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NATÁLIA PALUDETTO GESTEIRO
A DISCIPLINA JURÍDICA DA EXPLORAÇÃO CONCORRENCIAL DE
ATIVIDADE ECONÔMICA PELO ESTADO
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado
em Direito da Universidade de Marília, como
exigência parcial para a obtenção do grau de
Mestre em Direito, sob orientação da Profª Drª
Maria de Fátima Ribeiro.
MARÍLIA
2006
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Autora: Natália Paludetto Gesteiro
Título: A disciplina jurídica da exploração concorrencial de atividade econômica pelo
Estado
Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de
Marília, área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e
Mudança Social, sob a orientação da Profª Drª Maria de Fátima Ribeiro.
Aprovada pela Banca Examinadora em ____/_____/2006.
Profª Drª Maria de Fátima Ribeiro
Orientadora
Prof Dr Lourival José de Oliveira
Profª. Drª Iara Rodrigues de Toledo
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Dedico este trabalho a Deus; à minha
orientadora que, com tanta paciência e carinho,
vem me conduzindo pela estrada do
conhecimento tantos anos; a meus pais,
minha irmã, cunhado e sobrinhos Felipe e
Heloísa, pela compreensão da ausência do
convívio familiar por tanto tempo e ao Reinaldo,
pelo apoio incondicional.
Agradeço a colaboração das minhas cias
Érica e Kelly, dos estagiários Luiz Rangel,
Daniel e Rafael, da amiga e coordenadora do
curso de Direito do CESD, profª Heloísa Helena
Portugal, dos companheiros, professores e
funcionários do Programa de Mestrado da
UNIMAR, a todos os amigos e alunos da
Faculdade de Direito do CESD e, em especial,
ao prof. José Gonzaga Neto.
A DISCIPLINA JURÍDICA DA EXPLORAÇÃO CONCORRENCIAL DE
ATIVIDADE ECONÔMICA PELO ESTADO
Resumo: A intervenção estatal no domínio econômico, mediante empresas criadas para o
desempenho de atividades econômicas, é fato verificado em maior ou menor intensidade de
acordo com a ideologia adotada pelo Estado em cada momento histórico, variando entre o não
intervencionismo e o intervencionismo extremado, conforme a carga ideológica estatal seja
mais liberal ou social, respectivamente. Apesar de o Estado brasileiro jamais ter sido alçado
por uma Constituição ao posto de principal agente econômico do País, sempre ficando a
exploração direta de atividade econômica pelo Estado vinculada ao preenchimento de
requisitos constitucionais e infraconstitucionais. Isso não impediu que o Estado brasileiro se
tornasse cada vez mais presente na economia, sob o pretexto de promover a justiça social pela
distribuição de renda (Justiça distributiva), ou ainda, complementar a atividade deficitária da
iniciativa privada, o que se daria por meio das empresas estatais. A atuação empresária do
Estado é atualmente condicionada à verificação da presença de três requisitos constitucionais,
quais sejam, a) a necessidade de se atender, pela intervenção estatal no domínio econômico, a
um imperativo da segurança nacional ou a um relevante interesse coletivo; b) a edição de
norma regulamentadora da norma constitucional que traga em seu bojo rol taxativo das
hipóteses que configurem uma condição ou outra e c) a edição de norma específica criadora
ou autorizadora da criação da empresa estatal que atuará diretamente no domínio econômico.
Os conceitos de imperativos da segurança nacional e relevante interesse coletivo devem
constar de norma regulamentadora do texto constitucional para ganharem eficácia, posto que
sua amplitude impossibilita a sua auto-executoriedade. Tal lei, para evitar o arbítrio estatal,
deve conter, em seu corpo, rol taxativo de hipóteses caracterizadoras dos requisitos que
autorizam a intervenção do Estado no domínio econômico em sua modalidade concorrencial.
Além disso, da norma criadora ou autorizadora da criação da empresa estatal deve constar a
subsunção da atividade que será por ela desenvolvida a, ao menos, uma das hipóteses
constantes da norma regulamentadora da Constituição. A omissão do Estado em editar a
norma regulamentadora criou situação de difícil solução. É que, na falta da lei complementar
reguladora em questão, não podem as empresas estatais criadas antes da promulgação do atual
texto constitucional adequarem-se a ele por ausência de parâmetros legais. Levando em conta
a função social da propriedade e a busca do pleno emprego, é de se considerar a manutenção
dessas empresas estatais em funcionamento enquanto não editada a lei complementar em
comento.
Palavras-chave: intervenção estatal; domínio econômico; empresas estatais; iniciativa privada;
concorrência.
THE JURIDICAL DISCIPLINE OF THE COMPETITIVE EXPLOITATION
OF THE ECONOMIC ACTIVITY BY THE STATE
Abstract: The state intervention over the economic domination by enterprises state to perform
the economic activities is a verifiable fact in greater or smaller intensity according to the
ideology adopted by the state government in each historical moment, varying between the
non-interventionism and the extreme interventionism, conformity to the state ideological
burden is more liberal or social respectively. Despite the brazilian state has never been raised
by a constitution to the post of a major economic agent of the country, always maintaining the
direct exploitation of the economic activities by the state bonded to the fullfilness of the
constitutional requirements and infraconstitutional. This has not prevented that the brazilian
state became more and more present in the economy, under the pretext of promoting the
social justice by the revenue distribution (distributivie justice), or even complements the
deficient activinty of the private sector, what would happen by means of the state enterprises.
The entrepreneurial performance of the state is nowadays conditioned to the verification of
three constitucional requirements such as, a) The necessity to attend, by state intervention in
the economic power to an imperative of the national security or to a considerable collective
interest; b) The edition of regulating law of the constitutional law which brings in its taseable
body hypothesis that form lither acondition or other c) The edition of specific law that creates
or authorizes the creation of private enterprise which will perform straight in the economic
power. The concepts of imperatives of nacional security and considerable collective interest
should be part of the constitutional text for gaining efficacy for as much its breadth, makes
impossible its self-execution. Such law, to avoiding the state arbitrary, must refrain, in its
body, taxable file of hypothesis which characterizes the requirements that allow the
intervention of the state in economic power in its competitive modality. Besides that, from the
creator or authorized law of the state enterprise creation must be part of the adequacy for the
activity that will be developed by itself for at least, one of the stable hypothesis of the
regulatory law of the constituition. The neglectness of the state to set up the regulatory law
created a situation of hard solution. It is because, in lack of the complementary regulatory law
in evidence, the state enterprises created before the promulgation of the current constitucional
text adjust itself to it because of the lack of legal parameters. Taking into account the social
function of the propriety and the searching for absolute use, it is to be considered the
maintenance of these state enterprises working while not edited the complementary law
pointed out.
Keywords: state intervention, economic power, state enterprises, private enterprise,
competition.
LISTA DE ABREVIATURAS
ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade
ANP - Agência Nacional de Petróleo
Art. – artigo
BIRD – Banco Mundial
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CF – Constituição Federal
Cia. - Companhia
DF – Distrito Federal
Dec. – Decreto
DJU – Diário de Justiça da União
EC – Emenda Constitucional
ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
ELETROBRÁS – Centrais elétricas brasileiras S.A.
EUA – Estados Unidos da América
FMI – Fundo Monetário Internacional
GATT - General Agreement on Tariffs and Trade
IMBel (Indústria de Material Bélico do Brasil)
Inc. – inciso
L. – lei
LICC – Lei de Introdução ao Código Civil
MP – Medida Provisória
MS – Mandado de Segurança
Petrobrás – Petróleo Brasileiro S.A.
PIB – Produto Interno Bruto
STF – Supremo Tribunal Federal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TCU – Tribunal de Contas da União
URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..........................................................................................................09
1 O ESTADO E O DOMÍNIO ECONÔMICO: UM PERÍODO DE TRANSIÇÃO........11
1.1 A MODIFICAÇÃO DO PAPEL DO ESTADO.......................................................12
1.2 A EVOLUÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE INICIATIVA E DA LIVRE
CONCORRÊNCIA E A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO34
1.3 OS MODOS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO....41
2 A ATIVIDADE ECONÔMICA DO ESTADO E AS EMPRESAS ESTATAIS..........46
2.1 A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA E A INTERVENÇÃO
CONCORRENCIAL DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO ..............................49
2.2 EMPRESAS ESTATAIS: EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE
ECONOMIA MISTA...................................................................................................60
3 O CARÁTER EXCEPCIONAL DA ATIVIDADE ECONÔMICA ESTATAL............79
3.1 OS CONCEITOS DE IMPERATIVOS DA SEGURANÇA NACIONAL E
RELEVANTE INTERESSE COLETIVO.....................................................................80
3.2 A CRIAÇÃO DE NOVAS EMPRESAS ESTATAIS E A SITUAÇÃO JURÍDICA
DAS EMPRESAS ESTATAIS CRIADAS ANTES DA PROMULGAÇÃO DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.......................................................................90
3.3 O CONTROLE DOS ATOS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO
ECONÔMICO............................................................................................................96
CONCLUSÃO.........................................................................................................106
REFERÊNCIAS.......................................................................................................109
9
INTRODUÇÃO
A disciplina jurídica da exploração concorrencial de atividade econômica pelo
Estado é matéria que tem sido objeto de estudo de diversos ramos do direito -
público e privado -, tais como direito urbanístico, ambiental, econômico, tributário,
administrativo, civil e comercial.
Nesta pesquisa, busca-se uma visão pluralista acerca do tema para fins de se
verificar, diante do atual papel do Estado brasileiro, principalmente no tocante às
matérias de cunho econômico, os limites desse tipo de intervenção estatal no
domínio econômico, as conseqüências do desrespeito a esses parâmetros por parte
do Poder Público e as formas de controle da ingerência governamental em área que,
via de regra, é de atuação da iniciativa privada.
O interesse pela investigação do tema decorreu da verificação de que o
Estado brasileiro, na busca de maior eficiência no cumprimento de sua principal
função que é a de gerar o bem comum, sofreu, nas últimas cadas, um processo
de profunda modificação no que tange às suas atribuições.
Esse processo foi acelerado pela globalização, que torna cada vez mais veloz
a troca de informações entre pessoas, físicas ou jurídicas e implica na repercussão,
também, mais rápida e mais intensa, de fatos tais como crises e ocorrências de
desastres naturais.
Nesse contexto, vem o poder público desvencilhando-se de algumas
atividades, reservando para si somente aquelas de importância fundamental para o
alcance de seus objetivos e finalidades, estampados em vários dispositivos do atual
texto constitucional, mas, principalmente, em seu preâmbulo e em seus Arts. 1º e 3º.
Assume a ideologia social-democrata, restringe sua atuação direta no domínio
econômico às situações excepcionais de monopólio estatal e de atendimento aos
imperativos da segurança nacional e, ainda, de relevante interesse coletivo. Reserva
a prática de atividades econômicas, em geral, à iniciativa privada.
10
Seguindo essa mesma ideologia, traz para si a função de repressão do abuso
do poder econômico, mediante a atuação estatal no domínio econômico visando a
manutenção de um mercado saudável.
Contudo, nem sempre o Estado cumpre suas próprias prescrições normativas
e, ao invés de retirar-se do cenário econômico, intensifica a sua presença, tornando-
se, no mais das vezes, o único fornecedor de um dado produto ou serviço,
simulando um monopólio natural.
Ocorre que os prejuízos da ausência de competição no mercado são
desastrosos, principalmente no que tange ao desenvolvimento nacional, que a
competitividade gera o desenvolvimento de novas tecnologias, com a redução de
gastos, a otimização dos recursos e do tempo utilizado na produção dos bens ou
serviços, a melhoria da sua qualidade e o aumento da produtividade.
Dessa situação decorrem problemas a que o jurista deve responder, tais
como quais os limites desse tipo de intervenção estatal no domínio econômico, as
conseqüências do desrespeito a esses parâmetros por parte do Poder Público e as
formas de controle da ingerência governamental em área que, normalmente, é de
atuação da iniciativa privada.
11
1 O ESTADO E O DOMÍNIO ECONÔMICO: UM PERÍODO DE TRANSIÇÃO
O papel do Estado brasileiro sofreu modificações através dos tempos, sendo
certo que sua atuação no domínio econômico é gênero e sua intervenção é espécie.
A intervenção estatal no domínio econômico mediante empresas criadas para
o desempenho de atividades econômicas é fato verificado em maior ou menor
intensidade de acordo com a ideologia adotada pelo Estado em cada momento
histórico, variando entre o não intervencionismo e o intervencionismo extremado,
conforme a carga ideológica estatal seja mais liberal ou social, respectivamente.
A ordem econômica brasileira é fundada pelo princípio da livre iniciativa, que
visa a garantir o valor da liberdade, ou seja, liberdade no exercício da atividade
econômica, consubstanciando a opção do povo brasileiro por conferir à iniciativa
privada o exercício das atividades econômicas, só exercitáveis pelo Estado nas
hipóteses constitucionais em que se apresente um imperativo de segurança nacional
ou relevante interesse coletivo. O princípio da livre iniciativa, vetor essencial das
atividades econômicas, é invocado reiteradamente nas decisões judiciais em que
são impugnados os meios ilegítimos de intervenção do Estado sobre o domínio
econômico, como forma de assegurar tal opção política e constitucional fundamental,
e as atividades desempenhadas em desconformidade com o referido princípio hão
de ser consideradas inconstitucionais, devendo o Poder Judiciário garantir a sua
preservação, observância e efetividade.
O modelo de Estado adotado pela atual Constituição traduz um misto de
intervencionismo e liberalismo econômico, como se o legislador constituinte tivesse
colhido em cada um dos tipos ideológicos de Estado o que ambos trazem de
virtudes, o que leva a conclusão da mescla entre os modelos de Estado Liberal e
Social, ensejando, portanto, o modelo aqui mencionado de Estado do Bem-Estar
Social.
12
A intervenção do Estado no domínio econômico não é um fim em si mesmo,
portanto ostenta nítido caráter instrumental e representa meio para o alcance dos
fins traçados pela própria Constituição.
É possível afirmar que o Brasil adotou, a partir da promulgação da referida
Constituição, uma política social-democrata, mantendo-se um país capitalista que
pretende atingir o desenvolvimento quantitativo (crescimento econômico), mas
também desenvolvimento qualitativo (crescimento econômico, aliado à elevação da
melhoria das condições sociais e culturais dos cidadãos).
1.1 A MODIFICAÇÃO DO PAPEL DO ESTADO
O Estado, como instituição social, tem por função precípua o atendimento das
necessidades da coletividade que o constitui, de forma que poder público, sociedade
e Direito estão em constante simbiose e interação, um modificando o outro de
acordo com a relação espaço, tempo e necessidade. Isso porque “o Estado Moderno
tem por objetivo supremo a defesa dos interesses do seu povo, sintetizados no bem-
estar social, isto é, no bem comum e não no individual”
1
.
No Século XVIII, tinha finalidades e objetivos específicos acordados com a
sociedade de então, enquanto suas normas guardavam correspondência com o
conteúdo axiológico da época. A evolução da sociedade, da qual decorreram
mudanças das próprias necessidades, provocou a modificação do papel
desempenhado pelo Estado perante essa mesma coletividade.
Considerando que o enfoque desta pesquisa é o de contexto nacional, optou-
se pela realização de um corte metodológico na análise histórica da evolução da
modificação do papel estatal a partir do aparecimento do Estado Mínimo, também
chamado Estado-Polícia, surgido da Revolução Francesa
2
, cuja posição absenteísta,
1
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. 28 ed. São Paulo: RT, 1999. p. 25.
2
VENÂNCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico. O Direito público
econômico no Brasil. 1 ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1968. p. 05.
13
própria do liberalismo, já caracterizava uma posição política e consciente da atuação
estatal no domínio econômico
3
.
O Estado Liberal tinha como uma de suas funções a proteção dos direitos
individuais contra os abusos de autoridade
4
, limitando-se a fixar, por meio do Direito,
as regras do jogo e considerando o bem-comum como a adequada formulação e o
escrupuloso respeito dessas mesmas regras, servindo, dessa forma, de sustentáculo
para o desenvolvimento do Capitalismo
5
, tendo em vista que, como corolário da
defesa da liberdade individual mencionada, estava a proteção da liberdade
econômica, nela incluída a liberdade de comércio e de indústria
6
.
As funções estatais se reduziam à mera vigilância da ordem social e à
proteção contra ameaças externas
7
, devendo o Estado legislar, gerir o próprio
patrimônio e prover as próprias despesas, promover a segurança dos cidadãos em
relação às ameaças externas e também a manutenção da ordem social, prestar
jurisdição, garantir a prestação de serviços públicos essenciais à população e a
realização de obras blicas que não fossem economicamente interessantes à
iniciativa privada. Nesse sentido, um dos principais expoentes do liberalismo assim
discorreu sobre as funções do Estado Liberal:
Segundo o sistema da liberdade natural, ao soberano cabem apenas três
deveres; três deveres, por certo, de grande relevância, mas simples e
inteligíveis ao entendimento comum: primeiro, o dever de proteger a
sociedade contra a violência e a invasão de outros países independentes;
segundo, o dever de proteger, na medida do possível, cada membro da
sociedade contra a injustiça e a opressão por qualquer outro membro da
mesma, ou seja, o dever de implantar uma administração judicial exata; e,
terceiro, o dever de criar e manter certas obras e instituições públicas que
jamais algum indivíduo ou pequeno contingente de indivíduos poderão ter
interesse em criar e manter, que o lucro jamais poderia compensar o
gasto de um indivíduo ou de um pequeno contingente de indivíduos, embora
muitas vezes ele possa até compensar em maior grau o gasto de uma
grande sociedade.
8
3
MENEZES, Paulo Lucena de; CINTRA, Fernando Pimentel. Privatização. Revista dos tribunais
Cadernos de direito tributário e finanças públicas. São Paulo, n. 14. p. 238.
4
Idem, ibidem, p. 238.
5
COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa. Revista de direito mercantil, industrial,
econômico e financeiro. São Paulo, n. 50. p. 57.
6
MENEZES, Paulo Lucena de; CINTRA, Fernando Pimentel. Privatização. Revista dos tribunais
Cadernos de direito tributário e finanças públicas. São Paulo, n. 14: p. 238.
7
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 25 ed. São Paulo: Saraiva,
2005. p. 280.
8
SMITH, Adam. A riqueza das nações: Investigação sobre sua natureza e suas causas. o
14
Nesse período, o equilíbrio das atividades econômicas ficou praticamente
vinculado às leis do mercado, sendo possível afirmar que não havia planejamento
estatal da economia.
O afastamento do Estado do setor econômico permitiu que os agentes
econômicos atuassem sem qualquer interferência, em que pese as teorias da época,
que pregavam a auto-regulação dos mercados e gerou, como contrapartida da
ampla liberdade econômica instaurada, uma acirrada concorrência entre os agentes
econômicos.
Essa situação de extrema competição, ao invés de beneficiar o mercado,
acabou por lhe provocar um desequilíbrio, por meio do qual vários operadores se
viram na iminência de perder a capacidade de se manter em atividade. Numa
tentativa de evitar a própria quebra, os agentes econômicos deram início ao
fenômeno da concentração de empresas, por meio de processos de aquisições e
fusões que originaram os oligopólios e os monopólios.
Os motivos e modos de intervenção estatal na economia da época geraram
condições para que ocorresse crescimento econômico sem desenvolvimento
9
o que
aumentou a distância entre as classes sociais mais e menos abastadas, assim como
os níveis de concentração de renda numa parcela cada vez menor da população e,
por outro lado, diminuiu o número de indivíduos do corpo social com acesso a
mecanismos de realização do bem comum e, conseqüentemente, ampliou o rol de
problemas sociais existentes, principalmente, com a formação do proletariado,
como conseqüência direta da Revolução Industrial, no culo XVIII que teve início
na Grã-Bretanha durante o Século XVIII e estendeu-se às outras partes da Europa e
à América do Norte no início do Século XIX, encontrando-se difundida na Europa
Ocidental e no nordeste dos Estados Unidos em meados do Século XIX
10
.
Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 147. Vol. II.
9
MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, livre concorrência e desenvolvimento. São Paulo:
Lex, 2006. p. 23-25 e p. 92 e WALD, Arnaldo. O papel do Estado no limiar do Século XXI. In:
MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Desafios do Século XX, Revisão de Janice Yunes Parim.
São Paulo: Pioneira: Academia Internacional de Direito e Economia, 1997. p. 63.
15
A atuação estatal que, até então, era mínima e normalmente restrita à defesa
da propriedade privada e da livre iniciativa; em decorrência das mudanças
econômicas e sociais advindas da ampla liberdade econômica que vigia à época e
que resultaram em desequilíbrios sócio-econômicos que não poderiam ser
contornados ou solucionados pela mão invisível do mercado; tornou-se cada vez
mais freqüente. Realizou-se sem qualquer planejamento ou vinculação a uma
posição doutrinária preestabelecida, provocando a tomada de medidas emergenciais
para atendimento de novas necessidades sociais, como fruto de uma atuação
governamental pragmática
11
.
Essa modificação no grau de atuação estatal no domínio econômico se deve
ao fato de que a livre iniciativa, que norteava as atividades econômicas no
liberalismo, aplicada a um mercado de concorrência imperfeita, acabou por
desencadear distorções que somente poderiam ser corrigidas com maior presença
do Estado na seara econômica.
O Estado Liberal, na prática, não trouxe os benefícios esperados por seus
defensores - assim como todo e qualquer instituto criado a partir de uma situação
hipotética e ideal mostrando-se, de fato, irrealizável, ante a sua incapacidade de
solucionar os problemas sociais da época. Nesse sentido:
No final do século XVIII e início do XIX, com a Revolução Industrial iniciada
na Inglaterra, começa a ser freqüente a utilização da expressão “Questão
Social”, que se inicialmente estava ligada ao destino do trabalhador
industrial, logo se ligou à noção de uma perturbação profunda da ordem
social”. A esses novos e intrincados problemas sociais, o Estado Liberal não
soube dar uma resposta a contento. Baseado numa excessiva confiança na
bondade da natureza humana, o sistema catalisou a chamada “questão
social”. O Estado abandonou sua posição de neutralidade e passou a
intervir mais assiduamente na vida econômica e social, em concreto através
da legislação e dos serviços públicos.
12
Observa-se que, até a Revolução Industrial (Século XVIII), em geral, os
mercados eram competitivos, não havia, portanto, motivos que justificassem a
10
RUESCAS, Jesus. História geral. São Paulo: Sivadi Editorial Ltda. p. 312.
11
VENÂNCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico. O Direito público
econômico no Brasil. 1 ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1968. p. 10-11.
12
MENEZES, Paulo Lucena de; CINTRA, Fernando Pimentel. Privatização. Revista dos tribunais
Cadernos de direito tributário e finanças públicas. São Paulo, n. 14. p. 239.
16
intervenção estatal para fins de manutenção de níveis saudáveis de concorrência
entre eles
13
.
No Século XIX, tal situação foi modificada com a concentração dos mercados
relevantes decorrente da formação de grandes empresas, trustes, cartéis, oligopólios
e monopólios. Essas grandes empresas tiveram sua origem nas operações de fusão
e aquisição que foram incrementadas pelo princípio absoluto da autonomia das
vontades e pelo princípio da livre iniciativa, pautados na ideologia burguesa
predominante da época. Sobre esta temática, importante ressaltar a influência de tal
ideologia na construção jurídico-privatista do Século XIX brasileiro
14
.
A evolução econômica aqui retratada contribuiu para o aumento do
desequilíbrio social existente e culminou com o surgimento dos movimentos
socialistas, cujo marco histórico é a Revolução Russa (1917) e, após, a formação da
URSS (1922-1991), numa clara reação aos efeitos negativos decorrentes do
liberalismo.
Dentre esses efeitos negativos, pode-se citar, a título de exemplo, a
substituição de alguns trabalhadores - que antes desenvolviam trabalhos manuais -
por máquinas; a modificação da relação entre patrões e empregados, que se tornou
mais fria e impessoal tendo em vista o número de trabalhadores nas empresas em
decorrência do fenômeno da concentração empresarial; o aumento do ritmo de
trabalho em virtude da automação; a especialização do empregado na sua função e,
conseqüentemente, a monotonia do trabalho; os salários baixos para os homens e
ainda mais reduzidos para as mulheres e crianças (muitas, menores de 10 anos de
idade); o elevado índice de analfabetismo entre os trabalhadores e a
superpopulação das cidades, decorrente do êxodo rural que gerava todas as
conseqüências esperadas de um elevado índice de déficit habitacional,
principalmente, os de ordem sanitária
15
.
13
RUESCAS, Jesus. História geral. São Paulo: Sivadi Editorial Ltda. p. 314.
14
GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil Brasileiro. São Paulo:
Martins Fontes, 2003. p. 14-23 e COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 8 ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 09-11. Vol. I.
15
RUESCAS, Jesus. História geral. São Paulo: Sivadi Editorial Ltda. p. 320-323, 360 e 374.
17
Os movimentos socialistas no Século XX deram vazão a um movimento
intervencionista que teve o apogeu no período pós-guerras, com a substituição do
Estado Liberal (Mínimo) pelo Estado Social (Intervencionista ou de Serviço), que se
mostrou um onipresente e controlador, megalômano.
Além de desempenhar as funções relativas à mera vigilância da ordem social
e à proteção contra ameaças externas, o Estado Intervencionista ampliou
gradativamente o rol de suas atribuições, sempre sob o fundamento de atendimento
às necessidades da coletividade surgidas em decorrência das duas guerras
mundiais
16
. Daí afirmar-se que:
[...] no século XX o aparecimento, a partir de 1914, das economias de
guerra, em que algumas nações de 1914 a 1918 e mais intensamente de
1939 a 1945, tiveram que se preparar para o esforço bélico, o que exigiu a
mobilização de todas as suas atividades econômicas para esse objetivo,
acarretando, também, indiretamente, o alargamento das atribuições do
Estado. [...] De fato, tal guerra: a) dilata desmesuradamente as exigências
de armamento e aprovisionamento, demonstrando a necessidade do
controle integral e coativo da vida econômica; b) em virtude disso, constitui
uma experiência concreta da total disciplina pública da economia, assumido
como modelo de futuros objetivos autoritários de política econômica; e ao
mesmo tempo cria bitos e métodos dirigistas dificilmente anuláveis; c)
provoca excessos dimensionais e distribuições erradas na industrialização,
com predisposição à ruína por falta de capital e de demanda, e conseqüente
“absorção” estatal para evitar a crise; d) fraciona o mercado internacional
pelo surgimento de novos Estados e de um novo nacionalismo econômico,
determinando ademais o definitivo deslocamento do equilíbrio econômico
em favor dos Estados Unidos e em prejuízo da Europa; e) provoca o
desenvolvimento numérico e o despertar classista das massas operárias, de
quem acresce o peso político e a força organizatória, colocando em posição
de condicionar a tradicional supremacia das antigas classes dirigentes e de
exigir a revisão em sentido social do intervencionismo.
17
Exemplo do alcance do intervencionismo estatal é a aplicação, por Roosevelt,
nos EUA, da Teoria Keynesiana, segundo a qual caberia ao Estado a função básica
de regular a economia, procurando suavizar as flutuações econômicas e
complementar a iniciativa privada em relação à realização do investimento, evitando,
dessa forma, a estagnação no longo prazo, principalmente no que se refere ao uso
da política fiscal como forma de intervenção estatal no domínio econômico
18
.
16
MENEZES, Paulo Lucena de; CINTRA, Fernando Pimentel. Privatização. Revista dos tribunais
Cadernos de direito tributário e finanças públicas. São Paulo, n. 14. p. 239.
17
VENÂNCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico. O Direito público
econômico no Brasil. 1 ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1968. p 11-12.
18
MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, livre concorrência e desenvolvimento. São Paulo:
Lex, 2006. p. 44.
18
Devido à sua política dissuasiva do pós-guerra, os EUA, por meio de
participação direta e indireta na própria economia e na de outros países, tornaram-se
um dos principais investidores próprios e em outras economias como a brasileira, de
forma que se formou um ciclo vicioso entre investido e investidor, confundiram-se
tais sujeitos, tornando-se clara a fragilidade do sistema.
A saúde econômico-financeira dos países, dentre eles, a do Brasil, tornou-se
dependente e também viciada em incentivos externos. Esse processo de
dependência brasileira em relação ao capital estrangeiro permanece na atualidade,
em decorrência do processo de globalização da economia mundial que forçou a
abertura dos países ao capital e às indústrias estrangeiras. Conseqüentemente
aumentou o grau de interdependência entre as diversas economias e tornou o
capital estrangeiro essencial, principalmente para as economias emergentes como a
brasileira
19
.
Dentre as novas funções do Estado, portanto, estava a de interventor na
economia. Primeiramente, a pretexto de impedir os abusos do poder econômico
contra a propriedade privada e contra a livre iniciativa; depois, sob o argumento de
gerar crescimento econômico, passou a dela participar ativamente, como verdadeiro
agente econômico; ampliando, pouco a pouco, a sua estrutura, e passaram a figurar,
como dois ícones dessa modificação, a Constituição Mexicana de 1917 e a
Constituição de Weimar de 1919.
No período compreendido entre as duas guerras mundiais (1919-1938) e no
período imediatamente posterior a elas (a partir de 1945), sempre sob o argumento
de que havia um interesse social na intervenção estatal na economia para fins de
reconstrução das cidades, na reestruturação da vida social e econômica da
população, fenômeno tecnicamente denominado economia de guerra, o Estado
ampliou sua esfera de ação de tal forma que, em pouco tempo, não havia área de
atuação econômica exclusiva da iniciativa privada, a ponto de alguns autores, dentre
19
BOBBITT, Phillip. A guerra e a paz na história moderna: O impacto dos grandes conflitos e da
política na formação das nações. Phillip Bobbitt; tradução de Cristiana Serra. Rio de Janeiro:
Campus, 2003. p. 09-11 e MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, livre concorrência e
desenvolvimento. São Paulo: Lex, 2006. p. 55.
19
eles, Arnoldo Wald, falarem da existência de um Estado Megalômano que dominava
“a sociedade em vez de lhe assegurar a prestação dos serviços públicos”
20
.
O período que seguiu à Crise de 1929 se caracterizou pela exacerbação do
intervencionismo estatal com a implantação do nazismo e do fascismo na Alemanha
e na Itália, respectivamente, países nos quais os poderes estatais se tornaram totais,
englobando, inclusive, o de controlar todo o processo econômico; com a socialização
dos meios de produção na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS),
surgida em 1922, baseada na doutrina socialista, em franca oposição aos dogmas
capitalistas da propriedade privada, da liberdade de iniciativa e da livre concorrência
e a aplicação do New Deal por Roosevel, nos EUA
21
.
Esclarece Vidigal
22
que:
Quando o funcionamento dos esquemas de amplíssima liberdade
empresarial, tendendo à concentração e submetendo o mercado a práticas
de restrição da concorrência, gerou, no extremo oposto, os regimes jurídicos
do Estado único empresário, a iniciativa, a inovação e a organização,
essenciais à atividade empresarial, passam a ser exercidas por estadistas e
tecnocratas, com eliminação da propriedade privada de bens de produção e
das técnicas da liberdade contratual. Destruíram-se, ao eliminar o interesse
privado na atividade produtiva, os mecanismos orientadores do mercado e
toda possibilidade de ganhos de eficiência no esforço da competição pela
conquista dele.
Em 1946, nos EUA, era lançado, pelo Presidente Roosevelt, o New Deal,
plano estatal de ampla intervenção econômica e social que acabou por criar o
chamado Estado do Bem-Estar Social ou Welfare State e que também foi implantado
em vários países da Europa por meio do Plano Marshall, em 1947, sob o argumento
de que os EUA queriam minorar os efeitos da guerra no continente europeu
23
.
20
WALD, Arnaldo. O papel do Estado no limiar do Século XXI. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva
(Coord.). Desafios do Século XXI. Revisão de Janice Yunes Parim. São Paulo: Pioneira: Academia
Internacional de Direito e Economia, 1997. p. 61. e GALVÊAS, Emane. Visões do Século XXI. In:
MARTINS, Ives Gandra (Coord.). O Estado do futuro. Revisão de Fausto Alves Barreira Filho. o
Paulo: Pioneira: Associação Internacional de Direito e Economia, 1998. p. 125.
21
RUESCAS, Jesus. História geral. São Paulo: Sivadi Editorial Ltda. p. 360, 374 e 398.
22
VIDIGAL, Geraldo de Camargo. A propriedade privada como princípio da atividade econômica.
Revista dos tribunais – Cadernos de direito constitucional e ciência política. São Paulo, n. 09: p.
49.
23
MENEZES, Paulo Lucena de; CINTRA, Fernando Pimentel. Privatização. Revista dos tribunais
Cadernos de direito tributário e finanças públicas. São Paulo, n. 14. p. 239.
20
Neste período, também foram criados o Banco Mundial (BIRD) e o Fundo
Monetário Internacional (FMI), com os propósitos de auxilio internacional, nas
conferências de Bretton Woods (julho de 1944), nas quais se estabeleceram as
regras para as relações comerciais e financeiras entre os países mais
industrializados do mundo
24
. Surge, assim, no cenário econômico internacional, o
plano de metas do FMI para o desenvolvimento econômico, traçando o perfil
necessário do Estado na atualidade.
O Estado assume, via de conseqüência, o comando de algumas atividades
econômicas tais como siderurgia, hotelaria e transporte aéreo e introduziu o conceito
de função social da propriedade e da empresa, consolidando, dessa forma, os
direitos sociais
25
.
No caso brasileiro, pode-se citar, a título de exemplo, a atuação empresária
do Estado, mediante a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), o hotel Glória, de
Águas de Lindóia e da VASP.
Na década de 80, houve nova onda de adesões aos ideais liberais decorrente
do esgotamento do modelo socialista de desenvolvimento e da desarticulação do
Estado do Bem-Estar Social nas economias centrais do bloco capitalista, fato que se
consolidou no denominado Consenso de Washington e que refletiu a convicção de
que o Estado Mínimo seria o melhor modelo de Estado, principalmente em razão do
poder de auto-regulação dos mercados. Essa certeza, entretanto, não resistiu às
crises do final da década de 1990 e da constatação de que aumentaram os níveis de
pobreza, assim como de que ficaram maiores e mais evidentes os desníveis sociais
e regionais
26
.
24
BANCO MUNDIAL. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Conferências_de_Bretton_Woods>
Acesso em: 04 set 2006.
25
BARROSO, Luís Roberto. Modalidades de intervenção do Estado na ordem econômica, regime
jurídico das sociedades de economia mista. Inocorrência de abuso de poder econômico. Revista
trimestral de direito público. São Paulo, n. 18, 1997, p. 89.
26
BARRAL, Welber. Direito e desenvolvimento: Um modelo de análise. In: BARRAL, Welber (Org).
Direito e desenvolvimento: Análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do
desenvolvimento. São Paulo: Singular, 2005. p. 58-59 e COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito
comercial. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004. Vol. I. p. 05.
21
Diante dessa constatação, o Estado, atualmente, busca suprir suas
ineficiências e reduzir seus custos
27
, na vã tentativa de preencher as necessidades e
os anseios do cidadão cuja individualidade cresce na medida em que seu perfil
cultural também cresce, mas cujas aspirações o cada vez mais limitadas pela
própria dificuldade do Estado em atendê-las e da sociedade em lhe suprir as
insuficiências no atendimento de suas finalidades essenciais, até em razão da
multiplicação, complexidade e diversidade de atividades que implicam o próprio
enfraquecimento
28
.
Constata-se que “o Estado perdeu muito de sua antiga capacidade de
conduzir isoladamente o processo de desenvolvimento”
29
em razão do crescimento
gradativo das dificuldades que tem encontrado para concentrar recursos da
sociedade desde o período imediatamente posterior ao das Guerras Mundiais,
“quando apresentou seu fastígio para alimentar os confrontos bélicos”
30
, sendo essa
escassez de capitais públicos decorrente de causas várias, tais como o
esgotamento das vias tributárias, o desgaste e a falta de modernização da quina
burocrática, o corporativismo e a corrupção - o cerne da redução da importância do
papel do Estado como agente econômico e, simultaneamente, a explicação da
estagnação do País durante o período em que, apesar dela, “por mais de duas
décadas: não soubemos ou não quisemos mudar um modelo exaurido”
31
.
Exemplifica essa crise estrutural em que o Estado brasileiro se encontra
mergulhado, o episódio do racionamento de energia ocorrido nos últimos anos, a
título de medida emergencial e preventiva de um anunciado apagão que ocorreria
em função da convergência dos fatores aumento da demanda por energia elétrica,
ausência de capacidade estatal para realizar os investimentos necessários para o
correspondente aumento da oferta e, ainda, período prolongado de seca, com a
27
CARNEIRO, Maria Neuenschwander Escosteguy. Exame da possibilidade jurídica de
modificação do "monopólio" postal. 206 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Universidade
Cândido Mendes, Rio de Janeiro, 2004. p. 17.
28
MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Estado do futuro. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.).
O Estado do futuro. Revisão de Fausto Alves Barreira Filho. São Paulo: Pioneira: Associação
Internacional de Direito e Economia. 1998. p. 18.
29
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Reforma da ordem econômica e financeira. Revista dos
tribunais – Cadernos de direito constitucional e ciência política. São Paulo, n. 09. p. 23.
30
Idem, ibidem. p. 23.
31
Idem, ibidem. p. 23.
22
conseqüente diminuição da capacidade produtiva de energia das usinas em
atividade.
Tal situação, aliás, era prevista e encontra-se em vias de se repetir
brevemente, pelos mesmos motivos, conforme trecho do relatório final de estudo
formulado para o Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial em 1993 acerca
da descapitalização das empresas estatais no Brasil, especificamente no setor de
energia elétrica, que segue transcrito:
Uma das demonstrações mais visíveis e assustadoras do esfacelamento da
infra-estrutura nos países do Terceiro Mundo pode ser encontrada na
condição precária em que se acham os seus sistemas elétricos, que
requerem alta concentração de capital e grande capacidade organizacional,
além de planejamento e investimentos a longo prazo. Uma grave crise
institucional, cujas repercussões se manifestam em agudos problemas
financeiros, baixos níveis de investimentos, falta de manutenção, uso
ineficiente de energia, baixa produtividade do capital investido, alocação
de recursos, dificuldade de ordem técnica e administrativa, tem levado os
sistemas elétricos de vários países de baixa e de média renda à beira do
colapso
32
.
Dentre as conseqüências negativas de um apagão, o mesmo estudo
33
cita o
não funcionamento de hospitais e escolas, a diminuição do ritmo da produção
industrial, inclusive, com forte possibilidade de dispensa de pessoal, o corte da
iluminação pública do qual decorreria o aumento da delinqüência criminosa, entre
outras.
Para que se torne possível a comparação entre o custo de produção da
energia elétrica e o custo decorrente da interrupção do seu fornecimento, utilizando
o caso da Argentina
34
, onde, no auge da crise, houve um virtual colapso do sistema
elétrico, estima-se que o racionamento de cerca de 25% do total da energia elétrica
consumida naquele país provocou uma queda na atividade industrial e comercial da
ordem de US$ 420 milhões por mês.
32
CHRISTODOULOU, Diomedes; HUKAI, Roberto Y.; GALL, Norman. Energia elétrica e inflação
crônica no Brasil. A descapitalização das empresas estatais. Relatório final. São Paulo: Instituto
Fernand Braudel de Economia Mundial, 1993. p.
14.
33
Idem, ibidem. p. 30.
34
Idem, ibidem. p. 30.
23
Essa situação não é um privilégio nacional ou mesmo continental. Nas mais
diversas partes do mundo e, mesmo nos países desenvolvidos, mas com piores
conseqüências nos países em desenvolvimento ou de desenvolvimento tardio, a
capacidade de investimento do Estado em infraestrutura e serviços para o
atendimento das necessidades básicas da população vem diminuindo
gradativamente. Nesse sentido:
A infra–estrutura básica de muitos países em desenvolvimento está se
transformando em sucata. Na escolha entre o consumo atual de bens e
serviços e a poupança e investimentos para o crescimento futuro, governos
fracos e populistas têm reiteradamente optado pelo consumo. Este declínio
na capacidade de poupar e investir são particularmente pronunciados nos
setores públicos dos países da África e da América Latina que,
tradicionalmente, têm-se encarregado da implantação e manutenção da
infra-estrutura essencial como estradas, telecomunicações, energia elétrica,
saneamento e sistemas de distribuição de água. A deterioração da infra-
estrutura em alguns países tem atingido níveis que começam a ameaçar a
sobrevivência da própria sociedade organizada. O Banco Mundial estima
que, durante as décadas de 70 e 80, 85 países em desenvolvimento têm
desperdiçado um patrimônio de cerca de US$ 45 bilhões em infra-estrutura
de estradas devido à falta de manutenção, perdas estas que poderiam ter
sido evitadas em obras de manutenção que teriam custado menos que US$
12 bilhões. [...] No Brasil, onde a extensão das estradas federais aumentou
de 8.500 quilômetros em 1955 para 65.000 quilômetros atualmente
representando um patrimônio estimado em US$ 150 bilhões, a parcela de
rodovias em mau estado aumentou de 18% do total em 1.979 para 28%
hoje. A infra-estrutura de transportes é apenas um aspecto da
desintegração dos serviços públicos. [...] Embora o Brasil ainda esteja longe
do grau de deterioração das instituições e da infra-estrutura que se observa
em outros países em desenvolvimento, os sinais de perigo são claros. Será
preciso grande esforço para que não aconteça aqui também
35
.
Mas não é necessário que haja apagão para que decorram conseqüências
negativas da falta de capacidade de investimento estatal na infraestrutura do País.
Isso porque, o setor produtivo brasileiro vem, de muito, operando aquém da sua
capacidade por ser consciente dos limites estruturais existentes, principalmente nos
setores energético e de armazenamento e escoamento de produção.
Dalmo de Abreu Dallari
36
, contrariando a doutrina até aqui mencionada,
afirma que, recentemente, desencadeou-se um novo processo intervencionista,
passando as grandes empresas e os grandes grupos capitalistas a verem essa
35
CHRISTODOULOU, Diomedes; HUKAI, Roberto Y.; GALL, Norman. Energia elétrica e inflação
crônica no Brasil. A descapitalização das empresas estatais. Relatório final. São Paulo: Instituto
Fernand Braudel de Economia Mundial, 1993. p. 11-12.
36
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. 25 ed. São Paulo: Saraiva,
2005. p. 283-284.
24
maior atuação estatal na economia, antes reputada como um fator de restrição da
liberdade dos particulares, como altamente benéfica, na medida em que o Estado
alçou a posição de grande financiador e um dos principais consumidores dessas
mesmas empresas e grupos, associando-se, com muita freqüência, aos maiores e
mais custosos empreendimentos e exercendo a função de agente negociador e
poderoso apoiador dos grupos econômicos e financeiros privados.
Não obstante o entendimento de Dallari, a edição da L. 11.079/04 veio
corroborar a opinião dos juristas e pesquisadores anteriormente mencionados no
sentido de que prevalecem, no País, os ideais liberais, permeados e limitados por
outros de cunho social, assim como restou evidenciado o exaurimento da
capacidade estatal de investir em infraestrutura.
A lei das parcerias público-privadas, como ficou conhecida:
pode ser vista como a mais recente medida tomada pelo governo brasileiro
tanto no contexto da busca por alternativas de financiamento e gestão de
obras públicas, em que se destaca a instituição do regime instituído pela Lei
de Licitações, como no contexto da redução da participação do Estado na
economia
37
.
Nesse mesmo sentido:
O Estado “moderno” reconhece as dificuldades financeiras e operacionais
de se manter como empreendedor direto das necessidades estruturais da
sociedade. Por esse motivo, tende a assumir um papel de parceiro da
iniciativa privada e fomentador e orientador da realização desses
empreendimentos econômicos e sociais (construção de sistemas viários,
implantação de saneamento básico e redes de energia elétrica,
pavimentação de ruas etc.), reservando-se como ente normatizador e
regulador dos projetos. [...] Essa transformação na forma de atuar do Estado
deve-se basicamente a três motivos: (i) necessidade legal e funcional de
atender às necessidades da sociedade, (ii) carência de recursos ou falta de
condições políticas/orçamentárias para destiná-los para esses projetos, e
(iii) estagnação da macro-economia pelas carências estruturais
38
.
Verifica-se, dessa forma, que a atuação do Estado no domínio econômico
sempre esteve presente, somente variando em grau de intensidade conforme as
37
GALVÃO, Graciema A. A. Aspectos históricos e introdutórios. Conexão migalhas: PPPs
Parcerias público-privadas. Campinas, n. 01, 2005. p. 09.
38
POLTRONIERI, Renato. Cenário nacional. Conexão migalhas: PPPs Parcerias público-
privadas. Campinas, n. 01, 2005. p. 51.
25
exigências ideológicas da época, sendo de extrema relevância para a preservação
da sociedade.
Nesse contexto, nota-se que a globalização, no sentido de fenômeno
expansionista, não é fato novo no panorama histórico mundial, tendo ocorrido em
diversos campos tais como o cultural (Grécia Antiga), o político (Império Romano), o
econômico (Grandes Navegações) e o religioso (Cristianismo)
39
.
Atualmente, tomou proporções maiores, haja vista ser produto da revolução
das comunicações, advinda, principalmente, da descoberta e da popularização da
internet, com a qual as pessoas passaram a ter acesso rápido, quase que imediato,
a todo o tipo de informação e, como conseqüência, tomam consciência de seus
interesses, passando a reivindicar eficiência no seu atendimento, organizando-se
nesse sentido, independentemente de qual o órgão responsável por esse
atendimento, assim como de sua natureza, pública ou privada.
Produzir mais, melhor, mais barato, em menos tempo e com menor custo
social, portanto, passa a ser, tanto para o setor público quanto para o setor privado,
a principal tarefa no Estado Moderno e nada, nem mesmo o nacionalismo, justifica a
ineficiência.
A velocidade das transformações decorrentes da globalização aliada à
necessidade cada vez maior de atender às necessidades dos cidadãos de forma
eficiente, gerou, para o Estado, uma urgência em se libertar de atividades que, a
rigor, o são tipicamente suas, do que decorreu o fenômeno mundial da
desestatização, popularmente conhecido como privatização, que, em linhas gerais,
consiste na transferência, de dada atividade econômica, do setor público para o
setor privado e que impõe o fortalecimento da função reguladora do Estado por meio
das agências reguladoras.
Nesse contexto e com a campanha pela redemocratização do País, a partir da
década de 80, o Estado brasileiro iniciou uma política de redução do seu papel como
39
BONAVIDES, Paulo. Do País constitucional ao País neocolonial: A derrubada da Constituição
e a recolonização pelo golpe de Estado institucional. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 15-26
26
agente econômico que pode ser exemplificada pela instituição do Programa
Nacional de Desburocratização (Dec. 83.740/79), seguido do Programa de
Privatização (Dec. n° 91.991/85, modificado pelo De c. n° 93.606/86) e, depois, do
Programa Federal de Descentralização (Dec. n° 95.88 6/88); também pela alteração
da redação do §2°, Art. 25, Carta Constitucional, a través da EC nº 05/95 e do seu
inc. XI, Art. 21, por meio da EC nº 08/95, entre outras. Nesse sentido, afirma
Barroso
40
:
[...] as reformas econômicas brasileiras envolveram três transformações
estruturais que se complementam, mas não se confundem, e que podem
ser assim sistematizadas: a) extinção de determinadas restrições ao capital
estrangeiro (Emendas Constitucionais ns 6, de 15/08/95, e 7, de 15/08/95),
modificando o regime jurídico de temas relevantes como pesquisa e lavra de
recursos minerais, aproveitamento de potenciais de energia elétrica e
navegação de cabotagem; b) flexibilização dos monopólios estatais
(Emendas Constitucionais ns 5, de 15/08/95; 8, de 15/08/95; e 9, de
09/11/95), em serviços blicos como gás canalizado e telecomunicações e
em atividades econômicas tidas como estratégicas, como pesquisa e lavra
de petróleo; e c) desestatização (Lei 8.031, de 12/04/90, modificada pela Lei
9.491, de 9/09/97) levada a efeito por mecanismos como a (i) alienação, em
leilão nas bolsas de valores, do controle de entidades estatais, e (ií) a
concessão de serviços públicos a empresas privadas.
Para que o Estado brasileiro alcance o grau de eficiência que lhe é
atualmente cobrado, tanto pelos cidadãos, quanto pelos investidores internacionais,
como pelo FMI, tornou-se necessária a identificação dos setores nos quais vem
atuando como agente econômico de forma injustificada e indevida, reestruturando-
o
41
, que ao desempenhar tais atividades, o Estado acaba por se sobrecarregar,
comprometendo ainda mais um orçamento já considerado insuficiente para o custeio
das suas necessidades vitais, o que acarreta a ineficiência do aparelho estatal no
cumprimento de suas funções básicas, mormente as relativas à segurança,
educação e saúde. Nesse sentido:
40
BARROSO, Luís Roberto. Regime constitucional do serviço postal. Legitimidade da atuação da
iniciativa privada. Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro, n. 222, 2000, p. 181.
41
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 9 ed., rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2004. p. 38 e WALD, Arnaldo. O papel do Estado no limiar do Século XXI. In:
MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.). Desafios do Século XXI. Revisão de Janice Yunes Parim.
São Paulo: Pioneira: Academia Internacional de Direito e Economia, 1997. p. 59.
27
Esta política nitidamente autofágica, de achatamento das receitas e
descontrole dos gastos, vem ocorrendo em praticamente todos os paises
que hoje estão ameaçados pela hiperinflação e o colapso da sua infra-
estrutura básica, como parte de uma espécie de “ritual de autodestruição”
que vem sendo praticado com cansativa repetição: investimentos estatais
maciços, colapso das tarifas públicas, empréstimos externos e, quando
estes param, aumento da dívida interna e financiamento através da emissão
de moeda. Assim, importa perceber que, no Brasil como em outros paises
vizinhos, a crise financeira das empresas estatais de serviços públicos,
muito longe de ser o “remédio amargo” que estas empresas devem tomar
na luta contra a inflação, em verdade alimenta e faz parte do processo de
desintegração inflacionária, com as empresas tentando futilmente aumentar
os seus preços reais, mas sendo obrigada a assistir a anulação destes
aumentos com a escalada da inflação. Como resultado do colapso da sua
capacidade e do fim dos empréstimos externos, as empresas públicas vêm
cada vez mais buscar o dinheiro que lhe falta no Tesouro do Estado. Este,
simplesmente imprime o dinheiro que também lhe falta. E o consumidor,
muito longe de ser protegido” por estas medidas ilusórias de controles de
preços e descontroles de moeda, em verdade sofre cada vez mais os
efeitos da inflação e, ainda, corre o risco de ficar sem os serviços essenciais
devido aos investimentos insuficientes das empresas públicas
42
.
Também nesse sentido:
O Estado, ao imiscuir-se na ordem econômica para competir com a
sociedade ou para se substituir a ela com exclusividade, ou seja, nas
modalidades de intervenção concorrencial e monopolista, se afasta do
exercício regular de seu poder coercitivo, do qual detém o monopólio, para
ser mais apenas uma empresa ou mais um concorrente. Com isso, ele
perde suas características públicas. O Estado se privatiza, perdendo de
vista os interesses gerais, que lhes o próprios, para ter interesses
privados. Além de não existirem mais recursos para recapitalizar as
empresas do Estado, escasseiam também recursos para o desempenho de
suas atividades públicas: o Estado privatizado acaba se despublicizando
43
.
Não bastasse isso, ao exercer atividades que, a rigor, são de competência
exclusiva da iniciativa privada, o Estado concorre indevidamente com ela, muitas
vezes monopoliza o mercado e impede o desenvolvimento econômico e social
baseado na livre iniciativa e na livre concorrência.
A estatização, caracterizada pelo exercício de funções do Estado, próprias do
setor privado, além de provocar a centralização do poder e a inflação, ensejou o
aumento da corrupção que decorre do próprio funcionamento do sistema
44
.
42
CHRISTODOULOU, Diomedes; HUKAI, Roberto Y.; GALL, Norman. Energia elétrica e inflação
crônica no Brasil. A descapitalização das empresas estatais. Relatório final. São Paulo: Instituto
Fernand Braudel de Economia Mundial, 1993. p. 13.
43
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Reforma da ordem econômica e financeira. Revista dos
tribunais – Cadernos de direito constitucional e ciência política. São Paulo, n. 09. p. 23.
44
WALD, Arnaldo. O papel do Estado no limiar do Século XXI. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva
28
Disso decorre mais um fator de ineficiência do Estado, que a corrupção faz
com que se desperdicem recursos econômicos e humanos, o que, também,
prejudica o desenvolvimento nacional, quando o provoca uma situação de
retrocesso em setores estratégicos, o que implica prejuízos irreversíveis para a
sociedade brasileira. Fato é que:
Sob aspirações de poder dos governos e sob a expansão da ambição de
controladores de gigantescos conglomerados públicos, tanto financeiros
como industriais e de serviços, projetou-se a União na construção de
práticas e no controle de mecanismos que desviaram progressivamente
para os cofres públicos todas as poupanças que deveriam irrigar a ação
empresarial, destruindo a atividade econômica, em nosso país, no que tinha
de mais brilhante, moderno, dinâmico e produtivo. Gastando prodigamente
valores que não possuía, foi o setor público arrastado, durante longos anos,
de degrau em degrau, a expedientes cada dia menos dignos, lesando a
muitos, invadindo o que é propriedade e direito de cada um como se de
expedientes indignos pudessem brotar, sem destruição do país, recursos
cobiçados por apetites a que o governo serve, às vezes até sem desejar, às
vezes até sem percebê-lo. Como se do desprezo da propriedade e do direito
pudesse brotar mais do que tumulto e caos
45
.
Nesse contexto, a credibilidade do Estado é questionada, ocasionando, como
conseqüência, o desrespeito ao ordenamento jurídico e às instituições. Por sua vez,
afugenta o investimento estrangeiro, o que resulta numa capacidade cada vez
menor do Estado de promover a manutenção de atividades essenciais e numa
quase incapacidade sua de desempenhar outra atividade ou de promover qualquer
tipo de investimento, o que provoca a formação de um círculo vicioso.
Através da estatização dos meios de produção, sob o pretexto de promover o
desenvolvimento e a segurança nacional que, desde a Constituição de 1967, são
perseguidos pelo Estado brasileiro, acaba o poder público por eliminar,
silenciosamente, a livre concorrência e, junto com ela, a oportunidade de fomentar o
desenvolvimento do País.
(Coord.). Desafios do Século XXI. Revisão de Janice Yunes Parim. São Paulo: Pioneira: Academia
Internacional de Direito e Economia, 1997. p. 62.
45
VIDIGAL, Geraldo de Camargo. A propriedade privada como princípio da atividade econômica.
Revista dos tribunais – Cadernos de direito constitucional e ciência política. São Paulo, n. 09. p.
43-44.
29
Infere-se, do exposto, que a caracterização de uma atividade como
tipicamente estatal ou o, numa determinada sociedade e num dado espaço de
tempo é de extrema relevância, porque dela depende, inclusive, o direcionamento
dos investimentos públicos.
Dependendo das necessidades sociais existentes, serão estabelecidas as
finalidades do Estado e somente a partir dé que se tornará possível verificar se
uma determinada atividade pode ou não ser caracterizada como função tipicamente
estatal e, posteriormente, quando se verificar a segunda hipótese, declará-la de
cunho estritamente particular.
A exemplo, tem-se as normas relativas à manutenção da monarquia e da
família real no Brasil que, em virtude de estas não serem mais atividades típicas do
Estado brasileiro, se resumem, atualmente, a mera retribuição aos serviços
prestados pelos monarcas ao País.
Para que se possa analisar a tipicidade ou atipicidade das atividades estatais
atualmente desenvolvidas, é necessário, antes, verificar quais as finalidades do
Estado à época presente.
No rol das atividades estatais típicas se enquadram as que dizem respeito à
preservação da soberania nacional, à segurança interna, à ordem pública, à
organização política e administrativa, e, no das atípicas, as de amparo social, de
fomento e complementação à iniciativa privada de interesse coletivo, de
condicionamento do uso da propriedade particular e de intervenção no domínio
econômico
46
.
Nas primeiras, atividades estatais típicas de função de polícia e de prestação
de serviços públicos, o Estado tem discricionariedade para atuar direta ou
indiretamente, fixar a contraprestação a ele devida pelos usuários e o modo de
prestação do serviço.
46
MEIRELLES, Hely Lopes. O Estado e suas empresas. Revista dos tribunais. São Paulo, n. 558. p.
09.
30
nas demais, atividades estatais atípicas, que implicam a atuação do
Estado como agente econômico, não pode atuar discricionariamente, devendo
restringir sua ação ao estrito cumprimento dos dispositivos normativos,
constitucionais e infraconstitucionais, referentes ao assunto.
As diferenças entre as funções típicas deste Estado relativamente às do
Estado Liberal decorrem das diferenças de cunho histórico e ideológico, sendo certo
que, enquanto, neste último, vigia o Liberalismo puro, no Estado brasileiro da
atualidade vige o Social-Liberalismo, devendo ser observado, no cumprimento das
mencionadas funções, o disposto no Art. 3°, CF, sen do que essa preocupação social
se reflete, também, em outros dispositivos constitucionais, bem como na legislação
infraconstitucional Como exemplo, pode-se mencionar a proteção ao consumidor,
nos termos dos Arts. 5°, inc. XXXII e 170, inc. V, CF e Lei 8.078/90.
Desde 1988, os fins do Estado brasileiro, em conjunto com os princípios
constitucionais que norteiam a ordem econômica, acabaram por delinear o Social-
Liberalismo como a ideologia por ele adotada por conjugar os valores de liberdade
inclusive econômica, configurada na livre iniciativa e na proteção à propriedade
privada -, justiça e solidariedade; o desenvolvimento nacional; a erradicação da
pobreza e da marginalidade, assim como a redução das desigualdades sociais e
regionais e a promoção do bem de todos.
Nesse contexto, pode-se dizer que as atividades típicas do Estado brasileiro
deverão atender aos fins aos quais ele se destina, sob pena de, em não o fazendo,
transformarem-se em atividades estatais atípicas, passíveis, portanto, de serem
transferidas à iniciativa privada - o que, inclusive, é recomendado - diante da
vigência do Sistema Capitalista que privilegia a iniciativa privada.
Considerando que sempre foi reconhecido ao Estado em geral, não o
brasileiro - o papel de prestador de serviços tais como os de segurança, justiça e
defesa nacional, como mencionado, são essas atividades daquelas que se
enquadram na categoria de atividades estatais típicas, por serem serviços públicos
naturais.
31
Ponderando que esse rol foi dilatado ao longo do tempo, a ponto de o Estado
desempenhar atividades econômicas próprias da iniciativa privada tais como a
siderúrgica e a de hotelaria, é necessária a distinção dessas atividades, para que se
possam verificar os setores em que atua de forma injustificada e indevida bem como
aquelas das quais foi afastado e substituído pelo particular quando não o deveria
ser.
As atividades administrativas, tidas como tipicamente estatais, se opõem às
atividades econômicas que, pelo mesmo critério, enquadram-se na categoria das
atividades estatais atípicas, estando, à rigor, vinculadas aos particulares
47
.
Atualmente, são funções típicas do Estado brasileiro: legislar; gerir o próprio
patrimônio e prover as próprias despesas; promover a segurança de seus cidadãos
em relação às ameaças externas e também a manutenção da ordem social; prestar
jurisdição; garantir a prestação de serviços públicos essenciais à população e a
realização de obras públicas.
Para se desincumbir delas, de acordo com Grau
48
, o Estado, atualmente,
desenvolve quatro categorias de atividade, adotando funções próprias de um Estado
Social sem perder as características de um Estado Capitalista.
A primeira dessas categorias, segundo o autor
49
, tem por objetivo a criação
de um modo de produção e a preservação do existente e consiste na garantia dos
direitos de propriedade e liberdade contratual, na proteção da economia contra os
próprios “efeitos secundários autodestrutivos, v.g. jornada especial de trabalho,
legislação antitruste, estabilização do sistema monetário etc, na garantia de fatores
indispensáveis para a produção, v.g., educação, transportes e comunicações”, na
criação e no fomento da competitividade do setor produtivo interno com o incremento
das políticas públicas comercial e aduaneira e na manutenção da integridade
nacional.
47
SUNDFELD, Carlos Ari. Entidades administrativas e noção de lucro. Revista trimestral de direito
público. São Paulo, n. 06, 1994, p. 265.
48
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros. 5 ed., 2003,
p. 88-89.
49
Idem, ibidem, p.88-89.
32
A segunda categoria, por sua vez, objetiva a complementação da atividade do
mercado e consiste na criação, por meio do sistema jurídico, de novas formas de
organização empresarial, de concorrência e de financiamento, com a criação de
empresas estatais e a manipulação do sistema fiscal, sem, contudo, colocar em risco
o processo natural de acumulação de riquezas a que está sujeita a iniciativa privada.
A terceira objetiva a substituição do mercado, em função da insuficiência ou
ineficiência da atuação da iniciativa privada em um dado setor da economia ou
mesmo do seu desinteresse por dada atividade.
E a quarta e última categoria de atividades estatais, visa à compensação das
distorções sofridas pelo mercado decorrentes do próprio sistema econômico, com a
implantação de políticas públicas no sentido de prevenir abusos e danos ou, quando
isso não for possível, corrigi-los de forma que suas conseqüências, tanto de cunho
econômico como de cunho social, cultural, ambiental etc, sejam mínimas
50
.
A necessidade dessa última categoria de atividades estatais é justificada em
razão de que nem sempre uma relação de equilíbrio entre os benefícios (tais
como a geração de empregos, novos negócios e investimentos privados) e os custos
(tais como a agressão ao meio ambiente nos mais diversos níveis e a necessidade
de investimentos públicos em segurança, habitação e obras de infra-estrutura) que
toda atividade econômica gera para a sociedade na qual está inserida.
Esse desequilíbrio, que pode ser negativo ou positivo, é denominado, na
linguagem técnica econômica, de externalidade ou deseconomia externa e significa
“todo efeito produzido por um agente econômico que repercute positiva ou
negativamente sobre a atividade econômica, renda ou bem-estar de outro agente
econômico”, sem a correspondente compensação
51
.
50
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros. 5 ed., 2003,
p. 88-89.
51
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004,
Vol. I. p.32-33.
33
Não se pode evitar a ocorrência de externalidades, positivas ou negativas,
não compensáveis, na exploração de atividades econômicas. Estas, por não serem
objeto de atenção do direito, são classificadas como irrelevantes.
uma outra categoria de externalidades, de cunho compensável,
classificadas de relevantes e que, uma vez submetida ao processo de
compensação, deixa de assim se caracterizar
52
.
Esse processo de compensação; em economia, denominado internalização
das externalidades, visa a equilibrar os efeitos negativos e positivos criados por meio
da exploração de uma dada atividade econômica e consiste em impor obrigações ao
agente econômico que a explora relativamente aos seus efeitos negativos e,
simultaneamente, reconhecer seus direitos em função dos seus efeitos positivos.
Segundo Salomão Filho
53
, atividades econômicas tais como as voltadas à
educação e à saúde, porque naturalmente ensejadoras de externalidades sociais
positivas, devem ser prestadas diretamente pelo Estado, sob pena de serem
desvirtuadas pela iniciativa privada ou ainda de se tornarem tão caras a ponto de se
tornarem inacessíveis a grande parte da população, do que decorreriam outras
tantas externalidades sociais negativas.
Dessa forma é possível afirmar serem tais atividades funções típicas do
Estado brasileiro desvirtuadas pelo disposto nos Art. 199 e 209, CF, que as tornam
livres à iniciativa privada.
52
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 8 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2004,
Vol. I. p.34.
53
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica: Princípios e fundamentos
jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 27-28.
34
1.2 A EVOLUÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE INICIATIVA E DA LIVRE
CONCORRÊNCIA E A INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO
A posição do Estado perante a sociedade e aos próprios compromissos,
conforme trazido no capítulo anterior, transmudam-se de acordo com a ideologia
político-constitucional por ele adotada em cada período da história.
Tomando o Estado brasileiro por base, denota-se não somente uma crise
político-funcional, mas também a necessidade de se estabelecer a própria
identidade, tendo em vista que, historicamente, o Brasil vem adotando a daquele
que lhe fornece insumos e subsídios financeiros. Como exemplo, cita-se a Década
de 30 do Século XX, durante a qual o Brasil tinha como referência cultural à França
e, após a Segunda Guerra, os Estados Unidos da América. Atualmente, ora
aproxima-se da Europa, ora do parceiro norte-americano.
A necessidade de tal colocação reside na visualização do conflito ideológico
que vive o Estado brasileiro que ora atende aos interesses internacionais
mercadológicos, ora se fecha em medidas protecionistas ao mercado interno,
refletindo a falta de coerência nas medidas concorrenciais e regulatórias da livre
iniciativa, apresentando-se, simultaneamente, como Estado Capitalista e como
Estado Provedor. Nesse diapasão, encontra-se a presente pesquisa ao questionar a
sua presença em âmbito que ele próprio delimita para a atuação preferencial da
iniciativa privada.
A atual CF “é fértil em afirmações em favor da liberdade”
54
, que se constitui
em direito por ela afirmado desde o seu preâmbulo e que, após, se consagra por
meio da declaração dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e do ideal de
construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Afirmada, repetidas vezes, no
Art. 5º, positiva e negativamente, suas diferentes facetas acabam por se projetar em
liberdade econômica de contratar, por meio do ato jurídico perfeito, do direito
54
VIDIGAL, Geraldo de Camargo. A propriedade privada como princípio da atividade econômica.
Revista dos tribunais – Cadernos de direito constitucional e ciência política. São Paulo, n. 09. p.
45-46.
35
adquirido e da coisa julgada (inc. XXXVI). Por outro lado, o direito de propriedade,
ainda que limitado pela função social, Art. 5º, inc. XXIII, CF, também é protegido por
diversos dispositivos constitucionais, dentre os quais o inc. XXII, do artigo
mencionado.
Apesar de, para alguns, parecer estranho que a propriedade esteja colocada
como um direito fundamental, isso está em consonância com o regime econômico
adotado pela Constituição. A propriedade é entendida dessa maneira porque é uma
herança do Estado liberal, firmando-se, na escala de valores dos direitos
fundamentais clássicos como o primeiro dos direitos reconhecidos
55
.
A defesa da liberdade em seus mais variados aspectos, principalmente na
esfera econômica, juntamente com a do direito de propriedade, caracterizam o Brasil
como um país tipicamente capitalista, que prima pela livre iniciativa.
O princípio da livre iniciativa, antes princípio da liberdade econômica (Art. 115
da Constituição de 1934); princípio do livre exercício de qualquer profissão moral,
intelectual e industrial (Art. 72, § 24, da Constituição de 1891) e direito a qualquer
gênero de trabalho de cultura, indústria ou comércio (Art. 179, 24, da Constituição
de1824)
[...] é a garantia ou afirmação do valor liberdade - liberdade na opção do
exercício da atividade econômica, consubstanciando a opção do povo
brasileiro por conferir à iniciativa privada o exercício das atividades
econômicas, só exercitáveis pelo Estado excepcionalmente
56
.
Tutela a atividade econômica privada como instrumento do atendimento dos
interesses da coletividade, estimulando a produção e a circulação da riqueza com
vistas à construção de uma sociedade livre, justa e solidária
57
.
55
MACEDO, Dimas. Princípios do regime republicano democrático. Revista dos tribunais
Cadernos de direito constitucional e ciência política. São Paulo, n. 09, 1994, p. 20.
56
SOUZA, Horácio Augusto Mendes de. A intervenção do Estado no domínio econômico à luz da
jurisprudência. In: SOUTO, Marcos Juruena Vil/ela; MARSHALL, Carta C. (Coord.). Direito
empresarial público. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. p. 55-56.
57
SOUTO, Marcos Juruena Villela. A função regulatória. In: SOUTO, Marcos Juruena Villela;
MARSHALL, Carla C. (Coord.). Direito empresarial público. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. p.
20-21.
36
No direito brasileiro, a livre iniciativa pode ser considerada como um direito
fundamental não explícito da pessoa humana e, nesse sentido, exprime a liberdade
de escolha e de exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei e desde que
“respeitados os limites decorrentes do objetivo de promover a existência digna para
todos e justiça social”
58
.
Não pode mais, portanto, e ao contrário do que ocorria no Século XVIII, ser
tratada como se fosse um direito absoluto. Embora permaneça constitucionalmente
assegurada, a livre iniciativa tornou-se um direito relativo que deve se curvar ao
interesse coletivo, tendo em vista os ideais constitucionais de justiça social e de
promoção do bem de todos, daí virem previstas, na própria Constituição, medidas
destinadas a neutralizar ou reduzir as distorções que possam advir do seu abuso
59
.
Isso porque, da experiência histórica, infere-se que não era somente o Estado
fator de opressão e frustração do desenvolvimento da personalidade e que o ideal
liberalista não podia ser mantido apenas com o único objetivo da libertação da
opressão do poder político, pois também o poder econômico pressiona e oprime em
larga escala. E, como visto no tópico anterior, para enfrentar esse poder só o Estado
dispõe de meios adequados.
A organização político-constitucional dos Estados Democráticos não podia
mais ignorar essa realidade, o que se refletiu nas suas respectivas ordens
constitucionais que, conforme foram modificadas, apresentaram-se especialmente
voltadas ao intuito de disciplinar a atuação estatal na área do domínio econômico,
institucionalizando, paulatinamente, o Estado de Direito Econômico.
Esse modelo estatal trouxe limitações à livre iniciativa, ante à necessidade de
alcance de ideais anteriormente mencionados tais como existência digna, justiça
social, interesse coletivo e da promoção do bem de todos, sendo possível,
58
REALE, Miguel; AZEVEDO, David Teixeira de. A ordem econômica na Constituição. Revista
trimestral de direito público. São Paulo, n. 12, 1996, p. 137.
59
BARROSO, Luís Roberto. Modalidades de intervenção do Estado na ordem econômica, regime
jurídico das sociedades de economia mista. Inocorrência de abuso de poder econômico. Revista
trimestral de direito público. São Paulo, n. 18, 1997, p. 90-91.
37
atualmente, com o Social-Liberalismo, falar em “livre-iniciativa moldada limitada pela
intervenção em nome do interesse público e social”
60
.
A livre iniciativa, assim, tem nos princípios da livre concorrência e do
tratamento diferenciado às pequenas e microempresas, um de seus contrapesos, a
fim de evitar que as grandes empresas independentemente de serem estatais ou
da iniciativa privada - dominem o mercado ou fatias dele, funcionando como “um dos
suportes fundamentais do processo de desenvolvimento”
61
.
Caso não haja intervenção do Estado para fins de criação e, depois,
manutenção de um ambiente concorrencial saudável no mercado, a livre iniciativa
acabará propiciando o seu desequilíbrio, culminando em elevados índices de
concentração empresarial, com a formação de oligopólios e monopólios, o que
implica a redução das possibilidades de desenvolvimento numa determinada região,
situação que pode se estender a todo o território nacional.
É possível afirmar que a livre iniciativa prescinde da livre concorrência para
existir, enquanto esta somente se torna presente quando precedida da livre
iniciativa. Dessa forma, infere-se que a livre iniciativa é um pressuposto da
existência da livre concorrência num dado mercado, não sendo, entretanto, a
recíproca verdadeira.
Para que se realize a livre concorrência em um dado mercado, que se
efetivar, previamente, o da livre iniciativa. Não basta, para a sua verificação, que
haja liberdade de escolha e de exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, respeitados os limites
decorrentes do objetivo de promover a existência digna para todos e justiça social e
as exceções previstas em lei.
60
FARIAS, Sara Jane Leite de. Evolução histórica dos princípios econômicos da Constituição. In:
SOUTO, Marcos Juruena Villela; MARSHALL, Carla C. (Coord.). Direito empresarial público. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 2002. p. 115-116.
61
PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: O significado e o
alcance do art.170 da Constituição Federal. São Paulo: RT, 2005. p. 166.
38
Além disso, faz-se necessário que o Estado assegure a possibilidade de
acesso e manutenção, no mercado, de diversos agentes que oferecem ao
consumidor produtos ou serviços assemelhados competindo entre si por meio de
preços ou de qualidade, o que estimula a manutenção do preço justo e a melhoria
da qualidade desses mesmos produtos ou serviços, evitando-se, dessa forma, os
lucros arbitrários e os abusos do poder econômico. Nesse sentido:
[...] a livre concorrência significa que a atividade, baseada na livre iniciativa,
deve desenvolver-se segundo as leis de mercado, sem outros limites que
não os estabelecidos na própria Constituição, como meio de impedir que a
concorrência se transforme em abuso, em falta de correção, em
deslealdade, em ganância
62
.
Quanto à afirmação anterior, de que para que haja, de fato, livre concorrência,
se faz necessário que o Estado assegure a possibilidade de acesso e manutenção
de diversos agentes no mercado, deve-se ressalvar os casos de monopólio natural,
assim considerado “aquele que normalmente leva à existência de um único ofertante
de um bem ou serviço em virtude de condições de caráter cnico, sendo exemplo
típico o dos vários serviços públicos como a telefonia, o fornecimento de água, ou de
eletricidade”
63
.
A presença da concorrência no contexto de uma economia de mercado é
essencial porque possibilita o aumento na variedade e na qualidade de produtos e
contribui para a diminuição dos preços. Constitui, portanto, fator determinante para
que os preços exprimam a relação de equilíbrio entre oferta e procura, bem como
proporciona a todos os participantes do mercado as liberdades que Ihes são
próprias, o que contribui para o desenvolvimento nacional.
Tais liberdades são, respectivamente, a que o empresário tem de decidir
sozinho sobre o uso dos recursos disponíveis, a que o consumidor tem de decidir
entre as opções disponíveis no mercado e a que o empregado tem de permanecer
ou não vinculado ao empregador
64
.
62
REALE, Miguel; AZEVEDO, David Teixeira de. A ordem econômica na Constituição. Revista
trimestral de direito público. São Paulo, n. 12, 1996, p. 139.
63
NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. São Paulo: RT, 1997.
p. 311.
64
MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, livre concorrência e desenvolvimento. São Paulo:
Lex, 2006. p. 129.
39
No sentido de que a livre concorrência é fator fundamental para o
desenvolvimento, afirma-se que “a economia de mercado com a garantia de livre
concorrência é a melhor forma de maximizar o bem-estar social”, ao qual se
denomina eficiência econômica, o que ocorre porque “a concorrência aumenta a
eficiência alocativa, a eficiência produtiva e a capacidade de inovação dos
mercados”
65
.
Munhoz
66
, tratando do tema, esclarece os efeitos da livre concorrência sobre
as funções econômicas. Assevera que a competição entre os vários agentes
econômicos coordena as funções de oferta e procura, tornando o fornecimento de
bens e serviços adequado à demanda existente.
Afirma, em continuidade, que a concorrência pode assegurar a alocação
eficaz dos recursos, ao combinar fatores de produção de modo a obter a maior
produtividade possível, bem como assegura eficiência distributiva, na medida em
que os fatores de produção são remunerados de acordo com o valor que o mercado
Ihes atribui.
Termina por afirmar que a competição constitui a força que impulsiona o
progresso tecnológico, que a inovação de produtos e do próprio processo
produtivo dela decorrentes levam à busca pela modernização.
A livre concorrência também revela-se um importante fator de diminuição da
insegurança nas relações entre os agentes econômicos, porque Ihes oferece regras
mínimas de conduta que balizam seus negócios
67
, possibilitando maior fluxo do
capital interno e atraindo o interesse de investidores estrangeiros.
Em Estados como o brasileiro, nos quais as liberdades fundamentais dos
cidadãos, via de regra, não o respeitadas, torna-se praticamente impossível o
65
RAGAZZO, Carlos Emmanuel Joppert. Notas introdutórias sobre o princípio da livre concorrência.
Revista de direito da concorrência. Brasília, n. 06, 2005, p. 14.
66
MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, livre concorrência e desenvolvimento. São Paulo:
Lex, 2006. p. 129.
67
Idem, ibidem. p. 137.
40
estabelecimento espontâneo da concorrência. Como exemplo, pode-se mencionar a
situação do consumidor de classe baixa que, diante do ínfimo poder aquisitivo de
que dispõe, tem sua liberdade de escolha entre os bens disponíveis no mercado
anulada, vendo-se obrigado a adquirir o mais barato e de pior qualidade
68
.
Proteger a concorrência é, ao mesmo tempo, proteger a livre iniciativa e o
capitalismo, motivo pelo qual ela deve não apenas ser livre, mas, principalmente,
“leal, para garantir a competição entre os agentes de mercado e, com isso,
assegurar o bem-estar econômico do próprio consumidor ao protegê-lo do poder
econômico presente no mercado”
69
.
Importante distinguir concorrência desleal de concorrência ilegal
70
. A primeira,
ou seja, a concorrência desleal, não ameaça a ordem econômica e tem a finalidade
de prejudicar especificamente o concorrente de forma individualizada, constituindo-
se em crime contra a propriedade industrial, previsto no Art. 195, L. 9.279/96. a
segunda, a concorrência ilícita, constitui infração da ordem econômica que se
caracteriza pela ameaça à livre concorrência e tem por finalidade a dominação do
mercado, a eliminação da concorrência ou ao aumento arbitrário dos lucros, nos
termos do Art. 173, §4°, CF e dos Arts. 20 e 21, L. 8.884/94.
A partir dessa análise, sempre tendo presente a lembrança de que o poder
econômico é um elemento do mercado reconhecido pelo texto constitucional
exercido por todo agente que nele atue inclusive as empresas estatais -, deve-se
destacar que a ilegalidade consiste no abuso.
Outro fator de equilíbrio relativamente à livre iniciativa observa-se no princípio
da subsidiariedade que implica na abstenção do Estado em criar entidades para
concorrer com o setor privado, salvo nos casos previstos na própria Constituição, de
atendimento aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
68
MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, livre concorrência e desenvolvimento. São Paulo:
Lex, 2006. p. 136.
69
OLIVEIRA, Eduardo Alves de; DEL CORSO, Gabriel. Breve análise histórica do direito da
concorrência. In: SUCCAR, Paulo Egídio Seabra; BAGNOLI, Vicente (Orgs.). Estudos de direito da
concorrência. São Paulo: Mackenzie, 2004. p. 25.
70
Idem, ibidem. p. 27-28.
41
coletivo, o que vale dizer que a intervenção do Estado no domínio econômico em
que vige o princípio da liberdade de iniciativa é excepcional, subsidiária
71
.
Assim, serão verificadas, com o auxílio dos dados que constarão do próximo
tópico, em quais atividades o Estado brasileiro, mediante suas empresas, concorre
com a iniciativa privada, de forma ilícita ou ilegal, ou seja, infringe a ordem
econômica, por atuar no mercado com a finalidade de dominá-lo, de eliminar a
concorrência ou de obter aumento arbitrário dos lucros, e desvia-se, portanto, da sua
principal função, que é a de gerar o bem comum. Atua de forma que prejudica os
consumidores, provoca prejuízos aos particulares e ao próprio erário público e,
conseqüentemente, diminui ou impede o desenvolvimento nacional.
1.3 OS MODOS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO
A atuação do Estado no domínio econômico é fato histórico que acompanha a
sua própria existência, como é cediço, variando em grau e modo, no tempo e de
acordo com a ideologia de cada Estado e, em muitos casos, de cada Governo,
devendo, contudo, ser balizada pela ordem jurídica.
Atualmente, ocorre diversamente dos primeiros momentos do Estado,
dispersa e simuladamente em ações indiretas, regulando e limitando condutas
privadas, sem, explicitamente, proibi-las, em virtude da modificação do conceito de
desenvolvimento. Devido a isso:
71
BARROSO, Luís Roberto. Modalidades de intervenção do Estado na ordem econômica. Regime
jurídico das sociedades de economia mista. Inocorrência de abuso de poder econômico. Revista
trimestral de direito público. São Paulo, n. 18, 1997, p. 97.
42
O grande desafio para a intervenção do Estado na promoção do
desenvolvimento é equilibrar-se entre polaridades, relacionadas com o
excesso de intervencionismo e as dificuldades deste intervencionismo.
Quais são essas polaridades? Em um extremo, o Estado restringe o
mercado; em outro, o Estado é o único promotor do mercado. A tarefa do
Estado é encontrar um meio-termo onde não seja uma restrição ao
funcionamento do mercado sem ser seu único agente econômico. No caso
do Brasil, por exemplo, a concentração da economia nas mãos do Estado,
durante o regime militar; implicou diversas ineficiências para o processo
econômico. De outro lado, exige-se do Estado um alto grau de eficiência,
mas muitas vezes a contrapartida dessa eficiência é o aumento dos custos
fiscais. Ou seja, alguns setores obviamente têm que estar nas mãos do
Estado, ou porque têm a ver com questões de longo prazo, ou porque não
trazem retomo econômico imediato, como é o caso da saúde e, em certa
medida, da educação. Mas, por outro lado, o problema do aumento dos
custos econômicos da tributação. A situação hoje no Brasil é um quadro de
estrangulamento da economia em razão dos custos fiscais. É visível como o
aumento dos tributos acaba sendo o fator impeditivo da própria atividade
econômica em determinado momento, sem contar as externalidades
negativas: o incentivo à sonegação, incentivo à corrupção e outros custos
mortos decorrentes de uma estrutura fiscal excessivamente onerosa
72
.
Enquanto as funções do Estado Liberal restringiam-se às atividades de
manutenção da segurança física e patrimonial de seus cidadãos, após a publicação
da obra Teoria Geral da Moeda, do Juro e do Emprego, por Keynes em 1936, houve
uma ampliação progressiva do papel do Estado, numa tentativa de minimizar as
conseqüências das crises econômicas provocadas pelo desequilíbrio intrínseco do
sistema capitalista.
É o que ocorre com o Brasil que, apesar de ser um Estado capitalista, tem,
em seu ordenamento jurídico, normas com conteúdo típico de um Estado Social que,
aparentemente, se chocam com as demais, e que lhe possibilitam imiscuir-se nas
atividades reservadas à iniciativa privada, atuando no mercado de forma a concorrer
com ela, sob o pretexto de alcançar o bem comum.
Como tratado em tópico anterior, a justiça social é um dos limitadores da
livre iniciativa no sistema constitucional brasileiro. Apesar do inegável aparente
conflito existente entre os institutos:
72
BARRAL, Welber. Direito e desenvolvimento: Um modelo de análise. In: BARRAL, Welber (Org).
Direito e desenvolvimento: Análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do
43
Enquanto a liberdade de iniciativa poderá conduzir à idéia da
impossibilidade de o Estado dispor qualquer restrição à atuação
empresarial, a justiça social indica a permissibilidade da disciplina, pelo
Poder Público, da atividade econômica, com o intento de tutelar-se o
interesse coletivo
73
.
Nos países de desenvolvimento tardio, como o Brasil, essa transição entre o
Estado Liberal e o Estado do Bem-Estar Social, apresenta “especificidades,
representadas fundamentalmente pela relevância da sua ação no contexto do
esforço visando à industrialização”
74
.
A função de impulsionar a industrialização do País para inseri-lo no mercado
internacional, exigiu do Estado muito além do desempenho de suas funções típicas.
Demandou, também, sua atuação direta na ordem econômica, por meio de pessoas
jurídicas criadas especificamente para esse fim.
Dito isso, necessário se faz analisar a extensão da expressão atuação estatal
no domínio econômico que é de cunho genérico e representa toda e qualquer forma
de ação do Estado que influencie na economia, seja em área de seu exclusivo
domínio, seja em área destinada como de atuação preferencial da iniciativa privada.
Toda atuação do Estado no domínio econômico tem por fundamento a
necessidade de proteção dos interesses da coletividade. E, sendo assim, deixando
de existir tal motivação, não fundamento para que a atuação estatal seja
prorrogada ou mantida
75
.
Uma das formas de atuação do Estado no domínio econômico (sentido lato),
a intervenção estatal no domínio econômico (sentido estrito), representa toda a ação
do Estado em área por ele mesmo reservada à iniciativa privada, restringindo a
atuação do particular em benefício do interesse público. que intervir é restringir a
iniciativa privada em atendimento ao interesse público, a intervenção estatal se
desenvolvimento. São Paulo: Singular, 2005. p. 44-45.
73
NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. Intervenção estatal sobre o domínio econômico. Livre iniciativa e
proporcionalidade (céleres considerações). Revista de direito administrativo. São Paulo, n. 224. p.
294.
74
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram atividade
econômica. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 28.
75
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27 ed. atual. São Paulo: Malheiros,
44
justifica como exceção à liberdade individual, nos casos expressamente permitidos
pela Constituição, e na forma que a lei estabelecer. Como argumenta Meirelles:
Na ordem econômica o Estado atua para coibir os excessos da iniciativa
privada e evitar que desatendida às suas finalidades, ou para realizar o
desenvolvimento nacional e a justiça social, fazendo-o através da repressão
do poder econômico, do controle dos mercados e do tabelamento de
preços. Essa intervenção, entretanto, não se faz arbitrariamente, por
critérios pessoais das autoridades. É instituída pela Constituição e regulada
por leis federais que disciplinam as medidas interventivas e estabelecem o
modo e forma de sua execução, sempre condicionada ao atendimento do
interesse público, ao respeito dos direitos individuais garantidos pela mesma
Constituição
76
.
Infere-se, daí, que quando o Estado presta serviços públicos está atuando no
domínio econômico; quando cria empresa seja na forma de empresa pública, seja
na forma de sociedade de economia mista - para atuar em concorrência com a
iniciativa privada, está nele intervindo
77
.
Existem diversas classificações dos modos de atuação do Estado no domínio
econômico. Segundo Marshall
78
, por exemplo, essa intervenção pode ocorrer por
cinco modos diferentes, a dizer: a) de ordem normativa (parte inicial do caput do Art.
174, CF); b) de ordem tributária (Art. 149, CF); c) de ordem reguladora (parte final do
caput do Art. 174, CF), que implica no exercício das funções de fiscalização,
incentivo e planejamento; d) de ordem executiva (Art. 175, caput, CF) e e) de ordem
repressiva (§4° do Art. 173, CF).
Mello
79
, entretanto, concentra os modos de atuação do Estado no domínio
econômico em três hipóteses: a) por meio de leis e atos administrativos expedidos
para as executar (poder de polícia), fiscalizando e planejando a atividade
econômica; b) por meio de incentivos à iniciativa privada, normalmente, via
2002. p. 565.
76
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27 ed. atual. São Paulo: Malheiros,
2002. p. 564-565.
77
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 9 ed., rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2004. p. 84-85 e MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 6 ed.
atual. São Paulo: RT, 1978. p. 590.
78
MARSHALL, Carta C., A regulação para a competição. In: SOUTO, Marcos Juruena Villela;
MARSHALL, Carla C. (Coord.). Direito empresarial público. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. p.
37.
79
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6 ed., rev., atual. e ampl.
São Paulo: Malheiros, 1995. p. 385.
45
benefícios fiscais e; c) por meio do desempenho de atividade empresarial via
pessoas jurídicas especialmente criadas para o fazer (por meio da sua intervenção
no domínio econômico, portanto).
Qualquer que seja a classificação adotada, observa-se que o Estado
brasileiro, atualmente, opera no domínio econômico pela exploração direta de
atividade econômica em regime de concorrência com a iniciativa privada; pelo
exercício de suas funções de fiscalização, incentivo e planejamento da atividade
econômica; pela prestação de serviços blicos e pela exploração de atividades
constitucionalmente elevadas à categoria de monopólio.
A exploração direta, pelo Estado brasileiro, de atividade econômica em
regime de concorrência com a iniciativa privada - atuação estatal necessária ou em
sentido estrito - foi, durante considerável período da história, responsável por
apreciável percentual do PIB nacional, somente tendo entrado em declínio esta
participação no decorrer da década de 80, quando o próprio Estado iniciou a sua
retirada do cenário econômico.
Os reflexos – positivos e negativos – da presença exacerbada do poder
público no domínio econômico, no entanto, permanecem. Essa herança, por assim
dizer, alcança todas as estruturas, abrangendo o contexto econômico, político, social
e cultural brasileiro, determinando, em conjunto com outros fatores, o grau de
desenvolvimento atual do País.
46
2 A ATIVIDADE ECONÔMICA DO ESTADO E AS EMPRESAS ESTATAIS
A atuação empresária do Estado, assim como as suas demais formas de
atuação no domínio econômico, tendo em vista os ideais sociais trazidos no bojo da
Constituição, não pode perder de vista o alcance de objetivos sociais, dentre os
quais os de redução das desigualdades regionais e sociais, justiça social e
dignidade da pessoa humana.
Foram - e ainda são - esses mesmos objetivos sociais que serviram de
justificativa para a criação e, também, para a manutenção, no Brasil, de grande parte
das empresas estatais.
As empresas governamentais atualmente existentes em nível federal o
80
:
Casa da Moeda do Brasil, Centrais de Abastecimento de Minas Gerais, Centrais
Elétricas Brasileiras (Eletrobrás), Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
(EBCT), Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (Infraero), Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Empresa Brasileira de
Planejamento de Transportes (Geipot), Empresa de Pesquisa Energética, Empresa
de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev), Empresa de Trens
Urbanos de Porto Alegre, Empresa Gerencial de Projetos Navais, Empresa Gestora
de Ativos (Engea), Radiobrás (Empresa Brasileira de Comunicação), Rede
Ferroviária Federal e Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).
Mais
81
, a Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel), Indústrias Nucleares
do Brasil, Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep), Petróleo Brasileiro
(Petrobrás), Telecomunicações Brasileiras (Telebrás) e Engenharia, Construções e
Ferrovias (Valec).
80
BRASIL. Empresas Estatais. Disponível em <
http://www.brasil.gov.br/governo_federal/estrutura/empresas/empresas
>. Acesso em 14 out 2006.
81
BRASIL. Empresas Estatais. Disponível em <
http://www.brasil.gov.br/governo_federal/estrutura/empresas/industrias>. Acesso em 14 out 2006.
47
E, também
82
, a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), Companhia
das Docas do Estado da Bahia, Companhia de Armazéns e Silo do Estado de Minas
Gerais, Companhia de Desenvolvimento de Barcarena, Companhia de
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba, Companhia de
Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo, Companhia de Geração Térmica de
Energia Elétrica, Companhia de Navegação do São Francisco (Franave), Companhia
de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), Companhia Docas do Ceará,
Companhia Docas do Espírito Santo, Companhia Docas do Estado de São Paulo,
Companhia Docas do Maranhão, Companhia Docas do Pará, Companhia Docas do
Rio de Janeiro, Companhia Docas do Rio Grande do Norte e Companhia Nacional
de Abastecimento (Conab).
E, ainda
83
, Banco Central do Brasil, Banco da Amazônia, Banco do Brasil,
Banco do Estado de Santa Catarina, Banco do Estado do Ceará, Banco do Estado
do Maranhão, Banco do Estado do Piauí, Banco do Nordeste do Brasil, Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, Caixa de Construções de Casas
para o Pessoal do Comando da Marinha e Caixa Econômica Federal.
A incapacidade de a iniciativa privada alcançar, em determinado lapso de
tempo, meta econômica desejada pelo governo, bem como o seu desinteresse em
uma dada atividade econômica e a justiça distributiva constituíram-se, até a Carta de
1988, em fatores autorizadores da atuação empresária do Estado, como se não
tivesse ele as funções de planejamento e incentivo das atividades econômicas
reservadas aos particulares.
Mesmo que a criação de empresas estatais no País após a promulgação da
atual Carta Constitucional tenha sido reduzida a um patamar ínfimo, num Estado
com um passado político recente como o Brasil, repleto de arbitrariedades e
excessos decorrentes da ditadura militar, torna-se perigosa essa interpretação
84
.
82
BRASIL. Empresas Estatais. Disponível em
<http://www.brasil.gov.br/governo_federal/estrutura/empresas/companhias> Acesso em 14 out 2006.
83
BRASIL. Empresas Estatais. Disponível em
<//www.brasil.gov.br/governo_federal/estrutura/bancos> Acesso em 14 out 2006.
84
MUNHOZ, Carolina Pancotto Bohrer. Direito, livre concorrência e desenvolvimento. São Paulo:
48
As cicatrizes da história recente ainda não desapareceram e ainda há no País
um ranço de ditadura que é necessário extirpar, motivo pelo qual a dubiedade
interpretativa deve ser evitada, sempre que possível.
Deve-se lembrar, a respeito do tema, a influência da corrente
desenvolvimentista nacionalista na política econômica nacional durante o Estado
Novo, quando Getúlio Vargas, criou uma série de agências governamentais de
planejamento, dentre as quais o Conselho Federal do Comércio Exterior, o Conselho
Nacional de Águas e Energia e o Conselho Nacional de Petróleo e quando foram
criados, também diversos grupos voltados à solução dos problemas relacionados ao
desenvolvimento industrial brasileiro que, dentre outras coisas, defendiam o
aumento da intervenção na economia por meio de elaboração de políticas de apoio
à industrialização que incluíam, também, investimentos estatais em setores
essenciais.
A atuação empresária do Estado não é uma atividade discricionária, mas, sim,
vinculada aos preceitos da Constituição e da lei, motivo pelo qual o lhe é lícito
extrapolar o campo de sua atuação para operar na área da iniciativa privada, criando
empresas para atuar em campo reservado aos particulares e, portanto, entrando em
competição com eles, enquanto não forem preenchidos os requisitos
constitucionais
85
. Nesse sentido:
Em razão de sua singularidade, a criação da empresa pública ou da
sociedade de economia mista não é um ato livre do administrador público.
Representa uma escolha política que, por sua qualidade, incumbe ao
legislador (princípio da reserva legal)
86
.
Por outro lado, considerando que, em 1988, foi introduzida nova ordem
constitucional, com a promulgação do texto constitucional vigente, as empresas
governamentais existentes na época deveriam se adequar a ela sob pena de, não o
fazendo, terem suas atividades consideradas inconstitucionais.
Lex, 2006. p. 57-58.
85
MEIRELLES, Hely Lopes. O Estado e suas empresas. Revista dos tribunais. São Paulo, n. 58. p.
10.
86
TÁCITO, Caio. Empresas estatais. Participação em empresas com sede no exterior. Inexigibilidade
de autorização legislativa. Revista trimestral de direito público. o Paulo, n. 06, 1994, p. 78.
49
O não atendimento aos requisitos constitucionais autorizadores da atuação
empresária do Estado torna imprescindível a sua privatização ou a sua desativação,
ou seja, a desestatização da atividade.
Observa-se que não se pode confundir privatização e desativação de
empresa estatal. Esta decorre do simples encerramento das atividades da
mencionada empresa, enquanto aquela configura a transferência de uma atividade
econômica do domínio público para o domínio privado, em caráter oneroso ou
negocial
87
.
É necessário, então, verificar como o Estado brasileiro exerce suas atividades
econômicas por meio das chamadas empresas governamentais; quais os requisitos
constitucionais para a sua atuação e como ela se deu no transcorrer do tempo,
que, através destas entidades, o Estado vem se despindo de suas prerrogativas,
com a finalidade de atuar no mercado como se fosse um particular.
2.1 A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL BRASILEIRA E A INTERVENÇÃO
CONCORRENCIAL DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO
A expressão ordem econômica, incorporada no vocabulário jurídico a partir da
primeira metade do Século XX, é utilizada ora significando a parcela da ordem
jurídica do País, ora o modo de ser de sua economia.
Como em seu primeiro significado, também é sinônimo de Constituição
Econômica, tem-se que a expressão ordem econômica que é expressão genérica da
qual são espécies a Constituição Econômica e ordem econômica em sentido estrito.
Dessa forma, neste texto, a expressão ordem econômica será reservada para o uso
em seu sentido estrito, evitando, assim, confusões semânticas decorrentes de sua
polissemia.
87
BRITTO, Carlos Ayres. A privatização das empresas estatais, à luz da Constituição. Revista
trimestral de direito público. São Paulo, n. 12, 1996, p. 125.
50
Também é importante observar que o fato de ambas as expressões em
comento terem sido incorporadas apenas recentemente no vocabulário jurídico, não
significa que, até então, as Constituições não continham regras relacionadas à
atividade econômica.
Pelo contrário, mesmo anteriormente ao advento das Constituições escritas,
se encontravam, em cada sociedade, no bojo de suas ordens jurídicas, como
parcela delas, normas institucionalizadoras das suas respectivas ordens
econômicas
88
.
As Constituições liberais não dispunham de um vasto conjunto de normas de
direito econômico que ao sistema liberal bastavam disposições constitucionais
relativas à garantia da propriedade privada e à liberdade contratual e alguma
regulamentação infraconstitucional sobre concorrência, não significando essa
situação ausência de Constituição Econômica ou de ordem econômica
89
.
O fato de o Brasil ter sido mantido como colônia de Portugal um Estado
Mercantilista e, portanto, concentrador de poderes e funções - até 1824 e,
principalmente, as características pacifistas com que se caracterizou a declaração
da independência, fizeram com que a organização política e administrativa do
Estado brasileiro recém-criado fosse muito semelhante à da sua antiga metrópole.
Nesse sentido:
Do ponto de vista da intervenção do Estado no domínio econômico, o
panorama do Império revela sempre a ênfase nos problemas de tarifa
alfandegárias, que eram, na verdade, os que tinham influência no incipiente
sistema econômico da época, e os quais, em todas as situações históricas,
têm sempre a primazia como primeira atividade onde o Estado intervém no
domínio econômico. Os surtos de desenvolvimento econômico do Império
estão ligados à execução de reformas alfandegárias como por exemplo, a
famosa reforma ALVES BRANCO de 1844, que se conjuga logo a seguir
com a extinção do tráfico de escravos, tornando disponíveis os capitais
neles empregados para novas atividades industriais
90
.
88
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 9 ed., rev. e atual. São
Paulo: Malheiros, 2004. p. 63-64.
89
Idem, ibidem, p. 63-64.
90
VENÂNCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico. O Direito público
econômico no Brasil. 1 ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1968. p. 25.
51
As Constituições de 1824 e de 1891 refletiram o domínio do liberalismo no
País, não havendo nelas “espaço para um regramento constitucional de intervenção
do poder público no domínio econômico”
91
em que pese o texto constitucional de
1824 ter abolido as corporações de ofício (Art. 179, inc. 25).
Com a proclamação da República (1891), a presença direta do Estado no
domínio econômico se limita, no caso da União, à instituição de bancos emissores e
à criação e manutenção de alfândegas (Art. 7º, §1º, itens 1 e 2).
A Constituição de 1891 conferiu competência à União e aos Estados-
membros para legislarem sobre viação férrea e navegação e, no parágrafo único
deste mesmo dispositivo, determinou que a navegação de cabotagem seria feita por
navios nacionais, num lampejo do constituinte em proteção da economia nacional
(Art. 13).
Sob a sua égide, com a finalidade de proteger o café nos mercados
internacionais, tendo em vista que, na época, era ele o produto que dava
sustentação econômica ao País, acentuou-se gradativamente a intervenção do
Estado no domínio econômico.
Esse fato se iniciou por iniciativa dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e
Rio de Janeiro, principais produtores do grão e que gerou, como uma de suas
conseqüências, a criação de novas modalidades de pessoas jurídicas de direito
público, com características bastante aproximadas das pessoas jurídicas de direito
privado
92
.
A reforma constitucional de 1926, entre outras modificações, trouxe a
ampliação das funções da União Federal. Contudo, imperava, no País, o
coronelismo, permanecendo o Estado brasileiro em sua posição absenteísta, ante a
sua incapacidade de dar solução aos problemas nacionais que, também, refletiam os
91
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram atividade
econômica. 1 ed., Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 31.
92
VENÂNCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico. O Direito público
econômico no Brasil. 1 ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1968. p. 28-29.
52
anseios de reforma social que agitavam a Europa e se agravaram com a Crise de
1929, que fez ruir a economia brasileira lastreada no café
93
.
A partir da década de trinta, acentua-se o mecanismo de intervenção do
Estado no domínio econômico com a criação de autarquias econômicas para a
defesa de produtos da agricultura e da indústria extrativa
94
.
Na tentativa de reconstruir o País, faz-se ampla modificação legislativa, sob a
inspiração da Constituição de Weimar e da Constituição do México, que haviam
adotado um título específico para tratar da ordem econômica e social, culminando
com a promulgação da Constituição de 1934.
A Constituição de 1934, seguindo o mesmo norte traçado inicialmente pela
reforma constitucional de 1926 que outorgou ao Congresso Nacional competência
para legislar sobre matéria relativa a trabalho e sob franca influência da Constituição
de Weimar, trouxe um título especialmente dedicado à ordem econômica e social e
coloca como parâmetros da liberdade econômica no Brasil os princípios da justiça e
as necessidades da vida nacional com vistas à existência digna (Art. 115)
95
.
É importante anotar que o mesmo texto constitucional, em seu Art. 116, previa
a possibilidade de a União intervir no domínio econômico por meio de monopólio,
desde que sua atuação tivesse respaldo no atendimento a interesse público.
No texto constitucional de 1934 se priorizava o desenvolvimento industrial e a
proteção dos trabalhadores urbanos mediante a intervenção do Estado no domínio
econômico. No entanto, com a explosão dos movimentos revolucionários e a
conseqüente adoção de um regime de estado de sítio a partir do golpe de 1937 que
outorgou nova Constituição ao País, com inspiração na Constituição polonesa de
93
VENÂNCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico. O Direito público
econômico no Brasil. 1 ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1968. p. 30.
94
Idem, ibidem, p. 32.
95
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram atividade
econômica. 1 ed., Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 31-32.
53
1934, de ideal mais liberal que a anterior, esta intervenção ficava limitada à defesa
dos interesses nacionais
96
.
a Constituição de 1937 previa a possibilidade da intervenção do Estado no
domínio econômico para “suprir deficiências da iniciativa individual e coordenar os
fatores de produção”, de maneira a evitar ou resolver conflitos e introduzir no jogo
das competições individuais o pensamento dos interesses da nação, representados
pelo Estado (Art. 135).
A Carta de 1946, por sua vez, trouxe a ordem econômica fulcrada nos
princípios da justiça social, da liberdade da iniciativa e da valorização do trabalho
humano, que deveriam ser harmonizados entre si (Art. 145). Inovou, ao disciplinar a
concorrência e a consagração do princípio da função social da propriedade (Arts.
147 e 148).
Nessa conjuntura, foram ampliadas as possibilidades de o Estado promover
ingerências no domínio econômico, principalmente mediante a sua função
planejadora.
Quanto à intervenção estatal no domínio econômico, o texto de 1946 foi mais
criterioso do que os que o antecederam, ao dispor:
Art. 146. A União poderá, mediante lei especial, intervir no domínio
econômico e monopolizar determinada indústria ou atividade. A intervenção
terá por base o interesse público e por limite os direitos fundamentais
assegurados nesta Constituição.
A Constituição de 1967 estabelecia que a ordem econômica e social do País
tinha por fim a realização da justiça social, fundamentada nos princípios da liberdade
da iniciativa, valorização do trabalho como condição da dignidade humana, função
social da propriedade, harmonia e solidariedade entre os fatores de produção,
desenvolvimento econômico e repressão ao abuso do poder econômico (Art. 157).
96
VENÂNCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico. O Direito público
econômico no Brasil. 1 ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1968. p. 32.
54
Com a EC nº 01/69, o dispositivo em questão (Art. 157) foi renumerado (Art.
160) e teve sua redação modificada, sendo que o desenvolvimento nacional foi
transformado em finalidade da ordem econômica e a expansão das oportunidades
de emprego produtivo foi incluída entre os seus princípios. Além disso, a expressão
fatores de produção foi substituída por categorias sociais de produção.
Seu §passou, com as modificações trazidas com a emenda constitucional,
a constar do Art. 163, o qual determinava que seriam possíveis a intervenção do
poder blico no domínio econômico e o monopólio estatal de determinada indústria
ou atividade, mediante a edição de lei federal, quando indispensável por motivo de
segurança nacional ou para organizar setor que o pudesse ser desenvolvido com
eficácia no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os
direitos e garantias individuais (princípio da subsidiariedade).
Entre 1948 e 1968, aumentou consideravelmente a intervenção do Estado no
domínio econômico, sem que, porém, a máquina estatal estivesse aparelhada para
atender a essas novas necessidades e que, com o Ato Institucional nº 2, de 27 de
outubro de 1965, o Presidente da República adquiriu competência para emitir
decretos-leis sobre matéria de segurança nacional (Art. 3º)
97
. Nesse sentido, é válido
afirmar que:
O fortalecimento do sistema de clientela, como o restabelecimento do
regime representativo, provocou uma derrocada no sistema do mérito na
administração federal, com o rebaixamento do nível de eficiência. Por outro
lado, acelera-se o processo de descentralização funcional e de serviços,
com a criação de novas autarquias, sociedades de economia mista e
empresas públicas, em muitos casos, visando evitar os empecilhos
apresentados pela administração centralizada do Estado, e no seio desta,
surgem órgãos anômalos, como as campanhas, os serviços especiais, os
grupos executivos, etc. [...]
Tais possibilidades interventivas, contudo, foram restringidas, com a edição
da EC n° 01/69 que, ao ampliar a preocupação estata l com temas como
desenvolvimento, justiça social e valorização do trabalho humano, adotou o
planejamento como instrumento de crescimento econômico
98
.
97
VENÂNCIO FILHO, Alberto. A intervenção do Estado no domínio econômico. O Direito público
econômico no Brasil. 1 ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1968. p. 34-35.
98
LOCATELLI, Liliana. Desenvolvimento na Constituição Federal de 1988. In: BARRAL, Welber (Org).
Direito e desenvolvimento: Análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do
55
Corroborando esse intento, previa, em seu Art. 170, a atuação excepcional do
Estado brasileiro no domínio econômico via exploração direta e supletiva de
atividade econômica, por meio de empresas estatais, que seriam regidas pelo
mesmo conjunto de normas aplicáveis às empresas privadas, verbis:
Art. 170. Às empresas privadas compete, preferencialmente, com o estímulo
e o apoio do Estado, organizar e explorar as atividades econômicas.
§1°. Apenas em caráter suplementar da iniciativa pr ivada o Estado
organizará e explorará diretamente as atividades econômicas.
§2°. Na exploração, pelo Estado, da atividade econô mica, as empresas
públicas e as sociedades de economia mista reger-se-ão pelas normas
aplicáveis às empresas privadas, inclusive quanto ao Direito do Trabalho e
ao das Obrigações.
§3°. A empresa pública que explorar atividade não m onopolizada ficará
sujeita ao mesmo regime tributário aplicável às empresas privadas.
Meirelles
99
, ao discorrer sobre o mencionado dispositivo da Carta
Constitucional de 1967, esclarecia que, sendo a intervenção do Estado no domínio
econômico de natureza supletiva e nunca substitutiva ou competitiva com a atividade
privada (princípio da subsidiariedade), não poderia o Estado “invadir o campo
econômico das empresas privadas, salvo para suprir-lhes deficiências”, sob pena de
afrontar a própria Constituição.
Ressaltava, ainda, que era possível verificar, naquele momento histórico, a
existência, no País, de diversas empresas estatais competindo com as empresas da
iniciativa privada de forma desleal e inconstitucional em razão da inobservância do
caráter supletivo dado pela CF/67 à intervenção estatal no domínio econômico:
[...], o que se tem verificado no Brasil, em todos os níveis governamentais -
federal, estadual e municipal - é a freqüente invasão da área da atividade
privada por empresas blicas e sociedades de economia mista, que
entram em acintosa competição com o empresariado particular, ofertando
produtos e serviços já postos no mercado por empresas privadas, idôneas e
especializadas, que suprem satisfatoriamente as exigências do consumo e
competem lealmente entre elas, dentro da lei da oferta e da procura. E o
pior é que as organizações do Estado muitas vezes obtêm
privilegiadamente o contrato, e com dispensa de licitação, numa autêntica
concorrência desleal - e inconstitucional - às suas congêneres
particulares.
desenvolvimento. São Paulo: Singular, 2005. p. 100.
99
MEIRELLES, Hely Lopes. O Estado e suas empresas. Revista dos tribunais. São Paulo, n. 558. p.
10-12.
56
A atual ordem constitucional-econômica brasileira, como é cediço, tem como
alicerces a valorização do trabalho humano, a livre iniciativa, a existência digna e a
justiça social.
Tanto a livre iniciativa como a valorização do trabalho humano e a dignidade
da pessoa humana, são, além de fundamentos da ordem econômica brasileira,
princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito em que se consubstancia
o Brasil e devem observar, também, os objetivos fundamentais da República
Federativa do Brasil, quais sejam, o de construir uma sociedade livre, justa e
solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e, por fim, promover o
bem de todos.
Devem, da mesma forma, observar os princípios gerais da atividade
econômica no Brasil, quais sejam, a soberania nacional, a propriedade privada, a
função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa
do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais, a busca do pleno
emprego, o tratamento diferenciado para as micro e pequenas empresas,
assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica,
independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos
em lei.
E, nesse ponto, é igualmente necessário ressaltar que os referidos princípios
devem coexistir harmoniosamente, superando a incoerência aparente de estarem
todos unidos em um único texto normativo.
Sendo a principal razão da existência do Estado e, portanto, a finalidade da
sua intervenção no domínio econômico, a satisfação das necessidades da
coletividade - o que se torna, praticamente, impossível, em razão de serem essas
demandas múltiplas e infinitas enquanto os bens disponíveis no mercado o são em
número limitado e finito -, o de extrema importância para a sua realização os
princípios da dignidade da pessoa humana e da justiça social.
57
Segundo o princípio da dignidade da pessoa humana, o Estado tem dever de
proporcionar aos cidadãos uma existência digna, garantindo-lhes o mínimo
necessário para uma vida livre em todos os aspectos. o princípio da justiça social
é aquele que impõe ao poder público o dever de promover políticas que ensejem a
progressiva modificação da condição de vida de seus cidadãos, com melhor
distribuição de renda, a fim de que todos tenham condições para satisfazer, pelo
menos, às necessidades essenciais, tais como alimentação, moradia, vestuário,
saúde, transporte, cultura e educação.
A Constituição brasileira, como a generalidade daquelas que se seguiram às
duas Grandes Guerras, contém um capítulo sobre a ordem econômica e, em textos
expressos, autoriza a intervenção do Estado no domínio econômico, sem afastar as
garantias e os direitos fundamentais no campo da liberdade de iniciativa e de
mercado e da propriedade privada, consagrando o sistema capitalista e
caracterizando o Brasil como uma economia de mercado. Nesse sentido
100
:
De início cumpre ressaltar a consagração no texto constitucional do sistema
capitalista, identificado normalmente pela garantia da propriedade privada,
qualificada esta pela necessidade de observância da sua função social (art.
170, II e III), e da liberdade de iniciativa (art. 1º, IV e art. 170, caput),
associada à livre concorrência (art. 170, IV). Trata-se, portanto, de uma
economia de mercado, idéia esta reforçada pela clara separação entre os
campos da atividade econômica em sentido amplo destinados às iniciativas
pública e privada. O art. 173 da Constituição garante aos agentes privados
a exploração de atividade econômica em sentido estrito, somente admitindo
a participação do Estado nesta área em hipóteses estritamente definidas, ao
passo que o art. 175 estabelece incumbir ao Poder Público a prestação de
serviços públicos, ainda que sob a forma de concessão ou permissão a
particulares.
Além disso e, ao mesmo tempo em que prevê a regulamentação da
economia, a Constituição estabelece seus objetivos e traça princípios, de tal modo a
definir a ideologia do regime político, no tocante ao domínio econômico, em seu Art.
170. Isso significa que:
100
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram
atividade econômica. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 37-38.
58
Regra-se sob o título ordem econômica um conjunto de normas de
intervenção protetora ou restritiva às atividades econômicas, em
conseqüência de certas finalidades e através de certos meios. Os fins
buscados se vinculam à garantia de uma existência digna para todas as
pessoas, de acordo com o que se denomina de justiça social. Inclusive, a
República Federativa do Brasil tem como fundamentos, entre outros “a
dignidade da pessoa humana” (art. 1º, III, da Constituição) e a construção
de uma sociedade justa (art. 3º, I, da mesma Carta). Os meios usados,
afora outros princípios dizem respeito com a "valorização do trabalho
humano" e a "livre iniciativa". Esta é a compreensão de ordem econômica e
seu conteúdo programático
101
,.
A respeito do tema, destaca-se:
Uma observação genérica sobre a disciplinação jurídica da ordem
econômica aponta, para os seguintes fatos. Em primeiro lugar, há uma
definição muito clara dos princípios fundamentais que a regem; liberdade de
iniciativa, propriedade privada, regime de mercado, etc. Existe, portanto,
uma intenção, bastante nítida, de limitar a presença econômica do Estado.
A influência das últimas décadas, sobretudo a partir de 1972, conduziu o
constituinte a perfilhar, ao menos em tese, os princípios de um sistema que,
ideologicamente, poderia definir-se como capitalista, embora a Constituição,
ela própria, se encarregue de informá-lo em diversos pontos específicos
102
.
A aparente contradição existente entre os princípios da ordem econômica
relacionados no Art. 170, CF, assim como entre os fundamentos do Estado
brasileiro, dispostos no seu Art. 1° e entre estes e aqueles deve ser resolvida com a
harmonização dos conceitos, levando-se em consideração que o Brasil é um País
capitalista. Nesse sentido:
De fato, o constituinte, de modo claro, optou por um ordenamento
econômico composto. Significa que a ordem econômica na Carta de 1988
está impregnada de princípios e soluções contraditórias. Ora abre brechas
para a hegemonia de um capitalismo neoliberal, ora enfatiza o
intervencionismo sistemático, aliado ao dirigismo planificador; ressaltando
até elementos socializantes. Nisso tudo revela uma postura híbrida, porque
consagra uma espécie de paralelismo de princípios.
103
Tal conflito deve ser solucionado, relativamente às normas:
101
NASCIMENTO, Tupinambá M. C. do. A ordem econômica e financeira e a nova Constituição.
Rio de Janeiro: Aide, 1989. p. 10.
102
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1990. Vol.
VII. p. 08.
103
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 1138-
1139.
59
[...] na forma de “tudo ou nada”: verificada a hipótese nela descrita, seguem-
se as conseqüências previstas, podendo ao menos em tese, ser elencadas
todas as exceções à sua incidência e, quanto aos princípios, que possuem
a dimensão de peso ou importância, que permite ao aplicador a opção por
um certo princípio independente de qualquer consideração acerca da
validade do outro, também pertinente ao caso concreto
104
.
Em virtude de ser o Brasil um País capitalista, uma economia de mercado, no
qual os valores da livre iniciativa e da propriedade privada devem ser os prevalentes,
a intervenção estatal no domínio econômico é exceção somente admitida em casos
que impliquem atendimento a prementes interesses do corpo social.
Mesmo porque, a Constituição, sem descaracterizar o Estado brasileiro como
um Estado capitalista, concede-lhe meios eficazes para conter a livre iniciativa
dentro dos limites compatíveis com o bem coletivo, sem a afastar, assim como sem
retirar do cidadão a garantia da propriedade privada.
A maioria das normas interventivas anteriores às atuais assumia um caráter
proibitivo e repressivo, não se pretendendo com elas levar os entes privativos a
adotar certos comportamentos ou a efetuar certas prestações positivas conforme o
interesse geral definido pelas autoridades, razão pela qual se fala, para caracterizar
essa forma de intervenção, que se prolongou - com a exceção do período
mercantilista - até ao final da Primeira Guerra Mundial, de um dirigismo econômico
negativo, assente em simples atos preventivos e repressivos
105
.
O modelo jurídico a que se refere o autor é o liberal e a ideologia a do
individualismo. Porém, conforme destacado acima, o paradigma do capitalismo
individual e liberal não mais atende aos anseios sociais. A inserção de valores
humanitários e de preservação incute o ideário social-democrático.
Essa mudança de paradigmas vem interferindo nas relações jurídicas entre
particulares e entre estes e entes públicos, principalmente quando se observa que
foram desmerecidos os novos ideais de atendimento ao bem-estar social.
104
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram
atividade econômica. 1 ed, Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 43.
105
MONCADA, Luis S. Cabral de. Direito econômico. 23 ed. Coimbra: Coimbra, 1988. p. 15.
60
Nesse sentido, o atendimento, no caso das empresas estatais brasileiras, ao
disposto no Art. 37, CF é exigência direta dessa evolução, mesmo que de forma
mitigada, ante a incidência de normas típicas de direito privado sobre estes entes.
Dessa forma:
[...] percebe-se que a enunciação, no texto constitucional, dos princípios que
pautam a atividade administrativa não representa que em todas as
situações a administração deva observar integralmente aquele rol o que
seria evidentemente impossível ou mesmo que em qualquer caso algum
deles deva necessariamente ser aplicado. Afinal, a sua ponderação poderá
indicar a prevalência de uns em detrimento de outros, ou mesmo a
inaplicabilidade de qualquer deles a uma determinada hipótese concreta.
Posta a questão desde a perspectiva das empresas estatais que exploram
atividade econômica, inegável a importância da tantas vezes citada regra
constante do artigo 173, §1º, da Constituição, no sentido de que o regime
jurídico daquelas entidades se equipara ao das empresas privadas,
representando a sua sujeição a princípios de direito privado. Dessa forma, e
tomando em consideração as referidas características dos princípios,
podemos concluir que aqueles consagrados no artigo 37 da Constituição
terão campo propício para aplicação na disciplina daqueles aspectos da
vida das estatais nos quais o seu regime jurídico se afasta do modelo
privado adotado inicialmente
106
.
Assim, faz-se necessário traçar um perfil das chamadas empresas estatais,
como elas se constituem e atuam no mercado, quais, em linhas gerais, as suas
diferenças em relação às empresas privadas.
2.2 EMPRESAS ESTATAIS: EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE
ECONOMIA MISTA
A empresa é a instituição social que melhor serve como elemento explicativo
e definidor da civilização contemporânea, em razão de sua influência, dinamismo e
poder de transformação que decorrem do fato de ser ela a responsável direta pela
subsistência da maior parte da população economicamente ativa do País e a
produtora da grande maioria dos bens e serviços consumidos pelo povo, aliados ao
fato de ser ela a maior fonte de receitas fiscais do Estado e, por fim, de ser em torno
106
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram
atividade econômica. 1 ed, Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 125.
61
dela que gravitam vários agentes econômicos não assalariados tais como
investidores de capital, fornecedores e prestadores de serviços
107
.
A importância atual da empresa como estrutura social estabelecida é ainda
mais ampla considerando que tem, atualmente, decisiva influência na fixação do
comportamento de outras instituições e grupos sociais que, até há pouco tempo,
viviam fora do alcance da vida empresarial - tais como as escolas, as Universidades,
os hospitais e os centros de pesquisa médica, as associações artísticas e os clubes
desportivos, os profissionais liberais e as forças armadas e que se viram
englobados na sua vasta área de atuação
108
.
Dentro desse contexto e lembrando que a presença do poder público em
todos os setores da economia foi crescente desde o período posterior à Primeira
Guerra Mundial até que o Estado se mostrasse incapaz de manter os elevados
índices de investimentos necessários ao desenvolvimento nacional - momento em
que iniciou um movimento de retirada de alguns setores do mercado, devolvendo-os
à iniciativa privada - torna-se importante verificar, no universo empresarial, quais são
as empresas estatais, qual o seu papel atual na sociedade brasileira e qual o regime
jurídico a que se submetem para que, depois, se faça possível a análise das
situações em que a sua atuação configura concorrência ilegal relativamente à
iniciativa privada.
A expressão empresas estatais, de acordo com Shirato
109
, inclui, no direito
brasileiro, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, assim como as
sociedades originadas da iniciativa privada que vieram a ser adquiridas pelo poder
público sem autorização legislativa específica ou sem observar os procedimentos
aplicáveis às duas primeiras.
107
COMPARATO, Fábio Konder. A reforma da empresa. Revista de direito mercantil. São Paulo, n.
50, 1983, p. 58.
108
Idem, ibidem, p. 58.
109
SHIRATO, Vítor Rhein. Novas anotações sobre as empresas estatais. Revista de Direito
Administrativo. São Paulo, n. 239. p. 209.
62
De acordo com Medauar
110
, no Brasil, recebem o nome de estatais as
empresas constituídas ou adquiridas pelo poder público e por ele administradas e
controladas, direta ou indiretamente, em qualquer de seus níveis.
Observa-se que tais empresas têm:
[...] antecedentes históricos que remontam às companhias holandesas e
portuguesas que, nos séculos XV e XVI, corporificavam investimentos da
Coroa, destinados a alcançar, em complemento, a conquista de mares e
terras desconhecidas, novas fontes de suprimento para os mercados
europeus mediante intercâmbio e importação de mercadorias
111
.
Segundo Meirelles
112
, na denominação genérica de empresas estatais ou
governamentais incluem-se as empresas públicas, as sociedades de economia mista
e as empresas que, não tendo as características destas, estão submetidas ao
controle do Governo.
Observa-se que, para Pessoa
113
, a expressão empresas estatais é sinônima
de empresas governamentais, o mesmo podendo ocorrer com a locução empresas
públicas:
A expressão empresas estatais ou empresas govemamentais
pode ser tomada numa acepção ampla ou numa acepção
restrita. Num sentido amplo, tal locução abrange todas as
agências econômicas do Estado (comerciais, industriais,
financeiras), incluindo as empresas públicas propriamente
ditas, as sociedades de economia mista e outras entidades
porventura instituídas como braços estatais no setor
econômico. Num sentido mais restrito, designa apenas uma
modalidade de agência econômica, constituída
exclusivamente por capitais públicas (sic).
para Mukai
114
empresa pública é expressão significante das empresas
criadas pelo Estado para gerir serviços blicos, mesmo que de natureza comercial
ou industrial, enquanto que empresa estatal é a locução indicativa da empresa
110
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT, 1996. p. 95.
111
TÁCITO, Caio. Empresas estatais. Participação em empresas com sede no exterior. Inexigibilidade
de autorização legislativa. Revista trimestral de direito público.o Paulo, n. 06. p. 76.
112
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 27 ed. atual. São Paulo: Malheiros,
2002. p. 346.
113
PESSOA, Robertônio. Curso de direito administrativo. Brasília: Consulex, 2000. p. 131.
114
MUKAI, Toshio. Direito administrativo sistematizado. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 43.
63
criada pelo Estado para fins de exploração de atividades econômicas próprias dos
particulares.
As empresas governamentais, portanto, são pessoas jurídicas de direito
privado que se apresentam ora sob a forma de empresas públicas, ora de
sociedades de economia mista, com patrimônio próprio e que, conforme o Decreto-
Lei 200/67 (modificado pelo Decreto-Lei 900/69), visariam, especificamente, ao
desempenho de atividades econômicas.
Nem as empresas públicas nem as sociedades de economia mista que não
sejam prestadoras de serviço público podem ser ditas integrantes da administração
pública indireta que não fazem parte da descentralização administrativa do
Estado, mas, a sua atuação no domínio econômico de forma equiparada ao
particular
115
.
O texto legal, ao restringir o significado da expressão empresas estatais
àquelas pessoas jurídicas de direito privado, com patrimônio próprio e que têm por
finalidade exclusiva a exploração da atividade econômica não retratou a realidade,
ignorando a existência de inúmeras empresas governamentais destinadas à
prestação de serviços públicos. Isso porque, “tomada a expressão atividade
econômica como excludente da noção de serviço público, concluiríamos pela
impossibilidade de as estatais regidas pelo DL 200/67 desenvolverem atividade
típica do Estado (serviço público)”
116
.
Ademais, tomada a expressão legal atividade econômica em sentido estrito,
estaria, também, o legislador negando a origem das empresas estatais que foram
inicialmente utilizadas “na prestação de serviços de natureza industrial e comercial,
diante do esgotamento da fórmula da concessão”
117
, momento em que o Estado, por
meio das empresas governamentais, assumiu diretamente atividades anteriormente
desenvolvidas por particulares mediante o processo de concessão.
115
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2000. p. 166 e 174.
116
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram
atividade econômica. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 73.
117
Idem, ibidem. p. 79.
64
Em consonância com essa interpretação, Porto Neto
118
e Grotti
119
afirmam
que as empresas governamentais se dividem em duas espécies, das quais a
primeira é formada por aquelas que desempenham atividades econômicas
reservadas constitucionalmente aos particulares e, a segunda por aquelas que
prestam serviços públicos.
Apesar de não ser este o foco desta pesquisa, cabe aqui diferenciar atividade
econômica e serviço público.
Segundo Grau
120
, a atividade econômica divide-se em atividade econômica
em sentido estrito (reservada aos particulares) e serviços blicos, atividade estatal,
ainda que exercida, por meio de concessão ou autorização, por particulares, “cuja
consecução se torne indispensável à realização ou ao desenvolvimento da coesão e
da interdependência social (Duguit) ou, em outros termos, qualquer atividade que
consubstancie serviço existencial relativamente à sociedade (Cirne Lima)”.
Shirato
121
conceitua atividade econômica em sentido estrito como:
todas as atividades que tenham como resultado a movimentação de
riqueza, excepcionados os serviços públicos, realizadas preferencialmente
pela iniciativa privada em regime de livre iniciativa e livre concorrência de
acordo exclusivamente com os critérios considerados adequados pelos
particulares para a satisfação de seus interesses, sob um regime de direito
privado.
No mesmo sentido, discorre sobre o tema Justen Filho
122
, afirmando que a
“atividade econômica é reservada preferencialmente aos particulares, que a
desempenham como derivação do princípio da propriedade privada. Aplicam-se os
princípios da livre iniciativa e da livre concorrência.”
118
PORTO NETO, Benedicto Pereira. Constituição Federal - Reforma administrativa: licitação nas
empresas estatais. Revista trimestral de direito público. São Paulo, n.27, 1999, p. 20.
119
GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. Licitações nas estatais em face da Emenda Constitucional 19,
de 1998. Revista trimestral de direito público.o Paulo, n. 27, 1999, p. 24-25.
120
GRAU, Eros. A ordem econômica na Constituição de 1988. 6 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
p. 158.
121
SHIRATO, Vítor Rhein. Novas anotações sobre as empresas estatais. Revista de direito
administrativo. São Paulo, n. 239. p. 233.
122
JUSTEN FILHO, Marçal. O Direito das Agências Reguladoras Independentes. 1 ed. São Paulo:
Dialética. p. 244.
65
Segundo Mello
123
, serviço público é:
a prestação consistente no oferecimento, aos administrados em geral, de
utilidades ou comodidades materiais (como água, luz, gás, telefone,
transporte coletivo, etc.) que o Estado assume como próprias, por serem
reputadas imprescindíveis, necessárias ou apenas correspondentes a
conveniências básicas da Sociedade, em dado tempo histórico.
Pereira
124
afirma que o conceito de serviço público depende do contexto
histórico e da sociedade em que deve ser aplicado, concluindo que o melhor critério
de distinção entre serviço público e atividade econômica é o da definição legal.
Assim, no caso brasileiro, a distinção entre serviços públicos e atividade
econômica deve respeitar os parâmetros estabelecidos pelos Arts. 173 e 175 da
Constituição.
Feitas as devidas distinções e sendo certo que a expressão empresa estatal
ou empresa governamental compreende, entre outras entidades, empresas públicas
e sociedades de economia mista voltadas à exploração da atividade econômica em
sentido amplo, optou-se pela restrição do âmbito desta pesquisa a estas duas
espécies de empresas.
Para parte da doutrina, essas empresas foram criadas como forma de dar ao
Estado um meio de participação direta na atividade econômica, num claro objetivo
de lhe conferir a mesma “agilidade, eficiência e produtividade das empresas do setor
privado”
125
com as quais iria competir. Nesse sentido:
123
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6 ed., rev., atual. e ampl.
São Paulo: Malheiros, 1995. p. 479.
124
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram
atividade econômica. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 40-41.
66
Razões de natureza técnica e de ordem sócio-econômica justificam de
maneira ampla a ingerência do Estado no setor privado. Despindo-se de
parte de suas prerrogativas e privilégios, o Estado tem possibilidades
maiores de locomover-se, de desenvolver atividades no setor comercial ou
industrial, de desburocratizar-se, de subtrair-se de controles rígidos e
asfixiantes. Contato mais estreito com a população, afastando conflitos e
permitindo que interesses comuns criem raízes idênticas, de outro modo
antagônicas, vai preparando o caminho para o acionarato estatal. O Estado
acionista, ao integrar a sociedade de economia mista, desce do pedestal
privilegiado em que se encontra e, revestindo-se de traços privatísticos, fica
sob o impacto das normas jurídicas do direito mercantil, sujeitando-se aos
estatutos das sociedades anônimas comuns. Não se trata do Estado,
síntese dos poderes soberanos, mas do Estado, sujeito de direito nas
relações jurídico-privadas, o Estado como centro de imputações de direitos
e deveres, o Estado particular; o Estado comerciante, o comerciante estatal,
o empresário público.
126
Tal objetivo poderia ter sido alcançado da mesma forma caso tivesse sido
editada lei que alterasse o regime jurídico próprio das autarquias, flexibilizando-o,
sem colocar em risco a coisa pública e, concomitantemente, concedendo àqueles
entes a agilidade necessária. Esse é o entendimento de Ataliba
127
:
Podia ter elaborado lei de agilização das autarquias, estabelecendo os
procedimentos internos, regras especiais de relacionamento com o próprio
Estado e com terceiros (usuários, fornecedores de serviços e coisas),
formalidades menos solenes, tornando mais expedita a sua atuação.
Estabeleceria, assim sem desrespeitar a essência do regime
administrativo (i), protetor da coisa pública – um rol de regras flexibilizadoras
da autarquia. Entendeu, porém, que isso seria complicado, exigiria uma lei
com inúmeras derrogações, prevendo todo tipo de atos e relações, para ir a
cada qual dando o tratamento desembaraçado e flexível entendido
necessário.
Para impedir que a concorrência entre aquelas (empresas governamentais) e
estas (empresas privadas) viesse a se tornar ilegal, colocando em risco o mercado
ou os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, foram criadas, “à imagem e
semelhança destas, principalmente pela atribuição de personalidade jurídica de
direito privado, do que decorreria a incidência precípua do direito privado sobre sua
atuação”
128
.
125
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT, 1996. p. 95.
126
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2000. p. 162.
127
ATALIBA, Geraldo. Empresas estatais e regime administrativo (serviço público inexistência de
concessão delegação proteção ao interesse público). Revista trimestral de direito público. São
Paulo, n. 04, 1993, p. 55.
128
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. São Paulo: RT, 1996. p. 95.
67
A doutrina, desde a Constituição de 1967, se divide em duas correntes no que
tange à importância da preponderância do regime jurídico privado sobre o regime
jurídico público em relação às estatais exploradoras de atividade econômica
129
.
A primeira corrente doutrinária (minoritária) defende que sua importância
decorre da garantia de maior agilidade, flexibilidade e, conseqüentemente, poder de
competição que a preponderância do regime jurídico privado sobre o regime jurídico
público em relação às estatais exploradoras de atividade econômica dá ao Estado.
a segunda corrente (dominante) realça esse mesmo fato como forma de
proteção da iniciativa privada contra os abusos do poder econômico que o Estado,
por meio dessas empresas, possa cometer.
Nesse sentido é o entendimento firmado no STF. Veja-se o Recurso
Extraordinário 172.816-RJ
130
, de cuja ementa consta que a norma do Art. 173,
§1º, CF:
[...] visa a assegurar a livre concorrência, de modo que as entidades
públicas que exercem ou venham a exercer atividade econômica não se
beneficiem de tratamento privilegiado em relação a entidades privadas que
se dediquem a atividade na mesma área ou em área semelhante.
Veja-se, também, a decisão prolatada no Mandado de Segurança 21.322-
1-DF
131
:
Esse preceito veicula norma de equiparação, que visa a deslegitimar
qualquer deliberação do Poder Público que, ao conferir privilégio a
entidades paraestatais que explorem atividade econômica, importe em
tratamento discriminatório incompatível com os postulados da livre iniciativa
e da livre concorrência entre os diversos agentes econômicos.
129
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram
atividade econômica. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 102-103.
130
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 172.816-RJ. Relator Min. Paulo
Brossard. RTJ 153/337-353.
131
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 21.322-1-DF. Relator Min. Paulo
Brossard. 23 de abril de 1993. DJU, Seção I. p. 75.
68
Pereira
132
coloca-se como integrante de corrente doutrinária conciliadora das
demais, afirmando não haver qualquer incompatibilidade entre elas, que se
complementam e se integram perfeitamente. E assevera que:
[...] caso a equiparação operada no §1º quanto a direitos e obrigações
tivesse o sentido apenas de impedir a concessão de privilégios às estatais,
a vedação contida no parágrafo seguinte mostrar-se-ia, mesmo como
simples reforço, absolutamente vazia. De outro lado, a restrição do
conteúdo da regra em comento apenas aos aspectos que possam
representar vantagens conferidas às estatais que disputem mercado com
empresas privadas mostra-se desatenta ao princípio da máxima efetividade,
segundo o qual a interpretação constitucional deve orientar-se sempre no
sentido da atribuição da maior eficácia possível ao dispositivo aplicado. [...]
Dessa forma, em perfeita harmonia com a cabeça do artigo, o dispositivo
que especificamente aqui nos interessa trata de reforçar a proteção à
liberdade de iniciativa, preservando-a dos efeitos nocivos que poderia
acarretar a ação empresarial do Estado em condições privilegiadas, ao
mesmo passo em que cuida de assegurar ao Poder Público os meios
adequados para o devido desempenho da função poder-dever que lhe é
atribuída, no tocante à intervenção do domínio econômico.
A equiparação das empresas governamentais às empresas privadas implica
que não haja foro privilegiado para o julgamento das causas em que figurem como
parte sociedades de economia mista.
Nesse sentido, a decisão do STF, em Agravo Regimental referente ao Agravo
de Instrumento nº 337.615-6/SP
133
, cuja ementa é:
COMPETÊNCIA - Foro - Sociedade de economia mista - Causa que deve
ser julgada no foro das empresas privadas, isto é, na Justiça Comum -
Incompetência do foro da Fazenda Pública, em razão de tais empresas não
possuírem nenhum privilégio de ordem processual - Inteligência do art. 173,
§1°, II, da CF.
As súmulas nº 556, STF e 42, STJ, corroboram esse entendimento:
Súmula 556, STF. É competente a Justiça Comum para julgar as causas em
que é parte Sociedade de Economia Mista.
Súmula 42, STJ: Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar
as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes
praticados em seu detrimento.
132
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram
atividade econômica. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 105-106.
133
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n. 337.615-6-
SP. Relator Min. Carlos Velloso. 22 de fevereiro de 2002.
69
Em que pese serem as empresas blicas e as sociedades de economia
mista pessoas jurídicas de direito privado, a sua origem pública não permite que o
regime de direito privado Ihes seja aplicado de forma pura e simples. Essa situação
torna necessário mesclar àquele conjunto normativo regras de direito público, o que
a doutrina denomina de regime jurídico misto. Nesse sentido:
[...] quanto às empresas estatais exploradoras de atividades econômicas, é
possível afirmar-se que o regime jurídico aplicável será o mais aproximado
do direito privado possível. Afirmamos isso, pois as empresas estatais
exploradoras de atividades econômicas atuam em regime de livre
concorrência com a iniciativa privada (com exceção daquelas exploradoras
de monopólios), não sendo possível, portanto, admitir-se que lhes seja
tolhida a agilidade negocial essencial ao desenvolvimento de suas
atividades, nem tampouco que lhes seja atribuída a supremacia típica do
Poder Público, pois aqui não falamos em atividades precípuas do Poder
Público. Sendo assim, entendemos que as empresas estatais exploradoras
de atividades econômicas em sentido estrito não poderão ter sobre si o
mesmo regime jurídico incidente sobre as empresas estatais prestadoras de
serviços blicos e exercentes de funções públicas, visto que atuam em
regime de livre concorrência com a iniciativa privada e não exercem funções
típicas do Estado. A própria Constituição Federal, em seu artigo 173, inciso
II, expressamente distingue o regime jurídico aplicável às empresas estatais
exploradoras de atividades econômicas, afirmando que este deverá ser
aquele próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações
comerciais trabalhistas e tributárias.
134
As normas de direito privado são observadas, conforme a determinação
constitucional, com temperanças advindas do regime de direito público, até porque
somente assim se pode garantir ao cidadão a observância dos princípios da
administração pública, bem como a perseguição dos seus fins, que poderiam ser
esquecidos em nome do lucro, caso não fosse essa possibilidade de integração de
regimes.
A Súmula 231 do Tribunal de Contas da União retrata, com clareza, essa
interpretação:
A exigência de concurso público para admissão de pessoal se estende a
toda a Administração Indireta, nela compreendidas as Autarquias, as
Fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, as Sociedades de
Economia Mista, as Empresas Públicas e, ainda, as demais entidades
controladas direta e indiretamente pela União, mesmo que visem a objetivos
estritamente econômicos, em regime de competitividade com a iniciativa
privada.
134
SHIRATO, Vítor Rhein. Novas anotações sobre as empresas estatais. Revista de direito
administrativo. São Paulo, n. 239. p. 232-233.
70
O STF decidiu, no MS 21.322-1-DF
135
, que a sujeição das empresas estatais
exploradoras de atividade econômica ao regime de direito privado impede que elas
utilizem prerrogativas próprias do regime de direito público, o as dispensando,
contudo, da observância dos princípios deste último e fixou posição no sentido de
que o concurso é obrigatório tanto para a contratação de funcionários em empresas
estatais que prestam serviços públicos quanto nas que exploram atividades
econômicas.
A criação e a extinção das empresas estatais só podem ocorrer por lei
ordinária específica, conforme disposto no Art. 37, inc. XIX, da Carta Magna (com a
redação dada pela EC 19/98), segundo o qual “somente por lei específica pode
ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de
economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso,
definir as áreas de sua atuação”.
Como será visto posteriormente, também há a necessidade, para a criação de
empresas estatais que visem ao exercício de atividades econômicas em
concorrência com a iniciativa privada e não a prestação de serviços públicos, a
edição de lei complementar anterior à lei específica supra mencionada, da qual
constará rol taxativo das hipóteses caracterizadoras das situações de atendimento a
imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo autorizadoras
dessa intervenção estatal no domínio econômico.
As empresas públicas têm capital exclusivo do Estado (entendido como
quaisquer dos entes políticos, União, estados federados, municípios, territórios e
Distrito Federal) e podem se revestir de qualquer uma das formas admitidas em
direito. Têm, de acordo com o Decreto-Lei nº 200/67, por finalidade, a prática de
atividades econômicas.
135
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 21.322-1-DF. Relator Min. Paulo
Brossard. 23 de abril de 1993. DJU, Seção I. p. 75.
71
Conforme entendimento de Shirato
136
, o entidades constituídas pelo
Estado, sob quaisquer das formas admitidas em direito privado, mediante a edição
de lei autorizadora, para o exercício de atividade econômica (em sentido estrito),
para a prestação de serviço público ou para a realização de funções públicas, com
personalidade jurídica de direito privado e capital subscrito e integralizado com
recursos oriundos exclusivamente do poder público.
Ressalta-se que, de acordo com Cretella Júnior
137
, as empresas públicas, ao
contrário do afirmado por Shirato, não se resumem àquelas constituídas pelo
Estado. Abarcam, também, empresas privadas que, pelo processo de
nacionalização, tiveram seus estatutos jurídicos alterados.
Observa-se, também, que a expressão atividades econômicas que consta da
definição de empresas públicas no Decreto-Lei 200/67, deve ser interpretada em
seu sentido lato, conforme entendimento de Shirato supra mencionado, corroborado
pela prática, tendo em vista a existência de empresas públicas que atuam no
mercado de forma concorrencial com a iniciativa privada, exercendo atividades
econômicas em sentido estrito e, simultaneamente, outras que têm por função a
prestação de serviços públicos.
Não sendo a atividade econômica desenvolvida pela empresa pública definida
pelas normas constitucionais como serviço público, é correto afirmar que o Estado,
por meio dessa sua entidade, concorre com a iniciativa privada. Nesse sentido:
A não ser no caso, todo especial, em que a atividade econômica se
identifica com o serviço público (pois que tais noções, em muitos casos, não
são excludentes), hipótese em que empresa pública é Administração
indireta, nas demais hipóteses de prestação, quando a atividade econômica
é puro e inequívoco serviço privado, com finalidade de lucro, a empresa
pública é concorrente da empresa privada.
138
Nada obstante essa situação de concorrência criada entre o setor público e o
privado com a atuação do Estado por meio de uma empresa pública para fins de
136
SHIRATO, Vítor Rhein. Novas anotações sobre as empresas estatais. Revista de Direito
Administrativo. São Paulo, n. 239. p. 211.
137
CRETELLA JÚNIOR, José. Manual de direito administrativo. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense,
1.979. p. 94.
138
Idem, ibidem. p. 170.
72
exercício de atividade econômica em sentido estrito, deve-se atentar para o fato de
que não deve ser essa competição a finalidade da intervenção estatal no domínio
econômico.
As atividades da empresa pública, em que pese ser esta uma pessoa jurídica
de direito privado, devem atender à finalidade primordial do Estado, seu ponto de
origem, qual seja, o atendimento das necessidades da coletividade.
Embora desenvolvam atividades de natureza privada, essas empresas
objetivam um interesse público, consubstanciado no controle necessário do Estado
sobre as atividades privadas, mediante a estabilidade do mercado, tendo em vista o
bem comum
139
.
As sociedades de economia mista, por sua vez, o sempre constituídas sob
a forma de sociedades anônimas, devem ter suas ações com direito a voto
concentradas em poder do Estado (considerado como qualquer ente político: União,
Estados Federados, Municípios, Territórios ou Distrito Federal) ou de outra entidade
da administração indireta.
Shirato
140
conceitua:
Sociedades de economia mista são sociedades anônimas, cuja criação é
autorizada por lei, nas quais o encontro de capitais públicos com capitais
privados para a prestação de um serviço público ou para a exploração de
uma atividade econômica (em sentido estrito), com personalidade jurídica
de direito privado, sendo o Poder Público, necessariamente, o acionista
controlador.
Do texto transcrito infere-se que o capital das sociedades de economia mista
é advindo de fontes públicas e privadas e que o poder decisório é concentrado no
Estado, unindo, numa pessoa jurídica, setor público e privado. Essa junção torna
o modelo societário em questão pouco funcional, em razão de ele conter em si
conflito decorrente dos objetivos naturais de cada um desses setores, quais sejam, a
obtenção de lucro e o aumento do bem-estar social.
139
BRAZ, Petrônio. Manual de direito administrativo. Leme: de Direito, 1999. p. 354.
140
SHIRATO, Vítor Rhein. Novas anotações sobre as empresas estatais. Revista de direito
administrativo. São Paulo, n. 239. p. 211.
73
Não que não seja possível conciliar o aumento dos níveis do bem-estar social
com a obtenção de lucro por meio das atividades desenvolvidas pela sociedade de
economia mista. Mas, de maneira geral, iniciativa blica e privada não logram êxito
em fazê-lo, inviabilizando ou, ao menos, prejudicando a empresa
141
.
A finalidade das sociedades de economia mista, de acordo com a lei, é o
desempenho de atividade econômica, consubstanciada em atividades comerciais ou
industriais, cujo objetivo, como mencionado anteriormente, via de regra, é a
obtenção de lucro.
Vale ressaltar, entretanto, que, assim como ocorre com as empresas públicas,
existem inúmeras sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos
(v.g.: Eletrobrás Centrais Elétricas Brasileiras; Petrobrás Petróleo Brasileiro),
tendo em vista que a expressão atividade econômica que consta do texto legal deve
ser interpretada em seu sentido amplo.
Além disso, mesmo aquelas sociedades de economia mista que desenvolvam
atividade econômica em sentido estrito, não podem, em nome da obtenção de
resultados financeiros positivos, deixar de perseguir o atendimento aos interesses
sociais, em razão de sua origem estatal.
Também como no caso das empresas públicas, não sendo a atividade
econômica desenvolvida pela sociedade de economia mista definida pelo texto
constitucional como serviço público, é correto afirmar que o Estado, através dessa
sua entidade, concorre com a iniciativa privada, devendo se submeter ao regime
jurídico próprio de direito privado. Nesse sentido:
Regra geral, a atividade econômica é impulsionada pelo lucro, sendo este a
força motriz da iniciativa do particular. A não ser na hipótese, toda especial,
em que a atividade econômica se identifica com o serviço público (pois que
tais noções, na maioria dos casos, não são excludentes), caso em que a
sociedade de economia mista é Administração indireta, nas demais formas
de exploração, quanto a atividade econômica é puro e inequívoco serviço
141
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2000. p. 161.
74
privado, objetivando lucro, a sociedade de economia mista é concorrente da
empresa privada.
142
Muito embora a lei, ao definir empresas públicas e sociedades de economia
mista, faça menção ao objetivo de obtenção de lucro que seria por elas perseguido,
parte da doutrina brasileira tem entendido tal expressão no sentido de superávit que
deve ser buscado simultaneamente à satisfação dos interesses sociais, do alcance
do bem comum, principal função do Estado e, portanto, sua meta basal.
A questão referente à integração ou não do escopo lucrativo no conceito de
empresa (mormente a estatal), “pode significar que a empresa constituída pelo
Poder Público, ao lado das finalidades que justificaram sua criação, deve também
perseguir sempre a realização de um excedente econômico”
143
. Nesse caso, a
empresa (mesmo a estatal) teria como principal objetivo a obtenção de um
excedente econômico por meio de suas atividades, sendo a busca pela realização
de outros escopos tida como secundária e somente permitida quando não coloque
em risco a meta lucrativa.
Parte da doutrina entende que não pode o intuito lucrativo ser elemento
essencial do conceito de empresa ao menos no que se refere àquelas
denominadas de governamentais em razão de existirem outros valores e objetivos
perseguidos pelo Estado, tais como a satisfação do interesse social. E, diferindo a
atuação empresária do particular da do Estado frente ao objetivo de obtenção de
lucros, Pereira
144
discorre:
Assim, o particular organizará a empresa visando à satisfação de interesses
egoísticos, normalmente a busca do ganho representado pelo lucro, ao
passo que ao assumir o Estado a posição de empresário, privilegiado será o
interesse da coletividade, cuja perseguição constitui a marca de toda ação
estatal.
Assim, enquanto a empresa privada tem como principal escopo a obtenção de
lucro e como meta secundária o atendimento dos interesses da coletividade, a
142
CRETELLA JÚNIOR, José. Direito administrativo brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense,
2000. p. 161.
143
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram
atividade econômica. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 64-65.
144
Idem, ibidem. p. 66.
75
ordem desses fatores se altera relativamente à empresa estatal, de forma que a
obtenção de resultados contábeis positivos por empresas governamentais o é
proibida, mas deve ser antecedida pelo atendimento ao interesse coletivo, sob pena
de inconstitucionalidade do ato que o gerou.
A evolução da intervenção do Estado brasileiro no domínio econômico pode
ser visualizada a partir da curva ascendente de criação de empresas
governamentais no País em âmbito estritamente federal.
Até 1930, tais empresas não ultrapassavam o número de 25. Contudo, a partir
da década de 40, iniciou-se um ciclo de intervenção estatal no domínio econômico
com o objetivo claro de promover a industrialização nacional, a partir de três setores
considerados estratégicos quais sejam, siderurgia, petróleo e energia elétrica
145
, por
meio da criação da Cia. Siderúrgica Nacional (1941), da Cia. Vale do Rio Doce
(1942), da Cia. Hidrelétrica de São Francisco (1945), do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES (1952), e da Petróleo Brasileiro S.A
– Petrobrás (1953).
Em 1950, as empresas estatais chegaram ao número de 66, sendo que, até
1960, foram criadas outras 49 e, até 1970, outras 153, muitas das quais após a
promulgação do Decreto-lei 200/67 que institucionalizou a descentralização
administrativa e acabou por facilitar a multiplicação dessas empresas, o que restou
comprovado com a criação, até 1980, de outras 215 empresas governamentais
146
.
Em 1981, as empresas estatais atingiram o assustador número de 530
147
.
No período do Milagre Econômico (1968-1975), o PIB se manteve a uma taxa
média de 10% ao ano como conseqüência lógica de um grande investimento de
capitais nos mais diversos setores da economia nacional - dentre os quais: de
infraestrutura, de serviços, de comércio exterior, de indústria de transformação e de
145
MENEZES, Paulo Lucena de; CINTRA, Fernando Pimentel. Privatização. Revista dos tribunais
Cadernos de direito tributário e finanças públicas. São Paulo, n. 14. p. 244.
146
Idem, ibidem, p. 244.
147
TÁCITO, Caio. Três momentos da privatização. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord.).
Desafios do Século XXI. Revisão de Janice Yunes Parim. São Paulo: Pioneira: Academia
Internacional de Direito e Economia, 1997. p. 141-142.
76
produção de bens de capital - mediante a atuação das empresas estatais que se
multiplicavam conforme resumo cronológico apresentado.
Com a finalidade de manter esses índices elevados de crescimento
econômico, foi elaborado o II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975). Esse
plano, formulado no Governo Geisel, enfatizou o investimento em indústrias de base
e a busca da autonomia em insumos básicos; incentivou a pesquisa de petróleo, o
programa nuclear, o programa do álcool e a construção de usinas hidrelétricas,
podendo citar-se como exemplo, a usina de Itaipu.
Apesar de o resto do mundo estar mergulhado em uma das crises do
petróleo, o governo buscou recursos no exterior, subsidiou os créditos e promoveu
incentivos fiscais, aumentando sua participação na formação bruta de capital fixo,
consistente em indústrias, fábricas e capital não financeiro, de 38% (1965) para 43%
(1977)
148
.
Essa situação não pôde ser sustentada quando, no início da década de 80, o
aumento da dívida externa e a queda das exportações decorrentes da crise mundial
fizeram entrar em colapso o setor público, base de praticamente todos os setores da
economia nacional
149
.
Como observado, a partir da década de 80, o Estado brasileiro,
principalmente após a promulgação da atual Constituição, iniciou a implantação de
uma política de descentralização que pode ser exemplificada pela instituição de
diversos programas que não se confundem, mas que apresentam como objetivo
comum a retirada do Estado de setores econômicos nos quais sua presença não
seja, de fato, imprescindível.
Dentre esses programas, pode-se citar o Programa Nacional de
Desburocratização (Dec. n° 83.740/79), o Programa de Desestatização (Dec. nº
86.215/81), o Programa de Privatização (Dec. 91. 991/85, modificado pelo Dec.
148
MENEZES, Paulo Lucena de; CINTRA, Fernando Pimentel. Privatização. Revista dos tribunais
Cadernos de direito tributário e finanças públicas. São Paulo, n. 14. p. 245.
149
Idem, ibidem. p. 245.
77
93.606/86), o Programa Federal de Descentralização (Dec. 95.886/88), o
Programa Nacional de Desestatização (L. 8.031/90) e, mais recentemente, as
Emendas Constitucionais nºs 06/95,08/95 e 09/95.
O Programa Nacional de Desburocratização, instituído no governo Figueiredo
(1979), tinha, entre os seus objetivos, seguir uma política de contenção da criação
indiscriminada de empresas públicas, promovendo o equacionamento dos casos em
que fosse possível e recomendável a transferência do controle das empresas
estatais existentes para o setor privado.
O Programa de Desestatização, por sua vez, criado em 1981, visava ao
fortalecimento da livre empresa, à consolidação da grande empresa nacional e a
contenção da criação indiscriminada de empresas públicas. Considerava passíveis
de serem desestatizadas, entre outras, as empresas privadas que, por motivos de
inadimplência, tinham passado para o controle direto ou indireto da União; as
empresas criadas pelo Estado em setores onde a iniciativa privada nacional já
estava suficientemente desenvolvido e que, portanto, não necessitava mais da
presença do Poder Público; as empresas subsidiárias das estatais cuja existência
não mais se justificava, por o serem essenciais aos objetivos da empresa
controladora ou por estarem competindo injustamente com as empresas privadas do
setor.
O Programa Federal de Descentralização, originado do governo de José
Sarney (1988), tinha como metas: transferir para a iniciativa privada atividades
econômicas exploradas pelo setor público; estimular os mecanismos competitivos de
mercado através da desregulamentação da atividade econômica; proceder à
execução indireta de serviços públicos, por meio da concessão ou permissão;
promover a privatização daquelas atividades econômicas exploradas com
exclusividade pelas estatais, com exceção dos monopólios previstos na
Constituição.
Incluíam-se, nesse programa, entre outras: a transferência de participações
acionárias minoritárias, em poder direto ou indireto da União; empresas que tinham
passado ao controle do Estado por razões de inadimplência; subsidiárias das
78
estatais, não mais consideradas indispensáveis, por haver suficiente
desenvolvimento da iniciativa privada naquele setor ou porque geravam uma
concorrência desigual; empresas criadas pelo Estado em setores onde a iniciativa
privada nacional estava suficientemente desenvolvida e que, portanto, não
necessitava mais da presença do Poder Público.
O Programa Nacional de Desestatização, originado no governo Collor (1990),
tinha por objetivos reordenar a posição estratégica do Estado na economia,
transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor
público; permitir a retomada dos investimentos nas empresas e atividades que
viessem a ser transferidas para o setor privado; permitir que a administração pública
concentre seus esforços nas atividades em que a presença do Estado seja
fundamental para a consecução das atividades nacionais, entre outros.
Mais recentemente, as Emendas Constitucionais nºs 06/95,08/95 e 09/95
vieram promover a flexibilização de alguns monopólios estatais, abrindo-se vários
setores da economia para a iniciativa privada, incluindo-se o referente ao petróleo.
No próximo pico serão analisados os conceitos das expressões
constitucionais imperativos da segurança nacional e relevante interesse coletivo que,
somadas à função estatal de persecução do bem comum, devem estar presentes
para que se justifique a criação de uma empresa estatal ou a manutenção do seu
funcionamento.
79
3 O CARÁTER EXCEPCIONAL DA ATIVIDADE ECONÔMICA ESTATAL
Atividade econômica, conforme visto anteriormente, significa toda função
desenvolvida com a finalidade de produção de bens ou de prestação de serviços
com o objetivo precípuo de obtenção de lucro, excetuadas aquelas
constitucionalmente reservadas ao Estado a título de monopólio ou de serviço
público
150
.
Apesar de o Estado brasileiro jamais ter sido alçado por uma Constituição ao
posto de principal agente econômico do País, sempre ficando a exploração direta de
atividade econômica pelo Estado vinculada ao preenchimento de requisitos
constitucionais e infraconstitucionais, isso não impediu que o Estado brasileiro se
tornasse cada vez mais presente na economia, sob o pretexto de promover a justiça
social pela distribuição de renda (Justiça distributiva), ou ainda, complementar a
atividade deficitária da iniciativa privada, o que se daria por meio das empresas
estatais.
A estatização dos meios e dos bens de produção no Brasil, principalmente no
período ditatorial, decorreu não de uma previsão constitucional explícita, mas do
uso, no texto ximo, de expressões abertas, com amplo espectro de interpretação,
que possibilitavam ao governante adequar um rol infinito de situações à norma
autorizadora da intervenção estatal no domínio econômico, tornando essa uma
atividade discricionária, não vinculada como anteriormente explicado.
Atualmente, o País, tendo adotado a ideologia social-democrata, retirou-se de
alguns setores da economia, com a privatização ou mesmo a despublicização de
várias atividades, seguindo a tendência, observada por Celso Ribeiro Bastos
151
, da
maioria dos Países, que passa por um período de afastamento do Estado do
exercício da atividade econômica em favor da iniciativa privada, ficando a atuação
150
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 9 ed., rev. e atual. o
Paulo: Malheiros, 2004. p. 93- 95.
151
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2003. p.192.
80
estatal relegada ao incentivo, ao planejamento e à regulação da atividade
econômica.
As privatizações e despublicizações supra mencionadas tiveram início com a
edição da MP 155/90 que instituiu o Programa Nacional de Desestatização e que
foi convertida na L. nº 8.031/90 que, por sua vez, foi revogada pela L. nº 9.491/97.
O Estado brasileiro, em que pese seu esforço em retirar-se, o quanto
possível, da seara econômica, ainda exerce atividades econômicas em sentido
estrito. Entretanto, para que possa fazê-lo, deve justificar sua atuação como
necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo,
conforme definidos em lei (Art. 173, caput, CF). Deve, também, respeitar os
princípios constitucionais da ordem econômica que o obrigam a perseguir o ideais
sociais enquanto busca exercer, plenamente, por meio de suas empresas, os
direitos à liberdade e à propriedade, tipicamente liberais.
Tais hipóteses de intervenção estatal no domínio econômico são ditas
necessárias, visto que, uma vez presentes, obrigam o poder público a explorar a
atividade econômica com a qual se relacionam em concorrência com a iniciativa
privada.
3.1 OS CONCEITOS DE IMPERATIVOS DA SEGURANÇA NACIONAL E
RELEVANTE INTERESSE COLETIVO
Conforme exposto no item 2.1, a Constituição de 1967, modificada pela
Emenda Constitucional 01/69, previa a exploração direta da atividade econômica
pelo Estado como uma atividade estatal atípica, de caráter estritamente
suplementar, deixando, portanto, à iniciativa privada o exercício das atividades
econômicas em geral.
Tendo esse texto sido escrito sob o regime militar, extremamente controlador
e autoritário, possibilitava ao Estado um amplo espectro de modos de intervenção
81
direta na atividade econômica, utilizando-se da expressão bastante genérica em
caráter suplementar da iniciativa privada que também não era mais bem esclarecida
se analisada em conjunto com o disposto no Art. 163, que facultava esse tipo de
intervenção para fins de organizar setor que não podia ser desenvolvido com
eficácia no regime de competição e de liberdade de iniciativa, motivo pelo qual,
nesse período, proliferaram as empresas estatais.
O Art. 173 da Constituição Federal de 1988, como é sabido, dispõe sobre os
casos excepcionais em que o Estado, em qualquer de seus níveis, por meio de
pessoas jurídicas de direito privado por ele criadas ou, de qualquer forma,
adquiridas, poderá atuar como empresário, em concorrência com a iniciativa privada.
Nota-se que as justificativas para a criação de empresas estatais para fins de
exploração de atividade econômica em sentido estrito em competição com a
iniciativa privada, foram modificadas.
Ao contrário do texto constitucional anterior, o atual apenas tolera, em caráter
de excepcionalidade, a atuação concorrencial do Estado no domínio econômico
152
.
Essa diferença de enfoques ocorre, apesar de o texto constitucional atual ter
sido construído a partir do anterior, “mediante supressão de autorizações ao Estado
para intervir e monopolizar”
153
.
Enquanto a CF/67 estabelecia serem facultados a intervenção no domínio
econômico e o monopólio, a atual dispõe que a exploração direta da atividade
econômica pelo Estado só será permitida o que resulta que, na Constituição anterior,
a exploração direta da atividade econômica pelo Estado era uma faculdade do
Estado enquanto que, na atual, é exceção à regra de que as atividades econômicas
são reservadas à iniciativa privada
154
.
152
FRANCESCHINI, José Inácio Gonzaga. Disciplina Jurídica do Abuso do Poder Econômico.
Revista dos tribunais. o Paulo, n. 640, 2004, p. 260.
153
VIDIGAL, Geraldo de Camargo. A propriedade privada como princípio da atividade econômica.
Revista dos tribunais Cadernos de direito constitucional e ciência política. São Paulo, n.09. p.
44.
82
Observa-se, dessa forma, que, ao contrário da Constituição de 1967 na qual a
intervenção estatal tinha caráter supletivo da atividade econômica desenvolvida pela
iniciativa privada, sendo facultada, portanto, nos casos de insuficiência produtiva, na
Constituição de 1988, essa atuação foi restringida ao ser caracterizada como de
caráter excepcionalíssimo. Dessa forma, somente se justifica para fins de
atendimento aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
coletivo, conforme definidos em lei, configurando-se como inconstitucional a
intervenção estatal no domínio econômico na forma concorrencial com a iniciativa
privada sob a justificativa da insuficiência da iniciativa privada em determinado setor.
Negando a idéia de ineficiência da iniciativa privada como justificativa para a
intervenção estatal no domínio econômico, Bastos
155
assevera que a ação das
“coletividades públicas no âmbito da economia se justifica, pois, onde os
particulares não possam ou não queiram intervir”.
O Estado deve atuar de forma a estimular a iniciativa privada de modo que a
suficiência produtiva seja alcançada o quanto antes. Somente não poderá fazê-lo
suprindo suas ineficiências por meio da atuação de empresas estatais. Mesmo
porque esta solução, ao invés de gerar as condições necessárias, principalmente, de
tempo, para que a iniciativa privada se estruture para atender suficiente e
eficazmente à demanda nacional, evitando a sua exposição à concorrência
internacional, pode gerar efeito contrário, de inércia da iniciativa privada ante a
sensação de proteção de mercado.
A Constituição de 1988 é, portanto, mais restritiva que aquela que a
antecedeu, no que diz respeito à atuação empresária do poder público, na medida
que lhe tira o caráter de faculdade, impingindo-lhe a característica de
excepcionalidade. Nesse sentido:
154
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2003. p.212.
155
BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro
de 1988. Vol. VII, São Paulo: Saraiva, 1990. p. 17.
83
No que se refere à intervenção e ao monopólio, a norma permissiva do art.
163 de 67/69 limitava, facultando-os, presença intervencionista do Estado e
monopólio estatal, autorizações que foram suprimidas do texto do art. 173
da nova Constituição. Ao revés, a norma permissiva do art. 173 da nova
Constituição facultou, é certo, mas limitando-a, a exploração direta da
atividade econômica pelo Estado, que era autorizada de forma ampla em
disposições do art. 170, da Carta de 67/69. O art. 173 da nova Constituição
fez assim muito mais do que omitir referência à intervenção: limitou a
própria atividade econômica direta do Estado, mesmo quando não signifique
intervenção, a admitindo em condições equivalentes àquelas nas quais,
na organização constitucional anterior, era-lhe facultado intervir na empresa
privada. Não haverá exagero em dizer-se que a nova Carta fez girar em 180
graus a norma do art. 163 da anterior. E a observação cresce em significado
quando se observa que, enquanto em 67/69 o art. 170 somava autorizações
à exploração direta da economia pelo Estado, já na nova carta o art. 174
acrescenta restrições à presença econômica estatal, limitando os meios
pelos quais o Estado pode agir sobre a atividade empresária. As
autorizações ao Estado para ação econômica complementar, no art. 170 da
Constituição de 1975, eram, de si, mais amplas do que aquelas que hoje
constituem o princípio do art. 173 da nova Carta. E as autorizações para a
atividade direta, naquele art. 170, eram coroadas pela expressa permissão
para intervir e exercer monopólio, constantes do art. 163 do mesmo texto,
hoje suprimida. No art. 173 da CF situa-se a síntese dos princípios
constitucionais destinados a presidirem a presença econômica do Estado.
Assinale-se, em relação a esses princípios, sua outra face: o das definições
fundamentais quanto à liberdade de ação empresarial.
156
Essa atuação excepcional do Estado no domínio econômico fica, então,
condicionada à verificação da presença de três requisitos, também previstos no texto
constitucional, quais sejam, a) a necessidade de se atender, pela intervenção estatal
no domínio econômico, a um imperativo da segurança nacional ou a um relevante
interesse coletivo; b) a edição de norma regulamentadora da norma constitucional
que traga em seu bojo rol taxativo das hipóteses que configurem uma condição ou
outra e c) a edição de norma específica criadora ou autorizadora da criação da
empresa estatal que atuará diretamente no domínio econômico.
O segundo requisito, consistente na a edição de norma regulamentadora da
norma constitucional autorizadora da intervenção direta, excepcional e concorrencial
do Estado no domínio econômico que traga em seu bojo rol taxativo das hipóteses
que configurem atendimento a um imperativo da segurança nacional ou a um
relevante interesse coletivo decorre do fato de que tais conceitos são amplos,
indetermináveis e, exatamente por isso, não são auto-executáveis.
156
IDIGAL, Geraldo de Camargo. A propriedade privada como princípio da atividade econômica.
Revista dos tribunais – Cadernos de direito constitucional e ciência política. São Paulo, n. 09. p.
44-45.
84
Cumpre observar a redação do dispositivo em questão, fazendo notar que ele
traz em si resquícios da Constituição anterior que, em seu Art. 163, também fazia
menção à intervenção estatal no domínio econômico por motivos de atendimento
aos imperativos da segurança nacional.
Desde a vigência da CF/67, se observava que a atuação empresária do
Estado ultrapassava os limites constitucionais, prejudicando, ao mesmo tempo, a
iniciativa privada e o próprio Estado.
Isso porque, a criação e a atuação de empresas governamentais em
descompasso com as finalidades do Estado e, principalmente, sem a verificação dos
requisitos constitucionais, para fins de atendimento de interesses particulares
daqueles que exercem o poder, seus amigos e familiares, onera o erário público,
sem, contudo, ter como resultado um benefício econômico-social para o País.
Muito pelo contrário, essa prática que visa (e sempre visou) à criação de
cargos blicos para a acomodação de pessoas ligadas aos que exercem o poder
neste País, o desvio de verbas públicas para as contas particulares dessas mesmas
autoridades, e toda a sorte de meios de corrupção possíveis, além de aumentar o rol
das despesas públicas, ainda acarreta o desestímulo da iniciativa privada, quando
não leva ao seu total aniquilamento, o que, dentro de um sistema capitalista que tem
por fundamento a livre iniciativa, é, no mínimo, um contra-censo, senão um ato
caracterizador de abuso de poder, na modalidade desvio de finalidade.
O abuso de poder ou abuso de autoridade é gênero do qual são espécies o
excesso de poder e o desvio de finalidade que:
[...] se verifica quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua
competência, pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados
pela lei ou exigidos pelo interesse público. Dessa forma, é a violação
ideológica da lei, ou por outras palavras, a violação moral da lei, colimando
o administrador público fins não queridos pelo legislador; ou utilizando
motivos e meios imorais para a prática de um ato administrativo
aparentemente legal. É importante notar que [...] O ato praticado com desvio
de finalidade - como todo ato ilícito ou imoral - ou é consumado às
escondidas ou se apresenta disfarçado sob o capuz da legalidade e do
interesse público [...]
157
157
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 6 ed. atual. o Paulo: RT, 1978. p.
85
Como é cediço, a intervenção do Estado no domínio econômico é exceção à
regra da prevalência da iniciativa privada, tendo em vista ser o Brasil um país
capitalista, no qual, em razão dessa opção ideológica, aos particulares é destinado o
desenvolvimento das atividades econômicas, salvo em casos específicos.
Sendo flagrante a inconstitucionalidade da intervenção estatal no domínio
econômico, pode o particular que se sentir ameaçado ou lesionado acionar o Poder
Judiciário, utilizando-se dos instrumentos da ação popular e do mandado de
segurança
158
.
A verificação dos conceitos de imperativos da segurança nacional e de
relevante interesse coletivo, portanto, faz-se necessária.
Relativamente à expressão imperativos da segurança nacional, importa
ressaltar que somente é encontrada no Art. 173, CF, não sendo mencionada por
qualquer outro dispositivo do texto constitucional nem mesmo em seu Título V que
aborda a defesa do Estado e das suas instituições democráticas. Isso, certamente,
para evitar remissões ao período da Ditadura Militar, no qual a segurança nacional
servia como alicerce para o cometimento dos mais variados tipos de abuso do poder
estatal contra os direitos dos cidadãos brasileiros
159
.
Bastos, dissertando sobre o tema, afirma que, embora vago, o conceito de
segurança nacional, previsto na Constituição anterior, não é ilimitado, tendo como
parâmetro “as atividades que dizem respeito diretamente à produção de bens e
serviços necessários ao regular funcionamento e até mesmo ao satisfatório
aparelhamento das forças armadas”
160
.
Contrariando esse entendimento, Pereira defende que a interpretação da
expressão em questão deve se aproximar da de defesa nacional sem, contudo, ficar
84.
158
MEIRELLES, Hely Lopes. O Estado e suas empresas. Revista dos tribunais. São Paulo, n. 558.
p. 12.
159
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram
atividade econômica. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 52-53.
86
restrita às hipóteses apontadas por Bastos, devendo significar o conjunto de “meios
necessários à promoção da defesa externa do País e à garantia das suas
instituições democráticas, tal como delineadas na Constituição da República”
161
.
Essa amplitude conceitual, num Estado com uma democracia recente como o
Brasil e no qual sequer os direitos constitucionalmente declarados são plenamente
colocados em prática, não se concilia com a excepcionalidade da atuação
empresária do Estado estabelecida pela ordem constitucional vigente.
Infere-se daí que as atividades econômicas relativas à segurança nacional
devem se restringir às de produção de bens e de prestação de serviços necessários
ao regular funcionamento e ao satisfatório aparelhamento das forças armadas do
Estado que não possam ser produzidos ou prestados por particulares sem colocar
em risco a soberania nacional ou mesmo aumentar os riscos de uma invasão
estrangeira ou de uma guerra civil.
Observe-se a seguinte afirmação:
Embora fluido o conceito de segurança nacional - [...] -entendemos que o
perfil da segurança nacional não pode superar o mais importante objetivo da
Carta Magna, que é o de ofertar garantias e direitos individuais, pois a lei
é feita para o povo, e o para os detentores do poder, e a referida meta
visa, exatamente, a garantir o cidadão e residente contra as tentações dos
governantes. [...]
162
Nos casos de exploração de atividades econômicas quando necessária aos
imperativos da segurança nacional, o único ente federativo legitimado a atuar é a
União, que é sua competência privativa legislar sobre assuntos que envolvem a
segurança nacional (Art. 22, III, XV, XXVI e XXVIII, CF)
163
.
160
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2003, p.196.
161
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram
atividade econômica. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 53-54.
162
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Disciplina jurídica da concorrência: Repressão ao abuso de
poder econômico. Revista dos tribunais. São Paulo, n. 612, 1986, p. 38.
163
SHIRATO, Vítor Rhein. Novas anotações sobre as empresas estatais. Revista de direito
administrativo. São Paulo, n. 239. p. 221.
87
A IMBel (Indústria de Material Bélico do Brasil) é uma das empresas estatais
criadas sob o fundamento de atender aos imperativos da segurança nacional e que,
durante a Década de 80, foi um dos carros-chefes das exportações brasileiras.
Até hoje em funcionamento, disponibiliza, para todo interessado, produtos tais
como armamentos variados, equipamentos de comunicação em combate, explosivos
e munições.
Também oferece os seguintes serviços: raio x industrial; análises químicas,
físicas e balísticas; banco estático para foguetes; teste de condições ambientais;
análise de riscos; projetos de engenharia de processos, produtos e equipamentos,
tratamentos superficiais e usinagem de precisão
164
.
Dentre os serviços de laboratório oferecidos pela IMBel estão: vibração
senoidal horizontal e vertical; transporte veicular; temperatura; umidade; choque
térmico; atmosfera salina e alcalina; corrosão ácida; envelhecimento (burn in);
imersão; chuva e respingo; inclinação; queda; tombamento; contaminação por
derivados de petróleo e isolamento de RF
165
.
A atividade da IMBel, atualmente, em relação à produção de armamentos,
explosivos e munições é monopolística, haja vista que a União, principal interessada
na manutenção dessa situação, é a pessoa política que tem competência para
autorizar a produção e o comércio de material lico no território nacional (Art. 21,
VI).
Não bastasse isso, vários dos serviços oferecidos pela empresa estatal em
questão – a maioria sem qualquer vinculação com a questão da segurança nacional,
como, por exemplo, o raio x industrial -, também o são pela iniciativa privada.
164
IMBEL. Disponível em
.<http://www.imbel.gov.br/index.php?centro=verproduto&id_produto=26&id_categoria=7> Acesso em
14 out 2006.
165
IMBEL. Disponível em
<http://www.imbel.gov.br/index.php?centro=verproduto&id_produto=121&id_categoria=> Acesso em
14 out 2006.
88
O desvio da finalidade para o qual foi criada a IMBel, portanto, resta
configurado. Resta ao Estado reconhecê-lo e transferi-la à iniciativa privada.
Outra empresa estatal criada sob o fundamento de atendimento a imperativo
da segurança nacional é a NUCLEP. Fundada em 1975, “inicialmente para fabricar
componentes pesados do circuito primário para usinas nucleoelétricas, está,
atualmente, integrada à indústria de base do país, complementando suas
necessidades”
166
.
Coloca, assim, à disposição do mercado, produtos e serviços que não estão
ligados à segurança nacional, tais como produtos da área de siderurgia e
automobilística, concorrendo, de forma injustificada, com a iniciativa privada.
A título de exemplo, são serviços oferecidos pela NUCLEP: caldeiraria em
geral; usinagem; tratamento térmico; soldagens especiais; furação com precisão;
ensaios de materiais (por líquidos, por partículas magnéticas, por ultra-som,
radiográficos, por tração, de dureza, de dobramento, de compressão, de CTOD e de
impacto); análise de materiais e montagens industriais
167
.
No caso da NUCLEP, o desenvolvimento de tais atividades deve ser
transferido para a iniciativa privada, a exemplo do sugerido relativamente à
totalidade das atividades da IMBEL.
A expressão relevante interesse coletivo, por sua vez, veio substituir a
expressão “organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficácia no regime
de competição e de liberdade de iniciativa”, que constava do Art. 163, CF/67, que
caracterizava o princípio da subsidiariedade.
De acordo com Pereira, apesar de poder significar o conjunto de interesses
de grupos ou coletividades que merecem proteção jurídica diferenciada, a expressão
166
NUCLEP. Disponível em <http://www.nuclep.gov.br/principal_anuclep.htm> Acesso em 14 out
2006.
167
NUCLEP. Disponível em <http://www.nuclep.gov.br/principal_servicos.htm> Acesso em 14 out
2006.
89
constitucional, parece ter sido tomada em sentido lato, “representando apenas o
interesse pertinente a uma parcela mais ou menos ampla da sociedade”
168
.
A expressão é, também, aberta, não permitindo ser colocada em termos
precisos por se mostrar multifacetada, ora com fundo político, ora econômico, o que,
em seu entendimento, possibilita questionar se, realmente, existe conceito
verdadeiro e coerente para fins de intervenção estatal no domínio econômico, nos
termos do Art. 173, CF
169
.
Aparentemente, a expressão atual azo a uma maior intervenção estatal
porque não especifica de quais circunstâncias decorreria, enquanto que, na CF/67,
somente a ineficiência do setor privado ensejaria a atuação direta do setor público
na economia.
Numa interpretação sistêmica do atual texto constitucional, verifica-se que a
expressão está limitada pelo princípio da livre iniciativa, o que torna necessária a
demonstração, pelo Estado, de que a atividade é de relevante interesse coletivo e
que este não pode ser atingido pela iniciativa privada, ainda que com a participação
estatal por meio de incentivos blicos e de implantação de políticas de incremento
da atividade pela iniciativa privada.
Não basta que o relevante interesse coletivo não seja atingido
satisfatoriamente pela iniciativa privada circunstancialmente. Isso porque, se a
questão é momentânea, o Estado pode e deve - intervir na forma do disposto no
Art. 174, CF, exercendo, principalmente, a sua função incentivadora da atividade
econômica do particular.
Relativamente à atuação empresária dos Estados federados, do Distrito
Federal, dos Territórios e dos Municípios para atendimento de relevante interesse
coletivo, adverte Shirato
170
que é perfeitamente possível, vez que este interesse
168
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram
atividade econômica. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 54.
169
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos
jurídicos. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 17.
170
SHIRATO, Vítor Rhein. Novas anotações sobre as empresas estatais. Revista de direito
90
pode se configurar em traço regional ou local, típico de ser atendido pelo respectivo
ente federativo competente.
Este entendimento, contudo, não é unânime na doutrina nacional, ao menos
no que tange à possibilidade de ser possível tal intervenção no nível municipal.
Nesse sentido:
[...] os municípios, não tendo competência para legislar sobre matéria
relativa a direito econômico (Art. 24, I, CF), o poderiam legislar para fins
de promover a integração normativa do Art. 173, CF, mediante a definição
da expressão relevante interesse coletivo, do que decorreria a
impossibilidade da atuação empresária do município.
171
Necessário observar que os conceitos de imperativos da segurança nacional
e relevante interesse coletivo devem constar de norma regulamentadora do texto
constitucional para ganharem eficácia, posto que sua amplitude impossibilita a sua
auto-executoriedade.
Com o objetivo de evitar o arbítrio estatal, a mencionada lei deve conter em
seu corpo rol taxativo de hipóteses caracterizadoras dos requisitos autorizadores da
atuação empresária do Estado na modalidade concorrencial. Além disso, da norma
criadora ou autorizadora da criação da empresa estatal deve constar a subsunção
da atividade que será por ela desenvolvida a, ao menos, uma das hipóteses
constantes da norma regulamentadora da Constituição.
3.2 A CRIAÇÃO DE NOVAS EMPRESAS ESTATAIS E A SITUAÇÃO JURÍDICA
DAS EMPRESAS ESTATAIS CRIADAS ANTES DA PROMULGAÇÃO DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988.
Se os requisitos para a exploração direta de atividade econômica pelo Estado
- ser ela necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse
administrativo. São Paulo, n. 239. p. 221.
171
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram
atividade econômica. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 59.
91
coletivo - devem ser definidos em lei, faz-se necessário analisar a que lei se refere o
dispositivo constitucional.
Observe-se que parte considerável da doutrina, defende a tese de que a
mencionada lei deve ser complementar. Nesse sentido:
[...] dita lei terá que ser lei complementar [...]. Isso porque, de um lado, a
exigência de lei específica para criar entidades estatais (exploradoras ou
não de atividade econômica) estava prevista no art. 37, XIX e XX, e
tornaria despicienda a parte final do art. 173, se este estivesse reportado a
uma lei ordinária; de outro lado, porque, se bastasse lei ordinária, qualquer
lei específica expedida para criar entidade estatal, ipso facto, estaria
qualificando-a como de relevante interesse coletivo ou necessária aos
imperativos da segurança nacional e, pois, alterando a extensão da lei (se
ordinária fosse) que precedentemente houvesse caracterizado as hipóteses
configuradoras de situação permissiva da criação delas
172
.
Esse posicionamento, ainda que majoritário, não é unânime. Pereira, com
fundamento em decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn)
789, publicado no DJU de 19.12.1994 e de cuja ementa consta a afirmação de que
“só cabe lei complementar, no sistema de direito positivo brasileiro, quando
formalmente reclamada a sua edição por norma constitucional explícita”
173
, defende
a idéia de que a norma regulamentadora em questão pode ser veiculada por lei
ordinária, afirmando não vislumbrar “como extrair do texto constitucional uma
interpretação que imponha à norma disciplinadora da intervenção direta no domínio
econômico a qualificação de lei complementar”
174
.
Sendo necessária a edição de lei complementar para definir os requisitos para
a exploração direta de atividade econômica pelo Estado, “enquanto esta não for
editada não podem ser criadas empresas públicas, sociedades de economia mista
ou quaisquer modalidades de pessoas estatais exploradoras de atividade
econômica”
175
.
172
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6 ed., rev., atual. e ampl.
São Paulo: Malheiros, 1995. p. 390.
173
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram
atividade econômica. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 57-58.
174
Idem, ibidem. p. 57-58.
175
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6 ed., rev., atual. e ampl.
São Paulo: Malheiros, 1995. p. 390.
92
Caso sejam criadas empresas estatais antes da edição da mencionada lei
complementar, sua atividade será inconstitucional, ensejando a atuação do Poder
Judiciário para fins de paralisação de suas atividades, reparação dos eventuais
prejuízos causados à iniciativa privada e, inclusive, para fins de reparação de danos
causados ao próprio erário público.
Ocorre que, se para a criação de empresa estatal, a necessidade da
edição de duas normas, sendo a primeira norma regulamentadora do texto
constitucional em questão da qual constará rol taxativo de situações que sejam
consideradas típicas de imperativos da segurança nacional ou de relevante interesse
coletivo e a segunda, norma específica de criação ou autorização da criação da
empresa governamental que atuará diretamente no domínio econômico e, não
tendo, até o presente momento, sido editada a primeira, tem-se que não há, desde a
promulgação da Carta de 1988, a possibilidade de o fazer sem que seja ferida a
ordem constitucional.
Esse entendimento, no entanto, é contestado por Pereira que afirma:
[...] a inexistência da referida lei não inibe a constituição de novas empresas
estatais, na medida em que, como anota Fábio Konder Comparato,
dependendo a sua instituição de lei (art. 37, XIX e XX), o exame da
ocorrência dos pressupostos constitucionais autorizativos da intervenção
competirá, sempre, ao próprio Legislativo.
176
Relativamente às empresas estatais que se encontravam em
funcionamento quando da promulgação da atual Constituição, deve-se observar que
foram concebidas sob a égide da CF/67 ou de outra a ela anterior, quando os
requisitos constitucionais e infraconstitucionais para a criação de empresas estatais
eram outros e a intervenção estatal no domínio econômico era permitida sob moldes
diferentes dos atuais, como já verificado anteriormente.
Exemplo disso é que, na vigência da CF/67, como é cediço, a intervenção
estatal no domínio econômico era supletiva à atividade da iniciativa privada e
assumia caráter facultativo, enquanto que, atualmente, assumiu condição de
176
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram
atividade econômica. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 59.
93
exceção restrita à verificação, caso a caso, de uma das hipóteses previstas no caput
do Art. 173, CF.
Havendo modificação da ordem constitucional vigente, em todas as hipóteses
em que ocorrer conflito entre a nova e a antiga ordem constitucional, deve-se buscar
a adequação àquela posto que é a vigente. E as empresas estatais o podem fugir
a essa regra.
Ademais, não como se falar em recepção, pela atual Constituição, da lei
que autorizou ou realizou a sua criação, justamente pelo fato de que a questão
supera o âmbito normativo para se situar na esfera principiológica, na medida em
que a nova ordem constitucional reflete as características atuais do Estado
brasileiro, assim como seus objetivos que, conforme exposto, diferem dos
vigentes antes da promulgação da Carta de 1988.
Não se pode olvidar que tais empresas têm como função principal a de, com a
mesma agilidade e flexibilidade próprias da iniciativa privada, servir de instrumento
do Estado para o alcance dos seus objetivos e finalidades. Vale dizer, sendo as
empresas estatais, apesar de sua personalidade jurídica de direito privado, oriundas
do poder público, devem atuar em sintonia com essas modificações, adequando
suas finalidades e objetivos às finalidades e objetivos do Estado atual, sob pena de
não encontrarem respaldo constitucional na sua manutenção como entes da
administração indireta. Nesse sentido:
[...] a questão é de inconstitucionalidade institucional e não de
inconstitucionalidade normativa (lei pré-constitucional versus
Constituição) a qual se resolve pela revogação de pleno direito da lei ou
norma anterior à Constituição. Nesse caso, ocorre uma contrariedade entre
uma instituição social ou econômica existente e o sistema constitucional
superveniente.
177
Com a modificação da ordem constitucional e, conseqüentemente, da ordem
econômica nacional, as empresas governamentais em atividade devem ter
questionada a pertinência de sua manutenção.
177
GROTTl, Dinorá Adelaide Musetti. Intervenção do Estado na economia. Revista trimestral de
94
Devem, portanto, buscar a sua adequação ao texto constitucional, sob pena
de suas atividades passarem a ser inconstitucionais
178
. Não sendo possível tal
ajuste, não restará ao poder público outra alternativa senão a de repassar a
empresa para a iniciativa privada por meio da privatização ou despublicização, ou
ainda, desativá-la.
Para que haja tal adequação, além da norma regulamentadora a que faz
referência o Art. 173 do texto constitucional, com o rol taxativo das situações que
podem ser consideradas como imperativos da segurança nacional ou relevante
interesse coletivo, deve ser editada norma específica, de natureza ordinária, para a
adequação da estatal aos requisitos constitucionais que, não sendo possível,
obrigará o poder público a repassar a empresa para a iniciativa privada por meio da
privatização ou despublicização, ou ainda, a desativá-la. Acerca do tema, assevera
Mukai:
[...] o esvaziamento do interesse público circunstancial, a desafetação de
uma atividade ao interesse público relevante ou à segurança nacional,
habilita o Estado a retirar-se da atuação empresarial, seja mediante a
desativação da entidade, seja pela sua privatização. A orientação
constitucional pode ser resumida assim: os pressupostos de criação de
empresa estatal exploradora de atividade econômica são pressupostos de
sua manutenção, e, uma vez superados, pois são circunstanciais, implicam
o dever de se retirar de tal esfera de atividade.
179
Observa-se que, havendo a necessidade de edição de lei para a criação ou
autorização da criação da empresa governamental, também para a sua privatização,
despublicização ou desativação será imprescindível o concurso do legislador. Nesse
sentido:
Parece efetivamente inevitável que ao vincular a criação de empresas
públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias à necessidade
de autorização legislativa, a Constituição atribuiu ao Parlamento, em relação
àquelas entidades dedicadas ao desenvolvimento de atividade econômica,
o exame dos pressupostos constitucionais que limitam esta forma de ação
do Estado. E uma vez reconhecida pelo Legislativo a ocorrência de um dos
requisitos que justificam a intervenção, esta constitui, como vimos, um dever
do Poder Público, dependendo a cessação da medida interventiva da
direito público. São Paulo, n. 14, 1999, p. 59.
178
CARNEIRO, Ruy de Jesus Marçal. A não-intervenção do Estado na "atividade econômica", nos
termos do Art. 173 da Vigente Constituição Federal. Argumentum - Revista de Direito. Marília, n.
04, 2004. p. 149.
179
MUKAI, Toshio, Direito administrativo sistematizado. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 77.
95
verificação, por aquele mesmo Poder, evidentemente, da superação dos
motivos que a ensejaram. Dessa forma, por mais essa razão, atinente
especificamente às estatais que aqui nos interessam, deve a extinção de
tais entes ser precedida da devida manifestação legislativa quanto a cada
empresa a ser liquidada ou privatizada.
180
Discutia-se se a lei necessária à despublicização ou à desativação da
empresa estatal seria de cunho genérico ou específico. O STF, por maioria de votos,
no julgamento da ADIn 562-DF, decidiu pela primeira opção, tendo como votos
vencidos os dos Ministros Sepúlveda Pertence e Celso de Mello:
A partir, entretanto, do momento que o referido ente cumpriu os seus
objetivos, tornou-se inviável, ou o se justifica a sua manutenção, a
privatização e a extinção afloram como alternativas inevitáveis, nada
impedindo que, uma ou outra, possa ser posta em prática segundo regras
de caráter geral, que inexistente razão de ordem constitucional, legal ou,
mesmo, de ordem prática, que determine tratamento diferenciado para esta
ou aquela espécie de empresa.
181
Observa-se, no entanto, que a omissão do Estado em editar a norma
regulamentadora criou situação de difícil solução. É que, na falta da lei
complementar reguladora em questão, não pode a empresa estatal promover a sua
adequação à nova ordem constitucional por ausência de parâmetros legais.
Dessa forma, não como se negar, nesse caso, a inconstitucionalidade das
atividades da empresa, o que enseja a sua desativação ou mesmo a sua
transferência para a iniciativa privada (privatização ou despublicização).
Ocorre que as duas soluções poderiam gerar reflexos econômicos e sociais
indesejáveis tais como o aumento do desemprego decorrente da desativação da
empresa estatal ou mesmo de um plano de demissão voluntária resultante da
necessidade do empresário que a adquiriu de reduzir custos para viabilizar a
continuidade das suas atividades.
Em função da possibilidade da ocorrência dessas externalidades negativas, e
levando em conta a função social da propriedade e a busca do pleno emprego, é de
180
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram
atividade econômica. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 119-120.
181
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RTJ 146/448-460. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
562-DF.
96
se considerar a manutenção dessas empresas estatais em funcionamento enquanto
não editada a lei complementar em comento.
Ressalva-se, neste ponto, que o particular que se sinta prejudicado ou
ameaçado diante da situação descrita, deverá acionar o Poder Judiciário, podendo
fazê-lo mediante mandado de injunção, nos termos do Art. 5°, inc. LXXI, da Carta
Magna.
Observa, também, que, após a edição da norma regulamentadora da
intervenção estatal no domínio econômico, a subsistência da situação ensejadora da
criação da empresa estatal, seja ela o atendimento a imperativos da segurança
nacional ou a um relevante interesse coletivo, deve ser verificada periodicamente e,
em caso de se verificar a sua ausência, a empresa deve ou ser desativada ou
transferida à iniciativa privada, por meio da privatização (no sentido de
despublicização), sob pena de sua atividade ser desprovida de qualquer fundamento
constitucional, como já destacado anteriormente.
3.3 O CONTROLE DOS ATOS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO
ECONÔMICO
Apesar de a Constituição ter, por princípios da ordem econômica, a livre
iniciativa e a livre concorrência, desde muito se verifica a existência, no País, de
diversas empresas estatais desenvolvendo indevida e injustificadamente atividades
econômicas.
Essa atuação estatal, como exposto anteriormente, configura-se
inconstitucional, haja vista a ausência de norma regulamentadora do dispositivo
constitucional que estabelece os casos em que o Estado, excepcionalmente, poderia
imiscuir-se em área por ele mesmo reservada à iniciativa privada.
Não fosse suficiente a possibilidade de se verificar a inconstitucionalidade
apontada motivo suficientemente importante para que se busquem meios de
97
controle da atuação empresária do Estado, dela decorrem consequências
verdadeiramente desastrosas para o desenvolvimento nacional.
O Estado, atuando em desacordo com a própria constituição, acaba por
promover uma concorrência ilegal com as empresas particulares, colocando no
mercado produtos e serviços nele ofertados de forma eficiente e em quantidade
suficiente, ou ainda impedindo, com sua atuação ou mediante a utilização das
políticas públicas implantadas pelos governos, a entrada ou mesmo a permanência
de novas empresas do setor privado em algumas áreas da atividade econômica
nacional, fenômeno identificado pela doutrina ainda na vigência da Constituição de
1967
182
.
É importante dizer que, em 1986, a questão da concorrência ilegal entre
empresas estatais e privadas preocupava os doutrinadores. Nesse sentido:
Vê-se, hoje, que as deficitárias empresas estatais (públicas e sociedades de
economia mista) continuam abrindo espaços no mercado à custa da
absorção dos melhores horários de publicidade na TV, ou páginas nos
jornais e revistas, da criação de mercados cativos, dos atrasos nos
pagamentos de produtos encomendados ou obras contratadas, dos
benefícios da impossibilidade de decretação de sua falência, da
irresponsabilidade de suas administrações, não sujeitas, em rigor, a
qualquer espécie de controle - pois técnico aquele dos Tribunais de Contas,
inexistente o do Poder Legislativo, impossível o do Poder Executivo - razão
pela qual a perene violação dos princípios constitucionais que regem a
disciplina jurídica da concorrência por parte do Governo, torna seu órgão
fiscalizador de eficiência reconhecidamente duvidosa, limitada e
comprometida.
183
Conforme disposto em tópico anterior, a criação de empresa estatal, após a
promulgação do atual texto constitucional e ainda na ausência de lei complementar
regulamentadora da intervenção estatal no domínio econômico, também gera a
concorrência ilegal entre empresas estatais e privadas.
Nesse ponto, faz-se necessário analisar quais os mecanismos de controle da
atividade das empresas governamentais existentes, principalmente, nos casos em
182
MEIRELLES, Hely Lopes. O Estado e suas empresas. Revista dos tribunais. São Paulo, n. 558.
p. 12.
183
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Disciplina jurídica da concorrência: Repressão ao abuso de
poder econômico. Revista dos tribunais. São Paulo, n. 612, 1986, p. 39-40.
98
que sua atuação implique conduta caracterizada como concorrência ilegal em face
da iniciativa privada.
A empresa estatal:
[...] representa exatamente a possibilidade de o Estado se apropriar dos
métodos de gestão próprios da iniciativa privada para o desempenho de
suas funções, o que significa, em termos jurídicos, a utilização de formas,
de institutos de direito privado pelo Poder Público.
184
Em contrapartida, recaem sobre ela controles que possibilitam tanto a
fiscalização da adequada aplicação dos recursos públicos investidos na atividade
como a verificação da efetiva perseguição do interesse público que justificou sua
criação.
Esses controles são classificados por Mello como internos e externos.
Segundo o autor, Interno é o controle exercido por órgãos da própria
Administração, isto é, integrantes do aparelho do Poder Executivo. Externo é o
efetuado por órgãos alheios à Administração”
185
.
No que tange às empresas estatais, deve-se observar que o controle interno é
duplo. O primeiro é realizado por seus próprios órgãos e o segundo, controle interno
exterior, pelos órgãos da administração direta, na forma dos Arts 19 e 26 do
Decreto-lei 200.
As empresas estatais, de acordo com os dispositivos em comento, estão
sujeitas à supervisão direta do Ministério ao qual são vinculadas, a quem cabe
orientá-las, coordená-las e controlá-las, de modo a assegurar a realização dos
objetivos básicos para os quais foi a empresa constituída, promovendo a
harmonização do seu comportamento com a política e a programação
governamentais, promover sua eficiência administrativa e garantir sua autonomia
administrativa, financeira e operacional
186
.
184
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram
atividade econômica. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 82.
185
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6 ed., rev., atual. e ampl.
São Paulo: Malheiros, 1995. p. 109.
186
Idem, ibidem. p. 101.
99
Relativamente ao controle externo das atividades das estatais, este pode se
efetivar a) pelo controle parlamentar direto; b) pelo controle exercido pelo Tribunal de
Contas e c) pelo controle jurisdicional
187
.
O Congresso Nacional, diretamente ou por qualquer de suas casas, é o órgão
responsável pelo controle parlamentar direto da atividade das empresas estatais
(Art. 49, X, CF).
Cabe a ele, Congresso Nacional, sustar os atos normativos do Poder
Executivo que exorbitem do Poder Regulamentar ou dos limites de delegação
legislativa (Art. 49, V, CF), assim como sustar os contratos eivados de nulidade, a
pedido do Tribunal de Contas (Art. 71, §1º, CF).
Além disso, poderá, por meio de qualquer de suas casas ou comissões,
convocar Ministro de Estado ou quaisquer titulares de órgãos diretamente
subordinados à Presidência da República para prestarem, pessoalmente,
informações sobre assunto previamente determinado, importando em crime de
responsabilidade, a ausência sem justificação adequada (Art. 50, caput, CF).
Ademais, poderá, através das mesas da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal, encaminhar pedidos escritos de informação a Ministros de Estado ou a
qualquer das pessoas referidas no caput do Art. 50, CF, importando em crime de
responsabilidade a recusa, ou o não atendimento, no prazo de trinta dias, bem como
a prestação de informações falsas (Art. 50, §2º, CF).
As comissões permanentes de qualquer das Casas Legislativas, por sua vez
e relativamente às matérias de suas respectivas competências, poderão receber
petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos
ou omissões das autoridades ou entidades públicas e, ainda, solicitar depoimento de
qualquer autoridade ou cidadão (Art. 58, §2º, IV e V, CF).
187
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6 ed., rev., atual. e ampl.
São Paulo: Malheiros, 1995. p. 111.
100
O controle parlamentar direto ainda pode ser exercido, para fins de apuração
de fato determinado e por tempo certo, pelas Comissões Parlamentares de Inquérito
(CPIs) que, uma vez constituídas por qualquer das Casas ou por ambas,
conjuntamente, têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além
de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas. Suas conclusões,
quando for o caso, poderão ser encaminhadas ao Ministério Público, para que
promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores (Art. 58, §3º, CF).
Observe-se que a constituição das CPIs depende do requerimento de um
terço dos membros da Casa ou do Congresso, no caso de se pretender a formação
de uma CPI mista (Art. 58, §3º, CF).
De forma mais específica, o Senado Federal exerce esse controle mediante o
uso de sua competência privativa para dispor sobre limites globais e condições para
as operações de crédito externo e interno da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios, de suas autarquias e demais entidades controladas pelo Poder
Público federal (Art. 52, VII, CF).
O controle externo também pode ser exercido pelo Congresso Nacional, com
o auxílio do Tribunal de Contas da União (Art. 71, CF), que é integrado por nove
Ministros e tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em
todo território nacional (Art. 73, CF).
Dentre as suas funções, importa para os fins a que se destina esta pesquisa,
principalmente, a de julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por
dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as
fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder blico federal, e as
contas daqueles que derem causa e perda, extravio ou outra irregularidade de que
resulte prejuízo ao erário público e a de apreciar, para fins de registro, a legalidade
dos atos de admissão de pessoal a qualquer título, na administração direta e indireta
(Art. 71, II e III, CF).
101
Ressalta-se que as disposições constitucionais referentes ao Tribunais de
Contas da União aplicam-se, no que couber, aos Tribunais de Contas dos Estados
federados, do Distrito Federal e dos Municípios (Art. 75, CF).
A Constituição de 1967, ao contrário da atual, não continha previsão expressa
nesse sentido, possibilitando o surgimento de controvérsia sobre o assunto que
somente teve fim com o advento da L. 6.223/75 que, em seu Art. 7º, estabeleceu
a submissão das “entidades públicas com personalidade jurídica de direito privado,
cujo capital pertença, exclusiva ou majoritariamente, à União, ao Estado, ao Distrito
Federal ao Município ou a qualquer entidade da respectiva administração indireta” à
ação do respectivo Tribunal de Contas
188
.
O controle jurisdicional, por sua vez, se dá quando o Poder Judiciário, a
requerimento do interessado, controla a legitimidade dos comportamentos da
Administração Pública in concreto.
Esse controle poderá ser provocado com a propositura de ações menos
específicas, tais como ação indenizatória e ações cautelares em geral. Mas a própria
Constituição prevê medidas que têm como fim especial o de enfrentar atos ou
omissões de autoridades públicas que são o mandado de segurança, a ação popular
e a ação direta de inconstitucionalidade.
A utilização da Ação Popular se justifica pelo disposto no Art. , inc. LXXIII,
CF, que estabelece que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular
que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado
participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e
cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do
ônus da sucumbência.
Cumpre mencionar que o Art. 1º, L. 4717/65, foi recepcionado pelo atual texto
constitucional, por sua total compatibilidade com ele e estabelecendo interpretação
legal para a expressão constitucional entidades de que o Estado participe, que deve
188
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram
atividade econômica. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 135.
102
corresponder às sociedades de economia mista, empresas públicas e empresas
incorporadas ao patrimônio da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos
Municípios.
Talvez seja essa a única providência judicial realmente temida pelos
administradores, em razão de prever, em caso de sua procedência, a condenação
do responsável pela prática do ato impugnado e dos que dele se beneficiarem ao
pagamento de perdas e danos (Art. 11)
189
.
Relativamente ao Mandado de Segurança como forma de controle das
atividades das empresas estatais, é de se ressaltar que a sujeição desses entes ao
regime jurídico privado, inclusive quanto aos seus direitos e obrigações civis,
comerciais e trabalhistas, nos termos do Art. 173, §1º, CF, diminui
consideravelmente a possibilidade da prática de atos passíveis de serem objeto do
writ
190
.
Nesse ponto, é de se questionar a isenção do Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (CADE) para o julgamento dos casos em que o controle das
atividades empresárias estatais relativamente ao exercício do poder econômico que
possuem, tendo em vista que, apesar de constituir-se em uma autarquia especial na
qual os conselheiros têm mandato não coincidente com o do Presidente da
República, sua autonomia em relação ao Poder Executivo é bastante questionável.
Apesar de as empresas estatais, por determinação constitucional, receberem
tratamento o mais assemelhado possível com o que é dado às empresas privadas,
como exposto, os conselheiros do CADE, assim como o seu presidente, são
nomeados pelo Presidente da República após prévia aprovação do Senado Federal
(Art. 4º, L. nº 8.884/94). Além disso, as decisões do conselho não recebem a
proteção da coisa julgada, podendo ser levadas à discussão novamente, perante o
Poder Judiciário. Tais fatores colocam a autonomia e a imparcialidade do órgão
administrativo em questão, levando-o ao descrédito perante a iniciativa privada.
189
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 6 ed., rev., atual. e ampl.
São Paulo: Malheiros, 1995. p. 119.
190
PEREIRA, Tadeu Rabelo. Regime(s) jurídico(s) das empresas estatais que exploram
atividade econômica. 1 ed. Porto Alegre: Síntese, 2001. p. 143.
103
Para fins de se evitar ingerências de cunho político no CADE, principal órgão
nacional de repressão ao abuso do poder econômico visando o não cumprimento de
suas funções, recomenda-se a reforma do sistema de defesa da concorrência pátria
no sentido de dotar o órgão em questão de autonomia plena e, simultaneamente, de
poderes para o julgamento das questões atinentes à infração da ordem econômica
de forma monopolizada, ou seja, sem que haja a possibilidade de reexame da
matéria pelo Poder Judiciário.
Assim, ficariam solucionadas tais questões, por um órgão judicante
especializado na matéria, o que, além de repercutir favoravelmente junto aos
agentes econômicos, aumentando o grau de confiabilidade e estabilidade do
mercado, facilitaria e baratearia os custos dos investimentos nos mais diversos
setores da economia nacional.
Outra conseqüência benéfica da adoção dessa sugestão seria a de diminuir o
número de processos que chega ao Poder Judiciário, outro problema relevante no
cenário brasileiro que também tem rias repercussões econômicas e sociais, mas
que, por não ser objeto desta pesquisa, e por ensejar a realização de outro trabalho
tão ou mais extenso quanto esse, toma-se apenas por referência.
O tema da concorrência ilegal entre empresas estatais e iniciativa privada tem
sido objeto de diversas discussões no CADE, sendo mesmo alarmante a quantidade
de casos em que a Petrobrás e suas subsidiárias têm sido investigadas ou
representadas; ora sob a acusação de formação de cartel
191
, ora de prejudicar a livre
concorrência, por criar dificuldade ao funcionamento e desenvolvimento da empresa
representante, mediante a venda de mercadorias abaixo do preço de custo
192
,
dentre outras condutas anticoncorrenciais
193
.
191
Averiguação Preliminar nº 08012.006844/2000-45.
192
Processo Administrativo nº 08000.020939/1996-17
193
Averiguações Preliminares nºs 08012.004258/2000-02, 08012.009542/1998-99,
08012.005906/2000-00, 08012.005757/1998-11 e os Processos Administrativos nºs
08000.19459/1996-96, 08000.004451/1993-28, 0047/1992.
104
No entanto, além dos casos acima mencionados, de patente abuso do poder
econômico exercido pelas empresas governamentais, também é configurador da
hipótese de concorrência ilegal o fato de a atividade empresária estatal ser
desenvolvida ou continuar sendo desenvolvida em competição com a iniciativa
privada, sem que estejam presentes os requisitos constitucionais, o que impede que
outros agentes econômicos adentrem no mercado ou nele permaneçam, colocando
em risco a livre concorrência, a livre iniciativa, a economia de mercado e, por fim, o
desenvolvimento nacional.
Quanto aos mecanismos jurídicos para fazer cumprir o disposto no Art. 173,
CF, parece ser um consenso, entre os doutrinadores, que a privatização das
empresas estatais que não atendam aos seus requisitos seja a melhor saída. Nesse
sentido:
Sem dúvida que uma das formas de retirar o Estado do lugar onde não mais
lhe cabe, em razão de uma mudança constitucional, é a privatização.
Tenha-se presente que a privatização não é um mero mecanismo de
obtenção de receitas, ou de combate à ineficiência do Estado em setores
onde sua atuação foi predatória; trata-se de uma imposição constitucional,
já que os limites de intervenção do Estado na ordem econômica estão
traçados na Lei Maior. Urge que se corrija a anomalia do gigantismo do
Estado e este é o objetivo primordial da privatização: devolver à iniciativa
privada um espaço que, em situação de normalidade, lhe compete,
retornando o Estado aos limites constitucionalmente aceitos. a fim de que
possa exercer mais adequada e eficientemente as suas funções essenciais
e precípuas. Se as empresas estatais estão fora dos pressupostos
constitucionalmente fixados devem ser privatizadas, ainda que seu
desempenho seja eficiente e rentável. Afinal não é o lucro o que está em
jogo, mas uma restrição constitucional traçada para a atuação estatal
interventiva. O desrespeito a estes limites é a negação do próprio Estado de
Direito.Pode-se afirmar que, na atual conjuntura. a privatização é uma
medição da aplicação da nossa Constituição. O intruso envolvimento do
Estado em setores estranhos às suas atividades gera seu próprio
imobilismo burocracia cria privilégios e distorções econômicas difíceis de
serem corrigidas a curto prazo.
194
Nesse caso, ela se dará pela transferência da titularidade de ações, ou seja,
do controle acionário, à iniciativa privada, mediante a sua venda na bolsa de valores
ou fora dela
195
.
194
GROTTl, Dinorá Adelaide Musetti. Intervenção do Estado na economia. Revista Trimestral de
Direito Público. São Paulo, n. 14, 1986, p. 60.
195
MUKAI. Toshio. Perfil constitucional das empresas estatais - privatização - terceirização. Revista
dos Tribunais - Cadernos de direito constitucional e ciência política. São Paulo, n. 03. p. 225.
105
Um típico caso de concorrência ilegal entre empresa estatal e empresa
privada é o da atuação concorrencial e ao mesmo tempo deficitária do Estado no
domínio econômico.
Quando o “Estado atua deficitariamente no domínio do mercado, está
competindo deslealmente com os agentes privados, substituindo-os, pois: prejudica
os que já atuam no mercado e impede a entrada de novos empreendedores
privados”
196
.
Nesse sentido é que se pode afirmar que, na atual conjuntura e apesar de o
Estado brasileiro ter realizado profundas modificações no modo pelo qual atua no
domínio econômico, diminuindo sobremaneira os níveis de intervenção
concorrencial, existem diversas empresas estatais em atividade, dentre as quais a
IMBEL, que acabam por competir de forma desleal com os agentes privados na
medida em que impedem a entrada de novos atores no cenário nacional. Por outro
lado, existem também aquelas que, como a NUCLEP, prejudicam a atividade do
setor privado, ao ocuparem no mercado espaço que não lhe é reservado
constitucionalmente.
196
REDI, Maria Fernanda de Medeiros. Sociedades de economia mista e lucratividade Instituto de
resseguros do Brasil IRB: Um exemplo real. Revista trimestral de direito público. São Paulo, n.
33, 2002, p. 194.
106
CONCLUSÃO
A presente pesquisa buscou, numa visão pluralista, verificar, diante do atual
papel do Estado brasileiro, principalmente no tocante às matérias de cunho
econômico, os limites da intervenção estatal no domínio econômico, as
conseqüências do desrespeito desses parâmetros por parte do Poder Público e as
formas de controle da ingerência governamental em área que, via de regra, é de
atuação da iniciativa privada.
Nesse contexto, chegou-se às seguintes conclusões:
1. A intervenção estatal no domínio econômico, mediante empresas criadas para o
desempenho de atividades econômicas, é fato verificado em maior ou menor
intensidade de acordo com a ideologia adotada pelo Estado em cada momento
histórico, variando entre o não intervencionismo e o intervencionismo extremado,
conforme a carga ideológica estatal seja mais liberal ou social, respectivamente.
2. A função de impulsionar a industrialização do País para inseri-lo no mercado
internacional, exigiu do Estado muito além do desempenho de suas funções típicas.
Demandou, também, sua atuação direta na ordem econômica, por meio de pessoas
jurídicas criadas especificamente para esse fim.
3. Apesar de o Estado brasileiro jamais ter sido alçado por uma Constituição ao
posto de principal agente econômico do País, sempre ficando a exploração direta de
atividade econômica pelo Estado vinculada ao preenchimento de requisitos
constitucionais e infraconstitucionais. Isso não impediu que o Estado brasileiro se
tornasse cada vez mais presente na economia, sob o pretexto de promover a justiça
social pela distribuição de renda (Justiça distributiva), ou ainda, complementar a
atividade deficitária da iniciativa privada, o que se daria por meio das empresas
estatais.
4. A crise estrutural do Estado que não tem condições de arcar, ao menos de forma
satisfatória, com todas as atribuições que assumiu ao longo do tempo, gera reflexos
em setores nos quais sua atuação é de fato necessária, motivo pelo qual, a partir da
107
década de 80, imbuído dos ideais de redemocratização do País, o Poder Público
inicia um processo de retirada de setores da economia nos quais sua atuação é vista
como atípica.
5. A atuação empresária do Estado não é uma atividade discricionária. Pelo
contrário, é atividade vinculada aos preceitos da Constituição e da lei, por esse
motivo não pode o Poder Público extrapolar o campo de sua atuação para operar
em área reservada à iniciativa privada enquanto não forem preenchidos os requisitos
constitucionais.
6. Considerando que, em 1988, foi introduzida nova ordem constitucional, com a
promulgação do texto constitucional vigente, as empresas governamentais
existentes à época deveriam se adequar a ela sob pena de, não o fazendo, terem
suas atividades consideradas inconstitucionais.
7. A atuação empresária do Estado é atualmente condicionada à verificação da
presença de três requisitos constitucionais, quais sejam, a) a necessidade de se
atender, pela intervenção estatal no domínio econômico, a um imperativo da
segurança nacional ou a um relevante interesse coletivo; b) a edição de norma
regulamentadora da norma constitucional que traga em seu bojo rol taxativo das
hipóteses que configurem uma condição ou outra e c) a edição de norma específica
criadora ou autorizadora da criação da empresa estatal que atuará diretamente no
domínio econômico.
8. As atividades econômicas relativas à segurança nacional devem se restringir às
de produção de bens e de prestação de serviços necessários ao regular
funcionamento e ao satisfatório aparelhamento das forças armadas do Estado que
não possam ser produzidos ou prestados por particulares, sem colocar em risco a
soberania nacional, ou mesmo aumentar os riscos de uma invasão estrangeira ou de
uma guerra civil. O único ente federativo legitimado a atuar, nesse caso, é a União.
9. Ocorreu desvio da finalidade para o qual foi criada a IMBel que atua de forma
monopolística no mercado. Resta ao Estado reconhecê-lo e transferi-la à iniciativa
privada.
108
10. Numa interpretação sistêmica do atual texto constitucional, verifica-se que a
expressão relevante interesse coletivo está limitada pelo princípio da livre iniciativa,
o que torna necessária a demonstração, pelo Estado, de que a atividade é de
relevante interesse coletivo e que este não pode ser atingido pela iniciativa privada,
ainda que com a participação estatal por meio de incentivos públicos e de
implantação de políticas de incremento da atividade pela iniciativa privada.
11. Os conceitos de imperativos da segurança nacional e relevante interesse coletivo
devem constar de norma regulamentadora do texto constitucional para ganharem
eficácia, posto que sua amplitude impossibilita a sua auto-executoriedade. Tal lei,
para evitar o arbítrio estatal, deve conter, em seu corpo, rol taxativo de hipóteses
caracterizadoras dos requisitos que autorizam a intervenção do Estado no domínio
econômico em sua modalidade concorrencial. Além disso, da norma criadora ou
autorizadora da criação da empresa estatal deve constar a subsunção da atividade
que será por ela desenvolvida a, ao menos, uma das hipóteses constantes da norma
regulamentadora da Constituição.
12. A omissão do Estado em editar a norma regulamentadora criou situação de difícil
solução. É que, na falta da lei complementar reguladora em questão, o podem as
empresas estatais criadas antes da promulgação do atual texto constitucional
adequarem-se a ele por ausência de parâmetros legais. Levando em conta a função
social da propriedade e a busca do pleno emprego, é de se considerar a
manutenção dessas empresas estatais em funcionamento enquanto não editada a
lei complementar em comento.
13. As empresas governamentais são submetidas a controles que possibilitam tanto
a fiscalização da adequada aplicação dos recursos públicos investidos na atividade
como a verificação da efetiva perseguição do interesse público que justificou sua
criação, servindo, inclusive, como instrumento de proteção da iniciativa privada em
face de possíveis abusos do poder econômico que o Estado venha a cometer por
meio de suas empresas.
109
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