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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais
Confederação Católica do Trabalho
:
práticas discursivas e orientação católica para o trabalho em Belo
Horizonte (1919-1930)
Deivison Gonçalves Amaral
Belo Horizonte
2007
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Deivison Gonçalves Amaral
Confederação Católica do Trabalho
:
práticas discursivas e orientação católica para o trabalho em Belo
Horizonte (1919-1930)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Ciências Sociais da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em Ciências Sociais.
Orientadora: Lucília de Almeida Neves
Delgado
Belo Horizonte
2007
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A meus pais, pelo incondicional apoio a todas as decisões que
tomei, acolhendo-as sempre com carinho, incentivo e
compreensão.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas
Gerais FAPEMIG pela bolsa a mim concedida, que possibilitou a conclusão deste
trabalho. Maior é minha dívida com o cidadão contribuinte, que é quem mantém as agências
financiadoras.
Desde o ano de 2003, ainda cursando a graduação em História na PUC Minas, conto
com a preciosa orientação da Prof. Dra. Lucília de Almeida Neves Delgado. Meu
agradecimento a ela não se refere apenas à competência e à atenção do trabalho de orientação
acadêmica. Lucília tem sido mais que uma orientadora. Em todos esses anos vem sendo uma
incentivadora constante, que me apontou caminhos e deu oportunidades. Lucília sempre
demonstrou confiança em minha proposta e em minha capacidade de executá-la. Suas leituras
sempre atentas, observações e incentivo possibilitaram-me seguir em frente com segurança.
Na esperança de ter correspondido à altura, agradeço o carinho e a forma sempre generosa de
compartilhar tão valiosa experiência.
Agradeço, também, ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC
Minas. À Ângela e ao Wilker, da secretaria, que com muita presteza atendiam aos alunos. Aos
professores, sempre exemplos de profissionalismo. Agradeço, ainda, pela oportunidade de ter
participado, durante um ano, do colegiado do programa, como representante discente. Foram
momentos de muito aprendizado sobre um outro lado da profissão que quero seguir.
À Prof. Dra. Magda Maria Bello de Almeida Neves, agradeço não pelas excelentes
aulas de sociologia do trabalho, mas pelas conversas sempre divertidas pelos corredores, na
varanda e em seu gabinete. Agradeço também por compartilhar, de forma tão generosa, sua
experiência profissional e de vida com os alunos.
Aos colegas de turma, que tanto contribuíram para minha formação, agradeço pelos
debates em sala de aula, responsáveis pelo surgimento de questionamentos que, de certo,
alimentarão os próximos anos que pretendo dedicar à vida acadêmica.
A meus amigos, que compreenderam o motivo de minhas ausências nos encontros do
“clã”. Nos momentos em que estivemos juntos, demonstraram sempre interesse e incentivo. A
vocês, meu muito obrigado.
A meu pai e minha mãe, Adão e Maria, dedico esse trabalho. A eles posso
agradecer reproduzindo durante toda minha vida o exemplo de dignidade, respeito e de
família que eles representam. Aos meus irmãos, agradeço pelo apoio e respeito às minhas
escolhas.
Por último, meu mais carinhoso agradecimento: à Bianca, agradeço, é claro, pela
leitura atenta e crítica que fez, contribuindo para o enriquecimento do trabalho. Mas o mais
importante: agradeço pela cumplicidade, companheirismo, compreensão, incentivo, enfim,
por me ajudar superar os momentos mais aflitivos. Agradeço pelo apoio e incentivo
constantes. Pelo carinho com o qual acolheu minhas angústias e por me incentivar sempre a
ousar e a sonhar. Não conseguirei externar meu agradecimento de forma eficaz em uma vida
inteira. A ela, minha gratidão e meu amor.
RESUMO
Esta dissertação analisa a atuação da Confederação Católica do Trabalho junto aos
trabalhadores de Belo Horizonte, entre 1919 e 1930. Para tanto, foram consideradas as
práticas discursivas da entidade, as campanhas empreendidas pela conquista de direitos e
melhores condições de vida e o papel exercido pela entidade como mediadora dos conflitos
entre capital e trabalho e difusora das diretrizes do catolicismo para as vivências no mundo do
trabalho e no cotidiano da cidade. A metodologia da análise do discurso, sobretudo as
proposições de Michel Foucault sobre o discurso, foram nucleares para a análise das fontes.
Nesse sentido, o discurso é considerado uma prática capaz de influenciar uma determinada
realidade social e moldar padrões de comportamento. A hipótese principal acerca do tema
proposto é que a Confederação Católica do Trabalho, por meio de suas práticas discursivas e
de sua práxis junto aos trabalhadores de Belo Horizonte, capturou os corações e mentes dos
trabalhadores da cidade sob a bandeira do catolicismo social, captando os desejos e aspirações
por melhorias nas condições de trabalho e vida. Nesse sentido, contribuiu para que o
catolicismo fosse a ideologia hegemônica entre os trabalhadores da cidade, durante a década
de 1920, garantindo à entidade forte influência no mundo do trabalho. Contrariam-se as
críticas comumente feitas, que atribuem a esse tipo de ação reformista a responsabilidade por
um movimento operário pouco autônomo ou “amarelo”. A penetração do catolicismo social,
em Belo Horizonte, é entendida como uma forma de consciência de classe assumida pelos
trabalhadores da cidade que correspondeu às suas aspirações e auxiliou no atendimento das
reivindicações mais urgentes. O catolicismo teve penetração no mundo do trabalho,
influenciando na forma de encaminhamento de inúmeras campanhas trabalhistas. O que
tentamos demonstrar foi que a estratégia sindical reformista católica atendeu às demandas
mais urgentes dos trabalhadores da cidade, referentes à jornada de oito horas, ao descanso
dominical e a questão das habitações. Mesmo se consideradas as dimensões moral e religiosa
assumidas no encaminhamento das questões, é importante destacar que as campanhas
culminaram em conquistas de direitos e na melhoria das condições de vida dos operários,
além de estimular a organização dos trabalhadores na cidade.
Palavras-chave: Reformismo, discurso católico, práticas discursivas, trabalho e cidade,
catolicismo e trabalho.
ABSTRACT
This dissertation analyzes the performance of the Confederação Católica do Trabalho
next to the workers of Belo Horizonte, between 1919 and 1930. For in such a way, the
discursive practical of the entity, the campaigns undertaken for the conquest of rights and
better conditions of life had been considered as well as the paper exerted for the entity as
mediator of the conflicts between capital and work and diffusing the lines of direction of the
Catholicism for the experiences in the world of the work and the daily life of the city. The
speech analysis methodology, over all the proposals of Michel Foucault on the speech, had
been nuclear for the analysis of the sources. In this direction, the speech is considered one
practical capable to influence one definitive social reality and to mold behavior standards. The
main hypothesis concerning the considered subject is that the Confederação Católica do
Trabalho, by means of its discursive practical and of its praxis next to the workers of Belo
Horizonte, captured the hearts and minds of the city workers under the social Catholicism
flag, catching the desires and aspirations for improvements in the work conditions and life. In
this direction, it contributed to the Catholicism was the hegemonic ideology for the workers of
the city, during the decade of 1920, guaranteeing to the entity a strong influence in the world
of the work. The usually done critical to reformism are opposed. This kind of critical
attributes to this type of reformist action the responsibility for an independent or yellow”
working-class movement. The penetration of the social Catholicism, in Belo Horizonte, is
understood as a form of conscience of class assumed by the city workers that corresponded to
its aspirations and assisted in the attendance of the most urgent claims. The Catholicism had
penetration in the world of the work, influencing in the form of guiding of innumerable
working campaigns. What we try to demonstrate was that the catholic reformist syndical
strategy attended the most urgent demands of the workers of the city, referring to the day of
eight hours, the Sunday rest and the question of the habitations. If considered the assumed
dimensions moral and religious in the guiding of the questions, it is important to detach that
the campaigns had culminated in conquests of rights and improvement of the conditions of
life of the laborers, beyond stimulating the organization of the workers in the city.
Key-words: Reformism, catholic speech, discursive practical, work and city, Catholicism and
work.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 – Associações de classe em Belo Horizonte (1891-1921)...................................... 45
Quadro 2 – Greves Belo Horizonte (1917-1930)................................................................... 47
Figura 1 – Reprodução de O Operário – nº 1......................................................................... 54
Figura 2 – Homenagem a D. Cabral na ocasião de sua chegada a Belo Horizonte................ 58
Figura 3 O Operário homenageia Arthur Bernardes........................................................... 62
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................9
1.1 Procedimentos metodológicos..........................................................................................15
1.1.1 Análise do discurso nas Ciências Sociais.....................................................................18
1.2 Estrutura da dissertação..................................................................................................23
2 CONJUNTURA DE FORMAÇÃO DA CONFEDERAÇÃO CATÓLICA DO
TRABALHO ...........................................................................................................................25
2.1 E a Igreja assume a “questão social”: a Rerum Novarum e a crítica ao liberalismo e
ao socialismo............................................................................................................................26
2.2 O trabalho na Primeira República brasileira: correntes ideológicas e estratégias
sindicais....................................................................................................................................34
2.3 A formação da classe trabalhadora em Belo Horizonte................................................41
2.4 Confederação Católica do Trabalho...............................................................................49
3 PRÁTICAS DISCURSIVAS CATÓLICAS EM BELO HORIZONTE.........................63
3.1 O discurso contra o socialismo e o anarquismo.............................................................64
3.2 O discurso da harmonia entre as classes........................................................................73
3.3 O discurso moralista da Confederação Católica do Trabalho.....................................76
3.4 Catolicismo e trabalho......................................................................................................80
3.5 O alcance do discurso católico.........................................................................................83
4 A LUTA POR DIREITOS..................................................................................................87
4.1 A jornada de trabalho de oito horas e o justo salário ...................................................89
4.2 O descanso dominical.......................................................................................................94
4.3 A questão das habitações operárias em Belo Horizonte .............................................100
4.4 O catolicismo e o atendimento às demandas dos trabalhadores em Belo Horizonte106
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................112
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................117
9
1 INTRODUÇÃO
A Confederação Católica do Trabalho foi uma instituição que atuou junto aos
trabalhadores de Belo Horizonte, a partir de 1919. Sob a bandeira do catolicismo social, a
entidade aglutinou em torno de si a maioria dos sindicatos e associações de trabalhadores da
cidade, durante a década de 1920, e apresentou diretrizes para as vivências cotidianas e do
mundo do trabalho. A entidade tinha uma ligação muito forte com a Igreja que, mais que
fornecer a ideologia que balizava suas ações, ocupava espaços em sua administração. Pela
influência exercida sobre os trabalhadores, a Confederação Católica do Trabalho constituiu
elo entre os empregadores, o poder público e a classe trabalhadora da cidade.
A análise da atuação da Confederação Católica do Trabalho junto aos trabalhadores de
Belo Horizonte, entre 1919 e 1930, constitui o objeto central em estudo nesta dissertação.
Para tanto, serão consideradas as práticas discursivas da entidade, as campanhas
empreendidas pela conquista de direitos e melhores condições de vida e o papel exercido pela
entidade como mediadora dos conflitos entre capital e trabalho e difusora das diretrizes do
catolicismo para as vivências no mundo do trabalho e no cotidiano da cidade.
A ação da Confederação Católica do Trabalho baseava-se no catolicismo social,
oficializado com a publicação da encíclica Rerum Novarum, editada pelo Papa Leão XIII, em
1891. Com a publicação do documento, a Igreja assumiu pela primeira vez uma questão
moderna, sem, no entanto, deixar de criticar o abandono da fé. A encíclica reforçava o direito
à propriedade privada, a necessidade de harmonia entre as classes sociais e apontava a ação
católica como prática capaz de regenerar a sociedade, corrompida pelo liberalismo moderno.
Além de criticar o liberalismo, a Rerum Novarum condenava as ideologias anarquista e
socialista, consideradas desordeiras e agressoras à harmonia social e ao direito à propriedade.
A Igreja, ao assumir a questão social, tentava recuperar o espaço perdido com o
advento da modernidade e reafirmar-se como a “consciência moral do mundo” (SOUZA,
2002). Nesse sentido, atuou na sacralização do trabalho ao difundir a idéia de que o conflito
entre capital e trabalho não deveria existir e que as duas classes eram complementares. O
objetivo era garantir a harmonia e a ordem sociais.
Foi durante a Primeira República (1889-1930) que se iniciou, no Brasil, o processo de
concentração urbana e a diversificação das atividades decorrentes do advento da indústria.
Essa conjuntura possibilitou o surgimento de uma classe operária no país. É importante
10
destacar que, da década de 1920 até 1940, o número de indústrias e de operários triplicou e, só
então, alcançou um patamar expressivo na economia nacional. Nesse período, a Região
Sudeste, sobretudo São Paulo, foi um locus privilegiado” para o desenvolvimento industrial
brasileiro (MONTEIRO e MENDONÇA, 1990, p. 310-313). A concentração urbana também
contribuiu para uma maior circulação de idéias entre os operários, premissa para a
organização da classe. Foi nesse contexto em que os primeiros movimentos sociais de
operários surgiram no Brasil.
As manifestações operárias passaram a preocupar as elites do país. A repressão
violenta, tanto na ação policial quanto na legislativa, foi recorrente durante os primeiros anos
da década de 1910. Desde essa época, percebeu-se uma diminuição nas manifestações, que
ganharam força novamente com o movimento grevista de 1917
1
, em São Paulo. Segundo
Boris Fausto, embora não tenha sido a única greve do período, a parede paulistana mereceu
atenção especial dos historiadores por seu “impacto e dramaticidade” e alcançou adesão
estimada em 50 mil trabalhadores. (2002, p. 300-301)
No interior do movimento operário brasileiro, durante a Primeira República, uma
multiplicidade de correntes ideológicas e de estratégias sindicais coexistiu, proporcionando
debates e disputas político-ideológicas entre os trabalhadores. As ideologias socialista,
anarquista, positivista, cooperativista e católica, foram co-participantes na construção das
identidades operárias pelo país e algumas hegemônicas em alguns espaços. O sindicalismo
revolucionário e o reformista foram as principais estratégias sindicais disponíveis para os
trabalhadores (BATALHA, 2000). Com base nesse quadro, os trabalhadores, em espaços e
formações históricas específicas, escolheram suas opções por meio das quais foram
construídas tradições, valores e idéias que compunham a diversidade político-ideológica dos
trabalhadores organizados, no Brasil.
A Confederação Católica do Trabalho foi uma instituição caracterizada pela ação
reformista e, por isso, contrapunha-se à ação revolucionária. Objetivamente, o termo
revolucionário refere-se ao movimento operário com objetivos políticos de transformação
radical da sociedade. O termo reformista refere-se ao movimento operário que buscava mudar
aspectos sociais definidos, sem romper com ordem social e econômica, e que visava a
conquistar melhoramentos imediatos para os trabalhadores. Segundo Batalha, os reformistas
1
SADER, E. Do Anarquismo ao Comunismo de Estado (1900 1929). In: LOWY, M. Introdução a uma
história do movimento operário brasileiro no século XX. Belo Horizonte: Veja, 1980. p. 18-20. Citado por
VERIANO, Carlos Evangelista. Belo Horizonte: cidade e política 1897-1920. 2001. 237 p. Dissertação
(Mestrado em História). Universidade Estadual de Campinas.
11
podem ser caracterizados por terem “concepções sindicais marcadas por uma visão da greve
como o ‘último recurso’; por buscar apelar para os serviços de intermediários (advogados,
políticos, representantes dos poderes públicos) [...]” (1990, p. 120).
Até a década de 1910, Belo Horizonte ainda tinha o maior mero de trabalhadores
concentrados na construção da cidade e no aparelho administrativo, o que dava ao poder
público certo potencial de controle sobre eles. Em 1912, aconteceu uma greve promovida por
três organizações de trabalhadores da cidade: a Liga Operária, a Confederação Auxiliadora
dos Operários do Estado de Minas Gerais e a Associação do Empregados do Comércio.
Segundo Le Ven e Neves, na ocasião, os trabalhadores reclamavam das jornadas alongadas e
das condições de trabalho. A greve ganhou proporções e contou com 40% dos trabalhadores
da cidade, que foram vitoriosos em suas reivindicações. (1996, p.78).
Os anos de 1917 a 1920 foram marcados por uma onda grevista em São Paulo e Rio
de Janeiro. Em Belo Horizonte, tentou-se organizar uma greve de solidariedade à parede
paulistana de 1917, que não obteve êxito devido à precária articulação dos poucos setores
organizados (VERIANO, 2001, p. 201).
Belo Horizonte foi cidade planejada, no fim do século XIX, para ser a capital de
Minas Gerais. O objetivo de seus idealizadores era criar uma cidade moderna baseada nos
princípios do urbanismo higienista do período. Idealizada para ser uma sede administrativa, o
projeto original da cidade não previa a permanência dos trabalhadores que vieram para
construir a cidade. Na visão utópica dos idealizadores de Belo Horizonte, a passagem dos
trabalhadores era transitória. No entanto, os trabalhadores que vieram para a construção da
cidade estabeleceram moradas, o que suscitou a necessidade de reorganizar o plano
urbanístico da cidade. Desde a inauguração da nova capital, em 1897, foi preciso tratar de
assuntos como as habitações populares e as condições de vida e trabalho desses cidadãos.
Esse quadro propiciou um intenso debate, nas primeiras cadas de existência da cidade,
referente às condições de vida e ao direito à cidade. As principais reivindicações dos
trabalhadores da cidade eram referentes à habitação, descanso semanal, salários justos e
respeito à jornada de oito horas.
É nesse contexto que, em 28 de setembro de 1919, foi fundada a Confederação
Católica do Trabalho, entidade que, a sua maneira, daria força e coesão à organização de
trabalhadores, em Belo Horizonte. Por sua representatividade, tinha força junto às elites
políticas da cidade. A sua forma de ação, inspirada na encíclica papal Rerum Novarum e que
pregava a harmonia social entre as classes, seria também bastante profícua para as elites
12
provenientes de um sistema oligárquico bastante fechado, vigente na Primeira República
brasileira.
A literatura sobre a Confederação Católica do Trabalho é bastante restrita. Na
verdade, nenhum estudo conhecido ocupou-se da análise sobre a trajetória da entidade de
forma mais específica.
Eliana Dutra (1988), ao estudar o movimento operário em Minas Gerais, compara a
organização dos trabalhadores, em Belo Horizonte e Juiz de Fora, no período de 1917 a 1930.
No caso de Belo Horizonte, a autora mostra como o movimento operário caracterizou-se pela
ação junto às instituições públicas para alcançar os objetivos de organização dos
trabalhadores. Segundo a autora, a Confederação Católica do Trabalho foi responsável por um
sindicalismo pouco autônomo na cidade. Dutra ainda classifica o movimento reivindicatório
de trabalhadores, em Belo Horizonte, como “dócil e ‘dentro da ordem’”, até mesmo por sua
proximidade com o poder público. (DUTRA, 1988, p. 172)
Ao estudar a presença da Igreja na formação da classe trabalhadora, em Belo
Horizonte, entre 1890 e 1930, Mauro Passos (1986) procede a uma análise histórico-
pedagógica e entende a Igreja como um agente educador que, por meio de sua ação, tentou
difundir para a coletividade padrões de comportamento e diretrizes para a ação sindical. O
autor destaca o papel do discurso católico nesse processo, mas entende que apenas os dados
referentes ao discurso não são suficientes para captar a força de influência da entidade sobre
os trabalhadores de Belo Horizonte.
Carlos Veriano (2001) traça um paralelo entre a utopia da nova capital e a formação
de sua classe operária, entre 1897 e 1920. O autor relaciona os elementos sócio-políticos que
possibilitaram a formação da cidade e de sua classe operária. No que se refere à atuação da
Confederação Católica do Trabalho, o autor destaca que a forma de encaminhar as
reivindicações não deveria ser vista de forma negativa, e mais, que era uma forma consciente
e possível de ser realizada com o ambiente político vivido, durante a Primeira República, em
Belo Horizonte.
A perspectiva adotada nesse estudo é que a Confederação Católica do Trabalho agiu
como agente mobilizador da organização dos trabalhadores, em Belo Horizonte, e apontou
diretrizes assumidas pela maioria das associações e sindicatos da cidade. A estratégia sindical
reformista católica é vista como uma forma legítima de ação dos trabalhadores, que se tornou
hegemônica em Belo Horizonte, durante a década de 1920. Nesse sentido, o esforço analítico
é feito com o objetivo de avaliar se a estratégia correspondia às demandas dos trabalhadores
da cidade. Tenta-se, dessa forma, romper com uma tradição valorativa que caracteriza o
13
reformismo de forma negativa sem considerar as condições históricas que propiciaram sua
escolha por um elenco de trabalhadores organizados.
A experiência da Confederação Católica do Trabalho, baseada no catolicismo social,
pode ser entendida como um momento embrionário das relações que se estabeleceram entre a
Igreja e o Estado na construção de um determinado discurso sobre o trabalho urbano no
Brasil. Esse discurso fundamentou a política que definiu a classe trabalhadora como ator
político e foi fruto de projeto implementado pelo Estado, a partir do pós-1930, especialmente
no Estado Novo (1937-1945), e que foi chamado por Gomes (2005) de “trabalhismo”. A
autora demonstra que a invenção do trabalhismo foi articulada pela apropriação do próprio
discurso dos trabalhadores brasileiros, durante a Primeira República, e que:
[…] o sucesso do projeto político-estatal do “trabalhismo” pode ser explicado
pelo fato de ter tomado do discurso articulado pelas lideranças da classe
trabalhadora, durante a Primeira República, elementos-chave de sua auto-imagem e
de tê-los investido de novo significado em outro contexto discursivo. Assim, o
projeto estatal que constitui a identidade coletiva da classe trabalhadora articulou
uma lógica material, fundada nos benefícios da legislação social, com uma lógica
simbólica, que representava estes benefícios como doações e beneficiava-se da
experiência de luta dos próprios trabalhadores. […] o processo de constituição da
classe trabalhadora em ator coletivo é um fenômeno político-cultural capaz de
articular valores, idéias, tradições e modelos de organização através de um discurso
em que o trabalhador é ao mesmo tempo sujeito e objeto. (GOMES, 2005, p.24-25)
No Brasil, durante a Primeira República, a Igreja buscou fortalecer-se junto aos setores
populares e, é claro, junto ao Estado. Durante os governos de Epitácio Pessoa e de Arthur
Bernardes, a Igreja difundiu a idéia de que “ser brasileiro era ser católico”. A Igreja, com o
fortalecimento do movimento católico junto aos setores populares e com o projeto ideológico
empreendido por sua cúpula, explorou o catolicismo como uma característica nacional e se
tornou uma instituição com prestígio suficiente para não ser ignorada pelo Estado. Nas
décadas seguintes, durante o governo Vargas, Igreja e Estado colaboraram um com o outro,
em um sistema que atendia às necessidades de ambos. O Estado tinha um parceiro na
propagação da ideologia de ordem, e a Igreja voltava a ter prestígio e presença política.
(MARQUES, 1995, p. 4)
Um dos pontos que ligam o projeto do catolicismo social à política trabalhista
empreendida por Getúlio Vargas, durante o Estado Novo, é o corporativismo, que pode ser
entendido, em linhas gerais, como uma doutrina que defende a organização dos trabalhadores
em organizações profissionais e que propõe a remoção dos interesses conflituosos nos planos
político, econômico e social. Além disso, o catolicismo defendia o Estado interventor para
garantir aos trabalhadores o respeito aos direitos e as condições mínimas de sobrevivência.
14
Durante a Primeira República, em Minas Gerais, os movimentos católicos tiveram
bastante vitalidade. A força do catolicismo mineiro, durante as décadas de 1910 a 1920,
cristalizou um “complexo de imagens da ‘Minas católica’ na fala das elites políticas e
clericais”, e possibilitou a representação do “mito da Minas Católica” (MATA, 1996, p. 115-
119). É importante perceber, nesse sentido, como, em Minas Gerais, o catolicismo foi
expressivo. Inserido no plano de ação da Igreja no Brasil, o catolicismo propiciou o
surgimento de um discurso sobre a identidade católica do mineiro, o que, por sua vez,
favoreceu a ação católica junto aos trabalhadores.
O catolicismo social e, portanto, a ação da Confederação Católica do Trabalho é
um dos elementos culturais definidores do discurso sobre o trabalho urbano no Brasil. Esse
discurso católico, segundo Souza (2002), “impôs-se no Brasil ao longo de décadas, até se
tornar, nos dias atuais, presente no discurso de lideranças de classe e nos textos normativos
das relações trabalhistas, assistenciais, previdenciárias e sindicais” (p.20).
A relevância desse estudo está, portanto, na possibilidade de compreender um dos
caminhos que contribuíram para a construção de um discurso sobre o trabalho urbano no
Brasil e que, ao longo dos anos, se reafirmou em diversas instâncias, inclusive nos textos
normativos legais. É importante, ainda, na compreensão da penetração do catolicismo em
Minas Gerais, na medida em que o objeto dessa pesquisa está inserido no momento em que se
cristalizava a idéia da “Minas católica”, constantemente evocada nos discursos dos lideres
políticos e eclesiásticos da época. O estudo proposto poderá, ainda, acrescentar informações e
interpretações à produção acadêmica correlata, na medida em que se propõe a analisar um
tema pouco estudado e que foi definidor de uma experiência bastante diferenciada das que são
comumente estudadas no Brasil.
A hipótese principal desse trabalho é, portanto, que a Confederação Católica do
Trabalho, por meio de suas práticas discursivas e de sua práxis junto aos trabalhadores de
Belo Horizonte, capturou os corações e mentes dos trabalhadores da cidade sob a bandeira do
catolicismo social, captando os desejos e aspirações por melhorias nas condições de trabalho e
vida. Nesse sentido, contribuiu para que o catolicismo fosse a ideologia hegemônica entre os
trabalhadores da cidade, durante a década de 1920, garantindo à entidade forte influência no
mundo do trabalho. Contrariam-se as críticas comumente feitas, que atribuem a esse tipo de
ação reformista a responsabilidade por um movimento operário pouco autônomo ou
“amarelo”. A penetração do catolicismo social, em Belo Horizonte, é entendida como uma
forma de consciência de classe assumida pelos trabalhadores da cidade que correspondeu às
suas aspirações e auxiliou no atendimento das reivindicações mais urgentes.
15
Esse estudo parte do pressuposto que “o traço distintivo da vida operária não se apóia
exclusivamente no processo de trabalho nem no mercado de trabalho, mas na insegurança
estrutural vivida por todos os trabalhadores.” (SAVAGE, 2004, p.33). Essa perspectiva
possibilita reconhecer as pressões estruturais sofridas pelos trabalhadores, mas também
considera a variedade de táticas possíveis para resolver tais problemas, sem, no entanto,
incorrer na desvalorização de uma ou outra. Nesse sentido, é necessário “olhar para os fatores
contextuais que explicam como a própria carência geral dos trabalhadores em lidar com tal
insegurança conduz a diferentes tipos de resultados culturais e políticos.” (SAVAGE, 2004, p.
33-34). Essa abordagem possibilita perceber o conceito de classe de forma mais ampla,
contemplar formas diversas de estratégias de vida operária, condicionadas por tempos e
espaços distintos.
O estudo está centrado nas práticas discursivas católicas e em seu reflexo no
encaminhamento das demandas dos trabalhadores da cidade. A análise do discurso parte do
princípio foucaultiano de que o discurso é uma prática social. Nesse sentido, a proposta é
compreender a relação estabelecida entre trabalhadores, poder público e empregadores, por
meio da construção de um discurso de harmonia social que pode ser entendido pela análise da
práxis católica no mundo do trabalho, em Belo Horizonte.
1.1 Procedimentos metodológicos
A pesquisa foi realizada por meio da análise qualitativa das fontes nucleares e
complementares e de uma pesquisa bibliográfica de suporte à leitura. Durante a primeira etapa
da pesquisa, procedeu-se ao estudo bibliográfico de temas que possibilitaram a compreensão
da conjuntura de formação da Confederação Católica do Trabalho e, ainda, que ofereceram
suporte teórico para a análise proposta.
Durante o estudo bibliográfico, a primeira análise visou a elucidar a proposta do
catolicismo social para o mundo do trabalho. Nesse sentido, contribuíram para esse fim
principalmente os estudos de Souza (2002), Matos (1991), Marques (1995), Mata (1996),
Hobsbawn e Ranger (2002), Farias (1995), Castel (1998). Tais estudos possibilitaram analisar
a noção de questão social que foi assumida oficialmente pela Igreja desde a publicação da
encíclica Rerum Novarum, em 1891, e a proposta do catolicismo para o enfrentamento dessa
16
questão moderna. Tal procedimento possibilitou compreender os principais aspectos
ideológicos que balizaram a ação da Confederação Católica do Trabalho.
Para a compreensão da conjuntura em que os trabalhadores estavam durante a Primeira
República no Brasil, os estudos de Batalha (1990, 2000, 2003), Batalha, Silva e Fortes (2004),
Fausto (1986, 2002), Gomes (1979, 2005), Lopes (1964), Rago (1987), Rodrigues (1968),
Rodrigues (1966), Sader (1986) e Simão (1966) foram importantes. Com base na leitura
desses estudos, foi possível fazer uma tipologia das interpretações sobre o trabalho no Brasil
e, ainda, analisar as principais correntes ideológicas e estratégias sindicais presentes durante a
Primeira República.
Sobre o caso de Belo Horizonte, os principais estudos foram os de Dutra (1988), Le
Ven (1977), Le Ven e Neves (1996), Passos (1986) e Veriano (2001). Esses estudos
possibilitaram compreender o processo de formação da classe trabalhadora, em Belo
Horizonte, e sua relação com o projeto de construção da cidade, com destaque para as
condições de vida, a organização e o lugar ocupado pelos trabalhadores na estrutura social e
espacial da cidade. Foi possível também estabelecer um debate interpretativo sobre a
Confederação Católica do Trabalho que, embora analisada nos estudos de Dutra (1988),
Passos (1986) e Veriano (2001), não era objeto o principal em análise.
A segunda etapa empírica foi a análise das fontes nucleares e complementares,
concentrada nos documentos produzidos pela Confederação Católica do Trabalho e pelo
poder público de Belo Horizonte. Entre os documentos produzidos pela entidade estão os
órgãos oficiais, O Operário e Vida Nova, o último publicado a partir de 1938, guardados na
coleção Linhares da Biblioteca Central da Universidade Federal de Minas Gerais, além dos
estatutos da entidade, sob a guarda do Arquivo Público Mineiro. Os Anais do Conselho
Deliberativo da Capital, sob a guarda do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, é a
série documental produzida pelo poder público. O exame dessas séries documentais
possibilitou analisar o discurso difundido sobre o catolicismo e, ainda, a forma de
encaminhamento das reivindicações utilizada pela entidade.
Outros documentos foram analisados visando a complementar a pesquisa. Entre eles
estão os jornais de circulação diária de Belo Horizonte, Diário de Minas e Estado de Minas, e
os periódicos operários, O Facho e Avante!. A pesquisa, na imprensa de circulação diária, foi
focada e visava a perceber a ressonância de fatos específicos levantados pela análise das
séries documentais principais. Tal procedimento, embora complemente a análise dos
documentos nucleares, não possibilitou perceber a ressonância inversa, ou seja, questões que
17
possivelmente foram discutidas pela imprensa e que ecoaram junto à Confederação Católica
do Trabalho.
Muitas vezes, a cronologia dos fatos foi deixada de lado, e o processo analítico foi
ordenado tematicamente para elucidar os aspectos discursivos católicos e, ainda, para auxiliar
na compreensão da ação católica empreendida no mundo do trabalho, em Belo Horizonte.
A fonte nuclear dessa pesquisa foi, de fato, o semanário publicado pela entidade O
Operário. Nesse sentido, é importante destacar o papel da imprensa operária, que pode ser um
rico corpo documental capaz de oferecer:
Dados acerca de formas de associação e composição do operariado, correntes
ideológicas e cisões internas, greves, mobilizações e conflitos, condições de vida e
trabalho, repressão e relacionamento com empregadores e poderes estabelecidos,
intercâmbios entre lideranças nacionais e internacionais, enfim, repostas para as
mais diversas questões acerca dos segmentos militantes puderam ser encontradas nas
páginas de jornais, panfletos e revistas, que se constituíam em instrumentos
essenciais de politização e arregimentação. (DE LUCA, 2005, p. 119)
É importante pensar, ainda, que a análise histórica de documentos, a partir da segunda
metade do século XX, sobretudo sob influência da terceira geração da chamada Escola dos
Annales
2
, sofreu transformações que propunham “novos objetos, problemas e abordagens”
(BURKE, 1991). Para tanto, a perspectiva interdisciplinar ganhou espaço e aportes analíticos
provenientes de outras ciências humanas, como a sociologia, a psicanálise, a antropologia, a
lingüística e a semiótica, possibilitaram encontrar novos objetos e novas abordagens.
Nesse sentido, a chamada virada lingüística (linguistic turn) propiciou novas formas
de inquirir os textos que elucidavam além do que está explícito, também o interdito e as zonas
de silêncio. Nesse contexto, o discurso ganhou destaque nas análises, na medida em que
propiciava abordagens novas e ampliava as possibilidades de problematização dos objetos.
(DE LUCA, 2005, p. 114)
Tal perspectiva teórico-metodológica é muito importante a essa pesquisa, sobretudo
porque ela proporcionou a utilização da metodologia da análise do discurso, a priori do campo
da lingüística, em estudos de história, sociologia, psicologia e antropologia. A metodologia da
análise do discurso é fundamental para leitura das fontes dessa pesquisa. Nesse sentido, uma
demarcação teórica dessa aproximação com a lingüística ocupará as próximas linhas.
2
Entre os integrantes da terceira geração dos Annales destacavam-se François Furet, Georges Duby, Jacques Le
Goff, Jacques Revel e Michèlle Perrot.
18
1.1.1 Análise do discurso nas Ciências Sociais
“Palavras são também atos.”
Ludwig Wittgenstein
Falar é fazer algo. O ato da fala ultrapassa a noção de simples exteriorização de
pensamentos ou da descrição de aspectos de uma realidade dada. Por meio dos estudos de
Wittgenstein (Investigações Filosóficas, publicado em 1952) os lingüistas passaram a analisar
o ato da fala como uma ação, uma prática determinada por elementos externos à própria fala.
Essa noção possibilitou ampliação nos estudos lingüísticos que influenciaram diversas outras
áreas do conhecimento. Sobretudo a partir da década de 1970, a linguagem passou a compor
os debates da psicologia, da sociologia, dentre outros campos das ciências humanas e sociais.
A percepção da capacidade da fala de “fazer coisas” propiciou o surgimento de novo campo
teórico e metodológico, a análise do discurso.
São várias as perspectivas teóricas de análise do discurso desenvolvidas nos últimos
anos, entre elas, a Teoria dos Atos da Fala, a Lingüística Pragmática, a Etnometodologia,
além de alguns apontamentos feitos por Michel Foucault
3
. A perspectiva de análise do
discurso desenvolvida, por meio dos estudos de Foucault, é nuclear nessa dissertação, porque
favorece a compreensão da conexão entre as práticas discursivas e a construção e manutenção
de determinadas estruturas sociais.
A obra de Michel Foucault é uma das mais influentes nos campos da filosofia, da
história e da sociologia do passado século XX. Entre os temas de estudo privilegiados por
Foucault encontram-se o discurso, o poder, as relações entre poder/saber e a produção de
subjetividade (IÑIGUEZ, 2004). Foucault foi um dos pensadores que mais influenciaram a
perspectiva teórica francesa de análise do discurso. Para Maingueneau, a “escola francesa de
análise do discurso” filia-se a uma tradição intelectual européia acostumada a refletir sobre o
texto e sobre a história que, sob égide do estruturalismo na década de 1960, articulou a
lingüística, o marxismo e a psicanálise e ligou o lingüístico ao social (apud BRANDÃO,
2004, p. 16).
3
Sobre tais perspectivas teóricas da Análise do discurso ver IÑIGUEZ, Lupicinio, A linguagem nas ciências
sociais: fundamentos, conceitos e modelos. In: _____. Manual de análise do discurso em ciências sociais.
Petrópolis: Vozes, 2004. p. 50-104
19
Na perspectiva foucaultiana, o discurso é uma prática social e, como tal, possibilita
definir a condição em que foi produzido. Todo discurso tem um contexto de produção, a
formação discursiva. Em A arqueologia do saber, Foucault define esse conceito:
Um conjunto complexo de relações que funcionam como regras: prescreve o que
deveria ter sido posto na relação, em uma prática discursiva, para que essa se refira a
tal ou qual objeto, para que ponha em jogo tal ou qual enunciado, para que utilize tal
ou qual conjunto, para que organize tal ou qual estratégia. Definir, em sua
individualidade singular, um sistema de formação, portanto, é caracterizar um
discurso ou um grupo de enunciados pela regularidade de uma prática.
(FOUCAULT apud IÑIGUEZ, 2004, p.92)
Em outras palavras, a formação discursiva é para Foucault um conjunto de relações
definidoras do discurso, que regulamenta estratégias específicas que privilegiam a circulação
de determinadas idéias ou enunciados em detrimento de outros condicionadores do
comportamento e das práticas sociais.
O conceito de formação ideológica também é caro à análise do discurso. O discurso é
um dos aspectos materiais das ideologias. Ao conceituar formação ideológica, Helena
Brandão (2004) destaca as relações de classe e as questões políticas e ideológicas no interior
dos aparelhos ideológicos althusserianos (religião, escola, família, sindicato, etc.):
Num determinado momento histórico e no interior mesmo desses aparelhos, as
relações de classe podem caracterizar-se pelo afrontamento de posições políticas e
ideológicas que se organizam de forma a entreter entre si relações de aliança, de
antagonismos ou de dominação. Essa organização de posições políticas e ideológicas
é que constitui as formações ideológicas […].
Constituindo o discurso um dos aspectos materiais da ideologia, pode-se afirmar que
o discursivo é uma espécie pertencente ao gênero ideológico. Em outros termos, a
formação ideológica tem necessariamente como um de seus componentes uma ou
várias formações discursivas interligadas. Isso significa que os discursos são
governados por formações ideológicas. (p. 47)
A importância dos conceitos de formação ideológica e formação discursiva está na
relação direta que se estabelece entre os dois. Os discursos são dirigidos por formações
ideológicas que influenciam, por meio das formações discursivas, os padrões de
comportamento e o que pode ser dito ou feito em determinada realidade social.
Com base na conceituação de discurso como prática social e, portanto, dos
apontamentos de Foucault, não se falará mais tanto em discurso, mas sim em práticas
discursivas. As práticas discursivas são regras anônimas que se constituem em um
determinado processo histórico, em um determinado espaço e que definem as condições
possibilitadoras de qualquer enunciação.
20
Ao analisar as principais conceituações de discurso, e considerando sua polissemia,
Lupicinio Iñiguez define a que mais se aproximaria do uso nas ciências sociais e humanas:
Um discurso é um conjunto de práticas lingüísticas que mantêm e promovem certas
relações sociais. A análise consiste em estudar como essas práticas atuam no
presente, mantendo e promovendo essas relações: é trazer à luz o poder da
linguagem como prática constituinte e reguladora. (2004, p.125)
Ainda sobre o discurso, o autor continua:
Os discursos articulam um conjunto de condições que permitem as práticas:
constituem cenários que passam a facilitar ou a dificultar as possibilidades, que
fazem surgir regras e mantêm relações. Definitivamente, as práticas discursivas
deixam claro que falar não é algo mais como também é algo diferente de
exteriorizar um pensamento ou descrever uma realidade: falar é fazer algo, é criar
aquilo de que se fala, quando se fala. (IÑIGUEZ, 2004, p. 94-95)
A concepção de discurso de Foucault apresenta outra dimensão importante,
relacionada ao poder. O discurso representa um espaço no qual saber e poder se articulam.
Quem fala, fala de algum lugar, com base em alguma premissa. “Esse discurso, que passa por
verdadeiro, que veicula saber (o saber institucional), é gerador de poder” (BRANDÃO, 2004,
p.37). E como geradora de poder, a produção desse discurso “é controlada, selecionada,
organizada e redistribuída por certos procedimentos que têm por função eliminar toda e
qualquer ameaça à permanência desse poder.” (p.37)
O discurso, então, mais que uma prática que é geradora de poder, pode ser considerado
um instrumento por meio do qual se constituem, mantém, impõem ou se extinguem
determinadas relações sociais (de poder, ou não). É, portanto, elemento importante no estudo
de comportamentos políticos, sociais e culturais das sociedades.
Dentre as tradições de análise do discurso que mais se aproximam das ciências sociais
(por exemplo: Sociolingüística Interacional, Análise Conversacional, Etnografia da
Comunicação, Psicologia Discursiva), uma é importante para esse estudo, a Análise Crítica do
Discurso. “A Análise Crítica do Discurso deu ênfase ao estudo daquelas ações sociais que
pomos em prática através do discurso, como o abuso do poder, o controle social, a dominação,
as desigualdades sociais ou a marginalização e exclusão sociais” (IÑIGUEZ, 2004, p. 118).
A tradição da Análise Crítica do Discurso ressalta o caráter constitutivo do discurso,
valoriza-o como prática social e não o considera como reflexo dos processos sociais
(IÑIGUEZ, 2004, p. 119). Tal perspectiva enfatiza o papel do discurso como ação/prática que
contribui para a constituição de estruturas sociais. Nesse sentido, a análise do discurso
21
propicia a compreensão de determinadas experiências sociais, sobretudo, as que apresentam
relações de abuso de poder, controle social, dominação, entre outras.
É relevante, então, a análise do discurso como teoria que, em uma visão crítica sobre o
objeto, possibilita novos enfoques. Essa mudança envolve também nova perspectiva de
interrogação do objeto. Ao se questionar, por exemplo, em uma situação de controle social de
determinado grupo em dada realidade histórica, sobre o papel do discurso de dominação, ou
mesmo do discurso de resistência nessa relação, levantam-se questões novas. Mais que a
tentativa de um grupo de garantir dominação, o questionamento apresenta outra esfera.
Considera que esse grupo pode ser influenciado por um discurso mais amplo (formação
discursiva), que determinou as condições pelas quais ele se mantém ou tenta manter-se no
poder.
Dominique Maingueneau (2006) afirma que a análise do discurso é, atualmente, muito
mais que uma subárea da lingüística. Consiste também em um conjunto de métodos
qualitativos à disposição das ciências humanas e sociais, servindo então como caixa de
ferramentas que permite construir interpretações em outras disciplinas.
Nessa pesquisa, a análise está centrada no discurso religioso voltado para as relações
de trabalho e nas estratégias discursivas de uma instituição empregadas no sentido de
disseminar sua forma de ação. Nesse sentido, o discurso religioso possui uma característica
importante, a de ser bastante persuasivo. Citelli (1991) destaca a relação entre a linguagem e a
persuasão no discurso religioso:
Uma das formações discursivas mais explicitamente persuasivas é a religiosa […].
Nesse sentido, o discurso religioso realiza uma tarefa sui generis enquanto
mecanismo de comunicação, pois, se os demais discursos autoritários-persuasivos
podem vir a revelar a voz do sujeito falante, nele resta apenas a noção de dogma.
Não deixa de ser uma situação curiosa estar diante da mais visível forma de
persuasão e do mais invisível eu persuasivo! Deus não fala, dado ser uma realidade
imaterial; quem fala em seu nome não é dono do discurso: o pastor é apenas veículo,
porta-voz, no máximo um “interpretador” da palavra do Senhor. (p.48)
As reflexões de Foucault sobre a relação entre o discurso e as doutrinas (entre elas a
religião) também são importantes a essa pesquisa. Ao refletir sobre essa relação Valério
(2004) demonstra que, para Foucault, a construção e a dispersão dos discursos religiosos
obedecem a uma lógica de coerção e ordenamento, proíbem os enunciados que lhes são
exteriores e os utilizando para, de forma relacional, afirmar sua singularidade ou sua
diferença. (p.3-4)
Nas palavras de Foucault:
22
A doutrina liga os indivíduos a certos tipos de enunciação e lhes proíbe,
conseqüentemente, todos os outros; mas se serve, em contrapartida, de certos tipos
de enunciação para ligar indivíduos entre si e diferenciá-los, por isso mesmo, de
todos os outros. A doutrina realiza uma dupla sujeição: dos sujeitos que falam aos
discursos e dos discursos ao grupo, ao menos virtual, dos indivíduos que falam.
(Foucault apud Valério, 2004, p. 4)
A característica relacional evidenciada por Foucault pode ser mais bem entendida se o
discurso for considerado como possuidor de duas dimensões: o intradiscurso e o interdiscurso.
O intradiscurso refere-se ao conteúdo discursivo produzido sob a influência de uma formação
discursiva específica. O intradiscurso é, portanto, o conteúdo interno do discurso produzido
em uma condição específica de produção, limitada pelos parâmetros da formação discursiva a
que ele pertence. Por sua vez, é no interdiscurso que o discurso se afirma em oposição a
outros discursos. E em sua dimensão interdiscursiva, o discurso constitui-se pela oposição a
outros enunciados. (FARIA, 2001)
É no espaço interdiscursivo, de forma relacional e opositiva, que os discursos se
afirmam como portadores de sentido. Os sentidos do discurso constituem-se por oposição na
esfera interdiscursiva. É nesse sentido que Foucault examina a ordenação dos discursos
religiosos construídos na oposição proibitiva dos enunciados que lhes são exteriores.
Para se afirmar, um discurso recorre a discursos outros para demarcar contradições e
firmar posições frente a diferentes temas. Segundo Oliveira (2006),
O discurso se constitui como tal a partir de outros discursos, por isso é atravessado
pelo discurso do outro ao que se opõe. Na voz discursiva do enunciador podem se
manifestar vozes diferentes, pontos de vista antagônicos. Para explicitar seu ponto
de vista sobre determinado tema, o enunciador leva em conta o do outro, que está,
assim, de certa maneira, presente no seu discurso. (p.19)
Um exemplo da afirmação interdiscursiva por meio da oposição é tratado nesse estudo
ao analisar a prática discursiva católica, que ao buscar se afirmar como o caminho mais
correto a ser seguido pelos trabalhadores no enfrentamento da questão social, recorria
frequentemente aos argumentos dos socialistas e anarquistas, contrapunha-os e evidenciava os
traços distintivos. O objetivo era demarcar os campos possíveis para o enfrentamento da
questão social e, por meio da argumentação depreciativa em relação aos outros, demonstrar
discursivamente o catolicismo como o caminho certo.
A prática da análise do discurso constitui-se, segundo Iñiguez (2004), em três etapas.
A primeira é a diferenciação texto-discurso. Segundo Foucault, para ser considerado discurso,
o texto deve ser parte de uma instituição (não apenas instituições formais, como o Estado e a
23
Igreja, mas todo dispositivo que determine as condições de enunciação) que contenha
enunciados produzidos em seu seio e que restrinja a própria enunciação, instituição que
“define para uma área social, econômica, geográfica ou lingüística dadas as condições de
exercício da função enunciativa” (apud IÑIGUEZ, 2004, p.129).
Os textos selecionados para a análise nessa pesquisa são, no sentido foucaultiano,
considerados discursos. Além de serem produzidos por uma instituição formal, os textos
possuem enunciados restritivos no sentido de definirem normas e padrões de comportamento.
A principal série documental dessa pesquisa os textos publicados em O Operário foi
produzida pela Confederação Católica do Trabalho, instituição atrelada à Igreja, e era o
principal canal de comunicação da entidade com os trabalhadores de Belo Horizonte.
A segunda etapa é a da distinção entre o locutor e o enunciador. O locutor é o emissor
material do discurso, e o enunciador é o autor textual, responsável pela substância do texto
(IÑIGUEZ, 2004, p. 130). Nesse sentido, a Confederação Católica do Trabalho e a Igreja
constituíam conjuntamente a categoria enunciador. O jornal O Operário seria o emissor
material das idéias defendidas pelo enunciador, constituindo-se como o locutor.
A última etapa da prática da análise do discurso é a da materialização do texto
(corpus). O corpus admite uma grande variedade de fórmulas, conversações transcritas,
entrevistas, artigos, documentos, informes, comunicados, estudos, formulários, etc.
(IÑIGUEZ, 2004, p. 131) O corpus dessa pesquisa é constituído, sobretudo, pelos textos
publicados em O Operário, mas também por documentos complementares. Os textos foram
escolhidos por serem informativos para analisar as práticas discursivas católicas em Belo
Horizonte.
1.2 Estrutura da dissertação
Esse trabalho está dividido em três partes. Na primeira, intitulada A conjuntura de
formação da Confederação Católica do Trabalho, são discutidas as premissas sociais e
religiosas que influenciaram a atuação da entidade. Nesse sentido, é feita uma análise do
catolicismo social, sobretudo no que se refere às idéias defendidas na encíclica Rerum
Novarum, de1891. Os elementos constitutivos do catolicismo social são considerados como a
formação discursiva sob a qual a ação da Confederação Católica do Trabalho se constituiu. É
feita, também, uma análise da conjuntura em que os trabalhadores estavam inseridos, no
24
Brasil, durante a Primeira República, com destaque para as estratégias sindicais e para as
correntes ideológicas. A conjuntura em que os trabalhadores estavam inseridos, em Belo
Horizonte, é analisada sob a perspectiva do processo de formação da classe trabalhadora
desde a fundação da cidade. O capítulo traz também a apresentação da Confederação Católica
do Trabalho e sua inserção no mundo do trabalho, em Belo Horizonte.
Em seguida, no capítulo intitulado Práticas discursivas católicas em Belo Horizonte,
procede-se a uma análise do discurso católico difundido pela Confederação Católica do
Trabalho, entre 1919 e 1930. Os principais enunciados analisados são a idéia de harmonia
entre as classes, o discurso contra o socialismo e a fusão entre fé e trabalho. Com base na
análise das práticas discursivas da entidade, uma reflexão é feita visando a identificar o tipo
de influência exercida entre os trabalhadores e o alcance do discurso católico, em Belo
Horizonte.
No capítulo intitulado A luta por direitos é feita uma análise das principais campanhas
empreendidas pela Confederação Católica do Trabalho. Ao buscar conquistar melhorias nas
condições de trabalho e vida, em Belo Horizonte, a entidade defendeu o direito à jornada de
trabalho de oito horas, ao descanso dominical, ao salário justo e à moradia para os
trabalhadores. Após analisar tais campanhas, esforço é feito para avaliar se a forma de ação da
Confederação Católica do Trabalho correspondia às demandas dos trabalhadores da cidade.
25
2 CONJUNTURA DE FORMAÇÃO DA CONFEDERAÇÃO CATÓLICA
DO TRABALHO
O objetivo deste capítulo é analisar a conjuntura em que se formou a Confederação
Católica do Trabalho. São discutidas as premissas sociais e religiosas que influenciaram a
linha de atuação da entidade. Para tanto, é importante a análise dos temas tratados na encíclica
papal Rerum Novarum, de 1891, que ainda se constitui como a pedra angular da doutrina
social da Igreja. Nesse sentido, os elementos constitutivos de tal doutrina são considerados
como enunciados discursivos em que a Confederação Católica do Trabalho se inspirou. Dessa
forma, a atenção dada pela Igreja à questão social, assim como sua prática, é tomada como a
formação discursiva sob a qual a ação da Confederação Católica do Trabalho se constituiu.
É feita, ainda, uma análise das principais características da organização de
trabalhadores no Brasil, evidenciando as particularidades de Belo Horizonte. Dessa forma, a
análise da conjuntura histórica na qual se formou a Confederação Católica do Trabalho
possibilita evidenciar sua particularidade frente às formas de organização de trabalhadores
mais comuns durante a Primeira República.
A análise da organização dos trabalhadores brasileiros, durante a Primeira República,
é feita com base em dois aspectos: as correntes ideológicas e as estratégias sindicais. As
principais correntes ideológicas foram o anarquismo, o socialismo, o positivismo, o
cooperativismo e, finalmente, o catolicismo. As duas estratégias sindicais analisadas foram o
reformismo e o sindicalismo revolucionário. O que se tenta destacar nessa discussão é a
existência de uma diversidade de identidades de classe possíveis e que experiências históricas
diversas podem suscitar tipos de consciência de classe diferentes.
No caso específico de Belo Horizonte, analisa-se o processo de formação da classe
trabalhadora na cidade. Tal processo está ligado à execução do projeto de construção da
capital, que foi inaugurada em 1897. A formação da classe trabalhadora na cidade foi
demarcada pelo processo de invenção de uma cidade planejada para ser moderna e higiênica,
aos moldes do urbanismo do século XIX.
Com esses objetivos, o capítulo é dividido em quatro partes. A primeira trata da
análise do catolicismo social e de suas críticas à sociedade moderna, bem como de sua
proposta para o enfrentamento da questão social. A segunda refere-se à análise das principais
correntes ideológicas e estratégias sindicais no Brasil da Primeira República. A terceira é
dedicada à análise do processo de formação da classe trabalhadora em Belo Horizonte, desde
26
a sua fundação em 1897. A última parte apresenta a Confederação Católica do Trabalho, sua
estrutura organizacional e, ainda, sua inserção junto aos trabalhadores de Belo Horizonte.
2.1 E a Igreja assume a “questão social”: a Rerum Novarum e a crítica ao liberalismo e
ao socialismo
A “questão social” é uma aporia fundamental sobre a qual uma sociedade
experimenta o enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco de sua fratura. […]
tomada de consciência das condições de existência das populações que são, ao
mesmo tempo, agentes e as vítimas da revolução industrial. É a questão do
pauperismo. […] a questão social torna-se a questão do lugar que as franjas mais
dessocializadas dos trabalhadores podem ocupar na sociedade industrial. A resposta
para ela será o conjunto dos dispositivos montados para promover sua integração.
4
Robert Castel – As metamorfoses da questão social
A questão social surgiu no momento em que as mazelas do capitalismo, exacerbadas
com a Revolução Industrial, passaram a representar um problema relevante, inclusive para a
continuidade do próprio sistema. O pauperismo crescente e a forma predatória do sistema
capitalista tornaram-se um assunto privilegiado dos pensadores do século XIX. Os pensadores
da questão social procuravam caminhos para integrar as massas de trabalhadores ao sistema,
buscando meios para que não houvesse uma exploração predatória e que as riquezas fossem
distribuídas de forma mais justa. Nesse contexto, a Igreja Católica também admitiu a questão
social, assumindo pela primeira vez uma questão moderna. A Igreja buscava recuperar o
espaço perdido com o advento do Estado moderno e tentava trazer para seu campo de
influência as massas operárias. O processo foi longo e esbarrou nas tradições católicas.
Algumas passaram pelo processo de reinvenção. As bases da doutrina social da Igreja foram
oficializadas no fim do século XIX pelo papa Leão XIII.
A encíclica papal Rerum Novarum foi editada pelo papa Leão XIII, em 15 de maio de
1891. Em linhas gerais, a encíclica reforçava o direito à propriedade privada e a necessidade
de harmonia entre as classes sociais, ao apontar a ação católica como uma prática
regeneradora dos malefícios do liberalismo moderno. A Rerum Novarum condenava as idéias
socialistas e anarquistas. Na medida em que defendia a propriedade e a harmonia entre as
classes, a encíclica julgava serem essas ideologias desordeiras e agressoras ao direito de
4
CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 30.
27
propriedade do indivíduo. Cinco temas de maior importância discutidos na encíclica são
analisados a seguir: o corporativismo, a harmonia e a cooperação entre as classes, a
propriedade privada, o papel do Estado na sociedade moderna e, por último, a crítica ao
socialismo, que perpassa todos os anteriores. Antes, no entanto, considerações são feitas sobre
o processo de formação conceitual da doutrina expressa na encíclica, com destaque para os
pensadores católicos do século XIX e para a crítica da Igreja ao liberalismo.
Após a Revolução Francesa, no fim do século XVIII, e a conseqüente laicização do
Estado, a Igreja perdeu espaço político e identificação social. O Estado passou a figurar como
a referência política principal, assumindo espaços anteriormente ocupados pela Igreja. Além
disso, o poder ideológico, exercido pela Igreja, sofreu forte concorrência das novas ideologias
surgidas nesse período, tais quais, o socialismo e o liberalismo.
A publicação da encíclica Rerum Novarum, em 1891, articula-se com uma série de
transformações ocorridas na Europa a partir da segunda metade do século XIX. Do ponto de
vista político-econômico, as principais concepções do liberalismo clássico eram superadas por
um novo liberalismo, no qual o Estado tinha papel mais atuante sobre a sociedade. Essas
transformações decorreram justamente do endurecimento da política liberal clássica durante o
século XIX e suas conseqüências sociais, a exemplo, o empobrecimento crescente do
operariado.
Segundo Andrew Vincent (1995), a nova ideologia liberal representa uma concepção
diferente de liberdade, em oposição à idéia do liberalismo clássico, pela qual o indivíduo livre
deveria estar distante de qualquer ação estatal. Segundo o autor, o novo liberalismo pregava
que a liberdade seria válida enquanto fosse útil à sociedade. É importante destacar que, a
partir desse período, a aceitação das injustiças resultantes do livre mercado, e uma boa
distribuição das riquezas garantiria a liberdade individual das pessoas. Nesses termos, a ação
do Estado era justificável, quando fosse necessária para garantir o bem comum. Segundo essa
concepção, a justiça e a igualdade deviam ser reguladas pelo Estado e não mais resultantes da
“mão invisível”, mas da coerção legal, que garantiria a redistribuição de riquezas e o bem
comum. (p.51-54)
A crise do liberalismo, no início do século XX, fez com que vários regimes liberal-
democráticos fossem derrubados por todo o mundo. As direitas chegaram ao poder lutando
não somente contra o Estado liberal clássico, mas também contra uma outra força que as
contestava, a saber, os comunistas. O medo da revolução social fez com que, durante quase
todo o “breve século XX”, as direitas ascendessem ao poder, algumas delas baseadas em
28
orientações muito próximas das defendidas pela Igreja. Eric Hobsbawn (1995) destaca o
chamado “estatismo orgânico” produzido:
[...] não tanto defendendo a ordem tradicional, mas deliberadamente recriando seus
princípios como uma forma de resistir ao individualismo liberal e à ameaça do
trabalhismo e do socialismo. Por trás disso havia uma nostalgia ideológica de uma
imaginada Idade Média ou sociedade feudal, em que se reconhecia a existência de
classes ou grupos econômicos, mas a terrível perspectiva da luta de classes era
mantida a distância pela aceitação voluntária de uma hierarquia social, pelo
reconhecimento de que cada grupo social ou “estamento” tinha seu papel a
desempenhar numa sociedade orgânica composta por todos, e deveria ser
reconhecido como uma entidade coletiva. Isso produziu vários tipos de teorias
“corporativistas”, que substituíam a democracia liberal pela representação de grupos
de interesse econômico e ocupacional. (p.117)
Toda essa reorganização política encontrou suporte na Igreja Católica Romana, que
desde o imediato posterior à Revolução Francesa, lutou contra as forças modernas tentando
defender seus dogmas. A crítica ao liberalismo faz parte da agenda da Igreja desde que a
economia e a política no mundo passaram a ser guiadas por tal ideologia. A inspiração
corporativista dos regimes antiliberais do início do século XX já integrava a política oficial da
Igreja desde 1891, ano de publicação da Rerum Novarum. No entanto, as idéias baseadas no
corporativismo também se justificavam por uma postura assumida pela Igreja Romana de
combate ao socialismo ateu.
Até 1891, a explicação oficial da Igreja para a fragilidade da sociedade moderna no
que se referia à proteção aos pobres, era o abandono da cristã. No correr do século XIX,
embora a maioria dos católicos da época considerasse a “questão social”, ou seja, o
pauperismo do operariado e a divisão antagônica da sociedade em classes, decorrência do
abandono da religião tradicional e dos princípios éticos de assistência ao pobre, algumas
vozes cristãs já esboçavam nova forma de pensar. Parte dos pensadores católicos já enxergava
a questão social como conseqüência da modernidade, como um problema estrutural inerente à
lógica capitalista. Esse processo foi o que desencadeou a nova postura assumida pela Igreja
frente à modernidade a partir de 1891.
Henrique Matos (1991) destaca alguns movimentos e figuras que, durante o século
XIX, deram voz às inquietações católicas frente à situação de pobreza dos trabalhadores na
Europa. Cita, entre outros, Frederico Ozanam (1813-1853), fundador das Conferências de São
Vicente de Paulo (1833), que “ultrapassa, na sua análise da questão social, o vel de simples
‘caridade assistencial’ e aborda, em termos proféticos, o conflito entre capital e trabalho.”
O autor cita, ainda, grupos e movimentos como os “protestos proféticos de membros do
episcopado francês”, de meados do século XIX, destacando a preocupação com a exploração
29
do trabalho infantil na França. Destaca a “Revista mensal por reforma social católica”, de
1879, dirigida pelo austríaco Karl von Vogelsag (1818-1890), responsável pela publicação
dos princípios sociais católicos e pela divulgação de teses “voltadas para o corporativismo”.
(p.774-775)
Rita de Cássia Marques (1995) também destaca a inquietação dos pensadores católicos
frente à questão social durante o século XIX. Para a autora, no fim do século, a Igreja o
podia mais ignorar a questão social. “Afirmar que o pobre deveria se conformar com a sua
situação tornara-se problemático. [...] O próprio papa teria que se envolver mais diretamente e
isso foi o que ocorreu com a encíclica Rerum Novarum, de 15 de maio de 1891.” (p.31-32)
Rita de Cássia Marques destaca, ainda, a novidade que a encíclica representava para a
doutrina católica. Pela primeira vez, uma questão moderna era assumida pela Igreja:
Pela ação desses precursores, observa-se que a encíclica Rerum Novarum foi mais
uma sistematização oficial de várias idéias que estavam em circulação na Europa, do
que, propriamente, uma novidade no campo social. A evolução do pensamento da
Igreja para a questão social foi impulsionada por uma série de fatores que forçaram
uma mudança. O pontificado de Leão XIII (1878-1903) teve importância capital
para a Igreja, pois, pela primeira vez, um Papa assumiu uma questão moderna.
(1995, p.32)
Leão XIII tentou com a Rerum Novarum lançar um projeto de transformação social
que se legitimasse perante a sociedade como a verdadeira modernidade. Nesse sentido,
evocou o passado da Igreja e buscou verdades que considerava fundamentais e inalteráveis.
Tentava com isso estabelecer parâmetros para constituir uma nova organização mundial, nos
quais a Igreja se afirmaria novamente como a “consciência moral do mundo” (SOUZA,
2002). Buscou, então, em São Tomás de Aquino, subsídios para enfrentar o racionalismo
moderno e reconquistar o espaço perdido pela instituição. São Tomás de Aquino acreditava
que por meio da razão seria possível chegar às verdades supremas. Nesse sentido, Leão XIII
buscava uma ação da Igreja mais condizente com as necessidades postas pela modernidade
sem, no entanto, abandonar os dogmas e as tradições católicas.
É verdade, porém, que os católicos não podem ser considerados os precursores na
busca sistemática por uma solução para a questão social. O estudo mais complexo sobre suas
causas e que propôs a superação desses problemas de forma mais radical deve ser creditado ao
movimento socialista do século XIX. A expressão maior dessas idéias é, decerto, o Manifesto
Comunista, de 1848, escrito por Karl Marx e Friedrich Engels. O documento, considerado a
pedra angular do pensamento comunista, esclarece sobre o caráter revolucionário da classe
burguesa e explicava o processo pelo qual esta classe conquistou a hegemonia na sociedade.
30
Dessa forma, tenta convocar os proletários a lutar para reverter esse quadro, exaltando as
características revolucionárias da classe. O Manifesto Comunista foi escrito e publicado com
linguagem propícia para que tivesse fácil circulação entre os operários europeus.
A proposta revolucionária dos socialistas pode ser considerada como um dos fatores
que impulsionaram uma tomada de posição da Igreja frente à questão social. A influência
socialista poderia fazer com que a ordem estabelecida fosse rompida, o que desagradaria a
Igreja. Prova disso é que a proposta da Igreja era totalmente contrária às idéias socialistas.
Henrique Matos (1991) destaca o pouco alcance das idéias católicas durante o século
XIX e, ainda, seu caráter anti-socialista:
Podemos afirmar que a ação social católica, sobretudo na segunda parte do século
XIX, foi muito variada e significativa. O elenco de seus protagonistas e iniciativas,
no entanto, não deve induzir-nos a uma ótica por demais idealista. Na verdade, o
alcance desse movimento social católico é restrito. […] Uma explícita nota anti-
socialista também faz parte do imaginário social católico desse período, tendo como
pano de fundo o medo de “perder as massas operárias” e a possibilidade de uma
inversão dos modelos estabelecidos na organização sócio-econômica. (p.776)
A principal característica da Rerum Novarum é o debate das idéias liberais e
socialistas e a apresentação de uma alternativa católica, baseada no corporativismo, buscando
soluções para os problemas da classe operária. Segundo Bobbio, Matteucci e Pasquino (2004),
o corporativismo é uma doutrina que defende a organização da coletividade baseada na
associação e na representação dos interesses dos trabalhadores organizados por atividades
profissionais. O corporativismo propõe a remoção dos interesses conflituosos, tais como, a
concorrência no plano econômico, a luta de classes no plano social, as diferenças ideológicas
no plano político. O modelo é baseado nos princípios da solidariedade e da harmonia entre as
classes. (p. 287-291)
As origens do corporativismo datam da Idade Média, quando os artesãos se
organizavam nas corporações de ofício, comunidades autônomas que dispunham do
monopólio da produção de um produto em uma localidade específica. Os principais objetivos
das corporações de ofícios medievais eram garantir o monopólio do trabalho limitando o
número de associados e, portanto, definindo quem poderia exercer determinado ofício na
localidade e, ainda, impedir o desenvolvimento de concorrência interna entre os membros.
Tratava-se de uma organização tanto técnica quanto social do trabalho. Segundo Castel
(2005), a “participação de um ofício em uma corporação marca o pertencimento a uma
comunidade distribuidora de prerrogativas e de privilégios que asseguram um estatuto social
para o trabalho” (p.155). Ao analisar o processo cio-histórico que levou à sociedade
31
salarial, Castel analisa as corporações de ofícios medievais concluindo que tal forma de
organização impedia a existência de um mercado em que as mercadorias circulassem
livremente e, ainda, determinava a inexistência de um mercado de trabalho. As corporações
medievais, portanto, configuravam-se como organizações de proteção do trabalho que
buscavam garantir o monopólio de um ofício em uma localidade específica.
Preocupada em reverter as perdas ocorridas desde o advento da modernidade, a Igreja
buscou no corporativismo valores para sua proposta de enfrentamento da questão social. No
discurso da Igreja, o conceito de classe se confundia com o de corporação. Segundo Souza
(2002), ao rejeitar a idéia de luta de classes, a Igreja recorria ao corporativismo e tentava
fundir os conceitos de classe e corporação. A classe trabalhadora era definida, então, pelo ato
de produzir, de trabalhar. Em sua nova identidade, essa classe devia aceitar a divisão social do
trabalho, justificada pela natureza humana e determinada pela vontade de Deus. A intenção da
Igreja era desvincular do conceito de classe trabalhadora a idéia de transformação radical da
sociedade defendida pelo socialismo. (p.37)
Ao assumir a questão social, a Igreja tentava recuperar o espaço perdido com o
advento da modernidade e se legitimar como irradiadora de uma “consciência moral do
mundo” (SOUZA, 2002). Para tanto, a Igreja Romana realizou o que Eric Hobsbawn e
Terence Ranger (2002) denominaram de operacionalização das tradições inventadas, ou seja,
reinterpretou o passado, ritualizou-o e o adaptou às necessidades presentes. Segundo os
autores, frente a novos desafios políticos e ideológicos, instituições como a Igreja, “com
funções estabelecidas, referências ao passado e linguagens e práticas rituais podem sentir
necessidade de fazer tal adaptação” (p.13).
A Igreja, nesse sentido, buscou no corporativismo os princípios da solidariedade e da
harmonia entre as classes. Com o conservadorismo e o apelo às tradições, a Igreja reagia
contra a ameaça de transformação radical da sociedade advinda do socialismo. Segundo
Souza (2002), “Leão XIII investiu plenamente na manutenção das tradições católicas. Neste
aspecto foi tão conservador, no sentido de manter o ethos cultural dominante, quanto seus
antecessores” (p.54). No caso da Igreja Católica, o conservadorismo ou atitude de apego ao
passado ou de temor ao futuro é resultado do medo do futuro resultante das conseqüências
das revoluções burguesas e do advento da ideologia socialista.
“A Igreja Católica mais uma vez articulava, de maneira singular, os múltiplos
discursos existentes em seu interior e os recriava à luz da nova realidade, trazendo-os para si
mediante diferentes considerações teológicas (Souza, 2002, p. 57)”. Essa foi a estratégia da
32
Igreja para se firmar como agente irradiador da consciência moral do mundo e capturar, por
meio de seu apelo moral, o sentimento das massas trabalhadoras e trazê-las para sua doutrina.
A corporação era, segundo a Rerum Novarum, o instrumento que viabilizaria a
harmonia entre as classes. Segundo Rita de Cássia Marques (1995), a corporação representava
para a Igreja espaço de convivência no qual patrões e empregados poderiam se confraternizar,
demonstrando a viabilidade do projeto católico para o enfrentamento da questão social (p.34).
Leão XIII defendia a harmonia entre classes e argumentava que patrões e operários,
ricos e pobres, não deviam se digladiar, pois eram fruto da organização natural da sociedade,
portanto, elementos complementares. Escreveu o papa na carta encíclica de 1891:
O erro capital na questão presente é crer que as duas classes são inimigas natas uma
da outra, como se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres para se combaterem
mutuamente num duelo obstinado. Isto é uma aberração tal, que é necessário colocar
a verdade numa doutrina contrariamente oposta, porque, assim como no corpo
humano os membros, apesar da sua diversidade, se adaptam maravilhosamente uns
aos outros, de modo que formam um todo exatamente proporcionado e que se
poderá chamar simétrico, assim também, na sociedade, as duas classes estão
destinadas pela natureza a unirem-se harmoniosamente e a conservarem-se
mutuamente em perfeito equilíbrio. Elas têm imperiosa necessidade uma da outra:
não pode haver capital sem trabalho, nem trabalho sem capital. (LEAO XIII, 1991,
p.13-14)
A harmonia entre as classes pressupunha, então, uma colaboração entre capital e
trabalho, considerados elementos naturais da sociedade. Nesse sentido, o princípio da
colaboração entre classes era defendido pela Igreja. Segundo a encíclica Rerum Novarum, as
desigualdades sociais eram naturais. Capital e trabalho, elementos complementares, eram
partes da organização natural da sociedade. A riqueza resultante dessa colaboração de classes
deveria ser distribuída com justiça, o que não significava eqüidade
5
. O capital não deveria se
apropriar de toda a fortuna e deixar os trabalhadores na miséria, mas, por outro lado, não
deveriam os operários almejar suprimir a propriedade privada. Muito menos, os operários
deveriam ir contra a lei natural da divisão social. Sobre os deveres do operário e do patrão,
esclarece a Rerum Novarum:
[...] Deve (o operário) fornecer integralmente e fielmente todo o trabalho a que se
comprometeu por contrato livre e conforme à eqüidade; não deve lesar o seu patrão,
nem nos seus bens, nem na sua pessoa; as suas reivindicações devem ser isentas de
5
O que se pode apreender da análise da encíclica Rerum Novarum é que justiça, na distribuição das riquezas,
significava garantir aos trabalhadores um salário justo, que os permitisse ter as condições mínimas de
sobrevivência. Nesse sentido, a justiça da Igreja reproduzia a manutenção das diferenças econômicas entre
patrões e operários.
33
violências, e nunca revestir a forma de sedições; deve fugir dos homens perversos
que, nos seus discursos artificiosos, lhe sugerem esperanças exageradas e lhe fazem
grandes promessas, as quais só conduzem a estéreis pesares e à ruína das fortunas.
Quanto aos ricos e aos patrões, não devem tratar o operário como escravo, mas
respeitar nele a dignidade do homem, realçada ainda pela do cristão. […] O que é
vergonhoso e desumano é usar dos homens como de vis instrumentos de lucro, e não
os estimar senão na proporção do vigor de seus braços. (LEÃO XIII, 1991, p.14)
Com a publicação da Rerum Novarum, a Igreja refutava o critério socialista sobre a
propriedade privada. Segundo a encíclica, a propriedade social ou estatal representaria
prejuízo ao próprio operário, que perderia a possibilidade de conquistar, com trabalho e
parcimônia, patrimônio para sua família. O patrimônio seria o prolongamento da vida
humana, que se constrói para a família. Com esses argumentos, a Igreja reforçava a idéia de
direito natural à propriedade realçava sua função social. (FARIAS, 1995, p.132)
A supressão da propriedade privada e sua conversão em propriedade coletiva almejada
pelos socialistas, segundo o catolicismo, tornariam a situação dos operários mais precária. Tal
processo privaria os trabalhadores “retirando-lhes a livre disposição do seu salário e
roubando-lhes, por isso mesmo, toda a esperança e toda a possibilidade de engrandecerem o
seu patrimônio e melhorarem a sua situação”. (LEÃO XIII, 1991, p.6)
Um dos papéis do Estado, segundo a Rerum Novarum, era garantir a função social da
propriedade privada. O Estado teria um papel distributivo e deveria agir de forma a garantir o
bem-estar de todos. O texto esclarece, no entanto, que o Estado deveria agir quando o
indivíduo fosse ameaçado e sofresse privações. Era papel do Estado, ainda, impedir a
desordem social e atuar em causas essenciais, como a garantia do trabalho digno e do salário
justo.
As considerações sobre o Estado demonstram uma tentativa de a Igreja se enquadrar
no modelo de Estado interventor que, com o tempo, tornou-se necessário para conter os
excessos do liberalismo. (MARQUES, 1995, p.34)
A crítica ao socialismo está presente em todas as principais questões da carta encíclica
de 1891. Ao criticar as posições socialistas sobre a propriedade privada, o papel do Estado, a
máxima do conflito de classes, entre outras, a Rerum Novarum declara guerra aos principais
argumentos socialistas. Apresenta, no entanto, soluções diferentes para as mesmas questões.
Entre as várias críticas, a Igreja percebia a abolição da propriedade privada como um
desestímulo à capacidade inventiva do homem, que seria resultado da vontade de adquirir
bens. A encíclica demarca o início da doutrina social da Igreja, que seria responsável pelo
surgimento de vários movimentos sociais católicos pelo mundo.
34
Em síntese, a Igreja propunha com a Rerum Novarum um sistema que garantisse a
liberdade, a propriedade privada e a harmonia entre as classes sociais. Tal sistema deveria
garantir aos trabalhadores o atendimento das necessidades materiais básicas. Em suma, uma
“terceira via” entre as ideologias liberal e socialista. Para os objetivos dessa pesquisa, a
doutrina social da Igreja é considerada a formação discursiva sob a qual se construiu o
discurso católico no Brasil da Primeira República, em especial, na cidade de Belo Horizonte.
2.2 O trabalho na Primeira República brasileira: correntes ideológicas e estratégias
sindicais
Os estudos pioneiros sobre a classe operária no Brasil centravam suas análises nas
origens da classe operária. Autores como Juarez Rubens Brandão Lopes (1964), José
Albertino Rodrigues (1968), Leôncio Martins Rodrigues (1966) e Azis Simão (1966) davam
significativa importância para o papel dos imigrantes estrangeiros e da imigração rural. Tal
interpretação deu origem à tese de que a classe operária brasileira foi, durante a Primeira
República, combativa e com grande consciência de classe. Isso se devia, sobretudo, à imensa
maioria de imigrantes europeus e à ideologia anarquista radical trazida por eles. Nesse
sentido, a tese também defendia a idéia de que a falta de combatividade operária no pós-30 foi
conseqüência da inversão dessa maioria, então composta por brasileiros de origem rural.
Tal corrente interpretativa gerou uma idéia, que foi reiterada diversas vezes em
estudos posteriores de que o movimento operário, na Primeira República, era essencialmente
anarquista. No entanto, algumas questões podem ser levantadas sobre a ligação que se fez
entre a imigração, sobretudo italiana, e a preponderância da ideologia anarquista. Primeiro,
deve-se considerar que tal interpretação incorre numa visão de classe operária homogênea e
sempre consensual no que se refere à forma de ão. Segundo, ao fator imigração é conferida
a responsabilidade pela homogeneidade do movimento operário e do anarquismo como
ideologia dominante Dessa forma são desconsiderados alguns fatores, tais quais divisões
étnicas e o fato dos imigrantes italianos possuírem identidades locais bastante distintas. E por
último: a maioria absoluta dos estudos tinha como objeto a experiência de São Paulo e do Rio
de Janeiro que, embora fossem espaços privilegiados para pesquisa, dados os parques
industriais mais desenvolvidos, o número de trabalhadores e o volume de documentos, não
representa o espelho das outras regiões do país.
35
Para Cláudio Batalha (2000), a noção do ideário único do anarquismo e o estereótipo
do militante italiano ainda são reforçados por filmes, telenovelas e romances, e mesmo por
parte da produção acadêmica, restando pouco espaço para a divergência e para a dúvida (p.7).
O autor explica, ainda, sobre a contraditória interpretação referente à origem dos imigrantes:
Pouco importa se esses imigrantes não se viam como italianos, mas como vênetos,
lombardos, napolitanos e calabreses, que não falavam um idioma comum; se vinham
do campo e para iam, uma vez que eram, na origem, trabalhadores agrícolas ou
pequenos agricultores; ou, ainda, se a imensa maioria jamais tivera qualquer contato
com o anarquismo. Nessa perspectiva desaparecem os outros imigrantes, bem como
os trabalhadores brasileiros, sobretudo os negros; além disso, de resto, o Brasil
inexiste ao norte do Rio de Janeiro. (p.7)
O que Batalha quer frisar, e em com ele boa parte da produção acadêmica mais
recente sobre o tema, é que havia durante a Primeira República uma multiplicidade de
experiências e uma variedade de correntes ideológicas. O fato de os principais estudos
desconsiderarem fatores regionais impossibilita a ampliação de tais conclusões para o restante
do país. Nessa perspectiva, as considerações de Hobsbawn (2005) sobre as batalhas
ideológicas e suas implicações na produção acadêmica, sobretudo no concernente a trabalho e
trabalhadores, são importantes para evitar incorrer numa história contrafactual. O autor
destaca alguns exemplos de discussão que geraram uma história especulativa:
Basta que eu apenas mencione discussões como aquelas sobre os prós e os contras
dos anarquistas e dos comunistas na Guerra Civil Espanhola, sobre se o governo
francês da Frente Popular de 1936 “deveria ter” solucionado as greves de massa
daquele ano, ou se os partisans franceses ou italianos deveriam ter tentado o poder
revolucionário em 1944-5. Todos esses argumentos, assim como os exercícios mais
formalizados dos “cliometristas”, baseiam-se na suposição de que podemos avaliar
ou calcular quão diferente teria sido a história do mundo se o nariz de Cleópatra
tivesse uma polegada a mais. […] História é o que aconteceu e não o que poderia ter
acontecido. […] especulações contrafactuais não são exercícios teóricos, mas
simulam investigar alternativas reais, e que raramente sabemos o bastante para fazê-
lo de modo convincente. (p. 23)
As batalhas ideológicas, travadas nos estudos pioneiros sobre o trabalho e a classe
operária no Brasil, criaram um esquema rígido, pelo qual se tentou criar uma teoria geral
sobre o operariado. Tal paradigma caracterizava o movimento operário como essencialmente
anarquista até 1922, quando os esforços do operariado voltaram-se para a consolidação do
Partido Comunista Brasileiro (PCB). Tal paradigma deveu-se à sistemática generalização das
conclusões de estudos que tiveram como objetos o Rio de Janeiro e São Paulo para o restante
do país. Como afirma Veriano (2001):
36
A experiência histórica de formação do capitalismo, no eixo Rio-São Paulo, não
pode ser espelhada a rigor em outras regiões do País. Os motivos que levaram à
industrialização e à formação do proletariado no País, nas primeiras décadas do
século XX, tiveram razões e formas diferenciadas em diversos Estados da
Federação. Basta observarmos a questão da abolição no fim do império em cada
região do País para termos cada vez mais vidas que certezas em relação ao seu
real significado. (p.148)
De fato, ao considerar apenas as experiências de São Paulo e do Rio de Janeiro, o
anarquismo foi preponderante como ideologia durante a Primeira República, sobretudo no
período anterior a 1922, ano de fundação do PCB. Não se deve, no entanto, desconsiderar a
existência e a força de outras ideologias, tais quais o socialismo e o catolicismo, em outras
localidades ou mesmo nas citadas. O fator essencial para essa liderança, no entanto, foi a
própria condição política da época.
[…] tanto o socialismo como o anarquismo eram doutrinas presentes nesse
movimento operário. O que levou o anarquismo a suplantar o socialismo na
preferência de muitos militantes operário deveu-se menos às características do tipo
de trabalhador que militava nesse movimento e muito mais às condições políticas do
Brasil da Primeira República. Pois é difícil supor que um socialismo em grande
parte voltado para a mudança através do processo eleitoral, que distingue o
socialismo da Segunda Internacional, pudesse florescer em um quadro político em
que o espaço para a participação eleitoral dos trabalhadores fosse tão limitado
quanto o caso brasileiro. (BATALHA, 2003, p.172)
É essencial considerar, no concernente ao movimento operário da Primeira
República, a noção de que divisão e unidade coabitam a classe e, ainda, que uma
diversidade de identidades de classe possíveis. Dessa forma, é possível entender a existência
de ideologias diversas, distintas ou mesmo convergentes e, que dependendo de fatores
regionais ou da formação do operariado, tornam-se dominantes ou não. O estudo do
sindicalismo e do movimento operário, em geral, deve ser submetido à lógica da mudança
histórica e às características específicas que elementos como o tempo e o espaço
proporcionam. Nesse sentido, tanto elementos sociais e culturais desagregadores como
estratégias de resolução ou atenuação de conflitos em busca da unidade compõem as
experiências vividas por trabalhadores em sua coletividade. (SAVAGE, 2004; KIRK, 2004)
São cinco as correntes ideológicas de maior destaque no movimento operário,
durante a Primeira República: o socialismo, o anarquismo, o positivismo, o cooperativismo e
o catolicismo. O socialismo defendia um programa de reformas, entre as quais, o voto secreto
e a ampliação do direito do voto, jornada de trabalho de oito horas e proibição do trabalho de
menores de 14 anos. Para tanto, os socialistas pretendiam pressionar o poder público e eleger
seus representantes. “No entanto, o sistema eleitoral da Primeira República, com voto aberto e
37
o controle das eleições pelos partidos situacionistas, dificultava enormemente esse projeto”
(BATALHA, 2000, p. 22).
O anarquismo foi a ideologia mais influente em São Paulo. Representados pela
corrente anarco-sindicalista, os anarquistas tinham em seu programa seu principal objetivo:
alcançar a transformação radical da sociedade por meio da greve geral revolucionária.
Segundo Fausto (2000), os anarquistas lutavam por reivindicações imediatas, acreditando ser
esse um instrumento para a revolução social. No entanto, a realidade social brasileira não
permitia o cumprimento do programa anarquista. (p. 298)
Angela de Castro Gomes (2005) realça a ação dos anarquistas, durante a Primeira
República, e destaca a tentativa de afirmarem o anarquismo como uma ideologia hegemônica.
Segundo a autora, tal esforço se deu sobretudo no embate ideológico contra os socialistas,
pautado na crítica à ação deles ser voltada para conquistas econômicas imediatas, sem visar ao
objetivo de transformação social a longo prazo. A autora afirma que essa demarcação
contribuiu para a construção de uma dicotomia: os anarquistas e os outros. O desdobramento
disso foi a caracterização dos outros como os “amarelos”. (p. 84)
O positivismo e o cooperativismo foram correntes ideológicas menos visíveis que o
socialismo e o anarquismo. O positivismo teve representação principalmente no Rio de
Janeiro e no Rio Grande do Sul. Segundo Leonidio (2005), o positivismo exerceu influência
no movimento operário brasileiro desde o Império, com posição marcante nos primeiros anos
da República, pelo menos até o momento em que o anarquismo alcançou sua supremacia.
Segundo o autor, a ideologia marcou a forma de organização dos trabalhadores no país.
Uma influência de certa forma difusa, mas que marcou a concepção do trabalho e de
sua forma de organização no país. Tal concepção conforme visto tendia a uma
conciliação entre patrões e operários, tudo em nome de uma harmonia ou de uma
ordem social utopicamente concebida, mas que muito convinha à mentalidade
conservadora da época. (LEONIDIO, 2005, p. 26)
Segundo Batalha (2000), a atuação dos positivistas, no meio operário, muitas vezes
mesclava-se com os socialistas e consistia em:
[…] levar adiante reivindicações relacionadas com a melhoria das condições de vida
e trabalho, mas defendendo esses pontos através de apelos às autoridades,
apresentação de candidatos operários para os cargos eletivos e busca de formas de
entendimento sem recurso à greve e outras formas mais radicais de luta. Em suma,
pretendem, ao seu modo, garantir uma certa cidadania social para os trabalhadores,
pondo em prática a xima de Auguste Comte da “incorporação do proletariado à
sociedade moderna”. (p.184)
38
o cooperativismo foi uma corrente com pouco destaque durante a Primeira
República, pelo menos até 1923, quando firmou aliança com o nascente Partido Comunista
Brasileiro. Tal aliança propiciou um importante instrumento de propaganda ao partido: uma
coluna no jornal O Paiz (BATALHA, 2000, p. 37).
O catolicismo foi uma doutrina bem mais representada que o cooperativismo e o
positivismo. Tal doutrina era seguida por organizações ligadas à Igreja e buscava afastar os
trabalhadores do socialismo e do anarquismo. A corrente católica tinha suas bases na doutrina
social da Igreja, expressa na encíclica Rerum Novarum, de 1891. Essas organizações
buscavam o entendimento entre patrões e trabalhadores e eram contrárias às greves. Suas
reivindicações eram feitas sempre de forma pacífica, por meio de solicitações formais aos
poderes públicos, oferecendo em contrapartida o controle dos trabalhadores sob a sua
influência, graças ao poder persuasivo do discurso religioso. Batalha (2000) destaca as três
entidades operárias católicas de maior influência, durante a Primeira República: o Centro dos
Operários Católicos (1899), de São Paulo transformado mais tarde em Centro Operário
Católico Metropolitano (1907); a Federação Operária Cristã, atuante na década de 1910 em
Pernambuco; e, por último, a Confederação Católica do Trabalho (1919), de Belo Horizonte,
“uma espécie de central de sindicatos católicos” (p. 28). O autor destaca, ainda, que o
catolicismo assumiu uma atitude mais militante na década de 1930, com a proposta dos
círculos operários católicos, presentes em várias localidades do país.
A produção acadêmica sobre o movimento operário comumente apresenta dois tipos
de estratégias sindicais para o período republicano anterior a 1922: o sindicalismo
revolucionário e o reformista. A partir de 1922, nova estratégia decorrente da ação do PCB
começa a se consolidar.
O sindicalismo revolucionário era de inspiração francesa e teve suas bases fundadas
com a publicação da carta de Amiéns, publicada em 1906 pela Confederação Geral do
Trabalho (CGT). O documento, considerado o marco inicial do sindicalismo revolucionário,
ecoou rapidamente no Brasil e influenciou as resoluções do Congresso Operário Brasileiro de
1906. O sindicalismo revolucionário baseava-se, entre outras coisas, na rejeição de
intermediários nas negociações entre patrões e trabalhadores o que pressupunha uma ação
direta, sem a participação de partidos políticos, indivíduos ou representantes do governo; na
negação do assistencialismo sindical, na recusa de lutas parciais e na greve geral como única
forma de luta dos trabalhadores.
Segundo Batalha (2000), no Brasil, as estratégias de longo prazo foram deixadas de
lado, o que facilitou a militância comunista junto aos sindicatos que adotavam a ação
39
revolucionária. O Congresso Operário Brasileiro, de 1906, defendia, em suas resoluções, o
sindicato desburocratizado, autônomo e voltado para a luta econômica. “Assim, para a
maioria da liderança anarquista, que defendia a participação nos sindicatos, não havia
nenhuma incompatibilidade entre seu próprio programa de longo prazo e a adoção, no dia-a-
dia da luta sindical, do sindicalismo revolucionário.” (p.30)
O sindicalismo reformista, por sua vez, tinha entre suas principais características a
defesa do sindicato como instituição sólida. Para tanto, o sindicato tinha que ser
financeiramente viável, e o recurso ao assistencialismo era aceito como forma de manter os
associados pagando mensalidades. Em contraste com os revolucionários, os reformistas
defendiam a greve como último recurso. O que de fato importava era a conquista de
vantagens para os trabalhadores, mesmo que fossem parciais e não alterassem em nada a
estrutura de exploração do capitalismo. A intermediação de políticos ou representantes do
governo era vista com bons olhos por ser considerada útil no atendimento das reivindicações.
Os reformistas defendiam a participação política e buscavam a aprovação de leis que
garantissem os direitos negociados.
Batalha (2003) afirma que existiam duas formas de sindicalismo reformista durante a
Primeira República, que se diferenciavam pela forma de lidar com a questão dos direitos
políticos. A primeira buscava a obtenção de direitos sociais sem questionar o sistema político
e era sustentada pelo positivismo e pelo cooperativismo. A segunda propunha a conquista de
direitos sociais aliada à conquista de direitos políticos, objetivando a mudança do sistema por
meio da participação político-eleitoral. Dessa forma, o que o autor defende é que, mesmo no
interior de uma estratégia sindical, havia uma heterogeneidade de correntes ideológicas
geradora de práticas distintas. (p.174)
O sindicalismo reformista foi chamado por muitos autores de amarelo” ou “dócil”.
No entanto, tais denominações carregam uma significação valorativa que nos últimos anos
tem gerado um debate fecundo. O termo amarelo” era usado pelos revolucionários para
designar pejorativamente os reformistas, numa tentativa de associar a imagem de tal corrente
à de um sindicalismo financiado pelos patrões e, portanto, incompatível com os anseios da
classe trabalhadora. No entanto, tal fenômeno foi inexpressivo no Brasil, reduzindo-se a
algumas associações beneficentes de empresas. (BATALHA, 2000)
A caracterização pejorativa do sindicalismo reformista desvaloriza uma forma de
ação que possuiu um mero considerável de adeptos e que, a seu modo, conquistou diversas
melhorias para os trabalhadores brasileiros, durante a Primeira República. Por muito tempo, a
produção acadêmica sobre o assunto sedimentou uma dualidade entre as duas estratégias
40
sindicais, de um lado, os revolucionários, portadores da consciência de classe e representantes
do verdadeiro sindicalismo e, do outro lado, os reformistas, que teriam aderido aos valores
dominantes.
Uma classe existe no momento histórico em que toma consciência de si própria.
Esse parece ser o consenso nos estudos mais recentes sobre o assunto.
6
O que é necessário
perceber é que a consciência de classe não se refere apenas à consciência revolucionária e que
o reformismo, em suas várias formas, é também uma forma de consciência de classe. E, nesse
sentido, Batalha (1990) afirma que o sindicalismo revolucionário, no Brasil da Primeira
República, representa uma forma de consciência de classe.
Uma característica comum aos diversos reformismos é a noção de que a luta pelos
interesses de classe passa por essas organizações políticas [associações operárias],
que podem assumir formas que variam desde as sociedades de auxílio mútuo, que
visam remediar os males do capitalismo, até os partidos dispostos a mudar o
sistema. […]
É possível para o historiador do movimento operário deduzir a existência e o grau de
consciência de classe através das representações que a classe operária tem de si
própria, dos interesses que ela arvora, e da noção de antagonismo social que
manifesta.
Nesse sentido, o sindicalismo reformista representa uma forma de consciência de
classe, não no sentido revolucionário, mas nos limites do trade-unionismo. Mesmo
que a crítica ao capitalismo assuma, por vezes, uma feição radical, a ação reformista
visa, fundamentalmente, combater os males do capitalismo e não superá-lo ou
destruí-lo. (124-125)
As classes existem porque relação entre pessoas socialmente localizáveis, e a
consciência sobre esse conceito está expressa na forma como as vivências classistas se
realizam nas tradições, valores, idéias ou instituições. Nesse sentido, o trabalhador adepto à
estratégia reformista vislumbrava em sua escolha uma opção possível refletida nos seus
valores e nas suas instituições. “Daí a necessidade de se pensar a consciência sempre como
aquela possível de se processar num determinado momento histórico.” (SOUZA, 2002, p.37)
Mike Savage (2004), ao analisar o conceito de classe, sugere um novo traço
distintivo da vida operária, diferente das proposições marxista e weberiana.
Desse modo, sublinho que o traço distintivo da vida operária não se apóia
exclusivamente no processo de trabalho (como frisariam os marxistas) nem no
mercado de trabalho (como desejariam os weberianos), mas na insegurança
estrutural vivida por todos os trabalhadores. […] Essa formulação nos possibilita
6
Para a discussão sobre a consciência de classe, o destaque é dado à HOBSBAWN, Eric J. Notas sobre a
consciência de classe. (2005); THOMPSON, E. P. La sociedad inglesa del siglo XVIII, ?lucha de clases sin
clases? (1984).; e FORTES, Alexandre. Miríades por toda a eternidade”: a atualidade de E. P. Thompson
(2006).
41
reconhecer certas pressões estruturais sobre a vida operária, embora também pontue
a urgência de examinarmos a enorme variedade de táticas que os trabalhadores
podem escolher para cuidar de seus problemas da luta contra seus empregadores à
formação de cooperativas, à demanda de amparo estatal, à tessitura de redes de
apoio nas vizinhanças e por vai. […] reforça a necessidade de olhar para os
fatores contextuais que explicam como a própria carência geral dos trabalhadores em
lidar com tal insegurança conduz a diferentes tipos de resultados culturais e
políticos. Vital para o entendimento da variedade das culturas de classe e atitudes
que se desenrolam em qualquer sociedade é colocar o complexo processo da
formação da classe em evidência. (p.33-34)
Não é difícil, portanto, classificar de forma dual as estratégias sindicais do Brasil da
Primeira República. Deve-se, no entanto, entender que no interior dessas duas estratégias
coexistiam diversas manifestações ideológicas que não devem ser analisadas de forma
maniqueísta, mas sim a com base na percepção de características específicas que, em tempos
e espaços distintos, produziram resultados diferentes para os trabalhadores. Nesse sentido, a
formação do operariado é elemento relevante para a compreensão das características
ideológicas e formas de ação assumidas pelos trabalhadores. Mike Savage destacou no trecho
acima a importância de analisar a formação da classe trabalhadora, inserida no contexto
próprio, para entender as diferentes formas de enfrentamento da questão social.
O sindicalismo reformista, ao ser caracterizado como “dócil” ou “amarelo”, é
expropriado de uma de suas características mais importantes, a de ser uma forma assumida
pela consciência de classe de parcela significativa do operariado brasileiro, durante a Primeira
República. Parte do operariado acreditava que essa opção seria capaz de atender aos seus
anseios por melhorias nas condições de trabalho e vida.
2.3 A formação da classe trabalhadora em Belo Horizonte
A formação da classe trabalhadora de Belo Horizonte está diretamente ligada ao
processo de invenção da cidade. Belo Horizonte começou a ser construída em 1893 e foi
inaugurada em 1897, quando Ouro Preto deixou de ser oficialmente a capital de Minas Gerais.
Como pano de fundo dessa mudança está o processo de transição política da Monarquia para a
República. Primeira cidade planejada do Brasil, Belo Horizonte foi inventada com base nos
ideais de modernidade e de progresso positivistas característicos do século XIX. A equipe de
Aarão Reis, engenheiro responsável pelo projeto, era formada pelos mais importantes nomes
da engenharia e da arquitetura brasileiras. O projeto da cidade é reflexo da utopia urbana da
42
cidade ideal, caracterizada pela idéia de higienização. Nesse sentido, “as cidades, desde o
final do século XIX, foram demarcadas em termos da divisão e circulação dos diferentes
grupos sociais” e os espaços reservados aos menos favorecidos eram escolhidos numa
perspectiva segregatória. (VERIANO, 2001, p.90)
Por ocasião da construção da cidade, uma grande quantidade de homens e mulheres se
deslocou para a região do Curral Del Rey para trabalhar nas obras. Entre os trabalhadores que
vieram para Belo Horizonte no início de sua construção, foi significativa a presença de
imigrantes estrangeiros, que vieram para trabalhar em colônias agrícolas ao redor da cidade e
também como trabalhadores qualificados para a construção dela. O objetivo era também o de
abastecer a cidade com o desenvolvimento agrícola nas imediações. (DUTRA, 1988, p. 56)
Segundo Michel Le Ven, o objetivo da instalação de colônias rurais nos arredores da
cidade não era justificado apenas pela garantia do abastecimento. Havia também o intuito de
criar um “cinturão verde” ao redor da cidade e de povoar os espaços vazios. Em 1897, quando
a cidade foi inaugurada, a antiga Fazenda do Barreiro já era o maior núcleo agrícola da região,
com 31 famílias e um total de 185 indivíduos. (LE VEN, 1977, p.79)
Os imigrantes eram oriundos da Itália, Espanha, Áustria, Alemanha e França. Dentre
eles, os italianos eram a maioria. Segundo Dutra (1988), os imigrantes eram na maioria
trabalhadores qualificados, que se concentravam em atividades urbanas, em grande parte
ligados à construção civil. Segundo a autora, 32,8 % dos estrangeiros empregados, no setor
secundário, encontravam-se nesse ramo de atividade. (p.56)
O projeto da cidade não permitia a fixação da população trabalhadora, estrangeira ou
não, na zona urbana da cidade. Além disso, os preços dos lotes eram bastante elevados, e as
exigências feitas aos compradores tornavam a compra possível apenas para pessoas com boas
condições financeiras, o que não era uma característica dos migrantes e imigrantes recém-
chegados. (DUTRA, 1988, p. 57)
O projeto inicial não previa a absorção dessas massas de trabalhadores, e sua presença
era vista como transitória. Segundo Veriano (2001), havia uma postura ao mesmo tempo
discriminatória e regulatória no trato com as massas de trabalhadores por parte dos poderes
constituídos:
O afluxo de milhares de homens e mulheres em busca de um novo lar para viverem
trouxe para os poderes constituídos na cidade uma postura dupla no trato com essa
questão: a primeira, discriminatória, no sentido de exclusão desses novos agentes do
projeto urbano da cidade; a segunda, regulatória, notabilizando-se pela intolerância
aos pobres e suas práticas alternativas de sociabilidade. (p. 123)
43
A exclusão dos trabalhadores do cotidiano da cidade, desde seu planejamento, é fator
importante para compreender o processo de formação e organização da classe trabalhadora
em Belo Horizonte. Não bastassem estar à margem do projeto de urbanização, os
trabalhadores ainda sofriam retaliações em relação ao lazer deles. “Os jogos de azar, o
bacarat, a roleta, o jogo do bicho, as casas de tolerância eram negados ao populacho, mas
aceitos informalmente nas classes ricas da cidade” (VERIANO, 2001, p. 123). Desde os
primeiros anos da fundação da cidade, a questão social era vista como caso de polícia, que
reprimia a “vagabundagem” e a “mendicância”.
Durante as primeiras décadas do século XX, foram significativos os esforços dos
trabalhadores organizados em Belo Horizonte no sentido de reivindicar moradias operárias. A
pressão dos trabalhadores fez com que a prefeitura começasse a formalizar áreas para a
criação de moradias para os operários, nos primeiros anos após a inauguração da cidade. A
primeira vila operária foi criada, em 1909, na região do Barro Preto, localizada fora dos
limites da Avenida do Contorno, que determinava a zona urbana. Uma análise dos Annaes do
Conselho Deliberativo de Bello Horizonte demonstra a recorrência das reivindicações com
esse propósito, que passaram de forma mais sistemática às pautas de discussão a partir de
1917. Em 1919, por exemplo, um dos projetos referentes a habitações populares foi aprovado.
Uma ressalva ao projeto foi feita pelo conselheiro Hugo Werneck e se referia à conceituação
das pessoas que deveriam receber as concessões de terrenos:
Parece-me que devemos determinar de modo positivo, a significação desta palavra
“pobres”, que não poderá, aqui, ser considerada como sinomyma de “indigentes”, de
vez que o intuito da lei é, segundo penso, conceder esses lotes aos proletarios, aos
individuos que vivem de seu trabalho quotidiano e que, dispondo de pequenos
recursos, não são, todavia, indigentes.
7
Esse exemplo e a recorrência do tema, durante a década seguinte, demonstram que a
questão social foi assumida pelos poderes públicos na medida em que os contingentes de
trabalhadores instalaram-se na cidade e que a idéia de cidade administrativa foi caiu por terra.
Nesse sentido, durante as primeiras décadas do século XX, a disputa pela cidade se processou,
e os trabalhadores organizaram-se para conquistar o espaço deles. Segundo Veriano (2001),
todas as questões referentes às disputas de trabalhadores por espaço na cidade estão ligadas ao
direito à cidade e à cidadania:
7
Annaes do Conselho Deliberativo de Bello Horizonte – 2ª Reunião. Set. de 1919. p. 161.
44
Todas essas questões podem ser atribuídas a um único propósito, que é o direito à
cidade e à conquista da cidadania. A proposta de organização/construção da cidade,
desde cedo, colocou em questão quem deveria ser cidadão. Como buscar cidadania é
também buscar poder, e poder é extensão da prática política, o lugar da questão
social na cidade de Belo Horizonte ficou orbitando entre um meio legal de controlar
a plebe e um meio político de disciplinar comportamentos. As formas opressivas de
controle e dominação estabelecidas pelo uso da violência serão o meio necessário
utilizado pelas elites para diminuir a participação dos pobres ao direito social sico
em uma sociedade de classes. (p. 124)
Reflexo dessa tentativa de controlar as massas são as leis criadas para justificar a
perseguição ao pauperismo e à exclusão dos pobres. A partir de 27 de dezembro de 1900,
entrou em vigor o decreto municipal 1435, conhecido com Regulamento dos Mendigos,
que previa a catalogação de todas as pessoas consideradas em condição de mendicância.
8
Aos
inscritos seria dada uma carteira de identificação, sem a qual o mendigo não poderia pedir
esmolas.
O discurso político das elites da cidade de Belo Horizonte, em relação aos mais
pobres, era, segundo Veriano (2001), permeado por contradições de enunciação. A imagem
de uma cidade moderna, dotada de planejamento urbano, não conseguia integrar homens
pobres ao seu propósito.” (p.125)
Criada para ser sede administrativa de Minas Gerais, Belo Horizonte se desenvolveu e,
em 1920, possuía atividades econômicas diversas e um parque industrial com certa
expressão. Segundo Dutra (1988), durante a década de 1920, a indústria de Belo Horizonte
podia ser comparada a de outros centros do estado, se não pela força econômica, pela
variedade da produção e pela modernidade das empresas (p.55). “O mito da cidade
administrativa desaparecia à medida que se alterava sua estrutura ocupacional. A cada de
1920 foi uma época de crescimento acelerado, estimulado pelo setor privado.” (VERIANO,
2001, p.168)
A formação do operariado belo-horizontino é, portanto, fruto da mão-de-obra que veio
para construir a cidade. À medida que o ritmo das construções diminuiu, os trabalhadores
foram absorvidos por outros setores da economia que se desenvolviam na cidade, como a
indústria têxtil, metalúrgica, madeireira, cerâmica, alimentos e de serviços, em geral.
Segundo Dutra (1988), em linhas gerais, as condições de trabalho no período estudado
eram as piores possíveis. Os locais de trabalho eram insalubres, e os trabalhadores,
8
Eram considerados mendigos “todo o indivíduo que não puder ganhar a vida pelo trabalho que não tiver meios
de fortuna, nem parentes nas condições de lhe prestar alimentos, nos termos da lei civil, e implorar esmolas...”.
(Decreto-Lei n. 1435, Art. 1º)
45
submetidos a jornadas muito extensas. As vilas operárias não possuíam boas condições de
higiene, e a proliferação dos casebres deu origem às primeiras favelas da cidade. (p.63)
A organização dos trabalhadores em Belo Horizonte não tardou em acontecer. Durante
os primeiros anos de existência, várias associações foram criadas pelos trabalhadores (Quadro
1). As primeiras associações conhecidas são de auxílio mútuo ou beneficentes. As associações
mutualistas foram estigmatizadas como um momento “pré-histórico” do sindicalismo por uma
tradição historiográfica que desconsiderou, entre outras coisas, a importância delas como
organizadoras do operariado e o legado de características assistenciais nos sindicatos
(FORTES, 1999, p. 175). Geralmente essas associações eram voltadas para auxiliar os
trabalhadores em caso de doenças, morte ou invalidez. Muitas delas eram compostas apenas
por estrangeiros, como no caso da Sociedade Italiana Beneficente de Mútuo Socorro, fundada
em agosto de 1897, antes mesmo da inauguração oficial da cidade.
Quadro 1: Associações de classe em Belo Horizonte (1891-1921)
Fonte: PASSOS, 1991 apud VERIANO, 2001, p. 176.
Tipo de associação Associação Número de
Sócios
Data da
fundação
Auxílio e socorro mútuo
1. Associação Beneficente Tipográfica
2. Sociedade Italiana de Mútuo Socorro
3. Liga Operária
4. Sociedade Auxiliadora dos Funcionários
Públicos
5. Confederação Auxiliadora de Minas
Gerais
6. Sociedade Beneficente da Guarda Civil
7. Sociedade Beneficente dos Empregados
do Comércio
156
156
150
-
738
61
-
1891
1897
1900
1902
1905
1921
1921
Associação operária
católica
Confederação Católica do Trabalho
-
1919
Cooperativas
Cooperativa Operária
-
1917
Sindicatos profissionais
1. Grêmio Espanhol
2. Liga dos Operários
3. Associação dos Empregados no
Comércio
4. União Gráfica de Belo Horizonte
5. Centro dos Chauffeurs
62
268
1486
80
142
1909
1917
1908
1921
1921
46
Além da Sociedade Italiana, outras associações beneficentes surgiram nos primeiros
anos da cidade. Alguns exemplos são a Associação Beneficente Tipográfica (1891)
9
;
Auxiliadora dos Funcionários blicos (1902); Confederação Auxiliadora dos Operários de
Minas Gerais (1905), fundada pelo poder público estadual. Segundo Dutra (1988), “essas
associações como as suas congêneres mutualistas, visavam ao mútuo socorro, à instrução e
educação moral de seus sócios e à recreação, não tendo colorido político, religioso e filosófico
de nenhuma espécie.” (p. 115)
Em 1900, foi criada a Liga Operária, organização que buscava criar mecanismos de
proteção aos trabalhadores que pudessem ser aceitos pelas autoridades. A entidade atuou com
bastante presença junto ao operariado até 1912, quando mudou a linha de atuação e o nome
para Centro Operário Sindicalista. Michel Le Ven e Magda Neves (1996) destacam a ação da
Liga Operária em Belo Horizonte:
A Liga Operária foi mais ativa, impondo sua presença no espaço urbano:
organizando “paredes” para contestar o atraso de pagamento dos vales pela
Prefeitura; oferecia palestras para educação dos operários; apresentava peças no
Teatro Soucasseaux, sempre numa perspectiva pedagógica; lutava para ter direitos
iguais aos “burgueses” na cidade. Com isso, os trabalhadores, formalmente
segregados, expressavam seu desejo de serem reconhecidos no espaço belo-
horizontino planejado para o poder público e seus funcionários. (p.78-79)
Segundo Veriano (2001), a Liga Operária era composta por militantes leigos e
católicos, organizada para criar mecanismos de participação na vida política do operariado e
voltada para defender a capacidade de reprodução dos trabalhadores na cidade. (p. 193)
Embora a maioria das ações do operariado organizado de Belo Horizonte fosse de
caráter assistencialista e beneficente no período estudado, em 1912, deflagrou-se uma greve
de grandes proporções. Segundo Le Ven e Neves (1996), cerca de 2000 trabalhadores, 40%
do total, aderiram ao movimento paredista, que durou oito dias, entre 6 e 14 de maio. O
movimento foi liderado pelos funcionários da prefeitura, mas contou com a adesão de outras
categorias. A principal reivindicação dos grevistas era a jornada de 8 horas. A greve terminou
após um acordo feito em Corte Arbitral presidida pelo presidente do estado e com ganho de
causa para os trabalhadores. (LE VEN e NEVES, 1996, p. 79)
Entre 1917 e 1920, foram bastante conturbadas as relações entre patrões e
trabalhadores em outras capitais do país. Em 1917, São Paulo viu acontecer uma greve geral.
9
A data de fundação da associação dos tipógrafos, 1891, é anterior ao início das obras de construção da cidade,
1893. A inferência feita é que ela deve ter sido fundada ainda em Ouro Preto e, posteriormente, ter se transferido
para a nova capital.
47
Embora não tenha sido a única greve do período, a parede paulistana mereceu atenção
especial por seu “impacto e dramaticidade”, alcançando adesão estimada em 50 mil
trabalhadores (FAUSTO, 2002, p. 300-301). Segundo Veriano (2001), em Belo Horizonte,
tentou-se organizar uma greve de solidariedade à parede paulistana de 1917, que não obteve
êxito devido à precária articulação dos poucos setores organizados
10
. (p. 201)
Em Belo Horizonte, no entanto, o período não contou com muitas manifestações.
Apenas uma greve foi constatada, em 1919, e com pouca força. Tratava-se de manifestações
dos funcionários do Ramal da Estrada de Ferro, que reclamavam o cumprimento da jornada
de 8 horas. Entre 1917 e 1930, apenas três movimentos grevistas aconteceram na cidade,
conforme Quadro 2.
Reivindicações
Ano Grevistas Condições de
trabalho
Salariais Solidariedade Outras
1919 Trabalhadores do
Ramal da Estrada
de Ferro
Jornada de 8
horas
1926
Barbeiros
Fechamento às
8 horas da noite
Aumento de
salários
Realização de
caixa beneficente
para doenças e
falecimentos
1927
Choferes
Protesto pela
prisão de um
motorista
Quadro 2: Greves Belo Horizonte (1917-1930)
Fonte: Dutra, 1988, p. 128.
A forma de ação dos trabalhadores delineada nos primeiros vinte anos de existência da
capital, foi de um sindicalismo voltado para reivindicações mais pacíficas, sem o
comprometimento da ordem pública. A maioria das associações era voltada para o
mutualismo e a beneficência. Mesmo os movimentos considerados mais “combativos”
buscavam nos poderes públicos apoio e visavam à garantia das conquistas. No entanto, outro
fator merece destaque na formação do operariado belo-horizontino e em sua forma de ação, a
influência da Igreja Católica, que será melhor percebida durante a década de 1920. Segundo
Veriano (2001), a trajetória dos movimentos operários católicos em Belo Horizonte promoveu
“as maiores manifestações de oposição ou de legitimação das relações entre o capital e o
trabalho” (p.174). O autor destaca, ainda, as disputas que estavam no pano de fundo da luta
operária na cidade:
10
Veriano chama atenção para o estudo de SADER (1980) não ter incluído Belo Horizonte, que possuía o
terceiro maior contingente operário do país ao estudar as greves de solidariedade surgidas no país em 1917.
48
Esse espírito religioso da população da cidade será, em toda a década de 20 e 30,
alvo de preocupação e interesse da cúpula da Igreja católica no sentido de arrebanhar
novas forças sociais que se pronunciavam no cenário da nova Capital do Estado. O
que estava em disputa nesse momento era se a Igreja deveria ou não apoiar
movimentos leigos, visto que o clero católico no Brasil estava perdendo terreno
político com a separação da Igreja do Estado a partir da Constituição de 1891.
(VERIANO, 2001, p.175)
Após a separação do Estado, estabelecida pela Constituição de 1891, a Igreja buscou
meios de manter sua hegemonia em alguma área da sociedade em que pudesse atuar.
Inicialmente a Igreja mobilizou-se no sentido de garantir a instrução religiosa nas escolas. Em
Minas Gerais, a instrução foi permitida até 1906, quando João Pinheiro, presidente do estado
e adepto do positivismo, proibiu a instrução religiosa nas escolas.
A Igreja via-se tolhida num dos seus campos de atuação mais importantes: a
educação religiosa obrigatória nas escolas públicas permitia-lhe ir bem mais além do
que a clientela mais abastada à qual reservava suas próprias instituições
educacionais. A disputa com o Estado neste campo revela muito mais que uma
tendência particular de tal ou qual governo para a laicização, mas, antes de tudo, a
disputa por um aparelho ideológico de não desprezível eficácia. (MATA, 1995, p.
81)
Diante de tal quadro a Igreja iniciou uma nova forma de ação visando a conquistar
novos espaços junto à sociedade. É nesse momento em que os grupos leigos ganharam
destaque em Minas Gerais.
A partir daí, a Igreja se empenharia a fundo numa campanha pela imprensa,
tipicamente anti-laicista e não se deterá aí: organiza grupos leigos tais como a União
Popular, Círculo Operário, União dos Moços Católicos, Ligas pela Moralidade, que
se proliferam nas cidades do interior do Estado e na capital. (DUTRA, 1979, p.75)
A União Popular do Brasil foi fundada, em 1908, no Rio de Janeiro e, com o apoio do
cardeal Arcoverde e do arcebispo de Mariana, expandiu-se para outras localidades com o
objetivo de orientar a sociedade civil de acordo com os princípios católicos. (PASSOS, 1991,
p.16) Em Belo Horizonte, a entidade foi bastante atuante e se caracterizou por uma ação de
caráter “eminentemente anti-laicista e anti-revolucionário” (MATA, 1996, p. 85). Dos seus
quadros de militantes saíram alguns dos fundadores de outra associação católica expressiva
voltada exclusivamente para a atuação junto aos trabalhadores. Embora a Igreja atuasse
junto aos trabalhadores, desde o início de seu movimento em Belo Horizonte, a ação mais
incisiva se deu com a fundação da Confederação Católica do Trabalho, em 1919.
49
A formação da classe trabalhadora em Belo Horizonte está ligada ao processo de
construção da cidade, que desde o início delineou os processos de exclusão social e espacial
dos trabalhadores. Conforme afirma Veriano (2001), nos primeiros 20 anos da cidade, os
trabalhadores ainda viviam alegoricamente, sob a mentalidade escravista das antigas elites
mineiras.
No caso de Belo Horizonte, observamos que as classes trabalhadoras, ainda nos
primeiros 20 anos da cidade, não tinham como referência o que seria uma
experiência de sobrevivência assalariada. Portanto, tudo era visto como mera
informalidade: tempo de trabalho, ritmo de trabalho, cálculo de jornada de trabalho,
punir e dispensar trabalhadores, definir e penalizar as transgressões. O escopo do
mundo do trabalho era uma alegoria das antigas relações escravistas ainda em curso
no imaginário das elites mineiras. Tudo era tratado verbalmente, informalmente,
cabia ao trabalhador aceitar sua sina de “bom cidadão sem cidadania”. O importante
era a manutenção da ordem pública. A única fala que os homens trabalhadores
poderiam ouvir era a da “ordem privada”, representada pela violência do Estado.
(p.199-200)
O vigor do catolicismo junto aos trabalhadores, em Belo Horizonte, foi um dos
elementos definidores do que foi chamado por Sérgio da Mata (1996) de “mito da Minas
católica”. Segundo o autor, o mito da Minas católica encontrou sua formulação definitiva
durante a década de 1930, articulado às demandas político-ideológicas do momento. O papel
dos grupos leigos existentes em Minas Gerais foi, nesse sentido, elemento essencial para
que o discurso católico difundido pelo clero e pelas elites políticas mineiras obtivesse êxito.
A Confederação Católica do Trabalho foi, nesse contexto, uma instituição que auxiliou
na difusão do catolicismo junto aos trabalhadores e representou para o mundo do trabalho, em
Belo Horizonte, um elo que organizou o movimento no sentido de formar uma identidade
operária, uma autoconsciência da condição de trabalhador que precisa agir politicamente para
conquistar benefícios sociais, mesmo que para isso a Igreja tenha exercido uma influência na
forma de agir.
2.4 Confederação Católica do Trabalho
A Confederação Católica do Trabalho foi fundada em 28 de setembro de 1919. O
quadro era de crise social e econômica em Belo Horizonte, causado por um desemprego até
então nunca visto na cidade em decorrência da paralisação das obras de finalização de prédios
públicos e demais obras de construção da cidade. “Além disso, as representações operárias da
50
Capital solicitam ao poder público solução para a queda dos salários, aumento da carga
horária de trabalho e aumento do desemprego” (VERIANO, 2001, p. 202).
Segundo Eliana Dutra (1988), as condições estruturais da indústria belo-horizontina,
tais como o incipiente parque industrial e a posição minoritária dos operários no total da
população, bem como a força do estado e da prefeitura como empregadores foram fatores
condicionantes da atuação da Igreja, por meio da Confederação Católica do Trabalho, junto
aos trabalhadores. Para a autora, a entidade teria capitaneado os desejos e simpatias das
massas operárias da cidade.
O surgimento, portanto, de uma entidade sindical junto a um operariado algo
desarvorado, ainda formando uma consciência de si mesmo e bastante
impossibilitado de se organizar, facilmente capitanearia as inclinações, os desejos e
as simpatias da massa operária. Não é de estranhar que a Confederação tenha obtido
sucesso nos seus esforços de mobilização e organização sindical. (DUTRA, 1988, p.
161)
Embora o argumento de Dutra seja importante para entender a penetração das idéias
católicas, em Belo Horizonte, uma ressalva deve ser feita no sentido de relativizar a
caracterização do movimento como “desarvorado”. Os trabalhadores da cidade se
organizavam desde o início da construção da cidade. As formas de atuação e estratégias
sindicais praticadas devem ser vistas como as possíveis de se desenvolver na conjuntura
vivida pelos trabalhadores. O papel da Confederação Católica do Trabalho foi importante por
concentrar os esforços feitos e deu ao movimento uma linha de ação mais coesa.
Embora a entidade fosse denominada uma Confederação, é importante ressaltar que
não havia filiados fora de Minas Gerais: a maioria se concentrava em Belo Horizonte. Dentre
os poucos estudos que têm como objeto ou mesmo citam a Confederação Católica do
Trabalho, duas diferentes conceituações são feitas em relação à natureza da entidade. Dutra
(1988) considera que a entidade era uma federação, ou seja, “uma associação sindical de grau
superior que reunia sindicatos representativos de atividades e profissões idênticas” (p. 157).
Batalha (2000) chama a entidade de “espécie de central de sindicatos católicos” (p.28).
As definições feitas por Dutra de confederação e federação são influenciadas pela
legislação trabalhista, consolidada em 1943, durante o Estado Novo. Tal legislação criou uma
estrutura rígida de organização, na qual os sindicatos poderiam se reunir em federações
estaduais que, por sua vez, se filiavam a confederações nacionais. Tais entidades deviam
obedecer ao critério de exercer a mesma atividade profissional. Nesse sentido, considerar a
Confederação Católica do Trabalho uma federação é um anacronismo conceitual, porque ela
51
era composta por filiados de vários ramos de atividade profissional, inclusive por sindicatos
mistos. A entidade era uma “central de sindicatos católicos”, como definiu Batalha, e mais do
que congregar os filiados, ela apresentava diretrizes de ação para o trabalho e para a vida
cotidiana. Era, portanto, uma associação intersindical, profissionalmente indiferenciada,
voltada para buscar soluções para os conflitos do mundo do trabalho, mas que também tinha
funções voltadas para a educação moral e religiosa dos trabalhadores em sua vida cotidiana.
11
A Confederação Católica do Trabalho seguia as orientações da doutrina social da
Igreja, que até hoje tem na encíclica Rerum Novarum, publicada pelo papa Leão XIII em
1891, sua base ideológica. Nesse sentido, a forma de ação da entidade era pautada pelo
combate às idéias socialistas e anarquistas e pela defesa da propriedade e da harmonia entre as
classes.
A vinculação da Confederação Católica do Trabalho com a Igreja foi explicitada em
seus estatutos, que continham o programa e os objetivos da entidade. O principal fim da
entidade era “collaborar na solução da questão operaria”.
12
As atividades da entidade
deveriam respeitar os seguintes critérios:
A associação desenvolverá sua atividade:
a) Defendendo os legítimos interesses e os direitos dos trabalhadores, como
indivíduos e como classe;
b) Pleiteando a victoria das reivindicações operárias baseadas na justiça;
c) Promovendo a defesa dos trabalhadores syndicados quando forem perseguidos
ou processados, desde que não seja por falta infamante;
d) Promovendo a cobrança do que for devido aos trabalhadores associados, quer
no caso de recusa, quer no caso de memora, cobrando apenas as despesas
inherentes ao processo;
e) Promovendo a realização de contratos de trabalho, conforme o vencido em cada
syndicato, organizando os respectivos modelos e velando pela sua exacta
observância;
f) Promovendo a educação profissional, moral e cívica dos trabalhadores;
g) Promovendo a fundação de confederações idênticas, em todas as localidades
mineiras onde isso seja possível e fazendo de todos uma única confederação no
Estado, podendo e devendo agir de accordo com instituições idênticas no Brasil.
A execução do programma da Confederação deve sempre inspirar-se nos seguintes
princípios cuja observancia é obrigatória:
a) Fidelidade do homem para com Deus, como indivíduo, como família, como
sociedade;
b) Toda a ação operária não deve excluir Cristo e sua Igreja;
c) Toda a ação operária deve obedecer aos princípios traçados na Encíclica Rerum
Novarum e em outros documentos pontifícios;
11
Sobre a dimensão educativa da Confederação Católica do Trabalho e sobre a idéia de Igreja-docente, ver
PASSOS, Mauro. A presença e o discurso da igreja na formação da classe trabalhadora em Belo Horizonte
(1890-1930). 1986. 235f. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte.
12
CONFEDERAÇÃO CATHOLICA DO TRABALHO. Estatutos.
52
d) Toda ação operária tem de desenvolver-se em harmonia com todas as classes
sociais, que a solução operária não é incompatível com os direitos e legítimos
interesses de qualquer classe, mesmo das chamadas classes capitalistas;
e) Toda a ação operária tem de desenvolver-se dentro do respeito ao princípio da
autoridade, sem violência, sem atentar contra a ordem social e política.
13
Além da assistência aos trabalhadores por meio da defesa dos direitos e da mediação
dos conflitos, a Confederação Católica do Trabalho tinha como objetivo promover a educação
profissional, moral e cívica dos trabalhadores. Nesse sentido, promovia cursos noturnos de
formação para operários e oferecia disciplinas tais como Língua Portuguesa, Aritmética,
Geografia e História do Brasil.
14
O aspecto moral foi encaminhado, principalmente, por meio
dos artigos publicados no órgão oficial da entidade, O Operário que, além de promover o
catolicismo como prática social dos trabalhadores, divulgava enunciados carregados de
valores morais.
O semanário O Operário foi locutor e emissor material do discurso católico para os
trabalhadores e o periódico operário com a circulação mais contínua, durante a década de
1920. Sua publicação chegou ao fim na década seguinte, quando foi substituído por outro
periódico, o Vida Nova. A mudança refletia as alterações que a entidade sofreu durante a
década de 1930, em decorrência também da nova conjuntura política do país, mas sobretudo
pela nova orientação do catolicismo para os trabalhadores.
No primeiro número do jornal O Operário, a Confederação Católica do Trabalho
destacava a importância da imprensa operária na orientação dos trabalhadores:
Temos tanta necessidade da imprensa, quanto de pulmões para respirar. as
reuniões e as conferencias não alcançam fins satisfactorios. Muitos, por preguiça ou
por motivos acceitaveis, não freqüentam sessões.
Nosso meio não tem ainda comprehensao do DEVER SOCIAL. O único meio de
tornar conhecido esse dever é arrancar o operário da inércia e da indifferença, é ir
procural-o em sua casa, na rua, na officina, fallar-lhe tudo quanto for necessário para
oriental-o. Essa missão somente pode ser desempenhada por esse mensageiro
silencioso, mas eloquente que é o jornal. Por este, poderemos estar em contacto
constante com os trabalhadores, fazendo a luz da verdade penetrar as massas
trabalhadoras, agital-as no bom sentido, excital-as para o bem, congregal-as, dar-
lhes cohesao, conduzil-as á victoria! […]
O Operário vai ser o éco fiel, o espelho nítido das necessidades trabalhistas,
procurando arrastar o operariado para uma solução justa e pacifica de suas questões
sem desordens e violencias, sem prejuizo e odio para as outras classes!
15
13
CONFEDERAÇÃO CATHOLICA DO TRABALHO. Estatutos.
14
Curso nocturno operario. O Operário, Anno 1, n. 1. Bello Horizonte, 19 de jun. 1920, p. 2.
15
Nosso programma. O Operário. Anno 1, n. 1. Bello Horizonte, 19 de jun. de 1920. p. 1.
53
O trecho acima traduz a proposta da Confederação Católica do Trabalho para o
encaminhamento das lutas no mundo do trabalho, o que significava conduzir a luta por
direitos para os trabalhadores na busca de soluções pacíficas para as questões. O órgão oficial
da Confederação Católica do Trabalho foi também o principal instrumento de divulgação do
catolicismo entre os trabalhadores da cidade. Embora não existam dados exatos referentes à
distribuição do jornal é possível apreender que, devido a sua publicação contínua desde a
criação em 1919 e, ainda, devido ao seu conteúdo, ele tinha penetração entre os trabalhadores.
O conteúdo do jornal era variado: com artigos dogmáticos católicos até a divulgação de
cursos e eventos sociais para operários. A análise do discurso do catolicismo com base nos
textos publicados em O Operário é muito importante para se compreender a influência
exercida pela entidade sobre os trabalhadores da cidade. Os textos continham discurso
moralista, contrário a outras ideologias, tais quais o anarquismo e o socialismo e, ainda,
visavam a moldar o comportamento militante e cotidiano dos trabalhadores da cidade.
Nenhum outro jornal da chamada imprensa operária teve circulação comparável à do órgão
oficial da Confederação Católica do Trabalho. Os poucos jornais com linha editorial contrária
ao catolicismo tiveram circulação efêmera na cidade. (Figura 1)
A forma de atuação, defendida pela Confederação Católica do Trabalho, difundiu-se
entre os diversos sindicatos e associações da cidade, filiados ou não e fez com que o
catolicismo se tornasse hegemônico na cidade. A entidade seguia as orientações expressas na
encíclica Rerum Novarum, defendia que as disputas no mundo do trabalho deveriam ser
encaminhadas de forma pacífica, com harmonia entre as classes e combatia ideologias
revolucionárias no campo social. Nesse sentido, encontrou no poder público um aliado
importante. Todas as reivindicações eram encaminhadas pela entidade para o poder público,
que via na influência exercida pela entidade sobre os trabalhadores importante meio de conter
as massas. Em contrapartida, a entidade tinha poder de barganha junto ao poder público e
visava ao atendimento das demandas encaminhadas.
Uma evidência da influência exercida pela Confederação Católica do Trabalho é o
número de sindicatos filiados à entidade. Compunham os quadros de associados da entidade
um total de 18 sindicatos segundo dados de 1925 e eram eles: Sindicato dos Carpinteiros,
Sindicato dos Marceneiros, Sindicato dos Barbeiros, Sindicato dos Pintores, Sindicato Misto,
Sindicato dos Ferroviários, Sindicato dos Condutores e Motorneiros, Sindicato dos
Bombeiros, Sindicato dos Mecânicos e Eletricistas, Sindicato dos Empregados em Fábrica de
Tecidos, Sindicato das Guardas e demais Empregados da Central, Sindicato dos Pedreiros,
Sindicato dos Empregados dos Correios, Sindicato dos Carroceiros, Sindicato dos Padeiros,
54
Figura 1: Reprodução de O Operário nº 1
Fonte: Coleção Linhares/Biblioteca Central da UFMG
55
Sindicato dos Retalhistas e mais Empregados em Açougue, Sindicato das Empregadas
Domésticas e Sindicato dos Alfaiates.
16
Embora os dados sejam incompletos, sabe-se que até
1920 havia em Belo Horizonte pelo menos dez associações de classe, englobando além de
sindicatos, associações de auxílio mútuo e caixas beneficentes. Em 1925, seis anos após a
fundação da Confederação Católica do Trabalho, passava de vinte o número de sindicatos,
excluindo-se as associações de outra natureza
17
. A inexistência de outros dados não permite
afirmar se houve aumento ou diminuição de sindicatos filiados nos anos seguintes. Sabe-se,
contudo, que, em 1925, a entidade possuía 890 sócios, e que em fins de 1929, esse número
chegou a 1.000 (DUTRA, 1988, p. 161). Nesse sentido, Dutra (1988) chama a atenção para a
relação entre a entidade e a organização dos trabalhadores da cidade:
É curioso observar que foi a Confederação que impulsionou o movimento sindical e
não o contrário. […] Desse modo, a Igreja, através da Confederação Católica do
Trabalho, surge como agente organizador da classe operária de Belo Horizonte. As
condições estruturais da indústria e da economia belorizontina, tais como o parque
industrial incipiente, posição minoritária dos operários dentro do total da população,
a força do estado e da prefeitura como empregadores e, particularmente, a utilização
intensiva de capital pelas indústrias existentes, foram condições necessárias para a
sua atuação. (p.160-161)
É importante destacar o aspecto educativo da Confederação Católica do Trabalho
junto aos trabalhadores, no sentido de promover a valorização da ação sindical e da
organização dos trabalhadores. Mesmo que a entidade difundisse a idéia de que a única
prática organizativa eficaz e moralmente correta seria a católica, a ação propiciou o
fortalecimento das associações e sindicatos de Belo Horizonte.
Mais do que exercer influência sobre a maioria dos sindicatos da cidade, a
Confederação Católica do Trabalho impulsionou o surgimento de muitos deles. Além dos
sindicatos profissionais e mistos filiados à entidade, outras associações de natureza diversa
(auxílio mútuo, beneficentes, etc.) aderiram à forma de agir da entidade e passaram a fazer
campanhas e assinar petições e requerimentos em conjunto. Segundo Dutra (1988), tais
associações são: a Associação Beneficente Tipográfica, a União dos Empregados do
Comércio, a União dos Operários em Calçados, o Centro dos Chauffeurs, a Liga Operária
Mineira e a Confederação Auxiliadora dos Operários; que mesmo não sendo filiadas agiam
16
O Operário. Anno V, n. 30. Bello Horizonte, 10 de maio de 1925.
17
Dados retirados do Annuário Estatístico, 1921. Bello Horizonte, Imprensa Official, e de Silveira, Victor.
Minas Gerais em 192. Bello Horizonte, 1926, Imprensa Official. Citados por Dutra (1988).
56
conjuntamente, assinando petições a serem enviadas ao Conselho Deliberativo e à prefeitura.
(p.170)
Em sua estrutura organizacional, a Confederação Católica do Trabalho possuía um
presidente, um secretário, um tesoureiro, um assistente eclesiástico e um diretor social. As
principais decisões eram tomadas pelo Conselho Supremo, formado pela diretoria da entidade
e por representantes de todos os filiados na proporção de três para cada cem sindicalizados
no sindicato ou na associação, não podendo ser menos que um ou mais que dez. O Conselho
Supremo era responsável por aprovar os programas de todos os sindicatos filiados.
18
A
Confederação Católica do Trabalho possuía também a Caixa Beneficente Operária, instituída
em 8 de dezembro de 1920 com o objetivo de prestar assistência material aos associados.
19
As ligações da Confederação Católica do Trabalho com a Igreja Católica
ultrapassavam a simples opção doutrinária de seus membros. O assistente eclesiástico da
entidade era indicado pelo ordinário diocesano da cidade. Além disso, todas as iniciativas da
entidade contaram com total apoio da alta hierarquia do clero mineiro. Desde 1922, quando
chegou à Belo Horizonte para assumir a recém criada diocese, o bispo D. Antônio dos Santos
Cabral acompanhou de perto as atividades da Confederação Católica do Trabalho, sendo
inclusive escolhido seu presidente de honra. Poucos dias após sua chegada a Belo Horizonte,
D. Cabral visitou a entidade em cerimônia no salão da União Popular. Em seu discurso, não
poupou elogios ao papa Leão XIII e à encíclica Rerum Novarum e ainda afirmou que sua
maior glória seria ser chamado de “Bispo dos Operários”, como acabou conhecido
posteriormente.
20
(Figura 2)
A construção da militância e a formação dos quadros da entidade aconteciam pela ação
de comissões com objetivos distintos.
21
Eram nove as comissões:
1. Comissão de fé e moral responsável pela disseminação, defesa e preservação da
católica. Agia sempre que ocorresse na cidade qualquer tipo de manifestação
contrária à ideologia da Igreja.
2. Comissão de obras de piedade e culto comissão de catequese e preparação de
novos membros, treinados para prestar auxílio aos pobres. A comissão também
promovia adoração noturna para operários e estudantes.
18
CONFEDERAÇÃO CATHOLICA DO TRABALHO. Estatutos.
19
CAIXA BENEFICENTE OPERÁRIA. Estatutos.
20
O nosso bispo. O Operário. Bello Horizonte, Anno 2, n. 46, 11 de maio de 1922, p. 2.
21
A descrição das comissões que se segue baseia-se em Veriano (2001). Segundo o autor, a descrição está
baseada em relatórios da Confederação Católica do Trabalho aos quais não se teve acesso durante essa pesquisa.
57
3. Comissão de santificação das famílias visava a sanear as famílias e promover o
casamento no religioso e também no civil.
4. Comissão de vocações sacerdotais – buscava auxiliar na formação de novos
padres e coletava fundos para financiar os seminários.
5. Comissão de imprensa trabalhava na divulgação da imprensa católica. Tentava
conquistar assinantes para os jornais católicos.
6. Comissão de repousa dominical e dias santos tinha o objetivo de denunciar a
profanação dos domingos e dias santos. Fazia apelo aos comerciantes para que não
trabalhassem nesses dias.
7. Comissão de caridade e assistência popular comissão de combate ao
pauperismo. Visava a ajudar os mais pobres, distribuía esmolas e prestava auxílio a
enfermos. Era composta por senhoras ricas da cidade.
8. Comissão de escolas tinha por objetivo promover o ensino religioso nas escolas
e identificar professores protestantes. Também promovia os cursos noturnos para
operários de ambos os sexos.
9. Comissão de obras sociais e operárias fazia campanhas junto às bases, visitava
fábricas e estabelecimentos comerciais. Também divulgava o catolicismo, as
assembléias, os horários de missas e as atividades promovidas pelas paróquias.
A forma de atuação das comissões demonstra como a Confederação Católica do
Trabalho agia de forma intensa para conquistar os trabalhadores da cidade. O agir do
catolicismo se diferencia do agir anarquista e comunista na medida em que ultrapassava a
divulgação de propostas para as questões conflituosas do mundo do trabalho e atuava também
na educação religiosa e moral dos trabalhadores. Segundo Veriano (2001):
Esse “agir” da Igreja frente ao movimento operário expressa as preocupações de
determinados setores intelectuais católicos que têm uma visão social mais ampla, até
mesmo avançada, do que seria uma disputa pela hegemonia política do movimento
operário da Capital. […] Um dos procedimentos básicos que expressava esse tipo de
ação política iniciava-se com o combate ao pauperismo, a abertura de escolas
noturnas para operários e operárias […]. Isso força-nos a refletir por que mais de
50% do operariado da cidade estava vinculado oficialmente ou extra-oficialmente às
hostes da Confederação. É tentador, diante dessas manifestações explicitas de
solidariedade do catolicismo militante frente à questão operária, refletir sobre a
possibilidade desses valores, concepções e ações concretas terem tido alguma
influência política na formação da classe operária da cidade. (p.208-209)
58
Figura 2: Homenagem a D. Cabral na ocasião de sua chegada à Belo Horizonte
Fonte: Coleção Linhares/Biblioteca Central da UFMG
59
Nesse sentido, o alcance do discurso católico é importante na compreensão da
influência exercida pelo catolicismo sobre os trabalhadores da cidade. O apelo à condição da
pobreza, mais do que o apelo doutrinário, é responsável por sensibilizar boa parte do
operariado às idéias católicas.
Segundo Eliana Dutra, a Confederação Católica do Trabalho foi um exemplo típico da
política adotada durante os primeiros anos da República, no Brasil, pela Igreja e por seu
movimento leigo em relação às classes mais pobres. Afastada do poder temporal, com o
advento da República, a Igreja se concentrou em atuar junto às bases por meio da educação
moral, visando a manter fiéis e a conquistá-los. (DUTRA, 1988, p.156)
A ação da Igreja no Brasil, no período, baseava-se também no exemplo da Igreja
holandesa. No país europeu, o sindicalismo católico desenvolveu-se consideravelmente:
fincou raízes e consolidou tradição.
22
É recorrente a publicação de notícias sobre questões
relacionadas ao mundo do trabalho, na Holanda, pelo semanário O Operário.
23
De forma geral, a Confederação Católica do Trabalho encaminhava as reivindicações
dos trabalhadores da cidade aos poderes públicos e buscava, por sua força e
representatividade, seu atendimento. As principais campanhas da entidade foram pela garantia
da jornada de 8 horas, pela conquista de habitações populares e pelo respeito ao descanso
dominical. Todas essas campanhas serão analisadas em outro momento, buscando detalhar a
forma de encaminhamento de demandas adotada pela entidade e, ainda, o atendimento às
requisições. Em linhas gerais, o papel exercido pela entidade era de conquistar garantias
legais para os trabalhadores junto aos poderes públicos, fiscalizar o cumprimento delas nos
locais de trabalho, denunciar o não cumprimento por parte dos patrões e mediar soluções para
os conflitos.
A proximidade com o poder público expressou-se em muitas ocasiões em artigos
publicados no O Operário, nos quais figuras políticas eram elogiadas pela preocupação com a
causa operária. Um exemplo é o artigo publicado em outubro de 1921 sobre Arthur
Bernardes, presidente do estado de Minas Gerais e, na ocasião, em campanha visando à
Presidência da República (Figura 3). O texto referia-se a Bernardes como “o primeiro depois
da República, que se lembrou de inscrever na sua plataforma de governo as aspirações da
classe trabalhista”.
24
No ano seguinte, Arthur Bernardes foi eleito presidente ao vencer o
22
GALESON, Walter. Trade union Democracy in Western Europe. Berkeley: University of California Press,
1961. 97 pp. Citado por RODRIGUES (1974)
23
Pelo mundo operário. O Operário. Anno 1, n. 19. Bello Horizonte, 17 de mar. de 1921. p. 3.
24
DR. ARTHUR BERNARDES. O Operário. Anno II, n. 18. Bello Horizonte, 26 de out. de 1921. p. 1.
60
pleito contra o candidato da Reação Republicana, o ex-presidente Nilo Peçanha. Durante o
mandato de Bernardes na presidência do estado (1918-1922), a Confederação Católica do
Trabalho recorreu a ele algumas vezes para conquistar benefícios para os trabalhadores. Nesse
sentido, um artigo enaltecedor, publicado durante a campanha à Presidência da República,
sugere também uma ação eleitoral da entidade.
As datas comemorativas também eram exploradas para elogiar representantes do poder
público que eram “sensíveis a causa operária”. No único jornal comemorativo do 1º de maio a
que se teve acesso, a proximidade fica visível. Em de maio de 1925, O Operário publicou
edição especial que trazia na primeira página a foto do presidente do estado, Fernando de
Mello Viana, seguida dos dizeres “Presidente do Estado e grande amigo dos operários
25
. O
jornal estampa, ainda, fotos de outros políticos, membros da Igreja e dirigentes de sindicatos
filiados à Confederação Católica do Trabalho. (ANEXO A)
É interessante perceber o contra-senso nos textos publicados por ocasião das
comemorações do de maio de 1925. A data foi escolhida como dia do trabalhador, em
muitos países, por ser emblemática da luta dos trabalhadores por direitos, e foi escolhida por
ser o dia em que, no ano de 1886, realizou-se uma manifestação de trabalhadores de grandes
proporções nas ruas de Chicago, nos Estados Unidos da América. A manifestação deu origem
a uma greve geral. A repressão ao movimento foi violenta e culminou na morte de vários
manifestantes. Três anos mais tarde, a 20 de Junho de 1889, a segunda Internacional
Socialista, reunida em Paris, decidiu convocar no de maio de cada ano uma manifestação
com o objetivo de lutar pelas 8 horas de trabalho diário. No texto publicado em O Operário, a
Confederação Católica do Trabalho ainda afirmava que “a data que hoje se commemora em
todo o globo, é das mais memoraveis possiveis para o operariado, porque nella estão
circumscriptos todos os seus principios.”
26
A entidade, no entanto, que era contrária aos
princípios de cunho revolucionário que atentassem contra a ordem pública, assumia uma data
escolhida para ser o dia do trabalhador justamente pela inspiração nos acontecimentos de
Chicago.
Eliana Dutra (1988) afirma que a maneira de agir da Confederação Católica do
Trabalho teve êxito em arrefecer o movimento operário em Belo Horizonte.
A Confederação ajudará a limitar ou melhor eliminar a capacidade de mobilização
autônoma dos sindicatos, reduzindo a sua função de protesto e de oposição. […] A
25
O Operário. Anno V, n. 32, maio de 1925. p. 1.
26
O 1º de maio de 1925. O Operário. Anno V, n. 32, maio de 1925. p. 1.
61
anuência do Estado sua presença conciliadora irá facilitar grandemente a tarefa
da confederação, o que, somado às determinações estruturais da classe operária da
capital mineira, acabou por resultar num movimento operário dócil e “dentro da
ordem”. (p.171-172)
A crítica que pode ser feita às conclusões de Eliana Dutra está sobretudo na visão de
um movimento operário como “dócil”. Tal definição é carregada de uma significação
pejorativa sobre a estratégia sindical reformista. A autora, seguindo uma corrente de
pensamento bastante comum na época em que seu estudo foi produzido, desconsidera o
reformismo como uma forma de consciência de classe que foi assumida por uma parcela
significativa dos trabalhadores brasileiros, durante a Primeira República. Além disso, a ação
reformista, a exemplo de outras doutrinas, é também contrária aos males do capitalismo e suas
implicações no mundo do trabalho.
Com base nesses pressupostos e tentando entender a ação do catolicismo, em Belo
Horizonte, como estratégia que, devido à conjuntura de sua formação, foi assumida pelos
trabalhadores da cidade, o próximo capítulo é dedicado à análise das práticas discursivas da
Confederação Católica do Trabalho.
62
Figura 3: O Operário homenageia Arthur Bernardes
Fonte: Coleção Linhares/Biblioteca Central da UFMG
63
3 PRÁTICAS DISCURSIVAS CATÓLICAS EM BELO HORIZONTE
A Confederação Católica do Trabalho, visando a incorporar às práticas cotidianas dos
trabalhadores de Belo Horizonte seus valores morais e sua orientação para as relações de
trabalho, divulgou uma série de enunciados, sobretudo, no semanário O Operário. A prática
discursiva da entidade estava alinhada com a orientação católica, enunciada na encíclica
Rerum Novarum. Ao discursar sobre a harmonia entre as classes, contra as idéias socialistas,
pela fusão da e do trabalho e, ainda, ao fazer os apelos morais baseados na fé católica, a
entidade promovia a difusão da proposta da Igreja para o enfrentamento da questão social e,
concomitantemente, promovia os princípios cristãos na sociedade.
Este capítulo analisa a prática discursiva da Confederação Católica do Trabalho junto
aos trabalhadores de Belo Horizonte, entre 1919 e 1930. Com base na proposição foucaultiana
de que o discurso é uma prática social, o objetivo é analisar os principais enunciados pelos
quais o discurso da entidade se processava e também identificar o tipo de influência exercida
pela entidade sobre os trabalhadores de Belo Horizonte e como ela se processou por meio do
discurso. Com base nas práticas discursivas da Igreja, intermediada pela Confederação
Católica do Trabalho, as práticas sociais dos trabalhadores organizados de Belo Horizonte são
analisadas. A principal fonte para analisar o discurso da entidade será seu órgão oficial, O
Operário, que era o instrumento de comunicação direta com os trabalhadores.
Outro objetivo é analisar como a prática discursiva católica, em Belo Horizonte,
constituiu uma hegemonia ideológica que balizou as formas de reivindicação. São analisadas,
ainda, as poucas formas de manifestação contrárias às da Confederação Católica do Trabalho
encontradas durante a pesquisa. As vozes destoantes do catolicismo em Belo Horizonte foram
poucas e tiveram pouca circulação. Para a análise, nesse capítulo, foram escolhidos O Facho e
o periódico Avante!.
64
3.1 O discurso contra o socialismo e o anarquismo
“Operarios de todos os paizes, uni-vos […]
debaixo do estandarte da fé”
27
A crítica ao socialismo perpassa todas as principais questões da encíclica Rerum
Novarum, de 1891. Ao se opor às posições socialistas sobre a propriedade privada, o papel do
Estado e o conflito de classes, a carta declarava guerra aos principais conceitos e argumentos
socialistas. Com essa formação discursiva, inspirada na Doutrina Social da Igreja, a
Confederação Católica do Trabalho se dirigia aos trabalhadores de Belo Horizonte com o
objetivo de educá-los sob a influência desses preceitos. As críticas feitas ao socialismo são
bastante emblemáticas para demonstrar as práticas discursivas utilizadas pela Confederação
Católica do Trabalho. A afirmação do catolicismo se dava, então, na dimensão
interdiscursiva, ou seja, pela contraposição ao socialismo.
O discurso articulado pela entidade no jornal O Operário visava a construir uma
imagem do socialismo como sinônimo de destruição e violência. Destacava também a
necessidade de se proceder a uma “prophilaxia social”
28
, ou seja, de evitar que o socialismo e
o anarquismo contaminassem a sociedade. O periódico, ainda, divulgava a idéia de uma
tensão bipolar na sociedade, por meio da qual católicos e socialistas demonstravam ser
opostos inconciliáveis, “campos separados”
29
.
Na tentativa de atestar a imoralidade das ideologias anarquista e socialista e de seus
difusores, muitos textos apresentavam apelos dramáticos voltados para a moral religiosa.
Segundo Dutra (1988), “os apelos são sempre dramáticos, demagógicos e resvalam sempre
para o plano moral e religioso, quando procuram atestar quão imorais são as idéias anarquistas
e socialistas e os que as propagam”. (p.165)
A linguagem utilizada para se dirigir aos trabalhadores variava. Muitas vezes eram
publicados pequenos contos, com situações cotidianas demonstrando características negativas
do socialismo ou do anarquismo. Em outras situações, eram publicados textos
argumentativos, em que se enfatizavam as virtudes dos católicos em detrimento dos
socialistas. Alguns artigos tratavam do socialismo e do anarquismo pelo mundo. Foi
27
Economia Social. O Operário, Anno V, n. 29. Bello Horizonte, 29 de abr. 1925, p.1
28
Alerta! O Operário, Anno I, n. 2. Bello Horizonte, 10 de julho de 1920, p.1.
29
Campos Separados. O Operário, Anno I, n. 23. Bello Horizonte, 14 de abril de 1921, p. 1-2.
65
divulgada, por exemplo, uma interpretação muito particular da situação da Rússia após a
Revolução de 1917, caracterizando os objetivos dos sovietes quase como uma utopia que,
segundo o artigo do jornal, já fracassava.
dois annos parecia ter chegado a idade de ouro para os operarios da Rússia. Em
todas as fabricas e emprezas foram os proprietários expulsos e um conselho de
operarios, um soviet, tomou a direcção dos negócios. Os operarios trabalhavam
seis horas por dia, ganhavam alto salário, teriam parte nos lucros e não precisavam
mais obedecer aos patrões.
Agora, depois de dois annos, não se fala mais nisto. muitos meses que em
logar de um soviet as fábricas tem um dictador com poderes que nunca teve um
patrão. E os operarios em logar de seis horas tem de trabalhar doze e se não querem
trabalhar, vão para a cadeia ou são logo fuzilados.
Quando esperariam os operarios que seu sonho dourado tivesse tão pouca duração e
que se seguiria logo tão cruel desengano? E contudo não podia ser de outra forma:
os operarios não queriam mais trabalhar nada, nem obedecer a uns seus eguaes? As
fábricas não produziam mais nada, antes davam prejuízo e decaiam a olhos vistos, o
paiz todo ficou em condições de vida impossíveis. Por isto aquelles mesmos que
tinham instituido os conselhos dos operarios tiveram de confessar o fiasco completo
deste systema e para remediar a desorganização causada por tal systema tiveram de
recorrer a medidas tyranicas como no tempo da escravidão se as conhecia e
usava.
Operarios! O unico meio para defender vossos direitos é a união! A verdadeira união
somente poderá existir, se vos alistardes na Confederação Catholica do Trabalho!
30
O texto acima apresenta aos operários católicos de Belo Horizonte os riscos da
prática socialista. O caso dos sovietes é caracterizado como exemplo mal sucedido que teria
levado a sociedade russa à tirania. Além de apresentar a experiência socialista na Rússia – que
em 1920 ainda estava em implantação e enfrentava a resistência das forças contra-
revolucionárias como fracassada, o texto termina convocando os trabalhadores à união, mas
enfatiza que a única forma legítima seria a filiação à Confederação Católica do Trabalho. O
objetivo é o de construir uma imagem negativa da experiência socialista para valorizar a
orientação católica.
As práticas discursivas católicas buscavam definir os campos ideológicos para o
posicionamento frente à questão social. O argumento da Confederação Católica do Trabalho,
em Belo Horizonte, era o da impossibilidade de um católico aderir às ideologias socialista e
anarquista. A entidade enunciadora enfatizava a inexistência de um meio termo entre a
orientação católica e as práticas socialista e anarquista. A prática discursiva sustentava a idéia
de que não poderia o trabalhador ser, ao mesmo tempo, católico e socialista, ou mesmo,
católico e anarquista. A prática seguia os enunciados da Rerum Novarum, que criticavam as
soluções socialistas para a questão social. Interdiscursivamente, por meio da contraposição
30
O Operário, Anno 1, n. 3
. Bello Horizonte,
31 de jul. 1920, p. 2.
66
com o socialismo e o anarquismo, a Confederação Católica do Trabalho construía seu
discurso de valorização do catolicismo como instrumento para enfrentar a questão social.
A preocupação da Confederação Católica do Trabalho em definir campos separados
para o enfrentamento da questão social, e ainda, de difundir essa bipolaridade junto aos
trabalhadores existia mesmo antes da publicação do primeiro número do órgão oficial O
Operário. Em 1919, Dr. José Augusto Campos do Amaral, um dos fundadores e diretor social
da entidade, publicou um folheto intitulado Organização Operária: exposição de alguns
princípios pelo Dr. Campos do Amaral. O folheto, cuja tiragem de dez mil exemplares
31
,
enfatizava a necessidade de organização dos trabalhadores para enfrentar a questão social. Ao
tratar dessa organização, Campos do Amaral argumentava que existiam apenas dois caminhos
para enfrentar a questão social, o dos socialistas e o dos católicos. Nesse sentido, apresenta o
que considera ser os principais dissensos entre os dois campos, a saber, suas posições frente à
propriedade, ao regime capitalista de produção e, por último, ao princípio da autoridade e ao
Estado. Apresenta, pois, para cada um dos temas, os argumentos socialistas e católicos para
demonstrar o seguinte:
Não é necessário, nem lícito destruir a propriedade; o que é urgente é reduzi-la aos
seus justos termos, é obrigá-la a cumprir os seus deveres, é subordinar o seu uso às
regras da justiça.
Estamos, portanto, diante de um dilema: de um lado, os princípios do socialismo; do
outro lado, os princípios da Igreja.
A organização católica estriba-se nestes; a organização NEUTRA não encontra
princípios para formar-se. […]
O capital e o trabalho, eis as duas forças que sustentam o edifício econômico, base
de qualquer sociedade. Se o capital usurpou[…] o que é necessário não é DESTRUÍ-
LO, mas regenerá-lo, obrigando-o a recuar para as suas fronteiras. Restabelecer a
harmonia, o equilíbrio de ambos, é urgente e absolutamente indispensável para
salvar a sociedade do abismo em que se despenha. […]
Temos, pois, outro dilema. Na luta econômica, no conflito entre o capital e o
trabalho, entre patrões e trabalhadores, o socialismo incita estes a devorarem aqueles
e a Igreja manda que os capitalistas restituam o que foi usurpado.
Os princípios socialistas ensinam a destruição; a Igreja manda que os capitalistas
restituam o que foi usurpado.
Os princípios socialistas ensinam a destruição; a Igreja aconselha a conciliação; não
há lugar para os neutros. […]
Ela [a Igreja] ensina que a autoridade e a liberdade são iguais, legítimas, necessárias.
O que é necessário não é destruir, mas restabelecer os justos limites de ambas e isto
não pode conseguir-se sem a existência do Estado. […]
31
É importante destacar que o recenseamento de 1920 indicava, em números absolutos, uma população de
55.563 habitantes em Belo Horizonte: 19.323 correspondiam à população ocupada. Fontes: Anuário estatístico
do Brasil 1936. Rio de Janeiro: IBGE, v.2, 1936 e Brasil - Recenseamento de 1920. Rio de Janeiro, Typ. de
Estatística, 1930, vol. V. apud DUTRA (1988) .
67
Estamos diante de novo do dilema: de um lado, o socialismo, do outro, a Igreja; não
há lugar para os neutros.
32
Mauro Passos (1986) enfatiza o caráter apologético do folheto de Campos do Amaral
no intuito de defender os princípios cristãos da Igreja Católica e de construir uma imagem
negativa do socialismo. No entanto, mais que apologético, o documento define os campos
possíveis para enfrentar a questão social. De um lado, o socialismo e de outro a orientação
católica. De acordo com Campos do Amaral, o único campo capaz de dar respostas aos
problemas dos trabalhadores seria o baseado na católica. Os princípios socialistas são
associados à idéia de destruição. Segundo o documento de Campos do Amaral, não havia
espaço para a neutralidade. O objetivo é apresentar a imagem dos adversários, desqualificá-la
e indicar o caminho certo a seguir.
No mesmo caminho, o artigo intitulado Alerta, publicado no segundo número de O
Operário, demonstra que, desde o início de sua circulação, o órgão oficial da Confederação
Católica do Trabalho buscaria definir os possíveis campos para o enfrentamento da questão
social. De um lado, a fé católica, a melhor forma de lidar com a questão. De outro, o
socialismo e o anarquismo, tomados como saídas ineficazes e destruidoras da fé católica.
Para Minas m affluido muitos emissários das associações anarchistas do Rio e S.
Paulo. Muitos desses emissários sahiram do Rio acossados pela polícia que os
procura. Aqui no interior, elles se apresentam muito mansos. Fazem propaganda de
organizações operárias, proclamando um innocente desejo de defender as classes
trabalhistas, sem violencias, nem revoluções! Convocam os operários, pedindo
que compareçam todos sem distincção de crenças, pois as associações operárias
são templos que todos devem concorrer sem medo, nem odios, nem
divergencias, com o unico ideal de unir e defender o proletariado. Entretanto,
apenas congregam alguns elementos, começam o seu trabalhinho de sapa,
distribuindo entre eles os seus impressos e publicações incendiarias[…] Affirmam
que todos podem vir sem medo de suas crenças serem prejudicadas, mas
proporcionam aos seus sócios somente uma imprensa onde ataca e quer
destruir a fé, principalmente a fé catholica![…]
Alerta, pois! Os operários não devem de forma alguma attender aos chamados de
pessoas desconhecidas, nem acceitar a imprensa socialista!
É uma questão de prophilaxia social.
O único meio de combater e impedir que similhante propaganda fructifique é
auxiliar a nossa propaganda, prestigiando, por todos os meios, a Confederação
Catholica do Trabalho!
Operários catholicos alistae-vos, todos sem excepçao alguma, na Confederação
Catholica do Trabalho.
33
(grifo nosso)
32
Organização Operária: Exposição de alguns princípios pelo Dr. Campos do Amaral. Bello Horizonte,
Oliveira, Mesquita e Cia. 1919, apud PASSOS (1991).
33
Alerta! O Operário, Anno I, n. 2. Bello Horizonte, 10 de julho de 1920, p.1
68
O discurso de possível coexistência pacífica entre anarquistas e católicos e a idéia de
que a questão da crença não influenciaria no objetivo compartilhado de defender o
proletariado são refutados pela Confederação Católica do Trabalho. O argumento é que as
práticas anarquistas atentavam contra a crença católica, a exemplo, publicações “incendiárias”
que atacavam a fé, “principalmente a catholica”. Não aceitar a imprensa socialista e refutar
qualquer aproximação com essas ideologias seriam questão de profilaxia social, ou seja, evitar
que a sociedade fosse contaminada por essa doença que causaria a destruição da católica.
Na citação acima, ao associar características negativas ao anarquismo, a prática discursiva da
Confederação Católica do Trabalho tentava delimitar os campos de enfrentamento da questão
social. Os campos eram opostos e inconciliáveis, e o discurso enunciado tendia a apresentar a
orientação católica como o único caminho adequado.
No artigo intitulado Campos Separados!, a definição do socialismo e da orientação
católica como os únicos caminhos para o enfrentamento da questão social é reforçada.
Novamente, o campo do catolicismo é reafirmado como a direção certa a ser seguida. Ao
criticar a forma de ação da Federação Operária Mineira, entidade de orientação socialista
sediada em Juiz de Fora, o texto apresenta um apelo dramático, ao caracterizar o socialismo
como uma doutrina nascida para semear a “ruína” na sociedade. O enfrentamento da questão
social era o objetivo comum a ambos os campos, mas os pressupostos e os métodos eram
identificados como essencialmente diferentes.
De facto, quer nas conferencias que promove, quer nos artigos que edita, aquella
associação constantemente prega contra o Estado, as leis, a justiça, o matrimonio, a
propriedade, a Egreja Catholica na sua doutrina e nos seus ministros, numa
propaganda tenaz, systhematica, as vezes franca e brutal, as vezes capciosa e dúbia;
ora vehemente e incendiaria, ora oscilante e mansa.
Prega o amor livre, com o qual quer destruir a honra das famílias e preparar o
terreno para as bachanaes bolchevistas.[…]
Tudo quanto elles apresentam de bom e razoavel muito se encontra no
programma da Egreja.
E si esse programma não está integralmente executado é porque, em primeiro logar,
a reforma social não si faz aos saltos e, em segundo logar, porque o materialismo
brutal se oppõe a qualquer remodelação.
Também o socialismo mais de um século procura executar o seu programma e
não o consegue.
A voz da Egreja e de seus ministros não cessa de bradar contra os exploradores do
povo e é certo que a transformação benéfica da ordem social é devida
exclusivamente a acção lenta mais inquebrantável do christianismo.
O socialismo somente tem servido para cobrir a terra de lágrimas, sangue,
ruína e morte.
É, pois, indispensável que o operariado conheça esta verdade: um de dois
meios para resolver a questão operaria, ou o programma catholico ou o
programma socialista.
Só um delles é efficaz, só um produzirá resultados satisfatórios.
No meio delles não há logar para mais nada.
69
Todo aquelle que se apresentar dizendo que não é socialista, nem catholico, ou
está enganado ou quer enganar, porque, repetimos, a neutralidade é impossível.
‘A Federação Operária’ é prova disto.
Apresentou-se como um campo neutro, em cujo seio haveria logar para todos os
crentes.[…]
Despertae. Para resolver as vossas questões 2 campos separados: o campo
socialista que se serve de vos como simples instrumento para a execução de
planos de cubiça e dominação e no qual vosa encontra destruição certa; e o
campo catholico, em que, sem arreganhos nem promessas fallazes, vossos
direitos são gradualmente defendidos com zelo e nobreza, conservando-se ao
mesmo tempo o thesouro espiritual do vosso ser! São campos separados!
Não deveis encaminhar-vos para o campo dos lobos!
Organizae-vos pois, na Confederação Catholica do Trabalho, pois no outro campo a
hypocrisia vos chama com sorrisos para vos apunhalar deslealmente quando
estiverdes presos!
34
(grifo nosso)
O esforço de demarcação dos campos perpassa pela associação do socialismo e do
anarquismo a idéias negativas, tais como ruína, morte e destruição, normalmente ligadas a
questões morais e religiosas. Os apelos eram dramáticos e buscavam construir uma imagem
repulsiva dos anarquistas e dos socialistas. A definição dos campos também ocorria pela
apresentação e afirmação do catolicismo, relacionada às características e virtudes do operário
cristão.
Um exemplo da construção de imagem repulsiva dos anarquistas pode ser encontrado
no artigo intitulado Das palavras as obras, publicado no primeiro número de O Operário. O
texto conta a história de um anarquista chamado Franscesco Calvo, ativista e franco defensor
de sua ideologia. Trata-se de um apelo dramático que busca, por meio da moral e da religião,
associar aos anarquistas, e mesmo aos socialistas, características negativas, hediondas.
Faz poucos dias a polícia de S. Paulo prendeu um tal Franscesco Calvo, um sujeito
que professava ideas anarchistas, promovia assembleas e greves e contumaz
perturbava a ordem pública;
O operário referindo-se ao ilustre Calvo diz: “Quem não conhece o Calvo, o ex-
thesoureiro da União dos Operários?
Não houve assemblea, não houve sessão a qual Calvo não assistisse, faltando nella
sua meia-linguagem.
A ouvi-lo tudo estava arruinado, tudo perdido; não havia mais nada de bom.
Somente elle, Calvo, e seus companheiros de anarchismo eram os santos, os puros,
os imaculados, os justos por excellencia. Os operários ingênuos escutavam-no de
bocca aberta. Esperavam delle a completa restauração deste mundo, que anda de
pernas para cima.
O anarchismo, dizia elle, é a salvação do mundo, porque o anarchismo possui
bellezas como a do amor livre, segundo o qual os senhores degenerados podem
commeter toda a sorte de monstruosidades, sem que a polícia de costumes tenha o
direito de fechal-os na prisão.
Ora, o nosso santinho foi nesses dias preso numa casa de perdição, na qual morava
sua própria filha Angelina de apenas 15 annos de idade.
34
Campos separados. O Operário, Anno 1, n. 23. Bello Horizonte, 14 de abril de 1921, p. 1-2.
70
Pelo inquérito policial soube-se, que o próprio Calvo tinha deflorado sua filha,
atirando a ao depois a vida má.
Eis os frutos das bellas theorias, que vão propagando os incendiários de nossos
operários! Eis ao que levam as doutrinas subversivas aprendidas em assembléas
socialistas!
E aos fructos que se conhece a arvore!
35
Associar a vida do socialista ao insucesso também foi estratégia discursiva da
Confederação Católica do Trabalho. Ao apresentar a trajetória de vida de um socialista com
final dramático, a entidade tentava convencer os trabalhadores dos riscos que assumiriam ao
seguir caminhos diversos ao que a entidade propunha. No primeiro número de O Operário,
foi apresentado o conteúdo de uma carta deixada por um suicida francês, que demonstrava seu
arrependimento frente à sua própria adesão ao socialismo:
Há tempos suicidou em Paris um celebre conferencista socialista Loindy. […]
É no meio do socialismo que aprendi a conhecer as causas mais nauseabundas. Eu
não tive a coragem de sahir delle e afundei-me num pantano. Si neste momento não
estivesse fatalmente obrigado a suicidar-me cousa que me prohibe a religião far-
me-ia catholico. É esta a ultima expressão do meu pensamento em face da morte.
Diante do espectro da morte desapparecem as illusões, que nos seduziram durante a
vida e a verdade se manifesta clara e luzida sem dar logar a duvidas ou esitações.
36
Outro exemplo de associação a comportamentos considerados moralmente
condenáveis pela doutrina católica é a idéia do “amor livre” contraposta ao sacramento do
matrimônio. O anarquismo, ao não aceitar normas da sociedade ou mesmo qualquer tipo de
coerção legal ou moral, não reconhecia o casamento civil e nem religioso, que eram
considerados inibidores da liberdade individual. Angela de Castro Gomes (2005) esclarece a
relação dos anarquistas com o matrimônio:
“Eles (os anarquistas) não eram homens sem moral, inimigos irrestritos de todas as
instituições sociais. Não eram contra a família, por exemplo. Combatiam o
casamento religioso e o batismo, defendendo a união verdadeira entre homem e
mulher. Por isso, postulavam a finitude do laço matrimonial, sem detrimento do
amor aos filhos, que, no entanto, não eram propriedade dos pais.” (p.102)
O assunto é relevante e recorrente em artigos do órgão oficial da Confederação
Católica do Trabalho.
O anarchismo, dizia elle, é a salvação do mundo, porque o anarchismo possui
bellezas como a do amor livre, segundo o qual os senhores degenerados podem
35
Das palavras as obras. O Operário, Anno 1, n. 1. Bello Horizonte, 19 de jun. 1920, p. 2-3
36
O ultimo pensamento. O Operário, Anno 1, n. 1. Bello Horizonte, 19 de jun. 1920, p. 3
71
commeter toda a sorte de monstruosidades, sem que a polícia de costumes tenha o
direito de fechal-os na prisão.
37
Prega o amor livre, com o qual quer destruir a honra das famílias e preparar o
terreno para as bachanaes bolchevistas. […]
Como pode um operário catholico estar numa sessão cujos oradores, de modo
grosseiro atacam os mais preciosos thesouros da sua fé?
Como pode um operário catholico ouvir sem chorar, dizemos mais, sem sentir o
coração estallar de dor ou justa cólera, conferencias em que se prega o amor livre?
38
Afirmar a identidade do operário cristão, ao ressaltar positivamente suas
características, também era uma estratégia de demarcação dos campos opostos. O operário
cristão era identificado com ético e também honesto com a família. Ele não se deixava
influenciar por idéias contrarias ao catolicismo e repudiava o anarquismo e o socialismo. O
operário cristão repudiava, ainda, qualquer tipo de imoralidade. O artigo intitulado O
Operário Christão demonstra o processo de valorização da fé cristã junto aos trabalhadores.
Christão é o operario que o gasta o que ganha no jogo, não se embriaga, não
rouba, não é falso à sua mulher mas regulando os prazeres pelo rendimento alterna o
trabalho e os divertimentos licitos. […]
Christão é o operario que negando seus cobres à imprensa venal e corruptora, com
gosto os dá a jornaes de suas idéas, de seu partido, à folha catholica.
Christão é o operario que propugnando a moral christã condemna á immoralidade
nas officinas, nas administrações communaes, nas casas particulares, nas escolas,
nos theatros, nos jornaes, nos parlamentos. […]
Christão é o operario que possui um coração grande, que nos anarchistas, nos
socialistas, nos criminosos outros tantos irmãos transviados[…].
39
Mauro Passos (1986) comenta sobre a tentativa da Confederação Católica do Trabalho
em vincular o comportamento do trabalhador à moral cristã, toma como exemplo, o operário
cristão do trecho acima. Segundo o autor, “os textos procuram realçar a visão cristã do
homem. Nas suas linhas essenciais, trata-se de considerar a significação profunda do trabalho
e de situar o homem no plano divino.” (p. 178)
A separação dos campos era também argumento da encíclica Rerum Novarum, que
admitia as duas soluções para o enfrentamento da questão social. Souza (2002) descreve as
duas soluções para a questão social descritas por Leão XIII:
[…] uma, que ele chamou de socialista, que abstrai os eternos problemas do homem,
e outra, a católica, inspirada no Evangelho. A solução socialista fundamentava-se na
supressão da propriedade de bens privados, ficando estes nas mãos da comunidade
37
Das palavras as obras. O Operário, Anno 1, n. 1. Bello Horizonte, 19 de jun. 1920, p. 2-3
38
Campos separados. O Operário, Anno 1, n. 23. Bello Horizonte, 14 de abr. de 1921, p. 1-2.
39
BORIS, Gaudêncio. O OPERARIO CHRISTÃO. O Operário. Anno 1, n. 4. Bello Horizonte, 21 de jul. de
1921, p. 3
72
ou do Estado. Tal solução supunha que o homem teria uma moralidade, que seria
atingida sem que houvesse o temor a Deus; era, portanto, uma solução irrealizável,
porque oriunda de uma concepção materialista de vida. O catolicismo não negava
que a solução para os problemas sociais exigia múltiplas colaborações, tanto do
Estado quanto das classes sociais, mas salientava que, fora do Evangelho exercido
pela Igreja, a questão era insolúvel e nenhuma solução seria eficaz. (p.81)
O uso da oposição é, nesse sentido, instrumento recorrente da Confederação Católica
do Trabalho no discurso a favor do catolicismo. A entidade recorre ao interdiscurso para
construir sua argumentação e dotá-la de sentido. À medida que demarca os campos de
enfrentamento da questão social por meio da oposição, e mesmo da proibição de outros
enunciados aos trabalhadores, a entidade tenta fortalecer discursivamente sua doutrina.
Todo o discurso proferido pela Confederação Católica do Trabalho contrário ao
socialismo e ao anarquismo visava a demarcar os campos e as formas opostas de
enfrentamento da questão social. De um lado, os católicos e, do outro, socialistas e
anarquistas. Não havia espaço para diálogo e qualquer tipo de interlocução entre esses
campos. Havia conflito de princípios e métodos para o enfrentamento da questão social.
Demarcando os campos contrários, o discurso da entidade alinhado com o da Igreja
tentava fortalecer a idéia de que o caminho certo a seguir era o catolicismo. Ao associar à
imagem de seus adversários características negativas, os católicos tentavam disseminar um
sentimento de repulsão ao pensamento socialista e também à idéia de que o único caminho
eficaz no enfrentamento da questão social era o que defendiam.
Segundo Mauro Passos (1986), o apelo contra o socialismo, fundamentado na
dimensão da moral religiosa, fazia com que os trabalhadores internalizassem, por meio do
discurso da Confederação Católica do Trabalho, pautas de comportamento guiadas por
princípios cristãos. (p.161)
A definição dos campos separados e opostos apresenta-se em consonância com as
observações de Foucault sobre os discursos religiosos. Segundo Foucault em A ordem do
discurso:
A doutrina liga os indivíduos a certos tipos de enunciação e lhes proíbe,
conseqüentemente, todos os outros; mas se serve, em contrapartida, de certos tipos
de enunciação para ligar indivíduos entre si e diferenciá-los, por isso mesmo, de
todos os outros. (Foucault apud Valério, 2004, p. 4)
Ao demarcar os campos opostos de enfrentamento da questão social, a Confederação
Católica do Trabalho tentava vincular o trabalhador a uma enunciação, peculiar ao padrão de
comportamento e a forma de ação dos católicos. Ao mesmo tempo, por meio da associação
73
dos anarquistas e socialistas a imagens muitas vezes hediondas, tentava influenciar os
trabalhadores no sentido de evitar seu afastamento do campo do catolicismo. A definição dos
campos buscava diferenciar os católicos dos demais e ressaltava suas singularidades e sua
superioridade no método de ação. Essa dinâmica propiciava também, pela demarcação das
diferenças, das alteridades, o fortalecimento dos vínculos identitários dos trabalhadores
católicos.
3.2 O discurso da harmonia entre as classes
Não existe entre nós, como em outras terras, o famoso conflito entre capital e o
trabalho, todas as iniciativas úteis francamente se desenvolvem. As chamadas
reivindicações operárias, para obterem triunfo, dispensaram os ímpetos violentos e
os processos subversivos[…]
Relatório do chefe de polícia de Belo Horizonte – 1918
A principal característica da encíclica Rerum Novarum é o debate das idéias liberais e
socialistas e a apresentação de uma alternativa católica, baseada no corporativismo, que
procurava soluções para os problemas da classe operária. A Igreja retomou das significações
medievais do corporativismo os princípios de solidariedade e de harmonia entre as classes
40
.
A corporação era, segundo a encíclica, o instrumento que viabilizaria a harmonia entre as
classes. Nela, “patrões e operários poderiam se confraternizar […], demonstrando a
viabilidade de um projeto católico renegado pelo liberalismo.” (MARQUES, 1995, p.34)
Sobre os instrumentos a serem utilizados para viabilizar uma convivência harmônica
entre as classes, diz a encíclica Rerum Novarum:
Mas o primeiro lugar pertence às corporações operárias, que abrangem quase todas
as outras. Os nossos antepassados experimentaram por muito tempo a benéfica
influência destas associações. [...] Sendo hoje mais cultas as gerações, mais polidos
os costumes, mais numerosas as exigências da vida cotidiana, é fora de dúvida que
se não podia deixar de adaptar as associações a estas novas condições. Assim, com
prazer vemos nós irem-se formando por toda parte sociedades deste gênero, quer
compostas só de operários, quer mistas, reunindo ao mesmo tempo operários e
patrões: é para desejar que aumentem sua ação. (LEÃO XIII, 1991, p.31)
40
Características do corporativismo medieval podem ser encontradas em BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO
(2004), vocábulo corporativismo (p. 287-291).
74
Em consonância com os escritos de Leão XIII, a Confederação Católica do Trabalho
pregava a harmonia entre as classes e tentava demonstrar a impossibilidade de nivelamento e
de igualdade social. A igualdade de classes era considerada “inexeqüível e iníqua”. Nesse
sentido, a entidade atacava a idéia socialista de sociedade sem classes e a considerava
contrária à natureza humana.
Erro da mesma natureza do que se insurge contra a propriedade e que traz para os
operários más conseqüências, é o que lhes apresenta como de justiça a egualdade de
classes, cousa inexeqüível e iníqua.
Tal nivelamento é contrário à natureza, que estabeleceu entre os homens differenças
profundas de intelligencia, de habitudes, de saúde, de forças, de gênio, de
tendências. Considerando como causas estas disposições ou condições dos homens,
e como effeitos os resultados de seus esforços, temos, de um lado, cousas desiguaes
e, do outro lado, haveremos de encontrar, forçosamente, effeitos desiguaes também.
Sendo impossível nivelar as cousas, por isto que a natureza não admitte, em tal
matéria, corrigendas consideráveis ou grandes modificações, impossível se torna
também nivellar os effeitos. Conseguir igualal-os, forçando homens menos
intelligentes ou menos hábeis, ou mais fracos, etc., a produzirem na mesma
proporção que homens mais intelligentes ou mais hábeis ou mais fortes, etc., o que
seria barbaresco, se não fosse impossível. Ou então o inverso: limitando a acção dos
de maior capacidade, à dos de capacidade mais restrita. […]
Exemplificando: fazer o que fez Lenine que resolvendo nivelar as classes nobre,
burgueza e operária, acabou com ellas todas, fundiu-as numa classe – a dos
miseráveis. […]
Ver as cousas como ellas são, acceitar a condição social imposta pela natureza, eis o
que aconselha a Egreja, ao contrário dos que açulam as classes umas contra outras.
41
A Confederação Católica do Trabalho, reverberando as palavras de Leão XIII, tentava
mostrar que não havia possibilidade de alterar a estrutura de classes da sociedade. Dada a
natureza humana, a sociedade seria sempre estratificada e, por sua essência, alguns homens
seriam mais capazes que outros e, portanto, mais aptos a conquistarem posições sociais
privilegiadas.
A carta encíclica Rerum Novarum defendia o princípio da colaboração entre classes.
Com base na idéia de que as desigualdades sociais eram naturais, capital e trabalho eram
tomados como partes da organização natural da sociedade, identificados não como
contrapostos, mas como complementares. De um lado, o capital, que não deveria se apropriar
de toda a fortuna, deixando os operários na miséria e, do outro, os operários, que não
deveriam almejar suprimir a propriedade privada e nem querer ir contra a lei natural da
divisão social. Operários e patrões deviam, então, cooperar para que a questão social fosse
resolvida de forma não conflituosa. (LEÃO XIII, 1991, p.14)
41
AMARAL, Luiz. OPERARIOS. O Operário, Anno V, n. 29. Bello Horizonte, 20 de abr. de 1925, p. 3.
75
A colaboração entre as classes foi também tema tratado de forma recorrente nos textos
do órgão oficial O Operário. Pela defesa da idéia de cooperação entre capital e trabalho, a
Confederação Católica do Trabalho discursava a favor da harmonia e da ordem nas relações
do trabalho. O discurso da entidade era inspirado nas idéias do papa Leão XIII:
Nem poderá ser que houvesse operários ou capitalistas. Como diz Leão XIII, a
concórdia entre estas duas classes traz consigo a ordem, a belleza. E também a
prosperidade. Mas, para isto, os capitalistas não devem ser deshumanos, nem
violentos os operários. Os capitalistas não devem ser sugadores, nem os operários
devem si deixar embahir pelos discursos seductores dos embusteiros e dos
demagogos, que lhes pregam reivindicações e os abarrotam de promessas.
É de mister que uma classe e outra escutem da Egreja o que ella lhes diz a respeito
dos direitos e dos deveres da outra. Porque a Egreja é a única que não doutrina
unilateralmente em questões sociaes. Se verdade é que ela grita, como os socialistas,
que os patrões não devem explorar os seus operários, nem consideral-os escravos,
que não se sirvam dele, como instrumentos de lucros e que não o estimem na
proporção de sua capacidade muscular não e menos verdade que chama os
operários que, por sua vez, se desempenhem das suas obrigações, que não lesem
seus patrões; que não se prevaleçam do numero e da força para ameaçal-los e impor
lhes condições extorsivas.
42
Ao discursar sobre a harmonia e cooperação entre as classes, porém, a entidade não se
dirigia apenas aos trabalhadores. Alguns textos enfatizavam o papel dos empregadores para
que esse objetivo fosse conquistado. Um artigo de O Operário destaque para um industrial
americano, que considerava ser exemplo do comportamento de um bom patrão. Rockefeller
43
era identificado com industrial que, consciente do seu papel na sociedade, defendia salários
justos e boas condições de trabalho para os empregados.
44
A harmonia e a cooperação entre as classes eram uma das mais caras bandeiras
defendidas pela Confederação Católica do Trabalho, em Belo Horizonte. Reflexo disso é a
forma de agir da entidade, que sempre buscava resolver os impasses de forma pacífica, sem
utilizar o recurso das manifestações públicas ou greves. As reivindicações eram encaminhadas
pela entidade diretamente ao poder público. Com seu poder de barganha, buscava o
atendimento, na medida do possível, das demandas dos trabalhadores. Sua orientação, em
diferentes ocasiões, contribuiu para que práticas que pudessem ser identificadas como
agressoras à ordem citadina fossem bastante incomuns durante a década de 1920. (DUTRA,
1988, p. 172).
42
AMARAL, Luiz. OPERARIOS. O Operário, Anno V, n. 29. Bello Horizonte, 20 de abr. de 1925, p. 3.
43
O texto provavelmente refere-se a John Davison Rockefeller, fundador da Standard Oil, empresa petrolífera.
Foi um dos ícones do capitalismo norte-americano no fim do século XIX e na primeira metade do século XX.
Tem na sua biografia diversos trabalhos filantrópicos.
44
A profissão de fé de Rockefeller. O Operário, Anno II, n. 36. Bello Horizonte, 02 de mar. De 1922, p. 4.
76
Carlos Veriano (2001) afirma que os valores éticos e morais, defendidos pela
Confederação Católica do Trabalho, refletidos na sua forma de enfrentar a tensão entre capital
e trabalho, possibilitaram um alargamento do espaço para as reivindicações dos trabalhadores.
Tal alargamento pode ser explicado pelo respaldo que a entidade conquistou junto aos poderes
públicos, que valorizavam sua representatividade junto aos trabalhadores de Belo Horizonte.
Nesse sentido, é importante destacar a identificação alcançada pela Confederação Católica do
Trabalho como opção possível para os trabalhadores, como um espaço para a participação dos
trabalhadores na estrutura oligárquica fechada, característica da Primeira República, no Brasil.
O princípio da colaboração entre as classes apresentou-se como uma atenuante nas
relações entre os trabalhadores e o poder público. O discurso da harmonia e da ordem social
condizia com as ambições da classe política e da classe empresarial na medida em que
facilitava a estabilidade nas relações com os trabalhadores. Nesse sentido, a Confederação
Católica do Trabalho, ao defender os princípios da Igreja, conquistava o respeito dos
governantes e dos empresários. Dessa forma, transformava-se em elemento articulador
importante na tríplice relação existente entre trabalhadores, empresários e poder público, em
Belo Horizonte, na década de 1920.
3.3 O discurso moralista da Confederação Católica do Trabalho
Mas é evidente que se deve visar antes de tudo o objeto principal, que é o
aperfeiçoamento moral e religioso. É principalmente este fim que deve regular toda
a economia destas sociedades; de outro modo, elas degenerariam bem depressa e
cairiam, por pouco que fosse, na linha das sociedades em que não tem lugar a
religião.
Leão XIII – Carta Encíclica Rerum Novarum – sobre a condição dos operários
O apelo moralista era constante nos textos publicados no órgão oficial O Operário.
Seguindo a orientação da Igreja, expressa na Carta Encíclica Rerum Novarum, a
Confederação Católica do Trabalho discursava em defesa de uma moral amparada nos
preceitos cristãos. Tentava, dessa forma, defender a sociedade da “corrupção dos costumes”
45
e discursava contra os comportamentos considerados agressivos à moral e à ordem. Os
principais alvos da crítica da entidade eram práticas presentes no cotidiano dos trabalhadores
45
LIGA PELA MORALIDADE. O Operário. Anno 1, n. 2. Bello Horizonte, 10 de jul. 1920, p. 1.
77
e dos demais habitantes de Belo Horizonte, tais quais, os filmes exibidos nos cinemas da
cidade, os bailes, o comportamento das moças, o vestuário, entre outras coisas.
O segundo número do órgão oficial O Operário trazia um artigo vangloriando uma
organização existente na cidade, a Liga pela Moralidade, destinada a “combater directamente
tudo quanto possa concorrer para crear, augmentar ou simplesmente favorecer a corrupção
dos costumes”
46
. O artigo destacava a necessidade de impedir as transformações dos padrões
de comportamento, que influenciariam, inclusive, nas reformas sociais necessárias à resolução
da questão social.
Entre os bons fructos, que a acção social tem produzido nesta cidade, merece
especial destaque a Liga pela Moralidade. A corrupção dos costumes, oriunda do
desejo incontido de prazeres materiaes, é sem dúvida um dos factores da decadência
da sociedade, da deliquescencia dos povos, da fraqueza e da ruina das nações.
Além disto, a corrupção, a incontinencia, a sensualidade desenfreada, concorrem
para o desequilíbrio econômico, impedem as reformas sociaes, influindo de modo
decisivo, embora indirecto, para o retardo da solução da questão operária. […]
Alguns indivíduos, degenerados uns, outros ignorantes ou superficiaes e, na maior
parte, libertinos e sensuaes, julgam-na retrograda e atrazada. Não admira.
47
Os filmes exibidos nos cinemas da cidade eram objetos das críticas moralistas da
Confederação Católica do Trabalho. O primeiro número do órgão oficial da entidade traz, na
primeira página, artigo elogiando o ato de censura aos filmes, assinado pelo então presidente
do estado, Arthur da Silva Bernardes. O texto demonstra todo o apelo moral do discurso da
entidade, defensora da imutabilidade das tradições:
Depois de prescrever regras minuciosas para garantir a vida dos espectadores, para
defender a integridade material dos freqüentadores de cinema, o sr. Presidente do
Estado passou a para a parte moral, de modo a proteger a alma, o patrimônio moral
dos indivíduos, prohibindo a projecção de films immoraes.
O governo mineiro seguio o exemplo dos povos cultos como a França, a Itália, a
Inglaterra, a Holanda, os Estados unidos, etc.
Está, portanto, em boa companhia, trilhando a única estrada digna de governos que
se presam.
Alguns jornalistas indígenas não receberam bem a censura. Allegam que a moral
varia com os tempos e com os povos. Allegam que o governo quer transformar os
cinemas em mostradores de fitas piedosas e piegas.
Nada disto deve impressionar o governo, pois a seu lado está o povo.
Dizer que a moral varia é o mesmo que affirmar que varia a justiça! Não! A moral, a
justiça, a verdade, são forças immutáveis, universaes, eternas.
A corrupção sim, é que varia com o tempo e com os povos. […]
O sr. Presidente do Estado e seus auxiliares que collaboraram para o decreto dos
cinemas bem merecem do povo e podem contar com o apoio decidido e absoluto da
parte sensata da população.
48
46
LIGA PELA MORALIDADE. O Operário. Anno 1, n. 2. Bello Horizonte, 10 de jul. 1920, p. 1.
47
LIGA PELA MORALIDADE. O Operário. Anno 1, n. 2. Bello Horizonte, 10 de jul. 1920, p. 1.
78
Além de apresentar a crítica moral da entidade aos filmes, o texto mostra também
outra característica da forma de ação adotada pela Confederação Católica do Trabalho: a
proximidade com os poderes públicos. A entidade tinha uma maneira própria de reivindicar as
demandas dos trabalhadores, trabalhando sempre próxima ao presidente do estado, ao prefeito
da capital e, ainda, ao Conselho Deliberativo de Belo Horizonte.
Em março de 1922, foi inaugurado um cinema para os operários. Os filmes eram
exibidos no salão da União Popular, entidade que também seguia a orientação católica. Entre
os filmes exibidos nas primeiras sessões estavam comédias e dramas policiais.
49
A oferta de
filmes aos operários demonstra também a seleção prévia do tipo de informação, que segundo
a orientação católica, devia ser veiculada aos trabalhadores de Belo Horizonte.
A entidade também voltava sua atenção para a educação das moças. O discurso era
conservador e marcado por pudores excessivos como era esperado de uma instituição
vinculada à Igreja Católica, na década de 1920. Como os cinemas, os bailes foram alvos de
críticas, que eram justificadas pela influência negativa no comportamento das moças. Um
artigo publicado, em 1922, dizia: “no cinema aprende a mulher fiel a ser infiel”
50
.
O apelo moralista contra as transformações, no comportamento das mulheres,
perdurou durante toda a década de 1920. Em 1925, O Operário publicava um artigo contra a
“perdição” que o comportamento feminino negativo representava:
Vamos caminhando para o mais tremendo abysmo de perdição!
Muita razão tem Leles Vieira em dizer que a moda feminina parece indicar que o
fim do mundo está mais próximo do que se esperava. Nos modos, no trajar, na
excessiva liberdade de tratamento com o sexo opposto, a filha de família não tem
differença da desgraçada, quando não se porta pior do que esta na sociedade.
Não reflectindo os castigos do Céo, com a carestia da vida, a irregularidade das
estações e outros avisos de Deus, a mulher despudorada, mesmo a casada, cheia de
filhos e até de netos, apresenta-se seminua, de cabellos cortados, pescoço raspado a
navalha, lábios carminados, olhos rasgados artificialmente, e não sei que mais usos
satanicamente escandalosos, nas reuniões publicas e particulares, até mesmo nos
actos religiosos.
Foram-se os bailes, com as suas quadrilhas e lanceiros, a passos marcados pela boa
música!
48
Censura cinematographica. O Operário, Anno 1, n. 1. Bello Horizonte, 19 de jun. 1920, p. 1. O programa de
exibição publicado era o seguinte: parte Congresso de Gymnastica film documentário instructivo; Finn, o
Malsin Drama policial em 4 actos do Regent Film; O automóvel de Robinet scena cômica de Ambrosio.
parte Annie Bell comédia dramática em 3 actos da Danmark; O sapateiro ganhou na loteria comédia de
Ambrósio.
49
Inauguração do cinema para os operários. O Operário, Anno II, n. 36. Bello Horizonte, 2 de mar. De 1922, p.
1.
50
BAILE E CINEMA: AOS PAES. O Operário, Anno II, n. 36. Bello Horizonte, 2 de mar. de 1922, p. 2.
79
O que hoje tem esse nome não passa de uma reunião confusa de homens e mulheres
descabelladas, atracados aquelles nestas, corpos unidos, a rodarem pelos quatro
cantos da sala, ao som do piano ou da sanfona, sem arte e sem compasso.
Foram-se os soireés familiares, porque essas se nivelaram as danças públicas, aos
chamados bailes de sociedade, onde a democracia excede as raias da conveniência, e
onde apparece também a moda sem modos das filhas de Eva.
E o namoro!! Que desbragamento, que pouca vergonha! As moças sahem de casa e
vão onde querem, sem dar satisfação aos paes, afim de juntarem-se aos namorados,
com os quaes ficam horas e horas, sem que os paes saibam por onde andam.
E o resultado de tudo isso é perder a mulher a consideração que outrora gosava.
Hoje, os homens não se levantam para ceder as senhoras o logar, na estrada de ferro,
no bonde, nas reuniões quaesquer; não lhes cedem a vez nas barbearias, nem o
transito nos passeios das ruas.
Ellas assim o querem, masculinisando-se, portanto... sua alma, sua palma.
Pois é. Assim que é, mas não devia ser.
51
A crítica ao comportamento das moças também se volta para a educação doméstica.
Vae sendo muito descurada entre nós a educação doméstica das moças. Sabem estas
muitas coisas acessórias, como sejam: vestir-se elegantemente, pintar-se, tocar
piano, falar francez, etc., porém ignoram tudo quanto é necessário fazer para a bôa
ordem e o conforto do lar. […]
Qual a causa dessa anomalia?
Ora, são moças de famílias abastadas, que tendo creadas a serviço não julgam
necessário preoccupar-se com semelhantes ninharias; ora trata-se de jovens operarias
que vão trabalhar diariamente nas fabricas e não têm tempo para exercitar-se nos
misteres caseiros. […]
Pensem bem nisto as mães de família, e procurem ensinar as filhas os serviços
caseiros, de cujo conhecimento e pratica dependerá, não raro, a sua felicidade futura.
O discurso da Confederação Católica do Trabalho, concernente ao papel da mulher na
sociedade, reflete o pensamento oficial da Igreja, também expresso por Leão XIII:
Trabalho há também que se não adaptam tanto à mulher, a qual a natureza destina de
preferência aos arranjos domésticos, que, por outro lado, salvaguardam
admiravelmente a honestidade do sexo, e correspondem melhor, pela sua natureza,
ao que pede a boa educação dos filhos e a prosperidade da família. (1991, p. 27)
Essa campanha pela moralização do comportamento das mulheres corresponde
também a idéia de divisão sexual do trabalho e do espaço social. A boa moral reservava às
mulheres o espaço doméstico e as atividades desenvolvidas no lar. No entanto, é importante
destacar que, em 1921, as mulheres representavam 26,4% do pessoal ocupado, em Belo
Horizonte. Elas chegavam a ocupar mais vagas que os homens no setor têxtil
52
. Embora
51
BOCÓ, Zé. ZIG-ZAGS. O Operário, Anno V, n. 29. Bello Horizonte, 20 de abr. de 1925, p. 3.
52
Fonte: Minas Gerais. Annuário estatístico, 1921. Bello Horizonte, Imprensa Official, 1926, vol. III, 254-275.
apud DUTRA, Eliana Regina de Freitas. . Caminhos operários nas Minas Gerais. São Paulo: Hucitec, 1988.
p.36.
80
ocupassem um número de vagas três vezes menor que os homens, as mulheres representavam
um percentual significativo do mercado de trabalho na capital mineira. Esse tipo de orientação
social e de segregação da mulher ao espaço doméstico é analisado por Michelle Perrot (2005)
em estudo sobre a sociedade francesa no fim do século XIX. Segundo a autora, o discurso que
tentava justificar tal divisão baseava-se no elogio da dona-de-casa, na importância da mulher
no ambiente familiar e, ainda, na idéia de sexo frágil afiançada pela medicina do século XIX.
As mulheres deviam, então, se dedicar às atividades domésticas por serem inaptas ao trabalho
nas fábricas. Sua análise adequa-se à sociedade belo-horizontina da década de 1920, que tinha
como característica uma diferenciação no trato de homens e mulheres no mercado de trabalho,
e, portanto, sem qualquer prejuízo de adequação do conteúdo à realidade.
O discurso moralista da Confederação Católica do Trabalho extrapolava o
disciplinamento dos trabalhadores nas relações de trabalho. A entidade também buscava
oferecer uma formação moral voltada para o comportamento cotidiano dos trabalhadores, na
sociedade com um todo. Nesse sentido, enunciados morais eram divulgados, ditavam regras
de comportamento para as moças e divulgavam os filmes considerados moralmente aceitáveis
e que não seriam corruptores dos costumes.
3.4 Catolicismo e trabalho
Entre os temas abordados nos artigos do órgão oficial O Operário, destaca-se a relação
entre fé católica e trabalho. O discurso era o de restauração dos valores cristãos como objetivo
de tornar as relações de trabalho mais harmoniosas e menos sofridas para os trabalhadores.
Dessa forma, a Confederação Católica do Trabalho buscava disseminar a fé católica entre os
trabalhadores, caracterizando-a como elemento imprescindível às relações de trabalho. A
espiritualização do trabalho era assim apresentada pela entidade:
Onde quer que esta doutrina (christã) tiver compenetrado o operário até a medula
dos ossos e dirigir a sua vida toda, torna-se leve o jugo do trabalho. Onde quer que a
clara consciência e a firma vontade de servir a Deus penetrem e escandeçam, qual
corrente elétrica, nossos actos e trabalhos, o jugo do trabalho se torna suave, não se
envidam esforços baldados e criminosos para sacudir o jugo, não si é roído pelo
descontentamento da sua sorte, consagra-se a própria pessoa livre e gostosamente ao
trabalho profissional, torna-se possível o trabalho mais pesado, enobrece-se o
81
trabalho mais abjecto, espiritualiza-se o trabalho mais desenxabido, alegra-se o
trabalho mais triste, anima-se o trabalho corporal.
53
A decadência da condição moral e social dos trabalhadores era, no discurso da
Confederação Católica do Trabalho, atribuída à falta de e ao fim das corporações de bem.
O argumento da entidade era o de que somente as corporações católicas seriam capazes de
oferecer ao trabalhador apoio em todas as dimensões sociais e humanas necessárias à
restauração da dignidade do trabalho e da vida. Desenvolveu, portanto, uma sobrevalorização
dos aspectos morais e religiosos do cotidiano dos trabalhadores em detrimento das questões
econômicas inerentes às relações de trabalho. Com essa perspectiva, situada no plano da
moral religiosa, é possível compreender o discurso e as alternativas propostas pela entidade.
Mauro Passos (1986) afirma:
O tema da dignidade do trabalho é uma constante. O pensamento cristão sobre o
trabalho fica numa perspectiva ética. O antagonismo entre capital e trabalho não é
analisado. Os conflitos existentes na sociedade encontram suas soluções na
colaboração entre as classes sociais e na “restauração” dos valores cristãos para a
sociedade. […]
Não se faz uma análise mais profunda das circunstâncias estruturais da análise
econômica da sociedade. O aspecto moral e religioso torna-se prioritário, seguindo
assim a linha mestra da encíclica Rerum Novarum. (p.173-174)
No trecho acima, Passos ressalta não haver uma preocupação por parte da Igreja e, é
claro, da Confederação Católica do Trabalho, com as questões econômicas do mundo do
trabalho. No entanto, com a publicação da encíclica Rerum Novarum, em 1891, a Igreja
assumiu a existência do conflito entre capital e trabalho, caracterizando-o como decorrência
da exacerbação das práticas liberais e pela ausência da católica. Depois disso, então, a
questão social entrou na pauta de discussão da Igreja. De fato, o que difere o entendimento do
catolicismo sobre a questão social das outras ideologias é a forma de enfrentamento do
problema. Ao discursar em prol da união entre a católica e o trabalho, a Confederação
Católica do Trabalho põe em prática os conceitos de harmonia e cooperação de classes
defendidos pela encíclica Rerum Novarum. Dessa forma, também contribuía para minimizar
os conflitos sociais e buscava soluções diferenciadas para essa questão.
Embora as questões relacionadas à ética e a moral religiosa tivessem grande destaque
no discurso da Confederação Católica do Trabalho, a questão econômica também era objeto
da preocupação da entidade em Belo Horizonte. Prova disso foram as campanhas realizadas
53
O Operário. Anno V, s/n. Bello Horizonte, 20 de jul. de 1925.
82
pela entidade em defesa do salário-mínimo para cada ofício e em apoio à posse de terrenos
para operários na cidade.
O discurso da Confederação Católica do Trabalho não subjugava a questão econômica
nas relações de trabalho, mas a questão da fé era sempre nuclear em todas as análises.
Segundo o discurso da entidade, a descrença era a maior inimiga dos trabalhadores e não os
patrões. Tais idéias estão assim expressas em O Operário:
Na crise dolorosa que o mundo atravessa, e especialmente a numerosa classe dos
trabalhadores, - os patrões, os ricos, os proletários tem larga parte de
responsabilidade. […]
A questão social tem profundas raízes na ordem econômica; é o fructo dum regimem
econômico viciado, pois que a sociedade está nas mãos da concurrencia, do
monopólio, da usura devoradora, e tende, cada vez mais, para a destruição dos bens
corporativos.
Os elementos do mal social são de ordem religiosa e moral, econômica e política.
A falta de religião nas massas operárias faz terríveis devastações.
Ella se manifesta pela irreverência a tudo o que é sagrado, pelo abandono das
práticas piedosas, pela ostentação do livre pensamento, pela depravação dos
costumes.
A intemperança, o alcoolismo, o concubinato, o desprezo da justiça, da caridade e da
honestidade, e o recurso dos meios ignóbeis para a consecução da falta de qualquer
fim, são conseqüências da falta de religião.
Sem querermos por hora, passarmos a analyse dos outros elementos constitutivos do
mal social, insistamos neste ponto: a fraqueza do operário diante dos patrões
omnipotentes provém, em grande parte, da falta de fé religiosa. […]
Os operários m o seu maior inimigo em si mesmos, e em si mesmos m o
principio de sua destruição, quando si deixam dominar pela descrença.
54
(grifo
nosso)
A relação entre catolicismo e trabalho é muito enfatizada no discurso da Confederação
Católica do Trabalho. Ao relacionar a crença religiosa com a superação de algumas mazelas
advindas do conflito entre capital e trabalho, a entidade tentava unir os trabalhadores na
católica. Nesse sentido, as noções de e trabalho se fundem e, ao defender melhores
condições para os trabalhadores, a entidade trabalhava também na expansão da católica. A
Confederação Católica do Trabalho tentava, dessa forma, transformar a luta por melhores
condições de vida e de trabalho para os trabalhadores de Belo Horizonte em uma luta pela fé.
Como afirma Passos (1986), por meio de seu discurso, a entidade fundia fé e trabalho em “um
só corpo”:
O pensamento cristão sobre o trabalho fica numa perspectiva ética. O antagonismo
entre capital e trabalho não é analisado. Os conflitos existentes na sociedade
encontram suas soluções na colaboração entre as classes sociais e na “restauração”
54
CARREIRO, Carlos P. Economia Social. O Operário. Anno V, n. 29. Bello Horizonte, 20 de abr. de 1925. p.
1.
83
dos valores cristãos para a sociedade. […] Esta solução está na perspectiva
totalizante de “um corpo”. Assim os problemas do mundo do trabalho
encontrariam resposta. Não se faz uma análise mais profunda das circunstâncias
estruturais da análise econômica da sociedade. O aspecto moral e religioso torna-se
prioritário, seguindo assim a linha mestra da encíclica Rerum Novarum: “Mas é
evidente que se deve visar antes de tudo o objetivo principal, que é o
aperfeiçoamento moral e religioso”. (p.173-174)
3.5 O alcance do discurso católico
O discurso católico ecoou junto aos trabalhadores de Belo Horizonte e contribuiu para
que a Confederação Católica do Trabalho exercesse grande influência sobre eles e
determinasse as formas de agir e de reivindicar deles. A maioria dos sindicatos e associações
de trabalhadores era filiada à entidade, o que demonstra o seu poder de influência na cidade.
Durante a década de 1920, vozes dissonantes também surgiram em Belo Horizonte.
No entanto, é importante destacar que nenhuma outra forma de manifestação teve tanta
regularidade e tanto alcance quanto a católica. No que se refere à imprensa, destinada à classe
trabalhadora, nenhum outro período teve regularidade comparável com à do órgão oficial da
Confederação Católica do Trabalho. O Operário circulou regularmente de junho 1920 até o
início da década de 1930, quando a Igreja reorientou sua ação para os chamados Círculos
Operários
55
, e um periódico foi lançado e emblematicamente intitulado Vida Nova.
Dentre as vozes dissonantes na imprensa destinada aos trabalhadores, dois jornais
merecem destaque por apresentarem linha editorial claramente contrária à da Confederação
Católica do Trabalho: Avante! e O Facho. É possível encontrar notas na bibliografia sobre
outros periódicos como o Libertas, o Jornal do Povo e o Verdade Operária. No entanto, a
opção pelo Avante e O Facho se explica pelo conflito editorial com O Operário. Até pela
pouca circulação, alguns com apenas uma edição, os outros jornais apresentam possibilidade
de análise limitada.
O Avante!, que circulou entre 1924 e 1928, iniciou com tendência socialista, com
crítica aberta ao governo mineiro e denúncia às péssimas condições de trabalho nas indústrias
têxteis. Por várias vezes, o diretor do jornal, Amadeu Teixeira de Siqueira, foi preso e teve
55
Ver SOUZA, Jessie Jane Vieira de. Círculos Operários: a Igreja Católica e o mundo do trabalho no Brasil.
Rio de Janeiro: UFRJ, 2002. 320 p. e MARQUES, Maria Elizabeth. Formação e crise da juventude operária
católica: o movimento em Minas Gerais, 1935-1968. 1986. 134p. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) -
Universidade Federal de Minas Gerais.
84
edições inteiras do jornal queimadas pela polícia. A partir de 1925, durante o governo Melo
Viana, o jornal passou a ser impresso na Imprensa Oficial e teve sua linha editorial
modificada, passando a publicar elogios ao presidente do estado. Tal fato pode ser entendido
como uma cooptação feita pelo presidente Melo Viana. (DUTRA, 1988, p. 124-125)
O Facho, jornal publicado por jovens intelectuais mineiros em 1929, era de tendência
anticlerical e comunista. De característica bastante combativa, o jornal criticava o governo de
Antonio Carlos pelas leis de censura e defendia a liberdade de pensamento e de voto. O jornal
via na ação revolucionária a ascensão do proletariado ao poder e apontava como algemas
sociais a religião, a moral e o governo. (DUTRA, 1988, p. 127)
É emblemático o papel exercido pelo que se pode denominar de zonas de silêncio,
referindo-se ao fato de outras correntes ideológicas praticamente não possuírem espaço em
Belo Horizonte no período estudado. Mesmo considerando que doutrinas como o socialismo e
o anarquismo sofressem represálias dos poderes públicos, talvez a pouca circulação de
impressos contrários ao catolicismo diga mais sobre a influência da Confederação Católica do
Trabalho na cidade que a grande periodicidade de circulação do órgão oficial O Operário.
A forma de agir da Confederação Católica do Trabalho, baseada na cooperação entre
as classes e na manutenção da ordem social, foi predominante em Belo Horizonte durante a
década de 1920. Foram registradas três greves na cidade desde a fundação da entidade. A
primeira ocorreu em 1919, ano de fundação da entidade, e foi uma reivindicação de redução
da jornada de trabalho para 8 horas feita pelos ferroviários da cidade. Não há muita
informação sobre a greve, mas a questão da jornada de 8 horas foi alvo de campanhas feitas
pela Confederação Católica do Trabalho, nos anos seguintes, como será analisado no próximo
capítulo. Em 1926, os barbeiros protestaram por melhores salários e contra a alta nos preços
dos produtos de primeira necessidade e aluguéis de casas. A greve foi pacífica, e os salários
foram aumentados. Em 1927, ocorreu uma greve dos choferes da cidade que durou dois dias.
A greve foi de solidariedade a um chofer que havia sido preso após reclamar de uma multa
recebida. (DUTRA, 1988, p. 123)
Nenhum outro movimento grevista foi encontrado durante a pesquisa e, de fato, as
greves ocorridas não tiveram muita repercussão: eram reclamações setoriais ou de
solidariedade. Isso é um indício de que o discurso da Confederação Católica do Trabalho
reverberou junto aos trabalhadores de Belo Horizonte, fazendo com que a ação fosse sempre
pautada pela moral católica e pela idéia de harmonia entre as classes.
Por sua representatividade e ação disciplinadora junto aos trabalhadores, a
Confederação Católica do Trabalho tinha respaldo junto às elites políticas as quais interessava
85
o controle das massas. A Igreja era ligada diretamente à entidade, não pela doutrina, mas
também pela cooperação mútua entre elas. A Confederação Católica do Trabalho tinha como
presidente de honra o cardeal Dom Antônio dos Santos Cabral, arcebispo metropolitano de
Belo Horizonte.
Retomando as considerações de Foucault sobre a relação entre o discurso e a religião,
é possível entender como se processou a construção e a difusão do discurso religioso pela
Confederação Católica do Trabalho e, ainda, como a lógica do ordenamento pode ser aplicada
ao caso de Belo Horizonte. Segundo o ordenamento foucaultiano, os discursos seguem a
lógica da coerção, proíbem os enunciados que lhes são exteriores e, dessa forma, se afirmam
hegemonicamente. Em Belo Horizonte, a prática discursiva da Confederação Católica do
Trabalho ecoou junto aos trabalhadores, concretizou as propostas católicas para o
enfrentamento da questão social e, mais que isso: não permitiu que outros enunciados
tivessem penetração. Prova disso é a pouca ocorrência da veiculação de idéias socialistas
durante o período estudado.
Mauro Passos (1986) destaca a penetração do discurso da Confederação Católica do
Trabalho no cotidiano dos trabalhadores em Belo Horizonte. Segundo o autor, valores
políticos difundidos pela entidade foram incorporados pela comunidade de trabalhadores da
cidade. O discurso moralista da entidade convergia para a promoção da ordem cristã e para o
combate às tendências revolucionárias no terreno social.
A Igreja investiu, com o advento da República, no Brasil, “na construção e
revigoramento de mbolos e no estabelecimento de um discurso direcionado para o controle
do imaginário coletivo, objetivando restaurar a idéia da identidade católica do povo
brasileiro.” (BATISTA, 2002, p.14)
O discurso da Confederação Católica do Trabalho, aliado a sua ação na defesa dos
trabalhadores de Belo Horizonte, fez com que as reivindicações trabalhistas, durante a década
de 1920, fossem encaminhadas ao modo católico, sem greves e sem conflitos diretos entre
patrões e empregados. Carlos Veriano (2001) destaca a importância do discurso católico como
agente mobilizador dos trabalhadores de Belo Horizonte, mesmo não o considerando o único
fator:
É tentador, diante dessas manifestações explícitas de solidariedade do catolicismo
militante frente à questão operária, refletir sobre a possibilidade desses valores,
concepções e ações concretas terem tido alguma influência política na formação da
classe operária da cidade. Não acreditamos que somente o discurso católico possa
ser o único ou o melhor agente mobilizador das classes pobres para conquista de
seus direitos sociais e políticos. Porém, é necessário considerar que esse discurso
86
dirigido à defesa das classes pobres tenha sensibilizado de forma singular o
imaginário dessa gente operária, no sentido de explorar uma outra forma de
consciência que não passe diretamente pela noção de revolução proletária. […]
Quando o discurso católico encontra seu interlocutor ou seu objeto de estudo, a
classe operária, temos uma direção comum a ser seguida entre os desejos do
operariado e os interesses da Igreja. Opera-se um processo de acomodação e
ajustamento de ideologias motivado pela possibilidade de se encontrar uma
identidade de classe para aquele que é o objeto de estudo, no caso a classe
operária. Por mais que seja elitista e centralizadora, a Igreja Católica se colocava
junto aos trabalhadores, no caso da Confederação, procurando fazer uma defesa do
trabalho, numa dimensão moral, apontando de forma real e concreta os malefícios de
um funcionamento injusto do capitalismo. (p.209-210) (grifo nosso)
As práticas discursivas da Confederação Católica do Trabalho devem, nesse sentido,
ser consideradas como mobilizadoras dos trabalhadores de Belo Horizonte, entre 1919 e 1930.
À sua maneira, a entidade deu forma e coesão à organização dos trabalhadores da cidade. O
apelo moral, proferido nos discursos, era promotor da ordem cristã, mas também a favor do
trabalho. A penetração do discurso católico, em Belo Horizonte, foi elemento que deu coesão
ao movimento, mesmo que mediante à proibição de enunciados outros.
O discurso da Confederação Católica do Trabalho processou-se nas diversas
dimensões enunciativas. Seu alcance propiciou uma ação baseada nos princípios cristãos da
época, ao defender a harmonia entre as classes sociais e a negação da via revolucionária no
enfrentamento da questão social. Com essa prática, a entidade conduziu campanhas em prol
de melhores condições para os trabalhadores, justificadas não pelas necessidades
cotidianas, mas também pela fé. As campanhas pelo descanso dominical (e não semanal), pela
jornada de 8 horas, pela moradia dos trabalhadores, entre outras, serão foco do próximo
capítulo, no qual também será analisada a forma de reivindicar da entidade como mediadora
entre o poder público e trabalhadores.
87
4 A LUTA POR DIREITOS
O objetivo deste capítulo é analisar as principais campanhas dirigidas pela
Confederação Católica do Trabalho, considerando as premissas de atuação do catolicismo
social e também a dimensão discursiva utilizada pela entidade em sua ação. Além de elucidar
a forma de encaminhamento das reivindicações, tal análise também é importante para
compreender a relação existente entre os trabalhadores da cidade, a Confederação Católica do
Trabalho e o poder blico. As premissas de atuação da entidade indicam a tentativa
constante de conciliação dos conflitos e de manutenção da harmonia social.
Durante a década de 1920, o catolicismo foi ideologia dominante em Belo Horizonte,
estabeleceu normas e moldou comportamentos no mundo do trabalho e no cotidiano dos
trabalhadores. Por meio das práticas discursivas da Confederação Católica do Trabalho, a
Igreja buscou capitanear os anseios dos trabalhadores que, desde a fundação da cidade, eram
marginalizados e considerados pelas elites estranhos ao ambiente urbano, vistos apenas como
os instrumentos de permanência transitória que viabilizariam o projeto da nova capital.
Veriano (2001) afirma que:
Belo Horizonte não tinha no seu planejamento o lugar do operário, por isso não é de
se estranhar a maneira provisória como o poder público sempre tratou essa questão.
O trabalhador de Belo Horizonte é, ao mesmo tempo, seu construtor e
morador/ocupante, portanto um segmento temporário no decorrer do
desenvolvimento da cidade, na visão do poder público. (p.74)
Havia também a dimensão material da luta por direitos e por melhorias nas condições
de trabalho e vida dos trabalhadores. Todas as ações da Confederação Católica do Trabalho
foram perpassadas pela fé, mas questões objetivas como a jornada de trabalho, os salários e o
direito às moradias também foram tratadas pela entidade. Tais ações visavam a conquistar
para o trabalhador o lugar que não fora reservado a ele no planejamento inicial da cidade.
Em linhas gerais, durante os primeiros anos de existência de Belo Horizonte, os
principais problemas enfrentados pelas camadas menos favorecidas da população estavam
relacionados com a questão da habitação e com a pobreza. A cidade, planejada em fins do
século XIX, não foi idealizada para essas pessoas e foi criada para ser a sede administrativa de
Minas Gerais. No entanto, a utopia da cidade moderna atraiu para Belo Horizonte um grande
contingente de trabalhadores que, ao contrário dos planos dos idealizadores, ali estabeleceu
morada, mesmo que em condições precárias, para além da planta original da cidade. Uma vez
88
constatada essa realidade, o poder público de Belo Horizonte teve que se reorganizar e buscar
formas de inserir os trabalhadores ao espaço urbano da capital e controlá-los, até mesmo para
garantir que ocupassem espaços subalternos da cidade.
A pobreza e a mendicância não tardaram a acontecer em Belo Horizonte, o que
chamou a atenção dos poderes públicos que logo adotaram medidas filantrópicas de auxílio
para evitar a proliferação de problemas sociais. Desde os primeiros anos do século XX, a
questão da pobreza foi debatida no Conselho Deliberativo de Bello Horizonte, que discutia
formas para resolver o problema.
As discussões sobre as condições de vida da população pobre da cidade são indícios
de que a idéia original do engenheiro Aarão Reis, de que uma cidade pode ser
planejada através de sua forma, não focalizou a questão social.
Em 1903 é apresentado um requerimento da associação “Assistência à Pobreza”,
pedindo auxílio à Prefeitura para a construção de uma casa para ser dispensa de
gêneros alimentícios a serem distribuídos aos pobres. Em 1909 o Prefeito remete ao
Conselho um requerimento da mesma associação pedindo a doação de terrenos para
construção de casas, com isenção de impostos, isenção para fins humanitários. Foi
concedido à Associação um terreno para a construção de cem casas destinadas a
famílias pobres e desamparadas.
Na sessão do Conselho Deliberativo de 16 de janeiro de 1906, um ofício do Prefeito
apresenta projeto do Dr. Cícero Ferreira pedindo a criação de um asilo de mendigos.
A proposta de projeto do médico, que foi membro da Comissão Construtora,
Prefeito da capital (de 20 de abril de 1905 a 10 de maio de 1905), diretor da Higiene
Municipal, organizados dos regulamentos da Polícia Sanitária, entre outros cargos,
indica que a cidade, nos seus primeiros anos, enfrentava o problema da miséria e
de uma população que, por não ter condições de moradia, ficava esmolando e
dormindo nas ruas. (SILVA, 1998, p. 30)
Todo o conjunto de homens e mulheres que, durante os primeiros vinte anos desde a
fundação de Belo Horizonte, trabalharam na construção da cidade ou mesmo em outros
setores, pleiteava espaços para moradia, espaços esses que não foram planejados pelos
idealizadores da nova capital de Minas Gerais. Desde o início, os trabalhadores se assentaram
nas zonas suburbanas da cidade, que não apresentavam condições básicas de higiene e
saneamento. Essas regiões posteriormente foram oficializadas pelo poder público da cidade
como espaços para habitações populares. Durante a primeira década do século XX, vários
terrenos das zonas suburbanas foram doados pela prefeitura a trabalhadores que deviam se
comprometer a construir suas moradias em no máximo dois anos. O que acontecia
normalmente é que os trabalhadores não conseguiam cumprir os prazos fixados para a
construção de suas casas, enfrentavam problemas com a prefeitura e perdiam os terrenos.
Dentre as lutas encaminhadas pela Confederação Católica do Trabalho, durante a cada de
1920, destacou-se a que buscava garantir a posse dos terrenos e renovar os prazos para as
construções das moradias populares.
89
As condições de trabalho também eram agravantes das condições de vida na cidade.
Segundo Veriano (2001), o descontentamento social era uma condição real das relações
sociais e de trabalho. “Como o ritmo de trabalho era intenso e havia um tempo determinado
para acabar a obra, as condições sociais cada vez se deterioravam mais, causando indignação
e repulsa nos trabalhadores” (p.101). As jornadas alongadas foram motivos de queixas
constantes e, durante a década de 1910, a situação chegou ao ápice e desencadeou a greve de
1912.
Se por um lado, a Confederação Católica do Trabalho atuou na educação pela fé,
fortalecendo o catolicismo como “consciência moral do mundo”, por outro lado, consciente
da situação vivenciada pelos trabalhadores no cotidiano de Belo Horizonte, concentrou-se
também no apoio à luta dos operários por direitos trabalhistas e pela melhoria das condições
de vida. Dessa forma, durante a década de 1920, a entidade encaminhou diversas
reivindicações ao poder público e aos empregadores de Belo Horizonte, fez campanhas para
garantir aos trabalhadores o respeito à jornada de trabalho de oito horas, o salário justo, o
descanso dominical e a conquista de habitações populares. As campanhas eram encaminhadas
respeitando os princípios expostos nos estatutos da entidade e na orientação do catolicismo
social, ou seja, baseados nas idéias de que a ação operária não devia excluir a Igreja e nem
prescindir da harmonia social.
Em destaque, nesse capítulo, estão as principais reivindicações presentes na pauta dos
trabalhadores de Belo Horizonte, durante a Primeira República. Temas como a jornada de
trabalho de oito horas, o descanso semanal e as habitações populares coincidem com as
reivindicações feitas por trabalhadores de outras regiões do Brasil. Boris Fausto (1986) e
Francisco Hardman (1991) demonstram como questões referentes à jornada de oito horas e à
habitação (esta, principalmente no segundo autor) ocuparam as pautas de reivindicações de
trabalhadores em outras cidades do Brasil, sobretudo, no Rio de Janeiro e em São Paulo.
4.1 A jornada de trabalho de oito horas e o justo salário
As questões referentes à jornada de trabalho de oito horas e aos salários foram
recorrentes na pauta de reivindicação dos trabalhadores brasileiros, durante a Primeira
República. Fausto (1986) mostra que as reivindicações estiveram nas pautas das greves
paulistas de maior expressão, como as de 1907, 1912 e, é claro, na greve geral de 1917. Em
90
nenhum dos casos as reivindicações foram atendidas de forma ampla. Nesses movimentos
algumas categorias de trabalhadores tinham atendidas as suas reivindicações, mas nem todas
lograram alcançar êxito total. Na greve 1912, por exemplo, a indústria têxtil Matarazzo
reduziu a jornada de dez horas e meia para nove horas diárias e aumentou os salários em 25%.
Na mesma ocasião, os sapateiros conseguiram reduzir a jornada para oito horas e meia e
tiveram aumento de 10%. No entanto, os trabalhadores frequentemente eram submetidos a
horas extras, e a jornada de trabalho continuou em pauta no movimento sindical de São Paulo.
Segundo Hardman, as conquistas referentes à jornada de trabalho, em São Paulo, foram
sempre parciais e, nas grandes indústrias, eram freqüentes jornadas diárias de até quinze
horas, durante a década de 1910 (1991, p.135).
A jornada de trabalho de oito horas e o justo pagamento pelo trabalho foram
reivindicações defendidas recorrentemente pela Confederação Católica do Trabalho. A
jornada de trabalho de oito horas já havia sido acordada pelos empregadores e trabalhadores
de Belo Horizonte desde 1912, quando foi deflagrado o primeiro movimento paredista de
grandes proporções da cidade. Esse movimento, iniciado pelos empregados da prefeitura,
contou com a adesão imediata de várias outras categorias de trabalhadores.
Faria e Grossi (1982) afirmam que na primeira negociação os trabalhadores receberam
dos empregadores uma proposta que previa a redução da jornada para oito horas, mas também
definia que “o mesmo salário seria dividido pelas horas antes em vigor e cada operário teria o
direito de trabalhar quantas horas quisesse” (p.193). A proposta na prática significava a
manutenção da mesma jornada anterior e não alterava os salários. Desta forma, a proposta foi
recusada pelos trabalhadores, que se mantiveram em greve. O movimento só chegou ao fim
após decisão tomada por uma corte arbitral presidida pelo presidente do estado, que atendeu à
reivindicação dos trabalhadores e concedeu a eles o direito à jornada máxima de oito horas
por dia. Faria e Grossi destacaram, também, o movimento grevista de 1912 como a primeira
experiência significativa de coesão dos trabalhadores da cidade.
No dia 14 de maio a questão grevista foi resolvida com a vitória dos operários no
tocante à fixação da jornada de trabalho em oito horas, a partir do dia 16 de agosto
do mesmo ano, e a publicação da sentença da Corte Arbitral. A reivindicação salarial
não chegou a ser resolvida, inscrevendo-se como mais uma barganha. A paralisação
do trabalho durante nove dias, com a participação de aproximadamente 40% do
operariado da Capital, representou uma experiência social significativa e serviu de
base à mobilização da classe. Seus representantes utilizaram-se de ticas especiais
para cada situação surgida, expressando coesão e força. A greve teve caráter
estritamente local, sem a solidariedade de outras cidades. (FARIA E GROSSI, 1982,
p.194)
91
Sobre a conquista da jornada de oito horas, o semanário O Operário, em seu primeiro
número, publicou uma nota dramática.
O dia de oito horas foi conquistado pelos trabalhadores de Bello Horizonte a custa
do próprio sangue. Foi no governo Bueno Brandão. Após alguns dias de greve, as
massas operarias foram dispersadas a pata de cavallos, ficando alguns feridos. O
sangue operario correu para fazer germinar neste solo a planta desejada. O
Presidente do Estado nomeou dois árbitros para, sob sua presidencia, resolverem
definitivamente a questão. O desembargador Edmundo Lins e o nosso confrade e
grande amigo Dr. Mario de Lima organizaram magnífico trabalho, que o Presidente
sanccionou.
56
A concessão do direito sob a forma de acordo entre as partes, no entanto, não o
garantiu na prática das relações cotidianas entre patrões e trabalhadores. Em 1920, a
Confederação Católica do Trabalho denunciava que, em Belo Horizonte, os trabalhadores
continuavam compelidos a enfrentar jornadas de trabalho alongadas. Como os trabalhadores
recebiam salários muito baixos, para conseguir o rendimento necessário para sua subsistência
eram obrigados a exceder à jornada de oito horas. A entidade acusava os empregadores da
cidade de arrocharem os salários dos trabalhadores, impelindo-os à jornada extraordinária.
Mas, aqui mesmo em Bello Horizonte, essa bella creação está sendo fraudada. Os
patrões, para obrigar os operarios a trabalhar mais de 8 horas, pagam-lhes
remuneração mesquinha. Si o operario trabalha por salário, este é fixado em quantia
tam mesquinha que os prejudicados são obrigados a pedir trabalhos extraordinários
para conseguirem melhor diária. Si o operario trabalha por obra, o preço de unidade
é tam pequeno que em 8 horas ninguém consegue o necessario para viver.
Assim, os trabalhadores se m na dura necessidade de pedir e trabalhar até 9, 10, e
11 horas da noite! Os patrões se desculpam hypocritamente dizendo que os operarios
trabalham assim por sua LIVRE vontade!... Elles mesmos organizam o arrocho e
impellem pela fome os trabalhadores ao sacrifício e depois ainda por cima insultam
as suas victimas!
Isto não pode continuar!
Já passou o tempo da escravidão e da mentira!
Os operários não se deixem ludibriar!
Lutem pela conservação das medidas conquistadas, pois do contrario sua situação
será cada vez mais negra!...
57
Embora a ação da Confederação Católica do Trabalho fosse pautada pelo princípio da
harmonia entre as classes, a entidade não deixou de denunciar o não cumprimento dos acordos
trabalhistas e nem mesmo de convocar os trabalhadores a não se submeterem à exploração de
seus empregadores. É claro que o discurso da entidade contra a exploração era
56
O dia de oito horas. O Operário. Anno 1, n. 1. Bello Horizonte, 19 de jun. de 1920. p. 3.
57
O dia de oito horas. O Operário. Anno 1, n. 1. Bello Horizonte, 19 de jun. de 1920. p. 3.
92
simultaneamente pautado por outro princípio do catolicismo, o combate às ideologias
revolucionárias (anarquismo, comunismo e socialismo). Dessa forma, mesmo ao denunciar
alguns empregadores, a Confederação Católica do Trabalho defendia um clima harmônico nas
relações entre capital e trabalho e a necessidade sempre premente da colaboração entre as
duas classes.
Por meio dos textos publicados no órgão oficial O Operário, a Confederação Católica
do Trabalho atuava, de um lado, denunciando os patrões que descumpriam os acordos e, de
outro, alertando os operários contra tais abusos. Como afirma Dutra (1988) com a publicação
do semanário a entidade “iniciava intensa campanha de mobilização dos operários em torno
das reivindicações pleiteadas, ao mesmo tempo em que denunciava os patrões que burlavam
acordos feitos e leis em vigor. (p. 162)
Para o encaminhamento das reivindicações salariais, a Confederação Católica do
Trabalho instituiu um procedimento que acarretaria na definição de um salário mínimo justo
por categoria. Para tanto, os sindicatos deveriam organizar uma tabela dos salários e
encaminhá-las à diretoria da Confederação Católica do Trabalho, que, por sua vez, a
encaminharia aos empregadores, fixando prazo de quinze dias para uma resposta. Ambas as
partes teriam que aprovar as tabelas. Uma vez estabelecido o valor do salário mínimo por
ofício, a confederação fixava o prazo de trinta dias para sua implementação. Se a tabela não
fosse cumprida, a entidade instituiria uma comissão para discutir a questão e, posteriormente,
submeteria os argumentos ao arbítrio do presidente do estado ou de alguém por ele indicado.
Patrões e empregados deveriam obrigatoriamente aceitar a decisão do presidente do estado.
58
Esse procedimento adotado pela Confederação Católica do Trabalho também era útil
para os propósitos da entidade de garantir a harmonia social. Ao se estabelecer como
mediadora das negociações, a entidade construiu uma forma de ação que considerava ser o
“caminho para evitar greves e violências.”
59
Além do procedimento adotado para tentar fixar um salário mínimo por categoria, a
Confederação Católica do Trabalho fez campanhas para conquistar benefícios para categorias
específicas. Foi o que aconteceu no caso da campanha feita pela entidade para a aprovação de
lei que regulamentasse a participação nos lucros para empregados do comércio e da indústria.
A entidade fez fortes críticas à cultura negativa dos políticos que não apoiavam a
regulamentação da participação dos trabalhadores nos lucros das empresas.
58
Aos syndicatos. O Operário. Anno 1, n. 2. Bello Horizonte, 10 de jul. de 1920. p. 3-4.
59
Aos syndicatos. O Operário. Anno 1, n. 2. Bello Horizonte, 10 de jul. de 1920. p. 4.
93
O projecto de lei, que o Congresso Nacional está estudando sobre o trabalho no
commercio e na industria, encerra alguns dispositivos sobre participação nos lucros.
Essa parte encontra seria opposição de alguns deputados, que, tomados de horror,
exclamam não haver ainda paiz algum no mundo adoptado tal medida.
Essa affirmativa prova a negativa cultura dos nossos políticos, o nenhum caso que
ligam à questão social e mui especialmente à questão operária. […]
Investigações, inquéritos e estatísticas escrupulosas, criteriosamente realizadas,
demonstram estar vigorante o systhema, com grande proveito, muitos annos, em
vários paizes europeus e americanos. Alias, qualquer manual de economia trata da
matéria. Mas, os nossos super homens da política e da administração, sentados no
altíssimo e no luminosissimo throno da... Ignorância, affirmam que não existe nada
disto! São os mesmos que affirmam não existir questão operaria no Brasil.
60
Mesmo ao assumir uma postura reformista para o enfrentamento da questão social,
baseada na doutrina social da Igreja, a Confederação Católica do Trabalho não se furtou, em
alguns momentos, em adotar uma postura crítica em relação ao sistema capitalista. No trecho
acima reproduzido, a entidade critica diretamente os governantes por não reconhecerem a
existência da questão social e por ignorarem a sua urgência. Embora possa parecer estranha a
postura agressiva assumida pela Confederação Católica do Trabalho frente aos governantes,
sobretudo considerando o discurso de harmonia social que foi frequentemente difundido pela
entidade, a ação empreendida nesse caso foi coerente com a crítica ao liberalismo feita pela
Igreja católica, desde fins do século XIX. A ação do catolicismo social, em Belo Horizonte,
nesse caso, assumiu postura frente a um dos princípios expressos na encíclica Rerum
Novarum, que se refere ao papel do Estado como agente regulador que deveria agir sempre
que necessário para garantir trabalho digno e salário justo para todos os cidadãos e evitar que
estes sofressem privações.
A Confederação Católica do Trabalho assumia a ação mais direta de encaminhar as
reivindicações dos trabalhadores aos empregadores e ao poder público de Belo Horizonte. O
tipo de influência exercido pela entidade sobre os trabalhadores e sua forma de ação
contribuíram para seu fortalecimento frente ao poder público, o que possibilitou o aumento de
sua capacidade de barganha e também a conquista de benefícios, inclusive para a própria
entidade, como demonstra Eliana Dutra.
O recurso ao estado, ora na figura do seu presidente, ora às suas instituições
(Câmara e Congresso) foi sempre um constante na ação da Confederação. Esta
recorreu não apenas ao poder estadual, mas principalmente ao municipal, tendo
solicitado à prefeitura não apenas o terreno para construção de sua sede social, como
60
Participação nos lucros aos empregados do commercio. O Operário, Anno VI, n. 9. Bello Horizonte, 20 de set.
de 1925.
94
também auxílio sob forma de material de construção, tendo o Conselho Deliberativo
no ofício n.º 221, de 5 de outubro de 1925, concedido 2:000$000 em materiais para
construção de sua sede social. (DUTRA, 1988, p. 164)
Além das campanhas pela jornada de trabalho de oito horas e pelo salário mínimo por
categorias profissionais, que demonstram a forma de atuação da Confederação Católica do
Trabalho e sua relação com os empregadores e poder público, a campanha pelo descanso
dominical é também bastante emblemática para entender a fusão que se tentava estabelecer
entre a fé católica e a realidade do mundo do trabalho em Belo Horizonte.
4.2 O descanso dominical
E Deus viu tudo o que havia feito, e tudo havia ficado muito bom. Passaram-se a
tarde e a manhã; esse foi o sexto dia. Assim, foram concluídos os céus, e a terra, e
tudo o que neles há. No sétimo dia, Deus havia concluído a obra que realizara, e
nesse dia descansou. Abençoou Deus o sétimo dia e o santificou, porque nele
descansou de toda a obra que realizara na criação. Gênesis 1:31-2:3 (BÍBLIA,1997)
A Confederação Católica do Trabalho, para justificar a necessidade de um dia de
descanso semanal para os trabalhadores, baseava-se nos princípios cristãos que pregavam um
dia dedicado à alma e ao corpo. A epígrafe acima traz o trecho da Bíblia que descreve os dois
dias finais da criação. O sétimo dia é apresentado como o dia do descanso santificado por
Deus. E foi baseado nesse argumento religioso que o discurso da Confederação Católica do
Trabalho organizou-se para justificar o dia de descanso necessário aos trabalhadores. É
importante destacar que, por essa inspiração religiosa, a entidade lutava não por um dia de
descanso semanal no seu sentido estrito, mas sim para que os trabalhadores tivessem a
possibilidade de, ao terem o descanso dominical, reservá-lo para o descanso do corpo, da
alma, para a oração e liturgia religiosa e, ainda, para se dedicarem à vida familiar.
A luta pelo direito de um dia de descanso semanal, o domingo, foi encaminhada pela
Confederação Católica do Trabalho de duas formas. A primeira, por meio da campanha
empreendida discursivamente nos textos publicados em seu semanário. A segunda, pela ação
reivindicativa direta por meio de requerimentos e petições encaminhadas ao poder público e
da negociação direta com os empregadores, com o objetivo de sensibilizá-los sobre a
necessidade do descanso dominical para os trabalhadores. A Confederação Católica do
Trabalho, ao empreender a campanha pelo descanso dominical, criou a Comissão de Repousa
95
Dominical e Dias Santos, que era responsável por fiscalizar e denunciar caso nos quais
domingos e dias santos fossem profanados. Essa comissão tinha também a atribuição de fazer
campanhas junto aos comerciantes para que não exigissem de seus empregados o
comparecimento ao trabalho nesses dias.
As denúncias eram realizadas pela Confederação Católica do Trabalho sempre com a
preocupação de não incitar os trabalhadores a ações contra os empregadores. Mesmo quando
a crítica era personificada, a entidade cobrava o respeito ao descanso dominical, mas, ao
mesmo tempo, elogiava o empregador, visando a amenizar o tom de crítica. Tal prática pode
ser percebida, por exemplo, no caso da denúncia publicada pelo semanário O Operário, em
1920, na qual o administrador dos correios era elogiado ao mesmo tempo em que se cobrava o
descanso dominical para os carteiros:
O dr. Carvalhaes de Paiva tem sido um administrador dos correios correcto,
incançavel e bem intencionado. […] Por isto, certas reclamações, embora
justíssimas, deveriam visar o systema administrativo e não o methodo pessoal. […]
Há, porém, certas medidas que dependem exclusivamente de exame mais acurado e
de uma certa energia e desassombro. Assim é a questão do descanço dominical dos
carteiros. […]
Os carteiros não querem cessar o trabalho aos domingos, mas apenas limital-o ao
estrictamente necessário. Por isso pleiteiam a redução das distribuições domiciliares
a uma só, PORÉM PELA MANHÃ. A distribuição do dia, para acumular as
correspondências de todos os trens, burla por completo o descanço, pois em vez dos
carteiros trabalharem três horas pela manhã e quatro durante o dia, terão que
trabalhar SEIS horas consecutivas. […]
Por isso, esperamos que o dr. Administrador, justo e competente com é, ainda
resolverá sobre o assumpto.
61
As discussões encontradas nos Annaes Conselho Deliberativo de Bello Horizonte são,
nesse sentido, importantes para compreender o processo de reivindicação da Confederação
Católica do Trabalho e também para perceber a penetração dos argumentos da entidade junto
às elites políticas. Em 1919, o Conselho Deliberativo discutiu leis que instituíam o descanso
dominical para algumas categorias de trabalhadores do comércio e as aprovou. Em todos os
casos, a Confederação Católica do Trabalho exerceu pressão sobre o Conselho Deliberativo
por meio do envio de telegramas e requerimentos nos quais solicitava regulamentação do
descanso dominical.
O projeto n.º 10, aprovado em 1º de outubro de 1919, que instituiu o descanso
dominical para os padeiros da cidade, definia inclusive multa para os donos de
61
Descanço Burlado. O Operário. Anno 1, n. 3. Bello Horizonte, 31 de jul. de 1920. p. 1.
96
estabelecimentos que não cumprissem a determinação
62
. Durante o mês de outubro de 1919,
também foi aprovado projeto que estabelecia o descanso dominical para os empregados de
estabelecimentos farmacêuticos.
63
Em março de 1921, a Confederação Católica do Trabalho
encaminhou ao Conselho Deliberativo requerimento solicitando a proibição do trabalho aos
domingos para os açougueiros e retalhistas da cidade
64
. No mesmo mês, o semanário O
Operário publicou artigo em defesa dos açougueiros e retalhistas, argumentando que nenhum
cristão se importaria de privar-se de carne fresca às segundas-feiras em nome de uma causa
tão nobre.
Os açougueiros, os trabalhadores no Matadouro, bem como as classes annexas,
querem o descanço dominical. O repouso semanal está determinado para todos,
menos para esse grupo de operários. Urge, pois, uma medida para attendel-os. Bem
sabemos que as pessoas egoístas, desprovidas de educação social, vão crear
obstáculos, porque talvez não queiram sujeitar-se á privação de carne fresca, nas
segundas-feiras. […]
Os próprios trabalhadores devem gritar com força na defesa de seus direitos e o
povo, generoso, culto e bom, deve prestigial-os, de modo que o triumpho seja fácil e
sem perigo!
Hurrah! Pelos açougueiros! A Confederação Catholica do Trabalho esta do seu
lado.
65
Durante as discussões no Conselho Deliberativo sobre o descanso dominical para os
padeiros, a comissão de legislação apresentou argumentos para justificar a aprovação da lei,
nos quais demonstrava inclusive que outros setores já possuíam o benefício. No caso dos
padeiros, um acordo prévio havia sido negociado com os proprietários de padarias com o
intermédio da Confederação Católica do Trabalho.
Considerando que a medida solicitada é justa, tanto assim que existe accordo
assignado entre os referidos empregados (os padeiros) e proprietários de padarias;
Considerando que a população desta Capital já se acha habituada ao uso do pão de
véspera às segundas-feiras, sem que tenham manifestado protesto ou reclamação;
Considerando que é de facto nocivo o trabalho consecutivo dos empregados em
padarias, e que todos os outros operários da Capital já conquistaram a diminuição de
horas de trabalho e o descanço aos domingos, descanço esse necessário, salutar e
hygienico a raça humana;
Considerando que o trabalho deve ser um meio de ganhar a subsistencia e não um
destruidor de organismo, provocando a morte por inanição e fadiga;
Considerando que aos legisladores cumpre voltar suas vistas sobre a organização
proletária, estudando com carinho um meio de concretizar todas as idéas aventadas,
afim de evitar os horrores do maximalismo que bate a porta, é a comissão de parecer
62
Annaes do Conselho Deliberativo de Bello Horizonte. 2º Reunião, set. de 1919.
63
No Conselho Deliberativo. Diário de Minas. Bello Horizonte, 28 de set. de 1919.
64
Annaes do Conselho Deliberativo de Bello Horizonte. 1º Reunião, mar. de 1921.
65
O descanço para os açougueiros é justo! O Operário. n. 19, Anno I. Bello Horizonte, 17 de mar. de 1921.
97
requer seja pelo Conselho Deliberativo homologado o accordo havido entre
empregados padeiros e proprietários de padarias da Capital […].
66
Embora a argumentação do Conselho Deliberativo parecesse bastante sensível à causa
operária e afirmasse que o descanso dominical fosse uma realidade em Belo Horizonte, os
acordos e decretos municipais eram frequentemente burlados. Além disso, as oficinas,
fábricas e serrarias, continuaram a funcionar normalmente aos domingos. Diante desse quadro
de desconsideração dos acordos e das sanções do poder público, a Confederação Católica do
Trabalho iniciou uma campanha para que o poder legislativo da cidade elaborasse um projeto
de lei que estabelecesse o descanso dominical para todos os setores. (DUTRA, 1988, p.162)
Além de pressionar o poder legislativo de Belo Horizonte, a Confederação Católica do
Trabalho também intensificou a campanha junto a suas bases no semanário O Operário. A
justificativa religiosa para o descanso semanal era frequentemente usada pela entidade. No
discurso que justificava o descanso, as razões da e da religiosidade antecediam as
referências às condições de trabalho, bem-estar físico e mental dos trabalhadores.
O descanço dominical é uma lei universal. Em todos os paizes respeita-se o domingo
e esse respeito é tanto maior quanto mais culta é a nação. O domingo é o dia de
Deus, pois concedeu ao homem seis dias para os seus interesses, reserva este para Si.
O homem, labutando a semana inteira, deve reservar um dia para, de modo especial,
honrar Aquele que o creou e lhe concede todas as cousas.
O domingo é o dia da alma. Durante seis dias o homem luta para conquistar
principalmente o bem estar material, a manutenção do corpo. No domingo, deve
cessar essa luta pelo interesse corporal, para se lembrar que tem uma alma immortal
e que essa alma precisa egualmente de cuidados, mais necessários quiçá que o
próprio corpo.
O domingo é do dia do corpo. Sim, durante a semana, o operário flagellou os seus
membros na roda viva de um trabalho duro, ao sol, a chuva, no seio da terra, dentro
de officinas mal arejadas e com pouca luz, dentro de um ruído ensurdecedor! No
septimo dia, é indispensável que os membros tam maltratados durante a semana,
repousem para não perderem suas forças mas rapidamente do que por natureza! Mas
homens que não se incomodam com Deus, nem com a alma, nem com o próprio
corpo! Querem somente dinheiro e mais dinheiro!
67
A Confederação Católica do Trabalho também incentivava os trabalhadores a lutarem
pelo cumprimento do descanso dominical e, ao denunciar os setores nos quais era comum
burlar o descanso, fazia um apelo aos poderes constituídos para que fizessem cumprir as leis e
decretos municipais.
66
Annaes do Conselho Deliberativo de Bello Horizonte. 2º Reunião, set. de 1919.
67
Trabalho aos domingos. Operário. Anno 1, n. 1. Bello Horizonte, 19 de jun. de 1920. p. 3.
98
O povo é dolorosamente insultado pelo desrespeito à sua vontade. Até os trabalhos
de reparação, reconstrucção e conserva de linhas de bondes é feito aos domingos,
sem a menor necessidade! Os donos de fábricas, serrarias e officinas, com a sua
ganância, escravisam os operários, desacatam as autoridades, insultam a Nação,
humilham o Povo! Não se envergonham de dar publicidade, por essa forma, a sua
falta de escrúpulos, a sua falta de patriotismo, a sua falta de respeito para com a
humanidade!
É tempo de cessar tudo isso! Esses abusos, essa prepotencia, devem desapparecer!
Fazemos um appelo vehemente a todos! Aos responsáveis, isto é, aos patrões, aos
ricos, para que tomem a iniciativa honrosa e nobiliante, de por si mesmos entrar no
bom caminho, dando o exemplo da exacta observancia de seus deveres.
Aos operarios aconselhamos não cederem neste ponto. Lembrem-se de que ceder um
direito é ceder todos os demais. Recuar um passo é caminhar para a derrota.
Aos poderes constituídos pedimos que façam cumprir a lei! A Prefeitura tem meios
de fazer executar as leis do Conselho e não deve transigir sob pena da própria
desmoralisação!
68
Após a pressão exercida pela Confederação Católica do Trabalho junto ao poder
público e a concomitante campanha de mobilização dos trabalhadores, feita, sobretudo pelo
semanário O Operário, o Conselho Deliberativo elaborou em 1921 o projeto de lei n.º 24, que
estabelecia do descanso dominical obrigatório, em Belo Horizonte. No entanto, a lei previa
exceções para algumas especialidades tais quais, o serviço doméstico indispensável, o
transporte de passageiros, as casas de diversão, a limpeza pública, o serviço farmacêutico, o
serviço hospitalar e o serviço de restaurantes e lanchonetes. Já as padarias, feiras de
horticultura e casas de carnes deveriam funcionar apenas até às doze horas. A venda e
distribuição de jornais e revistas eram permitidas. O funcionamento de oficinas tipográficas,
no entanto, era proibido aos domingos.
69
Durante a discussão do projeto n.º 24, no Conselho Deliberativo, o conselheiro
Noraldino Lima defendeu a necessidade de conceder aos trabalhadores o descanso dominical,
que poderia, segundo seu entendimento, ser justificado em três esferas, a saber, a econômica,
a social e a religiosa. Mesmo no discurso do legislador Noraldino Lima, o elemento religioso
estava presente. Percebe-se, claramente, nos argumentos apresentados pelo legislador, a
ressonância positiva do discurso católico referente ao descanso dominical.
Têm chegado a este Conselho inummeras reclamações de todos os syndicatos,
associações leigas, ligas religiosas, aggremiações partidárias e outras congêneres
existentes na capital, pedindo com insistência a decretação de uma lei que venha
attender a essa velha aspiração das classes proletárias em torno de um assumpto que
anda a pedir, realmente, a attenção dos poderes públicos.
O descanço dominical é de ordem economica, religiosa e social: economica, porque
sabido é que todo individuo que descança um dia na semana adquire novas energias,
readiquire outras forças para melhor emprehender a jornada dos seis dias úteis.
68
Trabalho aos domingos. Operário. Anno 1, n. 1. Bello Horizonte, 19 de jun. de 1920. p. 3.
69
Annaes do Conselho Deliberativo de Bello Horizonte. 2º Reunião, set. de 1921.
99
Portanto, como factor economico indiscutivelmente, o descanço dominical se impõe
a todos os organismos, a todas as constituições: accumula reservas para uma
efficacia maior de applical-as no trabalho;
Religiosa, porque desde a genesis, encontramos esse decreto eterno de que o homem
deverá descançar um dia na semana para melhor attender aos seus deveres durante
os dias restantes: o próprio Criador descançou ao termo da obra que emprehendera
no “fiat-lux”;
Social, finalmente, porque nada mais equitativo do que o operário que trabalha seis
dias consecutivos, ter também a sua clareira na vida, a sua brecha para o descanço,
para a família e para o lar;
70
Apesar do empenho de alguns membros do legislativo e da Confederação Católica do
Trabalho, o projeto n.º 24 não foi aprovado durante a reunião do Conselho Deliberativo do
ano de 1921. A Confederação Católica do Trabalho e seus sindicatos filiados continuaram a
campanha até que na 2º Reunião do Conselho Deliberativo, realizada em setembro de 1922, o
projeto foi aprovado e se transformou na lei municipal n.º 227, de 14 de outubro daquele ano.
Após a aprovação da lei em 1922, a discussão sobre o descanso dominical não se
esgotou para a Confederação Católica do Trabalho, mas o foco foi mudado. Se antes o
descanso dominical era justificado, ao mesmo tempo, pelas questões de fé e trabalhistas, após
a aprovação da lei, o foco centrou-se no discurso religioso. Em 1925, por exemplo,
manifestação dirigida pela entidade aos trabalhadores de Belo Horizonte, por meio do jornal
O Operário, enfatizava o domingo como o dia do Senhor, no qual os cristãos deveriam assistir
à missa e alimentarem a alma com bons pensamentos.
Santificar o dia de domingo, é um dever que nos impõe o terceiro mandamento da
lei de Deus. Temos no domingo duas obrigações religiosas: abster-nos de trabalhos
servis e assistir a Santa Missa. O domingo é o dia do Senhor que elle reservou para
si e que nós devemos reservar para elle. […] Muito mais freqüente que o trabalho
aos domingos, é entre nós a omissão da missa. […] é obrigação rigorosa de todo
catholico que não está impedido por causa grave, de assistir a Missa em todos os
domingos e dias santos de guarda.
71
Concomitantemente às inúmeras manifestações e ações em defesa do descanso
dominical, a Confederação Católica do Trabalho desenvolveu outra campanha, de grande
mobilização e ressonância social, que consistiu em uma série de negociações com o poder
público de Belo Horizonte, referente às habitações operárias.
70
Annaes do Conselho Deliberativo de Bello Horizonte. 2º Reunião, set. de 1921.
71
O Domingo. O Operário. Anno V, n.30. Bello Horizonte, 10 de maio de 1925, p. 3.
100
4.3 A questão das habitações operárias em Belo Horizonte
A proposta urbanística implementada, em Belo Horizonte, desde sua idealização,
baseava-se no urbanismo sanitarista hausmanniano. O Barão de Haussmann foi o responsável
pela grande reforma praticada em Paris, na segunda metade do culo XIX. Tal perspectiva
urbanística previa ruas e avenidas longas e largas, que facilitassem a locomoção entre os
extremos da cidade. Sobre o desenho urbano de Haussmann, Sennet (1997) afirma que “o
desenho urbano do século XIX tanto promoveu a circulação de grande número de indivíduos
quanto incapacitou o movimento de grupos ameaçadores, surgidos com a Revolução
Francesa” (p.265). Nesse sentido, o projeto de cidade hausmanniano previa, também, um
desenho urbano capaz de conter as multidões e separar os espaços destinados a estratos
sociais diferentes.
No início do século XX, a cidade do Rio de Janeiro também passou por intervenções
profundas no espaço urbano que repercutiram nas condições de vida da população. Inspirada
nas reformas implementadas por Haussmann, em Paris, algumas décadas antes, a remodelação
racional da capital da República, que se propunha a “corrigir os erros de sua gestação
‘espontânea’, engendrou novas contradições e agravou muitas das que existiam.”
(BENCHIMOL, 2003, p.234). A reforma no espaço urbano era também justificada pela
necessidade de limpar a cidade dos focos de doenças que preocupavam os responsáveis pela
saúde pública da época, como a febre amarela, a varíola, a tuberculose, entre outras. Nesse
sentido, as habitações dos pobres, como os cortiços e as cafuas, eram consideradas espaços de
reprodução das doenças e preocupavam os sanitaristas, que, dentro da racionalidade
urbanística da época, procederam a reformas que removeram os pobres das zonas centrais da
cidade.
Os higienistas puseram em evidência a maior parte dos nós górdios que os
engenheiros tentariam desatar. A cidade edificada sem método e sem gosto deveria
ser submetida a um plano racional que assegurasse a remoção dos pobres da área
central, a expansão para bairros mais salubres, a imposição de normas para tornar
mais higiênicas as casas, mais largas e retilíneas as ruas etc. (BENCHIMOL, 2003,
p. 240)
Diferentemente dos casos de Paris e do Rio de Janeiro, Belo Horizonte já foi planejada
sob influência do urbanismo sanitarista, e o projeto da cidade não incluía as camadas
populares na zona urbana. Esse fato, no entanto, não impediu que a questão das habitações
101
populares fosse um problema para o poder público municipal. O grande número de
trabalhadores que viviam em condições insalubres foi uma questão que surgiu nos
primeiros anos da cidade. A expulsão dos trabalhadores para áreas periféricas, aliás, não foi
um fenômeno isolado.
“Esta tendência é geral e ocorreu em grande parte das cidades industriais capitalistas
no mundo: Buenos Aires, México, Londres, Paris etc. Isto representou um certo
‘saneamento’ das áreas próximas dos centros de decisão do capitalismo, onde se
concentravam, inicialmente, os redutos proletários.” (HARDMAN e LEONARDI,
1991, p. 151)
A questão das habitações operárias foi, nesse sentido, bastante problemática e ocupou
de forma significativa o debate dos urbanistas e administradores públicos, no Brasil, no fim
do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Quando os administradores públicos e a
sociedade em geral perceberam a urgência da questão das habitações populares, houve uma
mudança de postura sobre o assunto. De acordo com Margareth Rago (1987) o problema que,
inicialmente, era apenas higienista ganhou novas dimensões, transformando-se também em
uma questão moral e política. Para a autora, nas primeiras décadas da República:
A problemática da habitação operária, inicialmente construída pelo saber médico-
higienista e progressivamente incorporada pelos saberes cnicos e “objetivos” da
engenharia, da arquitetura e da sociologia sobre um deslocamento conceitual através
de operações em que as imagens e representações imaginárias se acoplam ou se
opõem, criando todo um campo de dimensão simbólica do real. Assim, da
constatação do problema da habitação popular as péssimas condições de vida e
moradia dos trabalhadores e pobres em geral –, passa-se a discutir a questão da
saúde dos incivilizados, no sentido de diagnosticar as doenças para preveni-las ou
extirpá-las. Da questão da doença e do perigo da emergência de focos de contágio,
desloca-se para o problema moral: a degenerescência da raça, a degradação do
espírito, a corrupção do trabalhador. Finalmente, a ameaça política. (RAGO, 1987,
p.190)
Em Belo Horizonte, o quadro não foi diferente nas primeiras décadas após sua
fundação. A cidade que foi planejada para ser a sede administrativa de Minas Gerais e que em
seu projeto original não previa a permanência os trabalhadores em seu espaço urbano, teve
que se adaptar e se reordenar para abrigá-los. Os terrenos situados na zona urbana eram muito
caros e tinham funções especificadas no projeto da cidade. Havia os espaços reservados aos
funcionários públicos, ao lazer, aos edifícios públicos, ao comércio, etc. Os habitantes sem
recursos foram impelidos a buscar espaços na zona suburbana. Havia, ainda, os que de fato
não conseguiam adquirir lotes nem na zona suburbana e ocupavam terrenos baldios e sem
condições de saneamento.
102
O processo de ocupação de Belo Horizonte apresentou-se também de forma
singular: o crescimento do tecido urbano ocorreu da periferia para o centro. A
rigidez do plano da cidade, que destinava a área interna ao perímetro da Avenida do
Contorno a funções específicas, expeliu para as zonas suburbanas e rurais as
camadas populares. […] A elevação dos preços dos lotes na zona urbana expulsou
para a periferia os que demandavam a Capital em busca de emprego e melhores
condições de vida. (FARIA e GROSSI, 1977, p. 174)
Como sugeriu Margareth Rago, surgia uma nova questão política e social a ser
resolvida, as habitações operárias. O caminho escolhido para resolver o problema, em Belo
Horizonte, não fugiu ao objetivo primeiro dos idealizadores da cidade, que era o de manter a
utopia de uma cidade moderna, hierarquizada e construída para os administradores públicos e
para as elites em geral. Visto que para as elites políticas não interessava uma ocupação
desordenada da cidade e muito menos uma classe trabalhadora insatisfeita, que pudesse se
revoltar e atentar contra a ordem pública, o problema das habitações populares se constituiu
como urgente questão política. Nesse sentido, para o poder público, resolver essa questão
representava também estabelecer uma nova sociabilidade, uma normatização do cotidiano da
cidade, utilizando a ordenação do espaço urbano para conter os atributos de reivindicação e
protesto que a classe pudesse vir a ter.
Se levarmos em conta o projeto urbano da cidade de Belo Horizonte, sua filosofia
urbanística sugeriria uma população sem esses atributos [de reivindicação e
protesto], colocando todos os indivíduos dentro de um padrão de conduta somente
assimilável pelo projeto de engenharia ali criado. A cotidianidade seria substituída
pelos cargos e hierarquias do novo município, os papéis sociais seriam
predeterminados e as relações sociais seriam meros atos burocráticos. Considerando
que o trabalhador ficasse na escala social mais baixa, poderíamos dizer que haveria
uma suspensão de sua vida cotidiana, a favor de um fazer burocrático produzido
pelos poderes públicos vigentes. (VERIANO, 2001, p.104)
Mais que representar o reconhecimento dos trabalhadores como cidadãos que tinham
direito à cidade, a busca por uma solução para a questão habitacional, em Belo Horizonte, nas
primeiras décadas de sua existência, foi também uma tentativa de estabelecimento de regras
para o convívio no espaço urbano. O fazer burocrático do poder público quis estabelecer o
lugar social dos trabalhadores na cidade e reservar a eles o lugar mais baixo na escala. A
demarcação do espaço físico a ser ocupado pelos trabalhadores era também social. Prova
disso é que as vilas operárias foram criadas sempre em locais da zona suburbana da cidade, o
que demonstra a adoção de uma perspectiva segregacional e hierárquica na ordenação do
espaço urbano.
103
A questão habitacional foi, nesse sentido, tema de debates e de várias medidas do
poder público da cidade durante a década de 1920. Desde o início do século XX, a questão a
ocupou parte da preocupação do poder público, que inúmeras vezes concedeu lotes para a
construção de habitações. Durante a década de 1920, os trabalhadores da cidade, por meio das
organizações sindicais, e sob a liderança da Confederação Católica do Trabalho, fizeram
intensa campanha visando a garantir a posse dos terrenos doados pela prefeitura nas vilas
operárias. O objetivo era criar melhores condições para que o trabalhador pudesse construir
sua moradia, além de melhorar as condições de salubridade das regiões ocupadas por
trabalhadores.
Existe, na capital, um bairro denominado Villa Caillaud, em homenagem ao velho
servidor da municipalidade, tam digno de estima pelos seus notáveis méritos.
Nesse bairro residem 72 famílias de operários laboriosos e honestos, cada qual em
pequeno lote concedido, a titulo precário, pela Prefeitura. Esses lotes constituem
uma estreita faixa de terreno, apertado entre a estrado do Rio das Velhas e o ribeirão,
em prolongamento á rua Jacuhy. Essas famílias desejam que o Conselho
Deliberativo lhes conceda gratuitamente o título definitivo de seus pequenos
terrenos, para que assim possam ter tranqüilidade. Nada mais justo.
Bello Horizonte possui áreas extensas, inteiramente desaproveitadas. De vez em
quanto, algum felizardo, por qualquer manobra, obtem grandes latifúndios de graça
ou quase de graça. pessoas que possuem 60 ou 80 mil metros quadrados de terra
que não podem edificar, nem cultivar. Estão retendo essas grandes propriedades
exclusivamente por especulação, para revendel-as, mais tarde, por bom preço. Si isto
si fez para gente rica, com graves prejuízos para o patrimônio municipal, não é fora
de razão que a Prefeitura conceda uma nesgazinha insignificante, fora do centro, a
uns pobres operários que trabalham para o engrandecimento da cidade. Aliás, o dr.
Affonso Vaz de Mello tem entendido que similhantes concessões podem ser feitas; e
o operariado horizontino já lhe deve, nesse sentido, grandes benefícios.
Esperamos, pois, que o pedido dos habitantes de VILLA CAILLAUD encontrará
boa vontade por parte dos illustres membros do Conselho Deliberativos
72
As reivindicações encaminhadas pela Confederação Católica do Trabalho eram sempre
feitas em tom de solicitação e nunca de exigência. Ao mesmo tempo em que criticava as
atitudes dos governantes, a entidade elogiava políticos da cidade. No apelo feito visando à
concessão dos títulos dos lotes da Villa Caillaud a seus moradores, a Confederação Católica
do Trabalho elogiava Affonso Vaz de Mello, prefeito da capital, pela sensibilidade frente à
questão habitacional.
As condições de salubridade não eram adequadas nas zonas suburbanas, onde os
trabalhadores residiam. A recorrência desse tema nas discussões do Conselho Deliberativo,
durante os primeiros anos de existência da cidade, e o fato de, em 1919, ter sido aprovada lei
72
UM APPELO AO CONSELHO DELIBERATIVO. O Operário. Anno II, n. 36. Bello Horizonte, 02 de mar.
de 1922.p. 1.
104
que permitia a permuta de lotes localizados em regiões sem estrutura de água e esgoto por
outros em locais onde era possível construir casas com condições melhores indica que, de
fato, a salubridade na zona suburbana não era apropriada.
73
A política pública municipal referente às habitações populares era implementada,
grosso modo, pela cessão de terrenos nas vilas operárias aos trabalhadores que atendessem a
determinadas exigências, com fixação de prazos máximos para que a habitação fosse
construída, geralmente, em quatro anos. O que normalmente acontecia é que os trabalhadores
não conseguiam construir as habitações permanentes no prazo determinado, o que causou, por
um lado, a proliferação de cafuas insalubres na zona suburbana e, por outro, a perda da
concessão dos lotes.
Em relação ao problema habitacional, a atuação da Confederação Católica do Trabalho
processou-se de duas formas: a primeira, pela assistência jurídica aos trabalhadores para a
obtenção da revalidação da posse dos lotes; a segunda, pelo incentivo à criação da
Cooperativa Constructora de Casas Operarias Limitada. Tais medidas podem ser
consideradas ações assistencialistas empreendidas pela entidade. Alguns autores bastante
críticos do assistencialismo no movimento operário chegaram a considerá-lo como um
“desvio do sindicato de seu campo de ação peculiar”, ou seja, a luta dos trabalhadores pela
transformação social (RODRIGUES, 1968 apud FORTES, 1999, p. 175). Essa interpretação,
todavia, desconsidera nas alternativas assistencialistas o atendimento às demandas dos
trabalhadores em contextos específicos. Nesses contextos, o assistencialismo pode ter sido
uma forma eficaz de luta operária. Alexandre Fortes (1999) critica os estudos que não
consideram o assistencialismo um desvio da luta sindical e que não levam em conta os anseios
dos trabalhadores em contextos particulares:
[…] pouco se m estudado os vários modos em que o atendimento destas
necessidades coletivas dos trabalhadores foi buscado em contextos particulares,
assim como o papel que estas diferentes alternativas de atendimento desempenharam
nos processos mais gerais de organização e mobilização. (p.175)
A leitura dos Annaes do Conselho Deliberativo de Bello Horizonte possibilita
constatar que foram inúmeras as requisições individuais e coletivas referentes aos pedidos de
renovação de posses de terrenos concedidos aos trabalhadores. É verdade que houve diversas
requisições para novas concessões e criação de novas vilas operárias, mas os pedidos de
revalidação de posse são indicativos da atuação da Confederação Católica do Trabalho frente
73
Belo Horizonte. Lei Municipal n.º 165, 25 de mar. de 1919.
105
à questão da habitação popular, em Belo Horizonte, na década de 1920. As relações
estabelecidas no caso da campanha pela habitação demonstram a influência da entidade junto
aos trabalhadores e como esse processo fortalecia esses laços e, ainda, sua influência junto ao
poder público. Como afirma Dutra (1988):
A Confederação beneficiou-se dessas circunstâncias para se fortalecer junto ao meio
operário. Criou uma comissão para tratar do revalidamento dos lotes, noticiou pela
imprensa os despachos do prefeito sobre os requerimentos encaminhados pela
Confederação e publicados pelo Minas Gerais, reproduzindo-os nas ginas de O
Operário. Não se responsabilizava, portanto, pelo prejuízo sofrido por aqueles que
não lessem O Operário. (p.163)
Em 1925, foi criada, em Belo Horizonte, a Cooperativa Constructora de Casas
Operarias Limitada, com o objetivo de facilitar aos seus associados a aquisição e a construção
de casas. A Confederação Católica do Trabalho percebeu que para ter acesso às habitações,
além de possuírem o terreno para construí-las, os trabalhadores necessitavam de recursos para
concretizar tal empreendimento. Foi em decorrência do não cumprimento dos prazos para
construção nos terrenos que a entidade passou a oferecer assistência jurídica aos trabalhadores
nos processos de revalidação das posses.
Além de financiar a construção das casas dos cooperados, os estatutos da Cooperativa
previam a contratação preferencial dos próprios cooperados para trabalharem nas obras, caso
atendessem à qualificação exigida e necessitassem de emprego. A Cooperativa também
concedia empréstimos em dinheiro aos cooperados que necessitassem, com prazo fixo,
pagamento em prestações mensais e com taxa de juros de 10% ao ano.
74
Como o problema das habitações populares se agravava, entre 1919 e 1922, o poder
público de Belo Horizonte tomou uma série de medidas com o objetivo de resolver a questão.
A preocupação resultou na definição de novas áreas para moradia e a criação de vilas
operárias. Em 1919, o Conselho Deliberativo autorizou o prefeito a criar vilas operárias na
cidade. Os lotes deveriam ser cedidos aos trabalhadores que cumprissem os requisitos
exigidos pela lei. Nesse item, a discussão no legislativo girou em torno da definição dos que
seriam merecedores dos terrenos. O texto original do projeto previa a doação dos lotes às
pessoas consideradas “reconhecidamente pobres”. O conselheiro Hugo Werneck apresentou
emenda na qual pedia melhor definição de quem seria considerado pobre, já que para ele os
indigentes não deveriam ser atendidos pela lei. A lei, segundo o conselheiro, deveria ser
74
Cooperativa Constructora de Casas Operarias Limitada. O Operário. Anno VI, n. 9. Bello Horizonte, 20 de
set. de 1925, p. 3.
106
dirigida aos “proletários”, definidos como indivíduos que vivessem do seu trabalho e
possuíssem pequenos recursos.
75
Após a campanha dirigida pela Confederação Católica do Trabalho visando a revalidar
as concessões de terrenos, o Conselho Deliberativo aprovou, em 1921, o projeto de lei n.º 15,
que previa a revalidação das concessões anteriores. Além disso, o projeto previa novas
concessões de lotes para os trabalhadores, que ficariam isentos de impostos nos primeiros
anos e deveriam construir as habitações no prazo máximo de quatro anos. A lei previa
também a concessão de crédito para a construção das casas a juros de 4% ao ano.
76
4.4 O catolicismo e o atendimento às demandas dos trabalhadores em Belo Horizonte
A Confederação Católica do Trabalho, ao longo dos anos nos quais atuou, capitaneou
os anseios dos trabalhadores de Belo Horizonte e acolheu suas demandas sob o estandarte da
fé e da moral católica. Por meio da ação orientada pelo catolicismo social, a entidade assumiu
as principais lutas dos trabalhadores como lutas pela moral católica. É possível inferir, no
entanto, que o apelo moral feito pelo catolicismo, em Belo Horizonte, era a favor do trabalho
e, ainda, que:
Esse apelo encontrava eco até mesmo nos setores liberais das elites da cidade,
abrindo possibilidade de diálogo entre o patrão e o empregado. Podemos até dizer
que esses valores éticos e morais expostos pela Confederação com relação ao mundo
do trabalho tenham projetado alguma influência setorial dentro do operariado,
fazendo com que o espaço para as manifestações se alargasse, no interior de uma
ordem oligárquica fechada e extremamente autoritária no trato das questões sociais.
(VERIANO, 2001, p. 210)
Essa compreensão sobre o papel que a Confederação Católica do Trabalho exerceu nas
relações de trabalho em Belo Horizonte, considerada a forma que a situação foi conduzida,
suscita uma questão: teria a estratégia sindical reformista católica correspondido às aspirações
e demandas dos trabalhadores da capital mineira?
Se não é possível apontar uma resposta objetiva, negativa ou positiva, para a questão,
podem-se apresentar elementos que elucidam ou apontam caminhos para interpretá-la. A
75
Annaes do Conselho Deliberativo de Bello Horizonte. 2º Reunião, set. de 1919.
76
Annaes do Conselho Deliberativo de Bello Horizonte. 2º Reunião, set. de 1921.
107
análise do quadro geral sobre as condições de vida dos trabalhadores, condições essas que
geraram demandas urgentes no mundo do trabalho, possibilita pensar a relação entre a ação
católica empreendida e o atendimento das demandas dos trabalhadores, em Belo Horizonte.
Os trabalhadores de Belo Horizonte, desde a fundação da cidade até a década de 1920,
enfrentaram uma situação de privação de direitos tendo que lutar constantemente pelo acesso
à cidade. Nesse sentido, algumas necessidades urgentes, tais quais as campanhas pela jornada
de oito horas e pelo descanso dominical, no plano dos direitos trabalhistas, e a campanha
pelas habitações operárias, no plano do direito à cidade, figuraram entre as demandas que
mais mobilizaram os trabalhadores da cidade na luta por direitos.
No aspecto da mobilização e do encaminhamento dessas campanhas, a Confederação
Católica do Trabalho teve papel determinante. A entidade ofereceu a estrutura para o
encaminhamento das campanhas e também a ideologia que balizou o método utilizado. Nesse
sentido, as campanhas foram encaminhadas em consonância com a orientação do catolicismo
social, ou seja, pregando que a luta dos trabalhadores não deveria prescindir da ordem social e
transcorrer sempre de forma a manter a harmonia e a cooperação entre as classes. Dessa
forma, o processo de reivindicação sempre transcorria sem o recurso a greves ou qualquer tipo
de conduta que pudesse ser considerada agressiva contra a autoridade do Estado. Essa forma
de agir acabou por consolidar a Confederação Católica do Trabalho como uma entidade
mediadora dos conflitos entre capital e trabalho, em Belo Horizonte.
O encaminhamento das campanhas pela jornada de oito horas, pelo descanso
dominical, pelas moradias para trabalhadores, bem como outras reivindicações
77
, geraram
resultados que passaram pela aprovação de leis que garantissem aos trabalhadores o gozo de
direitos. A Confederação Católica do Trabalho fez campanha para que essas leis fossem
aprovadas e mesmo após tais conquistas continuou, a sua maneira, a exercer um papel de
fiscalização e denúncia e, dessa forma, tentou garantir a efetividade de tais conquistas para os
trabalhadores de Belo Horizonte. Essas considerações sugerem que a ação da entidade, se não
era voltada para a transformação da estrutura social capitalista que gerava efeitos perversos e
excludentes, buscava de modo efetivo reformar tal sistema e atender às demandas urgentes
que propiciariam a melhoria das condições de vida dos trabalhadores.
A estratégia sindical católica em Belo Horizonte, durante o período estudado, contém
as principais características do reformismo constantes na discussão acadêmica sobre o tema,
77
A Confederação Católica do Trabalho comandou outras campanhas de menor repercussão, mas não menos
importantes, referentes a: acidentes de trabalho, direito de associação, abastecimento de água em bairro operário,
feiras livres na capital para venda de gêneros de primeira necessidade, entre outras.
108
ou seja: contar com instituição sólida, sobretudo financeiramente; buscar conquistar vantagens
imediatas e garantir tais conquistas em leis; não buscar a mudança do sistema vigente,
procurando apenas reformá-lo e torna-lo mais justo; não utilizar o recurso da greve nem de
outra forma de ação que atentasse contra a ordem pública e o poder constituído.
A Confederação Católica do Trabalho foi uma instituição sólida e financeiramente
viável, graças ao grande número de associados e ao apoio da Igreja e do próprio poder
público. Buscava a conquista de vantagens imediatas, sem atentar contra o sistema, buscando
leis que garantissem os direitos negociados entre trabalhadores e patrões. A entidade não
considerava o recurso à greve, dadas as premissas do catolicismo. O reformismo praticado,
em Belo Horizonte, possuía uma dimensão que dava ao movimento uma característica
diferenciada: o catolicismo.
Questão relevante no tocante à luta por direitos na Primeira República foi levantada
por Cláudio Batalha (2003). Segundo o autor, em reposta à exclusão política e social, parte
substancial dos trabalhadores organizados, durante o período, priorizou a luta por direitos
sociais. Variava, no entanto, dependendo da estratégia sindical adotada, a opção por lutar ou
não pelos direitos políticos. Embora as combinações entre as várias correntes ideológicas
(socialismo, positivismo, anarquismo, catolicismo, cooperativismo) com estratégias sindicais
diferentes (reformismo e sindicalismo revolucionário) proporcionassem identidades operárias
distintas, no que se refere à luta por direitos havia basicamente duas opções. Enquanto os
revolucionários acreditavam que para garantir os direitos sociais era necessário fortalecer a
capacidade de mobilização dos trabalhadores, os reformistas defendiam que as conquistas
deveriam ser garantidas por leis, pela participação política direta ou apenas pela negociação
com o Estado. O recurso ao Estado para garantir direitos conquistados geralmente estava
associado ao positivismo comtiano. Alguns projetos de origens diversas sem uma relação
direta com o positivismo, tais quais o corporativismo e o catolicismo social, no entanto,
também buscavam no Estado a garantia das conquistas. (BATALHA, 2003)
A percepção dessas duas estratégias diferenciadas de luta por direitos sociais gerou
interpretações diferentes, apresentadas por José Murilo de Carvalho e Cláudio Batalha. Em
muitos estudos, os reformistas, por buscarem junto ao Estado a garantia das conquistas, foram
considerados como cooptados pelas elites políticas. Tal interpretação embasou o conceito de
“estadania”, criado por Carvalho (1987) para designar correntes operárias capituladas pelo
Estado.
Cláudio Batalha (2003), todavia, não acredita que tal conceito contribui para a
compreensão desses processos de lutas por direitos. O autor defende que modelos ideais de
109
cidadania, nesses casos, não permitem perceber que “não capitulação diante do Estado,
mas negociação com este no terreno moral escolhido” pelos reformistas (BATALHA, 2003,
p.178).
É possível, portanto, pensar a ação reformista católica encaminhada pela Confederação
Católica do Trabalho como uma ação legítima que, ao lutar para que os direitos dos
trabalhadores fossem definidos por leis, tentava oficializar conquistas alcançadas pela
negociação com empresário e pelo recurso ao Estado. Tal fato não exclui, contudo, a hipótese
de as elites políticas terem visto nessa forma de ação um espaço para exercer maior controle
sobre os trabalhadores.
Mais que uma corrente ideológica, o catolicismo é uma crença e prática religiosa que,
àquela época, estimulou a organização dos trabalhadores, em Belo Horizonte, de acordo com
seus princípios. Sua forma de agir e seu discurso persuasivo são elementos importantes para
entender a penetração das idéias católicas entre os trabalhadores e a força de influência da
Confederação Católica do Trabalho na cidade. Nesse sentido, a estratégia sindical reformista
católica foi assumida como forma de consciência de classe que se processou naquele
momento histórico e que, ao seu modo, combateu os males do capitalismo e buscou melhorar
as condições de vida dos trabalhadores de Belo Horizonte.
É possível, portanto, pensar que o catolicismo pôde se comprometer com as demandas
dos trabalhadores da cidade. Consideradas, todavia, as dimensões moral e religiosa assumidas
no encaminhamento das questões, pode-se concluir, como afirmou Mauro Passos (1986), que
a intenção religiosa e moral possa ter sido sociologicamente ultrapassada pela noção da
conquista de direitos. O autor cita o exemplo do descanso dominical para justificar sua
interpretação:
Quando é feita a reivindicação do descanso dominical, por ser um dia santificado,
essa idéia é aproveitada politicamente a serviço da própria classe. Ela é alterada na
prática e na consciência das camadas trabalhadoras, sendo posteriormente vista
como um direito. Ultrapassa sociologicamente a intenção religiosa. (PASSOS, 1986,
p. 188)
O apoio da Igreja Católica aos trabalhadores, por meio da Confederação Católica do
Trabalho, foi essencial para a melhoria das condições de vida e conquista de alguns direitos
sociais em Belo Horizonte. É importante destacar o papel exercido pela Confederação
Católica do Trabalho como mobilizadora da organização dos trabalhadores na capital de
Minas Gerais. Na luta por direitos, essa mobilização foi útil aos trabalhadores. Essa ação
possibilitou o surgimento de várias organizações sindicais e associações de trabalhadores na
110
cidade. A Confederação Católica do Trabalho contou com o aparato institucional da Igreja e
agiu sob a orientação do catolicismo. Tal ação era, de fato, coerente com os objetivos da
Igreja de disseminar o catolicismo entre os trabalhadores. A Confederação Católica do
Trabalho, no entanto, teve real importância como mobilizadora dos trabalhadores de Belo
Horizonte. Eliana Dutra (1988), contudo, discorda dessa interpretação e afirma que a ação da
entidade desmobilizava a capacidade revolucionária do operariado:
O seu esforço de mobilização ideológica, em sentido inverso ao de resistência, ou
melhor, no sentido de desmobilização revolucionária, aliado à ação e iniciativas
concretas realizadas através de campanhas concretas […], às pressões que exerceu
sobre o executivo e o legislativo em favor de leis e medidas que beneficiassem a
classe operária, à vigilância que manteve sobre os patrões para o cumprimento de
leis trabalhistas sancionadas, bem como as denúncias de maus-tratos aos
trabalhadores que divulgou, terá êxito em arrefecer o movimento operário em Belo
Horizonte. A Confederação ajudará a limitar, ou melhor, eliminar a capacidade de
mobilização autônoma dos sindicatos, reduzindo a sua função de protesto e de
oposição. (p. 171-172)
Eliana Dutra, embora aceite as campanhas encaminhadas pela Confederação Católica
do Trabalho na luta por direitos para os trabalhadores, considera a forma de ação da entidade
desmobilizadora do caráter revolucionário e de transformação que o sindicato devia ter. É
importante, no entanto, avaliar se a ação correspondia às expectativas dos trabalhadores antes
de criticar a ação reformista católica da confederação.
Como afirma Mata (1996):
Se levarmos em conta todo o aparato institucional da Igreja colocado à disposição de
suas reivindicações bem como a debilidade organizacional revelada pela classe
trabalhadora nos ano 20 não como não reconhecer que a hierarquia católica
engrossava o coro daqueles que, naquele momento, exigiam maior justiça social. Em
outro termos: a Igreja contribuía para mobilizar a classe operária (se o fazia
segundo sua própria visão de mundo, esta já é uma questão à parte). (p.105)
A luta por direitos empreendida pela Confederação Católica do Trabalho foi, é claro,
pautada pela visão de mundo católica. No entanto, em uma estrutura fechada típica da
Primeira República, na qual os trabalhadores estavam excluídos das decisões políticas e
enfrentavam condições de trabalho e vida difíceis, a ação empreendida pela entidade
significou, pelo menos, o atendimento das demandas mais urgentes. De fato, é difícil afirmar
sobre o grau de influência exercido pelo catolicismo e se suas ações correspondiam às
demandas cotidianas dos trabalhadores. Relatos feitos pelos próprios trabalhadores, em Belo
Horizonte, durante a década de 1920, não foram encontrados durante a pesquisa. No entanto,
ao considerar a situação de exclusão a que eles estavam submetidos, o quadro de
111
necessidades, e as principais campanhas empreendidas pela Confederação Católica do
Trabalho na luta por direitos, pode-se vislumbrar positivamente o atendimento às demandas.
112
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da atuação da Confederação Católica do Trabalho junto aos trabalhadores de
Belo Horizonte, entre 1919 e 1930, constituiu o objetivo central dessa dissertação. Buscamos,
por meio dessa análise, reconstruir as vivências dos trabalhadores no mundo do trabalho e no
cotidiano da cidade. Para tanto, foram consideradas as práticas discursivas católicas, as
campanhas empreendidas pela confederação em prol da conquista de direitos e melhores
condições de vida para os trabalhadores, o papel exercido pela entidade como mediadora dos
conflitos entre capital e trabalho e, ainda, a prática difusora das diretrizes do catolicismo junto
ao operariado de Belo Horizonte.
No primeiro capítulo, buscou-se elucidar a conjuntura da formação da Confederação
Católica do Trabalho. Nesse sentido, uma análise do catolicismo social foi feita com destaque
para o processo histórico que culminou na publicação da encíclica Rerum Novarum, em 1891.
A encíclica demarcou as bases do catolicismo social e a orientação da Igreja para as relações
de trabalho. Com o documento, a Igreja assumiu a importância da questão social e se
comprometeu com uma importante questão da vida social nos tempos modernos. Até então,
todas as mazelas e injustiças, advindas da supremacia do capitalismo como sistema produtivo,
eram justificadas pela Igreja como uma resposta ao abandono da fé. A encíclica foi, então,
uma proposta concreta de superação de tal orientação. O documento representou também a
resposta do catolicismo às ideologias liberal e socialista. A Igreja buscava recuperar o espaço
perdido desde a Revolução Francesa e traçava nova estratégia para voltar a ser a consciência
moral do mundo.
A análise sobre o trabalho na Primeira República brasileira também foi importante
para entender a conjuntura histórica em que os trabalhadores viviam. Essa discussão
interpretativa concentrou-se na visão dicotômica que a historiografia do movimento operário
construiu, ao longo de décadas, entre as estratégias sindicais reformista e revolucionária. No
decorrer da pesquisa e da elaboração do texto, desenvolvemos interpretações nem sempre
condizentes com boa parte da literatura sobre as práticas do movimento operário e sindical do
período da Primeira República brasileira. As idéias preponderantes sobre o movimento
operário tendem a desvalorizar a ação reformista sindical em favor da ação revolucionária. Os
reformistas são por elas denominados “amarelos” e, muitas vezes, criticados por sua sintonia
com os valores das elites dominantes. A maioria dos autores, que analisam o movimento
operário brasileiro nos primeiros vinte anos do século XX, enfatizam que os sindicalistas
113
revolucionários foram os verdadeiros portadores da consciência de classe e representantes de
um sindicalismo mais autêntico (DUTRA, 1988; LOPES, 1964; RODRIGUES, 1968;
RODRIGUES, 1966; SIMÃO, 1966). Nesse sentido, são também por eles identificados como
construtores do único caminho que poderia ter contribuído para uma transformação estrutural
da sociedade.
As idéias apresentadas nessa dissertação, contudo, não estão afinadas com tais
análises, por considerá-las dicotômicas. Ou seja, não consideram a complexidade das
variáveis sociais, políticas e ideológicas, que se entrecruzam nessa experiência histórica
bastante complexa. Nesse sentido, concordamos com Cláudio Batalha, que afirma:
É possível para o historiador do movimento operário deduzir a existência e o grau de
consciência de classe através das representações que a classe operária tem de si
própria, dos interesses que ela arvora, e da noção de antagonismo social que
manifesta. Nesse sentido, o sindicalismo reformista representa uma forma de
consciência de classe […]. (BATALHA, 1991, p.125)
Nossa proposta é consentânea às idéias que compreendem a consciência de classe
como a possível de se processar em determinadas circunstâncias históricas. Nesse sentido,
entendemos que o reformismo pode ser entendido como estratégia sindical que pode ter sido
assumida conscientemente pelos trabalhadores, nos idos do início do século XX. Nesse
sentido, destaque especial foi dado à análise da correspondência entre os anseios e
necessidades dos trabalhadores e os resultados que a estratégia reformista de encaminhamento
da questão social operária alcançou em Belo Horizonte, no período estudado.
Outro elemento importante, analisado no primeiro capítulo, foi o processo de
formação da classe trabalhadora, na nova capital de Minas Gerais. Para entender esse
processo, foi importante pensá-lo com base na relação entre o traçado urbano da cidade e a
formação do operariado local. No contexto da construção da nova capital, o lugar da questão
social na cidade de Belo Horizonte ficou orbitando entre um meio legal de controlar a plebe e
um meio político de disciplinar comportamentos.” (VERIANO, 2001, p.124) As disputas
políticas pelo acesso à cidade compuseram, portanto, importante pano de fundo da formação
da classe trabalhadora belo-horizontina e se constituíram como fator importante das
principais demandas dos trabalhadores.
Foi nessa conjuntura que a Confederação Católica do Trabalho surgiu e se organizou.
Destaque foi dado ao papel da entidade como mediadora dos conflitos entre capital e trabalho
e, ainda, às relações que ela estabelecia com o poder público da capital mineira e com o alto
clero da Igreja Católica.
114
No segundo capítulo, as práticas discursivas da Confederação Católica do Trabalho
foram analisadas. A ênfase das análises recaiu sobre os seguintes temas: harmonia entre as
classes, discurso contra o socialismo e o comunismo, fusão entre e trabalho e moralismo
católico. A análise do discurso católico partiu do princípio foucaultiano de que o discurso é
uma prática social. Nesse sentido, as práticas discursivas católicas foram entendidas como
uma ação direta da Confederação Católica do Trabalho junto aos trabalhadores, que buscava
difundir o catolicismo e, simultaneamente, colocar em prática a proposta da Igreja Católica
para o enfrentamento da questão social.
Esse capítulo demonstra que o discurso católico teve penetração entre os trabalhadores
da cidade. Prova disso é a inexistência de outros jornais operários, que defendessem posições
contrárias às católicas. Os poucos que existiram tiveram duração absolutamente efêmera,
durante o período estudado. Foi possível entender que o alcance do discurso católico, em Belo
Horizonte, propiciou uma ação baseada nos princípios do catolicismo, na harmonia entre as
classes e a negação das propostas revolucionárias para a resolução da questão social. A
afirmação interdiscursiva do catolicismo, ou seja, por meio da contraposição aos discursos
antagônicos, e a propagação da moral católica para as relações cotidianas foram as principais
estratégias de consolidação do discurso católico, em Belo Horizonte.
O terceiro capítulo foi dedicado à análise das principais campanhas empreendidas pela
Confederação Católica do Trabalho na busca por melhores condições de trabalho e vida para
os trabalhadores de Belo Horizonte. As principais campanhas foram encaminhadas sob a
liderança da entidade, que pressionou o poder público para aprovar leis de interesses dos
trabalhadores e também negociou diretamente com os empregadores para firmar acordos
trabalhistas.
Foi possível, além disso, perceber como o catolicismo teve penetração no mundo do
trabalho, pois inúmeras campanhas trabalhistas foram realizadas nos moldes defendidos pela
Confederação Católica do Trabalho. O que tentamos demonstrar foi que a estratégia sindical
reformista católica atendeu às demandas mais urgentes dos trabalhadores da cidade, referentes
à jornada de oito horas, ao descanso dominical e a questão das habitações. Mesmo se
consideradas as dimensões moral e religiosa assumidas no encaminhamento das questões, é
importante destacar que as campanhas culminaram em conquistas de direitos e na melhoria
das condições de vida dos operários, além de estimular a organização dos trabalhadores na
cidade.
O percurso percorrido pela dissertação buscou avaliar a hipótese que levantamos no
início da pesquisa, ou seja, a de que a Confederação Católica do Trabalho, por meio de suas
115
práticas discursivas e de sua práxis junto aos trabalhadores de Belo Horizonte, logrou atingir
os corações e as mentes da maioria dos trabalhadores da cidade sob a bandeira do catolicismo
social, captando desejos e aspirações dos operários por melhorias nas condições de trabalho e
vida. Nesse sentido, a entidade contribuiu para que o catolicismo se tornasse, além de uma
prática religiosa, uma ideologia hegemônica entre os trabalhadores da cidade, durante a
década de 1920. Tal fato conferiu à confederação forte influência no mundo do trabalho.
Consideramos ser importante nessa oportunidade destacar as dificuldades com as
quais se defronta o pesquisador que estuda os trabalhadores ou as classes subalternas, em
geral. Essa história tem que ser reconstituída, na maior parte das vezes, por meio de
fragmentos, uma vez que a palavra operária tende a não estar registrada na documentação
disponível ao pesquisador. A estratégia que adotamos nessa pesquisa foi a de avaliar a
influência exercida pela Confederação Católica do Trabalho sobre os trabalhadores de Belo
Horizonte. Buscamos analisar a influência da entidade mediante à pesquisa documental
jornalística e do recurso à análise do discurso. Essa estratégia analítica, aliada à apreciação da
conjuntura na qual estavam inseridos os trabalhadores, dos principais problemas enfrentados
por eles e de suas demandas mais urgentes, possibilitou elucidar a relação de correspondência
entre a ação da Confederação Católica do Trabalho e as necessidades do operariado belo-
horizontino. A pesquisa realizada reforçou nosso entendimento de que, embora os caminhos
escolhidos pela confederação para encaminhar as demandas dos trabalhadores passassem
sempre por um apelo baseado na moral e católicas, sua ação também era a favor do
trabalho e da melhoria nas condições de vida dos trabalhadores.
O fortalecimento do catolicismo, em Belo Horizonte, durante a década de 1920, é um
elemento importante para compreender o processo que se iniciou, no Brasil, nos anos
seguintes. Com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, em 1930, a aproximação entre Igreja e
Estado consolidou-se, e o discurso do catolicismo foi, inclusive, incorporado pelo governo
federal. Nesse sentido, a idéia do “Brasil católico” passou a ser defendida pelo Estado
(MARQUES, 1995). O catolicismo social foi um dos elementos que influenciaram o discurso
sobre a valorização do trabalho e da ordem social no Brasil do primeiro governo Vargas. As
premissas católicas de defesa da harmonia entre as classes, combate às ideologias
revolucionárias e manutenção da ordem social, fizeram-se presentes nos discursos de
lideranças políticas à época e também nos textos das leis trabalhistas brasileiras. (SOUZA,
2002)
116
Em Minas Gerais, o discurso e a práxis católica encontraram um espaço privilegiado
para se desenvolver e se fortalecer. Integrou-se de tal forma aos valores e tradições regionais
que, segundo Sérgio da Mata (1996), é possível aludir ao “mito da Minas católica”.
A atuação da Confederação Católica do Trabalho ultrapassou o período analisado
nessa dissertação. A entidade continuou influente na década de 1930, apesar de mudanças na
orientação da Igreja que levaram ao fortalecimento do circulismo. Foi no Congresso
Eucarístico de 1936, realizado em Belo Horizonte, que o circulismo passou a ser difundido
nacionalmente. No entanto, como ressalta Marques (1986), em Minas Gerais, o circulismo
encontrava a resistência da Confederação Católica do Trabalho, que era uma instituição sólida
e com linha de ação definida. O circulismo adotava a estratégia de aderir integralmente às
ações governamentais no campo do trabalho, enquanto a Confederação Católica do Trabalho
oscilava entre o “apoio indiscriminado e a ruptura(MARQUES, 1986). Ainda segundo a
autora, só em 1941, o círculo operário foi implantado definitivamente, em Belo Horizonte, em
substituição à Confederação Católica do Trabalho na condução do catolicismo social.
O traço comum na história dos trabalhadores, de forma geral, é que o principal fator de
motivação da organização da classe é a insegurança estrutural causada pelo capitalismo e a
conseqüente necessidade de criar mecanismos para minorar essa situação (SAVAGE, 2004).
O traço distintivo da experiência da organização dos trabalhadores, em Belo Horizonte, está
na presença e na força de influência do catolicismo na cidade, que devido às peculiaridades da
formação de sua classe trabalhadora, consolidou-se como mobilizador dos trabalhadores e
mediador de conflitos entre capital e trabalho. Conduziu também inúmeras campanhas por
direitos sociais pautadas pelos princípios da harmonia social e da manutenção da ordem.
Ao longo desse texto, buscamos demonstrar que a organização dos trabalhadores, de
forma geral, é influenciada por uma série de elementos que variam no tempo e espaço. Há,
portanto, uma diversidade de identidades sociais possíveis de serem assumidas pelos
trabalhadores, influenciadas pela conjuntura histórica. As estratégias adotadas podem variar,
assumindo ora perfil revolucionário, ora reformista, com traços de defesa da unidade e da
ordem, como na experiência aqui analisada.
As práticas vividas pelos trabalhadores são diversas e a análise delas não deve partir
de pressupostos que, de antemão, caracterizam de forma pejorativa a vivência organizativa
dos operários. A experiência da Confederação Católica do Trabalho, em Belo Horizonte, no
período estudado, é um exemplo de práxis diferenciada em relação às comumente estudadas
no Brasil, que corrobora a nossa convicção de que a generalização de abordagens não leva em
consideração à peculiaridade de cada situação histórica.
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WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 2005. 350p.
124
ANEXO A – REPRODUÇÃO NA ÍNTEGRA DO JORNAL O OPERÁRIO
COMEMORATIVO DE 1º DE MAIO DE 1925
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