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Carolina Kosma Krieger
Estado, Sociedade,
Organizações Internacionais:
Imunidade de Jurisdição e Relação Laboral
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO
Mestrado em Direito Econômico e Social
Curitiba, Janeiro de 2007
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2
Carolina Kosma Krieger
Estado, Sociedade, Organizações Internacionais:
Imunidade de Jurisdição e Relação Laboral
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada ao Programa de
s-Graduão em Direito da Ponticia
Universidade Católica do Paraná como
requisito parcial à obtenção do tulo de
Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Roland Hasson
Curitiba, janeiro de 2007.
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3
Carolina Kosma Krieger
Estado, Sociedade, Organizações Internacionais:
Imunidade de Jurisdição e Relação Laboral
Dissertação apresentada como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre
pelo Programa de Pós-Graduação em
Direito da PUCPR. Aprovada pela Comissão
Examinadora abaixo assinada.
Prof. Dr. Roland Hasson
Orientador
Programa de Pós-Graduação em Direito da PUCPR
Prof. Dr. Marco Antônio César Villatore
Programa de Pós-Graduação em Direito da PUCPR
Prof. Dr. Wilson Ramos Filho
Programa de Pós-Graduação em Direito da UFPR
Curitiba, 15 de fevereiro de 2007.
4
Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da Universidade,
da autora e do orientador
.
Carolina Kosma Krieger
Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUCPR), em 2004. Prêmio Marcelino
Champagnat de Mérito Acadêmico. Membro do Grupo de
Pesquisa "Direito do Trabalho: Análise Crítica" da
PUCPR, desde 2004. Professora da Pontifícia
Universidade Católica do Paraná nas Disciplinas de
Direito do Trabalho e Direito Civil em Curitiba e São José
dos Pinhais. Co-autora de artigos nas obras jurídicas:
“Direito do Trabalho: Análise Crítica” e “Direitos
Humanos”, publicados pela Editora Juruá. Autora de
artigos publicados na área de Direito do Trabalho e Direito
Processual do Trabalho. Aprovada no Exame da Ordem
em dezembro de 2003. Participou como palestrante no
Congresso Brasileiro de Direito Internacional. Cursou
Escola da Magistratura do Trabalho em 2004. Primeira
colocada no concurso público do Superior Tribunal Militar
em 2004. Analista Judiciária do Tribunal Regional Federal
da 4ª Região, atuando na Subseção Judiciária de Curitiba
PR.
Ficha Catalográfica
Krieger, Carolina Kosma
K92e
2007
Estado, sociedade, organizações internacionais:
Imunidade de jurisdição e relação laboral / Carolina Kosma
Krieger; orientador, Roland Hasson.
– 2007.
167 f. ; 30 cm
Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade
Católica do Paraná,
Curitiba, 2007
Inclui bibliografia
1. Imunidade judiciária. 2. Relações trabalhistas. 3.
Organizações internacionais. 4. Estado. I. Hasson, Roland.
II. Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Programa
de Pós-Graduação em Direito. III. Título.
Dóris 4. ed. – 341.2722
341.1131
5
Aos meus familiares, em especial, à minha
mãe, Ivete e ao meu irmão, Robson. À
memória de meu pai, Ricardo Krieger e, às
de meus avós, Maria e João. Aos meus
professores. Dedico esta obra, agradecendo
todo amor, carinho, estímulo, apoio e
conhecimento transmitido.
6
Agradecimentos
A Deus, pelas bênçãos e proteção sempre concedidas.
À minha mãe e irmão, pelo infinito amor e dedicação, que foram determinantes
para a realização deste trabalho.
Aos meus familiares pelo carinho, incentivo e esforços na minha educação e
formação.
Aos Professores Roland Hasson, Marco Villatore e Wilson Ramos Filho por
todo apoio, estímulo e confiança dispensados, que os fazem merecedores de
minha gratidão.
Aos Diretores do Curso de Direito e Professores, especialmente, a Professora
Liliane Maria Busato Batista, por despertarem minha vocação para o
magistério.
Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUCPR,
amigos, colegas e funcionários da Universidade, que marcaram meu
aprendizado.
Aos membros do Grupo de Pesquisa "Direito do Trabalho: Análise Crítica",
pelas sugestões e auxílio na formulação de novas idéias.
Aos funcionários das Bibliotecas da Pontifícia Universidade Católica do
Paraná, do Tribunal Regional do Trabalho da Região, da Justiça Federal do
Paraná e da Universidade Federal do Paraná, que colaboraram para a obtenção
do material bibliográfico.
Aos alunos, com carinho.
À Pontifícia Universidade Católica do Paraná, pelo auxílio concedido por meio
do Prêmio Marcelino Champagnat.
Àqueles que compartilharam amizade, sabedoria e estímulo na conquista deste
ideal.
7
Resumo
KRIEGER, Carolina Kosma; HASSON, Roland. Estado, Sociedade,
Organizações Internacionais: Imunidade de Jurisdição e Relação
Laboral. Curitiba, 2007, l67 p. Dissertação de Mestrado Centro de
Ciências Jurídicas e Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
O presente trabalho enfoca o estudo na imunidade de jurisdição de
Estados soberanos e organizações internacionais nas relações de trabalho no
Brasil. Foi feita uma análise das questões social, política e jurídica
estabelecendo conceitos, características e finalidades. Verifica-se como
proceder se um empregado de Consulado, Embaixada ou organização
internacional requer judicialmente seus direitos. Foi pesquisado sobre as teorias
usadas inclusive em decisões judiciais. Antes, havia a imunidade absoluta, mas
com o aumento das relações internacionais, esta pode ser relativa conforme o
caso. Ademais do histórico, comenta-se também a prática processual. Fala-se
da competência da Justiça do Trabalho segundo o artigo 114, I, da Constituição
e sobre a fase de conhecimento. Ressalta-se a fase de execução, em que pode
ser aceita a imunidade, impossibilitando praticamente o trabalhador de receber
ou que mesmo não aplicada, há dificuldade de conseguir o pagamento do
Estado estrangeiro ou da organização internacional. Assim, o acordo é uma
solução que resolve pacificamente o conflito. A responsabilidade, a cooperação
e a solidariedade internacional devem refletir nas relações de trabalho.
Palavras-chave:
Imunidade de Jurisdição; Estados; Organizações Internacionais;
Execução; Relações de Trabalho.
8
ABSTRACT
KRIEGER, Carolina Kosma; HASSON, Roland. State, Society,
International Organizations: Immunity Jurisdictional and the Work
Relation. Curitiba, 2007, l67 p. MSc. Dissertation Centro de Ciências
Jurídicas e Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
This work intended study the immunity jurisdiction of sovereign states
and international organizations in the work relations in Brazil. It was done an
analysis of the social, politic and juridical question establishing concepts,
characteristics and finalities. Examining how to proceed if an employed of
consulate, embassy or international organization demand judicialment your
rights. It was searched about the theories used inclusively in judicial decision.
Before, there was an absolute immunity, hit with the increase of the
international relations, this can be relative according as the case. Besides the
historical commenting on the procesual practice too. Speaking about
competence of Work Justice second the article 114, I, of Federal Constitution
and about the knowledge process. Emphatizing the execution, in that can be
accepted the immunity, making almost impossible the worker receive but
neither it is not applied, there is difficult to get the payment from the foreign
country or from the international organization. In this way, coming to terms is
the solution to resolve peacefully the dispute. The international responsibility,
cooperation and solidarity must reflect in the work relations.
Keywords:
Immunity Jurisdiction; States; International Organizations; Execution;
Work Relations.
9
RÉSUMÉ
KRIEGER, Carolina Kosma; HASSON, Roland. L´État, la Société, les
Organisations Internationaux: L´immunité jurisdictionnel et les
relations de travail. Curitiba, 2007, l67 p. Monographie Centro de
Ciências Jurídicas e Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Ce travail a objectivé l´étude de l´immunité jurisdictionnel de États
indépendants et organisations internationaux dans les relations de travail au
Brésil. Il est éte faite une analyse de la question social, politique et juridique
en déterminand des concepts, des caractéristiques et des finalités. Se vérifie
comme procéder si un employé de consulat, ambassade ou organisation
international postule judiciairement ses droits. Il est été recherché sur les
théories usées jusque en décisions judiciaires. Avant, il y avait l´immunité
absolue, mais avec l´augmentation des relation internationaux, cette peut être
relatife selon les cas. En outre du historique, se commente aussi la pratique
procèsuel. Se parle de la compétence de la Justice du Travail second l´article
114, I, de la Constitution Fédéral et sur le procès de connaissance. S´accentue
l´étape d´exécution, en qui peut être agrée l´immunité, n´en pouvant pas
pratiquement le travalleur de recevoir ou que même n´appliquée pas, il y a
difficulté de réussir le payement de l´État étranger ou de l´organisation
international. Donc, l´accord est une solution qui resóud pacifiquement le
conflit. La responsabilité, la coopération et la solidarité international doivent
réfléchir dans les relations de travail.
Mots clefs:
L´immunité Jurisdictionnel; de États; des Organisations Internationaux;
d´Exécution; les Relations de Travail.
10
RESUMEN
KRIEGER, Carolina Kosma; HASSON, Roland. Estado, Sociedad,
Organizaciones Internacionales: La Inmunidad de Jurisdicción y la
Relación Laboral. Curitiba, 2007, l67 p. Disertación Centro de
Ciências Jurídicas e Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Este trabajo tiene por finalidad estudiar la inmunidad de jurisdicción de
Estados soberanos y organizaciones internacionales en las relaciones de trabajo
en Brasil. Fue hecho un análisis de la cuestión social, política y jurídica
estableciendo conceptos, características y finalidades. Se verifica cómo
proceder si un empleado de Consulado, Embajada u organización internacional
pide judicialmente sus derechos. Fue investigado sobre las teorías usadas
incluso en decisiones judiciales. Antes, había la inmunidad absoluta, pero con
el aumento de las relaciones internacionales, esta puede ser relativa conforme
el caso. Además del histórico, se comenta la práctica procesal también. Se
habla de la competencia de la Justicia Laboral según el artículo 114, I, de la
Constitución Federal y sobre el proceso de conocimiento. Se resalta la etapa de
ejecución, en que puede ser admitida la inmunidad, imposibilitando
prácticamente el trabajador de cobrar o que mismo no empleado, hay dificultad
de conseguir el pago del Estado extranjero o de la organización internacional.
Así, el acuerdo es una solución que resuelve pacíficamente el conflicto. La
responsabilidad, la cooperación y la solidariedad internacional deben reflejarse
en las relaciones laborales.
Palabras-llave:
Inmunidad de Jurisdicción; Estados; Organizaciones Internacionales;
Ejecución; Relaciones Laborales.
11
RIASSUNTO
KRIEGER, Carolina Kosma; HASSON, Roland. Stato, Società,
Organizzazioni Internazionali: L’immunità giurisdizionale e la
relazione di lavoro. Curitiba, 2007, l67 p. Dissertazione Centro de
Ciências Jurídicas e Sociais, Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Questo lavoro ha avuto come l´obiettivo lo studio di l´immunità
giurisdizionale degli Stati sovrani e delle organizzazioni internazionali nelle
relazioni di lavoro in Brasile. Fu fatta un´analisi di come, procedere se un
impiegato di Consolato, d´Ambasciata oppure d´organizzazione internazionale
richiede alla giustizia i suoi diritti. Fu ricercato sulle teorie utilizzatte fino in
decisioni giudiziali. Prima, c´era l´immunità assoluta, però con aumento
delle relazioni internazionali, questa può essere relativa secondo il caso. Oltre
allo storico, se commenta altresí la pratica processuale. Si parla della
competenza della Giustizia del Lavoro secondo l´articolo 114, I, della
Costituzione Federale e sul processo de conoscenza. Si mette in evidenza
l´esecuzione, in cui può essere accettata l´immunità, impossibilitando
praticamente il lavoratore de ricevere, oppure anche se non applicata, c´é
difficoltà d´ottenere il pagamento dallo stato straniero oppure
dall´organizzazione internazionale. Così, l´accordo è una soluzione che risolve
pacificamente il conflitto. La responsabilità, la cooperazione e la solidarietà
devono riflettere nelle relazioni di lavoro.
Parole chiave:
Immunità Giurisdizionale; Stati; Organizzazioni Internazionali;
Esecuzione; Relazioni di Lavoro.
12
Sumário
1. Introdução
15
2. Estado e Jurisdição 20
2.1. Conceito de Jurisdição 20
2.2. Características e Finalidades de Jurisdição 35
2.3. Imunidade de Jurisdição
37
3. Entes de Direito Público Externo 49
3.1. Conceito 49
3.2. Características 50
3.3. Organizações Internacionais
53
4. Histórico sobre Imunidade de Jurisdição 63
4.1. Relato Sintético 63
4.2. A Imunidade de Jurisdição sob a ótica das
atividades dos Estados Estrangeiros
69
4.3. O Caráter Absoluto ou Restritivo da Imunidade
de Jurisdição
79
5. Convenções sobre Imunidades dos Estados 86
5.1. Convenção Européia sobre Imunidade do
Estado
86
5.2. Convenção das Nações Unidas sobre
Imunidades dos Estados e sua Propriedade
92
6. A Imunidade de Jurisdição dos Entes de Direito
Internacional Público na Fase de Conhecimento
95
6.1. Competência da Justiça do Trabalho 95
6.2. Imunidade de Jurisdição na Lide Trabalhista 101
6.2.1. Aspectos Previdenciários 106
6.3. Noções Gerais do Processo 108
6.4. Renúncia à Imunidade de Jurisdição 115
13
7. O Caráter Absoluto ou Restritivo da Imunidade de
Execução
121
7.1. Aspectos Gerais da Execução envolvendo Ente
de Direito Internacional Público
121
7.2. Noções Gerais do Processo 123
7.3. Decisões Processuais
128
8. Conclusão
150
9. Referências Bibliográficas
154
10. Anexo 1 166
14
“Teu dever é lutar pelo direito;
porém, quando encontrares o
direito em conflito com a justiça,
luta pela justiça”.
Eduardo Couture
“Os dez mandamentos do advogado”
15
1
Introdução
O tema relativo à imunidade de jurisdição dos entes de Direito Público
Externo tem sido enfrentado há muito tempo pelo Judiciário brasileiro.
A par disso, a proposta inicial adquire maior relevância ao se observar
o aumento das relações internacionais de natureza privada, em que sujeitos
de Direito Internacional são partes, bem como a tendência de integração em
que houve uma ruptura das fronteiras do Estado, o que importa em
superação de vários conceitos.
Este trabalho tem por escopo principal o estudo da imunidade
jurisdicional, na lide trabalhista, com respaldo em princípios e regras
concernentes ao Direito Internacional Público e Privado, bem como Direito
interno. Nesse contexto, inserem-se aspectos referentes à igualdade dos
Estados, soberania, legalidade e direitos humanos.
Nota-se que, na prática, não há um comportamento uniforme, seja
através da história, seja nas decisões judiciais. Os juristas e políticos são
apresentados ante uma situação de interesse e poder na esfera internacional.
O privilégio concedido a um Estado de não se submeter à jurisdição de
outro, igualmente soberano, denomina-se imunidade de jurisdição. A partir
dessa imunidade, surge a de execução, que se refere à proteção dos bens de
propriedade de outro ente de Direito Público externo.
O Direito Internacional enuncia regra inerente à imunidade de
jurisdição e execução dos Estados. Por outro lado, não se pode olvidar que,
a partir do século XX, foram criadas as organizações internacionais, as
quais também têm personalidade internacional. Portanto, também neste
caso, considerações são necessárias no tocante às imunidades.
Com efeito, a expressão “imunidade internacional de jurisdição” deve
ser estudada, desdobrando-se seus aspectos conceituais e doutrinários.
16
Ao se tratar da imunidade de jurisdição, entende-se que certas pessoas
são isentas de jurisdição civil, penal e administrativa, tendo em vista normas
jurídicas internacionais.
No tocante à imunidade de jurisdição trabalhista, observa-se a situação
em que um ente de Direito Internacional Público, Estado ou uma
Organização Internacional , é parte em uma relação laboral. Importante
destacar que o trabalhador é nacional. Não se abordam aqui, as relações de
imunidade de jurisdição dos Chefes de Estado, Agentes Diplomáticos,
Funcionários e Representantes dos Estados.
A imunidade de jurisdição é reconhecida no âmbito internacional, eis
que protege a soberania dos Estados e de seus representantes e sem a qual
não se consegue perseguir os fins almejados nas relações diplomáticas.
Todavia, os conceitos de soberania e imunidade estão passando por um
processo de transformação, revelando-se mais significativo nos últimos
cinqüenta anos.
Para tanto, parte-se da análise da jurisdição, traçando-se um paralelo
com o conceito de processo e ação. A jurisdição é entendida como função
soberana do Estado em distribuir justiça, ao compor as lides. O vocábulo
tem origem no latim, cujo significado literal é “dizer ou indicar o direito”.
Representa uma atividade exercida pelo Estado, cujos escopos podem ser
jurídicos, sociais e políticos.
A jurisdição compreende aspecto de soberania estatal, da qual
decorrem características e finalidades próprias. No tocante aos seus limites,
esbarra-se na questão da competência do Judiciário de um país frente a
outro ente de Direito Internacional Público. Desse modo, há casos em que o
magistrado nacional não se competente para apreciar determinada
matéria. Vislumbra-se uma situação delicada, eis que se devem manter boas
relações internacionais, ou seja, não envolve apenas o aspecto jurídico.
Nesse sentido, na história, diversas teorias que buscam explicar a
imunidade de jurisdição. Conquanto algumas se encontrem superadas,
considerações importantes e outras tantas curiosas que devem ser
examinadas.
17
Primeiramente, tem-se o entendimento de imunidade absoluta.
Contudo, com o aumento das relações dos entes internacionais, reformulou-
se a idéia inicial, passando-se a se estabelecer uma série de limitações aos
poderes estatais. Verifica-se uma evolução sobre o tema.
Analisadas essas premissas, são estabelecidos os conceitos e as
características relativas aos sujeitos de Direito Internacional, especialmente,
porque o art. 114, I, da Constituição, é expresso em determinar a
competência da Justiça do Trabalho, quando houver entes de Direito
Público envolvidos nas relações laborais. Chama atenção, nesse caso, a
participação dos Estados e das Organizações Internacionais.
Sob o aspecto prático, em relação ao tema, princípios imprecisos,
cuja interpretação resulta em decisões contraditórias, tanto no âmbito
interno como no Direito Comparado.
Salienta-se que não como se transferir as regras atinentes às
Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e Consulares para
situações em que os Estados são partes. O objetivo desses documentos é a
independência das funções estatais no Estado que recebe a missão
estrangeira. Afastam-se, assim, as atividades de natureza privada.
Diante disso, uma vez que o Estado pratica atos de administração e de
negócios com particulares, atualmente, entende-se que deixa de prevalecer a
imunidade absoluta. Por outro lado, apesar das dificuldades, busca-se
refletir sobre as atividades estatais, bem como distingui-las.
Em relação às Organizações Internacionais, em geral, gozam de
imunidade em razão de acordos estabelecidos entre essas entidades e os
Estados que as recebem. Trata-se de hipótese distinta da dos Estados.
Em uma primeira tentativa, procurou-se restringir a imunidade e,
conseqüentemente, percebe-se que o Poder Judiciário amplia sua atuação,
com base na soberania nacional. Ademais, visa à proteção dos particulares,
os quais não gozam de privilégios ou de imunidades e se encontram em
situação de desvantagem perante os entes de Direito Público externo.
Em relação aos litígios, que versam sobre matéria trabalhista, uma
tendência em se limitar a imunidade.
18
Nesse caso, imprescindível é um convite à reflexão sobre os principais
documentos internacionais relativos ao assunto, dentre os quais se destacam
a Convenção Européia sobre Imunidades dos Estados, de 1972, e a recente
Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades dos Estados e sua
Propriedade, adotada pela Assembléia-Geral da Organização das Nações
Unidas, em 2004.
Por oportuno, também se analisa a legislação interna em diversos
países, como é a Foreign Sovereign Immunities Act, nos Estados Unidos e,
o State Immunity Act, no Reino Unido.
Desse modo, o tema se desenvolve de forma interdisciplinar, eis que
se fundamenta nos Direitos do Trabalho, Processual do Trabalho,
Processual Civil, Civil, Administrativo, Internacional e Constitucional.
Pelo que, estuda-se a imunidade nas fases de conhecimento e de
execução.
Ao se tratar da fase de conhecimento, verifica-se um entendimento
doutrinário e jurisprudencial mais pacífico quanto à imunidade restritiva.
Ao mesmo tempo, trata-se da questão relativa à renúncia à imunidade
sob dois aspectos: expressa e tácita.
Por outro lado, na fase de execução, ainda uma grande indecisão
devido à discussão sobre imunidade de execução dos Entes de Direito
Público Externo, frustrando-se muitas vezes os efeitos da sentença
trabalhista. Por um lado, discute-se a inviolabilidade dos bens e sua
finalidade e, de outro, a satisfação dos créditos de natureza alimentar.
Ressalta-se que, ao se analisar o âmbito processual, são colacionadas
diversas decisões para melhor elucidar o assunto. Nesse momento, são
observadas noções gerais processuais, eis que peculiaridades a serem
tratadas. Acrescenta-se, ainda, a postura assumida por diversos países ao
solucionar casos concretos.
Tendo em vista o sistema internacional de direitos humanos e o
desenvolvimento das democracias constitucionais, sugere-se uma nova
posição a ser adotada, cujo fundamento está na proteção dos direitos das
pessoas que estão sob a jurisdição dos Estados.
19
Diante disso, elabora-se o tema sobre a imunidade jurisdicional e de
execução, adotada outrora e, como é vista atualmente, fundamentando-se na
doutrina, ordenamento jurídico e decisões judiciais.
20
2
Estado e Jurisdição
2.1
Conceito de Jurisdição
O Direito Processual regula a função soberana do Estado de distribuir
justiça na composição das lides.
Na lição de Carnelutti, parece mais conveniente e adequado usar lide
para o conflito de interesses, quando este se efetiva com a pretensão ou com
a resistência
1
. Segundo o autor, a pretensão é exigência de subordinação de
um interesse alheio ao próprio. a resistência, é a não adaptação à
subordinação de um interesse próprio ao alheio. Define a lide como um
conflito de interesses qualificado por uma pretensão contestada
2
.
Desse modo, ao estudar o Direito Processual, verifica-se uma trilogia:
jurisdição, processo e ação.
Para melhor entendimento, primeiramente, será analisada a jurisdição.
Jurisdição, em sentido lato, seria o poder conferido ao juiz ou à
autoridade de julgar: notio (poder de conhecer); coercio (coerção); judicium
(exercício da atividade jurisdicional em busca da elucidação); imperium
(delegação do poder de julgar pelo Estado); executio (poder de cumprir o
julgado)
3
.
Quanto à acepção do vocábulo, João Oreste Dalazen diz:
“Etimologicamente, a palavra jurisdição deriva do latim iurisdictio,
1
CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. Tradução de Antônio Carlos
Ferreira. São Paulo: Lejus, 1999, pp. 108-109.
2
CARNELUTTI, Francesco. Instituições do Processo Civil. Tradução de Adrián Sotero de
Witt Batista. v. I, Campinas: Servanda, 1999, p. 78.
3
DALAZEN, João Oreste. Competência Material Trabalhista. São Paulo: LTr, 1994, p.
18.
21
formado da locução verbal ius dicere, cujo significado literal é dizer ou
indicar o direito”
4
.
Ainda sobre o vocábulo, Wagner Giglio introduz o tema assim:
Jurisdição é palavra composta pela justaposição de suas outras, de origem
latina: jus, juris, que quer dizer direito, e dictio, do verbo dicere, que
significam, respectivamente, dicção e dizer. Jurisdição tem, portanto, o
sentido de dicção do direito, e consiste no poder de que todo o juiz está
investido, pelo Estado, de dizer o direito nos casos concretos submetidos a
sua decisão
5
.
Ao analisar a jurisdição, Jorge Pinheiro Castelo, analisa-a como objeto
central da teoria geral do Direito Processual, afirmando:
“O estudo do direito processual, empreendido a partir da ótica da jurisdição,
reflete uma tomada de posição em consonância com a autonomia e abstração
do direito processual com relação ao direito material. Além disto, significa a
aceitação da posição central da jurisdição como instituto básico do direito
processual, inclusive do direito processual do trabalho”
6
.
Sob a ótica da jurisdição que deve ser empreendido o estudo do
Direito Processual.
É indispensável o estudo sobre jurisdição
7
, uma vez que é na atividade
jurisdicional, desenvolvida pelos órgãos do Poder Judiciário, que se
processará todo o desenrolar do conhecimento inerente ao direito
processual
8
.
Segundo a lição de Eduardo Couture, o termo “jurisdição” apresenta
quatro acepções diferentes no direito latino-americano
9
:
4
DALAZEN, João Oreste. Competência Material Trabalhista. São Paulo: LTr, 1994, p.
18.
5
GIGLIO, Wagner. Direito Processual do Trabalho. 7ª. ed., São Paulo: LTr, 1993, p. 63.
6
CASTELO, Jorge Pinheiro. O Direito Processual do Trabalho na Moderna Teoria Geral
do Processo. São Paulo: LTr, 1993, p. 51.
7
Wilson Ramos Filho questiona se jurisdição é, efetivamente, monopólio do Estado.
Esclarece que a resposta depende do conteúdo que se atribui ao vocábulo. Por outro
lado, salienta que várias formas alternativas de solução de conflito, como é o caso da
arbitragem. In: RAMOS FILHO, Wilson. O Fim do Poder Normativo e a Arbitragem.
São Paulo: LTR, 1999, p. 191.
8
WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI,
Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. . ed., v. I, São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais. 2000, p. 35.
9
COUTURE, Eduardo J.. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. 3ª. ed., Buenos Aires:
Depalma, 1978, p. 27.
22
“No direito dos países latinos americanos este vocábulo tem pelo menos,
quatro acepções: como âmbito territorial; como sinônimo de competência;
como conjunto de poderes ou autoridade de certos órgãos do poder
público; e seu sentido preciso e técnico de função pública de fazer
justiça”
10
.
Na primeira, é referida como âmbito territorial determinado. É a
linguagem de uso diário, quando se diz que ocorreu em tal jurisdição de tal
Departamento
11
.
Na segunda, entende-se como sinônimo de competência material de
um conjunto de órgãos especializados, ou de uma “jurisdição especial”.
Esse entendimento do século XIX foi superado no século subseqüente,
embora ainda haja resíduos desse equívoco. A competência é uma medida
de jurisdição
12
.
Segundo Pontes de Miranda, chama-se jurisdição a competência
judiciária distribuída a cada Estado pela ordem supra-estatal. Refere-se ao
poder de julgar, não importando a repartição de poder feita pelo Estado.
Para o autor, o Estado, ao repartir essa iudicis dandi licentia, denomina-se
competência ao poder de julgar “repartido”
13
.
Na terceira, diz-se que é um conjunto de poderes do Estado, sendo
insuficiente, visto que é um “poder-dever” do Estado. Como afirma
Couture
14
, “Junto à faculdade de julgar, o juiz tem o dever administrativo de
fazê-lo. Dever-se-ia substituir poder pelo conceito de função”
15
.
Na quarta, há referência ao sentido próprio e técnico de função pública
em fazer justiça. Em geral, a função jurisdicional coincide com a função
10
Tradução livre do trecho: En el derecho de los países latinoamericanos este vocablo
tiene por lo menos, cuatro acepciones: como ámbito territorial; como sinónimo de
competencia; como conjunto de poderes o autoridad de ciertos órganos del poder
público; y su sentido preciso y técnico de funcción pública de hacer justicia”. In:
COUTURE, Eduardo J.. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. 3ª. ed., Buenos
Aires: Depalma, 1978, p. 27.
11
COUTURE, Eduardo J., op. cit., p. 27.
12
COUTURE, Eduardo J., op. cit., p. 27.
13
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª. ed., Tomo II, Rio
de Janeiro: Forense, 1996, p. 208.
14
COUTURE, Eduardo J., op.cit., p. 28.
15
Tradução livre do trecho: “Junto a la facultad de juzgar, el juez tiene el deber
administrativo de hacerlo. El concepto de poder debe ser sustituido por el concepto de
funcción”. In: COUTURE, Eduardo J., op.cit., p. 28.
23
judicial, ainda que haja funções jurisdicionais a cargo de outros órgãos que
não são o Poder Judicial
16
.
As duas últimas acepções têm maior relevância no presente estudo, e
sobre o assunto, explica João Oreste Dalazen:
A tais acepções é de acrescer-se mais uma, inerente à organização
judiciária brasileira: como conjunto de órgãos do Poder Judiciário a que se
cometeu competência material específica “Justiça”; sob este ângulo, fala-
se, de modo tautológico, em “jurisdição competente”, ou em causa da
competência da “jurisdição militar”, da “jurisdição trabalhista”, ou da
“jurisdição eleitoral”
17
.
Nesse sentido, Lamarca esclarece que não há, a rigor, jurisdição civil,
penal, trabalhista, mas competências civil, penal, trabalhista
18
.
Quanto à essência e à finalidade da jurisdição, não um consenso
doutrinário. A respeito, leciona o autor anteriormente citado:
A corrente subjetivista sustenta que a jurisdição colima à tutela dos direitos
subjetivos, ou seja, à reparação dos direitos subjetivos vulnerados. É um
ponto de vista inaceitável, como ressalta ZANZUCCHI, porque contém
uma petição de princípios, concebendo a tutela de uma tutela: por
definição, o direito subjetivo é o interesse juridicamente tutelado, de
modo que não faz sentido supor que o tutele a jurisdição. De resto, não
explica a atividade jurisdicional inequivocamente desenvolvida no interior
do processo (por exemplo, resolvendo questões ou incidentes processuais
alusivos à competência ou à suspeição do juiz). A teoria objetivista advoga
que a jurisdição visa à atuação do direito objetivo, através da aplicação da
norma jurídica ao caso concreto e sua efetivação coercitiva. Redargüe-se a
tal entendimento, todavia, que ao realçar na função jurisdicional a
incidência da lei a situações concretas, declina-se uma característica que
não é específica da jurisdição: a Administração Pública igualmente aplica
a lei a casos conflituosos, por exemplo, ao infligir sanção disciplinar a
funcionário público; o mesmo se com o particular que espontaneamente
coaduna sua conduta aos mandamentos do direito objetivo, circunstância
em que também o atua, ou aplica
19
.
16
COUTURE, Eduardo J.. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. 3ª. ed., Buenos Aires:
Depalma, 1978, p. 27.
17
DALAZEN, João Oreste. Competência Material Trabalhista. São Paulo: LTr, 1994, p.
19.
18
WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI,
Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. . ed., v. I, São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2000, p. 22.
19
DALAZEN, João Oreste, op. cit., p. 19.
24
Chiovenda traz o caráter substitutivo da jurisdição
20
, senão vejamos:
“Pode definir-se a jurisdição como a função do Estado que tem por escopo
a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela
atividade de órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros
órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la,
praticamente, efetiva”
21
.
Entretanto, crítica ao entendimento de Chiovenda, pois o é uma
característica absoluta do instituto. Para exemplificar, na exceção de incom-
petência, o juiz estaria administrando e não praticando ato jurisdicional
22
.
Em relação a esse posicionamento, Luiz Guilherme Marinoni esta-
belece que os escopos da jurisdição são jurídicos, sociais e políticos. Os
jurídicos se referem à “atuação da vontade concreta do direito, para
conciliar-se com o ideal de acesso à ordem jurídica justa, realizando os fins
do Estado e os valores da sociedade”. Em relação aos sociais, visa ao bem
comum, segundo os valores culturais, pacificação social e educação para
exercício de direitos. os políticos, são voltados à realização de atividade
estatal de solucionar a lide, com assento em garantias e participação popular
da democracia
23
.
Conforme lição de Cândido Rangel Dinamarco, a jurisdição é “um
conceito em crise”. De acordo com suas palavras, a doutrina moderna sente
a insuficiência do exame puramente jurídico dos institutos jurídicos, eis que
esse método é incapaz para explicar os fenômenos do direito perante seu
significado social e político. Estabelece que, como expressão política, a
jurisdição é a capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Para
o autor, o objetivo maior que move o Estado ao exercício da jurisdição,
atualmente, é a eliminação de conflitos envolvendo pessoas ou coletividade
20
Em relação às definições de Chiovenda e Carnelutti, Roland Hasson esclarece que não
são antagônicas, mas se complementam. Conclui que a jurisdição é um poder-dever do
Estado, que substituiu aos interessados na solução de seus conflitos.
In: HASSON,
Roland. Acidente de Trabalho & Competência. v. 6, Curitiba: Juruá, 2002, pp. 87-88.
21
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. v. II, São Paulo:
Saraiva, 1962, p. 3.
22
DALAZEN, João Oreste. Competência Material Trabalhista. São Paulo: LTr, 1994, p.
20.
23
MARINONI, Guilherme Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1993, pp. 103-113.
25
de pessoas. Além disso, pacificar com justiça deve ser o primeiro objetivo
da atividade judicante. A par disso, tem-se a educação para o exercício de
direitos e cumprimento de obrigações e deveres, como a oferta de meios de
participação política e comunitária, tais como ação popular e ação civil
pública, bem como dar efetividade à ordem jurídica substancial
24
.
A jurisdição é atividade exercida pelo Estado com o intuito de
pacificar por meio da justiça e educar, afirmando autoridade consoante o
ordenamento jurídico e com fundamento na participação democrática do
indivíduo
25
.
A inércia Estatal tem o objetivo, inclusive, de pacificação, já que evita
aplicação do Direito pelo juiz contra a vontade do cidadão. Garante,
também, a imparcialidade do juiz.
A ação
26
é um direito de quem demanda e não a atividade estatal que
visa a cumprir o escopo do Estado.
Em relação à ação e à jurisdição, a primeira, baseada no direito ou
poder do indivíduo, tem escopos internos no processo. Já a jurisdição, como
poder Estatal, visa tanto a objetivos internos, que seriam os jurídicos, como
a externos, que seriam políticos e sociais no sistema processual. Assim, é a
jurisdição e não a ação que está no centro do sistema processual. É a partir
da jurisdição, ou seja, o Estado como sociedade, e não da ação como autor,
que se deve estudar o sistema processual
27
.
O conceito de Eduardo Couture
28
sobre jurisdição é:
24
DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 7ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2000,
pp. 182-184.
25
CASTELO, Jorge Pinheiro. O Direito Processual do Trabalho na Moderna Teoria Geral
do Processo. São Paulo: LTr, 1993, p. 51.
26
Para Chiovenda: “la acción es, pues, a mi entender un derecho potestativo, y hasta
puede decirse que el derecho potestativo por excelencia. (...) Decimos, pues, que entre
los derechos potestativos se comprenden no solo aquellos que tienden a la produccion
de un estado jurídico nuevo, sino también aquellos que tienden a hacer corresponder el
estado de hecho em sentido más o menos amplio al estado de derecho, esta es, las
acciones de declaración de mera certeza y de condena y la acción ejecutiva”. In:
CHIOVENDA, Giuseppe. La acción en el sistema de los derechos. Bogotá: Editorial
Temis, 1986, pp. 35-36.
27
CASTELO, Jorge Pinheiro, op. cit., pp. 53-54.
28
COUTURE, Eduardo J.. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. 3ª. ed., Buenos Aires:
Depalma, 1978, p. 40.
26
“(...) função pública, realizada por órgãos competentes do Estado, com as
formas requeridas pela lei, em virtude da qual, por ato de juízo, determina-
se o direito das partes, com o objetivo de dirimir seus conflitos e
controvérsias de relevância jurídica, mediante decisões com autoridade de
coisa julgada, eventualmente, factíveis de execução
29
.
Para o autor uruguaio, entende-se por conflito toda pretensão resistida
ou toda pretensão insatisfeita. Por controvérsias, entendem-se todas aquelas
questões de fato ou de direito que não podem se resolver com a autotutela e
precisam que o Estado se pronuncie
30
.
Para entender melhor todos os aspectos do conceito de Eduardo
Couture, importante é a lição de João Oreste Dalazen, quando destaca:
a) jurisdição não é apenas poder-dever do Estado frente aos cidadãos
privados da autodefesa; é uma função pública, entendida como com-
plexo de serviços prestados pelo Estado e afetados à consecução de
determinados fins, seja no plano jurídico (atuação do direito objetivo),
seja no plano social (paz social com justiça, segurança nas relações
jurídicas), seja no plano político (afirmação do poder estatal); a idéia
de jurisdição é essencialmente teleológica: não é um fim em si mesma,
existindo somente como meio para lograr um fim
31
;
b) a função jurisdicional não equivale à função judicial, visto que, de
um lado, o Poder Judiciário não realiza apenas função jurisdicional
(por exemplo: na impropriamente cognominada “jurisdição
voluntária”, dá-se administração pública de interesses privados); de
outro lado, a função jurisdicional nem sempre é monopólio do Poder
Judiciário; normalmente o é (como sucede no Brasil: art. 5º, inciso
29
Tradução livre do trecho: “(...) funcción pública, realizada por órganos competentes del
Estado, con las formas requeridas por la ley, en virtud de la cual, por acto de juicio, se
determina el derecho de las partes, con objeto de dirimir sus conflictos y controversias
de relevancia jurídica, mediante decisiones con autoridad de cosa juzgada,
eventualmente factibles de ejecución”. In: COUTURE, Eduardo J.. Fundamentos del
Derecho Procesal Civil.. ed., Buenos Aires: Depalma, 1978, p. 40.
30
COUTURE, Eduardo J., op. cit., p. 43.
31
DALAZEN, João Oreste. Competência Material Trabalhista. São Paulo: LTr, 1994, p.
22.
27
XXXV, da Constituição), mas pode ser confiada a outro Poder do
Estado (caso das Juntas de Conciliação
32
e Arbitragem mexicanas)
33
;
c) a jurisdição é uma das três funções fundamentais do Estado,
conjuntamente com a Administração e a Legislação, sendo
normalmente confiada ao Poder Judiciário
34
;
d) função pública que dimana da soberania nacional de um Estado, é,
por isso mesmo, una e indivisível
35
;
e) o escopo imediato da jurisdição é equacionar a lide (pretensão
resistida, ou insatisfeita), ou controvérsia que reclame necessária
intervenção jurisdicional (processo de divórcio, por exemplo),
atendendo, desse modo, “a um dos fins primários do Estado
36
.
f) a coisa julgada material é da “essência” da jurisdição. Se um ato
adquire autoridade de coisa julgada é jurisdicional; caso contrário não
o será: “não jurisdição sem autoridade de coisa julgada”
37
; para o
autor, é a coisa julgada a “pedra de toque do ato jurisdicional”, o
conteúdo material de que carecem a função legislativa e a função
administrativa
38
.
Ainda, elucida Couture
39
que o objeto próprio da jurisdição é a coisa
julgada, seria um elemento do ato jurisdicional. Quem triunfa” poderia até
não executar, mas isso seria uma faculdade, podendo assim proceder se o
desejasse. Afirma que a jurisdição como o processo tem sua função
32
Atualmente, as Juntas de Conciliação e Julgamento tiveram sua denominação alterada
para Varas do Trabalho, conforme redação do art. 116, da Constituição, determinada
pela Emenda Constitucional nº. 24, de 9 de dezembro de 1999. João Oreste Dalazen
relata que, no Brasil, no período de 1932 até a instalação da Justiça do Trabalho (1941),
as Juntas de Conciliação e Julgamento eram consideradas órgãos administrativos, ou
seja, sistemas não jurisdicionais. A par disso, trata da Juntas Locais e Federais de
Conciliação e Arbitragem, como caso peculiar no México, as quais são órgãos
administrativos investidos de função jurisdicional. In: DALAZEN, João Oreste,
Competência Material Trabalhista. São Paulo: LTr, 1994, p. 68.
33
DALAZEN, João Oreste, op. cit., p. 22.
34
DALAZEN, João Oreste, op. cit., p. 22.
35
DALAZEN, João Oreste, op. cit., p. 22.
36
DALAZEN, João Oreste, op. cit., p. 23.
37
Tradução livre do trecho:“no hay jurisdicción sin autoridad de cosa juzgada”. In:
COUTURE, Eduardo J.. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. 3ª. ed., Buenos
Aires: Depalma, 1978, p. 43.
38
DALAZEN, João Oreste, op. cit., p. 23.
39
COUTURE, Eduardo J., op.cit., p. 43.
28
teleológica quando leciona: “Somente existe como meio de lograr um
fim”
40
.
Todavia, algum cuidado deve ser tomado, eis que a definição de
Couture não pode ser aceita em termos absolutos, principalmente, quanto à
coisa julgada.
Em relação a esse aspecto, conclui Dalazen:
A coisa julgada não é um traço “do ser”, da substância da função
jurisdicional: é uma qualidade que lhe confere a lei, o mais das vezes em
nome da estabilidade e segurança nas relações jurídicas. Contudo, afigura-
se ao menos duvidoso que a coisa julgada material efetivamente seja o
conteúdo característico da jurisdição e que a apartaria das funções
legislativa e administrativa do Estado. Não que possa ser um atributo
também destas funções: inconteste que a coisa julgada é predicado
específico da jurisdição. Mas não necessariamente
41
.
A idéia de jurisdição está ligada ao exercício de “poder”, como
também há relação com “dever”.
Em relação ao poder, Michel Foucault, na obra “Microfísica do
Poder”, esclarece que, ao se definir os poderes pela repressão, tem-se uma
concepção apenas jurídica, identificando-se o poder a uma lei que diz não.
Entende que esta é uma “noção negativa, estreita e esquelética” do poder,
curiosamente aceita por todo mundo. Indaga, ainda, quanto ao poder ser
exclusivamente repressivo, ou o fizer outra coisa a não ser dizer não, se
alguém obedeceria a ele. Desse modo, o poder deve ser considerado como
“uma rede produtiva que atravessa todo o corpo social muito mais do que
uma instância negativa tem por função reprimir”. Ele é mantido e aceito,
não porque pesa como uma força que diz “não”, mas porque também
permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz discurso
42
.
40
Tradução livre do trecho: Sólo existe como medio de lograr un fin”. In: COUTURE,
Eduardo J.. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. 3ª. ed., Buenos Aires: Depalma,
1978, p. 43.
41
DALAZEN, João Oreste. Competência Material Trabalhista. São Paulo: LTr, 1994, p.
23.
42
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 3ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,
1991, pp. 115-120.
29
Consoante o art. 1º., parágrafo 1º., da Constituição, o poder é uno e
emana do povo. Isto posto, una e indivisível é a jurisdição
43
.
Para Foucault, o poder deve ser analisado como algo que funciona
em cadeia e não está nas mãos de alguns, nem é apropriado como riqueza
ou um bem. Apenas funciona se estiver em rede, na qual os indivíduos estão
em posição de exercer e sofrer sua ão, sendo sempre centro de
transmissão
44
.
Desse modo o poder, consegue-se a produção dos efeitos visados, o
necessariamente pela força ou ameaça. Para isso, o Estado deve possuir
meios capazes de impor
45
.
Sobre o assunto, Cândido Rangel Dinamarco esclarece:
A jurisdição não é um poder, mas uma das expressões do poder estatal, que
é uno. Conseqüentemente, não se justifica a busca obstinada de diferenças
substanciais (ontológicas) entre ela e as outras manifestações desse poder
(administração, legislação); as diferenças são meramente funcionais e
metodologicamente é muito mais útil a busca do que todas têm em comum,
ou seja, a busca da essência do conceito de poder e dos desdobramentos
que daí decorrem. O que distingue a jurisdição está nas suas características
externas, representadas pelos objetivos em razão dos quais é exercida e
pelo seu exercício sempre ligado a casos concretos: tal é a perspectiva
funcional da jurisdição. Se o poder estatal é uno e a jurisdição mera
expressão dele, não tem sentido a divisão da jurisdição em ‘espécies’, nem
a suposta distinção ontológica entre jurisdição ‘contenciosa’ e jurisdição
voluntária: ambas remontam ao conceito unitário de jurisdição e
participam das mesmas características desta, residindo nas diversas
funções perante o direito material o maior fator da distinção entre elas.
46
Segundo Antonio Lamarca, os poderes que se encontram na jurisdição
são os de decisão, coerção e documentação. O primeiro diz respeito à
atividade do juiz, de Direito Processual e Material, ou seja, exame de
pressupostos processuais e relativos à decisão de mérito. Quanto ao poder
de coerção, este é mais nítido na atividade de execução em relação às partes
43
HASSON, Roland. Acidente de Trabalho & Competência. v. 6, Curitiba: Juruá, 2002,
pp. 87-88.
44
FOUCAULT, Michel, Microfísica do Poder. 3ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais,
1991, p. 183.
45
CASTELO, Jorge Pinheiro. O Direito Processual do Trabalho na Moderna Teoria
Geral do Processo. São Paulo: LTr, 1993, p. 59.
46
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 10ª. ed., São Paulo:
Malheiros, 2002, p. 386.
30
e às testemunhas condução coercitiva. Por fim, quanto à documentação,
revelam-se porque os atos processuais são, em regra, por escrito
47
.
Pontes de Miranda entende a jurisdição como um poder para realizar o
direito objetivo, seu ou de outros Estados, desde que se liguem a fatos
ocorridos, pessoa e efeitos que devem ser submetidos ao seu exame
48
.
Quanto ao dever, nas palavras de Franco Cordero: os “deveres” se
remetem às regras de conduta, em que o destinatário deve cumprir
determinado ato. Por outro lado, o “poder” refere-se a uma potência, em que
os legalmente investidos estabelecem as normas
49
.
Ao abordar a tutela jurisdicional dos direitos, Jorge Castelo entende
que, devido à soberania do Estado, a jurisdição pode ser considerada um
poder. Sob a ótica das atribuições estatais, pode ser vista como função e, no
âmbito processual, como atividade
50
.
Conforme Cândido Rangel Dinamarco, “a jurisdição é, portanto, uma
função estatal e o seu exercício constitui exteriorização da capacidade que
tem o Estado de se impor para cumprir seus objetivos, ou seja,
exteriorização do poder”
51
.
Desse modo, pode considerá-la como uma função de caráter
substitutivo para realização do direito objetivo, culminando na solução da
lide
52
.
Não obstante, Cândido Rangel Dinamarco adverte que a doutrina
entende a atividade jurisdicional como substitutiva, ou seja, porque
interferência de uma atividade do Estado substituindo a dos envolvidos, no
47
LAMARCA, Antonio. O Livro da Competência. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1979, p. 20.
48
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª. ed., Tomo II, Rio
de Janeiro: Forense,1996, p. 207.
49
CORDERO, Franco. Guida alla Procedura Penale. Torino: UTET, 1990, pp. 14-17.
50
CASTELO, Jorge Pinheiro. O Direito Processual do Trabalho na Moderna Teoria Geral
do Processo. São Paulo: LTr, 1993, p. 56.
51
DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 7ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2000,
p. 187.
52
CASTELO, Jorge Pinheiro, op. cit., p. 57.
31
conflito, sem que seja considerada secundária, ou supletiva
53
.
Nesse momento, evidencia-se a análise sobre os princípios, que são
verdadeiras regras não escritas, cujo caráter é geral.
Tais princípios orientam o legislador e possibilitam a compreensão do
momento histórico, ético e moral da elaboração da norma processual. Sem
dúvida, orientam o intérprete
54
.
O Direito funda-se em princípios.
Ao tratar do tema, Plá Rodriguez
55
entende que os princípios gerais do
direito não são algo que exista fora, senão dentro do próprio direito escrito,
que derivam das normas estabelecidas. Compara os princípios como algo
que se encontra dentro do direito escrito como o álcool no vinho: “são o
espírito ou a essência da lei”
56
.
Na lição de Antonio Lamarca, reconhecem-se, universalmente, os
seguintes princípios inerentes à jurisdição: da investidura; da aderência ao
território; da indelegabilidade; da inevitabilidade; da indeclinabilidade; do
juiz natural; da inércia
57
.
O princípio da investidura assegura que só os juízes regularmente
nomeados podem exercer a jurisdição. Em relação ao da aderência ao
território, a jurisdição é apenas nacional, ou seja, abrange o território
nacional. Além disso, quanto à indelegabilidade, não delegação de
atribuições de um Poder para outro, ou seja, a lide deve ser solucionada pelo
Judiciário, bem como as partes não podem furtar-se à jurisdição nem
pactuar o contrário do que a lei estabelece, de acordo com o princípio da
inevitabilidade
58
.
53
DINAMARCO, Cândido Rangel. Execução Civil. 7ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2000,
p. 187.
54
WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI,
Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 3ª. ed., v. 1, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 65.
55
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. Tradução de Wagner
D. Giglio. São Paulo: LTr, 1993, p. 20.
56
CARNELUTTI, Francesco. Sistema di Diritto Processuale Civile. Funzione e
Composizione del Processo. Padova: Universittà di Padova, 1936, p. 20.
57
LAMARCA, Antonio. O Livro da Competência. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1979, p. 21.
58
LAMARCA, Antonio, op. cit., p. 21.
32
Há, também, o princípio da imparcialidade, que envolve a
neutralidade. Baseia-se na igualdade jurídica. Contudo, o juiz não é mais só
aplicador de normas. O caráter de imparcialidade é inseparável do órgão de
jurisdição. Conforme a Declaração Universal dos Direitos do Homem,
contida na proclamação feita pela Assembléia Geral das Nações Unidas
reunida em Paris, em 1948, estabelece-se que toda pessoa tem direito, em
condições de plena igualdade, de ser ouvida publicamente e com justiça por
um tribunal independente e imparcial, para a determinação de seus direitos e
obrigações ou para o exame de qualquer acusação contra si em matéria
penal
59
.
Por inafastabilidade, entende-se o princípio que nenhuma norma
jurídica pode excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão ou
ameaça a direito, como preceitua o art. ., XXXV, da Constituição. Em
princípio, é conhecido como liberdade de acesso à Jurisdição
60
.
O princípio do juiz natural está estampado no art. 5º., LIII, da
Constituição
61
. Assim, é juiz se investido de jurisdição e impede a
criação de tribunais de exceção, art. 5º., XXXVII, da Constituição, ou seja,
ninguém pode ser privado de julgamento por juiz independente e imparcial,
indicado por juiz independente e imparcial
62
.
O princípio da inércia da jurisdição estabelece que o processo não é
iniciado de ofício pelo juiz, devendo ser provocado pelos interessados. A
jurisdição é inerte, salvo, como acontece
63
, a título de exemplo, no art. 878
da CLT
64
. Desse modo, o Estado somente age quando provocado, pois
59
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER; Ada Pellegrini, DINAMARCO,
Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 15ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 53.
60
COUTINHO, Grijalbo Fernandes; PAVA, Marcos Neves (coord.). Nova Competência da
Justiça do Trabalho. São Paulo: Editora LTr, 2005, p. 113.
61
“Art. 5º., LIII, da Constituição: ninguém será processado nem sentenciado senão pela
autoridade competente”.
62
LAMARCA, Antonio. O Livro da Competência. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1979, p. 21.
63
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini, DINAMARCO,
Cândido Rangel, op. cit., p. 59.
64
“Art. 878 da CLT: A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex
officio pelo próprio juiz ou presidente ou Tribunal competente, nos termos do artigo
anterior”.
33
nenhum juiz prestará tutela jurisdicional senão quando a parte ou o
interessado requerer, conforme disposto em lei
65
.
Nesse sentido, Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de
Almeida e Eduardo Talamini dizem que, para a realização das funções da
jurisdição, o sistema jurídico positivo do Estado brasileiro prevê uma série
de garantias, com assento na Constituição, a partir das quais o legislador
infraconstitucional está autorizado a “construir” todo o sistema processual.
São garantias, como a do devido processo legal, o juiz natural, da
indelegabilidade e indeclinabilidade da jurisdição, da ampla defesa, do
contraditório, da fundamentação das decisões judiciais, dentre outras tantas,
igualmente previstas na Constituição Federal, que garantem aos cidadãos do
Estado e às pessoas em geral o direito de acesso às decisões judiciais
66
.
Os autores divergem quanto à classificação de tais princípios.
Athos Gusmão Carneiro explica que, embora no plano teórico, a
jurisdição pode parecer ilimitada; na prática, os Estados aceitam,
geralmente, as limitações decorrentes dos princípios da efetividade e da
submissão
67
.
Para Amilcar de Castro, o Poder Judiciário tem competência para
processar e julgar qualquer causa, nada importando a nacionalidade ou o
domicílio das partes, no silêncio da lei, e, assim, o exercício da jurisdição
arrima-se no princípio da efetividade e o da submissão
68
.
O princípio da efetividade significa que o juiz é incompetente para
proferir sentença que não tenha possibilidade de executar, enquanto o da
submissão se refere a casos em que, voluntariamente, se submete à
65
LAMARCA, Antonio. O Livro da Competência. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1979, p. 22.
66
WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI,
Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 3ª. ed., São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2000, p. 39.
67
CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 9ª. ed., São Paulo: Ed. Saraiva,
1999, p. 38.
68
CASTRO, Amilcar de. Direito Internacional Privado. 5ª. ed., Rio de Janeiro: Forense,
1996, pp. 537-538.
34
jurisdição de tribunal a que não estaria sujeito e, aceitando-a, não pode mais
querer livrar-se dela
69
.
Amilcar de Castro adverte que o princípio da submissão está sujeito a
duas limitações: não prevalece onde se encontre estabelecida por lei a
competência de justiça estrangeira, e não resiste ao da efetividade, ou seja,
não funciona quando este deva funcionar
70
.
Assim, poder-se-ia afirmar que jurisdição é o próprio “poder”,
falando-se em poder jurisdicional.
Procura-se respeitar as normas, pois uma vez que alguém se sinta
prejudicado e preencha as condições da ação
71
do art. 267, VI, do CPC
72
,
poderá aforar a medida competente, segundo o art. 5
o
., XXXV, da
Constituição
73
.
Todavia, a jurisdição sofre limitações do ordenamento jurídico
internacional e dos demais Estados. necessidade de convivência com
outros Estados soberanos, devendo-se ponderar a conveniência e a
viabilidade
74
.
Destarte, observa-se que divergência de entendimentos quanto ao
conceito, devendo seus diversos aspectos a serem analisados com sutileza.
69
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Imunidade de Jurisdição Trabalhista dos Entes
de Direito Internacional. São Paulo: Editora LTr, 1986, p. 38.
70
CASTRO, Amilcar. Direito Internacional Privado. 5ª. ed., Rio de Janeiro: Forense,
1996, pp. 537-538.
71
Wilson de Souza Campos Batalha ensina que os pressupostos processuais constituem
requisitos para que se estabeleça uma relação jurídica válida para se obter uma sentença
de mérito. Já as condições da ação, são requisitos para reconhecimento de uma pretensão
à tutela jurídica. In: BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de Direito
Judiciário do Trabalho. v. I, São Paulo: LTr, 1995, p. 558.
72
“Art. 267, VI, do CPC: quando não concorrer qualquer das condições da ação, como
a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual”.
73
“Art. 5
o
., XXXV, da Constituição: são a todos assegurados, independentemente do
pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos
ou contra ilegalidade ou abuso de poder; b) a obtenção de certidões em repartições
públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal”.
74
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa, op. cit., pp. 38-39.
35
2.2
Características e Finalidades da Jurisdição
A jurisdição constitui um aspecto da soberania estatal, sendo exercida
nos limites territoriais do país, para decisão de litígios de alguma forma
vinculados ao respectivo território
75
. Refere-se às competências judicial,
legislativa e administrativa
76
.
As atividades fundamentais do Estado agruparam-se em três funções:
legislativa, administrativa e jurisdicional. A legislativa consiste na produção
de normas de caráter geral e abstrato para o ordenamento jurídico. a
administrativa, é exercida por atos de conteúdo concreto constituindo
execução da lei
77
.
A função jurisdicional é uma das funções do poder estatal que se
destina a dar àquela parcela de cada conflito de interesses a ela submetida
pelos interessados uma solução no âmbito do sistema jurídico
78
.
Athos Gusmão Carneiro trata das características que compõem a
jurisdição. A primeira é a jurisdição como atividade provocada: trata-se do
princípio da inércia inicial do Judiciário, como regra. Há necessidade de um
pedido, sendo que dois brocardos expressam bem isso, quais sejam: nemo
judex sine actore “ninguém é juiz sem autor” e ne procedat judex ex
officio – “não proceda o juiz de ofício”.
Como revela o autor acima referido, os juízes não saem em busca de
lides para resolvê-las”
79
. Jurisdição como atividade pública: trata-se da ex-
75
CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 9ª. ed., São Paulo: Ed. Saraiva,
1999, p. 38.
76
BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997, p. 319.
77
CASTELO, Jorge Pinheiro. O Direito Processual do Trabalho na Moderna Teoria Geral
do Processo. São Paulo: LTr, 1993, p. 51.
78
WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI,
Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 3ª. ed., v. 1, São Paulo: Editora Revista
dos Tribunais, 2000, p. 35.
79
CARNEIRO, Athos Gusmão, op. cit., p. 7.
36
clusividade do Poder Judiciário, salvo casos excepcionais. É defeso exercer
autotutela
80
.
A jurisdição como atividade substitutiva é tida quando os órgãos
judiciários exercem sua atividade segundo a vontade concreta da lei,
conforme o entendimento de Chiovenda.
Galeno Lacerda rejeita o efeito substitutivo como essência do ato
jurisdicional, como no caso de suspeição ou competência, em que não
“substitutividade” a uma atuação originária
81
.
Por outro lado, a jurisdição como atividade indeclinável é a que
pode ser exercida por quem detém o poder de julgar, sendo inadmissíveis os
tribunais de exceção. Por último, refere-se à coisa julgada, como “eficácia
vinculativa plena” inerente somente à jurisdição. Desse modo, o Estado
exerce o poder-dever e impõe suas decisões, afirmando-se a soberania
estatal
82
.
Athos Gusmão Carneiro fala, ainda, embora não relevante para o
presente estudo, das características das jurisdições anômalas, permitidas
pela Constituição em dois casos, que seria no processo de impeachment e o
Tribunal de Contas
83
.
Quanto às características, os autores também as elencam com
sutilezas.
Ao se tratar da res judicata (coisa julgada), tal característica não é
essencial à jurisdição, eis que existem decisões judiciais que não fazem
coisa julgada material como as decisões cautelares. Entretanto, é importante
por ordem prática e utilidade social
84
.
O conflito de interesses é pré-processual. O comando da norma
incidirá sobre o conflito, como esclarece Jorge Castelo:
80
CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 9ª. ed., São Paulo: Ed. Saraiva,
1999, p. 8.
81
CARNEIRO, Athos Gusmão, op. cit., pp. 9-10.
82
CARNEIRO, Athos Gusmão, op. cit., p. 13.
83
CARNEIRO, Athos Gusmão, op. cit., p. 13.
84
CASTELO, Jorge Pinheiro. O Direito Processual do Trabalho na Moderna Teoria Geral
do Processo. São Paulo: LTr, 1993, p. 62.
37
O direito, a pretensão e a ação (material) operam, pelo comportamento
direto dos interessados realizando, destarte, o direito subjetivo oriundo do
conflito. Mas, quando a pretensão material não foi suficiente para
constranger o obrigado à prestação que lhe compete, não ocorrendo a
realização normal do direito objetivo, é, então, que se passa ao plano da
jurisdição e da ação processual, para o fim de resolver o conflito de
interesse, segundo a disciplina do direito objetivo que incidiu
85
.
Assim, para solucionar a lide é mister um processo. Busca-se um
equilíbrio, coordenando os diversos objetivos processuais. Sobre o tema,
conclui Dinamarco:
Fala-se em exigências de “justiça e celeridade”, ou de “celeridade e
ponderação”, mas sempre o que se tem é isso: a necessidade de dotar o
processo de meios tais que ele chegue o mais rapidamente possível a
proporcionar a pacificação social no caso concreto o seu escopo social
magno), sem prejuízo da qualidade da decisão. A boa qualidade da decisão
constitui, por um lado, fidelidade ao direito material (aí o escopo jurídico),
mas também, acima disso, penhor da justiça das decisões. Toda a tessitura
de princípios e garantias constitucionais do processo (com destaque para a
do due process of law) é predisposta à efetiva fidelidade aos desígnios do
direito material
86
.
Diante do exposto, uma pessoa poderá pedir a tutela jurisdicional em
face de determinado caso como, por exemplo, uma relação de emprego.
Haverá um órgão jurisdicional competente, definido por lei, que exercerá a
Jurisdição.
Contudo, deve-se ter cautela ao estudar esta questão, uma vez que
existe a imunidade de jurisdição, cuja análise será feita a seguir.
2.3
Imunidade de Jurisdição
A palavra imunidade se origina do latim immunitas, cuja tradução é
“isenção”, “dispensa”. Refere-se a um privilégio outorgado para que o ente
85
CASTELO, Jorge Pinheiro. O Direito Processual do Trabalho na Moderna Teoria Geral
do Processo. São Paulo: LTr, 1993, p. 56.
86
DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 10ª. ed., São Paulo:
Malheiros, 2002, p. 389.
38
não esteja sujeito a determinadas imposições de lei, isto é, não é obrigado a
cumprir certa obrigação ou encargo, que são impostos aos demais em
caráter geral
87
.
Por outro lado, nas palavras de Georgenor de Souza Franco Filho, a
expressão “inimunidade
88
de jurisdição significa o não reconhecimento ou
a inexistência de isenção de jurisdição aos entes de Direito Internacional
Público, quer no âmbito Penal, quer no Administrativo, quer no Civil e
se inclui o Trabalhista –, o que poderá levar a conseqüências indesejáveis,
perigosas à manutenção das boas relações internacionais de modo geral
89
.
Ao tratar da imunidade de jurisdição, leciona Ian Brownlie:
Os representantes de um Estado podem, quando devidamente autorizados, a entrar
no território de outro Estado e agir na sua capacidade oficial. Os atos assim
praticados podem incluir a disposição e mesmo a utilização de forças militares no
terreno e o exercício da jurisdição, no sentido específico da instalação de tribunais
e da
utilização da força para impor as decisões desses tribunais. Em tais casos, o
privilégio concedido à pessoa cuja entrada foi autorizada
contrapõe-se ao poder
exclusivo do soberano territorial de regulamentar e de impor as decisões dos seus
órgãos em relação ao território e à sua população. A existência de uma imunidade
de jurisdição dos tribunais nacionais e dos órgãos nacionais coercivos constitui
habitualmente uma concomitante do privilégio de entrada e permanência.
Contudo, como princípio geral, esta imunidade é limitada pelo direito que o
Estado receptor tem de recorrer à força necessária para impedir ou pôr termo a
atividades que excedam a autorização concedida, ou que de outro modo violem o
Direito Internacional
90
.
No tocante a esse tema, Beatriz Schiffer Durães também entende que a
imunidade internacional de jurisdição seria a isenção, para certas pessoas,
da jurisdição civil, penal e administrativa, por força de normas jurídicas
internacionais
91
.
O direito de jurisdição é básico para um Estado, isto é, sujeita pessoas
e bens que estão em seu território às suas leis e tribunais
92
.
87
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 8ª. ed., v. II, Rio de Janeiro: Forense, 1984,
p. 436.
88
Expressão utilizada para referir-se à inexistência de imunidade.
89
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Imunidade de Jurisdição Trabalhista dos Entes
de Direito Internacional. São Paulo: Editora LTr, 1986, pp. 13-14.
90
BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997, p. 343.
91
DURÃES, Beatriz Schiffer. Imunidade de Jurisdição e a Doutrina do Ato de Estado.
Curitiba: Editora Gênesis, 2003, p. 17
.
92
ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e. Manual de Direito
Internacional Público. 14ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 128.
39
A jurisdição, como já dito, é uma das funções do Estado, como a
legislativa e a administrativa. É inerente à soberania
93
.
Conforme expõe Ian Brownlie, a soberania e a igualdade dos Estados
representam a doutrina constitucional fundamental do Direito das nações,
sendo os seus corolários principais: 1) jurisdição, prima facie exclusiva,
sobre um território e sobre a população permanente que nele vive; 2) dever
de não ingerência na área de jurisdição exclusiva dos outros Estados; 3)
subordinação às obrigações resultantes do Direito Consuetudinário e dos
tratados concluídos com o consentimento do Estado obrigado
94
.
Cada Estado detém soberania, a qual, na lição de Jean-Gaspard
Bluntschli, em sua obra “Le DI Codifié”, de 1895, citado por Georgenor de
Sousa Franco Filho
95
, “a Soberania não significa a independência absoluta,
nem a liberdade absoluta, porque os estados não são seres absolutos, mas
pessoas cujos direitos são limitados”
96
.
Desse modo, o poder dele decorrente encontra obstáculo nas
jurisdições de outros Estados. Assim, disciplina-se a convivência da
jurisdição de um Estado em relação aos demais
97
.
Como esclarece Georgenor de Sousa Franco Filho, na lição de Paul
Guggenheim:
A imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros e de seus representantes
diplomáticos, é dizer que eles não estão submetidos em uma certa medida à
legislação do Estado territorial (por exemplo imunidade diplomática de jurisdição
e imunidade fiscal), não implica nenhuma limitação da soberania territorial. Neste
93
WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI,
Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 3ª. ed., v. 1, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 89.
94
BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997, p. 309.
95
BLUNTSCHLT, Jean-Gaspard, apud, FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa.
Imunidade de Jurisdição Trabalhista dos Entes de Direito Internacional. São Paulo:
Editora LTr, 1986, p. 22.
96
Tradução livre do texto: la souveraineté ne signifie ni l´indépendance absolue, ni la
liberté absolue, car les états ne sont pas des êtres absolus, mais des personnes dont les
droits son limites”. In: BLUNTSCHLT, Jean-Gaspard, apud, FRANCO FILHO,
Georgenor de Sousa, op. cit., p. 22.
97
WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI,
Eduardo, op. cit., p. 89.
40
caso, com efeito, não se trata de uma limitação de domínio espacial, mas uma
limitação de domínio de validade pessoal da ordem jurídica estatal
98
99
.
Há, sem dúvida, restrição a um direito que é fundamental do Estado,
mas não se fala aqui de um ser mais fraco ou mais forte que outro
100
.
O Direito Internacional impõe restrição à jurisdição dos Estados; é o
caso da imunidade dos Estados estrangeiros, das organizações
internacionais, diplomáticas e consulares.
Sobre esse aspecto, Celso D. Albuquerque Mello explica que:
“O Estado tem como direito fundamental o de exercer a sua jurisdição no
território nacional. Existem certas pessoas e coisas que fogem à regra de se
encontrarem sujeitas à jurisdição do Estado estrangeiro, apesar de se encontrarem
no seu território”
101
.
Consoante se conclui, um Estado não pode subordinar outro a sua
jurisdição, como regra, haja vista a imunidade de jurisdição dos Estados.
Estende-se também às organizações internacionais, ressalvando-se algumas
considerações a serem feitas conforme tópico específico a ser estudado no
presente trabalho. A imunidade de jurisdição refere-se ao agente, ou seja,
quem pode ou não ser processado em tribunal estrangeiro
102
.
Assim, a imunidade soberana seria, por natureza, jurisdicional.
Em relação às imunidades, Guido Silva Soares as distingue em
imunidades dos locais, das pessoas e dos seus atos
103
.
98
Tradução livre do trecho: l´immunité de juridiction des Etats étrangers et de leurs
représentants diplomatiques, c´est-à-dire le fait qu´ils ne son pás soumis, dans une
certaine mesure, à la législation de l´Etat territorial (par exemple immunité
diplomatique de juridiction et immunité fiscale), n´implique aucune limitation de la
souveraineté territoriale. Dans ce cas, en effet, il ne s´agit pas d´une limitation du
domaine spatial, mais d´une limitation du domaine de validité personnel de l´ordre
juridique étatique”. In: GUGGENHEIM, Paul, apud, FRANCO FILHO, Georgenor de
Sousa. Imunidade de Jurisdição Trabalhista dos Entes de Direito Internacional. São
Paulo: Editora LTr, 1986, p. 17.
99
GUGGENHEIM, Paul, apud, FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa, op.cit., p. 17.
100
ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e. Manual de Direito
Internacional Público. 14ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 128.
101
MELLO, Celso D. Albuquerque. Direito Internacional público. 9ª. ed., Rio de Janeiro:
Renovar, 1992, p. 379.
102
DURÃES, Beatriz Schiffer. Imunidade de Jurisdição e a Doutrina do Ato de Estado.
Curitiba: Editora Gênesis, 2003, p. 20.
103
SOARES, Guido Silva. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista CEJ,
v. 19, p. 13, 2001.
41
No tocante ao local, orientava-se que um território de Embaixada era
extraterritorial, ou seja, os atos praticados seriam como se o fossem no
estrangeiro. Hoje, encontra-se superada. Por outro lado, os bens e os
imóveis têm regime especial. Quanto às pessoas, os diplomatas representam
o Estado e têm uma conotação diferente do cônsul. Como o diplomata tem
função de representação, tem mais privilégios que o cônsul. Desse modo, o
diplomata e o chefe da missão têm todas as imunidades penais, bem como
as imunidades civis e administrativas
104
.
Cabe dizer que os agentes diplomáticos gozam de imunidade à
jurisdição por via reflexa, como representantes do Estado. Por sua vez, o
Estado, goza de imunidade por direito próprio, fundado no Direito das
Gentes. A dos agentes diplomáticos advém de Tratados e Convenções
Internacionais, cujo objetivo é desempenhar bem a missão de representar
seu respectivo Estado
105
.
Várias teorias procuram explicar a garantia de imunidade de
jurisdição.
Como aduz Guido Silva Soares, em certos lugares, pessoas que
sempre estiveram acima da lei, no sentido de uma superioridade hierárquica
ou, talvez, de uma não-pertinência extralegal, por se tratar de lugares
sagrados, ou seja, a autoridade certas pessoas gozaram de imunidades por
serem representantes de um Rei ou renegociadoras da paz
106
.
Na Antigüidade clássica, os mensageiros eram enviados para negociar
em nome do soberano e eram protegidos pelo deus Hermes (Mercúrio). Na
Idade Média, desenvolveu-se o hábito de se enviar representantes para o
exterior a fim de cuidar dos interesses diretamente. Na formação dos
Estados, passa a ser a sacralidade da própria pessoa do Rei. Desse modo, o
Rei e seus subordinados eram pessoas sagradas, acima da lei civil, não
podendo ser submetidos à legislação local
107
.
104
SOARES, Guido Silva. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista CEJ,
v. 19, p. 13, 2001.
105
GIGLIO, Wagner. Direito Processual do Trabalho. 7ª. ed., São Paulo: LTr, 1993, p. 67.
106
SOARES, Guido Silva, op. cit., p. 11.
107
SOARES, Guido Silva, op. cit., p. 13.
42
Assim, ofendendo-se o representante, seria o mesmo que ofensa ao
Soberano. Entendia-se que seria abalada a soberania, caso um Estado fosse
submetido a julgamento de outro
108
.
Com o aumento das relações internacionais, surgiram as embaixadas
permanentes, na Itália, estendendo-se a todo o Ocidente
109
. As embaixadas
deixaram de ser mensageiros dos Reis, para serem agentes de Estado.
A teoria do holandês Hugo Grotius
110
, no começo do século XVII,
autor de De jure belli ac pacis”, considerava a Embaixada como território
do Estado que representava. O privilégio da extraterritorialidade consistia
em que certas pessoas, por ficção, eram consideradas como se estivessem
fora do território do Estado em que efetivamente se encontrassem.
Dessa forma, sob a influência do Direito Natural, Grócio considerava
divino o direito de legação, ou seja, direito de receber e de enviar
representantes diplomáticos. Estabelece em sua obra, ser santo, entre as
gentes, o direito de legação. Assim, dever-se-ia dar todas as garantias aos
agentes diplomáticos e demais membros para cumprirem sua missão
111
.
Em uma abordagem crítica, não se pode admitir, por ficção, que se
considere o enviado estrangeiro como fora do território no qual exerce suas
funções
112
.
Além disso, não se considera mais a extraterritorialidade às
embaixadas e legações, mas a imunidade de jurisdição, que é mais exata e
está presente em documentos internacionais
113
.
108
SOUSA, Mônica Teresa Costa. Imunidade de Jurisdição de Estado Estrangeiro:
Aspectos Doutrinários e a Jurisprudência Brasileira. Revista Seqüência do Curso de
Pós-Graduação em Direito da UFSC, p. 144, julho de 2000.
109
STRENGER, Irineu. Relações internacionais. São Paulo: LTr, 1998, p. 20.
110
Nas obras literárias, referência a Hugo Grócio ou Huig de Groot ou, ainda, Grotius.
Para Geraldo Eulálio do Nascimento e Hildebrando Accioly: “Hugo de Groot ou Grotius
ou Grócio, nascido em Delft, na Holanda, em que viveu entre 1583 e 1645, escreveu sua
obra prima De jure belli ac pacis, inspirada na Guerra dos Trinta Anos, a qual contribuiu
para o desenvolvimento do Direito Internacional”. In: ACCIOLY, Hildebrando; SILVA,
G. E. do Nascimento e. Manual de Direito Internacional Público. 14ª. ed., São Paulo:
Saraiva, 2000, p. 09.
111
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Imunidade de Jurisdição Trabalhista dos Entes
de Direito Internacional. São Paulo: Editora LTr, 1986, p. 27.
112
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa, op. cit., p. 29.
113
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa, op. cit., p. 29.
43
A teoria de Grócio confunde jurisdição com território. Como explica
Georgenor de Sousa Franco Filho,
114
“a ficção de extraterritorialidade deve
ser rejeitada por ser vaga, inútil e perigosa”
115
.
Essa teoria foi, portanto, superada
116
, adotando-se a do interesse da
função.
Em relação à teoria de Bártolo de Saxoferrato, em 1753, tratada na
obra Tractatus Repreasiliarum
117
, tem-se que um igual não exerce
jurisdição sobre outro igual. No Direito Internacional, a expressão é
conhecida, em latim, como par in parem non habet judicium
118
, ou par in
parem non habet imperium
119
ou seja, “não se pode ter jurisdição sobre o
par, sendo necessário ir sempre acima”.
Desse modo, a idéia de imunidade de jurisdição é atribuída a Bártolo
Saxoferrato, cujo fundamento está nos princípios de soberania,
independência recíproca, igualdade jurídica e dignidade dos Estados
120
.
Nas palavras de Guido Silva Soares, jurisdição sempre a idéia de
hierarquia, sendo que ninguém tem jurisdição sobre o Rei, isto é, este se
situa acima da lei e, logicamente, é imune. Nessa linha, surgem algumas
citações de uma doutrina de imunidade absoluta, que ainda persiste em
alguns países, cuja expressão é: the king / the queen can do no wrong (o rei
114
BONFILS, apud, FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Imunidade de Jurisdição
Trabalhista dos Entes de Direito Internacional. São Paulo: Editora LTr, 1986, p. 30.
115
Nas palavras de Bonfils, a teoria da extraterritorialidade é: “inutile, vague et fausse, par
suite dangereuse, la fiction d´exterritorialité doit être repousée ici, comme elle a été
rejetée ailleurs” In: BONFILS, apud, FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa, op. cit.,
p. 30.
116
STRENGER, Irineu. Relações internacionais. São Paulo: LTr, 1998, p. 20.
117
TORRES, Eneas. Recepção de Normas Internacional e o Caso da Imunidade de
Jurisdição. Revista Direito, Estado e Sociedade, Rio de Janeiro, nº. 14, p. 113, jan/jul.
1999.
118
ROMITA, Arion Sayão. Entes de Direito público Externo. Aspectos da Competência.
Revista Síntese Trabalhista, Administrativa e Previdenciária, v. 13, p. 8, jul. 2001.
119
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. A Concepção Relativista das Imunidades de Jurisdição
e Execução do Estado estrangeiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, . 140,
ano 5, p. 113, out/dez. 98.
120
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira, op. cit., p. 113.
44
ou a rainha não pode cometer ilegalidade)
121
.
Essa máxima do Direito inglês, em que o Rei não pode ir contra a lei,
eis que a própria vontade dele é a lei, originou-se porque era ele quem
escolhia e nomeava os juízes, isto é, ele era um poder acima deles. Assim, o
Judiciário não podia julgar o Rei
122
.
Segundo Hans Kelsen, citado por Georgenor de Sousa Franco Filho
123
:
A jurisdição a que se refere o princípio, é a jurisdição exercitada pelos
tribunais do Estado. A nenhum Estado lhe é permitido exercer por
intermédio de seus próprios tribunais, jurisdição sobre outro Estado, a
menos que o outro Estado o consinta expressamente
124
”.
Atualmente, a imunidade é aceita, principalmente, para que se garanta
o exercício das funções em nome do Estado, por força da Convenção de
Viena, de 1961. O mencionado documento também trata das exceções.
Observe-se que a teoria, que fundamenta as Convenções sobre Relações
Diplomáticas e Consulares, foi formulada por Eméric de Vattel em 1758
125
,
reformulando-se a regra de imunidade absoluta, dando-lhe certa
racionalidade. Verifica-se, nos preâmbulos da Convenção de Viena, sobre
Relações Diplomáticas e Consulares, que se busca proteger a pessoa no
exercício da função. Tem-se uma evolução, uma vez que se deixa de
proteger a pessoa do soberano ou de seus enviados, mas se passa a valorar a
121
SOARES, Guido Silva. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista
CEJ, v. 19, p. 11, 2001.
122
SOARES, Guido Fernando Silva. Conferência proferida no Seminário. Internacional:
“O Tribunal Penal Internacional e a Constituição Brasileira”. Revista CEJ, nº. 11, pp.
56-64, mai/ago. 2000.
123
KELSEN, Hans, apud, FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Imunidade de
Jurisdição Trabalhista dos Entes de Direito Internacional. São Paulo: Editora LTr,
1986, p. 17.
124
Tradução livre do trecho: la jurisdicción a la que se refiere el principio, es la
jurisdicción ejercida por los tribunales del Estado. A ningún Estado le está permitido
ejercer por intermedio de sus propios tribunales, jurisdicción sobre otro Estado, a
menos que el otro Estado lo consienta expresamente”. In: KELSEN, Hans, apud,
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa, op. cit., p. 17.
125
ROMITA, Arion Sayão. Entes de Direito Público Externo. Aspectos da Competência.
Revista Síntese Trabalhista, Administrativa e Previdenciária, v. 13, p. 8, jul. 2001.
45
função pública que exerce em outro Estado. Parte-se, então, de uma idéia de
sacralidade para a de funcionalidade
126
.
A doutrina contemporânea não acolhe mais a tese de que o agente
diplomático representa a pessoa do soberano, como dispõe o Preâmbulo da
Convenção de Havana de 1928: os funcionários diplomáticos não
representam em nenhum caso a pessoa do chefe do Estado e sim seu
governo”
127
.
Ante o exposto, em síntese, Geraldo Eulálio do Nascimento refere-se
às teorias sobre relações e imunidades diplomáticas, ao se manifestar sobre
os comentários ao Projeto de 1958 elaborado pela Comissão Internacional
de Direito Internacional. Cita a teoria da “extraterritorialidade”, segundo a
qual o imóvel da Missão representa uma espécie de prolongamento do
território do Estado acreditante; a teoria do “caráter representativo”, que se
baseia nos privilégios e imunidades na idéia de que a Missão diplomática
personifica o Estado acreditante. Por fim, a terceira teoria, que se
fundamenta na “necessidade funcional” que justifica os privilégios e
imunidades como sendo necessários para permitir o exercício das funções
da Missão
128
.
126
SOARES, Guido Silva. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista CEJ,
v. 19, p. 12, 2001.
127
SILVA, Geraldo E. do Nascimento e. Estúdios de Derecho Internacional Inmunidad
de Jurisdicción Civil del Agente Diplomático. Revista de Ciência Política, Rio de
Janeiro, v. 23, nº. 2, p. 45, mai/ago. 1980.
128
Tradução livre do trecho: La Comisión de Derecho Internacional em sus comentarios
al proyecto de 1958 sobre relaciones e inmunidades diplomáticas llega a la misma
conclusión al resaltar que “entre las teorías que ejercieron influencia sobre los
privilegios e inmunidades diplomáticos, la Comisión mencionara la teoría de la
“exterritorialidad”, según la cual el inmueble de la Misión representa como una
especie de prolongación del territorio del Estado acreditante: y la teoría del “carácter
representativo”, que basa tales privilegios e inmunidades en la idea de que la Misión
diplomática personifica el Estado acreditante. Existe hoy em día una tercera teoría que
parece estar ganando terreno, o sea, la de la “necesidad funcional”, que justifica los
privilegios e inmunidades como siendo necesarios para permitir a la Misión el ejercicio
de sus funciones”. In: SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e, op. cit., p. 42.
46
O artigo 31 da Convenção de Viena
129
estipula que o agente
diplomático não gozará de imunidade de jurisdição civil e administrativa
caso se trate de:
a) uma ação real sobre imóvel privado situado no território do Estado
acreditado, salvo se o agente diplomático possuir por conta do Estado
acreditante para os fins da missão; b) uma ação sucessória na qual o agente
diplomático figure, a título privado e não em nome do Estado, como
executor testamentário, administrador, herdeiro ou legatário; c) uma ação
referente a qualquer profissão liberal ou atividade comercial exercida pelo
agente diplomático no Estado acreditado fora de suas funções oficiais.
Anote-se que a imunidade de jurisdição do agente diplomático, no
Estado receptor, não o exime da jurisdição do Estado acreditante
130
.
Nesse aspecto, conforme lição de Pontes de Miranda, a VI
Conferência Internacional de Havana, que levou à Convenção de Direito
Internacional Privado, assinada em 20 de fevereiro de 1928 e aprovada pelo
Congresso Nacional em 1929, estabelece, em seus artigos 333 (Código de
Direito Internacional Privado
131
) e 334, preceitos relativos à imunidade de
jurisdição. Salienta que o princípio da imunidade jurisdicional o é
consuetudinário, ou seja, oriundo somente da repetição e uniformidade dos
atos internacionais, mas que se originou das relações interestatais, que
revelaram conveniência e necessidade do princípio para a independência
dos Estados
132
.
As Convenções de Viena, de 1961 e 1963, respectivamente
promulgadas no Brasil pelos Decretos nº. 56.435/65 e nº. 61.078/67, não se
referem à imunidade de jurisdição em relação às pessoas jurídicas de direito
internacional, mas a imunidades pessoais.
129
BRASIL. Decreto nº. 56.435/1965. Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas
de 1961.
130
SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Estúdios de Derecho Internacional
Inmunidad de Jurisdicción Civil del Agente Diplomático. Revista de Ciência Política,
Rio de Janeiro, v. 23, nº. 2, p. 56, mai/ago. 1980.
131
“Os juízes e tribunais de cada Estado contratante serão incompetentes para conhecer dos
assuntos cíveis ou comerciais em que sejam parte demandada os demais Estados
contratantes ou seus chefes, se se trata de uma ação pessoal, salvo o caso de submissão
expressa ou de pedido de reconvenção”. In: SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e,
op. cit., p. 56.
132
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª. ed., Tomo II,
Rio de Janeiro: Forense, 1996, pp. 211-212.
47
Guido Silva Soares exemplifica que no caso de uma missão
diplomática do Brasil em Pequim o chefe da missão e os diplomatas, os
quais são altamente especializados, podendo ter uma secretária brasileira e
pessoal técnico-administrativo, como também os funcionários locais:
motorista, jardineiro e cozinheira. Explica que a gradação de pessoal é
muito importante em termos de relações trabalhistas, eis que a relação entre
funcionário estatal com o seu Estado não é um contrato, sendo a mesma
entre funcionários públicos, diplomatas e pessoal técnico-administrativo
133
.
Todavia, existe um contrato de trabalho no caso do pessoal local admitido.
Conseqüentemente, as imunidades variam, isto é, o Embaixador tem
todas as imunidades (civil, penal, administrativa e trabalhista), assim como
os Diplomatas. Por outro lado, os funcionários técnico-administrativos
brasileiros não têm imunidade penal; apenas as inerentes do exercício de
sua função ao praticar atos oficiais. Em se tratando de Cônsul, não há
imunidade penal. Nesse caso, as distinções das imunidades estão tratadas
nas duas Convenções de Viena sobre Relações Diplomáticas e
Consulares
134
.
Enuncia Arion Sayão Romita:
“A imunidade de jurisdição dos Estados estrangeiros, no Brasil, não resulta
de tratados nem de convenções. Também não está prevista pela
Constituição nem por qualquer lei interna. O Brasil respeita o princípio por
força da mencionada regra costumeira. O costume é fonte do direito e, no
campo das relações internacionais, tem grande importância”
135
.
Vale, ainda, diferenciar “imunidade” e “inviolabilidade”.
Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva, ao comentar o artigo 31, da
Convenção de Viena, sobre relações diplomáticas, esclarece que a primeira
é mais ampla:
133
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Imunidade de Jurisdição Trabalhista dos Entes
de Direito Internacional. São Paulo: Editora LTr. 1986, pp. 13-14.
134
SOARES, Guido Silva. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista CEJ,
v. 19, p. 13-14, 2001.
135
ROMITA, Arion Sayão. Entes de Direito público Externo. Aspectos da Competência.
Revista Síntese Trabalhista, Administrativa e Previdenciária, v. 13, p. 8, jul. 2001.
48
“A Convenção de Viena emprega a palavra imunidade no sentido mais
generalizado, ou seja, para designar situações em que intervém o poder
judiciário e nas quais vinga a regra da o sujeição do Agente diplomático
às leis e tribunais locais. Ao contrário, quando se fala em inviolabilidade,
tem-se em vista as autoridades administrativas do Estado acreditado”
136
.
A inviolabilidade dos bens da Missão é o Estado que as concede. Não
decorre do Chefe da Missão, porém é um atributo do Estado acreditante em
virtude dos locais usados pela missão
137
.
Na atualidade, conforme se analisará, a imunidade de jurisdição
absoluta dos Estados estrangeiros e organizações internacionais é vista de
forma restritiva. Salienta Athos Gusmão Carneiro que a moderna doutrina
do Direito Internacional não mais admite como absoluta a regra da
imunidade jurisdicional do Estado estrangeiro
138
.
Destarte, necessário estudar, antes, a respeito dos entes de Direito
Público externo.
136
SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. Convenção sobre relações diplomáticas. 3ª.
ed., Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 190.
137
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. O caráter Restritivo da Imunidade de Execução do
Estado Estrangeiro. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho Processo
do Trabalho, São Paulo, LTr, nº. 3, p. 117, 1995.
138
CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 9ª. ed., São Paulo: Ed. Saraiva,
1999, p. 56.
49
3
Entes de Direito Público Externo
3.1
Conceito
A Constituição preceitua no seu art. 114, I, a competência da Justiça
do Trabalho, referindo-se aos “entes de Direito Público externo”
139
.
O Direito Internacional Público é o responsável pelo estudo desses
entes.
Um sujeito de Direito Internacional, segundo Ian Brownlie, é uma
entidade com capacidade para possuir direitos e deveres internacionais e
para defender os seus direitos por meio de reclamações internacionais
140
.
Hildebrando Accioly e Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva
comentam o seguinte:
Durante uns trezentos anos, o DIP se ocupava exclusivamente dos Estados.
A primeira dúvida séria surgiu com a extinção dos Estados Pontifícios e
sua incorporação ao Reino da Itália em 1870 e com a constatação de que
os Estados continuavam a reconhecer o direito de legação do Papa, ou seja,
continuavam a manter os seus representantes junto a ele e a receber os seus
núncios. Em outras palavras, verificou-se que até então o Sumo Pontífice
reunia em si duas entidades: Chefe dos Estados Pontifícios e Chefe da
Igreja Católica. Em conseqüência, a prática internacional, endossada pela
doutrina, passou a lhe reconhecer a qualidade de sujeito do direito
internacional
141
.
Historicamente, a preocupação do Direito Internacional era apenas
voltada aos Estados. Por outro lado, hoje, não como se negar a
139
“Art. 114, I, da Constituição: Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I as
ações, oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e
da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios”.
140
BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997, p. 71.
141
ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e. Manual de Direito
Internacional Público. 14ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 64.
50
personalidade internacional das Nações Unidas e de outras organizações
internacionais como da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Desse modo, analisando-se a lide trabalhista, o presente estudo se
refere tanto aos Estados, como às Organizações Internacionais.
Para melhor entendimento, de forma esquemática e simples, pode-se
analisar o quadro sinótico sobre sujeitos internacionais, conforme o Anexo
1 do presente trabalho.
Hildebrando Accioly e Geraldo Eulálio da Silva apresentam a seguinte
definição:
“Sujeito do DIP é toda entidade jurídica que goza de direitos e deveres
internacionais e que possua a capacidade de exercê-los. Esta noção foi
definida com clareza pela CIJ em seu parecer consultivo, de 11 de março
de 1949, no tocante às reparações por danos sofridos a serviço das Nações
Unidas”
142
.
3.2
Características
O ente de Direito Internacional Público tem capacidade de celebração
de Tratados e de direito de legação. Este é o conceito apresentado por
Hildebrando Accioly e Geraldo Eulálio da Silva sobre o que se entende por
tratado:
Por tratado entende-se o ato jurídico por meio do qual se manifesta o
acordo de vontades entre duas ou mais pessoas internacionais. As
Convenções de Viena de 1969 e de 1986 tiveram o grande mérito de
estabelecer que o direito de firmar tratados deixou de ser atributo exclusivo
dos Estados e pode ser exercido também pelas demais pessoas
internacionais, sendo que em 1986 ficou ainda esclarecido que tal direito
pode ser exercido por sujeitos do direito internacional que não os Estados e
organizações intergovernamentais, havendo o direito da Cruz Vermelha
142
ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e. Manual de Direito
Internacional Público. 14ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 64.
51
Internacional neste particular sido lembrado em mais de uma
oportunidade
143
.
O direito de legação tem como fundamento a manutenção de boas
relações entre os Estados, recebendo e enviando representantes
diplomáticos.
Quanto ao Direito de Guerra, este se mostra como condenável ato de
violência, sendo inclusive a palavra “guerra” utilizada uma vez na Carta
das Nações Unidas. Nesta, previsão de duas situações: a agressão e as
contramedidas. A primeira é ilegal e as segundas são legais
144
.
O preâmbulo da Carta das Nações Unidas declara: “preservar as
gerações futuras do flagelo da guerra, que, por duas vezes, no espaço de
nossas vidas, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade”
145
.
De acordo com a Convenção Interamericana sobre os Direitos e
Deveres dos Estados, os elementos constitutivos do Estado são quatro
146
:
a) população permanente;
b) território determinado;
c) governo;
d) capacidade de entrar em relação com os demais Estados.
Os terceiro e quarto elementos se complementam.
Importante salientar que, às Nações Unidas, tem-se atribuído o status
de Estado
147
.
O Estado deve possuir território, um povo e ter um governo
basicamente. Não se deve confundir com o conceito de nação. O povo se
consiste naqueles que vivem no Estado permanentemente. Território é o
espaço delimitado onde se exerce a soberania; governo é a organização
estável política, podendo se relacionar com os demais Estados
148
.
143
ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e. Manual de Direito
Internacional Público. 14ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 23.
144
ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e, op. cit., p. 64.
145
ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e, op. cit., p. 433.
146
HUSEK, Carlos Roberto. Elementos de Direito Internacional Público. São Paulo:
Malheiros, 1995, pp. 33-34.
147
HUSEK, Carlos Roberto, op. cit., pp. 33-34.
148
HUSEK, Carlos Roberto, op. cit., pp. 33-34.
52
Para Gerson de Britto Mello Boson, território é uma fração delimitada
do planeta em que o Estado se mantém com os seus demais elementos, a sua
população e os seus órgãos competentes
149
.
Segundo o Autor mencionado, a população do Estado não é apenas a
nação, mas todo o povo que viva no território. Salienta que o conceito
“povo” é flexível, sendo qualquer porção de gente qualificável, enquanto
que o de nação tem as características de permanência e continuidade
150
.
A Convenção de Montevidéu sobre os Direitos e Deveres dos Estados,
assinada em 26 de dezembro de 1933, refere-se a uma “população perma-
nente”, cujo critério deve ser associado ao do território. Trata-se de um cri-
tério importante, eis que sem uma base física como suporte para uma
comunidade estável e organizada, torna-se difícil a existência do Estado.
Quanto ao território, Ian Brownlie entende que a comunidade política deve
controlar determinada área, mas não se exige a existência de fronteiras
totalmente definidas. Em relação ao governo, às vezes, sua existência é
desnecessária ou insuficiente para fundamentar a qualidade de Estado
151
.
Os Estados podem ser simples (um Poder único e centralizado), ou
compostos por coordenação (associação de Estados Soberanos preservando
sua autonomia) ou por subordinação
152
.
Por outro lado, em relação às organizações internacionais, estas
representam, no dizer de El-Irian:
“Uma associação de Estados (ou de outras entidades possuindo personalidade
internacional), estabelecida por meio de um tratado, possuindo uma constituição e
órgãos comuns e tendo uma personalidade legal distinta da dos Estados-
membros”
153
.
149
BOSON, Gerson de Britto Mello. Direito Internacional Público. O Estado em Direito
das Gentes. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1994, p. 221.
150
BOSON, Gerson de Britto Mello, op. cit, p. 222.
151
BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997, pp. 84-85.
152
HUSEK, Carlos Roberto. Elementos de Direito Internacional Público. São Paulo:
Malheiros, 1995, pp. 33-34.
153
EL-IRIAN, apud, ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, Guido E. do Nascimento e.
Manual de Direito Internacional Público. 14ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 191.
53
3.3
Organizações Internacionais
Como entes de Direito Público externo, as organizações internacionais
surgiram no século XX como uma nova forma de diplomacia, denominada
“diplomacia multilateral” ou “diplomacia parlamentar”, nas palavras de
Guido Silva Soares
154
.
“Diplomacia parlamentar” é uma das expressões usadas para mostrar
o controle parlamentar da ação diplomática do Estado, e esclarece que, nos
séculos anteriores, o que era considerado secreto, tais como os Tratados
Internacionais, as Guerras; os Tratados de Paz são, hoje, de controle do
Poder Legislativo
155
.
As organizações possuem personalidade internacional independente-
mente dos Estados que as compõem. São objeto de estudo do Direito
Internacional atual, surgindo das relações internacionais e da cooperação
existente entre Estados. Tem-se notado um aumento no número dessas
organizações.
A Constituição de 1967, em seu art. 7º., foi o primeiro texto
constitucional a mencionar organismos internacionais em sua redação. A
Emenda nº. 1/1969, em seu art. 8º., não procedeu alterações, visto que
estabelecia competência da União para participar das organizações
internacionais
156
.
Manuel Diez de Velasco
157
define as organizações internacionais
como:
154
SOARES, Guido Silva. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Brasília,
Revista CEJ, v. 19, p. 14, 2001.
155
SOARES, Guido Fernando Silva. Imunidade de Jurisdição e Foro por Prerrogativa de
Função. Brasília, Revista CEJ, nº. 11, p. 57, mai/ago. 2000.
156
SOARES, Guido Fernando Silva. Das Imunidades de Jurisdição e de Execução. Rio de
Janeiro: Forense, 1984, p. 193.
157
DIEZ DE VELASCO VALLEJO, Manuel. Las Organizaciones Internacionales. 10ª.
ed., Madrid: Tecnos, 1997, p. 41.
54
“Associações voluntárias de Estados estabelecidas por acordo
internacional, dotadas de órgãos permanentes, próprios e independentes,
encarregados de administrar uns interesses coletivos e capazes de
expressar uma vontade jurídica distinta de seus membros”
158
.
Guido Silva Soares as conceitua como pessoas jurídicas instituídas
pelos Estados por meio de um Tratado internacional, distinto das ONG´s,
que têm os seus problemas, mas não são, positivamente, uma organização
intergovernamental, sendo sua regulamentação de natureza formal e o de
uso e costume
159
.
Segundo Carlos Roberto Husek, dois elementos comuns em todas
as organizações: “organização”, que seria a “permanência”, ou seja, uma
sede, estrutura sica e vontade própria, isto é, personalidade jurídica para
atuar e cumprir sua finalidade, e o elemento “internacional”, eis que cuida
por Tratado para ser sujeito de Direito Internacional Público
160
.
O mesmo autor as classifica, quanto ao objeto, em fins gerais, como a
Organização das Nações Unidas ONU –, e especiais, como a Organização
do Tratado Atlântico Norte – OTAN –; quanto à estrutura jurídica, em
intergovernamentais, como a Organização das Nações Unidas ONU –, e
supranacionais, que transferem poderes dos Estados para a Organização.
Finalmente, também as classifica, quanto ao âmbito territorial, de ação ou
de participação em organizações para-universais, como a Organização das
Nações Unidas ONU –, pois abarca todos os Estados da sociedade
internacional e organizações regionais, como a Organização dos Estados
Americanos OEA –, (critério geográfico) e Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômico – OCDE –, (critério ideológico)
161
.
Para Hildebrando Accioly e Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva:
158
Tradução livre do trecho:“unas asociaciones voluntarias de estados establecidas por
acuerdo internacional, dotadas de órganos permanentes, propios e independientes,
encargados de gestionar unos intereses colectivos y capaces de expresar una voluntad
jurídicamente distinta de la de sus miembros”. In: DIEZ DE VELASCO VALLEJO,
Manuel. Las Organizaciones Internacionales. 10ª. ed., Madrid: Tecnos, 1997, p. 41.
159
SOARES, Guido Silva. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista
CEJ, v. 19, p.14, 2001.
160
HUSEK, Carlos Roberto. Elementos de Direito Internacional Público. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 98.
161
HUSEK, Carlos Roberto, op. cit., p. 98.
55
“As organizações intergovernamentais podem ser globais ou regionais,
sendo que, quer umas, quer as outras, podem ter um objetivo generalizado
ou específico. O exemplo por excelência de organização generalizada são
as Nações Unidas e, com anterioridade, a LdN. Como exemplo de
organização regional generalizada temos a OEA”
162
.
Variam as organizações globais e regionais especializadas, que
podem ser classificadas conforme o seu objetivo seja preferencialmente
econômico, cultural, social, judiciário, de comunicação, administrativo, de
proteção ao meio ambiente ou tecnológico.
A classificação é relativa, visto todas terem finalidades
administrativas, e a maioria se ocupar da cooperação técnica e financeira.
Quanto aos critérios para aferir a personalidade jurídica das
organizações internacionais, segundo Ian Brownlie se destacam: a) uma
associação permanente de Estados que prossegue fins lícitos dotada de
órgãos próprios; b) uma distinção, em termos de poderes e fins jurídicos,
entre a organização e os seus Estados-membros; c) existência de poderes
jurídicos que possam ser exercidos no plano internacional
163
.
Como dito, as organizações internacionais podem celebrar tratados,
prerrogativa que antes só cabia a Estados.
Todavia, Ian Brownlie ressalva que a existência de personalidade
jurídica não confirma, por si própria, o poder de concluir Tratados. Desse
modo, que se analisarem os termos do instrumento constituinte da
organização, que não confere, geralmente, a faculdade geral de concluí-los.
Entretanto, essa prerrogativa, segundo o autor mencionado, pode ser
estabelecida pela interpretação do instrumento como um todo e pelo recurso
à doutrina dos poderes implícitos
164
.
162
ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento e. Manual de Direito
Internacional Público. 14ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 192.
163
BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997, pp. 709-710.
164
BROWNLIE, Ian, op. cit., p. 712.
56
Em 21 de março de 1986, foi celebrada a Convenção sobre o Direito
dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre
Organizações Internacionais que regulam tratados firmados
165
.
A Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969, define
Tratado como acordo escrito celebrado entre dois Estados e regido pelo
Direito Internacional.
Arnaldo Süssekind esclarece que houve uma tendência, após a
Primeira Guerra Mundial, de denominar por Convenção o ato aprovado por
organismos internacionais; visando a sua incorporação ao Direito Interno
dos Estados-membros. Todavia, não se exclui esse instrumento do conceito
amplo de Tratado
166
.
Ressalta-se que o enfoque do presente estudo é o problema jurídico
resultante do envolvimento das organizações internacionais como parte
autora ou ré nas lides trabalhistas.
Em relação às organizações internacionais, na doutrina de Georgenor
de Sousa Franco Filho:
Tecnicamente, esses entes são associações de Estados, constituídos através
de tratados, dotados de personalidade jurídica própria, distinta da de seus
membros, que se unem com objetivos comuns e definidos. Nessa condição,
as organizações interestatais, e, por igual, as supranacionais, passam a
gozar de determinados tratamentos preferenciais nos diversos Estados nos
quais ou têm sede ou possuem suas agências
167
.
Ian Brownlie observa que para funcionarem, efetivamente, as
organizações internacionais exigem um mínimo de liberdade e de segurança
165
Tradução livre do trecho: “Convenio sobre el Derecho de los tratados entre Estados y
Organizaciones internacionales o entre Organizaciones internacionales que regulan
tratados firmados”. In: DIEZ DE VELASCO VALLEJO, Manuel. Las Organizaciones
Internacionales. 10ª. ed., Madrid: Tecnos, 1997, p. 41.
166
SÜSSEKIND, Arnaldo. As Normas Internacionais em face da Constituição. In:
ROMITA, Arion Sayon. Curso de Direito Constitucional do Trabalho. Estudos em
homenagem ao Professor Amauri Mascaro do Nascimento. São Paulo: LTr, v. II, pp.
303-304, 1991.
167
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Imunidade de Jurisdição Trabalhista dos Entes
de Direito Internacional. São Paulo: Editora LTr, 1986, p. 65.
57
jurídica para seus bens, sedes e outros estabelecimentos, bem como para seu
pessoal e representantes. Nas palavras do autor:
Por analogia com os privilégios e imunidades concedidos aos diplomatas,
os privilégios e imunidades necessários a respeito da jurisdição territorial
dos Estados anfitriões são reconhecidos pelo Direito consuetudinário.
Contudo, não existe ainda qualquer acordo geral sobre o conteúdo exato do
Direito consuetudinário relativo às imunidades das organizações
internacionais. O princípio nimo parece ser o de que os funcionários
das organizações
internacionais não estão sujeitos a processos jurídicos
que digam respeito a todos os atos praticados na sua capacidade oficial
168
.
Na lição de Guido Fernando Silva Soares, as regras sobre as
imunidades dos organismos internacionais estão baseadas em textos escritos
e no costume internacional que se tem construído por meio desses
documentos. Os textos são Resoluções e Tratados bilaterais entre os
organismos internacionais e os Estados, bem como multilaterais, que
constituem esses organismos. Como costume, entende-se a prática uniforme
das legislações internas dos Estados e nos Tratados bilaterais, os quais
disciplinam as imunidades das organizações internacionais
169
. As
imunidades de jurisdição são elementos de extrema importância para as
organizações internacionais, eis que se enfatiza a realização de seus
propósitos. Assim, hoje, essas imunidades traduzem um costume
internacional
170
.
No entanto, não que se falar em soberania nesse caso. A imunidade
de jurisdição conferida às organizações internacionais é para fins de
consecução de seus objetivos. Caso esse ente internacional estivesse sob
tutela jurisdicional do Estado onde tem sede ou agência, estar-se-ia violando
sua atividade bem como, indiretamente, a de cada integrante que, em regra,
são Estados soberanos
171
.
168
BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997, p. 713.
169
SOARES, Guido Fernando Silva. Das Imunidades de Jurisdição e de Execução. Rio de
Janeiro: Forense, 1984, pp. 164-165.
170
SOARES, Guido Fernando Silva, op. cit., p. 166.
171
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Imunidade de Jurisdição Trabalhista dos Entes
de Direito Internacional. São Paulo: Editora LTr, 1986, p. 67.
58
Uma organização internacional, embora juridicamente independente,
não é soberana. Essas dispõem de competências estritamente definidas
relativas à sua missão. Portanto, deve-se admitir que as regras definidas
pelo Direito Internacional para reger as imunidades estatais não podem ser
transferidas, facilmente, às imunidades das organizações internacionais.
Observa Maria de Assis Calsing que, geralmente, tais instituições são
regidas por regras próprias, pois, que, ao se estabelecerem em um país,
assinam um Tratado com o Estado que as recebe, o que se denomina de
Tratado de Sede, em que são fixadas as normas, as quais se comprometem a
cumprir
172
.
Desse modo, nota-se que não como equiparar as organizações ou
organismos internacionais ao Estado estrangeiro
173
, visto que ao se fixarem
em determinado país, estes negociam e pactuam regras próprias, às quais se
obrigam a respeitar. Salienta-se, que no Brasil, segundo dispõe a
Constituição, existe a chancela do Congresso Nacional
174
.
De acordo com a decisão da Corte de Cassação Francesa, de 28.10.03,
as organizações internacionais estão submetidas a um regime de imunidade
jurisdicional específico, e suas imunidades não são regidas, como as dos
Estados, pelo Direito Internacional geral, mas por Acordos
Internacionais
175
.
Esses Tratados estipulam, normalmente, imunidade de jurisdição tanto
para a fase de conhecimento como a de execução.
172
CALSING, Maria de Assis. Imunidade de Jurisdição de Estado Estrangeiro em Matéria
Trabalhista. Revista Síntese Trabalhista, Administrativa e Previdenciária. Porto Alegre,
v. 12, nº. 137, p. 10, 2000.
173
CALSING, Maria de Assis, op. cit., p. 10.
174
“Art. 49, da Constituição: É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I
resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem
encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.
175
Decisão publicada na Revue de Critique de Droit Privé. Paris Édition Dalloz, nº. 4,
2004, p. 773. “Cour de cassation (1
re
. Ch. Civ.). 28 octobre 2003. Immunités
ORGANISATION INTERNATIONALE. – IMMUNITÉ D´EXÉCUTION – IMMUNITÉ
DE JURIDICTION ACCORD DE SIÉGE. IMMUNITÉ ABSOLUE SAISIE-
ATTRIBUTION INEFFICACITÉ. Il résulte des articles 3 et 4 de l´accord de siege
conclu le 13 janvier 1988 entre la France et l´Union latine que l´immunité de
jurisdiction et d´exécution dont jouit l´Union latine, hormis les cas énoncés
restrictivement par l´article 3, est absolue et n´est pas subordonnée au respect des
dispositions de l´article 17 de cet accord sur le règlement des différends”.
59
Como bem trata Rubens Curado Silveira, não existe uniformidade das
normas internacionais sobre imunidade dos organismos. casos previstos
em convenção multilateral, enquanto outros, estão em Acordos Sede,
firmados diretamente com as organizações. Destaca ser o Acordo Sede
bilateral: um Estado autoriza a instalação no seu território de sede ou
representação de um organismo internacional
176
.
O Brasil, ao incorporar em seu ordenamento positivo, determinados
Tratados, Privilégios e Imunidades a organismos internacionais, equiparou-
os, várias vezes, a funcionários diplomáticos. Citam-se os casos da OEA
(Acordo sobre Privilégios e Imunidades da OEA, adotado em Washington, a
15.5.1949; assinado pelo Brasil, a 22.9.1949; ratificado a 30.03.1965, e
promulgado pelo Decreto nº. 57.942, de 10.03.1966 CAI-MRE nº. 590, de
1970) e ONU (Convenção sobre Privilégios e Imunidades da ONU, adotada
em Londres, a 13.2.1946; ratificada pelo Brasil a 11.11.1949; promulgada
pelo Decreto nº. 27.784, de 16.2.1950 – CAI-MRE nº. 276, de 1966)
177
.
Consoante Guido Silva Soares:
“Toda a regulamentação das imunidades e organizações intergo-
vernamentais está em tratados internacionais. Em geral, um tratado-
fundação ou estatuto. O tratado-fundação cria a organização e diz quais
são os funcionários e os órgãos coletivos, em geral compostos por
delegados de Estado que têm as imunidades”
178
.
Em uma organização internacional existe a própria organização que
necessita de uma sede, de seus imóveis e de funcionários. Dentre estes,
dois tipos: o funcionário, ou seja, o secretário-geral, eleito pelos Estados, e
os órgãos colegiados compostos por delegados de Estado. Diante disso,
tem-se um enclave, dentro de um território de Estado, de algo que se chama
“organização internacional” e, dentro dela, os representantes de Estado
176
SILVEIRA, Rubens Curado. A Imunidade Jurisdicional dos Organismos Internacionais
no Estado Democrático de Direito os novos reis não erram? Revista Trabalhista
Direito e Processo, Rio de Janeiro, Forense, v. XV, pp. 156-157, jul/set. 2005.
177
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Imunidade de Jurisdição Trabalhista dos Entes
de Direito Internacional. São Paulo: Editora LTr, 1986, p. 67.
178
SOARES, Guido Silva. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista CEJ,
v. 19, pp. 14-15, 2001.
60
compondo os órgãos colegiados. Podem, assim, surgir problemas de
“imunidade de jurisdição”
179
.
No que diz respeito à OEA, Sebastião Machado Filho cita os arts. 2º. e
3º. do Decreto nº. 57.942/66, que prescrevem:
A Organização e seus órgãos, assim como os seus bem e haveres, em
qualquer parte e em poder de qualquer pessoa, gozarão de imunidade
contra todo processo judicial, com exceção dos casos particulares em que
se renuncie expressamente a essa imunidade, subentendendo-se que “essa
renúncia de imunidade não terá o efeito de sujeitar os citados bens e
haveres a nenhuma medida de execução”, e, ainda, que “as sedes da
organização e de seus órgãos serão invioláveis”. Seus haveres e bens, em
qualquer parte e em poder de qualquer pessoa, gozarão de imunidade
contra buscas a domicílio, requisição, confisco, expropriação e contra
qualquer outra forma de intervenção, seja de caráter executivo,
administrativo, judicial ou legislativo
180
.
Assim, deve-se juntar, aos autos, o Tratado Sede da organização em
questão para que se possa examinar tal situação, precedendo às demais.
Concernente à matéria, cita-se a recente decisão da 4ª. Turma do
Tribunal Superior do Trabalho nos autos de Recurso de Revista nº.
900/2004-019-10-009, publicada em 01.12.2006, na qual se reconheceu
imunidade de jurisdição relativa a organismo internacional na fase de
conhecimento.
Nesta decisão, deu-se provimento ao recurso de revista para deixar de
aplicar a imunidade de jurisdição absoluta da Organização das Nações
Unidas – Programa para o Desenvolvimento (ONU/PNUD).
O Tribunal Regional do Trabalho havia mantido a decisão de extinção
do processo sem apreciação do mérito, entendendo ser caso de imunidade
absoluta, quando se trata de organizações internacionais.
O Tribunal Superior do Trabalho afastou esse entendimento, bem
como determinou a baixa dos autos à Vara do Trabalho de origem para que
se prosseguisse o julgamento do feito.
179
SOARES, Guido Silva. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista CEJ,
v. 19, pp. 14-15, 2001.
180
MACHADO FILHO, Sebastião. OEA e Imunidade de Jurisdição. Revista Jurídica
Trimestral. Trabalho & Doutrina, São Paulo, Editora Saraiva, nº. 8, p. 7, mar. 96.
61
Assim, consoante orientação do Supremo Tribunal Federal, o Tribunal
Superior do Trabalho adotou a teoria da imunidade relativa
181
.
Segundo Vicente José Malheiros da Fonseca, não se deve reconhecer
imunidade de jurisdição aos organismos internacionais, por constituírem
reunião ou blocos de Estados estrangeiros. Menciona que, se os Estados,
individualmente considerados, não gozam desses privilégios, as
organizações internacionais, verdadeiros conglomerados de nações diversas,
também não podem gozar de imunidade de jurisdição
182
.
Contudo, é necessário considerar que não se discute a matéria de
imunidade de jurisdição para todas as organizações internacionais, pois os
organismos internacionais, cuja personalidade jurídica não é reconhecida
pelo Brasil, não se beneficiam de imunidade de jurisdição. Como exemplo,
181
Vide o julgado: ORGANISMO INTERNACIONAL - ORGANIZAÇÃO DAS
NAÇÕES UNIDAS PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O
DESENVOLVIMENTO (ONU/PNUD) IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO
RELATIVA. 1. É pacífica a jurisprudência desta Corte, em seguimento à orientação do
STF, no sentido de que os Estados estrangeiros e os Organismos Internacionais,
indistintamente, não gozam de imunidade de jurisdição na fase de conhecimento. Sinale-
se que até mesmo na fase de execução a jurisprudência do TST e do STF tem abrandado
o princípio da imunidade absoluta, no sentido de que a imunidade de jurisdição dos
entes de direito público externo, quando se tratar de litígios trabalhistas, revestir-se-á de
caráter meramente relativo e, em conseqüência, não impedirá que os juízes e Tribunais
brasileiros conheçam de tais controvérsias e sobre elas exerçam o poder jurisdicional
que lhes é inerente. 2. Na hipótese vertente, o Regional manteve a sentença que
extinguiu o processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, IV, do CPC, por
entender que a Reclamada, na qualidade de Organismo Internacional, não se equipara
aos Estados estrangeiros e, ao contrário destes, goza de imunidade absoluta de
jurisdição, por força das normas que integram o ordenamento jurídico pátrio,
consubstanciadas pela Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas,
firmada pelo Brasil, e cuja observância foi determinada pelo Decreto nº. 27.784/50, bem
como pelo Decreto nº. 52.288/63. 3. Desse modo, em face dos precedentes do TST e do
STF, que conferem indistintamente aos Estados estrangeiros e aos Organismos
Internacionais a imunidade de jurisdição relativa (e não absoluta), dá-se provimento ao
recurso de revista para afastar a imunidade de jurisdição reconhecida, determinando o
retorno dos autos à Vara do Trabalho de origem, para que prossiga no julgamento do
feito, que se encontra na fase de conhecimento, como entender de direito. Recurso de
revista parcialmente conhecido e provido. TST-RR-900/2004-019-10-00.9, em que é
Recorrente LUCIANA LIMA CRUZ e Recorrida ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS–PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO
(ONU/PNUD).
182
FONSECA, Vicente José Malheiros da. A Imunidade de Jurisdição e as Ações
Trabalhistas. Revista do TRT da 8ª. Região, Belém, Graphitte-Gráfica & Editora, v. 36,
nº. 70, p. 53, jan/jun. 2003.
62
pode-se citar a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e
a OLP (Organização para a Libertação da Palestina)
183
.
Quanto às ONG´s, denominação dada às organizações o
governamentais, que não dependem de Estado, ainda carece estudo sobre o
regime jurídico adotado, a personalidade jurídica e a influência destas na
comunidade internacional, não sendo tais entidades objetos do presente
estudo.
183
GIGLIO, Wagner D. Direito Processual do Trabalho. 7ª. ed., São Paulo: LTr, 1993, p.
69.
63
4
Histórico sobre Imunidade de Jurisdição
4.1
Relato Sintético
Primeiramente, surge a imunidade absoluta de jurisdição para
garantir a independência e a segurança aos monarcas e representantes di-
plomáticos. Os Reis seriam totalmente imunes à jurisdição comum.
Ultrapassado o Período Feudal, e com o surgimento dos Estados
modernos, as imunidades passaram à prática diplomática. Os enviados di-
plomáticos gozavam de imunidades ratione personae, ou seja, não
importava a natureza do ato que praticava. Em relação aos Estados, surgia a
imunidade de jurisdição da situação dos navios de guerra em águas
territoriais de outros Estados
184
.
Segundo a teoria clássica, um Estado estrangeiro não se submete à
jurisdição local de outro Estado, salvo se consentir, isto é, havendo renúncia
à imunidade de jurisdição.
Ambos sendo soberanos, um não poderia se sobrepor a outro, haja
vista a igualdade jurídica. Esse era o entendimento doutrinário e
jurisprudencial. No entanto, soberania equivale a certo grau de poder. A
soberania apresenta-se sob o aspecto interno, que é a autoridade suprema do
Estado sobre os indivíduos, associações públicas ou privadas no território, e
aspecto externo, sendo o Estado independente em relação aos demais
185
.
Isso decorre do direito de jurisdição do Estado sobre seu território e
povo, que é exclusivo, representando uma garantia.
Ademais, as boas relações entre os Estados devem ser mantidas, não
se interferindo na esfera alheia e na própria qualidade de Estado.
184
DURÃES, Beatriz Schiffer. Imunidade de Jurisdição e a Doutrina do Ato de Estado.
Curitiba: Editora Gênesis, 2003, p. 25.
185
DURÃES, Beatriz Schiffer, op. cit., p. 27.
64
Atribui-se, assim, imunidade ao Estado com base na sua soberania.
Por outro lado, em se tratando de uma organização internacional, basear-se-
ia na noção de independência da organização em relação aos Estados e
particularmente ao Estado da sede
186
.
Em se tratando de organizações internacionais, resolve-se, em tese,
por analogia
187
aos Estados, ou seja, teria que haver consentimento para
incidência da jurisdição.
A imunidade de jurisdição para organizações internacionais foi
reconhecida em 1921 pelo Governo suíço por meio de declaração unilateral;
no sentido de que a SDN (Sociedade das Nações) possuía personalidade e
capacidade jurídica, não podendo ser acionada pelo Governo suíço sem
haver consentimento expresso. Tal decisão se fundamentou nas regras do
Direito das Gentes
188
.
Em um primeiro momento, se houvesse demanda em que alguma
parte fosse um Estado Estrangeiro e este não renunciasse a sua imunidade, o
juiz de ofício deveria extinguir o processo sem julgamento do mérito.
Faltaria um dos pressupostos processuais para que o processo se
desenvolvesse regularmente.
Como notícia histórica, temos algumas decisões relatadas por Beatriz
Schiffer Durães
189
.
A primeira, diz respeito à Reclamatória Trabalhista aforada perante a
Segunda Vara da Justiça Federal do Distrito Federal em face da República
do Iraque. O cozinheiro, admitido pela Embaixada, em Brasília, foi
dispensado sem justa causa e postulava pagamento de verbas trabalhistas. A
República do Iraque não compareceu à audiência. O Juiz Federal decidiu
pela falta de renúncia à imunidade de jurisdição pela República do Iraque e,
conseqüentemente, pela extinção do processo sem julgamento do mérito.
186
STRENGER, Irineu. Relações Internacionais. São Paulo: LTr, 1998, p. 112.
187
Nas palavras de Ferrara, a analogia é a aplicação de um princípio jurídico que a lei
estabelece; para um certo fato, a um outro fato não regulado mas juridicamente
semelhante ao primeiro, ou seja, com a mesma essência jurídica. In: FRANÇA,
Limongi. Hermenêutica Jurídica, 7ª. ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 43.
188
STRENGER, Irineu, op.cit., p. 113.
189
DURÃES, Beatriz Schiffer. Imunidade de Jurisdição e a Doutrina do Ato de Estado.
Curitiba: Editora Gênesis, 2003, pp. 30-31.
65
Houve Recurso Ordinário ao Tribunal Federal de Recursos e,
posteriormente, os autos foram encaminhados ao Supremo Tribunal Federal.
O Reclamante sustentava inércia ao chamamento judicial, o que indicaria
aceitação da jurisdição brasileira. Nessa ocasião, Francisco Rezek proferiu
parecer:
Não se deve confundir o consentimento tácito com o presumido de
submeter-se à jurisdição brasileira. O consentimento não se presume e
somente uma vontade positiva e inequívoca pode obrigar. Deve-se
entender, portanto, como tácita, a manifestação quando a vontade deva ser
inferida de atos ou fatos que não comportem outra explicação. Assim, não
se pode ver na ausência de resposta por parte do Estado reclamado, no
caso sob exame, a aceitação tácita da jurisdição brasileira.
Consoante o voto do Ministro Rafael Mayer:
A Reclamada está sob o resguardo da imunidade jurisdicional, que não
somente advém do costume consagrado no direito das gentes, como de
atos internacionais devidamente formalizados. Aplicam-se no caso as
normas da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961,
onde está expressa a imunidade de jurisdição, tanto civil como
administrativa, o que necessariamente compreende as reclamações
trabalhistas. Para que se submetam os representantes diplomáticos do
Estado estrangeiro, ou o próprio Estado estrangeiro, à jurisdição nacional,
é necessário que haja, de parte dos mesmos a renúncia expressa à própria
imunidade. Dada a natureza do instituto, como significante no campo das
relações entre Estados soberanos, a renúncia à jurisdição não se de
presumir da circunstância de que a autoridade estrangeira não tenha
atendido à citação para defender-se. Pode a autoridade diplomática
estrangeira, uma vez citada, comparecer ao feito, simplesmente, para
excepcionar a jurisdição pela afirmação da sua condição de imune, sem
que tal diligência processual importe em abdicar da extraterritorialidade.
Entretanto, a posição correspondente à contumácia ou revelia não pode ter
o sentido de aceite à jurisdição, idéia que, admitida, implicaria, em
segundo momento lógico, nas graves sanções processuais ao demandado
revel. A prefalada Convenção de Viena ainda estabelece a exigência de
uma dupla renúncia, pois mesmo expressa a renúncia à jurisdição na ação,
ainda se quer uma segunda renúncia, no momento da execução, para que
esta se cumpra
190
.
190
DURÃES, Beatriz Schiffer. Imunidade de Jurisdição e a Doutrina do Ato de Estado.
Curitiba: Editora Gênesis, 2003, pp. 30-31.
66
O recurso de apelação foi conhecido, mas lhe foi negado provimento,
unanimemente, em 1º. de fevereiro de 1983
191
.
Como se observa, a demanda foi processada antes da Constituição de
1988 e, portanto, a competência para apreciar a matéria era da Justiça
Federal, conforme Súmula 83, do TFR
192
.
Os arts. 125, II e 119, II, “a”, da Constituição de 1969, enunciavam
que à Justiça Federal competia apreciar e julgar as questões envolvendo
Estado estrangeiro, enquanto o recurso ordinário era encaminhado à
apreciação do Supremo Tribunal Federal.
Observe-se que o art. 27, parágrafo 10, do ADCT, ressalvou a
competência residual da Justiça Federal e deu ao STJ competência para
julgar as ações rescisórias das decisões proferidas, até a data da
promulgação da Constituição de 1988
193
.
Além disso, a decisão traduz o entendimento da época, fundamentado
na imunidade absoluta de jurisdição. Dessa forma, o processo era extinto
sem julgamento de mérito
194
.
Outra demanda registrada por Beatriz Schiffer Durães
195
diz respeito à
Reclamatória Trabalhista impetrada à Embaixada da Espanha, entendendo-
se que o Estado estrangeiro goza de imunidade de jurisdição, não só em
decorrência dos costumes internacionais, mas também pela aplicação da
Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, de 1961. Aplicou-se, ao
caso, a imunidade absoluta, afastando-se a imunidade relativa à ação ou à
execução. Logo, conforme se entendeu, necessitaria de renúncia expressa
por parte do Estado estrangeiro. Segundo relata a autora, em seu voto, o
Ministro Moreira Alves fundamenta que
196
:
191
DURÃES, Beatriz Schiffer. Imunidade de Jurisdição e a Doutrina do Ato de Estado.
Curitiba: Editora Gênesis, 2003, pp. 30-31.
192
BRASIL. Tribunal Federal de Recursos. Súmula 83: “Compete à Justiça Federal
processar e julgar reclamação trabalhista contra representação diplomática de país
estrangeiro, inclusive para decidir sobre a preliminar de imunidade de jurisdição”.
193
MARTINS, Ana Luíza B. Saraiva. A Imunidade de Jurisdição dos Estados
Estrangeiros, São Paulo, Informativo Consulex, ano VI, nº. 47, p. 1381, semanal 1992.
194
Com a Reforma do Código de Processo Civil, tem-se, a extinção do processo sem
resolução de mérito, conforme dispõe o caput do art. 267 do CPC.
195
DURÃES, Beatriz Schiffer, op. cit., p. 32.
196
DURÃES, Beatriz Schiffer, op. cit., p. 32.
67
Tendo em vista ter transitado em julgado a sentença prolatada na ão de
conhecimento, a questão de imunidade de jurisdição tem de ater-se à
execução em sentido amplo (que abrange a liquidação da sentença). O
STF tem entendido que o próprio Estado estrangeiro goza de imunidade de
jurisdição, não em decorrência dos costumes internacionais, mas
também pela aplicação da Convenção de Viena sobre Relações
Diplomáticas de 1961, nos termos que dizem respeito à imunidade de
jurisdição atribuída a seus agentes diplomáticos. Por outro lado, esta
imunidade, que é inclusive mais rigorosa no tocante à execução, se
afasta se houver renúncia expressa a ela pelo Estado executado, pois,
segundo a mencionada Convenção, a própria renúncia à imunidade de
jurisdição no tocante à ação não implica renúncia à imunidade quanto às
medidas de execução da sentença, para as quais é necessária nova
renúncia.
A Apelação Cível não foi conhecida em virtude da imunidade de
jurisdição, por unanimidade de votos, em 9 de setembro de 1987
197
.
Em relação à Embaixada da República de Trinidad Tobago, uma vez
citada em decorrência de Reclamatória Trabalhista, a Embaixada também
não compareceu à audiência de conciliação e julgamento. Todavia, como
informa Beatriz Schiffer Durães
198
, o silêncio do representante diplomático
ou do próprio Estado estrangeiro, para vir compor a relação jurídico-
processual, não importou em renúncia à imunidade de jurisdição. A
apelação cível foi conhecida, mas improvida, por unanimidade de votos, em
28 de março de 1985. Reporta-se a autora:
Da mesma forma, por unanimidade de votos, em 30 de abril de 1986, em
reclamação trabalhista contra a Representação Diplomática da República
Cooperativa da Guiana, houve silêncio do demandado para vir compor a
relação jurídico-processual, não importando esta em renúncia à imunidade
de jurisdição, e, assim, foi julgado extinto o processo, sem julgamento de
mérito
199
.
Dessa maneira, analisaram-se casos, concernentes à imunidade
absoluta do Estado Estrangeiro.
197
DURÃES, Beatriz Schiffer. Imunidade de Jurisdição e a Doutrina do Ato de Estado.
Curitiba: Editora Gênesis, 2003, p. 32.
198
DURÃES, Beatriz Schiffer, op. cit., p. 33.
199
DURÃES, Beatriz Schiffer, op. cit., p. 33.
68
Tal entendimento, não obstante, restou superado, pois as atividades
comerciais aumentaram bastante e os entes de Direito Público externo
passaram a participar ativamente da vida econômica, e os negócios
ultrapassaram as fronteiras nacionais. Não se poderia mais sustentar, ser
desigual, a relação estabelecida entre as partes, capaz de sustentar
imunidade de jurisdição e privilégio de tratamento.
Desse modo, a partir de meados do século passado, especialmente, na
Bélgica, Itália e Egito, foi-se abrandando o princípio da imunidade absoluta
do Estado
200
.
Georgenor de Sousa Franco Filho explica que a Teoria da Imunidade
relativa surgiu, a partir de 1840, na Bélgica. Essa teoria também foi
acolhida na Itália, Egito, Alemanha, Áustria, Jordânia, EUA entre outros
países ocidentais, aclareando não haver imunidade para atos de gestão
201
.
Segundo Beatriz Schiffer Durães, citando Jean-Flavien Lalive, três são
os princípios fundamentais da imunidade de jurisdição:
202
a) princípio da
territorialidade, isto é, que em seu território o Estado exerce plena e
exclusivamente sua jurisdição; b) princípio da soberania, em que as
qualidades do réu, em ser Estado soberano limitam os poderes de jurisdição
de outro Estado; c) princípio da legalidade, eis que o Estado deve respeito à
regra jurídica. A partir disso, observa-se que o princípio da legalidade vem
a neutralizar os efeitos do princípio da territorialidade e da soberania, dando
origem à Teoria da Imunidade Relativa de Jurisdição
203
.
Além disso, Guido Fernando Silva Soares esclarece poderem as
possibilidades de restrição da imunidade serem agrupadas em três tipos
principais: interpretação extensiva da idéia de renúncia; noção de uma
200
SOARES, Guido Fernando Silva. Das Imunidades de Jurisdição e de Execução. Rio de
Janeiro: Forense, 1984, p. 116.
201
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Imunidade de Jurisdição Trabalhista dos Entes
de Direito Internacional. São Paulo: Editora LTr, 1986, p. 44.
202
LALIVE, Jean-Flavien, apud, DURÃES, Beatriz Schiffer. Imunidade de Jurisdição e a
Doutrina do Ato de Estado. Curitiba: Editora Gênesis, 2003, pp. 29-30.
203
DURÃES, Beatriz Schiffer, op. cit., p. 30.
69
entidade juridicamente distinta do Estado, sujeita ao direito comum;
distinção entre acta jure imperii e acta jure gestioni
204
.
Neste momento, releva notar a necessidade de análise das atividades
estatais, especialmente, no que se refere à distinção entre atos de império e
atos de gestão.
4.2
A Imunidade de Jurisdição sob a ótica das atividades dos Estados
Estrangeiros
Inicialmente, tem-se um Estado voltado a atividades blicas. Com o
desenvolvimento das relações comerciais e com a “globalização”, verifica-
se o seu envolvimento nas funções privadas
205
.
Em palestra proferida em Seminário Internacional, promovido pelo
Centro de Estudos do Conselho da Justiça Federal, Guido Fernando Silva
Soares ministrou que o Estado não é uma realidade fechada em seu
território, ou seja, sempre conviveu com outras unidades políticas. A essa
realidade se convencionou chamar de “globalizante”, cujo fenômeno é
vertical e horizontal, esclarecendo ser vertical porque houve uma ruptura
das fronteiras do Estado. Dessa forma, as normas se projetam dentro do
território e vice-versa
206
.
Ao se tratar dos atos de Estado, analisa-se o objeto, isto é, aquilo que
se poderia considerar como possível de abstenção judicial
207
.
Para aplicar o princípio da imunidade restritiva, é necessário examinar
os critérios para sua aplicação. O mais referido é a distinção entre atos jure
imperii (atos de autoridade soberana) e atos jure gestionis (atos de Direito
Privado). Outro método consiste em indagar o fim do ato, o que envolve
204
SOARES, Guido Fernando Silva. Das Imunidades de Jurisdição e de Execução. Rio de
Janeiro: Forense, 1984, p. 117.
205
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros,
1992, p. 148.
206
SOARES, Guido Fernando Silva. Imunidade de Jurisdição e Foro por Prerrogativa de
Função. Brasília, Revista CEJ, nº. 11, p. 55, mai/ago. 2000.
207
DURÃES, Beatriz Schiffer. Imunidade de Jurisdição e a Doutrina do Ato de Estado.
Curitiba: Editora Gênesis, 2003, p. 20.
70
uma distinção essencialmente política do que é aceitável ou não como fim
do Estado
208
.
Logo, ao caracterizar o ato por sua natureza jurídica, nega-se
imunidade às atividades que são empreendidas, também, por particulares.
Em relação à finalidade, indaga-se o objetivo do ato, aceitando-se a
imunidade para aqueles ligados a funções públicas
209
.
Importa distinguir, para fins de fixar ou não a jurisdição, atos de
império e atos de gestão, cuja origem está especialmente na França e na
Itália
210
.
A distinção surgiu após a Primeira Guerra Mundial, cuja consagração
foi com o Código de Bustamante, de 1928, disciplinando a imunidade de
jurisdição nos atos em que o Estado atua como poder público, e submissão
do Estado à jurisdição estrangeira quando agir como particular ou pessoas
privadas
211
.
Conforme lição de Maria Sylvia Zanella di Pietro, quanto às
prerrogativas com que atua a Administração, os atos podem ser de império e
de gestão. Essa classificação tem origem no Direito francês e foi
desenvolvida pelos autores italianos. Os atos de império seriam os
praticados pela Administração com todas as prerrogativas de autoridade e
impostos unilateralmente ao particular, sendo regidos por um direito
especial. Quanto aos atos de gestão, estes são praticados pela Administração
em igualdade com os particulares, aplicando-se a ambos o direito comum.
Historicamente, essa distinção visou a abrandar a Teoria da
Irresponsabilidade do Monarca por danos a terceiros, isto é, passou-se a
admitir responsabilidade civil para os atos de gestão e afastá-la para os atos
de império. Alguns autores, inclusive, passaram a distinguir a pessoa do
208
BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997, p. 353.
209
DOLINGER, Jacob. A Imunidade Jurisdicional dos Estados. Revista de Informação
Legislativa. Brasília, Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado Federal, nº. 76, ano
19, pp. 8 e 13, out/dez. 82.
210
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Imunidade de Jurisdição Trabalhista dos Entes
de Direito Internacional. São Paulo: Editora LTr, 1986, p. 31.
211
ROMITA, Arion Sayão. Entes de Direito Público Externo. Aspectos da Competência.
Revista Síntese Trabalhista, Administrativa e Previdenciária. Porto Alegre: Editora
Síntese, nº. 145, Ano XIII, pp. 11-14, jul. 2001.
71
Rei, que praticaria atos de império, da pessoa do Estado, que praticaria atos
de gestão por meio de seus prepostos
212
.
Destarte, os atos de império ou de autoridade são aqueles em que
uso de supremacia sobre o administrado, cujo caráter é de
obrigatoriedade
213
.
Podem-se citar as desapropriações, as interdições de atividade, as
ordens estatutárias. Tais atos revelam o poder coercitivo do Estado
214
.
Em relação aos atos de gestão, por sua vez, o supremacia, nem
coerção. São atos de administração e de negócios com particulares. Como
ressalta Hely Lopes Meirelles, tais atos são de administração, mas nem
sempre administrativos típicos
215
.
O mesmo autor ainda se refere aos atos administrativos de expediente
e que são praticados por agentes sem poder de decisão, além de se
destinarem a dar andamento aos processos e papéis que tramitam pelas
repartições públicas, preparando-os para a decisão de mérito, a ser proferida
pela autoridade competente
216
.
Ao classificar os atos administrativos quanto à posição jurídica da
Administração, Celso Antônio Bandeira de Mello menciona que, no
passado, costumava-se distingui-los em: a) atos de império: em que a
Administração os praticava com prerrogativas de autoridade, como no caso
de ordem de interdição de um estabelecimento; b) atos de gestão: praticados
sem uso de poderes comandantes, como venda de um bem. Esclarece que
essa distinção está em desuso desde o final do século passado, dada sua
imprecisão e por ter perdido sua função de excluir responsabilidade quanto
aos primeiros e admiti-la para os de gestão.
Segundo Guido Silva Soares:
212
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. 19ª. ed., São Paulo: Editora
Atlas S.A, 2006, pp. 229-230.
213
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros,
1992, p. 148.
214
MEIRELLES, Hely Lopes, op.cit., p. 148.
215
MEIRELLES, Hely Lopes, op.cit., p. 149.
216
MEIRELLES, Hely Lopes, op.cit., p. 148.
72
Na jurisprudência italiana, depois belga, foi-se desenvolvendo uma
doutrina de separação desses atos, caso estes fossem atos de império ou
atos de gestão acta juri imperi, acta juri gestiones ou negotie -, ou seja,
se fossem atos de império, seriam absolutamente imunes, porque o Estado
estaria no exercício de uma função pública. In parem non habet judiciun,
quer dizer, não posso trazer o Estado a essa função. Mas, se for um ato
natural que qualquer pessoa possa fazer, um ato de gestão de negócio,
então, esses atos seriam passíveis do conhecimento da jurisdição local
217
.
Tendo em vista os atos de império e de gestão, em relação aos
primeiros haveria fundamento para existir imunidade de jurisdição, eis que
presente a atividade típica de Estado.
para os atos de gestão, dever-se-ia relativizar, isto é, não se
aplicaria a imunidade absoluta. Seria uma imunidade temperada
218
. Essa é a
expressão usada por Francisco Rezek.
Assim estabelece Paul Guggenheim na Suíça, citado por Gerson de
Britto Boson
219
:
“Apesar da lógica desses argumentos, a doutrina de o imunidade do
Estado por seus atos de gestão é imposta cada vez mais na jurisprudência
internacional e nacional do fato da atividade econômica ser sempre mais
importante para o Estado Moderno”
220
.
A distinção entre os atos de império e de gestão está presente nas
decisões do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça e
Tribunal Superior do Trabalho.
Nota-se que a qualificação do ato é estabelecida pela lex fori, isto é,
lei do Estado do tribunal perante o qual foi proposta a demanda
221
.
217
SOARES, Guido Silva. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista
CEJ, v. 19, p. 16, 2001.
218
ROMITA, Arion Sayão. Entes de Direito público Externo. Aspectos da Competência.
Revista Síntese Trabalhista, Administrativa e Previdenciária, v. 13, p. 11, jul. 2001.
219
GUGGENHEIM, Paul, apud, Boson, Gerson de Britto. A Imunidade de Jurisdição do
Estado e as relações de trabalho. São Paulo: LTr, v. 35, p. 601, ago. 1971.
220
Tradução livre do trecho: "Malgré la logique de ces arguments, la doctrine de la non
immunité de l´État pour ses actes de gestion s’est imposée de plus en plus dans la
jurisprudence internationale et nationale du fait de l’áctivité économique toujours plus
important de l´État moderne". In : GUGGENHEIM, Paul, apud, Boson, Gerson de
Britto, op. cit., p. 601.
221
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. A Concepção Relativista das Imunidades de Jurisdição
e Execução do Estado Estrangeiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, nº. 140,
ano 35, p. 229, out/dez. 98.
73
Em se tratando de relações de trabalho, estas são classificadas como
atos de gestão
222
. Segundo Arion Sayão Romita, a distinção entre atos iuri
imperii e iure gestionis não é pacificamente aceita pela doutrina. Entretanto,
prevalece o entendimento de que os atos iure imperii são os decorrentes dos
governamental powers, que não abrangem a celebração de contrato de
trabalho. O vínculo é estabelecido com os entes de Direito Internacional
Público e não com a pessoa dos agentes diplomáticos ou consulares, todos
imunes à jurisdição
223
.
Podem-se observar ementas do Tribunal Regional Federal e Tribunal
Superior do Trabalho, em que há o desdobramento entre atos de império jus
imperii, verificando-se absoluta imunidade de jurisdição, e os atos de gestão
jus gestionis, em que se abranda o conceito. Na primeira, entende-se ser o
caso de imunidade absoluta, haja vista que os atos decorrem do poder de
império do Estado. Porém, as ementas, que seguem, referem-se à imunidade
relativa e, especialmente, voltadas a relações de trabalho. Vejamos:
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO ESTADO ESTRANGEIRO
INDENIZAÇÃO REGIME NAZISTA JUS IMPERII 1. O princípio
da imunidade relativa de jurisdição dos Estados estrangeiros comporta o
seguinte desdobramento: Os atos decorrentes do jus imperii estão
absolutamente imunes à jurisdição de outro país, enquanto aqueles
decorrentes do jus gestionis não se subtraem das decisões emanadas de
Tribunais estrangeiros. 2. Hipótese em que o ato de concessão de
pensionamento se enquadra naquelas previsões de imunidade absoluta de
jurisdição, pois o ato questionado decorre do exercício do poder de
império do Estado Alemão, consistente na indenização das vítimas do
regime nazista. 3. Apelação improvida
224
.
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO CONSULADO Não falar-se em
imunidade de jurisdição de entes públicos externos quando praticam atos
de gestão. O artigo cento e quatorze da Constituição Federal é taxativo, ao
222
Salienta-se, por outro lado, que são “atos de império” os praticados como agente político
de um Estado. Inclui-se, neste caso, o cônsul honorário. Neste sentido, tem-se a decisão
em Recurso Ordinário do TRT de São Paulo (Autos de Processo nº. 00825-2004-444-
02-00-2, em que foram partes: Cláudio Capurso e Consulado Geral da Itália), publicada
em 11.04.2006, cuja ementa segue: “AGENTE POLÍTICO. Cônsul Honorário nomeado
pelo Estado Italiano exerce “munus público”. Não detém atribuições de empregado na
forma do art. 3º., da CLT”.
223
ROMITA, Arion Sayão. Entes de Direito Público Externo. Aspectos da Competência.
Revista Síntese Trabalhista, Administrativa e Previdenciária. Porto Alegre: Editora
Síntese, nº. 145, Ano XIII, p. 14, jul. 2001.
224
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª. R. Imunidade de Jurisdição. Ac.
2001.04.01.044284-8. RS. 3ª. T. Relª. Desª. Fed. Maria de Fátima Freitas Labarrère.
DJU 16.01.2002, p. 652.
74
fixar a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar os feitos
em que entes públicos externos figurem como parte. Recurso a que se nega
provimento. Recurso de revista conhecido e não provido
225
.
IMUNIDADE RELATIVA As relações trabalhistas são atos de gestão
que se colocam ao largo dos atos decorrentes do jus imperii. Recurso de
revista não conhecido
226
.
ESTADO ESTRANGEIRO IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO Ainda
que se reconheça que o artigo cento e quatorze, caput, da Constituição da
República encerra, apenas, uma regra de competência quanto aos entes de
direito público externo, por não se poder admitir que o legislador
constituinte dispusesse sobre a imunidade de jurisdição, todavia, as
Convenções de Viena não asseguram essa imunidade, que se assentava nos
Direitos das Gentes, de observância uniforme no plano internacional.
Entretanto, a comunidade internacional, com a quebra do princípio por
alguns países, não mais observa essa diretriz, quando o ente de direito
público externo nivela-se ao particular, em atos de negócio ou de gestão. A
imunidade persiste, pois, em se tratando de atos de império. Recurso
conhecido a que se nega provimento
227
.
Contudo, a distinção de atos de império e de gestão se tornou difícil de
constatação, principalmente devido à participação do Estado no âmbito
privado. Ademais, também se considera a divergência quanto aos conceitos,
que gera conseqüentemente interpretações distintas
228
.
Ian Brownlie conclui que um número significativo de distintos críticos
discerniu que a distinção para aplicação do princípio da imunidade restritiva
é substancialmente imperfeita. Conforme se observam as decisões dos
tribunais nacionais, estas se apresentam contraditórias ao classificar os atos
como ocorre, por exemplo, para aquisição de equipamento militar e
atividades promocionais de gabinetes de turismo estatais
229
.
225
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Imunidade de Jurisdição. Ac. 182.987,
Decisão: 25.03.1998, Tipo: RR 182.987, Ano: 1995, Região: 04, UF: RS, Recurso de
Revista, Órgão julgador, Segunda Turma, Turma: 02, Relator Ministro Valdir Righetto.
226
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Imunidade Relativa. Ac. 12.577, Decisão:
03.12.1997, Tipo: RR 167.741, Ano: 1995, Região: 10, UF: DF, Recurso de Revista,
Órgão julgador, Primeira Turma, Relator Ministro Lourenço Prado.
227
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Estado Estrangeiro Imunidade de
Jurisdição. Ac. 3.089, Decisão: 28.06.1995, Tipo: RR 107.679, Ano: 1994, Região: 06,
UF: PE, Recurso de Revista, Órgão julgador, Primeira Turma, Relator Ministro
Indalécio Gomes Neto.
228
MANDALOZZO, Silvana Souza Netto. Imunidade de Jurisdição dos Entes de Direito
Público Externo na Justiça do Trabalho, São Paulo: LTr, 2001, p. 46.
229
BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997, p. 354.
75
Gerson de Britto Mello Boson traz como exemplo o caso de aquisição
de material para as Forças Armadas, em que os tribunais italianos recusaram
a imunidade, mas os franceses e americanos reconheceram-na
230
.
No tocante a essa contradição, esclarece Guido Fernando Silva Soares:
Em 1932, o Professor Jessup, de Harvard, listou os seguintes assuntos e
respectivas soluções nos tribunais enumerados, para demonstrar a referida
contradição: a) compra de material para as forças armadas: recusa de
imunidade pelos tribunais italianos (1922), concessão de imunidade pelos
tribunais franceses (1849-1871) e americanos (1918); b) exercício de
monopólio comercial pelo Estado: negativa na Bélgica (1880), Egito (1930
e 1948) e Romênia (1920); e concessão nos EUA (1923) e Grã-Bretanha
(1869); c) compra de mercadorias para revenda à população solução
negativa na Bélgica (1927) e em França (1924): solução positiva em
França (1919 e 1948); d) operação de estrada de ferro estatal: solução
negativa na Bélgica (1909), na Itália (1929); positiva nos EUA (1924 e
1925), em França (1912) e na Alemanha
231
.
Com efeito, Guido Silva Soares considera difícil a distinção dos atos
de império e de gestão, que não se pode entender ter um contrato duas
caras de gestão de negócio, ou que o Estado, uma vez seja gestionário e em
outra uma potência pública, como ato de império
232
.
Aduz Octavio Bueno Magano
233
:
“A distinção entre jus imperii e jus gestionis, em virtude da expansão da
atividade do Estado, perdeu a nitidez ostentada outrora, entendendo-se
hoje que o Direito Público, mesmo quando disciplina relações de direito
privado, o faz de forma derrogativa do direito comum”
234
.
Além disso, o que se reviver a teoria da dupla personalidade do
Estado, o que poderia afetar a sua autodeterminação e a sua soberania,
mesmo que relativa, dos Estados.
230
BOSON, Gerson de Britto Mello. Imunidade Juriscicional dos Estados. Revista de
Direito Público, v. 22, p. 14, out./dez. 1972.
231
SOARES, Guido Fernando Silva. Das Imunidades de Jurisdição e de Execução. Rio de
Janeiro: Forense, 1984, p. 118.
232
SOARES, Guido Silva. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista CEJ,
v. 19, p. 16, 2001.
233
MAGANO, Octavio Bueno. Competência da Justiça do Trabalho. Brasília, Anais do
Congresso Internacional sobre Justiça do Trabalho, Tribunal Superior do Trabalho, p.
90, 1981.
234
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Imunidade de Jurisdição Trabalhista dos Entes
de Direito Internacional. São Paulo: Editora LTr, 1986, p. 34.
76
Segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, surgiu grande oposição à
distinção entre atos de império e de gestão devido à impossibilidade de se
dividir a personalidade do Estado e pela própria dificuldade em distingui-
los. Assim, abandonou-se tal distinção
235
, substituída por atos
administrativos, regidos pelo Direito Público e atos de direito privado da
Administração
236
.
Nessa linha, Celso Antônio Bandeira de Mello elucida que, hoje, com
maior precisão, fala-se em atos de Direito Privado praticados pela
Administração e atos regidos pelo Poder Público, não se atribuindo as
conseqüências de exclusão de responsabilidade estatal como antes
237
.
Isto posto, no caso concreto, não se pode distinguir facilmente entre
atos soberanos e não-soberanos
238
.
Guido Fernando Silva Soares, em relação à imunidade, conclui, da
mesma forma que Lalive, que se abandonou a teoria da imunidade absoluta,
quando se realizam atos de gestão privada. Em relação aos atos imunes, o
Instituto de Direito Internacional já os enumerou em 1891. Portanto, os atos
de poder público são: atos de administração interna do Estado; atos
legislativos; atos relativos às Forças Armadas; terrestres, navais e aéreas do
Estado; atos relativos à atividade diplomática do Estado e empréstimos
públicos
239
.
Em relação à lide trabalhista, como se verifica, a maioria das decisões
adota o entendimento que em se tratando de atuação do Estado estrangeiro,
235
Georgenor de Sousa Franco Filho assevera que os juristas como Brierly, Roger
Bonnard, Leon Duguit, Délio Maranhão, Bueno Magano, Araújo Cintra, Cândido
Dinamarco e Ada Pellegrini Grinover, Guido Soares e Haroldo Valladão condenam a
distinção. Todavia, Campos Batalha e Indalécio Gomes Neto são seus defensores. In:
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Da Competência Internacional da Justiça do
Trabalho, Revista do TST, São Paulo, LTr, pp. 40-41, 1988.
236
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. São Paulo: Editora Atlas S.A,
2006, p. 230.
237
MELLO. Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18ª. ed., São
Paulo: Malheiros Editores, pp. 397-398.
238
DERGINT, Augusto do Amaral. Nutzung von Binnengewässern und völkerrechtliche
Haftung für grenzüberschreitende Umweltschäden. Baen-Baden: Nomos, 2006, pp. 488-
490.
239
LALIVE, Jean-Flavien, apud, SOARES. Guido Fernando Silva. Das Imunidades de
Jurisdição e de Execução. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 121.
77
no âmbito privado, como o de natureza trabalhista, atribui-se caráter relativo
à imunidade de jurisdição.
João Oreste Dalazen assevera não serem alcançadas, efetivamente,
pela imunidade de jurisdição, as lides trabalhistas, em que há entes de
Direito Internacional blico, no pólo passivo, sob alegação de que não
manifestação de soberania, visto que se trata de ato negocial. Cita, também,
o Código de Bustamante, aplicado no Brasil, dispondo ser territorial a
legislação material de proteção social ao trabalhador. Além disso,
constituiria denegação de justiça reconhecer tal imunidade e,
conseqüentemente, negar aos empregados dos entes de Direito Internacional
Público o Direito Público, universal e constitucional de acesso à Justiça
240
.
Verifica-se esse entendimento no Recurso Ordinário julgado pelo STJ,
cuja Relatora foi a Ministra Nancy Andrighi. O acórdão foi assim
ementado:
DIREITO INTERNACIONAL E TRABALHISTA. RECLAMATÓRIA
MOVIDA CONTRA DEPARTAMENTO COMERCIAL DE
EMBAIXADA DE PAÍS ESTRANGEIRO, POSTULANDO VERBAS
LABORAIS POR SERVIÇOS PRESTADOS NO BRASIL. IMUNIDADE
JURISDICIONAL AFASTADA. A imunidade de jurisdição de Estado
estrangeiro não alcança litígios de ordem trabalhista decorrentes de relação
laboral prestada em território nacional e tendo por reclamante cidadão
brasileiro aqui domiciliado. O julgamento da ação trabalhista ajuizada
antes do advento da Constituição Federal de 1988 deve obedecer ao
disposto no art. 27, parágrafo 10 do ADCT c/c art. 125, II, da Emenda
Constitucional nº. 1/69. A competência da Justiça do Trabalho se
confirma com o advento da atual Constituição Federal, precisamente em
seu art. 114. Precedentes do STJ e STF. Recurso ordinário parcialmente
provido
241
.
No mesmo sentido, foi a decisão no Recurso Extraordinário nº.
222.368-PE julgado também pelo Supremo Tribunal Federal, sendo Relator
o Ministro Celso de Mello:
240
DALAZEN, João Oreste. A Justiça do Trabalho no Brasil e a Soberania do Estado
Estrangeiro. Revista Jurídica Consulex,o Paulo, ano VI, nº. 126, p. 16, abr. 2002.
241
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Direito Internacional e Trabalhista. Rio de
Janeiro – Autos de RO nº. 235440-6/2003 – 3ª. T. Min. Nancy Andrighi. DJ 20.06.2005,
p. 262.
78
EMENTA: IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. RECLAMAÇÃO TRABALHSITA. LITÍGIO
ENTRE ESTADO ESTRANGEIRO E EMPREGADO BRASILEIRO. EVOLUÇÃO DO
TEMA NA DOUTRINA, NA LEGISLAÇÃO COMPARADA E NA JURISPRUDÊNCIA DO
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: DA IMUNIDADE JURISDICIONAL ABSOLUTA À
IMUNIDADE JURISDICIONAL MERAMENTE RELATIVA. RECURSO
EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO.
O Estado estrangeiro não dispõe de imunidade de jurisdição perante
órgãos do Poder Judiciário brasileiro, quando se tratar de causa de natureza
trabalhista. Doutrina. Precedentes do STF (RTJ 133/159 e RTJ 161/643-
644).
Privilégios diplomáticos não podem ser invocados, em processos
trabalhistas, para contestar o enriquecimento sem causa de Estados
estrangeiros, em injusto detrimento de trabalhadores residentes em
território brasileiro, sob pena de essa prática consagrar inaceitável desvio
ético-jurídico, incompatível com o princípio da boa-fé
242
e com os grandes
postulados do direito internacional
243
.
Observa-se que o ente de Direito Público externo pode ser classificado
como empregador ou tomador de serviço. Os trabalhadores são os nacionais
do Estado que os recebe.
No caso citado anteriormente, o Reclamante era empregado brasileiro.
Para ser considerado empregado, conforme o artigo 3º., da
Consolidação das Leis do Trabalho
244
, exige-se pessoa física, que trabalha
245
subordinada a outra física ou jurídica prestando serviços não eventuais,
mediante salário. Como descortina Maurício Godinho Delgado:
“Empregado é toda pessoa natural que contrate, tácita ou expressamente, a
prestação de seus serviços a um tomador, a este efetuados com
pessoalidade, onerosidade, não-eventualidade e subordinação”
246
, enquanto
242
Francesco Carnelutti define a boa-fé, juridicamente, como sendo a vontade de acordo
com o direito. Esclarece que o conceito da boa-fé deve ser construído sob o aspecto de
que um ato terá efeitos jurídicos favoráveis ao agente por força da obediência, que de
outro modo não produziria. In: CARNELUTTI, Francesco. Teoria Geral do Direito. São
Paulo: Lejus, 2000, p. 432.
243
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imunidade de Jurisdição. RE 222.368-PE-2ª. T.
Min. Celso de Mello. DJ 14.02.2003, p. 70.
244
“Art. 3
o
. da CLT: Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de
natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.
245
Refere-se à expressão trabalho no sentido de atividade humana desenvolvida para
produção e circulação de bens. In: TURA, Marco Antônio Ribeiro. Imunidade de
Jurisdição e Relação de Trabalho na Constituição Brasileira de 1988, Revista do TRT
da 15ª. Região, Campinas, LTr, nº. 24, p. 192, mar. 2004.
246
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5.ª ed., São Paulo:
Editora LTr, 2006, p. 347.
79
o empregador é definido no artigo 2º. da CLT
247
. Nas palavras do Autor, a
noção jurídica de empregador, como se percebe, é essencialmente
relacionada à do empregado: existindo esta última figura no vínculo laboral
pactuado por um tomador de serviços, este assumirá, automaticamente, o
caráter de empregador na relação jurídica consubstanciada
248
.
A par disso, o ente de Direito Público pode contratar trabalhadores, no
sentido lato, pode, também, por exemplo, terceirizar serviços, ou seja, será
um tomador de serviços, bem como estabelecer outras relações sócio-
jurídicas que se diferenciam da relação de emprego, que faltam alguns
dos elementos fáticos-jurídicos do tipo legal.
Carlos Henrique Bezerra Leite trata a relação de trabalho como toda e
qualquer atividade humana em que haja prestação de trabalho, tais como,
autônomo, doméstico, temporário, estágio. Observe-se que três
elementos: prestador de serviço; trabalho subordinado ou não; tomador do
serviço. Por outro lado, a relação de emprego é a relação jurídica entre
empregado e empregador, mesmo que seja pessoa de Direito Público
interno ou externo, constituindo-se de três os elementos essenciais:
empregado; emprego; empregador
249
.
4.3
O Caráter Absoluto ou Restritivo da Imunidade de Jurisdição
Os fundamentos jurídicos para a concessão de imunidades de
jurisdição, da qual se beneficiam os Estados estrangeiros, são: princípio da
igualdade dos Estados, da soberania ou da independência. O objetivo
247
“Art. 2
o
. da CLT: Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,
assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação
pessoal de serviços”.
248
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5ª. ed., São Paulo:
Editora LTr, 2006, p. 389.
249
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4ª. ed., São
Paulo: Editora LTr, 2006, pp. 175-176.
80
principal é manter relações amigáveis entre os Estados, seja pelo tratamento
de igualdade ou reciprocidade
250
.
Modernamente, não mais deve prevalecer incondicionalmente a
imunidade jurisdicional absoluta.
Com a crescente atuação dos Estados, nos setores econômicos, a
imunidade redundou em injusta desvantagem para os particulares, como
discorre o Diplomata Leandro de Oliveira Moll
251
.
Consoante lição de Oscar Vilhena Vieira:
A imunidade de jurisdição, reconhecida pelo Direito Internacional Público,
é aquela voltada à proteção da soberania dos Estados e de seus
representantes, sem a qual não lugar para as relações diplomáticas. A
idéia original de absoluta imunidade de jurisdição deriva de um conceito
hobbesiano-maquiavélico, ex parte principe, de soberania. O princípio da
soberania vem, no entanto, passando por um processo, se não de erosão,
pelo menos de transformação. Os direitos humanos, nos últimos 50 anos,
constituem um dos elementos que vêm pressionando o conceito tradicional
de soberania. Isso ocorre na medida em que se estabelece uma série de
limitações ao poder dos Estados que se vêem obrigados a prestar contas de
suas relações com os seus cidadãos a organismos internacionais. O sistema
internacional de direitos humanos, somado ao atual estágio de
desenvolvimento das democracias constitucionais, abre espaço para uma
perspectiva mais rousseau-kantiano de soberania, ex parte popoli. A
soberania, dessa perspectiva ética, passa a ter uma razão fundamental, que
é a proteção de série de direitos das pessoas sob sua jurisdição. Aliás,
como apregoam os contratualistas. Ao Estado é legítimo o exercício do
poder, enquanto este exercício estiver voltado à proteção dos direitos. À
medida que o Estado deixa de realizar as tarefas para as quais foi
constituído, deixa também de ser protegido pelas prerrogativas da
soberania
252
.
Guido Fernando Silva Soares informa que a teoria da imunidade
absoluta se fundamentou em uma interpretação equivocada do adágio: the
king can do no wrong”. Esse entendimento foi modificado, no Reino Unido,
com a edição do “State Immunity Act”, de 1978
253
.
250
SOARES, Guido Fernando Silva. Das Imunidades de Jurisdição e de Execução. Rio de
Janeiro: Forense, 1984, p. 112.
251
MOLL, Leandro de Oliveira. Imunidade de jurisdição do Estado e denegação de justiça
em violações de direitos humanos fundamentais: o caso Al-Adsani v. Reino Unido.
Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 370, p. 81, nov/dez. 2003.
252
VIEIRA, Oscar Vilhena. Imunidade de Jurisdição e Foro por Prerrogativa de Função,
Brasília, Revista CEJ, nº. 11, p. 60, mai/ago. 2000.
253
SOARES, Guido Fernando Silva, op. cit., pp. 112-113.
81
Tendo em vista a situação jurídica atual, os autores recentes indicam a
tendência, na prática, de os Estados adotarem a doutrina restritiva da
imunidade, mas evitam afirmações firmes e precisas. Segundo Ian
Brownlie, ressalva-se que existe, ainda, uma divergência persistente entre os
defensores do princípio da imunidade absoluta e restritiva
254
.
Atualmente, várias decisões afastam a aplicação da imunidade
absoluta. Outrora, no âmbito do judiciário, tal imunidade sequer era
questionada.
Ao tratar da controvérsia sobre a extensão da imunidade dos Estados,
Ian Brownlie expõe:
No decurso do século XIX, os Estados apresentaram-se como empresários
comerciais em larga escala, criando monopólios comerciais em áreas
específicas e gerindo caminhos-de-ferro, companhias de navegação e
serviços postais. A Primeira Guerra Mundial incrementou tais atividades,
levando o aparecimento dos Estados socialistas e comunistas a uma maior
proeminência do setor público nas economias nacionais. Além disso,
países como a Índia consideraram que era necessário possuir um setor
público como ponto de partida para o desenvolvimento planeado de uma
economia moderna. Na seqüência de anteriores desenvolvimentos
doutrinais, os tribunais belgas e italianos reagiram ao incremento da
atividade estatal desenvolvendo uma distinção entre atos de governo jure
imperii e atos de natureza comercial jure gestionis, negando neste último
caso a imunidade da jurisdição. Esta abordagem, freqüentemente
denominada doutrina da imunidade restritiva ou relativa, foi adotada pelos
tribunais de pelo menos, vinte países. Onze outros Estados apóiam, em
princípio, esta abordagem restritiva. Esta doutrina reflete-se, também, na
legislação recente adotada na Austrália, Canadá, Paquistão, Singapura,
África do Sul, Reino Unido e Estados Unidos
255
.
A Teoria da Imunidade Relativa de Jurisdição, por sua vez, é seguida
pela maioria dos países e está consagrada na Convenção Européia sobre
Imunidades, na Lei Federal dos EUA e na Lei do Reino Unido, de 1976 e
1978, respectivamente
256
.
Conforme Exposição de Motivos do Real Decreto Espanhol nº. 1654,
de 1980:
254
BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997, p. 351.
255
BROWNLIE, Ian, op. cit., p. 348.
256
SOARES, Guido Fernando Silva. Das Imunidades de Jurisdição e de Execução. Rio de
Janeiro: Forense, 1984, p. 112.
82
“A doutrina da imunidade absoluta de jurisdição pode ser considerada
em sua etapa final”, admitindo que, atualmente, “a maior parte, se não a
totalidade dos Estados, aceita a teoria restrita da imunidade de jurisdição, o
que produziu um aumento de litígios nos quais o Estado ou seus órgãos são
parte ante uma jurisdição estrangeira”
257
.
Nesse sentido, no final dos anos 80, a Apelação Cível nº. 9696,
julgada pelo STF, tornou-se um leading case caso Geni Oliveira, em face
da República Democrática Alemã
258
. Esse julgamento fez uma releitura da
jurisprudência, a qual se pautara na imunidade absoluta do Estado, no
estrangeiro, e concluiu que para o processo de conhecimento, em matéria
trabalhista, não havia como se invocar imunidade. Assim, o Estado poderia
ser demandado e, caso não comparecesse, sofreria todas as conseqüências,
como o julgamento à revelia
259
.
Para Francisco Rezek, o Supremo entendeu não haver mais como
sustentar a regra costumeira de Direito Internacional que considerava a
imunidade absoluta. Conclui desabar a regra no momento em que as
grandes democracias ocidentais afastam-se dela e passam a aplicar, por
motivos, especialmente sociais, um novo caminho
260
.
Pelo que, não há mais a se dizer em sólida regra de Direito
Internacional. Verifica-se que, a partir do momento em que diversos países
deixam de aplicá-la, como é o caso dos Estados Unidos e Grã-Bretanha,
desaparecer o único fundamento para imunidade absoluta do Estado.
Como prescreve Antenor P. Madruga Filho
261
:
A imunidade de execução é relativa e, quanto à de jurisdição,
normalmente, o juiz deve olhar para a natureza da matéria e retomar uma
distinção que os administrativistas tinham enterrado, entre os atos de
257
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. O Caráter Restritivo da Imunidade de Execução do
Estado Estrangeiro. Revista Jurídica Trimestral. Trabalho & Doutrina, São Paulo:
Editora Saraiva, nº. 8, mar. 1996.
258
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 25ª. ed., São Paulo: Editora
Atlas S.A, 2006, p. 100.
259
GARCIA, Márcio Pereira Pinto. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências.
Revista CEJ, v. 19, p. 29, 2001.
260
REZEK, Francisco. A Imunidade do Estado Estrangeiro à Jurisdição Local. O
Problema da Execução na Justiça do Trabalho. Revista Synthesis: Direito do Trabalho
Material e Processual, São Paulo, nº. 22, jun. 96.
261
MADRUGA FILHO, Antenor P. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências.
Revista CEJ, v. 19, p. 42, 2001.
83
império e os atos de gestão, o que não é muito simples, mas útil ou seja,
deveríamos olhar para a finalidade do bem. Se o bem é utilizado para uma
finalidade soberana, de império, seria imune à execução, do contrário,
poderia ser executado, penhorado, etc.
Não seria justo deixar de responsabilizar o Estado estrangeiro, mesmo
porque não há imunidade absoluta quanto a ele.
Sobre imunidade de jurisdição dos Estados soberanos, documentos
servindo como fundamento jurídico, presentes na legislação interna de
diversos Estados, como os Estados Unidos da América (Foreign Sovereign
Immunities Act de 1976); o Reino Unido (State Immunity Act de 1978); a
Austrália (Foreign States Immunities Act de 1985); Cingapura (State
Immunity Act de 1979); a República da África do Sul (Foreign States
Immunities Act de 1981); o Paquistão (State Immunity Act de 1981); o
Canadá (State Immunity Act de 1982); a República Argentina (Ley nº.
24.488/95, art. 2º.), exemplificativamente
262
.
Georgenor de Sousa Franco Filho explica que o State Immunity Act do
Reino Unido prevê inexistir imunidade quando o Estado estrangeiro se
submete à jurisdição doméstica e em atividades comerciais. o
imunidade no caso de contrato de trabalho celebrado no Reino Unido ou
que em seu território deveria ser realizado. Excepciona quando o
empregado é nacional do Estado estrangeiro, que na época da contratação
não possuía residência habitual em território britânico ou quando houver
acordo entre as partes. A Lei da Austrália declara que o Estado não goza de
imunidade em contrato de trabalho quando os atos forem praticados total ou
parcialmente em seu território
263
.
A Lei nº. 24.488/95 da Argentina também trata da imunidade de
jurisdição dos Estados, em seu art. 2º., o qual dispõe:
Os Estados estrangeiros não poderão invocar a imunidade de jurisdição nos
seguintes casos (...) “c) quando a demanda versar sobre uma atividade
262
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão de Recurso Extraordinário nº. 222.368 -
PE, publicado no Diário da Justiça de 08.03.2002.
263
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. O princípio da dupla imunidade e a execução
do julgado contrário a ente de Direito Internacional Público. Revista Jurídica
Trimestral. Trabalho & Doutrina, São Paulo, Editora Saraiva, nº. 8, p. 8, mar. 1996.
84
comercial levada a cabo pelo Estado estrangeiro e a jurisdição dos tribunais
argentinos surgir do contrato invocado ou do direito internacional; d) quando
forem demandados por questões de trabalho por nacionais argentinos ou
residentes no país, derivadas de contratos celebrados na República Argentina
ou no exterior e que causarem efeitos no território nacional
264
”.
Historicamente, os Estados Unidos foram o primeiro país que tiveram
uma lei escrita na Common Law sobre a questão de imunidade. A For
Sovereign Immunity Acts SAI –, como é chamada, tratou dos atos, classifi-
cando-os, singelamente, em vermelho e verde: vermelho são os atos imunes
e, verde, os atos não imunes. Desse modo, determinaram-se os atos que
seriam passíveis de julgamento perante o juiz e outros que não o seriam
265
.
Registre-se que, no Brasil, ao contrário do acontecido em vários
países, não há legislação interna que regule a matéria relativa à imunidade
de jurisdição
266
.
Portanto, há países que possuem leis internas sobre imunidades, como,
Cingapura, Paquistão, Canadá, Estados Unidos e Inglaterra, os quais
seguem o sistema jurídico da Common law. Nesses países, tem-se uma lei
determinando quais os atos imunes ou não, para o juiz local. Por outro lado,
a maioria dos países vinculados a Civil Law continuou a distinguir atos de
império e de gestão, surgindo uma jurisprudência relativamente constante.
Tal tendência vem a ser denominada Teoria da Imunidade Relativa
267
.
Diante do exposto, pode-se tratar o tema em três momentos. O
primeiro, anterior à Constituição de 1988, foi entendido pela imunidade
absoluta das pessoas jurídicas de Direito Público externo, englobando-se a
fase de cognição e execução. Em um segundo momento, com a
promulgação da Constituição de 1988 e até recentemente, começou a negar
a imunidade absoluta dos entes de Direito Internacional Público, na fase de
conhecimento, mas permaneceu em relação à de execução. Atualmente,
264
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. A Concepção Relativista das Imunidades de Jurisdição
e Execução do Estado Estrangeiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, nº. 140,
ano 35, p. 229, out/dez. 98.
265
SOARES, Guido Silva. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista CEJ,
v. 19, p. 16, 2001.
266
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. O Caráter Restritivo da Imunidade de Execução do
Estado Estrangeiro. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho Processo
do Trabalho, São Paulo: LTr, nº. 3, p. 113, 1995.
267
SOARES, Guido Silva, op. cit., p.17.
85
decisões no sentido de negar a imunidade absoluta, seja para a fase de
cognição, como de execução, conforme se estudará
268
.
Quanto à imunidade de execução, é necessário considerar a imunidade
de jurisdição relativa, pois se adotasse plenamente a absoluta, na fase
cognitiva, não haveria que se falar em execução de ente de Direito
Internacional Público.
Contudo, mesmo com legislação, em alguns países se percebe não ter
havido solução plena da questão, pois sempre obstáculo na execução.
Como relata Márcio Pereira Pinto Garcia:
vários casos, sobretudo, em Londres, em que o juiz mandava penhorar
a conta da República da Colômbia, e os lordes da Corte diziam que não se
podia penhorá-la. Eventualmente, com o avanço, conseguiu-se demonstrar
que parte da conta bancária diz respeito não a ato de império, mas a ato de
gestão. Poder-se-ia considerar, mas como provar que aquele dinheiro que
está no banco, aquele valor “xy” não diz respeito ao cumprimento dos
custos do dia-a-dia da vida da legação? Isso é uma grande dificuldade
269
.
Todavia, importante mencionar, primeiramente, as Convenções sobre
o assunto, cuja análise será feita a seguir e nas quais estão enunciadas
situações em que a imunidade de jurisdição não se aplica.
Além disso, no dizer do Procurador Eneas Torres, esses documentos
representam um produto de um processo de transformações econômicas, no
mundo inteiro, advindas da globalização, determinando uma nova
arquitetura dos Estados
270
.
268
TURA, Marco Antônio Ribeiro. Imunidade de Jurisdição e Relação de Trabalho na
Constituição Brasileira de 1988. Revista do TRT da 15ª. Região, nº. 24, p. 182, jun.
2004.
269
GARCIA, Márcio Pereira Pinto. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências.
Revista CEJ, v. 19, p. 35, 2001.
270
TORRES, Eneas. Recepção de Normas Internacional e o Caso da Imunidade de
Jurisdição. Rio de Janeiro, Revista Direito, Estado e Sociedade, nº. 14, p. 195, jan/jul.
1999.
86
5
Convenções sobre Imunidades dos Estados
5.1
Convenção Européia sobre Imunidade do Estado
O primeiro esforço intergovernamental a respeito das Imunidades dos
Estados foi a Convenção Européia de Basiléia, aberta à assinatura em 1972.
A Convenção e o Protocolo Adicional foram elaborados pelo Comitê
de Ministros do Conselho da Europa, após 14 reuniões entre 1965 e 1970. O
Conselho da Europa é um organismo intragovernamental regional,
estabelecido em 3 de agosto de 1949, cuja missão é promover os ideais e
princípios que lhes são patrimônio comum e maior união entre os Estados-
membros, conforme dispõe o Preâmbulo do Estatuto
271
.
Relata Guido Fernando Silva Soares que, nas reuniões dos órgãos do
Conselho da Europa, havia dificuldade para enfrentar a situação entre um
indivíduo e um Estado, quando se tratava de imunidade de jurisdição.
Como informa o autor:
O embate entre países que adotavam a teoria da imunidade absoluta (Chipre,
Suécia, Turquia e Reino Unido) e aqueles que adotavam a teoria da
imunidade relativa, aliado à tendência crescente da jurisprudência européia
dominante, de restringir as imunidades dos Estados, pediam uma solução de
caráter geral. A tarefa parecia impossível, pois na raiz da teoria da imunidade
relativa, reside a distinção entre atos jure imperii e jure gestionis, ancorados
na distinção entre direito público e privado, distinção essa que inexiste na lei
inglesa. A jurisprudência comparada, por sua vez, mostrava soluções
contraditórias entre as decisões dos tribunais europeus e dentro do mesmo
país
272
.
271
SOARES, Guido Fernando Silva. Das Imunidades de Jurisdição e de Execução. Rio de
Janeiro: Forense, 1984, p. 138.
272
SOARES, Guido Fernando Silva, op. cit., p. 139.
87
A mencionada Convenção Européia de 1972 regula questões de
imunidade de jurisdição, bem como estabelece elementos permitindo a
execução de sentenças prolatadas, em que condenação de um Estado
estrangeiro
273
.
Fundamenta-se no princípio da necessidade de os Estados
renunciarem à imunidade nas relações mútuas e se submeterem à jurisdição
de outro, bem como devem cumprir as obrigações impostas pelos
julgamentos passados contra tais Estados.
Os países que assinaram a Convenção em 16.05.72 foram Áustria,
Bélgica, Chipre, Alemanha, Luxemburgo, Países Baixos, Suíça e Reino
Unido, ressalvando-se Portugal, cuja assinatura se deu em 10.05.79
274
.
A Convenção Européia sobre Imunidade do Estado não foi ratificada
pelo Brasil, ou seja, aplica-se o brocardo latino res inter alios acta, pacta
tertiis nec nocet nec prosunt, isto é, não lhe geram direitos, nem deveres.
Contudo, não deixa de ter importância no cenário internacional
275
.
A Corte Européia em Matéria de Imunidades dos Estados foi instituída
pelo Protocolo Adicional à Convenção Européia sobre Imunidades dos
Estados, instalada em 20.03.85, em Estrasburgo. Sua competência
compreende a recusa de um Estado-Parte em homologar as sentenças de
outros, bem como o julgamento de pedidos subscritos por eles, em face de
outros signatários, que envolvam a interpretação e aplicação da respectiva
Convenção e seu Protocolo Adicional
276
.
Adota-se, na referida Convenção, o Princípio da Imunidade Restritiva.
Verifica-se uma disposição geral sobre imunidade, em que algumas
exceções, dentre as quais, se destaca a relação de emprego.
273
DURÃES, Beatriz Schiffer. Imunidade de Jurisdição e a Doutrina do Ato de Estado.
Curitiba: Editora Gênesis, 2003, p. 61.
274
COUNCIL OF EUROPE. European Convention on State Immunity. Disponível em:
http://www.conventions.coe.int. Acesso em: 10.12.2006.
275
ARAUJO, Luiz Ivani de Amorim. A Imunidade de Jurisdição Trabalhista e o artigo
114, da Constituição, Revista Forense, v. 322, p. 44, abr/jun. 1993.
276
DURÃES, Beatriz Schiffer. op. cit., p. 62.
88
No tocante a essa matéria, disposição expressa no artigo 5º. da
Convenção
277
:
1. Um estado contratante não pode invocar imunidade de jurisdição
em um tribunal de outro Estado se o ato estiver relacionado a um
contrato de trabalho entre o Estado e o indivíduo, quando o trabalho
tiver de ser realizado no território do Estado onde está o tribunal.
2. O parágrafo 1º. não se aplicará onde:
a. O indivíduo é um nacional do estado empregador no
momento que os atos são originados;
b. No momento que contrato foi incorporado, o indivíduo não
era um nacional do Estado foro, nem residia habitualmente
nesse Estado; ou
c. As partes do contrato concordaram de outra maneira por
escrito, a menos que, de acordo com a lei do Estado foro, os
tribunais desse Estado tivessem a jurisdição exclusiva em
razão do assunto-matéria.
3. Quando o trabalho é feito para um escritório, agência ou o outro
estabelecimento mencionado no artigo 7º., os parágrafos 2º. “a” e 2º.
“b” do artigo atual se aplicam somente se, quando o contrato for
introduzido, o indivíduo teve sua residência habitual no Estado
contratante que o emprega.
277
COUNCIL OF EUROPE: European Convention on State Immunity. Basle, 16.V.1972.
Disponível em: http://www.conventions.coe.int. Acesso em 10.12.2006.
. Article 5: 1. A Contracting State cannot claim immunity from the jurisdiction of a court
of another Contracting State if the proceedings relate to a contract of employment
between the State and an individual where the work has to be performed on the territory
of the State of the forum.2. Paragraph 1 shall not aplly where: a. the individual is a
national of the employing State at the time when the proceedings are brought; b. at the
time when the contract was entered into the individual was neither a national of the
State of the forum nor habitually resident in that State; or c. the parties to the contract
have otherwise agreed in writing, unless, in accordance with the law of the State of the
forum, the courts of that State have exclusive jurisdiction by reason of the subject-
matter.3. Where the work is done for an office, agency or other establishment referred to
in Article 7, paragraphs 2.a and b of the present article aplly only if, at the time the
contract was entered into, the individual had his habitual residence in the Contracting
State which employs him.”Article 7: “1. A Contracting State cannot claim immunity
from the jurisdiction of a court of another Contracting State if it has on the territory of
the State of the forum an Office, agency or other establishment through which it
engages, in the same manner as a private person, in an industrial, commercial or
financial activity, and the proceedings relate to that activity of the office, agency or
establishment. 2. Paragraph 1 shall not aplly if all the parties to the dispute are States,
or if the parties have otherwise agreed in writing.”
89
Como se observa, a Convenção Européia de 1972 afastou a imunidade
de jurisdição no que se refere à lide trabalhista, isto é, um súdito ou
residente local, em face de Estado estrangeiro, bem como em casos de
indenização relativa a descumprimento de contrato comum
278
.
Conforme elucida Guido Fernando Silva Soares, a Convenção não traz
uma lista dos atos considerados jure imperii e jure gestionis, bem como não
iguala o Estado estrangeiro ao Estado foro, o que poderia deixá-lo em
posição de inferioridade e ter critérios discriminatórios de exercício de
jurisdição. Nesse sentido, tampouco mantém uma imunidade geral para o
Estado estrangeiro e excepciona certas categorias de atos. Nota-se, por sua
vez, que a Convenção disciplina, nos artigos 1º. a 14, casos em que a
imunidade não pode ser invocada e, no art. 15, regras residuais de
imunidade absoluta
279
.
Isto posto, o art. 5º., acima transcrito, é um exemplo em que a
imunidade não pode ser invocada, ou seja, é caso impeditivo de imunidade
de jurisdição quando há contrato de trabalho entre o Estado estrangeiro e
um empregado, sendo o lugar da prestação do trabalho o elemento de
conexão com o Estado foro, excluindo os celebrados entre Estado
estrangeiro e um seu nacional, ou o contrato em que o empregado não tinha
nem a nacionalidade nem o domicílio do Estado do foro, habitually resident
ao tempo da contratação. Além disso, excluem-se as manifestações de
vontade por escrito, nos casos permitidos pela lex fori em que inexiste
competência exclusiva da justiça local ratione materiae -, bem como os
privilégios e imunidades referentes ao exercício das funções diplomáticas
ou repartições consulares e às pessoas que as acompanham
280
.
Houve, sem dúvida, uma alteração sobre o tratamento do tema das
278
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. O Caráter Restritivo da Imunidade de Execução do
Estado Estrangeiro. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho Processo
do Trabalho, São Paulo: LTr, nº. 3, p. 114, 1995.
279
SOARES, Guido Fernando Silva. Das Imunidades de Jurisdição e de Execução. Rio de
Janeiro: Forense, 1984, p. 140.
280
SOARES, Guido Fernando Silva. op. cit., p. 143.
90
imunidades de jurisdição, conforme afirma Sérgio Pinto Martins:
A partir de 1970, a European Convention on State Immunity and
Additional Protocol alterou a idéia de imunidade. Não se admite que, v.g.,
o Estado estrangeiro alegue imunidade, quanto a obrigações contratuais
que tenham de ser executadas no território do outro país (art. 4º.), ou no
tocante a contratos de trabalho entre o Estado e o empregado, que tenham
de ser executados no território do Estado do foro do contrato (arts. 4º. e
5º.). O Foreign Sovereign Immunities Act, dos Estados Unidos, de 1976 e
o State Immunity Act do Reino Unido, de 1978, entenderam que as pessoas
jurídicas de direito público externo não gozam de imunidade em relação a
atos de gestão
281
.
A Foreign Sovereining Immunities Act, promulgada em 21 de outubro
de 1976, não admite imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro nos
casos de responsabilidade civil. Por outro lado, o State Immunities Act a
exclui nos contratos de natureza trabalhista e questões atinentes à
responsabilidade civil
282
.
A imunidade de jurisdição passa a ser relativa se o interesse do Estado
é no campo privado, como ocorre quando contrata trabalhadores. Os
Estados Unidos já adotavam essa orientação desde 1950
283
.
Uma das razões decisivas dessa nova visão acerca das imunidades de
jurisdição, deve-se ao fato de que o tema que antes se firmado no plano dos
costumes internacionais, passou a encontrar fundamento jurídico em
Convenções Internacionais e, até mesmo, na própria legislação interna de
diversos Estados.
Observe-se que a Convenção Européia sobre Imunidades do Estado
inspirou a legislação do Reino Unido e dos Estados Unidos
284
.
Consoante estudado, tem-se, nesse sentido: a Foreign Sovereign
Immunitites Act 1976, nos Estados Unidos da América; o State Immunity
Act 1978, no Reino Unido; a Foreign States Immunities Act 1985, na
281
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 25ª. ed., São Paulo: Editora
Atlas S.A, 2006, p. 100.
282
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. O Caráter Restritivo da Imunidade de Execução do
Estado Estrangeiro. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho Processo
do Trabalho. São Paulo: LTr, nº. 3, p. 114, 1995.
283
MARTINS, Sérgio Pinto, op. cit., p. 100.
284
SOARES, Guido Fernando Silva. Das Imunidades de Jurisdição e de Execução. Rio de
Janeiro: Forense, 1984, p. 140.
91
Austrália; o State Immunity Act 1979, em Cingapura; a Foreign States
Immunities Act – 1981, na República da África do Sul; o State Immunity Act
1981, no Paquistão; e o Canada Act to Provide for State Immunities Act
n. 196 – 1985, no Canadá.
Acrescenta Beatriz Schiffer Durães:
Tais leis escritas adotam, com algumas variantes, a técnica de
expressamente enumerar quais atividades empreendidas pelo Estado
estrangeiro que não se beneficiam das imunidades de jurisdição frente aos
tribunais nacionais, ficando as outras atividades o incluídas no catálogo,
portanto, dentro da inteira jurisdição e competência de suas autoridades
judiciária
285
.
Por outro lado, a referida Convenção nega a imunidade com
fundamento na Teoria da Personalidade distinta à do Estado. Estabelece que
o Tribunal deve se abster de conhecer o assunto quando se tratar de atos
relativos ao exercício do poder público. Tal posicionamento é seguido pela
lei inglesa. os Estados Unidos, definem “Estado estrangeiro”, incluindo
as sociedades em que apenas uma maioria simples do capital é controlada
pelo Estado
286
.
No que se refere à imunidade de execução, a Convenção Européia
sobre Imunidade do Estado, de 1972, disciplina as regras, nos artigos 20 a
22, estabelecendo a aceitação a uma obrigação internacional pelas Partes
Contratantes de executar julgamentos pronunciados contra uma delas por
Tribunal Estrangeiro. Todavia, não previsão de mecanismo de execução,
a qual será processada por seus próprios Estados em face do Estado.
Salienta-se o estabelecido pelo artigo 20 quanto aos casos em que os
Estados se comprometem a executar. Dentre esses, destacam-se os arts. 1º.
a 13, em que inexistem imunidades de jurisdição e quando houver sentença
condenatória passado em julgado no país onde prolatada
287
.
Esta previsão está contida, por exemplo, no artigo 27 da Convenção
285
DURÃES, Beatriz Schiffer. Imunidade de Jurisdição e a Doutrina do Ato de Estado.
Curitiba: Editora Genesis, 2003, p. 73.
286
DURÃES, Beatriz Schiffer, op. cit., p. 75.
287
SOARES, Guido Fernando Silva. Das Imunidades de Jurisdição e de Execução. Rio de
Janeiro: Forense, 1984, p. 216.
92
Européia sobre Imunidade de Jurisdição no Capítulo V Disposições
Gerais, quando estabelece: “as cortes não podem proceder em respeito a
atos executados no exercício da autoridade soberana acto jure imperii
288
.
Além disso, em Resolução adotada na Sessão de Basiléia, em 1991, a
respeito dos problemas contemporâneos concernentes à imunidade dos
Estados, determinaram-se critérios de competência das Cortes ou outros
relevantes órgãos do Estado-Fórum em relação à imunidade jurisdicional.
Conforme dispõe
289
o artigo 2º..
Por fim, no texto adotado pela Comissão das Nações Unidas em sua
43ª. Edição, em 1991, submetida à Assembléia Geral, cuja notícia se
encontra no Yearbook of the International Law Comission
290
1991, vol. II,
Part Two, estão estabelecidos procedimentos, nos quais a imunidade do
Estado não pode ser invocada, ou seja, em processo relativo a transações
comerciais; contratos de trabalho, propriedade e posse de bens situados no
país de foro; propriedade industrial; participações em sociedades; e
exploração de navios não utilizados para fins de serviço público não
comercial
291
.
5.2
Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades dos Estados e sua
Propriedade
Primeiramente, a Comissão de Direito Internacional (CDI) foi
estabelecida pela Assembléia Geral da ONU, para fins de desenvolvimento
288
COUNCIL OF EUROPE. European Convention on State Immunity. Disponível em:
http://www.conventions.coe.int. Acesso em: 10.12.2006. Tradução livre do trecho: “the
courts may not entertain proceedings in respect of acts performed by the entety in the
exercise of sovereign authority (acto jure imperii)”.
289
COUNCIL OF EUROPE. European Convention on State Immunity. Disponível em:
http://www.conventions coe int. Acesso em: 10.12.2006. Artigo 2.c: The organs of the
forum State are competent in respect of proceedings concerning contracts of
employment and contracts for Professional services to which a foreign State (or its
agent) is a party”.
290
UNITED NATIONS. Contemporary Problems Concerning the Immunity of States in
Relation to Questions of Jurisdiction and Enforcement. Disponível em: http:// www.idi–
iil.org/idiE/resolutionsE/1991. Acesso em: 10.12.2006.
291
VEDOVATO, Luís Renato. A Imunidade de Soberania e o Direito do Trabalho. Uma
adequação da questão às características do Direito Internacional Público. Revista do
TRT da 15ª. Região, Campinas: LTr, nº. 22, nov. 2003.
93
e codificação do Direito Internacional. Em 1977, a Assembléia solicitou à
Comissão de Direito Internacional que se considerasse a questão da
“imunidade de Estados e sua propriedade”. Entre 1988 e 1991, preparou-se
a versão final, apresentada, em 1991, à Assembléia Geral da ONU. Esse
documento consagra a Teoria de Imunidade Relativa
292
.
Portanto, a Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades dos
Estados e sua Propriedade foi adotada pela Assembléia-Geral, em 02 de
dezembro de 2004, estando aberta à assinatura a os Estados, de 17 de
janeiro de 2005 a 17 de janeiro de 2007, cuja vigência será no trigésimo dia
seguinte ao depósito do trigésimo instrumento de ratificação, de aceitação
ou de aprovação.
Em relação aos participantes, foi assinada por 28 países: Áustria,
Bélgica, China República Tcheca, Alemanha, Estônia, Finlândia, França,
Islândia, Índia, Irã, Japão, Líbano, Madagascar, México, Marrocos,
Noruega, Paraguai, Portugal, România, ssia, Senegal, Serra Leoa,
Eslováquia, Suíça, Suécia, Timor Leste, Reino Unido da Grã-Bretanha e
Irlanda do Norte. Foi ratificada pela Áustria (14.09.06), Noruega (27.03.06)
e Portugal (14.09.06)
293
.
No que se refere aos contratos de emprego, especialmente, tem-se o
artigo 11 da Convenção sobre as Imunidades de Jurisdição e sua
Propriedade
294
, estabelecendo que, salvo disposição em contrário dos
Estados, o Estado não pode invocar imunidade de jurisdição perante uma
Corte de outro Estado, que é competente para processar matéria relacionada
a contrato de emprego entre o Estado e um indivíduo, cujo trabalho foi
292
SALIBA, Aziz Tuffi. A Imunidade Absoluta de Jurisdição de Estados: “Sólida Regra
Costumeira” ou Mito? RBDP – Revista Brasileira de Direito Público. Belo Horizonte:
Editora Fórum, nº. 8, p. 32, jan/mar. 2005.
293
UNITED NATIONS. United Nation Convention on Jurisdictional Immunities of States
and Their Property. Disponível em: http: // www.untreaty.un.org. Acesso em: 17.01.07.
294
UNITED NATIONS. Draft Articles on Jurisdictional Immunities of States and Their
Property. 1991. Disponível em: http://conventions.coe.int/Treaty/em/Treaties/ Html/074.
htm. Acesso em: 10.12.2006.
94
executado em todo ou em parte, no território deste outro Estado. O
parágrafo 1º., desse artigo, enuncia as exceções
295
.
Portanto, também adota o Princípio da Imunidade Relativa.
Assim, passa-se a analisar o tema no âmbito interno e,
particularmente, no processual.
295
UNITED NATIONS. Draft Articles on Jurisdictional Immunities of States and Their
Property. 1991. Disponível em: http://conventions.coe.int/Treaty/em/Treaties/ Html/074.
htm. Acesso em: 10.12.2006. Article 11: Contracts of employment:“1.Unless otherwise
agreed between the States concerned, a State cannot invoke immunity from jurisdiction
before a court of another State which is otherwise competent in a proceeding which
relates to a contract of employment between the State and an individual for work
performed or to be performed, in whole or in part, in the territory of that other State.
2.Paragraph 1 does not apply if: a) the employee has been recruited to perform
functions closely related to the exercise of governmental authority; b) The subject of the
proceeding is the recruitment, renewal of employment or reinstatement of an
individual;c) The employee was neither a national nor a habitual resident of the State of
the forum at the time when the contract of employment was concluded; d) The employee
is a national of the employer State at the time when the proceeding is instituted; or e)
The employer State and the employee have otherwise agreed in writing, subject to any
considerations of public policy conferring on the courts of the State of the forum
exclusive jurisdiction by reason of the subject-matter of the proceeding”.
95
6
A Imunidade de Jurisdição dos Entes de Direito Internacional
Público na Fase de Conhecimento
6.1
Competência da Justiça do Trabalho
Existindo uma lide, isto é, um conflito de interesse resistido, ao se
procurar o Poder Judiciário para uma solução, esse conflito será submetido
às regras processuais. Há diferentes tipos de provimentos judiciais.
A doutrina clássica classifica os processos em três tipos: Processo de
Conhecimento, Processo de Execução e Processo Cautelar.
No Processo do Trabalho o Processo de Execução é uma continuidade
do Processo de Conhecimento, podendo-se usar fases de conhecimento e de
execução.
Na fase de conhecimento, a parte autora busca ter sua pretensão
reconhecida pelo Poder Judiciário. Para isso, formula o pedido. Ademais,
provas serão produzidas, o juiz realiza cognição e forma o seu
convencimento para decidir em sentença
296
.
Jurisdição é o poder exercido pelo Estado de forma soberana, para
decidir sobre uma pretensão processual.
Como já visto no presente estudo, a jurisdição é um poder-dever
concernente a todos os juízes em abstrato e, como aspecto de soberania, é
una.
Por outro lado, Carnelutti aduz que no estado moderno, geralmente,
com muita população e vasto território, não se pode pensar que um juiz
apenas possa compor todos os litígios que se apresentam.
296
WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de; TALAMINI,
Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 3ª. ed., v.1, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 112.
96
Assim, denomina competência a divisão de trabalhos entre os juízes
previamente regulada
297
.
Por outro lado, a competência é parcela de jurisdição de cada juiz ou
juízo. Advém de uma distribuição racional do trabalho, resultado do Estado
moderno em que se deve distribuir o exercício do poder-dever jurisdicional,
de acordo com os limites legais. A competência é exatamente a forma de
distribuir e atribuir a função jurisdicional entre órgãos judicantes
298
.
Nas palavras de Couture
299
:
“A competência é uma medida de jurisdição. Todos os juízes têm compe-
tência para conhecer de um determinado assunto. Um juiz competente é,
ao mesmo tempo, juiz com jurisdição; mas um juiz incompetente é um juiz
com jurisdição e sem competência. A competência é o fragmento de
jurisdição atribuído a um juiz”
300
.
Sobre o tema, Sérgio Pinto Martins faz menção à redação do artigo,
dispondo que a Justiça do Trabalho vai processar e julgar “ações”. Explica
que não deveria ter sido usado “ações”, eis que ação é meio processual para
postular direito. Desse modo, seria melhor falar em lides, questões,
demandas
301
.
Além disso, Carlos Henrique Bezerra Leite ressalta que o art. 114, I,
da Constituição, com a nova redação dada pela Emenda Constitucional .
297
Tradução livre do trecho: “La competenza Nello stato moderno, ordinariamente di
numerosa popolazione e di vasti confini, non è possibili pensare che un giudice solo
possa comporre tutte le liti, che contemporaneamente si presentano al processo;
occorrono molti giudice, tra i quali si divide il lavoro. La divisione del lavoro tra i
giudici, in quanto non avviene a caso ma secondo um ordinato piano regolatore,
luogo all´instituto della competenza”. In: CARNELUTTI, Francesco. Lezioni di Diritto
Processuale Civile. v. III, Padova: Edizioni Cedam Padova, 1986, p. 132.
298
DALAZEN, João Oreste. Competência Material Trabalhista. São Paulo: LTr, 1994, p.
33.
299
COUTURE, Eduardo J. Fundamentos del Derecho procesal civil. 3ª. ed., Buenos Aires:
Depalma, 1978, p. 29.
300
Tradução livre do trecho: “La competencia es una medida de jurisdicción. Todos los
jueces tienen jurisdicción; pero no todos tienen competencia para conocer en un
determinado asunto. Un juez competente es, al mismo tiempo, juez con jurisdicción;
pero un juez incompetente es un juez con jurisdicción y sin competencia. La
competencia es el fragmento de jurisdicción atribuido a un juez”. In: COUTURE,
Eduardo J. Fundamentos del Derecho Procesal Civil. 3ª. ed., Buenos Aires: Depalma,
1978, p. 29.
301
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 25ª. ed., São Paulo: Editora
Atlas S.A, 2006, p. 92.
97
45/2004, alargou a competência da Justiça do Trabalho. A relação de
trabalho é gênero, tendo a relação de emprego como uma de suas espécies.
Pode-se dizer, assim, que a Justiça do Trabalho é competente para as
demandas de relação de trabalho e, conseqüentemente, para as de
emprego
302
.
Na lição de Sérgio Pinto Martins, competência vem do latim
competentia, de competere, que significa estar no “gozo ou no uso de ser
capaz, pertencer ou ser próprio”. Para o autor:
A competência é uma parcela da jurisdição, dada a cada juiz. É a parte da
jurisdição atribuída a cada juiz, ou seja, a área geográfica e o setor do
Direito em que vai atuar, podendo emitir suas decisões. Consiste a
competência na delimitação do poder jurisdicional. É, portanto, o limite da
jurisdição, a medida da jurisdição, a quantidade da jurisdição. A jurisdição
é o todo. A competência é a parte. A competência não abrange a
jurisdição, mas esta envolve aquela
303
.
Coqueijo Costa afirma que se não for caso de ausência absoluta de
jurisdição, mas de incompetência, um pressuposto de validade faltará à
relação jurídica processual
304
.
A competência é um pressuposto processual, podendo-se verificar no
art. 267, IV, do Código de Processo Civil
305
e é um princípio constitucional,
segundo o estabelecido no art. 5º., LIII, da Constituição
306
307
.
A imunidade de jurisdição diz respeito à possibilidade ou à negativa
de o Estado poder ser parte em um processo judicial que tramite no
Judiciário do Estado acreditante. Refere-se a uma das condições da ação,
302
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4ª. ed., São
Paulo: Editora LTr, 2006, p. 175.
303
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 25ª. ed., São Paulo: Editora
Atlas S.A., 2006, p. 91.
304
COSTA, Coqueijo. Direito Judiciário do Trabalho. Forense: Rio de Janeiro, 1978, p.
24.
305
“Art. 267, IV, do CPC: quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição
e de desenvolvimento válido e regular do processo”.
306
“Art, 5º., LIII, da Constituição: ninguém será processado nem sentenciado senão pela
autoridade competente”.
307
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. A sentença no Processo do Trabalho, São Paulo:
Editora LTr, 1994, p.155.
98
isto é, possibilidade jurídica, quando envolve sujeito de Direito
Internacional Público
308
.
Dispõe o artigo 88 do Código de Processo Civil
309
, se o ente de
Direito Público externo tiver agência, filial ou sucursal, no Brasil, será
competente a autoridade judiciária brasileira.
Em relação à competência da Justiça do Trabalho, para entes de
Direito Público externo, esta estava prevista, inicialmente, no art. 114,
caput, da Constituição de 1988. Assim, a redação anterior à Emenda
Constitucional nº. 45/2004 era:
Compete à Justiça do Trabalho, conciliar e julgar os dissídios individuais e
coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de
direito público externo e da administração pública direta e indireta dos
Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da
lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os
litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças,
inclusive coletivas.
Com a nova redação, acrescentou-se o inciso I ao art. 114, da
Constituição:
Art. 114: Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito
público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Segundo Estevão Mallet, relação de trabalho é conceito mais amplo
que o de emprego, abrangendo todas as relações jurídicas em que
prestação de trabalho, tanto no âmbito de contrato de trabalho, como no de
prestação de serviços e, mesmo em outros contratos em que haja trabalho
310
.
No tocante às competências preceituadas no art. 114, I, da
Constituição:
308
TESS, Eduardo Carvalho; LEITE, Clarisse Frechiani Lara. Imunidades de Jurisdição e
de Execução no Âmbito da Arbitragem Comercial Internacional. Revista do Instituto
dos Advogados de São Paulo (IASP). Revista dos Tribunais, ano 7, nº. 14, p. 11,
jul/dez. 2004.
309
“Art. 88 do CPC: Tem-se igualmente por erro substancial que disser respeito a
qualidades essenciais da pessoa, a quem se refira a declaração de vontade”.
310
COUTINHO, Grijalbo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (coord.). Justiça do Trabalho:
Competência ampliada. São Paulo: Editora LTr, 2005, p. 72.
99
Está bastante claro, a nosso ver, o obstante a imprecisão do termo
relação de trabalho, que a competência material da Justiça do Trabalho foi
ampliada, extrapolando os lindes da relação de emprego (dissídios entre
trabalhadores e empregadores) e alcançando as relações jurídicas cujo
objeto principal seja a atividade de pessoa física que presta serviços para
outra pessoa física ou jurídica (contratos de atividade), sob vínculo
celetista ou regulada pelo direito comum
311
.
Nas demais leis constitucionais anteriores não havia previsão alguma
quanto aos entes de Direito Público externo.
Como analisa Silvana Mandalozzo, fazendo um retrospecto histórico
das Constituições do Brasil:
Nas Constituições brasileiras de 1946 a 1967, nada estava previsto acerca
da competência da Justiça do Trabalho em relação aos entes de direito
público externo. Isto se observa pela redação contida no caput de tais
diplomas legais. No artigo 123 da Constituição dos Estados Unidos do
Brasil, de 1946 constava: Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar
os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e as
demais controvérsias oriundas do trabalho regidas por legislação especial.
O artigo 134 da Constituição do Brasil de 1967 dispunha que: Compete à
Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos
entre empregados e empregadores e as demais controvérsias oriundas de
relações de trabalho regidas por lei especial. O artigo 142 da Emenda
Constitucional n.1 de 1969, estabelecia: Compete à Justiça do Trabalho
conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e
empregadores e, mediante lei, outras controvérsias oriundas de relação de
trabalho
312
.
Ressalta-se que o texto do artigo 125 da Constituição anterior, fazia
com que se atribuísse à Justiça Federal competência para o exame dessa
matéria.
Diante de tal divergência, estabeleceu-se a Súmula . 83 do Tribunal
Federal de Recursos
313
: “Compete à Justiça Federal processar e julgar
reclamação trabalhista movida contra representação estrangeira, inclusive
para decidir sobre a preliminar de imunidade jurisdicional (DJ de 17.06.81,
pág. 5.918)”.
311
COUTINHO, Grijalbo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (coord.). Justiça do Trabalho:
Competência ampliada. São Paulo: Editora LTr, 2005, p. 365.
312
MANDALOZZO, Silvana Souza Netto. Imunidade de Jurisdição dos Entes de Direito
Público Externo na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001, p. 58.
313
ALMEIDA, Ísis de. Manual de Direito Processual do Trabalho. 3ª. ed., São Paulo: LTr,
1991, p. 195.
100
Na mesma época, houve decisão em contrário no Processo RO-
6.303/80 da 2
a
. Região, em que se declarou competente a Justiça do
Trabalho para apreciar reclamações contra Consulados e Embaixadas
314
.
Tal discussão se encerra com o advento da Constituição de 1988, cujo
art. 114, alterado pela Emenda Constitucional nº. 45/2004, estabelece a
competência da Justiça do Trabalho, englobando os entes de Direito Público
externo.
Para Carlos Henrique Bezerra Leite, o inciso I, do art. 114, da
Constituição, diz respeito à regra de competência e não de jurisdição.
Entende que somente no processo de conhecimento é que não há imunidade
de jurisdição em matéria trabalhista em que o ente de Direito Público
externo figura no pólo passivo da obrigação
315
.
Importante ressalvar as demandas aforadas antes da promulgação da
Constituição de 1988, a competência era da Justiça Federal, de acordo com
o art. 27, parágrafo 10, do ADCT. Nesse sentido, foi a decisão do STF no
Ac. 9.696-3-SP do Ministro Sydney Sanches:
Não imunidade judiciária para o Estado estrangeiro, em causa de
natureza trabalhista. Em princípio, esta deve ser processada e julgada pela
Justiça do Trabalho, se ajuizada depois do advento da Constituição Federal
de 1988 (art.114). Na hipótese, porém, permanece a competência da
Justiça Federal, em face do disposto no parágrafo 10 do artigo 27 do
ADCT da CF/1988, c/c art.125, II, da EC l/69. Recurso ordinário
conhecido e provido pelo Supremo Tribunal Federal para se afastar a
imunidade judiciária reconhecida pelo Juízo Federal de primeiro grau, que
deve prosseguir no julgamento da causa, como de direito.
Observa-se que o art. 114, I, da Constituição ao estabelecer a
competência, não exclui o Princípio da Imunidade. Em igual pensamento,
afirma Valentin Carrion:
Mas, para pensar-se que o art. 114 da CF com seis palavras suprimiu toda
uma longa construção costumeira, legislativa e judiciária, que respeita a
soberania, seria necessário que o dissesse expressa e taxativamente, o que
314
ALMEIDA, Ísis de. Manual de Direito Processual do Trabalho. 3ª. ed., São Paulo: LTr,
1991, p. 195.
315
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4ª. ed., São
Paulo: Editora LTr, 2006, p. 229.
101
não se depreende do texto. Ainda mais que o Brasil se rege nas suas
relações internacionais pela ‘igualdade entre os Estados’ (art. 4
o
., V) e a
‘solução pacífica dos conflitos’ (VI). A igualdade é a origem do brocardo,
consagrado desde a idade média, par in parem non habet imperium (o
igual não tem império sobre o semelhante). A simples afirmação de
competência para julgamento não afastaria o princípio da imunidade. A
Constituição anterior dava à Justiça Federal competência genérica para
julgar as ações de estados estrangeiros (art. 122, II), e o princípio nunca
deixou de ser respeitado. Assim, o art. 114 poderia ter o efeito de afastar a
competência de outra jurisdição nacional para conhecer de ação
trabalhista, superando, assim, a Súmula 83 do antigo TFR
316
.
Entendimento diverso é o considerado pelo art. 114 da Constituição
que não trata de competência, mas também de imunidade de jurisdição
para os entes de Direito Público externo. Assim, os Tratados que
estabelecem imunidade de jurisdição e integram o ordenamento jurídico
brasileiro podem ser objeto de conflito com a Constituição Federal
317
.
Diante disso, seria analisado o disposto no art. 5
o
., parágrafo 2
o
., da
Constituição
318
.
Como solução, Francisco Rezek explica que se deve preservar a Carta
Magna, pois é a lei fundamental do Estado, mesmo que seja ilícito no plano
externo e possa ser responsabilizado
319
.
6.2
Imunidade de Jurisdição na Lide Trabalhista
O trabalho prestado por nacional, no Brasil, é, em princípio, regido
pela lei material brasileira
320
.
316
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 27ª. ed., São
Paulo: LTr, 2002, p. 480.
317
MANDALOZZO, Silvana Souza Netto. Imunidade de Jurisdição dos Entes de Direito
Público Externo na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001, p. 62.
318
“Art. 5º., parágrafo 2
o
., da Constituição: Os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela
adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte”.
319
REZEK, José Francisco. Direito dos Tratados. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 461.
320
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução no Processo do Trabalho. São Paulo:
Editora LTr, 1991, p. 23.
102
Como exposto, a competência material da Justiça do Trabalho está
ampliada, ou seja, se antes cuidava apenas das relações de emprego, hoje,
dispõe sobre as relações de trabalho.
Para Amauri Mascaro Nascimento, o Direito Processual
321
deve
acompanhar, no Brasil, essa força expansionista quanto à competência
jurisdicional para as questões do trabalho. Conseqüentemente, o Direito
Processual do trabalho, ao definir a competência, não se volta apenas às
questões de empregados. Isto posto, compreende-se melhor a diferença
entre trabalho, como gênero, e relação de emprego, como espécie
322
.
Nesse aspecto, Francisco Rossal de Araújo expõe:
A relação de trabalho mencionada no art. 114, I, da Constituição, não
distingue entre trabalho autônomo e trabalho subordinado. Se houvesse
alguma restrição apenas no âmbito do trabalho subordinado, a expressão
correta seria “relação de emprego”, pois esta é espécie da relação de
trabalho que, por seu turno, constitui gênero. Portanto, a competência da
Justiça do Trabalho é para solucionar ações envolvendo relações de
trabalho no sentido lato, estejam elas inseridas num contexto de auto-
organização do trabalho (trabalho autônomo) ou num contexto de
consciência de cumprir ordens, interando-se nos desígnios econômicos da
empresa (trabalho subordinado)
323
.
Consoante Súmula 207 do TST
324
, a lei aplicável será a do país em
que houve a prestação de serviço, isto é, onde o contrato de trabalho foi
executado, atendendo-se ao princípio da lex executionis.
Ao tratar da imunidade de jurisdição, Ísis de Almeida leciona que,
quando o Estado passa ao âmbito das atividades privadas, está renunciando
tacitamente aos privilégios e imunidades de que goza enquanto soberano
325
.
321
Entende-se como “processo”, o método formal e dialético de debate em demanda
judiciais.
322
COUTINHO, Grijalbo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (coord.). Justiça do Trabalho:
Competência Ampliada. São Paulo: Editora LTr, 2005, p. 29.
323
COUTINHO, Grijalbo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (coord.), op. cit., p. 99.
324
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmula 207: “A relação jurídica é regida
pelas leis vigentes no país da prestação de serviço e não por aquelas do local da
contratação”.
325
BOSON, Gerson de Britto Mello, apud, ALMEIDA, Ísis de. Manual de Direito
Processual do Trabalho. v. I, São Paulo: LTr, 1991, p. 193.
103
Atualmente, ainda se encontra entendimento de que a imunidade de
jurisdição persiste quando o ente de Direito Público externo é parte na
demanda. Adotada essa posição, o juiz decide de ofício.
Salienta Wagner Giglio: “A doutrina internacional reconhece na
realidade, a existência de uma dupla imunidade: de jurisdição e de
execução
326
.
A imunidade não é absoluta, principalmente quando o empregado é
brasileiro, ainda que se considerem as Convenções de Viena. Isso é
demonstrado por Ísis de Almeida:
A esta altura, entretanto, é relevante lembrar que o Brasil subscreveu as
duas Convenções de Viena, relativamente à imunidade de jurisdição dos
agentes diplomáticos e dos agentes consulares. E, em ambas, a isenção
abrange os membros do pessoal administrativo e técnico da missão,
inclusive as pessoas de suas famílias que com eles vivam. Mas não os
abrange quando sejam nacionais do Estado acreditante ou nele tenham
residência permanente
327
.
Não se pode usar da imunidade de jurisdição como meio de se eximir
de responsabilidades o Estado que contrata nacionais do Estado do território
para prestar-lhe serviço de natureza privada
328
.
Atualmente, entende-se não subsistir a imunidade de jurisdição,
quando se trata de fase de conhecimento, como demonstra Silvana
Mandalozzo:
Pode-se partir de duas premissas que fundamentam a não existência de
imunidade de jurisdição trabalhista aos entes de direito público externo:
porque a Constituição da República de 1988 assim estabeleceu ou porque o
direito internacional assim autoriza. A segunda forma de interpretação é a
mais viável de ser adotada pela sua amplitude, aliando-se à noção de que o
bom direito permite esta forma
329
.
326
GIGLIO, Wagner. Direito Processual do Trabalho. 7ª. ed., São Paulo: LTr, 1993, p. 68.
327
ALMEIDA, Ísis de. Manual de Direito Processual do Trabalho. 3ª. ed., São Paulo: LTr,
1991, p. 194.
328
ROMITA, Arion Sayão. Entes de Direito Público Externo. Aspectos da Competência.
Revista Síntese Trabalhista, Administrativa e Previdenciária, v. 13, p. 14, jul. 2001.
329
MANDALOZZO, Silvana Souza Netto. Imunidade de Jurisdição dos Entes de Direito
Público Externo na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001, p. 81.
104
Desse modo, também se verifica decisão em diversas demandas, a
título de exemplo, algumas são transcritas a seguir:
ENTE DE DIREITO PÚBLICO EXTERNO COMPETÊNCIA DA
JUSTIÇA DO TRABALHO IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO
CARÁTER RELATIVO A propósito do problema da imunidade
jurisdicional invocada em conflito de natureza trabalhista, quando litigam
um ente de direito público externo e seu empregado, a jurisprudência
firmada pelo Supremo Tribunal Federal, sob a égide da vigente
Constituição, consolidou-se no sentido de atribuir-lhe caráter meramente
relativo e, em conseqüência, não impede que os juízes e tribunais
brasileiros conheçam de tais controvérsias e sobre elas exerçam o poder
jurisdicional que lhes é inerente, tal como reconhecida pelo direito
internacional público e consagrada na prática internacional. Agravo de
Instrumento não provido
330
.
RECURSO DE REVISTA. ORGANISMO INTERNACIONAL.
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO PARA O PROCESSO DE
CONHECIMENTO. RELATIVA E NÃO ABSOLUTA. I abrandado
o arcaico princípio consuetudinário da imunidade jurisdicional absoluta,
para o processo de conhecimento, conferida aos Estados Estrangeiros, essa
tendência atual, no plano do direito comparado, na doutrina e na
jurisprudência, de se aplicar igualmente aos Organismos Internacionais,
desde que atuem no âmbito das relações privadas, especialmente na área
do Direito do Trabalho. II – Sabendo ser o costume fonte de Direito
Internacional Público e que o princípio consuetudinário da imunidade
absoluta do Estado Estrangeiro acha-se em franco desuso, idêntica
orientação deve ser imprimida na análise dos decretos nº.s 52.288/63 e
59.298/66, de modo a relativizar a imunidade ali conferida aos Organismos
Internacionais, para o processo de conhecimento, atualizando-os às
injunções do mundo globalizado. III – Recurso conhecido e provido
331
.
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO - ESTADO ESTRANGEIRO – CAUSA
TRABALHISTA Com o advento da Constituição Federal de mil
novecentos e oitenta e oito, competente é esta Justiça Especializada para
julgar os feitos referentes a dissídios entre trabalhadores e empregadores
envolvendo entes de direito público externo. Não há que se falar em
imunidade de jurisdição para o estado estrangeiro em causa de natureza
trabalhista. Recurso de embargos conhecido e desprovido
332
.
330
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Entes de Direito Público Externo.
Competência da Justiça do Trabalho. Imunidade de Jurisdição. AIRR 649528 – 5ª. T. –
Rel. Min. Conv. Walmir Oliveira da Costa. DJU 20.04.2001, p. 592.
331
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Organismo Internacional. Imunidade de
Jurisdição para o Processo de Conhecimento. Relativa e não Absoluta. RR-1257/2004-
015-10-00.5; 4ª. Turma; Min. Barros Levenhagen. DJ 27.10.2006.
332
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Imunidade de Jurisdição. Estado Estrangeiro.
Causa Trabalhista. Ac. 1.257, Decisão: 26.03.1996, Tipo: E-RR 1.698, 1985, Região:
01, UF: RJ, Embargos em Recurso de Revista, Órgão julgador, Seção Especializada em
Dissídios Individuais, Turma: DI, Relator Ministro Vantuil Abdala.
105
Conforme o exposto, por mais que possa existir uma questão política,
não há como o Poder Judiciário aceitar qualquer intervenção do Poder
Executivo, no sentido de aceitar a imunidade de jurisdição do ente de
Direito Público externo. A Constituição Federal é clara quanto à
independência dos poderes.
Outra situação é em relação à terceirização, isto é, contrato de
prestação de serviços com Estado Estrangeiro ou organização internacional.
Neste caso, aplica-se a Súmula 331, IV, do TST
333
.
Na prática, o ente de Direito Público externo seria condenado
subsidiariamente e, posteriormente, poderia exercer direito de regresso em
face da empresa contratada que não honrou com seus compromissos
334
.
O entendimento adotado na doutrina sobre imunidade de jurisdição
quanto ao ente de Direito Público está sendo alterado, como bem trata
Wagner Giglio:
Cumpre ressaltar, finalmente, que a integração de Estados independentes
em blocos econômicos e, numa segunda etapa, também políticos, de que é
o primeiro e maior exemplo a Comunidade Econômica Européia, tende a
atenuar a rigidez do conceito de soberania. E essa atenuação leva e levará,
cada vez mais, à possibilidade de que os Estados passem a aceitar e a
acatar decisões da Justiça de outros Estados, principalmente no que
respeita ao Direito do Trabalho
335
.
O autor afirma, também, que tal tendência já é aceita na Europa
ocidental, e no Brasil os precedentes como o Processo nº. 89.11634-5 do
Superior Tribunal de Justiça, e o Processo nº. 9696-3, do Supremo Tribunal
333
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Enunciado 331, IV: “O inadimplemento das
obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade
subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto
aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das
empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam
participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art.71
da L. 8.666/93) (red. Res. 96/00, DJ, 18.9.00)”.
334
MANDALOZZO, Silvana Souza Netto. Imunidade de Jurisdição dos Entes de
Direito Público Externo na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001, p. 75.
335
GIGLIO, Wagner. Imunidade de Jurisdição. In: ROMITA, Arion Sayon (coord). Curso
de Direito Constitucional do Trabalho. Estudos em homenagem ao Professor Amauri
Mascaro Nascimento. São Paulo: LTr, 1991, pp. 312-319.
106
Federal. No Superior Tribunal de Justiça, invocou-se a doutrina que se
lastreia nos princípios universais de cumprimento das obrigações assumidas
e do dever de reparar o mal injustamente causado. No Supremo Tribunal
Federal, o v. acórdão fundamentou-se na Convenção Européia de 1972, que
afasta a imunidade nos litígios trabalhistas, do Foreign Sovereign
Immunities Act, dos Estados Unidos, e no State Immunity Act, do Reino
Unido, que adotam a mesma linha de rejeitar a imunidade nas questões
trabalhistas
336
.
Importante frisar que os atos legislativos elencados não vigoram no
Brasil e que as condições culturais são diversas
337
.
6.2.1
Aspectos Previdenciários
Em relação à questão previdenciária (Lei 8213/91), Silvana
Mandalozzo ensina:
Aplica-se a legislação brasileira previdenciária quando a pessoa presta
serviços em nosso país a ente de direito público externo, desde que, não
esteja coberta pela legislação previdenciária do país ao qual trabalha, ou ao
qual pertence a organização internacional. Denota-se um alargamento
quanto à aplicabilidade da legislação brasileira, ainda que somente em
relação a uma determinada disciplina, se verificando que a intenção é não
deixar o trabalhador sem proteção no país em que trabalha
338
.
O empregado que presta serviço, no País, à missão diplomática e à
repartição consular ou a órgãos subordinados a elas, é considerado segurado
obrigatório. Todavia, fica excluído o estrangeiro sem residência fixa no
336
GIGLIO, Wagner. Imunidade de Jurisdição. In: ROMITA, Arion Sayon (coord). Curso
de Direito Constitucional do Trabalho. Estudos em homenagem ao Professor Amauri
Mascaro Nascimento. São Paulo: LTr, 1991, pp. 312-319.
337
GIGLIO, Wagner, op. cit., pp. 312-319.
338
MANDALOZZO, Silvana Souza Netto. Imunidade de Jurisdição dos Entes de Direito
Público Externo na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001, p. 76
107
Brasil ou aquele que estiver amparado por legislação do País
representado
339
.
Nesse sentido, dispõe o art. 33 da Convenção de Viena de 1961:
Parágrafo . Salvo o disposto no parágrafo 3º. deste artigo, o agente
diplomático estará no tocante aos serviços prestados ao Estado
acreditante, isento das disposições sobre seguro social que possam
vigorar no Estado acreditado.
Parágrafo 2º. A isenção prevista no parágrafo 1º. deste artigo aplicar-
se-á também aos criados particulares que se acham ao serviço
exclusivo do agente diplomático, desde que: a) não sejam nacionais do
Estado acreditado nem nele tenham residência permanente; e b)
estejam protegidos pelas disposições sobre seguro social vigentes no
Estado acreditante ou em terceiro Estado.
Parágrafo . O agente diplomático que empregue pessoas a quem não
se aplique a isenção prevista no parágrafo . deste artigo deverá
respeitar as obrigações impostas aos patrões pelas disposições sobre
seguro social vigentes no Estado acreditado.
Parágrafo 4º. A isenção prevista nos parágrafos 1º. e 2º. deste artigo
não exclui a participação voluntária no sistema de seguro do Estado
acreditado, desde que tal participação seja admitida pelo referido
Estado.
Parágrafo 5º. As disposições deste artigo não afetam os acordos
bilaterais ou multilaterais sobre seguro social concluído e não
impedem a celebração ulterior de acordo de tal natureza
340
.
Da mesma forma, o art. 48 da Convenção sobre Relações Consulares:
Isenção do Regime de Previdência Social.
1. Sem prejuízo do disposto no parágrafo 3º. do presente artigo, os
membros da repartição consular, com relação aos serviços prestados
ao Estado que envia, e os membros de sua família que com eles
viviam, estarão isentos das disposições de previdência social em vigor
no Estado receptor.
2. A isenção prevista no parágrafo 1º. do presente artigo aplicar-se-á
também aos membros do pessoal privado que estejam a serviço
exclusivo dos membros da repartição consular, sempre que: a) não
sejam nacionais do Estado receptor ou nele não residam
permanentemente; b) estejam protegidos pelas disposições sobre
previdência social em vigor no Estado que envia ou num terceiro
Estado.
3. Os membros da repartição consular que empreguem pessoas às
quais não se aplique a isenção prevista no parágrafo . do presente
339
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários à Lei Básica da Previdência Social. 4ª.
ed., São Paulo: LTr, 2003, p. 86.
340
BRASIL. Decreto nº. 56.435/1965. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em:
10.12.2006.
108
artigo devem cumprir as obrigações impostas aos empregadores pelas
disposições de previdência social do Estado receptor.
4. A isenção prevista nos parágrafos 1º. e 2º. do presente artigo não
exclui a participação voluntária no regime de previdência social do
Estado receptor, desde que seja permitida por este Estado
341
.
Na legislação, o Decreto-Lei nº. 691/69 estabeleceu a não-aplicação
da CLT a estrangeiro no País. Até a Lei . 6887/80, os empregados de
missão diplomática e repartição consular eram tidos como autônomos. Com
o Decreto-Lei . 2253/85, ficou normatizada a filiação dos empregados da
representação estrangeira
342
.
Segundo Wladimir Novaes Martinez, as missões diplomáticas são
consideradas empregadores, embora não devam ser consideradas empresas,
exceto no que se refere a obrigações previdenciárias
343
.
Sobre a execução dessas obrigações, Georgenor de Sousa Franco
Filho salienta que as Convenções de Viena asseguram impenhorabilidade
dos bens em relação à execução judicial de sentença condenatória
decorrente de inadimplemento das obrigações da legislação aplicável sobre
Previdência Social
344
.
6.3
Noções Gerais do Processo
A demanda deve ser proposta perante as Varas do Trabalho ou Juízo
de Direito que estejam investidos da jurisdição trabalhista.
Os Estados e as organizações internacionais podem ser partes
legítimas, conforme art. 42 do Código Civil de 2002
345
.
341
BRASIL. Decreto nº. 61.078/1967. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 10
de dezembro de 2006.
342
MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários à Lei Básica da Previdência Social. 4ª.
ed., São Paulo: Editora LTr, 2003, p. 108.
343
MARTINEZ, Wladimir Novaes, op. cit., p. 133.
344
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Imunidade de Jurisdição Trabalhista dos Entes
de Direito Internacional. São Paulo: Editora LTr, 1986, pp. 57-58.
345
“Art. 42 do Código Civil: São as pessoas jurídicas de direito público externo os
Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional
público”.
109
Neste momento, vale lembrar que a parte Autora ou deve ser ente
de Direito Internacional Público. No caso de Estados estrangeiros, estes
devem constar como parte, não se devendo aceitar que constem Consulados
ou Embaixadas, fato que geralmente ocorre.
Nas palavras de Novély Vilanova da Silva Reis:
Não ser deve propor ação ou reclamação trabalhista contra embaixada,
governo, embaixador ou consulado. “Embaixada” é a repartição onde
funciona a Missão Diplomática; “governo” é a condução política dos
negócios públicos; “embaixador” é o Chefe de Missão; “consulado” é a
repartição consular. Legitimado passivamente, portanto, é o próprio Estado
estrangeiro, conforme a sua denominação internacional. Por exemplo:
República Oriental do Uruguai e o “Embaixada do Uruguai”. É o velho
linguajar forense complicando as coisas...
346
.
Em relação ao procedimento a ser adotado existe, também, a
possibilidade do sumaríssimo, eis que o art. 852-A, parágrafo único, da
CLT
347
, não estendeu as hipóteses excludentes aos entes de Direito Público
externo.
Dever-se-á proceder à citação, por conseguinte.
Consoante exposição de Novély Vilanova da Silva Reis, o juiz não
deve indeferir, de ofício, a petição inicial, sob o argumento de imunidade de
jurisdição do ente de Direito Internacional Público. Deve-se proceder à
citação do Réu para que este aprecie se ou não imunidade, bem como
pode ocorrer renúncia
348
.
Além disso, não se poderá fazer por “AR (aviso de recebimento)
como, geralmente, procede-se na Justiça do Trabalho. Aplica-se,
346
REIS, Novély Vilanova da Silva. O Estado Estrangeiro e a Jurisdição Brasileira. Rio
de Janeiro, Repertório IOB, Jurisprudência Civil, Processual, Penal e Comercial, nº. 19,
pp. 338-340, 1ª. quinzena de out. 1996.
347
“Art. 852-A: Os dissídios individuais cujo valor não exceda a 40 (quarenta) vezes o
salário mínimo vigente na data do ajuizamento da reclamação ficam submetidos ao
procedimento sumaríssimo. Parágrafo único: Estão excluídas do procedimento
sumaríssimo as demandas em que é parte a Administração Pública direita, autárquica e
fundacional”.
348
REIS, Novély Vilanova da Silva, op. cit., pp. 338-340.
110
subsidiariamente ao Processo do Trabalho, o art. 222 do CPC
349
e,
conseqüentemente, proíbe-se citação pelos Correios quando a Pessoa de
Direito Público é ré.
Nesse sentido, assevera Novély Vilanova da Silva Reis:
Não tem sentido a citação por carta rogatória porque a Missão Diplomática
representa o Estado estrangeiro/réu acreditado no Brasil. A citação por
oficial de justiça não é aconselhável, pois “os locais da Missão são
invioláveis, não podendo os agentes do Estado acreditado (o Brasil) neles
penetrar sem o consentimento do Chefe da Missão”. Além disso, “o Estado
acreditado tem a obrigação especial de adotar todas as medidas apropriadas
para proteger os locais da Missão contra qualquer intrusão ou dano e evitar
perturbações à tranqüilidade da Missão ou ofensas a sua dignidade”
(Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, art. 222, itens 1º. e 2º.).
Diante dessas dificuldades, o juiz deve solicitar, por ofício, ao Chefe
do Departamento Consular e Jurídico do Ministério das Relações
Exteriores, que proceda à citação. O ofício será instruído com cópia da
petição inicial e dos documentos. Uma via do ofício com a “nota de ciente”
do Chefe da Missão Diplomática, ou a “nota verbal” de recebimento será
encaminhada ao juiz para juntada nos autos. Dessa juntada é que se conta o
prazo para a resposta (CPC, art. 241, II, por analogia). A citação para a
execução de ser efetuada da mesma forma que a citação para a ação de
conhecimento
350
.
É conveniente que se proceda à citação por meio do Ministério das
Relações Exteriores.
Sob a ótica da Diretoria-Geral de Assuntos Consulares, Jurídicos e de
Assistência Brasileira, no Exterior, ao ser instaurada uma demanda judicial
em face de um ente de Direito Público externo, o juiz oficia ao Itamaraty
para que notifique a missão estrangeira a comparecer à audiência. O
Itamaraty envia uma nota diplomática à embaixada e um ofício ao juiz,
349
“Art. 222, do CPC: A citação será feita pelo correio, para qualquer comarca do País,
exceto: a) nas ões de estado; b) quando for pessoa incapaz; c) quando for ré pessoa
de direito público; d) nos processos de execução; e) quando o réu residir em local não
atendido pela entrega domiciliar de correspondência; f) quando o autor a requerer de
outra forma”.
350
REIS, Novély Vilanova da Silva. O Estado Estrangeiro e a Jurisdição Brasileira. Rio
de Janeiro, Repertório IOB, Jurisprudência Civil, Processual, Penal e Comercial, n. 19,
pp. 338-340, 1ª. quinzena de out. 1996.
111
dando conta da providência adotada e da data da notificação. Caso a missão
estrangeira invoque a imunidade e avise que não comparecerá à audiência, o
Itamaraty comunica que os Tribunais brasileiros firmaram jurisprudência no
sentido de que as pessoas jurídicas de Direito Público externo não gozariam
de imunidades com relação aos atos de gestão, como é o caso das relações
trabalhistas estabelecidas localmente
351
.
A título de curiosidade, Lúcio Pires de Amorim, que é embaixador,
relata alguns casos. A Embaixada da Síria, por exemplo, teria devolvido, em
termos quase que desaforados, a intimação transmitida por nota
diplomática. Neste caso, foi acionado o Embaixador em Damasco para que
o Governo sírio atenda à intimação. a Embaixada da Alemanha,
sistematicamente, teria devolvido intimações judiciais, alegando que o
demandante deve ser o Governo da República Federal Alemã e não a
Embaixada de seu país. Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal deu em
duas situações exequatur e as cartas rogatórias foram cumpridas
352
.
Nessa oportunidade, poderá ocorrer: conciliação, argüição de
preliminar de imunidade, ou, ainda, o ente de Direito Internacional Público
pode não comparecer.
Na primeira hipótese, os autos serão arquivados, após o cumprimento
do acordo. Se o ente de Direito Internacional Público comparecer, em Juízo,
este poderá argüir preliminar de imunidade de jurisdição. Observe-se que o
prazo para oferecer resposta será em quádruplo, aplicando-se, por analogia,
o art. 1º., II, do Decreto-Lei nº. 779/69, combinado com o art. 841, da
CLT
353
. Caso não compareça à audiência, o ente será processado, haja vista
a competência da Justiça do Trabalho, conforme dispõe o art. 114, I, da
Constituição.
Quanto ao pagamento de custas, ao se analisarem o Decreto-Lei nº.
779/69, a Lei . 9.289/96 e a Lei nº. 10.537/02, não há previsão de isenção
para os entes de Direito Público externo. No tocante à isenção de custas
351
AMORIM, Lúcio Pires de. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista
CEJ, v. 19, p. 43, 2001.
352
AMORIM, Lúcio Pires de, op. cit., p. 43.
353
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Da Competência Internacional da Justiça do
Trabalho, Revista do TST, São Paulo, LTr, p. 42, 1988.
112
igual à da União, dos Estados, dos Municípios, do Distrito Federal e das
Autarquias ou das Fundações de Direito Público que não explorem
atividades econômicas, conclui Silvana Mandalozzo:
Para assegurar o mesmo tratamento dispensado à Administração Pública,
quando muito, poder-se-ia argumentar que, os entes de DIP estariam
isentos quanto ao pagamento das custas processuais, para se evitar
qualquer problema, posição esta sem base legal. Esta interpretação pode
ser extraída do Enunciado 4 do E.TST, o qual o restringe a sua
aplicabilidade às pessoas jurídicas de direito público interno
354
.
Por outro lado, para Georgenor de Sousa Franco Filho, a teor do
Enunciado 4 do TST
355
, as pessoas de Direito Público externo estão
dispensadas, tanto do depósito recursal, quanto do pagamento das custas,
sendo isenta a União Federal. Esclarece que tal entendimento decorre do
tratamento preferencial dada pela Constituição aos entes de Direito
Internacional Público. Além disso, o mesmo autor declara
356
:
O pagamento das custas, que revertem em favor dos cofres públicos
nacionais, importa em retirar dos entes de DIP a isenção fiscal que os
diplomas internacionais lhes conferem, como, v.g., o art. 34 da Convenção
de 1961 e o art. 49 da Convenção de 1963 (ambas, de Viena) e contraria lei
interna brasileira que obriga a observância dos tratados internacionais
(Cód. Trib. Nac., art. 8º.). Já o depósito recursal importaria em se submeter
o ente de DIP, pecuniariamente, a ordenamento jurídico que não o seu,
inclusive, causando-lhe, mais tarde, eventuais prejuízos, face à
desvalorização da moeda, e num caso absurdo de renúncia tácita à isenção
de execução, que é convencionalmente defesa, além de atentar contra o
princípio da igualdade soberana dos Estados.
Em relação à isenção de custas, a 1ª. Turma do Tribunal Superior do
Trabalho, em decisão publicada no Diário da Justiça, em 17.11.2006,
entendeu que o organismo internacional, para efeitos de interposição de
354
MANDALOZZO, Silvana Souza Netto. Imunidade de Jurisdição dos Entes de Direito
Público Externo na Justiça do Trabalho.São Paulo: LTr, 2001, p. 81.
355
Súmula 4 do TST: CUSTAS – CANCELADA – As pessoas jurídicas de direito público
não estão sujeitas a prévio pagamento de custas, nem a depósito da importância da
condenação, para o processamento de recurso na Justiça do Trabalho. (RA 28/1969, DO
– GB 21.8.1969) – Cancelada pela Res. Adm. do TST (PLENO) n. 121, de 28.10.03, DJ
19.11.03, Rep. DJ 25.11.03”.
356
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Imunidade de Jurisdição Trabalhista dos Entes
de Direito Internacional. São Paulo: Editora LTr, 1986, pp. 96-97.
113
recurso no processo do trabalho, está dispensado
357
.
No que se refere ao depósito recursal, a Instrução Normativa 3/93 do
E. TST, no item X,
358
deixa clara a não exigência deste, em qualquer fase
do processo ou grau de jurisdição, quando for ente de Direito Público
externo.
Importante posicionamento doutrinário entende que se deve proceder
ao reexame necessário, previsto no Decreto-Lei nº. 779/69, art. 1
o
., V
359
, da
mesma forma ocorrida com os entes da Administração Pública. Aqueles que
assim entendem fundamentam tal posição no fato de existir um interesse
público quando Estado estrangeiro ou organizações internacionais são parte.
Assim, o prazo seria também em dobro para interpor o recurso
360
.
Nesse sentido, entende Georgenor de Sousa Franco Filho: Quanto ao
prazo para interposição do recurso voluntário, entende-se ser em dobro para
o ente de Direito Internacional Público, aplicando-se, ex aequo et bono, o
art. 1º., III, do Dec. Lei nº.779/69”
361
.
357
Nesse sentido, a seguinte ementa: PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO
EXTERNO. ISENÇÃO. RECOLHIMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS. O organismo
internacional, para efeitos de interposição de recurso no processo do trabalho, está
dispensado do recolhimento de custas processuais. Recurso de revista conhecido e
provido. 1ª. Turma - RR-1865/2002-005-07-00. DJ de 17.11.2006. Rel. Min. Vieira de
Mello Filho. O 7º. Tribunal Regional do Trabalho, mediante o acórdão às fls. 152/153,
complementado pela decisão às fls.175, não conheceu do recurso ordinário do
reclamado por deserção, sob o fundamento de que, em se tratando de pessoa jurídica de
direito público externo, o recurso ordinário não está condicionado a prévio
recolhimento do depósito recursal, nos moldes da Instrução Normativa nº. 03 do TST,
inciso X, todavia com relação às custas não existe norma legal no ordenamento jurídico
pátrio vigente que estabeleça tal isenção. Inconformado, o reclamado interpõe o
presente recurso de revista às fls. 179/180, com fundamento no art. 896, da CLT.
Insurge-se contra a deserção do recurso ordinário alegando que tal decisão diverge do
aresto transcrito, oriundo da SBDI-2, que, em caso idêntico, admite a isenção das
custas. Sustenta, ainda que, em se tratando de estado estrangeiro e organismo
internacional, deve ser aplicada por analogia a isenção prevista no Decreto-Lei nº.
779/69, inciso VI, no art. 511 do CPC e no art. 790-A da CLT, conforme preceitua o art.
4º., inciso V, da Constituição Federal. O recurso foi admitido pela decisão às fls. 186-
187. Não foram apresentadas contra-razões. O processo não foi submetido a parecer do
Ministério Público do Trabalho.
358
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. “Instrução 3/93: “As pessoas jurídicas de
direito público não estão sujeitas a prévio pagamento de custas, nem o depósito da
importância da condenação, para o processamento de recurso na Justiça do Trabalho”.
359
“Art. 1
o
., V, do Decreto-Lei nº. 779/69: o recurso ordinário ex officio das decisões que
lhe sejam total ou parcialmente contrárias”.
360
MANDALOZZO, Silvana Souza Netto. Imunidade de Jurisdição dos Entes de Direito
Público Externo na Justiça do Trabalho.o Paulo: LTr, 2001, p. 81.
361
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Imunidade de Jurisdição Trabalhista dos Entes
de Direito Internacional. São Paulo: Editora LTr, 1986, p. 95.
114
No tocante à atuação do Ministério Público do Trabalho, conforme
dispõe o art. 83, da Lei Complementar nº. 75/93, XIII, é obrigatório intervir
em todos os feitos, nos segundo e terceiro graus de jurisdição da Justiça do
Trabalho, quando a parte for pessoa jurídica de Direito Público, Estado
estrangeiro ou organismo internacional
362
.
Caso não haja recurso, o final do processo se com o trânsito em
julgado da sentença. Georgenor de Sousa Franco Filho afirma que deve
haver recurso ex officio, por analogia aos entes de Direito Internacional
Público
363
.
Assim, da sentença, o Itamaraty é comunicado para que informe à
missão diplomática estrangeira e, se houver condenação, o chefe da missão
diplomática ou seu substituto é convocado pelo chefe do cerimonial do
Itamaraty, que faz entrega da nota e encaminha a sentença, em mãos,
devendo a mesma ser respeitada
364
.
Quanto ao resultado, segundo Lúcio Pires de Amorim:
“O resultado dessa gestão diplomática é muito variável. Algumas missões
acatam a decisão, enquanto muitas outras simplesmente a ignoram. O
Itamaraty volta a instar o cumprimento da sentença quando provocado pelo
juiz do feito ou, em casos um pouco mais raros, por solicitação da parte
prejudicada”
365
.
Essas são algumas considerações relevantes a fazer sobre os atos
processuais, na fase de conhecimento, quando ente de Direito
Internacional Público envolvido. Todavia, cabe analisar, ainda, a renúncia à
imunidade, em tópico apartado.
362
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 25ª. ed., São Paulo: Editora
Atlas S.A., 2006, p. 139.
363
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Da Competência Internacional da Justiça do
Trabalho, Revista do TST, São Paulo: LTr, 1988.
364
AMORIM, Lúcio Pires de. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista
CEJ, v. 19, p. 44, 2001.
365
AMORIM, Lúcio Pires de, op. cit., p. 44.
115
6.4
Renúncia à Imunidade de Jurisdição
A solução de conflitos internacionais, mesmo quando os Estados são
partes, pode ser mais eficaz quando é submetida à jurisdição estrangeira e
conectada ao conflito ou ao Réu.
Desse modo, mesmo em questões de império, possibilidade de os
Estados se submeterem voluntariamente às cortes estrangeiras, na condição
de Autor ou Réu
366
.
Como elucida Carlos Henrique Bezerra Leite:
A imunidade de jurisdição, segundo o entendimento que tem prevalecido,
alcança apenas o processo de execução, ou melhor, não permite a
expropriação dos bens do ente de direito público externo, salvo se este, por
tratado ou sponte sua, renunciar expressamente à “imunidade de
execução”. Como não houve alteração substancial pela Emenda
Constitucional nº. 45/2004, parece-nos que continuará prevalecendo tal
entendimento
367
.
O ente de Direito Internacional Público pode renunciar à imunidade,
evitando, assim, a discussão acerca do seu cabimento ou não, devendo esta
ser expressa.
Por renúncia, entende-se a abdicação voluntária e unilateral de um
direito subjetivo por seu titular, cuja eficácia é ex nunc e irrevogável. A
renúncia pode afastar privilégios e imunidades dos entes de Direito
Internacional Público.
Em relação ao silêncio, este será aceito como renúncia tácita se for
acolhida como conclusiva, ou seja, silêncio qualificado
368
.
Cabe dizer que, no Brasil, as Constituições sempre dispuseram sobre a
competência dos órgãos judiciários brasileiros para julgar os Estados
estrangeiros soberanos. Aduz Gilmar Ferreira Mendes que a Constituição de
366
MENDES, Gilmar Ferreira. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista
CEJ, v. 19, p. 20, 2001.
367
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4ª. ed., São
Paulo: Editora LTr, 2006, p. 229.
368
CARVALHO, Júlio Marino de. A Renúncia de Imunidades no Direito Internacional.
São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 674, ano 80, p. 33, dez. 1991.
116
1891, em seu art. 101, I, estabelecia a competência do Supremo Tribunal
Federal para julgar os litígios de que fossem partes Nações estrangeiras, a
União ou os Estados. A Constituição atual, por sua vez, distribui
competência para julgar o Estado estrangeiro entre os juízes federais, o
Superior Tribunal de Justiça, a Justiça do Trabalho e o Supremo Tribunal
Federal. Conclui-se, assim, que a prerrogativa da imunidade de jurisdição
sempre caminhou junto à possibilidade de renúncia
369
.
Ressalta-se, por oportuno, que a renúncia à imunidade de jurisdição
não implica renúncia à imunidade de execução, como se constata no art. 32,
parágrafo 4
o
., da Convenção de Viena, verbis: “A renúncia à imunidade de
jurisdição no tocante às ações cíveis ou administrativas não implica
renúncia quanto às medidas de execução da sentença, para as quais nova
renúncia é necessária”
370
.
Segundo Ian Brownlie:
A renúncia pode ocorrer inter alia, por tratado, por comunicação
diplomática ou através da submissão efetiva a um processo instaurado num
tribunal nacional. Esta submissão voluntária à jurisdição não se estende às
medidas de execução. Não se deve deduzir que renúncia, em termos
jurídicos, pelo fato de uma dada atividade ser comercial. Os problemas da
renúncia estão, evidentemente, relacionados com a controvérsia sobre a
extensão da imunidade, utilizando alguns tribunais a doutrina da renúncia
implícita para restringir a imunidade
371
.
Se o ente de Direito Internacional Público for citado e não comparece
à audiência designada, não há renúncia tácita
372
.
Havendo renúncia à imunidade, o feito deve ser instruído e julgado
como qualquer outro.
Conforme leciona Guido Fernando Silva Soares, a doutrina e a
jurisprudência comparadas admitem a renúncia à imunidade de jurisdição
do Estado se: a) o Estado estrangeiro é autor, interveniente, oponente ou réu
369
MENDES, Gilmar Ferreira. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista
CEJ, v. 19, p. 21, 2001.
370
GIGLIO, Wagner. Direito Processual do Trabalho. 7ª. ed., São Paulo: LTr, 1993, p.
69.
371
BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997, p. 361.
372
GIGLIO, Wagner, op.cit., p. 71.
117
reconvinte; b) o Estado age de modo a permitir a decisão sobre o mérito, ou
seja, esse comportamento será interpretado como aceitação tácita da
competência do foro; c) o Estado subscreve cláusula contratual de renúncia
à imunidade, embora haja caso em que é necessária a renúncia específica
373
.
Existe a possibilidade de renúncia tácita, consoante Wagner Giglio:
Por exceção, admite a Convenção de Viena a renúncia implícita quando é
o próprio Estado quem propõe ação no Tribunal estrangeiro; quando o
agente exerce atos de comércio ou de indústria, em nome próprio; ou
possui, em nome próprio, bens imóveis; e ainda quando ocorra
reconvenção na ação proposta pelo Estado estrangeiro
374
.
Para exemplificar, pode o Estado estrangeiro demandar com objetivo
de se reconhecer falta grave de empregado. Entende-se, desse modo, que
houve renúncia implícita
375
.
Acrescenta Pontes de Miranda que, se o Estado estrangeiro, por sua
vontade, propõe, no Brasil, pretensão declaratória, constitutiva,
condenatória, mandamental ou executiva, há renúncia à imunidade
376
.
Para Gerson de Brito Mello Boson, a renúncia expressa é a que se
opera por declaração inequívoca do Estado, quando este é citado, por
declaração unilateral ou cláusula contratual. Por sua vez, a renúncia tácita
ocorre quando o Estado ingressa como autor na causa ou quando aceitar ser
demandado, sem levantar exceção de privilégio ou, em sentido extensivo, a
renúncia sobreposta a atos de gestão, ou seja, quando o Estado se volta à
prática de atos comerciais
377
.
Assim, como ensina Wagner Giglio, o Estado pode renunciar à
imunidade de que goza, por conveniência, como também por interesse na
manutenção de uma boa convivência no âmbito internacional e até como
373
SOARES, Guido Fernando Silva. Das Imunidades de Jurisdição e de Execução. Rio de
Janeiro: Forense. 1984, p. 117.
374
SOARES, Guido Fernando Silva, op. cit., p. 69.
375
MANDALOZZO, Silvana Souza Netto. Imunidade de Jurisdição dos Entes de Direito
Público Externo na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001, p. 85.
135
GIGLIO, Wagner. Direito Processual do Trabalho. 7ª. ed., São Paulo: LTr, 1993, p. 68.
376
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª. ed., Tomo II, Rio
de Janeiro: Forense, 1996, p. 209.
377
BOSON, Gerson de Britto Mello. Imunidade Jurisdicional dos Estados. Revista de
Direito Público, São Paulo, Revista dos Tribunais, nº. 22, ano V, out/dez. 1972.
118
manifestação de sua autonomia. Além disso, quem pode renunciar
expressamente são os responsáveis pelas organizações internacionais e o
Estado, não se aceitando a manifestação, neste sentido, do agente
diplomático, por ser uma garantia de ordem pública
378
.
No tocante às organizações internacionais, entende, em geral, que
somente cabe renúncia à imunidade de jurisdição, eis que são associações
de Estado, com multiplicidade de soberanias e de interesses
379
.
As Convenções que tratam das organizações internacionais, também
são uníssonas em declarar a impossibilidade de execução. Não se lhes
aplicando o princípio da dupla renúncia
380
.
Em situações específicas, ressalte-se caber a decisão sobre a renúncia
de imunidade para as organizações internacionais apenas à alta
administração de seus agentes, e dependerá de cada caso particular. Esta
deverá ser expressa e motivada
381
.
Além disso, não se pode confundir renúncia à imunidade de jurisdição
com renúncia à soberania. Ao se submeter à jurisdição de outro Estado, não
se está abrindo mão de sua soberania. Ao contrário, está exercendo-a
plenamente, visto que lhe é facultado em questões de império a submeter-se
ou não à jurisdição estrangeira. Se o Estado soberano aceita regras de
Direito Internacional, de Direito estrangeiro ou na jurisdição de Tribunais
Internacionais , este o faz de forma voluntária
382
.
A soberania não deve ser entendida como ordem constitucional de
isolamento.
Para Gilmar Ferreira Mendes, a soberania é, por um lado, um
delimitador da atuação internacional dos órgãos do Estado, impondo-lhe
atuação independente e voluntária. Por outro lado, é uma autorização para
378
GIGLIO, Wagner. Direito Processual do Trabalho. 7ª. ed., São Paulo: LTr, 1993, p. 68.
379
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Da Competência Internacional da Justiça do
Trabalho, Revista do TST, São Paulo: LTr, 1988, p. 40.
380
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. O princípio da dupla imunidade e a execução
do julgado contrário a ente de Direito Internacional Público. Revista Jurídica
Trimestral. Trabalho & Doutrina, São Paulo: Editora Saraiva, nº. 8, p. 11, mar. 96.
381
CARVALHO, Júlio Marino de. A Renúncia de Imunidades no Direito Internacional.
São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 674, ano 80, p. 53, dez. 91.
382
MENDES, Gilmar Ferreira. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista
CEJ, v. 19, p. 23, 2001.
119
que o Estado renuncie, sem perder a soberania, às suas competências e
prerrogativas em prol da interação internacional
383
.
Partindo-se da premissa de que a imunidade de jurisdição é
prerrogativa ou atributo da soberania, o Estado, justamente, por ser
soberano, pode voluntariamente renunciar a essa imunidade.
Em relação à renúncia à imunidade e à convenção arbitral, na
Convenção Européia sobre Imunidades dos Estados, o Foreign Sovereign
Immunities Act e o State Immunity Act assumem a posição de que não se
pode invocar imunidades diante do Poder Judiciário local, nas questões
atinentes às convenções de arbitragem, surgidas de transações comerciais
com particulares estrangeiros, relativas à validade e à interpretação de uma
convenção de arbitragem, ao procedimento arbitral ou à anulação do laudo
arbitral, salvo se houver disposição contrária na convenção de arbitragem.
Desse modo, ao aceitar o procedimento arbitral
384
fora de seu território, o
Estado, implicitamente, renunciaria às suas imunidades de jurisdição e
execução, haja vista a convenção arbitral
385
.
Por outro lado, Eduardo Carvalho Tess e Clarisse Frechiani Lara Leite
entendem que a convenção arbitral não se confunde com a jurisdição
estatal
386
, aceitando-se renúncia tácita no que tange a invocar imunidade de
jurisdição frente a Tribunal competente para questões relativas à arbitragem.
383
MENDES, Gilmar Ferreira. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista
CEJ, v. 19, 2001, pp. 24-25.
384
Marco Antônio César Villatore conclui que apesar de existirem boas normas para
solucionar os conflitos das partes através da arbitragem, melhor seria resolver por meio
de conciliação ou mediação. In: VILLATORE, Marco Antônio César. Aspectos Gerais
da Solução Extrajudicial de Conflitos em Países do Mercosul. Revista do Tribunal
Regional do Trabalho da 15ª. Região, São Paulo, LTr, nº. 18, pp. 50-66, 2002.
385
TESS, Eduardo Carvalho; LEITE, Clarisse Frechiani Lara. Imunidades de Jurisdição e
de Execução no âmbito da Arbitragem Comercial Internacional. Revista do Instituto
dos Advogados de São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. nº. 14, ano 7, pp. 16-17,
jul/dez. 2004.
386
Wilson Ramos Filho observou, historicamente, que o monopólio estatal nunca foi a
forma exclusiva de solução de conflitos, visto que a maioria dos litígios sempre se
resolveram sem a participação do Estado. Leciona que os dois sistemas de controvérsia,
ou seja, arbitragem e solução estatal (jurisdicional) sempre coexistiram e conviveram.
In: RAMOS FILHO, Wilson. O Fim do Poder Normativo e a Arbitragem. São Paulo:
LTr, 1999, pp. 187-201.
120
Salienta, ainda, que não se confundem imunidade de jurisdição e
imunidade de execução, ou seja, mesmo nesses casos, não poderá haver
constrição de bens vinculados às autoridades não-comerciais do Estado.
Nesse sentido, as decisões nos Estados Unidos, Reino Unido e Suécia
387
.
Por fim, no tocante ao Estado brasileiro, Pontes de Miranda
388
e outros
autores concluíram sobre a impossibilidade de renúncia à imunidade de
jurisdição, nos dispositivos constitucionais que trataram da competência dos
órgãos judiciários brasileiros.
Gilmar Ferreira Mendes se manifesta contrariamente a essa opinião
pois, ao se analisar o disposto no art. 109, I, da Constituição, percebe-se
uma tentação de interpretar a vedação à renúncia de imunidade de jurisdição
pelo Estado brasileiro. Para ele, essa interpretação, embora tentadora, é
fruto de uma hermenêutica limitada, talvez por características político-
econômicas de uma época que não mais existe. Ressalta, também, que o
art. 109 da Constituição apenas estabelece critérios para a distribuição de
função jurisdicional, ou seja, não tratou da imunidade de jurisdição, mas de
suas competências internas
389
.
387
TESS, Eduardo Carvalho; LEITE, Clarisse Frechiani Lara. Imunidades de Jurisdição e
de Execução no Âmbito da Arbitragem Comercial Internacional. Revista do Instituto
dos Advogados de São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. nº. 14, ano 7, p.17, jul/dez.
2004.
388
MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª. ed., Tomo II, Rio
de Janeiro: Forense, 1996, p. 213.
389
MENDES, Gilmar Ferreira. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista
CEJ, v. 19, pp. 25-26, 2001.
121
7
O Caráter Absoluto ou Restritivo da Imunidade de Execução
7.1
Aspectos Gerais da Execução envolvendo Ente de Direito Internacional
Público
Estabelecendo uma comparação entre as fases de conhecimento e de
execução, Manoel Antonio Teixeira Filho leciona:
O processo cognitivo se destina, em resumo, a formular, pela sentença de
mérito a que conduz e que o extingue, a regra jurídica concreta e apta para
incidir na relação litigiosa, solvendo-a: na execução, a atividade
desempenhada pelo órgão jurisdicional consiste, fundamentalmente, em
fazer atuar, de maneira efetiva, a regra jurídica extraída do processo de
conhecimento. Neste, como sabemos, as partes disputam o direito (daí a
necessidade do contraditório, da bilateralidade, da ampla possibilidade de
defesa e o mais); naquele, declarado o direito, exige-se do devedor, com
meios coercitivos, a sua satisfação
390
.
Ao tratar da execução, Wagner Giglio ensina que a fase de cognição
precede à de execução. No entanto, nada impede que existam incidentes de
cognição na execução
391
.
Ísis de Almeida trata da fase de execução desta forma:
A rigor, portanto, é sempre e unicamente uma sentença que se executa, o
que leva ao entendimento de que a execução trabalhista é, na verdade, o
prosseguimento da prestação jurisdicional, iniciada com a fase de
conhecimento, para, sem solução de continuidade, chegar a uma constrição
do reclamado a cumprir a obrigação a que fora condenado. A ação não
termina com a sentença, e o reclamante não precisa intentar uma nova
demanda para obter, finalmente, a satisfação do pedido
392
.
390
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução no Processo do Trabalho, São Paulo:
LTr, 1991, p. 53.
391
GIGLIO, Wagner. Direito Processual do Trabalho. 7ª. ed., São Paulo: LTr, 1993, p.
507.
392
ALMEIDA, Ísis de. Manual de Direito Processual do Trabalho. 3ª. ed., v. II, São
Paulo: LTr, 1991, p. 393.
122
Logo, a execução, na realidade, é uma fase do processo, cujo início é a
petição inicial da demanda e o término é a satisfação da pretensão da parte
vencedora.
Hoje, pacificamente, a execução é considerada atividade juris-
dicional
393
.
Entretanto, para tornar possível a execução da obrigação, constante no
título executivo judicial, necessária é a liquidação.
Manoel Antonio Teixeira Filho define liquidação assim:
A incerteza, pois, que se possa irradiar da sentença exeqüenda, liga-se
exclusivamente ao montante, ao quantum da dívida, situação que exigirá a
prática de certos atos antecedentes à execução propriamente dita e dela
preparatórios –, destinados à quantificação do valor a ser exigido ao
devedor. A esse conjunto de atos dá-se o nome de liquidação que, em
rigor, não é da sentença, e sim da obrigação, nela contida
394
.
O mesmo autor conceitua a liquidação como sendo uma fase
preparatória da execução em que um ou mais atos são praticados por
quaisquer partes, a fim de fixar um valor ou individualizar a obrigação,
podendo, para isso, se utilizar de todos os meios legais de prova admitidos.
Quanto à natureza jurídica da liquidação, como se verifica no conceito
em tela, esta seria uma fase preparatória que torna exeqüível a obrigação
contida na sentença. Porém, que se ressalvar que tal entendimento não é
pacífico na doutrina.
Deve-se remeter à liquidação a sentença para que sejam devidamente
definidos os valores das verbas, mesmo quando se entende gozar o ente de
Direito Internacional Público de imunidade de execução. Esclarece-se que a
liquidação visa a individualizar, a tornar certo o valor das verbas
deferidas na decisão judicial.
393
COSTA, Coqueijo. Direito Judiciário do Trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p.
25.
394
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução no Processo do Trabalho. São Paulo:
LTr, 1991, p. 243.
123
Sérgio Pinto Martins afirma que na fase de liquidação não que se
falar em imunidade de execução, pois esta ainda não se iniciou
395
.
Segundo o art. 878 da CLT
396
, qualquer interessado ou o juiz ex officio
pode promovê-la. Poderá ser feita por cálculo, por arbitramento ou por
artigos, consoante o previsto no art. 879 da CLT
397
.
O juiz homologa os cálculos depois de serem apresentados e as partes
tiverem se manifestado, iniciando-se a execução. Pode, também, interpor
embargos à execução, alterando-se tal cálculo, conforme art.884 da CLT
398
.
Contudo, no que concerne à imunidade de execução, vislumbra-se
dificuldade em executar os valores devidos ao trabalhador nacional, quando
o réu é ente de Direito Internacional Público.
7.2
Noções Gerais do Processo
A doutrina enfrenta com dificuldade a questão sobre imunidade de
jurisdição dos entes de Direito Internacional Público.
Verifica-se que mesmo os Estados que aceitam o princípio restritivo
de imunidade, mostram-se relutantes em aplicá-lo na fase de execução
efetiva por meio do confisco dos bens do devedor.
Assim, em outras palavras, os defensores do princípio restritivo
podem não o aplicar na fase mais crítica do processo judicial
399
.
Diversos obstáculos se apresentam, como a impenhorabilidade de
bens, a violação do território de Consulados ou Embaixadas para penhorar e
395
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 25ª. ed., São Paulo: Editora
Atlas, 2006, p. 99.
396
“Art. 878 da CLT: A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex
officio pelo próprio Juiz ou Presidente ou Tribunal competente, nos termos do artigo
anterior”.
397
“Art. 879 da CLT: Sendo ilíquida a sentença exeqüenda, ordenar-se-á, previamente, a
sua liquidação, que poderá ser feita por cálculo, por arbitramento ou por artigos”.
398
“Art. 884 da CLT: Garantida a execução ou penhorados os bens, terá o executado cinco
dias para apresentar embargos, cabendo igual prazo ao exeqüente para impugnação”.
399
BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997, p. 351.
124
remover, bem como a adoção de carta rogatória sem segurança de seu
cumprimento
400
.
A Convenção de Viena assegura os bens das missões diplomáticas de
qualquer constrição judicial. Por conseguinte, se líquida a sentença, cita-se
o Estado estrangeiro ou a organização internacional, oportunizando a
interposição de embargos à execução, conforme art. 730, do CPC
401
, não
sendo necessário garantir o juízo. Nesse caso, aplicar-se-ia a mesma
prerrogativa da Fazenda Pública
402
.
Os embargos em questão nada mais são do que um meio para o
devedor se defender da execução forçada.
O ente de Direito Internacional Público, ao ser citado para pagar o
valor em que foi condenado, poderia cumprir a decisão judicial
espontaneamente. Desse modo, inexistiria qualquer situação internacional
indesejável.
Para a maioria dos doutrinadores, não como executar as sentenças
judiciais sem que antes haja a renúncia expressa da imunidade pelo ente de
Direito Internacional Público. Essa renúncia não poderá ser presumida nem
imposta.
Como esclarece Wagner Giglio:
“A execução provisória, como a definitiva, requer a renúncia expressa do
ente de direito público externo. Inexistente a renúncia, restaria ao vencedor
apenas a via diplomática, para obter a satisfação dos direitos que lhe foram
reconhecidos”
403
.
De acordo com Antônio José de Barros Levenhagen, a execução nos
casos de ente de Direito Internacional Público não poderá ser promovida
400
TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. Execução no Processo do Trabalho. São Paulo:
LTr, 1991, p. 481.
401
“Art. 730 do CPC: Na execução por quantia certa contra a Fazenda Pública, citar-se-á a
devedora para opor embargos em 10 (dez) dias; se esta não os opuser, no prazo legal,
observar-se-ão as seguintes regras (...)”. Prazo alterado para 30 dias, em face do art.1º. -
B, acrescentado à Lei nº. 9.494/1997 pela MP nº. 2.180-35/2001.
402
MANDALOZZO, Silvana Souza Netto. Imunidade de Jurisdição dos Entes de Direito
Público Externo na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001, p. 91.
403
GIGLIO, Wagner. Direito Processual do Trabalho. 7ª. ed., São Paulo: LTr, 1993, p. 71.
125
com a desenvoltura que a singulariza, eis que se exclui a possibilidade de
constrição de bens indispensáveis ou imprescindíveis à consecução de suas
funções. Todavia, os bens não vinculados às suas atividades podem e devem
ser constritados para tornar efetiva a sanção jurídica que lhe é imposta, haja
vista a natureza alimentar dos créditos trabalhistas
404
.
Verifica-se que exceções à imunidade de execução, elencadas por
Silvana Mandalozzo. Pode-se citar, primeiramente, a renúncia expressa e
inequívoca do Estado estrangeiro a essa imunidade. A segunda seria quando
constrição judicial de bem, que é objeto da ação, como no caso de haver
penhora em conta corrente do Estado estrangeiro específico para pagamento
de pessoal visando ao pagamento das verbas salariais do reclamante. Outra
seria em relação aos bens destinados a atividades comerciais e industriais do
Estado do foro, como é o caso dos navios mercantes. A quarta exceção seria
dos bens pertencentes às “agências estatais”
405
.
Da mesma forma, Pinho Pedreira trata das exceções à imunidade de
execução
406
.
Assim aconteceu com o Brasil, quando réu, em que os bens do Lloyd
Brasileiro, que não eram afetos ao serviço diplomático ou consular serviram
objeto à execução
407
.
Na França, desde 1969, entende-se que a imunidade de execução é
limitada, fundamentando-se na utilidade pública dos bens que podem ser
executados. Não depende de que os bens pertençam ou não ao Estado, mas
404
LEVENHAGEN, Antônio José de Barros. Imunidade Jurisdicional Relativa. Brasília,
Revista Jurídica Consulex, ano VI , nº. 126, p. 14, abr. 2002.
405
MANDALOZZO, Silvana Souza Netto. Imunidade de Jurisdição dos Entes de Direito
Público Externo na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001, p. 94.
406
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. O Caráter Restritivo da Imunidade de Execução do
Estado Estrangeiro. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho Processo
do Trabalho, São Paulo, LTr, nº. 3, pp. 119-120, 1995.
407
Entendimento do voto exarado no Recurso Extraordinário, cujo Agravante foi
Consulado Geral do Japão. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Imunidade de
Jurisdição. Reclamação Trabalhista. Litígio entre Estado Estrangeiro e Empregado
brasileiro. Evolução do tema na doutrina, na legislação comparada e na jurisprudência
do Tribunal Federal: da Imunidade Jurisdicional Absoluta à Imunidade Jurisdicional
meramente Relativa. Recurso Extraordinário não conhecido. AgRg-RE 22.368-4 (PE)
Ac .2ª. T, 30.04.2002, Revista LTr. 67-02/177.
126
a sua afetação à atividade do poder público
408
. Conforme relata Pinho
Pedreira, em sentença de 14.03.84, a Corte de Cassação francesa afirmou
que, conquanto existisse regra em relação à imunidade de execução,
verificam-se circunstâncias excepcionais, dentre as quais se destaca o caso
dos bens a serem executados, sejam usados para atividade econômica ou
comercial em que se baseia a demanda. Além disso, a partir de 1976, os
países que adotaram a concepção de imunidade relativa aplicam-na no que
se refere à execução
409
.
Nesse sentido, os Estados Unidos não estão imunes à jurisdição dos
Estados estrangeiros no que se refere às suas atividades comerciais e suas
propriedades, cuja finalidade é privada, sobre as quais pode recair a
execução de sentenças que os condene e haja conexão com suas atividades
comerciais
410
.
Assim, sustenta-se a posição de não existir imunidade de execução se
esta recair sobre bem, que constitua objeto da lide, e destinado a uma
atividade privada.
Entretanto, incluem-se, em regra, entre os bens protegidos pela
imunidade de execução as propriedades de organizações internacionais, de
natureza militar, de um banco central, autoridade monetária estrangeira ou
destinadas à finalidade diplomática ou consular.
408
Ementa publicada na Revue de Critique de Droit Privé. Paris. Éditions Dalloz. COUR
DE CASSATION (1
re
. Ch. Civ.), p. 123 e 124, 25 janvier 2005. IMMUNITÉ
D´EXÉCUTION ÉTAIT ÉTRANGER. RÉPUBLIQUE DÉMOCRATIQUE DU
CONGO. BIEN SAISI AFFECTÉ À UNE OPÉRATION DE GESTION DE DROIT
PRIVÉ. CRÉANCE RATTACHÉE À CETTE ACTIVITÉ. ABSENCE D´IMMUNITÉ.
Selon les principes de droit international relatifs aux immunités, les États étrangers
bénéficient, par principe, de l´immunité d´exécution; il en est autrement lorsque le bien
saisi se rattache non à l´exercice d´une activité de souveraineté mais à une opération
économique, commerciale ou civile relevant du droit privé qui donne lieu à la demande
en justice. Ayant constaté que l´acquisition de biens immobiliers en France par l´État du
Congo était destiné au logement du personnel diplomatique, ce qui est une opération
habituelle de gestion relevant de droit privé, puis retenu que cette acquisition impliquait
pour l´État le paiement des charges de copropriété, de sorte que la créance du syndicat
se rattachait à cette opération, la cour d´appel a, à bon droit, décidé que la République
démocratique du Congo ne pouvait opposer son immunité d´exécution.
409
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. O caráter restritivo da imunidade de execução do
Estado Estrangeiro. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho Processo
do Trabalho. São Paulo: LTr, nº. 3, 1995, p. 119.
410
DOLINGER, Jacob. A Imunidade Jurisdicional dos Estados. Revista de Informação
Legislativa, Brasília, Subsecretaria de Edições Técnicas do Senado Federal, ano 19, nº.
76, p. 29, out/dez. 82.
127
Ressalte-se que tais bens são considerados afetados para fins públicos
e não são destinados a atividades negociais. Desse modo, não se sujeitam
às medidas de constrição relativas à execução
411
.
Sabe-se que a renúncia à imunidade de jurisdição não acarreta à da
execução, consoante já estudado.
Na lição de Ian Brownlie:
A questão da imunidade de jurisdição (imunidade processual) é distinta da
questão da imunidade de medidas coercivas conseqüentes ao exercício da
jurisdição. Tais medidas compreendem todas as medidas coercivas
dirigidas contra os bens do Estado estrangeiro (incluindo depósitos
bancários), quer para o efeito de executar decisões judiciais exécution
forcée, quer para o efeito de arresto preventivo saisie conservatoire. A
distinção entre “imunidade de jurisdição” e “imunidade de execução”
reflete as sensibilidades específicas dos Estados perante medidas de
execução forçada dirigidas contra os seus bens, e que podem conduzir a
graves litígios a nível diplomático. Ao mesmo tempo, existem sólidas
considerações de princípios, que militam a favor da opinião, segundo os
quais se o sistema jurídico interno é competente para exercer a jurisdição e
pronunciar uma decisão, a jurisdição coerciva a respeito dessa decisão
também devia ser exercida
412
.
No caso das organizações internacionais, a possibilidade de renúncia
ainda é mais remota devido às suas próprias convenções. Tais instrumentos,
inclusive, já se resguardam de execução.
João Batista Brito Pereira entende que as organizações internacionais
detêm imunidade de jurisdição absoluta, eis que são distintas dos Estados
em sua essência e, caso se negasse a jurisdição, estariam mais vulneráveis à
conduta dos Estados soberanos. Além disso, estão resguardadas por
convenções internacionais específicas, considerando-se que a manutenção
de suas prerrogativas independe de costume, cuja prática deve ser aceita
como direito geral e uniforme
413
.
411
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. O caráter restritivo da imunidade de execução do
Estado Estrangeiro. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho Processo
do Trabalho. São Paulo: LTr, nº. 3, 1995, p. 120.
412
BROWNLIE, Ian. Princípios de Direito Internacional Público. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbenkian, 1997, p. 363.
413
PEREIRA, João Batista Brito. Imunidade de Jurisdição e Execução, Revista Jurídica
Consulex, ano VI, nº. 126, p. 15, abr. 2002.
128
Diante disso, revela-se injusto verificar ter a parte autora trabalhado
para ente de Direito Internacional Público e ter sua pretensão deferida,
inexistindo a possibilidade de executar a sentença.
Ressalva-se a possibilidade de pagamento espontâneo, pelo ente de
Direito Internacional Público se houver bens não relacionados ou afetos às
atividades diplomáticas e por meio de carta rogatória
414
, observados os
procedimentos legais e os tratados sobre o assunto.
Assim, dois problemas distintos. Em primeiro lugar, o juiz deverá
conhecer do processo. o problema de execução, que é distinto, é muito
sério, porque foge ao Poder Judiciário e vai para a diplomacia.
7.3
Decisões Processuais
A Justiça do Trabalho é competente para julgar demanda que envolva
ente de Direito Internacional Público, conforme art. 114, I, da Constituição.
Tendo o reclamante os seus direitos reconhecidos, busca ter a
satisfação, ou seja, receber os valores que lhe são devidos. Pela execução,
busca-se o cumprimento da obrigação.
Como leciona Campos Batalha:
“À afirmação da vontade concreta da lei sucede a sua realização coativa
pelas vias do Direito. A sentença sem a execução redundaria em
consagração puramente teórica de um direito e a vontade da lei o atuaria
na realidade da vida sententia sine executione veluti campana sine
pistillo est, et quase fulgur ex pelvi, aut tonitrus sine pluvia”
415
.
414
Consoante informação do Ministério da Justiça, a respeito do trâmite da carta rogatória
ativa, ou seja, proveniente de autoridade do Poder Judiciário, esta deve ser remetida por
via postal ou entregue ao DRCI pelo Juiz competente ou interessado. Serão analisados
os requisitos legais e caso não os preencha, é devolvida, por ofício, ao juízo rogante para
que seja devidamente instruída. Após, o DRCI a encaminhará à autoridade central do
juízo rogado para que a transmita, por via diplomática, ao país destinatário. O DRCI
aguardará o retorno da carta, cumprida ou não, através da autoridade central ou do
Ministério das Relações Exteriores. Restituir-se-á o processo, ao juiz rogante, por ofício.
Informações do Ministério da Justiça. Disponível em: www.mj.gov.br. Acessado em:
03.12.06.
415
BATALHA, Campos. Tratado de Direito Judiciário do Trabalho. 3ª. ed., São Paulo:
LTr, 1993, p.
835.
129
Quando se trata de execução e um ente de DIP envolvido, discute-
se sobre a impenhorabilidade dos bens.
muitos casos que se resolvem em acordo. Sem dúvida, é o melhor
caminho, uma vez que se soluciona a lide e não gera qualquer problema
internacional.
Pretendendo conciliar a teoria à prática, importante analisar os casos
concretos. Para isso, foram pesquisados os Autos que se encontram no
Arquivo Geral da Justiça do Trabalho, em Curitiba, que versam sobre
“Imunidade de Jurisdição dos entes de Direito Público externo”.
Assim, foram elaborados relatórios de Autos de Processos com o
propósito de melhor elucidar o tema no âmbito das decisões judiciais.
Buscou-se abordar os aspectos da competência da Justiça do Trabalho, das
Partes, dos pedidos e das relações laborais estabelecidas. Não se trata
apenas de um registro histórico, mas também de um ângulo prático.
Além disso, nota-se a postura que o Judiciário brasileiro adota, diante
da imunidade de jurisdição, bem como as hipóteses de solução da lide
trabalhista.
Nos três primeiros, os empregados eram dos Consulados dos Estados
estrangeiros e, nos demais, o caso de prestação de serviços, em que os
Estados estrangeiros (Embaixada da Alemanha e Consulado do Japão)
vieram a integrar também o pólo passivo.
Nos Autos . 8910/2001, que tramitaram, na então, 5ª. Junta de
Conciliação e Julgamento de Curitiba, em que consta como Reclamante,
Maria Celeste Forconi e Reclamado, Consulado de la República Argentina,
realizaram acordo, que restou homologado, conforme síntese de relato, que
segue.
A autora ajuizou reclamatória trabalhista em face do Consulado
de la República Argentina aduzindo que foi admitida pela ré em 0l.04.1998
e demitida sem justa causa em 30.04.2001, com aviso prévio indenizado.
Diz que a determinou que a autora comparecesse para receber as verbas
rescisórias no dia 09.05.2001, todavia não pagou as verbas neste dia, mas
somente em 17.05.2001. A autora recebia o equivalente a U$ 516,00,
130
convertidos em moeda nacional no dia do pagamento, que resultava num
salário aproximado de R$ 1.186,00 e pleiteava: reconhecimento do valor do
salário, pagamento de horas extras, pagamento do previsto no Enunciado
172, do TST, pagamento dos reflexos das horas extras, do FGTS, das
diferenças de verbas rescisórias, da multa legal, indenização pelo não
fornecimento do vale transporte, pagamento de honorários advocatícios e de
juros e correção monetária. Houve conciliação às fls. 53 dos autos.
Quanto aos Autos de Procedimento Sumaríssimo nº. 5508/2001,
processados na então, 4
a
Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, as
partes foram: Ana Marlene Senduin (Reclamante) e Consulado Geral da
Ucrânia (Reclamado).
Ana Marlene Senduin ajuizou reclamatória pleiteando do Consulado
Geral da Ucrânia verbas trabalhistas. Alegou que foi admitida em
15.02.2001, para trabalhar como servente para a reclamada, recebendo a
remuneração mensal de R$ 450,00, salário combinado em dólar, o qual seria
U$ 200,00, assinando um contrato em idioma diverso do português. Alega
que cumpria jornada de segunda a sexta-feira das 9:00 às 18:30h, com 15
minutos de intervalo; que nunca recebeu vale transporte, hora extra, nem
DSR, entre outras verbas devidas; que em 18.08.2001 foi dispensada sem
justa causa, sem receber os direitos decorrentes do contrato de trabalho.
Assim, reclamava: 8/12 de 13
o
. salário, 8/12 de férias, 1/3 Constitucional
das férias, Aviso prévio, FGTS mais 40% de multa, Indenização do seguro,
desemprego, saldo de salário, horas extras, honorários advocatícios, juros e
correção monetária e aplicação do art. 467, da CLT.
Foi feito acordo. O reclamado pagou R$ 450,00 à reclamante sem
reconhecimento de nculo empregatício, com anuência da Autora.
Também deveria haver recolhimento das contribuições previdenciárias. O
consulado alegou imunidade das referidas contribuições, mas
posteriormente as pagou, uma vez que o juiz indeferiu o seu requerimento
dizendo que de acordo com o parágrafo único, do artigo 15, da Lei 8212/91,
com redação dada pela Lei 9876/99, equiparam-se as repartições consulares
às empresas e portanto não imunidade quanto às contribuições
131
previdenciárias. A execução provisória foi extinta e os autos foram
arquivados.
Em relação aos Autos nº. 7331/1999, que tramitaram na 14
a
. Vara do
Trabalho de Curitiba, foram partes, como Autor Valmir Souza de Oliveira e,
como Réus, na condição de litisconsórcio passivo, a Metropolitana
Vigilância Comercial e Industrial Ltda. e o Consulado Geral do Japão.
Vislumbra-se, aqui, caso em que o Consulado Geral do Japão integrou
o pólo passivo devido à prestação de serviço do Autor como vigilante,
consoante se descreve abaixo.
Valmir Souza de Oliveira ajuizou reclamatória trabalhista ao
argumento que iniciou a sua prestação laboral em 02.01.96, como vigilante,
com salário mensal de R$ 330,00; que pediu demissão em 12.02.98 e,
estava recebendo por mês o valor de R$ 473,65, sendo que a primeira
reclamada pagou parcialmente as verbas rescisórias. Porém, o reclamante
pediu a descaracterização do pedido de demissão, em decorrência da
inexistência de intervalo de uma hora para refeição e descanso, ausência de
quitação integral das horas extras, ausência de pagamento dobrado em
domingos e feriados laborados, ausência de incorporação do salário “in
natura” na sua remuneração mensal; que o reclamante, foi contratado pela
primeira reclamada, mas que laborava para a segunda reclamada; que,
inclusive recebia ordens de seus encarregados; que o reclamante cumpriu
jornada: de 02.01.96 a 10.02.96 das 07:00h às 15:00h; de segunda a
segunda, inclusive nos
feriados, com folga nas sextas-feiras; de
11.01.96 a
22.05.96 das 23h às 07:00h, de segunda-feira a segunda-feira, inclusive nos
feriados, com folgas nas sextas-feiras; de 23.05.96 até o final das 19:00h
às 07:00h de segunda a segunda, incluindo feriados, porém laborava dia e
descansava no outro. Assim requereu: a descaracterização do pedido de
demissão, em face da inexistência de intervalo de uma hora pra refeição e
descanso, ausência de quitação integral das horas extras, ausência de
pagamento dobrado em domingos e feriados laborados, ausência de
incorporação do salário “in natura” na sua remuneração mensal; que fosse
condenada a reclamada, a pagar aviso prévio; que a primeira reclamada
132
fosse condenada ao pagamento da multa de 40% sobre o saldo do FGTS:
que fosse condenada subsidiariamente a segunda reclamada, tomadora de
serviços; também condenação de horas extras e seus reflexos, FGTS,
diferenças de verbas rescisórias, honorários advocatícios, FGTS, vale-
transporte e vale-alimentação. Às fls. 44 dos autos, houve conciliação,
ficando excluída da lide a segunda reclamada Consulado Geral do Japão.
Os autos foram arquivados.
No tocante aos Autos nº. 4404-99, da, então, 13
a
. Junta de Conciliação
e Julgamento de Curitiba, a Embaixada da República Federal da Alemanha,
também, constou como parte no pólo passivo da demanda, a Autora foi
Verônica Simons Bittencourt e os Réus foram: GTZ Serviço de
Administração de Projetos e Embaixada acima mencionada.
A Autora esclareceu que a primeira reclamada utilizava em todos os
seus atos jurídicos no Brasil a denominação de GAWI Deutsche
Förderungsgesellsschft Für Entwicklungsländer; que a partir de 1975,
houve alteração da denominação da empresa para GTZ Serviços de
Administração de Projetos; que, todavia, permaneceram as mesmas pessoas
responsáveis, bem como as mesmas atividades.
A reclamante foi admitida em 01.04.1972, como secretária; jornada
laboral de 20 horas, de segunda a sexta-feira, percebia como salário, em
marcos alemães, o equivalente a DM 220,00. Foi demitida, sem justa causa,
em 30.08.98. Assim pleiteou: declaração do vínculo de emprego, bem como
da unicidade contratual, com a retificação da CTPS; reconhecimento da
remuneração da autora com a integração das horas extras, com reflexos;
pagamento da indenização do FGTS correspondente ao período de trabalho
anterior à Constituição Federal de 1988, FGTS, RSR, férias, integração dos
salários pagos “por fora”, bem como pagamento das diferenças salariais, a
partir de agosto de 1995 até a rescisão contratual, gerando reflexos,
pagamento de 11,2% sobre todas as verbas pleiteadas a título de FGTS,
incidência de juros e correção monetária, honorários advocatícios, aplicação
do art. 467, da CLT.
Foi realizado acordo, o qual foi homologado às fls. 802.
133
Relativamente aos Autos nº. 6367/2002, que tramitaram, na então
Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, cujas partes são: Margareth
Barbino e Consulado Geral Britânico, foi celebrado acordo.
A autora ajuizou reclamatória trabalhista em face do Consulado Geral
Britânico aduzindo que foi admitida pela em 05.12.1995, como auxiliar
de escritório e pré-avisada da sua dispensa sem justa causa no dia
20.03.2002; que no dia 27.03.2002 o reclamado a dispensou do
cumprimento do restante do aviso prévio, mas não efetuou o pagamento das
verbas rescisórias a que fazia jus; que, quando de sua dispensa, percebia R$
510,00 (quinhentos e dez reais) por mês; que a sua CTPS nunca foi anotada;
que nunca recebeu vale-transporte; postula, ainda, parcelas proporcionais de
férias, 13º. salário, comprovação dos depósitos do FGTS, liberação de guias
relativas ao Seguro Desemprego, pagamento de multa prevista no parágrafo
oitavo do art. 477 da CLT, bem como atualização monetária e juros nos
termos da lei, além de honorários advocatícios. Houve conciliação às fls.
19 dos autos. Recebido no Arquivo Geral em 01.07.2003.
A mesma solução se constata nos Autos de Procedimento
Sumaríssimo nº. 1825/2003, processados na, então, Junta de Conciliação
e Julgamento de Curitiba, cujas partes foram: Osvaldo dos Santos
(Reclamante) e Consulado de Portugal, juntamente, com Jorge Antonio
Meave Zileri Teixeira de Sampayo (Cônsul) e Ana da Cunha e Távora
Teixeira de Sampayo (Consulesa).
O autor ajuizou reclamatória trabalhista, sob a alegação de que
prestava serviços de vigia/porteiro, a partir de meados de novembro/2000 na
residência oficial do Cônsul e sua família, localizada na Rua Hermes
Fontes, 1.200, Seminário, nesta Capital; que percebia remuneração mensal
de R$ 350,00 (trezentos e cinqüenta reais); que não sabe informar se o
salário era pago pelo Consulado ou pelo segundo ou terceiro reclamados;
que não foi registrado; que trabalhava 12 horas diárias; que não recebeu 13º.
salário, férias nem horas extras; que, em novembro de 2002 deixou de
trabalhar, por não estarem os reclamados respeitando seus direitos
trabalhistas. Assim, pleiteia vínculo empregatício, verbas rescisórias, multa
134
do art. 477 da CLT, honorários advocatícios, juros e correção monetária.
Designada audiência para o dia 27 de maio de 2003, a mesma foi adiada
para 03 de julho de 2003, em razão do não comparecimento das
testemunhas. Nesta audiência, houve conciliação e os autos foram recebidos
no arquivo geral em 18 de novembro de 2003.
Nos casos relatados acima, houve celebração e homologação de
acordo. Logo, não se adentrou à questão concernente à execução dos entes
de Direito Público Internacional, ou seja, se não houver acordo, como se
procederá?
Pois, bem, quanto à cobrança do Estado Estrangeiro, pode-se expedir
carta rogatória para que seja cumprida a decisão. Entretanto não
segurança ao se adotar tal medida, uma vez que o Estado Estrangeiro pode
simplesmente rejeitá-la.
No dizer de Athos Gusmão Carneiro, as cartas rogatórias representam
um meio de cooperação internacional, em matéria jurisdicional. Existem
duas espécies: as ativas, quando enviadas do Brasil para outro país e as
passivas, quando remetidas de país estrangeiro para serem por nós
cumpridas
416
.
O art. 210 do CPC
417
e o Decreto 2.067/96 disciplinam sobre a carta
rogatória.
Para exemplificar essa situação, podem-se citar os Autos 270/83-
PR, em que foi encaminhada carta rogatória para Portugal, os quais também
se encontram no Setor de Arquivo da Justiça do Trabalho em Curitiba.
Nos Autos de Procedimento Sumaríssimo nº. 270/83, que tramitaram
na, então, 3ª. Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba e que foram
partes: Irma Volpato de Melo e Consulado de Portugal, não houve acordo.
A autora ajuizou reclamatória trabalhista, aduzindo que foi admitida
como chanceler, em primeiro de setembro de 1973, sem registro do contrato
416
CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e Competência. 9ª. ed., São Paulo: Editora
Saraiva, 1999, p. 59.
417
“Art. 210, do CPC: A carta rogatória obedecerá, quanto à sua admissibilidade e modo
de seu cumprimento, aos disposto na convenção internacional: à falta desta, será
remetida à autoridade judiciária estrangeira, por via diplomática, depois de traduzida
para a língua do país em que há de praticar-se o ato”.
135
de trabalho na CTPS; que não era optante pelo regime do FGTS; que
cumpriu horário de trabalho das 12:00 h às 18:00 h; que, por último recebia
U$ 703,30 dólares americanos por mês; que, em 23.11.82 foi injustamente
despedida, sem as reparações legais. Assim, reclamou: saldo salarial de
novembro/82; aviso prévio, férias, em dobro de 76 a 81 e simples 81/81;
diferença de salário-maternidade referente ao primeiro parto, 63 dias;
diferença de salário-maternidade relativamente ao segundo parto, 54 dias;
férias proporcionais 4/12; 13
o
. salário de 1982, integral, face o aviso;
indenização por tempo de serviço, em dobro; prejulgado 20/66 e anotação
na CTPS.
O feito foi instruído e a sentença se encontra às fls. 188/194 dos autos.
Em sede de recurso ordinário, tanto o da reclamante como o do reclamado
foram improvidos. O recurso de revista do Consulado foi denegado
seguimento (fls. 239). A reclamante apresentou cálculos. Posteriormente,
houve decisão (fls. 321/322) no sentido de declarar a incompetência da
Justiça do Trabalho para apreciar o feito, anulando todos os atos, inclusive a
sentença de fls. 188/194. A exeqüente aforou agravo de petição. No referido
acórdão, reformou-se a decisão de fls. 321/322 e prosseguiu-se a execução.
O recurso de revista interposto pelo Consulado foi denegado seguimento.
Expediu-se carta rogatória executória, sendo esta encaminhada ao
Ministério da Justiça. Este a restituiu dizendo que persistiam dúvidas quanto
às providências a serem adotadas, devendo-se remetê-la à Divisão Jurídica
do Departamento Consular Jurídico do Ministério das Relações Exteriores.
Posteriormente, às fls. 407 dos autos, a exeqüente pediu em caráter
provisório a sustação da execução porque estava tentando resolver
administrativamente junto à Embaixada de Portugal em Brasília, inclusive,
requerendo a atualização dos cálculos.
Assim, encontram-se os autos arquivados provisoriamente.
Diante do exposto, a tentativa de conciliação resultou infrutífera.
Nesse sentido, Marcelo Freire Sampaio Costa se reporta à execução do ente
de Direito Público internacional:
136
Na fase executória, caso o ente de direito público externo não se proponha
a espontaneamente cumprir o conteúdo do julgado exarado pela jurisdição
laboral, deve a execução prosseguir por intermédio de ofício expedido pelo
Presidente do Tribunal Regional do Trabalho endereçado ao Ministério das
Relações Exteriores, encaminhado através do Ministério da Justiça,
solicitando ao ente alienígena que faça cumprir tal julgado
418
.
Neste caso, adotada a opção da expedição da carta rogatória, caso não
seja a mesma cumprida, verifica-se impossibilidade de execução e apenas
um reconhecimento do direito. Como assevera Wagner Giglio, seria uma
vitória de Pirro, um sino sem badalo: existe, mas não funciona
419
.
Tratados também poderiam estabelecer regras quanto às relações de
emprego com os entes de Direito Internacional Público. Nesse sentido,
manifesta-se Silvana Mandalozzo: “Os tratados deveriam abordar de forma
inequívoca como se proceder durante os atos de execução, não aludindo
somente situações em relação a aspectos da imunidade de jurisdição na fase
de conhecimento”
420
.
Assim, verifica-se grande dificuldade na execução dos entes de
Direito Internacional Público. Todavia, importante relatar duas situações
excepcionais, cujos processos tramitaram no Paraná.
Importante analisá-las porque traduzem uma postura inovadora, ao se
admitir a constrição de bens dos entes de Direito internacional para garantir
a satisfação de créditos trabalhistas.
A primeira refere-se aos autos .23046/91, que tramitaram na, então,
3
a
. Junta de Conciliação e Julgamento de Curitiba, cujas partes foram
Nilson José Nolli e Consulado Geral da Itália.
Nilson aforou demanda trabalhista, ao argumento que laborou de
13.04.82 a 31.12.90; que nunca teve sua relação de emprego tratada de
maneira correta e legal por parte do reclamado; que exerceu a função de
caseiro; que seu horário de trabalho era das 7:30 às 23:00 horas, com
418
COSTA, Marcelo Freire Sampaio. Competência Internacional da Justiça do Trabalho
Algumas Considerações. Revista Síntese Trabalhista, Administrativa e Previdenciária, v.
12, p. 48, set. 2000.
419
GIGLIO, Wagner. Direito Processual do Trabalho. 7ª. ed., São Paulo: LTr, 1993, p. 72.
420
MANDALOZZO, Silvana Souza Netto. Imunidade de Jurisdição dos Entes de Direito
Público Externo na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001, p. 99.
137
intervalo de 1 hora para o almoço e 1hora para o jantar, laborava inclusive
sábados, domingos e feriados, estando sempre à disposição do empregador;
que, em 31.12.83 houve uma pseuda rescisão contratual, mas, no entanto,
continuou exercendo as mesmas funções, no mesmo local de trabalho, com
a mesma jornada, não recebendo, entretanto, nesta ocasião, nenhuma verba
rescisória; que, a partir de 1985 passou a exercer também a função de
motorista. Assim, pleiteou: declaração da existência da relação
empregatícia, com anotação da CPTS, indenização do art. 478 da CLT,
FGTS, diferenças salariais, férias em dobro, integrais e proporcionais mais
o acréscimo constitucional, 13
o
. salários integrais e proporcionais, horas
extras, horas laboradas aos domingos e feriados em dobro, aviso prévio,
FGTS, PIS, honorários advocatícios. Houve contestação. Foi alegada a
imunidade de jurisdição e exceção de incompetência. Por unanimidade, foi
rejeitada a preliminar de imunidade de jurisdição e a exceção de
incompetência. A sentença de fls. 207/214 foi parcialmente procedente. O
consulado apresentou embargos de declaração, sendo julgados parcialmente
procedentes. Ambos apresentaram recurso ordinário e contra-razões. O
acórdão de fls. 267/275 da 5
a
. Turma do TRT da 9
a
. Região resolveu, por
unanimidade de votos, em conhecer do recurso do Reclamante, mas não do
recurso do reclamado, por intempestivo, acolhendo a preliminar de não
conhecimento. No mérito, sem divergência de votos, negou provimento ao
recurso do reclamante.
Os cálculos foram apresentados e homologados.
O reclamante indicou a penhora sobre o terminal telefônico prefixo
222-6066 do Consulado Geral da Itália às fls. 314. O Consulado apresentou
contrariedade dizendo que constituía verdadeira ofensa ao Estado e deveria
ser suspensa. Conforme despacho às fls. 318, a Juíza determinou o
cumprimento da penhora em relação ao número do telefone indicado.
Entretanto, antes de ser efetivada a penhora, foi realizado acordo (fls.
319/320), cuja homologação foi feita às fls. 329 dos autos.
O segundo caso, é mencionado por Silvana Mandalozzo e, refere-se
aos autos . 3.274/93, da 7
a
. Junta de Conciliação e Julgamento de
138
Curitiba–PR, em que era Reclamado o Consulado Geral da República
Federativa da Alemanha. Chegou a ser expedido mandado de citação,
penhora e avaliação, sendo penhorado o direito de uso do terminal
telefônico. Houve embargos à execução e finalmente, em audiência, na fase
de execução, foi celebrado acordo, sendo este homologado
421
.
Estes autos foram eliminados do Arquivo da Justiça do trabalho em
Curitiba em 16.02.2002, isto é, foram picotados e depois reciclados, uma
vez que já estavam arquivados há mais de cinco anos.
Ressalta-se que, conquanto tenha sido permitida a penhora de bens
dos Consulados, houve homologação de acordo em ambos os casos.
Desse modo, verificando-se o não cumprimento de sentenças
prolatadas, alguns Juízes chegam a decretar o embargo de contas bancárias,
linhas telefônicas ou bens de missões diplomáticas. Conforme cita Lúcio
Pires de Amorim: dois casos em Porto Alegre, Décima Vara do Trabalho
contra o Consulado da Espanha; Décima Sexta Vara do Trabalho contra o
Consulado da República Argentina; e um em Brasília do Juiz da Sexta Vara
do Trabalho, Erasmo Messias de Moura Fé, contra a Organização Pan-
Americana de Saúde, a OPAS, bloqueando contas bancárias desse
organismo
422
.
Acrescenta que embora tais decisões gerem protesto por parte das
Embaixadas, as decisões não foram cassadas em instância superior
423
.
Hoje, as linhas telefônicas perderam o valor, mas era uma forma de
coagir o reclamado, ou seja, o Estado estrangeiro a se submeter ao
mandamus contido na sentença
424
.
No que diz respeito à matéria trabalhista, no Brasil, não haveria como
executar bem imóvel, consoante art. 11, parágrafo 2º., da Lei de Introdução
ao Código Civil. Entretanto, caso o imóvel esteja desativado, pode servir
como objeto de execução. Ademais, a execução pode recair sobre bens que
421
MANDALOZZO, Silvana Souza Netto. Imunidade de Jurisdição dos Entes de Direito
Público Externo na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001, p. 103.
422
AMORIM, Lúcio Pires de. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista
CEJ, v. 19, p. 44, 2001.
423
AMORIM, Lúcio Pires de, op. cit., p. 44.
424
AMORIM, Lúcio Pires de, op. cit., p. 44.
139
estejam fora das finalidades do Estado, como é o caso da participação
acionária minoritária em pessoa jurídica, no país do foro ou das obras de
arte, que ornamentam as representações
425
.
Em relação às contas correntes, questão que tem suscitado
perplexidade e sido apreciada por tribunais de vários países, é a de saber se
o Estado do foro pode realizar penhora em valores existentes nas correntes
pertencentes à representação diplomática de um outro país. Na Espanha, o
Tribunal Constitucional, ao qual chegou recurso contra penhora de parte da
importância de uma conta corrente de que era titular a República da África
do Sul, decidiu anular o auto da penhora sob o fundamento de que gozam de
imunidade as contas bancárias das Embaixadas mesmo que as quantias
nelas depositadas puderem servir também para a realização de atos jure
gestionis
426
.
A par disso, deve-se considerar que a sentença, depois de proferida,
tem um poder moral muito importante no Direito Internacional
427
.
As decisões mencionadas visaram ao cumprimento da sentença, visto
que se adotasse outra postura, esta não teria efeito algum e haveria uma
“perda” de todos os atos processuais que a antecedem e sucedem. Verifica-
se, ainda, que seria uma afronta ao princípio da efetividade da jurisdição.
Destaca-se, nessa ótica, a decisão conferindo relatividade à imunidade
de execução para organismo internacional
428
, que consta na decisão da 6ª.
Turma do TST – AIRR-1368/2003-004-23-41, publicada em 07.12.2006:
IMUNIDADE DE EXECUÇÃO. ORGANISMO INTERNACIONAL.
RELATIVIDADE. Não se admite a realização de execução forçada contra
ente de direito público externo, sem que tenha havida expressa renúncia à
425
VEDOVATO, Luís Renato. A Imunidade de Soberania e o Direito do Trabalho. Uma
Adequação da Questão às Características do Direito Internacional Público. Revista do
TRT da 15ª. Região, Campinas, LTr, nº. 22, p. 311, nov. 2003.
426
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. A concepção relativista das imunidades de jurisdição e
execução do Estado estrangeiro. Brasília, Revista de Informação Legislativa, nº. 140, p.
234, ano 5, out/dez. 98.
427
FONTOURA, Jorge. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista CEJ, v.
19, p. 51, 2001.
428
O Tribunal Superior do Trabalho tem manifestado entendimento de que os organismos
internacionais não gozam de imunidade, conforme notícia de seu endereço eletrônico, de
27.09.04. In: Órgãos Internacionais não possuem imunidade trabalhista”. Disponível
em: www.tst.gov.br. Acesso em: 10.12.2006.
140
imunidade de execução por parte do organismo internacional demandado.
Ressalte-se, contudo, que em face do princípio da efetividade da
jurisdição, seria contraditório, afastar-se a imunidade de jurisdição,
condenar o organismo internacional demandado, sem se prosseguir a
nenhum ato do processo de execução. Reconhece-se, portanto, a
relatividade da imunidade de execução, em face do que deve esta ser
processada normalmente, à exceção da penhora de bens. Desta forma, tem-
se a r. sentença que reconheceu e declarou a relatividade da imunidade de
execução, merece ser mantida pelos seus jurídicos fundamentos. Recurso
Ordinário da Organização das Nações Unidas
ONU PNUD
, ao qual se
nega provimento.
Cesarino Júnior manifesta a idéia de favorecer a quem se pretende
proteger, ou seja, em caso de dúvida, a interpretação deve favorecer o
economicamente mais fraco
429
.
Wagner Giglio também trata do Princípio Protecionista, afirmando
que o primeiro princípio concreto, de âmbito internacional, é o
protecionista: o caráter tutelar do Direito Material do Trabalho se transmite
e vigora também no Direito Processual do Trabalho
430
.
Ademais, o mesmo autor conclui que a evolução do Direito Processual
do Trabalho acentuaria esse princípio. Ressalva também que o Direito
Material influencia o Direito Instrumental, especialmente em relação à
proteção do mais fraco, cuja inferioridade persiste no decorrer de todo o
processo
431
.
Assim, as decisões tomadas, afastando a regra da impenhorabilidade e
doutrina dominante foram atitudes que privilegiaram o trabalhador.
Nesse sentido, considerando, também, o Princípio da Dignidade
Humana e o Valor Social do Trabalho, estabelece a Constituição, no caput
do seu art. 1º:.
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado
Democrático de Direito e tem como fundamentos: I a soberania; II a
429
CESARINO JÚNIOR, A. F. Direito Social. São Paulo: LTr, 1980, p. 58. Da mesma
forma, entende Plá Rodriguez. In: PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito
do Trabalho, 1978, p. 30.
430
GIGLIO, Wagner. Direito Processual do Trabalho. 7ª. ed., São Paulo: LTr, 1993, p.
105.
431
GIGLIO, Wagner, op. cit., p. 105.
141
cidadania; III
a dignidade da pessoa humana; IV os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político.
Parágrafo único Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Para Georgenor de Sousa Franco Filho não vale, neste caso, o
princípio da proteção ao empregado
432
hipossuficiente, o qual não se
sobrepõe aos textos internacionais em vigor, devendo-se resguardar a
soberania de outro Estado
433
. Além disso, a interposição de reclamatória
trabalhista, em que entes de Direito Internacional Público são réus, pode
levar a resultados, senão indesejáveis, pelo menos imprevisíveis, como
represália, boicote econômico e ruptura de relações diplomáticas
434
.
Por outro lado, podem-se tratar desses casos de execução sob a ótica
de responsabilidade objetiva do Estado, tendo em vista que a União é
condutora das relações internacionais, seria responsável pelo pagamento da
execução, criando-se um meio no orçamento para isso, e do que resulta um
crédito em seu benefício no estrangeiro. Desse modo, Márcio Pereira Pinto
Garcia trata de um sistema de compensação
435
.
A hipótese de pagamento da condenação, pelo Estado do foro, evita
conflito com o Estado alienígena, visto que pode entender a constrição de
seus bens como um ato de hostilidade e, conseqüentemente, afetar as
relações internacionais
436
.
Nesse ponto, verifica-se haver uma inclinação no cenário
internacional para in dubio pro jurisdictione, mas, em relação à execução, a
presunção é contrária. Além disso, é sabido que a execução em matéria
432
Coqueijo Costa menciona que o princípio trabalhista não se sobrepõe aos textos
internacionais em vigor. No entanto, sua análise se limita às hipóteses inerentes às
Convenções de Viena. In: COSTA, Coqueijo. Direito Judiciário do Trabalho. Rio de
Janeiro: Forense, 1978, p. 28.
433
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Da Competência Internacional da Justiça do
Trabalho, Revista do TST, São Paulo, LTr, p. 46, 1988.
434
FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Imunidade de Jurisdição Trabalhista dos Entes
de Direito Internacional. São Paulo: Editora LTr, 1986, p.16.
435
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. O Caráter Restritivo da Imunidade de Execução do
Estado Estrangeiro. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho Processo
do Trabalho, São Paulo, LTr, nº. 3, p. 120, 1995.
436
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira, op. cit., p. 120.
142
trabalhista o gera impacto relevante na economia do Estado
estrangeiro
437
.
A título de exemplo, os Estados Unidos, a Grécia, a Itália e a Espanha
admitem ou impõem uma consulta do Judiciário ao Executivo, responsável
pela política internacional, para saber das conseqüências da execução nas
relações entre o Estado envolvido. Em geral, a opinião do Executivo não
vincula a do Judiciário
438
.
Otávio Brito Lopes chama a atenção para o fato de, em muitos casos,
Estados ricos, que são verdadeiras potências internacionais, autodeclaradas
democráticas e defensoras dos direitos humanos, deixaram de pagar os
trabalhadores humildes, dependentes do salário para sobreviver
439
.
Adotando-se o posicionamento da imunidade de execução restrita,
também geraria maior responsabilidade na contratação de mão-de-obra
alienígena pelos entes de Direito Internacional Público. Nesse caso, não
haverá julgamento da demanda em seu país, de acordo com suas leis e
burocracias, língua e costumes, podendo, inclusive, em última instância ser
executado.
A par disso, não motivo fundamentado para violação da Legislação
Trabalhista brasileira. Os Embaixadores estrangeiros alegam que a lei é
complicada e detalhista e não têm recursos para a contratação de advogados
para assessorá-los nessa matéria, sobretudo, em pequenas Embaixadas.
Argumentam, também, que: a) pagam salário superior ao valor de mercado;
b) os empregados, por meio de seus advogados, requerem situações
inverídicas quanto a horas extras e rias não gozadas; c) posição,
invariavelmente, favorável ao empregado, assumido pelo juízo brasileiro
440
.
437
GARCIA, Márcio Pereira Pinto. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências.
Revista CEJ, v. 19, p. 34, 2001.
438
SILVA, Luiz de Pinho Pedreira. O Caráter Restritivo da Imunidade de Execução do
Estado Estrangeiro. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho Processo
do Trabalho, São Paulo, LTr, nº. 3, pp. 120-121, 1995.
439
LEVENHAGEN, Antonio José de Barros. Imunidade Jurisdicional Relativa. Revista
Jurídica Consulex, ano VI, nº. 126, p. 13, abr. 2002.
440
AMORIM, Lúcio Pires de. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista
CEJ, v. 19, p. 45, 2001.
143
Por outro lado, os internacionalistas partem da realidade de
cooperação
441
.
Como explícito na Constituição de 1988, no art. 4
o
., IX
442
, o Brasil
adota o princípio da cooperação dos povos objetivando o progresso da
humanidade. Isso reflete o escopo da comunidade internacional, uma vez
que as relações internacionais reconhecem efetivamente a solidariedade, no
plano mundial, efetivando-se na justiça social internacional. Nas palavras de
André Franco Montoro:
E no plano internacional, as exigências da solidariedade e da justiça social,
impõem-se cada dia com mais veemência ao reconhecimento do direito
moderno. Já Clóvis Bevilaqua afirmava, como fundamento do Direito
Internacional, não a soberania, princípio do direito interno, mas a
solidariedade, fenômeno social de alta relevância, pelo qual devemos
entender a consciência de que as nações têm interesses comuns. Sua
tendência é estender-se a todos os povos da terra, para proteger os fracos e
atrasados, e a conferir a plenitude dos direitos, aos que se organizarem
regularmente. Mais do que se imagina comumente, o sentimento de
solidariedade, que é uma das formas em que se concretiza a idéia de
justiça, vai dominando nas relações internacionais
443
.
Segundo Negi Calixto, nesse sentido, es o despacho de Dario
Abranches Viotti, no Proc. 977, EC-1979, publicado no jornal “O Estado de
São Paulo”, em 19.04.81
444
, em relação ao nus de coordenação, ínsito no
Direito Internacional Público:
Conta-se que Frederico, o Grande, Rei da Prússia, pretendeu, certa vez,
estender os limites de seu parque, denominado Saint Sussi. Ao lado, havia
uma propriedade particular pertencente a um moleiro. Funcionários do
palácio procuraram o modesto produtor de farinha, dizendo-lhe que o rei
precisava de suas terras e perguntando por quanto iria vendê-las. O
moleiro disse que o moinho era tanto dele como a Prússia era do rei, e que
não venderia a sua propriedade. Frederico mandou chamá-lo e fez o
possível para efetuar a compra. O súdito respondeu que ali havia morrido o
seu ae ali tinham nascido seus filhos. Não venderia, qualquer que fosse
441
FONTOURA, Jorge. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista CEJ, v.
19, p. 49, 2001.
442
“Art. 4
o
., IX, da Constituição: cooperação entre os povos para o progresso da
humanidade”.
443
MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 12ª. ed., v. 1, São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1983, pp. 309-310.
444
CALIXTO, Negi. Reclamação Trabalhista contra Estado Estrangeiro Imunidade de
Jurisdição. Revista de Informação Legislativa. Brasília, Subsecretaria de Edições
Técnicas, n. 113, ano 29, p. 405, jan/mar. 1992.
144
o preço. Perdendo a paciência, perguntou o poderoso monarca: Você não
sabe que eu posso tomar sua terra? Respondeu o moleiro: Poderia se não
tivéssemos juízes em Berlim”. Frederico, encantado, porque via em seu
reino um que confiasse assim na Justiça, disse aos cortesãos que era
necessário mudar os planos. Um século depois, um bisneto do famoso
moleiro de Saint Sussi, estando em dificuldades, pediu ao rei uma
cooperação. O rei, entendendo a necessidade da família, disse que não iria
comprar o moinho, porque havia uma razão específica. Meu caro vizinho,
disse o rei, o moinho não é meu nem seu, pertence à História, é para nós,
portanto, impossível você vendê-lo e a mim comprá-lo. Como, entretanto,
os vizinhos devem ajudar uns aos outros, remeto-lhes uma ordem: passe no
Tesouro.
Consoante Jorge Fontoura, é provável que, hoje, séculos transcorridos,
não exista mais aquele moinho, que ficou para sempre na História como
um mbolo da antiga Justiça alemã
445
. Relata que o Embaixador da
República Democrática da Alemanha se recusou a receber notificação na
Reclamação Trabalhista movida por um empregado brasileiro e, então, o
Itamaraty fez a seguinte comunicação:
Renove-se a tentativa por meio de carta, conforme recomenda o Instituto
de Direito Internacional. A empregadora, querendo, alegue imunidade e
conteste a ação. Se não o fizer, seu silêncio poderá ser interpretado como
confissão em matéria de fato. Se o proletário que pede justiça tiver razão,
esta lhe será, pelo menos, reconhecida. A Justiça brasileira, que nesse caso
agora represento, saberá cumprir o seu dever até onde for possível. Espero
que a República Popular Alemã, por seu mui digno Embaixador, tenha,
para com o possível direito de seu empregado, o mesmo acatamento que
teve Frederico, o Grande, Rei da Prússia, pelo direito igualmente
desarmado daquele seu súdito e vizinho, o moleiro que confiou na Justiça.
Há juízes em Brasília. Brasília, 16 de dezembro de 1980
446
.
Em relação ao fundamento legal adotado, devem-se observar vários
artigos da Constituição. Ressalta-se o artigo 5
o
., caput, da Constituição de
1988
447
que expõe o Princípio da Igualdade. É inadmissível o tratamento
desigual, em que o trabalhador não possa ter seus direitos exercidos porque
445
FONTOURA, Jorge. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista CEJ, v.
19, p. 52, 2001.
446
FONTOURA, Jorge, op. cit., p. 52.
447
“Art. 5
o
., caput, da Constituição: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade (...)”.
145
imunidade para os entes de Direito Internacional Público, enquanto os
demais brasileiros, em situações similares, mas cujos empregadores que não
são Estados estrangeiros ou organizações internacionais, tenham suas
reclamatórias trabalhistas processadas normalmente. Como conclui Osíris
Rocha, os trabalhadores estrangeiros que se vinculam a patrões-Estados
estrangeiros não podem ser furtados à proteção da lei trabalhista por
raciocínio inaceitável
448
.
Todavia, no atual contexto das relações políticas nacionais e
internacionais, coloca-se em evidência a questão dos Direitos Humanos, a
qual se reporta, sem dúvida, ao tema da imunidade de jurisdição, sendo
necessária a ampliação do acesso à Justiça.
Consoante notícia do Tribunal Superior do Trabalho, de 17.07.2006,
ao alegar imunidade de jurisdição, violam-se de modo difuso os direitos dos
trabalhadores. O empregado de ente de Direito Internacional Público,
mesmo de organizações internacionais que possuem Decretos que lhes
concedem imunidade, estariam obrigados a abdicar do direito indisponível
de acesso à justiça, caso viessem a necessitar de uma prestação jurisdicional
de mérito perante o Estado brasileiro
449
.
Da mesma forma, dispõe o art. 3º. do Estatuto do Conselho da Europa,
quando condiciona a admissão de seus membros ao gozo dos direitos
humanos por todos os sujeitos à sua jurisdição
450
.
A Constituição de 1988 foi a primeira a enunciar o princípio da
prevalência dos direitos humanos, como princípio fundamental do Estado
brasileiro nas relações internacionais (art. , II, da Constituição). Na lição
de Flávia Piovesan, a Constituição inova em sua orientação
internacionalista, como também reconhece a existência de limites e
condicionamentos à noção de soberania estatal, ou seja, fica submetida a
448
ROCHA, Osiris. Reclamações Trabalhistas contra Embaixadas: uma Competência
Inegável e uma Distinção Imprescindível, São Paulo: LTr, v. 37, p. 602, jul. 73.
449
Disponível em: www.tst.gov.br. Acessado em: 20.09.2006.
450
SILVEIRA, Rubens Curado. A Imunidade Jurisdicional dos Organismos Internacionais
no Estado Democrático de Direito – Os novos reis não erram ? Rio de Janeiro, Revista
Trabalhista, Direito e Processo, v. XV, p. 154, jun/ago/set. 2005.
146
regras jurídicas, cujo parâmetro obrigatório é a prevalência dos direitos
humanos
451
.
Guido Silva Soares aduz que o Poder Judiciário deve se manifestar
mesmo que não haja bens a executar, pois por questão de justiça, o juiz o
pode deixar de exercer sua jurisdição
452
.
Nesse sentido, dispõe o art. VIII da Declaração Universal dos Direitos
do Homem: “Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais
competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos
fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei”
453
.
Além disso, como se manifesta Salvador Lozada, a satisfação de um
considerável mero de direitos subjetivos depende muito da conduta do
Estado. Desse modo, a submissão do Estado ao Poder Judiciário é essencial
para que os direitos individuais e sociais não sejam apenas “literatura
jurídica, prosa numerada, mas também realidade concreta e existencial”.
Ainda, nesse sentido, conclui: é necessário sublinhar que o progresso da
“justiciabilidade” do Estado foi um dos grandes caminhos pelo qual
marchou o desenvolvimento do direito e a consolidação da justiça. Avançar
nessa direção é orientar-se para o futuro de um mundo mais justo
454
.
Ressalta-se, também, que das demandas aforadas, desde o ano de 1995
a 2000, envolvendo Embaixadas, Repartições Consulares e Organismos
Internacionais, segundo os registros da divisão jurídica de Assuntos
Consulares, Jurídicos e de Assistência Brasileira no Exterior:
Número total de ações: 570, das quais 528 são trabalhistas, que
representam 93% do total. No ano de 1999, por exemplo, deram entrada 62
ações trabalhistas. Dentre os países ou representações de organismos
internacionais com maior número de ões figuram os Estados Unidos
com 63 casos; INUD, Nações Unidas com 41 casos; Argentina com 26
451
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 6ª. ed.,
São Paulo: Max Limonad, 2004, pp. 63-64.
452
SOARES, Guido Silva. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista CEJ,
v. 19, p. 18, 2001.
453
CALIXTO, Negi. Reclamação Trabalhista contra Estado Estrangeiro Imunidade de
Jurisdição. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Subsecretaria de Edições
Técnicas, nº. 113, ano 29, p. 410, jan/mar. 92.
454
LOZADA, Salvador M. Direito à Jurisdição e a “Justiciabilidade”. Submissão do
Estado ao Poder Judiciário do Estado. Revista de Direito Público, São Paulo, Editora
Revista dos Tribunais, nº. 87, ano XXI, pp. 250-251, jul/set. 88.
147
casos; Japão com 23 casos; Espanha com 18 casos; Grã-Bretanha com 16
casos; e França com 14 casos. Para que tenham uma idéia, apenas 13
países e quatro organismos internacionais, de um universo de praticamente
90 que mantêm representações no Brasil, não têm ajuizado contra eles
quaisquer ações. Desses 13, curiosamente, quatro são países nórdicos a
Santa Sé e a Suíça – e três são centro-americanos – El Salvador, Nicarágua
e Costa Rica
455
.
No caso de adotar algum privilégio aos entes de Direito Internacional
Público, estaria violando inclusive a igualdade processual, cujo fundamento
legal está no art. 125 do CPC
456
. Isso se discute, especialmente, quando se
concedem por analogia algumas prerrogativas aos Estados Estrangeiros que
são destinados ao Ministério Público e à Fazenda Pública.
Dependendo do caso, como visto, pode-se verificar, inclusive,
violação ao direito de ação, isto é, quando se decide pela imunidade
absoluta e não pode o empregado provocar o exercício da função
jurisdicional regularmente.
Assim, a tendência é de se restringirem as imunidades do Estado,
tendo maior atuação o Poder Judiciário para proteger a pessoa de Direito
Privado, que não goza de privilégios, em especial nas demandas
trabalhistas.
Salienta-se, neste caso, a insurreição ética diante dos privilégios
diplomáticos usados, que geram enriquecimento sem causa dos entes de
Direito Internacional Público, em detrimento dos trabalhadores nacionais
457
.
Flávia Piovesan considera a necessidade de interpretar os antigos
conceitos de soberania estatal e não intervenção, à luz dos princípios
inovadores da ordem constitucional, destacando-se o da prevalência dos
direitos humanos, os quais constituem legítima preocupação e interesse da
comunidade internacional, surgindo na Carta de 1988, como tema global,
455
AMORIM, Lúcio Pires de. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista
CEJ, v. 19, p. 44, 2001.
456
“Art.125, do CPC: O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código,
competindo-lhe: I - assegurar às partes igualdade de tratamento; IIvelar pela rápida
solução do litígio; III prevenir ou reprimir qualquer ato contrário à dignidade da
justiça; IV – tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes”.
457
LEVENHAGEN, Antonio José de Barros. Imunidade Jurisdicional Relativa. Revista
Jurídica Consulex, ano VI, nº. 126, p. 13, abr. 2002.
148
condizentes com o Estado Democrático de Direito constitucionalmente
pretendido
458
.
A imunidade não pode ser sinônimo de impunidade. Não cabe atitude
omissa do julgador ao reconhecer a imunidade, que é incompatível como o
Estado Democrático de Direito, isto é, deve decidir não somente com
fundamento nas regras, mas também nos princípios jurídicos, de tal forma a
se alcançar justiça na solução do conflito
459
.
Nessa linha, tem-se o comentário de Antenor P. Madruga Filho que
invoca a regra do Direito Internacional da “reciprocidade”
460
, exemplo
disso é a Grã-Bretanha, que adota a relativização da imunidade de jurisdição
nos casos de contrato de trabalho e alega, no Brasil, a imunidade. Assim, se
a Grã-Bretanha trata o Brasil de forma apta, deveria ser tratada, também,
aqui.
Entende-se a reciprocidade como uma situação que se apresenta
quando um Estado assegura ou promete a outro Estado, a seus agentes, a
seus nacionais, ao seu comércio, um tratamento igual ou similar àquele que
este último Estado lhe assegura ou lhe promete
461
.
No que se refere ao Governo brasileiro, este procura cumprir suas
obrigações junto aos seus empregados no exterior. Como esclarece o
Embaixador Lúcio Pires de Amorim:
Desde 1993, os empregados das missões diplomáticas brasileiras e
repartições consulares no exterior estão, inteira e exclusivamente, sujeitos
à lei local em matéria trabalhista e previdenciária, por força de uma lei
458
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 6ª. ed.,
São Paulo: Max Limonad, 2004, p. 64.
459
SILVEIRA, Rubens Curado. A Imunidade Jurisdicional dos Organismos Internacionais
no Estado Democrático de Direito os novos reis não erram ? Revista Trabalhista
Direito e Processo, Rio de Janeiro, Forense, v. XV, p. 165, jul/set. 2005.
460
LAFER, Celso. O convênio do café de 1976: da reciprocidade no direito internacional
econômico. São Paulo: Perspectiva, 1979, p. 36.
461
Tradução livre do trecho: situation qui se présente quand un État assure ou promet à
un autre État, à sés agents, à sés nationaux, à son commerce, etc, un traitement égal ou
équivalent à celui que ce dernier État lui assure ou lui promet”. In: SILVEIRA, Rubens
Curado, op. cit., p. 164.
149
brasileira
462
. O Itamaraty tem, desde então, feito considerável esforço no
sentido de regularizar a situação previdenciária desses funcionários nos
termos da lei do país de contratação. Verificado um contencioso, as
embaixadas brasileiras fazem-se representar em juízo e acatam,
invariavelmente, as decisões judiciais proferidas
463
.
Se necessidade de se manter boa convivência internacional,
também se impõe a obrigação de conferir plena efetividade aos Direitos
Humanos e, conseqüentemente, no centro desta tensão se revela a questão
da imunidade de jurisdição.
Assim, deve-se viabilizar o pagamento das verbas trabalhistas,
atingindo-se um fim social, com base principalmente nos Direitos Humanos
que são fundamentais e norteiam o direito.
462
BRASIL. Decreto nº. 1.571, de 21 de julho de 1995. Este Decreto regulamenta, no
âmbito do Ministério das Relações Exteriores, a respeito da contratação dos Auxiliares
Locais que prestam serviços às Repartições no exterior, conforme dispõe o Capítulo V
da Lei nº. 7.501, de 27 de junho de 1986, com a redação dada pela Lei nº. 8.745, de 9 de
dezembro de 1993. Disponível em: www.mre.gov.br. Acesso em: 01.12.2006.
463
AMORIM, Lúcio Pires de. Imunidade de Jurisdição: Evolução e Tendências. Revista
CEJ, v. 19, p. 47, 2001.
150
8
Conclusão
O Estado, através da jurisdição, exerce função soberana. Constitui um
poder de distribuição de Justiça nas lides e apresenta diversas acepções
diferentes. Possui finalidades e princípios próprios, dentre os quais se
destacam: o da investidura; aderência ao território; indelegabilidade;
inevitabilidade; indeclinabilidade; juiz natural; inércia. Vincula-se à idéia de
poder e dever. Visa a uma boa decisão como também à pacificação social.
Portanto, a jurisdição é uma das funções do poder estatal, que busca
dar solução ao conflito de interesses, a ela submetida, no sistema jurídico.
A imunidade de jurisdição é um privilégio dado a um ente de Direito
Público, uma vez que não está obrigado a se submeter às imposições legais
de outro Estado.
A isenção de jurisdição refere-se ao âmbito penal, administrativo,
civil, incluindo-se, neste último, a jurisdição trabalhista.
O direito de jurisdição é básico do Estado e se vincula à soberania.
Todavia, soberania não é sinônimo de independência ou de liberdade
absolutas, eis que limitações. Nesse sentido, há que se respeitar as
jurisdições de outros Estados, igualmente, soberanos.
Várias teorias se reportam à idéia de imunidade de jurisdição desde a
Antigüidade Clássica. Primeiramente, havia o envio de mensageiros ou
representantes do soberano para o exterior. Após, desenvolveu-se a teoria da
extraterritorialidade que, por ficção, certas pessoas eram consideradas fora
do território onde se encontravam. Superada esta, adotou-se o entendimento
de que um Estado não se exerce jurisdição sobre outro igual.
No Direito Inglês, surgiu a expressão the king can do no wrong,
referindo-se à imunidade absoluta. Por sua vez, foi formulada a teoria que
visa a garantir o exercício das funções em nome do Estado, a qual
fundamenta as Convenções sobre Relações Diplomáticas e Consulares.
151
Importante salientar que as Convenções de Viena de 1961 e 1963 não
dizem respeito à imunidade de jurisdição dos entes de direito público
externo, mas, somente, a imunidades pessoais.
Entende-se como sujeito de Direito Internacional, uma entidade
jurídica com capacidade para possuir direitos e deveres internacionais, bem
como para defendê-los. Neste tópico do trabalho, procurou-se abordar o
conceito, as características e os aspectos relevantes ao tema, no que se
refere aos Estados e às Organizações Internacionais, enfocando-se na
proposta inicial.
Estudá-los, é quase uma exigência, visto que os entes de Direito
Público externo podem ser partes em uma demanda trabalhista.
No tocante a esse aspecto, primeiramente, adotou-se a posição de
imunidade absoluta, que não se respaldava em Convenções ou Tratados,
mas, na orientação, antes costumeira, de que um igual não exerce jurisdição
sobre outro igual.
Na prática, julgavam-se os processos sem apreciação de mérito, diante
da ausência de renúncia do sujeito de Direito Internacional.
Entretanto, com o aumento das atividades comerciais dos Estados,
abrandou-se o Princípio da Imunidade Absoluta.
Desse modo, passam-se a distinguir atos de império e de gestão. Aos
primeiros, a imunidade absoluta persistiria, porém, em relação aos
segundos, era relativizada. Há problemas conceituais ao se utilizar essa
classificação. Contudo, verificam-se diversas decisões que adotam esse
desdobramento.
Atualmente, existe a tendência de se acolher a doutrina restritiva da
imunidade, na fase de conhecimento quando há uma lide trabalhista.
Em relação à imunidade de jurisdição relativa, várias legislações
internas a consagram, como é o caso, a título de exemplo, dos Estados
Unidos, Reino Unido, Austrália, Canadá e Argentina.
Além disso, destacam-se as Convenções sobre o assunto. A
Convenção Européia sobre Imunidades do Estado estabeleceu exceções à
imunidade, dentre as quais, encontra-se a disposição sobre a relação de
152
emprego. Nesse sentido, há que se destacar a Convenção das Nações Unidas
sobre Imunidades dos Estados e sua Propriedade.
No Brasil, o artigo 114, I, da Constituição preceitua a competência da
Justiça do Trabalho. Esse artigo foi alterado pela Emenda Constitucional nº.
45 de 2004. Nota-se que houve ampliação da competência laboral, bem
como permaneceu disposição a respeito de sua competência para litígios
que envolvam entes de direito público externo.
Por outro lado, os procedimentos a serem adotados são distintos, haja
vista que o sujeito de Direito Internacional Público é parte. situações
delicadas a serem enfrentadas, como no momento da citação, da
comunicação da decisão do Juiz nacional ou Tribunal, bem como se lhes
serão concedidos os mesmos privilégios, por analogia, à União Federal.
Além disso, o ente de Direito Internacional Público pode renunciar à
imunidade, que pode ser expressa ou tácita. A expressa é por ato inequívoco
e a tácita ocorre quando o Estado propõe demanda ou, em sentido extensivo,
volta-se para a prática de atos comerciais.
Verifica-se que as organizações internacionais m tratamento
diferenciado, eis que celebram Tratados ou Acordos sedes junto aos
governos dos Estados nos quais se estabelecem. Esses acordos dispõem, em
regra, a respeito de imunidade de jurisdição e execução.
Em relação à execução, a doutrina e o Judiciário enfrentam com
dificuldade o tema. Geralmente, conferia-se imunidade absoluta, haja vista a
impenhorabilidade dos bens dos sujeitos de Direito Internacional. Por outro
lado, ao ser adotado esse princípio, pode haver frustração dos efeitos da
sentença, isto é, o trabalhador tem o direito reconhecido, mas não a
consegue executar. Desse modo, não efetividade da decisão. Resta,
assim, a via diplomática, ou seja, carta rogatória para satisfação dos créditos
ou celebração de acordo.
Sem dúvida, a melhor forma de solução seria por meio de acordo, haja
vista a responsabilidade e a cooperação internacional que devem existir.
Entretanto, existem as exceções às imunidades, como é o caso da
penhora em conta corrente do Estado, específica para pagamento de pessoal,
153
bem como os bens não vinculados às suas atividades. Cumpre dizer que não
estão sujeitos às medidas de constrição judicial, os bens considerados
afetados para fins públicos.
A par disso, existe uma tendência de restringir a imunidade de
execução, favorecendo a pessoa de Direito Privado, que se encontra
desprovida de privilégios frente aos entes de Direito Público externo.
Assumem relevância os princípios da dignidade humana, valor social do
trabalho, responsabilidade do Estado na condução das relações
internacionais, cooperação internacional, “justiciabilidade”, reciprocidade,
efetividade e boa convivência internacional.
Assim, conclusivamente, a imunidade de jurisdição não pode
significar impunidade, em vista dos princípios que norteiam o Direito.
Ademais, as relações internacionais devem ser pautadas e compatíveis com
o Estado Democrático de Direito, almejando-se o desenvolvimento
orientado para o futuro, que confere efetividade aos direitos humanos.
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Ac. 1.257, Decisão: 26.03.1996, Tipo: E-RR 1.698, Ano: 1985,
Região: 01, UF: RJ, Embargos em Recurso de Revista, Órgão
julgador, Seção Especializada em Dissídios Individuais, Turma: DI,
Relator Ministro Vantuil Abdala.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Enunciado 331, IV: “O
inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do
empregador, implica a responsabilidade subsidiária do
tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive
quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das
fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades
de economia mista, desde que hajam participado da relação
processual e constem também do título executivo judicial”.
BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de revista
conhecido e provido. 1ª. Turma. RR-1865/2002-005-07-00. DJ de
17.11.2006. Rel. Min. Vieira de Mello Filho.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ag.Reg - RE 22.368-4 (PE)
Ac.2ª. T, 30.04.2002, Revista LTr.
166
10
Anexo 01 -
QUADRO SINÓTICO
464
PESSOAS INTERNACIONAIS:
- Conceito: entes destinatários das normas jurídicas internacionais.
- Característica essencial: todas as pessoas têm a chamada
“subjetividade internacional”.
- Subjetividade internacional: faculdade de exercer direito e
obrigações.
Estados
- Classificação organismos internacionais
outras coletividades
indivíduos
domínio terrestre
território domínio lacustre
domínio aéreo
domínio marítimo
- Estado nacionais
população e
estrangeiros
poder: organização governamental/soberania
464
HUSEK, Carlos Roberto. Elementos de Direito Internacionalblico. São Paulo:
Malheiros, 1995, p. 41.
167
- Tipos de Estado composto por coordenação
por subordinação
simples
gerais: ONU
- Organismos internacionais específicas: OTAN
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