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A GREVE DOCENTE DE 2001 NO NOTICIÁRIO DE O GLOBO E DO ADUFRJ:
UM DIÁLOGO DE SURDOS
André Luis Pires Pelliccione
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós-graduação em Ciência Política, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal
do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em
Ciência Política.
Orientador: Aluízio Alves Filho
Rio de Janeiro
Maio de 2004
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ii
A GREVE DOCENTE DE 2001 NO NOTICIÁRIO DE O GLOBO E DO ADUFRJ:
UM DIÁLOGO DE SURDOS
André Luis Pires Pelliccione
Orientador: Aluízio Alves Filho
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em
Ciência Política, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título
de Mestre em Ciência Política.
Aprovada por:
___________________________________
Presidente, Prof. Aluízio Alves Filho
___________________________________
Profª. Ingrid Sarti
___________________________________
Prof. Nilson Alves de Moraes
___________________________________
Prof. Salete Maria Polita Maccaloz
Rio de Janeiro
Maio de 2004
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Pelliccione, André Luis Pires.
A Greve docente de 2001 no noticiário de O Globo e do
Adufrj: Um diálogo de surdos/ André Luis Pires Pelliccione -
Rio de Janeiro: UFRJ/ IFCS, 2004.
vi, 105f.; 31 cm.
Orientador: Aluízio Alves Filho.
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política, 2004.
Referências Bibliográficas: f. 89-92.
1. Noticiário. 2. Greve. 3. Grande imprensa. 4. Imprensa
sindical. 5. Ideologia. I. Alves Filho, Aluízio. II. Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais, Programa de Pós-graduação em Ciência Política. III.
A Greve docente de 2001 no noticiário de O Globo e do
Adufrj: Um diálogo de surdos.
iv
RESUMO
A GREVE DOCENTE DE 2001 NO NOTICIÁRIO DE O GLOBO E DO ADUFRJ:
UM DIÁLOGO DE SURDOS
André Luis Pires Pelliccione
Orientador: Aluízio Alves Filho
Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência
Política.
O objetivo deste trabalho é realizar um estudo comparativo entre os
noticiários de O Globo e do Adufrj sobre a greve dos docentes das universidades
públicas federais realizada entre agosto e dezembro de 2001, tendo por
pressuposto que cada um dos jornais em questão aborda a paralisação a partir de
prismas ideológicos antagônicos e diferenciados. No sentido apontado, comparamos
o que, em cada um dos jornais, é destacado e silenciado no noticiário sobre a
referida greve. Para fins de comparação são considerados, além do conteúdo das
notícias sobre a greve, a forma como as mesmas foram editadas por O Globo e pelo
Adufrj..
Palavras-chave: noticiário, greve, grande imprensa, imprensa sindical, ideologia.
Rio de Janeiro
Maio de 2004
v
ABSTRACT
THE TEACHING STRIKE OF 2001 IN THE REPORTER OF THE GLOBE AND THE
ADUFRJ: A DIALOGUE OF DEAF PEOPLE
André Luis Pires Pelliccione
Orientador: Aluízio Alves Filho
Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-
graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Ciência
Política.
The objective of this research is to bring about a comparative study of the
journalismo produced by O Globo and Adufrj about the strike carried out by
teaching staff of the federal universities in the period of August to December 2001,
presupposing that both the newspapers in question approach the paralization from
ideologically antagonistic and different positions. In this respect, we compare, in
each of the newspapers what is highlighted and what is omitted regarding the
aforementioned strike. For means of comparison we consider not only the content
of the news about the strike but also the different ways in which the same stories
were edited by O Globo and Adufrj.
Key words: reporter, strike, the great press, the syndical press, ideology.
Rio de Janeiro
Maio de 2004
vi
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer especialmente ao meu orientador, Professor Doutor Aluizio
Alves Filho, por ter, com suas críticas, me apontado os caminhos necessários para o
desenvolvimento desta dissertação.
Agradecimentos especiais a Helcio Duarte Filho, Janira da Rocha, Luiz Carlos
Máximo, Julio César Condaque, Nilza Helena, Luiz Marcelo Resende, Duncan
Crosley, Claudio Fernandes da Costa, Gilberto Alcântara da Cruz, Mozart Schmitt de
Queiroz, Frederico Bittencourt, Vanja Monteiro, Roberto Leher, Roberto Simões,
Wellington Trotta e a todos os que me incentivaram a seguir em frente no
Programa de Pós-graduação em Ciência Política do IFCS.
Agradecimentos também muito especiais às diretorias do Sindicato dos
Trabalhadores em Universidades Públicas Estaduais - Sintuperj e do Sindicato dos
Trabalhadores em Saúde, Trabalho e Previdência do Estado do Rio - Sindsprev/RJ
que em muito me ajudaram com seus materiais retrospectivos sobre greves no
serviço público.
Agradecimentos particulares a meus familiares e a minha esposa, Rita de
Cássia.
vii
SUMÁRIO
Introdução 1
Capítulo 1. Globo e Adufrj: Informações básicas 4
A greve docente no noticiário dos dois jornais
A questão da baixa adesão à greve nas páginas de O Globo
A greve forte nas páginas do Adufrj
Capítulo 2. Um diálogo de surdos 16
Greve como violência e prejuízos à população
A criminalização dos movimentos reivindicatórios
A baixa adesão de volta ao noticiário
Capítulo 3. Respostas para todas as perguntas 35
O mito da isenção e objetividade na grande imprensa
Um conjunto de estereótipos sobre a greve
Capítulo 4. A Polêmica do adiamento do vestibular 58
A crença de O Globo e Adufrj numa imprensa democrática
As fotos também mentem
Vestibular da pancadaria X Campus de guerra
Capítulo 5. A universidade pública no noticiário de O Globo e do Adufrj 76
Salários dos docentes X Orçamento
A produção docente na ótica de O Globo
Conclusão 85
Referências bibliográficas 89
Anexos 93
Introdução
O propósito desta dissertação é investigar como a greve dos docentes das
universidades públicas federais (IFES), ocorrida entre 23 de agosto e 4 de
dezembro de 2001, foi noticiada no jornal O Globo e no órgão informativo da
Associação de Docentes da UFRJ - Adufrj.
Estes jornais, ambos sediados no Rio de Janeiro, o primeiro um
representante da chamada grande imprensa e o segundo um jornal sindical, foram
escolhidos como lócus da pesquisa por interpretarem e noticiarem a greve por
prismas ideológicos bastante específicos e distintos e, por tal razão, apresentarem
excelentes possibilidades comparativas. Nesse sentido recomenda um estudioso
que comparar implica em colocar ênfase nas diferenças.
1
E é exatamente isto o que
pretendemos fazer.
Os jornais representativos da grande imprensa, por funcionarem como
indústrias culturais,
2
voltam-se para público diversificado, através da pluralidade
dos assuntos tratados em suas páginas. Necessitam adquirir credibilidade junto ao
público leitor e, para tanto, procuram incutir no público a idéia de que são jornais
que primam pela isenção, objetividade e independência. No afã de atingirem
grandes tiragens, apresentam-se como comprometidos com o bem comum e com a
interpretação correta dos acontecimentos, quando, concretamente, como empresas
financiadas por grandes capitais, necessariamente funcionam como arautos dos
interesses de classe que os financiam. Como observa um cientista social:
Os empresários visam, ao apresentarem os jornais como neutros e
desideologizados, prestar serviços que lhes assegurem aumentar a
credibilidade da publicação e, conseqüentemente, a vendagem e o
lucro.
3
1
SKIDMORE, T. E. O negro no Brasil e nos Estados Unidos: 26.
2
ADORNO, T. A Indústria cultural: 346.
3
Alves Filho, A. Um estudo comparativo sobre a identidade da América Latina
nos jornais a Folha de São Paulo e o Clarin, de Buenos Aires: 52.
2
Inversamente aos jornais que operam como indústrias culturais, um jornal
sindical constitui-se em instrumento de mobilização e ação para a defesa dos
interesses imediatos da categoria profissional que representa. Por esse motivo, os
jornais sindicais são explicitamente comprometidos com causa determinada relativa
a tais interesses. Praticam, portanto, jornalismo abertamente opinativo endereçado
a público específico, tendo, por essa razão, circulação restrita e baixas tiragens.
Em certo sentido, a criação de jornais sindicais é o resultado da percepção,
forjada pelos trabalhadores nas lutas de classe, de que seus interesses imediatos
só serão convenientemente defendidos em seus próprios meios de comunicação, e
não nos jornais da grande imprensa, onde a regra é a hostilidade a esses mesmos
interesses.
Tomando por base as características esboçadas acima, dos jornais da
indústria cultural e dos jornais sindicais, constituem-se, pois, O Globo e o Adufrj em
dois pólos de comparação cujas antagônicas interpretações da greve são, em
última instância, determinadas pelos diferentes viéses ideológicos inerentes a cada
um desses veículos.
A greve docente que está no centro referencial do presente estudo foi
deflagrada durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999
2002) no contexto de uma greve geral de servidores públicos federais. A referida
greve docente foi a maior já realizada na história das paralisações da categoria,
tendo contado com a adesão de professores das 52 instituições federais de ensino
superior. Vale observar que, ao eclodir o movimento grevista, os professores e os
demais servidores públicos estavam há seis anos sem receber reajustes salariais,
numa conjuntura em que o governo brasileiro executava uma política de
privatização de empresas estatais, redução dos gastos sociais, liberalização dos
fluxos de capitais, abertura da economia, ataques a direitos trabalhistas e
contingenciamento de verbas do orçamento da União para o serviço público.
A greve docente reivindicava:
3
I - Reajuste salarial de 75,48%.
4
II - Incorporação, ao salário-base, da Gratificação por Atividade
Executiva - GAE e da Gratificação de Estímulo à Docência - GED.
III - Abertura de concurso público para contratação de professores
pelo Regime Jurídico Único - RJU.
IV – Que não fosse enviado ao Congresso Nacional o projeto de
emprego público do MEC;
5
V - Manutenção dos direitos sindicais e dos funcionários
aposentados, na forma existente.
Para efeito de comparação do noticiário da greve em O Globo e no Adufrj,
definimos cinco eixos organizadores da análise, a partir dos quais estruturamos os
capítulos abaixo discriminados:
No capítulo 1, estudamos o início da greve no noticiário de ambos os jornais,
através do exame de como foram destacadas e interpretadas as primeiras
atividades da paralisação, como passeatas, assembléias, atos e negociações .
No capítulo 2, analisamos as diferentes avaliações da greve docente feitas
por O Globo e pelo Adufrj.
No capítulo 3, analisamos como os discursos produzidos por O Globo e pelo
Adufrj sobre a greve docente correspondem a esquemas interpretativos dados a
priori, nos quais os fatos são encaixados.
No capítulo 4, analisamos como os debates em torno de circunstâncias
fortuitas que provocaram o adiamento do vestibular da UFRJ foram representados
no noticiário de cada um dos jornais.
No capítulo 5, intitulado A universidade pública e os docentes em O Globo e
no Adufrj, investigamos como, no bojo do noticiário relativo à greve, cada um dos
veículos interpretou os problemas orçamentários das universidades públicas
brasileiras e a situação funcional dos docentes.
Finalizando, apresentamos as conclusões.
4
Os 75,48% correspondiam ao índice acumulado de 1995 a dezembro de 2000,
calculado pelo Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos e Sócio-
Econômicos – Dieese.
5
Este projeto previa a contratação de mão-de-obra segundo as normas da CLT.
Capítulo 1
Globo e Adufrj: Informações básicas
Fundado pelo jornalista Irineu Marinho em 1925, O Globo é um dos quatro maiores
e mais tradicionais jornais diários do país. Segundo o Instituto Verificador de
Circulação - IVC da Associação Nacional de Jornais - ANJ, O Globo possui uma
circulação média diária de 253.410 exemplares.
6
O Globo é parte de um complexo de empresas (Organizações Globo, criadas
na década de 60) que inclui a quinta maior emissora de TV do mundo (TV Globo),
dezenas de estações repetidoras de TV no país, estações de rádio e um conjunto de
revistas semanais.
A criação da principal empresa desta organização (TV Globo) foi possibilitada
pelo Decreto nº 42.946, de 30 de dezembro de 1957, através do qual o então
presidente Juscelino Kubitschek outorgou à Rádio Globo concessão para estabelecer
uma estação de radiotelevisão no Rio de Janeiro.
7
Em estudo sobre a audiência do
principal jornal da emissora (Jornal Nacional), Carlos Eduardo Lins da Silva (1985)
assim define a rápida ascensão da TV Globo a partir de sua inauguração em 1965:
(...) a Globo realizou uma revolução técnica, gerencial e artística
na televisão do Brasil. Não parecia que iria chegar a tanto quando
entrou pela primeira vez no ar em 1965 o Canal 4 do Rio de
Janeiro. Em menos de 4 anos, assumiria a liderança absoluta de
audiência, a ponto de convertê-la em virtual monopólio e tornar
comum a acusação de que se transformara numa espécie de um
ministério extra-oficial da informação no país.
8
Enquanto mídia, constituem-se portanto as Organizações Globo em uma das
maiores representantes da indústria cultural no Brasil, figurando ao lado de
6
Circulação média diária de O Globo relativa ao ano de 2003. No ano de
realização da greve docente (2001), a circulação média diária de O Globo foi de
296.272 exemplares, segundo o Instituto Verificador de Circulação - IVC da
Associação Nacional de Jornais - ANJ. Para informações complementares,
consultar a página eletrônica da ANJ no endereço http://www.anj.org.br
.
7
Informações obtidas no livro Muito Além do Jardim Botânico - um estudo sobre
a audiência do Jornal Nacional da Globo entre trabalhadores, publicado em 1985
por Carlos Eduardo Lins da Silva.
8
LINS DA SILVA, C. E. Muito Além do Jardim Botânico - um estudo sobre a
audiência do Jornal Nacional da Globo entre trabalhadores: 30.
5
empresas do porte da Editora Abril, Jornal do Brasil, Grupo Band, TV Record, Grupo
SBT e Folha da Manhã, entre outros.
Órgão da Associação dos Docentes da UFRJ, o jornal da Adufrj — que aqui
chamamos simplesmente de Adufrj — foi criado em 1979, ano de fundação da
Associação. Inicialmente, o Adufrj não dispunha de estrutura profissionalizada e sua
periodicidade era irregular, passando em 1994 a ser mensal e, ao final dos anos 90,
semanal.
Com uma redação composta de 6 (seis) profissionais, distribuição gratuita e
tiragem de 10 mil exemplares, o Adufrj é atualmente um dos principais jornais
sindicais das seções (Associações Docentes) que compõem a Andes (Associação
Nacional dos Docentes do Ensino Superior), entidade posteriormente transformada
em Sindicato Nacional - SN. Além de destacar-se entre as associações docentes, o
Adufrj é um dos principais jornais da imprensa sindical brasileira, que se estruturou
a partir da emergência do novo sindicalismo praticado no ABC paulista ao final dos
anos 70.
Com a criação da Central Única dos Trabalhadores - CUT, em 1983, a
consolidação do processo de abertura política ao longo dos anos 80 e as sucessivas
vitórias de oposições sindicais cutistas nas entidades de maior porte — como
metalúrgicos, bancários, ferroviários, aeronautas e petroleiros, entre várias outras
— a imprensa sindical brasileira retomou uma trajetória interrompida com o golpe
militar de 1964. Sua profissionalização é hoje uma realidade, com departamentos
de comunicação estruturados que, além de impressos regulares, produzem revistas
com debates sobre temas gerais e específicos de interesse das categorias
profissionais para as quais trabalham. Outra atividade jornalística exercida
cotidianamente pelos departamentos de comunicação nos sindicatos é a de
assessoria de imprensa/relações públicas. Alguns dos principais sindicatos
brasileiros filiados à CUT que hoje dispõem de imprensa regular são: Ferroviários
da Central do Brasil (jornal Trilhando); Aeroviários (jornal Aeroluta);
6
Previdenciários (jornal do Sindsprev); Bancários (jornal Bancário); Aeronautas
(boletim Dia-a-Dia); Metalúrgicos do Rio (jornal Meta); Trabalhadores em
Universidades Públicas Estaduais (jornal Sintuperj em Ação); Associação de
Docentes da Uerj (revista Advir); Petroleiros do Rio de Janeiro (jornal Surgente) e
Técnico-Administrativos da UFRJ (jornal do Sintufrj).
Entidade filiada oficialmente à CUT e com 3.391 sindicalizados, a Associação
de Docentes da UFRJ e seu jornal (Adufrj) reivindicam as linhas gerais do
sindicalismo historicamente praticado por aquela central sindical, entre as quais
destacamos: a luta pela recomposição salarial; o repúdio aos processos de
privatização e desestatização colocados em prática pelos sucessivos governos
brasileiros desde a abertura política; a defesa do direito à livre organização sindical;
a luta contra a perda de direitos trabalhistas; e a defesa do serviço público em
oposição à sua mercantilização.
A greve docente no noticiário dos dois jornais
A greve que está no centro de nossa investigação foi nacionalmente deflagrada em
22 de agosto de 2001, envolvendo os docentes das 52 universidades públicas
federais brasileiras.
De acordo com a forma de estudo proposta na introdução, foram
investigadas todas as edições de O Globo e do Adufrj publicadas, respectivamente,
nos períodos compreendidos entre 22 de agosto e 1º de dezembro de 2001 e entre
23 de agosto e 10 de dezembro de 2001.
O Globo noticiou a greve em 73 das 102 edições pesquisadas entre 22 de
agosto e 1º de dezembro de 2001, tendo o jornal dedicado à paralisação 11
matérias editorializadas. A greve foi ainda objeto de manchetes na primeira página
em 28 edições. Nenhum caderno especial ou suplemento sobre a greve foi
produzido por O Globo durante a paralisação docente.
7
O Adufrj noticiou a greve em 20 edições semanais publicadas entre 23 de
agosto a 10 de dezembro de 2001, que corresponde ao período pesquisado. Estas
edições, que foram as únicas publicadas durante a paralisação docente, incluíram
os boletins Notícias da Greve, nos quais foram repetidas, sob a forma de pequenas
notas, algumas das notícias e/ou artigos referentes à greve publicados nas edições
regulares do Adufrj. Esses boletins tinham por finalidade realizar uma comunicação
mais ágil, tratando apenas da greve, também convocando os docentes da UFRJ
para as atividades relacionadas à paralisação, como assembléias, atos, debates e
passeatas. Ao contrário das edições regulares, seu papel não era o de aprofundar
os debates em torno das temáticas relacionadas à paralisação ou consideradas
relevantes pelos docentes, mas estimular a categoria a uma ativa participação nas
atividades imediatas da greve. A publicação do boletim Notícias da Greve foi
realizada sem prejuízo das edições regulares do Adufrj.
Como padrão gráfico-editorial, o Adufrj contou com os recursos básicos de
edições normalmente usadas em jornalismo impresso como padrão universal,
sendo, em todas as suas edições, utilizadas fotografias, charges, ilustrações,
chamadas de capa e impressão colorida.
A questão da baixa adesão à greve nas páginas de O Globo
Como ponto de partida para nossa análise, consideramos a edição de O Globo do
dia 23 de agosto, que noticiou a paralisação com o título Greve dos servidores
começa com baixa adesão. Para fundamentar a afirmação do título, O Globo
especulava que, em Brasília, a adesão fora de aproximadamente 10% dos
servidores, embora o veículo não tivesse nenhuma preocupação em explicitar dados
objetivos a respeito da amplitude da greve — valendo-se apenas de declarações
isoladas de alguns servidores. Segundo O Globo, alguns líderes sindicais, que o
jornal não identificou, teriam reconhecido a baixa adesão e atribuído o fato à
8
proposta salarial apresentada na véspera, aos servidores, pelo governo Fernando
Henrique Cardoso (FHC).
9
Sobre a baixa adesão, o texto de O Globo afirmou que:
A expectativa dos líderes sindicais era de que pelo menos 80% dos
servidores do Executivo aderissem. Mas, no fim do dia, poucos
arriscavam um palpite sobre o percentual de funcionários
parados.
10
Apesar de nenhum dos líderes sindicais entrevistados pelo jornal ter
arriscado um palpite sobre o percentual de adesão, O Globo concluiu ser a mesma
baixa. Não obstante tal conclusão, o texto do jornal, de forma contraditória,
apontava para o inverso ao informar que as instituições federais de ensino superior
do Rio, Brasília, Rio Grande do Sul e Pernambuco pararam suas atividades; que
professores do Colégio Pedro II fizeram passeata no centro do Rio; que houve atos
de servidores em Porto Alegre e Fortaleza; e que os museus federais localizados no
Rio de Janeiro haviam fechado suas portas por causa da greve.
Na edição seguinte (24 de agosto), a baixa adesão dos servidores à greve foi
reafirmada por O Globo no último parágrafo de matéria que teve, como assunto
principal, reivindicação salarial dos trabalhadores do Supremo Tribunal Federal -
STF. Abaixo, reproduzimos o aludido parágrafo:
A greve dos servidores públicos federais, que começou anteontem,
continuou com baixa adesão ontem. Em Brasília, cerca de 150
servidores fizeram uma pequena manifestação em frente ao prédio
da Fundação Nacional do Índio - Funai. De acordo com dados da
Confederação dos Servidores Públicos Federais - Condsef, os
números de adesão aumentaram no restante do país. Ontem, os
sindicalistas afirmavam que o número de funcionários em greve
em relação ao dia anterior aumentou de 15% a 20%. Até o início
da noite, porém, a Condsef ainda não tinha fechado o balanço da
adesão em todo o país. No Rio, funcionários da UFRJ, Universidade
Federal Fluminense e Universidade Rural aderiram à paralisação
ontem.
11
9
A proposta apresentada pelo governo federal aos servidores, na véspera da
paralisação, foi a seguinte: reajuste linear de 3,5%; pagamento de uma
gratificação de 3,17% a 699 mil servidores incluídos no Plano de Classificação de
Cargos - PCC; pagamento de gratificações que variam de 35% do salário (nível
superior), 20% (nível médio) e 18% (nível auxiliar), já incluídos os 3,5%, aos
255 mil SPFs do Executivo incluídos no PCC.
10
O GLOBO. Greve dos servidores começa com baixa adesão: 12.
11
O GLOBO. 24/08/01: 11.
9
Observamos que, no texto acima, O Globo afirmou que a baixa adesão
continuou, embora a própria confederação de servidores - Condsef não tivesse
fechado um balanço da adesão em todo o país. Ademais, a própria informação de
que três universidades federais do Estado do Rio aderiram à paralisação foi
indicativa do aumento da adesão à greve. Parece que O Globo concluiu pela baixa
adesão a partir do número de servidores (cerca de 150) que teriam comparecido ao
que o jornal classificou como pequena manifestação em frente ao prédio da Funai.
O nível de adesão dos servidores à greve também foi objeto do noticiário de
O Globo na edição de 30 de agosto, em matéria que teve, como assunto principal,
uma proposta salarial apresentada pelo governo aos trabalhadores do INSS, em
greve desde o dia 8 de agosto. O mote para O Globo comentar sobre o nível de
adesão à greve foi uma passeata de servidores públicos, ocorrida em Brasília no dia
29 de agosto:
Ontem, três mil servidores fizeram uma passeata pela Esplanada
dos Ministérios. Duas horas depois, fizeram o enterro simbólico do
presidente Fernando Henrique Cardoso. O ato celebrou o fim da
primeira semana da greve dos servidores, que continua esvaziada.
No Rio, funcionários da universidade fizeram um enterro simbólico
da universidade.
12
Cumpre observar que, no primeiro dia de greve (23 de agosto), O Globo
considerou, como um dos indicativos de baixa adesão, a presença de 150 pessoas
numa passeata classificada pelo jornal como pequena manifestação em frente ao
prédio da Funai. No entanto, uma semana depois, mesmo com a presença de três
mil servidores numa passeata em frente à Esplanada dos Ministérios, o jornal
manteve a afirmação de que a greve continuava esvaziada. Desta vez, a presença
de servidores nas manifestações não foi mais critério para O Globo avaliar a adesão
das categorias à greve. Assim, os critérios utilizados por O Globo na avaliação da
greve são fluidos, não tendo qualquer vinculação com os fatos e sendo descartados
de acordo com as conveniências políticas do jornal.
12
O GLOBO. 30/08/01: 12.
10
A greve forte nas páginas do Adufrj
A primeira edição do Adufrj publicada após o início da greve docente foi a de 27 de
agosto, com quatro matérias a respeito da paralisação. Na principal delas, intitulada
Agora é greve!, o Adufrj informava sobre a decisão de deflagrar a paralisação,
tomada na assembléia geral dos docentes da UFRJ realizada em 22 de agosto. Nas
palavras do Adufrj:
Com esta decisão os docentes da maior universidade federal do
país se juntam aos colegas de 38 outras instituições, aos
funcionários técnico-administrativos de 41 universidades públicas,
aos trabalhadores da previdência, aos professores do Colégio
Pedro II e a vários outros servidores públicos federais.
13
Na matéria em questão, a avaliação expressa pelo Adufrj foi que
a greve dos servidores públicos federais ganha força e mostra
disposição de luta contra o governo FHC.
Após lembrar os itens da pauta de reivindicações docente,
14
o Adufrj fez um
breve relato da assembléia de 22 de agosto com as seguintes palavras:
A assembléia geral da Adufrj transcorreu em clima de grande
indignação com a postura do governo federal. Os salários
congelados há sete anos, as condições de trabalho deterioradas e
o ridículo aumento de 3,5% anunciado por FHC (e, ainda por cima,
vinculando o desconto dos aposentados e outros cortes na área
social) mobilizaram centenas de alunos e professores para o
auditório do centro de tecnologia. Os informes de deflagrações de
greve em outras universidades, os relatos emocionados de alunos
em apoio ao movimento grevista e uma indicação pró-greve nas
reuniões de unidades foram mais do que suficientes para a decisão
final da assembléia.
15
Além de valorizar a greve através da dramatização das atividades
relacionadas à mesma — como na afirmação de que a assembléia transcorreu em
clima de grande indignação, e pelos relatos emocionados de alunos em apoio ao
movimento grevista esta edição do Adufrj noticiou com destaque o ato realizado
pelos servidores públicos no centro do Rio, no dia de deflagração do movimento (22
de agosto). Segundo o Adufrj:
13
ADUFRJ. Agora é greve!: 1.
14
Que, como já dito, incluiu o reajuste salarial de 75,48%; a abertura de
concurso público pelo RJU; contra o projeto de emprego público; pela defesa dos
direitos sindicais e pela defesa dos direitos dos aposentados.
15
ADUFRJ. Agora é greve!: 2.
11
A última quarta-feira (22/08) marcou o início da greve dos
servidores públicos federais em todo o país e um ato movimentou
o centro do Rio. Os funcionários se concentraram em frente ao
Colégio Pedro II, na Marechal Floriano, e seguiram até a
Cinelândia. Um dia após o anúncio do governo de que o aumento
dado seria de somente 3,5%, os trabalhadores exigiram os
75,48% de reajuste referente aos 7 anos de perdas salariais, além
de melhoria nas condições do ensino público.
16
Na mesma edição de 27 de agosto, em matéria intitulada Uma lição dos
alunos aos professores da UFRJ, o Adufrj relatou a presença de centenas de
estudantes na assembléia de 22/08, reproduzindo declarações destes com
avaliações críticas sobre a baixa participação docente. Como veremos a seguir, no
texto o Adufrj apresentou-se como capaz de dar lições e ensinar aos docentes como
estes deveriam se comportar durante a greve, numa relação unilateral com seus
leitores primordiais:
Chamou a atenção logo de início a dura intervenção dos alunos de
Engenharia Eletrônica. Aos gritos de ão, ão, ão, greve séria é
solução!, mais de cem estudantes entraram no auditório e
incendiaram a assembléia com a fala de seus representantes. O
aluno Pedro Vieira fez menção aos professores covardes que não
têm coragem de encarar um movimento de greve.
17
Como observação complementar, ressaltamos que tanto o título da matéria
em questão (Uma lição dos alunos aos professores da UFRJ) como seu texto podem
ter contribuído no sentido de indispor estudantes e docentes, ofendendo com o
qualificativo de covardes os professores que, por ventura, não tenham participado
da assembléia de 22 de agosto ou aderido à greve.
A edição seguinte do Adufrj (3 de setembro) trouxe duas matérias que
abordaram diretamente as atividades relativas ao movimento. Com o título Greve
segue firme na UFRJ, a primeira matéria destacada informou sobre decisão da
assembléia docente de 29 de agosto, de continuar em greve por tempo
indeterminado, e sobre a criação das comissões de comunicação/imprensa e de
organização de eventos. Comissões que, segundo o Adufrj, tinham por finalidade
fortalecer o movimento grevista.
16
Idem: 4.
17
ADUFRJ. Uma lição dos alunos aos professores da UFRJ: 2.
12
Com o título Manifestação reforça greve, a segunda matéria destacada nessa
edição do Adufrj (3/09) foi a que abordou mais uma passeata de servidores,
ocorrida em 28 de agosto, no centro do Rio. Segundo o Adufrj:
Após mais de uma semana em paralisação, os funcionários
públicos federais mostraram que o seu movimento está mais forte
do que nunca. Prova disso foi a passeata ocorrida, na última terça-
feira, no centro do Rio. Os servidores se concentraram em frente à
Igreja da Candelária e seguiram em direção à Cinelândia,
carregando faixas e exigindo mudanças no governo.
18
A matéria em questão ainda afirmou que
mesmo com a presença de trabalhadores de diferentes atividades,
todos tinham em comum os mesmos desejos [e que] Fora FHC e
Fora FMI foram as palavras de ordem.
Observamos que, para fundamentar a afirmação de que a greve estava mais
forte do que nunca o Adufrj em nenhum momento apresentou qualquer dado
objetivo que pudesse ser considerado substancial, além de uma passeata ocorrida
no centro do Rio. Embora com objetivos contrários aos de O Globo — que procurou
minimizar a paralisação — o informativo docente também operou no campo das
generalizações ao maximizar a greve em seu noticiário.
Os desdobramentos da greve docente estarão ausentes das páginas de O
Globo de 31 de agosto a 4 de setembro. Tal noticiário retornará somente no dia 5,
quando o jornal, pela primeira vez desde o início da paralisação, associou a greve à
idéia de confusão. Neste sentido, os grevistas serão insinuados como intransigentes
enquanto o governo será apresentado como preocupado com os direitos dos
servidores. Neste caso esteve a matéria publicada na edição de 5 de setembro com
o título Servidores tentam protestar na rampa e subtítulo Governo devolverá
contribuição cobrada indevidamente do funcionalismo, a respeito de manifestação
de servidores em greve ocorrida na véspera (4/09) em frente ao Palácio do
Planalto, e que teria sido frustrada pela presença de soldados da Polícia Militar:
A segurança do Palácio do Planalto foi surpreendida ontem por
uma manifestação de cerca de 500 servidores em greve, que
depois ganhou a adesão de mais 200 integrantes do Movimento
18
ADUFRJ. Manifestação reforça greve: 7.
13
dos Sem-Terra - MST. Eles chegaram a obstruir a pista diante do
Planalto. Houve confusão quando deputados e manifestantes
atravessaram a pista e foram até o começo da rampa do Palácio. A
segurança da Presidência da República chamou soldados do
Batalhão da Guarda Presidencial, da Polícia Militar e do Batalhão de
Operações Especiais para conter o protesto.
19
Ao mesmo tempo em que a manifestação de servidores foi apresentada por
O Globo como confusão, o jornal informou com destaque, na referida matéria,
sobre duas medidas do governo federal que não constavam da pauta de
reivindicações docente e dos servidores: a devolução, a 180 mil servidores, da
cobrança previdenciária descontada indevidamente do funcionalismo no ano de
1999. E a devolução integral, a 25 mil aposentados por invalidez ou portadores de
doenças graves, dos 28,86%.
20
Embora o texto de O Globo tenha lembrado que o
Supremo Tribunal - STF considerara tal cobrança indevida, o governo ficou
subentendido como reconhecedor do direito dos servidores, o que contribuiu para
atenuar um possível dano, à imagem do próprio governo, causado por duas
declarações do ministro da Educação, Paulo Renato Souza, reproduzidas pelo jornal
na mesma matéria: a de que cortaria o ponto dos docentes grevistas; e a acusação
de ser a paralisação uma greve política, que teria começado sem que houvesse um
processo de negociação.
A apresentação do governo como transigente para com os servidores seria
repetida na edição de 7 de setembro de O Globo, em matéria na qual o jornal
informou que servidores e aposentados incluídos no Plano de Classificação de
Cargos - PCC receberiam, a partir de dezembro de 2002, o retroativo dos 3,17%
em sete anos, com duas parcelas anuais.
21
19
O GLOBO. Servidores tentam protestar na rampa: 5.
20
O índice de 28,86% refere-se à decisão tomada pelo governo federal, em
1998, de estender administrativamente, aos servidores civis, o reajuste
concedido aos servidores militares em 1993 pelo então presidente Itamar
Franco. Quanto à decisão do governo de devolver a contribuição previdenciária
cobrada indevidamente dos servidores, foi a mesma tomada depois que o
Supremo Tribunal Federal - STF considerou-a devida aos trabalhadores.
21
O índice de 3,17% resultou da diferença entre o reajuste de 25,94%,
concedido em janeiro de 1995 aos poderes legislativo e judiciário, e os 22,07%
concedidos aos servidores do poder executivo (exceto militares).
14
Apresentada por O Globo como confusão, a mesma passeata de servidores
do dia 4 de setembro, em Brasília, foi abordada pelo Adufrj de 10 de setembro com
o título Greve fura bloqueio da mídia e as seguintes palavras:
A mídia teve que se render. Após cerca de 15 dias de greve
unificada (os funcionários técnico-administrativos estão parados
desde 25 de julho), a televisão e os jornais finalmente
reconheceram a força das reivindicações e começaram a noticiar o
movimento dos servidores públicos federais. No dia 4 de setembro,
graças a um requerimento de instalação assinado por 190
parlamentares, constituiu-se na Câmara dos Deputados uma
Comissão Geral com o tema A crise do serviço público.
Representantes de diversas categorias em greve marcaram
presença e ocuparam o plenário da Câmara. Logo em seguida,
com o apoio de centenas de sem-terra, os SPFs realizaram uma
passeata até o Palácio do Planalto, onde realizaram um protesto. A
iniciativa ganhou os noticiários televisivos e as páginas dos
principais jornais impressos. Nada mal para uma terceira semana
de greve, que estava sendo ignorada pela mídia até então.
22
Contrariamente a O Globo, no texto acima a ênfase do Adufrj recaiu sobre a
força da greve dos servidores e suas mobilizações que, por esse motivo, teriam
ganhado os noticiários televisivos. Vale ressaltar que a constituição, na Câmara dos
Deputados, de uma comissão geral para discutir a crise do serviço público, tão
destacada no Adufrj, não foi sequer mencionada por O Globo.
A necessidade de participação dos docentes nas manifestações foi também
realçada pelo Adufrj na mesma edição de 10 de setembro, em matéria com o título
Servidores fazem ato dia 12. Lembrando que a participação docente nas
manifestações previstas para esta data (Dia Nacional de Luta) fora aprovada na
assembléia geral da categoria ocorrida em 5 de setembro, o Adufrj convocou os
docentes afirmando que
a participação de toda a comunidade universitária é importante
para dar mais visibilidade ao movimento grevista e suas
reivindicações na mídia.
23
Constatamos que enquanto O Globo buscou minimizar as atividades da
greve e questionou sua extensão em nível nacional e regional, o Adufrj atuou em
sentido contrário, procurando maximizá-las.
22
ADUFRJ. Greve fura bloqueio da mídia: 2.
23
ADUFRJ. Servidores fazem ato dia 12: 1.
15
O Globo utilizou um critério frágil para medir a adesão dos servidores à
greve — a presença nas passeatas — logo descartado pelo jornal a partir do
momento em que não mais serviu a seu objetivo político de minimizar a extensão
do movimento. Já o Adufrj sequer apresentou um critério para medir a extensão da
greve e comprovar a afirmação de que o movimento estaria cada vez mais forte.
Ambos os jornais demonstram arrogância e pouca preocupação com a
necessidade de informar seus públicos leitores e de serem rigorosos no trato das
informações.
Capítulo 2
Um diálogo de surdos
Neste capítulo, analisaremos que valores e conceitos O Globo e o Adufrj irão
associar à greve docente em seu noticiário político regular e em seus textos
editoriais. Em outras palavras, em torno de que pressupostos cada uma das
versões sobre a greve será organizada.
A greve como violência e prejuízos à população em O Globo
Nossa análise tomará, como ponto de partida, o noticiário das manifestações de
docentes e servidores em greve ocorridas no dia nacional de luta (12 de setembro),
a que já aludimos ao final do primeiro capítulo. Estas manifestações foram
veiculadas por O Globo de 13 de setembro tendo, como eixo organizador do
noticiário, a associação da greve e dos grevistas às idéias de prejuízo à população,
tumulto e violência, em total oposição à versão apresentada pelo Adufrj, onde a
greve foi conotada como manifestação pacífica e democrática.
Sobre a relação entre grande imprensa e sindicatos, nos anos 70 um
renomado cientista social (Miliband) já considerava que:
Simultaneamente e de maneira conseqüente, a imprensa, em sua
maior parte, tem constituído sempre uma força anti-sindical
profundamente comprometida. Deve-se observar que isso ocorre
não porque os jornais em geral sejam contrários aos sindicatos
como tal. Absolutamente. Eles se opõem àqueles sindicatos que no
jargão familiar, sem levar em conta o bem-estar do país e dos
próprios interesses de seus membros, de maneira voraz e
irresponsável, buscam obter conquistas a curto prazo, que são
cegamente autodestruidoras. Em outras palavras, os jornais amam
os sindicatos enquanto eles executarem mal a tarefa para a qual
existem. Assim como os governos e os patrões, os jornais
deploram profundamente as greves, e quanto mais amplas forem
estas, maior a hostilidade: malditos sejam os líderes sindicais que
encorajam ou não conseguem impedir tais formas de
comportamento manifestamente anti-sociais, irresponsáveis e
obsoletas. O certo e o errado em qualquer disputa pouco
importam; o que conta é a comunidade, o consumidor, o público,
que deve ser protegido, qualquer que seja o custo, contra as ações
de homens que obedecem cegamente às convocações de líderes
mal orientados e, provavelmente, mal intencionados.
24
24
MILIBAND, R. O estado na sociedade capitalista: 270.
17
Foi na abordagem tradicionalmente dedicada pela grande imprensa às
greves de trabalhadores, analisada por Miliband, que a edição de 13 de setembro
de O Globo noticiou as manifestações de servidores e docentes ocorridas na
véspera (12/09). Nesta edição, O Globo pôs uma pequena chamada com foto-
legenda na página 2 e uma longa matéria na página 8. Na página 2, ao relatar o
ato unificado dos grevistas, O Globo publicou fotografia da manifestação com a
seguinte legenda e, na qual, pode-se observar que o evidenciado foi o
congestionamento do tráfego.
Estudantes e servidores públicos fazem manifestação no centro do
Rio para lembrar os 22 dias de greve nas universidades federais.
Eles realizaram uma passeata da Av. Presidente Vargas até a
Cinelândia, congestionando o tráfego. Outras manifestações foram
realizadas em quatro capitais, com o fechamento de rodovias.
25
A idéia de que a greve é prejudicial à população, sinônimo de baderna e
violência, contudo, foi apresentada com toda força por O Globo na matéria principal
da referida edição (13/09), intitulada Grevistas, UNE e MST fecham rodovias:
BRASÍLIA, RIO, RECIFE e CURITIBA. Funcionários de universidades
públicas federais fizeram ontem protestos em diversos estados,
com a ajuda de estudantes e militantes do MST, para marcar os 22
dias de greve da categoria. Em quatro capitais, os manifestantes
queimaram pneus e fecharam rodovias. No Rio, eles tumultuaram
o trânsito no centro da cidade e queimaram um boneco do
presidente americano George W. Bush. Em Brasília, cerca de 70
estudantes participaram do protesto. Por duas horas, eles
provocaram um engarrafamento de 20 quilômetros na BR-040,
que liga a cidade a Minas. O grupo queimou pneus, galhos,
caixotes e cadeiras (...).
26
Na página em questão, foram postas 4 fotografias com cenas do bloqueio da
rodovia BR-040; de pneus queimados em rodovia mineira e em Recife; e de
manifestantes ocupando a pista da Av. Pres. Vargas, no Rio. Além da associação
direta dos grevistas e manifestantes com a violência contida nestas imagens, foi
também realizada outra associação com a violência através da citação, no título e
no texto, da participação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra - MST
no fechamento de rodovias junto com grevistas e União Nacional dos Estudantes -
25
O GLOBO, 13/09/01: 2
26
O GLOBO. Grevistas, UNE e MST fecham rodovias: 8.
18
UNE. Com isto, O Globo tentou agregar, à paralisação, o estigma do MST,
construído pela maioria dos grandes jornais brasileiros, de ser este um movimento
que possui, entre seus objetivos, os de subverter a ordem social, desrespeitar as
leis e a propriedade privada através do uso sistemático da violência.
Como complemento à já referida associação, a página trouxe também duas
notícias policiais: uma delas, posta imediatamente ao lado da matéria principal
sobre a greve, com o título Assaltante sofre novo atentado na PF de Brasília, sobre
o atentado sofrido por Marcelo Borelli, condenado por assaltar aviões e torturar
crianças que, segundo O Globo, quase foi queimado pelos detentos. Com o título
Assassinos de prefeito teriam usado carro roubado, a outra matéria policial
informava que o ex-prefeito de Campinas (conhecido por Toninho do PT), vinha
sendo ameaçado antes de seu assassinato. Duas notícias que, por via indireta,
invocaram o imaginário social relacionado a crimes para associá-lo aos movimentos
reivindicatórios de trabalhadores. Tal mecanismo expressou a concepção de O
Globo acerca desses movimentos: o de que devem ser tratados como caso de
polícia. Se possível, no mesmo espaço destinado pela estrutura do jornal às notícias
desta editoria.
Ao mesmo tempo em que o fechamento de rodovias e a violência dos
manifestantes foram realçados em toda a página, O Globo deliberadamente não
explicitou quais seriam as reivindicações de servidores, docentes e estudantes,
tornando difícil, aos leitores que não tivessem acompanhado a paralisação desde o
seu início, entender minimamente as razões dos protestos. Cumpre assinalar,
porém, que, mesmo na hipótese de as reivindicações terem sido explicadas por O
Globo aos leitores, tal fato em nada modificaria os efeitos danosos, para os
grevistas, da interpretação apresentada pelo jornal sobre as manifestações.
Com o título Servidores fazem maior ato público da greve, as manifestações
de 12 de setembro foram noticiadas no Adufrj do dia 17 em termos completamente
opostos, como vemos a seguir:
19
Servidores federais, em todos os estados, realizaram grandes
passeatas e manifestações no Dia Nacional de Luta, 12 de
setembro. No Rio, a passeata seguiu pelas avenidas Presidente
Vargas e Rio Branco. Funcionários da Previdência, Justiça Federal,
Incra, Pedro II e das universidades se uniram na manifestação
contra as políticas de FHC e pelo reajuste linear.
27
Intitulada Servidores param a cidade e com uma fotografia de faixas abertas
na passeata, a continuação da matéria no Adufrj abriu com um texto que, além de
valorizar a manifestação, apresentou como positiva a participação de outros
sindicatos de servidores públicos e até de movimentos sociais como o MST,
estigmatizados pela grande imprensa:
Na última quarta-feira (12/09), o centro da cidade do Rio de
Janeiro foi tomado pelos servidores públicos. A manifestação,
ocorrida no Dia Nacional de Luta, reuniu milhares de cidadãos que
se concentraram no Sambódromo e prosseguiram em passeata até
a Cinelândia. Vários sindicatos estavam presentes como o
Sindsprev/RJ, o Sindscope, o Sintrasef e o Sindifisp. Servidores de
outras instituições também participaram do ato como os dos
Hospitais dos Servidores do Estado, de Bonsucesso, da Lagoa e de
Ipanema, do Incra e da Biblioteca Nacional. Dirigentes da Andes,
do MST e da CUT-RJ estiveram presentes. O movimento contou
com funcionários vindos de outros municípios do Rio de Janeiro
que chegaram em ônibus fretados.
28
A associação da greve à idéia de violência seria novamente realizada por O
Globo em 20 de setembro, com título Ministro ameaça cortar salário de grevistas e
subtítulo Servidores de universidades federais em greve e manifestantes da UNE
tentam invadir prédio do MEC em Brasília. Após informar sobre nova ameaça do
ministro Paulo Renato de cortar o salário dos docentes caso os mesmos não
retornassem ao trabalho até o final de setembro, o texto informou, sem estabelecer
nexo causal com as declarações de Paulo Renato, que na véspera um grupo de 300
manifestantes da UNE e da Federação Nacional das Associações de Servidores das
Universidades Públicas Brasileiras - Fasubra tentou entrar no prédio do MEC e que
no empurra-empurra com seguranças e policiais militares, um
vidro da portaria foi quebrado.
29
27
ADUFRJ. Servidores fazem maior ato público da greve: 1.
28
ADUFRJ. Servidores param a cidade: 6.
29
O GLOBO. Ministro ameaça cortar salário de grevistas: 16.
20
Na mesma matéria, diluída no último parágrafo do texto e sem qualquer
destaque, O Globo informava que os docentes da UFRJ haviam decidido continuar
em greve em assembléia ocorrida na véspera.
A criminalização dos movimentos reivindicatórios
A publicação, em 19 de setembro, nos principais jornais do país, de documento do
Ministério da Educação - MEC, sob a forma de propaganda oficial, foi noticiada com
amplo destaque pelo Adufrj do dia 24 de setembro. Com o título Governo
reconhece força da greve, o Adufrj interpretou a publicação do documento do MEC
como um reconhecimento da força da paralisação docente por parte do governo
federal. Ao questionar o conteúdo do documento — que, segundo o Adufrj, se
referia a supostas melhorias nos indicadores das Instituições Federais de Ensino
Superior - IFES e na infra-estrutura universitária desde 1994 — o informativo
docente fez os seguintes comentários:
Mais uma vez, o governo faz um jogo de cena. Quem conhece de
perto a situação das IFES percebe que os laboratórios e bibliotecas
estão muito longe da situação ideal. No caso da UFRJ, que é a
maior universidade federal do país, já é fato reconhecido no
Cepg
30
que a coleção de periódicos está defasada há anos. Os
fundos setoriais, conforme a diretoria da Andes vem alertando há
bastante tempo, destinam suas verbas apenas para projetos
definidos como prioritários pelos investidores privados que ora
atuam nestas áreas. As observações mistificadoras mais
revoltantes do documento dizem respeito às gratificações criadas
para os professores do terceiro grau (GED), para os técnico-
administrativos (Gdae) e a supostos 11 mil concursos para
provimento de cargos efetivos de docentes. O próprio MEC
reconheceu recentemente uma defasagem de 8 mil vagas,
comprovável pelo número de professores substitutos, mas
autorizou concurso para menos de 2 mil vagas (em agosto deste
ano).
31
Outras duas matérias desta edição do Adufrj (24/09) relativas à greve foram
também publicadas com destaque: o ato em defesa da universidade pública,
realizado em 17 de setembro no auditório do Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais (IFCS-UFRJ). E o abraço ao Colégio de Aplicação (CAP-UFRJ), realizado em
30
Trata-se do Conselho de Ensino, Pesquisa e Pós-Graduação – Cepg.
31
ADUFRJ. Governo reconhece força da greve: 1.
21
20 de setembro. Sobre a manifestação no IFCS, o Adufrj lembrou que a mesma
contou com a participação de deputados de vários partidos da oposição e do próprio
governo. Quanto ao CAP, o Adufrj referiu-se com as seguintes palavras à
manifestação ali realizada:
Mais um ato demonstrou que os servidores públicos estão
determinados a conseguir o reajuste salarial e a melhoria das
condições de ensino nas instituições federais. Centenas de
estudantes e seus familiares se reuniram na última quinta-feira
(20/09) para abraçar o Colégio de Aplicação da UFRJ. Professores
e técnico-administrativos do CAP, o Sintufrj, a Adufrj, a APG e a
Andes estavam presentes. A manifestação contou com a
criatividade dos alunos, que fizeram máscaras e se fantasiaram de
FHC e FMI.
32
Nessa matéria sobre o CAP, o texto do Adufrj ainda afirmou que
professores, funcionários e alunos chamaram a atenção da
imprensa, que apareceu no local com várias equipes de televisão e
jornais.
A imprensa pode ter estado presente tanto ao ato do CAP quanto no do
IFCS. No entanto, a julgar pela repercussão das manifestações em O Globo, a
cobertura foi apenas aparente. Embora contasse com a presença de parlamentares
da oposição e do próprio governo, o ato no auditório do IFCS, por exemplo, foi
noticiado na edição de 18 de setembro de O Globo sem qualquer destaque e na
forma de pequena nota ao pé de página. A exemplo do que fizera em 13/09, O
Globo mais uma vez criminalizou o movimento grevista em sua edição de 21 de
setembro, na matéria intitulada PM atira para o alto em protesto de estudantes no
Ministério da Fazenda, sobre conflito entre a polícia e estudantes durante ato de
solidariedade à greve ocorrido em Brasília no dia 20/09. Publicada imediatamente
ao lado de duas notas sobre crimes — uma sobre seqüestro e outra sobre roubo de
quadros — a matéria tratou o conflito de estudantes e PMs nos seguintes termos:
Uma manifestação de universitários em frente ao ministério da
fazenda, na manhã de ontem, acabou em tumulto, controlado pela
Polícia Militar com disparos de tiros para o alto. Os estudantes
protestaram contra a falta de recursos para a educação e
quebraram a vidraça da portaria do ministério. O vice-presidente
da UNE, Ademário Costa, disse que 500 estudantes e servidores
32
Idem: 4.
22
em greve participaram da manifestação. O estudante de química
Anderson Cunha, da UFF, ficou ferido, sem gravidade, ao ser
atingido por um cassetete (...) O coronel Hellen José Rocha Filho,
do 1º Comando de Policiamento Regional, reconheceu que houve
disparos para o alto e disse que será aberto processo disciplinar
para descobrir o autor dos tiros. Ele afirmou que havia 60 PMs no
lugar e admitiu que eles não estão preparados para ações deste
tipo.
33
Na edição de 27 de setembro do Adufrj, o mesmo conflito do dia 20/09 foi
relatado com o título Em Brasília, polícia agride estudantes e servidores em
protestos:
Nas manifestações ocorridas nos dias 19 e 20/09, em frente ao
MEC e ao Ministério da Fazenda, estudantes e servidores públicos
foram agredidos com tiros e golpes de cassetete por policiais
militares do Distrito Federal. No dia 19, após ouvir do ministro do
Planejamento, Martus Tavares, que não haveria negociações com
os trabalhadores em greve, professores e servidores se dirigiram
em passeata para o MEC. No dia 20, foi a vez de estudantes
levarem tiros e golpes da polícia, em nova manifestação no
Ministério da Fazenda. O enfrentamento fez com que o governo
recuasse e Paulo Renato, que já havia ameaçado com cortes de
salário, marcou audiência com os movimentos, ocorrida na quarta-
feira, 26.
34
Observamos que O Globo considerou as declarações do Comando da PM
sobre os referidos confrontos como a única versão digna de crédito, posto não ter o
jornal apurado o ocorrido junto a outras fontes que poderiam ter sido consultadas,
entre elas os próprios estudantes e grevistas. Se para O Globo os PMs atiraram
para o alto e o que conta são as versões oficiais das autoridades, para o Adufrj
estudantes e servidores públicos foram agredidos com tiros e golpes de cassetete
por policiais militares.
Além de apresentar versão distinta da de O Globo para o conflito, o Adufrj
estabeleceu uma relação mecânica de causa e efeito
35
entre o enfrentamento de
grevistas e PMs e a realização da reunião do dia 26 entre o MEC e a Andes. Nestes
33
O GLOBO. PM atira para o alto em protesto de estudantes no Ministério da
Fazenda: 10.
34
ADUFRJ. Em Brasília, polícia agride estudantes e servidores em protestos: 1.
35
Dizemos relação mecânica pelo fato de não serem consideradas outras
mediações políticas e sociais presentes em greves, sobretudo de servidores
públicos, como, por exemplo, o oferecimento de parlamentares e outras
autoridades para intermediar e/ou abrir negociações entre as partes.
23
termos, foi superdimensionado o poder de pressão política da greve docente, sendo
a paralisação apresentada como capaz de pautar a agenda do governo.
Refletindo sobre as características gerais da imprensa sindical e/ou
partidária, Giannotti e Santiago (1997) consideram que: Na
comunicação para a classe trabalhadora há algumas condições
prévias. A primeira delas é que esta comunicação seja eficaz. Ou
seja, que comunique. Que transmita. Que consiga passar a
mensagem, a política, o plano de ação.
36
Continuando em sua reflexão, os autores afirmam ainda que o sentido da
comunicação sindical
é levar centenas, milhares, milhões de trabalhadores à ação em
defesa de velhos direitos ameaçados ou conquista de novas
vitórias.
37
É sob a perspectiva comum à maioria dos jornais sindicais — de serem
instrumentos de mobilização a serviço de suas categorias — que compreendemos o
superdimensionamento do poder de pressão da greve tal como esboçado no Adufrj.
O destaque para os prejuízos causados pela greve docente aos alunos das
universidades públicas e à população seria repetido por O Globo em 27 de
setembro, repetição que é um dos meios primordiais através do qual o jornal
constrói e consolida sua ideologia anti-greve. Com o título Governo negociará com
professores em greve e subtítulo Paralisação deixa sem aulas estudantes de 50 das
52 universidades federais e já ameaça a realização do vestibular, o jornal
informava do resultado de reunião entre a Andes e o ministro Paulo Renato,
ocorrida na véspera, na qual ficara decidida a criação de grupos temáticos de
negociação com o ministério. Reunião que, segundo O Globo, fora considerada por
Paulo Renato como um avanço. Além de associar a paralisação docente à idéia de
prejuízos à sociedade [no caso, aos estudantes de 50 universidades que estariam
sem aulas], O Globo ao mesmo tempo fez uma associação positiva para o governo
federal, apresentando Paulo Renato como tolerante e transigente. Segundo o texto,
por exemplo, o Ministro estava
36
GIANOTTI & SANTIAGO. Comunicação sindical: falando para milhões: 60.
37
Idem: 86.
24
inclinado a aceitar a incorporação da gratificação aos salários dos
servidores das federais.
O Globo também afirmou que Paulo Renato
se comprometeu a adiar o envio, ao Congresso Nacional, do
projeto de lei que regulamenta o emprego público [e que] no
empenho para pôr fim à greve, o ministro se mostrou disposto a
atender até mesmo às reivindicações da UNE.
38
Com o título Comandos se reúnem com Paulo Renato, a mesma reunião do
ministro com a Andes foi, contudo, noticiada pelo Adufrj de 27 de setembro em
termos distintos:
O saldo da reunião do ministro com o Comando Nacional de Greve
da Andes e demais entidades, dia 26/09, foi a constituição de
grupos de trabalho para que o MEC, ao final de uma semana,
apresente propostas a serem avaliadas pelas assembléias das
categorias em greve. Em princípio, o ministro queria que as
entidades suspendessem a greve para constituir os grupos, o que
foi imediatamente recusado pelos sindicalistas. Nenhuma resposta
concreta sobre a pauta dos movimentos foi apresentada pelo
governo.
39
Ao contrário de O Globo, o Adufrj afirmou, em estilo direto, que nenhuma
resposta concreta sobre a pauta dos movimentos fora apresentada pelo governo,
buscando desgastar o ministro Paulo Renato perante os docentes.
Na já aludida edição de 27 de setembro de O Globo, além da associação da
greve à idéia de prejuízos à população, o jornal repetiu a ligação entre a
paralisação e a violência (inclusive policial). Foi o caso de matéria publicada na
página 14, sobre a assembléia dos professores do Centro Federal de Educação
Tecnológica - Cefet realizada na véspera (26/09). Com título e subtítulo,
respectivamente, Protesto sangrento em assembléia de professores; Líder de um
grêmio estudantil do Cefet se corta com estilete ao ser impedido de discursar, O
Globo abriu o texto com as seguintes palavras:
João César Nascimento, de 21 anos, aluno do curso de controle
ambiental do Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet), no
Maracanã, foi protagonista de uma cena inusitada e violenta
durante uma manifestação de professores do colégio ontem à
38
A UNE queria modificar a Medida Provisória que acabara com seu monopólio
na emissão de carteiras de estudantes.
39
ADUFRJ. Comandos se reúnem com Paulo Renato: 1.
25
tarde. Revoltado porque não conseguiu permissão para discursar,
ele pegou um estilete e cortou o próprio braço enquanto gritava:
Vocês querem nosso sangue, então vão ver! (...) João César, que
recentemente foi eleito presidente do Grêmio estudantil da
unidade do Cefet em Nilópolis, estava revoltado com a
possibilidade de os professores aderirem à greve dos servidores
federais que pleiteiam um aumento salarial de 78%.
40
A exceção de pequena matéria sobre uma campanha de artistas para ajudar
crianças cardíacas, os demais textos da página em questão (14) na edição de 27/09
de O Globo tiveram todos a violência como temática central. Foi o caso, por
exemplo, da matéria Aluno atira dentro de colégio no Flamengo, sobre uma
brincadeira com um revólver que, por pouco, não terminara em tragédia entre
alunos da 6ª série do colégio Bennet. E da coluna intitulada Promotor cobra
atendimento a menores infratores, sobre a recusa de diretores de abrigos
municipais em receber esses menores. Cumpre observar que só nas últimas linhas
da matéria sobre o protesto sangrento do estudante João César no Cefet foi que O
Globo informou sobre manifestação promovida na véspera (26/09) por servidores,
alunos e docentes na Cinelândia, como vemos a seguir:
Cerca de 500 estudantes, professores e funcionários de
universidades federais do Rio, em greve desde 22 de agosto,
fizeram ontem um protesto em frente à Câmara de Vereadores, na
Cinelândia. Eles montaram barracas para uma espécie de feira de
ciências: tiraram pressão arterial de graça, deram informações
sobre como evitar doenças, distribuíram camisinhas e fizeram
demonstrações de fenômenos físicos com equipamentos de
laboratório. Alunas da Faculdade de Artes Cênicas da UNI-Rio,
Clarisse Gurgel, de 22 anos, e Maria Stela de Paula, de 23,
chamaram a atenção: elas estavam usando um único paletó e
chapéus simulando os prédios do World Trade Center com aviões
atravessando as torres gêmeas.
41
Por ter como assunto central as atividades da paralisação docente, o texto
acima era a notícia sobre a greve que, no entanto, foi relegada a plano secundário
por O Globo. Já o corte do estudante João César Nascimento com estilete durante a
assembléia de professores do Cefet, embora fato secundário para o entendimento
da greve e suas reivindicações, foi pelo jornal erigido a primeiro plano com o maior
destaque possível.
40
O GLOBO. Protesto sangrento em assembléia de professores: 14.
41
Ibidem.
26
Em artigo no qual reflete sobre a prática dos editores da grande imprensa de
noticiar acontecimentos de forma diluída e sem o devido destaque — algo bastante
conhecido dos observadores mais atentos — o jornalista Aloysio Biondi lembra que:
Os editores escondem a verdade, isto é, os problemas, nas últimas
quatro linhas, o que lhes permite fingir que não estão deixando de
noticiar nada, uma atitude hipócrita, pois eles sabem muitíssimo
bem que a informação que impressiona o leitor é aquela
estampada no título e no lide.
42
Escondida por O Globo em meio a uma página que teve por centro a
temática da violência, a manifestação de docentes e estudantes promovida na
Cinelândia em 26 de setembro foi contudo noticiada com amplo destaque no Adufrj
de 27/09, a que já aludimos. Com título e subtítulo, respectivamente, Universidade
na Praça esclarece população sobre a greve; Mais de vinte estandes levam
produção da UFRJ para a população no Centro, o Adufrj assim referiu-se à
atividade:
O Centro do Rio parou nesta quarta-feira (26/09). Alunos,
professores e funcionários da UFRJ apresentaram, na Cinelândia,
uma pequena mostra de suas produções científicas e culturais.
Foram 45 atividades de diferentes cursos da UFRJ e alguns da UFF
e da UniRio. Os deputados estaduais Carlos Minc (PT) e Chico
Alencar (PT) também compareceram e deram apoio ao
movimento. Os organizadores, a Adufrj, o Sintufrj, o DCE e a APG
agradeceram à Câmara Municipal, principalmente ao vereador
Eliomar Coelho (PT), pelo fornecimento do espaço e pela infra-
estrutura. O encontro serviu para fortalecer a greve, sendo mais
uma oportunidade para a sociedade conhecer a produção
acadêmica das instituições federais e as reivindicações para a
melhoria do ensino público e gratuito. O evento mobilizou as
emissoras de televisão do país. A Rede Globo e a TVE fizeram
reportagens ao vivo, além da CNT e da Record, que também
cobriram o ato.
43
Observamos que, em seu objetivo de valorizar a manifestação, o Adufrj
afirmou que a mesma esclarece a população sobre a greve como se a população
tivesse automaticamente compreendido as razões da paralisação, o sentido das
reivindicações docentes e as especificidades da produção científica e acadêmica. O
que, em nosso entendimento, corresponde à idealização que a comunidade
42
BIONDI, A. Mentira e cara-durismo (ou: a imprensa no reinado FHC).
43
ADUFRJ. Universidade na Praça esclarece população sobre a greve: 1.
27
acadêmica faz a respeito de si mesma, supondo que, para ser compreendida pela
sociedade, basta à universidade mostrar-se com mais freqüência e intensidade para
o público externo. Paralela a esta representação da universidade incompreendida é
a greve docente idealizada em sua repercussão junto à sociedade.
A baixa adesão de volta ao noticiário
Abordado com mais intensidade na primeira semana de paralisação docente,
conforme já analisamos no primeiro capítulo, o tema da adesão à greve voltou a
ser objeto do noticiário de O Globo em 29 de setembro, com o título Professores já
começam a voltar ao trabalho:
BRASÍLIA, RIO E BELO HORIZONTE – A greve nas universidades
federais, que completa hoje 34 dias, já provoca sinais de
descontentamento entre estudantes e professores. Na UnB, esta
semana, havia diversas turmas assistindo aulas normalmente. A
greve dos alunos da UnB, mais radical que a dos professores e
responsável pelo tumulto de anteontem na universidade, também
não tem adesão total.
44
A seguir, o texto reproduziu depoimentos de estudantes contra e a favor da
paralisação de alunos. Com o intertítulo Professores temem radicalização do
movimento, o último parágrafo da matéria em questão referiu-se à situação da
UFRJ nos seguintes termos:
No Rio, no campus da UFRJ, poucos professores compareceram à
assembléia que, apesar disso, decidiu manter o movimento. A
pequena participação na assembléia — apenas 50 professores —
pode ser um sinal de descontentamento com o rumo tomado pelo
movimento. Todos concordam que o reajuste salarial deve ser
imediato, mas há professores insatisfeitos com uma possível
radicalização do comando de greve, que pede o adiamento do
vestibular e o cancelamento do período letivo como forma de
pressionar o governo.
— A greve só prejudica a formação de alunos e pesquisadores.
Para mim, a associação de docentes não representa o pensamento
dos professores, e sim de uma minoria sindicalizada — disse um
professor de física, que pediu para não ser identificado.
45
Tanto para afirmar que a greve nas universidades federais já provoca sinais
de descontentamento entre estudantes e professores como para dizer que, na
44
O GLOBO. Professores já começam a voltar ao trabalho: 11.
45
Ibidem.
28
UFRJ, haveria professores insatisfeitos com uma possível radicalização do comando
de greve, O Globo baseou-se unicamente no depoimento de um professor de física
que pediu para não ser identificado. A leitura de que a presença de 50
manifestantes na assembléia pode ser um sinal de descontentamento dos docentes
careceu de total fundamento. Uma leitura inversa a esta seria inclusive possível,
considerando, por exemplo, que a presença de 50 manifestantes na assembléia
decorreria do fato de os docentes estarem ocupados demais com as atividades da
greve em seus locais de trabalho, tendo, portanto, dificuldades de comparecer em
massa à assembléia. O Globo propositalmente não precisou o percentual de
professores que estariam descontentes com a paralisação e, ao abordar a
assembléia de docentes da UFRJ que decidira manter a greve, não precisou
também a data e o local de realização da mesma. Nenhuma dessas imprecisões,
entretanto, constitui alguma falha ou lacuna na cobertura dedicada pelo jornal à
greve docente. Ao contrário, as aparentes imprecisões de O Globo fazem parte de
um plano deliberado, pensado e executado pelo jornal antes mesmo da edição de
suas matérias sobre a paralisação.
A mesma greve que, segundo O Globo de 29 de setembro, já provocava
sinais de descontentamento entre estudantes e professores, foi apresentada pelo
Adufrj de 1º de outubro como cada vez mais forte. Em matéria de capa com o título
A força da greve, o informativo docente afirmou que o movimento ganha as ruas da
cidade. Na continuação da matéria, ao informar que a assembléia docente de 27 de
setembro aprovara a continuidade da paralisação, o Adufrj interpretou que:
No momento em que o governo resolve radicalizar e ameaça com
cortes de salários, a greve ganha força, se apresenta nas ruas e
praças da cidade e mostra que os trabalhadores têm disposição
para enfrentar a truculência de Fernando Henrique e seus
ministros.
46
Outra matéria de destaque na edição do Adufrj em questão foi uma
repetição de notícia já publicada em 27 de setembro sobre o Universidade na Praça,
46
ADUFRJ. A força da greve: 2.
29
realizado na Cinelândia em 26/09. A diferença para a primeira publicação foi a
versão apresentada pelo Adufrj sobre a repercussão da greve na mídia, expressa
nos seguintes termos:
Após um mês de paralisação, a mídia parece ter percebido a força
do movimento dos servidores públicos. Fruto do trabalho da
Comissão de Imprensa do Comando Local de Greve, a CNT e as
redes Bandeirantes, Brasil e Globo, que fez uma intervenção ao
vivo no telejornal regional (RJTV), compareceram ao local.
Estudantes, funcionários e docentes puderam se manifestar
publicamente contra o desmonte deliberado do ensino público e,
assim, contribuir ativamente para a visibilidade das dificuldades e
das reivindicações do movimento grevista. Pela primeira vez, uma
reportagem do Jornal Nacional mencionou o fato de que 75% dos
salários de docentes e técnico-administrativos correspondem a
gratificações, revelando a fragilidade econômica dos servidores.
Também foi noticiada a possibilidade de adiamento ou suspensão
do vestibular.
47
Para o Adufrj, a repercussão da greve nos jornais da chamada grande
imprensa é determinada, em última instância, pela maior ou menor capacidade de
mobilização dos docentes no sentido de fazerem com que a sociedade e a própria
imprensa conheçam as reivindicações da categoria. Assim, desconsidera-se (ou não
se concebe) a influência de fatores determinantes para o comportamento da mídia
como um todo, entre os quais destacamos a propriedade privada dos meios de
comunicação e o fato de os mesmos se constituírem em aparelhos ideológicos a
serviço da reprodução do status quo dominante numa determinada formação
social.
48
Em sua edição de 3 de outubro, o Adufrj informava com destaque sobre a
obtenção, no dia 1/10, de liminar em mandado de segurança impetrado pela Andes
junto ao Superior Tribunal de Justiça - STJ, determinando que o ministro Paulo
Renato Souza fizesse o repasse necessário ao pagamento dos salários dos docentes
47
Idem: 4.
48
Definindo os aparelhos ideológicos de Estado, Althusser afirma que: enquanto
podemos constatar que o aparelho repressivo de Estado pertence inteiramente
ao domínio público, a grande maioria dos aparelhos ideológicos de Estado (em
sua aparente dispersão) pertence, ao contrário, ao domínio privado. Igrejas,
partidos, sindicatos, famílias, algumas escolas, a maioria dos jornais, os
empreendimentos culturais etc são particulares. ALTHUSSER, L. Aparelhos
ideológicos de estado: 115.
30
em greve referentes ao mês de setembro. Fato também noticiado por O Globo em
sua edição do dia 2.
Poucos dias após a concessão da liminar do STJ, no entanto,
coincidentemente O Globo voltou a associar a greve docente às idéias de violência e
tumulto. Com o título Protesto e tumulto, a edição do dia 4 de outubro trouxe
matéria principal relatando o choque entre grevistas, trabalhadores da educação e
estudantes com PMs, em Brasília, durante manifestação na Esplanada dos
Ministérios realizada na véspera pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação - CNTE para exigir mais investimentos do governo no setor.
49
Da
manifestação participaram servidores e docentes em greve, e O Globo abriu seu
texto nos seguintes termos:
Trabalhadores da educação, servidores e professores de
universidades federais em greve, estudantes e sem-terra
ocuparam ontem a Esplanada dos Ministérios, em manifestação
que reuniu 25 mil pessoas, segundo a Polícia Militar, ou 50 mil, de
acordo com os organizadores. O que era para ser um protesto
pacífico contra a política educacional do governo transformou-se
em tumulto: estudantes ligados à UNE entraram em confronto com
PMs. Depois de atear fogo a um boneco que simbolizava o ministro
da Educação, Paulo Renato Souza, e pisoteá-lo, os estudantes
atiraram pedras, garrafas, cocos e até um rojão contra os PMs que
protegiam o ministério. A PM respondeu mandando a cavalaria
para cima dos estudantes e deixando Batalhão de Choque de
Prontidão (...). Depois do tumulto em frente ao MEC, os
estudantes atravessaram a Esplanada e foram reforçar um
protesto do Movimento dos Sem Terra - MST em frente ao
Ministério do Desenvolvimento Agrário. Mais uma vez, pedras e
paus foram atirados nos PMs, que, de novo, usaram a cavalaria.
Professores em greve aproveitaram para exigir do governo o
pagamento dos salários de setembro, bloqueados por Paulo
Renato. O ministro permaneceu irredutível: se voltarem ao
trabalho, eu pago, disse.
50
Na continuação da referida matéria, a intenção de Paulo Renato de não
cumprir a liminar do STJ ordenando o MEC a pagar os salários dos docentes foi
apenas brevemente referida por O Globo. Ao invés do descumprimento de uma
49
A reivindicação da passeata convocada pela CNTE era a revogação dos vetos
do então presidente Fernando Henrique Cardoso à Lei do Plano Nacional de
Educação. A CNTE queria manter o artigo que garantia um aumento dos
recursos destinados ao setor, e que obrigava o governo a elevar em 10 anos os
gastos em educação para no mínimo 7% do Produto Interno Bruto.
50
O GLOBO. Protesto e tumulto: 3.
31
decisão judicial pelo ministro da educação, O Globo destacou a informação de que a
Advocacia Geral da União - AGU ingressaria com medidas junto ao STF e ao próprio
STJ contra a liminar que beneficiava os docentes.
Refletindo sobre as informações destacadas e silenciadas pela grande
imprensa, tomando por base o que é considerado jornalístico ou noticiável, Perseu
Abramo considera que:
O mundo real não se divide em fatos jornalísticos e não-
jornalísticos, pela primária razão de que as características
jornalísticas, quaisquer que elas sejam, não residem no objeto da
observação, e sim no sujeito observador e na relação que este
estabelece com aquele. Neste sentido, todos os fatos, toda a
realidade pode ser jornalística, e o que vai tornar jornalístico um
fato independe de suas características reais intrínsecas, mas sim
das características do órgão de imprensa, da sua visão de mundo,
da sua linha editorial, do seu projeto, enfim, como se diz hoje.
51
Tais considerações implicam em que as escolhas editoriais são
fundamentalmente escolhas políticas, por mais que a grande imprensa estabeleça,
para tais escolhas, critérios aparentemente técnicos como, por exemplo, a
atualidade da notícia, a importância dos personagens envolvidos (se uma
autoridade pública, por exemplo) ou se o fato possui (ou não) desdobramentos,
conhecidos pelo nome de suítes nos meios jornalísticos. Foi a partir de uma escolha
política, em acordo com sua linha editorial, que O Globo considerou mais
importante destacar as medidas preparadas pela AGU contra os docentes do que o
descumprimento de ordem judicial pelo ministro, mesmo sendo tal descumprimento
um crime passível de prisão. São escolhas que, como situou Perseu Abramo, nada
têm a ver com a qualidade dos fatos em si.
Na mesma edição de 4 de outubro de O Globo, a associação da greve à
violência foi complementada com a publicação de pequeno box com o título
Violência é maior na 8ª série. Editado logo abaixo da já aludida matéria principal
sobre a manifestação de servidores e docentes ocorrida em 3/10 na Esplanada dos
Ministérios, o box divulgou pesquisa da própria CNTE mostrando que os maiores
51
ABRAMO, P. Significado político da manipulação na grande imprensa.
32
índices de roubos e depredações nas escolas ocorrem no último ano do ensino
fundamental. Ao lado do box foi colocado um pequeno quadro com o ranking desta
violência, cujo título foi O crime nas escolas. De forma semelhante ao que O Globo
fez em suas edições de 13 e 27 de setembro, desta vez uma matéria relativa à
editoria de polícia foi publicada no mesmo espaço dedicado ao noticiário sobre a
greve.
Se, para O Globo, a manifestação na Esplanada dos Ministérios ocorrida em
3 de outubro resumiu-se às palavras protesto e tumulto, para o Adufrj de 8 de
outubro ela foi um sucesso, como constatamos a seguir na matéria intitulada
Marcha pela educação leva 50 mil a Brasília:
A 2ª Marcha Nacional em Defesa e Promoção da Educação Pública,
realizada na última quarta-feira (03/10), foi um sucesso. Cerca de
50 mil trabalhadores da educação, estudantes, servidores federais
em greve, trabalhadores sem terra e populares participaram do
evento, organizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores
em Educação - CNTE e apoiado pela CUT. A Andes marcou sua
presença com 400 docentes. Durante a Marcha, houve uma
manifestação em frente ao Congresso Nacional, que se encontrava
cercado por 4 mil policiais militares e 200 policiais civis, inclusive
com acompanhamento aéreo e uso de bombas. A situação ficou
tensa após um grupo queimar dois bonecos de espuma que
representavam o ministro da Educação e o FMI (...) - A presença
da polícia já é uma agressão, disse João Felício, presidente da
CUT. Ao final, cada representante das entidades presentes e
parlamentares de partidos da esquerda discursaram a favor de
uma educação pública, gratuita e de qualidade e contra a política
neoliberal de FHC.
52
Confrontando os pontos enfatizados e silenciados nos discursos de ambos os
veículos sobre a passeata do dia 3/10, constatamos significativas diferenças.
Enquanto que, para O Globo, os estudantes foram os agressores e a Polícia Militar
foi a agredida que apenas teria reagido aos primeiros, no Adufrj as posições se
inverteram.
Para O Globo, o grupo de pessoas que, na passeata do dia 3/10, teria
queimado um boneco representando o ministro da Educação era composto de
estudantes ligados à UNE que teriam
52
ADUFRJ. Marcha pela educação leva 50 mil a Brasília: 2.
33
atirado pedras, garrafas, cocos e até um rojão contra os policiais.
No Adufrj, contudo, este grupo de pessoas não foi identificado como estudante,
servidor ou docente.
Quanto aos discursos de parlamentares que teriam se pronunciado a favor
de uma educação pública gratuita e de qualidade, tão realçados no Adufrj, não
foram estes sequer mencionados em O Globo. Para este último, a afirmação dos
organizadores da manifestação, de que 50 mil pessoas teriam comparecido à
mesma, foi confrontada com a versão oficial da Polícia Militar, que teria avaliado em
25 mil o número de presentes. Para o Adufrj, ao contrário, teriam sido 50 mil os
presentes, sem qualquer discussão.
Em 5 de outubro, O Globo noticiou, com destaque para chamada na primeira
página, decisão do STF suspendendo liminar do STJ que ordenava o pagamento dos
salários de setembro aos docentes. A maria — que continuou na página 8 da
mesma edição sob título e subtítulo, respectivamente, Professores grevistas ficam
sem vencimentos; STF suspende liminar do STJ — lembrou que, na véspera, o MEC
recebera ultimato da Justiça para que pagasse aos docentes, mas que tal ultimato
fora ignorado. Mais uma vez, nenhuma linha de comentário crítico foi escrita por O
Globo — ou por pessoas que o jornal poderia ter convocado para fazê-lo — sobre o
fato escandaloso de que uma decisão judicial anterior (do STJ) fora abertamente
descumprida pelo ministro da Educação. Tão crítico na avaliação de supostos
prejuízos causados pelas greves de trabalhadores à população, O Globo desta vez
silenciou por completo sobre algo gravíssimo — descumprimento de decisão judicial
por autoridade do governo.
Curiosa, na referida matéria de O Globo, foi a manchete da primeira página
(STF apóia MEC em corte de salários), dando a entender que, além de julgar a
causa favoravelmente ao governo, o STF teria assumido posição política de apoio
ao MEC em sua decisão de cortar os salários. Por mais que a suprema corte
brasileira seja, politicamente, afinada com o poder Executivo — dada a prerrogativa
34
presidencial de nomear seus ministros — o que ocorreu, ao menos formalmente, foi
o julgamento de um pleito, e não a manifestação política daquele tribunal sobre a
paralisação docente. Parece que a intenção de O Globo foi a de passar, ao leitor, a
impressão de que os docentes estavam cada vez mais isolados, sem apoio até
mesmo no judiciário.
Cabe lembrar que este tipo de editorialização feita por O Globo no título das
matérias é, ao menos formalmente, condenada pelo próprio Manual de Redação do
jornal.
53
No próximo capítulo, analisaremos como os diferentes valores associados
por O Globo e pelo Adufrj à greve docente correspondem, em última análise, a
diferentes esquemas interpretativos definidos previamente pelos dois veículos,
aprofundando o diálogo de surdos entre suas respectivas versões.
53
Para o Manual, a escolha de uma palavra pode deformar ou injetar opinião na
informação. Isso aconteceu no título: Projeto incentiva delação de sonegadores.
Escolheu-se um termo pejorativo (delação) em vez de um neutro (denúncia), o
que sugere ao leitor que o jornal tem posição contra o projeto. O GLOBO.
Manual de Redação: 93.
Capítulo 3
Respostas para todas as perguntas
Sem desconsiderar o já exposto a respeito dos diferentes valores associados à
greve docente em O Globo e no Adufrj, o propósito do presente capítulo é
investigar como essas diferentes versões obedecem a esquemas interpretativos
dados a priori e que estruturam o noticiário de cada um dos jornais estudados.
A primeira edição que analisamos neste sentido foi a de 10 de outubro de O
Globo. Com o título Vestibulares na rota da greve e subtítulo Ministro admite que
concursos estão comprometidos e ameaça terceirizar serviço, o jornal informava
que o ministro Paulo Renato admitira, na véspera, que os vestibulares das
universidades federais poderiam ser adiados por causa da greve docente. Sobre os
salários dos professores, a matéria reproduziu declaração de Paulo Renato de que
enquanto houver greve, não haverá pagamento.
Segundo O Globo, Paulo Renato invocou decisão do STF proferida no início
de outubro, cassando liminar do STJ favorável aos docentes, como fundamento
para sua atitude de não pagar os salários de setembro aos professores. As
afirmações do ministro foram proferidas durante seminário sobre o plano nacional
de educação, ocorrido no Hotel Glória, Rio de Janeiro, em 9 de outubro. O Globo,
porém, não entrevistou nenhuma autoridade ou grevista para rebater o fato de
que, antes de o STF cassar a liminar que ordenava o pagamento dos salários,
também havia uma decisão judicial (do STJ) que, no entanto, fora abertamente
descumprida por Paulo Renato.
Na mesma página de publicação desta matéria, O Globo pôs um box
(também conhecido como retranca) que tratou de manifestação realizada por
servidores em greve e estudantes no Hotel Glória, durante o já aludido seminário
do plano nacional de educação. Com título e subtítulo, respectivamente,
Manifestantes hostilizam ministro e Professores e estudantes invadem seminário no
Hotel Glória, o box deu segmento à monocórdica interpretação de O Globo para a
36
greve, invariavelmente apresentada como sinônimo de prejuízos à população,
tumulto, violência e intransigência da parte dos grevistas. Editado com três fotos —
a maior delas com Paulo Renato de mãos juntas, como se estivesse rezando, e as
outras duas de manifestantes sendo contidos por PMs — o texto foi iniciado da
seguinte forma:
Durante o Seminário no Hotel Glória, o ministro Paulo Renato foi
surpreendido por alunos e professores da rede federal de ensino
que invadiram o auditório para protestar contra a suspensão do
pagamento dos salários. Em greve há 50 dias, os servidores
federais chamaram o ministro de terrorista, bandido e ladrão.
Houve tumulto entre os manifestantes e seguranças. A polícia foi
chamada e oito PMs cercaram o auditório.
54
Ao noticiar a mesma manifestação do dia 9/10 no Hotel Glória, o Adufrj de
15 de outubro abriu com a seguinte chamada de capa e o título MEC sob pressão:
O ministro da Educação, Paulo Renato, esteve no Rio para um
Seminário, no dia 9/10. Diante do protesto de professores,
estudantes e técnico-administrativos, que gritavam: salafrário, eu
quero meu salário!, o ministro contou mentiras à platéia e se
retirou pelos fundos do Centro de Convenções do Hotel Glória.
Seguranças, policiais militares e a polícia federal foram chamados
para reprimir os manifestantes.
55
Na continuação da matéria, com o título Servidores protestam em seminário
do PNE, o Adufrj afirmou que:
Presente a um seminário sobre o péssimo plano nacional de
educação do governo, no Hotel Glória, o representante do MEC
teve que ouvir o protesto de aproximadamente 100 professores,
funcionários e alunos da educação pública. No fim, escoltado por
policiais do 2º Batalhão da Polícia Militar, por vários seguranças do
hotel e pela Polícia Federal, acabou se retirando pelos fundos do
Centro de Convenções do prédio.
56
Novamente, como já fizera no mês de setembro, O Globo apresentou os
grevistas como agressores e o ministro, como alguém que foi hostilizado. E mais
uma vez o Adufrj inverteu os pólos da equação. Para O Globo, os PMs não
reprimiram os manifestantes, apenas cercaram o auditório do Hotel Glória. A
presença dos policiais é justificada pelo jornal na medida em que foi apresentada
54
O GLOBO. Manifestantes hostilizam ministro e Professores e estudantes
invadem seminário no Hotel Glória: 12.
55
ADUFRJ. MEC sob pressão: 1.
56
ADUFRJ. Servidores protestam em seminário do PNE: 4.
37
como reação da polícia a agressões promovidas anteriormente pelos trabalhadores.
Já para o Adufrj, os trabalhadores em greve foram as vítimas de uma repressão
policial, sendo o ministro da educação e o governo federal classificados como
mentirosos. Trata-se, a nosso ver, de duas visões de mundo que guardam muito
pouca relação com os fatos, correspondendo a interpretações dadas a priori, nas
quais os fatos da greve são encaixados. Se no caso da imprensa sindical e/ou
partidária a identificação dos pressupostos que estruturam seu noticiário é feita
com relativa facilidade — posto ser esta imprensa comprometida explicitamente
com causa determinada — no caso da chamada grande imprensa estamos diante de
realidade bem mais complexa. Isto porque, baseados em peculiar sistema de
valores e pressupostos que regem a prática do jornalismo contemporâneo, a
maioria dos grandes jornais apresenta-se como independentes e comprometidos
com o interesse público. De forma semelhante, seus noticiários são apresentados
como sinônimos de objetividade. Em estudo no qual aborda o noticiário da grande
imprensa como estruturado num sistema de pressupostos fora do qual é impossível
a construção de seus discursos, um cientista político brasileiro considera que:
Na intermitente competição que travam pelo mercado de leitores,
cada jornal da grande imprensa busca adquirir identidade própria
que o diferencie dos rivais. Entre outras formas usuais: pela
composição gráfica, pelo furo jornalístico, pela qualidade e renome
dos colunistas, pela publicação de suplementos culturais, de
revistas ilustradas etc., nunca pela diversidade das interpretações
que perpassam seus noticiários políticos. Estes têm sempre o
mesmo teor. Os fatos em suas singularidades não necessitam ser
examinados (são apenas encaixados na visão de mundo a priori).
Privatizações são sempre boas e empresas públicas sempre um
estorvo (por mais lucrativas que sejam). Notícias sobre greves? O
teor já é sabido, desnecessário lê-las (as parcas que viram fatos
jornalísticos). Pode-se prever o que dirá o noticiário dos jornais da
grande imprensa sobre a próxima: o momento é inoportuno para
fazer greve, há outras formas de reivindicar, baderna, presença de
elementos suspeitos estranhos à categoria. Além disso, a categoria
em greve será atirada contra a opinião pública: quem está sendo
punido é a comunidade, o cidadão ordeiro, o contribuinte etc.
57
Com base na perspectiva esboçada acima, não faz sentido considerarmos a
maior ou menor objetividade como eixo de análise do noticiário da greve em O
57
ALVES FILHO, A. O noticiário da mídia e a velhinha da motocicleta.
38
Globo e no Adufrj, posto serem ambos os veículos produtores de discursos cujas
perguntas e respostas não guardam relação com os fatos em si. Perguntas cujas
respostas já são dadas previamente a partir dos pressupostos que organizam seus
respectivos noticiários.
O mito da isenção e objetividade da grande imprensa
O primeiro editorial sobre a greve docente foi publicado por O Globo na edição de
15 de outubro. Com o título Último recurso, o texto do editorial, como veremos a
seguir, expressou a carga de preconceitos do jornal contra a paralisação docente e
contra qualquer outra greve de trabalhadores, apresentadas invariavelmente como
prejudiciais à população:
A greve de professores e funcionários das universidades públicas
tem uma característica singular: os prejuízos causados são, a
rigor, irreparáveis. Porque o aprendizado é um processo
cumulativo e gradual, em que necessariamente são preenchidos
prazos estabelecidos e cumpridas etapas sucessivas. O tempo
perdido não pode ser reposto mediante um simples esforço
suplementar, mais à frente, como se se tratasse de cotas de
produção industrial, a serem preenchidas por meio de horas extras
de trabalho. Por isso, nas universidades mais do que em qualquer
outra área, é fundamental que a paralisação das atividades seja
um absoluto último recurso, de que se lance mão apenas quando
claramente já se tenham esgotadas todas as formas de
negociação.
58
No seguimento, o texto reafirmou com mais veemência a idéia de que a
greve seria algo prejudicial à vida acadêmica:
Mas não é o que se tem visto, nesta e em outras greves, e o
resultado é que não só muitos alunos perdem um semestre ou
ano, como se interrompe, com efeitos de longo alcance, o processo
gradual e metódico de absorção de conhecimentos. Uma
conseqüência adicional pode ser o adiamento do vestibular, com
todas as suas desagradáveis repercussões na vida acadêmica (...)
Deve ficar claro que não está em discussão o direito de reivindicar
aumentos salariais e toda sorte de melhoria das condições de
trabalho. As reivindicações podem estar bem fundamentadas ou
não, mas apresentá-las é um direito que tem todo trabalhador,
como é sua obrigação abrir o processo de negociação sem
interromper o trabalho.
59
58
O GLOBO. Último recurso: 6.
59
Ibidem.
39
No último parágrafo, o editorial atacou os grevistas, apresentando-os como
violentos e intransigentes:
Na universidade, estas são considerações primordiais; mas
lamentavelmente têm ficado em segundo plano. Em lugar do
comportamento civilizado que seria de se esperar, temos tido
episódios lamentáveis de insultos e agressões ao ministro da
Educação e o recurso quase rotineiro à greve, que resulta em
intermináveis períodos de suspensão das aulas, como é o caso do
movimento atual.
60
Ao afirmar que
é fundamental que a paralisação das atividades seja um absoluto
último recurso, de que se lance mão apenas quando claramente já
se tenham esgotadas todas as formas de negociação,
o editorial em questão silenciou sobre o fato de que foi o governo que interrompeu
as negociações com os grevistas ao cortar os salários dos docentes e descumprir
abertamente uma decisão judicial que ordenava o MEC a pagar-lhes os salários de
setembro. Além de apresentar os grevistas como intransigentes e agressivos, o
texto deixa subentendida a mensagem de que os trabalhadores não devem jamais
fazer greves para reivindicar seus direitos.
No mesmo espaço do já citado editorial, O Globo de 15 de outubro publicou
texto intitulado Monopólio, assinado por Felipe Maia, presidente da UNE, e por
Ricardo Oliveira, presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo -
Ueesp. Em sua resposta ao editorial de O Globo, os dois autores argumentaram que
professores, estudantes e servidores paralisaram suas atividades
por absoluta falta de condições para trabalhar — salários
congelados há sete anos, verbas insuficientes, hospitais
universitários e importantes programas de extensão e pesquisa
paralisados.
Após mais um parágrafo, no qual defendem a produção científica das
universidades públicas brasileiras, os autores mudaram de assunto e passaram a
atacar a Medida Provisória - MP do governo que acabou com o monopólio das
entidades estudantis na emissão de carteiras de estudante.
60
Ibidem.
40
Ao publicar seu editorial junto a outro texto com opinião contrária à sua, o
propósito de O Globo foi o de apresentar-se a seus leitores como jornal
democrático, que respeita e ouve as opiniões alheias. Em outras palavras, como se
o choque de opiniões resultasse numa espécie de jogo de soma zero. Outro mito
reforçado pelo editorial é o de que as opiniões da empresa são manifestas
unicamente neste espaço, sendo, portanto, seu noticiário político regular objetivo,
isento e equilibrado. Um exemplo desta ideologia é expressa no Manual de Redação
de O Globo, segundo o qual o jornal diz o que pensa em seus editoriais.
61
No
entanto, o jornal também diz o que pensa, de forma latente, na estruturação de
seu noticiário político regular.
É por estruturarem seu noticiário segundo linha ideológica pré determinada
que, para os jornais da chamada grande imprensa, pouco importa se suas matérias
apresentam (ou não) o outro lado ou contraditório, como se diz em linguagem
jornalística. Como prova de sua suposta objetividade, isenção e imparcialidade, os
jornais da grande imprensa costumam apontar o fato de que ouvem os dois lados.
No entanto, de que adianta ouvirem os dois lados se, ao mesmo tempo, esses
jornais são parte envolvida nos conflitos e demandas?. De que adianta produzirem
matérias sobre greves com opiniões diversificadas se, por princípio, são
invariavelmente contra as paralisações de trabalhadores? Diferentemente da
grande imprensa, nos jornais sindicais e/ou partidários este simulacro de
democracia e de respeito à pluralidade de opiniões não costuma ser praticado por
estarem tais jornais explicitamente comprometidos com a luta pelos interesses
econômicos imediatos e com os pontos de vista políticos das categorias que
representam.
Na grande imprensa, porém, reina a ideologia da pluralidade e do confronto
de opiniões. Este confronto, embora constantemente praticado pelos jornais da
grande imprensa, na maioria das vezes apenas insere-se na estrutura de um
61
O GLOBO. Manual de Redação: 34.
41
noticiário que, para todas as perguntas, já traz embutidas suas próprias respostas.
É tal estrutura que permite a O Globo dialogar com um leque diversificado de
atores sociais e, ao mesmo tempo, garantir a predominância de uma interpretação
que tem, como resultado final, a associação das greves de trabalhadores às idéias
de prejuízos à população, intransigência e violência, independente mesmo da
ocorrência (ou não) de acontecimentos que possam ser aproveitados pelo jornal
para a construção de seu discurso anti-greve.
É esse discurso que, estruturalmente, repetiu-se na edição de 16 de outubro
de O Globo, com o título Cartilha do impasse e subtítulo FH diz que salário de
professor é baixo. Vaiado, Paulo Renato chama manifestantes de fascistas.
Relatando as solenidades oficiais e manifestações de docentes e servidores
ocorridas em Brasília no dia do professor (15/10), O Globo apresentou a seguinte
versão para os acontecimentos:
No dia do professor, categoria que ontem completou 55 dias sem
dar aulas nas universidades públicas federais por causa de uma
greve por reajuste salarial, o presidente Fernando Henrique
reconheceu que a remuneração dos docentes ainda é baixa, mas
disse que, apesar das dificuldades, houve avanços históricos na
área da educação e que em pouco tempo o Brasil estará livre do
analfabetismo. O impasse entre os professores e o governo
continua e, ontem, o ministro Paulo Renato Souza, vaiado por
grevistas, chegou a chamar os manifestantes de fascistas. Em
solenidade no Palácio do Planalto, na qual concedeu o prêmio
Incentivo à Educação Fundamental a 20 profissionais de ensino, o
presidente admitiu: Começamos a melhorar o salário do professor.
Ainda é pouco (...). Horas depois, Paulo Renato foi vaiado e
hostilizado em público por professores universitários. Ele e a
primeira dama Ruth Cardoso foram obrigados a sair pela porta dos
fundos do Centro de Convenções de Brasília, onde inauguraram o
Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação. Na semana
passada, o ministro fora xingado numa solenidade no Hotel Glória,
no Rio.
62
Cumpre observar que, ao invés de afirmar apenas que os professores
encontravam-se em greve, a abertura da matéria acima enfatizou estarem os
mesmos há 55 dias sem dar aulas, o que, a nosso ver, tem a finalidade de
apresentar os docentes como pessoas improdutivas e indolentes. Além de estarem
62
O GLOBO. Cartilha do impasse: 3.
42
há 55 dias sem dar aulas, os docentes em greve são, para O Globo, pessoas hostis,
que vaiaram o ministro em público e que já haviam feito isto anteriormente durante
os acontecimentos do Hotel Glória, no Rio de Janeiro, como o jornal fez questão de
lembrar aos leitores. Com três fotos — uma das quais mostrando Paulo Renato e D.
Ruth Cardoso sendo vaiados por manifestantes — a matéria também veio
acompanhada de um pequeno box de título e subtítulo: Mais razão, menos paixão;
FH pede equilíbrio à oposição, onde Fernando Henrique pede o fim da intolerância e
afirma que a democracia requer razoabilidade.
Contrariamente a O Globo, as vaias ao ministro Paulo Renato e D. Ruth
Cardoso foram noticiadas pelo Adufrj de 16 de outubro como algo positivo,
conforme texto reproduzido abaixo:
Na abertura do Congresso Brasileiro de Qualidade na Educação,
evento utilizado pelo governo para comemorar o Dia do Professor,
o ministro da educação foi novamente alvo de protestos e vaias de
docentes, estudantes e técnico-administrativos em greve. A
manifestação ocorreu em Brasília, no dia 15, e as vaias foram
dirigidas também para Ruth Cardoso. Segundo a professora Fátima
Macena (de Pernambuco), do CNG, cerca de 150 servidores e
estudantes conseguiram entrar no auditório, abriram faixas e
questionaram justamente o tema do evento: qualidade na
educação. Segundo a professora, o ato teve ótima repercussão
nacional.
63
Na mesma edição (16/10), o Adufrj publicou nota com o título MEC gasta R$
20 milhões em propaganda e cujo teor foi o seguinte:
Vez por outra, a comunidade universitária é surpreendida por
editoriais da grande imprensa contra a greve. A justiça das
reivindicações dos servidores é tão clara que os textos dos jornais
chegam a beirar o inacreditável. Mas tudo se esclarece quando a
motivação é econômica: somente neste ano (até 14/10), o pré-
candidato a presidente e ministro da Educação, Paulo Renato, já
gastou R$ 20,9 milhões em serviços de propaganda e publicidade.
Não há dúvida sobre o lado que os empresários da área de
comunicação iriam defender.
64
Embora o texto acima tente explicar o posicionamento dos empresários da
área de comunicação frente à greve como o resultado dos gastos do governo em
publicidade — explicação, por sinal, bastante mecanicista — o Adufrj continuou
63
ADUFRJ. S/ ref.: 1.
64
ADUFRJ. MEC gasta R$ 20 milhões em propaganda: 1.
43
manifestando uma concepção ingênua a respeito dos mecanismos de
funcionamento da mídia como um todo. Ingenuidade cujo exemplo maior é o fato
de, segundo o Adufrj, a comunidade universitária ser surpreendida por editoriais da
imprensa contra a greve ou, então, de que a justiça das reivindicações seria tão
clara que os textos dos jornais chegam a beirar o inacreditável. O pano de fundo
dessa concepção é, como já constatamos neste trabalho, a crença do Adufrj na
possibilidade de uma grande imprensa democrática, isenta e capaz de noticiar os
fatos de forma mais ou menos objetiva. Daí a surpresa do Adufrj com os editoriais
contrários à greve e com o fato de a imprensa não reconhecer a justiça das
reivindicações docentes. Como se, ao noticiar uma greve, a grande imprensa já não
tivesse previamente uma interpretação fechada a respeito da paralisação, pouco
importando as reivindicações dos trabalhadores ou as razões de seus protestos.
Interpretação que, na edição de O Globo de 17 de outubro, observou-se na matéria
intitulada Grevistas tentam impedir pagamento, publicada junto a uma foto de
empurra-empurra de servidores ocorrido em frente ao Núcleo de Computação
Eletrônica - NCE da UFRJ:
A novela da greve nos colégios e universidades federais ganhou
ontem um capítulo com jeito de briga de gato e rato na Ilha do
Fundão. Durante todo o dia, cerca de 200 grevistas circularam
pelos quatro cantos da cidade universitária para impedir o
pagamento dos funcionários das oito unidades hospitalares.
Exigindo que todos os servidores recebessem o pagamento, os
manifestantes chegaram a provocar um princípio de tumulto
quando funcionários tentavam trabalhar no Núcleo de Computação
Eletrônica - NCE da UFRJ.
65
Para O Globo, a greve já se tornara uma novela e, com isto, o jornal deu a
entender que desejava o fim da paralisação o mais rapidamente possível. Ao
classificar de briga de gato e rato o conflito de servidores no NCE, O Globo operou
simplificação grosseira do movimento grevista e suas reivindicações. A idéia
expressa no título da referida matéria — de que os servidores pretendiam impedir o
pagamento — foi inclusive contraditória com o texto da mesma, no qual se afirmou
que a intenção dos manifestantes era que todos os servidores recebessem o
65
O GLOBO. Grevistas tentam impedir pagamento: 15.
44
pagamento. Cumpre ainda observar que, na referida matéria, duas notícias para
conhecimento do público em geral foram veiculadas de forma diluída e sem
qualquer destaque: a reunião do CEG da UFRJ, marcada para o mesmo dia (17/10)
com a finalidade de estudar possíveis medidas judiciais contra o reitor José
Henrique Vilhena por sua recusa em adiar o vestibular. E a decisão da assembléia
de docentes da universidade, realizada na véspera, decidindo pela continuação da
greve.
Com título e subtítulo, respectivamente, Greve das universidades federais
ameaça formatura de 40 mil alunos; Mesmo se as aulas recomeçassem amanhã,
ano letivo iria até fevereiro, O Globo de 21 de outubro mais uma vez atacou a
paralisação docente:
A greve dos professores das universidades federais ameaça a
formatura de cerca de 40 mil dos 460 mil estudantes que estão há
55 dias sem aula. O segundo semestre deve ser, por lei, de cem
dias letivos. Se as aulas recomeçassem amanhã, já seriam
necessários mais de dois meses apenas para recuperar as que
foram perdidas. Nesse caso, o semestre terminaria somente em
fevereiro, quando as aulas do próximo ano letivo deveriam estar
começando.
66
No texto de O Globo foram reproduzidas declarações do ministro Paulo
Renato, de que
há uma certa má vontade de professores e funcionários para
aceitar mudanças, que acabam tendo de ser quase impostas [e de
que] corporativismo e ineficiência são os principais problemas das
universidades federais.
67
O contraditório foi feito com o então presidente da Andes, Roberto Leher,
considerando a concepção do MEC para o ensino superior como uma
visão neoliberal do Banco Mundial que o governo adotou: de que a
América Latina não precisa desenvolver pesquisa.
68
Na mesma matéria, ao tratar da reposição de aulas nas universidades, O
Globo afirmou, referindo-se à Andes, que
66
O GLOBO. Greve das universidades federais ameaça formatura de 40 mil
alunos: 5.
67
Ibidem.
68
Ibidem.
45
o sindicato já há algum tempo ameaça com a suspensão do
semestre.
Segundo o texto, o Ministro Paulo Renato
não aceita o cancelamento nem do semestre nem dos vestibulares.
O jornal concluiu com a afirmação de que
esse é apenas um dos impasses entre o governo e os professores.
Ao colocar a questão nestes termos, O Globo mais uma vez silenciou sobre a
responsabilidade do governo na criação do impasse, responsabilizando unicamente
os grevistas. O descumprimento de decisão judicial por parte do governo na
questão salarial, por exemplo, não foi lembrado por O Globo como fator de
impasse.
Junto a esta matéria da edição de 21/10 de O Globo, um box completou a
interpretação da greve como sinônimo de prejuízos para todos. Com o título
Estudantes vão perder vaga em concurso público, o texto relatou a situação de
estudantes que, devido à greve em Recife, não pegaram o diploma de direito e, por
essa razão, não poderiam assumir vaga no Tribunal de Justiça daquele estado, para
o qual teriam passado através de concurso.
Reafirmando tendência constatada no primeiro capítulo desta dissertação, O
Globo continuou relativizando, em seu noticiário, a força política e o poder de
mobilização da greve docente. Contrariamente, o Adufrj atuou no sentido de
maximizá-las, enaltecendo o que desde o início considerou como força do
movimento grevista perante o governo federal. Um exemplo desta interpretação
ocorreu na edição de 29 de outubro do Adufrj, em matéria intitulada MEC recua
diante da força da greve, sobre o andamento das negociações da Andes com o
ministério da Educação, quando o MEC teria apresentado opções aos grevistas:
69
69
As opções apresentadas pelo MEC, segundo o Adufrj, tratavam de
combinações com GED, GID, GAE e até mesmo reajuste linear dos vencimentos
básicos. O Comando Nacional de Greve da Andes também teria garantido o
compromisso do MEC de que as próximas contratações de docentes (cerca de 2
mil) seriam feitas pelo RJU.
46
Na Quarta-feira (24/10), o MEC recuou diante da força do
movimento docente e apresentou novas opções salariais para o
Comando Nacional de Greve da Andes. O ministério trabalha com
R$ 250 milhões para atender às reivindicações, que ainda podem
ser acrescidos de R$ 100 milhões – montante conseguido com os
parlamentares que vêm acompanhando as audiências.
70
No dia 31 de outubro seria realizada uma audiência entre representantes do
MEC e da Andes, em Brasília, na tentativa de se chegar a um acordo. O resultado
foi uma proposta
71
aceita pelos docentes, mas que posteriormente não fora
confirmada pelo MEC. O acontecimento foi noticiado pelo Adufrj de 6 de novembro
e pelas edições subsequentes de O Globo.
Um conjunto de estereótipos sobre a greve
Em 31 de outubro, O Globo noticiou decisão do STF restabelecendo liminar obtida
no início daquele mês pela Andes, ordenando ao MEC o pagamento dos salários de
setembro dos docentes. No dia seguinte (1/11), o noticiário político de O Globo
voltou seu foco para o impasse nas negociações entre Andes e MEC com vistas ao
fechamento de um acordo. Além desta notícia, porém, O Globo de 1º de novembro
editou um box que, em linhas gerais, sintetizou um conjunto de estereótipos e
preconceitos manifestos pelo jornal sobre a paralisação docente. O box trouxe cinco
fotos com as seguintes imagens, títulos e legendas:
Foto 1, com a imagem de uma mesa de negociação. Título:
Retrocesso. Legenda: Acordo: grevistas e parlamentares tentam
um acordo depois da notícia de que os 350 milhões não mais estão
garantidos.
Foto 2, com imagem de rodovia fechada por grevistas. Título: Fogo
em Brasília. Legenda: Protesto: em setembro, estudantes da UNB
fecharam a BR-040, provocando engarrafamento de 20 km na
saída de Brasília. Houve protestos em várias cidades, marcando os
22 dias de greve.
70
ADUFRJ. MEC recua diante da força da greve: 2.
71
A proposta de consenso entre Andes e MEC previa os seguintes pontos:
incorporação da GAE; equiparação entre GED e GID; e extensão de 60% desta
última aos docentes aposentados de 1º e 2º graus. No termo de acordo,
atendidos os compromissos pelo MEC, a Andes se comprometia a apresentar ao
conjunto das associações docentes o indicativo de saída da greve. Para a
consecução da referida proposta seriam necessários mais R$ 250 milhões no
orçamento da União para 2002.
47
Foto 3, com imagem de estudantes em protesto. Título: No estilo
dos Sem-Terra. Legenda: Invasão: estudantes da UFRJ invadem o
Shopping Rio Sul para protestar, em agosto.
Foto 4, com imagem de Paulo Renato e Dona Ruth Cardoso
seguidos por manifestantes. Título: Saída pelos fundos. Legenda:
Vaias: o ministro Paulo Renato e a primeira-dama Ruth Cardoso
saem pelos fundos do Centro de Convenções de Brasília para
escapar das vaias dos grevistas.
Foto 5, com imagem de um estudante sendo arrastado por três
PMs no dia de realização do vestibular da UFRJ, em 28/10. Título:
Confusão no vestibular. Legenda: Pancadaria: manifestantes
enfrentam a polícia em locais de prova do vestibular da UFRJ no
domingo passado. As provas foram anuladas.
Retrocesso, protesto, invasão, vaias e pancadaria resumem, para O Globo, o
que são as greves e manifestações de trabalhadores nas lutas pelas suas
reivindicações. Palavras estas que organizam todo o noticiário político regular do
jornal a respeito da paralisação, como já constatado no segundo capítulo desta
dissertação.
Cumpre observar que, na mesma edição e página do referido box com os já
aludidos estereótipos sobre a greve, O Globo publicou pequena coluna de Opinião,
em forma de editorial, com o título Poder de pressão. No texto, conforme veremos
a seguir, O Globo insinuou que os docentes em greve fossem tratados como os
trabalhadores da iniciativa privada, sujeitos, portanto, ao corte de salários e até
mesmo a demissões:
O Supremo Tribunal Federal manda que o ministério da Educação
pague os salários dos professores em greve (há dois meses) nas
universidades federais. O governo diz que vai recorrer. Em seu
despacho, o ministro Marco Aurélio de Mello, presidente do STF,
diz que o trabalhador tem o direito de engajar-se em movimento
coletivo, com o fim de alcançar melhoria na contraprestação dos
serviços, mostrando-se a greve o último recurso no âmbito da
resistência e de pressão democrática. (...) Ninguém contestaria os
embasamentos jurídicos desta tese. Ao mesmo tempo, enquanto o
Congresso não regulamenta a questão do direito de greve dos
funcionários públicos, fica-se numa situação que se presta, de
fato, a muita confusão. Quando um trabalhador da iniciativa
privada parte para uma greve, sabe que pode ter de pagar um
preço por isso. Pode ser demitido, pode ter os salários retidos. Por
isso, em greves longas, os trabalhadores costumam munir-se de
um fundo, vindo de doações, que lhes permita atravessar o
período de adversidade. Assim foi com a famosa greve dos
mineiros, na Inglaterra de Margareth Thatcher (...). Aqui, sem
regulamentação, fica-se realmente no melhor dos mundos: o
funcionário pára o tempo que quiser. Sabe que não vai ser
48
demitido, e, com a certeza do pagamento, não precisa nem se
preocupar com uma cláusula importante na negociação de outras
greves: pagamento dos dias parados. Nesse contexto, a quem
pertence, afinal, o maior poder de pressão e intimidação ? E onde
fica a satisfação da sociedade, que é quem sustenta essas
vantagens?.
72
Ao mesmo tempo em que insinuou que as greves de trabalhadores deviam
ser respondidas com demissões e cortes de salários, o texto de O Globo não
mencionou o fato de que a regulamentação do direito de greve no serviço público é
reivindicação histórica dos servidores desde a promulgação da Constituição Federal
de 1988. Regulamentação que, se não foi efetivada, não foi por omissão dos
trabalhadores ou de seus sindicatos, mas do Congresso Nacional e dos sucessivos
governos brasileiros desde então.
O impasse nas negociações entre Andes e MEC para fechamento de um
acordo que pusesse fim à greve voltou a estar no centro do noticiário de O Globo e
do Adufrj na segunda semana de novembro. Com o título Governo desiste de
negociar com professores, a edição de 7 de novembro de O Globo responsabilizou
os docentes pelo impasse, sendo o governo apresentado como aquele que buscou
viabilizar as negociações:
Diante de uma greve de 77 dias e nenhum sinal de acordo
possível, o governo desistiu de negociar com os professores e
resolveu enviar hoje ao Congresso um projeto de lei propondo
reajuste de 30% para a Gratificação de Estímulo à Docência (para
professores das universidades federais) e para a Gratificação de
Incentivo à Docência (para professores das escolas de ensino
fundamental e médio). A proposta já tinha sido rejeitada pelos
grevistas há cerca de dois meses.
73
No que consideramos um simulacro de democracia e de respeito às múltiplas
opiniões sobre o impasse, O Globo reproduziu, na mesma matéria, declarações do
então presidente da Andes, Roberto Leher, chamando Paulo Renato de
irresponsável; e declaração de Paulo Renato afirmando que a Andes não está
disposta a negociar. A presença da declaração de Leher, contudo, não anula a
72
O GLOBO. Poder de pressão: 3.
73
O GLOBO. Governo desiste de negociar com professores: 11.
49
interpretação dominante na estrutura da referida matéria, e que apresenta os
grevistas como os únicos responsáveis pelo impasse nas negociações.
74
Com o título MEC retrocede nas negociações, o Adufrj de 12 de novembro
responsabilizou o ministério pelo impasse:
Depois da intransigência e da falta de palavra, o MEC apelou agora
para a mentira e o retrocesso. Não satisfeito em ter dificultado as
negociações ao máximo que pôde com os comandos nacionais de
greves da Andes e do Sinasefe, o ministério resolveu atropelar as
instâncias máximas do movimento docente. Para isso, pretende
enviar ao Congresso Nacional na terça-feira (13/11) um projeto de
reajuste das gratificações GED e GID (34%) e extensão de 60% da
GID máxima aos aposentados e pensionistas dos 1º e 2º graus -
proposta já rejeitada nas assembléias do Sindicato Nacional há
mais de um mês. A iniciativa de Paulo Renato mostra o desespero
de quem não consegue dobrar a força da greve.
75
No dia 13 de novembro, o governo federal editou um pacote antigreve
76
que
foi objeto do noticiário de O Globo e do Adufrj. Com chamada na primeira página e
continuação na página 3 intitulada Pacote antigreve, O Globo de 14 de novembro
noticiou as medidas com o seguinte texto:
O governo federal lançou ontem um pacote de medidas contra a
greve no serviço público, destinadas a forçar o fim da paralisação
dos professores das universidades federais e dos trabalhadores da
previdência, que já dura 84 dias. Um decreto, uma Medida
Provisória e dois projetos de lei estabelecem regras para dificultar
a liberação do salário, criam punições para os grevistas e
permitem a contratação de trabalhadores temporários para
substituí-los.
77
No seguimento, a matéria reproduziu declaração do presidente do STJ, Paulo
Costa Leite, considerando o pacote um ato de força que cria um clima de
instabilidade incompatível com o estado de direito; do presidente da Associação dos
74
Em 8 de novembro, o STJ deferiu pedido de liminar feito pela Andes
determinando que o MEC fizesse o repasse imediato de verbas às universidades
federais para pagamento dos salários de outubro dos docentes. A decisão,
contudo, seria descumprida pelo ministro Paulo Renato.
75
ADUFRJ. MEC retrocede nas negociações: 4.
76
O pacote governamental compunha-se de um Decreto, uma Medida Provisória
e dois projetos de lei estabelecendo regras para dificultar a liberação dos
salários dos grevistas, criando punições e permitindo a contratação de
trabalhadores temporários para substituí-los. Uma das medidas transferia dos
ministros para o presidente da república a prerrogativa de liberar os recursos
para pagamento de salários dos servidores.
77
O GLOBO. Pacote antigreve: 3.
50
Juízes Federais, Flávio Dino, considerando o pacote inconstitucional; do presidente
da Andes, Roberto Leher, classificando o pacote como medida de força; e do
advogado-geral da União, Gilmar Mendes, defendendo as medidas. Observamos
que, ao contrário do ocorrido quando o centro da discussão foi a própria greve
docente, no caso do pacote as críticas ao mesmo não partiram de editoriais ou dos
próprios textos do noticiário político regular de O Globo. As críticas, quando
existiram, foram aquelas manifestas por autoridades ou pessoas entrevistadas pelo
jornal. O que nos sugere uma concordância tácita de O Globo com as medidas
punitivas tomadas pelo governo contra os grevistas.
Essa concordância de O Globo com o pacote antigreve seria confirmada pela
edição de 18 de novembro, em pequeno editorial com o já tradicional selo Opinião,
intitulado Perder o foco:
O chamado pacote antigreve alimenta intenso e raivoso debate.
Era esperado. Mas há o risco de o ruído da discussão embaralhar
alguns pontos fundamentais na questão da longa greve de
professores e servidores do INSS. Não custa relembrar que os dois
movimentos grevistas, involuntariamente ou não, se aproveitam
de um vácuo jurídico criado pela falta de regulamentação do
princípio do direito de greve do funcionalismo público, inscrito na
Constituição de 1988. Como não há regras, tudo é possível. Como
pedir o pagamento enquanto se está de braços cruzados. Ou
paralisar por tempo indeterminado serviços essenciais. Asfalta-se,
assim, o terreno para a entrada em campo do corporativismo de
algumas categorias profissionais. (...) Não se deve é perder o foco.
Esquecer que essas duas greves têm prejudicado centenas de
milhares de pessoas entre estudantes, pensionistas e
trabalhadores impossibilitados de reivindicar benefícios
previdenciários a que têm direito. Entender isso não significa achar
que o funcionalismo público é todo ele constituído de marajás.
Nem que greve não é um direito do mundo civilizado. Mas essa é
outra conversa.
78
Ao afirmar que o pacote antigreve alimenta intenso e raivoso debate, O
Globo buscou desqualificar as críticas feitas às medidas tomadas pelo governo.
Críticas que, para o jornal, não passam de ruído. O entendimento central de O
Globo foi o de que o pacote era necessário para regulamentar o direito de greve,
mesmo que tal regulamentação tenha sido imposta aos trabalhadores.
78
O GLOBO. Perder o foco: 3.
51
Bem-vindo para O Globo, o pacote foi, no entanto comparado pelo Adufrj de
21 de novembro ao Ato Institucional número 5. A opinião do informativo docente
foi manifesta a partir de análise da Andes sobre as medidas, com as quais o Adufrj
expressou inteira concordância:
Em nota do Comando Nacional de Greve, a Andes compara o
pacote do governo para acabar com a greve no serviço público
com o Ato Institucional nº 5. Como no governo Costa e Silva,
recrudesce o autoritarismo e revogam-se direitos constitucionais.
Nesse contexto, a Andes propõe a luta contra o pacote de
novembro (ou antigreve).
79
Observamos que, ao reforçar convocação da Andes para que os docentes
lutem contra o pacote de novembro, o Adufrj em nenhum momento explicou aos
leitores quais seriam as medidas contidas no pacote antigreve. Os docentes foram
assim chamados a lutar contra medidas cujo teor o Adufrj não lhes apresentou, fato
grave para um jornal que pretende ser o informativo dos professores.
A disposição do MEC de não cumprir decisão do STJ proferida em 8 de
novembro — ordenando o ministério a pagar os salários de outubro aos docentes —
foi noticiada pela edição de 20 de novembro de O Globo com manchete de primeira
página sem que o jornal fizesse qualquer comentário crítico a respeito da atitude do
ministério.
80
Na página 3 da mesma edição, além da matéria objeto da chamada, O
Globo publicou com destaque entrevista com o professor adjunto do Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais - IFCS, Manolo Florentino, na qual o mesmo apelava aos
docentes para que encerrassem a greve sob o argumento de que se ninguém
ceder, a paralisação não chega ao fim.
Na última semana de novembro, os docentes mantiveram-se em assembléia
permanente na expectativa de avanços nas negociações entre a Andes e o MEC
para a busca de um acordo.
81
No entanto, antes que houvesse o desfecho nas
79
ADUFRJ. S/ ref.: 2.
80
Os salários dos docentes referentes a outubro de 2001 seriam pagos pelo MEC
após o STF decidir a questão no dia 26 de novembro, mantendo determinação
anterior do STJ.
81
Uma das propostas em discussão fora apresentada pela Associação Nacional
dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), prevendo
52
negociações, a assembléia de docentes da UFRJ ocorrida em 21 de novembro
aprovou o indicativo de volta ao trabalho sem data marcada.
O fato foi noticiado por O Globo no dia seguinte (22/11), com chamada na
primeira página UFRJ aprova volta às aulas e enfraquece greve nacional. Na
continuação da matéria, publicada em sua página 3, o jornal afirmou que:
Depois de 92 dias de paralisação, os professores da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, a maior da rede federal no país, deram
ontem um primeiro sinal de que a greve pode estar caminhando
para o fim. Eles aprovaram em assembléia um indicativo para a
volta ao trabalho sem data estipulada, que foi encaminhado ao
comando nacional de greve. A universidade federal de São Carlos,
em São Paulo, também decidiu ontem encerrar a paralisação. O
presidente do Sindicato Nacional dos Docentes do Ensino Superior
- Andes, Roberto Leher, disse que a decisão das duas
universidades não abalou a convicção da entidade de que é
possível manter a greve, mas admitiu que o movimento perde
força. Segundo Leher, das 52 universidades federais, apenas as
duas aprovaram a volta às aulas.
82
Observamos que, ao contrário das ocasiões em que noticiou os resultados
das assembléias docentes que deliberaram pela continuidade da paralisação, nesta
matéria O Globo deu amplo destaque ao assunto, chegando ao detalhe de divulgar
o número de presentes na assembléia que indicou a volta ao trabalho (cerca de 400
professores). Também observamos que, apesar de o indicativo de retorno ao
trabalho aprovado na assembléia docente da UFRJ não ter estipulado uma data
para isto, O Globo afirmou em sua matéria que a decisão enfraquece a greve
nacional, embora, naquele momento, apenas duas das 52 universidades tivessem
aprovado o retorno ao trabalho.
Junto a esta matéria, O Globo publicou texto de retrospecto da greve com o
título Noventa e dois dias de braços cruzados, atacando mais uma vez a
paralisação:
reajuste dos adicionais por titulação para os professores. Pela proposta da
Andifes, um doutor receberia 72% de adicional, um mestre teria 36% e um
professor especialista receberia 18%. Os professores que tivessem apenas curso
de aperfeiçoamento teriam seu adicional corrigido para 9%.
82
O GLOBO. UFRJ aprova volta às aulas e enfraquece greve nacional: 3.
53
Os professores da UFRJ, maior universidade do país, estão de
braços cruzados desde 23 de agosto. Em 5 de outubro, os
servidores do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, no
Fundão, fecharam o ambulatório em protesto contra a não
liberação dos salários de setembro. O atendimento só voltou ao
normal cerca de 20 dias depois. A greve também provocou a
anulação da primeira fase do vestibular da instituição. Durante dez
dias, uma guerra de liminares fez com que o concurso fosse adiado
— e novamente marcado — pelo menos cinco vezes. No dia
marcado para a prova, 28 de outubro, tumultos no campus do
Fundão e no Colégio de Aplicação, na Lagoa, impediram dezenas
de jovens de prestar concurso. No Fundão, a Polícia reagiu com
bombas de gás lacrimogêneo às tentativas de manifestantes de
impedir a entrada dos vestibulandos. Houve troca de socos e
pontapés e, na confusão, nove pessoas saíram feridas, entre elas o
servidor Jessé Mendes, atingido na cabeça (...) Na queda de braço
com a coordenação do vestibular, o reitor José Henrique Vilhena
saiu perdendo: atendendo a uma determinação do Conselho de
Ensino de Graduação da UFRJ, os exames de 56.016 candidatos
foram cancelados no dia 1º de novembro. Vilhena defendia a
anulação apenas das provas dos grupos 2 e 4, totalizando pouco
mais de 14 mil estudantes. Na semana passada, cinco institutos da
UFRJ já haviam decidido voltar ao trabalho. Os professores
alegaram que a categoria estava desgastada pela longa duração
da greve.
83
Além de reproduzir as associações da greve às idéias de tumulto, violência e
intransigência, O Globo mais uma vez buscou justificar e legitimar a repressão
policial contra grevistas e estudantes ao apresentar a PM como aquela que teria
apenas reagido a agressões. Sobre a polêmica em torno da realização do
vestibular,
84
que trataremos em capítulo específico, O Globo omitiu a
responsabilidade do reitor José Henrique Vilhena pelos confrontos ocorridos no dia
da prova (28/10).
A possibilidade de um acordo para pôr fim à paralisação foi noticiada pelo
Globo de 28 de novembro com o título MEC aceita proposta de grevistas se
Congresso conseguir recursos:
O ministro da educação, Paulo Renato Souza, telefonou ao
deputado Nelson Marchezan (PSDB-RS) — relator do projeto de
aumento salarial dos professores universitários em greve — e
83
O GLOBO. Noventa e dois dias de braços cruzados: 3.
84
O vestibular da UFRJ foi realizado no dia 28 de outubro de 2001 pelo reitor
José Henrique Vilhena, que não acatara resolução do Conselho de Ensino de
Graduação - CEG pelo seu adiamento. No dia de realização das provas, conflitos
de grevistas e estudantes com a polícia militar aconteceram no CAP-UFRJ e no
Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza - CCMN, na Ilha do Fundão.
54
informou que o ministério concorda com a contraproposta do
sindicato de docentes de reajuste linear do salário-base.
85
Mas,
frisou o ministro, é preciso que os parlamentares consigam
dinheiro (...) A disposição do governo parece ser a de tentar
encontrar dinheiro para acabar de vez com a greve, pois o
desgaste político é cada vez maior. Tanto que, apesar de ter dito
na semana passada que não gostava da idéia do reajuste linear,
Paulo Renato passou a apoiar a proposta, desde que seja para dar
fim à paralisação, que se aproxima dos cem dias.
86
Na edição seguinte (29/11), com o título Acordo fechado, O Globo noticiou o
fim da paralisação com as seguintes palavras:
Após cem dias de greve, governo, Congresso e professores das
universidades federais fecharam um acordo. Se nada mudar até
amanhã, quando os professores farão as últimas assembléias para
confirmá-lo, as aulas serão retomadas na próxima segunda-feira e
irão, no mínimo, até março do ano que vem. Os grevistas
conseguiram arrancar do orçamento de 2002 R$ 328 milhões que
serão usados para a concessão de um reajuste entre 12% e 13%
do salário-base.
87
O Adufrj de 3 de dezembro também noticiou o fechamento do acordo com
amplo destaque, chamada na primeira página (Perto da vitória) e continuação na
página 3 (Andes e Sinasefe conseguem acordo com MEC):
Após 99 dias de greve, o ministério da educação não resistiu mais
à força da greve, à pressão da sociedade e ao crescente desgaste
político do presidenciável Paulo Renato. No dia 28/11, o deputado
Nelson Marchezan (relator do PL do MEC) comunicou ao comando
de greve da Andes que o governo aceitava o substitutivo do
movimento docente e a minuta do Termo de Acordo (com os itens
não salariais da pauta). Dessa maneira, a Andes encaminhou uma
rodada nacional de assembléias para o dia 30/11. O objetivo foi
apreciar o indicativo de saída unificada da greve para esta terça-
feira (4/12), condicionado à assinatura do Termo de Acordo
Andes-Sinasefe com o MEC e a tramitação, em regime de
urgência, do substitutivo formulado pelo movimento grevista.
88
Algumas observações sobre as diferenças entre as versões de O Globo e do
Adufrj para o desfecho das negociações da greve são aqui necessárias. Na já citada
85
A proposta apresentada pela Andes ao MEC, na forma de substitutivo a
Projeto de Lei no Congresso Nacional, previa os seguintes termos: equiparação
entre GID e GED para docentes do magistério de 1º e 2º graus com mestrado e
doutorado; extensão de 60% do valor máximo atribuído por meio da GID aos
aposentados e pensionistas dos 1º e 2º graus e reajuste médio de 12% e 13%
nos vencimentos básicos.
86
O GLOBO. MEC aceita proposta de grevistas se Congresso conseguir recursos:
4.
87
O GLOBO. Acordo fechado: 3.
88
ADUFRJ. Andes e Sinasefe conseguem acordo com MEC: 3.
55
edição de 28 de novembro de O Globo, por exemplo, o dado realçado foi o papel
desempenhado pelo ministro Paulo Renato com vistas ao fechamento do acordo. Foi
neste sentido que o texto do jornal destacou que o ministro
telefonou ao deputado Nelson Marchezan e informou que o
ministério concorda com a contraproposta do sindicato de docentes
de reajuste linear do salário-base.
89
Em outras palavras, os grevistas enquanto sujeitos políticos, que pressionam
o governo e conquistam seus direitos, não apareceram desta forma nas páginas de
O Globo. Mesmo na edição seguinte (29/11), a referência aos docentes como
sujeitos políticos foi feita apenas brevemente quando O Globo afirmou que eles
conseguiram arrancar do orçamento de 2002 R$ 328 milhões que
serão usados para a concessão de um reajuste entre 12% e
13%.
90
Contrariamente a O Globo, para o Adufrj foram os docentes (sujeitos
políticos) que conseguiram o acordo com o MEC a partir da força da greve, à qual o
ministro da educação não teria mais resistido. O próprio título da chamada na
primeira página (Perto da vitória) já foi indicativo da intenção do Adufrj de
apresentar o acordo como uma conquista do movimento docente. Embora a relação
de causa e efeito entre paralisação docente e disposição do governo federal em
negociar tenha mais uma vez sido estabelecida pelo Adufrj, não se tratou aqui de
relação mecânica. Afinal, após quase cem dias de paralisação, era razoável
considerar o poder de pressão da greve sobre o MEC para a busca de um acordo.
Quanto aos outros fatores apontados pelo Adufrj como tendo levado o MEC a
buscar um acordo — pressão da sociedade e desgaste político de Paulo Renato
não foram os mesmos em nenhum momento comprovados pelo informativo
docente, que também não apresentou qualquer enquéte neste sentido. Com
generalizações do tipo o MEC não resistiu à pressão da sociedade,
91
o Adufrj não
89
O GLOBO. MEC aceita proposta de grevistas se Congresso conseguir recursos:
4.
90
O GLOBO. Acordo fechado: 3.
91
ADUFRJ. Andes e Sinasefe conseguem acordo com MEC: 3.
56
deixou claro se tal pressão era apenas pelo fim da greve ou, também, pelo
atendimento das reivindicações docentes. Ademais, que sociedade (ou parte dela)
pressionava o MEC?
Com o título Termina a greve nacional, o Adufrj de 10 de dezembro informou
do resultado das assembléias de docentes realizadas em todo o país, e que
referendaram o Termo de Acordo entre Andes e MEC. A chamada da primeira
página tentou resumir o que foi a paralisação com as seguintes palavras, numa
avaliação superficial sobre o movimento:
Cinquenta e duas instituições de ensino superior entraram na
greve nacional da Andes; cinqüenta e duas estão saindo de forma
unificada. Em cada assembléia de cada instituição, o que
importava (e importa) era a opinião e a participação de cada
docente. Foram mais de três meses de assembléias, atividades de
rua, manifestações nos fóruns acadêmicos e legislativos em defesa
da universidade pública e gratuita. Assim foi construída a vitória
do movimento.
92
Na já referida edição de 29 de novembro de O Globo, que anunciou o
fechamento do acordo para o fim da greve, o jornal também apresentou pequeno
quadro de resumo da paralisação, que reproduzimos a seguir para efeito de
comparação:
A greve dos professores de universidades federais começou como
parte de uma greve geral anunciada pelos sindicatos dos
servidores públicos federais. A greve causou o cancelamento do
vestibular da UFRJ, que transcorreu sob tumulto, e o adiamento do
concurso em 37 universidades. O governo sofreu desgaste junto
ao judiciário, que obrigou o Executivo a pagar os salários dos
grevistas. O presidente Fernando Henrique lançou um pacote
antigreve para forçar o fim da paralisação com medidas como
contratação de trabalhadores temporários para substituir
grevistas. O presidente tirou dos ministros e chamou para si a
prerrogativa de liberar os recursos para o pagamento de salários
dos servidores.
93
Na comparação dos textos finais de O Globo e do Adufrj sobre a paralisação,
cada um dos veículos reafirmou as concepções que, estruturalmente, organizaram
seus respectivos noticiários a respeito da greve.
92
ADUFRJ. Termina a greve nacional: 3.
93
O GLOBO. Acordo fechado: 3.
57
Para O Globo, foi a greve que transcorreu sob tumulto, causou o
cancelamento do vestibular da UFRJ e o adiamento do concurso em 37
universidades, pouco importando o fato de o governo ter descumprido decisão
judicial ordenando o pagamento dos grevistas. Fato grave que, no entanto, foi
apresentado apenas como desgaste do Executivo junto ao Judiciário.
Para o Adufrj, contrariamente, foi uma greve em defesa da universidade
pública e gratuita. Uma greve na qual o que importava era a opinião e a
participação de cada docente, pouco importando o fato de ter o Adufrj, no início da
paralisação, jogado os estudantes da UFRJ contra os docentes que ainda não
haviam aderido ao movimento. Uma greve, em suma, definida pelo informativo
docente com base nos mais grosseiros jargões do movimento sindical.
Capítulo 4
A Polêmica do adiamento do vestibular
Durante o mês de outubro, o noticiário sobre a greve docente tanto em O Globo
como no Adufrj passou a ter, como mote predominante, a polêmica em torno do
adiamento do vestibular da UFRJ. Com 56.016 candidatos que disputaram 6.203
vagas no ano de 2001, o concurso também esteve no centro de uma disputa
jurídica entre a reitoria da UFRJ, de um lado, e o Ministério Público, o Conselho de
Ensino de Graduação da universidade e entidades representativas de estudantes,
de outro.
Neste capítulo, analisamos 12 edições de O Globo e sete do Adufrj que
noticiaram a greve em meio à polêmica do vestibular.
Embora a possibilidade de adiamento do vestibular tenha sido abordada em
setembro pelo Adufrj, a edição de 1º de outubro do informativo docente foi a
primeira a noticiar um fato novo relativo à questão: a aprovação, pela assembléia
de professores de 27 de setembro, do adiamento do concurso na UFRJ. Segundo o
Adufrj, nesta assembléia
praticamente todos os pronunciamentos foram favoráveis ao
adiamento como forma de pressão durante a greve.
94
A crença de O Globo e Adufrj numa imprensa democrática
Com o titulo Sem salário, cresce ainda mais a greve nas universidades, a matéria
principal da edição seguinte do Adufrj, além de estimular a mobilização docente
como uma resposta ao corte de salário realizado pelo MEC, informou sobre a
recomendação da Andes para que as assembléias de todo o país aprovassem o
adiamento dos vestibulares:
O Comando Nacional de Greve - CNG indica aos comandos locais
que chamem a imprensa para esclarecer sobre o vestibular e a
greve. Segundo o Comando Nacional, o governo, especialmente
Fernando Henrique e o MEC, têm usado argumentos para distorcer
94
ADUFRJ. A força da greve: 3.
59
fatos e confundir a opinião. Um dos argumentos mentirosos segue
a linha de que, com a greve, alunos vão buscar as universidades
privadas ou que a paralisação causa prejuízo a pais e alunos.
Outra mentira deslavada que é reproduzida pela mídia e, na UFRJ,
pelo reitor-interventor Vilhena, é que o governo defende o direito
dos alunos.
95
Como já fizera por ocasião do evento Universidade na Praça, realizado em
setembro — quando explicou a repercussão daquela atividade nos telejornais como
sendo o produto do esforço de sua comissão de imprensa — no texto acima o
Adufrj se utiliza de mecanismo semelhante para explicar a cobertura desfavorável
da grande imprensa em relação aos docentes e à greve. Assim, a cobertura
desfavorável aos docentes e a "distorção" dos fatos sobre a crise do vestibular são
explicados como se a questão fosse, em última instância, determinada pelo fato de
a grande imprensa não estar suficientemente informada a respeito dos argumentos
e razões invocadas pelos docentes. Para o Adufrj, quem mente, no caso, não é a
mídia, mas o governo. Neste sentido, o máximo que a mídia faz é reproduzir as
versões mentirosas divulgadas pelo Palácio do Planalto. É um problema de falta de
informação da grande imprensa. Problema que, segundo o Adufrj, será solucionado
na medida em que os comandos locais
chamem a imprensa para esclarecer sobre o vestibular e a greve.
Tal concepção a respeito do funcionamento da mídia expressa a ideologia
segundo a qual são os meios de comunicação de massa um espaço democrático
que pode ser disputado pelos grevistas com a finalidade de veicular os pontos de
vista dos trabalhadores.
Refletindo sobre o modus operandi da ideologia, Poulantzas afirma que:
A ideologia tem precisamente por função, ao contrário da ciência,
ocultar as contradições reais, reconstituir, em um plano
imaginário, um discurso relativamente coerente que serve de
horizonte ao vivido dos agentes, moldando as suas representações
nas relações reais e inserindo-as na unidade das relações de uma
formação.
96
95
ADUFRJ. Sem salário, cresce ainda mais a greve nas universidades: 1.
96
POULANTZAS, N. Poder político e classes sociais: 202.
60
O que mais uma vez foi ocultado pelo discurso do Adufrj sobre o
funcionamento da mídia é, sobretudo, o fato de que os meios de comunicação de
massa são, em última instância, a voz da(s) classe(s) dominante(s) e seus
interesses objetivos nas formações sociais capitalistas. Interesses que, no plano
imediato, começam pela propriedade privada dos meios de comunicação e dos
grupos empresariais que os controlam. Sobre este ponto em particular, Miliband
considera que:
O direito de propriedade confere o direito de fazer propaganda e
ali, onde tal direito é exercido, o mais provável é que seja exercido
a serviço de preconceitos fortemente conservadores, quer por
asserção positiva ou pela exclusão daqueles assuntos que os
proprietários julguem indesejável publicar. A censura, dentro de
um sistema de livre empresa, não constitui prerrogativa
puramente estatal.
97
Embora apresente versões antagônicas às de O Globo para os
acontecimentos relacionados à greve, o Adufrj tem, em comum com aquele, a
crença nas prerrogativas democráticas da grande imprensa e, por conseguinte, da
democracia liberal.
A polêmica do adiamento do vestibular — que, para o Adufrj, será superada
com o maior esclarecimento da grande imprensa sobre o assunto — foi noticiada
com ênfase por O Globo em sua edição de 11 de outubro. Com o título Adiamento
do vestibular causa crise na UFRJ, o jornal informou de decisão tomada na véspera
pelo CEG adiando o concurso
98
na universidade. Com declarações do reitor José
Henrique Vilhena de que manteria a data original do vestibular (28 de outubro), a
matéria de O Globo, por seu próprio título, já expressava, de forma latente, a
opinião de que o melhor no caso seria a manutenção da data original do concurso.
Já para o Adufrj de 15 de outubro o adiamento do vestibular pelo CEG foi
uma medida considerada correta. Além de reafirmar a autoridade do CEG, um dos
argumentos apresentados pelo Adufrj para defesa dessa posição foi o de que os
97
MILIBAND, R. O estado na sociedade capitalista: 278.
98
O Vestibular fora adiado pelo Conselho para os dias 22 e 23 de janeiro de
2002 e 3 de fevereiro de 2002. A data original era 28 de outubro de 2001.
61
estudantes das instituições federais de ensino médio — cujas aulas também
estavam interrompidas devido à greve — competiriam em desvantagem com os
alunos de escolas privadas caso as datas originais do concurso fossem mantidas.
No Adufrj em questão, o texto afirmou que a disposição do reitor José Henrique
Vilhena de manter as datas originais
foi encarada por todos como desrespeito explícito à democracia na
universidade.
99
Na mesma edição (15/10), o Adufrj publicou também com destaque a nota
da assembléia docente do dia 11 de outubro sobre o adiamento do vestibular. Entre
outros pontos, a nota afirmava que:
O reitor da UFRJ utiliza a imprensa para intranquilizar e causar
terror aos vestibulandos e seus familiares. O CEG, órgão
competente para analisar e deliberar sobre questões acadêmicas,
visando dar tranqüilidade aos alunos que farão o vestibular,
marcou novas datas para o concurso por entender ser esta a
forma de viabilizar que todos possam concorrer em condições de
igualdade (...) Enquanto isso, o reitor da UFRJ, em sua saga
privatizante junto com o ministro da educação, ameaça entregar a
realização do vestibular a uma empresa privada, ferindo, assim, a
autonomia universitária garantida na Constituição.
100
O Vestibular fora adiado pelo Conselho para os dias 22 e 23 de janeiro de
2002 e 3 de fevereiro de 2002. A data original era 28 de outubro de 2001.
Em 18 de outubro, com a chamada de capa Briga por vestibular da UFRJ
chega à Justiça e continuação da matéria na página 14, O Globo informou sobre
decisão do CEG de recorrer ao judiciário contra o reitor Vilhena pelo fato de o
mesmo recusar-se a acatar o adiamento do concurso. Dois dias após (em 20 de
outubro), O Globo noticiou, sem qualquer destaque e sob a forma de pequena
coluna, a preocupação dos membros do CEG quanto à possível realização do
vestibular pelo reitor. Segundo O Globo, os conselheiros consideraram que, se a
prova fosse realizada, o concurso poderia se transformar num caos. Ao final da
matéria, o jornal informava que o CEG notificara na Justiça Federal o
descumprimento de sua decisão pelo reitor.
99
ADUFRJ. MEC sob pressão: 8.
100
ADUFRJ. Servidores protestam em seminário do PNE: 2.
62
Enquanto O Globo minimizou a divulgação das medidas tomadas pelo CEG
contra o reitor, o Adufrj de 23 de outubro fez exatamente o contrário, destacando,
em sua primeira página, matéria com o título Procurador vai acionar Vilhena:
O Procurador Regional dos Direitos do Cidadão do Ministério
Público Federal, Daniel Sarmento, aceitou entrar com uma ação
civil pública contra a reitoria da UFRJ. O reitor José Henrique
Vilhena insiste em realizar a primeira bateria de provas do
vestibular 2002 neste domingo, 28, contrariando a decisão do
Conselho de Ensino de Graduação de adiar as provas (...) O fato
de o reitor não acatar a decisão do CEG acabou gerando uma
situação de intranqüilidade para professores e alunos da rede
pública e particular. Foi comunicado ao procurador que o CEG
notificou na Justiça Federal o descumprimento de sua decisão pelo
reitor. Esta notificação tem a função de responsabilizar Vilhena por
quaisquer prejuízos e danos, morais ou materiais, que possam
ocorrer, caso as provas não sejam, de fato, adiadas.
101
Em 23 de outubro, a greve docente foi atacada em mais um editorial de O
Globo, intitulado Cidadãos reféns, que também abordou a paralisação dos
servidores do INSS:
O direito de greve é uma das características das sociedades
democráticas. Não é por acaso que todo regime fechado suprime a
liberdade da recusa ao trabalho como legítimo instrumento de
pressão na barganha por mudanças na relação com o empregador.
O Brasil do regime militar é um exemplo. Após a reabertura
política, com a reorganização dos sindicatos, a paralisação de
categorias profissionais entrou na rotina do país. O que é
saudável. Os problemas começam quando se analisam os efeitos
de certos movimentos sobre a vida do cidadão. É o caso das duas
greves em curso entre funcionários públicos: a dos professores das
universidades federais e a dos empregados do Instituto Nacional
de Seguridade Social - INSS. O objetivo aqui não é avaliar se
esses prestadores de serviço à população recebem ou não salários
justos. Trata-se de colocar um ponto para reflexão.
102
Em sua continuação, o texto abordou as especificidades de cada uma das
greves em questão:
Essas greves fogem do modelo clássico das paralisações
deflagradas com o objetivo de impedir o empregador de faturar e
assim forçá-lo a negociar. Pode-se até dizer que o gasto público
reduz-se enquanto universidades e postos do INSS mantêm-se
fechados. (...) Na prática, as vítimas da greve no INSS são
centenas de milhares de pessoas que dependem dos mais de 800
mil benefícios, inclusive aposentadorias, que já deixaram de ser
pagos pela União. Quanto à greve dos professores, basta citar que
101
ADUFRJ. Procurador vai acionar Vilhena: 1.
102
O GLOBO. Cidadãos reféns: 6.
63
apenas no Rio há 56 mil jovens — tensos vestibulandos — à
espera de uma definição sobre a data do início das provas. Certos
sindicatos deveriam incluir nas pautas internas de discussão
formas alternativas de luta, para evitar transformar cidadãos em
reféns.
103
O editorial em questão repetiu, de forma dramatizada, a já monótona
interpretação das greves de trabalhadores como prejudiciais à população. Greve
que, no caso docente, O Globo afirma ter deixado
tensos vestibulandos à espera de uma definição sobre a data do
início das provas.
Apesar desta repetição nos esquemas interpretativos da greve em O Globo,
o referido editorial trouxe contudo elemento que o diferenciou dos anteriores. Ao
afirmar que ambas as greves (docentes e INSS) fogem ao modelo clássico do
conflito entre capital e trabalho e que, por isto, são sem objetivo, o texto
reproduziu elementos da ideologia dominante na sociedade capitalista segundo a
qual o Estado está acima das classes sociais, sendo, portanto, neutro em relação às
mesmas. Como se, no conflito com os docentes, o governo, o parlamento e os
demais poderes do Estado brasileiro não fossem a própria expressão político-
institucional da(s) classe(s) dominante(s) em nossa formação social.
Em sua edição seguinte (24/10), O Globo trouxe matéria com título e
subtítulo, respectivamente, Justiça adia vestibular da UFRJ; Reitoria da
universidade será notificada hoje e deve recorrer da decisão judicial, na qual
informou sobre decisão do juiz da 5ª Vara Federal - VF, Firly Nascimento Filho,
suspendendo a realização do concurso em ação movida pelo promotor dos Direitos
do Cidadão do Ministério Público Federal - MPF, Daniel Sarmento, a pedido do CEG-
UFRJ. Curiosamente, O Globo lembrou nesta matéria a condição de professor
universitário do juiz Firly Nascimento, sem no entanto esclarecer se ele era docente
de alguma instituição federal de ensino ou faculdade particular. A insinuação de O
Globo nos pareceu ter tido como finalidade lançar suspeitas sobre a isenção do
referido magistrado. Ademais, a suposta condição de professor universitário do juiz
103
Ibidem.
64
— não explicada pelo texto — não era informação relevante para o fato em questão
(julgamento de adiamento do vestibular), não guardando qualquer relação com o
mesmo. Vale ressaltar que o tipo de insinuação feita por O Globo sobre a condição
de docente do juiz é, inclusive, condenada pelo próprio Manual de Redação do
jornal. Segundo o Manual,
Em notícia sobre uma pendenga jurídica, surge esta referência aos
advogados de uma das partes: que também defendem os donos
da Itatiaia Turismo no caso do 'Bateau Mouche. É afirmação
gratuita, que se aproxima de uma insinuação de má-fé: a de que
os advogados de alguma forma se associam a delitos cometidos
pelos clientes.
104
Com uma foto de manifestação dos estudantes da UFRJ fechando a Av.
Venceslau Brás, na Urca, e outra com carros retidos num engarrafamento
provocado pela mesma manifestação, a matéria de O Globo sobre o vestibular
publicada na edição de 24 de outubro também classificou de confusão o ato
realizado na véspera por estudantes e grevistas, em protesto contra o reitor José
Henrique Vilhena:
Enquanto a briga judicial se desenrola, os alunos estão cada vez
mais tensos. Por volta das 13 horas de ontem, cerca de cem
estudantes da UFRJ, de colégios federais e particulares fecharam a
Av. Venceslau Brás, em Botafogo, para protestar contra o reitor
José Henrique Vilhena, que pretende manter as datas do
vestibular. No fim da tarde, mais confusão. Cerca de 50
estudantes tentaram impedir que a comissão executiva do
vestibular desse uma entrevista coletiva sobre o concurso. Durante
mais de uma hora eles forçaram a porta da sala da comissão, que
funciona no Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza -
CCMN, na Ilha do Fundão.
105
Com o título Alunos discutem adiamento do Vestibular, o Adufrj de 29 de
outubro
106
relatou os mesmos protestos estudantis do dia 23/10 com as seguintes
palavras:
Os estudantes da UFRJ realizaram dois eventos para debater o
adiamento do vestibular, na última terça-feira (23/10). De manhã,
uma assembléia ratificou o apoio às novas datas do vestibular da
104
O GLOBO. Manual de Redação: 93.
105
O GLOBO. Justiça adia vestibular da UFRJ: 12.
106
Esta edição foi fechada, segundo o Adufrj, em 26 de outubro. Por essa razão,
não abordou os conflitos que ocorreriam no campus do Fundão e no CAP-UFRJ,
em 28 de outubro, data de realização do vestibular.
65
universidade. Dezenas de estudantes, inclusive secundaristas,
lotaram o auditório do Centro de Filosofia e Ciências Humanas -
CFCH. No fim, todos se dirigiram à saída do campus e fecharam a
Av. Venceslau Brás, por trinta minutos. O objetivo era protestar
contra a intransigência do reitor, que insiste em manter o
vestibular para este mês. Após a manifestação, houve um debate,
no mesmo auditório, para esclarecer aos estudantes secundaristas
as questões da UFRJ e do adiamento do vestibular.
107
Sobre a entrevista da comissão executiva do vestibular que, segundo O
Globo, teria sido impedida pelos estudantes, a mesma edição do Adufrj apresentou
versão inteiramente oposta:
A comissão executiva do vestibular marcou uma entrevista coletiva
e não permitiu que alguns alunos entrassem na sala. Um protesto
se formou na porta do local. Quando as equipes de reportagem se
preparavam para deixar a sala da coletiva, os funcionários da
comissão executiva trancaram a sala e jogaram a culpa sobre os
estudantes (como se os alunos tivessem as chaves).
108
Ao contrário do Adufrj, na versão de O Globo foram omitidos a realização do
debate de estudantes sobre o adiamento do vestibular e da assembléia dos
mesmos que decidira pelo apoio às novas datas do concurso. Mais uma vez,
enquanto o Adufrj procurou maximizar o noticiário das mobilizações e atividades
dos grevistas, O Globo atuou em sentido contrário, buscando diluí-las em seu
noticiário político regular.
Os ataques à greve docente aumentaram de intensidade na edição de 25 de
outubro de O Globo, em matéria responsabilizando a paralisação pelo adiamento do
vestibular da UFF. Diluída nesta matéria e sem qualquer destaque, O Globo
informou que os membros do CEG da UFRJ elaboraram um documento ao ministro
da Educação denunciando o reitor José Henrique Vilhena por crimes administrativos
ao não ter cumprido decisão do Conselho adiando o vestibular. Na página em
questão, O Globo publicou pequeno box de opinião, em forma de editorial, com o
título Vítimas de uma greve:
A luta na justiça em torno da data do vestibular da UFRJ só faz
aumentar a angústia dos 56.014 candidatos a uma vaga na maior
instituição federal de ensino do país. Independentemente da
107
ADUFRJ. Alunos discutem adiamento do Vestibular: 6.
108
Ibidem.
66
validade ou não das reivindicações dos professores, deve-se
reconhecer que esse tipo de movimento torna milhares de
cidadãos reféns de uma categoria profissional. Outro prejudicado é
o formando. Muitos não terão o diploma a tempo de iniciar suas
carreiras. Há casos de estudantes de último período, com estágios
já garantidos por concurso, mas que não poderão se apresentar
para o trabalho. Por uma cruel ironia, professores poderão causar
o desemprego de alunos.
109
Foi clara, no texto acima, a intenção de O Globo de indispor grevistas e
vestibulandos, jogando uns contra os outros e responsabilizando a paralisação por
eventuais prejuízos causados aos estudantes. Cumpre observar que, ao ser
precedido da palavra Opinião, o referido box teve a mesma finalidade dos editoriais
de O Globo: reforçar a crença de que as opiniões do jornal sobre a greve docente
são manifestas unicamente em seus textos editoriais, sendo seu noticiário político
regular isento, objetivo e equilibrado ao tratar das partes em litígio (governo e
grevistas).
As fotos também mentem
Em 27 de outubro, com chamada no alto da primeira página intitulada Vestibular da
UFRJ é confirmado, O Globo informou sobre decisão do presidente do Tribunal
Regional Federal - TRF, Arnaldo Lima, cassando a liminar que adiava o concurso na
universidade.
110
A chamada de O Globo foi publicada junto a uma foto de duas
alunas do CAP-UFRJ com a seguinte legenda:
Duas alunas do CAP-UFRJ, que estão sem aulas há mais de dois
meses, se abraçam e choram ao saber que o vestibular foi
mantido.
Pela legenda, não era possível ao leitor saber com clareza o real motivo pelo qual
as referidas alunas se abraçavam e choravam: se de decepção ou alegria pela
confirmação do vestibular. A confusão foi mantida na continuação do assunto,
publicada na página 15 sob a forma de duas matérias. A primeira (matéria
principal), com o título Amanhã tem vestibular, informou, entre outros pontos, que
109
O GLOBO. Vítimas de uma greve: 23.
110
A liminar cassada pelo TRF fora concedida anteriormente pelo juiz da 5ª Vara
Federal, Firly Nascimento Filho, sobre o qual O Globo levantou suspeitas ao
lembrar sua condição de docente, como analisado por nós neste capítulo.
67
a UEE e a Associação de Pais e Alunos do Estado do Rio de Janeiro - Apaerj não
haviam desistido de tentar a anulação judicial do vestibular. A segunda matéria foi
um box intitulado Lágrimas num mar de dúvidas, junto ao qual foi reproduzida a
mesma foto das alunas publicada na chamada. Só a partir da nova legenda da foto
(Estudantes que faziam manifestação no centro choram ao saber da cassação da
liminar adiando o concurso da UFRJ) é que os leitores — e somente os mais atentos
— puderam conhecer as razões que teriam levado as alunas a chorar.
Segundo o próprio Manual de Redação de O Globo, a edição de fotografias
deve ser cercada de cuidados de forma a não gerar ambigüidades. Ao abordar este
ponto, diz o referido Manual que:
Ao contrário do que pensam os ingênuos, fotos mentem. É
obrigação ética do jornalista vigiar para que isso não aconteça. A
foto pode dar informação errada sobre um acontecimento (por
exemplo, criando a impressão de multidão ou de falta de público)
ou sobre hábitos pessoais (o exemplo clássico é o flagrante pouco
elegante de alguém levando o garfo à boca).
111
Ao que acrescentamos: as fotos também podem, dependendo da forma
como são editadas e/ou legendadas, induzir os leitores a uma interpretação que em
nada corresponde às imagens por elas expressas. E é isto o que O Globo fez na
chamada de primeira página e no box da página 15 da edição de 27 de outubro. Na
mesma edição e página 15, O Globo publicou coluna com o título Por trás da crise,
um reitor impopular, na qual fez-se um breve histórico sobre o processo de escolha
do reitor José Henrique Vilhena, lembrando que, na época de sua escolha na lista
tríplice, Vilhena recebera apenas 11% dos votos, contra 42,5% do primeiro
colocado, o professor Aloisio Teixeira.
A coluna foi aberta com o seguinte parágrafo:
Não é de hoje que a UFRJ vive períodos conturbados. Apesar de
recusar o rótulo de polêmico, o reitor José Henrique Vilhena já
enfrentava turbulências antes mesmo de assumir o cargo. Ele foi
empossado em 8 de julho de 1998, mas só conseguiu entrar em
sua sala na Ilha do Fundão mais de um mês depois, no dia 24 de
agosto. Funcionários, estudantes e professores contrários à sua
111
O GLOBO. Manual de Redação: 91.
68
nomeação tomaram conta do gabinete e só saíram depois de uma
intervenção policial. Desde então, há uma guerra política na
universidade que culminou com a polêmica e o impasse em torno
do vestibular deste ano. Vilhena foi um dos escolhidos na lista
tríplice elaborada pelo Conselho Universitário - presidido por ele
mas hoje tomado por seus adversários.
112
Ao afirmar que, desde a posse de Vilhena, há uma guerra política na
universidade que culminou com a polêmica e o impasse em torno do vestibular
deste ano, O Globo apresentou tal polêmica como se a mesma se resumisse a um
jogo de antipatias recíprocas entre o reitor, de um lado, e estudantes e docentes,
de outro. Embora sem negar a existência de antipatias recíprocas, a apresentação
da polêmica nestes termos foi uma forma de descaracterizá-la perante os leitores.
Em nenhum momento, por exemplo, O Globo lembrou que Vilhena desrespeitou
decisão anterior do CEG que determinara o adiamento do vestibular. Ao afirmar que
o Conselho Universitário foi tomado pelos adversários do reitor, o jornal omitiu
também o fato de que os conselheiros são representativos da comunidade
universitária e que nenhum deles se apossou de suas cadeiras no CEG.
Também na edição de 27 de outubro O Globo publicou matéria, em sua
página 14, com o título MEC e professores em greve perto do acordo. Segundo o
texto, o governo teria aceitado incorporar a GAE, mas estaria ainda relutando em
estender a GED aos professores de escolas médias e técnicas federais. Cumpre
observar que a leitura simultânea dos títulos da matéria da página 14 (MEC e
professores em greve perto do acordo) e da matéria da página 15 (Amanhã tem
vestibular) poderia induzir o leitor que apenas se detivesse nos títulos a fazer uma
associação entre um possível acordo do MEC com os professores grevistas e a ida
dos estudantes ao vestibular, numa combinação entre dois fatos sem relação
direta. Mesmo se a greve docente fosse encerrada naquela data (27/10), não
estariam asseguradas as condições necessárias à realização do vestibular no dia 28
de outubro.
112
O GLOBO. Por trás da crise, um reitor impopular: 15.
69
Refletindo sobre as técnicas de manipulação da informação utilizadas com
relativa freqüência na chamada grande imprensa, incluindo o tipo de indução aqui
relatada, Perseu Abramo considera que:
A indução se manifesta pelo reordenamento ou recontextualização
dos fragmentos da realidade, pelo subtexto - aquilo que é dito sem
ser falado - da diagramação e da programação, das manchetes,
notícias e comentários, sons e imagens, pela presença/ausência de
temas, segmentos do real, de grupos da sociedade e de
personagens.
113
Vestibular da pancadaria X Campus de guerra
As provas do vestibular foram realizadas no dia 28 de outubro por ordem do reitor
José Henrique Vilhena. Nesta data, houve confronto entre estudantes e policiais
militares em dois locais de prova: no Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza
- CCMN, na Ilha do Fundão, e no CAP-UFRJ, na Lagoa, zona sul do Rio.
Os confrontos foram noticiados pela edição de 29 de outubro de O Globo
com o título Vestibular da pancadaria e subtítulo Estudantes enfrentam PMs,
invadem colégio e mais de 14 mil provas são anuladas. A matéria em questão veio
acompanhada de duas fotografias: a primeira delas com a imagem de um
estudante sendo carregado por três PMs. E a segunda com a imagem de um PM
sendo chutado por um manifestante e a seguinte legenda:
Um policial cai no chão e é chutado por um manifestante no
tumulto no campus da ilha do fundão.
O texto de O Globo abordou o confronto nos seguintes termos:
Marcado pela guerra nos tribunais, o vestibular mais tumultuado
da história da UFRJ ganhou ontem ares de batalha campal. De
manhã, enquanto mais de cem estudantes enfrentavam a polícia
no prédio do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza -
CCMN, na Ilha do Fundão, o Colégio de Aplicação - CAP da UFRJ,
na Lagoa, era invadido por 15 universitários. Eles rasgaram os
cadernos de respostas e os 570 alunos dos grupos dois e quatro,
que prestariam concurso no colégio, não puderam fazer a prova.
Com isso, os 14.520 vestibulandos desses grupos (25,9% do total)
tiveram suas provas anuladas, apesar de terem feito os testes
normalmente. Ainda não há previsão de novas datas.
114
113
ABRAMO, P. Significado político da manipulação na grande imprensa.
114
O GLOBO. Vestibular da pancadaria: 11.
70
Na continuação do texto, O Globo abordou em detalhes os confrontos
ocorridos no Fundão e no CAP:
Na cidade universitária, no Fundão, o confronto entre estudantes e
PMs resultou em pelo menos nove feridos e dois jovens detidos
(...) No CAP, uma rápida invasão, às 8h45m, causou a suspensão
das provas. O grupo de 15 invasores entrou em confronto com os
fiscais no hall do colégio. Os universitários percorreram três salas,
roubaram o que supunham ser as provas e as rasgaram. Fernanda
Castro e Kelly Pedrosa, que estavam entre os invasores do CAP,
revelaram ter planejado até sabotar o vestibular: com as provas
em mãos, os gabaritos das provas seriam elaborados por
professores grevistas e o resultado seria divulgado em carros de
som, o que acabou não ocorrendo (...) Na Ilha do Fundão, não
houve invasão de salas, mas o campus foi tomado por vários
conflitos. Às 7h30, um grupo de cem estudantes trocou socos e
pontapés com PMs em frente ao Centro de Ciências Matemáticas.
Às 8h10, mais correria: duas bombas de gás lacrimogêneo foram
lançadas. Um sindicalista foi atingido na cabeça por um
cassetete.
115
Os mesmos confrontos foram noticiados pelo Adufrj de 31 de outubro com o
título Campus de guerra, em matéria acompanhada de foto na primeira página
onde soldados aparecem espancando estudantes com cassetetes:
No último domingo (28/10), a avenida entre o Centro de Ciências
Matemáticas e da Natureza - CCMN e o Centro de Tecnologia - CT
se transformou, para o lamento de todos os presentes e dos que
assistiram através da imprensa, em uma praça de guerra.
Covarde, como todas as últimas guerras vividas pela humanidade.
Com direito a bombas de gás e de efeito moral, chutes e golpes de
cassetetes foram usados pela Polícia Militar, devidamente
reforçada pelo Batalhão de Operações Especiais - Bope e pela
Polícia Federal. Um ato pacífico foi atropelado pela truculência da
polícia convocada pelo reitor-interventor, José Henrique Vilhena.
Em uma atitude inédita na história da universidade, um reitor (por
mais interventor que seja) chama uma tropa de choque, armada
de fuzis, bombas e cassetetes dentro do campus universitário (...)
Na sexta-feira à noite, o Conselho Pedagógico do CAP-UFRJ se
reuniu e enviou uma nota pública à Comissão Executiva de
Vestibular. O Conselho solicitou que os 570 vestibulandos que
fariam prova na Lagoa fossem remanejados. Este tipo de
procedimento já havia ocorrido antes, no concurso de 1999,
quando um apagão atrapalhou a realização do concurso em alguns
locais de prova no Fundão. A Comissão se mostrou intransigente e
ignorou o alerta da comunidade do colégio. Resultado: estudantes
entraram nas salas, conseguiram pegar alguns cartões de prova e
inviabilizaram a realização do exame naquele local.
116
115
Ibidem.
116
ADUFRJ. Campus de guerra: 1.
71
Na referida edição do Adufrj, em outra matéria com o título Repressão da
polícia atinge conjunto da universidade, o conflito foi noticiado nos seguintes
termos:
Uma agressão à Universidade Pública. Foi assim que os
professores reunidos em assembléia geral no dia 29/10 viram os
episódios de violência causados pela ação da polícia no dia do
vestibular, no campus da cidade universitária. Para repudiar o
ocorrido, foram aprovados dois atos para a quarta-feira (31/10):
uma manifestação no CEG, pela manhã, e um ato à tarde, na
assembléia legislativa - Alerj. (...) Será organizado ainda um
abaixo-assinado para que toda a comunidade universitária possa
se manifestar pela destituição ou não do reitor.
117
Para O Globo, os estudantes atuaram como invasores, sabotadores e
covardes, conforme esboçado na fotografia em que um deles aparece chutando um
policial militar caído no chão. Com isto, o jornal legitimou a ação repressiva dos
policiais. A informação de que um sindicalista foi atingido na cabeça por um
cassetete foi publicada sem qualquer destaque e, nela, cumpre observar que O
Globo não fez questão de lembrar que, por trás de um cassetete, há um policial
militar.
Marcada pela dramatização da narrativa, a versão do Adufrj para os
confrontos responsabilizou a comissão executiva do vestibular pela entrada dos
estudantes no CAP e a conseqüente inviabilização do exame naquele local. Ao
afirmar que a comissão se mostrou intransigente e ignorou o alerta da comunidade
do colégio, o Adufrj, no entanto, não explicou ou definiu que comunidade seria esta
e por quem seria composta. Na afirmação de que
em uma atitude inédita na história da universidade, um reitor (por
mais interventor que seja) chama uma tropa de choque, armada
de fuzis, bombas e cassetetes dentro do campus universitário,
o Adufrj apresentou o campus como uma espécie de espaço sagrado que teria sido
violado pela entrada da polícia.
117
ADUFRJ. Repressão da polícia atinge conjunto da universidade: 4.
72
Observamos ainda que, na versão do Adufrj para os confrontos no CAP, os
estudantes apenas teriam entrado no colégio (e não invadido) para pegar os
cartões de respostas.
Em estudo no qual reflete sobre a busca da objetividade por parte dos
jornalistas e da chamada grande imprensa, Luiz Amaral inclui também, como objeto
de suas preocupações, a terminologia utilizada pelos meios de comunicação. Com
relação a este ponto, diz o autor que:
É interessante ver como a linguagem é empregada, como as
palavras são utilizadas, como se vai fundo na semântica quando se
pretende manipular. Durante a chamada Guerra Fria, em que
todos os meios eram bons e justificavam os fins, os inimigos nos
diversos conflitos regionais eram sempre terroristas, guerrilheiros
e rebeldes, e os aliados, sempre combatentes da liberdade.
Durante a invasão das tropas americanas no Panamá, os
diplomatas da OEA foram chamados de multidão enfurecida por
terem se manifestado contra. Os jornais, aliás, procuravam aliviar
o peso da palavra invasão chamando-a, eufemisticamente, de ação
militar, intervenção, expedição e até inserção. A imprensa usa
muito na guerra os verbos silenciar e neutralizar, em lugar de
matar, pressão em lugar de tortura.
118
De forma muito parecida com o processo descrito por Amaral, diríamos que,
em seu intuito de maximizar a responsabilidade dos estudantes pelos confrontos
ocorridos no CAP, O Globo utilizou o verbo invadir ao invés de entrar ou mesmo
ocupar. Ao mesmo tempo, o Adufrj fez o caminho exatamente inverso na
apropriação dos referidos termos, em nenhum momento qualificando os estudantes
de invasores. Ambos os jornais (Globo e Adufrj) demonstram, com isto, extremo
cuidado na escolha da terminologia mais adequada para a expressão de suas
distintas interpretações sobre os acontecimentos do CAP.
Em sua edição de 30 de outubro, O Globo publicou o editorial Comédia de
erros, no qual atacou a greve tendo, como mote, a crise do vestibular:
Só podem causar consternação os últimos capítulos da novela
vestibular da UFRJ, encenados neste fim de semana. As imagens
da pancadaria aumentam a perplexidade da opinião pública e,
sobretudo, da massa estudantil diretamente afetada pelos
episódios. A novela é antiga, e tem causas múltiplas. Talvez se
118
AMARAL, L. A objetividade jornalística: 58.
73
possa retroceder à escolha do atual reitor (José Henrique Vilhena),
em 1998, marco inicial de uma tensão duradoura entre o MEC e a
comunidade acadêmica. Na época, a consulta à comunidade
resultou numa lista tríplice que incluía o nome do atual reitor e,
em primeiro lugar, o de um professor (Aloísio Teixeira) conhecido
por suas posições diametralmente contrárias ao que já era,
naquele momento, a filosofia do ministério para o ensino superior
(...) A escolha do ministro Paulo Renato recaiu sobre Vilhena. A
comunidade ofendeu-se, confundindo consulta com eleição direta.
Ali se instalou um mal-estar até hoje incontornável, e que
bloqueou uma discussão séria (e necessária) sobre a evolução da
universidade pública no Brasil.
119
No seguimento, como veremos a seguir, o editorial acusou a paralisação
docente de causar graves prejuízos aos estudantes.
Desse mal-estar — e da falta de diálogo daí resultante — surgem
crises periódicas, das quais a atual é uma das mais graves: dois
meses de greve no ensino superior público, prejudicando
diretamente os estudantes (...) A última batalha campal também
decorre daí. Por causa da greve, considerou-se que estavam
prejudicados os alunos de escolas públicas como o Colégio de
Aplicação da UFRJ. O Conselho Universitário decidiu adiar as
provas para janeiro. O reitor achou que, por causa de 300 alunos
de escolas públicas, não se deveria subverter a vida da massa de
50 mil estudantes que queriam fazer o vestibular, e manteve a
prova. Foi uma decisão imprudente, como agora se vê. À tensão
natural das provas somou-se o clima de guerra que causou
prejuízo a milhares de estudantes. Montou-se uma batalha com
gente trazida de fora, que nada tinha a ver com a universidade —
um gesto de autoritarismo dos manifestantes (...) Depois da
sucessão de equívocos, deve-se cobrar dos envolvidos, de um lado
e de outro, que encontrem meios de apagar esta fogueira. A falta
completa de diálogo e a radicalização dos ânimos continuarão
prejudicando os alunos das escolas públicas, e abalarão o prestígio
do ensino superior público. Nesse contexto, como pretender
manter uma campanha que se declara de defesa do ensino
gratuito, fornecido pelo Estado?
120
Segundo O Globo,
as imagens da pancadaria aumentam a perplexidade da opinião
pública e, sobretudo, da massa estudantil diretamente afetada
pelos episódios.
Mas, ao mesmo tempo, o jornal não explicou que opinião pública e que
massa estudantil seriam estas ou se alguma enquete fora realizada para
fundamentar afirmações tão genéricas. Lembramos que generalizações
semelhantes a estas foram por nós constatadas no terceiro capítulo desta
119
O GLOBO. Comédia de erros: 6.
120
Ibidem.
74
dissertação, ao analisarmos a edição do Adufrj publicada ao final da greve (3/12).
Na ocasião, como explicação para o acordo final entre Andes e ministério da
educação, o Adufrj afirmara que após 99 dias de greve, o MEC não resistiu à
pressão da sociedade,
121
sem explicar que sociedade (ou parcela dela) estaria
pressionando o governo.
Além de operar com base em generalizações, o editorial em questão
silenciou sobre pontos que O Globo não pretendia discutir. Foi o caso, por exemplo,
quando o texto classificou os manifestantes de autoritários, mas não o fez com
relação a Vilhena, o menos votado na lista tríplice e que desprezara resolução do
CEG pelo adiamento do vestibular.
O editorial buscou justificar as atitudes de Vilhena, ao afirmar que
o reitor achou que, por causa de 300 alunos de escolas públicas,
não se deveria submeter a vida da massa de 50 mil estudantes
que queriam fazer o vestibular, mantendo assim as provas,
Finalmente, ao criticar a falta de diálogo e a radicalização das partes, o texto
silenciou também sobre o fato de que foi o governo federal que interditara o
diálogo com os docentes ao cortar-lhes os salários.
Na edição de 31 de outubro, O Globo noticiou com destaque a abertura de
inquérito pela Polícia Federal para apurar responsabilidades pelos confrontos
ocorridos entre estudantes e policiais no dia de realização do vestibular (28/10). No
texto, o jornal reafirmou sua versão de que, no CAP-UFRJ,
cadernos de respostas foram rasgados após uma invasão de
estudantes.
Em 1º de novembro, as provas do vestibular da UFRJ seriam anuladas pelo
reitor José Henrique Vilhena, após inúmeras pressões do CEG, entidades estudantis
e até de estudantes que, individualmente, sentiram-se prejudicados.
121
ADUFRJ. Andes e Sinasefe conseguem acordo com MEC: 3.
75
O fato foi noticiado com destaque pela edição de O Globo do dia seguinte
(2/11). Na mesma página de publicação desta matéria, no entanto, o jornal editou
um box intitulado Sempre dispostos a brigar, cujo texto reproduzimos:
Eles adotaram o estilo salmão: estão sempre indo contra a
correnteza, indo contra tudo e contra todos. Para fazer valer o que
acreditam ser o certo, acabam comprando briga com seus pares e,
em alguns casos, até com a opinião pública. O exemplo mais
recente é o do reitor da UFRJ, José Henrique Vilhena. Enfrentou a
ira de vestibulandos e de funcionários da universidade por não
abrir mão das datas das provas. Virou o vilão do vestibular mais
tumultuado da história da UFRJ, no último fim de semana, quando
o campus do Fundão se tornou campus de batalha. Ontem, voltou
atrás e anulou as provas. Mas não deu o braço a torcer: explicou
que tomou essa atitude para atender a um pedido do governador,
e não ao conselho que lutava pela anulação. (...) À luz da
psicologia, são tidos como indivíduos que tomam atitudes
arbitrárias para esconder traços de insegurança. Para a psicóloga
Sandra Salgado, do Instituto de Psicoterapia Comportamental, são
pessoas que não conseguem expressar suas opiniões através de
argumentos lógicos. Por isso, tendem a usar a autoridade para
fazer valer suas vontades.
122
Ao apresentar o comportamento supostamente problemático do reitor como
o único responsável pelos conflitos com estudantes e servidores nas polêmicas em
torno do vestibular, O Globo buscou simultaneamente afastar a responsabilidade do
MEC e suas políticas sobre o caso. Como se o comportamento do reitor durante a
polêmica do vestibular, ao desconsiderar as decisões do CEG pelo adiamento do
concurso, não estivesse em fina sintonia com as políticas estabelecidas pelo próprio
MEC e o ministro Paulo Renato para as universidades públicas. E também como se
a crise em torno do adiamento do vestibular fosse explicada pelo comportamento
supostamente neurótico de um reitor.
122
O GLOBO. Sempre dispostos a brigar: 10.
Capítulo 5
A universidade pública no noticiário de O Globo e do Adufrj
A situação orçamentária da universidade pública e a produção acadêmica dos
docentes obtiveram, no noticiário de O Globo e do Adufrj sobre a greve, espaço
inferior ao ocupado pelas atividades diretamente relacionadas ao movimento. No
total, o tema foi especificamente tratado em duas edições de O Globo e seis do
Adufrj.
Cumpre observar que as edições de O Globo e do Adufrj objeto de
comparação no presente capítulo não foram publicadas, necessariamente, nas
mesmas semanas. Por essa razão, elas não versarão sobre as mesmas atividades
de greve.
Salários dos docentes X Orçamento
Durante a paralisação, o primeiro dos dois jornais a abordar especificamente a
situação orçamentária da universidade pública foi o Adufrj de 3 de setembro. A
matéria em tela publicou as conclusões do relatório de estudo da Andes sobre as
reivindicações salariais dos docentes, produzido a partir de consulta a dados
fornecidos pelo tesouro nacional e pelo Sistema Integrado de Administração
Financeira do Ministério da Fazenda - Siafi/MF.
Além de concluir que a incorporação da GED aos salários dos docentes não
seria suficiente para recompor o poder de compra perdido desde 1995, o texto
afirmou que:
O estudo apresenta dados da execução orçamentária da União
referente aos anos de 1995 a 2000 (período que foi considerado
para o cálculo das perdas). E a conclusão é transparente: o
dinheiro saiu dos salários dos servidores, da educação e do ensino
superior e foi parar nas contas dos credores internacionais. A visão
é fácil quando comparamos os números. A receita corrente líquida
em 1995 era de R$ 67 bilhões de reais. Neste ano, foram gastos
com pessoal R$ 37 bilhões ou 56,1% do orçamento. Com
educação, R$ 13,6 bilhões ou 20,3%. Com o ensino superior, R$
6,2 bilhões ou 9,2%. Com juros, no mesmo período, o governo
pagou R$ 16,8 bilhões ou 24,9% do bolo. Em 2000, o quadro é
desesperador: de R$ 141,7 bilhões, mais da metade do dinheiro
77
público, ou R$ 78 bilhões (55%) foi parar nas mãos dos credores.
Com pessoal, o governo gastou R$ 52 bilhões (36,8%). Com
educação, o percentual de gasto caiu para 8,9% ou R$ 12,6
bilhões. Ao ensino superior restou a verba de R$ 6 bilhões ou
4,2% da receita líquida.
123
Nesta mesma edição do Adufrj (3/09) foi publicada nota do comando de
greve dos docentes da UFRJ ao ministro Paulo Renato Souza, classificando como
provocação o anúncio do governo federal de um reajuste de 3,5% para os
servidores públicos federais. Ao abordar a situação das universidades públicas
brasileiras, o texto asseverou que:
A nossa mobilização em defesa do ensino público, gratuito e de
qualidade, assim como de todos os setores sociais, conta com a
simpatia da população, que entende o massacre dos sete anos
sem reajuste salarial e a farsa que é a alegação do governo de que
a dívida [da União com os credores internacionais] é fruto do
desequilíbrio causado pela folha de pagamento do funcionalismo
público e déficit da previdência social. Na verdade, é cada vez mais
claro que o rombo financeiro é causado pelos juros mais altos do
planeta que o governo paga ao capital especulativo internacional,
de acordo com as diretrizes do FMI.
124
A afirmação de que a parcela do orçamento da União destinada ao ensino
superior saiu dos salários dos servidores, da educação e do ensino superior e foi
parar nas contas dos credores internacionais
125
foi repetida na edição de 17 de
setembro do informativo docente, onde as conclusões do estudo produzido pela
Andes foram novamente publicadas com o título As prioridades do governo FHC, os
salários dos SPFs e o caso específico dos docentes das IFES. A diferença desta para
a primeira publicação do estudo da Andes foi o estabelecimento, pelo Adufrj, de
uma relação direta entre a crise financeira da universidade pública e a adoção, pelo
governo brasileiro, das políticas econômicas definidas por organismos financeiros
multilaterais como Banco Mundial - Bird e o Fundo Monetário Internacional - FMI:
Para recompor o poder aquisitivo dos servidores será necessário,
de acordo com o Dieese, um reajuste de 75,48%. Ressalte-se que
este índice refere-se apenas ao reajuste devido até dezembro de
2000. Essa situação, que configura um brutal desrespeito para
123
ADUFRJ. Greve segue firme na UFRJ: 3.
124
ADUFRJ. Nota do comando de greve dos docentes da UFRJ ao ministro Paulo
Renato Souza: 10.
125
ADUFRJ. Greve segue firme na UFRJ: 3.
78
com o conjunto dos servidores, não é, entretanto, um fato isolado,
decorrendo, na realidade, da adoção de uma política econômica
que tem sacrificado a imensa maioria da população brasileira,
privada cada vez mais de seus direitos sociais básicos, em
benefício dos detentores do grande capital internacional e de seus
aliados, principal base de sustentação do atual governo. Os
interesses desses setores — expressos por organismos como o
Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, aos quais o país
tem sido submetido de forma servil, prevêem a destinação de
crescentes parcelas do Orçamento Geral da União, com a geração
de superávites fiscais cada vez mais altos, ao pagamento de
amortizações e juros da dívida pública. O calote se aplica, nessa
lógica, mesmo que descumprindo a Constituição, aos servidores
públicos, mas nunca aos agiotas internacionais.
126
A produção docente na ótica de O Globo
Se, para o Adufrj, a crise da universidade pública era explicada fundamentalmente
pela política econômica adotada pelo governo federal e a submissão deste ao Bird e
ao FMI, para O Globo o problema localizava-se no corporativismo e na baixa
produtividade dos docentes. Foi esta a concepção expressa pelo jornal em sua
edição de 17 de outubro, através do editorial Conversa de surdos — termo utilizado
por nós para definir o caráter irreconciliável entre as versões de O Globo e do
Adufrj sobre a paralisação.
Após defender a política do governo federal para a educação, citando
estatísticas do MEC que indicariam um aumento de matrículas nos ensinos
fundamental, médio e superior, o texto afirmou que:
(...) O MEC gasta, com as universidades públicas, 70% de seu
orçamento. E desse total, 90% vão para os gastos com pessoal.
Nesse universo, há quem ganhe pouco; e há quem ganhe bem. Há
dúvidas sérias quanto a questões de produtividade. Professores e
funcionários têm razão quando dizem que o ensino publico é
patrimônio nacional. Mas se é preciso gastar muito com as
universidades, a sociedade precisa receber, em contrapartida,
satisfações quanto ao dinheiro envolvido, e quanto ao
funcionamento do sistema. É o dinheiro do contribuinte que está
em jogo. Nesse ponto, começam as dificuldades. A universidade
pública parece fechada numa atitude de combate que herdou dos
anos de chumbo, quando resistir era a palavra de ordem. Posturas
burocráticas e até corporativas tomam o lugar da atenção
constante à performance e aos resultados.
127
126
ADUFRJ. As prioridades do governo FHC, os salários dos SPFs e o caso
específico dos docentes das IFES: 9.
127
O GLOBO. Conversa de surdos: 6.
79
Em sua continuação, o editorial atacou mais intensamente os docentes,
defendendo a política do MEC para as universidades federais:
Em qualquer país civilizado, a boa remuneração do ensino superior
depende de avaliação permanente. Em entrevista ao Globo, lembra
um dos melhores estudiosos do assunto no Brasil, Simon
Schwartzman: Se não há mecanismos que compensem o bom
desempenho, a autonomia (reivindicação da universidade) fica sob
o controle de uma maioria. E, muitas vezes, essa maioria não tem
compromisso com a qualidade. Para se demitir um professor
incompetente, por exemplo, leva-se 20 anos. Os conselhos
universitários fazem uma composição de interesses de todos os
que estão lá dentro, e não atuam como deveriam (...). E assim se
fica batendo no muro. O governo, através das gratificações de
estímulo à docência, encontrou um modo de driblar as restrições
orçamentárias que continuam pesando sobre o funcionalismo
público. Mas isso depende de avaliação — e de diálogo
permanente. No clima atual, de intensa politização da questão,
sequer se discutem outros pontos essenciais — como a criação de
modernos cursos que atendam a novas necessidades. Pagam,
assim, um preço inaceitável o país e os estudantes.
128
Algumas observações sobre o referido editorial são necessárias:
i -O texto foi organizado a partir do estereótipo de que os docentes são
improdutivos e ineficientes. Com afirmações do tipo há dúvidas sérias quanto a
questões de produtividade, o editorial limitou-se ao plano das generalizações. O
entendimento de O Globo sobre a produtividade dos docentes parece limitar-se a
aspectos quantitativos como, por exemplo, o número de aulas, revelando a
ignorância do jornal quanto às especificidades da produção acadêmica, sobretudo
na área da pesquisa.
ii -Ao afirmar que em qualquer país civilizado a boa remuneração do ensino
superior depende de avaliação permanente, o editorial não explicitou que avaliação
seria esta ou que países a praticariam. Será que, nos países ditos civilizados, as
avaliações permanentes são baseadas em critérios quantitativos como GED e GID,
propostos pelo MEC?
iii - Contrariamente ao Adufrj — onde as restrições orçamentárias do
governo são explicadas pela subserviência deste ao FMI — no editorial de O Globo
128
Ibidem.
80
essas mesmas restrições aparecem como fato consumado, sem nenhuma
explicação adicional aos leitores. O MEC, inclusive, foi apresentado como
preocupado com a situação salarial dos docentes, pois, através das gratificações,
teria encontrado um modo de driblar as restrições orçamentárias.
iv -Embora afirme que posturas burocráticas e até corporativas estariam
tomando o lugar da atenção constante à performance e aos resultados, em nenhum
momento o editorial apresentou qualquer dado objetivo que demonstrasse o
comprometimento na performance dos docentes. Para sustentar suas acusações
genéricas, O Globo deliberadamente desconsiderou o resultado do Exame Nacional
de Cursos - ENC de 2001 promovido pelo MEC, e que apontou as universidades
públicas federais como as mais bem conceituadas.
129
v - Ao afirmar que a maioria do orçamento do MEC seria destinado a gastos
de pessoal, O Globo buscou livrar a responsabilidade do governo sobre os
problemas de remuneração dos docentes e desqualificar as reivindicações dos
grevistas por mais investimentos no ensino superior.
Como uma espécie de megafone da classe dominante
130
e em procedimento
típico dos jornais da indústria cultural, O Globo compatibilizou seu editorial sobre a
greve com a ideologia da privatização, o que se deu no momento em que o jornal,
com acusações genéricas, levantou dúvidas sobre a produtividade/eficiência dos
129
Realizado em 2001 pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira, o Exame de 2001 avaliou 3.701 cursos de 28
áreas. Nas instituições federais, a maioria dos cursos das áreas de Direito,
Psicologia, Farmácia, Pedagogia, Engenharia Elétrica, Engenharia Civil, Biologia,
Engenharia Mecânica, Administração, Odontologia, Física, Matemática e
Engenharia Química conquistou os conceitos A ou B. Nas áreas de Letras,
Medicina Veterinária, Economia, Química e Jornalismo o percentual de cursos
que atingiram os conceitos A ou B foi superior ao dos que obtiveram os demais
conceitos e, nas áreas de Agronomia e Medicina, foi maior o percentual de
cursos que obtiveram o conceito C. Nas instituições privadas, obteve o conceito
C a maioria dos cursos avaliados nas áreas de Agronomia, Psicologia,
Engenharia Elétrica, Biologia, Medicina e Pedagogia. Nas áreas de Letras,
Jornalismo e Administração é maior o percentual de cursos com conceitos C. Nas
áreas de Farmácia, Medicina Veterinária, Química, Engenharia Civil, Engenharia
Química, Física, Matemática, Direito, Engenharia Mecânica, Odontologia e
Economia predominaram os cursos com D ou E.
130
Frase citada em ROMÃO, L. M. S. e PACÍFICO, S. M. R. No lugar de
presidente com o boné do MST.
81
docentes e, por extensão, das próprias universidade públicas. Sobre o
funcionamento dos grandes jornais e sua proximidade à ideologia da (s) classe (s)
dominante (s), vale lembrar as palavras do consagrado cientista social inglês Ralph
Miliband. Segundo ele,
Não há nada de particularmente surpreendente quanto ao caráter
e ao papel dos meios de comunicação de massa na sociedade
capitalista avançada. Considerado o contexto econômico e político
no qual atuam, eles não podem deixar de ser predominantemente
agências para a difusão de idéias e valores que afirmam, ao invés
de contestar, padrões vigentes de poder e privilégio, tornando-se
armas no arsenal da dominação de classe. A noção de que podem
ser algo diferente é em grande parte ou uma ilusão ou uma
mistificação. Eles podem desempenhar um papel disfuncional e às
vezes o fazem; e o fato de que o possam fazer não deve ser
desprezado. Mas esse não é e não pode ser, dentro de tal
contexto, e nós o afirmamos enfaticamente, o seu papel principal.
Ele se destina a preencher uma função conservadora e é isso que
fazem.
131
Se para O Globo as questões relacionadas à universidade pública e às
reivindicações docentes são compatibilizadas com a ideologia da privatização e da
produtividade, para o Adufrj este é um aspecto a ser rejeitado. Um exemplo foi a
edição de 1º de outubro do informativo docente, que noticiou a regulamentação da
GID pelo governo:
O CNG da Andes analisa que o decreto 3.932, de 19 de setembro
de 2001, é nefasto para os professores de 1º e 2º graus das Ifes.
Produtivista, a gratificação toma como referência o número de
aulas que o professor ministra. Não leva em conta a titulação do
professor e a necessidade de projetos de capacitação. Segundo a
nota, no máximo, 91% dos docentes de cada grupo perceberão os
100% da GID, o que, sem dúvida alguma, vai gerar no interior das
instituições a corrida em busca de uma carga horária cada vez
maior. Outro critério produtivista é a proporcionalidade de ganho
em relação ao número de alunos por turma em sala de aula, de
acordo com a análise do Sindicato.
132
A rejeição à dependência da universidade pública em relação ao capital
privado e ao mercado foi também afirmada pelo Adufrj de 15 de outubro, quando o
informativo docente reproduziu com destaque o texto de carta aberta ao ministro
da Educação, aprovada na assembléia da categoria do dia 9 do mesmo mês. Além
131
MILIBAND, R. O estado na sociedade capitalista: 286.
132
ADUFRJ. A força da greve: 3.
82
de afirmar que o compromisso da universidade pública e gratuita é com a sociedade
civil que a sustenta com seus impostos — a carta considerava ilegal a postura do
governo ao não reajustar os salários dos servidores. Sobre este ponto, disse o texto
que
a ilegalidade está nos desvios de empréstimos pactuados junto ao
BID para equipar a universidade pública e utilizados, na verdade,
para o pagamento da dívida externa.
133
Em 29 de outubro, com o título Museu Nacional esclarece visitantes sobre a
greve, o Adufrj explicou a crise da universidade nos seguintes termos:
O estado do museu que você está visitando bem demonstra as
dificuldades que vêm enfrentando as instituições públicas de
educação e ciência para se manter. Apesar de uma luta contínua
para reformar o prédio, renovar as exposições e garantir a
continuidade da pesquisa, os recursos governamentais continuam
ridiculamente baixos - impedindo a difusão do conhecimento para
toda nossa população. O apoio ao nosso movimento é o apoio à
luta de todos pelo ensino público de qualidade, pelo conhecimento
e pela cultura compartilhados.
134
Em 6 de novembro, com um texto apenas constatativo, o Adufrj destacaria
em seu noticiário da greve o lançamento da edição especial da revista Caros
Amigos que abordava a situação do ensino superior no país. Vale convir que a
publicação em tela (Caros Amigos) analisava a questão por prisma inteiramente
diverso de O Globo, não tratando-se de publicação financiada pelo grande capital
monopolista:
Desde 31 de outubro, está nas bancas de todo o país a edição
especial da revista Caros Amigos sobre o ensino superior. A
universidade no espelho - para onde caminha o ensino superior no
Brasil tem como principais objetivos retratar as mudanças que
ocorreram na universidade no período FHC. Os jornalistas tentam
mostrar o que a grande imprensa não diz e aprofundam o que ela
trata de forma superficial. A edição traz uma entrevista com Luiz
Antônio Cunha, professor da UFRJ, e artigos dos docentes
Valdemar Sghissardi e Glaci Zancan (presidente da SBPC), além de
reportagens sobre a situação da pesquisa, provão, fundações
privadas, ensino à distância, os cartolas da educação, cotas e
vestibulares, extensão universitária e a cobertura da mídia. O
especial é um retrato, sob todos os ângulos, da degradação a que
vem sendo submetida a mais importante instituição do edifício
133
ADUFRJ. Servidores protestam em seminário do PNE: 3.
134
ADUFRJ. Museu Nacional esclarece visitantes sobre a greve: 4.
83
social, um retrato acabado do desvirtuamento de suas funções em
razão da política educacional imposta pelo governo FH.
135
A situação das universidades públicas brasileiras seria mais uma vez
abordada por O Globo em matéria ocupando quase toda a página 4 de sua edição
de 22 de novembro, com destaque para os dados do Censo do Ensino Superior de
2000. Com título e subtítulo, respectivamente, Ministro critica corporativismo dos
professores, que repeliram mudanças; Censo mostra crescimento de 14% no
número de matrículas no ensino superior, a matéria trouxe um gráfico com os
números do censo e abordou o assunto nos seguintes termos:
O Ministro da Educação, Paulo Renato Souza, aproveitou ontem a
divulgação dos dados do Censo do Ensino Superior de 2000, que
mostra um crescimento de 14% nas matrículas no ensino superior
em relação a 1999, para defender sua política para as
universidades federais e, mais uma vez, atacar o que chama de
corporativismo dos professores. Os dados do censo, segundo o
ministro, mostram que, mesmo com a resistência das
universidades, o ministério da Educação conseguiu que as federais
tivessem em 2000 o maior crescimento da década. Os dados, de
acordo com o ministro, são um reflexo da mudança na forma de
distribuição de recursos para as universidades federais e da
criação da Gratificação de Estímulo à Docência, vinculada à
avaliação de desempenho dos professores. Os docentes foram
contra as mudanças.
136
Precedido do intertítulo (Após exigência de horário, professores
apareceram), a continuação do texto abordou a carga horária dos docentes, sendo
finalizado com declaração do ministro Paulo Renato:
A primeira condição para um professor receber a gratificação é dar
no mínimo oito horas de aula por semana na graduação. Essa
exigência, na avaliação de Paulo Renato, fez com que aparecessem
mais professores para dar aulas e, como conseqüência, mais
alunos puderam ser atendidos. — Os professores trabalhavam
pouco. Tanto que precisamos colocar na Lei de Diretrizes e Bases
que o professor tinha que dar um mínimo de oito horas de aula por
semana e depois repetir essa determinação na regulamentação da
gratificação - disse.
137
O próprio título da matéria em tela (Ministro critica corporativismo dos
professores, que repeliram mudanças) foi indicativo da concordância implícita de O
135
ADUFRJ. S/ ref.: 2.
136
O GLOBO. Ministro critica corporativismo dos professores, que repeliram
mudanças: 4.
137
Ibidem.
84
Globo com a posição do ministro Paulo Renato, segundo o qual os docentes seriam
improdutivos e contrários a modificações promovidas pelo MEC no ensino superior.
Modificações que, nas palavras do ministro, e tão destacadas por O Globo, seriam
benéficas à universidade pública.
Ao abordar as situações em que, na grande imprensa, a opinião dos jornais
é travestida de informação, Perseu Abramo lembra que:
A utilização sistemática e abusiva de todos os padrões de
manipulação leva quase inevitavelmente a outro: o de substituir,
inteira ou parcialmente, a informação pela opinião. Assim, o órgão
de imprensa apresenta a opinião no lugar da informação, e com a
agravante de fazer passar a opinião pela informação. Esta [a
opinião] se introduz subrepticiamente no meio da matéria,
substitui ou prepondera sobre a informação, e passa a ser não
apenas o eixo principal da matéria, como a sua principal ou única
justificativa de existência enquanto matéria jornalística, enquanto
objeto de produção e de edição, apresentação e veiculação. A
informação, quando existe, serve apenas de mera ilustração
exemplificadora da opinião adrede formada e definida - a tese - e
que, esta sim, se quer impor à sociedade.
138
Com opinião travestida de informação publicada em seu noticiário político
regular que O Globo amplificou assim os ataques de Paulo Renato aos docentes e a
defesa de sua política para o ensino superior. A partir desse estratagema foi que o
jornal não precisou tomar posição explícita de apoio ao ministro e suas políticas,
como ocorreria caso se tratasse de editorial.
As diferentes leituras apresentadas por O Globo e pelo Adufrj sobre a
situação orçamentária da universidade pública reproduziram as linhas gerais do
antagonismo, constatadas neste trabalho, entre os discursos dos dois jornais a
respeito da paralisação. O elemento diferenciador, contudo, foi que, ao abordarem
a questão da universidade pública, ambos os jornais posicionaram-se mais
claramente a respeito de temas como privatização, produtividade, estatização e
orçamento para pesquisa nas instituições federais de ensino superior.
138
ABRAMO, P. Significado política da manipulação na grande imprensa.
Conclusão
Ao investigarmos como a greve dos docentes das universidades públicas federais
foi noticiada em O Globo e no Adufrj, buscamos sobretudo identificar e comparar os
eixos que organizam e estruturam os discursos produzidos por cada um dos jornais
estudados a respeito da paralisação.
Se para O Globo a greve docente foi invariavelmente apresentada como
sinônimo de prejuízos à população, intransigência, radicalismo e violência por parte
dos grevistas, para o Adufrj foi a mesma paralisação noticiada como manifestação
democrática e pacífica de trabalhadores em luta pela universidade pública.
Cumpre ressaltar que o trabalho de identificação dos referenciais que
estruturam o noticiário da greve em O Globo e no Adufrj foi, contudo, diferenciado
quanto ao seu grau de dificuldade. Se, no caso do Adufrj, a identificação desses
referenciais foi relativamente facilitada por se tratar de jornalismo abertamente
opinativo, no caso de O Globo a dificuldade residiu no fato de lidarmos com um
jornalismo que se apresenta ao público leitor como isento, objetivo e comprometido
com o bem comum. Jornalismo cujas opiniões, na maioria das vezes, são
travestidas em seu noticiário político regular através do processo de edição de
textos, edição fotográfica e titulação das matérias.
Por obedecerem a interpretação pré-determinada dos fatos e
acontecimentos da greve, para ambos os jornais o fundamental não foram portanto
os fatos em si, mas a possibilidade de encaixar esses mesmos fatos em seus
esquemas interpretativos a priori. Foi neste sentido que O Globo e o Adufrj
buscaram, respectivamente, minimizar e maximizar a adesão dos servidores à
greve em seus noticiários. No caso de O Globo, por exemplo, embora o jornal
tivesse se utilizado da presença de servidores nas passeatas ocorridas em Brasília,
na primeira semana de paralisação, como critério para avaliar a adesão dos
trabalhadores ao movimento, este mesmo critério logo foi descartado pelo jornal
quando não mais serviu a seu objetivo de minimizar a extensão da greve. Já o
86
Adufrj sequer preocupou-se em apresentar qualquer critério para medir a adesão
dos docentes à greve e assim comprovar suas afirmações genéricas de que o
movimento estaria cada vez mais forte. Com tal procedimento, o informativo
docente revelou ser muito mais um instrumento de agitação política imediata,
baseada na dramatização do noticiário, do que um meio de comunicação voltado
para a discussão aprofundada de questões do interesse da categoria que
representa.
Em um jornalismo que para todas as perguntas já traz embutidas suas
próprias respostas, o procedimento de encaixar os acontecimentos da greve em
esquemas interpretativos definidos a priori, descrito no parágrafo anterior,
caracterizou-se como o modus operandi comum a O Globo e ao Adufrj não apenas
no início, mas ao longo de toda a paralisação docente.
Essa forma de se relacionar com os acontecimentos da greve e transformá-
los em noticiário, embora comum aos dois jornais, foi no entanto utilizada a serviço
de conteúdos diferenciados, como provam as distintas leituras feitas por O Globo e
o Adufrj sobre a situação das universidades públicas brasileiras e a produção
acadêmica de seus docentes.
No caso das universidades públicas e de seus docentes, O Globo defendeu
explicitamente a adoção, nestas instituições, de parâmetros gerenciais
característicos das empresas privadas, nas quais os trabalhadores são avaliados
segundo critérios quantitativos de produtividade, estando inclusive sujeitos à
demissão.
139
Tal concepção expressou a coincidência das posições do jornal com a
ideologia da privatização, segundo a qual os serviços públicos seriam caracterizados
pela baixa eficiência, não importando, no caso, o fato de serem as universidades
públicas brasileiras e seus docentes responsáveis pela maioria esmagadora da
139
Vale observar que o critério de demissão de trabalhadores assalariados no Brasil
raramente segue o princípio da racionalidade, como prega o discurso dominante.
Segundo este, é a produtividade e a competência do trabalhador que define sua
permanência e ascensão no emprego, quando em verdade isto está bem longe de
ocorrer.
87
produção científica no país. O escamotear no noticiário tal evidência tem a
serventia de reforçar a idéia de que o movimento dos docentes (subentendido como
de baixa produtividade) deve ser reprimido, induzindo o público leitor a repudiar as
reivindicações dos grevistas como luta por privilégios.
Para o Adufrj, contrariamente, a crise orçamentária das universidades
públicas foi invariavelmente apresentada como o resultado da prioridade, definida
pelo governo FHC, de pagar as dívidas financeiras da União junto a organismos
internacionais como o Banco Mundial e o FMI, diminuindo assim os recursos
destinados ao ensino superior. A participação do capital privado no gerenciamento
e financiamento das universidades públicas foi constantemente apresentada pelo
Adufrj como maléfica para essas instituições. Ao defender as universidades públicas
nesses termos, contudo, o informativo docente o faz sem discutir o caráter de
classe do Estado na sociedade capitalista, questão também igualmente incômoda e
que é constantemente escamoteada na própria imprensa sindical, uma vez que
extrapola os limites da crítica permitida e bem comportada. Em outras palavras,
como se o fato de tais universidades permanecerem sob controle estatal fosse
suficiente para conservar tais instituições imunes às influências políticas e
econômicas que são inerentes a um modo de produção que se reproduz
concentrando renda em mãos da classe social privilegiada e não distribuindo-a.
Em que pesem os antagonismos entre os discursos de O Globo e do Adufrj
no trato das questões relacionadas à greve docente, identificamos, no entanto,
mais dois elementos comuns a ambos os jornais.
O primeiro deles, de caráter ideológico, presente no fato de O Globo e o
Adufrj, embora por caminhos distintos, partilharem da mesma crença nas
prerrogativas supostamente democráticas da chamada grande imprensa. Se em O
Globo, por exemplo, tal crença manifesta-se no momento em que o jornal
apresenta-se a seus leitores como isento e comprometido com a correta
interpretação dos fatos, no Adufrj ela traduz-se quando, em meio à polêmica do
88
vestibular, o informativo docente concebe a grande imprensa como um espaço em
disputa. Espécie de campo neutro a ser ganho pela parte em litígio (professores ou
governo) que mais competência tivesse para abastecê-la de informações e assim
garantir a veiculação de suas propostas.
Como segundo elemento comum aos dois jornais, identificamos o fato de
ambos redigirem (mais ou menos conscientemente) seus discursos sobre a greve
com base na escolha da terminologia mais adequada a seus propósitos políticos.
Nesse sentido que, desde o início da paralisação, O Globo utilizou a palavra tumulto
para classificar as manifestações públicas de grevistas realizadas em todo o país.
Os estudantes que participaram dos conflitos com a PM no dia do vestibular da
UFRJ (28/10), por exemplo, foram invariavelmente classificados por O Globo como
invasores, palavra esta jamais utilizada pelo Adufrj, que os chamou de estudantes.
O procedimento de O Globo e do Adufrj, de escolherem as palavras e a
linguagem que consideraram as mais adequadas em seus noticiários sobre a greve,
nos leva a concluir que o fato de ambos estruturarem seus discursos sob prisma
ideológico previamente determinado não excluiu as práticas de manipulação
consciente da informação. Diríamos que, ao invés de excludentes, a manifestação
de um determinado viés ideológico e as práticas de manipulação da informação são
como que complementares na edição do noticiário sobre a greve em cada um dos
jornais.
A manipulação da informação no noticiário político regular, contudo, ganha
contornos de maior gravidade no caso de O Globo por ser este um dos maiores
jornais do país, com influência e repercussão política em todo o território nacional.
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