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Esta política nitidamente autofágica, de achatamento das receitas e
descontrole dos gastos, vem ocorrendo em praticamente todos os paises
que hoje estão ameaçados pela hiperinflação e o colapso da sua infra-
estrutura básica, como parte de uma espécie de “ritual de autodestruição”
que vem sendo praticado com cansativa repetição: investimentos estatais
maciços, colapso das tarifas públicas, empréstimos externos e, quando
estes param, aumento da dívida interna e financiamento através da emissão
de moeda. Assim, importa perceber que, no Brasil como em outros paises
vizinhos, a crise financeira das empresas estatais de serviços públicos,
muito longe de ser o “remédio amargo” que estas empresas devem tomar
na luta contra a inflação, em verdade alimenta e faz parte do processo de
desintegração inflacionária, com as empresas tentando futilmente aumentar
os seus preços reais, mas sendo obrigada a assistir a anulação destes
aumentos com a escalada da inflação. Como resultado do colapso da sua
capacidade e do fim dos empréstimos externos, as empresas públicas vêm
cada vez mais buscar o dinheiro que lhe falta no Tesouro do Estado. Este,
simplesmente imprime o dinheiro que também lhe falta. E o consumidor,
muito longe de ser “protegido” por estas medidas ilusórias de controles de
preços e descontroles de moeda, em verdade sofre cada vez mais os
efeitos da inflação e, ainda, corre o risco de ficar sem os serviços essenciais
devido aos investimentos insuficientes das empresas públicas
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.
Também nesse sentido:
O Estado, ao imiscuir-se na ordem econômica para competir com a
sociedade ou para se substituir a ela com exclusividade, ou seja, nas
modalidades de intervenção concorrencial e monopolista, se afasta do
exercício regular de seu poder coercitivo, do qual detém o monopólio, para
ser mais apenas uma empresa ou mais um concorrente. Com isso, ele
perde suas características públicas. O Estado se privatiza, perdendo de
vista os interesses gerais, que lhes são próprios, para ter interesses
privados. Além de não existirem mais recursos para recapitalizar as
empresas do Estado, escasseiam também recursos para o desempenho de
suas atividades públicas: o Estado privatizado acaba se despublicizando
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.
Não bastasse isso, ao exercer atividades que, a rigor, são de competência
exclusiva da iniciativa privada, o Estado concorre indevidamente com ela, muitas
vezes monopoliza o mercado e impede o desenvolvimento econômico e social
baseado na livre iniciativa e na livre concorrência.
A estatização, caracterizada pelo exercício de funções do Estado, próprias do
setor privado, além de provocar a centralização do poder e a inflação, ensejou o
aumento da corrupção que decorre do próprio funcionamento do sistema
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CHRISTODOULOU, Diomedes; HUKAI, Roberto Y.; GALL, Norman. Energia elétrica e inflação
crônica no Brasil. A descapitalização das empresas estatais. Relatório final. São Paulo: Instituto
Fernand Braudel de Economia Mundial, 1993. p. 13.
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MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Reforma da ordem econômica e financeira. Revista dos
tribunais – Cadernos de direito constitucional e ciência política. São Paulo, n. 09. p. 23.
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WALD, Arnaldo. O papel do Estado no limiar do Século XXI. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva