre utilizando o
intenso prazer dos espectadores em sentir medo no cinema e o design
2
plástico assustador dos personagens, fórmulas que produziram o grande
estouro do colecionismo cinematográfico, sobretudo entre os adolescentes.
Com os primeiros itens colecionados e o crescente interesse que tais
objetos despertavam no público cinéfilo, a indústria cinematográfica
percebeu o potencial de lucro que tinha nas mãos: a cada ano surgiam
novos colecionadores da imagem cinematográfica, e os itens colecionáveis
diversificavam-se mais e mais. Novas indústrias, associadas à indústria do
filme, passaram a fabricar produtos específicos para cada tipo de coleção.
Com a popularização da TV nos anos 1950 -1960, os produtos gerados
a partir dos filmes de sucesso diversificaram-se ainda mais, graças ao poder
de simulação cinematográfica do monitor, aproximando o colecionador
ainda mais de seu objeto de desejo.
Nos anos 1970, surgem verdadeiras estratégias de marketing
associadas ao lançamento de filmes que se tornam blockbusters mundiais,
envolvendo, a cada lançamento de arromba, a produção de dezenas de
mercadorias associadas.
Finalmente, nos anos 1980-1990, com o uso cada vez mais intensivo
da Internet e do DVD, em processo de acelerada expansão no mercado,
todo cinéfilo torna-se um potencial colecionador de imagens em
movimento.
Ao longo de nosso Mestrado, fomos aplicando os conhecimentos
adquiridos na pesquisa do colecionismo e do marketing cinematográfico na
produção da Trilogia do caos, longa-metragem experimental de animação
produzido por uma equipe de alunos e técnicos da Escola de Belas Artes,
sob a coordenação do Prof. Dr. Luiz Nazario.
No capítulo que encerra esta dissertação, relatamos como foi
imaginar e produzir uma pequena amostra de objetos que um filme possa
gerar para serem colecionados. Tendo participado da produção de A flor
do caos, de Selenita acusa! e participando ainda de Dr. Cretinus retorna...,
terceira e última parte da Trilogia, em fase de finalização, refletimos sobre o
processo de produção e exibição das animações de baixo orçamento,
levando em consideração as respostas e os interesses do público por esses
3
filmes e seus possíveis produtos. Numa produção independente, dentro de
um país sem maiores conhecimentos sobre o colecionismo, procuramos
investigar como instigar o desejo dos fãs da Trilogia em colecionar suas
imagens, levando diretores e animadores a refletirem sobre esse aspecto de
suas produções, sejam elas de cenas, cenários, planos e grafismos, para que
os artistas saibam utilizar sua fantasia para conhecer seus fãs, e neles
despertar o colecionismo, essa paixão que leva, consciente ou
inconscientemente, num mundo inseguro e arriscado, aos meios de
preservação da arte.
4
CAPÍTULO 1
Colecionando objetos do mundo
Durante séculos, desde a Pré-história até os dias contemporâneos,
observamos a tendência do homem em guardar objetos. Contudo, à
medida que a sociedade e o próprio homem passavam por transformações,
os homens com seus objetos também se modificaram. O que era antes, na
pré-história, uma simples acumulação foi transfigurado como instância de
valor e de prazer nas mãos do Colecionar, que estabelecerá uma nova
ordem entre o mundo material e o homem. Hoje, o Colecionador é
amparado por um mercado especial para muitos tipos de atividades, como
organizações, encontros, sítios, pesquisas, indústrias e outros. Assim, o
colecionar, a coleção e o colecionador, conceitos ligados entre si,
ganharam imensa importância.
Não se sabe ao certo o período exato em que foi iniciado o
Colecionismo, nome que designa a prática de se colecionar objetos de toda
espécie. Alguns pesquisadores afirmam que esta “arte” já era prática na Pré-
história, reconhecendo o costume dos homens primitivos de acumular
objetos como forma de colecionar no seu estado mais primitivo, de maneira
desorganizada; outros afirmam que esse costume associava-se a questões
de sobrevivência, não estabelecendo qualquer vínculo com o colecionar.
Pesquisadores da Universidade da Pensilvânia,
1
na Filadélfia (EUA), afirmam
que o costume de acumular desde os primórdios da humanidade só foi
diferenciado do colecionar quando estabeleceram padrões para tal,
definidos no período da Renascença, segundo Pearce.
2
1
LIMA, Renata; SERRAT NETO, Paulo Monte, artigo publicado na Revista IPC, 1ª edição,
março de 2002,
http://www.ipcolecionismo.com.br/revista.php.
2
PEARCE, Susan M. On collecting: an investigation into collecting in the European tradition,
p.58.
5
Durante a fase arcaica, lugares sagrados começaram a serem
construídos pela tendência de associar bens de valor à vida após a morte,
enterrando pessoas junto com suas jóias e armas. Segundo estudos
arqueológicos,
3
coleções de objetos foram encontradas nos palácios dos
faraós, mas seu uso e formação eram voltados como reservas econômicas
no período de guerra, e quando havia paz marcava poder e prestígio social.
Os romanos coletavam objetos de todos os lugares do império, botins de
suas guerras no Oriente, na Bretanha e no norte da África, colocando
estátuas e pinturas nos corredores de edifícios públicos, a partir do século III
a.C., para demonstrar através dessa coleção, sua fineza, educação e bom
gosto, sobretudo em relação à cultura grega. A partir do século II a.C., os
romanos ricos começaram disputas através de suas coleções, fazendo com
que os objetos fossem valorizados, levando o imperador Tibério a intervir no
mercado para conter os preços. E à falta das obras originais, cópias exatas
começaram a ser feitas pelos gregos a pedido dos romanos, e eram difíceis
de distingui-las das originais.
Passando a ser muito significativo o desejo de reunir bens de riqueza
em coleções, essa tradição acabou “disseminada” para outras terras através
de migrações. As primeiras coleções reais datam do século XIV, quando
foram transformadas em grandes museus.
4
Os objetos principais das
coleções, até meados dos anos de 1400, constituíam-se de manuscritos,
livros, mapas, porcelanas, instrumentos ópticos, astronômicos e musicais,
moedas, armas, especiarias, peles. Mas durante a Idade Média, os valores
pregados pelo cristianismo fizeram com que a prática de colecionar
mudasse, estabelecendo o desprendimento em relação aos bens. Isso
resultou na doação de muitos desses objetos para a Igreja, que acabou
reunindo uma rica e volumosa coleção. Desde meados de 400 d.C., a Igreja
já havia determinado outra forma de acumulação como ligação entre este
mundo e o mundo espiritual: as relíquias sagradas.
3
SUANO, Marlene. O que é o museu?, p.12.
4
Numa cena de Satyricon de Fellini (Satyricon, 1968), de Frederico Fellini, os heróis adentram
um museu onde estão expostos fragmentos de arte em forma de coleção: o museu seria
conhecido no Império Romano, ou tratar-se-ia de licença poética do diretor?
6
Nos séculos XV e XVI, marcados pelo Renascimento, um movimento
intenso voltado para a coleção e sua organização estabeleceu um novo
“padrão” de interesse produzindo não só uma herança de puro
conhecimento ou simples prazer. Tanto príncipes quanto colecionadores
começaram a aumentar seu interesse pelos objetos das civilizações grega e
romana. Além dos objetos da cultura popular, como artefatos, coletados de
todo o mundo através do comércio e descobertos em novos lugares durante
as viagens marítimas, os Príncipes encomendavam obras de artistas para
suas coleções, que era uma forma de representação do poder econômico
de suas famílias, mantendo a rivalidade dos clãs aristocráticos. As classes
superiores consideravam estética, quantidade e qualidade no ato de reunir
objetos, destacando o que possuíam e como possuíam bem. Assim
concebendo o que era ou não de valor, delimitavam-se através desses
poderes sociais e econômicos, inferiorizando os que eram impossibilitados de
adquirir objetos como esses, e ter acesso ao conhecimento adquirido nas
coleções. Além disso, as coleções influenciavam novos colecionares como,
por exemplo, Ferdinand II (1529-95),
5
que juntou uma larga coleção de
materiais naturais trabalhados, como coral, instrumentos científicos, material
do mundo natural (animal, vegetal e mineral) e coisas que eram
monstruosas, disformes, coisas grandes ou miniaturas, servindo como modelo
em sua época para centenas de outras acumulações levadas a cabo por
príncipes e homens. Essas coleções particulares serviram de fonte de
imagens para estudo e exemplificação da gênese das coisas, da arte, das
curiosidades de outros lugares.
Durante a Idade Média, entre 1100 e 1450, os presentes reais dados
por questões ligadas à honra, os oferecimentos sagrados e os enterros ricos,
segundo Pearce,
6
criaram noções de classificação e hierarquia, uma
estética da formas e de conteúdo das coleções. De forma sutil e gradativa,
o conceito de coleção definiu-se em relação à simples acumulação, seja
5
Cf. PEARCE, Susan M. On collecting: an investigation into collecting in the European
tradition.
6
PEARCE, Susan M. On collecting: an investigation into collecting in the European tradition.
7
em sua intenção, seja em seu conceito. A “conscientização” da vontade
humana e a lógica na organização dos objetos, alimentam cada vez mais o
discurso social e sua importância, fazendo com que cada item fosse
valorizado para além de seu valor econômico. Através da herança ou da
aquisição, a acumulação muitas vezes se transforma em coleção. Contudo,
diferenças importantes fazem o colecionar tão marcante e significativo e o
acumular algo inferior, associado ao incômodo e aos “prejuízos”, criando
lugares de depósito de “lixo”. De forma distinta, segundo Baudrillard,
7
a
acumulação dá-se por um “amontoamento de papéis, armazenamento de
alimento e acumulação serial de objetos idênticos”, quando o indivíduo não
consegue desfazer-se de seus objetos; enquanto a coleção (de colligere:
escolher e reunir) volta-se para a cultura, visando objetos diferenciados que
tenham valor de troca, objetos de conservação, de comércio, de ritual
social e de exibição, remetendo à instância das relações humanas entre
colecionadores cujo propósito é racional e metódico. Hoje, o ato de
colecionar é considerado como uma arte, e os colecionadores seguem um
processo em comum ao se tornarem “profissionais”. O conceito de coleção,
como “coletânea, compilação; como reunião de objetos de uma mesma
natureza ou que tenha qualquer relação entre si”,
8
está envolta em métodos
de pesquisa, sobretudo sobre sua formação, decorrente das suas
características acadêmicas e definição científica, como a biblioteconomia,
arquivologia e das ciências da informação que lidam com processos de
catalogação e preservação, além do mero e fundamental prazer.
Com a chegada da industrialização no século XVIII
instigando a sociedade “moderna”, nos planos sociais e familiares,
à aquisição, um sistema foi fortalecido ao criar um mundo à parte,
formado pela propriedade privada das coleções, passando a
dividir a função do objeto: uma para ser utilizado, como utensílio
sem importância no seu cotidiano e de simples consumo; e a outra
para ser possuído como objeto de investimento financeiro e pessoal, de
FIG 01 Relógio
produzido pela grife
suíça TAG Heuer.
7
BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos, pág. 111.
8
Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, p.429.
8
fascínio, desejo e projeção. A proliferação de bens materiais fez com que
uma onda de produtos manufaturados e um vasto número de objetos
fossem criados em série voltados para o consumidor, levando-o a um ciclo
de anseio, compra e uso, ressarcidos em lojas e casas que incluíam materiais
de coleção originados dessa procura. Um novo mercado de produção e
consumo de mercadorias, para colecionadores, fez com que novos tipos de
coleção fossem se formando, passando concentrar-se objetos raros e
curiosos, como parte da tendência consumista que se estabelecia. A partir
desse momento, a estética e o link ao qual o objeto é associado passaram a
atuar como ferramentas narrativas de manipulação para todos os tipos de
metas sociais.
Com esse novo mercado, principalmente a partir da metade do
século XX, cada vez mais pessoas passaram a colecionar, numa explosão de
objetos e imagens que adquiriram novos aspectos e design, incitando as
coleções mais exóticas. Os melhores objetos passaram a serem reunidos em
coletâneas, transformados em itens a serem colecionados, lançados no
mercado sob números limitados. Em 2002, por exemplo, a grife suíça TAG
Heuer lançou no mercado uma edição limitada do relógio Link Senna,
9
com
somente 1.991 peças, aludindo ao ano em que o piloto Airton Senna
conquistou seu último campeonato mundial. Suas características de vidro de
safira, pulseira de aço escovado e mostrador que exibe o S de Senna, levou
seu exemplar a custar R$ 8.470,00, no Brasil. O mercado da coleção utiliza
um sistema de significações – imagem, gesto, ritos, vestuário – para dar
qualidades que implicarão mais sentidos especiais e emocionais, exercendo
um efeito mágico sobre o proprietário. Foi a partir da imagem, em 1620, que
o colecionador “libertou-se” daquilo que “se devia” colecionar, tanto em
relação ao tipo de objeto quanto quem poderia colecionar, quando o
estudioso Cassiano dal Pozzo, substituindo objetos verdadeiros por imagens
encomendadas para desenhistas profissionais acabou formando uma
9
ISTOÉ, 3
de abril de 2002.
9
coleção que deu origem ao Museu do Papel - primeiro indício de um novo
tipo de colecionismo.
10
Morando atualmente no município de Arcos,
mais precisamente no vilarejo de Calciolândia,
Abelardo de Carvalho
11
é um colecionador de fotos
que se enquadra dentro das coleções “exóticas”.
Sua
coleção começou há 20 anos, na década de 1980,
quando uma senhora lhe deu duas fotos de crianças
mortas. Ele começou a pesquisar outras fotos antigas
para escrever um romance, quando encontrou outras
fotos no mesmo estilo: “Entendi que, além de me
fascinarem, existia um grande número delas”. A partir
daí, há dois anos, ele começou a colecionar fotos de
forma “consciente”.
Sua coleção, que reúne também documentos como
cartas, procurações, cadernos de anotação e objetos pessoais,
divide-se
entre
fotos antigas do Vilarejo de Porto Real do São Francisco, datadas de
1880 a 1930, que está sendo subdividida e praticamente finalizada, segundo
ele, e a coleção de fotos
de pessoas mortas, semelhante às do filme Os
outros. S
eu desejo de adquirir e buscar fotos desse gênero ampliou-se
gradativamente: “A coleção dos mortos ainda está em processo. Para esta,
não há nem tempo nem espaço, ou seja, independe de época e
localização”. Antigamente, quando as pessoas morriam, era costume
colocá-las num tipo de cenário montado, com pano de fundo, flores e
vestes finas. Algumas dessas fotos remetem a pinturas de Gustav Klimt.
Abelardo considera-as “obras de arte”. Seu fascino pelas fotos se dá tanto
pelas imagens quanto pelo próprio objeto foto: “T
em foto que me fascina
pela imagem propriamente dita, pela cena retratada, pela composição,
pelos volumes, pelos arranjos, pelo inusitado da cena. Outras vezes, o
paspartu, o craquelado, as interferências, as dedicatórias e até mesmo os
FIG. 02 – Abelardo de Carvalho
entre suas fotos emolduradas
segurando uma fotografia de
pessoa morta de sua coleção de
fotografias de falecidos.
10
MANGUEL, Alberto. No bosque do espelho: ensaios sobre as palavras e o mundo, p.169.
11
Entrevista concedida ao projeto de pesquisa de Mestrado em setembro de 2003, ver
anexo I.
10
danos causados pelo tempo me fascinam tanto quanto a imagem em si”.
Ele d
edica bom tempo catalogando as fotos; e apenas uma vez, durante
um evento cultural na PUC Minas Arcos, onde era professor, pensou em
expô-las. Hoje, na fase final de conclusão de seu livro iconográfico, Abelardo
prepara uma exposição para acompanhar o lançamento. Após escolher
suas fotos
por região e época, de 1880 a 1930, sendo essencial sua
originalidade, Abelardo as classifica por monumentos, patriarcas, casais,
crianças, féretros e instituições, procurando sempre identificar pelo menos o
nome e a história do fotografado, o nome do fotógrafo, a data, o local e, se
possível, em que circunstância aquela foto foi tirada
. Sempre que possível
Abelardo
discute “suas fotos” com outras pessoas, pelo prazer que encontra
nisso e também como uma forma de rastreamento. Isso o faz adquirir pistas,
pois todas elas podem ser valiosas para ele, pois “alguém sempre se lembra
de ter visto uma foto interessante em algum lugar”. No momento, algumas
de suas fotos estão emolduradas, enquanto outras, encontram-se guardadas
num grande baú.
As curiosidades das suas fotos antigas são várias,
comprovando muitas vezes histórias que eram tidas por
lendas. Uma delas é a do sedutor que tinha um cacho de
cabelo dourado que diziam servir para conquistar as suas
pretendentes; em uma de suas fotos aparece realmente um
homem com essas características. Outra história é a do
automóvel comprado no Rio de Janeiro, na década de 1920,
e que chegou à estação ferroviária sem que ninguém
imaginasse que ele precisava de combustível, para andar.
F
on
IG. 03 Abelardo e seu baú,
de é guardado o restante d
e
sua coleção.
No início, Abelardo não se considerava um colecionador. Mas isso
mudou quando, segundo ele, deu-se conta que as coisas que fazia eram
características de colecionadores: “Me pego viajando trezentos ou até
quinhentos quilômetros atrás de fotos antigas que se enquadram em meu
acervo, penso que ajo tal qual um colecionador. Quando me pego
invadindo casarões antigos, não pode haver outra explicação, isto é
doença de colecionador. Portanto, me considero, sim, um colecionador”.
11
Nas últimas décadas, o colecionismo cresceu com a explosão de
informações e imagens no cinema, na tv, no vídeo, no DVD, na Internet. Os
meios de comunicação passaram a estimular o consumo das imagens
criando diálogos culturais e individuais, fazendo com que o material
colocado à disposição do mercado fosse visto com o olhar da coleção. Esse
imaginário será desenvolvido principalmente pelos estúdios de Hollywood.
Novos gêneros de colecionadores surgiram a partir de coleções de
objetos distintos, porém todos mantendo uma identidade comum. Numa
entrega constante à procura do objeto “especial”, o Colecionador pesquisa,
descobre, busca e conquista de forma lenta, gradual e consciente aquilo
que julga importante para sua coleção. Explorando a originalidade, a
individualidade, a apropriação de fatos contidos nos objetos, sua
autenticidade, sua origem, sua data, se ele pertenceu a algum personagem
importante, poderoso, e, sobretudo sua exclusividade, o colecionador é
capaz de discernir entre o que é de qualidade ou “lixo”.
O colecionador cria um universo específico dentro da coleção
através de suas próprias histórias, dificuldades e curiosidades nas
experiências e lembranças incorporam-se à coleção. Objetos pré-históricos e
antigos remetem-no ao passado; os objetos organizados dentro da coleção
são transformados num tipo de “linguagem material” criando um tempo à
parte e narrando acontecimentos de forma evolutiva, os artefatos
transformaram-se em signos e símbolos, emitindo mensagens e criando
categorias, transformados em textos para serem interpretados através de seu
culto, criando distinções entre um período e outro com sua presença física;
tornaram-se significativos para o indivíduo ou a sociedade, ao lado dos
valores morais e econômicos, como o resultado da experiência histórica, e
pessoal.
12
O tempo do colecionador não é sincronizado com seus objetos
que, se bem conservados, ganham uma espécie de imortalidade, enquanto
seu possuidor deve deixá-los por herança.
12
Cf. BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos.
12
Os objetos ativam o poder do colecionador de fundir, através da
imaginação, a “realidade virtual” com a realidade presente; a perseguição
a um objeto torna-se realidade através do colecionar. Além disso, o
colecionador dá significados sociais para os objetos, que perdem seu valor
fora da organização, quando ainda estão na cotidianidade. Como voyeurs,
segundo alguns autores, observando o tempo e as pessoas através de
“janelas” criadas pelos objetos, interpretando e reinterpretando através de
sua imaginação, os colecionadores criam um link entre as pessoas, a fantasia
do passado e eles mesmos. O objeto é a representação de uma realidade
ou de uma fantasia que se torna palpável, seus objetos podem ser vistos,
segurados com a mão, sentidos, podem ser organizados num espaço,
resumindo todos os significados que neles o colecionador investe.
Um único objeto não basta, mas o prazer de um colecionador não
está em adquirir uma grande quantidade de objetos, mas sim adquiri-los de
forma especial, sempre reiniciando uma nova trajetória, numa espécie de
“jogo” através da troca, da exibição e da posse. O colecionador é instigado
a completar sua coleção; contudo, podemos questionar até que ponto uma
coleção foi feita para ser finalizada. Alguns tipos de objetos colecionados
existem em um número limitado de variações, determinando os limites da
coleção, facilitando a tarefa do colecionador em completá-la.
13
Já existem
lugares específicos para certos objetos e para esse tipo de colecionador; o
limite é conseguir seu último objeto, é o lugar onde ele se completará;
enquanto outros são colecionados a vida inteira, pois as variações dos
objetos são infinitas dependendo do colecionador. Em ambas, a carência
do objeto excita o desejo do colecionador em adquiri-lo, desejo esse
transformado num objetivo de vida, numa meta, dando às vezes muito mais
prazer que a presença de tal item depois de adquirido. É da falta do objeto,
do inacabado, que ele necessita, sua coleção ressente-se do objeto
desejado e ausente. O colecionador obceca-se na sua procura.
13
Os norte-americanos – colecionadores fanáticos – usam comumente o termo completist
em relação a esse desejo de “completar” a coleção, ainda que com objetos de menor
importância, experimentado intensamente pelos colecionadores.
13
Outro aspecto que define os colecionadores é o fato de alguns
colecionarem como hobby, como atividade de prazer, satisfação e
passatempo, enquanto outros colecionam como meio de investimento no
mercado da coleção, onde os objetos serão valorizados e futuramente
negociados. Um exemplo é Irlei Soares das Neves,
14
um negociante e
colecionador que lida com numismática. Segundo ele, há muitas diferenças
entre os dois tipos de colecionadores; no seu caso, “as duas situações
caminham e convivem juntas e ambos são uns desafios e sinto cada vez
mais entusiasmo tanto como colecionador e comerciante. É o seguinte: se
surge uma peça raríssima e realmente de difícil aquisição de um novo
exemplar, eu não a vendo, ela é minha, agora, se alguém quer pagar-me
um bom preço por ela e se vejo a possibilidade de adquirir outra e se possível
melhor, por quê não vendê-la? Quem está no ramo sabe quase que com
certeza quais as peças podem ser negociadas e quais devem ser mantidas”.
Os fatores sociais, culturais e econômicos através da ocupação, o
padrão financeiro, o estilo de vida, a personalidade, idade, sexo e o estágio
da vida, influenciam na coleção determinando temas e aspectos para se
colecionar. As mulheres tendem a colecionar objetos mais femininos, como
bonecas, como um tipo de decoração, objetos de cozinha, especialmente
através de shoppings; enquanto os homens tendem a gostar de colecionar
coisas mais masculinas, que projetem sua própria imagem, como armas,
carros, relógios, tendências essas reforçadas pela sociedade. Geralmente no
âmbito familiar, são os presentes, além dos objetos comprados ou deixados
como herança que constituem o início do processo de colecionar. Com o
apoio da família, o link entre dar presente e a coleção torna-se estreito,
levando amigos e parentes a aumentar a coleção do colecionador. Porém,
algumas vezes atritos são gerados quando não há este apoio, onde
trancadas em quartos ou escondidas, as coleções dividem os mesmos
espaços domésticos com os membros da família.
14
Com o nome de Numismática Neves Ltda. Irlei tem sede na Galeria do Othon Palace
hotel, em Belo Horizonte. A numismática consiste em lidar com moedas e medalhas.
Entrevista concebida através de um questionário elaborado para os fins da pesquisa de
Mestrado. Ver anexo II.
14
Diante dessa interação com o mundo material para se formar uma
coleção, o colecionador se envolve numa estrutura que lida com diversas
relações diante de seus objetos como limpeza, quem pode tocá-los ou não;
exposição; segredos mais importantes; próxima aquisição; relacionamento
físico com o objeto no seu dia a dia. É com a família, os amigos, colegas de
trabalho, grupos especializados, observadores e curadores que, de forma
indireta, o colecionador “divide” sua coleção, participando suas
necessidades de querer, ter, possuir, saber e dividir. Sua coleção passou a
ser, a partir do momento em que o objeto foi selecionado, possuído,
organizado com seus padrões e ligado a ele, o espelho da sua
personalidade, seu cotidiano, seu meio social como uma espécie de
biografia material, “amadurecendo” ao longo dos anos. Assim, como
exemplo de passatempo e identidade através da coleção, vemos Brent,
15
um dançarino homossexual descrito por Pearce: ele coleciona bonecas
Barbies e, entre elas, um Bob vestindo rosa e agindo como fada madrinha,
enquanto as outras bonecas são usadas como simples coadjuvantes; onde
uma delas é chamada de “Miss Piggy”(Senhorita Porquinha).
O objeto colecionado torna-se sagrado, à medida que ele é
arrancado de seu contexto verdadeiro passando a ser “morto”, para
receber a imortalidade na coleção, aumentando o valor de importância
onde lhe é dado um discurso social de valor, riqueza e prestígio. Segundo
Hubert e Mauss, um objeto torna-se sagrado a partir do esforço e sacrifício,
fazendo mudar o caráter de sua existência: passando pelo sacrifício na
forma da morte para a eternidade através da vida.
16
Na vida moderna os objetos tendem a ser revalorizados tornando-se
peças de museus e/ou de coleções particulares. No intuito de manter o
objeto vivo através da preservação, o Colecionismo expandiu-se através da
criação de museus, bibliotecas, e acervos, onde a coleção, além de
preservada, transformou-se num suporte para a informação. E à medida que
15
PEARCE, Susan M. On collecting: an investigation into collecting in the European tradition,
p.211.
16
Cf. PEARCE, Susan M. On collecting: an investigation into collecting in the European
tradition.
15
tecnologia e o acúmulo de conhecimento ramificaram para outras áreas do
conhecimento, quando surgiu o cinema, por exemplo, necessitando manter
a memória em movimento através da película cinematográfica, criaram-se
as cinematecas. Com a Internet, proliferam os Bancos de Dados. O museu
teve origem na Grécia com o nome de Mouseîon, ou “templo das musas”
17
como mistura de templo e instituição de pesquisa voltada principalmente
para a filosofia. Após duas guerras mundiais e com a sociedade mercantil, a
criação do museu, segundo Alberto Manguel,
18
fez ressarcir três medos
gerados diante do colecionador: o medo da perda – o prédio não permitiria
que as coleções se espalhassem, pois seu valor era visto como cumulativo; o
medo da deterioração – a instituição protegeria a coleção contra roubo e o
tempo; e medo do excesso – exigindo espaço para o crescimento da
coleção. Para dar sentido à coleção, o colecionador divide o espaço em
regiões e o tempo em períodos, passando à escolha do tema, à aquisição, à
preservação e à catalogação; assim, utilizando esses mesmos processos
metodológicos da coleção, coube a essas instituições organizar seu
conhecimento como fonte para diversos campos do saber, buscando reunir
os fatos para recompor a história através de textos, imagens e, sobretudo, do
objeto em si.
Durante os séculos XV a XVIII, como os desenvolvimentos intelectuais
e culturais estavam em alta, coleções tradicionais foram formadas através
de estudos da ciência natural, história acadêmica, arqueologia,
antropologia e história da arte, estabelecendo parâmetros e dando
significados aos objetos ou grupos de materiais coletados antes mesmo do
conceito ou significado do processo de colecionar ser estabelecido. Além
disso, através da política mercantilista, vários tesouros nacionais foram
formados, principalmente sob a forma de ouro e prata. Todas essas coleções
foram acumulando conhecimento, revelando curiosidades e peculiaridades,
17
As musas eram filhas de Zeus gerada com Mnemosine, a divindade da memória. Elas qual
possuíam uma memória irrepreensível, imaginação criativa e presciência, ajudando os
homens, com suas danças, músicas e histórias, a esquecerem suas ansiedades e tristezas.
18
Cf. MANGEL, Alberto. No bosque do espelho.
16
mantendo a memória através da cultura do material que mostrou sua
própria força ao longo do tempo.
Até por volta do século XVIII, a coleção foi descrita pela palavra
museu, mas o sentido do seu significado tornou-se uma metáfora para uma
tendência do século XVI e XVII de compilar um tema, abrangendo uma
fonte de conhecimento através de uma estrutura que combinava o estudo
crítico da ciência (através da apresentação de conhecimento nos seus
resultados, princípios e hipóteses) com a necessidade social para uma
importante exposição. E foi, segundo Marlene Suano, a política econômica
deste período até o séc. XVIII que gerou a “política educacional e cultural
responsável em parte pela ampliação e acesso às grandes coleções”.
19
As
visitas começaram gradativamente a serem abertas ao público nas galerias
de palácios, “gabinetes” e “museus”, como eram chamados esses lugares
onde eram mantidas coleções. Em 1600, o colecionador de metais e
naturalista Aldovrando Bologna chegou a utilizar a palavra para uma
compilação publicada sob o nome de “Museum Metallicum”.
Assim começou a surgir vários espaços como esses em toda Europa,
porém os colecionadores reagiram às entradas das pessoas declamando
que “as visitas do povo rompiam o ‘clima de contemplação’ em que os
objetos deveriam ser apreciados”,
20
devido às atitudes desrespeitosas nesses
espaços “novos”, além de roubos dos objetos. O costume do público era ver
esse tipo de objeto raro e curioso em circos e feiras ambulantes; assim,
quando surgiram esses espaços, não souberam adaptar-se às condições
“necessárias” de comportamento, levando, assim, restrições às visitações
públicas, que se tornaram confusas.
Com a Revolução Francesa, em 1789, o acesso às grandes coleções
foi aberto definitivamente, tornando esses espaços efetivamente públicos. A
criação, a partir de 1791, de quatro museus – o Louvre (1793), o Museu dos
Monumentos, o Museu da História Natural e o Museu de Artes e Ofícios –
estende-se o hábito ao resto do mundo. Foram inaugurados, entre o final do
19
SUANO, Marlene. O que é museu?, p.26.
20
SUANO, Marlene.O que é museu?, p.26.
17
século XVIII e primeira metade do século XIX, o Belvedere, em Viena (1783); o
Museu Real dos Países-Baixos, em Amsterdã (1808); o Museu do Prado, em
Madri (1819); o Altes Museum, em Berlim (1810); o Museu Hermitage, em São
Petersburgo (1852).
O desenvolvimento da ciência no século XIX tirou da coleção o
caráter de simples curiosidade e deu-lhe o estatuto científico que até hoje a
acompanha. E coleções formadas por amadores tornaram-se muitas vezes
de grande valor para a pesquisa científica, quando constavam de dados
essenciais para identificação e proveniência dos espécimes e ou objetos.
Envolvendo esta paixão pela antiguidade clássica do século XVIII, estão as
“grandes exposições” dos objetos e instrumentos que antes eram produzidos
de modo artesanal e que passaram a ser feitos em escala industrial; e a
mentalidade classificatória da ciência que os museus começaram a mudar
remanejando internamente suas coleções, distribuindo responsabilidade e
estabelecendo planos de ação.
21
Logo após a Segunda Guerra Mundial, os
museus passaram a refletir os interesses das sociedades mais avançadas, a
européia e americana.
Assim, o museu tornou-se um estabelecimento permanente criado
para conservar, estudar, valorizar pelos diversos modos, e, sobretudo, expor,
para o prazer e a educação do público, coleções de interesse artístico,
histórico e técnico,
22
através de pesquisas de campo e de seu acervo,
incluindo atividades de restauro, conservação e publicação. O museu foi
assim transformado de simples sala de exibição numa das principais
instituições de encontro social do mundo moderno. Estabelecendo o que
deve ser exposto através de conceitos do que é “bom” ou “ruim” e dando
às coleções um sentido de status, o museu aumentou ainda mais a
importância do objeto, levando-o à imortalidade e aumentando seu valor
no mercado de antiguidades. O museu disseminou seus conceitos
estabelecendo como regra em todo o mundo; as coleções caseiras já
organizadas e qualificadas passam a ter seu status diminuído com o risco de
21
SUANO, Marlene.O que é museu?, p.37.
22
Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, p.1174.
18
serem colocadas no grupo de “objetos-lixo. Com isso um novo tipo de
público foi moldado enquanto a exibição passou a ser uma narrativa
exploratória do mundo moderno, junto com os livros impressos, marcando
um padrão incorporado para impor o modelo das coisas.
Hoje, contamos com vários tipos de museus, em sua maioria os
enciclopédicos, históricos e tecnológicos voltados para recuperar o passado;
os museus de história natural e os de artes plásticas que procuram coletar o
presente; e os museus “alternativos”, diferentes do tradicional, como o
“museu do sexo” na Holanda ou o “museu das fezes” na Alemanha; ou
ainda os museus criados para “levar o museu ao público”, os museus
itinerantes, os museus de agricultura; há também novos museus que
procuram alertar contra males sociais, como osmuseus da tolerância; e os
“museus virtuais”, onde objetos são transferidos para a tela do computador,
como dados e imagens, podendo ser achados e “manipulados” numa
exibição virtual, possibilitando determinar a ordem e a forma, mostrando
como coleções podem refletir uma estrutura universal e como o
agrupamento de objetos cria significado.
Alguns pesquisadores que estudam o museu, preocupados em lidar
com as coleções, aprofundam seus conhecimentos sobre o colecionismo a
fim de poder dividi-las em categorias de reserva e prestígio social, de valor
mágico (como aqueles usados em rituais sagrados), de lealdade de grupo
(pela necessidade de firmar raízes e origens culturais), de curiosidade e de
pesquisa.
23
Um dos grandes aumentos das coleções nos museus deu-se,
sobretudo, com as coleções particulares doadas ou adquiridas. Grande
parte das coleções dos museus não é exibida, mas guardada nos subsolos
com o nome de reserva técnica. Após a classificação que determinará quais
objetos serão ou não exibidos, geralmente alguns a não serem expostos
muitas vezes é decorrente da falta de espaço nas instituições para exibi-las
ou devido à fragilidade do próprio objeto pelo seu risco de dano. Nesses
23
SUANO, Marlene. O que é museu?, p.11.
19
espaços cujo acesso, temperatura, umidade e segurança são altamente
controlados, podemos encontrar obras importantes e únicas na história.
Sob portas de ferro que chegam até dez centímetros de espessura,
segurança 24 horas com entradas restritas, controle de temperatura e
umidade, e proibição de fotografar, as reservas técnicas no Brasil guardam
obras de grandes artistas de todo o mundo; no MASP, há, entre eles,
Brecheret, Monet e Di Cavalcanti; no MAC – Museu de Arte
Contemporânea, da USP, peças como a escultura Formas Únicas da
Continuidade no Espaço do italiano Umberto Boccioni (1882-1916), doada
nos anos 60 pelo colecionador Francisco Matarazzo Sobrinho quando o
museu foi inaugurado; na Pinacoteca do Estado obras de Volpi, Portinari,
além de uma mala de Tarcila do Amaral contendo estojos de tinta, um
cavalete, e seu vestido de noiva; no MAM – Museu de Arte Moderna – com
apenas 90 peças sendo expostas pela falta de espaço, 3.700 obras
encontram-se guardadas na reserva técnica. No final de 2004, mais um
museu deve ser inaugurado onde viveu a colecionadora Ema Gordon
Klabin, que morreu em 1994 deixando 1.500 peças reunidas desde os anos
1940. Alguns anos antes, Klabin havia criado uma fundação para que sua
coleção tivesse um destino garantido, pois não possuía herdeiros.
24
Hoje, a
guerra, o terrorismo e o fanatismo religioso estão ameaçando o acervo dos
museus através de saques e destruição dos objetos. É o caso das preciosas
coleções arqueológicas do Museu Nacional do Afeganistão destruídas pelos
Talibãs, que também explodiram com TNT as duas estátuas dos Budas
gigantes de Bamiyán, esculpidos há mais de 1.550 anos, sendo uma delas o
maior Buda do mundo, indiferentes aos apelos liderados pela UNESCO, que
ofereceu uma fortuna para que os fanáticos poupassem esse patrimônio da
humanidade. O artista plástico brasileiro Arthur Omar esteve no local, depois
da libertação do Afeganistão, recolhendo pedaços das estátuas,
projetando, com essa coleção de fragmentos, recriar virtualmente os Budas
destruídos.
24
BERGAMO, Mônica. Folha de S.Paulo, 1 de fevereiro de 2004.
20
FIG. 05 A mala
de Tarsila do
Amaral doada pela
família da pintora à
Pinacoteca.
FIG. 04 – Reserva
técnica do Museu de
Arte Moderna, no
Ibirapuera, onde
está
guardada a maior
parte de 3.776 obras
do acervo.
Em Santo André (SP), o colecionador Alceu Massini mantém uma
espécie de museu de televisores antigos,
25
com cerca de 700 modelos da
época, reunidos desde os anos 1980 quando, percebendo que muitos
aparelhos velhos estavam indo para o lixo, começou a guardá-los. Sua
primeira aquisição foi um aparelho de TV de 1956, da marca Invictus, que
estava esquecido na casa de seu avô durante
25 anos. A busca levou Massini a freqüentar
feiras de antiguidades para adquirir TVs
antigas, com mais de 30 anos. Restaurando
muitas dessas tvs, Massini descobria que “havia
pelo menos 80 marcas de televisores que eram
fabricados no Brasil. Com a chegada da TV em
cores, a maioria das empresas não conseguiu competir no mercado”. O
museu conta com um sítio
26
para a troca de informações com outros
colecionadores apaixonados com o sistema preto e branco, oferecendo
detalhes sobre o acervo. Nas casas de antiguidades, algumas TVs são
consideradas relíquias por colecionadores.
FIG. 06Alceu Massini, criador do museu
de televisores.
Desde o século XVIII, outros tipos de organizações foram criadas,
como The Society of Antiquaries of London, fundada em 1717, e o Dilettante
Society, fundada em 1733,
27
também em Londres, possibilitando aos
25
BORTOLOTI, Marcelo. “Retrato em Preto e Branco”, Folha de S. Paulo, 18 de abril de 2004,
p.E8.
26
www.televisoresantigos.com.br
27
PEARCE, Susan M. On collecting: an investigation into collecting in the european tradition,
p.230.
21
colecionadores discutirem suas coleções dentro de um objetivo comum.
Numa época em que não se contava com o apoio das mídias, como meio
de divulgação e facilidade de interagir com colecionadores de outros
lugares ou países, esses colecionadores estavam “limitados” às fronteiras de
suas dificuldades de locomoção. Contudo, com o passar do tempo, essas
organizações foram se organizando e criando redes de clubes, incluindo fã-
clubes, revistas, programas de rádio e TV locais, nacionais e mundiais,
apoiadas e instigadas pelo mercado. Os aparatos relacionados aos
colecionadores de massa criaram novos grupos a partir de empresas ou
estúdios aumentando o número de pessoas que se tornaram
colecionadoras. Fortalecendo ainda mais o lado do relacionamento para o
colecionador acompanhar amplamente as atividades relacionadas à
coleção e interagir melhor com este mundo do objeto colecionável, essas
organizações passaram a se estruturar a partir de mensalidades, boletins,
carteirinhas e sede, representando uma espécie de “tribo” com pessoas de
igual objetivo “sagrado”. Contudo, a relação dentro deste grupo instiga
sentimentos opostos entre eles, como cumplicidade e desconfiança, cada
qual tentando sobressair-se de forma a impressionar exibindo o que eles
conseguiram ao mesmo tempo em que se protegem enquanto grupo e seus
objetos, em rituais secretos.
O fã-clube é uma das formas nas quais o colecionismo concretizou-se
enquanto grupo popular, de forma que o fã é uma espécie de colecionador
em suspensão, sempre impossibilitado de ter seu “objeto”. Diferenciando-se
dos outros gêneros de colecionadores, seu “objeto” idolatrado é humano,
possibilitando dar uma resposta direta de sentimento, de cumplicidade
quando ele tem a oportunidade de encontrá-lo pessoalmente. Contudo, é
impossível para o fã ter o objeto principal da sua coleção – o artista
cultivado – passando a ter outros objetos na coleção, para se tornar ele
mesmo parecido com o artista ou ligado e mais próximo a ele, podendo
tocar neles, senti-los, cheira-los, apreciá-los também. O fã-clube se torna
uma forte fonte de publicidade de divulgação, uma espécie de empresa,
22
levando a sério e profissionalmente o “colecionar”, às vezes mais que o
“simples” colecionador.
Os colecionadores destas organizações e fora delas ganharam
lugares específicos para a troca ou compra dos seus objetos. Nos leilões, eles
têm a oportunidade de encontrar objetos raros ou únicos para a coleção,
passando a ser uma espécie de “competição” através da venda do objeto
que ele deseja. Os leilões envolvem a venda pelo lance mais alto nos objetos
com o propósito de valer algum dinheiro, sobre pinturas, esculturas, jóias e
relógios. A corrida na qual seu instinto de “caça” torna-se mais acirrado para
adquirir mais um item para sua coleção faz daquele um ritual fascinante,
onde o tempo, a ordem e o ritmo são essenciais. É aí que a busca do objeto
torna-se uma espécie de jogo, onde há o vencedor possuidor de um lado,
com um objeto único talvez, e o perdedor, do outro lado, decorrendo o
significado de importância social do objeto e estabelecendo seu valor
econômico. Há ainda, outro tipo de leilão criado, através dos meios de
comunicação e informação, como a TV a cabo, onde o comprador ausente
participa via telefone acompanhando através da tela; e a Internet, através
de um espaço virtual, onde as imagens e descrições do objeto são dispostas
para o colecionador, informando seus dados para possibilitar a compra. Nas
ofertas on-line de produtos, os colecionadores novatos acabam juntando-se
com os veteranos. No Brasil, a Internet é a grande responsável pela maior
participação das pessoas dentro do colecionismo, possibilitando uma
conexão instantânea entre milhares de pessoas em todo o mundo de forma
mais barata que via correio ou telefone; essa troca é fundamental no
colecionismo.
Os objetos eletrônicos também viram itens de coleção: assim como as
TVs antigas, computadores antigos também são colecionados, onde a
“maior parte dos colecionadores são geeks, viciados em tecnologia, desde
crianças até aposentados que compartilham do interesse tecnológico”,
segundo Sellam Ismail, consultor e historiador de computadores. Eles
adquirem equipamentos antigos como Apples e Zeniths em bom estado; os
exemplares raros chegam a valer uma fortuna, principalmente se estiverem
23
completos, funcionando e com acessórios e programas, como o Apple 1
(projetado por Steve Jobs e Steve Wozniak em uma garagem na Califórnia e
vendido em 1976 por 666,66 dólares) que atingiu 25.000 dólares em um leilão
no ano 2000.
28
FIG. 07 – Ursinho
Dinamarquês.
FIG. 08 Boneca Licca-
Chan.
A primeira fotografia do mundo, que data de 1825, de autoria de
Joseph Nicephore Niepce, de um garoto e um cavalo, junto com um bloco
de cartas escritas ao filho dele nas quais detalhava as técnicas
pioneiras que havia usado, foi colocado num leilão na Sotheby's
para tentar alcançar 450 mil euros (US$398 mil) em Paris. A foto
estava quase 50 anos escondida em uma residência.
29
Além
dessa, o conjunto de fotos pouco comuns de Marilyn Monroe,
impressos pelo ícone do pop Andy Warhol e pertencentes à
edição de 250 cópias publicadas por Factory Additions, de Nova
York, em 1967, foi vendido também na Sotheby’s por um
colecionador de Nova York alcançando US$346.750, pagos por
um comprador anônimo.
30
Alguns brinquedos antigos chegam a ser vendidos por
centenas de dólares nas casas de leilões como a Sothehy’s e a
Christie’s.
31
Esses brinquedos, fabricados em série com o intuito de
divertir crianças, depois de se tornarem antigos, são muito
valorizados, principalmente se estiverem em bom estado, com sua
embalagem e pintura original. Um dos brinquedos que atrai mais
colecionadores são os ursos de pelúcia, sobretudo os modelos da
primeira metade do século XX, mais valorosos devido às suas características
de fabricação. Alguns desses itens foram vendidos por preços recorde: em
1996, um ursinho achado num sótão na Dinamarca foi vendido em leilão por
R$ 100.000; um cofrinho mecânico do século XIX, medindo menos de um
palmo de altura, foi vendido por R$1,1 milhão; uma boneca chamada Licca-
28
http://br.news.yahoo.com/030102/16/9y83.html
29
TENOR, Gilberto Fernando, 23 de março de 2002, http://www.brasilcult.pro.br/ipc/
30
www.globonews.com, 5 de maio de 2001.
31
GRECCO, Sheila. VEJA, 27 de março de 2002, p.72, 73.
24
chan, rival da Barbie, cujo vestido contém 800 pedras preciosas, foi vendida
por R$1,8 milhões, enquanto as Barbies antigas saem por R$100.000.
25
FIG. 09 – Tomada da
instalação “Doador”, de Elida
T
c
E através de eventos, como encontros e mostras constantes, em todo
o mundo, tanto o colecionador dentro e fora de organizações, além das
próprias pessoas “comuns”, têm a oportunidade de conhecer pessoalmente
outros colecionadores mais “preservados” e de lugares distantes, podendo
adquirir algum objeto pela compra ou troca. Como exemplo, temos duas
mostras intituladas Apropriações/Coleções e Objetos do Desejo,
essler: conjunto de objetos
ujos nomes terminam com
‘dor’.
32
que
abrangeram as questões relacionadas ao Colecionismo, indicando que há
muitas relações entre o objeto do desejo, o objeto escolhido e o
colecionador. Enquanto uma mostra questionava o significado dos objetos
enquanto matéria-prima de um discurso artístico, estabelecendo laços
afetivos entre as pessoas e os objetos, investigando a simbologia das histórias
dessas coisas e seus nomes pela reunião de experiências de vários gêneros,
exibindo recriações malucas de bichos inexistentes através da pintura;
ampliações de retratos enigmáticos de alemães e anônimos, instalação
construída com a doação de objetos significantes de várias pessoas; a outra
se limitava à questão da paixão, da vontade de possuir cada vez mais e das
formas mais variadas um determinado objeto, como as coleções de dados,
baralhos antigos, netsukes (pequenos objetos esculpidos pelos japoneses
durante os séculos 17 e 18, em madeira, laca ou marfim,
representando fielmente infinidade de coisas do mundo
natural e sobrenatural), sapos, peixes, pingüins de
geladeiras, noivos de bolo, papéis de embalagens de
frutas, isqueiros, cromos, soldadinhos de chumbo, latas
de refrigerante, bandejas, canecas e latas de cerveja, as
diversas formas assumidas por Mona Lisa, cardápios,
caixinhas de fósforo, golas, peças de mobiliário, itens de
estilo (Barroco, Art-Deco), objetos de porcelana,
32
Mostra Apropriações e Coleções e Objetos do Desejo exposta em Porto Alegre pelo
curador Tadeu Chiarelli e organizada pelo Santander Cultural no período de 30 de junho a
29 de setembro de 2002. Cf. HIRZMAN, Maria. O Estado de S. Paulo, 30 de junho de 2002.
miniatura em geral, máquinas fotográficas, lanternas mágicas, aparelhos de
fotos estereoscópicas, dedais, pedras preciosas, selos, moedas, flâmulas,
cartazes, pesos de cristal.
26
FIG. 11 Coleção de
dados de Dado Bier
iniciada pela
coincidência de seu
nome, onde abrange
todos os tipos eneros,
dos quais muitos
foram
presenteados.
FIG. 10 –
Coleções de
sapos de João
Bri to.
Em 2002, na ocasião do aniversário de 43
anos da boneca Barbie, o Senac e a Mattel do
Brasil fizeram uma exposição reunindo 120
bonecas na Mostra Forever Barbie, em São Paulo,
retratando a trajetória da boneca que possui
colecionadores em todo o mundo. Foram exibidas
reproduções dos modelos antigos, recriações de
estrelas de Hollywood, e Barbies vestindo criações
de estilistas famosos.
FIG. 12 – Vero
ismica da Barbie e
de seu namorado
Ken, apresentada
pelo Ministério da
Educação do Irã.
o eles os gêmeos
Sara e Dara,
vestidos em trajes
típicos como
iniciativa de
combater a
“ocidentaliazação”
.
No 1º Encontro de Colecionadores Popcards
realizado em maio de 2002 em Belo Horizonte,
abrangendo todas as faixas etárias e possibilitando
uma maior participação do público, desde crianças
com papéis de carta até veteranos com
“quinquilharias”, todos puderam trocar, conversar e
ver cartões de diversas variedades, como cartões de
telefone que reune colecionadores em feiras em todo
lugar do mundo.
FIG. 13 – Imagem do Popcard
representando o encontro de
colecionadores de Popcard.
O colecionismo também passa a contar com revistas
especializadas, dando suporte para o colecionador e ligando-
os com outros colecionadores dentro de um movimento
coletivo, como a revista estrangeira especializada, distribuída
FIG. 14 Capa da revista
Collector’s Magazine
por Marshall Cavendish, intitulada What’s it Worth: The Complete to Everyday
Collectables (Qual é o valor: guia completo para colecionáveis de todos os
dias),
33
que expõe questões sobre o que poderia ser transformado em objeto
colecionável e de valor no futuro. Outras publicações fornecem pesquisas e
notícias, como é o caso da revista brasileira do I.P.C..
34
Esta última, de
grande importância, foi formatada para pesquisas com o intuito de difundir
os aspectos ligados a colecionar direcionando-se para todas as idades, nas
versões impressa e virtual. Entre seus pesquisadores, destaco Renata Lima
35
que em 1996, colaborou e prestou serviço de consultoria para a primeira
revista no Brasil a tratar do tema “colecionismo”, intitulada Collector’s
Magazine. Escrevendo dois dos artigos que se tornaram marcos no mundo
do colecionador - “A arte do colecionismo” e “O fascinante mundo das
coleções – Coca-cola” –, publicados em diversas revistas e traduzidos em
várias línguas, ele se tornou referência no assunto Colecionismo. Outro tipo
de fonte impressa é a série de livros para cada gênero de colecionadores,
intitulado Collectors’s Compass, com informações fornecidas por uma
equipe de negociantes, avaliadores, colecionadores e outros especialistas
em diversas categorias. Assim, dando suporte aos colecionadores num
formato acessível e conveniente, cada livro introduz a história de uma
33
Levando artigos ilustrados dando dicas de negociantes, close-ups nos mercados de
negócio e os tesouros de amanhã. Cf. PEARCE, Susan M. On collecting: an investigation into
collecting in the European tradition, p.49.
34
Instituto de Pesquisa do Colecionismo criado a partir de uma feira de colecionadores no
Rio de Janeiro por volta de 1982, por precursores da visão acadêmica e cientifica das
coleções, colecionadores famosos, pesquisadores e comerciantes lendários,
http://www.ipcolecionismo.com.br/revista.php
35
Pesquisadora sobre a arte do Colecionismo desde os 13 anos, Renata Lima desenvolveu e
desenvolve trabalhos dentro e fora do Brasil relacionados a este assunto. Formada em
arqueologia, foi para os EUA em 1986, a convite, para pesquisar a cultura do colecionismo,
participando de várias feiras de collectibles americanas. No ano seguinte, dedicou-se à
pesquisa sobre o colecionismo das Trade Marks e o mundo da propaganda. Em 1988,
voltando para o Brasil, trouxe com ela o conceito de Fã-clube como empresa e aplicado a
campanha política. Durante anos participou de programas de TV; desenvolveu e financiou
projetos entre eles um que originou uma loja dos colecionadores; criou junto com Rosa
Medeiros, Othilia Bettagno, Marta Seabra Fagundes, Marcio Carvalho e João Benecio a
APAG – Associação para Preservação de Antiguidades; junto com Aroldo Coronel e Helena
Oliveira (que não fazem parte da equipe atualmente) lançando no Rio de Janeiro o
primeiro Leilão de Antiguidades Gráficas e Cinema; participou de palestras escrevendo
textos, editando livros e dando palestras por todo o Brasil sobre o tema colecionismo;
participou em Londres de vários debates sobre a cultura do colecionismo; laou a revista
Pro – Col, no Rio de Janeiro, um guia do produtor e colecionador.
27
coleção particular, os aspectos fascinantes que a tornam especial e dicas
exclusivas de pesquisa de locais e preços, fornecendo sítios de interesse,
resenhas de livros e endereços úteis.
36
36
A série Collector’s compass
TM
abrange ‘50s Décor, Barbie Doll, 20th Century Glass, Jewelry,
’60s and ‘70s Decor, United States Coins, Movie Collectibles e 20th Century Dinnerware.
28
CAPÍTULO 2
A imagem do colecionador no cinema
Todo colecionador é um pouco patológico. Em
ensaios e romances psicológicos, eles são considerados
desviados, reafirmando o que havia escrito Sigmund
Freud sobre coleções como sublimação de
experiências sexuais frustradas; na medicina, eles são
suspeitos de sofrer de transtorno obsessivo, manias.
Esses olhares vêem o colecionismo como uma expressão doentia; porém, há
outro olhar que percebe o colecionismo como uma meta de investimento
ou meio saudável de distração e entretenimento. Creio que os
colecionadores se dividem, entre os doentios e os saudáveis – que
colecionam histórias para serem contadas, interagindo com outras pessoas e
se divertindo com isso. Já no filme O colecinador (The Collector, 1965),
dirigido por Willian Wyler
37
e adaptado do romance homônimo de John
Fowles, acompanhamos, numa narrativa fictícia, uma das formas doentias
da paixão do colecionador. Interpretado quase exclusivamente por Terence
Stamp (Freddy Clegg/ Franklin) e Samantha Eggar (Miranda Grey), com
passagens breves de atores coadjuvantes – colegas de trabalho, uma tia
histérica e um vizinho enxerido – o filme apresenta uma trama mista de
suspense, drama e terror. Com grande economia de recursos, praticamente
apenas os dois protagonistas conseguem envolver o espectador, fazendo-o
compartilhar sentimentos que se alternam entre a cumplicidade e a dúvida
FIG. 15 Imagem do filme
O
colecionador.
37
Willian Wyler nascido em Haut-Rhin, Alsace, França no ano de 1902, fez aproximados 68
filmes, dos quais obteve grande sucesso em Hollywood, sobretudo com Jezebel (1938), A
Carta (The Letter1940), Tarde Demais (The Heiress – 1949), A Princesa e o Plebeu (Roman
Holiday – 1953), Horas de Desespero (Desperate Hours – 1955), Bem Hur (1959) e Funny Girl – A
Garota Genial (Funny Girl – 1968), que lhe renderam o Oscar, além do famoso O morro dos
ventos uivantes (Wuthering Heights -1939). Foi o mais jovem diretor da Universal Pictures
quando iniciou sua carreira, em 1925.
29
sobre os reais objetivos de um colecionador de borboletas. O filme divide-se
em três blocos, uma espécie de processo metodológico: 1º. A captura do
objeto de desejo; 2º. A aproximação, ou o “tratamento”, o conhecimento e
o envolvimento mais aprofundado com o objeto amado; e 3º. O desfecho, o
objeto amado colecionado emoldurado, seguido do reinício de uma nova
busca, através do desejo insaciado para se conseguir outro objeto para sua
coleção.
1º. A CAPTURA
Num campo verde e florido, um homem aparece, correndo
mansamente com uma rede de caçar borboletas. Ele dá uma paradinha, e
continua correndo. A câmera o acompanha pelo campo, enquadrando
árvores no lado esquerdo da tela. Neste momento, Wyler nos apresenta o
personagem – título. Ele ainda corre no canto esquerdo da tela em direção
às árvores; o título do filme aparece, O colecionador, tomando o lado direito
da tela sobre o fundo verde da grama.
Ao sair de detrás da árvore ainda correndo, num outro plano, ele vai
parando e, como um caçador, lança sua rede. Através de um plano
detalhe, vemos uma borboleta e, em seguida, as mãos do homem
colocando-a num vidro, numa indicação de que esse homem coleciona
borboletas. Voltando-se para trás, ele se depara com uma casa e, andando
em sua direção, vê que está à venda. Observando uma adega, na parte
frontal da casa, ele desce a escada que o leva até a porta, na parte
subterrânea, para conhecê-la. Após alguns minutos a observar esse espaço,
num clima de suspense pontuado pela música que começa a tocar, ele vai
saindo da adega e, pelo plano detalhe de seu rosto, sugere-se ao
espectador que ele planeja algo, de que é ali que a história vai se passar, de
que aquele lugar é “especial”. Já do lado de fora, e apoiando-se no telhado
da adega, num enquadramento dele com a casa ao fundo, enorme, ele
olha para a janela da casa, enquanto seu rosto está no mesmo nível da
janela de vidro que fica entre listas de madeira, como as grades de uma
30
prisão. Em off, falando ao espectador, ele diz sentir-se só, e que talvez nunca
pudesse levar seu plano adiante, confirmando a sugestão de algum algo.
A partir daí, o espectador é levado a tornar parte de uma caça,
através de um olhar subjetivo lançado através da janela do carro,
mostrando-nos uma escola de arte. Freddy esta dentro do carro em frente à
escola. Sabendo exatamente o que faz, e quem vai sair da escola,
percebemos que há tempos ele realiza aquele ritual de observação.
Descendo uma escada junto a outros colegas, feliz e de forma saltitante,
uma moça vestindo uma blusa amarela e de cabelos vermelhos aparece,
destacando-se dos demais, como se fosse uma borboleta no seu habitat,
uma espécie rara e diferente. É dessa forma que Wyler nos apresenta o outro
personagem da trama a quem Freddy reserva um lugar tão especial.
Enquanto a moça caminha, ele a acompanha em seu carro, e durante todo
esse percurso em que ela está sempre emoldura pela janela, vê-se que ela
tem um amante e que é uma mulher desejada. Dentro do carro, ao abrir o
porta-luva, Wyler nos mostra um vidro de clorofórmio, que é destacado num
plano detalhe. O espectador tem a sensação de que aquele homem é
perigoso e que Freddy pretende alguma coisa. Conhecendo o trajeto da
garota, ele adianta o carro e pára num beco. Ela vai se aproximando, e
chegando no beco, é obrigada a dar a volta no carro para o lado direito,
onde ele a espera na porta da Kombi. Ouve-se um grito e, em seguida,
vemos Freddy usando o clorofórmio para fazer a garota dormir. Ao chegar
em casa, ele a coloca na adega, lugar preparado especialmente para seu
objeto de desejo. Freddy entra na cozinha para lavar o rosto e vemos um
calendário preso na parede, entre a porta lateral e a pia. Esse calendário
será importante mais tarde para marcar o período de “incubação” da
prisioneira. Enquanto se limpa, Freddy vê a chuva cair pela janela, e sai feliz
como se tivesse conquistado um novo item em sua coleção. Ele sai para
poder sentir a chuva e começa a rodopiar ao lado da adega, deitando
logo em seguida para sentir a chuva cair em seu rosto, e começa a
relembrar seu passado. Através desse flashback, o espectador conhece
31
melhor seu ambiente de trabalho e porque ele conseguiu realizar seus planos
que, a partir desse momento, começa a ficar mais claro. Ele precisava de
dinheiro para sustentar um “seqüestro”. Freddy Clegg é um bancário, em
Londres, solitário, quieto e insignificante. Sentado longe de todos no
escritório, seus colegas fazem chacota e brincadeiras com ele, colocando
borboletas sobre sua cabeça, irritando-o. Depois dessas brincadeiras,
seguindo o ritmo normal do escritório, sua tia chega no balcão chamando-o,
fazendo-o sentir-se mais envergonhado. Ela conta que ele ganhou na loteria,
fato este que lhe permitirá saciar seu acalentado desejo. Nos 17 primeiros
minutos de filme, Wyler nos apresenta seus dois personagens e, de forma
construtiva, os espaços das ações: campo, rua, casa, adega.
2º A APROXIMAÇÃO
Ao acordar, Miranda tenta reconhecer o lugar. Grita e começa a
observar roupas de seu tamanho e livros de arte; percebe que aquele lugar
foi preparado para ela. Um pouco depois, Freddy chega, trazendo uma
bandeja com comida. Ela tenta explicar que não é rica. Freddy apresenta-
nos sua presa através do diálogo, demonstrando conhecê-la: “Miranda
Grey, filha do Dr. James Grey”; e diz tê-la visto com aquelas cores que
ficaram bem para ela, e espera que aqueles vestidos na gaveta também
sirvam nela.
Na segunda visita de Freddy, Miranda expõe sentimentos de ódio,
questiona o porquê dele tê-la prendido, quando e onde ele a conheceu e
tenta escapar. Freddy agarra-a, confidenciando que quando ela ganhou a
bolsa de estudos e foi para Londres, deixando a cidade onde ambos
moravam, ele não conseguiu esquecê-la, até que ele a viu entrando num
ônibus; por “duas vezes” ela sentou ao seu lado. Ele confessa seu amor por
ela. Demonstrando não conseguir criar relacionamentos, principalmente
com ela, ele revela seu objetivo: sua intenção é que Miranda o conheça e
passe a sentir amor por ele, já existente da parte dele, criando assim um link
entre os dois, ou seja, o colecionador e seu objeto de desejo. Parecendo
32
estar comovida com a declaração de amor ela tenta fazer com que ele a
solte para serem amigos fora dali, mas isso não será possível. Apenas nesses
momentos de contato físico, o colecionador tem a oportunidade de sentir e
tocar seu objeto de desejo que, normalmente, pode ser apenas observado.
Na terceira visita, Miranda tenta escapar novamente simulando uma
apendicite, mas ele aparece de repente na porta com um olhar sinistro,
acompanhado de uma música que retira seu ar de amável e inocente.
Nesse momento, estando os dois no mesmo plano, ele propõe um trato, para
que Miranda baixe a guarda e tente conhecê-lo. Depois de um mês, após
negociar esse tempo com ela, ele irá soltá-la, contudo são impostas algumas
condições: que ela começasse a comer, não tentasse fugir, conversasse
com ele. Miranda também impõe suas condições: escrever para os pais,
tomar ar puro e luz, banho, material para desenho, fruta fresca e salada.
Numa troca constante de propostas e condições, durante todo o filme, em
que ele propõe coisas para fazê-la aproximar-se dele enquanto ela também
o faz, mas com o intuito de sair dali, a relação transforma-se num jogo
pontuado pelo dar e receber, mas esse retorno torna-se cada vez mais
agressivo. Para o colecionador, o jogo fica mais interessante, a conquista do
objeto / borboleta passa a ser mais valorizada; ele passa a construir a história
dessa conquista, transformando essa “aquisição” em algo não aleatório.
Estes três encontros pontuam a preparação de Freddy para a posse
de seu objeto de desejo: aproximou-se dele, conhecendo-o mais a fundo,
de forma a poder tocá-lo, expondo seus sentimentos, e só depois, ele
começa a marcar o período de “incubação” de Miranda estipulando o
tempo para ela ser libertada, para ela poder “voar”. A partir dessa
“introdução” de Freddy, os encontros passam a apresentar os conflitos entre
ambos. Miranda está a pintar um tijolo número oito, em que ela fez uma
espécie de calendário com os dias estipulados por Freddy, compartilhando
esses momentos com o espectador, que acompanha, juntamente com a
personagem, a contagem regressiva para sua liberdade, enquanto ela se
volta para o centro da adega onde vê alguns desenhos espalhados e ele
sentado na escadinha da adega em frente à porta, que está trancada, a
33
observá-la. Nota-se que alguns dias já se passaram, que as visitas tornaram-
se mais freqüentes, e que Miranda, desenvolvendo seus desenhos e
pintando, passou a ser mais complacente com seu “colecionador”, que
cuida dela em seu casulo, como se sua “transformação” já tivesse
começado. Freddy conta uma piada a pedido da moça, enquanto os dois
conversavam, fazendo-a rir. Durante todo o tempo os dois são mantidos no
mesmo plano, levando o espectador a acreditar numa aproximação e a
simpatizar com Freddy, pois ele a trata com respeito. Saindo com ela pela
primeira vez da adega, ele a leva para tomar banho. A pedido de Miranda,
eles começam a andar e, seduzido pelo seu encanto, ele começa a tocá-la,
fazendo-a gritar e, novamente, para impedi-la de chamar atenção, ele a
agarra, sentindo-a em seus braços, mas a solta em seguida pedindo
desculpas. Ao entrarem na casa, Miranda lhe diz que não irá opor-se a ele e
que o deixará fazer como quiser; contudo não era para ser de modo vil.
Nesse clima crescente de desejo de Freddy, a relação de ambos leva o
espectador a crer que ela o está aceitando. Ao mesmo tempo há indícios
da relação possessiva de Freddy diante de Miranda, seu objeto idealizado e
amado.
Ele a leva para o banheiro sem tranca e tentando, de todas as
maneiras, procurar ali um meio de fugir, Miranda desiste e começa a tomar
banho. Enquanto conversam num diálogo intercalado, entre um plano
médio dele sentado numa cadeira no início da escada com a porta do
banheiro à direita ao fundo, e ela à direita na banheira do lado de dentro,
eles parecem íntimos, pois ela está nua e a porta destrancada. Uma
ameaça externa interfere nesse diálogo, quando um homem chega na
propriedade e cria uma tensão que leva o espectador a compactuar com
Freddy daquele plano. De forma crescente, a tensão é construída
alternando-se planos internos de Freddy prendendo seu objeto amado, e o
homem chamando por ele lá fora: o homem grita pelo Sr. Franklin (nome
falso criado por Freddy) / Freddy corre para o banheiro, e agarra Miranda /
antes dela gritar, prendendo-lhe dentro da banheira / o homem toca a
campainha da casa / Freddy tira Miranda da banheira nua, para prendê-la
34
num cano na parede / o homem vê as luzes da adega acesa, e fica a
observar lá embaixo na escada / Freddy termina de amarrar Miranda e vai
para a janela observar o homem / o homem começa chamar pelo Sr.
Franklin e desce a escada da adega / Freddy grita perguntando o que ele
quer. A partir daí, a tensão aumenta à medida que o homem entra na casa
quando Freddy abre a porta e começa o diálogo entre eles. Ele pergunta
para Freddy o que ele fez com a adega colocando luz lá dentro. Freddy
responde que são objetos e o homem pergunta: “O que mais?” Freddy:
“Ferramentas”. Nesse momento, tanto o espectador quanto Freddy estão na
expectativa pensando se o seqüestro foi descoberto ou não, e quem é
aquele homem, um detetive? Brincando, o homem fala que o pessoal do
Monumento Antigo vai enforcá-lo por ter feito aquilo e em seguida se
apresenta como seu vizinho, coronel Whitcomb, aliviando um pouco o
espectador. De forma espaçosa, o vizinho fala que eles precisam se
conhecer, enquanto lá em cima Miranda tenta abrir com o pé a torneira da
banheira já quase cheia. A tensão cresce novamente, enquanto ele revela
que as adegas são famosas porque elas eram capelas secretas durante a
perseguição. Com isso, pode-se inferir que a capela, além de casulo, é um
lugar santo, para idolatrar, observar, preservar e santificar o objeto de desejo
de Freddy. Enquanto o diálogo continua, num “vai que não vai” do vizinho,
que começa a falar da solidão que é viver longe da cidade, o espectador,
cúmplice de Freddy, afligi-se, desejando que o homem se vá, enquanto
Miranda está quase abrindo a torneira da banheira. O homem ao terminar
de falar, e já quase saindo, volta convidando-o para uma visita, e ao ouvir a
água caindo na banheira – Miranda finalmente conseguiu abrir a torneira, –
Freddy tem que lhe explicar que é um primo que o está visitando. Pensa que
o vizinho finalmente fosse embora, mas ele volta, tirando uma placa de
madeira da parede ao lado da porta e perguntando se Freddy conhecia
aquilo, explicando-lhe que ali era um esconderijo dos padres, enquanto lá
no banheiro a água começa a transbordar da banheira tomando conta do
chão. Tentando colocar a placa no lugar, Freddy, aflito, pois sabe que a
torneira está aberta e logo a água cairá lá embaixo onde estão, e para
35
correr com aquilo e mandar o vizinho embora logo ele o ajuda. Mas é tarde
demais, ao acabarem de encaixar a placa na parede a água chega no
corredor e cai lá embaixo. Ambos correm para a escada, enquanto Freddy
se adianta falando que é sua namorada. “Consertando” o problema, ele
volta falando que ela estava com vergonha enquanto o vizinho decide ir
embora dizendo entender a situação. Wyler utiliza os costumes pudicos da
época para resolver a situação constrangedora.
Miranda foi tirada de seu casulo e levada para o banheiro; lá, ela se
lava, se limpa, tirando os “restos” do casulo. Depois de desnudada por
Freddy, ficou formosa, transformou-se de “larva” a borboleta. Saindo do
banheiro, enquanto Freddy a espera no segundo vão da escada, Miranda é
enquadrada no balaústre da escada, com um vestido agora todo amarelo
vivo, e uma toalha na cabeça, uma verdadeira borboleta. De baixo para
cima, o enquadramento do balaústre deixa-a numa espécie de redoma, em
que seu suporte é dado pela parte da escada sob seus pés, com se fosse um
pedestal. Acabando de descer a escada, Miranda parece estar mais meiga,
com um olhar mais “carinhoso”; dizendo querer mostrar-lhe uma coisa,
Freddy a leva até um quarto debaixo da escada para mostrar-lhe sua
coleção de borboletas, como se estivesse levando a nova espécie para sua
coleção.
Ao entrarem no quarto, Miranda começa a observar, e primeiramente
se depara com um quadro que a detém, com uma grande borboleta
amarela no centro, rodeada nos quatro cantos por outras borboletas negras
um pouco menores, e várias outras borboletas amarelas pequeninas
distribuídas ao redor. Enquadrando parte do rosto de Miranda, em primeiro
plano, à esquerda e o quadro em toda a tela num plano detalhe, esta
composição já faz referência a ela como borboleta principal, cujo período
de incubação terminou. Freddy expõe prazerosamente sua coleção para
Miranda, falando que desde a adolescência coleciona borboletas; mostra
para ela um quadro com o qual ele ganhou um prêmio de composição,
discorre sobre as borboletas vindas da América Central, de onde um monge
manda para ele larvas para serem incubadas, explica a qualidade de suas
36
borboletas e como são melhores que as do museu. Miranda olha através de
um vidro onde uma borboleta está a se debater, vidro este que nos foi
apresentado no início do filme, quando Freddy caçou a borboleta; ela tenta
abrir o vidro. Desde o início há uma indicação de que ali seria presa uma
borboleta especial, como aquela a se debater, e vendo Miranda através do
vidro podemos notar como ela também está presa, tentando sair dali.
Freddy a detém, impedido que ela solte a borboleta, como o faz com
Miranda na adega, dizendo que aquela borboleta é rara e que nunca mais
poderá encontrar outra igual. Num prenuncio do que irá acontecer com
Miranda, a borboleta morre aos poucos dentro do vidro. No canto do
quarto, num plano detalhe de um quadro com borboletas sobre a mesa,
lugar de preparação das borboletas mortas, o reflexo de Miranda aparece,
reafirmando sua situação. A reação e a falta de compreensão de Miranda
diante da coleção, da tristeza pela morte das borboletas e dessa prisão, faz
desencadear o desgosto de Freddy, que tem agora um ar sinistro
acompanhado pela música que reforça essa quebra de seu lado afetuoso:
ele mostra-se irredutível a conceitos e pensamentos alheios às suas crenças,
sobretudo em relação à sua coleção. Isso será refletido nos diálogos
posteriores, nos quais há indícios do desgosto crescente de Miranda com o
imaginário de Freddy. Para um colecionador, sua coleção é sua própria
biografia, algo de extrema importância, ou seja, Miranda tocou em algo de
sagrado para ele.
A cena da coleção de borboletas é o ápice do filme: Miranda já saiu
do seu “casulo”, tornando-se uma linda borboleta. A próxima etapa será
prepará-la para ser colocada na moldura. Tudo irá se fechando para se
chegar à coleção, decaindo o comportamento de Freddy, a esperança de
Miranda, seus desenhos, a relação de troca que já não funciona.
Novamente na adega, enquanto ele a observa, Miranda desenha e,
através de seus desenhos, grande parte dos quais retrata Freddy, o
espectador pode perceber que a presença dele junto ao seu objeto de
desejo, Miranda, é constante. Propondo mais uma vez uma “troca”, Freddy
37
oferece mandar uma carta para sua família; e aceitando, Miranda tenta
colocar um bilhete dentro do envelope, revelando onde e quem a
seqüestrou. Para distraí-lo, ela oferece um de seus desenhos para ele, que
aceita feliz, mas descobre a tentativa e acaba por rasgar a carta com raiva.
Mais uma vez Miranda pede que ele a solte e juntos, iriam embora, para
longe da casa, para que ele conheça seus amigos e possam conviver perto
um do outro. A casa significa a coleção, daí Miranda diz querer estar não
longe dele, mas “da casa”. Essa relação de troca não “funciona” bem; de
um lado ele tentando aproximar-se, satisfazendo-a, e só recebendo mais
traição; do outro, ela tentando sair dali, recebendo agora agressões de
forma indireta, através de frases ríspidas pontuadas pela música, enquanto
ele se mostra incompreendido.
Depois, na cozinha, através de um plano médio, vê-se Freddy
preparando uma bandeja de comida para Miranda e colocando um livro
sobre ela. A câmera acompanha-o para a esquerda, saindo pela porta, e
continua, aproxima-se num plano detalhe do calendário apresentado no
início do filme. Contudo, o calendário agora está todo marcado com “x” e o
único número que resta é o 11, circulado e com uma seta, dia este em que
Miranda iria embora, ou seja, aquele dia. Ao chegar com a bandeja, Freddy
encontra Miranda que se arruma para ir embora, mas ele diz que é só depois
da meia-noite. Com um ar meio decepcionado, ela tira o casaco, sentando-
se para comer. Eles começam a conversar sobre o livro que Miranda estava
lendo e emprestou para ele; na cabeça de Freddy, aquele livro era um teste
de aceitação para ver se ele estava apto ou não para estar ao lado de
Miranda e de seus amigos. Enquanto a conversa vai se transformando em
discussão, Freddy começa a irritar-se com Miranda, por concluir o teste
como resultado negativo, ou seja, se achando incapaz de ficar ao lado de
seu objeto de desejo. Freddy sai da adega, enquanto Miranda chora
pensando que sua suposta libertação foi colocada em risco estragando sua
chance de sair dali, mas ele volta e lhe dá uma caixa contendo um vestido
para aquela noite indo embora novamente.
38
Chegada a hora esperada, Freddy vai buscá-la na adega. Miranda
estende suas mãos para que ele possa amarrá-la e dizendo que “acabou
tudo” vão para a casa jantar, vestidos adequadamente como se fosse para
uma festa. Ao entrarem, ela se surpreende com a mesa de jantar, com
champanhe e caviar. Eles brindam, quase sempre em planos separados,
onde se vê ao fundo, sobre a lareira, o retrato de Miranda desenhado por
ela, mostrado centralizado, idolatrado. No decorrer de um breve diálogo,
enquanto eles estão à mesa, ele a pede em casamento, propondo cama
separada e sem qualquer tipo de investida de sua parte, ou seja, o desejo
de Freddy de casamento é unicamente no âmbito da posse. Com lágrimas
nos olhos, Miranda diz que precisa pertencer a alguém, enquanto ele diz
pertencer a ela; entendendo que sua negação será o fim, ela aceita o
casamento. Com um ar sinistro ele diz não acreditar, enquanto ela diz:
“Você disse que me soltaria”, e ele: “Posso fazer o que quero”, saindo
correndo pela casa. Miranda tenta achar uma saída, e acaba entrando no
quarto da coleção de borboletas. Ou seja, por mais que ela “voe”, é para a
coleção de Freddy que ela vai, fazendo assim “o que ele quer”. Enquanto
Freddy calmamente tranca uma das portas da sala da coleção, vai tirando
o mesmo paninho usado no início do filme para umedecê-lo com
clorofórmio; ele dá a volta, deparando-se com Miranda, que volta para o
quarto das borboletas. Encurralando-a num canto, ele tenta fazê-la dormir
sufocando-a com o químico sobre a mesa usada para tratar e espetar suas
espécies, onde Miranda viu seu reflexo num quadro de borboletas que
estava sendo preparado em uma cena já descrita, e assim ela adormece.
Freddy leva-a não para a adega, mas para sua cama. Deitando ao seu
lado, ele coloca o braço sobre o corpo de Miranda, pelo prazer de tocá-la,
como se seu prazer fosse o de vê-la estática, sem movimento, como as
borboletas. O lugar de Miranda não é mais na adega e sim na casa, junto à
coleção.
Em ambientes fechados ou espaço pequeno, Wyler desenvolveu sua
narrativa, construindo uma relação entre Freddy e Miranda de
39
“colecionador” e objeto / borboleta colecionado. Os espaços estão quase
sempre ligados à coleção de borboletas de Freddy, onde ele cuida de uma
espécie rara que ele está tratando, prendendo Miranda na adega, cuja
arquitetura cheia de arcos, escura e cinzenta, faz parecer tê-la colocado
num casulo, para ser incubada, como larvas de borboletas que ele recebe
do exterior. E o desenvolver do relacionamento entre os dois, baseado na
posse (a coleção de borboletas), será pontuado pelas visitas dele à adega,
ao mesmo tempo em que isso fará Miranda estar pronta para a coleção,
tempo este de incubação.
Visando mostrar esse seu amor e desejo por Miranda, Freddy
demonstra conhecê-la como suas borboletas, enquanto fala como um
estudioso e conhecedor de seu objeto de desejo, como em seu primeiro
encontro com Miranda. Ele a trata ora com respeito e cuidados, ora com
agressividade e olhares sinistros, levando o espectador à dúvida sobre sua
sanidade e intenções, provocando um misto de angústia para ela ser solta e
desejo para que Freddy a conquiste. A interseção entre esses sentimentos faz
o espectador ser cúmplice de Freddy, tamanho o carinho, cuidado e
respeito dele para com Miranda, tamanho o seu desejo de conquistar sua
paixão, de prendê-la; em outros momentos, o espectador volta a ser ele
mesmo junto com Miranda, a estar preso e a não saber que reação esperar
de Freddy. À medida que o conflito cresce, entre o desejo do objeto
idealizado Miranda e sua “consumação”, através de sua forma de agir
“anormal” Freddy passa a não ter consciência do seu processo de
colecionador diante de Miranda ao criar um vínculo afetivo com ela através
da prisão e demonstrar não pretender soltá-la.
3º O DESFECHO
Ao ver Miranda acordar na adega, Freddy sai do escuro e dá a ela um
copo de suco pedindo desculpa pelo uso da força e dizendo tê-la
respeitado. Miranda fala que já havia ficado quatro semanas, mas ele alega
que ela precisa ficar mais, pois esse tempo não foi suficiente, fechando cada
vez mais a possibilidade de deixá-la sair.
40
Novamente na casa, Miranda, após sair do banho de camisola, desce
as escadas enquanto ele a espera. Amarrando-a, ela pede que conversem
na sala. Ele concorda e os dois bebem, enquanto Miranda começa um jogo
de sedução. Sentando em seu colo ela o beija, enquanto ele desconfiado
se afasta; ela não desistindo, pedindo para que ele apague a luz; começa a
tirar a roupa, levando-o para o sofá, porém ele não acredita nos seus
“carinhos” e se irrita dizendo que aquilo ele poderia ter em Londres e que ela
não prestava. Nesse momento, Miranda não tem praticamente mais
nenhuma tática ou possibilidade de poder sair dali. Ele abre a porta de casa
para poder levá-la até a adega, enquanto lá fora chove. Miranda vê uma
pá encostada na parede da adega – mais uma chance para ela escapar.
Enquanto ele desce a pequena escada da adega para abrir a porta, ela
deixa seus objetos pessoais caírem, fazendo com que Freddy abaixe para
pegá-los; ela então agarra a pá e bate na cabeça dele, mas ao olhá-lo
ensangüentado sai correndo, enquanto Freddy, num salto, consegue agarrá-
la pelos pés, arrastando-a para a cama na adega. Miranda, sobre a cama,
parece estar com remorsos, pedindo para que ele não morra e, ao tentar
ver se seu ferimento é grave, ele a empurra dizendo para ela não tocar nele.
Após três dias, depois de ter ficado no hospital, Freddy volta, e ao levar
comida para Miranda, vê que ela esta doente. Ao sair para chamar um
médico ele diz continuar amando-a, e pede para ele não deixá-la.
Deixando a porta aberta, o espectador é colocado pelo olhar subjetivo da
moça na cama, de onde Miranda finalmente teria uma possibilidade de
fugir, mas não tem forças nem para andar. Ao voltar com remédios, ele a
encontra morta. Nesse momento, parece que Freddy conseguiu, de forma
indireta, o que ele queria: fazer Miranda gostar dele; contudo, como ocorria
com suas borboletas, ela precisava morrer para que ele a possuísse como
um objeto de coleção.
Freddy senta na escada a observar o corpo de Miranda e, em off,
conta para o espectador que ele ficou a tarde inteira lá, lembrando-se de
coisas boas, através de um flashback da história de seu objeto amado e
colecionado. Seu sofrimento parece momentâneo, pois logo em seguida,
41
continuando a narrar em off, ele diz ter feito um caixão e enterrado Miranda
sob o carvalho do lado da adega enquanto, num plano sob a árvore,
parece que sua borboleta estava lá, colecionada, para ser vista. O
espectador passa a ser a única pessoa com que Freddy compartilha,
comenta e conta os segredos de sua coleção.
Ao afastar-se da casa, em sua kombi verde, como o campo no qual
as borboletas são caçadas, através de um olhar subjetivo de dentro do carro
pelo vidro, ele coloca o espectador novamente como seu cúmplice
enquanto conta, em off, que depois que Miranda morreu, ele ficou dias
pensando, e que talvez tenha sido culpa dele ela ter perdido o respeito. Mas
ele chegara à conclusão de que a culpa foi dela e que ela mereceu tudo o
que lhe aconteceu. Depois disso, sempre em off, falando e colocando o
espectador dentro do carro pelo seu olhar subjetivo, ele observa uma
enfermeira no mesmo enquadramento da janela do carro, dizendo que seu
único erro foi almejar muito, que ele devia ter percebido que não obteria
nada de Miranda, com suas idéias sofisticadas e truques sutis. Nessa hora, a
enfermeira aproxima-se do vidro passando a ser vista pelo vidro da frente,
enquadrando Freddy à esquerda e ela no pára-brisa do carro. Freddy
continua em off a refletir que ele deveria ter pegado alguém que o
respeitasse mais, alguém comum e que ele pudesse ensinar.
Freddy quis manter o “sagrado”, algo do objeto raro evirgem que
havia entre seu “eu” e sua borboleta / objeto de desejo, e à medida que
Miranda o seduzia, ela passou a desgastar a essência de objeto novo na
coleção morta que o fazia admirá-la, desequilibrando a troca entre os dois.
Usufruindo tudo que ela ofereceu, ela se tornou mais uma peça de sua
coleção. Do clorofórmio ao clorofórmio pegando uma “borboleta”; da
chuva à chuva, como indício do término da incubação, de forma insaciável,
como um colecionador, Freddy começou a busca por outra espécie rara
não mais uma borboleta rara, mas uma mais comum, procurando descobrir
novas qualidades para sua coleção.
42
Em O colecionador, a trama policial adquire uma dimensão
psicológica profunda ao mesclar a psicologia do serial killer à do
colecionador de borboletas. Fiel às noções do colecionismo, o filme segue
algumas características básicas do colecionador, tais como a santificação
do objeto amado, a qualificação do objeto, o ciúme, a preparação do
espaço para colocar seu objeto, o investimento pessoal no objeto, o jogo da
caça, o valor patológico e ao mesmo tempo de paixão da coleção, o
conhecimento profundo do objeto, o desejo de posse consumindo o
colecionador.
Se, na maioria dos filmes de serial killers, os “colecionadores” de
pessoas como objetos são homens cujos problemas mentais e físicos
agravam-se com a carência afetiva e sexual, como em O silêncio dos
inocentes (The Silence of the Lambs, 1991), de Jonathan Demme; Os sete
pecados capitais (Seven, 1995), de David Fincher; Beijos que matam (Kiss the
Girls, 1997), de Gary Fleder; O colecionador de ossos (The Boné Collection,
1999), de Phillip Noyce; ou Corpo fechado (Unbreakable, 2000), de M. Night
Shyamalan, há alguns filmes de exceção nos quais são as mulheres que
aprisionam e “colecionam” homens, movidas por uma louca carência: em A
mulher de areia (Suna no onna, 1964), de Hiroshi Teshigahara, um
colecionador de insetos é transformado em objeto de desejo de uma
estranha solitária que vive atolada na areia e que passa a envolvê-lo, com a
cumplicidade dos moradores do local, numa sinistra trama erótica; em Esse
estranho que amamos (The Beguiled, 1971), de Don Siegel, as freiras de um
convento tratam do soldado ferido (Clint Eastwood) e se afeiçoam por ele,
mas depois que ele se recupera, elas lhe cortam as pernas para que ele não
as abandone; e em Louca obssessão (Misery, 1990), de Rob Reiner, baseado
numa história de Stephen King, uma infeliz solitária quebra as pernas do
escritor (James Caan) cujos livros ela ama para obrigá-lo a escrever uma
novela que tenha o final feliz com o qual ela sonha.
Já uma passagem da comédia de suspense Charada (Charade,
1963), de Stanley Donen, revela um aspecto mais positivo e interessante do
colecionador: na trama, um garoto vende alguns selos raríssimos para um
43
filatelista, que coleciona e, ao mesmo tempo, negocia selos numa feira de
domingo. Sua tia descobre o valor desses selos, e vai atrás do homem que,
ao recebê-la em seu escritório, devolve os selos, explicando o valor de cada
um deles, dizendo que só o fato de ter podido possuí-los em sua coleção por
algumas horas fez dele um homem mais feliz. Esse colecionador revela que o
processo de colecionar é realmente algo de curioso e apaixonante,
conectando mundos diferentes através da imaginação.
No mundo contemporâneo, a coleção passou a integrar a vida das
pessoas mais comuns; o mercado tornou-se uma fonte que ao mesmo
tempo instiga e sacia o desejo de objetos de desejo, unindo o imagético ao
consumo. Nesse mercado abrangente, em meio a campanhas publicitárias,
análises psicológicas e, sobretudo, através do cinema, a imagem é utilizada
para criar contextos diante de mundos que serão concretizados em objetos
materiais, a serem usufruídos na coleção do consumidor tornado
colecionador. De um lado está o colecionador com sua paixão direcionada
única e exclusivamente para seu objeto, pensando em suas qualidades e
em completar sua coleção, sem se preocupar com o (e às vezes sem se dar
conta do) mercado de consumo em que está inserido; de outro lado, está o
mercado, instigando o consumidor-colecionador e usufruindo dessas paixões
para criar objetos especiais de coleção para o consumo, oferecendo
constantes novidades e raridades para aquisição. Contudo, apesar de seu
lado doentio e mesmo patológico, refletindo no processo mercadológico, o
colecionar continua sendo uma fonte eterna de divertimento e prazer, e
cada vez mais o colecionador interage intensamente com o meio ao seu
redor. O colecionador possibilita-nos manter e preservar a memória – a
escrita, a plástica e a cinemática – através do ato de colecionar.
Segundo Marlene Suano, “a formação de coleções de objetos é
provavelmente quase tão antiga quanto os homens e, contudo, guardou
significados diversos, dependendo do contexto. Estudiosos do colecionismo
crêem que recolher aqui e ali objetos e coisas seja como recolher pedaços
de um mundo que se quer compreender e do qual se quer fazer parte ou
então dominar. Por isso é que a coleção retrata, ao mesmo tempo, a
44
realidade e a história de uma parte do mundo, onde foi formada, e
também, a daquele homem ou sociedade que a coletou e transformou em
‘coleção’”.
38
E será através de um outro tipo de operação que o
colecionador de cinema tentará resgatar, compreender, fazer parte do
universo da fantasia para tentar possuí-lo e dominá-lo, como a personagem
de Cecília, a pobre cinéfila de A rosa púrpura do Cairo (The Purple Rose of
Cairo, 1985), de Woody Allen, que assiste ao mesmo filme várias vezes, até
que, num momento de magia, consegue literalmente entrar dentro dele,
contracenando com os personagens que amava, vivendo por momentos no
mundo imaginário em que todos eram felizes, e que existia apenas na tela
de cinema.
38
SUANO, Marlene. O que é o museu?, p.12.
45
CAPÍTULO 3
Preservando universos imaginários
O final do século XIX marcou o início de uma nova relação entre o
homem e a imagem, quando surgiu, através da fotografia em movimento, a
arte cinematográfica. A película e seus derivados passaram a representar a
memória visual e de simples objeto ganharam valor como documento
histórico importante, retratando os acontecimentos, mesmo através de
imagens irreais: cada filmografia de um país tornou-se a reflexão e a sombra
do processo histórico decorrido na realidade do filme daquele país ou dos
outros países na história.
39
O novo espectador integrou-se ao filme, fascinado
com a fantasia, e a imagem passou a fazer parte de sua vida,
representando uma época ou algo íntimo ao longo dos anos. Dessa forma, o
filme tornou-se uma marca na história. A imagem precisava ser preservada,
tanto fisicamente, pelas novas instituições, as cinematecas, quanto
afetivamente, pelo simples gosto e paixão de serem mantidas na memória,
através dos colecionadores de cinema.
No início do cinema, a falta de credibilidade nas potencialidades
econômicas dos filmes levou à destruição das primeiras películas e materiais
cinematográficos. Contudo, mesmo “ilegalmente”,
40
projecionistas, porteiros,
empregados, proprietários ou publicitários de cinema fascinados com
aquela “magia” e já preocupados com sua destruição, conservaram tanto
as películas quanto um dos primeiros produtos a ser colecionado além da
película, o pôster. Dessa forma, surgiram os primeiros colecionadores de
cinema; ligados ao meio cinematográfico, eles tinham acesso a ele e
sabiam onde encontrar cartazes e películas.
39
SUROWIEC, Catherine A. The Lumière project: the European Film Archives at the crossroads,
p.212.
40
SUROWIEC, Catherine A. The Lumière project: the European Film Archives at the crossroads,
p.24.
46
Entre esses colecionadores encontrava-se Wilfred Ernest Lytton Day
(1873-1936), um inglês considerado como provável primeiro colecionador do
cinema devido à sua coleção de equipamentos e documentos (livros,
correspondências), além de diversos filmes. Fascinado pela nova arte desde
que viu uma projeção do cinematógrafo Lumière no Empire Leicester
Square, Day deixou as diversas atividades em que trabalhava para ingressar
em algo que o aproximasse do cinema. Assim, iniciou-se como showman,
passando a vendedor de equipamentos e, finalmente, passou a dedicar-se,
por toda sua vida, à documentação da evolução do cinema e de sua
técnica. Iniciando sua coleção em 1898, comprou os projetores dos pioneiros
ingleses de 1896 e seis dos primeiros filmes de Robert W. Paul;
41
em 1924,
adquiriu o histórico cinematógrafo Lumière de Trewey. Sua coleção inclui,
em termos de evolução técnica como formato de exibição, cor e som, os
primeiros exemplos de formato de tela de Georges Demenij; 15.000 metros
de filmes europeus abrangendo todos os formatos em P&B e cor; fragmentos
de testes de cor de William Friese-Greene; uma seleção de trailers dos
primeiros filmes americanos falados. Reunindo informações únicas devido ao
seu pioneirismo em colecionar o cinema, Day tornou-se um historiador de
filmes com grande conhecimento na área: trabalhou numa história do
cinema, não publicada, em quatro volumes, intitulada 25,000 years to trap a
shadow, e começou a dar as primeiras aulas sobre cinema, continuando até
o fim da vida a dedicar-se a colecioná-lo.
42
Já idoso, Day tentou vender sua
coleção por um preço muito alto e, após sua morte, seu herdeiro continuou
a tentar. Em 1959, Henri Langlois adquiriu a coleção com o suporte do
Ministro Francês de Cultura, André Malraux. A coleção foi divida em três
partes, destinadas a três lugares diferentes: os equipamentos estão na
Cinemateca Francesa; os documentos na Biblioteca da Imagem da
41
Engenheiro elétrico de sucesso que em 1984, a pedido de dois gregos, fez uma versão
duplicada do kinetoscópio de Thomas Edison e um projetor próprio Theatrograph fazendo
filmes de exibições diversas.
42
SUROWIEC, Catherine A. The Lumière project: the European Film Archives at the crossroads,
p.42.
47
Filmoteca – BIFI em Paris e os mais de 200 filmes no Arquivo do Filme, Centro
Nacional da Cinematografia, Bois d’Arcy.
Outro colecionador desse período, e que também era um exibidor e
distribuidor ativo no período entre 1909 a 1914, foi Jean Desmet.
43
Sua
coleção continha muitos filmes do princípio do cinema, feitos de forma
internacionalizada, ou seja, os fotógrafos de outros países filmavam para as
companhias espalhando por todo o mundo filmes de todas as
nacionalidades. Seu acervo incluía 360 filmes franceses, 270 americanos, 182
italianos, 102 alemães, 46 dinamarqueses, 36 ingleses e alguns outros de
países diferentes, além de programas, pôsteres, cadernos, correspondências
e papéis administrativos. Sua família doou essa maravilhosa coleção para o
Museu do Filme Holandês em 1959.
Com o passar dos anos, o cinema continuou a ganhar mais adeptos
junto à evolução da linguagem cinematográfica, levando o filme a uma
categoria de coleção explorada pela indústria, mas seguida, por uma gama
de amantes, através de cineclubes, festivais, programas e associações. A ida
ao cinema tornou o filme e seus produtos aptos para o consumismo cultural,
através do impacto promocional, dando-lhes uma áurea de exclusividade e
magia e desta forma, levando o espectador a tornar-se consumidor e
amante da arte cinematográfica, ou seja, um colecionador de cinema
intencionado a aproximar-se de sua imagem. Cinéfilos, colecionadores de
cinema ou simples espectadores apaixonados, todos envolvidos com o filme
mas cada um com sua peculiaridade. Mas qual a diferença de um
colecionador de cinema e um cinéfilo? O cinéfilo é aquele que gosta muito
de cinema.
44
Podemos dizer que todo colecionador é um cinéfilo, mas nem
todo cinéfilo é um colecionador. Os cinéfilos geralmente estudam tudo sobre
cinema, sobretudo os não comerciais, freqüentam cineclubes e grupos de
discussões, e no máximo possuem suas fitas VHS ou DVD. O colecionador vai
muito além, buscando os filmes, seus objetos e derivados das imagens ou
43
SUROWIEC, Catherine A. The Lumière project: the European Film Archives at the crossroads,
p.24 e 178.
44
Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, p.406.
48
cenas marcadas na memória, na época e na história, usufruindo de um
amplo mercado a ele destinado, com livros, sites, produtos, associações.
Já na infância, a imagem cinematográfica nos deixa uma herança de
sentimentos, carregada a cada geração de forma mais e mais nostálgica,
eternizando certos filmes na memória. Os filmes carregam o passado e uma
fantasia para toda a vida enquanto objeto,
45
é a memória e a fantasia vivas,
trazendo, através de suas imagens, informações visuais. Filmes antigos
podem tornar-se atuais, novos e modernos outra vez, adquirindo algo de
novo sob formatos atualizados. Quando adultos, tendemos muitas vezes a
colecioná-los para manter vivas as lembranças, os momentos, os sentimentos
todos da época em que foram assistidos, e o fazemos guardando pôsteres e
produtos de memorabilia, que são as marcas físicas desses sentimentos e
impressões provocados pelos filmes, objetos relacionados com as imagens
das estrelas, a história do filme ou outros acontecimentos a ele ligados e que
não se quer esquecer.
O cinema nos permite interagir com o mundo da fantasia através da
memória que vai da imagem cinematográfica ao objeto; antes do
colecionador desejar o objeto, o que ele quer é sua imagem, ele quer
conectar-se ao filme, pois sem o filme o objeto não tem valor. O cinema tem
a capacidade de produzir situações impossíveis e fantasiosas, pouco
prováveis, e depois imprimi-las em objetos, transformados em informação. A
película é a tradução em imagens do passado. O colecionador de cinema
tem a oportunidade de ler essas imagens e de adorá-las. E fascinado pela
forma “imagética” do objeto e suas características diferentes que o liga ao
filme, ele passa a tocá-lo e senti-lo na sua tridimensionalidade.
A categoria de colecionador de cinema engloba vários tipos – desde
aqueles que colecionam películas até os que colecionam figurinos usados
nos filmes. Algumas coleções são formadas por: Gênero: os gêneros
cinematográficos são as formas mais populares de montar uma coleção;
Filme: há um entusiasmo de certos colecionadores diante de “grandes
45
PEARCE, Susan M. On collecting: an investigation into collecting in the european tradition,
p.170.
49
filmes” como O mágico de Oz (The Wizard of Oz, 1939), ou Guerra nas
estrelas (Star Wars, 1977), que se manifesta na procura de todas as coisas
relacionadas a eles; Estrela: alguns colecionadores visam tudo o que possa
relaciona-se com determinada(s) estrela(s) de cinema, viva(s) ou falecida(s),
englobando desde revistas de cinema até retratos de estúdio. Aqueles que
colecionam autógrafos, objetos pessoais de atores e figurinos são
colecionadores que poderiam ser também reunidos como colecionadores
de estrelas, geralmente da idade de ouro de Hollywood. O autógrafo
representa um pedaço da estrela, um testemunho de sua presença na terra
e cuja posse aproxima os colecionadores de seus astros; para esses
colecionadores foi criado o clube Universal Autograph Collector Club, que
edita a revista na web Autograph Collector oferecendo muitas colunas,
artigos, novidades dos últimos itens autênticos e suas falsificações. Oferecem
um contato chamado Ask the expert, através do qual o colecionador pode
obter advertências sobre todos os valores dos produtos e assim cuidar melhor
de sua coleção; Artista: há os que colecionam produtos feitos por
determinados artistas, como os colecionadores de pôsteres desenhados por
um certo artista (por exemplo: Saul Bass); Estúdio: colecionadores que focam
sua coleção nos pôsteres de determinado estúdio, como Warner Brothers,
MGM, Paramount ou Universal; Impressos: há alguns colecionadores que
colecionam pôsteres impressos por uma companhia litográfica particular.
também os colecionadores de “itens que são novidade”, atraídos pelo
caráter de mau gosto e de baixa qualidade dos quais quinquilharias da
promoção cinematográfica; ou aqueles colecionadores temporões, que
acompanham a temporada mercadológica de um filme comprando todos
os seus itens; findo o período e os produtos respectivos, ele encerra sua
coleção. Um simples consumidor compraria alguns objetos dessa
temporada, sem investir nos objetos enquanto coleção.
46
Os colecionadores de memorabilia, em sua grande maioria homens,
adoram falar sobre seus objetos, adquiridos através de comércios
46
MARTINGALE & COMPANY. Collector’s compass: movie collectibles, p.10.
50
especializados, leilão on-line ou ao vivo, mercado das pulgas, exibições.
Algumas regras são básicas, aconselhadas em livros especializados, para o
colecionador colecionar e não apenas juntar objetos
47
como, por exemplo,
comprar qualidade e não quantidade; investir em livros e revistas de
referência, assinando publicações de colecionadores; ser paciente, ativo e
colecionar o que realmente gosta; ser honesto com outros colecionadores
com os quais vai
negociar; tentar adquirir o histórico de passagem do
material que possui, para só adquirir o que realmente vale a pena.
Procurando produtos diversificados para cada coleção de cinema, os
colecionadores observam o estado e as características do objeto
determinantes para que sejam valorizados tanto na coleção quanto no
mercado e assim verificam se estão em bom estado e funcionando bem,
pois perdem seu valor caso estejam danificados, tirando os raros, que são
exceção. Quando consertados, no caso de brinquedos ou projetores, ou
restaurados, como película e impressos, ganham novamente espaço no
mercado e na coleção, mas não são tão valorizados como aqueles originais
que se encontram em bom estado. Além disso, quando estão em suas
embalagens originais, com todas as suas informações descritas, aumentam
mais seu valor. A originalidade ou falsidade dos produtos é outro fator
essencial para que sejam adquiridos e, para isso, o conhecimento do
colecionador será fundamental para reconhecer as imitações, levantando
questões peculiares tais como impressões da época, pôsteres brilhantes de
um período em que as impressões eram foscas, ausência de logos dos
estúdios, tipos de dobras e outras informações. Contudo, mesmo aqueles
produtos não licenciados produzidos de forma barata e sem qualidade
encontram espaço nas coleções daqueles que gostam de tê-los como algo
de complementar sobre seu filme, gênero ou estrela prediletos.
Os colecionadores de cinema estão espalhados pelo mundo, cada
qual com suas histórias, incluindo várias personalidades de Hollywood. Muitos
trabalham em projetos em prol da conservação de películas de filmes, como
47
MARTINGALE & COMPANY. Collector’s compass: movie collectibles, p.30.
51
o diretor Martin Scorsese, que coleciona pôsteres de filmes. O cantor Michael
Jackson e o produtor-diretor-escritor-ator Ron Howard também são adeptos
dos pôsteres, enquanto outros artistas colecionam clássicos de horror, como
Leonardo Di Caprio, que adquire filmes de horror e tudo que se relaciona a
Guerra nas estrelas; Kirk Hammett, líder guitarrista do conjunto Metálica,
também coleciona itens dos clássicos do horror e ficção científica; e
Nicholas Cage recentemente começou a colecionar pôsteres raros e
cobiçados do cinema de horror.
No Japão, o colecionador Yutaka Matsuda, também presidente da
Matsuda FilmProductions em seu país, colecionou e restaurou filmes mudos,
reunindo um acervo de 1000 títulos, entre os quais filmes que eram
acompanhados pelos benshi, como os de Kenji Mizoguchi, Buntaro
Futagawa e Daisuke Ito. Benshi eram artistas que, paralelamente à projeção
da película, contavam, ao lado da tela, a história do filme à medida que a
trama ia prosseguindo, causando furor junto ao público.48 E o colecionador
japonês Tomijiro Komiya, grande apaixonado pelo gênero western, manteve
12 filmes antigos em sua coleção, salvando-os da destruição.
Começando sua coleção aos 20 anos de idade, o colecionador
argentino Roberto di Chiari, de 70 anos, reuniu em seu acervo mais de dois
milhões de itens, entre os quais raridades do cinema e da TV, em cerca de 25
mil filmes, 132 mil folhetos e pôsteres de filmes, cerca de 180 mil rolos de tv,
além de 34 mil programas de rádio e cinco mil documentos históricos. Junto
com sua mulher e filhos, dirige o Archivo DiFilme,
49
o maior da América Latina
e o quarto no mundo. Di Chiari comenta: “Dediquei-me a buscar coisas que
são difíceis de obter ou que dizem não existir mais” “Há filmes que rastreei por
40 anos”. Entre essas raridades que ele passou grande parte de sua vida
procurando encontrar está o filme mudo de longa-metragem A esposa do
solteiro (1925), ou A mulher da meia-noite, como foi chamado na Argentina,
co-produzido entre Brasil-Argentina, sob a direção do italiano Carlos
Campogalliani, mas assinado por um dos pioneiros do cinema no Brasil, o
48
NAZARIO, Luiz. As sombras móveis: atualidade do cinema mudo, p.282.
49
VILA-NOVA, Carolina. Folha de S. Paulo, www.archivodifilm.com.
52
também italiano Paolo Benedetti. Di Chiari relata que foi difícil adquirir essa
película, pois nem mesmo os brasileiros a conheciam e só depois de 25 anos
ele a encontrou, comprando-a de um colecionador português. Nesse filme,
foi utilizado um invento criado por Benedetti, um sistema que permitia à
orquestra do cinema executar uma partitura que aparecia na tela do filme,
como se fosse uma legenda. Di Chiari explica que “enquanto os músicos
olhavam a tela, iam tocando o tema musical que correspondia ao filme”.
Até então, tocavam temas que “não tinham nada a ver”. O colecionador
possui também o diário oficial de 18 de abril de 1912 onde foi patenteada a
técnica sob o nome de cinematrofia. Essa invenção não chegou a ser muito
utilizada, pois logo depois, em 1927 surgiu o cinema sonoro.
Além deste filme constam na coleção outras raridades como o
documentário Thanks (1942), de 10 minutos feito por encomenda das Forças
Armadas americanas com o objetivo de animar as tropas americanas,
narrado por Orson Welles, que diz: “Forjamos o armamento da vitória.
Criamos o tanque de ferro blindado M-3, o tanque da destruição, um novo
poder que se soma à democracia, um temeroso veículo da morte”. O filme
exalta o poder militar dos EUA através de imagens do processo de produção
de um tanque, mas não chegou a ser projetado para os combatentes,
ficando esquecido durante anos; Di Chiari é um dos poucos que possuem
uma cópia dele. Entre as raridades da TV da sua coleção, Di Chiari destaca
um especial com a cantora Elis Regina, produzido pela Rede Globo para a
“Sexta-feira nobre”, em 1969, com direção de Luiz Carlos Miéle e cinegrafia
do argentino Federico Padilha. Também participam Vinícius de Morais, Jair
Rodrigues, Frank Sinatra e Pelé cantando uma música que fez numa das
excursões com o Santos.
Na Nova Zelândia o colecionador Alan Roberts
50
procurou durante
mais de 20 anos os últimos filmes em nitrato existentes dos primeiros filmes
europeus distribuídos na Austrália. Sua coleção inclui os primeiros dos dois
grandes produtores franceses Pathé e Gaumont do período entre 1905-1913;
50
SUROWIEC, Catherine A. The Lumière project: the European Film Archives at the crossroads,
p.40.
53
filmes produzidos de pequenas companhias francesas e italianas como
Éclair, Éclipse, Lux, Rádios, Theóphile Pathé, Nizza, Ambrosio, Ítala Film e
Pasquali Film; curtas-metragens ingleses e uma comédia americana. Roberts
doou sua coleção à Cinemateca Royale de Bruxelas no inicio da década de
1980.
O jesuíta suíço Ablé Joseph
51
também colecionou filmes e chegou a
reunir cerca de 2000 títulos do período entre 1901 e 1911 para uso em suas
atividades de educação religiosa. Esse acervo encontra-se hoje no National
Film Archive em Londres. Muitos colecionadores preservaram o cinema
desde os anos 1920, armazenando as películas em suas casas e evitando sua
destruição. É o caso da colecionadora Íris Barry que depois de fundar o
primeiro departamento de cinema dentro de um museu, o Museum of
Modern Art de Nova York, em 1935, trabalhou durante anos para convencer
os grandes produtores americanos a doar sistematicamente uma cópia de
seus filmes para a instituição. Outra grande colaboração foi a de Henri
Langlois, um colecionador importante cuja concepção de cinemateca de
“colecionar tudo e mostrar tudo” fez da sua coleção particular o núcleo da
Cinemateca Francesa, fundada em 1936. Durante o período nazista, Langlois
conseguiu salvar muitos filmes mudos alemães com a ajuda de Lotte Eisner,
que arriscava sua própria vida, como judia, resgatando na
Alemanha tudo o que podia de filmes e materiais da época
expressionista.
52
Uma das suas lamentações foi a de jamais ter
encontrado para seu museu de cinema “as lanternas mágicas
multicores descritas por Omar Khayan, apesar dele não ter feito
referência a uma lanterna mágica, mas sim a um espetáculo de
sombras mágicas, e que faziam a alegria dos mercados persas no
século XI”.
53
FIG. 16 – Henri
Langlois.
51
SUROWIEC, Catherine A. The Lumière project: the European Film Archives at the crossroads,
p.178.
52
NAZARIO, Luiz. As sombras móveis: atualidade do cinema mudo, p.317.
53
LANGLOIS, Henri. 330 années de cinématographie, apud: MANNONI, Laurent. A grande
arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema, p. 19.
54
FIG. 17 O colecionador Antonio Leão
e seu livro Dicionário de Filmes
Brasi leiro s.
No Brasil, o colecionador Antonio Leão
fundou, em 1995, junto com outros colecionadores
do país, a Associação Brasileira de
Colecionadores de Filmes, reunindo todas as
coleções e catalogando seus acervos num total de mais de 5.000 títulos em
16 mm – em sua grande maioria filmes americanos ou europeus que não
constam em cinematecas. Os colecionadores compravam as cópias raras
depois do período de exibição nas emissoras de TVs quando esses materiais
eram passados para os intermediários das distribuidoras que as revendiam ao
invés de distribuí-las, como deveriam fazê-lo. Dessa formailegal os
colecionadores acabaram preservando as cópias que deveriam ser
destruídas.
54
Leão começou a interessar-se por cinema brasileiro já na infância e
iniciou sua coleção por volta de 1969 colecionando filmes em 16 mm.
Conhecido no meio como “o homem do cinema brasileiro” por adquirir
qualquer material que encontrava, desde pedaços, filmes incompletos e
fotogramas, Leão passou pouco a pouco a selecionar o que iria colecionar,
sempre centrado no Cinema Brasileiro. Conservando suas películas em
estojos plásticos sob ambiente climatizado, sua coleção foi catalogada por
um software especialmente desenvolvido para essa função descrevendo
todos os dados da película e do filme. Essa paixão intensificou-se quando ele
deu início à pesquisa para seu livro, lançado em 1998, Astros e estrelas do
cinema brasileiro. E, continuando seu trabalho, lançou um segundo livro em
2001/2002, listando toda a produção nacional desde 1908, com ficha
técnica, elenco, resumo do argumento, premiações e comentários, com o
título Dicionário de filmes brasileiros.
O historiador autodidata e colecionador Christiano Câmara, retratado
no documentário Rua da Escadinha 162,
55
começou a “ajuntar discos”
54
NAZARIO, Luiz. As sombras móveis: atualidade do cinema mudo, p.303.
55
Este documentário de 18 min, em 35 mm, produzido em 2003, foi vencedor na categoria
de curta-metragem no 3° Festival de Cinema de Sergipe estreando o técnico de som direto
Márcio Câmara como diretor do documentário. Reportagem na Revista de Cinema de
setembro de 2003.
55
quando trabalhava como bancário, chegando hoje a possuir um acervo de
mais de 20.000 discos de cera e vinil, fotos, revistas e enciclopédias. Câmara
critica a falta de apoio estadual ou federal para manter seu acervo e falta
de espaço para exibir seu arquivo de vídeo, que conta a história da TV e do
rádio no Brasil. O colecionador e jornalista brasileiro Jorge Kuraiem
56
possui
uma coleção de 500 mil fotos de filmes, oito mil cartazes de porta de
cinema, três mil discos com trilhas sonoras, três mil livros e 32 arquivos de aço
lotado contendo toda a história do cinema, que hoje se transformou numa
fonte de informação ou de imagens para jornalistas e programas de TV.
Iniciando sua coleção ainda criança, quando comprava os cartazes
retirados das portas do cinema, Kuraiem foi aumentando sua coleção
durante os 20 anos em que trabalhou como programador dos cinemas de
arte no Rio de Janeiro, ganhando experiência sobre sua coleção em
viagens, mercado e leilões.
O trabalho dos colecionadores, que guardam o material
cinematográfico sem mesmo ter como objetivo consciente a preservação,
impediu que muitos dos filmes e materiais se perdessem durante a história do
cinema. Mesmo assim, muito foi perdido devido aos problemas diversos
decorrentes dos compostos químicos das películas. O período do pré-cinema
até 1900 é uma época de poucas perdas; os filmes desse período – pelo
menos na Europa e nos EUA – foram bem preservados e documentados,
incluindo os experimentos de Marey e Demeny, os trabalhos da Eastman e os
primeiros filmes de Edison e dos Lumière, posteriormente restaurados pelo
Arquivo do Filme do Centro Nacional das Cinematografias e pela
Cinemateca Francesa.
A partir daí, no período de 1900 até por volta de 1913, começaram a
haver perdas mais sérias: 75% do cinema de então foram perdidos,
enquanto que os outros 25% foram preservados e conhecidos graças aos
colecionadores. Os proprietários das películas acreditavam que as imagens
em movimento eram algo passageiro, e que as pessoas logo deixariam de se
56
Entrevista realizada por Marcelo Janot no site http://www.satedrj.org.br/jornal/j5p10.htm,
ativo em 2003.
56
interessar em vê-las; por isso, depois de utilizarem os filmes, destruíam alguns
negativos e cortavam outros para vendê-los como brinquedos infantis (no
Japão), ou para fabricar pentes (na América Latina) ou vassouras. Assim as
produções dessa época, incluindo filmes do período do cinema mudo,
foram encontradas apenas nas coleções particulares. De 1913 até a
chegada do som as perdas ainda foram grandes, correspondendo a 65%,
principalmente no que diz respeito aos filmes alemães e italianos. Perderam-
se obras de Fritz Lang, Ernest Lubitsch e Friederic Murnau, entre muitos outros.
Parte da produção foi preservada pelas companhias criadas na época que
puderam manter seus acervos.
As perdas começaram a diminuir quando os primeiros arquivos de
filmes foram criados e se começou a reconhecer a importância e valor
artístico dos filmes. No período de 1930 até 1940, cerca de 20% para primeira
década e 10% para a segunda foram perdidos. Ainda assim, muitos filmes
mudos foram destruídos, por serem considerados sem valor com a chegada
do som.
Em 1933, surgiu a primeira cinemateca na cidade de Estocolmo
chamada Svenska Filmsamfundet: as coleções de filmes passaram a ter
finalmente um lugar oficial destinado a elas. Logo se criaram outras
cinematecas para preservar as películas; esses espaços propagam-se pelo
mundo para lidar, de diferentes formas, com o material filme. Criaram-se
também museus de cinema destinados principalmente a expor diversos
materiais e filmes; e filmotecas, onde se arquivam cópias de matrizes para
exibições locais. Foram criadas as cinematecas: em Berlim, o Reichfilmarchiv,
fundado em 1934; em Moscou, a VKIG, em 1934; em Londres, a National Film
Library, em 1935; em Nova York, a Film Library do Museum of Modern Art, em
1935; em Milão, a Mario Ferrari em 1935; em Paris a Cinemateca Francesa,
em 1936; em Buxelas, a Cinemateca da Bélgica, em 1938. Surgem ainda
outras instituições como o Musée du Cinéma, na França; o Museu Rodolfo
Valentino, na cidade de Castellaneta na Itália; o Filmmuseum de Frankfurt,
na Alemanha; a Cinemateca Argentina, em Buenos Aires, a partir de um
57
clube fundado em 1942, chamado Gente de Cine e que chegou a publicar
uma revista com os melhores especialistas do país; a Cinemateca Boliviana,
em La Paz, fundada em 1976. No Brasil, há uma pequena cinemateca em
Curitiba, uma no Rio de Janeiro, no Museu de Arte Moderna; acervos no
CRAVE e no FTC, em Belo Horizonte; e a cinemateca mais importante, em
São Paulo, a Fundação Cinemateca Brasileira
57
fundada em 1949 e que
concentra o maior acervo cinematográfico da América Latina. Ela também
nasceu a partir de um grupo de estudantes e intelectuais chamado Clube
de Cinema. Com o objetivo principal de preservar e restaurar a produção
cinematográfica nacional, enfatizando os filmes produzidos
contemporâneos, e a de documentar, pesquisar e difundir o cinema em
todas as suas manifestações, a Cinemateca
Brasileira reúne um acervo com cerca de 130 mil
latas de filme, entre eles produções nacionais e
estrangeiras, uma grande coleção de vídeos e
150 mil documentos incluindo roteiros, revistas,
cartazes de cinema, fotos, enciclopédias do
cinema brasileiro com coletâneas desde 1898,
destacando o período mudo, anuários do
cinema brasileiro, filmografia geral do cinema brasileiro com quatro
fascículos do período de 1898 a 1930, além de arquivos especiais.
FIG. 18Centro de documentação da
Cinemateca
Brasileira, em São Paulo.
Foi em 1938, na Bélgica, que quatro arquivistas europeus de filmes
fundaram a FIAF – Federation Internatioanal des Archives du Film, que hoje
reuni 78 instituições em 56 países. Durante as primeiras décadas, o propósito
principal dos colaboradores da FIAF era a troca de filmes e seu
arquivamento. Porém, as primeiras questões a serem tratadas envolvendo o
material relacionavam-se a aquisição e a exibição. Nessa época, a
preservação e restauração eram ainda assuntos muito complexos e só
começaram a ser tratados após a Segunda Guerra Mundial quando vários
acervos de filmes uniram-se à Federação. Desde o princípio, a FIAF tornou-se
57
www.cinemateca.com.br, ativo em 31 de agosto de 2004.
58
um fenômeno paralelo decorrente da ligação entre esse crescimento dos
acervos e as cooperações internacionais a partir das duas primeiras grandes
manifestações dos movimentos das cinematecas, uma logo após a II Guerra
Mundial e a outra, principalmente na Europa, durante os anos 50.
A FIAF
58
passou a dedicar-se a favorecer o progresso da cultura
cinematográfica e facilitar a investigação histórica a nível mundial, criar
programas de formação e aperfeiçoamento em materiais de preservação e
outras técnicas de arquivo, assegurar o acesso permanente do público
interessado nas coleções com fins de estudo e investigação, propiciar
reunião e preservação de documentos e outros materiais vinculados ao
cinema, e favorecer a cooperação entre os membros das diversas
instituições com o intuito de assegurar a disponibilidade das películas e
documentos em escala internacional. Para defender o patrimônio fílmico
foram estipuladas, normas gerais entre as instituições, aplicadas em todas as
cinematecas: direitos de coleções, respeitando-as como original; direitos das
gerações futuras, designando tanto os arquivos quanto os arquivistas de
filmes como guardiões das imagens em movimento como patrimônio
mundial, afim de que estes os protegessem e transmitissem às novas
gerações em estado de conservação o mais perto possível da obra original;
direitos de exploração, tornando-os disponíveis para fins de estudo, pesquisa
e projeções públicas; direitos de outros arquivos e comportamentos dos
profissionais de arquivos. Todas as Cinematecas passaram a seguir um
código de ética estabelecido pela FIAF exigindo uma melhor organização
das pessoas que lidavam com o cinema. Com o apoio da FIAF, as
cinematecas passaram a desenvolver projetos diversos direcionados à
preservação de filmes, restauração, servindo de fontes de pesquisa e
prestando serviços, intercâmbios e divulgando seus filmes, oferecendo ao
público como resultado de seus trabalhos uma imensidão de imagens às
vezes desconhecidas, outras lembradas apenas fragmentariamente.
58
Cf. http://www.fiafnet.org, ativo em 5 de setembro de 2004.
59
Após um intervalo em que se criaram instituições especialmente
voltadas para impedir mais perdas, de 1952 ao presente a participação de
colecionadores, cinematecas e demais responsáveis passou a ser efetiva no
trabalho de preservação dos acervos de filmes, sobretudo com o advento
da televisão que, mudando radicalmente o destino comercial dos filmes,
levou os estúdios de cinema a aderirem à proposta. Houve uma
conscientização geral, em relação às perdas e à necessidade de propagar
acervos, à medida que sérias deteriorações foram detectadas
gradualmente nas diversas coleções de filmes dos acervos. Iniciativas em
todo o mundo e a crescente preocupação e discussão a respeito da
preservação da película começaram a ser tratadas com grande seriedade
por pessoas e instituições conscientes da importância do filme enquanto
valor cultural e comercial, como memória, documento histórico, portador de
informações, mídia artística, entretenimento. Principalmente nas décadas de
1980 e 1990 testemunha-se uma nova disposição metódica a respeito do
processo histórico de conservação dos filmes, com o aumento da discussão
sobre o papel das cinematecas que refletiram no aumento das pesquisas e
da atenção externa na área. Os problemas da perda criaram alarde e
preocupação também entre os responsáveis que produziam as películas,
levando tanto estúdios e técnicos a resolverem algumas questões do
material usado na fabricação das películas.
O material das películas de nitrato, usado na primeira metade do
século XX, até os anos de 1951, foi um dos grandes fatores que levaram a
perdas. Desde a época do cinema mudo, já se observava que esse tipo de
película era muito instável tendendo a perder umidade, levando ao
encolhimento que resultava no dano de sua dimensão original, no
branqueamento da imagem com o decorrer do tempo, oxidação e
descoloração das partículas de prata contidas na química dos filmes em
p&b e degradação geral. Ocorriam ainda problemas gerados por ações
mecânicas e humanas como impressões digitais e atritos da película
projetada gerando arranhões e acumulação de poeira. Além disso, o nitrato
60
entra em autocombustão facilmente, em temperaturas quentes, sofrendo
risco de explosão e oferecendo grande perigo de incêndio tanto para a
película quanto para o local em que é armazenado, destruindo também
outras películas mantidas nos mesmos locais. Em decorrência disso na história
do cinema ocorreram várias catástrofes de incêndios e explosões violentas,
destruindo cinematecas e acervos, com perdas de milhares de rolos de
filmes.
Um incêndio afetou até mesmo o acervo coletado por Henri Langlois,
destruindo cerca de 200.000 latas em 1980 em Pontel. A cinemateca de São
Paulo foi vítima de incêndio: uma em 1957 e outra em 1969, perdendo cerca
de 40% do material de seu acervo. Roma viu um último incêndio na Cineteca
Nazionale em 1985; em Buenos Aires, quase todos os laboratórios da
Argentina foram atingidos. Um incêndio na Cinemateca de Estocolmo, em
1941, destruiu seu depósito; no Japão, 300 filmes foram perdidos em 1984 no
Japan Film Center; na cidade do México, centenas de filmes foram
destruídos no incêndio que atingiu a Cinemateca Nacional. E um incêndio
na Universal destruiu grande parte dos filmes mudos. Também quando os
projetores foram substituídos os produtores destruíram suas películas de
nitrato temendo incêndios, perdendo-se para sempre as matrizes originais. O
problema das películas em nitrato é um dilema antigo entre os arquivistas
que ainda hoje leva a grandes discussões sobre o conservar ou destruir o
material depois de transferido para o acetato, um material mais seguro.
Pode-se conservar esse material em lugares programados especialmente
para isso, com umidade e temperatura controladas, sistemas de alarmes e
distância aconselhável de pelo menos 300 metros de qualquer espaço
habitado, como cita Eduardo Esperança.
59
Mesmo assim, muitas instituições
destruíram os originais de seus filmes.
Em 1951, acreditando estancar as perdas dos filmes, os industriais
colocaram no mercado o acetato de celulose, uma película com base
triacetato com excelentes características físicas e químicas para substituir o
59
ESPERANÇA, Eduardo. Para uma ontologia do arquivo de imagens em movimento,
http://bocc.ubi.pt/pag/esperanca-eduardo-ontologia-arquivo-imagens.html, p.62.
61
nitrato. Como o perfeito desempenho do projetor de filmes, bem como a
qualidade da tela, dependem em grande parte do alto grau dos atributos
físicos da película, essa foi trabalhada com vista à sua estabilidade,
durabilidade, resistência à ruptura e estabilidade térmica e química.
Desenvolvido na década de 1940, mas, utilizado universalmente a partir de
1950, sob a imposição a nível internacional de seu uso, o suporte de acetato
foi comumente conhecida como safety film, ou seja “filme seguro”, sendo
mais estável tanto no que diz respeito ao processo de decomposição, bem
mais lento do que o nitrato, como no fator combustão – é difícil de pegar
fogo. Alguns formatos hoje são encontrados praticamente nesse material
como os filmes em 16 mm, criados no período em que se usava apenas o
acetato, e os filmes de 70 mm, produzidos quando universalizaram o
material.
60
Contudo, os filmes em 35 mm só começaram a ser produzidos em
acetato nos anos 1950, com a imposição desse material. Os arquivistas do
mundo inteiro e toda a indústria do cinema acreditaram durante 30 anos ser
a salvação para os filmes, porém começaram também a apresentar
problemas. E pela segunda vez, defrontaram com outro perigo decorrente
do seu material, quando as películas começaram a exalar um componente
de seu químico, prejudicial tanto para a própria película quanto para as
outras armazenadas no mesmo local. Conhecido como assassino silencioso
ou mais comumente como síndrome de vinagre, o vapor de ácido acético
liberado das películas cujo cheiro e composição principal é a do vinagre,
acumula-se nos recipientes ou ambientes fechados quando não há
circulação adequada, transformando o químico num catalisador no
processo de deterioração da imagem. Além disso, as latas de metal
enferrujadas prejudicam mais ainda as películas, levando muitas
cinematecas a trocar suas latas de metal por de plástico. (No final dos anos
1990, um cantor chegou a oferecer para a cinemateca de São Paulo latas
de plástico em troca dessas latas de metal com o intuito de colocar ali seus
CDs e outros materiais que acompanhariam o produto como um Kit para a
60
ESPERANÇA, Eduardo. Para uma ontologia do arquivo de imagens em movimento,
http://bocc.ubi.pt/pag/esperanca-eduardo-ontologia-arquivo-imagens.html, p.63.
62
venda nas lojas). Até 1952, todos os sistemas de filmes tinham cores estáveis,
quando foi criado nesse ano o Eastmancolor
61
que apresentaria sérios
problemas anos mais tarde, desbotando e transformando as cores da
película num monocromático avermelhado. Para piorar, em 1978, o
laboratório da Technicolor fechou, deixando como único sistema no
mercado para processamento de filmes coloridos o Eastmancolor, levando
Martin Scorsese, em 1982, a iniciar uma campanha contra tal sistema.
Passando por alguns processos de transformação em seu material até
os dias atuais para tentarem impedir os problemas causados pelo
componente químico, os técnicos e responsáveis hoje chegaram ao material
de poliéster. Produzido atualmente, esse tipo de película é altamente seguro
e resistente; contudo, seu uso é ainda limitado, pois qualquer problema que
houvesse na projeção, a película poderá estragar a máquina devido à sua
grande resistência de não haver ruptura e, dessa forma, os donos de
cinemas optam pela preservação do projetor devido ao seu custo alto.
Durante muito tempo, a desvalorização do material antigo levou os
estúdios a descartar e destruir seus produtos. Alguns dos filmes antigos foram
mantidos fora das projeções e perdidos em decorrência das regras de
mercado que envolvia a concorrência com outros estúdios e produtoras
sobre cláusulas legais e que estipulavam a destruição completa das cópias
após sua exploração por destinado tempo no circuito comercial.
62
Os
estúdios não se preocupavam com esse tipo de material, e poucos estúdios
reconheciam o valor das cinematecas. Porém, com o sucesso comercial da
televisão durante os anos de 1950 e 1960, um enorme mercado para filmes
antigos foi criado. A partir daí, a indústria do cinema começou a valorizar o
material antigo, percebendo haver, tanto no cinema quanto nas TVs, grande
demanda para consumi-lo.
61
SUROWIEC, Catherine A. The Lumière project: the European Film Archives at the crossroads,
p.176.
62
ESPERANÇA, Eduardo. Para uma o para uma ontologia do arquivo de imagens em
movimento, Eduardo Esperança,
http://bocc.ubi.pt/pag/esperanca-eduardo-ontologia-
arquivo-imagens.html, ativo em 5 de setembro de 2004.
63
A maioria dos estúdios de Hollywood criou lugares com instalações
adequadas para suas películas e demais documentos preocupando-se com
fatores de perda em potencial e catastrófica de suas coleções, decorrentes
de incêndios, terremotos ou outros desastres naturais. O primeiro a adequar-
se foi o estúdio Paramount Pictures Film,
63
que começou a operar com novas
instalações em 1990, equipadas com estantes movediças para ganhar
espaço para a preservação, e outros equipamentos planejados para
armazenar seu vasto acervo pelos próximos 20 anos, contendo mais de
270.000 rolos de filmes, além de uma larga quantidade de fitas de vídeo de
produções dos estúdios de televisão, muitas em cópias únicas.
FIG. 19 Instalações de filmes e fitas coloridas no
prédio da Paramount Pictures. Robert McCracken
supervisiona o acervo de 40.000 metros quadrados.
FIG. 20 Fachada do Acervo de Filmes e Fita
s
da Paramount usada também para a produção
de muitos filmes. Dentro da estrutura da
s
instalações há equipamento de refrigerão
e
filtração de ar. O prédio resistente a terremoto
e
a fogo tem seu sistema próprio de gerador capa
z
de abastecer de energia todo o prédio por um
peodo indefinido caso haja falta de energia.
63
WILHELM, Henry. The permanence and care of color photographs: traditional and digital
color prints, color negatives, slides, and montion pictures, p.300.
64
FIG. 21 - Arquivos especialmente projetados, para
colocar o rolo de filme em divisões separadas,
simplificando a localização de um rolo específico.
A
Paramount inaugurou um programa especial de troca
das latas de filmes, colocando latas alcalinas isolada
s
de papelão com o intuito de prevenir a acumulação
gradual de vapor de ácido acético, ocorrida nas lata
s
normais. O ar dessa instalação é filtrado para remove
r
esses vapores. McCracken é mostrado aqui puxando
uma lata contendo um rolo de um negativo original do
filme O poderoso chefão – Parte II, Francis Ford
Coppola (The Godfather – Part II, 1974).
FIG. 22 Em cada rolo de filme ou fita é
colocado umdigo de barra e
localização com um sistema sofisticado de
inventário com base no computador. A
localização de um rolo em particular
pode ser rapidamente determinada por
abertura, prateleira, fileira e número.
Quando os rolos de um filme são
removidos para trabalho em laboratório
o designados para o espaço vago
novos rolos pelos sistemas de computador.
FIG. 23 – A Paramount Pictures tem uma
produção extensa de televisão
incluindo “Entertainment Tonigth”
(apresentações com mais de 100.000
fitas com entrevistas e shows) e séries do
Star Treck. Aqui são apresentadas as
principais instalações de fitas. Desde
1987 todas as produções de cinema e
TV da Paramount têm sido transferidas
para fitas digitais.
Em 1992, a Warner Brothers havia sido o único estúdio a abrir um
depósito de filmes em Hollywood com instalações de armazenamento
resfriado adequado, com um novo controle de umidade dividido em parte
para filmes coloridos e em parte para filmes preto e branco, outra para
materiais circulantes e elementos duplicados de filmes menos críticos com
um avançado sistema de circulação de ar.
65
FIG. 24 - Uma das três novas instalações de alta
segurança da Warner Bros., sob temperatura
fria em seus estúdios na Califórnia. A Warne
r
Bros. transferiu suas coleções de filmes para
essas novas instalações de filmes coloridos
mantidos em 1.7°C e 25%RH em 1992. Aqui são
apresentadas as instalações maiores de filmes
P&B que, como as outras duas, são equipadas
com arquivos veis. John Belkmap, diretor das
instalações, e Bill Hartman, diretor da
Administração de Recursos de Estoque e
Pesquisas na Corporate Film Vídeo Services da
Warner Bros. Gardiner, vice-presidente das
Operações na Corporate Film Vídeo Services na
FIG. 25 – As novas instalações têm
um sofisticado sistema de
monitoramento para verificar a
qualidade do ar e determinar a
presea de alguma substância
prejudicial para as películas. É
apresentado aqui o terminal
conectado com o sistema cujo
controle sepor computador.
A Turner Entertainment comprou o acervo de filmes da MGM/UA em
1986 a um custo superior de US$1 bilhão, e investiu no armazenamento de
elementos de backup de todos os seus filmes em controle, com instalações
de alta segurança para evitar a possibilidade de uma perda catastrófica da
coleção por fogo, terremoto, tornado, sabotagem, distúrbio civil ou ataque
nuclear. Com filmes e fitas de vídeo estocadas, seu acervo inclui filmes
anteriores a 1950 da Warner Brothers, que a MGM/UA havia comprado, além
do acervo de filmes do mercado interno da RKO.
FIG. 26 - Câmara original dos negativos coloridos,
interpositivos coloridos, dos sistemas de cor YCM,
negativos de som, e outros elementos pré-
impressos no Turner Entertainment Co. Film Library,
mantidos em instalações de alta segurança
subterrâneas operadas por Records Centers d
e
Kansas, localizado nos arredores rurais da cidade.
Quando essa fotografia foi tirada em 1987, seu
acervo chegava a mais de 50.000 latas mantida
s
nessas instalações sob a temperatura de 3.3°C
e
40%RH.
66
FIG. 29 Base armazenada
duplicada de separões P&B
para ... E o vento levou
(Gone With the Wind, 1939).
O clássico em technicolor em
3 cores é uma dasjóia da
coroa da coleção Turner
Entertainment.
FIG. 28 Galpão de entrada e
carregamento com instalações de
alta segurança em Kansas,
constrda entre pilares de pedra
calcária deixados pelas operações
de mineração para suportar o
teto da mina.
FIG. 27 – Latas contendo vários
impressos de filmes. Em 1987, a
Turner armazenava vários filmes da
United Artists sob acordo de
distribuição desses filmes.
No final de 1996, a divisão de conservação de filmes, dados e áudio do
Arquivo Nacional do Canadá abriu, no Quebec, as instalações para
conservação de filmes e fotografias mais avançadas do mundo. Com uma
vasta coleção de filmes coloridos e preto e branco e documentos em
papéis, a instituição serve como coleção centralizada para todas as
agências do governo canadense, incluindo
a National Film Board.
Os estúdios de animação da Disney
possuem suas instalações na Califórnia perto
de Hollywood e mantêm seus negativos
Technicolor 3 cores dos filmes live action e de
seqüências de frames dos desenhos
animados e personagens animados em
nitrato separados de outros tipos de filmes.
Todas as matrizes em nitrato vêm sendo
duplicadas em triacetato de celulose.
FIG. 30 Negativos originais de
nitrato separados de Branca de Neve
e os sete anões (Snow White and the
Seven Dwarfs, 1937). O filme tem
sido exibido muitas vezes desde
então e arrecadado milhões de
dólares para a Disney.
Os estúdios de cinema e TV
constituíram parte fundamental para a preservação da memória.
Conseguiram reunir grande quantidade de filmes, objetos e documentos
67
únicos, escrevendo parte da história do cinema e da TV – e do próprio século
XX – através de seu material. Ganharam espaço de grande importância hoje
como fonte de pesquisas. Entre os acervos da indústria cinematográfica os
da MGM, Warner, da Universal e a do produtor Selznick tornaram-se os mais
acessíveis em Hollywood, reunindo arquivos de estúdios, relatórios de
produção, correspondência interna, relatórios financeiros e outros
documentos relativos à produção cinematográfica dos estúdios:
* Coleção Arthur Freed do Departamento de Coleções Especiais
da Biblioteca Doheny da Universidade do Sul da Califórnia.
(Coleção completa dos registros de produção, correspondência
do estúdio a respeito do grande produtor da MGM do final dos
anos 40 e dos anos 50, responsável pela maioria dos musicais da
“idade de ouro” de Hollywood);
* Coleção Mark Hellinger do Departamento de Coleções
Especiais da Biblioteca Doheny da Universidade do Sul da
Califórnia. (Coleção limitada, contendo documentos legais,
financeiros e relativos à produção do período de Hellinger
enquanto independente na Universal. Complementa-se bem, no
entanto, com o material sobre Hellinger da Coleção Warner,
também da USC);
* Coleção Alfred Hitchcock da Biblioteca Margaret Herrick da
Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, em Bervely Hills,
Califórnia. (Enorme coleção de documentos e registros de
produção, com ênfase nos últimos filmes americanos de
Hitchocock. Excelente complemento ao material sobre Hitchcock
da Coleção Selznick, da UT-Austin);
* Coleção de Roteiros da MGM da Biblioteca Doheny da
Universidade do Sul da Califórnia. (Essa coleção contém o
inventário geral dos roteiros da MGM e outros documentos de pré-
produção também relacionados a roteiros (tratamentos iniciais,
roteiros preliminares), inclusive de projetos não produzidos. Traz
68
ainda anotações de reuniões de roteiro e memorandos sobre
alguns filmes da MGM);
* Documentos Dore Schary do Centro Wisconsin de Pesquisa de
Cinema e Teatro da Sociedade Histórica Estadual de Madison,
Wisconsin. (Outra fonte limitada e irregular contendo documentos
– em sua maioria correspondência entre executivos – relativos aos
períodos de Schary como executivo na MGM, na Vanguard, na
RKO e, de novo, na MGM. Especialmente reveladores são os
documentos referentes às reuniões de executivos da MGM,
realizadas entre o início e o final dos anos 1940);
* Coleção George B. Seitz da Biblioteca Louis B. Mayer do
American Film Institute, em Los Angeles. (Fonte irregular mais
valiosa, especialmente a respeito de argumentos e roteiros, bem
como da pré-produção dos filmes de Andy Hardy, muitos dos
quais Seitz dirigiu);
* Coleção David O. Selznick da Biblioteca Hoblitzelle de Artes
Dramáticas do Centro de Pesquisas de Humanidades da
Universidade do Texas, em Austin. (Essa enorme coleção contém
material referente aos primeiros anos de Selznick como executivo
de estúdio na MGM, na Paramount e na RKO, e a seus anos como
independente (a partir de 1935) cobrindo praticamente todos os
aspectos das atividades de Selznick enquanto produtor de filmes);
* Coleção United Artists do Centro Wisconsin de Pesquisa de
Cinema e Teatro da Sociedade Histórica Estadual, em Madison,
Wisconsin. (Extensa e bem catalogada coleção dos registros
gerais e financeiros da UA anteriores a 1951. Embora não trate da
produção propriamente dita, proporciona valioso complemento
às coleções de produtores da UA como Selzinick e Wanger);
* Coleção Universal do Departamento de Coleções Especiais da
Biblioteca Doheny da Universidade do Sul da Califórnia, Los
Angeles. (Limitada e bastante irregular, essa coleção traz, no
entanto, material valioso dos anos 1930 - 1950: orçamentos
69
detalhados e registros de produção de vários filmes, “registros de
filmagens”, relatórios semanais de posição de todas as produções
dos anos 1930, várias “recapitulações” e resumos de relatórios);
* Coleção Walter Wanger do Centro Wisconsin de Pesquisas de
Cinema e Teatro da Sociedade Histórica Estadual de Madison,
Wisconsin. (Coleção excelente, extensa e bem catalogada,
abrangendo a carreira de Wanger nos anos 1930 - 1950. Contém
seus contratos, correspondência, relatórios financeiros de
produção de muitos de seus filmes);
* Coleção Warner Bros., do Departamento de Coleções Especiais
da Biblioteca Doheny, Universidade do Sul da Califórnia, Los
Angeles. (Arquivo extenso, bem catalogado e bem administrado,
contendo grande volume de registros de produção classificados
por título. Traz ainda registros de pessoal – registros legais,
contratos, correspondência do estúdio, material publicitário –
classificados por nome);
* Arquivo Legal da Warner Bros. da Coleção United Artists, do
Centro Wisconsin de Pesquisas de Cinema e Teatro, Sociedade
Histórica Estadual de Madison, Wisconsin. (Contém contratos,
acordos e outros documentos legais a respeito de praticamente
todos os longas-metragens da Warner. O material encontra-se
classificado por título em ordem alfabética e tende a favorecer os
aspectos mais dispendiosos da produção – isto é, contratos de
diretor, roteirista (s), estrela (s), contratos de aquisição de direitos
para adaptação cinematográfica de obras);
* Arquivo de roteiros da Warner Bros. da Coleção United Artists do
Centro Wisconsin de Pesquisas de Cinema e Teatro, Sociedade
Histórica Estadual de Madison, Wisconsin. (Contém, assim como a
coleção MGM da USC, um inventário geral de roteiros e
70
documentos referentes à pré-produção, inclusive umas poucas
anotações de reuniões de roteiro).
64
À diferença desses arquivos de documentos relativos ao cinema,
criados pela indústria cinematográfica em função de seu próprio
funcionamento, os arquivos fílmicos apenas recentemente, com o interesse
dos meios de comunicação em explorá-los comercialmente ganhou real
importância para os estúdios. O valor monetário dos filmes em seus acervos
mudou substancialmente a visão dos estúdios sobre seus acervos de imagens
e agora a maior preocupação é a preservação de suas películas e demais
documentos. O valor comercial dos materiais estocados de filmes em
Hollywood, videocassetes e sons magnéticos nos acervos é hoje
incalculável.
65
Agora os estúdios tentam reconstituir os filmes do período em
que não tinham interesse e os destruíam, ou seja, os filmes sonoros do
período clássico 1930 até 1950, e a idade de ouro do período do cinema
mudo de 1910 e 1920, tentando reaver o tempo perdido. Mas “o problema
é que as cópias em melhores condições estavam nas mãos dos
colecionadores, e na grande maioria nas cinematecas. E quando
começaram a se interessar pelos filmes antigos, na década de 1970, o filme
já carregava um caráter de raridade e logo de valorização”.
66
Assim, a
indústria cinematográfica realmente começou a dar valor às cinematecas e
à preservação apenas nos anos 1970, pois os materiais do acervo
aumentaram sua margem de uso na indústria nos novos programas de
televisão, na TV a cabo e satélite e no próprio cinema para distribuidores e
exibidores de filmes clássicos, com reestréias em larga escala de filmes,
sobretudo nos anos 1980. O mesmo sucesso da TV repetiu-se depois, com a
64
Cf. SCHATZ, Thomas. O gênio do sistema: a era dos estúdios em Hollywood, p.493 – 495.
65
Segundo Joerg D. Agin, vice-presidente da Motion Picture and Television Imaging Division
Eastman Kodak Company. Cf. WILHELM, Henry.
The permanence and care of color
photographs:
traditional and digital color prints, color negatives, slides, and montion pictures,
p.299.
66
Eduardo Esperança. Para uma ontologia do arquivo de imagens em movimento.
http://bocc.ubi.pt/pag/esperanca-eduardo-ontologia-arquivo-imagens.html, ativo em 5 de
setembro de 2004.
71
rápida difusão dos VHS em todo o mundo criando produtos como
videocassetes. E se o caro LD, com seus aparelhos de disco laser, não foi
exatamente um sucesso, antecedeu e fez prever a atual febre do DVD e dos
home theater, cujas receitas já superam à dos próprios filmes em seus
lançamentos no cinema.
67
Mesmo sabendo que a preocupação do produtor ou estúdio que
detêm os direitos do filme é simplesmente a exploração comercial, como
observa Patrícia de Fellipes, da Cinemateca Brasileira, a consciência da
isolação institucional pelos arquivistas pioneiros e a necessidade de criar uma
relação de cumplicidade com a indústria do cinema fizeram com que o
movimento em prol da preservação de filmes colaborasse para um trabalho
conjunto. A partir daí, construídas num movimento unificado de diversas
partes através de estruturas criadas para dar suporte à preservação houve
um crescente aumento nas coleções de filmes nas cinematecas, através da
colaboração com as indústrias, por coleções abandonadas e doadas e,
sobretudo, pela troca de filmes entre os arquivos e a colaboração do
colecionador, que passou a ser parte desse trabalho de preservação.
Durante muito tempo os estúdios entraram em processos jurídicos contra os
colecionadores, por adquirirem, ilegalmente cópias que, pelos direitos de
exibição deviam retornar aos estúdios ou serem destruídas. Os estúdios
americanos passaram a reconhecer e entender só por volta dos anos 1980,
após várias brigas jurídicas, a importância do colecionador, autorizando-o a
possuir cópias de seus filmes.
Apesar de ser o primeiro a preocupar-se em manter o material do
cinema, o colecionador de cinema (envolvido ao longo do tempo pelas
cinematecas, museus e filmotecas, e só depois pelos estúdios) foi o elo mais
ignorado na cadeia da preservação, passando por muitas dificuldades
relacionadas a problemas de acesso, disponibilização, direitos e outros para
lidar com o objeto amado sem qualquer suporte político, jurídico ou
67
Luiz Nazario previu essa nova onda de revalorização do filme antigo pela sua restauração
para lançamento em DVD no livro
As sombras móveis (1999), que leva o subtítulo (então mal
compreendido pelos críticos) de
Atualidade do cinema mudo.
72
financeiro. Sua participação era desconsiderada como parte fundamental
no processo de preservação do material antigo, levando-o à posição de um
simples espectador, e por isso era criada uma relação hostil entre os grandes
que estavam envolvidos. Como foi o caso do National Film Archive, por
exemplo, que excluiu a participação dos colecionadores, gerando uma
relação hostil entre os dois lados, mesmo quando os colecionadores
mantinham seus filmes em estados muito melhores de conservação do que
grandes companhias que perdiam muitos filmes ou até mesmo os queimava
depois de retirar a prata contida nas películas.
68
O colecionador de cinema passou a ganhar importância graças à
valorização de materiais desaparecidos que só se encontravam agora nas
coleções particulares. Seu conhecimento no assunto foi reconhecido, cada
um como em sua “especialidade”, agora dando suporte ao trabalho de
preservação, descoberta de filmes considerados perdidos e catalogação
dos filmes existentes. O colecionador também se beneficia com essa
valorização de sua atividade, pois freqüentemente encontra grandes
dificuldades em manter um grande número de películas. Mas sua
participação é ainda vista como algo “marginal” no Brasil, como relata o
colecionador Leão,
69
que acrescenta: “O colecionador de filme preserva
mais que os próprios produtores, ele cuida da cópia como se fosse um filho
seu, hidratando a película periodicamente, recuperando perfurações e até
regravando o som, quando o filme tem banda magnética”. Como ele
observa, os colecionadores não querem explorar comercialmente os filmes,
mas preservá-los. Leão cita ainda alguns aspectos necessários para um
melhor entrosamento entre os produtores e os colecionadores: intercâmbio
dos colecionadores com produtores, de forma que este poderia doar uma
de suas várias cópias de um mesmo filme para o acervo, e de modo
recíproco por parte dos colecionadores; a autorização dos detentores dos
68
SUROWIEC, Catherine A. The Lumière project: the European Film Archives at the crossroads,
p.219.
69
Entrevistas realizadas por Felipe Bragança e Marina Meliande com diferentes especialistas
na área de preservação cinematográfica do Brasil retirada do site
http://www.contracampo.he.com.br/34/painel.htm
73
direitos autorais do filme para sua exibição sem bilheteria, em cineclubes ou
mostras; e por fim o apoio com verbas para a conservação da película, pois
o colecionador “investe seu dinheiro sem nenhum fim lucrativo e ainda leva
um processo se divulgar a posse ou exibir um filme sem autorização”.
Dentro da própria coleção de Leão, muitos filmes foram descobertos
por produtores que tiveram de recorrer às suas películas, como Walter Lima
Júnior que encontrou uma cópia perfeita de seu filme Menino de engenho; a
Associação de Pesquisadores encontrou com um colecionador um filme
produzido pela Atlântida em 1947, com Cacilda Becker, intitulado Luz de
meus olhos; o filme El Húsar de la Muerte (1925) foi comprado pela
Universidade do Chile do documentarista e colecionador Edmundo Urrita,
possibilitando restaurar a cópia em 35 mm; os acervos particulares, os
depósitos em TVs e as produtoras cinematográficas mantêm viva a memória
visual do Chile, desprovidos de uma cinemateca; uma coleção rara de 23
curtas do princípio do uso de duas cores do sistema Kinemacolor produzido
no princípio do século pela companhia inglesa de Charles Urban e G. A.
Cores Naturais Kinematograph comprada de um colecionador em Gênova
por uma companhia metalúrgica em Ligúria e descoberta pela Cineteca di
Bologna em 1992, no Arquivo Cinematográfico Ansaldo daquela
companhia.
Assim, a necessidade de um trabalho de colaboração harmonioso,
entre os estúdios, produtoras, cinematecas, museus e colecionadores, para
evitar mais perdas e demais problemas gerados com o tempo foi inevitável.
Mas as razões que conduz cada envolvido na preservação do material
cinematográfico são diversas e assim onde o material cinematográfico é
lidado de diferentes formas: as cinematecas estabeleceram-se como
instituições destinadas à preservação de filmes, desenvolvendo diversos
projetos, tendo poder político, direito e liberdade para ter acesso aos filmes;
os estúdios desde o início lidam com o material comercialmente envolvidos
com o poder financeiro, a produção, o mercado e os direitos autorais;
enquanto os colecionadores, desde os primórdios trabalham com o material
74
do cinema de forma afetiva. Martin Scorsese escreveu que a deterioração
de filmes é um método perverso de suicídio cultural e histórico, propondo
uma nova organização a ser composta de representantes de todos os
grupos na indústria: dos estúdios, produtores e atores até museus, arquivos e
universidades; experts em preservação de filmes e experts em tecnologias
avançadas de fabricação de filmes, destacando que o grupo não deva ser
afiliado ou obrigado a qualquer ramo da indústria
70
nem mesmo com a FIAF
como órgão de controle das cinematecas que já direciona todo o trabalho
com o material cinematográfico.
As películas exigem maiores preocupações de preservação se
comparadas a outros objetos culturais devido à sua base química muito
instável, proveniente do material fotográfico, e assim requerem instalações
com temperatura e umidade adequadas, difíceis de serem controladas. Ao
mesmo tempo, exigem certos cuidados no seu manuseio. Em alguns países
os poderes públicos criam instalações propícias para as películas,
principalmente para as de nitrato, mas as instituições sentem falta de leis
adequadas para dar suporte ao seu trabalho sendo esta uma das
reclamações constantes de todos os envolvidos preocupados em manter a
memória visual. Outro grande problema enfrentado pelas instituições para a
manutenção das películas é de ordem financeira – são grandes os gastos
dessas instituições com equipamentos, restauração de filmes, tradução ou
recriação de intertítulos, problemas legais.
Algumas instituições foram obrigadas a remanejar seus gastos e
algumas vezes seu acervo como foi o caso notório da Cinemateca do
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, que teve de renunciar à guarda
de seu acervo, transferido para a Cinemateca Brasileira. Os colecionadores
de filmes enfrentam, em menor escala, os mesmos problemas. Assim, criado
em 1982 pelo colecionador Victor de Almeida para preservar e cultivar o
cinema mineiro, o Instituto Humberto Mauro em Minas Gerais foi obrigado a
desfazer-se de parte do seu acervo de mais de mil livros e cerca de 500
70
WILHELM, Henry. The permanence and care of color photographs: traditional and digital
color prints, color negatives, slides, and montion pictures
, p.345.
75
filmes, além de discos e CD-ROMs, pela impossibilidade financeira de mantê-
los. Organizando a Feira de Tudo de Cinema e Conexos,
71
Victor de Almeida,
pôs à venda cerca de 500 cartazes de películas de todos os tipos: novas e
antigas, brasileiras e estrangeiras; as primeiras revistas publicadas nos EUA
sobre vídeo; projetores de 35 mm e 16mm, câmeras super 8 e moviolas e até
roteiros, e desabafou:o temos condições de cuidar dos objetos.
Esperamos que eles sejam adquiridos por colecionadores que possam investir
na sua preservação. Além disso, registrou-se a lamentável destruição do
arquivo de imagens do canal de televisão público TV Cultura
72
que, por
problemas financeiros decorrentes da disputa política entre o governo do
Estado de São Paulo e o diretor da Fundação, Jorge da Cunha Lima, passou
a reutilizar as fitas de vídeos apagando filmes, programas e documentários
raros e únicos. A luta de colecionadores, cinematecas e outros
preservacionistas ainda é difícil devido à questão financeira, à falta de
conhecimento e o descaso, sobretudo em alguns países como o Brasil onde
filmes mais recentes já estão perdidos ou em processo de perda. De forma
previsível se não bem conservados, os filmes atuais feitos com a película de
acetato de celulose levam a emulsão do filme, ou seja, a imagem, a
desaparecer.
Através de projetos importantes, elaborados principalmente pelas
cinematecas, o processo de preservação vem abrangendo mais e mais
trabalhos diversificados, englobando todos os responsáveis e estabelecendo
essa união necessária para que todos caminhem numa mesma direção.
Exemplo dessa nova mentalidade preservacionista é o Projeto Lumière que
mobiliza 30 cinematecas européias com o intuito de aumentar a filmografia
do continente europeu rastreando os arquivos estrangeiros.
73
Este projeto foi
criado por profissionais especializados como arquivistas de filmes, muitos
71
Feira realizada no Centro Cultural UFMG no período de 2 e 13 de fevereiro de 2000. Boletim
do Centro Cultural UFMG ano 1 – nº 9, janeiro – fevereiro de 2000. Título
tima arte em
agonia
por Gleidson Batista.
72
Canal TV Cultura da Fundação Padre Anchieta que controla também a Rádio Cultura.
Matéria do Estado de Minas escrita por Larissa Squeff de 10 de maio de 2003.
73
NAZARIO, Luiz. As sombras móveis: atualidades do cinema mudo, p.315.
76
deles curadores dos acervos Europeus. A partir do Programa Mídia criado em
1990, pelo Conselho de Ministros da Comunidade da Europa, o programa
abrange novos efeitos sobre o filme e mantém o trabalho coletivo dentro da
responsabilidade interna de cada país. Em 1991, este programa criou Projeto
Lumière que, através das contribuições pagas pelos seus membros,
concentra-se em projetos de restauração de filmes; compilação de uma
junta européia; identificação e pesquisa de filmes perdidos, dentro e fora dos
arquivos de suas coleções, em todo o mundo. Destacando a importância
cultural da película como parte de um todo, o projeto não discrimina as
películas por categorias.
Dentro do Projeto Lumière, outro projeto importante foi o da Joint
European Filmography – JEF, criado em 1992 para cuidar da recuperação e
sobrevivência dos filmes europeus, em caráter permanente. O projeto
desenvolveu cinco programas: preservação física e restauração dos filmes
europeus; pesquisas e publicações da filmografia européia; criação de um
banco de dados contendo os títulos dos arquivos de filmes europeus;
identificação e busca de filmes perdidos; e promoção e apresentação de
filmes restaurados. O dinheiro captado é reinvestido nos trabalhos de
preservação. O projeto JEF
74
criou uma base de dados para a catalogação
dos filmes. Foi elaborada a princípio uma lista com o intuito de saber quais
filmes ainda existiam e os que foram produzidos; foram checadas as
produções existentes pelos exames dos filmes arquivados, pesquisas em
anuais de produção, catálogos de distribuidores e gravações da censura.
Identificados os filmes, obtiveram informações para os diversos tipos de
perguntas: quem foi o diretor, quem era o dublê da estrela, como o filme foi
recebido na estréia, se foi distribuído em outros países e assim por diante. As
perguntas foram limitadas de modo a obter dados que ajudassem na
identificação do filme, como ele foi originalmente produzido e lançado.
Dessa forma, o intercâmbio de informações e a ajuda mútua através da
disposição dos filmes contidos no acervo das cinematecas e os que elas
74
SUROWIEC, Catherine A. The Lumière project: the European Film Archives at the crossroads,
p.169.
77
procuram apresentados em listas m possibilitando uma catalogação
completa da produção européia e a recuperação de muitas películas até
então consideradas como perdidas ou mesmo desconhecidas. Os museus
de cinema, as cinematecas, as filmotecas, os estúdios, as distribuidoras e os
colecionadores de filmes iniciaram uma política de troca de informações e
de cópias que se tem mostrado enriquecedora para todos os envolvidos.
Muitas vezes o processo de identificação do filme torna-se difícil
quando o material não tem qualquer registro do ano de produção, do
diretor, do produtor, do distribuidor ou do material da película. O processo
de identificação começa antes mesmo da lata ser aberta através da
pesquisa de seus arquivos observando de onde a cópia proveio e onde ela
se encontra atualmente, trilhando sua rota de “viagem”. A partir daí, grande
parte do trabalho para saber o período e país de origem do filme,
características fundamentais para a identificação da película, já está
concluída. E por eliminação, à medida que a pesquisa avança, outras
questões tornam-se mais fáceis de serem resolvidas.
Ao observar a película algumas características próprias darão indícios
do período e local: a aparência dos dois lados do rolo indicará se a película
é em p&b, cor ou pintada à mão (esta última identificada pelas bordas); se
a película for em Eastmancolor, ela será datada depois de anos 1952, se for
pintada, antes dos anos 1930; se houver ficha de som original, ela poderá
indicar o título do filme, o número de rolos, os nomes dos produtores ou
distribuidores, o laboratório, permitindo a identificação imediata do filme; se
houver créditos iniciais, saberemos qual país pela língua, ou se identificarmos
algum logo ou marca exibida no filme; impressos ou marcas dos fabricantes
colocados na película pelos produtores permitem identificar se pertencem
aos primeiros 20 anos do cinema, quando os principais estúdios ou
distribuidores tinham suas marcas colocadas em seus produtos – além das
informações dentro do próprio filme através de intertítulos, créditos, placas
78
de ruas, jornais e outros contendo nomes e datas.
75
O problema da
originalidade dos filmes também precisa ser levado em conta. Quando
houve a passagem do filme mudo para o falado, a necessidade de
exportação dos filmes levou alguns a serem refilmados, com diferentes atores
na língua original do país a que era destinado, enquanto outros
simplesmente dublavam ou colocavam intertítulos. O resultado dessas
refilmagens foi gerar várias versões diferentes de um mesmo filme.
O processo de catalogação é importante não só para a identificação
dos filmes perdidos, mas também para o manuseio das películas e demais
documentos através da imagem e de informações diversas. De forma
diferenciada das cinematecas o colecionador de cinema lida com a
catalogação de acordo com sua coleção, criando parâmetros particulares.
Exemplo de um processo pessoal de organização de acervo é o que foi
criado pela cineasta Leni Riefenstahl,
76
encarregada de filmar as Olimpíadas
de 1936 em Berlim, e outros documentários de propaganda, a pedido de
Hitler, com uma aparentemente ampla liberdade de produção. Nas
filmagens das competições, a diretora posicionou câmeras em diversos
ângulos e locais a fim de não perder qualquer momento ou vitória
importante dos atletas. Rolos e mais rolos de película foram filmados
chegando a mais de 400.000 metros organizados a partir de uma
sistematização criada utilizando cores, números e letras. O ritmo rápido dos
acontecimentos impossibilitava o operador de parar de filmar para numerar
as cenas antes da filmagem da próxima tomada, e dessa forma Riefenstahl
sistematizou desde o início o processo de filmagem, dando a cada classe de
esportes um número, subdividindo o conjunto até o número 100. “No tema
público lia-se: 1a público no sol, 1b público na sombra, 1c público aplaude,
1d público decepcionado, e daí sucessivamente, além das subdivisões das
tomadas do público pelas diversas nacionalidades e lugares de onde eram
realizadas as competições”. Ao arquivar os copiões, Riefenstahl utilizou um
75
SUROWIEC, Catherine A. The Lumière project: the European Film Archives at the crossroads,
p.181.
76
RIEFENSTAHL, Leni. Memórias, p.194, 195.
79
sistema de cores, dividindo as latas em: caixas alaranjadas para o material
não cortado; caixas verdes para as abreviações; azuis para as reservas;
pretas para as perdas; amarelas para o material sonoro. Ela conseguia,
dessa forma, encontrar qualquer imagem ou cena em menos de um minuto.
Foi assim que Riefenstahl surpreendeu não só técnicos, mas também o
próprio Hitler, que se admirou com o método de classificação e organização
de películas da jovem cineasta.
77
Muitos dos filmes catalogados nas diversas cinematecas foram
restaurados também por projetos desenvolvidos através de iniciativas das
cinematecas ou dos estúdios. Porém, a falta de verba prejudica o trabalho
das cinematecas, dado o alto custo exigido no trabalho de restauração; são
muitos os filmes em processo de deterioração, e nem todos poderão ser
restaurados. Essa é uma questão delicada para os responsáveis pelas
películas: eles precisam ter bom senso no processo seletivo para decidir que
filmes serão perdidos e que filmes serão salvos. Mesmo dependendo do
curador, alguns aspectos da seleção devem ser levados em conta, tais
como: selecionar filmes mais representativos do cinema e sua história; filmes
que estão em processo de deterioração mais avançado; películas de
nitrato, pelo perigo de explosão. O projeto Lumière estabeleceu como
critério o risco de perda pelo nitrato de prata. Os dez arquivos mais
envolvidos foram: a Cineteca del Comune di Bologna; o Nederlands
Filmmuseum Amsterdam; a Cinémathèque Royale de Belgique/Koninklijk
Filmarchief, em Bruxelas; o National Film e Television Archive de Londres; o
Archives du Film du Centre National de la Cinématographie (CNC) em Bois
d’Arcy; o Bundesarchiv – Filmarchiv em Berlim e Coblença; a Cinémathèque
Française, em Paris; a Cinemateca Portuguesa, em Lisboa; o Münchner
77
Lembramos que essa obsessão alemã pela classificação e organização se estenderá para
os prisioneiros dos campos de concentração, no qual cada “tipo” de prisioneiro será
classificado e estigmatizado com triângulos de cores diferentes: estrela feita de triângulos
amarelos para os judeus; triângulo rosa para os homossexuais; e assim por diante.
80
Stadtmuseum/Filmmuseum, em Munique; e a Stiftung Deutsche Kinemathek,
em Berlim.
78
Cada vez que um filme antigo é projetado, sua forma física é afetada,
acumulando sujeira e gordura, multiplicando e piorando os arranhões na
emulsão e na base da película; os buracos na borda podem ser danificados,
impossibilitando outra projeção; cortes e rasgos aumentam o risco das
películas arrebentarem e, assim, também perderem frames. Essa questão
também é um dilema para os curadores quando possuem uma cópia única
de um filme: ou eles correm o risco de danificá-lo na projeção, ou deixam-no
guardado sem estudar seu conteúdo ou mesmo expô-lo.
Alguns filmes considerados perdidos foram recuperados através da
captura quadro a quadro de suas imagens guardadas no acervo de
patentes da Biblioteca do Congresso dos EUA. No começo do cinema, os
“produtores” de filmes plagiavam as histórias e tudo mais descaradamente,
como A dança da serpentina dos irmãos Lumière e Edison. Desta forma,
quando os pequenos cineastas, como então Thomas Edison, começaram a
fazer seus filmes, tentaram patentear seus produtos para que seus direitos
fossem pagos em caso de uso. O processo de patente nessa época consistia
em fotografar o produto inventado de todos os ângulos e depois registrá-lo;
contudo, o “produto” filme era algo que envolvia não só a simples película,
mas também seu conteúdo de imagens. Assim, fotografavam todos os
quadros da película, em tiras de papel, possibilitando hoje, através da
criação de uma máquina especial, sua reconversão para película e a
recuperação de filmes perdidos. Ao registrar as patentes, a Biblioteca do
Congresso recebia as tiras impressas de todas as produções virtualmente
produzidas nos EUA sem custo – muitas delas consideradas perdidas. Outra
das coleções da Biblioteca inclui os filmes do Instituto Americano do Filme,
que não mantém instalações próprias.
78
SUROWIEC, Catherine A. The Lumière project: the European Film Archives at the
crossroads, p.12.
81
FIG. 31 – Instalações de armazenamento de filmes
coloridos da Biblioteca do Congresso em Maryland,
próxima a Washington, D.C. A umidade controlada
das instalações é mantida a 2.8°C em 25%RH. David
Parker, diretor assistente da seção de curadoria de
filmes, broadcasting, gravação da divisão de som da
Biblioteca do Congresso. Stills coloridos, incluindo os
materiais coloridos das coleções da revistas Look, são
também armazenados nas instalações de cor. O filme
raro a base de nitrato em Technocolor produzido pela
MGM, em 1944, Meet Me in St. Louis, e dirigido por
Contando hoje com a tecnologia e novos meios digitais, os
responsáveis pelas películas têm condições de controlar com mais
segurança as instalações em que são mantidos os materiais e mídias para o
transporte do filme, além de acesso a métodos de restauração digital. Mas,
são necessários percepção, bom senso e ética para trabalhar com os filmes,
principalmente com as novas tecnologias, que possibilitaram a intervenção
na imagem, podendo modificar a obra original de modo incorreto. As
enormes mudanças tecnológicas acarretaram problemas: muitos dos filmes
antigos tornaram-se impossíveis de serem projetados nos cinemas modernos;
os filmes em technicolor, copiados em Eastmancolor, perderam para sempre
a tonalidade original de suas cores; o mau uso da película levou muitas
pessoas envolvidas a intervirem na obra, como os filmes preto e branco
colorizados, ou os filmes cortados pelas emissoras de TV para adequá-lo ao
seu horário.
Há dois tipos de restauração: a restauração química da película e a
restauração digital da imagem dos quadros. Hoje a digital é a mais eficaz de
recuperação do filme sendo feita de acordo com os problemas detectados
na película; depois de realizada, o filme é transposto para outra mídia ou
película, perdendo-se o material original. Um dos problemas é o
branqueamento do pigmento ou a produção de manchas nas películas
coloridas, decorrentes do manuseio impróprio ou das influências ambientais,
como luz, agentes químicos, calor, umidade e estocagem. Neste caso a
restauração da película é impossível, pela perda do químico, sendo
necessários processos digitais para recuperá-la. A reconstrução do filme é
82
feita determinando a relação dos quadros apagados e os não apagados
pela medida da densidade óptica dos pedaços anteriores e posteriores que
estão em bom estado gerando uma outra prova colorida do material sem
que o original seja afetado. Ao digitalizar o filme apagado, aplica-se à
relação inversa para recalcular a densidade original da coloração e, a partir
daí, dá-se saída à imagem digital restaurada com um gravador de filme ou
transferindo-o para vídeo.
Já os problemas gerados por meio mecânico como arranhões, poeira,
impressões digitais, requerem outro processo digital voltado para eliminá-los
ou reduzi-los. Através de um método automático, devido ao grande volume
de dados contidos num filme, são reconhecidos os defeitos da imagem
através de descontinuidades nítidas de um frame para o outro ou pelos
movimentos dos objetos nas cenas ou pelos movimentos gerais, que são
analisados. Conseqüentemente, para cada frame as características
importantes da imagem são detectadas e caracterizadas de acordo com
suas propriedades. Tão logo isso acontece e a imagem com defeito é
reconhecida, intercalam-se as propriedades espaciais e temporais para
preencher as informações perdidas. O acompanhamento humano ainda
assim é indispensável quando utilizado processo computadorizado para
reconstrução automática da imagem, pois só o profissional tem o controle
visual e o julgamento do que está “certo” ou “errado”.
Aqui no Brasil, mesmo com tantas dificuldades financeiras, há algumas
iniciativas, como a da Petrobrás, que só está patrocinando restaurações de
filmes brasileiros como Deus e o Diabo na terra do sol (1964), de Glauber
Rocha; O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla,
Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade. Em outubro de 2003, no
5º Festival Internacional TIM de Curtas-metragens de Belo Horizonte, foram
discutidas a preservação e restauração das películas. Na palestra
“Restauração Digital”, Fábio Fraccarolli, restaurador dos Estúdios Mega, em
São Paulo, levantou questões importantes de ética e conservação
apresentando trechos de seu trabalho de restauração digital no filme O
83
Bandido da Luz Vermelha. Expôs com grande seriedade profissional os limites
da técnica para não se modificar a originalidade do filme; se a técnica atual
não é capaz de restaurar o filme como ele era sem modificar sua cor ou
inserindo coisas que não foram feitas pelo diretor, é melhor deixá-lo
guardado e bem conservado para que um dia, com uma tecnologia
avançada, tal restauração possa ser realizada. Outra palestra importante foi
ministrada pelo Técnico da Funarte, Mauro Domingues, intitulada
“Conservação e Restauração de Filmes”, abordando, além de questões
técnicas de conservação e restauração da película, os problemas
decorrentes da má preservação, da degradação da película como a
síndrome do vinagre, os problemas financeiros das cinematecas que
inviabilizam poder salvar todos os filmes. Um lida com a restauração da
imagem, o outro da película. A técnica de restauração do som, aqui no
Brasil, segundo Roberto Carvalho, da Rob Filmes,
79
consiste em obter-se a
melhor leitura possível da matriz disponível, negativo, cópia, matriz
magnética, e fazer uma cópia em formato digital, preservando o sincronismo
com a imagem; a partir daí trabalha-se no computador com um dos
programas adequados para restauração.
Feita a restauração, o filme é disponibilizado em películas ou outras
mídias. Muitos arquivistas sonham com um sistema perfeito de preservação
do filme que permitisse transferi-lo para alguma espécie de mídia digital
permanente com alta resolução possibilitando ser estocado em salas
comuns de temperatura e umidade, e permitindo transferir ou copiar em
videotapes e laserdiscs todos os filmes a baixo custo. Numa pesquisa intensa
de mídia a ser utilizada para oferecer uma melhor forma de interação,
disponibilização e armazenamento de imagens e conteúdo são criados
vários formatos eficientes para este uso. Porém, a maior preocupação é a de
que futuros aparelhos não possam mais ler tais cópias inviabilizando a
conservação das imagens nesses meios digitais. Além das incertezas sobre a
79
Entrevistas realizadas por Felipe Bragança e Marina Meliande com diferentes especialistas
na área de preservação cinematográfica do país retirada do site
http://www.contracampo.he.com.br/34/painel.htm
84
estabilidade de várias formas de fitas digitais magnéticas e discos ópticos
nessa mudança rápida da indústria e tecnologia, há problemas mais sérios
como os de hardware e software tornarem-se obsoletos, como ocorreu com
vários tipos de formatos ou videotapes incompatíveis existentes desde a
comercialização da gravação em vídeo em 1956
80
e os filmes passados para
VHS acabam perdendo muita qualidade. Tudo isso é uma ameaça para
todo o material cinematográfico, ainda que mais branda se comparada
com o início do cinema.
Alguns meios são utilizados para fazer a imagem migrar de mídia: a
telecinagem, que é o processo de transferência do material filmado em
película para vídeo; a kinescopia,
81
que é justamente o processo inverso
para assegurar a imagem do filme. Quando alguma cinemateca possui
algum material importante apenas em vídeo utiliza este processo para obter
uma cópia de melhor qualidade. Hoje o processo de kinescopia foi
substituído pelo digital transfer, com imagens de alta resolução. A única
desvantagem é que a película é muito mais cara do que a do vídeo
tornando o processo às vezes inviável mesmo porque o intuito das
cinematecas é o de fazer matrizes, como o internegativo e interpositivo, para
manter segura a existência do filme com qualidade de som e imagem, caso
seu original seja destruído, além de haver a possibilidade de produzir mais
cópias.
Segundo Dominique Oaini, diretor da Cinemateca Francesa, “a
projeção é o ponto final da restauração; o filme só pode ser considerado
restaurado quando mostrado ao público. A imagem do cinema não adere
ao seu suporte. Ela é o resultado de um transporte da imagem sobre a
tela”.
82
Por enquanto, os vídeos, o CD-Room e o DVD são as formas de
difusão mais simples, acessível e fácil de manusear. Foi quando se criou o
80
WILHELM, Henry. The permanence and care of color photographs: traditional and digital
color prints, color negatives, slides, and montion pictures, p.329, 330.
81
Processo realizado pelo aparelho kinoscópio que consiste num monitor de vídeo
monocromático de altíssima resolução, fotografando por uma câmera especialmente
projetada, e assim selecionando frames através de um sistema para produzir os 24 quadros
por segundo das películas e eliminar as linhas visíveis quando se filma uma tela de TV.
82
Cf. NAZARIO, Luiz. As sombras móveis: atualidades do cinema mudo, p.318.
85
vídeo que o acesso à informação do filme foi disponibilizada para o grande
público, levando-os a colecionar “filmes” em suas casas, nascendo o
mercado de videotecas e videolocadoras para sustentar o novo produto.
Alguns desses locais dão suporte para os colecionadores encontrarem filmes
raros, coletâneas e coleções envoltas por uma “embalagem” trabalhada
que lhe dá o caráter de objeto valorizado e especial.
O CD-ROM foi usado, entre outros
realizadores, por Steven Spielberg.
83
Depois de
filmar A lista de Schindler (1993), o cineasta
ciente do impacto que as imagens e
depoimentos podem provocar, decidiu reunir
um acervo digital para não deixar apagar da
memória o genocídio de milhões de judeus.
Após as filmagens, em 1993, desse longa-metragem que recria um episódio
do Holocausto, Spielberg criou a Fundação Shoah, em 1994, para contatar
todos os sobreviventes ainda vivos para gravar depoimentos de suas
passagens pelo terror, para que não se perdessem com o tempo sob a
iniciativa do diretor que junto com os seus US$6 milhões de dólares arrecadou
mais US$50 milhões para o projeto e hoje, sem fins lucrativos, sobrevive
através de doações integrando o trabalho de 200 funcionários e 4 mil
voluntários em 16 escritórios no mundo. Assim, equipes montadas por
Spielberg foram coletando e registrando memórias, histórias e relatos de
sobreviventes do Holocausto. Enfrentaram ainda algumas dificuldades,
como na Rússia, onde as famílias judias vivendo na clandestinidade foram
encontradas com muita dificuldade. Até agora, as entrevistas, com cerca
de duas horas e meia em média cada uma, somam 52 mil depoimentos
realizados em 57 países e em 32 idiomas, entre eles o português, em 116 mil
horas de entrevistas vídeo – uma pessoa levaria 13 anos para assisti-lo.
FIG. 32 Imagem do Holocausto.
As fitas vieram de toda parte com destino aos Estúdios da Universal,
em Los Angeles, por navio, barco, avião e trem logo começou o dilema de
83
MELLO, Kátia. ISTOÉ nº 1690, 20 de fevereiro de 2002.
86
como iriam arquivar e disponibilizar ao público tudo isso. Como os dados
eram muitos, levando cerca de 35 horas para organizar cada entrevista, a
catalogação só foi possível quando a indústria de tecnologia americana
EMC doou à Fundação Shoah computadores avançados com capacidade
para armazenar 180 terabytes de dados.
Assim, a história de cada sobrevivente foi dividida em capítulos
contendo fotos e objetos do período mostrados pelas pessoas ao serem
entrevistadas. Quando digitalizavam o arquivo, usaram palavras-chaves
mencionadas pelos próprios sobreviventes; cada um diz
em média 37 nomes de familiares, amigos e lugares
transformados em palavras-chaves para identificá-los. O
conteúdo dos depoimentos é armazenado em um
computador e só então tem a catalogação. Depois, a
imagem em vídeo é convertida num formato comprimido
para trafegar na rede de fibras ópticas montada para
levar as informações aos museus e instituições
educacionais do mundo inteiro. Além disso, foi desenvolvido ainda o CD-
ROM narrado por Leonardo DiCaprio e Wynona Rider, intitulado
Sobreviventes: testemunhos do holocausto (Survivors: Testimonies of the
Holocaust), que conta a história de quatro judeus europeus nascidos entre
1919 e 1933 com ilustrações de um mapa com referências históricas ligadas
ao nazismo.
FIG. 33
-
Capa do
CD
-
RO M Su rviv ors :
Testimonies of the
Holocaust
.
Como relatado na entrevista, “segundo uma pesquisa da Universidade
de Berkeley, na Califórnia, nos próximos anos a informação produzida será
maior que a já registrada em toda a história da humanidade. A indústria
cinematográfica é uma evidente beneficiária desse acervo digital. O próprio
Spielberg diz ‘Existem ali histórias melhores que a de muitos filmes vistos nas
últimas décadas’”.
Oferecendo festivais, banco de imagens contendo imagens (ou outros
documentos) fornecidos como informações através das pesquisas, eventos,
programas e conquistando audiências, diferentemente do tradicional
87
museu, as cinematecas, adquirem não só a função de preservar o filme, mas
também a de interagir com o público mostrando o resultado de seu trabalho
através de seus produtos. Dentro do seu processo de diversificação e
multiplicação, elas passaram a preservar também os produtos dos meios de
comunicação de massa e a divulgar as imagens como bem comum através
de cineclubes, exibindo seu acervo de filmes recuperados e raros, além das
coletâneas ou produtos voltados para o público de cinema. Os cineclubes
(“entidades onde se congregam amadores de cinema para estudar-lhe a
técnica e a história”)
84
dão a oportunidade aos cinéfilos e colecionadores de
cultuarem todos os tipos de filmes, das obras-primas aos fracassos. O primeiro
cineclube do mundo foi fundado por Louis Delluc, pioneiro da crítica
cinematográfica: o Fumée Noire.
85
A idéia do cineclube era a de ser um
local onde eram projetados clássicos e/ou obras de valor significativo,
através de ciclos ou isoladamente, para que depois houvesse uma discussão
e debate.
Em 1954, foi fundada a Associação Francesa de Arte para dar suporte
ao grande público interessado em aprofundar-se na arte cinematográfica,
entendida não só como pura diversão, com filmes exibidos em salas de arte
fora do circuito comercial. Contudo, como houve um grande aumento tanto
de cineclubes quanto de cinéfilos tomados cada vez mais pela consciência
do cinema enquanto produto cultural entre o final dos anos 1950 e o início
do 1960, um novo tipo de cineclube surgiu para o grande público,
ampliando o conceito de cineclubismo aos novos espectadores mais
numerosos.
86
O empresário Oceano Vieira de Melo, de 51 anos, conta que
aprendeu a ler porque queria compreender as legendas dos filmes. Como
não tinha dinheiro para pagar a entrada do cinema, começou a trabalhar
vendendo balas antes das sessões começarem, pois naquela época, a sala
exibia um filme diferente por dia. Sua paixão foi tanta, que fazendo amizade
84
Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, p.406.
85
ARMANDO, Carlos. A sala dos sonhos, p.19.
86
ARMANDO, Carlos. A sala dos sonhos, p.24.
88
com o dono do cinema, passou a acompanhá-lo até a cidade para alugar
as fitas a serem exibidas, tornando-se mais tarde projecionista do cinema. E
partindo para outro emprego, mas sem deixar o amor pelo cinema,
acompanhou a chegada do videocassete quando trabalhava como
vendedor numa loja de eletrodoméstico passando a publicar o Jornal do
Vídeo, dirigida às distribuidoras e videolocadoras. O jornal virou revista, e a
pouco tempo, Melo lançou DVD Videobusiness e DVD Screen. Seu trabalho é
voltado para pessoas como ele: "Não concorro com ninguém, meu público
é mais intelectual, são pessoas que têm um sentimento diferente em relação
ao cinema”. Ele ressalta que seu público é elitizado. “Não se trata, claro, de
elite financeira, mas intelectual, que está em todas as classes sociais, são
pessoas que amam cinema”.
87
Em Belo Horizonte as tradições dos cineclubes remontam ao Cine
Pathé, criado em 1948 e hoje transformado em estacionamento.
Atualmente, a cidade conta com poucos espaços destinados à discussão,
mas ainda funciona o Cineclube UFMG, criado em 1997, com investimento
da Fundação Mendes Pimentel, possibilitando manter cerca de 700 filmes
em LD e DVD, com sessões comentadas regularmente.
Disponibilizando seus filmes em cineclubes criados por ela, as
cinematecas produzem também publicações como catálogos, folhetos,
livros, álbuns. Com o DVD, os cinéfilos transformaram-se em colecionadores
compulsivos com esta grande possibilidade de disponibilização do filme
desde que a imagem do VHS obteve um grande diferencial. Ao transferir os
filmes restaurados ou suas raridades para VHS e hoje DVD,
88
além da
produção de coleções, coletâneas em álbuns, livros, mídias animadas o
mercado passou a explorar produtos vinculados à imagem cinematográfica
tornando-a um ambiente de mensagem publicitária numa crescente
exploração desses diversos produtos acrescentando ao filme imagens e
informações cada vez mais profundas. A criação do vídeo, por exemplo,
87
InvestNews / Gazeta Mercantil, 24 de maio de 2002.
88
SUROWIEC, Catherine A. The Lumière project: the European Film Archives at the crossroads,
p.233.
89
disponibilizou os filmes para o colecionador possibilitando trazer o próprio
filme para sua coleção; dispensando sua ida às salas de cinema; e levando
muitos deles a abandonarem seus projetores, devido ao seu formato
conveniente e manuseio fácil, e transferindo seus filmes para este novo
formato via camcorders. Mas como escreveu Luiz Nazario,o vídeo não
passa de um subproduto do filme, incapaz de existir sem ele”.
89
A relação entre homem e imagem cinematográfica figurada nos
objetos relacionados a ela levou os espectadores envolvidos com a indústria
do cinema a colecioná-los. Enquanto a maioria os destruía, os amantes da
imagem colecionavam avidamente as películas. A cinemateca veio para
assegurar, enquanto instituição, essa passagem histórica, dando acesso ao
passado do cinema todos de forma geral enquanto só o colecionador tinha
condições de usufruir dele. A paixão e fascínio causador pelo filme levam o
colecionador de cinema ao desejo de possuí-lo e ter seu mundinho da
fantasia cinematográfica acessível e bem pertinho dele. Como diz Eduardo
Esperança,
90
o cinema, mais que uma arte, é uma religião, formada pelos
sentimentos, e não pelo intelecto; as imagens levam-nos a outro mundo, a
um espaço sagrado. E é dessa forma que o colecionador de cinema passou
a preservar a herança cinematográfica colecionando seus fotogramas e
demais materiais num processo responsável de prazer e memória, enquanto
os estúdios, tratavam o cinema como produto, de forma fria, sob uma
perspectiva mais comercial. O valor das películas e demais materiais como
documento histórico ultrapassa a imaginação sobre o objeto em si dentro da
história – mas a película cinematográfica não é ilusão de ser um objeto
eterno, como um quadro ou escultura, obrigando o colecionador, além de
todos os envolvidos no mundo do cinema a trabalhar constantemente para
preservá-la, o que os leva a ficarem mais próximos dela. A película grava,
reflete e forma mundos, e também gera a responsabilidade de sua
preservação não só naqueles que registram o passado, como naqueles que
fornecem os seus significados, num gigantesco processo que envolve os
89
NAZARIO, Luiz. As sombras móveis: atualidades do cinema mudo, p.279.
90
ARMANDO, Carlos. A sala dos sonhos, p.14.
90
estúdios, as cinematecas, os cineclubes, os críticos, os historiadores e os
colecionadores, todos operando um patrimônio imaginário.
91
CAPÍTULO 4
Construindo imaginários colecionáveis
Desde os primórdios da humanidade, o homem procurou representar
seus desejos. Na pré-história, as primeiras representações das figuras são
cheias de vigor, dado através da potencialidade do movimento. A
explicação mais provável é a de que nossos ancestrais já tentavam
representar a vida através do poder produzido pelas imagens. Indicavam
seus desejos, restritos ao mundo da imaginação, em cenas de caças bem
sucedidas. Criavam e davam rumo à suas próprias histórias. O primitivo
acreditava numa influência da imagem sobre o objeto representado.
91
Assim, o desejo de realizar a fantasia, geralmente frustrado na
realidade, conduziu o homem no caminho da construção tecnológica de
aparatos capazes de realizar a fantasia na dimensão da representação. E
nenhum outro meio obteve de forma tão completa a ilusão de recriar o
sonho e a fantasia quanto a imagem em movimento captada pela câmera.
Na evolução técnico-artística, primeiro veio a conquista da fotografia e com
ela diversos experimentos, como o de Étienne
92
em 1880, retratando uma
seqüência de pássaros voando. A partir das seqüências de fotografias
obtidas no final do século XIX chegou-se à projeção das figuras, criando a
ilusão do movimento, permitindo o surgimento do cinema. Ao mesmo tempo
em que diversos cientistas inventavam aparatos de projeção na Inglaterra,
91
GOMBRICH, E. H. A história da arte, p.688.
92
Médico fisiologista e professor de História Natural, Étienne Jules Marey nasceu na França
em 1830. Suas invenções ligavam-se à circulação, eletrocardiografia, respiração e função
muscular. Seus estudos sobre a locomoção e descrição dos movimentos humanos e de
animais, levaram-no a criar a cronofotografia (fotográficas tiradas com câmeras
aperfeiçoadas capazes de aumentar o número de exposições, com uma maior mobilidade
e, a introdução do filme transparente utilizando longos filmes para aumentar o período em
que um movimento poderia ser fotografado) entre os anos de 80 e 90 do séc. XIX. Queria
aperfeiçoar um método científico para provar a teoria da evolução pela seleção natural de
Charles Darwin. Tal efeito viria a revolucionar os estudos nos campos das ciências e das
artes. Cf ROBERT, Sklar. História social do cinema americano, p.15-20.
92
nos EUA, na Alemanha e em outros países, os irmãos Auguste e Louis Lumière
criaram aquele que mais curiosidade despertou: o cinematógrafo, que
possibilitou a projeção em público, gerando uma emoção coletiva com a
ilusão de que as imagens planas saltavam da tela, como se estivessem vivas.
Logo os espectadores, ávidos por filmes, ainda que estes estivessem
nos primórdios de sua construção narrativa, substituíram o consumo que
faziam da narrativa nos jornais, folhetins, na fotografia, na gravura, no
desenho ou na pintura, pelo das cenas vivas em movimento. As imagens
estáticas das “cavernas” foram trocadas pela representação do movimento
real no cinema, onde a tela passa, nas palavras de Steven Spielberg a
“sugar os espectadores como um gigantesco aspirador de pó”.
93
O cinema
hipnotizou o público levando o sonho e a fantasia até os limites da realidade.
Enquanto a concorrência entre os Irmãos Lumière, com o cinematógrafo, e
Thomas Edson, com o Vitascópio, abria o comércio cinematográfico de
equipamentos, levando pessoas a comprarem o projetor acompanhado de
um ou mais rolos de filmes, a necessidade de produção contínua e regular
para suprir o nascente mercado levou à criação de companhias para
“alugar” as fitas com o intuito de abastecer os cinemas primitivos, dando
início aos nickelodeons.
94
Os distribuidores foram, assim os primeiros
colecionadores de cinema. Diversos filmes foram produzidos com o intuito de
satisfazer os anseios do público; o industrial Charles Pathé (1863-1957)
95
produziu mais de 500 filmes através de fotógrafos de países estrangeiros nos
quais estabeleceu filiais ou para os quais enviava seus cinegrafistas entre os
anos 1896 e 1907: ele constrói assim o primeiro império do cinema,
aumentando seus negócios durante a era do filme mudo, produzindo,
distribuindo e exibindo filmes, suas novas salas proliferando, mais tarde, em
outros países como Inglaterra, Alemanha, Itália, Espanha, Rússia e até EUA.
93
Citado por NAZARIO, Luiz. Da natureza dos monstros, p.186.
94
XAVIER, Ismail (Org.). O cinema no século, p.46.
95
SUROWIEC, Catherine A. The Lumière project: the European Film Archives at the crossroads,
p.24.
93
Um de seus camaramen, Alfred Machin (1877-1929), tornou-se o principal
representante da Pathé, o primeiro produtor europeu.
Nas duas primeiras décadas do cinema, os filmes eram histórias
retiradas de espetáculos populares; esses primeiros melodramas
cinematográficos saíam do music hall, da pantomima inglesa, do vaudeville
norte-americano; duravam no máximo 10 minutos trazendo vários artistas do
circo, de teatro de variedades, dos shows de feira. Após este período as
primeiras formas narrativas, ainda sem montagem, num único plano, eram
puros registros dos acontecimentos
96
. De 1913 até a chegada do som, em
1929, a grande produção de longas-metragens levou à redução da
produção dos curtas-metragens, forçando os produtores a desenvolver uma
base industrial mais sólida.
Devido às más condições de tempo em Chicago, o coronel Willian
Selig foi em 1908 para Hollywood instalar sua produtora, já que ali havia boas
condições de luz ambiente para filmagens; ele foi seguido gradativamente
por outras produtoras que buscavam bom tempo ou mesmo para escapar
da cobrança da licença para a realização de filmes pela Motion Picture Co.
de Edison. Hollywood começou a estabelecer-se como centro industrial
cinematográfico quando, em 1912, é fundado o primeiro grande estúdio, a
Universal, por Carl Laemmle, a partir da fusão de empresas concorrentes da
Edison. Outras duas companhias fundiram-se para criar a Paramount em
1914; em 1915, William Fox criou a Fox Film Corporation; e em 1919, a United
Artists foi fundada por Charles Chaplin, Mary Pickford, Douglas Fairbanks e
David Griffith.
97
Assim, nos anos 1920, Hollywood teve um ponto de partida para seu
processo específico de produção através do “sistema de estúdio”, que já
havia emergido no início dos anos 1910, segundo alguns pesquisadores.
98
Estabeleceram o sistema de indústria:
99
na integração vertical, pela qual os
96
GUIMARÃES, César. Imagens da memória: entre o legível e o visível, p.113.
97
XAVIER, Ismail (Org.). O cinema no século, p. 48.
98
SCHATZ, Thomas. O gênio do sistema: a era dos estúdios em Hollywood, p.496.
99
XAVIER, Ismail (Org.). O cinema no século, p.52 a 60.
94
estúdios controlavam tudo o que produziam, da produção à exibição em
salas próprias ou alugadas; no star system, pelo qual criavam estrelas
instantaneamente através de publicidade, revistas especializadas, colunas
de fofocas em jornais, escândalos; na trama, buscando a história adequada
ressaltando o papel dos escritores e dramaturgos; na opinião do público,
com o sistema organizado a partir dos gêneros, inspirado na literatura; o
sistema mostrou-se eficaz, facilitando a procura do público e o estilo de
produção, já que cada gênero possuía seus códigos de construção
dramática, permitindo ao roteirista e ao diretor aprender a manipulá-los;
poder de decisão do produtor: o produtor detinha a decisão sobre a
montagem dos filmes de acordo com o que considerava eficaz ou não para
seu sucesso, e conseqüentemente lucro; conquista do mercado
internacional: consolidando uma hegemonia a partir da Segunda Guerra
Mundial, age no exterior através da MPAA – Motion Picture Association of
American, com Hollywood produzindo para o mercado externo nos vários
seguimentos: cinemas, TV aberta, TV a cabo, videocassete, disco laser, DVD.
Nos anos 1930,
100
Hollywood foi dominada por cinco grandes estúdios:
MGM (Metro-Goldwy Mayer), Warner Bros., Paramount, 20th Century-Fox e
RKO (Radio-Keith-Orpheum), todos produzindo filmes de qualidade;
operavam numa rede de distribuição mundial; e eram proprietários dos mais
importantes cinemas do país, enquanto os três estúdios menores, Columbia e
Universal, produziam e distribuíam filmes “B”, e a United Artists funcionava
como distribuidora para um pequeno grupo de produtores de elite. Aos
poucos, cada um desses estúdios desenvolveu seu próprio estilo e
identidade. A Universal produzia seriados e filmes baratos de terror; a Metro
investia em filmes caros e sofisticados, em épicos com grandes cenários; a
Warner, especialista em cinema noir, produzia filmes de gângster e de
denúncia social, além de musicais; a Paramount, comédias sofisticadas e
comédias anarquistas; a Columbia, filmes de diretores produtores. A
produção era uma das maiores atividades desses estúdios, mas não
100
BALIO, Tino. Grand design: Hollywood as a modern business enterprise, p.5.
95
necessariamente a mais importante. A Warner era proprietária de centenas
de subsidiárias, incluindo laboratórios de filmes, produtora de rádio, casas de
publicação de música, companhia litográfica, estúdio de gravação, firma
de acessórios de cinema, além de salas de exibição.
Como uma montanha russa, em que cada hora um estúdio dominava
o mercado, a indústria cinematográfica, de forma gradativa, atingiu o auge
nos anos 1940, em plena guerra. Mas se alguns desses estúdios dominavam
antes, isso deixou de existir. A queda do sistema de estúdio acabou no início
dos anos 1950, segundo Xavier,
101
e toda produção passou obrigatoriamente
a ser “independente”, realizada através de contratos entre o produtor e os
atores.
Em menos de uma década foram criados vários gêneros de filmes,
providenciando imagens não só de todos os objetos materiais possíveis, mas
também de ações entre as diversas “linhas” de filmes refletidos em boas
idéias de peculiaridades materiais e espirituais de produção.
102
A década de
1930 foi de grande importância para a formação do estilo cinematográfico
hollywoodiano. A indústria estava progredindo quando, em 1931, por
problemas econômicos decorrentes da quebra da bolsa em 1929 os estúdios
tiveram que se adaptar interferindo na produção e no tipo de filme
produzido. Contudo, os resultados foram positivos. Cerca de 75% a 80% de
todos os filmes produzidos então no mundo o foram em Hollywood, sem
contar o enorme desenvolvimento tecnológico e narrativo sobre a imagem
cinematográfica através da flexibilização da edição, movimentos de
câmera, efeitos especiais, qualidade de imagem e som.
103
A indústria
hollywoodiana utilizou a eficiência da tecnologia para criar um processo de
consumo,
104
canonizando o estilo particular das produções sob o aspecto
estético, trabalhando a narrativa clássica do cinema que conhecemos hoje.
101
XAVIER, Ismail (Org.). O cinema no século.
102
SUROWIEC, Catherine A. The Lumière project: the European Film Archives at the
crossroads, p.23.
103
BALIO, Tino. Grand design: Hollywood as a modern business enterprise 1930 – 1939, p.109.
104
BALIO, Tino. Grand design: Hollywood as a modern business enterprise 1930 – 1939, p.116.
96
E, nessa busca constante pelo aprimoramento narrativo e técnico, o
cinema americano evoluiu em seu processo de construção de um
imaginário próprio e fez com que o público se adaptasse a cada nova
etapa da construção da linguagem cinematográfica, passando a exigir
cada vez mais realismo das imagens. O cinema só começou a diferenciar-se
quando passou a elaborar os roteiros. Evoluiu ao patamar de uma grande
indústria do entretenimento a partir dos primitivos, mas geniais filmes
derivados dos “teatro de mágica” de George Méliès
105
até a narrativas
históricas e melodramáticas cheias de suspense de David Griffith
106
- gerando
“fórmulas” de sucesso que serão até hoje retomadas e repetidas em infinitas
variações. Assim os principais produtores de Hollywood foram se estruturando
em termos de estúdio e processo de criação, conquistando rapidamente o
mercado.
107
A ênfase do cinema industrial e do seu poder diferencial como meio
dramático dá-se através da montagem das imagens, levando o público ao
contato espiritual com os protagonistas, com os quais se identifica negativa
ou positivamente. Os produtores cinematográficos custaram a perceber que
a câmera poderia ser um instrumento potencializador da narrativa,
trabalhando com a simultaneidade, tal como o paralelismo, através da
105
Antes de ingressar no cinema, George Méliès fazia espetáculos de ilusionismo no Teatro
Robert Houdin. Seus primeiros filmes foram realizados em 1896; sua originalidade manifesta-se
na trucagem. Em 1897, ele começa a explorar o fantástico utilizando-se do recurso da
exposição múltipla de negativos, da fotografia composta, de todos os recursos oferecidos
pelo teatro, do processo de pintura sobre película para conseguir “filmes coloridos”, entre
outras coisas. Méliès obteve seu maior êxito artístico e comercial com o filme Viagem à Lua
(1902). De 1900 ao fim de sua carreira, por volta de 1912, a evolução estética de Méliès é
imperceptível. Faleceu em 1938 em um abrigo para artistas desamparados.
106
David Wark Griffith (1875-1948) começou sua carreira em Nova York, transferindo-se em
1910 para Hollywood, onde realizou centenas de filmes curtos para a produtora Biograph,
nos quais desenvolveu os principais recursos visuais (uso de rebatedores de luz, montagem
paralela, câmera em movimento) que seriam utilizados pela indústria cinematográfica nas
décadas seguintes. Atento às inovações técnicas e da narrativa tentadas pelo cinema
europeu, realizou épicos históricos, policiais de suspense e dramas , que levaram a Biograph
a ser o estúdio mais rentável da época. Em 1915, obteve grande sucesso com o longa-
metragem O Nascimento de uma Nação (1914). Seu filme seguinte, Intolerância (1916)
fracassou nas bilheterias, mas pouco depois ele se uniu a
Chaplin, Douglas Fairbanks e Mary
Pickford para fundar a companhia United Artists. Com a chegada do cinema sonoro, Griffith
não conseguiu mais financiamento para suas produções.
107
SUROWIEC, Catherine A. The Lumière project: the European Film Archives at the
crossroads, p.178.
97
montagem interna, realizada pelo espectador em sua mente. Além de
perceber que a técnica do corte da ação em planos separados e seu
aparecimento na tela através de seqüências poderiam contar a história de
forma mais clara, com uma ótima noção de tempo, que na filmagem
estática do “palco” onde os personagens se movimentavam, com a câmara
registrando o corpo inteiro dos atores. A arte de narrar tornou-se parte
fundamental para transmitir a experiência vivida no filme através dos
personagens para fazer o espectador identificar-se com eles.
E como pintura através dos planos, como escreve Nelson Brissac
Peixoto,
108
nos quais os cineastas compõem quadros em movimento através
da decupagem, o cinema passou a conquistar o espectador. Segundo
Benjamim
109
“o filme é a mais perfectível forma de arte” porque passa por
um processo de seleção de várias imagens isoladas e seqüências de
imagens na montagem antes de ser acabado e finalizado. É por essa obra
de arte que o colecionador de cinema é apaixonado: montagem, narrativa,
personagens, extensões, formas físicas através das películas e demais
produtos.
Enquanto as imagens passam a ser acompanhadas de cor, que lhes
dá realidade e beleza; e de som, que se torna parte essencial de sua forma
dramática, o formato da tela evolui, sobretudo nos anos 1950 quando,
devido à fuga do público com a invasão da televisão, a indústria apressa-se
em diferenciar o cinema da TV: com sua forma grandiosa, a tela passa a
dominar o campo de visão do público, envolvendo-o em imagens
gigantescas. Várias tentativas foram realizadas: o écran curvo chamado
Cinerama impressionou o público na sua estréia em 1952; depois o écran
panorâmico com proporção de 1 por 1,6 ou 1,7, precursores dos atuais
cinemas atuais; o Vistavision; o Cinemascópio, utilizando um projetor com
lente especial; o filme tridimensional, com vários sistemas de projeção
108
Citado por PARENTE, André (org). Imagem-máquina: a era das tecnologias do virtual,
p.247.
109
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e potica: ensaios sobre literatura e história da
cultura, p.15.
98
(utilizando dois projetores trabalhando simultaneamente ou apenas um
projetor), mas sempre com a necessidade de uso de óculos especiais.
A música deixou de ser um ruído aleatório para se adaptar à ação. No
início do sonoro, havia melodias acompanhando os filmes passados em
salões de baile e music-halls. Foi o começo do hábito das pessoas de
acompanhar o filme com música apropriada. Este tipo de música foi utilizado
como pano de fundo emocional, imagem e música trabalhando em
conjunto para excitar o público. Assim, com o passar do tempo, a indústria
cinematográfica passou a utilizar-se da melodia como chamariz. Dois dos
grandes produtores que insistiram na composição de músicas originais para
seus filmes foram Chaplin e Eisenstein. Dentre os estúdios de Hollywood, três
destacaram-se pelo sucesso de suas músicas. Em primeiro lugar, a Disney,
com as Silly Symphonies baseadas exclusivamente na representação
musical. A primeira dessas sinfonias foi The Skeleton Dance (1929), mostrando
uma dança de esqueletos. Em seguida, a Warner Brothers inspirou-se na série
clássica da Disney para criar suas Merry Melodies,
110
nas quais os títulos das
músicas coincidiam com os dos filmes para fornecer ao público uma base
segura de divulgação. Finalmente, a MGM, com suas Happy Harmonies,
igualmente inspiradas na série clássica de Disney, situou-se entre o estilo
estético clássico e o estilo publicitário da série musical da Warner.
A Warner inaugurou o cinema sonoro comercial em 26 de agosto de
1926, lançando no mercado o filme Don Juan com músicas sincronizadas
num disco. Em seguida, foi lançado o filme O cantor de Jazz (The Jazz
Singer), em outubro de 1927, fornecendo uma sensacional demonstração de
canto com sincronização labial dos personagens.
111
No início da década de
1930, Walt Disney ajudou a estabelecer o estilo americano com Who’s Afraid
of the Big Bad Wolf?
112
e The World Owes me a Living, desenvolvendo seus
110
COSTA, Alessandro Ferreira. Da gênesis ao caos: o universo Warner de animação, p.15,
48, 55.
111
MANVELL, Roger. O filme e o público, p.57.
112
A canção Quem tem medo do Lobo Mau? foi composta por Frank Churchill e Ted Sears
para o desenho animado Os três porquinhos. Cf. ELIOT, Marc. Walt Disney: o príncipe sombrio
de Hollywood, p.107.
99
desenhos animados através de belas coreografias em Branca de Neve,
Pinocchio, Dumbo e Fantasia. Utilizava a técnica de aproximação mais
íntima da música com a ação em suas animações, intercalando uma com a
outra. Essa técnica de sincronia foi imitada por outros estúdios com o nome
de “Mickey-Mousing”. Hollywood fez de seus musicais grandes sucessos,
tornando seus atores-cantores-dançarinos, assim como suas canções, muitas
vezes compostas especialmente para o filme, queridos do público. Os
estúdios da MGM criaram, ainda, grandes espetáculos com sua orquestra. E
a música de cinema chegou ao disco e ao CD.
Para que o sistema sonoro chegasse aos cinemas, em 1927, houve um
processo de investigação da gravação e reprodução do som, incluindo a
primeira experiência de uma folha de papel escurecida com fumo
permitindo gravar sons, mas não reproduzi-los; a experiência do fonógrafo
inventado por Thomas Edson, em 1877, que possibilitava gravá-lo e reproduzi-
lo a partir de cilindros de vida útil curta; até chegar ao processo do
dinamarquês Valdemar Poulsen, no final do século XIX, utilizando um sistema
magnético de gravação de som armazenando informações eletrônicas
através da magnetização de partículas em arame, primeiro passo para o
cassete de áudio, desenvolvido por Thomas Edison que comercializou um
gravador doméstico de cilindros que permitia tocar músicas e gravar
conversas. A partir dessa invenção, Emile Berliner, em 1887, patenteou um
gravador que substituía os cilindros por discos. Em 1892, começou a
gravação em massa com um disco matriz que permitia que dele se fizessem
muitas cópias. No início do século XX, a indústria de gravação espalhou-se
para outros países tornando o fonógrafo uma poderosa mídia. Melhorando
sua qualidade de reproduzir o som cada vez mais ao longo do tempo,
principalmente a partir dos anos 1920, o fenômeno do som massificou-se, e
chegou ao cinema.
A indústria cinematográfica ofereceu-nos discos
113
e, hoje, oferece-nos
113
Após a Segunda Guerra Mundial, os discos, que eram de cera, passaram a ser de vinil,
possibilitando maior tempo de audição e menor custo. Em 1948, o disco de plástico passou
100
vídeos, CDs e DVDs com as trilhas sonoras originais ou adaptadas, incluindo
os clipes com as músicas de sucesso que nos remetem às imagens
cinematográficas. O incessante desenvolvimento técnico do cinema torna a
arte do som cada vez mais refinada, criando sensações cada vez mais
fortes. Com o sistema de canais distribuídos ao nosso redor nas salas de
cinema, mergulhamos ainda mais na imagem, identificando-nos com os
personagens, sentindo os efeitos do som ambiente. Segundo Ismail Xavier, os
computadores permitem aprofundar três aspectos essenciais do cinema: “a
imersão do espectador, fazendo-o entrar e mergulhar nas imagens e sons
virtuais, possibilitando-o protagonizar na história mergulhando-o no filme
onde tudo é possível realizar; o agenciamento, utilizando de forma extensiva
e exclusiva a câmera subjetiva que coloca o espectador junto à ação; e a
interatividade, através da introdução da eletrônica incorporando cada vez
mais recursos de vídeo e da TV”.
114
Quando saímos de um filme onde a
música e a imagem nos envolvem completamente, prolongamos a
experiência dessa sessão para fora da sala e nos sentimos como os
personagens que “visitamos”. Em Karate Kid podíamos sentir, estimulados
pelo som dos golpes, nosso “poder” de vencer os maus através da luta. O
ritmo de Flash Dance fazia-nos mexer os pés e querer voar. Ao ouvirmos
Céline Dion cantando a melosa canção de Titanic, retornava, em flashs
mentais, a famosa imagem de Leornardo de Caprio e Kate Winslet na proa
do navio...
O cinema precisou de muito tempo para ser levado a sério. Hoje
Hollywood tornou-se uma das maiores fontes de renda da economia
americana e símbolo do poder da imagem ultrapassando os limites da tela,
dominando o entretenimento e comunicação em todo o mundo: seus
produtos, essenciais à economia do país, ocupam o segundo lugar nos itens
de exportação. A cidade dos sonhos construiu uma indústria capaz de criar
a ter duração maior com o Long Play. Meses depois foram criados os discos estereofônicos,
com dois canais de sons separados e, um ano depois, foi criado o disco de 45 rotações. Em
1980, os discos foram substituídos pelos CDs.
114
XAVIER, Ismail (Org.). O cinema no século, p.167.
101
mundos à imagem e semelhança da imaginação dos diretores e produtores,
conseguindo atingir um público mundial
115
e, a partir disso, dominando
também as redes de TV, estabeleceu, através de um complexo de mitos,
conceitos, diversão e comércio, padrões de comportamento e novas
“necessidades” nos mercados de consumo, tais como: interiores
harmonizados e funcionais; moda, estilo e vestuário; objetos personalizados;
gosto por marcas e ícones; ideologia do bem-estar e do consumo
desenfreado; produtos associados às imagens produzidas. O star-system
criou mitos como o da mulher fatal, como Marlene Dietrich; da mulher
misteriosa, como Greta Garbo; ou da bomba de sensualidade, como os de
Rita Hayworth ou Marilyn Monroe. Como já observara Benjamin, a indústria
cinematográfica estimulou o culto do estrelato visando conservar “a magia
da personalidade” e “o culto do público”
116
através da publicidade. As
imagens e contextos cinematográficos de Hollywood tornaram-se modelos
de serialização na produção industrial, ditando modas. Junto com o filme, as
roupas, os cosméticos e as fotos publicitárias de astros e estrelas passaram
criar coleções de homens desejáveis e de mulheres perfeitas, “educando” o
público no sentido da imitação desses modelos artificialmente construídos.
Atravessando décadas, os padrões de Hollywood continuam a dominar o
público, tornando-se, mais que uma imagem cinematográfica com a qual
ele se identifica, um tipo de sedução universal através de astros e estrelas.
O marketing transformou o cinema numa espécie de vício, criando a
figura do cinéfilo, do (palavra derivada de “fanático”) de cinema e um
gênero de colecionador de imagens movido pela necessidade de “pegar”
as imagens, de sentir quase fisicamente todas as suas possibilidades,
tentando “entrar” nelas através da lembrança evocada por informações
sobre o filme, sobre os astros e estrelas, via imagem fotográfica ou eletrônica
do filme, pela audição de sua música em cassete e CD. Através desses
traços materiais, como roupas e discos, os colecionadores sentem-se tão
115
XAVIER, Ismail (Org.). O cinema no século, p.107.
116
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e potica: ensaios sobre literatura e história da
cultura, p.177.
102
sedutores quanto seus modelos, atuando em sua própria coleção por meio
de jogos de diálogos, principalmente na década de 1930, onde as estrelas
femininas dominavam o cinema. A imagem de glamour criada por
Hollywood atinge os mais diversos grupos de espectadores. Um de seus
“mitos eternos” é James Bond,
117
o espião sexy e inteligente que gerou uma
série de aventuras iniciada em 1965 com Sean Connery combatendo vilões
bizarros. Como braços de extensão de seus filmes, a série abrangeu outras
mídias para a dissipação de suas imagens - da mídia impressa à mídia
“tecnológica”. Chegou-se, enfim, ao desejo (ilusório) de “possuir” o universo
imaginário do filme amado através da aquisição de uma cópia – em
película, vídeo e DVD.
A imagem deixa uma impressão indestrutível através das gerações e
alcança o status de ícone cultural.
118
Como observou E. H. Gombrich, se
pegarmos uma foto no jornal de um atleta famoso ou de uma pessoa de
que gostamos, não sentiríamos prazer algum furando os olhos da imagem
com uma agulha. Mas nada sentiríamos se furássemos outro ponto do jornal.
Embora saibamos que o que fizemos no retrato não fará diferença à pessoa
que admiramos, sentimos uma vaga relutância em causar danos à sua
imagem.
119
O público passa a acreditar, a viver e a sentir o cinema,
envolvido em sua magia e fantasia. O colecionador vai além disto.
O cinema usufruiu a multiplicidade das funções de signos conferidos à
imagem na transmissão da cultura através do jogo, da arte, dos rituais
mágicos e religiosos, dos saberes práticos, míticos ou científicos acumulados
nos diversos campos do conhecimento.
120
A imagem cinematográfica torna-
se algo significativo por onde as idéias vão se inter-relacionar magicamente
através da imaginação do colecionador, que as conecta e decifra numa
contínua relação com o objeto cinematográfico. O cinema é uma
117
Os filmes de James Bond formaram a base da série dos filmes colecionáveis mais
populares. Cf. MARTINGALE & COMPANY. Collector’s compass: movie collectibles, p.10.
118
MARTINGALE & COMPANY. Collector’s compass: movie collectibles, p.70.
119
GOMBRICH, E. H. A história da arte, p.40.
120
LUZ, Rogério, apud PARENTE, André (org). Imagem-máquina: a era das tecnologias do
virtual, p.53.
103
expressão fiel da imaginação.
121
Segundo Gilles Deleuze, o cinema não é
simplesmente imagens em movimento; ele cria também uma imagem-
tempo e uma imagem-movimento.
122
Os movimentos da câmara constroem
mundos de ilusão e fantasia através da montagem, do ritmo, do som e de
todos os elementos plásticos e dramáticos que compõem o filme,
manipulados pelo diretor.
A indústria cinematográfica transforma o filme num instrumento de
consumo e no objeto a ser consumido sob a forma da informação, com o
intuito de continuar um “processo” que começou na sala de cinema.
Transporta o objeto para a cultura dentro de um jogo de combinação de
elementos distintos, como os são os personagens, a narrativa, o cenário, a
trilha sonora, para chegar ao colecionador, numa série de especificidades,
dando mais importância e valor aos objetos, alimentando as crenças, o
interesse e a integração do público com o filme. A imagem do filme, modelo
de fascínio e desejo, é a essência multiplicada sob diversas formas através
de sua personalização em objetos que reúnem aspectos desse modelo. O
encanto é a essência do filme encarnado no objeto “personalizado”. Com o
progresso tecnológico, o cinema revoluciona seus produtos sob todas as
formas possíveis, mas tudo ainda gira em torno do filme e público.
123
Segundo Susan Pearce, vivemos num mundo de produção e de
consumo, de marketing e de pesquisa do consumidor, de aquisição de bens
e de possessão, e o ato de consumir pressupõe a satisfação do desejo
humano; perseguimos objetos para preencher nossos desejos e
necessidades, e os usamos para obter o resultado esperado
124
. Com a
experiência do cinema e da TV, os objetos ganham novos significados nas
memórias, carregam-se de valores simbólicos e, adquiridos, são acrescidos
de outros valores, criando vínculos com a fantasia. Os objetos que
121
MACIEL, Kátia, apud: PARENTE, André (Org). Imagem-máquina: a era das tecnologias do
virtual, p.253.
122
Citado por GUIMARÃES, César. Imagens da memória: entre o legível e o visível, p.93.
123
BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos, p.147, 149, 150.
124
Cf. PEARCE, Susan M. On collecting: an investigation into collecting in the european
tradition, p.163.
104
transportam significados dos filmes constroem o mesmo tipo de narrativa do
filme e do personagem relacionado com o conteúdo original da história que
lhes dá poder. B. Mondin, segundo Renata Lima e Gary Kastchak, escreve: “É
a atividade mental que produz, conserva, reproduz e cria imagens
independentes da presença dos objetos aos quais as imagens próprias
correspondem”.
125
Partindo desse princípio, o colecionador projeta seu
imaginário no objeto, como uma ponte entre a imagem do mesmo e sua
tridimensionalidade, que lhe permite tocá-lo, “concretizando” a imagem de
seu imaginário. Segundo o diretor geral da Warner Bros. Brasil, Francisco
Feitosa, “a indústria cinematográfica é talhada ao desafio de produzir lucros
a partir da fantasia das telas”.
126
Nesse processo de marketing, segundo
Feitosa, dá-se destaque na imagem para o gênero, como exemplo: terror
destacará os monstros.
Como observou o cineasta francês François Truffaut, “se um filme tem
uma boa cena, vale a pena assistir ao filme inteiro apenas para vê-la”.
127
Geralmente, apenas uma cena é memorável num filme. E essa cena basta
para Hollywood, assim como para o público. Investindo no merchandasing e
licenciamentos, Hollywood dá continuidade à narrativa cinematográfica
criando o Sistema de Identidade Visual (SIV), que unifica os elementos
básicos da identidade visual: o logotipo, o símbolo, a marca, as cores e o
alfabeto, além de outros acessórios, que são aplicados em itens específicos
(material de papelaria, letreiros, uniformes)”.
128
Agências associadas
possibilitam aos fãs do cinema estarem em constante contato com notícias
de seus astros e estrelas e de seus últimos filmes, fornecendo trailers e teasers;
empresas associadas criam brinquedos, produções gráficas editoriais, selos
comemorativos, transmissões em tv a cabo, livro, CD de música, DVD,deo,
125
Cf. LIMA, Renata; KASTCHAK, Gary. “Ciência e colecionismo”, Revista ICP, 5 de junho de
2002.
126
Citado por MELO, Clayton. Marketing da fantasia. Meio e mensagem, p.6, apud. TEIXEIRA
DE ALMEIDA, Claudia Terezinha. A identidade visual no cinema: a padronização visual e
alguns aspectos do marketing promocional, p.290.
127
“If a film has one good shot, it’s worth sitting through the entire picture just to see it.” Cf.
MARTINGALE & COMPANY. Collector’s compass: movie collectibles, p.102.
128
Cf. TEIXEIRA DE ALMEIDA, Claudia Terezinha. A identidade visual no cinema: a
padronização visual e alguns aspectos do marketing promocional, p.11.
105
vestuário, cosméticos, produtos de decoração e até provedores de Internet.
Tudo isso é gerado a partir da imagem construída pelo sistema.
Dentre todos os produtos, a área têxtil, os acessórios e os produtos
para casa são os mais visados para o simples espectador. São criados jogos
temáticos de filmes, nos quais se aposta na fidelidade dos espectadores
para aumentar a circulação dos títulos. A reprodutibilidade técnica do
produto cinematográfico torna obrigatória sua difusão entre as massas.
Mesmo porque o filme é uma obra de arte e, ao mesmo tempo, de
comunicação, criada para ser vista em conjunto.
129
O cinema é um
poderoso agente de reprodução da obra, substituindo sua existência única.
O filme é por natureza serial e reprodutível, mas nada mais satisfatório
quando uma cópia dele encontra-se em poder de um espectador. Logo a
indústria percebeu essa paixão e criou um tipo de material voltado para o
colecionador de cinema: assim, depois de criar um imaginário, Hollywood
criou uma série de produtos relacionados.
Segundo André Parente, a linguagem impôs a base para a formação
a ser representada pela imagem como objeto: a imagem se torna objeto.
130
É a linguagem que faz da imagem um objeto, um clichê. A imagem
transporta-se para o objeto através de um sistema de identidade visual. A
industria adapta-se aos desejos por ela evocados,
131
satisfazendo esses
desejos provocados no consumidor através da produção de mercadorias
associadas ao seu imaginário, para que ele as colecione. Segundo Cláudia
Terezinha Teixeira de Almeida, “a padronização da marca é fundamental
para se obter um conjunto de peças promocionais que possuam uma
unidade visual capaz de ser identificada pelo espectador de qualquer país
(...) são através destas peças promocionais que o expectador busca suas
referências de identificação”.
132
129
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e potica: ensaios sobre literatura e história da
cultura, p.
172.
130
PARENTE, André. Imagem-máquina: a era das tecnologias do virtual, p.29.
131
Cf. ADORNO, Theodor. Industria cultural e sociedade, p.25.
132
TEIXEIRA DE ALMEIDA, Claudia Terezinha. A identidade visual no cinema: a padronização
visual e alguns aspectos do marketing promocional, p.3.
106
Enquanto o espectador consumirá de forma aleatória, o colecionador
vai usufruir aspectos diferenciados. O projeto de SIV é fundamental para o
consumo, e funciona como um atrativo do espectador, persuadindo-o de
que “parte do que será visto no filme está projetado no material gráfico com
o qual ele manteve contato antes de entrar na sala de projeção”.
133
Mas
para o colecionador isso só terá funcionalidade se o filme o interessar,
partindo então em busca dos objetos. É uma identificação anterior que o
levará à caça de materiais gráficos e objetos especiais, produzidos pelo SIV:
“Uma estratégia da estética utiliza estratégias corporativas (onde a
organização toma decisões sobre sua essência de sua força empresarial, sua
estrutura corporativa e para onde deseja caminhar no futuro), e de
marketing (onde a organização toma decisões a respeito de seguimentos do
mercado, cliente-alvo e principais concorrentes) como dados para expressar
a missão da empresa; objetivos de estratégia da estética criam uma
identidade para a organização e suas marcas”.
134
A indústria do cinema
abre também um mercado paralelo, menor, mas mais valioso, para atingir o
colecionador. A propaganda desses produtos para colecionador é restrita,
não sendo tão divulgada, devido ao seu caráter especial, seu preço
diferenciado, seu público-alvo seletivo e, sobretudo pela tiragem limitada
que os tornará raros e de difícil aquisição, e conseqüentemente mais
valorizados na coleção. Essa promoção ilustra o comportamento da marca
cinematográfica através dos cartazes advanceds e de peças promocionais
externas, como outdoors, displays e banners.
135
Contudo, para o
colecionador, os objetos menores é que têm maior interesse, já que poderão
ser vistos na sua coleção.
133
TEIXEIRA DE ALMEIDA, Claudia Terezinha. A identidade visual no cinema: a padronização
visual e alguns aspectos do marketing promocional, p.15.
134
SCHIMITT, Bernd; SIMONSON, Alex. A estética do marketing: como criar e administrar sua
marca, imagem e identidade. São Paulo: Nobel, 2002, apud. TEIXEIRA DE ALMEIDA, Claudia
Terezinha. A identidade visual no cinema: a padronização visual e alguns aspectos do
marketing promocional, p.21.
135
TEIXEIRA DE ALMEIDA, Claudia Terezinha. A identidade visual no cinema: a padronização
visual e alguns aspectos do marketing promocional, p.5.
107
O SIV será aplicado na extensão de linha; nela são criadas marcas-
mãe para o filme, sem que sofra alteração na utilização, apenas ganhando
elementos adicionais. A classificação da extensão de linha e de marca
corresponde tanto aos produtos de consumo quanto aos filmes; os códigos
visuais respeitados servem como ponto de ligação entre o primeiro filme e os
que vêm a seguir. O filme-base, o primeiro, é fundamental para a
identificação do espectador com o novo produto, trabalhando a
expectativa na imagem dos personagens conhecidos e aspectos formais do
logotipo. A conexão com o filme anterior é o principal foco de associação
da imagem, tal como na coleção de um colecionador. O colecionismo no
cinema passa pela vivência do espectador junto aos personagens, que os
tornam parte de um contexto, como a própria série.
A trilogia passa a ser uma série em construção; a extensão horizontal
adapta-se ao licenciamento da identidade do produto e dos lançamentos
dos filmes em vídeo e DVD, e em vários outros produtos a partir da
identificação do espectador com o filme e seus personagens. O fã tenderá a
adquiri-los “pela expectativa de rever seus heróis ou personagens preferidos
e sentir novamente a emoção de entrar na fantasia da história projetada na
tela com suas continuações ou séries”.
136
Hoje temos uma infinidade de produtos de categorias diferentes que
carregam a marca-mãe do filme. Ela ocorre quase que automaticamente
no vídeo, no DVD e na trilha sonora, além dos objetos promocionais, como
brinquedos, que geram mais lucros para produtora trazendo
obrigatoriamente a marca do filme bem aplicada e padronizada. É nessa
linha que alguns produtos são criados com edição limitada, ganhando mais
valor para o colecionador, como a moeda de 5 centavos de ouro, prata e
cobre com a imagem de Harry Porter lançando um feitiço de um lado e a
rainha da Inglaterra do outro, vendida após sua estréia na Inglaterra, com
tiragem de 25.000, e que esgotou nas cinco primeiras horas de venda.
136
TEIXEIRA DE ALMEIDA, Claudia Terezinha. A identidade visual no cinema: a padronização
visual e alguns aspectos do marketing promocional, p.81.
108
Theodor Adorno observa que “a velha experiência do espectador
cinematográfico, para quem a rua lá de fora parece a continuação do
espetáculo que acabou de ver – pois este quer precisamente reproduzir de
modo exato o mundo percebido cotidianamente – tornou-se critério de
produção”.
137
Esse aspecto é mais forte no colecionador: “Quanto mais
densa e integral a duplicação dos objetos baseados apenas na experiência
por parte de suas técnicas, tanto mais fácil fazer crer que o mundo de fora é
o simples prolongamento daquele que se acaba de ver no cinema”. Ele
ainda fala dos produtos que são feitos de modo que a sua apreensão
adequada exige, por um lado, rapidez de percepção, capacidade de
observação e competência específica, (que seria os do colecionador, que
quer muito mais do filme, quer aprofundá-lo) e por outro é feita de modo a
vetar, de fato, a atividade mental do espectador, se ele não quiser perder os
fatos que rapidamente se desenrolam à sua frente (mais ou menos o simples
espectador que quer apenas consumir e se divertir, quer ‘o superficial’ do
filme). Cada filme é a apresentação do filme seguinte, que promete reunir
outra vez, mais a mesma dupla sob o mesmo céu exótico”.
138
A serialidade e a continuação são características fundamentais na
coleção através da linha de extensão vertical – temática - e da linha de
extensão horizontal – abrangendo o maior número de itens. Caso as
características intrínsecas ao filme ou personagem da coleção se percam, o
link que há entre o colecionador e o filme também se quebrará, levando-o a
não se interessar pelo objeto, tornado sem valor. Contudo, alguns produtos
só terão interesse para o espectador, como, por exemplo, os da área
alimentícia e da área escolar, que não apresentam qualidades específicas
para o colecionador.
Um exemplo clássico é o filme O planeta dos macacos (Planet of the
Apes,1968), que gerou uma seqüência de outros quatro filmes, todos de
sucesso; e uma série de mercadorias que resistiu ao tempo, mantendo seu
caráter de qualidade e interesse ainda hoje. A primeira seqüência veio dois
137
ADORNO, Theodor. Industria cultural e sociedade, p.16.
138
ADORNO, Theodor. Industria cultural e sociedade, p.73.
109
anos depois com o filme A volta ao planeta dos macacos (Beneath the
Planet of the Apes, 1970), imediatamente seguido, no mesmo ano, pela
terceira seqüência, A fuga do planeta dos macacos. Com este, a série já
havia se transformado numa mercadoria, parecendo não ter mais fim,
continuando com o quarto filme, A conquista do planeta dos macacos
(Conquest of the Planet of the Apes, 1971), e obtendo uma última seqüência
com A batalha no planeta dos macacos (Battle for the Planet of the Apes,
1973). Ciente da popularidade dos personagens, principalmente junto às
crianças, a Twentieth Century Fox lançou uma campanha de marketing
encorajando todos, após o relançamento dos cinco filmes no cinema em
1974, a adorarem o visual do macaco. Isso resultou num sucesso estrondoso:
60 companhias licenciadas fabricaram 300 itens jogados no mercado com a
imagem do macaco em seus produtos. Entre os produtos, bonecos de ação,
máscaras, cartazes, jogos, lancheiras, livros de colorir e cestas de papel. Em
1975, a TV NBC lançou um desenho animado intitulado O retorno ao planeta
dos macacos, de 30 minutos, durante um ano.
O filme, que mesclava problemas sociais com entretenimento,
inovava, sobretudo, na maquiagem. Trinta anos depois, uma edição
especial de Coleção de DVD
139
reúne os cinco filmes e um sexto disco
contendo o filme-teste, maquiagem, documentário sobre “os homens por
trás dos macacos”, pré-produção, macacos atores, o planeta dos macacos,
desafios de produção, a política no filme, situações engraçadas, as cenas
finais, a estátua, o sucesso do primeiro filme, as seqüências, a série de TV, os
produtos. Através de encarte especial guardado numa caixa com o design
impresso em metálico, os DVD são mantidos numa outra caixa interna,
encaixados em outra que se vai desdobrando e apresentando a “evolução”
dos filmes quando aberta. Em suas extremidades, quando a caixa interna
está fechada, uma imagem de ambos os lados, em alto relevo e brilhante,
de uma cara de macaco, já nos passa o olhar assustador do mundo dos
139
Informações obtidas no sexto DVD da edição especial lançada do O Planeta dos
Macacos.
110
macacos. Esse DVD permitiu ao espectador conhecer mais a fundo o que
estava por trás da produção.
Segundo Claudia Terezinha Teixeira de Almeida “para a indústria
cinematográfica, o dinamismo da comunicação é fundamental para
despertar o interesse do espectador (...) essa geração de novos fãs não tem
idade nem sexo, nem raça, são todos um só quando o assunto é possuir algo
que o transporte novamente para a magia sentida numa sala de cinema”.
140
Nem todos irão querer possuir com o intuito de colecionar; mas, ao serem
atingidos pelo SIV, os consumidores poderão, com o tempo, tornar-se novos
colecionadores, desejando, sim, possuir os objetos. O que a pesquisadora
chama de espectador, divido aqui em dois tipos diversos: o colecionador e o
simples espectador. O colecionador se intensifica, envolvendo-se com o
filme, colecionando a película, mantendo sua memória viva através da
coleção, fora do aspecto industrial. Ele está interessado em possuir o objeto,
como um investimento à altura de sua coleção. Com o tempo, esse objeto
ganha destaque. A indústria apenas cria os filmes e seus produtos,
interessada no lucro; o colecionador preserva memórias. Com o SIV, aqueles
que já eram colecionadores passam a usufruir melhor dos novos produtos
lançados.
O SIV instiga os consumidores a tornarem-se colecionadores,
abrangendo todas as faixas etárias e todos os tipos de coleções, porém
serão em sua maioria colecionadores não profissionais e de temporada, que
colecionarão os objetos acompanhando a temporada do merchandising do
filme; depois desse período, eles mantêm a coleção, mas não investem mais
no colecionar. Muitas coleções começam quando se é criança, com o
apoio dos pais; destes pequenos colecionadores, só alguns continuarão a
investir no cinema como coleção para o resto da vida, depois de adultos. A
grande dificuldade está no investimento financeiro e pessoal dos
colecionadores de cinema que se preocupam com a originalidade dos
produtos e sua qualidade, pois o valor destes costuma ser elevado no
140
TEIXEIRA DE ALMEIDA, Claudia Terezinha. A identidade visual no cinema: a padronização
visual e alguns aspectos do marketing promocional, p.81, 123.
111
mercado, principalmente no mercado paralelo criado para o colecionador.
Para o simples espectador, a coleção é guardada na memória, no seu
histórico de vida, como algo que passou; o colecionador vai querer
infinitamente. Como escreve Benjamin, “as massas procuram na obra de
arte distração, enquanto o conhecedor a aborda com contemplação. Para
as massas, a obra de arte seria objeto de diversão, e para o conhecedor,
objeto de devoção”.
141
Esse “conhecedor” pode ser comparado ao
colecionador de cinema; a obra de arte, ao filme.
Personagens populares geram séries, continuações e animações que
dominam a imaginação e satisfazem o desejo de consumo do público no
mercado. Segundo Claudia Terezinha Teixeira de Almeida, “os personagens-
símbolo são mais lembrados por serem imagens, criam simpatia e
identificação com o espectador, chegando a provocar predileção por esse
ou aquele personagem de acordo com suas expectativas e desejos”.
142
filmes em que os personagens já estão predispostos a virarem produtos, entre
eles bonecos, pelo carisma de sua imagem. Quando o objetivo é
potencializar as vendas, procuram-se, entre os personagens, os mais
agressivos, pois sua imagem adquire maior visibilidade e exposição junto ao
público. Assim, através do licenciamento as empresas utilizam a imagem do
filme vinculada a produtos do dia-a-dia, colocando personagens em
bolachas, embalagens e outros contextos. Criam-se também promoções
que possibilitam fazer uma ponte entre clientes e o mundo dos personagens,
como no caso dos hipermercados Continente e Modelo, que premiaram o
vencedor de uma promoção com um convite para o Baile das Princesas
realizado na Eurodisney, em Paris. Essas promoções, que fazem um link entre
a indústria do entretenimento e as empresas, são usadas pelas grandes
marcas do mercado, como a Coca-Cola
143
e o McDonalds. O licenciamento
141
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da
cultura, p.194.
142
TEIXEIRA DE ALMEIDA, Claudia Terezinha. A identidade visual no cinema: a padronização
visual e alguns aspectos do marketing promocional, p.35.
143
Em janeiro de 2002 houve um licenciamento da Disney com a Coca-Cola, permitindo a
esta a utilização de vários personagens de desenho animado vinculados a novos tipos de
bebidas, visando atingir o público infantil. Como a turma do Mickey, uma série de bebidas
112
de produtos originou-se da indústria norte-americana quando os estúdios
obtiveram direitos de imagens sobre os personagens de desenho
animado.
144
Dentre os grandes estúdios cinematográficos, destacam-se dois
gigantes: a Disney e a Warner Brothers. Seus personagens começam a viver
por si só. Os personagens Disney tomam força com Mickey e seus amigos;
depois, com as princesas: Branca de Neve, Cinderela, Bela Adormecida,
Bela, Pequena Sereia, em filmes lançados em épocas comemorativas. Como
a Disney, a Warner também utiliza seus personagens mais populares - os da
Looney Toones - para fabricação e venda de bonecos e outros produtos
licenciados. A Disney opta por um licenciamento onde todo o trabalho de
planejamento de marketing, relações públicas, mídia e investimentos são
única e exclusivamente da responsabilidade do licenciado. A Disney pode
fazer ações pontuais, criando relações privilegiadas para um grande
distribuidor. Quando um filme começa a ser distribuído, as empresas
calculam três meses para que seus produtos sejam vendidos. Contudo, em
alguns filmes, este prazo prolonga-se, como é o caso de O Senhor dos Anéis.
Esse filme de Peter Jackson já conta com 600 produtos licenciados. Por
constituir uma trilogia, cada episódio é lançado separadamente e, durante
esse período, os produtos são expostos com altos e baixos ao longo do
tempo. A venda massiva dos produtos deve-se ao culto do público pela
história do filme, popularizada através dos romances best-sellers de Talkien,
que já contavam com uma legião de fãs. Esse não foi o caso de Titanic que,
apesar do enorme sucesso do filme, levou o público a consumir “apenas” o
vídeo, DVD e o CD com a trilha do filme.
Já George Lucas criou uma indústria de brinquedos, livros e
colecionáveis estabelecendo a ficção científica como gênero dominante
em Hollywood. Principalmente ao lançar o primeiro filme de sua saga
intituladas “As aventuras do Mickey” foram distribuídas em Portugal, na Holanda, Áustria,
França, Estados Unidos, México e Hong Kong.
144
TEIXEIRA DE ALMEIDA, Claudia Terezinha. A identidade visual no cinema: a padronização
visual e alguns aspectos do marketing promocional, p.4.
113
espacial, Guerra nas estrelas (Star Wars, 1977), ele transpôs o sucesso de
bilheteria com inovações tecnológicas para produtos licenciados em
centenas de acessórios: bonecos de ação, veículos, coleções de
brinquedos, armas, caixas de cereal, jogos, itens de roupas, broches, cartões
devorados por todo tipo de consumidores e principalmente colecionadores
do mundo.
O cinema hollywoodiano trouxe da literatura um modelo narrativo,
adaptando, para sua linguagem, personagens e tramas, numa narrativa
visual. Foi também adaptando histórias em quadrinhos para o cinema que
seus personagens fantásticos tornaram-se vivos, sendo, graças ao
desenvolvimento da maquilagem e dos efeitos especiais, “reais” nas telas
cinematográficas. A imagem impressa nos quadrinhos já possuía um público
fiel de fãs e colecionadores, desejosos de ver seus personagens transpostos
para a “vida real” na tela de cinema. Os estúdios levaram a esse público
uma nova dimensão de realidade narrativa, gerando grandes expectativas.
Foi uma estratégia da Marvel, responsável pelos super-heróis de quadrinhos,
que conseguiu dar vida a seus personagens através de Hollywood, vendo
em seus clássicos uma ótima oportunidade de “renascimento” para o
mercado, como foi o caso dos filmes do Super-Homem, Spawn e mais
recentemente X-Men, Homem-Aranha e Dare Devil, ou Demolidor. O
processo hollywoodiano para adequar as características fundamentais dos
personagens de quadrinhos às imagens cinematográficas é um exemplo de
seu poder de produção. Esse processo de adaptação, quando bem
sucedido, torna o já colecionador e fã de quadrinhos num fã e colecionador
de objetos baseados na imagem cinematográfica de seus personagens
“clássicos”. Desde 2002, uma crescente onda destas adaptações de heróis
vem trazendo grandes sucessos de bilheterias, sobretudo sobre a espera das
continuações já anunciadas dos filmes em todas as mídias: produtora de
filmes, distribuidora de vídeo, salas de cinema, estúdios de animação,
editoras de revistas e livros, gravadoras de música e satélites, internet, TV a
cabo.
114
Hoje, várias páginas da Internet são destinadas também a series e
desenhos animados que marcaram época, enquanto na TV a cabo
complementam o saudosismo de fãs e colecionadores antigos reprisando
velhos seriados. O advento da TV transformou o cinema mudando
completamente o rumo da história cinematográfica e também seus
produtos colecionáveis. Ao mesmo tempo em que o cinema viu-se
prejudicado e teve que se readaptar para o espectador, a indústria
cinematográfica passou a ter a TV como sua principal aliada na divulgação
do filme nas salas e sua própria venda e exibição nesse meio, além das co-
produções. Hoje, com os aparelhos de TV com alta qualidade como a HDTV,
a instalação de Home Theaters possibilita aos telespectadores de luxo usufruir
o filme com mais qualidade no conforto de suas belas casas.
O retorno dos filmes antigos à tela de TV provou seu valor econômico,
e a necessidade de conservar e preservar todo filme produzido. Os canais de
filmes especiais vêm conquistando grande espaço no mercado, reciclando
os catálogos antigos de filmes, levando companhias de transmissão, como a
inglesa Thames Television e o Canal 4 a patrocinar restaurações de coleções
de filmes.
145
Mais de 400 filmes foram relançados nos EUA em 1991, entre eles, 150
eram dos estúdios maiores e 23 filmes redistribuídos das primeiras produções
sem incluir filmes feitos para a TV. Crescendo explosivamente durante as
décadas, o mercado de home video passou a vender e alugar fitas de
vídeo, e agora discos DVD. O lucro dessa área é muito maior que a de
bilheteria de cinema. Em 1991, por exemplo, a indústria de filmes nos EUA
teve uma enorme renda com bilhões adicionais vindos da distribuição
estrangeira, licenciamentos para a TV, videocassete, vídeo games, e outras
vendas “não cinematográficas”.
146
145
Cf. WILHELM, Henry. The permanence and care of color photographs: traditional and
digital color prints, color negatives, slides, and montion pictures, p.303.
146
Cf. WILHELM, Henry. The permanence and care of color photographs: traditional and
digital color prints, color negatives, slides, and montion pictures, p.303.
115
A maioria dos programas, nos primeiros anos de TV, foi originada dos
filmes. Com a mudança dos filmes de cinema para o vídeo, em sua maioria
para aplicação comercial, industrial e educacional, o mercado de película
reduziu-se substancialmente nos últimos anos agora se encontra
amplamente limitado para 16 mm e 8 mm. Na década de 1970, películas de
16 mm eram correntes na produção de TV, sobretudo reportagens e
documentários; desde o final dos anos 1970, a TV passou a trabalhar quase
exclusivamente com o videotape.
Quando surgiu a TV a cabo, muitos novos canais de distribuição para
programação nos EUA e outras partes do mundo passaram a colaborar com
a indústria hollywoodiana. No final dos anos 1990, a privatização das
indústrias de televisão em muitos países criou uma demanda para mais
programação, antecipando a abertura de novos mercados em países em
desenvolvimento. Bilhões de pessoas, por todo o mundo, nunca antes tinham
visto filmes e programas de TV produzidos no Ocidente.
147
Através da TV a
cabo, pode-se contar com canais voltados exclusivamente para o cinema,
como os telecines e canais de estúdios: Warner Bros., Warner Channel, Kid’s
WB (canal de desenho animado lançado em 1995 pela Time Warner).
148
Com o Home Box Office (HBO), um sistema de TV a cabo, e extensivas
operações de publicidade em 1992, a Timer Warner inaugurou um serviço
experimental de 150 canais interativos de TV a cabo em Nova York. Além de
uma transmissão para um grande número de títulos de filmes, o novo sistema
é potencialmente capaz de mandar filmes pagos através de pedidos nas
casas dos assinantes. Quando sistemas semelhantes são instalados em larga
escala, espera-se que cresça a demanda para títulos de filmes e outras
programações.
149
Assim, a TV a cabo quebra barreiras de espaço permitindo
aos espectadores de todo o mundo saber como este ou aquele filme foi
feito através de making ofs e cenas de bastidores; serem informados
147
Cf. WILHELM, Henry. The permanence and care of color photographs: traditional and
digital color prints, color negatives, slides, and montion pictures, p.299.
148
Cf COSTA, Alessandro Ferreira. Da gênesis ao caos: o universo Warner de animação, p.12.
149
Cf. WILHELM, Henry. The permanence and care of color photographs: traditional and
digital color prints, color negatives, slides, and montion pictures, p.333.
116
diariamente através de documentários, entrevistas, programas, noticiários e
séries geradas a partir dos filmes, intensificando a fascinação pelo fazer
cinematográfico.
Já a Internet
150
aumenta cada vez mais seu valor para a indústria
cinematográfica possibilitando aos fãs um contato maior com outros fãs, a
interação com programas e o acesso a filmes, músicas, produtos. Os estúdios
não se preocupam em simplesmente informar os lançamentos
cinematográficos; investem muito mais na concepção visual, gráfica e de
conteúdo em sites oficiais de filmes,
151
que constantemente disponibilizam
materiais à venda, lançamentos, jogos com o tema do filme, músicas, trailers
e afins, além de imagens próprias da informática, como proteção de tela,
papel de parede e ícones, tudo ligado à temática do filme; fazem-se ainda
leilões de produtos de filmes que fizeram sucesso de público: a Disney, por
exemplo, estabeleceu um site de leilão exclusivo para seus produtos.
Porém, a Internet tornou-se também um grande problema para
Hollywood, através da “espionagem industrial”, definição dada pela
imprensa para aquelas informações confidenciais da produção do filme
antes de sua estréia, vazada da segurança dos estúdios e rapidamente
difundida pela rede; e da pirataria, que disponibiliza na rede filmes na
íntegra, gravados com uma câmera dentro de um cinema comum,
digitalizados e jogados na rede para gáudio dos que não querem gastar
com ingresso indo ao cinema.
Esses reveses obrigaram a indústria cinematográfica a remanejar sua
estratégica de disponibilização do filme e fortalecer sua segurança.
150
A Internet foi criada em 1969, nos EUA, interligando originalmente laboratórios de pesquisa
e se chamava ARPAnet (ARPA: Advanced Research Projects Agency). O nome Internet
surgiu mais tarde quando o sistema foi usado para conectar universidades e laboratórios. Em
1992 a rede virou moda. Começaram a aparecer nos EUA várias empresas provedoras de
acesso à Internet. Centenas de milhares de pessoas começaram a pôr informações na
Internet, que se tornou uma mania mundial. Criou-se a Web que é um espaço virtual onde
circula a informação, verificando-se uma verdadeira revolução na Internet. Tornou-se,
rapidamente, num dos canais mais utilizados.
151
TEIXEIRA DE ALMEIDA, Claudia Terezinha. A identidade visual no cinema: a padronização
visual e alguns aspectos do marketing promocional, p. 92.
117
Hollywood criou uma página, em novembro de 2002, de download
152
de
filme em conjunto com a Sony Pictures Entertainment, Universal Studios,
Paramount Pictures, Metro-Goldwyn-Mayer e Warner Brothers permitindo os
usuários da Internet baixarem os filmes para o computador com a mesma
qualidade de VHS. A pretensão dos estúdios é a de disponibilizar seus filmes
na rede seis semanas depois de serem colocados à venda em VHS e DVD,
deixando-os disponíveis para um número limitado de sessões num período de
24 horas para o usuário.
Esse serviço já era oferecido por outros web sites, como o CinemaNow,
mas foi a primeira vez que um grande número de títulos foi disponibilizado
para os cinéfilos da Internet. Os estúdios da Disney e da Fox Entertainment
Group já haviam tentado implantar esse sistema de distribuição de filmes
através da Internet, mas devido a problemas legais, como a formação de
cartel, a Fox desistiu da empreitada.
A Internet também possibilita a divulgação de filmes independentes
produzidos inicialmente para serem disponibilizados na rede, além dos filmes
interativos como o “Você decide”. Grandes cineastas como Steven
Spielberg já fazem parte desse sistema.
153
Como toda indústria, o cinema evolui tecnicamente e se recicla
constantemente para manter o público já conquistado e, se possível, ampliá-
lo, e é com sua grande força na distribuição no mercado em relação aos
outros países que estabelecerá a diferença da indústria cinematográfica
americana na funcionalidade de sua linguagem para atingir o espectador,
152
Esse download é feito no web site Movielink onde vários sucessos do cinema já estão
disponíveis. Cada filme custa entre US$ 1,99 e US$ 4,99. Os arquivos têm em média 500
megabytes e demoram cerca de 1 hora para ser baixados em uma conexão rápida. Em
seguida, podem ser vistos em RealPlayer e Windows Media. A imagem que ocupa a tela
inteira do computador tem qualidade equivalente a uma fita de vídeo, mas perde bastante
quando é ampliada (para uma TV normal, por exemplo). É possível dar pausa, adiantar e
retroceder a “fita”. O filme tem licença para ser visto num período de 30 dias a qual fica
disponível para um número limitado de sessões de 24 horas sendo apagado em seguida
automaticamente. Os arquivos são protegidos impossibilitados de serem vistos em outro
computador se não aquele que o recebeu. Um programa chamado “Movielink Manager”
tem informações sobre os filmes baixados e o tempo em que eles vão estar disponíveis.
153
BAIROS, Ricardo. “Hollywood investe na Internet”, In: Planet Pop, 13 de novembro de 2002,
http://www.terra.com.br/cinema/noticias/2002/11/13/005.htm
118
embora outros paises também possuam material bem desenvolvido, como o
Japão, e conquistem colecionadores de cinema pela riqueza de imagens e
pela construção e linguagem diferentes das de Hollywood. Não é à toa que
filmes como Titanic levaram milhões de pessoas às filas das salas dos cinemas
antes mesmo da estréia; que fãs de Star Wars vestem roupas de seus
personagens para assistir aos seus filmes ou que filmes como O Senhor dos
Anéis (produzido na Nova Zelândia, mas dentro do sistema hollywoodiano de
produção e distribuição), lotem as salas de exibição. O número de
espectadores de cinema não pára de crescer e é de Hollywood que
chegam os principais sucessos. Mas os estúdios americanos não geram
apenas produtos baratos, entretenimento de massa e a alienante magia da
qual dependem milhares de fãs viciados que só através dessa indústria
obtêm as emoções transcendentes que o dia-a-dia cinzento não lhes
permite vivenciar. Hollywood gera também ódios intensos nos críticos de
cultura e nos “fãs alternativos” que, rejeitando a “indústria imperialista do
cinema americano”, passam a cultuar os cinemas europeu, asiático, iraniano
e brasileiro, como verdadeiros “militantes” e “soldados” da imagem em
movimento, permitindo manter a essência estética e narrativa característica
de cada cultura sem a massificação do cinema industrial. Hollywood
permanece uma indústria complexa e mesmo quando suscita raiva, nojo,
desgosto e decepção, não deixa jamais de fascinar, pois a matéria-prima
dessa indústria é feita daquilo de que são feitos os sonhos.
119
CAPÍTULO 5
Colecionando monstros imaginários
A década de 1930 foi um período de grandes revoluções nas
produções de Hollywood. A quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em
1929, causando uma profunda depressão econômica, levou os estúdios a se
adaptarem ao novo estilo de vida do público; ao mesmo tempo, artistas e
técnicos de origem judaica, chegavam a Los Angeles foragidos do nazismo
na Alemanha, trazendo toda a tradição do cinema expressionista.
154
Até o
começo da década, cinco grandes estúdios lideravam as produções
cinematográficas, enquanto outros três, entre eles a Universal, completavam
a produção suprindo a demanda de público e salas de cinema. Foram esses
estúdios menores que sofreram mais com a falta de dinheiro, sendo
obrigados a reformularem suas produções. Diante disso, como cada estúdio
de Hollywood se havia especializado em um estilo, a Universal estabeleceu
um gênero com conceitos de exploração estética e narrativa trazidos por
alguns dos grandes diretores europeus imigrados, marcando para sempre o
imaginário popular. Através do gênero de horror, ambientado pelas técnicas
do expressionismo alemão, alguns monstros nasceram para se tornarem
ícones culturais.
O terror define-se pela “qualidade de terrível; estado de grande pavor
ou apreensão; grande medo ou susto; pavor; Pessoa ou coisa que assusta,
assusta, amedronta”, sendo o horror mais uma “sensação arrepiante de
medo; receio, medo, pavor, temor; repulsa, aversão, ódio; aquilo que inspira
horror”.
155
Ao lado da ficção científica, o gênero terror tornou-se um dos
populares do cinema conquistando inúmeros colecionadores,
principalmente pelo fato de que grande parte desse público já se
154
Cf. NAZARIO, Luiz. “O Expressionismo e o cinema”, In: GUINSBURG, J. (Org.). O
Expressionismo, p.528-534.
155
Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, p.907 e 1669.
120
interessava pelo prazer do esquisito, apreciando anomalias e deformidades
em circos e side-show, onde se apresentavam pessoas com disfunções e
animais bizarros. Essa tradição contribuiu para a chegada dos monstros no
cinema, ainda mais pelo fato de que os sons e a música; os cenários e a
maquiagem; o clima sinistro com iluminação expressionista e as situações
assustadoras que envolviam as pessoas “normais” e os monstros foram
compostos e elevados a uma experiência extrema para o espectador no
escuro das salas de cinema, dentro das quais o monstro “aparecia”. Ligado
ao monstro está o medo, o terror gerado nas pessoas. Como lembra
Joaquim Ghirotti,
156
os pioneiros Irmãos Lumière, nos primórdios do cinema no
final do século XIX, causaram medo e terror no
público com o “monstruoso” trem que vinha em sua
direção. Obviamente, as características físicas do
trem não eram as de um monstro de filmes de terror,
mas chegou a emocionar uma platéia ingênua. E
quando o cinema já ganhava mais adeptos, o
pioneiro George Méliès, com seus inovadores efeitos
especiais, criou um dos “primeiros filmes de horror”, Le Chatêau du Diable,
“onde o demônio é representado (de maneira um tanto quanto cômica) por
um morcego. Sua abordagem dos mitos do monstro do pólo norte, vampiros,
viagens espaciais e outras ficções improváveis permanecem como exemplos
clássicos e estabeleceram, na época, o conceito de
efeitos especiais”. Mas foi o curta-metragem
Frankenstein (1910), do grande inventor e empresário
Thomas Alva Edison (1847-1931), aquele que é
considerado o primeiro filme de terror da história.
157
Foi
graças a um colecionador norte-americano que se
pôde achar uma única cópia desse filme,
FIG. 34 A conquista do Polo, de
Georgesliès.
FIG. 35 – Frankenstein,
1910.
156
GHIROTTI, Joaquim. “O cinema de horror”, In: Omelete,
http://www.omelete.com.br/cinema/artigos/base_para_artigos.asp?artigo=1856, ativo em
11 de novembro de 2003.
157
Quando o American Film Institute publicou uma lista de dez grandes filmes raros
considerados perdidos, o colecionador se pronunciou dizendo ter uma cópia do filme.
121
considerado perdido durante 90 anos, o primeiro de uma série de
adaptações do romance de Mary Shelley para o cinema.
Como escreveu Joaquim Ghirotti, “cada momento histórico teve seus
horrores. O medo e o terror são estados ideais a serem retratados pelo
cinema”.
158
Na década de 1920, a Alemanha criou personagens e técnicas
expressionistas que marcaram o gênero, “caracterizado por luz e trevas
intensas, sombras em quantidades”, como observou Jan-Christopher
Horak,
159
diretor dos arquivos e coleções da Universal. A Universal resgatou
da Alemanha o expressionismo e suas criaturas do mal, reunindo esses
elementos para criar os modelos clássicos dos personagens de Drácula, da
criatura do Dr. Frankenstein, da Múmia, do Lobisomem, do Homem Invisível.
Nos filmes de terror da Universal, encontramos a mesma atmosfera dos filmes
alemães: os grandes castelos, os galhos de árvores tortuosos, o clima de
pesadelo, a iluminação sinistra projetando sombras amedrontadoras nas
paredes, os objetos exagerados e as longas escadarias...
O estúdio já havia realizado uma primeira versão de O corcunda de
Notre Dame (The Hunchback of Notre Dame, 1923) e de O fantasma da
Ópera (The phantom of the Opera, 1925), observando o enorme sucesso
dessas produções na Alemanha, antes de iniciar o ciclo de filmes de
monstros em 1931. Apesar de outros estúdios tentarem lançar esse ciclo,
como a Paramount, com O médico e o monstro (Dr. Jekyll e Mr. Hyde), a
Universal potencializou e expandiu o estilo, investindo em produções
economicamente baratas e estranhas ao estilo realista dominante na
América, através da crença de Carl Laemmle Jr., que levou em frente o
gênero apesar de seu pai, fundador do estúdio, ter sérias dúvidas sobre seu
sucesso na América.
Através dos filmes mudos de horror, de romances literários e peças
teatrais na Broadway, o estúdio adaptou o estilo que menos se aproximava
158
GHIROTTI, Joaquim. “O cinema de horror”, In: Omelete,
http://www.omelete.com.br/cinema/artigos/base_para_artigos.asp?artigo=1856, ativo em
11 de novembro de 2003.
159
Coletânea de DVD da Universal Studios Classic Monster Collection. Bônus do DVD:
Drácula.
122
da realidade da produção da época, construindo ambientes e personagens
que culminaram em quatro tipos de narrativas: “os filmes do cientista louco,
os filmes de vampiros, os filmes de monstros, e os filmes de metamorfoses”.
160
FIG. 36 - Conde
Orlok.
O primeiro personagem a ser personificado pelos estúdios da Universal
para a tela de cinema foi Drácula, adaptado da obra de Bram Stocker.
161
Compondo elementos que o impressionavam na cidade de Whitby, próxima
à Transilvânia, onde havia um cemirio antigo e uma abadia gótica em
ruínas, Stoker reuniu o folclore e a realidade que o impressionaram quando
ouviu na cidade o nome do príncipe Dracul, doculo XV, tamm
conhecido como Vlad, unindo o nome ao vampiro, e transformando-os num
só. O vampiro “Conde Drácula”, com 500 anos de idade, sai de seu castelo
na Transilvânia em busca de sangue novo em outro país. Ele carrega caixas
de solo nativo onde deve descansar durante a luz do dia. Drácula mata
toda a tripulação do navio que o transporta à Inglaterra, além de duas
jovens, Lucy e Mina, que acabam sendo, também suas vítimas. Drácula
mata Lucy, transformando-a em uma “coisa ruim” da noite, uma criatura
morta viva como ele. Logo Mina cai sob o feitiço de Drácula e corre perigo
mortal. Mas, graças a um cientista sábio o bastante para acreditar no
sobrenatural, o vampiro é destruído e Mina consegue sair do transe
162
. Esse
vampiro, diferente dos vampiros das ficções posteriores, era um homem
decrépito que rejuvenescia bebendo sangue, sem
qualquer atrativo, romantismo ou elegância.
Conhecido como uma “criatura das sombras”, o
Conde Drácula teve sua primeira versão cinematográfica
em 1921 no filme A morte de Drácula, com trama
semelhante à de O fantasma da Ópera, segundo o
historiador de cinema Lokke Heiss, mantendo, porém a
160
BALIO, Tino. Grand design: Hollywood as a modern business enterprise 1930-1939, p.298.
161
Autor do livro Drácula, publicado em 1897. As anotações originais de Stoker para Drácula
foram expostas publicamente pela primeira vez na Biblioteca Rosenbach, na Filadélfia,
contendo, sobretudo, as anotações dos primeiros elementos da história. Pode-se observar
que certas partes do romance em estágios iniciais foram mantidas no filme.
162
Coletânea de DVD da Universal Studios Classic Monster Collection. Bônus do DVD:
Drácula.
123
idéia de um monstro com dentes em presas e longa capa. No ano seguinte,
com algumas modificações da obra, o filme expressionista alemão
Nosferatu: uma sinfonia de horror cria o vampiro Conde Orlok. Adaptação
não autorizada da obra de Stocker, o filme retratou uma criatura entre o
humano e o animal, má e nojenta como um rato com orelhas pontiagudas,
corpo contorcido, pele branca e unhas enormes, totalmente horripilante,
impondo o medo através de uma interpretação sinistra do ator Max von
Schreck, levando alguns espectadores à duvida sobre o que era imaginário
e o que era real.
Mas a versão mais duradoura do romance veio em
1931, através da Universal, o único estúdio a conseguir os
direitos da obra de Stocker, com o ator húngaro Bela Lugosi
no papel do Conde Drácula, e que se tornou o vampiro
mais popular do cinema, com sua fala imortal: “Eu sou
Drácula... Eu ofereço a você as boas vindas”. Inspirado na
peça adaptada por Hamilton Deane e John L. Balderston,
onde Lugosi já interpretava o vampiro, ele e Drácula tornaram-se um só,
sinônimos nas telas de cinema. Dirigido por Tod Browning, o diretor de filmes
mudos especialista no gênero horror, o filme utiliza apenas um trecho do
Lago do Cisne, de Tchaikovsky como fundo musical para contar a velha
história de um homem que entrega sua alma ao diabo, transformando-se
num imortal vampiro. Vivendo na Transilvânia, Conde Drácula aterroriza
todos, mordendo o pescoço de suas vítimas para sugar-lhes o sangue. Ao
receber um vendedor de imóveis, ele o torna seu assistente através de uma
mordida, passando a ser assessorado por ele na sua mudança para Europa.
Na Londres no século XIX, à procura de mais sangue, ele encontra o Dr. Van
Helsing que sabe como destruí-lo, e que efetivamente enfia uma estaca no
coração da criatura, matando-a.
FIG. 37 – Ator Bela
Lugosi como
Drácula.
Nesse período inicial do cinema sonoro, como os países da América
Latina queriam ouvir as falas dos filmes em sua própria língua, os estúdios
interessados no mercado internacional fizeram uma versão em espanhol de
Drácula. O filme teve produção simultânea em inglês e espanhol, esta
124
estrelada por Lupita Tovar, com Carlos Villarias como Drácula; alguns
consideram essa versão superior do ponto de vista técnico.
No mesmo ano de 1931, com o sucesso de Drácula, outro tipo de
monstro foi adaptado para o cinema a partir do romance Frankenstein, de
Mary Shelley, publicado em 1818. A escritora participava de uma reunião na
casa de Lord Byron quando o anfitrião propôs aos convidados o desafio de
quem poderia criar a história mais assustadora. Entre várias histórias fabulosas
que foram publicadas posteriormente, surgiu a de Frankenstein, nascida de
uma discussão da escritora com seu marido, Percy Bysshe Shelley, o médico
Dr. John Polidori e o próprio Byron a respeito das teorias então em voga sobre
as bases elétricas da vida e a reanimação de animais mortos.
Segundo David J. Skall, foi o filme O gabinete do Dr. Caligari, um dos
seus filmes expressionistas preferidos do diretor Robert Florey, e no qual o
personagem de Werner Krauss cria um sonâmbulo que não tem vontade
própria e é controlado sob suas ordens para praticar crimes, que serviu de
modelo para a primeira proposta para Frankenstein, que seria dirigida por
aquele cineasta. Mas na versão rodada, existem mais
similaridades do monstro com O Golem (Der Golem, 1920),
de Paul Wegener, monstro de barro criado por um rabino e
que, escapando de seu controle, destrói tudo pelo
caminho. O Golem fora criado a partir de signos mágicos,
lidos no livro de Cabala, e colocados no peito da criatura;
esses signos fazem a criatura andar ou parar à medida que
eles são colocados e retirados, como uma chave de liga / desliga. Usado
para trabalhos domésticos diários, a criatura, em uma das versões, acaba se
apaixonando pela filha do rabino, e tomando consciência de sua condição
de monstro, revolta-se.
163
FIG. 38 Personagem
Golem.
Sob a direção de James Whale, o filme de Frankenstein passa pela
criação de um ser em laboratório pelo cientista Victor Frankenstein, que
constitui um ser de pedaços de corpos humanos. Abandonado pelo criador
163
NAZARIO, Luiz. As sombras móveis: atualidade do cinema mudo, p.136.
125
FIG. 39 Frankenstein.
à mercê da sociedade, o monstro assusta a população com sua imagem
recortada; sentindo-se ameaçada e desprezada, a criatura revolta-se,
desencadeando mortes e sendo perseguida pela população. Tornando-se
perigoso para a sociedade e para seu próprio criador, o monstro acaba por
ser queimado pela turba. Interpretado pelo ator Boris Karloff, que ganhou
mais de 45 cm de altura sob sapatos adaptados, alguns quilos adicionais em
sua estrutura de corpo e uma cabeça com a testa prolongada e eletrodos
no pescoço para receber energia com um pólo positivo e um negativo, a
criatura de Frankenstein incutiu medo no público com sua imagem
deformada e cheia de cicatrizes. A maquiagem da testa quadrada pode ter
se baseando na versão de 1910 de Thomas Edison; contudo,
parece ter sido a caracterização da versão teatral escrita em
1927 por Peggy Webling, e produzida pelo ator e diretor
inglês Hamilton Deane (que fez o papel do monstro com uma
maquilagem que combinava tons verdes, amarelos e azuis,
uma peruca despenteada e saltos que o faziam parecer
enorme) que mais influenciou a concepção do design do
monstro da Universal.
164
O estúdio estabeleceu sua fama: “A Universal Studios é
o refúgio dos monstros”. Lar de Drácula e Frankenstein, a
Universal produziu A velha casa e Os crimes da rua Morgue
(Murders in the Rue Morgue, 1932), este baseado no conto de
Edgar Allan Poe. E, em 1933, criou A múmia, no qual estreava
na direção o fotógrafo alemão Karl Freund. Na década de
1920, a descoberta da tumba do Rei Tutankhamon, também
chamado Rei Tut, repleta de tesouros, repercutiu no imaginário
popular, tornando a decoração egípcia uma moda, assim
como a lenda da maldição fatal que destruía todo aqueles
que violavam o local em que a múmia do jovem rei fora enterrada. A
imprensa foi uma das principais responsáveis pela lenda, gerando grande
FIG. 40 –mia.
164
Coletânea de DVD da Universal Studios Classic Monster Collection. Bônus do DVD:
Frankenstein.
126
publicidade. Porém, a religião egípcia acreditava verdadeiramente na
imortalidade, no mito de que, através de um ritual elaborado de
mumificação, os homens poderiam ressuscitar.
No filme, sob recriações em murais detalhados e hieróglifos egípcios, o
sarcófago de Inhotep é violado por arqueólogos ingleses, que recuperam a
múmia mais de 3.700 anos depois dela ter sido embalsamada, passando a
sofrer todos os horrores conseqüentes da violação. “Aquele que abrir a urna
contendo o papiro da vida, enfrentará uma terrível maldição”, era a frase
escrita em hieróglifo na arca encontrada durante a escavação da tumba
do Rei Tut. Em flashback, revela-se que este tinha sido um sumo sacerdote,
embalsamado vivo por tentar ressuscitar sua amada sacrificada. A múmia
de Inhotep (Boris Karloff) volta à vida e começa a espalhar terror e morte,
partindo à procura de seu amor perdido. Mas a princesa, encarnada no
corpo de uma jovem da época, evoca poderes de deuses egípcios,
declamando palavras mágicas que fazem a Múmia virar pó.
O homem invisível (The invisible man, 1933) foi a
opção seguinte do estúdio. A história era adaptada do
romance de H. G. Wells publicado originalmente em 1897
por R. C. Sherriff. Segundo David J. Skall, o escritor
introduzira um novo personagem no ciclo do horror:
“Histórias de invisibilidade sempre fizeram parte da
mitologia do folclore e de contos de fadas. Mas Wells foi
um dos pioneiros a dar um toque científico à idéia”.
165
Ele acrescenta que a
idéia de um homem invisível é uma metáfora incrível para a pessoa que vive
à margem da sociedade.
O filme apresenta o misterioso médico interpretado por Claude Rains,
descobridor de um soro que o torna invisível. Coberto por ataduras e óculos
escuros, Rains chega a um pequeno povoado inglês e tenta ocultar sua
descoberta. Contudo, a mesma droga que o torna invisível leva-o, pouco a
pouco, à loucura, fazendo-o praticar atos de terror. O Homem Invisível é, na
FIG. 41 – O Homem
Invisível.
165
Coletânea de DVD da Universal Studios Classic Monster Collection. Bônus do DVD: The
Invisible Man.
127
verdade, interpretado praticamente apenas pela voz de Claude Rains. Seu
personagem combina risadas e calafrios produzidos por efeitos especiais tão
bem feitos que até hoje perguntamos como alguns deles teriam sido feitos.
Seguindo o padrão de sucesso, O lobisomen (Werewolf of London)
teve sua estréia em 1935, mas foi um fracasso comparado aos outros quatro
clássicos. Era uma variação de O médico e o monstro, com aspectos de O
homem invisível. As transformações do Lobisomem não foram assustadoras
nem tão peludas devido à censura. Assim, em 1941, a Universal decidiu
investir numa refilmagem, relançando o personagem em The Wolf Man com
Lon Chaney no papel do Lobisomem, elevando seu personagem ao
panteão monstruoso onde já se encontravam Drácula, a Criatura do Dr.
Frankenstein, a Múmia e o Homem Invisível.
No filme, Larry Talbot (Lon Chaney Jr), um
estudante retorna ao castelo de seu pai (Claude Rains),
no País de Gales. Ao tentar salvar uma mulher
perseguida no bosque, ele é mordido por um
Lobisomem; antes de matar o “animal”, transforma-se
também num Lobisomem na lua cheia, e inicia seu
caminho de matanças de inocentes. Por fim, acaba
sendo caçado e morto pelo próprio pai, dado a caçadas noturnas. Assim
como a Criatura do Dr. Frankenstein e a Múmia, o Lobisomem do ator Lon
Chaney Jr. foi “eternizado” pela maquiagem de Jack Pierce, que o dotou de
pelos, presas e garras. A estética do cenário, com o castelo e a floresta,
combinados com a trilha sonora arrepiante, tornou a imagem do “homem
lobo”, como o personagem era chamado no filme, ainda mais poderosa e
agressiva.
FIG. 42 – Lobisomem.
Os filmes seriados cativam os expectadores desde de 1910,
alcançando o apogeu com as criações do cineasta francês Feuillade,
Fantômas e Les Vampires. No cinema americano, foram exploradas heroínas
semelhantes como Pearl White e Ruth Roland. As séries cinematográficas
eram muitas vezes publicadas na forma de folhetins em revistas e jornais.
Com o sucesso dos monstros da Universal, eles foram transformados em
128
fórmulas lucrativas e inseridos num ciclo de horror através de continuações.
Os personagens passaram a trilhar um caminho nas seqüências que
construíam históricos de suas vidas através de novos personagens, como seus
“parentes”. Nasceram, e renasceram para a eternidade, depois de serem
destruídos no primeiro filme, perpetuando sua geração a cada nova
aparição.
A noiva de Frankenstein
166
(Bride of Frankenstein, 1935) iniciou o ciclo
de seqüências de horror da Universal. O estúdio passou quatro anos
desenvolvendo o filme que, a princípio, chamaria The Return of Frankenstein,
dando alma ao monstro através da fala e criando uma parceira, elementos
originais do romance de Shelley. Segundo o historiador de cinema Paul
Jensen, o filme é de todos os de horror o mais perfeito visualmente, com
iluminação expressionista e trilha musical estimulante, graças às condições
melhores que o estúdio deu ao diretor James Whale: mais tempo e dinheiro
para a produção, o que os outros filmes não tiveram. Aqui, o monstro criado
pelo Dr. Frankenstein não é apenas um “assassino”; ele é mais humanizado
pelo amor, através do slogan “O monstro exige uma companheira”. Há uma
reflexão irônica sobre “as tensões, às vezes violentas, entre a sociedade e o
indivíduo não conformista”. Jensen observa ainda que os aldeões são quase
os vilões do filme.
Nesse período, além de A noiva de Frankenstein, houve
outros filmes de horror de sucesso produzidos por outros
estúdios, como O médico e o monstro (Jekyll and Mr. Hyde,
1932), produzido pela Paramount, com belos recursos de
edição sonora, câmera subjetiva e efeitos especiais; King
Kong (idem, 1933), da RKO, um marco na história do cinema,
tanto pelos efeitos de animação do macaco quanto pela
música de Max Steiner; o maldito Monstros (Freaks, 1932); A marca do
vampiro (The Mark of Vampire, 1935) e A boneca do diabo (The Devil Doll,
1936), dirigidos por Tod Browning para a MGM.
FIG. 43 Freaks, 1932.
166
Coletânea de DVD da Universal Studios Classic Monster Collection. Bônus do DVD: Bride of
Frankenstein
.
129
A filha de Drácula (Dracula’s Daugther, 1936) foi a segunda seqüência
da Universal combinando elementos do mito de Drácula com os romances
de mistério de Sherlock Holmes. O filme começa no local que estão os
corpos de Drácula com uma estaca e seu ajudante com o pescoço
quebrado – a seqüência final do primeiro filme - como se a vida se
perpetuasse, como se as conexões com Drácula se fortalecessem. Frases do
Dr. Helsing, como “A força do vampiro é inacreditável”, reforçavam ainda
mais a idéia. Há uma vampira com ares lésbicos que parece satisfazer-se
apenas com uma vítima feminina. Dr. Helsing, sempre especialista em
vampiros, afirma que Drácula “contaminou suas vítimas com seu sangue, e
as fez como ele”.
Com seus filmes de horror, a Universal teve problemas com a censura
na Inglaterra e em outros países europeus, e acabou por encerrar o ciclo,
167
que só é retomado em 1938, com projetos semelhantes, como O filho de
Frankenstein (Son of Frankenstein, 1939), que introduz o personagem Igor.
Nessa seqüência, Boris Karloff faz o monstro pela última vez. O horror
manteve o vigor até 1941, com The Wolf Man e, em 1942, com O fantasma
de Frankenstein (Ghost of Frankenstein), em que o relacionamento da
Criatura do Dr. Frankenstein com Igor se aprofunda.
No começo da década de 1940, em plena Segunda Guerra Mundial,
novos “monstros” surgiam. Como escreveu Luiz Nazario, cada crise social que
modifica a perspectiva do futuro produz uma nova geração de monstros no
cinema: a Primeira Guerra Mundial trouxe os monstros do expressionismo
alemão; a Grande Depressão levou à criação dos monstros clássicos de
Hollywood; a bomba atômica lançada em Hiroshima e a subseqüente
Guerra Fria levarão à criação de novos tipos de monstros – animais gigantes
devido a mutações naturais ou decorrentes de testes atômicos; invasores
alienígenas com intenção de lavagem cerebral ou controle ideológico.
168
167
BALIO, Tino. Grand design: Hollywood as a modern business enterprise 1930-1939, p.303,
309.
168
NAZARIO, Luiz. Da natureza dos monstros, p.175.
130
Segundo David Skal,
169
a monstruosidade foi utilizada no cinema
americano para ultrapassar obstáculos, pois ela corresponde a uma certa
moral “alargada” em tempos de guerra. A Universal mostrava a trajetória do
homem lobo em busca da paz eterna enquanto as forças européias
mostravam-se irracionais e violentas. O Lobisomem era, de certa forma, o
pior dos monstros, até a explosão da bomba de Hiroshima. A imagem de um
monstro assustando e matando num lugar incerto da Europa remetia ao
grande “lobo de bigodes”, Adolf Hitler, principalmente quando os
americanos entraram na guerra. Tal associação estética do homem-lobo
decorreu devido à adoração de Hitler por lobos, que utilizava nomes e
imagens ligadas ao animal em seu regime nazista. O próprio roteirista do
filme, o judeu alemão Curt Siodmak, escritor de ficção científica que havia
fugido da Alemanha, especializando-se, em Hollywood, em filmes de terror,
sabia exatamente como pessoas eram marcadas para morrer pelo uso de
uma estrela amarela assim como as associações simbólicas entre Hitler e o
lobo.
A Universal produziu ainda A mão da múmia (The Mummy’s Hand,
1941), onde as cenas do filme original eram recicladas com close-ups do ator
que representava o monstro, Tom Tyler, substituindo os de Karloff. Nesse filme,
a múmia passou a chamar-se Kharis, utilizando outros métodos de
ressurreição; A tumba da múmia (1942), onde a múmia Kharis é representada
por Lon Chaney Jr., que já havia sido Frankenstein e Lobisomem; A sombra
da múmia (1944), no qual John Carradine representou o novo sumo
sacerdote do amor perdido da múmia Amanka - único filme que Kharis e
Amanka terminam juntos. A partir disso, diversas reencarnações de Amanka
foram criadas, como A maldição da Múmia (1945).
O Homem Invisível de James Whale gerou outra série de continuações
com efeitos especiais cada vez mais elaborados; a primeira delas foi The
invisible man returns (1940), onde um homem falsamente acusado de
assassinato adota a invisibilidade para limpar seu nome; a adaptação
169
SKAL, David. The monster show: a cultural history of horror, p.216-217.
131
cômica A mulher invisível (The Invisible Woman, 1940); The Invisible Agent
(1942), onde a invisibilidade é usada para o bem durante a guerra; The
Invisible Man’s Reveng (1944), onde o homem invisível utiliza maquiagem
para aparecer, e sua transformação ocorre por transfusão de sangue, sendo
temporária, num conceito próximo ao fenômeno de Drácula; e a comédia O
filho do homem invisível (Son of the invisible man).
Em 1943, no filme Frankenstein encontra Lobisomem (Frankenstein
Meets the Wolf Man), o estúdio reuniu, pela primeira vez, dois “monstros
clássicos” numa mesma história com o intuito de aumentar o impacto; as
imagens do filme remetiam às imagens da guerra; em A casa de
Frankenstein (House of Frankenstein, 1944), o estúdio apresentava-se toda
sua coleção de monstros, com exceção da Múmia; e em A casa de Drácula
(House of Dracula, 1945), Frankenstein fazia uma breve aparição no território
do vampiro.
Antes do advento desses monstros, a Universal esforçava-se em
produzir filmes classe “A” ou, em último caso, “filmes programados”.
Contudo, após o sucesso de Drácula e Frankenstein, o terror entrou no
domínio das produções “B”, uma categoria de filmes ignorada por muitos
anos, considerada sem valor.
170
A televisão adotou muitos filmes “B”,
apropriando-se de seus temas macabros. Os filmes “B” desempenharam um
papel importante em Hollywood do ponto de vista artístico e cultural,
enfatizando a arte e a criatividade, permitindo uma maior experimentação
estética. Todas as produções baseavam-se em seis tendências de produção,
observando custos, duração e resultado na bilheteria: imagens de prestígio;
musicais; filmes de mulher; comédias; filmes de problemas sociais; e filmes de
horror. O termo “filme B”, também chamado de “rápido”, “barato”, de
“baixo-orçamento”, ou simplesmente “filme de orçamento”, e até mesmo
“C” ou “Z”, referia-se às imagens tidas como secundárias, indicando os filmes
menores ou pobres. Esses filmes lidavam com apelos de bilheteria
moderados, questionáveis ou desconhecidos, tinham orçamento e
170
BALIO, Tino. Grand design: Hollywood as a modern business enterprise 1930-1939, p.331.
132
lançamento limitados, e eram produzidos rapidamente, em 3 semanas, em
duas, ou em apenas uma semana, ao contrário dos filmes “A”, que eram
produzidos pelos maiores estúdios de Hollywood durante um período de dois
meses a três, podendo estender-se até a um ano – caso das
superproduções.
Os filmes “B” eram divididos em quatro categorias por ordem de
prestígio:
171
1) os filmesprogramados dos grandes estúdios, filmes “A” de
vel mais baixo, com flexibilidade na exibição em qualquer programa,
operando entre “A” e “B”; 2) os filmes “B” de grandes estúdios, projetos que
duravam de 2 a 5 semanas, dirigidos para preencher a necessidade de
exibição das cadeias de cinema pertencentes àqueles estúdios e abaixando
a elevada manutenção das instalações e dos contratos de talentos; 3) os
filmes “B” das companhias menores, sem qualidade ou recursos de grandes
estúdios, produzindo muito mais com menos dinheiro, em estúdios como
Tiffany, Mascot, Monogram, Republic; e 4) os filmes pobres, produzidos por
companhias com falta de financiamento e acesso limitado a instalações e
equipamentos, produções rápidas que nem chegavam a ser “B”, sendo
mesmo “Z”, e que eram direcionados a cinemas, grupos de espectadores e
classes específicas – o que hoje chamamos de filme trash.
Esse tipo de filme “B”, o trash, surgiu a partir da década de 1960, nos
EUA, com o único intuito de causar fortes emoções nos espectadores.
Designado no estrangeiro como gore, que significa sangue derramado,
pouco tempo depois foi chamado também de splatter, que
significa borrifar ou chuviscar - o sangue vem à mente
imediatamente. Nessa época, os diretores e produtores
americanos começaram a buscar sensações fortes para
atrair as pessoas ao cinema, empenhando-se em novas
transgressões visuais que levassem o público ao encontro de
algo que não podia encontrar na TV. Como escrevem
FIG. 44 - Teatro
Grand Guignol.
171
BALIO, Tino. Grand design: Hollywood as a modern business enterprise 1930-1939, p.323.
133
Manuel Valencia e Eduardo Guillot,
172
o cinema é o melhor meio de exibir e
de exprimir os tabus ciciando o lado voyeur e mórbido do ser humano.
Começaram, assim, a surgir filmes que exploravam o sexo, mostrando corpos
nus e em atividades eróticas. Nos anos 1970 essa fórmula mostrou-se
esgotada e os diretores procuraram um novo chamativo, encontrando o
gore. Eram diretores que haviam trabalhado em grandes estúdios e que
haviam largado o trabalho para faturar com produções próprias. Alguns
deles utilizavam elementos dos espetáculos do Grand Guignol, lançado em
1899 na França por Max Maurey, e que providenciavam emoções fortes às
pessoas misturando o tom de farsa e o humor macabro a imagens de
decapitações, amputações e assassinatos simulados através de truques, os
quais seriam reproduzidos pelo cinema através de maquilagem e efeitos
especiais que causavam surpresa e choque.
Assim os filmes passaram a utilizar sangue, mutilações e vísceras com
humor macabro: a mutilação passou a ser a principal mensagem. Contudo
os filmes começaram a tratar de assuntos mais sérios como a denúncia, a
parábola social e outros significados; o ponto de partida foi A noite dos
mortos vivos (Night of the living Dead, 1968). Demonstrando ser um produto
marginal altamente rentável, o spatter logo foi absorvido pela grande
indústria. Os poderosos de Hollywood começaram a utilizar o gênero
ajudando o fenômeno a emergir do anonimato e a expandir-se. Contudo, o
spatter acabou perdendo suas características e sua razão de ser: as
decapitações e a violência desatada foram contidas. Ainda assim, nos anos
1980, uma das maiores produtoras independentes de Nova York, a TROMA,
fundada em 1974, soube manter a integridade do estilo em produções trash
de grande sucesso. Nesse gênero, o personagem Drácula ganhou também
uma adaptação, em Sangue para Drácula (Blood for Dracula, 1974), de Paul
Morrissey.
172
VALENCIA, Manuel; GUILLOT, Eduardo. Sangre, sudor y vísceras: historia del cine gore,
p.11.
134
O trash foi levado a outros países como modelo de sucesso:
Alemanha, Espanha, Brasil, popularizando-se cada vez mais nos
últimos tempos, muitas vezes transformado num terror cômico pela
precariedade dos efeitos visuais. No Brasil, a grande personalidade
do gênero é José Mojica Marins, o Zé do Caixão, reconhecido
internacionalmente como “Joe Coffin”; sua própria figura causa
medo; seus filmes são de certa forma bem feitos comparados aos
filmes “caseiros”, mas totalmente precários se comparados aos filmes
de estúdio. São, certamente, filmes autorais. Em janeiro de 2004, um filme do
Zé do Caixão foi apresentado numa sexta-feira 13 à meia noite no Centro
Cultural de Belo Horizonte. Realizado como um grande ritual, À meia noite
levarei sua alma
173
(1964), protagonizado pelo diretor, conta a história desse
personagem com poderes sobrenaturais, assassinando brutalmente todas as
pessoas que o contradizem ou ficam em seu caminho. O público ora
vibrava, divertindo-se com a coruja que voava sem bater asas ou com as
grandes unhas que perfuravam dois olhos pintados de negro, ora se
arrepiava ao ver uma aranha caranguejeira, que não é venenosa, subir na
perna de uma mulher e picá-la.
FIG. 45 Capa
DVD do Zé do
Caixão.
O horror “B” e o trash criaram aficionados colecionadores. Segundo
Jan-Christopher Horak, os filmes de terror eram “geralmente pouco
específicos sobre a época na qual se passavam, ajudando a reforçar o fato
de que este mundo de terror não pertence a nosso mundo. Nós
reconhecemos como um lugar de verdade, mas o que acontece lá é muito
irreal. Isso é parte do prazer em assistir a esses filmes”.
174
Através do “medo
seguro” passado dentro do cinema, uma nova dimensão foi aberta,
deixando de lado os estilos “bonzinhos”, para levar o público a ambientes
sombrios, numa espécie de hipnose transformada em adrenalina onde o
173
O cruel agente funerário Zé do Caixão, temido e odiado pelos humildes moradores de
um vilarejo, vive a demente obsessão de gerar o filho perfeito que possa garantir a
perpetuidade de seu sangue. Ele busca a mulher ideal capaz de conceber sua criança, e
não hesita em matar aqueles que ousam interferir em seus planos. Em 2003, foi lançada no
Brasil uma caixa de DVDs, a
Coleção Zé do Caixão, trazendo seis de seus filmes.
174
Coletânea de DVD da Universal Studios Classic Monster Collection. Bônus do DVD:
Drácula.
135
gênero terror criou um novo meio de diversão. Saindo da sombra e da
escuridão, os monstros estimulam a imaginação do espectador, fazendo-a
trabalhar com o desconhecido e a possibilidade de ataques selvagens e
perigosos, aguçando-lhe o medo e ao mesmo tempo a curiosidade.
Quando o espectador “entra” no filme, e acompanha os passos dos
monstros a perseguir suas vítimas, o suspense é crescente e contínuo; o
espectador sofre mais sustos e ataques de pânico que as próprias vítimas.
175
Além disso, os monstros quebraram, e ainda quebram, a normalidade da
sociedade, com sua concepção do “ser diferente”, oferecendo ao público
a possibilidade de colocar seu lado “mau” em ação, numa espécie de
catarse coletiva. O gênero de terror realiza a fantasia dos pesadelos,
oferecendo-nos um entretenimento que sublima o medo e a tensão. Em
tempos de depressão econômica, o terror leva-nos a saciar o desejo de
agressão contra um inimigo real.
176
O estilo visual de Drácula no filme de 1931 deveu-se ao fotógrafo Karl
Freund, pioneiro na movimentação da câmera na Alemanha dos anos 1920.
Segundo o historiador Scott MacQueen,
177
Drácula transmite-nos a sensação
de estarmos vendo um filme expressionista alemão feito em Hollywood. As
tomadas corridas dão a impressão de estarmos sendo empurrados, contra a
vontade, para visitarmos áreas diferentes do castelo, envolvendo-nos em
teias de aranhas, com tatus correndo e morcegos voando. Esses elementos,
segundo o historiador de cinema Bob Madison, inventados por Browning e
pela Universal, entraram para iconografia do filme de terror, sendo desde
então aplicados em filmes e desenhos e até em programas infantis.
Com seu castelo, sua capa, seu caixão, seus dentes, suas garras, seu
olhar, o Drácula de Tod Browning tornou-se o “líder” dos monstros clássicos,
transformado no “Mestre das Trevas”, no “Mestre” das outras criaturas do
mal. Levando sua imagem do Além até as mentes dos espectadores, passou
175
Susan Sontag observou que é possível determinar quando, onde e porque o monstro
aparece na ficção científica; tal estrutura aplica-se aos filmes do terror clássico. Cf.
NAZARIO, Luiz.
Da natureza dos monstros, p.25-40.
176
SKAL, David. The monster show: a cultural history of horror, p.159.
177
Coletânea de DVD da Universal Studios Classic Monster Collection. Bônus do DVD:
Drácula.
136
a simbolizar um poder eterno, sedutor, elegante, despertando o fascínio pelo
imagético vampiresco, graças à interpretação de Bela Lugosi. Desde então,
a figura do vampiro, atraente e dominadora, velho escondido atrás da
juventude, que toma a forma de lobo e morcego, e que por sua condição
de morto vivo necessita de sangue para viver, passou a associar-se a
fantasias sexuais de sedução e homossexualidade. Seu modo de ser deu-se
pela negação de Deus. O símbolo da cruz, a estaca de madeira no
coração, a luz do sol o destroem. Seu ataque depende da noite, da
ausência da luz e se dá pela mordida no pescoço da vítima, deixando uma
marca.
Já a Criatura do Dr. Frankenstein é desajeitada, pesada, dominada,
grosseira, sua figura recortada e repulsiva dá-lhe uma forma de monstro. Foi
criado por um cientista, que de certa forma quis ser Deus para criar um
homem. Há um toque de compaixão em relação ao monstro, objeto de
pena por sua inocência. Procurando ser aceito na sociedade e se vingar dos
que o rejeitam, ele é incontrolável à medida que começa a aprender a se
vingar usando sua grande força. Ele não deixa de ser uma criatura morta-
viva, como Drácula e a Múmia, composto a partir de partes de pessoas
mortas. Como produto, sua existência deu-se a partir da sua “construção”
em laboratório através da energia elétrica. A Criatura é quase indestrutível,
podendo ser destruída apenas por elementos como ácido e fogo, mas
restando ainda a esperança de ser reavivado, como um boneco de pilhas,
num laboratório com energia elétrica.
A Múmia foi o monstro que menos identidade teve ao longo dos anos.
Contudo, passou a ser um ícone do horror na qualidade de coadjuvante.
Com seu corpo enfaixado como um monstro sem “rosto”, a criatura poderia
ser qualquer um, à diferença de um Drácula e de uma Criatura de
Frankenstein. A primeira Múmia tinha a fisionomia de Boris Karloff, um aspecto
envelhecido e rígido jeito de andar. Ela é um morto-vivo, voltando ao mundo
mumificada, desafiando os “deuses” egípcios. A única forma de controlá-la
e destruí-la é através da evocação dos deuses egípcios. No “Pergaminho de
Toth” estão inscritas as palavras mágicas com as quais Isis ressuscitou Osíris. A
137
Múmia lembra, como a Criatura de Frankenstein, as palavras mágicas do
Golem, e pela recitação delas ela volta ao pó. No filme A noiva de
Frankenstein, a própria noiva é criada como uma múmia, e só depois será
desenrolada. “A morte é apenas entrada para uma nova vida. Viveremos
hoje de novo. Retornaremos sob muitas formas, oh, todo-poderoso”, diz a
Múmia. Ela é como uma Criatura de Frankenstein sem ser retalhada. Seu
ataque se dá pela perseguição, usando poderes mágicos que possui
controlando as pessoas, hipnotizando-as, podendo levá-las à morte.
Também controla alguns elementos da natureza. Radicalmente diferente de
Drácula e da Criatura de Frankenstein, a Múmia é um amante quase
simpático que supera tempo e espaço para ficar com sua amada, como
numa história romântica.
O Homem Invisível é um megalomaníaco e mexe com a imaginação
das pessoas através da invisibilidade, principalmente na época em que foi
produzido, pois lida com a questão da nudez, assunto proibido nos filmes de
Hollywood. Esse monstro é uma representação assustadora: quando visível,
aproxima-se da imagem da Múmia; mas quando tira suas ataduras, chapéu,
óculos e casaco, torna-se realmente “o perigo” pela sua presença
assustadoramente invisível. Além das semelhanças com a múmia, o
historiador de cinema Paul M. Jensen
178
compara O Homem Invisível com
Frankenstein: nos dois filmes há o cientista que desaparece para conduzir
suas experiências em segredo; a noiva preocupada com o cientista e
curiosa para saber o que aconteceu com ele; um amigo do casal
secretamente apaixonado pela mulher.
O Lobisomem vem de culturas primitivas, que freqüentemente
projetavam características humanas no mundo animal, resultando num
folclore rico em mutantes. Homem-lobos, meninos-cães e outros seres
famosos tornaram-se objetos da fascinação macabra do público ao mesmo
tempo repugnado e atraído pelas teorias de Charles Darwin. No folclore
europeu o conceito do lobisomem estava intimamente ligado à lenda do
178
Coletânea de DVD da Universal Studios Classic Monster Collection. Bônus do DVD:
Mummy.
138
vampiro;
179
o próprio Stoker uniu as duas lendas em Drácula. Também o
Lobisomem tem compulsão por sangue; estraçalha suas vítimas com grande
força, e se essa não morre, recebe como herança a maldição através da
mordida, transformando-se por sua vez em lobisomem. Ele depende da lua
cheia para metamorfosear-se, e seu ataque é noturno, só impedido pela
estrela de cinco pontas. Encontra seu fim se for atingido por uma bala de
prata. Nos anos 1950, uma multidão de fãs “apaixonados” pelos monstros
clássicos, principalmente Drácula, foi gerada pela programação de terror da
TV. Desde então, a monstruosidade foi sendo materializada em produtos
destinados a suprir os desejos dos colecionadores. O mundo do horror passou
a ser transformado pela exploração do merchandising, principalmente a
partir de 1958, onde as criaturas, como produtos do entretenimento do terror,
passaram a fazer parte do dia a dia ou transformados como produtos
especiais nas coleções.
Sempre adaptados às novas características estéticas, Drácula, a
Criatura de Frankenstein, a Múmia, o Homem Invisível e o Lobisomem
materializaram-se em revistas de quadrinhos, em brinquedos, em selos, em
revistas de assuntos bizarros, na música, na literatura, nos desenhos
animados, em novos filmes, apropriando-se dos aspectos culturais em seitas,
conflitos políticos e guerras. Em nossa época, a cultura do monstro
180
ganha
força, principalmente nos quadrinho de horror e violência, aumentando o
consumo como válvula de
escape, utilizando,
principalmente a figura do
vampiro, numa estética
popular semelhante às
imagens agressivas da
Idade Média. Acrescidos
de um novo fator estético -
FIG. 46 Revistas em quadrinhos.
179
Coletânea de DVD da Universal Studios Classic Monster Collection. Bônus do DVD: The
Wolf Man.
180
SKAL, David J. The monsters show: a culture of horror, p.296
139
a cor -, os monstros do cinema passaram a conquistar
número crescente de fãs com suas “aparições”.
FIG. 48 – Botons.
A ficção científica e o horror são os dois gêneros
provavelmente mais populares, graças também ao visual
extravagante.
181
Por trás do contexto político ou do puro
entretenimento, a mensagem do colecionismo
prevalece no culto aos ícones dos monstros clássicos
inseridos na memória do público pelos processos de
comunicação da cultura de massa. De filme em filme, a
cada reinterpretação narrativa ou estética, essas
criaturas passaram a instigar os colecionadores. Luiz
Nazario descreve como esses monstros inseridos na
sociedade tornaram-se populares destruindo aquilo que
nos ameaça inconscientemente, trazendo em seguida a
necessidade purificadora de se destruir o monstro,
gerando o “pavor do desejo que gera o desejo do
terror”.
182
Assim, partindo desse pressuposto, os monstros
clássicos construíram essa popularidade tornando-se
heróis às avessas pelo horror, elevados à categoria de
produtos de importante significado para o colecionador, pelo princípio da
busca, do desejo de tocá-los, da necessidade de vê-los ressuscitados e
ativos (os monstros sempre morrem e ressuscitam cada vez mais fortes – tanto
no imaginário quanto na realidade), no fascínio pelo desejo de destruição
que eles representam e pela necessidade de destruí-los, como animais a
serem abatidos e colocados na parede, como o fazem os caçadores.
FIG. 47 – Bonecos dos
personagens.
181
MARTINGALE & COMPANY. Collector’s compass: movie collectibles, p.10.
182
NAZARIO, Luiz. Da natureza dos monstros, p.20.
140
Além disso, incitando o espectador a participar
dessa experiência, o meio cinematográfico controlou,
através do medo, o desejo, pois o medo é um tipo de
desejo, gerando prazer como nos parques de
diversões, com seus trens fantasmas e espelhos
deformadores. Em Tiros em Columbine,
183
o cantor de
rock Marilyn Manson declara que o mercado usa o
medo para obter alguma coisa, levando o público a
algum condicionamento – medo dos negros, dos
homossexuais, dos diferentes, fazendo as coisas
parecerem mais perigosas do que são, ou seja, a mídia
estimula a paranóia. Os monstros foram inseridos na
cultura de massa através do medo, levando os jovens
a colecioná-los na tentativa de controlá-los. Dessa
forma, os monstros foram sendo assimilados e
chegaram a se tornar, muitas vezes, queridos e
bondosos, sem perder, em outras ocasiões, seu c
horripilante.
FIG. 49 – Copos.
F
IG. 50 – Colecionador Forrest J. Ackerman.
aráter maldoso e
O colecionador de publicações de
ficção científica e horror e seus “produtos
memoráveis”, Forrest J. Ackerman,
184
já no final
dos anos 1940 foi chamado para ajudar a
catalogar publicações desses gêneros numa
biblioteca, separando-os em grupos: mágica,
feiticeiros, lobisomens, em fantasia (uma
subcategoria do horror), e ficção científica, englobando utopias do futuro,
viagens espaciais, extraterrestres. Ackerman correspondia-se com Carl
Laemmle, solicitando-lhe pôsteres, livros impressos e os clássicos filmes de
183
Contudo, ele mesmo apela para o medo através de sua performance e aparência
amedrontadoras e violentas. O documentário
Bowling for Columbine (2002), de Michael
Moore, venceu o Oscar em 2003. Durante seus 123 minutos, a câmera de Moore investiga a
causa dos EUA serem vítimas de crescente violência, questionando o porte de armas e o
acesso de crianças a elas.
184
SKAL, David J. The monster show: a cultural history of horror, p.268-279.
141
FIG. 51 – Revista Famous
Monsters of filmland.
Edição especial de
colecionador.
horror da Universal. Assinando uma coluna sobre o gênero terror na revista
masculina After Hours, ele acabou encontrando várias fãs que se
manifestaram através de diversas cartas. Assim, ele e seu sócio James Warren
lançaram a revista Famous Monsters of Filmland. Nessas publicações, era
colocado à venda todo tipo de coisa ligada ao tema: máscaras de
borracha, réplicas de plástico do Lobisomem, da Criatura do Dr. Frankenstein
e de Drácula, oficialmente licenciadas pela Universal, além de horripilantes
armadilhas e clipes de filmes. Posteriormente, técnicos ensinavam em suas
páginas a fazer as maquiagens dos filmes. Entre seus leitores, Stephen King,
que mandava estórias para a
revista, e Steven Spielberg,
que iniciará sua carreira
dentro do gênero horror. Mais
tarde, outra revista, Fangoria,
lançada em 1979, era
impressa em cores,
detalhando ainda mais os
monstros, com pesado conteúdo
e repulsa de muitos leitores.
Em 1962, o compositor Charles Pickett criou um
álbum de música com Boris Karloff intitulado Monster
Mash. Mais tarde, Michael Jackson criou clipes de
horror, como Thriller, onde ele encarna um zumbi; e
Ghosts, no qual incorpora um vampiro e um
esqueleto. Ronald Borg, colecionador e historiador
de cinema cita “um dos designs mais imaginativos de
pôsteres: o de Lugosi com as mãos elevadas, as
garras no ar, atrás de uma teia de aranha onde as
cabeças de suas vítimas enroscavam-se como
bizarros insetos”. Havia vários pôsteres que buscavam
enfocar o mistério e o conteúdo sexual enrustido
FIG . 52 Capas de LPS.
142
nesse gênero de filme. Segundo ele, “ao revermos esses filmes é como uma
mini-cápsula do tempo. Com os colecionadores é assim. Queremos um
acessório dele, ou talvez um pôster”. Madison acrescenta: “Se há um cálice
sagrado na coleção de Drácula, o manto Transilvaniano de Turim seria a
capa original de Drácula usada por Bela Lugosi”. E é essa capa que Bela G.
Lugosi, filho do ator, guarda com maior carinho entre as várias capas que o
ator mantinha, em variados materiais; ele pesquisou e confirmou ser ela a
original: “É uma das peças mais raras da história do filme americano”.
Com o passar do tempo, o gênero passou a usufruir
da tecnologia que aperfeiçoou seus produtos, dos
monstros às maquiagens, dos bonecos eletrônicos às
músicas e jogos. O espectador foi ainda mais fundamente
mergulhado na monstruosidade, tornada mais real e
assustadora. O desejo do espectador pelo realismo do
horror foi satisfeito com a descoberta do látex por volta
dos anos 1960, com a utilização dos efeitos especiais nos
anos 1970-1980, e do 3D e da computação gráfica nos
anos 1990-2000, levando a indústria do cinema a
revolucionar o imaginário com novos tipos de filmes e seus
monstros ora bons, ora maus. Os filmes de horror passaram
a utilizar linguagens de câmera mais complexas (planos e
movimentos) e recursos digitais, produzindo sempre
maiores arrepios e sobressaltos no espectador.
A Múmia, ela própria objeto de coleções em
museus, tornou-se um ícone do horror, mas monstro sem
fisionomia passou por várias fases: em 1959, foi encarnada por Christopher
Lee; inspirou os zumbis e os mortos vivos, como em A noite dos mortos vivos
(1968) e O despertar dos mortos vivos (1979); mas foi apenas em 1999 que
esse personagem voltou a fazer grande sucesso, ressuscitado mais uma vez
pela Universal, agora com recursos tecnológicos, e não mais num ambiente
de terror, mas de aventura. A Múmia (The Mummy, 1999) e O retorno da
Múmia (The Mummy Returns, 2001) apresentam uma Múmia cheia de
FIG. 53 Livro de
Campanha do filme
A
marca do vampiro.
143
poderes e com a capacidade de regenerar-se, adquirindo carnagem.
Embora inspirada na história do filme original, a maldição não seguiu o tom
macabro; trata-se de filme de aventura e romance cheio de efeitos
especiais. Essas versões atuais trouxeram uma cara não só para a Múmia,
mas para o violador de sua tumba, sobre os quais recai a maldição, sendo
ele o herói do filme, uma espécie de Indiana Jones.
O Lobisomem transformou-se num ícone sempre ressuscitado na TV,
nas revistas de monstros, kits em vídeos, disco laser e DVD. Foi o único
monstro clássico da Universal representado por um único ator durante uma
série de cinco filmes. Sua saga continuou em Eu era um adolescente
lobisomem (I Was a Teenager Werewolf, 1957); Maldição do Lobisomem (The
Curse of the Werewolf, 1961); e em Um lobisomem americano em Londres
(An American Werewolf in London, 1981), também da Universal, e que ficou
marcado pelos avanços de efeitos visuais na transformação “realista” do
homem em Lobisomem.
A imagem do Drácula foi a mais popular; crianças gostam de imitá-lo;
surgiram sociedades como a Sociedade Brasileira de Vampirologia, fundada
por Marcos Graminha, de 32 anos, dono de uma videoteca com mais de 80
títulos e uma grande coleção de livros sobre vampiros,
185
assim como grupos
de vampiros, dentro dos quais os iniciados bebem sangue humano. O
centenário de Drácula foi comemorado em alto estilo em eventos, feiras e
convenções por todo o mundo. A imagem de Drácula desdobrou-se no
imaginário, ora enfatizando seu lado assustador, sua maldade e sua
depravação, ora sua pretensa sedução, sensualidade e até romantismo. As
diversas adaptações vão desde filmes cômicos de terror, como A dança dos
vampiros (1967), de Roman Polansk, à refilmagem romântica do Drácula
(1979) por John Badham, incluindo o homoerótico Entrevista com o Vampiro,
de Neil Jordan, onde Drácula não aparece, apenas seus descendentes
vampiros; e o Dracula de Bram Stoker (Bram Stoker’s Dracula, 1999), que
pretendeu ser a versão mais fiel do original literário, mas que retratada um
185
ISTOÉ, nº 172, 18 de setembro de 2002, p.68-70.
144
inexistente romance do Conde Drácula com Minas. Finalmente, a produção
(pobre) de Dracula 2000 (2000) acrescenta elementos estranhos aos
amantes do vampiro – a informação de que na verdade Dracula é Judas,
que morreu enforcado e diz poder nos dar todo o prazer que Deus nos
negou para sempre. O caçador de vampiros, Dr. Willian Van Helsing, é um
colecionador no filme, possuindo uma loja de antiguidades, e cita o livro de
Bram Stoker, colecionando a própria arma usada para matar o vampiro, que
atira não estacas de madeira, mas de prata, numa confusão com a lenda
do Lobisomem. Mais interessante é A Sombra do Vampiro (Shadow of
Vampire – EUA - 2000), uma homenagem ao primeiro Drácula do cinema,
Nosferatu: uma sinfonia de horror (Nosferatu, 1922), de Friedrich Murnau.
Como se fosse um documentarista, o diretor E. Elias Merhige mostra-nos
Murnau rodando Nosferatu; o personagem Max Schreck que foi o ator que
interpretou Nosferatu, é um vampiro e não um ator, dando corpo à lenda
que circulava sobre sua origem “vampiresca”. Schreck torna-se cada vez
mais assustador nesse “documentário” que mistura realidade e ficção,
levando-nos a crer que o ator foi mesmo um vampiro, trazendo o mito para a
realidade.
Na abertura do clássico Drácula (1931), junto com os créditos do filme
é apresentado um símbolo de morcego ao fundo, que remete a Batman,
personagem de homem morcego que seria uma referência a Drácula, um
herói dos quadrinhos que também migrará para as telas, personificando seu
lado colecionável. Seu símbolo projetado nos céus e nas mãos dos fãs
representa o poder das sombras transfigurado e desviado para o bem. O
personagem criado em 1939 como um companheiro para o Superman em
Detective Comics conquistou seu primeiro título em 1940, porém continuou a
aparecer junto a outros personagens na revista. Inteligente e com dotes
atléticos, Batman
186
vestia-se como morcego - ou seria como Drácula? Usaria
ele uma capa preta e uma máscara para esconder sua identidade ou para
186
O clássico de Batman apareceu na revista Detective Comics número 37 e logo no
número 38, seu companheiro Robin é apresentado.
Comics: uma história ilustrada da B.D., p.
63.
145
inspirar medo, como Lugosi, cuja “máscara” era formada por uma faixa de
luz que destacava dois olhos hipnóticos, enquanto o resto de seu rosto ficava
na sombra? Batman chamava-se Bruce Wayne, um homem rico de vida
dupla como o próprio Drácula, conde sofisticado e sedutor de dia, vampiro
à noite; ambos tinham um lado obscuro.
A Criatura de Frankenstein, na encarnação de Boris Karloff, foi o
monstro mais popular do século XX, ao lado de sua “noiva” que se tornou um
ícone feminino, no gênero da Nefertiti egípcia. Segundo Sara Karloff, filha de
Boris Karloff, as crianças também simpatizam com o monstro e
provavelmente quando foi produzido entendiam a mensagem que ele
queria transmitir como vítima, antes de ser um criminoso. Frankenstein é o
próprio boneco / mostro, próprio para ser adquirido e manipulado, mas
investido de sentimentos, enriquecido pela fantasia das pessoas. Atualmente,
as pessoas parecem querer ser transformadas em Frankensteins, cobrindo
seus corpos com tatuagens, piercings e cabelos exóticos. Frankenstein
tornou-se uma das histórias mais recontadas e adaptadas. Em Eu era um
Frankenstein adolescente (I was a teenager Frankenstein – 1958), as quatro
criaturas encontram-se: Dr. Frankenstein e sua Criatura, Drácula e
Lobisomem, interpretados por Boris Karloff, Bela Lugosi, Lon Chaney Jr. Nos
anos 1950-1960, o personagem foi revivido numa série de filmes de horror: The
Curse of Frankenstein (1957), The Revenge of Frankenstein (1958), The Evil of
Frankenstein (1964), Frankenstein Created Woman (1967), Frankenstein Must
Be Destroyed! (1969), The Horror of Frankenstein (1970) e Frankenstein and the
Monster from Hell (1973). As versões mais recentes são: Frankenstein, o
monstro das trevas (Frankestein Unbound, 1990), Frankenstein, a verdadeira
história (Frankenstein, 1992); e Frankenstein de Mary Shelley (Mary Shelley’s
Frankenstein, 1994).
Já no primeiro filme da criatura havia elementos capazes de induzir o
espectador ao desejo de colecionar o monstro. No início do filme, o produtor
Carl Laemmle adverte o público: “(...) Acho que irá assustá-los, chocá-los e
até mesmo horrorizá-los. Se vocês acham que o filme poderá deixá-los
nervosos, é sua chance de... Bem nós avisamos.” De forma indireta, ele
146
instigava o espectador a ir de encontro ao monstro, de se sentirem inseridos
no contexto do horror, oferecendo o perigo, o proibido; como tudo o que é
proibido é mais interessante e emocionante, o espectador seguia em frente
para ver o que havia “atrás da cortina”. Oferecia-se o que o espectador
desejava, o medo seguro, para serem novos “zumbis” abrindo a caixa de
Pandora, aguçava-se a curiosidade misturada ao medo. Numa das falas
iniciais do cientista Dr. Frankenstein - “Ele só esta descansando, esperando a
nova vida que está chegando”, somos apresentados ao monstro novo e
especial dentro de um ambiente sombrio de cemitério e laboratório. A
justificativa do cientista, quando se vê pronto para reviver sua criação,
indiretamente nos faz perguntar e excitar: “Nunca quis fazer nada que fosse
perigoso? Onde eu deveria estar se ninguém procura de onde a vida vem?
Nunca quis olhar através das nuvens e estrelas? Saber como são? Saber o
que transforma a escuridão em luz? Se você faz isso, as pessoas o chamam
de louco. Se pudesse descobrir uma dessas coisas, eternidade, por exemplo,
eu não me importaria se dissessem uma dessas coisas”. Os filmes de terror
oferecem-nos perigo e adrenalina, eternizando personagens que
materializam a sensação de transgressão. A ponte entre a luz e a sombra é
criada através do cientista, com seu produto / monstro vindo à luz, como
escape, entretenimento e paixão, onde o monstro nos encanta e assusta. O
casamento do cientista traz a prosperidade do criador e da criatura, ambos
Frankensteins, pois todos dizem, brindando, ao “jovem Frankenstein”, à “casa
de Frankenstein”, à “família Frankenstein”. Enfim, esse boneco vai ter
continuações. No momento mesmo do brinde há um corte, quando então
aparece uma garota que encontra o monstro de Frankenstein no lago, e
que lhe pergunta: “Quer brincar comigo?”.
No filme A noiva de Frankenstein, outro cientista, Dr. Septimus Praetorius
obriga Dr. Frankenstein a criar uma noiva para o monstro; o próprio Dr.
Praetorius já havia criado pequenas criaturas vivas: uma rainha, um rei, um
bispo, uma bailarina, uma sereia - como bonequinhos em redomas. É uma
bela coleção; contudo, ele aspira uma criação em tamanho natural, algo
maior, “grande”, para coroar sua coleção de criaturas vivas. Em O filho de
147
Frankenstein, filme com ambientação expressionista ainda mais pesada que
os anteriores, o filho do criador do monstro faz Frankenstein retornar à vida a
pedido de Igor, pois o monstro está “com defeito”. Ao fazer com que o
monstro retorne à vida, o Dr. Frankenstein, com seu boneco amarrado a uma
mesa, afirma: “Ele é completamente super-humano”. Como se o boneco
fosse perfeito, um monstro super-herói. Em seguida, colocando o monstro de
pé ele conclui que foi trazido à vida por impulsos elétricos, e que poderia
extrair dos raios algum tipo de força vital. O raio transforma-se na
ambientação dos monstros, na “energia” vital de Frankenstein, e logo na de
Drácula, da Múmia e do Lobisomem. Os monstros atraem osraios para
uma fonte de desejo e prazer.
Como “um bom monstro nunca morre”,
187
eles
passam a fazer parte do folclore do cinema, são
“bem” aceitos com o passar dos anos, integrando-se
na sociedade e abrindo caminho para outros
monstros. Em 1948, os monstros são reunidos em
Abbott e Costello encontram Frankenstein,
considerado a melhor comédia de terror de seu
tempo: os monstros eram tratados como objetos de carga, como
mercadorias, sendo os corpos de Drácula, Lobisomem e Frankenstein
transportados de trem, iniciando a carreira dos personagens como produtos.
Seguiram-se outras paródias: Das profundezas de uma tumba antiga, com
Abbott e Costello; e Abbott e Costello encontram a Múmia (1955).
Por volta de 2000, quando vários filmes clássicos começaram a ser
refilmados com novas tecnologias, os monstros da Universal foram
novamente reunidos em Van Helsing – O caçador de vampiros (Van Helsing,
2004), de
Stephen Sommers, o diretor do recente A Múmia. “(Ele) pensava
e
m fazer um filme sobre Drácula, mas já tinha sido feito, pensou em fazer um
filme sobre Frank
enstein, mas também já tinha sido feito, da mesma forma
que um filme sobre Lobisomens; então
, pensou: por que não combiná-los em
FIG. 54 Cartaz do filme Abbott
and Costello meet Frankenstein.
187
Coletânea de DVD da Universal Studios Classic Monster Collection. Bônus do DVD: The
Wolf Man.
148
um só filme de alguma forma? Isso ainda não tinha sido feito”.188 Na
verdade, já tinha sido feito... Enfim, o inicio do filme, rodado em p&b,
homenageia o Frankenstein de 1931. Drácula financiara o laboratório para o
cientista criar o monstro, e quando a Criatura nasce, o vampiro assassina o
criador. Idéias muito interessantes são colocadas no filme: a necessidade de
utilizar a máquina onde Frankenstein nasceu para dar vida aos filhos
monstrinhos de Drácula e suas noivas; Frankenstein satisfazendo seu velho
desejo de conquistar amigos, sendo aceito e salvo pelo monge
(representante da Igreja que o condena) como um ser não-humano e
desfigurado. No filme, a Criatura não é má; o Lobisomem enfrenta Drácula,
como seres da mesma espécie (lobos), mas é Drácula o monstro principal,
enquanto Dr. Hide, de O médico e o monstro, passa ligeiro pelo filme, pois
nem era empregado da Universal, sendo morto no início do filme por Van
Helsing. Há ainda uma referência interessante ao Fantasma da
Ópera, quando Van Helsing, numa festa à fantasia de vampiros
veste chapéu e máscara negra observando todos do alto às
escondidas. Porém, apesar da homenagem e desses
elementos interessantes, o filme do diretor de A Múmia não
passa de uma aventura perigosa mostrada de forma banal,
vulgarizada através da computação gráfica mal executada e
falsa, remetendo-nos a um horror cômico, sem sutilezas, nem
mistério, com um exagero de poses e expressões de
Anna Valerious, a nobre que caça Drácula ao lado de
Van Helsing. Além disso, Drácula é vulgar e afetado, sem
elegância usa uma piranha no cabelo para prender seu
rabo de cavalo, assim como suas noivas vampiras.
Na d
FIG. 55 – Família
Monstro.
écada de 1960, os monstros clássicos foram
reunid
os em séries de TV e animações. Dois seriados
reuniram os personagens num contexto cômico,
posteriormente adaptados para filmes, fazendo um
FIG. 56 – Família Adans.
188
Lianna Di Julio. Data: 20/4/2004. http://www.cineminha.com.br/noticias.asp?ID=1699
149
paralelo estético e de comportamento para o campo infantil. Na Família
Monstro, uma família é representada pela esposa Lily Dracula, que lembra a
noiva de Frankenstein com uma mecha de cabelos brancos, porém
escorridos, e o Vovô com seus 370 anos e quase uma Múmia; do filho Eddie
com orelhas pontiagudas e caninos afiados como o Lobisomen; o pai
Frankenstein chamado Herman; e a humana Marlyn, uma loira de olhos
verdes - um horror para os padrões da família. Eles são monstros
humanizados, com hábitos de classe média, inseridos na sociedade, onde
sua estética estranha é mais ou menos “aceita”. Já na Família Adams, que
gerou filmes de enorme sucesso, os monstros apresentam costumes mais
estranhos e macabros, sem perder a aura de boa família.
189
Querendo
mostrar como a família da Era Nuclear finalmente encararia a morte e se
divertia com ela, as duas séries exemplificam como os monstros passaram a
fazer parte da sociedade. Ligando-se uns aos outros, os monstros tornaram-se
objetos de uma única coleção. Com essa série, as indústrias de brinquedo
fizeram figurinhas de sucesso, e os produtos de monstros multiplicaram-se. A
revista Look relatou que havia bonecas, jogos, modelos, todos os tipos de
cartões, anéis, cenários pintados, trajes e mascaras sobre monstros.
Com o passar do tempo, vieram desenhos animados como Garfield e
Scoby
-Doo, dois ícones de grande popularidade no meio infantil e adulto.
Garfield, um dos personagens que tem maior número de fãs em todo o
mundo e produz merchandising para diversos meios, incorpora em alguns
episódios esses monstros clássicos. Enquanto Scooby-Doo
190
e sua turma,
sempre à caça de monstros, muitas vezes se deparam com os ícones de
Drácula, Lobisomem, Múmia e Criatura de Frankenstein: eles começam num
ambiente de terror e acabam desvendando algum mistério, que se resume
189
Família Monstro (The Munsters) foi criada pela rede televisão americana CBS e Família
Adams
(The Addams Family) foi criada pela rede americana de televisão ABC em 1964. Cf.
SKAL, David.
The monster show: a cultura history of horror, p.282.
190
Criado por William Hanna e Joseph Barbera, o desenho de Scooby-Doo teve sua estréia
em 1969 na rede de TV americana CBS, que lançara
Família Monstro, com o título Scooby-
Doo, Where Are You?.
Seu título original foi Who's Ssssscared? Contudo, o diretor executivo
da rede, Fred Silverman, rebatizou o desenho ao ouvir o trecho de uma canção de Frank
Sinatra, “dooby dooby doo”. Silverman queria um desenho que misturasse comédia e
mistério; os primeiros episódios foram rejeitados, considerados muitos assustadores.
150
no monstro disfarçado. Um vídeo reuniu os quatro monstros nos melhores
episódios de terror de Scooby-Doo: Scooby-Doo em Aventuras Arrepiantes.
191
Em dois de seus quatro episódios, Scooby-Doo e sua turma entram numa
casa assombrada por Conde Drácula, Monstro de Frankenstein e
Lobisomem, e referem-se à Múmia com um tesouro escondido num
sarcófago. Ao passarem por várias situações de “medo”, eles brincam com
o imagético do horror: Scooby-Doo levanta as patas e faz “ooooohhh....”,
perguntando a Salsicha se está assustado; Salsicha diz que não e chama
Scooby-Doo para deitar na mesa, mostrando ser possível brincar de monstro.
Ao desvendarem o mistério de terror, eles descobrem que quem se fazia
passar pelos monstros da Universal era um ator muito competente. Em outro
episódio, Os fantasmas galopantes (A Caggle of Galloping Ghosts), eles
lidam com o medo do vampiro, que procura uma moça rica; todos são
vampirizados. Já em Scooby-Doo e a escola assombrada (Scooby-Doo and
the Ghoul Schooll, 1998), os monstros são verdadeiros: Salsicha, Scooby-Doo
e Scooby-Lu são professores na Escola para Moças da Senhora Grimwood; as
alunas de gostos estranhos são simplesmente as filhas dos quatro monstros
clássicos mais o Fantasma da Ópera. Ao darem uma festa no casarão, os
pais das meninas vão visitá-las, reunindo uma verdadeira “monstruosidade”
carismática: a filha do Conde Drácula, Cibela, presenteia-o com um
pequeno roupão para quando estiver em forma de morcego; a filha de
Frankenstein, Elza, oferece-lhe um aparelho de atrair raios para ser
conectado aos eletrodos de seu pescoço; a filha da Múmia, Tammy, toda
meiguice, dá para seu pai uma tumbazinha com uma múmia que acende
os olhos para iluminar sarcófago; a filha do Lobisomem, Wine, lhe dá um
espremedor de limões azedos com pontas afiadas; e a filha do Fantasma da
Ópera compõe uma música para ele. Há, ainda, a bruxa Revolta que quer
raptar as meninas, pois sabe que seus pais têm grande poder, retratando o
poder dos clássicos monstros no cinema. Assim, o desenho cria uma série de
personagens carismáticos, cujos próprios personagens utilizam “produtos
191
Título original: Scooby-Doo - creepiest capers. Fita VHS produzida pela Warner Brothers
pela Cartoon Network.
151
monstros”, vestindo roupas “de monstros”, brincando “de monstro” e até
convivendo com eles e suas famílias.
No Brasil, os quatro monstros clássicos foram reunidos na versão em
quadr
inhos e na animação brasileira de Maurício de Souza, na Turma do
Penadinho, também de grande sucesso, inclusive no exterior. A Turma do
Panadinho inclui: o Zé Vampir, personagem trajando smoking, gravata e
capa preta que incorpora, com seu ar sofisticado, orelhas pontudas e
dentinhos pontiagudos, a figura do Drácula; Frank, em blazer e blusa com
listas, que encarna o monstro de Frankenstein, com costura apenas na testa
e os dois eletrodos ao lado; Lobi, em terninho xadrez com gravata borboleta,
um romântico Lobisomem, atrapalhado e muito calmo; e Muminho, todo
enfaixado como a Múmia, habitante mais velho do cemitério. Eles são
acompanhados por elementos do mundo do terror transpostos para o
imaginário infantil: a meiga Dona Morte, com capa de capuz preto, foice e
cara de caveira, perseguindo as pessoas para levarem suas almas para o
cemitério; a Alminha, namorada fantasma de Penadinho; o Cranicola, uma
cabeça de caveira; e os fantasmas Pixuquinha, Fantasminha bebê e Zé
Finado, que não sabe como, quando, nem por que morreu; e o próprio
Penadinho. Mauricio de Souza escreveu a Turma do Terrir com esses
personagens, e criou um parque temático com mais de três mil produtos – de
bonecos a sucos.
Frank
Lo bisom em
Muminho
FIG. 57 –
Personagens de
Maurício de Souza.
Zé Vampir
Dona Morte
152
Os elementos da saga do vampiro foram incorporados à cultura de
massa
a metade da década de 1990, o cinema de horror passou
a ser e
H
ade dos filmes e de seus personagens, a ampliação do
gênero para o trash e a proximidade com a ficção científica formam um
brasileira, adaptados para os quadrinhos e para a TV brasileira, com
as novelas Um homem muito especial (1980); Vamp (1991) e O beijo do
Vampiro (2003) além de outros produtos e personagens, como Bento
Carneiro, personagem criado e interpretado por Chico Anysio, e que se
apresentava nos anos 1980 como o “vampiro brasileiro”, com o bordão:
“Minha vingança será maligna”. Assim, os vampiros proliferaram no ambiente
social brasileiro.
Na segund
xplorado em filmes que priorizavam o medo psicológico, deixando de
lado os assassinos psicopatas que tantos banhos de sangue promoveram nos
anos 1980. Surgem filmes como Sexto sentido (The Sixth Sense, 1999), de M.
Night Shyamalan; e Os outros (The Others, 2001), de Alejandro Amenábar.
192
Mas os monstros clássicos nunca foram esquecidos e deixados de lado. Em
1997, eles foram lembrados em um selo do
correio americano, num reconhecimento da
importância que tiveram em todas a cultura
de massa, e foi lançada a coletânea de DVDs
Classic Monster Collection, disponibilizando
para o colecionador clássicos do horror como
Drácula, Frankenstein, A noiva de
Frankenstein, A Múmia, O omem Invisível, O
Lobisomem, O Fantasma da Ópera e até O
Monstro da Lagoa Negra, incluindo trailers,
pôsteres, fotos, documentários com
especialistas e envolvidos nas produções
sobre cada monstro.
Assim, a serialid
FIG. 58 – Selos.
192
ROSATT, Renato.
http://www.ligazine.com.br/tela_de_cinema/renato_rosatti/chamado.htm, ativo em 5 de
junho de 2002.
153
conjun
to de elementos que compõem o terror como um dos gêneros mais
atraentes para o espectador transformado em colecionador. Com
características diferentes, cada monstro torna-se especial para ser
“conservado” e possuído, fazendo nascer um verdadeiro mercado de
monstros para o colecionador. Personificados como “deuses” macabros, são
criaturas únicas e simbólicas que se tornaram importantes na sociedade de
massas, carente de identificações. Os monstros vêem-se imortalizados pelo
seu caráter de fênix, revivendo sempre, e podem ser “empacotados” e
“embalados” em lugares próprios para eles: Drácula em seu caixão;
Frankenstein na mesa em que foi criado com “presilhas” segurando seu
corpo; a Múmia em sua tumba cheia de hieróglifos; o Homem Invisível em
seu laboratório; o Lobisomem num tronco sob a lua. Cercados de ritos e
fantasias, os monstros da Universal foram deixados para o público como uma
herança das sombras da depressão e do nazismo. Como escreveu Walter
Benjamin, “o cinema introduziu uma verdade a qual o mundo dos homens
acordados é comum, a dos que dormem é privado. E o fez pela criação de
personagens do sonho coletivo que hoje percorrem o mundo inteiro”.
193
193
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da
cultura, p.190.
154
CAPÍTULO 6
Objetos colecionáveis do cinema
campo de memorabilia de filmes, ou seja, dos objetos colecionáveis
do cinema, nasceu quando este mal havia começado, por volta de 1890,
assim
, incluindo os cartazes para os filmes a serem
estrea
O
que se produziram os primeiros cartazes para introduzir a mídia que
nascia. Criados para atrair o público para a sala escura, onde se projetavam
imagens em movimento - algo nunca visto até então -, eles acabaram
exercendo atração estética sobre o espectador. Quando se produziam
impressos, especialmente pôsteres, seu destino voltava-se exclusivamente
para o uso dos comerciantes de filmes, dos estúdios e dos donos de cinema.
Tais itens eram produzidos em pequena escala, e sem o objetivo de serem
vendidos para o público, ao contrário das revistas em quadrinho, das
estampas e dos cartões.
A troca dos impressos era feita pelos estúdios que distribuíam os
materiais de publicidade
dos, para os proprietários dos cinemas. Quando substituíam esses
impressos, muitos desses materiais antigos eram descartados, até que
começaram a surgir “colecionadores” que burlavam os direitos de
propriedade dos estúdios, guardando ou comprando os cartazes dos donos
dos cinemas secretamente. Em 1941, a indústria cinematográfica contratou
a National Screen Service (NSS)
194
para lidar com impressos e trailers de
filmes, exigindo que todo o material fosse devolvido para ela, lembrando
que ele não era de propriedade dos donos das salas de cinema e proibindo
a venda do mesmo. Muitos pôsteres continham a frase “Esse material de
propaganda é alugado pelo exibidor e não vendido. Isso é propriedade do
estúdio e após o término da exibição para a qual isso foi alugado pelo
194
Cf. SUROWIEC, Catherine A. The Lumière project: the European Film Archives at the
crossroads, p.219.
155
exibidor, deve ser devolvido para permuta de estúdio”.
195
Esse método
primitivo acabou sendo modificado quando a indústria reconheceu que a
venda desses itens tinha um enorme mercado e o desejo das pessoas era
unicamente para uso pessoal, mantendo todos os direitos reservados a eles
através de suas patentes como proprietários.
A partir desse momento, com os produtos disponibilizados e criados
para o espectador, o colecionador viu-se envolvido por um grande
merca
s, junto com a película, o interesse do colecionador pelos
produtos gráficos, passou a abranger uma dimensão bem maior. Eles se
tornar
do crescente de materiais de cinema. Novos significados para a
procura do colecionador surgiram à medida que produtos diversificados do
filme aumentaram e desenvolveram-se, com o passar do tempo, em
qualidade e originalidade, como produtos licenciados através de
merchandising
196
incluindo broches, pins, botons, jóias, placas de edição
limitada e outros incontáveis souvenires, até chegarmos à alta tecnologia
com o DVD. Os critérios para adquirir todos esses itens definiram-se e
tornaram-se mais rígidos à medida que os objetos escassearam e se
converteram em raridades, devido à destruição no início do cinema; e
únicos, diante da avalanche de produtos descartáveis explorados pelo
comércio do estúdio. A imagem cinematográfica tornou-se o vínculo mais
profundo entre o colecionador e o filme à medida que ia tomando forma
nos objetos através do design incorporado pela indústria cinematográfica e
assim ganhando valores de coleção.
Impressos
Aos pouco
am os objetos mais visíveis e populares na coleção de filmes,
englobando stills, livros de filmes, livros de e sobre estrelas, revistas de filmes,
195
“This advertising material is leased and not sold. It is the property of [the studio] and upon
completion of the exhitition for the [studio] exchange”. MARTINGALE & COMPANY.
Collector’s compass: movie collectibles, p.20.
196
Merchandising é uma propaganda não declarada feita através da menção ou aparição
de um produto, serviço ou marca durante um programa de televisão ou de rádio, filme,
espetáculo teatral.
156
kits para imprensa, figuras, álbuns e, principalmente, os cartazes, que
ganham cada vez mais atrativos com a cor, o design gráfico e funções
diferentes, sintetizando o filme numa só imagem e remetendo-nos, no futuro,
à nostalgia da obra cinematográfica estreada no passado.
O cartaz carrega várias funções: “a de informar (lugar, a que horas,
quanto custa); de promover, de seduzir, convencer e persuadir o
espec
cartazes deste formato são muito cotados, como os dos filmes:
FIG. 59
Formato
1-sheet
tador”,
197
através de uma imagem que o espectador deverá guardar
do filme. Funcionando para criar desejos, e necessidade de consumo ele se
mantém durante muito tempo em contato com o espectador, e foi assim
que foram colecionados através dos anos, acompanhados de diversos
formatos:
1-sheets: são na vertical medindo 27x41 polegadas. É o formato principal.
Alguns
Angel (Paramount, 1937), com a imagem fascinante de Marlene Dietrich,
foi vendido por U$ 4.025 em 1999, enquanto críticos geralmente
consideram o filme decepcionante; o cartaz do filme The Postman Always
Rings Twice (MGM, 1946), protótipo dos thrillers eróticos de hoje, foi
comprado por um colecionador por U$ 2.875 em 1999.
FIG. 60 –
Formato
Window
Card.
197
TEIXEIRA DE ALMEIDA, Claudia Terezinha. A identidade visual no cinema: a padronização
visual e alguns aspectos do marketing promocional, p.48.
157
Window cards: mede aproximadamente 14 x 22 polegadas, nas versões
Jumbo, que é rara, e Mini. Quatro polegadas em branco são deixadas na
parte superior para serem preenchidos pelo exibidor local. Nesse formato
encontra-se o cartaz do filme The Navigator (MGM,1924), com Buster
Keaton, passado num transatlântico abandonado.
Lobby cards: mede aproximadamente 14 x 11 polegadas na horizontal.
Foram criados antes dos anos 40, impressos originalmente em séries de
oito. Possui um “cartão” titular com os créditos de produção e a arte do
cartaz, enquanto os outros sete “cartões” contêm cenas fotográficas
coloridas do filme. Normalmente é achado um único cartão da série; os
lobby cards são mais difundidos nos EUA, embora algumas vezes atinjam
o mercado externo. Nesse modelo de importante valor para coleções, há
m leilão por U$ 2.530
o do filme Shall We Dance, (RKO, 1937), que possui um titular e três cartões
de cena, com gráficos no estilo Art Déco; Blonde Vênus (Paramount,
1932), com um cartão que transporta a exótica colaboração Marlene
Dietrich – Josef von Sternberg; o lobby card tamanho Jumbo do filme It
Happened one Night (Columbia, 1934), vendido nu
em 1999; e o lobby card para um dos primeiros e melhores filmes de
ficção científica, Metropolis (UFA / Paramount, 1926), arrematado por U$
10.925 em 1999.
FIG. 61
Formato
Lobby
Card
158
mplo, o
do filme Casablanca (Warner Bros., 1942), com
personagens inesquecíveis e altamente cotado; o
de Breakfast
vendido por U
half-sheets: medindo 28 x 22 polegadas, a
imagem utilizada para eles normalmente é
diferente da usada no de uma folha, e muitas
vezes são iguais aos primeiros lobby cards, ou ao
titular da série. Temos, por exemplo, o do filme Star
Wars (Twentieth Century Fox, 1977), estilo A,
, mai raramente, três
folhas separadas. Desde os anos 1970, esse formato era i presso algumas
vezes em uma peça e emitido em versões internacio s para serem
usadas no exterior. Como exemplo, o do filme Cat on a Hot Tin Roof
(MGM, 1958).
FIG. 62 –
Formato
Insert.
Inserts: são na vertical, medindo 14 x 36
polegadas. Neste formato, temos, por exe
at Tiffany’s (Paramount, 1961)
$ 1.840, em 1999, num leilão.
vendido por U$ 2.300 num leilão de 1999.
FIG. 63
Formato
Half-sheet.
3-sheets: medindo 41 x 81, impresso em duas ou s
m
nai
159
FIG. 64 –
Formato
3-sheet
.
FIG. 65 -
Formato
6-sheet.
Six-sheets: medindo 81 x 81polegadas, temos como exemplo o cartaz do
famoso filme de ficção científica de Stanley Kubrick, 2001: A space
Odyssey (MGM, 1968) vendido por U$ 1.035 no leilão de 1999.
Normalmente, as pressões comerciais e mudanças tecnológicas
iam os formatos zes vinculados, associados, assim, a
determinado período histórico. Quanto mais tensa a época, mais
qu
a fotografia
influen
isual vibrante, em delicados papéis jornal, o
proce
superfície umedecida, onde se aplica a tinta de impressão à qual aderem só
influenc dos carta
retangulares tendem os cartazes a ser; quanto mais calmo o período, mais
adrados eles se apresentam.
Entre 1867 e 1878, contudo, as gravuras japonesas e
ciaram o uso retangular e vertical - incomum para o período.
198
Eles
eram uma síntese econômica, social e cultural, atraindo o público para as
compras e para o entretenimento, através do colorido das imagens dado
pelos novos processos litográficos no qual eram produzidos. Caracterizados
especialmente pela qualidade v
sso litográfico gerava gráficos e ilustrações de intensa riqueza artística
com sua variedade de tons coloridos.
O processo litográfico baseia-se numa técnica antiga de impressão,
utilizando uma superfície plana onde a imagem era desenhada e/ou
pintada à mão com um lápis a óleo ou outra substância gordurosa na
superfície plana e porosa da pedra. O desenho é então fixado e toda a
198
HOLLIS, Richard. Design gráfico: uma história concisa, p.6.
160
as linhas ou áreas oleosas. Alguns artistas utilizavam uma pedra para cada
cor, chegando-se às vezes a empregar até quinze delas, criando
verda
ção
das tr
isso, outras técnicas
uso de fotostáticas,
uzindo seu tamanho;
brancas sobre fundo
gelatina, método de
a com uma gelatina
deiras obras de arte.
199
Como exemplo temos o cartaz de 1-sheet do
filme Sunnyside (First National, 1919), com Charlie
Chaplin, já então uma celebridade internacional e
tendo assinado um contrato com o estúdio para
ganhar mais de 1 milhão de dólares para 8 filmes.
Nos anos 1930, os estúdios de cinema
começaram a utilizar outro processo que exigia menos
custo na utilização da cor sobre a foto. O processo de
off-set, sobre bobinas de papel, geralmente com
cores mais fortes e papel brilhante, passou a ser mais
usado, satisfazendo o desejo dos fãs de filmes e dos
proprietários de cinemas pela precisão na reprodu
imagens das es elas. As imagens eram
transferidas pelo off-set para um desenho de pontos; a
compacta de pontos formava tons mais pesados. Além d
foram usadas dando mais riqueza aos impressos, como o
permitindo trabalhar com a imagem, ampliando e red
impressão negativa e positiva; e inversão de tipos (letras
preto). Outro processo também utilizado foi o de foto
impressão que emprega uma chapa de metal cobert
foto-sensível, que era exposta à luz através de um negativo fotográfico. Essa
técnica, popular desde os anos 1920, até os 1950, produzia imagens
excepcionalmente nítidas, sendo usado em formatos como half-sheets,
inserts e lobby cards, devido à característica desses de serem criados e
desenhados para serem expostos em séries minuciosas.
concentração mais
200
A litografia foi
usada até muitos anos depois da Segunda Guerra Mundial. Os jornais quase
sempre utilizavam a imagem do pôster em preto e branco, para os mesmos
fins.
199
HOLLIS, Richard. Design gráfico: uma história concisa, p.5.
ctibles, p.121.
FIG. 66 Cartaz de Charlie
Chaplin.
200
MARTINGALE & COMPANY. Collector’s compass: movie colle
161
A fotografia foi empregada tardiamente como ilustração de cartazes
de cinema, datando de 1911 os primeiros fotolitos de cenas de um filme para
publicidade numa série de cartazes produzidos e assinados por Gaumont,
201
que se encontra no acervo do Instituto Lumière na França. A ilustração de
cartazes de cinema através de fotogramas do próprio filme começou com o
estabelecimento de relações entre a imagem e o título, como o do filme
Bébé Chemineau. Mas foi durante os anos 1920-
1930 q
valores impressionantes aos
impre
opaganda impressa foi
ue os designers viram-se diante de novas
possibilidades e com o desafio de lidar com a
fotografia em si.
Alguns artistas litógrafos ficaram famosos
por seus cartazes: Hirschfeld, James Montgomery
Flagg, Saul Bass, Alberto Vargas.
202
Muitos dos
pioneiros do design gráfico eram artistas plásticos
que trabalhavam cuidadosamente o visual sobre
os espaços de forma elaborada, e cujos desenhos
e cores davam
ssos. Com a crescente prosperidade e o
surgimento da televisão como veículo publicitário, e o desen
impressão em off-set, o uso de mais cor na pr
estimulado.
volvimento da
203
No começo dos anos 1950, o suíço
Erik Nitsche, trabalhando como diretor de arte na
20th Century-Fox Film Corporation, utilizou um
vocabulário diferente do usado na publicidade
convencional para campanhas publicitárias dos
filmes numa combinação de ilustrações realistas.
Nesse período, Saul Bass desenvolvia o uso de
“imagens simbólicas e simplificadas” para o filme O
FIG. 67 Cartaz do filme bé
Chemineau
.
FIG. 68 Cartaz do filme Um corpo que
cai (Vertigo, 1957), de Alfred Hitchcock
201
QUINTANA, Haenz Gutiérrez “. Fotografia como ilustração de cartazes”,
http://www.studium.iar.unicamp.br/um/pg1.htm?=fotopubl.htm.
202
MARTINGALE & COMPANY. Collector’s compass: movie collectibles, p.74.
203
HOLLIS, Richard. Design gráfico: uma história concisa, p.176.
162
homem do braço de ouro (The Man with the Golden Arm, 1955) usando
técnicas mistas.
204
Produzindo em 1958, o cartaz no formato half-sheet para
Um corpo que cai (Vertigo), de Alfred Hitchcock, produzido pela Paramount,
Bass conseguiu criar uma peça de design gráfico atordoante.
Os cartazes 1-sheet impressos nos anos 1920 até os anos 1950 eram
dobrados em planos depois de impressos para facilitar seu armazenamento
e transporte até os cinemas. Quase sempre são achados com duas dobras
horizontais e um dobra vertical, exceto os cartazes da Disney que muitas
vezes não possuem essa dobra final; porém, desde metade dos anos 1980, os
cartaz
nde
respei
e grandes diretores revolucionários, como Sergei Eisenstein e Dziga
Vertov
es vêm sendo enviados diretamente para os cinemas em sua maioria
enrolados. Foram criados diversos estilos: A, B, C. para atrair mercados
diferentes; ou mesmo durante a promoção longa de um filme, onde um
estilo novo é introduzido para reanimar uma campanha. Para certos filmes,
dois ou mais estilos diferentes de cartazes são concebidos e produzidos.
Dando, assim, muita margem para uma coleção, as produções de
cartazes para filmes tiveram grande êxito em todo o mundo. Foi no final do
século XIX, após a publicação de um livro em Paris sobre a produção de
cartazes, Les affiches illustrées, que “os pôsteres adquiriram respeitabilidade
cultural, tornando-se moda colecioná-los”,
205
sobretudo pela gra
tabilidade de Paris, considerada a capital mundial da moda e das
artes.
Na Rússia, no período após a revolução de 1917, o cinema e o design
gráfico desenvolveram-se juntamente para tornarem-se veículos de
comunicação de massa. Os efeitos e montagens cinematográficas de filmes
foram aplicados em muitos dos pôsteres, sobretudo os que anunciavam
filmes d
. A composição era construída justapondo fragmentos contrastantes,
e unindo detalhes de fotografias de cenas de um filme,
206
como o fizeram os
204
HOLLIS, Richard. Design gráfico: uma história concisa, p.128.
205
HOLLIS, Richard. Design gráfico: uma história concisa, p.9.
206
HOLLIS, Richard. Design gráfico: uma história concisa, p.48.
163
irmãos Vladimir e Giorgi Stenberg no pôster do filme O homem
com uma câmara, de Vertov.
Já na Alemanha, o dadaísmo e o expressionismo
sobressaíram nos impressos da época do pós-guerra. Tanto nos
pôsteres, quanto em livros e jornais, técnicas do expressionismo
foram aplicadas caracterizando “ilustração agressiva, violentos
contra
mais os
artista
stes”, combinando com “letras desenhadas livremente ou com tipos
pesados, desenhados originalmente para anúncios publicitários” gerando
alguns dos pôsteres de filmes mais fantásticos e importantes. Um dos grandes
artistas desse período foi Jan Tschichold, que publicou o livro Elementare
Typographie sobre a nova tipografia, no qual elaborou dez princípios
básicos; ele criou um cartaz para o filme A depravação do homem (Laster
der Menschheit), no qual ele “não apenas anuncia o filme e a estrela, mas
também revela a natureza geral do filme com uma imagem ampliada e
projetada”.
207
A Biblioteca Nacional da Alemanha e a Cinemateca Alemã
208
reuniram cartazes até o ano de 1945 em seu acervo cinematográfico de
cerca de quatro mil cartazes. Para mantê-los e disponibilizá-los, primeiro
foram identificados, arquivados, fotografados e digitalizados, podendo eles
agora ser acessados em ambas as instituições. Entre eles encontram-se os
cartazes de filmes como Madame Dubarry (1919), de Ernst Lubitsch; O último
homem (1924), de Friedrich Murnau; Os Niebelungos (1923-1925) e Espiões
(1928), de Fritz Lang.
Na Tchecoslováquia e na Hungria houve grande tradição gráfica,
com movimentos importantes entre as décadas de 1920 e 1940, mas devido
à falta de concorrência comercial, os eventos culturais inspiravam
s. Já a Polônia desenvolveu um estilo gráfico próprio, celebrizando-se
por seus pôsteres de filmes. Alguns de seus grandes artistas, como Jan Lenica
e Mieczylay Berman, chegavam a produzir 200 pôsteres de filmes por ano,
FIG. 69 – A
depravação do
homem, pôster,
1927.
207
HOLLIS, Richard. Design gráfico: uma história concisa, p.51, 54, 55.
208
“Cartazes do cinema alemão terão exposição no MIS de Curitiba”, In: Folha Online,
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u28627.shtml, ativo em 7 de novembro de
2002.
164
patrocinados pela agência de publicação estatal Wydawnictwo
Artystyczno-Graficzne (WAG).
209
Na década de 1960, o design expandiu para a TV e o vídeo e, na
década de 1970, passou a ser parte fundamental do mundo dos negócios,
sendo usado principalmente para criar uma “imagem” reconhecível. Hoje os
cartaz
e 8 x 10
poleg
es são aplicados nas versões: advanceds ou teasers, internacionais e
“raras”. Segundo Almeida,
210
os advanceds, lançados antes da estréia, são
sucintos na mensagem vendendo mais o clima do filme, criando curiosidade
pelo mistério e novidade e fortalecendo seu atrativo através de adesivos.
Eles têm as primeiras imagens, a data da estréia, o logotipo do filme. Para
alguns filmes são lançados 3 ou 4 versões desses teasers, iniciando a
educação do olhar do espectador enquanto os oficiais finalizam sua
identificação. Os cartazes oficiais, com várias versões diferentes para criar a
ilusão de um novo filme em cartaz, são colocados quando o filme entra em
exibição, substituindo os advanceds. Com o advento dos boxes luminosos,
em 1985, um crescente número de cartazes modernos foram produzidos: os
chamados doble, impressos em ambos os lados, onde a imagem espelhada
da imagem em seu verso realça as cores e elementos na presença da luz;
além de cartazes com imagens de efeito holográfico e de reflexo.
211
Quando são destinados aos diversos países, os cartazes são adaptados à
língua e aspectos culturais de seu destino, através de traduções muitas vezes
engraçadas e diferentes, mantendo os elementos originais criados para o
filme, tornando-se também muito desejados como item de coleção.
Hollywood fortaleceu sua máquina de publicidade incluindo marcas
de seus fotógrafos através das imagens vinculadas nos chamados stills, que
nada mais é que fotos brilhantes em p&b, medindo aproximadament
adas.
209
Cf. HOLLIS, Richard. Design gráfico: uma história concisa.
ual no cinema: a padronização
tml?cart=10862631791917958.
210
TEIXEIRA DE ALMEIDA, Claudia Terezinha. A identidade vis
visual e alguns aspectos do marketing promocional, p.47.
211
Formatos de cinema. http://www.nostalgia.com/index.h
165
Os stills
212
têm sido um dos produtos básicos desde o início dos filmes
produzidos em grande quantidade até os anos 1950, sobretudo retratando
as est
os anos 19 iar seu
própri departamento de stills antes de contratar fotógrafos
de fo
relas e a equipe no set de filmagem. Essas imagens são guardadas na
memória do espectador: King Kong no topo do Empire State; Marlyn Monroe
sobre a ventilação do bueiro com seu vestido branco esvoaçando. As fotos
das estrelas atuando são tiradas atualmente na filmagem através de truques
publicitários e / ou elaboração de efeitos num processo próprio de produção
através de luzes e câmeras controlados no monitor. São de extremo interesse
como arquivo de produção e curiosidade para colecionadores e amantes
de cinema em geral. Um desses stills recentes é o da produção de A lista de
Schindler (1993), da Universal, com o protagonista e o diretor Steven
Spielberg:
N 20, a MGM foi o primeiro estúdio a cr
o
ra. De 1925 a 1929, seu principal fotógrafo era uma
mulher, Ruth Harriet Louise, sendo considerada uma das
melhores entre os fotógrafos de Hollywood; ela tinha o dom de
retratar o lado feminino das grandes atrizes como Garbo,
Crawford, Norma Sheater e outras. Outro grande profissional
do estúdio nessa área foi Clarence Sinclair Bull, que se tornou o
fotógrafo mais exclusivo das estrelas depois de Louise.
FIG. 71 – Greta Garbo.
FIG. 70 Foto na gravão do filme A lista de
Shi ndle r.
212
MARTINGALE & COMPANY. Collector’s compass: movie collectibles, p.97.
166
Conhecido como “o homem que disparou em Garbo” (trocadilho com o
verbo to shot, fotografar e disparar), Bull acumulou mais de 200 negativos da
estrela de 1929 até 1941. Mas foram as fotos originas dos estúdios da Universal
de seus filmes de horror dos anos 1930, no estilo dos trabalhos clássicos do
Expressionismo alemão, que são os mais valorizados.
Todos os estúdios tinham seu sistema para
identificar seus stills, normalmente através de símbolos
no ca
va letras
tificar os
cesso de
litogra
de
nto inferior da foto; imprimiam também o título
do filme em alguns dos stills originais. No caso da
MGM, o estúdio usou, no filme The Bride wore Red
(1937) o número “997” para indicar o filme, a letra “X”
para o fotografo Clarence Sinclair Bull e o núme
especificando a própria foto. A Warner Bros. utiliza
chaves dos títulos dos filmes como a foto do filme The Charge of
the Light Brigade (1936) representando Errol Flynn num cavalo de
batalha como “LB” seguida pelo número da foto “542” e a letra
“A” de ação. Esse sistema da Warner foi mudado nos anos 1940
para serem utilizados números para os títulos dos filmes. A
Universal também utilizou um sistema de números, representado n
filme The Old Dark House (1932), com o número “542” para iden
títulos, e 1-31 representando o número da foto.
ro “111”
a foto do
213
Nos anos 1950, a MGM e alguns outros estúdios começaram a fazer
fotos coloridas, algumas das quais foram produzidas através do pro
fia na Inglaterra com efeitos tecnicolor, para estréias que também
estavam sendo produzidas em cor. Nos anos 1960, quando todos os filmes de
Hollywood já eram filmados coloridos, os stills passaram a ser todos
produzidos em cor, parando a produção em p&b, reutilizada apenas na
atualidade para dar efeito e beleza às fotografias “como antigamente”.
Um grupo específico de stills utilizado na publicidade do filme sob o
termo Key Set, ou seja, "série chave", seleciona uma coleção mestra
FIG. 72 - Detalhe da
foto do cartaz do
filme The Charge o
f
the Light Brigade.
213
MARTINGALE & COMPANY. Collector’s compass: movie collectibles, p.100, 102.
167
image
ra revistas de fãs, jornais e aplicadas em
pôster
tempos da lanterna
mágica
215
placas de vidro (glass slides) pintadas a mão, medindo 3 ¼” x 4”,
eram
ns do filme. Eles são normalmente montados em telas e colocados em
pastas criando coleções chaves (derivada da coleção mestre) para as
pastas com o material de imprensa.
Assim, criados para publicidade ou documentários, transmitindo magia
e mistério, as fotos eram enviadas pa
es, exposições de figurinos, letreiros luminosos, banners. Dependendo
quase exclusivamente desses impressos e dos jornais para divulgar seus
lançamentos cinematográficos, especialmente antes desses serem
divulgados em trailers e propagandas na televisão, os stills acabaram por
criar alguns dos objetos mais ambicionados pelos colecionadores.
214
Publicadas em vários formatos nos últimos anos, tornaram-se o principal
atrativo de livros, cartazes, postais, álbuns, revistas, cardápios.
Placas de vidro (glass slides) e cromos (slides)
Antes do advento do cinema, ainda nos
utilizadas em shows de vaudeville solicitando
ao espectador atentar para comportamentos
educados nas salas como, por exemplo, não cuspir
no chão, retirar o chapéu. Além desses anúncios, as
placas de vidro foram usadas como meios de
propaganda dos produtos no mercado. Com o
advento do cinema, as placas de vidro
FIG. 73 – Hula, 1927.
214
MARTINGALE & COMPANY. Collector’s compass: movie collectibles, p.97.
215
O principio da lanterna mágica, apesar de haver algumas variantes quando foi utilizado
desde o século XVII, consiste “numa caixa ótica de madeira, folha de ferro, cobre ou cartão,
de forma cúbica, cilíndrica ou esférica, que projeta sobre uma tela branca (tecido, parede
caiada ou mesmo couro branco no século XVIII), numa sala escurecida, imagens pintadas
sobre uma placa de vidro”. Todos os assuntos foram abordados, de cenas grotescas a
políticas: “A imagem é fixa ou animada, pois a placa comporta um sistema mecânico que
permite dar movimento ao assunto representado. Basta introduzir a placa de cabeça para
baixo no passa-vistas e na frente do foco luminoso de uma vela ou uma lâmpada a
petróleo, para que as imagens multicoloridas sejam projetadas. Cf. MANNONI, Laurent. A
grande arte da luz e da sombra: arqueologia do cinema. P.58.
168
continuaram sendo exibidas antes da apresentação dos filmes - anunciando
futuras atrações - e durante a troca dos rolos. Os cromos (slides), evolução
das placas de vidro, foram usados nos cinemas até por volta dos anos 1950,
e caracterizavam-se por um espaço branco no fundo para o projecionista
preencher as datas dos espetáculos a serem apresentados; seu estilo gráfico
variava do Neoclássico ao Art Nouveau e Art Déco com imagens que
aparentavam vidro colorido.
216
Como no caso das películas, a emulsão do cromo torna-o
extrem
outros produtos, as placas de vidro e os cromos tornaram-se
irresist
amente frágil e altamente susceptível à deterioração. Por essa razão,
muitos foram descartados depois do uso e os que foram guardados por
colecionadores são às vezes os únicos “artefatos” sobreviventes de algumas
produções cinematográficas; assim, mesmo um pouco danificados, se
mantêm a imagem, esses cromos continuam altamente valorizados como,
por exemplo, os de The devil’s passkey, (Universal, 1919), com Erich Von
Stroheim; os de Metropolis, (UFA / Paramount, 1926), de Fritz Lang; ou os do
drama romântico e picante Hula (Paramount, 1927), temporariamente
retirado das telas depois da adoção do Motion Picture Production Code em
1930, que se esforçou em banir – ou limitar – a indecência e a imoralidade
nos filmes.
Como
íveis para colecionadores principalmente após o advento das novas
tecnologias. Os mais procurados são principalmente aqueles da era
silenciosa e os dos filmes de horror, ficção científica e fantasia - os mais caros
e interessantes na coleção.
216
MARTINGALE & COMPANY. Collector’s compass: movie collectibles, p.46.
169
FIG. 74
Metropoli
s
, 1926.
FIG. 75 – The midnight flyer, Universal.
Antigamente, todos esses materiais gráficos envolvidos no lançamento
de um filme eram organizados pelos estúdios numa pasta contendo imagens
e informações com o intuito de auxiliar os dirigentes dos cinemas nas
campanhas publicitárias do filme. Por volta dos anos 1930, os estúdios
aumentaram o volume dessas pastas, passando a trabalhar com grandes
formatos de publicações, acabando por formatar um livreto impresso do
filme, chamado de livro de campanha para o exibidor (exhibitor campaign
book), ou livro de circulação (book bally).
217
O livro de campanha é dividido
em três partes, indicando o processo
de venda dos filmes para o público
através de passos seguros que o
exibidor deve seguir: a seção de
publicidade, uma campanha manual
para expositores com anúncios de
amostra que consiste em estórias
preparadas das estrelas e contexto do
filme, destinado aos locais de
impressão, sendo apresentadas
ilustrações de cenas com seus
FIG. 76 -
Capa do
Livro de
Campanha
do filme
China
Se as.
217
MARTINGALE & COMPANY. Collector’s compass: movie collectibles, p.84.
170
respectivos números para serem pedidos nas trocas do estúdio; a seção de
publicações, com campanhas de propaganda destinadas aos jornais com
boletins de imprensa de amostra e imagens de cartazes contendo
identificações variadas dos estilos de pôsteres produzidos como variações de
tamanhos para o filme, além de identificações por escrito, utilizando códigos
para os diferentes tamanhos dos impressos, designados como estilo A, B, ou
outras características; e a seção de exploração, com idéias de promoção
sugerindo truques e contextos publicitários para atrair o público ao cinema,
como colocar outdoors com as estrelas do filme. Criando uma referência
inestimável para uma série de materiais disponíveis sobre o filme, como
brindes a serem oferecidos em lugares como programas de rádio e TV, stills,
amostra de anúncios, o livreto hoje permite verificar a data de um impresso,
as versões raras e a variação de estilos e dimensões dos cartazes. Alguns
deles foram especialmente
elaborados como, por exemplo, os da
MGM, trazendo ilustrações coloridas
dos pôsteres, tamanhos reduzidos dos
window cards e até um impresso de
outdoor disponível para o exibidor até
a troca do estúdio. Há também o rico
livreto impresso do filme China Seas
(1935), estrelado por Clark Gable e
Jean Harlow e produzido pela MGM,
contendo 34 páginas e medindo 14” x
20”; e para o filme Pinto Rustlers (1936).
Esses livretos continuaram a ser produzidos ainda com grande força
até os anos 1940 e impressos em grande quantidade em p&b até o final dos
anos 1950, quando veio a TV e os impressos diminuíram drasticamente. Um
dos únicos estúdios que mantiveram a publicação desses livretos foi a Disney,
para seus desenhos animados, criando folhetos sempre bem elaborados.
Como item de coleção, os livretos também são difíceis de serem
encontrados, pois eram jogados fora quando o filme acabava seu período
FIG. 77 –
Capa de
trás do
Livro de
Campanha
para o filme
China Seas.
171
no cinema; alguns desses folhetos tornaram-se peças raras e valiosas, como
os de Drácula (Universal, 1931) leiloado em 1998 por U$ 3.910,00; ou de The
Wizard of Oz (MGM, 1939), leiloado em 1996 por U$ 2.875.
Kit Impresso
O Kit de Imprensa (Press Kit) é uma pasta recheada
de informações enviada aos críticos de entretenimento e
revisores de filme, contendo stills, sinopse do filme, créditos
oficiais, biografias dos principais atores e membros de
equipe, incluindo freqüentemente imagens dos cartazes, às
vezes impressos em cor. A maioria dos stills dos anos 1970-
1980 são em p&b, mas quando algumas mídias
começaram a utilizar a cor, alguns estúdios anexaram
cromos de 35 mm coloridos nos kits. Hoje os kits incluem
imagens em CD-ROMS e DVDs, como os de O resgate do
soldado Ryan (Saving Private Ryan, 1998), de Steven Spielberg; e A floresta
de esmeralda (The Emerald Forest, 1985), baseado num fato ocorrido em
1972, quando um americano saiu em busca de seu filho seqüestrado por
índios na floresta Amazônica.
FIG. 78
Kit Impresso
The Emerald Forest.
Os anos áureos dos pôsteres e impressos, sobretudo com fotos de
estrelas, datam dos anos 1920-1930 durando até os anos 1950, quando a
divulgação dos filmes passou a ser vinculada pela TV. A queda de
popularidade dos impressos coincide com a decadência dos grandes
estúdios de Hollywood e dos palácios do cinema, fenômenos geralmente
associados à popularização da TV. Mesmo sendo duas mídias de
comunicação diferentes, ambas sofreram queda: o espectador recebia as
imagens todas em casa, no caso do cinema, e deixou de pagar ingresso
para ir ver os filmes; conseqüentemente, os impressos deixaram de ser
percebidos nas grandes salas ou nas vias públicas. O espectador passou a
receber todas as informações, com maior rapidez, pela TV. Com o
progressivo desaparecimento dos impressos, seu significado para o
172
espectador mudou, e eles passaram a ser de grande interesse para o
colecionador, especialmente os dos períodos anteriores às novas técnicas
de impressão quando a produção gráfica estava a cargo de determinados
artistas e designers.
Brinquedos e bonecos
Tais como os impressos, brinquedos e bonecos tornaram-se um dos
produtos mais colecionados e populares em todo o mundo, atingindo não só
as crianças, como também os adultos, principalmente por serem produtos
mais distribuídos e divulgados, podendo ser encontrados em vários países
mais facilmente que os impressos.
O brinquedo de cinema simula um tipo de representação ligada à
situação vivida pelo personagem no filme; em estado de boneco, esse
personagem pode ser “manipulado” pelo seu possuidor, e não apenas como
jeito de “brincar”, mas também como uma forma de serem inseridos e
mantidos na coleção. Os brinquedos, mais especificamente os bonecos, são
caros e não é qualquer um que pode comprá-los, ou seja, eles estão acima
dos desejos do simples espectador, alcançando a categoria de objeto de
coleção. Muitos desses produtos originais atingem preços elevadíssimos,
sobretudo os mais antigos. Existem associações de colecionadores de
brinquedos; uma delas encontra-se nos EUA, o Machanical Banck Collectors
of América - uma das maiores.
Até a Segunda Guerra Mundial, os brinquedos eram feitos de forma
artesanal, como os ursos de pelúcia, recheados com madeira nobre,
estrutura de vidro e cobertura final de fios de paina e seda; uma das fábricas
mais famosas era a empresa alemã Steiff, criada em 1893. Com a
descoberta do plástico e a invenção da televisão, os rumos da indústria dos
brinquedos mudaram, levando monstros de ficção científica e terror, robôs,
modelos inspirados no cinema e desenhos da TV, armas e carros eletrônicos
serem produzidos aos milhões, substituindo aqueles feitos de madeira,
173
porcelana, lata e pano. Segundo uma reportagem de Sheila Grecco,
218
especialistas acreditam que essa troca criou uma linguagem de brinquedos
descartáveis que têm e terá pouco valor de mercado no futuro. Contudo,
não creio que isso possa ocorrer, pois ao mesmo tempo em que houve essa
troca, os brinquedos foram divididos entre os descartáveis, para “brincar”, e
os que são feitos com mais detalhes e adquiridos por colecionadores que os
mantêm preservados na coleção.
O material, os detalhes, o tamanho, a época, sua estranheza e figurino
são características essenciais para atrair o colecionador. Quanto mais
próximos na aparência dos personagens que eles representam, mais
valorosos costumam ser. Geralmente, os brinquedos feitos de metal
carregam uma sensação de indestrutíveis, chamando mais atenção,
principalmente se capazes de fazer algum movimento diferenciado
associado às suas ações no filme. Os brinquedos de borracha, ou de
materiais próprios hoje utilizados pela indústria que possibilitam uma
proximidade maior à aparência dos personagens, também fascinam o
colecionador, e enquanto os de plástico são mais descartáveis. O tamanho
dos brinquedos é outro atrativo para o colecionador, produzindo-lhe
diferentes sensações ao tocá-los. Os bonecos, com seus tamanhos
diferenciados, normalmente variam de importância: as miniaturas permitem
ao colecionar pegá-las, tocá-las, dominá-las; as de tamanho natural
representam a presença viva do personagem; os gigantes, mais difíceis de
achar, perde um pouco seu valor de coleção, mas ainda criam
deslumbramento.
Alexandra David, diretora comercial da Licensing Consultants,
219
diz
que a criação do produto, a partir dos personagens de um filme ou de uma
animação, deve manter as características dos mesmos, para que o público
os aceite e os queira possuir. Para isso, tem-se de seguir um guia de estilo,
218
GRECCO, Sheila. “1trem + 1 boneca = 2,2 milhões de reais”, In: VEJA, 27 de março de
2002, p.73.
219
Empresa que lida com licenciamentos “adeptos” da associação de imagens
reconhecidas pelos consumidores às marcas. Cf.
http://www.briefing.iol.pt/brf_news_01.asp?artigo=4764, ativo em novembro de 2002.
174
respeitar as cores e determinadas indicações impostas pelos estúdios. Tudo
aquilo que diz respeito aos bonecos dos personagens tem de ser submetido
à apreciação dos designers do filme ou de seus representantes.
Os bonecos Mickeys originais, fabricados no começo do século XX,
tiveram donos vitalícios. Estreado em 1939, The Wizard of Oz teve seus
primeiros itens produzidos através de mercadorias licenciadas como
bonecos Dorothy, Leão Covarde, Homem de Palha. A Marvel conseguiu
manter as características de seus personagens em seus bonecos; com a
tradição de criar super-heróis de quadrinhos, projetou-os nos bonecos bem
caracterizados, que foram levados para o cinema, e daí novamente
reconvertidos em novos bonecos. Esses produtos de memorabilia foram
produzidos em muitos países durante os anos 1940-1960, proliferando nos
anos 1970, com reprises na TV, relançamentos em cinema, vídeo. Nessa
década, fazendo parceria com a Gulliver, os bonecos Marvel eram rígidos
ou de vinil macio, sem articulação, pintados ou não, e vendidos em grande
quantidade a preços baratos. Hoje, suas coleções baseadas tanto nos
quadrinhos quanto nos desenhos da TV ou nos filmes para o cinema,
bonecos como Magneto, Groxo, Demolidor, Hulk, são produzidos medindo 7
polegadas, feitos pela ToyBiz com material e pintura impecáveis e melhor
mobilidade; algumas figuras chegam a ter quase 40 pontos de articulação –
antes, uma figura com 14 pontos era considerada bem articulada.
Segundo Marcelo Cypriano,
220
certas figuras
femininas de determinadas coleções chegam a valer
sete vezes mais que as masculinas nas cotações dos
colecionadores. Será, provavelmente, o caso da
personagem Elektra, quando fizerem um filme só seu,
devido ao sucesso que a personagem obteve no filme
do Demolidor. Alguns bonecos custam naturalmente
mais que outros: o personagem Austin Powers com 9
FIG. 79 – Brinquedo ED 209 do
filme Ro bo cop.
220
CYPRIANO, Marcelo. “Gulliver lança bonecos de ação com os heróis da Marvel no Brasil,
e a coleção já chega a 20 personagens”,
In: http://www.universohq.com/cinema/index.cfm
175
cm era vendido, em 1998, por US$ 6, enquanto uma boneca de 1940 de
Judy Garland vestida com suas roupas de Strike up the Band atingia US$
1.000; Senhor “Cabeça de Batata”, do filme Toy Story, era mais barato que o
ED-209 do filme Robocop, que custava US$ 150.
Há outros brinquedos, como jogos de tabuleiro, inseridos no grupo dos
produtos mais fornecidos, que trabalham com a temática dos filmes,
associando personagens e cenários. É a partir do filme em que se baseia sua
temática que o preço do produto vai variar, de acordo com a importância
ou trivialidade, levando-se em conta a época da produção, ou seja, quanto
mais antigo, provavelmente mais caro será. Já os quebra-cabeças, que são
representações de pôsteres, não costumam ser tão caros.
Outras Coleções
Dos produtos licenciados criaram-se cópias de
baixa qualidade que também vêm sendo
colecionados. Eles têm ganhado muito espaço no
mercado, adquiridos principalmente pelo colecionador
“médio”. Produtos Kitsch,
221
eles atraem o popular com
sua baixa qualidade e preço, criando colecionadores
pelas suas características desagradáveis, por serem
ruins, mas por isso mesmo muito atrativos e interessantes,
sendo encontrados em toda parte. Entre esses “artigos
de novidade”, há os dedais comemorativos de costura
de James Dean, criados em 1985 por uma companhia
americana que colocou sua imagem num objeto que não tinha nada a ver
com o artista, e uma bola de neve contendo James Dean em cima de seu
Porshe Spyder, no qual morreu em desastre. Outro artista extremamente
utilizado para esse tipo de produto é Marilyn Monroe, retratada em seu
FIG. 80 King Kong.
221
MARTINGALE & COMPANY. Collector’s compass: movie collectibles, p.17.
176
famoso vestido branco ou mesmo nua, em todo tipo de coisa - desde copos
de bebidas até calendários e blocos de notas.
Os brindes que acompanham a promoção dos filmes também são
objetos de coleção. E há coleções de papéis originalmente criados para
serem usados e descartados,
222
mas abundantes no campo de memorabilia,
como espécies de souvenires que mesmo não alcançando valor muito alto
se comparado aos grandes cartazes, chegam a custar caro para o tipo de
material. São incluídos nesta categoria programas de eventos relacionados
a filmes como os das cerimônias da Academy Awards, vendidos a US$ 50, e
os primeiros programas de filmes, normalmente adquiridos por aquele preço;
revistas de filmes, como a Photoplay e Screen Book e uma revista espanhola
com Lucille Ball ou Raquel Welch podem atingir US$ 90; elas têm maior saída
quando na capa há uma grande estrela; mapas para casas de estrelas,
calendários, letra de música, cartões de troca, livros cômicos, anúncios para
filmes, autógrafos e objetos usados pelas estrelas, papéis de bonecas e
outros itens com imagens de estrelas vendem sempre. Algumas exceções
nessas categorias chegam a valer boa quantia, como é o caso do
calendário de Marilyn Monroe nua de 1955, vendido por US$ 50, enquanto
um atual não chega a US$ 20; ou a série de cartão de tabaco europeu com
estrelas dos anos 1930, vendida por US$ 175; ou o programa do filme Citizen
Kane (RKO, 1941), contendo 40 páginas, uma lembrança da tempestade
que envolveu a estréia da obra-prima de Orson Welles, vendido a US$ 1.610
num leilão de 1999. Normalmente, a maioria desses produtos é encontrada
apenas nos EUA.
A utilização e a exploração da imagem de estrelas iniciaram-se nos
anos 1910,
223
com Mary Pickford e Charles Chaplin, através de fotógrafos
contratados pelos estúdios para introduzir seus novos artistas e assim
promover seus filmes. Chegou-se a fazer um álbum de fotos de documentos
das viagens de um grupo dos comediantes do mudo, incluindo Oliver Hardy,
entre 1916 e 1920, hoje nos estúdios de Jacksonville, Florida. Nos EUA, a
222
MARTINGALE & COMPANY. Collector’s compass: movie collectibles, p.80.
223
MARTINGALE & COMPANY. Collector’s compass: movie collectibles, p.19.
177
atividade é chamada de negociação de celebridades mortas e uma das
maiores agências do mundo que representa esses negócios e detém os
direitos de licenciamento é a CMG Worldwide. Representando e
comercializando os direitos de imagem de estrelas mortas, como Marilyn
Monroe, James Dean, Lana Turner, Bette Davis, Ingrid Bergman, Tyrone
Power, Montgomery Clift, Sir Laurence Olivier, Rock Hudson, David Niven,
Jean Harlow e Ginger Rogers, os evolvidos na área usam uma expressão mais
branda, segundo Roger Richman,
224
presidente da Roger Richman Agency,
do que “celebridades mortas”: dizem lendas históricas ou lendas de
Hollywood.
Quando uma estrela desaparece muitas vezes aumenta o consumo
dos artigos ligados ao seu nome, e com os anos podem aumentar ainda
mais, segundo Richman, que acrescenta: “Certas celebridades, como
Marilyn Monroe e Elvis Presley, têm feito mais dinheiro depois de mortas do
que quando estavam vivas”. Os filmes de estrelas normalmente geram
produtos colecionáveis, como as roupas de Funny Girl usadas por Barbara
Streisand. Um dos maiores sucessos do cinema, ... E o vento levou, lançou o
culto de Clark Gable, servido por centenas de colecionadores e seus
produtos colecionáveis que incluíam jóias e luminárias.
Os requisitos - objetos usados nos filmes - são em geral únicos e de
grande valor na coleção, quando disponibilizados para o público. Roupas,
equipamentos e objetos originais utilizados em filmes, como também
bonecos criados para referência em animações, ou estudo para filmes
sofisticados, como Star Wars, são únicos e de valor inestimável. Mantidos
pelos estúdios, eles são o alvo de colecionadores. Um deles chegou a
comprar, em Nova York, uma roupa do Batman, avaliada em US$ 150 mil,
225
roubada do estúdio junto com mais três roupas do Homem Aranha,
avaliadas em US$ 50 mil cada uma. Um dos ladrões já havia trabalhado na
Warner Bros. (as roupas foram logo recuperadas).
224
Entrevistado de Marcelo Rezende para a Folha através de e-mail, de Los Angeles. Site
http://www2.uol.com.br/menuinterativo/oqueedvd9.htm
225
“Capturados ladrões de figurinos de Batman e Homem Aranha”, In: GloboNews.com, 13
de setembro de 2002.
178
Peças preciosas são também os roteiros originais dos filmes clássicos,
sobretudo quando assinados: o roteiro de Stagecoach (United Artists, 1939),
assinado pelo diretor John Ford e pelo produtor Walter Wanger, foi vendido
por US$ 6.900 num leilão em 1999, acompanhado de uma carta de John
LeRoy Johnson, diretor de publicidade, para Ernest Haycox, autor da estória
Stage to Lordsburg, na qual o filme foi baseado.
DVD
O DVD é o mais novo produto dotado de conteúdo e forma em
proximidade com a película, trazendo a ilusão de tornar um filme eterno e
acessível ao colecionador comum (aquele que não tem acesso a cópias em
película do filme). Antes do DVD, a indústria lançou a fita VHS como primeiro
meio para possibilitar àquele colecionador possuir o filme (ou de poder ter a
sensação de possuí-lo). Como descreve Jean Paul Fargier,o vídeo não é
uma forma de ser da realidade, é mil maneiras das imagens estarem em
outro lugar”.
226
Mas o vídeo não era um objeto elaborado e apto para uma
boa coleção, tal como foram, mais tarde, os laserdiscs, que vinham em
caixa especiais, mas que tiveram breve passagem no mercado, pelo alto
custo do produto. Já os DVDs são muito mais que “mil maneiras” de
transportar a imagem para outros lugares...
Em 1982, foi lançado, pela Sony, o CD para reprodução digital de
áudio. Em meados da década de 1980, começando um projeto conjunto
entre a Philips Electronics e a Sony Corporation, o CD foi adaptado para a
indústria da informática através do CD-ROM.
227
Assim, em 1995, foi lançado
226
FARGIER, Jean Paul, citado em PARENTE, André (Org). Imagem-máquina: a era das
tecnologias do virtual, p.231.
227
O CD-ROM, abreviação de Compact Disc – Read Only Memory, nasceu como um
subproduto da decisão da Philips e da Sony de utilizar discos compactos digitais para
gravação e reprodução de áudio (CD-DA) culminando num vídeodisco ou disco
compacto. No início, o CD-ROM foi colocado no mercado como sistema periférico de
grande potencial de armazenamento de dados, podendo servir de memória auxiliar do
computador e softcopy (imagem virtual que tem como “suporte” o disco ou a memória de
um computador no qual a imagem não se confunde com o suporte físico) como base de
179
no mercado o DVD - Digital Video Disc
228
(Disco de Vídeo Digital), através de
um projeto conjunto entre Toshiba, Sony, Pioneer, Philips e Panasonic com os
grandes estúdios de Hollywood, liderado pela Warner Bros. A MPAA – Motion
Pictures Association of America, entidade que reúne os grandes estúdios de
Hollywood, encarregou-se de criar o sistema Parental Guide, para orientar os
pais sobre a faixa etária recomendada para se assistir aos filmes, colocando
um símbolo facilmente reconhecido em todas as embalagens de DVD,
principalmente as dos grandes estúdios. Cada vez mais a autoração dos
DVDs é executada em conjunto entre diretores de cinema e produtores da
mídia, planejado com antecedência e buscando mais fontes para seu
conteúdo, com o intuito de criar material especial para o lançamento dos
filmes de forma “definitiva”. Mídias como vídeo, áudio, legenda, tela gráfica,
imagem e animação gráfica, inseridas no DVD, são tratadas, codificadas e
integradas através de programação visual para gerar o pré-master, utilizado
para replicar os discos de DVD, utilizando o Macrovision para proteger
analogicamente os direitos de copyright dos proprietários dos filmes,
tentando inibir a pirataria.
Com capacidade de armazenamento de informação mais alargado,
o DVD satisfez o colecionador que, querendo mais e não contente apenas
com o filme, pode contar com materiais extra que incluem cenas eliminadas
na edição para cinema; nove ângulos diferentes de uma mesma cena, se o
diretor do filme incluir esse recurso; qualidade de áudio e imagem muito
superior às fitas de vídeo; total controle do menu; opção de tela Widescreen
ou Letterbox, formatos em que o filme é mostrado com barras pretas abaixo
e acima da imagem, em tela retangular; permissão para saltar para
qualquer parte do filme, colocar trilhas sonoras variadas, visualizar quadro a
quadro, ou congelar a imagem com alta qualidade de resolução; conexão
direta com a Internet. Com essas várias possibilidades, o DVD permite ao
colecionador estudar o filme minuciosamente, observando a construção das
dados e softwares. Cf. Glossário, in: PARENTE, André (Org). Imagem-máquina: a era das
tecnologias do virtual, p. 281.
228
VIEIRA, Oceano. “Tudo o que você gostaria de saber sobre DVD – Disco de Vídeo Digital”,
In:
http://www2.uol.com.br/menuinterativo/oqueedvd9.htm
180
cenas, seus erros, todos os seus detalhes - algo extremamente interessante e
prazeroso para ele.
Ainda que hoje essa mídia pareça estar caminhando para a
obsolescência, já que existem agora pequenos discos que comportam mais
informações o DVD transformou-se, de simples mídia, em objeto de coleção,
atraindo o colecionador com seu conteúdo, sua embalagem, suas
peculiaridades, como caixas e latas de luxo, suas dobraduras, suas capas
especiais em alto relevo prateadas, seus encartes cheios de informações
exclusivas. Acima de tudo, o DVD contém a obra de culto do colecionador
em ótima qualidade visual, com extras enriquecedores. Passou a ser especial
e não uma simples cópia do filme, sobretudo quando restaurados (tornando
então a imagem mais apurada que as das cópias do filme em circulação) e
embalados em latas e caixas produzidas especialmente para ele, instigando
a sensação de segurança, exclusividade e beleza, fundamentais para o
colecionador da imagem em movimento.
Segundo Wanda de Andrade, “passado o fascínio tecnológico,
Hollywood está descobrindo que o DVD prolonga a vida útil de um filme.
Diretores e produtores agora concebem argumentos e roteiros de olho em
seus desdobramentos nessa nova mídia, rentável e cheia de características
próprias”.
229
Ela ainda comenta que Rod Burnett, produtor dos DVDs de Os
suspeitos
e O Senhor dos Anéis, considera que um produtor de DVDs deve ser
ao mesmo tempo diretor, arquivista, designer e marqueteiro. Assim, cada vez
mais, distribuidoras programam lançamentos simultâneos em VHS e DVD, e
esse lidera os lançamentos em qualquer outro veículo (TV a Cabo, PPV,
VOD).
Hoje, podemos encontrar DVDs voltados para colecionadores, com
interfaces, encartes e capas sedutoras, caixas contendo várias coletâneas
de filmes, sobretudo os antigos. Na década de 1950, quando surgiu a
televisão, os estúdios descobriram o valor de seus velhos filmes, revendendo-
os para essa mídia; com o VHS, foram relançados em massa; agora, com o
229
ANDRADE, Wanda. Um balanço dos 5 anos de DVD nos Estados Unidos”, In:
http://www2.uol.com.br/menuinterativo/oqueedvd9.htm, ativo em 5 de setembro de 2002.
181
DVD, esses relançamentos são bem tratados como nunca. A Fox Vídeo
lançou, por exemplo, uma coleção de duas caixas com doze filmes de
Marilyn Monroe; a trilogia de Indiana Jones voltou em cópias restauradas e
remasterizadas com um quarto disco só de extras; as obras de Charles
Chaplin foram restauradas especialmente para seu lançamento em DVD,
em esforço liderado por sua filha
Geraldine. Inúmeras outras coletâneas de
estúdios e produtoras diversas recuperaram grandes filmes, e mesmo esses
têm chegado ao Brasil com surpreendente rapidez, provando a existência
de um mercado mundial de colecionadores ávidos: da caixa (em forma de
sarcófago) Monster Collection de monstros clássicos da Universal às caixas
do Expressionismo Alemão, de Eisenstein, de Kurosawa e das “obras
completas” de Tarkovsky lançadas pela Continental; das coleções Visconti,
De Sica, Pasolini, Fellini, Antonioni, Rosselini, Bergman e Buñuel, trazidas pela
Versátil, às preciosas caixas de metal das animações Disney, reproduzidas
aqui pela companhia; dos clássicos franceses – Clair, Vigo, Renoir, Duvivier,
Clouzot – da Magnus Opus, à divertida caixa em forma de lata de bolachas
para os Looney Toones oferecida pela Warner Bros.
Estratégias de marketing
Hoje a indústria utiliza estratégias de marketing, planejamento de mídia
e recursos financeiros para o lançamento de um filme como “saga de
sucesso”,
230
envolvendo novos materiais como adesivos, banners, displays,
sacos de pipocas, cartões de promoção, além dos DVDs. Essas estratégias
de marketing começam antes mesmo do lançamento do filme: 1) Um ano
antes: são criados os produtos licenciados - bonecos, discos, cadernos,
revistas; 2) 10 meses antes: pôsteres, banners e displays são colocados em
pontos estratégicos; 3) 6 meses antes: trailers começam a ser exibidos; 4) 2
meses antes: um lote com os principais produtos chega ao mercado, em
230
YURI, Débora; OLIVEIRA, Roberto de. “A saga do sucesso”, In: Folha de S. Paulo, 6 de
janeiro de 2002, p.6, apud. TEIXEIRA DE ALMEIDA, Claudia Terezinha. A identidade visual no
cinema: a padronização visual e alguns aspectos do marketing promocional, p.28.
182
geral brinquedos e confecções; 5) 20 dias antes: nova linha de produtos -
doces, chicletes, álbuns de figurinhas e material escolar - é lançada; 6)15
dias antes: comerciais de TV, anúncios em jornais e outdoors divulgam o
filme; 7) primeira semana: o filme entra em cartaz no maior número possível
de salas de cinema; 8) primeiras semanas após a estréia: são organizados
eventos em shoppings, promoções nos cinemas e as vitrines das lojas se
enchem de produtos licenciados; 9) Meses depois de o filme sair de cartaz:
lançamento em vídeo e DVDs. Esse tempo depende do sucesso obtido nas
bilheterias.
Os filmes normalmente são exibidos com exclusividade por 4 a 6 meses
nos cinemas e, em seguida, chegam às locadoras; só então à TV por
assinatura, durando em média entre 8 e 12 meses após a exibição no
cinema para entrarem na programação. Somente depois de um ano da
estréia na TV paga eles entram na programação da TV aberta. Essa é uma
regra da indústria cinematográfica.
231
À medida que o tempo de cada um desses produtos comercializados
na promoção de um filme passa, e outros produtos tomam seu lugar, eles se
tornam cada vez mais difíceis de serem achados, tornando-se “antigos” e,
conseqüentemente, de grande interesse para o colecionador, enquanto o
simples espectador desinteressado não percebe a sutileza. É um processo de
certa forma inverso: enquanto estão sendo lançados e comercializados, o
espectador é quem se interessa por esses objetos de consumo; quando esse
tempo passa, a situação se inverte. Porém, o tempo de comercialização de
determinados produtos também será o do colecionador. Muitas vezes,
quando um desses produtos cinematográficos é colecionado, passa a ser
qualificado como possuidor de características “especiais” e valorizado,
tornando-se então mais interessante para o espectador que não conseguiu
perceber que ele era digno de ser guardado.
A dificuldade de alguns países em receberem produtos
comercializados apenas no exterior, como glass slides, encontrados,
231
Revista MONET: a sua revista da NET. Junho 2003 número 3, página 84.
183
sobretudo, nos EUA e os cartazes estrangeiros diferentes, como os originais
americanos reproduzidos no Brasil sem qualquer alteração, torna esses
produtos muito valorizados, pois a dificuldade na aquisição dos objetos
somada à falta de conhecimento de outros colecionadores sobre a
existência dessas características incita o desejo no iniciado em possuir tais
objetos raros.
Normalmente, esses produtos são adquiridos em eventos e exibições
(os melhores lugares para ir e achar o produto), voltadas simplesmente para
o negócio e venda destes objetos de memorabilia de cinema para
colecionadores novatos e veteranos, como os colecionadores de Hollywood
& Show de Celebridades. Leilões online apresentam diversos produtos de
filmes de sucesso, como os de James Bond: baralho de plástico “Tomorrow
Never Dies”; pistola de anel dos anos 1960 na embalagem original; uma
revista de 1964 de James Bond 007; emblemas do agente secreto; sua
carteira de identidade secreta; um silenciador; a arma; o coldre; jogos de
tabuleiro de Golden Eye; uma coleção de 9 latas de cerveja Heineken de
James Bond; cartões de figuras e DVDs.
A mídia de massa e a Internet ampliaram o grupo de colecionadores,
permitindo divulgar e valorizar os produtos, especialmente os pôsteres.
Durante muito tempo os grupos de colecionadores eram bem fechados;
todos se conheciam pelos nomes, fazendo transações através de telefones,
exibições e leilões. A Internet alargou o campo, tornando vantajosa a
compra online, dando acesso às melhores coleções existentes, abrangendo
mais produtos a serem exibidos e dando oportunidades iguais de compra e
venda. Por tudo isso, ela tem sido um meio muito utilizado para lances em
leilões e procura de objetos para coleção. Os negócios via computador são,
contudo, mais arriscados, no que diz respeito à qualidade do produto
adquirido a distância; é preciso muito cuidado na exibição do mesmo
online, as fotos dos objetos podem ser tratadas em programas de
computador ou serem reproduções ruins e escuras. Isso leva à exigência de
detalhes, várias fotos do produto e garantias sobre o produto a ser adquirido.
184
A procura pelos itens desejados dá-se através de palavras chaves,
como nomes de celebridades, dos filmes, da estrela, do diretor, do gênero
predileto. A Internet transformou-se num imenso banco de dados e numa
imensa sala para colecionadores e negociantes, que disponibilizam seus
produtos a toda hora para venda e compra através de transações online
em sites especializados de leilões, como a ebay com uma lista de mais que
60.000 itens relacionados. Para se negociar em sites de leilões os internautas
fazem um registro diferenciado como comprador e outro como vendedor
para que possa participar de ambos as atividades com total segurança.
Normalmente, o prazo para esses leilões fecharem suas ofertas vai de 5 a 10
dias, quando, ao se arrematar um produto, uma série de medidas são
tomadas. O site responsável pelo leilão avisará tanto o comprador quanto o
vendedor que o lance foi fechado, enquanto que este também receberá o
endereço eletrônico do comprador. O vendedor em seguida enviará um e-
mail explicando as opções de pagamento.
Muitas pessoas envolvidas na coleção de
memorabilia de filmes criam suas páginas pessoais
na Web, sites de fã de um determinado filme ou
estrela, ou acompanham atentamente os sites
oficiais dos estúdios ou das estrelas, nos quais são
disponibilizadas listas de discussões sobre cinema;
material para colecionadores, com trocas de
comentários e experiências novas sobre os filmes.
FIG. 81 – Cartaz de O mágico de Oz.
Em 1990 cerca de 647 itens de filmes para coleção foram levados a
leilão numa casa especializada em Los Angeles. No ano seguinte, uma
publicação, Enterteniment Weekly, revelou que, nos anos 1980, muitos
pôsteres de filmes haviam aumentado seu valor em cerca de 500% ou até
mais. O cartaz de The Wizard of Oz (MGM, 1939) no formato lobby card
exerce contínua fascinação para colecionadores; o cartão de cena da
imagem de Citizen Kane (RKO, 1941) apresentando Welles como Kane
entregando seu discurso governamental à frente da foto gigante é
altamente valorizado; e se o cartaz de Star Wars de 1978 foi vendido por
185
US$1.265 dólares em 1999, o de Episódio Um custa
apenas US$ 5; os cartazes 1-sheet para os filmes da
Disney, cheios de cores, como os clássicos em
Technicolor, entre os quais os do filme The Klondike
Kid (United Artists, 1932), chegaram a atingir o preço
de US$ 57.500 em 1995 num leilão na Christie.
Segundo alguns colecionadores, o mercado
de pôsteres ainda é jovem e está em crescimento;
mas para alguns especialistas os colecionadores
inflacionaram esse mercado.
232
Quando um
colecionador sai à caça, precisa estar preparado
para saber qualificar e comprar os objetos da
coleção. Nesse meio de memorabilia de cinema há
diversas publicações que permitem ao colecionador manter-se por dentro
das informações, recebendo dicas importantes, como descrições de filmes e
fotos em p&b. Nunca se deve comprar algo de um negociante sem ter uma
garantia escrita de autenticidade; deve-se comprar regularmente do
mesmo negociante para se ter acesso de primeira mão de produtos
“recentes” no mercado; deve-se exigir na embalagem o nome do
negociante com endereço, descrição da peça comprada, incluindo idade
aproximada e condição do produto; observar se o objeto está em bom
estado e funcionando, pois perdem seu valor caso estejam danificados,
tirando os raros, que são exceção. Quando algum item é reparado, como
brinquedos ou projetores; ou restaurados, como películas e impressos,
ganham novamente espaço no mercado e na coleção, mas perdem um
pouco seu valor diante daquele original que está em bom estado, em suas
embalagens originais, com todas as suas informações descritas. Essas
características são fundamentais para o colecionador ter ciência se um
produto é original ou não, ou se têm valor ou não, como, por exemplo, os
impressos, os pôsteres brilhantes de um período em que as impressões eram
FIG. 82 Cartazes de filmes de Wal
t
Disney.
232
SUROWIEC, Catherine A. The Lumière project: the European Film Archives at the
crossroads, p.219.
186
foscas, a ausência de logos dos estúdios, tipos de dobras e outras
informações que indicarão sua falsidade. Normalmente, é importante para o
colecionador saber a data ou o período em que foi produzido o produto.
Muitos cartazes foram criados contendo o ano, em números romanos
ou arábicos, muitas vezes colocados em dois dígitos, barra, e outro número,
por exemplo: 51/245. O primeiro número indica o ano, 1951, e o segundo
indica o número do estúdio ou a designação do impressor para o filme, ou
seja, aquele é o 245º filme estreado em 1951. Além disso, se há um R após os
números isso indicará que é uma reedição e que ele não é um original.
233
ainda os pôsteres que não são datados, mas que levam os nomes dos filmes
que estrearam na companhia ou o nome do litógrafo, permitindo saber ao
certo de que época é o pôster.
Como muitos cartazes antigos foram destruídos ou se
degradaram, os que foram salvos tornaram-se de grande
valor, existindo às vezes apenas uma cópia de seu exemplar,
como aqueles impressos durante a Segunda Guerra Mundial,
que sobreviveram à destruição das batalhas e tornaram-se
raros. Os cartazes dos filmes de monstros clássicos da
Universal também estão entre os mais disputados, como os
de Dracula (1931), com apenas dois exemplares; os de The
Mummy (1932), no formato de 1-sheet, ilustrado por Karoly
Groz, vendido por quase meio milhão de dólares num leilão em 1997; o
pôster original de Frankenstein (1931), com apenas 4 ou 5 exemplares
conhecidos; o de sua continuação The bride of Frankenstein (1935), este
exemplar único e de valor incalculável; o cartaz three-sheet de King Kong
(RKO, 1933) no estilo B, com apenas quatro cópias, sendo uma delas vendida
por US$ 70.700 num leilão em 1998; o cartaz no formato six-sheet do filme Lost
Horion (Columbia, 1937) ilustrado por James Montgomery Flagg, designer de
um dos cartazes mais famosos do mundo, o do “Tio Sam” de 1917, com o
FIG. 83 Cartaz
produzido por James
Montgomery Flagg.
233
MARTINGALE & COMPANY. Collector’s compass: movie collectibles, p.71.
187
slogan “Eu quero você para o exército dos EUA. Aliste-se agora”,
234
do qual
se conhece apenas uma cópia:
FIG. 84 Cartaz do filme A
mia, 1932.
FIG. 85 – Cartaz do filme
King Kong, 1933.
Nesse tipo de material é observada a condição para serem
colecionados, a partir de características específicas: raridade; popularidade
do filme ou da estrela; danos como: buracos de tachinhas, rasgos, pedaços
faltando; marcas de fitas; e manchas - tolerados apenas quando o impresso
é bem raro, mesmo se já foi restaurado ou está intacto. Além disso, são
levadas em consideração: a embalagem original (envelope em papel craft
para coleções completas de lobby cards ou stills dos anos 1920 até o
começo dos anos 1970, que são hoje muito raros e aumentam o valor da
coleção); a procedência do item; a originalidade, que no caso dos
impressos leva a marca original do estúdio, ou o nome do litógrafo impresso
diretamente no pôster; a qualidade da imagem; e o renome do artista que o
desenhou.
São estabelecidas classificações, através de um glossário,
235
para
indicar graus de condição física do impresso:
234
Cf MARTINGALE & COMPANY. Collector’s compass: movie collectible, p.54.
188
Condição A: Excelente. Como novo. Sem desbotamento. Se montado
ou enquadrado, só restauração secundária nas margens ou área de fundo.
Se desmontado, nenhum defeito visível. Avaliação muito rara.
Condição A(-): Como novo. Desgaste leve de armazenamento. Essa
quase é a avaliação mais alta.
Condição B: De muito bom a bom. Imperfeições secundárias.
Restauração mais significativa permitida. Defeitos leves nas margens ou área
de fundo se não enquadrado.
Condição B(-) ou C(+): Pode ter separação nas pontas do canto.
Condição C: Problemas mais sérios. Separações nas dobras, grandes
restaurações, manchas, desbotamento, buracos.
Quando “tragédias” acontecem ou mesmo
quando um colecionador chega a adquirir um impresso
danificado, o caminho é a restauração, para deixá-lo
em boas condições e manter o seu valor de mercado
na coleção. Um caso curioso aconteceu com um
colecionador que comprou um pôster do Popeye de
1940 enviando-o pelo correio à sua casa. Durante o
transporte, um container de óleo caiu sobre os
envelopes do correio, manchando sua aquisição. O
colecionador tentou restaurá-lo, mas ainda assim se
viam as manchas no cartaz. O cartaz único do filme
Spellbound, (RKO, 1945), de Alfred Hitchcock, foi
restaurado com papel e linho atrás, e papel completando as bordas, sendo
hoje bem valorizado.
FIG. 86 Cartaz do filme
Spellbound, de Alfred
Hitchcock.
O colecionador Jorge Kuraiem, mencionado em capítulo anterior,
soube dessas qualificações, cuidados e valorações em seguidas viagens ao
exterior para participar de encontros e festivais, ocasiões aproveitadas para
coleta de autógrafos de estrelas sobre stills e cartazes, para valorizar ainda
mais esses materiais. A falta de conhecimento do colecionador havia
235
http://www.nostalgia.com/index.html?cart=10862631791917958
189
prejudicado muitos materiais gráficos de sua coleção, entre eles raridades
como pôsteres originais de Shane, quase todos os pôsteres dos filmes de
Fellini, além de outros pôsteres preciosos, mantidos dobrados pela falta de
espaço para guardá-los adequadamente; a moldura colocada em um de
seus exemplares, ele o descobriu mais tarde, fez com esse perdesse valor de
mercado na colação. Os mais delicados são os mais prejudicados, como os
cartazes franceses dos anos 1940, impressos em papel de litografia que ele
classifica como “vagabundíssimo”, pois rasgam nas dobras facilmente,
levando Kuraiem a restaurá-los; sua condição financeira permite-lhe
recuperar apenas 10 pôsteres por ano. Com isso, percebeu que só no Brasil
os pôsteres não são visados no mercado da coleção. Segundo a Revista ICP,
o Brasil sempre esteve à margem do colecionismo mundial quando se
tratava de temas como: Antiguidades Gráficas, Posters, Cards, Fotos, Séries
de Cinema ou TV, Seriados e muitos outros itens... (Mas isto está mudando).
Como uma evolução normal do colecionismo, vem crescendo, no Brasil, por
força de uma tendência, o número de colecionadores, fãs e entusiastas de
antigos seriados”.
236
A indústria cinematográfica tenta satisfazer o amante do cinema
através do plano das coleções, unindo a satisfação estética e a intelectual,
criando objeto de fantasia que dão margem às mais diversas coleções -
algumas criadas para serem descartadas, outras para serem “eternas”. Os
colecionadores que guardaram os primeiros impressos registraram o
nascimento da arte gráfica. As coleções estão em constante mutação: com
novas reedições dos mesmos produtos, e novos produtos lançados, a
indústria cinematográfica cria novos formatos, e novas combinações.
À medida que a técnica revoluciona a produção e o mercado, os
filmes e seus derivados nas técnicas antigas tornam-se raros, interessantes e
desejáveis para os colecionadores – produtos que não mais interessam aos
consumidores de temporada. Os produtos cinematográficos “fecham” um
círculo desde a origem do cinema com o primeiro produto “técnico” - a
236
Matéria Series e Seriados de 8 AGOSTO 2002,
http://www.ipcolecionismo.com.br/revista.php
190
película a ser colecionada -, até o DVD, que consegue, finalmente, “frisar” a
imagem em movimento num objeto concreto, palpável, capaz de satisfazer
o cinéfilo, esse colecionador de sonhos. Da película à memorabilia gerada
pelos filmes, todo o material cinematográfico continua a produzir
permanente fascínio sobre o público, como naquela magia exercida pelo
filme no dia em que foi pela primeira vez projetado. Os produtos
cinematográficos tornaram-se a própria projeção da narrativa, dos
personagens, da fantasia - saltando para fora da tela para a realidade do
dia a dia.
191
CAPÍTULO 7
Protótipos de um imaginário colecionável
Tal como as produções de monstros nas décadas de 1920-1930,
baseadas no Expressionismo alemão, a Trilogia do caos, composta de três
animações - A flor do caos, Selenita acusa! e Dr. Cretinus retorna... gerou, ao
longo de sua produção dentro do projeto Animação Expressionista,
coordenado por Luiz Nazario, uma série de produtos, de pesquisas
acadêmicas a cópias em diversos formatos, de cartazes e postais a site e
CD-ROM, além de integrar diversos catálogos e bancos de dados nacionais
e internacionais.
Diversas dissertações foram desenvolvidas dentro do projeto Animação
Expressionista e apresentadas ao Mestrado em Artes Visuais: Da Gênesis ao
Caos: o universo Warner de animação (2001), de Alessandro Ferreira Costa;
Sombras projetadas (2001), de Cássia Macieira; Relações Mútuas entre Artes
Plásticas e Cinema (2001), de Maria da Conceição Pereira Bicalho; Método e
escritura da montagem: Reflexões sobre tecnologia, cultura e pensamento
(2003), de Cláudio Luiz de Oliveira; Memória audiovisual da sociedade
informatizada: arquivos físicos e digitais (2003), de Alexandre Martins Soares;
Mídias digitais: interfaces, hibridismos e metáforas (2003), de Fernando
Rabelo; 3D: cinema e animação em fusão (2003), de Maria Aparecida Faria,
encontrando-se em fase de defesa: A imagem cinematográfica como
objeto colecionável: o colecionador na era digital (2004), de Soraia Nunes
Nogueira; A luz no cinema (2004), de André Reis Martins; A arquitetura no
cinema (2004), de Juliana Weinberg; e A animação alegórica (2004), de
Luciana Fagundes Braga. Prevê-se a defesa, em 2005, das duas últimas
dissertações dentro do projeto que se encerrará naquele ano: A morte na
animação (2005), de Sérgio Vilaça; e Design cinematográfico (2005), de
192
Cláudia Jussan.
237
Além disso, visitando o projeto a pesquisadora Maristela
Salione Arartes defendeu a dissertação As interfaces entre as animações
digitais A flor do caos e Selenita acusa! e o cinema expressionista (2003), no
Mestrado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.
Uma equipe de animadores, técnicos e desenhistas da Escola de Belas
Artes aprofundou-se no estudo do estilo, das formas, da técnica, dos
personagens, objetos e cenários expressionistas, compondo aos poucos o
universo característico da Trilogia do caos, que obteve as mais diversas
respostas do público. Participando do projeto desde seu início, utilizei esse
universo como referência para reunir, a partir da narrativa fílmica,
características propícias ao colecionismo, como objeto de reflexão e de
prática, aplicando o conhecimento dos produtos que derivam de uma
produção cinematográfica, na produção de alguns protótipos de objetos
colecionáveis.
Tudo começou com o estudo do Expressionismo, passando ao
desenvolvimento dos personagens, desenho de objetos e cenários, base
para toda a história e, conseqüentemente, para a aplicação em futuros
produtos, utilizando o clima sombrio representado quase sempre pelo preto e
branco, e as formas tortuosas e pontiagudas, típicas da estética
expressionista. Definidos os elementos característicos do filme e da equipe,
Cláudia Jussan e Fernando Rabelo desenvolveram os desenhos, com o
intuito de manter a unidade de traço na animação de recortes e na
aplicação das animações 3D. Coube principalmente a Cláudia Jussan o
design cinematográfico da Trilogia, assim como o tratamento das imagens
2D. Cogitando, a princípio, numa animação tradicional e depois, em stop
motion, a Trilogia acabou utilizando uma técnica mista de animação em
recorte e modelagem 2D e 3D: desenhos modelados e animados em 3D;
desenhados recortados e animadas através da técnica de recorte;
desenhos aplicados em modelos 3D e animados em 3D. Assim, como ocorre
237
Pesquisas disponibilizadas na Biblioteca da Escola de Belas Artes da UFMG; maiores
informações sobre o projeto podem ser obtidas no site
www.expressionismo.pro.br
193
nos filmes de Hollywood, mas em caráter independente, experimental e de
“orçamento mínimo”, a Trilogia do caos – graças a dois prêmios, um da
Secretaria Municipal de Cultura para Projeto Experimental; outro da
Associação Curta Minas / CEMIG, para Produção - foi tomando proporções
maiores, reunindo um enorme acervo de imagens e materiais, dando
margem à elaboração de produtos. Além da disponibilização dos filmes em
Betacam, película 35mm, VHS, Mini-DV e DVD, foram produzidos caracteres
gráficos, trilhas sonoras, making ofs, livros, CD-ROM, site, selos, adesivos,
vestuário como blusa e gorro, moedas, bottoms, carimbo, ímãs, maquetes
de cenários, bonecos dos personagens, cartazes, marcadores de livro,
chaveiros, storyboard com imagens desenvolvidas para a criação do filme,
alfabeto disponibilizado em fonte para computador - alguns desses itens
gerados no próprio contexto dos filmes, tornando-se ainda mais interessantes
para um colecionador.
O filme no estilo do cinema mudo, utilizou intertítulos narrativos entre as
cenas, além dos diálogos escritos, e para isso, foi necessário criar uma fonte
característica do estilo expressionista. As fontes
238
são design gráfico
aplicado a um conjunto de número, símbolos e caracteres descrevendo
certo tipo de letra, juntamente como outras qualidades, como tamanho,
espaçamento e densidade. Assim, desenhada a partir de formas tortuosas,
criamos uma fonte inicial com o alfabeto básico, em caixa alta, adaptado
ao design do filme, levando-se em conta a legibilidade, produzindo um tipo
de letra expressionista. Porém, o resultado foi insatisfatório, visto que essa
primeira fonte destoava do estilo desejado, além de ser ilegível – o que é
inaceitável para uma fonte. Outros dois alfabetos foram criados utilizando o
computador além de várias modificações e tentativas, até que, após assistir
238
Fontes são um tipo de letra. Esse tipo corresponde a um conjunto de caracteres com
características em comum, como a espessura de traço e a presença ou ausência de serifas
(linhas nas bordas superior e inferior dos caracteres), usados para serem impressos ou
visualizados na tela do computador, podendo ser usados em negrito, que é a forma mais
escurecida; itálico, na qual as letras são ligeiramente inclinadas para a direita; e
sublinhadas, colocando-se uma linha sob a letra, palavra ou frase. Cada uma dessas
funções é utilizada separada ou conjuntamente, com a função normalmente de destaque,
como é o caso nas em normas bibliográficas. Fonte: Centro de ajuda e suporte Windows XP
Professional. Tópico: Visão geral sobre fontes.
194
mais filmes expressionistas, especialmente O Gabinete do Dr. Caligari, o
alfabeto foi criado com o resultado esperado. A partir disso, junto aos outros
caracteres
239
criados que faltavam, incluindo as letras em caixa baixa, os
números e os pontos, a fonte foi composta. Contudo, à medida que fomos
montando letra por letra, tomamos consciência da inviabilidade desse
processo, pela dificuldade do trabalho que tomava dimensões cada vez
maiores, e pela necessidade de disponibilizar a fonte para a equipe como
fonte para computador, visto que o processo da escrita virtual seria
necessário para o bom andamento da produção; as modificações e
correções ortográficas tornariam-se ágeis e mais fáceis de serem
visualizadas, sem necessitar remover cada caractere, conseqüentemente
cada palavra, conseqüentemente cada frase; por fim, criaria arquivos mais
leves.
240
Foi então que, transformada em True Type
241
para uso em
computador, e depois de muitos testes durante sua utilização, e de mais de
30 versões elaboradas, concluímos a fonte com o nome Expressionista,
contendo 185 caracteres, como o primeiro produto desenvolvido dentro do
projeto.
FIG. 87 Fonte expressionista em caixa alta, caixa baixa, números e alguns símbolos.
239
Entenda-se que cada caractere corresponde a “Qualquer dígito numérico, letra do
alfabeto ou um símbolo especial”. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, p.346.
240
Cada caractere era considerado uma imagem, e como eram muitos para se formarem
as páginas, os arquivos tornavam-se extremamente pesados.
241
Fontes escalonáveis, e algumas vezes geradas como bitmaps, ou fontes de disco,
dependendo dos recursos da impressora do computador cuja extensão é
.ttf.
Independentes de dispositivos são armazenadas como contornos que podem ser
dimensionadas para qualquer altura podendo ser impressas exatamente como aparecem
no monitor do computador. Fonte: Centro de ajuda e suporte Windows XP Professional.
Tópico: Visão geral sobre fontes.
195
Sendo inicialmente o objetivo maior a utilização da fonte nos
intertítulos do filme, contendo num mesmo quadro versões em português e
inglês para superar a barreira da língua e levar o filme a vários países, tal
como os filmes antigos eram feitos - inclusive os dos monstros da Universal - a
fonte mostrou-se cada vez mais necessária na aplicação de créditos,
animações, objetos de cenário e produtos.
Utilizando o preto como cor básica para a aplicação das imagens do
filme e da fonte, cada produto teve sua característica e aplicabilidade
específica a partir da utilização dos personagens principais do filme ou dos
símbolos representativos de cada episódio, criados a partir de sua
característica básica: para A flor do caos, criou-se a borboleta azul que, ao
escapar do laboratório, reproduzindo-se sem parar, libera um pó
enlouquecedor que lança o mundo no caos; para Selenita acusa! foi criado
o bonsai dourado, cuja beleza e fascínio incita as pessoas a comprar bilhões
dele ao redor do mundo, mas cujas folhas liberam um gás entorpecente,
levando o planeta ao sono profundo e ao “esquecimento de si”; por fim,
para Dr. Cretinus retorna..., em fase de produção, criou-se um livro
testamento e uma seringa, elementos que encerram a resposta ao enigma
proposto pela Trilogia.
Na abertura de Selenita acusa!, quando a humanidade aclama Dr.
Cretinus como herói salvador do mundo usando bottoms, cartazes e demais
produtos com a imagem do personagem, para adorá-lo, como a blusa de
um garoto estampada com o slogan “I Dr. Cretinus”, a cena já previa a
possibilidade de um futuro interesse do público por produtos
cinematográficos de coleção. Assim, tal como no filme, usamos esse mesmo
processo e aplicamos nos produtos a imagem dos personagens.
Flor-Borboleta
Bonsai Dourado
FIG. 88 – Ícones dos
filmes da Trilogia do
Caos.
Livr o -Te st a men t o
196
Para a Trilogia foram produzidos oito cartazes medindo 60 x 90cm,
sendo que os três primeiros com o intuito de divulgar o andamento do
projeto em eventos acadêmicos. O primeiro (cartaz 1), em 1998, para sua
apresentação na VIII Semana de Iniciação Científica da UFMG, ainda no
início do projeto, apresentava a fonte criada junto a imagens do storyboard,
informações sobre o Expressionismo e o projeto, reunindo a imagem do Dr.
Cretinus em desenho 2D. Nesse evento, o cartaz chegou a atrair muitos
“espectadores”, despertando a curiosidade dos próprios funcionários da
gráfica que o “plotou”; o segundo (cartaz 2), em 2001, já com a segunda
parte do filme concluída, a personagem Selenita é o destaque para a
apresentação da X Semana de Iniciação Científica da UFMG; o impresso
chamou a atenção e comentários positivos dos dois examinadores; o projeto
foi então avaliado como um dos dez melhores da UFMG. O terceiro impresso
(cartaz 3) foi produzido em 2003, para o evento Ciência, Tecnologia e
Inovação para o Desenvolvimento dentro da II Mostra de Trabalhos
Financiados pela Fapemig; segundo o relato de um dos coordenadores do
evento, quando da retirada do cartaz, o impresso foi o mais comentado e o
que mais atraiu as pessoas. De fato, o cartaz chamou tanto a atenção nesse
evento que a revista da FAPEMIG
242
foi entrevistar o Prof. Luiz Nazario sobre o
projeto. Durante a pesquisa de Mestrado, foram produzidos 5 cartazes
oficiais: um para os produtos (cartaz 4), com a proposta de utilizar os
personagens num corredor de luz marcada no chão, típica do
expressionismo, em direção ao livro, que encerra o enigma da Trilogia; outro
para o projeto em geral (cartaz 5), no qual aparecem os personagens
principais Dr. Cretinus e Selenita, acompanhados dos três elementos de cada
filme – Selenita segurando o bonsai, a borboleta voando e o livro com
seringa nas mãos do Dr. Cretinus; outros três, cada um representando um
episódio: A flor do caos (cartaz 6) com as sombras das borboletas ao fundo
tal como elas se reproduziram e o Dr. Cretinus menor olhando dentro da
redoma de onde sairá a “mãe de todas as borboletas”; para Selenita acusa!
242
MINAS FAZ CIÊNCIA, publicação trimestral da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado
de Minas Gerais – FAPEMIG, nº 17, dezembro de 2003 a fevereiro de 2004, p.16-19.
197
(cartaz 7), a personagem Selenita segurando a foto de Dr. Cretinus, Mr.
Maroto, e a sombra do Homunculus que “nasce” ao fundo; para Dr. Cretinus
retorna... (cartaz 8), Homunculus observa as redomas à sua frente. Impressos
em papel gloss no mesmo local dos dois últimos cartazes, a resposta e o
interesse dos gráficos pelo projeto só aumentaram. Desenhos e modelos
expressionistas, em perspectivas distorcidas, num fundo de cor preta e tons
cinza e branco ampliado criam imagens de impacto em nosso mundo tão
“certinho” e super “colorido”.
198
FIG. 89 Cartaz 1.
199
200
FIG. 90 – Cartaz 2.
201
FIG. 91 – Cartaz 3.
FIG. 92 – Cartaz 4.
202
FIG. 93 – Cartaz 5.
203
FIG. 94 Cartaz 6.
204
FIG. 95 – Cartaz 7.
205
FIG. 96 – Cartaz 8.
206
Os botons foram confeccionados em metal apresentando, sobre
fundo preto, o busto dos quatro personagens principais com seus respectivos
nomes (na fonte Expressionista): Dr. Cretinus, Selenita, Mr. Maroto e
Homunculus, além de um Soldado desconhecido.
FIG. 97 – Botons da Trilogia.
Tal como em Selenita acusa!, quando garotos colocam mensagens na
geladeira para os pais denão se esqueçam do meu bonsai, imaginamos
207
colocar em geladeiras objetos e personagens em miniatura recortados em
suas formas. Como observamos em diversas coleções, com mais detalhes
(como as curvas que acompanhando a imagem as fazem parecer mais
reais) e tamanho reduzido, os elementos tornam-se mais interessantes e
atrativos para o colecionador, que deseja possuir e tocar seus objetos. Os
próprios profissionais responsáveis pela confecção das peças interessaram-se
por elas, ficaram intrigados com as imagens, chegando até, alguns deles, a
querer possuir alguns exemplares. Além disso, à medida que se relatava a
história do filme, o interesse deles parecia crescer a ponto de entrarem no
site ali mesmo, começando a procurar o filme e a pesquisá-lo.
208
FIG. 98 – Ímãs.
209
A blusa, aplicada em transfer reúne também os quatro personagens
enquanto a flor-borboleta escapa pela “gola”.
FIG. 99 - Blusa.
Para outros produtos - chaveiro, selos, adesivos, gorro,
marcador de livros, carimbo e moedas - usamos os três símbolos
que representam a Trilogia do caos. Diferentes apenas em
tamanho, selos e adesivos foram impressos a laser sobre papel
colante. As imagens coloridas destacaram-se realçando e
ganhando atrativo, principalmente nos selos, pelo fato de serem
pequenos e pela possibilidade de destacá-los e colá-los. O selo
remete à idéia de Selenita recebendo cartas de todo o mundo,
com pedidos de bonsais dourados, servindo na prática para
envio, sem valor legal, de kits de imprensa “selados” para a
promoção do filme, tal como o carimbo, reunindo os três
símbolos e carimbando papéis como registros da Trilogia. Os
gorros pretos foram bordados em tom cinza claro, de forma mais
simples e chapada, estampando os três símbolos característicos.
FIG. 100 –
Se los.
FIG. 101 –
Carimbo.
210
FIG. 102 – Gorros.
Os marcadores de livros, utilizando a mesma concepção dolivro de
química básica” descoberto por Selenita ou do “livro testamento” de Dr.
Cretinus, porém aplicados no “livro roteiro” da Trilogia escrita por Luiz Nazario,
utilizamos a lombada para inserir os três símbolos. A idéia é a de colocarmos
o “marcador de livro” em circulação, levando a história da Trilogia do caos
para todos os lugares, de termos em mãos o “livro” através do marcador.
FIG. 103 – Marcador de livro, frente e verso.
211
Finalmente, as moedas. Seus originais foram produzidos em prata,
copiadas em alguns exemplares em material não metálico, mas simulando a
prata uma para cada filme, aplicando os três símbolos. Como no filme o
sucesso do Dr. Cretinus gerou um mercado de produtos paralelos, e em sua
vingança Selenita produziu um bonsai dourado que colocou à venda pela
Internet, o que lhe rendeu milhões, a idéia era criar a moeda do caos, o
“dinheiro” através dessas peças, representando cada uma, um episódio da
Trilogia: cara representando os símbolos; coroa representando as partes 1, 2
e 3, todas elas com a unidade escrita: Trilogia do caos e Animação
expressionista. Como na moeda são colocados “valores”, o valor aqui é
complementar de uma série limitada de três moedas. A partir de uma
tentativa de modelagem frustrada em massinha, pela falta de ferramentas
adequadas, e pelo fato de haver muitas letras pequenas a serem esculpidas,
decidimos pela maior facilidade do trabalho no computador, o que nos
levou a fazer uma “arte final” com os escritos definidos para um carimbo em
silicone e, conseqüentemente, “carimbar” uma moeda em massa para tirar
um molde. Porém, ao chegar no local onde fazem os carimbos, o profissional
da loja, após ouvir a funcionalidade do carimbo, indicou a produção do
clichê. Foi então, fazendo o clichê
243
, que fizemos moldes em silicone e
fundimos os originais e produzimos as outras peças em massinha*.
Os símbolos foram sempre aplicados em três, representando a Trilogia:
três moedas, três gorros, três genes. A idéia é instigante para o colecionador,
que estará à procura da composição três para completar o conjunto, a
“coleção”.
FIG. 104 – Moeda A Flor do Caos, Selenita Acusa! e Dr. Cretinus retorna....
243
Placa gravada fotomecanicamente em relevo sobre metal, usualmente zinco, a traço ou
a meio-tom, para impressão de imagens e textos por meio de prensa tipográfica. A partir da
arte final em preto e branco sem degrades, as partes em preto ficam em alto relevo
enquanto o branco, em baixo relevo. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, p.417.
212
Além desses produtos foram produzidos objetos de cena e
personagens, a partir da concepção do desenho cinematográfica do filme,
criado por Cláudia Jussan, adaptado para a realidade tridimensional. Cada
boneco acompanha alguns itens do cenário que mais os caracteriza: Dr.
Cretinus segura uma redoma em miniatura contendo a flor, representando o
momento em que ele faz a experiência no primeiro filme; Selenita em frente
à mesa com o livro de química básica em que ela descobre o que está
causando tanta loucura no planeta; Mr. Maroto com sua pasta e o contrato
assinado com Selenita para a comercialização em massa do bonsai
dourado; Homunculus chorando dentro da banheira quando Selenita o
coloca ali e utiliza suas lágrimas para criar o bonsai dourado; o soldado com
sua arma, responsável pela destruição das borboletas; e três bichinhos
miniaturizados por Homunculus - elefante, girafa, zebra. Estes são os
personagens do filme:
Selenita e Dr. Cretinus
213
Mr. Maroto e Homunculus na banheira de lágrimas
Soldado exterminando as borboletas do caos.
Bichinhos
FIG. 105 – Personagens.
214
Foram criados objetos de cena: o Livro de química básica, impresso
em folha porosa e costurado tal como um livro de verdade; o jornal “A Nova
Era”, assinado por Selenita, curiosa sobre as últimas novidades da Genética,
e que lhe traz notícias do sucesso de Dr. Cretinus, impresso em papel jornal;
mesa da biblioteca sobre a qual Selenita coloca o livro para descobrir a
causa do mal que se abate sobre o mundo; quatro redomas cuja
concepção de produto baseia-se no começo da Trilogia, quando Dr.
Cretinus as utiliza em suas experiências para criar a flor-borboleta; a cadeira
usada pelos personagens na biblioteca; a foto forjada por Selenita como
falsa prova de acusação no tribunal da ONU, em papel fotográfico; e a
banheira dentro da qual Selenita coloca Homunculus quando ele começa a
chorar sem parar.
Livro de
Química
si ca
215
Jornais
Caixa livro, chaveiro, jornal, selo, carimbo.
216
Mesa
Cadeira
Foto tirada por Selenita
Contrato assinado
entre Selenita e Mr.
Maroto.
FIG. 106 – Objetos de cenário.
Esses objetos usados pelos personagens viraram produtos aplicados,
procurando ao máximo manter suas características presentes nos filmes. Para
isso, foi pesquisado material variado como o caso das produções das
redomas e principalmente das moedas, itens difíceis de serem produzidos
numa escala não industrial. Para os vidros das redomas foi solicitada a ajuda
profissional do Professor Celso Pereira Fonseca, da UFMG que ministra aula de
vidros. A partir da explicação do design das redomas desejadas, elas foram
produzidas, com suas formas tortuosas. Todos os objetos e os personagens,
incluindo as bases das redomas, foram esculpidos em isopor, em tamanho
217
pequeno. Os personagens utilizaram também papel Paraná cuja aparência
e composição aproxima-se de um papelão ou lamina mais grossa de
madeira, além de uma estrutura de arame dentro do isopor esculpido para
dar sustentação. A partir desse processo, para obter resistência, os objetos
foram cobertos com papel e cola, na técnica conhecida como papier colé,
à qual se somou massa de papel maché, na qual foram modeladas algumas
partes mais delicadas, pelo fato do isopor não possibilitar detalhes em escala
tão pequena. Após esse processo foi dado para cada personagem um
acabamento diferente: para as roupas do soldado e as luvas do Dr. Cretinus,
por exemplo, foi utilizada tinta Puf para simular borracha; para as partes
metálicas, como a cadeira, as moedas e a carcaça do soldado foram
utilizadas spray metálico; para a louça da banheira foi utilizado esmalte
sintético acetinado; para a pele dos personagens foi utilizado esmalte
sintético fosco; enquanto para as rodinhas da banheira e a cadeira, os
genes das redomas, a flor-borboleta, botões e alguns outros itens foi usada a
massa Fimo, a mesma utilizada em algumas produções de bonecos para
animação em stop-motion.
Além desses produtos decorrentes de nossa pesquisa de mestrado, já
haviam sido produzidos o CD-ROM de Fernando Rabelo, e o DVD criado por
Alessandro Costa, ambos com a concepção estética da Trilogia,
disponibilizando tanto o filme quanto material extra. Também havia sido
criado o site
www.expressionismo.pro.br por Adriana Dias Bicalho, que
sintetizou o universo do caos dando acesso aos interessados no
expressionismo e no projeto: animação, desenhos, imagens dos integrantes
da equipe selecionadas a partir de 400 fotos produzidas em estúdio e
tratadas digitalmente através de um ambiente enegrecido sob formas e
escrita expressionista branca com a flor-borboleta azul voando pela tela.
Este espaço virtual permitiu que pessoas interessadas, curiosos, espectadores
diversos penetrassem no universo da Trilogia do caos durante toda a sua
produção. Alguns interessados, esperando o último filme, procuraram saber
mais sobre a produção, interessados em pesquisar e participar do projeto, ou
218
simplesmente adquirir algum produto relacionado ao filme. Alguns e-mails
enviados ao professor Luiz Nazario:
7/11/2002
Caro Luiz Nazario,
Tive o prazer de assistir à animação coordenada por você, A FLOR DO
CAOS, há poucos minutos na Rede Minas (programa Zoom). Liguei a
televisão antes de sentar na frente do meu computador e por sorte peguei
parte de uma entrevista feita com você e sua equipe. Vi nos letreiros da
animação o endereço do projeto na Internet e entrei quase que
instantaneamente no site. Li sobre o projeto e descobri que um DVD está por
vir. Por isso decidi escrever esta mensagem para perguntar quando
exatamente será o lançamento do mesmo e onde poderei comprá-lo. Sou
formado em publicidade pela PUC Minas, trabalho mais na área de
computação gráfica e adoro ver animações, filmes e tudo o mais produzido
especialmente por pessoas que estão tão próximas. Gostaria de dar os
parabéns pelo trabalho bem feito e dizer que é por causa de iniciativas tão
fundamentais como a sua que me dedico aos estudos para fazer um
mestrado em artes visuais na Faculdade de Belas Artes da UFMG.
Grato pela atenção,
Paulo César Zandona Vieira
8/11/2002
Eu gostaria de saber se é possível adquirir uma cópia da Trilogia do Caos. Eu
assisti na TV Cultura esta semana e achei muito bom, uma produção muito
bem feita, original e, acima de tudo, envolvente. É impressionante como eu
consegui sentir a angústia e a sensação de catástrofe passada pela
animação. Uma sensação de impotência diante do caos... Todavia, ainda
não assisti às partes II e III. Agradeço sua atenção e espero uma resposta.
Atenciosamente,
Guilherme Penteado Serra
São Paulo, SP
219
11/11/2002
Professor Nazario
Assisti ao seu vídeo na TV Cultura e fiquei impressionada com as suas
imagens, fiquei muito interessada em ver outra vez seu vídeo e poder mostrá-
lo aos meus alunos - vejo muita relação com as figuras para teatro de
sombras, por favor, como fazer para obter uma cópia? Agradeço sua
resposta.
Ana Maria Amaral
Professora Titular de Teatro de Animação
CAC/ECA/USP
14/11/2002
Professor Luiz Nazario,
Assisti "caos 3" na TV Cultura e gostei muuuuuuuuito. Parabéns para você e
também para sua equipe! Fiquei impressionado com a direção de arte, ela é
fantástica! Quanta imaginação! "Caos 3" é muito agradável de se ver e
também é aterrorizador. As imagens são sedutoras e ao mesmo tempo tem
algo de assustadora nelas. Acho que "Caos 3" revela com mastria a
atmosfera do universo expressionista.
Parabéns!
Maurício Taveira
12/12/2002
Meu caro Luiz,
O Manuel, editor da Cult, me pede para te transmitir um abraço e elogios
pelo artigo, que ele gostou muito. Queria te dizer também que assisti o
A Flor
do Caos
no Zoom e gostei muito. A estética expressionista é mesmo muito
eficiente para contar histórias sombrias como essa. Além disso, tua iniciativa
é super interessante no aspecto pedagógico, parabéns. Quando sai o
segundo filme da trilogia? Um abraço,
Alexandre
220
30/07/2003
Sr. Nazário,
Parabéns pelo trabalho de sua equipe, de sua produção e coordenação do
projeto expressionista. Muito bem elaborado, e acompanho sempre alguma
atualização de seu site. Sou estudante de História da Univ. Gama Filho - RJ
(6.º período) e um amante da arte expressionista onde ela se manifesta.
Gostaria de saber se o projeto de pesquisa de sua equipe continua e, caso
interesse, se eu poderia participar (sem ônus) com minha parte
historiográfica. Em minha Universidade, neste semestre, trabalhei
Expressionismo em uma disciplina que faço. Foi um pequeno trabalho, mas,
consegui gerar um debate em minha turma. Desde já agradeço sua
atenção e, ansiosamente, aguardo contatos.
Jeferson Carvalho (História - UGF/RJ)
30/07/2003
Olá Nazario,
Meu nome é Fernando, sou webdesigner e gostaria de comprar material
divulgado no site de vocês, portanto solicito informações de como posso
adquirir, por exemplo, o livro: A Arte do Caos, enfim outros e gostaria de
saber também se vocês dão algum tipo de curso?
Agradeço antecipadamente
Fernando
Assim, a produção chamou a atenção de algumas pessoas
interessadas. Um filme pode gerar produtos e, conseqüentemente, virar
coleção. Tratamos a Trilogia do caos, ao longo da pesquisa, como o
resultado das possibilidades da criação de produtos cinematogficos. O
mundo fantástico da animação é muito forte pela liberdade de se criar
movimentos, “realidades” e toda uma vida envolvendo personagens em
cores, formas e tamanhos diversos. Para criar os produtos da Trilogia,
percorremos diversos caminhos: lista de produtos a serem confeccionados;
obstáculos e dúvidas; exploração de ferramentas e materiais pelo método
221
de tentativa e erro; pesquisas em catálogos telefônicos; dicas obtidas junto a
especialistas para chegamos ao resultado desejado, os produtos. As
soluções para os problemas surgidas ao longo da produção levaram-nos a
adquirir mais segurança e experiência, unindo a sétima arte às artes gráficas
e às artes plásticas no universo animado, aplicando no produto os conceitos
do colecionismo, no que resultou numa serie única de itens supostamente
desejáveis na sua totalidade para um colecionador.
O cientista Dr. Cretinus criou uma inocente e sinistra criatura, a Flor-
Borboleta; e Selenita, ao vingar-se do mestre, produziu o imponente Bonsai
Dourado e um Homunculus, que acaba assumindo o controle do
Laboratório, aprisionando sua Criadora e Dr. Cretinus numa redoma; tempos
depois, dentro de sua “torre de marfim”, o cientista, sobrevivendo num
mundo que lhe é estranho, escreve suas memórias num caótico Livro
Testamento. Da mesma forma, a Trilogia espalhou um caos criativo que
possibilitou gerar “criaturas” belas e estranhas, lembranças de imagens em
movimento que deveriam poder ser guardadas em redomas, sonhos que
tivemos e que teimam em desaparecer.
222
CONCLUSÃO
Como vimos ao longo da dissertação o colecionador é um amante fiel
do objeto de seu desejo. Incitado pela carência do objeto, ele percorre o
mundo atrás de um novo item para sua coleção, formada por produtos que
contêm características de certa natureza conectadas entre si. Pesquisando,
buscando e conquistando qualidade mais que quantidade, ele se serve do
colecionismo para criar um universo próprio, como investimento e hobby,
tirando o objeto de seu contexto para obter um diferencial na coleção.
Gerando também conhecimento através da sua coleção, o colecionador
viu-se abrigado pelas instituições, reunindo e disponibilizando seus objetos
para o público, através de organizações, revistas, programas de rádio e TV,
além de um vasto mercado dirigido para a sua paixão. Ao longo da História,
surgem produtos os mais diversos para que os colecionadores possam
ampliar seus interesses, e novas tecnologias, como a TV e o cinema, que
reproduzindo em massa os objetos colecionáveis, multiplicam o número de
colecionadores, até que surge, na pós-modernidade, um novo tipo humano:
o colecionador de imagens em movimento.
O colecionador de imagens em movimento nasce e multiplica-se,
sobretudo, na era digital: se o cinema gerou Henri Langlois e outros
colecionadores de películas e o vídeo produziu inúmeros colecionadores
caseiros, com o DVD e a Internet, os colecionadores de imagens em
movimento formam uma massa sempre crescente, enquanto os produtos
que os fascinam e nos quais procuram a fantasia como uma válvula de
escape, tendem ao infinito. Em sua constante busca por imagens, esse
colecionador é ainda servido dos canais a cabo, com notícias e imagens
recentes, as quais ele adiciona, por gravação caseira, às adquiras em DVD;
mas nem isso basta para satisfazê-lo.
223
Sobretudo Hollywood soube utilizar-se da influência da imagem em
movimento sobre o espectador pelos significados e intenção gerados para
produzir e instigar colecionadores de itens de cinema: seja a simples imagem
fotográfica de cenas do filme, sobretudo quando autografadas por astros e
estrelas gerados pelo star system; sejam os próprios filmes em película ou,
mais tarde, emdeo, LD ou DVD, sejam os objetos relacionados à produção
do filme, sobretudo quando relacionados aos astros e estrelas, de
preferência usados em seus corpos. Mais recentemente, o cinema passou a
produzir filmes para colecionadores de imagens em movimento, ou seja,
filmes programados para gerar, com o seu sucesso, uma infinidade de itens
colecionáveis.
A peculiaridade da coleção cinematográfica é que ela traz o universo
do filme para a realidade, permitindo ao apaixonado colecionar o
fantástico mundo dos personagens com os quais ele se identifica. Essa
possibilidade é restrita para outros gêneros de colecionadores; só os
colecionadores de imagens em movimento têm o privilégio de uma tal
amplitude num mesmo tema a ser colecionado.
A partir da grande explosão de acesso às imagens e de sua posse,
passou a existir também um relacionamento maior entre os estúdios, os
colecionadores e as novas instituições criadas para conservar, preservar e
restaurar a imagem em movimento - as cinematecas - para que o
espectador atual, colecionador em potencial, possa ter acesso a todo o
patrimônio audiovisual da humanidade. As imagens do passado voltam a ter
valor de mercado, os filmes antigos tornam-se novamente mercadorias
rendosas.
São explorados os mais diversos produtos gerados pelo filme de
sucesso: cartazes, DVDs, bonecos, chaveiros, etc. Esses produtos associam-se
ao mundo do cinema como concretização de sua fantasia para os
colecionadores, que chegam a pagar altos preços para esses ícones da
subcultura de massa. A representação mais forte dessa fantasia tornada
física é representada por aqueles filmes que vão ao “extremo” das
possibilidades do imaginário: os filmes de ficção científica e os de horror, que
224
apresentam personagens existentes e aceitos “apenas” nos filmes, como os
monstros da Universal, que se transformaram em ícones da subcultura de
massa.
Embora o fenômeno do colecionismo tenha adquirido grande
importância nos últimos anos em todos o mundo, é notável a falta de
informação sobre suas tradições no Brasil, o que faz com que o acesso, a
divulgação e o conhecimento de muitos produtos cinematográficos,
incluindo o DVD, ainda sejam limitados. A importância do filme enquanto
entretenimento, objeto de conhecimento histórico, de pesquisa acadêmica
em diversas áreas e como objeto de coleção é hoje de grande relevância -
tanto no mundo econômico quanto na formação de nosso imaginário.
Nossa experiência na criação física dos personagens do filme Trilogia
do caos serviu como percepção da aplicação das imagens
cinematográfica em objetos. Procurando trazer o universo do filme para a
realidade, tentamos criar uma série limitada de produtos de interesse
potencial para o colecionador cinematográfico, principalmente aqueles
colecionadores avessos às produções hollywoodianas, apaixonados por
filmes “cult”. Mesmo sendo a Trilogia um filme experimental desprovido de
qualquer apelo comercial, um colecionador de cinema estará propício a
adquirir os bonecos inspirados em seus personagens para sua coleção pelo
grau de valor agregado a objetos “únicos”, fora do mercado dos filmes
comerciais.
No intuito de fazer emergir a curiosidade e a atenção de profissionais e
amadores – dos leigos “cinéfilos” (colecionadores potenciais) aos
colecionadores “profissionais” – para uma produção experimental em
cinema de animação, a pesquisa uniu a teoria do colecionismo à prática da
construção de objetos colecionáveis da Trilogia do caos, tentando trazer
uma contribuição à área de cinema na Escola de Belas Artes, estendendo-se
também aos interessados em artes plásticas e artes gráficas, aproximando-os
do conhecimento dessas pessoas que sofrem profundamente as
conseqüências de um pós-filme, momentos de uma “revelação” que muda
225
sua vida, engajando-se na busca desesperada por imagens, objetos e outros
itens relacionados ao filme assistido, correndo o mundo atrás de seus ícones.
Assim, como resultado da produção independente da Trilogia do caos,
incomparável a qualquer produção hollywoodiana, foi-nos possível criar
protótipos de produtos nos quais foram aplicados os conceitos e as
características do filme, gerando, assim, diversos itens colecionáveis, isto é,
esteticamente atraentes e peculiares. A exemplo dos filmes de horror da
Universal, cujos monstros tornaram-se ícones eternos, nosso marketing do
caos é uma amostra das possibilidades práticas da geração de produtos
passíveis de serem colecionados mesmo quando associados a produções
experimentais e de baixo orçamento, mas feitas com dedicação, carinho e
arte.
226
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setembro de 2004.
FILMOGRAFIA
A Filha de Drácula (The daughter’s Dracula, 1936). Direção: Lambert
Hillyer. EUA, 71 min, p&b.
A múmia (The Mummy, 1932). Direção: Karl Freund. EUA, 72 min, p&b.
A noiva de Frankenstein. (The Bridge of Frankenstein, 1935). Direção:
James Whale. EUA, 75 min, p&b.
A sombra do vampiro (Shadow of Vampire, 2002). Direção: E. Elias
Merhige. EUA, 92 min, cor.
Drácula (Dracula, 1931). Direção: Tod Browning. EUA, 75 min, p&b.
Drácula de Bram Stoker (Bram Stoker’s Dracula, 1999). Direção: Francis
Ford Coppola. EUA, 127 min, cor.
Dracula 2000 (Dracula 2000, 2000). Direção: Wes Craven. EUA, 98 min, cor.
Frankenstein (Frankenstein, 1931). Direção: James Whale. EUA, 70 min,
p&b.
Frankenstein de Mary Shelley (Mary Shelley’s Frankenstein, 1994). Direção:
Kenneth Branagh. EUA, 118 min, cor.
O filho de Frankenstein (Son of Frankenstein, 1939). Direção: Rowland V.
Lee. EUA, 100 min, p&b.
O colecionador (The Collector, 1965). Direção: Willian Wyler, adaptado
do livro O colecionador, de John Fowles. EUA, 114 min, cor.
O lobisomem (The wolf man, 1941). Direção: George Waggner. EUA, 69
min, p&b.
232
O homem invisível (The invisible man, 1933). Direção: James Whale. EUA,
71 min, p&b.
Tiros em Columbine (Bowling for Columbine, EUA, 2002). Direção: Michael
Moore. EUA, 122 min, cor.
Van Helsing, o caçador de vampiros (Van Helsing, 2004). Direção:
Stephen Sommers. EUA, 145 min, cor.
233
ANEXO I
Entrevista realizada com o colecionador de fotos antigas Abelardo de
Carvalho através de e-mail, quarta-feira, 3 de março de 2003, às 03:28h,
para fins da pesquisa de mestrado.
SORAIA NUNES NOGUEIRA: Como o senhor começou a reunir as fotos?
ABELARDO DE CARVALHO: Na década de oitenta uma senhora me deu duas
fotos de crianças mortas. Não soube me dizer o nome delas, mas mesmo
assim as guardei por quase duas décadas. Quando estava pesquisando
fotos antigas para auxiliar-me na finalização de um romance, encontrei
outras fotos de crianças mortas e entendi que, além de me fascinarem,
existia um grande número delas.
SNN: Há quanto tempo estás reunindo fotos?
AC: Há vinte anos, se considerarmos as primeiras. Mais intensamente, há dois
anos.
SNN: O senhor reúne mais objetos relacionados ao tipo de fotos as quais
“coleciona”?
AC: Alguns documentos, tais como cartas, procurações, cadernos de
anotação, e também alguns objetos pessoais.
SNN: O senhor possui “desejo” em adquirir mais fotos? Está sempre nesta
busca?
AC: A coleção de fotos está sendo subdividida. A que trata do vilarejo de
Porto Real do São Francisco, datada entre 1880 a 1930, está praticamente
finalizada. Mas, a coleção dos mortos ainda está em processo. Para esta,
não há nem tempo nem espaço, ou seja, independe de época e
localização.
234
SNN: Qual a sua relação com as fotos? (Qual a importância que o senhor dá
para elas; gosta de exibi-las ou não; como e onde as dispõe).
ACN: Imagino que a minha relação com as fotos é igual a de qualquer outro
colecionador. Além de considerá-las obras de arte, tenho dedicado bom
tempo a catalogá-las. Quanto a exibi-las, isso só ocorreu uma vez, durante
um evento cultural na PUC Minas Arcos. Mas estou preparando uma
exposição maior, se possível, para acompanhar o lançamento de um livro
iconográfico.
SNN: Qual o seu método para escolha, classificação e disposição das fotos?
AC: O método de escolha das fotos passa pela região, pela época, como já
disse (1880 - 1930). E precisam ser originais. A classificação se dá da seguinte
forma: monumentos, patriarcas, casais, crianças, féretros, instituições.
SNN: O senhor tem mais prazer com as imagens ou o objeto contendo a
imagem (a fotografia propriamente dita)? Explique.
AC: Depende. No caso de minha coleção, tem foto que me fascina pela
imagem propriamente dita, pela cena retratada, pela composição, pelos
volumes, pelos arranjos, pelo inusitado da cena. Outras vezes, me fascina o
paspartu, o craquelado, as interferências, as dedicatórias e até mesmo os
danos caudados pelo tempo me fascinam tanto quanto a imagem em si.
SNN: Quais as curiosidades das suas fotos (a história da foto; sua relação com
as pessoas envolvidas).
AC: As curiosidades são muitas. As fotos antigas muitas vezes comprovam
certas lendas: como aquela em que diziam que um sedutor tinha um cacho
de cabelo dourado para conquistar as suas pretendentes. O automóvel que
foi comprado no Rio de janeiro, na década de 20, e chegou à estação
ferroviária sem ninguém imaginar que precisasse de combustível.
235
SNN: O senhor procura conhecer mais sobre o tipo de foto que reúne?
(notícias; conhecer a história da pessoa fotografada; se há mais alguém que
as coleciona).
AC: Procuro sempre identificar no mínimo o nome e a história do
fotografado, o nome do fotógrafo, a data, o local e, se possível, em que
circunstância aquela foto se deu.
SNN: O senhor debate sobre “suas fotos” com outras pessoas? Tens prazer ou
algum tipo de necessidade nisto?
AC: Sempre que possível. Além do prazer, é uma forma de rastreamento, de
alargar os horizontes. Alguém sempre se lembra de ter visto uma foto
interessante em algum lugar. E qualquer pista é valiosa.
SNN: O senhor se considera um colecionador? Explique sua resposta.
AC: No início, não. Mas quando me pego viajando trezentos ou até
quinhentos quilômetros atrás de fotos antigas que se enquadram em meu
acervo, penso que ajo tal qual um colecionador. Quando me pego
invadindo casarões antigos, não pode haver outra explicação, isto é
doença de colecionador. Portanto, me considero, sim, um colecionador.
SNN: O Sr. deseja expor esse material em algum museu?
AC: Não, por enquanto
.
236
ANEXO II
Entrevista realizada com o colecionador e negociante de numismática Irlei
Soares das Neves através de e-mail, terça-feira, 18 de março de 2003, às
17:31h, para fins da pesquisa de mestrado.
SORAIA NUNES NOGUEIRA: O senhor é um colecionador? Se sim, quando e
como começou a colecionar?
IRLEI SOARES DAS NEVES: Sim, sou colecionador. Iniciei na década de 1980,
em torno de 1982. Na época eu estava empregado em um banco e não
estava satisfeito profissionalmente e nem financeiramente. Conhecendo
alguns numismatas e freqüentando os encontros dominicais que aconteciam
em frente ao teatro Francisco Nunes dentro do Parque Municipal (em B.H.),
vislumbrei a possibilidade de entrar no ramo e quem sabe estaria aí a
oportunidade profissional que almejava? Comecei então a adquirir os
conhecimentos sobre numismática e comecei a comprar e vender cédulas
e moedas e posteriormente, senti a necessidade de também ter uma
coleção particular.
SNN: Há quanto tempo está trabalhando nesta área? Como começou?
ISN: Em torno de 22 anos, ou seja, desde 1982. Veja resposta acima.
SNN: Descreva seu trabalho.
ISN: Sempre foi um trabalho árduo que exige vários conhecimentos sobre
numismática, incluindo aí conhecimentos históricos sobre cédulas e moedas
de um país. No ramo comercial exige do comerciante uma estrutura física
como loja, mobiliário, telefone, fax, Internet, empregados e muitos contatos
de relacionamento com outros comerciantes, colecionadores e inúmeras e
constantes viagens de negócios para outras cidades e mesmo para o
exterior, no intuito de intercâmbio, que é fundamental, para conhecer as
novidades que a “atividade comercial” exige e, também, suprir as
237
necessidades dos interessados. Sendo feito com dedicação e muito boa
vontade como devem ser realizados os nossos trabalhos, torna-se numa
atividade prazerosa.
SNN: O senhor sente prazer em colecionar ou sua relação com a coleção
são apenas negócios?
ISN: Sinto enorme satisfação em colecionar e a possibilidade de ir
aprimorando qualitativamente o acervo que possuo, além é claro, de estar
associado à atividade comercial, que para mim é também um desafio.
SNN: Se estes dois aspectos, de colecionador e negociador, são separados,
há algum tipo de interferência entre estes dois campos? (Como, por
exemplo, quando o senhor esta negociando uma peça, o seu lado
colecionador sente desejo de mantê-lo com você). Ou não há diferença
entre os “dois”, um completa o outro? (se sim, em que cada um completa o
outro lado, de colecionador e negociador)
ISN: Há muitas diferenças, mas no meu caso as duas situações caminham e
convivem juntas e ambos são uns desafios e sinto cada vez mais entusiasmo
tanto como colecionador e comerciante. É o seguinte: Se surge uma peça
raríssima e realmente de difícil aquisição de um novo exemplar, eu não a
vendo, ela é minha, agora, se alguém quer pagar-me um bom preço por ela
e se vejo a possibilidade de adquirir outra e se possível melhor, por quê não
vendê-la? Quem está no ramo sabe quase que com certeza quais as peças
poder ser negociadas e quais devem ser mantidas.
SNN: O senhor debate sobre “seus objetos” com outras pessoas? Tem prazer
ou algum tipo de necessidade nisto?
ISN: No meu ramo de negócio é fundamental a troca de notícias e anúncios
para outros comerciantes no intuito de fomentar a arte de “comerciar” e
como hobby, é também de fundamental importância o anúncio da
aquisição de determinada peça que era procurada há muito tempo,
discorrer sobre detalhes da mesma, estado de conservação, variantes da
238
cunhagem (se moedas) ou emissão (se cédulas), bem como outros detalhes
que “envaidecem” o colecionador.
SNN: Quais as curiosidade e excentricidade que o senhor já presenciou de
cliente colecionadores?
ISN: Um colecionador curioso, atento e detalhista, está sempre perseguindo
justamente os mínimos detalhes de uma peça, que a tornam uma peça
“única” para a sua coleção e posse. Parece nunca estar satisfeito. Alguns
colecionadores quando a conseguem, tornam-se zeladores excêntricos, pois
às vezes não a expõem com facilidade e quando o fazem, cercam de
tantos cuidados que acabam afastando o público, ou o pior, os amigos.
SNN: O senhor participa de alguma associação, clube ou grupo? Se sim,
vocês participam ou fazem reuniões, exposições ou algum outro tipo de
evento para se encontrarem e estarem trocando informações ou exibindo os
tipos de objetos que vocês estão em mãos?
ISN: Participo de várias associações, como a Sociedade Numismática
Brasileira, fundada em São Paulo em 1924, a Associação Brasileira de
Numismática, fundada no Rio de Janeiro na década de 1970. Para se ter
uma idéia, em novembro de 2003 foi realizado em São Paulo o I Congresso
Latino-Americano de Numismática. Aqui mesmo em Belo Horizonte fundamos
na década de 1980 a Sociedade Numismática de Minas Gerais, fechada
posteriormente. Os sócios elaboram um calendário anual com a definição
dos eventos previstos, que tanto podem ser reuniões de cunho
administrativo, social, bem como as atividades comerciais que são os “leilões
de cédulas e moedas” e às vezes até de outros objetos colecionáveis. Nos
leilões todos os sócios apresentam suas mercadorias para aquisição pelo
público ou mesmo um outro aficionado que não é associado. Nos leilões
têm-se a oportunidade de conhecer e muitas vezes adquirir aquela peça há
muito procurada e que não era encontrada.
239
SNN: Quais são suas principais fontes de informações, há algum tipo de
revista especializada?
ISN: São várias as fontes de informação desde uma notícia de jornal ou TV
anunciando que o governo lançará uma nova moeda no meio circulante
(mercado) ou uma moeda comemorativa de alguma personalidade ou feito
ou ainda uma nova cédula será emitida como por exemplo para
homenagear os “500 anos do descobrimento do Brasil” constitui fonte de
informação preciosa, pois os colecionadores ficam atentos. As sociedades
legalmente constituídas emitem boletins com as novidades do mercado e os
distribuem para todos os seus sócios. Além disto, existem em vários países no
mundo, notadamente Alemanha e Estados Unidos empresas já centenárias
que editam catálogos relacionando todas as cédulas e moedas de todos os
países do mundo, desde as primeiras, com detalhes preciosismos, como
datas, motivos das emissões, quantidade, estampas das peças, inclusive de
países que já não mais existem, quer sejam porque mudaram de nome,
foram desmembrados, foram incorporados ou mesmo engolidos pelas
guerras. Aqui mesmo no Brasil eu e alguns amigos editamos dois catálogos
intitulados LIVRO DAS MOEDAS DO BRASIL, que já está na 11ª edição (março
de 2004) e o LIVRO DAS CÉDULAS DO BRASIL, 3ª edição de agosto de 2003.
Podemos dizer que são completos em termo de numismática brasileira e são
muito procurados por todos os colecionadores e comerciantes.
SNN: Qual sua relação com os museus em se tratando de negócios?
ISN: Pouco relacionamento, pois os museus não dispõem de verbas
suficientes para a aquisição de uma peça rara que às vezes seria
interessante estar lá.
SNN: Qual o seu método para escolha, classificação e disposição dos
objetos?
ISN: São muitos variados e subjetivos, pois cada colecionador pode ter um
parâmetro diferente de outro e ambos têm valor e qualidade. Prefiro a
classificação por raridade da peça, estado de conservação “flor de cunho”
240
(moedas), “flor de estampa” (cédulas) ou próximo disto. Mas, tudo depende
do conhecimento histórico sobre a peça, o que acaba fazendo a diferença
na sua classificação. As datas e os materiais utilizados na fabricação são
também importantes, como o ouro, prata, cobre, níquel e hoje o aço
inoxidável. Numa exposição as peças podem estar dispostas pela ordem de
data de fabricação, ou pelo material utilizado, pela ordem crescente do
valor facial, dependendo muito do gosto de cada colecionador.
SNN: O senhor tem mais prazer com as imagens ou o objeto contendo a
imagem? Explique.
ISN: Prefiro ter a peça, pegar nela, manuseá-la, pois podemos assim
classificá-la com clareza, ou mesmo observar atentamente os detalhes do
fabrico ou motivos da emissão, enfim, tocar num objeto às vezes precioso é
uma sensação prazerosa, mesmo fantástica. Agora, enquanto não temos a
peça, temos que contentar com a imagem e batalhar para conseguí-la.
SNN: O senhor procura conhecer mais sobre o tipo de moeda que reúne?
(notícias; conhecer a história da figura; se há mais alguém que as
coleciona).
ISN: Neste ramo de negócio ou hobby quanto mais conhecimento, melhor,
pois existem colecionadores e comerciantes não idôneos e o conhecimento
é uma das principais formas de escapulir de uma peça falsificada. Todo o
cuidado é pouco.
SNN: O senhor conhece algum colecionador de cinema (película, cartazes,
e afins)?
ISN: Conheço algumas pessoas interessadas e acho que colecionam esses
artigos e se você precisar posso informá-la posteriormente.
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