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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
RÚBIA GISELE TRAMONTIN MASCARENHAS
A GASTRONOMIA TROPEIRA NA REGIÃO DOS
CAMPOS GERAIS DO PARANÁ:
POTENCIALIDADES PARA O TURISMO
Ponta Grossa – PR
2005
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RÚBIA GISELE TRAMONTIN MASCARENHAS
A GASTRONOMIA TROPEIRA NA REGIÃO DOS
CAMPOS GERAIS DO PARANÁ:
POTENCIALIDADES PARA O TURISMO
Dissertação apresentada para
obtenção do título de mestre na
Universidade Estadual de Ponta
Grossa, Área de Ciências Sociais
Aplicadas.
Orientador Prof. Dr. Lindon
Fonseca Matias
Ponta Grossa – PR
2005
ii
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RÚBIA GISELE TRAMONTIN MASCARENHAS
A GASTRONOMIA TROPEIRA NA REGIÃO DOS
CAMPOS GERAIS DO PARANÁ:
POTENCIALIDADES PARA O TURISMO
Dissertação apresentada para obtenção do título de mestre na Universidade Estadual de
Ponta Grossa, Área de Ciências Sociais Aplicadas.
Ponta Grossa, de de
Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias – Universidade Estadual de Ponta Grossa
Prof. Drª Cicilian Luiza Lowen Sahr – Universidade Estadual de Ponta Grossa
Prof. Drª Divanir Eulália N. Munhoz – Universidade Estadual de Ponta Grossa
iii
Dedico à:
Maria Cecília, minha filha amada, razão de
meu viver.
Celso paizão, companheiro sempre presente.
Lucília, mãe, meu exemplo de vida.
iv
AGRADECIMENTOS
A Deus pela VIDA e pela chance de compartilhar mais esta vitória.
Ao Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias, orientador compreensivo e exigente.
À minha mãezinha querida, pela ajuda em todos os momentos de minha
caminhada.
À minha família pelos momentos de abandono na concretização deste trabalho.
A todos que auxiliaram na realização desta pesquisa.
v
SUMÁRIO
RESUMO ................................................................................................. vii
ABSTRACT ................................................................................................. viii
LISTA DE FIGURAS ..................................................................................... ix
LISTA DE QUADROS ..................................................................................... x
LISTA DE MAPAS ..................................................................................... xi
INTRODUÇÃO ................................................................................................ 01
CAPÍTULO I - ASPECTOS CULTURAIS E A ALIMENTAÇÃO NA SOCIEDADE
HUMANA ............................................................................ 05
1 A EVOLUÇÃO DA ALIMENTAÇÃO NA SOCIEDADE HUMANA ..... 05
2 ASPECTOS SÓCIO-CULTURAIS DA ALIMENTAÇÃO HUMANA ...... 14
3 TURISMO E GASTRONOMIA ................................................................. 19
CAPÍTULO 2 - O TURISMO GASTRONÔMICO EM TERRAS BRASILEIRAS 37
1 A GASTRONOMIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA ........................... 37
2 O
TURISMO NO PARANÁ ....................................... 46
CAPÍTULO 3 - GASTRONOMIA TROPEIRA ...................................... 63
1 A GASTRONOMIA TROPEIRA NO BRASIL ........................... 63
2 OCUPAÇÃO E COLONIZAÇÃO NA REGIÃO DOS CAMPOS GERAIS DO
PARANÁ ........................................................................................................... 72
CAPÍTULO 4 - POTENCIALIDADES DA GASTRONOMIA TROPEIRA PARA O
TURISMO NOS CAMPOS GERAIS DO PARANÁ .......................... 82
1 HERANÇAS DA GASTRONOMIA TROPEIRA NOS CAMPOS GERAIS 82
1.1 A culinária tropeira nos municípios de Castro, Lapa e Tibagi ... 88
1.1.1 Município de Castro .............................................................. 90
1.1.2 Município da Lapa .............................................................. 104
1.1.3 Município de Tibagi .............................................................. 115
2 POTENCIALIDADES DE DESENVOLVIMENTO DA GASTRONOMIA
TROPEIRA NAS ATIVIDADES TURÍSTICAS .......................... 126
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 139
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 145
ANEXOS
vi
RESUMO
O uso da gastronomia, como atrativo turístico, proporciona a formação de uma imagem
positiva e de valorização da cultura e da identidade das comunidades. A tipicidade
gastronômica regional, quando utilizada pela atividade turística, contribui para maior
divulgação dos usos e costumes locais e, portanto, da cultura das regiões onde se desenvolve o
turismo. A vinculação entre gastronomia e turismo deve partir da valorização do patrimônio
cultural intangível, resgatando a alimentação popular que possua, ao mesmo tempo, condições
de tipicidade regional e apresentação ao turista. A Região dos Campos Gerais do Paraná
possui forte vínculo com o movimento tropeiro que, por mais de 200 anos, foi fonte de
desenvolvimento econômico e social para a região. Este movimento deixou raízes que
marcaram a cultura local, dentre elas, a gastronomia. As comidas tropeiras, até os dias atuais,
fazem parte da alimentação da comunidade nos Campos Gerais. Além disto, a região destaca-
se pela quantidade de atrativos turísticos naturais, históricos e culturais. Objetivou-se, com
esta pesquisa, identificar a cultura gastronômica tropeira presente na Região dos Campos
Gerais do Paraná; resgatar os pratos da localidade; verificar suas influências e propor ações
para sua utilização nas atividades turísticas. A metodologia utilizada foi um estudo
exploratório com o levantamento histórico de sua gênese e caracterização dos pratos
regionais, tendo como área de abrangência as cidades de Lapa, Castro e Tibagi. A valorização
da gastronomia tropeira na Região dos Campos Gerais do Paraná, é uma maneira de
complementar a oferta turística, pois considera os aspectos históricos e culturais da região.
Como resultado de pesquisa pode-se dizer que a gastronomia, quando utilizada pelas
atividades turísticas, pode fortalecer a imagem regional, valorizar a cultura e o patrimônio
histórico e cultural agregando-se a natureza a outros atrativos e, conseqüentemente,
possibilitando o fortalecimento da atividade turística na região. Assim, pode-se destacar a
culinária tropeira como referencial gastronômico e representativo da Região dos Campos
Gerais do Paraná.
PALAVRAS – CHAVE: sociedade, cultura, tropeirismo, gastronomia regional, turismo.
vii
ABSTRACT
The use of gastronomy as a tourist attraction results in a positive image as well as in the
valorization of the communities’ culture and identity. The typical regional gastronomy, when
used by the tourism sector, contributes to the spread of local habits and costumes and,
therefore, the culture of the regions where this tourism develops. The bond between
gastronomy and tourism must originate in the valorization of the intangible cultural heritage,
presenting the popular food, which is at the same time a representative of the regional features
and an interest to the tourist. The region of Campos Gerais of Paraná has a strong bond with
the ‘tropeiro’ movement which was, for more than 200 years, a source of economic and social
development to the region. This movement created roots that marked the local culture, among
them, the gastronomy. The typical ‘tropeiro’ food is still part of the Campos Gerais diet,
besides that, the region is blessed with several natural beauties, history and culture, which
must be recognized as tourist attractions. This research aimed at identifying the ‘tropeira’
gastronomy culture present in the region of Campos Gerais of Paraná, recovering the local
dishes, checking their influence and proposing actions to their use in the tourism activity. The
methodology used was exploratory study with a historical survey and characterization of the
regional dishes, including the towns Lapa, Castro and Tibagi. The valorization of ‘tropeira’
gastronomy in the region of Campos Gerais of Paraná is a way of complementing the tourism
offer once it considers the historical and cultural aspects of the region. As a result of the
research, it can be said that the gastronomy when used within the tourist activities, can
strengthen the regional image, value its culture and the cultural and historical heritage
together with nature and other attractions, and consequently, enabling the strengthtening of
the tourism activity in the region. Thus, the ‘tropeira’ cookery can be highlighted as a
gastronomy referential and representative of the Campos Gerais of Paraná.
KEY-WORDS: society, culture, ‘tropeirismo’, regional gastronomy, tourism.
viii
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 01 – REGIÕES TURÍSTICAS DO PARANÁ ................................... 47
FIGURA 02 - ROTA DOS TROPEIROS ............................................... 56
FIGURA 03 - PARANÁ E REGIÃO DOS CAMPOS GERAIS ....................... 73
FIGURA 04 - DIVISÃO MUNICIPAL DOS CAMPOS GERAIS ....................... 73
FIGURA 05 - CASTROPEIRO ................................................................ 93
FIGURA 06 - CASTROPEIRO SERVIDO NO RESTAURANTE MORRO
DO CRISTO EM CASTRO (PR) .................................................... 94
FIGURA 07 - CASTROPEIRO - FEIJÃO ................................................................ 94
FIGURA 08 - CASTROPEIRO - ACOMPANHAMENTOS ....................... .... 95
FIGURA 09 - FEIJÃO TROPEIRO ................................................................ 97
FIGURA 10 - FEIJÃO TROPEIRO – RECEITA DE MINAS GERAIS ................ 98
FIGURA 11 – TEMPEROS DO MUSEU DO TROPEIRO EM CASTRO ................ 100
FIGURA 12 - COMIDA TÍPICA LAPEANA ........................................ 107
FIGURA 13 - COMIDA TÍPICA DA LAPA – RESTAURANTE LIPSKI .... 108
FIGURA 14 - CARDÁPIO DO RESTAURANTE DO RUBENS NA LAPA (PR) .... 109
FIGURA 15 - BISCOITO DA PANIFICADORA ZENI ............................. 112
FIGURA 16 - PAÇOCA DE CARNE .................................................................. 118
FIGURA 17 - BOLINHO TORCIDO ...................................................... 119
FIGURA 18 - FERMENTAÇÃO DO POLVILHO ........................................... 123
FIGURA 19 - ESTRUTURA DA FÁBRICA DE POLVILHO DA DONA LORAIR 123
FIGURA 20 - BOLO DE POLVILHO .................................................................. 124
ix
LISTA DE QUADROS
QUADRO 01 - PARTICIPAÇÃO DOS GASTOS EM VIAGENS NO PACOTE ......... 48
QUADRO 02 - PARTICIPAÇÃO DOS GASTOS EM VIAGENS SEM PACOTE ....... 48
x
LISTA DE ANEXOS
ANEXO I - RECEITA DO FEIJÃO TROPEIRO SERVIDA PELO MUSEU DO TROPEIRO
.................................................................................................................. 151
ANEXO II - RECEITA DO FEIJÃO TROPEIRO – MINAS GERAIS ............ 153
ANEXO III - RECEITA DO BOLO REPUBLICANO ................................... 155
ANEXO IV - RECEITA DA PAÇOCA DE PINHÃO ................................... 156
ANEXO IV - RECEITA DO BOLO LAPEANO ............................................... 157
xi
Ficha catalográfica elaborada por Cristina Maria Botelho - UEPG/BICEN
Mascarenhas, Rúbia Gisele Tramontin
M395 A gastronomia tropeira na região dos Campos Gerais do Para-
ná potencialidades para o turismo / Rúbia Gisele Tramontin
Mascarenhas. Ponta Grossa, 2005.
155 f.
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais Aplicadas)
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas
/ UEPG. Ponta Grossa.
Orientador: Prof. Dr. Lindon Fonseca Matias
1-Sociedade. 2-Cultura. 3-Troperismo. 4-Gastronomia
regional. 5-Turismo. I.T.
CDD: 641.013
INTRODUÇÃO
O ato da alimentação humana tem importância nos processos nutritivos, na
restauração das forças vitais do organismo, na satisfação de preferências alimentares e nos
hábitos de cada sociedade. A alimentação faz parte do cotidiano das pessoas e está presente
em diversos momentos: na reunião familiar para fazer as refeições; no encontro com amigos;
nas festas e ocasiões comemorativas e, em tantos outros momentos. Assim, a cultura de uma
sociedade também pode ser representada por seus hábitos alimentares, pelas variáveis na
determinação da escolha de produtos culinários e pela relação existente entre a comida e a
identidade cultural da sociedade na qual está inserida.
A gastronomia é elemento significativo na representação da identidade de uma
comunidade e constitui-se parte integrante da cultura, estando presente na memória da
sociedade. As particularidades da gastronomia regional são percebidas na escolha dos
ingredientes e temperos; no modo de preparo e serviço dos alimentos e na determinação de
quando, como e onde deve ser preparado cada prato. Se estes são consumidos nas refeições
diárias ou em uma ocasião especial.
No Brasil, a gastronomia é bastante diversificada, apresentando características
peculiares dependendo da região, dos ingredientes disponíveis e das formas de preparo. Um
mesmo ingrediente assume denominações diferentes como o caso da mandioca, aipim ou
macaxeira com suas inúmeras maneiras de preparo, que fazem parte da história, da cultura e
dos hábitos das comunidades que representa. Dessa forma, o potencial de uso da gastronomia
apresenta-se como uma tendência que pode ser utilizada pelo turismo.
O turismo pode ser entendido como um fenômeno social que estabelece interações
sociais nos mais diversos setores da sociedade, proporcionando trocas entre as culturas,
relações econômicas e sociais. Já o turismo cultural apresenta como principal motivação o
2
conhecimento de uma população diferente, seja por meio de suas obras materiais ou de suas
manifestações culturais, nas quais o turista experimente e conheça o exótico e, até mesmo, as
semelhanças, quando comparado à sua realidade.
As manifestações culturais e, dentre elas, a gastronomia, são parte integrante do
patrimônio imaterial dos povos e despontam como uma tendência de crescimento na busca
pelo turismo cultural. As diferenças e semelhanças entre os hábitos alimentares tornam-se
atrativos e complementam a oferta turística. Porém, percebe-se que as mudanças ocorridas na
sociedade, nos últimos anos, têm modificado os hábitos alimentares das sociedades. O papel
da mulher no preparo, confecção dos alimentos não é mais o mesmo. Ela buscou a
profissionalização e, com isto, o tempo dedicado à cozinha ficou mais escasso. Como
conseqüência, muitas receitas tradicionais estão se perdendo, ficando apenas na memória das
pessoas.
Isto também ocorre com as receitas tradicionais da culinária tropeira na Região dos
Campos Gerais do Paraná. A atividade dos tropeiros teve seu apogeu nos séculos XVIII e
XIX. Esta atividade foi de suma importância para a história da economia do Brasil.
Percorrendo caminhos e trilhas que ligavam as localidades das regiões Sul, Sudeste e Centro-
Oeste, os tropeiros foram responsáveis pelo desenvolvimento do comércio de mercadorias e
de animais de carga, assim como foram eles também os responsáveis pela implantação e
localização de estradas e cidades, nos séculos XVII e XVIII.
A dieta dos tropeiros deixou marcas na culinária do brasileiro das regiões por eles
percorridas. Os alimentos empregados no preparo de suas comidas tinham de ser duráveis e,
sobretudo, secos, prevalecendo o feijão, o toucinho, o fubá, a farinha, o café e a carne salgada.
Os tropeiros foram regionalizando hábitos alimentares que iam adquirindo em seu dia-a-dia,
incorporando os costumes adotados durante as longas viagens, principalmente, durante os
pousos, quando paravam para descanso e para se alimentarem.
3
As manifestações culturais presentes na gastronomia tropeira são heranças que até os
dias atuais podem ser encontradas na alimentação usual da população na Região dos Campos
Gerais do Paraná e podem tornar-se um atrativo turístico para a região. Neste sentido, a
pesquisa foi concretizada na perspectiva de identificar a cultura gastronômica tropeira
presente na Região dos Campos Gerais do Paraná; resgatar os pratos da localidade; verificar
suas influências e propor ações para sua utilização nas atividades turísticas.
Visando atender a esses objetivos, foi realizada uma análise da gastronomia tropeira
na região. Inicialmente a área de abrangência da pesquisa compreendia os municípios de
Lapa, Palmeira, Ponta Grossa, Carambeí, Castro e Tibagi. Após uma primeira etapa
desenvolvida na pesquisa, verificou-se que os municípios que apresentavam maior vínculo
com a gastronomia tropeira eram: Lapa, Castro e Tibagi. Sendo assim, intensificou-se o
processo de pesquisa nestes três municípios que ainda preservam alguns costumes alimentares
tropeiros.
Para melhor compreensão do objeto de pesquisa optou-se por um estudo exploratório
tendo como instrumentos de coleta de dados a entrevista e o questionário, além da observação
"in loco". A coleta de dados foi realizada com o pessoal das Secretarias de Turismo dos
municípios; com a Associação dos Municípios dos Campos Gerais (AMCG), em
estabelecimentos de alimentação e em instituições públicas e privadas relacionadas com o
objeto de estudo. No tocante à questão temporal, a pesquisa foi desenvolvida no espaço de
agosto de 2003 a julho de 2005, sendo que a pesquisa a campo entre agosto de 2004 a julho de
2005.
Quanto mais se amplia do local para o regional, o modelo alimentar não perde sua
estrutura básica e se caracteriza por um ou mais produtos que compõem uma refeição. Assim
foram analisados os pratos consumidos na Região dos Campos Gerais do Paraná, ao longo
4
dos anos, para posterior compreensão daqueles que se tornaram patrimônio da região em
estudo.
A estrutura do trabalho é apresentada em quatro partes. O primeiro capítulo,
ASPECTOS CULTURAIS E A ALIMENTAÇÃO NA SOCIEDADE HUMANA, inicia-se
com um texto estruturador, em que se conceitua a sociedade, a cultura e o turismo. No
segundo capítulo, O TURISMO GASTRONÔMICO EM TERRAS BRASILEIRAS, discute-
se a gastronomia, desde seu relato histórico, sua relação com a sociedade e a ligação com a
atividade turística. O terceiro capítulo, GASTRONOMIA TROPEIRA, aborda a gastronomia
tropeira no Brasil e na região em estudo. E por fim, apresenta-se o quarto capítulo,
POTENCIALIDADES DA GASTRONOMIA TROPEIRA NOS CAMPOS GERAIS DO
PARANÁ, verificando-se, nesta etapa, a vinculação histórica e cultural dos pratos com o
movimento tropeiro.
Nas CONSIDERAÇÕES FINAIS realiza-se uma síntese das principais influências da
gastronomia tropeira. Descreve-se as heranças tropeiras deixadas na alimentação cotidiana e
também nos dias festivos e aponta-se os principais pratos que representam a comunidade na
Região dos Campos Gerais.
5
CAPÍTULO I
ASPECTOS CULTURAIS E A ALIMENTAÇÃO NA SOCIEDADE HUMANA
1 A EVOLUÇÃO DA ALIMENTAÇÃO NA SOCIEDADE HUMANA
A discussão sobre as formas de alimentação na sociedade é perpassada pela análise
dos conceitos sobre civilização, a qual se inicia, a grosso modo, com a escrita fonética
(RIBEIRO, 1998). A formação social humana apresenta, na visão de Engels (1991), Krause
(1995) e Ribeiro (1998), uma evolução singular e multilinear podendo ser dividida em três
etapas: a selvageria, a barbárie e a civilização. Cada uma dessas etapas subdivide-se em outras
três fases internas classificadas, respectivamente, em fase inferior, fase média e fase superior.
O modo de ser das sociedades humanas revela que elas são classificáveis em
diferentes categorias, de acordo com o grau de eficácia que alcançaram no domínio da
natureza. A primeira fase do estado selvagem corresponde à infância do gênero humano, que
vivia, pelo menos em parte, nas árvores. A alimentação, nessa época, era feita através do
consumo de frutos, raízes e nozes (RIBEIRO, 1998).
A segunda fase do estado selvagem já apresenta uma grande evolução. O contexto
histórico da alimentação tem seu marco inicial entre 2,5 milhões de anos a 500 mil anos a.C.
com o domínio do fogo. Naquele momento, segundo Krause (1995, p. 14), o homem “torna-se
caçador. Transforma-se de ser herbívoro em um ser carnívoro”. A partir daquele instante, o
homem passa a comer alimentos queimados, após o processo de cozimento em fogo direto,
sobretudo carnes, julgando-os mais saborosos. Até então, consumia alimentos queimados em
incêndios acidentais ou carbonizados nas primeiras fogueiras. Na interpretação de Flandrin e
6
Montanari (1998, p. 30), o uso do fogo com finalidade culinária diferencia o homem de seus
ancestrais que “ainda viviam em um estado de animalidade”.
A partir do domínio do fogo o homem passa a comer peixes e outros animais
aquáticos. O domínio do fogo pelo homem, capacitando-o a controlar o quanto se deseja
queimar o alimento e as suas formas de cocção, tempero e quantidade do alimento que será
ingerido, transforma o homem num ser único. Este contexto histórico marca a origem da
cozinha, do procedimento culinário e o início do processo de transformação dos alimentos.
“Acredita-se, geralmente, que o comportamento alimentar do homem distingue-se do dos
animais não apenas pela cozinha – ligada, em maior ou menor grau, a uma dietética e a
prescrições religiosas -, mas também pela comensalidade e pela função social das refeições”
(FLANDRIN; MONTANARI, 1998, p. 32).
A segunda etapa da evolução humana, a barbárie, ocorrida aproximadamente entre
15.000 anos e 5.000 anos a.C., apresenta como traço característico a domesticação e a criação
de animais e o cultivo de plantas. Na época, o mundo antigo já possuía vários animais
domesticados enquanto o continente americano possuía somente a lhama, como animal
doméstico (ENGELS, 1991).
A alimentação feita com o uso do fogo torna-se um evento social. O ser humano
passa a sentir a necessidade de dividir suas atividades e de se reunir em grupos para fazer suas
caçadas e suas refeições. A alimentação, à base de carne de caça, exigia uma cooperação
técnica para abater e preparar a presa. Nas caçadas, o uso de artefatos construídos com base
na inteligência humana e a união do grupo no desenvolvimento das atividades, permitiam
superar a destreza da caça, normalmente em maior vantagem por ser quadrúpede. Os serviços
tanto no momento do abate, quanto no transporte da presa, exigiam habilidade e união do
grupo. Dessa forma, grandes animais, quando abatidos, eram consumidos por um grupo de
pessoas que faziam as refeições em conjunto.
7
O cozimento do alimento em chama aberta
1
destaca-se das demais formas de
cozimento devido aos seus efeitos sociais. “O ato de cozinhar merece seu lugar como uma das
grandes novidades revolucionárias da história não pela maneira como transforma a comida –
há muitas outras maneiras de fazê-lo -, mas sim pelo modo como transformou a sociedade”
(FERNANDEZ-ARMESTO, 2004, p. 34).
Pode-se observar, ao longo da história, que o desenvolvimento da humanidade está
intimamente ligado à alimentação. “O ato de cozinhar não é apenas uma forma de preparar o
alimento, mas, também, uma maneira de organizar a sociedade em torno de refeições em
conjunto e de horários de comer previsíveis. Ele introduz novas funções especializadas e
prazeres e responsabilidades compartilhados” (FERNANDEZ-ARMESTO, 2004, p. 16).
Na fase média da barbárie, a evolução humana já havia desenvolvido o cultivo de
hortaliças, que se inicia com os primeiros traços do surgimento da agricultura no Oriente
Médio, juntamente com a criação de animais. Isto modificou o modo de vida da época,
trazendo mais facilidades e gerando um ambiente de fertilidade. Como era necessária mais
mão-de-obra para o plantio, a população foi crescendo para suprir esta demanda e aumentou
em um curto período de tempo. Porém, esta nova experiência trouxe algumas conseqüências
como, por exemplo, a carência alimentar, devido à diminuição na variedade consumida; além
de tornar mais letal os períodos de escassez sazonais por questões climáticas. Estas
dificuldades diminuíram a expectativa de vida dos primeiros homens que cultivavam produtos
alimentícios.
Com o passar do tempo, as dificuldades ocasionadas pelo início das atividades
agrícolas foram minimizadas e surgiram novos pratos, temperos e iguarias. A população
passou a combinar a criação de animais e a agricultura com a caça e a extração vegetal,
aumentando a variedade dos alimentos e enriquecendo, nutricionalmente, a alimentação.
1
Cozimento em chama aberta: uso direto do fogo no alimento a ser consumido, sem recipientes ou outras formas
de cocção indireta.
8
Na terceira etapa da evolução humana, a civilização, iniciada em 3.500 anos a. C,
percebe-se uma aproximação maior com os elementos culturais. Na realidade, a cultura é
mantida por sociedades que não existem isoladamente. Desta forma, a interação entre as
diferentes culturas no meio social é percebida, também, em relação à alimentação. Desde os
tempos remotos a alimentação humana já apresentava seus gostos e preferências,
a partir do paleolítico, os desenvolvimentos técnicos e econômicos permitem
múltiplos e variados modos de conservação e de preparação dos alimentos. Desde
esse período também as escolhas alimentares se diversificam e orientam as
estratégias econômicas, mesmo tempo que são influenciadas por elas. Muitos são os
alimentos que permitem atender às necessidades dietéticas do homem, e é provável
que, desde essa época, as preferências culturais – gostos transmitidos de geração
para geração – tenham se manifestado (FLANDRIN; MONTANARI, 1998, p. 51)
Alguns povos deixaram importantes contribuições para a culinária:
De todas as plantas cultivadas a mais antiga é o trigo (Triticum vulgare), que
juntamente com a cevada, surgiu na Ásia Menor entre 6000 e 7000 a.C. Sua
expansão pelo delta do Nilo, a Mesopotâmia e os planaltos iranianos, além da Índia
e da China do norte (onde teria origem autônoma em torno de 3000 a.C.) tornou-o o
mais importante dos cereais. O comércio do trigo foi o mais importante, em grande
escala, de todos os comércios anteriores à era industrial, mas mesmo assim o
volume do seu comércio nesse período nunca ultrapassou 1% da sua produção total
(CARNEIRO, 2003, p. 55).
No Egito, os faraós possuíam refeições à base de carnes de caça, cereais, iogurte e
massas, entre outros pratos, “[...] o trigo e a cevada constituíam a base da alimentação e eram
usados para a fabricação do pão e da cerveja; o pão de espelta era destinado às classes mais
modestas” (FLANDRIN; MONTANARI, 1998, p. 71). A farinha de trigo era fabricada em
casa, e o pão possuía diversas formas: redondo, triangular, cônico, oval, semicirculares.
Para preparar o pão, os egípcios juntavam água e um pouco de sal a essa farinha,
depois amassavam a pasta obtida e a levavam a cozer, seja diretamente numa pedra
chata colocada sobre o fogo, seja horizontalmente, dentro do forno aberto, seja
verticalmente, colocada às paredes internas deste. À massa do pão era acrescentado
o levedo obtido por fermentação, o que não excluía – pelo menos a partir de 1.500
a.C. – o emprego de uma verdadeira levedura cujos saccharomyces, sob forma
líquida, provinham da fabricação de cerveja, geralmente associada à fabricação
(FLANDRIN; MONTANARI, 1998, p. 71).
Sabe-se também que os súditos não tinham o mesmo cardápio dos faraós ficando,
portanto, com uma alimentação menos adequada em relação às reposições orgânicas.
9
O Egito era um motor de alimentos e a economia faraônica era dedicada ao culto da
abundância do cotidiano: não abundância individual, pois a maioria das pessoas
vivia de pão e cerveja em quantidades um pouco acima do nível de subsistência,
mas um excedente acumulado e guardado contra tempos difíceis, à disposição do
Estado e dos sacerdotes (FERNADEZ-ARMESTO, 2004, p. 164).
A ligação entre alimentação e costumes sociais vem desde a Grécia e Roma antigas.
Já naquela época, tinham o costume de partir pães e bolos em cerimônias de casamento para
serem divididos entre os presentes, demonstrando assim, a vida em comum que se iniciava. “É
desse costume grego e romano que vem o bolo de casamento dos dias atuais, o qual é partido
pela noiva como primeiro ato da sua nova condição de casada” (LEAL, 1998, p. 26).
Os gregos também tiveram importância no contexto histórico da alimentação. Para
eles a gastronomia estava relacionada à religião. Segundo Leal (1998), o néctar e a ambrosia,
doce feito à base de leite e açúcar, eram considerados alimentos de Zeus que, após serem
roubados, vieram para os humanos.
As pessoas da elite romana faziam suas refeições deitadas em almofadas e apoiadas
no braço esquerdo, utilizando o braço direito para segurar os alimentos e rasgá-los com os
dentes.
A utilização de talheres de mesa surge na Idade Média quando os ocidentais
abandonaram a antiga posição alimentar e passaram a fazer as refeições sentados
em grandes mesas e cadeiras altas. Esta nova posição livrou a mão esquerda do
apoio para o corpo e então passou a auxiliar destrinchando os alimentos. Surge,
nessa ocasião o garfo de mesa (FLANDRIN; MONTANARI, 1998, p. 238).
No “império romano surgem os primeiros cozinheiros especializados, os
gastrônomos e os chefes de cozinha, os ‘coqus’. A Cozinha Romana era operada por homens,
sendo proibida a entrada de mulheres” (KRAUSE, 1995, p. 15). A alimentação reforçada do
exército romano foi um dos motivos que garantiram o domínio de um império tão grande e
poderoso, pois acreditava-se que o exército bem alimentado teria melhores condições em
relação ao inimigo. Para isto, toda a população trabalhava para bem nutrir seus oficiais. Esta
teoria é comprovada, tanto que atualmente as forças armadas de diversos países procuram
10
bem alimentar seus soldados, não só nos aspectos da nutrição, para restauro das forças físicas,
como com uma característica mais gustativa e psicológica, analisando quais alimentos são de
preferência dos combatentes e que permitem que o soldado sinta prazer no alimento
consumido, mesmo em uma situação de combate.
Desde a Idade Média, os europeus já conheciam algumas técnicas de processar os
alimentos sem o uso do fogo, por exemplo, colocava-se um pouco de sal sobre um pedaço de
carne e o corte era “colocado sob a sela do cavaleiro para ser amaciado no suor do animal
com a batida da cavalgada. Como substituto do cozimento, este procedimento foi
recomendado com boa justificativa por um capitão croata que jantou com Brillat-Savarin em
1815” (FERNANDEZ-ARMESTO, 2004, p. 127). Este costume influenciou hábitos
alimentares até os dias atuais, como o uso do charque ou carne de sol.
A água, nesta época, não era consumida pura. Por motivos de higiene, misturava-se
ao vinho ácido e encorpado. A cerveja, bebida pagã e popular, já era consumida pelos
romanos que moravam na região da Alemanha. Neste período, começam a surgir comidas e
pratos que são preferidos por pessoas de alguma localidade ou grupo social, o que atualmente
vem a se constituir nos princípios da culinária típica de cada região, estado ou país.
Outro fator importante no contexto histórico da alimentação é o início da cozinha
moderna, que tem origem na França, no século XIV (KRAUSE, 1995, p. 16) com o
surgimento dos molhos, que apresentaram consideráveis variações na culinária. Pois,
parte da função do molho é fazer com que a comida tenha menos aparência de
comida; substituir o valor nutritivo por atração estética, retirar a comida de seu
estado natural e envolvê-la em arte. Como a invenção do cozimento, este é um ato
humano de autodiferenciação da natureza, um repúdio da selvageria, um passo a
mais no processo civilizatório. As boas maneiras são algo semelhante - os molhos
do gesto (FERNANDEZ-ARMESTO, 2004, p. 180).
Já na Idade Moderna, a partir do século XV, as expedições marítimas trouxeram
grandes mudanças para a gastronomia européia. As colônias proporcionaram novas terras
destinadas à agricultura; em conseqüência, acontece o aumento na produção do açúcar e de
11
cereais, que tornaram-se mais populares na culinária. As expedições marítimas ocasionaram
também a entrada, na Europa, de produtos americanos como o tomate, a batata e o milho;
além disto, novas bebidas passaram a ser consumidas e popularizadas como o café, o chá e o
chocolate.
Nos séculos XIX e XX, as transformações advindas da revolução industrial
modificaram a forma de vida: as pessoas, em grande número, passaram a viver nas cidades; as
mulheres começaram a trabalhar fora de casa e o empregado doméstico tornou-se caro e raro.
Com isto, a população passou a comer fora de casa. Em 1765 surge na França, segundo Lobo
(1999, p. 37), o primeiro restaurante, o
Boulanger (Champ D' Oisseaux) servia um caldo de carne restaurant com a função
de restaurar as forças físicas. Com o aumento da procura, passou a servir outros
tipos de pratos. Com este fato deu-se o início à prestação de serviços em
restauração
.
Novas casas foram surgindo com boa comida, bons vinhos e valorizando o
atendimento personalizado a seus clientes. Flandrin e Montanari (1998) retratam este período
histórico enfatizando que antes de Boulanger, a alimentação fora de casa era feita em feiras ou
barracas na rua, ou então nas estalagens, que serviam alimentação tanto para o viajante quanto
para a população local. A partir da instalação do primeiro restaurante, a França foi ampliando
este mercado e criando um histórico que recebeu atualizações nas várias fases da gastronomia
universal.
No século XX a preocupação pela valorização de uma cozinha nacional surge em
diversos países, como por exemplo: França, Itália, China, Alemanha e Portugal. Estes países
tentam organizar-se no sentido de definir quais são seus pratos regionais e/ou típicos.
Entende-se por pratos regionais aqueles que são consumidos em uma determinada
localidade e que representam a identidade e o patrimônio intangível da comunidade em um
determinado lugar. Pode-se considerar como gastronomia típica aquela produzida pela
comunidade, para seu próprio consumo, utilizando-se de produtos de uso habitual, geralmente
12
fartos e de fácil aquisição, tendo intrínsecos ao seu consumo, itens que retratam a realidade
social da comunidade que a possui. Assim podemos dizer que os pratos produzidos e/ou
incorporados por uma comunidade podem ser considerados parte integrante da gastronomia
típica, quando representam aquela comunidade.
A culinária artesanal
2
e a ciência dos modernos equipamentos são resultados do
longo percurso histórico na arte de servir. Com o passar do tempo o restaurante foi adquirindo
características próprias de serviço e tipologia. Mesmo assim, nota-se que existe um
movimento de uniformização dos costumes alimentares. A preocupação econômica das
empresas de alimentação acaba por vezes sobrepondo-se aos aspectos social e cultural do ato
de alimentar-se ganhando, desta forma, espaço com relação à alimentação doméstica. O atual
estilo de vida das grandes cidades acaba por levar a uma busca por refeições mais rápidas,
feitas em locais públicos, afastando-se da alimentação tradicional feita em casa.
A alimentação torna-se elemento essencial da estruturação dos grupos sociais de
expressão de uma identidade própria e origem de um pensamento simbólico, desde os
banquetes a alimentação faz parte da estruturação dos grupos sociais, sobretudo da família,
que degusta o alimento em torno de uma mesa em comum, sendo a presença constante dos
momentos de encontro social, comemoração, festas religiosas, entre outros eventos. As
refeições também podem representar, ao longo da história, as relações de poder entre as
diferentes classes sociais. Para Fernandez-Armesto (2004) na Idade Média as relações de
poder mediam-se pela tamanho da cinta, quanto maior mais poder a pessoas tinha, pois
significava que tinha também acesso aos alimentos, e portanto recursos financeiros.
A partir dos anos 1960, no contexto mundial, a industrialização da alimentação
contribuiu para que ocorressem algumas mudanças nos hábitos alimentares: refeições
preparadas de modo mais fácil e rápido, maior conservação dos alimentos, novos tipos de
2
Culinária artesanal – trata da parte de saber fazer artesanalmente, manipular os ingredientes na construção de
receitas que são muitas vezes transmitidas através de gerações e chegam a fazer parte do folclore e
tradicionalismo das cozinhas nativistas.
13
restaurantes e, dentre estes, o fast food, o qual destacou-se pelo conceito de um local
higienizado e com atendimento rápido e padronizado. Aos poucos se iniciou um movimento
de padronização nas formas alimentares modificando os hábitos de alimentação da sociedade.
Surgiram, aproximadamente a partir dos anos 1980, duas preocupações com relação
aos hábitos alimentares que vêm sendo modificados pelo fast food, a “saúde e a identidade
cultural – que foram abordadas com mais ou menos ênfase, de acordo com a sensibilidade das
diferentes populações” (FLANDRIN; MONTANARI, 1998, p. 843).
No Brasil, para a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP, 2001,
s/p), apesar da grande aceitação das lanchonetes desse tipo, ainda nota-se que a alimentação
tradicional é bastante utilizada pela população, que busca restaurantes de comida a peso e de
especialidades, gastando um montante maior que nas lanchonetes, mas obtendo maior
qualidade nutritiva durante as refeições.
O uso da alimentação, nas atividades turísticas, vem se constituindo em uma força
contrária a essa tendência à padronização alimentar, pois os pratos regionais e os pratos
típicos podem ser um atrativo a mais para o turista, que busca em suas viagens, junto com o
alimento e a satisfação de suas necessidades básicas de nutrição, conhecer um pouco mais
sobre a cultura e a história da localidade visitada.
Portanto, pode-se compreender que ao longo da história, a alimentação assume uma
grande importância. Devido ao aspecto cultural, a alimentação passa a representar o modo de
ser e viver de grupos sociais que se identificam pelo estilo de alimentação adotado, ou seja, o
que comem, quanto comem, em quais situações e rituais usam determinados alimentos e como
o preparam. A alimentação passa a ser não apenas a reposição de nutrientes necessários à vida
humana e sim, a representar grupos sociais com diferentes hábitos alimentares.
14
2 ASPECTOS SÓCIO-CULTURAIS DA ALIMENTAÇÃO HUMANA
A alimentação tem um importante papel na humanidade. Pode-se, até mesmo, afirmar
que a alimentação intensificou o processo de socialização do homem, definindo a formação
cultural em que se vive atualmente, onde as pessoas se reúnem em comunidades, aproximadas
por semelhanças culturais, as quais as identificam e as tornam uma identidade coletiva.
Portanto, faz-se necessário abordar os conceitos de sociedade e cultura, para a compreensão
da alimentação humana e da gastronomia, bem como, suas inter-relações na atividade
turística.
A sociedade é formada tanto pela individualidade de seus componentes quanto pela
união destes na representação do todo. Por exemplo, aquilo que um indivíduo apresenta como
preferência alimentar tem relação muito forte com o que lhe foi passado em sua educação e
nos alimentos consumidos em sua infância. Mesmo assim, características diferentes são
encontradas dentro de um mesmo grupo étnico ou de uma mesma família, o que comprova
que a individualidade também é representativa na constituição do todo de uma sociedade.
Desde as sociedades mais remotas, a alimentação é parte integrante do ser social, de
como se subdividem as relações de trabalho e família em busca da nutrição. O acesso a
determinados alimentos e as quantidades alimentares ingeridas estão relacionados ao poder e
à divisão de classes sociais. Os ingredientes e modos de preparo fazem parte de cada cultura,
diferenciando os povos em relação aos seus hábitos alimentares, rituais, costumes e etiquetas.
"A alimentação é, após a respiração e a ingestão de água, a mais básica das necessidades
humanas [...] além de uma necessidade biológica, é um complexo sistema simbólico de
significados sociais, sexuais, políticos e religiosos, éticos, estéticos, etc." (CARNEIRO, 2003,
p. 01). É possível identificar, nos aspectos citados pelo autor, as características dos grupos
sociais pela forma com que se alimentam.
15
Entende-se por culinária qualquer alteração a que se submeta um alimento e que
modifique suas características e sabor originais, independente da utilização do fogo ou não.
Como exemplo, da ausência do fogo no preparo, alguns pratos da culinária oriental, como o
sushi; da culinária árabe, como as pastas de grão de bico e palmito e, até mesmo, da ocidental,
na qual o item mais conhecido é o carpaccio
3
.
Para Schluter (2003, p. 13), “o conceito de alimentação implica tanto os processos
nutritivos e a regulagem e o controle dietéticos, como o marco cultural e social em que se
localizam esses comportamentos e normas alimentares”. Já Lambert (2003, p. 06), afirma que
“a degustação envolve um mecanismo sensorial complexo, resultante da interação entre gosto,
aroma, aparência, consistência e temperatura da comida”. Os processos nutritivos estão
vinculados à restauração das forças vitais do organismo e aos hábitos alimentares, passando
por processos sociais com relação a questões étnicas, sexuais, costumes religiosos e de
preferências individuais ou por faixa etária, o cotidiano das pessoas. A alimentação pode ser
analisada através dos enfoques cultural, econômico, social e biológico, pois:
no ato da alimentação o homem biológico e o homem social ou cultural estão
estreitamente ligados e reciprocamente implicados, já que nesse ato pesa um
conjunto de condicionamentos múltiplos, unidos mediante interações complexas:
condicionamentos e regulagens de caráter bioquímico, metabólico ou psicológico,
pressões de caráter ecológico; modelos socioculturais; preferências e aversões
individuais ou coletivas; sistemas de representações ou códigos (prescrições e
proibições, associações e exclusões); gramáticas culinárias, etc. Tudo isso influi na
escolha e preparação dos alimentos (SCHLUTER, 2003, p. 17).
As diferenças alimentares, em função da divisão de classes e dos níveis de nutrição,
são fatores constantes ao longo da história da alimentação, porém, a cultura dos povos vai se
modificando e com isto muda, também, o processo de alimentação. Novos produtos e
maneiras de preparo vão sendo, aos poucos, introduzidos no decorrer do tempo e sendo
incorporados aos hábitos alimentares. A gastronomia de uma sociedade constitui uma
linguagem que expressa sua identidade, suas características, “sua estrutura de modo
3
Prato composto por fatias finíssimas de carne crua que recebeu esse nome em homenagem ao pintor Carpaccio,
um veneziano do século XV que tinha como preferência as cores vermelha e branca.
16
inconsciente” (SCHLUTER, 2003, p. 27). Os hábitos culinários dos povos tornam-se objetos
de estudo, pois:
a alimentação é (...) um fato da cultura material, da infra-estrutura da sociedade; um
fato da cultura e do comércio, da história econômica e social, ou seja, parte da
estrutura produtiva da sociedade. Mas também é um fato ideológico das
representações - religiosas, artísticas e morais – ou seja, um objeto histórico
complexo, para o qual a abordagem científica deve ser multifacetada (CARNEIRO,
2003, p. 166).
A função social que a alimentação tem em uma sociedade, retrata traços de sua
identidade cultural e o papel que ocupa nas relações humanas, aproximando as pessoas das
suas origens. "Desde os tempos imemoriais a alimentação ocupa um lugar de suma
importância nas relações entre os povos" (BARRETO; SENRA in ANSARAH, 2001, p. 393).
A alimentação tem, desde o surgimento do fogo, uma conotação social. Alimentar-se se
tornou um ato social, geralmente realizado em grupos de características semelhantes como
famílias, grupos religiosos, étnicos. Pode-se até afirmar que a dieta também influencia na
determinação das características de grupos, fortalecendo sua identidade. Mesmo a culinária
não dependendo, fundamentalmente, da presença do fogo, foi ele que transformou o ato de se
alimentar num ato social. Pode-se dizer que com o fogo, “o valor gastronômico do alimento
alterou seu valor alimentar” (FERNADEZ-ARMESTO, 2004, p. 34). Entende-se com isto que
a gastronomia, no sentido de degustação dos pratos, da arte de saber cozinhar bem, superou ao
longo dos anos o valor nutritivo dos alimentos. A comida deixou de ser algo para simples
nutrição e passou a fazer parte do prazer das pessoas.
O ato de comer é parte integrante de diferentes processos de socialização do homem,
sendo fundamental na definição do homem como um ser cultural. Este somatório de
personalidades e histórias, amparadas pelo ambiente social, cultural, religioso e político,
transforma as identidades individuais em uma identidade coletiva, que motiva a comunidade a
ter os seus hábitos semelhantes, para então, ser caracterizada como tal. “O conjunto
denominado produção agroalimentar está inserido numa formação econômica e social e,
17
portanto, o seu funcionamento depende da estrutura e organização desta formação”
(SANTOS, 1995, p. 122).
Em termos culturais, um dos principais fundamentos da sociedade no séc. XXI é a
capacidade de armazenar e processar imensos volumes de informação. A formação da
sociedade global modifica as condições de vida e trabalho, os modos de ser, sentir, pensar e
imaginar dos indivíduos em sociedade. Assim, pensar a cultura significa englobar conceitos
bastante abrangentes, vistos sob diversos aspectos, dentre eles, o sociológico, o antropológico
e o filosófico. Cultura “é o complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das
instituições e outros valores espirituais e materiais transmitidos coletivamente e
característicos de uma sociedade; civilização” (CALDAS, 1986, p. 11).
A pesquisa em cultura está na investigação do modo de vida, das crenças, dos
padrões de comportamento, dos hábitos e costumes alimentares dos povos, suas danças,
artesanato, folclore, característicos de uma sociedade. As manifestações imateriais de uma
sociedade estão intrinsecamente ligadas às pessoas e sua cultura. Desta forma, os valores
culturais são repassados pelos grupos e representam, tamm, uma individualidade presente
em cada elemento que compõe o grupo social. Assim, a manutenção de aspectos culturais,
como a gastronomia regional, por exemplo, pode ser preservada ou não pelo grupo social no
qual está inserida a gastronomia.
Quando se fala em tradições de comunidades reconhecem-se as manifestações como
danças típicas, artesanato, rituais religiosos, entre outros, como representantes da identidade
local. A comida, assim como a linguagem e a religião, identificam e, portanto,
necessariamente, diferenciam as pessoas de uma comunidade. Colegas de comunidades
culturais se reconhecem uns aos outros pelo que comem (FERNADEZ-ARMESTO, 2004).
Entre outros fatores, a comida torna-se parte da identidade das comunidades podendo,
18
também, ser uma forma de reconhecer o grupo e de se relacionar com outras culturas
diferentes através da degustação de novos pratos e sabores.
A função social que a alimentação tem em uma sociedade, retrata traços de sua
identidade cultural e o papel que ocupa nas relações humanas, por tratar-se de valores
subjetivos, geralmente repassados em famílias. As tradições encontram, como obstáculo à sua
preservação, a evolução da cultura influenciada por uma cultura global e massificada, cada
vez mais difundida na sociedade atual. Muitas vezes, a cultura tradicional de um povo está
sendo substituída pela cultura global, os alimentos regionais e as receitas de família estão
sendo trocados, de certa forma, pela “pizza” e pelo “hambúrguer”.
Observa-se que, ao longo dos anos, parte da cultura dos povos está se perdendo em
função de uma nova organização social e familiar. O uso de novas tecnologias e a busca pela
profissionalização da mulher, em grande parte, têm desestruturado a gastronomia tradicional,
a qual era passada quase sempre de mãe para filha, o que vem modificando o quadro da
cultural local. O turismo, dentre outros fatores, pode ser utilizado como um motivador da
manutenção da cultura tradicional e proporcionar a manutenção da cultura local, aproximando
a origem das pessoas. O turista busca, através de culturas diferentes, conhecer e experimentar
comidas de outras regiões e lugares.
Para Ribeiro (1998, p. 46), “as culturas são construídas e mantidas por sociedades
que não existem isoladamente, mas em permanente interação umas com as outras”. Fatores
internos e externos podem alterar tanto a cultura como a própria evolução das sociedades.
O conceito de cultura pode também ser compreendido como algo que não se
cristaliza apenas no plano do conhecimento teórico, mas também no da sensibilidade, da ação,
da comunicação. Neste caso, o homem passa a ser um agente criador e transformador da
cultura, interagindo sempre com o meio em que vive. No caso da gastronomia, o uso de
técnicas e procedimentos, os ingredientes utilizados e a forma de cocção, são empregados
19
para modificar o sabor dos alimentos. Na culinária regional, o uso de pratos típicos, da
criatividade das técnicas culinárias com os ingredientes e temperos disponíveis em uma
localidade, vão sendo utilizados para a formação da culinária local.
A alimentação também é parte integrante da sociedade e representa o ser social. Na
sociedade a gastronomia torna-se um exemplo de referência social; os hábitos alimentares
constituem um enraizamento, uma identidade cultural, que pode ser analisada como tantos
outros fatores na formação social e cultural. Os modos de preparo, determinados ingredientes,
temperos e pratos, constituem o patrimônio cultural dos povos.
3 TURISMO E GASTRONOMIA
A partir do século XVIII, segundo os pesquisadores da área, dentre eles, Ruschmann
(1997), Barreto (2002), Krippendorf, (2003) e Dias (2003), o turismo passa por uma grande
evolução, principalmente em função das alterações ocorridas na sociedade após a Revolução
Industrial, com a evolução dos transportes e organização das viagens, inicialmente dirigidas
por Thomas Cook
4
. E, depois da Segunda Guerra Mundial quando, entre outras motivações, o
sentido de liberdade, a curiosidade pelos cenários da guerra e os avanços tecnológicos
contribuíram para o aumento do número de deslocamentos com finalidade turística.
Na década de 1950 começa a ser desenvolvido o que denominamos turismo de
massa
5
, onde grandes fluxos de pessoas se deslocam a determinados locais turísticos,
4
Thomas Cook – organizou uma viagem de trem para 570 passageiros entre as cidades de Leicester e
Lougboroug, na Inglaterra. É considerado o primeiro agente de viagens.
5
Turismo de massa: turismo organizado para grandes fluxos de veraneantes, praticado em zonas muito
desenvolvidas e onde existem estruturas adequadas para o efeito. O turismo de massa é um fenômeno
relativamente moderno, posterior ao último conflito mundial. Os grandes fluxos ocorrem de norte para sul, sendo
motivações principais o baixo custo das estadias e as temperaturas amenas de Verão e de Inverno. Exemplos de
turismo de massa podem constatar-se nas Ilhas Baleares, Costa do Sol, Ilhas Canárias, Algarve etc.
(DOMINGUES, 1990, p. 279).
20
normalmente regiões litorâneas ou locais “da moda”. Esta modalidade, por não ser orientada e
planejada, é uma das responsáveis pela degradação dos ambientes naturais e culturais.
As conceituações de turismo são as mais diversas, podendo-se destacar entre elas:
O turismo é um fenômeno social que consiste no deslocamento voluntário e
temporário de indivíduos ou grupos de pessoas que, fundamentalmente por motivos
de recreação, descanso, cultura ou saúde, saem de seu local de residência habitual
para outro, no qual não exercem nenhuma atividade lucrativa ou remunerada,
gerando múltiplas inter-relações de importância social, econômica e cultural (DE
LA TORRE, 1992, p. 19).
Pode-se afirmar que o turismo é um fenômeno social, pois constitui-se em um fato
social. Ao desenvolver o turismo o indivíduo social assume o papel de turista “o fato social
turístico apresenta, portanto, maneiras de agir, pensar e sentir que são exteriores ao indivíduo,
e que se lhe impõem, pois, são dotadas de um poder coercitivo específico” (DIAS, 2003, p.
43). O autor faz uma análise de Max Weber e sua aplicação ao turismo, em que a sociedade
deve ser compreendida com base em interações sociais, onde pode-se visualizar a interação
entre morador local e turista e, também, o conceito de ação social como um componente
universal e específico na vida social e fundamental para a organização da sociedade humana,
que influencia na decisão por um destino turístico, e até mesmo, no comportamento do turista
durante a viagem e seu modo de relacionamento com o auctóctone.
Portanto, o turismo pode ser entendido como um fenômeno social moderno que
estabelece interações sociais nos mais diversos setores da sociedade, proporcionando trocas
entre as culturas, relações econômicas e sociais. O fenômeno do turismo está intrinsecamente
relacionado a todas as características da sociedade e dos sistemas que ela apresenta.
O turismo funciona como terapia da sociedade, como válvula que faz manter o
funcionamento do mundo de todos os dias. Ele exerce um efeito estabilizador não
apenas sobre o indivíduo, mas também sobre toda a sociedade e a economia
(KRIPPENDORF, 2003, p. 16).
O turismo caminha em relação à ampliação da atividade turística, no crescimento do
turismo de massa e na entrada de grandes corporações transnacionais nas atividades. Como
em um movimento contraditório tem-se uma valorização da diversidade cultural, “um desejo
21
consciente de manter e divulgar as características únicas e especiais de grupos étnicos e
sociedades receptivas como um princípio fundamental de promoção e desenvolvimento do
turismo” (World Travel and Tourism Rewiew, 1991 in TRIGO, 2001, p. 23).
Analisando o turismo segundo o critério da motivação, inúmeras modalidades
surgem, agrupando-se em:
o turismo motivado pela busca de atrativos naturais e o turismo motivado pela
busca de atrativos culturais. Assim, entende-se por ‘turismo cultural’ todo turismo
em que o principal atrativo não seja a natureza, mas algum aspecto da cultura
humana. Esse pode ser a história, o cotidiano, o artesanato ou qualquer outro dos
inúmeros aspectos que o conceito de cultura abrange (BARRETO, 2002, p. 19).
No entender de Ruschmann (1997, p. 13):
O turismo da atualidade apresenta-se sob as mais variadas formas. Uma viagem pode
estender-se de alguns quilômetros até milhares deles, incluindo um ou vários tipos
de transporte e estadas de alguns dias, semanas ou meses nos mais diversos tipos de
alojamento, em uma ou mais localidades. A experiência da viagem envolve a
recreação ativa ou passiva, conferências e reuniões, passeios ou negócios, nas quais
o turista utiliza uma variedade de equipamentos e serviços criados para seu uso e
para a satisfação de suas necessidades.
O turismo cultural, por exemplo, apresenta como principal motivação o
conhecimento de uma população diferente, seja por meio de suas obras materiais ou de suas
manifestações imateriais, na qual o turista experimente e conheça o exótico e, até mesmo as
semelhanças, quando comparado à sua realidade. A gastronomia faz parte deste diferencial
que pode ser representado pelo turismo.
Na sociedade atual, o turismo torna-se um fenômeno global em suas trocas e inter-
relações, mas deve ser pensado no contexto local, adaptando as ações à localidade onde se
insere. Numa perspectiva de inserção cada vez maior num cenário globalizado, o turismo
constitui um dos segmentos essenciais de uma estratégia bem–sucedida de desenvolvimento e
pode produzir diversos efeitos positivos sobre a economia, dentre eles: o potencial de geração
de emprego e renda, os benefícios na balança de pagamentos pela entrada de turistas
estrangeiros e divulgação local através de um espaço privilegiado de marketing para o país e
seus produtos turísticos.
22
O turismo, muitas vezes, além de surgir como um desejo de conhecer novos lugares,
paisagens, culturas e estilos de vida, aparece também, na sociedade humana, como uma
compulsão individual, uma fuga do cotidiano, diante da pobreza do lazer diário, na forma
como se estruturam as cidades. Muitas necessidades humanas são transformadas em
necessidades de consumo. As relações humanas, os festejos e comemorações tradicionais, os
divertimentos e atrações artísticas, o meio ambiente natural, a necessidade de descanso, de
diversão, são exemplos de modificações citados pelos autores analisados neste trabalho.
Nos dias atuais, ocorre uma grande influência dos meios de comunicação de massa,
que provoca mudanças na sociedade e em sua cultura; vive-se um momento de padronização,
onde as diferenças culturais estão ficando cada vez mais sutis, para entrar em um momento de
igualdade no modo de vestir, falar, agir, pensar, entre outros. Esta padronização, vista sob a
ótica da alimentação em escala mundial, ocorre em função da “industrialização,
racionalização e funcionalização crescentes: desde o final do século XIX essa tripla dimensão
aparece, sem qualquer dúvida de maneira ofuscante nas modificações que perturbaram nossa
alimentação” (FLANDRIN; MONTANARI, 1998, p. 845). Há que se analisar a complexidade
das mudanças na civilização moderna e no mundo desenvolvido. A justificativa apresentada
com relação à alimentação humana pode ser utilizada em outros aspectos da padronização
cultural, que vêm ocorrendo em termos globais.
O turismo também é um movimento que interage em uma relação de troca, tanto do
visitado como do visitante estabelecendo, muitas vezes, inter-relações que se apresentam com
um caráter negativo, influindo na cultura dos povos receptores e modificando seu modo de
vida original. O turista busca esta troca, ao desenvolver a atividade. Já o morador local, nem
sempre, manifesta o mesmo desejo.
Em locais onde ocorre o turismo de massa, a troca entre autóctone e turista ocorre, na
maioria dos casos, com um caráter negativo para o receptor, provocando grandes alterações
23
no seu modo de vida, como por exemplo, mudanças no vestuário, usos e costumes, divisão do
trabalho e, até mesmo, no relacionamento familiar e interpessoal. Isto leva a uma perda de
característica por parte da comunidade receptora, que passa a ser uma prestadora de serviços
ao turista e a enxergar o turismo apenas como um fator de produção de capital.
O processo de transformação e influência cultural não está somente na troca entre as
pessoas, a
cultura constitui parte indissociável da experiência humana total. Como todo ato
humano, ela envolve as categorias fundamentais do sujeito (a própria pessoa
humana), do objeto (o conjunto infinito dos produtos culturais) e do processo (o
vir-a-ser permanente da existência criadora) (VANNUCCHI, 1999, p. 9).
Desse modo;
O turismo cultural engloba todos os aspectos das viagens pelos quais o turista
conhece a vida e o pensamento da comunidade receptora. Por isso o turismo se
apresenta como uma ferramenta importante para promover as relações culturais e
a cooperação internacional. De outro lado, estimular os fatores culturais dentro
de uma localidade é um meio de fomentar recursos para atrair visitantes. O
turismo pode ser estimulado não só como um meio de conhecimento, mas
também como uma forma de transmitir uma imagem favorável ao visitante
(IGNARRA, 1999, p. 119).
Sendo assim, o turismo também pode ser considerado como uma forma de
experiência, uma inter-relação dialética em constante evolução. Apesar de existir uma
impactação entre as culturas do turista e dos povos receptores, ainda assim, pode-se classificar
uma modalidade de turismo cultural que “de acordo com a Organização Mundial do Turismo,
o turismo cultural seria caracterizado pela procura por estudos, cultura, artes cênicas,
festivais, monumentos, sítios históricos ou arqueológicos, manifestações folclóricas ou
peregrinações” (BARRETO, 2002, p. 20).
Para Schluter (2003) a cultura é parte integrante do patrimônio dos povos. A partir de
1997 a Unesco define o conceito de patrimônio intangível como:
o conjunto de formas de cultura tradicional e popular ou folclórica, ou seja, as obras
coletivas que emanam de uma cultura e se baseiam na tradição. Essas tradições são
transmitidas oralmente ou mediante gestos e se modificam com o transcurso do
tempo por um processo de recriação coletiva. Incluem-se nelas as tradições orais, os
costumes, as línguas, a música, as danças, os rituais, as festas, a medicina
24
tradicional e a farmacopéia, as artes culinárias e todas as habilidades especiais
relacionadas com os aspectos materiais da cultura, tais como as artes e o habitat.
(SCHLUTER, 2003, p. 10).
A cultura também é vista sob o aspecto do patrimônio edificado; das manifestações
ocorridas na sociedade; de suas tradições e sua presença junto à comunidade. Seu uso para as
atividades turísticas deve estar relacionado a alguns aspectos da cultura humana e suas
relações com a comunidade local. O turismo cultural não deve estar atrelado somente aos
aspectos materiais de uma sociedade. Considerando que se pode praticar o turismo cultural
não apenas como a apreciação de belos conjuntos arquitetônicos, ou acervos de museus, mas
também deve ser relacionado com os aspectos imateriais da cultura, na valorização da
importância desta com as pessoas que a criaram e que interagem com o patrimônio observado
pelo turista. Neste sentido, Barreto (2002, p. 29) apresenta que:
fora do patrimônio arquitetônico, existem outras peças de origem histórica,
pertencentes ao cotidiano das populações, que geralmente se encontram nos
museus. Há também uma enorme variedade de manifestações da cultura imaterial,
chamada simbólica pela antropologia, entre as quais podem ser citadas as danças, a
culinária, o vestuário, a música, a literatura popular e a medicina caseira, que
despertam o interesse de turistas não institucionalizados.
Exemplos destas manifestações são a literatura de cordel, as serestas, prosas cantadas
pelos violeiros e a culinária típica de cada uma das regiões do Brasil que, por si só, já
despertam o interesse de turistas. Em muitos casos, o desenvolvimento do turismo pode ser
considerado como uma forma de preservação da cultura, por exemplo, como o patrimônio
arquitetônico das cidades históricas de Minas Gerais ou o Pelourinho em Salvador, ou mesmo
a preservação de costumes e tradições como a fabricação de artesanato em cerâmica
marajoara ou as rendeiras, tanto da região nordeste, como no sul, em Florianópolis.
Confirmando portanto, que o turismo não possui somente um caráter negativo para a cultura
dos povos, mas pode ser também, fonte de preservação e de divulgação cultural. A
revitalização de bairros inteiros para consumo cultural e turístico, sobretudo em áreas centrais
25
ou portuárias de cidades, também tem sido uma forma de permitir a conservação de
construções históricas neles existentes.
Esta conservação permite uma melhor utilização, valorizando os ambientes e
proporcionando outras formas de lazer, não só para o turista como para a população local.
Lembra-se aqui a premissa de que “se a cidade não for agradável ao morador local, não será
também para o turista”. A questão está em encontrar um equilíbrio entre o capital gerado pelo
turismo, as melhorias na condição de vida dos povos, a geração de empregos, entre outros, e
as influências que a chegada de turistas pode provocar nas comunidades receptoras.
Antonio Cândido, ao tratar dos níveis de vida e condições de sociabilidade do
caipira no interior de São Paulo, traz uma mensagem que pode ser utilizada para encontrar o
ponto de equilíbrio entre o turismo e seus efeitos, em que
a existência de todo grupo social pressupõe a obtenção de um equilíbrio relativo
entre as suas necessidades e os recursos do meio físico, requerendo, da parte do
grupo, soluções mais ou menos adequadas e completas, das quais depende a
eficácia e a própria natureza daquele equilíbrio. As soluções, por sua vez,
dependem da quantidade e qualidade das necessidades a serem satisfeitas. São
estas, portanto, o verdadeiro ponto de partida, todas as vezes que o sociólogo
aborda o problema das relações do grupo com o meio físico (CÂNDIDO, 2003, p.
29).
Assim, o turismo deve ser avaliado também como um recurso de preservação cultural
e uma constante busca entre o equilíbrio, para não cair no extremo da mercantilização da
cultura. O turismo deve ser utilizado de forma a divulgar as riquezas naturais e históricas, bem
como a cultura dos povos e sua diversidade.
Considerando que a cultura é parte integrante da sociedade, Dias (2003, p. 155)
informa que
O turismo tem sido parte integral do sistema capitalista. Serve ao propósito de
atender a uma demanda de consumidores. Com algumas semanas de férias durante
o ano, os trabalhadores satisfazem-se e conseguem manter sua estressante rotina de
trabalho ao longo das demais semanas. O turismo pode ser visto, como útil em uma
perspectiva econômica de desenvolvimento para as comunidades e países em
desenvolvimento.
26
O setor de serviços turísticos abre-se para novos postos de trabalho ampliando o
leque em diversas segmentações deste mercado. No início do século XXI, o turismo surge
como uma força social, cultural e econômica capaz de movimentar centenas de milhões de
pessoas e bilhões de dólares pelo planeta. Dentre os aspectos do turismo podemos aqui, pela
relevância do tema de pesquisa, destacar os de ordem cultural, que acabam por representar as
identidades sociais das comunidades onde estão localizados.
Com o incremento do turismo, a manifestação folclórica vai, aos poucos, mudando
sua função original, para tornar-se um importante símbolo de identidade cultural,
por meio da qual os membros da comunidade identificam-se e reforçam sua cultura,
cultivando a diversidade e valorizando-a (DIAS, 2003, p. 106).
Da mesma forma, as diversas expressões culturais como festejos populares, danças e
a culinária tradicional, também são identidades sociais que podem ser valorizadas pelo
turismo e que, muitas vezes, são tradições que renascem e são preservadas devido aos fluxos
turísticos. Mesmo que em um papel paradoxal apresentando novas funções, ainda assim,
pode-se afirmar que estas atividades são preservadas e mantêm-se, ao longo dos tempos,
como identidades culturais de determinados grupos sociais. O turismo oferece a oportunidade
para a população de uma redefinição de funções das manifestações culturais. Manifestações
estas que são adaptadas a uma nova realidade, o turismo, sem perder o vínculo com a
comunidade que o insere, pois
contrariamente ao que o senso comum poderia supor, a exposição das culturas
locais ao fenômeno da globalização pode levar ao fortalecimento da identidade
cultural, decorrendo daí o reforço da manifestação folclórica, como atividade que
remete ao passado da comunidade, reinterpretando-o, reforçando sua continuidade
histórica e portanto à assimilação integral pela cultura do viajante (DIAS, 2003, p.
111).
Porém, assim como a cultura das sociedades pode se destacar como um elemento
aglutinador, que faça os diversos membros sociais sentirem-se parte de um todo fortalecendo
o grupo, o turismo pode ser fator de descaracterização, quando se transforma em simples
valor de troca.
27
O turismo traz um processo de inter-relação entre autóctones e turistas que nem
sempre é benéfico para a comunidade local. Para que isto não ocorra, é necessário que a
condução das manifestações culturais das comunidades esteja ligada à construção de uma
identidade local e que isto seja apresentado para o turista. Sendo assim, o turismo também
pode e deve ser fonte de incentivo a este movimento de promoção da preservação da cultura
local.
Como fenômeno contemporâneo, o turismo, e principalmente o turismo cultural vem
apresentando um grande crescimento nos últimos anos. O turismo cultural apresenta como
principal motivação os costumes diferentes entre as comunidades, seja por meio de
manifestações materiais ou imateriais, na qual o turista experimente e conheça o exótico,
quando comparado a sua realidade. A gastronomia está implícita nesta modalidade de turismo
e também apresenta um grande crescimento nos últimos anos.
O consumo de um item gastronômico relacionado ao ambiente que se está visitando é
o que diferencia o turismo gastronômico do setor convencional de alimentos e bebidas.
Embora estejam interligados, obrigatoriamente, a localidade onde o prato típico é apresentado
ao turista tem, como diferencial, a constante busca de relações com a história da população e
com a atividade turística como um todo.
A relação entre turismo e gastronomia evidencia-se, segundo Flandrin e Montanari
(1998, p. 817), a partir de 1920, quando ocorre um movimento contrário à cozinha urbana das
grandes cidades. Desde esta época, tida como uma culinária artificial e sem sabor, tenta-se
resgatar e valorizar as culinárias regionais, com o auxílio do turismo automotivo. Desde
então, ocorreu uma busca pelas cozinhas regionais, que se tornaram motivações de viagem.
Surgiram daí os clubes de viagem para amantes da boa comida, que gostavam de percorrer as
estradas, em busca de restaurantes das províncias, que tinham conseguido conservar as boas
tradições da cozinha francesa.
28
As tradições da cozinha regional são valorizadas visando resguardar a cultura dos
povos. A gastronomia, portanto, está inserida na atividade turística pois o viajante necessita
da alimentação, primeiramente por um aspecto fisiológico, mas também, porque a
alimentação é também fonte de prazer e experiência, que ocorre através da degustação de
novos pratos e formas de preparo nos locais visitados. A busca das raízes culinárias e a forma
de entender a cultura de um lugar por meio de sua gastronomia estão adquirindo importância
cada vez maior, seja nas ciências que se relacionam com o tema ou no contexto econômico-
social e na cultura. “A cozinha tradicional está sendo reconhecida cada vez mais como um
componente valioso do patrimônio intangível dos povos” (SCHLUTER, 2003, p. 11). A
autora complementa dizendo que o interesse do turismo pela gastronomia pode ajudar a
resgatar e dar continuidade a antigas tradições; além de fazer parte da identidade de cada
povo. “A alimentação é um fator de diferenciação cultural que permite a todos os integrantes
de uma cultura manifestar a sua identidade” (SCHLUTER, 2003, p. 32).
O ser humano se alimenta conforme a sociedade em que está inserido. Culturas
diferentes possuem diferentes modos de preparo e tipos diversos de alimentos. A tipicidade da
gastronomia regional torna-se um diferencial. O turismo gastronômico está relacionado a
essas diferenças entre as culturas e as sociedades. No Brasil o turismo gastronômico se baseia
nos pratos das cozinhas regionais, nos produtos nacionais e na diversidade de combinações e
paladares que foram se estruturando ao longo dos tempos na formação social brasileira.
O turismo gastronômico está diretamente ligado ao prazer e à sensação de saciedade
adquirida através da viagem e da comida. A partir daí, pode proporcionar ao local em que está
inserido, maior atratividade para turistas e visitantes locais; servir para uma complementação
da oferta turística local; atrair novos investimentos; contribuir para o aumento da geração de
empregos e da arrecadação de impostos; ser fonte de divulgação da cultura local, ocasionando
também a circulação do conhecimento técnico no setor. O uso da gastronomia, como atrativo
29
turístico, pode contribuir para a formação de uma imagem positiva para a região em que é
planejada e implantada, resgatando a cultura local e divulgando-a através das atividades
turísticas.
A consolidação do turismo regional torna-se uma fonte de desenvolvimento
econômico e social. No entanto, para que isto se concretize, é necessário fundamentar o
turismo em relação ao tripé: atrativo, alimentação e hospedagem, enfocando a alimentação do
turista não só como uma fonte de restauração das energias vitais, mas tornando-a, também,
um atrativo turístico cultural que pode ser utilizado econômica e socialmente.
Diversos são os exemplos de turismo gastronômico. Os mais lembrados são a Itália, a
França e Portugal, cada país representado por uma tradição geral, mas com suas
peculiaridades dependendo da região. E são tantos as comidas quanto os diferentes tipos de
vinho que acompanham os pratos.
Outros casos também podem ser ressaltados como o Crystal Simphony
6
, um navio
criado para amantes da boa comida. Os turistas deste cruzeiro desfrutam de toda infra-
estrutura de lazer oferecida, porém o foco principal é a gastronomia a bordo. Em suas sete
refeições diárias o cardápio apresenta novos pratos durante todo percurso da viagem, sendo
que a cozinha acompanha as tendências e pratos típicos dos locais onde encontra-se o navio.
O turista pode solicitar pratos ou até mesmo ingredientes, que tudo é preparado especialmente
para o passageiro. Por exemplo, se estiver atracado em uma região onde seja comum
morangos silvestres, os passageiros podem sugerir um prato a base desta fruta que os chefes
responsáveis pelo menu irão criá-lo, um prato especificado conforme a solicitação do cliente.
Em relação à brigada de serviço são cerca de 90 profissionais entre cozinheiros, auxiliares,
6
O Cristal Simphony, é um navio que iniciou suas operações no ano de 2000 sob operação da Silja Line,
empresa Finlandesa, ainda em funcionamento o navio percorre diversos países europeus. Tem como público alvo
chefes de cozinha que querem se especializar degustando pratos diferenciados e pessoas que querem desfrutar de
pratos requintados. O navio trabalha com a alta gastronomia como carro chefe e permite sugestões dos
passageiros.
30
padeiros e confeiteiros. Uma média de 1 profissional da gastronomia para cada 10
passageiros.
No Brasil as diferenças culturais entre os estados trazem traços culinários típicos de
cada localidade. Muitas são as regiões e festas que atraem o turista para a sua culinária: a
Festa da Uva em Caxias do Sul, é um exemplo nacional, as festas de outubro em Santa
Catarina, são exemplos da diversidade cultural entre as regiões e da variedade de elementos
que podem ser utilizados pelo turismo.
A Associação Brasileira de Gastronomia, Hospitalidade e Turismo (ABRESI) estima
que o segmento de gastronomia e lazer concentra cerca de 65% dos negócios em turismo em
todo o mundo. Nos últimos anos, a gastronomia teve um extraordinário crescimento no País,
especialmente aquela ligada ao turismo. A multiplicidade é uma das principais características
da cozinha brasileira “de norte a sul há cozinhas regionais ricas e diferenciadas. Vale um tour
pelo Brasil para conhecê-las” (ABRESI, 2004, s/p). Tal fato, para o presidente da ABRESI, é
um grande atrativo para o turismo interno. Portanto, o turismo gastronômico pode
complementar a oferta turística e também ser fonte de atratividade turística.
O turismo gastronômico no Brasil traduz a diversidade alimentar das várias regiões
nacionais. Cada região tem características, marcas do passado e geografia que determinam sua
comida típica, como a comida tropeira, abordada neste trabalho, e o uso da pimenta na
alimentação do nordeste brasileiro, pois a pimenta dilata os poros, auxiliando na manutenção
da temperatura do organismo. As comidas de dia de festa, como as dos santos na Bahia, as
festas de produtos regionais como as festas de uva, quiwi, morango, e outras frutas, as festas
de doces como as que ocorrem no Rio Grande do Sul, principalmente a de Pelotas, ou as
festas juninas em todo o Brasil.
A gastronomia brasileira possui particularidades que contemplam produtos, modos
de preparo e receitas, que a tornam uma das mais múltiplas do mundo. Para Leal (1998),
31
Fernandes (2001) e Freyre (2003), isto ocorre pela culinária nacional apresentar itens que
reúnem a alimentação indígena, à dos colonizadores, à dos negros e a das mais diversas etnias
que imigraram para o território nacional. Uma vez que chegaram ao Brasil, os povos
colonizadores foram adaptando seus conhecimentos culinários, inovando-os com os
ingredientes encontrados aqui. Assim, formou-se, a gastronomia brasileira, a qual difere-se da
gastronomia dos outros países, mesmo quando analisados os grupos étnicos que procuraram
manter seus hábitos e costumes.
A comida típica pode tanto ser encontrada em festas quanto nos restaurantes
especializados ou no prato do dia-a-dia do brasileiro. Oficialmente, segundo a EMBRATUR
(2004), o prato típico que representa o Brasil é a feijoada, de origem carioca, mas que é
consumida em todas as regiões do país e freqüentemente oferecida aos turistas estrangeiros. O
componente principal do prato típico nacional é o feijão preto de caldo grosso, cozido com
uma grande fartura de carnes salgadas, defumadas e frescas. Os acompanhamentos são: couve
picada bem fina, com um pouco de alho e de óleo; farinha de mandioca ou farofa e fatias de
laranja bem frescas. O aperitivo de caipirinha, bebida nacional feita de "cachaça", limão e
açúcar, também acompanha a feijoada.
Além da comida de festas e celebrações, e do alimento diário do brasileiro, tem de
ser observado que, no Brasil, o hábito de consumir alimentos nas ruas está muito presente em
diversos estados. A comida de rua servida ao ar livre nas feiras, nas praças, nas calçadas ou
em tendas ao longo das praias, sempre foi muito apreciada pelos brasileiros de todas as
classes sociais. É o acarajé baiano; o milho cozido; a cocada de fita; o churrasquinho; o tacacá
da Amazônia ou o pastel de feira, sendo o mais famoso o de São Paulo, mas que pode ser
encontrado em quase todas as cidades do país. Como acompanhamento, a garapa gelada feita
da cana-de-açúcar moída na hora, podendo ser servida com suco de limão ou de outras frutas.
32
Em padarias e lanchonetes os sucos de frutas e as vitaminas; os iogurtes servidos nas
iogurterias, presentes em diversas localidades do nordeste, os sorvetes de frutas tropicais; as
diversas comidas servidas nos botequins e, até mesmo, a comida servida nos estádios de
futebol em todo o país, como o Tropeiro, prato típico mineiro composto por feijão tropeiro,
arroz, farofa, ovo frito e couve refogada, bastante consumido no Estádio do Mineirão e do
Mineirinho em Belo Horizonte. Estes são exemplos de como a gastronomia pode representar a
identidade de uma comunidade. Também devem ser considerados quando se retrata a
culinária no Brasil.
Ao mesmo tempo destacam-se as cozinhas internacionais com alto padrão em
cidades como São Paulo e Rio de Janeiro e, mais recentemente, Curitiba. Em São Paulo pode-
se encontrar uma cozinha de boa qualidade, representante de quase todos os lugares do
mundo. A cidade já se tornou um destino da gastronomia, não só no Brasil, mas também no
mundo.
Todos os exemplos expostos aqui, sejam dos grandes restaurantes internacionais em
São Paulo ou as comidas das praias do nordeste, dos botequins cariocas e das feiras de todo o
Brasil, demonstram que o turismo gastronômico torna-se cada vez mais relevante para a
atividade turística.
Turismo gastronômico é aquele no qual a motivação principal do turista é a
alimentação. Essa modalidade de turismo é incapaz de gerar seu próprio fluxo, no
entanto, tem em si a possibilidade de agregar valor à visitação de uma localidade,
por oferecer ao turista a possibilidade de viver uma experiência que a aproxima a
população visitada (RUSCHMANN, 1997, p. 85).
O turismo gastronômico é uma das atividades ligadas ao turismo que é apoiada pela
EMBRATUR
7
. Está diretamente ligada ao prazer e à sensação de saciedade, adquirida através
da comida, durante a viagem. Algumas regiões brasileiras aproveitam sua cultura, história e
tradições, e a divulgam através da gastronomia, lançando um produto turístico vinculado à
7
EMBRATUR – Instituto Brasileiro de Turismo
33
gastronomia típica. Pode-se considerar como gastronomia típica aquela produzida pela
comunidade, para seu próprio consumo, utilizando-se de produtos de uso habitual, geralmente
fartos e de fácil aquisição, tendo intrínseco ao seu consumo, itens que retratam a realidade
social da comunidade que a possui.
A gastronomia pode ser típica e regional ao mesmo tempo quando representa uma
região e possui características de tipicidade. A gastronomia mineira é regional e típica estando
ligada aos aspectos sociais, econômicos e culturais da população. É uma culinária que
representa Minas Gerais e é consumida tanto pela população quanto pelos turistas,
constituindo-se em um atrativo turístico.
A gastronomia também pode ser considerada somente como típica, como por
exemplo, o quibe em Ilhéus. Divulgado nas obras de Jorge Amado, o Bar Vesúvio possui
como especialidade o quibe e atrai os turistas para degustar a iguaria. Contudo, apesar da
presença árabe na região, não podemos considerar que os pratos de origem árabe sejam da
gastronomia regional, a qual está muito mais relacionada à origem africana e aos pratos à base
de peixe.
A gastronomia também pode ter características de tipicidade por influência da
atividade turística, como o Carneiro no Buraco, prato típico do município de Campo Mourão
no Paraná, que não faz parte da gastronomia regional, mas é o prato típico oficial da cidade.
Seu consumo foi em grande parte incentivado por ter se tornado um atrativo turístico com a
Festa Nacional do Carneiro no Buraco.
Outro fator que deve ser analisado é a originalidade típica, ou seja, se os produtos
utilizados na confecção de um prato são originários da região; eram e são encontrados com
facilidade no comércio local. A formação de uma tradição culinária em uma comunidade é
algo gradativo, que vai evoluindo com a divulgação do prato, demorando gerações para se
34
fixar na dieta da população, para então se propagar e ser divulgado aos indivíduos de outros
grupos culturais. Desta forma,
os padrões de mudanças dos hábitos alimentares têm referenciais na própria
dinâmica imposta pela sociedade, com ritmos diferenciados em função do grau de
aceleração na busca de seu desenvolvimento. À medida que uma sociedade se
desenvolve, as novas condições de hábitos e de consumos alimentares adquirem
maior significado e transformação vinculados ao estilo de vida (SANTOS, 1995, p.
123).
A análise da tipicidade gastronômica também permeia as questões do local onde é
servido o prato. Para tanto faz-se necessário analisar algumas definições de restaurantes para
que, posteriormente, seja mais simples o reconhecimento desses estabelecimentos.
Restaurante é o estabelecimento que fornece ao público alimentação mediante pagamento. Já
o conceito de Restaurantes de Turismo, segundo o Decreto lei nº 84.910 de 15/07/80 artigo
2º-b, (CASTELLI, 1999, p. 297) é “estabelecimentos destinados à prestação de serviços de
alimentação e que, por suas condições de localidade ou tipicidade, possam ser considerados
de interesse turístico”.
Portanto, a diferença entre um restaurante convencional e um restaurante
considerado de turismo, está ligada a questões de localização em um atrativo turístico e ao seu
cardápio ou mesmo em ambas as questões, desde que possua relevância para a atividade
turística. Os restaurantes podem ainda serem classificados, segundo o autor supra citado, das
seguintes maneiras:
Restaurante típico – restaurante onde são servidas refeições e bebidas, concebido de forma
a dar aos clientes uma atmosfera local, quer pela decoração, quer pela escolha dos pratos
constantes da ementa ou a facultar-lhes espetáculos com danças e/ou cantores da região;
Restaurante de especialidades – restaurante que se especializa em determinado produto ou
prato, por exemplo, especializado em massas, em carnes, etc.
35
Restaurante regional – estabelecimento onde se servem, predominantemente, pratos de
cozinha regional e cuja decoração é compatível com os traços principais e tradições da
região onde se localizam;
Restaurante clássico internacional – restaurante de tamanho e categoria variáveis. Pode ser
para 10 clientes ou para mais de 200. Sua categoria varia em função da qualidade da
cozinha, do serviço, do ambiente e da harmonia do conjunto. Os clientes são atendidos nas
mesas, por pessoal qualificado e o cardápio é baseado em pratos da cozinha internacional;
Restaurante gastronômico – com características do restaurante clássico, quanto ao serviço
e ao ambiente, mas altamente qualificado em relação à produção culinária. Casas para
amantes da boa comida e dispostos a pagar preços bastante elevados;
Churrascaria/Grill-Room – casa especializada em carnes, aves e peixes na grelha ou no
espeto. Quanto ao ambiente e ao serviço, existem certas características específicas. Pode-
se destacar o “espeto corrido”, onde os assados são servidos diretamente do espeto para o
cliente. Os acompanhamentos normalmente são servidos à americana (buffet);
Restaurante temático – apresenta um tema para a venda de refeições e deve realizar uma
proposta harmônica em todos os detalhes;
Restaurante panorâmico – situado em local elevado e de onde se desfruta interessante
vista panorâmica;
Restauroute – restaurante de apoio rodoviário, localizado ao longo das auto-estradas.
Os diversos tipos de restaurantes são encontrados de forma a servir os comensais e
facilitar sua identificação na escolha por determinada casa e cardápio. Já o consumo
alimentar, pode ser analisado tanto pelos aspectos nutricionais, como pelos aspectos
econômicos de acesso a determinados alimentos, pela visão social do status de determinadas
combinações alimentares e, também, pela cultura que é transmitida por meio dos alimentos
consumidos em uma determinada sociedade.
36
Ressalta-se que apesar dos restaurantes serem geralmente a ligação entre o turista e
as comidas típicas e regionais, não são a única forma de acesso a elas. Como já visto, essas
comidas podem ser consumidas em barracas na rua, nas casas de moradores e em diversos
locais do comércio e até mesmo em estádios de futebol.
A alimentação de uma comunidade está relacionada principalmente à sua cultura,
representada pelos membros que compõem determinada sociedade. A alimentação no Brasil,
conforme já registrado, pode ser analisada pelos aspectos social, econômico e cultural das
múltiplas interações entre índios, portugueses, africanos e imigrantes. E nas características
formadas por esta confluência cultural que está presente nos temperos, ingredientes, modos de
preparo e pratos representativos da culinária, nas diversas regiões brasileiras.
Ao longo da história cada povo revelou características alimentares que se
mantiveram no tempo e no espaço, impondo-se como um elemento cultural de grande
importância. Por isso o turismo gastronômico torna-se uma modalidade do turismo cultural
em que o turista pode conhecer os hábitos e as maneiras de viver da comunidade visitada,
através das suas representações gastronômicas.
37
CAPÍTULO 2
O TURISMO GASTRONÔMICO EM TERRAS BRASILEIRAS
1 A GASTRONOMIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA
A gastronomia do Brasil faz parte do contexto histórico do país. A união dos
costumes alimentares dos autóctones com os dos colonizadores e escravos, deu origem à
culinária nacional, segundo autores utilizados neste trabalho, como Freyre (2003) e Cascudo
(2004).
A alimentação indígena, mostram Leal (1998), Freyre (2003) e Cascudo (2004),
baseava-se na caça, pesca, cultura da mandioca (aipim), milho, inhame e jerimum (abóbora).
Também eram consumidos pelos índios: a batata-doce, o pinhão, o cacau e as plantas
silvestres como o palmito, o qual era consumido em substituição ao sal nas tribos do interior,
e a pimenta, que era condimento essencial para o índio. O índio também plantava e comia:
batata, abóbora, milho, feijão, fava, amendoim e cará. O churrasco, assado em um buraco no
chão, já era consumido na região dos pampas, pelos índios guaranis, antes da chegada dos
portugueses em terras brasileiras. Para Fernandez-Armesto (2004, p. 1530) nas Américas a
pipoca, provavelmente, precedeu o pão.
As tribos indígenas utilizavam peixes, geralmente consumidos moqueados, cujo
processo consistia em assar e defumar numa trempe de madeira. Com os peixes “se fabricava
a farinha de peixe, que era mais farnel para viagens ou caçadas do que alimento habitual. A
caça, por sua vez, era assada com o couro e comida semicrua” (LEAL, 1998, p. 67).
Fernandes (2001, p. 14) nos ensina que a farinha de peixe substituía o sal em tribos afastadas
do litoral e que a carne de caça era considerada alimento secundário.
38
A mandioca dava origem a variados pratos e produtos feitos pelos indígenas, como a
farinha fina, o mingau, o beiju, os bolos. Sua utilização, nos costumes alimentares, foi talvez a
mais importante contribuição dada pelos povos que aqui viviam, pois a farinha derivada da
mandioca, substituía a farinha de trigo. Leal esclarece que:
o alimento chamado pelos portugueses de inhame, e que diziam ser o pão do dia-a-
dia dos índios, não era propriamente o inhame, que só viria mais tarde para o Brasil,
trazido da África pelos negros. Tratava-se na verdade da mandioca, confundida com
o inhame devida a semelhança de suas raízes. A mandioca, sim, era o alimento que
tinha a predileção total dos habitantes desse imenso Brasil recém-descoberto, e com
a qual faziam a farinha e o beiju (LEAL 1998, p. 65).
O consumo da mandioca no Brasil supera a produção de trigo devido a sua
versatilidade, pois “a mandioca desafia a seca e, como outras raízes, tem a vantagem de iludir
a maioria dos predadores tropicais e de não poder ser devorada por gafanhotos”
(FERNANDEZ-ARMESTO, 2004, p. 156)
Outras características também foram assimiladas pelos portugueses. Podendo-se citar
os conhecimentos indígenas sobre sementes e raízes e algumas experiências agrícolas; as
receitas criadas pelos índios para curar certos males, como problemas de lombriga,
cicatrização de feridas, “conservação do estômago” e, até mesmo, receitas para manter uma
boa higiene bucal, onde utilizavam frutas como o caju.
Também consumiam bebidas com teor alcoólico fabricadas “a partir da fermentação
da mandioca, do aipim, da batata-doce e do milho, sendo essas geralmente reservada para os
dias de festa. Produziam vinho de frutas como caju, ananás e jenipapo e, ainda, do beiju e da
tapioca” (LEAL, 1998, p. 69). O guaraná e o mate foram bebidas, consumidas pelos
indígenas, que tiveram significativo papel econômico e cultural.
Freyre (2003) traz em sua obra Casa Grande e Senzala uma série de costumes e
valores que são praticados pelos índios. Nas aldeias os homens eram responsáveis pela caça,
pela pesca e por defender a tribo; já as mulheres eram responsáveis pelos trabalhos realizados
na lavoura e pelos afazeres domésticos.
39
Ainda sobre os hábitos e costumes, os indígenas não se preocupavam com horários
de refeições e não utilizavam utensílios de serviço à mesa. Cestos, vasilhames e utensílios
usados no preparo dos alimentos eram fabricados pelas mulheres, diferenciando-se, desta
forma, dos hábitos dos colonizadores. Eram as mulheres que ficavam responsáveis pela
fabricação da farinha; pelo plantio de mantimentos; pela busca da água; pelo transporte da
mandioca e, além disso, por cuidar das crianças da aldeia.
Os índios não apresentavam a sociedade dividida em classes e isto também se refletia
no hábito alimentar. De modo geral, a tribo tinha acesso a praticamente os mesmos alimentos,
com exceção dos que eram consumidos com um caráter religioso; aí sim os guerreiros e o pajé
tinham prioridade.
A mandioca foi a herança indígena com tradição de cultivo que manteve o hábito de
vida, no sentido da alimentação, desses povos por cerca de 5.000 anos (FERNANDES, 2001,
p. 13), pois o seu cultivo garantia o sustento de mandioca por três anos consecutivos, sendo o
primeiro para o plantio e os seguintes para o crescimento e a produção. Ainda o autor afirma
que "(...) por volta de 1650 existiam 600 tribos diferentes na Amazônia, cada uma delas com
sua maneira diferente de combinar ingredientes, temperos, formas de preparo e maneira de
comer." Esse costume alimentar foi passado aos povos e, hoje, considera-se a farinha de
mandioca como um produto de integração nacional por ser consumida em todos os estados do
país. “A cultura da farinha é muito importante e a mandioca é nativa” (MENDONÇA, 2000,
p. 8).
O brasileiro, homem nativo do Brasil, surge da confluência cultural entre os povos
colonizadores, índios e negros, permitindo uma troca de hábitos e de costumes que
proporcionaram a constituição social e cultural do Brasil. Para Holanda (1971, p. 11) a
“experiência e a tradição ensinam que toda cultura só absorve, assimila e elabora em geral os
traços de outras culturas, quando estes encontram uma possibilidade de ajuste aos seus
40
quadros de vida”. Portanto, assim formou-se a sociedade brasileira, tendo em sua história uma
influência européia, africana e indígena, o que possibilitou a formação de uma sociedade
singular. Diferenciando-se da colonização feita pelos europeus em outras localidades,
buscando nelas domesticar a população segundo seus valores e costumes. Desta forma, a
composição da sociedade brasileira assume características próprias, tendo por influência
aspectos da cultura portuguesa, da cultura indígena e da cultura africana.
A culinária brasileira é formada por este conjunto de culturas e etnias que gerou o
país e pela influência de inúmeros povos. Pode-se considerar, segundo autores como
Fernandes (2001), Freyre (2003) e Cascudo (2004), que a culinária brasileira teve início nas
tradições indígenas, tendo como remanescente mais famoso o consumo da mandioca,
reconhecida, como já foi dito, como o alimento da integração nacional por ser consumida em
todo o território brasileiro.
A cultura indígena pode ser considerada a única manifestação nativa autêntica no
Brasil, anterior ao processo de colonização, por ter sido este o povo que ocupava as terras
antes da colonização européia, em especial a portuguesa no início do século XVI. No entanto,
não se pode desconsiderar as inúmeras influências que vieram a se somar na formação da
gastronomia brasileira. Tais influências são a base da gastronomia nacional considerada
típica, seja na inclusão de novos alimentos ou pela invenção de novas técnicas adaptando-se à
realidade que o local proporcionava.
A valorização do Brasil, enquanto colônia de Portugal deu-se, em muito, pelo açúcar.
O uso do açúcar e dos doces na culinária brasileira foi herança moura que veio com o
português (FREYRE, 2003). Nos conventos e mosteiros a alimentação era farta, à base de
frutas, peixes e carnes de caça. Para Fernandes (2001) o uso das gemas nos doces portugueses
e, posteriormente nos brasileiros, é herança dos conventos portugueses, pois as freiras
41
utilizavam as claras de ovos para engomar as vestimentas e com as gemas criavam doces,
utilizando o açúcar como complemento.
A adaptação ao solo brasileiro proporcionou uma diversidade de novos pratos que
ajustavam as técnicas culinárias européias aos produtos nacionais, transformando-se na
gastronomia brasileira. O uso do milho, em diversos pratos, é um exemplo desta confluência
cultural. O produto usado pelo índio, que foi acrescido aos modos de preparos africanos, na
confecção de pratos pelos escravos na cozinha e servidos aos europeus, originou os bolos de
milho, a pamonha, o curau, entre tantos outros. As técnicas culinárias portuguesas utilizavam
o milho no preparo de bolos, canjicas e pudins, proporcionando uma valorização do produto.
Sobre o sistema de alimentação predominante na colônia nos primeiros séculos, as
plantas cultivadas pelos índios e algumas trazidas de fora, eram a base da alimentação dos
colonos. Destacavam-se o cultivo da mandioca e do milho, os quais faziam parte da mesa da
população de forma geral, diferenciando as especialidades regionais através das frutas e
verduras pertencentes a cada localidade. Alguns historiadores, como Mendonça (2000, p. 8),
revelaram o mapa de frutas como a manga e o coco, trazidos da Índia, e a jaca vinda da
Indonésia. A banana da terra ou pacova, como os índios a chamavam, era usada no preparo de
mingaus, bebidas e caldos, assim como a pitanga, o açaí e o sapoti que são realmente frutos
brasileiros, e o “abacaxi, goiaba, cajá, maracujá, imbu, mamão, mangaba e caju, sendo esta a
mais soberana de todas” (LEAL, 1998, p. 66).
Os colonos também interferiram na cultura indígena, alterando o seu sistema
alimentar, introduzindo a utilização da aguardente de cana. Mas, anteriormente, os indígenas
já consumiam bebidas, principalmente as originárias da fermentação da mandioca, como o
cauim citado por Leal (1998) e Cascudo (2004). A batata-doce e o milho também passavam
por processo de fermentação para gerarem bebidas alcoólicas, sendo estas, geralmente,
reservadas para os dias de festa.
42
A nutrição do brasileiro também está relacionada à adaptação do português na colônia,
à união entre a cultura indígena e posteriormente à negra. Os grandes latifúndios não
permitiam a alimentação equilibrada que era necessária à formação do brasileiro.
Esse tipo de plantação acabou por diminuir os valores nutritivos do solo e as
plantações em grandes extensões de terras não permitia a variedade de alimentos necessária
para a nutrição de todos. Os negros das senzalas, os quais necessitavam de energia para o
serviço pesado na roça, ficavam com uma alimentação mais reforçada. Uma alimentação
pesada, rica em gorduras e capaz de fornecer a energia para o trabalho. Já para as famílias dos
senhores de engenho eram separados as melhores porções (FREYRE, 2003). Estas
características deram origem a muitos pratos que atualmente são considerados tipicamente
brasileiros.
A população negra trazida ao Brasil constituía-se, principalmente, por “bantos e
sudaneses. Gente de áreas agrícolas e pastoris. Bem alimentada a leite, carnes e vegetais”
(FREYRE, 2003, p. 393) que trouxeram seus costumes e hábitos, contribuindo para a
formação do povo brasileiro. Uma vez no Brasil, os negros, em certo sentido, dominaram a
cozinha, englobando na culinária brasileira, ainda em formação, grande parte de sua dieta. Do
continente africano vieram o quiabo, o inhame, a erva-doce, o gengibre, o gergelim, o
amendoim africano, a melancia, a banana e o coco, que auxiliaram na composição da mesa do
brasileiro. A alimentação africana faz parte da brasileira. Traços marcantes ainda são vistos
atualmente como o uso do dendê; o abuso na pimenta; a maior utilização da banana, inclusive
das folhas da bananeira; as formas de preparo de peixe e frango, e quitutes como o acarajé, a
farofa, o quibebe e o vatapá. A presença africana na culinária nacional une o alimento a um
forte vínculo religioso. Seus temperos fortes, modos de preparo e de apresentação têm um
fundo religioso. Por exemplo, o acarajé grande e redondo é de Xangô; os menores servem
43
para as Iabás, como Iansã
8
(FERNANDES, 2001, p. 21). Assim como o acarajé, todos os
produtos do tabuleiro da baiana e sua oferenda possuem um significado ligado ao caráter
religioso.
O cacau também tem um contexto importante na história brasileira. Levado da
América Central para a Europa, passou por uma longa história desde seu descobrimento com
os astecas, sendo uma bebida forte e apimentada, até ser considerada a bebida preferida pelas
damas na Europa. Era consumido em larga escala e o Brasil passa a ser, na época, um dos
maiores produtores de cacau no mundo.
Segundo Mendonça (2000), além da chegada de quase 5 milhões de africanos que
contribuíram para a formação da cultura gastronômica no Brasil, a imigração européia e a
japonesa, a partir do século XIX, passaram a integrar o caldeirão multicultural do paladar
brasileiro. A união de tradições e costumes culinários enriqueceu o paladar brasileiro
formando as muitas culturas gastronômicas e regionais presentes até os dias atuais. O modo
de vida do local também influencia a cultura gastronômica e aí aparecem as diferenças
regionais.
Fatores como o clima e o solo podem variar a composição do cardápio da
comunidade, desenvolvendo-se hábitos e costumes diferenciados dependendo da localidade
onde está situada a população. Por exemplo, a comida regional nordestina é diferenciada da
culinária do sul do país: um dos ingredientes que se faz presente na culinária nordestina é o
uso excessivo da pimenta, a qual auxilia na transpiração. Como na região sul o clima é mais
ameno, existe o costume de comidas mais gordurosas e bebidas quentes, como por exemplo, o
chimarrão, chás e café. Portanto, os temperos, os ingredientes e os modos de preparo estão
diretamente relacionados à localidade enfocada.
8
Xangô – faz parte das sete maiores entidades do candomblé, é considerado um Orixá. Iabá – pessoa que possui
função de trabalho no terreiro do candomblé. Iansã é a denominação dada a uma das Iabás.
44
Mais de três séculos após a chegada dos portugueses no Brasil já havia se formado a
culinária nacional. A “constituição dos Estados nacionais acompanhou-se da uniformização
de uma língua nacional, assim como da construção ideológica de uma ‘identidade nacional’,
no interior da qual assume imensa relevância a idéia de uma ‘cozinha nacional’, que deveria
superar, por vezes integrando e por vezes isolando os particularismos regionais”
(CARNEIRO, 2003, p. 134)
Gastronomicamente falando, a união de tradições e costumes culinários enriqueceu o
paladar brasileiro formando as muitas culturas culinárias regionais. A presença indígena
trouxe para a alimentação do colonizador novos produtos que se incorporaram ao seu paladar.
O português acabou por inserir nos costumes indígenas novas regras na alimentação como é o
caso do horário das refeições e a utilização de utensílios no preparo e no serviço dos
alimentos, tais como talheres de mesa, pratos de serviço, bandejas, entre outros. A herança
africana, na culinária nacional, une o alimento a um forte vínculo religioso. Além disso, a
presença marcante das diversas etnias trouxe novos ingredientes e modos de preparo para a
mesa do brasileiro.
De acordo com a concepção de prato típico utilizado neste trabalho, afirma-se que a
população que veio para o país retransmitiu seus costumes culinários, utilizando da nova
realidade climática, social, política e geográfica para transformá-la e, deste modo, começou a
desenvolver uma culinária tipicamente brasileira.
Dentre os aspectos que determinam o reconhecimento de um prato como típico, estão
as relações subjetivas que ele tem ao retratar a realidade da comunidade que o consome.
Pode-se dizer que, na formação da culinária brasileira, além dos itens práticos sobre a
realidade do novo espaço que os colonizadores estavam ocupando, estão as memórias
coletivas que traziam da comunidade da qual faziam parte. Os novos ingredientes, técnicas e
experiências, somados às características que já estavam presentes, na comunidade indígena,
45
formaram a culinária brasileira, que tem como peculiaridade sua complexidade. Devido a isto,
não pode ser compreendida como uma unidade, pois possui facetas multiculturais.
Assim, temos a constatação que os hábitos alimentares vão se formando em relação à
cultura dos povos e constituindo parte da identidade das comunidades, respeitando suas
particularidades. Isto, porque a
história da alimentação abrange, (...) mais do que a história dos alimentos, da sua
produção, distribuição, preparo e consumo. O que se come é tão importante quanto
quando se come, onde se come e com quem se come. As mudanças dos hábitos
alimentares e dos contextos que cercam tais hábitos é um tema intricado que
envolve a correlação de inúmeros fatores. (CARNEIRO, 2003, p. 2)
O uso da alimentação, para agregar valor às atividades turísticas, deve partir de um
estudo profundo das raízes gastronômicas e de suas influências na sociedade e do modo com
que os costumes foram se fixando com o desenvolvimento local. A definição da cultura
gastronômica brasileira é algo extremamente complexo, por possuir influências múltiplas e
diferentes entre si. Mesmo delimitando uma região de menor dimensão que o Brasil como um
todo, ainda é difícil definir uma única identidade gastronômica.
Na região sul, assim como nas demais, a gastronomia tem características marcantes
que a definem como típica. Itens que a aproximam da população, seja pela utilização de
produtos comuns àquela região ou que retratam hábitos e valores subjetivos da comunidade.
Através do consumo do prato, estes valores amparam e tornam o alimento um item que
identifica a população que o produz. As culinárias étnicas e suas múltiplas interações com a
comunidade são exemplos da identidade gastronômica no sul do país. Os movimentos sociais
econômicos e culturais como o Tropeirismo, também representam uma influência marcante na
culinária. O modo de ser e viver foi aos poucos se constituindo em hábitos e costumes que
foram sendo transmitidos e repassados através das gerações, formando atualmente o
patrimônio cultural da região onde se desenvolveu o Tropeirismo.
46
2 – O TURISMO GASTRONÔMICO NO PARANÁ
Atualmente o Paraná divide-se, segundo a PARANA TURISMO
9
, em regiões
turísticas
10
(MAPA 01): o Litoral; Curitiba e Região Metropolitana, tendo a capital como foco
principal; Costa Norte onde se localizam as cidades de Londrina e Maringá com suas diversas
modalidades de turismo; Costa Oeste, destacando-se o potencial turístico de Foz do Iguaçu e
do entorno do Lago de Itaipu; a Região Centro-Sul do Estado, com a presença de estâncias
hidrominerais como Dorizon e as cachoeiras de Prudentópolis, e a Região dos Campos Gerais,
foco de estudo neste trabalho.
O Brasil recebeu 3.783.400 turistas estrangeiros em 2002 (EMBRATUR, 2003), dos
quais 367.251 chegaram pelo Paraná, através de seus portões de entrada. Em relação à
motivação de viagem, segundo a EMBRATUR (2003), mais da metade (51,21%) dos turistas
estrangeiros vieram a lazer e 23,48% estiveram no país em razão de negócios. Praticamente
dois terços deles (65,34%) já haviam estado no Brasil antes e 96,12% afirmaram querer voltar
ao país em outras oportunidades.
As maiores críticas feitas por esses turistas foram em relação à segurança pública
(10,26%), limpeza pública (10,21%) e sinalização turística (8,3%). Ainda, segundo a
EMBRATUR (2003), as cinco cidades mais visitadas em 2003 foram: Rio de Janeiro
(38,58%), São Paulo (20,84%), Salvador (12,76%), Foz do Iguaçu (9,28%) e Recife (8,24%).
As cidades brasileiras mais visitadas no turismo doméstico, em 2003, foram: São
Paulo (4,1%), Rio de Janeiro (3,5%), Fortaleza (2,5%), Recife (1,9%), Salvador (1,6%),
Curitiba (1,6%)
(EMBRATUR, 2003).
9
PARANA TURISMO – Divisão estadual que organiza a Atividade turística no Paraná.
10
Região turística: Zona geográfica delimitada, com especial aptidão para o desenvolvimento de atividades
turísticas (DOMINGUES, 1990, p. 229).
47
48
Os gastos médios no turismo das famílias com renda acima de 15 salários, são 5,4
vezes superiores aos de famílias de até 4 salários mínimos” (EMBRATUR, 2001, p. 13).
Destes gastos, a participação define-se conforme os quadros abaixo:
QUADRO 1 - PARTICIPAÇÃO DOS GASTOS EM VIAGENS NO PACOTE
11
Pacote 71,1%
Alimentação 11,6%
Lembranças/Souvenirs 9,2%
Transporte 1,7%
Hospedagem 1,0%
Outros 5,4%
FONTE: EMBRATUR, 2001
QUADRO 2 - PARTICIPAÇÃO DOS GASTOS EM VIAGENS SEM PACOTE
Transporte 43,9%
Alimentação 28,9%
Lembranças/Souvenirs 8,2%
Hospedagem 6,6%
Outros 12,4%
FONTE: EMBRATUR, 2001
A diferença nos valores gastos com a alimentação durante a viagem dos turistas,
com ou sem pacote, deve-se ao fato de que a maioria dos pacotes oferece o sistema de meia-
pensão, servindo o jantar no próprio hotel. Desta maneira os hotéis conseguem, em função do
volume de refeições, reduzir os custos com alimentação.
Segundo o Estudo Sobre o Turismo Doméstico Brasileiro 2001 (EMBRATUR, 2001,
p. 8) “mais de um terço da população brasileira viaja pelo Brasil”. Houve, nos últimos anos,
uma redução percentual no número de brasileiros que viajam para o exterior, os quais em
1998 eram aproximadamente 2,5% e passaram a ser 1,7% em 2001, isto devido às oscilações
11
PACOTE TURÍSTICO – “designação que se aplica a um conjunto de serviços de viagem com tudo incluído
(transportes, alimentação, transfers, excursões ou circuitos turísticos, etc.)”. (DOMINGUES, 1990, p. 197)
49
cambiais do dólar e a outros fatores econômicos. Esta redução levou a um aumento na procura
por viagens pelo Brasil, representando um crescimento de 11,3% no mesmo período. “Em
1998 eram 38.308.000 e passou para 41.350.000 em 2001. A renda gerada, por sua vez, que
em 1998 foi de R$ 31,9 bilhões, passou em 2001 para R$ 48,4 bilhões” (EMBRATUR, 2001).
Acompanhando esta estatística o Paraná também aumentou o fluxo de turismo doméstico
neste período.
A atividade turística, no Estado do Paraná, teve um crescimento considerável de
1999 a 2003. Segundo dados dos Indicadores de Turismo, obtidos no documento "Dados
Estatísticos relativos ao Turismo no Paraná" (PARANATURISMO, 2004), a receita gerada no
ano de 1999 foi de US$ 425.590.462,00.
Em 2002
12
o Paraná recebeu 5.552.244 turistas, que geraram uma renda de US$
899.463.470,00. Desses turistas 48% eram do próprio Estado, 35% de outras regiões do
Brasil, 17% estrangeiros. Já no ano de 2003 foi de US$ 1.124.000.285,00, com um fluxo de
turistas (demandantes) igual a 2.827.146 em 1999 contra 6.210.930 em 2003. Segundo dados
da PARANATURISMO (2004) o fluxo de turistas no Estado em 2003 foi 32% de público
interestadual, 48% do próprio Estado e 20% do exterior.
Analisando-se a procedência do turista no Estado, percebe-se que o maior número de
turistas vem dos Estados mais próximos e que a permanência média do turista é de 3,8 dias,
com um gasto médio diário de US$ 47,8, gerando uma receita de US$ 1.124.000.285,00
(PARANATURISMO, 2004).
Dentre as modalidades de turismo desenvolvidas no Estado destacam-se o turismo de
lazer, com o turismo de sol e mar no litoral do Paraná, as Cataratas do Iguaçu e outros
atrativos da Região Oeste do Estado.
12
Dados fornecidos pela Política Estadual de Turismo 2003-2007 - Secretaria de Estado do Turismo.
50
Quanto ao turismo de eventos, o Paraná possui um calendário oficial de eventos
valorizando os mais importantes para o turismo no Estado. Esta modalidade de turismo é
considerada como um produto capaz de, por si só, gerar fluxos e aumentar a permanência do
turista no pólo receptor, podendo ser influenciada pelas atrações naturais, históricas e
culturais da localidade receptora, bem como, de suprir a ausência destes atrativos.
O turismo em áreas naturais também apresenta um importante papel no
desenvolvimento turístico do Estado. Segundo a PARANATURISMO (2004), esta
modalidade de turismo vem sendo desenvolvida “visando atender aos objetivos da Rede de
Biodiversidade
13
e efetivar uma nova fonte alternativa de renda e emprego para grande parte
da população, oportunizando o desenvolvimento sustentável do Turismo”. O Programa do
Turismo em Áreas Naturais ocorre através dos projetos regionais de turismo e de ações
complementares isoladas.
O turismo religioso destaca-se no Paraná, tendo como lugares tradicionais a Gruta
do Monge no
Parque Estadual do Monge, na cidade da Lapa; a Gruta de Santa Emília, em
Barracão; a Igreja Matriz de Nossa Senhora Aparecida, em Tomazina; o Mosteiro Trapista em
Campo do Tenente; o Santuário de Santa Rita de Cássia, em Lunardelli, entre outros,
ressaltando-se também o potencial das festas religiosas como, por exemplo: a Festa Santa
Casturina (Santinha) em Tibagi; a Festa do Padroeiro Senhor Bom Jesus da Pedra Fria –
Jaguariaíva; a Festa de Nossa Senhora das Brotas - Piraí do Sul; a Festa de Nossa Senhora do
Pilar – Antonina; a Festa de Nossa Senhora do Porto, na cidade de Morretes, e a Festa de
Nossa Senhora do Rocio, em Paranaguá.
O turismo cultural também é destaque para a atividade no Estado tendo como opções
diversos museus, parques temáticos, memoriais étnicos, entre outros. Os teatros como o
13
A Rede de Biodiversidade é um Programa de conservação ambiental do Paraná, que busca a recuperação da
biodiversidade no Estado. O desenho básico da rede é composto por corredores formados pelos grandes rios
(Paranapanema, Paraná, Iguaçu, Piquiri, Ivaí e Tibagi) e pelas três serras (do Mar, Da Escarpa Devonina e da
Esperança), que caracterizam as áreas de transição entre os planaltos (PARANATURISMO, 2004).
51
Teatro Guaíra e o Teatro Paiol em Curitiba, o Theatro São João da Lapa e o Teatro Municipal
de Antonina. Na concepção da PARANATURISMO (2004, p. 13) as:
características básicas ou fundamentais do turismo cultural não se expressam pela
viagem em si, mas por suas motivações, cujos alicerces se situam na disposição e
no esforço de conhecer, pesquisar e analisar dados, obras ou fatos, em suas variadas
manifestações, como: representações religiosas, rotas, festivais de música, cinema e
teatro, cavalhadas, exposições de arte, entre outras.
Esta modalidade é apresentada também pela ligação com a cultura local através dos
festivais folclóricos, de festivais étnicos, de música, de teatro, pela gastronomia e culinária
locais, entre outras formas de expressar a cultura da população paranaense. Estão sendo
desenvolvidos, pelos órgãos responsáveis pelo turismo no Estado, alguns roteiros para o
turismo cultural.
Desta forma o turismo no Estado do Paraná vem, nos últimos anos, ganhando
destaque econômico pela sua representatividade, deixando de ser somente o turismo de lazer
das praias, da Serra do Mar e de Foz do Iguaçu, passando a ter uma importância no contexto
econômico do Estado pelos inúmeros eventos; pelo turismo de negócios, que vem crescendo
gradativamente no Estado; pelo turismo histórico-cultural nas cidades com valor patrimonial
significativo, além da presença do turismo gastronômico em cidades como Curitiba e
Morretes.
Quando uma localidade torna-se referência gastronômica, ao passar por ela, a parada
para degustar o prato típico torna-se quase que obrigatória. Em Morretes isto ocorre
claramente, pois grande parte do movimento no município gira em torno dos restaurantes. A
cidade possui, em média, oito mil habitantes na área urbana e mais de vinte restaurantes
especializados em Barreado, sendo que 82,7% dos turistas consideram boa a qualidade deles.
Em Antonina, cidade que também serve o Barreado, este índice é de 57%
(PARANATURISMO, 2004).
52
O Barreado historicamente era degustado durante o período do entrudo, precursor
português do nosso Carnaval, quando os caboclos passavam dançando o Fandango. Sendo um
prato forte para restabelecer as forças dos foliões e até para amenizar os efeitos da alta
dosagem alcoólica, consumida durante os festejos.
O prato é consumido há mais de 200 anos no litoral do Paraná, sendo também,
naquela época, o único alimento ingerido no período carnavalesco; era acompanhado de
farinha de mandioca, considerada uma das melhores do país. A escolha do prato ocorria
também pela praticidade de seu feitio e pela sua característica em manter as propriedades
gustativas durante o período das festas. O Barreado era o prato escolhido pelas mulheres,
durante o entrudo, pela sua praticidade em relação ao feitio, pois depois de barrear as panelas
e enterrá-las no chão, com as brasas em cima, elas só voltavam a se preocupam com a comida
na hora de servir, depois de passadas as 24 horas de cozimento, podendo assim aproveitar a
festa.
Além do Barreado, o Paraná tem diversos pratos típicos como o dourado assado,
consumido em toda a região oeste. O peixe é considerado o prato típico oficial na cidade de
Itaipulândia que prepara o Dourado no Carrossel. Em Foz do Iguaçu o campeonato de pesca
ao dourado também representa um grande fluxo do turismo gastronômico para a cidade.
Vários concursos são realizados para determinar o melhor preparo do peixe, que em algumas
edições já foi servido assado, com maionese, ao molho de laranja acompanhado de palmitos,
ou assado com arroz à primavera. Porém, em Foz do Iguaçu, o prato típico oficial, eleito em
um concurso onde participaram vinte chefes de cozinha, é o Pirá de Foz, prato a base de
surubim ao molho de gengibre e purê de mandioca. Sabe-se que a comunidade não reconhece
este prato, pois foi algo imposto pelo poder público, não sendo incorporado aos seus hábitos
alimentares devido ao custo do peixe utilizado e também aos ingredientes que não são
53
adequados ao clima local e, mesmo, pela dificuldade no preparo do prato. Além disso,
nenhum restaurante da cidade serve o Pirá de Foz.
O Carneiro no Buraco representa Campo Mourão. O prato surgiu após um grupo de
amigos ter assistido um filme indígena e perceber que era possível criar um prato cozido em
um buraco. Hoje a festa do Carneiro no Buraco tem representatividade nacional. Em Toledo,
o prato típico oficial é o Porco no Rolete, prato que surgiu de uma aposta entre amigos no
clube de tiro da cidade. O desafio para quem conseguisse assar um porco inteiro ganhou
proporção na cidade e atualmente o prato já incorporou-se aos costumes locais e representa a
cidade de Toledo que já criou uma festa para celebrar o prato.
Santa Felicidade é um bairro da cidade de Curitiba que tamm é um atrativo
turístico da cidade; iniciou sua história quando a estrada para o interior do Estado passava
pelo bairro. Os carroceiros chegavam em Santa Felicidade na hora do almoço, aí os italianos
abriam suas casas para servir aos viajantes. Hoje os restaurantes com comida italiana são
referência em Curitiba. O Madalosso é considerado pelo Guinness Book
14
nas edições de
1995 e 1996 o maior restaurante do Brasil. Possui sete salões com capacidade para atender
4.645 pessoas ao mesmo tempo. Sua capacidade torna-o o segundo maior restaurante do
mundo; ao todo sua área, incluindo estacionamento, escritório e lojas de souvenirs, chega a
7.671,78 m². Por si só o Madalosso já é um atrativo do turismo gastronômico em Curitiba.
Além dos restaurantes italianos, o bairro de Santa Felicidade possui uma variedade de
cardápios e casas especializadas nos mais diversos tipos de comida atendendo ao paladar de
muitos turistas e pessoas da região. Curitiba, cada vez mais, se consolida como uma capital
gastronômica, com outras regiões especializadas em carnes e peixes e diversos outros
restaurantes na cidade baseados na culinária étnica presente no Paraná e na culinária
internacional.
14
Guinness Book – Álbum que reúne recordes mundiais em diversas modalidades e categorias.
54
Assim como o Barreado em Morretes e a comida italiana que iniciou o movimento
dos restaurantes no bairro de Santa Felicidade em Curitiba, e que hoje caminha para uma
consolidação como cidade referência em gastronomia, acredita-se que a Região dos Campos
Gerais pode consolidar-se com a gastronomia típica tropeira do Paraná.
A Região dos Campos Gerais do Paraná possui potencial para o desenvolvimento
turístico, em virtude de suas paisagens naturais; dos atrativos naturais e culturais existentes na
região; sua cultura relacionada aos indígenas que ai viveram, aos povos colonizadores e
povoadores, bem como de sua diversidade étnica, destacando-se diversas modalidades de
turismo, que são realizadas na localidade em estudo.
Considerando o potencial da região, as autoridades competentes como a AMCG
(Associação dos Municípios dos Campos Gerais) e a PARANATURISMO, destacam a
Região dos Campos Gerais como uma das localidades de desenvolvimento turístico para o
Estado do Paraná. Para tanto, há cerca de dez anos, diversos estudos vêm sendo realizados
para que sejam identificadas as modalidades de turismo da região e seu melhor uso dentro dos
princípios do planejamento sustentável da atividade turística. Destes estudos, optou-se pela
utilização do Projeto Rota dos Tropeiros (FIGURA 01) como projeto estruturador, uma vez
que possui ligações com o objeto de estudo do presente trabalho.
No projeto Rota dos Tropeiros a questão da gastronomia é apenas citada como um
ponto de referência das atividades turísticas a serem desenvolvidas. Este trabalho busca seu
aprofundamento para que possa ser utilizada no desenvolvimento do projeto citado acima.
A proposta de desenvolvimento sustentável para a Região dos Campos Gerais
elaborada pela AMCG em parceria com o governo do Paraná através da ECOPARANA
15
,
órgão vinculado à PARANATURISMO
16
, destaca o grande potencial da atividade turística na
região, dado os seus recursos naturais, paisagísticos, históricos e culturais, prevendo o
15
ECOPARANA – organismo estadual responsável pelo desenvolvimento sustentável.
16
Órgão estadual responsável pelo planejamento e organização da atividade turística no Paraná.
55
desenvolvimento em médio prazo de uma rota baseada no Tropeirismo. São utilizados, neste
trabalho, as delimitações da AMCG, por constituir-se em um órgão que reúne diversos
municípios, concentrando esforços político-administrativos na região. Além disso, a
Associação vem já há alguns anos, desenvolvendo ações relacionadas ao fomento do turismo,
destacando-se as que se vinculam à questão histórica do Tropeirismo.
Segundo o diretor-presidente da Paraná Turismo, Jorge Demiate, a importância do
movimento tropeiro para os Estados do Sul e o Brasil como um todo, é incontestável. "O
Brasil só é um país de dimensão continental em virtude da história dos tropeiros. Se não fosse
o Tropeirismo, nós não teríamos o Sul agregado ao território nacional" (SISTI, 2003, s/p),
destaca.
A Rota dos Tropeiros (FIGURA 02), para Sisti, vai incentivar tanto o turismo rural,
quanto o turismo de contemplação da natureza e o cultural. "O projeto vai incentivar a
visitação às belezas cênicas do Estado, como o Parque Estadual de Vila Velha e do Canyon
Guartelá, como também às cidades históricas, como Castro e Lapa e outros pontos ainda
pouco explorados turisticamente, como o Parque de Cerrado de Jaguariaíva” (SISTI, 2003,
s/p).
O suporte de um projeto, que é o primeiro grande circuito turístico e cultural da
região dos Campos Gerais, contribui para a análise do turismo gastronômico na região. O
Plano de Desenvolvimento Turístico, elaborado pela AMCG, para a Região dos Campos
Gerais do Paraná, denominado de Corredor Turístico Caminho das Tropas, inicialmente
envolvia os seguintes municípios: Rio Negro, Campo do Tenente, Quitandinha, Lapa,
Contenda, Araucária, Balsa Nova, Porto Amazonas, Campo Largo, Palmeira, Teixeira Soares,
Ponta Grossa, Ipiranga, Carambeí, Castro, Tibagi, Piraí do Sul, Imbaú, Telêmaco Borba,
Ventania, Jaguariaíva, Arapoti, São José da Boa Vista e Sengés.
56
FIGURA 02: ROTA DOS TROPEIROS
FONTE: PROJETO ROTA DOS TROPEIROS
O projeto Rota dos Tropeiros está embasado nos aspectos históricos de ocupação da
região através dos caminhos utilizados pelo movimento tropeiro, sendo respectivamente:
57
Caminho de Peabirú – Também denominado de Caminho de São Tomé, este
caminho indígena usado inicialmente por Cabeza de Vaca
17
e depois pelo bandeirantes
paulistas ligava o Peru, no Oceano Pacífico, a São Tomé, no Oceano Atlântico (PROJETO
ROTA DOS TROPEIROS, 1998). Cruzava o Estado de leste a oeste, penetrando no Primeiro
Planalto Paranaense pelo Vale do Açungui e seguindo pelo Alto Tibagi, Ivaí, Serra da
Esperança, Vale do Piquiri até alcançar o rio Paraná.
Estrada do Viamão – sua abertura ocorreu por volta de 1736 (PROJETO ROTA DOS
TROPEIROS, 1998), este caminho seguia de Viamão no Rio Grande do Sul até Sorocaba em
São Paulo. Também denominado de Caminho da Mata, ou Caminho de Sorocaba, esta estrada
foi utilizada pelos tropeiros até o século XVIII, quando foi substituída pela Estrada das
Missões.
Estrada do Cerne – construída pelo interventor Manoel Ribas, foi responsável pela
consolidação do fluxo do café do norte do Paraná até o porto de Paranaguá.
Para Caetano (2003, p. 37), “o caminho para São Paulo foi aberto desde os primeiros
tempos do povoamento. O traçado cortava apenas alguns capões (onde os viajantes
descansavam e faziam suas pousadas)”. Neste caminho foram se formando povoados,
geralmente onde as tropas paravam para fazer o pernoite, o que deixou uma distância média
de 30 Km entre as localidades. Destaca-se também o Caminho de Vacaria, sendo aqui
apresentados somente os caminhos que possuem relevância para o movimento tropeiro.
Constam do projeto Caminho das Tropas seis roteiros formulados a partir dos
aspectos históricos, turísticos e ambientais presentes na região. Para tanto, foi utilizado o
Caminho de Viamão e sua ligação entre as cidades de Rio Negro a Sengés, como eixo central
e de apoio aos demais roteiros. Unindo este eixo central estão os seguintes roteiros, conforme
os dados do projeto Rota dos Tropeiros:
17
Alvar Nunez Cabeza de Vaca: viajante que comandava a expedição espanhola a caminho da Bacia do Prata,
em 1542, passando pelos Campos Gerais.
58
¾ Cidades Históricas: "Cidades que passaram a existir ao longo do Viamão";
¾ Fazendas Históricas: "Um roteiro passando pelas Fazendas que serviam de apoio
aos tropeiros, e de onde se via a poeira levantando no horizonte... eram as tropas
chegando” (PROJETO ROTA DOS TROPEIROS, 1998);
¾ Roteiro das Unidades de Conservação: "Parque Estadual de Vila Velha, Parque
Estadual do Guartelá, Parque Estadual do Cerrado, etc.”;
¾ Roteiro das Quedas e das Grutas: "Cachoeira de São Jorge, Buraco do Padre,
Cachoeira do Rio Corisco, Cachoeira Lajeado Grande, Salto Santa Rosa, Gruta
da Barreira, etc.";
¾ Roteiro da Estrada do Cerne: "Roteiro histórico em uma região praticamente
desabitada";
¾ Roteiro de Turismo Rural e Agroturismo: "Fazenda Cainã, Cabañas Monastier,
Fazenda Jacará, Fazenda Potrero Grande, Fazenda Capão Grande, Sítio Santa
Olívia, etc."
¾ Roteiro das Tropas: "Roteiro estabelecido juntamente com um evento, com o
intuito de divulgar a região. Idéia de realizar uma competição em que o antigo
caminho das tropas é o percurso, e o desafio é percorrê-lo da maneira mais
parecida aos costumes dos antigos tropeiros".
¾ Roteiro de Aventura: "Roteiro definido nos moldes de um desafio ecológico, no
qual um percurso deve ser concluído por uma equipe através de diversas
modalidades (raid equestre, mountain bike, rafting, escalada técnica)".
¾ Roteiro das Etnias: "Holandeses (Castrolanda, Carambeí, Arapoti), Alemães
(Witmarsun), Italianos e Poloneses (Lapa)";
59
¾ Roteiro Gastronômico, onde constam do projeto alguns pratos como “a paçoca de
carne, o Castropeiro, a Bratwuest dos Alemães, os produtos caseiros típicos da
região”.
O que se pode perceber é que o Plano de Desenvolvimento Turístico para a Região
dos Campos Gerais ainda não está estruturado. O Corredor Turístico Caminho das Tropas não
foi consolidado como atrativo turístico e aí surgem diversos apontamentos com relação à sua
estrutura, pois o plano apenas aponta caminhos. O projeto não detalha as etapas de evolução e
não vem realizando um acompanhamento direto de todas as etapas para que se consolide o
turismo na região.
Os autores Sahr; Lowen Sahr (2001, p. 402) propõem uma imagem turística para a
região e destacam, entre outros aspectos, que “muitos atrativos culturais da região ficam
restritos, exclusivamente, ao apelo (‘é bonito!’), negligenciando o fato de que maiores
informações contextualizam o mero objeto num relato de fantasias que poderia ser trabalhado
pelo turista”, mais adiante, analisam o turismo étnico apontado pelo projeto Caminho das
Tropas como um dos estruturadores da atividade turística regional e observam que
Os complexos étnicos, por exemplo, precisam de narrativas acessíveis em livros,
guias turísticos e cadernos de informação, que possam ser obtidos em pontos
turísticos. É preciso que o turista perceba as conexões entre comida, trajes, casas
tradicionais, atividades econômicas, histórias do passado, artesanato e a própria
imagem paisagística e consiga contextualizá-las. O desenvolvimento desse recurso
não é possível sem a integração da comunidade local num processo social e auto-
educativo (SAHR; LÖWEN SAHR, 2001, p. 408).
Todavia, para que isto ocorra, é necessário que exista uma estrutura de apoio ao
turista. Aí se percebe que esta ainda é muito deficiente na região em estudo, pois os pontos de
informação ao turista nem sempre estão em locais apropriados ou mesmo não funcionam em
finais de semana e feriados. Além do que, em muitos atrativos, a divulgação foi realizada
antes mesmo da consolidação da atividade turística na localidade, o que repercutiu em um
turismo não planejado e trouxe diversas conseqüências para a região. Estas conseqüências vão
desde um turista que chegou e encontrou na localidade uma estrutura inferior a que havia sido
60
prometida na divulgação até a falta de estudo com relação à capacidade de carga que
provocou uma super lotação dos atrativos.
Um exemplo disso foi a divulgação precipitada do turismo no Caminho da Cecília,
em Palmeira, que acabou gerando um fluxo de 40 ônibus em um único fim de semana.
Considerando que as propriedades são rurais e pequenas houve prejuízo para a atividade
turística que não estava preparada para atender os turistas e bem como para a economia local,
pois as estradas de acesso não sendo asfaltadas, foram bastante danificadas com a
movimentação dos veículos.
Para que os Campos Gerais se consolidem como uma região integrada em turismo é
necessário que o planejamento da atividade seja realizado com o máximo de cuidado e
atenção, seguindo os princípios do turismo sustentável e planejado, e que se viabilize as
estruturas de apoio ao turista, as infra-estruturas de recepção, deslocamento e informações,
bem como o preparo de mão-de-obra para trabalhar diretamente com o turista. “Uma das
formas como o patrimônio cultural pode contribuir para a consolidação de um destino
turístico é fazer com que a cultura e as construções locais/regionais funcionem como uma
atração para visitantes” (ALMEIDA, 2003, p. 29).
Para isto podem ser seguidos diversos exemplos que já ocorrem da mesma forma no
país, como o Projeto Estrada Real em Minas Gerais e a regionalização turística da Serra
Gaúcha, projetos que trabalham com a questão da sustentabilidade turística, visando o
desenvolvimento econômico com o mínimo prejuízo para as questões social, ambiental e
cultural.
É certo que a AMCG vem desenvolvendo diversas atividades no sentido de colocar
em prática tal projeto e que, conforme os dados presentes no plano, é viável a continuidade
das atividades turísticas na região. O que se questiona aqui é que constam do projeto os
roteiros apresentados anteriormente, mesmo não estando estruturados ainda, pois não
61
apresentam ainda os dados necessários para a elaboração de um roteiro. O caso do roteiro
gastronômico, por exemplo, já está indicado no projeto Rota dos Tropeiros como existente,
sem que, todavia, estudos tenham sido realizados para a sua formatação. O roteiro das
fazendas históricas, embora seja a proposta de roteiro mais estruturada das que compõem o
projeto, ainda assim, os proprietários das fazendas estão solicitando a elaboração de um
roteiro para a região, o que comprova que os caminhos apontados ainda são a indicação de
prováveis roteiros a serem desenvolvidos e que sua estruturação, até o presente momento, não
ocorreu.
Diversos aspectos devem ser analisados na elaboração dos roteiros, dentre eles a
melhor utilização da região como um todo; a integração entre os roteiros e as articulações
entre os mesmos com vistas a um melhor aproveitamento da infra-estrutura existente; a
maximização do movimento turístico e o aumento da permanência do turista na região.
A coleta de dados com relação ao turista deve ser constante e seguir os padrões
adotados pela EMBRATUR. Até o momento estes dados ou não existem ou não são
trabalhados e divulgados pelos municípios. Isto dificulta o planejamento e a estruturação do
turismo na região.
As propostas de desenvolvimento turístico apresentadas poderiam servir também
para oportunizar novos atrativos para turistas que vêm aos Campos Gerais em busca da
realização de negócios, eventos e outras finalidades, que não a de lazer, complementando a
oferta existente na região. Reforça-se aqui, que antes de divulgar os atrativos será necessário
um trabalho de planejamento da infra-estrutura existente; da mão-de-obra para atendimento ao
turista e dos roteiros para que possam ser viabilizados para comercialização.
Além disto, questiona-se a concepção de base metodológica utilizada no projeto, pois
a Rota dos Tropeiros assemelha-se muito mais ao conceito de rede, que para Castells (2000, p.
498) “são estruturas abertas capazes de expandir de forma ilimitada, integrando novos nós
62
desde que consigam comunicar-se dentro da rede, ou seja, desde que compartilhem os
mesmos códigos de comunicação
18
, do que, simplesmente, de rotas ou caminhos
interdependentes. Na visão de Castells, rede também pode ser um elemento de reorganização
das relações de poder, bem como na transformação dos processos políticos e na construção de
identidade.
Portanto, observa-se que a Rota dos Tropeiros inclui-se no conceito de redes, uma
vez que possui diversos elementos que se interligam. A antiga rota ou caminho que os
tropeiros realizavam na região, pode ser utilizado como um elemento de denominação à rede
proposta, ainda mais no momento em que se direciona o projeto para uma interligação com os
Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. Para Castells (2000, p. 499), “as conexões entre
redes tornam-se as fontes fundamentais da formação, orientação e desorientação das
sociedades”.
A denominação “Rota dos Tropeiros” deve permanecer, uma vez que já é
reconhecida como um projeto da área do turismo, porém a observação em relação à
conceituação fez-se necessária por se tratar de uma discussão científica que visa compreender
que a rota não apenas é um caminho estabelecido entre dois pontos, mas possui diversos
“nós” que se entrecortam tanto nos aspectos políticos, financeiros, culturais, como também na
análise das diversas áreas que podem ser trabalhadas pelo turismo.
18
Rede “é um conjunto de nós interconectados. Nó é o ponto no qual uma curva se entrecorta” (CASTELLS,
2000, p. 498).
63
CAPÍTULO 3
GASTRONOMIA TROPEIRA
1 A GASTRONOMIA TROPEIRA NO BRASIL
O Tropeirismo foi atividade de suma importância para a história da economia do
Brasil, tendo vivido seu apogeu nos séculos XVIII e XIX. Percorrendo caminhos e trilhas que
ligavam distantes localidades das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, foi responsável pelo
desenvolvimento do comércio de mercadorias e de animais de carga, época em que o sistema
de transporte dependia exclusivamente destes cargueiros.
A alimentação brasileira apresenta influências do movimento tropeiro. A comida do
tropeiro era preparada para durar uma longa viagem sem se deteriorar e, forte o suficiente,
para alimentar os peões depois de uma jornada extensa. Foi, aos poucos deixando raízes e
misturando-se à alimentação das localidades por onde passavam as tropas. Desta forma,
contribuiu na formação de uma culinária regional na localidade em estudo.
A comida é uma das heranças deixadas pelo Tropeirismo. Era feita pelos homens,
pois na tropa não havia mulheres. É marcante a influência que os tropeiros exerceram sobre a
culinária das regiões por onde passaram, deixando, como um de seus legados, o prato hoje
denominado feijão tropeiro, sempre presente na mesa dos brasileiros das localidades por onde
circulavam, assim como nos cardápios de restaurantes que servem a culinária regional. Outros
pratos também foram herança tropeira e são consumidos em todas as regiões onde o
Tropeirismo se desenvolveu.
Era o tropeiro quem, no lombo de mulas, atravessava regiões do Brasil, negociando
muares e levando cargas através de longas viagens, a fim de serem comercializadas. As mulas
eram levadas do Rio Grande do Sul para a feira de Sorocaba. Entretanto, não era só esta
64
cidade o ponto de venda de muares. Santos, também, era centro de negócios destes animais
de carga, assim como Congonhas do Campo, em Minas Gerais. Havia aí um mercado onde,
por ocasião das romarias, os muares eram vendidos. Isto já há três séculos. Outras pequenas
feiras, em outras localidades, foram instaladas (CAMARGO, 2005, s/p). Os tropeiros tamm
foram responsáveis pela implantação e localização de estradas e cidades, nos séculos XVII e
XVIII. Dentre elas muitas cidades na Região dos Campos Gerais do Paraná, como Lapa,
Palmeira, Jaguariaíva, Ponta Grossa, Castro, entre outras.
A dieta dos tropeiros deixou marcas na culinária do brasileiro nas várias regiões por
eles percorridas, visto que os alimentos empregados no preparo de suas comidas tinham de ser
duráveis e, sobretudo, secos e fáceis de carregar, pois suas atividades exigiam praticidade com
relação aos alimentos que deveriam acompanhar o longo percurso sem se deteriorar e tamm
proporcionar energia suficiente para o trabalho.
Os tropeiros foram, aos poucos, regionalizando hábitos alimentares que iam
adquirindo em seu dia-a-dia; hábitos estes que eram forçados a adotar em suas longas viagens,
principalmente durante os pousos, quando paravam para descanso e para se alimentarem. Sua
dieta baseava-se, em geral, em alimentos não sujeitos à ação do tempo, como o feijão,
toucinho, fubá, farinha, café e carne salgada. Porém, quando os pousos aconteciam próximos
a algum lugarejo, buscavam nas vendas carne e lingüiça, além de outros alimentos, os quais
permitiam uma refeição mais variada (CAMARGO, 2005, s/p).
Portanto, a alimentação tropeira está relacionada ao cotidiano de uma viagem. Na
época do Tropeirismo a comida deveria ser fácil de ser carregada e preparada, e os produtos
utilizados por eles durante a viagem, iam se modificando conforme o decorrer do percurso,
pois os produtos locais iam sendo utilizados no preparo das refeições. Essa é a razão pela qual
a gastronomia tropeira vai tomando aspectos diferenciados ao longo do caminho. A cada
65
localidade, novos produtos eram adquiridos para serem consumidos e outros eram deixados
para serem vendidos.
Na tropa de paulistas, o cozinheiro era a pessoa mais nova, geralmente um menino
de 12 anos para cima. Num pouso ou num encosto ao ar livre, o cozinheiro descarregava sua
bateria
19
e o feijão, assim como o toucinho, os quais eram cozidos em um caldeirão suspenso
por uma corrente ou correia presa a um tripé de ferro, sob o qual era aceso o fogo. A mesa era
o ligal, couro inteiro de boi, seco, sobre o qual colocava-se a vasilha com farinha de milho ou
de mandioca, os pratos de ferro batido ou cuias de chifre e as colheres.
À noite alcançavam o pouso que era, quase sempre, um rancho. Durante a ceia
comiam feijoada com bastante gordura e carne seca com farinha. Sabe-se que a comida
denominada feijoada, foi bastante mencionada pelos viajantes que, no século XIX,
percorreram o Brasil e significava feijão cozido com algumas iguarias como lingüiça e carne
seca.
Segundo Almeida (1985, p. 78), por volta de 1867, dos chapadões matogossenses
vinham os tropeiros, passando pelo alto Araguaia, Paranaíba, Uberaba e Rio Grande. Estes,
como descendentes de paulistanos e sorocabanos, mantinham os mesmos costumes
alimentares, inclusive se jacubavam, ou seja, tomavam jacuba, a mistura de rapadura, farinha
de milho e água, bastante comum em São Paulo na época.
Até fins do século XIX, segundo Saint Hilaire (1995, p. 53), o feijão, a carne seca e
a farinha de milho ou de mandioca, eram os ingredientes básicos da dieta dos viajantes, assim
como foi dos tropeiros e, certamente, dos povos que viviam nas localidades situadas ao longo
dos caminhos por eles percorridos.
Em Minas Gerais (CAMARGO, 2005, s/p) o tropeiro apresentava-se como uma
imagem lendária e peculiar à região mineira, “aquele que conduzia animais levando
19
Descaregava sua bateria significa retirar todo o equipamento das mulas para preparar a cozinha de trânsito dos
tropeiros.
66
mercadorias para os núcleos mineradores, existentes na época do ouro”. Ele comia carne seca
com feijão de corda, mais tarde denominado feijão tropeiro. Acrescentava ao feijão a farinha
de mandioca, angu de milho e torresmo, alimentos que se tornaram patrimônio afetivo da
culinária mineira.
O feijão tropeiro se expandiu por todo o caminho percorrido pelos tropeiros. Possui
em geral, como ingredientes básicos, aqueles usados pelos tropeiros, tais como: feijão, farinha
de milho ou de mandioca e carne seca de gado ou de porco, ou ainda, lingüiça. Porém, sabe-se
que dependendo da região apresenta variantes no tocante aos tipos de carne salgada, ou
mesmo, na forma de preparo e no local onde os tropeiros cozinhavam o feijão. Em Minas
Gerais, assim como em São Paulo, os costumes eram bem semelhantes: nos pousos o
cozinheiro não tinha descanso, pois logo que chegavam no local de parada ia colocando o
feijão e a carne seca para cozinhar.
O charque, que era a carne em manta, salpicada com sal e seca ao sol, era exportado
do Sul para regiões mais quentes do Brasil, por conservar-se por muito tempo, podendo ser
transportado a bordo nas longas viagens. Ao se tratar da alimentação sertaneja, diz-se que
charque é conserva de gado ou peixe, salgada (curada) e seca ao vento e sol; no Nordeste,
correntemente, o charque é chamado carne-seca (de gado). Sampaio (1978, p. 238) comenta
sobre os produtos de primeira ordem, das charqueadas, e os de qualidade inferior, da pequena
indústria, por vezes com imperfeição no preparo ou na conservação deficiente. Ressalta-se
que alguns alimentos da comida tropeira como o feijão preto, a carne seca e a farinha de
milho, já faziam parte da alimentação dos escravos por volta de 1850.
Do Rio Grande do Sul até chegar em São Paulo os pratos variavam de acordo com a
oferta existente na localidade. A alimentação iniciava-se com carne de ovelhas e arroz como
base da nutrição, sendo feita em forma de carne assada e arroz carreteiro. O arroz, para o
consumo da tropa, no decorrer do percurso, ia acabando, passando a ser reservado somente
67
para venda, até que, no Paraná, o alimento básico passava a ser o feijão com carne de charque,
ou sobra do assado. Daí vem o feijão tropeiro e o virado de feijão, consumidos na região dos
Campos Gerais, até a atualidade. Este consumo permanece nos Estados de São Paulo, Minas
Gerais, estendendo-se até o Rio de Janeiro. Ao chegar em São Paulo, o tropeiro passava a
utilizar o virado à paulista ou cuscuz paulista
20
, feito com feijão, já em menor quantidade que
no Paraná, e farinha de milho.
A alimentação tropeira está ligada ao cotidiano da tropa, à maneira como era
planejado o percurso e à divisão de tarefas da tropa. O madrinheiro
21
cuidava da égua
madrinha, da comitiva e da alimentação dos peões. Uma só pessoa desempenhava o papel de
madrinheiro e, quando necessário, era auxiliado pelos peões.
Durante as refeições uns comiam enquanto um peão ficava tomando conta do
rebanho, para depois fazer o revezamento.
O cozinheiro levava no cargueiro o caldeirão que tem um arco na panela de ferro
grande. Corta duas forquilhas e finca uma lá e outra aqui e uma vara que sustenta o
caldeirão em cima do fogo e é apoiada nas forquilhas. Aí ele preparava a comida do
tropeiro que era feijão, charque – tem que ser charque pra não arruinar na viagem.
Ali é charque assado, charque feito na paçoca. Uns fazem até café e outros não. Era
charque, farinha e arroz, quando dá pra cozinhar. Feijão, quase sempre cozinha
porque o tropeiro como bem desde cedo. A maioria usava chimarrão, mas às vezes
dava tempo de fazer café (José Alves, apud POLINARI, 1982, p. 47).
Os utensílios carregados pelo cozinheiro e pelos demais peões consistiam nos
apetrechos de tropeiros como: o pelego, a badana, a carona, o pelego de chão para forrar o
baixeiro e a tralha para dormir, além dos utensílios para auxiliar o serviço da cozinha que
eram: o caldeirão para cozinhar feijão, a caçarola para fazer o arroz, o balde para apanhar
água, a chaleira ou chocolateira (vasilhame para aquecer a água) para fazer café e um lampião
ou vela para iluminar o local onde iria cozinhar. O fogão utilizado pelos tropeiros era
20
Cuscuz paulista – prato originário dos bandeirantes, com influência indígena, principalmente no emprego da
farinha de milho. O farnel levado pelos bandeirantes ia ao longo do caminho misturando-se até que originou o
cuscuz, onde todos os ingredientes formam um único prato. È preparado com farinha de milho, farinha de
mandioca, temperos, tomate e outros produtos que foram ao longo do tempo sendo agregados à receita original.
21
Madrinheiro – o rapaz que anda na égua madrinha com o fim de regular o tempo de marcha da tropa
(POLINARI, 1982, p. 55).
68
chamado de trempre, que pode ser compreendida como um tripé para servir de apoio às
panelas ao fogo.
Pela manhã comia-se um assado ou o arroz e feijão que restaram da janta,
acompanhado do café tropeiro ou café assustado. Durante o dia a alimentação consistia na
farofa de carne que era levada nas bruacas
22
.O peão comia com a mão, para não precisar parar
o percurso.
O pouso tropeiro consistia em uma parada mais longa para pernoitar. O local deveria
ser limpo de mato e com alguma cerca ou rio por perto que funcionasse como barreira natural.
Isto servia para facilitar a ronda, ou seja, a vigília dos animais. Quando chegavam a um
pouso, algumas providências tinham de ser tomadas como, por exemplo, amarrar a mula
madrinha com uma corda de 10 a 15 metros, para que os outros animais ficassem por perto de
onde soava o cincerro; retirar as cargas para descanso dos animais; organizar a preparação do
local para dormir e o local da comida.
No pouso a alimentação era baseada em feijão, arroz, charque, às vezes pão, salsicha
e um chimarrão à noite. Durante a ronda, para tomar conta do gado, o peão pegava um pedaço
de pão com charque, para se alimentar no período de vigília.
Na região sul os tropeiros tinham por hábito, ao meio do dia, parar para repouso e
almoço, que chamavam de sesteada ou hora da bóia. Comiam o feijão que era cozido com
toucinho; durante à noite, no pouso, preparava-se o arroz com charque, que chamavam de
charque carreteiro. A farinha era adquirida no caminho, assim como, a galinha, a mandioca, o
pão e o café.
O tropeiro procedente do Rio Grande do Sul, quando chegava a Sorocaba, por
ocasião das feiras, comia o feijão do caldeirão e o velho churrasco. Este churrasco era de
carne-seca, porém ao longo da viagem a alimentação tropeira também sofria algumas
22
Bruaca – saco ou mala de couro própria para ser carregada em cangalha, nos animais de carga (POLINARI,
1982, p. 55).
.
69
variações dependendo da disponibilidade de alimentos que encontravam no caminho
percorrido.
Na cozinha campeira, no Rio Grande do Sul, encontram-se indícios dos produtos
utilizados pelos tropeiros. Neles estão: o feijão campeiro, feito com feijão preto, charque,
lingüiça, toucinho, osso com tutano e temperos variados; diversos pratos feitos com charque
frito, acompanhados de pirão ou de canjica; churrasco de charque; carnes assadas como
churrasco ou cozidas em grandes panelas com diversos complementos e o carneiro e o gado
que sempre estiveram presentes nos pratos gaúchos. O café e o chimarrão também sempre
acompanharam a alimentação diária do gaúcho, sendo também, consumidos pelos tropeiros
quando estavam no Rio Grande do Sul.
Em Santa Catarina outros pratos eram consumidos pelos tropeiros, dentre eles a
sapecada de pinhão, que nasceu do ato rústico que os tropeiros adotavam para assar o pinhão
no chão, na fogueira de grimpa, colocando fogo nas ramas secas que caiam do próprio
pinheiro e jogando as sementes sobre as cinzas da galhada. Essa maneira de assar os pinhões
também era utilizada em todas as regiões onde havia a araucária em abundância.
Encontram-se presentes na tradição catarinense, os típicos churrascos de Lages e o
entrevero que é um prato forte em que se misturam várias carnes, legumes e pinhão, servido
sobre um pesado disco de alumínio aquecido. Entrevero significa uma grande mistura. A
paçoca de pinhão é um prato que se come cotidianamente, nos meses do outono e de inverno,
época da colheita da pinha.
No Paraná a alimentação básica dos tropeiros também era uma comida fácil de ser
carregada. Herança dos tempos de incursões pelo Estado, a paçoca de carne já era consumida
em tempos anteriores ao tropeirismo, desde o reconhecimento do território e na trajetória pelo
interior. A paçoca de carne era produzida no pilão, com uma mistura de carnes moqueadas,
70
vegetais e grãos. Este preparado era consumido durante a trajetória diária, sem a necessidade
de paradas para o reabastecimento.
O sistema alimentar adotado pelos tropeiros durante as viagens era, em parte,
semelhante ao dos nativos que habitavam o Paraná, porém estes alimentavam-se também com
a caça e a pesca. Para Koch (2004, p. 13) essa alimentação “até nossos dias é uma incógnita
para os pesquisadores das expedições de CABEZA DE VACA ou de ALEIXO GARCIA, as
quais receberam auxílio alimentar dos nativos e não vice-versa”.
Para o autor, a alimentação paranaense deve ser vista como a alimentação nativista
que foi complementada pela alimentação portuguesa do império. “Destas duas culturas
alimentares foram separadas as comidas que ultrapassaram os portais da história e se
consolidaram no cardápio local, anônimas e de aceitação coletiva e transmissão pessoa a
pessoa, ficando tradicionalizada pela sua funcionalidade, ou seja, entendida e preparada
comumente sem qualquer resquício de sofisticação” (KOCH, 2004, p. 20).
Neste trabalho, concorda-se com a visão de que a alimentação paranaense faz parte
do cotidiano das pessoas e, vista e analisada pelo seu uso comum, o tradicionalismo, tudo é
feito com um caráter familiar e transmitido de geração a geração. Contudo, deve-se ressaltar
que esta alimentação tradicional e nativista está deixando de existir em algumas localidades
devido às inovações tecnológicas e ao modo de vida atual. A profissionalização da mulher e
sua saída de casa para trabalhar fora do ambiente doméstico estão, aos poucos, fazendo com
que as receitas tradicionais se percam no tempo, deixando de existir. Conseqüentemente a
alimentação nativista e tradicional paranaense está se modificando ou mesmo desaparecendo.
Além da culinária, o ciclo do Tropeirismo uniu os estados sulinos e teve grande
importância no desenvolvimento econômico, povoamento e formação de uma identidade
histórica regional evidente e característica.
71
Com o decorrer do tempo as mudanças ocorridas no sistema de transporte,
principalmente a partir da segunda metade do século XIX, como o aparecimento das estradas
carroçáveis e das linhas férreas, diminuiu a dependência dos fazendeiros em relação aos
tropeiros, no escoamento da produção. No interior do Paraná o movimento tropeiro ainda teve
importância no percurso de pequenas distâncias, até aproximadamente metade do século XX,
quando foi definitivamente substituído por outros meios de transportes como os caminhões,
por exemplo.
Estas modificações também foram vistas com relação à alimentação paranaense. A
chegada de imigrantes, de diversas etnias, trouxe ao Estado conhecimentos gastronômicos e
costumes alimentares que foram se difundindo e transformaram parte da alimentação
paranaense. Por outro lado, os imigrantes ao chegarem aqui, nem sempre encontraram os
produtos que estavam acostumados a consumir. Assim, passaram a adaptar as suas receitas
originais aos ingredientes encontrados no Paraná. O resultado da união entre os costumes com
a realidade encontrada em um novo local, deu origem a receitas novas surgidas neste novo
território, as quais atualmente complementam a gastronomia paranaense.
Mesmo com o enfraquecimento do movimento tropeiro as influências deixadas por
ele são percebidas até a atualidade. Na alimentação essas influências fazem parte do cotidiano
das pessoas, sobretudo na Região dos Campos Gerais, onde os hábitos alimentares receberam
uma base muito forte do Tropeirismo e, aos poucos, foram unindo estes hábitos aos
ingredientes e pratos trazidos por imigrantes, formando assim uma alimentação diferenciada,
quando comparada a outras regiões do país. A diversidade étnica e as heranças dos tropeiros
na alimentação regional são fatores que estão evidenciados no costume alimentar da
população dos Campos Gerais.
72
2 OCUPAÇÃO E COLONIZAÇÃO NA REGIÃO DOS CAMPOS GERAIS DO PARANÁ
A Região dos Campos Gerais está localizada no Segundo Planalto Paranaense e
constitui-se de “uma faixa de terras que vai do norte, divisa com São Paulo até o sul com
Santa Catarina” (ALMEIDA, 2003, p. 46). Para Wachowich (2001, p. 79) “entende-se por
Campos Gerais uma estreita e alongada faixa de terras no segundo planalto paranaense,
formada de campos e entremeada de pequenos bosques de matas que se estende de
Jaguariaíva até a margem direita do rio Negro, passando pela Lapa”. A região pode ser
definida também como “zona natural constituída de campos limpos e matas galerias ou capões
isolados de floresta mista, onde se destaca o pinheiro araucária” (MAACK, 1948, p. 102).
Outra maneira de conceituar a região é pelos aspectos históricos, onde:
a identidade histórica e cultural da região dos Campos Gerais remonta ao século
XVIII, quando, graças aos ricos pastos naturais, abundância de invernadas com boa
água e relevo suave, foi rota do tropeirismo do sul do Brasil, com o deslocamento de
tropas de muares e gado de abate provenientes do Rio Grande do Sul com destino
aos mercados de São Paulo e Minas Gerais (DICIONÁRIO HISTÓRICO E
GEOGRÁFICO DOS CAMPOS GERAIS - UEPG, 2003).
Para o Projeto Campos Gerais
23
a região “caracteriza-se pela presença de campos
naturais, localizada no Segundo Planalto Paranaense, e que atravessa o Estado do Paraná no
sentido norte-sul desde Rio Negro até Sengés” (PROJETO ROTA DOS TROPEIROS, 1998,
[s/p]). Ainda segundo o projeto, a região dos Campos Gerais,
remanescente do Quarternário Antigo, (...) guarda em sua paisagem natural um
ambiente onde predominam campos limpos e campos cerrados, e onde os capões
de mata com pinheiros, o contraste do relevo ondulado com vales íngremes e
profundos, o afloramento de rochas formando escarpas areníticas, bem como
outros elementos da natureza formam uma das mais belas paisagens do Estado.
23
O Projeto Campos Gerais constitui-se em um plano para o desenvolvimento do turismo na região elaborado
pela ECOPARANA, órgão vinculado à PARANATURISMO.
73
FIGURA 03: PARANÁ E REGIÃO DOS CAMPOS GERAIS
FONTE:DICIONÁRIO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DOS CAMPOS GERAIS – UEPG
FIGURA 04: DIVISÃO MUNICIPAL DOS CAMPOS GERAIS
FONTE:DICIONÁRIO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DOS CAMPOS GERAIS – UEPG
Existem outras definições sobre a região em estudo e, dentre elas, destaca-se aqui sua
definição pelo aspecto geográfico que compreende por Campos Gerais a região desde a
74
divisão da “Escarpa Devoniana, que separa o Primeiro Planalto do Segundo Planalto e que
segue aproximadamente o mesmo desenho sinuoso dos campos, também atravessando o
Estado no sentido norte-sul” (PROJETO ROTA DOS TROPEIROS, 1998, [s/p]).
A divisão econômico-administrativa utilizada pela AMCG, estabelece que fazem
parte desta região os municípios de Tibagi, Carambeí, Ivaí, Imbituva, Porto Amazonas,
Palmeira, São João do Triunfo, Ipiranga, Ponta Grossa, Telêmaco Borba, Ventania, Piraí do
Sul, Teixeira Soares, Imbaú, Reserva, Sengés, Arapoti, Castro, Jaguariaíva e Ortigueira. Para
esta divisão, além do aspecto econômico-administrativo é observado, também, o aspecto
histórico-cultural. Este último ocorre por sua formação vinculada ao Tropeirismo em que,
basicamente, três caminhos foram traçados para interligar o Rio Grande do Sul a São Paulo
passando pela região chamada atualmente de Campos Gerais.
A esta definição histórico-cultural, também são incluídos os critérios econômicos e
políticos, adotados pela AMCG. O conceito utilizado na UEPG (Universidade Estadual de
Ponta Grossa) entra em consonância com o que se almeja utilizar nesta pesquisa, pois para os
pesquisadores da universidade “têm prevalecido critérios de identidade histórica e
geográfica”.
Já para o Dicionário Histórico e Geográfico dos Campos Gerais, adotou-se uma
definição que procura preservar os critérios naturais e históricos de identidade regional e, ao
mesmo tempo, seja funcional diante das tendências recentes de organização do espaço.
Segundo o Dicionário para fazer parte da área de abrangência dos Campos Gerais o município
deveria combinar pelo menos dois dos critérios estabelecidos.
Os critérios de homogeneidade foram: 1
o
.) Fitogeografia: a vegetação primitiva do
município deveria ter sido, no todo ou em parte, de Campos Limpos. 2
o
.)
Tropeirismo: o município deveria ter estado integrado ao "Caminho de Viamão",
principal rota das tropas no século XVIII e XIX. 3
o
.) Associativismo: o município
deve integrar a Associação dos Municípios dos Campos Gerais (AMCG). Como
critério de polarização utilizou-se a área de atuação da Universidade Estadual de
Ponta Grossa (UEPG), onde considerou-se os Campi Avançados e as atividades
extensionistas (DICIONÁRIO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DOS CAMPOS
GERAIS - UEPG, 2003
).
75
A ocupação e colonização dos Campos Gerais do Paraná ocorreram a partir do início
do século XVIII, visto que no período anterior o território era habitado por índios dos troncos
lingüísticos Tupi e Gê e a penetração no interior, em forma de entradas e bandeiras, destinava-
se apenas à posse da terra, à procura de metais e pedras preciosas e ao aprisionamento dos
silvícolas. Para Sahr e Lowen Sahr (2001, p. 393):
as histórias dos Campos Gerais abrangem tanto as lutas e convivências do século
XVII entre culturas indígenas Kaigang e Guarani, as missões jesuíticas e as
incursões das bandeiras paulistas (WACHOWICZ, 1995) como, nos séculos XVIII-
XIX, o excitante romance do caminho de Viamão, com suas recordações de
fazendeiros e caboclos, escravos e quilombeiros, padres e conventos.
Com relação à formação social da região, o povoamento da colônia na região sul
“área que se estende do atual Estado do Paraná, então simples comarca de São Paulo, até o
extremo meridional da colônia compreendendo os campos de Curitiba, o sertão de Lages
(Santa Catarina), os campos da Vacaria (Rio Grande do Sul)” (PROJETO ROTA DOS
TROPEIROS, 1998, [s/p]) formou-se por colonos que vinham com suas famílias para o
plantio de subsistências, alguns produtos agrícolas para o fornecimento da colônia e criação
de gado.
Inicialmente, a sociedade surgida em Curitiba no século XVII ainda não ocupava a
Região dos Campos Gerais. Coube aos homens de São Paulo a ocupação da região com
atividades econômicas que surgiram a partir do século XVIII.
Sua ocupação ocorreu com a expansão paulista no Brasil, a qual, na região, não
seguiu o modelo tradicional de trazer família, escravos, padres, agregados, etc. Para
os Campos Gerais não houve translado de uma sociedade inteira. A ocupação
desses campos foi encarada como um negócio para ser explorado e dar lucro
(WACHOWICZ, 2001, p. 79).
As primeiras ocupações das terras dos Campos Gerais, feitas por homens ricos de
São Paulo, Santos e Paranaguá, não tinham objetivos de povoamento ou de colonização; não
formava-se aqui uma sociedade, os homens não vinham acompanhados de suas famílias, e
sim, vinham com o intuito de explorar comercialmente a criação de gado para abastecer São
Paulo e regiões mineradoras do século XVIII.
76
“O povoamento dos ‘campos gerais’ (é a designação genérica) se adensa na sua
extremidade setentrional: os campos de Curitiba. À pecuária juntou-se aí um pouco de
agricultura; e na sua parte mais oriental, onde aparece a mata que reveste a serra, a extração
da erva-mate” (PRADO JÚNIOR, 1969, p. 65). Sabe-se que, embora fundamental para a
definição do território, nos tempos atuais, a vegetação originária dos campos está restrita a
cerca de 20% da região (DICIONÁRIO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DOS CAMPOS
GERAIS - UEPG, 2003). Os sitiantes, que se fixaram no Paraná, possuíam algumas cabeças
de gado, alguns cavalos e muares e plantavam feijão e milho, além de abastecer as tropas que
passavam pela região. Já no século XIX “esta sociedade campeira que nasceu paulista
transformou-se em paranaense e recebeu forte influência riograndense. Nessa época, já estava
integrada social, política e economicamente aos núcleos que formariam o Paraná”
(WACHOWICZ, 2001, p. 83).
O Paraná tem sua história contada tendo como base os ciclos econômicos
(CAETANO, 2003), sendo relevantes, para a compreensão do tema aqui abordado, os que se
centraram principalmente na Região dos Campos Gerais. O primeiro ciclo econômico,
considerado pelos historiadores, foi o do ouro, destacando-se o litoral, essencialmente a
cidade de Paranaguá, onde situava-se a casa de fundição responsável pela cobrança do
“Quinto” para a coroa portuguesa; o Planalto de Curitiba e o Segundo Planalto ressaltando-se
aí as cidades de Tibagi e Jaguariaíva (CAETANO, 2003).
A partir de 1660 (CAETANO, 2003), a quantidade de ouro das minas diminui.
Apesar disto a produção agrícola que abastecia a população paranaense, mesmo que primária
e pequena, ganhou forças para, mais tarde, tornar-se elemento fundamental da economia no
Estado. Posteriormente o ciclo da erva-mate teve grande importância econômica. A erva-mate
cresce em associação com o pinheiro do Paraná (Araucária angustifólia), nas regiões com
características determinadas pelos rios Paraguai, Paraná e Uruguai e seus afluentes.
77
A erva-mate também teve destaque na região dos Campos Gerais tendo uma
trajetória de extração de grande importância econômica na região, “o certo é que a extração da
erva-mate ganhou vulto, e constituía uma das principais ocupações no distrito de Curitiba”
(PRADO JÚNIOR, 1969, p. 219). A erva-mate em geral encontra-se presente na mata de
araucária, sendo por este motivo, encontrada também na região em estudo. Para Santos (1995,
p. 151) a erva-mate teve grande importância no Paraná durante o século XIX. “Desde os
tempos da Comarca, mas principalmente após a emancipação política, a burguesia ervateira
deteve os poderes e definiu um modelo de sociedade local”.
Pode-se dizer que, durante o ciclo da erva-mate, houve a transformação de um
processo artesanal, reconhecidamente extrativista, para um processo industrializado, com o
beneficiamento da erva-mate nos inúmeros engenhos do século XIX. A partir de 1820 a erva-
mate tornou-se um dos principais produtos de exportação. Entre 1852 e 1860 as exportações
chegaram a representar 85% da força econômica paranaense. Em meados do século XIX
existiam cerca de 90 engenhos de beneficiamento do mate. A partir do século XX a produção
do mate passou a se concentrar na região de Curitiba.
A economia paranaense começa a entrar em uma fase comercial, estruturando-se para
a exportação e deixando de lado a economia de subsistência. O Primeiro e Segundo Planalto
estavam voltados para a produção ervateria e pecuária. Nesta época coexistem as economias
do mate, do gado e a atividade tropeira, o que proporcionou um desenvolvimento da Região
dos Campos Gerais. Cidades como Lapa, Ponta Grossa e Castro destacaram-se no contexto
econômico do gado e como centros importantes de movimentação comercial.
A crise do abastecimento gerando escassez e carestia provocou o aumento das
importações de artigos e gêneros alimentícios do Exterior e de outras Capitanias,
como o açúcar, trigo, carnes e toucinho, sal, bebidas, tecidos e outros. Nesse
contexto, as atividades de subsistência passaram a ser ocupadas de pequena parcela
da população, produzindo uma crise com a falta de produtos agroalimentares e
artigos. Tal situação só foi resolvida, em parte, pela exportação (SANTOS, 1995 p.
27).
78
A crise no abastecimento ocorria em função de fatores como: as técnicas de plantio
que ainda eram rudimentares no Estado; o sistema viário que ainda não facilitava as ações do
comércio de alimentos e, principalmente, pela produção de gado e erva-mate que foram
extremamente favorecidas, em detrimento da alimentação de subsistência. Nas fazendas, tais
alimentos eram plantados apenas para consumo próprio. Um dado interessante é que, apesar
da crise de abastecimento de alimentos, o Paraná exportava, pelo Porto de Paranaguá,
produtos como madeira, arroz e açúcar, porém em proporções bem menores que gado e erva-
mate. O gado era utilizado na comercialização, mas não representava alimentação diária das
fazendas.
Somente em 1930 a erva-mate entra em crise sendo, nesta época, evidenciado o ciclo
da madeira, nas Mata Atlântica e de Araucária. Em razão do ciclo da madeira, houve a
ocupação do interior do Estado. Das madeiras mais exploradas neste período destacam-se a
peroba, o cedro, a canela preta, a imbuia e, principalmente, o pinheiro. Na década de 1970
este ciclo entra em decadência. O café começou a ser produzido no Estado por volta de 1860,
mas foi a partir de 1920 que ele se integrou à economia do estado, tendo seu auge por volta da
década de 50.
Como o foco do estudo deste trabalho é a Região dos Campos Gerais, destaca-se
aqui o movimento tropeiro, no qual o ciclo econômico das tropas teve grande importância
para o desenvolvimento econômico de toda Região Sul, contribuindo ainda de modo decisivo
com a exploração das Capitanias do Norte.
Por um lado, as atividades econômicas das Capitanias do Norte criaram grande
demanda de gêneros alimentícios e de transporte. Ao sul do Continente, Rio Grande do Sul,
Uruguai e Argentina, existia grande quantidade de animais, tanto de bovinos, eqüinos e de
muares, desfrutando das ricas pastagens.
79
A descoberta do ouro em território mineiro leva um grande número de pessoas para
a região. A necessidade de muares como transporte dá início à exportação destes animais do
sul para São Paulo e região mineradora.
Como conseqüência natural desta demanda ao Norte e oferta ao Sul, foi aberto o
Caminho das Tropas, permitindo o transporte destes animais, por terra, das regiões de origem
aos centros consumidores. Então, por volta de 1730, teve início o tráfego de animais do Rio
Grande do Sul com destino às feiras de Sorocaba. Em 1730 Cristóvão Pereira de Abreu levou
a São Paulo oitocentas cabeças de mulas, abrindo o Caminho do Viamão (CAMARGO, 2005
p. 06). Este caminho intensificou o desenvolvimento da economia pecuária na região. O ciclo
das tropas ocorreu de 1731 até por volta de 1870. Ao longo desta rota formaram-se pousos de
tropeiros que iriam dar origem aos povoados. Castro, Ponta Grossa, Palmeira, Tibagi, Piraí do
Sul, são cidades que surgiram ao longo do caminho das tropas.
O movimento tropeiro no Paraná tem as seguintes fases:
bois e mulas para Minas Gerais no século XVIII; para São Paulo cafeeiro no século
XIX e as primeiras décadas do século XX e para o norte do Paraná como extensão
da cafeicultura paulista; e por último, os tropeiros que se punham a serviço dos
frigoríficos. Paralelo a essa economia, conformou-se um modo de vida de toda uma
sociedade (POLINARI, 1982, p. 24).
Este ciclo, com duração aproximada de século e meio, deixou marcas profundas na
formação cultural do povo paranaense. É considerado por diversos autores, entre eles Polinari
(1982) e Caetano (2003), como um dos movimentos ou ciclos econômicos mais importantes
na história do Paraná.
O Tropeirismo deixou marcas importantes em todas as localidades por onde passou,
desenvolvendo vilas e cidades, modificando os hábitos das pessoas, influenciando em
diversos costumes, dentre eles a alimentação que será abordada mais detalhadamente.
O pouso tropeiro, que posteriormente originou diversas cidades, foi a primeira
manifestação de abrigo que surgiu. Antes era ao relento, sob a copa das árvores ou então em
80
algum galpão de fazenda quando o proprietário permitia. O pouso tropeiro compreendia a
palhoça para resguardo das cargas e dos homens; tinha que apresentar pasto para
recomposição dos animais, além de água limpa e farta. Existiam também locais cercados que
eram locados aos tropeiros, facilitando o cuidado com os animais para que não fugissem e
nem fossem roubados.
Nos Campos Gerais, as fazendas também foram se adaptando às necessidades e
oportunidades do Tropeirismo. Inicialmente as propriedades serviam de invernagem, que
eram áreas de pastagens rodeadas de obstáculos, naturais ou artificiais, onde se mantinham as
tropas para repouso e recobrança das forças, posteriormente passaram também a servir de
criatório para venda em feiras.
Após a Independência do Brasil e a Emancipação do Paraná, os fazendeiros
tornaram-se a elite econômica e política do Estado, sob a forma de oligarquias. Porém muitos
fazendeiros, ao se dedicarem a atividade tropeira, deixam de se dedicar à criação de gado e
este começa a se inferiorizar perante o gado de outros Estados.
A partir de 1850, após a promulgação da Lei de Terras houve, segundo Santos (1995,
p. 21), um estímulo para a vinda de colonos imigrantes, ocorrendo também um encorajamento
à produção de produtos básicos da alimentação. Após 1860 o comércio do gado pelos
tropeiros entra em crise, sendo substituído pelo transporte ferroviário, em 1875.
Posteriormente, as “Câmaras Municipais de diversos municípios solicitam também o
estabelecimento de famílias de colonos nos terrenos do rocio para a produção de gêneros
alimentícios, encarregando-se elas próprias da proteção e bem-estar dos trabalhadores”
(SANTOS, 1995, p. 94).
Adiante de 1880 ocorre a perda do comércio de gado do Paraná para outros mercados
do país, passando o Estado de exportador para importador. A diminuição da procura pelas
invernadas do gado vindo do Rio Grande do Sul; a queda na produção do gado; a decadência
81
do comércio de muares com a chegada da ferrovia; o desenvolvimento da erva-mate e da
indústria madeireira; a ocupação dos campos e a chegada dos imigrantes mudam o cenário do
Tropeirismo no Estado do Paraná (WACHOWICZ, 2001).
Com a instalação do transporte ferroviário houve, novamente, um impulso ao
desenvolvimento econômico e social da região. A ferrovia contribuiu para aumentar o fluxo
de pessoas, atraindo um número significativo de interessados em diversos investimentos,
trazendo também imigrantes que chegaram para colonizar e contribuíram, desta forma, para a
riqueza étnica presente na região.
Os imigrantes chegaram ao Paraná com a finalidade de produção de gêneros
alimentícios para subsistência e para a produção mercantil. A influência dos imigrantes ainda
é percebida até os dias atuais. Seus usos e costumes, juntamente com os hábitos tropeiros
formam, dentre outros aspectos, a culinária típica da Região dos Campos Gerais.
82
CAPÍTULO 4
POTENCIALIDADES DA GASTRONOMIA TROPEIRA
PARA O TURISMO NOS CAMPOS GERAIS DO PARANÁ
1 HERANÇAS DA GASTRONOMIA TROPEIRA NOS CAMPOS GERAIS
A culinária da Região dos Campos Gerais formou-se pelos costumes dos indígenas e
negros que aqui viveram; pela influência do movimento tropeiro e pela união dos hábitos
alimentares dos povos colonizadores, predominando os de algumas etnias. Constituindo-se,
desta união, uma culinária regional típica.
A presença indígena contribuiu muito na formação da culinária regional. Os índios
paranaenses “essencialmente coletores, tinham no pinhão, o alimento por excelência. Assim
os coroados
24
, guardavam as sementes em cestos submersos em água corrente por 48 horas,
sendo posteriormente, secas ao sol, para serem consumidas fora da época de safra”
(
www.terraeasfalto.com.br).
O pinhão era alimento essencial para os índios e primeiros moradores do Paraná. Até
hoje o pinhão incorpora-se aos hábitos alimentares dos paranaenses, associado às festas
juninas ou aos costumes do homem do campo, como a sapecada, a paçoca, ou ainda, em
saborosos pratos servidos em sofisticados restaurantes: croquetes, sopas, aperitivos, suflês,
panquecas de pinhão, entre outros pratos que vão tanto dos costumes do homem do interior
como aos grandes restaurantes de Curitiba. Isto demonstra a importância do pinhão na
alimentação paranaense que, de certa forma, passou a ser consumido no campo e nas grandes
cidades, ganhando um status diferenciado, sendo apresentado em pratos sofisticados e por
grandes chefes de cozinha.
24
Coroados – indígenas que habitavam a região onde atualmente é o Paraná.
83
Era comum entre os índios, principalmente os xetás
25
, ingerir folhas de erva-mate
como alimento, isto influenciou no uso do mate até os dias atuais. Ainda como influência
indígena na gastronomia paranaense destaca-se o conhecimento que os índios possuíam, das
frutas e raízes nativas, o preparo do milho e da mandioca na confecção das farinhas, do
cuscuz, pamonhas e bijus, da pesca e da caça, como por exemplo, a carne moqueada que é
assada em buracos aquecidos. Os hábitos alimentares indígenas, com relação a alguns
ingredientes e modos de preparo, ainda permanecem nos costumes da população da região em
estudo.
Os negros também contribuíram para a formação da culinária paranaense. Os modos
de preparo africanos eram utilizados nas cozinhas pois, em grande parte das residências, eram
as escravas que cozinhavam, levando para a mesa seus temperos e hábitos culinários.
O movimento tropeiro também é fato marcante na culinária regional. Os hábitos
deixados, o modo de preparo, os ingredientes utilizados pelos tropeiros foram, aos poucos, se
incorporando à culinária regional.
Os povos colonizadores deixaram raízes no hábito alimentar de muitas cidades da
localidade em estudo, com predominância de uma etnia ou na união desses costumes. A
gastronomia regional torna-se assim singular, formada pela herança cultural dos povos
colonizadores, que trouxeram contribuições para a culinária regional.
A presença dos imigrantes de diversas etnias também teve influência na estrutura
agrária paranaense e nos costumes alimentares da população. Além do feijão, arroz, milho e
mandioca, outros produtos também possuem significância na formação da gastronomia típica
no Paraná. O cotidiano no consumo dos alimentos, as dificuldades de plantação e de
comercialização vivida pelos primeiros imigrantes que aqui chegaram para plantar, e
encontraram adversidades em relação ao solo e ao clima, influíram nos costumes alimentares
25
Xetás – indígenas que habitavam a região onde atualmente é o Paraná.
84
da sociedade, pois a população tinha de se adaptar aos produtos que eram viáveis na
localidade onde residiam e, desta forma, foram aos poucos modificando seus hábitos
alimentares, incorporando novos produtos, adaptando receitas de famílias aos ingredientes
locais, passando a consumir quantidades diferenciadas das consumidas anteriormente.
Nessas mudanças do padrão alimentar encontram-se produtos que, pelas facilidades
de produção e armazenamento, acabam tornando-se populares em determinadas regiões: o
consumo de frutas regionais, do pinhão, do leite e seus derivados, entre outros. Para Ornellas
(2003) o homem não busca o alimento pelo apetite que este lhe proporciona, mas o costume
alimentar é que faz o alimento tornar-se desejado.
Para Menezes (2001, p. 378), “nossa culinária é o espelho dos costumes dos povos
que escolheram o Paraná para viver”. Aliado a isto deve-se também analisar as questões
climáticas e fatores vinculados à condição social dos povos formadores da região, fatores
estes que influenciam nos hábitos alimentares, conforme será detalhado adiante.
Neste sentido, a busca pelo patrimônio intangível da culinária local é de extrema
importância para uma conceituação da tipicidade gastronômica. Sabe-se que a cultura popular,
o gosto por determinados alimentos, vai modificando-se com o passar do tempo, mas alguns
produtos, ingredientes e pratos permanecem inalterados em sua essência ou com pequenas
alterações, as quais ainda qualificam o prato dentro do padrão de originalidade típica na
alimentação de uma sociedade, e que o tornam patrimônio da população. “Os padrões de
mudanças dos hábitos alimentares têm referenciais na própria dinâmica imposta pela
sociedade, com ritmos diferenciados em função do grau de aceleração na busca de seu
desenvolvimento” (SANTOS, 1995, p. 123).
No Paraná, alguns produtos possuíam destaque na constituição do regime nutricional,
dentre eles estavam: o feijão, que atendia sobretudo as necessidades do trabalhador e que, em
refeição, era composto por charque, em pequena quantidade, e farinha. O arroz, até o século
85
XIX, não compunha produto da cesta básica alimentar (SANTOS, 1995, p. 126), não sendo
considerado produto de primeira necessidade e, muitas vezes, não era complemento dos
pratos ditos como típicos, atualmente.
O milho era produto de primeira necessidade para a população sendo consumido em
diversas formas de preparo, destacando-se a farinha de milho. A mandioca, produto
consumido em toda extensão nacional, serviu de base na formação alimentar do brasileiro de
todas as classes sociais, constituindo-se produto básico na mesa do paranaense da Região dos
Campos Gerais.
A carne é um grande exemplo da influência político-social no consumo alimentar. A
carne verde é um produto constantemente em crise devido às variações de preços, à qualidade
do produto, aos aspectos higiênicos apresentados nos locais de venda, sendo motivo de
divergências entre produtores, comerciantes e compradores nos séculos XVIII e XIX no
Paraná (SANTOS, 1995, p. 137). Tal era a disputa pela carne que por diversas razões, ela
deixou de se tornar um produto de primeira necessidade no Estado.
A carne bovina in natura fazia parte apenas das mesas privilegiadas. Ingrediente
básico dos tropeiros, a carne salgada e seca ao sol (charque) foi trazida por esses
viajantes, na esteira da rota comercial da erva-mate em direção ao Cone Sul e da
expansão da própria criação de gado. Este movimento ajudou a modificar o
panorama econômico da região Sul e introduziu novos e importantes hábitos
alimentares (SGANZERLA e STRASBURGER, 2004, p. 15).
Assim como a carne, o trigo também apresentava diversos problemas. Neste caso as
dificuldades estavam relacionadas à produção e armazenamento do produto que levou
bastante tempo para tornar-se popular.
A análise dos produtos consumidos no Paraná nos séculos XVIII e XIX, permite
entender o acesso a determinados alimentos e visualizar, de uma forma mais clara, se existia
originalidade nos ingredientes utilizados nos pratos típicos ou se os ingredientes foram, ao
longo dos anos, sendo incorporados aos costumes alimentares da população em estudo. Ou
seja, permite visualizar se os pratos típicos oficiais estão dentro dos padrões culturais
86
originais da população ou se foram adaptados aos costumes, nos dias atuais. Outros fatores
complementam tal análise. A confluência cultural das etnias que formaram o Paraná é
exemplo disto.
Com os movimentos imigratórios, os paranaenses incorporaram hábitos alimentares
dos imigrantes alemães, italianos, poloneses, ucranianos, dos quais, por exemplo, o costume
de conservar a carne de porco imersa na banha, até hoje utilizado no interior do Paraná. Este
hábito é também observado nas localidades em estudo. O pierogui, consumido na Região dos
Campos Gerais, tanto pelos imigrantes como por uma grande parcela pela população. O
frango com polenta; a sopa Borst (sopa de beterraba); a Kracóvia e outros pratos que ilustram
a culinária étnica paranaense.
O Ciclo do Tropeirismo mudou não só o foco econômico do Estado mas também a
cultura e os costumes sofreram influências nos locais por onde passaram os tropeiros. Além
de responsáveis pelo transporte das tropas, os tropeiros foram mensageiros de notícias,
consolidadores de caminhos e fundadores de núcleos populacionais. Ao longo do percurso
transportavam valores e práticas culturais. Constituíram-se em elos de integração entre vilas,
povoados do Brasil meridional e até do exterior, assimilando, inclusive, palavras de origem
castelhana como: churrasco, charque, bombacha, arroio, que foram incorporadas ao linguajar
do paranaense.
“No Paraná, a partir da 2ª metade do século XVIII, não havia sido estabelecida uma
estrutura produtora de alimentos voltada a suprir as necessidades da população” (SANTOS,
1995, p. 23), as fazendas estavam voltadas à criação de gado e como subsistência plantava-se
feijão, milho, mandioca e arroz. No início do século XIX o crescimento da economia de
subsistência no Estado continuava lento. Mais uma vez o Paraná estava voltado para a
exportação da erva-mate e da pecuária. Já por volta de 1870, cerca de 30% do gado das feiras
de Sorocaba provinham das invernadas paranaenses.
87
Nas fazendas a maior parte das necessidades era suprida pelos produtos do trabalho
familiar. As farinhas de milho e de mandioca eram feitas pelas mulheres para o consumo e o
excedente era vendido para complementar à renda. Na produção das farinhas eram usados o
pilão manual ou o monjolo quando havia água corrente próxima. O fubá também tinha grande
importância para a confecção de bolos, sobretudo salgado acrescido de nata, que era
consumido com virado de feijão. “Na roça, plantava-se feijão, arroz, milho e mandioca, para
consumo e venda de excedente. Dependia-se de comprar sal, açúcar, querosene, trigo, (que
dificilmente se encontrava), tecidos e ferramentas” (POLINARI, 1982, p. 28).
No campo o almoço era composto por couve, polenta, abobrinha verde, feijão, carne
de galinha, arroz e carne de gado, quando possível. À tarde, por volta das três horas,
costumava-se tomar café com mistura
26
(ver comida típica da Lapa), e, logo mais perto das
seis horas, “a janta” (jantar) era composta por virado de feijão, galinha e uns entreveros, que
eram variados pratos que compunham a refeição. Na região era comum que o pão fosse feito
apenas uma vez por semana, sendo feitos também, nesta data, alguns complementos como
bolos, roscas e o bolo de polvilho, amplamente consumido na região.
Existem controvérsias com relação ao consumo de arroz. Alguns autores, como
Westfalen (1986), apontam o Paraná como um grande produtor de arroz; outros, como Santos
(1995), afirmam que o produto não era consumido em grande escala. Acredita-se que,
dependendo da cidade, o consumo do arroz variava. Talvez fosse maior na capital, porém o
que se pôde apurar durante a pesquisa foi que na época do movimento tropeiro o consumo de
feijão se sobrepunha ao do arroz, o qual raramente acompanhava as refeições dos tropeiros.
A comida tropeira da Região dos Campos Gerais do Paraná foi, sem dúvida, uma das
maiores contribuições para os costumes culinários. Surgiram daí: a paçoca de carne; o uso da
quirera de milho amarelo com carne de porco; o cozido de carne desalgada com feijão que
26
Mistura – termo usado para designar a combinação de diversos tipos de alimentos (POLINARI, 1982, p. 55).
88
originou o feijão tropeiro; a farofa de ovo; as diversas receitas de bolo de polvilho; o uso da
costelinha e da bisteca de porco no preparo de diversos pratos; a costela de gado assada; o
ensopado de carne...
Na chegada aos pousos tropeiros, o “cozinheiro preparava o café enquanto os
camaradas alinhavam a carga e soltavam as mulas. Mais tarde, comiam feijão, torresmo, angu,
charque, farinha de mandioca e de milho” (LACERDA, 2002, p. 15).
1.1 A CULINÁRIA TROPEIRA NOS MUNICÍPIOS DE CASTRO, LAPA E TIBAGI
A Região dos Campos Gerais do Paraná está inserida no contexto político,
geográfico e histórico da região sul do Brasil. A fixação humana foi se efetivando na região
com o movimento tropeiro, que percorria o Caminho de Viamão passando por diversas
cidades. A região é composta por 24 municípios e o projeto Rota dos Tropeiros contempla 16
municípios. Destes, foram escolhidos, em primeira instância, seis: Lapa, Palmeira, Ponta
Grossa, Carambeí, Castro e Tibagi. A determinação destes municípios deu-se através da
análise preliminar dos dados e do método da observação que, para Barros (1986, p. 80) “é de
suma importância na ciência, pois é através dela que se inicia todo o procedimento científico
no estudo dos problemas. Portanto, deve ser exata, completa, sucessiva e metódica”.
Após uma primeira análise verificou-se que três municípios: Palmeira, Ponta Grossa
e Carambeí, possuíam uma ligação maior com a culinária étnica e, os outros três: Lapa,
Castro e Tibagi tinham um vínculo mais forte com a culinária tropeira. Determinou-se,
portanto, como recorte da pesquisa os municípios de Castro, Lapa e Tibagi, por manterem os
costumes culinários tropeiros ainda presentes na comunidade e por apresentarem
potencialidade de desenvolvimento da gastronomia local para as atividades turísticas. Estes
municípios já possuem certa estruturação para o uso da culinária local ou apresentam
89
características marcantes da culinária tropeira. Castro, Lapa e Tibagi constituíram-se,
portanto, objeto desta pesquisa.
Utilizou-se como metodologia de pesquisa um estudo exploratório tendo como
instrumentos de coleta de dados a entrevista e o questionário (ANEXO I), além da observação
"in loco". O questionário utilizado foi do tipo misto com perguntas abertas e fechadas. A
metodologia empregada na pesquisa seguiu as seguintes etapas: pesquisa documental e
bibliográfica, que tem como objetivo “recolher, analisar e interpretar as contribuições teóricas
já existentes” (BARROS, 1986, p. 91). A pesquisa bibliográfica para Dencker (1995, p. 125) é
desenvolvida a partir de “material já elaborado”, “a pesquisa bibliográfica permite um grau de
amplitude maior, economia de tempo e possibilita o fornecimento de dados históricos”.
Pesquisa de campo, em que o investigador “assume o papel de observador e
explorador coletando diretamente os dados no local (campo) em que se deram ou surgiram os
fenômenos. O trabalho de campo se caracteriza pelo contato direto com o fenômeno de
estudo”. (DENKER, 1995, p. 93).
A coleta de dados foi realizada com o pessoal das Secretarias de Turismo; com a
Associação dos Municípios dos Campos Gerais (AMCG); em estabelecimentos de
alimentação e em instituições públicas e privadas que possuíam ligação com o objeto de
estudo. Com relação à questão temporal, as etapas de pesquisa foram compreendidas no
espaço de agosto de 2003 a agosto de 2005 e, a pesquisa a campo, entre agosto de 2004 a
julho de 2005.
Observou-se que os municípios estavam em diferentes estágios de percepção a
respeito das ações para o turismo e do uso da culinária tropeira, e por isto, apresentaram
diferentes dificuldades na fase de coleta do material.
90
A análise dos municípios destaca que a culinária tropeira já possuía algum vínculo
com o comércio local, saindo das residências para os restaurantes, deixando o ambiente
doméstico para servir os visitantes locais.
1.1.1 Município de Castro
Castro surgiu na passagem dos tropeiros pelo Caminho do Viamão,
quando em 1751, os religiosos carmelitas impediram a passagem de tropeiros por
suas terras, que desde 1730 atravessavam o Rio Iapó, no vau junto do Capão Alto,
junto à capela de Santo Antonio, o caminho foi mudado para outro local, perto de
uma capelinha dedicada a Sant’Ana, onde o rio apresentava outro vau transponível
(ROTA DOS TROPEIROS, 2003, p. 29).
As pastagens, em forma de campos nativos e de capões de mato de floresta
araucária, favoreciam a atividade pastoril, atraindo os criadores de gado bovino e os tropeiros.
Pelo regime sesmarias, a Coroa Portuguesa concedia vastas extensões de terras às famílias
que pretendessem se fixar na localidade. O primeiro requerimento para fixar residência na
localidade foi solicitado por Pedro Taques de Almeida, datado de 19 de março de 1704, sendo
concedido pela Coroa Portuguesa para fixar uma sesmaria. (INVENTÁRIO TURÍSTICO
MUNICIPAL DE CASTRO, 2004, s/p).
Em 21 de janeiro de 1857 aquela sesmaria foi transformada em município e cidade de
Castro. As fazendas históricas são atrativos na cidade de Castro, como a “Capão Alto”,
localizada nas terras da sesmaria concedida a Pedro Taques de Almeida, cuja sede foi
tombada pelo patrimônio histórico do Estado.
O movimento tropeiro foi de grande valia para Castro, pois a cidade era parte
integrante do caminho das tropas. Além disso, o fato do Rio Iapó tornar-se alagado obrigando
os tropeiros a esperarem o melhor momento e vau para transpô-lo, favoreceu o surgimento do
pouso do Iapó e, com isto, o aparecimento de um povoado.
91
Outro ponto importante, na análise de Castro, é a herança das diversas colonizações
existentes na cidade que contribuíram para a formação sócio-cultural. Dentre as tradições a
culinária se faz presente. A imigração holandesa ocorreu em Carambeí (antigo distrito do
município de Castro) e em Castrolanda (atual distrito de Castro), por volta de 1950 na
tentativa, daquele povo, em buscar um local livre dos traumas da Segunda Guerra Mundial.
Algumas famílias de agricultores e pecuaristas chegaram na cidade trazendo “alguns
equipamentos agrícolas, maquinários para a instalação de uma pequena fábrica de laticínios e
mil cabeças de gado holandês” (CASTROTUR, 2000, s/p).
Castrolanda é outro atrativo turístico de Castro. Destaca-se pela arquitetura, pela
culinária típica e pela produção pecuária leiteira. Possui, para visitação, o memorial da
imigração holandesa que é composto por um moinho, um salão de eventos, uma loja de
artesanato e um restaurante.
Quando o município de Castro foi criado, sua área era vastíssima, abrangendo parte
do interior do Paraná e Santa Catarina. Atualmente a área do município, segundo o Inventário
Turístico Municipal (2004), é de 2.674 Km
2
, possuindo como limites: Piraí do Sul, ao norte;
Carambeí, Ponta Grossa e Campo Largo, ao sul; Itaperuçu, Cerro Azul e Doutor Ulisses, a
leste; e Tibagi, a oeste. Possui uma altitude entre 934 a 1.005 m acima do nível do mar. O
clima da cidade é definido como subtropical úmido mesotérmico, com temperaturas entre 3,5
ºC negativos a 30,8 ºC positivos.
O município de Castro tem como base de sua economia a atividade agropecuária,
surgindo como um dos maiores produtores do Estado. Na agricultura destacam-se: milho,
soja, feijão, batata, trigo e aveia. Na pecuária, muitas propriedades rurais dedicam-se à criação
de suínos, aves e gado de corte e leiteiro. O município é considerado uma das principais
bacias leiteiras do Paraná e do Brasil, em produtividade e qualidade genética. Na indústria
92
destaca-se a extração de calcário e talco, além de indústrias de móveis, pincéis e fósforos e
prestadoras de serviços.
Na gastronomia, Castro possui a herança dos tropeiros e das diversas etnias
presentes no município. Como prato típico oficial a prefeitura reconhece o Castropeiro, que
será detalhado mais adiante, mas também são encontrados pratos da culinária alemã, japonesa
e holandesa, os quais são indicados no Inventário Turístico Municipal (2004). Também
colonizaram Castro: poloneses; ucranianos, russos e eslavos que trouxeram a presença
marcante do pierogui, que é consumido em toda a região dos Campos Gerais.
Duas festas são apontadas pela administração municipal como as mais importantes
também na questão da culinária, sendo uma no dia 26 de Julho dedicada à Padroeira Senhora
Sant’Ana do Iapó e outra a festa em comemoração ao aniversário de Castro nos dias 20 e 21
de Janeiro.
O Castropeiro (FIGURA 05), reconhecido como prato típico oficial da cidade, é,
segundo o Inventário Turístico Municipal (2004), uma homenagem a Castro e aos tropeiros.
Trata-se de uma comida tipicamente caseira, à base de carnes de gado e porco, acompanhadas
de feijão tropeiro, quibebe, arroz, legumes refogados e uma salada. Como sobremesa,
acompanham o prato: arroz doce, cocada e doce de abóbora. O prato é servido às sextas-feiras
no Restaurante Morro do Cristo. O Restaurante Dois Leões, segundo informações da
Secretaria Municipal de Turismo, também serve o prato típico local, porém com reserva
antecipada.
O Restaurante Morro do Cristo localiza-se no Morro do Cristo s/nº. Atende de terça-
feira à domingo, para almoço, e de terça-feira à sexta-feira para jantar. Aos sábados atende
eventos sociais, ficando fechado para o público em geral.
93
FIGURA 05 - CASTROPEIRO
FONTE: PARANA, 2003, p. 203
O restaurante Morro do Cristo, conforme as definições e conceitos de restaurante
apresentados no capítulo I, pode ser classificado como “Restaurante de Turismo”. A
capacidade do restaurante é de 220 pessoas e seu público é composto em média de 60% de
turistas, principalmente representantes de empresas e pessoas a negócios, atendendo em
menor número a população de Castro.
Para o Sr. Eloi Ferreira
27
, proprietário do Restaurante Morro de Cristo, o “castrense
ainda não percebeu a importância do turismo. A idéia ainda não foi totalmente difundida no
município. Faltam planos de integração entre restaurantes para desenvolver a idéia do
castropeiro” que, segundo ele, “deveria ser servido todos os dias da semana, cada dia em um
restaurante da cidade valorizando, desta forma, o prato e os diversos estabelecimentos de
Castro. A culinária local é uma das primeiras alavancas do turismo, sendo a comida típica um
27
Entrevista concedida à pesquisadora, em 08 de outubro de 2004.
94
fator que atrai o turista porém ainda falta, no município, trilhar-se um caminho para se obter
infra-estrutura de recepção aos turistas”.
FIGURA 06: CASTROPEIRO SERVIDO NO RESTAURANTE MORRO DO
CRISTO EM CASTRO (PR)
FONTE: ACERVO DA PESQUISADORA
FIGURA 07: CASTROPEIRO - FEIJÃO
FONTE: ACERVO DA PESUISADORA
95
FIGURA 08: CASTROPEIRO - ACOMPANHAMENTOS
FONTE: ACERVO DA PESQUISADORA
Faz-se necessário revelar que existe uma diferença entre o feijão tropeiro consumido
pelo viajante e pelo fazendeiro. O prato do viajante era mais simples, sendo feito em trempe,
com os ingredientes que haviam à disposição durante o percurso. Já o feijão tropeiro do
fazendeiro era mais sofisticado. Compunha-se de frutas de entrada e representava a fartura das
fazendas. Este prato mais elaborado era servido em ocasiões especiais, quando a fazenda
recebia visitantes ilustres.
O Castropeiro surgiu no início da década de 1990 com um estudo feito pelo SENAC
em parceria com alguns setores do município. Segundo entrevista realizada com o Sr. Eloi
Ferreira, o prato foi desenvolvido através de pesquisas com a população, visando resgatar os
valores históricos da cozinha tropeira. Pela análise sensorial de degustação com a população
local, houve alteração de ingredientes utilizados no preparo do feijão tropeiro. No início o
prato era feito com feijão preto; atualmente é preparado com feijão carioca ficando mais leve
e não sendo confundido com a feijoada, prato típico brasileiro. Além disso, o feijão carioca
melhora a apresentação do prato.
96
O Castropeiro é composto por carnes de gado e de porco, acompanhadas de feijão
tropeiro, feito com feijão carioca; quibebe de abóbora; arroz; legumes refogados; salada e
virado de queijo e ovo. Este último prato era consumido nas fazendas da localidade.
Em análise dos costumes da região observou-se que a presença da salada também foi
introduzida para melhor se adaptar aos hábitos da população atual, pois antigamente o
tropeiro e o castrense não possuíam o hábito da ingestão de salada durante as refeições. A
couve refogada com toucinho era a única composição de verdura que acompanhava os pratos
tradicionais na localidade.
Ressalta-se que as mudanças nos ingredientes ou o acréscimo de novos
acompanhamentos são decorrentes da evolução cultural de uma sociedade. Mesmo assim
geram a descaracterização dos pratos quando estes são oferecidos como pratos típicos e que se
relacionam com a história da localidade, uma vez que deixam de vincular-se com o passado
histórico e com as raízes do movimento tropeiro. Neste caso é importante ressaltar ao turista
as modificações realizadas e justificá-las.
O Castropeiro, para Claudia Schutz Diretora de Turismo de Castro
28
, “apesar de ter
sido criado em 1991, somente está sendo implantado nos últimos quatro anos, quando a atual
gestão municipal começou um trabalho de divulgação dentro e fora do município, levando o
prato para a feira da ABAV
29
, maior evento do setor no país, onde os agentes de viagem
puderam degustar o prato típico municipal”. Para ela o turismo gastronômico é fundamental
para o desenvolvimento regional. Em sua opinião o turista quer experimentar. A gastronomia
torna-se o segundo fator de maior relevância para as atividades turísticas
30
. É através dos
pratos típicos que a comunidade “coloca sua identidade, seu toque”.
28
Entrevista concedida à pesquisadora, em 08 de outubro de 2004.
29
ABAV – Associação Brasileira de Agentes de Viagens.
30
Para a entrevistada o primeiro fator de relevância para as atividades turísticas são os atrativos naturais e os
histórico-culturais.
97
O Castropeiro, apesar de ter sido criado tão recentemente, já foi oficializado como
prato típico do município e, para as pessoas entrevistadas, faz parte da história e cultura de
Castro, pois resgata os valores do tropeirismo e da comunidade local.
Para Dona Judith Carneiro de Mello
31
, coordenadora do museu, o feijão tropeiro
(FIGURA 09) servido na cidade não é exatamente o feijão que era consumido pelo tropeiro.
Para comprovar sua afirmação, apresenta uma receita diferente da tida como a oficial de
Castro).
FIGURA 09: FEIJÃO TROPEIRO
FONTE: MUSEU DO TROPEIRO DE CASTRO (PR)
A receita do museu de Castro, por ser composta por ingredientes pré-preparados,
apresenta menos gordura no prato final. Segundo a entrevistada torna-se um prato mais fino,
31
Entrevista concedida à pesquisadora, em 08 de outubro de 2003.
98
mais sofisticado, o que deve ser divulgado. A receita do Museu do Tropeiro (ANEXO II:
RECEITA DO FEIJÃO TROPEIRO SERVIDA PELO MUSEU), segundo a entrevistada,
equivale à receita do feijão tropeiro consumido em Minas Gerais, já que foi trazida de lá.
Porém quando comparada à receita oficial do feijão tropeiro mineiro (ANEXO III: RECEITA
DO FEIJÃO TROPEIRO – MINAS GERAIS), notam-se algumas diferenças, tais como: o
feijão usado em Castro é o preto e a receita mineira utiliza o feijão carioca (FIGURA 10); na
receita do Museu do Tropeiro de Castro o feijão tem caldo e é servido em separado dos
acompanhamentos que são: quibebe de abóbora, couve, mexido de ovos e arroz. O feijão
tropeiro de Minas Gerais é servido em uma única travessa, fica sem caldo porque é acrescido
de farinha de milho e é acompanhado de couve e lombo de porco assado ou frito.
FIGURA 10: FEIJÃO TROPEIRO E ACOMPANHAMENTOS – RECEITA DE
MINAS GERAIS
FONTE: RECEITAS DE MINAS
O que se questiona na análise desta receita é sua validade para a Região dos Campos
Gerais, uma vez que o movimento tropeiro do Paraná e o de Minas Gerais não são
homogêneos em todos os aspectos, podendo ser diferenciados na confecção dos pratos, apesar
99
de ambos possuírem a mesma denominação. Dona Judith justifica que a receita tem que ser
atualizada, para ela, o preparo do prato deve ser mais elaborado, como o feito pelo museu
durante as festas do município. O prato deve ter uma apresentação mais requintada para atrair
o interesse de quem irá degustar. No preparo do feijão tropeiro do museu ocorre, inclusive, a
adição do “Fondor” (tempero industrializado).
No Museu do Tropeiro foi possível o resgate de diversos pratos típicos da região,
consumidos tanto na cidade como nas fazendas de Castro, bem como averiguar uma
divergência com relação ao prato típico do município. São apresentados, pelo museu de
Castro, outros pratos consumidos na localidade: o feijão com lingüiça e o charque, até hoje
consumidos na região; o arroz carreteiro; o puchero, feito à base de batatas e a ambrosia,
servida como sobremesa.
Além destes, o pernil de porco à pururuca, e o lombo de porco assado eram típicos do
cardápio da região, considerando que em Castro o consumo da carne suína era bem superior
ao consumo da carne bovina. Como acompanhamento, não faltava à mesa do castrense, o
arroz branco ou o arroz de forno, preparado com queijo, ervilha, clara de ovos batida e
salpicado com queijo ralado para cobrir.
Outro prato consumido no município de Castro era o barbudinho, preparado com
feijão cozido misturado com couve bem picadinha; a quirera cremosa com suã ou costelinha
de porco; as canjas de galinha ou a galinha assada com farofa de miúdos; paçoca de carne e de
pinhão e, o pinhão assado. O virado de ovo, um dos componentes do Castropeiro, era bastante
consumido na região. Nas fazendas ele era feito com ovos e queijo fresco.
Os embutidos presentes no cardápio da localidade eram: o chouriço; o salame rosa; a
lingüiça feita em casa; o charque, que também era uma maneira de conservar a carne. Os
temperos eram muito utilizados na época dos tropeiros. Com o passar dos tempos foi sendo
incorporado aos hábitos da população atual. O uso de temperos do campo (FIGURA 11), tais
100
como manjerona, salvia, tomilho, para os preparos de carnes e, principalmente, o bouquet-
garni de salsa e cebolinha verde para o tempero do feijão, sendo até hoje utilizado tanto no
feijão tropeiro do museu como no Castropeiro.
FIGURA 11: TEMPEROS DO MUSEU DO TROPEIRO EM CASTRO
FONTE: ACERVO DA PESQUISADORA
Em relação aos doces, são exemplos: a gila, fruta típica da região; a abóbora; a
moganga; figo; pêssego; pêra; laranja; cocada; goiabada com queijo; pinhas de coco e o doce
de marmelo que, segundo a crença local “a marmelada na hora da morte mata”, pois era
solicitada pelos doentes em estágio terminal para que pudessem ter uma morte mais rápida e
tranqüila. O bolo republicano (ANEXO III: RECEITA BOLO REPUBLICANO); os bolos
salgados que acompanhavam o café. O bolo de fubá cozido em panela de ferro direto na
chama do fogão. O bolo desmamado feito de coalhada com farinha de milho, também feito
em panela direto no fogo; o beiju de farinha. E o bolo de polvilho que, antigamente nas
fazendas, era feito com coalhada, mas que atualmente é preparado com leite, pois segundo as
senhoras que o preparam, não há diferença no sabor final do prato. O uso da coalhada
anteriormente poderia ser em decorrência da conservação do leite, pois o preparo da coalhada
101
permitia maior duração em relação ao leite. Sendo que, o leite fresco era utilizado para o
consumo como bebida.
Como sobremesa era servida a coalhada; o doce de mandioca com coco; a laranja
rosa do Tibagi; a mexirica. Uma das bebidas utilizadas no município era o licor de leite, que
era preparado com leite cru, limão e açúcar e tinha de ser deixado em repouso por trinta dias.
Após este período, era coado, acrescentando-se canela em pau e casca de cacau. Outros
licores de frutas também agradavam ao castrense, como o de anis, cujo ingrediente básico era
comprado em farmácias. Também faziam parte das refeições dos castrenses: vinho para o
consumo dos adultos e o suco de vinho para as crianças
32
; a gasosa dos “Mazinha”
33
e a
limonada, amplamente consumida tanto no campo como na cidade. Além dos pratos e receitas
citados aqui, o livro “Receitas de Sinhara”, com receitas de Dona Maria Clara de C. Macedo,
escrito por José Alfredo C. Macedo, é uma forma de resgate das receitas tradicionais da
cidade e uma maneira de preservá-las para as próximas gerações. Também é um exemplo de
como a cidade está interessada em manter seu patrimônio histórico através da gastronomia
local.
O café tropeiro e o iogurte também foram lembrados como um produto típico da
região, sendo constantemente citados durante as entrevistas realizadas. No café tropeiro, que
em Castro atualmente é coado depois de fervido, servem-se diversas variedades de bolos,
tortas, pães caseiros, geléias e doces. Porém, tanto o café tropeiro quanto o iogurte e os doces
caseiros não possuem comercialização, devido à falta de interesse e estrutura local para que
possam ser divulgados. No caso do iogurte, os restaurantes demonstraram interesse na
divulgação mas, até o presente momento, não conseguiram estruturar sua fabricação em
grande escala para que sua venda seja constante. Desta forma, servem como sobremesa das
refeições, sempre que possível.
32
Suco de vinho é preparado com vinho acrescido de água, ficando assim com uma dosagem alcoólica menor do
que o vinho consumido pelos adultos.
33
Gasosa dos Mazinha – refrigerante produzido no município de Castro.
102
Para Claudia Schutz
34
, Secretária de Turismo de Castro, a Rota das Etnias, projeto
que está sendo estudado, deve ser um novo atrativo da cidade, pois vai trabalhar também com
a questão da culinária local. O projeto prevê a implantação de infra-estrutura para divulgação
das colônias alemã e holandesa. Atualmente o projeto está em fase de estudo da sinalização
turística.
O que se pode observar em Castro, é que os envolvidos com o turismo já se
conscientizaram da estreita relação entre turismo e gastronomia e acreditam que este pode ser
o caminho para preservação das receitas tradicionais, uma vez que as famílias não estão mais
transmitindo os conhecimentos culinários para as novas gerações, em função de diversos
motivos relacionados à mudança estrutural da posição da mulher na sociedade.
Mesmo as herdeiras das “pretas velhas cozinheiras do bairro do Costa”, citadas por
D. Judith como eximias cozinheiras, não sabem mais preparar os pratos típicos da região. “As
receitas se perderam no tempo; as netas não aprenderam; se não se resgatar isso logo,
ninguém mais saberá contar como faziam”. As “pretas velhas” eram as escravas e serviçais
que tocavam os serviços da cozinha e que sabiam preparar, como ninguém, banquetes na
cidade. Durante muitos anos, as pessoas iam até o Bairro do Costa
35
procurá-las para a
organização de eventos sociais, Nhá Firmina, Nhá Eva do Pai Tão, Nhá Joaquina, Nhá Lurdes
do tio Abraão, foram nomes citados como grandes cozinheiras da região e, assim como em
outras localidades, durante muitos anos foram as responsáveis pela organização da cozinha.
Como no exemplo das negras que tocavam as atividades na cozinha, as famílias
também não transmitiram as informações para as novas gerações. A cultura feminina no
preparo dos pratos e na ciência dos alimentos, foi sendo substituída pela busca de uma
carreira profissional e conquista do espaço fora de casa. A dedicação à família e aos cuidados
do lar, que nos tempos do Tropeirismo era uma obrigação feminina reconhecida pela
34
Entrevista concedida à pesquisadora, em 08 de outubro de 2004.
35
Bairro do Costa, situado na cidade de Castro, concentrou uma grande população de negros antigos escravos.
103
sociedade e que fazia parte da cultura local, foi sendo gradativamente substituída por outros
valores. Portanto, é de fundamental importância fazer o resgate dos alimentos e pratos
consumidos anteriormente, mesmo que isto ocorra só em eventos comemorativos ou que seu
uso seja com finalidade de atender ao turista, para que este patrimônio não se perca no tempo,
como demonstra a preocupação da coordenadora do museu, e que a cultura feminina de
Castro reconhecida até por Saint Hilaire
36
, em passagem na região, possa ser transmitida para
as futuras gerações.
Não se sabe ao certo como a alimentação tropeira passou das mãos masculinas dos
cozinheiros das tropas para as mãos femininas das matriarcas nas famílias e como ela saiu das
fazendas para as cidades, passando a fazer parte do cotidiano de toda a população dos Campos
Gerais.
O município de Castro trabalha principalmente o feijão tropeiro do Museu do
Tropeiro de Castro e o Castropeiro. Ambas as receitas são adaptações da culinária tropeira
original. Seu uso para as atividades turísticas pode continuar ocorrendo, desde que seja
transmitida a informação de onde surgiram os pratos e o motivo das adaptações. Assim como
outros pratos típicos no Paraná o Castropeiro também surgiu de uma movimentação da
comunidade. Desde que a população local o reconheça como seu prato típico, o Castropeiro
pode ser utilizado para o turismo, mas é fundamental que ocorra a explicação sobre sua
origem para não haver conflito entre os pratos que possuem origem histórico-cultural no
movimento tropeiro.
A infra-estrutura dos restaurantes no município ainda é deficiente para atender um
fluxo turístico, uma vez que apenas um restaurante serve o prato e somente às sextas-feiras.
Os demais servem sob encomenda, o que dificulta seu uso pelo turismo. Sugere-se que a
AMCG e seus parceiros no projeto Rota dos Tropeiros viabilize ações para fortalecer a
gastronomia como complementação da oferta já existente e que possa caminhar para se tornar
36
“As mulheres são geralmente muito bonitas; têm a pele rosada e uma delicadeza de traços que eu ainda não
tinha encontrado em nenhuma brasileira. (...) É raro que as damas de Campos Gerais se escondam à aproximação
dos homens; elas recebem os hóspedes com uma cortesia simples e graciosa, são amáveis e, embora destituídas
da mais rudimentar instrução, sabem tornar cheia de encantos a sua conversa” (SAINT-HILAIRE, 1995).
104
um atrativo turístico. O Castropeiro, uma vez que foi reconhecido como prato típico
municipal, deveria ser ofertado em outros estabelecimentos comerciais de restauração, ser
fornecido nos cardápios com freqüência diária e ter maior divulgação como um prato típico.
1.1.2
Município da Lapa
A Lapa está situada à cerca de 60 km de Curitiba. A cidade surgiu com o movimento
tropeiro por volta de 1731, século XVIII, como ponto de parada para o descanso das tropas no
“Caminho da Mata” (INVENTÁRIO TURÍSTICO MUNICIPAL, 2002, p.7). No decorrer
deste mesmo século, a cidade passou a ser ocupada com fazendas para criatório e invernagem
de gado vacum e cavalar (ROTA DOS TROPEIROS, 2003, p. 25). A partir desta época,
estabeleceu-se um fluxo de tropas vindas do sul e com isto também houve um grande número
de pessoas que se fixaram na localidade com o intuito de trabalhar na atividade tropeira. Mais
tarde, a cobrança de direitos sobre a passagem de animais, fez com que a permanência dos
tropeiros aumentasse, estimulando a formação do um povoado no local. Para Sérgio Augusto
Leoni
37
, pesquisador do movimento tropeiro na cidade, a Lapa era um importante ponto de
parada, sendo o primeiro pouso dos Campos Gerais. As tropas, após percorrerem um extenso
caminho de mata fechada, chegavam à Lapa e permaneciam um tempo bem maior que nas
outras localidades, isto para permitir o descanso e a recuperação dos animais.
A cidade da Lapa também foi cenário de diversas passagens históricas, como a
Revolução Farroupilha e a Guerra do Paraguai, destacando-se o cerco da Lapa ocorrido
durante a Revolução Federalista em 1894, pela sua importância no cenário nacional.
A cidade da Lapa possui diversos atrativos histórico-naturais. O centro histórico
“tombado em 1989 pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, possui 14 quarteirões com
235 imóveis” (PARANA, 2003, p. 182) datados dos séculos XVIII, XIX e início do século
37
Entrevista concedida à pesquisadora, em 20 de janeiro de 2005.
105
XX. O parque Estadual do místico Monge João Maria é considerado o mais importante
recurso natural, econômico e social da cidade, segundo o Inventário Turístico Municipal
(2002, p. 15).
A área do município é de aproximadamente 2.125 Km². Possui como municípios
limítrofes Porto Amazonas, ao norte; Campo do Tenente, ao sul; Contenda, à leste; Antonio
Olinto, à oeste; Balsa Nova, à noroeste; Rio Negro, à sudeste e São João do Triunfo à
sudoeste. A cidade está em uma altitude média de 907 m acima do nível do mar; com o clima
definido como subtropical úmido mesotérmico (classificação climática de W. Koppen),
segundo o Inventário Turístico Municipal (2002, p. 12) com temperaturas variando entre 11ºC
e 24ºC.
Nas atividades econômicas a agropecuária destaca-se como a base da economia,
predominando a avicultura e bovinocultura de leite e corte; na agricultura estão presentes as
culturas de soja, trigo e batata. Na agricultura tradicional e de subsistência, cultivada em
pequenas propriedades, destacam-se o feijão, milho, cebola, batata, além de frutas como
pêssego, ameixa e nectarina.
O extrativismo de madeira e erva-mate foi, durante muito tempo, de grande
importância para o município e, ainda hoje, é uma das atividades econômicas praticadas na
Lapa. Na indústria, a metalurgia, mecânica, mobiliária, produtos alimentícios, erva-mate,
abatedoures, serrarias e manufaturados de couro, movimentam a economia local.
O município da Lapa faz parte de duas associações de municípios do Paraná
integrando ao mesmo tempo a AMCG, associação base neste estudo e a AMUSULEP
(Associação dos Municípios do Sul do Estado do Paraná). Devido a sua localização
geográfica, a Lapa acabou por fazer parte tanto do Projeto Rota dos Tropeiros quanto do
projeto Rotas do Pinhão, do qual fazem parte Curitiba e Região Metropolitana, que visa a
integração das cidades próximas à capital para ampliar o número de atrativos e aumentar a
106
permanência do turista na região. Tal projeto visa desenvolver ações de turismo com base na
história da região e aí, no movimento tropeiro, nas diversas etnias e suas culturas, além do
patrimônio natural, histórico e cultural.
Por serem projetos que possuem estruturas semelhantes o Rota do Pinhão e o Rota
dos Tropeiros, coincidindo até mesmo em alguns municípios que abordam, cabe citar que a
Lapa participa de ambos, porém o enfoque dado aqui é para o Projeto Rota dos Tropeiros, o
qual foi escolhido para estruturar o presente trabalho.
A culinária típica lapeana é composta por alguns produtos de herança tropeira e
outros consumidos em grande escala nas fazendas da região, formando assim um misto entre
os viajantes tropeiros e os moradores locais. Agregou-se também ao cardápio, pratos mais
recentes que eram solicitados pelos comensais, fazendo atualmente parte do cardápio da
Comida Típica Lapeana como é denominada (FIGURA 12).
Os pratos são compostos por quirera; arroz carreteiro; virado de feijão com torresmo;
ovo frito; frango; saladas; macarrão caseiro; couve refogada; arroz branco; farofa e outros
acompanhamentos que foram agregados com o passar do tempo como, por exemplo, a batata
frita que é servida atualmente, mas não faz parte da comida lapeana tradicional.
Assim como em Castro, na Lapa as mulheres tiveram grande importância na
composição do cardápio tradicional, “ao lado dos tropeiros, e mais tarde, dos homens que
lutaram durante a Revolução Federalista, maragatos ou pica-paus, a Lapa produziu mulheres
de muitas virtudes domésticas, com a tradição da boa comida” (LACERDA, 2002, p. 9). A
preocupação feminina girava em torno de servir ao marido e à família. Para isto eram
preparados os pratos salgados e os doces, os pães, as bolachas e as geléias, tudo com o maior
cuidado para que a moça pudesse agradar o marido e assim obter sucesso em seu casamento.
107
FIGURA 12: COMIDA TÍPICA LAPEANA
FONTE: ACERVO DA PESQUISADORA
Atualmente dois restaurantes servem a Comida Típica Lapeana: o Restaurante Lipski
e o Restaurante do Rubens, ambos situados na Av. Manoel Pedro, antiga Rua das Tropas.
O Restaurante Lipski iniciou suas atividades em 1965 como pensão e restaurante. A
partir de 1975 tornou-se apenas restaurante, quando a proprietária passou a empresa para seu
filho Roberto Lipski, atual proprietário. O Lipski funciona diariamente das 11horas às 15
horas para almoço e das 18 horas às 22 horas para jantar, atende também eventos. A
capacidade do restaurante é de trezentas pessoas, operacionalizando suas atividades com oito
funcionários mais a família que está, constantemente, trabalhando no local.
Como público alvo estão os moradores locais que vêm em busca de comida caseira
servida em sistema de buffet e turistas à procura da Comida Típica Lapeana, que neste
estabelecimento é composta por: salada mista, virado de feijão com torresmo, lingüiça e ovo
frito, arroz carreteiro, arroz branco, couve na manteiga, quirera lapeana, bisteca de porco,
frango com farofa, filé, macarrão caseiro e batata frita. As sobremesas como, doce de abóbora
e arroz doce, são servidas à parte (FIGURA 13).
108
Para Roberto Lipski
38
, a comida lapeana é de origem tropeira destacando-se: o virado
de feijão, a carne de porco e o arroz carreteiro
39
, sendo adaptado aos pratos tropeiros, a batata
frita, a quirera, o macarrão caseiro e o ovo, em parte pela procura dos turistas, em parte pelo
costume da região em consumir estes produtos. Ainda para o proprietário do restaurante, “a
comida tropeira é o ideal para a região”, porém é necessário maior apoio das instituições
públicas municipais na divulgação da gastronomia típica e do turismo da Lapa.
FIGURA 13: COMIDA TÍPICA DA LAPA – RESTAURANTE LIPSKI
FONTE: ACERVO DA PESQUISADORA
O restaurante do Rubens funciona das 11horas às 22 horas e possui capacidade para
atender 150 pessoas. Cerca de sete funcionários trabalham no local, além da família que
comanda o estabelecimento. O público alvo do restaurante, durante a semana, é de moradores
da região, principalmente do interior da cidade da Lapa e, nos finais de semana, de turistas.
Devido a isto, o restaurante também serve em sistema de buffet, para proporcionar maior
38
Entrevista concedida à pesquisadora, em 20 de janeiro de 2005.
39
Destaca-se que o arroz carreteiro foi um costume bem posterior, vindo de Santa Catarina. Os tropeiros tanto os
que passavam pelo Caminho da Mata quanto os que circulavam no interior do Paraná, não tinham o hábito de
comer arroz carreteiro durante as paradas na Região dos Campos Gerais.
109
variedade aos seus clientes. Diferencia-se do restaurante Lipski, pois no restaurante do
Rubens a Comida Típica Lapeana também é apresentada em sistema de buffet. Para
Maurício
40
, filho do proprietário, os turistas que geralmente estão acompanhados da família,
vão até a cidade para comer virado de feijão, leitão e quirera. Muitas vezes vão apenas para
almoçar na Lapa e voltam para casa. Já os moradores do interior não querem a comida típica,
pois esta faz parte do dia-a-dia das famílias da localidade.
FIGURA 14: CARDÁPIO DO RESTAURANTE DO RUBENS NA LAPA (PR)
FONTE: ACERVO DA PESQUISADORA
Existem algumas diferenças entre a comida típica servida nos dois restaurantes. O
Restaurante do Rubens serve virado de feijão, lingüiça, bisteca, couve refogada, arroz
carreteiro, ovo frito, leitão à pururuca, quirera e feijão tropeiro, que é composto por feijão
preto, charque, lingüiça e torresmo. Serve também, como acompanhamento, a paçoca de
charque, feita com charque socado no pilão com farinha de milho. As sobremesas estão
incluídas no buffet, sendo arroz doce e dois tipos de doce de abóbora. Todas as receitas da
Comida Típica Lapeana servidas no Restaurante do Rubens foram aprendidas com o Sr.
40
Entrevista concedida à pesquisadora, em 20 de janeiro de 2005.
110
Elizeu Vinhart, que durante muitos anos trabalhou como tropeiro e, por isto, os proprietários
acreditam serem as receitas autênticas da comida típica na cidade. Não são servidos
acompanhamentos como batata frita, frango e macarrão caseiro pois, segundo eles, estes são
produtos que não faziam parte do dia-a-dia da população. O leitão à pururuca foi acrescentado
ao cardápio, porque era consumido em dias de festas ou sempre em uma ocasião especial,
quando reunia um grupo maior de pessoas. Assim, acreditam fazer parte do cardápio da
comida típica local.
Na visão dos proprietários, falta divulgação do turismo e da própria história da Lapa.
“O turismo anda muito parado; em 2004 quase não teve movimento. É preciso maior apoio da
prefeitura” disse Maurício. O turismo religioso é apontado como o maior fluxo de visitantes
porém, segundo os proprietários do restaurante, não traz movimentação para o comércio da
cidade.
A opinião de que o turismo religioso não movimenta o comércio local também é
partilhada por Valéria Borges da Silveira
41
, Diretora de Turismo da Lapa. Para ela, este
também é o maior fluxo de turistas, mas não traz o retorno desejado, uma vez que os
visitantes vão até ao Parque do Monge e logo após pagarem a promessa, retornam ao local de
origem, muitas vezes nem visitando a cidade.
A diretora de turismo destacou a preocupação com a atividade, sobretudo na época de
mudança de gestão, em que haviam assumido a prefeitura há menos de um mês e muitos
funcionários estavam sendo realocados. Deve existir uma interação entre as duas
administrações, sobretudo nos projetos que já vinham dando certo, como por exemplo o
PNMT, o PNMT mirim
42
e nos cursos de capacitação para o atendimento ao turista.
41
Entrevista concedida à pesquisadora, em 20 de janeiro de 2005.
42
PNMT e PNMT mirim – Programa Nacional de Municipalização do Turismo, criado em 1996 e extinto em
2003, que hoje foi substituído pelo Programa de Regionalização do Turismo.
111
Para Valéria, o turismo na Lapa tem amplo potencial para os segmentos religioso,
histórico e rural, o qual o município vem desenvolvendo nos últimos quatro anos, porém
“deve incutir a população local a valorizar a cidade”, para assim poder receber bem o turista.
A gastronomia típica local deve ser valorizada, pois ela “torna-se a marca da cidade.
Qualquer passeio está vinculado à comida, é só ver o exemplo de Morretes”, disse Valéria. Na
região é preciso apresentar a gastronomia típica como a característica do caminho das tropas
desde o Rio Grande do Sul até Minas Gerais, apresentando as semelhanças e as diferenças do
tropeirismo em todos os estados e regiões.
Essas diferenças também podem ser demonstradas na gastronomia típica, sendo
lembrados pela entrevistada o café com mistura, consumido diariamente pelas famílias
tradicionais da cidade; a marca Coisas da Lapa, criada na cidade para oferecer aos turistas
produtos caseiros e artesanais da localidade; o biscoito da Dona Maninha; a coxinha de farofa;
o biscoito da Panificadora Zeni (FIGURA 15) e a comida rural que, atualmente, é apresentada
nos hotéis e pousadas rurais. Porém, para ela, ainda é necessária uma parceira maior entre os
estabelecimentos de gastronomia, “o restaurante poderia divulgar o café com mistura, não é
concorrência direta entre eles”. Para melhorar essa parceria a prefeitura pretende reativar o
Conselho Municipal de Turismo.
A coxinha de farofa e o biscoito, citados anteriormente, são produzidos pela
Panificadora Zeni. O biscoito é fabricado na padaria há mais de 70 anos; leva como
ingredientes trigo, água, açúcar, sal e banha. A coxinha de farofa, mais recente, é produzida
há pouco mais de 10 anos. Surgiu com as festas religiosas, quando os padres solicitavam
prendas para auxiliar na preparação dos petiscos para a festa, ocasião em que as famílias
entregavam as galinhas velhas que não produziam mais ovos. Com a carne rígida, dessas
galinhas, criou-se o prato que é feito com uma farofa bem úmida, enrolada em massa de pastel
e frita no formato de uma coxinha. Daí o nome: coxinha de farofa.
112
A panificadora Zeni também serve o café com mistura, desde que agendado
previamente, onde são servidos: tortas doces e salgadas; pães; geléias; patês; frios; lingüiça;
suco; chá e café com leite. Torna-se quase que um café colonial, com uma denominação mais
regional.
FIGURA 15: BISCOITO DA PANIFICADORA ZENI
FONTE: ACERVO DA PESQUISADORA
Além de todos estes pratos, foram diversas vezes lembrados pelos entrevistados, o
café tropeiro ou “café assustado”, que era o café consumido pelos tropeiros. Para fazer o café
fervia-se a água e o pó do café em uma chocolateira ou cambona, nome dado ao bule do
tropeiro, e após a água levantar fervura colocava-se uma brasa quente no recipiente fazendo
com que o pó do café baixasse, não sendo necessário coar. A paçoca de pinhão (ANEXO V:
RECEITA PAÇOCA DE PINHÃO) também foi citada, sendo que o Sr. Elizeu Vinhart é tido
como o maior entendedor da iguaria na cidade.
Ivacir Soares e Alexandre Vinhart ressaltaram a diferença entre o tropeiro que
percorria a Estrada da Mata e o tropeiro viajante que circulava pelo interior do Paraná, tendo
113
também influências na alimentação. Para o Sr. Alexandre Vinhart
43
ambos os tropeiros não
possuíam o hábito de consumir arroz de carreteiro. Este foi um costume trazido pelos
tropeiros que vinham de Santa Catarina, mas que só incorporou-se aos hábitos locais muitos
anos depois que a Estrada da Mata servia como caminho das tropas.
No Paraná, o tropeiro consumia como primeira refeição, o café assustado, já
anteriormente descrito, e a farofa tropeira feita com charque ou sobra da carne assada no dia
anterior e farinha de milho. Para Alexandre Vinhart o charque era a principal carne, devido à
facilidade de conservação. A paçoca de carne, que era carregada nas bruacas
44
, tornava-se
quase que a única refeição feita durante o dia. Era preparada com farinha de milho e charque
socados no pilão e servia como alimento quando os tropeiros ainda estavam em deslocamento.
Já no pouso tropeiro, era consumido feijão tropeiro, feito com feijão preto, lingüiça e pedaços
de carne que sobravam do assado, ou mesmo o virado de feijão com torresmo e o charque,
que era essencial quando estavam em viagem, pela sua fácil conservação e pela praticidade no
preparo de diversos pratos.
Para Sergio Augusto Leoni é possível que a alimentação tropeira na Lapa fosse mais
requintada que em outros pousos, pois, conforme dito anteriormente, depois de percorrer todo
o trecho de mata atlântica fechada e densa, o tropeiro ficava um bom período na Lapa para
recuperar a tropa, já que este era o primeiro pouso nos Campos Gerais, de acesso mais fácil do
que o trecho anterior. Assim o tropeiro tinha a possibilidade de fazer refeições mais
elaboradas que em outros pousos, deste ponto em diante do caminho.
Nas fazendas do município da Lapa as refeições eram mais requintadas, geralmente
compostas por quirera com suã de porco; ovo frito; virado de feijão com torresmo; pratos
feitos com pinhão, como por exemplo a paçoca de pinhão; milho cozido; aipim; batata doce;
43
Entrevista concedida à pesquisadora, em 20 de janeiro de 2005.
44
Bruaca – saco ou mala de couro própria para ser carregada em cangalha, nos animais de carga (POLINARI,
1982).
114
couve refogada. Leite, queijo e manteiga feita em casa acompanhavam o café da manhã e o
café com mistura, tradicional no município.
O bolo de polvilho também é tradicional na Lapa. Diversas são as receitas de bolo de
polvilho e dentre elas destaca-se o Bolo Lapeano (ANEXO VI: RECEITA DO BOLO
LAPEANO) feito com polvilho e farinha de milho. Lacerda (2002) detalha os procedimentos
usados para obter os melhores pratos a base de polvilho
O Bolo espremido ou Bolo pipoca classifica-se como uma das receitas típicas das
cidades do chamado Paraná tradicional, principalmente daquelas que ficavam na
rota dos tropeiros. Tais bolos, que na verdade seriam roscas, uma vez que
apresentam esta forma ou então são enrolados em S, dependem muito da qualidade
do polvilho e da farinha de milho que, antigamente, eram produtos de fabricação
artesanal, muito cuidado. Os bolos precisam também de gordura adequada (aquela
banha pura que não existe mais), de forno moderado e de ‘boa mão’ (LACERDA,
2002, p. 19)
Como sobremesa, doces diversos feitos à base de abóbora e moranga cozida com
leite; a marmelada, considerada pelo Sr. Alexandre Vinhart, o doce oficial da região e, a
pessegada, que tinha uma característica mais transitória. Na época de pêssegos, tanto era
consumida a fruta quanto o doce, porém não havia fruta suficiente para durar o ano todo,
sendo a pessegada um doce apreciado somente durante alguns meses do ano. Ainda como
sobremesa não podia faltar, na mesa do lapeano, a farinha de milho com leite, também
considerada uma das sobremesas oficiais, em que a maioria das famílias podia ter acesso. O
açúcar utilizado era o mascavo. E, diferentemente do depoimento da dona Judith
45
, Diretora
do Museu do Tropeiro em Castro, a marmelada era utilizada como um tônico, em uma última
tentativa de reanimar quem estivesse adoentado. Depois, ao longo dos anos, foi desvirtuado;
identificando-se com a idéia de Dona Judith, passando então a ser utilizada, como algo que
promoveria uma morte mais rápida, segundo informações do Sr. Alexandre Vinhart
46
.
As bebidas utilizadas na Lapa eram a aguardente, o vinho do porto usado em ocasiões
especiais, o capilé – xarope de groselha com água. Com relação ao consumo de saladas,
45
Entrevista concedida à pesquisadora, em 08 de outubro de 2004.
46
Entrevista concedida à pesquisadora, em 20 de janeiro de 2005.
115
existia uma diferenciação muito grande, dependendo da família. Algumas consumiam pepino
e hortaliças, já outras achavam que saladas serviam apenas para engordar os porcos.
A utilização de conservas caseiras foi introduzida anos mais tarde, quando os
imigrantes das diversas etnias vieram para a Lapa. Porém, a alimentação tropeira na Lapa é
muito mais evidente do que os costumes culinários das etnias presentes na região. Estes
costumes ainda estão muito ligados à população de descendência étnica, e ainda não são
encontrados facilmente. Apesar da Comida Típica Lapeana apresentar modificações no
decorrer do tempo, ainda está relacionada aos costumes dos tropeiros e dos fazendeiros que
passaram pela localidade.
O município da Lapa ainda preserva a culinária tropeira, a qual é consumida nas
residências principalmente do interior, sendo também servida nos dois restaurantes citados, os
quais oferecem a Comida Típica Lapeana diariamente. Percebe-se que o restaurante do
Rubens preocupa-se mais com o tradicionalismo, mantendo as características originais das
receitas. Já o Restaurante Lipski inovou, acrescentando novos pratos como acompanhamento.
Mais uma vez, deve ser feito o alerta para que o turista seja informado sobre as modificações.
Se novos pratos estão sendo incorporados à culinária tradicional para atender às solicitações
do padrão alimentar atual, o comensal deve receber essas explicações.
1.1.3 Município de Tibagi
A cidade de Tibagi possui como data de fundação o ano de 1782, quando Antônio
Machado Ribeiro chegou à região acompanhado de sua família, instalando-se na Fazenda
Fortaleza. Mais tarde ocupou a área que se estende do Rio Pinheiro até a barra do Rio Santa
Rosa, tomando posse desta área. Porém, muito antes da data acima mencionada, as bandeiras
116
paulistas já haviam passado na localização em busca das pedras preciosas no leito do rio
Tibagi, à busca de ouro e diamantes.
O município limita-se ao norte com Telêmaco Borba e Ventania, ao sul com Ipiranga
e Ponta Grossa, à leste com Castro, à oeste com Reserva, nordeste com Piraí do Sul, sudeste
com Carambeí e a sudoeste com Ivaí. Possui altitude entre 730 m e 1.100 m. no Morro da
Pedra Branca, sendo média de 750 m na região central da cidade. O clima é considerado
subtropical úmido mesotérmico e a densidade pluviométrica média é de 1.610 mm, com maior
freqüência entre dezembro a maio.
A economia da cidade possui como principais atividades a lavoura de arroz, feijão,
mandioca, milho, erva-mate, soja, trigo e fumo, além da pecuária bovina. Como atrativos
turísticos destacam-se: o Parque Estadual do Guartelá, considerado o principal atrativo
turístico do município de Tibagi, que também possui rios para a prática de rafting, canoagem
e bóia-cross. Destaca-se, atualmente, pela prática de esportes radicais e já vem se
consolidando em diversas modalidades do turismo em áreas naturais. Possui também outros
rios e unidades de conservação que são utilizados com finalidade turística. Na região central
da cidade destacam-se o Palácio do Diamante, a Igreja Nossa Senhora dos Remédios e a Casa
de Guataçara Borba Carneiro, por seu valor histórico-arquitetônico.
Tibagi também já iniciou o processo de análise de seus pratos e produtos turísticos.
Da mesma forma como os demais municípios, a predominância é a origem tropeira, tendo
também como características os alimentos dos garimpeiros. Os pratos que possuem relevância
para a gastronomia regional em Tibagi são: a paçoca de carne; a quirera de milho; o feijão
gordo e a carne de porco.
A paçoca de carne (FIGURA 16), preparada com carne bovina ou suína, tipo charque,
macerada no pilão até tomar consistência desfiada, à qual acrescenta-se temperos caseiros e
farinha, que pode ser a de milho amarelo ou a de mandioca. A quirera de milho sempre
117
acompanha os pratos tradicionais. Em Tibagi a quirera é preparada com costelinha de porco e
o quibebe de abóbora com lingüiça defumada.
O feijão gordo, como é conhecido o feijão preto preparado com torresmo, coro de
porco, bacon e lingüiça calabresa, é bastante consumido até os dias atuais. O consumo de
feijão preto é de 95% na preferência em relação ao feijão carioca, segundo Sr. João Alcione
de Oliveira
47
, proprietário do Restaurante e Churrascaria O Tropeiro. A carne de porco
conservada na banha e refogada no tacho era um dos alimentos utilizados pelos garimpeiros
da região que, posteriormente, se incorporou ao hábito alimentar em todo o município,
principalmente na região do Guartelá.
A alimentação era diferenciada entre os habitantes da cidade e da região do Guartelá.
Neste local, a alimentação era feita com os produtos preparados pela própria família, desde o
preparo das farinhas de milho e mandioca até a agricultura de subsistência e a criação de
gado, principalmente para leite, porco e galinha. Assim, o costume alimentar diferencia-se
entre as duas localidades estudadas. Na cidade o consumo de açúcar e de produtos doces era
mais abundante que na região do Guartelá, onde a alimentação tendia para alimentos salgados
e sempre acompanhados de farinha de mandioca.
47
Entrevista concedida à pesquisadora, em 05 de julho de 2005.
118
FIGURA 16: PAÇOCA DE CARNE
FONTE: ACERVO DA PESQUISADORA
O bolo desmamado também era preparado em Tibagi, feito na panela de ferro com
fubá leite e ovos, em cima do fogão à lenha. Na região do Guartelá colocava-se uma tampa
com brasas, sobre a panela, para melhorar o cozimento, a qual denominava-se “folha de
brasa” ou “folha porta-brasa”. No Guartelá o bolo era salgado, enquanto que, na cidade, o
costume era de preparar o desmamado tendendo mais para o sabor doce.
Dona Júlia Serino
48
é uma senhora que ainda preserva os costumes alimentares da
região do Guartelá. A coalhada seca é um dos pratos tradicionais. Seu preparo diferencia-se
da coalhada tradicional porque depois de pronta, a coalhada é passada em um pano para
escorrer todo o soro; em seguida é colocada novamente em uma vasilha para descansar.
Depois de pronta ela fica mais seca que a tradicional, daí o nome, “coalhada seca”. Para
Manoel Serino
49
, sobrinho de Dona Júlia, o segredo da coalhada está no pasto nativo: a
48
Entrevista concedida à pesquisadora, em 05 de julho de 2005.
49
Entrevista concedida à pesquisadora, em 05 de julho de 2005.
119
alimentação da vaca influencia na qualidade do leite que ela produz, por isso a coalhada, o
leite e o queijo das pequenas propriedades rurais da região do Guartelá são tão apreciados.
O bolo torcido (FIGURA 17) é uma especialidade de Dona Júlia. É feito com fubá,
farinha de milho, leite ou água e sal, ovo, polvilho azedo e uma colher de manteiga. A massa
é sovada e colocada para descansar. Depois prepara-se o bolinho fazendo pequenos rolinhos
torcidos. Os bolinhos são fritos na banha de porco, que deve estar na temperatura ideal, não
muito quente, pois do contrário o bolinho estoura na panela. Este bolinho cresce no fritar e
fica com um sabor leve. É bastante saboroso mas, depois de frio, fica gorduroso.
Na região comia-se laranja com farinha de mandioca, cortando-se a laranja ao meio e
comendo-a com colher e, sopa de liga, feita no fogão à lenha, com feijão, queijo e farinha de
mandioca. Para preparar a sopa colocava-se a panela com feijão no fogão à lenha e, aos
poucos, acrescentava o queijo e a farinha. Depois de misturar os ingredientes colocava-se o
prato em cima da panela, para a sopa descansar antes de ser degustada.
FIGURA 17: BOLINHO TORCIDO
FONTE: ACERVO DA PESQUISADORA
120
Diversos bolos também são preparados até hoje: bolo de fubá, bolo de suco de
mexirica, variadas receitas com polvilho. Entre os doces caseiros estão: o doce de leite, o de
abóbora, de laranja, goiabada e outros.
A farinha de mandioca é bastante tradicional no município. É bem fina e branca. Para
os moradores da cidade, o segredo do preparo da farinha é de origem africana, “as pretas
velhas é que sabiam fazer a farinha de mandioca” diz o Sr. João Alcione
50
, proprietário do
restaurante O Tropeiro. Assim como em Castro, a cozinha na cidade estava nas mãos dos
escravos e após a libertação deles, continuou, por tradição, nas mãos das “pretas velhas” como
eram chamadas as cozinheiras dos coronéis, responsáveis por festas e banquetes, sendo
portanto, uma referência para boa alimentação na localidade.
Para João Alcione, a mesma comida dos tropeiros em viagem, nas cidades era
preparada pelas “pretas velhas”. A paçoca de carne era a sobra dos coronéis.
Tia Luíza
51
, uma cozinheira reconhecida na cidade, pela “boa mão” no preparo de
doces e tortas, mas também cozinha pratos salgados. Uma das paçocas de carne mais
tradicionais é preparada pela Tia Luíza, como é conhecida. Para ela e dona Mariana Ribeiro
52
,
(uma senhora de 89 anos), na sua infância, os pratos mais consumidos eram pinhão cozido ou
na chapa, lembrando que “no mato os homens faziam a sapecada”. A paçoca de carne, o
quibebe, a quirera, a mandioca, o virado de feijão preto com ovo frito, o porco na banha, eram
os alimentos mais consumidos. A galinha também era presença farta nas mesas da cidade,
preparada com mandioca ou assada.
Outro prato consumido em Tibagi era o cuscuz. Na região do Guartelá era preparado
com torresmo e, na cidade, era feito com açúcar e fubá, cozido no pano, no bafo da panela. O
milho também era presença constante nas mesas do tibagiano. Na época da colheita comia-se
milho cozido, pamonha doce, e, em algumas famílias, também era preparada a sopa de milho.
50
Entrevista concedida à pesquisadora, em 05 de julho de 2005.
51
Entrevista concedida à pesquisadora, em 05 de julho de 2005.
52
Entrevista concedida à pesquisadora, em 05 de julho de 2005.
121
No pão não se comia outra coisa a não ser os doces caseiros e banha de porco, “a
manteiga era muito cara para comer todos os dias. Além disso, margarina não existia” lembra
Tia Luíza. O pão caseiro era feito sempre, e às vezes faziam também a pipoca de polvilho,
frita na panela de ferro, com banha de porco. O bolo de fubá, feito com leite e polvilho azedo,
e o pão-de-ló foram os mais lembrados pelas senhoras entrevistadas. Os líquidos não
acompanhavam as refeições, às vezes uma limonada ou laranjada, porém, um café preto era
servido sempre, após as refeições.
Como sobremesa, as preferidas e mais consumidas eram o arroz doce, frutas da época
e doces de frutas como doce de laranja; doce de sidra; pessegada, consumida com leite e
farinha; a coalhada também era consumida diariamente. Bebidas alcoólicas só em dias
festivos e quase sempre o vinho. A cerveja não era consumida na região.
Atualmente são consumidos, no município, outros pratos como a mandioca com
carne de frango, a vaca atolada que é preparada com mandioca e costela de gado. O virado de
feijão com torresmo, virado de frango, a sopa de cabeça de cascudo, a sapecada de pinhão. A
abóbora, preparada tanto como doce quanto acompanhando as refeições no quibebe, e a carne
de porco são amplamente consumidos no município. Estes pratos são encontrados em
restaurantes da cidade, porém somente sob encomenda.
O Restaurante e Churrascaria O Tropeiro trabalha com sistema de buffet e serve os
pratos tradicionais, sob encomenda. Possui 240 lugares e está aberto das 10 às 14 horas.
Atende basicamente pessoas que vão à Tibagi a negócios e, nos finais de semana, atende
turistas. Para o proprietário do restaurante, o prato que mais caracteriza a cidade, é a paçoca
de carne, por ser um prato regional que a população está habituada a comer desde muitos anos
atrás e que continua sendo um prato do dia a dia em Tibagi.
O Restaurante Café com Mistura, anexo ao Hotel Itagy, possui capacidade para 100
pessoas e atende o público externo ao hotel das 16 às 22 horas. Serve o café típico com
122
bolinho de polvilho, bolo de fubá, broa caseira, pães caseiros, geléias. Sob encomenda serve
também o cardápio tradicional da cidade: a carne seca; a vaca atolada; a galinhada feita com
mandioca; a galinha caipira e a quirera. A cidade também possui o Restaurante Empório que
serve a comida regional, sob encomenda.
O bolo de polvilho também possui destaque para a culinária local, sendo a fabrica de
polvilho, uma das primeiras indústrias do município. Alguns anos atrás, a Secretaria de
Turismo de Tibagi organizou estudos sobre a culinária local e seu uso no desenvolvimento de
um roteiro do turismo gastronômico. Este estudo previa o uso do bolo de polvilho
considerado tradicional na cidade, e com este produto estudou-se a criação de um roteiro do
polvilho nos aspectos históricos.
A cidade já foi referência na fabricação de polvilho azedo. Na Estrada do Barreiro
diversas pequenas fábricas se instalaram e ocupavam a mão de obra familiar. Há cerca de
cinco anos, foi lançado um projeto que previa utilizar as fábricas de polvilho também pelo
turismo, levando o turista para conhecer sua fabricação. Porém, o que pode-se perceber é que
as fábricas precisam de maior estrutura para receber o visitante, desde o que diz respeito a
condições de acesso até a higiene no preparo do polvilho, o qual é feito no chão batido e ao ar
livre, sem nenhuma proteção para o produto, conforme pode ser visto nas imagens da fábrica
de polvilho da Dona Lorair. Esta fábrica existe há cinqüenta anos e ainda mantém o mesmo
processo de fabricação artesanal (FIGURA 18).
123
FIGURA 18: FERMENTAÇÃO DO POLVILHO
FONTE: ACERVO DA PESQUISADORA
FIGURA 19: ESTRUTURA DA FÁBRICA DE POLVILHO DA DONA LORAIR
FONTE: ACERVO DA PESQUISADORA
O bolo de polvilho mais famoso da cidade (FIGURA 20) é fabricado pelo Sr.
Euclides
53
, que relatou que antigamente o bolo era feito com coalhada para que crescesse mais
e ficasse mais macio, e com banha de porco. Atualmente a receita leva: polvilho, leite, sal,
53
Entrevista concedida à pesquisadora, em 05 de julho de 2005.
124
ovo e farinha de milho. Anteriormente era assado em forno de barro, mas hoje em dia, o Sr.
Euclides assa o bolinho no forno convencional da padaria. Segundo o proprietário da padaria,
o polvilho da região não é utilizado porque a fabricação do produto não tem sido incentivada
pelo poder público e a produção local decaiu nos últimos anos. A produção do bolinho é tão
grande que a padaria vende, para fora do município de Tibagi. Em média, por mês, são
produzidos 2.500 a 3.000 pacotes do produto, em média 600 Kg de bolo de polvilho, além da
quantidade produzida para ser consumida na cidade.
FIGURA 20: BOLO DE POLVILHO
FONTE: ACERVO DA PESQUISADORA
Das festas, a que foi considerada como a mais tradicional em relação à alimentação,
foi a Festa do Divino, feita sempre 40 dias depois do carnaval. Nas propriedades rurais,
durante a Festa do Divino, era servido café tropeiro, preparado diferentemente do café
tropeiro da Lapa. Em Tibagi o café era misturado à água em grandes panelões e servido ainda
com o pó. O bolo de polvilho acompanhava o café tropeiro, chegando a ser servido somente
em uma fazenda, cerca de 150 kg de polvilho em forma de bolo, em um dia de festa.
125
A culinária tropeira também está sendo utilizada em alguns restaurantes das fazendas
abertas aos turistas. A Fazenda São Damázio, o Salto Santa Rosa e o Salto Puxa-nervos são
exemplos das fazendas que servem comida tropeira para o turista. Mas, assim como os
restaurantes, as fazendas também servem somente sob encomenda.
Para Cecília Pavesi
54
, Secretária de Turismo de Tibagi, a gastronomia e o turismo têm
uma profunda relação. A gastronomia é um fator de motivação do turismo. “Ao ‘vender’
Tibagi nas feiras de turismo sempre somos questionados sobre a comida típica”, disse a
Secretária de Turismo. Para se desenvolver o turismo no município é necessário, entre outras
coisas, oferecer a alimentação tradicional nos restaurantes da cidade. “É comum o turista
chegar aqui e não termos um restaurante para indicar que sirva a comida típica, pois os
restaurantes só servem sob encomenda”.
No município de Tibagi o prato mais representativo é a paçoca de carne, consumida
até os dias atuais e, na maioria dos locais pesquisados, ainda é preparada pelo sistema
tradicional, feita no pilão. Somente no Restaurante O Tropeiro é que utiliza-se o
liquidificador, para o preparo da paçoca, devido a grande quantidade necessária para atender
ao público. Nos demais locais pesquisados a tradição de pilar a carne ainda é mantida e tida
como o segredo para o sabor do prato.
O município de Tibagi apresenta potencialidades de uso da gastronomia tropeira no
turismo. Porém, ainda é muito incipiente no município, que deveria ampliar mais a
gastronomia considerando os pontos apontados no projeto Rota dos Tropeiros.
54
Entrevista concedida à pesquisadora, em 05 de julho de 2005.
126
2 POTENCIALIDADES DE DESENVOLVIMENTO DA GASTRONOMIA TROPEIRA
NAS ATIVIDADES TURÍSTICAS
Quando se fala em cultura de comunidades reconhecem-se as manifestações como
danças típicas, artesanato, rituais religiosos, como representantes da identidade local. A
gastronomia também é vista como um item relevante, que define a identidade coletiva de uma
comunidade. Ela está presente na rotina da população e é parte integrante desta. Cultura e
alimentação estão ligadas de maneira estreita, pois no ato de comer estão implícitos diferentes
processos de socialização do homem. Processos esses fundamentais na definição do homem
como um ser cultural e participativo em um contexto social.
A busca pelo patrimônio intangível da culinária local é de extrema importância para
uma conceituação da tipicidade gastronômica. A cultura popular e o gosto por determinados
alimentos, vai modificando-se com o passar do tempo, mas alguns produtos, ingredientes e
pratos permanecem inalterados em sua essência ou sofrem pequenas alterações, as quais ainda
qualificam o prato dentro do padrão de representatividade na alimentação de uma sociedade e
que o torna patrimônio da população. “Os padrões de mudanças dos hábitos alimentares têm
referenciais na própria dinâmica imposta pela sociedade, com ritmos diferenciados em função
do grau de aceleração na busca de seu desenvolvimento” (SANTOS, 1995, p. 123).
Nessas variáveis de mudança social estão fatores como: a sobrevivência, necessidade
básica do ser humano, quando, em um determinado local, diferente de seu cotidiano e sem
recursos, ele busca o alimento para saciar a fome; por motivos de saúde; devido a fatores
vinculados à religião; e fatores político-sociais, quando existe o incentivo por determinado
produto, a recriminação ou a cobrança de taxas e impostos para desestimular o consumo, o
uso da tecnologia e os fatores culturais. Todos estes itens influenciam nos costumes
alimentares de uma sociedade e devem ser analisados em momentos diferenciados, com maior
127
ou menor grau de relevância, na formação de uma gastronomia regional e na própria formação
de uma sociedade.
A transformação da culinária local em uma gastronomia típica, em uma sociedade, é
algo gradativo, que vai se formando com a utilização do prato, demorando gerações para se
fixar na dieta da população, para então se propagar e ser divulgado aos indivíduos de outros
grupos culturais como algo que identifica uma comunidade. Todavia, um processo
diferenciado vem ocorrendo em nosso país, o qual também é percebido no Paraná, ou seja a
eleição de pratos que passam a serem considerados típicos perante os órgãos municipais, mas
que não representam a população, seus costumes, origens e sua cultura.
A escolha de pratos típicos vem acontecendo em diversas regiões do Estado. Percebe-
se que as instituições municipais vêm, nos últimos anos, ressaltando a necessidade de
relacionar a imagem do município com a gastronomia. Neste sentido, estão diferentes
interesses e objetivos na tentativa de criar um prato típico municipal.
Contesta-se a forma como isto vem ocorrendo, que nem sempre é a mais
recomendada, pois quando o poder público impõe um prato típico à população, na maioria das
vezes, ele não se integra à cultura local. Ações deste tipo não se justificam, já que a
comunidade não se identifica com a culinária apresentada em concursos e exposições e,
muitas vezes, o prato típico eleito pelo município em determinado evento, acaba sendo
somente reconhecido oficialmente e não reconhecido e consumido, de fato, pelos moradores.
Isto acaba por descaracterizar a cultura local.
O que deveria ocorrer, quando se deseja identificar a culinária local em determinada
região, é a realização de um embasamento científico através da análise detalhada de itens
como os fatores históricos, a originalidade típica dos ingredientes utilizados, a verificação do
patrimônio, reconhecido pela comunidade através de seus costumes culinários e pratos
consumidos no dia-a-dia e em ocasiões comemorativas.
128
Resgatar a identidade da gastronomia regional significa entrar em contato com a
cultura e o modo de ser de um povo. Por meio de seus costumes alimentares, uma sociedade é
capaz de mostrar seus gostos, as influências recebidas por outros povos, sua religião,
características econômicas e até mesmo as características geográficas da localidade.
Quando se pesquisa a gastronomia de um povo, o importante é analisar as origens,
separando todas as formas de culinária repetitiva ou substitutiva, onde se acrescenta um novo
ingrediente numa receita antiga para dar-lhe nova feição, mas sem nenhum valor cultural.
Quando se trata da cultura de um povo não é preciso recorrer a um novo ingrediente, nem a
uma técnica de fora da comunidade, ou a um concurso para escolher o prato típico ou
regional, uma vez que, tal prato já existe. Apenas ele está na comunidade, de forma não
contextualizada; basta ser pesquisado e ser trazido ao conhecimento e apreciação de todos,
tanto da comunidade quanto do turista.
A vinculação entre gastronomia e turismo deve partir da valorização do patrimônio
cultural intangível. O problema é resgatar a alimentação popular que possua ao mesmo tempo
condições de tipicidade regional e apresentação ao turista. A falta de pesquisas vinculadas ao
tema, que tratem a gastronomia sob o ponto de vista cultural de uma comunidade, torna-se um
problema quando a gastronomia local é utilizada para o turismo sem uma estruturação anterior
e sem estar pautada em análises científicas.
Para se compreender o uso turístico de uma tradição da população local deve-se,
inicialmente, buscar a origem das tradições e a sua presença junto à comunidade que vive na
localidade, para então, fazer um levantamento da potencialidade do prato e se ele é capaz de
despertar o interesse do visitante.
A importância da cultura como atrativo turístico deve ser ressaltada, principalmente
nos dias atuais, em que cada vez mais busca-se o turismo cultural como uma modalidade
turística. Utilizando o conceito de que turismo cultural é aquele no qual “o principal atrativo
129
seja algum aspecto da cultura humana” (BARRETO, 2002, p. 19) deve-se buscar a utilização
do patrimônio cultural como uma alternativa para o turismo. O patrimônio cultural tornou-se,
nos últimos anos, um dos destinos mais procurados por turistas reais e potenciais. Sua
utilização deve ser bem planejada, com uma gestão adequada, para que se torne um produto
do turismo sutentável.
Quando se leva em conta as características tradicionais e econômicas da gastronomia
de um lugar, tem que se destacar o turismo cultural como um elemento importante para
impulsionar a economia e incentivar a sustentabilidade. Porém, vale ressaltar que o turismo
deve, primeiramente, ser pensado sob o aspecto social e cultural.
A gastronomia regional deve retratar as origens, valorizar a cultura e os costumes dos
povos, sem cair no extremo da mercantilização e da adaptação para o turista, pois assim, a
cultura local sofre um processo de banalização, de transformação, de maquiagem. As
manifestações da cultura, como a gastronomia, são de extrema importância para as atividades
turísticas, porém, muitas vezes, tem sido substituída por técnicas e procedimentos que não
estão vinculados com a história local. A prioridade deve ser a da valorização da gastronomia
existente na localidade, para o desenvolvimento do turismo.
A importância de resgatar os hábitos e costumes dos antepassados está ligada à
busca das raízes e à necessidade de encontrar uma explicação na origem dos hábitos e
costumes herdados. Considerando a evolução da humanidade, pode-se afirmar que a
gastronomia em determinados locais tem conservado suas características originais, e em
outros, vem sofrendo modificações com o acréscimo de novos costumes, novos ingredientes
e, principalmente, novas tecnologias.
A culinária de um povo está ligada à sua cultura e ao seu modo de vida. Reconhecer
esta culinária como algo que represente sua comunidade, valoriza seu patrimônio cultural. Isto
130
começa com o povo que não quer perder suas origens e se vê valorizado através dos pratos
que consome diariamente.
O turismo pode ajudar a estimular o interesse dos moradores pela própria cultura,
uma vez que os elementos culturais de valor para os turistas e para a comunidade local podem
ser recuperados e preservados. O uso da gastronomia nas atividades turísticas deve estar
embasado nos conceitos do turismo cultural e do turismo sustentável
A gastronomia, como manifestação da cultura, tem tanta importância nas atividades
turísticas que vem sendo valorizada por diversos órgãos de fomento ao turismo no País e no
mundo. Para Fernandes (2001, p. 41) “essa valorização da cozinha regional – ou como dizem
os franceses, a cozinha do terrorir e das estações – tem tudo para se tornar um atrativo
turístico do Brasil”. Para o autor, tudo ainda está muito incipiente, voltado para o turismo
interno. É preciso valorizar as diferentes culinárias existentes no País para que a gastronomia
possa ser utilizada pelo turismo.
Percebe-se que o Estado do Paraná não possui muitos exemplares como referência
alimentar. O Barreado, considerado prato típico do Estado, destaca-se na região litorânea,
assim como outros pratos de origem nativa ou à base de peixe e carne vermelha. Mais
recentemente surgiram, em outras regiões do Estado, pratos, típicos ou regionais, que vieram
através de mobilizações das comunidades como, por exemplo, o porco no rolete; o carneiro no
buraco e o dourado assado que são bastante consumidos na região oeste do Paraná.
A culinária tropeira é outro exemplo que se destaca como referencial gastronômico
mas, para que ocorra o reconhecimento desse potencial, é necessário vencer a barreira do
saber-fazer em ambiente doméstico, tornando-a mais conhecida para então, consolidar-se
como algo gastronômico e representativo. A culinária tropeira é importante para a região em
estudo, porque apresenta um histórico, uma vinculação que faz parte da comunidade, o que a
131
diferencia de outros pratos que foram criados pelos poderes públicos para serem “pratos
típicos municipais” sem estar incorporados à cultura local.
Conforme o que foi analisado na Região dos Campos Gerais, a gastronomia pode ser
entendida como uma gastronomia regional pois possui características de unidade dentro de
uma mesma região geográfica. Salvo pequenas alterações, a gastronomia tropeira tem
características similares desde o município da Lapa até Tibagi. Possui a mesma raiz ligada aos
fatores históricos do movimento tropeiro, os mesmos ingredientes e os mesmos modos de
preparo podendo, portanto, ser considerada como gastronomia regional. Esta gastronomia
também pode ser analisada como gastronomia típica, pois representa a sociedade na Região
dos Campos Gerais. É preparada com produtos de uso habitual, geralmente fartos e de fácil
aquisição. Seu consumo retrata a realidade social da comunidade.
Na região em estudo, os pratos formadores do patrimônio intangível e da cultura da
comunidade, geralmente estão vinculados com a questão histórica, ressaltando-se o
movimento tropeiro e a presença marcante das diversas etnias da Região dos Campos Gerais
do Paraná, além da herança dos hábitos alimentares de índios e negros. Estes fatos acabam por
se integrar e formar uma culinária regional, a qual se torna singular. Percebe-se que a
gastronomia tropeira mantém as características históricas e culturais, portanto há preservação
dos costumes culinários. As raízes da alimentação tropeira ainda permanecem na cultura da
população dos Campos Gerais.
A maior transformação é encontrada em Castro com o Castropeiro que utiliza os
elementos histórico-culturais, porém é composto pelo feijão carioca em detrimento do feijão
preto, mais consumido pelos tropeiros nos Campos Gerais. Os municípios de Lapa e Tibagi
mantêm as características e modos de preparo da culinária tropeira. A paçoca de pinhão é um
exemplo desta permanência, pois até hoje é feita no pilão mantendo as características
originais do prato. O café assustado, hoje consumido em fazendas do interior em festas e
132
algumas comemorações, ainda é preparado no modo tradicional, assim como outros pratos
descritos neste trabalho.
Quando fatores históricos são utilizados no resgate da gastronomia regional, deve-se
levar em conta que, na maioria das vezes, os pratos foram criados em um momento em que a
realidade cultural era diferente daquela em que se está vivendo. Portanto é necessário, muitas
vezes, realizar algumas adaptações aos novos contextos. Por exemplo, quando na confecção
dos pratos não se cumpra regras de higiene, ou mesmo em relação a uma adaptação do
tempero, adequando o sabor à realidade atual. Porém essas adequações devem ser realizadas
com extremo cuidado, para não chegar à descaracterização do prato com o acréscimo de
novos ingredientes ou acompanhamentos. Isto sim, gera uma mudança na gastronomia típica e
na cultura representada naquele prato.
O uso da gastronomia típica deve relacionar-se às atividades turísticas, observando os
aspectos de higiene, de estrutura dos restaurantes e outros locais para refeições, assim como, o
preparo adequado dos funcionários que irão manipular e servir os alimentos. Estes cuidados
devem ser tomados mantendo sempre as características de originalidade do prato.
Desta forma, a utilização turística da gastronomia regional deve ser cautelosa para
evitar mudanças que descaracterizem o patrimônio intangível. O hábito alimentar da Região
dos Campos Gerais apresenta raízes históricas e culturais. É uma cultura plural que sofreu
diversas influências. Por este motivo não pode ser considerada exclusivamente como uma
alimentação de base tropeira, pois já recebia influências indígenas, africanas e,
posteriormente, dos diversos imigrantes que vieram para a região. As diferenças entre os
municípios pesquisados estão na culinária étnica, mas no que tange à alimentação tropeira ela
é uma só, com mínimas alterações, as quais apresentam pouca influência no sabor e aparência
dos alimentos.
133
Percebe-se, nos municípios analisados, que a gastronomia está vinculada aos aspectos
históricos e culturais. Produtos consumidos anteriormente em fazendas como as carnes, os
bolos de polvilho, a presença do ovo e do queijo nos diversos pratos citados, são exemplos da
ligação entre esses costumes que foram, aos poucos, sendo levados para as cidades, sofrendo
pequenas alterações na própria comunidade até serem considerados como pratos regionais
que, automaticamente, foram incorporados aos costumes locais e passaram a fazer parte do
patrimônio, da sociedade e de sua cultura.
Nestes municípios, a culinária tropeira ainda é uma presença marcante na
alimentação usual da população. Os ingredientes e o modo de preparo são basicamente os
mesmos. Na Lapa destaca-se a quirera, alimento que demanda um tempo maior no preparo.
Sabe-se que o tropeiro fazia uma parada com um tempo maior para recuperar o gado da longa
viagem desde o Rio Grande do Sul, sendo ela a primeira cidade na região dos Campos Gerais
e por isto, fornecendo um pasto melhor para a engorda do gado.
Em Tibagi destaca-se a paçoca de carne, alimento utilizado pelos tropeiros durante as
viagens, consumida durante todo o percurso das tropas, mas que foi bastante difundida sendo
consumida em toda a região. Já o município de Castro utilizou a idéia tropeira e criou um
novo prato o Castropeiro, que não é preparado como nos tempos do tropeirismo, já que
modifica a essência, o feijão preto foi substituído pelo feijão carioca.
A comida tropeira tradicional já possui uma utilização pela atividade turística no
município da Lapa, tendo dois restaurantes que a servem diariamente, e que até o presente
momento atendem a demanda no município. Em Tibagi esta alimentação existe, mas ainda
não pode ser divulgada nas ações de turismo, pois não existe um fluxo de serviço no
município, ficando a sua degustação comprometida a um agendamento prévio. Isto poderia
ocorrer nas localidades rurais, onde o fluxo de turistas não é contínuo e necessita de uma
programação prévia para que as atividades turísticas ocorram. Porém os restaurantes da cidade
134
deveriam servir a comida típica com maior freqüência. Sugere-se que façam rodízio servindo
a comida regional cada dia em um restaurante até que o fluxo de turistas cresça e a demanda
seja maior também pela comida tropeira.
Já o município de Castro deveria trabalhar o prato típico, como uma herança do
Tropeirismo que foi adaptada ao paladar dos moradores da cidade. Entende-se que o prato é
típico por um reconhecimento da Secretaria de Turismo, e não faz parte da história do
Tropeirismo na região, apenas possui, do movimento, os elementos que deram origem ao
prato.
A culinária tropeira está consolidada localmente e, portanto, cria um padrão
gastronômico. Entretanto, para que possa ser utilizada pela atividade turística, tem que estar
consolidada nos ambientes comerciais de alimentos e bebidas; deve deixar de ser consumida
apenas no ambiente doméstico e passar a ser ofertada nos restaurantes, lanchonetes e demais
locais de restauração. Atualmente a infra-estrutura na Região dos Campos Gerais não tem
capacidade de atender um fluxo constante de turismo gastronômico. São somente algumas
empresas que já apresentam ao turista um cardápio baseado na culinária local. O município da
Lapa é o que está mais consolidado nos aspectos da gastronomia tropeira regional.
Para que a culinária tropeira se consolide na região seria necessário o
desenvolvimento de um plano de ação tanto do poder público quanto do poder privado.
Deveria ser implantado uma rede de informações entre os municípios no sentido de fortalecer
uma rota gastronômica na região de abrangência do Projeto Rota dos Tropeiros. Mais
restaurantes teriam que trabalhar com a culinária regional em cada cidade, sendo que o
número destes restaurantes poderia, gradativamente, ser ampliado dependendo da necessidade
do município e da procura pelos turistas. Por exemplo, atualmente a Lapa atende sua demanda
com dois restaurantes; já Tibagi divulga a culinária regional mas não possui restaurantes que
sirvam a culinária tropeira diariamente; Castro atende somente às sextas-feiras ou sob
135
encomenda. A partir do momento em que a gastronomia é divulgada junto aos demais
atrativos turísticos, ela tem que estar à disposição do turista, dando opção de escolha tanto nos
dias da semana quanto nos estabelecimentos de restauração.
Em termos gerais, a comida da região possui forte influência escrava com a presença
das “pretas velhas” na cozinha das famílias com melhores condições financeiras. A presença
das cozinheiras de origem africana ainda es relacionada a uma boa alimentação, sobretudo
quando se trata de cozinhar para uma grande quantidade de pessoas. Para festas, banquetes,
preparos mais elaborados sempre está a lembrança de uma “preta velha” para auxiliar no
serviço. A comida das tropas que passavam pela região foi, aos poucos, sendo incorporada ao
paladar da população pelas mãos habilidosas destas cozinheiras que estavam nas casas da
população local.
Percebe-se que a comunidade já reconhece a culinária tropeira como algo presente
em seu patrimônio intangível, mas esta tem que sair dos domicílios e ser oferecida ao turista
em diversos locais, dando opções de escolha. Diferenciando-se ou valorizando-se com relação
às peculiaridades de cada município, ou mesmo, chegando a um consenso de que a culinária
tropeira na região é uma só. As diferenças percebidas são em relação às adaptações que foram
sofrendo ao longo dos anos, mas a essência é a mesma. Como exemplo pode-se comparar a
culinária mineira, que não se diferencia entre ser de Ouro Preto ou Mariana, de Belo
Horizonte ou São João del Rei, sempre é oferecida ao turista como uma culinária única.
Faz-se necessária maior atenção com relação aos estabelecimentos que servem a
culinária tropeira, pois o desenvolvimento do turismo gastronômico não pode estar pautado
somente em um ou dois restaurantes em cada cidade. A estrutura de apoio ao turismo deve
estar preparada, os lugares turísticos devem dispor de hospitalidade que compreende
transporte, alojamento, gastronomia e entretenimento para que o turista sinta que é bem
recebido, demonstre respeito pela cultura e pelo ambiente. Acredita-se que a valorização da
136
gastronomia tropeira, na Região dos Campos Gerais do Paraná, é uma maneira de
complementar a oferta turística, sobretudo no desenvolvimento do Projeto Rota dos
Tropeiros, pois considera os aspectos históricos e culturais da região e vai ao encontro dos
objetivos do projeto.
Apesar do projeto Rota dos Tropeiros prever o uso da culinária local nas atividades
turísticas não aprofunda o estudo da gastronomia tropeira para que possa ser implantado um
plano de ação. O projeto apenas aponta a possibilidade da gastronomia ser um atrativo
turístico, mas não indica o caminho para que isto ocorra, não prevê que ações devem ocorrer
para que a culinária local se fortaleça como um atrativo. Para tanto, o presente trabalho espera
ser uma contribuição que possibilite ampliar o levantamento de dados e o debate sobre a
culinária tropeira na região, na medida em que aponta os recursos gastronômicos que podem
ser utilizados para o turismo e que indica os estabelecimentos comerciais que já servem a
culinária tropeira na região de abrangência da pesquisa.
O desenvolvimento da infra-estrutura do turismo gastronômico nos Campos Gerais
deve ter como base o Projeto Rota dos Tropeiros, por ser um projeto que trabalha o turismo
em uma visão regionalizada. Contudo, com maior aprofundamento das questões que são
apenas apresentadas superficialmente no projeto. Além disso, o trabalho realizado junto à
comunidade dos Campos Gerais no sentido de desenvolver um modelo de turismo sustentável
e regionalizado deve ser constante e independente de ideologias políticas. “A potencialidade
dos recursos da natureza, cultura e das cidades em estudo demonstram a necessidade de
estratégias articuladas de forma integrada” (ALMEIDA, 2003, p. 42). É desta maneira que a
culinária regional deve ser aprofundada para caminhar de uma complementação da oferta
turística para o desenvolvimento do turismo gastronômico nos Campos Gerais do Paraná.
Propõe-se que na Região dos Campos Gerais o turismo gastronômico seja uma
complementação da oferta turística pautada nos atrativos naturais e culturais da localidade. A
137
culinária tropeira, na Região dos Campos Gerais do Paraná, é um elemento sócio-cultural com
potencialidade de desenvolvimento e uso para as atividades turísticas. Ao pensar desta forma,
acredita-se que para fortalecer a gastronomia na região e utilizá-la nas atividades turísticas, o
melhor seja caminhar para a união entre os municípios que estão desenvolvendo a culinária
tropeira. Ponta Grossa, por ser o maior município da Região dos Campos Gerais e o que
possui a maior estrutura de apoio ao turismo, poderia servir como estruturador no
desenvolvimento do turismo gastronômico, dando apoio ao demais municípios que queiram
desenvolver rotas para a gastronomia. Este direcionamento pode estar vinculado ao Projeto
Rota dos Tropeiros de administração da AMCG, que também possui sede em Ponta Grossa,
complementando, desta forma, o projeto apresentado anteriormente.
O desenvolvimento das atividades ligadas à alimentação tropeira pode, também,
servir para proporcionar maior atratividade para turistas e visitantes locais; servir para uma
complementação da oferta turística local; atrair novos investimentos, garantindo o aumento da
geração de empregos e da arrecadação de impostos; ocasionar a circulação do conhecimento
técnico no setor e, desta forma, proporcionar a formação de uma imagem positiva e de
valorização da cultura local.
O uso da gastronomia tropeira, nas atividades turísticas, apresenta-se como uma
forma de preservar as receitas tradicionais, os modos de preparo, o saber popular. Em suma, a
cultura da comunidade local que ao longo dos anos está se perdendo, sendo trocada por um
padrão alimentar globalizado. As tradicionais receitas de família deixam de serem passadas
através das gerações. Portanto, se a cultura alimentar dos tropeiros não for preservada, com o
decorrer do tempo, ela pode passar de algo apreciado para algo exótico, até mesmo, para os
habitantes da Região dos Campos Gerais.
Neste sentido, o turismo nos Campos Gerais do Paraná pode proporcionar a
diversidade cultural entre os costumes culinários indígenas, africanos e os fatores históricos
138
ligados ao movimento tropeiro, as diferentes etnias presentes na região e suas inter-relações,
que acabam por compor os costumes alimentares da comunidade dos Campos Gerais.
As heranças tropeiras são marcas culturais que os habitantes adaptaram a seus hábitos
alimentares durante e após o período do Tropeirismo e que, até hoje, são percebidas na
alimentação dos habitantes da região. Esta herança pode ser utilizada como ponto estruturador
e de unificação da gastronomia regional. A presença indígena na gastronomia e as diversas
influências étnicas seriam, portanto, a diferenciação entre os municípios que optassem por
utilizar o turismo gastronômico.
Finalmente, a diversidade cultural na alimentação dos Campos Gerais pode contribuir
para o fortalecimento da gastronomia local. A culinária tropeira servindo como elemento de
unificação e base na divulgação da alimentação regional. Acredita-se que a culinária tropeira
na Região dos Campos Gerais do Paraná possa ser utilizada como complementação da oferta
turística e desenvolvimento das ações para o turismo gastronômico. Assim, o
desenvolvimento de um plano de ação para utilização da gastronomia tropeira nas atividades
turísticas pode ser um caminho para manter viva a cultura alimentar nos Campos Gerais.
139
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A culinária pode ser compreendida como a arte de saber fazer. Já a gastronomia é a
aplicação de todos os conhecimentos culinários na transformação de um produto alimentício
em uma refeição. Esta transformação inclui as características gustativas e organolépticas de
um alimento: cor, sabor, aroma, temperatura, forma, estão interligados na apresentação de um
prato. Os sentidos como visão, olfato, tato, audição e paladar são utilizados na degustação de
um alimento, na tentativa de classificá-lo no gosto de uma pessoa.
Sabe-se que, apesar das particularidades pessoais, o gosto por determinados
alimentos também é influenciado por uma série de questões genéticas, ambientais e culturais.
Genéticas, no sentido de que determinados alimentos são mais ou menos digeríveis e, por
isso, mais agradáveis a determinadas pessoas. Ambientais, por que dependendo da localização
geográfica os alimentos se diferenciam influenciados por fatores como clima, solo e muitos
outros. E por fim, as variáveis culturais analisam a alimentação em função do contexto social
e econômico.
A sociologia da alimentação revela a grande influência nos usos e costumes
alimentares, o papel da constituição de uma identidade cultural. A vida cotidiana, a cultura
material, as mentalidades, o corpo, a família influenciam no gosto por determinados
alimentos. No âmbito da cultura material, a alimentação destaca-se como o aspecto mais
importante das estruturas da vida cotidiana.
Tão complexas são as razões do porquê e como o homem come, que diversos ramos
do conhecimento dedicam-se a estes estudos. A antropologia da cultura estuda essas variáveis.
O gosto por determinados alimentos pode ser aprendido, assim o que é natural para uns pode
ser exótico para outros.
140
A evolução da sociedade também influencia os hábitos alimentares. A globalização e
as mudanças no modo de vida, a partir do século XX, revolucionaram a arte da alimentação,
principalmente no que se referem às questões familiares e às comidas tradicionais feitas e
passadas através de gerações nas famílias.
A globalização não consegue modificar nem alterar os fundamentos da culinária,
porém as novas tecnologias simplificam e padronizam as refeições diárias feitas no ambiente
doméstico. As receitas divulgadas mundialmente são identificadas com rapidez e precisão,
sendo adaptadas à uma nova realidade, revelando ingredientes suplementares que, às vezes,
desqualificam as receitas originais.
A cultura, em seu aspecto dinâmico, é influenciada pelas invenções tecnológicas,
pela difusão de elementos culturais de indivíduo para indivíduo ou de uma sociedade para
outra. O que preocupa é a padronização alimentar que vem ocorrendo em um contexto geral:
“pizza e cachorro quente” nem sempre representam a cultura de uma sociedade que consome
esses produtos diariamente.
A preocupação a respeito da cultura deve ser pensada na compreensão das
sociedades modernas e no desenvolvimento do turismo.
A alimentação no Brasil possui suas características de diversidade e de uniformidade
conforme o viés analisado. A uniformização de uma língua nacional, de uma religião em
comum na constituição do povo brasileiro também pode ser analisada pela uniformização da
alimentação. O feijão, o arroz e a farinha de mandioca, são produtos nacionais presentes na
mesa de brasileiros de todas as classes sociais e podem ser considerados como alimentos que
unificam o costume alimentar nacional. Se existe uma cozinha nacional ela pode ser
representada por estes três ingredientes, suas variações e acompanhamentos, por vezes
integrando e por vezes isolando os particularismos regionais, representados pelas comidas
regionais e locais.
141
Por um lado, o País possui uma diversidade cultural na alimentação com muitos
produtos regionalizados, frutas diversas, produtos com denominações diferentes, modos de
preparo diferenciados para um mesmo prato, culturas e hábitos alimentares que foram
influenciados basicamente por índios, europeus e africanos, trazendo uma marca dependendo
da localidade estudada. Por outro lado, a história do tropeirismo trouxe ao País uma
uniformidade alimentar nas regiões onde circulava o tropeiro.
Por mais de 200 anos o movimento tropeiro uniu diversos estados brasileiros com
suas tropas de muares responsáveis por levar alimentos, comércio, informações, interligando
as regiões brasileiras.
Diversos foram os caminhos utilizados pelo movimento das tropas que representou o
principal recurso de transporte e o comércio entre Viamão no Rio Grande do Sul e Sorocaba
em São Paulo. O Caminho de Viamão deu origem a várias cidades no Paraná, ligando os
centros criadores do Rio Grande do Sul ao principal mercado pecuário da época, Sorocaba.
A região dos Campos Gerais fazia parte do caminho percorrido pelas tropas e servia
de parada para pouso. Este movimento, ao passar pela região, proporcionou o
desenvolvimento de atividades econômicas, o surgimento de vilas e, posteriormente, a
transformação das vilas em cidades. Destaca-se aí as cidades de Lapa, Palmeira, Ponta
Grossa, Castro, Carambeí e Tibagi que surgiram com o movimento tropeiro. Assim, a
alimentação nestas cidades, também sofreu influências do tropeirismo, que até a atualidade
podem ser percebidas nos costumes alimentares destes municípios.
A história destas cidades é a mesma de tantas outras espalhadas pelo País, em áreas
entregues às atividades ligadas à pecuária: eram lugares de pouso e currais de descanso ou
invernadas de gado. Cada cidade está separada, uma da outra, por uma distância de um dia de
viagem do tropeiro, cerca de 30 Km aproximadamente.
142
Este trabalho apresentou uma tentativa de resgatar a cultura alimentar tropeira,
sobretudo na região dos Campos Gerais do Paraná. As investigações, a partir de fontes
diversas: bibliográfica, memória coletiva, nos usos e costumes da população, puderam
informar a historiografia de muitos dados: produtos alimentícios, formas de preparo, acesso a
determinados alimentos, dietas supostas de determinados grupos, etc., levaram às heranças do
tropeirismo na alimentação da população da região.
O estudo se propôs a identificar os hábitos alimentares mais característicos desta
comunidade. Assim, foram identificadas as principais alterações que sofreu a gastronomia
tropeira ao longo dos anos. O registro dos pratos tropeiros, os quais estão pautados no feijão,
na carne seca, no uso de farinha de mandioca e nos derivados de milho.
A alimentação, quando o tropeiro estava em trânsito, consistia em carne-seca e feijão
preto. Estes eram os comestíveis quotidianos, em vez do pão, e que acompanhavam também
a farinha de mandioca, farinha de milho, toucinho, sal e pimenta. Alimentos básicos que, aos
poucos, foram sendo incorporandos ao dia-a-dia da população por onde passavam as tropas. O
hábito de consumir o feijão, como principal alimento, era bastante evidente no Paraná. Porém
algumas diferenças são encontradas na alimentação durante o deslocamento das tropas pela
região.
No município da Lapa o café tropeiro ainda é uma presença marcante na
alimentação da população. As comidas mais elaboradas que demandavam um tempo maior
para serem preparadas, e eram feitas na Lapa devido ao tempo despedido no pouso naquele
município, também são evidentes na atualidade. Já em Tibagi, o prato considerado como o
mais representativo é, justamente, a paçoca de carne preparada para ser comida em trânsito,
durante o caminho, retirando a comida das bruacas e levando-a direto à boca, com as mãos,
sem mesmo necessitar descer das mulas. Na cidade, a banana ou a laranja acompanhavam a
paçoca de carne diferenciando-se dos tropeiros em viagem.
143
A alimentação das fazendas também possui a forte presença do tropeiro. Era mais
elaborada, com temperos e acompanhamentos como frutas da estação e doces de frutas para
sobremesa. Tanto nas fazendas como nas cidades, uma tradição é evidente em toda a
alimentação do brasileiro: a presença africana no preparo dos alimentos, nas técnicas
utilizadas e na habilidade de cozinhar para uma grande quantidade de pessoas.
A alimentação africana faz parte da brasileira; traços marcantes ainda são vistos,
atualmente. A adaptação ao solo brasileiro proporcionou uma diversidade de novos pratos que
utilizavam as técnicas culinárias européias aos produtos nacionais, e eram acrescidos tamm
dos usos e costumes indígenas e modos de preparo africanos. O uso do milho em diversos
pratos, é um exemplo dessa confluência cultural. O milho, produto usado pelo índio, foi
acrescido dos modos de preparo africanos, na confecção de pratos pelos escravos na cozinha
das casas grandes e que eram orientados pelas portuguesas, originando outros pratos.
Assim também ocorreu na Região dos Campos Gerais. Os alimentos utilizados pelos
índios foram incorporados aos hábitos alimentares dos colonizadores e dos povoadores. Com
o passar dos anos tornou-se uma alimentação regional, a qual pode ser utilizada pelas
atividades turísticas.
O turismo é considerado um dos fenômenos mais importantes dos últimos tempos,
pois propicia o contato com culturas diferentes, a experiência de diferentes situações,
diferentes ambientes e a observação de diferentes paisagens. É uma atividade econômica de
importância global, que compreende elementos econômicos, sociais, culturais e ambientais.
O turismo torna-se parte da comunidade desde que seja planejado cuidadosa e
continuadamente, seguindo um modelo sustentável. Assim, o turismo pode contribuir para a
preservação de valores culturais que apresentam também um valor específico para o turista e,
em certo sentido, o instrumento que serve de veículo à reabilitação das culturas, contribuindo
em grande medida para a sua difusão.
144
O turismo pode resultar em um elemento importante na vida de uma região, mais
precisamente, o turismo cultural combina autenticidade, desenvolvimento econômico,
preservação e prestação de serviços. O desafio está em proporcionar, ao turista, uma
experiência que desenvolva as atividades turísticas preservando as características da
comunidade e seus recursos históricos e culturais.
Desta forma, a alimentação tropeira na Região dos Campos Gerais do Paraná pode
ser utilizada pela atividade turística como complementação do turismo em áreas naturais e do
turismo cultural, já em desenvolvimento.
Contudo, sabe-se que a alimentação da região não está suficientemente estudada
para ser percebida como um atrativo turístico. Aprofundar os estudos em relação às heranças
étnicas e analisar a inter-relação entre estas e a alimentação tropeira para depois entender a
confluência alimentar indígena e africana, que já são percebidas na alimentação tropeira com
a culinária étnica, são sugestões de aprofundamento para a compreensão da alimentação na
Região dos Campos Gerais do Paraná.
Outro ponto que necessita de um aprofundamento é entender como a alimentação
dos tropeiros passou das mãos dos cozinheiros das tropas para as mãos femininas nas
fazendas e residências das cidades dos Campos Gerais; quando ocorreu isto; quais fatores
levaram as mulheres das cidades e fazendas da região a incorporarem os hábitos alimentares
tropeiros; com quem elas aprenderam a cozinhar e qual o caminho percorrido entre este saber
fazer comida tropeira das tropas às fazendas, até os dias atuais em que as receitas estão se
perdendo no tempo justamente porque as mulheres não cozinham mais em casa. Cabe
aprofundar estes estudos para transformar as raízes culturais da região em um forte ponto de
apoio na criação de políticas turísticas que desenvolvam o turismo na região.
145
REFERÊNCIAS
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Leandro Konder. Rio de Janeiro: Bertrand, 1991.
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www.terraeasfalto.com.br) acesso em 24 de abril de 2003.
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149
ANEXOS
150
ANEXO I
MODELO DE ENTREVISTA E QUESTIONÁRIO
Instrumento de pesquisa: Turismo Gastronômico nos Campos Gerais do Paraná
Secretaria de Turismo de _______________________
1 – Nome do entrevistado: _______________________
2 – Função: _______________________
3 – Qual a formação profissional: _______________________
4 – Como você avalia o turismo em sua cidade?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
5 – Existe algum projeto de desenvolvimento turístico para a cidade e região? Qual?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
6 – Em sua opinião existe relação entre gastronomia e turismo?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
7 – De um conceito sobre gastronomia típica.
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
8 – Existe um prato típico na cidade? Se sim, quando e como surgiu? Por que ele é considerado típico?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
9 - De que forma faria a promoção para divulgar / criar um prato típico? (concursos...)
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
10 – Existe algum tipo de parceria entre a prefeitura / secretaria de turismo e os proprietários de
restaurantes?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
11 – Em sua opinião qual a importância de apoiar este tipo de estabelecimento?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
12 – Como você avalia a importância da gastronomia típica como um diferencial no “fazer turístico”?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
151
ROTEIRO DE ENTREVISTA NAS SECRETARIAS DE TURISMO
Instrumento de pesquisa: Turismo Gastronômico nos Campos Gerais do Paraná
Restaurante: _______________________
1 – Nome do entrevistado: _______________________
2 – Função: _______________________
3 – Qual a formação profissional: _______________________
4 – Qual o horário de funcionamento do restaurante: _______________________
5 – Qual a capacidade do estabelecimento: _______________________
6 – Quantos funcionários trabalham aqui: _______________________
7 – Qual é o público alvo do restaurante?
( ) moradores da cidade ( ) turistas ( ) outros
8 – Existe relação entre seu restaurante e o turismo? Explique.
_______________________________________________________________________
_______________________________________________________________________
9 - O restaurante serve algum prato típico da região? Qual? Por quê?
_______________________________________________________________________
_______________________________________________________________________
10 – Conhece o prato típico da cidade? Se sim, como ficou sabendo?
___________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________
11 – Em sua opinião existe relação entre gastronomia e turismo?
___________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________
12 – O que entende por gastronomia típica?
___________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________
13 – Como você avalia a gastronomia típica no município e na região?
___________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________
152
ANEXO II
RECEITA DO FEIJÃO TROPEIRO SERVIDA PELO MUSEU DO TROPEIRO
153
154
ANEXO III
RECEITA DO FEIJÃO TROPEIRO – MINAS GERAIS
Ingredientes:
1 Kg de feijão carioquinha
Óleo
2 cebolas
4 ovos
1 kg de toucinho para torresmo
Alho
100 gr de farinha de mandioca
1 kg de lingüiça de porco
Cebolinha picadas
Pimenta e sal a gosto
Modo de preparo:
1 - cozinhar o feijão ao dente;
2 - escorrer o caldo e usar apenas os grãos;
3 - fritar a lingüiça;
4 - fritar o toucinho cortado e temperado com sal;
5 – colocar o alho picado, a cebola picada e o feijão para refogar (utilizando a mesma gordura
do toucinho);
6 - acrescentar a farinha, o torresmo e a cebolinha;
7 - cozinhar os ovos, cortá-los em partes para decorar o feijão tropeiro.
155
Rendimento:
6 porções
Acompanhamento:
Arroz branco
Couve refogada na manteiga
Cachaça mineira
Lombo de porco assado ou frito
Receita extraída do Livro Receitas de Minas
156
ANEXO IV
RECEITA DO BOLO REPUBLICANO
Ingredientes:
3 ovos,
3 xícaras de farinha de trigo,
2 xícaras de açúcar,
1 xícara de leite,
2 colheres de manteiga,
1 colherinha de bicarbonato,
1 colherinha de cremor.
Modo de Preparo:
Bate-se as claras como para suspiro e junta-se ao açúcar que deve já estar batido
com a manteiga e depois as gemas, o leite, mistura-se com o cremor e por último a farinha,
bate-se bem. Formas untadas.
Receita extraída de Receitas de Sinhara: Receitas de Dona Maria Clara de C.
Macedo por José Alfredo C. Macedo.
157
ANEXO V
RECEITA DA PAÇOCA DE PINHÃO
Ingredientes:
5 Kg de pinhão,
2 Kg de carne,
1 Kg de toucinho branco (torresmo)
Modo de preparo:
Cozinhe o pinhão até que comece a abrir (cerca de 1h30). Tire a pele eventual que
restar do pinhão (para não amargar). Passe no processador ou liquidificador, para moê-lo, de
forma que fique mais ou menos granulado. Leve o toucinho cortado em cubos ao forno, em
uma panela, para virar torresmo. Reserve o torresmo.
Nesta mesma panela com parte da gordura, adicione a carne de pernil em cubos e
tempere somente com sal. Frite (na chama do gás) até que a carne esteja bem tostada. Devolva
o torresmo à panela e junte, aos poucos, a “farofa” de pinhão, mexendo constantemente.
Acrescente mais um pouco da gordura extraída do toucinho (para não secar), até finalizar.
Receita extraída do livro Culinária Paranaense de Eduardo Sganzerla e Jan
Strasburger.
158
ANEXO VI
RECEITA DO BOLO LAPEANO
1 pires bem cheio de farinha de milho (biju e pó em igual quantidade). Molhar com
leite frio para desmanchar bem. Deixar descansar para que a farinha chupe todo o leite. Sobre
esta mistura, quebrar 3 ovos (2 inteiros e 1 gema). Adicionar 1 xícara mal cheia de banha
derretida, não quente. Sal e erva-doce. Misturar tudo e ir juntando o polvilho, já peneirado, até
que a massa fique dura, em ponto de enrolar. Sovar bem. Enrolar os bolos em círculos ou em
S e levá-los logo para assar.
Receita extraída do livro Café com Mistura:seguido de cartas da minha cozinha por
Maria Thereza B. Lacerda
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