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146
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO”
FACULDADE DE HISTÓRIA, DIREITO E SERVIÇO SOCIAL
CAMPUS DE FRANCA
CASA DE PORTINARI, LUGAR DE MEMÓRIA
THAÍS DE FÁTIMA VAZ
FRANCA – SP
2006
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147
Thaís de Fátima Vaz
CASA DE PORTINARI, LUGAR DE MEMÓRIA
Dissertação de Mestrado apresentada ao
programa de Pós-Graduação em História da
Faculdade de História, Direito e Serviço
Social da Universidade Estadual Paulista
“Júlio de Mesquita Filho”, Campus de
Franca como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em História.
Área de concentração: História e Cultura
Social.
Orientadora: Prof
a
. Dr
a
. Tânia da Costa
Garcia.
Franca
2006
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148
Thaís de Fátima Vaz
CASA DE PORTINARI, LUGAR DE MEMÓRIA
Banca examinadora:
_____________________________
Prof
a
. Dr
a
. Tânia da Costa Garcia
Presidente
______________________________
1º. Examinador
______________________________
2º. Examinador:
Franca
2006
149
Dedico esse trabalho aos
meus pais, que em todos os
momentos me apoiaram e
incentivaram, com amor e
paciência.
150
AGRADECIMENTOS
À minha família: meus pais, Carlos e Bernadete, e minha irmã, Sabrina, que
estiveram sempre ao meu lado, me incentivando em todos os momentos.
À Professora Tânia da Costa Garcia, pelos apontamentos fundamentais e
pela paciência e dedicação com que acolheu meu trabalho.
À Capes, pela concessão da bolsa que me auxiliou em parte desse trabalho.
Aos queridos Valeriano, Luíza, Ana Lúcia e Eduardo Altoé e Maria Ivone
Francischet, que com tanto carinho me acolheram em sua casa enquanto
necessitava realizar pesquisas na cidade do Rio de Janeiro.
A todo o pessoal da sede do Projeto Portinari, na PUC do Rio de Janeiro, pela
simpatia e atenção a mim dispensadas durante minha pesquisa de documentos nos
arquivos do Projeto.
Aos Professores Teresa Malatian e Jean Marcel Carvalho França, pelas
orientações dadas no exame de qualificação.
Ao amigo Éder Grande Furlan, presidente da Associação dos Amigos do
Museu Casa de Portinari, em Brodowski (SP), pelo apoio em momentos importantes
desse trabalho.
Aos colegas ingressantes da Pós-Graduação em História da Unesp/Franca no
ano de 2004, cujas opiniões e sugestões, durante as discussões em aula, foram
deveras importantes para o desenvolvimento de meu trabalho.
Ao casal Roza e Arduíno Morando, de Brodowski (SP), pela atenção a mim
dispensada e pela disponibilidade em conceder-me seus depoimentos.
Às amigas Minisa Napolitano, Melissa Paula, Karen Bortoloti, Karina Silva e
ao amigo Tércio Di Gianni, pelas conversas e trocas de experiências nessa trajetória
do mestrado.
Às amigas Mila Menezes, Elisa Ribeiro, Rosana Cintra, Heloísa Ferrari e
Cláudia Francisco e ao amigo Fernando Pessoni, pelas risadas, momentos de
descontração, conselhos e conversas.
Aos novos amigos das escolas Dom Tarcísio Ariovaldo Amaral e Paulo
Chaves, em Limeira (SP), e também aos amigos de longa data da escola Evaristo
Fabrício, em Franca.
Às amigas e companheiras de república: Jussara Souza, Celise Romeiro,
Michele Silva e Marilene Mariotto, pelos momentos partilhados nesse ano de 2006.
Ao pessoal da biblioteca da UNESP Franca, e aos amigos Consuelo e Danilo,
cujo auxílio foi fundamental na fase final do trabalho.
151
Da minha aldeia vejo quando da terra se pode ver no
Universo....
Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
Na cidade as grandes casas fecham a vista a chave,
Escondem o horizonte, empurram nosso olhar para longe
de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos
olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a única riqueza é ver.
(Alberto Caeiro, O Guardador de Rebanhos)
Quanta coisa eu contaria se pudesse e soubesse ao
menos a língua como a cor.
(Cândido Portinari)
152
Resumo
O objetivo do presente trabalho é analisar as pinturas realizadas por Cândido
Portinari na casa onde viveu sua infância em Brodowski, vendo-as como constituição
involuntária de um lugar de memória.
Observaremos o acervo da casa como uma manifestação na qual o artista
traduziu seus sentimentos mais profundos e pessoais, ao realizar obras que, através
da temática sacra, expressam uma memória estritamente ligada ao ambiente
privado da casa. Para realizar esse estudo, analisaremos, além das referidas
pinturas, as correspondências trocadas entre o artista e os mais diversos
interlocutores, que possuem como assunto a paulatina constituição do acervo da
casa de Brodowski, considerando-o como um elemento fundamental da construção
da memória e da identidade de Cândido Portinari.
Palavras-chave: Cândido Portinari; Brodowski (SP); arte sacra; memória
involuntária;
153
Abstract:
The project objective is analisy all the painting made by Candido Portinari in
the house that he lived in his childhood in Brodowski, look at how a involuntary
formation of a memory place. The house collection will show us a meeting wich the
artist expressing his most deep and private feelings, in order to make the masterpice
by the thematic sacrament, expressing the estrict memory connected by the private
house ambient. To make up this work, we will analisy, yonder the above mentioned
pictures, the change conformity between the artist and his various interlocutors, with
the topic by what means the formation by degrees of Brodowski house collection,
considering like a fundamental element of the memory constituion and the Candido
Portinari identity.
Key-words: Candido Portinari; Brodowski (SP); sacred art, involuntary memory.
154
SUMÁRIO
Introdução.................................................................................................................10
CAPÍTULO 1 – Cândido Portinari e a casa de sua família em Brodowski...........29
1.1) Artes e pintura no Brasil nas primeiras décadas do século XX...........................35
1.2) Arte sacra e memória involuntária em Portinari..................................................48
CAPÍTULO 2 – A constituição do acervo da casa de Portinari em Brodowski
e sua legitimação através da correspondência pessoal do artista.....................62
2.1) O acervo da casa de Brodowski e usa inserção na obra de
Cândido Portinari........................................................................................................62
2.2) As pinturas de Brodowski através da correspondência pessoal do artista.........79
CAPÍTULO 3 – A casa de Portinari como lugar de memória e a instituição do
Museu Casa de Portinari..........................................................................................99
3.1 ) A casa de Portinari em Brodowski enquanto lugar de memória.........................99
3.2) O processo e as lutas pela transformação da casa em Museu........................110
Catálogo iconográfico............................................................................................146
155
INTRODUÇÃO
Nosso objetivo nesse trabalho é analisar as pinturas realizadas por Cândido
Portinari na casa onde viveu sua infância em Brodowski como constituição
involuntária de um lugar de memória.
Buscamos então realizar uma abordagem desse excerto da obra portinariana
de maneira a observá-lo como uma manifestação na qual o artista traduziu seus
sentimentos mais profundos e pessoais, ao realizar obras que, através da temática
sacra, expressam uma memória do pintor estritamente ligada ao ambiente privado e
familiar ao qual a casa o remetia. Na medida, portanto, em que a casa da família
Portinari em Brodowski passa a ser possuidora de um acervo cujas obras diferem,
especialmente na questão do estilo, das demais realizadas pelo artista, ao
traduzirem lembranças remotas do pintor com relação à sua infância na casa, esta
passa a apresentar-se como o lugar onde o pintor inscreve sua memória na cidade
onde nasceu. Para realizar essa análise, examinaremos, além das referidas
pinturas, as correspondências trocadas entre o artista e os mais diversos
interlocutores – como Gustavo Capanema, Rodrigo Mello Franco de Andrade
1
, Mário
de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, entre outros – e que possuem como
assunto a paulatina constituição do acervo da casa de Brodowski, considerando-o
como um elemento fundamental da construção da memória/identidade de Cândido
Portinari.
Dessa forma, esse trabalho inova ao observar como uma memória
involuntária do artista é expressa através das obras de arte da casa, sendo essas
possuidoras de características únicas, especialmente quanto à forma de retratação
dos santos, que não foi utilizada em nenhuma outra obra sua. Privilegiando a
1
Diretor do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) de 1937 a 1968.
156
dimensão privada do artista, e tendo como objeto um acervo cujas potencialidades
ainda não foram exploradas em outros trabalhos, buscamos contribuir para os
estudos acerca do trabalho do pintor, ressaltando como Portinari teve nas
reminiscências da infância em Brodowski e em sua casa na cidade o principal ponto
de partida de toda sua obra.
O trabalho abrangerá um recorte temporal que parte do ano de 1934, quando
Portinari inicia a constituição do acervo da casa de sua família em Brodowski e são
trocadas as primeiras correspondências comentando sobre o assunto. Esse recorte
passará por 1945, ano da composição das últimas pinturas da casa, enfocando o
estado de abandono sofrido pela casa a partir do final da década de 1950, com os
debates sobre sua preservação e tombamento ocorridos nos anos 60, findando-se
em 1971, data da inauguração do Museu Casa de Portinari.
A bibliografia existente sobre Cândido Portinari e sua obra é bastante
vasta e as abordagens são as mais diversas. Sobre a construção da imagem de
“pintor oficial”, destacamos a obra de Sérgio Miceli
2
, onde o autor verifica qual seria
o papel dos intelectuais na montagem do governo autoritário, assim como o trabalho
de Simon Schwartzman, Helena Bomeny e Vanda Costa
3
, contemplando a ação do
então ministro da educação e saúde, Gustavo Capanema, obra considerada
fundamental para a análise da tensão existente à época entre a atuação dos
intelectuais e as decisões do governo. O trabalho Constelação Capanema:
intelectuais e política
4
também perpassa a discussão, analisando como deu-se essa
mesma relação em campos específicos, como o teatro, o cinema, a música, o
patrimônio histórico nacional, a educação escolar e a saúde pública.
2
MICELI, S. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo: Difel, 1979.
3
SCHWARTZMAN, S. (et al). Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
4
BOMENY, H. (org). Constelação Capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro: FGV, 2001.
157
Mais próximos de nosso tema de pesquisa, há escritos que tratam da casa
da família Portinari em Brodowski já enquanto Museu: o trabalho de Vanessa de
Fátima Ribeiro para a conclusão do curso de História da UNESP/Franca, intitulado
Portinari em Brodowski: história e memória
5
, vê a questão do Museu a partir de uma
perspectiva local, trabalhando com aspectos biográficos do artista e com o processo
que levou à sua instituição na antiga casa da família do artista em Brodowski. Nesse
sentido, também destaca-se o trabalho de Angélica Fabbri
6
, onde não trata sobre o
Museu em específico, mas traz informações gerais acerca das obras da casa,
especialmente na questão de sua datação e das técnicas utilizadas em sua
composição.
No campo dos estudos biográficos sobre Cândido Portinari, há diversos
trabalhos contemplando a questão, surgidos principalmente a partir do final da
década de 1970, quando se iniciaram as atividades do Projeto Portinari, sediado na
PUC do Rio de Janeiro. Um viés bastante explorado dentro da bibliografia existente
sobre o artista é o da biografia. Aliás, boa parte dos trabalhos escritos sobre
Portinari trata de assuntos e fatos relacionados a sua história de vida. Explorando o
gênero temos, dentre outros, os trabalhos de Antônio Callado
7
, Rosane Acedo
8
,
Flávio Damm
9
, Mário Dionísio
10
, Celso Kelly
11
, Nilson Moulin
12
e Antônio Portinari
13
,
além da própria autobiografia de Portinari, Retalhos de minha vida de infância
14
.
5
RIBEIRO, V. F. Portinari em Brodowski: história e memória. Franca: FHDSS/UNESP, 1998.
(Trabalho de Conclusão de Curso).
6
Diretora do Museu Casa de Portinari.
7
CALLADO, A. Retrato de Portinari . São Paulo: Jorge Zahar Editor, 2003.
8
ACEDO, R. Encontro com Portinari . São Paulo: Minden, 1997.
9
DAMM, F. Um Cândido pintor Portinari. ?: Expressão e cultura/AGGS Indústrias Gráficas S/A, 1971.
10
DIONÍSIO, M. Portinari 1903-1962. s.l.): Artis, 1963.
11
KELLY, C. Portinari : quarenta anos de convívio. Rio de Janeiro: GTL, 19??.
12
MOULIN, N. Portinari : vou pintar aquela gente. São Paulo: Callis, 1997.
13
PORTINARI , A. Portinari menino. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1980.
14
PORTINARI , C. Retalhos de minha vida de infância. In: Portinari, o menino de Brodowski. Rio de
Janeiro: Livroarte, 1979.
158
Os estudos críticos de Paulo Mendes de Almeida, como De Anita ao Museu,
consideram que “nenhum artista do País terá sofrido, tanto quanto Candido Portinari,
a inconstância, a flutuação das opiniões a respeito de sua obra”. Partindo do
pressuposto de que existem dois movimentos simultâneos em relação ao artista, o
que chamou de “portinarismo” e “antiportinarismo”, o autor observa que em dado
momento, “fazer alguém a mínima restrição aos trabalhos do grande pintor,
significava atrair sobre si os raios da ira de seus exaltados admiradores”
15
, num
sentimento de indiscriminada admiração. O grupo de amigos com os quais Portinari
trocou vasta correspondência, em parte analisada nesse trabalho, esteve ao lado do
artista durante praticamente toda sua trajetória, acompanhando seu trabalho e, por
vezes, convivendo de maneira bastante próxima ao pintor, freqüentando sua casa e
fazendo parte de seu círculo particular de amizades. Esse grupo, que se encontrava
bastante próximo do artista, apoiando seu trabalho e com ele mantendo estreitas
relações de amizade pode ser enquadrado no que Paulo Mendes de Almeida
chamou de “portinaristas”, que tiveram em Mário de Andrade seu principal
representante. Este era composto por pessoas que defendiam quase que
incondicionalmente Portinari e os trabalhos que o artista desenvolvia. Em um outro
momento, no entanto, muitos passaram a julgar “exagerada a solicitude com que o
governo se empenhava na divulgação do nome e da obra de Portinari. Tal empresa,
conceituavam-na como de verdadeira ‘promoção’, em grande estilo”
16
, vendo a arte
de Portinari como uma propaganda do regime.
Segundo Almeida, Portinari teve em Oswald de Andrade um de seus
principais críticos. O escritor que anos antes, em 1934, havia feito comentários
positivos a respeito do encaminhamento muralista que Portinari vinha dando à sua
15
ALMEIDA, P. M. De Anita ao Museu. São Paulo: Perspectiva, 1976, p. 141.
16
Idem, p, 142.
159
obra
17
a partir de Café, em 1939 realizou duras críticas ao artista, com evidentes
implicações políticas. Classificou a obra de Portinari no Ministério da Educação e
Saúde como “reacionária”, onde o pintor teria regredido “à expressão acadêmica, ao
uso de recursos passadistas e primários, a cópia descarada de artistas modernos
nacionais e estrangeiros”
18
. Na mesma época, o crítico Luís Martins, juntamente com
Oswald, também se incomodava com o fato de Portinari praticamente ter
monopolizado o cenário artístico nacional, especialmente quando o governo
americano solicitou ao Ministério da Educação material a respeito de Cândido
Portinari e de Oswaldo Teixeira, conservador arquiteto que ocupava o cargo de
diretor da Escola Nacional de Belas Artes à época. A polêmica tornou-se ainda
maior quando o chefe de gabinete, Carlos Drummond de Andrade, acrescentou
alguns nomes à lista, deixando de fora artistas como Di Cavalcanti, Lasar Segall e
Tarsila do Amaral, dentre outros
19
. A disputa entre “portinaristas” e “antiportinaristas”
foi acirrada, manifestando-se em intrigas e entrechoque pessoais, criando
inimizades definitivas, tornando os defensores de Portinari ainda mais radicais.
20
Buscando contemplar a relação entre arte e sociedade no Brasil, Aracy
Amaral, em seu estudo
21
, ao enfocar a produção de alguns artistas brasileiros,
estando Portinari entre eles, aborda a questão da arte e da preocupação social que
permeava a produção artística nacional principalmente entre as décadas de 1930 e
1940. Nessa mesma direção, destacamos os já citados trabalhos de Annateresa
Fabris, Portinari: pintor social e Cândido Portinari como sendo fundamentais para a
compreensão do que chamou de “questão Portinari”, tendo sido a autora uma das
17
FABRIS, A. Cândido Portinari. São Paulo: Edusp, 1996, p. 68.
18
Idem, ibidem.
19
ALMEIDA, P. M. De Anita ao Museu. São Paulo: Perspectiva, 1976. p. 159.
20
Idem, p. 159.
21
AMARAL, A. Arte para quê? A preocupação social na arte: subsídios para uma história social da
arte no Brasil. 2. ed., São Paulo: Nobel, 1987.
160
precursoras em abordar a obra de Portinari como uma arte de preocupação social.
Fabris defende que, para compreendermos Portinari, é necessário que a “mística”
que envolve sua figura seja esquecida, e que seja adotada uma atitude crítica a
respeito de sua obra:
(...) em relação a Portinari, uma atitude crítica, isenta de preconceitos
e partis-pris, a qual situe sua contribuição dentro de um país (...), e
duma época complexa e contraditória, que tira sua vitalidade de
múltiplas linguagens configuradas nos vários ‘ismos’, combatida entre
a participação social através da arte e a expressão de ideais
puramente estéticos e plásticos
22
.
Dessa forma, concordamos com a autora no sentido de que é mais
esclarecedor, portanto, ver Portinari como um artista de sua época, buscando
reconhecer as nuances e particularidades de sua trajetória pessoal e artística.
Entendemos Portinari como um artista de seu tempo, sujeito às mesmas influências
externas que outros artistas contemporâneos seus, seja na questão do tratamento
plástico da obra de arte quanto na função política de sua produção artística. No
entanto, Portinari soube articular de maneira bastante eficaz sua história de vida,
seu talento enquanto artista e sua atuação política, fazendo com que fosse aceito
nos mais diversos círculos sociais.
Foram eleitas como fontes para nosso trabalho as pinturas murais realizadas
por Portinari, em Brodowski, na casa de sua família e na Capela da Nonna entre os
anos de 1934 e 1945, além de um conjunto de correspondências que o artista trocou
com amigos, familiares e instituições durante o período da composição das pinturas.
Nos apropriamos ainda de alguns depoimentos orais de familiares do artista,
registrados pelo Projeto Portinari, quando esses fazem referências à casa ou
quando abordam assuntos que se relacionam com a constituição daquele acervo.
22
FABRIS, A. Portinari, pintor social. São Paulo: Perspectiva, 1990, p. 26.
161
As obras situadas do interior da casa são os afrescos Cabeça de Mulata I e
Cabeça de Mulata II, Perfil da A, São Francisco pregando aos pássaros, Sagrado
Coração de Jesus
23
(todos de 1934), Fuga para o Egito (1936)
24
e a têmpera São
Jorge e o Dragão (1945). No complexo da Capela da Nonna estão o afresco Sermão
aos peixes (1942), além das têmperas em seu interior: A Visitação
25
, Sagrada
Família
26
, Santa Luzia e São Pedro
27
, compondo essas duas últimas o altar da
Capela, São João Batista, Jesus, São Francisco de Assis e Santo Antônio
28
, todas
obras de 1941
29
.
O fato de Portinari ter eleito a casa de sua família em Brodowski para
realizar essas experiências em pintura demonstra como o artista buscou um local de
caráter totalmente privado, onde seus trabalhos, num primeiro momento, estariam
sob os olhares somente de familiares e parentes mais próximos, não tendo que já de
início submetê-los – estando a utilizar uma técnica que lhe era complemente nova –
a um julgamento de valor de pessoas externas, que veriam essas obras com um
olhar mais crítico. Depois de estar certo de que alcançara bons resultados, poderia
revelar a experiência a outras pessoas, observando assim a opinião ou reação
destas diante das pinturas.
Realizando um estudo que vê a pintura como fonte histórica, buscamos tomar
contato com obras que nos dessem indicadores sobre o trabalho com imagens e
suas possibilidades. Foi fundamental nesse sentido o estudo empreendido por Peter
23
Com 70 x 50 cm de diâmetro, essa obra possui datação aproximada, tendo sido ela descoberta
somente em 1970, quando da restauração das obras da casa para a instituição do Museu Casa de
Portinari, promovida por Edson Motta, à época restaurador a serviço do Sphan.
24
155 x 170 cm.
25
180 x 160,5 cm.
26
180 x 163 cm.
27
Cada um com 161 x 55 cm.
28
Essas quatro últimas obras citadas possuem, com pequenas variações, 180 x 75 cm de diâmetro.
29
Observar as imagens citadas no catálogo em anexo.
162
Burke
30
. O autor destaca que “imagens, assim como textos e testemunhos orais,
constituem-se numa forma importante de evidência histórica”, que age como
“testemunha ocular” do vivido, oferecendo “acesso a aspectos do passado que
outras fontes não alcançaram”
31
, devendo o testemunho das imagens:
ser colocado no ‘contexto’, ou melhor, em uma série de contextos no
plural (cultural, político, material, e assim por diante), (...) bem como
os interesses do artista e do patrocinador original ou do cliente, e a
pretendida função da imagem
32
.
Ainda vendo as obras de arte enquanto fonte para nosso trabalho,
concordamos com Pierre Francastel quando o autor considera que as artes não
devem ser vistas como simples reflexo da realidade para que venham a ser
utilizadas plenamente enquanto objeto da história, necessitando que sejam
estudadas por si mesmas “como testemunhos de uma atividade autônoma e não
somente como uma habilidade suscetível de dar forma a um pensamento
determinado previamente
33
”, defendendo o papel da arte como sendo o de “abrir aos
homens uma possibilidade de manifestar, por meios adaptados, uma série de
valores que só podem ser apreendidos e notados através de um sistema autônomo
de conhecimento e de atividade”
34
.
Após constatar que suas experiências obteriam êxito, o artista não deixou de
mencioná-las quando veio a trocar correspondências com diversos de seus amigos,
enviando-lhes fotografias, comentando as obras, pedindo opiniões e convidando-os
para que fossem a Brodowski vê-las de perto. Dessa forma, também temos como
fonte um conjunto de correspondências pessoais de Portinari trocadas ao longo das
décadas de 1930 e 1940, em cujo conteúdo encontram-se menções a respeito das
obras executadas em Brodowski, correspondências essas levantadas através do
30
BURKE, P. Testemunha ocular: história e imagem. Bauru: Edusc, 2004.
31
Ibidem, p. 233.
32
Ibidem, p. 237.
33
FRANCASTEL. P. A realidade figurativa. São Paulo: Perspectiva, 1993, p. 82.
34
Ibidem, p. 69.
163
sítio oficial do Projeto Portinari na Internet
35
, onde encontra-se digitalizada, com
algumas exceções, toda a massa documental levantada pelo projeto ao longo de
seus 27 anos de existência.
Fato a ser observado é o de que a maior parte dos amigos com os quais
Portinari troca opiniões a respeito das obras da casa e da Capela nessas
correspondências, são figuras de renome, constituindo-se em personagens
fundamentais da cena política, cultural e artística do Governo Vargas: além de
Gustavo Capanema e Carlos Drummond de Andrade, também correspondeu-se com
Rodrigo Melo Franco de Andrade,
36
Mário de Andrade, Lúcio Costa e Antônio Bento,
dentre outros.
É fundamental ressaltar que essas correspondências, além de demonstrarem
opiniões positivas por parte dos interlocutores de Portinari referentes às pinturas da
casa e da Capela, já possuem até mesmo menções remetendo a um possível
tombamento da casa e sua transformação em local de visitação pública, por
exemplo, quando Rodrigo Melo Franco de Andrade destaca que qualquer dano
causado à casa de Brodowski ou suas pinturas seria um “atentado contra o
patrimônio artístico”,
37
ou quando Gustavo Capanema, ao ver fotografias das obras,
comentou seu desejo em ver a Capela da Nonna tombada e integrada ao patrimônio
histórico nacional
38
. Além disso, como em carta de Carlos Drummond de Andrade,
alguns amigos demonstravam já possuir conhecimento do grande impacto causado
35
PROJETO Portinari. Correspondências. Disponível em <http://www.portinari.org.br/ppsite/ppacervo/
bibl_cor.asp>. Acesso em 12/04/05.
36
Presidente do então recém-criado Sphan (Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
37
ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. Carta. Rio de Janeiro, RJ, 16 fev., 1937 [para] Cândido
Portinari, Rio de Janeiro, RJ. 2 p.
38
CAPANEMA, Gustavo; Ministério da Educação e Saúde. Carta. Rio de Janeiro, RJ, 12 mar, 1941
[para] Cândido Portinari, Brodowski, SP. 2 p.
164
na população local pelas imagens ali executadas, que as via desde o início de sua
execução como objetos de adoração
39
.
Os interlocutores epistolares de Portinari eram amigos próximos e queridos,
que poderiam contribuir com sugestões ou críticas para as obras que Portinari se
propôs a realizar, mas eram também homens de destaque da política nacional. Ao
mesmo tempo em que estes poderiam dar sua opinião sobre as obras, estariam
também tomando conhecimento do esforço pessoal do artista na construção de um
acervo de obras suas na cidade onde nasceu.
Devemos levar em conta o fato de que o artista, tanto em sua trajetória
pessoal como em sua atuação enquanto artista e político, sempre buscava destacar
sua ligação com as origens, a cidade onde nasceu e sua gente, com o que viu e
viveu em seu tempo de infância. A nosso ver, havia em Portinari uma preocupação
em deixar evidente essa ligação, sendo o viés biográfico o ponto-chave de sua
trajetória artística, como demonstramos. Essa preocupação moveu seu desejo de
deixar inscrita sua memória para a posteridade, o que com certeza levou-o a
colaborar com Antônio Callado quando o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro
encomendou ao escritor uma biografia do artista, publicada já em 1956,
40
dando
depoimentos e compondo diversos desenhos especialmente para essa publicação,
que retratavam passagens e sentimentos de sua época de infância
41
. Isso se torna
ainda mais notório quando o artista escreve, entre novembro de 1957 e setembro de
1958, a citada autobiografia Retalhos de minha vida de infância, publicada em 1979,
39
ANDRADE, Carlos Drummond de. [Carta] Rio de Janeiro, RJ, 18 mar. 1941 [para] Cândido
Portinari, Brodowski, SP. 3 p.
40
Reeditada nos anos de 1978 e 2003.
41
Fato interessante a ser observado é o de que, enquanto Portinari dava a Callado seu depoimento
para que este construísse sua “memória escrita”, o pintor executava um retrato do amigo, escrevendo
assim a “memória pictórica” de Callado.
165
onde relata passagens de sua vida de infância relacionadas às brincadeiras, à
escola, aos amigos, à família, às suas peripécias e medos de menino.
Ao utilizarmos a correspondência pessoal de Portinari como fonte para os
objetivos aqui propostos, as formulações de Ângela Castro Gomes
42
foram
sobremaneira importantes na medida em que levantam formas de utilização e
possibilidades interpretativas das quais se investem as cartas como indícios para a
escrita da história. Para a autora, as práticas da escrita auto-referencial, ou escrita
de si, “podem evidenciar (...) como uma trajetória individual tem um percurso que se
altera ao longo do tempo, que decorre por sucessão”, demonstrando como um
mesmo período da vida de um indivíduo pode “decompor-se” em tempos com ritmos
diversos: um tempo da casa, um tempo do trabalho etc
43
.
Nesse sentido, a autora considera que, ao trabalhar com
correspondências, importa para o historiador “a ótica assumida pelo registro e como
seu autor se expressa. Isto é, o documento não trata de ‘dizer o que houve’, mas de
dizer o que o autor diz que viu, sentiu e experimentou, retrospectivamente, em
relação a um acontecimento”
44
. As cartas trocadas entre Portinari e amigos narrando
a constituição das obras da casa de Brodowski demonstram um período da trajetória
do pintor em que buscava, sobretudo, afirmar seus ideais de construção de uma
obra que estivesse intrinsecamente ligada ao que lhe era mais próximo e mais
familiar.
Quando a autora trata especificamente acerca de correspondências
trocadas entre intelectuais e artistas, como é o caso das cartas selecionadas como
fontes para nosso trabalho, afirma que a correspondência pessoal entre intelectuais
é “um espaço revelador de suas idéias, projetos, opiniões, interesses e sentimentos.
42
GOMES, A. C. Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: FGV, 2004.
43
Idem, p. 13.
44
Idem, p. 15.
166
Uma escrita de si que constitui e reconstitui suas identidades pessoais e
profissionais no decurso da troca de cartas”
45
.
Peter Burke aponta que, dentro da História Nova existe, em relação às
correspondências, uma preocupação com sua retórica, o que chama de “retórica da
identidade”. Ao verificar a questão das cartas, chama a atenção para o fato de que
estas são escritas obedecendo convenções “que variavam de acordo com a época,
a posição social do escritor e também do tipo de carta escrita (a carta familiar entre
iguais, a carta suplicante de um inferior para um superior e assim por diante)
46
’.
Dessa forma, congregando dois tipos de fontes, ou seja, a fonte visual e a
fonte escrita, buscaremos elucidar questões acerca de como deu-se a construção
desse lugar de memória, que mais tarde institucionalizou-se na forma do Museu
Casa de Portinari.
Nesse sentido, foi de grande interesse para nossa pesquisa o trabalho de
Teresa Malatian, Oliveira Lima e a construção da nacionalidade
47
pois, utilizando
correspondências enviadas e recebidas pelo diplomata e historiador brasileiro,
buscou tecer a conjuntura que levou à constituição da Oliveira Lima Library, vendo-a
como um local que reúne a “intenção de memória” de seu idealizador à de
“aparelhamento para a escrita da história”
48
.
Consideramos a carta como “um tipo de ‘escrita de si’ que, apesar de não se
pretender nem biográfica e nem autobiográfica, labuta com o desejo de memória
daquele que a escreve”
49
, e que “toda escrita de si deseja reter o tempo”. O próprio
conjunto de correspondências trocadas entre Portinari e amigos já pode ser
45
Idem, pp. 51-52.
46
Idem, p. 117.
47
MALATIAN, T. M. Oliveira Lima e a construção da nacionalidade. Bauru: Edusc; São Paulo:
Fapesp, 2001.
48
Idem, p. 356.
49
FREDRIGO, F. S. A escrita de si no epistolário de Simon Bolívar: uma consagração da memória à
história. In: SERPA, H. C. (org). Escritas da história: memória e linguagem. Goiânia: UCG, 2004, p.
17.
167
considerado um “lugar de memória”
50
, ao conter indícios do momento vivido por
Portinari quando da execução das obras de Brodowski, nelas estando contida a
intenção do artista, ainda que subentendida, em legitimar a casa de sua família
como um lugar onde inscreve-se sua “memória pictórica”.
Concordamos com Le Goff quando o autor diz que a memória é “um
elemento essencial do que se costuma chamar de identidade, individual ou coletiva,
cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de
hoje” e que “não é somente uma conquista, é também um instrumento e um objeto
de poder”
51
. Portanto, verificaremos como a casa foi tema dos mais diversos
debates, que explicitavam os impasses sofridos antes e durante seus processos de
compra, desapropriação e restauração. Esses debates demonstram a busca
empreendida pelos mais diversos agentes, como a imprensa, autoridades políticas
de todas as esferas e mesmo a população local, pelo resgate da casa, tirando-a
daquela situação de esquecimento para enfim dotá-la da função de guardiã da
memória de seu mais ilustre morador, visto que era como representante de toda
uma comunidade.
Acreditamos ser a casa portadora de uma memória involuntária de Portinari,
uma vez que concebeu as obras que nela se encontram pautado em lembranças
remotas às quais a casa o remetia. A memória involuntária de Portinari foi inscrita
nas paredes da casa de Brodowski como experimento de novas técnicas a serem
dominadas pelo artista, num momento em que se transformava num dos mais
eminentes pintores de sua época, quando trabalhou para o governo de Getúlio
Vargas. Portinari talvez não tivesse o objetivo explícito de fazer da casa um lugar de
memória, mas sabia da importância de seu trabalho, que vinha ganhando projeção
50
GOMES, A. C. Op. cit., p. 18.
51
LE GOFF, J. História e Memória. 3. ed., Campinas: Unicamp, 1992, p. 476.
168
nacional, daí a preocupação com a realização de trabalhos que não seriam
meramente ensaios, e sim obras de arte totalmente finalizadas, que não poderiam
de maneira alguma ser retiradas daquele local, visto ter utilizado as paredes da casa
como suporte da obra. Essas obras que, após terem sido largamente comentadas e
aprovadas por seus amigos em correspondências, serviram de base para que o
artista viesse a empregar as mesmas técnicas ali utilizadas em trabalhos de maior
vulto.
As lembranças da infância são representadas, na casa, através da pintura
sacra, demonstrando o quanto a mesma fazia o artista rememorar seu tempo de
infância, cujas recordações mais fortes estavam ligadas à religiosidade da família,
que o fez por muitas vezes, enquanto criança, temer a figura do diabo e os castigos
que os santos poderiam lhe impingir.
Ao adotarmos a casa de Portinari como um lugar onde está inscrita a
memória de um indivíduo, na medida em ali deixou um legado pessoal através de
obras de arte, as formulações de Pierre Nora no estudo Les lieux de mémoire, foram
determinantes. Necessários para que a memória inscreva-se de fato, em suas
dimensões concretas os lugares de memória vão remeter a museus, arquivos,
cemitérios, coleções, festas, aniversários, tratados, entre outros signos de
rememoração. Estes são vistos como portadores dos “testemunhos de uma época”,
“deixados sem se duvidar de sua utilização futura pelos historiadores”
52
, na medida
em que estes buscam elementos que auxiliem na compreensão de um momento
histórico, ou que tragam evidências sobre a atuação de determinados grupos e
indivíduos.
52
NORA, P. Entre Mémoire et Histoire. La problématique des lieux. In: ______ (dir). Les lieux de
mémoire. Paris: Gallimard, 1997, p. 38.
169
Esses “lugares de memória” têm, de acordo com Maurice Halbwachs, a
função de servir como pontos de referência que estruturam nossa memória,
inserindo-a na memória da coletividade à qual pertencemos. Dessa forma, Pierre
Nora, autor fundamental quando aqui discutimos a construção de lugares de
memória, foi diretamente influenciado pela sociologia de Halbwachs. Nora opõe
ainda mais radicalmente a memória e a história, vendo a história como uma espécie
de “filtro” para a memória, esta última ligada à tradição vivida, à afetividade e ao
tempo presente, sendo a história o seu contrário, ou seja, “uma reconstrução
intelectual sempre problematizadora que demanda análise e explicação, uma
representação sistemática e crítica do passado”
53
. O autor ressalta que, atualmente,
tudo o que se chama de memória não faz mais parte da memória, mas da história. A
necessidade de memória tornou-se uma necessidade de história.
Atualmente, especialmente na historiografia anglo-saxônica, tende-se a
revisitar as questões da memória e de sua relação com a história a partir de outros
enfoques, que buscam essencialmente dar maior autonomia à memória, numa
crítica à sociologia da memória coletiva de Halbwachs. No entanto, esse enfoque
ainda resvala na apropriação da memória pela história, onde essas duas noções são
aproximadas, aplicando-se ao estudo da memória os mesmos procedimentos dos
estudos ligados à historiografia
54
.
Nora define que os conceitos de memória e história são opostos, estando a
memória sempre “em evolução permanente, aberta à dialética da lembrança e do
esquecimento, inconsciente de sua sucessivas deformações, vulnerável a todas as
utilizações e manipulações”
55
, sendo ela sempre atual por ser um processo vivido,
“arraigando-se no concreto, no espaço, no gesto, na imagem e no objeto”. A história,
53
Idem, p. 41.
54
Idem, ibidem.
55
NORA, P. Op. cit., p. 24.
170
em contrapartida, é uma “representação do passado” e não a sua vivência e,
enquanto operação intelectual, “dessacraliza a memória”, através da análise e do
discurso críticos
56
.
Numa via de mão dupla, a história, que levaria ao esquecimento tudo o que
não fosse permanentemente rememoriado e reproduzido, também é o componente-
chave para que esta memória não se perca. A apropriação da memória pela história
é fundamental para que lugares da memória como museus, bibliotecas, conjuntos de
cartas e rituais sejam inseridos dentro da comunidade ou meio social e político nos
quais foram criados, verificando como os diferentes agentes históricos se
apropriaram e fizeram uso de sua memória.
Corroborando com a idéia de que a memória deve ser vista enquanto objeto
da história, o texto de Jacques Le Goff é fundamental para essa abordagem.
Conforme o autor:
(...) história é a ciência do passado, com a condição de saber que
este passado se torna objeto da história, por uma reconstrução
incessantemente reposta em causa (...).
Tal como o passado não é a história mas o seu objeto, também a
memória não é história, mas um dos seus objetos e simultaneamente
um nível elementar de elaboração histórica
57
.
Sendo a casa de Brodowski um lugar no qual Portinari inscreveu sua
memória afetiva e involuntária através de obras de arte, sua apropriação pela
história faz com que esta seja vista de maneira crítica e inserida num momento da
trajetória do artista, no qual buscava reafirmar o ideal de uma arte constituída a partir
das memórias e episódios que lhe eram mais próximos e significativos, buscando
novas soluções artísticas e também o aprimoramento de sua arte.
No primeiro capítulo desse trabalho contemplaremos a trajetória da
56
Idem, p. 25.
57
LE GOFF, J. Op. cit., pp. 25 e 49.
171
constituição física da casa da família Portinari, desde o momento inicial da
instalação da família na cidade, e como esta, uma casa comum num primeiro
momento, recebe novas funções, tomando uma nova configuração, quando Portinari
acaba por elegê-la como seu “refúgio” particular após sua volta da Europa, em 1931.
Verificaremos alguns aspectos da trajetória da arte brasileira durante as duas
primeiras décadas do século XX e como Portinari nela se insere, visto que este foi o
período no qual o artista realizou as bases de seus estudos em artes plásticas.
Também será contemplada a questão das artes no momento que sucede a chegada
de Portinari da Europa, ou seja, o início dos anos 1930, quando estavam ocorrendo
profundas transformações na política e também na arte e na cultura brasileiras, com
a remodelação da Escola Nacional de Belas Artes e uma maior abertura da arte
brasileira ao modernismo. Portinari retorna dessa viagem com uma concepção de
arte bastante diversa da orientação artística que recebera no Brasil, quando buscou
recuperar a relação com suas raízes e com Brodowski, sua cidade natal, e mais
especificamente com a casa onde passou a infância. Nela, Portinari termina por
imprimir sua marca particular ao realizar pinturas que, mesmo enquanto
experimentações, foram concebidas a partir da experiência pessoal do artista à qual
a casa o remetia.
Juntamente com suas pinturas, também empreende a escrita de uma
autobiografia, de poemas autobiográficos, auto-retratos e biografias autorizadas.
Essas tentativas de construção de uma memória de si também serão tratadas nesse
primeiro capítulo, e da mesma maneira, observaremos como a religiosidade de seus
tempos de criança ainda eram as lembranças mais fortes às quais Portinari se
remetia ao tomar contato com a casa da família.
No segundo capítulo, verificaremos como as correspondências trocadas entre
172
Portinari e amigos mostram-se como importantes instrumentos que mostram como o
artista, através dos mais diversos meios, terminou por construir uma memória a seu
respeito. Será analisado um grupo de correspondências, datadas de 1934 a 1945,
período em que Portinari mais freqüenta a casa de Brodowski, e também quando se
dá a total constituição do acervo artístico da mesma. Esse acervo também será
objeto desse segundo capítulo onde, considerando essas obras como fontes visuais,
observaremos como também se constituem em elementos que encerram a vontade
de memória de Portinari. Dessa forma, ao contemplarmos esses dois tipos de fontes
distintas, a fonte escrita e a fonte visual, veremos como Portinari utilizou-se desses
elementos para a construção de sua memória.
No terceiro e último capítulo, será abrangido o período após 1945, período
esse em que a freqüência de Portinari à casa torna-se cada vez mais rara.
Observaremos como, a partir da década de 1950, quando o pintor ainda estava vivo,
já discutia-se na imprensa a possibilidade da transformação da casa da família
Portinari em Brodowski em museu, visando a preservação de seu acervo, como
numa homenagem ao famoso pintor. Essa discussão acirra-se após sua morte, em
1962, impulsionada pela situação de abandono na qual já se encontrava a casa
nesse momento. A partir de então, especialmente na imprensa, e também nos
círculos políticos e intelectuais, passa a haver a discussão da necessidade do
resgate da casa de Brodowski, a preservação de seu acervo, visando torná-lo de
conhecimento público. Há que se sublinhar o papel fundamental de artistas, políticos
e intelectuais que conviveram com Portinari nas lutas pela preservação de sua
memória, muitos desses com os quais o artista trocou larga correspondência ao
longo de sua carreira, muitas vezes comentando sobre as obras que realizara na
casa. Aqui serão verificadas as dificuldades encontradas em torno do tombamento
173
da casa e os conflitos que pautaram esse processo. Discutiremos então mais
pontualmente sobre a valorização e resgate da casa da família Portinari enquanto
lugar de memória, processo que culminou com a institucionalização do Museu Casa
de Portinari.
174
CAPÍTULO 1
Cândido Portinari e a casa de sua família em Brodowski
A família de Cândido Portinari chegou a Brodowski
58
, interior de São Paulo,
nos últimos anos do século XIX.
A pequena cidade, que hoje conta com pouco mais de 50 mil habitantes,
situa-se a cerca de 337 km da capital do Estado. O surgimento e o desenvolvimento
da cidade estão estreitamente ligados aos projetos de expansão da Companhia
Mogiana de Estradas de Ferro no Estado de São Paulo, no final do século XIX.
Brodowski é então criada no rastro da ferrovia a caminho do interior paulista, cuja
principal função era realizar o escoamento do café produzido da região para a zona
portuária de Santos.
Através da concessão obtida junto ao governo, pela da
Lei n. 18, de 21 de março de 1872, a Cia. Mogiana iniciou, em
1873, a construção da ferrovia Campinas – Mogi-Mirim, com
ramal até a cidade de Amparo. O prolongamento da estrada de
ferro às margens do Rio Grande contribuiu, mais tarde, para o
nascimento da cidade de Brodowski.
Os pais de Portinari estavam entre os muitos imigrantes italianos que
afluíram ao Brasil da época com o fim de servirem de mão-de-obra na lavoura do
58
No decorrer do presente trabalho, usaremos a grafia original do nome do engenheiro polonês
Alexander Brodowski – inspetor geral da Cia. Mogiana de Estradas de Ferro à época da fundação da
referida cidade – que rendeu a denominação de Engenheiro Brodowski ao nascente povoado, nos
últimos anos do século XIX. Ariovaldo Corrêa, em Brodowski: minha terra e minha gente, entre as
páginas 49-52, destaca diversos motivos pelos quais o topônimo ‘Brodowski’ não deve ser grafado da
maneira aportuguesada ‘Brodósqui’, dentre os quais o de que a atual gramática da língua portuguesa
aceita perfeitamente que se grafe nomes estrangeiros e palavras tidas como casos especiais com as
letras y, k e w de origem, mesmo que estas tenham sido abolidas do alfabeto brasileiro e português.
175
café. Domenica Torquato – ou Domingas, como passou a ser conhecida – e Batista
Portinari conheceram-se e casaram-se na Fazenda Santa Rosa, próxima a
Brodowski, onde suas famílias trabalhavam na condição de colonos, quando ele
contava com 18 e ela com 13 anos de idade
59
.
Cândido Portinari, ou Candinho, como era chamado pelos familiares, nasceu
nessa Fazenda, e era o segundo de doze filhos que o casal Batista e Domingas
tivera. De acordo com um relato do artista em sua autobiografia Retalhos de minha
vida de infância, sua família mudou-se da Fazenda Santa Rosa para a estação de
Brodowski, onde não havia ainda sequer o povoado, quando ele contava com
apenas dois anos de idade, não possuindo então lembranças dessa época
60
.
Quando do momento inicial em que se mudaram para a cidade, além de
Batista, Domingas e seus filhos Paulino, Cândido e Pellegrina (Tata), também
moravam com a família a Nonna Pellegrina, avó paterna de Portinari, e seus filhos
Bepe e Davi
61
. Em Brodowski, Batista exerceu diversos ofícios, tendo inclusive
montado um pequeno estabelecimento comercial, vindo depois a trabalhar em casa,
onde abriu uma pequena oficina de cadeiras com assento de palha.
De acordo com o depoimento de Tata Portinari, irmã do artista, tendo a
família se mudado para Brodowski, residiram primeiramente numa casa de aluguel,
pelo qual pagavam 15 mil réis por mês. Essa casa, mais tarde, foi vendida pelo
proprietário a um negociante que não morava na cidade, ficando então a família sem
perspectivas sobre onde morar
62
. Mas logo viria a solução do problema, pois Batista
Portinari, em troca de diversos serviços realizados a Sílvio Estrada, comerciante
59
FABBRI, A. P. Contando a arte de Portinari. São Paulo: Noovha América, p. 07.
60
PORTINARI , C. Retalhos de minha vida de infância. In: Portinari, o menino de Brodowski. Rio de
Janeiro: Livroarte, 1979, p. 41.
61
FABBRI, A. P. Op cit., p. 09.
62
PORTINARI, Pellegrina (Tata). Depoimento ao Projeto Portinari. Campinas, SP, 1985. 73 f. [3 CDs].
Disponível no arquivo da sede do Projeto Portinari (Pontíficia Universidade Católica – Rio de Janeiro,
RJ).
176
proprietário de alguns terrenos no vilarejo, recebera do mesmo um terreno que
poderia ser pago de acordo com as possibilidades da família.
Com a venda do terreno à família Portinari empreendida por Sílvio Estrada,
iniciou-se a construção da casa no local, situado em frente à Igreja de Santo
Antônio, então matriz da cidade. Não foi possível, no entanto, encontrar
comprovação documental acerca dessa venda, sendo esse fato legitimado apenas
por depoimentos orais concedidos por membros da família de Portinari. Angélica
Fabbri, em Contando a arte de Portinari, relata que os pedreiros que auxiliaram no
“mutirão” de construção da casa eram também companheiros de Batista Portinari em
uma banda de música local
63
, alguns deles também italianos, o que demonstra o
forte cooperativismo existente entre as famílias de imigrantes que ali se fixaram.
Portinari, ao narrar passagens de sua infância em Brodowski, menciona: “A casa
onde morávamos foi doada pelos trabalhadores a meu pai”.
64
Foram construídos inicialmente quatro cômodos, onde os Portinari se
instalaram. No mesmo terreno, foi construída posteriormente uma outra casa, que
passou a ser ocupada pela família. A casa para a qual se mudaram inicialmente foi
preservada, e nela passaram a residir somente a avó de Portinari, D. Pellegrina, e
seus filhos Bepe e Davi. Em um dos cômodos dessa casa, seria construída, mais
tarde, a Capela da Nona, em 1941.
Feita de tijolos e argamassa de barro, a residência construída pelos Portinari
possui uma estrutura bastante simples, que pouco a diferencia do estilo empregado
nas casas populares do final do século XIX e início do XX, com janelas e portas em
linhas retas, sendo estas últimas, em sua maior parte, bastante baixas. Ao longo do
tempo, no entanto, foi sendo modificada em sua estrutura, e sua forma atual é fruto
63
FABBRI, A. P. Op. cit., p. 10.
64
PORTINARI , C. Op. cit., p. 50.
177
de sucessivas ampliações e adaptações, a maioria delas empreendida por iniciativa
do próprio Cândido Portinari, quando este passou a visitar a casa com maior
freqüência, após sua volta da Europa, em 1931.
Esse seria o lugar onde Portinari viveria toda sua infância e a adolescência,
até os 15 anos. Seu tempo de menino foi como o dos demais garotos de sua idade,
marcado pelas brincadeiras, festas, jogos de futebol no campinho de terra e também
pelo contato com as fazendas de café e seus trabalhadores e sua luta diária pela
sobrevivência, vivendo num núcleo urbano que ainda pouco diferenciava-se da zona
rural.
Demonstrando precocemente o talento para o desenho, Candinho começou,
apoiado por seu pai, a ter aulas de desenho e pintura com um artista local, Zé
Murari, na verdade, um copiador de estampas de santos, que não possuía o domínio
de técnicas avançadas de desenho e pintura. Às aulas com Murari, Portinari não
faltava, apesar de ter abandonado a escola primária antes de completar a terceira
série
65
.
Por volta de 1913, uma nova igreja matriz foi construída em Brodowski, a de
Nossa Senhora Aparecida. Portinari então veio a ajudar um grupo de escultores
“frentistas” italianos, especializados em adornar igrejas com pinturas de santos e
anjos a partir de um molde, quando usavam a técnica do spolvero
66
. Portinari tinha
então cerca de 10 anos de idade. Sobre essa passagem, o artista narrou em sua
autobiografia:
O vigário João Rulli desejava encomendar uma porteira e não se
entendiam, peguei um papel e desenhei a porteira. O padre ficou
olhando para mim e disse: _ Amanhã chegará o frentista para
65
BALBI, M. Portinari : o pintor do Brasil. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 20.
66
No spolvero, um desenho é feito em um molde, sendo esse desenho todo perfurado em seus
contornos. Aplica-se o gesso na parede que receberá o afresco, e sobre o gesso ainda molhado
coloca-se o molde, batendo-se nele com uma boneca de tinta em pó. Com isso o desenho fica
impresso, e a partir daí realiza-se a pintura. Trata-se de uma das técnicas mais simples utilizadas em
pintura, especialmente difundida entre os pintores-decoradores do início do século XX.
178
ornamentar a fachada da nova igreja. Você deve ir vê-lo e aprender.
Ricardo Luini era o nome do meio escultor. Fazia ornatos e anjos
diretamente na argamassa de cimento, areia e cal, trabalhou durante
uns cinco meses. Quando terminou, deu-me uma prata de dois mil
réis e uma viagem a Ribeirão Preto. Pessoa muito boa.
Passados alguns dias, vieram os pintores de Ribeirão Preto: Vitório
Gregolini e um seu cunhado. Também um mais idoso com o apelido
de Barbeta devido à sua pequena barba. Eles já traziam o desenho,
ajudei-os, enchi um fundo com estrelas. Mas o trabalho que mais o
interessava era o seguinte: chegava às seis da manhã, abria a porta
da igreja, retirava uma vasilha de mais ou menos de 20 litros,
despejava 5 litros d’água e ajuntava um tanto de cola. Depois havia
uma prancheta de mais ou menos 100 x 70, misturava as tintas em pó
com água e colocava-as em pasta e sobre cada cor um pano bem
úmido. Os andaimes de pau roliço era frágeis, ficava do solo ou piso
do andaime uns 8 ou 10 metros... escapei de cair muitas vezes...
67.
Decidido a dedicar-se à pintura, Portinari vê a oportunidade de tornar-se um
desenhista e pintor na possibilidade de vir a morar na então capital federal, a cidade
do Rio de Janeiro, local onde estavam instalados alguns dos principais centros de
formação de artistas plásticos do Brasil, como o Liceu de Artes e Ofícios e a Escola
Nacional de Belas Artes. Um casal de amigos de seus pais, o dentista Quirino
Toledo e sua esposa Alzira estavam mudando-se para a capital, e ofereceram-se
para acompanhar Portinari na viagem, caso ele se decidisse a ir. Depois de muita
resistência em deixar a sua cidade natal, Portinari mudou-se para o Rio de Janeiro,
onde matriculou-se no Liceu de Artes e Ofícios, tendo então aulas de desenho,
ingressando logo depois como aluno livre na ENBA.
Após o ingresso na ENBA, Portinari passou a ter aulas com os renomados
professores da Escola, cuja orientação acadêmica era estreitamente ligada à
tradição francesa, mas não à França berço das escolas da arte moderna que então
estremeciam a Europa, como o expressionismo e o cubismo, e sim à França do
Neoclassicismo e do Realismo da segunda metade do século XIX.
A obra de Portinari tem impressa em si as transformações pelas quais passou
a arte brasileira nas duas primeiras décadas do século XX, mudando sua feição
67
PORTINARI , C. Op. Cit., p. 50.
179
após os anos 1930, que trouxeram uma enorme reviravolta cultural no país, data que
coincide com a volta de Portinari da Europa, viagem esta que se constituiu num
verdadeiro divisor de águas em sua carreira. O tópico que se segue contemplará
alguns aspectos das artes brasileiras nas primeiras décadas do século XX, e como
Portinari insere-se nessa trajetória.
180
1.1 Artes e pintura no Brasil nas primeiras décadas do século XX
Ao refletirmos a respeito da pintura no Brasil durante as duas primeiras
décadas do século XX, é preciso ter em mente que no país dois pólos artísticos
desenvolviam-se de maneira análoga: Rio de Janeiro e São Paulo.
As duas cidades eram os grandes centros de efervescência cultural da época.
No início do século XX, especialmente no Rio de Janeiro, ainda atuavam os pintores
que haviam se destacado no academismo que predominou na pintura nacional
durante a segunda metade do século XIX. Nomes como Vítor Meireles, Pedro
Américo e Zeferino da Costa, formados na Academia Imperial de Belas Artes, num
estilo academicista, faziam ainda sentir sua influência. A orientação acadêmica dos
pintores que atuavam no Rio de Janeiro perduraria até mesmo após a Semana de
1922 em São Paulo, que não fez sentir seus reflexos na então capital do país. Esse
contexto de relativa resistência à mudança, certamente ligada a uma crítica de arte
ainda bastante conservadora, foi o cenário que recebeu Cândido Portinari quando de
seu ingresso na Escola Nacional de Belas Artes, em 1917.
Algumas mudanças eram vislumbradas no cenário literário, mas tanto nas
artes plásticas quanto na poesia a situação era de continuidade dos antigos
modelos. Acerca dessa orientação demasiadamente européia seguida pela arte
brasileira durante as duas primeiras décadas do século XX, escreveu Aracy Amaral:
A geração literária, como diz Mário da Silva Brito, ‘era
predominantemente parnasiana. Alguns poucos, os mais adiantados,
formavam entre os simbolistas’. Mas no Rio de Janeiro, capital federal
ciosa de suas tradições, onde vida literária e artística giravam em
torno das Academias, pouca efervescência toca os jovens pintores e
escultores. Estes, com seus mestres formandos segundo os padrões
rígidos da Academia implantada no Brasil pela Missão Lebreton,
seguiam uma escola estrangeira cuja excelência não estimulava a
criatividade, mas antes a imitação servil dos modelos importados
68
.
(...)
No Rio de Janeiro, eclodida a primeira conflagração mundial que
tantos rumos alteraria, acirrando nacionalismos como estimulando
nosso desenvolvimento econômico e industrial, sucediam-se com
68
AMARAL, A. Artes plásticas na semana de 22. São Paulo: Editora. 34, 1998, p. 51.
181
regularidade as exposições oficiais de arte na Escola Nacional de
Belas Artes, sempre com a presença de seus grandes professores
Batista da Costa, Belmiro de Almeida, Rodolfo Amoedo, e
homenagens oficiais a artistas
69
.
Ao contrário de São Paulo, que, nas primeiras décadas do século XX já sentia
a força do modernismo em sua atividade cultural, o Rio ainda estava fortemente
arraigado às tradições do realismo e do romantismo ainda seguidas pela Escola
Nacional de Belas Artes, com sua orientação ligada à arte européia, especialmente à
francesa, do século XIX.
No entanto, não se pode dizer que esta orientação acadêmica
fosse seguida sem quaisquer lampejos de inovação. Alguns pintores
como Eliseu Visconti, Rafael Frederico, Lucílio e Georgina de
Albuquerque e Carlos Oswald utilizavam técnicas próximas ao
Impressionismo em seus trabalhos. A técnica impressionista chegara
ao Brasil tardiamente, enquanto na França já desenvolviam-se o
cubismo e o fauvismo. Também na arte do período faziam-se sentir
algumas influências do Simbolismo e do Art Nouveau. No entanto, era
bastante peculiar a forma como os artistas brasileiros do período
incorporavam as soluções artísticas trazidas pelas escolas da arte
moderna, sendo estas muitas vezes usadas como meros recursos
estilísticos, não sendo os artistas realmente fiéis a uma determinada
escola. A respeito desse fenômeno, Teixeira Leite comenta:
Apesar de que ainda continuavam em atividade alguns dos
impressionistas históricos, inclusive seu grande criador Claude Monet,
só falecido em 1926, também se esvaziara, havia muito, o Neo-
Impressionismo, que se revelara incapaz de sobreviver à morte
prematura de seu grande criador Georges Seurat. Seu princípio
básico da mistura ótica das cores aplicadas em pequenos toques do
pincel transformara-se num mero recurso de métier à disposição de
artistas de todas as tendências.
70
Em São Paulo, no entanto, já delineavam-se mudanças nesse panorama,
com acontecimentos que iriam abrir caminho para a revolução que causaria a
Semana de Arte Moderna de 1922: a exposição de Lasar Segall na capital paulista e
Campinas, em 1913; a mostra de Anita Malfatti também em São Paulo, em 1917; e a
revelação de Brecheret, descoberto em 1920 por um grupo de artistas e intelectuais
quando trabalhava no Pavilhão das Indústrias, também em São Paulo
71
.
69
Idem, p. 60.
70
TEIXEIRA LEITE, J. R. A virada dos séculos. In: ______. 500 anos de pintura brasileira. Belo
Horizonte: Cedic Multimídia: Log On Informática, 1999. CD-ROM.
71
Idem, ibidem.
182
A cidade começava a metamorfosear-se em grande metrópole desde as duas
últimas décadas do século XIX, após a abolição da escravidão. O novo século
chegou, e trouxe para a cidade o início da industrialização e o aumento da
imigração. O apogeu da produção cafeeira ainda fazia-se sentir, e traduzia-se em
urbanização e execução de grandes obras arquitetônicas por toda São Paulo, que
expandia-se e melhorava seus serviços de infra-estrutura. O crescimento da cidade,
a expansão e o desenvolvimento da economia, o “nativismo” ou um certo sentimento
de nacionalismo despertado pela guerra – fatores esses que somavam-se à
inexistência de escolas oficiais de arte na capital paulista, difusoras que eram das
formas artísticas tradicionais – contribuíram para a consolidação da cidade de São
Paulo como um centro de renovação cultural.
A afirmação da cidade como emergente centro cultural da época
demonstrava-se através do desenvolvimento de sua indústria editorial e de seus
espaços culturais. No campo das artes plásticas, esse fenômeno também não
deixava de aplicar-se, como ressalta Sevcenko:
Novos espaços de exposição surgem, outros são improvisados em
hotéis, livrarias, casas comerciais e até cinemas junto à área do
Triângulo central da cidade. Os artistas vêm de turnês internacionais,
do Rio de Janeiro, de estados do norte e do sul, além de, é claro,
suscitada pelas novas possibilidades, uma geração emergente de
pintores e escultores locais
72
.
Oswald de Andrade, poeta e escritos, já em 1915 no jornal O Pirralho,
pregava a necessidade da criação de uma verdadeira arte nacional, não mais
vinculada ao academismo. Da mesma forma, em uma conferência em Paris, no ano
de 1923, denunciou a influência dos modelos franceses no ensino das artes no
72
SEVCENKO, N. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos
20. 2. ed., São Paulo: Cia. das Letras, 1992, p. 96.
183
Brasil, que deformava a criatividade nacional e reproduzia um padrão
internacionalista superado
73
.
Anita Malfatti, com sua já citada exposição, realizada entre dezembro de 1917
e janeiro de 1918, foi precursora do movimento modernista em São Paulo.
Duramente atacada pela crítica, especialmente pelo conhecido artigo Paranóia ou
mistificação, escrito por Monteiro Lobato, a exposição de Anita demonstrava um
arrojo incomum à arte brasileira da época. Logo teve a seu lado um pequeno grupo,
formado por Oswald e Mário de Andrade, Guilherme de Almeida e Di Cavalcanti, que
defendiam a modernidade de sua arte, grupo esse que, mais tarde, teria a adesão
fundamental de Menotti Del Picchia, jornalista do Correio Paulistano, grande
articulador cultural e ferrenho defensor do modernismo.
Estudiosos consideram Menotti o orador oficial da Semana de 22, tendo ele
apresentado, na festividade, os poetas e prosadores representantes da nova
literatura. Em conjunto com Oswald de Andrade, noticiou o advento da nova
tendência literária e artística, sempre sustentando polêmica com os que ainda
estavam ligados ao passado. Pertenceu à Academia Paulista e à Academia
Brasileira de Letras, tendo sido deputado estadual e federal.
Amigo pessoal de Cândido Portinari, Menotti, durante seu mandato de
deputado estadual por São Paulo, teve papel fundamental quando do tombamento
da casa da família Portinari em Brodowski, sendo um dos idealizadores do processo
de compra da casa pelo poder público para sua conseqüente preservação. Menotti
conviveu com o artista no circuito cultural brasileiro da década de 1930 até a de
1960, tendo estabelecido com ele larga correspondência.
73
AMARAL, A. Op. cit., p. 60.
184
No entanto, o Rio de Janeiro era ainda o maior centro de excelência no que
tocava ao aprendizado das artes plásticas do país e destino certo para qualquer
artista que desejava especializar-se e entrar em contato com os mais destacados
professores e artistas daquela época. O desejo de tornar-se um grande pintor moveu
Portinari a estabelecer-se na então capital federal.
Dedicando-se à pintura acadêmica, especialmente aos retratos, Portinari foi
aos poucos galgando seu lugar dentro dos salões anualmente promovidos pela
ENBA e também junto à crítica carioca. Tendo realizado o óleo sobre tela Baile na
Roça
74
para o Salão de 1924, considerada sua primeira obra de temática popular,
viu-o então ser recusado pelo júri, por não corresponder às expectativas da arte
academicista que ainda era o padrão de arte digno de reconhecimento na ENBA à
época. O prêmio máximo do Salão, o de Viagem à Europa, foi alcançado pelo artista
somente em 1928, ao realizar um retrato do poeta Olegário Mariano, obra em que se
entrevê o toque pessoal do artista, o que não a desvincula por completo dos moldes
da academia. Portinari teve que, de certa forma, adaptar-se às convenções que lhe
foram impostas, para ter trânsito dentro do circuito carioca das artes.
Ao chegar em Paris, em junho de 1929, Portinari passou a fazer visitas a
museus, especialmente aos do Louvre e o Luxemburgo. Tinha com a viagem o
objetivo de “rememorar, estudar agora ‘de visu’ a velha história da arte dos séculos
remotos”, concebendo-a como “uma forma de atualização, de contato direto com as
grandes realizações do passado e com as propostas do presente”
75
, ao contrário do
direcionamento tomado pela maior parte dos bolsistas brasileiros ganhadores do
74
Ver Prancha 26 no Catálogo Iconográfico.
75
FABRIS, A. Cândido Portinari. São Paulo: Edusp, 1996, p. 18.
185
mesmo prêmio, que acabavam fazendo de sua viagem ao exterior um
prolongamento de sua prática de ateliê
76.
É interessante notar que, assim como Portinari, diversos artistas brasileiros
atualizaram suas idéias estéticas a partir de modelos europeus recentes, sobretudo
na área das artes plásticas: movimentos como o cubismo, o expressionismo, o
futurismo e o surrealismo “resultaram em inspirações que, direta ou indiretamente,
alimentaram os artistas modernistas brasileiros”
77
. Tal fenômeno ocorreu com
diversos de nossos pintores, como Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e o escultor
Victor Brecheret. De maneira aparentemente contraditória, nesses artistas, o
“aguçamento da percepção sensível em relação à nossa realidade local se daria (...)
em decorrência da ampliação dos horizontes culturais pela vivência européia”
78
.
Com Portinari não seria diferente. Voltando ao Brasil e tomando novamente
contato com o universo no qual sua visão de mundo fora forjada, pintaria a realidade
brasileira, que a seu ver era profícua em cenas, paisagens e tipos humanos de
grande riqueza visual, e que mereciam ser vistos como temas para a composição de
obras de arte.
Em carta escrita de Paris, em julho de 1930, à ex-colega de Belas Artes
Rosalita Cândido Mendes, o artista criou um personagem, o Palaninho, para
simbolizar o homem simples do interior, o garoto que um dia havia sido, de pés
descalços e roupa surrada, e que, no fundo, achava que nunca havia deixado de
ser:
Vim conhecer aqui em Paris o Palaninho, depois de ter visto tantos museus
e tantos castelos e tanta gente civilizada. Aí no Brasil eu nunca pensei no
Palaninho. (...)
D’aqui fiquei vendo melhor a minha terra – fiquei vendo Brodowski como ela
é. Aqui não tenho vontade de fazer nada. Vou pintar o Palaninho. Vou pintar
aquela gente com aquela roupa e com aquela cor. (...)
76
FABRIS, A. Op. cit., p. 20.
77
AMARAL, A. Op. cit., p. 24.
78
Idem, p. 31.
186
A paisagem onde a gente brincou a primeira vez e a gente com quem a
gente conversou a primeira vez não sai mais da gente e eu quando voltar
vou ver se consigo fazer a minha terra. (...) Tenho saudades de Brodowski –
pequenininha, 200 casas brancas de uma andar, no alto de um morro
espiando pra todos os lugares... com a igreja sem estilo com uma torre no
centro e duas pequenas dos lados... com o altar que eu fiz...
79
Retornando ao Brasil em 1931, Portinari tem como ideal retratar temas
ligados ao povo, com sua miséria e seus problemas, mas também seus costumes e
peculiaridades. A sensação de “estranhamento” causada por sua estada em um
outro país fez com que despertasse seu interesse pelo que havia de mais próximo,
de mais presente em sua história de vida e em sua memória.
Portinari buscou então desenvolver uma nova proposta plástica, que
congregaria o métier dos grandes mestres da pintura clássica com elementos da
arte moderna, além de soluções artísticas próprias, procurando criar assim uma
estética verdadeiramente nacional no campo das artes plásticas. O pintor acreditava,
portanto, que o ensino acadêmico da arte deveria ser conhecido antes de ser
rechaçado, atribuindo ao conhecimento técnico do pintor uma função decisiva para
seu fazer artístico, pois nela, mais que em seu sentimento, estava enraizada sua
“individualidade variada”. Via então, no classicismo, a fundamentação necessária
para a construção da arte moderna
80
.
Começou então a concentrar-se em torno do artista um pequeno grupo de
intelectuais, que passou a vê-lo como o representante do Modernismo brasileiro no
campo da pintura pois, tendo aderido a novas expressões plásticas, permitia
demonstrar que o uso da deformação na pintura não significava desconhecimento
do desenho, mas que implicava em uma escolha estética
81
.
79
Portinari, Cândido. Carta. Paris, 12 jul.1930 [para] Rosalita Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, RJ,
10 p.
80
FABRIS, A. Op. cit., p. 18.
81
FABRIS, A. Portinari, pintor social. São Paulo: Perspectiva, 1990, p. 07.
187
O retorno do artista ao Brasil, em 1931, coincide com o momento pós-
Revolução de 1930 e a subida de Vargas ao poder, em cujo governo foi criado o
Ministério da Educação e Saúde, tendo à frente o ministro Gustavo Capanema, o
que veio a assinalar grandes mudanças também no campo das artes e da cultura.
Também em 1931 foi derrubada a antiga e conservadora direção da Escola Nacional
de Belas Artes, que tinha à frente Oswaldo Teixeira. Lúcio Costa, arrojado arquiteto,
assumiu o posto e remodelou a orientação da Escola, incluindo o Salão Anual, cuja
edição de 1931 ficou conhecida como Salão Revolucionário, do qual Portinari
participou como membro da comissão organizadora, além de expor 17 telas de sua
autoria.
À época, Vargas, auxiliado por Capanema, buscou agregar em torno de si
especialistas, intelectuais e artistas que o auxiliassem no projeto de construção do
Estado Nacional idealizado por seu governo, que por vezes teve ações ligadas à
tradição, enquanto outras com um nítido caráter modernizante. Esses intelectuais,
no entanto, apresentaram posturas diversas em relação à tentativa de cooptação do
Estado Novo, que caracterizaram-se em movimentos de aceitação, respondendo “ao
chamado do Estado para a construção de políticas nas mais distintas áreas da vida
social”, mas também movimentos de adesão/afastamento e de entusiasmo/recusa,
numa tensão que marcou a atuação de determinados intelectuais diante das
decisões do governo
82
.
A relação entre Portinari e o governo Vargas iniciou-se quando o ministro
Capanema tomou conhecimento da repercussão causada pelas obras expostas pelo
artista no Instituto Carnegie de Pittsburg, em 1935. A imprensa estadunidense deu
82
BOMENY, H. (org). Constelação Capanema: intelectuais e políticas. Rio de Janeiro: FGV, 2001, p.
26.
188
então vasta cobertura às pinturas do pintor brasileiro que compunham a mostra,
especialmente o óleo sobre tela Café
83
, ganhador da menção honrosa da exposição.
Com seus personagens de pés e mãos enormes, absorvidos pelo trabalho na
colheita, Café marca o início do encaminhamento da obra de Portinari em direção à
pintura monumental, de temáticas ligadas ao trabalhador e ao homem da terra,
direção essa mais tarde traduzida em sua pintura mural. Largamente elogiado pela
crítica internacional por seu trabalho, o pintor chamou a atenção de Capanema, que
viu em Portinari o que parecia ser o artista perfeito para representar nas artes
plásticas o projeto de construção da identidade nacional empreendido por Getúlio.
Foi delegada então a Portinari a função de executar uma série de murais
sobre os ciclos econômicos brasileiros no prédio do Ministério da Educação e
Saúde, no centro do Rio de Janeiro. Aceitando a encomenda em 1936, o artista viria
a iniciar a pintura dessas obras somente em 1939, devido ao longo tempo ocupado
em estudos preliminares
84
. Portinari era então visto pelo Estado Novo como o pintor
que melhor expressaria seu apelo populista, na medida em que tinha o homem do
povo, o trabalhador brasileiro como elemento central de sua obra.
No entanto, Portinari, mesmo anteriormente a 1935, já vinha experimentando
temas que retratavam os tipos populares, através de uma proposta estética
moderna. Trabalhos como Jogo de Futebol em Brodowski
85
(1933), Os
despejados
86
, Mestiço
87
e Lavrador – Preto de Enxada
88
(1934) demonstram a
preocupação de Portinari em buscar uma nova sensibilidade para retratar o
trabalhador brasileiro e o cotidiano do povo humilde e sofrido. Outros artistas já
83
Ver Prancha 27.
84
FABRIS, A. Op. cit., p. 11.
85
Ver Prancha 28.
86
Ver Prancha 29.
87
Ver Prancha 30.
88
Ver Prancha 31.
189
estavam experimentando a temática naquele momento, como Tarsila do Amaral,
com suas telas voltadas para os temas do trabalho, da miséria e da injustiça social,
como Operários, de 1931, mas foi Portinari quem levou a pintura social às últimas
conseqüências, explorando-a durante toda sua trajetória artística, fazendo dela sua
principal forma de pintura, ao contrário de Tarsila, por exemplo, cuja temática social
pautou apenas uma das fases de sua carreira.
Certamente, sua trajetória pessoal também colaborou com sua “eleição” a
“artista oficial” do governo: ao mesmo tempo em que havia vivido a infância como
um menino pobre do interior, ligado a terra e ao trabalho na lavoura, tornou-se um
artista que se destacou por esforço próprio na profissão que abraçou, vindo a ter
renome internacional. O pintor de Brodowski transitava então entre dois universos: o
do homem do povo e o do intelectual, que viria a auxiliar o governo Vargas, no
campo das artes plásticas, a legitimar seu projeto de construção da identidade
nacional brasileira através dos temas de suas obras, concebidos a partir de sua
vivência pessoal.
No entanto, não foi somente o governo Vargas que utilizou a obra de Portinari
como representativa de seu ideal de exaltação do nacional. O Partido Comunista, ao
qual Portinari se vinculou em 1945, e mesmo a ditadura militar pós-1964 – período
em que se concretiza a instalação do Museu Casa de Portinari – apropriaram-se,
cada um à sua forma, da obra e do legado do artista para exaltação de suas
propostas e ideais. Esse fenômeno deve-se certamente ao fato de Portinari ter
realizado um tipo de arte que podemos considerar como engajada. Esse fator
contribuiu para que o trabalho de Portinari fosse enxergado como uma forma de
exaltação de valores que compunham um ideal de identidade nacional, como
veremos no terceiro capítulo deste trabalho.
190
Quando afirmamos que Portinari realizou uma arte engajada, levamos em
conta o conceito de Benoit Denis, em Literatura e engajamento, que sugere que a
arte engajada, diferentemente da arte militante – que pressupõe a subordinação aos
ideais estéticos a uma determinada doutrina política ou filiação partidária – preserva
seu compromisso com o social, sem sacrificar sua liberdade criativa, sem submeter-
se ao aprisionamento ideológico. Essa forma de arte é sempre interessada e tem um
compromisso ético
89
. Considerando a arte de Portinari enquanto arte engajada,
acreditamos que o próprio fato desta ter se vinculado aos temas sociais fez com que
ideologias políticas de momentos decisivos na história do país o elegessem como o
pintor cuja arte, em maior grau que a de outros artistas, possuía um claro
compromisso com a sociedade ao retratar sua realidade e seu povo em seus mais
diversos aspectos.
Dessa forma, podemos perceber o quanto a arte de Portinari estava então
diretamente ligada à sua percepção do mundo e à sua trajetória pessoal. Isso fica
claro ao observamos, além de sua pintura social, também as obras cujos temas
vinculavam-se a cenas que faziam parte de sua memória em relação aos seus
primeiros anos de vida e à sua terra natal – como as brincadeiras de criança, o circo,
enterros na rede – memória esta que também é representada através de sua pintura
sacra, temática escolhida pelo artista para figurar nas paredes da casa de sua
família em Brodowski.
Após voltar da Europa, em 1931, Portinari passou a viajar com maior
freqüência para sua cidade natal, voltando então a ter um contato mais efetivo com a
população local, com sua família e sua casa em Brodowski. Nesse momento, todos
os membros da família Portinari ainda residiam na cidade, sendo que apenas Julieta,
89
DENIS, B. Literatura e engajamento. Bauru: Edusp, 2002. Apud: GARCIA, T. C. Tarancón:
invenção sonora de um Brasil latino-americano, 2006. (mimeo).
191
Paulino e Maria, irmãos do artista, haviam se casado e deixado a casa quando
Portinari retornou da Europa, já casado com Maria Portinari, uruguaia radicada em
Paris. Aos poucos os outros irmãos foram se mudando, sendo que Olga, Inês, Luís e
Osvaldo de lá saíram, mais tarde, para residirem com Portinari e Maria no Rio de
Janeiro
90
.
Portinari via a residência de sua família em Brodowski como um local onde
estaria em contato direto com suas raízes interioranas, fator fundamental em sua
obra. O ambiente privado certamente também o convidava a repensar seu trabalho e
a concentrar-se em estudos e experimentações.
90
PORTINARI, Maria. Depoimento ao Projeto Portinari. Rio de Janeiro, RJ, 1982, 1983. 270 f. [14
CDs], p. 52. Disponível no arquivo da sede do Projeto Portinari (Pontifícia Universidade Católica, Rio
de Janeiro, RJ).
192
1.2 Arte sacra e memória involuntária em Portinari
Nessa época, já um artista de renome e bastante conhecido no circuito
brasileiro das artes, Portinari havia estabelecido vínculos de amizade com os mais
diversos artistas e intelectuais da época. Faziam parte de sua “lista de amigos”
figuras como os poetas Olegário Mariano e Manuel Bandeira, os arquitetos Lúcio
Costa, Oscar Niemeyer e Lélio Landucci, os escritores Carlos Drummond de
Andrade, Mário de Andrade, Murilo Mendes, Graciliano Ramos, José Lins do Rego e
Jorge Amado, os pintores Paulo Rossi Osir, Emiliano Di Cavalcanti, Clóvis Graciano,
Alfredo Volpi e Francisco Rebolo Gonzáles, além de Gustavo Capanema e Rodrigo
Melo Franco de Andrade.
Estando Portinari em Brodowski, sempre escrevia cartas a esses amigos,
comentando sobre sua família, a cidade, e principalmente sobre sua atividade
artística durante sua estada na terra natal. Os mais próximos eram freqüentemente
convidados a passar finais de semana ou mesmo temporadas na casa, quando
estes poderiam conhecer a sua tão amada cidade, além de tomar contato com a
produção artística lá desenvolvida pelo artista.
Portinari percebeu então a necessidade de dotar a casa de Brodowski de uma
estrutura que pudesse acolher os amigos que eventualmente o visitassem. Além
disso, também precisaria, na casa, de um local próprio para o desenvolvimento de
seus estudos e pinturas. Em uma correspondência do ano de 1940 endereçada ao
amigo Mário de Andrade, Portinari menciona a construção de alguns cômodos para
ampliar o espaço físico da casa:
Recebi sua carta. Acho que você fez muito bem em descansar um
pouco. O atelierzinho ficou pronto e está muito bom. Já comecei a
fazer um pouco de pintura. Mandei também construir dois quartos –
pensando em você – daqui a uns 2 ou 3 dias ficarão terminados. Isto
aqui não é lá grande coisa, mas o clima é fabuloso. Não faça
193
cerimônia – venha, pois você bem sabe que não só nós (os do Rio)
mas os d’aqui também terão grande prazer em ter você aqui.
91
Em uma outra carta a Mário de Andrade, também de 1940, Portinari ainda se
remete a outra ampliação realizada na casa, no intuito de melhor acomodar
possíveis visitantes. Ressalta a Mário que os novos cômodos foram construídos de
maneira a estarem independentes da casa, conhecedor que era do caráter
reservado do amigo:
(...) mandei construir, como já lhe disse, um apartamento ligado à casa e
completamente independente – e só foi feito – pensando em amigos como
você.
92
Com as reformas e ampliações promovidas por Portinari, a casa passou a
contar com dezesseis cômodos no total
93
. Observando sua fachada, temos a
impressão de que existem duas casas anexas uma à outra. O desdobramento à
direita é a “parte nova” da casa, resultado das ampliações idealizadas por Portinari,
onde se situa seu ateliê. A outra parte é a “antiga”, composta pela sala de recepção,
duas saletas, a cozinha, a sala de jantar e alguns quartos, cômodos estes que fazem
parte da estrutura inicial da casa. A casa passou então a possuir um aspecto
labiríntico, o que parece ser o resultado de uma certa falta de planejamento ao
idealizar-se a construção de novos cômodos para a ampliação do espaço físico da
casa, o que fica visível pela ausência de janelas em alguns quartos, prejudicando
assim a iluminação interna da residência.
Portinari fez então da casa de Brodowski um local onde pudesse, além de
descansar, também trabalhar com tranqüilidade. Ao tratar-se de um espaço
estritamente privado, o artista sentia-se livre para realizar experimentações
artísticas. Com isso, já a partir do ano de 1934, iniciou a execução de algumas
91
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: Jan. 1940 [para] Mário de Andrade, São Paulo, SP.
92
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 25 jan.1940 [para] Mário de Andrade, [s.l].
93
Ver planta baixa da casa de Portinari em Brodowski, Prancha 1 do Catálogo Iconográfico em
anexo.
194
pinturas no interior da casa, aplicando então efetivamente a pintura mural, cuja
utilização já ensaiava em sua pintura em tela.
A monumentalidade escultórica presente em telas como Preto de Enxada,
Mestiço e O Operário
94
demonstra como Portinari já rompia com os limites do quadro
de cavalete, projetando suas figuras para fora do espaço demarcado pela moldura,
encaminhando-se para o afresco e a pintura mural
95
, técnicas que desenvolveu
efetivamente a partir da pintura dos afrescos da casa de Brodowski, e
posteriormente, em maior dimensão, nos painéis dos Ciclos Econômicos para o
Ministério da Educação e Saúde
96
. A partir daí, Portinari parecia querer integrar-se
ao movimento mundial que buscava uma destinação coletiva para a arte, cujo maior
expoente era então o muralismo mexicano
97
, que alcançara grande repercussão
naquele momento com os trabalhos de Rivera, Siqueiros e Orozco.
Ao analisar a correspondência pessoal de Portinari, vemos que o artista fazia
questão de comunicar os amigos mais próximos a respeito das experimentações
artísticas realizadas em Brodowski, fazendo com que estes lhe escrevessem
apreciações e críticas a respeito das mesmas.
Experimentando pela primeira vez a técnica do afresco, Portinari realizou, em
1934, três obras de pequena dimensão: duas Cabeças de Mulata e o Perfil da Avó.
Especialmente as primeiras possuem um nítido caráter de ensaio, ao retratar tipos
populares que possivelmente viriam a “habitar” alguma de suas telas. O Perfil pode
ser visto como um reflexo de sua admiração pela avó paterna, D. Pellegrina. Esses
afrescos foram realizados pelo artista nas paredes externas da casa e, quando da
94
Todas obras de 1934.
95
FABRIS, A. Cândido Portinari. São Paulo: Edusp, 1996, p. 36.
96
Ver Prancha 32.
97
Idem, p. 37.
195
instituição do Museu, em 1969, foram retiradas do local original e transferidas para
seu interior, certamente para que sua conservação não fosse prejudicada.
Excetuando-se as obras citadas anteriormente, as demais pinturas murais
que Portinari veio a executar em Brodowski estão, sem exceção, ligadas à temática
sacra. Em 1934, executou ainda o afresco São Francisco pregando aos pássaros.
Posteriormente, em 1936, foi a vez de o ateliê receber em suas paredes a obra Fuga
para o Egito.
Ainda que Portinari não fosse mais católico praticante, sua formação estava
profundamente enraizada na religiosidade de sua família, especialmente a de sua
avó paterna, por quem nutria especial admiração. A Capela da Nona, decorada por
Portinari em 1941 seria o expoente máximo de seu profundo respeito aos valores
familiares. A temática sacra ainda estaria presente em 1942, quando Portinari
executou o afresco Sermão aos peixes na sala da casa da avó, e em 1945, com o
mural a têmpera São Jorge e o dragão, pintado na sala de recepção da casa da
família.
Na casa de Brodowski, portanto, pela primeira vez Portinari visitou a temática
sacra em sua pintura. Anteriormente aos trabalhos da casa, Portinari já havia
trabalhado com temas religiosos, no entanto, restringindo-se a alguns desenhos, não
tendo, até a realização das obras da casa, trabalhado com pinturas que explorassem
esses temas
98
.
Dessa forma, vemos os trabalhos realizados por Portinari na casa de sua
família em Brodowski como uma forma de expressão involuntária de sua memória,
ficando nítido então que Portinari acabou por deixar, através do registro pictórico,
inscrita sua memória nas paredes da casa de Brodowski, mesmo que o possa ter
98
PROJETO Portinari. Obras. Disponível em < http://www.portinari.org.br/ppsite/ppacervo/obra.asp?
contexto=obra>. Acesso em 12/04/05.
196
feito, no caso, de forma involuntária e intuitiva, ao menos num primeiro momento.
Assim, se expressa nas paredes da casa de Brodowski, a memória involuntária do
artista.
Essa memória involuntária é constituída de maneira espontânea, “por
imagens que aparecem e desaparecem independentemente de nossa vontade”, por
lampejos, e inevitavelmente carregada de afetividade
99
. A memória involuntária não
é uniforme. Essa dimensão descontínua e afetiva da vida e das ações dos homens é
o que por vezes a memória voluntária deixa escapar. Citando Proust, Jacy Seixas
menciona como a memória involuntária é “instável e descontínua, não vem para
preencher os espaços em branco, supõe as lacunas e constrói-se com elas
100
.” Tida
por vezes pela historiografia como avessa à história, por essa ser “tida como
constitutiva de um terreno de irracionalismo (s)”. É marcada pela descontinuidade, é
uma memória fugidia, “que se movimenta para frente e para trás sem obedecer a
qualquer sucessão necessária”
101
.
Esse componente afetivo da memória involuntária é o que marca de maneira
mais forte a composição das obras da casa de Portinari. Trabalhando com o tema da
arte sacra, pode imprimir ao local um caráter bastante pessoal, ligado à sua
formação familiar, o que pode ser visto como uma forma involuntária de Portinari
manifestar os sentimentos que afloravam ao tomar contato com a casa. Levando ao
conhecimento de um público seleto e especializado, através de correspondências, a
forma como aquele lugar passou a possuir sua marca pessoal, com intervenções
arquitetônicas e artísticas, buscou então legitimar a existência daquele local como
importante também para a construção de sua concepção artística.
99
SEIXAS, J. A. Percursos de memória em terras de história: problemáticas atuais. In: NAXARA, M.
R. C.; BRESCIANI, S. Memória e (re) sentimento: indagações sobre uma questão sensível.
Campinas: Unicamp, 2002, p. 46-47.
100
Idem, p. 47.
101
Idem, p. 49.
197
Aí reside a peculiaridade das obras de Brodowski dentro da produção artística
de Portinari. Na maior parte de seus quadros estão presentes elementos que
remetem à sua infância, como os retirantes, os trabalhadores das lavouras e as
brincadeiras de criança. A intenção de memória transpassa, de certa forma, toda sua
obra. Mas, especificamente na casa, a memória involuntária se fez presente ao
serem eleitas pinturas sacras, uma vez que essas podem ser vistas como
representantes das lembranças mais primitivas de Portinari em relação à sua
infância e sua vivência com a família na casa. Essa temática, portanto, liga-se não
somente às lembranças do tempo de criança do artista, mas também ao universo
estritamente familiar e privado ao qual a casa o remetia, às lembranças que lhe
vinham à mente ao pensar exclusivamente no ambiente da casa. Por isso a adoção
da temática para a ornamentação das paredes.
Na biografia de Portinari escrita por Antonio Callado, o próprio artista nos
mostra, através de seus depoimentos, o quanto as imagens religiosas povoaram sua
imaginação e interferiram na construção de sua visão de mundo. Em um
determinado momento, Callado pergunta a Portinari sobre as lembranças mais
antigas que possuía da infância em Brodowski:
_Qual é a primeira lembrança da sua vida, a mais recuada impressão
que você guardou?
_Um medo desgraçado do Diabo – respondeu Portinari. (...)
_Havia um jardineiro que ia lá em casa comprar pedra de âmbar para
o alfanje. Não sei por quê, mas vagamente eu o ligo com o Diabo. Eu
também me lembro de uma estampa que havia na cabeceira da cama
de meu tio: São José com o globo nas mãos, o mundo
102
.
Vemos, portanto, que as mais recuadas lembranças de Portinari com relação
a seu tempo de infância estão ligadas à religiosidade e suas figuras representativas
do bem e do mal, o diabo e os santos, numa visão quase supersticiosa da religião.
102
CALLADO, A. Retrato de Portinari. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 22.
198
Flávio Damm narra uma passagem da época em que Portinari era aluno da
ENBA, a respeito de um colega de aulas do pintor que possuía o costume de
pronunciar insultos às figuras religiosas durante as aulas, ressaltando o quanto o
artista possuía um profundo respeito pela religiosidade:
Sem ser religioso, temia tudo o que fosse desconhecido. Seu pai era
homem de profunda fé, e vinculado à Igreja. Na Escola de Belas
Artes, quando chegou ao Rio, Portinari estudava ao lado de um
colega que durante as aulas de desenho tinha o hábito de blasfemar.
Uma colega de aula quis saber de Portinari porque ele saia de perto
do blasfemador e ele explicou: “Ele diz tantas que um dia lhe cai
alguma coisa na cabeça. E eu não quero ficar perto para levar as
sobras...”
103
.
Da mesma forma, Celso Kelly, jornalista e escritor, que havia tido uma longa
amizade com Portinari, ressalta o fato do artista ter realizado pintura religiosa,
mesmo que houvesse, com o tempo, se distanciado da prática religiosa:
Houve, pois, em Portinari – apesar de sua alegada renúncia a Deus e
de sua propalada fé socialista – um pintor religioso autêntico, de
profunda unção e piedade, as quais, se não suas, tomadas foram do
meio, na pureza de suas intenções. Arte religiosa, Portinari a praticou
desde os primeiros anos de sua aventura artística. Foi a igreja local
que o atraíra para a arte. E, desde aí, quaisquer que fossem as
vicissitudes, seria uma das constantes em sua obra
104
.
Essa aparente contradição entre e o fato de o artista ter realizado um grande
número de obras sacras e sua adesão ao Partido Comunista – que em sua essência
defende o ateísmo – foi por várias vezes mencionada em escritos a respeito do
artista, sendo que para esse fato sempre parece ser buscada uma justificativa,
pautada especialmente na infância de Portinari e seu contato com a religiosidade
familiar nessa fase. Em um catálogo da obra de Portinari, organizado por Antonio
Bento e publicado em inglês, essa questão também é mencionada:
Nós não podemos concordar que Portinari foi incoerente ou
contraditório em sua política quando ele pintou trabalhos religiosos,
embora contudo ele tenha parado de professar o catolicismo e tenha
em geral perdido sua crença na religião organizada. Uma parte da
essência humana é seu instinto religioso, e isso é especialmente
verdadeiro para um artista do calibre de Portinari.
103
DAMM, F. Um Cândido pintor Portinari. [s.l.]: Expressão e cultura: AGGS Indústrias Gráficas S/A,
1971, p. 14.
104
KELLY, C. Portinari: quarenta anos de convívio. Rio de Janeiro: GTL, [196-].
199
Investigações arqueológicas e antropológicas mostram que depois
das primeiras ferramentas, os primeiros homens logo produziram
objetos associados a cerimônias religiosas. Esse homem seguiu um
latente ou subjacente, ainda que inato, senso espiritual. Todos os
ritos, danças e festivais, máscaras e objetos decorativos do homem
primitivo tinham uma função religiosa. Eles são claramente
designados a re-ligar (re-ligare) uma pessoa para o grupo para
prover a transcendência, amarra emocional comum. E é exatamente
esse senso que os trabalhos de Portinari exaltariam. Mesmo após ter
se tornado comunista, ele frequentemente observava: “Eu gosto de
pintar santos e ainda tenho meus favoritos, como Santo Antonio”
105
.
Sua sensibilidade de artista e um senso religioso inato ao ser humano são
aqui evocados como motivos para que Portinari tenha realizado obras religiosas
mesmo que tenha perdido sua crença na religião formal e aderido ao comunismo.
Mais uma vez, a contradição é apontada, mas não condenada. Portanto, o que se vê
nos escritos a respeito de Portinari, sempre é uma busca pela justificação de
determinadas atitudes do artista, como também foi a questão dele ter trabalhado,
primeiramente, a serviço do governo Vargas e depois, feitos obras que demonstram
de maneira explícita seu engajamento com o Partido Comunista.
Acerca desse aparente paradoxo entre a obra do “homem político” e a do
“pintor religioso”, Alceu Amoroso Lima propõe que a questão seja justamente vista à
luz da vivência pessoal de Portinari:
(...) atribuo um começo de solução do paradoxo àquela atmosfera
doméstica que rodeou sua infância e particularmente sua
adolescência, idade humana em que não se vive apenas essa idade
entre os 12 e 18 anos, mas todas as idades, pois é na infância e,
sobretudo, na adolescência, que o ser humano antevive e lança os
traços marcantes de sua personalidade até a morte.
106
Essa busca pela construção de uma história de vida coerente a respeito de
Portinari está presente em quase todos os trabalhos escritos a seu respeito,
especialmente os de cunho biográfico. Como veremos no terceiro capítulo, as
contradições presentes em Portinari parecem ser apagadas, ou ao menos
amenizadas, quando se escreve sobre o artista, o que sugere a busca por uma
105
BENTO, A. Portinari. Rio de Janeiro: L. Christiano Editorial, 1980, p. 116. (em inglês).
106
ARTE Sacra: Portinari. Tradução Marina Cunha Brenner; apresentação Alceu Amoroso Lima; texto
Frei Bruno Palma. Rio de Janeiro: Alumbramento, 1982, p. 15.
200
história de vida coesa, onde o conflito é eliminado em nome da construção de uma
trajetória linear, livre de rupturas e sobressaltos, exatamente como ocorre com
freqüência, quando se tenta reconstituir a trajetória de indivíduos importantes para a
sociedade da qual fizeram parte.
Da mesma forma, a morte era temida, assim como o diabo e os castigos de
Deus e dos santos, pelo menino Candinho. Algumas de suas primeiras lembranças
estão relacionadas a diversos assassinatos que ocorreram em Brodowski em seu
tempo de criança, como narra em sua autobiografia:
Muitos crimes houve nesse tempo. Eu devia ter uns 4 ou 5 anos e
estava sentado na soleira da porta da casa de minha avó. Em frente
era a casa da comadre Umbelina e do Sr. Joaquim Henrique.
Estavam várias pessoas sentadas do lado de fora, entre eles o
Carlos Silva. Em certo momento vi o Marcos atrás de uma árvore que
existia ali perto da casa de minha avó. De detrás da árvore, atirou no
grupo; num segundo só estava o Carlos Silva de dentro respondendo
aos tiros do Marcos que recebeu o tiro e caiu – fui o primeiro que se
acercou dele. Estava agonizante
107
.
A morte e sua conotação sobrenatural foram fatores marcantes na infância de
Portinari. O mundo rural que era a Brodowski dos primeiros anos de vida do artista
convivia com crimes e suicídios que ocorriam, muitas vezes, sem que a lei se fizesse
valer. Enquanto criança, Portinari havia ficado profundamente impressionado com
crimes e mortes que pudera presenciar em Brodowski. Esse sentimento era tão forte
a ponto do pequeno Candinho temer até mesmo que lhe imputassem a
responsabilidades pelos crimes que ali ocorriam:
Nas fazendas de café, havia muito crime. Trouxeram de carroça um
espanhol morto a machadadas, uma no rosto dava-lhe expressão
apavorante. Mataram um preto e o trouxeram para a pracinha e, à
espera de não sei que formalidade, foi se decompondo. Nós íamos
espiar diariamente. Não nos alimentávamos e vivíamos todos
cuspindo muito. Mesmo depois de passados meses, só bastava dizer
(fazia-se isso de maldade): _ E o preto, hein? Ia tudo pelos ares,
briga valendo tudo. Vivíamos amedrontados. Uma mulher estava
lavando roupa em um riacho na fazenda, a mataram e a penduraram
numa árvore e abriram-lhe o ventre. Fiquei tão impressionado e
107
PORTINARI, C. Op. cit., p. 51.
201
apavorado com medo de me culparem... Comia muito pouco e não
dormia. Quando acharam o assassino, foi grande minha alegria
108
.
Dessa forma, como ressaltou Callado, a memória de Portinari parece ter
selecionado:
entre as lembranças do que foi uma infância descuidada na roça,
imagens básicas e representativas da angústia de seu tempo: o
Diabo, Deus, Los desastres de la guerra. Como fazemos quase
todos, procurou racionalizar Diabo e Deus em Mal e Bem.
A casa de Brodowski, tendo sido o lugar onde passou seus primeiros anos de
vida, estava para Portinari impregnada das lembranças desse tempo, quase que
invariavelmente ligadas à religião. Os depoimentos reforçam o quanto a relação de
Portinari com a religiosidade presente em seu ambiente familiar foi um fator
extremamente marcante em sua infância. Enquanto as lembranças dos
trabalhadores e da lida no campo – também representadas em suas obras –
remetem à sua experiência de vida em um ambiente externo à casa, os santos e a
religião estão ligados exclusivamente ao universo da casa e à sua história de vida e
à de sua família.
Mesmo que não tenha continuado a ser uma pessoa religiosa quando adulto,
Portinari parecia guardar um grande respeito pelas figuras e crenças religiosas. Esse
propalado respeito à religião foi um dos motivos pelos quais jamais foi vista
contradição entre o indivíduo que havia perdido sua crença em Deus, que foi
inclusive integrante do Partido Comunista, e o pintor de obras sacras.
Em trabalhos escritos a respeito de Portinari, especialmente em suas
biografias, sempre são narradas passagens que buscam demonstrar o quanto a
religiosidade pautava a vida do pintor, estando ela intimamente relacionada à sua
formação pessoal. Mesmo que o artista tenha, aos poucos, cada vez mais se
distanciado da religiosidade formal, tinha em sua mente indelevelmente marcado o
108
PORTINARI, C. Op. cit., p. 52.
202
temor, mas também a proximidade que sentia, quando criança, em relação a Deus e
aos santos. Esse seu sentimento em relação às figuras religiosas sempre era
manifestado em suas falas.
Mesmo em seus Poemas, escritos em sua maior parte em 1958, durante
viagens à Europa, Portinari manifesta sua ligação com o religioso, quando parece
ligar-se ainda mais à infância. Nesse momento, quando Portinari passava pela fase
mais crítica de sua doença, seus poemas parecem refletir o quanto o artista parecia
voltar às suas reminiscências da infância. Como no poema Aparições:
Recostado no céu adormeci
Sonhei que os santos e os anjos me vieram ver
Doía nos olhos a luz que suas vestes refulgia
Sabiam que sofria – penavam no meu entristecer
Cada um dizia o que convinha e sumia
Ficou o mais velho para me fazer companhia
Sugeriu uma viagem à Lua
Para visitar São Jorge (...)
109
.
O poema Deus de violência, por sua vez, demonstra a relação paradoxal
entre Portinari e a crença em Deus:
Estou com vida mas estive sempre à espera
De viver. Não sei porque estou isolado e só
Sentimos a inutilidade em existir. Se houver Deus
É de violência; nos deixa apodrecer ainda caminhando
É o dono de moléstias pavorosas. Alimenta
As dores dos recém-nascidos, do homem, da mulher,
Do velho e do cão. Há repetição de ruídos
Furacões, lamentos de crianças com fome
Andamos, mal-encarados e com o pensamento
Em enganar alguém. Desconfiados, temerosos
Das doenças incuráveis. Ignoramos estarmos
Já inscritos numa delas.
Mesmo que, demonstrando ter perdido sua crença em Deus e na religião
formal, a questão religiosa é fundamental para entender Portinari e sua concepção
artística. A contradição existente entre o Portinari menino – com seu temor e
admiração em relação às figuras religiosas – e o Portinari adulto – com sua fé
109
PORTINARI, C. Aparições. In: Poemas. Rio de Janeiro: José Olympio, 1964, p. 65.
203
abalada diante da visão do sofrimento humano – é assunto freqüente quando o
artista escreve seus poemas e quando da realização de suas biografias.
O sentimento de descrença com relação aos poderes que comumente eram
atribuídos a Deus e aos santos levou Portinari a ter uma visão humanizada a
respeito das figuras religiosas. O artista parecia ver os santos como seres mais
humanos que divinos, e sempre em suas pinturas religiosas parecia querer
aproximá-los da condição humana. Como demonstra Antonio Callado:
O São Francisco do altar-mor da Pampulha, descarnado como uma
ilustração de anatomia, parece exprimir um estado de choque do
jovem pintor de então. É a sua descoberta de que Francisco era um
homem como outro qualquer – mas nem ali acho que Portinari
conseguiu despojar um santo de sua santidade. Ao contrário. O
observador do quadro em a impressão de que o pintor lhe diz:
“Francisco tem vísceras” (...)
110
.
A aproximação dos santos com os humanos na obra de Portinari fica patente
na maior parte das obras sacras de Portinari. No entanto, nas pinturas que o artista
realizou na casa de Brodowski fica explícito como o artista ligava os santos à sua
vivência particular, especialmente em relação à sua família, uma vez que Portinari
utilizou os rostos dos próprios familiares para dar feição aos santos. Sua esposa
Maria, os pais, irmãos e amigos do pintor tiveram seus rostos estampados nas obras
realizadas na casa de Brodowski
111
, aspecto que será contemplado no segundo
capítulo.
Elegendo familiares e pessoas próximas como modelo para os rostos dos
santos, Portinari investiu as pinturas da casa de Brodowski de um significado
particular, que termina por demonstrar como aquelas obras possuem relação com
sua trajetória pessoal. Mesmo que tenham também um caráter experimental com
relação às técnicas utilizadas por Portinari, não se configuram em meros ensaios.
De uma maneira involuntária, o artista acabou por fazer da casa um local que
110
CALLADO, A. Op. cit., p. 30.
111
Conforme informações da direção do Museu Casa de Portinari.
204
expressa, através da obra de arte, a sua memória, ao retratar figuras religiosas, que
se ligavam estreitamente às suas mais recuadas lembranças em relação à casa
onde passou sua infância.
A casa de Portinari em Brodowski é então aqui considerada um lugar de
memória, mas que se configura enquanto tal não a partir de uma nítida intenção de
memória do artista, como ocorreu em casos como a Casa de Rui Barbosa, no Rio de
Janeiro, ou na Oliveira Lima Library
112
, onde existiu uma atividade memorialística,
ficando nítida a intenção de memória de seus idealizadores. Nem mesmo trata-se de
um local onde foram reunidas obras do artista que estavam dispersas em outros
locais. Trata-se de um conjunto construído a partir das impressões e lembranças
que o próprio local trazia a Portinari, onde se fundem a memória involuntária do
artista com sua busca pela experimentação técnica.
Os relatos realizados por Portinari, através de cartas a amigos durante os
anos 1930 e 1940, demonstram sua preocupação com as técnicas a serem ali
utilizadas, assim como com a escolha dos temas. No capítulo seguinte, buscaremos
empreender a análise de um grupo de correspondências que Portinari trocou com
amigos entre os anos de 1934 e 1945, período que compreende a realização da
primeira e da última obra de arte na casa de Brodowski, e que, não
coincidentemente, foi o período em que o volume de cartas trocadas entre Portinari
e seus interlocutores falando a respeito da casa foi bastante grande, assunto que
raramente aparece em cartas após o período. Essas cartas trazem especificamente
comentários e impressões acerca da casa e das obras de arte realizadas pelo pintor
em seu interior, obras essas que, também nesse capítulo, serão mais bem
estudadas.
112
Sobre a constituição da Oliveira Lima Library, ver: MALATIAN, T. M. Oliveira Lima e a construção
da nacionalidade. Bauru: Edusc; São Paulo: Fapesp, 2001.
205
Será observado o papel e a importância desses interlocutores de Portinari na
consolidação da imagem grandiosa que o pintor possui hoje, visto que estes eram,
em sua maioria, pessoas de destaque na política, nas artes e na cultura do país à
época. Veremos como a casa foi, pouco a pouco, sendo reconhecida como um lugar
merecedor do status de lugar de memória do pintor e como começaram a delinear-
se as lutas em torno da preservação dessa memória, num processo que abre
caminho para o tombamento da casa e sua conseqüente transformação em museu.
206
CAPÍTULO 2
A constituição do acervo da casa de Portinari em Brodowski e Sua
legitimação através da correspondência pessoal do artista
2.1 O acervo da casa de Portinari em Brodowski e sua inserção na obra de
Cândido Portinari
O artista passou a estabelecer uma relação mais próxima com sua cidade de
origem e com a casa de sua família após o retorno da viagem que fez à Europa
entre os anos de 1929 e 1931. Nesse período em que viveu no exterior é que o
artista começou a delinear as bases do que imaginava ser uma arte
verdadeiramente brasileira. A partir de sua volta ao Brasil, podemos dizer que sua
produção artística, em conjunto com sua produção literária própria – enquadrando-
se aí seus poemas e os escritos biográficos – e mesmo o que outros escreveram
sobre ele, suas falas em entrevistas a jornais e revistas da época, além de um
grande número de correspondências trocadas entre amigos, são elementos que
demonstram o quanto a obra de Portinari, a partir dali, seria pautada em sua
memória e em sua visão particular do mundo.
Hoje integrantes do acervo do Museu Casa de Portinari, os trabalhos realizados pelo pintor durante as décadas de 1930 e
1940, na casa de sua família, guardam peculiaridades que as diferenciam de toda a obra que Portinari viria a constituir a
partir de então. Observando esses trabalhos, podemos ver que, além de se tratarem de obras destinadas à ornamentação
da casa, e que portanto respeitam ao gosto particular da família em suas temáticas, também seriam uma espécie de
“ensaio” para o artista, especialmente no que toca à utilização das técnicas do afresco e da têmpera
113
, além da temática
sacra. Essas técnicas, ainda não trabalhadas por Portinari em obras anteriores aos trabalhos da casa, foram utilizadas
posteriormente em trabalhos de maior dimensão, como o pintor deixa claro até mesmo em algumas de suas
correspondências.
Realizadas nas paredes da casa, essas são, a nosso ver, obras sui generis
dentro do trabalho desenvolvido por Portinari, por diversos motivos: primeiro, são as
primeiras pinturas – em não se tratando de esboços ou desenhos – nas quais o
artista desenvolveu a temática sacra; segundo, a casa contém as primeiras pinturas
onde Portinari utilizou a parede como suporte para a obra de arte, e não a tela,
talvez de maneira proposital, de modo com que aquelas obras jamais pudessem sair
de seu lugar original; terceiro, por terem sido realizadas em um local privado, onde
foram executadas pelo artista não apenas com o intuito de decorar o ambiente da
casa de sua família, mas também com o objetivo de experimentar novas técnicas
113
Técnica que utiliza como tinta uma mistura de água, substâncias oleosas, ovo e pigmento em pó.
207
que até então não havia utilizado, num lugar privado, longe portanto dos olhos de
um público maior. Há que se sublinhar aqui, no entanto, que estas obras não fazem
parte de um momento inicial da carreira do pintor, visto que já era um artista que
possuía um certo renome à época, mas de um momento inicial no que toca à
experimentação da pintura mural em afresco e em têmpera, além da pintura sacra.
Portinari realizou um total de seis obras no interior da casa de Brodowski:
Cabeça de Mulata I
114
, Cabeça de Mulata II
115
, Perfil da Avó
116
, Fuga para o Egito
117
,
São Jorge e o dragão
118
e São Francisco pregando aos pássaros
119
. Mais tarde, em
1941, Portinari compôs as pinturas da Capela da Nonna, que formaram assim o
primeiro conjunto artístico de Portinari pautado pela temática sacra.
Na produção artística portinariana, os temas religiosos, apesar de terem sido
utilizados pelo artista em um menor número de obras que a temática social, ocupou
lugar de destaque quando se observam comentários nas correspondências enviadas
ao artista e mesmo em publicações a seu respeito. Esses trabalhos acabaram por
tomar uma posição privilegiada no conjunto de sua obra pela importância particular
que Portinari lhes facultava e pela repercussão alcançada pelas mesmas que, ao
serem concluídas, chegaram ao conhecimento até mesmo do então prefeito de Belo
Horizonte, Juscelino Kubitschek que, entusiasmando com os resultados observados
nas obras da Capela da Nonna em Brodowski, encomendou a Portinari a pintura da
Igreja da Pampulha
120
, concluída em 1945. As imagens sacras refletem sua
formação familiar e à religiosidade tão presente na vida do povo humilde e sofrido
que retratava em sua pintura social.
114
Ver Prancha 6-A.
115
Ver Prancha 6-B.
116
Ver Prancha 7.
117
Ver Prancha 8.
118
Ver Prancha 9.
119
Ver Prancha 10.
120
Ver Prancha 21.
208
Como já foi ressaltado anteriormente, essas pinturas realizadas por Portinari,
apesar de não terem sido as primeiras obras sacras do artista, foram as primeiras do
gênero, dentro de sua produção, a receber maior projeção e reconhecimento. Após
a finalização do conjunto de obras de Brodowski, multiplicaram-se as encomendas
de obras sacras a Portinari, tanto de obras de maior dimensão, para figurarem em
capelas e igrejas, quanto encomendas de obras em tamanhos menores ou de
reproduções de obras sacras já realizadas pelo artista.
A vertente sacra, a partir das pinturas de Brodowski, foi recorrente durante
toda a carreira de Portinari. Nessa vertente, podemos observar as diversas fases
expressivas do pintor, quando o artista deu às imagens religiosas um tratamento
plástico diferente conforme sua destinação. Ao mesmo tempo em que realizou a
representação de imagens com as típicas deformações da arte moderna – como por
exemplo, em Raquel lamentando o massacre dos inocentes
121
(1939), na Série
bíblica
122
(1943), ou mesmo no São Francisco da Igreja da Pampulha (1945) –
também trabalhou com a arte religiosa num estilo próximo ao realismo, como nas
próprias obras da casa de Brodowski ou nas telas da Capela Mayrink
123
(1944). Para
a decoração dessa última, situada na Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro. São
Nossa Senhora do Carmo, São Simão Stock e São João da Cruz, fundadores da
ordem religiosa dos Carmelitas, e o Purgatório. Hoje essas obras pertencem à
coleção do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
Em 1943, era certo que Portinari realizaria as pinturas do interior da Igreja da
Pampulha, em Belo Horizonte
124
. São Francisco, patrono da Igreja da Pampulha,
coincidentemente, foi um dos santos mais retratados por Portinari dentro de sua
produção sacra. Antes do São Francisco se despojando das vestes (1945) da
Pampulha, Portinari havia realizado em Brodowski o afresco São Francisco
121
Ver Prancha 20.
122
Realizadas originalmente para a decoração da sede da Rádio Tupi, em São Paulo, hoje
pertencentes ao acervo do MASP.
123
Ver Prancha 22.
124
Sua construção, idealizada pelo então prefeito da cidade, Juscelino Kubitschek, teve projeto de
Oscar Niemeyer, jardins de Burle Marx, pinturas de Portinari e azulejos da Osirarte, de Paulo Rossi
Osir. A igreja foi dedicada a São Francisco de Assis por expressa vontade de Kubitschek, que queria
homenagear o patrono do templo de Diamantina (MG) onde seu pai estava enterrado
124
. A igreja foi
considerada pela Cúria de Belo Horizonte um empreendimento particular, uma vez que não houve
doação do terreno e seu projeto não havia sido apresentado previamente para aprovação
124
. Mais de
treze anos se passariam após sua construção até a Igreja ser reconhecida pela Cúria e consagrada,
em 1959.
209
pregando aos pássaros, que será comentado mais adiante, além de algumas telas
também retratando o santo.
Realizado num estilo que agregava elementos do cubismo e do
impressionismo, seu São Francisco da Pampulha recebeu à época comentários
nada favoráveis de alguns críticos mais conservadores, que chegaram a classificar a
obra como “disforme”, “descomunal” e “monstruosa”. Retratado aí despojando-se de
suas vestes, com um corpo de aspecto descarnado, o santo traduzia perfeitamente a
visão de Portinari, que via os santos como seres mais humanizados que divinos.
Como afirmou Germain Bazin, o São Francisco de Portinari não seria “o santo
celebrado pela hagiografia”, mas:
[...] o refratário, o sublevador divino, que pregava a igualdade de
todas as criaturas, o partidário da vida sem quadro, libertada de toda
hierarquia que não a obediência direta a Deus; o inimigo encarniçado
da propriedade, mãe de todos os apegos, portanto de todos os
pecados contra o espírito; tanto ele a perseguia com o seu ódio, a
essa vaidade da riqueza, que à posse de qualquer bem preferiu para
si e para os seus a mendicância dos indigentes
125
.
Portinari não parecia possuir uma visão tão radical no que dizia respeito à
relação entre a Igreja e a arte moderna. Em entrevista de 1955, Portinari afirma que
a Igreja “tem o direito de escolher, dentro de certos limites, a arte que mais lhe
convém. [...] A arte religiosa é uma arte funcional, não é apenas enfeite”
126
.
Portinari defendia então a funcionalidade da arte religiosa, assim como
defendia a da arte social, que deveria ser feita para denunciar, chocar, mas também
para exaltar um povo. Portanto, mesmo na arte religiosa de Portinari, podemos
identificar sua preocupação com o aspecto humano e não tanto com o ideal
religioso. Como ressalta Annateresa Fabris, a religiosidade parece interessar
Portinari “não tanto como manifestação de uma fé particular, mas sobretudo como
mais um capítulo do drama do homem na terra”
127
.
Dessa forma, concordamos com Fabris quando a autora chama a atenção
para as motivações que levaram Portinari a executar a pintura religiosa explorando
os temas e as formas de maneiras diversas, conforme o local e a destinação dessas
obras. A autora ressalta que, quando Portinari pinta imagens religiosas para a
família – como a Fuga para o Egito da casa de Brodowski, ou a Capela da Nonna
o artista segue de perto a tradição mística renascentista, dando a seus santos uma
fisionomia serena, um colorido suave, uma grave sobriedade que reaparecerá nas
obras para a Capela Mayrink e da Igreja do Bom Jesus da Cana Verde em
Batatais
128
. A admiração de Portinari pelos pintores religiosos do Renascimento era
125
BAZIN, G. A igreja de São Francisco da Pampulha. In: Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 2 de
novembro de 1946. Apud: FABRIS, A. Cândido Portinari. São Paulo: Edusp, 1996, p. 99.
126
“PORTINARI: ‘Que diria minha avó se me visse pintando nus?’”. In: Jornal de Letras. Rio de
Janeiro, XXVIII (299): 2 de novembro de 1955. Apud: FABRIS, A. Cândido Portinari. São Paulo:
Edusp, 1996, p. 99.
127
FABRIS, A. Portinari, pintor social. São Paulo: Perspectiva, 1990, p. 69.
128
Ver Prancha 23.
210
bastante profunda, tendo o artista realizado até mesmo, nas paredes de seu ateliê
129
da casa de Brodowski, uma cópia do afresco Fuga para o Egito, de Fra Angélico
130
.
Não se pode acompanhar o desenvolvimento da pintura sacra em Portinari
com os mesmos olhos com os quais observamos a maior parte de suas obras. Sua
pintura religiosa foi desenvolvida paralelamente com suas obras de caráter social, e
por vezes de maneiras completamente opostas: ao mesmo tempo em que realizava
um trabalho dentro dos padrões da arte moderna em sua pintura social, na pintura
sacra era capaz de ligar-se aos temas mais tradicionais e a um estilo próximo ao
acadêmico. Tudo dependia da destinação da obra.
Em Portinari, portanto, não podemos ver sua produção sacra como uma
arte descompromissada ou somente decorativa. Esta fundia-se à sua produção
social e, buscando, através das figuras religiosas, retratar o drama da humanidade,
deu à sua arte sacra um caráter mais amplo, numa expressão que se veria também
tanto na Via Sacra da Pampulha quanto na série Retirantes
131
(1945).
Percebe-se portanto, dentro da obra de Portinari, um certo senso religioso,
mesmo quando não realizou pinturas especificamente dentro dessa vertente. Basta
observar, por exemplo, Criança Morta
132
(1944), onde uma mãe chora a morte do
filho segurando-o nos braços, tal qual uma Pietà.
Em Brodowski, as pinturas foram compostas de uma maneira que terminou
por ressaltar as memórias de Portinari em relação à casa, mas que também ligavam-
se ao gosto pessoal de sua família – especialmente o da avó e da mãe. Além de se
tratarem de pessoas extremamente religiosas, também não demonstravam,
pessoalmente, grande receptividade pelos trabalhos de Portinari ligados à arte
moderna. De acordo com o que se pôde observar, a família do pintor tinha
preferência pelas pinturas que possuíam um estilo próximo ao acadêmico, e não por
suas obras ligadas à pintura moderna. Em entrevista ao Jornal Diário de São Paulo,
dona Domingas, mãe do pintor, diz:
(...) não aceito todas as suas obras. As modernas, que não entendo, não
me chamam a atenção e não gosto delas. Meu filho sabe disso porque dou
a minha opinião na hora em que vejo o quadro. Ele ri, mas não discute
comigo. Foi o que aconteceu quando me mostrou uma série de quadros
cinzas, entre os quais “As Mães”, no seu atelier do Rio. Achei a coleção
129
Nas paredes desse mesmo ateliê, existe a obra São João Batista, da pintora Juanita Blank,, que
fora auxiliar de Portinari quando da pintura dos murais dos ciclos econômicos no Ministério da
Educação e Saúde, no Rio de Janeiro. Na sala de jantar da casa, ao lado do São Francisco pregando
aos pássaros, de Portinari, está Jesus e os apóstolos, do também pintor e amigo Paulo Rossi Osir,
responsável pela confecção dos trabalhos em azulejo elaborados por Portinari.
130
FABRIS, A. Op. cit., p. 68.
131
Ver Prancha 33.
132
Ver Prancha 34.
211
muito feia e não mudei de opinião, nem mesmo quando o sr. Assis
Chateaubriand comprou todos os quadros para a Rádio Tupi. (Antes dele, já
o sr. Gustavo Capanema quisera comprá-los). Outro quadro que acho
esquisito é aquele em que aparece o profeta Jeremias, com lágrimas muito
grossas. Talvez seja por eu não entender do assunto, mas a verdade é que
gosto mais quando Candinho pinta o retrato de alguém, ou um quadro
clássico”.
133
Dona Domingas demonstra, nessa sua fala, um julgamento recorrente à
opinião comum, que na maioria das vezes prefere apreciar um quadro que expresse
de maneira mais explícita seu objeto, como os retratos e pinturas acadêmicas. Ao
contrário, a arte moderna mais sugere a respeito de um tema do que propriamente o
revela, sendo por vezes vista como “feia” ou “estranha” por quem desconhece
técnicas e escolas artísticas. Mesmo algumas alas da crítica de arte da época em
que Portinari atuou viam com reservas seus trabalhos que tendiam para a arte
moderna.
Das seis obras realizadas por Portinari no interior da casa, três não são
religiosas na temática. Em 1934, Portinari, em uma das paredes externas da casa de
Brodowski, realizou três pequenas pinturas: Cabeça de Mulata I, Cabeça de Mulata
II e Perfil da Avó, onde o afresco foi eleito como técnica, obras em que fica clara a
intenção da experimentação técnica pelo artista
134
. Logo após a composição dessas,
Portinari compôs as obras São Francisco pregando aos pássaros e Fuga para o
Egito. Esta última trata-se, como o próprio artista declarou, de uma obra inspirada no
original do pintor da Primeira Renascença italiana Fra Angélico, uma obra com tema
e tratamento clássicos, elementos que bem se prestavam ao trabalho de
experimentação que Portinari então idealizava realizar sendo, ao mesmo tempo,
133
BARBOSA, Vilma. Afrescos de Portinari transformam em rico museu a velha casa paterna. In:
Diário de São Paulo, São Paulo, SP, 26 jan. 1958.
134
De acordo com informações obtidas no Museu Casa de Portinari, essas obras foram realizadas
por Portinari do lado externo da casa e, à época da instituição do Museu Casa de Portinari, foram
“recortadas” de seu local original e colocadas no interior da casa, na parede da sala de jantar,
possivelmente através do processo de biocélula, onde a obra é envolta em uma tela com produtos
específicos para que a obra não seja danificada ao proceder sua retirada da parede.
212
uma oportunidade de trabalhar uma temática que lhe era cara devido à sua
formação pessoal – mas que ainda não havia desenvolvido até então – e também
que agradaria ao gosto particular de sua família.
O processo de experimentação que marca as obras de Portinari na casa de
Brodowski, foi alvo de um grande número de correspondências trocadas entre
Portinari e diversos interlocutores. Através da análise dessas correspondências, fica
evidente que Portinari, mesmo realizando obras em um espaço privado, estaria
preocupado com a visão que pessoas consideradas autoridades nas artes e na
cultura da época teriam de suas obras. Implícito aí também está a questão da
preservação das próprias obras: tornando-as conhecidas de pessoas influentes,
estaria garantida no futuro, quando o artista não pudesse mais zelar pessoalmente
pela existência das mesmas.
No ano de 1942 Portinari pinta a última obra que viria a realizar nas paredes
da casa da família: São Jorge e o Dragão
135
. Após esse período, as viagens de
Portinari a Brodowski passam a ser cada vez menos freqüentes, visto que foi o
período em que o artista mais realizou trabalhos no exterior, distanciamento que
depois tornou-se maior ainda devido à doença que acometeu o pintor, causada por
intoxicação pelas tintas que usava.
O período áureo da casa de Brodowski – quando Portinari lá passava longas
temporadas e também quando construiu em suas paredes um verdadeiro acervo –
foi seguido por um período em que as visitas de Portinari à casa passaram a ser
cada vez mais escassas, até culminar com um longo espaço de tempo em que a
casa permaneceu em quase total abandono, chegando até mesmo a ter suas obras
prejudicadas.
135
Mural a têmpera.
213
No início do ano de 1945, Portinari iniciou a confecção das obras da
Capela da Nonna, tendo sido esta terminada em menos de um mês, num ritmo
intenso de trabalho por parte do artista. O pintor idealizou a Capela como uma forma
de homenagear sua avó, D. Pelegrina, que era bastante religiosa, estando ela à
época com mais de 80 anos de idade e com dificuldades para locomover-se até a
igreja local. Situada nos jardins da casa de Brodowski, a Capela ficaria à disposição
para que sua avó realizasse suas orações diárias.
Como já chamamos a atenção no primeiro capítulo, no terreno pertencente à
família Portinari em Brodowski há duas casas: uma principal, de construção mais
recente, que abriga as pinturas em afresco de Portinari, e a outra: mais antiga e
menor, onde moravam a avó paterna e um tio do artista. A Capela da Nonna foi
justamente instalada em um dos cômodos da casa da avó, tendo sido este
especialmente adaptado para tal fim
136
.
Dentro da Capela, foram realizados sete painéis retratando, em tamanho
natural, doze figuras de santos da devoção particular da família de Portinari. Um fato
interessante é o de que era costume do artista utilizar pessoas de sua própria família
e amigos como modelos para a realização de pinturas de temática sacra. Os santos
retratados nas paredes da Capela são: São João Batista
137
, onde Portinari usou
como modelo seu irmão Luís, o “Lói”; A Visitação
138
, com as figuras religiosas de
Maria e Ana, mãe de São João Batista, cujos modelos para a pintura foram Olga,
irmã mais nova do artista, e Maria, esposa deste; Jesus, que possui o rosto de um
amigo não identificado; Santa Luzia, tendo como modelo Ida, irmã do artista; São
Pedro
139
, para o qual Portinari usou como modelo seu pai, Batista Portinari
140
; São
136
FABBRI, A. Contando a arte de Portinari. São Paulo: Noovha América, 2004, p. 41.
137
180 x 76 cm.
138
180 x 160,5 cm.
139
Ver Prancha 12.
214
Francisco de Assis
141
, tendo sido o modelo Oswaldo, irmão mais novo do artista; na
Sagrada Família
142
, Portinari homenageia o dentista Quirino Toledo e sua esposa
Alzira, o casal de amigos de seu pai que o acompanhou, em 1917, rumo ao Rio de
Janeiro, pintura que tem ao centro o Menino Jesus, com o rosto de um sobrinho do
artista; finalmente, temos Santo Antonio
143
, o único santo pintado na Capela no qual
Portinari não utilizou um modelo conhecido
144
. Portinari pode aí ter pintado um rosto
comum, que representasse o homem do povo, que tanto serviu de matéria-prima
para os temas de suas obras.
Como técnica para a realização das pinturas da Capela, Portinari elegeu a
têmpera. Como exceção, somente a pintura Sermão aos peixes
145
, feita por Portinari
em afresco, que figura em um cômodo anexo à Capela, onde situava-se a sala da
casa da avó quando esta ainda ali residia. Até então, o artista não havia realizado
nenhuma de suas famosas obras onde viria a utilizar-se da têmpera. A mais antiga
obra onde Portinari usou a técnica é A Colona
146
, datada de 1935, tendo sido esta
realizada em tela, e não como pintura mural. Ou seja, nas obras da Capela da
Nonna em Brodowski foi onde Portinari empregou primeiro o uso da têmpera em
grande escala, utilizando o mural como suporte.
Usando basicamente a pintura a óleo em suas obras até então, A Colona é a
única têmpera realizada por Portinari anteriormente a 1941, ano em que foram
concebidas as pinturas da Capela em Brodowski. Trata-se de um personagem que
140
São Pedro e Santa Luzia são as duas pinturas que servem como retábulo para a Capela, estando
situadas em seu altar. As demais pinturas estão em suas paredes laterais.
141
Ver Prancha 16.
142
Ver Prancha 17.
143
Ver Prancha 18.
144
De acordo com informações obtidas no Museu Casa de Portinari em Brodowski.
145
Ver Prancha 19.
146
Ver Prancha 37.
215
viria a integrar o painel Café, do Ministério da Educação e Saúde, onde já se via o
impacto do muralismo mexicano sobre a obra de Portinari.
O encaminhamento de Portinari para a pintura mural já vinha sendo sentido
desde a tela Café, com sua composição que parece transbordar da tela. Em 1935,
enquanto professor de pintura mural e cavalete do Instituto de Artes da Universidade
do Distrito Federal, Portinari pode pôr em prática sua inclinação para a pintura mural
e, em 1939, tentou fazer com que o ministro Gustavo Capanema criasse, na Escola
Nacional de Belas Artes, uma cadeira de pintura mural. Em carta ao ministro,
Portinari relata os pontos a favor da criação da cadeira:
Esse gênero de pintura – pela possibilidade que oferece de
irradiação, de influência coletiva – tem sido utilizada, desde os
tempos mais remotos, pelos governos de quase todos os países,
como elemento precioso de educação e propaganda. Em todas as
escolas de arte, ocupa essa cadeira lugar da maior importância, a
sua utilidade ressaltando, inclusive, da necessidade que tem os
governos de decorar os seus melhores palácios
147
.
Quando Portinari elegeu a técnica do afresco para realizar as pinturas do
interior da casa, o artista já flertava, de certa forma, com o muralismo mexicano de
Orozco, Rivera e Siqueiros, o que ficará patente com a realização dos murais para o
Ministério da Educação e Saúde. Entretanto, no conjunto de obras da casa, assim
como nos murais do Ministério, podemos ver mais traços dos pintores italianos da
primeira renascença do que propriamente da arte política mexicana. Sobre a
influência dos pintores renascentistas em Portinari, Annateresa Fabris ressalta que é
do Renascimento italiano e, em alguns momentos, da poética dos primitivos que
Portinari deriva uma série de recursos que conferem unidade aos painéis dos Ciclos
econômicos: a síntese dos meios expressivos, a essencialidade da composição, a
contenção psicológica, o despojamento de gestos e fisionomias, a espacialidade
racionalizada, a temporalidade articulada em vários momentos significativos, embora
147
Portinari, Cândido. Carta. Rio de Janeiro, RJ: 27 maio 1939 [para] Gustavo Capanema, Rio de
Janeiro, RJ. 2 p.
216
suspensos, imobilizados como na maior parte das obras de Piero della Francesca,
um de seus referenciais indiscutíveis de Portinari
148
.
De acordo com Vasconcelos, o muralismo mexicano, assim como a arte
na América Latina de modo geral, mesmo que tenha sido influenciado por
movimentos e técnicas européias, em particular o cubismo, o fauvismo e o
expressionismo, recriou-se a partir da própria realidade vivida, “num processo
dinâmico de retroalimentação e originalidade”, de construção e recriação de valores
de acordo com o que era vivenciado dentro dessa especificidade cultural
149
. Citando
Esther Cimet, o autor ressalta que o fato de haver tido também fontes européias não
cancela o valor, a especificidade do movimento muralista. Não é a Europa que
explica o movimento. O movimento muralista mexicano bebeu em diversas fontes da
história da arte: nos afrescos do Renascimento italiano, nas vanguardas européias e
na arte pré-hispânica, colonial e popular do México; mas todas elas juntas não são
capazes de explicar o movimento. O que importa aí é em que direção o muralismo
sintetizou e transformou essas influências em uma outra proposta, em que consiste
esta diferença e a forma como construiu e determinou essa especificidade
150
.
Entre os trabalhos de Portinari e o muralismo mexicano podem ser
constatadas diversas semelhanças no que toca especialmente aos temas, à técnica
utilizada e aos recursos estilísticos empregados. A exaltação ao trabalhador e ao
homem da terra – no caso mexicano, o indígena, e no brasileiro retratado por
Portinari, o negro – a deformação do corpo, enfatizando-se as mãos e os pés,
grandes e solidamente plantados ao chão, e o uso do afresco são características
148
FABRIS, A. Cândido Portinari. São Paulo: Edusp, 1996, p. 70.
149
VASCONCELOS, C. M. Representações da Revolução Mexicana no Museu Nacional de História
da Cidade do México (1940-1982). São Paulo: FFLCH-USP, 2003, p. 175. (Tese de doutorado).
150
CIMET SHOIJET, Esther. Movimiento muralista mexicanoideologia y producción. 1ª edición,
Universidad Autónoma de México, 1992, p.132. Apud: VASCONCELOS, C. M. Op. cit., pp. 175-176.
217
comuns aos dois conjuntos artísticos. A presença de elementos iconográficos
cristãos também é característica encontrada tanto em Portinari quanto no muralismo
mexicano, onde a composições inspiradas na Pietà, por vezes, são retratadas por
Diego Rivera em cenas de revolução social.
Entretanto, algumas diferenças podem ser apontadas nas motivações de
um e de outro para a realização de pinturas desse gênero. Rivera, Ozosco e
Siqueiros, pintaram na efervescência dos ideais revolucionários, que contaminavam
toda a população mexicana. Nesse sentido, Annateresa Fabris destacou que,
diferentemente da arte muralista mexicana, a obra de Portinari é “social sem ser
política e não atinge a dimensão panfletária nem mesmo nos momentos mais
agudamente emocionais”, como ocorreu com o muralismo mexicano
151
.
No entanto, a nosso ver, uma arte com preocupação social como a de
Portinari vincula-se, necessariamente, ao fator político. Sua arte pode, sim, ser
considerada política, mas sem ser militante como a arte muralista mexicana, isto é,
sem defender necessariamente uma determinada ideologia ou partido político, o que
configura Portinari como um artista engajado, que tem na preocupação com o social
e o político a chave de sua arte, como foi ressaltado no primeiro capítulo. Fabris
ainda cita outros fatores que fazem o diferencial entre a obra de Portinari e a dos
muralistas mexicanos. Dentre outros, enumera que, enquanto os mexicanos tendem
a realizar uma arte épica, trágica, a obra de Portinari se expressa de maneira mais
serena e lírica
152
.
Quando pensamos na experiência em pintura mural de Portinari, não
conseguimos deixar de lembrar dos murais dos ciclos econômicos para o Ministério
151
FABRIS, A. Portinari, pintor social. São Paulo: Perspectiva, 1990, p. 81.
152
FABRIS, A. Op. cit., p. 50.
218
da Educação e Saúde, iniciados em 1936 e finalizados em 1944. Mesmo os painéis
para o Monumento Rodoviário, finalizados em 1936, já configuravam uma espécie
de prévia com relação ao seu trabalho com pintura mural
153
. No entanto, podemos
dizer que onde Portinari realmente inicia sua experiência com a pintura mural é na
casa de sua família e na Capela da Nonna em Brodowski, com os murais em afresco
e têmpera que lá realizou entre os anos de 1934 e 1945. Mesmo que em dimensões
menores dos que as que seriam usadas nos próprios murais do Ministério e, mais
tarde, na Biblioteca do Congresso em Washington
154
, certamente serviram como
parâmetro para que o artista pudesse realizar estas e outras obras de maior
dimensão.
O fato das obras figurarem nas paredes da casa, além de estar ligado à
experiência muralista de Portinari, também poderia ter se prestado a um fim bem
mais prático: tendo as paredes da própria casa como suporte, estas não poderiam
jamais sair dali, não sem que lhe fossem causados danos irreversíveis. Ou seja,
ninguém poderia retirá-las dali para, quem sabe, expô-las em algum local onde
pudesse receber maior projeção, ou para que fossem negociadas ou transferidas
para outro lugar. Ao final, vemos este como sendo o principal objetivo do mural:
eternizar nas paredes de algum local imagens que estejam relacionadas ao próprio
lugar onde figuram, à sua história e sua trajetória particular, ligadas a um momento
histórico e também a um momento pessoal do artista.
Dessa forma, as obras de Brodowski passaram a ter sentido somente se
relacionadas ao local onde figuram, ou seja, as paredes da casa. Fora dali, não
fariam sentido e perderiam seu significado intrínseco, ligado a um momento
específico dentro da carreira de Portinari e à história de sua família. Eternizando nas
153
FABRIS, A. Cândido Portinari . São Paulo: Edusp, 1996, p. 56.
154
Ver Prancha 35.
219
paredes da casa um registro pictórico de sua memória, o artista também faria com
que sua memória na cidade também não se apagasse, uma vez que as obras que
pintou especialmente para a casa jamais sairiam dali.
Dessa forma, assim como também as obras do interior da casa foram as
primeiras pinturas em afresco realizadas por Portinari, as da Capela da Nonna
também tem um papel pioneiro em sua obra por se configurarem como seus
primeiros murais a têmpera. Os trabalhos da Capela são anteriores até mesmo aos
murais Descobrimento, Desbravamento da Mata, Catequese dos Índios e Garimpo
do Ouro, realizados na Biblioteca do Congresso em Washington, nos Estados
Unidos, nos últimos meses do ano de 1941
155
.
Inicialmente, essas obras da Biblioteca do Congresso foram pensadas por
Portinari para serem feitas como afrescos, idéia que acabou sendo abandonada
devido à inviabilidade em realizar pinturas tão monumentais utilizando a técnica em
um curto espaço de tempo. No entanto, como demonstra um depoimento de Lói
Portinari, irmão do artista, uma vez que o tempo que Portinari tinha disponível para
realizar as obras da Biblioteca do Congresso em Washington era bastante reduzido,
o uso do afresco seria inviável. Sua utilização só se viabilizaria caso as dimensões
das obras fossem reduzidas, no máximo de “3 x 3”, como foi destacado pelo irmão
do artista
156
. É o caso de Fuga para o Egito e São Francisco pregando aos
pássaros, ou das Cabeças de Mulata ou o Perfil da Avó, obras da casa de
Brodowski.
155
Conforme Ralph Camargo em Portinari desenhista (1977, p. 165), os painéis da Biblioteca do
Congresso em Washington foram realizados por Portinari a convite de Archibald MacLeish, diretor da
biblioteca. O presidente Getúlio Vargas comprometeu-se em dividir as despesas de execução e
produção dos murais entre a Biblioteca e o governo brasileiro.
156
PORTINARI, Luiz. Depoimento ao Projeto Portinari. São Paulo, SP, 1983, 66 f. [3 CDs]. Disponível
no arquivo da sede do Projeto Portinari (Pontifícia Universidade Católica – Rio de Janeiro, RJ).
220
Apesar de sua fácil aplicação, para o uso da técnica outros fatores
deveriam ser levados em conta, como a areia a ser utilizada e até mesmo o clima.
Assim, podemos ver as experiências, tanto em afresco quanto em têmpera que
foram realizadas por Portinari na casa de Brodowski serviram-lhe de parâmetro
sobre os tipos de trabalho nos quais essas técnicas melhor se adaptariam. No caso
de uma pintura monumental, para que o trabalho não demorasse muito a ser
finalizado, o uso do afresco não seria viável. A têmpera, técnica que já havia
empregado nas pinturas da Capela da Nonna, prestava-se bem melhor a esse fim, já
havia mostrado bons resultados de cor e possibilitava uma execução das obras
muito mais rápida – veja-se o reduzido tempo gasto na pintura da Capela.
Dessa forma, assim como também as obras do interior da casa foram as
primeiras pinturas em afresco feitas por Portinari, as da Capela da Nonna também
tem um papel pioneiro em sua obra. Além das obras da Biblioteca do Congresso em
Washington, Portinari ainda utilizou-se da experiência da realizão da pintura mural
a têmpera nos gigantescos painéis Guerra e Paz
157
, que realizou para a sede da
ONU, entre os anos de 1952 e 1956.
Portanto, como já ressaltamos anteriormente, a casa, em se tratando de
um local privado, seria um lugar onde Portinari poderia realizar experimentações em
pintura mural livre da pressão que sofria no Rio de Janeiro, onde a crítica
certamente queria estar sempre a par dos trabalhos por ele desenvolvidos. Com
isso, o artista poderia trabalhar sem maiores pressões, verificando passo a passo os
resultados de suas experiências artísticas.
Bastante pequena, a Capela da Nonna com certeza foi assim concebida
justamente para prestar-se apenas à família e, eventualmente, a algum convidado.
157
Ver Prancha 36.
221
Também, a respeito da Capela, Portinari fazia questão de informar aos amigos mais
próximos através de correspondências. Até mesmo para a concepção das obras, é
notório que o pintor também se valia das opiniões desses amigos, seja com relação
aos temas ou à técnica escolhida. Vale lembrar que a Capela, levando em conta o
volume de correspondências e as menções em jornais e periódicos da época,
recebeu uma projeção maior até do que as obras do interior da casa. Tal fenômeno
pode estar ligado ao fato de que, quando de sua realização, Portinari já havia se
firmado definitivamente dentro do circuito das artes e da cultura brasileiras, sendo
reconhecido como um artista de destaque até mesmo no exterior, especialmente
após o início da confecção, em 1936, dos murais para o Ministério da Educação e
Saúde no Rio de Janeiro, sob encomenda do governo Vargas.
222
2.2 As pinturas de Brodowski através da correspondência pessoal do artista
Toda a trajetória da constituição do acervo do que hoje é o Museu Casa de
Portinari é marcada por essa intensa troca de correspondências entre o artista e
amigos, nelas estando presente muito das impressões e idéias de Portinari no
momento em que ali concebia e executava suas obras até seus resultados finais,
assim como opiniões e apreciações desses interlocutores a respeito das mesmas.
Apesar da busca por um local distante de possíveis críticas que um trabalho
ainda experimental pudesse ter, Portinari não quis que suas obras ficassem no
anonimato. Ao contrário, informou e debateu com diversos de seus amigos a
respeito delas, num volume considerável de correspondências trocadas entre as
décadas de 1930 e 40. Boa parte dessas correspondências são muito breves, como
se fossem bilhetes, mas cujo teor nos possibilitou tecer considerações fundamentais
a respeito desses seus trabalhos.
Mesmo, portanto, que tenham sido feitas inicialmente, por Portinari, visando
a experimentação artística e de terem sido realizadas em um local privado, Portinari
não deixou de noticiá-las a amigos como Carlos Drummond de Andrade, Gustavo
Capanema e Mário de Andrade, que com certeza teriam um olhar crítico sobre seu
trabalho, mas cujos laços de amizade seriam fortes o suficiente para Portinari julgar
que estes o apoiariam e aprovariam seu trabalho, como ocorreu. Uma necessidade
de aprovação permeava então o trabalho do artista, mesmo em obras
aparentemente descompromissadas e, a priori, idealizadas como experimentos.
Essas correspondências também nos mostram como Portinari tinha uma relação, por assim dizer, “profissional” com
pessoas como Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Gustavo Capanema, Rodrigo Melo Franco de Andrade,
dentre outros e, ao mesmo tempo, uma relação de amizade bastante estreita, a ponto do artista e seus interlocutores
comentarem uns com os outros até mesmo aspectos de sua vida pessoal e seu cotidiano.
A linguagem, as opiniões e até mesmos os “não ditos” de Portinari e seus interlocutores nas cartas demonstram não
apenas a história da constituição de um acervo, mas também vários aspectos ligados à visão de mundo do artista, de sua
223
sensibilidade, suas preocupações e intenções. Essa necessidade de afirmar obras com uma temática e técnicas ainda
incipientes em sua produção artística levou o pintor a divulgá-las através de suas correspondências particulares a amigos
que, certamente, poderiam contribuir para divulgação e também para que esse acervo que então a ser constituído, não
fosse esquecido ou colocado em uma condição menor no conjunto de sua obra.
Um desses amigos com os quais Portinari se correspondeu foi o embaixador Josias Leão, para quem o pintor escreveu um
bilhete em 1937 comentando as obras que vinha realizando na casa de Brodowski:
Estou batendo no afresco.
Encontrei cal queimada de 1 anno e tal. Já fiz 4 trabalhos, 3
pequenos e um de 2 x 2 este é a Fuga para o Egypto do Fra Angélico
aproveitei este quadro pra não perder tempo.
Estou entusiasmado. Nunca pensei que desse tanto resultado. Junto
vae uma photographia do trabalho. Lembranças para todos.
Um grande abraço do Portinari.
158
Outro amigo com o qual Portinari trocou correspondências foi Carlos
Drummond de Andrade, para o qual enviou uma carta em fevereiro de 1937, quando
Drummond era chefe de gabinete do então ministro da educação e saúde, Gustavo
Capanema. Na referida carta, Portinari faz referência certamente à composição da
obra Fuga para o Egito:
É, estou fazendo afresco de verdade, já sujei as paredes cá de casa.
Desde que cheguei não perdi um dia.
Há muita miséria por estas bandas.
Junto vae uma fotografia de um afresco em começo, pra você ter
uma idéia.
159
Fuga para o Egito
160
. parece ser a obra que Portinari primeiramente se
preocupou em divulgar, pois foi assunto de diversas correspondências. O fato de ter
feito uma “cópia” de um original de Fra Angélico certamente deveu-se, além da clara
admiração de Portinari pelo pintor renascentista, também na escolha de Portinari em
trabalhar um tema clássico e já experimentado em afresco por outros artistas, assim
podendo verificar de forma mais segura se obteria os resultados finais que esperava.
158
PORTINARI, Cândido; Portinari, Maria. Bilhete. Brodowski, SP: Fev., 1937 [para] Josias Leão;
Ruth Leão, Rio de Janeiro, RJ. 2 p.
159
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 9 fev., 1937 [para] Carlos Drummond de Andrade,
Rio de Janeiro, RJ.
160
Em Fuga para o Egito o chamado “azul Portinari” predomina, especialmente nas vestes de Maria e
José. Coloração produzida através de uma mistura de azuis e uma porcentagem de BHC, essa
tonalidade torna as pinturas de Portinari facilmente identificáveis como sendo de sua autoria, como
uma “assinatura”.
224
A obra, no entanto, não se trata de uma cópia absolutamente fiel: pode-se ver o
traço típico de Portinari especialmente no tratamento das vestes e nos rostos dos
personagens. No entanto, ao fundo, vemos as íngremes montanhas típicas da
pintura de Fra Angélico.
O pintor enviou fotografias dessa obra para Rodrigo Melo Franco de
Andrade, diretor do então recém-criado SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional), que escreve ao pintor uma carta em resposta, agradecendo a
fotografia enviada:
Muito obrigado pela photographia que v. teve a bondade de me
mandar, com uma vista meio apagada de seu afresco. Fiquei
profundamente interessado em ver seu trabalho com mais nitidez:
não haverá um meio de photographá-lo em detalhes? A casa de seu
pai se tornou uma autêntica preciosidade. Diga a elle que, se não
zelar muito bem pela conservação das paredes, eu me sentirei
obrigado a multá-lo pelo athentado contra o patrimônio artístico
nacional.
O trecho do afresco que figura na photographia que v. me enviou
parece um episódio da Fuga para o Egypto. Será mesmo? Haverá
outras composições?
Espero que, apesar da actividade artística desenvolvida nas paredes
paternas, v. consiga descansar um pouco ou, pelo menos, lucrar com
o clima bom e o ar puro.
161
É interessante notar a preocupação de Portinari em notificar sobre a
existência da obra exatamente ao presidente do SPHAN. O Serviço do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional foi criado durante o governo Vargas, tendo como
ministro da Educação e Saúde Gustavo Capanema, no ano de 1937, mesmo ano em
que Rodrigo Melo Franco escreveu a citada carta a Portinari.
Rodrigo, na própria correspondência que enviou a Portinari, demonstra seu
interesse pelas pinturas da casa e, mesmo que em tom informal, já vislumbrava a
possibilidade da casa ser considerada como integrante do patrimônio histórico e
artístico nacional. Tendo Portinari – então renomado pintor, quando já havia
inclusive aceito a proposta de Capanema para que realizasse os murais dos ciclos
161
ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. Carta. Rio de Janeiro, RJ: 16 fev., 1937 [para] Cândido
Portinari, Rio de Janeiro, RJ. 2 p.
225
econômicos – composto na casa de sua própria família em Brodowski um trabalho
de reconhecida qualidade, a casa não se configuraria mais como um lugar comum,
mas como portadora de obras de um artista que havia até mesmo sido escolhido
para realizar obras sob encomenda oficial que figurariam em um importante espaço
da política brasileira, no caso o prédio do Ministério da Educação e Saúde, hoje
Palácio Gustavo Capanema.
Veremos, no entanto, que o reconhecimento da casa como um espaço
detentor de parte da memória do artista não foi imediato, tendo a casa da família
Portinari, após o fechamento do ciclo da realização de suas obras pelo artista,
sofreria um gradual abandono, tendo sido “resgatada” somente alguns anos mais
tarde.
Outras personalidades também receberam, através de correspondências,
notícias sobre a realização das pinturas da casa. O escritor e crítico de arte Antônio
Bento foi um dos amigos para o qual Portinari endereçou uma carta comentando a
respeito. Esta não menciona exatamente uma obra, mas pela datação, certamente
trata-se de Fuga para o Egito:
Portinari amigo:
Bravos pelo afresco. Pelo fragmento que você mandou, parece muito
bom. Foi na igreja local?
Não esqueça de mandar uma boa photo afim de que eu publique
aqui.
162
A experiência de Portinari com o afresco foi uma notícia recebida com
satisfação por seus interlocutores. Essa técnica, mesmo conferindo grande
durabilidade ao trabalho de arte, foi utilizada no país apenas por um restrito número
de artistas, estando entre eles, além de Portinari, Eliseu Visconti, Fúlvio Pennacchi,
Antonio Gomide e Samson Flexor. A opção pelo afresco certamente foi influenciada
pelo contato tomado por Portinari com a arte européia da primeira renascença
162
BENTO, Antonio. Carta. Rio de Janeiro, RJ: 18 fev., 1937 [para] Cândido Portinari, Brodowski, SP.
226
durante os anos em que esteve na Europa e também pelo impacto da pintura
muralista mexicana, que começou a desenvolver já a partir da década de 1920.
O escritor Murilo Mendes também não deixou de parabenizar Portinari por
Fuga para o Egito, ressaltando as dificuldades dos pintores em utilizar o afresco no
país:
Fiquei satisfeito com as notícias sobre tuas últimas experiências de
pintura. Não resta dúvida que poderás conseguir grandes coisas,
pois tens a exata compreensão da pintura e da missão do pintor.
Abres um grande caminho aos artistas futuros do Brasil, com esta
notável tentativa de realizar o afresco nos trópicos. Invejo a
resistência que opões à invasão do calor, que nos impossibilita para
qualquer trabalho intelectual.
163
José de Queiroz Lima, amigo que morava no Rio de Janeiro e para o qual
Portinari freqüentemente escrevia cartas comentado sobre seu trabalho, foi um dos
primeiros a receber notícias a respeito do início das obras:
Estou trabalhando mais do que antes, pois comecei a Capelinha e
está ficando muito bonita.
164
O escritor e então chefe de gabinete de Gustavo Capanema, Carlos
Drummond de Andrade, também recebeu notícias sobre a Capela. Para o escritor,
Portinari enviou uma carta comunicando um dos temas escolhidos inicialmente para
ali figurar, Jesus na barca com os apóstolos:
Caro Drummond:
Tenho trabalhado muito. Já usei a prensa e fiz várias pontas secas
que ficaram muito boas – v. aí escolherá umas provas para você.
Estou estudando os afrescos para a capelinha que fiz para minha avó.
Encontrei um motivo que se presta, acho eu: Cristo dormindo na barca
com os apóstolos apavorados com o temporal.
O desenho ficou bem agora vou estudar se o tamanho não vai fazer a
capela ainda menor.
165
O resultado final da Capela deixa claro que o citado tema, inicialmente
escolhido por Portinari, foi abandonado pelo artista. Talvez sua desconfiança, a de
163
MENDES, Murilo. Carta. Juiz de Fora, MG: 15 mar., 1937 [para] Cândido Portinari, Rio de Janeiro,
RJ, 2 p.
164
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: Jan., 1941 [para] José de Queiroz Lima, Rio de
Janeiro, RJ.
165
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 1941 [para] Carlos Drummond de Andrade, Rio de
Janeiro, RJ.
227
que a obra deixaria a Capela ainda menor, tenha se concretizado ao realizar estudos
para o trabalho. Sendo este um tema de composição elaborada, que exigia um
espaço maior, daria a impressão de que o espaço da Capela era ainda mais
reduzido.
Além de Drummond também foi informado sobre a Capela o arquiteto Lúcio
Costa, então chefe da Divisão de Estudos e Tombamentos do SPHAN, que enviou
carta a Portinari perguntando sobre a mesma:
Como vae a pintura da capella da sua avó? Bonito o thema que você
escolheu.
166
O arquiteto Lélio Landucci também comenta, em correspondência a
Portinari, sobre o andamento das obras da Capela:
E a capelinha, está acabada? Deve ser uma jóia!
167
O ministro Gustavo Capanema também não deixou de receber notícias
sobre a mesma. Para Capanema, Portinari enviou até mesmo dois desenhos que
serviram como provas para as pinturas do local, para que o ministro visualizasse
como seu trabalho estava sendo desenvolvido:
Caro ministro e amigo:
Não lhe mandei notícias antes porque desejava terminar uma
capellinha que fiz e pintei para minha avó que conta 86 annos de
idade e ia a igreja com dificuldade. A pintura mural ficou muito bonita
de cor. Fiz doze santos em tamanho natural – trabalhei dia e noite.
Estou lhe mandando as primeiras duas provas de dois dos santos,
porém não dão idéia do que ficou pois é muito difícil de fotografar
porque não há distância suficiente; o sr. poderá ver pelos santos que
lhe mando – só foi possível tirar a metade.
Vou com idéias novas e com enthusiasmo para recomeçar o nosso
trabalho no Ministério.
168
Em 1941, cinco anos após o início dos trabalhos no Ministério da
Educação e Saúde, Portinari ainda não havia finalizado os afrescos dos ciclos
econômicos, o que aconteceria somente em 1944. Enviar ao ministro fotografias que
166
COSTA, Lúcio. Carta. Rio de Janeiro, RJ: 25 jan., 1941 [para] Cândido Portinari, Brodowski, SP, 2
p.
167
LANDUCCI, Lélio. Carta. Rio de Janeiro, RJ: Jan., 1941 [para] Cândido Portinari, Brodowski, SP.
168
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 27 fev., 1941 [para] Gustavo Capanema, Rio de
Janeiro, RJ. 2 p.
228
mostravam os resultados dos trabalhos da Capela em Brodowski, quando trabalhou
exatamente com pintura mural, poderia demonstrar como o artista buscava,
primeiramente, desenvolver melhor o uso dessa técnica e realizar um trabalho à
altura da responsabilidade que lhe fora delegada ao ser eleito para pintar os murais
do Ministério.
As correspondências enviadas por Portinari a Capanema demonstram o
interesse do pintor em fazer com que sua criação artística de Brodowski fosse, de
certa forma, reconhecida. Enviando fotografias, lhe daria uma evidência visual
acerca de seus trabalhos, para que Capanema visse o quanto a execução desses
havia sido bem sucedida. Descrevendo suas obras e as intenções que estas
encerravam, demonstraria que, mesmo dedicando-se a outros trabalhos, não havia
se descuidado de seu trabalho nos murais do Ministério da Educação e Saúde.
A experiência da Capela – no momento em que o artista
diz que voltaria ao Rio de Janeiro “com idéias novas e
com entusiasmo para recomeçar o nosso trabalho no
Ministério” – é descrita como uma espécie de “momento
de inspiração” do artista, no qual renovaria seu ânimo
para a retomada de seus trabalhos na então capital
federal. E, claro, nessa correspondência, Portinari acaba
informando a uma das pessoas mais influentes na política
das artes e da cultura do país à época sobre esses seus
trabalhos em Brodowski.
Quando as pinturas da Capela foram terminadas, um dos
primeiros a ser informado do fato foi o amigo José de
Queiroz Lima:
229
A Capellinha foi terminada hoje – ficou muito bonita – é pena não
poder obter boas fotografias.
169
No entanto, raros foram os amigos com os quais Portinari trocou um número
tão grande de correspondências como o escritor Mário de Andrade. Essas valeram
até a publicação de uma coletânea
170
, tal foi o volume, variedade e importância dos
assuntos e debates presentes em suas linhas. Essas “cartas de pijama”
171
, como o
próprio Mário de Andrade costumava dizer, estavam repletas de referências
pessoais, onde Portinari e Andrade comentavam em tom bastante informal sobre os
mais diversos aspectos, de debates sobre artes e política cultural até assuntos
cotidianos, de reuniões a festas de família e viagens. Os trabalhos realizados por
Portinari em Brodowski foram alvo de muitas correspondências entre o pintor e o
escritor, onde eram tecidas críticas e eram trocadas idéias sobre o encaminhamento
que Portinari queria dar às suas obras. Pode-se dizer que Mário de Andrade foi um
dos principais entusiastas e críticos das obras de Brodowski.
A estreita amizade entre Portinari e Andrade levou o pintor a convidar o amigo
por diversas vezes a passar temporadas em Brodowski. Mário visitou a casa em
algumas ocasiões, mas, por diversos motivos, sejam profissionais ou de doença,
chegou a cancelar várias de suas tentativas de ida a Brodowski.
Conhecedor que era do caráter reservado e sistemático do amigo, Portinari
chegou a empreender a ampliação do número de cômodos da casa de Brodowski,
fazendo com que a casa tivesse estrutura para receber com mais conforto seus
convidados, como já mencionamos no primeiro capítulo desse trabalho.
169
PORTINARI, Cândido; Portinari, Maria. Carta. Brodowski, SP: 1941 [para] José de Queiroz Lima;
Juracy de Queiroz Lima, Rio de Janeiro, RJ.
170
FABRIS, A. (org.). Portinari , amico mio: cartas de Mário de Andrade a Cândido Portinari .
Campinas: Mercado das Letras: Autores Associados, 1995.
171
GOMES, A. C. Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: FGV, 2004, p. 22.
230
Portinari, nas correspondências, fazia sempre questão de que Mário visse
pessoalmente as obras que estava realizando em Brodowski. Numa dessas
missivas, o artista menciona a obra São Francisco pregando aos pássaros, feita na
sala de jantar da casa da família, citando ainda outras obras, que se tratam,
certamente, de Cabeça de Mulata I, Cabeça de Mulata II, Perfil da Avó, além de
Fuga para o Egito:
V. bem que podia ter dado um pulo até aqui para ver os afrescos
velhos
172
e um novo que fiz São Francisco pregando aos pássaros.
V. veria também uma série de novos quadros com motivos novos
(...)
173
.
A respeito da Capela da Nonna, Mário também foi um dos primeiros a receber
a notícias. No trecho abaixo, o artista comenta sobre o trabalho de preparação das
paredes da Capela para que estas recebessem as pinturas, não sem antes reiterar
convite para que Mário passasse um temporada em Brodowski:
Quero que v. venha passar uns tempos aqui – v. poderá ficar isolado
se quiser – a gente dará um jeito aqui e você poderá ficar como
quiser. (...).Os muros da capelinha ficaram acabados para receber as
pinturas – estou apenas esperando secar mais para pintar.
Todos mandam lembranças para v. e todos os seus – Venha Mario,
pois todos daqui ficarão contentes.
174
Mário de Andrade também não deixou de ser informado sobre a inauguração
da Capela. Esta ocorreu no dia 1
o
. de março de 1941, com missa celebrada pelo
padre da cidade, Francisco Siino, com a presença de Portinari, amigos e
familiares
175
. No entanto, a notícia viria acompanhada de uma opinião em tom
jocoso a respeito de um comentário feito pelo padre com relação à Capela, que com
172
Os “afrescos velhos” aos quais Portinari se refere são, com certeza, as Cabeças de Mulata, o
Perfil da Avó e, provavelmente, Fuga para o Egito. De acordo com a datação divulgada pelo sítio do
Projeto Portinari, São Francisco pregando aos pássaros seria uma obra de 1934, o que causa uma
certa confusão de datas ao verificarmos essa correspondência de 1940, que menciona a obra como
“afresco novo”. No entanto, a troca de datas não interfere no enquadramento de São Francisco
pregando aos pássaros como uma obra realizada no período que marca o ciclo da composição das
obras da casa de Portinari em Brodowski, ou seja, entre 1934 e 1945.
173
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 20 fev., 1940 [para] Mário de Andrade, São Paulo,
SP.
174
PORTINARI, Cândido. Carta. [s.l.]: 11 jan., 1941 [para] Mário de Andrade, São Paulo, SP, 2 p.
175
FABBRI, A. Op. cit., p. 42.
231
certeza havia ficado impressionado com as pinturas, mas não possuía um
conhecimento mais profundo sobre arte:
Caro Mário:
Na última hora resolvemos ficar ainda até o dia 20.
Hontem foi inaugurada a Capellinha com missa. O padre disse que é
a 1ª. igreja futurista, que burro ele!
176
Alguns dias depois, Portinari enviou nova carta a Capanema, com mais
fotografias das obras da Capela de Brodowski. Comenta ainda sobre a técnica
utilizada para a realização das mesmas, a têmpera, empregada também em alguns
quadros de cavalete que realizara:
Caro ministro e amigo:
Estou lhe mandando as fotografias da Capelinha. Há dias lhe mandei
outras. Não ficaram bôas, em todo caso o sr. poderá ter uma idéia
melhor, com estas.
Fiz também uns quadros de cavalete, quase todos a têmpera,
processo que empreguei nas pinturas da capellinha.
Esse processo dá resultados muito bonitos, sobretudo na côr.
177
Para Drummond, ligado que era a Capanema, Portinari enviou carta
comentando a respeito da Capela e sobre as fotografias que enviara ao ministro,
explicando a razão da má qualidade das imagens:
Caro Drummond:
Estou mandando para o nosso ministro fotografias da capellinha que
fiz para minha avó. Não ficaram boas por dois motivos – 1º a capella
é muito pequena e não dá para recuar a machina e 2º por que o
fotógrafo é d´aqui mesmo e não tem chapas apropriadas. Além disso
é preciso prática para fotografar quadros. Em todo caso dará uma
idéia.
178
Vejamos a ainda mais significativa carta que Capanema escreveu a
Portinari como resposta à missiva onde o artista havia comentado sobre a Capela e
enviado fotografias de seu interior:
Meu caro Portinari:
Recebi sua carta e as photographias das pinturas que você está
fazendo nessa pequena igreja de sua avó tão estimada.
176
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 3 mar., 1941 [para] Mário de Andrade, São Paulo,
SP.
177
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 5 mar., 1941 [para] Gustavo Capanema, Rio de
Janeiro, RJ.
178
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 5 mar., 1941 [para] Gustavo Capanema, Rio de
Janeiro, RJ.
232
Estou maravilhado com esse seu novo trabalho. Que caras, que pés,
que mãos! A cara severa e doce de São Pedro, a linda cara de Santa
Luzia, a figura rústica de São Francisco de Assis, a cabeça de Jesus,
tudo são novas, admiráveis expressões de sua aguda imaginação,
de sua fina sensibilidade, de sua technica excepcional.
Vou fazer dar no “O Jornal” uma notícia de seu trabalho, com
reprodução de algumas photographias.
Caso você tenha tempo, e isto não seja um abuso de sua bondade,
tire para mim e me mande uma cópia, em tamanho natural, da
cabeça de Jesus.
Vou falar ao Rodrigo que mande tombar a igreja e faça ir até ahi um
technico capaz de tirar, por um processo especial, photographias das
figuras inteiras.
Recomendações aos seus, minha cordial homenagem a d. Maria, e
um abraço do seu amigo,
Capanema.
179
O ponto alto da carta situa-se no trecho onde o ministro afirma que falaria
com Rodrigo (Melo Franco de Andrade, presidente do SPHAN) para que este
enviasse a Brodowski um técnico especializado para fotografar por inteiro as figuras
da Capela, o que configuraria o início de um processo de tombamento da mesma.
Nessa missiva é mencionada pela primeira vez a possibilidade da transformação do
conjunto de obras de Brodowski em patrimônio público ou, ao menos, de uma parte
dele.
Escrita a Portinari em 12 de março de 1941, a carta de Capanema é
rapidamente respondida por Portinari, no dia 22 do mesmo mês, comunicando que
estava pintando a Cabeça de Jesus para o ministro e que Mário de Andrade iria a
Brodowski especialmente para ver a Capela:
Caro Ministro e amigo:
Fiquei muito contente com sua carta. Já estou fazendo a cópia da
cabeça de Jesus. Pretendo estar no Rio no começo de abril. O Mário
vem amanhã de São Paulo para ver a capellinha.
180
Carlos Drummond de Andrade também não deixa de dar a Portinari sua
opinião a respeito das obras, tecendo elogios a estas e ao trabalho do artista de
179
CAPANEMA, Gustavo; Ministério da Educação e Saúde. Carta. Rio de Janeiro, RJ: 12 mar., 1941
[para] Cândido Portinari, Brodowski, SP. 2 p.
180
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 22 mar., 1941 [para] Gustavo Capanema, Rio de
Janeiro, RJ.
233
maneira geral. Chamou também a atenção para a importância daquele momento na
carreira do pintor:
Candinho:
Os seus trabalhos, apesar de conhecidos apenas através de
fotografias, causaram-me um grande entusiasmo. O [...],
particularmente, enamorou-se daquela prodigina Santa Luzia que
ficará perturbando para sempre, com seus olhos, a gente simples de
Brodowski.
Vejo que v. é o menino trabalhador infatigável e o menino artista
insatisfeito que nos acostumamos a respeitar e que nos dá um tão
belo exemplo de fôrça. E estou certo de que essa viagem a
Brodowski marcará um momento importante na sua carreira.
181
Drummond já previa nessa sua fala o fenômeno que se concretizou após a
finalização das obras da Capela: a enorme repercussão que essas alcançariam no
público em geral.
No entanto, há que se destacar que foi Mário de Andrade o mais
entusiasmado interlocutor no que tocava aos trabalhos de Portinari na Capela de
Brodowski. Em diversas correspondências, sempre tece comentários extremamente
positivos a respeito destes, tendo sido um dos maiores responsáveis pela divulgação
do acervo da Capela, uma vez que era grande seu trânsito na imprensa brasileira na
época.
Mário de Andrade, figura fundamental para as questões que envolvem a arte
e o patrimônio cultural no Brasil, foi poeta, romancista, folclorista e musicólogo,
crítico e historiador de arte, tendo se configurado como um dos maiores expoentes
do modernismo brasileiro. Também ocupou diversos cargos públicos ligados às
áreas de artes e cultura no país, como no Instituto do Livro e no Departamento de
Cultura do Estado de São Paulo. A pedido de Gustavo Capanema, realizou, em
1939, o projeto de criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o
SPHAN.
181
ANDRADE, Carlos Drummond de. Carta. Rio de Janeiro, RJ: 18 mar., 1941 [para] Cândido
Portinari, Brodowski, SP, 3 p.
234
No ano de 1941, indicado por Rodrigo Melo Franco de Andrade, ocupou um
cargo comissionado no SPHAN como encarregado do setor de patrimônio de São
Paulo e Mato Grosso. Mesmo tendo assumido tal cargo, Mário não mostrava-se
muito entusiasmado, dizendo, em carta a Portinari, que iria “tombar cadeira velha”,
temendo que não lhe fossem delegadas tarefas de real relevância
182
.
Boa parte dos textos escritos por Mário encontram-se espalhados por
diversos periódicos dos quais fora colaborador, como os nacionais Diário de S.
Paulo, O Estado de S. Paulo, Diário de Notícias e Revista Acadêmica, e os
internacionais Argentina Libre e o Travel in Brazil. A Capela da Nonna em Brodowski
foi tema central de alguns desses textos, como demonstra uma correspondência que
o escritor enviou a Portinari logo que a Capela foi inaugurada, onde deixa claro sua
intenção de escrever um artigo sobre a mesma para o jornal O Estado de São Paulo:
Portinari amigo,
Recebi as duas remessas de fotografias e fiquei delirando. Há coisas
que mesmo assim em ruins fotografias ma pareceram admiráveis, e
quanto à Santa Luzia e São Pedro, causam espanto de tão grandiosas
e magníficas, parece Van Eyck, parece Nuno Gonçalves no tríptico.
Estou louco pra tudo isso e também vou escrever sobre para a
rotogravura do
Estado.
183
Em carta escrita em abril de 1941, o escritor solicita a Portinari para que este
colaborasse com seu intuito de escrever artigos sobre a Capela para o Argentina
Libre e o Travel in Brazil, enviando-lhe fotografias de suas obras:
Falar em calar, tenho ainda mais um lugar pra falar sobre a
capelinha, é um excelente jornal argentino, “Argentina Libre” que
acaba de me convidar pra colaborar nele em assuntos de artes
plásticas. Breve sai a rotogravura aqui do Estado e já mandei
também a outra colaboração pra “Travel in Brazil”. Por isso preciso
que você me mande mais fotografias pro “Argentina Libre”. Basta
mandar rosto do Jesus, detalhe dos pés da Maria da “Visitação”, São
Pedro e Santa Luzia (todo e detalhe) e o Sto. Antonio. Se estiver
sobrando rosto do S. João mande também. No geral Argentina Libre
182
ANDRADE, Mário de. Carta. São Paulo, SP: 4 mar., 1941 [para] Cândido Portinari, Brodowski, SP,
4 p.
183
ANDRADE, Mário de. Carta. São Paulo, SP: 10 mar., 1941 [para] Cândido Portinari, Brodowski,
SP, 2 p.
235
não publica tantas fotos assim, mas pedirei que mandem de volta as
que não forem utilizadas.
184
Os artigos de Mário colaboraram sobremaneira para levar ao conhecimento
de entidades internacionais a qualidade das pinturas realizadas na Capela de
Brodowski. Corresponderam-se com Portinari à época especialmente pessoas
ligadas a instituições museais internacionais, que demonstravam um acentuado
interesse em saber mais sobre a Capela e suas pinturas.
Certamente motivado pelos resultados obtidos nas pinturas da Capela da
Nonna, Portinari chegou a tencionar realizar a decoração da igreja situada na praça
em frente à casa de Brodowski, a Igreja Santo Antônio. Em carta a Mário de
Andrade, Portinari revela essa sua intenção, e que já teria até mandado renovar o
reboco da igreja, uma vez que na Capela da Nonna o reboco velho, em pouco
tempo, já havia prejudicado as pinturas que realizara em seu interior.
Só hoje comecei a pintar um pouco. Contudo v. não foi esquecido,
pois o meu pessoal pergunta diariamente quando é que v. vem.
Vou pintar a igreja aqui do largo. Mandei tirar o reboco velho, pois o
da igrejinha aqui de casa que não foi renovado prejudicou a pintura –
do lado onde está Santo Antônio e a Sagrada Família. Estou com
vontade de refazer esses dois.
185
Mário, ao responder a carta de Portinari onde o pintor narra essa sua
intenção de pintar a igreja de Brodowski, surpreendentemente não apóia a idéia do
amigo:
Fiquei assombrado e entusiasmado com a idéia de fazer murais na
igreja daí. Mas você estará maluco, meu irmão! Quanto dinheiro vo
vai gastar nisso! Mas isso não é o importante: eu receio é que vo
tenha dissabores com o povo e a padraria [sic] d’aí que, embora
respeitem você, certamente não irão compreender e muito menos
admirar o que você vai fazer. Como não posso agora, até penso que
assim é melhor, porque irei ver a obra depois de feita. Mande sempre
me contar como vão indo os murais. Mas não trabalhe demais,
Portinari. Senti que você estava muito esgotado quando passou por
aqui. Você precisa descansar mais seriamente.
186
184
ANDRADE, Mário de. Carta. São Paulo, SP: 9 abr., 1941 [para] Cândido Portinari, Rio de Janeiro,
RJ. 4 p.
185
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 1941], [para] Mário de Andrade, São Paulo, SP.
186
ANDRADE, Mário de. Carta. São Paulo, SP: 12 mar., 1941 [para] Cândido Portinari, Brodowski,
SP. 2 p.
236
Com a liberdade que lhe delegava a estreita amizade, Mário chama a
atenção de Portinari para o quanto o empreendimento seria dispendioso, e sobre o
quanto o artista dispensaria em tempo para uma realização que, na sua opinião, não
seria devidamente reconhecida e admirada pela população local, afora o respeito e a
admiração que esta possuía pelo pintor.
Coincidência ou não, Portinari nunca veio a realizar essas pinturas na igreja
local. Certamente, a opinião de Mário o influenciou para que não iniciasse tal
empreendimento, que teria um custo elevado e que talvez não teria, ao longo do
tempo, sua manutenção ou mesmo a existência garantida, visto que a igreja de
Santo Antônio não era de sua propriedade particular, estando sua utilização e
conservação à mercê de terceiros.
Esse fato é um exemplo do quanto amigos mais próximos a Portinari,
especialmente pessoas ligadas às artes e à cultura, poderiam influenciar com suas
opiniões alguns aspectos de sua obra. Sendo ao mesmo tempo amigos, que
conheciam e compreendiam sua trajetória artística, e também pessoas cultas e
influentes, os interlocutores de Portinari nas inúmeras correspondências onde
debateu sobre artes, política, cultura, patrimônio, dentre os mais diversos assuntos,
poderiam ter opiniões valiosas, às vezes decisivas para que o artista tocasse em
frente ou abandonasse certos projetos.
O projeto da decoração da igreja de Brodowski foi abandonado por Portinari.
No entanto, o artista não deixou de imprimir sua marca nesse local. Em 1942 pintou,
em óleo sobre tela, o quadro Santo Antônio
187
, que figura até hoje no altar dessa
igreja. A homenagem ao local que tanto marcou sua infância e pelo qual sua família
possuía bastante apreço veio em forma de quadro, pintado no ateliê da casa de
187
Ver Prancha 24.
237
Brodowski. Certamente, a tela foi uma forma de homenagear a igreja, que não
sofreria danos caso fosse realizada alguma reforma no local e poderia ser dali mais
facilmente retirada caso não fosse devidamente reconhecida ou cuidada, com
aconteceu com o quadro Santa Cecília
188
, que Portinari havia doado anos antes à
igreja local e que teria sido descartado pelo vigário da cidade à época da doação,
como narra o depoimento de Tata Portinari, irmã do pintor:
(...) Naquela época o padre serviu de modelo para o Candinho pintar
a Santa Cecília. Ele ficava deitado, imitando a santa morta; o quadro
ficou muito bonito. O padre se chamava Sá Ferro. Depois chegou um
outro padre e jogou o quadro no entulho da sacristia. O bispo de
Ribeirão Preto ia muito na minha casa e falei com ele: “Olha, se o
Candinho souber!”. Aí ele mandou buscar, mandou arrumar e me
chamou, eu e o Zé meu irmão. E está arrumadinho. Ele falou: “A
senhora quer que fique aqui ou põe na igreja?”. Respondi: “Quero
que fique aqui”. Porque na igreja eles jogaram fora, não é?
O local a que Tata se refere é o Seminário dos Irmãos Maristas, situado em
Brodowski, que acolheu a obra Santa Cecília (1935) após esta ter sido
supostamente descartada pelo padre local. Não há muitas evidências sobre esse
ocorrido, mas o fato da obra até hoje estar sob os cuidados do Seminário e de não
ser aberta à visitação pública pode ser uma evidência desse acontecimento e do
quanto Portinari se preocupava com a conservação, o valor e o apreço que era dado
às suas obras.
Lenore Browning, do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), em
carta remetida a Maria Portinari, demonstra ter conhecimento sobre a Capela e
também sua curiosidade em saber maiores detalhes sobre as pinturas nela contidas:
Estou certa que a Capela em Brodowski é adorável. As decorações
são em afresco como no Rio, ou são telas?
189
William R. Valentiner, diretor do Detroit Institute of Arts – demonstrando,
com o tom intimista da carta, sua proximidade com o artista – também comenta
188
Ver Prancha 25.
189
BROWNING, Lenore. Carta. New York, NY: May 7, 1941 [para] Maria Portinari, Rio de Janeiro, RJ.
2 p. (em inglês).
238
sobre a Capela em correspondência, elogiando a iniciativa do artista em construí-la
e, claro, pedindo fotografias das obras:
Estou satisfeito em ouvir que você está bem e que sua esposa
superou a doença. Acho que é uma idéia maravilhosa que você pinte
um mural para decorar a pequena capela que você construiu para
sua avó. Espero poder ter algumas fotografias quando estiver
terminado.
190
Maurice Lavanoux, secretário da Liturgical Art Society de Nova York –
entidade dedicada à pesquisa em arte sacra, ligada à arquidiocese da cidade – no
ano seguinte à finalização das obras da Capela, escreveu carta a Portinari
comentando sobre notícias que havia lido na revista The Magazine of Art, de
Washington, a respeito destas. Também pede fotografias dos trabalhos,
intencionando sua publicação na revista da instituição, cujos leitores certamente se
interessariam por esses trabalhos de arte sacra brasileira contemporânea:
Na recente edição de “The Magazine of Art”, publicado em
Washington, li uma nota interessante relativa a um trabalho seu, em
particular os murais que você pintou em sua capela, e agradeceria se
você estivesse disposto a me enviar fotografias desses murais e, se
possível, do trabalho em si.
Para sua informação, estou incluindo em anexo uma apostila a
respeito do trabalho de nossa Sociedade, e em envelope separado
estou lhe enviando diversos exemplares de nossa revista. Posso
assegurar que apreciarei receber sua resposta, assim como sinto
que os leitores de LITURGICAL ARTS se interessariam em
evidências de trabalhos de arte religiosa contemporânea no Brasil.
191
A jornalista americana Florence Horn, da revista Fortune
192
, também
demonstrou seu interesse pela Capela através de uma carta enviada à esposa do
artista:
190
VALENTINER, William R.; Detroit Institute of Arts. Carta. Detroit, MI: Apr. 4, 1941 [para] Cândido
Portinari, Brodowski, SP. (em inglês).
191
LITURGICAL Art Society; Lavanoux, Maurice. Carta. New York, NY: Feb. 16, 1942 [para] Cândido
Portinari, Rio de Janeiro, RJ. (em inglês).
192
Florence Horn, no ano de 1939, lançou uma série de artigos na revista Fortune – pertencente ao
grupo Time-Life – sobre a América Latina, sendo que uma extensa reportagem foi dedicada ao Brasil.
Como ressalta a cronobiografia de Cândido Portinari organizada pelo Projeto Portinari, encontrada
em seu sítio na internet <
http://www.portinari.org.br/ppsite/ppacervo/cronobio.pdf>, acesso em
12/04/05: “Estas reportagens inserem-se num quadro de aproximação dos Estados Unidos com a
América Latina. O espírito que norteou o estabelecimento da ‘política de boa vizinhança’ foi a
tentativa de substituir a idéia de dominação pela de reciprocidade. Com esse objetivo, cria-se um
amplo programa de intercâmbio cultural, cujo mentor é Nelson Rockefeller”. Ainda no ano de 1939,
239
Em uma cópia das Diretrizes que alguém me enviou eu vi uma
entrevista com Portinari. Muito boas as coisas que ele disse sobre
artistas, etc, também sobre Brodowski. (...).Existem fotos da capela
de Brodowski que ele pintou esse ano? Se possível, eu adoraria vê-
las.
193
Em julho de 1944, Maurice Lavanoux, da Liturgical Art Society de Nova York tornou a escrever ao pintor
brasileiro, certamente por ainda não ter obtido resposta à sua carta enviada em fevereiro de 1942:
Há alguns meses atrás eu vi suas pinturas na Livraria do Congresso
e senti muito não ter tido a oportunidade de conhecê-lo a tempo.
Alguns amigos meus daqui e de Washington estão me apressando
para que publique ilustrações de seus trabalhos de arte religiosa, e
eu posso lhe assegurar que seriam bem vindas fotografias e
quaisquer dados que você pudesse me enviar
194
.
Essas correspondências nos dão uma dimensão da repercussão que os
trabalhos de Portinari, de maneira geral, alcançavam no exterior. Desde a menção
honrosa recebida pela tela Café do Instituto Carnegie de Pittsburg, em 1935, a obra
de Portinari vinha sendo freqüentemente mencionada pela imprensa americana,
despertando o interesse das mais diversas instituições e indivíduos ligados à arte no
país. Após a realização dos murais da Fundação Hispânica da Biblioteca do
Congresso em Washington, esse interesse se ampliou e ainda mais pessoas
passaram a interessar-se pelo trabalho do artista brasileiro.
Ainda com relação à repercussão causada pela Capela da Nonna, o casal
Lúcia e Antônio Monteiro Machado de Almeida, amigos de Portinari e Maria, em uma
carta enviada ao casal, comenta a impressão do próprio Juscelino Kubitschek,
idealizador da Igreja da Pampulha, ao receber notícias sobre a Capela:
Portinari,
Com grande alegria, soube pelo nosso prefeito, Dr. Juscelino
Kubitschek que você vai fazer as pinturas para a capela da
Pampulha. Mostrei-lhe aquelas fotografias que você me deu dos
santos de Brodowsky e ele ficou entusiasmadíssimo. Além do
orgulho em que a gente fica, sabendo que vai ter um igreja com
Horn noticia a Portinari a intenção do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) de adquirir seu
quadro intitulado Morro, que, naquele ano, foi o único quadro sul-americano incluído na exposição
dos maiores artistas dos séculos XIX e XX organizada pelo Museu.
193
HORN, Florence. Carta. [s.l.]: May, 1942, [para] Maria Portinari; Cândido Portinari, Rio de Janeiro,
RJ. 2 p. (em inglês).
194
LITURGICAL Art Society; Lavanoux, Maurice. [Carta] 1944 July 13, New York, NY [para] Cândido
Portinari, Rio de Janeiro, RJ. (em inglês).
240
trabalhos seus, é um contentamento a promessa da compania de
vocês.
195
Certamente Portinari empregara um estilo completamente diferente do da
Capela da Nonna para a execução do São Francisco da Pampulha. No entanto, as
pinturas da Capela demonstravam como Portinari era capaz de criar uma arte
religiosa expressiva, o que certamente agradou Kubitschek.
Após essas experiências, Portinari veio a trabalhar em outros conjuntos de
obras sacras, além da Igreja da Pampulha, que também se tornariam famosos, as
telas para a Capela Mayrink, no Rio de Janeiro (1944) e a Igreja do Bom Jesus da
Cana Verde, em Batatais (1953).
A divulgação que Portinari fez de suas obras através das correspondências
trocadas com amigos, pode ser vista também como uma forma encontrada pelo
artista de fazer com que o conjunto artístico que acabara por compor em Brodowski
não fosse esquecido ou ignorado. Isto é, uma tentativa de fazer com que sua
memória na cidade fosse perpetuada através do legado que inscreveu nas paredes
da casa de sua família em forma de pinturas, o que compõe uma espécie de
memória pictórica do artista, que traduz, de certa forma, um momento de sua vida e
também seus sentimentos e experiências pessoais.
Essas correspondências autorizam a temática sacra para fora da casa, assim
como as técnicas ali utilizadas para a composição das pinturas, que não haviam sido
usadas até aquele momento pelo artista. Os amigos com os quais Portinari se
correspondeu que estavam ligados ao universo das artes e da cultura seriam os
responsáveis pela aprovação estética daqueles trabalhos. Já autoridades políticas
como Gustavo Capanema, Rodrigo Melo Franco de Andrade e o embaixador Josias
195
ALMEIDA, Lúcia Machado de; Almeida, Antônio Monteiro Machado de. Carta. Belo Horizonte, MG:
11 set., 1943 [para] Cândido Portinari, Rio de Janeiro, RJ. 2 p.
241
Leão levaram esse acervo a um reconhecimento público, devido à sua inegável
qualidade artística e importância que passara a ocupar dentro da obra de Portinari.
No próximo capítulo, veremos como se deu o processo de tombamento e
transformação da casa em museu. De sua fase áurea, vivida entre os anos 1930 e
40, passando por um período de decadência e abandono, especialmente após a
morte do artista em 1962, até seu resgate, no fim dos anos 60 e início dos 70,
traçaremos um panorama das batalhas políticas em torno da preservação da
memória de Portinari em Brodowski e os entraves à essa preservação, processo que
finalmente culminaria com a criação do Museu Casa de Portinari, numa luta que
durou longos anos, em movimentos de memória e contra-memória, de disputas
políticas e de resgate de um trabalho que, num dia, foi considerado das obras
máximas realizadas pelo artista e, no outro, tornou-se um tesouro relegado ao
esquecimento.
242
CAPÍTULO 3
A casa de Portinari como lugar de memória e a instituição do
Museu Casa de Portinari
3.2 A casa de Portinari em Brodowski como lugar de memória
No capítulo anterior, buscamos demonstrar como Portinari, ao constituir um
rico acervo artístico a partir de obras inicialmente direcionadas à sua
experimentação artística, entre os anos de 1934 e 1945, na casa onde passou toda
sua infância em Brodowski, acabou construindo para si uma espécie de lugar de
memória
196
. A casa é vista aqui como portadora de um acervo que demonstra parte
de sua obra, estando o local carregado de significados em relação à sua trajetória,
considerando que o artista acabou, de certa forma, traduzindo através da pintura
sacra as mais remotas lembranças às quais a casa o remetia. Nesse sentido, o
involuntarismo é um componente fundamental da constituição do acervo do hoje
Museu Casa de Portinari em Brodowski. Entendemos que a valorização desse
espaço só passou a ser feita na medida em que Portinari, ao trocar um grande
número de correspondências com amigos, como Menotti Del Picchia e Rodrigo Melo
Franco de Andrade tiveram atuação fundamental no processo de tombamento da
casa, enquanto outros ainda podem ter usado seu prestígio de maneira a influenciar
veículos de comunicação e autoridades políticas para a concretização do processo
de transformação da casa em museu
197
.
196
Para Nora (1997, p. 29), os lugares de memória nascem e vivem do sentimento de que é
necessário “criar arquivos, guardar os aniversários, organizar as celebrações, pronunciar os louvores
fúnebres, anotar os fatos, uma vez que essas operações não são naturais”. O lugar de memória,
portanto, tem a função de “defender” do esquecimento algo que virtualmente possa ou esteja sendo
ameaçado por ele. O autor ainda reitera a respeito dos lugares de memória que “sem essa vigilância
comemorativa, a história rapidamente os varreria
.
197
Le Goff (1992, p. 156), define como os lugares de memória podem tomar as mais diversas formas,
configurando-se em “lugares topográficos, como os arquivos, as bibliotecas e os museus; lugares
monumentais como os cemitérios ou as arquiteturas; lugares simbólicos como as comemorações, as
peregrinações, os aniversários ou os emblemas; lugares funcionais como os manuais, as
autobiografias ou as associações”.
243
Considerando o Museu Casa de Portinari como um lugar onde está inscrita a
memória de um indivíduo, as formulações de Pierre Nora, no estudo Les lieux de
mémoire, foram determinantes. Esses lugares de memória, para Nora, são lugares
nos três sentidos da palavra: materiais, simbólicos e funcionais, tendo ao mesmo
tempo significados diversos. Lugares que podem nos parecer puramente funcionais,
como um testamento, uma associação, dentre outros, acabam fazendo parte da
categoria de lugar de memória ao ligar-se a um certo ritual, ao possuir uma
importância simbólica
198
.
Lugar da memória para Portinari, uma vez que o fazia se remeter à
infância, esta dimensão da casa de Brodowski tomou ainda mais
corpo quando o artista a elegeu para ser portadora de um “acervo
experimental”, onde todos os elementos, dos temas às técnicas,
seriam utilizados de maneira pioneira pelo artista. Mais tarde, já como
Museu, a casa continuou a investir-se desse caráter, cumprindo sua
função de “monumento” à memória do artista.
Vemos a casa de Portinari em Brodowski como um local que tornou-se um
lugar de memória ainda que não houvesse no pintor a nítida intenção de que ela
assim se perpetuasse, ao menos inicialmente. As impressões ali encerradas
demonstram aspectos relevantes da trajetória pessoal de Portinari, vinculados às
reminiscências de sua infância, além de encerrar testemunhos que registram uma
fase específica da carreira do pintor, um momento de criação e experimentação
artística.
A casa de Brodowski não seria simplesmente mais um espaço onde o pintor
trabalhou em suas obras, mas sim onde deixou um legado que acabou por
representar parte de suas lembranças, pensamentos e conflitos. Era um lugar que
pode ser visto como uma referência a seu respeito, tendo o pintor carregado para
sempre as lembranças de seu tempo de menino no pequeno povoado. A esse
respeito, escreveu Flávio Motta, citando Manuel Bandeira:
198
NORA, P. Entre Mémoire et Histoire. La problématique des lieux. In: ______ (dir). Les lieux de
mémoire. Paris: Gallimard, 1997, p. 37.
244
Pondo de parte a sua prodigiosa técnica, a sua estupenda galeria de
retratos, a melhor porção da obra de Portinari é isto: Brodowski, o
menino e o povoado, o menino no seu povoado. Por esse fundo
vivencial é que Portinari se afirma profundamente ele mesmo, mesmo
quando influenciado por Picasso ou pelos surréalistes
199
.
Ao nos remetermos à casa de Brodowski, chama-nos a atenção o fato de
que, nas biografias lançadas a respeito de Portinari, escritas por autores como
Antônio Callado – esta, contando com depoimentos e desenhos do próprio artista,
compostos especialmente para o volume – Flávio Damm e Celso Kelly, dentre
outros, e mesmo na autobiografia Retalhos de minha vida de infância, de 1957, a
casa não é mencionada como um lugar de memória após a constituição de seu
acervo por Portinari. A casa em si é mencionada somente quando tratam do
momento inicial da vida de Portinari, até seus 15 anos, idade com que deixou
Brodowski. Era vista como o lugar que mais marcou sua existência, o refúgio que o
abrigava quando menino. Nessas biografias, a casa não é, portanto, ligada à
intenção de memória de Portinari enquanto homem maduro, o que reforça o caráter
involuntário da constituição da casa de Brodowski como um lugar de memória.
A nosso ver, esse foco das biografias segue o mesmo foco do discurso
construído por Portinari ao falar sobre si mesmo: um grande número de menções à
sua infância, maior do que o número de menções relacionadas à sua vida adulta.
Isso levou os biógrafos a relacionar a casa mais com seus primeiros anos de vida do
que com sua vida dali em diante. Somente nas correspondências parece haver essa
valorização.
O artista costumava narrar, como fica claro ao observarmos sua
autobiografia, as biografias escritas a seu respeito por outros autores,
em declarações a reportagens de jornais e mesmo em suas
correspondências, passagens de sua infância e de sua cidade natal
de maneira saudosa, ressaltando a simplicidade e a ingenuidade
dessa sua fase da vida. No entanto, certamente, o pintor não se
considerava um indivíduo comum. Viveu numa fase de profundas
transformações na arte e na sociedade brasileiras, passando pelo
turbilhão de mudanças iniciado pela Semana de Arte Moderna em
199
MOTTA, F. Trabalho de um pintor: Portinari . In: Revista de História. Vol. 90, 10/06/1972, p. 550.
245
São Paulo e pelos movimentos de resgate à ordem do início da
década de 1930; foi considerado de pintor oficial a pintor
revolucionário; fez da pintura religiosa à pintura social, com nítidos
entrelaçamentos entre ambas; fez experimentações, mas também
manteve-se conservador em certos momentos.
A forma como conduzia sua carreira, estando Portinari próximo a pessoas
extremamente influentes, e sua própria personalidade foram fatores decisivos para
que ele fosse bem aceito nos mais diversos círculos sociais e artísticos de sua
época. O fato de ter produzido uma arte engajada, caracterizada por um
comprometimento político e social, ganhando uma certa evidência no meio artístico
a partir da década de 1930 fez com que Portinari fosse escolhido pelo então ministro
da educação e saúde, Gustavo Capanema, para que realizasse painéis
representando os ciclos econômicos na sede do Ministério, características que
também fizeram com que, posteriormente, em 1945, após a filiação do artista ao
Partido Comunista Brasileiro, sua arte também fosse vista como representante dos
ideais socialistas.
Apesar de ter se tornado militante do PC, Portinari sempre buscava reiterar
que sua adesão estava ligada à preocupação com a situação dos pobres e
excluídos, preferindo expor sua orientação política através da pintura social. Sua
arte não deixou de ser, então, usada como “bandeira” pelo PCB, que classificava
seu trabalho como “social e humano”
200
.
O Partido parecia encontrar argumentos para justificar até mesmo uma das
características principais da pintura de Portinari, a deformação, evitando inserir o
artista na complexa questão do realismo socialista e do dogma jdanovista, que
predominava então no debate cultural da esquerda
201
. O jdanovismo, política cultural
idealizada por Stálin e levada a cabo por seu sensor cultural, Andrei Jdanov, era um
movimento onde o realismo socialista era visto como única forma válida e elevada
200
FABRIS, A. Cândido Portinari . São Paulo: Edusp, 1996, p. 144.
201
Idem, p. 142.
246
de arte, não sendo então tolerados o abstracionismo ou o subjetivismo. Os artistas
deveriam buscar uma “representação nítida dos sentimentos e das emoções dos
homens”
202
, onde acabou-se privilegiando a retratação de líderes e políticos, assim
como cenas de reverência a essas figuras, pressupostos que vieram a promover
uma profunda “castração criativa”. No entanto, em se tratando da obra de Portinari,
nenhum aspecto foi censurado, e mesmo a deformação, que utilizou largamente na
retratação de suas figuras, não era sequer mencionada como algo condenável pelo
Partido, que aceitou sem nenhum tipo de questionamento a orientação moderna de
sua obra. Mesmo com relação aos trabalhos de arte sacra de Portinari, não houve
críticas advindas do Partido, o que facilmente poderia ocorrer devido à orientação
ateísta da ideologia professada.
Nos escritos a respeito de Portinari, parece sempre se buscar uma
justificativa para as referências religiosas presentes em sua arte, já que sua
produção tinha um forte caráter social e ainda era filiado ao Partido Comunista.
Podemos citar, como exemplo, uma passagem da biografia de Portinari escrita por
Antônio Callado, onde o autor busca justificar porque o pintor, um indivíduo bastante
ligado à religião durante sua infância e juventude, mesmo que tenha perdido sua
crença em Deus quando adulto, ainda realizara um grande número de obras sacras:
Um artista brasileiro não pode se furtar à pressão do religioso. (...)
nossa religião, a religião brasileira é uma mitologia de deuses
familiares aos quais nunca se escapa completamente. Os santos para
nós são irmãos mais velhos e há santas que são como tias antipáticas.
Os santos e anjos barrocos que, raptados por antiquários espertos,
saíram das igrejas pra adornar casas abastadas, não perturbam a vida
dessas casas. Um santo medieval numa sala de jantar é um absurdo.
Mas essas imagens das velhas igrejas da Bahia e de Minas ou das
capelas de fazenda fluminense, cheias de bonomia, com suas rosadas
bochechas portuguesas, essas não atrapalham nada. Ao contrário,
num instante de distração a gente é capaz de dizer à mesa: “Passa a
manteiga aí, Santantônio
203
”.
202
MORAIS, D. O imaginário vigiado: a imprensa comunista e o realismo socialista no Brasil (1947-
53). Rio de Janeiro: José Olympio, 1994, p. 124.
203
CALLADO, A. Retrato de Portinari. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 29.
247
O próprio Callado assim descreve a resposta dada por Portinari quando lhe
perguntara sobre quando este havia começado a “perder a idéia de Deus”:
Perguntei então a Portinari quando tinha começado a perder a idéia de
Deus e ele me disse que quando começara a conhecer o universo,
quando tinha passado a realmente sentir que a Terra gira e o sol é
muito maior que ela. E aqui Portinari me deu uma visão gráfica de sua
metafísica:
_A gente tem uns andares na cabeça (e com a mão em pala ele
dividiu a testa em prateleiras) e à medida que vai subindo por eles vai
vendo mais longe. Quando a gente chega aí – prosseguiu – não evita
as indagações sobre que será tudo isto, este mundo que aí está, e
com o tempo a gente vai vendo que a Terra é uma porcaria
204
.
Assim como as passagens acima demonstram a busca pela solução da
contradição entre a descrença em Deus sentida por Portinari enquanto homem
maduro e uma profícua produção de obras sacras, alguns autores procuraram
destacar a preocupação social de Portinari como o motivo maior que o teria levado a
integrar as fileiras do Partido Comunista, mais do que a questão de sua adesão às
idéias políticas do Partido, destacando o quanto Portinari não as conhecia em
profundidade, de maneira a isentar, de certa forma, o artista de uma relação política
mais estreita com a ideologia do Partido, o que não daria coesão à sua trajetória,
visto ter o artista realizado trabalhos para o governo Vargas anos antes:
Portinari não era um grande ledor dos clássicos comunistas nem entendedor
exímio das técnicas políticas e em todas as reuniões do Partido Comunista de
que participava às vezes não compreendia e tinha dúvidas de muitas
resoluções tomadas, o que fazia com que comparecesse sempre nos dias
seguintes às casas de seus camaradas: Oscar Niemeyer, Jorge Amado,
Graciliano Ramos e principalmente Prestes, pedindo mais explicações.
Depois, então, sanadas estas dúvidas, respondia: “É, agora eu entendi”
205
.
O autor também justifica a adesão de Portinari ao PC mais por razões sentimentais que propriamente políticas:
Cândido Torquato Portinari, homem que sentiu toda a realidade
brasileira, não viu caminho junto aos partidos burgueses, não viu
alternativa para a liberal democracia, que só atenderia uma
determinada classe. Os limites eram pequenos para tão grandes
problemas que existiam e se pronunciavam já com agravamento. A
sociedade brasileira deveria mudar e encontrar novos rumos.
Com visão de futuro, Cândido Torquato Portinari optou pelo Partido
Comunista e ingressou em seus quadros numa época em que
contava com 200 mil filiados. Era o único programa para atender a
204
Idem, p. 124.
205
BERARDO, J. B. O político Cândido Torquato Portinari. [s.l.]: Edições Populares, [s.d], p. 76.
248
grande massa de trabalhadores e se evitar recrudescimentos
futuros
206
.
O mesmo ainda cita obras realizadas pelo artista que demonstram seu
engajamento no Partido, como o Retrato de Luís Carlos Prestes (1945) e o quadro
épico Coluna Prestes
207
, pintado em Paris no ano de 1950
208
, ressaltando o quanto
Portinari era capaz de atrair para suas exposições a presença popular, sendo ele o
único artista que conseguia fazer com que trabalhadores fossem visitar suas
obras
209
.
Antônio Callado, em Retrato de Portinari, também ressalta a motivação
moral do engajamento de Portinari no PC:
Como todo artista rebelde, Portinari (estou certo de que a razão da
sólida amizade que o uniu a Graciliano Ramos é que ambos foram
levados ao comunismo por um entranhado desejo de justiça social
mas ambos reagindo ao sistema de arregimentação partidária) fez as
próprias leis do seu desenvolvimento. Da crítica social imediatista –
muitíssimo necessária no Brasil, aliás – passou, nas grandes obras
da sua maturidade presente, a uma recapitulação histórica, num tom
poético mais alto. Mais alto e mais formal. Da crítica ao presente
angustiado, foi em busca do passado heróico – mas ligando-o a um
futuro que ainda mal se divisa hoje
210
.
No entanto, a nosso ver, a opção política de Portinari não pode ser
considerada inócua: filiando-se ao PC e reproduzindo sua ideologia, mesmo que não
tivesse leitura suficiente a respeito das bases da doutrina comunista, e pelo mesmo
partido lançando-se candidato a senador por São Paulo em 1945 e 1947, de
qualquer forma Portinari a ele vinculara sua imagem. Assim, ao mesmo tempo em
que seu trabalho trazia projeção para o Partido e seus ideais de justiça social, este
também o apoiava em sua trajetória como pintor, divulgando sua obra e inserindo-o
no debate cultural dos artistas que figuravam na vanguarda da época, que em boa
parte também haviam aderido ao Partido Comunista.
206
Idem, p. 74.
207
Ver Prancha 38.
208
BERARDO, J. B. Op. cit., p. 75.
209
Idem, p. 77.
210
CALLADO, A. Op. cit., p. 104.
249
As origens populares de Portinari eram vistas pelo PCB como um de seus
principais instrumentos de propaganda. Sua trajetória pessoal, aliada a sua
produção artística, fazia de Portinari o protótipo do bom comunista. Sua infância
humilde e a ligação que possuía com os trabalhadores rurais e o homem do povo
eram sempre citadas pela propaganda do Partido
211
. Portanto, vemos a biografia de
Portinari como um dos pontos-chave para se entender a construção de sua obra e o
destaque por ele recebido em momentos cruciais do debate político brasileiro.
Portinari foi visto, a despeito de suas ligações políticas, como um
artista que traduziria ideais ligados à exaltação de um povo, seja na
forma de fortes trabalhadores braçais ou de retirantes marcados pela
pobreza e pela desigualdade social. Assim, uma história de vida
coesa foi sendo construída em torno do artista, de forma que os
conflitos existentes nessa trajetória foram, se não eliminados, ao
menos suavizados. Para tudo, nesses escritos, parece existir uma
explicação plausível ao tratar-se de aspectos da trajetória de Portinari,
o que faz com que sua história de vida pareça estar isenta de
sobressaltos e descontinuidades.
Esbarramos aqui em um problema crucial: é possível uma narrativa linear
apreender toda a complexidade da vivência de um indivíduo? Vendo a necessidade
de organizar e encadear os acontecimentos de sua história de vida em uma lógica, e
realizar a escrita de si dentro de uma seqüência cronológica, o biógrafo acaba
deixando-se levar pela ilusão biográfica. Sobre esse pressuposto, ressalta Bourdieu:
Produzir uma história de vida, tratar
a vida como uma história, isto é, como o relato coerente de
uma seqüência de acontecimentos com significado e direção,
talvez seja conformar-se com uma ilusão retórica, uma
representação comum da existência que toda uma tradição
literária não deixou e não deixa de reforçar.
212
211
FABRIS, A. Op. cit., p. 144.
212
BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, J.; FERREIRA, M. M. (orgs.). Usos e abusos
da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1996, p. 189.
250
Portanto, a ilusão biográfica é aceita quando se afirma que é possível a um
indivíduo, qualquer que seja ele, empreender um esforço de memória sistematizada,
sem desvios, esquecimentos ou inexatidões.
Coerência e continuidade, tanto a nível individual quanto coletivo, são
elementos que trazem verossimilhança à memória, assegurando também um sentido
de identidade aos indivíduos ou grupos. Como ressalta Pollak:
Por definição a posteriori, a história
de vida ordena acontecimentos que balizaram uma existência.
Além disso, ao contarmos nossa vida, em geral tentamos
estabelecer uma certa coerência por meio de laços lógicos
entre acontecimentos-chaves (que aparecem então de uma
forma cada vez mais solidificada e estereotipada), e de uma
continuidade, resultante da ordenação cronológica. Através
desse trabalho de reconstrução de si mesmo o indivíduo tende
a definir seu lugar social e suas relações com os outros
213
.
Uma história de vida coesa parece ser o que, paulatinamente, foi sendo
construído em torno da imagem de Portinari. Quando apresentadas, as contradições
sempre são justificadas por quaisquer elementos que possam minimizá-las. Quando
o próprio artista e também seus biógrafos tentam reconstruir a vida de Cândido
Portinari tal como um livro com uma seqüência lógica de acontecimentos, busca-se
aí definir o “lugar social” do artista, que passava a ser visto não só como um pintor
digno de reconhecimento, mas também um bom pai, marido e amigo. Um trecho de
um poema de Flávio Damm assim descreve Portinari:
Manso, terno, suave.
213
POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. In: Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3,
1989, p. 13.
251
Cândido, Candinho, Candim.
Cândido Torquato Portinari.
Nascido em Brodósqui, São Paulo. Nascido pintor.
É preciso deixar de dizer que Portinari morreu.
Poucos terão sabido tanto quanto esse Cândido-homem,
poucos terão sentido suas raízes, sua terra, sua gente
214
.
Certamente, as qualidades morais de Portinari não deveriam ser confundidas
com seu talento como pintor. Mas o que vemos em relação às biografias escritas a
seu respeito é que seus biógrafos acabavam por ressaltar, além de sua arte,
também suas qualidades como ser humano. Ao fazer isso, tem-se assegurado que
Portinari, enquanto o artista brasileiro que mais havia recebido reconhecimento até
então, tanto nacional quanto internacionalmente, seria um representante ideal para o
país, investido que estaria de atributos pessoais e profissionais.
Uma história de vida encadeada a respeito de Portinari, onde contradições,
lapsos e lacunas foram freqüentemente eliminados ou justificados, levou o pintor a
ser visto, em momentos diversos da história política de nosso país, como um artista
que representava em sua obra as especificidades do povo brasileiro e também os
ideais de afirmação nacionalista. Apropriada pelo governo Vargas, de 1930 a 1945,
a obra de Portinari também viria a ser enxergada como “bandeira” para atuação do
PCB entre 1945 e 1948. Veremos que, mais tarde, a instalação do Museu na casa
da família Portinari em Brodowski, que se conclui em 1969, ou seja, durante os anos
mais duros da ditadura militar no Brasil, também pode ser vista como uma forma de
afirmação dos ideais de exaltação do nacionalismo propalados pelo regime, numa
apropriação de um projeto que já se desenrolava desde um momento anterior ao
golpe de 1964, projeto que não se extinguira ou se perdera em meio à censura e à
repressão cultural empreendidas pela ditadura militar.
214
DAMM, F. Um Cândido pintor Portinari . [s.l.]: Expressão e cultura: AGGS Indústrias Gráficas S/A,
1971 (sem paginação).
252
3.2 O processo e as lutas pela transformação da casa em Museu
Após Portinari ter finalizado os trabalhos na casa de Brodowski, tornaram-se
freqüentes as visitas de amigos do artista, autoridades políticas e até mesmo
curiosos vindos dos mais diferentes locais do país, até mesmo do exterior, que
aportavam na cidade com o intuito de ver de perto o acervo ali constituído por
Portinari. Num momento inicial, essas pessoas eram recebidas pelo próprio artista, e
depois, quando suas visitas a Brodowski começaram a ficar menos freqüentes, pelos
pais do pintor – como demonstram algumas reportagens – que conduziam os
visitantes por entre seu universo particular até as obras ali deixadas pelo artista.
Dessa forma, vemos que a casa já se configurava em uma espécie de
“atração turística” mesmo antes de tornar-se uma instituição museológica. Sendo
essas visitas freqüentes quando a família de Portinari ali residia, continuaram a sê-lo
mesmo depois que os pais de Portinari deixaram a casa para residir em Ribeirão
Preto, cidade a 30 quilômetros de Brodowski, por volta do início da década de
1950
215
, momento em que mais nenhum membro da família Portinari voltaria a viver
na casa. Quem visitava a casa, após essa data, era recebido por Tata, irmã de
Portinari, que morava ao lado da casa que fora de sua família.
A casa passou a servir, desde a finalização do acervo que suas paredes
encerram, como uma espécie de “referência” a respeito do artista na cidade onde
nasceu, com a qual todos que visitavam a região buscavam tomar contato,
passando então o acervo a ser visto como portador da memória do pintor. Até
mesmo candidatos em campanha política, quando de passagem pela região, faziam
questão de ir à casa de Portinari em Brodowski. Assim, estariam visitando um local
cuja importância já era reconhecida, o que também atrairia a imprensa, resultando
215
Conforme informações obtidas no Museu Casa de Portinari.
253
em notícias e destaques em diversos jornais do país, ainda que essas visitas
raramente contassem com a presença física do artista, especialmente após 1954,
ano em que começaram a se manifestar os sintomas da intoxicação o levaria à
morte, em 1962.
Tal pressuposto fica claro em uma nota publicada no jornal Folha da Manhã,
de São Paulo, em 1954, quando os candidatos a governador e vice-governador do
Estado de São Paulo, Prestes Maia e Cunha Bueno, coligados à Alta Mogiana,
passaram pela região e, chegando em Brodowski, foram à casa da família Portinari.
Esses candidatos até mesmo criaram uma espécie de “livro de visitas”, que deveria
ser assinado pelas pessoas que doravante fossem à casa
216
.
Como já ressaltamos no capítulo anterior, ao final da década de 1940
e início da de 50, as idas de Portinari à casa de Brodowski foram
ficando cada vez mais raras. As viagens internacionais a trabalho, e
depois, a doença que o acometeu, causada por intoxicação pelas
tintas, fizeram com que o artista fosse cada vez menos à sua terra
natal, até sua morte, em 1962.
A possibilidade de transformação daquele local em museu era uma
idéia cogitada desde um momento muito anterior à morte do artista.
Afora os comentários já realizados por Capanema e Rodrigo Melo
Franco de Andrade nesse sentido, ainda na década de 1930, através
de correspondências enviadas ao artista, essa probabilidade passou a
ser aventada pela imprensa a partir do início da década de 1950.
As notícias, inicialmente, ainda não mencionavam uma possível
institucionalização do museu, mas já apontavam o que, com o tempo,
seria inevitável: a transformação da casa de Portinari em Brodowski
em um local de visitação pública. De qualquer maneira, a população
local já se preocupava com essa possível institucionalização, como
demonstra um artigo escrito por Santa Rosa para um periódico do Rio
de Janeiro, já no ano de 1951:
[...] O povo da cidade natal do grande artista deseja converter a casa
dos Portinari, onde nasceu o pintor, em Museu. Nenhum elogio maior
ao filho de Brodowski e nenhuma homenagem mais significativa
prestada àquele que mais amou a sua cidade e subscreveu como
tema variado nas suas mais líricas ou as mais profundas obras
217
.
Transformar em museu a casa de personagens ilustres da história de um
país, especialmente nos campos da arte e da literatura, é uma prática usual em
diversos lugares do mundo. A valorização da dimensão privada de um indivíduo é
capaz de torná-lo mais humano e próximo de seu público. Vendo a casa do
216
VISITAM a Alta Mogiana os candidatos coligados. In: Folha da Manhã. São Paulo: 1 ago., 1954.
217
SANTA Rosa. Artes Plásticas. Roteiro: Portinari e Brodowski. Rio de Janeiro: [s.n.], 1951.
254
personagem como local onde este passou parte de sua vida, e onde certamente
pôde realizar diversas reflexões em torno de seu trabalho, esta passa a ser
valorizada não somente por sua função de moradia, mas por ter sido arcabouço de
idéias de alguém que se destacou em seu campo de atuação e transformou-se em
um indivíduo de destaque na história do país.
É o caso da Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro (1930)
218
, do
Museu Casa de Guimarães Rosa, em Cordisburgo (1974), e do Museu Casa de
Guignard (1987), situado em Ouro Preto, ambas cidades de Minas Gerais. Nesses
locais, escritos e obras dos que um dia foram seus célebres moradores são
expostos juntamente com objetos pessoais, que remetem à sua dimensão privada.
O Museu Casa de Portinari destaca-se dentro dessa categoria pois, além de ser
portador da memória involuntária do pintor – que nas paredes realizou obras que dali
não poderiam ser retiradas – também demonstra como a arte de Portinari ligava-se
vitalmente à sua casa, à terra natal e às reminiscências de infância ali evocadas,
elementos esses que foram fundamentais em praticamente todas as vertentes e
fases de sua pintura. Boa parte de seus trabalhos estão voltados para a atmosfera
da vida simples da infância à qual a casa o remetia, inclusive sua pintura sacra, que
estaria ligada à religiosidade ingênua do povo do interior e que o artista também
podia encontrar em sua família. Além desses fatores, trata-se do único museu
dedicado exclusivamente, até os dias de hoje, à memória de Portinari que, em vida,
produziu mais de 5.000 trabalhos
219
, mas não tem reunido em nenhum outro museu
do Brasil um acervo estritamente dedicado à sua obra.
218
A Fundação Casa de Rui Barbosa foi o primeiro museu-casa inaugurado no país, de acordo com o
histórico veiculado pela Fundação em seu sítio na internet [www.casaderuibarbosa.gov.br].
219
De acordo com o levantamento realizado pelo Projeto Portinari, veiculado em seu sítio na internet
<www.portinari.org.br>, pesquisa que resultou no lançamento do catálogo raisonée do artista, em
2005.
255
Uma reportagem da Folha da Manhã, também de 1951, expressa o
desejo do povo de Brodowski pela incorporação da casa ao
patrimônio público e sua transformação em museu, o que deveria ser
feito com a máxima urgência, uma vez que seu rico acervo não estava
então recebendo o devido valor e deferência:
O povo da pequena localidade onde nasceu o famoso pintor
modernista, internacionalmente conhecido, espera que o governo da
União ou do Estado desaproprie a casa de Portinari e a transforme
em Museu Nacional. Todas as pessoas com quem falamos lamentam
que a histórica residência tenha caído no esquecimento das nossas
autoridades.
Aqui fica o nosso registro, e [a este somamos] o apoio do povo de
Brodósqui às autoridades estaduais e federais: a casa do famoso
pintor deve ser transformada em Museu de Arte incorporado ao
patrimônio nacional
220
.
Nesse momento, já era clamado para que as diversas autoridades se
empenhassem na conservação da casa de Portinari e a
transformassem em museu, de modo que seu acervo tornar-se-ia do
conhecimento do grande público. No entanto, já a partir dessa época,
a casa já começava a sofrer os sinais do tempo, uma situação que iria
se prolongar até a restauração empreendida no final da década de
1960, quando de sua transformação em Museu. Como a mesma
reportagem ressalta:
Visitamos há pouco a residência de Portinari. O exterior da velha
casa, situada na Praça Santo Antônio, não impressiona muito ao
visitante. É uma construção humilde, consideravelmente envelhecida;
no centro um terreno muito grande e cheio de plantações caseiras.
Os muros que cercam a vivenda, de construção resistente, acham-se
também bastante envelhecidos
221
.
O que se nota é que, antes da institucionalização do Museu Casa de
Portinari em Brodowski, a visão da casa enquanto um local dinâmico
parecia estar diretamente vinculada à presença de Portinari. Durante
o período em que o artista ia à casa com maior freqüência, lá
realizava seus trabalhos em pintura, empreendia reformas e melhorias
na estrutura da casa e trabalhava em seus jardins, fazendo com que a
mesma possuísse uma rotina mais movimentada. Conforme Portinari
se distanciou da casa, passando a não mais ir a Brodowski com tanta
freqüência, esta começou a sofrer um processo de gradativo
abandono. Apesar da família realizar a manutenção da casa no
sentido da limpeza e organização, não era dado à casa um tratamento
mais sistemático no que diz respeito à conservação de sua estrutura
física nem do acervo que comportava em suas paredes.
Portinari morreu no dia 6 de fevereiro de 1962, aos 58 anos de idade,
em decorrência de problemas de saúde que vinha sofrendo desde
1954. Nesse mesmo ano, de acordo com notícias divulgadas em
jornais da época, a casa de Brodowski e as obras de Portinari que
nela se encontravam já estavam em um avançado processo de
deterioração.
O jornal Diário de São Paulo, de 7 de dezembro de 1962, dez meses
após a morte do pintor, traz uma reportagem com trechos de uma
entrevista concedida por sua mãe, Domingas Portinari. Sua fala vem
corroborar com a reivindicação da reportagem no sentido de que as
autoridades se sensibilizassem com o estado em que se encontrava a
220
ARRUDA, Valdemar. Deseja o povo de Brodósqui que a casa onde nasceu Portinari seja
transformada em museu nacional. In: Folha da Manhã. São Paulo: 18 nov., 1951.
221
Idem, ibidem.
256
casa onde Portinari passou sua infância e deixou um legado de valor
inestimável em suas paredes. Como demonstra o trecho a seguir:
As opiniões dos artistas quase se igualam umas às outras: a casa de
Portinari deve ser restaurada urgentemente e transformada em
museu. Não podemos relegar ao abandono o “ninho” de um dos
nossos maiores artistas
222
.
Ao ser indagada sobre a questão de as obras de Portinari em Brodowski
encontrarem-se “às portas da destruição, dado o aparecimento de rachaduras e o
aumento progressivo da umidade”, dona Domingas responde, ressaltando o caráter
pioneiro das obras de Portinari que se encontravam na casa:
“A Fuga do Egito” [sic], obra que está na casa de Brodósqui, foi o
primeiro afresco que Portinari fez e é o primeiro executado no Brasil
por qualquer pintor
223
. (...)
Estou velha, mas espero ver a casa onde Candinho nasceu
transformada em museu. Gostaria também de ir de vez em quando
lá, para tomar conta da casa onde moro [sic] há praticamente 60
anos
224
.
O desejo de dona Domingas também é expresso por duas irmãs do
pintor que também deram seus depoimentos, cujos nomes não foram
citados pelo jornal:
É uma pena que as obras de Portinari lá em Brodowski estejam se
estragando. Só pedimos que não permitam que o que parece
inevitável aconteça. Algo deve ser feito. Temos confiança nas
autoridades
225
.
A família de Portinari – que se dividiu, deixando de habitar a casa de
Brodowski já no início da década de 1950 – costumava deixar claro, como
demonstra o depoimento acima, que se preocupava com a conservação das obras
que se encontravam em seu interior. No entanto, o fato é que a casa encontrava-se
praticamente abandonada à época, com sua estrutura bastante comprometida e com
as obras do acervo ali constituído por Portinari já bastante deterioradas.
No dia 29 de dezembro do mesmo ano, uma reportagem d’ O Estado
de S. Paulo ressaltava a situação de abandono da casa, além de
como as pinturas de Portinari estavam em um avançado processo de
222
“ESTOU velha, mas espero ver um museu na casa de Brodósqui”. Diário de São Paulo. São
Paulo: 7 dez., 1962.
223
O afresco Fuga para o Egito (1936), pintado por Portinari na casa de Brodowski, pode ser
considerado uma obra na qual o artista utiliza a técnica de maneira pioneira, assim como São
Francisco pregando aos pássaros (1934), obra também pertencente ao acervo da casa. No entanto,
alguns outros pintores brasileiros já haviam se aventurado na realização de pinturas em afresco,
como Eliseu Visconti e Antônio Gomide, embora em obras de dimensões menores.
224
“ESTOU velha [...]” Op. cit.
225
Idem, ibidem.
257
deterioração, de forma que mesmo o rosto de um dos santos pintados
por Portinari na Capela da Nonna encontrava-se impossível de ser
identificado:
A casa de Portinari, construída por meio precários, poderá ruir a
qualquer momento, pois suas paredes apresentam fendas
acentuadas. Algumas das pinturas ali existentes já estão
parcialmente danificadas, tornando-se difícil o trabalho de
restauração (...)
As imagens de Santa Luzia e São Pedro (afresco) na capelinha
começam a sofrer a influência da umidade que aos poucos se
alastra. Muitos outros afrescos apresentam-se estragados em virtude
das fendas nas paredes, salientando-se a imagem de um santo a
que se presume ser São Judas Tadeu. A parte do reboco, onde foi
pintado o rosto do santo, foi retirada
226
.
A imagem deveria encontrar-se realmente bastante danificada: a
figura de São Judas Tadeu – citada como a possível face do santo
que se encontrava avariada – nunca existiu na Capela da Nonna.
Em uma passagem do mesmo texto, é narrado um episódio
surpreendente, mas sintomático em relação ao descaso enfrentado
pela casa da família Portinari à época: a intenção de Nelson
Rockefeller – político e banqueiro norte-americano, famoso por suas
iniciativas em favor da arte e da cultura, idealizador da política da boa
vizinhança durante o governo do presidente Franklin Roosevelt – em
adquirir a Capela da Nonna e realizar sua transferência integral para
os Estados Unidos:
Segundo informações do sr. Paulo Portinari, irmão mais velho do
artista, o sr. Nelson Rockefeller, tomando conhecimento da
existência da capelinha, junto a residência da família Portinari,
propôs-se a adquiri-la, a fim de levá-la para os Estados Unidos. Tais
informações acrescentam que técnicos norte-americanos foram
enviados a Brodósqui, a fim de examinarem a possibilidade de
transferência, sem, contudo destruir o pequeno templo realizado pelo
artista brasileiro. Declarou o sr. Paulo Portinari que o sr. Rockefeller
mostrou-se disposto a cobrir qualquer oferta, entretanto a família de
Portinari se opõe a qualquer transação que implique na retirada das
obras do artista para fora do país
227
.
Mesmo que um tanto extrema, a idéia em transferir a Capela para fora
do país proposta por Rockefeller não deixava de demonstrar o
abandono ao qual foi relegada a casa de Portinari em Brodowski,
especialmente após a morte do pintor. Além disso, a revelação desse
episódio por parte de um membro da família Portinari à imprensa
certamente possuía uma intenção de “alerta” às autoridades para que
ficassem cientes da existência de pessoas que se interessavam de
alguma forma pelo acervo da casa e preocupavam-se com sua
conservação, e que existia a possibilidade de o país poderia perder
um rico acervo de Portinari até mesmo para estrangeiros caso não
fosse tomada alguma providência por parte do poder público a esse
respeito.
No entanto, a família não aceitaria nenhuma oferta nesse sentido,
uma vez que possuíam a convicção de que as obras de Brodowski
formavam um conjunto único, com um significado intrínseco, um
acervo cuja fragmentação desproveria as obras de seu sentido
original, ligado a um determinado momento da trajetória de Portinari, e
que de certa forma representavam sua ligação com a cidade natal. O
226
CONTINUA ameaçada a casa onde nasceu Portinari, em Brodósqui. In: O Estado de S. Paulo.
São Paulo: 29 dez., 1962.
227
Idem, ibidem.
258
que teria levado então a própria família a não investir na conservação
de um imóvel que era de sua propriedade particular, que portava um
acervo artístico de autoria de Cândido Portinari, pintor brasileiro de
renome internacional, cujas obras certamente alcançariam altíssimos
preços?
O processo que envolve desde os primeiros momentos da idealização
da instituição de um museu na casa de Brodowski até a conclusão do
projeto, em 1970, esbarra em diversos obstáculos que contribuíram
para sua lentidão. A morosidade das negociações da família Portinari
com o poder público demonstra que a mesma, provavelmente,
esperava receber, por parte do poder público, uma oferta de compra
compatível com o valor atribuído àquelas obras que no interior da
casa se encontravam. Provavelmente, ao não receber a oferta de um
valor considerado justo pela casa, as negociações foram prolongadas,
levando a casa a ficar um longo período “à espera” de que se
resolvesse qual seria seu destino.
A inevitável burocracia política também foi um fator que levou o projeto de
transformação da casa de Portinari em Brodowski em museu a se tornar ainda mais
moroso. Embora a intenção de concretizá-lo fosse clara, este não era visto como
uma prioridade pelas políticas públicas em relação à cultura e ao patrimônio. Uma
reportagem de jornal publicada em 1967 – quando o projeto ainda não havia se
concretizado – menciona entraves burocráticos que devem ter contribuído para a
morosidade do processo:
A última notícia que se tem do projeto é sua aprovação pela
Comissão de Educação e Cultura da Câmara, em princípios do ano
passado. Todavia, parece prejudicado pelas medidas que vedam aos
parlamentares iniciativas de que decorram aumento de despesas.
Enquanto isso, a casa do grande pintor, que pode transformar
Brodósqui num ponto de atração turística de reputação internacional,
continua ameaçada pelo tempo, que se não poupa aos homens,
pode, no entanto, poupar as suas criações, se devidamente
protegidas
228
.
Com isso, acreditamos que um fato foi fundamental para que o projeto
de criação de um museu na casa de Portinari em Brodowski não
acabasse por cair no esquecimento: a continuidade de Rodrigo Melo
Franco de Andrade na direção do SPHAN, de 1937 até 1968. Rodrigo
presenciou desde o momento inicial da concepção das pinturas
presentes na casa até sua conclusão – como demonstram algumas
correspondências – testemunhando também o abandono da casa e o
desenrolar do processo que visava ao tombamento. Como diretor do
Serviço do Patrimônio Histórico Nacional, nesse cargo permanecendo
por mais de trinta anos, e como amigo pessoal de Cândido Portinari, a
atuação de Rodrigo com relação à casa de Brodowski deu-se
certamente no sentido de zelar para que a busca por seu tombamento
e transformação em Museu não fosse abandonado com o tempo.
Quando Rodrigo faleceu, em 1968, o processo encontrava-se
praticamente concluído.
228
A CASA de Portinari. O Estado de S. Paulo. São Paulo: 2 maio, 1967.
259
Uma notícia d’ O Estado de S. Paulo ressalta também a atuação de amigos
do artista no sentido da luta pela preservação daquele espaço:
A casa em que nasceu Portinari, não obstante seu péssimo estado
de conservação, tem atraído inúmeros visitantes não somente do
País como do exterior, tal a curiosidade despertada pelos trabalhos
existentes em suas paredes. (...) Artistas amigos de Portinari tem
alertado as autoridades competentes, a fim de que providências
necessárias possam ser tomadas para a restauração urgente
daquele patrimônio artístico
229
.
A reportagem ainda elenca algumas iniciativas que buscavam a preservação
e a transformação da casa em um museu de arte:
O arquiteto Luis Saia manifesta-se favorável ao tombamento da casa
de Portinari e, no caso da impossibilidade da realização de tal
objetivo, acredita que a desapropriação pelo governo federal,
estadual ou municipal seria a solução mais adequada. “Desse modo
– continua – a residência de Portinari poderia ser aproveitada para
fins culturais e até mesmo para uma colônia de artistas”
230
.
As autoridades locais também se mobilizaram em prol da preservação da
casa. À época foi expedida, pelo então prefeito da cidade de Brodowski, Antônio
Martins Barradas, uma solicitação ao governador do Estado de São Paulo, Carlos de
Carvalho Pinto, que pedia que providências fossem tomadas com relação à situação
pela qual a casa passava. A Câmara Municipal de São Paulo também solicitou, à
época, que o SPHAN realizasse o tombamento do prédio
231
.
Em dezembro de 1964, o Correio Braziliense noticiava que tramitava no
Congresso Nacional um projeto de lei que reivindicava a desapropriação da casa de
Brodowski:
Hoje, passados quase três anos de sua morte, Portinari volta a ser
notícia. Tramita agora pelo Congresso Nacional, projeto de lei de
autoria dos deputados Waldemar Pessoa, Menotti Del Picchia e Paulo
[Lauro] Cruz, propondo a desapropriação da casa do menino simples
de Brodósqui. A casa, incorporada ao patrimônio nacional, seria
transformada mais tarde em museu, onde se perpetuaria, para a
posteridade, o gênio de pintor, a alma de poeta que foi Cândido
Portinari
232
.
229
CONTINUA ameaçada [...]. Op. cit.
230
Idem, ibidem.
231
Idem, ibidem.
232
MONTANDON, M. A. “Disse um preto desconhecido a Portinari: ‘Pena que o senhor um dia vai ter
de morrer’”. In: Correio Braziliense. Brasília: 6 dez., 1964.
260
O citado projeto, de número 4.895, do ano de 1963, possuía as seguintes
disposições:
Art. 1
o
. Fica o Poder Executivo autorizado a tombar e adquirir o
imóvel, constituído do prédio e respectivo terreno, situado na cidade
de Brodósqui, no Estado de São Paulo, onde nasceu o pintor
Cândido Portinari, com o acervo artístico e histórico nele existente.
Art. 2
o
. Para cumprimento do disposto no artigo anterior, o Poder
Executivo firmará convênio com os herdeiros em que será fixado o
preço do imóvel, bem como as condições de pagamento, e enviará
Mensagem ao Congresso Nacional solicitando o respectivo crédito.
Art. 3
o
. O imóvel de que trata a presente lei integrará o Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, cabendo ao Ministério da Cultura
regulamentar o seu aproveitamento.
Art. 4
o
. Esta lei entrará em vigor na data da sua publicação,
revogadas as disposições em contrário
233
.
Esse projeto de lei, em seu texto, reverencia Portinari enquanto artista e
enquanto ser humano. Como já foi ressaltado anteriormente, também aqui, como na
maior parte dos textos escritos a seu respeito, suas qualidades humanas eram
equiparadas às suas habilidades como pintor. Logicamente, estando Menotti Del
Picchia entre os deputados que redigiram o projeto, não é surpreendente que ao
menos boa parte do texto esteja impregnada pelo sentimento de uma amizade de
longos anos como havia sido a de Menotti e Portinari. O escritor chegou a dedicar o
exemplar n
o
. 0 de seu Juca Mulato ao pintor, que não pôde comparecer ao
lançamento do mesmo por motivos de saúde, vindo a justificar-se em carta
posteriormente
234
.
O projeto ainda ressalta a fama alcançada, especialmente pela Capela, com
Portinari ainda em vida, e de como a casa, com sua transformação em museu, se
configuraria em uma espécie de “local de peregrinação” para os admiradores de
Portinari:
233
CÂMARA dos Deputados. Projeto n
o
. 4.895, 1963, p. 01.
234
PORTINARI, Cândido. Carta. Rio de Janeiro, RJ: Nov.,1959 [para] Menotti Del Picchia, São Paulo,
SP.
261
Ainda em vida do artista a fama dessas obras-primas da pintura brasileira vai
levando turistas em visitação a esses lugares. Fazem ali o que fazem os que, passando por
Pádua, procuram a capela de Giotto.
Esses lugares, com o desaparecimento do artista, tornaram-se
sagrados para a cultura brasileira. A incorporação dos mesmos ao
patrimônio nacional, não apenas os preservará do desgaste ou ruína,
como está começando a acontecer segundo testemunhos que nos
chegam de Brodósqui, como os transformará num museu de arte
destinado à peregrinação dos que cultivam os mais altos valores
humanos, os eternos valores de cultura
235
.
Chamando a atenção para o mal estado de conservação do local, o
projeto oficializava uma denúncia que há algum tempo figurava na
imprensa. No entanto, esse pedido de desapropriação da casa ainda
tramitaria por alguns anos no Congresso, até que fosse finalmente
concluído, em 1968, quando o então governador do Estado de São
Paulo, Roberto Costa de Abreu Sodré, autorizou a desapropriação e o
tombamento, incorporando a casa ao patrimônio do Estado.
O projeto de lei que previa o tombamento da casa data do ano de 1963. O
processo ainda se desenrolava quando, em 1964, ocorreria a instauração da
ditadura militar, que começava a censurar os meios de comunicação e algumas
manifestações artísticas.
Entretanto, a continuidade do processo de tombamento da casa de
Portinari em Brodowski, sendo ele anterior à implantação da ditadura,
demonstra o tipo de manifestação cultural à qual o Estado não
colocava obstáculos, pesando ainda o fato do projeto ter se
concretizado justamente quando do endurecimento da ditadura, logo
após a decretação do AI-5, em 1968.
Naquele momento, a proposta oficial com relação à cultura era a de
reafirmação da brasilidade. A política cultural do regime encaminhava-se para a
construção de um projeto hegemônico através da apropriação e manipulação dos
símbolos nacionais e dos elementos regionais. O Estado buscava trazer para si a
função de “manter acesa a chama da memória nacional”, transformando-se assim no
“no criador e bastião da identidade nacional”
236
.
A obra de Portinari enquadrava-se sobremaneira no projeto de
brasilidade da ditadura militar
237
. Esta reafirmação da nacionalidade
235
CÂMARA dos Deputados. Projeto no. 4.895, 1963, p. 02.
236
OLIVEN, R. G. A relação Estado e cultura no Brasil: cortes ou continuidade? In: MICELI, S. (org).
Estado e cultura no Brasil. São Paulo: Difel, 1984, p. 51.
237
A despeito de Portinari ter pertencido ao PCB, era reconhecido como um artista que havia
retratado com maestria o “povo brasileiro”. Os militares apropriaram-se do nacional popular caro às
262
brasileira buscada pela ditadura militar era semelhante à política
cultural do varguismo, época em que Portinari fora cooptado para
colocar sua arte a serviço do Estado.
Dois momentos políticos então se entrecruzam ao contemplarmos a
trajetória da casa de Portinari em Brodowski: os governos de Vargas
(1937-1945 e 1950-1954) e o governo ditatorial iniciado a partir do
golpe militar de 1964. O processo da constituição inicial de seu
acervo, passando por sua decadência, pelas tentativas de resgatá-la
enquanto portadora da memória do artista, até sua consolidação
como Museu é marcado pelas atuações dessas duas políticas – por
vezes análogas, mas também diversas em determinados pontos.
Como ressalta Renato Ortiz, tanto em 1937 quanto em 1964, a
política no país foi definida através de uma visão autoritária, que no
plano da cultura foi representada através da censura e também pelo
incentivo de determinadas ações culturais. O governo militar
desenvolveu atividades na esfera cultural, e Vargas criou uma série
de instituições como o Instituto Nacional do Livro, o Instituto Nacional
do Cinema Educativo, museus, bibliotecas, além de promover
profundas transformações na área da educação. No entanto, ao lado
dessas importantes realizações, o braço repressor do DIP não deixou
de se manifestar
238
.
No entanto, o autor faz questão de diferenciar a atuação dessas duas
políticas, chamando a atenção para os momentos econômicos
diferentes aos quais pertenceram. A atuação de Capanema em
relação à política cultural possuía “limites impostos pelo próprios
desenvolvimento da sociedade brasileira
239
”, sendo que o principal
ponto de diferenciação entre esses dois momentos é justamente a
conjuntura econômica na qual o Brasil se inseria nos anos pós-64,
que era completamente diversa da do Estado Novo. O que
diferenciaria esses dois momentos é que em 1964 o regime militar se
inseria dentro de um quadro econômico distinto. A relação que se
estabelece, portanto, entre o estado e os grupos empresariais é
diversa nesses dois momentos políticos, pois somente a partir da
década de 1960 é que esses grupos poderiam se assumir como
portadores de um capitalismo que aos poucos se desprende de sua
insipiência
240
.
Em relação às políticas de patrimônio cultural da época, algo de
continuidade ainda permanecida no ar. O SPHAN – Serviço do
Patrimônio Histórico Nacional – mesmo após o golpe de 1964, era
ainda dirigido por Rodrigo Melo Franco de Andrade, como já
mencionamos, que iria manter-se como diretor da entidade até 1968,
ano de sua morte, sendo então sucedido por Aloísio Magalhães. Esse
fato reflete que, mesmo que os militares tenham realizado profundas
mudanças no que toca à política cultural brasileira, criando e
extinguindo entidades e cargos, a essência do pensamento no que
toca ao patrimônio histórico surgida a partir da criação do SPHAN em
1937 pouco havia se alterado, ao ocupar Rodrigo M. F. Andrade o
mesmo cargo que assumira quase trinta anos antes.
Amigo de Cândido Portinari por longos anos, Rodrigo M. F. Andrade
havia testemunhado a fase na qual o artista realizou as pinturas da
casa de Brodowski, tendo trocado com o amigo algumas
correspondências contendo impressões sobre essas obras. Como já
apontamos anteriormente, o mesmo homem que, nos anos 1930, já
havia mencionado uma possível transformação da casa de Portinari
ideologias das esquerdas e transformaram tais representações em uma identidade harmônica,
esvaziada de tensões sociais.
238
ORTIZ, R. A moderna tradição brasileira. São Paulo: Brasiliense: 1991. p. 116.
239
Idem, ibidem.
240
Idem, p. 117.
263
em patrimônio histórico
241
, ainda atuava quando da tramitação do
projeto de tombamento até uma data próxima à conclusão do mesmo,
que culminaria com a instituição do Museu.
De acordo com o jornal O Estado de S. Paulo de 2 de maio de 1967, desde
alguns anos antes já vinham sendo tomadas algumas atitudes mais efetivas no
sentido da preservação da casa da família Portinari e seu possível tombamento e
transformação em museu. Entre essas estavam o contato do governador de São
Paulo em 1963, Carvalho Pinto, com o professor Darcy Ribeiro, então ministro da
Educação. O governador teria telegrafado ao ministro pedindo que a casa fosse
tombada pelo SPHAN. A intenção de levar a cabo o tombamento da casa foi tornada
pública por Rodrigo Mello Franco de Andrade, então diretor do SPHAN, que teria
enviado um telegrama a Carvalho Pinto – que à época da publicação da reportagem,
em 1967, ocupava o cargo de senador por São Paulo – dizendo que “o tombamento
da casa de Portinari constituirá inexcedível serviço à cultura brasileira”
242
.
A proposta do SPHAN com relação ao patrimônio cultural, com o
passar dos anos, alterou-se muito pouco até o final dos anos 1960. O
que percebemos é a continuidade da vinculação, nesse sentido, a
uma política federal que reduzia os bens culturais dignos de
tombamento e preservação somente aos monumentos arquitetônicos,
de “pedra e cal”, o que teria, em 1937, num momento inicial das
políticas de preservação no país, uma função educativa pois pela
“visibilidade física e presença na história oficial, seria a opção de
maior e mais imediato impacto educativo”
243
. Essa política se
reencaminharia para uma proposta mais aberta a respeito do
patrimônio cultural nacional somente quando Magalhães assumira a
presidência do SPHAN. Idealizada em 1937 por Mário de Andrade,
essa proposta se materializou em seu projeto para a implantação do
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e visava a soma
de antigas instituições às novas, para formar a visão de um Brasil
moderno e projetado para o futuro, porém voltado também para o
241
É citada no segundo capítulo desse trabalho uma correspondência enviada por Rodrigo Melo
Franco de Andrade para Portinari comentando a respeito da obra Fuga para o Egito e a respeito do
trabalho então desenvolvido pelo artista na casa de Brodowski, onde pela primeira vez é citada a
intenção de tombamento da casa. Essa idéia era compartilhada também pelo então ministro da
educação e saúde, Gustavo Capanema que, em carta enviada ao artista em 1941, comenta que faria
a Rodrigo o pedido do tombamento da Capela da Nonna. A esse respeito, ver: ANDRADE, Rodrigo
Mello Franco de. Carta. Rio de Janeiro, RJ: 16 fev., 1937 [para] Cândido Portinari, Rio de Janeiro, RJ.
2 p.; PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 27 fev., 1941 [para] Gustavo Capanema, Rio de
Janeiro, RJ. 2 p.; PORTINARI, Cândido. Carta Brodowski, SP: 5 mar., 1941 [para] Gustavo
Capanema, Rio de Janeiro, RJ; e CAPANEMA, Gustavo; Ministério da Educação e Saúde. Carta. Rio
de Janeiro, RJ: 12 mar., 1941 [para] Cândido Portinari, Brodowski, SP. 2 p.
242
A CASA de Portinari. In: O Estado de S. Paulo. São Paulo: 2 maio, 1967.
243
FALCÃO, J. A. Política cultural e democracia: a preservação do patrimônio histórico e artístico
nacional. In: MICELI, S. (org). Op. cit., p. 29.
264
conhecimento e incorporação de seu passado, com a revalorização
do folclore e da arte popular.
De certa forma, a casa de Portinari em Brodowski também não
deixava de enquadrar-se nessa visão de patrimônio que ainda
permeava as políticas públicas de preservação quando de sua
desapropriação e tombamento.
A desapropriação do imóvel, em 1968, no entanto, não resolveu
imediatamente o problema do abandono pelo qual a casa passava.
Em artigo veiculado pela revista Manchete, publicado em 1968,
consta um trecho que bem resume essa situação:
É a Praça Cândido Portinari. Bem no meio a igreja. Do lado esquerdo
de quem olha a igreja de frente, uma casa grande, com um muro de
grade verde e duas placas, uma das quais nem dá mais pra ler:
“Fechado por determinação da família”. A outra é nova, diz que a
entrada é proibida e foi colocada pelo Governo do Estado, que
desapropriou a casa de Portinari, em Brodósqui, cidade de 4 mil
habitantes a 400 quilômetros da capital
244
.
A casa, que mesmo desapropriada ainda continuava abandonada, foi fechada
à visitação, devido ao péssimo estado de conservação em que se encontrava sua
estrutura e as obras deixadas por Portinari em seu interior. Na mesma reportagem,
podemos ver que, mesmo com uma grande precariedade de recursos, a
municipalidade ainda toma algumas medidas, buscando proteger a casa e suas
obras de alguma forma. Para visitar a casa, na época, era necessário pedir
autorização à polícia. O fato é assim narrado pela reportagem:
Todos os delegados de polícia designados para trabalhar em
Brodósqui já vão recomendados para ter muito cuidado com o
patrimônio artístico da cidade, que se resume na casa do pintor e na
igreja da praça, que tem uma obra. Há sempre um guarda da Força
Pública na porta e de noite dois: um dormindo dentro da casa e outro
rondando-a, por fora. Esse soldado tem todas as chaves da casa e da
capelinha, ao lado
245
.
Tamanho era o abandono pelo qual passava a casa que um policial
permanecia em seu interior à noite, para evitar possíveis invasões e
que os afrescos e têmperas de seu interior pudessem perder-se para
sempre devido a algum ato de vandalismo. A casa ainda possuía à
época alguns quadros pintados por Portinari, que nos dias de hoje já
não fazem mais parte de seu acervo: a mesma reportagem cita o
quadro Os Carregadores, que se encontrava “no chão, e qualquer
pessoa que passar corre o risco de chutar esse quadro, ou outros
sem identificação
246
”.
O processo de desapropriação e tombamento da casa concluiu-se somente
em 1969. De acordo com o depoimento de Roza Therezinha Morando – uma das
244
PORTINARI, uma casa cheia de arte. In: Manchete [?]. Rio de Janeiro, RJ, 1968.
245
Idem, ibidem.
246
Idem, ibidem.
265
primeiras funcionárias do Museu Casa de Portinari, que ainda reside em Brodowski
– nesse mesmo ano o Museu foi aberto à visitação e já possuía funcionários
nomeados, ligados à Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Roza
menciona que acompanhou todo o trabalho de restauração da casa, que teria sido
realizado em dez dias pelo professor Edson Motta, do SPHAN, que teria passado
aos funcionários muitas noções sobre arte e pintura, uma vez que estes não
conheciam o assunto em profundidade
247
.
O Museu foi inaugurado no dia 14 de março de 1970
248
, com a presença de
dona Domingas, mãe de Portinari, e de diversas autoridades e figuras do mundo
artístico e intelectual de São Paulo. A ocasião noticiada pela revista O Cruzeiro de
31 de março de 1970, que também mencionou as circunstâncias da desapropriação
da casa:
A área onde se situa a casa do pintor foi desapropriada pelo
governador Sodré, no ano passado, por 245 mil cruzeiros novos.
Logo a seguir, foi iniciada a sua restauração, a fim de transforma-la
em museu nacional. A casa é de tijolo assentado a barro. Havia
muitas rachaduras. O mau estado da alvenaria estava destruindo as
pinturas do artista (...)
249
.
O preço pago pelo governo do estado à família Portinari pela desapropriação
foi considerado simbólico pela imprensa. A revista Manchete, em sua edição de 29
de dezembro de 1973, considerou o preço “irrisório em comparação com os tesouros
que ela guarda”
250
.
Como já mencionamos, as negociações a respeito do preço a ser pago à
família Portinari pela casa pode ter sido um dos fatores que levaram ao atraso de
sua desapropriação. Guardiã de um rico acervo de arte, a casa provavelmente
247
MORANDO, Roza Therezinha. Depoimento. Brodowski: 12/04/2005, 46 min.
248
De acordo com os convites de inauguração do Museu, que hoje fazem parte do acervo do Museu
Casa de Portinari.
249
SILVA, A. Casa de Portinari agora é museu. In: O Cruzeiro. Rio de Janeiro: 31 mar. 1970, p. 129.
250
SILVEIRA, J. Brodowski, a doce terra do menino Candim. In: Manchete, Rio de Janeiro: 29 dez.,
1973, p. 82.
266
poderia alcançar um preço maior. No entanto, o avançado estado de deterioração e
às pressões exercidas pela imprensa e pelos admiradores de Portinari fizeram com
que fosse pago um valor considerado baixo na compra da casa, pois somente dessa
forma o processo de restauração e institucionalização do Museu pôde ser acelerado.
A intenção do Museu, desde sua inauguração, era ter o dia-a-dia e os hábitos
de Portinari como temas. Assim, a maior parte dos cômodos da casa foram abertos
à exposição de maneira a parecer que exerciam a mesma função de quando
Portinari ainda freqüentava a casa:
Quando as dezenas de convidados e visitantes entraram na casa de
Portinari, hoje transformada em museu, sentiram que ali faltava
apenas a presença física do imortal artista. A mesma poltrona, os
mesmos livros, as mesas, cadeiras e até mesmo utensílios de
cozinha estavam dispostos, como nos tempos em que ele vivia ali
251
.
A forma de organização do museu ressalta o tipo de memória que Portinari
buscou reproduzir a respeito de si mesmo por toda vida, ligada à simplicidade, ao
gosto pela convivência em família e o amor à arte, à qual dedicou um espaço
especial no interior da residência. Com a inauguração do Museu, estava então
reconhecida a existência da casa de Brodowski como um lugar de memória do
artista, que dali para frente deveria ser visto como um referencial a seu respeito,
sendo aquele um local onde sua memória estaria preservada, a salvo do
esquecimento.
Mesmo antes de ser convertida em Museu, a casa de Portinari em
Brodowski, cumpria o papel de ser uma referência a respeito do
pintor. Enquanto lugar de memória, continuou a exercer essa sua
função mesmo quando passou por seu processo de abandono entre
as décadas de 1950 e 60, período que coincidentemente marca a
decadência física de Portinari pela doença que o acometeu, até sua
morte em 1962.
Numa tentativa de salvar do esquecimento a memória de um artista que havia
sido alçado como dos maiores expoentes da arte do país, a institucionalização do
Museu Casa de Portinari surgiu como uma garantia de que a memória do pintor
251
Silva, Arlindo. Op. cit.
267
permaneceria ligada à sua cidade natal. Estava assim consolidado seu discurso e a
perpetuação de sua memória, num lugar cujo processo de surgimento, auge,
decadência e renascimento confundiu-se com a própria trajetória do pintor e suas
obras, já que a inauguração do Museu abriu caminho para diversas outras
manifestações na tentativa de que sua obra não se fragmentasse definitivamente,
como foi a criação do Projeto Portinari, em 1979, da organização de exposições
retrospectivas e do lançamento e relançamento de publicações a respeito do artista.
268
CONCLUSÃO
Em nosso trabalho, buscamos observar como o pintor Cândido Portinari – ao
constituir um acervo de pinturas murais ao longo das décadas de 1930 e 1940 na
casa onde vivia sua família e passou sua infância na cidade de Brodowski (SP) –
terminou por configurá-la, ainda que involuntariamente, num lugar de memória.
Portinari possuía uma ligação pessoal muito forte com a casa, tendo sido ela
o local onde morou até os quinze anos, idade com que partiu para o Rio de Janeiro,
vindo a estudar no Liceu de Artes e Ofícios e na Escola Nacional de Belas Artes.
Sua família, no entanto, continuou a residir na casa, passando esta a ser o destino
freqüente de Portinari em suas temporadas de férias, especialmente após sua volta
da viagem à Europa, em 1931, de onde regressou com o propósito de realizar uma
arte verdadeiramente brasileira.
Dessa forma, buscamos primeiramente inserir a trajetória de Portinari na
história da constituição física da casa de Brodowski, dos primeiros momentos da
chegada de sua família e seu estabelecimento definitivo na cidade, passando pelo
momento em que Portinari deixa a casa aos quinze anos, até esta ser novamente
revalorizada pelo artista como um lugar importante em sua história de vida, a partir
do início dos anos 1930. Também traçamos um panorama a respeitos das artes no
Brasil nas primeiras décadas do século XX e como Portinari nele se insere a partir
dos anos 1930, trazendo inovações e uma nova proposta plástica para a arte
brasileira. Dessa forma, vemos como o artista começa a realizar seu trabalho em
busca de novas técnicas e formas de pintura, o que se reflete através do acervo da
casa.
A convivência com a forte religiosidade da família quando criança fez com
que o artista, ao lembrar-se da casa de Brodowski, prontamente a associasse às
269
lembranças mais remotas de seu tempo de infância, que estavam ligadas
especialmente ao medo que sentia do diabo e ao respeito que possuía pelos santos.
Portinari, portanto, ao eleger a temática sacra para as pinturas murais da casa e da
Capela da Nonna, demonstra como as figuras religiosas estavam presentes em sua
memória quando pensava especificamente na casa.
Vale ainda lembrar que as memórias pertencentes à infância do artista,
ligadas às brincadeiras de criança e mesmo ao trabalho e aos trabalhadores do
campo, foram matéria-prima para boa parte das obras do artista, mas que a eleição
da temática sacra para a decoração da casa de sua família em Brodowski está
ligada de maneira estrita às lembranças que aquele espaço privado lhe trazia. A
memória involuntária do artista aí se faz presente, visto ter escolhido a temática
sacra e não outros temas, como por exemplo, os sociais, presentes na maior parte
de suas obras.
Ao mesmo tempo em que expressam a memória involuntária do pintor, as
pinturas que realizou nas paredes da casa de Brodowski também se configuram
como experimentações de novas técnicas, uma vez que em nenhuma outra obra
anterior às do interior da casa o artista havia utilizado o afresco – técnica eleita pelo
pintor para compor Fuga para o Egito, São Francisco pregando aos pássaros, as
Cabeças de Mulata e o Perfil da Avó – e também a pintura mural a têmpera – usada
nas figuras da Capela da Nonna. Consideramos as obras de Brodowski como
“experimentos”, no sentido de que o artista ali primeiro realizou obras de arte
inteiramente finalizadas, utilizando técnicas cujos resultados ainda eram por ele
desconhecidas até então. A experiência com o afresco na casa, realizada entre 1934
e 1940, certamente levou Portinari a perceber a viabilidade da técnica também para
os murais dos ciclos econômicos do Ministério da Educação e Saúde, que realizara
270
por encomenda do ministro Gustavo Capanema a partir de 1936. Da mesma forma,
na Capela da Nonna, pintada em fevereiro de 1941, Portinari congregou a pintura
mural à pintura em têmpera, técnicas que aplicaria ao final do mesmo ano na
realização dos grandes painéis para a Biblioteca do Congresso em Washington, nos
Estados Unidos. As mesmas técnicas passam a ser recorrentes em outros trabalhos
posteriores de Portinari.
Dessa forma, enquanto realizava essas experimentações em pintura na casa
de Brodowski, Portinari trocou um grande volume de cartas com diversos
interlocutores, que, além de amigos pessoais, também eram pessoas influentes,
especialmente nas artes e na cultura, como os escritores Carlos Drummond de
Andrade e Mário de Andrade, o ministro Gustavo Capanema, o presidente do
SPHAN, Rodrigo M. F. de Andrade e outros personagens. Ao mesmo tempo em que
discutiam assuntos pessoais, a respeito de artes ou ligados ao universo cultural do
Brasil entre as décadas de 1930 e 1940, esses interlocutores foram informados por
Portinari a respeito da concepção e do andamento dos trabalhos que o artista estava
então realizando na casa de Brodowski.
Nessas missivas, o artista expunha os temas e as técnicas escolhidas para
essas obras, expressando sua ansiedade quando do início da confecção de uma
obra e também sua satisfação com os resultados finais alcançados, impressões
essas partilhadas com os amigos com os quais se correspondia, que também davam
suas opiniões, tendo sido estes os responsáveis pela divulgação do acervo da casa,
fazendo com que este não ficasse restrito apenas ao plano privado, mas que,
especialmente através da imprensa, levaram o acervo ao conhecimento de um
público bastante vasto ao aprovarem esteticamente os trabalhos ali realizados.
271
Nessas cartas, ao mesmo tempo em que Portinari se comunica com amigos
próximos e queridos, o artista busca legitimar o acervo que então constituía na casa
de Brodowski, pois buscava trocar opiniões e impressões sobre essas obras com
seus interlocutores, que poderiam servir-lhe de parâmetro para julgar se a temática e
as técnicas experimentadas na casa poderiam ser também usadas fora daquele
espaço.
O reconhecimento dado ao acervo através dessas correspondências
colaborou para que, mais tarde, mesmo quando a casa e seu acervo passaram por
um processo de abandono e gradual deterioração, essa não fosse esquecida e
continuasse a ser vista como um lugar que era portador de obras importantes de
Portinari, que faziam parte da construção da memória do artista ao terem sido
concebidas de maneira a refletir seu sentimento pessoal em relação à casa e às
lembranças que essa evocava. Esses amigos, com os quais Portinari se
correspondeu, tiveram uma atuação fundamental no sentido de não deixar a casa
cair no esquecimento e, mesmo que o processo de seu tombamento e
transformação em museu tenha sido bastante moroso, este não foi abandonado
justamente devido, especialmente, ao fato que seus diversos interlocutores ainda
permanecerem em posições de destaque na política e na cultura nacionais mesmo
após a morte de Portinari, ocorrida em 1962. É o caso de Rodrigo M. F. de Andrade
– diretor do SPHAN de 1937 a 1968, ano do tombamento da casa – que
testemunhou o início da constituição do acervo da casa até o momento da conclusão
do processo de transformação da mesma em patrimônio histórico e artístico
nacional, ou do escritor Menotti Del Picchia que, tendo sido grande amigo de
Portinari, foi um dos autores do projeto de lei lançado em 1963 e que determinava o
tombamento da casa.
272
Portinari expressou das mais diversas formas a sua memória, que estava
especialmente ligada aos seus primeiros anos de vida: escreveu uma autobiografia,
Retalhos de minha vida de infância – poemas autobiográficos, deu depoimentos a
seu respeito para que amigos como Antônio Callado também escrevessem a seu
respeito, possuindo ainda um significativo número de autores que sobre ele
escreveram, tanto quanto o pintor ainda vivia quando postumamente. Dessa forma,
no trabalho que agora concluímos, esperamos ter demonstrado como a casa de
Portinari em Brodowski configura-se como um lugar de memória do pintor, ainda que
assim tenha se consolidado de maneira involuntária. Constituído de maneira
espontânea pelo artista, que ali imprimiu através da arte sacra suas impressões e
seus sentimentos ao tomar contato com a casa, o acervo da casa mostra como
Portinari acabou fazendo de Brodowski uma referência a seu respeito, passando a
cidade a contar com um lugar onde sua memória pudesse se fazer presente através
de obras que haviam sido concebidas especialmente para ali figurar, que de lá não
poderiam sair, por ter como suporte as próprias paredes da casa onde o artista
nasceu. Na casa fica então expressa a memória do artista através de pinturas com
características particulares em sua obra, que demonstram como esse acervo, fruto
de um trabalho espontâneo e carregado de afetividade, foi uma experiência
fundamental para que sua imagem jamais fosse desvinculada da terra onde nasceu,
e que também contribui para o desenvolvimento de todo o seu trabalho como pintor
a partir de então.
Finalmente, esperamos ter, com esse trabalho, contribuído para os estudos
sobre a obra de Cândido Portinari, pois, tendo sido aqui privilegiada a vertente sacra
de seu trabalho como pintor, ainda pouco explorada em outros trabalhos
acadêmicos, buscamos demonstrar como esse viés, em Portinari, não prestava-se
273
somente à ornamentação de um local, estando essa arte carregada de significados
particulares para o pintor, que a considerava também como possuidora de uma
função social. Dessa forma, buscamos inserir o acervo da casa de Portinari em uma
posição de destaque dentro da obra do artista, tendo sido estas realizadas em
momentos decisivos de sua carreira. Portinari buscou, em vida, perpetuar sua
memória através dos mais diversos registros escritos – como sua autobiografia, as
biografias que outros autores escreveram a seu respeito e seus poemas – e também
o fez através das pinturas de Brodowski. Através do estudo aqui empreendido,
buscamos também contribuir para o debate acerca da construção da memória do
artista, que, estando essa ligada à sua terra natal, tem na casa de Brodowski seu
mais representativo lugar.
274
BIBLIOGRAFIA
1) Fontes:
1.1) Pinturas:
PORTINARI, C. Cabeça de Mulata I. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari, 1934
(pintura mural em afresco).
PORTINARI, C. Cabeça de Mulata II. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari,
1934 (pintura mural em afresco).
PORTINARI, C. Fuga para o Egito. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari, 1936
(pintura mural em afresco, 155 x 170 cm).
PORTINARI, C. São Jorge e o dragão. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari,
1945 (pintura mural a têmpera).
PORTINARI, C. São Francisco pregando aos pássaros. Brodowski (SP): Museu
Casa de Portinari, 1934 (pintura mural em afresco).
PORTINARI, C. Santa Luzia e São Pedro. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari,
1941 (pintura mural a têmpera, 180 x 76 cm.).
PORTINARI, C. Jesus. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari, 1941 (pintura
mural a têmpera, 180 x 76 cm).
PORTINARI, C. A Visitação. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari, 1941 (pintura
mural a têmpera, 180 x 160,5 cm).
PORTINARI, C. São João Batista. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari, 1941
pintura mural a têmpera, 180 x 76 cm).
PORTINARI, C. São Francisco de Assis. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari,
1941 (pintura mural a têmpera, 180 x 75 cm).
PORTINARI, C. A Sagrada Família. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari, 1941
(pintura mural a têmpera, 180 x 163 cm).
275
PORTINARI, C. Santo Antônio. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari, 1941
(pintura mural a têmpera, 180 x 75 cm).
PORTINARI, C. Sermão aos peixes. Brodowski (SP): Casa da Nonna, Museu Casa
de Portinari, 1942 (pintura mural em afresco).
1.2) Correspondências:
ALMEIDA, Lúcia Machado de; Almeida, Antônio Monteiro Machado de. Carta.. Belo
Horizonte, MG: 11 set.,1943 [para] Portinari, Cândido. Rio de Janeiro, RJ, 2 p.
ALMEIDA, Rosalita Mendes de. Carta. Rio de Janeiro, RJ: 12 jul., 1930 [para]
Portinari, Cândido. Paris. 4 p.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Carta. Rio de Janeiro, RJ: 4 ago., 1939 [para]
Portinari, Cândido. Rio de Janeiro, RJ: 4 p.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Carta. Rio de Janeiro, RJ: 18 mar., 1941 [para]
Portinari, Cândido. Brodowski, SP,. 3 p.
ANDRADE, Mário de. Carta. São Paulo, SP: 4 mar., 1941 [para] Portinari, Cândido.
Brodowski, SP, 4 p.
ANDRADE, Mário de. Carta. São Paulo, SP: 10 mar., 1941 [para] Portinari, Cândido.
Brodowski, SP, 2 p.
ANDRADE, Mário de. Carta. São Paulo, SP: 9 abr., 1941 [para] Portinari, Cândido.
Rio de Janeiro, RJ, 4 p.
ANDRADE, Mário de. Carta. São Paulo, SP: 12 mar., 1942 [para] Portinari, Cândido.
Brodowski, SP, 2 p.
ANDRADE, Mário de. Carta. São Paulo, SP: 9 nov., 1942 [para] Portinari, Cândido.
Rio de Janeiro, RJ.
ANDRADE, Rodrigo Mello Franco de. Carta. Rio de Janeiro, RJ: 16 fev., 1937 [para]
Portinari, Cândido. Rio de Janeiro, RJ, 2 p.
BENTO, Antonio. Carta. Rio de Janeiro, RJ: 18 fev., 1937 [para] Portinari, Cândido.
Brodowski, SP.
BROWNING, Lenore. Carta. New York, NY: May 7, 1941 [para] Portinari, Maria. Rio
de Janeiro, RJ, 2 p. (em inglês).
CAPANEMA, Gustavo; Ministério da Educação e Saúde. Carta. Rio de Janeiro, RJ:
12 mar.,1941 [para] Portinari, Cândido. Brodowski, SP, 2 p.
276
COSTA, Lucio. Carta. Rio de Janeiro, RJ: 25 jan., 1941 [para] Portinari, Cândido.
Brodowski, SP, 2 p.
FABBRI, Ida Portinari. Carta. Brodowski, SP: 9 out.,1940 [para] Portinari, Cândido;
PORTINARI, Maria. New York, NY, 4 p.
FABBRI, Ida Portinari; PORTINARI, Baptista. Carta. Brodowski, SP: 5 jul., 1942
[para] Portinari, Cândido; Portinari, Maria; Portinari, Luiz. Rio de Janeiro, RJ, 4 p.
HORN, Florence. Carta. [s.l.]: May, 1942, [para] Portinari, Cândido. [Rio de Janeiro,
RJ: ], 2 p. [inglês]
LANDUCCI, Lélio. Carta. Rio de Janeiro, RJ: jan., 1941, [para] Portinari, Cândido.
Brodowski, SP.
LEÃO, Olga Portinari. Carta. Rio de Janeiro, RJ: 26 jan., 1953 [para] Portinari,
Cândido; Portinari, Maria. [Brodowski, SP], 2 p.
LEÃO, Rosinha. Carta. Rio de Janeiro, RJ: 1941 [para] Portinari, Cândido.
Brodowski, SP, 2 p.
LEÃO, Rosinha. Carta. Rio de Janeiro, RJ: mar., 1942 [para] Portinari, Maria.
Brodowski, SP, 2 p.
LITURGICAL Art Society; Lavanoux, Maurice. Carta. New York, NY: Feb. 16, 1942
[para] Portinari, Cândido. Rio de Janeiro, RJ. [inglês]
LITURGICAL Art Society; Lavanoux, Maurice. Carta. New York, NY: July 13, 1944
[para] Portinari, Cândido. Rio de Janeiro, RJ. [inglês]
MACHADO, Lourival Gomes. Cartão. Ribeirão Preto, SP: jan., 1943 [para] Portinari,
Cândido. [s.l.].
MENDES, Murilo. Carta. Juiz de Fora, MG: 15 mar., 1937 [para] Portinari, Cândido.
[Rio de Janeiro, RJ, 2 p.
PORTINARI, Cândido. Carta. Paris, França: 12 jul., 1930 [para] Almeida, Rosalita
Mendes de. Rio de Janeiro, RJ, 10 p.
PORTINARI, Cândido. Carta. Rio de Janeiro, RJ: 4 ago., 1936 [para] Andrade, Mário
de. São Paulo, SP, 4 p.
PORTINARI, Cândido. Carta. 1937 fev. 9, Brodowski, SP: [para] Andrade, Carlos
Drummond de. Rio de Janeiro, RJ.
PORTINARI, Cândido; PORTINARI, Maria. Bilhete, Brodowski, SP: fev., 1937 [para]
Leão, Josias; Leão, Ruth. Rio de Janeiro, RJ, 2 p.
PORTINARI, Cândido. Carta. Rio de Janeiro, RJ: 29 nov.,1938 [para] Kent,
Rockwell. [s.l.]. [inglês]
277
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 24 mar., 1939 [para] Andrade, Mário
de. São Paulo, SP, 2 p.
PORTINARI, Baptista. Telegrama. Brodowski, SP: [19--] [para] Soares, José Carlos
de Macedo. São Paulo, SP.
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 25 jan., 1940 [para] Andrade, Mário de.
[s.l.].
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: jan., 1940 [para] Andrade, Mário de.
São Paulo, SP.
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 20 fev., 1940 [para] Andrade, Mário de.
São Paulo, SP.
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: jan., 1941 [para] Lima, José de
Queiroz. Rio de Janeiro, RJ.
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: fev., 1941 [para] Andrade, Mário de.
São Paulo, SP.
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 3 mar., 1941 [para] Andrade, Mário de.
São Paulo, SP.
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 6 mar., 1941 [para] Andrade, Mário de.
São Paulo, SP.
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: abr., 1941 [para] Andrade, Mário de.
São Paulo, SP.
PORTINARI, Cândido; PORTINARI, Maria. Carta. Brodowski, SP: 1941 [para] Lima,
José de Queiroz; Lima, Juracy de Queiroz. Rio de Janeiro, RJ.
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 1 jan., 1941 [para] Andrade, Mário de.
São Paulo, SP.
PORTINARI, Cândido. Carta. [s.l.]: 11 jan., 1941 [para] Andrade, Mário de. [São
Paulo, SP:]. 2 p.
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: fev., 1941 [para] Andrade, Carlos
Drummond de. Rio de Janeiro, RJ.
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 1 fev., 1941 [para] Lima, José de
Queiroz. Rio de Janeiro, RJ, 3 p.
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 27 fev.,1941 [para] Capanema,
Gustavo. Rio de Janeiro, RJ, 2 p.
278
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 5 mar., 1941 [para] Andrade, Carlos
Drummond de. Rio de Janeiro, RJ.
PORTINARI, Cândido. Carta. Brodowski, SP: 22 mar., 1941 [para] Capanema,
Gustavo. Rio de Janeiro, RJ.
PORTINARI, Cândido. Carta. Rio de Janeiro, RJ: 22 ago., 1943 [para] Andrade,
Mário de. São Paulo, SP.
PORTINARI, Cândido. Cartão. Brodowski, SP: 1946, [para] Andrade, Carlos
Drummond de. Rio de Janeiro, RJ.
SAAVEDRA, Carmen de. Carta. Petrópolis, RJ: 10 fev., 1941 [para] Portinari,
Cândido. Brodowski, SP. 2 p.
SAAVEDRA, Carmen de. Carta. Petrópolis, RJ: 10 fev., 1942 [para] Portinari, Maria.
Brodowski, SP.
VALENTINER, William R.; Detroit Institute of Arts. Carta. Detroit, MI: Apr. 4, 1941
[para] Portinari, Cândido. Brodowski, SP. [inglês].
2) Artigos de jornais e revistas:
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ARRUDA, Valdemar. Deseja o povo de Brodósqui que a casa onde nasceu Portinari
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VISITAM a Alta Mogiana os candidatos coligados. Folha da Manhã. São Paulo: 1
ago., 1954.
3) Depoimentos orais:
3.1) Depoimentos concedidos à autora:
MORANDO, Roza Therezinha. Depoimento. Brodowski: 12/04/2005, 60 min.
3.2) Depoimentos concedidos ao Projeto Portinari, disponíveis no arquivo da
sede do Projeto Portinari, na Pontifícia Universidade Católica (PUC), Rio de
Janeiro:
PORTINARI, Maria. Depoimento ao Projeto Portinari. Rio de Janeiro, RJ, 1982,
1983. 270 f. [14 CDs].
PORTINARI, Luiz. Depoimento ao Projeto Portinari. São Paulo, SP, 1983. 66 f. [3
CDs].
PORTINARI, Pellegrina. Depoimento ao Projeto Portinari. Campinas, SP: 1985. 73 f.
[3 CDs].
4) Decretos de Lei:
CÂMARA dos Deputados. Projeto n
o
. 4.895, 1963. Acervo do Museu Casa de
Portinari. Brodowski (SP).
5) Documentos de sítios da Internet:
PROJETO Portinari. Correspondências. Disponível em <http://www.portinari.org.br/
ppsite/ppacervo/ bibl_cor.asp>. Acesso em 12/04/05.
PROJETO Portinari. Obras. Disponível em <http://www.portinari.org.br/ppsite/
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PROJETO Portinari. Cronobiografia de Cândido Portinari. Disponível em
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4) Livros e periódicos:
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história social da arte no Brasil. 2. ed., São Paulo: Nobel, 1987.
AMARAL, A. A. Artes plásticas na Semana de 22. 5. ed., São Paulo: 34, 1998.
ALVIM, Z. M. F. Brava gente! Os italianos em São Paulo 1870-1920. São Paulo:
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286
CATÁLOGO ICONOGRÁFICO:
PRANCHA 1 – Planta baixa, Museu Casa de Portinari............................................148
PRANCHA 2 – Fachada do Museu Casa de Portinari.............................................149
PRANCHA 3 – Cozinha, Museu Casa de Portinari..................................................150
PRANCHA 4 – Detalhe do ateliê, Museu Casa de Portinari....................................151
PRANCHA 5 – Vista do quintal da casa, Museu Casa de Portinari.........................152
PRANCHA 6 – A) Cabeça de Mulata I e B) Cabeça de Mulata II............................153
PRANCHA 7 – Perfil da avóI....................................................................................154
PRANCHA 8 – Fuga para o Egito............................................................................155
PRANCHA 9 – São Jorge e o dragão......................................................................156
PRANCHA 10 – São Francisco pregando aos pássaros.........................................157
PRANCHA 11 – Fachada da Capela da Nonna.......................................................158
PRANCHA 12 – Santa Luzia e São Pedro...............................................................159
PRANCHA 13 – Jesus..............................................................................................160
PRANCHA 14 – A Visitação.....................................................................................161
PRANCHA 15 – São João Batista............................................................................162
PRANCHA 16 – São Francisco de Assis.................................................................163
PRANCHA 17 – A Sagrada Família.........................................................................164
PRANCHA 18 – Santo Antônio................................................................................165
PRANCHA 19 – Sermão aos peixes........................................................................166
PRANCHA 20 – Raquel lamentando o massacre dos inocentes.............................167
PRANCHA 21 – São Francisco de Assis se despojando das vestes.......................168
PRANCHA 22 – Nossa Senhora do Carmo.............................................................169
PRANCHA 23 – Batismo de Jesus...........................................................................170
PRANCHA 24 – Santo Antônio, Igreja de Santo Antônio, Brodowski (SP) .............171
287
PRANCHA 25 – Santa Cecília..................................................................................172
PRANCHA 26 – Baile na roça..................................................................................173
PRANCHA 27 – Café...............................................................................................174
PRANCHA 28 – Jogo de futebol em Brodowski.......................................................175
PRANCHA 29 – Os despejados...............................................................................176
PRANCHA 30 – Mestiço..........................................................................................177
PRANCHA 31 – Lavrador – Preto de enxada..........................................................178
PRANCHA 32 – Algodão..........................................................................................179
PRANCHA 33 – Retirantes.......................................................................................180
PRANCHA 34 – Criança morta................................................................................181
PRANCHA 35 – Descobrimento...............................................................................182
PRANCHA 36 – Paz.................................................................................................183
PRANCHA 37 – Colona............................................................................................184
PRANCHA 38 – Coluna Prestes..............................................................................185
288
PRANCHA 1
16
15 14 13
11
12
9
10 8
17
5
4
6
18
7
19
3 2
22
1 20 21
23
Disposição dos cômodos e localização das
obras:
1) Ateliê do artista (obra: Fuga para o
Egito).
2) Sala de objetos pessoais.
3) Quarto do artista.
4) Banheiro.
5) Hall.
6) Sala da poesia.
7) Sala do desenho.
8) Sala do político.
9) Sala do ilustrador.
10) Quarto das irmãs.
11) Sala principal.
12) Recepção: Portinari pelos amigos.
(obra: São Jorge e o Dragão).
13) Monitoria.
14) Recepção.
15) Cômodo vago.
16) Cozinha
17) Sala Santo Antônio (obra: Sermão aos
peixes).
18) Sala de pesquisa.
19) Sala de história do Museu.
20) Sala de exposição.
21) Sala de filatelia e numismática.
22) Capela da Nona. (obras: São João
Batista; A Visitação; Jesus; Santa
Luzia; São Pedro; São Francisco de
Assis; A Sagrada Família; Santo
Antônio de Pádua.
23) Direção do Museu.
289
PRANCHA 2
Fachada do Museu Casa de Portinari, em Brodowski (SP).
290
PRANCHA 3
Cozinha, Museu Casa de Portinari, Brodowski (SP).
291
PRANCHA 4
Detalhe do ateliê de Cândido Portinari, Museu Casa de Portinari, Brodowski (SP).
292
PRANCHA 5
Vista do quintal da casa, Museu Casa de Portinari, Brodowski (SP).
293
PRANCHA 6
A)
B)
PORTINARI, C. A) Cabeça de Mulata; B) Cabeça de Mulata II. Brodowski (SP): Museu Casa de
Portinari, 1934, pinturas murais em afresco.
294
PRANCHA 7
PORTINARI, C. Perfil da avó. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari, 1934, pintura mural em
afresco.
295
PRANCHA 8
PORTINARI, C. Fuga para o Egito. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari, 1936, pintura mural em
afresco (155 x 170 cm).
296
PRANCHA 9
PORTINARI, C. São Jorge e o dragão. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari, 1945, pintura mural
a têmpera.
297
PRANCHA 10
PORTINARI, C. São Francisco pregando aos pássaros. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari,
1934, pintura mural em afresco.
298
PRANCHA 11
Fachada da Capela da Nonna, Museu Casa de Portinari, Brodowski (SP).
299
PRANCHA 12
PORTINARI, C. Santa Luzia e São Pedro. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari, 1941, pintura
mural a têmpera (180 x 76 cm.).
300
PRANCHA 13
PORTINARI, C. Jesus. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari, 1941, pintura mural a têmpera (180
x 76 cm).
301
PRANCHA 14
PORTINARI, C. A Visitação. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari, 1941, pintura mural a têmpera
(180 x 160,5 cm).
302
PRANCHA 15
PORTINARI, C. São João Batista. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari, 1941, pintura mural a
têmpera (180 x 76 cm).
303
PRANCHA 16
PORTINARI, C. São Francisco de Assis. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari, 1941, pintura
mural a têmpera (180 x 75 cm).
304
PRANCHA 17
PORTINARI, C. A Sagrada Família. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari, 1941, pintura mural a
têmpera (180 x 163 cm).
305
PRANCHA 18
PORTINARI, C. Santo Antônio. Brodowski (SP): Museu Casa de Portinari, 1941, pintura mural a
têmpera (80 x 75 cm).
306
PRANCHA 19
PORTINARI, C. Sermão aos peixes. Brodowski (SP): Casa da Nonna, Museu Casa de Portinari,
1942, pintura mural em afresco.
307
PRANCHA 20
PORTINARI, C. Raquel lamentando o massacre dos inocentes. Salvador (BA): coleção particular,
1939, óleo com areia sobre tela (38 x 46 cm).
308
PRANCHA 21
PORTINARI, C. São Francisco se despojando das vestes. Belo Horizonte (MG): Igreja de São
Francisco de Assis da Pampulha, 1945, pintura mural a têmpera (750 x 1060 cm – irregular).
309
PRANCHA 22
PORTINARI, C. Nossa Senhora do Carmo. Rio de Janeiro: Museu Nacional de Belas Artes, 1944,
óleo sobre madeira (220 x 120 cm). Tela concebida originalmente para figurar no altar da Capela
Mayrink, na Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro.
310
PRANCHA 23
PORTINARI, C. Batismo de Jesus. Batatais (SP): Igreja do Bom Jesus da Cana Verde, 1952, painel a
óleo sobre tela (199 x 299 cm, aproximadamente).
311
PRANCHA 24
PORTINARI, C. Santo Antônio. Brodowski (SP): Igreja de Santo Antônio, 1942, óleo sobre tela (200 x
78 cm, aproximadamente).
312
PRANCHA 25
PORTINARI, C. Santa Cecília. Brodowski (SP): Seminário Arquidiocesano Maria Imaculada, 1935,
óleo sobre tela (73 x 166 cm, aproximadamente).
313
PRANCHA 26
PORTINARI, C. Baile na roça. Rio de Janeiro: coleção particular, 1923-1924, óleo sobre tela (97 x
134 cm).
314
PRANCHA 27
PORTINARI, C. Café. Rio de Janeiro: Museu Nacional de Belas Artes, 1935, óleo sobre tela (130 x
195cm).
315
PRANCHA 28
PORTINARI, C. Jogo de futebol em Brodowski. Rio de Janeiro: 1933, óleo sobre tela (95 x 124cm
aproximadamente).
316
PRANCHA 29
PORTINARI, C. Os despejados. Fortaleza: coleção particular, 1934, óleo sobre tela (37 x 65 cm).
317
PRANCHA 30
PORTINARI, C. Mestiço. São Paulo: Pinacoteca do Estado de São Paulo, 1934, óleo sobre tela (81 x
65,5 cm).
318
PRANCHA 31
PORTINARI, C. Lavrador – Preto de Enxada. São Paulo: MASP, 1934, óleo sobre tela (100 x 81 cm).
319
PRANCHA 32
PORTINARI, C. Algodão. Rio de Janeiro: Palácio Gustavo Capanema, 1938, pintura mural em
afresco (280 x 300 cm). Obra integrante dos murais do ciclos econômicos idealizadas para o então
prédio do Ministério da Educação e Saúde
320
PRANCHA 33
PORTINARI, C. Retirantes. São Paulo: MASP, 1944, óleo sobre tela (190 x 180 cm).
321
PRANCHA 34
PORTINARI, C. Criança morta. São Paulo: MASP, 1944, óleo sobre tela (180 x 190 cm).
322
PRANCHA 35
PORTINARI, C. Descobrimento. Washington, EUA: Biblioteca do Congresso, 1941, pintura mural a
têmpera (180 x 190 cm).
323
PRANCHA 36
PORTINARI, C. Paz. Nova York, EUA: Sede da Organização das Nações Unidas (ONU), 1952-56,
painel a óleo sobre madeira compensada (1400 x 153 cm).
324
PRANCHA 37
PORTINARI, C. Colona. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros da USP, Coleção Mário de
Andrade, 1935, têmpera sobre tela (37 x 65 cm).
325
PRANCHA 38
PORTINARI, C. Coluna Prestes. Rio de Janeiro: coleção particular, 1950, óleo sobre tela (46 x 55
cm).
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