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UFRRJ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E
SOCIEDADE - CPDA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
A Mística de tornar-se jovem no MST -
a experiência do I Curso de Realidade Brasileira
para Jovens do Meio Rural (1999)
Carmen Verônica dos Santos Castro
2005
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO,
AGRICULTURA E SOCIEDADE - CPDA
A MÍSTICA DE TORNAR-SE JOVEM NO MST - A EXPERIÊCNCIA
DO I CURSO DE REALIDADE BRASILEIRA PARA JOVENS DO
MEIO RURAL (1999)
CARMEN VERÔNICA DOS SANTOS CASTRO
Sob orientação da Professora
Regina Ângela Landim Bruno
Dissertação submetida como
requisito parcial para obtenção
do grau de Mestre em
Desenvolvimento, Agricultura
e Sociedade
Rio de Janeiro, RJ
Dezembro de 2005
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Castro, Carmen Verônica dos Santos
A Mística de tornar-se jovem no MST - a experiência do I Curso
de Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural. Seropédica.
Rio de Janeiro. UFRRJ. CPDA. 2005.
142p.
Orientadora: Regina Ângela Landim Bruno
I. Referência orientadora. II. Referência Instituição. III. Título
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E
SOCIEDADE - CPDA
CARMEN VERÔNICA DOS SANTOS CASTRO
Dissertação submetida ao Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre, em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade.
DISSERTAÇÃO APROVADA EM 19/12/2005
__________________________________________________
Regina Ângela Landim Bruno, Dr. UFRRJ
__________________________________________________
Regina Reyes Novaes, Dr. UFRJ
__________________________________________________
Paulo Roberto Raposo Alentejano, Dr. UERJ
A Maria, Míriam, Jef,
Júlia e Marco, pelo amor e pela
persistência presentes na minha vida.
A Adolfo, Ana, Bira, Cíntia, Flaviane,
Lígia, Loivo, Lui, Maira, Marcela,
Mônica e Serginho,
Pelas amizade, acolhida e as alegrias
em diferentes momentos.
Ao meu amado Márcio, pelo seu otimismo
obstinado, pelo carinho e
pela paz transmitida.
Às/Aos jovens que fazem-se
no Movimento dos Sem Terra
compondo trajetórias indignadas
e cheias de solidariedade.
E em especial, à memória de Oziel Alves,
Jovem de 17 anos, assassinado
no Massacre de Eldorado dos Carajás,
em 17 de abril de 1996.
AGRADECIMENTOS
A Professora Regina Ângela Landim Bruno, meu agradecimento especial,
por suas observações, empenho e dedicação com que me orientou, possibilitando a
realização desta dissertação.
A Professora Regina Novaes, por me chamar a atenção para a importância da
temática de juventude no MST, para a possibilidade da pesquisa e para as pistas que não me
dava conta.
A Professora Leonilde Sérvolo Medeiros, pelas suas observações no cuidado
com a pesquisa, as quais contribuíram para a elaboração e aprimoramento deste trabalho.
A Ademar Pizetta, pelo precioso tempo em esclarecer dados sobre o Curso
de Jovens do MST.
A Lígia Benigno e Márcio Sobrosa pelo mutirão da revisão do texto
dissertação.
À instituição Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e às pessoas que
a representam, as quais tornaram possível a realização desta tarefa. E às demais pessoas que
direta e indiretamente contribuíram na elaboração deste trabalho.
“Eu nasci em Goiânia e sempre morei lá. Sou de família pobre. Apesar de meus pais
trabalharem muito, a gente nunca conseguiu comprar uma casa nem mesmo um lote.
Somos ao todo seis filhos. Desde pequena me lembro de meus pais quase não
ficavam em casa, só trabalhando e a renda mal dava para sobrevivência.
Nunca imaginei um dia fazer parte de um Movimento como o MST, porque, para as
pessoas que moram nas capitais e até mesmo por causa do que a televisão passa, a gente
tem uma idéia muito distorcida: como anarquistas, invasores e outras coisas mais.
Hoje, eu compreendo porque para a mídia não interessa passar a realidade do MST,
porque as pessoas se se conscientizarem que para acabar com a fome e a miséria com que
este país vive é preciso o povo se unir e lutar, e trabalhar. Ter um pedaço de chão para
plantar, fazer sua casa, e assim ter uma renda suficiente para viver com dignidade, se sentir
parte da sociedade e não ter que conviver com essa falta de emprego, com esse salário de
fome que é o salário mínimo no Brasil.
Hoje, tudo que eu quero é continuar estudando, fazer magistério e depois fazer uma
faculdade de letras. Quero lecionar no meu acampamento, ensinar as pessoas a aprender a
ler e escrever porque é incrível o número de analfabetos.
Para dizer a verdade, eu estava desanimada, pensando que faculdade não era para
mim, mas hoje vejo que vale a pena sonhar e lutar para transformar nossos sonhos em
realidade”.
1
D., 27 anos, estudou até a 7
ª
série, acampada
no acampamento Dandara,
Região Anicuns, estado de Goiás.
1
Depoimento de uma jovem no verso do questionário aplicado no I Curso de Realidade Brasileira para Jovens
do Meio Rural, promovido pelo MST em parceria com a Universidade Estadual de Campinas, julho de 1999.
RESUMO
CASTRO, Carmen Verônica dos Santos. A Mística de tornar-se jovem no MST - a
experiência do I Curso de Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural (1999).
Seropédica: UFRRJ, 146p. (Dissertação, Mestrado em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade).
Buscando compreender o processo de jovens tornarem-se parte do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST - é que efetivamos esta dissertação de mestrado.
Para tanto, realizamos a investigação do I Curso de Realidade Brasileira para Jovens do
Meio Rural, em julho de 1999, na Universidade Estadual de Campinas como uma
experiência que condensa o encontro coletivo entre jovens e o Movimento Sem Terra.
Trata-se de um momento, entre outros, de uma stica Juvenil, seja por se destinar a esta
função de encontro de jovens com os valores e referências do Movimento; seja pelas
participantes e pelos participantes do I Curso se reunirem sob a égide de jovens do MST. E
ainda, por ser este evento, o primeiro de uma seqüência de outros cursos nacionais e
regionais para jovens. Para a consecução desses objetivos, trabalhamos com o questionário
aplicado durante o I Curso de Realidade Brasileira, em que retratamos a/o jovem com suas
características de: origem dos acampamentos e assentamentos, idade, sexo, escolaridade,
residência, trabalho, sustento, sonhos, projetos de vida e referências sobre o MST.
Resgatamos a dinâmica do Curso através da sua circular de convocação dos jovens com
seus objetivos, critérios, da programação e das atividades que aconteceram durante os dez
dias em que se realizou. Desta forma, nos deparamos com jovens aprendizes e jovens
sujeitos no processo de constituírem-se parte do coletivo do Movimento Sem Terra. O I
Curso de Jovens se insere num contexto da construção de uma experiência própria do MST
junto às jovens e aos jovens. Diferentemente, do período de constituição do Movimento, no
final dos anos oitenta, em que a primeira geração de jovens integrou-se à luta pela terra e
pela reforma agrária partilhando experiências formativas promovidas pela Igreja, pelo
Partido Político e pelo Sindicato; o público do Curso compõe uma segunda geração que
torna-se parte de um MST consolidado que promove espaços próprios para jovens, com
uma mística própria e uma dinâmica de compartilhar referências construídas nesta trajetória
de duas décadas. Os sonhos, os projetos de vida e pertencimentos juvenis inserem-se na
esfera da ão coletiva da luta pela terra e pela reforma agrária e passam pela mística de
compartilhar subjetiva e objetivamente, individual e coletivamente experiências no MST.
Palavras chave: sonhos e projetos de vida de jovens; segunda geração do MST; espaços
para jovens.
ABSTRACT
CASTRO, Carmen Verônica dos Santos. The stica of become young in the MST - the
experience of I Course de Brazilian Reality for Youngs of the Agricultural Way
(1999). Seropédica: UFRRJ, 146p. (Dissertation, Master in Development, Agriculture e
Society).
Searching to understand the process of young to become part of the Movement of the
Agricultural Workers Without Land - MST - is that we accomplish this master in science
work of. For in such a way, we carry through the inquiry of the I Course of Brazilian
Reality for Young of the Agricultural Way, in July of 1999, in the State University of
Campinas as an experience that condenses the collective meeting between young and the
Movement Without Land. One is about a moment, among others, of a Youthful mystic,
either for if destining to this function of meeting of young with the values and references of
the Movement; either for the participants and the participants of the I Course if to
congregate under sponsorship of young of the MST. And still, for being this event, the first
one of a sequence of other national and regional courses for young. For the achievement of
these objectives, we work with the questionnaire applied during the I Course of Brazilian
Reality, where we portray young with its characteristics of: origin of the encampments and
settlements, age, sex, highest degree, residence, work, sustenance, dreams, projects of life
and references on the MST. We rescue the dynamics of the Course through its to circulate
of invocation of the young with its objectives, criteria, of the programming and the
activities that had happened during the ten days where if it carried through. Of this form, in
them we come across with young apprentices and young citizens in the process to consist
part of the collective one of the Movement Without Land. The I Course of Young if inserts
in a context of the construction of a proper experience of the together MST to the young
and the young. Differently, of the period of constitution of the Movement, in the end of the
Eighties, where the first generation of young combined it the fight for the land and the
agrarian reform sharing formative experiences promoted by the Church, for the Political
party and the Union; the public of the Course composes one second generation that
becomes part of a consolidated MST that promotes proper spaces for young, with a proper
mystic and a dynamics to share references constructed in this trajectory of two decades.
The dreams, the youthful projects of life and belongings are inserted in the sphere of the
class action of the fight for the land and the agrarian reform and pass for the mystic to share
subjectively and objective, individual and collectively experiences in the MST.
Keywords: dreams and projects of life of young; second generation of the MST; spaces for
young.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO___________________________________________________________1
CAPÍTULO I
MST, um fazer social e político__________________________________________34
1.1. Ocupações, acampamentos e assentamentos marcam o fazer do MST_____________37
1.2. Anos noventa, consolidação e ampliação social e política do MST_______________43
CAPÍTULO II
Retrato: quem são as jovens e os jovens do MST?_____________________53
2.1 - Sonhos e Projetos de uma juventude______________________________________76
CAPÍTULO III
A Mística de tornar-se jovem no MST____________________________________88
3.1 – I Curso Nacional de Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural____________89
3.1.1 - Aprendizes do I Curso de Jovens em atividades____________________________96
3.1.2 – Che, referencial de juventude_________________________________________100
3.2 – Hora de responder o questionário_______________________________________102
3.3 – A Mística de tornar-se jovem__________________________________________106
CAPÍTULO IV
Referências juvenis____________________________________________________111
CONSIDERAÇÕES FINAIS_______________________________________________130
BIBLIOGRAFIA________________________________________________________136
ANEXOS
INTRODUÇÃO
Mística:
“Acordar mais cedo!
Convocar o povo para juntos
Fazermos o amanhecer!
Cheios de Esperança!
Tornarmos o nosso cotidiano
verdadeiramente revolucionário.”
2
A Mística acompanha o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra desde o
momento de sua constituição como movimento social. A stica sempre esteve lá, “no
acordar mais cedo” e “convocar o povo” para as ocupações, as manifestações, a construção
das necessidades e dos desejos. Convocar as famílias de trabalhadores sem terra para
atuarem cheias de esperança e gerarem o MST e uma mística das ações, ora como parte da
dinâmica do Movimento, ora como a própria dinâmica.
O objetivo desta dissertação é compreender o processo de jovens tornarem-se parte
do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST - durante o I Curso de
Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural, em julho de 1999, na Universidade
Estadual de Campinas. Pois, o Curso de Jovens é uma experiência que condensa o encontro
coletivo entre jovens e o Movimento Sem Terra. E ainda, é um momento, entre outros, de
uma Mística Juvenil, seja por se destinar a esta função de encontro de jovens com os
valores e referências do Movimento; seja pelas participantes e pelos participantes se
reunirem sob a égide de jovens do MST. E por ser este evento, o primeiro de uma
seqüência de outros cursos nacionais e regionais sobre a Realidade Brasileira para jovens
3
.
2
Trecho retirado da orelha do livro “O vigor da mística” de Ademar Bogo, Caderno de Cultura no. 2, MST,
SP, novembro de 2002.
3
Até 2002, três edições deste Curso Nacional se seguiram em parceria com a Unicamp e outros cursos,
chamados Cursos Prolongados de Realidade para Jovens Rurais de escala regional em parcerias com outras
universidades foram realizados nestes últimos cinco anos.
A questão é de que o I Curso de Jovens se insere num processo maior do MST da
construção de uma experiência própria junto às jovens e aos jovens
4
. Diferentemente, do
período de constituição do Movimento, no final dos anos oitenta, em que a primeira
geração de jovens integrou-se a luta pela terra e pela reforma agrária partilhando de
experiências formativas promovidas pela Igreja - através das Comunidades Eclesiais de
Base (CEB's) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT)
5
; pelo Partido Político; e pelo
Sindicato. Uma segunda geração torna-se parte de um MST consolidado promovendo
espaços próprios para jovens, com uma stica própria e uma dinâmica de compartilhar
referências construídas nesta trajetória de duas décadas. Ou seja, os sonhos, os projetos de
vida e pertencimentos de jovens, que engajam-se na esfera da ação coletiva da luta pela
terra e pela reforma agrária, passam pela Mística de tornar-se jovem no MST.
E a perspectiva de entendimento da Mística é a de visualizar uma dinâmica de
partilha e incorporação de valores e princípios forjados e condensados na luta pela terra e
pela reforma agrária no processo de sujeitos tornarem-se parte da atuação do MST. Para
isto, buscamos as origens da Mística no Movimento através de materiais publicados e de
entrevistas de personalidades públicas de dentro do Movimento e de fora - que mantêm
uma relação de interlocução. Tratamos de colher, selecionar e dialogar com diversas
definições sobre mística que não se excluem mas se complementam.
A mística é mistério, como a palavra indica
6
, do fazer do MST. O que é a Mística
no/do MST? Quando começou? Para que serve? Qual o seu papel?
Ao percorrer a Mística no MST, percebemos a complexidade de suas raízes,
sentidos e aspectos. A presença da Igreja pode ser percebida, entretanto, encontramos
outros elementos de origem que a integram. Plínio de Arruda Sampaio
7
nos aponta que a
4
Sempre que for possível farei referência a jovens usando os gêneros feminino e masculino nos artigos a, o,as
e os.
5
A Comissão Pastoral da Terra - CPT, é um organismo de pastoral da Igreja Católica vinculado à Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil. E foi fundada em 1975 durante um encontro de bispos e agentes de pastoral
devido a crescentes conflitos de terra no Brasil
6
Ver Boff & Betto, "Mística e Espiritualidade", 4
ª
edição, Ed. Rocco, Rio de Janeiro, 1999. Esta referência é
usada na explicação da mística em textos do MST e em particular por Bogo. A etimologia da palavra vem do
grego múein, “caráter não comunicado de uma realidade ou de uma intenção” (Boff,1999:12). No dicionário a
palavra próxima à stica é o masculino místico associada a “misterioso e espiritualmente alegórico ou
figurado; relativo à vida espiritual e contemplativa” (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, 2
ª
edição. Ed.
Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1986).
7
Entrevista encontrada na Internet, onde Plínio, interlocutor do MST, trata da Mística no MST e sua origem:
www.mst.org.br.
"mística do MST" advém da combinação de três elementos: “o milenarismo camponês”,
“do inconformismo do homem do campo com o advento de um mundo que ele não
compreende e que destrói o seu modo de vida”; “a cristã na vida eterna”; e “a esperança
socialista de construir aqui na terra uma sociedade igualitária e democrática”. Desta
combinação foi gerada uma “liturgia do MST”, uma mística própria, fundida nas ações do
Movimento.
Estes três elementos de origem da mística apresentados por Plínio de Arruda são
elucidados pelas vertentes de origem que encontramos no livro “Construindo o Caminho”
(MST: 2001). No caso do “milenarismo camponês” - o “inconformismo” frente a um
modelo social de vida, que não é o seu, que não lhe pertence e do qual não participa,
ameaça e destrói aquele que seria o seu modo de vida - se articula com uma das vertentes
identificadas pelo MST: a da “natureza contemplativa da vida camponesa”:
“o ato de contemplar leva a compreender o mistério escondido dentro do
movimento interno da matéria, aqui representada pela plantação, pela relação da
água com a semente, da lua com os insetos, da quantidade da ‘boa safra’ (...) O
camponês por natureza é um místico. Carrega em si seus mistérios e os relaciona
com os mistérios da natureza. Consegue manter diariamente a expectativa da
realização do futuro imediato, orientando-se geralmente pelos ciclos das colheitas”
(MST, 2001: 232 e 233).
No trecho acima, destaca-se um modo de vida que tem como base uma relação
positivamente plena e intensa do camponês
8
, ou de quem trabalha no campo, com a
natureza que é externa a sua. Um modo de vida que lhe pertence porque diariamente ele
tem uma relação com o todo da sua produção, do seu trabalho. Observa e estabelece
relações "da água com a semente, da lua com os insetos" e dos "seus mistérios" com "os
mistérios da natureza". E consequentemente, constitui-se destas relações como sendo uma
característica cultural camponesa a “expectativa da realização do futuro imediato” das suas
necessidades, como ver realizar os “ciclos de colheita”. Estas relações compõem "uma
natureza contemplativa da vida camponesa", um modo de vida, em que o "milenarismo
camponês" faz parte como uma resistência de ligação à terra.
8
Não fixaremos um termo para tratarmos a trabalhadora e o trabalhador no campo, ora usaremos camponês,
ora trabalhadora/or rural, desde que consigamos frisar a conotação de luta do sujeito do campo.
Ainda como elucidativa deste elemento do “milenarismo camponês”, uma outra
“vertente de origem” da Mística é identificada dentro do MST: “a música e a poesia”:
A música está em todas as atividades. Existem músicas para festas
religiosas, para o trabalho, música de exaltação de qualidades individuais, de
respeito, geralmente para as mães e pais etc. (...) Ao mesmo tempo em que a música
leva alegria, também cria a unidade política porque as pessoas se identificam com as
mensagens. (...) É, portanto, um modo artístico de ver a vida e também a morte. Em
todos os seus aspectos aparece a mística como herança da natureza da existência
camponesa”. (MST, 2001: 234 a 236)
Esta vertente de origem da Mística seria a expressão daquele modo de vida
ameaçado que resiste no "milenarismo camponês". A "música e a poesia" pertenceriam a
um tipo de cultura oral, linguagens que exaltam como valores: a família ("mães e pais"), o
"trabalho" e o "respeito" - elementos de identificação da totalidade ("a vida e também a
morte") da "natureza da existência camponesa" um modo de vida e que por isto contribui
para a sua manutenção com "alegria" e com "unidade política". Neste último caso, o
acréscimo da unidade é uma característica importante desta vertente que compõe a Mística
porque, como veremos mais adiante, este é um fator de extrema importância na dinâmica
do fazer do MST.
O segundo elemento de origem da Mística do MST destacado por Plínio de Arruda
Sampaio é “da cristã” que pôde ser elucidado com a “vertente da devoção”, identificado
pelo MST:
“Além da existência da religião, há uma prática religiosa no campo. Esta
prática religiosa é cheia de ritos e símbolos; dão unidade às pessoas que se
identificam com determinada religião ou devoção mantida viva pela tradição (...)
Esta mistura de natureza contemplativa, tradição musical e prática religiosa são
vertentes diferentes, mas jorram água que corre na mesma direção e se mistura
dentro do MST, agora para regar uma causa comum, entre todos os participantes,
compondo este mosaico da consciência social. A causa é portanto, a razão que move
as pessoas a participarem e se manterem firmes, mesmo que as dificuldades e os
tropeços sejam quase que impossíveis de suportar”. (MST, 2001: 236 e 237)
A vertente da devoção da “fé cristã ou da “prática religiosa”, com seus ritos e
símbolos, seria esta capacidade de materializar ou visualizar uma causa, dando sentindo à
participação dos sujeitos. A característica de "prática" da Mística é de permanentemente
exercitar e animar as pessoas em torno da causa em comum, coletiva. E isto é importante
para o elemento da unidade pois o que motiva a continuidade das/os participantes é a
percepção de que a sua luta vai além da necessidade imediata, transcende os limites dos
desejos pessoais.
A participação ativa se mantém através de uma prática comum que amalgama os
participantes do MST e transcendência comum de necessidades e desejos. No caso do
MST, esta devoção, juntamente com as outras vertentes ou elementos de origem, é
convertida como uma stica comum, própria, em torno da luta daqueles que “juntos vão
em busca do mesmo sonho”.
O terceiro elemento identificado por Plínio como “esperança socialista” pode ser
elucidado por “uma das teses importantes do marxismo”, identificada pelo MST como
importante na composição da mística:
“Houveram muitas críticas no passado vindas de setores de esquerda por
acharem que a mística, por estar ligada ao idealismo, nos caracterizava como um
movimento não de esquerda, mas religioso. Como frisamos, a descoberta ainda
nos primeiros passos de que um ser humano não se constitui somente de matéria,
mas também de sentimentos, vontade, solidariedade, etc., tanto as necessidades
materiais quanto as necessidades ideais constituem a consciência social das pessoas.
O que está na consciência é parte da realidade. Portanto, chegamos a uma das teses
importantes do marxismo que não basta estudar e compreender a realidade, é
preciso compreendê-la no intuito de transformá-la. Sendo assim, todos os aspectos
ideais fazem parte da realidade, devem estar em condições de serem transformados.
(...) Não poderíamos jamais querer que entrasse para o MST somente o aspecto
físico material do sem terra; junto deveriam vir os aspectos espirituais, integrando
uma dupla realidade. Há os que tentam tratar isto de forma separada. Ou é material,
ou é ideal. (MST, 2001: 230 e 231).
Em resposta à crítica que acusa a Mística de “um idealismo”, chama-se a atenção da
sua relevância numa compreensão marxista da realidade e ontológica do ser humano. A
realidade integral, composta das dimensões material e ideal e o ser humano que geraria e
careceria de necessidades materiais e ideais que o tornam, assim, um ser teleológico que
projeta o seu mundo. Esta é uma característica humana destacada nesta vertente da stica
que tem o papel de dinamizar o exercício da consciência da realidade a ser transformada
através da construção de ideais de realidade e de ser humano. A mística na vertente da
"esperança socialista" é uma prática de integralizar o material e o ideal, o objetivo e o
subjetivo, a "unidade política" e "a natureza comtemplativa da vida camponesa".
Os elementos e vertentes de origem, aqui delineados, desenham uma complexa
sociogênese da stica do MST talhada como exercício/prática de ideais de uma realidade
a ser transformada, no caso pelos sujeitos que atuam no Movimento. Plínio de Arruda
Sampaio nos fornece a compreensão de liturgia que vem da Igreja:
“Toda mística expressa-se numa liturgia, ou seja, numa linguagem de
símbolos que une a palavra ao gesto. Cada liturgia é uma estética que traduz a visão
transfigurada do mundo, ‘resgate de um drama que conhecerá um fim bom'. Desta
forma, nos fornece um elemento religioso utilizado pela Igreja”
9
.
A liturgia - face pública de um ritual ou culto religioso
10
, na citação acima é um
ritual que transmite a Mística do MST que tem no seu desfecho "um fim bom". E, como
dinâmica, a Mística transmite uma concepção, "uma estética", com seus ideais e um sentido
histórico da realidade social e política. Sobre este "elemento religioso" da liturgia, João
Pedro Stédile nos esclarece confirmando a presença da Igreja na Mística do Movimento e
nos trazendo outros significados para juntarem-se:
“Até por influência da Igreja, tínhamos a mística como um fator de unidade,
de vivenciar os ideais, mas, por ser uma liturgia vinha carregada” (...) fomos nos
dando conta de que se tu deixas a mística se tornar formal ela morre. A stica
tem sentido se faz parte da tua vida (...) Antes só imitávamos: ‘A Igreja usa
determinada liturgia mística para manter a unidade em torno do projeto do
Evangelho. Quando forçávamos a cópia, não dava certo porque as pessoas têm de
ter o sentimento voltado para algum projeto. A partir dessa compreensão, em cada
momento, em cada atividade do movimento, ressaltamos uma faceta do projeto
como forma de motivar as pessoas (...) É um aspecto interessante que deve chamar a
atenção da sociedade. Como é que nós, que somos de esquerda, vamos sempre a
missa? Para nós, não existe contradição nenhuma nisso. Ao contrário: a nossa base
usa a religiosa que tem para alimentar a sua luta, que é uma luta de esquerda, que
é uma luta contra o Estado e contra o capital” (Stédile & Fernandes, 1999: 130 e
131).
A diferenciação da mística do MST com a liturgia da Igreja faz parte de um
aprendizado do Movimento junto à Igreja, da necessidade de reservar o momento de
celebrar a unidade, ou seja, de dar-se conta de promover a mística como unificadora em
torno de um projeto. A necessidade de autonomia de ação, com o próprio surgimento e
fundação do Movimento, entre 1978 e 1985, produziu uma mística própria, pois como se
9
Entrevista encontrada na página do MST: www.mst.org.br.
viu outros elementos e vertentes originaram a stica. A construção de uma mística e do
seu momento específico demostram a experiência junto às CEB's da leitura política da
bíblia e a necessidade do aspecto formativo da permanente presença do "projeto do
Movimento", ou ainda, de uma concepção de sociedade, nas suas ações e atividades.
Gerou-se a necessidade de construir uma dinâmica de unidade e identificação entre as
famílias sem terra nos espaços e momentos do Movimento Sem Terra na "luta contra o
Estado e contra o capital".
O aspecto formativo da Mística que agrega as/os participantes do MST se encontra
no sentimento de grupo, deixando de ser um aglomerado de pessoas e tornando-se coletivo,
Movimento Sem Terra. A consciência da importância da Mística está no seu papel de
organizar, dar liga, unidade e educar seus participantes em torno do projeto e do ideal: “A
mística é o ideal que sonhamos”.
O sentido da luta pela terra transcende a conquista de um lote, se realiza no próprio
processo da luta justa por terra, reforma agrária e transformação social alimentada pela
"devoção" ou "fé religiosa". Desta forma, representando um processo mais longo, de
dimensão histórica que compartilha um projeto de mundo e de vida.
Desta forma, duas lições da importância da Mística para o Movimento se
constituíram com o apoio da Igreja: uma, promover a ligação e a vinculação das famílias
sem terra com o Movimento que se constróem a medida das necessidades e do sentido
que o projeto consegue dar à participação nas ocupações e outras ações; e integrá-las à luta
por terra, reforma agrária, justiça e direitos. Uma outra lição, foi a da intencionalidade
formativa na realização da mística em partilhar o projeto de uma sociedade mais justa,
dando o sentido de grupo, de coletivo: “Incorporamos a stica como uma prática social
que faz com que as pessoas se sintam bem em participar da luta”. E completa: “temos de
praticá-la em todos os eventos que aglutinem pessoas, que é uma forma de manifestação
coletiva de um sentimento” (Stédile e Fernandes, 1999: 130).
Num processo educativo do próprio MST, outras experiências políticas foram
agregadas:
“O que descobrimos com a nossa experiência e com a de outros movimentos
sociais, seja da história do Brasil ou da América Latina, é que, nas lutas sociais, a
10
Ver Dicionário Aurélio Buarque de Holanda, 2
ª
edição. Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1986.
cultura e a simbologia têm um papel fundamental no processo de educação massiva,
do povo. E por isso, desde o início do movimento fomos adotando essa
metodologia, de utilizar a cultura, nas suas várias manifestações artísticas, da
música, do teatro, dos murais, da encenação, da simbologia; enfim, expressões
coletivas e artísticas de um projeto coletivo”
11
.
A Mística, com suas raízes nas formas de vida do campo, na Igreja e também numa
prática política da esquerda e dos movimentos sociais do Brasil e da América Latina, é um
complexo emaranhado de representações da luta política trabalhadas pelo MST. Na mística,
desenvolvida em momento específico e nos discursos ou nas relações cotidianas no
Movimento, representa a batalha contra o Estado e as elites governantes. E a descoberta
que se refere Stédile, é de que através de manifestações artísticas como o teatro é possível
encenar o drama "que conhecerá um fim bom" a que se refere Sampaio. Através da
experiência e da reflexão sobre esta, o Movimento descobriu ou se deu conta da
importância da organização de uma mística sua que contasse o seu drama e construísse o
"fim" de acordo com o seu projeto de reforma agrária e transformações sociais.
No processo de organização e atuação das famílias sem terra se construiu uma
mística que educou o movimento e teve, e tem, o papel de educar "o povo". E como educar
o povo reunido em grande número nas ocupações, marchas, e outras ações?
Segundo Stédile, o método de “educação massiva do povo”, que alcance dezenas e
centenas de sem terra
12
, utiliza-se de recursos simbólicos e de linguagem como: a bandeira,
o boné, as palavras de ordem, as músicas, etc. E demarca-se uma diferenciação com o
método implementado na prática de uma esquerda política brasileira mais geral, em que
“mais recente predominou apenas a forma discursiva; predominaram os eternos discursos
que ninguém agüenta, nem guarda, nem lembra, nem aprende"
13
. Revelando uma
concepção de educação e de organização: "O povo, a militância, aprende as lições
históricas da política também por outros métodos”
14
Por este prisma, o aspecto educativo da Mística no MST aponta para a cognição
"massiva" que se efetiva na dimensão simbólica de representar as condições materiais e
11
Entrevista de João Pedro Stédile por Deni Prado Forigo e Fernanda Gui. DCE Unicamp, 07/05/2003.
12
Sem terra aqui é na forma ampla da atuação política no MST, da identidade política produzida na prática.
13
Entrevista de João Pedro Stédile por Deni Prado Forigo e Fernanda Gui. DCE Unicamp, 07/05/2003.
emocionais do povo. A constituição de uma realidade que agrega em torno da esperança de
partilhar o sonho da luta pela terra, de um lugar com novas condições de vida, com novas
relações. As esferas de razão e emoção, pensamento e sentimento devem desta forma
compor os aspectos formativos e educativos da Mística.
Além destes aspectos, que são intrínsecos e simultâneos, combinam-se outros :
“A mística dentro de uma organização social como o MST tem um papel
fundamental: alimentar nossos ideais e sonhos; construir, de uma forma prazeirosa e
feliz, as nossas relações sociais e atividades militantes. A prática da disciplina está
diretamente relacionada com a mística porque a mística motiva, anima, na busca do
projeto maior da organização do MST. Se o indivíduo perdeu o ânimo, perdeu a
esperança, perdeu a prática da mística em torno do ideal maior, como exigir desse
indivíduo que tenha uma prática disciplinada dentro da organização? Portanto, os
militantes que não conseguem mais motivar-se, animar-se, emocionar-se, rebelar-se
(contra as injustiças), desafiar-se, dificilmente terão disposição para respeitar a
disciplina das atividades. Certamente buscarão subterfúgios ou motivos para escapulir de
suas obrigações” (MST, 2001:221
a 222).
Sobre os papéis da Mística, a referência acima chama a atenção para os aspectos
organizativo de dar sentido e formativo de projeto e para o exercício da disciplina do e no
MST nos espaços que aglutina as pessoas no Movimento. Este se relaciona à manutenção
de indivíduos atuantes nos “ideais e sonhos” do projeto do Movimento, contando com a
recarga de motivação, animação e esperança. E também se relaciona com a manutenção das
direções e coordenações das instâncias do Movimento locais, regionais, estaduais e
nacionais. Este é um aspecto polêmico, do qual não temos a pretensão de entrar, devido ao
objetivo proposto, entretanto, que nos cabe mencionar.
A disciplina é efetivada para manter os sujeitos coordenados. E a Mística no seu
aspecto organizativo nutri esta disciplina como necessária para a conquista de objetivos
materiais e espirituais. Bernardo Mançano Fernandes
15
, enfatiza o papel de fluxo energético
que a Mística tem: “A mística é o sangue do Movimento. Aonde ela corre, o Movimento
vive. Aonde não, ele morre. Acredito que isso é o que de mais novo existe no Movimento
dos Sem Terra”
16
.
14
Idem.
15
Geógrafo-doutor da UNESP, estudioso e colaborador do MST.
16
Entrevista publicada no sítio da Internet: www.emcrise.org.br.
Por sua vez, a mística que alimenta é alimentada pela a atuação coletiva dos
indivíduos no Movimento Sem Terra e pelo seu projeto
17
:
“O alimento da mística é o querer e o sentir. Estes dois elementos que movem o ser,
ao mesmo tempo que o fazem sentir motivações, o põe em contato com tudo o que
se relaciona no caminho. Tudo tem sentido e vale a pena quando temos a capacidade
de saber a razão pela qual existimos” . (MST, 2001: 240)
A Mística fornece o sentido para a continuidade da luta por isto ela é fluxo de
energia que nutri a disciplina e vice-versa. As necessidades materiais das famílias sem terra
(como trabalho, moradia, alimentação) e as necessidades espirituais (de acolhimento,
eliminação do abandono e do descaso das condições materiais, a solidariedade e a
esperança) necessitam ser transformadas em vontade e disposição para a luta. E isto,
acontece no processo de perceber, sentir e entender que é possível mudar e conquista.
Assim, as ações implementadas pelo Movimento junto às pessoas que agregam devem
alimentar de esperança e ânimo.
E este "alimento" que flui e nutri, que é a Mística do MST, deve ser alimentado e
nutrido pelas ações das pessoas que participam dos espaços do Movimento. Num processo
dialético, as/os sem terra educam e são educadas/os, formam e são formadas/os no
envolvimento com a luta pela terra e pela reforma agrária - sendo produto de práticas e o
processo que produz práticas no Movimento Sem Terra. Constitui-se no coletivo atuante
nas ocupações, acampamentos, assentamentos: “A mística da luta e da resistência sempre
acompanhou essa história para revelar e motivar a busca do novo” (Bogo, 2002: 57).
A Mística do MST como processo educativo é o exercício de explicar o projeto e o
porquê da existência do Movimento Sem Terra,e o seu papel político-social do próprio, ou
seja, uma forma do Movimento contar sua própria história. Quem nos diz, é outro dirigente
nacional do MST, Adelar Pizetta, na apresentação do livro de Ademar Bogo, "O Vigor da
Mística":
17
A idéia de projeto aparece aqui na ação ampla de "luta por terra, reforma agrária e transformações sociais"
que são mencionadas e são desmembradas em propostas agrárias, fundiárias e de produção agrícola no
Programa de Reforma Agrária do MST, Caderno de Formação no. 23, São Paulo: MST, 1995.
“Ela é prática, que se manifesta das mais diferentes maneiras e momentos, mas
também é teoria, conteúdo, ideologia. Como é próprio da Mística, é difícil explicá-la
porque , para entendê-la, é necessário senti-la” (Bogo, 2002: 10).
A Mística, como prática permanente e cotidiana, cumpre o papel de reafirmar o
sentido do Movimento e do seu projeto. Trata-se de um modo de conceber a luta pela terra
e pela reforma agrária e um jeito de atuar na realidade agrária. Por isto, por ser vivenciada
como práticas que movimentam as pessoas em torno de objetivos se constitui dinâmica
vivida, e que por este aspecto de vivenciá-la torna-se difícil explicá-la, mas que ao ser
sentida fornece elementos para sua compreensão.
Fernandes, nos trouxe instrumentos para compreendê-la:
“A cultura no MST é uma cultura de resistência e de enfrentamento (...) Desperta
amor e ódio, dependendo da visão de mundo de cada um. (...) A criação da cultura
está na autonomia. E a cultura é o significado da autonomia. (...) A cultura, música,
poesia, é encontrada desde a primeira ocupação. (...) Nas fotos desse momento,
pode-se observar cruzes, sanfona, violão, pessoas declamando poesias, não havia
o Coletivo organizado. A stica estava presente. E onde mística cultura” .
(Fernandes, Em Crise, 13/5/02)
A Mística fazendo parte da “cultura de resistência e de enfrentamento” das lutas por
terra, neste aspecto, torna-se criadora e difusora, também, desta cultura. A Mística traz o
lastro de autonomia constituída pelo Movimento em relação à Igreja, ao Partido Político e
ao Estado. E traz também o exercício de uma comunicação com os setores sociais no
enfrentamento com o Estado e o Capital. Bem como, comunica um sentido da luta por terra
e por reforma agrária para a construção de um futuro melhor para as famílias sem terra e
para a sociedade.
“A mística é subjetividade e objetividade. É utopia e realidade. Ela é um ritual, é
música, poesia, mímica. É esperança, dor, linguagem. Um pouco como uma missa,
sem o lado religioso. As pessoas não estão ali fazendo seu ritual em nome de um ser
metafísico. Mas em nome de um ser humano - que é ele mesmo. Está dizendo "ou
eu vou, ou eu fico". A mística mudou o caráter do divino. O divino não é mais o
outro. Quando o divino é o outro ele é alienante”. (Fernandes, Em Crise, 13/5/02)
A Mística, ainda no seu aspecto de cultura, encontra-se não somente no momento
específico mas no conjunto do fazer do Movimento. E a subjetividade praticada, na
dinâmica do fazer do Movimento, trata-se da vivência de valores, tais como, esperança,
solidariedade e indignação, nas experiências de ocupações, acampamentos, assentamentos,
marchas, etc. E através do exercício dos objetivos de um projeto que se constitui, tanto da
luta por terra e reforma agrária, quanto do acesso a direitos fundamentais, como
alimentação, trabalho, moradia, saúde e educação. Explica-nos Fernandes:
“a stica é uma prática que o movimento desenvolve. De certa forma, é o
alimento ideológico, de esperança, de solidariedade. A mística, para o MST, é um ritual.
Ela tem um caráter histórico, de esperança, de celebração permanente”. (Stédile e
Fernandes, 1999: 130)
A Mística como celebração é realizada antes de Encontros, Reuniões, nas Escolas
do Movimento, e outras atividades, dura em média 20 minutos, e se dedica a um tema,
sobre a contradições entre trabalhadores e capitalistas; a importância de cultivar valores
como solidariedade e indignação (em relação às injustiças). É uma celebração em que o
desfecho, geralmente, aponta para a vitória dos sem terra e da classe trabalhadora sobre as
elites, o imperialismo americano, o Estado e um projeto de desenvolvimento excludente. A
atividade da mística, em específico, demanda uma equipe e sua preparação prévia em grupo
que define os passos, como músicas, textos em verso e prosa, utilização de símbolos, como
bandeiras e painéis com imagens de revolucionários. Enfim, a stica é uma atividade de
destaque para iniciar uma atividade principal que deve alcançar a capacidade de levar as
pessoas que assistem a refletir, a se emocionar, a compreender, perceber e sentir a
necessidade da luta e da organização coletivas para a obtenção da vitória de um projeto de
sociedade igualitária (Bogo, 2002).
Nos aspectos formativo, educativo, organizativo e cultural que destacamos sobre a
mística, vários outros poderiam ser encontrados na prática ou no fazer do MST. No entanto,
nas suas diversas definições que se complementam, obtivemos elementos que nos
forneceram uma base de compreensão do que vem a ser a Mística, sobre suas raízes,
aspectos, papéis e sentidos e da projeção que lança para os participantes do Movimento. A
Mística do MST com suas características de motivação, animação, força, esperança,
"alimento", fluxo energético, cria e compartilha uma subjetividade coletiva de experiências
de luta por terra e reforma agrária e transformações na sociedade. Esta dinâmica é praticada
no MST, tanto no momento específico denominado Mística que antecede reuniões,
encontros e atividades, quanto nas ações cotidianas nos acampamentos, assentamentos e
outros espaços como cursos, congressos, encontros e reuniões.
A Mística é dinâmica e prática e compõe o processo de compartilhar subjetividade e
equiparar os conhecimentos e saberes de suas/seus participantes; reafirmando a unidade em
torno do projeto de sociedade e de uma disciplina organizativa na ação, na atividade, na
vivência/experiência das ocupações, dos acampamentos, dos assentamento, dos cursos,
encontros, congressos e reuniões. E a Mística de tornar-se Jovem no MST é indissociável
de todo esse processo mais amplo que significa aprendizado, formação, organização e
cultura.
Fazer-se:
Para o aprofundamento histórico da nossa compreensão de mística nos foi oportuna
a idéia de fazer-se desenvolvida por E. P. Thompson, em “A Formação da Classe Operária
Inglesa”
18
. Esta idéia nos muniu com as dimensões histórica de processo e subjetiva de
“movimento de autofazer-se” que ampliou o nosso olhar sobre a elaboração da mística
como processo dinâmico de subjetividade e objetividade que anima e força aos sujeitos
participantes no/do MST, tornando-as coletivo de luta pela terra e pela reforma agrária.
“Fazer-se, porque é um estudo sobre processo ativo que se deve tanto à ação
humana como aos condicionamentos. A classe operária não surgiu tal como o sol
numa hora determinada. Ela estava presente ao seu próprio fazer-se. (...) Por classe,
entendo um fenômeno histórico, que unifica uma série de acontecimentos díspares e
aparentemente desconectados, tanto na matéria-prima da experiência como na
consciência. Ressalto que é um fenômeno histórico. (...) A mais fina rede
sociológica não consegue nos oferecer um exemplar puro de classe, como tampouco
um do amor ou da submissão. A relação sempre precisa estar encarnada em pessoas
e contextos reais (...) Não podemos ter amor sem amantes, nem submissão sem
senhores rurais e camponeses. A classe acontece quando alguns homens, como
resultado de experiências comuns (herdadas ou compartilhadas), sentem e articulam
18
Ver em "A Formação da Classe Operária Inglesa - A árvore da liberdade". Vol 1. 3
ª
ed. RJ, Paz e Terra,
1997; no prefácio, nota de rodapé da página no. 9, em que explica que a tradução do título para o português
retirou em parte o conteúdo “processual e subjetivo” da idéia de fazer-se do original em inglês "The English
Working Class".
a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses
diferem (e geralmente se opõem) dos seus. (...) A consciência de classe é a forma
como essas experiências são tratadas em termos culturais: encarnadas em tradições,
sistemas de valores, idéias e formas institucionais (...) 'Ela' - a classe operária - não
existe, nem para ter um interesse ou uma consciência ideal, nem para se estender
como um paciente na mesa de operações de ajuste” (Thompson, 1997: 9 a 11).
Thompson, na sua dedicação de compreender a classe como “um fenômeno
histórico” que “ocorre efetivamente” nos chama a atenção para a compreensão que as
experiências são vivenciadas por pessoas, e por isto encarnadas em relações. São as pessoas
com suas atuações que tornam-se classe; tornam-se Movimento, dinâmico, portador de uma
mística, e não como coisa estática, “uma relação, e não uma coisa”, “uma formação social e
cultural”.
O papel da mística é variado, mas faz parte de um processo de fazer-se, torna-se
coletivo com unidade e identidade do MST e das pessoas que dele participam nas
circunstâncias de enfrentamento e resistência com o latifúndio e o Estado, nestas duas
décadas de existência. A formação de grupos, equipes, coletivos, setores, brigadas, para a
realização de atividades e resolução das questões do Movimento fez e faz com que as
pessoas encarnem a mística de participarem do Movimento. E o Movimento ao estar
encarnado nesta mística de participação se faz presente ao seu próprio fazer-se.
O MST vem atuando a partir do acúmulo de experiências herdadas e
compartilhadas. Herdada do milenarismo contemplativo camponês da insubordinação e da
sua porção rica de sicas da poesia; da cristã difundida pela Igreja; da esperança
socialista de movimentos e organizações sociais e políticas. E compartilhada na Mística de
fazer nos espaços de aglutinação e agregação ao Movimentento.
Para Thompson, “a tradição comunitária encontrava-se por vezes associada a uma
outra tradição subterrânea, a do milenarismo” (1997: 48). No caso do caldo cultural que
formou a classe operária inglesa: “com suas interpretações literais do Livro da Revelação e
suas antecipações de uma Nova Jerusalém descida do céu”; e com as (...) “premonições da
iminência do Dia do Juízo Final” (1997: 49), ela constituiu-se:
“A imaginástica é, em si mesma, uma evidência de fortes motivações
subjetivas, tão reais e eficazes quanto as objetivas, como vemos reiteradamente na
história do puritanismo em sua ação histórica. É o sinal de como os homens sentiam
e esperavam, amavam e odiavam, e como preservaram certos valores na própria
textura de sua linguagem. Mas porque a imagística luxuriante aponta por vezes
para objetivos claramente ilusórios, isso não significa que possamos concluir que
ela indica um ‘sentido de realidade cronicamente deteriorado’ ... onde quer que
encontremos tal fenômeno, devemos tentar distinguir entre a energia psíquica
armazenada e liberada na linguagem, ainda que apocalíptica, e a verdadeira
desordem psicótica (...) Entre essa imagística e a experiência social havia um
intercâmbio contínuo – um diálogo entre atitudes e realidade que era às vezes
frutífero, às vezes árido, às vezes masoquista, mas raramente paranóico (...) Mas
para a maioria das mentes estabeleceu-se um equilíbrio entre a experiência externa e
o reino interior, intocável pelos poderes do Mundo e abastecido pela linguagem
evocativa do Antigo Testamento” (1997: 50 a 52)
O milenarismo pode ser entendido como parte integrante de uma “tradição popular”,
que resguardada as diferenciações históricas, serviu para pensar a classe operária inglesa no
século XVIII, e serve para pensarmos um dos elementos que compõe a mística do
Movimento Sem Terra na atualidade: as referências de construir “a terra prometida”, “a
terra de Deus” que emana, estimula e anima as famílias sem terra a enfrentarem e a
resistirem na luta para além das necessidades imediatas. Como definiu Thompson, no caso
da classe operária inglesa, o processo que se formou foi uma “uma curiosa mescla de
atitude paroquial defensiva, teoria liberal e resistência popular”. (1997: 85)
As experiências herdadas e compartilhadas se mesclam, se combinam e se fundem
numa dinâmica constituída pelo processo histórico e pelo movimento de "autofazer-se" dos
sujeitos sociais envolvidos. Thompson no Livro 2 de "A Formação da Classe Operária
Inglesa", trata da fusão de se formar e forma-se: “Eles
19
foram objeto de doutrinação
religiosa maciça e criadores de tradições políticas. A classe operária formou a si própria
tanto quanto foi formada (1988: 17 e 18). No caso do processo no MST, a mescla de
experiências compartilhadas de lutas anteriores e as vivências nas ocupações,
acampamentos, assentamentos, marchas, etc., trata-se de uma dinâmica das pessoas que ao
fazerem parte das ações, se fazem parte do coletivo do MST e fazem o Movimento.
As experiências herdadas e compartilhadas são sintetizadas pela mística do MST na
sua atuação e no seu discurso, propostas, palavras de ordem, etc.; e dão contorno ao
processo de constituição e manutenção deste coletivo. Isto tem a ver com sua autonomia
política em relação à Igreja, ao Partido e ao Sindicato, pois permitiu que suas ações fossem
organizadas, preparadas e avaliadas, bem como, suas questões e demandas pautadas nos
seus coletivos e instâncias e por quem participa destes. Assim, o Movimento constituiu
falas, faces, performance próprias, ou seja, uma mística própria que tem em vista uma
comunicação com outros atores políticos. As suas ações são fortemente visíveis com suas
bandeiras, bonés, e outros símbolos, e com as suas lideranças que discursam. E seu discurso
tem dimensão de projeto que conquista autoria própria ao compartilhar, como herança, ou
como memória, as experiências históricas da luta pela terra e o enfrentamento e a
resistência ao latifúndio e ao Estado:
“Este imaginar que se torna prática, na encenação de um sonho, na
ornamentação da praça, na organização da luta, na formação política, na marcha que
segue em fileiras, no alinhamento dos barracos que formam uma nova cidade,
reveste-se de stica que somente quem faz pode sentir o sabor” (Bogo, 2002: 17 e
18).
No trecho acima
20
, a Mística é parte do entendimento do MST sobre si e do seu
próprio processo de integração ao tecido social. Uma compreensão de seu momento
histórico, de sua atuação e de seu papel político, e sobre o apoio e a solidariedade recebida
por diversos setores. O próprio discurso do sujeito-objeto que conta e reconta sua própria
trajetória, produzindo memórias e construindo mística: seja na prática do Movimento como
um todo, seja no seu momento específico. A Mística se constitui uma forma de expressão
do processo historicamente vivenciado, como fala e representação sobre as mudanças, as
continuidades e as descontinuidades.
Para Thompson:
“Que os trabalhadores sentissem essas injustiças e as sentissem
apaixonadamente – é, em si, um fato suficientemente importante para merecer nossa
atenção (...) As questões que provocaram maior intensidade de envolvimento forma
muito freqüentemente aquelas em que alguns valores, tais como costumes
tradicionais, ‘justiça’, ‘independência’, segurança ou economia familiar, estavam
em risco, ao invés da simples questão do ‘pão com manteiga’. (...) A relação de
exploração é mais que a soma de injustiças e antagonismos mútuos. É uma relação
que pode ser encontrada em diferentes contextos históricos sob formas distintas, que
estão relacionadas a formas correspondentes de propriedade e poder estatal” (1988:
27 e 28).
19
"Eles", trabalhadores operários e tecelões que formaram a classe operária inglesa no século XVIII.
20
Parte da apresentação feita por Adelar Pizetta, dirigente responsável pelo Setor de Formação, para o livro
"O Vigor da Mística", de Ademar Bogo.
Uma dinâmica que produz entre quem participa identidade e pertencimentos, pois as
experiências vivenciadas no MST, na maioria das vezes, são reconhecidas por quem
participa como próprias da luta do camponês encarnadas pelo Movimento, ligando as
esferas pessoal e coletiva. Mas, que isto seja entendido como pertencimentos e não uma
única forma de pertencimento, pois não quer dizer que todos sentem, percebem e entendem
do mesmo jeito as experiências vivenciadas coletivamente; até porque os sujeitos carregam
consigo experiências outras. E também, de que este reconhecimento coletivo de quem
participa, não seja compreendido como ausência de discordâncias e contradições do
processo de autofazer-se coletivamente, mas sim a dimensão coletiva do "nós" contido nas
relações que articulam aquelas e aqueles que encarnam contextos reais.
Para fundamentar esta compreensão de identidade e pertencimentos entre aquelas e
aqueles que participam de experiências coletivas comuns, cabe trazer para junto das
reflexões de Thompson, as elaborações sobre movimento social
21
e identidade e a
identidade no Movimento Sem Terra:
"(...) movimento social refere-se à ação dos homens na história. Esta ação
envolve um fazer - por meio de um conjunto de procedimentos - e um pensar - por
meio de um conjunto de idéias que motiva ou fundamento à ação. Trata-se de
uma práxis portanto.
(...) Destaca-se ainda que a apreensão da maioria dos fenômenos sociais
envolvidos nos chamados 'novos' movimentos sociais abrange dimensões subjetivas
da ação social, relativas ao sistema de valores dos grupos sociais, não
compreensíveis para análise à luz apenas das explicações macroobjetivas, como
usualmente é tratada a questão das carências econômicas. Trata-se de carências de
outra ordem, morais, ou radicais, no dizer de Heller (1981). E a amálgama das ações
que ocorrem nesse plano é de ordem subjetiva, expressa pelo sentimento e por ações
de solidariedade. B. Moore Jr. (1987), Castoriadis e Benedict (1981) e Thompson
(1981) contribuíram para a fundamentação da categoria dos movimentos ao
chamarem a atenção para essa dimensão subjetiva, construída ao longo de um
processo histórico de luta, no qual a experiência grupal de compartilhamento de
valores socialmente comuns é um fator fundamental.
(...) A identidade é uma somatória de práticas a partir de um referencial
contido nos projetos. Ela não existe apenas no plano ideacional, não se trata de uma
categoria simbólica ou de natureza exclusivamente cultural. A identidade se firma
no interativo , nas articulações. Ela confere caráter progressista ou conservador aos
21
Foram muitas as leituras feitas sobre movimentos sociais, optamos em trazer a de Maria da Glória Gohn por
nos parecer esclarecedora sobre o fazer e a subjetividade da Mística no MST. Contudo, consideramos que as
reflexões de outros autores estejam presentes de maneira intrínseca na dissertação. São elas e eles: Sader
(1988); Ledesma (1994); Melucci (1989); Costa (1994).
movimentos. (...) A solidariedade política deve ser investigada enquanto o grande
elemento agregador dos interesses difusos e heterogêneos dos diferentes atores em
cena. (Gohn, 1997: 247 a 262).
"Ao assumir uma identidade definida pela falta, ocupando literalmente as
fímbrias da sociedade em acampamentos de beira de estrada, o sem-terra atravessa,
como nas marchas que realiza junto com outros, um território sem fronteiras,
ocupando o espaço público reconduz-se à condição de cidadão, membro ativo da
sociedade. Nesse, que é um percurso coletivo, realiza várias passagens: da luta por
terra à luta por reforma agrária, desta à luta por transformação social" (Chaves,
2000: 128).
A identidade construída pelo movimento social se constitui por um fazer-se próprio,
em relação com outros atores sociais em parceria ou em disputa. A identificação no MST se
faz com representação simbólica bastante forte de: músicas, encenações, painéis, boné e
bandeira. A identidade se realiza na participação e conta com um aprendizado de diversas
elaborações discursivas e de sentimentos como indignação e solidariedade. A mística,
juntamente com palestras, manifestações e outras formas de comunicar, tem este papel de
afirmação de uma identidade sem terra de luta social. E isto significa que as transformações
devem ser conduzidas por um "percurso coletivo" da consciência dos objetivos de projeto e
do sentimento de subjetividade.
“Isso nos leva a uma segunda característica da ação popular, que descrevi
como contrateatro. Assim como os governantes afirmavam a sua hegemonia por um
estudado estilo teatral, os plebeus afirmavam a sua presença por um teatro de
ameaça e sedição (. Da época de Wikes em diante, a linguagem do simbolismo da
multidão é relativamente ‘moderna’ e de fácil leitura: a queima de efígies, o
enforcamento de uma bota num patíbulo, a iluminação das janelas (ou a quebra
daquelas sem iluminação), o destelhamento de uma casa, que, como observa Rudé,
tinha um significado quase ritualístico” (Thompson, 1998: 65)
A Mística do MST como um "contrateatro" repõe o aspecto épico da multidão. Seja
como um momento, um tempo; seja na dinâmica do fazer-se de suas ações nas ocupações
ou nos cursos. Partilha-se uma subjetividade de experiências herdadas e compartilhadas que
afirmam a presença do "povo" e revitaliza a luta social como um modus operanti da
transformação, da inversão da ordem social. Ela é ainda, uma maneira simbólica de
experimentação de um futuro social junto às pessoas que participam das suas ações e dos
seus espaços, mas que depende de quem a vivencia pois "só faz sentido se faz parte da
vida".
Jovem, uma fase da vida?
Em relação a questão dos jovens como sujeitos desta dissertação, iniciamos a
discussão resgatando compreensões sobre jovens e juventude. Nos dicionários
22
, estas
palavras aparecem associadas a um período entre a infância e a vida adulta, ou seja, em que
não se atingiu a maturidade, o pleno desenvolvimento, o auge da caracterização de um ser
animal ou vegetal. O termo também pode corresponder a jovial e a juvenil, relacionando-se
ao frescor e ao brilho de uma fase da vida.
“E nós um bando de velhos, nos sentindo jovens, prontos para tudo”.
23
Juventude pode ser vista positivamente como um momento de jovialidade
transitória. Ou negativamente, como um período da vida das pessoas de dificuldades de
adequações e adaptações sociais e de desajustes. Atribuindo a este período uma certa
desconfiança em relação a irresponsabilidades ou imaturidades a ser resolvida com a vida
adulta.
Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia
Eu não encho mais a casa de alegria
Os anos se passavam enquanto eu dormia
E quem eu queria bem, me esquecia
Será que eu falei o que ninguém dizia?
Será que eu escutei o que ninguém ouvia?
Eu não vou me adaptar, me adaptar.
Não vou me adaptar!
Eu não tenho mais a cara que eu tinha
No espelho esta cara não é minha
É que quando eu me toquei achei tão estranho
A minha barba estava deste tamanho
22
Ver: Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, 2
ª
edição. Ed. Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1986.
23
Uma ilustração interessante da fala do personagem Alberto, 90 anos, do filme “Copacabana’, de Carla
Camurati. Rio de Janeiro, 2000.
Será que eu escutei o que ninguém ouvia?
Será que eu falei o que ninguém dizia?
Eu não vou me adaptar, me adaptar.
Não vou me adaptar!
Nando Reis
24
Como definir jovem? E quem são os jovens e os não jovens - crianças, velhos, ou
adultos, ou mesmo adolescentes? São todas essas fases, períodos de transição na vida das
pessoas?
A maioria das pesquisas sociais sobre jovens e juventude, por nós encontradas,
estão publicadas pela área de Educação
25
e chamam a atenção para uma temática imbricada
por idéias de desajustes sociais. Assim, jovens e juventude, de uma maneira geral na
sociedade, principalmente, através dos meios de comunicação, aparecem associados a
problemas como: drogas, violência, desemprego, sexualidade, gravidez, etc.
Alguns trabalhos, como de Abramo (1997) e Spósito (2000) apontam para a
escassez de estudos sobre jovens e para as reflexões que estão voltadas às instituições que
atuam com a juventude:
“poucas delas enfocando o modo como os próprios jovens vivem e elaboram
essas situações (...) estudos voltados para a consideração dos próprios jovens e suas
experiências, suas percepções, formas de sociabilidade e atuação” (Abramo, 1997:
25).
Em “Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil” (Abramo
1997), a autora chama atenção para as diversas leituras de distintos atores sociais sobre a
juventude. De um lado, a mídia que destina cadernos específicos em jornais e programas de
televisão a um público adolescente; dos editoriais e matérias que relacionam juventude à
violência, exploração sexual, às drogas e uma série de “problemas sociais”. Em que a figura
24
“Não vou me adaptar”, música gravada pelo grupo brasileiro de rock Titãs.
25
Diversos estudos discutem a atuação de jovens em diferentes espaços: Abramo, 1997; Spósito, 2000;
Mische, 1997; Martins, 1997; Falabella, 1997; Zaluar, 1997; Souto, 1997; Novaes, 1997; Vianna, 1997.
jovem está associada aos problemas sociais ou, ainda, ao mercado de consumo e/ou ao
mundo da moda
26
.
De outro lado, setores mais progressistas da política, historicamente, têm
dificuldades de considerar o sujeito jovem no seu movimento próprio. A autora destaca o
jovem na sua face estudantil, que teve uma “presença em prol dos processos de
democratização e combate às estruturas conservadoras, houve sempre certa ressalva com
relação à eficácia de suas ações” (Abramo, 1997: 27). E isto, não gerou um reconhecimento
de autonomia política por parte de setores mais progressistas:
“uma grande dificuldade de considerar efetivamente os jovens como
sujeitos, mesmo quando é essa a intenção, salvo raras exceções; uma dificuldade de
ir além da sua consideração como ‘problema social’ e de incorporá-los como
capazes de formular questões significativas, de propor ações relevantes, de sustentar
uma relação dialógica com outros atores, de contribuir para a solução dos problemas
sociais, além de simplesmente sofrê-los ou ignorá-los” (Abramo, 1997: 28).
As controvérsias em relação ao reconhecimento das ações juvenis podem ser
perceptíveis quando a referência são de fenômenos sociais do passado, mais ou menos
longínquos. Momentos históricos que envolveram massas de jovens mobilizados em torno
de causas e ideais, como da luta social contra a ditadura militar no Brasil, que podem
encarnar um certo saudosismo a uma juventude atuante. Abramo (1997), em referência aos
jovens estudantes na década de sessenta, no Brasil, diz que não é difícil ouvir
generalizações sobre a atual apatia da juventude, em reconhecimento de um período em que
a juventude "se fez mais ver do que ouvir" pela sociedade.
O reconhecimento do sujeito jovem do passado não necessariamente leva ao
reconhecimento do protagonismo juvenil na sociedade e na política do presente. A
referência ao passado de uma juventude atuante e, quem sabe, que “soubesse das coisas”,
desautoriza jovens a formularem, a expressarem e a atuarem em nome próprio. Uma
referência de juventude, um modo geral, de marasmo que deslegitima a capacidade de
atuação política juvenil.
Spósito, também chama a atenção de que:
26
Ver, também: Do Carmo, Paulo Sérgio. Culturas da Rebeldia. Ed. Senac. SP, 2000.
(...) os segmentos juvenis têm sido caracterizados, nas últimas cadas,
pela extrema acentuação de seus traços individualistas, pela apatia política e pelo
desinteresse nas relações com a esfera pública; seriam os jovens, assim, apenas a
expressão radical de uma sociedade que esgotou as modalidades públicas da
construção de sujeitos e atores, voltando-se sobre si mesma, em um momento de
exacerbação da esfera íntima e de interesses de natureza individualista” (Spósito,
2000)
27
.
A idealização e a romantização de jovens/juventude podem construir olhares tanto
de que são o futuro e a salvação de grupos sociais, e até da sociedade, quanto de que devem
ser salvos da perdição e do perigo que passam a representar, relacionados à apatia, à
alienação, às drogas e à violência. Pois, não é possível afirmar um esgotamento da atuação
de jovens na esfera pública, mesmo que observadas alterações nos fenômenos coletivos,
uma ascensão do individualismo e a fragmentação das identidades e culturas (Spósito,
2000). Pois, são reconhecidos novos princípios de construção da democracia, novas
modalidades de ação e de atores nos conflitos do mundo do trabalho, na luta pela terra e por
direitos de justiça e cidadania.
E por outro lado, os jovens fazem parte de processos de conflitos sociais que
persistem, como o campo. Entretanto, ela chama a atenção que:
“... sobre as várias modalidades de inserção dos jovens na esfera pública, não
estão contempladas as dimensões do mundo rural que têm realizado, por meio de
seus atores, importantes movimentos de invenção cultural no interior da luta pela
terra” (Spósito, 2000:80).
Os primeiros estudos sobre juventude no Brasil (Abramo, 1997) registram os
movimentos estudantis como expressão e atuação juvenis. Estudos mais recentes
28
chamam
a atenção para a diversidade de modalidades de ação de jovens na esfera pública, não
estritamente políticas, podendo variar entre processos culturais e políticos.
Atualmente, as/os jovens do campo conhecem formas de atuação na comunidade ou
na região onde moram e nos acampamentos e assentamentos do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra através dos "Grupos Jovens" ligados ou não à Igreja ou à
Pastoral da Juventude Rural que é uma organização vinculada à Igreja
29
. E o próprio MST
27
A autora no seu trabalho faz referência às reflexões de Lasch, (1983); Sennett, (1978).
28
Abramo, 1997; Spósito, 2000; Mische, 1997; Martins, 1997; Falabella, 1997; Zaluar, 1997; Souto, 1997;
Novaes, 1997; Vianna, 1997
29
Ver: www.pjr.org.br.
pode ser considerado uma modalidade de ação da/o jovem do campo na esfera pública.
Uma vez que é visível e expressiva a presença de jovens nas ocupações de terra, nos atos
políticos, cursos, encontros, etc. E outra porque o MST se volta com orientações políticas
nacionais de formação dos jovens.
Contudo, a complexidade de definir como jovem grupos sociais reconhecidos como
tal encontra-se em perceber e refazer conexões a partir de significados dispostos nas
relações entre jovens e não-jovens. E reconhecer o sujeito jovem, no seu fazer-se, ao invés
de problemas sociais a serem tratados, demonstra uma possibilidade de tratar de algo com
vida, nas dimensões de processo e subjetividade. Romper com a perspectiva de
compreender a/o jovem como coisa.
As leituras de Paes Machado (1993) e Pierre Bourdieu (1983), como umas das
vertentes existentes sobre jovens e juventude, nos conduziram à compreensão da temática e
o seu uso comum, que comunica uma problemática social. A relatividade do tema estaria na
desmistificação da homogeneidade do termo juventude. Ou seja, ao invés de uma
compreensão e uso de juventude, considerar juventudes e jovens; não tratando como uma
categoria homogênea regulada pela idéia de geração; e nem limitada à idéia de classe
social.
Mesmo considerando que as juventudes e os jovens, num determinado período
histórico, podem ser hegemonizada por um grupo de "jovens" (Machado: 1993), que por
suas demandas político-social e ações conquistam visibilidade e importância. Ou seja, num
período determinado, uma juventude pode representar, na sociedade, a totalização das
aspirações de diversos setores. Entretanto, grupos de jovens, numa mesma faixa de idade,
podem experimentar momentos sociais e culturais muito distintos num mesmo lugar
histórico.
A necessidade de desconstruir a “categoria da linguagem comum” e de reconstruí-la
no patamar de uma realidade distinta carece de rupturas com a espontaneidade da “doxa
dominante” em pré definir quem, como e quando são jovens. Isto, tanto no que diz respeito
ao chamado senso comum da sociedade, quanto no campo da sociologia que se pretende
distante das valorações sociais (Machado, 1993).
Machado refere-se a uma "Sociologia da Juventude" e critica as formulações de
correntes geracionais e classistas, que tentam o enquadramento da compreensão da
categoria atrelada a estes posicionamentos. Não nos debruçaremos nos embates teóricos
desta Sociologia sobre qual a melhor das abordagens. Mas o mais relevante para a proposta
deste trabalho, é tentarmos uma certa relativização e estranhamento da questão dos jovens.
O centro da questão está em não definir jovens em "unicidades geracional ou
classista", pois, as generalizações cristalizadas dessas correntes levam em conta as
similaridades entre as/os jovens. E as diferenças reais dentro dos grupos sociais e as
manifestações juvenis que dão sentido ao termo “juventude” são secundarizadas: “nos seus
comportamentos cotidianos, nos seus modos de pensar e de agir, nas suas perspectivas em
relação ao futuro, nas suas representações e identidades sociais” (Machado, 1993: 23).
Uma outra questão é a problematização sociológica da compreensão da juventude
como fase. Isto eliminaria a construção histórica da categoria social do jovem, pois remete
aos problemas sociais de um período histórico a uma fase (que como tal, vai passar) da vida
do indivíduo como problemática. Pois, grupos sociais de jovens trazem consigo problemas
do período histórico correspondente, ou seja, das experiências históricas vivenciadas por
esta/este jovem.
Segundo Machado (1993), o surgimento histórico da juventude como fase, refere-se
à invenção de uma outra fase, a da infância. Com o surgimento da infância, na Europa, no
final do século XVIII e início do século XIX
30
, e com sua consolidação como fase da vida,
verificou-se o prolongamento entre a infância e a adultez e os conseqüentes problemas
sociais daí advindos. As dificuldades de entrada na vida adulta - inserção no mundo do
trabalho e profissionalização; prolongamento da escolaridade; legislação do trabalho
infantil; o aumento da dependência em relação às famílias de origem - trouxeram
consistência para que o período de problemas e tensões sociais de participação sociopolítica
fosse associado como questões de uma fase da vida (Machado, 1993).
Por sua vez, Bourdieu (1983) alerta para o fato de juventude ser apenas uma
palavra, vazia de significados se não conectada às relações sociais.
31
Ele chama a atenção
às arbitrariedades cometidas nas definições das fases da vida. Onde começa e termina a
juventude? Os limites de idade, a constituição de faixa etárias dão conta de compreender
30
Machado trata das tendências demográficas, através de taxas de mortalidade infantil e de natalidade, e a sua
relação com a infância em famílias de condição social elevada; da infância retratada em ensaios literários e da
infância entre “camadas de população mais humilde”, através na assistência e regulamentação sobre o
trabalho infantil feitas pelo Estado.
31
Bourdieu, P. In Questões de Sociologia, Ed. Marco Zero, 1983.
grupos de jovens? O adjetivo juvenil atribuído ao ser jovem delimita-se em marcos
geracionais ou em diferenciações de classes sociais?
Tênue o limite de cada etapa da vida, o estabelecimento de fronteiras entre onde se
inicia e termina cada uma e, conseqüentemente, a possibilidade de alguma seqüência entre
elas. As fases podem obedecer a variadas seqüências. Dependendo do lugar social e das
relações históricas que se estabelecem, podem-se avizinhar infância/juventude,
infância/adolescência, juventude/vida adulta, ou mesmo situações que indiquem um estado
emocional que combina velhice/juventude. Juventude pode relacionar-se à fase anterior à
vida adulta, iniciando-se com o nascimento até a saída da puberdade, com todos os
conflitos de constituição de uma percepção diante do mundo e da própria vida.
As divisões generalizantes entre fases que incluem idade, geração, classe acabam
por construir estereótipos, limites e um ordenamento “onde cada um deve se manter, em
relação à cada qual, em seu lugar” (Bourdieu, 1983: 112).
Diferentes trabalhos vão situar a juventude ao longo da história. Na coletânea
"História dos Jovens"
32
, diversos trabalhos remontam as/os jovens em períodos históricos e
culturas diferentes. Na introdução, desta coletânea, cabe ainda a reflexão sobre a noção de
fase da vida:
(...) nenhum limite fisiológico basta para identificar analiticamente uma
fase da vida que se pode explicar melhor pela determinação cultural das sociedades
humanas, segundo o modo pelo qual tratam de identificar, de atribuir ordem e
sentido a algo que parece tipicamente transitório, vale dizer caótico e desordenado.
(...) Além disso, é preciso dizer que, dentre os princípios que servem de base para
classificar as pessoas, a idade tem uma característica específica e evidente: por
definição, do ponto de vista dos indivíduos, é uma condição transitória” (Levi &
Schmitt, 1996: 8).
A compreensão de jovens como uma fase da vida, está carregada de transitoriedade
o que não permitiria perceber que os problemas sociais correspondem ao período histórico
da sociedade ou do grupo social em questão. Por exemplo, na Grécia Antiga, juventude
compreende a sociabilidade de “classes etárias” num sistema de educação e formação, que
corresponde à paidéia. Trata-se da iniciação dos mais jovens através de uma educação de
responsabilidade dos mais velhos - ensinamentos e uma ordem social que opõe jovens e os
32
Ver: Levi, G. & Schmitt, J. História dos Jovens: Volume 1: "Da antigüidade à era moderna" e Volume 2:
"A época contemporânea". Cia das Letras, São Paulo, 1996.
velhos em que “… o tempo da juventude é também o das aprendizagens, da emulação, dos
concursos” (Schnapp, 1996: 20 a 41).
33
Dessa maneira, Alain Schnapp recompõe a imagem dos jovens na cidade grega no
confronto entre velhice e juventude, no processo educativo que produz o equilíbrio de uma
ordem social.
Através da paidéia educa-se os iniciados, aqueles que assumirão as atividades
militares: “A cidade cuida do mundo juvenil como se cuidasse de seu próprio coração”;
tendo como base as idéias de Platão: “Todos os mais velhos são os educadores dos jovens
(...) Aos jovens os atos, aos homens maduros as decisões ponderadas, aos velhos as
prescrições” (Schnapp, 1996: 20 a 41).
Muitas juventudes podem ser encontradas em diferentes períodos históricos, mesmo
que não reconhecidas como tais pelos seus contemporâneos. Dos jovens gregos e a arte de
viver na pólis; uma juventude entre os judeus e italianos nos séculos XIII a XV, em que a
menoridade era um fator jurídico de reconhecimento e a juventude precisava ser controlada
por sistemas educacionais e religiosos reparadores; à idéia burguesa de juventude na
Modernidade: bem comportada e longe da turba - dando cabo ao projeto burguês de
sociedade - pois os jovens eram percebidos como protagonistas em episódios de protestos
políticos (Levi e Schmitt, 1996).
Diversas representações sociais de juventude pré-construídas são estereotipadas e
carregadas de ideologias que camuflam relações e concedem irresponsabilidades e
responsabilidades a setores na sociedade. Na sua efetividade as relações repartem poderes
entre grupos sociais entre os mais novos e os mais velhos, deixando consideráveis fatias a
esses últimos (Bourdieu, 1983).
Por outro lado, a porção de indivíduos que chamamos de juventude pode
potencializar questões sociais que se encontram numa larga faixa da sociedade. Os sujeitos
jovens em suas ações podem projetar sentidos que representam demandas políticas. E
ainda, numa espécie de jogo latente, os desajustes, ou as chamadas “questões mal-
resolvidas” de um grupo social, podem ser atribuídos e absorvidos por parcelas que
encarnem a dificuldade de adaptações às regras dominantes (Bourdieu, 1983).
33
In Levi e Schmitt. História dos Jovens, Cia das Letras, RJ, 1996.
Não se deve, assim, tomar a juventude como predefinida em problemas sociais
relacionados diretamente a uma fase turbulenta, instável e perigosa.
34
A tentativa deve ser a
de desconstruir o mito da juventude portadora legítima de determinados problemas sociais,
o qual pode homogenizar, em diferentes situações e momentos, as condições sociais,
econômicas e políticas; os valores e as crenças; de um período de agutização das questões
sociais.
Jovens do I Curso de Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural
No que diz respeito às jovens e aos jovens e o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra, nos esforçamos em construir uma elaboração da qual "jovem" parecesse menos
uma simples fase da vida (como outras que possam parecer) e mais um processo
constitutivo de sujeitos de ação, pensamento e experiências que partilham uma vivência
coletiva específica de juventude no Movimento Sem Terra.
E, neste sentido, a jovem e o jovem desta dissertação foram todas aquelas e todos
aqueles que constituíram o público do I Curso de Realidade Brasileira para Jovens do Meio
Rural de 1999. Pois, este Curso deu conta de se constituir como um momento e espaço do
fazer-se do jovem no MST: nas condicionantes de se destinar ao público jovem e distinguir
assim jovens e não jovens; e nas ações efetivas das/os jovens participantes. Ou seja,
parafraseando Thompson: o Curso de Jovens do MST se realizaria com jovens,
estabelecendo relações com o Movimento. Parece óbvio, porém, as pessoas convidadas
para o evento, como jovens participaram e/ou tornaram-se no fazer da experiência do Curso
- destinado a esta especifidade: na prática da mística de se realizarem como jovens, que
construíram; e nas relações de aprendizes, iniciantes, que as características do I Curso
proporcionou na estrutura com ênfase numa jornada de palestras.
A reconstituição de um processo da/o jovem no MST como sujeito de um fazer
dentro do Movimento foi possível dentro dos parâmetros do I Curso porque nos
proporcionou resgatar uma estrutura que permitiu a reunião de jovens em grupos, equipes e
brigadas. Talvez aí, o momento mais importante para as/os jovens fazerem-se e
perceberem-se como sujeitos. E ainda, a existência de questionários aplicados neste evento
34
Os casos veiculados pela mídia, envolvendo jovens, têm amplos destaques para os jovens envolvidos com
que continham informações sobre as/os jovens participantes do Curso e pequenos
depoimentos, de um breve momento de respostas às perguntas, de conscientização de suas
trajetórias de luta no campo, de seus sonhos, seus projetos de vida e de suas significações
do MST traspassadas pela luta coletiva pela terra e pela reforma agrária.
As jovens e os jovens do I Curso de Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural
de 1999, se constituíram como público “livre e desimpedido” para participar de um evento
de dez dias. No decorrer do trabalho, percebeu-se que nem todas as pessoas presentes eram
tão jovens assim. Havia uma maioria entre os quinze anos e vinte e cinco anos de idade -
critério estabelecido pelo MST - mas outras/outros jovens com o dobro da idade.
Compreendemos com isto, que jovens é um feixe de indicativos, sendo idade um deles. Não
desconsideramos os abaixo e nem os acima da faixa etária definida e acrescemos aos
critérios os indicativos de disponibilidade e disposição do público ao reconstruir o processo
de tornar-se parte do MST. Tendo em vista, que aquele público potencializou questões
relativas à temática juventude do MST, bem como, ao próprio MST em organizar e formar
politicamente os sujeitos dos acampamentos, assentamentos e de outros espaços de luta e de
relações do Movimento. Desta forma, mais ou menos jovens nas idades, o grupo presente
ao Curso encarnou demandas políticas de dentro do Movimento Sem Terra.
A preocupação com a/o jovem e sua participação na luta social no campo, não
surgiu com este I Curso, de âmbito nacional. Foi perceptível, nos documentos do MST, a
referência à/aos jovens:
"Nossas prioridades de trabalho: 1- a organização da base: A organização dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra na base é a garantia de que alcançaremos os nossos
objetivos. Desorganizados, não vamos a lugar nenhum! Nesse encontro nacional forma
definidas algumas orientações para conseguirmos melhorar a organização da base. A
seguir relacionamos as principais: 1.1 ampliar o Movimento em todos os sentidos. Para
isso, precisamos: aumentar o número de trabalhadores que vão nas nossas reuniões;
ampliar o número de municípios com comissões de Sem Terra; estimular a maior
participação das mulheres; incentivar a maior participação dos jovens; manter contato
com novos estados, procurando ampliar o Movimento para todos os estados, em
especial para o Nordeste do país” (MST, 1987: 8)
35
.
"A organização interna do Movimento: (...) 69- desenvolver uma mística da
nossa luta junto às massas; (...) 78- Garantir a participação das mulheres e jovens em
violência e drogas.
35
MST. 3
º
Encontro Nacional, caderno de formação no. 12, SP, maio de 1987.
todas as instâncias do Movimento; (...) 80- criar condições para que as mulheres e
jovens participem em atividades coletivas da produção e consigam participar das
atividades do Movimento; (...) 104- Estudo e pesquisa: 1- pesquisar novos métodos de
formação que atendam as necessidades de qualificação e massificação do MST; (...)
106- conservação e correção do solo: desenvolver um trabalho de educação entre as
famílias assentadas, principalmente, com jovens e crianças, sobre a importância da
preservação dos recursos naturais (fauna, flora, solo e água). “ (MST, 1989: 15 a 19).
36
Nos primeiros cinco anos de fundação do MST, a preocupação com "os jovens" no
Movimento passa pelo reconhecimento de sua presença e de sua especificidade, juntamente
com crianças, mulheres e também idosos no conjunto da família. Na "organização da base"
social do Movimento, os trabalhos com a juventude foram educativos de preservação do
ambiente nos acampamentos e assentamentos.
Ao completar dez anos, a consolidação do MST tem no emblema do lema “reforma
agrária, uma luta de todos!” - aprovado no III Congresso do Movimento - um
redirecionamento das suas ações para além das suas demandas de terra, ou seja, volta-se o
olhar para outros atores sociais de fora e de dentro dos espaços de atuação, olhando para
quem o compõe. O Curso de 1999, se insere neste Movimento que se empenha na formação
política dos sujeitos em suas especifidades: seja na construção do Coletivo de Gênero e nos
cursos de formações de jovens, como os que se sucederam ao deste ano, bem como, os
localizados nos estados.
O Movimento Sem Terra foi se consolidando nas especificidades que o desafiaram
no dia-a-dia. Após os vinte anos, várias são as demandas incorporadas pela sua estrutura
organizativa: produção, formação, comunicação, educação, finanças, gênero, e outras.
Coletivos e setores foram constituídos na estrutura do MST, visando construir saídas para
novas questões que surgem. Entretanto, uma instância ou um espaço/fórum específico da
juventude permanece como desafio, como coletivo ou setor. Nos acampamentos e nos
assentamentos, a questão juvenil, inicialmente, vem sendo contemplada, em parte, nas
pautas de educação e cultura, principalmente no primeiro caso, através de cursos de
escolarização e profissionalização
37
. Vale destacar que a juventude encontra-se em diversos
coletivos, instâncias e espaços atuando com questões das mais variadas, da produção à
36
Plano Nacional do MST, 1989 a 1993. SP, junho de 1989.
37
Um exemplo é a experiência de cursos de Magistério e de Técnico de Administração de Cooperativas que
vem escolarizando e profissionalizando, principalmente, jovens vindo de acampamentos e assentamentos de
educação. E ainda, que encontros de jovens vem se articulando nos estados
38
, com a
ajuda da Pastoral da Juventude e da Igreja, de uma forma localizada.
Porém, o diferencial a partir do Curso de 1999 foi o Movimento Sem Terra
demandar nacionalmente a organização específica e a formação política para jovens ou de
uma nova geração da luta pela terra e por reforma agrária vinda dos assentamentos e dos
acampamentos. Ou seja, quase duas décadas depois da organização social das famílias sem-
terra, jovens surgem como demanda organizativa específica.
Reconstruir o jovem no MST a partir do I Curso de Jovens e de questionários
aplicados no espaço específico do I Curso de Jovens possibilitou-nos recolocar a categoria
jovem/juventude nos marcos de determinada situação, espaço e configurações sociais, no
tempo e nas relações travadas pela luta por terra e reforma agrária a partir do meado da
década de noventa.
O questionário (Anexo) foi organizado para detectar, para o MST, o perfil das/os
jovens presentes no Curso de 1999, ou seja, não foi estruturado para esta dissertação. Desta
forma, o material produzido pelo questionário foi aproveitando dentro das potencialidades
de ter sido respondido durante a realização do Curso.
Se de um lado, num primeiro momento, a leitura aleatória de alguns dos oitocentos
e noventa e seis formulários do questionário demonstrou um material repleto de dados
sobre os jovens: idade, escolaridade, trabalho, sustento financeiro, moradia; e de preciosas
declarações juvenis sobre: o MST; o país; luta por terra; reforma agrária; mudanças sociais
e políticas; e seus sonhos e projetos de vida. Por outro, o questionário com perguntas para
diversas respostas demonstrava uma situação de desespero no trabalho com este material.
Como fazer, de tantas expressões, um material compacto para construção de uma
compreensão de jovens e para expor numa dissertação de mestrado? O pânico era contínuo:
como juntar compreensões singulares? Era enorme a vontade de buscar saídas para não me
todo país; a mais de quinze anos no Instituto cnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária -
ITERRA, no município de Veranópolis no Rio Grande do Sul.
38
O conhecimento de iniciativas locais com jovens em estados como Espírito Santo, Maranhão e Rio Grande
do Sul mereceriam uma atenção maior. Nesses estados, se realizaram várias ações específicas junto aos
jovens, vindas principalmente de ações de Pastorais da Igreja e Congregações. Em Porto Alegre, maio de
2001, uma ação articulada entre diferentes movimentos que atuam no estado do Rio Grande do Sul, como
MST, MPA, MAB, MMTR e a Pastoral da Juventude, promoveu um curso de formação para jovens. Outros
estados, como Mato Grosso, organizaram materiais direcionados à organização de jovens. Enfim, em diversas
localidades deste país, pulsam iniciativas e trabalhos com jovens, que vão somar na contribuição de trabalhos
defrontar com tal situação. A banca de qualificação do projeto pôs-me de frente ao, que
veio a ser a matéria-prima, deste estudo.
"A esperança venceu o medo", ou, ao menos, por um momento, o contornou. De
forma conflitante pus-me a organizar o material juntamente com o orientação. A "mística"
das expressões de pessoas que, na condição de jovens, sobre a vida, o mundo, o MST, e de
como percebem-se dentro disso tudo, postas, mesmo que de forma fragmentada, nos
formulários, nos impulsionou a continuar na análise do material.
O interesse sobre o material foi-se compondo numa reaproximação com o mesmo e
na percepção do seu conteúdo e através de conversas com a orientação que fazia
questionamentos e chamava atenção para os possíveis caminhos a serem tomados. A
familiaridade com os sujeitos da pesquisa paralisou, em vários momentos, a perspectiva de
compreensão da relação entre jovens e MST, mas a medida que o material revelava seu
conteúdo pudemos traçar um caminho do processo de torna-se jovem no MST.
Recortamos as/os jovens no espaço do I Curso de Jovens, no reconhecimento da
especificidade juvenil e nas significações de um curso de formação direcionado a sujeitos
jovens. Delimitamos a categoria jovem nos condicionantes das relações sociais, situações,
concepções e valores distribuídos e dinamizados do Curso de 1999, na Universidade de
Campinas; e também a partir dos depoimentos nos formulários do questionário como um
momento em especial das/os participantes se pensarem jovens. Consideramos as breves
declarações no questionário como aquilo que as/os jovens quiseram expressar naquela
circunstância do Curso, como declarações de recentes trajetórias constituídas no fazer de
experiências condensadas no coletivo do Curso. Pois, neste contexto, com os seus
condicionamentos, foram produzidas referências juvenis.
A análise do material seguiu a organização de três blocos temáticos de questões
dispostas no próprio questionário: Quem são os jovens? Militância? Imaginário? As pistas
para isto, foram perguntas sobre: dados pessoais (sexo, idade, escolaridade, etc.); sobre se
eram ou não militantes; e sobre o qual o significado do MST.
Os blocos forneceram elementos para os capítulos 2, 3 e 4 que tratam da/o jovem do
Curso de 1999.
nacionais, como o I Curso de Jovens em 1999. Essas iniciativas também favorecem a presença de sujeitos
jovens em muitas frentes de ações do Movimento Social, que merecem atenção e reflexão.
No Capítulo 1, trabalhamos com o contexto do Movimento Sem Terra. O MST
como parte da história de um campesinato insubmisso que acumulou experiências e o seu
surgimento no final dos anos setenta, num período de esgotamento do processo político e
econômico do regime militar, e da retomada de força de vários setores sociais e do
surgimento de "velhos" e "novos" personagens na arena da questão agrária. E finalizando,
esta parte, tratamos do período do III Congresso do MST, onde se insere o I Curso de
Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural.
No Capítulo 2, trabalhamos com a perspectiva de retratar a/o jovem, construindo
perfis/quadros com dados do público do Curso, norteados pelos critérios definidos pelo
MST para a composição do Curso e contidos na circular de convocação. Isto, a partir do
questionamento de: quem são estas e estes jovens? As respostas ao questionário nos trouxe
dados sobre: origem e procedência, em a maioria veio de assentamentos e acampamentos e
da metade sul do país; um público demarcadamente entre os 15 e os 25 anos de idade e do
sexo masculino; grande parte com escolaridade até o ensino fundamental; muitas/os viviam
com os pais, naquele período, e trabalhavam sem conseguir se sustentar. E seus sonhos e
projetos de vida compuseram um retrato de quem são as/os jovens do MST, numa
combinação dos seus desejos pessoais, com: casar, ter filhos, “plantar coco” com a
dimensão coletiva da reforma agrária, mudanças sociais no país, luta por direitos e
cidadania, “revolução” e “socialismo”.
No Capítulo 3, debruçamo-nos sobre o processo de construção do jovem no MST.
O Curso de Jovens, em 1999, na Universidade de Campinas, foi o espaço e o momento para
uma reflexão da condição de aprendiz do jovem. As palestras, as atividades culturais, a
dinâmica dos horários, os valores compartilhados e a referência de Ernesto Che Guevara,
como exemplo a ser seguido de revolucionário disposto e voluntário, foram alguns pontos
da especificidade da/o jovem no MST. Com destaque para a autopercepção das/os jovens,
ao responderem os questionários e construírem suas breves e recentes trajetórias. Elas e eles
puderam reconhecer sua participação num processo histórico mais amplo do que suas
questões e necessidades pessoais (também sociais). Uma reconstrução de trajetórias que
produziu um jovem sujeito que atribui sentidos a sua presença em ações do Movimento
Sem Terra em tempos de jovem aprendiz e de jovem sujeito.
No Capítulo 4, trabalhamos a mística de encontros juvenis com o MST e suas
referências e seus imaginários saídos dos questionários, em que jovens disseram,
respondendo a um item, o que significava o Movimento Sem Terra. Virtualidades juvenis
que imputaram ao Movimento valores de justiça, solidariedade, companheirismo, amor,
vida, entre outros. Composições de idéias difusas do campo da cidadania, da luta social e
política, ativadas no processo de luta pela terra. Referências vivenciadas nos
acampamentos, nos assentamentos, nas marchas, nos atos políticos, que encheram de
esperanças jovens que se engajam num Movimento que começa a construir sua segunda
geração.
Foi um desafio tentar retratar as jovens e os jovens no Movimento Sem Terra, a
partir do I Curso de Jovens, processando conjuntamente o nosso imaginário. Não foi tarefa
fácil, seja pelas limitações de dias do evento, seja porque todo o questionário e não somente
um item abordou essa percepção da juventude sobre o MST; seja porque, quando se é, ou se
foi, jovem do MST, pesquisando sobre o Movimento, ter que tratar objetivamente toda uma
carga de expectativas e sentimentos, sem abrir mão de realizar observações sobre o
processo de construção e reconhecimento da relação entre jovens e Movimento Sem Terra.
Capítulo I - MST, um fazer social e político
O objetivo deste capítulo é de refletir o fazer do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra nestas duas décadas. A partir de processo de continuidade e
descontinuidade de resistência e amadurecimento. Remetendo-nos para isto, ao fazer do
camponês brasileiro, como ator social de ação política, e às experiências e ações
sócioculturais do MST que imprimem um fazer do Movimento como: as ocupações; o
acampamento; o assentamento; o pertencimento das tarefas realizadas que partilha a
identidade sem terra; a construção coletiva da memória e da identidade sem terra; a
solidariedade e a indignação do vínculo com a luta pela terra; o projeto de vida e o sonho
enraizados na conquista da terra; e as referências conflituosas e opositoras da reforma
agrária do MST. E, em seguida, tratamos do período mais recente do Movimento Sem
Terra, em que intensifica-se a preocupação com as/os jovens, expressa na realização do I
Curso de Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural.
O fazer do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra faz parte do que José
de Souza Martins chamou da “história de um campesinato brasileiro progressivamente
insubmisso” (1981:9)
39
. Um campesinato, não como figura do passado, mas como figura do
presente, que retoma a “esperança da terra livre”:
"progressivamente insubmisso - primeiramente, contra a dominação pessoal
de fazendeiros e 'coronéis'; depois, contra a expropriação territorial efetuada por
grandes proprietários, grileiros e empresários; e agora, também contra a
exploração econômica que se concretiza na ação da grande empresa capitalista que
subjuga o fruto do trabalho, e na política econômica do Estado, que cria e garante as
condições desta sujeição" (Martins, 1981: 9 e 10).
Insubmisso, pois o camponês produziu uma história de resistências a partir da sua
condição de expropriado, desenraizado, numa história de migração e itinerância.
Movimentos sociais importantes da História do Brasil, como Canudos e Contestado
40
, e
39
Martins, J. S. "Os Camponeses e a política no Brasil": encontra-se discutindo o sentido das lutas populares
no campo e a necessidade de organização e estrutura partidária para construírem a unidade frente às
diversidades e o seu lugar político nas alianças de classe. Contudo, achei importante ligar isso `as
continuidades e descontinuidades do processo organizativo dos trabalhadores do campo.
40
Martins (1981) trata pontualmente destes movimentos sociais afim de chamar a atenção para a importância
e grandiosidade da luta camponesa e seus trabalhadores no interior do país.
formas organizativas, como o messianismo e o banditismo, foram maneiras construídas de
resistir à exploração e à expropriação dos meios e das relações de produção
41
, expressas na
violência da propriedade, do capital e do Estado (Martins:1981; Leite & Palmeira: 1998).
E uma história de organização que sofre uma mudança qualitativa na sua forma de
resistir às expulsões de terra e pelo reconhecimento de direitos, entre 1945-55, adveio do
rompimento com o localismo e da constituição de uma certa unicidade na causa da luta pela
terra. E o camponês conviveu nas suas formas organizativas com a persistência do
messianismo e do banditismo (Martins, 1981). O surgimento das Ligas Camponesas, em
1955, como organização política e a constituição de um sistema sindical rural são
compreendidas como “as formas mais importantes de organização e luta política dos
camponeses” (Martins, 1981; Medeiros, 1989; Novaes, 1997; Leite e Palmeira, 1998).
Leonilde Medeiros, chama a atenção que:
“No bojo dos conflitos que emergiam, eram duas as formas de organizações
privilegiadas: os sindicatos e as associações civis, tais como associações, ligas,
uniões, irmandades
Os sindicatos eram a organização dos trabalhadores que, de alguma forma,
podiam ser considerados como assalariados, como era o caso de colonos,
moradores, camaradas. Na leitura das forças políticas que então apoiavam as lutas
no campo, a sindicalização seria a forma mais eficiente da luta por direitos
trabalhistas e encontrava respaldo legal na CLT, que a permitia, embora não a
regulamentasse. Foi com base nessa legislação que alguns sindicatos conseguiram
reconhecimento, pelo Ministério do Trabalho, em meados dos anos 50”
(Medeiros: 1989:26).
Sem o aprofundamento adequado que a questão das organizações camponesas
merece
42
, gostaríamos de dar mais um destaque a duas forças na afirmação política dos
trabalhadores do campo: a presença da Igreja Católica em suas lutas que “de suporte das
formas tradicionais de dominação passou a suporte de contestação camponesa” e “o
movimento sindical dos trabalhadores rurais (que)
43
teve um papel fundamental na
transformação da questão da reforma agrária em questão política” (Leite e Palmeira, 1998:
130). Segundo, estes autores, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura
Contag, teve papel fundamental na organização dos trabalhadores durante o regime militar
e de sustentar a luta através da bandeira de reforma agrária.
41
Sobre expropriação do camponês brasileiro ver Leite e Palmeira (1998).
42
Ver Martins: 1981; Medeiros: 1989; Leite e Palmeira: 1998; Medeiros: 2000.
43
Meu acréscimo.
Ou seja, a qualificação do fazer do camponês brasileiro, “progressivamente
insubmisso”, contou com apoios e alianças nas suas lutas e nas formas organizativas. E
durante o período autoritário do regime militar, foi no sindicalismo que os camponeses
tiveram a sua expressão organizativa de resistência (Medeiros:2000).
A bandeira da reforma agrária deu visibilidade necessária à luta dos trabalhadores e
foi se constituindo em um projeto dos trabalhadores em diferentes organizações e diferentes
períodos. A resistência dos trabalhadores às diversas transformações do campo, como
migrações, expulsões e expropriação, processos sociais de algum modo articulados com “a
modernização conservadora do campo”
44
, trouxe um amadurecimento da luta da reforma
agrária em um projeto.
Desde as Ligas Camponesas, entre os anos cinqüenta e sessenta, à Confederação dos
Trabalhadores na Agricultura na década de setenta e ao Movimento Sem Terra nos anos
oitenta, a luta camponesa se constitui sobretudo em uma luta política de projeto contra a
renda da terra e as precariedades das relações de trabalho/produção e que assim ultrapassa a
sociedade como um todo (Martins: 1981; 2003; Medeiros: 1989 e 2000; Leite & Palmeira:
1998; Medeiros & Leite: 1999).
O “princípio da modernização”, encontrado no Estatuto da Terra, de 1964, definidor
da proposta de reforma agrária durante o período militar, determinava que as propriedades
deveriam transformar-se em empresas. Na tributação e na colonização de áreas novas era
onde se calcaria a política agrária. A desapropriação é usada em áreas de tensões para a
desmobilização dos trabalhadores.
“Embora tais movimentos não apresentem unidade na forma de sua
expressão, de sua organização, de seus objetivos, eles apresentam uma certa unidade
quanto à causa. De fato, o que em todos eles estava em jogo não era propriamente a
propriedade da terra e sim a renda capitalista da terra” (Martins, 1981: 79).
A inviabilidade da proposta de desenvolvimento para o campo para o camponês
provocou tensões e concentrou terras, tanto na anexação em áreas ocupadas por famílias de
trabalhadores quanto em áreas novas, destinadas, a princípio, à colonização. Parece-me
ainda pertinente a leitura de que a questão agrária era tratada como acessória ao
44
Ver Martins: 1981; 1999; Leite & Palmeira: 1998; Bruno: 2002.
desenvolvimento, e não como uma questão nacional, política e de classe, e a reforma
agrária como de emergência e de desmobilização do campesinato (Martins, 1981:96).
A década de setenta é compreendida como um período em que os resultados de
acirramento das tensões no campo. A expulsão de camponeses aprofunda-se, estimulada
por subsídios governamentais
45
. Junto com o aumento da formação de empresas
46
.
“Agravou, assim, o problema que vinha se acentuando desde o período da Segunda
Guerra Mundial” (Martins, 1981:98).
O esgotamento do processo político e econômico do regime militar marca o final
dos anos setenta e início dos oitenta, com a retomada de força de vários setores da
sociedade, reivindicando melhores condições de vida e exigindo abertura democrática.
1
As
expressivas greves rurais e urbanas, de canavieiros no Nordeste e do ABC Paulista,
expressavam a atmosfera de crise e descontentamento. (Medeiros, 1989; Sader, 1988;
Grzybowski, 1986)
1.1 Ocupações, acampamentos e assentamentos marcam o fazer do MST
“A conjuntura dos anos 80 é herdeira e tributária de todo um processo histórico de
debate de luta e de conflitos em suas múltiplas manifestações sobre a pertinência de
uma reforma agrária no Brasil e democratização da propriedade fundiária” (Bruno, 2002).
O MST se constitui no fazer de ações e experiências que se processam entre o final
da década de setenta e o início dos anos oitenta, num contexto onde as lutas sociais são
retomadas e têm papel importante na “abertura política e da transição”
47
: dos primeiros
sinais à sua efervescência das ações mais intensas de reação de greves à crise político-
econômica às grandes manifestações de ruas por eleições diretas no país (Sader, 1988;
Medeiros: 1989; Grzybowsk, 1986; Bruno: 2002). A luta pela terra é reforçada por ações de
45
Ver dados na obra de José de Souza Martins
46
O papel do Estatuto da Terra, aprovado em 1964, de “remembramento das pequenas propriedades e de
dificultação do seu aparecimento mediante fragmentação de propriedades maiores” (...) Nesse sentido, o
Estatuto é um (princípio da modernização) muito mais drástico em relação ao pequeno agricultor do que em
relação ao latifundiário, que para este sempre existirá a possibilidade de, sem qualquer desmembramento
territorial, transformar o seu latifúndio numa empresa” (Martins, 1981: 96).
47
É bom frisar que autores, como é o caso de Leonilde Sérvolo Medeiros, ao tratar da história dos
movimentos neste período, destacam a atuação de pequenos produtores que no final da década anterior,
produzem grandes movimentações em relação a vidas financeiras, como é o caso do Sudoeste e Oeste do
Paraná. O segmento dos pequenos produtores se agrega no movimento sindical com o apoio da Igreja.
ocupações e acampamentos e a bandeira da reforma agrária é retomada com os significados
impressos pelas pressões em massa
48
.
Os personagens do processo de resistência no campo modificaram-se. E, segundo
Leonilde Medeiros, no início dos anos oitenta, “intensifica-se a luta pela terra: revigoram-se
antigos personagens, surgem novos atores” (1989:139). A luta da terra não-resolvida,
anteriormente mantida por trabalhadores na condição de posseiros e grileiros, rendeiros,
foreiros, parceiros, é retomada com força por trabalhadores seringueiros, atingidos por
barragens e trabalhadores excluídos da modernização da agricultura
49
(Sader, 1988;
Grybowsk, 1986); Medeiros, 1989.
Surgem “os chamados Sem Terra”, um novo personagem que se agrega na luta por
terra, constituindo uma identidade e organização específicas (Medeiros, 1989:147). As
diversas experiências de trabalhadores integrados precariamente na produção, a “árdua
experiência de migração” para áreas de fronteira, provocando reação e denúncia da
expropriação pelas barragens e gerando movimentos como o Movimento de Agricultores
Sem Terra do Oeste, constituíram um “caldo cultural”.
As ocupações de terra estocaram em vários pontos do país: Rio Grande do Sul, São
Paulo, Mato Grosso, Santa Catarina, Bahia
50
. “Nos primeiros onze meses de 1980, o
presidente da República assinou 30 decretos declarando propriedades territoriais de
utilidade pública para desapropriação por interesse social, para fim de reforma agrária”
(Martins, 1981: 99). As ocupações, até então, dispositivos isolados de pressão
51
para
emergência do problema da terra, nesta conjuntura, as ocupações de terras se constituem
num dispositivo de enfrentamento.
Vistas como um “divisor de águas no debate sobre reforma agrária e as lutas por
terra nos anos 80” (Bruno, 2002: 163), as ocupações deram visibilidade às demandas dos
trabalhadores no campo ocupando espaço nos meios de comunicação. Estas ações
48
Em 1979, no III Congresso Nacional de Trabalhadores Rurais, visualiza-se nas mobilizações e ações de
massa formas de pressionar o Estado no sentido de realizar uma reforma agrária. (Medeiros & Leite: 1998).
49
É bom frisar que autores, como é o caso de Leonilde Sérvolo Medeiros, ao tratar da história dos
movimentos neste período, destacam a atuação de pequenos produtores que no final da década anterior,
produzem grandes movimentações em relação a vidas financeiras, como é o caso do Sudoeste e Oeste do
Paraná. O segmento dos pequenos produtores se agrega no movimento sindical com o apoio da Igreja.
50
Ver: Medeiros, 1989 e 2001; Fernandes (1999); Caldart (2000); Gryzbowsk, 1987; Navarro (1997 e 2001)
51
Conflitos de trabalhadores sem terra, no Sul do país, são registrados na década de 45 e 50, no RS.
Demandas por terra, fosse pelo esgotamento das fronteiras do estado para a instalação de unidades familiares
ou pela pressão do crescimento de assalariados temporários (Medeiros, 1989).
estamparam o processo de “exclusão social e da concentração fundiária e a natureza e
ineficácia fundiária”. E tornavam-se táticas de um movimento social que se intensificou e
rogou em potencializar suas demandas numa articulação nacional.
O próprio Movimento Sem Terra destaca as ocupações como embriões de sua
organização. Seria difícil desconsiderar este traçado que o próprio MST faz da sua gênese
como movimento social através de materiais, como agendas anuais (MST, 1995; 1996;
1997) que registram a sua aparição a partir do acúmulo das lutas por terra e ocupações
massivas de terra entre 1978/79 e 1983/4 no país. No Rio Grande do Sul, destaca-se a
ocupação das fazendas Macali e Brilhante, em Ronda Alta. Em Santa Catarina, a ocupação
da fazenda Burro Branco, no Município de Campo Erê. No Paraná, a construção da
Barragem de Itaipu inundou as terras de cerca de 10 mil famílias. A indenização em
dinheiro, aceita por muitos, provocou a exigência da indenização em terra, fazendo surgir o
movimento “Terra e Justiça”. No Mato Grosso, fazendeiros tentaram despejar famílias que
trabalhavam como parceiros. Em São Paulo, aconteceu a ocupação da fazenda Primavera
no município de Andradina Em outros estados, como Bahia, Rio de Janeiro e Goiás, são
encontradas ocupações nesse período. “De uma perspectiva mais geral, elas transcendem o
momento da conjuntura dos anos 80 e instituem novas práticas e novas formas de luta pela
terra e por uma reforma agrária (Bruno: 2002: 164).
O Movimento dos trabalhadores Sem Terra constituiu uma estrutura de
funcionamento entre os anos de 1984 e 1985, contando para isto com a articulação da Igreja
Católica e a atuação da CPT (Martins: 1981; Medeiros: 1989 e 2000), e tendo como lema
“terra não se ganha, se conquista”, e marcou sua ação social com as ocupações e os
acampamentos, tendo na pressão direta a sua principal forma de luta (Medeiros, 2000).
Progressivamente, tornou-se interlocutor necessário na luta pela terra e constituiu-se como
mediação na luta política.
“A reforma agrária da ‘nova república’ é propaganda e enrolação. Eles só
vão desapropriar se nós fizermos muita pressão bem organizados. (...) Pra conseguir
mudar essa situação, recuperar a terra que os ricos pegaram dos trabalhadores, tem
que se lutar muito. Se organizar nas comunidades e municípios, a vel estadual e
nacional. com muita organização nossa, a burguesia e o governo cedem nossos
direitos” (MST, 1986: 5 a 7)
52
.
52
MST. "Terra não se ganha, se conquista!". Caderno de Formação no. 9. SP, Abril de 1986.
O fazer que constitui o MST é marcado por este processo de mudança político-
social e econômico e pela intensificação das ações. Na trajetória do MST os contornos de
uma caminhada – que não se trata de linearmente de um traçado de 1984
53
, da sua fundação
com o I Encontro dos Trabalhadores Sem Terra, até o período mais recente – traz a
composição de um fazer e sua dinâmica. Segundo Stédile, dirigente do Movimento: “teria
muitos aspectos para abordar sobre a ocupação. Primeiro, é uma forma de luta contundente,
não deixa ninguém ficar em cima do muro, obriga todos os setores da sociedade a dizerem
se são a favor ou contra. (...) Outro aspecto da ocupação, este do ponto de vista da nossa
organização, é que ela é fundamental, é a essência do movimento. O que o MST faz é
aglutinar pessoas” (Stédile & Mançano, 1999: 113 e 114).
Com as pessoas aglutinadas, a partir de visitas às famílias de trabalhadores sem
terra, reuniões nas comunidades, de convites de parentes, vizinhos e amigos inicia-se o
fazer do MST e o aprendizado sem terra
54
, de fazer-se parte da luta pela terra e da reforma
agrária. Aprendizado que passa tanto por esta preparação pela ocupação, pela ocupação em
si, pelo acampamento e pelos possíveis desdobramentos do assentamento. Um fazer-se
parte de uma ação e de uma experiência coletiva da luta pela terra “contundente” que marca
à quente uma vivência nem sempre é contínua. Nem todas as famílias, apesar da
necessidade, conseguem se manter em relação aos enfrentamentos da luta, sejam eles
diversos: despejos; infortúnios de diversas naturezas: escassez alimentar; a vivência sob
regras desconhecidas até então; as condições das barracas, etc.
Os acampamentos mostram-se como um espaço importante, juntamente com a ação
das ocupações, de experiências que vão constituir o fazer do Movimento Sem Terra e, que,
por sua vez, faz destas experiências seu fazer. Segundo Medeiros (1989), o salto qualitativo
foi o acampamento de Encruzilhada Natalino, em 1981, que conseguiu agregar e articular,
com o apoio da Igreja, atores sociais em torno da luta pela terra, dando visibilidade para o
conjunto da sociedade
55
. Mesmo depois do acampamento e da conquista de quatro fazendas
compradas pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul, Encruzilhada Natalino recoloca
53
Dessa forma, o recorte do Movimento Sem Terra precisa mais do que o marco do I Congresso de
Trabalhadores Sem Terra, em 1984, e da sua fundação, em 1985, mas da tentativa de colher, nessa trajetória
de vinte anos, aspectos que marcaram o fazer desse ator social.
54
Sobre aprendizado Sem Terra, ver Caldart (2000).
“de forma incisiva a questão da terra, inaugurando uma nova forma de luta” (Medeiros,
1989:149).
Lygia Sigaud, chama atenção para “uma forma acampamento”, no fazer do MST,
com o passar destas duas décadas, não adotado pelo Movimento, como demonstra em
seu trabalho (Sigaud: 2000) e em que “o modelo não é endógeno
56
. Tudo leva a crer que
foi engendrado no Sul do país, ao longo do processo de ocupações que desembocou na
constituição do MST” (2000: 85). Constituindo-se como um espaço de significados, o
acampamento compõe-se de toda “uma engenharia social do ato de acampar e sustentar um
acampamento”, ou seja, de como pôr de pé diversas barracas de lona preta e todo o
processo de mante-lo frente às dificuldades materiais e às pressões de interesses políticos-
sociais contrários locais, estaduais e/ou federais. Além disto, o acampamento é um espaço
de “aspectos ritualizados e se constitui numa linguagem pela qual os indivíduos fazem
afirmações simbólicas”, como a de que a área seja desapropriada, ou ainda, ao construir sua
barraca acenar para incorporação e participação deste fazer-espaço do MST (Sigaud, 2000).
A autora chama a atenção, ainda, para as diferenças dos acampamentos mas uma
certa recorrência na forma de organização.
O processo de acampamento é bastante valorizado pelo MST como um aprendizado
específico, conseguinte a ocupação, em que os sujeitos aprendem a conviver coletivamente
e engendram-se em regras organizativas. “A ocupação dá esse sentido de unidade às
pessoas, para lutarem por um mesmo objetivo. Passar pelo calvário de um acampamento
cria um sentimento de comunidade, de aliança” (Stédile & Fernandes: 1999: 115). Os
coletivos que se constituem no espaço do acampamento passam a ser conexões entre
acampadas/os e com as instâncias de decisões e elaborações do Movimento. E os sujeitos
ao participarem de ações e atividades promovidas pelo MST se constituem parte deste.
O assentamento, por sua vez, faz parte do fazer do MST. E mesmo que muitos, não
façam parte de experiências ligadas ao fazer do Movimento, pois são anteriores a própria
atuação da organização ou possuíram uma dinâmica diversa, vale compreendê-los como
55
A partir de 1981, a Comissão Pastoral da Terra promove encontros entre várias lideranças de diferentes
estados, de acordo com a definição tomada pela Igreja Católica, na Conferência de Medelin, em 1975, de se
voltar para questões sociais do campo.
56
A autora faz um estudo aprofundado sobre “a forma acampamento” a partir de denso trabalho em
acampamentos da Zona da Mata no Estado de Pernambuco.
relevantes ao processo de luta do qual está inserido. Os assentamentos, mesmo que muitos
não tenham uma relação direta com o Movimento, seja porque são anteriores e/ou por
“alguns não serem produto de conflitos abertos, todos eles se relacionam a um contexto em
que o tema da reforma agrária ganhou visibilidade, conseguiu impor-se na agenda política e
resultou em algumas desapropriações ou compras de terra, ou ainda na utilização de
imóveis públicos, com o objetivo de fixar os grupos demandantes e aliviar tensões sociais
mais intensas”. Não se confundindo com a reforma agrária, pois já que “as desapropriações,
arrecadações ou compras de terra, em muitos casos objetivaram os conflitos" (Medeiros &
Leite, 1999: 8-10).
Os assentamentos são experiências importantes para os sujeitos envolvidos,
principalmente no plano local
57
, onde num primeiro momento são indesejados e
posteriormente, em certa medida, demandantes sociais com “reivindicações ligadas
principalmente à infraestrutura básica, relacionadas à construção ou melhorias de estradas,
saúde e educação, condições para escoamento da produção, etc.” (Medeiros & Leite, 1999:
10). E mexendo, de alguma forma em arranjos de poder local.
58
Muitas famílias assentadas participam de espaços de ação estadual, regional e local
a partir da atuação nas atividades e ações do MST e de outras organizações como
sindicatos, outros movimentos de luta pela terra ou entidades apoiadoras.
O assentamento é um espaço de fazer para a atuação do MST, tanto de reforçar a
vinculação com as famílias assentadas, quanto com a sociedade nas diversas parcerias com
entidades e outros movimentos sociais: “queremos que o assentamento seja um cartão de
visita para a sociedade. Queremos que, nessas áreas, tanto as pessoas que moram como
os visitantes se sintam bem, felizes e orgulhosos do resultado da luta pela terra (...)
Devemos ser os primeiros voluntários a prestar ajuda em casos de catástrofes naturais,
como enchentes, temporais, secas, etc. Os assentamentos devem fazer brigadas de
solidariedade para atender esses casos. (...) Queremos dizer: ‘como o assentamento é fruto
da solidariedade da cidade, estamos retribuindo esta solidariedade’ (Stédile & Fernandes,
1999: 123-124).
57
As esferas de atuação não se limita ao local, à questão no plano estadual, regional e nacional. Ver Medeiros
& Leite (1999).
58
Ver Medeiros & Leite (1999) e Medeiros (2000) para aprofundar o assunto dos assentamentos e
interferências locais.
“Nossas prioridades de trabalho: 1- a organização da base: A organização
dos Trabalhodores Rurais Sem Terra na base é a garantia de que alcançaremos os
nossos objetivos. Desoganizados, não vamos a lugar nenhum! Nesse encontro
nacional foram definidas algumas orientações para conseguirmos melhorar a
organização da base” (MST, 1987: 8).
59
O fazer do MST têm nas experiências de ocupações, acampamentos, assentamentos,
aspectos vitais. Nos seus primeiros anos a organização da sua base social foi fundamental
para que existisse como tal. Contudo, o seu fazer foi marcado por ações públicas, marcantes
em toda sua trajetória e de outros atores que surgiram ou se refizeram no período de
abertura política. Mas é na década de 1990, que o fazer do MST se consolida e se amplia
social e politicamente em grandes experiências e ações.
1.2. Anos noventa, consolidação do MST e ampliação social e política
Destacar os anos noventa nos interessa porque, além de ser o contexto em que se
insere o I Curso de Realidade Brasileira para Jovens para o Meio Rural, são demonstrativos
do processo de consolidação, expansão e amadurecimento do MST e da amplificação da
luta pela terra e pela reforma agrária (Chaves, 2000). Seja pelo fortalecimento de laços, que
vinham se processando, com os demais trabalhadores (Medeiros: 2000); seja pela
preocupação com a atuação específica de mulheres e jovens que neste caso é o que nos
interessa diferenciadamente, dado o foco desta dissertação.
No documento, Plano Nacional do MST
60
que corresponde aos anos de 1989 a
1993, o Movimento avaliou os seus cinco anos de existência e que “durante estes anos
consolidou-se como um grande movimento de massas na luta pela terra”. E apontou para
sua responsabilidade histórica na condução dos trabalhadores rurais para uma atuação mais
ampliada, ou seja, “de contribuir para que todos os trabalhadores construam uma nova
sociedade” (MST, 1989:3):
59
MST. 3
º
Encontro Nacional, caderno de formação no. 12, SP, maio de 1987.
60
MST, Plano Nacional do MST, 1989 a 1993. SP, junho de 1989.
“Sobre as questões relativas à luta pela terra”: (...) combinar a capacidade de
luta provada nas ocupações de terra com outras formas de pressão; (...) evitar o
isolamento político. Utilizar a capacidade de luta dos trabalhadores rurais de modo a
fortalecer os laços com os demais trabalhadores e demais setores progressistas da
sociedade; (...) garantir maior participação das mulheres e jovens em todos os níveis
da luta para conseguir maior crescimento político e ideológico da classe
trabalhadora. (...) As alianças: (...) desenvolver uma política de relações públicas, de
bom relacionamento e de propaganda do Movimento para toda sociedade de modo a
criar condições para estabelecermos alianças conjunturais e estratégicas. Este deve
ser um esforço permanente do MST” (MST, 1989: 12-14).
O MST avalia positivamente o acúmulo das experiências e ações da luta por
reforma agrária, principalmente, as ocupações, ressalta a capacidade de luta, explicita sua
preocupação com outras formas de pressão e alerta para o isolamento político. Suas
avaliações foram ratificadas pelo período que politicamente tiveram como fatos: a vitória
de Fernando Collor de Mello, candidato das elites em 1989, a implementação das políticas
neoliberais e reformulação da repressão aos movimentos sociais; e a eleição e reeleição de
Fernando Henrique Cardoso, também candidato das elites, em 1994 e 1998, que com
melhor desenvoltura, deu continuidade e aprofundou as políticas iniciadas.. Estes
governos atuaram para o isolamento do Movimento
61
e sua desqualificação como ator
político
62
. E as orientações do Movimento, não deixando de lado a organização interna, se
voltaram mais fortemente para parcerias, alianças e para a comunicação e a interpelação da
sociedade como um todo.
O Movimento Sem Terra abre a década de noventa com orientações de potencializar
o seu fazer. A consciência do período, a partir de avaliações coletivas, construída em seus
diversos espaços e instâncias, permite que suas experiências e suas ações elevem a luta pela
terra e pela reforma agrária deslocadas, para além de questões particularmente agrárias
dos grupos sociais envolvidos
63
.
"Ao consolidar a sua estrutura, estabelecendo-a e ampliando-a, o MST
intensificou a resistência do campesinato sem-terra. No período 1985-1990, o MST
se territorializou, deixou de ser o Movimento dos cinco estados do Sul, e se tornou
um Movimento mais amplo, de caráter nacional. De 1990 a 1999, não ocorreram
61
O Movimento foi de fato recebido para negociação somente no curto governo de Itamar Franco, através do
Ministério do Trabalho. O ministro Walter Barelli tem, na sua trajetória, ligação com as lutas de
trabalhadores através do PT e da CUT.
62
Ver Stédile e Fernandes, 1999; e Chaves, 2000.
63
Sobre como a questão agrária atravessa o conjunto da sociedade, ver Martins, 1989 e 1999; Medeiros, 1989
e 2000; Leite & Palmeira, 1998, sobre como a questão agrária atravessa o conjunto da sociedade.
mudanças substanciais em sua estrutura. As modificações sucedidas foram a
respeito da expansão das atividades e das representações. (...) em 1990, o MST
estava organizado em dezoito estados. Na década de 1990, os sem-terra
prosseguiram as lutas (...)Dessa forma, o MST intensificou a luta pela terra, de
modo que na década de 1990 cresceram tanto o número de ocupações quanto o
número de assentamentos, em todas regiões. Esse processo foi resultado das ações
do MST, em parte, e de outros movimentos sociais que surgiram a partir de 1994
(...) Nessa década, também iniciara o pior momento da vida do MST: foram os dois
anos e meio do governo Collor (15-03-1990 a 02-10-1992). Nesse tempo, ocorreu
uma escalada de repressão contra o Movimento, de modo que, considerando a
palavra ordem ocupar, resistir, produzir, o resistir foi mais intensificado. As
ocupações eram rechaçadas pela polícia, de modo que em 1990 diminuíram
significativamente os números de ocupações e de famílias na luta pela terra (...) Foi
quando o Movimento voltou-se para dentro, preocupando-se com a organicidade e
com a construção do Sistema Cooperativista dos Assentados e com a fundação da
Confederação da Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil - Concrab"
(Fernandes, 2000: 199 e 200).
O Movimento se expande fortemente pelo país, demonstrável pelas raízes que
fincou a partir da territorialização das suas instâncias de representação e formas de
organização que se expandiram além do eixo sul do país (Fernandes, 2000:199). E sua
consolidação nacional é também percebida internacionalmente, a partir de ações e
experiências em diferentes áreas sociais, como por exemplo educação. O MST é tido como
importante movimento social por entidade e instituições, como o Unicef e o Reino da
Bélgica que o premeia
64
. Potencializa-se uma capacidade de luta através da expansão de sua
base social em ocupações, acampamentos e assentamentos, envolvendo diversos sujeitos
que os compõem, e de parcerias e alianças internacionais e nacionais, com a Central Única
dos Trabalhadores, Partido dos Trabalhadores, Igreja, estudantes, e outros. E ao voltar-se
para dentro o MST não somente investe na organização de suas propostas e sistematização
de suas experiências na área de produção, com a fundação do Sistema Cooperativista dos
Assentados e da Confederação da Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil - Concrab,
mas se volta os seus investimentos de organização, formação e trabalho com crianças,
mulheres e jovens.
O próprio fazer do MST amplia-se através de uma capacidade de comunicação e
articulação que toma impulso. O Movimento produz uma mística que comunica as
64
Diversos materiais do MST dão destaque para estes reconhecimentos, como as agendas 1996, 1997, etc.
violências, repressão e sofrimentos, vivenciados neste período, e suas preocupações com a
situação e atuação das crianças, jovens e mulheres.
“Com acampamentos em beira de estrada e em praças públicas, ocupações
de terras e de órgãos governamentais, marchas, saques jejuns coletivos e
declarações públicas, os sem-terra criam fatos e notícia. A criação de eventos
coletivos na esfera pública é o principal meio de atuação política do MST. No
embate público criado pelas ações coletivas do Movimento, a definição de direitos,
das leis e da violência é a moeda de troca entre os diferentes atores envolvidos
sem-terra, proprietários, funcionários públicos, agentes religiosos, políticos,
advogados, juízes, ministros, polícias militares” (Chaves, 2000: 14)
O embate público de suas ações coletivas é um ponto bastante forte no fazer do
MST ao longo de sua trajetória. A visibilidade pública de ações e experiências da luta por
terra e por reforma agrária, no decorrer destas duas décadas, cultiva com místicas uma
unidade da luta representada pelos sem terra, através das ocupações, marchas, etc. Para
Roseli Salete Caldart (2000)
65
, a representação do Movimento junto à sociedade tem um
forte sentido político e cultural de incomodar, o somente por trazer de volta ao cenário
político a questão agrária mas, juntamente com isso, pelos personagens que faz entrar em
cena e os valores com a ocupação do latifúndio (Caldart, 2000).
Segundo Caldart:
“A principal força deste Movimento vem do contexto político, econômico ou
sociocultural que o produz com determinadas características e não outras. O MST
está se tornando símbolo de contestação social não simplesmente porque contesta ou
pelo jeito que contesta. Sua contestação adquire força cultural e simbólica, porque
mexe com a própria estrutura social de um país historicamente marcado pelo
latifúndio, parente da escravidão” (2000: 22).
As referências de sofrimento das condições materiais, da exploração, da dominação
de trabalhadores no campo, dos assassinatos e massacres de trabalhadores, agregam em
torno de uma memória e uma identidade de constestação social e política das/os
trabalhadoras/es e produz pertencimentos dos sujeitos sociais ao MST. Estas memória e
identidade e estes pertencimentos, identificáveis na trajetória do Movimento, são reforçados
com a necessidade de ampliação da luta e expansão social e política nos anos noventa.
65
Ver: Pedagogia do Movimento Sem Terra. 2
ª
edição Ed Vozes, RJ, 2000.
No III Congresso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, realizado
entre os dias 24 e 27 de julho de 1995, cerca de cinco mil participantes conclamaram a nova
palavra de ordem, até então: “Reforma agrária uma luta de todos!”. Emblemática, apontou
um redirecionamento das ações do MST que visaram o conjunto da sociedade. O
simbolismo em dizer que a reforma agrária não diz respeito exclusivamente aos sem terras
envolvidos e a articulação da luta por reforma agrária com outros setores foram
reatualizadas, reoxigenadas. O Movimento saltou de um certo acúmulo de lutas por terra,
ocupações, assentamentos e demandas sociais e de infra-estrutura para o desafio de atuar no
conjunto da sociedade e sobre questões mais amplas, como por exemplo as privatizações.
“A reforma agrária passou a ser considerada um bem para a sociedade como um todo.
Reconhecendo nela uma conquista que requer legitimação social, o MST apresenta em sua
formulação da reforma agrária uma concepção que rompe a distinção campo-cidade, ao
sugerir um “novo modelo de desenvolvimento para a sociedade brasileira”. (Chaves, 17).
Na cartilha
66
de organização do III Congresso do MST, direcionada aos diversos
coletivos e instâncias do Movimento, as avaliações e orientações são:
“Nosso Movimento: durante esses 16 anos de retomada da luta pela terra e dos 10
anos do MST como movimento nacional, foi possível desenvolver muitas lutas e
obter muitas conquistas (...) Mas, sobretudo, pudemos nesses anos construir um
forte movimento camponês em todo o país. Nunca antes, na história do Brasil, havia
existido um movimento de trabalhadores rurais sem terra tão amplo que durasse
tanto tempo. Portanto a nossa existência, por si só, é uma conquista e uma
vitória sobre os latifundiários e as forças conservadoras do interior” (MST: 1995: 5).
Mantiveram-se as avaliações do MST, do final da década anterior e início desta
questão, sobre a importância de si próprio para com a luta agrária e as orientações sobre sua
ampliação no conjunto do país
67
. O Movimento Sem Terra ao se constituir em organização
política de trabalhadores rurais, a partir de 1995, buscou de forma sistemática a
recondução
68
da bandeira da Reforma Agrária para diferentes setores da sociedade - Igrejas,
66
Cartilha Rumo ao 3
º
Congresso, Reforma Agrária: uma luta de todos! SP, fevereiro de 1995.
67
Há diferenciações nas regiões do país e nos estados sobre a consolidação e ampliação do MST. Tratamos
destas diferenciações no capítulo 2 ao relacionarmos à analise da origem de jovens participantes do I Curso de
Jovens (Caldart, 2000; Fernandes: 2000; e Navarro: 2000).
68
Em diferentes contextos e conjunturas da história do Brasil, a bandeira da reforma agrária retorna ao
cenário político, tendo em vista que a problemática agrária permanece. (Martins, 1981; Leite e Palmeira,
1998).
Partidos, sindicalismo urbano, estudantes, artistas, etc. com ações diversas ocupações
de prédios públicos, ações contra privatizações, e outras (Chaves, 2000). Muitas destas
ações provocaram discordâncias de seus aliados e disputas de campo de atuação política
CUT, PT e em certa medida a Igreja Católica na figura da Confederação Nacional dos
Bispos do Brasil (Chaves, 2000). Contudo, as suas ações, nos últimos anos, vieram-se
constituindo em referências para diferentes setores de esquerda.
O emblema do III Congresso, “Reforma Agrária, uma luta de todos!” como um
ajuste de rota é também interpretado internamente pelo Movimento como qualificante desse
último período:
“A nossa luta é para derrubar três cercas a do latifúndio, a da ignorância e a
do capital (...) democratizar o conhecimento para um número maior de pessoas e o
reconhecimento da sociedade (...) No período de 1993 a 1995 fizemos todo um
debate ideológico, que resultou num programa agrário, aprovado no III Congresso
Nacional (...) Ele representa uma proposta de como reorganizar o meio rural no
Brasil, para democratizar a terra e o conhecimento” (Stédile e Fernandes,1999: 74-
76).
O amadurecimento do MST, no processo de experiências e ações da luta por terra e
por reforma agrária, o conduziram à veemência de ações para além da disputa com o
latifúndio. A luta mais ampla em frentes como educação, saúde e cultura interpelou a
sociedade numa proposta de transformação (Chaves, 2000).
A violência, tão longamente impetrada contra trabalhadores e trabalhadoras, que no
campo contabilizou milhares de assassinatos durante a década de oitenta, lança holofotes
para a luta dos trabalhadores rurais durante os anos noventa. No mês seguinte ao do III
Congresso do MST, em agosto de 1995, o massacre de oito trabalhadores e uma criança,
em Corumbiara, no Estado de Rondônia, chocou o país. Sete meses depois, abril de 1996,
em Eldorado dos Carajás, no Estado do Pará, mais uma vez a violência é a resposta dada às
reivindicações de direitos dos trabalhadores. Policiais atiram contra famílias sem terra que
bloqueavam uma estrada no interior para chamar atenção para sua situação. Dezenove
pessoas são mortas à queima-roupa e outras são perseguidas e feridas gravemente, muitas
permanecem com seqüelas físicas e psico-emocionais. As atenções, notícias, reflexões,
imagens televisivas e impressas, voltaram-se para a questão da terra, para a reforma agrária
e também para o personagem que incorporou essa luta, os sem terra.
A visibilidade do MST ultrapassou as fronteiras do país e adentrou o espaço político
de interlocução, fortalecendo relações já existente e abrindo outras com entidades
internacionais. Durante o governo de FHC, o Movimento enfrentou as ações de
deslegitimação, contudo, as circunstâncias de violência provocam pressões dentro e fora do
país e as ações do próprio Movimento dão visibilidade e põem em pauta a questão agrária e
a luta pela terra, e o MST constitui-se um interlocutor privilegiado nas negociações. Os
jornais estampam, situações como: “Este ano está sendo assassinado, na média, um
trabalhador a cada dois dias, contra um total de 50 ocorridos em todo o ano de 1996” (JB,
19/01/97 apud Chaves: 2000:173).
As referências socioculturais são parte da difusão de experiências sociopolíticas
promovidas pelo MST (Fernandes 2000). A análise da territorialização do Movimento Sem
Terra, como processo constitutivo desse ator social, traz uma discussão que ultrapassa a
dimensão física da presença. A reconstituição da ocupação como forma de acesso à terra e
o tipo de organização e espacialização do Movimento compõem uma característica
socioterritorial de projeto político que produz militantes e espacializam experiências de luta
e resistência para além de uma base territorial de origem. Trata-se de um processo de luta e
socialização política que desenvolve formas de organização, espacialização e
territorialização que expandem experiências vividas e avaliadas, como “as marchas ou
caminhadas, as ocupações de prédios públicos e as manifestações defronte às agências
bancárias” (p.291).
Como um ator político, o Movimento conseguiu transpor adversidades violentas da
luta por terra em possibilidades de comunicação, conquista de apoio e de espaço político e
social. Nesse sentido, cabe a idéia de “sujeito social” que se forma e projeta uma referência
de resistência dos Sem Terra, que “fica mais forte porque é capaz de projetar-se para além
de si mesma, e para além dos sem-terra” (Caldart, 2000).
Bruno Konder, em entrevista sobre sua dissertação de mestrado, “Ação Política do
MST” - USP/2001, aborda o número de vezes que o MST aparece na imprensa, em
comparação à CUT e à Contag, o que faz do Movimento o principal adversário político dos
governos federal e estaduais. A sua consolidação em ator político dá-se a partir de
momentos e eventos vivenciados na segunda metade dos anos 90. A força do MST não
viria somente do número de participantes, mas, principalmente, de seu aspecto contestador:
“Se o MST acabar hoje, ele ficará na memória das pessoas. Ficará a noção de que a atuação
política é um meio de mudar pela ação”
69
.
Na sua pesquisa
70
, Konder capta a partir da sua presença que se destaca na
imprensa, através de suas diversas ações em diferentes espaços e momentos que produzem
referências de luta e resistência e que alargam a sua presença na vida pública:
“Como verificamos, o MST não ocupa apenas terras e prédios públicos, mas
ocupa também reuniões de ministros, discursos do presidente, relatórios dos
serviços de inteligência, editoriais de jornais, manchetes nos noticiários,
pronunciamentos de parlamentares, conversas entre o presidente e o papa, pesquisas
de opinião pública, cartas de leitores e até protestos nas visitas do presidente ao
exterior. Podemos, portanto, afirmar que o MST é um ator político, com presença
importante no cenário público atual” (2000; 139).
Muitos elementos remontam o MST e o recriam, num fazer-se onde se é criatura e
criador de uma coletividade. A percepção da imbricação de questões de dentro e fora do
perímetro dos sem-terra passa tanto pela denúncia da violência sofrida quanto por
manifestações públicas. Situações e ões com pesos sócio-culturais e políticos
diferenciados, elucidaram o rol de atuação do Movimento nos anos noventa. Por exemplo:
os protestos contra privatização da Companhia Vale do Rio Doce; o Ato Político de
chegada a Brasília da “Marcha por Reforma Agrária, Emprego e Justiça”; Exposição de
Fotografias Terra, que retrata a vida dos sem-terra abril de 1997; as marchas em todos os
estados em direção às capitais julho do mesmo ano; participação no ato contra
privatização da Telebrás e na manifestação “Brasil, Outros 500”, no sul do estado da Bahia;
ocupação de prédios públicos para exigir créditos maio de 2000; participação na
organização do “Plebiscito da Dívida Externa” – setembro\2000.
Momentos, situações, circunstâncias, em que se colocam as reações, ações e táticas
do Movimento para questões que o colocam em evidência e recoloca a sociedade civil em
cena (Stédile e Fernandes, 1999), e para muitos o Movimento torna-se “símbolo de
contestação social” (Caldart, 2000).
Outro momento significativo do fazer do Movimento Sem Terra foi processo que
englobou a Marcha Nacional por Reforma Agrária, Emprego e Justiça, em 1997 (Chaves,
2000; Santos et al: 1998).
69
Página na Internet, Site NO, Rio de Janeiro, 13 de fevereiro de 2001.
“Se o MST constitui-se através da multiplicidade de eventos que promove,
de todos, até hoje, a Marcha Nacional alcançou maior envergadura e êxito. Foi um
acontecimento especial por seus propósitos, proporções e repercussão. Mas foi
também um evento exemplar, na medida em que apresentou os elementos principais
da ação política do MST: mobilização coletiva constituindo, simultaneamente,
veículo de pressão e legitimação” (Chaves, 2000: 19)
“Nossa Nação
71
finalmente é reapropriada pelos que dela foram excluídos
no cotidiano dos acampamentos, dos assentamentos, das manifestações e,
especialmente, das marchas, como a Marcha Nacional de 1997. Nessa ocasião, os
sem-terra fizeram questão de divulgar, mais uma vez por meio da múxica, que lêem
as palavras escritas em nossa bandeira sob outra ótica: a ordem é ninguém passar
fome, e o progresso é o povo feliz” (Santos et al., 1998).
A Marcha Nacional é elucidativa, talvez elemento de uma conjuntura, entretanto, de
um processo de experiências e ações, de um fazimento do MST que se alargou e ampliou
na luta pela terra para além de suas questões específicas. Diversos setores sociais e políticos
demonstram solidariedade à Marcha no calor da chegada da Marcha à Capital Federal,
possibilitando com a alocação de ônibus a participações de militantes de diversas entidades
e movimentos sociais. E realizaram-se várias manifestações da sociedade civil, nos seus
diferentes papéis sociais, culturais e políticos: militantes de diversos movimentos e
partidos; drag queens; jovens skantistas e punks e outros.
A Marcha Nacional, “como uma performance política, na qual os atos públicos e
outras encenações tiveram lugar, era a expressão pública de uma realidade social em que a
violência da exclusão social – era proclamada uma injustiça” (Chaves, 2000: 234). A
mística que envolveu a Marcha expressou toda uma trajetória na história de luta pela terra,
que projetou seu reconhecimento político, sua legitimidade na sua causa, demandas e
direitos. Muitos outros acontecimentos acumularam neste fazer-se do Movimento e foram
significativos na compreensão da relação com diversos setores da sociedade, solidários ou
contrários às demandas de desapropriações de terra, assentamento de famílias, créditos para
produção, acesso à educação e à cultura.
O MST vem compartilhando experiências históricas e próprias da luta pela terra, e
construindo identidade e uma heterogeneidade pertencimentos. Segundo Zander Navarro,
“o imaginário social associa o Movimento às ocupações, quase exclusivamente”. Na sua
interpretação, esse é um dos equívocos do debate sobre “reforma agrária, o MST e as lutas
70
“A Ação Política do MST”, Dissertação de Mestrado defendida em Dezembro de 2000.
sociais no campo” (1997: 3), já que a agenda do Movimento é variada e diversificada, e não
fere o preceito legal. Entretanto, as referências foram ampliadas na agilidade de “ocupação
de espaços”, e nas formas de pressão e nas influências institucionais e ou políticas, que
intensificam as possibilidades de solidariedade social. Um diverso conjunto de ações, desde
ocupações de prédios públicos, intensas negociações, marchas, jejuns, atos públicos,
abaixo-assinados, e outros, que o põe em evidência e, de certa forma torna-o, ora, quem
sabe, impertinente, ora contestador social.
“O segundo desafio (na relação com a sociedade)
72
, assim podemos dizer, é
o exercício intensivo da solidariedade com a sociedade. Essa solidariedade deve
ocorrer em coisas práticas, como, por exemplo, estabelecer um banco de doadores
de sangue para os hospitais públicos das cidades próximas aos assentamentos.
Devemos ser os primeiros voluntários a prestar ajuda em catástrofes naturais, como
enchentes, temporais, secas, etc. ... ‘Como assentamento é fruto da solidariedade da
cidade, estamos retribuindo esta solidariedade’. Queremos desenvolver a
solidariedade não por mera propaganda ou vaidade. Queremos desenvolvê-la como
um valor permanente junto a nossa base social” (Stédile e Fernandes, 1999: 123 e
124).
As relações solidárias não se manifestam da mesma forma como as que fizeram
surgir o Movimento nos anos oitenta, podendo ser reconhecidas na capacidade e na
agilidade do Movimento tanto em ocupar espaços quanto em dar consonância a
descontentamentos, reivindicações, necessidades, demandas, contestações, desejos
presentes na sociedade. A solidariedade é uma marca da indignação de vários setores
sociais na trajetória do MST, que produzem encontros e pertencimentos. E pode ser
entendida como uma mediação exercida pelo Movimento, uma expressão política da
práxis, que afirma uma identidade sem terra e o lugar histórico dos trabalhadores em face
de um modelo de dominação e exploração capitalistas.
71
Itálico das/o autoras/or.
72
Acréscimo meu conforme o que os autores pontua como sendo o primeiro desafio da relação com a
sociedade que o assentamento seja “um cartão postal”.
Capítulo II - Retrato: Quem são as jovens e os jovens do MST?
.
“É inegável a quantidade de jovens – articulados e/ou dispersos – que vivem nos
acampamentos e assentamentos do Movimento. É bem verdade também que milhares já
abandonaram o campo e agora vivem a ilusão das cidades” (MST, 2002: 8).
As jovens e os jovens dos acampamentos e assentamentos, "articulados e/ou
dispersos, são potencialmente sujeitos que o Movimento Sem Terra aglutina, reúne e
organiza. O I Curso de Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural de 1999, na
Universidade Estadual Campinas, foi um destes espaços onde o Movimento investiu na
informação, na formação e na mística para dissipar "a ilusão das cidades" de jovens e para,
agregando entorno da luta pela terra, pela reforma agrária e por transformação social, que
não abandonem o campo.
O nosso objetivo neste capítulo é retratar as jovens e os jovens reunidos pelo MST
no I Curso de Jovens do Meio Rural, na perspectiva de manter a pergunta: quem são as
jovens e os jovens do MST, organizados por ele? De onde viveram? Como vivem
(trabalham, estudam, etc.)? O que pensam as/os jovens que vivenciaram a experiência da
Mística de fazer-se MST? E para isto, construímos quadros com características que
descrevem perfis das/os participantes da primeira grande atividade nacional com jovens do
meio rural, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.
Os critérios de participação definidos pelo MST, enviados pela Secretaria Nacional
às Direções Estaduais, em forma de circular, no dia 23 de junho de 1999, demarcaram
perfis. Para isto, trouxemos a circular:
"Circular 25/99
Para: Direções Estaduais
De: Secretaria Nacional
Assunto: Curso massivo de Jovens
Estimados (as) companheiros (as),
É com muita alegria que gostaríamos de comunicar aos companheiros, que todos os
preparativos para o curso massivo estão prontos. As instalações da Unicamp, já
compramos os colchonetes, (não esquecer de trazer roupa de cama e cobertor, faz
frio nessa época em Campinas, mais toalha de banho, material de higiene pessoal e
material para prática de esporte) temos garantida a alimentação. E o principal
temos a confirmação de todos os professores.
Assim, sendo gostaríamos que os companheiros se empenhassem para garantir, que
a delegação dos jovens do seu estado, esteja garantida, e que todos estejam
presentes.
O local do curso será no Ginásio de esportes da UNICAMP, em Campinas. No local
há um amplo espaço para estacionamento dos ônibus que ficarem todo tempo.
Os companheiros devem programar para chegarem na parte da tarde do dia 2 de
julho. Iniciaremos as atividades com credenciamento, alojamento e a primeira
refeição será a janta. Depois da janta a abertura oficial".
Nesta circular, a comunicação sobre o I Curso de Jovens que trouxemos como o
elemento definidor de critérios para a participação das/dos jovens. Na parte acima, o texto
se refere aos preparativos e ao caráter massivo do Curso - o seu acontecimento trabalhamos
no capítulo seguinte como parte da mística de tornar-se jovem no MST. Entretanto, foi
importante apresentarmos o documento que definiu os critérios de quem participou do
evento. E é este quem que foi ao I Curso que nos interessou na montagem dos perfis para a
composição de um retrato sobre o jovem.
Os critérios demarcados para participação de jovens foram:
"Participantes - orientações e critérios:
a) O MST nos estados deve selecionar jovens entre 15 e 25 anos, que sejam
militantes ou pontencialmente militantes, e gosto pelo estudo. Será um curso
massivo de formação.
b) Cada estudante deve trazer consigo: roupa de cama (lençol e atenção cobertor,
faz frio nessa época do ano em Campinas) roupa de banho (toalha) material de
higiene pessoal, material para prática de esportes. E roupa de frio.
c) Número de estudantes por estado:
São Paulo: 5 ônibus ou 200 alunos
Paraná: 3 ônibus ou 135 alunos
Santa Catarina: 2 ônibus ou 90 alunos
Rio Grande do Sul: 2 ônibus ou 90 alunos
Estados que terão um ônibus cada, ou seja, 45 alunos por estado: Rio de Janeiro,
Goiás, Distrito Federal, Espírito Santo, Bahia, Rondônia, Mato Grosso do Sul
(Pantanal), Mato Grosso, Minas Gerais e Pernambuco.
Delegações especiais: um ônibus ou 45 alunos somando os estados de RN, CE, PI,
SE, PB, AL.
Um ônibus para região amazônica: PA, MA e TO;
d) Nos estados poderão incluir na delegação jovens estudantes universitários ou de
outros cursos que queiram participar.
e) Cada ônibus deve ser organizado, com um coordenador, um responsável pela
disciplina, um responsável pela limpeza, e um responsável pela animação.
f) Faz delegação devem ser representativas de ambos os sexos. (...)"
Em relação aos critérios acima, nos focaremos sobre os critérios de participação, ou
seja, o que tange orientação organização dos jovens no Curso - como organização de
coordenações - deixaremos para o capítulo seguindo, quando da análise do funcionamento
do evento de jovens.
Os quadros que se seguem são parte do exercício de compor retrato, ou retratos,
das/os jovens. Os perfis juvenis foram construídos a partir de cada respostas delas e deles
com o propósito de destacar as experiências e características que trouxeram consigo e que
combinaram durante os dez dias de atividades no Ginásio da Unicamp.
O primeiro quadro do perfil das/dos jovens é origem/procedência que foi gerado a
partir das respostas delas e deles nos formulários do questionário: espaços como
acampamento; assentamento; universidade; secretarias e escritórios do MST; e outros.
Quadro 1: Origem/procedência em percentuais
Freqüência
Percentual Percentual acumulado
acampamento
333 37,2 37,2
assentamento
438 48,9 86,0
universitários
52 5,8 91,9
vínculo de trabalho
24 2,7 94,5
simpatizante
23 2,6 97,1
outras organizações
14 1,6 98,7
outros
12 1,3 100,0
Categorias
Total
896 100,0
Estas localidades foram indicadas pelas/os próprias/os jovens ao responderem um
dos itens do formulário do questionário, com um X numa das opções: acampamento ou
assentamento; e na linha ao lado colocava-se o respectivo nome do local de onde veio, ou
ainda, indicava-se uma outra origem que não fosse uma destas duas; por exemplo: o nome
da Universidade, como UFPR (Universidade Federal do Paraná); UFF (Universidade
Federal Fluminense; ou ainda, escrevia-se uma explicação de onde trabalhava ou como
conheceu o Movimento.
Desta forma, o que o questionário não previu de origens para além do acampamento
e do assentamento, foram as/os jovens apontaram. A localidade indicada não era a cidade,
município, bairro ou estado, que remete-se ao endereço ou residência, mas a localidade de
identificação da sua relação e atuação com o MST. Como parte das identificações juvenis
no MST - “acampadas e acampados”; “assentadas e assentados”; “universitários e
universitárias”; “trabalhadoras e trabalhadores” na estrutura organizativa do Movimento;
“outras organizações”, jovens oriundas/os de diferentes entidades e movimentos sociais;
“simpatizantes”; e “outros” - trata-se de experiências vivenciadas por sujeitos nas relações
com o Movimento. Assim, origem/procedência apresenta-se mais que um espaço físico
mas a identificação da/o jovem de sua relação com o Movimento Sem Terra.
Como se percebe, a grande maioria das/os jovens participantes do I Curso de Jovens
originaram-se dos acampamentos e assentamentos, respectivamente 37,2% e 48,9 %. O
público em 86,1% tinha como base de suas experiências originais as relações nos
acampamentos e assentamentos, onde o convívio é mais constante com o MST. O restante,
13,9 %, constituiu-se de relações com o Movimento em espaços diários como suas
secretarias, e mais eventuais como universidades.
A expectativa inicial foi de que tivéssemos mais acampadas e acampados do que
assentadas e assentados. Porque o alto número de presentes na atividade requer um grau
elevado de mobilização encontrado nas situações de acampamento, devido ao próprio
momento de transitoriedade e incerteza que muitas famílias se encontram, sem a definição
da área onde serão instaladas. No primeiro curso nacional direcionado à especificidade da
juventude, a maior parte do público adveio da experiência acumulada nos assentamentos,
onde os jovens têm tido dificuldades de permanência pela ausência de escolas e trabalho.
O maior número de jovens assentados aponta para a preocupação do MST com um
dado da realidade: o envelhecimento do campo. As/os jovens do campo não têm
permanecido no espaço dos assentamentos. O assentamento que tem sido uma alternativa
no campo para uma geração que luta pela terra, não tem sido para geração seguinte, que se
forma nos assentamentos, espaço de permanência de continuidade, seja pelas possibilidades
de estudos e/ou trabalho, seja pela independência do núcleo familiar e/ou aspirações dos
jovens.
A presença dos universitários foi de apenas 5,8%, entretanto, estes jovens
estudantes, geralmente urbanos, em diversas atividades do Movimento, seja pelo fato do
espaço da Universidade lhes proporcionarem a proximidade com debates sociais e políticos,
incluindo-se a reforma agrária. Ou ainda, não podemos desconsiderar o número, ainda
pequeno, mais expressivo de militantes do MST e as atividades crescentes entre o
Movimento e as universidades. Á identidade de estudantes e universitários agregou-se a
experiência de jovens participantes do Curso organizado pelo MST.
As/os jovens com “vínculo de trabalho” no Movimento corresponderam a 2,7%, em
sua maioria são aquelas e aqueles que atuam na administração e no cuidado das secretarias
e escritórios estaduais, regionais e nacional. Inclui-se as/os jovens que desempenham
atividades profissionais como advogada/o, assistente sociail, professora/or, etc. Atuam nos
bastidores da ocupação de terra, da marcha de protesto, dos encontros e congressos, nas
engrenagens fundamentais para o funcionamento do Movimento. Tratam-se de jovens que
identificadas/os com a luta da terra, e, em muitos casos, frutos dela pois são oriundos dos
acampamentos e assentamentos e deslocam-se para cumprir tarefas na burocracia das
finanças, dos projetos e das relações públicas do MST.
Às vezes identificados como funcionárias e funcionários, encontram-se no trabalho
de organizar atividades e ações e no processo de pertencer ao MST. São participantes de
um fazer das realizações de cursos, encontros, atos públicos, atividades na base social do
Movimento, e tantas outras ações. E, na situação do Curso, deixam momentaneamente suas
tarefas na administração de secretarias e escritórios dos movimentos e organizações sociais
e passam à condição de aprendizes, compondo-se na experiência das jovens e dos jovens do
MST.
A parcela dos jovens identificados por “outras organizações”, 1,6%, são aquelas e
aqueles que participaram do Curso de Jovens do MST a convite de outros movimentos
sociais que atuam no campo, Movimento de Pequenos Agricultores - MPA, Movimento de
Mulheres Trabalhadoras Rurais - MMTR
73
; e de congregações religiosas. O MST
disponibilizou vagas a estas organizações que juntas, cada vez mais, vem se constituindo
em parcerias políticas e sociais na luta pela terra e pela reforma agrária, por créditos, uma
alimentação saudável, e outras demandas que convergem entre os movimentos sociais.
religiosos, organizações estudantis.
Estas organizações vêm firmando seus laços de parcerias através do fortalecimento
da Via Campesina. Esta organização se constitui num espaço comum de atuação de
movimentos sociais do meio rural, tanto no Brasil e quanto internacionalmente. Fundada no
Brasil, em 1992
74
, o processo de construção da Via Campesina vem se realizando na
construção de atividades formativas e ações em conjunto entre Movimento Sem Terra -
MST, Movimento de Mulheres Camponesas - MMC, Movimento dos Pequenos
Agricultores - MPA, Movimentos dos Atingidos por Barragens - MAB, Pastoral da
Juventude Rural - PJR, Federação de Estudantes de Agronomia do Brasil - FEAB, com
participação especial do Movimento dos Trabalhadores Desempregado - MTD, que tem
uma atuação mais concentrado no espaço urbano. A intenção de fortalecer os movimentos
sociais do campo e produzir quadros políticos para as organizações envolvidas tem levado a
realização de Cursos, Seminários e manifestações comuns.
Na especificidade da juventude, somente no Rio Grande do Sul, dois Cursos de
Realidade Brasileira para jovens realizaram-se, um em maio de 2001 e outro em fevereiro
de 2002. Estas atividades em comum, além da intenção prática de diminuir os custos das
atividades, aumenta o vínculo de parcerias entre os movimentos.
As jovens e os jovens que formaram o público do I Curso de Realidade Brasileira,
quantitativamente e qualitativamente originaram e procederam, na sua enorme maioria, a
partir de experiências com o MST nos acampamentos e assentamentos. Supõem-se a
participação de jovens nos fazeres do MST, como reuniões de preparação de ocupação,
acampamento e assentamento, marchas, etc. (Stédile, 1999; Sigaud, 2000). Ou seja, jovens
que trazem consigo uma trajetória, no geral, pessoal e familiar de ações mais contundentes
da luta pela terra.
O MST alcançou um grau de amadurecimento e consolidação na organização
política de bases sociais, com uma permanente construção de acampamentos, numa
contínua iniciação de famílias trabalhadoras rurais sem terra nas ocupações de áreas rurais e
73
Os diversos movimentos de mulheres do campo do país que se organizam na Via Campesina decidiram, no
ano de 2004, pela denominação Movimento de Mulheres Camponesas.
74
Ver página na Internet: www.via.campesina.org.br.
em ações promovidas contra o latifúndio e por reforma agrária. Contudo, novas gerações
sucedem-se dentro de espaços e momentos de socialização de um modo de vida forjado na
convivência coletiva, inicialmente nos acampamentos, posteriormente na construção de
assentamentos, nos cursos, encontros, etc. Transformar necessidades em demandas
coletivas a serem solucionadas tornou-se elemento constitutivo desse movimento social, da
mesma forma que a juventude vem-se tornando escassa na participação dos espaços dos
assentamentos.
Por outro lado, com um peso diferenciado, tanto na quantidade quanto na qualidade,
entre os jovens do Curso haviam outras experiências, fundadas na relação mais
profissionalizante dos "vínculos de trabalho", como "simpatizante" das ações do
Movimentos, na relação com outros movimentos sociais. Esta certa diversidade de origens
das/os jovens aponta para ampliação social, um alargamento das relações do MST com
diversos setores sociais, em diferentes circunstâncias.
Espaços que se constituíram em referência do MST, acampamentos e assentamentos
desdobram-se na instalação de secretarias em diversas cidades do país e escritórios de
cooperativas, e que trabalham também na consolidação de relações que se forjam em
espaços como universidades; momentos de reuniões, encontros, atividades públicas que
aglutinam diversificada militância e simpatizantes de causas sociais. O MST vem
extrapolando as convivências circunscritas da reivindicação de áreas de reforma agrária e
ganha aspectos maiores de contestação (Konder, 2000).
O Movimento ressoa como contestação onde se encontra a mística ansiosa de uma
sociedade em resolver questões sociais. Tanto no interior do país quanto nos grandes
centros urbanos, o MST encontra eco onde realiza ocupações de repartições do poder
público e de bancos; marchas nas vias públicas; debates em sindicatos; entidades de
categorias profissionais; escolas, universidades; atos em praças, etc. (Konder, 2000). Em
diversos momentos, o Movimento e seus interesses de grupo social atingem diferentes
setores da sociedade, com questões que trazem à tona demandas contidas nos sujeitos
sociais envolvidos.
Enfim, origem e procedência correspondem às relações que se processam com o
MST, além de um lugar físico. Neste estudo, através de questionários, pudemos resgatar
relações que constituem a possibilidade de gerar e extrair atores sociais para parcerias,
alianças, vínculos de trabalho, contribuição e militância com o MST. Isso produziu
categorias diferenciadas experiências nas relações com o Movimento Sem Terra: dos locais
físicos de acampamentos e assentamentos; de estudantes; das referências e simpatias
políticas com idéias, ações e causas políticas; da afinidade de pertencer a organizações
parceiras do MST; e relações de trabalho que criaram condições de proximidade com um
cotidiano militante.
As jovens e os jovens originaram-se de vinte, dos vinte e dois estados que o MST se
encontrava organizado naquele período de julho de 1999.
No segundo quadro trazemos, as localidades físicas, as unidades federativas de onde
vieram as/os jovens, no intuito de avançarmos na discussão de mais um perfil deste público
do I Curso de Jovens. E também para discutirmos a consolidação do trabalho do
Movimento e a sua ampliação social e política junto a sociedade nos estados.
Antes do quadro que podemos visualizar por região a origem das/os jovens definida
a partir da relação com o MST, e as unidades federativas, visualizemos os critérios do
número previsto de participantes por estado na Circular 25/99 da Secretaria Nacional para
as secretarias estaduais:
Quadro 2 - Estados em números absolutos
Estado
RS
SC
PR
SP
RJ ES
MG
BA
PE
GO DF
MT MS
RN,CE,PI
AL,SE,PB
PA,MA
TO
Número
Previsto
90 90 135
200
45 45 45 45 45 45 45 45 45 45 45
Número Real
73 67 189
161
22 39 42 25 47 46 28 45 45 36 46
Associamos a diferenciação no número de participantes no Curso à distância, aos
recursos financeiros e às condições organizativas do MST nos estados para agregar as/os
jovens e enviá-las/os para Unicamp. Neste último caso, os recursos materiais para viabilizar
a participação das/os jovens podem corresponder, direta ou indiretamente, à existência de
assentamentos ligados ao Movimento, de projetos que financiassem esse tipo de atividade e
de contribuições financeiras de outras entidades e organizações. Ou seja, a viabilidade da
ida de jovens para o I Curso de Realidade Brasileira dependeu de um certo grau de
organização para articular jovens e recursos nos estados em que o MST se encontrava até
então.
Vimos no Quadro 2 que dos vinte dois estado, que naquele período de 1999 o
Movimento encontrava-se organizado, alguns estados foram agrupados. Estes foram
denominados “delegações especiais”. Uma delegação com parte da Região Nordeste
consistiu-se num grupo com os estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Piauí, Rio Grande do
Norte e Sergipe, de onde se aguardavam quarenta e cinco jovens e foi captado pelo
questionário trinta e seis participantes; com ausência da presença do estado de Alagoas.
E outra delegação que reuniu o estado do Maranhão do Nordeste e os estados de
Tocantins e Pará da Região Norte. Esta configuração geográfica com estes três estados foi
denominada de Região Amazônica na organização político-geográfica do MST. Estiveram
presentes no Curso quarenta e seis participantes desta região, acrescido de mais um jovem
dos esperados. No entanto, o questionário aplicado não captou nenhum militante do Pará.
A utilização de delegação especial para estados do Norte e Nordeste possibilitou um
público diversificado na origem/procedência. Em vez de somente alguns estados com mais
possibilidades de captar recursos materiais se fazerem presentes no Curso, abriu-se à
presença e à representação de outros estados com menos recursos.
Vejamos o quadro que expressa a origem das/os jovens:
Quadro 3: Participação de jovens por Regiões e divisão por origem/procedência em
percentuais
Região
Acampada
s/os
Assentadas/os Universitári
as/os
Vínculos de
trabalho
Simpatizantes Outras
Organizações
Outros
Total
NO
0,2 0,8 0,4 ________ 0,2 _________ 0,1 1,7
NE
5,0 8,0 0,9 1,5 0,9 0,3 0,1 16,5
CO
9,5 5,5 1,1 0,2 0,3 0,1 0,2 16,9
SU
14,8 17,9 2,0 0,4 0,7 0,5 0,1 36,4
SE
7,9 17,5 1,8 0,6 0,7 0,7 0,4 29,5
Total
37,4 49,7 6,2 2,7 2,8 1,6 1,2 100
As amostras de participantes jovens se constituíram num pequeno universo da
potencialidade do Movimento em se articular nacionalmente. No caso do Curso de Jovens,
as amostras regionalizadas da presença das/os jovens demonstraram o potencial do fazer do
MST para agregar e aglutinar num espaço coletivo. As diferenciações de organicidade do
MST no país requer um empenho sobre o tema em particular, no entanto, pudemos perceber
dentro das limitações da participação do I Curso de 1999 pontos de articulação com a luta
pela terra.
Pode-se observar que diferenciação na participação das regiões no I Curso de
Realidade Brasileira. A maior parte dos jovens participantes do Curso saiu da Região Sul,
36,4%. Somente do estado do Paraná veio 21,1%; número superior aos das Regiões Centro-
Oeste e Nordeste, que respectivamente, participaram em 17% e 16%. Da Região Sudeste,
com 29% que agrega maioria a metade sul do país. E da Região Norte com cerca de 1,7.
Como todo processo histórico, não cabe olhar para as regiões como espaços físicos
em si, mas como experiências do fazer do MST nestas localidades. A diferenciação de
número de participantes provenientes de diversos cantos do Brasil relaciona-se com o grau
de organicidade conquistada e construída pelo Movimento Sem Terra e com os recursos
humanos e materiais disponíveis e a distância do local da realização do Curso de Jovens.
A história do MST difere-se em cada região e em cada estado. Em diferentes regiões
do país, a história do Movimento é um processo de construção que combina aspectos
sociais, políticos, culturais e econômicos, que determinam o grau que a organização Sem
Terra tem hoje (Medeiros, 2000; Fernandes, 2000; Caldart, 2000).
Na trajetória de consolidação e ampliação social e política do MST, as regiões
geográficas oficiais do Brasil poderiam ser recortadas de outro modo, a partir do prisma da
luta pela terra nos últimos vinte anos. Uma configuração surgiria inevitavelmente com o
“jeitão” do MST. Inicialmente um forte sotaque sulista destacar-se-ia; hoje uma mistura
forte de falas sertanejas, agrestes, do serrado e do pantanal. A consolidação do Movimento,
nacionalmente, pode ser demonstrada nas raízes que fincou a partir da territorialização das
suas instâncias de representação e formas de organização que se expandiram além do eixo
sul do país (Fernandes, 2000:199).
A Região Nordeste é muito diversificada no que diz respeito ao tempo de
constituição do Movimento. estados, como por exemplo Bahia e Pernambuco, que
possuem bases políticas consistentes, com vários acampamentos e assentamentos que
respondem e sugerem pautas políticas. na Região Norte, o MST é mais recente,
entretanto, a organização no estado do Pará é mais estruturada do que no estado do
Tocantins que tivemos jovens captados pelo questionário.
Os estados de Alagoas e do Pará, dos quais através do questionário não obtivemos
nenhum/a jovem, o Movimento encontra-se consolidado. Em Alagoas, o MST faz-se
presente desde 1985, com importantes conquistas de assentamentos. E no Pará, o
Movimento ganhou impulso organizativo na segunda metade da década de noventa, e é
marcante a presença de jovens nas lideranças de base nos acampamentos e também
assentamentos. Destaque para a figura emblemática de Oziel Alves, de dezessete anos,
importante liderança escolhida a dedo pelos assassinos do Massacre de Eldorado de
Carajás, que o torturaram e o mataram. O jovem se somou aos dezenove trabalhadores
mortos que protestavam a favor da desapropriação da fazenda Macaxeira. (Fernandes,
2000)
Na Região Centro-Oeste, o Mato Grosso do Sul é o estado com uma luta por terra
mais contínua e isto se reflete na organização do MST. No Distrito Federal, o trabalho de
organização do Movimento é mais recente, como é recente a pressão por terra por parte das
famílias sem terra como um todo.
Na Região Sul, o tempo de existência da organização e o grau de organicidade são
muito próximos nos três estados. Com dados coletados sobre a presença de jovens no
Curso, destaca-se o estado do Paraná, através de seus cento e sessenta e nove participantes.
Relacionamos a presença de jovens ao grandioso contingente de acampamentos. Nos
últimos anos, famílias sem terra vêm vivenciando um intenso processo de luta pela terra,
com grandes ocupações de latifúndios e o enfrentamento constante às repressões de polícias
e milícias armadas.
Na Região Sudeste, a luta por terra é bastante antiga. em 1984, no município de
Sumaré, na região de Campinas, um assentamento já havia sido conquistado e outros são
instalados no decorrer desta década (Fernandes, 2000). Mas a organização do MST é mais
variada. Ressalta-se o impulso organizativo do Movimento no estado de São Paulo no
meado da década de noventa com novas ocupações na região do Pontal do Paranapanema.
Ao se tornar um dos principais focos de tensão agrária do país, acelera-se o processo de
maturidade do Movimento no estado.
No Espírito Santo, o processo de constituição do MST distingue-se dos demais na
RegiãoSudeste. Nesse estado, os elementos constitutivos da organização das famílias sem
terra podem ser observados nas histórias de outros estados do Sudeste, pois estão contidos
na ofensiva dos trabalhadores através de ocupações, na solidariedade e na atuação de outras
entidades, como Igreja, Sindicatos, Central Única dos Trabalhadores e Partido dos
Trabalhadores. Os momentos iniciais desse processo foram marcados por desdobramentos
com a instalação de vários assentamentos e novas demandas como educação, produção,
formação política, saúde, durante estes últimos vinte anos de luta. Dessa maneira, puderam
amadurecer contínua e acumulativamente a organização do Movimento.
O estado do Rio de Janeiro, mais próximo da cidade de Campinas do que a grande
maioria de outros estados, contou com a presença de 2,5% das/os participantes. Um número
bastante reduzido, que num primeiro momento, pôde ser relacionado a uma menor
disponibilidade de recursos materiais e humanos. Mas os aspectos organizativos do MST,
nesse estado - que vem-se potencializando com novos acampamentos e assentamentos e
instâncias organizativas de direção estadual, coordenações e secretarias nacional e estadual
na capital - são sistematicamente mais recentes do que por exemplo no Espírito Santo.
O MST, na sua existência, vem-se mostrando uma organização versátil ao absorver
as enormes diferenças locais e experiências, mais ou menos, bem ou mal, sucedidas, que
vêm servindo de lição sobre a necessidade de capitanear demandas da própria realidade
social. As distintas situações que diferentes famílias de norte a sul do Brasil enfrentam
levaram-nas a distintas respostas e formas de atuarem na luta pela terra.
Onde se conseguiu superar a demanda primeira da terra, abriram-se espaços a outras
demandas e à construção de novas experiências em produção, educação, formação política
e nas especificidades da mulher e da juventude, que ganharam peso e importância. E a ação
do Movimento esteve voltada, durante este processo, para pautas formuladas por
necessidades e sonhos das milhares de famílias de trabalhadores. Demandas novas exigiram
uma versatilidade de ações táticas para realização de conquistas que mais tarde pudessem
acumular no sentido de alcançar vitórias estratégicas.
O confronto com a necessidade da terra no sul do país, no final da década de
setenta, levou inúmeras famílias a se organizarem em busca da “terra prometida”. A
demanda da terra pode ser encontrada no mesmo período em diferentes estados, e ainda
hoje, sendo combinada com outras demandas.
Em Fernandes (2000), a gestação, o nascedouro e a consolidação do MST nos
estados acompanham as ocupações do início dos anos oitenta. A articulação ocorreu em
meados dessa década, e a organização de instâncias e setores durante a década de noventa.
Mas as peculiaridades locais compõem a construção do Movimento em cada estado e
demonstram o quanto o distintas as ligações entre as primeiras ocupações, na década de
oitenta, e a expansão do MST, nos anos noventa.
A consolidação do MST nos estados acontecem com as peculiaridades locais de
organização das famílias sem terra, dos conflitos com o latifúndio e da luta pela terra, de
um modo geral; dos embates políticos com o estado; e das conquistas imediatas de
assentamentos.
Os assentamentos abriram o caminho das famílias para a construção de outras
perspectivas, além da terra, como: a organização da produção; a construção da escola; a
qualificação do militante; e a atuação em outro patamar de mulheres e jovens. Isso pode ser
sentido em trabalhos com grupos de jovens que acumulam uma experiência de atuação da
juventude e ações de educação com cursos profissionalizantes.
Como vimos, a relação entre o contingente que se fez presente no Curso e sua
procedência tem a ver com a organização de recursos humanos e materiais para viabilizar a
presença de jovens em atividades nacionais e a organicidade do Movimento Sem Terra nos
estados com acampamentos, assentamentos e parcerias sociais e políticas. Quem são as
jovens e os jovens do MST passou por saber de onde saíram: acampamentos,
assentamentos, bancos universitários, estruturas organizativas do MST e diferentes espaços
de comunicação e relação social e política do Movimento Sem Terra, que formam os canais
de acesso do Movimento com jovens.
Outro Quadro/perfil na perspectiva de retratar a/o jovem do I Curso de Realidade
Brasileira, após sabermos de onde vieram os jovens e quais as experiências de relações
locais nas regiões do país, foi o das faixas de idades dos participantes do Curso de jovens.
O critério de participação apontou para jovens entre 15 e 25 anos, no entanto, encontramos
variadas idades entre as/os presentes no Curso.
Quadro 4: Faixas de idades em percentuais:
Idade Número
exato
Percentual Percentual
Válido
Percentual
acumulado
Abaixo de 15 anos 24 2,7 2,7 2,7
Entre 15 e 25 anos 773 86,3 86,6 89,0
Acima dos 25 e abaixo dos 30
anos
72 8,0 8,1 97,0
Acima dos 30 anos 24 2,6 2,6 100
Total 893 99,3 100,0
Não respondeu 3 0,3 100
Total 896 100,0
Quase 90% dos jovens que participaram do I Curso de Jovens tinham entre 15 e 25
anos, e um pequenino grupo com idades bem diversas, 13, 14, 30 e 50 anos. Diferentes
grupos de pessoas numa mesma faixa etária vivenciam situações distintas e projetam-se
para o futuro de diversas formas, conforme o seu lugar social e suas experiências. Na
experiência do Curso de Jovens, pessoas de diferentes idades compartilharam a mística de
tornarem-se coletivo sob o signo de serem jovens. Se a exceção de pouco mais de 10%
afirma que a regra do perfil de jovem entre os 15 e 25 anos, afirma também que
subjetividades da luta pela terra foram comuns ao público.
Para Amilton, 34 anos, acampado no estado de Minas Gerais, segunda série
primária, sem profissionalização, fazendo o que ele chama de bicos para sobreviver.
quatro meses no Movimento, o seu sonho é “uma vida melhor”. O seu projeto de vida é ter
“mais saúde, dignidade, mais escola para todos”. Para ele, o MST significa “organização
que luta por uma sociedade digna e de direitos iguais para todos”. E a opção pelo MST é
“para lutar junto, para conseguir esses objetivos que tem o MST”.
Jacira, 37 anos, acampada em São Paulo, com curso universitárioincompleto,
sonha com “um futuro melhor”. Não informou quanto tempo está no Movimento. Seu
projeto de vida é continuar “junto com os companheiros dentro do assentamento, com a
comunidade”. Para ela, o MST representa “trabalho, companheirismo, solidariedade, e
com isso formaremos uma sociedade mais justa, humana, digna de construir um novo
futuro”.
Rodriguês com seus 34 anos, também acampado, mas no estado do Paraná, trabalha
na roça e cursou até a oitava série. Ele encontra-se há dois anos no MST para “ter uma vida
melhor”. Seu sonho é “conseguir um lote” e levar adiante seu projeto de vida de cultivar
“café, feijão e coco d’água”. O MST, para ele, é: “reforma agrária, transformação, uma
luta de todos e fartura para todos”. E completa, dizendo que entrou para o Movimento
porque presenciou a “transformação dos amigos e porque eu gostei muito da organização
do MST”.
Assentado na Bahia, José com 35 anos, quinta série, realiza trabalho rural. Sonha
“que não haja fome” e tem como projeto para o futuro o cultivo do milho e da mandioca, e
a instalação de poços d’água. Percebe que o Movimento é “progresso, mudança e
trabalho”. E entrou para o MST “por um Brasil jovem e vivo e produtivo, porque sem MST
não há reforma agrária”.
E a produtora rural, Iraci, 50 anos, segundo grau incompleto, não é militante do
MST, mas do Movimento de Mulheres Agricultoras
75
. Através da parceria entre os
movimentos sociais de atuação no campo, ela pôde expressar seu sonho de “uma sociedade
socialista”, e tem como projeto para o futuro o de “trabalhar para uma sociedade
igualitária”. Para ela, o MST representa uma das frases emblemáticas que ele próprio
cunhou: “ocupar, resistir e produzir”.
E João Maria, de 15 anos, acampado no estado de Goiás, que deseja um país
igualitário” e tem como projeto de vida “conquistar a terra, produzir e ajudar outras
pessoas a conquistar”. Ele relaciona a sua entrada no MST “por causa da terra e por uma
sociedade igualitária”.
Sonhos, projetos de vida e compreensões sobre a luta pela terra, por reforma agrária
e direitos e sobre o MST, independentemente das idades de cada participante, foram
partilhados. A condição da idade é transitória, como se referem Levi e Schmitt (1996), as
condições socioculturais destes sujeitos na atuação dos movimentos sociais do campo
foram as questões que se ressaltaram no que tange a necessidade e o desejo de "uma vida
melhor"; de "um futuro melhor" com mais saúde, escola, trabalho, solidariedade
companheirismo. E as condições como público do I Curso de Realidade Brasileira para
75
Os Movimentos de Mulheres Agricultoras e os Movimentos de Mulheres Trabalhadoras Rurais que se
congregavam na Articulação Nacional de Trabalhadoras Rurais se unificaram como Movimento de Mulheres
Camponesas.
Jovens do Meio Rural compartilhou noções entre seus participantes como: reforma agrária
ser " transformação, uma luta de todos e fartura para todos” ; ou ainda, sem MST não
reforma agrária”; e "uma sociedade socialista” e “trabalhar para uma sociedade
igualitária”
Um outro perfil sobre o retrato da/o jovem presentes ao Curso de Jovens de 1999, o
quadro de gênero nos remete a reflexão da participação feminina nesta primeira atividade
nacional de juventude do MST.
Quadro 5: Gênero/sexo e origem/procedência
Gênero/sexo
masculino Feminino Total
acampamento
29,6 7,8 37,0
assentamento
35,8 13,2 48,9
universitários
2,8 3,0 5,8
relação de trabalho
1,2 1,5 2,6
simpatizante
1,4 1,1 2,5
outras organizações
0,9 0,6 1,5
Origem/procedência
outros
1,0 0,3 1,3
Total
72,7 27,3 100
Os critérios de participação da Circular de Convocação do Curso apontou para uma
composição de 50% para ambos os gêneros de sexo. Entretanto, mais de dois terços do
público do Curso de Jovens foi composto por homens. 72, 2% do público total eram de
rapazes, maioria em quase todas as categorias de origem/procedência, menos entre as
universitárias/os. O desequilíbrio entre os sexo foi maior na categoria acampados”, foi
menor entre “assentados” e praticamente inexistente entre as universitárias e os
universitários, as/os com "vínculos de trabalho" com o MST; entre as simpatizantes e os
simpatizantes; e as e os advindas/os de outras organizações.
Uma curiosidade é que no caso do estado do Paraná, cerca de 27, 4% do total de
jovens acampados participantes do curso, todos os participantes presentes ao I Curso foram
rapazes. Isto pode tem relação tanto com o envelhecimento do campo, quanto com a "forma
acampamento".
"A forma acampamento", montagem e manutenção de um acampamento e seus
significados (Sigaud, 2000), há uma tendência de um maior presença masculina. São
constantes as situações em que somente um membro da família se mantém no
acampamento, ocupando um barraco, ou, ainda, de rapazes que partem sozinhos para a
conquista da terra, podendo ou não, futuramente abrigar sua família de origem ou formarem
uma nova família. E pode ser que por isto são eles e não elas a atenderem ao convite para
participar dos cursos de jovens.
A participação feminina no I Curso de Jovens chegou a 27,2%. Acampadas,
assentadas, universitárias, de outras organizações, simpatizantes, de 13 a 50 anos de idade,
formaram qualitativamente o público ativo do Curso de 1999. Este quase um terço de
participação proporciona a reflexão sobre gênero na luta pela terra e no processo de tornar-
se jovem no processo do I Curso de Jovens.
A presença feminina no Curso esteve distante do equilíbrio dos cinqüenta por cento
indicados pela circular de convocação ou como o Setor de Gênero indica:
"Um dos princípios do MST é a transformação da sociedade, buscando
construir uma a sociedade solidária, com justiça social, capaz de garantir vida digna
a toda a população. Para isso, uma das necessidades é acabar com a desigualdade
nas relações de gênero (...) E é preciso sair do discurso e vivenciar estas mudanças
no dia-a-dia. Entre outras, consideramos essenciais que MST procure desde já: (...)
Ter 50% de homens e mulheres em todas as atividades de formação e capacitação;
(...) Realizar formação intensiva sobre o tema gênero em todos os setores e
instâncias; (...) A nova mulher e o novo homem estão dentro de nós. Mas é preciso
despertá-los e deixá-los desabrochar, para juntos construir um novo jeito de
sociedade"
76
.
Em conversas com a organização do curso chegamos situação, chegamos até a não-
liberação das mulheres por parte das famílias. Grande parte das jovens, ainda é privada por
suas famílias de participarem sozinhas de atividades dentro e, principalmente, de ações fora
das áreas de acampamento e assentamento. Muito se tem mudado através da atuação das
mulheres nas diferentes instâncias de direção e setores do MST e o Movimento procura
sensibilizar o espaço da mulher e refletir os papéis sociais. Contudo, esse é um processo
76
Ver página do MST na Internet: www.mst. org.br: setores: gênero.
que leva o tempo da superação de alguns valores da família sem terra junto ao conjunto da
sociedade.
A presença de mulheres nos movimentos sociais não é novidade. Nos últimos
cinqüenta anos, encontraremos Elizabete Teixeira que assumiu as Ligas Camponesas de
Sapé, nos anos de 1960, quando do assassinato de seu marido João Pedro Teixeira com
quem compartilhava a militância. Nos anos 70, encontraremos Margarida Alves, liderança
sindicalista paraibana assassinada... E emblemática, Diolinda Alves, nos anos 90, presa por
estar nas ocupações de terra junto com seu marido João Rainha Júnior, liderança do MST
no pontal do Paranapanema (Novaes, 1997).
A luta das mulheres é reconhecida nos movimentos sociais do campo, não somente
através das organizações dedicadas à questão de gênero, como o Movimento de Mulheres
Camponesas - MMC. No Movimento Sem Terra, a participação das mulheres é sentida
desde o início, nas primeiras ocupações do final da década de setenta e início dos anos
oitenta
77
, estendendo-se na atuação dos setores, como de educação e saúde, que hoje não é
mais “coisa de mulher”, e no papel dirigente nas direções estaduais e nacional. Caso
notável da ocupação feminina no MST é o estado do Ceará; por muito tempo, a direção
estadual do Movimento foi, quase na sua totalidade composta por mulheres. De 1995 a
1999, de quinze membros na direção, onze eram mulheres. E esse fato da participação
feminina é perceptível na base do movimento nos acampamentos e assentamentos, na
militância em organizar as ações de ocupações e atos públicos e nas direções.
Não podemos caracterizar a presença feminina e a sua respectiva participação a
partir desses dados restritos ao público do I Curso para Jovens. Entretanto, as informações
oferecem-nos algumas reflexões sobre um processo constante de reconquista de espaços de
luta por parte das mulheres no conjunto dos movimentos sociais, seja pela redução de sua
presença, seja pela internalização de papéis de dominação sexista.
A base constituída de movimentos sociais, como o Movimento Sem Terra, compõe-
se com a atuação da família, diferentemente de movimentos de categorias, onde quem
participa é o membro filiado. A participação das famílias nas atividades recoloca as
mulheres no campo da atuação política. Nas situações de conflitos, despejos, desbloqueio
77
Ver Fernandes, B. Mançano, A Formação do MST no Brasil” (2000); Caldart, Roseli, “A Pedagogia do
Movimento Sem Terra (2000); Moraes, Tetê, os filmes “Terra para Rose” (1987) e “O Sonho de Rose”
(1997).
de rodovias e outras situações de confronto, elas e suas crianças não ganham a garantia da
não-violência, contudo, ressignificam o conflito na possibilidade de diminuição da
agressividade por parte das forças de repressão estatal ou de milícias privadas de
fazendeiros.
É contraditório o papel da mulher no conjunto das relações e experiências da luta
por terra e pela reforma agrária, pois, a mesma família rural, na busca da terra, repõe a
mulher na vida política, e, num outro momento, não a libera para o aprofundamento da
atuação política em espaços de formação. Essa realidade pode ser compreendida na
dinâmica de seus espaços e momentos nos quais os valores expressam um certo reforço do
papel tradicional feminino restrito às relações familiares.
São distintas as situações coletivamente vivenciadas, em que participa toda a
família sem terra e todos os seus membros, cumprindo papéis na luta, e situações em que o
indivíduo participa sozinho. Na ocupação de terra: montagem do acampamento, com seus
barracos para morada, montagem das cozinhas e farmácias coletivas; na construção da
escola, ou seja, da aparição da cidade de lona preta, todas e todos membros da família
possuem funções. Na realização de um curso, em que a participação seja recortada pela
especificidade da juventude ou da mulher, a família não está presente. A condição da
presença na coletividade do I Curso para Jovens foi que cada pessoa, individualmente, se
encontrasse identificada por jovem.
Um outro quadro sobre as/os jovens do I Curso de Jovens, a forma de residir foi um
dos elementos disponibilizados para a constituição de um retrato.
Quadro 6: Residência em percentuais
Origem/ procedência sozinho família irmãos amigos outros não
respondeu
Total
Acampada/o
6,1 17,0 3,0 7,1 3,6 0,3 37,2
Assentada/o
3,6 33,5 3,5 5,5 2,7 0,2 48,9
Universitária/o
0,1 1,9 0,4 2,5 0,9 ________
5,8
Vínculo de Trabalho
0,1 1,1 0,4 0,9 0,1 ________
2,7
Simpatizante
_______
1,9 0,3 0,2 0,1 ________
2,6
Outras organizações
_______
0,9 0,2 _______
0,4 ________
1,6
Outros
0,3 0,6 0,1 0,1 0,1 0,1 1,3
Total
10,3 56,9 8,0 16,3 7,9 0,6 100
A maior parte dos jovens ainda reside com suas famílias, 56,7% dos que
responderam ao questionário. Os 43,3% restantes: 16,4%, ou cento e quarenta e sete
pessoas, dividem espaço com amigos ou companheiros de acampamento e assentamento ou
de atividades políticas; 10,3%, ou noventa e duas pessoas, moram sozinhos; 7,92%, ou
setenta e um jovens, escolheram na questão “mora com quem” o item “outros”. Nesses,
encontram-se somente 3,35% de jovens que declararam morar com suas e seus cônjuges,
podendo, ou não, dividir o teto com suas mães e seus pais ou sogras/os. Repara-se que a
distinção entre "família" e "irmãos" foi uma alternativa de resposta encontrada no
questionário e corresponde na análise ao não convívio das/os jovens com o núcleo familiar
original.
Dos 91, em números absolutos, jovens acampados do Paraná, 41 não moram com
seus familiares, dividem moradias com outros “companheiros”. E dos 40 que vivem com
suas famílias: 32 moram com os pais e 8 moram com irmãos ou outros parentes.
Do restante, classificado em “outros”, como elemento qualitativo, e não
quantitativo, das relações vividas pelas/os jovens ao responderem sobre moradia, como
casada/ casado, ou situação similar, estando casadas, amigadas, ou qualquer outra
classificação, expressaram a sua não-condição de solteiras. Descreveram-se como vivendo
com seus companheiros ou suas companheiras, não havendo confusão com a opção
“companheiros amigos/colegas” relativo às pessoas que atuam no Movimento Social. A
terminologia “companheiros”, tanto para masculino quanto para feminino, é usada em
diferentes situações no cotidiano do Movimento Sem Terra e de outros movimentos sociais.
Das trinta pessoas que optaram por “outros”, treze declararam a existência de filhos,
e os outros definiram sua experiência de residência nas moradias universitárias coletivas;
em espaços religiosos; nas moradias de seus vizinhos ou “família amiga”.
A condição de filho e filha prevaleceu entre os jovens do Curso, pois a maioria
procede de experiências de residência com seus pais. No entanto, não foi possível desprezar
as novas condições de moradia no processo de luta por terra. Nas circunstâncias
compartilhadas do acampamento, assentamento, nos diferentes espaços do Movimento Sem
Terra, alguns moram sozinhos, outros dividem o mesmo espaço do barraco com seus
consangüíneos, amigos e/ ou companheiros conquistados na luta pela terra. Houve quem
morasse com seu filhinho” e não optou pela idéia de família contida na opção “pais”;
houve quem morasse somente com “a mãe e o irmão” e não se encaixou com “pais ou
irmãos”.
A noção de família, através das diversas experiências vivenciadas por estas e estes
jovens nos espaços de residência, permanece como referência dentro e fora do MST. A
fragmentação da família descompõe os seus membros no processo de luta, da busca do
espaço de trabalho e moradia, e a solidariedade desta mesma família se recompõe também
no processo de luta, mas no momento de estabelecer no que se constitui como seu novo
lugar.
No quadro seguinte teremos contato com o perfil da escolaridade das jovens e dos
jovens participante do I Curso de Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural:
Quadro 7: Nível escolar em percentuais:
Origem/
procedência
1
ª
a 4
ª
série
5
ª
a 8
ª
série
2
ª
grau
incompleto
2
ª
grau
completo
3
º
grau Outros
Não
respondeu
Total
Acampado
8,0 18,9 5,0 4,1 0,2 0,6 0,3 37,2
Assentado
6,5 22,9 9,5 5,9 0,6 2,0 0,8 48,8
Universitário
_____
_____ _________
________
5,7 0,1 ________
5,8
Vínculo de
Trabalho
0,2 0,6 0,2 1,6 _____ 0,1 ________
2,7
Simpatizante
_____
0,3 1,0 0,8 0,2 _____
__
0,2 2,6
Outras
organizações
_____
0,1 0,4 0,8 0,1 _____
__
0,1 1,6
Outros
0,2 0,6 0,1 0,3 _____ 0,1 ________
1,3
Total
15,7 43,3 16,3 13,5 6,8 2,9 1,5 100
O quadro acima demonstra que quase 60% das/os jovens que compareceram ao
Curso de Jovens tem até o Ensino Fundamental. As faixas de escolaridade demonstra a
série escolar que cada jovem alcançou, não sendo possível levar em consideração os anos
totais na escola com base em possíveis repetências de séries.
Entre jovens acampadas/s e assentadas/os, quase 90% do público, com idades na sua
entre 15 e 25 anos de idade, o numero é reduzido de quem chegou ao 2
o
grau, menor ainda,
no caso de acampados. A ausência de escolas de ensino médio é grande, e agrava-se com o
fechamento de escolas de ensino médio. A escola no campo é extremamente importante
para a permanência da/o jovem do campo e a manutenção de sua identidade com as
experiências neste espaço (Caldart, 2000). A ida de jovens para cidade para estudar em
escolas distante de suas realidades, com conteúdos que não refletem suas vivências e
somado as dificuldades geralmente de distância, tempo e condições dos transportes pode
levar os jovens a desistirem dos estudos e se distanciarem das relações que as/os vinculam a
vida no campo. A luta por escola no campo vem nos últimos cinco anos se intensificando
através do MST e os movimentos sociais que atuam conjuntamente na Via Campesina, e
também através de organizações como a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura -
Contag, que ora convergem, ora disputam propostas para a educação do campo (Arroyo,
2003).
Os números ajudam a visualizar situações de uma realidade escolar deficitária, diga-
se de passagem, que assola toda a realidade social brasileira. Demonstra-se que a
escolaridade ainda é muito baixa, diante dos anos exigidos de escolarização para formação
de profissionais. Encontra-se muito distante das jovens e dos jovens a exigência de
escolaridade com ensino médio, menos ainda, com acesso à universidade.
A educação não é o foco deste estudo, no entanto, é impossível não citar o
reconhecido trabalho que o MST vem produzindo nas áreas de acampamento e
assentamento e no alargamento de fronteiras do conhecimento, com a constituição de
turmas especiais na área do ensino universitário.
O tempo de escola como um elemento definidor da instrução e de oportunidades de
trabalho no futuro das/os jovens levou o MST a tomar iniciativas importantes na luta por
educação no campo. Exemplo disto são as Escolas Itinerantes nos Acampamentos nos
estados do Sul que são instaladas assim que se forma o acampamento e reconhecida pelo
estado. Uma outra atitude do MST é a importância que se ao compartilhar instrução e
conhecimento. O drama da educação no Brasil, sentida nos acampamentos e assentamentos,
através do empenho de muitas pessoas, que numa atuação cotidiana tornaram-se educadoras
na prática, reverteu-se em possíveis saídas de compartilhar conhecimentos. As escolas
construídas embaixo de barracos de plástico preto, ou na primeira construção de alvenaria
do assentamento, foram o pontapé inicial para um jeito próprio de cuidar não só da
educação das crianças, mas da juventude e das pessoas adultas.
O MST tem promovido em parceria com a Via Campesina cursos em parcerias com
universidades, principalmente, públicas. Exemplo disto nos últimos 5 anos o Movimento
formou só no curso de pedagogia 6 turmas de em média 40 estudantes. Em diversos estados
como: o Rio Grande do Sul com a Universidade de Ijuí - privada - e com a recém criada
Universidade do Estado do Rio Grande do Sul - UERGS; no Espírito Santo, no Pará e no
Mato Grosso com as respectivas universidades federais instaladas nestes estados. Além de
turmas de outros cursos que estão em andamento.
Sobre trabalho, o nosso último quadro do conjunto das/os jovens presentes ao I
Curso de Realidade Brasileira do Meio Rural, o perfil auto-definido por elas e eles sobre a
realização de atividades junto às suas famílias e a ausência de remuneração:
Quadro8: Jovens que trabalham em percentuais:
Trabalham 77,6 Sustentam-se 34,4
Não trabalham 9,6 A família sustenta 17,1
Só estuda 1,0 Não se sustentam 8,7
Não responderam 12,8 Não responderam 34,4
Total 100,0 Total 100
Destes jovens que trabalham: 39,2% trabalham na roça, na lavoura ou desenvolvem
atividades rurais relacionadas à agricultura e pecuária. 22%, realizam diferentes trabalhos.
10% consideram que trabalham no MST, e desse número, 6,7% declararam que recebem
“ajuda de custo” do Movimento (um tipo de custeio para passagem e alimentação).
As/os jovens que compuseram o público dos cursos para jovens do MST trabalham,
mesmo que seus trabalhos não proporcionem um auto-sustento e ou façam parte do
orçamento familiar. E em várias situações, o trabalho rural em família não distingue, se a
jovem ou o jovem se auto-sustenta, ou se a família a/o sustenta, ou se contribui com o
sustento total da família.
2.1 - Sonhos e Projetos de vida de uma juventude
“É preciso sonhar, mas com a condição de
crer em nosso sonho.
De examinar com atenção a vida real,
De confrontar nossa observação com nosso sonho,
De realizar escrupulosamente nossa fantasia.”
Lenine
78
A retomada da capacidade de sonhar e projetar a vida é o que pode retratar as jovens
e os jovens do I Curso de Realidade Brasileira para Jovens no Meio Rural, em julho de
1999, na Unicamp. Com suas diversas origens, procedentes de diferentes e comuns lugares
experiências de relação com o MST, elas e eles fizeram-se representar a partir de seus
desejos, necessidades, anseios, sonhos, projetos de vida, compartilhados. Suas idades, suas
formas de residirem e conviverem com outras pessoas, trabalharem e sobreviverem, seus
graus de estudos, moças e rapazes, mulheres e homens, tomam forma, colorido a partir da
retomada da mística de sonhar, com um outro mundo, um outro momento da vida sua e do
outro, e de projetar, planos de trabalho e criação, estudo, moradia, para si e para os seus.
Durante o Curso de Jovens, a mística de tornar-se parte do coletivo foi ativada,
através de animação, motivação e força de crer na mudança de vida e transformação do
mundo, das pessoas, das coisas em geral. A mística do Curso foi de partilhar coletivamente
esperança entre as/os jovens presentes: esperança pessoal e esperança coletiva. Os sonhos e
os projetos de vida foram parte de questões do questionário aplicado, mas mais ainda, a
retomada, mesmo que pontual, de se crer na possibilidade de mudar de construir. E por isto,
ganham significados na força da/o jovem de crer - e também de compreender as condições
sociais, políticas e econômicas - nas mudanças, na transformação.
78
Citação retirada da porta de jovens alojados no ITERRA para cursos de ensino médio, 2002.
“A mística sempre estabelece uma dupla relação, um vai-e-vem que não cessa
jamais; ao mesmo tempo que fortalece a auto-estima, incentiva novos passos”
(Bogo, 2002: 29)
A capacidade de sonhar e projetar a vida, tanto é ativada, quanto ativa a "auto-
estima" e "incentiva novos passos". Estes novos passos podem refletir a retomada de
aspirações mais imediatas, bem como, corresponder a um processo longo de
transformações estruturais profundas econômicas, políticas, culturais, sociais. A
experiência do Curso ativou tanto os sonhos e projetos de vida pessoais herdados e
compartilhados anteriormente na família e nos grupos sociais como compartilhou no
período de realização uma subjetividade gerida na luta pela terra.
A seguir um quadro demonstrativo dos "Sonhos e Projetos de Vida" das/os jovens
do Curso de Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural que responderam às perguntas
“qual seu sonho? e seu projeto de vida?” do questionário aplicado.
Quadro 9: sonhos e projetos de vida
Sonhos Projetos de Vida
"Ajudar o povo; traze-lo para o MST";
"igualdade; justiça";
"Ver todos felizes";
"País livre, sem exploração"; "país sem
discriminação"
"Ajudar a construir um país socialista";
"País melhor, sem fome, sem desemprego";
"País melhor, para todos; direitos";
"País digno, em miséria";
"Brasil com dignidade";
"Brasil novo e livre"; "Brasil, direitos
iguais";
"Morar num país igual para todos";
"Transformação da sociedade"; "uma
sociedade como o MST";
"Ver distribuição social de renda"; "Todos
tenham casa, trabalho, saúde, alimento";
"Vida digna; sem desemprego e sem
fome";
"Concluir estudos para transformar a
sociedade"; "dias onde as pessoas
consigam se olhar como irmãos";
"Projeto coletivo";
"Produzir alimento para ajudar o povo";
"produzir alimento dia-a-dia"; "produzir
para acabar com a fome no Brasil";
"Continuar sendo MST";
"Construir família"; "Ter família";
"Fazer com que todos lutem";
"Ser atleta"; "ser músico"; "Ser médica";
"Ter informação sobre o Brasil e o mundo";
"Estudar e participar do MST";
"Ajudar na transformação, lutando por dias
melhores";
"Ter vida melhor"; "Jamais voltar a sofrer";
Ter vida digna"; "vida digna, paz"; "vencer
na vida";
"Trabalho digno"; "Terra para trabalhar";
"começar produção no lote"; "Ter terra para
produzir"; "trabalhar e estudar"; "estudar e
me especializar e contribuir com uma
sociedade mais justa"; "trabalhar a terra";
"conseguir trabalho"; "produzir abelha";
"descansar após cumprir obrigações";
"Ter alguém que desse oportunidade";
"Um mundo melhor";
"Contribuir para que isso aconteça (país sem
exploração"; "Fazer Reforma Agrária";
"Pedaço de chão"; "Ter pedaço de terra";
"terra para trabalho meu";
"Faculdade e luta pelo socialismo";
"Voltar para acampamento e viver bem";
"sempre morar na luta"; "viver no MST
com a família"; "Ter fam´lia";
"ser feliz";
Os Sonhos e projetos de vida são variados e expressa as condições e necessidades
de jovens. Pois são expectativas pessoais e coletivas que resultam de experiências
vivenciadas nas relações de onde provém a/o jovem, acampamento, assentamento e/ou
outro espaço, e que resultam também do próprio momento do Curso. São representações e
concepções que têm como parâmetros suas experiências de luta por sobrevivência e
desejos. E dão rosto para traços de jovens, porque expõe que esta/este jovem pensa, sonha e
projeta para sua vida, que é tanto parte do seu processo pessoal de maturação, quanto no
seu processo de participante dentro do MST e da mística de tornar-se parte do coletivo
jovem do Curso.
Sonho: "um país livre da exploração”; projeto de vida: "projeto coletivo onde inclui
todo povo sofrido e necessitado, brasileiro" - Luís Carlos, 25 anos, acampado na
Bahia, 7
ª
série escolar.
Sonho: "ajudar a construir um país socialista"- Paulo Henrique, 17 anos, assentado
também na Bahia, cursando o supletivo do 1
º
grau.
Sonho: “um Brasil melhor" - Andréa Siqueira, 24 anos, universitária de Minas
Gerais; projeto de vida:lutar por um país melhor” - Carla Elaine, 22 anos,
universitária do Rio de Janeiro.
Sonho: “poder ajudar o povo e trazer para o MST”; projeto de vida: “ir para o
assentamento produzir alimentos e ajudar o povo brasileiro” - Dinéia Machado, 16
anos, acampada no Rio Grande do sul, 1
º
ano do segundo grau.
Sonho: "quero construir uma vida digna"; “um país de igualdade e justiça"; projeto
de vida: "continuar sendo do MST”- Celso Bertazze, 25 anos, acampado no Paraná,
cursou o 2
º
grau.
Sonho: “morar num país que seja igual para todos”; projeto de vida: “construir
uma família” - Ênio Valmir, 20 anos, assentado no Paraná, 8
ª
série.
Sonho: "um dia melhor para todos"; projeto de vida: "viver num país com
dignidade”- Jonas Ferreira de Lira, 30 anos, assentado em Pernambuco, 2
º
grau
escolar.
Provenientes de locais diferentes; com experiências de relação no acampamento,
assentamento, universidades; com idades diferentes, e sonhos e projetos de vida
compartilhados juntos. Combinam questões amplas como país, Brasil e povo com questões
mais pessoais como" construir uma família". Representações pessoais e coletivas que
compreendem a melhoria de suas vidas dentro de um processo de mudanças sociais que lhe
é algo maior, que transcende a sua própria privação de terra, moradia, trabalho,
alimentação, escola. A mudança deste conjunto, deste coletivo "país" ganha sentido na
construção de uma vida com dignidade, implicaria na mudança pessoas. O projeto pessoal
de continuidade no MST e de constituição de uma família se entrelaça com "um país de
igualdade e justiça".
Boff, na coletânea de textos sobre mística, destaca-a como um chamado a juntar
seus "sonhos" e projeto de vidas" à luta do povo:
“Vamos manter essa opção de pensamento e de vida associando nosso destino ao
desses condenados da terra. se define a mística dos olhos abertos e das mãos
operosas” (Boff, 52).
A " opção de pensamento e de vida", da qual se refere Boff, se realizou de um jeito
juvenil, na mística de sonhar um sonho do tamanho de "um mundo sem exploração", de
"um país livre", de “um povo feliz”, de “uma sociedade igualitária”. E este sonho é
compatível com os diversos projetos de vida. E essas jovens e esses jovens combinam suas
aspirações com tarefas de organizar outras pessoas para participarem de uma luta por
mudanças, através da conquista da terra e da construção do assentamento.
Sonho: " um Brasil com dignidade, por querer mudar para melhor a vida de muitas
pessoas”; projeto de vida: "fazer com que todos lutem e mudem este país"- Luciano
Scimeoni, 22 anos, acampado, cursando o 1
º
ano do 2
º
grau.
Sonho: “ver todos felizes e mudar o país”; projeto de vida: "ser atleta”- Catarina
Machado Teixeira, 16 anos, acampada no Rio Grande do Sul, 1
º
grau.
Sonho: “um país melhor, sem desemprego, sem fome"; projeto de vida: “ter uma
família e ter uma vida digna de um trabalhador” - Adalberto Barbosa de Lima, 19
anos, assentado em São Paulo.
Sonho: “Brasil com milhões de assentados”; projeto de vida: “ter informação sobre
Brasil e mundo” - Luiz Carlos, 27 anos, assentado na Bahia, 7
ª
série.
Sonho: sonho com um Brasil novo e livre."; projeto de vida: produzir a
alimentação do dia-a-dia, anualmente” - Francisco Nunes de Oliveira, 23 anos,
assentado no Maranhão, 4
ª
série escolar
Sonho: "país melhor que todos tenham direitos iguais”; projeto de vida: "estudar e
participar do MST" - Patrícia Kele Lopes, 15 anos, assentada no Mato Grosso, 6
ª
série escolar.
As representações juvenis sobre as suas perspectivas de vidas demonstram que as/os
participantes do Curso se autopercebem como parte responsável de alavancar um processo
de mudanças no país, e coloca-se um papel de lutar, organizar e transformar. Segundo as
várias formulações encontradas nas elaborações de sonhos e projetos de vida de jovens, um
futuro melhor, um mundo sem exploração, um país livre, um povo feliz e uma sociedade
igualitária são obras da atuação de trabalhadoras e trabalhadores, e delas e deles mesmos.
O país melhor com que Adalberto sonha corresponde a ter uma vida digna, com
trabalho e sem fome, e assim poder constituir uma família. Segundo Luiz Carlos, isso
significa as famílias sem terra serem assentadas, com condições de produzir e acesso à
informação sobre a situação do Brasil e o que acontece no mundo. Um país melhor é um
país de igualdade de direitos, onde Patrícia possa estudar. Um Brasil novo e livre é onde
Francisco possa produzir.
Sonho: “ver este país e o mundo mudados para melhor”; projeto de vida: de
“ajudar nesta transformação, participando, lutando, por dias melhores para todos
Leandro Luiz, 16 anos, assentado em Santa Catarina, cursa o 2
º
ano do 2
º
grau.
Sonho: ser um grande militante do MST; projeto de vida: “ter um Brasil que
todos tenham direitos iguais” - Ademar Rodriguês, dezoito anos, assentado no Rio
Grande do Sul, com o 1
º
grau escolar.
Sonho: “um país digno, sem miséria”; projeto de vida: “ser feliz com a sociedade
onde moro”- Gabriel da Cruz, dezoito anos, assentado em São Paulo, 8
ª
série.
Sonho: "contribuir (com) uma nova sociedade”; projeto de vida: "produzir para
acabar com a fome do Brasil” - Juarez dos Santos, vinte e seis anos, assentado no
Mato Grosso do Sul, com a 4
ª
série escolar.
Sonho: ver a distribuição social de renda”; projeto de vida: “contribuir na
organização da classe trabalhadora, depois me assentar, ter uma casa e condições
para sobreviver” - Valeriana Barbosa, 21 anos, acampada no Ceará, estudante do
supletivo.
Para uma juventude que se constitui no Movimento Sem Terra, a conquista da
cidadania dá-se com a participação. O acesso à direitos, como comida, moradia, terra,
trabalho, acontece através da organização social e política. Uma transformação profunda da
estrutura fundiária, das condições de trabalho e de vida e das relações sociais, inicia-se com
a ocupação de um lugar para morar. Uma sociedade nova, segundo as jovens e os jovens
participantes do Curso, está na capacidade do povo, e em particular da juventude, de
realizar a reforma agrária “em toda a sociedade”, como apontou um deles. Um mundo
melhor está na aquisição de um trabalho, de um pedaço de chão, de casa e condições de
sobreviver. E um “país melhor”, um Brasil digno é um país sem exploração, sem miséria e
com igualdade.
Muitos dos sonhos e projetos de vida das jovens e dos jovens estão relacionados
trabalho, estudo, profissionalização, casamento e família, são desejos elementares da vida
social. Casar, viver bem, estudar, ter uma profissão, produzir sobre a terra, etc. São alguns
dos simples sonhos que se tornam complexos na sua realização, por encontrarem barreiras
sociais. Desejar uma profissão de médico ou advogado, querer morar e ter um trabalho e
poder plantar e colher não estão ao alcance de muitos das jovens e dos jovens sem terra.
Entretanto, a esperança persiste, e os sonhos e projetos permanecem. No Movimento, a
capacidade de sonhar se oxigena. A luta coletiva através da organização, a perspectiva de
um futuro com mais dignidade, o vislumbre de conquistas de terra, retomam a sede de
vitórias que entrelaçam dimensões pessoais e coletivas. As perspectivas das pessoas são
conquistas individuais e sociais. À medida que esses jovens vislumbram uma possibilidade
futura, planejam mudanças para suas vidas por dentro do grupo social que pertencem e
participam.
Sonho: "concluir meus estudos e que este estudo sirva para transformar a
sociedade, ou seja, uma sociedade onde todos possam estudar” - Andréa Cristina
Matheus, 16 anos, assentada em São Paulo, 2
º
ano do 2
º
grau.
Sonho: “voltar para meu acampamento e viver bem”; seu projeto “é começar
minha produção no meu lote e ajudar no meu coletivo e se casar com minha futura
noiva” - Eduardo Bispo, 20 anos, acampado na Bahia, estudou até a 4
ª
série escolar.
Sonho: "ter sua terra para produzir”; projeto de vida: "ter minha família." - José
Gilmar da Silva, 19 anos, acampado em Pernambuco, 6
ª
série.
Sonho: "uma sociedade como o MST"; projeto de vida: "uma família, emprego e
uma terra" - Aurivam Bertoldo Mendes, 22 anos, acampado no Rio Grande do
Norte, 6
ª
série.
Sonho: "casar no movimento”; projeto de vida: "sempre morar na luta" - "Nivaldo
Barlhnecht, 21 anos, assentado no Distrito Federal, 4
ª
série escolar.
Quase a totalidade da juventude presente ao I Curso de Jovens pertence aos grupos
sociais excluídos da escolarização, ou de poder concluí-la; do acesso à universidade; da
qualificação profissional; do direito à moradia, terra, trabalho, alimentação e saúde. A
diferença é que participam e constituem grupos sociais que se organizam, objetivam seus
interesses e lutam para reverterem seus destinos. Dessa forma, o futuro se ressignifica na
construção de possibilidades, como, por exemplo continuarem seus estudos, terem uma
profissão e batalharem trabalhos, não estando essas jovens e esses jovens largadas/os à
própria sorte. O presente atuante na luta por terra é também por um outro destino, traz
novos significados para suas histórias, e o futuro encontra-se sonhado e, por que não, cheio
de planos.
Sonho: um futuro melhor com a família” projeto de vida: inclui a perspectiva de
“trabalhar de dia e estudar à noite” - Valmir Ribeiro da Silva, 37 anos, assentado
na Bahia, 2
ª
série primária.
Sonho: "melhores condições de vida para todos"; projeto de vida: "moradia e
família” - Edivan da Silva Matos, 18 anos, assentado em Pernambuco, 5
ª
rie
escolar.
Sonho: "dias onde as pessoas consigam se olhar como irmãos"; projeto de vida:
"estudar, me especializar e contribuir para desenvolvimento de uma sociedade mais
justa” - Tereza Pires de Albuquerque, 24 anos, estudante universitária, Mato Grosso
do Sul.
Sonho: “ser um músico”; projeto de vida: “viver no MST com a minha família na
terra”- Reginaldo Ferreira, dezessete anos, acampado em São Paulo, 5
ª
série.
Sonho: “ser desenhista”- Vanderley Borges, dezesseis anos, acampado em São
Paulo, 6
ª
série.
Sonho: “igualdade para todos"; projeto de vida: “ser um professor universitário”-
Valmério da Silva, 18 anos, acampado em Pernambuco, cursa 6
ª
série.
Sonho: "no futuro ser uma médica"; projeto de vida: "na vida, quero ser feliz - Carla
Raquel Nunes, 15 anos, acampada em São Paulo, 5
ª
série escolar.
Sonho: “ter alguém que me desse oportunidade”; projeto de vida: “é trabalhar na
terra” - Aldineto Souza, dezenove anos, acampado em São Paulo, 3
ª
série.
Sonho:“um mundo melhor”; projeto de vida: “conseguir trabalho, porque hoje em
dia nem isso não se consegue” - Eliane Machado, 19 anos, assentada no Paraná,
estudou até a 8
ª
série.
Sonho: “ter um pedaço de terra”; projeto de vida: de “a produção de abelha, rosas
e peixes e ter uma família” - Paulo César de Farias, 24 anos, acampado no Paraná,
4
ª
série.
Sonho: minha terra para trabalhar no que é meu”; projeto de vida: “vencer na
minha luta e descansar quando poder no meu lote depois de cumprir minhas
obrigações”- Marcos Antônio, 20 anos, acampado no Mato Grosso do Sul, 7
ª
série.
A oportunidade de estudar, profissionalizar-se, bem como o próprio trabalho é uma
das maiores expectativas. Sonhos com diferentes profissões aparecem na juventude que se
constitui no Movimento Sem Terra. Convergindo à luta pela terra, à reforma agrária e a
transformações sociais, jovens expressam seus projetos profissionais. Mas não se trata de
qualquer trabalho. O trabalho digno, sem exploração, em que se percebe o processo de
produção, apresenta-se como um dos maiores desejos dessa juventude.
Sonho: “transformação da sociedade” -Marciel Alcântara Silva, 18 anos, assentado
em São Paulo, segundo ano da Escola Agrícola.
Sonho: que todos tenham direitos a casa, trabalho, saúde e alimentação” -
Vanderlei Martine, 22 anos, acampado no Rio Grande do Sul, 6
ª
série escolar.
Sonho: “transformação da sociedade”, que significa “construção de uma
sociedade justa e igualitária” - Maria Betânia Figueiredo da Silva, 16 anos,
assentada em Minas Gerais, 1
º
ano do segundo grau.
Sonho: “uma sociedade transformada e vencer o capitalismo” - Uedes Rodriguês,
23 anos, assentado no Espírito Santo, com o 2
º
grau.
Sonho: “uma vida melhor”; seu projeto de vida: “mais saúde, dignidade, mais
escola para todos” - Amilton Marques, 36 anos, acampado em Minas Gerais,
segunda série primária.
Sonho: "meu sonho é ter um país sem exploração e sem discriminação"; "meu
projeto vai ser contribuir para que isto aconteça” - Priscila Claudia Leite da Silva,
18 anos, assentada no Mato Grosso do Sul, 8
ª
série escolar.
Sonho: “viver num Brasil sem desigualdades sociais”; projeto de vida: pretendo
fazer faculdade e lutar pelo socialismo” - Márcio Conrath, 21 anos, acampado no
Paraná, com o curso de magistério.
Sonho: “um país justo”; projeto de vida: “ter um pedaço de chão para sobreviver
melhor” - Edirlei Totti, 17 e anos, assentado no Paraná, com o 1
º
ano do 2
º
grau.
Sonho: "ter uma vida melhor"; projeto de vida: "pegar um pedaço de terra para
amparar a minha família” - José Roberto Moraes, 18 anos, acampado no Paraná,
6
ª
série.
Sonho: “todos os sem terra fossem assentados”; projeto de vida:“ser alguém no
MST” - Lourenço Gonçalves, 15 anos, acampado em Minas Gerais, 7
ª
série.
Sonho: “jamais voltar a sofrer”; projeto de vida: “ver todos os companheiros
assentados e com recurso regularizado”- Gislaine Luiz da Silva, 27 anos, assentada
no Paraná, formou-se no magistério e no curso técnico de contabilidade.
Sonho: o “futuro digno”; projeto de vida: “fazer com que a reforma agrária se
realize”. - João Marcelo Almeida, 25 anos, acampado no Rio de Janeiro, 6
ª
série
escolar.
Sonho: “mais paz no nosso país e reforma agrária”; projeto de vida: “plantação de
árvores” - Joelsio Xavier Miranda, 19 anos, assentado no Paraná, estudou até o
ginásio.
Sonho: ver um Brasil melhor (e) fazer a reforma agrária”; projeto de vida: “que
possamos implantar escolas profissionalizantes em nossos assentamentos” -
Ademilson Teles, 18 anos, assentado no Paraná, estuda o 3
o
ano do 2
º
grau..
A reforma agrária passa a ser compreendida por essas pessoas como condição para
modificar suas vidas. A terra necessária às famílias ganha significado novo, quando
compreendida numa dimensão coletiva, em que outras famílias também necessitam de
terra.
A luta pela terra e a reforma agrária encontram-se como a possibilidade de um
futuro distinto do presente, cheio de dificuldades, e refletem a conquista de áreas para
sobrevivência e permanência. A compreensão de que o latifúndio é uma ameaça torna a
reforma agrária uma forma de combater o mal da concentração de terra.
Sonho: “ter uma vida melhor, ter apenas o necessário para o ser humano”-
Claudinei Araújo, 18 anos, acampado em Minas Gerais, 2
º
grau.
Sonho: igualdade para todos”; projeto de vida: “revolucionar o Brasil” - Elidan
Ferreira Costa, 18 anos, assentada em Goiás, estudou até o 2
º
ano do 2
º
grau.
Sonho: "ser livre e construir um socialismo"; projeto de vida: "transformar esse
país.- Ronaldo Alves de Jesus, 22 anos, assentado no Espírito Santo, 7
ª
série.
Socialismo compreende o momento de desfrutar as conquistas de terra, trabalho,
estudo, moradia, dignidade em viver. Revolver, mexer de baixo para cima as situações que
vivenciam compreende a conquista do que para essas pessoas é o básico, o mínimo e o
admissível. Os termos “viver melhor” ou “viver bem” dão sentido a uma vida diferente da
miséria, da fome, da humilhação, do desemprego, das privações de terra, com escola e
saúde.
Sonho: “ser um militante”; projeto de vida: “ser um produtor”- Estevam Soares, 20
anos, acampado no Mato Grosso do Sul, 1
ª
série escolar.
Sonho: um Brasil melhor”; projeto de vida: ser militante do MST” - Rosalino
Pereira, 21 anos, acampado no Mato Grosso do Sul, que tem formação no
magistério.
Sonho: desejo trabalhar no Setor de educação do MST e contribuir para a
formação de novos sujeitos da história” - Vitor Miguel, 23 anos, acampado no
Paraná, supletivo.
Sonho: "um mundo melhor sem desigualdade social"; projeto de vida: "pretendo ser
militante e acompanhar ao máximo o MST. Com o objetivo de ser advogada do
Movimento" - Vanessa Rezende Salles de Melo, 17 anos, assentada em São Paulo, 2
º
colegial.
Sonho: "engajar-me sempre mais na luta do MST"; e projeta "concluir a Filosofia,
cursar Direito e dedicar-me no campo jurídico na defesa da vida e dos direitos
fundamentais dos seres humanos como um todo - Alberto Valdemar Bamberg, 25
anos, universitário no Paraná.
Sonho: “ser uma pessoa de ampla função no MST”; projeto de vida: “é lutar junto
para mudança do Brasil” - João Batista, 22 anos, acampado no Mato Grosso, fez 2
º
grau.
Sonho: “Um país em que todos possam viver em paz”; projeto de vida: “trabalhar
no Movimento por uma vida melhor” - Ernando Fagundes, 22 anos, assentado no
Paraná, 1
º
grau.
O projeto de vida também pode passar por se tornar militante. A militância é
compreendida como um meio para alcançar as transformações. A luta pela terra torna-se
possível no projeto de vida de jovens. A conquista de uma reforma agrária que altere as
condições de vida das famílias sem terra depende de uma coesão construída. Nos sonhos e
projetos de vida, a reforma agrária é uma referência de mudança elementar para que a vida
se transforme. No processo de tornarem-se parte, nos espaços e momentos promovidos pelo
MST, compartilham identidade, pertencimentos e imaginários sobre a luta social e atribuem
para si o papel de atores das mudanças. Constitutiva da mística da militância, possibilidade
de uma “revolução” requerida como um objetivo coletivo e individual e a construção do
“socialismo” convergem a uma militância disciplinada e persistente em posturas, valores,
relações e aspectos culturais de uma modalidade de ação na esfera pública.
Pudemos trazer um pouco do que muitas jovens e muitos jovens nas fileiras do MST
sonham e projetam, o que pensam do futuro, do mundo, do país, dos seus acampamentos e
assentamentos, do Movimento Sem Terra de que participam; e o que percebem que precisa
ser mudado e transformado, e de que maneira.
Os sonhos e projetos de vida das/os jovens do I Curso de Jovens não se tratam de
algo impossível ou desconhecido pela sociedade. Não é algo tão distante do real, tampouco
perto da realidade que experimentam. Ainda são simples desejos, sonhos e complexos
anseios de jovens numa sociedade de extrema desigualdade.
A vida pessoal e coletiva torna-se indissociável em sonhos, projetos e desejos de
que as realizações sejam de muitos ou mesmo de todas as pessoas. Uma mística de
esperança de dias melhores encontra-se em desejos, anseios, demandas políticas e projetos
de vida juvenis. E o apelo à organização social e política por terra e também por direitos
encontra ressonância na disposição de trajetórias de vida que conhecem diversas situações
de escassez, de necessidades, ora na alienação das suas causas de tanta penúria de
existência humana, ora na revolta das condições sociais que vivenciam.
Como já destacamos, na Introdução:
“A mística é o cultivo do ideal que sonhamos. O que fazemos nos eventos é
cultivar a mística do ideal, através da cultura (...)”. (Stédile entrevista DCE-
Unicamp, 7/5/2003)
79
.
Sonhar e projetar uma realidade, imaginar, é também contruir materialmente a vida;
cultivar um ou a metáfora deste ideal. No Curso de Jovens, representou força e ânimo para
as/os jovens repensarem e sentirem suas vidas.
Sonhos como produtos da imaginação têm raízes nas experiências compartilhadas
do não viver bem, da privação de, etc. a necessidade de mudança, de melhorias na vida
com novos significados e se ligam a uma idéia de melhorar algo que é maior, que faz a vida
maior, ou seja, de mudar o país, o Brasil, o mundo. O bem viver encontra-se representado
num país com terra, trabalho e direitos. E essas vêm pela via coletiva, conforme suas
vivências em conjunto nos acampamentos, assentamentos, ações de ocupações de terra,
prédios e atos de conflito e solidariedade.
79
Ver: www.dceunicamp.org.br.
Capítulo III - A Mística de tornar-se jovem no MST
"Me interessei pela luta do MST em mudar a realidade atual
e sei que como jovem posso contribuir para esta mudança."
Edivan da Silva Matos, 18 anos, Pernambuco.
A mística desenvolvida pelas jovens e pelos jovens durante o I Curso de Realidade
Brasileira para o Meio Rural trata-se de um processo ativo que se deve tanto aos
condicionantes daquele momento em julho de 1999, quanto à ação das/os jovens presentes
ao evento. A mística de tornar-se jovem constituiu-se de experiências e relações com o
MST, numa dinâmica processual de construção do Sem Terra - como ator sociocultural em
movimento que constrói pertencimento ao MST, a uma coletividade que se enraiza
projetivamente na sociedade, dando sentido a sua existência histórica (Caldart, 2000).
A idéia de Mística como um “orgulho” de “pertencer ao Movimento Sem Terra e de
dedicar-se a sua construção” (MST, 2001:196) foi ressignificado na dinâmica de tornar-se
jovem, no fazer-se parte do Movimento durante o Curso de Jovens; traspassado por
pertencimentos anteriores das/os jovens. Com isto, o fazer do MST e sua mística
constituíram-se com as nuances especificamente juvenis que foram recolocadas na
dinâmica geral da luta pela terra, pela reforma agrária e por transformações sociais
evidenciadas por um projeto do Movimento. Dessa forma, uma mística jovem tratou-se de
um processo de relações de encontros, e também de desencontros, de jovens com o MST,
nos parâmetros do acontecimento do Curso de Realidade Brasileira para Jovens, de 1999.
Vimos, através de um retrato dos jovens, a partir das respostas ao questionário, que
os pertencimentos juvenis são permeados de combinações de sonhos e projetos de vida das
esferas pessoais e coletivas que se encontram na luta social por terra. E essas combinações
se processaram a partir de relações durante a realização do I Curso para Jovens.
3.1 - I Curso de Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural
Cunhado como I Curso de Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural, com
duas outras edições que se seguiram, a atividade de julho de 1999, na Universidade de
Campinas SP, insere-se no processo de como o MST preocupa-se e trata da
especificidade das/os jovens. O I Curso destinou-se ao público jovem das bases do MST.
Na primeira edição, reuniram-se cerca de mil pessoas no Ginásio Poliesportivo da
Unicamp.
A possibilidade de uma atividade nacional para jovem no MST surgiu da
disponibilidade de espaço na Universidade, a partir da mudança da reitoria - que iniciou
naquele ano e possibilitou a utilização de espaços e ações conveniadas com movimentos
sociais - e da necessidade de trabalho do Movimento com jovens. Porém, ao término da
gestão daquela reitoria em 2004, a parceria com a Unicamp chegou ao fim.
A aproximação e a atuação de jovens nas ações da luta pela terra, perceptível ao
longo da história de vinte anos do MST, no último período, transformou-se em demanda
organizativa e formativa, seja oriunda da saída de jovens
80
dos acampamentos e
assentamentos; seja da entrada de outros setores sociais, principalmente, estudantes das
camadas médias urbanas na luta pela terra e pela reforma agrária. Isso necessitou de uma
resposta do MST, chegando-se a ventilar a possibilidade de realização de um Encontro de
Jovens e da construção de um “Coletivo de Juventude”, um espaço ou instância, onde os
jovens se organizassem no MST
81
.
A construção de um Coletivo de Jovens dentro do Movimento e a incorporação de
um Setor na estrutura organizativa do Movimento significam um espaço, um fórum de
discussão, decisões e encaminhamentos, onde se traçam propostas de organização de pautas
específicas. Os Coletivos fazem parte dos Setores, de certa forma estão subordinados a
esses, que possuem representação nas coordenações e direções do Movimento. Ao longo
destes vinte anos, várias instâncias de decisão foram constituídas, a partir de demandas que
80
Não encontramos publicação sobre a saída de jovens dos acampamentos e assentamentos ligados ao MST.
No entanto, existem trabalhos realizados na Escola Nacional do MST, o ITERRA, que evidenciam esta
situação. De fato carece uma sistematização destes trabalhos, articulados com outras informações e trabalhos
sobre o assunto.
81
Até o momento, não uma instância de caráter nacional dedicada a especificidade da juventude, Existe a
indicação de uma Frente de Trabalho para o ano de 2006.
surgiram no Movimento; atualmente, são elas: Frente de Massa, que organiza trabalhadoras
e trabalhadores no acesso à terra, da ocupação à construção de acampamentos e
manifestações e atos políticos; Comunicação, que nasceu do Jornal Sem Terra, anterior à
fundação do MST em 1984, informando as famílias trabalhadoras sem terra
82
; Formação,
que se responsabiliza pelo aspecto político-ideológico de seus militantes, dirigentes e das
bases nos acampamentos e assentamentos; Finanças, com a responsabilidade da
manutenção financeira, que se desdobrou em um Setor de Projetos; Produção, Cooperação
e Meio Ambiente, um setor que lida com a proposta de produção, principalmente nos
assentamentos; Educação, que surgiu da demanda de escolarização das famílias acampadas
e assentadas; Saúde, que surgiu de uma demanda constante nas populações rurais pobres
por melhores condições de vida e de experiências como das Pastorais da Saúde ligadas à
Igreja; Cultura, que se organizou a partir das produções artísticas no meio sem terra;
Gênero, das demandas específicas das mulheres, como documentação e reconhecimento
legal da titulação da terra frente ao Estado, tratando das relações entre os sexos sobre
questões como cuidados com as/os filhas/os.
Os Setores que vêm articulando trabalhos especificamente com jovens são Cultura,
Educação e Formação. E uma preocupação geral do MST com a juventude expressa em
diversos registros do Movimento, materiais
83
como: textos internos, cartilhas e até livros.
“Jovem” e “juventude” aparecem como uma demanda relacionada às necessidades do
conjunto das famílias sem terra ou dos assentamentos e acampamentos.
“O MST acredita que vocês possam ser os continuadores da luta dos seus
pais e companheiros, uma tarefa que terminará quando não houver mais nenhum
sem-terra em nosso país, quando a Reforma Agrária, de fato, for uma realidade. Este
será um passo importante para ajudar a construir o Brasil que queremos.
Aproveitem bem este tempo de estudo porque ele é muito importante diante dos
desafios de preparar um futuro diferente. Mas também não deitem de participar das
mobilizações e das lutas do seu acampamento ou assentamento. Elas são nossa
principal escola. Cultivem nossos símbolos e nossos ideais. São eles que deixaremos
a vocês como herança, junto com a história da qual vocês também são sujeitos.
(...) E as conquistas coletivas que tiveram “um elevado preço” pois “muitos
companheiros tombaram. Pagaram com a vida o direito de quererem ser cidadãos
(...) Como esquecer o jovem Oziel, de apenas 17 anos, morrer sob tortura, gritando
82
Seguindo uma tendência das organizações de trabalhadores rurais em produzirem um informativo com suas
notícias e assuntos. Ver: Medeiros (1989).
83
Já citamos na Introdução: os Cadernos de Formação no. 12 (1987) e O Plano Nacional do MST (1989).
‘viva o MST’? (...) São 15 anos que já fazem parte da história do Brasil. Todos os
que lutam pela Reforma Agrária, são construtores dessa história” (MST, 1999: 3 a
25)
84
.
As ações direcionadas especificamente a jovens relacionam-se à educação, na
escolarização de jovens; e à formação, num processo também educativo de formação
político-ideológica e de inserção no MST. Contudo, há poucas ou recentes discussões sobre
jovem como categoria política nos trabalhos produtivos desenvolvidos em acampamentos e
assentamentos; sobre sua atuação nos processos políticos e culturais, e sua participação e
representação nas pautas políticas específicas em diferentes espaços do Movimento.
Organizações como a Pastoral da Juventude Rural, ligada à estrutura da Igreja Católica,
vêm demandando políticas públicas de créditos, ainda incipientes, para investimentos de
alternativas de trabalhos e sustentação de jovens no campo.
Os espaços de encontros jovens no MST, de expressão nacional, foram constituídos
como Cursos organizados pelo Setor de Formação, a partir de 1999, com dirigentes
responsáveis por acompanhar as atividades e a organização das/os jovens, proporcionando
o acesso de jovens a informações, discussões e pensamentos sobre a estrutura
socioeconômica e política brasileira e diversos outros temas (que trabalharemos mais a
frente).
Na programação, feita pela Escola Nacional Florestan Fernandes, do MST, o evento
recebeu a formulação de “Curso de Realidade Brasileira Para Jovens do MST”. O público
participante, segundo a convocação, deveria ser de “jovens entre quinze e vinte e cinco
anos (...) militantes ou potencial de militantes”, convocados pelo Movimento em diversos
estados do país (Circular 25/99).
A militância no MST tem diversos espaços de encontro, reuniões de coletivos e
setores para definições e encaminhamentos de demandas e construção de pautas políticas.
Espaços de atuação, mais cotidianos, como secretarias, acampamentos e assentamentos, e
mais eventuais, como Encontros Regionais, Estaduais e Nacionais e Congressos, onde se
traçam e encaminham linhas políticas mais gerais. Apesar de todos esses serem espaços
formativos, no que tange à construção da identidade e ações do Movimento, existem
84
MST 1999: Feliz Aniversário MST, 1984-1999, 15 anos de lutas, conquistas, dignidade. 2
º
Concurso
Nacional para as escolas e os estudantes do MST. Brasília, janeiro de 1999.
espaços especialmente destinados à formação político-ideológica, como cursos, que podem
vincular-se à escolarização ou somente estar direcionados a esses aspectos.
As atividades de formação podem ser direcionadas: a um público mais restrito,
composto por dirigentes e militantes com atuações mais constantes na estrutura
organizativa do MST: e às especificidades dos setores que compõem a estrutura
organizativa. Outros espaços, como as atividades massivas”, podem ser abertos a um
público mais amplo, com vinculação mais fluida com o Movimento. Uma espécie de
militância mais espontânea e eventual, que participa, geralmente, de atividades mais
públicas, como manifestações, atos e marchas.
O I Curso de Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural foi caracterizado
como “massivo e formativo”, talvez mais direcionado a esse público mais fluido, uma
grande maioria das bases sociais de acampamentos e assentamentos, e provenientes de
outros espaços de relações do Movimento, com referências nas ações do MST. O evento foi
concebido para jovens, quem sabe militantes ou simpatizantes, e, segundo a convocação,
dirigido à “formação” e ao “estudo” de temas da história social, política e cultural do
Brasil. No entanto, esse Curso representou, pela primeira vez, em âmbito nacional, o
reconhecimento da especificidade juvenil no MST e a destinação de um trabalho
“formativo e massivo” para jovens. Algumas experiências estaduais, como no Rio Grande
do Sul e no Maranhão, se haviam realizado, até com certa freqüência de cursos e até
encontros de jovens, alguns desses eventos inspirados em experiências mais longas de
atividades juvenis nas igrejas, como Grupos de Jovens e “Encontrões”.
No espaço do Curso de Realidade Brasileira, a vinculação das/dos jovens com o
MST foi bastante fluida, espontânea e variada, e, quem sabe por isso, interessante, por
demonstrar como as ligações com o Movimento são heterogeneamente construídas. Não
necessariamente as/os participantes possuíam uma vinculação mais consolidada, de uma
militância com responsabilidades de desempenhar atividades constantes e determinadas, ou
tarefas, como costuma-se chamar dentro do Movimento, e de cumprir funções definidas
pela Organização. A participação no Curso foi ampliada no que diz respeito à vinculação
ou ligação e aos pertencimentos de jovens com a estrutura do Movimento.
Vale lembrar que os movimentos sociais desse tipo, desse período do MST,
caracterizam-se por um tipo de participação mais fluida, diferentemente de tipos mais
rígidos de filiação que caracterizaram as organizações clássicas de trabalhadores, como
sindicatos e partidos políticos (Mellucci, 1989). No caso do MST, a adesão passa tanto
pela participação em ações diretas da luta pela terra, de ocupações e acampamentos
organizados pelo Movimento quanto pela participação na organização de atividades nas
Secretarias, Coletivos e Setores. A militância é definida como um processo da prática e
formação político-ideológica das pessoas que atuam em atividades no Movimento, onde
devem adquirir determinados valores, como: de tornar-se “exemplo”; de ter "espírito de
sacrifício” nas ações da luta pela terra; de possuir disposição e motivação para o trabalho;
de “cultivar a solidariedade e o companheirismo”; de “indignar-se contra qualquer
injustiça”; e de “ter amor ao estudo” (MST, 2001).
Na configuração de jovens do I Curso de Realidade Brasileira para Jovens do Meio
Rural, a compreensão de ligação com o MST foi mais elástica. A vinculação juvenil com o
Movimento passou por referências construídas nos processos de luta por terra
anteriormente vivenciados por jovens, com ou sem suas famílias, e durante o próprio
acontecimento do Curso de Jovens.
Assim, o Curso expressou em âmbito nacional o reconhecimento da especificidade
juvenil e condensou em público jovem, diversas pessoas sob o signo da bandeira, do boné e
das camisetas vermelhas do Movimento, da luta pela terra e da reforma agrária. Tratou-se
de um curso “massivo”, com quase mil presentes, jovens próximos, ou que se
aproximaram, do MST, caracterizados como militantes; trabalhadores de secretarias,
associações e cooperativas; simpatizantes e convidados Assim, o evento, para muitas e
muitos das/os presentes, constituiu-se como espaço de experiências juvenis no MST .
As realidades nos estados demandaram jovens de diferentes procedências e origens
de relação com o MST, com outras faixas etária e com diversos pertencimentos com o
Movimento, extrapolando a própria experiência de jovens no MST. O processo de tornar-se
jovem no MST, na vivência do Curso para Jovens, articulou duas dimensões na costura
jovem-curso-MST: uma de referências de lutas organizadas pelo MST no chamamento à
juventude, presentes nos critérios de convocação: “militantes ou potencial de militantes”; e
outra da integração das/os jovens na participação das atividades do Curso promovido pelo
Movimento.
A experimentação do Curso integrou principalmente jovens dos assentamentos e
acampamentos, mas também de diferentes setores sociais que, em certa medida,
vivenciaram experiências sociopolíticas”, promovidas pelo Movimento. As presenças
juvenis no Curso, dando corpo ao Curso de Jovens, e as suas breves declarações
identificadas com ações do Movimento nos questionários, compuseram atuações e
trajetórias de dentro do MST. E constituíram uma espécie de produção sociocultural da
identidade e da consciência Sem Terra, em que o MST torna-se um espaço de “formação” e
um formador, que produz um enraizamento projetivo (Caldart, 2000).
O encontro entre MST e jovens foi referência de luta que enraizou projetivamente
sujeitos ao Movimento:
... é o movimento social brasileiro que funciona e resultados”- Luciana
Oliveira Correio, 22 anos, universitária, do estado da Bahia.
"... estou achando ótimo entrar nesta família e cada vez mais fazer com que ela
cresça, juntando ou convidando muita gente, formando multidões"- Luciano
Scimeoni, 22 anos, Paraná.
"Porque sou jovem e acredito, acima de tudo, em transformação social em nosso
país. Acredito também que um povo que quer transformação deve ser ligado a
alguma organização, e meus objetivos se resumem em MST, que no meu parecer, é
o único movimento popular que futuramente será capaz de administrar nosso país”
- Gilmar de Carvalho, 23 anos, São Paulo.
Nas declarações acima, o MST possui referenciais sociais de um ator político com
presença marcante no cenário público. A expressividade juvenil, durante o I Curso de
Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural, foi de esperança vivenciada na luta pela
terra e reavivada durante as atividades do evento, alimentada por expectativas e construindo
perspectivas, enraizaram e teceram sujeitos jovens com o fio de uma mística juvenil de
tornar-se parte do MST e do conjunto da sociedade.
Como declarou João Pedro Stédile:
"Durante quatro anos realizamos diversas atividades em parceria com a
Unicamp. Realizamos um curso de extensão universitário. Realizamos também
muitas palestras. E tínhamos, em cooperação, um curso massivo, de dez dias, para
mil jovens do meio rural, que vinham de todo Brasil. A Unicamp tinha custos
conosco, com parte da alimentação e a cessão do ginásio, mas nós tínhamos custos
mais elevados ainda ao trazer de todo o Brasil aqueles jovens, que vinham de
ônibus. Fazíamos uma parceria em prol da democratização do ensino. Os jovens
ficavam maravilhados com o que apreendiam. Nunca tivemos um probleminha
sequer de relacionamento. A comunidade da Unicamp é testemunha. Foi uma
experiência fantástica para os jovens e para os professores que se envolviam nisso.
E acho que dávamos a oportunidade da universidade, que é pública, dar também
atenção a uma parcela pobre da sociedade que jamais teria condições de entrar na
Unicamp. Infelizmente, a atual reitoria da Unicamp está nos negando esse direito.
Primeiro, queria cobrar de nós todos os custos de uso do ginásio e do restaurante,
como se fossemos uma empresa qualquer de eventos. Depois, alegou que o ginásio
não pode mais fazer eventos, porque uma festinhas dos filhos de ricos, houve um
grave assassinato de um jovem pobre. (...) Espero que o Conselho Universitário e a
comunidade universitária nos ajude a recuperar esses direito ao acesso à educação.
Nós queremos ter a oportunidade de que nossos mil jovens de 18 a 25 anos tenham
o curso durante apenas dez dias do período de férias. E, ainda, nos dispomos a
contribuir de alguma forma com a universidade, com, pelo menos, feijão e arroz;
podemos fazer limpeza nos jardins. queremos que os professores democratizem
seus conhecimentos. Mas, parece que o novo reitor está mais preocupado com sua
carreira política e com uma possível candidatura à prefeitura de Campinas do que
em democratizar a educação pública. Essas estreitezas das elites brasileiras estão
relacionadas à sociedade tão injusta e desigual que vivemos"
85
.
A experiência do Curso de Jovens em parceria com a Unicamp foi importante para a
atuação do Movimento em lançar luz sobre a questão do acesso de jovens à informação, ao
conhecimento e à educação. E concomitante a isto, a visualização da ausência de
oportunidades de jovens pobres no conjunto da sociedade. O Curso constituiu-se num
investimento político do MST na luta de direitos, como educação, e na construção de laços
mais estreitos com a universidade, representada pela Universidade de Campinas e por
professoras/es de outras instituições. A solidariedade de atores da comunidade universitária,
não é nova na lutas do campo, porém, o Curso que aconteceu na Unicamp contribuiu para a
visibilidade desta parceria.
O Curso também foi uma experiência do MST tornar-se mais jovem com o
aprendizado e a atuação das/dos jovens participantes e na troca com a Universidade e seus
professores e estudantes.
85
Entrevista realizada por Denis Prado Forigo e Fernanda Gui - 07/05/2003; www.dceunicamp.org.br.
3.1.1 - Aprendizes do I Curso de Jovens em atividades
Compondo a programação do Curso, diversas palestras foram realizadas, entre a
chegada no dia 2, e o retorno das/dos participantes, no dia 12 de julho de 1999. A
diversidade de assuntos: história do Brasil; conjuntura política e econômica, nacional e
internacional; aspectos socioculturais do país; questão agrária e agricultura; biografias de
intelectuais e militantes; drogas; gênero e feminismo; meios de comunicação; militância;
valores estéticos; utopia e projeto popular.
O quadro de palestras (em Anexo), foi montado com os seguintes temas: "A história
do Brasil: as elites e os trabalhadores" - Plínio de Arruda Sampaio; "Pertença do MST" -
Adelar Pizetta; "Os lutadores históricos: Marighela e Florestan Fernandes - Aton Fon e
Plínio de Arruda Sampaio Júnior; "A história da luta do povo" - Chico Alencar; "A questão
agrária no Brasil: reforma agrária e movimentos camponeses" - João Pedro Stédile; "Os
valores do MST e a importância do estudo" - Edgar Kolling; "Gênero e Feminismo" - Tatau
Godinho; "As estratégias dos Estados Unidos para América Latina" - Embaixador Samuel
Guimarães; "A situação atual do Brasil e a consulta popular" - César Benjamim; "Utopia de
uma nova sociedade" - Leonardo Boff; "O Homem Novo" - Aleída Guevara (filha do
revolucionário Che Guevara); "Os desafios da classe trabalhadora e a construção de um
projeto popular" - Ademar Bogo, entre outros.
Intelectuais de universidades, da Igreja, vinculados a partidos e aos movimentos
sociais, falaram para cerca de mil jovens de diversos pontos do país, muitos de regiões
rurais, outros estudantes de grandes centros urbanos. A ligação entre palestrantes e público
foi no Ginásio Poliesportivo da Unicamp, na quadra ficava a mesa de palestrantes e num
dos lados da arquibancada tomada de ouvintes. Os palestrantes alternavam-se em turnos de
quatro horas, manhã ou tarde, apresentando temas e discussões, provocando reflexões sobre
os temas abordados e respondendo às questões de grupos de jovens.
As noites foram orientadas para a realização de atividades de cinema, teatro, fotos e
música. Artistas, participantes diretos do MST ou empenhados em espetáculos de cunho
crítico às condições sociais e políticas, fizeram suas apresentações. Os destaques (Anexo)
foram: os filmes - “Ação entre amigos”; documentário “El Regresso”, sobre Che Guevara;
“Castro Alves”, debate com o diretor Sílvio Tendler; peça de teatro: “Os Companheiros”;
fotos de Sebastião Salgado, retratando as condições de vida de trabalhadores; e música com
o cantor Geraldo, que compõe letras de cunho social. Uma das noites foi resguardada à
participação das/os jovens presentes para apresentações culturais das regiões do país.
As atividades de cultura nas noites dava um certo alívio nas quase oito horas de
palestras. E a disciplina, exigida pelas próprias/os jovens, uns com os outros, era suavizada
e o ritmo do evento desacelerava-se. Elas/eles foram participantes em sua totalidade
presentes ao conjunto das atividades. Porém, foi possível avistar jovens em outras
atividades nas noites: cochilando; passeando e namorando do lado de fora do ginásio.
Quase que um acordo em diminuir a pressão do dia e a responsabilidade dos temas das
palestras.
Nos dias em que ocorreu o I Curso de Realidade Brasileira, as/os jovens foram
orientadas/os a se organizarem em “brigadas” - grupos de cerca de dez jovens oriundos do
mesmo estado. Essa medida previu instituir um tipo de organização e disciplina das/os
jovens durante o Curso. Assim, os jovens definiram responsáveis internos às brigadas para:
coordenação do grupo - manter a atualização de informações entre a coordenação do Curso
e o conjunto de participantes; “disciplina” - garantir o ambiente de participação,
interpelando aquelas e aqueles que não se faziam atentas/os às atividades; relatoria - caso o
grupo pretendesse realizar perguntas aos palestrantes. Transversal a essa organização
grupal, equipes de trabalho foram organizadas com membros das “brigadas” para contribuir
no funcionamento do Curso. Nesses grupos, as/os jovens integraram-se à estrutura de
realização do Curso, através de trabalhos de limpeza, organização de filas para alimentação,
e encaminhando as/os companheiras/os doentes e com mal-estar para tratamento no posto
de saúde local que funcionava com a solidariedade de estudantes de saúde da Unicamp.
Como coordenadoras e coordenadores, componentes da Disciplina, da Mística, das
Equipes de Saúde, Limpeza e Alimentação, jovens experimentaram situações do fazer
organizativo proposto pelo MST no conjunto do Curso para Jovens. A composição de
coletivos conexos à realização do Curso criou pertencimento ao Coletivo e ressignificou a
participação em integração de algo grandioso, como o Curso.
A disciplina foi um componente essencial no dia-a-dia do Curso de Jovens, com
bastante peso na garantia da presença das/os jovens nas arquibancadas para assistir as
palestra.
"A busca permanente do respeito à ordem e ao bom funcionamento da
organização, que é a disciplina compromete o alcance dos objetivos políticos e
sociais de qualquer organização, portanto, afeta a sua razão de ser. Pode-se concluir
então que ser disciplinado numa organização, como o MST, é a necessidade prática
e objetiva para contribuir com a conquista da terra, da reforma agrária e das
mudanças sociais no país" (MST, 2001: 216).
As/os jovens além de terem acesso ao conteúdo das palestras, aprendiam que a
participação no MST requer a disciplina ou o "respeito à ordem e ao bom funcionamento da
organização". Apesar de não ser novidade, para a maioria que veio de acampamentos e
assentamentos, o cumprimento de horários nas ações do Movimento; também para maioria
era uma novidade se manter assistindo em silêncio a palestras e dosando as saídas da
arquibancada para beber água e para ir banheiro. Cerca de quatro horas de manhã e quatro
horas a tarde de informações.
A disciplina é um dos focos na relação MST e os participantes de suas ações.
Christine Chaves (2000) é quem nos explica no seu trabalho sobre a Marcha Nacional de
1997
86
:
"Na Marcha Nacional, o peso relativo de cada um dos seusfóruns, bem como
o sentido da tomada das decisões - partindo invariavelmente da Direção e da
Coordenação Geral para a Coordenação de Grupo e desta para o conjunto dos
marchantes reunidos nos grupos - revela, para além da retórica, a direção do fluxo
das decisões e o significado último dos princípios fundamentaies do MST enquanto
Organização: unidade e disciplina. Ambos são, simultaneamente, princípios
organizativos e valores sociais cuidadosamente cultivados. Reconhecido o valor da
unidade maior representado pelo MST enquanto articulador da 'luta', a disciplina
aparece fundamentalmente como acatamento das decisões políticas das instâncias e
das tarefas delas derivadas. A disciplina, como acatamento de decisões e
responsabilidade na execução das tarefas, justifica-se, porém, em seu balizamento
no 'coletivo', princípio legitimador por excelência no MST" (Chaves, 2000: 51).
Vislumbrando a realização do Coletivo, as tarefas foram tidas como condição sine
qua non para o realização do Curso: os banheiros limpos; organização nas filas de
alimentação para que todas e todos pudessem comer; ter silêncio nos horários de dormir; e
a disciplina da participação das “companheiras” e dos companheiros” nas atividades. A
participação nas “tarefas” do evento fez com que pertencessem ao conjunto do Curso, ao
coletivo, e se referenciassem no signo da “pertença” ao MST.
Durante dez dias, as jovens e os jovens fizeram-se disciplinados aprendizes nas oito
horas diárias de problematizações políticas, ora distantes de suas questões cotidianas, ora
conexas com as suas realidades locais; e nas atividades/tarefas que desenvolveram no
Curso. Isto não quer dizer que parte das tarefas não fossem realizadas, ou de que não houve
reclamações diárias do barulho à noite, no horário estipulado de silêncio. Mas, de alguma
forma, burlando algumas regras ou parte delas, todas/os estavam cientes, em parte
concordantes e zelosos com as regras de funcionamento do coletivo.
Ouvintes de palestras e integrantes de brigadas e responsáveis em desempenhar
tarefas, as/os jovens vivenciaram a mística de fazer-se parte e de tornarem-se sujeitos
participantes do I Curso de Jovem. No Curso, as/os presentes foram inseridas e inseridos
numa dinâmica de fazeres: preparar as aberturas da palestra; limpeza do ginásio; confecção
de cartazes. Através da programação e das atividades paralelas de brigadas e equipes
agregaram-se as jovens e os jovens presentes ao Curso de Jovem numa juventude aprendiz.
E agregaram-se como membros de uma atuação coletiva, recompondo suas presenças
individuais, partilhando a mística e a identidade de participantes do MST. Pois, "o coletivo,
essa idéia impessoal e moral, representa simultaneamente o sujeito da luta e sua razão de
ser. Nele sustém-se a força moral que faz do dever uma obrigação desejável" (Chaves,
2000: 128).
Indivíduos em formação, que, através do estudo e da ação, qualificaram-se em
sujeitos vinculados ao Movimento. O aprendizado forjou-se no processo de fazer funcionar
o espaço do Curso através dos coletivos das equipes de trabalho responsáveis pela limpeza;
em auxiliar na organização da alimentação; em garantir a presença da ampla maioria nas
atividades; e em elaborar a mística de abertura de cada dia, com tema determinado a ser
trabalhado. Esse fazer do Curso mostra-se como um elemento fundamental da identificação
e do pertencimento do jovem ao grupo, coletivo
87
.
Um aspecto, muito valorizado, foi a ação voluntária entre as/os jovens como parte
da formação militante do exemplo. A valorização da iniciativa frente às diferentes
atividades do Curso ganhou reforço com a simbólica imagem do revolucionário argentino
86
Ver Chaves, C. A. "A Marcha Nacional dos Sem-terra - um estudo sobre a fabricação do social. Ed.
Relume-Dumará, Rio de Janeiro, 2000.
87
Em diferentes espaços, o Movimento Sem Terra integra na estrutura organizativa as/os participantes, de
modo que todas/os possam Ter tarefas e fazer parte do evento, tornando-se, assim, parte intencional do
aprendizado.
Ernesto Che Guevara, que encarnou o espírito voluntarioso de uma faceta juvenil de
aprendiz, disposto e disponível na contribuição de diferentes “tarefas” para a realização do
Coletivo, no caso o I Curso e o MST.
3.1.2 - Che
88
, referencial de juventude
Dedicar um espaço para o personagem histórico Che Guevara pareceu-nos
representativo para trazer o tom de jovens aprendizes durante o I Curso de Jovens. Che
significou o revolucionário, o comandante, o voluntário, o exemplo. Foram incontáveis as
vezes em que um estandarte, pintado a tinta, num tecido de mais ou menos dois metros de
altura com cerca de sessenta centímetros de largura, com a imagem de Ernesto de La Serna
Guevara, sorrindo e com fardamento verde oliva, adentrava as cenas das Místicas nas
aberturas das atividades. Nos diversos momentos do Curso, a presença da imagem de Che
foi a de mais destaque, todas as vezes carregada por jovens altos rapazes.
Em bandeiras, no vestuário, em camisetas e acessórios, como bonés e lenços, Che
Guevara foi um símbolo de maior aparição no Curso de Jovens foi o rosto emblemático de
Che Guevara
89
. Os símbolos do MST, com o impacto da cor vermelha, e de outras
organizações sociais que atuam no campo, como o do Movimento de Mulheres
Trabalhadoras Rurais também puderam ser observados.
Outros grandiosos estandartes, com imagens de revolucionários como Karl Marx,
Friederich Engels, Rosa Luxemburgo, líderes chineses e vietnamitas, puderam ser vistos e
apreciados durante os momentos de Mística. No entanto, em quase todos os momentos em
que a imagem e o imaginário de militantes revolucionários foram trabalhados nas místicas
de abertura das atividades, o de Ernesto Che Guevara teve destaque numa série de
emblemas aludidos.
88
Che ou Ernesto de La Serna Guevara, um dos líderes da Revolução Cubana de 1959.
89
Em outras atividades, espaços e momentos, a imagem do Che também é evidenciada, sejam eventos ou não.
Na data do natalício de Che Guevara, no ano de 2003, a mística, no Iterra, lembrou o revolucionário com uma
dedicação especial: músicas foram tocadas e contadas, um estandarte com sua imagem ganhou destaque, e
foram lidos pequenos textos sobre sua vida e declarações que representaram, de forma marcante, seus
pensamentos e suas atitudes: “a argila fundamental de nossa obra é a juventude, pois a confiamos e a
preparamos para tomar a bandeira das nossas mãos”. (trecho transcrito de uma tira de folha de caderno, lida
por um jovem da Escola).
No livro “O Pensamento de Che Guevara”, de Michel Löwy, o autor chama a
atenção sobre a imagem de Che para a Juventude:
“Guevara foi freqüentemente comparado, e com razão, aos grandes
revolucionários românticos do século XIX. Contudo, seria um erro acreditar que
Che é um homem do passado, vestígio de outra época, um anarquista da era dos
computadores. Muito pelo contrário, é o profeta vingador das revoluções
futuras,revoluções dos ‘condenados da terra’, dos famintos, dos oprimidos, dos
explorados e dos humilhados dos três continentes dominados pelo imperialismo”. E
completa: “E é como profeta do futuro, do homem novo, da sociedade comunista do
século XXI, construída sobre as ruínas do capitalismo decadente e ‘unidimensional’
que se torna o herói da juventude rebelde e revolucionária que se levanta nas
metrópoles industriais da Europa e da América do Norte ... Che surge perante eles
como o símbolo mais puro do combate de libertação do Terceiro Mundo ...”.
Para a juventude do I Curso de Realidade Brasileira, Che Guevara foi a
representação mais autêntica de revolucionário. A referência de líder revolucionário
destacou-se como ensinamento e se sobressaiu no empenho de uma vida inteira nas mais
variadas atuações, de Ministro da Economia ao trabalhador braçal do corte de cana-de-
açúcar. Pois, que ele teve iniciativa em diversas “tarefas”, da simples a complexa. Che foi
um legado valorizado durante os diferentes momentos que envolveram o Curso.
A valorização de ações voluntárias junto ao povo foi representada nas místicas
como missão juvenil. Mais que o revolucionário, Che representou no Curso de Jovens uma
lição, um ensinamento, "o exemplo" a ser seguido. Ou seja, a atuação voluntária no I Curso
ganhou significado revolucionário. Sua imagem revolucionária no ambiente do evento foi
significativa no processo de constituição de jovens, em que se requis a identificação de
legados e compromissos simbólicos. O sentido revolucionário, místico e transcendental de
Che para o conjunto naquele momento de doação do fazer-se jovem do I Curso contribuiu
na transcendência coletiva de cada uma e cada um participante que tornou-se um pouco
como Che lutador revolucionário, um Che jovem.
“Cresçam como bons revolucionários. Estudem muito para poder dominar a
técnica que permite dominar a natureza. Lembrem-se de que a revolução é o que
importa e que cada um de nós, sozinho, não vale nada. Sobretudo, sejam sempre
capazes de sentir no mais profundo de vocês qualquer injustiça contra qualquer ser
humano em qualquer parte do mundo. É a maior virtude de um revolucionário”. -
Carta de Che Guevara aos filhos
90
.
A dinâmica do I Curso de Jovens ativou a imagem revolucionária de Che Guevara
91
.
A mística juvenil foi um processo que enraizou as/os jovens no Movimento Sem Terra
através do significado transformador do revolucionário na medida do exemplo voluntarioso
do processo de aprendiz do ser jovem. A perspectiva de transformação, mesmo que
momentânea, no contexto do I Curso, ligou jovens ao MST. Jovens que ressignificaram
suas vidas na condição de juventude do Movimento e aprendizes de transformação político-
social. E ainda, ao compartilhar como jovem a subjetividade do Ser do MST em que “uma
realidade em movimento, onde a transformação de qualquer coisa é uma possibilidade real
e, aos poucos, passa inclusive a ser culturalmente desejável” (Caldart, 2000: 131).
3.2 - Hora de responder o questionário, hora de construir jovens e
recentes trajetórias
O instante em que as/os jovens responderam ao questionário puderam fazer-se
jovens sujeitos e constituirem suas trajetórias perpassadas pela história de luta da terra e a
atuação do Movimento Sem Terra. E isso pôde ser compreendido na junção de perguntas
do questionário direcionadas à relação da/o jovem com o MST.
Reunimos em bloco cinco perguntas do questionário, três em seqüência: “É
militante do MST? Por quê? Desde quando?”, e duas questões no final do questionário:
90
Sem Perder a Ternura – pequeno livro de pensamentos de Che Guevara, org. Emir Sader, Ed. Recor, Rio de
Janeiro, 1999.
91
Esta imagem é reforçada por biografias lançadas em 1998, relativas aos trinta anos do assassinato de Che
Guevara, aparece descrito como uma vida dedicada à revolução e ao trabalho revolucionário: “Che, no
entanto, era diferente e eles o sabiam. Exigia mais de si, de modo que exigia mais deles também. (...) Para
esses jovens, metade dos quais negros, muitos de famílias de agricultores pobres, Che era seu guia e
professor, um modelo a emular e ao qual corresponder, e, com o tempo, queriam acreditar no que quer que ele
acreditasse” (p. 402) – Anderson, J. L., Che Guevara, uma Biografia, Ed. Objetiva, Rio de Janeiro, 1997.
“Che mantém a mesma atitude espartana e a mesma disciplina rígida da serra” (p.416) (...) Che continua
insistindo em que o trabalho voluntário é a razão de ser de uma sociedade que encontra suas respostas no
coletivo” (436) Taibo II, P. I., Ernesto Guevara, também conhecido como Che, Edições Sociais, São Paulo,
1997.
“Marque de que forma você entrou para o MST: com a família, amigos, através de
reuniões, ou outros”; e “Por que entrou para o MST?”.
Declarações afirmativas de pertencimento à militância remontaram motivações de
mudanças na vida pessoal, transformações coletivas e o MST como atrativo.
As resposta a pergunta “É militante do MST?” foram agregadas através da auto-
percepção juvenil: respostas afirmativas: “sim”, é militante; “sim, é militante a partir de
motivações desencadeadas de necessidades materiais”; “sim, é militante por motivações de
contribuição no coletivo”; “sim, é militante, pois o MST é a principal referência”; e
respostas negativas: “não” é militante; “não, por não se sentir preparada ou preparado”.
Além de respostas agregadas em “outros”, “não respondeu”, “não sabe”.
As percepções juvenis demonstraram que existem motivações de ordem pessoal e
identificações coletivas que se combinam no fazer juvenil no Movimento Sem Terra. A/o
jovem nas circunstâncias, condições e relações do espaço do Curso, ao preencherem o
questionário constituíram-se como sujeito ao perceberem e ligarem suas trajetórias pessoais
à luta pela terra e pela reforma agrária. As ligações desses sujeitos jovens com o
Movimento não estiveram restritas às tarefas militantes, seja nos modos de interligarem
suas vidas à luta social; seja nos vínculos de participação de dentro e fora do Curso,
anteriores ou posteriores. Dessa forma, a compreensão de militância, no processo de
tornar-se jovem no MST, foi alargada nas identificações juvenis com as ações e bandeiras
de luta, compostas a partir de aspectos pessoais e coletivos, de “sonhos e “projetos de
vida”.
As declarações juvenis nos questionários reconstituiram breves e recentes
trajetórias. As pessoas presentes ao Curso de Realidade Brasileira para Jovens, na condição
de jovens, a partir de identificações e atribuições, desde atender à convocação de
participação no evento, compuseram suas trajetórias pessoais também no instante de
responder às perguntas “é militante do MST?”; “por quê?”; “desde quando”; “por que
entrou no MST?”. A reconstituição dos processos de luta por terra, por parte daquelas e
daqueles que participaram, produziu identificações com os valores e a bandeira da reforma
agrária defendida pelo MST e reforçou o sentido de sua presença e participação nas
atividades do I Curso de Jovens.
As perguntas do questionário privilegiaram uma relação militante, no entanto, as
interpretações juvenis de suas relações com o Movimento Sem Terra alargaram a
perspectiva de compreensão do tornar-se parte do MST, ao comporem passados, mesmo
que recentes e construíram com isso uma memória.
"A priori, a memória parece ser um fenômeno individual, algo relativamente
íntimo, próprio da pessoa. Mas Maurice Halbwachs, nos anos 20-30, havia
sublinhado que a memória deve ser entendida também, ou sobretudo, como um
fenômeno coletivo e social, ou seja, como um fenômeno construído coletivamente e
submetico a flutuações, transformações, mudanças constantes. (...) É perfeitamente
possível que, por meio da socialização histórica, ocorra um fenômeno de projeção
ou de identificação com determinado passado, tão forte que podemos falar numa
memória quase que herdada" (Pollak, 1992: 201).
Uma memória quase que herdada e quase que construída no próprio presente da
experiência do I Curso de Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural. O questionário
registrou uma memória de luta das/os jovens construída a partir de suas experiências
pessoais, familiares e de grupo social; e com elementos partilhados durante os dez dias de
Curso. Esta memória de luta se constitui num tipo de adesão legítima de jovens ao
Movimento pois o espaço do I Curso era um momento de afirmação da incorporação ao
MST: seja na convocação de cada uma/um para participar do evento dirigido aos jovens do
Movimento; seja no aspecto do envolvimento durante os dez dias de atividades do evento,
que puderam gerar inserções e recusas. Nos breves depoimentos, as adesões e inserções ao
Movimento foram percebidas, pela maioria das/os jovens, como anteriores ao momento do
Curso, produzindo um passado, uma vinculação e uma certa legitimidade na presença e
participação no evento.
Ao responderem se é militante, como e por quê entrou no MST, algumas das
declarações foram:
"sou militante e ajudo na parte da juventude”; entrou: “com a família”;
“porque tínhamos esperança de conquistar um pedaço de terra para trabalhar e ter
boas condições de vida”. E na resposta à questão “Por que entrou?”, completa:
“para adquirir um pedaço de terra, mas vimos também que não era apenas por
terra e sim lutar por direitos iguais e formar uma nova sociedade”.
Gildo Marcolino de Lima, 21 anos, assentado no Mato Grosso.
"sou militante porque foi a opção que tomei na minha vida "; entrou: "com
amigos; “porque o pouco que eu podia estar fazendo, algo que eu gostaria, estar
junto com o povo fazendo algo acontecer.
Pedro Ferreira, 29 anos, assentado no estado do Espírito Santo.
"sou militante porque os jovens unidos, junto ao MST, é a oportunidade que
temos de mudar o país”; entrou: "com a família"; porque: “para entender melhor a
vida e a necessidade das pessoas e poder ajudá-las a pegar um pedaço de terra e
ter um lugar garantido para morar, assim como eu e minha família conseguimos” -
Juliana Monteiro de Souza, 19 anos, assentada em São Paulo, diz ser militante.
“sou militante, atuo em setores no Assentamento que ajudam na
organização”; entrou: “através de trabalho de base”; “porque as condições de vida
onde eu morava não eram suficiente para que eu vivesse dignamente com minha
família, e pela indignação que sentimos por não ter nossos direitos”.
Claudinéia Lerias de Oliveira, 17 anos, assentada no Mato Grosso do Sul.
Os depoimentos, além de constituírem uma vinculação, trazem uma auto-percepção
de suas trajetórias, dão sentido e coerência numa trajetória maior, coletiva, identificada com
a luta pela terra do MST. Então, a esperança de Gildo e sua família na conquista da terra
ganha lastro numa dimensão alargada de uma perspectiva projetiva que combina às suas
necessidades as idéias de “direitos iguais” e “uma sociedade nova”. Pedro percebe-se
como sujeito ao constituir a sua entrada no Movimento como uma “opção” que tomou na
vida, produzindo uma coerência entre um passado, atribuído a uma atitude sua, e o
presente, do pouco que poderia estar fazendo, como diz, com um futuro, do qual a sua vida
é a medida, no fazer acontecer. Juliana projeta no futuro a possibilidade de ajudar outras
famílias na conquista da terra, que foi e é sua e de sua família.
Essa necessidade, se assim se pode dizer, em produzir uma trajetória coerente ao
processo de luta pela terra e em situar-se no Movimento foi encontrada também em quem
inicialmente negou militância no MST ou se definiu simpatizante.
"não sou militante porque não me chamaram para o curso de militância”;
entrou: "com a família; “porque minha família foi para o MST e eu fiquei na
cidade, minha mãe quis que eu fosse ficar com ela, eu não queria mas acabei indo e
estou até hoje lutando junto com o movimento de massas, estou com dois anos e dez
meses no Movimento e pretendo conquistar um pedaço de terra para trabalhar,
estou na luta com todos”.
Marcos Farias Pereira, 17 anos, acampado no estado do Mato Grosso.
"sou simpatizante"; entrou: "com a família"; porque: entrei porque achei
que era uma forma melhor de viver e ser dependente de mim mesmo”.
Rosinaldo de Andrade Messias, 18 anos, assentado no Mato Grosso do Sul.
Marcos associou a sua não entrada no MST a partir da participação num curso,
como pré-requisito em que ser militante é a condição de inserção no Movimento. No
entanto, concomitantemente, a sua ida para o acampamento foi vista como entrada no
Movimento e como produtora de um passado e uma identificação. O jovem construiu o seu
encontro, a sua vinculação, com a noção de tempo medida por dois anos e dez meses. A
sua necessidade de terra combinou-se com a sua disposição: “estou na luta com todos”.
Rosivaldo, “simpatizante”, construiu seu encontro com o MST através da
esperança de um “melhor viver” e da expectativa de sua independência pessoal.
Paradoxalmente, a deficiência do material em possuir questões direcionadas à
reflexão do processo de constituição de jovens no MST, trouxe as ambigüidades da
identificação com o movimento social, os seus diversos pertencimentos e combinações do
pessoal com o Coletivo. No caso, “É militante do MST?”, no meio do material, e “Por que
você entrou?”, ao final, resultou em respostas controversas, contraditórias e muito ricas
sobre a percepção do que seja entrar no Movimento e se tornar mais que militante do
Movimento, ou seja, produzir um encontro, combinações, ou enraizamentos projetivos. O
questionamento se é militante, mais do que respostas afirmativas e negativas, promoveu
reflexões de trajetórias e trouxe compreensões sobre como constituir-se parte, fazer-se
jovem no MST. E de como ligar questões pessoais a algo coletivo, que são apresentados
como antagônicos, incompatíveis, mas que se processam na individualidade de quem
participa e se identifica com a luta por terra.
3.3 - Mística de tornar-se jovem
A stica que envolveu o processo de construção de jovens, durante o Curso, foi
feita, pelas e pelos participantes, na combinação dos sentidos disponíveis, nos dez dias que
se sucederam, tecendo suas trajetórias. No presente do Curso, elas/eles reelaboraram as
vivências do passado no acampamento, no assentamento e nas ações da luta por terra. E
projetaram-se nos sonhos de realizar estudos, trabalhos, família, terra, reforma agrária,
transformações sociais, direitos e justiça. Combinaram, ainda, a disciplina militante com as
perspectivas juvenis dentro de um processo aprendiz, em que também se constituíram
sujeitos ao processarem identificações com o Movimento e repensarem suas vivências
como experiências históricas da luta por reforma agrária.
Jovens tornaram-se parte, compuseram trajetórias, fizeram-se Sem Terra, tornaram-
se jovens no e do MST, naquele momento do I Curso de Realidade Brasileira. Na sua
grande maioria, jovens assentadas/os e acampadas/os que estudam e trabalham com suas
famílias. Lê-las/os como jovens sujeitos, que encontram-se na condição de aprendizes, nos
pareceu importantíssimo para retratar um processo desenvolvido por aquelas e aqueles
dentro das condicionantes de um Curso organizado com programação, tarefas, disciplina e
um roteiro que se realizou. O jovem e a jovem no MST foram extraídos das características e
compreensões das pessoas que estiveram presentes ao I Curso do Movimento, em 1999; do
processo de realização e acontecimento dessa atividade como evento de jovens ligados ao
Movimento Sem Terra.
No cenário do I Curso, a atuação das/os jovens, de uma maneira geral, deu-se como
ouvinte através das anotações nos cadernos que receberam dentro de uma pasta, onde
descrevia-se as informações professorais que recebiam e a condição de aprendizes. Nas
ações que compartilharam do funcionamento do evento, constituíram-se parte de algo
maior, coletivo, dentro de suas trajetórias. No Curso que destinou-se a jovens, a afirmação
como jovem engajado na luta foi inevitável, e puderam mais, a medida que sonharam e
projetaram suas vidas compatibilizando seus desejos com a luta social.
Em “Jovens Rebeldes e Revolucionários: 1789-1817”
92
, Sérgio Luzzatto, trata da
imagem de uma juventude no que ele denomina “equação jovens-rebeldes”. A construção
sócio-histórica dos jovens em que destaca-se como condição as relações que processam
esses sujeitos, neste caso, num contexto revolucionário do século XVIII, desmistificando
quem são os jovens:
92
Em Levi, G. e Schmitt, JC., História dos Jovens II, A Época Contemporânea, Cia. Das Letras, São Paulo,
1996.
“Mais que da presença real dos jovens nas diferentes vicissitudes das revoluções
européias, proponho-me portanto a tratar da sua presumível presença: os protagonistas
das páginas seguintes não serão tanto ou somente - os jovens que de fato escalaram as
barricadas ou aderiram a um e outro movimento de protesto político, mas os rebeldes e
os revolucionários, qualquer que fosse a sua idade, que sentiram-se jovens e como
jovens combateram ...” (198).
A/o jovem, nas circunstâncias de realização do Curso, encarnou questões do
conjunto do MST da concepção e da organização à estrutura física à participação dos
presentes, numa atividade tipo curso. Uma relação, entre outras tantas, passível de
identificação, foi aquela em que jovem ganha uma concepção de aprendiz. Seja pelas oito
horas destinadas a serem ouvintes de adultos, com suas experiências de estudo ou de ações
sobre determinados assuntos e questões que fossem importantes ao estágio juvenil das/os
presentes, seja pelos valores a serem cultivados através de símbolos que cumprem um papel
político-pedagógico, como o aprendizado de mulher e homem novos do legado
revolucionário de Che Guevara. O educar-se como jovem aprendiz no MST, através do
Curso de 1999, requis inserção numa disciplina, não das regras e normas internas ao
Movimentos, mas de comportamentos e atitudes destinadas a jovens aprendizes.
Nesse processo de construção de um sujeito jovem aprendiz, coube a menina de
treze anos e a mulher de cinqüenta anos de idade que estiveram presentes no Curso. O
aprender e o ensinar dos jovens no MST estavam demarcados em assistir disciplinadamente
palestras; na organização dos diversos momentos de despertar, da alimentação, da
manutenção do espaço, do adormecer. A regularidade e a sistemática de um processo com
momentos delineados e horários cumpridos construíram dez dias de Curso, um espaço de
aprendizes sujeitos.
Aprendizes fizeram-se e jovens aprendizes tornaram-se, num aprender juvenil em
que a disciplina militante da trajetória do Movimento Sem Terra nas experiências de
acampamentos e assentamentos, vivenciada pela maioria, ressignificou o legado de
mudança expresso nos sonhos e projetos de vida, traçando os vínculos recolocados nas
jovens trajetórias das/dos participantes num processo maior, enraizadas ao percurso do
MST:
“Pois bem, ao abordar deste ponto de vista
93
a questão das tarefas da
juventude, devo dizer que estas tarefas da juventude em geral e das Uniões das
Juventudes Comunistas e demais organizações semelhantes, em particular,
poderiam ser definidas com uma só palavra: aprender” (Lenin, 1920:10).
94
No processo jovem-curso-MST, ressaltou-se a dimensão do aprender, contudo, a
dimensão de sujeito foi tecida nos sentidos disponibilizados que as/os jovens entrelaçaram.
A concepção formativa/informativa do Curso com convocatória de um público
pontencialmente militante ganhou relatividade na realização. Idade, vínculo, diversidade de
origens sociais e referênciais sociais que ressignificaram as presenças juvenis. O Curso
possibilitou que fosse reelaboradas trajetórias, identificações e pertencimentos.
O sentido juvenil de aprendiz atribuído às/aos recém chegadas/os no MST, que
remete-se a uma segunda geração no Movimento no processo de consolidação da
Organização, foi experimentado com sentido revolucionário, “do exemplo”, voluntário,
disponível e disposto.
O tempo de ser jovem aprendiz deu-se no espaço do Curso de 1999: nas situações
de submeter-se à disciplina de regras e valores que fazem o existir do coletivo do MST; nos
momentos de prontidão aos desafios que tornam jovens portadores de um por vir; e na
condição de não estarem prontas/os, mas em preparo. Juventude foi concebida vista como
tempo de investimento para o futuro mas o seu fazer foi de sujeito que traça estratégias de
vida e que dá sentido a sua presença no Movimento.
O tempo de jovem sujeito corre em paralelo ao tempo de jovem aprendiz. As
condições de aprendizados do I Curso de Realidade Brasileira do Meio Rural, nas
circunstâncias “massivas”, de “formação” e “estudo” foram revestidas de sentidos juvenis
que combinaram referenciais sociais disponíveis com “sonhos” e “projetos de vida” e que
conjugaram as esferas pessoais e sociais.
Jovens constituem-se a partir de um conjunto de situações, momentos, espaços,
tempos, condições, relações, envolvendo conflitos, negações, afirmações e comunhões de
perspectivas. O reconhecimento de si num iniciar-se com o mundo através do MST, não
mais como criança e nem como adulto, mas como jovem participante de ações e tarefas
93
No parágrafo anterior, Lenin refere-se “à geração que começa a trabalhar já em condições novas, numa
situação na qual não existem relações de exploração entre os homens” (p. 9).
coletivas ganharam sentidos ambíguos em teias juvenis. Pois, compartilharam concepções,
compreensões sobre a vida e o mundo, sobre pobres e ricos; percebem-se numa história,
parte de um movimento social e foram vistos e percebidos, pela direção do MST e por
intelectuais, visitantes e outros, como jovens do MST com uma história, tarefas e legados
de luta pela terra e pela Reforma Agrária.
94
Trecho extraído do texto de Lenin, proferido durante o congresso da União das Juventudes Comunistas, na
Rússia, em 1920. In “As tarefas revolucionárias da juventude”. Expressão Popular, SP, 2000.
Capítulo IV – Referências juvenis
A proposta deste capítulo é de relacionar as referências juvenis construídas no I
Curso de Realidade Brasileira para Jovens descritas no questionário aplicado com a mística
de tornar-se jovem no I Curso de Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural. Para isto,
tratando as referências como virtualidades juvenis produzidas durante o Curso que
reafirmaram imagens comuns do MST, porém, não uniformizadas, nem homogeneizadas.
Trataram-se de potencialidades do próprio Movimento, que, no processo de jovens
tornarem-se parte do coletivo, foram apropriadas e constituíram-se em referências de uma
segunda geração gestada pela dinâmica das relações sociais de um Movimento que se
ampliou para além das ocupações de latifúndios.
Neste sentido, trouxemos cinco trajetórias de jovens participantes do I Curso que
ilustram o processo do fazer-se de uma segunda geração no MST.
As referências aprendidas e vivenciadas pelas/pelos jovens no I Curso, trouxeram
aspectos projetivos e criaram perspectivas de melhorias para suas vidas e esperança para as
condições sociais das/os jovens participantes, naquelas circunstâncias. Durante os dez dias
de Curso, as vivências nas ocupações, nos acampamentos e assentamentos, nos atos e nas
manifestações públicas, nos cursos de formação político-ideológica, enfim, as ações de luta
pela terra foram sistematizadas como experiências juvenis com sentido e identificação. No
Curso, as vivências anteriores produziram memórias, compuseram trajetórias e
construíram-se em referências juvenis.
As circunstâncias do Curso proporcionaram o florescimento de sujeitos jovens, com
sentidos dispostos nos limites e potencialidades das condições de aprendizes dispostos e
disponíveis fazendo parte de um momento do processo da luta por direitos, mudanças
sociais, transformações pessoais e sonhos e projetos de vida.
Ao responderem ao item do questionário: “Diga até três palavras que possam resumir o que
é o MST. E explique o que isto significa para você:”; construímos um Quadro com um
imaginário juvenil sobre o MST:
Quadro 10: referências/imaginários juvenis
1- Justiça/igualdade/direitos/dignidade/melhorias das condições de vida;
2- Solidariedade/companheirismo/ajuda/contribuição/cooperação/união;
3- Organização, movimento e a palavra de ordem “ocupar, resistir e produzir”;
4- “Única saída”;
5- Liberdade;
6- Indignação;
7- Futuro;
8- Reforma agrária/ um pedaço de chão/ terra;
9- Melhoria para o país/ Brasil;
10- Menos sofrimento /paz/ amor/ vida digna /alegria/ felicidade;
11- Socialismo/ revolução;
12- Luta.
As doze referências juvenis, como se vê, agregaram diversas noções do que o MST
representa, e por isto mesmo, não se apresentaram em estado puro. Diversas/os jovens
explicitaram combinações de referências variadas sobre o que significava o Movimento
para elas e para eles. Até porque o Movimento projeta-se na sociedade não de uma única
forma, mas de varias maneiras, mexendo com o imaginário social. Num imaginário juvenil,
as referências recorrentes sobre o Movimento passaram por idéias como: direitos; acesso à
cidadania; luta; solidariedade; troca; conquistas; saídas; perspectivas; sentidos;
possibilidades de perceber-se e de perceber o outro; totalidade; país, história; sentimentos;
esperança; vitória:
“uma luta por dignidade, porque cada família tem o direito de lutar por sua
dignidade”. Hélia Cristina da Silva, 16 anos, acampada no Distrito Federal.
“uma instituição que organiza e articula o povo em busca do seu direito/
terra/igualdade”. Gilcélio Donato Correa, 21 anos, acampado no Mato Grosso.
“o MST é o movimento de resgate da cidadania, da terra como fonte de vida, uma
alternativa de luta e trabalho coletivo neste país neoliberal”. Kelly Cristina Alves, 23
anos, trabalha na secretaria da Casa da Juventude, ligada à Comissão Pastoral da Terra, no
estado de Goiás.
As referências juvenis compuseram diversas compreensões do MST. O uso de
elementos identificados nos discursos políticos e sociais na luta por direitos e cidadania, nas
referências juvenis em relação ao MST, expressou a necessidade de melhorias das
condições de vida das famílias sem terra e do povo. E expressou, também, as próprias
experiências de ausência de cidadania e de participação da luta social das/os próprios
jovens. As ações implementadas pelo Movimento ganharam o sentido de justeza, e a luta
pela terra ganhou o sentido de acesso a direitos e à dignidade. Jovens alargaram, ou tiveram
a possibilidade de alargar, a compreensão de suas vivências de necessidades de melhores
condições vida, ao compreendê-las não como problemas pessoais, mas em atribuí-las
sentidos da luta por direitos sociais e políticos:
“companheirismo, luta e justiça, significa que juntos podemos lutar e
transformar este país”. Iranilda Cecília de Paula, 15 anos, acampada em
Pernambuco.
“Movimento Sem Terra, um ato de solidariedade”. Rodrigo Andrade, 15
anos, acampado em Minas Gerais.
“ocupar resistir, produzir, isto significa solidariedade, ou seja, união para
vencermos”. Gabriel da Cruz, 18 anos, assentado em São Paulo.
“luta, organização e solidariedade, pois isto significa os pilares de
sustentação do MST na luta dos trabalhadores”. Marcos André Jakolay, 19 anos,
estudante universitário no Rio Grande do Sul.
“o movimento mais organizado do país, a esperança de um futuro melhor”.
Carla Elaine Alves, 22 anos, estudante universitária no Rio de Janeiro.
Uma referência muito associada ao MST é a de organização. A realização de ações
diretas, ocupações, manifestações, as várias reuniões, encontros, as diversas instâncias de
decisão e encaminhamentos de ações dão ao Movimento o sentido de organizador e
realizador de ações, um agente efetivador da luta social. As idéias de organização foram
reforçadas sobre o MST também no cumprimento de tarefas e atividades apontadas como
que a eficiência do Movimento em atingir objetivos.
A organização tornou-se elemento da existência do Movimento. Contudo, junto a
essa referência de organização, outras referências foram associadas, como companheirismo,
união e solidariedade. Juntos, unidos, com organização, poderão realizar as necessidades
que ainda são sonhos. Tratam-se de compreensões coletivas na perspectiva de organização
e união para as conquistas concretas da terra, da moradia, do trabalho, da dignidade.
As experiências do espaço e momentos de troca coletiva e ajuda mútua do I Curso
de Jovens, em que a/o participou de brigadas, equipes de trabalho, místicas e outras
atividades, ganharam o sentido de junção, união e organização. Mas não somente, o Curso,
bem como, nos diferentes espaços e momentos anteriores relativos às atividades do
Movimento, ganhou o tom da capacidade de realização, conquista e transformação. Pois, o
sentimento de solidariedade irmanou todas e todos presentes na realização do Coletivo do
Curso, consequentemente, do MST.
“se o MST não existisse onde eu estaria neste momento de capitalismo
selvagem que torna o povo só para os interesses deles”, e diz que entrou no
Movimento“porque é a única saída para transformar esta nação”, Anâmpio
Santana, 30 anos, acampado em Sergipe.
“MST é vida, é a única esperança que existe. Significa a minha própria
vida. Foi minha infância e é o meu presente e será o futuro de todos nós”. Ademar
Bonato, 22 anos, assentado no Rio Grande do Sul.
“alternativa de vida! Acredito que na situação que está o nosso país o
MST pode ser a saída!”. Vando Rosa do Nascimento, 20 anos, assentado no Mato
Grosso.
Diversas referências das/dos jovens do I Curso apontaram o MST como uma, ou a
possibilidade de transformação da sua própria vida, estendendo essa possibilidade às
condições sociais de todo país, do povo brasileiro. Outras referências tornaram-no o MST a
única saída, pois a entrada no Movimento caracterizou-se na sua própria situação-limite de
vida. Alguns sentidos de um certo desespero e também de esperança vividas com suas
famílias sem terra que justificavam a disponibilidade, a disposição, o empenho e o
investimento na retomada de perspectivas da luta pela terra e pela reforma agrária. O
Movimento foi percebido como responsável por saídas, e às vezes a única saída, e uma ou
a chance de se recompor um presente de perspectivas e um futuro de sonhos e projetos que
reanimou e motivou vidas.
Cabe ainda, a relativização destas declarações, lembrando que estão
circunstanciadas pelo processo do I Curso de Jovens do MST. O que não desqualifica as
suas representações sobre o Movimento e a luta que estas/estes jovens participaram e
implementaram em espaços organizados pelo Movimento Sem Terra.
“consciência, luta e liberdade. São os itens essenciais para que possamos
fazer a revolução e lutar por uma sociedade mais justa e para que tenhamos um
povo livre”. Luziane de Carvalho Oliveira, 17 anos, simpatizante do MST no
Maranhão.
“igualdade, companheirismo e liberdade. Significa um país para todos,
onde se conquiste o direito à vida.”. Jasiel Vieira da Silva, 19 anos, acampado em
Pernambuco.
“liberdade, transformação, vida, porque ele luta por um povo livre por
sociedade e vida”. José Marcos de Araújo, 25 anos, assentado no Espírito Santo.
“trabalho, dignidade e liberdade significam uma vida justa para todos”.
Edvan Batista de Sousa, 24 anos, acampado no Paraná.
“esperança, liberdade, solidariedade. Mundo digno, ser livre, acolher, distribuir e,
o mais importante, sorrir”. Silso Aparecido de Oliveira, 20 anos, assentado em São
Paulo.
Os sentidos juvenis da luta social do presente - ocupações, acampamentos,
assentamentos, atos políticos, cursos de formação e escolarização - são os da tomada de
conhecimento dos males sociais da desigualdade econômica, que cria abismos dentro da
sociedade brasileira, mas que indica um futuro para todos, de liberdade das privações das
condições materiais de existência. Os olhares para o futuro enxergam terra, casa, acesso ao
trabalho e ao estudo. Um romantismo social, também encontrado entre jovens do século
XIX
95
, que mantém o sonho de um mundo digno, livre, onde se colhe, distribui para todos.
“Moradia, solidariedade e transformação social, é isto que para mim significa a
maior liberdade do Povo brasileiro”. Emerson Souza Santos, 18 anos, assentado na
Bahia.
“solidariedade, indignação e amor. MST é o povo que se solidariza com o
sofrimento dos outros, também fica indignado perante esta política capitalista das
elites e tem amor pela luta para fazer um novo homem e uma nova sociedade”.
Alírio Acordi Santana, 36 anos, assentado no Paraná.
As percepções juvenis do "nós" fizeram referência ao: povo; "sofrimento dos
outros"; sociedade; país; Brasil; todos. Foram referências de si próprio e das suas
experiências vividas com suas famílias, bem como, de um conjunto maior de referências
que legitimou as situações e as necessidades vivenciadas. De alguma forma, foram também
desabafos que utilizaram, muitas das vezes, uma terceira pessoa como forma de tratar
sofrimentos pessoais e que por isto trouxeram uma visão humanista de transformação para
todos. Esta perspectiva de mudanças e eliminação dos sofrimentos através da luta pela vida
alargou a dimensão pessoal legitimada pelo aspecto social "para todos".
Pollack (1987), na elaboração sobre memória e identidade, trata de depoimentos de
pessoas com experiências sociais sofridas, e demonstra que não contradição entre
necessidades, desejos pessoais e lutas sociais, bandeiras políticas:
"Se assimilamos aqui a identidade social à imagem de si, para si e para os
outros, um elemento dessas definições que necessariamente escapa ao indivíduo
e, por extensão, ao grupo, e este elemento, obviamente, é o Outro. (...) A construção
da identidade é um fenômeno que se produz em referência aos outros, em referência
aos critérios de aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por
mei da negociação direta com outros" (Pollak, 1992: 204)
A identidade que apareceu nas referências dos jovens do I Curso de Realidade
Brasileira para Jovens do Meio Rural foi construída com o nós em favor do povo brasileiro;
da sociedade, do Brasil. E contrária a um outro, ou eles, que foi o capitalismo/capitalistas,
as elites, a burguesia. Virtuosismos que se mesclaram na dinâmica do Curso através das
95
Ver trabalhos de: Perrot, M. "A juventude operária. Da oficina à fábrica"; e de Luzzatto, S. "Jovens
rebeldes e revolucionários: 1789-1917" em História dos Jovens, vol II, “A Época Contemporânea”, SP, Cia.
palestras de professores, intelectuais e artistas e através das composições que as/os jovens
nos grupos, brigadas e equipes constituíram para compreender o que se passava com suas
vidas, as causas e as possíveis saídas.
“MST é uma forma de luta para ter um futuro melhor e de seus filhos, MST é vida,
me traz alegria”. Jones da Silva Neves, 17 anos, acampado no Rio de Janeiro.
“Movimento Sem Terra é um futuro para os que não têm um pedaço de terra para
trabalhar”. Aldemar Ribeiro da Silva, 20 anos, acampado no Paraná.
Referências projetaram um futuro para suas vidas, com trabalho, filhos, famílias.
Sonhar tornou-se possível. A liberdade fez parte de um processo de humanização, uma
compreensão, uma tomada de sentido, em que a vida que se vive é detentora de horizonte.
A possibilidade da realização de desejos iluminou as perspectivas de vidas, algumas que
aguardavam um momento de brotarem, outras adquiridas pelo processo de integração às
lutas sociais e suas bandeiras políticas.
Martins (2000), na construção de críticas ao MST, aos partidos políticos, às igrejas,
a “agentes mediadores”, chama a atenção para o fato de que:
“nas gradações de pobreza é preciso reconhecer que muitos são pobres não
porque padeçam privações materiais do essencial à sobrevivência. A criatividade
popular tem gestado estratégias de sobrevivência que perturbam a gica econômica
dominante e oferece saídas onde os técnicos e economistas não vêem saída alguma.
A pobreza moderna é maior e bem diversa da pobreza definitiva de um imaginário
religioso ou de classe dia em que o pobre está reduzido a um esquálido esquema
de interpretação social e política. O essencial da pobreza moderna e capitalista está
na transformação do homem em coisa, na sua desumanização. Na sociedade
capitalista é pobre quem é pobre de humanidade” (2000: 81).
Contraditoriamente, conforme as críticas de Martins, as referências dos jovens
foram de humanização de questões pessoais em sociais e de demandas sociais em questões
pessoais. Sonhar um futuro de dias melhores permitiu construir referências humanizadoras:
das Letras, 1996.
“Terra, solidariedade e justiça. Terra: direito de todos; solidariedade: união,
companheirismo; Justiça: um país digno e justo”. Cátia Santos de Oliveira, 16 anos,
acampada na Bahia.
“Reforma Agrária Já! Significa que não pode haver revolução onde haja
desigualdades, e, no Brasil, a única forma de resolver as desigualdades é a reforma
agrária”. Luciana Oliveira Correia, 22 anos, estudante universitária.
“é fazer a Reforma agrária social é para que nós tenhamos um Brasil mais justo e
digno à nossa sociedade”. Eduardo Bispo Santos, 20 anos, acampado na Bahia.
“Luta pela terra significa que a terra é de todos que nela têm vontade de trabalhar
e se sustentar, mas está concentrada na mão de poucos”. Cícero Miguel, 19 anos,
assentado em São Paulo.
Para elas/eles jovens, a Luta é para quem tem vontade de trabalhar e de se
sustentar. A eliminação das desigualdades econômicas foram outros sentidos dispostos para
solução de problemas sociais. A dimensão de projeto social teve referências de bandeiras
políticas, essencialmente, da reforma agrária como resolução dos males da sociedade
brasileira. Uma compreensão de que as bandeiras de luta pela terra são totalizantes, incluem
a todos da sociedade brasileira e de que a conquista da reforma agrária, de terra e direitos
para os Sem Terra resolveria o problema da fome, ou consumo de alimentos, trabalho,
moradia, também na cidade. Houve uma extensão das vivências de lutas sociais, o que, por
um lado, humanizou a compreensão dos anseios de liberdade e solidariedade, e, por outro
lado, reduziu os problemas do conjunto social à resolução da reforma agrária.
Num país herdeiro da escravidão, estruturalmente marcado pelo latifúndio e suas
relações de poder, a compreensão da questão agrária extrapolou o espaço dos diretamente
afetados e envolvidos. A luta social dos Sem Terra foi concebida para além dos
acampamentos e assentamentos:
“MST significa - para mim - é um Movimento que luta pela reforma agrária,
por uma vida digna, um país melhor. MST é uma massa de pessoas que luta pelas
mesmas idéias”. Vanessa Sílvia, 17anos, acampada em Góias.
companheirismo, lutador pelo povo, ajuda para ter um país igual para todos, sem
discriminação.” Sidinei Alberto Ferreira dos Santos, 16 anos, assentado no Paraná.
“esperança em transformar o Brasil em um país sem as disparidades econômicas e
sociais que ele possui hoje”. Rosa Goretti de Sousa Reis, 27 anos, universitária em
Goías.
Diversas respostas associaram o MST e sua luta ao Brasil, a um país de
desigualdades. O papel atribuído ao Movimento, nestas referências, foi o de buscar a
construção de um outro país, melhor. As idéias foram de que o Movimento luta por
transformação da vida no país, e não somente para os Sem Terra:
“Amor, pelo que faz a luta; esperança de um país justo; dor por aqueles que
morreram pela luta e infelizmente não vivem as maravilhosas conquistas de uma
batalha, mas ainda o não fim da luta” - Luciana Marques, 25 anos, assentada em
São Paulo.
“resistência, luta e socialismo, significa uma esperança para o Brasil”. Luis Carlos
Pereira, 25 anos, universitário de Minas Gerais.
"Futuro/ amor/ socialismo, isso é o que todos nós precisamos para viver o ar que
respiramos, sem isso morremos”- Jonas Ferreira de Lira. 30 anos, assentado em
Pernambuco.
“Sou militante porque vi no MST condições reais, de nós jovens fazermos história”;
"Venho da Igreja e do PT. Vi no MST o único movimento capaz de representar os
trabalhadores e dar-lhes respostas". "Porque não achei respostas suficientes na
Igreja nem no PT. Conheci o MST mais de perto e pude ver ações concretas e não
discurso" - Eliana Leite Martins, 23 anos, militante no Ceará.
As referências juvenis ao tentarem construir perspectivas de um projeto coletivo de
sociedade revelaram sentimentos, jovens afetos que não tiveram vergonha de se declarar.
Demonstraram que a luta social é feita de objetivos, afetos, amor, solidariedade e
esperança. As vinculações com o Movimento deram-se por necessidades materiais e ou
afetivas, mas são os laços afetivos que promoveram encontros entre jovens e o MST.
Diversas referências das/os jovens do I Curso sobre o Movimento estão carregadas de
sentimentos, pessoais, valorativos, de auto-estima, solidariedade, cultivados no processo de
experiências que integraram-nos como sujeitos.
As referências do Movimento apontaram para uma saída desejável de um futuro
melhor, especificamente para suas próprias vidas e, genericamente, para a sociedade. A
esperança de uma efetiva mudança expressou-se na luta de trabalhadores e ou na
construção do socialismo:
“MST é luta, saúde e educação para todos; por justiça, aonde não morre ninguém a
míngua”. Antônio Galdêncio Rodriguês, 23 anos, assentado no Piauí.
"Companheirismo, solidariedade, humanismo significa a luta”. João Maria Pereira,
15 anos, acampado em Goiás.
“Luta, resistência, companheirismo, através da luta possa fazer reforma agrária”.
Maria Aparecida da Silva, 18 anos, acampada em Pernambuco.
“lutar, coragem e justiça, é preciso ter coragem para lutar por justiça”. Eva
Pereira, 18 anos, assentada no Espírito Santo.
“vida, trabalho e produção, sem tudo isso não tem jeito de viver”. Edmilson de
Lana, 20 anos, assentado em Minas Gerais.
"Porque eu, nós, irmãs da Divina Providência - IDP, acreditamos na proposta do
MST, isso é Reino de Deus a vitória vem da base (única)”. "É um movimento de
libertação de uma classe menos favorecida…". Simone Barros de Oliveira, 26 anos,
Maranhão.
"Justiça, paz e vida mais digna. Creio que estas três palavras estão intrinsecamente
ligadas; tendo justiça haverá paz e conseqüentemente vida mais digna para todos,
luta, esta, empenhada pelo MST”. Alberto Valdemar Bamberg, 25 anos,
universitário no Paraná.
A marca de idéias de luta nas referências ao Movimento exprimiu o esforço e a
conquista: para não se morrer a míngua no Piauí; para resistir em Pernambuco; ter
coragem em lutar por justiça no Espírito Santo; e ter paz no Paraná. Lutar foi uma
necessidade constante para manter a vida; ter o que é de direito; obter cidadania; e tornar-se
sujeito de suas vivências, constituindo as experiências de uma trajetória pessoal e coletiva.
Para as/os jovens que se encontram com e no MST, lutar foi um ato de coragem, de
indignar-se e de solidarizar-se consigo e com os outros. E ainda, uma maneira de enxergar a
si nos encontros e desencontros com os outros, através de sentidos emprestados pela luta
social, que despontou a partir do final da década de setenta e reavivados no contexto de
acontecimentos da segunda metade dos anos noventa e das ações do MST, que ressoaram
demandas políticas mais amplas.
As referências corresponderam ao vivido e ao aprendido. Criaram uma identificação
entre vivências experimentadas e idéias que passaram a ser adquiridas em espaços
construídos pelo MST. Os significados juvenis foram sendo traçados, com os sentidos
humanistas, de justiça social e das mais variadas formas de vivenciar e imaginar as ações
do Movimento. Tratou-se de uma geração com valores retomados, no período de abertura
política, de vivências de demandas sociais ainda não resolvidas, forjados politicamente em
espaços promovidos pelo Movimento.
O MST gerou jovens de sua segunda geração na luta por terra e por reforma agrária,
através das experiências de ocupações, acampamentos, assentamentos e outras ações
políticas das quais participam sujeitos provenientes de diversos setores sociais que alargam
as experiências dentro do Movimento.
Pois “elevar o grau de pertença dos jovens ao MST” não pode ser somente em dar
continuidade e nutrir a esperança e sonhos da geração anterior, seja esta seus próprios pais
acampados ou assentados (MST: 2002), mas de tornarem-se parte da luta ao verem
refletidas suas demandas de jovens sem terra que também é por terra, reforma agrária,
trabalho, moradia, alimentação, educação, saúde, enfim, melhores condições de vida,
justiça e vida digna. Os pertencimentos juvenis produzidos nesta luta social ampliam o
sentido do processo de tornar-se e sentir-se parte deste Movimento.
O Movimento constituiu-se com uma geração de jovens formada nas experiências
políticas do período de reabertura democrática, pós-ditadura militar, e de ações da Igreja,
nas Comunidades Eclesiais de Base, pastorais e na luta por terra. Após vinte anos, o MST
gera uma segunda geração, formada a partir de experiências políticas de ocupações e
acampamentos, mais os assentamentos, manifestações, atos, frutos das ações e das
repercussões do MST, com bandeiras, boné, camisetas vermelhas, uma organização em
setores e instâncias de decisão.
Em diversos materiais do Movimento, de diferentes períodos, juventude aparece
incluída na família de trabalhadores sem terra, ou citada sem grandes profundidades sobre
quem são. Com as experiências de atividades específicas locais, até 1999, ainda não havia
nenhuma atividade, ão, linha política, mais geral, ou nacionalmente, para os jovens. Os
cursos do Setor de Educação estiveram voltados a uma educação de jovens e adultos numa
perspectiva de militantes inseridos na organização do Movimento, nas suas instâncias de
decisão, setores e coletivos, ou na organicidade e pertença Sem Terra
96
. Por outro lado, a
realidade do público de diversos cursos e atividades, promovidos pelo Movimento, tem
diversos jovens com maior ou menor inserção nas instâncias do Movimento, e com
pertencimentos diversos, o que aponta para a especificidade de jovens no MST da segunda
geração da luta pela terra desde a reabertura política.
A juventude, hoje, passa por formações próprias do Movimento nas ões e nos
cursos, reuniões, etc. Uma práxis em que uma perspectiva de juventude manifestou-se.
Jovens no Curso de Realidade Brasileira para Jovens, convocadas/os pelo MST, que
responderam ao questionário, definindo-se, ou não, como militantes, compuseram uma
segunda geração: jovens de alguma forma ligados ao Movimento que passaram por uma
formação política, não mais em espaços da Igreja, mas do próprio Movimento.
Pudemos encontrar cinco jovens no MST que participaram do I Curso de Realidade
Brasileira aos Jovens do Meio Rural e responderam ao questionário. Três anos depois, as/os
encontramos na Escola do Movimento Sem Terra, o Instituto de Educação Josué de Castro,
que funciona no município de Veranópolis, no Rio Grande do Sul. Identificaram-se, assim
que souberam do andamento da pesquisa, com orgulho de terem participado do Curso de
1999.
E retomamos com elas e eles as questões do questionário, afim de verificar suas
referências nos sonhos e projetos de vida e na perspectiva de suas vinculações com o MST.
Vale ressaltar que tivemos contato com as/os jovens que conseguiram dar continuidade à
atuação junto ao MST.
Destacamos suas repostas durante o Curso de Jovens, em Campinas, e, três anos
depois, estudando na Escola do MST:
Nilmar Morais, durante o Curso, aos 17 anos, com o primeiro grau escolar,
assentado no Rio Grande do Sul, disse que seu sonho: “eu espero ser um agrônomo”.
Responde ser militante porque acho uma causa legal”, desde o dia dois de julho, daquele
ano de 1999; e entrou no Movimento Porque o MST é um Movimento de ajuda ao jovem
rural”. Refere-se ao Movimento como: “movimento de luta e garra, e muito forte”.
96
Organicidade é como o próprio Movimento trata a inserção das pessoas na organização e caracteriza a
Nilmar, com 20 anos, ainda vivia no assentamento com os pais, faz o ensino médio
do Técnico de Administração de cooperativas. Ainda breve nas suas respostas, mantém o
sonho de ser agrônomo. E diz que entrou para o MST “porque ele foi um caminho que
agente (da família dele) optou”. Ele diz que o Movimento é “formação, princípios
direcionados para nós. Nós que somos menos privilegiados. A perspectiva de que o mundo
pode mudar, nos favorece. A transformação é possível”.
E destaca que “o Curso (de 1999) foi muito rico: a integração, conhecer e
conversar com muita gente, amizades. A finalidade foi maior. Não deixar de lado a
integração. É difícil querer que toda aquela juventude se junte. Fase da vida complicada
que floresce, tem energia, não faz só uma coisa”.
Gibrail Cordeiro, durante o Curso estava com 20 anos, tinha o ensino médio e
"outros cursos", inclusive ao curso de Técnico de Administração de Cooperativa oferecido
pelo MST; acampado em Santa Catarina, vivia com esposa, e: “sobrevivo com a
contribuição da minha família”. Ele sonha em “fazer a faculdade”, e seu projeto de vida “é
transformar a sociedade como um todo”. E diz: “sou militante porque contribuo com a
organização e atuo no Setor de Formação. Desde 1988”. Completa dizendo que ingressou
no MST: “porque o Movimento oferece condições através da luta para adquirir um pedaço
de terra. E é um Movimento contra as injustiças desse país, contra essa exploração que
vem séculos atrás, e tem um projeto que determina uma mudança”. Suas referências ao
Movimento são: “Movimento de massa que luta em defesa de uma nova sociedade que
todos tenham direitos”.
Gibrail, com 23 anos, assentado em Fraiburgo, Santa Catarina, com um filhinho
de 2 anos e 7 meses, cursa o curso de Pedagogia num convênio da Escola do Movimento e
a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul, diz que se sustenta: “agora sim, da
agricultura”, e “ajuda a família”. Seu sonho: “continuar estudar e se formar; fazer uma
pós (curso de pós-graduação) e viver com dignidade e qualidade de vida”. Seu projeto
“transformar a sociedade na possibilidade do socialismo; ajudar na revolução cultural; na
luta de classes; participar na luta; e ter mais filhos”. Ele se identificou como filho de
militante e diz ser militante a partir de 1996: a participação foi a família. Foi uma
construção desde os sete anos (de idade, quando ele tinha). Tudo que tivemos foi através
identidade com o MST.
do MST. Fui uma pessoa criada na luta, atuando no acampamento. Sou militante porque
eu acho que atuo com companheiros em atividades práticas, ajudando com a causa dos
trabalhadores”. E lembra que um dirigente da coordenação do MST organizou o
processo de ocupação e meu pai, em 1985, acampou e levou a família em 1989 em
Abelardo Luz”. A referência do MST é de: “dignidade - direitos sociais e educação; terra
- a luta da gente começou na terra; e solidariedade - no movimento o trabalho é
voluntário”.
Gibrail, destaca os seus estudos no curso do MST, Técnico em Administração de
Cooperativas, como “responsável pela consciência de militante e a necessidade da terra.
Muitos filhos de assentados caem fora e fica contra o Movimento”. Ele conta que entre
1999 e 2002, houve “grande transformação: a vida no acampamento, convivendo com o
povo é uma grande escola, se tem conhecimento, prática”. Foi coordenador do
acampamento, atuou no Setor de Frente de Massa e no curso de Educação de Jovens e
Adultos. Neste período, nasceu seu filho, conquistou a terra, recebeu recursos e foi sorteado
com uma entre as doze primeiras casas do assentamento. Trabalhou para a organização do
assentamento e conta que tudo isto foi “encarando despejo, polícia e agressão:
enfrentamos juiz e cento e cinqüenta policiais. Sem jantar, pousemos acordados, sessenta
pessoas vinte e quatro horas num caminhão de merda”.
Fazer parte de um movimento social requer compartilhar identidades, valores e
concepções. O fazer parte de jovens no MST envolve além de comungar interesses comuns
e convenção de regras a realização de desejos pessoais. As/os jovens recompõem o
específico de sonhos e projetos de vida com o geral de bandeiras de luta, valores e ideais.
Compõem trajetórias ao auto-reconhecerem-se na luta pela terra, produzindo encontros
entre individualidades e o coletivo e construindo referências juvenis no MST.
Antonia Kelha Lima Mendes, quando participou do Curso de 1999, tinha 19 anos,
nem acampada, nem assentada, no sétimo ano do primeiro grau, trabalhava no MST e vinha
do Sertão Central do Ceará. Sonha “chegar ao socialismo”, e o seu projeto de vida é “até
que não chegar o nosso objetivo, vou lutar”. Responde que “sim”, é militante, desde de
setembro de 1997, durante a Marcha do Grito dos Excluídos, e “porque sonho com uma
sociedade justa e nós do MST podemos construir”. Ao responder “por que entrou”, se
reconhece numa trajetória que referencia o MST: “porque desde os oito anos de idade vi o
poder do latifúndio pisando sobre nós, daí tive o sonho de lutar, mas como? Sozinha? Foi
quando conheci o MST e percebi que era a minha Luz, o meu caminho a seguir. Eu sou
MST!”. Suas referências atribuídas ao MST: “solidariedade, amor, companheirismo,
significa a não-exclusão, dá vez para todos, é vida”.
Antônia, com 23 anos, cursando o ensino médio em Técnico de Saúde Comunitária
na Escola do Movimento Sem Terra, mora ainda com companheiros num alojamento do
Movimento, trabalha no MST e recebe ajuda financeira do pai. Destaca que seu pai é
assentado desde 1988, não pelo Movimento, mas que o MST começou a dar
acompanhamento ao assentamento a partir de 1996 e seu pai se tornara representante do
assentamento. Os pais de Antônia não queriam que ela se integrasse ao Movimento e
reafirma sua militância desde 1997. Seu sonho: “está fazendo parte do Movimento
enquanto existir, para o resto da vida. Conseguir lutar por melhores condições para a
classe trabalhadora”. Seu projeto: “assentar e continuar na luta. Conciliar está na
organização e atividade no assentamento. Mexer com o campo e ter certo vínculo com a
cidade”.
Katiane Machado da Silva, durante o Curso, tinha 23 anos, com ensino médio,
assentada no Rio Grande do Sul, mora com os pais e se sustenta com auxílio doença. Sonha
“que todos tenham terra. Seu projeto de vida: “lutar por uma causa justa e nobre”. Ela
diz fazer parte do MST desde 1985, “mas agora entrei na luta, por sonhar com um
Brasil melhor, por ter a mesma ideologia”. Diz que entrou com os pais porque desde
jovem tive consciência que o MST é um movimento, que luta pelos nossos direitos, que luta
por um socialismo”. As referências que atribuiu ao MST foram: luta por uma causa
justa; igualdade por nossos direitos; e conquistas que acumulamos ao longo de um
percurso de sofrimento”.
Katiane, com 26 anos, está contribuindo no acampamento Natalino, onde mora com
outros companheiros, no município de Pontão, no Rio Grande do Sul, no mesmo local onde
aconteceu o histórico acampamento de Encruzilhada Natalino. Ela é colega de Gibrail no
curso de Pedagogia coordenado pelo Movimento. Ela trabalha no Movimento mas ainda se
sustenta com o auxílio doença que recebe. Seu sonho, que “as pessoas percebam que é
preciso se organizar e se unir”. Seu Projeto: “poder ajudar as pessoas e estudar ao
máximo”. Reafirma sua militância, mas agora a partir de 1999, através de reuniões: onde
eu me encontrei e eu posso contribuir na organização de outras pessoas”. E entrou no
MST porque: “estava numa fase sem objetivo, sempre tive curiosidade. Quando se falava
de ‘novo Brasil. E porque no MST se tem os mesmos sonhos, buscam-se a mesma causa e
se tem a pertença do MST. Uma coisa é morar num assentamento, eu não estava na luta,
organizada. Não sabia dos objetivos. Não conhecia nem a história do meu assentamento.
Militante é o que eu sou hoje”. A referência que atribui ao MST é de vida dentro da
organização ganha uma vida, percebe-a de outro jeito. Dentro da organização agente não
pensa só na gente”.
Raqueli Ardenghi, quando participou do Curso, tinha 14 anos, estudante do último
ano do primeiro grau, mora com os pais num assentamento no Rio Grande do Sul, trabalha
junto com a família em casa, diz que “precisamos por em prática os nossos sonhos. Eu
sonho com um país de emprego para que todos tenham uma vida digna de cidadão”. Seu
projeto de vida: “estudar e ingressar cada vez mais nessa luta”. Ela se diz militante
“porque quero participar dessa luta, junto com esse povo, pois queremos igualdade para
todos”. Diz que entrou com a família: “eu entrei no MST com minha família, fiquei apenas
um ano, mas já é uma grande história”. A entrada justifica-se com o seguinte objetivo:
“para mostrar que é através desse povo lutador, que é através desse movimento que iremos
lutar por um país onde haja principalmente administradores que pensem nesse povo, nos
cidadãos, no melhor para esse país, que com certeza ainda tem jeito de mudar. Pois se
depende de nós jovens, esse Brasil vai andar para frente”.
Raqueli, aos 17 anos, ainda está assentada em Rondinha, no Rio Grande do Sul,
morando com os pais, e cursando o ensino médio em Técnico em Saúde Comunitária. Seu
sonho: “após concretizar este curso, viver e me auto-sustentar. Poder viver fazendo o que
eu goste.” Seu projeto de vida: “não se prender a uma única coisa, expandir
conhecimento.” Ela diz ser militante: “ingressei no MST quando meu pai entrou. É
gratificante e proporciona ao mesmo tempo formação individual e coletiva. O Curso (de
Saúde que ela cursa) abre caminhos”. Raqueli identifica sua militância desde quando:
“consegui perceber a troca de conhecimento, formação de experiência e diferentes
contribuições”. A sua referência do MST: “uma opção de vida. É uma luz, talvez para
formação, um caminho porque nos proporciona muita coisa. Uma diferença, antes de
entrar, crescimento pessoal, na relação, na visão mais ampla das coisas”.
Tornar-se jovem no movimento é sonhar e projetar, trazendo expectativas e
perspectivas que combinam os desejos individuais da terra, da casa, do casamento, do
estudo, da profissão, e os interesses coletivos do pôr em movimento as demandas sociais, as
pautas políticas e as tarefas. Uma mística de estratégias juvenis no viço de conciliar
perspectivas, a princípio, contrárias ou contraditórias: individual/coletivo, específico/geral.
O namoro, a responsabilidade da coordenação, a iniciação da participação nos espaços do
MST, os estudos, a família, um universo presente no fazer de trajetórias juvenis.
Nilmar, Gibrail, Antônia, Katiane e Raqueli são jovens que três anos depois
estiveram estudando (Gibrail e Katiane ainda estão) em cursos realizados na Escola
Nacional do MST, o ITERRA. Continuam na luta e se realizando alguns de seus sonhos.
Nilmar concluiu o curso de Técnico em Administração de Cooperativas, ainda não é
um agrônomo. Antônia e Raqueli concluíram o ensino médio, com formação em Saúde
Comunitária, e cumprem o papel de acompanhantes de educandas/os da segunda turma
deste curso em andamento na Escola do MST. O segundo está prestes a concluir a
faculdade que desejava realizar juntamente com Katiane.
cerca de vinte anos, surgia o Movimento Sem Terra nos espaços promovidos
pela Igreja, como reuniões e encontros que definiram pela fundação do MST. Jovens
ingressaram nas fileiras da luta de famílias por terra e aderiram à bandeira da reforma
agrária, retomada nos patamares do encerramento da Ditadura Militar. A formação de uma
geração de militantes sociais que passou a participar, a influenciar e “animar” processos de
mudanças e representar grupos sociais (Navarro, 2001). Foram vivências na década de
1980, experiências, principalmente, na região Sul do país, em pastorais das Igrejas Católica
e Luterana.
Jovens, nesse período, constituíram-se lideranças e personalidades públicas, alguns
com expressão nacional. O MST legitimou-se politicamente - para críticos como Navarro:
devido ao acesso à alocação de fundos públicos e construção de pautas políticas que
demandaram políticas públicas com controle social (Navarro, 2001); para pesquisadores
políticos como Konder: porque construiu uma nova representação nacional dos
trabalhadores rurais e ocupar espaços de contestação de atores sociais, como sindicatos,
CUT e PT, que refluíram durante os anos noventa (Konder, 2000).
A constituição do novo personagem social, com lições do passado, implementou a
luta por terra num fazer que trazia ações, ocupações, marchas, que não eram inéditas mas
tinham o toque da reedição. A ocupação de terra e a implantação de assentamentos
expressaram o processo de territorialização do MST, na conquista de espaços sociopolíticos
(Fernandes, 2000). Após vinte anos, está-se formando uma segunda geração, e aparece
em alguns trabalhos sociológicos que tratam do Movimento (Medeiros, 2000 e Navarro,
2001).
“O resultado tem sido a lenta aparição de um novo conjunto de líderes que
defendem e realizam ações coletivas mais ousadas e contestadoras da ordem social.
A imagem de um MST ‘provocador’ que tem sido gradualmente constituída,
espcialmente a partir de 1998, provavelmente repercute mais a ação regional dessas
novas lideranças e, menos, a percepção política dominante entre os dirigentes
(majoritariamente sulistas) da ‘primeira geração” (Navarro, 2001, sem página)
97
.
Seja pela geração de jovens em assentamentos conquistados pelo MST e/ou pela
formação política recebida em cursos políticos ou de escolarização, aponta-se para uma
geração vinda das diversas regiões brasileiras e realidades agrárias, com menos marcas das
lutas implementadas, principalmente na região Sul do país, no final dos anos setenta e
início dos anos oitenta.
O fazer-se do MST, o tornar-se parte, num primeiro momento, na primeira geração,
contou com a formação construídas nas experiências das comunidades eclesiais de base,
das pastorais da Igreja; na construção de ocupações, acampamentos, assentamentos, cursos,
encontros, reuniões, congressos, marchas, que promoveram experiências que se expandiram
para o conjunto da sociedade.
Os jovens desta pesquisa, na sua maioria não são lideranças, mas jovens da base
social do Movimento, como se convencionou a chamar. A atenção volta-se para uma nova
geração formada nos espaços construídos pelo MST. Diferentemente, da primeira geração
formada em espaços da Igreja, do Partido e do Sindicato, esta geração que se segue tem as
marcas de um MST autônomo, "provocador" no sentido do enfrentamento e de constituir
pautas políticas e de retomar e produzir um imaginário da luta pela terra com ações diretas.
O processo de fazer-se parte do Movimento passa, como antes, pelo engajamento
em atividades e pela adesão a bandeiras políticas. Mas com um número maior de
97
Texto em mimeo.
assentamentos e de acampamentos pelo país, mais ações implementadas e qualitativamente
mais potencializadas na área de educação, cultura e formação política que agregam muitas e
muitos jovens.
Jovens eram concebidos anteriormente por dentro das famílias de trabalhadores
rurais - citadas/os pontualmente na sua especificidade juvenil em documentos do MST.
Atualmente, jovens têm o reconhecimento através de espaços como o Curso de Realidade
Brasileira para Jovens. Seja porque sempre foram uma presença constante em diversos
espaços, instâncias e setores do MST; seja pelo amadurecimento da luta e da criação de
outras demandas; seja ainda, porque neste último período, final dos anos noventa e início
dos anos dois mil, a questão das/os jovens vem ganhando força no conjunto da sociedade
com medidas políticas de programas específicos destinados a este público. Jovem, na sua
especificidade, ou atribuição de mais novo, vem adquirindo a característica de aprendiz no
Movimento, conforme vimos analisando. Entretanto, jovem é carregado de outras
atribuições como a de sujeito. A condição de aprendiz pode se constituir numa condição
sábia para o conjunto do Movimento. A questão é se a concepção de aprendiz se destinara
permanentemente a alguns sujeitos, como jovens, e não a todas e todos que compõem o
Movimento, pois que o limite é tênue entre uma primeira e segunda gerações, e os
aprendizados também, como nos alerta Bourdieu que os “conflitos de gerações são
conflitos entre sistemas de aspirações constituídos em épocas diferentes” (Bourdieu,
1983:118).
Considerações Finais
A proposta de compreender o processo de fazer-se jovem no MST mudou a
perspectiva anterior de estudo de simplesmente compreender o jovem como parte da
reprodução política do Movimento Sem Terra. Após a banca de qualificação, as orientações
e, principalmente, os depoimentos de jovens nos questionários, tornou-se central a
importância de compreender a construção do jovem no Movimento. As constatações foram
da condição de aprendiz da/o jovem nas relações que se constituíram no Curso de
Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural, de 1999, do protagonismo do sujeito
jovem na construção de sonhos e projetos de vida que projetam por dentro da luta pela
terra, de suas vinculações e seus pertencimentos com o MST e das referências que
compuseram sobre a luta, o Movimento, a reforma agrária e as transformações sociais e
políticas.
Jovens se constituíram aprendizes no fazer do MST e nas condições da estrutura
organizativa do Curso para Jovens. O formato de evento com os condicionamentos de dois
turnos de palestras colocaram as/os jovens em situação de ouvintes. Paralelamente, a
dinâmica de grupos por brigadas dos estados e por equipes de trabalho durante os dez dias
permitiu aos jovens tornarem-se coletividade. As respostas ao questionário oportunizaram
às/aos comporem sentidos às suas vidas e ao processo que as/os trouxeram para o MST e
as/os tornaram Movimento. As recentes trajetórias juvenis de tornarem-se parte do MST
foi a da identificação com o fazer da luta por terra e por reforma agrária, seja pela
participação anteriormente em ações e espaços promovidos pelo Movimento Sem Terra,
seja pela participação no próprio Curso; seja ainda, no possível engajamento em ações e
atividades que se sucederam a este evento.
As jovens e os jovens participantes do I Curso de Realidade Brasileira constituíram-
se sujeitos com cara, idade, sexo, origem, sonhos e projetos de vida, jovens nas suas breves
declarações que combinaram realizações pessoais com a luta por direitos, justiça social, por
terra, reforma agrária, por um país melhor e uma sociedade igualitária. Nos seus
depoimentos, a vinculação com o MST alargou-se, ora mais fluida, ora menos, espontânea
e/ou heterogênea. Os pertencimentos juvenis foram produzidos a partir das vivências nos
acampamentos, assentamentos, marchas, ocupações, atos públicos e tantas outras ações
processadas, durante o Curso, em referências e imaginários indignados com a escassez das
condições de vida; solidários entre si jovens vinculados ao Movimento com as expectativas
de mudança; e contrários ao que é injusto, exploratório e indigno como o capitalismo e a
sociedade burguesa. A realização coletiva de tarefas e atividades às/os vinculou, naquele
momento, entre si e à história de luta através de suas experiências vividas, herdadas e
compartilhadas. E um aprendizado juvenil, do “exemplo”, do voluntariado, da prontidão, do
entusiasmo, da mística e da disciplina constituiu-se sob a imagem do revolucionário, como
o líder da revolução cubana Che Guevara.
A mística de jovens tornarem-se parte do MST encontra-se no processo de
resistência da luta pela terra e que deu sentido às vivências pessoais e coletivas de jovens
nos espaços e momentos promovidos pelo Movimento: quando, da participação no Curso, a
vivência particular da escassez de terra, trabalho e moradia e passa a ser experimentada e
compreendida como experiência mais ampla e coletiva da luta pela terra e pela reforma
agrária. E ainda, quando as necessidades vivenciadas são percebidas como demandas
sociais e políticas mais que questões individuais, mas coletivas: terra, moradia, trabalho,
educação, profissionalização, etc.
Ousa-se assim, assinalar que o Movimento Sem Terra tornou-se também uma
modalidade de ão juvenil na esfera pública. Pois ao tornar-se uma expressão política que
produz pertencimentos e identificações com a luta de famílias de trabalhadores rurais sem
terra; constituiu como uma mediação histórica de sujeitos que lutam por espaço político e
social e que constrói demandas. E assim, o I Curso de Realidade Brasileira para Jovens do
Meio Rural, localizado no ano de 1999, é parte de um processo que vai além.
O olhar do MST para dentro do contingente que faz parte de suas esferas faz ver que
a luta é composta por famílias com mulheres, crianças, homens, idosos e jovens e suas
especifidades. O reconhecimento das especifidades no Movimento Sem Terra traz novos
espaços e momentos do fazer de sujeitos no MST com demandas imbricadas em diversas
relações sociais. Os desafios que podem vir a ser lançados: como tratar as especifidades
dentro do coletivo do Movimento? De como reconhecer a categoria jovem - como
aconteceu com as mulheres - como uma categoria política?
A especificidade juvenil dentro do coletivo do Movimento Sem Terra vem sendo
tratada, principalmente, por atividades como cursos do Setor de Formação; outras vezes,
em ações, ainda incipientes, nos Coletivos de Cultura e Esporte - por exemplo: eventos
como as Olimpíadas da Reforma Agrária. Isto introduz uma perspectiva de demandas, ou
seja, as/os jovens não somente como aprendizes da continuidade. Mas também como
sujeitos que, a partir de necessidades de espaço social e político nas relações vividas nos
acampamentos, assentamentos, coletivos e setores do Movimento, produzam demandas e
possam somar na luta por terra, reforma agrária e na construção de uma sociedade mais
humana, igualitária e solidária.
A juventude presente ao Curso de Realidade Brasileira para Jovens do Meio Rural
de 1999, na Unicamp, foi uma mostra da juventude que circula em diversos espaços, se
envolvendo nas ações do Movimento Sem Terra. Ela demonstrou um elevado grau de
mobilização, participação, indignação e solidariedade. Seus sonhos e projetos de vida são
perpassados pelas demandas de luta pela terra como parte do processo histórico de
populações do campo. Seu potencial e suas questões específicas podem contribuir com a
renovação de questões da luta pela terra dentro do MST, não somente como “força dessa
juventude (que) deve ser interpretada, compreendida e canalizada pela atual estrutura
organizativa, diretiva e de lutas do Movimento” (MST, 20002:5), mas ao ouví-la e abri-se
espaços que as/os jovens tornem-se parte sujeito de um processo permanentemente de
aprendizado, no conjunto do Movimento Sem Terra, para a renovação das relações sociais.
A mística, a organicidade e as tarefas e atividades práticas, como elementos de
trabalho com a juventude indicados pelo MST, devem ser propostos com as/os jovens e não
para os jovens como elementos externos. Os espaços previstos às/aos jovens precisam ser
concebidos pelas/pelos jovens combinando questões específicas do público juvenil e
questões políticas mais gerais. As linguagens e regras de funcionamento dos espaços
destinados às jovens e aos jovens não podem ser estranhas a elas e eles, como um processo
adaptativo, mas como uma construção vivida e compreendida pelos sujeitos envolvidos.
De um lado, o reconhecimento e a preocupação por parte do Movimento Sem Terra
com as jovens e os jovens é cada vez mais crescente a partir da saída destas e destes dos
assentamentos articulados pelo Movimento. Aponta-se como uma emergência a
participação da juventude dentro do MST com suas especificidades que compõem o
coletivo da luta pela terra. Quais serão os espaços das/os jovens? Quais atividades? Quais
serão as demandas e reivindicações juvenis que comporão a luta por terra, reforma agrária e
transformações sociais pontuadas pelo Movimento? E ainda, qual a presença das questões
juvenis nas pautas do Movimento Sem Terra?
Por outro lado, atualmente, no conjunto da sociedade se demanda programas
políticos junto a governos e ao Estado referentes a juventude: "Primeira Terra"; "Crédito
para Juventude", etc. Como com o processo de reconhecimento político social das
mulheres, há uma tendência de incorporar o sujeito como categoria política específica e que
faz parte do conjunto maior da luta.
São apontamentos que apenas indicam um longo caminho na mística da juventude
em tornar-se parte do MST.
A versatilidade do MST favorece uma abertura maior para organização de jovens
dentro da sua estrutura. Pois, se trata de um movimento social com experiências no campo
político e no campo social de tecer articulações, alianças e parcerias para fazerem avançar a
luta por reforma agrária.
Uma mostra disto é que no mês de outubro de 2005, o Movimento Sem Terra
aceitou o convite para participar de uma mesa de debates sobre movimentos sociais
promovida pela Central Única das Favelas. Esta atividade teve como foco a discussão da
organização dos movimentos de hip-hop e a participação de jovens das periferias urbanas.
Tecer parcerias com movimentos sociais de especificidade juvenil não é novidade para o
MST, vide movimento estudantil. Entretanto, o investimento do Movimento em trabalhos
com jovens de dentro e de fora das bases sociais nos últimos cinco/ seis anos se
intensificou.
O Movimento Sem Terra tem condições de potencializar os encontros com as/os
jovens encarando os seus encontros e os seus desencontros neste aprendizado com a
especificidade juvenil. Assim, fortalecerá a atuação de jovens como aprendizes
continuadores da luta de uma geração que as/os antecedeu dentro do Movimento, ma,
principalmente, como protagonistas da luta social e política se construírem suas lutas
específicas.
As virtualidades juvenis advêm da luta social desenvolvida nas ocupações,
acampamentos, assentamentos, marchas, atos políticos, e outras ações sóciopolíticas. As/os
Jovens teceram, e tecem, em seus depoimentos mais que sonhos e projetos pessoais, tecem
possibilidades de combinar especificidades e luta mais ampla, geral, onde se é sujeito
quando na vida pessoal se encontra elementos da luta social e quando na luta social se
vislumbra realizações pessoais.
A trajetória do MST aponta para a combinação de questões sociais específicas e a
formação de demandas. A bandeira da reforma agrária foi retomada ativada por
necessidades de mulheres, homens, jovens, idosos e crianças do campo. A identidade se
constitui nas relações de conflitos com o capital, na oposição da propriedade camponesa à
propriedade empresarial e no reconhecimento do Estado. Trata-se de um fazer que vem
requerendo escola, posto de saúde, moradia, créditos para produção e espaço para mulheres,
homens, jovens, idosos, crianças e adultos.
O Movimento Sem Terra dinamizou a esperança não de trabalhadoras e
trabalhadores sem terra mas de diversos sujeitos sociais. As necessidades materiais,
desejos, anseios, são demandas que fazem avançar a luta pelo pedaço de chão mas também
de sonhos e projetos de vida, de esperanças pois as situações de escassez atingem os rios
sujeitos sem condições de viverem e sobreviverem e os sem organização social e política
para reivindicarem seus direitos e demandarem políticas.
A importância das questões juvenis correspondem também às necessidades de terra,
trabalho, estudo, condições de sustento, entre outras condições materiais de existência
social. A condição de jovens, mais novos na luta social, algumas/alguns nem tão jovens
assim, não retira o aspecto amplo da luta especificamente juvenil. Pois, efetivamente os
sonhos e projetos de vida juvenis que pudemos acessar foram de se manutenção, de retorno
ou de ida para o campo, de constituir uma vida digna afastada do subemprego, do
desemprego, da marginalização, da fome, da ausência de escolarização e saúde.
Os jovens no MST, hoje, vivenciam mais espaços de formação dentro do MST,
diferentemente da geração anterior que, talvez vivenciassem mais intensamente espaços de
formação política na Igreja e partidos políticos. Essa, quem sabe, é uma diferença no fazer
do MST após vinte anos de atuação. Os jovens carecem de serem mais do que
continuadores das conquistas de assentamentos e herdeiros de experiências, precisam ser
sujeitos com espaços de atuação, como qualquer outro sujeito desta luta pela terra, com
suas questões, necessidades e expressões especificamente juvenis.
E que tornar-se jovem/juventude não seja ser o “broto”, o futuro, o por vir, mas,
sujeito que em ser “um eterno aprendiz” contribua dinamizando o processo de fazer-se
parte da luta social.
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