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Silvia Costa Beber Melo Monteiro
HUMANIDADES E HUMANISMO NO PROCESSO
HISTÓRICO DA UNIVERSIDADE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação, da Faculdade de
Educação, da Universidade de Passo Fundo,
como requisito parcial e final para a obtenção do
título de Mestre em Educação, sob orientação do
Professor Dr. Ricardo Rossato.
Passo Fundo
2006
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2
__________________________________________________________________
M775h Monteiro, Silvia Costa Beber Melo
Humanidades e humanismo no processo histórico da universidade
/ Silvia Costa Beber Melo Monteiro. 2006.
95 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade de Passo
Fundo, 2006.
Orientação: Prof. Dr. Ricardo Rossato.
1. Universidades e faculdades História. 2. Humanidades.
3. Humanismo. I. Rossato, Ricardo, orientador. II. Título.
CDU: 378(091)
_________________________________________________________________
Catalogação: bibliotecário Alexandre Chow CRB 10/1681
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3
Para Arthur
Sua presença dá sentido e
humaniza minha existência.
4
Agradeço sinceramente...
Ao meu companheiro Fabrício Melo Monteiro,
pela paciência e pela compreensão nas minhas
ausências.
A minha família, em especial minha mãe, pelo
apoio e dedicação.
Ao Prof° Ricardo Rossato pelo exemplo de ser
humano a ser seguido.
A amiga e colega Viviane de Almeida Lima,
juntas descobrimos que o conhecimento se faz na
dedicação, persistência, na superação dos
próprios limites e principalmente no diálogo e na
estrada.
Aos colegas, professores e funcionários do
Programa de Pós-Graduação, Mestrado em
Educação da Universidade de Passo Fundo.
Aos professores que aceitaram avaliar este
trabalho, contribuindo com meu crescimento.
A Universidade de Passo Fundo, pela bolsa de
estudos, que me possibilitou realizar o sonho de
cursar o Mestrado em Educação.
A todos minha eterna gratidão.
5
Penso que um dos elementos muito importantes para a educação no
nosso tempo, em nosso país, é a leitura e a interpretação dos textos
dos humanistas, que pensaram e continuaram a pensar a condição
humana. Por um lado, podemos aprender com o passado,
estabelecendo com os humanistas de outros tempos, quer sejam os
antigos, quer sejam os renascentistas ou mesmos aqueles mais
próximos temporalmente de nós, o que poderia ser considerado uma
autêntica conversação. Isso, por outro lado, nos levará a
acrescentar ao legado da tradição nossa própria maneira de receber
e interpretar o mundo que nos foi dado e que deixaremos aos que
virão depois de nós. Pode parecer trivial, mas minha sugestão é que
simplesmente voltemos às fontes e que passemos a ler criticamente e
reinterpretar os textos clássicos, porque neles se espelha a
universalidade do nosso viver. Que em cada uma de nossas
universidades e escolas, que em cada sala de aula, em cada
disciplina, possamos transformar os valores do humanismo em uma
forma de vida. Isso pode não parecer uma proposta ousada, mas
ainda continua sendo para nós, brasileiros, um autêntico desafio.
(BOMBASSARO, 2001, p. 79)
6
RESUMO
Neste estudo, será exposto o processo histórico da universidade, pelo viés das
humanidades e do Humanismo. Para tanto, recorre-se inicialmente ao significado de
humanidades e humanismo adotado na antiguidade pela Civilização Greco-Romana. Na
seqüência, passar-se-á ao entendimento de humanidades como sinônimo de humanismo
assumido pela Modernidade e a transição das humanidades para Ciências Humanas.
Procura-se expor a história da universidade em seus períodos, identificando
simultaneamente o lugar ocupado pelas humanidades e pelo humanismo, nesta instituição,
ao longo de sua importante existência. O Humanismo enquanto concepção pedagógica,
traz a idéia do retorno aos clássicos como meio de educar, formar e instruir a sociedade,
efetivando valores que o caracterizam, a saber: aceitar o humano como valor fundamental,
defender a igualdade de todos os seres humanos, repudiar todas as formas de violência,
afirmar a liberdade de crenças e idéias, reconhecer e valorizar a diversidade, a liberdade e a
dignidade humana. Pelo olhar do Humanismo, a formação que se dá na universidade
deveria visar à formação integral, em que formação profissional e humana aconteçam ao
mesmo tempo, visando alcançar os valores defendidos pelo humanismo. Evidencia-se a
insignificante expreso das disciplinas das ciências humanas em cursos das Ciências
Exatas, Naturais, da saúde, Engenharias e Tecnologias. Pensar o humano nos dias de hoje,
requer refletir sobre a concepção de humano presente na universidade, conduzindo o
Humanismo a ocupar um lugar notável capaz de cooperar com a evolução da humanidade.
Palavras-chave: universidade, humanidades e humanismo, processo histórico,
formação humana.
7
ABSTRACT
In this study, the process historical of the university will be displayed, for the bias
of the humanities and the Humanisms. For in such a way, one initially appeals to the
meaning of humanities and humanisms adopted in the antiquity for the Greco-roman
Civilization. In the sequence, it will be transferred the agreement of humanities as
synonymous of humanisms assumed for the Modernity and the transistion of the
humanities for Sciences Human beings. It is looked simultaneously to display the history
of the university in its periods, identifying the busy place for the humanities and the
humanisms, in this institution, throughout its important existence. The Humanisms while
pedagogical conception, brings the idea of the return to the classics as half to educate, to
form and to instruct the society, accomplishing values that characterize it, namely: to
accept the human being as basic value, to defend the equality of all the human beings, to
repudiate all the violence forms, to affirm the idea and freedom of worship, to recognize
and to value the diversity, the freedom and the dignity human being. For the look of the
Humanisms, the formation that if gives in the university would have to aim at to the
integral formation, where professional formation and human being happen at the same
time, aiming at to reach the values defended for the humanisms. It is proven insignificant
expression of them disciplines of sciences human beings in courses of Accurate, Natural
Sciences, of the health, Engineerings and Technologies. To think the human being
nowadays, requires to reflect on the conception of present human being in the university,
being lead the Humanisms to occupy a place notable capable to cooperate with the
evolution of the humanity.
Keywords: university, humanities and humanisms, historical process, formation
human being.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
....................................................................................................................9
1 HUMANIDADES, HUMANISMO E CIÊNCIAS HUMANAS
..................................12
1.1 O Sentido de Humanidades e Humanismo...............................................................12
1.2 Humanidades e Humanismo: do Mundo Antigo ao Medieval.................................13
1.3 Humanidades e Humanismo na Idade Moderna.......................................................20
1.4 De Humanidades para Ciências Humanas................................................................21
1.4.1 A Revolução Científica Moderna.......................................................................22
1.4.2 As Ciências Humanas.........................................................................................24
2 HUMANIDADES E HUMANISMO NA UNIVERSIDADE MEDIEVAL
................26
2.1 Contexto Histórico da Europa Ocidental e a Renascença Carolíngia......................27
2.2 Das Escolas do Mundo Medieval nascem as Universidades....................................29
2.3 As Primeiras Universidades Bolonha e Paris........................................................34
2.3.1 Universidade de Bolonha...................................................................................35
2.3.2 Universidade de Paris.........................................................................................36
2.4 Sobre a Universidade entre os Séculos XIII e XV...................................................39
2.4.1 Universidade por toda a Europa.........................................................................39
2.4.2 A Universidade e o Movimento Humanista Italiano..........................................42
3 HUMANIDADES E HUMANISMO NA UNIVERSIDADE MODERNA
.................45
3.1 As Universidades do Século XVI ao XVIII.............................................................46
3.2 As Universidades do Século XVI ao XVIII: o Velho Mundo..................................47
3.3 As Universidades do Século XVI ao XVIII: o Novo Mundo...................................55
9
4 HUMANIDADES E HUMANISMO NA UNIVERSIDADE
CONTEMPORÂNEA
........................................................................................................63
4.1 A Universidade do Século XIX e XX......................................................................63
4.1.1 A Universidade diante da Revolução Francesa..................................................64
4.1.2 A Universidade diante da Revolução Industrial.................................................67
4.2 As Universidades da América do Século XIX e XX................................................70
4.2.1 A Universidade da América do Norte................................................................71
4.2.2 A Universidade da América Latina....................................................................72
4.3 A Universidade Brasileira........................................................................................74
4.3.1 O Ensino na Colônia...........................................................................................74
4.3.2 O Ensino no Império..........................................................................................78
4.3.3 O Ensino na República.......................................................................................81
4.3.4 O Crescimento das Universidades e Instituições de Ensino Superior................85
CONSIDERAÇÕES FINAIS
............................................................................................88
REFERÊNCIAS
.................................................................................................................92
10
INTRODUÇÃO
Falar sobre o processo histórico da universidade, pelo viés das humanidades e do
Humanismo, se tornou um desafio provocante para os acadêmicos desse Mestrado em
Educação.
Desafio assegurado pelo fato de que a Graduação em Química, curso das
Ciências Naturais, exercer um forte caráter positivista. A justificativa pela escolha do tema
de pesquisa se deu porque ainda na graduação sentiu-se a ausência da formação humana,
da discussão acerca dos valores humanos e das relações humanas. Pensava-se que a
universidade enquanto local de formação, pecava quanto ao trato da formação humana,
atribuindo um lugar insignificante às disciplinas das Ciências Humanas.
Acredita-se que a comunidade acadêmica necessita discutir sobre o lugar ocupado
pelo homem na sociedade, não apenas nos meios educacionais, mas em todos os setores
públicos e privados. Para tanto, a necessidade de pesquisar sobre as humanidades e o
Humanismo se fez importante e necessário.
Procurou-se demonstrar que a história da universidade está imbricada na própria
história da Civilização Ocidental, e que o Humanismo, enquanto concepção pedagógica,
traz a idéia do retorno aos clássicos como meio de educar, formar e instruir a sociedade,
efetivando valores característicos dele, entre eles: aceitar o humano como valor
fundamental, defender a igualdade de todos os seres humanos, repudiar todas as formas de
violência, afirmar a liberdade de crenças e idéias, reconhecer e valorizar a diversidade, a
liberdade e a dignidade humana, entre outros.
Pensar o humano nos dias de hoje, pode ser encarado como um exercício de
compreensão do lugar que se está ocupando e no lugar que se quer ocupar em todos os
setores da sociedade contemporânea, destaca-se a universidade como sendo um desses
locais.
11
Pretendeu-se construir um referencial teórico que possibilite identificar o lugar
ocupado pelas humanidades e o Humanismo no processo histórico da universidade, para
tanto, utilizou-se a própria história da Civilização Ocidental, com seus peodos, como
pano de fundo para nossa pesquisa.
O primeiro capítulo, intitulado “Humanidades, Humanismo e Ciências Humanas”,
traz o sentido de humanidades e de Humanismo; e foram buscadas definições em
diferentes autores. Em seguida, reportou-se à Civilização Antiga e Medieval a fim de
identificar as humanidades e o Humanismo, o Mundo Grego e seu modelo de educação e
formação “Paidéia”, foram abordados neste assunto. Demonstrou-se a passagem que
aconteceu quando as humanidades se transformaram em Ciências Humanas. Estudou-se a
“Revolução Científica Moderna” com suas transformações, e, por fim, falou-se sobre as
Ciências Humanas.
O segundo capítulo, que tem por título “Humanidades e Humanismo na
Universidade Medieval, tratou-se de contextualizar o período que antecedeu o nascimento
das universidades, descreveu-se o contexto social, político, econômico, religioso e
educacional na Alta e Baixa Idade Média, para em seguida demonstrar, que a partir das
escolas do Mundo Medieval nasceram as universidades. Caracterizou-se as duas primeiras
universidades: Universidade de Bolonha e Universidade de Paris. Em seguida, tratou-se
das universidades do século XIII ao XV, em que se demonstrou a existência de
universidades por toda a Europa. Para finalizar este capítulo, foi realizada referência à
universidade e o Movimento Humanista Italiano. Entre os temas abordados neste capítulo,
foram introduzidos os elementos humanistas que se conseguiu serem identificados na
bibliografia consultada.
O terceiro capítulo, que se intitula “Humanidades e Humanismo na Universidade
Moderna”, iniciou com uma contextualização histórica do final da Idade Média e início da
Idade Moderna. No decorrer deste capítulo tratou-se inicialmente do processo histórico da
universidade do XVI ao XVIII; primeiro considerando o Velho Mundo. Discutiu-se o
contexto histórico das Reformas: Protestante e Católica, o Movimento Iluminista, uma vez
que estes acontecimentos vão servir de suporte para o processo histórico da universidade.
Para o estudo da universidade do século XVI ao XVIII, levando em consideração o Novo
Mundo, partiu-se para o estudo da descoberta do Continente Americano, a colonização
deste e a criação de muitas universidades, bem como seus modernos ideais. Entre estes e
outros assuntos abordados, se foi construindo o processo histórico da universidade
12
moderna e na seqüência introduziram-se elementos humanistas, ou seja, buscando sempre
identificar o lugar ocupado pelas humanidades e pelo Humanismo na universidade.
No último e quarto capítulo, “Humanidades e Humanismo na Uni versidade
Contemporânea”, tratará do processo histórico da universidade nos séculos XIX e XX.
Neste peodo, chamou-se atenção para a Revolução Francesa e Industrial, as reformas na
universidade diante de tantas revoluções, o nascimento de modelos diferentes dos
tradicionais de universidade, a expansão das universidades na América no Norte e Latina e
o nascimento da universidade brasileira. Neste último item, perpassa-se pela história da
educação e da universidade brasileira, tratando do ensino na Colônia, no Império e na
República até chegar na segunda década do século XX, com a efetivação da primeira
universidade brasileira. Neste último capítulo, quase não existem indícios de humanidades
e Humanismo na universidade.
Este estudo tem como meta investigar o processo histórico da universidade pelo
viés das humanidades e do Humanismo e a partir deste, apontar possíveis alternativas para
alguns problemas da educação, principalmente no que se refere ao lugar ocupado pelo
homem na sociedade e qual seu papel como humano neste mundo cada vez mais
tecnológico.
Com esta pesquisa pretende-se verificar como as humanidades e o Humanismo são
percebidos no processo histórico da universidade. Esta verificação implica descobrir o
lugar ocupado pelo homem na sociedade a que pertence. Procurou-se chamar a atenção dos
sujeitos que fazem a história da universidade e da sociedade sobre o problema da falta de
discuso acerca do humano nas universidades e no próprio mundo.
13
1 HUMANIDADES, HUMANISMO E
CIÊNCIAS HUMANAS
Neste primeiro capítulo tratar-se-á de definir teoricamente o que se entende por
humanidades e Humanismo. A seguir, objetiva-se construir um referencial teórico que
possibilite compreender o lugar em que as humanidades e o Humanismo ocuparam no
processo histórico das universidades. Estas definições servirão como fio condutor do
diálogo que se pretende estabelecer sobre as universidades.
1.1 O Sentido de Humanidades e Humanismo
Devido à transformação conceitual que perpassam palavras e termos, no decorrer
de décadas e séculos, buscamos expor o sentido que será adotado para humanidades e
Humanismo. Bombassaro deixa claro também que “o discurso somente pode se efetivar a
partir de um acordo sobre o significado das expressões que usamos” (2001, p. 70), pois o
há um sentido unívoco para estes termos.
O esclarecimento acerca da definição conceitual adotada, parte da conotação
encontrada por Houaiss (2001, p. 1555) em que humanidades entende-se como “o estudo
das letras clássicas no programa escolar, estudos clássicos, literários e filosóficos, de
segundo e terceiro graus. [...] condição e natureza do ser humano”. E por Humanismo
compreende-se como “movimento intelectual difundido na Europa durante a Renascença e
inspirado na civilização greco-romana, que valoriza um saber crítico voltado para um
14
maior conhecimento do homem e uma cultura capaz de desenvolver as potencialidades da
condição humana” (Idem).
Rossato diz que “houve mudanças profundas e também se estabeleceu o sentido de
humanidades como conjunto de estudos referente à condição humana, das quais se
originaram recentemente o conjunto das modernas ciências humanas tamm denominado
de ciências sociais” (2005, p. 220). Japiassu e Marcondes afirmam que “os humanistas se
esforçam por mostrar a dignidade do espírito humano e inauguram um movimento de
confiança na razão e no espírito crítico” (1999, p. 132).
Destaca-se que humanidades como sinônimo de humanismo correspondeu “a um
movimento de retorno mais efetivo às fontes da cultura clássica (sobretudo latina e grega)
sob o ponto de vista literário, lingüístico-filosófico tendo como ponto de irradiação a Itália
do Renascimento... prosseguindo deste modo o ideal de uma Paidéia grega ou de uma
Humanitas latina” (LOGOS apud ROSSATO, 2005, p. 220). O entendimento sobre o
sentido de humanidades e Humanismo toma este rumo buscando compreender as origens e
o pensamento do homem grego.
1.2 Humanidades e Humanismo: do Mundo Antigo ao Mundo Medieval
O Humanismo que ora foi referido, tem sua inspiração na Civilização Greco-
Romana. Rossato (2005, p. 221) considera que o nascimento da Civilização Ocidental tem
em sua gênese a “antiga Grécia, a partir do momento em que se configura a noção de
cultura gerando uma diferença essencial com os povos do Oriente e com aqueles que
precederam à civilização greco-romana”.
Para Jaeger (2001, p. 5):
A Grécia representa, em face dos grandes povos do Oriente, um “progresso
fundamental, um novo “estádio” em tudo o que se refere à vida dos homens na
comunidade. Esta fundamenta-se em princípios completamente novos. Por mais
elevadas que julguemos as realizações artísticas, religiosas e políticas dos povos
anteriores, a história daquilo a que podemos com plena consciência chamar
cultura só começa com os gregos.
15
A herança cultural deixada pelos gregos para a Civilização Ocidental, notadamente
na Filosofia, é de grande expressão; não são raras às vezes em que se reporta à antiguidade
a fim de encontrar respostas para problemas da atualidade. Busca-se compreender o
pensamento do homem grego com a inteão de identificar o Humanismo grego.
Os gregos se distinguiram dos demais povos pelo seu pensamento, uma vez que se
importaram com o uso da razão passando a agir com menos brutalidade, fato considerado
incomum, pois segundo Jaeger, “encontramos o homem no centro de seu pensamento
(2001, p. 14).
Os gregos fundamentam sua idéia de cultura com base em uma concepção de
homem. Mas afinal, qual é esta concepção? Para os gregos, esta concepção diz respeito
principalmente a um modelo de homem que se pretendia construir, o lugar que por
excelência este viveria é a sociedade, integrado nela e por meio dela desenvolveria as
virtudes necessárias para atingir a perfeição humana, toda a sociedade trabalharia a fim de
organizar e fazer cumprir as leis que dariam conta de contribuir na construção deste ideal.
No processo de sua formação buscava-se equiparar corpo e espírito, a Paidéia grega traduz
a formação pretendida pelos gregos no que se refere a atingir um “elevado tipo de homem
(JAEGER, 2001, p. 7).
O termo Paidéia concepção filosófica de homem, é de origem e emprego grego,
sua definição ou conceito deve ser interpretado analisando o contexto histórico e temporal
no qual foi empregado. Jaeger especifica:
ao empregar um termo grego para exprimir uma coisa grega, quero dar a
entender que essa coisa se contempla, não com os olhos do homem moderno,
mas sim com os do homem grego. Não se pode evitar o emprego de expressões
modernas como civilização, cultura, tradição, literatura ou educação; nenhuma
delas, porém, coincide realmente com o que os Gregos entendiam por Paidéia.
Cada um daqueles termos se limita a exprimir um aspecto daquele conceito
global, e, para abranger o campo total do conceito grego, teríamos de empregá-
los todos de uma só vez (2003, p.1).
A Música, a Ginástica, a Poesia, a Literatura, a Pintura, a Escultura e a Filosofia se
tornaram instrumentos de formação dos homens desta sociedade, junto a seus grandes
pensadores Platão, Sócrates, Aristóteles que conduziram o homem ao centro de seu
pensamento. Conforme Cambi (1999, p. 76), a Grécia é “a afirmação de uma sociedade
16
menos brutal e mais racional, que se organiza em torno dos valores da força e da
persuasão, da excelência física e espiritual, das armas e da palavra.[grifo do autor]”.
As características da educação grega estão expostas nos textos clássicos de
Homero, Heodo, entre outros. Cambi (1999, p.76-77) descreve as seguintes
características da educação grega:
A educação heróica esboçada na Ilíada retoma aspectos da formação de Aquiles
e se delineia como uma educação prática, que une “língua” e “mãoe versa
sobre o cuidado do corpo, mas não exclui a oratória, guiada pelo “centauro
Quirão”, ou seja, organizada por uma relação pessoal entre mestre e aluno, que
remete, talvez, à própria prática dórica da pederastia; da formação do jovem
guerreiro através de uma amizade (até carnal) com um guerreiro mais velho que
funcionava como treinador e guia, aspecto que permaneceu durante muito
tempo como elemento característico da educação grega. Elementos dessa
formação heróica encontram-se também na Odisséia, em relação ao jovem
Telêmaco, embora neste caso, doravante, o ambiente formativo seja a família,
com suas práticas e seus afetos. Outros aspectos da educação, ligada sobretudo
ao povo, encontram-se em Hesíodo (século VIII a. C.), em Os trabalhos e os
dias, onde é exaltado o trabalho e são apontadas práticas de iniciação, que em
todas as culturas arcaicas assumem um papel crucial no crescimento e na
inserção das jovens gerações na sociedade adulta, sancionando uma futura
maturidade do indivíduo por meio de provas rituais.
Esta educação heróica não era acessível para qualquer jovem ou adolescente, mas
sim para os jovens da aristocracia, que treinavam fisicamente o corpo para torná-lo
vigoroso e apto para o combate. O intelecto recebia cuidados significativos à medida que a
música e a oratória eram introduzidas em sua educação. No texto já acima citado, Cambi
(1999, p. 77) complementa dizendo que:
Estamos diante de “uma pedagogia do exemplo” da qual Aquiles encarna a
areté (o modelo ideal mais completo de formação) ligada à excelência e ao
valor. Não só: já a partir da IlíadaA música e a ginástica, pertencem ao
programa educativo” dos gregos e são indicadas como modelo e programa às
jovens gerações justamente pela leitura educativa do poema homérico, que será
texto de formação por séculos a das classes dominantes.
A concepção de homem adotada pelos gregos encontrava na Paidéia grega o chão
fértil para sua concretização. Atingia-se este ideal de homem, ou ainda este tipo de homem
à medida que a educação desse conta de viabilizar esta formação integral.
17
É neste espírito de progresso humano que viverá a civilização ocidental, os gregos
se fortalecem culturalmente que segundo Rossato, “a ápice da Paidéia, ou da construção do
homem grego ocorre também com o auge da democracia e da cultura ateniense nos séculos
V-IV e em parte do III a. C” (2005, p. 223). As o período de estabilidade que perdurou
por alguns séculos, os romanos vencem os gregos pela imposição das armas, ainda assim o
domínio cultural da civilização ocidental ficara nas mãos dos gregos. As lutas armadas se
espalham e o Império Romano se estabelece, verifica-se o surgimento de uma civilização
onde “não há uma cultura latina e uma cu ltura grega, mas a fusão de ambas, surgindo uma
cultura que se imporá ao Ocidente e fará nascer à civilização greco-romana” (Idem).
Entre os anos 300 e 400, dois acontecimentos marcam a Civilização Ocidental:
primeiro a ascensão do Cristianismo e em seguida a queda do Império Romano. Cambi
enfatiza que:
Com o Cristianismo, irrompe no mundo antigo uma nova concepção de mundo
que, própria do início de minorias perseguidas, marginal favorecida também
pela crise espiritual que atravessa a cultura antiga na época imperial e pelas
fraquezas internas (lutas étnicas, crise militar, crise econômica) do Império
Romano torna-se central e depois hegemônica durante cerca de três séculos.
Em 313, ano do Édito de Milão promulgado por Constantino, a Igreja Cristã
afirma-se como a representante da religião do Imrio e coloca-se em posição
inclusive política de nítido privilégio (1999, p. 122).
Se os gregos fundamentam sua idéia de cultura com base em uma concepção de
homem, o Cristianismo traz sua idéia de cultura com base em uma concepção que coloca
no centro o fator religioso. A educação será influenciada pela nova ordem cristã
estabelecida, a família, a igreja e a sociedade tornam-se educadoras à medida que se
orientam na religião e a formação humana, cujos ideais se guiavam nos moldes da “ paidéia
clássica que se contrapõe à paidéia christiana, centrada na figura do Cristo e os próprios
processos de teorização pedagógica, que se orientam segundo o princípio religioso e
teológico (e não segundo o antropológico e teorético)” (CAMBI, 1999, p. 123).
Durante o período que compreende a Idade Média a educação toma sentido
predominantemente cristã, as escolas ficam cada vez mais sob o domínio da Igreja
Católica, esta ime sua dominação no intuito de formar novos sacerdotes para difundir os
ideais do Cristianismo.
18
O surgimento das primeiras universidades no século XI e XII se dá exatamente em
volta destas escolas cristãs, os programas de ensino e os cursos administrados nestas
universidades desembocavam quase que sempre nos cursos de Teologia e Filosofia, o ideal
de formação humana perpassava necessariamente pelo estudo das humanidades.
Na visão de Cambi o Humanismo italiano pode ser considerado como uma
renovação educativa e pedagógica, isto porque a “tradição medieval e
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19
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`ºˆ´` ` ```ºˆ´`8` ` `òˆ´` posicionar e buscar expandir em todos os sentidos
sua verdadeira humanidade.
Cambi considera que a própria educação dos séculos XV e XVI será caracterizada
no objetivo de dar forma e concretude ao novo “ideal de homem” (p. 225). Segue Cambi
dizendo que:
Para a realização desse objetivo revela-se necessária uma formação não
unilateral, ou seja, não limitada apenas à atividade teórica e prática, mas
poliédrica e polivalente, capaz de garantir ao sujeito o exercício de funções
diversas na sociedade. Nenhuma virtualidade humana pode permanecer na
sombra, mas todas devem encontrar um harmônico e equilibrado
desenvolvimento. Tal formação se realiza através de um currículo formativo
baseado essencialmente na leitura dos clássicos gregos e latinos. O estudo direto
dos clássicos permite não só superar a utilização puramente gramatical e
estilística que deles fez a cultura medieval, mas sobretudo descobrir uma
humanidade feita de valores universais elaborados e produzidos pela
Antiguidade (1999, p. 225).
Acerca das considerações de Cambi, verifica-se que a educação do homem na
Idade Medieval transformava-se à medida que as concepções a respeito do próprio papel
relegado à religião davam lugar à função que deveria ocupar este novo homem na
sociedade que posteriormente passou a ser chamada de moderna. Com isso não satisfazia
mais uma educação voltada e conduzida pela mão da Igreja Católica, interessada apenas
para atender a seus fins. Diante destas transformações via-se o retorno do estudo dos
clássicos como uma opção atraente para que se desenvolvessem todas as virtudes e valores
da pessoa humana.
Para Bombassaro, a Civilização Ocidental ficou marcada pela passagem do Mundo
Medieval para o Mundo Moderno, principalmente pela mudança na concepção de mundo
defendida pelo homem, o Renascimento dos séculos XIII ao XVI já demonstrava esta
mudança de pensamento. Contudo, para o autor,
21
o impulso mais forte para a redescoberta dos valores da antiguidade clássica foi
dado pelo movimento que ficou conhecido como Humanismo. A característica
mais importante do movimento humanista europeu dos séculos XIII e XIV foi
sem dúvida a instauração de uma mentalidade filosófica que tornou possível a
construção de uma nova imagem de mundo, no interior da qual as concepções
teológicas da medievalidade foram aos poucos sendo transformadas por um
processo irreversível de secularização, em cujo centro foram colocados o
homem e a natureza. Agora tratava-se de pensar não mais a questão da
humanização do divino, como havia sido feito em grande parte da Idade Média,
mas sim aquela da divinização do humano (2000, p. 213-214).
Segundo o entendimento de Bombassaro (2000, p. 214), o Humanismo procurava
tornar central a figura da pessoa humana, tal qual foi na antiguidade, uma vez que o
período que compreende boa parte da Idade Média, a figura humana perdeu seu espo
ocupando seu lugar a figura do divino, imposto pelo Cristianismo, e que triunfou
plenamente em longo período. O Humanismo como movimento intelectual, resgataria o
humano como centro do universo.
Paviani considera que “o conceito de humanismo pressupõe uma concepção do
humano como centro da vida, das relações de produção e de comunicação, das relações
entre os indivíduos e as sociedades. Não se trata apenas do humano como valor, mas do
humano como realidade ético-ontológica” (2004, p. 15). O autor considera ainda que
algumas caractesticas pertencem ao Humanismo em geral, entre estas: “o direito à vida, à
educação básica, à moradia, ao trabalho, à liberdade de expressão, à recusa da violência,
etc.” (Idem).
Buscando identificar o que pensam estes entre outros autores foi diagnosticado que
existe um consenso a respeito dos diferentes tipos de Humanismo e alguns parâmetros
relativos ao seu conceito, e, que muito bem frisa Caporale. Inicialmente, o autor (2000, p.
19-20), determina atualmente a existência de diferentes tipos de Humanismo, como:
o Humanismo por antonomásia;
o Histórico Helênico-Latino;
o Clássico do Renascimento;
o Humanismo Marxista;
o Humanismo Existencial de Sartre;
o Humanismo Cristão de Maritain;
o Humanismo do Movimento Humanista;
o Novo Humanismo Universalista ou o Humanismo do Novo Pensamento de
Mikhail Gorbachov;
o Humanitarismo.
22
Em segundo lugar, Caporale (2000, p. 20) identifica alguns parâmetros sobre os
diversos conceitos e tipos de Humanismos, segue relacionando-os:
uma concepção central do humano como valor;
uma afirmação implícita da igualdade de todos os seres humanos;
o reconhecimento e o apro das diversidades pessoais e culturais;
a tendência a desenvolver uma consciência da verdade que transcende a noção
de verdade absoluta;
a afirmação da liberdade de idéias e crenças;
o repúdio à violência.
Em meio aos diferentes tipos e parâmetros que se evidenciam no Humanismo,
avança-se ainda no sentido de identificar quem é “humanista”. Pela lógica, aquele que vive
teórica e praticamente os itens relacionados por Caporale pode ser considerado um
humanista. Bombassaro (2001, p. 68-69), diz que os “principais expoentes do humanismo
antigo e renascentista não conheceram a si mesmo como sendo humanistas, mas eram
humanistas pelo fato de tomarem o homem como centro de suas reflexões. Tomando como
fio condutor este pensamento, se empregam as palavras de Bombassaro (2001, p. 69),
quando este afirma que “o humanismo pode ser compreendido como uma determinada
visão de mundo, uma forma de compreender o que há de humano no mundo, uma forma na
qual transparece um conjunto de valores capazes de orientar a própria ação do homem,
numa determinada época e numa determinada cultura”.
1.3 Humanidades e Humanismo na Idade Moderna
A universidade medieval caracterizada como de humanidades, terá seu entardecer
vivendo profunda crise com o final da Idade Medieval. Outro modelo de universidade vai
se efetivar com as grandes descobertas na área das Ciências Naturais e Exatas. Acontece o
23
que Japiassu chama de “A Revolução Científica Moderna
1
, a sociedade tomada pelo
desejo dos ideais da modernidade vai exigir novos conhecimentos, novas formas de pensar
assumem como verdades absolutas, em meio a tantas descobertas científicas o homem
introduz em sua vida um pensar com novas idéias e ideais, explodem revoluções que
atingem os setores da indústria, da economia da política e da vida social. Rossato (2005, p.
228) com primazia, faz a seguinte colocação:
Aquilo que representou a revolução industrial na economia, representa a
revolução francesa no campo social. Calcada nos movimentos científicos a
partir da vio indutivista, assumindo os princípios do iluminismo difundidos
pelos enciclopedistas, e desfraldando as bandeiras da liberdade e da igualdade, a
revolução francesa na sua radicalidade destruiu antigas instituições sociais e
descortinou novos horizontes não somente para o continente europeu como para
o mundo.
A universidade vai passar por reformas para dar conta de atender a estes novos
ideais de sociedade, surge a chamada Universidade da Pesquisa na Alemanha, a
Universidade Imperial na França, esta universidade instituiu as carreiras profissionais. Nos
Estados Unidos nascem universidades que mais parecem empresas, chamadas de
Universidade-Empresa.
Neste peodo muitos modelos se criam mas o principal destaque é o forte caráter
técnico assumido pela universidade. A partir daí a função exercida pela universidade na
sociedade mudará, o ensino atento à formação humana com cunho integral dará lugar à
formação puramente profissionalizante, fragmentada e especializada, criam-se currículos
para atender esta fragmentação, novos cursos e programas de ensino também são criados.
Há destaque para a influência do Positivismo dentro das universidades: “O positivismo,
tanto conceitual como metodológico encontrou terreno fértil na universidade e prolifera,
transferindo o método das ciências exatas para as demais áreas do conhecimento
(ROSSATO, 2005, p. 230).
O conhecimento e as ciências se dividem e subdividem; e neste contexto as
humanidades tão cultivadas pela universidade não mais o serão da mesma forma. Será
visto a seguir o que acontece com as humanidades as esta divisão das Ciências.
1
O autor inclusive possui uma obra que se chama A Revolução Científica Moderna: de Galileu a Newton. No
decorrer do texto será utilizada tal obra, a qual consta nas referências.
24
1.4 De Humanidades para Ciências Humanas
Durante os séculos XVI, XVII e XVIII, os três primeiros da Idade Moderna,
constatou-se que o estudo das humanidades praticado dentro das universidades foi
substituído conforme as necessidades da sociedade vigente. Pode-se dizer que as
humanidades se enfraqueceram diante de um saber científico que despontava cada vez com
mais intensidade, com isso, o sufocamento exercido pelas disciplinas técnicas fez com que
em muitos cursos seu estudo ficasse praticamente supresso e, pouco do que restou delas foi
sendo empurrado para um campo restrito do conhecimento, que mais tarde passou a ser
chamado então de “Ciências Humanas”.
Abordou-se anteriormente que a Idade Moderna ficou marcada pelas revoluções
que se expandiram pelo território europeu, atingindo praticamente todos os setores da
sociedade. O mundo medieval encerra sua história junto à Civilização Ocidental tendo
perpassado do apogeu ao perigeu. Este mundo moderno que vai substituir o medieval vive
intensamente sua época e despontam no cenário mundial figuras como: Nicolau Copérnico
(1473-1543), Tycho Brahe (1546-1601), Johannes Kepler (1571-1630), Galileu Galilei
(1564-1642), Isaac Newton (1642-1727), entre outros. As descobertas da Astronomia
iniciadas por Copérnico, tornaram-se propulsoras para tantas outras que viriam. A
Revolução Científica Moderna desencadeia este momento, a seguir dedica-se atenção a
esta questão.
1.4.1 A Revolução Científica Moderna
A Revolução Científica Moderna deu-se pelo desenvolvimento da Ciência
Experimental, que buscava sua autonomia diante da Filosofia. Sua preocupação não ficava
em torno da essência, mas sim da função, mais precisamente naquilo que poderia ser
25
medido, quantificado, calculado, etc. Suas teorias eram comprovadas pela aplicação de
experimentos.
O objetivo não é de forma alguma, descrever as teorias e as grandes descobertas de
o notáveis cientistas. Acredita-se que apenas o esclarecimento de parte do que foi
proposto por estes torna-se essencial para se entender melhor o motivo pelo qual o homem
moderno mudou seu modo de pensar a natureza que o rodeava, as leis divinas p-
estabelecidas e difundidas até o momento, e também, sua própria idéia de homem.
Um marco para a Civilização Ocidental Moderna foi sem dúvida a chamada
“Revolução Copernicana”. Nicolau Copérnico consegue desenvolver instrumentos de
observação astronômica, com isso o “Sistema Aristotélico -Ptolomaicoque era a
concepção até então vigente, por sua vez não satisfazia mais como verdade, a concepção
derivava de Aristóteles (sistemas de esferas homocêntricas) e de Ptolomeu (sistema dos
excêntricos e epiciclos). Martins Filho (2004, p. 140-141) traz os ts principais postulados
da concepção do “Sistema Aristotélico -Ptolomaico”: “a) A Terra seria o Centro do
universo (e estaria fixa e imóvel); b) O universo seria limitado pela esfera das estrelas
fixas; c) Os corpos celestes teriam movimentos circulares uniformes em torno da Terra,
sustentados por esferas concêntricas”.
Copérnico busca no Heliocentrismo a solução que explicasse de forma mais
simples os fenômenos astronômicos, seus postulados seguem conforme apresenta Martins
Filho (2004, p. 141): “a) O Sol estaria no centro do Universo; b) O Universo seria limitado
pela esfera das estrelas fixas; c) A Terra seria esférica e giraria em torno do Sol; d) Os
planetas desenvolveriam movimento circular perfeito em torno do sol, sendo transportados
por esferas cristalinas que giram; e) A Terra também gira em torno de seu próprio eixo”.
Nota-se que através de tais postulados, Copérnico atribui ao mundo físico-natural
concepções até então nunca pensadas ou comprovadas.
Estas descobertas que iniciaram no século XVI expandiram-se, a comunidade
científica vai incorporando novas concepções e a sociedade não aceita respostas fora do
cunho da experiência e da cientificidade.
Galileu Galilei e Isaac Newton reforçam ainda mais as concepções da “Revolução
Científica Moderna”, e, em meio a tantas outras descobertas na área das Ciências Naturais
e Exatas, a verdade do universo torna-se indiferente à realidade do homem. Japiassu (2002,
p. 49-50) descreve o que acontece as as descobertas de Galileu:
26
Observando os satélites girando em torno de Júpiter, compreende que o mesmo
ocorre com a Lua, com a Terra e com o Sol. Trata-se de uma revolução.
Doravante, ficam banidas, do campo da investigação científica, as simpatias e
antipatias, as afinidades e as analogias [...] a pesquisa se submete inteiramente à
disciplina da Razão. Ficam proscritos, do domínio científico, a imaginação e a
sensibilidade. O universo se apresenta sob a forma de um contínuo físico de
extensão indefinida, no seio do qual os fenômenos físicos se condicionam uns
aos outros, em virtude de necessidades puramente materiais e logicamente
demonstráveis.
Segue ainda Japiassu (2002, p. 50), para concluir:
Impõe-se, assim, um novo tipo de ciência. O saber tradicional, conservado nos
livros que faziam autoridade, cercado de uma aura de segredo e de sagrado, dá
lugar à exigência de um conhecimento exato, verificável, universal. O mundo
do “mais ou menos” é substituído pelo universo da precisão. A verdade não
deve mais ser contemplada, mas constituída pela força da demonstração. Porque
conhecer passa a ser medir, experimentar e provar.
A revolução de Galileu acaba com o antigo sistema de valores mas não o substitui
por outro. “A verdade do universo torna -se completamente indiferente à realidade do
homem” (Idem). As verdades conhecidas e vividas pelo homem já não são mais reais e a
imagem de Deus não aparece mais no universo do discurso científico, sem a figura Dele, a
teologia tamm perde sua centralidade.
O contexto histórico deste período não poderia ser outro senão o das revoluções
que já foram citadas. Frente a tantas novas concepções, formas de pensar, teorias, etc. a
universidade como casa do conhecimento, do saber, da verdade vai acolher estes cientistas
com suas teorias, a difusão de tudo que era produzido encontrava nela um local para
disseminar estes conhecimentos. Desta forma, os currículos dos cursos das universidades
tornam-se técnicos, profissionalizantes, específicos e com a propensa tendência a levar
todo o conhecimento à prova da experimentação, da mensuração e da quantificação. Como
já citado anteriormente, é o momento em que a universidade vai se adaptar à nova
realidade para não cair em total esquecimento, lembrando inclusive que os positivistas a
consideram como templo medieval e, por isso, não aprovam a criação de tais instituições.
27
1.4.2 As Ciências Humanas
As Ciências Humanas nascem apenas no século XIX, não emergem juntamente
com a Revolução Científica, antecedem seu nascimento toda uma mudança de paradigmas
e de verdades. O homem as enfrentar consideráveis mudanças conceituais referentes às
leis que regem o mundo físico, se vê obrigado a reformular suas concepções em torno de
sua própria existência e de Deus, de seus crédulos e de seu entendimento sobre as próprias
relações sociais presente em seu cotidiano. Japiassu assume que “As Ciências Humanas
irão surgir como uma tentativa de reapropriação do homem por ele mesmo” (2002, p. 50).
O nascimento das Ciências Humanas pode ser considerado como resultado das
Revoluções Científica, Industrial e Francesa ocorrida nos séculos XVI, XVII e XVIII.
Resultado no sentido de que mudaram as formas de produção, devido ao desenvolvimento
de máquinas com tecnologia apropriada para a produção em série e de certa forma rápida e
abundante para a época, assim as relações econômicas e políticas tomam novas
envergaduras e no campo social o homem vai sentir necessidade de conhecer novas
técnicas de produção, novas profissões nascem devido às necessidades da vida moderna.
A sociedade de modo geral vai necessitar de novas áreas do conhecimento para
tratar de assuntos que não se faziam presente em épocas passadas. Surgem várias
disciplinas dentro do campo das Ciências Humanas, disciplinas estas cujo objeto de estudo
concentra-se na figura do homem. Japiassu (2002, p. 16-17), cita o nascimento da
Demografia, da Psiquiatria, da Psicologia, da Sociologia como algumas destas.
O problema central das Ciências Humanas concentra-se na questão metodológica já
que “As Ciências Humanas vinculam -se , desde sua origem, ao espírito de positividade das
Ciências Naturais” (JAPIASSU, 2002, p. 21), tornando-se impossível aplicar o método das
Ciências Naturais e Exatas para todas as áreas do conhecimento. Este sem dúvida
constituiu-se no principal erro do Positivismo, uma vez que as leis da Física-Matemática,
aquelas sujeitas à mensuração e quantificação não satisfazem de forma alguma como uma
metodologia cabível à aplicação de uma ciência que tem o homem como objeto de estudo,
que busca novas respostas.
Finalizando este capítulo, chega-se à constatação de que as Ciências Humanas nada
mais são que um campo específico do conhecimento, dentro das universidades elas
ocupam um lugar singelo se comparadas com as demais ciências. A princípio, a
28
universidade possa como base curricular as humanidades, ocupando um lugar de
destaque, com o advento das revoluções, principalmente a Científica, a própria
universidade se reforma para ajustar-se ao que de fato a sociedade espera. A formação
humana torna-se profissional, há uma divio e subdivisão de áreas do conhecimento, as
disciplinas curriculares dos cursos enfatizam esta fragmentação à medida que tomam
formato preponderantemente técnico, a partir daí se tem um novo modelo de formação que
vai privilegiar o técnico ao invés do humano.
2 HUMANIDADES E HUMANISMO NA
29
UNIVERSIDADE MEDIEVAL
Entre tantas instituições sociais conhecidas, pode-se enunciar que ocupa um papel
destaque a instituição
2
chamada “universidade
3
. Merece atenção devido ao seu papel e a
função que desempenhou e continua desempenhando na sociedade e também por esta ter se
preocupado em formar os homens que têm construído a história da Civilização Ocidental.
Atualmente um vasto discurso tem se estabelecido acerca dos problemas e as
funções da universidade; saltam aos olhos inicialmente questões relativas às universidades
públicas, como o restrito número de vagas para suprir a demanda, juntamente com
insuficiente número de professores e funcionários e não se pode deixar de mencionar o
precário estado de conservação dos prédios, bibliotecas e laboratórios, remunerações de
professores defasadas, etc. Por outro lado, no Ensino Superior privado presencia-se uma
expansão desproporcional, principalmente das instituições denominadas “faculdades”,
4
cujos cursos com pouca duração e muitos à distância, formam centenas de milhares de
sujeitos a cada ano, presencia-se um comércio de diplomas e ao mesmo tempo indaga-se
sobre a mais pertinente preocupação dos educadores: a qualidade do ensino (cursos,
professores, laboratórios, bibliotecas,...).
Ainda que este fosse o principal objetivo deste estudo, poder-se-ia relacionar uma
infindável lista dos problemas sérios e que merecem ser pesquisados e debatidos com a
sociedade, principalmente porque a reforma universitária está sendo discutida nos meios
acadêmicos e políticos. Entretanto, é focado um olhar no sentido de compreender qual o
lugar ocupado pelas humanidades e o Humanismo no processo histórico da universidade.
Portanto, o capítulo que antecedeu este, trouxe o entendimento sobre o que foram as
humanidades, o Humanismo e as Ciências Humanas.
2
A universidade, enquanto instituição pode ser entendida como [...] uma forma de organização cujo
objetivo central consiste na reprodução de uma mesma finalidade mediante padrões de conduta
normativamente estabelecidos e definidores do convívio entre pesquisadores, professores e estudantes.
(CASPER, 1997, p. 39).
3
Se for aceito atribuir à palavra universidade o sentido relativamente preciso de “comunidade (mais ou
menos) autônoma de mestres e alunos reunidos para assegurar o ensino de um determinado número de
disciplinas em um nível superior”, parece claro que tal instituição é uma criação específica da civilização
ocidental, nascida na Itália, na França e na Inglaterra no início do século XIII. (CHARLE e VERGER, 1996).
4
Deixa-se claro que o se é contrário às instituições privadas, pois se sabe que existem muitas que prezam
pela qualidade do ensino e desempenham suas atividades oferecendo primazia, tanto a recursos humanos
quanto materiais.
30
Neste capítulo e nos outros dois que seguem, pretende-se construir um referencial
teórico que possibilite a compreensão do processo histórico da universidade de acordo com
a época correspondente. Será inserido junto a este os elementos que demonstrem o lugar
ocupado pelas humanidades e o Humanismo na história desta instituição que completou
nove séculos de existência.
Neste mundo globalizado, em que a informação, a tecnologia e o conhecimento
estão em constante transformação, há de se repensar o papel e a função de instituições
como a universidade, uma vez que as mudanças são inevitáveis para o seu bom
funcionamento.
Na história da educação, percebeu-se que no divisor de águas entre o mundo
medieval e o moderno, os homens buscaram na antiguidade instrumentos para modificar o
seu presente e propor um futuro promissor. Alinhavar o passado com o presente, a fim de
resgatar o que há de humano no ser humano, parece uma boa opção para os educadores.
2.1 Contexto Histórico da Europa Ocidental e a Renascea Carolíngia
Ao se tentar atribuir uma data para a fundação da primogênita universidade esbarra-
se, como diz Verger, em “um problema de classificação e de cronologia [...] uma vez que
textos oficiais e definições judicas intervinham tardiamente e só homologavam situações
existentes, instituições nascidas empiricamente sob a pressão de necessidades práticas
(1990, p.19). Assim, os historiadores encontram dificuldade e divergem suas opiniões a
respeito de qual realmente tenha sido a primeira universidade. Buscar-se-á fazer um breve
apanhado dos acontecimentos históricos que contribuíram para o surgimento das primeiras
universidades.
Para se compreender o contexto histórico do século XI e XII recorre-se
inicialmente à compreensão do período denominado Idade Média, pois se tomou como
costume classificar a história das civilizações em três grandes épocas, a saber: Antiga,
Medieval e Moderna. Burns diz que “Tal classificação veio a ser aceita com uma
convicção dogmática. Ela se coaduna com a crença do homem comum, de que este planeta
só testemunhou dois grandes períodos de progresso: o tempo dos gregos e dos romanos e a
época das invenções modernas” (1971, p. 255).
31
Historicamente é comum citar que a Idade Média ficou marcada como um período
onde o homem regrediu em todos os aspectos, houve um retorno acentuado ao barbarismo,
a vida econômica e também intelectual estagnou-se e por vezes regrediu, por alguns é tida
como Idade das Trevas. Burns afirma que:
A causa dessa confusão reside na idéia convencional de que todo o período
medieval que se estende desde a queda de Roma até o começo da Renascença
Italiana constitui uma unidade cultural, de que, por exemplo, os ideais e as
instituições do século VI eram os mesmos que os do século XIII. Nada pode
estar mais longe da verdade (1971, p. 255-256).
Estas duas civilizações que Burns cita, seriam a primeira parte da Idade Média, que
é compreendida entre os anos 400 e 800 e a segunda parte que compreende o ano de 800 à
1500. Deste modo, a primeira parte da Idade Média constituiu-se realmente como um
período de barbárie e de regressão do desenvolvimento intelectual, político, econômico e
educacional.
O despertar do homem para a continuidade de seu crescimento como ser humano
racional teve início com a Renascença Carolíngia do século IX. Este período que abarca a
segunda parte da Idade Média, ofertou alguma contribuição para o surgimento da
universidade. A Europa Ocidental viveu entre os séculos V e X um período de tumultuosas
invasões bárbaras, as constantes trocas de poderes estabelecidos por guerras sangrentas
detinham todas as atenções, a preocupação com a educação não exprimia importância para
os responsáveis em manter o poder, mediocremente eram oferecidas escolas para os jovens
filhos daqueles que ocupavam destaque nas cortes.
A Renascença Carongia contribuiu para o progresso da educação, uma vez que
fundou novas escolas e melhorou as bibliotecas em muitos conventos da Europa Ocidental.
Gilson diz ainda que:
No fim do século VIII, Carlos Magno se queixa de que as cartas de seus
correspondestes dignificam mais os sentimentos do que o estilo destes. É para
remediar esse estado de coisas que a capitular de 789 mandou que se abrissem,
em cada bispado e em cada mosteiro, escolas em que seriam recebidas crianças
tanto de condição livre, quanto servil, em que lhes seria ensinado o saltério,
solfejo, canto, cômputo eclesiástico e gramática, programa aparentemente
modesto, mas indefinidamente extensível, pois o cômputo podia incluir toda a
astronomia, e a gramática, todas as Belas-Letras (1995, p. 224).
32
Fornecendo escolas que serviriam para civilizar seu povo, Carlos Magno ajuda a
Idade Média, até eno considerada como Idade das Trevas a retomar seu crescimento
intelectual. Afirma Gilson (1995, p. 227): “é a verdadeira multiplicação das escolas
monásticas
5
e catedrais
6
, que permanecerão no centro da vida intelectual da Idade Média
até o nascimento das Universidades”, que se organizaram mais tarde em torno de escolas
desse tipo. O sistema educacional existente encontrava-se sob a responsabilidade da Igreja
que por sua vez deveria manter em seus estabelecimentos escolas e mestres para formar os
jovens.
Cabe salientar que a Renascença Carolíngia apenas amenizou a situação intelectual
da Europa Ocidental entre os séculos IX e X. Carlos Magno, vendo a ignorância de seu
povo, instituiu escolas, como já foi citado, entretanto o sistema educacional estava longe
do ideal de educação greco-romano Paidéia da civilização antiga. A época carolíngia deu
sua contribuição para o desenvolvimento educacional, estas escolas tornar-se-ão o beo
das universidades medievais como será visto a seguir.
2.2 Das Escolas do Mundo Medieval nascem as Universidades
As universidades são, como diz Charle e Verger, “herdeiras de uma longa história”
(1996, p. 13) e se constituíram a partir das escolas do mundo medieval.
As escolas estavam sob a tutela da Igreja e “à frente de cada escola, um magister
scholarum” (VERGER, 1990, p. 20) era responsável pela mesma, estando ligado
diretamente ao bispo ou abade da catedral que pertencia, mas na Itália e na França
“surgiram o que p oderíamos denominar escolas particulares” (CHARLE e VERGER,
1996, p. 14), onde mestres se estabeleciam e ensinavam principalmente as Artes Liberais
para aqueles que se sujeitavam a pagar por seus ensinamentos. A principal figura a
destacar é Pedro Abelardo (1079-1142).
Nestas escolas os programas e métodos de ensino estão de acordo com os das
escolas da época carolíngia “as sete Artes Liberais
7
eram o fundamento do ensino, a
5
As escolas monásticas compreendiam geralmente a escola interior, ou claustral, reservadas aos religiosos do
mosteiro, e a escola exterior, na qual eram admitidos os padres seculares (GILSON, p. 227).
6
As escolas catedrais (ou episcopais, ou capitulares) organizaram-se bem cedo em torno das igrejas
catedrais, sob a direção pessoal do bispo e, por vezes, até com sua colaboração efetiva (Idem).
7
Na página seguinte está a definição do que são as sete Artes Liberais.
33
Teologia era o seu coroamento” (VERGER, 1990, p. 21). As matérias e o método de
ensino destas escolas caracterizavam as humanidades da antiguidade, com o sentido de
programa escolar, com um conjunto de matérias, prova está no trecho que segue:
Em cada matéria existiam algumas obras fundamentais que eram completadas
pela leitura de alguns
auctores
universalmente reconhecidos, assim, o estudo
dos manuais básicos de Gramática (Donato, Prisciano) e de Retórica (cero)
era ilustrado pelo de alguns poetas antigos como Virgílio ou Ovídio. Em
Lógica, o autor essencial era Aristóteles, pelo menos quanto ao que dele se
conhecia então, isto é, os tratados traduzidos no século VI por Boécio, que
formavam o que se chamará mais tarde a
lógica vetus
. A leitura da Bíblia,
enfim, era acompanhada pela dos comentários que dela haviam feito os Padres,
particularmente Gregório o Grande (
Idem
).
Já o método de ensino seguia a seqüência
lectio, sensus e sententia
seguem nas
próximas páginas detalhes sobre este método de ensino. Pode-se afirmar que na França a
Dialética e a Teologia serão as atividades primordiais das escolas, e mais tarde também o
serão nas universidades. Deve ser lembrado que na época carolíngia este método pouco foi
usado, e, sua utilização se deu com efetividade mais concreta a partir do século XI, sendo
que muitos autores recorreram à Dialética como método de ensino.
Antes de iniciar as colocações sobre as primeiras universidades, é visto que a Igreja
que até então detinha o comando do sistema educacional, viu seu poder ser ameaçado pelos
mestres, que possuíam um grande prestígio devido ao conhecimento que apresentavam.
Assim sendo, ela “colocou em funcionamento o sistema da
licentia docendi:
para abrir
uma escola, mesmo que particular, fazia-se necessário doravante ter em mãos uma
“autorização de ensinooutorgada em cada diocese pela autoridade episcopal” (CHARLE
e VERGER, 1996, p. 14-15).
Muitas escolas foram abertas por diferentes mestres e o fluxo de alunos foi
aumentando, segundo Rossato:
Essas corporações assumiram formas e nomes diversos confraria, associação
de defesa de interesses comuns,
communio, consortium, studia generalia,
universitas
percebendo-se claramente o caráter corporativo da palavra
universitas
, seguida do genitivo latino
magistrorum et scholarium
, este muitas
vezes subentendido (1998, p. 18-19).
34
Foi assim chamada studium generale a instituição conhecida mais tarde como
universidade. Esta deveria abarcar as quatro faculdades: Artes Liberais, Direito, Medicina
e Teologia, mas na realidade não havia uma studia generalia completa. O estatuto de
studia generalia ou universidade era garantido pela bula concebida pelo papa.
Os alunos permaneciam nas universidades em média de cinco a sete anos,
“passando das artes liberais para as três faculdades superiores, desempenhavam tamm
um papel de docentes na faculdade inferior [...] As ts faculdades superiores são teologia,
direito e medicina” (CAMBI, 1999, p. 183). As sete Artes Liberais, segundo Manacorda,
(2004, p. 126) estão classificadas em “trivium e quatrivium”. Segundo Rossato, nas
universidades ensinavam-se: “a gramática, a retórica, a dialética e a lógica (trivium) e as
artes liberais astronomia, aritmética, geometria e música (quatrivium), e, acima de
ambas, ensinava-se canto, liturgia e Sagrada Escritura” (1998, p. 16). Este sistema de
ensino desenvolvia-se especialmente em Paris. As matérias e o método de ensino adotado
pelas primeiras universidades na verdade eram idênticas as das escolas que os sucederam.
Um fato a destacar no início das universidades diz respeito à vida dos estudantes
das universidades, uma vez que sua rotina era sacudida por desavenças com os cidadãos
das comunas. Estes se sentiam incomodados pela euforia e modo peculiar de vida
estabelecido pelos alunos, o discurso, as conversas e a inquietação aguçavam nas palavras
de Verger, como “um estado de tensão permanente, gerador de conflitos permanentes
(1990, p. 33). Se por um lado havia este estado de tensão entre estudantes/mestres e
cidadãos das comunas, por outro lado Verger cita ainda que “as resistências vinham da
Igreja que não se resignava, em nenhum nível, a abandonar seu monopólio escolar” (Idem).
Diante de tal situação os estudantes e seus mestres mantiveram suas studia generalia
protegidas pela bula concebida pelos papas da Igreja e pelos privilégios dos tribunais
especiais (eclesiásticos) que garantiam aos estudantes e mestre, segundo Rossato, “a
isenção de impostos da cidade, do serviço militar, o direito de greve (cessatio) ou de
recessão” (1998, p. 19-20), entre outros benefícios que os demais cidadãos não possuíam.
A universidade mostrou no início seu forte caráter internacional marca original
desta instituição devido ao fluxo de estudantes e mestres vindos de várias partes da
Europa. Este contato direto entre mestres e estudantes de vários países europeus acentuou o
diálogo e privilegiou as relações humanas entre os sujeitos.
A comunidade universitária estava enfim constituída. Charle e Verger enfatizam
que:
35
Eles estabeleceram seus próprios estatutos, representantes eleitos, organizaram-
se para garantir entre eles o auxílio mútuo, assegurar sua proteção diante das
ameaças possíveis da população e das autoridades locais e regulamentar o
exercício autônomo da atividade, que era a própria rao de ser de sua
associação, a saber, o estudo e o ensino (1996, p. 19).
Extraiu-se das colocações feitas até o momento que “a universidade é herdeira de
uma longa história”. Verger reafirma o já dito, pois “não criaram a universidade, mas
apenas confirmaram instituições nascidas ‘espontaneamentedo desenvolvimento das
escolas, da tomada de consciência dos mestres, de seus esforços para se unirem numa
corporação autônoma” (1990, p. 32).
O magister scholarum ou Escolásticos
8
recebia a licentia docendi para ensinar na
alçada de sua diocese; Verger afirma que “o papado criara para as unive rsidades uma
licencia ubique docendi, de valor universal” (1990, p. 29).
A formação dos estudantes na universidade seguia os moldes dos métodos das
escolas. Cambi faz referência quando diz que:
a formação dos estudantes nas universidades medievais ocorre por meio de um
rigoroso método de ensino do qual Abelardo foi o iniciador de forma orgânica e
madura com seu recurso à dialética como forma soberana do pensamento e à
lógica como instrumento de regulamentação da linguagem, com sua obra Sic et
non que inova a técnica do debate escolástico, com a rubrica dos pro e dos
contra. Tal método gira em torno do comenrio de textos, tanto teológicos
como jurídicos ou médicos ou outros (Abelardo, ou Graciniano com o
Decretum, ou Ars Medicinae de Constantino, o Africano, que sintetizava
Hipócritas e Galeno oucero etc.), colocados como auctoritates (1999, p.
185).
8
Entende-se por escolástica, segundo Houaiss (2001, p.1206), como sendo um “pensamento cr istão da Idade
Média, baseado na tentativa de conciliação entre um ideal de racionalidade, corporificado especialmente na
tradição grega do platonismo e aristotelismo, e a experiência do contato direto com a verdade revelada, tal
como a concebe a fé cristã. Torna-se esclarecedor e conveniente destacar algumas características da
escolástica para melhor entendê-la, a saber: “a) era racionalista eo empírica; b) a filosofia escolástica era
autoritária; c) a filosofia escolástica assumia uma posição predominantemente ética; d) o pensamento
escolástico, diferindo da filosofia moderna, não se preocupava primordialmente com as causas e relações
subjacentes” (BURNS, 1971, p. 370-372). Se destacam os principais mestres da pedagogia escolástica como
sendo: “Pedro A belardo (1079-1142), Hugo de Saint-Victor, João de Salisbury (1110-1180), Santo Tos de
Aquino (1224-1274) São Boaventura de Bagnorégio (1221-1274), Duns Scoto (1265-1308) Guilherme de
Occam (1300-13490) Marsílio de Pádua (1275-1329)” (CAMBI, 1999, p.186-190).
36
Os mestres juntamente com seus alunos através de textos desenvolviam quatro
procedimentos:
Lectio (de legere): leitura e comentário;
Littera: significado gramatical;
Sensus: explicação lógica;
Sententia (exegese): interpretação dos textos ou parte dos textos.
Estando envolvidos mestres e alunos estabeleciam finalmente uma “discussão, e
esta fazia emergir a quaestio, o problema, que dá lugar à disputa (disputatio)” (Idem). A
finalização destes trabalhos cabia ao mestre, além deste ter que redigir em texto as
conclusões, permanecia disponível para que interventores o questionassem sobre questões
que viessem a emergir, a questão era fazer com que principalmente o mestre entrasse em
contradição.
O livro, os auctores e os mestres desempenharam um papel importante neste
método de ensino. Nas palavras de Cambi, “a Escolástica foi estimuladora de um
pensamento original, porém obediente às leis da razão” (1999, p.186). Os grandes nomes
da escolástica desenvolviam suas aulas com base na disputa sobre a razão e a fé. Os
modelos teóricos serão alicerçados nestas duas perspectivas citadas. De um lado a razão,
em si próprio e como utensílio para introduzir e ampliar a fé, característico dos
dominicanos; do outro lado a fé, vinculada aos franciscanos, direcionavam a exaltá-la em
relação à razão.
Antes de iniciar um novo subitem, destaca-se diante do que é nosso principal
objetivo compreender o lugar ocupado pelas humanidades no processo histórico das
universidades compreender qual o lugar ocupado pelas humanidades nas escolas que são
consideradas embriões das primeiras universidades, neste momento tamm se faz
necessário. Apesar do assunto não ter se esgotado, pois muito ainda poderia ser dito destas
escolas, acredita-se que estas obtiveram contribuições significativas da época Carolíngia
para seu crescimento. Os traços característicos das humanidades que se evidenciaram
nestas escolas foram predominantemente as matérias e o método de ensino praticado por
mestres e estudantes, não que estes sejam os únicos, mas foram os mais evidentes,
identificados pela pesquisa, tendo como base a bibliografia consultada.
Percebe-se que os mestres buscaram na antiguidade, mais precisamente na cultura
grega, a fonte para enriquecer os estudos ministrados nas escolas e em seguida nas
37
primeiras universidades, prova disto é o resgate dos textos de autores gregos introduzidos
para desenvolver as matérias e principalmente a Dialética como método deste ensino.
Parte-se neste momento, para uma exposição sucinta do nascimento das duas
primeiras universidades: Bolonha e Paris.
2.3 As Primeiras Universidades Bolonha e Paris
Adota-se a Universidade de Bolonha e a Universidade de Paris amparados na
bibliografia consultada como as primeiras instituições que reuniram o conjunto de
características no qual constituíam uma universidade, características estas que tentar-se-á
mostrar nos próximos itens. Conforme as referências, alguns dados se fazem presentes na
narração sobre estas duas universidades, contudo estes não são os únicos, outros
importantes podem ter ficado de fora, principalmente porque o acesso a livros que contam
a história destas primeiras universidades não são de fácil acesso, mesmo assim procurou-se
com fidelidade anexar dados que no decorrer deste trabalho vão tornando-o rico e
esclarecedor.
A seguir será relatado o nascimento destas universidades Bolonha e Paris e
neste contexto, compreender as humanidades e o Humanismo presentes em sua
constituição.
2.3.1 Universidade de Bolonha
Com base nos dados levantados, serão adotadas as contribuições de Rossato quanto
ao surgimento da primeira universidade:
38
Atualmente, já se estabeleceu certo consenso, aceitando-se Bolonha como sendo
a primeira universidade que atingiu plenamente tal estatuto. Por ocasião da
comemoração dos seus novecentos anos de fundação em 1988, na Magna Carta
das Universidades Européias, o fato foi reconhecido (1998, p. 21).
Conforme Rossato (1998, p. 22), as indicações documentadas da Universidade de
Bolonha datam de 1088, século XI, entre os séculos XI a XIII algumas escolas tinham uma
vida ativa concisa e possuíam todos os atributos de universidades, contudo não possuíam
oficialmente denominação de universidade, é o caso, por exemplo, da Universidade de
Bolonha e a Universidade de Paris.
Parafraseando Verger (1990), na Itália existiam escolas leigas em Roma, Ravena,
Bolonha e Pávia que ensinavam as Artes Liberais, elementos de Arte Notarial e de Direito
Prático, e, em Salermo destaca-se uma escola de Medicina que influenciou notoriamente o
sistema de ensino. A Universidade de Bolonha prosperou de uma escola já existente.
Bolonha caracterizou-se principalmente por ser a universidade mais antiga e por
seus estudantes agruparem-se em grandes nações, os citramontanos (italianos) e os
ultramontanos (não italianos). Devido ao grande poder das nações é que a Universidade de
Bolonha ficou conhecida como a universidade dos estudantes. Entretanto, antes de ser uma
universidade organizada pelos estudantes foi “uma organização corporativa de mestres
(VERGER, 1990, p. 39), passando entre 1180-1220 a ser conhecida como Universidade de
Estudantes.
Outras características é que estas nações se organizavam e elegiam seus reitores,
que deveriam ser estudantes, ter em média 25 anos, ser clérigo, solteiro e possuir como
virtude a prudência e a honestidade. O mandato de cada reitor compreendia de um a dois
anos e cabia a ele defender os interesses dos estudantes diante do poder civil, contratar os
professores e fazer a cobrança dos serviços que estes deveriam prestar aos estudantes.
Percebe-se que este modelo de universidade organizada em nações, por
estudantes aos poucos foi vendo o poder dos reitores e dos alunos enfraquecer,
originando uma harmonia entre o poder, pois os professores passaram a ter maior
importância na administração.
Mais uma característica marcante de Bolonha refere-se ao ensino de Direito como
“disciplina mestra” (CHARLE e VERGER, 1996, p. 18). Cambi faz a s eguinte referência
sobre esta característica:
39
Já no início de 1100, apresenta indicações precisas de sua vocação para tornar-
se centro de estudos de direito, não só por obra de Graciniano, morto em 1179,
mas sobretudo de Irnério (1050-1130), que preparou um cuidadoso estudo do
Corpus juris civilis
de Justiniano, detendo-se particularmente nos princípios
jurídicos que o regulavam (1999, p. 184).
Verger diz ainda que “o estoque de textos jurídicos utilizados no Ocidente
renovara-se completamente pela ‘redescobertado
Corpus juris civilis
e pela composição
das primeiras grandes coleções canônicas. Em Bolonha, alguns mestres [...] aproveitaram
essa renovação para transformar profundamente a matéria e a forma de seu ensino” (1990,
p. 38).
No início do século XIII muitas traduções das obras de autores da antiguidade
como Aristóteles realizaram-se ocupando um lugar de destaque dentro dos centros de
estudo. Esta redescoberta, releitura e novas interpretações de textos de autoridades
influenciaram o método e o ensino administrado pelos mestres. As humanidades, portanto,
se fazem presentes e conquistam seu espaço inclusive na Universidade de Bolonha.
Como já foi citado, em 1088 a Universidade de Bolonha já possa a estrutura de
universidade, seu reconhecimento como tal se deu em 1158, pelo imperador Frederico
Barbaroxa e em 1291 pelo papa.
2.3.2 Universidade de Paris
A Universidade de Paris, ao contrário de Bolonha, nasce ao redor dos professores
“que haviam constituído sua própria organização, o Colégio dos Doutores ” (ROSSATO,
1998, p. 25). Este vai ser um traço marcante desta instituição, que será intitulada
inicialmente como, “
universitas magistrorum et scholarium
(universidade dos professores
e estudantes parisienses)” (ROSSATO, 1998, p. 24), sua importância para o surgimento
das demais universidades está pautada no seu modelo que servirá de inspiração para as
demais.
A organização da comunidade universitária segue o exemplo de Bolonha, por
nações francesa, normanda, picarda e inglesa e estas tiveram sua gênese nas escolas já
40
existentes, pode-se citar como exemplo a Escola de Notre-Dame, Escola de São Vitor e
Escola de Santa Genoveva. Entre os grandes nomes destas escolas destaca-se Pedro
Abelardo e Hugo de Saint-Victor.
Verger faz menção ao surgimento da Universidade de Paris caracterizando-as “por
uma dupla tendência” (1990,
p. 32), a primeira diz respeito ao caráter eclesiástico da
universidade e a segunda seria que o ambiente das escolas não se integrava perfeitamente
no resto da sociedade urbana. Ao se fazer referência ao primeiro ponto, é destacada a
questão da laicização das escolas, os mestres que nelas lecionavam não estavam ligados
intimamente à Igreja e sobreviviam quase que totalmente pelos honorários pagos pelos
alunos interessados em seus ensinamentos, acrescidos de presentes ou doações. A Igreja
por sua vez fazia resistência à laicização que se estabelecia, e diante disto muitos conflitos
se estabeleceram principalmente por esta não estar interessada em perder o monopólio
escolar que detinha até então. Em referência ao segundo ponto, as escolas não se
enquadravam com os demais órgãos ou estabelecimentos existentes nas cidades. Diante
disto, Paris foi palco de muitos conflitos entre estudantes e burgueses
9
.
Surge devido a estes conflitos, o interesse dos estudantes e mestres em manter com
a Igreja um relacionamento outrora existente, pois sob sua proteção poderiam fugir dos
problemas enfrentados, seja com os burgueses ou pela justa dos reis. Estando inclusos na
sociedade como clérigos os estudantes gozavam privilégios, ficando à mercê da jurisdição
da justiça eclesiástica.
Protegidos pela justiça eclesiástica, mestres e estudantes encontrariam resistência
do Bispo de Paris e do Chanceler de Notre-Dame. Verger afirma que estes “opuseram -se
com vigor ao desenvolvimento da universidade, enquanto o rei, o mais das vezes, não
interferia” (1990, p. 34). As razões desta resistência estão ligadas em parte à outorga da
licencia docendi, pois o chanceler não estava satisfeito em deixar de conce-la a quem
desejasse e também pelo fato do Bispo querer resguardar sua jurisdição sobre os
estudantes. Os desacordos mantidos entre as partes perduraram por anos, entretanto
estudantes e mestres tinham a seu favor “um aliado todo -poderoso, o Papa, e de armas
eficazes, a greve e a dispersão das escolas” (VERGER, 1990, p. 35). O interesse que os
9
Conforme o Dicionário de Ciências Sociais de Benedicto Silva (1986) a palavra ‘burguês e/ou burguesia
diz que “O uso mais geral desses termos refere -se às classes comerciais ou médias de várias sociedades, mas
os significados variam, dependendo do contexto e da exteno em que os termos são usados (...) Até o
aparecimento do marxismo os termos eram empregados para designar a classe média mercantil, os
comerciantes de qualquer país (...) ou os habitantes das cidades na Fraa (e mais tarde em qualquer país)
que gozavam de direitos políticos.” (p. 130)
41
papas do século XIII demonstraram em relação aos mestres e estudantes e sua forma
original e nova de se organizarem vem assegurada pelo
desejo de, graças às universidades, aumentar a centralização da Igreja, desejo de
dotar a cristandade de grandes centros de estudos e de pesquisas religiosas
diretamente ligadas ao papado, nesses anos em que as heresias ardiam por toda
a parte e em que o que fora adquirido na Reforma do século XI esgotava-se
claramente (VERGER, 1990, p. 35).
A vontade contida nos papas em proteger os estudantes e mestres ao contrário dos
bispos e chanceleres está enraizada na vontade de manter as escolas e seus colaboradores
no controle direto da Santa Sé.
Entre conflitos já mencionados, a corporação universitária ia afirmando-se e
conquistando sua autonomia, criando seus estatutos e chegando a oficialmente ter status de
universidade:
em 13 de abril de 1231, por meio da bula Parens Scientiarum o papa Gregório
IX confirmou as disposições: reforçou a autonomia da universidade, reconheceu
oficialmente o direito de greve (cessatio) dos cursos e no bojo, tamm se
definiu o papel essencial da universidade e de toda a sã doutrina, guardiã
da fé, sementeira de pregadores e pastores, inspiradora do magistério romano
(ROSSATO, 1998, p. 25).
A Universidade de Paris tanto como a de Bolonha são frutos de uma trajetória que
se fez em longo prazo, ora obtendo apoio da Igreja ora não. Paris ostentou o título de ser a
universidade mais importante e ter a faculdade mais famosa: Teologia, como faz referência
Cambi: “onde ensinaram os grandes mestres da filosofia escolástica, a qual, na esteira de
Abelardo, renovou o estudo da teologia, abrindo-a aos processos racionalistas do
aristotelismo” (1999, p.183-184).
Diferencia-se de Bolonha a figura do reitor em Paris, a primeira tinha um reitor-
estudante, a segunda tinha como reitor um professor que assumia este cargo por intermédio
de eleição e permanecia no cargo por apenas três meses. Rossato explicita ainda que “Em
Paris, onde o mandato do reitor era muito breve, ele dependia em grande parte do controle
42
das decisões da Assembléia Geral, da qual os mestres participavam e votavam por nação”.
(1998, p.23).
Tanto a Universidade de Bolonha como a Universidade de Paris serviram como
modelo para as demais universidades medievais que surgiram entre os séculos XIII e XV.
2.4 Sobre a Universidade entre os Séculos XIII e XV
Destaca-se entre os séculos XIII e XV dois aspectos de importante relevância para
este estudo: o primeiro, está relacionado com o nascimento de inúmeras universidades por
toda a Europa, em que se buscou mostrar o método de ensino, o funcionamento e
organização dos estudos e das universidades em geral; o segundo, trata do Humanismo
italiano, principalmente como um movimento inovador e aristocrático e suas relações com
as universidades.
2.4.1 Universidades por toda a Europa
No início doculo XIII as duas principais universidades Bolonha e Paris
buscam desempenhar e assegurar sua função. Este século ficou conhecido como o século
das universidades.
Outras importantes escolas existentes no século XI e XII conquistam sua bula e
tornam-se universidades principalmente no século XIII. Segundo Manacorda (2004,
p.145), os mestres livres homens clérigos e leigos que ensinavam dentro e fora das
escolas episcopais, estando de posse da licentia docendi contribuíram para o surgimento
das universidades entre os anos 300 e 400. A transformação econômica (economia
mercantil) das cidades e a organização destas em comunas exigiam um novo tipo de
clérigo, aquele antigo, conhecido por ser o homem da Igreja que dá lugar ao homem
intelectual, capaz de tratar da instrução necessária para a formação dos homens que
vivenciavam o surgimento do mundo moderno. Sobre o ensino ministrado nas escolas e
universidades é ressaltado o seguinte:
43
Estes mestre livres ensinavam especialmente as artes liberais do trívio e do
quadrívio; mas aqui e ali aparecem também escolas livres de outras disciplinas.
É provável que justamente destes mestres livres, que atuavam junto às escolas
episcopais e sempre sob a tutela jurídica da Igreja (e também do império),
tenham nascido em seguida as universidades (MANACORDA, 2004, p. 145).
As universidades medievais carregam uma pluralidade que marcará os primeiros
três séculos desta instituição, estes elementos comuns são destacados por Rossato (1998, p.
37), como sendo:
l
icentia ubique docendi
: licença de ensinar em toda a cristandade;
atribuição de grau: licea de ensinar, bacharelado e doutorado;
os privilégios reconhecidos aos estudantes: impostos, greves, tribunais;
uniformidade de organização: estatuto próprio;
método próprio: leitura, polêmicas;
caráter internacional:
peregrinatio accadêmica
;
ensino de disciplinas superiores: teologia, direito, medicina e artes liberais;
autonomia: cedo se emancipa da Igreja, o que assegurava a liberdade
acadêmica.
Estes traços que marcaram a universidade por fim eram oficializados pela bula
concedida pela Igreja juntamente com um selo ou timbre próprio. Quanto à permanência
dos professores e alunos nas universidades havia certa variabilidade, os professores
permaneciam num período muito breve e outros chegavam a permanecer por mais de uma
década, no caso dos alunos sua permanência dependia do curso a ser escolhido, Assim:
Impressiona a duração dos estudos que ainda no Século XIII e XIV aumenta e
somente no Século XV começará recuar sensivelmente. Em Paris, era preciso
estudar ao menos 6 anos e ter vinte anos para tornar-se mestre em artes; para a
teologia subia-se progressivamente de oito a quatorze ou quinze anos (estudante
completará aos 34 anos) e nas faculdades medievais de direito os números
variam de dez à treze anos. Só os estudos de medicina eram mais breves (cinco
ou seis anos em Montpellier) (VERGER
apud
ROSSATO, 1998, p. 38).
44
O sistema de qualificação dos professores guiava-se por graus. Segundo Verger,
“As universidades não somente ministravam certo ensino, mas o sancionavam pela outorga
de graus que garantiam a capacidade de seus titulares” (1990, p. 59) o primeiro grau era a
licença de ensinar, “donde se origina a licenciatura” (ROSSATO, 1998, p.37), o segundo é
o bacharelado, conquistado as cinco ou sete anos, e por fim “O doutorado ou o mestrado
vinha as a licença” de acordo comVerger (1990, p. 60).
A destacar tanto aos olhos de Rossato (1998, p.29-30) como Verger (1990, p. 41-
44) são as três categorias de universidade que surgiram as Bolonha e Paris, a saber:
1. As universidades surgidas das migrações: nasciam quando professores e alunos
ou se desentendiam entre si ou quando estes entravam em conflito com a localidade
(comunidade) ou com o poder local, a insatisfação dos principais integrantes da
comunidade universitária professores e alunos era solucionada com a partida de nações
muitas vezes inteiras de uma universidade. Surgiram novas universidades a partir de
migrações da Itália (Vicenza, Arezzo e Pádua), França (Órleans) e Inglaterra (Cambridge).
2. As universidades plantadas ou criadas: nasciam da vontade de papas, reis ou
príncipes com a finalidade de atender determinado objetivo ou função contrariando a
longa história que perpassaram as escolas até ganhar reconhecimento oficial pela bula
estas universidades eram criadas e desde o princípio já obtinham sua bula contendo todas
as especificidades e atribuições da universidade e de seus membros. São exemplos deste
modelo a Universidade de Nápoles (criada por Frederico II em 1224), Universidade de
Toulouse (criada pelo Papa em 1233), Universidade de Palência (1208), Salamanca (1218)
e Valladolid (1250), todas na Espanha (criadas pelos reis de Castela e de León).
3. As universidades espontâneas: contrário ao modelo citado acima surgiram da
tradição de seu ensino e por um caminho conciso trilhado por décadas. Sem sombra de
dúvidas as duas primeiras universidades: Bolonha e Paris; são exemplos deste modelo de
universidade.
O sistema educacional vigente nas universidades em verdade tornara-se muito
próximo um do outro, isto facilitava a movimentação dos alunos de uma instituição para
outra, este modelo aos olhos de Rossato, “fez da Europa uma única universidade” (1998, p.
20). Até o final do século XIII existiam 21 ou 22 universidades, “na Itália (dez ou onze),
França (quatro), Espanha (quatro), Inglaterra (duas) e Portugal (uma)” (ROSSATO, 1998,
p.32).
45
Nos séculos XIV e XV destacamos o surgimento das primeiras universidades na
Europa Central (alemãs). Três fenômenos tornam-se marcantes no final do século XV: o
primeiro é a diminuição da influência da Igreja, onde a laicização da universidade muito
contribuiu para este fenômeno, o segundo trata dos novos papéis da sociedade local, o
poder laico cresce e com isso a universidade perde uma das suas primeiras características
que é o recrutamento internacional, o terceiro é a regionalização que trouxe para a
universidade a população local e por outro lado afastou a população internacional, outra
característica da população estudantil das universidades medievais que é o peregrinatio
accadêmica é atingida em sua gênese.
Até o final do século XIV foram criadas 24 novas universidades “seis na Itália, seis
na França, três na Espanha, três na Alemanha, uma na Áustria, duas na Hungria, uma na
Polônia, uma na Tchecoslováquia e uma em Portugal” (ROSSATO, 1998, p. 34).
O século XV traz como tro marcante, a expansão da universidade para fora da
Europa. Sabe-se que no século XV foram fundadas ao menos 32 novas universidades, e
quase em todo continente europeu já existiam universidades até o final da Idade Média “ao
menos oitenta universidades” (ROSSATO, 1998, p. 36).
Ainda sobre as universidades entre os séculos XIII e XV destaca-se a seguir o
“movimento humanista italiano”. Segundo as referências, os intelectuais deste período
redescobrem os textos clássicos e junto com esta releitura dos principais autores, pensam
mudar o ensino e conseqüentemente a educação.
2.4.2 A Universidade e o Movimento Humanista Italiano
Entre os séculos XIV e XV a sociedade medieval vivencia grandes transformações
sociais, políticas e culturais, como a “formação dos Estados nacionais na Europa e os
regionais na Itália. O fim das duas grandes instituições universalistas medievais, o papado
e o império [...] a afirmação definitiva de uma burguesia ativa e industriosa” (CAMBI,
1999, p. 222-223); em meio a este panorama surge “o movimento humanista italiano”, que
é tratado juntamente com o Renascimento. Na concepção de Manacorda:
46
O humanismo, caracterizado pela redescoberta do valor autônomo das
humanae
litterae
em relação às
letterae divinae
e, portanto, pela volta à leitura dos
clássicos latinos e gregos, considerados, durante a Idade Média, como simples
paradigmas gramaticais e estilísticos e úteis somente para a compreensão de
uma verdade predeterminada (2004, p. 175).
Toda cultura latina e grega negada pelos ditos “intelectuais” da Idade Média é
redescoberta pelos novos homens da sociedade burguesa. O Humanismo dedicou atenção
especial aos problemas do homem e de sua educação, e, nenhum outro movimento
demonstrou tanto interesse em ajudar na construção de um arquétipo de homem, alicerçado
em valores como dignidade, sabedoria e respeito nas diferenças em geral.
O Humanismo tem como precursores os mestres livres, e como diz Manacorda, “os
humanistas desprezam o tipo de escola existente, seus mestres e suas varas, mas não o
ensino. Será própria do humanismo e do Renascimento a procura de uma nova forma, mais
humana e mais culta, de educar e instruir as crianças” (2004, p. 177). A pedagogia
humanística prezava pela educação da criança considerando sua tenra idade, e, de acordo
com sua própria índole. Repudiavam aquela pedagogia severa, calcada no autoritarismo,
sadismo, pancadarias e em todo aquele rigor da educação tradicional, e em seu lugar
ostentavam uma pedagogia serena, mais humana e livre dos paradigmas da pedagogia
tradicional.
As escolas e as universidades existentes são freqüentemente criticadas pelos
humanistas, uma vez que “o humanismo surge como polêmica declarada contra a cultura
dos cenóbios e das universidades e sua tradicional classificação das ciências [...] é claro
que a resistência da escola e da mentalidade tradicional foi áspera e tenaz, tanto que os
novatores latinitatis
chegaram as ser perseguidos” (MANACORDA, 2004, p. 177). A
universidade e seus antigos mestres, atrelados ao velho saber repetitivo, percebem que há
necessidade em mudar seu ensino, pois caso contrário, sua decadência acarretará no
declínio da instituição universitária. O Humanismo como atitude em relação à vida é visto
da seguinte maneira:
liberta todas as potencialidades criativas do homem e que encontra o modelo e o
estímulo na redescoberta da literatura grega e latina. O risco e as contradições
do humanismo, aliás, consistiram sempre nisso: visar o futuro mas baseando-se
no passado, propor uma leitura livre dos autores antigos, mas para construir o
modelo de um novo pedantismo (MANACORDA, 2004, p. 178).
47
A universidade, fruto das escolas e herdeira de um ensino calcado no estudo das
humanidades, caracterizou-se desde o início pela presença marcante de uma educação
propensa a formar homens objetivando os interesses da sociedade medieval. Nem todos
tinham acesso à educação, e sim uma minoria, geralmente os filhos daqueles que possuíam
fortuna e também poder, assim, tinha acesso à universidade uma parcela muito pequena de
jovens, poucos eram aqueles que se interessavam pelos estudos.
O papel desempenhado pelas humanidades e o Humanismo nas universidades
medievais situam-se observando o seguinte: primeiro, o conteúdo de ensino das
universidades trazia as humanidades como base, a formação dos universitários perpassava
pelo estudo destas principalmente, na seqüência havia o estudo referente à profissão,
geralmente os cursos eram de Medicina, Direito, Filosofia e Teologia.
No final da Idade Média, como já foi mencionado, havia todo um movimento
contra o velho pensamento medieval, a sociedade buscava novas formas de organização,
todo o sistema estabelecido encontrava-se abalado pelas descobertas na área das Ciências
Naturais, Físicas e Exatas. O Humanismo enquanto movimento, pensa no homem como
sujeito integrante da sociedade em que vive. Este movimento aristocrático e conservador
visava nos textos dos grandes autores da antiguidade o alicerce para construir uma nova
educação, que deveria privilegiar o desenvolvimento integral da pessoa humana,
assegurando o desenvolvimento das potencialidades natas de todos os indivíduos.
A universidade medieval vai se ocupar das humanidades como programa de
estudos, entretanto, o Humanismo não encontra terreno para disseminação de suas
propostas nas universidades medievais. A Idade Média não teve propriamente uma vio
humanista, mas precedeu o que será posteriormente chamado de humanidades.
No final dos anos 400 a universidade coagida e pressionada pela sociedade vai
iniciar a mudança de seu sistema de ensino. Com o findar do século XV a universidade vai
conquistar novos territórios, mas assistirá à perda gradual de suas principais características
como foi destacado anteriormente cabe então neste momento encerrar as colocações
sobre a universidade medieval e passar a falar do papel desempenhado pelas humanidades
e o Humanismo na universidade moderna.
48
3 HUMANIDADES E HUMANISMO NA
UNIVERSIDADE MODERNA
Após um período de crescimento universidades em vários países da Europa,
expansão além fronteiras do Continente Europeu a universidade também participa do
findar de uma época e em contrapartida, acompanha e vivencia o desabrochar de outra. A
nova época intitulada “Moderna” mostra -se promissora, permeia entre os intelectuais uma
nova visão de mundo, novas descobertas principalmente na área das Ciências Naturais e
Exatas, vão direcionando o pensamento dos homens modernos.
O processo histórico da universidade é posto juntamente com o processo histórico
da própria civilização, ou seja, os acontecimentos vivenciados pela sociedade são
analisados buscando visualizar mais especificamente o campo educativo. Por isso é que em
vários momentos precisamos nos deter em relatar, comentar e investigar os eventos da vida
em seu amplo aspecto, tudo isto para tentar dar conta em mostrar qual o papel das
humanidades e do Humanismo no processo histórico das universidades.
Este capítulo está divido em duas partes: inicialmente será tratado o processo
histórico das universidades do Velho e do Novo Mundo entre os séculos XVI ao XVIII, e
em seguida, a universidade do século XIX e XX..
3.1 As Universidades do Século XVI ao XVIII
49
A literatura atual aponta para o término da Idade Média por volta do ano de 1500
(final do século XV) e a partir deste período (início doculo XVI) inicia-se a Idade
Moderna. Para Cambi:
Com o fim do Quatrocentos [...] fecha-se um longo ciclo histórico e prepara-se
outro, igualmente longo e talvez ainda inconcluso, que é geralmente designado
como Modernidade. [...] Todos os intérpretes, todavia, de modo prioritário,
sublinham o aspecto de cesura da Modernidade, seu caráter revolucionário em
relação a uma sociedade estática quanto às estruturas econômicas, quanto à
organização social e ao perfil cultural como aquele que a precede: Idade Média.
(1999, p. 195-196)
Os aspectos econômicos, políticos e ideológicos contribuíram extensivamente para
o surgimento da época moderna. Toda estrutura da sociedade tenciona para mudança, já
o basta apenas viver sobre os ditames impostos pelos governantes que estavam
acostumados a fazer as regras da sociedade.
Essa sociedade estática, autoritária, tendencialmente imodificável, mesmo nas
suas profundas e constantes, convulsões íntimas (lutas de classes sociais, de
grupos religiosos, de ideologias de povos) entra em crise no fim dos anos
quatrocentos, quando a Europa se laiciza economicamente (com a retomada do
comércio) e politicamente (com o nascimento dos Estados nacionais e sua
política de controle sobre toda a sociedade), mas também ideologicamente,
separando o mundano do religioso e afirmando a autonomia e centralidade na
própria vida do homem. (CAMBI, 1999, p.196)
A passagem da Idade Média para a Idade Moderna afirmou toda uma mudança na
estrutura de todo o sistema. Os fatores determinantes desta mudança perpassavam pela
política, economia, educação, cultura, religião, e, pela própria concepção de sociedade e de
homem. O lugar da velha concepção medieval de sociedade daria espaço à nova concepção
de mundo que surgia pela Europa neste início do século XVI, onde o novo e o velho se
defrontavam.
Segue Cambi dizendo:
quando a Europa [...] se abre para o mundo: com as descobertas geográficas,
com seus comércios, seus intentos de colonização, política e religiosa; quando a
própria cultura sofre uma dupla e profunda transformação: radica-se no homem
e nas suas cidades, isto é, liga-se à experiência da vida individual e social,
independentemente de qualquer hipoteca religiosa (como faz o humanismo,
50
sobretudo italiano), redescobrindo o valor autônomo do pensamento e da arte,
ou então se dirige para um novo âmbito do saber científico-técnico que quer
interpretar o mundo [...] A ruptura da Modernidade apresenta-se, portanto,
como uma revolução, e uma revolução em muitos âmbitos: geográfico,
econômico, político, social, ideológico, cultural e pedagógico (1999, p. 196).
A Idade Moderna inicia justamente quando o movimento humanista italiano já
havia se espalhado por todo o Continente Europeu, disseminando suas principais idéias.
Em meio a tantas descobertas e mudanças de paradigmas, a universidade, que nasceu em
plena Idade Média, sente a necessidade de se reformar, pelo motivo de não sofrer o risco
de fechar completamente suas portas.
As considerações acerca do período que compreende os séculos XVI ao XVIII
serão abordadas em dois blocos, pois, entende-se que desta forma conseguir-se-á articular
de forma mais clara as idéias; no primeiro bloco será tratado os aspectos das universidades
do Velho Mundo A Europa e no segundo bloco, os aspectos das universidades do Novo
Mundo A América.
3.2 As Universidades do Século XVI ao XVIII: o Velho Mundo
Entre os séculos XVI, XVII e XVIII destacam-se alguns eventos, que segundo
Arendt (1989, p. 260) “lhe determinaram o caráter”, entre eles podemos ci tar: as novas
descobertas na área da Ciência (principalmente a Física) mudando profundamente
conceitos sobre o universo e seu funcionamento, a descoberta da América e as grandes
navegações marítimas, as Reformas Protestante e Católica, A Revolução Intelectual do
século XVII e XVIII, o Iluminismo e a Revolução Francesa.
Diante destes acontecimentos, a universidade vai se reestruturando a fim de atender
as necessidades exigidas pela sociedade moderna. Dentro de uma perspectiva histórica da
universidade, busca-se identificar o Humanismo e suas relações no processo histórico e as
relações do mesmo com os acontecimentos contemporâneos referentes aos séculos acima
citados.
Durante o século XVI a universidade passou por uma crise que abalou sua estrutura
e algumas de suas características peculiares. O contexto histórico e social deste período viu
surgir um movimento chamado Reforma que compreendeu duas fases principais: “a
51
Revolução Protestante, que irrompeu em 1517 e levou a maior parte da Europa setentrional
a separar-se da igreja romana, e a Reforma Católica
10
, que alcançou seu apogeu em 1560
(BURNS, 1971, p. 449).
A Reforma Protestante caracterizou-se por ser um movimento de reforma político-
religiosa, mas assume “um importante significado educativo” (CAMBI, 1999 , p. 247). Os
povos que se revoltam contra a Igreja de Roma buscavam “novos modelos de instrução
popular e moderna” (MANACORDA, 2004, p. 194). Esta exigência por um modelo de
escola nova, Lutero
11
já havia manifestado, em que o próprio dizia que as escolas deveriam
atender às necessidades deste mundo, ou seja, uma escola voltada ao trabalho, diferente da
tradicional, destinada somente à continuação dos estudos.
Apresenta-se um projeto
12
de uma escola nova,
que em três anos realize um programa educativo equivalente àquele que
normalmente exigia uma vida inteira, baseiam-se numa crítica cruel à escola
tradicional, fabricadora de gente cretina; e a atitude humanística transparece na
evocação da escola antiga (MANACORDA, 2004, p. 197).
Lutero demonstra interesse pelos problemas da educação e da escola, e segundo
suas idéias, a educação precisa ter como fio condutor o estudo das línguas, sejam elas as
antigas e as nacionais, e o estudo destas ajudariam na compreensão das verdades do
Evangelho. Cambi diz ainda que para Lutero, “a escola é organizada em quatro setores: os
das línguas (latim, grego, hebraico, alemão), para remontar as fontes das Sagradas
Escrituras; o das obras literárias (pas e cristãs), para o ensino da gramática e a leitura dos
textos sagrados; o das ciências e das artes, e o da jurisprudência e da medicina” (1999, p.
249).
Do ponto de vista dos reformadores, a educação pretendida tem a finalidade de ser
útil à sociedade, capaz de formar homens e mulheres aptos a desempenhar sua função
social, quer seja esta de governar o Estado ou somente ser um cidao partícipe dela.
10
Usualmente denominada “Contra -Reforma”. Segundo Manacorda (2004, p. 200) “nome discutível para um
fenômeno tão complexo, mas convém conservá-lo”.
11
Segundo Cambi (1999, p. 248) Martinho Lutero (1483-1546) nasceu num vilarejo da Saxônia em uma
modesta família de mineradores. Segue estudos religiosos num mosteiro agostiniano recebendo as ordens.
12
Este projeto que se faz referência é a carta de Lutero de 1524: “Aos conselheiros de todas as cidades da
nação alemã, para que instituam e mantenham escolas cristãs(MANACORDA, 2004, p. 197).
52
Melanchton
13
, importante reformador alemão, elabora um projeto de instrução que
tem em sua base novos conteúdos. Para ele, a história civil e política merecem destaque
dentro das escolas. Nos moldes da pedagogia serena e humana do Humanismo “talvez
esteja o espírito mais genuíno da Reforma, a sua capacidade de relacionar escola e cidade,
instrução e governo” (MANACORDA, 2004, p. 199). É nesta perspectiva que se assume a
importância de uma escola pública que forme o cidadão.
Sobre a organização da escola e seus estudos percebe-se claramente a influência do
Humanismo, uma vez que para Melanchton:
O curso dos estudos é dividido em três ciclos: o primeiro, para os principiantes,
é destinado à aprendizagem dos primeiros rudimentos do latim, através do
estudo de alguns simples fragmentos de Catão e de Donato; o segundo é
endereçado predominantemente ao estudo da gramática, através de Terêncio e
Virgílio; o terceiro é orientada para a dialética e a retórica, através de Salústio,
Lívio, Horácio, Ovídio e Cícero. Neste terceiro nível, os melhores alunos são
iniciados no conhecimento do grego e do hebraico, da matemática e das artes
(CAMBI, 1999, p. 251).
Para dar conta de propagar este programa de estudos, cabia às autoridades civis
custear as despesas e criar escolas e a frente destas, fazia-se necessário a presença de um
professor conhecedor da cultura clássica. Os reflexos desta nova educação desejada por
Lutero e Melanchton chegam também em nível de ensino universitário, pois os cursos são
reformados e novas matérias são instituídas, entre elas cita-se a Matemática.
Em contrapartida a esta Reforma chamada de “Protestante”, a Igreja Católica se
organiza e inicia um movimento chamado “Contr a-Reforma”. O principal objetivo dos
reformadores católicos perpassava pelo combate à doutrina dos reformadores protestantes,
visando ao mesmo tempo difundir a religião católica entre os povos dos países que estavam
sendo descobertos no chamado Mundo Novo. Para os reformadores católicos a educação
era um privilégio que cabia à Igreja católica, como se houvesse um certo direito adquirido
desta sob todo o sistema educativo.
Embora tenha havido contestação sobre o Humanismo e seus ideais tanto na
Reforma Protestante quanto na Contra-Reforma, “a tradição humanística que visava unir
cultura clássica e piedade religiosa” (MANACORDA, 2004, p. 200), influenciava o ensino
13
Segundo Cambi (1999, p. 250), Filipe Melanchton (1497-1560) nasceu em um vilarejo perdido da Renânia,
mostra precoces e grandes dotes intelectuais e um vasto conhecimento da cultura e das nguas clássicas.
53
nas instituições escolares. Ao passo que uma escola nova era projetada pelos reformadores
protestantes, os reformadores católicos fixaram orientações educativas por meio do
chamado “Concílio de Trento” (1545 -1564), que estipulava como deveria ser a educação
guiada pelas mãos da Igreja Católica.
Relaciona-se com base em Manacorda (2004, p. 201-202), algumas definições
fixadas pelo Concílio de Trento:
a impressão dos livros deveria ser cuidadosamente feita;
muitos livros foram proibidos, entre eles os dos principais reformadores
protestantes: Lutero, Melanchton, Zwínglio, Calvino, Balthazar, Erasmo, e
outros;
reorganização das escolas católicas e das escolas das igrejas metropolitanas;
regulamentou o ensino da gramática, das Sagradas Escrituras e da teologia;
instituía seminários para dar conta de educar novos sacerdotes.
Estas foram algumas das tantas deliberações do Concílio de Trento. Entretanto,
Cambi aponta para o elemento mais importante da Contra-Reforma, referindo-se à
educação: “a capacidade de dar vida a novas instituições escolares ligadas ao modelo do
colégio/internato e a currículos formativos que se referem, em parte, à tradão pedagógica
do humanismo” (1999, p. 258). A transformação realizada pelos reformadores católicos na
estrutura mais íntima dos elementos humanísticos se deu pelo interesse dos reformadores
católicos em organizar o programa educativo mantendo as bases do Humanismo, mas
moldando-o através dos princípios da Contra-Reforma.
Entre as várias instituições escolares nascidas para contribuir com os objetivos da
Contra-Reforma cita-se a Congregação das Ursulinas, os Barnabitas, os Somascos, as
Escolas Piedosas, o Oratório de são Filipe Néri e a dos Jesuítas.
As escolas jesuíticas muito bem souberam desempenhar seu papel a favor da
educação sobre o comando da Igreja Católica e contra o Protestantismo. A “Ratio
studiorum regulamentou rigorosamente todo o sistema escolástico jestico
(MANACORDA, 2004, p. 202). O programa de ensino era dividido segundo Manacorda
(Idem), em:
Seis anos de studia inferiora divididos em cinco cursos: três de gramática, um de
humanidades ou poesia e um de retórica;
54
Um triênio de studia superiora de filosofia (lógica, física, ética); um ano de metafísica,
matemática superior, psicologia e fisiologia.
Os conteúdos do ensino herdado do Humanismo foram modificados a fim de
atender os objetivos da Igreja Católica.
A história da educação ocidental é marcada pela presença da Religo Católica, que
por longa data manteve-se à frente de escolas, universidades e outras instituições de ensino
do mundo medieval e neste início de mundo moderno também. O século XVI e XVII
caracterizou-se pelas mudanças, ou pelo menos, por tentativa de mudanças que aconteciam
nos setores da vida social, política, cultural e educacional. A reforma em seu duplo sentido
Protestantes e Católicos influenciou nos processos educativos, cada qual com seus
objetivos, em que Cambi (1999, p. 256) diz que:
Nisso consiste a diferença mais significativa no plano educativo entre o
movimento da Reforma e o da Contra-Reforma. O primeiro privilegia a
instrução dos grupos burgueses e populares com o fim de criar as condições
mínimas para uma leitura pessoal dos textos sagrados, enquanto o segundo,
sobretudo com a obra dos jesuítas, repropõe um modelo cultural e formativo
tradicional em estreita conexão com o modelo político e social expresso pela
classe dirigente.
No contexto que envolvia as reformas, a educação e as relações com o Humanismo,
destaca-se que as universidades não deixariam de sofrer a influência de tais
acontecimentos. Foi imprescindível a crise que se instalou nas universidades, que imbuídas
da tradição escolástica, procuravam administrar as inovações da modernidade a fim de não
perderem o prestígio e a importância que fez destas instituições de ensino lugares
privilegiados para a formação humana. No que se refere à universidade, Rossato (1998, p.
44), afirma que “A universidade liga -se muito estreitamente aos acontecimentos da
Reforma”.
O surgimento dos colégios vai atingir o crescimento e o desenvolvimento da
universidade, estes não foram uma invenção do século XVI, pois nasceram na Idade
Média, entretanto ganharam destaque e prioridade na Idade Moderna (prioridade em
relação às universidades). Os colégios trouxeram como novidade o internato, mas esta
idéia colidia frontalmente com a liberdade da universidade.
55
Outras características das universidades medievais foram corrompidas neste século,
citamos o caráter internacional, a regionalização e a nacionalização abalaram a autonomia
universitária, o declínio e posteriormente extinção do peregrinatio acadêmica também
atingiram esta instituição.
Contudo a universidade consegue adaptar-se à nova vida da sociedade da Idade
Moderna e vai caracterizando-se de forma a observar os seguintes fatores:
a perda do monopólio;
a questão religiosa;
a presea do tradicional;
a abreviação dos estudos;
o pluralismo na universidade.
Acerca das questões pontuadas, destaca-se que o primeiro item está ligado ao
prestígio que fora concedido aos colégios; o segundo em se tratando da Reforma
Protestante e Católica, ambas fundaram novas instituições a fim de propor novas idéias ou
manter as convencionais; o terceiro da organização administrativa, ou nível institucional,
grau concedido e métodos de ensino; o quarto o tempo reduzido dos cursos e o quinto a
universidade de uniforme e homogênea tornara-se pluralista e heterogênea.
No findar do século XVI havia, segundo Rossato, “58 universidades [...] excluídas
as da América e da Ásia” (1998, p. 50). Em relação ao século XVI o número de
universidades criadas no século XVII na Europa foi inferior; Rossato diz que “a pobreza do
século XVII também se caracterizou pela pobreza das universidades tanto em número
(31) como pela qualidade criadas na Europa” (1998, p. 51).
As universidades européias não possuíam aquele caráter de disciplina em relação
aos estudos que circundou seu nascimento, os cursos já haviam sido reduzidos e o
absenteísmo dos professores também era um problema. Fica evidente que as universidades
da Europa que já haviam ostentado grande prestígio rumariam para um declínio até então
o conhecido.
Alguns acontecimentos do século XVIII, acabariam por atingir a universidade
definitivamente, o prenúncio dos intelectuais dava conta de afirmar que as universidades
o atendiam as necessidades das novas cidades e cidadãos. Seus currículos constituídos
conforme as sociedades da época medieval não eram mais aceitos, se a universidade
continuava centrada na formação de jovens que seguiriam a vida religiosa não abrindo
espaço para o ensino de conhecimentos que serviriam para formar os homens que iriam
56
ocupar cargos civis e trabalhar nas outras tantas profissões, eno seu papel era
extremamente elitista. Na França, Lamenais afirmou: “Não há nenhum motivo para
conservar a universidade. Há mil que exigem imperiosamente a sua supressão
(ROSSATO, 1998, p. 55). E foi exatamente isto que aconteceu, muitas universidades se
transformaram em colégios e na França sua supreso realmente aconteceu no ano de 1793
sobre o pretexto de que servia apenas à aristocracia, permanecendo fechada por doze anos.
Outros dois fatores cooperantes para a supressão ou decadência das universidades foi o
crescimento das academias local onde prevaleciam mentes iluminadas e com idéias de
reformas principalmente para a educação e a criação de escolas técnicas que deveriam
suprir a mente dos novos estudantes com ensinamentos técnicos de alto nível.
Ainda no findar do século XVII, mais precisamente no ano de 1680, inicia-se um
movimento conhecido como Iluminismo, que atingiria seu apogeu em meados do século
XVIII. Houaiss (2001, p. 1572) traz a seguinte definição para o termo iluminismo:
“movimento intelectual do século XVIII, caracterizado pela centralidade da ciência e da
racionalidade crítica no questionamento filosófico, o que implica recusa a todas as formas
de dogmatismo, especialmente o das doutrinas políticas e religiosas tradicionais”.
As leituras realizadas sobre este movimento mostram que “poucos movimentos
históricos tiveram efeitos tão profundos no sentido de moldar o pensamento dos homens e
de orientar o curso das suas ações” (BURNS, p. 549). Os iluministas procuraram dar um
novo sentido para a vida dos homens, apoiados em fundamentos inspirados parte no
racionalismo de Descartes, Espinosa e Hobbes. A educação ocuparia um papel destacado
para os iluministas. Cambi faz considerações significativas quando afirma que:
o os iluministas, de fato, que delineiam uma renovação dos fins da educação,
bem como dos métodos e depois das instituições, em primeiro lugar da escola,
que deve reorganizar-se sobre bases estatais e segundo finalidades civis,
devendo promover programas de estudo radicalmente novos, funcionais para a
formação do homem moderno (mais livre, mais ativo, mais responsável na
sociedade) e nutridos de “espírito burguês” (utilitário e científico)” (1999, p.
336).
Os iluministas viam na educação o fator crucial para despertar o homem para uma
época promissora, bem diferente do pensamento do homem medieval, assim precisavam
recriar o sistema educacional, promover novos currículos adaptando às novas descobertas,
57
principalmente da Ciência Física e a Matemática teriam destaque nesta nova educação. Os
verdadeiros fundadores do Iluminismo foram Sir Isaac Newton (1642-1727) e John Locke
(1632-1704), mas muitos outros nomes
14
tiveram extrema importância.
A universidade deste período estava carregada de pensamento medieval, seus
currículos e cursos estavam estruturados segundo tal época, assim a universidade não se
beneficiou com o pensamento dos grandes iluministas. A ruptura necessária para se
reverter o quadro que se encontravam as universidades perpassaria pela inovação dos
currículos e o estudo das Ciências Naturais, Físicas, Qmicas já que muitas teorias haviam
sido criadas comprovando que as leis físicas poderiam ser aplicadas em várias áreas do
conhecimento. Assim se a universidade não se reformava estava prestes a cair no
esquecimento, ou melhor, acabaria falindo. Prova de seu declínio está no número de
matrículas efetivado nas universidades da Europa; apesar do crescimento populacional
considerável, seu número era inferior aos dos séculos passados.
Algumas universidades incluíram em seu programa geral, novas matérias como:
“matemática, astronomia, clínica médica, física experimental, química” (ROSSATO, 1998,
p. 57). Estas disciplinas chamadas científicas conseguiram de alguma forma manter estas
instituições.
O Iluminismo será um divisor de águas para os saberes desenvolvidos nas
universidades, com ele será visto as disciplinas humanas serem relegadas a um campo do
conhecimento e muitas vezes serem quase que eliminadas dos currículos. Se por um lado o
conhecimento desenvolvido na universidade deveria mudar para acompanhar os
acontecimentos que mudavam bruscamente a vida dos homens, isto implicaria em valorizar
mais o técnico do que o humano, assim a universidade do próximo século vai se
reestruturar com base no pensamento moderno.
14
Pierre Bayle (1647-1706), Denis Diderot (1713-1784), Jean Le Rond D’Alembert (1717-1783), D’Holbach
(1725-1789), François-Marie Arouet conhecido como Voltaire (1694-1778), Charles Louis de Secondat
Montesquieu (1689-1755), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), estes todos do Iluminismo francês.
Prossegue-se citando os representantes do Iluminismo inglês, como John Toland (1670-1722), Samuel Clark
(1675-1729), Anthony Collins (1676-1729), Matthew Tindal (1653-1733), Joseph Butler (1692-1752),
Anthony Ashley Cooper conhecido como Shaftesbury (1671-1713), Francis Hutcheson (1694-1747),
David Hartley (1705-1757), Bernard de Mandeville (1670-1733), Thomas Reid (1710-1796), Dugald Stewart
(1753-1826), Thomas Brown (1778-1820). Esta relação passa a destacar os representantes do Iluminismo
alemão, sendo estes Samuel Pufendorf (1632-1694), Christian Thomasius (1655-1728), Christian Wolff
(1679-1754), Christian Crusius (1715-1775), Johamm Lambert (1728-1777), Alexander Baumgarten (1714-
1762), Hermann Reimarus (1694-1768), Moses Menselssohn (1733-1811), Gotthold Ephraim Lessing (1729-
1781). Para finalizar os representantes do Iluminismo italiano como Antonio Genovesi (1713-1769),
Ludovico Muratori (1672-1750), Pedro Verri (1728-1797), César Beccaria (1738-1794) e Fernando Galiani
(1728-1787) (MARTINS FILHO, 2004, p. 160-182).
58
A universidade não desaparece totalmente, mas vai se remodelar para atender as
novas necessidades e exigências. Por isso é que se refoou o interesse neste estudo, pois
esta é uma das grandes instituições que apesar de passar por crises profundas, consegue
perceber que necessita de reformas para continuar na sua trajetória.
Passar-se-á a seguir ao estudo das universidades do século XVI ao XVIII, no Novo
Mundo, posteriormente será realizada uma reflexão acerca do papel das humanidades e do
Humanismo no processo histórico da universidade até o findar do século XVIII.
3.3 As Universidades do Século XVI ao XVIII: o Novo Mundo
O fim do século XV pode ser lembrado pela ocorrência de fatos memoráveis para a
história da civilização ocidental. Merecem destaque, entretanto, dois fatos que marcaram a
história, um é o findar da Idade Média e em conseqüência o florescer da Idade Moderna.
As duas épocas já foram referendadas anteriormente, tentar-se-á frisar as transformações
da vida humana em seu amplo aspecto neste peodo; o outro é a descoberta de um “Novo
Mundo” pelos conquistadores europeus.
O homem europeu levará consigo para o Novo Mundo todo um sistema cultural,
social, econômico, político e educacional, característico de seu país natal. Seu objetivo será
introduzir no pensamento dos homens que ali viviam, suas idéias, sua cultura, e, sobretudo,
a conquista da terra sucedeu -se à conquista econômica” (ROSSATO, 1998, p. 61). Os
europeus vão explorar as riquezas naturais desta nova terra, impor aos povos nativos sua
cultura, para isso utilizarão a educação como ferramenta para instruir estes sujeitos que
para os colonizadores eram incultos, ignorantes, desprovidos de qualquer tipo de
conhecimento sistematizado. Na intenção de moldar este homem nativo, é que as
universidades serão implantadas seguindo os padrões da universidade européia.
A conquista da América Latina como território viria acompanhado de quatro
conquistas, que Rossato (1998, p. 62) vai citar mais sistematicamente como sendo:
a) econômica, à medida que trazia novas riquezas, primeiramente, ouro e prata,
posteriormente, outras;
b) conquista cultural, ims a cultura européia aos povos incultos;
c) conquista social, ims um modelo de sociedade, a européia;
59
d) a conquista religiosa, integrou ao mundo cristão os pagãos do Novo Mundo.
Destacam-se previamente as conquistas econômica, social e cultural, ao trato da
conquista religiosa tão importante e que ocupava lugar de destaque para os colonizadores.
Aponta-se a Reforma Protestant
e
iniciada na segunda década do século XVI, estando esta
muito próxima temporalmente do descobrimento do Novo Mundo. Aproximaram-se estes
dois acontecimentos uma vez que as questões religiosas sempre influenciaram nos rumos
da civilização. A Espanha foi atingida pela Reforma Protestante, mas tão logo os reis
católicos com base na Reforma Católica contra-atacaram os protestantes buscando difundir
o Cristianismo não só em seu território, mas também em suas colônias; caberia aos
colonizadores católicos perpetuar a supremacia da Igreja Católica dentro e fora de seu
território. Evidencia-se neste momento inclusive que a intenção da Igreja Católica é
recuperar os fiéis perdidos e converter os pagãos ao Catolicismo. Tratar-se-á adiante sobre
as iniciativas desta para implantar sua religião no Novo Mundo.
Os conquistadores espanhóis e portugueses, que se tornaram colonizadores da
América Latina, seguirão caminhos semelhantes em relação às conquistas anteriormente
relacionadas. Entretanto, em um ponto estes dois tipos de colonizadores discordarão
essencialmente: os espanhóis implantam cedo em suas colônias universidades e os
portugueses não terão a mesma iniciativa. Esta tendência espanhola em criar universidades
se manterá uma vez que a “Espanha contava com 12 universidades” (ROSSATO, 1998, p.
64) na época do descobrimento do Novo Mundo. “Portugal, nesse momento, contava com
uma universidade, a de Coimbra, e não tivera uma tradição tão diversificada” (ROSSATO,
1998, p. 65). Evidentemente esta tradição em educação que a Espanha cultivava seguirá
juntamente com seus colonizadores para as colônias, já os colonizadores portugueses,
desprovidos desta tradição na educação, seguio colonizando não seguindo o mesmo viés
da colonização espanhola, não privilegiarão a educação universitária.
Enunciou-se anteriormente que uma tendência da Europa no século XVII e XVIII
foi a implantação de colégios, estes prejudicaram o desenvolvimento das universidades e
em alguns casos chegaram a provocar a supressão de muitas instituições. Em relação às
universidades espanholas, que neste peodo já haviam triplicado em número de
instituições, os colégios não foram tão prestigiados. Alguns foram implantados junto às
universidades e até ganharam reconhecimento, mas não ocuparam um lugar de destaque
como em outros países. Contudo, será a Igreja Católica a instituição que se apropriará dos
60
colégios para conquistar novos fiéis, formar novos jovens religiosos com a finalidade de
serem bons súditos dela e tamm para converter os pagãos espalhados pelos continentes.
Surge a figura do espanhol Inácio de Loyola que funda a Companhia de Jesus. Os
jesuítas terão como templo os colégios e muitos serão implantados para cultivar os
objetivos da Igreja Católica. Os jesuítas fundarão algumas universidades e estarão
presentes em outras.
Constata-se que os colonizadores espanhóis e portugueses tratarão a educação de
forma diferente, assim as colônias espanholas verão universidades serem implantadas
muito cedo. Ao contrário das colônias portuguesas, que tardarão neste processo de
implantação de universidades.
Far-se-á um breve resumo das características fundamentais do primeiro século da
colonização da América Latina, citando apenas aquilo que se considerou principal para o
entendimento do contexto que se formou com a chegada do europeu ao Novo Mundo.
Na terceira década do século XVI a América vive o nascimento da “primeira
cátedra de Teologia” (ROSSATO, 1998, p. 70) mais precisamente no ano de 1532, e logo
no ano de 1538 se torna a Universidade de Santo Domingo, hoje a República Dominicana.
Neste mesmo século surgiriam ainda outras universidades, no ano de 1551 “foram
fundadas as universidades de San Marcos, em Lima, e da Cidade do México onde se
encontravam as civilizações mais avançadas, os Astecas, Maias e Incas e onde os
espanhóis tinham maior interesse econômico” (ROSSATO, 1998, p. 71). Outras três
universidades foram criadas até o findar do século XVI como cita Rossato: em 1580 a
Universidade de São Tomás, em Bogotá, em 1586 a Universidade de São Fulgêncio, no
Equador e em 1597 a Universidade de San Antônio Abade, em Cuzco, no Peru.
O período que compreende todo o século XVI foi de grandes conquistas para os
colonizadores. Estas conquistas abarcam os vários segmentos da vida humana das colônias.
Conforme se afirmou, a Espanha priorizou a criação de universidades em suas principais
colônias, tal como acontecia em seu próprio país. Para os espanhóis a função da
universidade dentro do contexto geral recaia sobre a “expan são da cultura européia e
conversão dos gentios [....] tratava-se de expandir a fé cristã” (ROSSATO, 2005, p. 73).
Até agora se fez referência essencialmente à implantação das universidades nas
colônias espanholas no século XVI, simplesmente porque foram estas as únicas a criar
estas instituições fora de seu território. A partir do contexto abordado, pergunta-se: Quem
eram os estudantes que freqüentavam estas universidades? Propriamente os filhos dos
61
colonizadores, os próprios nativos e os integrantes da elite colonial. Na maioria das vezes
estes receberiam na universidade as devidas instruções para colocar em prática a função
que esta deveria desempenhar, sendo a “expansão da cultura européia e conversão dos
gentios, os quais, se inserem, pois, dentro do objetivo da própria empreitada colonial
(ROSSATO, 1998, p. 73).
Na Europa do século XVII, a universidade passou por um peodo que desde sua
criação foi sem dúvida o pior, a supressão foi violenta na maioria dos países europeus,
salvo a Espanha que não viu suas universidades serem fechadas como ocorreu na França,
Itália, Inglaterra, etc. Pelo contrário, neste país estas instituições mantiveram-se coesas e o
fruto desta coesão está na criação de outras quatro universidades em suas colônias na
América Central e na América do Sul. Será visto conforme traz Rossato (1998, p. 74), o
local e o ano em que estas universidades nasceram: em 1613 na Argentina, a Universidade
de Córdoba, em 1622 na Colômbia, a Universidade de Javeriana (dos jesuítas), em 1624 no
México, a Universidade do Yucatán, no mesmo ano na Bolívia, a Universidade de São
Francisco Xavier de Chuquisaca, Sucre, em 1676 na Guatemala, a Universidade de São
Carlos e finalizando em 1677 em Ayacucho no Peru, a Universidade de São Cristóbal de
Huananga. Além das seis novas universidades citadas nasce a primeira universidade norte-
americana ainda na terceira década do século XVII e a segunda na última década deste
mesmo século.
A primeira das instituições universitárias norte-americanas é a conhecida Harvard,
fundada em 1636: “apenas 16 anos as a chegada dos colonos puritanos a Massachussets,
o que mostra a importância que atribuíam à questão” (ROSSATO, 1998, p. 77). Harvard
recebe este nome um ano após a morte de John Harvard (1607-1638) “iniciando -se
também uma tradição que perdura até os dias atuais: as doações para as universidades
(Idem). Apesar de não ser fundada essencialmente por ordens religiosas (Católicos,
Anglicanos, Protestantes), Harvard vai cultivar um caráter religioso em seus cursos e
currículos e seu nascimento sucedeu conforme acontecia na Europa, ou seja, da aglutinação
de colégios. Rossato destaca ainda que o “próprio Harvard se graduara em Cambridge,
sendo normal que as duas universidades inglesas tenham servido de modelo às novas
universidades” (1998, p. 78). A segunda universidade nascida em terra norte-americana é a
William and Mary College, no ano de 1693.
62
Para encerrar as considerações do século XVII, conclui-se que no Continente
Americano neste século haviam nascido oito universidades, sendo cinco na América do
Sul, uma na América Central e duas na América do Norte.
O século XVIII vai ser marcado pela expansão do Ensino Superior tanto na
América Latina como nos Estados Unidos “no final do século XVIII, havia, na América
Latina, 19 universidades e vinte nos Estados Unidos” (ROSSATO, 1998, p. 77). Cambi
salienta que “o século XVIII acaba de completar o processo de laicização que foi típico do
mundo moderno” (1999, p. 323). A emancipação de muitas colônias aconteceria neste
século acompanhado da criação de muitas instituições universitárias.
O movimento Iluminista iniciado no final do século XVII atingiu seu apogeu em
meados do século XVIII, neste período as idéias iluministas expandiram-se além-mar e
ganharam forças no Continente Americano.
As idéias provenientes da Europa iluminismo, enciclopedismo, novos direitos
expandiam-se e encontravam adeptos em todos os países. Por outro lado, no
que diz respeito diretamente à educação, as idéias iluministas que dominavam
em várias cortes européias teriam como principal reflexo, na América Latina,
uma tendência à laicização do ensino público. No bojo desse processo, viria a
expulo dos jesuítas e a própria supressão da Companhia de Jesus
(ROSSATO, 1998, p. 75).
Este processo de supressão da Companhia de Jesus atingiria Portugal no século
XVI (ano de 1579) e no século XVIII a França (em 1762) e a Espanha (1773). As escolas e
os colégios ingleses sentiriam a supressão da Companhia de Jesus que na época desta, “a
ordem tinha mais de duzentos mil estudantes, havendo somente na América Latina,
noventa colégios” (ROSSATO, 1998, p. 76).
As universidades criadas nos Estados Unidos traziam traços das inglesas e alemãs,
mas acabariam por se diferenciar das instituições européias à medida que assumiam uma
diversidade vários tipos de universidades em relação ao modelo conhecido da Europa
desde seu surgimento no século XI ao período referendado até o momento. Para encerrar as
considerações acerca do nascimento da universidade no Novo Mundo, cabe salientar que
até o final do século XVIII, “Somente dois grandes países não tinham constituído suas
universidades: Canadá [...] e o Brasil”. (ROSSATO, 1998, p. 77).
63
As universidades criadas no Novo Mundo cresceram e se multiplicaram ao longo
dos séculos XVI, XVII e XVIII. Não apenas os Continentes Europeu e Americano foram
contemplados com tais instituições, a Ásia também sentiu necessidade de criar suas
primeiras universidades. Isto aconteceu ainda no século XVI no ano de 1595 nas Filipinas,
onde nasceu a Universidade de São Carlos. No século XVII, seria criada a segunda
universidade das Filipinas no ano de 1611, a Universidade de São Thomas e 1639 em
Kioto, a Universidade Ryukoku.
A universidade que nasce na Idade Medieval chega no limiar da Idade Moderna
fortemente enraizada às bases que a consolidaram. Sua trajetória vai estar intimamente
ligada aos acontecimentos da sociedade moderna, “as críticas dirigidas contra a
universidade multiplicam-se durante o Renascimento. Dos humanistas aos filósofos, a
universidade será incessantemente questionada”. (CHARLE e VERGER, 1996, p. 57); os
humanistas foram os que mais severamente censuraram a cultura universitária ainda no
final da Idade Medieval. Por conta das novas concepções, descobertas e principalmente
pelo pensamento moderno assumido pelos homens, estas críticas se fortaleceram entre os
anos 600 e 700.
A reforma universitária tornava-se necessária e imprescindível, uma vez que a
universidade moderna gozava de reputação negativa. Os ensinamentos universitários
traziam em sua base:
as antigas autoridades medievais (Aristóteles na Filosofia, Lombardo na
Teologia, O
Corpus juris civilis
no Direito, Hipócrates e Galeno na Medicina) e
de ter
a contrário
ignorado ou recusado [...] todas as correntes inovadoras
nascidas fora dela: a renovação da Filologia, da exegese e da Teologia no século
XVI, o progresso das Ciências (Harvey, Descartes e Newton) e do Direito
moderno (Grotius, Pufendorf) no século XVII, a Filosofia das Luzes no século
XVIII (CHARLE e VERGER, 1996, p. 58).
Com esta base de ensinos universitários não era possível formar o homem desejável
da sociedade moderna. A proposta dos humanistas em efetivar o retorno aos clássicos,
aliava-se ao objetivo de combater as concepções tradicionais da educação escolástica por
meio de “uma concepção educativa do tipo filológico e literário” (CAMBI, 1999, p. 263);
esta concepção humanista aos poucos penetrou nas universidades modernas.
64
Para Verger, “é verdade que as universidades adotaram mais tardiamente o
princípio do humanismo, quer dizer, o retorno aos clássicos”, (1999, p. 89), mas o
Humanismo como concepção pedagógica conquista espaço primeiro nas universidades
italianas (ainda no século XV) e na seqüência já no século XVI, as universidades dos
demais países da Europa.
A universidade enquanto instituição de ensino, casa do saber e lugar propício à
formação humana, vai sentir as transformações da sociedade acarretada pelas idéias do
pensamento moderno. Um grande envolvimento dos diferentes setores da sociedade
participou dos acontecimentos que marcaram os séculos XVI, XVII e XVIII, e por conta da
renovação pretendida pelos homens, os saberes cultivados dentro da universidade se
tornaram ultrapassados e praticamente inúteis. O conhecimento desejado para atender o
mundo moderno é o conhecimento racional e experimental. A universidade por sua vez
viabiliza um espaço bem considerado às disciplinas das Ciências Exatas e Naturais, tais
conteúdos penetraram nos cursos já existentes nas instituições, mudando assim, as bases
dos programas de ensino e tamm as metodologias.
A modernidade, que no princípio se caracterizou pelas rupturas no campo da
política, economia, religião, ideologias e educação, despertará nos homens um sentimento
de poder fazer, ser parte do mundo, das coisas da vida. O homem sai do anonimato, rompe
a estrutura medieval que centralizava o poder nas mãos da Igreja e de seus governantes e
toma em suas próprias mãos o comando de sua vida.
O ensino universitário, voltado para uma “universidade de humanidades
(ROSSATO, 1998, p. 72), onde prevalecia a formação humana do sujeito nos moldes do
Humanismo italiano, com o advento da modernidade é inevitavelmente substituído. O
sonho dos humanistas do retorno aos clássicos tornou-se inviável, muito longe de ser
colocado em prática; o que aconteceu nos séculos XVI, XVII e XVIII foi a supressão do
programa humanístico dentro das universidades, o lugar das humanidades vai ser ocupado
pelas disciplinas integrantes das Ciências Humanas.
A universidade moderna marcada pela revolão científica vai romper
definitivamente com o caráter humanístico que esteve nas bases da universidade,
principalmente
65
Porque o projeto da ciência moderna foi forjado num contexto de revolução ao
mesmo tempo científico intelectual e socioeconômico-cultural. Todo o sistema
de pressupostos intelectuais herdados dos Gregos e canonizado pelos medievais
foi demolido e substituído por outro sistema propondo uma reavaliação
completa de todos os valores, devendo eles se ordenar em função da inteligência
humana segundo normas de conhecimento racional e experimental. A velha
imagem qualitativa, contínua, limitada e religiosa do mundo (Cosmos) foi
substituída por uma imagem quantitativa e infinitamente extensa do Universo.
[...] A revolução científica se deu num momento de mutação total das formas de
conhecimento em vigor (JAPIASSU, 2001, p. 11).
No processo histórico da universidade o próprio contexto histórico foi determinante
no caminho tomado por ela. As humanidades e o Humanismo que em determinado
momento a caracterizam, a partir da revolução científica passam a ocupar um lugar
discreto dentro desta. Deste momento em diante convencionou-se “caracterizar a nossa
civilização, a civilização dos nossos dias [...] de “material, “científica” e “técnica”, em
oposição explícita ou subentendida a “espiritual”, “moral” ehumana” (TEIXEIRA, 1977,
p. 27). O homem moderno abandona os valores morais e humanos e apega-se aos valores
materiais. A universidade colabora com este processo uma vez que suprime os estudos
humanísticos; com esta supressão estes valores morais e humanos tão trabalhados outrora
ficam enfraquecidos diante da revolução estabelecida: “Daí a revolta contra a ciência e a
exaltação dos estudos lingüísticos e literários, como os verdadeiros estudos humanísticos.
A ciência “materializoua vida humana. Salvar -nos-emos voltando aos estudos
exclusivamente literários que marcaram as culturas pré-científicas...” (Idem).
No próximo capítulo será tratado da universidade contemporânea, buscando
demonstrar quais rumos essa instituição tomou considerando a Revolução Francesa e a
Revolução Industrial.
66
4 HUMANIDADES E HUMANISMO NA
UNIVERSIDADE CONTEMPORÂNEA
4.1 A Universidade do Século XIX e XX
Para compreender a história e o crescimento das universidades na América Latina e
na América do Norte no período que compreende os séculos XIX e XX, retorna-se ao
estudo da universidade européia, uma vez que as colônias dos espanhóis e ingleses do
Continente Americano seguiam os passos de seus países originários. Entretanto, os
acontecimentos importantes de outros países europeus eram percebidos tanto no
Continente Europeu quanto no Continente Americano.
Conforme os autores Cambi (1999), Charle e Verger (1996) e Rossato (1998)
durante os séculos XIX e XX a universidade européia vai se reformar em dois períodos
diferentes, um entre os séculos XVIII e XIX (1780-1860) e o outro entre os séculos XIX e
XX (1860-1940). Estas reformas terão como pano de fundo as revoluções e transformações
sociais, econômicas e políticas. Destaca-se duas Revoluções: Francesa e Industrial, que se
farão presentes neste estudo, uma vez que elas vão contribuir para que aconteçam reformas
na universidade neste período e que novos modelos destas instituições acabem se
efetivando.
67
4.1.1 A Universidade diante da Revolução Francesa
A Revolução Francesa (1789-1795) emergiu devido a causas políticas (como o
governo despótico dos reis, o caráter ilógico do governo francês, sendo um movimento da
classe média, que partiu dos burgueses); causas econômicas (a asceno da classe média, a
oposição ao Mercantilismo, à sobrevivência dos privilégios, o injusto sistema tributário), e
às causas sociais que estavam ligadas às causas intelectuais (as teorias políticas,
econômicas, sociais e educacionais de intelectuais como John Locke, Voltaire,
Montesquieu, Rousseau). A Revolução Francesa atingiu países como a Espanha e a
Inglaterra e estes, como possuíam muitas colônias no Continente Americano, refletiam as
transformações provocadas pela Revolução Francesa para elas.
A educação vai sentir os reflexos da Revolução Francesa quando “em junho de
1791, a Lei Le Chapelier, votada pela Assembléia Constituinte, suprimiu as corporações e,
no dia 15 de setembro de 1793, aboliu oficialmente as universidades” (ROSSATO, 1998,
p. 82). A universidade só seria restaurada por Napoleão pela lei de 10 de maio de 1806,
mas o sistema educacional francês (Ensino Superior) vai diferir “em relação a todos os
outros países europeus na medida em que foi instruído a partir de uma tábua rasa, ao passo
que em outros lugares características medievais ou do antigo Regime puderam subsistir
apesar das reformas parciais. (CHARLE e VERGER, 1996, p. 75-76).
Napoleão cria a Universidade Imperial, é definitivamente para o Ensino Superior a
instauração do regime autoritário centralizado, só existiria uma universidade, orientada,
segundo as seguintes determinações:
uma corporação pública com monopólio do ensino;
coloca à frente um grande mestre que a dirige em seu nome;
nela todos os estabelecimentos de ensino estavam integrados;
ninguém podia existir fora dela, todos os professores eram membros desta
universidade e ninguém podia ensinar se não fizesse parte dela;
uma disciplina essencialmente militar pesou sobre toda a universidade e a vida
escolar foi ritmada pelo rufar dos tambores (MINOT
apud
ROSSATO, p. 82).
Esta era a universidade imperial moldada pelo sistema napoleônico. Alguns
estabelecimentos já existentes na época não foram fechados, citamos como exemplo:
68
colégios, escolas especiais, observatórios; entretanto, foram recriados liceus e colégios que
mantinham traços dos antigos modelos eclesiásticos. Os estabelecimentos educacionais
foram organizados hierarquicamente e no topo ficavam as faculdades, recriou-se uma rede
nacional de colégios e grandes escolas que levaram o nome de universidade.
A universidade napoleônica vai sobreviver seguindo os principais componentes da
reforma napoleônica:
oferecer ao Estado e à sociedade pós-revolucionária os quadros necessários para
a estabilizão de um país conturbado; controlar estritamente sua formação em
conformidade com a nova ordem social; e impedir o renascimento de novas
corporações profissionais. Esse despotismo esclarecido, apesar das
acomodações, explica a predominância do modelo da escola (mesmo quando
esta se chama faculdade), a tirania do diploma do Estado, abrindo o direito para
uma função ou para o exercício de uma profissão precisa, a importância das
classificações e dos concursos, mesmo nas fileiras que não os impliquem
forçosamente, a regulamentação precisa dos programas uniformes, o monopólio
da colação de graus pelo Estado (CHARLE e VERGER, 1996, p. 76).
Se estes componentes da reforma fossem garantidos, o sistema napoleônico
atingiria plenamente seus ideais.
A universidade francesa, até meados do século XIX, vai manter um caráter
tradicional e vai apresentar um atraso científico em relação a outras universidades
européias. A hierarquização social das faculdades é identificada comparando os custos e a
duração dos estudos; as faculdades de Direito e Medicina são as mais caras e tem duração
maior, enquanto que as faculdades de Letras e Ciências têm custo e duração menor. Outro
fator negativo é a centralidade do Ensino Superior francês que se concentra em Paris.
A partir da segunda metade do século XIX (1868) e no início do século XX (1904)
o sistema de ensino francês dá indícios que vai passar por reformas, os motivos mais
contundentes desta reforma universitária são: desenvolver a pesquisa dentro das faculdades
como acontece nos países germânicos, criar laboratórios para que o ensino das Ciências
seja ministrado, contratação de novos e mais mestres para dar conta da demanda crescente
de alunos, ampliação dos recursos investidos nas universidades, ampliação e reconstrução
de universidades. Charle e Verger afirmam que “O mais difícil de ser realizado foi a
reforma administrativa que reúne as faculdades em universidades, pela lei de 1896”. (1996,
p. 98). A reforma universitária consegue colher bons resultados, entretanto, a
69
descentralização não diminuiu o domínio parisiense e a intenção de transformar todas as
faculdades em universidades impediu que pólos regionais viessem rivalizar com Paris.
O Ensino Superior da terceira república é mais democrático, alunos, professores e
intelectuais discutem as reformas, as classes médias pouco a pouco vão buscar seu espaço
dentro das universidades, se discute as funções dos alunos e dos professores numa
sociedade democrática.
A universidade francesa que nasceu no século XII se tornou um modelo para as
demais e foi considerada a mais importante da Idade Média, enfrentou a Idade Moderna,
foi supressa e abolida no século XVIII e durante os séculos XIX e XX passou por inúmeras
reformas. Rossato considera o modelo francês atual com as seguintes características:
No atual sistema francês, todas as instituições superiores são públicas; as
universidades devem contribuir para o desenvolvimento nacional,
desenvolvimento da pesquisa técnica e científica, redução das desigualdades
sociais; devem garantir a formação, difundir os conhecimentos e desenvolver a
cooperação internacional; respeita-se a laicidade, e os estabelecimentos de
ensino preservam sua independência em relação às organizações exteriores; são
mantidas as escolas especiais, as
Grandes Écoles
e as escolas normais (1998, p.
127).
Além destas características a formação profissional do estudante é concomitante à
iniciação, à pesquisa e à formação científica cultural. Abaixo são relacionados alguns
elementos importantes deste sistema universitário que carrega consigo alguns traços
históricos da antiga universidade francesa:
autonomia administrativa e financeira;
a universidade é dirigida por um presidente e por três conselhos superiores:
Administração, Científico e Estudos e Vida Estudantil;
em todos os conselhos participam estudantes, funcionários e professores;
as instituições são laicas;
o diploma se constitui num instrumento de trabalho;
o acesso à universidade se dá pelo bacharelado.
Tentou-se pontuar o que é o modelo francês de ensino universitário e
posteriormente, junto com a exposição de outros modelos, buscar-se-á apontar as
transformações sofridas pela universidade em seu processo histórico.
70
4.1.2 A Universidade diante da Revolução Industrial
Além da Revolução Francesa terá início na Europa, a Revolução Industrial que vai
iniciar ainda no século XVII e que definitivamente vai mudar todo o sistema sócio-
econômico europeu e tão logo segue para os territórios dos outros continentes. Cambi faz
as seguintes considerações acerca desta revolução que vai influenciar na vida dos homens e
nos modelos de universidades que até agora foi tratado:
a Revolução Industrial produzida por um complexo feixe de eventos que vão
desde a revolução agrícola, e a acumulação de capital que esta promove, até a
invenção das máquinas, a libertação da força-trabalho dos campos, o
crescimento do mercado em nível mundial, os processos de urbanização etc., e
afirmada antes de tudo na Inglaterra, a revolução Industrial vem transformar
profundamente a sociedade moderna no sistema produtivo e no estilo de
trabalho, na mentalidade e nas instituições (família, paróquia, vila), na
consciência individual produzindo também uma nova classe social (o
proletariado) e um novo sujeito sócio-econômico (o operário) (1999, p. 369-
370).
A Revolução Industrial também vai modificar as relações humanas, o proletariado
sem resistir ao poderio das máquinas e da ganância desenfreada dos patrões vai obedecer
ao sistema capitalista. O homem moderno vai ver sua vida ser organizada em torno do
trabalho, torna-se um sujeito “alienado” conforme Marx ( apud CAMBI, p. 369) esta
alienação diz respeito ao sentido da própria vida humana, o trabalhador não tem uma vida
organizada para si, mas para satisfazer o mercado e conseqüentemente quem se beneficia
dele. Mulheres e crianças vão participar igualmente deste mundo do trabalho “a família se
desarticula, se fragmenta, perde toda valência educativa, esmagada pelos problemas do
trabalho e da miséria” (CAMBI, p. 370). Contudo, os próprios operários com o passar do
tempo tomam consciência da situação miserável que se encontram e se organizam
procurando por seus direitos, surgem os sindicatos, o boicote contra a oferta de trabalho, os
partidos dos trabalhadores, entre outros.
Rossato (1998) diz que a Revolução Industrial vai ajudar na estruturação de um
novo modelo de universidade, a Universidade Técnica, uma vez que vai ser exigido cada
vez mais um conhecimento útil e de aplicação imediata para suprir este novo sistema.
71
Durante toda sua história, o Ensino Técnico não fazia efetivamente parte dos
currículos das universidades. Entretanto, o sistema capitalista vai exigir que a universidade
forme profissionais competentes com habilidades para ocupar cargos específicos
principalmente dentro dos grandes sistemas de produção. Vai ser a Universidade Técnica
que implantará em seus currículos disciplinas das novas ciências “como a química, a
biologia, geologia, engenharia, mineralogia, eletricidade, cirurgia, as literaturas nacionais
[...] desenvolveram-se as ciências aplicadas, administração, contabilidade, finanças
(ROSSATO, 1998, p. 86-87), estas últimas contribuiriam para o desenvolvimento
administrativo do sistema capitalista.
A Universidade Técnica vai ser tomada como modelo principalmente na América
do Norte. Apesar da Revolução Industrial iniciar na Inglaterra, os países britânicos durante
o século XIX vão cultivar as características das universidades modernas segundo Charle e
Verger (1996).
Rossato chama a atenção para o fato de que neste período vários pses vêem na
educação um fator aliado para o desenvolvimento de seus países, muitos destes priorizam a
educação primária tornando-a “obrigatória e gratuita” (1998, p. 88). O sistema
universitário abre suas portas para o ingresso das mulheres, contudo continua elitista e
tradicional, a classe média tinha pouco acesso a este nível de ensino, os trabalhadores vão
ser privilegiados com o modelo de Universidade Popular.
Este novo modelo que tem sua primeira experiência na França, vai anteceder ao
modelo socialista, a “universidade popular pretendeu, sobretudo, a educação social do
povo” (ROSSATO, 1998, p. 91). Os trabalhadores poderiam freqüentar tal universidade
porque esta instituiu cursos noturnos e assim a classe média vai ter acesso ao ensino e a
cultura da elite, democratizando o acesso ao desenvolvimento humano
indiscriminadamente. Tobias (1969) faz referência à Universidade Popular quando cita
Max Scheler e sua obra publicada em 1921, Universidade Popular, em que este analisa as
deficiências da universidade, afirmando que ela se dirige apenas à elite, mas que a classe
dos mais humildes procuram por instrução superior, principalmente com os novos sistemas
democráticos. Scheler (apud TOBIAS, 1969, p. 28) lista cinco objetivos do Ensino
Superior e no final afirma que quanto aos dois últimos à universidade fracassa: “1°
conservação e transmissão do saber e da cultura; 2° ensino profissional; 3° investigação
científica; 4° formação integral da pessoa humana; 5° difusão da cultura e do saber
entre o povo”.
72
A Revolução Industrial vai criar um novo modelo de universidade que vai ganhar
força principalmente na América do Norte. Antes de alçar vôos para o estudo da evolução,
criação e desenvolvimento destas, destaca-se o modelo de universidade alemã que se
tornou a mais importante da Europa: A Universidade da Pesquisa, que nasce com a
fundação da Universidade de Berlim no século XIX, em 1809. “Guilherme de Humboldt,
considerado o verdadeiro fundador da Universidade de Berlim” (TOBIAS, 1969, p. 23),
entende que a universidade não deve ficar sem investigação trabalho desenvolvido na
Academia tratando apenas da docência, deve desempenhar os papéis da pesquisa e
docência “uma vez que a Universidade se ordena para a verdade” ( Idem). A Universidade
de Berlim se torna um centro de grandes intelectuais como: “Fichte, filósofo;
Schleiermacher e Savigny, jurista” (ROSSATO, 1998, p. 85), sendo Fichte “o primeiro
reitor daquela universidade” (p. 138). Desde sua fundação, a Universidade de Berlim teve
como papel principal desenvolver as ciências modernas, seus intelectuais destacavam a
liberdade de ensino universitário em relação ao Estado como uma de suas necessidades.
Nos séculos XIX e XX as universidades alemãs se tornaram modelo de instituição
o só para a Europa, mas também para os outros continentes. Rossato comenta que foram
os filósofos alemães os que mais pensaram a idéia de universidade. Destaca-se Karl Jaspers
grande pensador alemão que edita em 1923, “A Idéia da Universidade”, e depois da
experiência da Segunda Grande Guerra, reelabora “A Idéia da Universidade”. Tobias diz
que Jaspers traz o seguinte conceito de universidade:
nasce e se vivifica do conceito de ciência e de ciências, enraizados, por sua vez,
na verdade, fonte alimentadora da sede de investigação dos professores e
alunos. Por isso, o primeiro dever e origem da Universidade é a pesquisa;
depois, vem a docência, que só tem sentido como manifestação das
investigações. Tudo na Universidade, encontra-se em volta desta sede originária
do saber, que vai gerar a ciência, definida como “o conhecimento metódico cujo
conteúdo é coercitivamente certo e universalmente válido” (1969, p. 35).
O sentido de verdade é supremo no pensamento de Jaspers, quanto a isto Rossato
ainda comenta: “a humanidade aspira a verdade; a universidade, por sua vez, tem um
compromisso com a humanidade na busca da unidade do saber por causa da unidade do
ser” (p. 138).
73
O modelo aleo que desde a Universidade de Berlim ficou conhecido como
Universidade da Pesquisa, traz esta como eixo norteador de sua função, uma vez que o
ensino se caracteriza na própria pesquisa já que a descoberta, a investigação, a busca livre
do conhecimento em um lugar liberto evidencia e facilita o processo de ensino. A
autonomia “pedagógica, administrativa e financeira (...) e a liberdade acadêmica”
(ROSSATO, 1998, p. 139) é evidentemente um tro forte da universidade alemã. Estes
o alguns traços desta instituição, outros elementos dão conta de definir mais claramente
seu projeto teórico de universidade. Contudo, Rossato declara não saber “até que ponto a
universidade chega a constituir esse campo de pesquisa” (Idem).
Entre os séculos XIX e XX as universidades européias passaram por inúmeras
reformas, destaca-se a reforma das universidades francesas, inglesas e alemãs. O motivo
pelo qual concentra-se este estudo no Continente Europeu e enfatizam-se estes países, é
devido a influência de seus modelos tanto no seu próprio continente como no Continente
Americano, ser o mesmo período em que muitos países da própria Europa e também da
Ásia, África, Austrália, etc. ampliavam o número de universidades ou criavam suas
primeiras instituições. Até o século XVIII, na medida do possível foi-se apontando as
universidades que ora nasciam, mas devido a criação de muitas instituições não será
enunciado cada uma delas, uma vez que este não é o objetivo.
Ver-se-á a seguir o desenvolvimento das universidades no Continente Americano e
chegar enfim a criação da Universidade do Brasil, ocorrido apenas no século XX.
4.2 As Universidades da América do Século XIX e XX
Desde a criação das primeiras universidades na América do Norte no século XVII,
seu crescimento pode ser considerado exponencial nos séculos XIX e XX. No decorrer
deste período, vão ser criadas universidades em todos os estados dos Estados Unidos, este
crescimento ocorre principalmente pela Independência dos Estados Unidos, em 1776. O
modelo de universidade adotado nos Estados Unidos é o da Universidade Técnica, que
apesar de ter sido criada na Europa, vai firma-se efetivamente nos países da América do
Norte. Irão ser implantadas universidades no Canadá no século XIX, as instituições
existentes na América Latina se reformarão e outras serão criadas.
74
Em meados do século XX, quase todos os países independentes já possuíam suas
universidades, buscar-se-á a seguir fazer alguns apontamentos sobre as universidades da
América do Norte e da América Latina.
4.2.1 A Universidade da América do Norte
As primeiras universidades da América do Norte foram criadas nos Estados
Unidos, como já foi citado anteriormente, os colleges americanos que tem suas raízes nos
colleges ingleses, se tornam o modelo de instituição universitária nas diferentes regiões dos
Estados Unidos. O nascimento de mais de trezentas
15
universidades durante o século XIX
foi um aspecto marcante da América do Norte, fato que até este momento da história das
universidades nunca havia sido registrado. Rossato aponta como um dos motivos deste
crescimento, “a descentralização e autonomia dos estados e municipalidades” (1998, p.
95). Outro motivo desta expansão é a intenção de se estabelecer o progresso e de instruir os
cidadãos atras de uma formação universitária concisa.
O processo expansionista característico do Ensino Superior do século XIX irá
prosseguir durante o século XX. Entretanto, o modelo inglês de universidade vai dar lugar
ao modelo que contemple o espírito de progresso que tomava conta da sociedade norte-
americana do século XIX e XX. Rossato fala ainda que “o forte desenvolvimento do
capitalismo contribuiu para o surgimento da universidade-empresa” (2005, p. 157). O
modelo norte-americano de universidade aspira prosperidade e é o progresso econômico
que estará na base dos objetivos destas universidades. Rossato (2005, p.158-161) traz a
relação das principais características da universidade norte-americana, tecendo
comentários significativos para o entendimento de seu funcionamento, serão citadas estas
características de forma a buscar entender como funciona o maior sistema universitário não
só do Continente Americano, mas do sistema universitário mundial:
15
A lista completa com nome e data de fundação das universidades criadas durante o século XIX nos Estados
Unidos constam em: ROSSATO, Ricardo. Universidade: nove séculos de história. 2 ed. rev. e ampl. Passo
Fundo: UPF, 2005. Anexo 3 p. 222-225.
75
multiplicidade de instituições;
diversidade de instituições: a) universidades de pesquisa, b) universidades
com doutorado, c) universidades polivalentes e
colleges
, d)
colleges
de artes
liberais, e)
junior colleges
e
colleges
técnicos, f) escolas profissionais e outras
instituições especializadas;
pragmatismo;
pesquisa;
democratização do ensino superior;
integração com o 2° grau;
tradição familiar ou grupal;
mecenato;
formação moral.
Como se pode perceber, comparando o modelo norte-americano ao modelo alemão
e francês atual, observa-se que suas características são um tanto diferente.
A criação de universidades no Canadá vai iniciar no início do século XIX, ao
contrário do que aconteceu nos Estados Unidos, a colonização do território canadense foi
predominantemente inglesa e francesa e isto influenciou na criação e no desenvolvimento
das universidades. Ambos foram criar suas universidades buscando o modelo nas
universidades inglesas (Protestantes) ou francesas (Católicas), entretanto desde o início
seus objetivos eram bem claros “a preparação do clero e a educação geral dos futuros
líderes da sociedade” (ROSSATO, 2005, p. 96).
A universidade canadense não vai constituir exatamente num modelo uma vez que
a heterogeneidade de suas instituições será uma característica. No século XIX, segundo
Rossato (2005), foram criadas 18 universidades no Canadá e estabeleceu um sistema
provincial ao invés de um sistema nacional devido as províncias terem autonomia na
criação das universidades.
4.2.2 A Universidade da América Latina
O surgimento das primeiras universidades da América Latina iniciou-se tão logo os
colonizadores espanhóis chegaram ao Novo Mundo. Até o final do século XVIII existiam
19 universidades na América Latina, todas criadas em países colonizados por espanhóis.
No século XIX, a maioria dos países latino-americanos adquire sua independência,
contudo a sociedade e as universidades se desenvolvem buscando seu modelo nos países
europeus uma vez que a elite social continuava a freqüentar a universidade enquanto a
76
maioria da população não tinha acesso a este nível de ensino, inclusive o Ensino Primário e
Secundário eram pouco desenvolvidos nos países latino-americanos. Rossato (2005, p. 93)
comenta que a “i nfluência mais marcante viria da reforma napoleônica” entre as tantas
reformas do sistema universitário europeu. Os países latino-americanos adotaram
justamente o modelo francês, assim as reformas das universidades da América Latina
acabaram por adotar a forma implantada pelo regime napoleônico que diferente do formato
alemão e inglês, perpetuava o tradicional. Rossato (Idem) diz ainda que este modelo
adotado deu-se devido à “forte influencia cultural sobre Portugal e Espanhaque a França
exercia. Outras 31 universidades seriam criadas na América Latina durante o século XIX
(ROSSATO, 2005, p. 94).
O século XX traz como destaque dois itens: a criação da primeira universidade
brasileira e as mudanças e os fatos ocorridos nas universidades já existentes na América
Latina, ressaltando o Manifesto de Córdoba. Segundo Rossato (2005, p. 95):
O Manifesto de Córdoba, lançado por Deodoro Rocca, na chamada “reforma
universitária”, que propugnava pela autonomia da universidade, democratização
da sua direção e participação dos estudantes, manifestava o inconformismo das
classes médias latino-americanas, expandiu-se posteriormente pela América
Latina, gerando movimentos peculiares e apresentando desdobramentos que
atingiriam as décadas de 1960 e 1970.
O Manifesto de Córdoba como ainda lembra Rossato, “só pode ser compreendido
como parte das lutas populares que procuravam, há longo tempo, destronar as oligarquias
locais e nacionais” (2005, p. 94-95), na verdade exprimia a vontade do povo latino-
americano de se tornar efetivamente independente.
No período que compreende os séculos XIX e XX, no qual considera-se como
Idade Contemporânea, a universidade vai sentir necessidade de se reformar. As
Revoluções Francesa e Intelectual, juntamente com a Revolução Científica que iniciou na
modernidade, vão se tornar os pilares na construção da nova sociedade. As humanidades e
o Humanismo não conseguiram se sobrepor a onipotência do mundo após a Revolução
Industrial.
Pouco ou quase nada é encontrado de humano nas universidades contemporâneas,
porque estas universidades tornaram-se técnicas demais; prova disto são os cursos na área
das Ciências Humanas, que muitas vezes não conseguem formar turmas. Nos cursos da
77
área das Ciências Exatas, Agrárias, da Saúde, Engenharia, Arquitetura, a carga horária
destinada às disciplinas das Ciências Humanas é insignificante.
Os acadêmicos que se formam hoje em dia nas universidades contemporâneas,
estão saindo da instituição, sem ter se quer uma vez, a oportunidade de pensar o humano,
seu sentido, da humanidade e do Humanismo como concepção filosófica.
No estudo da universidade brasileira, a seguir tentar-se-á esboçar a trajetória do
Ensino Superior brasileiro desde a implantação das primeiras cátedras, das faculdades e
das inúmeras iniciativas em criar a primeira universidade, identificar os responsáveis em
difundir o Ensino Primário, Secundário e principalmente o Superior, desde o início da
colonização do Brasil pelos portugueses.
4.3 A Universidade Brasileira
Conforme as notas introdutórias, a primeira universidade brasileira só surgiu no
século XX na segunda década. Todavia, acredita-se que é conveniente em primeiro lugar
fazer um apanhado geral sobre a trajetória percorrida pelo Ensino Superior no Brasil.
Autores como Azevedo (1976), Cunha (1986) e Rossato (2005) tratam a história do Ensino
Superior no Brasil tendo como viés os próprios períodos históricos brasileiros, estando
dividido em Ensino Superior: na Colônia, no Império e na República. Assim sendo, antes
de tratar especificamente sobre a universidade brasileira, será ilustrada a história da
educação no Brasil, pois atras da bibliografia consultada, pode-se verificar que para
tratar do Ensino Superior se faz necessário abordar simultaneamente os outros níveis de
ensino.
4.3.1
O Ensino na Colônia
Considera-se inicialmente que nos países latino-americanos a colonização
predominante foi a espanhola e a portuguesa, e que os colonizadores buscaram recriar em
suas colônias a imagem de seus próprios países. Assim, quando os portugueses iniciaram
78
sua colonização no Brasil, o ensino que se buscou implantar aqui deveria ir de encontro
com os propósitos da própria empreitada colonizadora, abarcando os aspectos econômicos,
políticos, culturais e educacionais.
A educação na nova colônia ficaria a cargo dos padres jesuítas da Companhia de
Jesus “cujas bases foram lançadas a 15 de agosto de 1534 na capela de Montmartre por
Inácio de Loyola e seus seis companheiros e que, apenas confirmada em 1540 por Paulo
III” (AZEVEDO, 1976, p. 9). Em 1549, quando os jesuítas desembarcam em solo
brasileiro, inicia-se a história da educação no Brasil, a companhia nasce na Europa em
plena Reforma Protestante e se espalha com o intuito de combater a heresia. Já as missões
que se estabeleceram nas colônias, tinham como propósito “à propaganda da fé entre os
incrédulos e a difusão do Evangelho por todos os povos” (AZEVEDO, 1976, p. 10. No
início de sua chegada, os jesuítas se instalam em missões e ali criam seus primeiros
“colégiosque funcionavam junto às suas residência s, deste modo vão penetrando nas
aldeias dos índios a fim de instr-los com base em uma educação subordinada às leis da
Igreja Católica.
Aonde quer que se instale uma missão jesuítica, com a construção de uma igreja,
dava início também à missão educadora na qual se propunham, fazendo funcionar uma
escola de ler e escrever onde os jesuítas ensinavam tanto os filhos dos índios, dos mestiços
e os filhos dos colonizadores. Essa educação era sempre com o objetivo de formar novos
seguidores da Igreja Católica e de instruí-los dentro de seus propósitos.
No final de 1549 havia um seminário-escola (escola média) e antes do findar do
século XVI com grande influência do Pe. Manuel da Nóbrega Azevedo afirma que já
havia cinco escolas de instrução elementar e três colégios, que “além de uma classe
preliminar, apresentavam outra, de latim e de humanidades” (1976, p. 12) sendo tão logo a
se colocar grau de bacharel em artes e de licenciado.
Foi em seus colégios e nas aulas de catequese que se estabeleceram os fundamentos
do sistema de ensino jesuítico, uma verdadeira obra de educação popular. Azevedo relata
ainda que:
79
[...] a obra de catequese e a do ensino elementar, nas escolas de ler e escrever,
ultrapassam, nos seus efeitos, os fins imediatos que visaram os jesuítas.
Atraindo os meninos índios às suas casas ou indo-lhes ao encontro nas aldeias;
associando, na mesma comunidade escolar, filhos de nativos e de reinóis,
brancos, índios e mestiços, e procurando na educação dos filhos, conquistar e
reeducar os pais, os jesuítas não estavam servindo apenas à obra de catequese,
mas lançavam as bases da educação popular e, espalhando nas novas gerações a
mesma fé, a mesma língua e os mesmos costumes, começavam a forjar, na
unidade espiritual, a unidade política de uma nova pátria (1976, p. 15).
O papel desempenhado pelos jesuítas foi fundamental para a história da civilização
brasileira. Alguns autores comentam inclusive, que apesar de Portugal não autorizar a
criação de uma universidade no século XVI, alguns colégios dos jesuítas pouco se
diferenciaram em termos de currículo com o programa de ensino da Universidade de
Coimbra, sendo a única existente em Portugal neste século. Cunha afirma que “Portugal
bloqueava o desenvolvimento do ensino superior no Brasil, de modo a manter a colônia
incapaz de cultivar e ensinar as ciências, as letras e as artes” (1986, p. 12). Aqueles que
tinham por objetivo ingressar no Ensino Superior deveriam seguir seus estudos na
Universidade de Coimbra, reafirmava-se a dependência das colônias. Se por um lado as
Colônias hispânicas desde cedo viam nascer universidades e os reis em nada se opunham,
isto pode ter relação como comenta Cunha (1986) devido ao fato da população da
Espanha ser considerada numerosa no século XVI e também neste mesmo período
existirem muitas universidades lá, situação bem diferente da encontrada em Portugal no
mesmo período.
A missão jesuítica continuou sua trajetória no século XVII, criando conforme a
ocupação territorial, novos colégios e escolas. Segundo Rossato:
Embora alguns autores defendam a tese de que os colégios dos jesuítas em
quase nada se diferenciam das universidades implantadas na América hispânica,
deve-se notar que esses jamais gozaram do
status
, dos privilégios e do prestígio
que foi atribuído àquelas instituições (2005, p. 133).
Com aproximadamente 200 anos de história tanto em Portugal como nas Colônias,
a Companhia de Jesus em 1759, é expulsa de Portugal e conseqüentemente de suas
Colônias. Portugal encontrava-se enfraquecida econômica e politicamente em relação à
Espanha e à Inglaterra. O Estado enfraquecido vai através da figura do “Marquês de
80
Pombal” enfrentar a crise econômica. Cunha afirma que a “política pombalina constitui
num conjunto de medidas que visavam criar condições para que ocorresse em Portugal a
industrialização que se processava na Inglaterra” (1986, p. 41). As mais severas críticas
contra os jesuítas estavam pautadas na acusação de que estes monopolizavam o ensino e
utilizavam métodos e concepções pedagógicas ultrapassados, perpetuando uma verdadeira
miséria intelectual. Em contrapartida, neste mesmo período a maioria dos países europeus
vivia um período em que se buscava a implantação de novas concepções filosóficas e
científicas.
Com a expulsão dos jesuítas o sistema de ensino existente tanto na Colônia como
na Metrópole fica órfão. Nenhuma outra ordem religiosa dará continuidade ao sistema
educacional brasileiro, todos os colégios mantidos pelos jesuítas foram fechados. Em 1773,
a Companhia de Jesus é completamente supressa pelo Papa Clemente XIV. Azevedo
considera inclusive que “o que sofreu o Brasil não foi uma reforma de ensino, mas a
destruição pura e simples de todo o sistema colonial do ensino jesuítico” (1976, p. 47). Por
um período de treze anos o governo procurou ineficazmente implantar reformas num
sistema de ensino que não havia mais. O Estado que não dava conta de manter o sistema de
ensino elementar e secundário toma esta função com o auxílio da Igreja, e funda o regime
de aulas régias que na verdade são aulas de disciplinas isoladas, ministradas em escolas por
mestres leigos e capelães de engenho.
A respeito do Ensino Superior,
16
Cunha acrescenta que em “1776, os frades
franciscanos criaram [...] um curso superior no convento de Santo Antônio do Rio de
Janeiro. Era na realidade uma faculdade organizada conforme a Universidade de Coimbra,
já nos moldes da reforma pombalina” (1986, p. 57), com o objetivo de preparar
profissionalmente sacerdotes nos chamados estudos menores e estudos maiores, o último
contemplava os cursos de Filosofia e Teologia, ainda segundo Cunha (1986, p. 58). No
final do século XVIII, o Seminário de Olinda é fundado por José Joaquim da Cunha de
Azeredo Coutinho trazendo em seu estatuto um ensino com as idéias pedagógicas
progressistas da época, fora da tradicional pedagogia jesuítica que até então era conhecida
no Brasil. Contudo, era possível perceber que seu ensino seguia para o caminho da
formação de sacerdotes, pois, todos os cursos levavam ao curso de Teologia no final.
16
Em relação à criação de um Curso Superior, a bibliografia consultada torna-se muitas vezes ambígua, ora
cita os colégios do Rio de Janeiro e de Olinda como escolas dessa modalidade, ora não, afirmando que estes
o possuíam efetivamente esse tipo de organização.
81
A unidade do ensino, pica da tradição jesuítica, torna-se fragmentada com a
implantação das aulas régias. O Ensino Superior preponderantemente literário, clássico e
humanístico toma rumos de um ensino científico de acordo com o novo ideal de homem
que nasce na Europa e que através de seus seguidores alcança territórios brasileiros,
principalmente pela influência da Universidade de Coimbra, entretanto até o final do
período colonial, não se vê nascer nenhuma universidade em solo brasileiro.
4.3.2 O Ensino no Império
Da expulo dos jesuítas do Brasil à criação de aulas régias, o que ficou atestado
em relação ao ensino da Colônia é que este se movia como um barco à deriva. A
desorganização toma o lugar da organização outrora estabelecida pelo sistema de ensino
jesuítico, e, por quase meia década o Ensino Elementar, o Ensino Secundário e o Ensino
Superior sofreram penosamente as conseqüências da Reforma Pombalina.
Com a transferência da Corte Portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808, houve a
necessidade de criação de Cursos Superiores a fim de que os quadros necessários a serem
ocupados no governo fossem preenchidos por pessoas instruídas intelectualmente dentro
das novas tendências profissionais, econômicas, políticas e culturais da sociedade da
época. Cunha diz que:
A reestruturação e ampliação do ensino superior no Brasil, a partir de 1808, fez
com que os estudos de matemática, física, química, biologia e mineralogia se
deslocassem dos cursos de filosofia, controlados pela Igreja, para os cursos
médicos e para a Academia Militar, e, muito mais tarde, para a Escola
Politécnica que dela se separou [...] o positivismo veio a se firmar como a
ideologia dos médicos, dos engenheiros, dos oficiais do exército e dos
professores secundários das disciplinas científicas (1986, p. 69).
O Ensino Superior no Império é marcado pela descontinuidade e desorganização de
cursos, das aulas e cadeiras isoladas e a persistência na negativa por parte de Portugal da
criação de uma universidade brasileira. Rossato (2005, p. 135 137) com base nos estudos
de Cunha, traz uma relação das faculdades, cursos, escolas e cadeiras criadas no Império.
82
Esta lista serve também para que se possa verificar claramente a influência do pensamento
científico dominante, que acabou fragmentando a formação dos profissionais, a formação
humana ficará relegada a um campo isolado. Verifica-se a seguir esta relação:
Medicina, Odontologia, Farmácia e Obstetrícia:
1808 Criadas as cadeiras de Anatomia e Cirurgia no Rio de Janeiro;
1813 A Academia de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro oferecia dois cursos: o
Médico e o Cirúrgico;
1832 As Academias de Medicina do Rio de Janeiro e Bahia foram transformadas em
faculdades, abrangendo, além dos cursos médicos e cirúrgicos, Farmácia e Oobstetrícia;
1884 As faculdades passaram a ter um novo regulamento e ofereciam aos médicos e
cirurgiões, em oito anos: Farmácia, três; Obstetrícia e Ginecologia, dois e Odontologia, três
anos;
1884 Foi criada no Rio de Janeiro uma Escola de Farmácia, anexa ao Instituto
Farmacêutico. Desde 1829, funciona a Escola de Farmácia de Ouro Preto.
Engenharia:
1810 Foi fundada a Academia Real Militar;
1858 Foi fundada a Escola Central, criada a partir da Escola Militar, tendo dois cursos:
Engenharia Civil e Geogfica;
1874 A Escola Central passou a ser Escola Politécnica, destinada ao curso de Engenharia
Civil, com quatro especialidades: Civil, Minas, Geógrafo e Industrial;
1875 Criada a Escola de Minas em Ouro Preto.
Direito:
1827 Foram criados dois cursos de Direito em São Paulo e Olinda;
1854 Os cursos de Direito foram transformados em faculdades de Direito; o de Olinda
foi transferido par Recife.
Agricultura:
1808 Foi criado o Horto Florestas do Rio de Janeiro, depois transformado em Jardim
Botânico; mais tarde, foram criados outros jardins botânicos em Salvador, São Paulo,
83
Pernambuco e Minas Gerais. Em 1812, os jardins botânicos foram transformados em
escolas de agricultura, especificamente na Bahia e o no Rio de Janeiro;
1875 Criada a Escola Superior de Agronomia de Cruz das Almas, na Bahia;
1883 Criação da Escola de Agronomia de Pelotas, no Rio Grande do Sul.
Belas Artes:
1816 Criada a Escola Real de Ciência, Artes e Ofícios. Não funcionou e foi reativada em
1820 com o nome de “Real Academia de Desenho, Pintura, Es cultura e Arquitetura Civil”.
A partir de 1824, denominou-se “Academia de Belas Artes”.
Economia Política:
1808 Foi criada uma cadeira avulsa no Rio de Janeiro.
Matemática Superior:
1889 Criada uma cadeira em Pernambuco.
Química:
1817 Um decreto criou uma cadeira de Química na Bahia.
História:
1817 Criada uma cadeira de História em Ouro Preto.
Desenho:
1817 A mesma cadeira que deveria ensinar História deveria ensinar Desenho.
1818 Criada uma cadeira de Desenho Técnico na Bahia.
Música:
1818 Foi criada a cadeira de Música na Bahia;
1841 Fundou-se o Conservatório de Música no Rio de Janeiro.
A criação destes cursos atendeu as necessidades e objetivos da Família Real,
entretanto, apesar dos esforços demonstrados tanto na Colônia como no Império de se criar
84
uma universidade em solo brasileiro, todas as tentativas não se concretizaram. Fávero
sintetiza este período dizendo que:
chegamos à Independência com apenas escolas superiores de caráter
profissional. Sua proclamação vai despertar mais uma vez o interesse dos
brasileiros pela instituição da universidade. [...] Planos, indicações e projetos
sobre a necessidade de criação de instituições universitárias são apresentadas,
mas, a situação vai perdurar inalterável durante todo o Império (2000, p. 20).
Com a Proclamação da República já no final do século XIX, a situação do Ensino
Superior no Brasil vai aos poucos tomar novos rumos, é o que será a seguir.
4.3.3 O Ensino na República
A “Primeira Repúblicaou “República Velha” compreende o período que vai da
Proclamação da República em 1889 e segue até a Revolução de 1930. Este período fica
marcado por uma política educacional apoiada pelo pensamento positivista Benjamin
Constant se torna um dos principais representantes no Brasil deste pensamento cabe
ressaltar que os positivistas resistiam à idéia de criação de universidades, porque segundo
suas ideologias, sua função como instituição de Ensino Superior não atendia às
necessidades dos cidadãos da sociedade capitalista emergente. Aos olhos dos positivistas, a
universidade tornara-se o retrato do homem e do pensamento da Idade Média, assim, com a
criação de universidades, os brasileiros cairiam facilmente num retrocesso intelectual.
Muitas escolas superiores são criadas neste período “que vai da Reforma Benjamin
Constant, em 1891, até 1910, [...] foram criada no Brasil 27 escolas superiores: 9 de
medicina, obstetrícia, odontologia e farmácia, 8 de direito, 4 de engenharia, 3 de economia
e 3 de agronomia” (CUNHA, 1986, p. 175), Rossato acrescenta que “algumas das quais se
constituiriam em embriões de futuras universidades” (2005, p. 139). Acrescentam-se outras
9 escolas superiores criadas entre 1911 e 1915 durante a vigência da “Lei Orgânica do
Ensino Superior e do Fundamental [...] redigida pelo ministro do interior, o deputado
gaúcho Rivadávia da Cunha Corrêa.” (CUNHA, 1986, p. 181). Verificamos em seguida a
85
relação destas escolas de Ensino Superior tomando Cunha (1986, p. 175-177, 184-185)
como referência:
Direito:
1891 Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, Faculdade Livre
de Direito do Rio de Janeiro, Faculdade Livre de Direito da Bahia e Faculdade de Direito
de Goiás;
1893 Faculdade Livre de Direito do Estado de Minas Gerais (Ouro Preto);
1903 Faculdade Livre de Direito do Pará e Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre;
1907 Faculdade Livre de Direito de Fortaleza;
1911 Faculdade de Direito de Niterói.
Medicina, Obstetrícia, Farmácia e Odontologia:
1889 Faculdade de Medicina e Farmácia de Porto Alegre;
1898 Faculdade de Odontologia de Porto Alegre;
1902 Faculdade de Farmácia de Pernambuco;
1904 Escola de Farmácia do Pará, Faculdade de Farmácia e Odontologia de Juiz de Fora;
1905 Escola Livre de Odontologia do Rio de Janeiro, Escola de Farmácia, Odontologia e
Obstetrícia de São Paulo e Escola de Farmácia e Odontologia do Instituto Granbery (Juiz
de Fora);
1908 Faculdade de Odontologia de Minas Gerais;
1911 Faculdade de Medicina do Estado de Minas Gerais;
1912 Faculdade de Medicina de São Paulo e Escola de Medicina e Cirurgia do Rio de
Janeiro;
1914 Faculdade de Farmácia e Odontologia de Alfenas (Minas Gerais) e Faculdade de
Odontologia do Pará;
1915 Faculdade de Odontologia de Pernambuco.
Engenharia:
1896 Escola de Engenharia de Porto Alegre e Escola Politécnica da Bahia;
1900 Escola Politécnica de São Paulo;
1905 Escola Livre de Engenharia de Pernambuco;
1912 Escola Politécnica de Pernambuco.
86
Ciências Econômicas:
1905 Faculdade de Ciências Políticas e Econômicas do Rio de Janeiro e Faculdades de
Ciências Econômicas da Bahia;
1910 Faculdade de Ciências Econômicas do Rio Grande do Sul.
Agronomia:
1900 Escola Superior de Agricultura de Piracicaba (o Paulo);
1908 Escola Superior de Agricultura de Lavras (Minas Gerais);
1910 Escola Nacional de Agronomia (Rio de Janeiro);
1914 Escola Superior de Agricultura de Pernambuco.
A criação destas escolas superiores de ensino e as reformas educacionais propostas
ainda no peodo da Primeira República, pouco contribuíram para o melhoramento do
frágil sistema educacional.
Em 1915, o Decreto n° 11.530 tratou de reorganizar o Ensino Secundário e
Superior do país com a Reforma Carlos Maximiliano. Fávero considera que o decreto:
dispõe a respeito da instituição de uma universidade, determinando através do
art. 6°: “O Governo Federal, quando achar oportuno, reunirá em universidades
as Escolas Politécnica e de Medicina do Rio de Janeiro, incorporando a elas
uma das Faculdades Livres de Direito, dispensando-a da taxa de fiscalização e
dando-lhe gratuitamente edifício para funcionar”. O mesmo artigo determina,
ainda, que: “a) O Presidente do Conselho Superior de Ensino será o Reitor da
Universidade e b) O Regimento Interno, elaborado pelas três congregações
reunidas, completará a organização estabelecida no presente Decreto (2000, p.
24-25).
Anterior a este decreto foi criada três universidades, Cunha (1986, p. 198) e
Rossato (2005, p. 142) as denominam “universidades passageiras”. Levam essa
denominação porque não deram conta em se manter como universidade por um período
longo. Em ordem cronológica, é citada a Universidade de Manaus que data sua fundação
em 1909 sobrevivendo por onze anos, em 1911, a Universidade de São Paulo que se
manteve por apenas seis anos e em 1912 a fundação da Universidade do Paraná.
Efetivamente a primeira instituição denominada universidade se constituiria no Rio
de Janeiro e atendia as resoluções do decreto n° 11.530 de 1915. Aos vinte dias do mês de
87
setembro do ano de 1920 é criada a “Universidade do Rio de Janeiro”. Para Rossato, “o
se tratava, propriamente, de uma instituição articulada, mas de um agregado de faculdades
isoladas”. (2005, p. 142). Fávero aponta que “a criação da Universidade do Rio de Janeiro
teve o mérito de reativar e intensificar o debate em torno do problema universitário no
País, desencadeado nos anos 20, graças, sobretudo, à Associação Brasileira de Educação e
à Academia Brasileira de Ciências”. (2000, p. 34).
No ano de 1927, é criada em Belo Horizonte a “Universidade de Minas Gerais” a
segunda universidade considerada como sucedida, outras duas são criadas em 1934 já na
era Vargas a “Universidade Técnica do Rio Grande do Sule a “Universidade de São
Paulo”. (ROSSATO, 2005, p. 143). Em 1943 é criada a Universidade Rural do Rio de
Janeiro.
Outras instituições de Ensino Superior são criadas até o fim da “Era Vargas”. O
Brasil contava com um total de cinco universidades, apesar das críticas negativas dos
positivistas quanto à instituição “universidade” e també m pela forma como foi criada
agregado de faculdades isoladas enfim possui-se universidades no território brasileiro. A
universidade brasileira e demais instituições de Ensino Superior, caracterizaram-se por
oferecer cursos extremamente profissionais ficando fora de plano a preocupação com a
integração dos cursos e/ou faculdades, à pesquisa e às Ciências Humanas. A universidade é
criada para satisfazer as necessidades da sociedade que se tornava cada vez mais
industrializada e modernizada.
Muito se tem a dizer sobre a gênese da universidade brasileira, muitos foram os
motivos que tardaram sua criação, pois por um lado, a universidade que nasceu na Europa
no século XI possa uma razão de existir calcada nos princípios da promoção do saber e
da verdade, sofreu inúmeras reformas para se adaptar às necessidades e transformações que
incessantemente abalaram suas estruturas. E, por outro lado, o sistema de ensino brasileiro,
bem como suas universidades, sofreram a duras penas a obstinação de seus colonizadores
em manter o Brasil como colônia, e mesmo após sua independência política não conseguiu
mantê-la, pois, já se estava dependente do sistema capitalista e da potência econômica de
outras nações.
88
4.3.4 O Crescimento das Universidades e Instituições de Ensino Superior
O Ministério da Educação e Saúde Pública foi criado em 1930, pelo Governo
Provisório e entregue aos cuidados de Francisco Campos. O ministro teve como principal
meta centralizar e adequar o sistema de ensino buscando atender a modernização que se
almejava para o Brasil. Conforme Fávero: “É nesse contexto que o Governo elabora o seu
projeto universitário, articulando medidas que se estendem desde a promulgação do
Estatuto das Universidades Brasileiras até a reorganização da Universidade do Rio de
Janeiro” (2000, p. 40), passando esta a ser chamada de “Universidade do Brasil”, em 1937.
O projeto da Reforma do Ensino Superior é aprovado em “11 de abril de 1931” ( Idem).
O ritmo de crescimento das universidades e de instituições de Ensino Superior foi
bastante significativo a partir de 1945, com o nascimento de universidades particulares.
Rossato destaca a “atuação da Igreja Católica” (2005, p. 144), com o reconhecimento da
Pontifícia Universidade do Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. A política
educacional adotada apoiava a expansão do Ensino Superior, houve um aumento
significativo de matrículas, o próprio projeto de modernização que vinha sendo implantado
no Brasil acarretou em um crescimento demográfico, O país presenciou o fenômeno da
urbanização e junto desta, uma procura cada vez maior pelo Ensino Primário, Secundário e
Superior.
A década de cinqüenta fica marcada pelo debate acerca do Projeto de Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional e “a educação passa a ter uma função social a
nível macrossocial: preparar o homem urbano. [...] Estão em debate à centralização e
descentralização do ensino e o próprio papel do Estado em relação à Educação”.
(ROSSATO e Magdalena, 1995, p. 24). Entra a década de sessenta e somente em
dezembro de 1961 a lei é sancionada.
Nesta década o país enfrentará um duro golpe quando em 31 de março de 1964, os
militares tomam o poder, com a crise política e econômica em alta, a educação sofre as
conseqüências.
Rossato e Magdalena afirmam que:
89
O Estado busca um ajustamento da Nação aos seus interesses e à sua ideologia.
Para tanto, à educação é dado um papel preponderante. No primeiro aniversário
do golpe militar, é assinado o Acordo MEC-USAID, que posteriormente se
prolongará até 1973. No bojo desse acordo vio as reformas universitárias e a
do 1° e 2° graus (1995, p. 27).
À medida que o governo não dava conta em ofertar Ensino Superior para todos que
assim desejassem, o caminho mais curto encontrado pelo governo para atender a demanda
foi a abertura à privatização das instituições de Ensino Superior e universidades. Com isso,
a classe média que via na educação um meio de manter ou alcançar um nível social
melhor, passou a procurar o ensino particular para atingir seus objetivos. O quadro que
segue nos anos setenta não é muito diferente ao dos anos sessenta. Rossato aponta para os
seguintes dados: “em 1980, o Brasil contava com 1.377. 286 estudantes universitários, 865
IES, das quais apenas 63 eram universidades” (2005, p. 147).
As últimas duas décadas do século XX foram marcadas pela estagnação e redução
tanto de matrículas como de criação de novas IES, neste período o que aconteceu foi a
aglutinação de algumas faculdades com o propósito de se transformarem em universidades.
Rossato salienta inclusive que “O ca so do Rio Grande do Sul exemplifica bem a situação:
em 1972, havia setenta IES e, em 1985, esse número se reduziu a 38” (2005, p. 148).
Segue ainda dizendo que “O modelo anterior de privatizar pelas faculdades isoladas não
consegue mais sobreviver e, à medida que se implantam universidades, essas passam a
criar campi universitários nas suas regiões de influência”. (2005, p. 149)
Apesar do ritmo desacelerado na criação de novas IES em relação às décadas
anteriores observa-se um quadro atual com os seguintes dados:
dos 63 existentes em 1976, passou-se para 86 em 1987, atingindo atualmente
125 universidades no país. O crescimento deu-se, sobretudo, no setor das
particulares e estaduais, pois as federais, que, em 1987, totalizavam 35,
passaram a 37; por sua vez, as estaduais, de 11 em 1987, passaram a 22 em
1994, dobrando, portanto, o seu número. Enquanto isso, criou-se mais uma
municipal, e as particulares mais do que duplicaram: de 27, em 1987, passaram
a sessenta atualmente (ROSSATO, 2005, p. 149).
A respeito das universidades gaúchas, o quadro se manteve conforme a situação
nacional, será visto a seguir uma descrição apenas da universidade, que é objeto de estudo
de nossa pesquisa.
90
Em relação à criação de universidades brasileiras, a grande queixa dos educadores
brasileiros recaia sobre questões do tipo: modelo de universidade, papel, função, objetivo,
finalidade, missão, etc. adotado pelos governantes. A preocupação em educar as crianças,
jovens e adultos perpassava em primeiro lugar pelo desejo de manter o povo brasileiro
sobre o domínio e à mercê dos interesses do governo. Independente do período vivenciado,
o povo foi sempre induzido, controlado, manipulado em vantagens de uns e desvantagens
da grande maioria da população que permanecia sob as rédeas de opressores.
Refletir sobre a educação, a formação de profissionais dessa área e as universidades
como locais de capacitação, requer não apenas o período pré-estabelecido, mas uma
dedicação que acompanhará o futuro profissional em toda a sua trajetória. Vivenciar uma
formação docente e verificar que a universidade não promove integralmente estes
profissionais, é permitido acreditar que algo não está correto. Os professores licenciados,
além de ensinar determinados conteúdos, vão trabalhar em classes superlotadas de
adolescentes, demonstrando conhecimento técnico, tamm terão que ter habilidades de
bom relacionamento com seus alunos. Os conteúdos são facilmente compreendidos pelos
acadêmicos, que no desempenho de sua profissão, acabam encontrando, a melhor forma de
aplicá-los e avaliá-los. Entretanto, as bases para uma formação humana estão fadadas a
poucas horas de debate dentro dos cursos de licenciatura.
Pode-se observar que desde o surgimento da universidade, e por longa data, a
mesma foi sendo guiada por traços marcantes de uma formação integral. Ao ingressar
numa universidade e antes de se tornar um profissional, o estudante perpassava por uma
formação que lhe possibilitava exercer sua profissão munido de habilidades e
conhecimentos indispensáveis à sua formação. Constata-se que a universidade ao longo de
sua história, foi se transformando e se adequando às exigências das sociedades mas,
também, não se pode negar que sua essência parece perdida.
No estudo da universidade brasileira, pretende-se procurar o lugar ocupado pelas
“humanidades e Humanismo no processo histórico da universidade”. Ampliando -se o texto
sobre a mesma, fazendo um estudo mais detalhado sobre a história da educação no Brasil e
conseqüentemente a história dessa instituição, acredita-se que se obteriam elementos
suficientes para a discussão acerca deste tema.
91
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar a universidade como instituição de ensino e lugar de formação humana
requer, antes de tudo, compreender seu processo histórico numa perspectiva teórica. A
tarefa de buscar na história da Civilização Ocidental os motivos pelos quais essa instituição
conseguiu ao longo de dez séculos se manter viva, mostra a sua importância para a
humanidade, cujo papel e função que desempenhou e continua desempenhando na
sociedade tem colaborado na construção da história da própria civilização.
A universidade em diversos momentos de seu processo, necessitou identificar seu
papel social, que segundo Buarque é de “gerar saber” (1994, p. 217). Sua história marcada
pelos acontecimentos sociais, políticos, econômicos, culturais e religiosos manteve-se
estritamente ligada a interesses de grupos sociais que em momentos diferentes se
mantinham no poder.
Ao longo de um milênio, desempenhou papéis variados. Para Ortega y Gasset, sua
principal missão era “preparar o estudante para conhecer sua própria vida e vivê -la da
maneira mais completa possível, isto é, formar uma pessoa culta, autônoma, que se media e
se sobrepunha ao seu tempo podendo impulsionar criativamente o destino político do país
(1999, p. 26). Para Delors, é um “lugar de cultura e de estudo aberto a todos” (2003, p.
144). Tobias traz a seguinte definição: “Universidade, é a sociedade que, pela investigação
e pela docência, se ordena à verdade” (1969, p. 124). Para Santos “no século XXI só há
universidade quando há formação graduada e pós-graduada, pesquisa e extensão” (2004, p.
64). Wanderley a vê como “o lugar historicamente apropriado para a criação e divulgação
do saber, para o desenvolvimento da ciência, para a formação de profissionais de nível
superior, técnicos e intelectuais que os sistemas necessitam” (2003, p. 9).
Paviani e Pozenato afirmam que:
92
A Universidade atual comporta, comparada com a Universidade tradicional,
uma
multiplicão de funções
[grifo do autor]. Pode dedicar-se ao ideal
humanístico, como na Idade Média, tornar-se centro e guardiã das tradições e da
cultura, como no início da Idade Moderna, instituição de pesquisa, como queria
Humboldt, e promotora do bem social, como se espera hoje (1980, p.18).
Por todas estas funções, definições, missões, finalidades e por muitas outras que
o foram elencadas e pela importância desta instituição para a humanidade, é que se
propôs a realização desta pesquisa. O estudo do processo histórico da universidade trouxe
infinitas descobertas, inclusive sobre a história da educação e da Civilização Ocidental.
o se pode deixar de assumir que, um estudo estritamente teórico, em um campo
de conhecimento alheio à formação na graduação, tornou-se um grande desafio para a
mestranda que é licenciada em Química, curso das Ciências Naturais, com forte caráter
positivista. A justificativa pela escolha do tema de pesquisa deu-se porque ainda na
graduação, a ausência da formação humana, da discussão acerca dos valores e das relações
humanas e que, a universidade como local de formação, pecava tanto no trato do humano
quanto em relação à técnica. Sucintamente, pode-se afirmar, que havia uma angústia por
conta de perceber que a formação técnica e profissional, do curso era colocada acima da
formação humana. Acredita-se que o pensar no humano antes de pensar no profissional
técnico, foi o motivo que levou a realizar o Mestrado em Ciências Humanas.
Assim, com uma temática complexa como a desenvolvida na presente dissertação,
levou-se a muitos questionamentos. Inicialmente procurou-se encontrar respostas para as
inquietações. Em seguida, estas foram descobertas, percebeu-se que a conclusão não
existe, pois novos apontamentos se fizeram ao longo da pesquisa, mas isto em momento
algum se tornou frustrante, desanimador, incômodo, pois se notou que a inquietação ajuda
a pensar e refletir sobre o papel dos profissionais da educação. A pesquisa trouxe o
entendimento, o conhecimento, as respostas, mas tamm abriu os olhos para outras
questões, e houve um convite a repensar/refletir sobre o já dito, escrito, comprovado,
indagado ou mesmo sentido. É a partir disto tudo, das dúvidas, respostas, questionamentos,
que se apresentaram, que se está inserido e sendo participante da história social. Foi sob
esta perspectiva de realizar perguntas e buscar respostas é que a pesquisa se fez.
O referencial teórico construído sobre o processo histórico da universidade foi
conduzido buscando destacar o papel das humanidades e do Humanismo. No que tange sua
definição, é lembrado que
humanidades
como sinônimo de
Humanismo
,
corresponde a um
movimento de retorno mais efetivo às fontes da cultura clássica (sobretudo Latina e Grega)
93
sob o ponto de vista literário, lingüístico e filosófico, tendo como ponto de irradiação a
Itália do Renascimento... prosseguindo deste modo o ideal de uma Paidéia grega ou de uma
Humanitas latina (LOGOS, apud ROSSATO, 2005). No estudo realizado, a queso que
procurava ser elucidada, era sobre o lugar ocupado pelas humanidades e Humanismo no
processo histórico da universidade.
Sobre a universidade medieval, as evidências deram conta de afirmar que foi
erguida sobre os pilares das humanidades enquanto programa de ensino. Prova disto são os
cursos, as disciplinas, os conteúdos de ensino, a metodologia e a própria organização e
função deste modelo de instituição. Durante este peodo, a formação dos homens era
baseada em um programa de ensino que valorizava a tendência do movimento humanista
da Renascença. A Idade Média não teve propriamente uma visão humanista, mas precedeu
o que será posteriormente chamado de humanidades.
Sobre a universidade moderna, a história nos mostrou a crise estabelecida e a
mediocridade que se encontrava esta instituição, entre os séculos XVI ao XVIII. A função
exercida pela mesma tinha características da universidade medieval, a estrutura inteira,
desde currículos, disciplinas, conteúdos e metodologias não acompanhavam as
transformações vivenciadas pela época. Neste período, como já foi afirmado, houve
inclusive sua supressão, novas instituições de ensino ocuparam lugar da frágil estrutura
universitária. As humanidades e o Humanismo não conseguiram resistir à rigorosidade das
Ciências Exatas, Naturais, Agrárias e da Saúde, que se firmaram diante do projeto da
modernidade que se fazia, juntamente com as vozes dos iluministas. A Ciência e a
Tecnologia prometeram melhorar a vida humana, a razão mudaria os valores cultivados
pela humanidade. Se o projeto da modernidade se efetivasse, o homem seria feliz.
Neste período, a universidade perdeu muito de suas principais características, o
humano torna-se insignificante diante do poder da máquina, da técnica e da ciência. Os
humanistas e os valores humanos foram banidos pelo sistema capitalista.
A função da universidade durante este período clamava por mudanças, pois caso
contrário, correria o risco de cair no esquecimento, chegando a decair plenamente. Toda
esta crise foi assegurada pela revolução científica moderna, pelo projeto da modernidade,
que apostava na Ciência e na Tecnologia acima de tudo.
O Humanismo penetra na universidade, mas muito lentamente, articulam-se meios
de transformar o humano, ou melhor, meios de desumanizar o homem, centralizando a vida
na perspectiva capitalista e materialista do mundo moderno.
94
Sobre a universidade contemporânea, as revoluções levaram às reformas, que
acabaram por acontecer, isto para enfrentar toda a carga tecnológica e científica que a
modernidade planejou e consolidou.
Os países europeus e americanos criaram a universidade da pesquisa, a
universidade-empresa, a universidade popular, ou seja, modelos de universidades que
atendessem as necessidades atuais. Muitas universidades foram criadas no século XX,
qualificação e competência tornaram-se pressupostos essenciais para a inclusão dos
homens na sociedade contemporânea. Entretanto, neste período, praticamente não existem
indícios das humanidades e Humanismo. A preocupação da modernidade em desenvolver
tecnologia, levou ao esquecimento do humano, antes das máquinas havia lugar para os
homens, eles se faziam presentes no pensamento da humanidade, projetava-se um ideal de
homem, e este assim se fazia.
As conseqüências do projeto da modernidade, que Santos (1994) considera como
inacabado, são vivenciados exatamente pelos homens da sociedade contemporânea. O
projeto fracassou à medida que não conseguiu cumprir a promessa de melhorar a vida
humana. O mundo dotado de tecnologias transformou as estruturas que guiavam os
homens, os meios começaram a justificar os fins, as guerras entre os povos levaram à
barbárie “que Auschwitz não se repita”, diz Adorno (2003, p. 119). Sem dúvida, esta foi a
pior conseqüência da evolução científica e tecnológica, o holocausto instaurado pela
Guerra Mundial dizimou homens e a esperança daqueles que sonhavam viver apenas sob
os benefícios tecnológicos.
A universidade contemporânea trouxe a formação profissional nas bases da Ciência
e da Tecnologia, a formação dos homens que passam pela universidade delimita-se apenas
ao profissional, a formação humana parece não existir, não ocupa lugar na maioria dos
cursos. Os próprios cursos das Ciências Humanas raras vezes conseguem formar turmas
com um número mínimo de alunos, para seu bom funcionamento.
Diante do exposto, faz-se a pergunta: Existe lugar para as humanidades e o
Humanismo na universidade de hoje? A resposta é sim. As humanidades e o Humanismo
devem ocupar um lugar de destaque na universidade, porque são eles que pensam o
humano. É tarefa da universidade tratar as questões humanas, humanizar os homens para
o perder a humanidade, que se acredita ainda existir em cada um.
95
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