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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - ICHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUÃO SOCIEDADE E CULTURA
NA AMAZÔNIA - PPGCSA
IRACELMA MAGALHÃES DA COSTA MARQUES
A CPT E A QUESTÃO SÓCIO-AMBIENTAL NO AMAZONAS:
EM BUSCA DO FUTURO
MANAUS
2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS - UFAM
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - ICHL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO SOCIEDADE E CULTURA NA
AMAZÔNIA - PPGSCA
IRACELMA MAGALHÃES DA COSTA MARQUES
A CPT E A QUESTÃO SÓCIO-AMBIENTAL NO AMAZONAS:
EM BUSCA DO FUTURO
Dissertação apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em
Sociedade e Cultura na Amazônia
da Universidade Federal do
Amazonas, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em
Sociedade e Cultura na Amazônia,
área de concentração Processos
Sócio-culturais na Amazônia.
Orientador: Prof. Dr. Antônio Carlos Witkoski
MANAUS
2006
ii
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Ficha Catalográfica
Catalogação na fonte pela Biblioteca Central da Universidade Federal do Amazonas
iii
MARQUES, Iracelma Magalhães da Costa.
A CPT e a questão sócio-ambiental no Amazonas: em busca do futuro./
Iracelma Magalhães da Costa Marques. – Manaus: UFAM, 2006.
Dissertação (Mestrado em Sociedade e Cultura na Amazônia).
Universidade Federal do Amazonas.
Comissão Pastoral da Terra no Amazonas. Terceiro Setor. Questão Sócio-ambiental.
Populações Locais.
.
IRACELMA MAGALHÃES DA COSTA MARQUES
A CPT E A QUESTÃO SÓCIO- AMBIENTAL NO AMAZONAS
EM BUSCA DO FUTURO
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Sociedade e Cultura
na Amazônia da Universidade Federal do
Amazonas, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em
Sociedade e Cultura na Amazônia, área
de concentração: processos sócio-
culturais na Amazônia.
iv
Aprovado em 17 de novembro de 2006
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Antônio Carlos Witkoski, Presidente
Universidade Federal do Amazonas - UFAM
Profa. Dra. Joana D’Arc Ribeiro, Membro (In Memoriam)
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA
Profa. Dra. Simone Eneida Baçal de Oliveira, Membro
Universidade Federal do Amazonas - UFAM
Prof. Manuel do Carmo da Silva Campos, Primeiro Suplente.
Universidade do Estado do Amazonas - UEA
Profa. Dra. Yoshiko Sassaki, Segundo Suplente
Universidade Federal do Amazonas - UFAM
v
Ao meu pai José Furtado e à minha mãe
Delzuíta Costa pelo sonho que sempre
nutriram em ver suas filhas cursando uma
Universidade. Ao meu esposo e meus
filhos pelo grande carinho e paciência
pelas longas horas ausentes.
vi
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Antônio Carlos Witkoski, por ter acreditado em meu potencial e
me acompanhado de modo tão próximo durante essa caminhada. Por tudo o que me
ensinou e, indubitavelmente, pelo tanto que contribuiu para o meu desenvolvimento
pessoal e profissional.
À Profa. Dra. Simone Eneida Baçal de Oliveira e à Profa. Dra. Yoshiko
Sassaki, pelo estímulo e pelas suas contribuições no Exame de Qualificação.
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Sociedade e
Cultura na Amazônia-PPGSCA, pelo esmero e dedicação com que conduziram seus
trabalhos.
Aos meus filhos Judah e Pedro que me trouxeram renovadas energias para o
prosseguimento das atividades.
Aos meus pais que sempre me estimularam a estudar e não mediram
esforços para que hoje eu pudesse estar onde estou.
Aos colegas pela enriquecedora convivência.
À Universidade Federal do Amazonas (UFAM) pela oportunidade de
crescimento intelectual e pessoal.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM), pela
bolsa de estudos concedida.
MARQUES, I.M.C. A CPT E A QUESTÃO SÓCIO-AMBIENTAL NO AMAZONAS:
EM BUSCA DO FUTURO
vii
RESUMO
A pesquisa discute a visão de mundo e a atuação da Comissão Pastoral da Terra no
Amazonas (CPT-AM) junto às comunidades ribeirinhas na luta pela posse e
demarcação da terra, bem como pela conservação de rios e lagos. O estudo foi
desenvolvido numa perspectiva crítica, tendo como marco teórico, dentre outros,
ANDERSON (1996); BOBBIO (1992); BOFF (1986); CAVALCANTI (2003);
FURTADO (1998); IANNI (1999); LEFF (2000); MCLUHAM (1989); MONTAÑO
(2002) e SALAMON & ANHEIER (1992). A pesquisa de campo foi desenvolvida em
dois momentos: 1) entrevista com as principais lideranças nacionais e locais da
CPT; 2) análise do estatuto social, dos relatórios de atuação, dos boletins
informativos e de outros documentos referentes à prática da CPT-AM. A dissertação
está estruturada em três capítulos: o primeiro, Origens sócio-políticas do terceiro
setor: desenhando um cenário, traz uma discussão hodierna acerca do conceito de
terceiro setor, sociedade civil e desenvolvimento sustentável. O segundo, O terceiro
setor e a questão sócio-ambiental no amazonas: uma arqueologia da CPT, aborda a
origem, o desenvolvimento e a atuação da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
Nacional e a CPT-AM e as especificidades das suas bandeiras de lutas,
evidenciando que, além da questão fundiária, a água e o desenvolvimento
sustentável são hoje preocupações da entidade. O terceiro capítulo, A Comissão
Pastoral da Terra no Amazonas: em busca do futuro discute a visão de mundo
acerca da Amazônia e do Amazonas pelos dirigentes da CPT nacional e local.
Constatou-se que a CPT-AM incorpora às suas lutas tanto a defesa da posse e
propriedade da terra para quem nela vive e trabalha, quanto a luta pela conservação
de lagos, rios e igarapés para as comunidades ribeirinhas. Observou-se coerência
entre o discurso e a prática por parte das lideranças da organização. A CPT-AM
vislumbra prosseguir apoiando os projetos sócio-ambientais que sejam inclusivos
socialmente e sustentáveis ambientalmente por entender serem eles vitais na
construção de alternativas de vida e trabalho dignas para as populações ribeirinhas.
PALAVRAS-CHAVE: Comissão Pastoral da Terra no Amazonas. Terceiro Setor.
Questão Sócio-ambiental. Populações Locais.
viii
MARQUES, I.M.C. A CPT E A QUESTÃO SÓCIO-AMBIENTAL NO AMAZONAS:
EM BUSCA DO FUTURO
ix
ABSTRACT
THE CPT AND THE ENVIRONMENTAL QUESTION IN AMAZON: IN SEARCH OF
THE FUTURE
This research discusses the world vision and the way of acting of the Pastoral
Commission of the Land in Amazon (Comissão Pastoral da Terra CPT-AM) which
works with river communities in the fight for the ownership and landmark of the land,
as well as for the conservation of rivers and lakes. The study was developed in a
critical perspective , having as theoretical landmark, amongst others, ANDERSON
(1996); BOBBIO (1992); BOFF (1986); CAVALCANTI (2003); STOLEN (1998); IANNI
(1999); LEFF (2000); MCLUHAM (1989); MONTAÑO (2002) and SALAMON &
ANHEIER (1992). The field research was developed at two moments: 1) interview
with the main national and local leaderships of the CPT; 2) analysis of reports and of
the social statute, informative bulletins and other documents referring to CPT-AM.
The dissertation is structured in three chapters: the first one, entitled Social and
Political Origins of the Third Sector: Drawing a Scenery, discusses the concept of
third sector, civil society and sustainable development. The second chapter entitled
The Third Sector and the Environmental Question in Amazon: an Archaeology of the
CPT, discusses its origin, its development and its way of acting as well as that its
flags of fights, the agrarian question, the water and the sustainable development are
today concerns of the entity. The third chapter, The Pastoral Commission of the Land
and The Amazon: in Search of the Future discusses the world vision of the national
and local controllers of CPT. It is proved that the CPT-AM in such a way incorporates
in its fights the defense of the ownership and property of the land for the ones who
live and work there, as well as the fight for the conservation of lakes and rivers. It is
also observed that there is coherence between the speech and the practical from its
organization leaders. The CPT-AM aims to go on creating and supporting sustainable
and socially inclusive projects in the construction of alternatives of worthy life and
work for the marginal populations of the Amazon Rivers.
KEY-WORS: Pastoral Commission of the Land in Amazon. Third Sector. Social-
environmental Question. Local Population.
x
LISTA DE SIGLAS
ABNT
__
Associação Brasileira de Normas Técnicas
ABONG
__
Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais
ASC
__
Adoradoras do Sangue de Cristo
ASPAC
__
Associação de Silves pela Preservação Ambiental e Cultural
BASA
__
Banco da Amazônia
BID
__
Banco Interamericano de Desenvolvimento
BM
__
Banco Mundial
BNDES
__
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CEAS
__
Centro de Estudos e Ação Social
CEB´s
__
Comunidades Eclesiais de Base
CEPAL
__
Comissão Econômica para a América Latina
CIMI
__
Conselho Indigenista Missionário
CMP
__
Central de Movimentos Populares
CNBB
__
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CONIC
__
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs
CONTAG
__
Confederação dos Trabalhadores na Agricultura
CPT
__
Comissão Pastoral da Terra
CPT-AM
__
Comissão Pastoral da Terra no Amazonas
CRFB
__
Constituição da República Federativa do Brasil
CUT
__
Central Única dos Trabalhadores
xi
EIA
__
Estudo de Impacto Ambiental
EUA
__
Estados Unidos da América
FMI
__
Fundo Monetário Internacional
FS
__
Força Sindical
GPD
__
Grupo de Preservação e Desenvolvimento
GRANAV
__
Grupo Natureza Viva
IBAMA
__
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
IBGE
__
Instituto Brasileiro de Estatística
IECLB
__
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil
MSR
__
Movimento Social Ribeirinho
MST
__
Movimento dos Sem Terra
ONGs
__
Organizações Não-Governamentais
ONU
__
Organização das Nações Unidas
OSC
__
Organização da Sociedade Civil
PNUD
__
Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas
RIMA
__
Relatório de Impacto Ambiental
SUDAM
__
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia
SUFRAMA
__
Superintendência da Zona Franca de Manaus
TS
__
Terceiro Setor
UNCTAD
__
Conferência das Nações Unidas sobre Comércio-Desenvolvimento
UNEP
__
Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas
xii
UNICEF
__
Fundo das Nações Unidas para a Infância
ZMF
__
Zona Franca de Manaus
SUMÁRIO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ..................................................................... 14
Capítulo 1 - ORIGENS SOCIOPOLÍTICAS DO TERCEIRO SETOR: 20
xiii
DESENHANDO UM CENÁRIO .................................................................
1.1 Introdução ............................................................................................. 20
1.2 Alguns dilemas da civilização capitalista contemporânea .................... 21
1.2.1 Meio ambiente e desenvolvimento sustentável ................................. 29
1.3 O papel da sociedade civil na vida contemporânea ............................. 34
1.4 A Sociedade civil e terceiro setor ......................................................... 40
Capítulo 2 – O TERCEIRO SETOR E QUESTÃO SÓCIO-AMBIENTAL
NO AMAZONAS: UMA ARQUEOLOGIA DA CPT ................................... 57
2.1 Introdução ............................................................................................ 57
2.2 A CPT no cenário nacional ................................................................... 58
2.3 A CPT anfíbia no Amazonas ............................................................... 71
2.4 O Projeto sócio-ambiental da CPT ....................................................... 83
Capítulo 3 – A COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT) NO
AMAZONAS: EM BUSCA DO FUTURO ................................................... 86
3.1 Introdução ............................................................................................ 86
3.2 Visão de mundo dos dirigentes da CPT acerca da Amazônia no
Amazonas ................................................................................................... 88
3.3 Visão de mundo, visões de mundo: Em busca do futuro ..................... 110
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................... 117
REFERÊNCIAS .......................................................................................... 123
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O objetivo da dissertação de mestrado é o de discutir a atuação da Comissão
Pastoral da Terra no Amazonas (CPT-AM) junto às comunidades ribeirinhas na luta
xiv
pela posse e demarcação das terras, bem como pela conservação de rios e lagos,
procurando deslindar sua visão de mundo e prática social de sua intervenção.
O estudo faz parte da linha de pesquisa número três do Programa de Pós-
Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia PPGSCA, promovido pelo Instituto
de Ciências Humanas e Letras ICHL da Universidade Federal do Amazonas
UFAM, qual seja: Sociedade, Estado e Políticas Públicas na Amazônia.
Buscar compreender a visão de mundo e a prática social da intervenção da
CPT-AM nos pareceu oportuno, na medida em que a realidade sócio-ambiental no
Estado do Amazonas desafia a todos os atores sociais a construírem caminhos que
levem a uma nova racionalidade diferente da que tem sido produzida e reproduzida,
desde o início do capitalismo como processo civilizatório. A racionalidade desse
modo singular de produzir, reproduzir material e simbolicamente a vida está
centrada na dinâmica da expansão e crise do capital, geradora de pobreza, de
desigualdades e de violência.
O estudo é relevante do ponto de vista social, pois trará novos elementos
que auxiliarão na análise da longa trajetória de lutas da CPT em torno da questão da
terra e da água. A CPT no Amazonas, desde a sua fundação, tem se mantido ao
lado dos movimentos sociais que lutam pela reforma agrária, pela conservação dos
rios, lagos e igarapés e em defesa dos direitos humanos das populações
amazônidas.
Do ponto de vista científico, o estudo é importante porque ainda não se
conhece em profundidade a dinâmica das relações envolvendo os atores sociais
representativos dos grupos que lutam pela posse da terra e da água e as instâncias
do poder público. A complexidade das questões relacionadas à terra e à água na
xv
região têm crescido enormemente sem que, no entanto, as pesquisas científicas
tenham acompanhado tal crescimento.
Este estudo possibilitou levantar uma relativa quantidade de novos dados e
articular teoricamente as discussões com relação à atuação da CPT, uma das mais
atuantes Organizações Não-Governamentais (ONG’s) na Amazônia, tendo como
foco central da investigação a visão de mundo e a prática social de sua intervenção.
Buscando um melhor delineamento do objeto da investigação, o estudo
procurou focar os seguintes aspectos: a) apresentar a origem, formação e
desenvolvimento da CPT-AM no contexto histórico da crise dos regimes autoritários
dos governos militares, e na afirmação da sociedade civil e emergência do terceiro
setor; b) evidenciar as relações intrínsecas entre o terceiro setor e a questão sócio-
ambiental no Estado do Amazonas, considerando, no âmago das discussões, a
atuação da CPT-AM; c) evidenciar a visão de mundo e a prática social da CPT-AM
como projeto de mundo, considerando-se as suas intervenções junto às
comunidades que lutam pela terra e pela água.
Para o desenvolvimento do estudo, optamos por enfatizar no primeiro capítulo
dois aspectos: primeiro, nos filiarmos a uma linha teórica que buscasse
compreender melhor a atuação da CPT-AM, considerando sua dimensão sócio-
ambiental para, em seguida, discutir sua visão de mundo e prática social de sua
intervenção no Amazonas.
A trajetória nos pareceu mais interessante quando pudemos, no
desenvolvimento deste primeiro aspecto, contextualizar o momento histórico do
surgimento da CPT, discutindo quatro dilemas que a civilização capitalista nos impôs
hodiernamente: 1) o dilema econômico, decorrente da mundialização da economia e
xvi
sua mais nova faceta, o neoliberalismo; 2) o dilema político, resultado do
apequenamento do Estado; 3) o dilema social, conseqüência das enormes
desigualdades sociais e 4) o dilema cultural, decorrente da globalização. Apesar de
apresentá-los separadamente, sempre nos foi claro que pensar cada um desses
processos isoladamente é um equívoco, pois estes se inter-relacionam como se
formassem uma espécie de feixe, com feições próprias e agindo de maneira
integrada.
Para a discussão destes dilemas buscamos nos guiar pelos estudos de Celso
Furtado (1998) que apresenta as origens históricas do capitalismo e suas
implicações, tanto no plano global quanto no nacional e no local. Em seguida,
norteados pelos estudos de Octávio Ianni (1999) e McLuham & Bruce Powers
(1989), apresentamos uma discussão acerca dos conceitos de mundialização da
economia, para nos referirmos aos aspectos econômicos e, de globalização,
entendida como dimensão cultural, onde procuramos enfatizar suas diferenças e
semelhanças. Nesse momento da análise, tivemos a preocupação em demonstrar,
acudindo-nos nas reflexões propostas por Perry Anderson (1996), os efeitos
nefastos de uma das facetas mais recentes do capitalismo: o neoliberalismo.
Durante a construção desta análise procuramos demonstrar os efeitos negativos da
lógica/racionalidade capitalista para as comunidades ribeirinhas que ousem pensar e
buscar construir relações de produção e reprodução material alternativas.
Construir uma nova racionalidade no trato das questões relativas aos homens
e mulheres que vivem na e da terra e água no Estado do Amazonas nos pareceu
ser, além de necessário, urgente. Neste sentido, excelentes contribuições são dadas
por Enrique Leff (2000) e Clóvis Cavalcanti (2003), no que se refere a como ser
possível construir-se esta nova racionalidade. Os modelos produtivos historicamente
xvii
adotados na Amazônia em geral e no Estado do Amazonas, em particular,
conhecidos como projetos de enclave, a exemplo do Projeto Pitinga, Projeto Grande
Carajás, Projeto Jarí, Projeto Balbina, entre outros, têm demonstrado ser
concentradores de renda, ineficientes economicamente, degradadores do meio
ambiente, além de trazerem fome, conflitos, doenças e êxodo rural para as
comunidades que vivem no seu entorno. Como alternativa a essa lógica propõe-se
uma nova tecnologia econômico-ambiental, a qual Enrique Leff (2000) chamou de
ecotecnologia, isto é, uma tecnologia e uma prática ecologicamente sustentáveis.
Pudemos constatar que a CPT, tanto a nacional quanto a local, corroboram com
esta proposta ao defenderem que todo e qualquer projeto deva ser pensado
conjugando-se os aspectos econômicos, ambientais, sociais e culturais.
A CPT-AM inclui-se na relação das organizações da sociedade civil
pertencentes ao terceiro setor. Os estudos acerca do conceito de sociedade civil
foram baseados nas obras de Norberto Bobbio (1992), Alberto Oliva (2004) e
Antônio Gramsci (1979). Para estes autores, o conceito de sociedade civil passou
por várias transformações desde as primeiras noções surgidas ainda no Período
Clássico da história da Grécia e de Roma. Para estes, assim como para os
jusnaturalistas do século XVII o conceito de societas civilis deveria ser usado em
referência à sociedade política ou Estado, em contraposição ao de societas
naturalis, caracterizada pelo predomínio das leis naturais, sem organização jurídico-
administrativa. Com Karl Marx, no séc. XIX e, posteriormente com Antônio Gramsci,
no século XX, ocorre a grande dicotomia entre a idéia de sociedade e a de Estado.
Na América Latina e no Brasil, mormente após o advento dos regimes autoritários
dos governos militares na segunda metade do século passado, o conceito sociedade
civil tem sido usado em contraposição ao de Estado, inclusive como sinônimo de
resistência.
xviii
Hodiernamente, temos verificado uma tentativa de associar a idéia de
sociedade civil à idéia de terceiro setor. Interessantes estudos têm sido publicados,
tanto no Brasil quanto no exterior, em relação a esta temática. Nesta pesquisa,
usamos como referência, entre outros, os seguintes estudos: Carlos Montaño
(2002), Lester Salamon & Helmut Anheier (1992), Rubem César Fernandes (1994),
Maria da Glória Ghon (1997) e Leilah Landin (1993). Para todos eles, o primeiro
setor seria o Estado e o segundo setor, o mercado. O terceiro setor apresentaria
características de ambos. Portanto, genericamente, o terceiro setor é visto como
derivado de uma conjugação entre as finalidades do primeiro setor e a metodologia
do segundo, ou seja, composto por organizações que visam benefícios coletivos,
mas são de natureza privada, não são integrantes do governo e não têm como
objetivo o lucro.
O segundo capítulo discute o surgimento e o desenvolvimento da CPT-AM,
uma das organizações de maior visibilidade na luta pela terra, pela água, pelo fim da
violência no campo e por direitos humanos. Seu engajamento em prol dos grupos
sociais que vivem na e da terra, rios e lagos é um fenômeno sócio-político
claramente percebido. Criada em pleno regime dos governos militares que
perduraram no Brasil entre 1964 e 1985, ela foi se consolidando ao longo desse
período. A partir dos anos 80, quando da crise desses regimes e do reaparecimento
da força da sociedade civil, ela se torna uma das organizações mais combativas do
Brasil, da Amazônia e do Amazonas. Os dados utilizados na construção do segundo
capítulo foram obtidos através da pesquisa de campo. Nesta etapa da pesquisa
ouvimos as principais lideranças nacionais e locais da CPT e analisamos o estatuto
social, os relatórios de atuação, os boletins informativos e outros documentos
referentes à prática da CPT-AM.
xix
No terceiro capítulo, A Comissão Pastoral da Terra(CPT) no Amazonas: em
busca do futuro, discutimos a visão de mundo acerca da Amazônia e do Amazonas
pelos dirigentes da CPT nacional e local. Fazem parte desta construção, entre
outros, a concepção de homem, de mulher, de natureza, de religião, de meio
ambiente e de sociedade. Entende-se por visão de mundo a maneira como um
grupo social e/ou classe social enxerga o universo e constrói referentes sócio-
culturais acerca de tudo o que permeia suas vidas e seu cotidiano. Neste sentido, o
sistema de crenças e valores, associado aos processos de reflexão-ação-reflexão,
se constituem em elementos essenciais na busca de compreensão desta visão.
A presente pesquisa não pretende traçar um perfil exaustivo e definitivo
da CPT-AM, mas apresentar elementos que contribuam para o deslindamento
acerca da sua visão de mundo e prática social de sua intervenção.
Capítulo 1 ORIGENS SÓCIOPOLÍTICAS DO TERCEIRO SETOR: DESENHANDO
UM CENÁRIO
Estamos diante de um momento crítico na história da Terra,
numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro.
À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente
e frágil, o futuro enfrenta, ao mesmo tempo, grandes perigos e
grandes promessas. Para seguir adiante, devemos reconhecer
que no meio da uma magnífica diversidade de culturas e formas
de vida, somos uma família humana e uma comunidade
terrestre com um destino comum. Devemos somar forças para
gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito
pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça
econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito,
é imperativo que, nós, os povos da Terra, declaremos nossa
responsabilidade uns para com os outros, com a grande
comunidade da vida, e com as futuras gerações.(Preâmbulo da
Carta da Terra)
1.1Introdução
A discussão acerca do conceito de terceiro setor tem sido bastante intensa.
Dentre as muitas concepções existentes atualmente, duas se destacam. De um
lado estão os que reconhecem sua força mobilizadora de recursos econômicos, de
xx
pessoas e de comunidades, porém questionam sua emergência, denunciando o
apequenamento do Estado frente as enormes desigualdades sociais que
caracterizam a sociedade brasileira. De outro, há os que o defendem por
acreditarem que ele detém papel central nas discussões e encaminhamentos das
questões sociais, econômicas, políticas e culturais. Além disso, este segundo grupo
o vê como uma conquista da sociedade civil.
Diante da polêmica estabelecida, acredita-se ser oportuno trazer novos
elementos para as discussões acerca do conceito de terceiro setor, com o intuito de
aprofundar a compreensão da temática. Nesse sentido, este capítulo pretende
discutir algumas questões consideradas relevantes acerca da gênese e da formação
do conceito de terceiro setor.
Na seção intitulada Alguns dilemas da civilização contemporânea, o texto
apresenta uma discussão a partir de quatro grandes dilemas que o capitalismo
impôs às sociedades nos planos mundial, nacional e local nos últimos anos: 1) o
dilema econômico, decorrente da mundialização da economia e sua mais nova
faceta, o neoliberalismo; 2) o dilema político, resultado do apequenamento do
Estado; 3) o dilema social, conseqüência das enormes desigualdades sociais e 4) o
dilema cultural, decorrente da globalização.
Apesar da importância fundamental de se estabelecer discussões
aprofundadas dos dilemas supracitados, este trabalho se propõe somente a situá-las
no contexto deste objeto de estudo, ou seja, a visão de mundo da intervenção da
Comissão Pastoral da Terra (CPT) nos planos nacional e local.
1.2 Alguns dilemas da civilização capitalista contemporânea
xxi
A civilização capitalista neste início de milênio tem procurado impor de forma
incisiva a todas as sociedades, tanto do ocidente quanto do oriente, tanto do norte
quanto do sul, padrões de comportamento e relações que dificultam e por vezes,
impedem formas de organizações locais que busquem resistir a essa lógica.
Neste sentido, a busca de sua compreensão deve ser entendida a partir de
sua complexa teia de relações, envolvendo, dentre outros, os processos
econômicos, sociais, políticos e culturais. Pensar cada um desses processos
isoladamente é um equívoco, pois eles se inter-relacionam como se formassem uma
espécie de feixe, com feições próprias, porém agindo de maneira integrada.
Nos últimos séculos, pôde-se observar um processo de expansão vertiginoso
do capitalismo. Ele transpôs as fronteiras européias atingindo longínguas regiões da
Ásia, América, África e Oceania. A modernidade burguesa estabelecia as bases
para mais um passo rumo à hegemonização, configurando-se como a mundialização
da economia e sua mais recente faceta: o neoliberalismo.
A expressão mundialização da economia, simplificadamente, refere-se ao
resultado da multiplicação e da intensificação das relações que se estabelecem
entre os agentes econômicos situados nos mais diferentes pontos do espaço
mundial. A expressão globalização, por sua vez, diz respeito ao processo de
reestruturação hegemônica da cultura. Assim, em relação à mundialização e
globalização, se constata uma bem sucedida construção de racionalidade a serviço
dos interesses do grande capital em detrimento das populações locais (mormente as
tradicionais) que em, a cada dia, os exíguos recursos garantidores de
sobrevivência, lhes ser subtraídos para atender às exigências desse mesmo grande
capital.
xxii
Para Celso Furtado (1998), a progressão de vários fenômenos novos, tais
como a indústria cinematográfica, as redes de fast food, o capital especulativo e sua
alta volatilidade, entre outros, envolvem uma dimensão que ultrapassa as fronteiras
nacionais dando origem a uma série de interpretações acadêmicas que
incorporaram os termos mundialização e/ou globalização. No entanto, a expressão
mundialização da economia se refere à fase do desenvolvimento do sistema
econômico capitalista, caracterizada pelo predomínio da dimensão econômica que
ultrapassa o quadro nacional e que vai além da dimensão internacional tradicional.
Em suma, a mundialização da economia é um componente a mais do sistema
capitalista que, juntamente com a globalização cultural, tem no neoliberalismo sua
maior expressão e apresenta-se como mais um dilema a ser compreendido.
O neoliberalismo, expressão relativamente recente, configura-se como mais
um desafio relacionado ao dilema econômico. Este visa, prioritariamente, o
fortalecimento do grande capital e a diminuição da presença do Estado na economia
e na sociedade.
De acordo com o estudo realizado por Dorli Marques (2005), a história do
neoliberalismo remonta ao ano de 1947, quando na cidade suíça de Mont Pélerin,
reuniram-se empresários e intelectuais liberais com dois objetivos básicos: a) rever
as teses keynesianas que propunham a necessidade do Estado tomar a dianteira no
processo de recuperação da economia em um cenário pós-guerra; b) defender a
criação de um fundo internacional de crédito com o objetivo de garantir a
continuidade da acumulação capitalista.
Esses objetivos foram traduzidos em algumas ações concretas por parte dos
Estados, quais sejam: a) diminuição do papel econômico do Estado em sentido
estrito, reduzindo sua presença às funções de repressão, de segurança e de
xxiii
legitimação jurídico-institucional, ou seja, reduzindo-o a formulador de políticas de
saúde, segurança e educação sem, necessariamente, ser responsável pelos
investimentos necessários à sua implementação e b) restrição à participação dos
representantes das parcelas mais pobres da sociedade, incluindo-se aí os que lutam
pela posse da terra e da água. Na perspectiva dessa racionalidade, as demandas e
os conflitos sociais, quando muito, são deixados de lado ou, o que é mais comum,
são tratados como casos de polícia.
Durante os anos 70 do século XX, apesar de todo o esforço de resistência por
parte de setores sociais engajados em defesa das causas operárias e camponesas,
a onda neoliberal aportou de vez no Brasil, trazendo no seu bojo propostas de
reestruturações produtivas, notadamente a onda de privatizações e a submissão do
Estado brasileiro aos ditames do Fundo Monetário Internacional (FMI), ampliando
ainda mais as desigualdades sociais.
De acordo com o autor supracitado, em novembro 1989 ocorreu em
Washigton DC, EUA, um simpósio intitulado International Institute for Economy. Esse
simpósio, que mais tarde ficou conhecido por Consenso de Washington, representou
um marco danoso para as parcelas mais pobres da população brasileira. Nesse
encontro, funcionários do governo dos Estados Unidos da América (EUA) e dos
organismos internacionais, além de economistas latino-americanos, aprovaram um
conjunto de reformas que levaram à diminuição da presença do Estado na economia
e também a busca por metas de superávit primário, consideradas por eles
essenciais para que a América Latina superasse a crise econômica e retomasse o
caminho do crescimento.
Diante de um diagnóstico de dívida externa elevada, pequeno crescimento
econômico, inflação crescente, recessão e desemprego, ganharam força as
xxiv
correntes de pensamento que defendiam um conjunto de medidas técnicas em favor
da economia de mercado. Essas medidas ficaram conhecidas como neoliberais e
foram aplicadas, inicialmente, no programa de governo de Margareth Thatcher, no
Reino Unido, a partir dos anos 80. Tendo como eixo central o combate ao poder dos
sindicatos e a redução do papel do Estado na economia, historicamente conhecido
como construção de um Estado mínimo, empregou-se o receituário neoliberal:
privatização das empresas estatais, flexibilização da legislação trabalhista, redução
da carga fiscal e abertura comercial.
Nesse contexto, enquanto os países dominantes geravam ainda mais
investimentos, os países dependentes, dentre eles o Brasil, tomavam emprestado
um volume crescente de dinheiro para, dentre outras medidas liberalizantes,
modernizarem a agricultura o que, na prática, deixava de lado as formas tradicionais
de produzir, forçando milhares de famílias camponesas a abandonarem suas terras
e migrarem para as periferias dos grandes centros urbanos.
Com o compromisso de pagar os empréstimos a qualquer custo, o governo
brasileiro vem empreendendo uma busca incessante de superávit primário para
possibilitar o pagamento destes empréstimos. Esta lógica tem sido uma das
principais responsáveis pela exposição ao risco máximo de morte de milhões de
homens, mulheres, jovens, adolescentes e crianças camponesas. Como resultado,
tem-se o apequenamento do Estado Brasileiro ao que Perry Anderson (1996, p. 18)
classificou como “diminuição de soberania, autoridade, legitimidade e
responsabilidade, diminuindo, portanto, as obrigações até então exclusivas dele”.
O aspecto cultural se apresenta como outra faceta dessa racionalidade
capitalista, tendo na globalização uma das estratégias mais devastadoras para as
populações empobrecidas. As discussões referentes à temática globalização
xxv
revestiram-se de um novo significado a partir da publicação dos estudos de Marshall
McLuham e Bruce Powers (1989), acerca do conceito de Aldeia global, por eles
compreendida como processo de massificação das informações no plano mundial.
Octávio Ianni (1999) aprofunda esta discussão resgatando a metáfora aldeia
global de McLuham e Bruce Powers, situando historicamente o surgimento dessa
nova realidade, em meados do século passado, quando a mídia revolucionou o
mundo da cultura, transformando radicalmente o imaginário de todo o mundo ao
difundir, em escala mundial, produções locais, regionais e nacionais. No entanto, ao
invés de se tornar um instrumento de democratização do saber e de valorização das
produções culturais locais, regionais e nacionais, o que se observou foi uma mídia
se tornando em algo que o autor classifica como:
Singular e insólito intelectual orgânico, articulado a organizações e empresas
transnacionais predominantes nas relações, nos processos e nas estruturas de
dominação política e apropriação econômica que tecem o mundo, em
conformidade com a “nova ordem econômica mundial” (IANNI 1999, p. 95).
O autor denuncia que as pessoas são coisificadas, tornando-se mero dado
estatístico, um objeto. Desapareceram muitas das manifestações locais, e com elas
seus significados e significantes com o único intuito de enquadrá-las às exigências
dos espetáculos mediados pelas redes eletrônicas, comercialmente lucrativas, numa
evidente submissão aos ditames do mercado. “A faceta cultural da globalização
tende a produzir verdadeiros monstrengos culturais e pastiches simulacros e
virtualidades” (IANNI, 1999, p. 97).
Para dar conta desse complexo sistema de signos, símbolos, linguagens,
metáforas, emblemas e alegorias, configurando o que o autor chama de hipertexto,
faz-se necessário um aparato de profissionais, tais como pesquisadores, analistas,
estrategistas, executivos, consultores, técnicos etc., formados nas mais diferentes
xxvi
áreas que propõem uma nova racionalidade. Caso contrário, diante dessa
massificação, a tendência da opinião pública é de, aos poucos, ir se conformando,
pois “os signos, os símbolos, os emblemas, as figuras, as metáforas, as parábolas e
alegoria são produzidas e divulgadas como a realidade do acontecido acontecendo
no momento momentoso em qualquer parte do mundo” (IANNI, 1999, p. 103).
Octávio Ianni traz à baila a discussão da mídia como intelectual orgânico da
globalização, resgatando a obra política de Maquiavel, O Príncipe, na qual o
personagem vende-se como um virtuoso, com todas as condições para governar
uma nação. Octávio Ianni conclui que a mídia, seguidamente, dentro desse espírito
do personagem de Maquiavel, vende-se aos olhos dos incautos e todos nós o
somos, em alguma medida - a imagem de poço do saber, do ser e do agir da
sociedade.
O autor chama a atenção também para o fato de que essa verdadeira “Babel
global” (IANNI, 1999, p. 106) em que se transformou o mundo globalizado das
comunicações requererem uma língua também global.
Nesse sentido, até mesmo as línguas, que historicamente representaram a
possibilidade de existência dos muitos modos de ser, pensar, agir, sentir, imaginar e
fabular, expressões das singularidades dos muitos grupos humanos, formas de
resistência e elemento vital no processo de construção da comunicação m sendo
paulatinamente desfigurada por uma única língua: a Inglesa.
Poder-se-ia afirmar, parafraseando Octávio Ianni, que “o processo de
desenvolvimento do capitalismo é simultaneamente um processo de racionalização”.
Neste contexto extremamente adverso para as populações empobrecidas
emerge um dos dilemas fundamentais do mundo contemporâneo: a asfixia que a
racionalidade do grande capital impõe à natureza na medida em que o modelo
xxvii
desenvolvimentista até então predominante, demanda cada vez mais oferta de
matérias-primas e energia, independentemente do impacto que esta prática impunha
à natureza e, principalmente, às comunidades que dela dependem para sobreviver.
Este dilema nos remete a discussão dos limites do conceito de
desenvolvimento em sentido clássico que tem no próprio crescimento econômico
sua pedra de toque para se pensar as possibilidades de uma outra concepção de
desenvolvimento o desenvolvimento sustentável que leve em consideração as
populações tradicionais, numa perspectiva diferenciada, na qual os(as) caboclos(as)
e os(as) ribeirinhos(as) e as comunidades indígenas sejam os protagonistas desta
discussão.
BOX 1
AS ESTAÇÕES DO SURGIMENTO E FORMAÇÃO DO CONCEITO DE
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
A trajetória de construção do conceito de desenvolvimento sustentável passou por
importantes estações de discussão: 1) A contribuição do Clube de Roma: a tese dos
limites do crescimento (1972). Tanto a reunião de Roma, quanto a Conferência de
Estocolmo geraram relatórios que indicavam os riscos da degradação do meio ambiente.
Esta degradação teria se iniciado a partir dos anos 60 e se intensificado nos anos 70.
Coordenados por Dennis Meadows, as teses e conclusões básicas dos cientistas do Clube
de Roma afirmam que se as atuais tendências de crescimento da população mundial
industrialização, poluição produção de alimentos e diminuição de recursos naturais
continuarem imutáveis, os limites de crescimento do planeta serão alcançados algum dia
dentro dos próximos cem anos. Tais teses geraram muitos questionamentos, tanto por parte
dos defensores do desenvolvimentismo que viram nelas entraves ao desenvolvimento
econômico, quanto por parte de intelectuais do cone sul que questionaram ser um discurso
para impedir que os países em desenvolvimento trilhassem o desenvolvimento como fizeram
os países industrializados. 2) Uma Nova Proposta: Ecodesenvolvimento (1973). O
canadense Maurice Strong propôs uma concepção alternativa de desenvolvimento,
denominada por ele de ecodesenvolvimento. Esta tese integrava seis aspectos que deveriam
ser observados para a construção do desenvolvimento: a) a satisfação das necessidades
básicas; b) a solidariedade com as gerações futuras; c) a participação da população
envolvida; d) a preservação (conservação) dos recursos naturais e do meio ambiente em
geral; e) a elaboração de um sistema social garantindo emprego, segurança social e respeito
a outras culturas, e f) programas de educação. Atualmente, Sachs usa o termo
ecodesenvolvimento como sinônimo de desenvolvimento sustentável. 3) A Declaração de
Cocoyok (1974) Esta foi resultado de uma reunião da Conferência das Nações Unidas sobre
Comércio-Desenvolvimento (UNCTAD) e do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas
(UNEP). Ela destacou as seguintes questões: a) a explosão populacional tem como uma das
suas causas a falta de recursos de qualquer tipo; pobreza gera desequilíbrio demográfico; b)
a destruição ambiental nas regiões pobres do globo é também resultado da pobreza que leva
a população carente à superutilização do solo e dos recursos vegetais; c) os países
industrializados contribuem para os problemas do subdesenvolvimento por causa o seu nível
exagerado de consumo. 4) O Relatório Dag-Hamammarskjölld (1975) O relatório desta
xxviii
fundação aprofunda as posições de Cocoyok e aponta para a problemática do abuso de
poder e a interligação com a degradação ecológica. Ele mostra que o sistema colonial
concentrou os solos mais aptos para a agricultura nas mãos de uma minoria social e dos
colonizadores europeus. O relatório, assim como o texto de Cocoyok acredita na
possibilidade do desenvolvimento a partir da mobilização das próprias forças dos atores
sociais envolvidos (self-reliance). 5) Sustentabilidade como Estratégia de
Desenvolvimento: o Relatório Brundtland (1987) Afirma que o desenvolvimento
sustentável é aquele que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a
capacidade das futuras gerações satisfazerem as suas próprias necessidades. Ele sublinha a
interligação entre economia, tecnologia, sociedade e política e chama a atenção para uma
postura ética no tocante ao meio ambiente. O relatório apresenta uma lista de obrigações
dos Estados Nacionais, além de obrigações no nível internacional. Tem um tom nitidamente
diplomático, evitando afirmativas mais contundentes. Este relatório é questionável na medida
em que atrela o desenvolvimento das regiões pobres do globo ao crescente desenvolvimento
das áreas ricas. 6) A UNCED no Rio (1992) Os resultados da Conferência do Rio de Janeiro
em junho de 1992 foram criticados em 1993, por um outro relatório, do Worldwatch
Institute. Segundo este relatório, a falta de um mecanismo que obrigasse os maiores
emissores de CO2 na atmosfera, notadamente os EUA, tornaram a Rio-92 em um encontro
que somente gerou boas intenções. Apesar dessas restrições a UNCED registrou o
crescimento da consciência sobre os riscos que o modelo atual de desenvolvimento
capitalista representa. 7) Rumo a uma Nova Teoria do Desenvolvimento? (hoje - 2006) O
conceito de desenvolvimento sustentável apresenta hoje uma conotação extremamente
positiva. O tripé da Nova Filosofia do Desenvolvimento que combina eficiência econômica,
justiça social e prudência ecológica sinalizam uma alternativa às teorias de desenvolvimento
anteriores (BRÜSEKE, 2003, p. 29-40).
1.2. 1 Meio ambiente e desenvolvimento sustentável
Não é possível procrastinar a revisão das bases conceituais sobre as quais a
racionalidade econômica moderna se constituiu.
BOX 2
O(S) SENTIDO(S) DA RACIONALIDADE DO MUNDO OCIDENTAL
Desde o princípio, o processo de desenvolvimento do capitalismo é
simultaneamente um processo de racionalização. Com o vaivém, de permeio às mais
surpreendentes situações, juntamente com as relações, os processos e as estruturas
próprias do capitalismo, ocorre o desenvolvimento de formas racionais de organização
das atividades sociais em geral, compreendendo as políticas, as econômicas as jurídicas,
as religiosas, as educacionais e outras. Aos poucos, as mais diversas esferas da vida
social são burocratizadas, organizadas em termos de calculabilidade, contabilidade,
eficácia, produtividade, lucratividade, juntamente com o mercado, a empresa, a cidade, o
Estado e o direito, também as atividades intelectuais são racionalizadas [...]. Com
freqüência a dominação racional está convivendo com a dominação tradicional e a
dominação carismática [...]. Note-se, pois, que o capitalismo compreende todo um vasto
complexo processo social, econômico, político e cultural. Ainda que possa ser
caracterizado pela racionalização das ações e relações, das instituições e organizações,
para que esta racionalização ocorra e desenvolva torna-se indispensável que se
modifiquem práticas e ideais, padrões e valores sócio-culturais (IANNI, 1999, p. 145-167).
xxix
No rastro dessas bases ficaram a destruição de biomas, o extermínio de
identidades culturais de populações tradicionais e a ampliação das desigualdades
sociais. Essas situações são hoje uma marca característica dos países
empobrecidos pelo grande capital. Neste sentido, ao analisar a origem do
subdesenvolvimento, Paolo Bifani apud (LEFF, 2000, p.19) afirma que:
Uma vez que o capital alcançou um certo grau de desenvolvimento de
elevação na sua composição orgânica sua reprodução ampliada requer novas
fontes de acumulação que lhe permitem ampliar as taxas de mais-valia. A
apropriação dos recursos naturais dos países tropicais e a exploração dos
trabalhos das populações indígenas das regiões colonizadas pelos países
europeus cumpriu esta função estratégica do Capital. Assim, foi-se gerando um
processo de subdesenvolvimento como resultado da divisão internacional do
trabalho, da troca desigual de mercadorias e a degradação ambiental gerados no
processo de mundialização do capital.
Coerentemente com essa lógica de pensamento, o fosso entre os países ricos
e pobres é explicado em grande parte pelo processo de exploração humana e dos
recursos naturais a que os países empobrecidos pelo grande capital estão
submetidos, além da transferência de recursos para esses países ricos. Essa é uma
das principais razões do subdesenvolvimento, definido por Leff (2000, p. 21) como
sendo:
o efeito da perda do potencial produtivo de uma nação, devido a um processo de
exploração e espoliação que rompe os mecanismos ecológicos e culturais, dos
quais depende a produtividade sustentável das suas forças produtivas e a
regeneração de seus recursos naturais.
Outro componente fundamental do sistema capitalista é a constante
expansão das suas fronteiras. A lógica da acumulação demanda cada vez mais
espaços e aumento de produtividade. Nessa trajetória de crescimento a qualquer
custo, os danos ambientais, humanos e sociais são enormes. Exemplos clássicos
desses processos destrutivos são as ações predatórias aos biomas do Brasil,
notadamente na Mata Atlântica, no Cerrado e, mais recentemente, na Amazônia.
A fronteira da soja no Mato Grosso, Tocantins, Maranhão, sul do Pará, e sul
do Amazonas tomam proporções gigantescas. Em todos esses espaços as
xxx
populações locais que tentam resistir e nesse processo pagam um preço muito alto,
muitas vezes com a própria vida. Diante dessa dura realidade, grupos da sociedade
civil organizada, dentre estas a Comissão Pastoral da Terra (CPT)
1
, tem sido
parceiras das populações locais nas lutas de resistência.
Enrique Leff (2000) critica a tecnoestrutura
2
transferida aos países
subdesenvolvidos como uma das responsáveis por uma inversão cultural no tocante
aos processos produtivos. A produção gerada nessas bases vem causando danos
irreversíveis aos ecossistemas naturais, além de promover a expulsão das
populações que neles vivem. Soma-se o custo social e ambiental do modelo agro-
exportador brasileiro. Exemplos desta situação são os mega-projetos existentes na
Amazônia como o Projeto Jarí, o Projeto Balbina, o Projeto Grande Carajás, o
Projeto Pitinga etc. Estes projetos se configuram como enclaves na medida em que,
com o apoio do Estado, se apropriaram de enormes áreas que, historicamente,
pertencem aos grupos locais e instalaram projetos com volumosas somas de
recursos financeiros, quase sempre financiados pelo Poder Público e pelo capital
internacional. Às populações locais sobram ecossistemas depredados, doenças,
conflitos, identidades destruídas etc.
Diante dessas situações, Enrique Leff (2000) propõe uma nova racionalidade
ambiental
3
que possibilite às populações locais construir um modelo de
desenvolvimento alternativo ao produtivismo neoliberal hegemônico. O que está
1
A CPT é uma organização da sociedade civil pertencente ao terceiro setor, criada em 1975 por
pessoas ligadas à Igreja Católica e outras Igrejas, com intuito de trabalhar em prol das comunidades
rurais e ribeirinhas marginalizadas pelo grande capital.
2
Segundo Enrique Leff (2000) o termo tecnoestrutura refere-se aos mecanismos produtivos utilizados
nas lavouras comerciais (plantations), extremamente danosas ao meio ambiente, e que considera o
lucro acima de qualquer outro aspecto.
3
Enrique Leff (2000) ressalta ser vital para as populações tradicionais a instauração de novos
mecanismos produtivos nos quais o lucro econômico não desponte como prioridade máxima, e sim, a
possibilidade de produzir sem agredir o meio ambiente, no intuito de conservar a vida tanto no presente
quanto no futuro.
xxxi
posto na Amazônia atualmente gera dependência tecnológica, degradação
ambiental e perda da qualidade de vida. A CPT comunga desta visão.
Este é um problema com contornos não apenas físicos e técnicos como é
comumente colocado pelas agências de desenvolvimento e muitos intelectuais do
primeiro mundo, mas também com contornos sócio-culturais na medida em que há a
destruição das culturas locais.
As organizações de defesa das populações locais, - dentre elas a CPT e os
movimentos sociais - têm proposto a construção de uma racionalidade ambiental
alternativa, que incorpore os saberes desses sujeitos às tecnologias existentes.
Nesse movimento, percebe-se a preocupação com a eqüidade e a justiça social.
Essa reapropriação social da natureza (LEFF, 2000) seria uma alternativa viável à
crise ambiental geradora de pobreza e desigualdade social.
BOX 3
A NATUREZA SOCIAL DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
Os movimentos sociais devem ser vistos dentro de um contexto maior, que é o
social em sua totalidade. Quem os gera? Por que se desenvolvem? Qual seu alcance?
Quais seus limites? É necessário, portanto, reconstituir o locus em que tais propostas e
ações são construídas e as determinações que operam no processo de sua
institucionalização porque as propostas dos movimentos sociais não dependem apenas
da vontade política de seus atores, mas das condições históricas em que eles operam.
E as condições históricas, que definem e caracterizam a ordem social, não dependem
exclusivamente de situações conjunturais, já que estas são expressões de movimentos
de longa duração que definem os princípios e regulam o processo de socialização.
Portanto, os movimentos sociais não podem ser considerados a partir de si mesmos. As
formas políticas e institucionais / estruturais da sociedade delimitam também os
espaços e as ações dos movimentos sociais. Por isso, seu enfraquecimento,
fortalecimento e redirecionamento não dependem da vontade política de suas bases
nem da vitalidade interna da organização e sim das condições históricas e estruturais
que lhes são oferecidas [...] De um ponto de vista social, os setores populares são
constantemente mantidos em posição subalterna e tutelados pelas elites mediante a
reprodução da estrutura social e a imposição de arranjos políticos que muitas vezes são
capazes de tudo para que nada mude. A “desorganização” pode estar relacionada ao
princípio de uma nova organização. Deste modo, o que antes era organizado, num
contexto de mudanças e transformações, passa a ser desestruturado. É o caso das
tradicionais unidades sociais dos sem-teto e dos sem-terra submetidos a um processo
de ressocialização. Neste sentido fica evidente que o existente são processos sociais e
as definições estão sempre relacionadas a ordenamentos históricos. Assim, as
organizações e mobilizações populares devem ser apreendidas e interpretadas na
perspectiva de novos ordenamentos sociais e não na ótica do instituído. Deste modo,
organização e desorganização devem ser vistos como formas de a sociedade articular
xxxii
as forças que a compõem. Não necessariamente se negam, pelo contrário, se
determinam e articulam reciprocamente imprimindo à sociedade um movimento que é
peculiar. Outro mito que deve ser desfeito para poder decifrar o caráter dos movimentos
sociais é o da resistência às mudanças que atrasaria a modernização do país. Nas
interpretações relativas à formação e modernização da sociedade brasileira, foram
construídos conceitos como “atraso”, “lentidão”, “desenvolvimento tardio”, entre outros,
ligados à categoria tempo, que tiveram notável repercussão e, de diferentes maneiras,
estão presentes em vários estudos. Colocam frente a frente, em oposição ou articuladas
num original processo, múltiplas, diferenciadas e complexas configurações sociais. O
que sempre está em causa são as mudanças acontecidas e em curso e,
concomitantemente, a dificuldade que determinados ordenamentos sociais teriam de
deixar para trás antigas condições e assumir novas. Fala-se, assim, de permanência e
reprodução do tradicional que, na visão de alguns, representaria um empecilho ao
desenvolvimento e à modernização da sociedade. (MANSUETO, 2006, p. 34-38). O
social é concebido como um conjunto de relações sociais comandadas por uma dialética
opressão-libertação. Na sociedade, tanto no plano individual quanto no plano grupal, as
relações sociais são mediadas por relações de poder. O fenômeno da opressão e do
reagir à opressão é uma constante no comportamento humano [...]. Podemos falar em
diversas formas de opressão: econômica, política, cultural, ideológica, psicológica etc
[...]. A contra-opressão pode se expressar de várias formas: lutas mais ou menos
violentas, reivindicações, pressões, apatia ou mesmo alienação [...]. Quando os grupos
se organizam na busca de libertação, ou seja, para superar alguma forma de opressão e
para atuar na produção de uma sociedade modificada, podemos falar na existência de
um movimento social (SCHERER-WARREN, 1999, p. 8-9).
Daí a relação entre a lógica econômica e social, e a questão ecológica.
Enquanto as posições hegemônicas defendem técnicas que depredam o ambiente,
desconsideram as populações locais e postulam um eficienticismo na relação com
os recursos naturais, a propostas alternativas de produção estão preocupados com
processos socialmente justos, que modifiquem o modelo capitalista de iniqüidade
social e que permita a incorporação dos saberes e práticas populares. Enrique Leff
(2000) considera essas alternativas como promotoras de uma nova tecnologia,
conceituada por ele como ecotecnologia, isto é, tanto a tecnologia quanto as práticas
delas decorrentes devem ser ecologicamente sustentáveis.
Assim, a busca de uma racionalidade ambiental é mais que uma proposta
técnica, ela é um caminho de lutas sociais e mobilizações pela reapropriação da
natureza.
xxxiii
Uma nova ética deverá surgir desses processos onde a autonomia, a
autogestão e a democracia deverão estar presentes. Um movimento que surja de
baixo para cima, e que confronte a racionalidade econômica dominante e sua lógica
de mercado com o projeto ambientalista de reapropriação social da natureza.
Este movimento é uma das principais bandeiras de luta da sociedade civil,
organizações que se fortaleceram nas lutas por uma nova racionalidade para além
da lógica do capital.
1.3 O papel da sociedade civil na vida contemporânea
A expressão sociedade civil ressurgiu com bastante força nos anos 80. No
entanto, seu uso indiscriminado, notadamente após a onda neoliberal que assolou o
mundo nas duas últimas décadas, ofuscou sua abrangência e significado, o que tem
dificultado uma compreensão mais clara de como esta expressão está imbricada nas
discussões contemporâneas, notadamente aquelas relacionadas às políticas
públicas, ao mundo do trabalho, aos movimentos sociais e à atuação das
Organizações Não-Governamentais (ONGs), dentre estas a CPT.
A história do conceito sociedade civil remonta às concepções clássicas dos
gregos e romanos, num período em que as preocupações com as formas
organizativas dos grupos humanos empolgavam os cidadãos nas discussões em
praça pública. De acordo com Nicola Abbagnano (1998) é possível encontrar
referência ao termo nas teorias jusnaturalistas
4
do século XVII, uma clara influência
4
Seguidores da doutrina segundo a qual existe e pode ser concebido um “direito natural”(ius naturle), ou seja,
um sistema de normas de conduta intersubjetiva diverso do sistema constituído pelas normas fixadas pelo Estado
(direito positivo). (BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola & PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de
Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1983, p. 655).
xxxiv
do conceito de sociedade herdada do estoicismo
5
grego e legada ao ocidente pelos
textos dos escritores latinos – especialmente de Cícero.
Para os jusnaturalistas do século XVII o conceito de societas civilis deveria
ser usado em contraposição ao de societas naturalis, Tem-se, assim, a expressão
Sociedade Civil como sinônimo de sociedade política e, portanto, de Estado.
Esta formulação permite concluir que antes da instituição da sociedade civil,
os homens se relacionavam com base apenas nas leis naturais. De acordo com
John Locke (apud OLIVA, 2004, p. 01) muito existe uma clara distinção entre
sociedade natural e sociedade política, qual seja:
aqueles que se reúnem numCorpo e adotam uma Lei comum estabelecida e
uma Magistratura à qual possam apelar para resolver controvérsias entre eles e
punir os ofensores convivem numa Sociedade Civil enquanto que os que não
têm semelhante instância comum [...] estão ainda no estado de natureza.
A Sociedade Civil, nesse momento histórico compreendido como o Estado,
surge, então, em contraposição ao estado natural, garantindo aos indivíduos direito
à paz, à liberdade, à propriedade, à segurança, direitos esses ameaçados pelos
conflitos existentes no estado natural.
Com Karl Marx, no séc. XIX, ocorre uma dicotomização entre os conceitos de
sociedade e de estado. A sociedade natural dos jusnaturalistas e a sociedade civil
de Marx indicam a esfera das relações econômicas intersubjetivas, ou seja,
indivíduo/indivíduo, ambos independentes, abstratamente iguais, contrapostas à
esfera das relações políticas, que são relações de domínio.
Para Norberto Bobbio (1992), a sociedade, da qual o Estado é o supremo
regulador, não é uma sociedade natural, mas uma sociedade determinada,
5
Participantes da escola filosófica grega do período helenístico. Compartilhavam da idéia do primado da questão
moral sobre as teorias e o conceito de filosofia como vida contemplativa acima das preocupações e das emoções
da vida comum. (ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Pulo: Martins Fontes, 1998, p. 375).
xxxv
caracterizada por certas formas de produção e de relações sociais. Portanto o
Estado, aqui compreendido como comitê da classe dominante, em vez de ser a
expressão de uma exigência universal e racional, é a repetição dos interesses
particularistas. O Estado não se apresenta mais como superação da sociedade civil,
mas como o simples reflexo e sustentáculo dela.
O autor supracitado aprofunda essa idéia, discutindo três elementos
fundamentais da doutrina de Karl Marx acerca do Estado: a) o Estado como
aparelho coercitivo - concepção instrumental de Estado, oposta da concepção
finalista ou ética; b) o Estado como instrumento de dominação de classes, comitê
para administrar os negócios da burguesia, uma concepção, portanto, particularista
oposta à concepção universalista própria das teorias do direito natural; c) o Estado
como subordinado à sociedade civil, é a sociedade que condiciona e regula o
Estado, uma concepção negativa oposta à concepção positiva própria do
pensamento racionalista.
Portanto, como aparelho coercitivo, particularista e subordinado, o Estado não
é o momento último do movimento histórico, algo que não possa ser ulteriormente
superado: o Estado é uma instituição provisória.
O processo de pensamento que se inicia com a concepção do Estado que
suprime o estado da natureza termina quando surge e ganha força a teoria segundo
a qual o Estado, por sua vez, deve ser suprimido.
Esta concepção trazida à baila por Marx vai ser bastante discutida nos
estudos de Antônio Gramsci (1979), intitulados Cadernos do Cárcere. Antônio
Gramsci viveu na Itália entre 1891-1937 e experimentou momentos históricos
marcantes do século passado: a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa, os
levantes operários na Europa, a formação de grandes partidos políticos, a
xxxvi
consolidação de regimes totalitários, a depressão econômica de 1929, a afirmação
dos Estados Unidos como potência hegemônica mundial, dentre outros.
BOX 4
RELAÇÃO ENTRE SOCIEDADE E ESTADO EM GRAMSCI
A unidade histórica das classes dirigentes se no Estado e sua história é
essencialmente a história dos Estados e dos grupos de Estados. No entanto, não se deve
acreditar que aquela seja uma unidade puramente jurídica e política, ainda que esta forma
de unidade tenha a sua importância e não seja apenas formal: a unidade histórica
fundamental, por sua concretude, é o resultado das relações orgânicas entre Estado, ou
sociedade política, e “sociedade civil”. As classes subalternas, por definição, não são
unificadas e não podem se unificar enquanto não podem se tornar “Estado”: sua história,
portanto, é entrelaçada àquela da sociedade civil, é uma função “desagregada” e
descontínua da história da sociedade civil e, por este trâmite, da história dos Estados ou
grupos de Estados”. E acrescenta: “A história dos grupos sociais subalternos é
necessariamente desagregada e episódica. Não pairam dúvidas quanto ao fato de que na
atividade histórica destes grupos existe a tendência à unificação, ainda que em planos
provisórios, mas esta tendência é constantemente quebrada pela iniciativa dos grupos
dominantes, e, portanto, pode ser demonstrada somente quando o ciclo histórico estiver
completado, se este se concluir com sucesso. Os grupos subalternos sempre sofrem a
iniciativa dos grupos dominantes, mesmo quando se rebelam e insurgem; somente a vitória
“permanente” quebra, e não de imediato, a subordinação. Na realidade, mesmo quando
parecem triunfar, os grupos subalternos estão tão somente em estado de defesa alarmada
[...] (GRAMSCI, 1979, p. 243).
Nesse contexto de profundas mudanças na geopolítica mundial, Antônio
Gramsci, contrariando os que pensavam que o ideal para a superação da grave
crise geopolítica e histórica fosse a afirmação de um Estado forte, com soluções
fascistas e tendentes à centralização do poder, sustentava que uma nova civilização
poderia emergir pelo ingresso na história das massas livres e democraticamente
organizadas.
Para Antônio Gramsci, os sistemas modernos de políticas democráticas se
medem justamente pela capacidade de desenvolver uma ampla e dinâmica
sociedade civil que permita expressar plenamente as aspirações e a participação
dos diferentes setores da vida coletiva.
xxxvii
O que interessa, portanto, não é tanto a consistência do aparelho de Estado
ou o vigor econômico de grupos privados, mas a criatividade e a articulação entre as
diversas associações da sociedade civil, com os indivíduos aprendendo a política do
autogoverno e a gestação de valores democráticos.
Nesse sentido, o Estado, os partidos e as diversas instituições existentes são
entendidos como superáveis pela sociedade regulada, o lugar onde as massas
podem encontrar as condições para se tornarem sujeitos livres e socializados. Por
isso, a verdadeira função de um Estado democrático deve ser "ética, educativa, de
impulso histórico, de elevação intelectual e moral das massas". (GRAMSCI,1979, p.
69).
Antonio Gramsci não se afasta do marxismo, mas se diferencia das
interpretações usuais pela insistência sobre a construção de sujeitos historicamente
ativos e organizados que procuram conquistar a hegemonia fazendo uso dos
métodos da democracia, subtraindo-a progressivamente à esfera de influência da
burguesia.
Por isso, mais do que evidenciar os equívocos do capitalismo, Gramsci
confere uma ênfase particular à criatividade e à capacidade de iniciativas que as
classes subalternas devem aprender a desenvolver. Mais do que a preocupação em
resistir à opressão, as classes subalternas são chamadas a buscar formas para sair
da submissão, reinventando as bases de uma nova sociedade.
A idéia gramsciana de sociedade civil espelha a nova situação, através da
qual procura a plena expansão das individualidades e diferenciações, mas acomoda,
também, acima de tudo, os fatores capazes de promover agregações e unificações
superiores. Segundo Bobbio (1992, p. 98)
a idéia gramsciana de sociedade seria a sede de múltiplos organismos
"privados", mas nem por isto menos estatais. Seus integrantes estariam
xxxviii
dispostos como vetores de relações de força, como agentes de consenso e
hegemonia, candidatos a "se tornar Estado”.
O próprio Gramsci (1979) esclareceu que o ato de governar consiste em
buscar o consenso dos governados, mas não apenas como consenso genérico e
vago que se afirma no instante das eleições, e sim como consenso organizado.
A política representa fator de mediação, um campo onde se combinam atos,
regras e instituições voltadas para a conquista do poder.
Para ele, o Estado seria o principal motor de agregação e unificação das
sociedades. Isso significa dizer que a política seria o locus da ética do coletivo,
que se destinava a viabilizar uma integração da virtude privada e da virtude pública,
dos interesses particulares e da vontade geral, do Estado e da sociedade.
Hodiernamente, tem se verificado uma tentativa de associar a idéia de
sociedade civil à idéia de Terceiro Setor.
É fato que o conceito de sociedade civil está na base teórica do chamado
terceiro setor, entendido como um vasto conjunto de organizações sociais voltadas
para o atendimento de necessidades e carências de certos segmentos da população
e unidas por uma mesma legislação reguladora.
Entretanto, conforme postula Carlos Montaño (2002), é preciso atentar para a
diversidade de concepções acerca do conceito de sociedade civil no âmbito do
terceiro setor. Dentre estas, duas concepções merecem destaque: a) para os grupos
de concepção política não conservadora, o terceiro setor é visto como a arena de
ações dos grupos sociais empenhados na implementação de políticas públicas
originadas das demandas sociais históricas e/ou novas, não prescindindo do apoio
do Estado; b) para os grupos adeptos da teoria neoliberal, o terceiro setor é a
instância capacitada para substituir o Estado, trocando as ações públicas
xxxix
permanentes e gerais por iniciativas tópicas ou locais, não necessariamente
coordenadas, tendo em vista uma gradual eliminação da responsabilidade estatal
para com a questão social.
Dessas duas concepções, avalia-se como mais consistente a proposta pelo
grupo não conservador, por sua capacidade de organização e mobilização. Neste
sentido, percebe-se que a CPT se insere nesse espaço de relações.
1.4 A Sociedade civil e o terceiro setor
A conceituação de terceiro setor é uma tarefa complexa devido às inúmeras
denominações que recebe, fruto das várias espécies de organização que o
compõem e da multiplicidade de formas e áreas de atuação. Este vasto conjunto de
organizações privadas, porém sem fins lucrativos, conhecidas genericamente como
organizações do terceiro setor tem, no conceito de sociedade civil, uma de suas
origens.
Apesar de ter raízes históricas na Antiguidade Clássica, o termo terceiro setor
é uma criação contemporânea, resultado dos debates sobre a reforma do Estado
nos anos 80 do século XX. Naquele contexto, o sociólogo britânico Anthony
Guiddens, diretor da London School of Economics apresentou uma teoria propondo
a superação da gida divisão entre o público e o privado, chamando-a de terceira
via.
Nesse sentido, o primeiro setor seria o Estado e o segundo setor, o mercado.
O terceiro setor apresentaria características de ambos. Portanto, genericamente, o
terceiro setor é visto como derivado da conjugação entre as finalidades do primeiro
setor e a metodologia do segundo, ou seja, composto por organizações que visam
xl
benefícios coletivos, são de natureza privada, embora não sejam integrantes do
governo e não objetivam lucros.
A emergência do terceiro setor no Brasil é relativamente recente, remonta aos
anos 70 do século XX. Desde o princípio ele tem suscitado muitos debates. A
expressão foi traduzida do inglês (third sector) e compreende uma gama enorme de
tipos de organizações. Segundo Rubem César Fernandes (1994) essas entidades
configuram-se como organizações, geralmente sem fins lucrativos, criadas e
mantidas com ênfase na participação voluntária num âmbito não-governamental,
dando continuidade às práticas tradicionais de caridade, de filantropia e de
mecenato. Elas foram expandindo o seu sentido para outros domínios graças,
sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas múltiplas
manifestações na sociedade civil.
O terceiro setor engloba organizações como associações, fundações
privadas, institutos, sindicatos, igrejas
6
, federações, confederações, Organizações
Não-Governamentais (ONGs), entidades para-estatais e qualquer outro tipo de
organização privada, mas sem finalidade lucrativa. Pode ser chamado também de o
setor das organizações da sociedade civil.
A fim de melhor compreender a atuação do terceiro setor no Brasil, é
importante discutir o contexto do surgimento das organizações que o compõem,
além de desenvolver uma reflexão sobre as restrições quanto ao seu uso.
Existe no Brasil uma forte relação entre organizações da sociedade civil e
Estado. Esta relação também é clara quando se discute o surgimento dos sindicatos
e das chamadas organizações não-governamentais (ONGs) brasileiras.
6
As igrejas fazem parte do terceiro setor, assim como organizações não governamentais, sindicatos e
todas as organizações sem fins lucrativos, que não pertençam à iniciativa privada nem ao Estado.
xli
Herbert de Souza (apud SANTANA, 1992) referindo-se às ONGs, aponta o
período entre os anos 1960 e 1980 como o marco do seu surgimento. Elas surgiram
em função da luta política da sociedade civil contra a ditadura militar instaurada no
Brasil a partir de 1964. Nesse contexto, elas atuavam muito próximas da
clandestinidade, ligadas aos movimentos sociais de base e alguns setores dentro da
Igreja Católica que assumiam uma posição de crítica e oposição ao Estado
autoritário dos governos militares. As ONGs tinham, portanto, um perfil político
claramente de oposição em relação ao governo, expressa na terminologia “não-
governamental”.
No processo de surgimento das organizações não governamentais, também
teve papel fundamental a influência de organismos internacionais. Miriam Medina
(1997) observa que entre os anos de 1950-60 organismos internacionais começaram
a fomentar um processo de desenvolvimento comunitário em países do Terceiro
Mundo, pressupondo níveis maiores de participação da comunidade. Dentre eles,
pode-se destacar: a Organização das Nações Unidas (ONU), criada após a II Guerra
Mundial; o Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD); o Banco
Mundial; o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); o Fundo das Nações
Unidas para a Infância (UNICEF); a Comissão Econômica para a América Latina e o
Caribe (CEPAL).
Estes organismos internacionais legitimaram as ONG’s, pregaram a
necessidade de apoio político e popular, além de terem incentivado o fortalecimento
da administração local para a concretização de projetos com vistas ao
desenvolvimento comunitário.
Na prática, todo esse aparato foi criado e era imposto por esses organismos,
via controle técnico, econômico, ideológico e político, haja vista os recursos
xlii
financeiros que disponibilizavam para as organizações do terceiro setor, serem,
freqüentemente, condicionados a prazos, cláusulas de compra de pacotes
tecnológicos e contratação de consultores indicados por eles. Estas posturas
assumidas por esses organismos internacionais geraram uma série de críticas de
setores da sociedade, notadamente os das Forças Armadas Brasileiras,
preocupadas com a questão da soberania nacional.
Além de contextualizar o surgimento das organizações não-governamentais,
Miriam Medina (1997) e Maria da Glória Gohn (1997) analisam o perfil das
organizações do terceiro setor ao longo do tempo na América Latina e, no caso
brasileiro, afirmam que nos anos 90 as ONGs ganharam importância por serem
potenciais parceiras do poder público, em decorrência de sua estruturação. Esta
relação de parceria passou a ser estimulada, uma vez que o discurso neoliberal,
fortemente presente na estrutura da administração pública federal brasileira da
época, pressupunha a não presença do Estado em alguns setores para que
houvesse a primazia do mercado.
Ainda segundo Maria da Glória Gohn (1997), nesta mesma época, houve uma
reconfiguração do modelo de financiamento das ONGs, passando-se do
assistencialismo à auto-sustentabilidade. Observou-se naquele momento o
fortalecimento de estruturas nacionais com a criação da Associação Brasileira de
ONGs (ABONG) e da Central de Movimentos Populares (CMP), bem como a
intensificação de movimentos internacionais no Brasil, a exemplo da ONG
ambientalista Greenpeace.
No período em questão, o foco de atuação das ONGs e dos movimentos
sociais sofre mudanças: da luta por transporte, saúde, educação e moradia para a
luta pela sobrevivência física (alimentos e terra); luta por moral e ética política; luta
xliii
por direito à pluralidade (movimentos de gênero, raça e idade); luta por uma
participação na política direta institucionalizada; perspectiva de parceria e não de
oposição ao governo, além destas a possibilidade de participação dos movimentos
sociais na formulação de políticas públicas.
A autora acima citada acrescenta que, apesar de apregoarem autonomia e
independência em relação ao Estado, os fundos públicos permaneceram como os
grandes financiadores das demandas por parte destas organizações.
Neste sentido, reafirmam-se as mudanças nas estratégias das organizações
do terceiro setor e na maneira como estas se relacionavam com o Estado. De uma
maneira geral, estão voltadas agora não mais para a luta contra o autoritarismo do
Estado, como ocorrera nos anos 1960-80, mas para a democratização da
sociedade. Outro aspecto importante das mudanças ocorridas no contexto dos anos
90, refere-se ao fato de que as organizações do terceiro setor passaram a ser mais
claramente identificadas como organizações da sociedade civil.
Apesar de não ser mais novidade, o termo terceiro setor ainda provoca
dúvidas e confusões acerca do seu significado. Representando as organizações da
sociedade civil e sem fins lucrativos, esta conceituação pressupõe a existência do
primeiro setor, representado pelo Estado, e do segundo setor, representado pelo
mercado. O setor governamental seria caracterizado por ações legitimadas e
organizadas via poderes coercitivos. O mercado, por ações que visam ao lucro.
Deste modo, segundo Simone Coelho (2000, p. 37), “o terceiro setor pode ser
caracterizado por atividades nem coercitivas nem voltadas para o lucro, mas que
visam ao atendimento de necessidades coletivas ou públicas”.
Segundo a autora, o termo terceiro setor começou a ser utilizado nos Estados
Unidos, a partir da década de 70. Nos anos 80, passou a ser adotado também na
xliv
Europa. No Brasil, tal fato ocorreu década de 90 a partir de estudos realizados por
Leilah Landim e Rubem César Fernandes.
Sobre o surgimento e a atuação do terceiro setor, algumas teorias procuram
relacioná-lo com a escala de ação do Estado de Bem-Estar Social. A teoria da
falência do Estado/falência do mercado defende que a ação das organizações sem
fins lucrativos é uma alternativa na provisão de serviços públicos quando o Estado
não consegue fazê-lo. O Estado, por sua vez, surgiu em decorrência de falhas do
mercado em satisfazer a demanda por bens públicos. a teoria da falência do
voluntariado pressupõe que, historicamente, a atuação do terceiro setor antecedeu
ao surgimento do Estado e, portanto, o Estado surgiu em função da incapacidade do
primeiro em atender às demandas públicas (WEISBROD, 1977; JAMES; 1987 apud
ALVES, 2002).
A teoria da parceria defendida por Lester Salamon e Helmut Anheier;
propõem uma relação direta entre gastos do governo e extensão da ação de
entidades sem fins lucrativos, ambos se complementando (SALAMON e ANHEIER,
1992).
Outras teorias que são apresentadas nos trabalhos de Mario Alves (2002) e
Andrés Falconer (1999) ressaltam que a relação entre Estado e mercado e a origem
do terceiro setor têm relação direta com a realidade histórica de cada país. Nos
Estados Unidos e na Europa Ocidental existe uma longa tradição nessa relação, ao
passo que na América Latina, esta ainda está sendo construída.
De acordo com Luiz Eduardo Soares (2000), o termo terceiro setor é mais
classificatório e excludente do que descritivo, mas é adequado na medida em que
elimina a carga de preconceitos que se projetaria sobre outros conhecidos, como
xlv
filantropia, terno que dificilmente se livrará das críticas de paternalismo, promotor de
acomodação e reprodutor de desigualdades.
Em busca de uma definição mais precisa para o termo terceiro setor, Lester
Salamon & Helmut Anheier (1992) fazem uma reflexão sobre o uso de expressões
análogas, tais como ONGs, setor sem fins lucrativos, setor independente, setor de
caridade, setor voluntário, setor isento de impostos, setor associativo ou economia
social. Estes pesquisadores atestam que cada um dos termos enfatiza um aspecto
da realidade representada pelas organizações que o compõem, o que provoca
limitações no seu uso. Deste modo, terceiro setor é um termo mais abrangente,
representativo da diversidade que caracteriza esse universo organizacional.
Ainda que todos os termos acima mencionados tenham relação com o
terceiro setor, nenhum deles, individualmente, consegue caracterizá-lo de maneira
completa. Veja-se, por exemplo, o exemplo do termo ONGs que, como orienta
Fernando G. Tenório (2001), buscam atender as necessidades de base popular e
sua sobrevivência independe de mecanismos de mercado ou da existência de lucro;
“apesar de toda ONG pertencendo ao terceiro setor, este não se restringe àquelas”
(TENÓRIO, 2001, p. 11).
Segundo o autor supracitado (2001, p.72) de acordo com a finalidade, o
terceiro setor se divide em dois grupos:
(a) organizações constituídas para atender os interesses de seus membros
(memberserving organizations), como é o caso dos sindicatos, das associações
profissionais, das associações de bairro, associações empresarias;
(b) organizações de interesse público e/ou coletivo, a exemplo de entidades que
apóiam vítimas de discriminação, portadores de determinadas doenças ou
deficiência física, instituições de caridade e organismos de proteção ao meio
ambiente. (p. 72)
Assim, o terceiro setor é, portanto, composto de tipos organizativos variados,
compreendendo desde organizações de base comunitária como sindicatos e igrejas,
até outros tipos organizativos como hospitais, escolas e universidades.
xlvi
Tendo em vista a necessidade de realizar comparações internacionais entre
organizações desta natureza, Lester Salamon & Helmut Anheier (1992, p. 78-95)
propõem uma definição estrutural-operacional que caracterize o terceiro setor de
forma ampla. Desta maneira, os autores definem da seguinte maneira as
organizações do terceiro setor:
(a) Formais: têm algum grau de institucionalização, o que não implica ser
legalizada. Reuniões regulares, regras de procedimentos ou algum nível de
organização caracteriza esta formalidade. Ficam excluídos do universo do
terceiro setor, por exemplo, os movimentos sociais efêmeros;
(b) Privadas: não podem ser parte integrante do governo nem dirigida
predominantemente por membros do governo;
(c) Não-distributivas de lucros: podem gerar lucro, mas não podem dividir entre
os membros. Os lucros devem ser investidos na missão da organização, não
distribuídos entre seus “donos” ou dirigentes;
(d) Autônomas: devem ter seus próprios procedimentos de governança e não
devem ser controladas por entidades externas;
(e) Voluntárias: devem envolver algum grau de participação voluntária, nem que
seja somente no âmbito da diretoria.
Para ser considerada parte do terceiro setor, uma organização tem que
cumprir estes cinco critérios. Ao proporem esta caracterização, os autores
supracitados recomendam que se proceda a uma análise crítica com o objetivo
caracterizar adequadamente as organizações do terceiro setor, quais sejam: a)
aspecto legal: precisam estar em consonância com o marco legal do terceiro setor;
b) aspecto econômico-financeira: a principal fonte de recursos não deve advir da
venda de produtos ou serviços; c) aspecto funcional: são as organizações que têm o
propósito de servir populações negligenciadas ou excluídas, melhorar suas
condições de vida, promover transformações sociais.
Contudo, quando da realização de estudos comparativos entre organizações
de diferentes países, os critérios acima apresentados podem, eventualmente,
revelarem-se insuficientes, haja vista as diferentes realidades de cada país. Não
obstante esta provável insuficiência em relação aos critérios para classificar as
xlvii
organizações como sendo ou não do terceiro setor, o esforço na busca de
parâmetros universais que propicie uma análise comparativa das organizações do
terceiro setor em todo mundo é válido e tem contribuído para a ampliação dos
estudos nesta área.
Por outro lado, esta definição estrutural-operacional não caracteriza as
instituições quanto a sua função, abrindo um espaço para que uma ampla gama de
organizações seja enquadrada na esfera do terceiro setor.
Assim, fazem parte do terceiro setor figuras como associações civis sem fins
lucrativos dos mais diversos tipos, institutos e fundações privadas, (con)federações,
sindicatos, partidos políticos, entidades para-estatais, igrejas, universidades,
faculdades, escolas e hospitais.
Segundo Lester Salamon e Helmut Anheier (1992), as cooperativas
populares, apesar da finalidade lucrativa, enquadram-se no universo do terceiro
setor devido ao seu caráter específico de beneficiar a própria comunidade.
Conforme reflexão de Rubem César Fernandes (1994, p 27), esta
classificação, como qualquer outra, encontra problemas ao estabelecer limites, pois
os casos fronteiriços variam de significação conforme o contexto histórico e cultural”.
Além disso, a classificação em uma ou outra categoria desconsidera o fato de
uma organização poder atuar em mais de uma área ou prestando mais de um
serviço, o que dificulta uma classificação inteiramente fiel à sua atuação.
Em suma, Rubem César Fernandes (1994, p 27) define o terceiro setor da
seguinte forma:
[...] pode-se dizer que o terceiro setor é composto de organizações
sem fins lucrativos, criadas e mantidas pela ênfase na participação
voluntária, num âmbito não governamental, dando continuidade às
práticas tradicionais de caridade, filantropia e do mecenato e
xlviii
expandindo o seu sentido para outros domínios, graças,
sobretudo, à incorporação do conceito de cidadania e de suas
ltiplas manifestações na sociedade civil.
Esta definição incorpora a dimensão funcional das organizações, sendo mais
representativa da percepção que as pessoas têm, de modo geral, sobre o que é o terceiro
setor. Nesta perspectiva, o termo deixa de ser apenas uma classificação baseada na
exclusão do que não é mercado e do que não é Estado.
No Brasil, a falta de consenso em torno do termo terceiro setor tem explicação
na sua própria origem. Originário dos Estados Unidos da América (EUA), o termo
reflete a realidade deste país, “onde a relação a uma tradição de Estado Social não
aparece como primordial na sua história” (FRANÇA FILHO, 2001, p.52). Nos EUA, o
terceiro setor tem forte relação com a filantropia empresarial, tendo surgido a partir
da iniciativa privada. no Brasil, a relação com o Estado é clara desde as origens,
como já foi colocado anteriormente (Herbert de Souza,s.d. apud SANTANA, 1992).
Andrés Falconer (1999, p. 10), afirma que:
Tampouco foi a identidade das tradicionais filantrópicas, ou
mesmo as associações comunitárias e de base que deu o tom
deste recém-descoberto setor. Mais problemática ainda é a
atribuição do fenômeno à sociedade civil [...]. A construção do
terceiro setor brasileiro, pode-se afirmar com segurança, deu-se
de fora para dentro: de fora do país e de fora do setor para dentro
dele.
Nesse sentido, é notória a fragilidade do termo terceiro setor. Não é que o
terceiro setor brasileiro tenha surgido efetivamente de fora do país e de fora do setor
para dentro dele. Prevalece, assim, a noção de que o termo terceiro setor engloba
todos os tipos de organização que não possuem fins lucrativos, independente do
foco em questões sociais, do interesse público ou coletivo.
xlix
Outro questionamento refere-se ao fato de que o papel do terceiro setor seria
preencher lacunas deixadas pelo Estado ou pelo mercado, existindo a reboque
destas duas esferas e, portanto, atuando numa perspectiva funcionalista. Como
surgiu nos Estados Unidos, o termo terceiro setor “está bastante atrelado à teoria do
market failure/government failure, como parte da estratégia do neoliberalismo”
(FRANÇA FILHO, 2001, p. 52 e 58).
Em sua tese de doutorado, Mário Aquino Alves (2002) evidencia alguns
questionamentos sobre o uso da terminologia terceiro setor para designar as
organizações da sociedade civil e atesta que se deve ao Johns Hopkins Center for
Civil Society Studies, dos EUA, e sob a liderança de Lester Salamon, o
renascimento e a ampla divulgação da expressão para todo o mundo. É fato que
algumas organizações não simpatizam com a idéia de se identificar enquanto
terceiro setor. Foi o caso da ABONG que, em 1998, declarou: Nós não nos
reconhecemos como parte do terceiro setor. Não achamos que esse modelo teórico
contempla quem nós somos e o que fazemos” (Silvio Caccia Bava, então presidente
da ABONG, apud FALCONER, 1999, p. 10).
Certamente, uma dimensão política no termo ONG que não existe na
expressão terceiro setor, daí a restrição ao seu uso por parte de alguns
representantes de organizações não governamentais. Tal fato é compreensível, uma
vez que o termo terceiro setor existe mais por exclusão, o que não é Estado nem
mercado, do que por uma questão identitária das organizações.
Afinal, comparativamente à realidade das organizações do Estado e do
mercado, não é nada comum, ao menos no Brasil, empresas se referirem a elas
próprias enquanto segundo setor ou o Estado se identificar como primeiro setor.
l
Com base em Rubem César Fernandes (1994), na América Latina e,
especificamente, no Brasil, é comum o uso da expressão organização da sociedade
civil (OSC) para se referir as organizações que se distinguem do Estado e do
mercado. Considerando a definição existente sobre terceiro setor, tanto faz falar
OSC ou terceiro setor, pois ambos os termos representam a mesma coisa.
Diante desse contexto, por que se referir às organizações da sociedade civil
como terceiro setor? Porque em torno dele há mais controvérsias e, por isso mesmo,
mais discussões a respeito, atualmente.
Além disso, em se admitindo que fundações e institutos constituídos a partir
da iniciativa empresarial não podem ser considerados organizações da sociedade
civil, pois não surgem da sociedade civil, enquanto esfera autônoma, tais
organizações seriam excluídas deste estudo, o que não ocorreu.
Retomando a questão de imprecisão conceitual e restrições ao uso da
expressão terceiro setor, ressalta-se a contribuição de Leilah Landim (1993, p. 96),
uma das principais responsáveis pela introdução do termo terceiro setor no Brasil a
partir de uma parceria com o Johns Hopkins, que criticou o termo, apontando que
[...] evocando não o conflito, mas a colaboração e a positividade da interação, o
termo terceiro setor tende a esvaziar as dinâmicas politizadas que marcam, pela
força das circunstâncias, a tradição associativista das últimas décadas e talvez da
história do Brasil.
Analisando esta crítica cuidadosamente, verifica-se que, de fato, a restrição
não se refere ao termo terceiro setor em si, mas talvez ao fato desta esfera englobar
organizações bastante diversas entre si e do discurso em torno do terceiro setor ser
permeado pela cooperação com organizações das demais esferas, tanto do Estado
quanto do mercado, o que pode acarretar a cooptação.
li
Porém, esta realidade ocorre independentemente da denominação ser
terceiro setor (TS), organizações da sociedade civil (OSCs) ou, até mesmo,
organizações não governamentais (ONGs).
Mário Aquino Alves (2002), faz uma crítica semelhante ao dizer que
[...] apesar de “incorporar” diversas vozes, o discurso do terceiro
setor é, antes de tudo monológico, voltado para os interesses de
uma elite que pretende acima de tudo criar ambientes
business friendly”. Para isso, procura assimilar uma linguagem
que é muito cara a pessoas e grupos que efetivamente procuram
transformar a sociedade, destituindo-a de seus significados
originais (p. 308 - 309).
De fato, é preciso lembrar sempre que o terceiro setor engloba todos os tipos
de organizações sem fins lucrativos e que, portanto, não é uma esfera homogênea.
Assim, é preciso ponderar comparações, por exemplo, entre uma ONG
ambientalista como o Greenpeace e uma entidade sem fins lucrativos, criada e
mantida por uma determinada empresa e que atua com projetos sociais para fins de
marketing.
Cabe destacar que a falta de uma definição consensual precisa ocorre
mesmo dentro do setor mais restrito das ONGs, conforme aponta Vakil (1997 apud
ROESCH, 2002), que encontrou dezoito denominações diferentes para este grupo
de organizações. Segundo esta autora, tal variedade ocorre devido à natureza
multidimensional destas organizações, à natureza interdisciplinar inerente na
literatura a seu respeito e na diversidade destas organizações. Seguindo as
orientações de Rubem César Fernandes (1994, p. 32)
Pensar “terceiro setor” significa reunir sob uma mesma classe conceitual
atividades tão distintas que, no passado, costumavam ser vistas como
contraditórias ou mesmo antagônicas. Perceber a relevância desta possibilidade
lii
de agrupamento ideal implica dar um passo no sentido de torná-lo eficaz e, neste
sentido, acenar para a passagem do possível ao real.
Considerando-se as enormes desigualdades sociais presentes na sociedade
brasileira e de modo particular no Estado do Amazonas, a concepção que privilegia
a ação dos grupos organizados com a participação ativa do Estado é a mais
adequada, pela sua capacidade de organização e articulação, condições essenciais
ao enfrentamento da problemática sócio-ambiental local.
Referindo-se à atuação de organizações do terceiro setor na Amazônia,
Leilah Landim (1993), diz que o surgimento e atuação aumentaram
significativamente a partir da ECO-92.
Estudo realizado por Helena Tereza Ferreira Tupinambá (2000), referente à
atuação das ONG’s na Amazônia, dão conta que o Exército Brasileiro tem externado
preocupação com a atuação das dessas Organizações na região. O General Luiz
Gonzaga Lessa, ex-Comandante Militar da Amazônia, em depoimento à CPI das
Ong’s, referiu-se à elas como ameaças estrangeiras” (p. 55), às quais a Amazônia
estaria exposta, em razão da ausência do Estado, principalmente nas regiões de
fronteira. Para o General, a atuação das ONG’s na Amazônia, mesmo as de caráter
humanitário é pautada no descaso do Estado. Outro ex- Comandante da Comando
Militar da Amazônia, General Taumaturgo Vaz, é mais enfático e afirma que a
internacionalização da Amazônia é fato consumado. Segundo ele:
Nas últimas décadas, as ONG’s têm servido de instrumento de pressão ao grupo
dos sete países mais ricos, o G-7, principalmente dos Estados Unidos, sobre o
governo brasileiro, sob o pretexto de preservação (conservação) da floresta
amazônica e todo o apelo ambientalista para que a floresta continue intacta. Sob
o discurso, esconde-se, no entanto, o interesse futuro de exploração exclusiva
de seus recursos biológicos e minerais. (Jornal do Commercio. “ONG’s a serviço
do G-7, diz general.” Manaus, 27 de dezembro de 1999, p. 8. apud TUPINAMBÁ,
2000).
liii
O Senador Gilberto Mestrinho (PMDB-AM) também tem expressado sua
oposição às ONG’s por estarem sendo, segundo ele, instrumentos de nações
estrangeiras com o objetivo de internacionalizar a Amazônia para que o capital
estrangeiro explore as riquezas naturais da região em detrimento das populações
locais.
No discurso tanto dos opositores à atuação das ONG’s na Amazônia quanto dos
defensores, um elemento em comum: a ausência de uma presença efetiva do Estado na
Região.
Dentre as produções científicas de boa qualidade a respeito da intervenção
das ONG’s na Amazônia, estão as da Professora Marilene Corrêa. A pesquisadora
aponta particularidades dessa ação:
O que tem acontecido com freqüência é que essas ONG’s têm um enorme
suporte científico, elas se articulam com instituições de ensino e pesquisa;
recebem uma concordância social muito ampla baseada na expectativa das
populações pesquisadas e, no limite, são elas que ocupam uma fatia de espaço
social que antes seria reservado às políticas públicas. Então, nesse sentido, é
extremamente positiva a ação dessas ONG’s. (Jornal do Commercio. A
Amazônia é das ONG’s, diz cientista. Manaus, 20 de junho de 1999, p. 3. apud
Tupinambá, 2000.)
No entanto, a pesquisadora expressa preocupações a respeito dos
mecanismos de execução e formulação das estratégias de gerenciamento e
proteção ambiental que as ONG’s propõem para os povos da Amazônia. O
conhecimento desses mecanismos é dificultado pela pouca transparência e
dificuldade de acesso a informações detalhadas acerca das mesmas. O estudo
realizado pelas pesquisadoras supra mencionadas, a respeito atuação das ONGs
ambientalistas na região aponta, dentre outras situações preocupantes, o fato de
que 95% das organizações que aqui atuam terem sede fora do Estado.
liv
Esse mesmo estudo aponta que existiam, até 1996, cerca de 119 ONG’s
atuando na Amazônia. Destas, 47 recebiam financiamento de agências
internacionais. Observadas as tendências de crescimento de interesse e atuação de
ONG’s pela Região, esse é muito maior. Elas atuam basicamente em questões
como educação ambiental, proteção do meio ambiente, desenvolvimento
sustentável, melhoria na qualidade de vida, desenvolvimento regional, saneamento
básico, defesa dos povos indígenas etc.
Quando se constata que cerca de 70% das ONG’s, com os mais diferentes
projetos, m como prática trabalhar com as populações locais, sem qualquer
controle por parte do Estado, ficamos a nos perguntar: qual condução essas
organizações vêm adotando na condução dos seus programas? Como ficam as
populações locais nesse processo? Por que o Estado é tão ausente dessas
discussões? Qual a trajetória histórica dessas organizações? Que compromissos
elas têm assumido com as bandeiras de luta dos (as) caboclos(as), ribeirinhos(as),
nações indígenas etc.?
Dentre essas organizações, algumas têm se destacado pela maior
transparência das suas ações e pelo histórico de lutas em prol dos grupos em
situação de exclusão na sociedade. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) é uma
delas.
Capítulo 2 O TERCEIRO SETOR E A QUESTÃO SÓCIO-AMBIENTAL NO
AMAZONAS: UMA ARQUEOLOGIA DA CPT.
Os padrões dominantes de produção e consumo estão causando
devastação ambiental, redução dos recursos e uma massiva extinção
de espécies. Comunidades estão sendo arruinadas. Os benefícios do
desenvolvimento não estão sendo divididos eqüitativamente e o fosso
entre ricos e pobres está aumentando. A injustiça, a pobreza, a
ignorância e os conflitos violentos têm aumentado e é causa de grande
sofrimento. O crescimento sem precedentes da população humana
tem sobrecarregado os sistemas ecológico e social. As bases da
lv
segurança global estão ameaçadas. Essas tendências são perigosas,
mas não inevitáveis (Situação Global - Carta da Terra).
2.1 Introdução
Este capítulo apresenta a origem, o desenvolvimento e a atuação da
Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Brasil e no Amazonas.
Em primeiro lugar é discutido a origem, o desenvolvimento e a atuação da
CPT nacional, enfatizando-se o contexto no qual ela foi criada, qual seja: o regime
autoritário militar
7
vigente no Brasil entre os anos de 1964 e 1985. Nesse período,
os homens e as mulheres empobrecidos pelo grande capital, que tradicionalmente
viviam e trabalhavam na terra, se viram obrigados a deixá-la. Essas mulheres e
esses homens, apoiados pela ala da Igreja Católica
8
comprometida com as
transformações sociais e organizados em torno dos movimentos sociais envolvidos
com a questão da terra, resolveram criar uma organização com o intuito de lutar pela
Reforma Agrária no Brasil. Nascia então a Comissão Pastoral da Terra (CPT).
Desde o seu nascimento, a CPT teve uma relação muito próxima com a
Amazônia, pois aqui as problemáticas ligadas à posse e usos da terra e da água
sempre se configuraram como problemas para as populações tradicionais. Além
disso, a CPT nasceu das lutas dos amazônidas em torno dessas questões. Nesse
sentido, o resgate histórico da atuação da entidade na região, tema deste capítulo,
7
O regime autoritário militar teve início em 31 de março de 1964, quando o então presidente João
Goulart foi deposto pelos generais Carlos Luís Guedes e Olímpio Mourão Filho, comandantes das
forças armadas em Minas Gerais que, imediatamente, receberam o apoio das unidades da Guanabara,
São Paulo e do Rio Grande do Sul. No dia seguinte ao golpe praticamente todas as unidades das
forças armadas apoiaram a decisão de tomar o poder pela força. Este período foi caracterizado pela
ausência de democracia, perseguição política, censura, tortura e assassinatos patrocinados pelos
militares que haviam assumido o poder. Este regime terminou no dia 15 de março de 1985, após
intensas reações da sociedade civil em todo o Brasil.
8
A Igreja Católica no Brasil é uma instituição secular e multifacetada do ponto de vista teológico. Em
decorrência, têm-se ltiplas visões, interpretações e vivências dos ensinamentos do evangelho.
Dentre estas correntes teológicas, duas se sobressaem: a tradicional que rejeita a atuação direta de
padres e bispos junto a partidos políticos, movimentos sociais e quaisquer outros espaços de
reivindicação popular e, a crítica, também conhecida como teologia da libertação que, ao contrário da
tradicional, acredita e orienta os fiéis a relacionarem os ensinamentos bíblicos aos anseios e lutas
populares.
lvi
procura discutir o contexto no qual o governo do regime militar autoritário, atendendo
aos reclames do grande capital nacional e internacional, implementou os
megaprojetos agro-extrativistas, agropecuários, mineradores, entre outros,
expulsando as populações locais da terra, fonte de vida e componente essencial da
sua identidade.
Em seguida, o texto discute a CPT no Amazonas. Aqui, o sentido da luta da
entidade extrapola a questão agrária. A questão da água se configura como tão
importante quanto a da terra. Os rios, lagos, igarapés, furos e paranás são fontes de
sustento, via de transporte, locais de trabalho e matéria-prima do imaginário dos
ribeirinhos e ribeirinhas.
2.2 A CPT no cenário nacional
O resgate da história da Comissão Pastoral da Terra (CPT), no plano
nacional, tem sido complexo. As fontes documentais escritas, além de exíguas,
encontram-se dispersas. Tais fontes se resumem a textos emanados da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), alguns documentos disponíveis no sítio da
CPT na internet e relatórios de atividades desenvolvidas pela CPT no Amazonas.
Para complementar as fontes documentais escritas, recorreu-se aos depoimentos de
homens e mulheres que participaram ativamente do nascimento e desenvolvimento
CPT.
A pouca quantidade de documentos escritos se deve, em grande parte, à
repressão que o regime autoritário militar (1964 a 1985) infligia sobre todas e todos
que ousassem pensar e propor um novo mundo, uma sociedade e um novo homem,
diferentes daqueles desenhados pelo sistema capitalista de então. Segundo Ivo
Poletto (2006, p. 02), co-fundador da CPT Nacional, os participantes dos primeiros
lvii
encontros que culminaram na criação da CPT tiveram quesubmeter-se à prática do
nada escrito para não comprometer as pessoas envolvidas”. No entanto, completa
ele, “essa submissão não teve nada de covardia, e sim seriedade de quem percebia
como era importante agir com tática para garantir o mais importante: o
desenvolvimento do trabalho a serviço dos deserdados da terra. Por isso, boa parte
dos poucos documentos escritos teve de ser eliminada como tentativa de preservar
ao máximo os sujeitos engajados na luta pela terra em todo o Brasil.
A CPT nasceu como uma organização não-governamental voltada,
inicialmente, para a questão do acesso a terra para as famílias que nela viviam e
dela dependiam, porém não detinham sua posse legal e nem sua propriedade
definitiva. Com o passar dos anos a organização passou a incorporar novas
bandeiras de luta, dentre as quais se destacam: a) o envolvimento em prol das
causas dos indígenas e das indígenas, dos caboclos e das caboclas, dos ribeirinhos
e das ribeirinhas e de outros grupos marginalizados; b) a defesa dos princípios,
mobilizações e experiências em torno da questão do desenvolvimento sustentável e
c) a luta pela água.
Os documentos consultados e os depoimentos colhidos e sua posterior
análise evidenciam que a CPT nasceu na década de 70 do século XX, em pleno
regime autoritário militar, no seio da Igreja Católica, notadamente das Comunidades
Eclesiais de Base (CEB´s). Estas comunidades surgiram a partir de grupos de
pessoas que, morando no mesmo bairro ou nos mesmos povoados, reuniam-se para
refletir e transformar a realidade à luz dos textos do evangelho.
Da reunião desses homens e mulheres organizados em torno das CEB´s e
inspirados nos textos bíblicos, começou a ganhar força a postura de reivindicação
por melhorias, seja no bairro ou no campo, ao mesmo tempo em que apertavam o
lviii
passo na caminhada para uma tomada de consciência acerca da situação
econômica social e política do Brasil.
Ao longo desta trajetória, enquanto grupo preocupado e envolvido com as
questões comunitárias, um evento fortaleceu sobremaneira as CEB´s no Brasil o
Concílio
9
Vaticano II que, em linhas gerais, reviu algumas posições historicamente
conservadoras da Igreja Católica, possibilitando uma abertura no sentido de
reconhecer a necessidade de uma nova postura dessa mesma Igreja frente à
pobreza, ao analfabetismo, à concentração fundiária, dentre outros processos
excludentes gerados pelo capitalismo, em todo o mundo e, em especial, na América
Latina.
Esta postura teológica, relativamente nova de parte da Igreja Católica, foi
respaldada, no decorrer do regime autoritário militar no Brasil (1964 a 1985), por um
arcabouço teórico conceitual e teológico emergente na América Latina conhecido
como “ Teologia da Libertação” (BOFF e BOFF, 1986, p. 9).
BOX 5
TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO
A Teologia da Libertação é um movimento teológico que ganhou força durante o
Concílio Vaticano II. Esta teologia caracteriza-se pela valorização da ação de Deus na
história, como fonte de libertação social e pela valorização da práxis social libertadora,
como expressão de em um Deus libertador. Os teólogos deste período, católicos e
protestantes, assumiram a libertação como paradigma de todo o fazer teológico. O termo
libertação foi cunhado a partir da realidade econômica, social, política e cultural sob a
qual se encontrava a América Latina, a partir das décadas de 60/70 do último século. De
acordo com Mondin (1980, p. 25-26): O ambiente político é geralmente caracterizado
pela presença de governos que administram o poder arbitrariamente em vantagem dos
ricos e dos poderosos, fazendo amplo uso da força e da violência. [...] O ambiente
econômico e social está marcado pela miséria e pela marginalização da maior parte da
população. Os recursos econômicos são controlados por um pequeno grupo de
privilegiados [...]. No ambiente cultural se verifica ainda uma notável dependência da
9
Concílio é uma reunião oficial da Igreja Católica da qual participam os bispos do mundo inteiro. Nela
são discutidas e deliberadas as principais questões teológicas que servirão de norte para a atuação da
Igreja Católica. Esta reunião é coordenada pelo Papa ou por alguém por ele delegado. O primeiro
concílio da Igreja Católica ocorreu em Nicéia, no ano de 325. O Concílio Vaticano II, importante pela
mudança de postura da Igreja Católica, ocorreu em Roma de 11/10/1962 a 07/12/1965 (CNBB, 2006).
lix
Europa e dos Estados Unidos. Na ciência como na filosofia, na arte como na literatura,
quase nada é concedido à originalidade das populações latino-americanas. O quadro de
degradação apresentado na América Latina é o fundamento gerador do conceito de
libertação. A libertação, então, é toda ação que visa criar espaço para a liberdade”
(BOFF, 1986, p. 87). Ser livre, de uma maneira sintética, é poder construir-se
autonomamente.
Durante o regime autoritário militar, o reconhecimento do vínculo com a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) ajudou a CPT a realizar o seu
trabalho e a se manter, já que a CNBB, apesar de possuir uma ala combativa que se
postava frontalmente contra tal regime, no seu conjunto gozava de prestígio junto
aos governantes militares. Este prestígio devia-se ao apoio que parte do bispado
prestava ao regime político do país, capitaneado pelos governos militares.
Não obstante o vínculo da CPT com a Igreja Católica, por ocasião do seu
nascimento, nos primeiros anos a CPT adquiriu um caráter ecumênico, tanto no
sentido dos trabalhadores que por ela eram apoiados, quanto na incorporação de
agentes de outras igrejas cristãs, destacadamente da Igreja Evangélica de
Confissão Luterana no Brasil (IECLB).
Neste contexto de esperanças e de lutas por parte desses grupos de
pessoas, organizadas em prol de uma vida menos sofrida e por um novo modelo de
repartição desse meio de produção essencial que é a terra, emerge a CPT. Segundo
Dom Balduíno (2006, p. 02):
Nossos Padres Conciliares, de volta do Concílio para suas Igrejas e procurando
ser fiéis a esta abertura para o mundo, encontraram, naturalmente, não o mundo
europeu, do ter, do saber, do poder, onde se realizou o Concílio, mas o mundo
“de abajo”, como diz Gustavo Gutierrez. É o mundo dos negros escravizados,
dos camponeses oprimidos e dos índios massacrados ao longo de cinco séculos.
Por outro lado é também o mundo de um extraordinário e riquíssimo cabedal
humano e cultural, além de uma formidável história de lutas populares de heróica
resistência. É muito ilustrativa esta abertura eclesial com a convergência entre,
de um lado o encontro dos antropólogos, em Barbados, em janeiro de 1971 e, do
outro, o dos Prelados, estando presente Mons. Leônidas Proaño, e missionários
indigenistas de cinco países, reunidos em Iquitos, na Amazônia peruana, em
lx
março do mesmo ano. Barbados levantou uma crítica implacável à missão
indigenista de modelo colonialista e concluiu radicalmente pelo fim de toda a
atividade missionária. Em Iquitos, os religiosos ao se perguntarem sobre a nova
missão evangelizadora da Igreja junto a essas populações que vivem em
desesperada situação de marginalização, concluíram pela solidariedade com
eles e por uma pastoral libertadora.
Observa-se, neste depoimento de Dom Balduíno, um dos bispos
responsáveis pela criação da CPT, a preocupação com uma autocrítica da ação
missionária da Igreja Católica. De fato, a Igreja Católica, a aquele momento,
lançava um olhar displicente e por vezes conivente para com a injustiça
institucionalizada no Brasil. As políticas públicas do governo federal e dos governos
estaduais de então, direcionadas à questão fundiária brasileira, eram um exemplo
cabal do desrespeito para com as comunidades rurais, tanto pela ausência de
programas de apoio efetivo às práticas econômicas por elas desenvolvidas, quanto
pela brutal indiferença para com a luta dessas comunidades pela posse e
propriedade da terra.
Essa nova postura de parte desse setor combativo da Igreja Católica
contribuiu, para que outros atores sociais, notadamente as organizações indígenas e
de remanescentes de quilombos se engajassem na luta pelo que entendiam serem
seus direitos.
Numa década de efervescência popular e de repressão militar no Continente todo, de modo
especial no Chile, na Nicarágua, em El Salvador, no Brasil, a abertura da Igreja permitiu a
irrupção do povo no seu seio. É a entrada dos pobres que trazem consigo para dentro da
Igreja uma imensa riqueza. Com efeito, eles se ligam historicamente a Sepé Tiaraju, a Zumbi
dos Palmares, a Canudos do Conselheiro e, mais recentemente, às Ligas Camponesas do
Nordeste e a Trombas e Formoso do Centro Oeste[...](BALDUÍNO, 2005, p. 02).
lxi
Desta maneira, fortalecidos por novas referências históricas de lideranças, as
comunidades na sua trajetória de lutas em prol de espaços de organização e de
auto-afirmação, se viram revigoradas. Entretanto, é preciso enfatizar que o
nascimento da CPT não é decorrência da benevolência dessas lideranças religiosas
ou da Instituição à qual estavam vinculados. Ela é fruto da conquista dos grupos que
historicamente estiveram marginalizados. Para fazer valer seus direitos eles teriam
caminhado com ou sem o apoio da Igreja Católica.
Poder-se-ia dizer que a Igreja Católica passou por um processo de conversão
na medida em que, abertamente, começou a apoiar a causa dos que lutavam pela
terra e pela água. Essa conversão não foi fácil. Até mesmo os bispos que mais tarde
se tornariam internacionalmente conhecidos por suas posições em favor daqueles
que lutavam pela terra e pela água, por vezes titubearam por receio da punição por
parte da Instituição que representavam, além do medo gerado pela repressão do
regime autoritário militar. Neste sentido, as palavras de Dom Balduíno (2005, p. 02)
são especialmente significativas:
[...] Havia uma situação de sufoco geral. A repressão que vinha pegando
lavradores começou a atingir os próprios agentes de pastoral, inclusive Bispos,
como Dom Pedro Casaldáliga. A Ditadura tinha uma política equivocada da terra,
de favorecimento do grande capital na Amazônia, que foi comprando pelo mapa
enormes extensões de terras na mão dos governadores. Em seguida eram os
conflitos com as populações indígenas e camponesas e a devastação da floresta
para a criação do gado. O assunto foi levantado na Assembléia dos Bispos para
que o Episcopado assumisse a problemática. Foi uma decepção! [...] Estávamos
convencidos de que a Conferência então pelo seu tamanho não teria
condições de ver com clareza a sua missão nesta realidade tão nova, complexa
e conflitiva. Alguns Bispos resolveram, então, organizar um pequeno grupo
comprometido com o estudo sério da realidade e, em seguida partir para a ação
que estivesse ao nosso alcance. O próprio Dom Helder dizia então: “não, de jeito
nenhum; eles vão interpretar isso como um cisma”. Mas depois foi ele quem
mais nos ajudou, devido justamente aos seus conhecimentos de pessoal que
poderia nos assessorar e à sua facilidade de articulação.
Passada essa fase de conversão de alguns bispos importantes no cenário
nacional à causa do acesso democrático à terra, teve início uma série de ações que
culminariam na criação da CPT. Reunidos, informalmente, resolveram lançar
lxii
documentos que acabaram por subsidiar a práxis dos grupos que lutavam pela
posse e propriedade da terra e, mais tarde, da água. Por essa ocasião, as lideranças
tanto das Igrejas quanto dos trabalhadores e trabalhadoras que lutavam pela terra e
pela água, resolveram lançar, de maneira simultânea, documentos denunciando a
questão fundiária, a questão da água e outras que dificultavam a construção de
condições dignas de vida para boa parte da população brasileira.
Pretendíamos que fossem geradas reflexões sobre a realidade fundiária do
Centro-Oeste, do Sul, do Norte e do Nordeste do Brasil. Estes documentos foram
os seguintes: “Ouvi os clamores do meu povo”, do Nordeste; “Marginalização de
um Povo, o grito das Igrejas”, do Centro-Oeste e, depois, para a área indígena,
“Y-Juca-Pirama - o Índio, aquele que deve morrer”. Haveria um quarto
documento discutindo o mundo do trabalho que ficara a cargo de Dom Paulo
Evaristo Arns, mas este não chegou a ser publicado. Em 1974, já como fruto da
repercussão desses três documentos, acontece um primeiro encontro de
articulação em Salvador, Bahia, e não entram Igrejas, entram também
grupos de assessoria, dentro os quais se destaca o CEAS
10
. (BALDUÍNO, 2005,
p. 03) [...]
Durante o ano de 1974, houve um outro encontro no Rio Grande do Sul, que
tinha uma relação muito forte com o Centro-Oeste e abrindo para o Nordeste e o
Norte. Neste encontro em que estavam presentes, dentre outros bispos, Dom
Fernando Gomes, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Valdir Calheiros, surgiu a idéia de
empreender ações diferenciadas de articulação dos trabalhos ligados ao mundo do
campo, ao mundo urbano, ao mundo operário e das periferias. A proposta de
diversas articulações teve como matriz o Conselho Indigenista Missionário (CIMI),
um conselho composto de estrutura nima de 8 (oito) pessoas sendo, portanto, de
uma estrutura menos burocrática e mais ágil. A escolha do CIMI como modelo
organizacional para a nova Organização que se pretendia criar decorreu do fato de
que, em uma das reuniões do Conselho, um dos participantes do encontro,
Pe.Tomás Lisboa, jesuíta, teria levantado a proposta da realização de encontros
entre chefes de tribos diferentes, com apoio dos bispos acima referidos e das
10
O Centro de Estudos e Ação Social (CEAS) é uma entidade jurídica sem fins lucrativos, ligada à
Companhia de Jesus, integrada por jesuítas e profissionais leigos. Fundado pela Companhia de Jesus
em 1967, o centro se inspira nos valores humanos e evangélicos da justiça e da solidariedade,
buscando contribuir para a superação da miséria e da exclusão.
lxiii
missões. Tal ação seria uma oportunidade única deles dialogarem entre si,
discutirem sobre suas vidas, sobre o que queriam de fato e o que poderiam realizar.
Inicialmente achou-se a idéia absurda, mas logo se percebeu que era este o melhor
caminho. Dom Balduíno (2005, p. 05) relata assim as assembléias do CIMI, a partir
dessa nova forma de participação dos religiosos missionários:
Aquilo foi como o ovo de Colombo. A partir da primeira experiência acontecida em
Diamantino, MT, seguida de várias outras, em que os religiosos missionários se sujeitavam à
disciplina de deixar os índios sozinhos na assembléia, sem a presença de religiosos, de
jornalistas, de técnicos, para que eles ficassem inteiramente livres para discutir e decidir. Foi
a grande revelação. Eles saíam dessas assembléias com três certezas: a primeira, que o
inimigo do índio não é o índio - eles que viviam em guerra de hostilidade uns com os outros,
guerras até culturais; segunda certeza, a necessidade de recuperação da cultura; e terceira
certeza, a recuperação das terras - eles mesmos, com a sua própria cabeça, com suas próprias
pernas. Nossa missão era simplesmente apoiá-los. Esta nova pastoral missionária,
reconhecendo no índio a condição de sujeito histórico, continua ainda hoje e provocando a
reação da política indigenista oficial. A Assembléia dos povos indígenas em abril de 2000,
em Coroa Vermelha, Bahia, irritou profundamente o Governo que não gostou daqueles 3000
índios que não estendiam mais as mãos como mendigos, mas reivindicavam energicamente
como cidadãos. Gente do poder dizia que aquilo não era coisa de índio. Eram os missionários
que estavam por trás. E foi uma inspiração semelhante a esta que animou o nascimento e a
organização da CPT.
No entanto, conforme foi frisado anteriormente, apesar do apoio de parte da
Igreja Católica, dentro desta Instituição havia um grupo de religiosos (as) que não
comungavam dessa forma de organização baseada na autonomia.
posicionamentos muitas vezes conflitantes, resultado de alianças com o poder
lxiv
político o que acaba se chocando com a opção fundamental do Concílio Vaticano II,
a favor da libertação dos pobres. O dado positivo é que o diálogo prossegue entre
essas duas facções de uma mesma Igreja.
Foi nesse clima de diferenças ideológicas, mas dialogando, que em junho de
1975, durante o Encontro de Pastoral da Amazônia, convocado pela Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e realizado em Goiânia (GO), ocorreu um
Encontro de Pastoral da Amazônia Legal, coordenado por Dom Fernando Gomes
dos Santos. O processo de gestação da CPT caminhava para um desfecho: seu
nascimento.
A primeira preocupação do grupo reunido em Goiânia foi a Amazônia. Havia
uma proposta desenvolvimentista do Governo Militar para a Amazônia Legal
11
,
baseada fundamentalmente nos interesses dos empresários, sobretudo da indústria
de São Paulo. Os investimentos previstos para a implementação desse projeto eram
oriundos de especuladores do Brasil e do exterior. Segundo Balduíno (2005, p. 06)
“a proposta do Governo Federal contava com muito dinheiro, muito incentivo e muita
ambigüidade, com objetivo econômico desenvolvimentista e objetivo político de
segurança nacional”.
Com a implementação do projeto do governo militar, os problemas nos
Estados do Pará, Amazonas, Roraima, Maranhão, Rondônia, Mato Grosso, Goiás,
notadamente nas áreas indígenas e camponesas, não tardaram a acontecer. Logo
se percebeu que o problema abrangia, com não menor tensão e gravidade o Brasil
como um todo. Observou-se a apropriação das terras onde viviam as populações
tradicionais por parte dessas empresas.
11
A expressão Amazônia Legal refere-se á área de atuação da antiga Superintendência de
Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), extinta pelo Governo de Fernando Henrique Cardoso no ano
de 2002. A Amazônia Legal compreendia, além dos Estados da Região Norte, partes dos Estados do
Mato Grosso, Maranhão, Piauí e Goiás (IBGE, 2006, p. 02).
lxv
A conjuntura dessa época caracterizava-se pela pequena quantidade de organizações de defesa dos interesses dos trabalhadores.
Organizações como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical (FS), Movimento dos Sem Terra (MST), Central de
Movimentos Populares (CMP) etc. Nessa época, a quase totalidade das Organizações Não-Governamentais (ONG´s) ainda não haviam
sido criadas. De acordo com Ivo Poletto (2006, p. 04).
Essas organizações serão conquistas dos anos 70, mas começarão a funcionar na década
de 80. Existiam sindicatos ligados ao campo, federações e a CONTAG. Mas é preciso
lembrar que houve uma grande degola de lideranças, tanto em sindicatos quanto em
instâncias de articulação. No início dos anos 70, por exemplo, as lideranças da
CONTAG mantinham um discurso classista, mas aceitaram as tentações de Médici,
transformando os sindicatos em agências de assistência social em troca de uma relativa
liberdade de atuação.
Aspecto importante da conjuntura na qual se originou a CPT é a relativa liberdade de ação em relação à Igreja Católica, apesar
de ser uma organização de um profundo mergulho na ética cristã. Faz parte de seus compromissos respeitar e apoiar o protagonismo dos
camponeses na sua condição de sujeitos, autores e destinatários. A luta pela terra e pela água é uma das razões de existir da CPT. Nas
palavras de D. Tomás Balduíno (2005, p. 05), refletindo sobre a visão que a CPT tem em relação à terra, afirma:
[...] “Terra é mais do que terra”. Justamente porque terra é chão e símbolo. É,
sem dúvida, o pedaço de terreno necessário à subsistência da família, mas é
também a Terra prometida, cuja conquista só acontece na união, na
organização, na luta de enfrentamento contra os donos que se apóiam nas
instituições públicas. Terra é espelho revelador das estruturas de opressão
incrustadas na nossa sociedade. É o lugar da convivência de uns com os outros,
com a natureza, com a memória dos ancestrais e dos que nos antecederam na
luta dando a vida pela justiça na terra. Terra é partilha, é festa, é celebração, é
romaria. Terra é dignidade, justiça, igualdade, participação e solidariedade. Terra
é democracia, é mudança radical e profunda, é nova sociedade. Terra é a
criação toda, é a natureza que clama por saúde e vida no chão, no ar, nas
águas, nas plantas, nos peixes, nas aves, nos animais, no homem e na mulher.
Terra é Mãe Terra. Terra é Pachamama!
Às visões proféticas, aqui entendidas como sendo portadoras de uma
mensagem de esperança, poética e política da terra, somam-se a preocupação
sócio-ambiental, uma das tônicas no trabalho desenvolvido pela CPT.
A preocupação sócio-ambiental está presente tanto nacional quanto
localmente, conforme o exposto no item 1.2.1 do capítulo anterior.
Neste sentido, considera-se pertinente repensar as bases teórico-metodológicas
relativas a esta questão. Segundo Antônio Carlos Diegues (2000) hodiernamente
está em curso uma nova visão ambiental, pela qual não se concebe como sendo
razoável tentar compreender tal questão desconsiderando-se a estreita relação entre
lxvi
natureza e sociedades humanas. Esta visão é baseada nos estudos de Moscovici
(1974, p. 121), segundo o qual esta nova visão, por ele definida como um novo
naturalismo estaria baseada em três idéias fundamentais:
a) O homem produz o meio que o cerca e é, ao mesmo tempo, seu produto [...].
Neste sentido, o que traz problemas não é o fato, mas a maneira como o
homem intervém na natureza [...]. Antes de tudo trata-se de considerar o
homem como uma força da natureza, uma força entre outras. Seu interesse
lhe aconselha a estreitar suas relações, de permitir que outras forças se
desenvolvam, se renovem.
b) A natureza é parte da nossa história. Não se trata de voltar atrás para
reencontrar uma harmonia perdida. A natureza é sempre histórica e a
história é sempre natural. O problema hoje é encontrar o estado da natureza
conforme nossa situação histórica.
c) A coletividade e não o indivíduo se relaciona com a natureza. A sociedade
pertence à natureza, consequentemente é um produto do mundo natural por
um trabalho de intervenção constante. Ela é ao mesmo tempo parte e
criação da natureza.
Esta nova visão propõe um tipo de relação na qual o homem e a mulher
partilham uma realidade diferente, uma nova racionalidade, da qual eles podem
participar e ajudar a construir. Compreende-se que a natureza, assim como a
realidade, é plural e conflitiva e é nessa relação que a troca construtiva se
estabelece. Não se impõe, partilha-se. É nessa perspectiva que a CPT procura
atuar: o homem, a mulher e a comunidade juntos da natureza e não distantes dela,
como querem alguns movimentos que cultuam o “mito da natureza intocada”,
conforme estudo realizado por Antônio Carlos Diegues (2000).
A CPT soma coro com as vozes que denunciam os mega-projetos
econômicos na Amazônia. Estes projetos, muitas vezes são financiados por Órgãos
Oficiais do Governo Federal, notadamente do Banco da Amazônia S.A. (BASA) e o
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), além de Órgãos
Estaduais de Fomento, desconsiderando as populações que tradicionalmente vivem
na região a exemplo dos vários povos indígenas, das comunidades de
remanescentes de quilombos e das várias comunidades ribeirinhas. Estes grandes
lxvii
projetos agropecuários e/ou agro-extrativistas, como o Projeto Jarí, os projetos de
mineração como o Projeto Pitinga e o Projeto Carajás e os projetos de barragens
como o Projeto Balbina deixam por onde passam um rastro de destruição ambiental,
enriquecem especuladores, restando às populações locais um espaço onde não é
mais possível viver com dignidade, nem mesmo sobreviver.
Esta relação que os megaprojetos estabelecem com a terra e a água não
interessam aos homens e mulheres que nelas vivem e delas retiram seu sustento.
Conforme afirma Edna Castro (2000, p. 167), os espaços para as populações ditas
tradicionais,
além de possibilitar integração entre vida econômica e social do grupo, onde a
produção faz parte da sociabilidade e a ela é indissociavelmente ligada,
facilitando encontros interfamiliares, realização de festas, perpetuação de rituais
e outras modalidades de trocas não econômicas.
Nesta trajetória, estes homens e mulheres foram percebendo que a produção
precisa ser saudável, que o meio ambiente tem que ser respeitado, que a água é um
bem finito. Diante destes dilemas, quais as alternativas possíveis? Muitas, segundo
a CPT. As cooperativas agro-extrativistas, as cooperativas de pescadores e a
agricultura familiar são alguns exemplos.
Em cada região, o trabalho da CPT adquire uma tonalidade diferente de
acordo com os desafios que a realidade apresenta. Isto se sem, contudo, perder
de vista o objetivo maior de sua existência que é o de estar a serviço das causa das
causas dos sujeitos coletivos. O homem e a mulher do campo e/ou ribeirinho é que
definem os rumos que querem seguir rumo aos seus objetivos e suas metas. A CPT
os acompanha, não cegamente, mas com espírito crítico. É por isso que a
organização conseguiu, desde seu início, manter a clareza de que os protagonistas
de sua história são os homens e as mulheres camponeses (as)/ribeirinhos(as).
lxviii
Os direitos humanos, defendidos pela CPT, permeiam todas as suas ações, que, explícita ou implicitamente, busca defender os direitos
individuais e coletivos básico dos sujeitos com os quais ela se envolve. De tal forma que se poderia dizer que a CPT é também uma
entidade de defesa dos Direitos Humanos ou uma Pastoral dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras da terra e da água.
2.3 A CPT anfíbia no Amazonas
O surgimento da Comissão Pastoral da Terra no Amazonas (CPT-AM) está
associado às lutas contra a subordinação das comunidades rurais e ribeirinhas ao
grande capital e ao latifúndio na Amazônia. Desde as primeiras tentativas de
organização das comunidades, essa preocupante realidade nacional e também
regional esteve presente.
Segundo Ana Alice Britto (2006, p. 01),
A Amazônia não era apenas uma razão para a ação pastoral se organizar contra
o domínio da terra pelo capital que dependia da subordinação servil da massa
popular, era, de fato, um grande motivo para mobilizar os agentes pastorais e o
povo expropriado contra a subjugação do campo ao capital que escraviza o
homem ao trabalho servil para o latifundiário, estimulando a migração para a
cidade.
O Estado do Amazonas é um exemplo típico dessa onda migratória. O Estado
possui uma área de 1.549.586 km², que corresponde a 40% do espaço da Região
Norte e a 18,4% do território brasileiro, o que torna o Amazonas o Estado com maior
extensão territorial do Brasil. Contudo, possui um número reduzido de municípios,
somando apenas sessenta e dois. Quando comparado ao seu tamanho, implica o
reconhecimento de que a maioria deles possui grandes extensões territoriais. Quase
40% dos municípios apresentam tamanhos superiores a 20.000 km². Essas grandes
extensões contrastam com os baixos quantitativos demográficos, gerando uma baixa
densidade demográfica, de 1,36 hab/km², irregularmente distribuídos ao longo dos
grandes vales fluviais que cortam o Estado. A exceção mais evidente fica por conta
da cidade de Manaus, que experimentou um forte incremento populacional expresso
lxix
através de um número de 314.197 habitantes em 1970, para 618.435 habitantes em
1980, 1.010.544 em 1991, 1.405.835, em 2000 e 1.888.185, em 2001 (IBGE, 2002).
Como principal centro urbano do Estado do Amazonas, Manaus também se
notabilizou nas décadas de 70 e 80 por sediar um grande lo industrial do gênero
eletroeletrônico, refletindo a política de descentralização do sistema industrial, via
incentivos fiscais, através da Superintendência da Zona Franca de Manaus
(SUFRAMA). Através do Decreto-Lei no. 288, de 1967, implementou-se a Zona
Franca de Manaus que foi concebida como uma área de livre comércio de
importações e exportações e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a
finalidade de criar no interior da Amazônia em centro industrial, comercial e
agropecuário, dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento
em face de fatores locais e da grande distância que se encontram os centros
consumidores de seus produtos.
Os anos que se seguem à criação da Zona Franca de Manaus (ZFM) são
marcados por uma intensa atividade comercial que provocou uma série de
transformações na fisionomia do Estado do Amazonas e induziu o crescimento
urbano, com a consolidação e instalação do parque industrial. A Zona Franca de
Manaus pode ser vislumbrada em duas etapas de desenvolvimento. A primeira
etapa deu-se na implantação do setor comercial e é conhecida como
comercialização intensiva. A segunda etapa efetivou-se com o surgimento do setor
industrial e conhecida como industrialização sistemática, viabilizada a partir de 1974
com a efetiva consolidação do Parque Industrial de Manaus.
Com o advento da Zona Franca de Manaus (ZFM) os problemas fundiário e da
água ganharam visibilidade. Os maciços investimentos por parte do Estado brasileiro
e do grande capital nacional e multinacional em indústrias e em megaprojetos
lxx
agropecuários e de exploração mineral expôs a ausência de uma política para as
famílias dos pequenos agricultores, comunidades remanescentes de quilombos,
comunidades indígenas e outros grupos menos favorecidos. Estes sujeitos não mais
dispondo dos seculares meios de sobrevivência para permanecer em suas
comunidades, são obrigados a deixarem suas terras, migrando para a periferia de
Manaus e de outros centros urbanos no entorno dos sítios desses megaprojetos
submetendo-se ao subemprego e precarização das condições de vida. Neste
contexto, os raros postos de trabalho sequer remuneram o trabalhador e a
trabalhadora o suficiente para suprir suas necessidades básicas e a de suas
famílias.
De outras regiões do Brasil também vieram grandes levas de trabalhadores e
trabalhadoras para o Amazonas em busca de uma condição de vida melhor. Desses,
os nordestinos são os mais numerosos. Fugindo das secas e, principalmente, de
uma estrutura fundiária concentradora, Manaus passou a receber diariamente
grandes quantidades de migrantes em busca de um emprego no Distrito Industrial.
Manaus deixava de ser uma cidade pacata.
Título: Origem da população residente em Manaus
Lugar de nascimento
População residente
TOTAL HOMENS MULHERES
Estado do Amazonas 1.888.185 918.547 969.638
Estado do Pará 151.155 74.278 76.877
Demais Estados da
Região Norte.
28.336 14.374 13.962
Região Nordeste 79.492 46.738 32.754
Região Sudeste 18.857 10.735 8.122
Região Sul 11.895 5.804 6. 091
lxxi
Região Centro-Oeste 5.220 2.900 2.320
Estrangeiros 2.610 1.740 870
TOTAL 2.185.750 1.075.116 1.110.634
Fonte: IBGE. Pesquisa Nacional por amostragem de domicílios, 2006 – Adaptada.
O processo migratório foi intensificado a partir da “adoção” dessa nova
vocação econômica que teve a mão-de-obra suprida localmente, com o
deslocamento do interiorano para Manaus em busca de trabalho, no setor comercial
e industrial emergente. A conseqüência desse processo migratório é que Manaus
vivencia um crescimento desordenado, cuja face mais visível é a proliferação de
favelas construídas em áreas ocupadas, porém sem a necessária infra-estrutura
básica, desprovidos dos serviços de água, esgoto, pavimentação, iluminação e
outros.
Com o inchaço da cidade de Manaus aumentou-se a demanda por alimentos. A
pesca comercial sobrepujou a pesca de subsistência, a terra antes pouco usada
para a pecuária, gradativamente, transformou-se em alvo de grandes fazendeiros
interessados na criação de gado para abastecer o centro urbano em crescimento
contínuo.
Ana Alice Britto (2005, p. 02) descreve assim a realidade de Manaus nessa
época:
À medida que a cidade se expandia, a zona rural ia conhecendo o peso do contingente
populacional concentrado em Manaus. A disputa pela permanência na terra colocava os
rurícolas entre três vilões: vantagens oferecidas pela cidade grande, a falta de políticas
públicas voltadas para o pequeno agricultor e os grandes comerciantes dispostos a pagarem o
suficiente para o interiorano seguir seus sonhos de conhecer a cidade grande e trabalhar na
Zona Franca de Manaus.
lxxii
É nesse contexto que é criada a Comissão Pastoral da Terra, Regional
Amazonas. Segundo Marskell (apud Britto, 2005) a CPT-AM nasceu em meio aos
conflitos patrocinados pelo militarismo. Ao ceder grandes extensões de terras para
indústrias produzirem, o governo acabou lançando os trabalhadores rurais e suas
terras nas mãos das empresas. Exemplo disto foi a empresa Rio Madeira que
colocou muitas terras em seu nome e de familiares dos proprietários da empresa,
terras onde o agricultor já derramava seu suor há muito tempo.
Com intuito de acompanhar as populações tradicionais do Estado
agricultores(as), ribeirinhos(as), trabalhadores(as) rurais e índios(as) - que como a
situação do homem e da mulher do campo de outros Estados, eram perseguidos e
ameaçados por jagunços, pistoleiros, latifundiários e seus capangas, nos dias 25 e
26 de setembro de 1977, foi realizado em Manaus, por representantes da CNBB, um
encontro local.
A finalidade do encontro era escolher a equipe organizadora da Comissão
Pastoral da Terra em vel regional e encaminhar, a alguns municípios do
Amazonas, notadamente aos do Alto Rio Negro e Alto Solimões, um questionário
para identificar os principais problemas de terra e água na região.
Para complementar a pouca disponibilidade de registros escritos acerca da
criação e desenvolvimento da CPT-Amazonas, procurou-se recorrer a registros orais
por entender que estes são fontes imprescindíveis para o resgate dessa trajetória.
No caso da CPT no Amazonas, foi possível identificar e colher os registros orais de
uma de suas co-fundadoras, a freira da Congregação das Adoradoras do Sangue de
Cristo (ASC), Irmã Marília Therezinha dos Santos Menezes.
lxxiii
Os agentes pastorais, que trabalharam assiduamente sobre as reuniões
preparatórias para a Assembléia Nacional, realizada em Goiânia, em novembro de
1977, foram Dom Jorge Marskell, na ocasião Administrador Apostólico da Prelazia
de Itacoatiara, indicado para ser o primeiro coordenador da CPT-AM, e a Irmã
Marília Menezes.
Nesses encontros preparatórios foram identificadas, por parte dos agentes
pastorais que acompanharam a vida no campo, as seguintes necessidades de ação:
Buscar uma linha comum de Pastoral da Terra, para que seja possível a todos os
animadores desta Pastoral;
Quanto à TERRA, ver bem quem precisa, com quem está ela, quanta terra
precisa um lavrador e o modo de conquistá-la;
Ver bem qual a vocação do lavrador amazonense, descobrindo sua história, seus
valores culturais, sua experiência como base para desenvolver ou despertar seu
amor à terra, e a decisão de usar mais técnicas, a fim de fixar-se a terra;
Dar atenção à conscientização dos missionários;
Possibilitar maior e mais profundo conhecimento das leis da Terra, e legislação
trabalhista rural, tanto aos missionários quanto ao povo lavrador amazonense.
Para isso, cuidar da elaboração de subsídios pastorais que desenvolvam esta
capacitação;
Despertar e colaborar para que haja maior união e solidariedade entre os
trabalhadores rurais, favorecendo sua organização autônoma como único
caminho para superar a dependência a que foram induzidos;
Descobrir um método de ação que promova a participação do povo nas
iniciativas e o pôr em ação;
Conhecer bem nossa realidade, documentando os fatos e descobrindo suas
causas. Descobrir, além disso, meios de informar o povo sobre o que está
acontecendo;
Conhecer os organismos oficiais que atuam no meio rural, localizando o que
determina sua ação.
Alimentar a solidariedade e união entre os trabalhadores rurais da região,
contribuindo para que o povo lavrador assuma suas necessidades e conquiste
seus direitos foi o objetivo geral estabelecido pela Comissão Pastoral da Terra
no Estado do Amazonas (Relatório do I Encontro Regional para a criação da
CPT-AM, apud BRITTO, 2005, p. 03).
lxxiv
Diante dessas necessidades, os agentes responsáveis pela criação da
Comissão do Amazonas tiveram que adequar as ações pastorais à realidade
regional, por meio de cursos e encontros de lideranças pastorais, conscientização
dos missionários em relação à importância da CPT para o Estado, levantamento de
problemas agrários e/ou outros em cada região do Estado, elaboração de uma
versão popular das Leis Agrárias, conhecimento da legislação e história dos
sindicatos, avaliação da ação dos missionários e das práticas agrícolas que
precisavam ser animadas.
Conscientes da necessidade de implementação de tantas ações, foram
enviados questionários aos Municípios de Itacoatiara, Parintins e Borba. Também
foram enviados questionários para a sede da Prelazia de Tefé, para os municípios
do alto Rio Negro, para Roraima e para a Arquidiocese de Manaus. Os dados
obtidos através desses questionários permitiram à equipe identificar os traços da
realidade vivida pelas comunidades das áreas mais conflituosas no Amazonas.
Em novembro de 1977, na Assembléia Geral da Comissão Pastoral da Terra,
todos os dados levantados foram apresentados e complementaram as análises das
CPT em nível nacional, acerca da realidade local. Tais informações
consubstanciaram os objetivos e as linhas de ação traçados para a CPT a partir
daquele momento. A saber:
Apoio ao lavrador em sua luta por uma Reforma Agrária substancial e
racionalmente dirigida;
A reformulação nacional da Justiça Agrária;
A efetivação de um sindicalismo rural autêntico;
A fixação do homem do campo na terra onde vive e trabalha, ou quando muito
a troca dessa terra por outra em condições aceitáveis, nunca por indenizações
que acabam sempre sendo frustrantes;
Envolvimento, cada dia mais consciente, nessa luta de afirmação, organização e
reivindicações, de toda a família do lavrador: a mulher do campo, sempre
marginalizada e os filhos e os jovens, desiludidos pela situação do campo e
lxxv
tentados pela miragem da cidade (Relatório do I Encontro Regional para a
criação da CPT-AM, apud BRITTO, 2005, p. 04).
Todas as decisões definidas naquela Assembléia, incluindo os objetivos e a
reafirmação do Estatuto da Comissão Pastoral da Terra, marcaram a oficialização da
Pastoral em vários Estados, incluindo a do Amazonas que acabara de dar os
primeiros passos em direção às condições dos ribeirinhos ameaçados pela escassez
do pescado.
Desde sua implantação no Amazonas, a Comissão Pastoral da Terra prestou
assessoria aos ribeirinhos(as) que se organizavam mais de 20 anos nos
Movimentos de Preservação (Conservação) dos Lagos, criados com a finalidade de
inibir a pesca predatória e desequilíbrio ambiental. A CPT-AM deparou-se com
problemas que advinham não somente da terra, mas da água: um deles o peixe, era,
e ainda é o alimento básico da população amazonense.
Ao atuar junto às organizações ribeirinhas pela conservação dos lagos, a
CPT-AM percebia um desafio a mais que a diferenciava das outras regiões, o de se
adequar às peculiaridades do Estado, com a consciência de que hoje, a realidade do
campo brasileiro e das condições sócio-ambientais globais suscitam novos desafios
que devem ser incorporados à luta pela terra, como uma luta por reforma social e
ambiental.
O Amazonas é o maior Estado do país, tem a maior bacia hidrográfica do
mundo. Portanto, jamais poderia ter uma comissão de terra apenas preocupada com
o lavrador e esquecer que o mesmo conta com o peixe para garantir a sua
sobrevivência. Em entrevista, o Padre Dionísio disse que aqui no Amazonas a CPT
é anfíbia, uma CPT que está na água, está na terra. A CPT do Pará, do Maranhão e
outras discutem só o problema da terra. Nessas regiões quem discute o problema do
lxxvi
peixe são os pescadores. Aqui quem levanta o problema do peixe é o agricultor que
trabalha na terra.
A Comissão Pastoral da Terra do Amazonas (CPT-AM), desde 1978, vem
incorporando às suas ações o assessoramento e o acompanhamento das luta
dos(as) ribeirinhos(as) na luta pela terra, na sua organização sindical, na
comercialização de seus produtos, na defesa pela vida contra jagunços, pistoleiros,
grileiros etc.
Ao longo dessa caminhada percebeu-se que dentre tantos problemas
experimentados por estes sujeitos está o processo de escasseamento do peixe nos
rios e lagos do Amazonas. A partir desta constatação, CPT-AM e ribeirinhos(as) se
articulam objetivando conter a pesca predatória e o conseqüente desequilíbrio
ecológico. As realidades do campo brasileiro e das condições globais suscitam
novos desafios que devem ser incorporados à luta pela terra, como uma luta por
reforma social e ambiental (CPT, 1994). Esta preocupação com a questão da terra e
também da água é que o à CPT-AM a alcunha de anfíbia, diferenciando-a das
outras CPTs Brasil afora. Neste contexto é que surge o Movimento de Preservação
dos Lagos.
O Movimento de Preservação de Lagos teve início na década de 80 do século
XX quando ocorreram três encontros regionais em Tefé e Coari, cujo objetivo
principal era discutir a escassez de peixe na região - Encontros Sobre a Pastoral da
Pesca; Encontros de Pescadores Artesanais e o Encontro de Pescadores.
Os encontros são maneiras de luta nas quais as demandas locais são
universalizadas. Além disso, eles servem para troca de experiências e para o
esclarecimento dos motivos dos conflitos em torno da questão. Em um primeiro
momento, não estava claro para a CPT-AM as categorias agricultor e pescador.
lxxvii
Este momento da trajetória da CPT-AM é especialmente interessante porque
se percebeu o quanto a dinâmica interna do movimento dos (as) ribeirinhos (as) é
complexa. Por isso foi essencial possibilitar que o Movimento Social Ribeirinho
(MSR) organizado fosse autônomo, representativo e que não se propusesse
fórmulas e modelos pré-definidos, mas se buscasse construí-los coletivamente.
Esta práxis tem por base a compreensão da identidade ribeirinha. A
população rural do Estado do Amazonas vive tanto nas áreas das barreiras de terra-
firme, como nas várzeas localizadas às margens dos rios Solimões e Amazonas e
seus afluentes. Na maioria das vezes, vive como grupos de vizinhança, formada por
famílias aparentadas, geração após geração, em uma mesma localidade. A grande
maioria destas localidades está hoje organizada coletivamente, em unidades
político-sociais denominadas comunidades.
Normalmente, no Amazonas, são as comunidades que articulam as práticas
de convivência social e, através de suas lideranças comunitárias, estabelecem
vínculos com as estruturas formais dos municípios, do Estado e dos poderes
públicos.
Estas comunidades ocupam as margens de quase toda a extensão dos
grandes e pequenos rios do Amazonas, formando uma verdadeira fronteira humana
de uma parte da Amazônia, onde a natureza sobrevive por não ter sido ainda
inteiramente entrecortada e devastada pela abertura de estradas e outros grandes
empreendimentos.
Outro aspecto importante em relação a estas comunidades é o estoque de
saberes que elas detêm, fruto de uma maneira de viver, produzir e se relacionar com
os ambientes terrestres (restingas, praias, igapós, barrancos e vazantes) e aquáticos
(rios, paranás, igarapés, ressacas, poços, furos e lagos, tais como as terras-caídas),
lxxviii
os desmatamentos e as alterações na qualidade da água, da flora e da fauna,
afetam de maneira direta e múltipla as atividades socioeconômicas.
Sua sobrevivência está intimamente vinculada às atividades mediante as
quais são explorados os recursos naturais disponíveis nos diversos ambientes das
margens dos rios e de suas várzeas. Destes ambientes é obtida a água usada para
matar a sede e irrigação das plantações. Dessas águas e florestas é que a
comunidade retira seus alimentos e matérias-primas cultivadas ou extraídas das
florestas. Os (as) ribeirinhos (as) dependem objetivamente, mais que qualquer outro
grupo, que os rios e lagos estejam limpos e saudáveis.
A alimentação dos (as) ribeirinhos (as) é baseada na farinha de mandioca, do
peixe, da banana, do açaí, da pupunha, do feijão do milho etc., produzidos no
entorno de suas casas. Nessas comunidades também são criados animais
domésticos como porcos, galinhas, patos, algumas vacas etc. O pescado é uma das
principais fontes de proteína. Boa parte dessas pessoas são ex-seringueiros e que
atualmente cultivam a malva e a juta nas várzeas durante a vazante. A relação dos
ribeirinhos com a água é intensa. A cheia e a vazante determinam o ritmo da vida
para os ribeirinhos.
A sabedoria do ribeirinho no convívio com a natureza é fruto de uma longa
história de convivência respeitosa. Os conhecimentos aprendidos no dia-a-dia são
repassados de pai para filho.
Boa parte dos alimentos que chegam às feiras de Manaus e de outras
cidades do interior do Estado é produzida por essas comunidades. Nesse processo,
um dos principais desafios encontrados pelos ribeirinhos é o transporte e a
comercialização de sua produção. As distâncias e os atravessadores são os grandes
gargalos desse processo.
lxxix
A produção se em bases familiares, sem uso de agrotóxicos. Entretanto,
essas famílias nem sempre têm a posse das terras onde vivem. A terra para eles
não é utilizada para fazer dinheiro, conforme a racionalidade capitalistas e sim como
meio de se produzir a vida.
Neste sentido a defesa da terra, dos lagos, dos rios e de tudo o que a floresta
lhes proporciona é vital.
Tendo aprendido a sobreviver com poucos recursos financeiros, o cotidiano
dos (as) ribeirinhos (as) é um exercício de superação.
Vivem em casas muito simples, geralmente de palha e madeira, enfrentando
doenças como tuberculose, hanseníase, malária, hepatite e outras. A assistência
médica do Estado não é uma realidade. Geralmente os remédios advindos do
conhecimento de plantas medicinais da floresta são a única alternativa possível
para o combate a estas doenças. A escola, quando existe, oferece somente o
Ensino Fundamental. Mesmo assim, a proposta curricular geralmente
desconsidera a cultura local, incutindo nas crianças valores das cidades,
gerando fascínio e incentivando o êxodo rural. Além de saúde, educação,
legalização da posse da terra que ocupam, defesa dos lagos, rios e floresta,
outras reivindicações se fazem presentes nessas comunidades: leis, políticas
públicas, assistência técnica, financiamento para a produção familiar e
comunitária (CARTILHA DO MOVIMENTO RIBEIRINHO DO AMAZONAS, 2003,
p. 5).
A racionalidade capitalista que trouxe consigo o barco a diesel, a malhadeira,
a bomba e a moto-serra, todos usados de forma gananciosa e imprudente, fez essas
comunidades substituírem as crenças de que a cobra grande, o curupira e outras
divindades da floresta pudesses salvar o meio ambiente e iniciasse uma luta contra
essa racionalidade e propondo uma nova baseada no respeito e na convivência
sábia com floresta e o rio.
2.4 O projeto sócio-ambiental da CPT.
É neste contexto que a CPT-AM, desde meados dos anos 80 vem apoiando
as comunidades ribeirinhas e que vieram a constituir o movimento intitulado
Movimento de Preservação de Lagos. No início dos anos 90, embalado pela ECO-92
e pelo adventos de novas lideranças comunitárias, os municípios desenvolveram
lxxx
formas organizativas de luta independentes como o Grupo de Preservação e
Desenvolvimento (GPD) de Tefé, Associação de Silves pela Preservação Ambiental
e Cultural (ASPAC) e o Grupo Natureza Viva (GRANAV) de Parintins.
Nos relatos das lideranças da CPT-AM é explicitado que, apesar de algumas
vitórias do movimento, conforme descrito no parágrafo anterior, estas são ainda
pequenas e frágeis e precisam se fortalecer e se consolidar. Afirmam ainda que é
preciso reconhecer que em muitas localidades no interior do Estado do Amazonas
as lutas e as vidas dos (as) ribeirinhos (as) continuam sendo trajetórias isoladas e
solitárias. Seguem não sendo reconhecidas pelas sociedades locais, discriminadas e
humilhadas pelos agentes dos poderes públicos.
A CPT-AM, juntamente com o MRA, a partir de 2003, vem construindo
algumas bases conceituais com vistas à compreensão da identidade do (a) ribeirinho
(a) a partir dos seguintes questionamentos: 1) se nós somos pescadores,
preservadores, agricultores familiares, trabalhadores rurais, artesãos, seringueiros,
sem terra, sem lago, criadores de gado, castanheiros, carpinteiros, construtores.
Somos os camponeses da água, da terra e da floresta? 2) O que nos une, o que nos
identifica? 3) Como vamos unificar as nossas lutas e nossas reivindicações? 4)
Como vamos capacitar e fortalecer nossas lideranças? 5) Como vamos lutar para
levar saúde, educação e cidadania a todos? 6) O que vamos fazer para que não
haja fome nos rios do Amazonas?
Ao contrário das políticas de conservação elaboradas pelo Estado, a CPT-AM
sempre se preocupou com o protagonismo dos ribeirinhos na luta por políticas
públicas baseadas na realidade e não em medidas convenientes para o governo.
Após 25 anos de luta junto às comunidades ribeirinhas, extrativistas,
trabalhadores e trabalhadoras rurais, mulheres e homens, a Comissão Pastoral da
lxxxi
Terra, regional Amazonas, ganhou significativos espaços na história de luta pela
Terra, Água e Direito, exemplos disto são: 1) a parceria com o IBAMA na formação e
legalização dos Agentes Ambientais Voluntários; 2) a animação do Movimento de
Mulheres Trabalhadoras Rurais do Estado do Amazonas; 3) Movimento de
Preservação de Lagos; 4) a resistência contra os impactos dos Grandes Projetos
para o Estado; 5) a defesa dos direitos dos pequenos agricultores contra os
latifúndios.
Evidencia-se, dessa forma, que o Projeto sócio-ambiental da CPT-AM
pretende propor um contraponto ao projeto neoliberal norteado pelo apequenamento
do Estado ante as demandas históricas e/ou novas das comunidades que vivem
na/da terra e água; pelo estímulo desse mesmo Estado e pelo grande capital ao
agro negócio, aos megaprojetos minerais, agropecuários e industriais implantados
na região; à pesca predatória, além da globalização cultural que asfixia os saberes e
práticas das populações tradicionais. Neste sentido, a CPT-AM defende formas
alternativas, baseadas numa racionalidade sócio-ambiental na qual o Estado deva
se fazer presente como parceiro das comunidades no desenvolvimento de projetos e
implementação de políticas públicas de saúde, educação, moradia etc.;
investimentos na agricultura familiar e outras modalidades produtivas que
incorporem a mulher e o homem das comunidades rurais e ribeirinhas; na
(re)valorização dos saberes e das culturas locais, além de possibilitar a participação
democrática de todas e todos na construção desses novos caminhos.
Capítulo 3 – A COMISSÃO PASTORAL DA TERRA (CPT) NO AMAZONAS: EM
BUSCA DO FUTURO
A escolha é nossa: formar uma aliança global para cuidar da Terra e
uns dos outros, ou arriscar a nossa destruição e a da diversidade da
vida. São necessárias mudanças fundamentais dos nossos valores,
lxxxii
instituições e modos de vida. Devemos entender que quando as
necessidades básicas forem atingidas, o desenvolvimento humano é
primariamente ser mais, não, ter mais. Temos o conhecimento e a
tecnologia necessários para abastecer a todos e reduzir nossos
impactos ao meio ambiente. O surgimento de uma sociedade civil
global está criando novas oportunidades para construir um mundo
democrático e humano. Nossos desafios, ambientais, econômicos,
políticos, sociais e espirituais estão interligados, e juntos podemos
forjar soluções includentes (Desafios para o futuro - Carta da Terra).
3.1 Introdução
Este capítulo apresenta e discute a visão de mundo dos dirigentes da CPT
nacional e local acerca da Amazônia em geral e do Amazonas, em particular.
Entende-se por visão de mundo a maneira como os homens e mulheres enxergam o
universo que os cerca e constroem referentes sócio-culturais acerca de tudo o que
permeia suas vidas e o seu cotidiano. O sistema de crenças e valores, associado
aos processos de reflexão-ação-reflexão, entendida como categoria que leva em
consideração a mulher e o homem como sujeitos reflexivos que analisam e
interpretam suas próprias realidades enquanto a vivenciam. Nesse sentido o sistema
e os processos supramencionados constituem elementos essenciais na busca de
compreensão desta visão.
Fazem parte da construção desta visão de mundo, entre outros, a concepção
de mulher e de homem, de natureza, de religião, de meio ambiente e de sociedade.
As discussões apresentadas neste capítulo foram construídas a partir de
entrevistas com o secretário nacional da CPT que tem sede em Goiânia, capital do
Estado de Goiás, e com as coordenadoras da Organização no Amazonas. Além das
entrevistas, também foram analisados o estatuto social da CPT e os documentos
relativos à questão cio-ambiental originados de reuniões, assembléias e
congressos realizados pela Organização. Ressaltamos que a CPT classifica como
reuniões os encontros realizados anualmente; assembléias, os realizadas a cada
lxxxiii
três anos e congressos, os realizados a cada cinco anos. O conjunto desses
encontros é institucional e se constituem nos principais fóruns de discussões e
deliberações da CPT.
Este capítulo está estruturado em duas seções. A primeira, intitulada Visão de
mundo dos dirigentes da CPT acerca da Amazônia no Amazonas, apresenta alguns
aspectos considerados centrais na construção da visão de mundo da CPT a partir
das concepções das lideranças nacionais e locais da organização. A segunda
seção, intitulada Visão de mundo, visões de mundo: em busca do futuro, procura
construir uma análise a partir de alguns pontos de aproximação e/ou
distanciamentos relativos às diferentes visões de mulher e de homem, da sociedade
e do meio ambiente, hauridos das lideranças da organização. A compreensão
dessas visões torna-se significativo, na medida em que a CPT-AM, no limiar de
completar trinta anos de existência, se configura como uma das mais atuantes e
combativas Organizações da sociedade civil e do terceiro setor na defesa da terra,
da água, dos direitos humanos essenciais ao processo de construção de relações
sociais dignas para a mulher e o homem amazônidas.
3.2 Visão de mundo dos dirigentes da CPT acerca da Amazônia no Amazonas
O conceito de visão de mundo, neste estudo, refere-se à maneira como os
sujeitos sociais, historicamente situados, compreendem o universo que os cerca e
constroem referentescio-culturais acerca de tudo o que permeia suas vidas e seu
lxxxiv
cotidiano. Este conceito tem por base os estudos de LÖWY (1988 p.12-13) para
quem a visão de mundo significa:
Um conjunto orgânico, articulado e estruturado de valores, representações,
idéias e orientações cognitivas, internamente unificadas por uma perspectiva
determinada, por certo ponto de vista socialmente condicionado [...]. Noutras
palavras, trata-se: a) de uma visão de mundo, isto é, de um conjunto
relativamente coerente de idéias sobre o homem, a sociedade, a história, e sua
relação com a natureza; b) esta visão de mundo está ligada a certas posições
sociais [...], isto é, aos interesses e à situação de certos grupos e classes sociais.
A adoção dessa concepção de visão de mundo coaduna com a prática social
da Comissão Pastoral da Terra no Amazonas (CPT-AM), na medida em que esta,
tendo clareza do tipo de mulher, de homem, de sociedade e de mundo que quer
construir, adota posicionamentos em relação às questões sociais e políticas
claramente definidos em favor daquelas e daqueles que lutam pela terra, pela água
e por direitos.
A CPT-AM atua vinte e nove anos no Estado do Amazonas. Ela faz parte
da CPT nacional, a qual está presente em quase todos os Estados do País, através
de 21 regionais. Cada regional tem sua própria coordenação.
A CPT-AM é administrada por uma coordenação colegiada, composta por três
coordenadores. Duas coordenadoras trabalham diretamente na sede, na cidade de
Manaus, e um coordenador trabalha no interior do Estado, na cidade de Tefé. No
plano nacional um Presidente e um Vice-presidente, que são bispos da Igreja
Católica, os quais o assessorados por uma Coordenação Nacional, composta por
seis membros, não necessariamente pertencentes à Igreja Católica.
A estreita relação entre as lideranças da CPT e a Igreja Católica se constitui
num elemento importante para a busca de compreensão da sua visão de mundo.
Conforme apresentado no capítulo anterior, a CPT tem uma relação direta com a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), organização que congrega os
lxxxv
bispos da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil, através da Comissão
Episcopal para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz. Esta Comissão tem a
incumbência de coordenar, no plano nacional, os trabalhos relacionados com as
pastorais sociais. Entende-se por pastoral social o trabalho da Igreja Católica que, a
partir de uma visão sócio-transformadora
12
, procura encontrar respostas à realidade
brasileira e local num determinado momento histórico. Neste sentido, a CNBB (2006)
entende que os principais desafios a serem enfrentados por essas pastorais sociais
atualmente são: a) Efeitos perversos da economia neoliberal globalizada. b)
Financeirização da economia. c) Concentração de renda. d) A corrupção e mau uso
dos recursos públicos. e) As novas tecnologias e a precarização do trabalho, e, f) O
êxodo rural em massa.
Apesar da estreita relação entre a CPT e a CNBB, mormente no que se refere
à atuação das pastorais sociais, aquela procura se pautar em bases e fundamentos
mais universais, independentemente de credos e ideologias eventualmente
professadas por esta. Nesse sentido, a CPT adota o seguinte posicionamento:
A CPT tem caráter ecumênico. Tem uma relação mais efetiva desde muitos anos
com a Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Também tem
ligação estreita com a Igreja Metodista e ultimamente com a Anglicana. Uma das
coordenadoras nacionais, eleita na Assembléia do ano de 2006, é Pastora
Metodista. Mas além destas Igrejas, a participação de pastores e/ou de fiéis
de outras Igrejas em seus trabalhos. Também a ação da CPT é ecumênica em
relação ao público com que trabalha. A CPT atua junto aos trabalhadores e
trabalhadoras da terra independentemente de que Igreja seja (ANTÔNIO
CANUTO, SECRETÁRIO NACIONAL DA CPT).
A busca por um diálogo ecumênico é corroborada pela coordenação da CPT-
AM. Apesar de não possuir nenhum membro da Equipe de Coordenação vinculado
institucionalmente a outras Igrejas que o seja a Católica, existem lideranças
12
Esta visão pastoral da Igreja Católica, busca superar as históricas desigualdades sócio-econômicas
da sociedade brasileira. As ações desenvolvidas nesta perspectiva, norteiam-se no método conhecido
como Método Ver-Julgar-Agir. O método se desenvolve em três momentos: partir da realidade, da vida
dos jovens (ver), confrontar os desafios levantados pela realidade com a (julgar), partir para uma
ação transformadora do meio (agir) (História da Pastoral da Juventude. Disponível em:
www.diocesedecoxim.org.br/pj. Acesso em 21 set. 2006).
lxxxvi
comunitárias que trabalham em parceria com a CPT e que pertencem e/ou
congregam com outras Igrejas. “Há, nas comunidades, lideranças que pertencem a
outras Igrejas. Em Itacoatiara, uma das líderes comunitárias onde atuamos pertence
à Igreja Adventista. Eu mesma trabalhei durante um bom tempo com um Pastor da
Igreja Assembléia de Deus” (Ir. AURIÉDIA DA COSTA, COORDENADORA DA CPT
AMAZONAS).
Outro aspecto importante na composição da visão de mundo da CPT-AM diz
respeito às relações que esta estabelece com outras organizações do terceiro setor,
tanto no plano nacional quanto no internacional, com vistas à aquisição de recursos
econômicos para o seu funcionamento e o desenvolvimento de projetos junto às
comunidades. Nesse sentido, a visão de mundo da CPT-AM procura pensar
globalmente, mas agir localmente, postura correlata à das ONG’s brasileiras e
mundiais surgidas a partir dos anos 80 do século XX e um dos pilares dos
movimento ambientalista, conforme apresentado no Capítulo 1 desta dissertação.
Entretanto, apesar de compartilharem a visão estratégica de pensar globalmente,
mas agir localmente, a CPT-AM apresenta diferenças em relação às outras
organizações do terceiro setor, tanto pelo tipo de ação que desenvolve, quanto pela
forma organizativa que apresenta.
Em relação às ações da CPT-AM, observou-se que estas não se restringem
ao deslocamento de lideranças sediadas em Manaus e/ou Tefé-AM até as
comunidades ribeirinhas para o desenvolvimento de atividades quaisquer,
retornando em seguida para Manaus. Ao contrário, a CPT-AM procura caminhar
com a comunidade por entender ser esta a melhor estratégia para a construção de
alternativas de desenvolvimento comunitário, haja vista a realidade dessas
comunidades apresentar um quadro de ampla complexidade. Por isso, a
lxxxvii
organização entende que deva propor e encaminhar com as comunidades,
construindo juntas as respostas adequadas aos problemas e desafios cotidianos.
Outro aspecto importante na diferenciação da atuação da CPT-AM em
relação a outras organizações do terceiro setor que trabalham a questão da terra e
da água nesta região, refere-se à adoção de uma proposta de acompanhamento, ao
invés da adoção de mecanismos de controle. Não se observou mecanismos de
controle ideológico, religioso ou político sobre as comunidades. O que ficou bastante
evidente foi um intenso diálogo em torno dessas questões. Entretanto, a
Coordenação da CPT-AM afirmou ser exigente em relação à prestação de contas
dos recursos econômicos da instituição e que este acompanhamento mais
sistemático é necessário devido às determinações legais.
Diferentemente do que apontou os estudos de Miram Medina (1997) e Maria
da Glória Gohn (1997) que, ao analisarem o perfil das organizações do terceiro
setor, no tocante à origem dos recursos econômicos investidos nos projetos
desenvolvidos no Brasil, constataram serem estes oriundos, principalmente, de
cofres públicos, a CPT-AM desenvolve seus projetos com recursos econômicos
provenientes, principalmente, de fontes não-públicas. Não obstante, CPT-AM
entende e defende que a comunidade deva, de maneira democrática, se mobilizar
no sentido de exigir do poder público os investimentos necessários ao
desenvolvimento de projetos em benefício da comunidade.
Esta postura torna-se necessária na medida em que se vive no Brasil um
momento de normalidade democrática, dentro do que se chama democracia
representativa. Observa-se hodiernamente que o conjunto dos direitos dos cidadãos
estão cada vez mais claros nos documentos legais, porém, a realidade apresenta de
maneira afrontosa o desrespeito a esses direitos, principalmente em relação às
lxxxviii
trabalhadoras e trabalhadores ligados à terra e à água. Há um fosso entre o ideal e o
real; violência, a impunidade para os que perseguem e matam lideranças
comunitárias, a ausência de elementos básicos à dignidade humana, entre eles a
saúde, a educação e, principalmente a terra e a água, confirmam tal fato.
Por outro lado, o mercado vive um momento de grande euforia. Segundo
Marcos Kisil (2005, p. 142):
A queda do muro de Berlim, a derrocada do sonho socialista na União Soviética
selaram a hegemonia do modelo capitalista como o modelo econômico
prevalente [...]. Nesse modelo, o processo competitivo faz de cada
empreendedor um competidor por um nicho de mercado. Quanto mais acirrada
for a competição, mais agressivo e selvagem deverá ser o empreendedor para
ser vencedor.
Diante desse quadro extremamente perverso, mormente para as
comunidades rurais e ribeirinhas, o apequenamento e/ou ausência do Estado é
inadmissível. Nesse contexto o terceiro setor, entendido a partir de uma perspectiva
não-conservadora, surge como uma alternativa no sentido de que novas alternativas
sejam buscadas, a partir de esforços cooperativos entre Estado e sociedade civil em
que o interesse dessas mesmas comunidades seja o denominador comum. Enfatiza-
se, portanto, que as organizações da sociedade civil ou do terceiro setor não devem
substituir a presença e ação do Estado, como querem os defensores do
neoliberalismo, mas construir mecanismos de participação e mobilização para exigir
e/ou atuar cooperativamente com ele, naquilo que for do interesse das mulheres e
dos homens das comunidades que vivem na/da terra e água.
Devido ao enorme espaço geográfico brasileiro, às diversidades regionais no
tocante a aspectos físicos, sociais, culturais, antropológicos e outros, a
multiplicidade de ações por parte da CPT, demandadas em cada região, é enorme.
Por isso, torna-se bastante oneroso economicamente manter em funcionamento a
estrutura da CPT em vinte e uma das vinte e seis unidades da Federação. A
lxxxix
organização possui despesas fixas diversas tais como folha de pagamento dos
trabalhadores da Organização; taxas de água, luz e telefone; aluguéis; além de
despesas variáveis com passagens para deslocamentos para as comunidades,
cursos de capacitação, contratação de consultorias, aquisição de imóveis e
equipamentos etc.
Para fazer frente a tais despesas, a CPT capta recursos em forma de doação
via projetos de parceria, geralmente com outras Organizações do Terceiro Setor. As
principais entidades parceiras da CPT são ligadas, geralmente, às Igrejas, tanto
Católica, quanto Evangélicas. Cria-se, assim, uma relação de cooperação através da
qual a CPT participa de campanhas com o objetivo de arrecadar recursos
econômicos em países tanto da Europa quanto da América do Norte evitando-se
assim, trabalhar com os recursos públicos.
Internamente, CPT-AM possui um profissional responsável pela parte contábil
da organização. Como cada convênio celebrado demanda um tipo de prestação de
contas dos recursos econômicos empregados, tal sistemática varia. Entretanto,
independentemente do tipo de convênio celebrado, a prestação de contas é feita de
acordo com as exigências legais.
Em relação à atuação, a CPT, se dedica a três linhas de ação: Terra, Água e
Direitos.
A opção por estas linhas de ação decorre da preocupação em torno da
questão sócio-ambiental. Esta há muito tempo foi incorporada à pauta de lutas da
CPT. Hodiernamente, esta preocupação se intensificou e tem exercido forte
influência nos programas pastorais da Igreja Católica e de outras Igrejas que
trabalham em parceria com a Católica nas pastorais sociais. Exemplo dessa
influência é o texto base da Campanha da Fraternidade de 2004, abordando a
xc
problemática da água, que foi construído com apoio direto da CPT, demonstrando o
reconhecimento por parte da sociedade como um todo de como a organização trata
com seriedade esta questão.
A temática água tem suscitado intensas discussões entre especialistas no
assunto. Estas discussões, amplamente disseminadas nos meios de comunicação,
têm contribuído de maneira significativa para a sensibilização da sociedade como
um todo sobre a urgência de se construir políticas públicas e estratégias de
intervenção diferenciadas sobre este patrimônio global e finito. O jornal A Crítica (20
de agosto de 2006, p. A24) traz matéria intitulada Crise hídrica ameaça ricos, na
qual discute a problemática relativa à crescente escassez dos recursos hídricos
mundiais. Tanto países pobres quanto países ricos sofrem, hoje, e continuarão
sofrendo no futuro a falta deste que é um dos bens mais preciosos para a
manutenção da vida no planeta. O texto aponta como causas para a escassez, as
mudanças climáticas, a poluição, a seca, o mau uso das poucas fontes de água
doce e os grandes projetos de infra-estrutura como as barragens indicando, nos
quatro cantos do globo, locais onde o excesso de consumo pela indústria e
agricultura e grandes áreas populacionais precisam ser reavaliados colocando-se
como parâmetros de análise os conceitos de vida e solidariedade. Outro importante
veículo de comunicação nacional, a Revista Planeta (setembro de 2006, p. 42-53)
apresenta texto intitulado Cinco desafios à vida na Terra, no qual defende que a
humanidade não pode mais fechar os olhos para os problemas que precisa enfrentar
para garantir o futuro das próximas gerações. Para que o futuro seja assegurado é
necessário um esforço mobilizador de todos na implementação de medidas que
amenizem ou solucionem definitivamente os que hoje são apontados como os
maiores megadesafios da humanidade: mudanças climáticas, a conservação da
biodiversidade, o problema energético, o lixo e o acesso à água.
xci
A água é temática recorrente em encontros no mundo todo. A partir desses
encontros, várias declarações têm sido propostas para serem debatidas pela
sociedade civil e governos como parte de uma estratégia de sensibilização do
conjunto da população sobre a do problema. Os principais encontros sobre essa
temática foram:
BOX 6
PRINCIPAIS DECLARAÇÕES RELACIONADAS COM A ÁGUA (década de 1990)
Natureza da declaração: Carta de Montreal” sobre Água e saneamento
Contexto: Fórum Internacional das ONGs em Montreal, de 18 a 20 de junho de 1990,
organizado pela Oxfam e outras antes do encerramento oficial da Década Internacional de
Água potável e Saneamento. Natureza da declaração: “Declaração de Dublin” sobre
Água em uma perspectiva de desenvolvimento sustentável. Contexto: Conferência
Internacional sobre Água e meio ambiente, 26 a 31 de janeiro de 1992, organizada pelas
Nações Unidas em preparação para a conferência Unced no Rio de Janeiro, em junho do
mesmo ano. Natureza da declaração:Declaração de Strasburgo” sobre Água como
fonte de cidadania, paz e desenvolvimento regional. Contexto: Fórum europeu, 12 a 14
de fevereiro, organizado pelo Secretariado Internacional da Água, a Assembléia
Parlamentar do Conselho da Europa e a Solidariedade Européia da Água. Natureza da
declaração: “Declaração de Paris” sobre Água e desenvolvimento sustentável. Contexto:
Conferência Internacional sobre Água e Desenvolvimento Sustentável, 19 a 21 de março
de 1998, organizada pelo governo francês em preparação para a Sexta Sessão da
Comissão sobre desenvolvimento sustentável (CSD). Natureza da declaração: A
declaração de Haia sobre Segurança Hídrica Contexto: Segundo Fórum Mundial da
Água, Haia, março de 2000.
Fonte: POTRELLA, Ricardo. O Manifesto da Água: argumentos para um contrato
mundial. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 50.
(Re)pensar a questão da água implica, necessariamente, em também
repensar o meio ambiente como um todo. A análise dos documentos da CPT
evidenciou a preocupação da organização com esta problemática.
Um desses documentos assinado por bispos das Igrejas Católica, Metodista e
Anglicana e por Pastores Sinodais da IECLB “Os pobres possuirão a terra” foi
elaborado com assessoria da CPT.
BOX 7
xcii
Os pobres possuirão a terra: pronunciamento de Bispos e Pastores Sinodais sobre a terra.
Este texto é uma publicação comemorativa aos 30 anos de existência quando a Comissão
Pastoral da Terra, CPT, ao trigésimo aniversário da morte do Padre João Bosco Penido Burnier
(12/10/76), ao vigésimo da morte do Padre Josimo Morais Tavares (10/05/86), ao décimo
aniversário do massacre de Eldorado de Carajás, (17/04/96) e ao primeiro aniversário da morte de
Irmã Dorothy Stang, (12/02/05), considerados mártires da luta pela terra. Através dele, os bispos
das Igrejas Anglicana, Católica, Metodista e pastores Sinodais da Igreja Evangélica de Confissão
Luterana no Brasil, IECLB e membros do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC), refletem
sobre a realidade do campo, da água e das florestas do Brasil, neste início do século XXI. O texto
denuncia ainda o neoliberalismo que se implantou e tornou o capital e o mercado valores absolutos;
a política oficial do País subordinada aos ditames implacáveis do grande capital que apóia e
estimula abertamente o agro negócio intensivo e extensivo em detrimento dos pequenos
agricultores e os trabalhadores em geral, tanto da cidade, quanto do campo, inviabilizando sua
sobrevivência. O livro analisa ainda que a questão da terra não afeta somente o campo, mas é uma
questão nacional e planetária. A acelerada e violenta agressão ao meio-ambiente e aos povos da
terra revelam a crise de um modelo de desenvolvimento alicerçado no mito do progresso que se
resume nos resultados econômicos e esquece as pessoas, sobretudo as mais pobres e todas as
outras formas de vida. Por fim, ele conclama a todas as pessoas comprometidas com uma nova
racionalidade a se unirem na luta por aqueles que vivem na terra e da terra e que estão sendo
marginalizados, expulsos e assassinados.
A preocupação com o meio ambiente e com a Amazônia veio aos poucos se
incorporando às atividades desenvolvidas pela CPT. De acordo com Antônio Canuto
(2006)
Ela apareceu com mais intensidade no Noroeste do Brasil, onde está inserido o
Estado do Amazonas. Nessa região foi mais intensa a luta pela defesa dos
recursos naturais, mormente no que se refere à preservação (conservação) de
rios e lagos. No Sul do Brasil apontou na direção de uma agricultura orgânica,
livre de agrotóxicos e outros insumos prejudicais às pessoas e à natureza. No
Nordeste do Brasil, as alternativas de convivência com o semi-árido. Hoje,
praticamente todas as regionais, de uma forma ou outra, têm no seu horizonte o
meio ambiente, a ecologia (grifo nosso).
A análise dos documentos internos da CPT possibilitou constatar-se que a
temática ambiental de forma geral e a Amazônia, de forma específica, configuram-se
como preocupações históricas da Organização, as quais remontam à década de
setenta do século XX. Com o passar do tempo, estas preocupações foram
ganhando dimensões cada vez maiores, ao ponto de se tornarem, atualmente, em
temática central dos embates e lutas, além de se constituírem em preocupação para
o futuro.
xciii
Tendo em vista que estas preocupações transcendem o tempo presente,
lançando-se também em direção ao futuro, constatou-se que a CPT procura
desenvolver, junto às comunidades onde atua, ações que possibilitem uma clara
compreensão de que a sobrevivência das pessoas e a de seus descendentes
depende da maneira como compreendem e interagem com a natureza e o meio
ambiente.
A questão é abordada diretamente pela primeira vez no editorial do Boletim
Queremos terra para cuidar dela. Este documento, sobre a Campanha da
Fraternidade de 1979, tem como tema central exatamente a ecologia. O texto
denuncia o uso exagerado de produtos químicos que envenenam a terra, as águas e
todos os seres vivos, acusando as indústrias produtoras de agrotóxicos e outros
tipos produtos com potencial de contaminação do ar, do solo, da água e dos seres
vivos de uma maneira geral, além de visarem somente o lucro, deixando a vida e o
meio ambiente relegados a planos inferiores. O boletim ressalta que:
Hoje, tem gente séria, estudada, que está voltando a examinar o jeito do povo
‘antigo’ cultivar a terra. Fazer cultura é uma arte, um ato de amor e respeito à
natureza. Ajuda a terra a se conservar e renovar com adubação orgânica e
vegetal: é a própria natureza que se faz nova, mais forte, mas produtiva.
'Queremos terra para cuidar dela' será o grito a ser dado por todos os lavradores
contra os que a estão roubando (BOLETIM/CPT, 1978, p. 1–2)
No documento emanado da II Assembléia Nacional, em 1979, há indicações e
propostas em defesa do meio ambiente, dentre as quais se ressalta:
Denunciar a devastação da Amazônia e a expulsão dos agricultores, habitantes
das áreas em que o governo implanta projetos de irrigação e barragens. Apoiar a
luta dos pescadores, expulsos das praias pelo turismo e pela urbanização
desenfreada. Denunciar as usinas e indústrias que poluem os rios, envenenando
as águas e matando os peixes, pondo em risco a vida das próprias pessoas.
Fazer pressão contra o uso indiscriminado de produtos químicos na agricultura,
que ameaça a vida da terra e do homem (CPT,1979, p. 3-9).
xciv
Estas propostas confirmam a necessidade inexorável de se repensar a
racionalidade ambiental vigente. Enrique Leff (2000) defende que esta nova
racionalidade não deve visar prioritariamente o lucro; ao contrário, deve considerar a
mulher e o homem e todo o seu universo de relações. Ele a definiu como uma nova
racionalidade sócio-ambiental. Coerentemente com esta proposta, faz-se necessário
que as populações locais com seus saberes e práticas se tornem referências
importantes para a construção de modelos alternativos ao produtivismo apregoado
pela racionalidade neoliberal, ainda hegemônico. O autor justifica sua proposta, com
a qual CPT concorda, afirmando que este é um problema com contornos não
apenas físicos e técnicos como é comumente colocado pelas agências de
desenvolvimento e muitos intelectuais do primeiro mundo, mas também com
contornos sócio-culturais, na medida em que há a destruição das culturas locais.
Em outro Boletim, publicado em setembro de 1980, a CPT transcreve uma
nota do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Paracatu, MG, na qual denuncia o
envenenamento e morte de trabalhadores rurais que trabalhavam em empresas
reflorestadoras e agropecuárias por inseticidas e herbicidas (p. 04).
Na Amazônia, o crime de envenenamento do solo e da água ocasionado
pelas atividades econômica predatórias, praticado principalmente pelas empresas
responsáveis pelos megaprojetos implantados na região, ganha contornos ainda
mais dramáticos que os denunciados na cidade mineira de Paracatu. O projeto
Pitinga, por exemplo, localizado aproximadamente 280 km de Manaus, no
município de Presidente Figueiredo, na terra dos Waimiri-Atroari, é emblemático
dessa situação. Mesmo não usando diretamente produtos químicos no processo de
extração e separação dos rejeitos para tornar o minério adequado ao uso comercial,
o procedimento é tão agressivo ao meio ambiente que altera todo o equilíbrio
xcv
químico do solo e da água no entorno do local onde está situada a lavra do minério,
tornando-os absolutamente impróprios para produção e/ou consumo humanos.
No Estado do Acre, em 1986, a CPT se levanta “conta a expulsão de
seringueiros e a falta de infra-estrutura nos projetos de colonização, e na sua
terceira Assembléia denuncia o desmatamento indiscriminado pelas madeireiras”
(CPT, 1986, p. 13).
A VI Assembléia Nacional, em 1987, de forma explícita, a CPT denuncia a
violência contra a natureza e as pessoas, obra dos grandes projetos. Assim diz o
documento final do encontro:
Cabe registrar ainda a violência contra a natureza, que vem devastando todo o
país, envenenando rios, derrubando matas para implantar grandes projetos que
não são outra coisa senão fabricadores de desertos. Estes projetos impatrióticos
como a franquia dos recursos minerais às transnacionais, as barragens, os
projetos de aproveitamento imediato dos cerrados ou os projetos de militarização
das fronteiras como o Calha Norte agridem indiscriminadamente a natureza, as
nações indígenas, os seringueiros, os lavradores, enfim os brasileiros que vivem
nessas regiões em torno dos interesses do capital internacional (CPT, 1987, p.
10).
Os ribeirinhos do Noroeste do Brasil, principalmente do Amazonas,
começaram a sentir que se não houvesse um trabalho de conservação dos rios e
lagos contra a pesca das grandes empresas, logo começariam a passar fome.
Rapidamente o peixe estava acabando e cada vez mais aumentava a dificuldade de
se encontrar o alimento, antes tão farto. Não raro havia conflitos entre os ribeirinhos
e os pescadores da região, decorrentes da pesca comercial praticada pelos
pescadores profissionais.
Diante disto a CPT do Amazonas organizou, em outubro de 87, um encontro
reunindo pescadores e ribeirinhos para debater o problema da pesca.
Participaram 32 pessoas. A desunião entre pescadores e ribeirinhos era a
grande queixa. Os ribeirinhos reclamavam da dificuldade em encontrar o
alimento fundamental, o peixe, pois, além das grandes embarcações de pesca
que invadiam rios e lagos, os próprios pescadores da região pescavam muito
além de suas necessidade para vender o peixe para os frigoríficos (CPT, 1987,
p. 5).
xcvi
A VII Assembléia, ocorrida em 1989, constatou que o modelo de
desenvolvimento implantado com diferentes características, nas rias regiões,
beneficiava a poucos privilegiados enquanto destruía a natureza e marginalizava a
maioria, restando-lhe fome e miséria. Este modelo de desenvolvimento assentado
sobre grandes projetos é o responsável pelos danos sofridos pela natureza e pelas
pessoas. A Carta Final dizia:
Aqui conversamos sobre os Grandes Projetos que atingem todo o nosso solo e
subsolo de nosso país. Todos nós queremos o progresso para o Brasil.
Entretanto, vemos que as atuais hidrelétricas, como são planejadas e
construídas, prejudicam as comunidades locais e grupos indígenas, como
também destroem a natureza e comprometem o futuro de toda uma região.
Fazem parte da mesma agressão, os grandes projetos de mineração e
reflorestamento que produzem desertos verdes. As estradas e ferrovias, no lugar
de servirem a um desenvolvimento integrado à vida de todo o povo atendem
unicamente aos interesses dos grandes grupos econômicos nacionais e
internacionais (CPT, encarte, 1989).
Nesta Assembléia todos foram convocados a apoiar e estimular movimentos
e ações de proteção e defesa do meio ambiente, colaborando para uma maior
sensibilidade na relação das pessoas com a natureza, denunciando os abusos e,
nesse sentido, estimulando a reeducação de todos:
Lembramo-nos especialmente da Amazônia e do seu meio ambiente
indispensável para a sobrevivência dos povos da floresta. Ajudemo-nos uns aos
outros a respeitar e proteger, desde a pequena flor, que em sua frágil beleza
expressa a vida, até o ar e as florestas necessárias a toda a humanidade (Idem).
Na regional da CPT do Pará/Amapá ocorreu um Seminário intitulado
Alternativas de Sobrevivência, promovido pelos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais
de Gurupá e Afuá. Durante o Seminário foi proposto:
Resgatar o saber nativo sobre o manejo da floresta, das áreas de pesca e da
terra firme, com a incorporação dos conhecimentos gerados pelas instituições de
pesquisa" e a criação de reservas de plantas, animais e peixes, até o
conhecimento pelos trabalhadores do uso alimentar, medicinal e econômico das
mesmas ( CPT, 1989, p.3).
xcvii
O documento fala de um novo enfoque nos estudos relativos ao meio
ambiente ao qual Antônio Carlos Diegues (2000) denomina de etnociência. Esta
nova concepção, diferentemente dos enfoques anteriores que tendiam a considerar,
aprioristicamente, a presença humana como nociva ao meio ambiente,
desconsiderando uma trajetória milenar de interação construtiva, procura resgatar e
(re)significar esta relação juntamente com os múltiplos saberes dela decorrentes. O
autor discute de maneira profunda esta questão, trazendo à baila, entre outros, os
estudos de Lévy-Strauss (1962), Moscovici (1974) e Redclif & Benton (1994), para
concluir que esta nova ciência da conservação vem sendo construída, ainda de
maneira incipiente, principalmente nos países do sul, entendidos como os países
não centrais do sistema capitalista; e que ela é uma alternativa viável em
contraposição às incongruências das teorias conservacionistas elaboradas nos
países ricos. De acordo com Antônio Carlos Dieques (2000, p. 41)
Esse novo conservacionismo deve estar ancorado, de um lado, no ecologismo
social e dos movimentos sociais do Terceiro Mundo que começam a surgir em
vários países como a Índia, o Zimbábue e o Brasil, entre outros. Esses
movimentos enfatizam a necessidade de se construir uma nova aliança entre o
homem e a natureza, baseada, entre outros pontos, na importância das
comunidades tradicionais indígenas e não indígenas na conservação das matas
e outros ecossistemas presentes nos territórios que habitam.
As maiores preocupações da CPT em relação à defesa do meio-ambiente,
estão voltadas para a Amazônia Ocidental, ou seja, nos Estados do Amazonas,
Acre, Rondônia e Roraima. Na I Assembléia da Grande Região Noroeste, da qual
participou também representantes o Estado do Mato Grosso, realizada em Porto
Velho (RO), em março de 1991, a temática ecologia dominou os debates. Nesta
Assembléia se deu continuidade ao debate realizado em encontros anteriores. As
discussões procuraram (re)significar um dos princípios da Teologia da Criação.
Neste sentido, a partir do resgate da Teologia da criação e de concepções culturais-
religiosas dos povos da Floresta (seringueiros, índios, lavradores, ribeirinhos), a CPT
xcviii
reafirmou que a questão ecológica passa pela necessidade de luta pela preservação
(conservação) /libertação da pessoa humana, integrada a serviço da Criação.
Coerentemente com esta perspectiva, a narrativa bíblica da criação presente
no primeiro capítulo do livro do Gênesis “[...] sede muitos, enchei a Terra e sujeitai-a
e tende em sujeição os peixes do mar, as criaturas voadoras do céu e toda criatura
vivente que se move na terra” (Bíblia, 1986, p.08) é revista e proposta a partir de
uma nova hermenêutica. Nesta nova proposta interpretativa, a criação é vista como
ato contínuo na qual todos os seres possuem o direito universal à vida. Mulheres e
Homens são vistos como co-criadores ou re-criadores da natureza. A luta
permanente contra o caos (injustiça social e destruição ambiental), na busca da
libertação integral, resgata esta dimensão (re)criadora da pessoa humana. Esta
postura pressupõe uma profunda mudança na atual compreensão do progresso
como lucro e acumulação.
O compromisso assumido pela CPT com a ecologia parte do conhecimento e
da auto afirmação dos povos da floresta.
[...] a partir dos povos da floresta, pondo-se a seu serviço e em favor de sua
afirmação como sujeitos históricos e políticos, capazes de elaborar e
implementar a partir de sua cultura de convivência harmônica com o meio
ambiente, propostas alternativas de ocupação e desenvolvimento da região
amazônica (CPT, 1991, p. 6).
No momento de se colocar em prática esses princípios, cada regional da
CPT procura concretizar, a partir da realidade de cada região este compromisso
geral. A CPT-AC optou por continuar se dedicando sobretudo à defesa do modelo
de reservas extrativistas A CPT-AM, à defesa dos lagos e rios; a CPT-RO, à
comercialização alternativa e a CPT-MT, à produção alternativa. (CPT, 1991, p. 7).
A continuidade e o aprofundamento da defesa dos rios e lagos, eleita pela
CPT-AM no início dos anos 90 do culo XX como compromisso, reveste-se de um
xcix
significado todo especial devido ao significado que as águas têm para as mulheres e
os homens deste Estado. Os rios, os lagos e os igarapés são fontes de vida para
nós, amazônidas na medida em que, além de vias de acesso às casas dos vizinhos,
à escola, à igreja, à sede do município etc., são também fontes de inspiração para o
vasto e rico imaginário caboclo. Acrescenta-se a isto o fato destes cursos de água
se configurarem como a despensa onde se apanha o peixe, base da nossa
alimentação.
Nesse sentido, preocupação com a conservação de rios e lagos aumentou
significativamente a partir do instante em que as pessoas das comunidades
constataram a diminuição do pescado. Segundo a CPT, a diminuição do pescado é
decorrência do processo de hipertrofia urbana de Manaus, decorrente da forte
atração exercida pelos pólos comercial e industrial da Zona Franca de Manaus, fez
aumentar a demanda pelo peixe. Os membros das comunidades tinham agora um
concorrente para o pescado: o pescador profissional, também um trabalhador que
ganha a vida pescando para garantir o sustento da família, geralmente explorado por
um atravessador entre ele, o pescador e os moradores da cidade. Soma-se a isso a
ausência de uma infra-estrutura para armazenar o pescado fazendo com que boa
parte dele rapidamente se torne impróprio para o consumo humano, tendo de ser
descartado nos leitos de água ou nos lixões da cidade.
Ante este dilema, a CPT-AM vem se empenhando, junto às comunidades,
ribeirinhas no sentido de construir alternativas que evitem o agravamento da
situação. Por conta dessa luta, iniciativas de manejo e conservação de lagos, leis de
pesca e Leis Municipais sobre esta questão têm sido criadas, conforme exposto no
capítulo 2 desta dissertação.
c
A VIII Assembléia da CPT, em 1991, incorporou a preocupação da Grande
Região Noroeste propondo que se "atenção ao meio-ambiente, obra do Criador e
indispensável à conservação da vida dos povos da terra, especialmente à região
amazônica, tima de um desenvolvimento destruidor dos povos que nela habitam”
(CPT, 1991, p. 5-7). Em 1993, uma nova reunião reafirmou e reforçou os mesmos
compromissos e prioridades da VIII Assembléia (CPT, 1993, p.4).
A IX Assembléia da CPT, em 1993, junto ao apoio, sempre lembrado da
demarcação das terras indígenas, apóia a criação e demarcação de reservas
extrativistas (CPT, encarte, 1993).
Cultivar uma verdadeira paixão pela mãe-terra e lutar criativamente pela terra
e na terra (CPT, 1995, p. 1) foi o lema da X Assembléia de 95, que amplia a
preocupação ecológica para outros ecossistemas com suas populações. Neste
encontro ficou decidido, entre outras coisas:
Enfrentar, de forma criativa, com as populações que deles tiram sua
sobrevivência, as ameaças aos diferentes ecossistemas, tais como o semi-árido,
os cerrados, os lagos e as florestas tropicais, etc., e buscar sempre equacionar
os projetos alternativos à preservação (conservação) da terra e das águas (CPT,
encarte, 1995).
Observa-se que a CPT vai superando, assim, o conceito da terra
simplesmente como meio de produção. A terra compreendida como sendo o espaço
da vida e da vida com qualidade. O Manifesto da XI Assembléia, 1997, diz: Para
nós a Terra é mais do que terra: é a Vida e sua qualidade[...]” (CPT, encarte,1997).
Nas Linhas de Ação, ao tratar da Agricultura Familiar, afirma que esta deve
caminhar em direção da “busca de diversificação de alternativas adequadas à
preservação (conservação) do meio ambiente [...]” (CPT, encarte 1997).
A prática da monocultura, histórica no Brasil, é uma das responsáveis pela
concentração das terras agricultáveis nas mãos de um pequeno grupo de
ci
privilegiados. Desde o início do processo colonizatório brasileiro, esse grupo
privilegiado tem seus interesses protegidos pelo Estado. No Período Colonial dos
séculos XV ao XVIII, através de doação de imensas extensões de terras, em forma
de capitanias hereditárias e sesmarias. No período Republicano do século XIX e
princípio do XX, com as elites agrárias assumindo diretamente o poder através de
um processo eleitoral marcado pelo predomínio do poderio econômico e da força
bruta dos jagunços. No período histórico conhecido como Nova República, a partir
da Era Vargas iniciada nos anos 30 do século XX até o início deste novo milênio,
com o Estado financiando essa elite. Neste início de século XXI, apesar da luta da
CPT e outros grupos da sociedade civil, o Estado continua amparando essa mesma
elite, através de uma série de mecanismo econômico-financeiros e de incentivo ao
mais recente sinônimo de monocultura, oriundo do vocabulário neoliberal imperante:
o agro negócio.
Em todos esses momentos da história do Brasil, os camponeses foram
excluídos do processo. Experiências alternativas como a agricultura familiar,
cooperativas extrativistas, manejo comunitário de lagos, cooperativas de pescadores
entre outras, defendidas pelas comunidades rurais e ribeirinhas, com o apoio da
CPT, representam uma forma de resistência à racionalidade do grande capital,
resistência esta que tem custado a vida de muitas lideranças.
A XII Assembléia da CPT, ocorrida em 1999, incorpora como uma dos
grandes eixos da ação da CPT a questão da água. Segundo Antônio Canuto,
Secretário Geral da CPT:
Esta incorporação liga visceralmente a CPT a todo o debate e às ações de
defesa do meio ambiente. Por isto a Assembléia assume a
preservação(c onservaç ão) dos rios e lagos, com a defesa dos direitos e
dignidade das populações ribeirinhas e a contestação da privatização
usurpadora das fontes e mananciais, e contestação dos grandes projetos de
barragens, hidrovias, irrigação e transposição, em especial a do Rio São
Francisco. Este eixo aponta para ações propositivas no cenário da seca do semi-
cii
árido nordestino: Busca, captação e acesso à água, principalmente para as
populações do semi-árido nordestino (Grifo nosso).
Nesta Assembléia, a CPT reafirma o que vinha defendendo anteriormente,
acrescentando os transgênicos como um novo flanco novo das denúncias a ser
empreendido. Ademais, procura-se resgatar e promover a defesa da agricultura
familiar e comunitária, orgânica e ecológica, apropriada às diversidades regionais.
Neste encontro são reafirmadas as denúncias acerca das formas de ocupação da
terra e da água, promovidas pelos grandes projetos de desmatamento, mineração e
monocultura, promotoras de destruição e de morte para as comunidades do seu
entorno.
No encontro supracitado desenvolve-se a visão de mundo no sentido de que
a terra não pode ser vista como mero meio de produção, mas como um espaço de
produção e perpetuação da vida. E propõe:
1) elaborar subsídios que denunciem o uso de agro-químicos, sementes e
produtos transgênicos que agridem a vida, concentra o poder, atrelam a
agricultura do Brasil a grandes empresas multinacionais, gerando mais
dependência. 2) incentivar a implantação de modelos diferenciados e alternativos
de produção e comercialização, de cunho solidário, comunitário, ecológico,
sustentável; 3) participar e reforçar movimentos que lutam em defesa da
biodiversidade, como forma de resistir e defender a vida das gerações presentes
e futuras (CPT, encarte, 1997).
O Congresso também define que
por principio ético, a CPT quer romper com esse modelo sócio econômico
globalizado, predador e excludente que promove e se beneficia da privatização e
mercantilização da água. Junto com a mulher e o homem do campo, a CPT
reafirma seu compromisso com uma agricultura saudável, socialmente justa,
economicamente adequada e ecologicamente equilibrada, que respeite a terra,
as águas e o ser humano. A democratização da água e da terra é condição
necessária para este tipo de agricultura e propõe uma série de ações prioritárias
que garantam a preservação (c onservaç ão) da água e do meio ambiente (Idem)
(Grifo nosso).
A postura ética preconizada pela CPT é claramente contra o neoliberalismo,
as tese do grande capital e a favor de uma nova racionalidade sócio-ambiental,
ciii
conforme propostos por Enrique Leff e Antônio Carlos Diegues, entre outros e
apresentado no Capítulo 1 desta dissertação, na qual as mulheres e homens que
vivem na/da terra e água sejam protagonistas nas discussões, deliberações e
encaminhamentos das questões referentes a tudo que diz respeito às áreas
historicamente ocupadas por estes sujeitos, às políticas públicas de agricultura,
educação, cultura, direitos humanos etc.
Em 1992, a CPT participou, em Vitória (ES), da Reunião de Movimentos
Populares de 27 países que prepararam a pauta de suas reivindicações à ECO 92
13
.
A Conferência se chamou Terra, Ecologia e Direitos Humanos. Esta Conferência
produziu a Declaração de Vitória: Em defesa da vida e dos povos. A referida
declaração afirma que na raiz dos problemas apontados está:
a injusta estrutura fundiária vigente em nossos países. O modelo de
desenvolvimento capitalista concentrador de terra, renda e tecnologia é
responsável pela degradação do meio ambiente, cujo exemplo mais dramático é
a devastação da Amazônia nos últimos 25 anos (p. 8-9)
As regionais da CPT na Amazônia Ocidental continuaram com suas ações e
denúncias. O Seminário sobre a Questão da Terra e a CPT nos anos noventa do
século vinte, ocorrido em 1994, assumiu a condenação dos desmatamento e
queimadas no Acre: Condenamos a retomada do desmatamento e queimadas das
florestas em várias regiões do país, especialmente no Acre, onde milhares de
hectares da Floresta Amazônica estão virando cinza” (CPT, 1994, p. 4-5). Por conta
dessa postura em defesa da floresta e apoio aos seringueiros que promoviam "os
13
Encontro realizado no Rio de Janeiro no ano de 1992, intitulado Segunda Conferência Mundial para o
Meio Ambiente e Desenvolvimento para discutir, entre outras, a temática desenvolvimento sustentável.
Apesar de ter produzido propostas interessantes em relação a conservação do meio ambiente, poucos
foram os resultados concretos. Houve resistência de governos e grupos, notadamente dos Estados
Unidos e do Japão que, desejosos em manter seus lucros, recusam-se em cumprir as orientações e/ou
acordos firmados.
civ
empates" para evitar derrubadas de florestas, lideranças da CPT como o Pe. Paolino
Baldecere e a Irmã Regina sofreram ameaças de morte.
De acordo com as lideranças nacional e estadual da CPT, a ação dos
Ribeirinhos no Amazonas tem contribuído bastante na construção de uma
consciência maior acerca da questão ambiental no Amazonas. Por conta deste
envolvimento, tem-se conseguido a “aprovação de leis municipais de preservação
(conservação) de lagos, como aconteceu em Itapiranga” (CPT, 1995, p. 9).
A CPT Amazonas também se envolveu com a problemática da construção do
gasoduto que transportará o gás natural de Urucu. “A CPT mobilizou as
comunidades que vão ser atingidas, organizou seminários e debates e uma série de
ações para que a população tomasse conhecimento dos impactos que o projeto
provocará” (CPT, 1998, p.8-9).
Ainda de acordo com as informações das lideranças nacionais da CPT, no
Amapá, a Organização denunciou a Chamflora, indústria de papel e celulose que
adquiriu imensas áreas de terra, fazendo pressão sobre as comunidades existentes
na região e destruindo a vegetação nativa para o plantio de eucalipto, ameaçando o
frágil ecossistema da pré-Amazônia, na área de transição do ecossistema do
cerrado para o ecossistema amazônico, locais bastante ameaçados pelo
desmatamento por estarem situados na fronteira de expansão da monocultura da
soja, do milho, da pecuária extensiva etc. O estudo de impacto ambiental (EIA) e o
relatório de impacto ambiental (RIMA) que aprovou o estabelecimento da indústria
estavam eivados de incorreções. As comunidades com o apoio da CPT, depois de
muita luta, conseguiram ver seus direitos garantidos (CPT, 1996, p. 8).
O levantamento documental feito e a sua análise evidenciam a preocupação
da CPT com a questão sócio ambiental no Amazonas. Apesar da preocupação com
cv
esta temática estar mais evidente na Amazônia, a Organização, como um todo, tem
se debruçado sobre ela.
3.3 Visão de mundo, visões de mundo: em busca do futuro
A CPT, que nasceu em meio aos conflitos decorrentes do avanço do capital
sobre a Amazônia no final da década de 1960 e 1970, tem se posicionado
contrariamente à racionalidade do grande capital posto em prática no Brasil e, de
modo particular, na Amazônia séculos, tendo se intensificado nas três últimas
décadas por conta do avanço das teses hegemônicas da nova face do capitalismo: o
neoliberalismo. O Estado, que deveria cuidar e proteger a todos, indistintamente,
conforme garante a Constituição Federal do Brasil, apequena-se ante a onda
neoliberal, deixando exposta a face mais frágil da sociedade: as mulheres e homens
que historicamente viveram na/da terra e águas.
Estudos como os de Celso Furtado (2002), Octávio Ianni (1999) e Perry
Anderson (1996), entre outros, confirmam o caráter excludente da lógica capitalista
para as comunidades que, contrapondo-se às teses hegemônicas, tentam resistir
com suas formas de produzir e se relacionar com a natureza, suas manifestações
culturais e sua atuação política. Nestes movimentos, dir-se-ia, movimentos de vida e
pela vida, a racionalidade do grande capital enxerga ameaça e procura destruir, de
maneira articulada, sistemática e intencional, toda e qualquer forma organizativa
alternativa. A omissão da maior parte dos membros do poder público ante as
ameaças e assassinatos de lideranças comunitárias, a questionável imparcialidade
do aparelho jurídico do Estado brasileiro que pune ferozmente as lideranças
comunitárias e faz vista grossa aos representantes do grande capital, a ênfase que
os grandes veículos de comunicação de massa dão ao agronegócio e à monocultura
cvi
e, por outro lado, o quase completo obscurantismo ao abordar as ricas experiências
da agricultura familiar e das cooperativas de produção comunitárias, o exemplos
dos enfrentamentos hodiernos da CPT.
Enquanto organização do sociedade civil e do terceiro setor, a CPT aproxima-
se da concepção gramsciana de sociedade civil, na medida em que, conforme
defende Antonio Gramsci (1979), a sociedade civil busca a construção de sujeitos
histórica e socialmente ativos e organizados que procuram conquistar seus espaços
via métodos democráticos e participativos, subtraindo-os, progressivamente à esfera
de influência da burguesia.
O autor supracitado, além de denunciar as mazelas do capitalismo, defende
que as classes subalternas devem dar especial ênfase à criatividade e à capacidade
de iniciativas como estratégias de resistência à opressão e, paralelamente,
construírem caminhos para sair da submissão, reinventando as bases de uma nova
sociedade. Neste particular fica evidente a aproximação da CPT com as teses de
Antônio Gramsci. Todo o sentido da luta da CPT é a construção de formas novas de
relações nas quais as comunidades que vivem na/da terra e água possam viver de
maneira autônoma.
Antônio Gramsci entende que o ato de governar consiste em buscar o
consenso dos governados, mas não apenas como consenso genérico e vago que se
afirma no instante das eleições, e sim como consenso organizado, sempre renovado
e reinventado.
A CPT é uma organização da sociedade civil e do terceiro setor. O conceito
de sociedade civil está na base teórica do chamado terceiro setor, entendido como
um vasto conjunto de organizações sociais voltadas para o atendimento das
demandas históricas e/ou as atuais dos grupos sociais e unidas por uma mesma
cvii
legislação reguladora. Cabe ressaltar, conforme exposto no capítulo 1, a partir dos
estudos de Carlos Montaño (2002), a diversidade de concepções acerca do conceito
de sociedade civil no âmbito do terceiro setor. Segundo o autor, duas concepções
merecem destaque: a) para os grupos de concepção política não conservadora, o
terceiro setor é visto como a arena de ações dos grupos sociais empenhados na
implementação de políticas públicas originadas das demandas sociais históricas
e/ou novas, não prescindindo do apoio do Estado; b) para os grupos adeptos da
teoria neoliberal, o terceiro setor é a instância capacitada para substituir o Estado,
trocando as ações públicas, permanentes e gerais, por iniciativas tópicas ou locais
não necessariamente coordenadas, tendo em vista uma gradual eliminação da
responsabilidade estatal para com a questão social. A longa trajetória da CPT na
luta pela construção de uma nova racionalidade evidencia sua aproximação do
grupo que postula uma concepção política não conservadora.
De acordo com os levantamentos e análises documentais, bem como das
entrevistas realizadas, a Amazônia sempre esteve presente nas reflexões e lutas da
CPT. Por conta do intenso envolvimento contra a ocupação da terra e das águas na
Amazônia associada, a um profundo processo de exclusão das comunidades
ribeirinhas, destacados agentes da CPT foram assassinados: Pe. Josimo Morais
Tavares, em 10 de maio de 1986, em Imperatriz, mas com atuação no Bico do
Papagaio, hoje Tocantins, Irmã Dorothy Stang, Padre Ezequiel Ramin, em
Rondônia, Irmã Adelaide Molinari, no Pará.
Para a CPT nacional, a Amazônia é vista como:
a grande reserva da biodiversidade universal, e como o palco do avanço do
capitalismo, com tudo o que traz de devastação e destruição. Hoje a CPT está
muito empenhada em dar a maior divulgação possível à Campanha da
Fraternidade de 2007 que trata explicitamente da Amazônia (Antônio Canuto,
Secretário Nacional da CPT).
cviii
A mulher e o homem amazônidas estão no centro das atenções da CPT. Ela
reconhece como “legítimos amazônidas em primeiro lugar os povos indígenas. Mas
também reconhece como amazônidas os ribeirinhos e extrativistas presentes na
região há alguns séculos” (Antônio Canuto, Secretário Nacional da CPT).
Os processos migratórios também constituem motivo de preocupações para a
CPT nacional e local.
Milhares de migrantes buscaram a Amazônia como forma de garantir sua
sobrevivência. Estes são trazidos para a região pelos processos de colonização
tanto públicos, como particulares e que acabaram submetendo estas famílias a
situações de risco social intenso. Estes migrantes, além de não terem
conhecimento da natureza com a qual irão tratar, ainda são colocados em
situações de conflito com as populações originárias. Também levas e levas de
garimpeiros buscam a Amazônia atrás do enriquecimento fácil e encontraram na
maior parte das vezes, a malária e outras doenças (Antônio Canuto, Secretário
Nacional da CPT).
A CPT propugna hoje uma convivência harmoniosa do povo com a natureza.
Nos documentos analisados registros de experiências bem sucedidas nesta
direção, como por exemplo, no Acre. Nesta experiência, a convivência com a
natureza demonstrou conciliar produtividade, desenvolvimento, conservação e
inclusão das comunidades locais no processo. o os conhecidos sistemas agro-
florestais (SAFs) que buscam reproduzir as condições da natureza através da
atividade humana.
O teor e a contundência das denúncias feitas pela CPT deixam claro que,
apesar das conquistas das comunidades com o seu apoio, ainda muito por fazer.
No Estado do Amapá, a organização denuncia a contaminação de águas e de
pessoas pela presença de grandes doses de arsênio nos resíduos do manganês
explorado pela empresa Indústria e Comércio de Minérios S/A (ICOMI) no Amapá
(CPT, 2000, p.11).
Em várias outras partes do Brasil o fato se repete: nos estados do Nordeste,a CPT
tem procurado debater e propor novas formas produzir e viver naquela região:
cix
“Afirmamos que é imprescindível reconhecer a riqueza da biodiversidade da
Caatinga, fundamental para toda região e para o país, um ecossistema de vida
vegetal, animal e humana tão importante quanto os ecossistemas das outras regiões
do país.” (CPT, 1993, p. 2). De modo particular a CPT nordestina tem se empenhado
na busca de alternativas para a estiagem prolongada. “A luta pela água no Nordeste,
com a construção de cisternas para a captação de água da chuva tem sido uma
experiência inovadora que está trazendo mudanças profundas no quadro da vida e
das relações na região” (CPT, 1997, p.9).
A CPT também tem participado e promovido debates sobre as políticas
públicas de transporte adotadas no Brasil. Neste particular, a organização denuncia
os riscos ambientais decorrentes da implantação afoita das hidrovias: o desastre
ecológico que representam as Hidrovias, de modo especial Paraná-Paraguai que
envolve diretamente os regionais de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, e a
Hidrovia Tocantins-Araguaia precisa ser ponderado” (CPT, 1997, p. 12).
Na região Sudeste do Brasil há frentes de trabalho da Organização que
demonstram preocupação com um meio ambiente saudável. No Espírito Santo, a
CPT tem ajudado associações de produtores na produção de “produtos limpos,
livres de agrotóxicos” (CPT, 1998, p. 7).
No Rio Grande do Sul, a CPT se uniu as outras entidades na Campanha “Por
um Rio Grande livre de transgênicos” (Idem, p. 9)
A CPT Nacional esteve na Coordenação do Seminário sobre Agricultura e
Meio Ambiente que se realizou em Brasília, 9 a 11 de novembro de 1999, tentando
aparar algumas arestas entre ambientalistas e movimentos do campo. Para o
Secretário Nacional da CPT, a Organização apresentou, na oportunidade, algumas
experiências sobre agro ecologia, associativismo e desenvolvimento local.
cx
A temática do meio ambiente, mais precisamente da água, começou a fazer
parte das propostas de luta da CPT ainda na década de noventa do século vinte.
Várias caminhadas começaram a ser organizadas, sendo chamadas de romarias,
numa clara alusão às peregrinações religiosas. Em alguns lugares essas
caminhadas se caracterizavam como Romarias da Terra e das Águas.
As primeiras que enfocaram o tema da água estavam relacionadas com a
construção de barragens, como mostramos atrás. Mas a temática da água num
sentido mais amplo e completo foi sendo incorporada em diversos Estados do Brasil.
No Ceará, a Romaria, realizada em Limoeiro, em 1990, tinha como tema e
lema: “Terra e Água, Vida para o Povo”. Em 1992, em Alagoas se realizou a
Romaria em Defesa das Águas (Em defesa da Vida no Rio São Francisco). Em
Minas Gerais as Romarias também incorporaram todo o debate sobre o rio São
Francisco. “Terra e água se unirão”, ocorrida em Manga, MG, em 26 /10/96
(CPT, 1997, p. 20-21).
Este binômio Terra e Água está ficando presente na maioria das atuais
Romarias.
Em relação ao tipo de sociedade almejada, a CPT tem uma visão socialista
da sociedade em que os bens sejam distribuídos de forma eqüitativa entre todos.
Esta visão foi explicitada durante a entrevista com o Secretário Geral da CPT. As
Coordenadoras locais da Organização também têm essa visão, apesar de não
usarem explicitamente a expressão socialista. Estas deixaram claro que desejam
uma sociedade justa, fraterna e igualitária. Também foi evidenciado que se deseja
uma sociedade pluricultural e pluriétnica com o respeito às diferenças. Nessa
trajetória, é imperativo que entre mulheres e homens se estabeleçam relações
baseadas na igualdade fundamental entre ambos. Nenhuma sociedade
verdadeiramente democrática pode prescindir dessas visões.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
cxi
O estudo procurou discutir a atuação da Comissão Pastoral da Terra no
Amazonas (CPT-AM) junto às comunidades ribeirinhas na luta pela posse e
demarcação das terras, bem como pela conservação de rios e lagos, procurando
deslindar sua visão de mundo bem como a prática social decorrentes da sua
intervenção.
A compreensão da visão de mundo e da prática social de sua intervenção nos
pareceu oportuno na medida em que a realidade sócio-ambiental no Estado do
Amazonas nos desafia a construirmos caminhos que levem a uma nova
racionalidade, diferente desta que tem sido produzida e reproduzida pelo modo de
produção capitalista geradora de pobreza, desigualdade e violência.
A CPT enquanto organização do Terceiro Setor que historicamente sempre
esteve associada à luta pela posse da terra e sua propriedade pra quem nela vive e
trabalha, diante das especificidades da região amazônica, incorporou de maneira
intensa, em sua práxis, a defesa dos rios e lagos bem como das populações que
neles vivem e trabalham.
A racionalidade hegemônica hodierna, fruto de séculos de aperfeiçoamentos
e de transformações do modo de produção capitalista sem, no entanto, mudar sua
lógica excludente, impõe à sociedade padrões extremamente perversos. Estes
padrões apresentam basicamente três aspectos centrais: a) o econômico e sua
faceta atual: o neoliberalismo; b) o político, diretamente associado ao econômico,
caracterizado pelo apequenamento do Estado frente às demandas históricas e/ou
atuais da sociedade civil; c) o social marcado pelas profundas desigualdades sociais
e d) o cultural, impregnado pela asfixiante teia da globalização impõe a esta mesma
sociedade. A adequada compreensão desses aspectos pressupõe um processo
investigativo no qual possam ser abordados de forma conjunta, observando-se a
cxii
estreita relação entre os mesmos. Nessa trajetória de busca de compreensão dessa
complexa realidade, procuramos nos basear nos estudos de Celso Furtado (1999),
Octávio Ianni (1999), Marshall McLuham & Bruce Powers (1988) e outros.
Constatou-se que outro aspecto extremamente negativo para as populações
locais é a mundialização da economia, entendida como o resultado da manipulação
das relações de produção por parte dos diversos agentes econômicos situados nos
mais diferentes pontos do espaço mundial. O grande capital desconsidera qualquer
limite ético nas suas relações. Meio ambiente, grupos humanos cultura e tudo o mais
são encarados como meros empecilhos à razão de existir do grande capital: o lucro.
Nesse sentido, as populações locais, mormente as tradicionais vêem, a cada dia, os
exíguos recursos garantidores de sobrevivência, lhes serem subtraídos para atender
às exigências desse mesmo grande capital.
Diante desses dilemas e inspirada nos estudos de Enrique Leff (2000),
Antônio Carlos Diegues (2000) e outros, a CPT preconiza uma alternativa em ao
modelo hegemônico neoliberal, identificada como sócio-ambiental na qual o Estado
deva se fazer presente como parceiro das comunidades no desenvolvimento de
projetos e implementação de políticas públicas de saúde, educação, moradia etc.;
investimentos na agricultura familiar e outras modalidades produtivas que
incorporem a mulher e o homem das comunidades rurais e ribeirinhas; na
(re)valorização dos saberes e das culturas locais, além de possibilitar a participação
democrática de todas e todos na construção desses novos caminhos. Nessa
trajetória, a sociedade civil pode e deve fazer-se presente e atuante na construção
dessa nova realidade. A CPT-AM comunga dessa idéia, na medida em que
compreende que este mundo sonhado não nos é dado; ele deve ser construído.
cxiii
Antônio Gramsci nos pareceu ser quem melhor conceituou sociedade civil.
Ele esclarece que sua construção deve operar-se a partir de um consenso dos
governados. Entretanto, esse consenso não deve ser apenas genérico como o que
se observa no instante das eleições, e sim um consenso organizado. Esta postura
consensual pode e deve ser educada através das experiências oriundas das
comunidades e suas vivências. Para o autor, o Estado deve ser o principal motor de
agregação e unificação de diferentes grupos. Nesse sentido, a política é vista como
o lócus da ética do coletivo na medida em que possibilita a viabilização da
integração do público e do privado, dos interesses particulares e da vontade geral,
do Estado e da sociedade.
Esta idéia de sociedade civil faz parte do conceito de terceiro setor.
Hodiernamente, tem se verificado uma tentativa de associar a idéia de sociedade
civil à idéia de terceiro setor. O primeiro setor seria o Estado e o segundo setor o
mercado. O terceiro setor apresentaria características de ambos. Portanto,
genericamente, o terceiro setor é visto como derivado de uma conjugação entre as
finalidades do primeiro setor e a metodologia do segundo, ou seja, composto por
organizações que visam benefícios coletivos, o de natureza privada, embora não
sejam integrantes do governo e não objetivem lucros.
A CPT é uma organização da sociedade civil e do terceiro setor que atua em
todas as regiões geográficas do Brasil, inclusive na Amazônia e, em particular, no
Estado do Amazonas, onde é conhecida como Comissão Pastoral da Terra no
Amazonas (CPT-AM). A CPT surgiu na década de 70 do século XX, em pleno
regime militar, no seio da Igreja Católica, notadamente das Comunidades Eclesiais
de Base (CEB’s). No Amazonas, o surgimento da Organização está associado às
lutas contra a subordinação das populações locais ao grande capital e ao latifúndio
cxiv
na Amazônia. Com o advento do modelo Zona Franca de Manaus (ZFM), na década
de 60, o problema fundiário na região ganhou visibilidade, devido ao intenso fluxo
migratório para a Manaus e arredores. Nesse contexto a cidade de Manaus passou
por um processo de hipertrofia urbana, aprofundando a problemática ambiental e
social no seu perímetro urbano e no entorno, com reflexos em vários municípios do
interior do Estado do Amazonas.
Um dos principais problemas vivenciados no período em questão refere-se à
pesca comercial sobrepujou a pesca de subsistência, a terra antes pouco usada
para a pecuária, gradativamente, transformou-se em alvo de grandes fazendeiros
voltados para a criação de gado objetivando abastecer o centro urbano em
crescimento contínuo. Neste contexto a CPT Amazonas passou a questionaro
a questão fundiária, como também a problemática decorrente do uso inadequado
dos rios e lagos em todo o Estado.
Evidencia-se, portanto, que o projeto sócio-ambiental da CPT-AM é uma
alternativa ao projeto neoliberal gerador de violência, degradação ambiental e
empobrecimento das populações locais verificados atualmente.
Constatou-se que a CPT, organização do terceiro setor que historicamente
sempre esteve associada à luta pela posse da terra e propriedade da terra para
quem nela vive e trabalha, diante das especificidades da região amazônica,
incorporou de maneira intensa em suas lutas a defesa dos rios e lagos e de projetos
sócio-ambientais por entender serem essas questões vitais para a continuidade da
vida de maneira digna para as populações locais.
A CPT e a CPT-AM acreditam, desejam e defendem uma nova racionalidade
sócio-ambiental na qual o Estado deva se fazer presente como parceiro das
comunidades no desenvolvimento de projetos e implementação de políticas públicas
cxv
de saúde, educação, moradia, investimentos na agricultura familiar e outras
modalidades produtivas que incorporem a mulher e o homem das comunidades
rurais ribeirinhas.
Observou-se também que a CPT e a CPT-AM buscam a (re) valorização dos
saberes das populações tradicionais e o fazem através de uma práxis que vai em
direção a uma participação democrática de todas e de todos na construção desses
novos caminhos.
Em relação ao tipo de sociedade almejada, a CPT e a CPT-AM, apesar de
não explicitarem literalmente este conceito, demonstram ter um uma visão que se
aproxima das teorias socialistas, na medida em que desejam ver os bens
distribuídos de maneira eqüitativa entre todas e todos.Suas lideranças deixaram
claro que desejam um sociedade justa fraterna e igualitária. Também foi evidenciado
que se deseja uma sociedade pluricultural e pluriétnica, onde impere o respeito às
diferenças. Nessa trajetória, é imperativo que entre homens e mulheres estabeleçam
relações baseadas na igualdade fundamental entre ambos. Nenhuma sociedade
verdadeiramente democrática pode prescindir dessas visões.
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