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No breve panorama que traça a respeito do desenvolvimento teatral brasileiro
entre 1969 e 1974, o historiador Carlos Guilherme Mota, não fosse a menção ao
trabalho de Leilah Assunção, teria ignorado por completo uma geração de autores em
pleno desenvolvimento criativo:
De 1955, quando, na era do nacionalismo teatral, estreou em São Paulo A moratória, de Jorge
Andrade, até o momento da afirmação de Augusto Boal, que retoma após 64 as experiências dos recém-
extintos CPCs, com o grupo do Arena encenando Arena conta Zumbi, as distâncias não serão tão
consideráveis assim, se se lembrar que apenas oito anos separam a estréia, no Oficina, da grande peça de
Oswald de Andrade, O rei da vela (1967) de Um grito parado no ar, de G. Guarnieri (1974). Na verdade,
nesse nível de produção cultural, a mensuração não pode ser realizada de maneira linear, sob pena de se
perder o essencial: a despolitização do público e a falência dos conjuntos teatrais.
Da desintegração da velha ordem senhorial e da montagem da sociedade de classes, em cuja
descrição se esmerou Jorge Andrade nos anos 50, e a tentativa de sobrevivência da lucidez de Guarnieri
numa sociedade de classes fortemente guardada nos anos 70, grande e árdua foi a trajetória. Não se trata
aqui de descrever o processo, mas de indicar, na etapa dos impasses da dependência, que após o AI-5, o
teatro brasileiro mais significativo foi banido dos palcos pela censura total, intransigente, castradora. Os
autores ficaram impedidos de abordar os grandes temas do Brasil em perspectiva crítica, especialmente os
políticos e os que discutissem dependência externa e frustração interna. Poucas foram as brechas por onde
penetrou algum ar: Leilah Assumpção, com “Fala baixo senão eu grito” foi uma delas - produzindo algo
estética e politicamente reconfortante. Plínio Marcos, além de ter proibidas suas novas peças, viu
cassados os alvarás das antigas. Francisco de Assis, já muito atuante na época do nacionalismo, ensaia
uma tentativa não de todo frustrada de teatro místico (“A missa leiga”). Debatendo-se, José Celso
Martinez Correa inaugura uma nova encenação de cunho escapista (“Gracias señor”), escrita pela sua
própria equipe: para não se calar enquanto artista, volta-se à pesquisa puramente formal, sempre na linha
da agressão, de vez que o conteúdo se lhe tornara inacessível. Dentro desses moldes, calados nossos
encenadores, reinaugura-se a importação de formas novas (Arrabal, via Vitor Garcia, Genet) - note-se que
a importação, neste caso, não se dá por carência da produção interna, mas por repressão. Não se trata,
pois, de genérica proposta universalizante.
Autores como G. Guarnieri ainda escrevem as únicas formas possíveis de fazer peças passarem
pelo crivo da censura - as formas do simbolismo.
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A despeito desse e de outros esquecimentos, a geração de 1969 constitui um
núcleo de criadores que, coletivamente, produziu algo reconfortante não só do ponto de
vista estético, quanto também sob um viés político. O trabalho de Elza Cunha de
Vicenzo articulou a leitura política à atuação da mulher, resultando daí uma análise
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MOTA, Carlos Guilherme. Ideologia da cultura brasileira: 1933-1974. São Paulo: Ática, 2002. p. 266-
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