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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE MEDICINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS MÉDICAS:
PEDIATRIA
AVALIAÇÃO DO CONHECIMENTO DOS
INTENSIVISTAS DE PORTO ALEGRE
SOBRE MORTE ENCEFÁLICA
ALAOR ERNST SCHEIN
Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto Antonacci Carvalho
A apresentação desta dissertação é
exigência do Programa de Pós-Graduação
em Ciências Médicas: Pediatria da
Universidade Federal do Rio Grande do
Sul, para obtenção do título de Mestre.
Porto Alegre, Brasil
2006
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DEDICATÓRIA
Dedico esse trabalho aos meus pais Jussara e
Alaor, pelo estímulo constante, pelo aconchego
nos momentos de angústia, pelos novos desafios
após as conquistas, pela confiança.
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AGRADECIMENTOS
À Patrícia, pelo amor.
Ao professor e amigo Paulo Carvalho, pela pa-
ciência, dedicação e respeito em todos os mo-
mentos da minha formação acadêmica, mas, em
especial, na orientação deste trabalho; por acre-
ditar que era possível.
Aos meus pais emprestados, Ivoney e Elenara,
pelo acolhimento incondicional, respeito e ex-
emplo.
À Taís, pelo estímulo, dedicação e amizade.
À Claúdia Ricachinevsky, pela “maternagem”,
compreensão e incentivo.
Aos meus mestres da UFRGS, graduação, resi-
dência e pós-graduação. À Dra. Newra, pelo ca-
rinho e paciência; Dra. Themis, pela instigação
constante; Marcelo Goldani, pelo exemplo e in-
centivo.
À Dra. Rosana Nothen, pela disponibilidade e
auxílio.
Aos acadêmicos Renata, Laura, João e Pedro,
pela confiança depositada no projeto.
À Rosane Blanguer, pela paciência e auxílio.
Aos colegas da UTI do Santo Antônio, pelo
companheirismo e amizade.
Aos colegas do meu atual curso de graduação
pela constante ajuda e camaradagem.
Aos grandes amigos da minha vida.
NA PRIMEIRA NOITE ELES SE APROXIMAM
E ROUBAM UMA FLOR
DO NOSSO JARDIM.
E NÃO DIZEMOS NADA.
NA SEGUNDA NOITE, NÃO SE ESCONDEM;
PISAM AS FLORES,
MATAM NOSSO CÃO,
E NÃO DIZEMOS NADA.
ATÉ QUE UM DIA,
O MAIS FRÁGIL DELES
ENTRA SOZINHO EM NOSSA CASA,
ROUBA-NOS A LUZ, E,
CONHECENDO NOSSO MEDO,
ARRANCA-NOS A VOZ DA GARGANTA.
E JÁ NÃO PODEMOS DIZER NADA.
SUMÁRIO
sumário.........................................................................................................................................5
RESUMO.....................................................................................................................................7
SUMMARY.................................................................................................................................8
LISTA DE ABREVIATURAS.....................................................................................................9
LISTA DE FIGURAS................................................................................................................10
LISTA DE TABELAS................................................................................................................11
INTRODUÇÃO............................................................................................................................1
1 REVISÃO DA LITERATURA .................................................................................................. 4
1.1 Morte, Transplantes e Vida ................................................................................................. 4
1.2 Outras Soluções Para o Problema Oferta vs. Demanda ..................................................... 12
1.3 Medindo a Eficácia dos Programas de Captação de Órgãos. ............................................ 13
1.4 Diagnóstico de Morte Encefálica e o Processo de Doação ................................................ 14
Suspeita do diagnóstico ...................................................................................................... 16
Protocolo diagnóstico e comunicação às centrais de captação de órgãos ........................... 17
Autorização familiar ........................................................................................................... 19
1.5 conhecimento do tema ....................................................................................................... 20
2 JUSTIFICATIVA ..................................................................................................................... 27
3 OBJETIVOS ............................................................................................................................. 29
3.1 Objetivo Geral ................................................................................................................... 29
3.2 Objetivos Específicos ........................................................................................................ 29
4 MÉTODO ................................................................................................................................. 31
4.1 Delineamento ..................................................................................................................... 31
4.2 Revisão Bibliográfica ........................................................................................................ 31
4.3 Amostra ............................................................................................................................. 31
4.4 Logística ............................................................................................................................ 32
4.5 Questões Éticas .................................................................................................................. 33
4.6 Instrumento ........................................................................................................................ 34
4.7 Processamento de Dados e Análise Estatística .................................................................. 38
4.8 Critérios de Exclusão ......................................................................................................... 39
5 RESULTADOS ........................................................................................................................ 40
6 DISCUSO ............................................................................................................................ 50
CONCLUSÕES..........................................................................................................................62
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................................64
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................................66
5
ANEXOS....................................................................................................................................67
6
RESUMO
Introdução: A falha ou atraso no diagnóstico de morte encefálica resulta na ocupação desneces-
sária de um leito, em perdas emocionais e financeiras, e na indisponibilidade de captação de ór-
gãos. O médico intensivista tem fundamental papel nesse diagnóstico, pois quase todos os paci-
entes encontram-se em unidades de cuidados intensivos no momento do diagnóstico de morte
encefálica.
Objetivo: Avaliar o conhecimento sobre morte encefálica entre os médicos que atuam em uni-
dades de cuidados intensivos no município de Porto Alegre.
todo: Estudo transversal descritivo, com aplicação de um questionário em 246 médicos que
trabalham em unidades de cuidados intensivos, em uma amostra consecutiva entre abril e de-
zembro de 2005. Utilizamos testes estatísticos bilaterais, com um nível de significância alfa de
0,05.
Resultados: Encontramos uma prevalência de desconhecimento do conceito de morte encefálica
de 17%. Vinte por cento dos entrevistados desconheciam a necessidade legal de exame comple-
mentar para o diagnóstico. Quarenta e sete por cento se consideraram no nível máximo de segu-
rança para explicar o conceito para a família de um paciente. Vinte e nove por cento desconeh-
ciam a hora do óbito legal para os pacientes em morte encefálica. Os intensivistas pediátricos ti-
veram um menor conhecimento do conceito em relação aos intensivistas de adultos.
Conclusões: O atual conhecimento sobre morte encefálica é insuficiente entre os profissionais
que mais freqüentemente se deparam com pacientes nessa situação. necessidade de educa-
ção sobre o tema a fim de evitar gastos desnecessários, diminuir o sofrimento familiar e aumen-
tar a oferta de órgãos para transplantes.
Palavras-chave: Morte cerebral – Atitudes - UTI.
SUMMARY
Introduction: Failure or delay in diagnosing brain death leads to the needless occupation of a
bed, emotional and financial losses, and unavailability of organs for transplants. The intensive
care physician plays an essential role in this diagnosis, since almost all the patients are in
intensive care units at the time brain death is diagnosed.
Objective: To evaluate knowledge on the concept of brain death among physicians working in
intensive care units in the municipality of Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil.
Methods: Cross-sectional study. Two hundred forty-six physicians who work in intensive care
units were interviewed in a consecutive sample between April and December 2005. We used
two-sided statistical tests with a 0.05% alpha level of significance.
Results: We found a prevalence of 17% ignorance regarding the concept of brain death. Twenty
per cent of the interviewees ignored the legal need for complementary confirmatory testing in
order to perform the diagnosis. Forty-seven per cent considered themselves as having the
highest level of confidence to explain the concept to a patient’s family. Twenty-nine per cent
made a mistake in determining the legal time of death for brain dead patients. Pediatric
intensivists know less about the concept, compared with the adult intensivists (p<0.001).
Conclusion: The current knowledge of brain death is insufficient among the health care
professionals who most often encounter patients in this situation. There is need for education on
the subject, in order to avoid unnecessary expenses, reduce family suffering and increase the
offer of organs for transplants.0
KEY WORDS: DEATH – ATTITUDE – ICU.
9
LISTA DE ABREVIATURAS
AMIB: Associação de Medicina Intensiva Brasileira.
CFM: Conselho Federal de Medicina.
CNCDO: Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos.
K-S dist: distância K-S do teste de Kolmogorov-Smirnov de verossimilhança, para comparação
das distribuições de variáveis, normalmente com a distribuição normal.
IC 95%: intervalo de 95 % de confiança de conter o valor verdadeiro da média.
md: mediana.
n: tamanho da amostra.
pmp: número por milhão de habitantes.
Q
1
; Q
3
: primeiro e terceiro quartis.
r: coeficiente de correlação amostral.
RR: risco relativo.
r
s
: coeficiente de correlação de Spearman.
s: desvio padrão em uma amostra de dados.
SOTIRGS: Sociedade de Terapia Intensiva do Rio Grande do Sul.
T. E. Fisher: teste exato de Fisher.
UCI (s): unidade(s) de cuidados intensivos.
χ²: símbolo da estatística qui-quadrado.
χ²
Y
: estatística qui-quadrado após a correção para continuidade de Yates (para tabelas 2x2).
WMW: teste U de Wilcoxon-Mann-Whitney.
x
: média aritmética de uma amostra de dados.
10
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Distribuição do tempo de atuação em UCI...................................................................42
Figura 2 Distribuição das médias das somas de acertos. ............................................................44
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Dados gerais do estudo................................................................................................................40
Tabela 2
Diferenças entre intensivistas com e sem conhecimento prévio da realização da pesquisa........45
Tabela 3
Resultados conforme UCI de atuação..........................................................................................46
Tabela 4
Segurança para explicar morte encefálica conforme UCI de atuação.........................................46
Tabela 5
Comparação da soma de acertos conforme UCI de atuação........................................................47
Tabela 6
Respostas das questões conforme atividade principal na UCI....................................................48
Table 7 General data on the study..............................................................................................85
Table 8 Results according to the specific intensive care unit where the subject works..............86
INTRODUÇÃO
A morte encefálica é um conceito recente na longa história da medicina. o ocorre
naturalmente, é criada pelos médicos, a partir da tecnologia terapêutica. Muitos pacientes que
antigamente morreriam rapidamente, atualmente conseguem ter suas funções cardiopulmonares
mantidas por muitas horas, ou dias. Alguns desses recuperam-se completamente, outros, com
variados graus de seqüelas, e alguns permanecem por horas ou dias em um estado de coma ap-
néico supra-espinhal irrecuperável antes de o coração parar de bater – eles estão em morte ence-
fálica . Apesar da rápida e quase universal aceitação do critério neurológico de morte desde a
sua introdução há mais de 30 anos, o conceito de morte encefálica ainda é alvo de controvérsias
e debates de ordens emocional, legal, médica, ética e política (YOUNGNER et al., 1989). Se
por um lado parece existir um medo de que a equipe médica utilize tratamentos fúteis em paci-
entes que já estão literalmente mortos, por outro há medo de que o conceito de morte encefálica
tenha sido introduzido exclusivamente com a intenção de aumentar a quantidade de órgãos para
transplantes , ou ainda para liberar leitos e / ou diminuir gastos.
A substituição de órgãos humanos rapidamente evoluiu de uma estratégia experimental
para se tornar o tratamento de escolha de diversas doenças graves e debilitantes, geradoras de
grande sofrimento e cujo curso inexorável, sem o transplante, é a diminuição da qualidade de
vida e a morte . Órgãos como coração, rim, pulmão, fígado e pâncreas são atualmente transplan-
tados em pacientes com doenças consideradas de mau prognóstico devido à perda de função or-
gânica, e irreversíveis por outros meios terapêuticos. Essa prática tem demonstrado excelentes
resultados no aumento tanto do tempo, como da qualidade de vida, com índices de sucesso aci-
ma de 80% .
Entretanto, o número de órgãos doados é insuficiente para suprir as necessidades atuais
. Essa diferença entre oferta e demanda tem crescido muito nos últimos anos. Nos Estados Uni-
dos da América, no ano de 1999, havia 72 mil pacientes em lista de espera por órgãos, um au-
mento de 230% em relação ao ano de 1990, ao passo que o número de doações de pacientes em
morte encefálica cresceu apenas 30% no mesmo período. Ocorreram 17 mil transplantes, e 6
mil mortes na lista de espera ; . Hoje em dia morrem diariamente 16 pacientes em lista de es-
pera nos Estados Unidos da América .
A situação em nosso país é semelhante. O Brasil dispõe do maior programa público de
transplantes do mundo, tendo realizado 4.746 transplantes de órgãos em 2005, com 390 equipes
dicas cadastradas . Apesar da desenvolvida estrutura de captação e de lista de espera de ór-
gãos atualmente em uso, ainda nos deparamos com uma grande demanda não atendida. A maior
parte dos transplantes realizados é de órgãos oriundos de doadores mortos. Essa pouca disponi-
bilidade de doadores acaba deixando de oferecer tal modalidade terapêutica, resultando em mui-
tas mortes de doentes em fila de espera. Em 2003, metade dos aproximadamente 50 mil pacien-
tes na lista de espera por transplante de órgãos na América Latina era de brasileiros . Dados do
Sistema Nacional de Transplantes mostram que hoje 32 mil pessoas em lista de espera por
rim, 7 mil por fígado e 310 por coração . Os prazos médios de espera na fila, no Brasil, são bas-
tante elevados para todos os tipos de órgãos, variando de 1,6 anos para coração até 11,1 anos
para rim . A mortalidade na lista de espera por transplante hepático situa-se em torno de 20 %.
2
Somente no Estado de São Paulo, 603 pacientes morreram nessa condição no ano de 2004 (LIS-
TA..., 2006).
rias pesquisas e novas terapêuticas vêm sendo propostas a fim de mitigar o proble-
ma, muitas delas buscando outras fontes de oferta, mas, a despeito de todas essas “frentes de ba-
talha” para suprir a demanda de órgãos para transplante, ainda são os pacientes em morte ence-
fálica os principais doadores, na maioria dos países .
A tecnologia não é mais o fator limitante para a realização de transplantes, e sim a ob-
tenção de órgãos de doadores adequados, que depende muito da atitude e comprometimento dos
profissionais de saúde (YOUNGNER et al., 1989). Uma das razões para a insuficiente oferta é a
falha ou relutância de profissionais de saúde em identificar o paciente em morte encefálica
como um potencial doador . O número real de doadores é muito menor do que o número poten-
cial estimado . O diagnóstico adequado e precoce de morte encefálica o apenas aumenta a
disponibilidade de órgãos para transplante, mas também auxilia no manejo emocional dos fami-
liares e diminui a ocupação inadequada de leitos de cuidados intensivos.
A identificação desses pacientes na unidade de cuidados intensivos (UCI), o seu mane-
jo adequado e a comunicação às centrais de captação de órgãos são fatores fundamentais para o
aumento das doações de órgãos . Justifica-se portanto o intuito prima facie de nossa pesquisa,
avaliar o conhecimento do médico intensivista, principal elemento humano envolvido na identi-
ficação de potenciais doadores, a respeito de morte encefálica.
3
1 REVISÃO DA LITERATURA
1.1 MORTE, TRANSPLANTES E VIDA
A discussão nos meios científicos a respeito da morte não é um tema exclusivamente
moderno. Muitos conceitos que são hoje em dia discutidos foram abordados por estudiosos dos
séculos XVII a XIX, em especial quanto ao medo do sepultamento prematuro. Casos de pessoas
aparentemente mortas, em especial vítimas de afogamentos, “ressuscitadas” através de respira-
ção artificial, técnica surgida no início do século XVIII, acabaram por amedrontar ainda mais a
sociedade pela possibilidade de algum indivíduo acordar sepultado em um caixão .
Na Roma antiga, chamava-se o nome da pessoa falecida por três vezes. Se a pessoa
não respondia, então um dedo era amputado e, se não houvesse sangramento do local, o corpo
era cremado. O Duque de Lancaster tinha tanto medo de ser enterrado vivo que deixou instru-
ções para que seu corpo fosse observado por 40 dias na cama antes de ser, após exame dico,
sepultado. Até o início do século XIX os médicos não se sentiam adequadamente confiantes na
habilidade de diagnosticar morte. Uma distinção acadêmica foi dada a um médico francês por
ter inventado um fórceps para apertar os mamilos de presumidos cadáveres a fim de confirmar a
morte. A detecção de atividade elétrica cardíaca propiciou a segurança no diagnóstico médico
de morte no início do século XX (KAUFMAN, 2004).
Parece-nos impossível separar a história do conceito de morte encefálica da do surgi-
mento das unidades de cuidados intensivos. As epidemias de poliomielite do início do século 20
ocorreram em um momento de tecnologia médica que permitiu a manutenção dos movimentos
respiratórios de pacientes conscientes, mas que sofriam de insuficiência respiratória neuromus-
cular. Os pulmões de o equipamentos de ventilação mecânica externa mantiveram vivos
muitos pacientes que recuperaram posteriormente o estímulo ventilatório. Não tardou muito
para que esses equipamentos fossem utilizados nas outras causas de insuficiência respiratória,
mostrando-se muitas vezes insatisfatórios – em especial em doenças parenquimatosas pulmona-
res. Durante a epidemia de 1952, em Copenhague, uma menina de 12 anos, acometida por poli-
omielite, foi submetida a traqueostomia e colocada em ventilação positiva por bolsa, com a aju-
da de voluntários e estudantes de medicina. o tardou para o aparecimento de equipamentos
que substituíam os estudantes na repetitiva tarefa de inflar e desinflar a bolsa de ventilação, ini-
cialmente denominados de “estudantes mecânicos”. O aparelho de respiração mecânica com
pressão positiva rapidamente se tornou o padrão de suporte para insuficiências respiratórias pri-
rias, falências neurológicas e doenças neuromusculares, como a lio. Os quartos dos pul-
es de aço – gigantescos, haja vista o tamanho dos equipamentos – deram lugar a unidades de
cuidados intensivos, inicialmente destinadas ao tratamento de pacientes com afecções respirató-
rias (KAUFMAN, 2004).
As pesquisas médicas dos anos 1960 mostraram que a sobrevivência de pacientes com
infarto agudo do miocárdio melhorava substancialmente se as arritmias cardíacas comuns nos 3
a 5 primeiros dias fossem imediatamente tratadas. O lugar escolhido para manter os pacientes
em monitorização de ritmo cardíaco foi a unidade de cuidados intensivos cardíacos, onde tam-
bém se poderia prover suporte ventilatório. Nessa mesma linha, viu-se o aparecimento das uni-
dades cirúrgicas, neonatais, pediátricas, entre outras. Por fim, a disseminação das adequadas
técnicas em reanimação cardiorrespiratória tanto entre os membros da comunidade, quanto em
hospitais, aumentou sobremaneira a quantidade de pacientes internados em unidades de cuida-
dos intensivos .
Entre as principais demandas de pacientes em UCIs estavam, portanto – e isso se asse-
melha muito com os dias de hoje –, os acometidos com insuficiência respiratória (naquele mo-
mento principalmente poliomielite), após quadros de infarto agudo do miocárdio, assim como
aquelas vítimas de parada cardiorrespiratória que não morriam. Esperava-se que com a manu-
5
tenção de vida através de respiradores mecânicos os pacientes recuperar-se-iam gradualmente.
Entretanto, muitos desses pacientes, em especial os que haviam sofrido parada cardiorrespirató-
ria, não mostravam quaisquer sinais de melhora com o passar do tempo, demonstrando uma le-
são encefálica irreversível. Artigo publicado por Wertheimer no início de 1960 falava em
“morte do sistema nervoso” e descrevia clinica e neurofisiologicamente de forma bastante com-
pleta tal síndrome. Tal condição foi também descrita de forma menos completa, conforme
Machado (2005) - em 23 pacientes por Goulon e Mollaret em 1959, que adotaram o termo
coma depassé, ou “estado além do coma” , em pacientes inconscientes, sem reflexos de tronco
cerebral, sem movimentos respiratórios e cujos eletroencefalogramas não registravam atividade
. O achado que mostrava a irreversibilidade do dano cerebral era a liquefação do cérebro dos
pacientes que permaneciam em ventilação mecânica prolongada. Cunhava-se o termo “cérebro
do respirador mecânico”
1
. Essa liquefação, ou putrefação, era incompatível com a possibilidade
de retorno de respiração espontânea e de consciência .
Coincidentemente - ou talvez nem tanto, posto que a mesma tecnologia que permitia a
manutenção ventilatória e circulatória de pacientes sem atividade cerebral permitiu a realização
destes procedimentos – desenvolviam-se nessa época os programas de pesquisa em transplantes
de órgãos .
Apesar de haver relatos de que há 5.000 anos atrás se transplantava pele para substituir
os narizes destruídos pela sífilis nas sociedades egípcias e hindus, além de transplantes de den-
tes feitos no século XVIII por John Hunter na Escócia, não há dúvidas de que a substituição de
órgãos e tecidos é uma criação do século XX. A primeira tentativa de transplante de córnea
ocorreu em 1906. O primeiro transplante renal entre humanos foi feito em 1933 na Ucrânia, por
Voronoy, sem sucesso. A história moderna dos transplantes de órgãos humanos inicia-se em
1954, quando Joseph Murray – posteriormente laureado com o prêmio Nobel – e equipe execu-
1
Respirator brain”
6
taram um transplante renal entre gêmeos idênticos. A mesma equipe executou o primeiro trans-
plante renal de cadáver com sucesso em 1962. No ano seguinte, Starzl realizou o primeiro trans-
plante hepático e Hardy, o primeiro pulmonar. O procedimento utilizado na época era o de levar
o paciente considerado sem atividade neurológica ao bloco cirúrgico, preparar o receptor em
sala próxima, desligar o suporte ventilatório no doador, aguardar que o coração parasse de ba-
ter, e então proceder a retirada dos órgãos. No momento da retirada, portanto, tecnicamente,
o doador não estava em morte encefálica, e sim, preenchia critérios de morte “clássica” . O
crescimento do número de transplantes foi lento até o desenvolvimento de agentes imunossu-
pressores eficazes .
O relato do primeiro transplante cardíaco com sucesso da história foi publicado por
Barnard em 1967. O doador selecionado tinha “antígenos de hemácias compatíveis” e “padrão
leucocitário similar” com o do receptor, além de estar em um estado de “morte iminente”, víti-
ma de acidente automobilístico. Foi levado à sala cirúrgica onde se aguardou que a atividade
elétrica cardíaca cessasse por cinco minutos, o que, conforme o autor, certificaria a morte. Em
seguida, o coração foi retirado e implantado no receptor, portador de doença cardíaca grave.
Daí vê-se que se usavam muitos cadáveres – ou doadores com “morte cardíaca” nos
transplantes, mas também havia doadores com eventos neurológicos catastróficos, ainda com
batimentos cardíacos. Nessa incipiente era dos transplantes, a maioria dos receptores morria
após o procedimento, e o consenso entre os cirurgiões era de que doadores com circulação pre-
servada poderiam melhorar o prognóstico. Muitos, entretanto, sentiam-se “desconfortáveis” em
retirar órgãos vitais de pacientes com mínima ou nenhuma função cerebral, mas com pulsos e
pressão arterial adequados.
Expande-se então o conceito de morte. A ausência de resposta, de movimento e respi-
ração, de reflexos de tronco cerebral, e coma cujas causas tenham sido identificadas é sinônimo
7
de morte na maior parte da comunidade científica desde 1969, quando da publicação das con-
clusões de um comitê da Universidade de Harvard composto para examinar o assunto (MAN-
NO & WIJDICKS, 2006).
As questões fundamentais levantadas pelo comitê refletiam as preocupações da época:
a demanda de leitos era maior do que a oferta posição utilitarista –; as exigências para trans-
plantes de órgãos, em especial de coração, dependiam de uma adequada função circulatória do
doador – posição instrumental –; e o suporte ventilatório não conseguia recuperar todos os paci-
entes para uma vida autônoma e consciente, o que gerava sobrecarga nos familiares durante o
irreversível e prolongado coma – posição compassiva. Nesse sentido, releva notar que tais pre-
ocupações permanecem as mesmas atualmente. Tais inquietações coalescem em uma questão:
“A cascata de eventos que leva inexoravelmente à condição de liquefação do cérebro poderia
ser identificada incontroversa e precocemente?” Ou ainda, poder-se-iam considerar como mor-
tos os pacientes que certamente progrediriam para esse “cérebro de respirador mecânico” em al-
gum momento antes da liquefação cerebral? Nas palavras de Henry Beecher, em carta ao cole-
ga Robert Ebert, decano da Escola de Medicina de Harvard, propondo a primeira reunião que
resultaria no comitê:
Como sei que deves saber, os avanços em reanimação cardiorrespiratória e su-
porte intensivo têm levado a muitos esforços desesperados para salvar pacientes que
estão morrendo. Algumas vezes o que acaba restando são indivíduos sem cérebro.
Esses indivíduos estão aumentando em número por todos os lados, assim como os
problemas decorrentes que devem ser encarados .
Aqui reside a importância das resoluções do comitê, pois afirmou as bases epistemoló-
gicas de que existem critérios que autorizam a retirada do suporte intensivo, diminuindo a ocu-
pação de um leito e permitindo a utilização dos órgãos para transplantes, ou seja, critérios para
8
se “considerar
2
um indivíduo como se morto estivesse, resultando em uma declaração de morte
aceita do ponto de vista legal, social, teológico e moral .
A primeira publicação de um transplante de rim retirado de um paciente em morte en-
cefálica se deu antes mesmo da resolução do comitê de Harvard. Guy Alexandre, em 1963, uti-
lizou-se de critérios adaptados do coma depassé, na Universidade Católica de Louvain, Bélgica
.
Os estados norte-americanos foram adotando o conceito de morte encefálica gradual-
mente até que, finalmente, a Comissão Presidencial para Estudo de Problemas Éticos em Medi-
cina e em Investigações Biomédicas e de Comportamento, definiu, em 1981, os critérios para
determinação de morte cerebral, que eram: estado irreversível de cessação de todas as funções
do cérebro e do tronco cerebral. Prescreveu ainda que a determinação da morte deveria ser feita
de acordo com os padrões médicos aceitos (GUIDELINES..., 1981).
A década que se seguiu após essa publicação marcou também o início e a dissemina-
ção do conceito de morte encefálica em crianças . O artigo de 1981 orientava, em face das mai-
ores resistência e plasticidade, cuidado na aplicação da definição em crianças abaixo de 5 anos.
A publicação de padrões de diagnóstico em crianças de 1987 estabelecia períodos de tempos
diferentes entre os exames clínicos, inversamente proporcionais à idade, e a realização de exa-
mes complementares. Tais orientações permaneceram quase que inalteradas até hoje em dia, in-
clusive quanto à incapacidade de determinação de morte encefálica em recém nascidos menores
de 7 dias de vida (TODRES, 2006).
2
O termo na língua inglesa é “to deem”, cuja tradução literal seria considerar, mas Dagi e Kaufman afirmam um
sentido secundário ao termo, de maior força, sem paralelo na língua portuguesa, que seria considerar algo como
se fosse, independentemente do fato de ser ou não.
9
O conceito de morte depende de crenças religiosas e culturais. Daí nasce a necessidade
de legislação a fim de se alcançar a aceitação desse novo conceito. As definições legal e médica
de morte devem ser uniformes para a sociedade .
O primeiro transplante renal no Brasil ocorreu em 1964 e o primeiro cardíaco, em
1968. A primeira lei sobre transplantes foi aprovada no Brasil em 1968 . A legislação atual bra-
sileira permite a retirada de órgãos de pessoas consideradas mortas, e de doadores vivos, quan-
do deste ato não resultar ao doador comprometimento de suas funções vitais e aptidões físicas
ou mentais e nem lhe provoque deformação.
No Brasil, o Conselho Federal de Medicina (CFM) regulamentou a questão pela pri-
meira vez em 1991. Atualmente vige a Lei Ordinária de número 9.434 de 1997
3
, que “dispõe
sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e trata-
mento e outras providências” (BRASIL, 1997). Tal norma remeteu ao CFM a definição dos
“critérios clínicos e tecnológicos” para diagnóstico de morte encefálica. De pronto, o referido
conselho definiu-os na resolução 1.480 de agosto do mesmo ano (Anexo E).
Ressalta-se que a resolução determina que o diagnóstico só se aplica em processo irre-
versível e de causa conhecida para coma aperceptivo com ausência de atividade motora supra-
espinal e apnéia, através da realização de exames clínicos e complementares a intervalos de
tempo variáveis, e obriga a comunicação a Central de Notificação, Captação e Distribuição de
Órgãos (CNCDO) (CONSELHO..., 1997).
Diversos autores têm criticado as definições do comitê de Harvard. Youngner e Arnold
afirmam ter havido um puro interesse utilitarista nas conclusões, pois a retirada do suporte res-
3
Essa lei foi parcialmente revogada pela de número 10.211 de 2001, que extinguiu a doação presumida no Brasil
e determinou que a doação com o doador em morte encefálica só ocorreria com a autorização familiar, indepen-
dente do desejo em vida do potencial doador. Os demais aspectos da lei de 1997 foram mantidos.
10
piratório em um paciente com esse diagnóstico não geraria conseqüências legais e a retirada de
órgãos poderia ser feita, sem violar a “regra do doador morto
4
”. Apesar da conclusão de Wij-
dicks em interessante revisão sobre a formação do comitê de que não se pode afirmar se os
membros tinham alguma intenção em aumentar a oferta de órgãos, vemos na carta de outro
membro do comitê, Joseph Murray, uma clara referência, quando afirma a discrepância entre a
demanda de rins para pacientes com doenças graves e a perda de órgãos viáveis em outros paci-
entes trazidos às emergências. Uma curiosidade que pode ter contribuído para a controvérsia é o
fato de o artigo intitulado “Padrões éticos para transplantes de órgãos
5
encontrar-se publicado
na mesma edição e na página imediatamente posterior onde estão publicadas as definições
do comitê de Harvard (ETHICAL..., 1968; A DEFINITON..., 1968).
Coimbra é um dos neurologistas brasileiros que tem se posicionado de forma contrária
ao diagnóstico de morte encefálica como sinônimo de morte. Argumenta existir uma confusão
entre diagnóstico e prognóstico, e que poderia haver uma mínima, mas relevante possibilidade
de recuperação neurológica nos pacientes com critérios prognósticos (e o diagnósticos, con-
forme o autor) de morte, caracterizados pelos achados de morte encefálica. Preconiza que essa
recuperação pode ocorrer em face da existência de uma zona de penumbra isquêmica que inva-
lidaria a fundamentação teórica da identificação da morte encefálica; que o teste de apnéia po-
deria de fato induzir lesão irreversível do encéfalo; que a indução de hipotermia moderada e a
administração intra-arterial de trombolíticos podem promover a recuperação neurológica; e que
os exames complementares não contribuem para a confirmação do diagnóstico. Em uma postura
evidentemente contra-hegemônica recomenda que o “diagnóstico de morte encefálica necessita
enquadrar-se às demandas da ética e do desenvolvimento neurocientífico, devendo ser honesta-
mente abandonado a sustentar-se sobre inverdades e sobre condutas que ferem princípios mais
básicos da conduta médica” .
4
Dead donor rule.
5
Ethical Guidelines for Organ Transplantation.
11
Troug (1997) aponta a incoerência em adotar-se a hipotermia como um critério de ex-
clusão do diagnóstico, pois a ausência de hipotermia significa preservação da vitalidade cere-
bral em regular a temperatura corpórea. Além disso cita as observações de elevação da pressão
sangüínea e da freqüência cardíaca que alguns cirurgiões têm relatado ocorrer por ocasião da in-
cisão para retirada de órgãos para transplante, reações que demonstrariam alguma funcionalida-
de do tronco encefálico. Por fim, também se refere à confusão entre prognóstico e diagnóstico
que ocorreria nos critérios para morte encefálica.
Apesar das críticas, o diagnóstico está bem estabelecido e tem sido aplicado em diver-
sas regiões do mundo, com mínimas diferenças .
1.2 OUTRAS SOLUÇÕES PARA O PROBLEMA OFERTA VS. DEMANDA
Como vimos, justificam-se os esforços da sociedade, e em especial, dos meios acadê-
micos, para a mitigação do problema. O aumento da oferta de órgãos é uma importante questão
de saúde pública. Obviamente que a demanda pode ser muito reduzida se houver um maior
compromisso do sistema de saúde com ações de prevenção e controle de doenças crônicas pre-
valentes na população, tais como hipertensão, diabetes, alcoolismo e hepatites virais. A fim de
aumentar a oferta muito se tentou e ainda se pesquisa a utilização de órgãos de animais não hu-
manos (xenotransplantes), mas não há, até o momento, resultados promissores. Existem ainda
iniciativas de engenharia genética e de cultura de tecidos que já obtiveram resultados em córne-
as, pele e bexiga. Alguns equipamentos artificiais têm sido desenvolvidos, em especial para as-
sistência de batimentos cardíacos e substituição de pâncreas. Apesar de “promissoras”, ainda
não sabemos quando tais técnicas sairão dos laboratórios para serem aplicadas no nosso cotidia-
no .
12
Outra estratégia que já está em prática é o uso de órgãos de doadores após a morte car-
díaca. Seriam candidatos aqueles pacientes terminais, em que a parada cardíaca não seria um
evento inesperado, e que inclusive, não seriam reanimados. Uma conferência nacional nos Esta-
dos Unidos da América em abril de 2005 concluiu que essa é uma prática eticamente aceitável e
que pode aumentar a quantidade de órgãos para transplantes eficazes . Merion et al. (2006)
mostraram que a porcentagem desse tipo de doadores entre a totalidade dos transplantes hepáti-
cos cadavéricos aumentou de 0,9% em 2000 para 3,2% em 2004; entretanto, o risco de falha do
enxerto foi significativamente maior (RR 1,85, IC 95% 1,51 – 2,26). Já Gagandeep et al. (2006)
mostraram que 2,7% dos mais de 70 mil transplantes renais de doadores cadavéricos ocorridos
nos Estados Unidos da América foram de doadores após a morte cardíaca; não encontraram di-
ferença significativa na sobrevida dos receptores em relação aos que receberam órgãos doados
por pacientes em morte encefálica. Nos últimos anos vem ocorrendo um progressivo aumento
na quantidade de transplantes intervivos realizados. Há vantagens em termos de disponibilida-
de, baixas taxas de rejeição, adequado preparo e mínimo tempo de isquemia, mas obviamente
se aplicam a órgãos pares ou que podem ser divididos com mínimo risco para o doador,
como o fígado. Vinte por cento dos transplantes hepáticos e 53 % dos renais realizados no Bra-
sil em 2005 foram de doadores vivos (RBT..., 2006). Nos Estados Unidos, desde o ano de 2001,
os transplantes envolvendo doadores vivos são superiores àqueles envolvendo doadores com
morte encefálica, fato devido principalmente aos transplantes renais .
1.3 MEDINDO A EFICÁCIA DOS PROGRAMAS DE CAPTAÇÃO DE ÓROS.
A eficácia dos programas de captação de órgãos para transplantes é determinada pelo
indicador número de doadores por milhão de habitantes por ano (pmp/ano) em uma determina-
da região. Usualmente os índices utilizados são o número de potenciais doadores (casos de mor-
te encefálica notificados) e o de doadores efetivos .
13
Os números de doadores cadavéricos efetivos em diferentes países do mundo podem
ser vistos no Anexo A. Dados de 2005 mostram que a Espanha é o país com a taxa mais alta,
35,1 pmp/ano. Os Estados Unidos aparecem com 21,5 pmp/ano. Dados da Central Nacional de
Captação e Doação de Órgãos revelam que o Brasil teve, em 2005, 6,3 pmp/ano, número bem
menor do que alguns países vizinhos, como o Uruguai com 20,6 pmp/ano, o Chile (8,3), Argen-
tina (10,8), Costa Rica (10,0), e Cuba (9,1) .
A taxa de potenciais doadores no Brasil em 2005 foi de 27,8 pmp/ano, mas setenta e
sete por cento desses não se efetivaram. Em termos absolutos, o Rio Grande do Sul é o segundo
estado com maior número de doações, atrás apenas de São Paulo. Apesar de ser o sétimo colo-
cado entre 21 estados brasileiros em taxa de potenciais doadores (34,5 pmp/ano), a sua relativa
baixa proporção de não efetivação (61%) resultou na maior taxa de doadores efetivos no Rio
Grande do Sul, com 13,2 pmp/ano .
1.4 DIAGNÓSTICO DE MORTE ENCEFÁLICA E O PROCESSO DE DOAÇÃO
Como vimos, o incentivo para o desenvolvimento e aplicação do conceito de morte en-
cefálica ganhou força por pelo menos dois grandes avanços tecnológicos: o desenvolvimento
dos cuidados intensivos e o advento dos transplantes de órgãos. Entretanto, a menor suspeita de
que nosso julgamento clínico de um caso possa ser afetado pelo entusiasmo para a doação de
órgãos pode danificar a confiança existente entre pacientes e o sistema de saúde . Apesar dessa
origem comum, a definição de morte não pode estar relacionada com os transplantes de órgãos.
Ao pensar na história evolutiva da medicina, não nos é difícil prever que a tecnologia prove
artificialmente órgãos, o que substituirá a utilização de doadores cadavéricos; ainda assim per-
sistirá como necessário o conceito de morte encefálica , ao contrário do afirmado por Troug
(1997).
14
É fundamental que a classe médica esteja alerta para o reconhecimento de potenciais
doadores de órgãos . A maior parte dos óbitos por morte encefálica ocorre por traumatismo c-
nio encefálico, acidente vascular encefálico, encefalopatia anóxica e tumor cerebral primário.
Tais doenças costumam ser monitorizadas em unidades de cuidados intensivos, o que torna o
papel do médico intensivista decisivo no diagnóstico adequado de morte encefálica. ;
Uma equipe hospitalar treinada é um ponto chave para o sucesso dos programas de
transplantes de órgãos de doadores em morte encefálica, pois pode maximizar o número de po-
tenciais doadores .
Ao se suspeitar de um diagnóstico de morte encefálica – conforme os critérios da reso-
lução 1.480/97 - a equipe médica deverá comunicar imediatamente à família do paciente e dar
início ao termo de declaração de morte encefálica, ou na linguagem corriqueira, “dar início ao
protocolo de morte encefálica”. Serão feitos dois exames clínicos por dois médicos distintos não
integrantes da equipe de remoção e transplante a intervalos de tempos variáveis conforme a ida-
de. Além desses, realizam-se os exames complementares que devem mostrar ausência de ativi-
dades elétrica ou metabólica, ou de perfusão sangüínea cerebral. Conforme processo-consulta
ao Conselho Federal de Medicina nº 8.563 de 2000, não há necessidade de aguardar até a reali-
zação do segundo exame clínico para executar o exame complementar. Estabelecido o diagnós-
tico, ou completado o “protocolo”, o médico deverá comunicar aos familiares do paciente a res-
peito da confirmação do óbito. Ato contínuo, esse fato deve ser notificado para a central de cap-
tação de órgãos local que procederá aos adequados trâmites a fim de verificar a possibilidade de
doação e consultar e orientar os familiares a respeito do tema.
Apesar da lei, nem sempre essa notificação ocorre. Isso se deve a variados motivos: a
equipe médica que deveria notificar o caso não recebe nenhum incentivo adicional por esse ato
que pode não fazer parte de sua rotina; em muitos hospitais falta infra-estrutura, recursos ou
15
pessoal disponível para manterem vivos, por 48 ou 72 horas, os pacientes em morte encefálica;
os médicos podem se deparar com o dilema de ter que escolher entre a manutenção de um doa-
dor morto ou atender um paciente vivo na UCI; e por fim, parece ir contra a formação dos pro-
fissionais de saúde admitir a possibilidade de perda de pacientes .
No Brasil, de cada oito possíveis doadores, apenas um é notificado e somente 20%
desses são utilizados como doadores de múltiplos órgãos . Conforme as Centrais de Notificação
e Distribuição de Órgãos (CNCDOs), em 2005, no Brasil, houve doação efetiva em 23% dos
4700 potenciais doadores (casos notificados). Dentre as causas da o efetivação da doação,
37% deveram-se à não autorização familiar e 48% à contra-indicação médica .
Observamos três momentos-chave para um adequado processo de doação:
a) suspeita de morte encefálica;
b) protocolo para confirmação do diagnóstico e comunicação às centrais de captação
de órgãos;
c) autorização familiar.
Suspeita do diagnóstico
A presença de coma aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinal e ap-
néia em paciente com causa de coma conhecida, sem fatores complicadores (hipotermia e uso
de medicamentos depressores do sistema nervoso central), deve determinar a abertura da inves-
tigação para morte encefálica.
O médico intensivista desconhecedor dos conceitos e da legislação sobre morte encefá-
lica, ou que não os aplique na prática diária, será responsável pelo atraso no diagnóstico, o que
16
implicará negativas conseqüências. Para avaliarmos o impacto dessa má-prática, podemos ado-
tar tanto uma abordagem dedutiva, como uma indutiva.
Dedutivamente, poderíamos estimar a incidência de morte encefálica em alguma re-
gião a partir de uma incidência conhecida em locais de semelhantes características, e comparar
com o número de diagnósticos firmados. Quanto maior a diferença encontrada, maior é a chan-
ce de que diagnósticos não estejam sendo feitos. Tal conduta torna-se difícil em face da inexis-
tência consagrada de um “padrão” de incidência de morte encefálica e da pluralidade de condi-
ções de saúde (incluindo, cabe frisar, as condições sócio-econômicas) ao redor do mundo. A
Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) estima que apenas 13% dos casos são
notificados . Houve, em 2005, 4.714 notificações no Brasil, o que pode significar que 30 mil
pacientes preencheram os critérios de morte encefálica sem ter sido feito o diagnóstico, ou sem
ter havido a notificação ao órgão competente. É uma estimativa imprecisa, mas não vislumbra-
mos forma eficaz para a obtenção de dados confiáveis. Outra abordagem, que utilizamos no pre-
sente estudo, é analisar a conduta e o conhecimento dos profissionais responsáveis pelo diag-
stico, e a partir de então induzir o resultado como um todo.
Protocolo diagnóstico e comunicação às centrais de captação de órgãos
Suspeitado o diagnóstico, respeitando os critérios anteriormente descritos, a confirma-
ção depende do preenchimento do “termo de declaração de morte encefálica”. Ato contínuo,
concluído o processo diagnóstico, deve-se “notificar, às centrais de notificação, captação e dis-
tribuição de órgãos da unidade federada onde ocorrer” .
Podemos questionar se poderia estar ocorrendo uma insuficiente notificação dos casos
em morte encefálica. Por isso, uma abordagem dedutiva nos inspirou a inquirir se poderia haver
uma discrepância entre o número de diagnósticos de morte encefálica em atestados de óbitos e o
17
de comunicações às centrais de captação. Uma eventual diferença entre esses dados, poderia
significar ou que se firmou o diagnóstico sem a confirmação preconizada em lei, ou que houve
a confirmação, mas não a notificação obrigatória. Infelizmente não podemos obter os dados de
registro em atestados de óbito junto ao Núcleo de Informações em Saúde do Estado do Rio
Grande do Sul, posto que o código utilizado no registro digital das causas de morte referente a
“morte encefálica é o mesmo utilizado para “causa desconhecida R99. Atualmente apenas
uma onerosa revisão manual de todos os atestados de óbito poderia fornecer tal dado com exati-
dão.
Notificada a suspeita de morte encefálica, temos a cifra dos chamados “potenciais doa-
dores”. Se o diagnóstico for confirmado, não houver contra-indicação médica, recusa familiar, e
o hospital tiver estrutura adequada para efetivar os procedimentos, teremos o mero de “doa-
dores efetivos”. Em 2005, apenas 23% dos “potenciais doadores” tornaram-se “doadores efeti-
vos” no Brasil (RBT..., 2006).
Esse é o momento em que as condições técnicas do hospital onde se encontra o poten-
cial doador exercem fundamental influência no desfecho do processo de doação. Necessita-se
de dois médicos, não integrantes dos programas de transplantes, habilitados para realizar os tes-
tes clínicos, assim como de equipamentos para a realização dos exames complementares. Em
caso de autorização familiar e de não haver contra-indicações médicas, faz-se necessária a ma-
nutenção do doador em unidade de cuidados intensivos até o momento da retirada, a fim de pre-
servar a viabilidade dos órgãos. Deve haver a disponibilidade de realização de um dos exames
complementares preconizados na resolução do CFM. Atualmente tem tido ampla aceitação no
nosso meio o eletroencefalograma, a cintilografia cerebral e a angiografia cerebral.
A insuficiência em qualquer dessas etapas pode inviabilizar a doação. Como exemplo,
citamos o Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre, que é o maior hospital de trauma da re-
18
gião sul do país, atendendo a cerca de 900 pessoas por dia, com 38 leitos de UCI. o há atual-
mente nesse hospital a possibilidade de realizar nenhum dos exames de atividade ou fluxo san-
guíneo cerebral. Os pacientes que têm critérios clínicos de morte cerebral dois exames clíni-
cos, sendo um deles feito por neurologista, com intervalos de tempo variáveis conforme a idade
do paciente são transferidos para outro hospital que tenha condições de realizar tais exames
complementares para a confirmação do diagnóstico e prosseguimento do processo. A partir daí
não é difícil imaginar quão árdua é a tarefa de explicar para a família que o paciente está clini-
camente em morte encefálica e que tem que ser transferido para outro hospital a fim de fazer o
exame complementar. E somente após essa confirmação haverá a abordagem a respeito da pos-
sibilidade de doação. O que temos visto na prática é que se aborda essa família antes da transfe-
rência do paciente, a fim de saber se há ou não interesse em doar os órgãos. Caso a resposta seja
positiva, ocorre a transferência para exame complementar e prosseguimento do processo. Caso
não haja interesse, a equipe médica mantém o paciente com o suporte vital – já que não há con-
firmação de morte encefálica –, mas considera-o como paciente terminal, atuando ou deixando
de atuar conforme as decisões bioéticas tomadas (HOSPITAL..., 2006).
Em caso de inexistência de contra-indicações médicas - doenças infecto-contagiosas,
falência de múltiplos órgãos e malignidade a central de captação e doação de órgãos entrará
em contato com a família a fim de viabilizar a doação. Dados da CNCDO de 2005 mostraram
que a contra-indicação médica foi responsável por quase a metade das causas de não efetivação
de doação em potenciais doadores.
Autorização familiar
Diversas razões fazem as pessoas resistirem a doar os seus órgãos. Há o medo de ter o
tratamento negligenciado ao ser identificado como doador , ou ainda de ocorrer comércio dos
órgãos . A autorização familiar dependerá de fatores intrínsecos das pessoas envolvidas, tais
19
como, a consciência do desejo de doação por parte do ente falecido, as crenças religiosas e mís-
ticas; mas também de fatores extrínsecos, ou seja, a logística envolvida, o tempo necessário
para que se efetue uma doação.
Os dados de 2005 mostraram que, dos 77% de potenciais doadores que não se tornam
efetivos, 37% foram devidos a não concordância familiar. No Rio Grande do Sul esse percentu-
al é ainda mais alto, 48%. É claro, portanto, o fundamental papel das campanhas de divulgação
da importância da doação. Entretanto, não podemos nos furtar da autocrítica em relação às defi-
ciências existentes nos serviços de saúde. Sabemos que o processo de doação, desde a confirma-
ção do quadro de morte encefálica até a liberação do corpo para os procedimentos funerários,
não dura menos do que 24 horas , pois implica: exames complementares de doenças infecto-
contagiosas; em muitas vezes o transporte do doador até um centro de retirada; o preparo dos
receptores a fim de diminuir o tempo de ausência de fluxo para os órgãos a serem doados.
Soma-se a isso o fato de que boa parte dos potenciais doadores é vítima de morte violenta, o
que obriga que o corpo seja necropsiado no Instituto Médico Legal.
1.5 CONHECIMENTO DO TEMA
Até o início de nossa revisão, havia carência de publicações na literatura que buscas-
sem avaliar os conhecimentos dos dicos, em especial dos intensivistas, em diagnosticar cor-
retamente morte encefálica. Alguns estudos que citaremos, a fim de demonstrar a relevância do
tema, foram feitos com outros profissionais de saúde.
A idéia desse estudo surgiu após a publicação da pesquisa realizada por Harrison e
Botkin em 1999, através do envio de questionários através de correio para residentes de pedia-
tria e pediatras. Dos 276 questionários enviados, houve resposta em 83%. Os resultados mostra-
ram que apenas 39% dos pediatras pesquisados dominavam o conceito de morte encefálica.
20
Doze intensivistas pediátricos foram pesquisados e todos eles dominavam o conceito, dado que
foi estatisticamente significativo ao ser comparado com os pediatras das demais especialidades.
Logo após a publicação desse estudo, aplicamos tal questionário traduzido durante um
conclave de terapia intensiva pediátrica que se realizava em Porto Alegre naquele ano. Foram
distribuídos 127 questionários, com uma taxa de resposta de 43%. Encontramos 28% de equívo-
co na definição do conceito entre residentes de pediatria ou especialidades, pediatras gerais e in-
tensivistas pediátricos. Vinte por cento dos entrevistados desconhecia a necessidade legal de re-
alização de exame complementar para o diagnóstico de morte encefálica. Ninguém optou pela
retirada do suporte vital no caso clínico apresentado, sendo que 86% optaram por solicitar um
exame não indicado no cenário e 14% equivocadamente diagnosticaram morte encefálica. Vinte
e cinco por cento julgaram-se nos níveis mais baixos (1 e 2) de habilidade para explicar o con-
ceito de morte encefálica aos familiares de um paciente. Não foram encontradas diferenças sig-
nificativas nas respostas entre os grupos, mas isso provavelmente deveu-se ao pequeno tamanho
amostral .
Um dos primeiros estudos sobre o assunto foi publicado por Youngner et al. em 1989.
Encontraram uma importante carência de conhecimento do assunto em 115 médicos em quatro
hospitais universitários de Cleveland. Dentre os 39 médicos expostos a pacientes que poderiam
ter o diagnóstico de morte encefálica (23 intensivistas e 16 neurocirurgiões), 25 (64%) determi-
naram e aplicaram corretamente o conceito em duas situações clínicas hipotéticas. Entre os 76
outros médicos, envolvidos em doação de órgãos (residentes e anestesiologistas), apenas 23
(30%) definiram e aplicaram corretamente o conceito.
Castillo et al. (1991) aplicaram questionário sobre aspectos legais e clínicos de morte
encefálica em 40 neurologistas e neurocirurgiões no Chile. Trinta e sete por cento erraram ou
não responderam ao questionário. Os dicos com menos de 10 anos de prática estavam mais
21
bem informados (p<0,005). Trinta por cento dos que responderam às questões rejeitaram a equi-
valência entre morte encefálica e morte.
Lynch e Eldadah em 1992 enviaram questionários para 49 UCIs pediátricas estaduni-
denses a fim de identificar como se determinava o conceito de morte encefálica em crianças.
Trinta e quatro unidades responderam a pesquisa. Apesar de não ser esse o objetivo da pesquisa,
todos os intensivistas identificaram corretamente os critérios clínicos de morte encefálica.
Em 1992 encontramos o primeiro artigo nacional sobre o tema. Coelho et al. (1992)
entrevistaram 81 intensivistas de Curitiba, com taxa de resposta de 93%. Cinqüenta e nove por
cento não sabiam explicar o que é morte encefálica. Oitenta e quatro por cento dos entrevistados
ou não sabiam, ou não tinham suficiente conhecimento sobre a legislação atual relativa à doa-
ção de órgãos. Quarenta e um por cento responderam errado ou não sabiam os critérios médico
e legal para doação de órgãos.
Pearson e Zurynski (1995) obtiveram resposta de 254 (82%) questionários distribuídos
entre intensivistas da Austrália e Nova Zelândia. O objetivo do estudo era verificar a atitude dos
profissionais em relação à doação de órgãos. Apenas dois terços dos entrevistados considera-
vam que a família de um paciente em morte encefálica deveria sempre ser abordada a respeito
de doação de órgãos. Vinte por cento dos entrevistados afirmaram que era do intensivista a de-
cisão sobre abordar ou não a família para a doação de órgãos. o se avaliou o conhecimento
dos profissionais.
Estudo de 1998 aplicou um questionário a fim de avaliar o conhecimento sobre doação
de órgãos em 1061 profissionais de UCIs nos Estados Unidos. Um dos temas pesquisados foi o
conceito de morte encefálica. Obtiveram uma taxa média de resposta de 52%. Noventa e nove
por cento dos 226 médicos intensivistas entrevistados afirmaram que morte encefálica é uma
22
determinação válida de morte, mas 12% desconheciam haver critérios médicos bem estabeleci-
dos de diagnóstico . Akgun et al. (2003) aplicaram semelhante questionário em 1184 profissio-
nais de saúde da Turquia. Dos 486 médicos gerais, 16% conheciam adequadamente os critérios
de morte encefálica.
Brandão et al. (1999) entrevistaram 110 médicos que trabalhavam em unidades de cui-
dados intensivos em Porto Alegre a respeito de doação de órgãos e conhecimento sobre morte
encefálica. Noventa e dois por cento dos entrevistados afirmaram que doariam seus órgãos e
77% concordariam em doar os órgãos de um familiar. Quase 80% por cento dos entrevistados
identificaram corretamente todos os passos para a confirmação de morte encefálica de acordo
com a legislação brasileira da época, mas 33% não sabiam da obrigatoriedade de informar ao
órgão competente qualquer caso de morte encefálica diagnosticado.
Cento e cinqüenta e dois profissionais de saúde israelenses, sendo 67 de unidades de
cuidados intensivos, foram pesquisados quanto ao conhecimento e atitudes a respeito de morte
encefálica. Dos 12 itens a respeito do conhecimento, oitenta por cento erraram mais de 7, e ape-
nas onze por cento acertaram mais de 8. Sete médicos (12 % dos 59 pesquisados) responderam
que morte encefálica era o mesmo que estado vegetativo persistente. Oito (14%) não considera-
ram morte encefálica como uma definição legal de morte .
Pugliese et al. (2001) aplicaram um questionário em 12 hospitais da região de Emilia-
Romagna, Itália, entre 1998 e 1999 a profissionais de áreas envolvidas na procura de órgãos
para transplantes. Foram distribuídos 3044 questionários, houve retorno de apenas 52% deles.
Desses, 30% foram respondidos por médicos. Entre todos os profissionais pesquisados, 23% ou
não sabiam, ou não concordavam com o fato de morte encefálica ser uma definição válida para
morte. Dentre os médicos o percentual foi de oito por cento. Apenas 56% dos médicos sentiam-
se confortáveis em explicar o conceito de morte encefálica. Ressalta-se que a região pesquisada
23
tem uma das mais altas taxas de doadores em morte encefálica da Itália, 29,9 pmp (número por
milhão de habitantes) em 2000, quase 5 vezes maior do que a do Brasil em 2005 (6,3), e mais
do que o dobro do estado brasileiro com a taxa mais alta, Rio Grande do Sul, com 13,2 .
Duzentos e sessenta estudantes de medicina canadenses responderam a um questio-
rio sobre conhecimento de doação de órgãos 81% dos 322 distribuídos. A prevalência de des-
conhecimento do conceito de morte encefálica variou de 33% a 36% (BARDELL et al., 2003).
Nasrollahzadeh et al. (2003) submeteram um questionário a 130 enfermeiros no Irã.
Apenas 40 % dos entrevistados sabiam o significado correto de morte encefálica e a sua impor-
tância no transplante de órgãos. A alta taxa de interpretação equivocada do conceito de morte
encefálica correlacionou-se (p<0,01) com atitudes negativas quanto a transplante renal cadavé-
rico.
Palácios et al. (2003) entrevistaram 20 médicos do Hospital San Juan Dios em Santia-
go do Chile em 2003. Três médicos referiram o conhecer os critérios de morte encefálica.
Sete acreditavam que pacientes em morte encefálica poderiam se recuperar. Seis médicos o
concordavam que a legislação permitia retirar o suporte ventilatório de um paciente em morte
encefálica.
Também no Brasil, Afonso et al. (2004) entrevistaram 362 estudantes de medicina e
verificaram que 30% deles desconheciam o conceito de morte encefálica e que 83% não conhe-
ciam a legislação sobre o tema em vigor.
Schaeffner et al. (2004) avaliaram o conhecimento e atitudes sobre doação de órgãos e
transplante renal entre médicos e estudantes de medicina no Hospital Universitário de Friburgo,
Alemanha. Foram distribuídos 1645 questionários, com uma taxa de resposta de 67% no geral e
24
de 93 % (155) entre os médicos de diversas especialidades. Encontraram uma média de 72% de
conhecimento sobre os temas entre os médicos.
Bogh e Madsen publicaram em 2005 o resultado da distribuição de 1168 questionários
para avaliar as atitudes, conhecimento e proficiência em relação à doação de órgãos em profissi-
onais de UCIs na Dinamarca. Houve uma taxa de resposta de 59% (689), sendo 110 médicos.
Apenas 54% dos respondentes (não dispomos de dados exclusivos dos médicos) declararam ter
conhecimentos suficientes para explicar morte encefálica para os familiares.
Recentemente, Ohwaki et al. (2006) investigaram as atitudes e comportamento hipoté-
tico de 522 estudantes universitários perante a morte encefálica e o transplante de órgãos no Ja-
pão. O Japão foi um dos últimos países a aceitar legalmente a retirada de órgãos em casos de
morte encefálica, em 1997. A legislação, bastante restritiva, distingue-se da dos demais países
pelo fato de exigir que os doadores tenham feito em vida a escolha do diagnóstico de morte, ou
seja, se aceitam a morte encefálica, ou apenas a morte “tradicional”. Além da declaração anteci-
pada do paciente, exige-se consentimento da família. Trezentos e oitenta e oito estudantes de
medicina responderam ao questionário. Vinte e quatro por cento não aceitavam morte encefáli-
ca como significado de morte. Apesar de 71% dos estudantes aceitarem a retirada de órgãos de
um paciente em morte encefálica, apenas 45% por cento seriam doadores se estivessem em
morte encefálica, e somente 22% doariam os órgãos de um familiar na mesma situação. Apenas
28% tinham confiança no diagnóstico de morte encefálica feito pelos médicos. Os autores con-
cluíram que os achados seriam fortemente relacionados ao pensamento geral da sociedade japo-
nesa, e que o conhecimento adequado e a confiança no diagnóstico são fatores fundamentais na
decisão de doar órgãos.
Em recente estudo apresentado no XII Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva,
Agareno et al. (2006) descreveram as respostas de 321 médicos participantes de eventos da As-
25
sociação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) em 7 cidades do Brasil. Cinqüenta e um por
cento dos entrevistados não se sentiam seguros para diagnosticar morte encefálica e apenas 59%
confirmaram que a notificação é compulsória. Quanto à suspensão do suporte de vida artificial,
somente 41% dos entrevistados afirmaram ser lícita tal conduta em pacientes em morte encefá-
lica. Concluíram que o conhecimento médico acerca dos critérios diagnósticos de morte encefá-
lica é ainda pouco difundido e que a desinformação quanto a aspectos éticos e legais demonstra-
da gera atitudes incoerentes e intervenções desnecessárias em pacientes mortos, diminuindo a
oferta de órgãos doados e alocando recursos de forma inadequada. Tal estudo foi, inclusive,
tema de reportagem na imprensa leiga, em revista de grande circulação nacional .
Estudo retrospectivo, apresentado no mesmo conclave, buscou, através da análise dos
registros médicos de óbitos ocorridos em UCIs pediátricas, estabelecer as condutas perante ca-
sos de morte encefálica. Detectou-se que 20% dos 61 casos considerados de morte encefálica
não tiveram exame complementar. O intervalo de tempo entre o diagnóstico de morte encefálica
e a interrupção do suporte artificial variou de 1 hora a 8 dias .
Também nesse conclave, o que comprova nossa impressão de crescente discussão a
respeito do tema, Lima et al. (2006) apresentaram a revisão de três casos de morte encefálica
ocorridos em crianças, onde se identificaram erros e não-conformidade com a legislação e co-
nhecimentos científicos vigentes.
26
2 JUSTIFICATIVA
O escopo da nossa investigação situa-se antes do primeiro momento-chave citado no
texto. Ou seja, buscaremos detectar o grau de conhecimento dos critérios e da legislação a res-
peito de morte encefálica por parte dos médicos que atuam em unidades de cuidados intensivos,
fator decisivo para a suspeição diagnóstica. Observada alguma deficiência nesse momento, de-
duziremos que existem casos de morte encefálica que não estão sendo diagnosticados. Obvia-
mente que o conhecimento e a segurança a respeito do tema por parte dos médicos intensivistas
são também fundamentais nos demais momentos do processo. Subsidiariamente, portanto, po-
deremos também deduzir se deficiências nesses momentos, mas cremos que os métodos
citados poderiam fornecer dados ainda mais concretos.
Muitas explicações podem existir para essa falha no processo de doação. Os profissio-
nais de saúde estão confusos a respeito das definições de morte encefálica. Médicos podem pre-
ferir evitar o desconfortável e demorado processo de explicação da morte encefálica para famili-
ares emocionalmente afetados; muitos podem temer que esse diagnóstico afete inapropriada-
mente aos familiares; outros, que ainda não examinaram seus próprios sentimentos a respeito do
tema, podem se sentir inseguros em discutir o assunto .
A falha na disponibilidade de órgãos para transplante pode ser atribuída a muitos fato-
res. Entre eles, está a inadequação da equipe médica em identificar os doadores potenciais ou
diagnosticar morte encefálica . Aumentar a identificação de potenciais doadores pela equipe de
saúde é o primeiro e essencial passo . Os médicos precisam ser capazes de diagnosticar morte
encefálica com segurança . O conhecimento influencia as atitudes em relação à morte encefálica
e à doação de órgãos .
O aumento das doações cadavéricas pode ser alcançado através de uma melhor educa-
ção e cooperação da equipe médica, a fim de aumentar as taxas de consentimento da família.
uma forte relação entre o treinamento da equipe de saúde e as taxas de doação , especial-
mente em países onde a diferença entre demanda e suprimento de órgãos é grande . Essa dife-
rença pode ser diminuída com o treinamento sobre doação de órgãos para as pessoas diretamen-
te envolvidas nos cuidados de pacientes . São imprescindíveis as ações educativas do tema mor-
te encefálica entre os profissionais de saúde e a população em geral. Adicionalmente, deve exis-
tir uma melhor interação entre médicos e familiares a fim de preservar a dignidade humana e
sensibilizar a sociedade em relação a doação de órgãos .
Além da redução da captação de órgãos, o custo econômico elevado, o desgaste famili-
ar e o enfraquecimento da relação médico-paciente são as principais conseqüências de uma
abordagem inadequada. A equipe deve ter clareza e coesão em suas condutas, assegurar suporte
à família, além de se fazer necessária uma estrutura hospitalar conveniente e a padronização de
uma rotina assistencial .
Intensivistas e neurologistas são confrontados freqüentemente com questionamentos de
familiares de pacientes em morte encefálica sobre a certeza do diagnóstico, se há alguma chance
de haver dúvida, se os critérios estão bem estabelecidos e se são confiáveis.
Diversos estudos m demonstrado que o conhecimento e as atitudes dos intensivistas
tem um impacto importante nas taxas de doação . Nosso trabalho tenta investigar o quanto os
dicos que mais freqüentemente são responsáveis pela suspeita diagnóstica inicial de um qua-
dro de morte encefálica dominam os conceitos científicos e as implicações legais desse diagnós-
tico.
28
3 OBJETIVOS
3.1 OBJETIVO GERAL
Avaliar o conhecimento, por meio da aplicação de um questionário, sobre morte ence-
fálica entre os dicos que atuam em unidades de cuidados intensivos no município de Porto
Alegre.
3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1) Avaliar a capacidade dos médicos intensivistas no município de Porto Alegre de de-
finir morte encefálica.
2) Avaliar a capacidade desses médicos de aplicação dessa definição em uma situação
clínica.
3) Avaliar o conhecimento desses médicos da legislação brasileira em vigor sobre mor-
te encefálica.
4) Avaliar o nível de segurança auto-atribuído desses médicos em explicar morte ence-
fálica para familiares de um paciente.
5) Avaliar o conhecimento desses médicos sobre o horário legal do óbito em casos de
morte encefálica
6) Relacionar o tempo decorrido desde a formatura em medicina, o tempo de atuação
em intensivismo, a atividade principal desenvolvida e o tipo de UCI na qual trabalham, pediátri-
ca ou de adultos, com o conhecimento, a segurança auto-atribuída e a aplicação do conceito de
morte encefálica.
30
4 MÉTODO
4.1 DELINEAMENTO
Este é um estudo transversal descritivo realizado nas unidades de cuidados intensivos
de adultos e de crianças da cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, através de entrevista
pessoal, entre abril e dezembro de 2005.
4.2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Utilizamos o serviço de busca da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos
(PubMed), a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS - BIREME) e o portal de periódicos da Coorde-
nação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) para revisão bibliográfica. O
acesso à integra da maioria dos artigos foi disponibilizado pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, e pela Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
4.3 AMOSTRA
Questionário similar de auto-aplicação desenvolvido durante um conclave de Terapia
Intensiva Pediátrica em 1999 detectou uma proporção de 28% de equívoco na definição do con-
ceito de morte encefálica . Para detectarmos uma proporção de 20% de profissionais que não sa-
beriam definir adequadamente o conceito de morte encefálica com amplitude total para o inter-
valo de confiança de 0,10 (0,20 ± 0,05) e um nível de confiança de 90%, estimamos o tamanho
da amostra em 174 profissionais .
4.4 LOGÍSTICA
Foram entrevistados os médicos que atuam em UCIs de Porto Alegre como plantonis-
tas, residentes de terapia intensiva, rotineiros e professores ou supervisores. Foram incluídas
UCIs de adultos e pediátricas. A listagem de UCIs da cidade de Porto Alegre foi obtida junto à
Sociedade de Terapia Intensiva do Rio Grande do Sul (SOTIRGS). Na maior parte dos hospitais
estudados, obtivemos a lista de médicos através dos chefes dos serviços e responsáveis pelas es-
calas de plantão.
Obtivemos uma amostra consecutiva até completarmos as entrevistas nas UCIs dos
principais hospitais de Porto Alegre, ultrapassando o tamanho da amostra calculado. Os hospi-
tais pesquisados foram, pela ordem cronológica, Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Hospital
o Lucas, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, Hospital de Pronto Socorro, Grupo Hos-
pitalar Conceição, Hospital Presidente Vargas, Hospital Mãe de Deus e Hospital Moinhos de
Vento.
Concluímos as entrevistas nesses locais após oito meses, obtendo uma amostra de 246
indivíduos que completaram o questionário, superior ao cálculo do tamanho amostral. Coinci-
dentemente, esse é o mero calculado para um intervalo de confiança de 95%. Optamos por
não prosseguir com as entrevistas nas outras UCIs, devido ao exíguo tempo disponível e, espe-
cialmente, por termos detectado que muitos dicos trabalhavam em mais de um local, o que
ocasionava um progressivo aumento no percentual de profissionais excluídos do estudo por já o
terem respondido em outro local de trabalho, conforme progredíamos nos diversos hospitais.
O projeto-piloto foi aplicado em março de 2005 pelo pesquisador principal em 18 in-
tensivistas. A única modificação realizada após essa fase foi a decisão de não mais excluir aque-
les profissionais que soubessem da realização do estudo. Incluímos essa informação em uma
nova variável e fizemos uma análise posterior. Como nenhum dos 18 entrevistados tinha conhe-
32
cimento prévio, consideramos desnecessário excluí-los da análise estatística. São, portanto, par-
te do número total de entrevistados.
Selecionamos quatro estudantes de medicina do segundo ano para participarem do pro-
jeto, em especial no momento da realização das entrevistas. Um manual de operações foi elabo-
rado com instruções simples (Anexo D). Foram realizadas 5 aplicações simuladas com cada um
dos entrevistadores. A simplicidade do questionário colaborou com a facilidade com que obti-
vemos os resultados. Em cada hospital onde se fazia o primeiro contato, listavam-se os nomes
dos médicos para controlar quem já tinha sido ou não entrevistado.
A cada semana os questionários eram recolhidos dos entrevistadores, assim como a lis-
ta dos médicos que haviam sido entrevistados. O pesquisador principal realizava então uma
randomização de 10% desses a fim de fazer contato telefônico e confirmar se a entrevista havia
sido feita. Foram feitos vinte e cinco contatos telefônicos durante a coleta de dados; todos con-
firmaram a realização da entrevista.
Os questionários foram digitados continuamente durante a coleta de dados pelo pesqui-
sador principal em uma planilha de cálculos. Cada um recebia nesse momento uma numeração
seqüencial. Uma semana após o fim da coleta de dados foi feita nova digitação de todos os
questionários em um novo arquivo para proceder a comparação e corrigir eventuais erros de di-
gitação.
4.5 QUESTÕES ÉTICAS
o como fazer identificação dos questionários dos indivíduos participantes do es-
tudo, tampouco dos hospitais onde foram entrevistados.
33
O trabalho foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de
Porto Alegre em setembro de 2004, sob o número 04-358. A sugestão inicial de utilização de
Folha Informativa foi aceita e adaptada pelos autores (Anexo C). Por se tratar de questionário
auto-aplicado, considera-se que o preenchimento significa autorização para a participação no
estudo. A aprovação foi obtida em 19 de novembro de 2004.
Nossa intenção inicial era submeter o mesmo trabalho aos diversos comitês de pesqui-
sa dos demais hospitais. Entretanto, tal procedimento exporia em demasiado o teor do questio-
nário, comprometendo o sigilo, o que poderia prejudicar a concretização dos objetivos deseja-
dos. Optamos então por apresentar o projeto, juntamente com a aprovação do Comi de Ética
em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, aos chefes das UCIs, aplicar o questioná-
rio e obter uma aprovação verbal antes de proceder com as entrevistas nos demais profissionais
de cada unidade.
4.6 INSTRUMENTO
A taxa de não resposta de questionários enviados a médicos sobre o tema varia na lite-
ratura de 20% a 65% . Com o intuito de minimizar as perdas por não resposta, adotamos a es-
tratégia de entrevistar os médicos pessoalmente no próprio local de trabalho. Tal procedimento
foi adotado com sucesso por estudos semelhantes . Outra vantagem da abordagem adotada é
evitar a pesquisa das respostas corretas, o que não avaliaria adequadamente o conhecimento atu-
al imediato dos médicos que atuam nas UCIs.
Utilizamos um questionário (Anexo B) modificado de dois estudos prévios . Acrescen-
tamos duas questões de escolha simples visando avaliar a adequação do preenchimento do ates-
tado de óbito em pacientes em morte encefálica em relação à hora do óbito, conforme posicio-
namento do Conselho Federal de Medicina.
34
Inicialmente tentamos caracterizar, a fim de estratificar na análise estatística, o perfil
do profissional que estava sendo entrevistado através de questões sobre o tipo de UCI em que
exercia sua função (adulto ou pediátrica variável categórica), o tempo decorrido desde a gra-
duação em medicina (contínua), o tempo de exercício da terapia intensiva (contínua), a ativida-
de principal se plantonista, rotineiro, professor ou supervisor, ou residente (categórica). Per-
guntou-se ainda, se o entrevistado já detinha conhecimento da realização do estudo (categórica).
As questões que buscavam avaliar o conhecimento a respeito do assunto foram as de
mero 1, 2, 3, 5 e 6.
Na questão 1, a resposta correta é a alternativa 2 – perda de toda a função cortical e de
tronco cerebral. Esse é o consenso mundial sobre o assunto .
A questão 2 expõe um caso clínico e propositadamente obriga o entrevistado a se posi-
cionar ativamente em um cenário de dilema bioético. A alternativa 2 está errada, pois não
sentido em se solicitar um exame de fluxo sangüíneo cerebral para uma paciente que tem teste
de apnéia negativo. Pelo mesmo motivo está também errada a alternativa 4. A alternativa 3 de-
nota um comportamento execrável do ponto de vista bioético. a alternativa 1, apesar de não
ter respaldo legal, tem sido uma conduta freqüentemente utilizada em pacientes terminais , e foi
considerada por s como a mais adequada resposta, do ponto de vista bioético, perante o
cenário clínico apresentado, a exemplo da pesquisa original.
A questão 3 verifica o conhecimento sobre a necessidade de exame complementar para
o diagnóstico de morte encefálica. O art. 1º da resolução 1.480/97 do CFM preconiza: “A morte
encefálica será caracterizada através da realização de exames clínicos e complementares durante
intervalos de tempo variáveis, próprios para determinadas faixas etárias”. Citamos ainda o pare-
35
cer-consulta 7311/97 do CFM: A constatação da morte encefálica nos termos da Resolução
CFM N.º 1.480/97 tem a sua maior motivação e aplicabilidade nos casos de transplante de ór-
gãos, em vista da necessidade de retirada dos mesmos antes que se instale a degradação hemo-
dinâmica que venha a comprometer o seu aproveitamento. No entanto, conforme se depreende
da leitura dos seus considerandos, outras situações além dos transplantes estão contempladas”
(CFM..., 1998; CFM..., 1997). Portanto, diferentemente do que ocorre no país de origem do es-
tudo de Harrison e Botkin (1999), no Brasil a necessidade legal de exames complementares
para o diagnóstico de morte encefálica.
Freqüentemente nos deparamos com dúvidas da equipe assistencial quanto à hora do
óbito do paciente em morte encefálica. A fim de verificar o nível de conhecimento sobre esse
assunto, optamos em incluir as duas últimas questões no questionário. Apesar de parecer à
primeira vista uma questão prosaica, a certeza da hora do óbito, reflete, em profunda análise,
o real conhecimento da definição da morte encefálica, ou ainda, da certeza de que se retira ór-
gãos ou suporte “vital” de um corpo sem vida. o é a exata hora do óbito que importa, mas
sim o momento em que se tem certeza de que ocorreu a morte (KAUFMAN, 2004).
A questão 5 mostra um caso de paciente com suspeita diagnóstica de morte encefálica,
mas que não foi confirmada por exame complementar. Considera-se o horário do óbito como
sendo o da parada cardíaca, ou seja a alternativa 3.
A de número 6 pressupõe que o paciente seria doador de órgãos, portanto teria feito
exame complementar. Nesse caso, a hora do óbito a ser registrada é a do fechamento do proto-
colo, o que inclui os dois exames clínicos e o complementar recomendado. Conforme o proces-
so-consulta mero 8.563/2000 do CFM, o exame complementar pode ser feito entre os dois
exames clínicos, e a hora do óbito deve ser a do fechamento do protocolo, portanto a alternativa
2. Entretanto, os autores reconhecem que pode ter ocorrido uma interpretação diferente por par-
36
te dos entrevistados, haja vista o costume bem estabelecido – e provavelmente preponderante –
de fazer o exame complementar após os dois exames clínicos, tornando o exame positivo como
última etapa do fechamento do protocolo, e, por conseguinte, significando o óbito do paciente
(CFM..., 2000). Por esse motivo, apresentaremos os resultados considerando como também cor-
reta a alternativa 3.
A questão 4 solicita ao entrevistado uma auto-avaliação. Essa variável ordinal além de
informar-nos a segurança dos profissionais em explicar o conceito de morte encefálica, permite
uma categorização a fim de relacionar tal segurança à correta conceituação.
As variáveis utilizadas e suas respostas mais adequadas foram estas:
Questão 1 (nominal): a resposta correta é a alternativa (2) Perda de toda a função
cortical e de tronco cerebral.
Questão 2 (nominal): alternativa (1) Após esclarecimento e concordância dos pais,
retirar o suporte de vida, por se tratar de paciente terminal.
Questão 3 (nominal dicotômica): alternativa (1) necessidade legal de exames
complementares para estabelecer o diagnóstico de morte encefálica.
Questão 4 (ordinal): esta é uma escala que tenta obter do entrevistado o nível de segu-
rança através de auto-avaliação.
Questão 5 (nominal): alternativa (3) – O horário do óbito de um paciente que não teve
a confirmação de estar em morte encefálica é o horário da cessação dos batimentos cardíacos.
37
Questão 6 (nominal): alternativas (2) e (3) O horário do óbito em doadores de ór-
gãos é o horário em que se completa o protocolo de morte encefálica.
4.7 PROCESSAMENTO DE DADOS E ANÁLISE ESTATÍSTICA
Os dados foram armazenados em arquivo da planilha de cálculo Excel 2002. As análi-
ses foram feitas a partir dos programas SPSS 13.0 e SigmaStat 3.1.
Todos os testes utilizados foram bilaterais. Consideramos um nível de significância α
de 0,05, conferindo uma chance de 5% de afirmar a existência de uma diferença entre amostras
que não exista na população – erro do tipo I. Quando não foi relatada a existência de diferença
entre grupos significava que as diferenças encontradas o foram suficientemente grandes para
se excluir – com 95 % de certeza - que possam ter decorrido da variabilidade da amostra (ALT-
MAN, 1991; CALLEGARI-JACQUES, 2003)
As medidas de tendência central e de dispersão relatadas foram a dia e o intervalo
de 95% de confiança, quando a distribuição de freqüências comportou-se de maneira normal, e
a mediana e o primeiro e o terceiro quartis nos outros casos.
Utilizamos o teste de Kruskal-Wallis para análise de variância não-paramétrica quando
comparamos mais de dois grupos em relação a uma variável que violou as pressuposições de
normalidade ou de homocedasticidade. Para verificar onde se encontrava a diferença, no caso
de significância do teste, aplicamos o método de Dunn.
A comparação de dois grupos em relação a uma média, com distribuição normal, ou
aproximadamente normal, foi feita com o teste t de Student, quando aplicamos, via de regra, a
38
correção para variâncias amostrais diferentes. Quando a distribuição da dia o foi normal,
utilizamos o teste U de Wilcoxon-Mann-Whitney.
As tentativas de verificar a existência de associação entre duas características quantita-
tivas foram feitas através do coeficiente de correlação para postos de Spearman, uma vez que as
variáveis utilizadas violavam pressupostos de normalidade e homocedasticidade.
Quando comparamos os grupos em relação a variáveis qualitativas utilizamos o teste
do qui-quadrado de Pearson de comparação de proporções. Nas tabelas 2x2 foi utilizada a cor-
reção de Yates. Quando algum valor esperado na tabela de contingência foi menor do que 5, uti-
lizamos o teste exato de Fisher.
4.8 CRITÉRIOS DE EXCLUSÃO
Foram excluídos do estudo os autores, co-autores e orientadores da pesquisa, bem
como os membros dos comitês de ética em pesquisa que tenham participado da avaliação do
projeto.
39
5 RESULTADOS
Os dados gerais da pesquisa encontram-se na Tabela 1.
Foram aplicados 248 questionários, mas dois (0,8%) foram excluídos por estarem in-
completos. Duzentos e quarenta e seis profissionais foram entrevistados de forma efetiva. Ape-
nas 9 por cento dos entrevistados tinham conhecimento prévio da realização do estudo. Sessenta
e quatro por cento trabalhavam com adultos.
As distribuições das variáveis “tempo de atuação em medicina intensiva” e “tempo de-
corrido desde a graduação em medicina” não se comportaram de maneira normal, conforme po-
demos observar no exemplo da Figura 1, mesmo após as tentativas de transformação. A media-
na do tempo de atuação foi de 9 anos com amplitude de 1 a 30 anos. Ao verificarmos o tempo
decorrido desde a formatura, encontramos uma mediana de 14 anos, com amplitude de 3 a 34
anos. A mediana da diferença entre estas variáveis foi de 3 anos, sendo que 50% dos valores
mais centrais da distribuição encontraram-se entre 2 e 5 anos. Conforme o esperado, encontra-
mos uma correlação positiva de grau muito forte (r
s
=0,938) entre o tempo decorrido desde a for-
matura em medicina e o tempo de atuação em UCI (p<0,001). Por esse motivo, utilizaremos, de
agora em diante, apenas a variável “tempo de atuação” nas sucessivas comparações, que to-
das as comparações feitas usando uma ou outra dessas duas variáveis tiveram resultados seme-
lhantes.
A maioria (56%) dos intensivistas entrevistados atuava principalmente na função de
plantonista.
Tabela 1
Dados gerais do estudo
Variável Valor
Conhecimento prévio
Sim 23 (9,3%)
Não 223 (90,7%)
Perfil
Tempo de atuação em UCI (anos)
Mediana [Q
1
- Q
3
]
9 [4 - 16,25]
Tempo desde a formatura (anos)
Mediana [Q
1
- Q
3
]
14 [7 – 21]
UCI
Adultos 157 (63,8%)
Pediátrica 89 (36,2%)
Função principal
Plantonista 139 (56,5%)
Rotineiro 60 (24,4%)
Residente 38 (15,4%)
Professor 9 (3,7%)
Questões Alternativas
1) Definição de morte encefálica
1 40 (16,3%)
2 204 (82,9%)
3 1 (0,4%)
4 1 (0,4%)
2) Conduta bioética
1 21 (8,5%)
2 199 (80,9%)
3 0
4 26 (10,6%)
3) Necessidade de exame complementar
Sim 198 (80,5%)
Não 48 (19,5%)
4) Segurança auto-avaliada
1 0
2 8 (3,3%)
3 44 (17,8%)
4 78 (31,7%)
5 116 (47,2%)
5) Hora do óbito
1 13 (5,3%)
2 61 (24,8%)
3 172 (69,9%)
6) Hora do óbito em morte encefálica
1 12 (4,9%)
2 70 (28,4%)
3 105 (42,7%)
4 59 (24,0%)
Proporções da soma de acertos
Cinco questões
x
[IC 95%]
62,6% [60,4%; 64,6%]
Quatro questões (excluindo a questão 2)
x
[IC 95%]
76,2% [73,5%; 78,8%]
Em itálico as respostas consideradas corretas, ou mais adequada (questão 2) segundo os autores.
Q
1
; Q
3
: primeiro e terceiro quartis.
x
: média aritmética de uma amostra de dados.
IC 95%: intervalo de 95 % de confiança de conter o valor verdadeiro da média.
41
302520151050
Tempo de atuação em UCI (anos)
30
25
20
15
10
5
0
Freqüência
Figura 1 Distribuição do tempo de atuação em UCI.
K-S dist: distância K-S do teste de Kolmogorov-Smirnov de verossimilhança, para comparação das distribuições
de variáveis, normalmente com a distribuição normal. A existência de significância estatística denota que a dis-
tribuição difere da normal.
Quando comparamos as funções principais com o tempo de atuação em UCI, verifica-
mos existir diferença (Kruskall-Wallis, p<0,001). Tal resultado era esperado e a diferença apa-
receu entre o grupo de residentes e cada um dos demais grupos (método de Dunn).
Dezessete por cento dos entrevistados não definiram corretamente o conceito de morte
encefálica.
Noventa e dois por cento dos intensivistas interpretaram equivocadamente o caso clíni-
co apresentado na questão 2. Oitenta e um por cento dos entrevistados optaram por solicitar um
exame sem indicação perante o quadro clínico apresentado, que o teste de apnéia era negati-
vo. Outros 11% declararam que a hipotética paciente tinha exame clínico compatível com morte
encefálica. Apenas 8% optaram por uma conduta bioética que os autores consideram apropriada
frente a um paciente em estado terminal.
K-S dist= 0,103
p < 0,001
42
o houve diferença entre as respostas da segunda questão entre os intensivistas que
definiram corretamente morte encefálica e aqueles que se equivocaram (p=0,58, χ²
Y
).
Oitenta por cento conhecem a exigência legal no Brasil da realização de exame com-
plementar para o diagnóstico de morte encefálica. Tampouco aqui houve diferença entre aqueles
que a definiram corretamente na primeira questão (p=0,78, χ²
Y
).
A maioria (78%) dos entrevistados julgou-se nos 2 níveis mais altos de segurança para
explicar o que é morte encefálica para os familiares de um paciente. Nenhum se considerou to-
talmente inseguro no assunto.
o foi detectada correlação entre o grau de segurança auto-atribuído e a soma de
acertos (p=0,49, Spearman), nem quando excluída a questão 2 (p=0,75, Spearman). Tampouco
se encontrou associação com quaisquer das questões analisadas individualmente (p=0,40; 0,54;
0,83; 0,20; 0,19, para respectivas questões 1,2,3,5 e 6; χ²).
Setenta por cento dos intensivistas pesquisados determinaram corretamente o horário
do óbito na questão 5. Essa também foi a prevalência de acerto na questão 6. Entretanto, ao con-
trário do que poderíamos imaginar, não detectamos uma maior prevalência de acertos em uma
das questões no grupo que acertou a outra (p=0,14, χ²
Y
). Mas, dos treze intensivistas que esco-
lheram a alternativa 1 – o horário do óbito é o do primeiro exame clínico compatível com morte
encefálica na questão 5, onze (85%) erraram a questão seguinte, sendo que nove (69%) esco-
lheram a alternativa 1. Entre os que marcaram as alternativas 2 e 3 na questão 5, 74% acertaram
a questão seguinte. Essa diferença foi estatisticamente significativa (p<0,001; χ²
Y
). Vinte e qua-
tro por cento dos intensivistas entrevistados consideraram que o horário do óbito do paciente
doador em morte encefálica é o horário da retirada de órgãos. Não detectamos diferenças entre
43
os intensivistas que escolheram essa alternativa e os que escolheram as demais ao analisarmos
as respostas às outras questões.
A soma de acertos das 5 questões teve uma média de 3,13, ou 63% da quantidade má-
xima de acertos. Quando excluímos a questão 2 da soma, devido ao grande número de respostas
incorretas, obtivemos uma média de 3,05 (76%). A distribuição das médias das variáveis de
soma de acertos comportou-se de maneira aproximadamente normal, conforme observado na
Figura 2. Nenhum entrevistado errou todas as questões e apenas quatro acertaram as cinco.
543210
Soma dos acertos de 4 questões
(excluindo-se a 2ª)
120
100
80
60
40
20
0
Freqüência
Figura 2 Distribuição das médias das somas de acertos.
O questionamento sobre a existência de conhecimento prévio à aplicação do questioná-
rio da realização da pesquisa foi feito a fim de detectar se tal característica poderia interferir na
qualidade das respostas. A Tabela 2 mostra as diferenças de respostas entre os entrevistados que
tinham e os que não tinham conhecimento prévio da realização do estudo. A única variável que
mostrou diferença foi a questão de número 2. É possível que essa diferença encontrada se deva
à casualidade, já que não se trata de uma questão de simples memorização de assunto, implican-
do um raciocínio clínico. Não acreditamos que o fato de saber que estava sendo conduzida uma
pesquisa sobre o tema pudesse interferir na resposta, ao contrário do que poderia ocorrer nas de-
44
mais questões. As variáveis de soma de acertos tampouco detectaram diferenças entre esses dois
grupos (t de Student, p=0,62 e 0,79).
Tabela 2
Diferenças entre intensivistas com e sem conhecimento prévio da realização da pesquisa
Conheci-
mento
prévio
Tempo de
atuação
(md)¹
Atividade
principal:
plantonista²
Questões com respostas corretas³
1 2 3 5 6
Sim
n=23
7 anos
9
(39,1%)
17
(73,9%)
5
(21,7%)
21
(91,3%)
15
(65,2%)
16
(69,6%)
Não
n=223
10 anos
130
(58,3%)
187
(83,9%)
16
(7,2%)
177
(79,4%)
155
(69,5%)
159
(71,3%)
p 0,255 0,305 0,360 0,047 0,272 0,781 1,000
¹ Teste U de Wilcoxon-Mann-Whitney.
² χ² de Pearson de comparação de proporções.
³ χ²
Y
de Pearson de comparação de proporções.
Quando separamos os entrevistados em dois grupos (a) intensivistas que trabalham em
UCIs pediátricas, e (b) intensivistas de UCIs de adultos (Tabela 3) o verificamos diferença
estatisticamente significativa quanto ao tempo de atuação em UTI, nem quanto à atividade prin-
cipal desenvolvida.
Ao analisarmos as questões de forma independente, verificamos que 89% dos intensi-
vistas de adultos definiram corretamente morte encefálica, ao passo que 72% dos intensivistas
pediátricos assim procederam. Nas duas últimas questões também encontramos diferenças, mas
com resultados no sentido inverso entre elas, pois 50% e 80% dos intensivistas pediátricos defi-
niram corretamente os horários legais de óbito das respectivas questões 5 e 6. Esse percentual
foi de 80% e 66% entre os intensivistas de adultos. As diferenças nas questões 2 e 3 não foram
estatisticamente significativas.
45
Tabela 3
Resultados conforme UCI de atuação
UCI de
atuação
Tempo de
atuação
(md)¹
Atividade
principal:
plantonista²
Questões com respostas corretas³
1 2 3 5 6
Adulto
n=157
10 anos
83
(52,9%)
140
(89,2%)
16
(10,2%)
124
(79,0%)
126
(80,3%)
104
(66,2%)
Pediát.
n=89
8 anos
56
(62,9%)
64
(71,9%)
5
(5,6%)
74
(83,1%)
46
(51,7%)
71
(79,8%)
p 0,084 0,336 0,001 0,319 0,532 <0,001 =0,035
¹ Teste U de Wilcoxon-Mann-Whitney.
² χ² de Pearson de comparação de proporções.
³ χ²
Y
de Pearson de comparação de proporções.
O nível de segurança auto-atribuído em explicar o que é morte encefálica para a famí-
lia de um paciente, conforme a UCI de atuação pode ser viso na Tabela 4. Não encontramos sig-
nificância estatística, mas uma tendência de os intensivistas pediátricos se atribuírem menor se-
gurança do que os que trabalham com adultos.
Tabela 4
Segurança para explicar morte encefálica conforme UCI de atuação
UCI
1 2 3 4 5
Nenhuma segurança Grande segurança
Adulto (157) 0 2 (1,3%) 26 (16,6%) 48 (30,6%) 81 (51,6%)
Pediátrica (89) 0 6 (6,7%) 18 (20,2%) 30 (33,7%) 35 (39,3%)
p=0,054, χ² de Pearson de comparação de proporções.
Ao somarmos os acertos de cada questão, obtivemos os resultados expostos na Tabela
5. Encontramos diferença entre a média de acertos dos intensivistas de UCIs de adultos (65%) e
os de UCIs pediátricas (58%). Ao desconsiderarmos a questão de número 2 da nossa análise es-
tatística, posto que 225 (92%) dos entrevistados não a acertaram, manteve-se uma diferença en-
tre os dois grupos na média da soma de acertos – em porcentagem, 78% e 71%, respectivamen-
te.
46
Tabela 5
Comparação da soma de acertos conforme UCI de atuação.
Média e IC 95% da soma
dos acertos de
Adultos (157) Pediátricas (89) p
5 questões 3,25 [3,11-3,39] 2,92 [2,74-3,10] 0,004
4 questões 3,14 [3,02-3,28] 2,86 [2,69-3,04] 0,010
t de Student
Trinta e um por cento (49/157) dos intensivistas de adultos consideraram que o horário
da retirada dos órgãos é o horário legal do óbito do doador. Esse percentual foi de 11% (10/89)
entre os intensivistas pediátricos. A diferença foi estatisticamente significativa (p=0,001; χ²
Y
).
No sentido contrário, nove por cento (8/89) dos intensivistas pediátricos afirmaram que o óbito
legalmente ocorre no momento do primeiro exame clínico compatível com morte encefálica, ao
passo que entre os médicos de UCIs de adultos a prevalência dessa resposta foi de 2% (4/157),
com uma tendência à significância estatística (p=0,05; χ²
Y
).
Os intensivistas foram divididos em quatro grupos, conforme a atividade principal de-
senvolvida. A Tabela 6 mostra os acertos de cada questão conforme esses grupos. A única ques-
tão que mostrou diferença foi a de número 2. A análise de resíduos mostrou que os
professores/supervisores acertaram mais do que as outras categorias.
Ao compararmos esses grupos com o grau de segurança auto-atribuído em explicar
morte encefálica para os familiares de um paciente detectamos que 53% dos residentes coloca-
ram-se nos dois postos de maior segurança, contra 78% dos plantonistas, 89% dos
professores/supervisores, e 95% dos rotineiros. Os achados foram estatisticamente significati-
vos (p<0,001, T. E. de Fisher), conforme a análise dos resíduos, entre os residentes e os rotinei-
ros.
47
Tabela 6
Respostas das questões conforme atividade principal na UCI.
Atividade Principal
Respostas corretas
1 2 3 5 6
Plantonista (139) 109 (78,4%) 9 (6,5%) 113 (81,3%) 97 (69,8%) 101 (72,7 %)
Rotineiro (60) 53 (88,3%) 4 (6,7%) 43 (71,7%) 44 (73,3%) 45 (75,0%)
Residente (38) 35 (92,1%) 5 (13,2%) 33 (86,8%) 26 (68,4%) 23 (60,5%)
Professor (9) 7 (77,8%) 3 (33,3%) 9 (100%) 5 (55,6%) 6 (66,7%)
p 0,129 0,027 0,103 0,739 0,429
χ² de Pearson de comparação de proporções.
Ao analisarmos quem considerou a alternativa 4 da questão de número 6 como correta,
vemos que 22% (30/139) dos plantonistas, 25% (15/60) dos rotineiros, 29% (29/38) dos resi-
dentes e 33% (3/9) dos professores consideraram que o horário da retirada dos órgãos é o horá-
rio legal do óbito do doador. Não houve diferença estatisticamente significativa (p=0,70; χ²).
Encontramos uma correlação positiva pequena (r
s
= 0,191, p=0,003) entre o tempo de
atuação e o grau de segurança auto-atribuído. Significa dizer que 3,6 % da variação no grau de
segurança explicam-se pela variação no tempo de atuação, e vice-versa.
o se estabeleceu correlação do tempo de atuação com as somas das respostas corre-
tas (p=0,593 e p=0,768, Spearman), nem com acertos nas questões 1, 2, 3 e 6 individualmente
analisados. Foi encontrada associação com a questão 5, sendo que a mediana de tempo de práti-
ca dos que acertaram foi de 10 anos, contra 7 dos que escolheram as alternativas incorretas, com
um p=0,004 (WMW).
Conforme esperado, o acerto de cada questão correlacionou-se positivamente com a
soma de acertos (p<0,001), mas a que mais influenciou foi a de número 5, com um r
s
de 0,486.
48
Devido às particularidades da questão 2, analisamos cada uma das alternativas escolhi-
das e tentamos associá-las aos dados do perfil (UCI e atividade principal), grau de segurança,
soma de acertos nas demais questões e acertos individuais em cada questão. Não detectamos di-
ferenças em nenhuma dessas comparações (p=0,40; 0,14; 0,40; 0,58; 0,22; 1,00, 0,22; 0,85, res-
pectivamente; χ²). A comparação das alternativas escolhidas com o tempo de atuação em UCI
tampouco detectou diferença (p=0,42, Kruskal-Wallis).
49
6 DISCUSSÃO
O preço do sucesso alcançado pela terapêutica dos transplantes de órgãos foi o aumen-
to da demanda para a insuficiente oferta. A mesma importância que tem sido dada à descoberta
de novas formas de substituição de órgãos também deve se estender para a prevenção das doen-
ças incapacitantes. Atualmente, entretanto, cremos haver uma grande disponibilidade de órgãos
que não está sendo aproveitada: a oriunda de pacientes em morte encefálica. Podemos identifi-
car cinco causas responsáveis por essas perdas: (a) falha em identificar aqueles pacientes com o
diagnóstico; (b) não notificação às centrais responsáveis pela captação de órgãos; (c) contra-in-
dicações médicas para a utilização desses órgãos; (d) infra-estrutura insuficiente para a retirada
ou transporte do doador; e (e) não autorização familiar para a doação. Obviamente que são fun-
damentais medidas para esclarecimento e estímulo à doação de órgãos na sociedade, já que essa
recusa é responsável, no Brasil, por quase 40% do não aproveitamento dos órgãos. Entretanto, o
adequado conhecimento do intensivista é pressuposto fundamental nas cinco causas descritas,
pois, como vimos, há uma forte relação entre o treinamento da equipe de saúde e as taxas de do-
ação (WIJDICKS, 2001; FRITZ, 2001; VATHSALA, 2004; RBT..., 2006; MARINHO, 2006) .
Qualquer comparação com outros estudos tem valor muito limitado, posto que as pes-
quisas encontradas na literatura, em sua imensa maioria, utilizaram diferentes instrumentos e
enfoques (alguns apenas morte encefálica, outros, doação de órgãos) do utilizado no nosso estu-
do. Para comparar, em face de instrumentos e situações de aplicação semelhantes, utilizamos o
teste do qui-quadrado de Pearson, quando nenhum valor esperado foi menor do que 5 e número
total de indivíduos foi maior do que 25, e o teste exato de Fisher, nas outras situações.
Nossos dados revelaram que grande parte dos médicos em atuação nas UCIs de Porto
Alegre iniciou a trabalhar com intensivismo após 3 anos de formado, conforme revelou-nos a
fortíssima correlação existente entre tempo de formado e tempo de atuação em UCI.
Supostamente experientes e modelos no assunto, espera-se por parte dos dicos o
mais alto nível de conhecimento a respeito de doação de órgãos e morte encefálica . Entre os in-
tensivistas, nessa linha de raciocínio, tal expectativa é ainda mais forte. Ressaltamos que o ins-
trumento utilizado é artificial e talvez não reflita o conhecimento e atitudes dos médicos ao se-
rem confrontados com pacientes reais em situações clínicas (HARRISON & BOTKIN, 1999).
Dezessete por cento (42/246) dos entrevistados não definiram corretamente o conceito
de morte encefálica na questão de número 1. A comparação com os dois estudos anteriores que
usaram a mesma questão deve ser analisada com cuidado, já que esses estavam submetidos a
um potencial viés de seleção muito grande, pois tiveram taxa de retorno dos questionários de
83% e 43%, respectivamente, e englobaram pediatras em geral. No segundo, ressaltamos, esses
dicos estavam comparecendo a um conclave de terapia intensiva pediátrica, o que pode re-
presentar outro viés, pois selecionaria os profissionais teoricamente mais atualizados. O único
grupo que estava presente nos três estudos e que poderia ser comparado mantendo-se as res-
salvas feitas quanto aos vieses de seleção era o dos intensivistas pediátricos. A taxa de erros
nessa questão foi de 22% (6/27) no nosso estudo de 1999 e 28% (25/89) agora (p=0,55, χ²). Os
doze intensivistas pediátricos que responderam ao questionário do estudo original de Harrison e
Botkin em 1999 definiram corretamente o conceito de morte encefálica. Esse achado foi signifi-
cativo quando comparado com o grupo de intensivistas pediátricos do nosso estudo atual
(p=0,03, T. E. Fisher)
6
.
6
A taxa de não resposta dos questionários entre médicos no estudo de Harrison e Botkin foi de 20%. Se extrapo-
lássemos esse percentual para o grupo de intensivistas pediátricos, teríamos uma possível amostra de 15 indi-
duos. Em um hipotético exercício, se supuséssemos que esses 3 indivíduos responderiam a questão de forma
equivocada, a diferença deixaria de ser significativa (p=0,754, T. E. Fisher). Isso corrobora nossa ressalva à
comparação.
51
A segunda questão merece uma profunda análise, e provavelmente não consigamos es-
gotar todos os aspectos bioéticos envolvidos na solução do cenário clínico apresentado. Apesar
de 83% dos entrevistados definirem corretamente morte encefálica, 81% optaram por solicitar
um exame de fluxo sangüíneo cerebral sem nenhuma indicação no caso, já que o teste de apnéia
havia sido negativo para morte encefálica. Outros 12% fizeram, também de forma equivocada,
o diagnóstico clínico de morte encefálica. Nenhum dos entrevistados optou por retirar o suporte
de vida sem o conhecimento dos pais, o que parece destoar dos achados de Kipper et al. , que
mostraram que em 50% dos óbitos em 3 UCIs pediátricas que ocorreram após limitação do su-
porte vital não houve comunicação aos pais ou responsáveis. Parece haver ainda uma confusão
na distinção entre um paciente que está em morte encefálica e outro que tem um dano cerebral
grave. O conceito de morte encefálica não pode, de um modo geral, interferir nas decisões de
descontinuar o suporte de vida, pois essa decisão não está na dependência da determinação da
ocorrência de morte encefálica . Poucos entrevistados optaram por suspender o suporte vital da
paciente com quadro clínico terminal. Quais poderiam ser as causas para tão alta taxa de respos-
tas erradas, sabendo-se que 83% dos entrevistados sabiam a definição de morte encefálica? Po-
demos inferir que talvez o enunciado da questão tenha sido falho em mostrar que o teste da ap-
néia era negativo, o que justificaria as escolhas das alternativas 2 e 4. Ou ainda que, mais prova-
velmente, a atitude de intervenção, retirando o suporte vital da paciente, seja uma conduta não
aceita, ou ao menos não declarada, entre os intensivistas, de um modo geral. Será que se hou-
vesse outras opções a serem assinaladas, como “manter todo o tratamento, com avaliação poste-
rior” ou “decidir pelo o incremento de medidas de manutenção de vida”, elas não seriam as
mais escolhidas? Ou ainda, poderia haver uma opção “nenhuma das anteriores”? Os entrevista-
dores relataram verbalmente que 5 intensivistas comentaram que essa segunda questão não teria
resposta correta, mas optaram por uma das alternativas, quando informados de que a mais ade-
quada deveria ser assinalada; os dois questionários excluídos por estarem incompletos não de-
veram sua invalidade a essa questão.
52
Há consideráveis diferenças no modo de morrer entre diversos países e culturas. Mes-
mo em países com medicina intensiva igualmente bem desenvolvida podemos encontrar tanto
modelos paternalistas, como outros onde os princípios da autonomia e da autodeterminação são
aplicados prioritariamente . Optamos por manter as mesmas alternativas do estudo original de
Harrison e Botkin (1999), o que poderia revelar as diferenças culturais. A interrupção de supor-
te vital é o modo mais comum de morrer nas unidades de cuidados intensivos pediátricas nos
Estados Unidos. Correspondeu a 32% das mortes quando comparado com “ordens de não reani-
mação” (26%), “morte encefálica (23%) e “falha na reanimação” (19%) (Vernos et al., Mintz
& Epstein apud HARRISON & BOTKIN, 1999). Um estudo retrospectivo holandês também
mostrou que a limitação e/ou retirada do suporte vital foi o modo de morrer mais comum em
pediatria (28%) quando comparado com “falhas na reanimação” (18%), “morte encefálica”
(23%), “falência terminal de órgãos” (26%) e “ordens de não reanimação” (5%) .
Em nosso meio, o primeiro trabalho que descreveu os modos de morrer em UCI pediá-
trica foi feito por Carvalho et al. e detectou a prevalência de 41% de limitação de suporte vital
e ordem de não reanimação entre os óbitos. O trabalho de Kipper et al. (2005) mostrou que a li-
mitação do suporte de vida ocorreu em torno de 31% de todos os óbitos em 3 UCIs pediátricas
estudadas em Porto Alegre. Entre os adultos, a situação não parece ser diferente, 50% (retirada
e limitação de suporte vital) nos Estados Unidos , 70 % (33 % de retirada de suporte e 38% de
limitação e ordem de não reanimação) na Europa . O trabalho que aplicou pela primeira vez o
questionário aqui utilizado, encontrou entre os intensivistas pediátricos estadunidenses 100%
(12/12) de interpretação correta do cenário, contra 6% (5/89) na nossa amostra (p<0,001, T. E.
Fisher). Não verificamos diferença (p=0,59, T. E. Fisher) na comparação dos intensivistas pe-
diátricos que responderam corretamente a questão 2 (0/27) em 1999 com os do atual estudo
(5/89).
53
A lei brasileira exige a realização de exame complementar para o diagnóstico de morte
encefálica. Apesar de ter tido interpretações variadas há alguns anos, como, por exemplo, acre-
ditar-se que se faria exame complementar nos pacientes doadores; hoje não restam dúvidas,
conforme o Conselho Federal de Medicina, de que os critérios para verificação de morte encefá-
lica não se aplicam apenas às situações de transplantes de órgãos, sendo, por conseguinte, im-
prescindível a realização de exames que demonstrem ausência de atividade elétrica, de perfusão
sangüínea, ou de atividade metabólica cerebral. Vinte por cento dos médicos que pesquisamos
parecem não conhecer esse aspecto do critério diagnóstico. Sabemos que a necessidade de exa-
me complementar nessa situação é um tema ainda sem consenso nos diversos países , o que po-
deria explicar tão alta prevalência de desconhecimento. O estudo de Harrison e Botkin (1999)
mostrou que todos os intensivistas pediátricos (12/12) responderam corretamente à questão
7
.
Nossa pesquisa de 1999 (SCHEIN et al., 1999) mostrou que 78% (21/27) dos intensivistas pe-
diátricos acertaram a questão. A prevalência de acerto em nenhum desses dois grupos foi dife-
rente da que encontramos nos 89 intensivistas pediátricos (83%) que entrevistamos nesse traba-
lho (p=0,20 e 0,57, respectivamente, T. E. Fisher).
A auto-avaliação do grau de segurança do médico intensivista em explicar o que é
morte encefálica para a família de um paciente mostrou que a maioria (78%) dos entrevistados
sente-se segura ou muito segura (graus 4 e 5). Entre os intensivistas pediátricos, esse valor foi
de 73%. Em 1999 (SCHEIN et al., 1999), dos 27 entrevistados, 52% se colocaram nessas posi-
ções, mas essa diferença não foi significativa (p<0,26, T. E. Fisher). Não dispomos dos valores
auto-atribuídos no estudo de Harrison e Botkin (1999), que se fixaram primordialmente em ave-
riguar se a segurança se relacionava com os acertos nas demais questões.
7
Nos Estados Unidos, país onde foi realizado o estudo, ao contrário do que ocorre no Brasil, não há exigência da
realização de exame complementar para o diagnóstico.
54
o detectamos diferenças capazes de estabelecer uma relação entre o nível de segu-
rança auto-atribuído e a correção das respostas nas demais questões. Talvez se o tamanho da
amostra tivesse sido maior poderíamos ter obtido alguma significância, mas podemos suspeitar
que haja uma autoconfiança exagerada, o que costuma ser fonte de problemas na medicina.
Nosso primeiro trabalho (SCHEIN et al., 1999) tampouco detectou essa associação, mas com
uma amostra bem menor (n=55, sendo 27 intensivistas pediátricos). Já Harrison e Botkin (1999)
detectaram essa associação entre os 112 médicos entrevistados. Diferentemente da nossa opção,
esses autores optaram em utilizar a média aritmética como medida de tendência central do nível
de segurança, tratando essa variável como contínua. Verificaram que médicos que definiram
corretamente morte encefálica (questão 1) tinham uma média de segurança maior, assim como
os que interpretaram corretamente o caso clínico apresentado (questão 2). Apenas para tentar
comparar os resultados, pois acreditamos tratar-se de uma variável ordinal, executamos uma
comparação paramétrica (teste t de Student) e tampouco detectamos essa associação na nossa
amostra.
A quinta questão apresenta um caso de paciente que tem dois exames clínicos compatí-
veis com o diagnóstico de morte encefálica, mas não realizou nenhum exame complementar.
Tenta-se verificar se o médico aplica o conhecimento sobre a necessidade legal de exame com-
plementar para firmar o diagnóstico. Setenta por cento dos entrevistados colocariam correta-
mente o horário da parada cardíaca como o horário do óbito, conforme os critérios legais. Entre-
tanto não detectamos associação com a resposta da terceira questão (p=0,47; χ²
Y
). O que poderia
ter ocorrido aqui? Após a coleta dos dados, surgiu a hipótese de que essa questão não tivesse
deixado suficientemente claro que o hipotético paciente não tivesse realizado o exame comple-
mentar para o diagnóstico. Será que se tivéssemos especificado no caso a ausência do exame a
prevalência de resposta correta não aumentaria? Infelizmente não podemos ter essa certeza ago-
ra, mas podemos supor que aqueles médicos que o entenderam da forma como inicialmente
55
imaginamos considerariam que o paciente estava com o diagnóstico confirmado de morte ence-
fálica (protocolo fechado), e portanto legalmente morto no horário da segunda alternativa. Isso
elevaria a prevalência de resposta correta para 95%, mas mesmo assim não mostraria uma asso-
ciação com as respostas da terceira questão (p=0,98; χ²
Y
).
Já a questão de número 6 propõe que o hipotético paciente descrito na questão anterior
seja um doador de órgãos e pergunta qual seria o horário do óbito. Conforme discutido, con-
sideramos corretas as alternativas 2 e 3, que foram escolhidas por 71% dos entrevistados. Con-
forme o esperado, associaram-se as prevalências de escolha das alternativas que afirmavam que
o horário do óbito era o horário do primeiro exame clínico nessas duas últimas questões. Apesar
de incorreta, parece-nos aceitável o argumento que propõe que o paciente que completa o proto-
colo de morte cerebral estava morto quando esse foi iniciado. Surpreendente é a alta preva-
lência (24%) de intensivistas que acreditam que o horário da retirada de órgãos é o horário do
óbito do doador. Se assim fosse, estaríamos violando o axioma ético básico da retirada de ór-
gãos vitais, ou seja, a regra do doador morto
8
, negando que morte encefálica significa morte, vi-
olando a lei brasileira de transplantes de órgãos, e, possivelmente, cometendo o crime de homi-
cídio.
O primeiro dos nossos objetivos secundários foi verificar as diferenças entre os intensi-
vistas que atuam em UCIs pediátricas e os de adultos. Verificamos que os últimos têm um nível
mais alto de conhecimento na soma dos acertos das questões, bem como nas questões de defini-
ção de morte encefálica e do horário do óbito de um paciente que o teve a morte encefálica
confirmada por exame complementar (questão 5). Essa diferença ocorreu porque mais intensi-
vistas pediátricos optaram pela alternativa 2 (40% vs. 22%). Isso poderia ter ocorrido pelo erro
de interpretação citado, mas não aventamos nenhuma explicação do motivo pelo qual os in-
tensivistas pediátricos teriam interpretado diferentemente dos intensivistas de adultos.
8
Dead donor rule.
56
A análise das repostas da questão 6, por seu turno, mostrou que os intensivistas pediá-
tricos acertaram mais o horário do óbito no paciente que é levado à doação de órgãos. Essa dife-
rença se deu porque 83% (49/59) dos intensivistas que afirmaram que o horário do óbito era o
da retirada dos órgãos estavam no grupo que atuava em UCIs de adultos. Ao retirarmos da aná-
lise esses intensivistas, não detectamos mais diferença significativa (p=0,14 χ²
Y
).
Paralelamente ao maior conhecimento do assunto, detectamos ainda uma tendência de
que os intensivistas de adultos se sintam mais seguros para explicar o assunto para os familiares
de um paciente. Cinqüenta e dois por cento deles atribuíram-se o grau mais alto de segurança,
contra 39% dos pediátricos.
Será que o fato de as primeiras definições de morte encefálica terem excluído crianças
poderia ter influenciado nesse resultado? A aceitação do conceito em crianças acima de 7 dias
de vida foi estabelecida na literatura em 1987. No Brasil, a resolução de 1991 excluía as crian-
ças menores de 2 anos faixa etária mais prevalente em UCIs pediátricas –, que foram in-
cluídas a partir de 1997. Podemos supor que tal informação não tenha ainda se solidificado na
prática de todos os intensivistas pediátricos. Essa diferença não parece estar relacionada com o
fato de estar atuando em intensivismo antes ou depois da regulamentação brasileira, pois, ao re-
tirarmos da nossa análise os intensivistas com mais de 9 anos de atuação em UCI persiste uma
diferença marginal nas prevalências de acertos entre os dois grupos. Entretanto, provavelmente
devido ao menor tamanho da amostra (124), essa diferença tem um p=0,06 (χ²
Y
).
Detectamos que o tempo de atuação correlacionou-se com a segurança do intensivista
para explicar o assunto para a família de um paciente. Entretanto, o impacto do maior tempo de
atuação sobre a escala de segurança é mínimo, que 96% da variação no nível de segurança
devem se explicar por outros fatores. Não detectamos correlação do tempo de atuação com a
57
soma das respostas corretas, nem considerando o universo das 6 questões, nem se excluindo a
de número 2 da análise. A única questão cuja prevalência de respostas corretas associou-se com
o tempo de atuação foi a quinta, onde quem acertou tinha uma mediana de 10 anos, contra 7 de
quem errou.
Outro de nossos objetivos secundários foi verificar se a atividade desenvolvida na UCI
interferiria nas respostas ao questionário. Detectamos que o grupo de professores ou superviso-
res teve uma maior prevalência de acertos na questão do caso clínico, quando comparado com
rotineiros, residentes e plantonistas. Entre esses três grupos não detectamos diferença. Os dados
gerais mostram uma baixíssima prevalência de acerto nessa questão, mesmo entre o grupo de
professores (3/9), mas será que estamos presenciando o início de uma mudança no tradicional
modelo paternalista referido? Sem dúvida, cabe aos profissionais formalmente envolvidos
com a formação do intensivista a primazia nas mudanças de conduta dentro de uma equipe mé-
dica. Por tal motivo, causou-nos preocupação a alta prevalência – coincidentemente também de
33% – de professores que consideraram que o horário legal do óbito do paciente em morte ence-
fálica é o horário da retirada dos órgãos. Não houve diferença entre os outros grupos, que tam-
bém tiveram altas prevalências dessa alternativa.
O nível de desconhecimento de morte encefálica entre os intensivistas de Porto Alegre
situa-se ao redor de 37%, se considerarmos a soma dos acertos nas 5 questões; e de 24% se ex-
cluirmos dessa soma a segunda questão, por suas particularidades citadas. A respeito do co-
nhecimento da definição de morte encefálica, o percentual de desconhecimento é de 17%. Pelas
características já citadas dos indivíduos estudados, consideramos que são prevalências muito al-
tas, semelhantes às encontradas em 1999 por nós entre pediatras intensivistas (SCHEIN et al.,
1999) e em similar estudo realizado em Porto Alegre (BRANDÃO et al., 1999) que envolvia in-
tensivistas de adultos. Entretanto, são inferiores às encontradas por Agareno et al. (2006) que
verificaram uma taxa de 41% a 59% de desinformação quanto a aspectos legais e éticos do tema
58
entre intensivistas brasileiros; porém superiores às de Evanisko et al. (1998) onde até 14% do
intensivistas estadunidenses desconheciam os critérios estabelecidos de morte encefálica. Não
encontramos outros estudos na literatura que avaliassem apenas intensivistas, mas verificamos
que nossa prevalência de desconhecimento é maior do que as encontradas entre médicos de di-
ferentes especialidades: 8%, Pugliese et al. (2001) na Itália; 12-14%, Rachmani et al. (1999)
em Israel; e semelhante às de Castillo et al. (1991) entre neurologistas e neurocirurgiões no Chi-
le (37%), de Ohwaki et al. (2006) entre estudantes de medicina no Japão (24%), e de Youngner
et al. (1989) (19% a 35%) entre outros profissionais de saúde e estudantes de medicina estadu-
nidenses.
Como nosso intuito era verificar a prevalência do conhecimento de morte encefálica
entre os intensivistas de Porto Alegre, o estudo transversal foi o delineamento escolhido. Entre-
tanto, essa forma inviabiliza a detecção de qualquer tipo de causalidade nos achados.
A seleção de nossa amostra foi consecutiva entre os principais hospitais de Porto Ale-
gre, muitos deles que efetuam transplantes de órgãos. Uma amostragem aleatória exigiria saber,
de antemão, a totalidade da população a ser pesquisada, mas esse dado não está disponível. Sa-
bemos que muitos médicos que trabalham em UCIs não têm registro na AMIB, e alguns que a
têm, o mais trabalham com intensivismo. Muitos médicos trabalham como substitutos, sem
vínculo formal com os hospitais, o que tornaria ineficaz uma consulta aos departamentos de re-
cursos humanos, ou assemelhados. A opção seria em um primeiro momento realizar uma pes-
quisa entre todas as UCIs da cidade para verificar quantos e quais médicos nelas trabalham,
para depois sortear uma amostra, para então aplicar os questionários, em um intervalo de
tempo curto, em face das eventuais trocas de membros nas equipes. Pela complexa logística en-
volvida, optamos por realizar essa amostragem consecutiva com um mero maior do que o
cálculo amostral inicial, o que deve ter representado adequadamente a população-alvo. Acredi-
tamos que os vieses de seleção potencialmente advindos dessa forma não invalidam os resulta-
59
dos de baixo conhecimento, posto que é provável que os intensivistas dos maiores hospitais – e
por conseguinte os que têm maior demanda – sejam aqueles mais experimentados no tema.
A fim de minimizar a variação aleatória, aumentando a precisão das medidas realiza-
das e reduzir o erro sistemático, melhorando a acurácia, padronizamos o método de aplicação
do questionário através do Manual de Operações (Anexo D) e do treinamento dos pesquisado-
res.
Obtivemos um altíssimo índice de resposta às entrevistas. A perda de dados foi insigni-
ficante (0,8%), o que justificou nossa opção por aplicar o questionário de forma pessoal e o
através de correspondência. Assim evitamos o viés de selecionar apenas aqueles que se sentis-
sem seguros para enviar as respostas, ou ainda, que consultassem referências para responder.
Utilizamos um questionário eficiente, em face da sua rápida aplicação em um ambiente
de UCI; objetivo, a fim de obtermos dados quantitativos para as análises matemáticas, apesar da
perda de importantes declarações que poderiam ser analisadas em um estudo qualitativo; e ade-
quado aos objetivos do estudo. A maioria das questões do instrumento havia sido aplicada
por estudo prévio. Como as questões são de respostas simples, e não buscam um escore padro-
nizado, acreditamos tratar-se de um instrumento com validade de conteúdo e de construto ade-
quadas. Ressalvadas as observações feitas nas questões 5 e 2, cremos que o instrumento tam-
bém foi sensível e específico.
Acreditamos que os resultados, em face da sua validade interna, reflitam a realidade do
local onde foi desenvolvido. Se lembrarmos que Porto Alegre é a maior cidade do Rio Grande
do Sul, e onde mais se realizam diagnósticos de morte encefálica e transplantes 337 dos 373
transplantes de órgãos sólidos de doadores falecidos feitos no estado em 2005 (RBT..., 2006) –;
que nosso estado tem a maior taxa de doadores efetivos em morte encefálica do país; e que a
60
taxa de doação relaciona-se diretamente com o nível de conhecimento sobre o tema entre a
equipe de saúde; podemos supor que os resultados no resto do país dificilmente mostrariam um
nível de conhecimento maior do aqui detectado, o que nos autorizaria a afirmar que o nível de
conhecimento sobre morte encefálica entre os intensivistas do Brasil é ainda insuficiente.
Apesar das críticas existentes na literatura quanto ao conceito de morte encefálica, a
comunidade científica não parece ter abandonado o consenso do diagnóstico (COIMBRA,
1998; Troug, 1997, YOUNGNER & ARNOLD, 2001, WIJDICKS, 2002). A medicina é uma
ciência viva, cujos conceitos podem se modificar, mas atualmente, o estado da arte e a lei deter-
minam o diagnóstico e os procedimentos aqui descritos como adequados no tratamento médico.
As prevalências encontradas pelo nosso estudo são preocupantes. Felizmente esse défi-
cit no conhecimento dos intensivistas, em face do obrigatório protocolo que deve ser seguido,
não resulta no diagnóstico falso positivo. Ou seja, não parece haver o risco de algum paciente
ter diagnóstico de morte encefálica sem de fato estar morto. Entretanto, a possibilidade de
não se fazer o diagnóstico em pacientes que preenchem os critérios, o que causa, além de outros
danos, a ocupação desnecessária de um leito de UCI, e a indisponibilidade de captação de ór-
gãos.
61
CONCLUSÕES
Dezessete por cento dos médicos que atuam nas UCIs de Porto Alegre não souberam
definir o conceito de morte encefálica.
Noventa por cento dos intensivistas aplicaram de forma incorreta o conceito de morte
encefálica na situação clínica apresentada. Apenas 8% dos intensivistas atuaram com retirada de
suporte vital em um paciente terminal.
Quanto à necessidade legal de realizar exame complementar, vinte por cento dos inten-
sivistas desconheciam essa exigência.
Quarenta e sete por cento dos intensivistas consideraram-se no nível máximo de segu-
rança para explicar o conceito de morte encefálica para a família de um paciente. Dezoito por
cento encontravam-se no nível intermediário de segurança.
Trinta por cento dos intensivistas de Porto Alegre não souberam determinar a hora do
óbito do paciente em morte encefálica.
A prevalência de desconhecimento do conceito de morte encefálica foi maior entre os
intensivistas pediátricos (28%) do que entre os que trabalham em UCIs de adultos (11%). O co-
nhecimento global do tema, estimado pela soma das respostas corretas, também foi menor entre
os intensivistas pediátricos, assim como o nível de segurança auto-atribuído. Em sentido contrá-
rio, trinta e um por cento dos intensivistas de adultos consideraram, de forma equivocada, que o
horário legal do óbito de um paciente em morte encefálica que se torna doador de órgãos é o do
momento da retirada dos órgãos. Essa prevalência foi menor entre os intensivistas pediátricos
(11%). Não detectamos associação relevante entre o adequado conhecimento do assunto e: o ní-
vel de segurança auto-atribuído em explicar o conceito para os familiares do paciente; o tempo
de atuação; e a atividade principal desenvolvida na UCI.
63
CONSIDERÕES FINAIS
Os fatores responsáveis por essa relativa alta prevalência de desconhecimento não fo-
ram analisados, e poderão ser tema de pesquisas futuras. Sabemos haver críticas ao diagnóstico
de morte encefálica na literatura, será que essas críticas influenciam as condutas dos intensivis-
tas?
Qual a repercussão numérica desse achado? Propomos que os sistemas de registro de
óbito das secretarias de saúde comecem a utilizar um código próprio para causas de óbito “mor-
te encefálica”, pois assim será possível efetuar uma comparação com esses dados e os casos no-
tificados às centrais de captação de órgãos.
Nossos achados são semelhantes aos encontrados recentemente por Agareno et al.
(2006) entre intensivistas brasileiros. Podemos afirmar que são necessárias atitudes educacio-
nais sobre o tema. O adequado conhecimento, além do óbvio aumento do número de diagnósti-
cos, resultará em condutas médicas mais uniformes, o que provavelmente leva a uma maior
segurança da sociedade, bem como, no caso concreto, dos familiares que se encontram em frá-
gil situação após a morte de um ente querido.
Detectamos haver uma maior prevalência de desconhecimento do conceito e uma ten-
dência a menor grau de segurança entre os médicos que atuam em UCIs pediátricas, o que justi-
fica, mais ainda nesse grupo, ações educativas.
Ainda uma alta prevalência de equívoco na definição da hora do óbito do doador
em morte encefálica. Como dissemos, apesar de parecer uma dúvida prosaica, a afirmação de
que o óbito legal se dá no momento da retirada de órgãos além de incorreta, pode comprometer
todo o processo de captação de órgãos.
Parece ainda haver receio de registrar as atitudes de retirada ou não incremento de su-
porte vital em pacientes terminais, apesar de ocorrerem freqüentemente. Isso provavelmente de-
corre de fatores culturais que mantêm a postura paternalista como predominante no nosso meio,
e também merece futura investigação.
65
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. A definition of irreversible coma. Report of the Ad Hoc Committee of the Harvard Medical
School to Examine the Definition of Brain Death. Jama 1968; 205 (6):337-40.
2. Afonso RC, Buttros DA, Sakabe D, Paranhos GC, Garcia LM, Resende MB, Ferraz-Neto
BH. Future doctors and brain death: what is the prognosis? Transplant Proc 2004; 36
(4):816-7.
ANEXOS
ANEXO A
Doadores em morte encefálica em diferentes regiões do mundo em 2005
Região Doadores Efetivos (pmp / absoluto)
Espanha 35,1 / 1546
Eslovênia 26,5 / 35
Bélgica 22,8 / 237
Estados Unidos da América 21,5 / 6352
Itália 20,9 / 1193
Uruguai 20,6 / 66
Canadá 18,2 / 584
Países da Escandinávia 14,4 / 355
Reino Unido 12,7 / 750
Argentina 10,8 / 407
Costa Rica 10,0 / 46
Cuba 9,1 / 103
Chile 8,3 / 129
xico 3,0 / 315
Brasil 6,3 / 1078
Rio Grande do Sul 13,2 / 135
Santa Catarina 11,9 / 64
Mato Grosso 11,6 / 29
o Paulo 9,2 / 342
Cea 7,9 / 59
Espírito Santo 7,4 / 23
Pernambuco 6,8 / 54
Rio de Janeiro 6,7 / 96
Alagoas 6,7 / 19
Mato Grosso do Sul 5,8 / 12
Paraíba 5,5 / 19
Minas Gerais 5,4 / 97
Paraná 5,1 / 49
Goiás 4,8 / 24
Rio Grande do Norte 4,3 / 12
Distrito Federal 3,4 / 7
Pará 2,4 / 15
Pia 2,1 / 6
Bahia 1,1 / 15
Maranhão 0,2 / 1
Fontes: CNCDO, IRODaT, CORR, Scandia Transplant, UK Transplant
ANEXO B
Questionário aplicado aos intensivistas
Já teve conhecimento prévio da realização desse estudo? SIM NÃO
Atuação predominante em:
UTI ADULTO UTI Pediátrica
(caso trabalhe em mais de uma, marcar onde passa a maior parte do tempo)
(caso atue em UTI mista, marque aquela correspondente ao maior contingente de pacientes atendidos)
Ano de formatura _________ Tempo de atuação em UTI _________ anos
Plantonista Rotineiro diário (5x/semana) Resid Professor / supervisor
(marcar a atividade principal ou mais importante)
Que funções cerebrais devem estar ausentes para uma pessoa ser declarada em morte encefálica?
1. Perda irreversível de toda a função cortical cerebral
2. Perda irreversível de toda a função cortical e de tronco cerebral
3. Variável conforme a lei
4. Desconhece
Uma menina de 5 anos é encontrada no fundo de uma piscina. Apresenta inicialmente apnéia e ausência de
pulso. Ela é ressuscitada exaustivamente. Após uma semana em uma UTI ela não apresenta reflexos cornea-
nos, de tosse ou de engasgo. Não responde a estímulo doloroso. Não nistagmo em resposta às provas ca-
lóricas. Durante dois minutos de um teste de apnéia, apresenta um movimento respiratório inefetivo. O exa-
me não se modifica em 2 dias. Baseado nesses achados a sua conduta seria:
1. Após o esclarecimento e concordância dos pais, retirar o suporte de vida, por se tratar de paci-
ente terminal.
2. Solicitar um estudo de fluxo sangüíneo cerebral.
3. Retirar o suporte de vida, sem o conhecimento dos pais.
4. Declará-la clinicamente em morte encefálica.
Há necessidade legal de exames complementares para estabelecer o diagnóstico de morte encefálica?
1. SIM 2 NÃO
Como julga a sua segurança para explicar o que é morte encefálica para a família de um paciente?
(nenhuma segurança) (grande segurança)
1 2 3 4 5
Paciente adulto tem o primeiro exame clínico compatível com morte encefálica às 12 horas do dia 10 de
agosto. O segundo exame clínico é feito às 18 horas do mesmo dia e não se altera. O paciente é mantido
com suporte vital até sofrer parada cardíaca às 20 horas do dia 11 de agosto. Qual o horário do óbito que irá
no atestado?
1. Do primeiro exame clínico (12h de 10/8)
2. Do segundo exame clínico (18 h de 10/8)
3. Da parada cardíaca (20 h de 11/8)
Se o paciente anterior fosse doador de órgãos, qual seria a hora do óbito?
1. Do primeiro exame clínico ou da abertura do protocolo (12h de 10/8)
2. Do segundo exame clínico ou do fechamento do protocolo (18 h de 10/8)
3. Do exame complementar mostrando ausência de fluxo
4. Da retirada dos órgãos
1
2
1
2
4
1
2
3
4
5
6
3
ANEXO C
Folha Informativa
Caro colega, estamos realizando um estudo a fim de avaliar o grau de conhecimento
dos intensivistas de Porto Alegre, projeto de mestrado de Alaor Ernst Schein. Para
isso solicitamos a sua colaboração. Esse questionário deverá ser respondido apenas
uma vez e não será identificado de forma alguma. A resposta das perguntas pressu-
põe aceitação em participar do estudo. Solicitamos também a gentileza de não co-
mentar com seus colegas a respeito do estudo, a fim de evitar quaisquer vieses.
Quaisquer dúvidas poderão ser sanadas entrando em contato com:
Alaor Ernst Schein
Cremers 23656
Correio eletrônico: [email protected]
Fone: 9128 9376
ANEXO D
Manual de operações para os entrevistadores
O que deve ser informado no primeiro contato com o intensivista que será entrevistado:
1. Bom dia (boa tarde, boa noite), meu nome é _______________, sou estudante de medi-
cina da UFRGS e gostaria de saber se o (a) Sr (a) poderia responder a um rápido questi-
onário que faz parte do projeto de mestrado de Alaor Schein, que é médico intensivista
pediátrico.
Caso o médico concorde, entregue 1 questionário para ser preenchido e comunique o se-
guinte (informações constantes no cabeçalho do questionário):
2. Estamos procurando avaliar o grau de conhecimento sobre morte encefálica entre os in-
tensivistas de Porto Alegre. Esse estudo será aplicado em todas as UCIs da cidade, pe-
diátricas e de adultos.
3. Por isso, a possibilidade de o (a) Sr (a) voltar a ser solicitado para participar da pes-
quisa. Se isso ocorrer, comunique ao entrevistador e esse não a repetirá.
4. O (a) Sr (a) não será identificado de forma alguma, nem o hospital onde trabalha.
5. A resposta das perguntas pressupõe aceitação em participar do estudo.
6. Solicitamos também a gentileza de não comentar com seus colegas a respeito do estudo.
7. Todas as questões deverão ser respondidas, escolhendo-se uma alternativa em cada
questão.
Após o preenchimento, destaque a folha informativa, entregue-a ao intensivista e agradeça a
colaboração. Verifique se alguma das questões, bem como os dados de perfil, ficou em branco,
ou teve mais de um item assinalado. Caso positivo, devolva o questionário para que o dico
corrija o problema.
Algumas perguntas que poderão surgir por parte dos entrevistados, e as repostas que deve-
rão ser dadas:
1) Essa pesquisa foi autorizada?
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de
Clínicas de Porto Alegre em novembro de 2004 e submetido a apreciação do chefe des-
ta UTI (falar o nome do chefe da UTI que concordou).
2) Quanto tempo demora, o questionário é muito longo?
o apenas 6 questões, e o tempo de preenchimento ximo, no estudo-piloto, foi de 4
minutos.
3) Acho que não tem alternativa correta, ou há mais de uma alternativa correta. O que devo fa-
zer?
Nesse caso, o (a) Sr (a) deverá assinalar a alternativa que considera mais adequada.
4) Por que não posso comentar com outras pessoas a realização do estudo?
Porque pode causar um viés na seleção dos participantes. Aqueles que souberem que se
está pesquisando esse assunto poderão estudá-lo apenas para estarem mais bem prepa-
rados do que estariam em uma situação habitual da prática médica.
5) Sou plantonista em um hospital e rotineiro noutro, como devo me considerar?
O (a) Sr (a) deverá assinalar a atividade principal, a que lhe ocupa mais tempo durante
um mês de trabalho habitual.
ATENÇÃO: Para uniformizar as condições de aplicação do instrumento, não pode
ser dada nenhuma outra informação.
Para qualquer outra dúvida que surgir, diferente das que aqui se encontram, o pesquisa-
dor principal deverá se contatado pelo telefone celular: 9128 9376. Caso não se consiga o conta-
to, e o questionário ainda não tiver sido apresentado, uma nova entrevista deverá ser combina-
da. Caso o questionário tiver sido apresentado ao entrevistado, e a pesquisa não puder ser
completada sem a solução do impasse, esse entrevistado será excluído, o questionário recolhido
e identificado com a palavra “EXCLUÍDO”.
72
Após a apresentação do questionário, ele deveser respondido naquele momento. Caso
o entrevistado se afaste por qualquer motivo do recinto onde se está fazendo a entrevista,
também será excluído, e o procedimento é o mesmo descrito no parágrafo anterior.
73
ANEXO E
Resolução 1.480 do Conselho Federal de Medicina
O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº
3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de
julho de 1958 e,
CONSIDERANDO que a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, que dispõe sobre a
retirada de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tra-
tamento, determina em seu artigo 3º que compete ao Conselho Federal de Medicina
definir os critérios para diagnóstico de morte encefálica;
CONSIDERANDO que a parada total e irreversível das funções encefálicas equivale
à morte, conforme critérios já bem estabelecidos pela comunidade científica mundial;
CONSIDERANDO o ônus psicológico e material causado pelo prolongamento do
uso de recursos extraordinários para o suporte de funções vegetativas em pacientes
com parada total e irreversível da atividade encefálica;
CONSIDERANDO a necessidade de judiciosa indicação para interrupção do empre-
go desses recursos;
CONSIDERANDO a necessidade da adoção de critérios para constatar, de modo in-
discutível, a ocorrência de morte;
CONSIDERANDO que ainda não há consenso sobre a aplicabilidade desses critéri-
os em crianças menores de 7 dias e prematuros,
RESOLVE:
Art. 1º. A morte encefálica será caracterizada através da realização de exames clíni-
cos e complementares durante intervalos de tempo variáveis, próprios para determi-
nadas faixas etárias.
Art. 2º. Os dados clínicos e complementares observados quando da caracterização
da morte encefálica deverão ser registrados no "termo de declaração de morte ence-
fálica" anexo a esta Resolução.
Parágrafo único. As instituições hospitalares poderão fazer acréscimos ao presente
termo, que deverão ser aprovados pelos Conselhos Regionais de Medicina da sua
jurisdição, sendo vedada a supressão de qualquer de seus itens.
Art. 3º. A morte encefálica deverá ser conseqüência de processo irreversível e de
causa conhecida.
Art. 4º. Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte en-
cefálica são: coma aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinal e
apnéia.
Art. 5º. Os intervalos mínimos entre as duas avaliações clínicas necessárias para a
caracterização da morte encefálica serão definidos por faixa etária, conforme abaixo
especificado:
a) de 7 dias a 2 meses incompletos - 48 horas
b) de 2 meses a 1 ano incompleto - 24 horas
c) de 1 ano a 2 anos incompletos - 12 horas
d) acima de 2 anos - 6 horas
Art. 6º. Os exames complementares a serem observados para constatação de morte
encefálica deverão demonstrar de forma inequívoca:
a) ausência de atividade elétrica cerebral ou,
b) ausência de atividade metabólica cerebral ou,
c) ausência de perfusão sangüínea cerebral.
Art. 7º. Os exames complementares serão utilizados por faixa etária, conforme abai-
xo especificado:
a) acima de 2 anos - um dos exames citados no Art. 6º, alíneas "a", "b" e "c";
b) de 1 a 2 anos incompletos: um dos exames citados no Art. 6º , alíneas "a", "b" e
"c". Quando optar-se por eletroencefalograma, serão necessários 2 exames com in-
tervalo de 12 horas entre um e outro;
c) de 2 meses a 1 ano incompleto - 2 eletroencefalogramas com intervalo de 24 ho-
ras entre um e outro;
d) de 7 dias a 2 meses incompletos - 2 eletroencefalogramas com intervalo de 48
horas entre um e outro.
Art. 8º. O Termo de Declaração de Morte Encefálica, devidamente preenchido e as-
sinado, e os exames complementares utilizados para diagnóstico da morte encefáli-
ca deverão ser arquivados no próprio prontuário do paciente.
Art. 9º. Constatada e documentada a morte encefálica, deverá o Diretor-Clínico da
instituição hospitalar, ou quem for delegado, comunicar tal fato aos responsáveis le-
gais do paciente, se houver, e à Central de Notificação, Captação e Distribuição de
Órgãos a que estiver vinculada a unidade hospitalar onde o mesmo se encontrava
internado.
Art. 10. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação e revoga a Re-
solução CFM nº 1.346/91.
Brasília-DF, 08 de agosto de 1997.
WALDIR PAIVA MESQUITA
Presidente
ANTÔNIO HENRIQUE PEDROSA NETO
Secretário-Geral
Publicada no D.O.U. de 21.08.97 Página 18.227
IDENTIFICAÇÃO DO HOSPITAL
TERMO DE DECLARAÇÃO DE MORTE ENCEFÁLICA
(Res. CFM nº 1.480 de 08/08/97)
NOME:______________________________________________________________
PAI:________________________________________________________________
MÃE:_______________________________________________________________
IDADE:______ANOS______MESES_____DIAS
DATA DE NASCIMENTO____/____/____
SEXO: M F RAÇA: A B N Registro Hospitalar:__________________
A. CAUSA DO COMA
A.1 - Causa do Coma:
A.2. Causas do coma que devem ser excluídas durante o exame
a) Hipotermia ( ) SIM ( ) NÃO
b) Uso de drogas depressoras do sistema nervoso central ( ) SIM ( ) NÃO
Se a resposta for sim a qualquer um dos itens, interrompe-se o protocolo
75
B. EXAME NEUROLÓGICO - Atenção: verificar o intervalo mínimo exigível entre as
avaliações clínicas, constantes da tabela abaixo:
IDADE INTERVALO
7 dias a 2 meses incompletos 48 horas
2 meses a 1 ano incompleto 24 horas
1 ano a 2 anos incompletos 12 horas
Acima de 2 anos 6 horas
(Ao efetuar o exame, assinalar uma das duas opções SIM/NÃO. obrigatoriamente,
para todos os itens abaixo)
Elementos do exame neurológico Resultados
1º exame 2º exame
Coma aperceptivo ( )SIM ( )NÃO ( )SIM ( )NÃO
Pupilas fixas e arreativas ( )SIM ( )NÃO ( )SIM ( )NÃO
Ausência de reflexo córneo-palpebral ( )SIM ( )NÃO ( )SIM ( )NÃO
Ausência de reflexos oculocefálicos ( )SIM ( )NÃO ( )SIM ( )NÃO
Ausência de respostas às provas calóricas ( )SIM ( )NÃO ( )SIM ( )NÃO
Ausência de reflexo de tosse ( )SIM ( )NÃO ( )SIM ( )NÃO
Apnéia ( )SIM ( )NÃO ( )SIM ( )NÃO
C. ASSINATURAS DOS EXAMES CLÍNICOS - (Os exames devem ser realizados
por profissionais diferentes, que não poderão ser integrantes da equipe de remoção
e transplante.
1 - PRIMEIRO EXAME 2 - SEGUNDO EXAME
DATA:____/____/____HORA:_____:_____
DATA:____/____/____HORA:_____:_____
NOME DO MÉDICO:__________________ NOME DO
MÉDICO:__________________
CRM:____________FONE:_____________
CRM:_____________FONE:___________
END.:______________________________
END.:______________________________
ASSINATURA: ______________________ ASSINATURA:
______________________
D. EXAME COMPLEMENTAR - Indicar o exame realizado e anexar laudo com iden-
tificação do médico responsável.
1. Angiografia Cerebral 2. Cintilografia Radioisotópica 3. Doppler Transcraniano 4.
Monitorização da pressão intra-craniana 5. Tomografia computadorizada com xenô-
nio
6. Tomografia por emissão de foton único 7. EEG 8. Tomografia por emissão de po-
sitróns 9. Extração Cerebral de oxigênio 10. outros (citar)
E. OBSERVAÇÕES
1 - Interessa, para o diagnóstico de morte encefálica, exclusivamente a arreatividade
supraespinal. Consequentemente, não afasta este diagnóstico a presença de sinais
de reatividade infraespinal (atividade reflexa medular) tais como: reflexos osteotendi-
76
nosos ("reflexos profundos"), cutâneo-abdominais, cutâneo-plantar em flexão ou ex-
tensão, cremastérico superficial ou profundo, ereção peniana reflexa, arrepio, refle-
xos flexores de retirada dos membros inferiores ou superiores, reflexo tônico cervi-
cal.
2 - Prova calórica
2.1 - Certificar-se de que não há obstrução do canal auditivo por cerumem ou qual-
quer outra condição que dificulte ou impeça a correta realização do exame.
2.2 - Usar 50 ml de líquido (soro fisiológico, água, etc) próximo de 0 grau Celsius em
cada ouvido.
2.3 - Manter a cabeça elevada em 30 (trinta) graus durante a prova.
2.4 - Constatar a ausência de movimentos oculares.
3 - Teste da apnéia
No doente em coma, o nível sensorial de estímulo para desencadear a respiração é
alto, necessitando-se da pCO2 de até 55 mmHg, fenômeno que pode determinar um
tempo de vários minutos entre a desconexão do respirador e o aparecimento dos
movimentos respiratórios, caso a região ponto-bulbar ainda esteja íntegra. A prova
da apnéia é realizada de acordo com o seguinte protocolo:
3.1 - Ventilar o paciente com 02 de 100% por 10 minutos.
3.2 - Desconectar o ventilador.
3.3 - Instalar catéter traqueal de oxigênio com fluxo de 6 litros por minuto.
3.4 - Observar se aparecem movimentos respiratórios por 10 minutos ou até quando
o pCO2 atingir 55 mmHg.
4 - Exame complementar. Este exame clínico deve estar acompanhado de um exa-
me complementar que demonstre inequivocadamente a ausência de circulação
sangüínea intracraniana ou atividade elétrica cerebral, ou atividade metabólica cere-
bral. Observar o disposto abaixo (itens 5 e 6) com relação ao tipo de exame e faixa
etária.
5 - Em pacientes com dois anos ou mais - 1 exame complementar entre os abaixo
mencionados:
5.1 - Atividade circulatória cerebral: angiografia, cintilografia radioisotópica, doppler
transcraniano, monitorização da pressão intracraniana, tomografia computadorizada
com xenônio, SPECT.
5.2 - Atividade elétrica: eletroencefalograma.
5.3 - Atividade metabólica: PET, extração cerebral de oxigênio.
6 - Para pacientes abaixo de 02 anos:
6.1 - De 1 ano a 2 anos incompletos: o tipo de exame é facultativo. No caso de ele-
troencefalograma são necessários 2 registros com intervalo mínimo de 12 horas.
6.2 - De 2 meses a 1 ano incompleto: dois eletroencefalogramas com intervalo de 24
horas.
6.3 - De 7 dias a 2 meses de idade (incompletos): dois eletroencefalogramas com in-
tervalo de 48 h.
7 - Uma vez constatada a morte encefálica, cópia deste termo de declaração deve
obrigatoriamente ser enviada ao órgão controlador estadual (Lei 9.434/97, Art. 13).
77
ANEXO F
Artigo enviado para publicação
TITLE PAGE
TITLE
Brazilian Intensivists Knowledge Concerning Brain Death.
AUTORS
Alaor Ernst Schein
Paulo Roberto Antonacci Carvalho
Taís Sica da Rocha
Renata Rostirola Guedes
Laura Moschetti
Pedro Caron La Salvia
João Caron La Salvia
DEPARTMENT AND INSTITUTION:
School of Medicine, Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Funding sources
The authors state that they have no financial involvement or conflict of interest for conducting
or publishing this research.
Corresponding author contact information.
Alaor Ernst Schein
90035070, 44 Independência 1304 – Porto Alegre – Brasil
Telephone/Fax: 55-51-32263341
alaorschein@uol.com.br
Running Title
Brazilian Intensivists Knowledge Concerning Brain Death.
ABSTRACT
Failure or delay in diagnosing brain death leads to the needless occupation of a hospital
bed, emotional and financial losses, and unavailability of organs for transplants. The intensive
care physician plays an essential role in this diagnosis. We evaluate intensivists’ knowledge
concerning brain death using a cross-sectional study. Two hundred forty-six intensivists were
interviewed in a consecutive sample between April and December 2005. We found a prevalence
of 17% lack of knowledge regarding the concept. Twenty per cent of the interviewees ignored
the legal need for complementary confirmatory testing in order to perform the diagnosis. Forty-
seven per cent considered themselves as having the highest level of confidence to explain the
concept to a patient’s family. Twenty-nine per cent determined the legal time of death for brain
dead patients erroneously. Pediatric intensivists know less about the concept, compared with the
adult intensivists (p<0.001). It is concluded that current knowledge of brain death is insufficient
in Brazil, among the health care professionals who most often encounter patients in this
situation, and that there is need for education on the subject, in order to avoid unnecessary
expenses, reduce family suffering and increase the offer of organs for transplants.
Key words: Brain death – Knowledge – Intensivists.
INTRODUCTION
The concept of brain death appears to be clearly established in most countries of the
world, with only a few variations in the diagnostic protocols . Despite this wide acceptance of
the concept, there still appear to be doubts among many health care professionals . Most cases
of brain death occur in intensive care units, where staff plays a crucial role , specially the physi-
cian, in suspecting and diagnosing it. Delay or failure at this stage leads to inappropriate finan-
cial expenses, occupy an intensive care bed, increase family distress and do not offer organs for
transplants .
The prevalence of adequate knowledge on the topic among health care professionals
and students varies from 39% to 88%, depending on the population studied . There is a lack of
studies that evaluate intensivists’ knowledge on the topic.
The purpose of the present study is to evaluate knowledge on the concept of brain
death among physicians working in intensive care units (ICU) in the city of Porto Alegre, Rio
79
Grande do Sul, Brazil. The state of Rio Grande do Sul has the highest brain dead donor rate in
Brazil, with 13.2 donors per million inhabitants a years (pmp/year) in 2005. In Brazil this rate is
6.3 pmp/year.
METHODS
A brief questionnaire, translated and modified from a previous study , was applied dur-
ing a personal interview with intensivists at eight Porto Alegre hospitals between the months of
April and December 2005. We kept the participants in the study confidential and also did not
identify the hospital where they worked. The questionnaire was as follows:
1) What brain functions must be lost to declare a person brain dead?
5. Irreversible loss of all cortical brain function
6. Irreversible loss of all the cortical and brainstem functions
7. Variable according to the law
8. Does not know
We considered alternative “b” correct.
2) Are complementary confirmatory tests legally required to diagnose brain death?
a) Yes.
b) No.
In Brazil, the law requires complementary confirmatory tests to diagnose brain death.
Therefore, alternative “a” is correct.
3) An adult patient begins the brain death protocol at 12 o’clock noon, and the second clinical
examination and confirmatory test at 6 pm of the same day. He becomes an organ donor. What
is the time of death?
a) The time when the protocol was started (12 o’clock)
b) The time when the protocol ended (6 pm)
c) The time when the organs were harvested
We consider alternative “b correct .
4) How confident do you feel to explain brain death to a patient’ s family?
(not confident) (very confident)
1 2 3 4 5
80
We record information regarding the main activity performed in the ICU, physician on
duty, routine, resident and attending physician; how long the person has been an intensivist; and
in what type of ICU they work, pediatric or adult.
The study was approved by the Committee of Ethics in Research at Hospital de Clíni-
cas de Porto Alegre. The authors, co-authors and advisors of the study, as well as the members
of the committees of ethics in research who participated in the evaluation of the project were
excluded from the study.
Statistical method
All the statistical tests were two-sided with a 0.05 alpha level of significance. The cen-
tral trend and measures of dispersion reported were mean and the 95% confidence interval,
when the frequency distribution behaved normally, and the median and first and third quartiles
in the other cases. In order to compare two groups to a mean, we used the Wilcoxon-Mann-
Whitney U test, since the frequencies are not normally distributed. Attempts to verify the exis-
tence of an association between two quantitative characteristics were performed via the correla-
tion coefficient for Spearman (r
s
) posts, since the variables used violated assumptions of nor-
mality and homocedasticity. When we compare the groups for qualitative variables, we use the
Chi-square test to compare proportions (χ²). The Yates correction (χ²
Y
) was used in the 2x 2 fre-
quency tables.
RESULTS
Two hundred forty-eight questionnaires were applied, but two were excluded because
they were incomplete. Table 1 shows the profile of the intensivists interviewed. Two hundred
81
forty-six professionals were actually interviewed. Sixty-four per cent worked with adults. Most
of the intensivists interviewed (56%) worked mainly on duty shifts.
Eighty-three per cent (204/246) of the interviewees defined the concept of brain death
correctly. Eighty per cent (198/246) knew the Brazilian legal requirement of performing a con-
firmatory test for diagnosis. Seventy-one per cent (172/246) determined the hypothetical patien-
t’s time of death correctly.
Most (194/246) of the interviewees considered themselves to be at the two highest lev-
els of confidence to explain brain death to a patient’s family. None considered themselves com-
pletely non-confident in this regard. The level of confidence was not statistically different
among those who answered correctly and those who made a mistake in the three prior questions
(χ² p=0.40; 0.83; 0.19). We found a low positive correlation (r
s
= 0.191, p=0,003) between
length of time doing this work and degree of self-rated confidence. This means that 3.6% of the
variation in the degree of confidence are accounted for by variation in the length of time doing
this work.
When we separated the interviewees into two groups (a) intensivists who work in pedi-
atric ICUs, and (b) intensivists from adult ICUs (Table 2), we found that 89% (140/157) of the
adult intensivists defined brain death correctly, while 72% (64/89) of the pediatric intensivists
did so (χ²
Y
p<0.001). The differences in the prevalence of correct answers between these groups
on questions 2 and 3 were not statistically significant. Alternative (c) of question 3 was chosen
by 31% (49/157) of adult intensivists, against 11% (10/89) of the pediatric intensivists (χ²
Y
p<0.001).
82
Thirty-nine per cent (65/59) of the pediatric intensivists considered themselves as be-
ing at the highest level of confidence to explain the concept of brain death to the patient’s fami-
ly. This prevalence was 52% (81/157) among the adult intensivists (χ² p=0.054).
DISCUSSION
Our study attempted to evaluate knowledge on brain death among the intensivists of
the largest city and capital of the state of Rio Grande do Sul. Supposedly experienced and
role models on the subject, these physicians are expected to have the highest level of knowledge
about organ donation and brain death . According to this line of reasoning, among intensivists
this expectation is even higher. We emphasize that the instrument used is artificial and may not
reflect the knowledge and attitudes of the physicians when they face real patients in clinical sit-
uations .
Despite the criticism found in the literature about the concept of brain death, the scien-
tific community does not appear to have abandoned the consensus of diagnosis. Medicine is a
living science and its concepts may change, but currently the state of the art and of the law de-
termine the diagnosis and procedures here described as appropriate in medical care.
We did not detect any differences that could establish a relationship between the self-
rated level of confidence and the correctness of answers in the other questions. Possibly if the
size of the sample had been larger, we might have achieved some significance, but we suspect
that there is exaggerated self-confidence which is usually a source of problems in medicine.
There is a surprisingly high prevalence of intensivists (24%) who believe that the time
when the organs are collected is the time of donor death. If this were so, we would be violating
83
the basic ethical axiom of the removal of vital organs, i.e., the dead donor rule., denying that
brain death means death, violating the Brazilian Organ Transplant Law and possibly commit-
ting homicide.
At the same time as further knowledge on the subject, we also detected a tendency for
adult intensivists to feel more confident to explain the issue to a patient’s family.
Could the fact that the initial definitions of brain death excluded children have influ-
enced this result? Acceptance of this concept in children above 7 days of age was established in
the literature in 1987. In Brazil the 1991 resolutions excluded children under the age of 2 the
most prevalent age range in PICUs – ,and they were only included from 1997 onwards We may
assume that this information has not yet become a solid part of the practice of all pediatric in-
tensivists. This difference does not appear to be related to the fact of working in intensive care
before or after it was regulated in Brazilian law, since when we remove the intensivists who
have been working in the ICU for more than 9 years from our analysis, there is still a marginal
difference in the prevalence of correct answers among the two groups. However, probably due
to the smaller sample size (124) , this difference is p=0,06 (χ²
Y
).
There is also a high prevalence of mistakes in defining the donor’s time of death in
brain death. Although this sounds like a commonplace doubt, the statement that legal death oc-
curs at the time the organs are removed, besides being incorrect, despite being wrong may com-
promise the whole process of obtaining organs for transplants.
Porto Alegre is the largest city in Rio Grande do Sul, and it is the place where the
largest number of brain death diagnoses and transplants are performed. Rio Grande do Sul is the
Brazilian state with the highest rate of actual donors in brain death. Thus, we may assume that
84
the results in the rest of the country would be unlikely to show a higher degree of knowledge
than that detected here, and we could thus say that the level of knowledge on brain death among
intensivists in Brazil is still insufficient.
We are concerned about the prevalences found in our study. Fortunately this gap in the
knowledge of intensivists considering the mandatory protocol to be carried out, does not lead to
a false-positive diagnosis. In other words, there does not appear to be a risk that some patient
will be diagnosed as brain dead if he is not in fact dead. However, there is a possibility that the
diagnosis will not be made in patients who fulfill the criteria, which, besides other damage,
leads to the needless occupation of a bed in the ICU, and the unavailability of organs.
The factors responsible for this relatively high prevalence of lack of knowledge have
not been analyzed, and may be the subject of future research. We know that has been criticism
of the diagnosis of brain death in the literature. Could this criticism influence the intensivists’
management, or are we dealing with ignorance on the subject?
It is necessary to educate Brazilian intensivists on this subject. Appropriate knowledge,
besides leading to an obvious increase in the number of diagnoses, will result in more uniform
medical management, which would probably make society feel safer, as well as, in this case,
the families who are in distress after the death of their dear one.
We detect a higher prevalence of lack of knowledge regarding the concept and a ten-
dency to less confidence among physicians who work in pediatric ICUs. This justifies educa-
tional measures, especially in this group.
Table 7 General data on the study
85
Total sample 246
Length time of worked in the ICU
(years)
Median [Q
1
– Q
3
]
9 [4 – 16.25]
Time since graduation(years)
Median [Q
1
– Q
3
]
14 [7 – 21]
ICU
Adult 157 (63.8%)
Pediatric 89 (36.2%)
Main job
On duty 139 (56.5%)
Routine 60 (24.4%)
Resident 38 (15.4%)
Faculty 9 (3.7%)
Q
1
- Q
3
: first and third quartiles
Table 8 Results according to the specific intensive care unit where the subject works
ICU
where the
subject
works
Length of time
the subject has
worked there
(md)¹
Questions with correct answers²
1 2 3
Adult
n=157
10 years 140 (89.2%) 124 (79.0%) 104 (66.2%)
Pediatric
n=89
8 years 64 (71.9%) 74 (83.1%) 71 (79.8%)
p 0.084 0.001 0.532 0.035
¹ Wilcoxon-Mann-Whitney U Test.
² Pearson chi-square of comparison of proportions, with Yates correction.
86
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE MEDICINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS MÉDICAS:
PEDIATRIA
AVALIAÇÃO DO CONHECIMENTO
DOS INTENSIVISTAS DE PORTO ALEGRE
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