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INSTITUTO UNIVERSITÁRIO DE PESQUISAS DO RIO DE JANEIRO
Beatriz Wey
A (DES) CONSTRUÇÃO DO ESTADO DE DIREITO E SEUS REFLEXOS NA
PEDAGOGIA CÍVICA DO CIDADÃO COMUM:
ASPECTOS DA DEMOCRACIA MIDIATIZADA
Rio de Janeiro
2006
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Beatriz Wey
A (DES) CONSTRUÇÃO DO ESTADO DE DIREITO E SEUS REFLEXOS NA
PEDAGOGIA CÍVICA DO CIDADÃO COMUM:
ASPECTOS DA DEMOCRACIA MIDIATIZADA
Tese de Doutorado apresentada ao
Instituto Universitário de Pesquisas
do Rio de Janeiro como requisito
parcial para a obtenção do grau de
Doutor em Ciências Humanas
(Ciência Política).
Banca Examinadora:
_________________________________________
Marcus Faria Figueiredo (orientador)
_________________________________________
César Augusto C. Guimarães
_________________________________________
Fernando Lattman Weltman
_________________________________________
Maria Alice Rezende de Carvalho
___________________________________
Alessandra Aldé
Rio de Janeiro
2006
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Agradecimentos
Chego ao final deste trabalho com a certeza de que devo sinceros
agradecimentos a todos que me ajudaram direta ou indiretamente. Familiares, amigos,
colegas, professores e funcionários do IUPERJ.
Primeiramente, devo agradecer ao mestre Marcus Figueiredo, com o qual
aprendi a conviver e compreender seu método de ensino. Devo-lhe meu amadurecimento e
conquistas registradas nessa pesquisa. Agradeço também aos demais professores da Casa,
sobretudo aqueles que acompanharam o desenvolvimento deste trabalho durante as aulas de
seminário de tese, como os professores Octávio Amorim Neto e Renato Boschi, e o
professor Marcelo Jasmim, a quem muito admiro. Além destes, agradeço ao professor Luiz
Werneck Vianna, pelas contribuições dadas durante a defesa do projeto de tese. Agradeço
também a Lia, Valéria e Simone, sempre prestativas e amigas. Aos colegas do IUPERJ,
pela leitura atenta e contribuições para a melhor definição dos argumentos teóricos aqui
retratados. A Cássia e Edinaldo, que, respectivamente, contribuíram na organização dos
grupos focais e na gravação dos telejornais e, especialmente, aos 16 entrevistados desta
pesquisa, cujas opiniões me foram fundamentais para refletir e escrever. Não poderia deixar
de agradecer, evidentemente, ao CNPq pelo auxílio financeiro recebido durante os quatros
anos de pesquisa, e ao Centro Universitário de Barra Mansa.
Agradeço o apoio incondicional dado pelos meus familiares e amigos. Ao
meu pai Virgílio e minha irmã Cristina, que sempre me incentivaram e acreditaram em meu
esforço. Aos amigos de São Paulo e Barra Mansa, pelos momentos de descontração e
desabafo, úteis para me recompor e continuar a produzir. À minha querida filhinha Marina,
por compreender minha ausência, e ao meu marido Gerson, que sem nosso convívio diário
essa pesquisa não teria sentido. Quero ressaltar que Gerson não foi apenas um coadjuvante
nesse processo; contribuiu muito na organização dos dados estatísticos, em que tenho
grandes limitações. Ao meu amor, agradeço imensamente. Por fim, a todos que não estão
mais presentes. À memória da minha mãe Gercília, minha irmã Kátia, minha madrasta
Lucy e meu tio Cláudio eu, com saudades, dedico essa tese.
A igualdade de armas não existe na mídia. Ela oferece
um prêmio àquele que não só conta a melhor história,
mas também a conta melhor. Ela reforça o efeito da
verdade em detrimento da verdade; a sedução em
detrimento da argumentação.
Antoine Garapon
Resumo
O crescimento do Direito nas relações políticas e na sociabilidade do país
apresenta um novo cenário do ponto de vista normativo. Diversas leis e mudanças no
direito processual civil têm garantido um maior acesso à Justiça, tanto na composição de
conflitos como na participação política, revelando um novo caminho para o exercício cívico
e para a efetividade do processo democrático. Se, juridicamente, a nova legislação é
alentadora, do ponto de vista das camadas menos favorecidas, cidadãos com baixa
escolaridade e renda, as mudanças ainda não foram completamente assimiladas.
Dos fatores responsáveis por esse descompasso entre lei e realidade
social, destacamos: a precariedade da informação, a falta de confiança no estado de direito
e a descrença no trabalho do sistema de Justiça. A imagem negativa é reforçada com o
processamento da informação televisiva, maior meio de informação do cidadão comum,
sobretudo aquela construída pelos telejornais de canal aberto. Nota-se que, em sua maioria,
os telejornais apresentam imagens de um país que vive sob o jugo do tráfico de drogas, da
corrupção na administração pública e da falta de uma legislação séria e mais permissiva,
resultando numa exposição permanente da crise da legitimidade das instituições estatais e
da impunidade. Mesmo divulgando também aspectos positivos do estado de direito, ao
apresentar as instituições do sistema de Justiça que desempenham o papel de redefinir a
ordem social e os novos direitos e organizações sociais que visam a salvaguardá-los, o
aspecto negativo prevalece. Algumas categorias de análise contribuem para entendermos
esse fato, como o maior ou menor tempo de exposição, freqüência diária, retórica crítica e a
preferência por enquadramentos dramáticos e morais.
Embora a televisão não seja o único referencial cognitivo do cidadão
comum, seu papel é fundamental ao estabelecer um processo relacional entre o que é
notícia e o que o cidadão comum pondera como necessário para sua reprodução cotidiana,
num movimento de múltiplas produções de sentido, temporalidades históricas e
experiências vividas. A leitura desse processo nos ajuda a entender a sinuosa relação entre
estado de direito e cidadão comum, (Des)construída em função da falta de credibilidade, da
disseminação da cultura do medo e, sobretudo, pela não compreensão do pacto social,
elementos estes que inviabilizam concretamente a cidadania plena.
Palavras-chave: Direito; Telejornal; cidadania; Justiça; Recepção
Abstract
The escalation of Law within politics relationships and national
sociability presents a new scenario from a normative viewpoint. Several laws and
amendments in civil procedural law now guarantee more access to the justice, not only for
setting conflicts but also for increasing political participation and revealing a new road
toward the civic exercise and the effectiveness of democratic processes. If the new
legislation is judicially encouraging, from the angle of less favoured social strata and
citizens with a lower education or income, those changes have not been fully assimilated,
though. Among the causes of such gap between law and social reality, we must highlight
precariousness of information, lack of confidence in the Lawful State, and disbelief in the
justice system toil altogether. The negative image is further reinforced by the way in which
television- or the common citizen’s medium par excellence- treats information, especially
information newscast by the so-called ‘open TV’ channels. It is only remarkable that most
news bulletins offer daily images of a country living under the dominion of drug traffic,
public administration corruption, and the absence of a serious, less permissive legislation,
which results in permanent exposés of state institutions suffering a crisis of legitimacy plus
impunity. The negative aspects prevail notwithstanding some positive aspects of the Lawful
State that are broadcast as well, e.g. the picture of justice system institution performing a
role of redefining social order, social rights and organizations worth safeguarding. Some
analytical parameters help us to understand this fact, among them the longer or shorter
duration of news exposures, their daily frequency, their critical rhetoric, and their penchant
for a dramatic, moral framing.
Although television is not the common citizen’s only cognitive
referential, its role is fundamental as it establishes a relation process between what is news
and what the citizen actually deems as mandatory for daily broadcasting, which results in
such a multiple interchange of meaning layers, historic temporalities, and life experiences.
Decoding such process helps us to understand how sinuous is the relation between Lawful
State and common citizen, a relation knocked down and taken apart by lack of credibility,
dissemination of the Culture of Fear, and particularly non-understanding of the social pact.
All these elements concretely make full citizenship unviable.
Índice
Introdução.............................................................................................................................13
Capítulo 1 – Direito, Mídia e Recepção da Informação........................................................22
1.1- O Direito: mudanças e obstáculos.................................................................................24
1.2- Sistema de Produção e a Representação do Fenômeno Jurídico...................................29
1.3- Teorias da recepção.......................................................................................................39
1.4- Linguagem, Ação Comunicativa e Sistemas de Comunicação......................................46
1.5- Conclusões Preliminares................................................................................................55
Capítulo 2- A Representação do Estado de Natureza...........................................................57
2.1- Estado de direito e a Legitimidade Ameaçada...............................................................59
2.2- A Crise da Legalidade....................................................................................................80
2.3- Segurança Pública..........................................................................................................98
2.4- Conclusões Preliminares..............................................................................................109
Capítulo 3- Em Busca do Contrato Social: elementos culturais e televisivos de uma nova
ordem social........................................................................................................................111
3.1- Violência e Ordem Social no Século XIX: aspecto da cultura do medo.....................114
3.2- A Contenção da Violência: a lógica do Vigiar e Punir................................................124
3.3- As bases para a construção do Contrato Social na mídia televisiva............................145
3.4- Conclusões Preliminares..............................................................................................156
Capítulo 4- O Espírito das Leis Paira no Ar: a pedagogia cívica no sistema de produção e
seu efeito na recepção da informação.................................................................................161
4.1- O Lugar da Cidadania..................................................................................................164
4.2- A Formação dos direitos e seu Impacto na Cidadania.................................................165
4.3- O Sistema de Produção e a Representação dos Direitos e do Exercício Cívico..........172
4.4- A Pedagogia Cívica do Cidadão Comum: a correlação entre informação televisiva e o
cotidiano..............................................................................................................................182
5- Conclusão........................................................................................................................190
6- Obras de Referência........................................................................................................196
7- Fonte de Pesquisa............................................................................................................198
8- Bibliografia Citada..........................................................................................................199
9- Anexo: Dados da Pesquisa..............................................................................................207
I- Questionário de Seleção....................................................................................207
II- Roteiro das Entrevistas......................................................................................211
III- Perfil dos Entrevistados.....................................................................................212
10- Anexo: Legislação Citada.............................................................................................213
I- Constituição Federal .........................................................................................213
II- Leis Federais:
- no 7.347............................................................................................................................233
- no 4717.............................................................................................................................243
-no 8429..............................................................................................................................248
-no 9437.............................................................................................................................260
- no 9.605...........................................................................................................................268
Lista de Ilustrações
1- Gráficos:
Capítulo 2:
Gráfico 1- Panorama Geral dos Temas.................................................................................63
Gráfico 2- Estado de Natureza..............................................................................................64
Gráfico 3- Administração Pública.........................................................................................65
Gráfico 4- Administração Pública/Enquadramento..............................................................72
Gráfico 5- Justiça..................................................................................................................94
Gráfico 6- Justiça/Enquadramento........................................................................................97
Gráfico 7- Segurança Pública ...............................................................................................99
Capítulo 3:
Gráfico 8- Violência Doméstica/Enquadramento...............................................................126
Gráfico 9- Violência Doméstica: tempo e frequência.........................................................127
Gráfico 10- Comparativo: violência doméstica, urbana e crime organizado......................128
Gráfico 11- Sistema de Justiça- Cidade Alerta...................................................................140
Gráfico 12- Sistema de Justiça- Band/Nacional/Record.....................................................140
Gráfico 13- Estado de Natureza: tempo e freqüência.........................................................151
Gráfico 14- Contrato Social: tempo e freqüência...............................................................151
Gráfico 15- Estado de Natureza/ Imagem...........................................................................153
Gráfico 16- Contrato Social/ Imagem.................................................................................153
Gráfico 17- Contrato Social/ Enquadramento. ...................................................................155
Capítulo 4:
Gráfico 18- Cidadania........................................................................................................182
2- Tabelas:
Capítulo1:
Tabela 1- Linguagem e Retórica...........................................................................................38
Capítulo 2:
Tabela 2- Administração Pública..........................................................................................65
Tabela 3- Administração e Retórica......................................................................................70
Tabela 4- Impunidade e Retórica..........................................................................................70
Tabela 5- Segurança Pública e Retórica. ..............................................................................70
Tabela 6- Justiça....................................................................................................................93
Tabela 7- Segurança Pública.................................................................................................98
13
Introdução
O Direito tem conquistado um novo e abrangente lugar nas sociedades
ocidentais. Ao ser convocado para compor conflitos de natureza diversa, que
circunscrevem as relações privadas, comerciais e políticas, o campo normativo tem
demonstrado ocupar um privilegiado lugar nos sistemas democráticos. Dado o
fenômeno de sua expansão, não é possível ficar indiferente ao seu espectro da ação,
tampouco ao impacto que sua abrangência tem causado na construção da pedagogia
cívica do cidadão comum. Diversos são os estudos que se debruçam a explicar suas
causas e conseqüências. Muitos trabalhos têm observado este fenômeno de maneira
específica, no sentido de explicar como a mídia tem construído e ampliado a imagem do
ordenamento jurídico, ora apontando seus aspectos positivos, ora deixando escapar os
diversos problemas de seu crescimento.
Sobre o sistema de produção, o tradicional telejornalismo é um dos
veículos de comunicação que abarca, com freqüência, entre seus temas a presença do
Direito no cotidiano. São matérias que visam a salientar funções judiciais, limites de
atuação dos operadores do Direito, eficácia das leis e ineficiência institucional, entre
tantos outros aspetos. A percepção de que a forma e o conteúdo das mensagens podem
traduzir um tipo particular de imagem do Direito é, neste estudo, essencial, dado que em
grande parte da informação encontramos elementos que contrariam a noção positiva da
expansão do fenômeno jurídico e de toda a potencialidade expressa em nosso
constitucionalismo. A importância desse fato é maior por corroborarmos a tese de que a
nova democracia é uma democracia de audiência, caracterizada pelo contato midiático
(Manin,1997), o que nos leva a concordar com a necessidade de um estudo atento sobre
o papel da mídia e os efeitos da produção da mensagem na recepção da informação.
Em nosso entender, diante de toda a produção intelectual sobre a
expansão do Direito na mídia, na qual tem-se em parte como conclusão “uma visão de
justiça distorcida e baseada no senso comum, que permeia as relações sociais, além de
funcionar como um fórum informal para o cidadão que não tem acesso ao direito
oficial” (Neto, 2003), pouco se buscou como objeto de reflexão a visão do cidadão
comum, seu entendimento sobre as mudanças e o papel cognitivo desempenhado pela
14
televisão. Não há registros de trabalhos que viessem verificar o quanto o fenômeno
jurídico mediado pela televisão contribui para o exercício cívico daqueles que, pela
condição sócio-econômica, sempre tiveram acesso restrito à Justiça. Em grande parte, os
estudos se debruçam a explicar como a presença marcante do Direito na vida social
apresenta um índice alentador quanto à participação do cidadão na vida pública. A
avaliação recorre a dados sobre as interferências na vida privada e no controle da
própria ordem política.
Pelo fato de verificarmos canais de participação e contestação
mediados pelo Direito desde 1970, como afirma Comaille (2000), não podemos dizer
que este fenômeno seja novo, mas apenas que ganhou maior visibilidade e ampliação no
que tange à possibilidade de apropriação do Direito como garantia para o bem-estar
social. Dos trabalhos que mais contribuíram para pensar o papel da mídia sobre a
relação com a Justiça encontramos a produção de Salas (1998), que, ao definir a mídia
(emissor) e a forma perversa como destrói o espaço público, analisou os conflitos e
formas de composição em seu cenário pré-fabricado.
Nota-se, no entanto, que existe uma lacuna sobre a interpretação do
fenômeno jurídico no sistema de produção e seu reflexo na cidadania do indivíduo
comum. Por esta razão, o objetivo central deste trabalho é a análise das percepções do
cidadão comum sobre direitos, justiça e estado de direito mediadas pela televisão,
sobretudo pelos telejornais veiculados em canal aberto. Buscou-se, com essa tese,
avaliar a ampliação ou comprometimento da cidadania diante da forma como a
mensagem é construída e processada pelo receptor. O que está em questão é o
diagnóstico do processo relacional entre emissão e recepção, sendo o receptor, neste
sentido, um co-autor da informação, e não um elemento passivo diante da informação
pronta e acabada.
Dado o fato de termos dois campos de análise, emissão e recepção, foi
preciso traçar dois caminhos diferentes para atingir nossos objetivos. Em relação à
emissão, realizamos um levantamento de dados sobre a produção dos telejornais das
emissoras da Rede Globo (Jornal Nacional), Bandeirantes (Jornal da Band) e Record
(Jornal da Record e Cidade Alerta). A escolha deste material não foi aleatória. Antes de
definir quais seriam os telejornais analisados, realizou-se um questionário de seleção
15
entre os possíveis entrevistados para a análise da recepção. Foram aplicados
quatrocentos questionários, sendo que 100% dos entrevistados afirmaram assistir a pelo
menos dois dos telejornais citados acima. A maioria afirmou assistir ao Jornal Nacional
e ao Cidade Alerta com regularidade, e eventualmente assistir aos demais telejornais
analisados.
Nessa fase da pesquisa procurou-se atingir, como objetivos
específicos, uma avaliação sobre o tipo de abordagem e o conteúdo explorado por todos
os telejornais, destacando e classificando os temas que direta ou indiretamente
contribuíram para uma reflexão sobre Direito e Cidadania. Visou-se, também, a
verificar quais as especificidades de cada telejornal, seja pela apresentação do
tema/notícia, seja pela escolha do que deve ou não ser notícia. Para atingir esses
objetivos, recorreu-se a uma metodologia própria da comunicação, ou seja, a Análise de
Conteúdo. Esta metodologia é definida como um conjunto de técnicas apropriadas para
o estudo dos meios de comunicação de massa que tem como proposta ultrapassar a
incerteza do que se julga ver na mensagem e proporciona o enriquecimento da leitura,
pois favorece a descoberta de conteúdos e de estruturas que confirmam ou informam o
que se procura demonstrar a propósito das mensagens. Enquanto um método empírico, a
análise de conteúdo consiste em classificar os diferentes elementos que compõem a
mensagem em arquivos ou categorias, facilitando a interpretação posterior dos dados.
Esta metodologia utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição das
mensagens, os quais são compatibilizados em arquivos e resultam em dados
quantitativos sobre o objeto de estudo aqui proposto.
Em uma rápida descrição desta metodologia, seguimos alguns passos
antes de iniciar o trabalho de pesquisa, que compreende três processos distintos para a
codificação do material. O primeiro refere-se ao recorte, ou seja, à escolha das unidades
de registro (tema). Em nosso caso, embora todos os temas estejam correlacionados, foi
necessário realizar uma subdivisão, alinhando tema/notícia conforme as especificidades
tratadas, o que levou à criação de três grandes blocos de temas: 1º tema - Administração
Pública; 2º tema – Legislação; e 3º tema – Cidadania. Cada um destes tem subtemas
correlacionados, o que contribuiu para extrairmos um número maior de informação
sobre os aspectos que envolvem legitimidade, legalidade e informação sobre direitos e
espaços de participação social e política. Esse primeiro procedimento, a unidade de
16
registro, deve ser entendido como aquilo que se conta ou, também, como unidade de
significação. A unidade de registro se insere na unidade de contexto mais amplo, em
que é possível verificar a presença de vários temas semelhantes. Após a definição dos
temas, buscou-se a construção dos indicadores, ou categorias, para a análise dos
mesmos, a qual resultou em um trabalho de investigação sobre enquadramento,
linguagem, retórica, tipo de imagem e orador. Cada um dos indicadores teve um papel
primordial na interpretação dos telejornais. Os enquadramentos possibilitaram a
reflexão sobre o tipo de seleção e saliência; a linguagem nos revelou qual o propósito da
comunicação; e a retórica, o tipo de persuasão envolvida na comunicação. A imagem ao
vivo, em arquivo, ou mesmo a falta da mesma, aponta para a necessidade de uma
investigação do campo visual como um reforço na construção da mensagem oral, além
de sintetizar a noção do mito da verdade. E o orador, é o que compõe a estrutura da
notícia, seja por apresentar os fatos, seja por propiciar que os sujeitos envolvidos na
matéria revelem suas verdades e interesses.
O terceiro procedimento da análise de conteúdo consiste na
enumeração, ou no modo de contagem. Trabalhou-se, nesta pesquisa, com a freqüência
(utilizada para verificar a importância do aumento ou diminuição da unidade de
registro) e o tempo de exposição de cada tema/notícia. Todos os indicadores foram
mensurados, o que possibilitou a construção de gráficos, tornando os dados mais fáceis
de serem visualizados e interpretados. Vale mencionar que foram dez meses de leitura
sistemática dos telejornais realizadas em seis dias da semana. A seleção deste material
resultou na edificação de 32 fitas cassetes e na extração de mais de 1.200 temas
utilizados na análise. Esse material, condensado, não apenas contribuiu para a reflexão
sobre os telejornais, como foi utilizado como instrumento fundamental no processo de
análise da recepção da informação.
Acerca da construção da recepção da informação, alguns pontos
devem ser esclarecidos. O primeiro passo para trabalhar com a recepção da informação
foi selecionar o público a ser entrevistado. Tinha-se com ponto de partida que as
grandes mudanças no cenário jurídico visou a incluir o cidadão comum, possibilitando-
lhe maior acesso à Justiça, seja pela garantia de direitos sociais ou mesmo por
pressionar a Justiça com os novos mecanismos processuais. Dada a mudança
constitucional, procurou-se como meta conhecer o cidadão comum e sua interpretação
17
do sistema judicial. A definição de cidadão comum foi estabelecida pela classe social,
fator este que definiu uma característica comum entre todos os participantes: pessoas de
baixa renda (máximo de R$435,00 e pontuação inferior a 16) e pouca escolaridade. Para
a seleção dos mesmos, utilizou-se o Critério Brasil de classificação social. Outro
aspecto importante deve-se à opção em trabalhar apenas com indivíduos das classes “C”
e “D”. A exclusão da classe “E” resulta da dificuldade verbal que esses indivíduos têm
em participar de um grupo de discussão, visto que não conseguem oferecer dados e
reflexões substantivas acerca da informação televisionada. A melhor forma de trabalhar
com a classe “E” é por meio de desenhos e representações simbólicas. Essa informação
nos foi passada por meio da agência de pesquisa Retrato, que nos forneceu assessoria
durante a etapa inicial desta pesquisa.
Após a definição do perfil dos entrevistados iniciamos a etapa de
recrutamento. Distribuímos aleatoriamente 400 questionários de seleção entre pessoas
próximas e desconhecidas que cumpriram a função de multiplicadores. Este método
procurou abranger um espectro variado de pessoas dentro das mesmas classes sociais,
com atividades profissionais, experiências pessoais e relações familiares distintas. A
diferenciação cultural entre os participantes foi necessária para avaliarmos que a
situação da recepção não ocorre da mesma forma para todos. O espaço cognitivo, o
sexo, a função profissional, o grau de associativismo e o tempo dedicado aos telejornais
revelam sensíveis diferenças na percepção do universo jurídico e na elaboração de um
saber cívico. Além da classe social, o principal critério de inclusão foi o consumo
regular de televisão, mais especificamente, de telejornal de canal aberto. Só foram
selecionadas as pessoas que afirmaram assistir diariamente telejornais, com preferência
aos que assistem a mais de um telejornal.
Em relação à recepção da informação, utilizou-se uma metodologia
qualitativa, denominada de Grupos Focais. Esta técnica visa a uma discussão informal e
de tamanho reduzido, com o propósito de obter informações de caráter qualitativo em
profundidade. Ao optar por esta metodologia, foi considerado o fato de ser uma técnica
rápida e de baixo custo para a avaliação e obtenção dos dados necessários, mas que
fornece uma grande riqueza de informações qualitativas sobre os temas analisados neste
trabalho. Com a mesma foi possível desvendar as percepções dos participantes sobre
todos os tópicos de discussão, compreendendo as dificuldades de interpretação, os
18
limites de alcance, as explicações do mundo e do cotidiano em que o Direito es
inserido. Para obter um resultado mais rico, do ponto de visto analítico, trabalhou-se
com dois tipos de grupos focais, ambos com oito participantes. A intenção foi analisar
os grupos de forma distinta: o primeiro assistia de três a quatro mensagens
televisionadas e iniciavam, a seguir, a discussão; no caso do segundo grupo, as
discussões eram orientadas em torno dos mesmos tópicos, porém sem estimulá-los com
imagens televisionadas. Com este procedimento, visou-se a compreender a memória
seletiva dos participantes e seu grau de interpretação das informações. Vale dizer que os
depoimentos subjetivos e as horas de observação foram de grande valia para a
interpretação dos valores e atitudes dos participantes, telespectadores de mídia
televisiva, sobre a democratização do acesso à Justiça e o novo contexto em que a
Justiça e seus agentes estão inseridos.
Os grupos foram dirigidos por duas pessoas, uma com a tarefa de
conversar com os participantes, atuando como moderadora, e a outra com a função de
anotar as observações sobre as reações dos grupos. Os grupos não duravam mais que
duas horas e não tinham mais que três tópicos de discussão por encontro, o que
contribuiu para uma maior profundidade nas discussões.
Não obstante a importância dos grupos focais, há que se salientar que
os mesmos não são úteis para inferências precisas a respeito de toda a população. No
entanto, corroborando Mills (1968), entendemos que os pequenos grupos são como
micro-sistemas do sistema social, com as mesmas características societárias, o que, em
essência, nos possibilita tirar conclusões mais abrangentes e construir modelos
analíticos. Tratar de grandes questões como legitimidade, eficácia da lei e violência
urbana por meio de grupos focais é usar o pequeno universo como referência para se
pensar as grandes questões jurídicas. Para não perdermos o que Geertz (1989, p. 40)
denomina de “superfícies duras da vida”, na qual se inserem os aspectos das relações
políticas e econômicas, trabalhou-se com a via empírica, permitindo que os debates
fossem resultado do discurso racional, coerente e, simultaneamente, carregado de
emoção.
As duas metodologias empregadas neste trabalho foram aplicadas
simultaneamente. Os telejornais, logo após a codificação e seleção prévia do que seria
19
apresentado aos entrevistados, eram utilizados durante os grupos focais, o que ocorreu
durante oito meses consecutivos.
As conclusões foram condensadas em quatro capítulos. O primeiro
capítulo, denominado por nós de capítulo introdutório, não revela os dados obtidos pela
pesquisa empírica, porém é fundamental na medida em que aponta para as questões
teóricas implicadas nesta tese. Intitulado de Direito, Mídia e Recepção da Informação,
este capítulo foi dividido em tópicos de reflexão. O primeiro procura analisar o
fenômeno jurídico, do debate acerca das mudanças estruturais e processuais até os
obstáculos ainda enfrentados pelo cidadão comum para ter acesso à Justiça. Diversas
leis e artigos são mencionados durante esta e outras fases da tese, e devidamente
descritas em anexo. Num segundo momento, apontou-se o papel do sistema de
produção midiático frente à representação do fenômeno jurídico, momento em que
foram analisadas as categorias de observação, como enquadramento, linguagem e
retórica. Em seguida, descrevemos sucintamente as principais teorias da recepção, de
seus primeiros argumentos até uma visão interdisciplinar, em que o receptor é um co-
autor no processo de comunicação. Finalizou-se este capítulo com uma reflexão sobre o
papel da comunicação de massa enquanto esfera do discurso e da sociabilidade fática e
enquanto sistema fechado, e o processo de formação da cultura cívica.
A partir do segundo capítulo, passamos a descrever os aspectos
empíricos da tese, revelando as primeiras conclusões acerca de todo o material
analisado, tanto relativo à emissão como à recepção. Para o entendimento da estrutura
dos três capítulos restantes é preciso fazer algumas considerações. Em primeiro lugar,
devemos salientar que os capítulos 2°, 3° e 4° estão interligados; em todos encontramos
abordagens feitas pelos telejornais sobre Direito e Justiça, sendo que cada capítulo
sintetiza apenas uma parte do todo que revela um tipo particular de construção do estado
de direito e do sistema de Justiça. No capítulo 2º, a visão do estado de direito é
pessimista e desalentadora, as notícias são construídas em torno dos seus aspectos
negativos, seja pela ênfase na crise da legitimidade, ou pela fragilidade do sistema legal,
considerado ineficiente. Intitulamos esse momento de “A representação do Estado de
Natureza”, isto porque, valendo-nos da teoria contratualista do século XVII, foi possível
definir, de forma metafórica, como o trinômio que sintetiza sua estrutura é útil para
definir percepções do cidadão comum. Nesse ponto, procurou-se salientar os
20
argumentos de que a sociedade simbolicamente vive em um estado de guerra, ou seja,
com múltiplas ameaças que coíbem a vida e a segurança do cidadão brasileiro. Grande
parte do material codificado corresponde a esta interpretação particular sobre estado de
direito e Justiça. Dentre os tópicos deste capítulo, destacamos três: I - o estado de direito
e a legitimidade ameaçada; II - a crise da legalidade; e III - segurança pública.
A partir dos dados analisados no capítulo 2º, revelados de forma
dramática, os telejornais apresentam, com menor ênfase, os elementos que compõem os
dispositivos do ordenamento social. Para discutir estes dispositivos, iniciamos o
capítulo 3º com uma avaliação do papel da violência, seja a macro-criminalidade ou a
micro-criminalidade, resgatando elementos culturais que justificam as abordagens feitas
pela mídia e a formação da cultura do medo. Após a descrição deste processo,
introduzimos uma reflexão sobre as formas de controle e disciplina e, por conseqüência,
a lógica do contradireito, até chegarmos nas funções desempenhadas pelas instituições
do sistema de Justiça. Intitulamos este capítulo de “Em busca do Contrato Social:
elementos culturais e televisivos de uma nova ordem social”, em que trabalhamos três
tópicos: I - Violência e Ordem Social no século XIX: aspecto da cultura do medo; II - A
contenção da violência: a lógica do vigiar e punir; e III - As bases para a construção do
Contrato Social na mídia televisiva.
Finalmente, o capítulo 4º expressou a essência de nossos esforços, ou
seja, encontrar o lugar que a cidadania ocupa nos telejornais. Intitulamos o último
capítulo de “O Espírito das Leis Paira no Ar: a pedagogia cívica no sistema de produção
e seu efeito na recepção da informação”. O primeiro passo para iniciar este capítulo foi
definir historicamente a trajetória da ampliação dos direitos e seu impacto na construção
da cidadania, até chegarmos no tipo de representação elaborada pelos telejornais sobre
os avanços e retrocessos em direção à cultura cívica. Nessa fase, visualizamos as
percepções do cidadão comum, o quanto toda a estrutura dos telejornais contribui para
uma visão singular do estado de direito e sua correlação entre direitos e cotidiano,
Direito e Justiça, e informação e cidadania.
Por tudo que foi apresentado, cabe a nós uma investigação sobre o
sistema de produção (como fonte de informação) e seu processamento pela recepção
(dada a capacidade do receptor da informação de produzir conhecimento e realizar o
21
exercício cívico), igualmente avaliado em cada uma das suas peculiaridades, o que
contribuirá para encontrarmos respostas sobre a relação entre comunicação e
cidadania plena. A melhor forma para entendermos esta relação foi por meio da
compactação da informação referente ao tema central dessa pesquisa em segmentos,
o que denominamos de Estado de Natureza, Contrato Social e Sociedade Civil. A
metáfora contratualista ganhará sentido ao longo da leitura dos próximos capítulos,
pela dimensão teórica e prática que ela representa para o exercício cívico.
22
Direito, Mídia e Recepção da Informação
“O Poder institucional da comunicação se consolidou
com o objetivo de apresentar-se como o articulador de espaço
substituinte à sociedade civil. Formado pelas grandes empresas
que monopolizam os canais de informação por meio da mídia
audiovisual e escrita, o poder institucional da comunicação
incorporou o debate, as pesquisas de opinião e as denúncias da
violação de direitos como ingredientes dos produtos culturais
oferecidos aos seus telespectadores, ouvintes, leitores e
internautas”.
(Meksenas, 2002, p. 181)
Em decorrência da expansão do Direito na política e nas relações
privadas, os estudos sobre o fenômeno jurídico têm se revelado instigantes e de grande
importância para examinarmos os caminhos pelos quais a democracia tem caminhado.
Muitos são os trabalhos que se empenham em explicar esse crescimento, ora apontando
seus aspectos negativos, ora os aspectos positivos. Em todos, igualmente, encontramos a
busca pela compreensão das possíveis conseqüências para a cidadania de uma nova
percepção de justiça e direitos.
Da edição de leis, passando por novos mecanismos processuais e
institucionais de acesso à Justiça, até à contemplação de atores que se destacam na
defesa de interesse difusos e coletivos, todos confirmam um momento bastante peculiar
do Direito sob os pontos de vista jurídico e sociológico, em que é possível perceber uma
ampliação do mesmo em todas as esferas da vida social. O reconhecimento desse
processo é um primeiro passo para interpretarmos o novo papel histórico das relações
políticas e sociais mediadas pelo Direito e suas instituições e, também, para
compreendermos o impacto para a consolidação de uma sociedade mais justa e
igualitária do ponto de vista normativo.
A constatação desse fenômeno, porém, não é suficiente para
entendermos todas as implicações do mesmo na prática cotidiana. Isso porque a visão
jurídica da expansão do Direito nem sempre contribui para avaliarmos o momento no
qual se encontra a sociedade, e como tem ocorrido a mudança de atitude e
comportamento diante dos novos direitos e mecanismos processuais, favorecendo ou
não o exercício cívico. Por certo que essa observação não desmerece e nem diminui a
importância da literatura sobre o crescimento do Direito (Vianna, 1999); apenas salienta
23
que para sua efetiva compreensão é preciso adentrar outras áreas do conhecimento
social, que instigam o olhar sobre este fenômeno a partir da percepção do próprio
cidadão, que teoricamente foi beneficiado com a nova estrutura da Justiça.
Um dos caminhos plausíveis para o entendimento da percepção sobre
a maior dimensão do Direito na vida social é por meio do processo de construção da
informação. Em uma democracia mediada pelos meios de comunicação de massa
(Manin, 1997), grande parte do que se conhece sobre o Direito é resultado, por um lado,
da experiência e, por outro, da compreensão e interação com o processo de construção
da mensagem elaborada pela mídia. É para esse último aspecto que nos voltamos, ou
seja, para além do próprio fenômeno jurídico, buscamos analisar a relação do Direito
com a sociedade mediada pelos meios de comunicação de massa.
Para explicarmos a relação entre comunicação, Direito e a construção
de uma pedagogia cívica do cidadão comum, trataremos, inicialmente, das principais
mudanças no Direito que têm por princípio contribuir para a ação fiscalizadora da
sociedade, os institutos que garantem a participação e a ampliação do acesso à Justiça e,
só então, refletir sobre o papel da mídia, especialmente a televisiva. Num segundo
momento, avaliaremos a construção do sistema de produção, destacando os elementos
que definem a forma e o conteúdo das mensagens apresentadas pelas emissoras de canal
aberto, assim como os limites e potencialidades das teorias da recepção. A partir desses
dados, refletiremos sobre o processo relacional entre Direito, linguagem, sistemas e
ação comunicativa. Para finalizar esse primeiro momento da tese, optamos por uma
reflexão sobre cultura cívica, visto que, em nosso entender, todas as mudanças no
Direito e na Justiça não teriam razão de ser senão para contribuir na reafirmação da
cidadania no país.
24
1.1- O Direito: mudanças e obstáculos
“Diante da lei está um porteiro. Um homem do campo
dirige-se a este porteiro e pede para entrar na lei. Mas o
porteiro diz que agora não pode permitir-lhe a entrada. O
homem do campo reflete e depois pergunta se então pode entrar
mais tarde. É possível, diz o porteiro, mas agora não. Uma vez
que a porta da lei continua como sempre aberta, e o porteiro se
põe de lado, o homem se inclina para olhar o interior através da
porta. Quando nota isso, o porteiro ri e diz: Se o atrai tanto,
tente entrar apesar da minha proibição. Mas veja bem: eu sou
poderoso. E sou apenas o último dos porteiros. De sala para
sala, porém, existem porteiros cada um mais
poderoso do que o
outro. Nem mesmo eu posso suportar a visão do terceiro. O
homem do campo não esperava tais dificuldades: a lei deve ser
acessível a todos e a qualquer hora, pensa ele...”.
(Kafka, 1988)
O debate acerca do Poder Judiciário e acesso à Justiça, a luta por
igualdade jurídica e conquista de direitos individuais e socialmente justos e eficientes,
têm resultado em significativas alterações nos sistemas jurídicos. Diversas leis foram
editadas com esse objetivo, ampliando, substantivamente, os direitos de participação e
decisão.
Desde o advento da lei 7.347, de 24 de julho de 1985, que instituiu a
Ação Civil Pública, houve grande transformação quanto à possibilidade de serem
tutelados interesses os quais até então eram contemplados na legislação civil e
processual civil, principalmente no tocante à reparação de danos causados a interesses
não individualizados, e que passaram a ser denominados de coletivos e difusos. Antes
da edição dessa lei, muitos conflitos padeciam de um instrumento adequado para que se
postulasse sua solução em juízo, tais como os conflitos envolvendo o meio ambiente, o
direito do consumidor e as demandas sobre a defesa do patrimônio artístico, histórico e
cultural, entre outros.
Com o mesmo propósito, coube ao poder constituinte, três anos mais
tarde, abrir caminho para a democratização da Justiça, sobretudo no que diz respeito aos
meios e recursos oferecidos aos litigantes em processos judicial ou administrativo. A
expansão dos direitos em defesa da cidadania também passou por uma apreciável
mudança, fundamentalmente ao caracterizar o Estado brasileiro como Estado
democrático de direito, tendo como objetivos centrais a construção de uma sociedade
25
livre, justa e solidária, que trabalhe pela erradicação da pobreza e da marginalização,
reduzindo as desigualdades sociais, além de promover maior acesso à Justiça.
Por meio de princípios normativos, o constitucionalismo brasileiro foi
definido, por parte da literatura sobre o tema, como “Constitucionalismo Comunitário”
1
,
visto que, além de adotar um sistema de direitos, criou mecanismos processuais para
possibilitar a eficácia real das novas leis, o que em tese garantiu a cidadania plena para
as classes menos abastadas. A dimensão comunitária da nova Carta Magna é revelada,
sobretudo, pela ampliação dos direitos sociais e da garantia de participação no processo
decisório, por meio de instrumentos processuais. Sobre este último aspecto, todo
cidadão, através da Ação Popular, pode fiscalizar os atos positivos e negativos
praticados pela administração pública, quer no âmbito do Poder Executivo, do
Legislativo ou do Judiciário. Essa participação política do cidadão visa à proteção do
patrimônio público, tal como os bens e direitos de valor econômico artístico, histórico
ou turístico. O cidadão poderá exercer essa participação independentemente de
pagamentos de custas judiciais e de honorários advocatícios. Esta função fiscalizadora é
feita pelo instrumento constitucional expresso no artigo 5º, inciso LXXIII: “qualquer
cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao
patrimônio público ou entidade de que o Estado participe, a moralidade administrativa,
ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando a autor, salvo
comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência”.
A referência do texto constitucional ao poder do cidadão para
fiscalizar a administração pública, sobretudo em relação à moralidade administrativa é,
por certo, a maior garantia do exercício da soberania popular. A Ação Popular se dá de
duas maneiras: a preventiva, quando a propositura da ação é anterior à consumação dos
efeitos lesivos; e a repressiva, que ocorre quando o ajuizamento da Ação Popular busca
o ressarcimento do dano causado. Mesmo que a ação seja declarada improcedente por
deficiência probatória, ou seja, por falta de provas que comprovem a ilegalidade ou
imoralidade administrativas, nada impedirá o ajuizamento de nova Ação Popular com o
1
A expressão “Constitucionalismo Comunitário” dá título ao primeiro capítulo do livro de Gisele
Cittadino (1999, p.43). O termo expressa a principal característica da Constituição brasileira, ou seja, de
definir que os direitos fundamentais não possam mais ser pensados do ponto de vista do indivíduo, mas,
sim, da comunidade, além de defender a criação de um “amplo sistema de direitos fundamentais,
acompanhado dos institutos processuais que visam controlar a omissão do poder público”.
26
mesmo objeto e causa de pedir, possibilitando nova apuração dos fatos argüidos pelo
autor, pois prevalece a busca da verdade real.
A Ação Popular reflete, desta forma, uma das mudanças significativas
no instituto processual civil, que, mesmo sem deixar um formalismo que lhe é
característico, artifício com o qual se confere certeza às relações, vem caminhando
também para instaurar novas fórmulas para chegar ao mesmo resultado com menor
tempo, fazendo uso da informatização, virtualidade e de procedimentos itinerantes
2
.
Toda a modernização e melhor adequação da administração da Justiça à realidade do
país tem propiciado, legalmente, a proteção social contra a injustiça e contribuído, ao
promover instrumentos, para amparar os sujeitos de direitos.
Dessa forma, o papel da Constituição Federal foi singular, sobretudo
ao garantir uma base normativa para a democratização do acesso à Justiça, na qual
determinou que a União, no Distrito Federal e nos territórios, e os estados criassem
Juizados Especiais, presididos por juízes togados competentes para a conciliação, o
julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de
menor potencial ofensivo, mediante o procedimento oral, permitindo, nas hipóteses
previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro
grau. Os critérios utilizados nos Juizados vão ao encontro da democratização do acesso
à Justiça, visto que predomina a oralidade, simplicidade, informalidade e economia
processual, buscando sempre que possível a conciliação. No que concerne ao espectro
das pequenas causas, os Juizados são instituições menos formais e mais rápidas, e por
esta razão vêm legitimando as novas formas de acesso à Justiça.
De um ponto de vista favorável, podemos dizer que a nova estrutura
judicial reflete o encontro da sociedade com os órgãos legiferantes, que além de
elaborarem leis mais adequadas, criaram mecanismos de proteção da Constituição, em
que podemos destacar um novo ator para o controle abstrato da mesma, o Ministério
Público. No entanto, da vigência ao fato, ou seja, do dever ser ao ser, existe um fosso
que só pode ser compreendido na medida em que observamos a realidade social em que
2
Embora durante o trabalho de pesquisa realizado por nós a reforma do Poder Judiciário ainda estivesse
em fase de discussão, diversos aspectos relacionados à estrutura e funcionamento da Justiça estavam
sofrendo grandes alterações. Procedimentos menos burocratizantes foram implantados em alguns estados
da federação com relativo sucesso.
27
o cidadão está mergulhado, verificando a aplicabilidade da lei e sua eficácia, bem como
o uso que é feito dos novos mecanismos processuais.
Se as variáveis consideradas anteriormente sobre o nosso sistema
jurídico são verdadeiras, é igualmente certo afirmar que para que o “homem do campo”,
ou cidadão comum, tenha, de fato, acesso à Justiça, é preciso mais do que direitos, é
preciso que ele conheça as formas de utilizar o processo como meio para entrar na
“porta da lei”. Sem informação e comunicação, os direitos e instrumentos processuais
podem não ser suficientes para a participação democrática e intervenção popular na
trama do tecido social. Isso prova que para haver igualdade efetiva em relação à Justiça
é preciso haver igualdade de armas para enfrentar a máquina do Poder Judiciário, que
inclua a capacidade de reconhecer direitos e procedimentos. Isso nos leva a pensar que o
“homem do campo”, enquanto uma metáfora da própria sociedade, tem direitos mais
não os conhece; tem mecanismos processuais, mas não os utiliza. E, como
conseqüência, não compreende a estrutura judicial única a garantir seu acesso à Justiça,
dado o fato de que cada “porta da lei” está destinada apenas ao próprio “homem do
campo”.
É nesse ponto que Cappelletti e Garth (1993) nos chamam a atenção
para os obstáculos do acesso efetivo à Justiça. Além das custas judiciais de resolução
formal de litígios, que parcialmente são resolvidos com a Defensoria e os Juizados
Especiais
3
, e do tempo em que uma decisão é exeqüível, a possibilidade real das partes
de moverem ações é também um obstáculo para o acesso à Justiça e atuação
fiscalizadora da sociedade, visto que reflete a dificuldade do reconhecimento dos
direitos e instrumentos processuais adequados. Esse obstáculo revela a desigualdade
social decorrente do contexto social, como renda, grau de instrução, acesso à
informação e o processo que envolve a comunicação direta ou resultado da mediação
feita pelos meios de comunicação de massa.
A falta de informação, ou dificuldade em estabelecer um elo de
comunicação, tem contribuído, em grande parte, para o distanciamento da sociedade
3
Quando apontamos que o problema das custas judiciais não é totalmente resolvido com as Defensorias e
os Juizados, queremos chamar a atenção para o fato de que vários estados da federação não têm
Defensoria Pública. O mesmo ocorre com os Juizados Especiais, criando uma demanda maior do que a
oferta para as outras formas de serviços gratuitos.
28
com o Direito, impedido que as mudanças estruturais da Justiça sejam utilizadas,
especialmente, pelo cidadão comum. Um exemplo do quanto a comunicação, ou a falta
da mesma, podem ser comprometedoras quando não ocorrem de maneira satisfatória se
refere à Ação Civil Pública. Para sua efetivação é preciso que o litigante conheça os
meios e formas para pressionar o Poder Público. A saber, para propor essa ação é
preciso haver um mínimo de organização por parte da sociedade para que os interesses
ganhem a coesão e identidade necessárias, isto porque é fundamental a afetação desses
interesses a grupos determinados, que serão os seus portadores. Dessa forma, é
necessário um vínculo jurídico que seja comum a todos os participantes e, também, uma
situação jurídica diferenciada (Mancuso, 1994, p. 57). Sem este conhecimento, é
improvável que a sociedade possa salvaguardar seus direitos difusos e coletivos por
meio da Ação Civil Pública, exceto quando o Ministério Público se antecipa e atua
como agente em potencial.
Além da falta de informação sobre direitos e mecanismos processuais,
os valores e as atitudes positivas em relação à Justiça também são fundamentais para
avaliarmos a participação ativa do cidadão comum. Cappelletti e Garth (1993)
classificam esse ponto como disposição psicológica, ou seja, uma variável que deve ser
considerada na avaliação sobre a diferença do uso que se faz da máquina judicial. Nesse
momento, consideramos que a atitude em relação à Justiça é resultado de fatores de
contexto social e dos aspectos subjetivos, que, ao mesmo tempo em que influenciam o
ambiente informacional (relações interpessoais, igreja, família, trabalho, partidos,
governo, mídia etc.), na qual estão inseridos, são, igualmente, influenciados por ele
(Aldé, 2001, p. 27).
No contexto em que algumas “portas
4
” estão sendo abertas, mas os
obstáculos objetivos e subjetivos ainda expressam um entrave para a atuação
fiscalizadora da sociedade e a utilização do novo e democrático acesso à Justiça, nos
indagamos como o cidadão comum interage com as mudanças, o quanto conhece e
confia na nova estrutura da Justiça e se reconhece o papel de agente histórico que a
Constituição de 1988 lhe conferiu. Além disso, que valores e atitudes estão expressos
4
O significado de Portas no texto, feito em analogia à obra de Kafka, diz respeito à estrutura complexa do
Poder Judiciário, bem como o entendimento do funcionamento do sistema de Justiça.
29
em relação à Justiça, que são ou não capazes de levar o cidadão comum ao exercício
cívico
5
.
Assim sendo, é preciso iniciar um debate sobre o principal agente
informacional do cidadão comum e avaliar seu espectro de ação dentro do contexto
social em que o mesmo está inserido. A partir deste dado, teremos elementos para
vislumbrar a atuação do sistema de produção e a natureza dos valores e atitudes frente à
Justiça como categorias fundamentais para regular ou modificar o comportamento. O
primeiro passo é discutirmos como e de que forma as representações televisivas são
construídas sobre estado de direito, Poder Judiciário e sistema de Justiça, levando em
consideração as categorias cognitivas presentes.
1.2- Sistema de Produção e a Representação do Fenômeno Jurídico.
Ao procurar responder às questões apontadas anteriormente,
deparamos com um contexto em que “o cidadão da democracia contemporânea
caracteriza-se por uma esfera pública cada vez mais dependente dos meios de
comunicação de massa para a exposição de eventos, idéias, programas e líderes políticos
(Aldé, 2001)”. No que concerne à Justiça, esse efeito não é diferente. Diariamente, a
mídia expõe os cidadãos leitores, ouvintes e telespectadores a uma grande quantidade de
informação sobre o direito e a justiça, divulgada entre tantos outros assuntos. O espaço
destinado à discussão desse tema envolve distintos contextos da ação do Poder
Judiciário e do sistema de Justiça, que passam pela ação cível e criminal do Ministério
Público até a formação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar a
5
Nesta pesquisa discutiremos como os valores e atitudes sobre o tema em questão são apresentados a
partir da exposição do cidadão comum à mídia televisiva. Um breve exame dos dois termos, valores e
atitudes, bastarão para compreender que, embora os dois estejam relacionados, não são sinônimos. Os
valores são menos específicos que as atitudes. Ter uma atitude subentende a existência de algum objeto
em relação ao qual a temos. Não é esse o caso dos valores, quer se refiram, por exemplo, a segurança,
paz, honestidade ou liberdade. Uma outra distinção importante entre valores e atitudes, é que o primeiro
serve como padrão de comportamento. Desse ponto de vista, atitudes e comportamentos podem ser
considerados produtos de orientação axiológica. Por exemplo, ao atribuir um alto valor à segurança, tenho
uma atitude positiva em relação à ação coativa do sistema de Justiça. Por outro lado, a atitude e conduta
real podem ser avaliadas e aferidas por meio do padrão estabelecido pelo valor dado por cada pessoa.
Desta forma, é por meio dos valores que criamos os critérios sobre o que é bom ou ruim. E as atitudes
são, de fato, os processos ou sistemas fundamentais por meio dos quais o indivíduo ordena seu meio e o
comportamento na base de valores. Portanto, se os valores são a medida pela qual ordenamos o meio
social e se as atitudes são as manifestações dessa ordem, então é evidente sua vinculação aos pressupostos
básicos da necessidade humana de ordem e certeza. Estas informações estão contidas na obra organizada
por Peter Herriot, Valores, Atitudes e mudança de comportamento.
30
improbidade administrativa do Poder Público, além de expor, com freqüência, a
imagem dos operadores do Direito e as relações processuais como maneira de tornar
transparente suas atuações.
A forma como a mídia, especialmente a televisão, aborda o direito e a
justiça, contribui para a reflexão sobre a formação da pedagogia cívica em decorrência
do papel central que a mesma ocupa no ambiente informacional do cidadão comum.
Nessa lógica, o primeiro aspecto relevante é analisarmos o enquadramento noticioso
fornecido pela mídia, ou seja, os padrões de apresentação, seleção e ênfase utilizada
para organizar relatos jornalísticos (Porto, 2002).
Embora a apresentação dos problemas que envolvem a Justiça seja de
suma importância na avaliação do sistema de produção, pouco se sabe sobre o mesmo.
A visão tradicional não discute o tipo de enquadramento dado pela televisão; o que
comumente ocorre é a busca de argumentos para demonstrar a incompatibilidade entre
os dois sistemas: comunicação e Direito. Isso porque o mundo do Direito é visto como
essencialmente diferente do representado pelos meios de comunicação. Segundo
Garapon (2001, p. 83), “especialmente em termos de televisão, muito já se ouviu falar
sobre sua tendência ao entretenimento no tratamento da informação jornalística e
espetacularização da política”. Em relação ao Direito, o princípio do espetáculo pode
ser ainda mais perverso. Para este mesmo autor, a televisão:
preocupa-se mais com as intrigas do que em buscar a
verdade, mergulhando o telespectador no espetáculo catártico
de uma violência deliberada e legítima, ameaçando mergulhar
todos nós no inferno kafkaniano do processo perpétuo. Além
disso, desqualifica as mediações institucionais, mantendo com
elas uma proximidade perigosa”.
Corroborando Garapon (2001), grande parte da literatura sobre a
relação mídia e Direito expressa uma tensão sobre o tipo de relato feito sobre o
fenômeno jurídico. Os magistrados demonstram que se sentem vitimados pela postura
denunciativa e evasiva da mídia
6
. Quase sempre são posicionamentos contrários às
abordagens feitas pelos meios de comunicação sobre o andamento dos processos
6
Revistas Consulex, dos Tribunais e Literária do Direito, todas especializadas em Direito, divulgam com
freqüência a postura dos operadores do Direito frente à ação da mídia. São artigos produzidos por
desembargadores, juízes, e promotores.
31
judiciais
7
, denúncias de fraudes e corrupções no âmbito do Poder Judiciário, sem que
todas as provas tenham sido apresentadas e o processo concluído. Muitos juristas
afirmam que isso ocorre na medida em que a lógica dos meios de comunicação é oposta
à lógica do Direito, sendo essa última decorrente de um processo racional que visa a
assegurar a previsibilidade e a certeza dos fatos, sem nenhum interesse pelo
sensacionalismo e entretenimento.
Essas afirmações apontam para a constatação de que a representação
da Justiça na mídia é equivocada, e até danosa para o entendimento da recepção sobre o
Direito. O problema central decorre do fato de que as matérias jornalísticas apresentam
conclusões e julgamentos ausentes de um parecer final da própria Justiça, além de trazer
à tona dados revelados de forma fragmentada e, em grande parte, sem um
acompanhamento sistemático do processo, dando ênfase a questões polêmicas,
demasiadamente sensacionalistas. Acreditamos que tais críticas devem ser consideradas
com ressalvas, pois a denúncia feita pela mídia pode contribuir, em alguns casos, para o
trabalho da própria Justiça, mas este não é ponto que buscamos analisar.
Em nosso entendimento, a análise sobre o papel da mídia requer mais
do que a expressão de opiniões contrárias ou a favor da divulgação de denúncias,
fraudes e corrupções, entre outros temas, que denotam apenas a questão da parcialidade
dos meios de comunicação em relação ao Poder Judiciário e ao sistema de Justiça. É
preciso identificar que elementos estão presentes na mensagem televisionada sobre o
Direito, qual o argumento da televisão e como procura persuadir o cidadão comum,
levando-o ou não à mudança de atitude em relação à Justiça. Nesse sentido, é
fundamental procurar responder como ocorre o processo comunicacional entre a
televisão e o cidadão comum sobre as questões que envolvem direta ou indiretamente a
Justiça, o que nos leva à investigação da esfera da produção dos sentidos midiáticos e,
posteriormente, da sua recepção.
Ao assumirmos a postura de que a análise da objetividade e
parcialidade não basta para explicar o fenômeno da produção, nos debruçamos sobre o
7
Em relação ao acompanhamento dos processos judiciais, a mídia televisiva divulgou amplamente sua
perplexidade frente à chamada “Lei da Mordaça”, que proíbe a divulgação de dados sobre os processos
judiciais antes da conclusão do mesmo.
32
impacto dos enquadramentos ao processar uma mensagem (Entman, 1994, p. 294). O
primeiro ponto relevante é resultado da evidência que alguns aspectos da realidade
jurídica assumem em detrimento de outros. Os telejornais, em especial, abordam os
aspectos negativos em relação ao Direito e à Justiça, com ênfase muito maior do que os
avanços ocorridos nas duas últimas décadas, sobretudo no âmbito do Direito
Constitucional, como foram destacados anteriormente. Esse fato tem tornado a relação
mídia e Justiça muito tensa. Não obstante nos últimos anos as críticas e saliências terem
atingido uma maior dimensão, o mal-estar na relação dos dois sistemas não é recente.
Há muito tempo os meios de comunicação tocam na necessidade de tornar o Judiciário
mais transparente, o que é justificado pelas constantes informações sobre desvio de
verbas, corrupção interna, má administração da Justiça e morosidade processual. Esses
dados têm propiciado um crescente debate realizado na mídia sobre a crise do estado de
direito, a ineficiência do Legislativo e a necessidade de uma ampla reestruturação da
Justiça, tema esse que tem gerado grandes controvérsias na magistratura brasileira,
como aponta Vianna (1999).
Nesse debate, o que está em questão é o tipo de enquadramento sobre
o conteúdo abordado, um enquadramento interpretativo, que “promove uma avaliação
particular de temas, incluindo definições de problemas, avaliações sobre causas e
responsabilidades, recomendações de tratamento, etc.” (Porto, 2002). Pela
complexidade da interpretação temática, a manipulação intencional apontada por
Garapon (2001) não é o caminho para explicar a parcialidade das notícias. É preciso que
se busque, na estrutura da produção das mensagens, as pistas para entender algumas
questões relativas ao seu conteúdo.
O enquadramento, no entanto, não é resultado de uma imposição do
sistema de produção; por vezes ele apenas corrobora aquilo que a sociedade já alimenta
como verdade. Um importante aspecto do tipo de enquadramento feito nos telejornais
sobre o Poder Judiciário e o sistema de Justiça diz respeito à forma como o sentimento
de justiça existente no mundo ordinário e no próprio Direito é divulgado pela mídia.
Dependendo do que está em debate, o sentimento de justiça expresso nas mensagens
pode variar do aspecto retributivo, ou seja:
33
“o de dar a cada um segundo mereça em virtude de suas
ações, na qual estão presentes as idéias de reciprocidade e de
diferença social, diferenças entre as contribuições de cada um
para o todo, entre as ações dos componentes da sociedade,
sendo esta a idéia central de Aristóteles, quando afirma que a
injustiça aparece quando os iguais são tratados desigualmente
e, também, quando os desiguais são tratados igualmente; para
o aspecto distributivo, segundo os quais todos os componentes
da sociedade devem ter acesso, indistintamente, a umas tantas
coisas básicas que constituem elementos indispensáveis a seu
bem-estar”. (Rosa, 1996, p. 156)
Do mesmo modo como a mídia evidencia os valores quando busca a
aceitação das mensagens, ela contribui para a transformação dos mesmos, visto que
esses são produtos de categorias cognitivas, dos quais a mídia é um referencial de
destaque. Em relação à imprensa, sabe-se que nas narrativas se organiza uma
estruturação do mundo das experiências sociais e pessoas, fabrica-se o real com
aparências, ou melhor, é a experiência social se inscrevendo na língua e na história. Nas
narrativas jornalísticas a construção textual produz efeitos de real: de um lado está o
narrador em contar o que sabe; de outro, o leitor, com a função de transmitir o que leu.
Neste processo já se encontram duas interpretações do real.(Pêcheux, 1988). Para atingir
uma determinada audiência, a televisão, assim como a imprensa, tende a promover uma
definição particular do problema tratado, tende a narrar os fatos visando a atingir
determinado público, que irá interagir no processo interpretando segundo suas
categorias do mundo real.
A análise sobre o tipo de estrutura da produção de notícias vem sendo
pesquisada desde a década de 70, sobretudo por autores ingleses e norte-americanos.
Halloran, Elliott e Murdock (1970) analisaram vários jornais e dois canais de televisão
sobre a cobertura de uma manifestação londrina contra a guerra do Vietnã. A conclusão
dessa pesquisa acabou por vislumbrar que boa parte do material analisado abordou o
tema sob o foco da anarquia, desordem e violência, sem adentrar nas especificidades e
objetivos da manifestação. Nos Estados Unidos, Darnton (1990) analisou as questões
referentes à estrutura da redação dos jornais e a relação entre jornalistas como um
aspecto crucial para o entendimento do processo de produção e recepção das notícias. O
que estava em questão era uma investigação sobre os procedimentos e concepções dos
jornalistas acerca dos fatos jornalísticos, na qual não são neutros, pois atuam como
instrumentos de legitimação social de determinados setores da sociedade em detrimento
de outros.
34
Um outro referencial teórico significativo sobre a análise da produção
da notícia foi construído por Hall (1979) e Gitlin (1980). Para Albuquerque (1998,
p.132):
Do ponto de vista de Hall, a questão que se coloca é a
investigação de como os media operacionalizam a hegemonia,
isto é, de que modo eles atuam no sentido de transformar em
‘senso comum’ valores e saberes comprometidos com as
ideologias dominantes”.
Para averiguar esta questão, Hall analisa não apenas o processo de
produção, como também a recepção do público consumidor, por meio de uma
metodologia de codificação e decodificação da informação.
Gitlin (1980) tratou do mesmo tema, conciliando os modelos de
análise da hegemonia com a construção social da realidade. Toda a formulação teórica
teve como referencial a concepção de enquadramento, mencionada anteriormente, visto
ser este o instrumental adequado para o entendimento da forma como os jornalistas
processam a informação. O tipo de seleção e a ênfase dada a cada mensagem revelam
um importante aspecto da produção refletido na recepção da informação.
A concepção de enquadramento, segundo Porto (2002), revela não
apenas uma nova tendência sobre o estudo da produção, mas também uma
“dinamização nas perspectivas teóricas já existentes”. Um exemplo deste processo
ocorreu com a teoria agenda setting. Inicialmente, Shaw (1979) afirmou que o modo de
hierarquizar os acontecimentos, ou os temas públicos importantes, por parte de um
sujeito, assemelha-se à avaliação desses problemas feita pela própria mídia. As pessoas
agendam seus assuntos, suas conversas, em função do que a mídia veicula; caso isso
não ocorra, é possível que tais temas sejam sempre de total desconhecimento do
receptor, salvo quando estão presentes no cotidiano das mesmas. A principal crítica a
esta teoria é resultado da ênfase dada à seleção da notícia e à exclusão elementos
importantes que estão inseridos no conteúdo das notícias. Em decorrência de suas
limitações, a teoria agenda setting tem englobado o conceito de enquadramento e
reavaliado seus postulados, o que tem garantido a sobrevivência da mesma.
Para nós, o enquadramento noticioso fornece um primeiro elemento de
análise: a seleção. Da agenda fornecida pelos telejornais podemos destacar cinco
35
grandes temas sobre direito e justiça, temas esses que se subdividem em uma rede
extensa de subtemas correlacionados aos temas centrais, a saber: 1 - Estado de direito:
legitimidade e legalidade; 2 - Atuação e imagem dos poderes legislativo e judiciário; 3 -
Atuação do sistema de Justiça: polícias, advocacias, procons, Ministério Público,
Comissões Parlamentares de Inquérito entre outros; 4 - Direitos e instrumentos
processuais; e 5 - Visibilidade da cidadania brasileira. Nem todos os telejornais
abordam os cinco grandes temas, alguns apenas tocam parcial ou perifericamente nos
mesmos, o que demonstra formas distintas de selecionar os temas que serão
apresentados.
Apesar da seleção e saliência apontar para um aspecto da relação
mídia e Direito, devemos mencionar que é em relação ao conteúdo que as distinções são
mais acentuadas. As abordagens diferem na forma e no conteúdo, seja em relação aos
elementos performáticos, seja em relação à construção e interpretação da mensagem. De
modo geral, a estrutura da notícia televisionada é definida como o relato de uma série de
fatos a partir do fato mais relevante. Cada telejornal expõe o fato de maneira peculiar.
Ao contrário do que possam parecer, os eventos não são ordenados por sua seqüência
temporal, mas pelo interesse ou importância decrescente, da perspectiva de quem conta
e, sobretudo, da suposta perspectiva de quem vê e ouve. O lead, a proposição principal
da notícia, aparece na voz do apresentador que, exceto no caso do telejornal Cidade
Alerta, é fruto de um texto escrito previamente. A improvisação não é utilizada com
freqüência. A cobertura da notícia gravada, ou transmitida ao vivo, pode passar dados
emocionais ou empáticos através da entonação da voz, do ritmo da fala, do ambiente
sonoro e, sobretudo, da imagem. Ao noticiário primitivamente lido de olhos fixos na
câmara, vieram acrescentar-se imagens em movimento, gravadas em teipe e editadas à
maneira cinematográfica. A herança do cinema nos telejornais é determinada nas
seqüências dispostas a contar o fato do começo para o fim, embora começo e fim
tenham sentidos diferentes para cada veículo e canal de comunicação, dependendo do
enquadramento noticioso. A narração em off (sem que o narrador apareça) tem a única
função de identificar e caracterizar ambientes, personagens; pode nem existir,
substituída pelo som local e por breves legendas sobrepostas. Por essa razão, os
telejornais são considerados veículos de comunicação transparentes, que revelam gestos
e atitudes, mobilizando por inteiro a atenção de quem assiste ao noticiário (Lage, 1987).
36
A combinação dos elementos que definem a notícia televisionada,
como dissemos anteriormente, não ocorre da mesma maneira em todos os telejornais. A
linguagem, retórica, imagem e o tipo de orador podem variar substantivamente,
alterando a percepção da recepção sobre o fato exposto. Das categorias relacionadas
nesse estudo, ressaltamos que a imagem e o tipo de orador têm importância para os
telejornais aqui apresentados. Por meio de recursos visuais é possível compatibilizar
imagem, ao vivo ou não, com texto, criando a ilusão da verdade e transparência dos
fatos. Nessa simbiose, o orador, bem como o veículo de comunicação, ganha em
confiança e credibilidade por parte da recepção. No que se refere ao tempo e à
freqüência com que as notícias e reportagens são abordadas nos telejornais, o que está
em debate é a intensidade do impacto de um tema na recepção, assim como avaliação da
retenção da informação. Essa variável é tão imprescindível como as demais, sobretudo
por que contribui para a memorização e reprodução do conteúdo apresentado.
É preciso destacar que a análise do processo de comunicação nos
levou a dar maior atenção ao significado e à inter-relação das categorias linguagem e
retórica. Sobre a linguagem, é certo que toda notícia apresentada nos telejornais tem por
objetivo informar, porém nem sempre este é o objetivo principal. Ao definirmos uma
linguagem como informativa estamos nos referindo à transmissão dos fatos de forma
objetiva, simples e compreensível. Se o objetivo for informar, a preocupação do veículo
de comunicação limita-se à clareza e à racionalidade da exposição dos fatos. Por outro
lado, encontramos na transmissão de algumas notícias outros objetivos que se
sobrepõem ao de simplesmente informar, que podem ser melhores compreendidos nas
linguagens de entretenimento e didática. Se o objetivo for entreter, geralmente o mais
difícil de se atingir, o orador normalmente revela sua presença de espírito, seu humor e
sua ironia. Este tipo de linguagem não exige grande esforço de entendimento ou
demasiada reflexão da recepção, o que não significa necessariamente mensagens
engraçadas, divertidas. Um relato de fatos bem contados, que toque a emoção da
recepção, por exemplo, poderá provocar grande interesse de quem vê e ouve a notícia e,
por conseguinte, acaba entretendo, além de informar. No caso da linguagem didática, ao
contrário das demais, o que está em questão não é a objetividade da informação ou seu
aspecto emotivo, mas o conhecimento do fato que sirva para orientar, instruir e treinar a
recepção a atuar na esfera pública. Em nosso caso, diz respeito às mensagens sobre
direitos e deveres do cidadão.
37
Ao classificar o tipo de linguagem começamos a compreender como a
televisão contribui para alterar o comportamento, condicionando a percepção no sentido
do envolvimento geral, da participação. A comunicação, no entanto, só atinge esse fim
em função da retórica utilizada em cada telejornal para cada mensagem, notícia.
Segundo Tringali (1988, p.19):
“Do ponto de vista da matéria de que trata o discurso retórico, ele
apresenta sempre uma questão discutível, controversa, provável, a
respeito da qual não se chega a certezas, mas a probabilidades.
Isso significa que o discurso retórico é sempre dialético: discurso
sobre questões prováveis”.
.
É por essa razão que a linguagem puramente informativa não condiz
com discurso retórico, visto que nesse tipo de linguagem a objetividade e a
previsibilidade predominam. Além disso, a concepção aristotélica de retórica pressupõe
a busca da persuasão. Persuadir, etimologicamente vem de persuadere, per + suadere.
O prefixo per significa de modo completo, suadere = aconselhar (não impor), levar
alguém a aceitar um ponto de vista de modo suave, habilidosamente. O discurso
persuasivo ocorre de três formas: por meio do convencimento, da comoção e da
sedução. São essas as três funções essenciais da retórica, ou seja, a lógica, a afetiva e a
estética. Nos telejornais, o discurso retórico ocorre em sintonia com as linguagens
didática e de entretenimento. No caso da função essencial da retórica lógica, o discurso
é feito para persuadir a recepção por meio da indução (exemplos) ou dedução
(argumentos), a qual classificamos como crítica. Na função retórica comoção, persuade-
se pela excitação da afetividade, a vontade arrasta o intelecto a aderir ao ponto de vista
do orador, daí a razão de a classificarmos como juízo de valor. E, finalmente, a função
estética, que corresponde, na terminologia latina, a placere = agradar; delectare =
seduzir, encantar, deleitar. Esse discurso retórico está associado à arte de falar bem, a
qual definimos com propositiva.
Dessa forma, criamos a morfologia lingüística abaixo, ou seja, para
cada tipo de linguagem corresponde um ou mais de um tipo de retórica.
38
Tabela 1
Linguagem
Retórica
Crítica Juízo de Valor Propositiva Neutra
Informativa X
Entretenimento X X X
Didática X X X
A definição dos critérios acima contribuiu para o processo de análise
do conteúdo, tanto em relação à seleção das mensagens, como em função da saliência
dada a alguns temas em particular. O que está em tese é um esforço de análise do
enquadramento dada pelos telejornais à expansão do direito a sociabilidade brasileira e
nas relações políticas.
Pelo que foi apresentado, o enquadramento da notícia não é uma
ferramenta apenas da análise de conteúdo, é também vital para entendermos a audiência,
dado o fato de que a mesma é revelada pelo repertório de exemplos em que o cidadão
comum se reporta no momento da constrão do discurso. A constante presença da
mídia como instrumento de informação reflete a forma como a recepção constrói a
realidade social. Por certo que esta afirmação não implica a defesa de ser a recepção
passiva, como discutiremos mais à frente, porém denota, em nosso caso, que a presença
marcante do Direito na mídia revela valores e interesses já existentes no universo do
público, e que por essa razão são percebidos com maior intensidade.
Como a expressão da opinião apresenta valores e atitudes que são
melhor compreendidos dentro do contexto social em que o cidadão comum se encontra,
a mídia, na busca pela aceitação de seu produto pré-processado, sobrepõe os valores que
regulam e modificam o comportamento social, ao qual estão associados sentimentos e
categorias cognitivas, para a elaboração de mensagens. O contexto social da recepção
revela aspectos importantes da produção da informação. Para compreender a relação
cidadão comum e mídia é preciso ficar atento à diversidade existente entre os setores
sociais no quais os indivíduos estão inseridos, assim como avaliar as especificidades de
seu contexto social, pois as diferenças de contexto contribuem para as diferenças nas
39
interpretações. É dessa observação que efetivamente encontramos respostas para os
limites e impactos da mídia, refletidos no discurso e comportamento social.
Entendemos que enquanto parte do ambiente informacional, a mídia
televisiva deve ser investigada com seriedade e metodologia específicas
8
,
principalmente para diagnosticar os pontos mencionados anteriormente, o que
demonstraremos ao longo desta pesquisa. É preciso refletir, também, sobre a
intensidade de sua ação, tanto pelo impacto que exerce sobre os valores e atitudes dos
telespectadores, como no que concerne ao exercício cívico do mesmo. Isto implica
analisar a mensagem midiatizada e seus limites, assim como o processo de recriação ou
invenção da informação televisionada, que encontra suas explicações no cotidiano e no
repertório de exemplo do cidadão comum.
1.3- Teorias da Recepção
Se, por um lado, o enquadramento dado pela televisão é fundamental
para a concepção de direito e justiça do cidadão comum, por outro, o processo de
recepção não ocorre de forma direta e passiva, mas sim relacional. É certo que para
chegar a essa conclusão foi preciso realizar um levantamento sobre as principais teorias
sobre a recepção da informação.
A literatura sobre a recepção é vasta. O primeiro argumento, da
década de 20, concebia o fato de que o receptor era mero depositário de mensagens, ou
seja, a preocupação com o receptor praticamente não existia. A teoria que concebia esse
argumento, denominada de hipodérmica, estava baseada na psicologia experimental, na
qual todo estímulo encontra sempre um determinado tipo de resposta. Para as
investigações sobre a mídia essa idéia era espelhada na relação direta e inédita entre a
leitura da mensagem e o comportamento dos receptores. A exposição, por si só,
implicava uma poderosa manipulação para se atingir determinado tipo de resposta,
almejada pelo emissor. O receptor, nesse caso, aparecia isolado, independente do
contexto situacional, cultural e político do qual é parte integrante. Isso porque, para os
adeptos dessas teorias, que tiveram em Lasswell (1965) seu mais expressivo precursor,
8
Em nosso estudo utilizamos a análise de Conteúdo, divulgada por Harold D. Lasswell, em 1965.
40
a influência da mídia na formação da opinião independia de variáveis como o contexto
social; para saber o efeito da emissão bastava conhecer seus propósitos e objetivos.
Semelhante ao modelo hipodérmico de causa e efeito, as décadas de
30 e 40 formularam a teoria dos efeitos, baseada em duas coordenadas: 1 - aquela
representada pelos estudos sobre as características do destinatário, que intervêm na
obtenção do efeito; 2 - aquela representada pelas pesquisas sobre a organização eficaz
das mensagens com finalidades persuasivas. Nesse momento, a recepção era vista como
um conjunto de pessoas em contato com uma mensagem, em que o interesse recai sobre
os níveis de duração da exposição, a probabilidade de percepção e as condições de
contato. Até então, a função dos meios de comunicação permanecia com a mesma
capacidade de influenciar a atitude e o comportamento da audiência.
Klapper (1963) foi o que mais avançou nos estudos sobre a teoria dos
efeitos ao afirmar que a chamada exposição aos meios de comunicação é seletiva.
Segundo ele, esse fato é decorrente da diversidade social e do envolvimento que as
pessoas têm com as instituições como igrejas, partidos políticos, entre outras. O fato de
reter ou interpretar as mensagens de uma forma ou de outra é resultado da seleção feita
pela audiência. Isto não significa que a mídia não produza efeito, porém os mesmos se
fazem presentes via estruturas de relações sociais e em um contexto social específico.
Em nosso caso, a análise da seleção feita pelo cidadão comum em relação às mensagens
que direta ou indiretamente se referem à Justiça é muito pertinente. As matérias sobre
segurança pública assumem uma dimensão maior em decorrência do contexto em que o
cidadão comum está inserido. Vivendo na periferia da cidade, esses indivíduos sentem
que a principal ameaça é viver na iminência de ser vítima ou réu da violência, o que
explica o valor dado à segurança. Quanto maior esse valor, maior também é a
construção da representação do sistema de Justiça e seu papel na garantia ou não da
segurança pública feita pela mídia. Isso significa que, caminhando lado a lado, a mídia
esteve, em toda a extensão dessa pesquisa, associada e dependente de processos de
comunicação não provenientes de si própria, mas que existem no interior da estrutura
social. Essa hipótese, definida por Merton (1949), compõe-se de dois pontos
fundamentais: 1 - a recepção é concebida como ativa no processo de comunicação de
massa, visto que depende da mesma a iniciativa de relacionar a satisfação da
necessidade com a escolha da mídia; 2 - a mídia compete com outras fontes de
41
satisfação de necessidades. A questão central não é mais os efeitos da mídia, mas o
papel que ela desempenha para o receptor.
Ao evocar a capacidade seletiva do receptor, seus interlocutores
argumentam que com as investigações sobre o uso que os indivíduos fazem da mídia
tem-se maior probabilidade de compreender os efeitos. Essa teoria associa o consumo, a
utilização e os efeitos da mídia à estrutura de necessidades que caracteriza o receptor. O
efeito da mídia é entendido como conseqüência das satisfações das necessidades
experimentadas pelo receptor, na medida em que a mídia só se torna eficaz quando o
próprio receptor lhe atribui eficácia, baseando-se na satisfação de suas necessidades.
Corroborando o pressuposto da busca pela satisfação das necessidades, entendemos que
os telejornais de televisão aberta exploram, com a mesma ênfase dada ao tema da
segurança pública, diversos subtemas que se interligam com o objetivo de ir ao encontro
das expectativas do receptor. O Poder Judiciário e o sistema de Justiça são, dessa forma,
evidenciados pelos telejornais, visto que da atuação de ambos depende o controle da
instabilidade gerada com a micro e a macro-criminalidade. Isso não implica afirmar que
os telejornais contribuem para a formação de uma imagem positiva das polícias,
delegacias e até mesmo da ação do Ministério Público; apenas apresentam informações
que dão maior visibilidade aos fatos que envolvem a participação dessas instituições.
A partir da constatação do efeito seletivo, outras concepções foram
sendo definidas, primeiramente com a teoria dos usos e gratificações. Segundo Katz
(1955), seu principal expoente, é preciso considerar cinco aspectos da relação entre
emissão e recepção: 1 - a audiência deve ser concebida como ativa ao atuar como parte
importante dos objetivos da mídia; 2 - no processo de comunicação de massa, grande
parte da iniciativa de relacionar a satisfação das necessidades com a escolha da mídia
dependem do destinatário; 3 - a mídia compete com outras fontes de satisfação de
necessidades. Dessas, as que são satisfeitas pela comunicação de massa representam
apenas um segmento do amplo espectro de necessidades humanas. Além disso, o grau
de satisfação gerado pela mídia é variável; 4 - do ponto de vista metodológico, muitos
dos objetivos da utilização da mídia podem ser conhecidos através de dados fornecidos
pelos destinatários; os destinatários sabem o suficiente para, em casos específicos, expor
os seus próprios interesses emotivos ou, pelo menos, para reconhecê-los, se esses
interesses lhe forem expostos verbalmente e de uma forma que lhe seja familiar e
42
compreensível; 5 - os juízos de valor acerca do significado cultural das comunicações
de massa deveriam ser suspensos até as tendências da audiência serem analisados nos
seus próprios termos.
Como é possível perceber, lentamente a recepção passa a ser analisada
de forma ativa e reflexiva. As evidências dessa nova tendência vieram a se cristalizar
durante as décadas de 60 e 70, momento em que foi definido um amplo espectro de
análise sobre do papel da recepção. O modelo da espiral do silêncio, a hipótese da
agenda setting, a estética da recepção, os estudos culturais, a sócio-semiótica e a
etnometodologia foram essenciais para a construção de um novo paradigma. Embora os
efeitos da mídia sejam limitados pela própria necessidade do receptor, não é possível
negar que os meios de comunicação, amparados nos objetivos e necessidades dos
telespectadores, selecionem uma agenda de temas, ou seja, definam aquilo que será ou
não apresentado com maior evidência, como foi analisado no item anterior. A mídia cria
maior ou menor visibilidade dos fatos na medida em que estabelece a agenda
informacional dos telespectadores, fornecendo, por empréstimo, parte da realidade
social evidenciada. Apesar de haver coerência nesse pressuposto, visto que boa parte
daquilo que o público conhece, evidencia ou até negligencia, é proveniente dos meios
de comunicação, é também verdadeiro afirmar que não basta a mídia dar maior
visibilidade aos fatos, é preciso que o telespectador, em contrapartida, também selecione
essa informação, o que ocorre em função do contexto social, do interesse, da
necessidade e do grau cognitivo do mesmo. A respeito deste último, vale dizer que se o
sistema de produção for incompreensível para um determinado público, a mensagem
não será assimilada, pois o telespectador certamente irá se desinteressar pelo tema.
Como exemplo, podemos mencionar as informações acerca das ações diretas de
inconstitucionalidade. Além do próprio instrumento processual, de difícil compreensão
devido à sua inerente abstração, o cidadão comum, enquanto receptor, também não
adquire informações suficientes para entender o papel desempenhado pelo Ministério
Público e demais agentes previstos na Constituição Federal como parte da comunidade
de intérpretes
9
. O mesmo ocorre em relação à Ação Civil Pública, que é evidenciada
pela mídia, mas não chega enquanto informação necessária ao cidadão comum pela
dificuldade de interpretação da linguagem e retórica.
9
Constituição Federal de 1988, artigo 103.
43
Corroborando Klapper (1963), em certos casos, o problema
concernente à falta de compreensão decorre do pouco tempo de exposição de algumas
temáticas. No que se refere ao processo de democratização da Justiça, há pouca
visibilidade do tema nos telejornais, o que não favorece o maior entendimento da
importância do mesmo para o exercício cívico. Algumas mensagens não chegam a ter
mais de um ou dois minutos, e muitas vezes não são mencionadas no dia seguinte.
Outras, embora exaustivamente debatidas, pressupõem, para o seu entendimento,
elementos cognitivos que estão distantes da realidade sócio-cultural do cidadão comum.
As informações sobre a ação fiscalizadora do cidadão e o acesso à
Justiça, de suma importância para o exercício da cidadania, têm padecido de visibilidade
e de instrumentos que tornem o processo comunicacional eficiente. Salvo raras
exceções, há pouco interesse em informar o cidadão sobre os acessos ao Poder
Judiciário, assim como sobre a nova gama de direitos, principalmente os definidos
como coletivos e difusos expressos na Constituição de 1988. Outros temas, também
definidos pelos telejornais como de ordem judicial, são sobrepostos ao tema do acesso à
Justiça, dando uma imagem parcial, quando não distorcida, da realidade jurídica.
Apesar da constatação acima, hoje sabemos que a recepção é
compreendida dentro de uma lógica participativa e atuante. Os meios de comunicação
deixaram de ocupar um lugar único e central no processo de comunicação, o que gerou
a possibilidade de entendermos o papel do sistema de produção em situações específicas
da recepção, como o contexto social e cultural em que a mesma se encontra. Essa
tendência só foi intensificada nas décadas seguintes, chegando a uma concepção
multidisciplinar do fenômeno da comunicação de massa (Araújo, 1996).
Admite-se que, tanto no campo da produção, como no da recepção, há
um processo que converge na interação de forças que precisam ser consideradas em
qualquer estudo sobre mídia e mudança de valores, atitude e comportamento. Como
aponta Bourdieu (1989, p. 55-57),
“As estratégias discursivas dos diferentes atores, e em especial os
efeitos retóricos que têm em vista produzir uma fachada de
objetividade (...), é preciso salientar as relações de forças
simbólicas entre os campos que dependerão dos interesses
específicos e dos triunfos diferenciais que, nesta situação
particular de luta simbólica pelo veredicto neutro, lhes são
44
garantidos pela sua posição nos sistemas de relações invisíveis
que se estabelecem entre os diferentes campos em que eles
participam. (...) O que resulta de todas estas relações objetivas,
são relações de
forças simbólicas que se manifestam na interação,
em forma de estratégias retóricas (...). O espaço de interação é o
lugar da atualização da intersecção entre os diferentes campos”.
Outros autores também enfatizam esse aspecto e contribuem para
elucidar o processo de comunicação e entendê-lo dentro da lógica relacional como
Foucault (1986), Goffman (1975) e Certeau (1994). Tanto no campo da emissão, como
no que concerne à recepção, é preciso pensar de forma relacional e considerar o poder
presente nessa relação, como nos apresenta Foucault, bem como as experiências e
invenções do cotidiano, analisados por Goffman (1975) e Certeau (1994),
respectivamente.
De forma consensual, todos validam a tese de que há uma relação
social presente no sistema de produção e a capacidade poética
10
do consumidor de mídia
televisiva frente à representação da realidade jurídica. Ao afirmarmos o processo de
interação que se estabelece entre emissão e recepção nega-se, portanto, as teorias sobre
a passividade dos usuários de mídia frente ao sistema de produção. A presença e a
circulação de uma certa representação do mundo jurídico não indicam, de forma
alguma, o que de fato esse mesmo sistema representa para o cidadão comum e o quanto
ele faz uso do mesmo. As imagens televisivas terão significados diferentes dentro dos
diversos contextos em que encontramos os telespectadores. Além disso, os
consumidores de mídia televisiva são espectadores no momento em que recebem as
informações e, ao menos tempo, são produtores de práticas cotidianas. Nesse sentido, a
experiência ganha vida e é revelada como atitude diante da representação da Justiça
fornecida pela televisão. O cidadão comum lança mão de um repertório de exemplos
que não estão presentes na mídia, mas que interagem com a mesma no ato de algumas
práticas cotidianas, expressões de valores e predisposições atitudinais, ou seja, na
elaboração das múltiplas produções de sentido.
Por essa razão, os novos direitos e estruturas jurídicas só ganham
dimensão a partir do processo relacional entre os pontos destacados anteriormente. Isso
implica afirmar que o reforço de compreender a nova relação que a sociedade estabelece
10
O mesmo que criação, invenção para Certeau.
45
com o Poder Judiciário, decorrentes de uma mudança na legislação e na ampliação da
esfera de participação, só pode ser interpretado por meio da representação da mudança
no sistema de produção (televisão) e das determinações relacionais que estão presentes
nas práticas cotidianas. Partir do pressuposto de que o acesso à Justiça se faz apenas
com a ampliação de direitos e da atuação institucional é desconsiderar a função dos
meios de comunicação de massa como mediadores do processo de interação do Direito
com a sociedade, mediadores que têm seus poderes limitados pelo processo relacional
entre produção e recepção.
Cabe mencionar que no processo de comunicação, não apenas aquele
que revela a interação do Direito com a sociedade, encontramos cinco ponto a serem
analisados: 1 - o contexto histórico em que o processo comunicacional ocorre; 2 - o
conhecimento e a informação que será partilhada; 3 - o meio utilizado para o ato da
comunicação; 4 - a mensagem; e 5 - a forma da mensagem. No que se refere ao primeiro
ponto, iluminamos anteriormente o contexto histórico atual, revelado por um
crescimento do Direito na esfera social decorrente de mudanças significativas ocorridas
em todo o sistema jurídico. Esse contexto, embora seja reflexo do campo legal, só ganha
vida com a intervenção social, que cresce e atua na medida em que conhece os direitos e
instrumentos processuais disponíveis, o que só ocorre mediante a informação
compartilhada, como foi salientado no terceiro ponto. No caso do fenômeno jurídico,
este fato se torna ainda mais relevante, considerando que o direito “existe somente como
comunicação” (Luhmann, 1988, p.17). Isso significa que até as normas jurídicas só
existem como orientação para a comunicação, uma comunicação que é partilhada e que
possui sentido para seus interlocutores.
A partir deste referencial, podemos nos indagar sobre o Direito como
sistema de normas e o sentido da normatividade como estruturas que controlam o
processo de reprodução da comunicação pela comunicação, o que é de grande valia para
compreendermos as mudanças no sistema jurídico. Todavia, como apresentamos até
esse momento, optamos por outra via, da comunicação mediada pela televisão. Como
importante agente informacional, a televisão contribui para o processo de interação do
cidadão comum com o Direito, na qual o tipo de linguagem e o processo de
comunicação são assimilados e transformados pelos cidadãos receptores, que interagem
46
com as mudanças jurídico-formais e deixam escapar aspectos reveladores sobre sua
cultura cívica.
1.4 - Linguagem, Ação Comunicativa e Sistemas de Comunicação
Sobre o processo de comunicação é fundamental considerarmos as
reflexões acerca da obra de Habermas, em que vislumbra o processo de comunicação
enquanto um processo social que se faz inteligível como parte integrante do projeto de
renovação da teoria social fundada no interesse emancipatório. Juntamente com os
interesses técnico e prático, o interesse emancipatório fundaria uma das três vertentes
constitutivas do conhecimento. Essa é justamente a tese central de Habermas,
conhecimento e interesse, ou seja, todo conhecimento é posto em movimento por
interesses que o orientam. Nesse sentido, entende-se que a informação só é convertida
em conhecimento na medida em que existe um interesse pela mesma.
Canclini (2001) compactua com esta tese quando afirma que os
cidadãos do século XXI estão preocupados em se informar sobre questões que se
relacionam diretamente com seu bem-estar. O que está em questão é um novo tipo de
exercício de cidadania, que passa pelo consumo privado de bens e meios de
comunicação. O receptor deixa transparecer seu interesse ao discutir os temas
considerados por ele como mais relevantes, descartando outros apresentados pela mídia.
Não obstante, uma questão deve ser refletida, e que em nossa opinião torna a relação
conhecimento e interesse aquém das expectativas de Canclini (2001). Isto significa que
muitas vezes a seleção feita pelo receptor deixa de considerar determinado tema como
relevante na medida em que a comunicação não atinge seu efeito, ou seja, na medida em
que o receptor, por falta de elementos cognitivos, não identifica o interesse no tema
exposto. Este fato ocorre em função de a linguagem não ser acessível ao receptor ou em
decorrência da forma como o processo comunicacional ocorreu, por vezes de forma
superficial e fragmentada. Para que o processo de comunicação ocorra é fundamental
avaliarmos o meio da ação comunicativa.
A noção de racionalidade comunicativa em Habermas (1994) pretende
explicar a relação social entre pelo menos dois atores, em que, por meio da
47
argumentação, chega-se a uma posição de consenso. Nesse contexto, é possível
ultrapassar o nível da relação cotidiana, em que ocorre o consenso não problematizado,
mas a qualquer hora problematizável, e atinge o consenso crítico fundamentado em
razões, esfera da ação comunicativa. Há um pressuposto de organização social na
própria ação comunicativa, ou seja, uma organização que gera consenso entre os
homens e os leva à associação necessária para mudarem o rumo de suas próprias
histórias. Para tanto, é preciso uma esfera pública ampliada que, ao utilizar a ação
comunicativa, consiga materializar o Direito.
Retomando os fundamentos da ação comunicativa, é necessário dizer
que nele está presente a noção de um conhecimento que se constitui a partir de um
processo mútuo de compreensão, mediado lingüisticamente. Por isso, ele tem como seu
elemento definidor não a postura de um sujeito manipulador do mundo, mas a
intersubjetividade dos que participam de uma razão discursiva. Segundo Habermas, a
fala é o agir socialmente que se constitui como uma forma de vida e de seguimento a
regras construídas socialmente. Este autor assume também a tese de que falar coisas
significa fazer discursos que estabelecem relações sociais. Neste sentido, a sua teoria
ultrapassa a esfera lingüística e se configura como pragmática
11
.
A teoria da competência comunicativa postula que todo ato de fala é
composto de uma dupla estrutura: uma fase que cria relações intersubjetivas, e uma fase
proposicional, que expressa o objeto sobre o qual se fala. O entendimento pressupõe um
sistema comum de referência que permite aos participantes da interação se entenderem
sobre algo. Esse sistema comum diz respeito ao mundo objetivo, social e subjetivo, ao
qual corresponde a tríplice função da linguagem: apresentação, interpretação e
expressão. É a partir desse sistema de referência que quem fala se refere a algo objetivo,
normativo ou subjetivo, submetendo-os a critérios de validade próprios. Para Habermas
(1994), os participantes da interação levam pretensões de validade, em princípios
demonstráveis, que apresentam um elemento crítico imanente. Eles postulam a verdade
do enunciado, a correção da interação em relação às normas vigentes, a veracidade da
expressão proferida e, ainda, a sua compreensibilidade. Esta é uma situação
11
Na leitura de trabalhos sobre o Ministério Público (Sadek e Arantes), encontramos a questão da
desorganização social e um Habermas implícito no pragmatismo apresentado.
48
comunicacional ideal diante de uma esfera pública ampliada. A definição de esfera
pública pode ser descrita como:
uma rede adequada para a comunicação de conteúdos,
tomadas de posição e opinião; nela os fluxos comunicacionais
são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em
opiniões públicas de temas específicos. Do mesmo modo que o
mundo da vida tomado globalmente, a esfera pública se
reproduz por meio do agir comunicativo, implicando apenas o
domínio de uma linguagem natural; ela está em sintonia com a
compreensibilidade geral da prática comunicativa cotidiana. A
esfera pública constitui principalmente uma estrutura
comunicacional do agir orientado pelo entendimento, a qual
diz respeito com o espaço social gerado no agir comunicativo,
não com as funções nem com os conteúdos da comunicação
cotidiana”. (Habermas, 1994, p. 92-95)
Por esta razão, a ampla circulação de mensagens assegura o processo
de comunicação, mas não controla o agir comunicativo. Um exemplo disso refere-se à
influência publicitária, que só é transformada em poder político quando:
um potencial capaz de levar a decisões impositivas se
deposita o comportamento de leitores, parlamentares,
funcionários, etc. Do mesmo modo que o poder social, a
influência político- publicitária só pode ser transformada em
poder político por meio de processos institucionalizados
.
(Habermas, 1994, p. 92-95)
Embora Habermas não descarte a importância de uma esfera pública
dominada pelos meios de comunicação de massa, ele confere aos atores que compõem o
público e atuam na reprodução da esfera pública, uma autoridade singular para
interpretar e transformar a comunicação segundo seus interesses, ou seja, sempre
atuando como agentes racionais da ação. Desta forma, Habermas (1997) afirma que a
sociedade civil tem seu núcleo definido por organizações livres e associativistas, as
quais ancoram as estruturas de comunicação da esfera pública nos componentes sociais
do mundo da vida. O que está por trás do agir comunicativo é a própria concepção de
republicanismo, associativismo atuante que trabalha para a renovação e adequação do
Direito às exigências da própria vida social. Além disso, é por meio de direitos
fundamentais que a esfera pública se renova e se fortalece, como a liberdade de
expressão e de imprensa. A opinião passa a ser a expressão de diversas correntes de
opinião, concorrentes ou divergentes, coexistindo sem conflito, ou contraditórias em
graus diversos, compondo um universo de opiniões que se manifestam em determinado
49
momento e lugar, de maneira a apresentar certos traços gerais e algumas tendências
uniformes, além, de afirmações de natureza majoritária.
A opinião pública encontra espaço de atuação na própria estrutura da
linguagem na qual Habermas fundamenta e localiza a condição de possibilidade da
racionalidade comunicativa e, portanto, da refletividade. A pressuposição de uma
situação ideal de diálogo, ainda que não existente de maneira fática, está em toda
interação mediada pelo discurso. Esta situação ideal antecipada, caracterizada pela
ausência de qualquer forma de mutilação sistêmica da comunicação, em que prevalece
sempre a força do melhor argumento e se assegura a igualdade de condições para todos
os participantes do discurso, tem como pressuposto a antecipação também de uma
forma ideal de vida, marcada pelos ideais de liberdade e justiça. A própria teoria do
discurso contribui para explicar a legitimidade do Direito com o auxílio de processos e
pressupostos da comunicação, que são institucionalizados juridicamente, e permitem
levantar a suposição de que os processos de criação e aplicação do Direito levam a
resultados racionais. Do ponto de vista do conteúdo, as normas emitidas pelo legislador
político e os direitos reconhecidos pela Justiça são racionais pelo fato de os destinatários
serem tratados como membros livres e iguais de uma comunidade de sujeito de direito.
Ao focalizar a estrutura da linguagem, em detrimento das condições
histórico-sociais concretas de efetivação das interações e a possibilidade de constituição
dos entendimentos coletivos, as proposições habermasianas revelam o seu caráter
idealista. A análise de Habermas voltada para a comunicação, concentra sua atenção em
aspectos referentes à dinâmica da linguagem e à existência de uma situação ideal da
fala, prevista em todo processo de comunicação. Contudo, ela deixa de considerar, com
o mesmo cuidado, os aspectos concretos de sua efetivação, como a dimensão
institucionalmente mediada dos processos de comunicação e a capacidade de selecionar
e salientar certos aspectos da vida em detrimento de outros. Em outras palavras, a
compreensão da comunicação vista, sobretudo, como um processo racionalmente
orientado para a realização de entendimentos, e cuja dinâmica se estabelece a partir da
apresentação de argumentos racionalmente motivados pelos participantes da interação,
constitui um aspecto delicado de seu trabalho, especialmente no que se refere à
negligência para com outras possibilidades da comunicação que não são orientadas
apenas, ou mesmo primordialmente, para a busca de consenso.
50
A tese de que a comunicação se realiza com o propósito da realização
do consenso fundamentada em razões adquire um estatuto de legitimidade que é negado
para outros jogos da comunicação. Niklas Luhmann argumenta em favor do caráter
empiricamente falso dessa tese afirmando, com propriedade, que a comunicação pode
ocorrer, também, para se marcar o dissenso, em direção ao conflito
12
. É no processo
conflituoso que o mundo normativo ganha espaço e reflete a concepção de sociedade.
Segundo Luhmann (1983, p. 15).
é necessário ver e pesquisar o direito como estrutura e a
sociedade como sistema em uma relação de interdependência
recíproca. Essa relação possui também um aspecto temporal,
além do material, levando, portanto, a uma teoria
evolucionista da sociedade e do direito. A referência a esse
teorema qualifica conceitos, teorias e pesquisas empíricas
como jurídico-sociológicos. Nesse contexto, as considerações a
seguir encontram sua coerência e sua unidade”.
Um outro questionamento que podemos fazer em relação à teoria
habermasiana diz respeito à falta de um tratamento especifico com relação aos aspectos
emocionais presentes no processo comunicacional, em favor de uma visão racionalista
dos agentes sociais e suas interações. Dá-se pouca importância ao fato de que, em todo
processo de comunicação, está presente uma série de elementos emocionais que operam
de modo influente na definição de uma agenda temática e na avaliação das questões
abordadas sobre o Direito e as instituições jurídicas. Esse tipo de leitura tende a
considerar o homem como ser racional e subestimar os elementos subjetivos ou
emocionais, também relevantes.
Não obstante, a contribuição de Habermas é inegável para o
reconhecimento da comunicação como fundamento nuclear a partir do qual os processos
sociais podem ser compreendidos e a realidade social modificada. Os esforços deste
autor no sentido de indicar o diálogo como caminho para a problematização e a
superação de divergências e conflitos representa, por sua vez, um avanço na construção
da teoria social. Podemos concluir que a tese de Habermas atribui uma autonomia aos
12
A questão do dissenso define um aspecto essencialmente oposto entre Habermas e Luhmann. Em
Habermas, o dissenso é reflexo de uma sociedade que não conhece as regras como metas sociais,
podendo, a qualquer momento, regressar ao estado de natureza. Desta forma, o conflito é o risco eminente
da desintegração social.
51
participantes da interação social, que na qualidade de portadores de linguagem,
caracterizam-se como agentes dotados de capacidade reflexiva, compreendendo o
processo de constituição da sua subjetividade como sendo articulado à sua participação
permanente e contínua, e processos comunicacionais com outros agentes sociais. É
neste movimento da ação comunicativa que Habermas centra seus esforços na
ampliação permanente da esfera pública, em que o mundo da vida esteja presente no
Direito. Desta forma, trabalhar com os pressupostos habermasianos é conceber, por
meio da prática comunicacional, a possibilidade concreta da integração social e da
socialização como fator real para a materialização do Direito. Sem uma sociedade civil
organizada, com um associativismo forte, não é possível pensar em Habermas, tão
pouco utilizar seu conceito de ação comunicativa.
Por outro lado, em Luhmann (1983) a comunicação não é a ação,
como postulado de muitas teorias, mas é a unidade elementar que constitui os sistemas
sociais. A ação é, na verdade, a unidade elementar que torna o sistema observável.
Dessa forma, a comunicação é compreendida como um processo de três diferentes
seleções: 1 - a seleção da informação; 2 - a seleção da participação dessa informação; 3
- a compreensão seletiva, ou não compreensão dessa participação e sua informação.
Todos estes conceitos são qualificados pelo autor nos seguintes termos: um conjunto de
possibilidades que define a ação e o processo de codificação da informação. Deste
modo, constitui-se uma diferença significativa entre informação e participação. A
compreensão pressupõe a diferença entre informação e participação e toma essa
diferença como pretexto para a escolha de uma conduta associada, ou seja, a
compreensão também não é apenas a duplicação da participação em outras consciências,
mas ela é o próprio pressuposto da continuidade da comunicação. Luhmann acentua,
ainda, que a comunicação não é possível sem um estoque de sinais e uma codificação
uniforme.
Como um sistema fechado e completo capaz de produzir componentes
a partir dos quais ela existe, a comunicação tem uma lógica própria de definir não
apenas seus elementos, mas suas próprias estruturas. Ao qualificar o sistema da
comunicação como autopoiesis, Luhmann afasta-se, propositalmente, das concepções
da comunicação centradas na noção de sujeito, que operam como pressuposto da
existência de um autor, a partir do qual a comunicação por ser compreendida. Vale dizer
52
que o conceito de autopoiesis do sistema de comunicação é também válido para o
Direito, o que implica afirmar que, para Luhmann, não há necessidade do argumento
republicano, previsto e necessário em Habermas.
Segundo Luhmann (1983), somente a comunicação pode comunicar,
ou seja, a comunicação se realiza como um processo circular auto-referente. Desta
forma, o que não é comunicação não pode contribuir para o processo da comunicação.
De acordo com esse raciocínio, somente a comunicação pode decompor a unidade da
comunicação e somente a comunicação pode controlar e reparar a comunicação. Ao
qualificar a comunicação como um sistema fechado, nos moldes descritos
anteriormente, Luhmann afasta-se das concepções da comunicação centrada na
participação dos agentes sociais, o que permite a formação de uma outra tese tão
provocativa quanto a do sistema de comunicação autopoiético, ou seja, de que a
comunicação não tem um objetivo concreto a realizar. Tudo que pode ser afirmado
sobre a comunicação é se, de fato, ela ocorre ou não. Isso não significa que não possam
ser construídos episódios orientados para objetivos da comunicação, embora a
comunicação em si não tenha uma finalidade.
Em confronto direto com a teoria habermasiana, segundo a qual a
comunicação tem o consenso como objetivo, realizando-se como busca de
entendimento
13
, a comunicação para Luhmann é um risco e, do ponto de vista sistêmico,
o consenso é um problema na medida em que leva à estagnação do processo de
comunicação e, com isso, à estagnação do processo de diferenciação dos sistemas
sociais. A comunicação, para Luhmann, é limitada, embora a vivenciemos e a
pratiquemos todos os dias, e sem a qual não viveríamos. Em primeiro lugar, porque é
improvável que um indivíduo compreenda o que o outro pensa, na medida em que
ambos possuem consciências diferentes e memória individualizada; em segundo lugar, é
improvável que uma comunicação alcance mais destinatários do que aqueles que estão
presentes numa situação de comunicação; e, finalmente, é improvável o sucesso de uma
comunicação porque ela é arriscada, se dirige para o afunilamento da questão. Não se
13
Tanto na comunicação como em relação ao Direito, a teoria habermasiana concebe o elemento da
intencionalidade. As situações conflituosas só adquirem uma dimensão importante enquanto busca pelo
consenso. No caso do Direito, isso expressa um dilema, visto que pode conduzir a uma estratégia de
mudança, como a busca pela normatividade ou a sua domesticação. O que define a ordem e a integração é
a junção da facticidade e da validade.
53
pode fugir a essa situação de decisão do sistema, na medida em que diferencia a posição
de conexão para as comunicações seguintes.
Podemos dizer que alguns pontos da teoria de Luhmann são definidos
a partir da noção de exclusividade, o que para a comunicação pode representar um
problema, dado o fato de não diferenciar os tipos de modalidade de comunicação, como
a mediada pelos meios de comunicação de massa, que operam de modo completamente
diferente das demais. A postulação, nesse sentido, de que a comunicação produz
comunicação, faz sentido no caso da observação, pautada numa perspectiva sociológica
abstrata dos processos de comunicação de massa em que os agentes da comunicação
não aparecem em primeiro plano. A consideração da qualidade diferenciada desses dois
tipos de comunicação interativa e mediada possibilita o redimensionamento da relação
entre os agentes e a comunicação, na medida em que ambos mantêm entre si uma
relação de influência recíproca.
Não obstante as contribuições de Habermas e Luhmann, nota-se que é
preciso apresentar um novo modelo de comunicação que considere as especificidades
dos modelos de comunicação já definidos e avance na construção de novos indicadores,
mediante a característica do cidadão e da esfera pública dependente dos meios de
comunicação de massa. Este novo modelo, no entanto, só pode ser apresentado a partir
das respostas dadas pelo próprio cidadão comum, que interage e constrói o processo
relacional por meio de seus valores, atitudes e práticas cotidianas, revelando as
possibilidades do exercício cívico a partir da comunicação televisiva.
Diante dos pressupostos teóricos abordados, que envolvem a
comunicação, o conhecimento e o processo de interiorização do Direito e da Justiça, é
que chegamos diante do último ponto que precisa ser analisado: exercício da pedagogia
cívica.
Em nosso entender, o sentido completo do constitucionalismo
brasileiro é decorrente da garantia normativa de um novo tipo de exercício cívico, mais
atuante e mais político. O cidadão, dotado de direitos e instrumentos processuais, pode e
deve estabelecer uma relação estreita com o Estado. O que está em questão é a
capacidade ou incapacidade republicana dos indivíduos perante o Estado, que não se
54
restringe ao direito de votar e ser votado. Para além do status activae civitatis, a
constituição prevê o amplo acesso à Justiça de natureza privada e, sobretudo, de
natureza pública, ou seja, prevê o exercício pleno da cidadania.
A pedagogia cívica é, para Cohen e Arato (1992), o próprio lócus da
utopia revolucionária. Mesmo em regimes totalitários, quando a atuação organizacional
da sociedade cívica é limitada, não se consegue eliminar, por exemplo, o trabalho dos
intelectuais. O que significa que a sociedade cívica constrói e preserva um espaço auto-
produzido na medida em que encontra sua base na filosofia, nos ideais iluministas.
Habermas, ao compactuar com esse pressuposto, afirma que as ações sociais podem ter
repercussões políticas incomparáveis, dada a sua capacidade transformadora. A
conquista do poder, nesse sentido, não é fator determinante, mas, sim, o processo de
negociação que envolve toda a sociedade civil e que, como conseqüência, interfere de
maneira singular no ordenamento político.
Os movimentos de liberalização são os primeiros a buscarem a
progressiva construção da institucionalização democrática, que em essência leva a
criação de novos espaços da vida pública. Não é a política que define a ampliação do
público, mas a sociedade, que por meio de um processo de indignação e integração
social constrói e pressiona as instituições sociais e políticas.
Se a constatação da Justiça como expressão da integração for
verdadeira, como afirma Garapon (2001), também é certo que os desafios para manter a
coesão social são infinitos. A comunicação envolvida no processo de conhecimento
sobre Direito, como veremos no próximo capítulo, pode ser muito perigosa.
Dependendo do tipo de enquadramento interpretativo e do contexto social em que
encontramos o cidadão comum, a informação pode levar à desintegração e apatia em
relação à Justiça, bem como à falta de interesse pelo exercício cívico. Esse efeito é o
avesso do que o constitucionalismo brasileiro prevê, o que prova que o processo de
interiorização da confiança e a atitude cívica advinda do mesmo só podem ser pensados
pelo processo relacional que o cidadão vivencia com a informação, ou seja, pela relação
que é estabelecida no ato da comunicação, mediada pelos meios de comunicação de
massa, sobretudo na construção de uma imagem sobre o direito e a justiça.
55
1.5 - Conclusões Preliminares
São muitos os conceitos definidos até aqui que contribuem para
pensarmos na nova estrutura da Justiça mediada pelos meios de comunicação de massa,
na qual o sistema de produção interage com a recepção e estabelece um processo em
que a interiorização das mudanças decorrentes do universo jurídico pode ou não ocorrer.
Dessa investigação, extraímos sua essência, ou seja, a construção da cidadania ativa em
uma democracia contemporânea, marcada pela influência dos meios de comunicação de
massa. O processo relacional entre sistema de produção e a recepção da informação nos
levam a compreender a importância da linguagem e comunicação para a análise do
direito e da justiça. O enquadramento das notícias, sua seleção e saliência, e a forma
como é processada e interiorizada a mensagem pelo cidadão comum, consumidor de
mídia, contribui para avaliarmos os elementos que definem a pedagogia cívica, seja
enquanto uma cidadania ampla, que vise à ampliação dos direitos de organização e
participação, ou mesmo restrita (ato de votar).
Esta não é uma tarefa fácil, pois o cenário que visualizamos nesta
pesquisa pode apontar para um caminho na contramão dos objetivos do
constitucionalismo brasileiro, visto que elementos presentes na cultura e no processo de
elaboração da informação pelo cidadão comum indicam posicionamentos mais contidos
e menos cívicos do que se espera, sobretudo pela falta de confiança em relação ao
Estado e às instituições que compõem o sistema de Justiça. Como veremos, a mídia tem
contribuído para esse cenário, embora não seja a responsável nem pelas imagens de
descrença em relação ao Estado, nem pelo crescimento dos fatores que tornam a vida
menos segura e o cidadão comum mais individualista.
Tanto no que diz respeito ao tipo de conhecimento, como no que se
refere ao interesse concreto, a informação televisiva e o cotidiano demonstram que o elo
integrador Justiça apresenta sinais de fraqueza, não apenas o Direito e a Justiça, como
também a estrutura que a define, ou seja, o estado de direito e suas instituições. O
desalento decorre de uma questão mais histórica do que de comunicação, visto que a
necessidade de uma vida digna e com mais segurança tem sido uma das principais
molas propulsoras da vida social organizada. Garantir a segurança dos membros de uma
56
comunidade tem se constituído, em qualquer época, na razão de ser, na justificativa e,
inclusive, na legitimação do poder exercido pelos seus governantes. Quando não há
garantia da mesma, a inquietação toma forma e volume, e o discurso é tenso e pouco
alentador.
Por tudo que foi apresentado, cabe a nós uma investigação sobre o
sistema de produção (como fonte de informação) e seu processamento pela recepção
(dada a capacidade do receptor da informação de produzir conhecimento e realizar o
exercício cívico), igualmente avaliado em cada uma das suas peculiaridades, o que
contribuirá para encontrarmos respostas sobre a relação entre comunicação e cidadania
plena. A melhor forma para entendermos esta relação foi por meio da compactação da
informação referente ao tema central dessa pesquisa em segmentos, o que denominamos
de Estado de Natureza, Contrato Social e Sociedade Civil. A metáfora contratualista
ganhará sentido ao longo da leitura dos próximos capítulos, pela dimensão teórica e
prática que ela representa para o exercício cívico.
57
A Representação do Estado de Natureza
“Poderá parecer estranho a alguém que não tenha
considerado bem estas coisas que a natureza tenha assim
dissociado os homens, tornando-os capazes de atacar-se e
destruir-se uns aos outros. E poderá, portanto talvez desejar,
não confiando nesta inferência, feita a partir das paixões, que a
mesma seja confirmada pela experiência. Que seja, portanto ele
a considerar-se a si mesmo, que quando empreende uma viagem
se arma e procura ir bem acompanhado; que quando vai dormir
fecha suas portas; que mesmo quando está em casa tranca seus
cofres; e isto mesmo sabendo que existem leis e funcionários
públicos armados, prontos a vingar qualquer injúria que lhe
possa ser feita”. (Hobbes, 1987, p. 76)
Ao introduzir este capítulo, adentramos na esfera da relação entre
estado de direito e sociedade civil mediada pelos telejornais. A característica dessa
esfera reflete um cenário de descrença, medo e insegurança. A despeito de se viver,
teoricamente, na era dos direitos
14
, o sistema de produção enfatiza diariamente a erosão
da lei, com a ausência crescente de punições efetivas para as condutas delituosas. A
anomia é o reflexo deste cenário apresentado como um fenômeno portador de
distúrbios, dúvidas e incertezas acerca de tudo, resultando em uma condição social em
que as normas reguladoras do comportamento perdem sua validade. Num cenário em
que prevalece a impunidade, a eficácia das normas está em perigo e, por conseqüência,
a sociedade ameaçada. Este estado anômico descreve uma realidade em que as
violações de normas não são punidas e a cultura do medo é disseminada.
As causas do medo e da discórdia são reveladas, com maior ou menor
intensidade, pelos telejornais de canal aberto, como veremos a seguir. Em todos, no
entanto, a desconfiança e a competição entre os homens são apresentadas de forma
perversa, fruto da imagem de um país em guerra. Não uma guerra real, com todos os
seus contornos, mas a disposição para a mesma, o que pode sugerir igual interpretação e
sentimento. É nesse contexto que visualizamos o cidadão brasileiro, metaforicamente o
homem hobbesiano, que vive sem acreditar que a estrutura vigente de poder seja capaz
de manter a todos com respeito. O mau funcionamento das instituições democráticas
assume, no metafórico estado de natureza, as mesmas características da não existência
de instituições, pois não garantem a vida, tampouco sua reprodução.
14
Essa referência é decorrente de uma gama de legislações em defesa dos direitos humanos e universais
construídos a partir da Revolução Francesa.
58
Sobre a construção simbólica do estado de natureza, ou de guerra, é
que iremos tratar neste segundo momento da tese. Primeiramente, abordando a crise da
legitimidade do estado de direito, ou seja, a suposta ausência de um poder capaz de
conquistar a paz, a confiança e o respeito do cidadão brasileiro. Desta crise, fruto da
imagem negativa do Poder Público, caberá a análise da variável independente
improbidade administrativa (omissão, corrupção e ineficácia burocrática do aparelho
estatal) que, em parte, explica a desconfiança sistemática no estado de direito. Essa
variável contribui para o entendimento da constituição de um cenário pouco alentador,
mas que se torna agravante diante do segundo tópico, o da fragilidade da legalidade do
país. A impunidade e a crise da legitimidade do estado de direito marcam a instabilidade
do Estado, revelada nos telejornais com desalento e pessimismo.
O mergulho na anarquia anômica do estado de guerra encontra sua
forma mais caótica e perversa no terceiro, e último, aspecto deste capítulo: a
criminalidade e a violência urbana. Neste ponto, o estado de direito encontra-se ainda
mais desacreditado e ameaçado, na medida em que perde seu aspecto exclusivista, ou
seja, de ser o único a ter o monopólio legítimo da força física. O crime organizado, a
violência disseminada em todas as esferas da vida social e a falência do sistema
penitenciário expressam os males da falta de estrutura definida e sólida do estado de
direito apresentado pelos telejornais e processado pelo cidadão comum, dominado por
uma avidez de compreender seu momento histórico.
Os aspectos aos quais nos propomos a tratar não expressam o fim do
estado de direito, mas a crise da soberania que está intimamente relacionada com a
realidade da política: a paz e a guerra. A incapacidade do Estado de impor determinados
comportamentos – como o controle das leis e da coerção física –, refletem o fim do
equilíbrio entre força e direito, segundo a argumentação de alguns telejornais, causando
um desalento em relação ao Estado.
A produção desse cenário de instabilidade, a qual fomenta o medo e a
insegurança, é interpretada pelo cidadão comum que, como foi salientado no capítulo
anterior, estabelece uma relação com os meios de comunicação, tornando-se um co-
produtor desse processo. Assim, a mídia televisiva não é produtora da corrupção do
aparelho estatal, nem da violência urbana, mas é parte do espectro que constrói uma
59
imagem negativa do contexto histórico vigente. O processo relacional entre emissão e
recepção revela, como veremos, o desgaste do poder político e seu efeito na cultura do
medo, presente no discurso e atitude do cidadão comum. É no momento da fala que a
elaboração da informação construída pela mídia se torna real e interage com as
experiências e angústias concretas do cidadão comum, que mesmo sem desejar reflete o
sofrimento do homem hobbesiano habitando o estado de natureza, e seu desejo racional
pela busca da ordem e de certezas quanto à vida.
2.1- Estado de direito e a legitimidade ameaçada
Antes de tratarmos das abordagens feitas pelos telejornais sobre a
questão da legitimidade, devemos fazer certas considerações de cunho teórico e
empírico, fruto da experiência com os grupos focais.
Comecemos por considerar que não há Estado que não almeje como
meta a busca pelo consenso, adesão social; mas, para assegurar a obediência sem o uso
da força é necessário salientar que algumas variáveis atuam para a determinação dessa
condição. A mais importante de todas é a crença no regime e no exercício do poder
político. O que está em questão é a aceitação das instituições e a conformidade entre
regime e governo que garanta os valores fundamentais da vida política. Por ser esta uma
variável essencial, a crise das instituições políticas pode gerar uma crise de
legitimidade. Quem legitima o regime legitima, também, o governo, desde que se
verifique o cumprimento da finalidade elementar do Estado, que para o cidadão comum
é a garantia do desenvolvimento econômico, da igualdade e a segurança pública.
Quando não há equilíbrio e possibilidade para a realização dessas metas, o poder
político encontra grandes dificuldades para manter a lealdade de seus membros. É certo
que a quebra do pacto entre governantes e governados nem sempre expressa a
concepção mais radical de contestação, ou seja, de uma prática revolucionária, com o
fim desse tipo específico de Estado, pode ser apenas revelada na indignação e
insatisfação de seus membros.
Em nossas observações foi possível perceber que o cidadão comum
atua muito mais no campo da indignação, reflexo da revolta que sente diante da
60
comunidade política, do que propriamente da ação cívica ou revolucionária. Essa atitude
mais contida tem como característica apenas a negação da realidade social, sem que
ocorra uma predisposição concreta de luta, o que acaba por definir a incerteza de um
processo histórico na qual não se pode, ou se pensa que não se pode alterar. O discurso,
por essa razão, é de frustração e impotência frente ao poder político que rege a
organização social.
Ao longo dos grupos de discussão, a perplexidade frente à
administração pública foi unânime Os entrevistados demonstraram grande descrença na
capacidade do Estado de gerir uma estrutura que combatesse a pobreza, o desemprego e,
principalmente, a falta de segurança, considerada como essencial para a sobrevivência
de qualquer sociedade. Tal relato expressa que a ação estatal é incapaz de compatibilizar
seus interesses com o sistema de crenças do cidadão comum, que com freqüência sente
que não é representado pelo Poder Público. A falta de garantia de que o Estado cumpra
as suas promessas e crie condições de proporcionar uma vida digna – que passe pelo
consumo e apropriação de bens e forneça uma estrutura que conduza à paz e certeza
quanto à vida – são os principais fatores da descrença.
Embora os entrevistados demonstrassem clareza em seus
posicionamentos frente àquilo que consideram essencial para a reprodução da vida, bem
como o papel que acreditam ser do Estado (pensado com freqüência muito mais como a
figura do Executivo do que do Legislativo, seja nos âmbitos municipal, estadual e,
principalmente, federal), apenas dois, dos dezesseis entrevistados, disseram ter uma
prática política de contestação, atuando, por exemplo, em partidos políticos ou grupos
de pressão. O agir civicamente não diminui a insatisfação em relação ao Estado, em
alguns casos parece até acentuar a angústia por se darem conta do quanto são
impotentes frente ao poder político. Porém, como falaremos no Capítulo IV, o que
parece sobreviver é uma ação coletiva voluntária, distante do cenário desacreditado da
macropolítica e próximo, como descreveu Tocqueville (1969) em Democracia na
América, do cotidiano imediato do cidadão comum.
Quando indagados sobre a credibilidade no governo, encontramos
respostas como:
61
Cíntia: Você elege as pessoas para te representar e
elas só brigam pelos seus próprios interesses. O
presidente só viaja e os deputados só brigam pelo
salário deles.
Marco: A questão é sempre o dinheiro.
Vinício: Há um problema organizacional, ético,
político, social, fruto do mundo globalizado, do
neoliberalismo.
Marta: Falta respeito por parte dos governantes.
O principal aspecto presente na fala do cidadão comum é o desalento
em relação ao poder, decorrente de dois fatores: o primeiro, é a falta de confiança na
ação política dos governantes orientada para atingir o bem comum; o segundo, a crença
de que mesmo quando bem intencionados, os governantes não conseguem agir em prol
do interesse público. Diante desse quadro, os entrevistados revelam que são as
verdadeiras vítimas do sistema quando o Estado não desempenha suas funções
essenciais em relação aos fatores econômico, organizacional, ou mesmo de falta de
comprometimento com a administração pública. Embora as definições das formas de
governo, dos regimes políticos e dos sistemas econômicos sejam construídas numa
justaposição de idéias, o que se pretende defender é a crise da soberania nacional, ora
por apresentar o poder da comunidade supranacional acima da esfera nacional, ora por
afirmar que o Estado é controlado pelo mercado. Tanto num caso, como no outro, o
cidadão comum defende a tese de que a titularidade do poder não representa a
efetividade de seu exercício, sua legalidade. Esse posicionamento foi reforçado quando
perguntamos aos entrevistados se seria possível mudar a realidade atual do país com o
novo presidente da república (Luiz Inácio Lula da Silva). Nesse momento, tivemos a
confirmação do quanto a soberania nacional está desacreditada.
Maria: Se pensarmos no estatuto do partido, eu acho
que sim. Mas não podemos nos esquecer que o Bush
quer mandar no mundo.
Marco: Eu não sei não, a verdade é que precisamos
saber se os donos do Brasil, os empresários, vão
deixar. É preciso que a maioria dos governantes se
una, mas eles não têm força ou não querem nos
ajudar.
Marta: É preciso saber como mudar o país. Tem que
acabar esta doutrinação em relação aos EUA.
62
Um fator determinante para explicar os tipos de respostas dadas pelos
entrevistados é que a maioria dos mesmos viveu, ou vive, período de longa inatividade;
quando empregados, sobrevivem em condições precárias. Não por acaso, a questão
econômica desfavorável contribui para a manifestação de insatisfação com o Estado,
garantidor de direitos. A falta de confiança decorre do sentimento de que foram
abandonados pelo Estado e da crença de que um Estado legítimo deve perseguir como
fim a constituição de uma sociedade justa e igualitária, se não o faz é porque não tem
razão de existência. Para todos os entrevistados, embora nem sempre consigam definir
com palavras suas indignações, fica claro que a estrutura estatal está em contradição
com a evolução e interesses da grande maioria dos cidadãos brasileiros e, dessa forma,
deve ser modificada.
Não obstante o cidadão comum se mostrar crítico diante da postura
assumida pelo Poder Público, não encontramos indícios de que exista interesse ou
predisposição em lutar pela transformação radical da estrutura do Estado, ou o seu
próprio fim, assim como em momento algum expressaram um desejo pelo fim do
regime democrático. O que detectamos no discurso do cidadão comum foi um
reconhecimento de que poderiam fazer algo diante da crise da legitimidade, seja
fortalecendo-se em organizações, seja buscando na Justiça um amparo legal.
Este processo de não se eximirem de culpa diante da crise da
legitimidade do Estado é acentuada quando apresentamos algumas mensagens
televisionadas sobre corrupção, ineficácia e omissão do Poder Público. O processo de
interiorização e de elaboração de informações provenientes da televisão resulta em
maior indignação e perplexidade em face ao Estado. O processamento da imagem do
poder público passa a interagir com as experiências e dificuldades cotidianas,
fomentando uma reflexão complexa e pouco alentadora do estado democrático de
direito. Os telejornais contribuem muito mais para uma visão pessimista das relações de
poder do que propriamente crítica. De toda a informação processada, grande parte
refere-se à crise institucional do Estado, ora destacando sua deterioração, segundo o
gráfico nº 1, construído a partir do material coletado entre os meses de setembro de
2002 a junho de 2003, ora contribuindo para a elaboração o processo de (des)
construção de suas bases legítimas.
63
PANORAMA GERAL DOS TEMAS
0,0%
10,0%
20,0%
30,0%
40,0%
50,0%
60,0%
ESTADO DE
NATUREZA
CONTRATO
SOCIAL
SOCIEDADE
CIVIL
Gráfico nº 1
Segundo os dados do gráfico nº 1, Panorama Geral dos Temas, mais
de 50% da informação selecionada neste estudo é definida no sentido da (des)
construção do estado democrático de direito, intitulado como “estado de natureza”. Em
comparação com os demais blocos de mensagens, a vantagem das informações que
estimulam a incerteza, insegurança e o medo é demasiadamente grande e perigosa para
a relação entre Estado e sociedade civil. Este bloco de mensagens, definido como estado
de natureza, contempla três temas centrais, segundo o gráfico nº 2:
64
ESTADO DE NATUREZA
0
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
CRISE DA
LEGITIMIDADE
IMPUNIDADE INSEGURANÇA
Gráfico nº 2
Não obstante a importância dada pelos telejornais na seleção das
questões sobre as crises da legitimidade, da legalidade e da segurança pública, o amplo
ambiente informacional do cidadão comum revela que a falta de confiança não é fruto
exclusivo da mensagem televisionada. Os telejornais assumem um papel relevante, na
medida em que reafirmam questões presentes na cultura e no cotidiano do cidadão
comum sem apresentarem alternativas, dentro da própria estrutura do estado de direito,
sobretudo para conter os desequilíbrios e excessos. No quadro de mensagens do estado
de natureza encontramos, primeiramente, um conjunto de informações sobre a
improbidade administrativa do Poder Público que, quantitativamente, representam uma
parte significativa da informação, como fica claro na tabela nº 2 e no gráfico nº 3:
65
Tabela nº 2:
Administração
Pública
JORNAL
NACIONAL
JORNAL DA
BAND
JORNAL DA
RECORD
CIDADE
ALERTA
TOTAIS
OMISSÃO 15 10 11 5 41
36,59% 24,39% 26,83% 12,20% 100,00%
CORRUPÇÃO 55 19 99 15 188
29,26% 10,11% 52,66% 7,98% 100,00%
INEFICÁCIA 2 1 5 0 8
25,00% 12,50% 62,50% 0,00% 100,00%
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
0,00%
20,00%
40,00%
60,00%
80,00%
100,00%
120,00%
O
M
I
S
S
Ã
O
C
O
R
R
U
P
Ç
Ã
O
I
N
E
F
IC
Á
C
I
A
CIDADE ALERTA
JORNAL DA
RECORD
JORNAL DA
BAND
JORNAL
NACIONAL
Gráfico nº3
66
Os subtemas (omissão, corrupção e ineficácia) relacionados sintetizam
um conjunto de condutas do Poder Público interligadas e justapostas. A separação é
apenas didática, visto que contribui para a visualização dos aspectos ligados à
construção da informação, como o tipo de linguagem, retórica, enquadramento etc.
A importância dos subtemas relacionados à administração pública
pode ser definida com a compreensão do conceito de improbidade administrativa, que
dada a sua amplitude, carrega consigo os demais aspectos da relação negativa
estabelecida com o Poder Público. É comum confundir ato de improbidade
administrativa com ato ilegal e lesivo ao patrimônio público, ligado à corrupção, como
única forma de compreender esse conceito. Devemos mencionar que a má qualidade do
serviço público, quando ineficaz ou omisso, como veremos mais adiante, também é
considerada como improbidade administrativa.
Embora a improbidade administrativa incida muito mais na esfera do
Poder Executivo, dado que o ato de governar abre um vasto campo de atuação para os
agentes público, propiciando condições favoráveis à prática de atos inescrupulosos, as
demais esferas de poder também apresentam improbidade administrativa, como o
Legislativo e o Judiciário. Em decorrência da sua importância, trataremos mais adiante
do Poder Judiciário. Por ora, vamos nos ater apenas ao Executivo e ao Legislativo.
Normalmente concentrada no segundo bloco de informações, a
questão da improbidade administrativa no Poder Público é divulgada com grande
freqüência nos telejornais Nacional, Band e Record. Dentre as mensagens sobre a
questão da improbidade administrativa, sobretudo em relação à corrupção no Poder
Público, ressaltamos:
1- Cobrança de propinas na venda da Vale do Rio Doce.
2- Obras sem licitação, licitações falsas e enriquecimento ilícito.
3- Uso da máquina administrativa em campanha eleitoral.
4- Governadores e Prefeitos acusados de lavagem de dinheiro.
5- Fiscais e auditores da Receita presos após tentativa de extorsão.
6- Tráfico de influência envolvendo parlamentares.
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7- Corrupção em empresas de ônibus envolvendo prefeitura.
8- Golpe de estelionato em companhia de ônibus; funcionários da prefeitura de São
Paulo são acusados de envolvimento.
9- Deputado é preso sob acusação de usar dinheiro público na captação de votos.
10- Deputado dá propina a outros deputados, visando à sua reeleição no comando da
Assembléia.
11- Deputado envolvido na venda de Habeas Corpus para traficantes.
12- Ex-prefeito de São Paulo e as contas em paraísos fiscais.
13- Envolvimento de senador no caso dos grampos na Bahia.
14- Dinheiro ilícito é usado em campanha de ex-governador de Mato Grosso.
15- Ex-governador do Espírito Santo é investigado pelo desvio de dinheiro público.
16- Governadora do Rio Grande do Norte é investigada por ter conta na Suíça.
17- Sindicância sobre empresa que deveria ter prestado serviços de correspondência,
mas não o fez durante julho de 2002 a janeiro de 2003.
18- Prefeito de Porto Seguro é afastado após denúncia de desviar dinheiro de
merenda e material escolar.
19- Ex-Secretário de Esportes do Rio de Janeiro é acusado de envolvimento com
traficantes.
20- Parlamentares envolvidos na venda de candidaturas.
21- Candidatos presos por venda de votos.
22- Vereadores em São Paulo sob investigação do Ministério Público.
23- Falta de decoro parlamentar no caso dos vereadores de São Leopoldo para a
escolha do presidente da Câmara.
24- Cassação de parlamentar que cobrava propina para fazer oposição ao prefeito na
Câmara.
25- Envolvimento do Governador do Distrito Federal em grilagem de terras.
26- Cobrança de taxa de lixo e iluminação inconstitucional.
27- Afastamento de auditores fiscais pelo desvio de milhões de dólares. Investigação
sobre a produção de fitas de vídeo que mostram a cobrança de propinas.
Remessa ilegal de dólares para paraíso fiscal.
28- O caso de desvio de 68 milhões de dólares da Sudam. Envolvimento de
deputado federal, facilitador do esquema.
68
Apesar da divulgação dos temas acima tenha, por si só, um cunho
político e, implícita ou explicitamente, faça menção ao debate sobre a negação dos
princípios de legalidade, impessoalidade e moralidade prevista no texto constitucional,
o Jornal da Band limita-se a informar o fato sem a preocupação em fazer conhecer
aspectos pertinentes às ordens política e jurídica em questão. O Jornal Nacional
acompanha esta tendência, pouco interessado em um debate mais profundo e analítico
dos acontecimentos. É possível constatar que a postura dos dois telejornais tende à
construção de uma imagem predominantemente imparcial e objetiva em relação aos
fatos que envolvem a administração pública. Os jornalistas não se posicionam de forma
crítica, o que ocorre são alguns segundos se silêncio, expressões de indignação e/ou
perplexidade, sinalizando uma forma de protesto. Reforçando a postura supostamente
imparcial, tanto o telejornal da Band como da Rede Globo, o orador não se limita ao
jornalista, com freqüência são ouvidos os interessados e envolvidos no conflito,
sugerindo um processo democrático e objetivo no processo de comunicação.
A suposta objetividade das notícias, no entanto, não é suficiente para a
compreensão dos fatos pelo cidadão comum, mesmo porque no processo de seleção do
que deve ser notícia, nem todos os dados são interpretados e divulgados como
importantes, o que gera a impossibilidade de entendimento, por exemplo, da definição
sobre ato de improbidade administrativa, seja em relação à Constituição, art. 37, ou em
relação à lei n° 8.429, de 2/6/92, na qual os atos de improbidade administrativa são
classificados em três modalidades distintas: enriquecimento ilícito; prejuízo ao erário; e
os atos que atentam contra os princípios da administração pública. Outro fator pouco
divulgado é o sistema de penas. As penalidades previstas na Constituição Federal para o
ato de improbidade administrativa, como suspensão dos direitos políticos, ressarcimento
ao erário e indisponibilidade dos bens não são difundidos. Assim como também não se
menciona o art. 12 da lei supra, que instituiu a multa, a proibição de contratar com o
Poder Público ou de receber incentivos fiscais e creditícios.
Em nenhum momento dos dez meses de realização dessa pesquisa nos
deparamos com mensagens que tivessem uma linguagem didática para orientar o
telespectador no sentido do seu papel fiscalizador diante dos atos negativos praticados
pela administração pública, quer no âmbito do Poder Executivo, do Legislativo ou do
Judiciário. Embora o patrimônio público e a moralidade administrativa, em diversos
69
momentos, tenha sido ameaçada, como fica explícito no conteúdo das mensagens
televisionadas, o cidadão comum nada compreende de seu papel como agente histórico
transformador por meio da informação divulgada nos telejornais. O caráter enunciativo
das mensagens apenas contribui para a perplexidade da ação do Poder Público, mas não
avança no sentido do entendimento profundo e analítico da questão abordada. A questão
latente é que a informação produzida pelos telejornais gera indignação e pouco
movimento cívico.
A conclusão a que chegamos acima não sofre alterações quando
analisamos os outros dois telejornais, ambos da emissora Record. Embora no caso do
Jornal da Record, ao contrário dos jornais da Band e Nacional, a utilização da retórica
crítica e/ ou com juízo de valor para a exposição dos fatos seja bastante freqüente, como
fica claro nas tabelas nº 3, 4 e 5, o propósito da parcialidade, todavia, não aponta para a
manifestação da necessidade de um comportamento cívico. A crítica reforça a
perplexidade, sobretudo pela forma como o discurso do âncora é construído. Sempre
incisivo e firme em seus posicionamentos, Boris Casoy transmite a certeza da existência
de um Poder Público desestruturado e falido. Em relação à retórica juízo de valor, esse
posicionamento é ainda mais marcante. Expressões como “Isto é uma vergonha!”, ou
“Tudo acaba em pizza com uma bela sobremesa de marmelada”, são características
desse telejornal quando apresentado por Boris Casoy. A crença na opinião do âncora
aumenta quando o telejornal não é apresentado pelo mesmo, e seu substituto se mantém
neutro, imparcial. Para o cidadão comum, este fato revela que o âncora é autônomo,
pode e diz o que pensa sem medo, independente da opinião da emissora, e por essa
razão certamente fala a verdade. Mais do que os demais telejornais, o telejornal da
Record constrói a informação no sentido de gerar indignação frente aos acontecimentos,
sem apresentar canais de contestação.
Os dados que se seguem demonstram como a retórica foi construída
em cada telejornal, segundo os três segmentos que definem o estado de natureza.
70
Tabela nº 3
Administração-Retórica
JORNAL CRÍTICA JUIZO VALNEUTRA PROPOS
BAND 1 1 26 0
CIDADE ALERTA 2 6 7 0
NACIONAL 3 6 51 0
RECORD 20 9 66 0
Tabela 4
Impunidade
JORNAL CRÍTICA JUIZO VALNEUTRA PROPOS
BAND 0 2 7 0
CIDADE ALERTA 0 1 3 0
NACIONAL 0 0 20 0
RECORD 7 11 6 0
Tabela Nº5
Segurança Pública
JORNAL CRÍTICA JUIZO VALNEUTRA PROPOS
BAND 2 29 115 1
CIDADE ALERTA 13 33 18 0
NACIONAL 6 25 88 1
RECORD 6 20 114 0
Podemos concluir que as tabelas apontam para o fato de que, exceto
em relação às mensagens sobre segurança pública, apenas o Jornal da Record se
posiciona de forma crítica em relação às legitimidade e legalidade da administração
pública, chamando a atenção do telespectador para as especificidades dos atos que
envolvem a improbidade administrativa e a impunidade. Não obstante os dados serem
alentadores quanto ao papel desse telejornal, o ator principal da contestação e a
legislação em debate não fazem menção à sociedade organizada como esfera ampliada
do Estado. Em grande parte das mensagens veiculadas, o Ministério Público é
mobilizado como o salvador da pátria, dada a sua competência prevista no artigo 129 da
Constituição Federal, não que essa instituição não tenha seu mérito, ao contrário, mas a
limitação da atuação política nos membros da esfera institucional acaba por refletir a
71
suposta impotência do cidadão frente à administração pública, aumentando o desalento
e sua total ignorância frente aos instrumentos institucionais criados a seu favor.
Além disso, a retórica que expressa um juízo de valor revela, tanto
para o Jornal da Record como nos telejornais Nacional e Cidade Alerta, um
posicionamento conservador. Toda expressão valorativa conduz a argumentação da
necessidade de um Estado centralizador e enérgico, que utilize a coerção como
instrumento para manter a ordem e a estabilidade social. O mesmo em relação à
legislação vigente e em tramitação no Congresso, a qual discutiremos mais adiante.
A imagem divulgada sobre o atual estado de direito é, sobretudo no
Jornal da Record, de um Estado fraco e corrompido, marcado pela impunidade. Boris
Casoy, ao apresentar as matérias sobre atos de improbidade administrativa ressalta, com
freqüência, que não conhece nenhum parlamentar, juiz ou membro do Executivo que
tenha ressarcido os cofres públicos ou que tenha sido punido pela Justiça. A retórica é
predominantemente valorativa, que mesmo sem perder seu caráter denunciativo, não
propicia o entendimento do telespectador sobre o processo administrativo (na qual
qualquer cidadão pode representar à autoridade administrativa competente para que seja
instaurada a investidura destinada a apurar a prática de ato de improbidade
administrativa, art. 14). Outro aspecto que deve ser mencionado diz respeito à
competência para processar - Ação Popular, Ação Civil Pública, medidas cautelares
etc.-, e julgar a ação de responsabilidade civil por ato de improbidade administrativa, o
que não é mencionado por nenhum dos telejornais aqui investigados.
Normalmente, os fatos que envolvem as questões sobre legitimidade,
impunidade e segurança pública são selecionados sem grandes variações entre os
telejornais Nacional, Record e Band. Em essência, as mesmas notícias são divulgadas
pelos três telejornais, o que sofre alteração é o tipo de retórica adotada na apresentação
dos fatos, mais, ou menos, crítica, com juízo de valor ou não, e até mesma propositiva.
Porém a predominância da apresentação dessas notícias condiz com o objetivo de adotar
uma linguagem informativa e uma retórica neutra, sem adentrar aspectos jurídicos e
cívicos presentes na questão abordada.
72
O enquadramento é uma categoria analítica de grande importância
para definirmos a produção diária dos telejornais, quando são reveladas as evidências e
o tipo de escolha. No caso da administração pública, consideramos quatro tipos de
enquadramentos, como podemos acompanhar no gráfico nº 4.
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
ENQUADRAMENTO
0
10
20
30
40
50
BAND
CIDADE
ALERTA
NACIONAL
RECORD
ENQUADRAMENTO
VICO
ENQUADRAMENTO
ESTRATÉGICO
ENQUADRAMENTO
MORAL
ENQUADRAMENTO
DRAMÁTICO
Gráfico nº 4
Corroborando com Cappella e Jamieson (1997), percebemos que os
telejornais utilizam o enquadramento estratégico para chamar a atenção da recepção
sobre a ação persuasiva dos políticos, contribuindo significativamente para a descrença
e pessimismo em relação à ação política.
O Jornal da Band não assume uma linha definida de saliência dos
fatos, ora são destacados os aspectos estratégicos, ora a questão moral e dramática é
mais explorada. Os Jornais Nacional e da Record também constroem a notícia segundo
o enquadramento estratégico, porém grande parte da informação é apresentada por meio
do enquadramento moral. Em relação à Record, quando o telejornal é apresentado por
Boris Casoy, recorre-se com freqüência ao enquadramento que explora uma crítica
moral da política, ressaltando os aspectos da irresponsabilidade, ineficácia e
irracionalidade do poder público, adotando, assim, um enquadramento moral. No Jornal
Nacional, o enquadramento moral é menos explícito, o âncora faz certas expressões de
indignação, pausas e até reage ironicamente diante da apresentação de charges ao final
73
da exposição de fatos que envolvem a administração pública. O Cidade Alerta, embora
com características distintas dos demais telejornais, procura enquadrar as mensagens de
forma similar ao Jornal da Band, ora tendendo ao estratégico, ora ao dramático e moral,
sem canalizar grandes esforços nesta direção, visto que seu foco de análise é a ação
policial.
Os efeitos do enquadramento dependem muito dos subtemas
relacionados à administração pública (corrupção, omissão e ineficácia) que estão sendo
divulgados. Não é possível visualizar um padrão para definir a formação da opinião
pública que reflita um comportamento homoneo. O cidadão comum sofre maior ou
menor influência do tipo de enquadramento em função da importância que alguns temas
têm em detrimento de outros no de seu contexto social.
Em relação à improbidade administrativa, um dos enfoques mais
reverenciados ao longo dos grupos de discussão foi a corrupção. A perplexidade em
relação às informações sobre esse tema leva o cidadão a desacreditar na eficácia das
instituições democráticas, sem, contudo, desenvolver nenhum tipo de saudosismo em
relação à ditadura. O que detectamos é a construção de um discurso sarcástico e irônico
quanto à falta de estrutura do regime de governo democrático em conter os abusos do
poder. No período ao qual nossa pesquisa se ateve, grande parte da informação sobre
corrupção envolveu o escândalo denominado pela mídia televisiva como O caso
Silveirinha. O processo de compreensão sobre o esquema de corrupção foi pouco
assimilado, do ponto de vista teórico, mas revelou grande capacidade de identificar que
esse caso em questão é parte da estrutura do Estado que se encontra falida.
Quando indagados sobre a percepção dos casos polêmicos que
envolvem improbidade administrativa, o grupo de discussão, estimulado pelas imagens
dos telejornais, forneceu respostas muito evasivas e pouco consistentes.
Bruno: O que eu sei, em função do que disse o
próprio advogado deles, é que foi uma empresa do
Rio que os denunciou. Foi tudo muito rápido, de
uma hora para outra todo mundo estava sabendo do
dinheiro na Suíça.
Carlos: Eu não acompanhei muito estas reportagens,
embora eu assista aos jornais diariamente, mas
acredito que tenha a ver com o Garotinho. No
74
começo falavam uma coisa, agora estão colocando a
culpa na Rosinha. Todos são farinha do mesmo saco.
Não podemos confiar em ninguém, sempre foi assim
e sempre será. Não vale nem a pena tentar entender
o que está acontecendo.
Marta: O pouco que eu sei é que todos eles estão de
comum acordo, todos são corruptos. O dinheiro foi
embora de comum acordo com o Garotinho.
Arrumaram um testa-de-ferro. Um joga a culpa no
outro. No final das contas, ninguém é incriminado.
Se por um lado é verdade que a televisão contribui para evidenciar
certos temas em detrimento de outros, é certo também que nem sempre o telespectador
deseja, ou necessita compreender e assimilar seu conteúdo. Para o cidadão comum, a
informação sobre o caso Silveirinha é apenas mais uma sobre o esquema de corrupção,
num país saturado de escândalos. O pouco interesse em saber em profundidade as
conseqüências do esquema de corrupção envolvendo auditores da Receita Federal e
políticos passa pela descrença da eficiência do Poder Público em punir os culpados. Nas
diversas vezes em que o caso Silveirinha foi mencionado, os entrevistados fizeram uma
imediata associação com o caso Georgina de Freitas e a quadrilha que extorquiu
milhões do INSS, afirmando que não estavam diante do primeiro e nem do último
esquema de corrupção do país. Por meio dessas declarações, percebemos a construção
de uma memória a partir da mensagem televisiva. Ainda que sem a pretensão de
organizar a notícia em torno da memória do telespectador sobre os acontecimentos,
como aponta Wolf (1995, p.146) ser o papel da imprensa, a televisão contribui para um
tipo de memória seletiva, como associar Silveirinha com Georgina de Freitas.
Em relação a este mesmo tema, buscamos o entendimento do segundo
grupo de discussão, que não foi estimulado pelas imagens televisivas, visando a captar a
compreensão do fenômeno sem a nossa interferência direta. O objetivo foi estabelecer
as diferentes percepções entre os dois tipos de grupos de entrevistados. Para nossa
surpresa, as respostas não diferiram muito, pelo menos não de forma substantiva.
Perguntamos se eles haviam acompanhado as notícias sobre a máfia dos fiscais:
Geraldo: Mais ou menos. A única coisa que eu
lembro é da armação que eles fizeram e do
Silveirinha dizer que não tinha nada a ver com isso.
Que palhaçada.
75
Jane: Eu vi que eles alegavam que não sabiam de
nada, mas é impossível que sumam milhões de
dólares do Estado, sem que ninguém saiba de nada.
Contas são abertas na Suíça e ninguém sabe de
nada? Que mentira.
Vitor: Isto vai acabar em pizza. É como disse o
Boris, como pode entrar na minha conta milhões e
eu não saber de nada? Queria eu que alguém
colocasse dinheiro na minha conta. Eles pensam que
nós temos cara de otário. O Ministério Público tem
que apurar os fatos, não é isso? – Até bem pouco
tempo a culpada de tudo era a Benedita, agora
descobriram que o dinheiro que faltou para pagar o
funcionalismo público foi depositado na Suíça na
conta do Silveirinha. Será que o Garotinho sabia do
que estava acontecendo?
Helena: Eu não acompanhei essa notícia, não prestei
muita atenção, mas acho que não vai dar em nada.
Lúcia: Coitado do Garotinho – diz ironizando. O
Silveirinha deve ser o mais fraco desta história.
Laura: Eles têm que encontrar um culpado, não é
possível sumir tanto dinheiro e ninguém saber de
nada.
Durval: Sabe quem é o herói dessa história? Um ex-
funcionário do Garotinho. Eu acho que ele
denunciou porque prometeram alguma coisa para ele
e não pagaram.
Geraldo: Certamente foi isso mesmo (referindo-se à
resposta de Durval). Abriu o bico porque se sentiu
lesado.
Embora orientássemos as discussões em torno de temas que nos
ajudassem a compreender o papel da televisão na formação de uma visão crítica e
atuante, os depoimentos muitas vezes fluíam livremente. Durante as discussões, tanto
no primeiro grupo, como no segundo, havia uma tendência a orientar o debate em torno
de questões referentes ao cotidiano dos entrevistados. Esses foram os momentos de
maior descontração e envolvimento de todos, quando vislumbramos os entrevistados
mais soltos e o grupo mais coeso ao compartilhar suas experiências e indignações frente
à postura assumida pelo Poder Público. Para facilitar, em alguns momentos alteramos o
foco das discussões, buscando aproximá-los da realidade concreta vividas por eles,
favorecendo a discussão e a utilização de um repertório de exemplos, fruto da
experiência de cada um dos integrantes dos grupos.
76
Nem todos os participantes residem na cidade de Barra Mansa, local
em que os grupos de discussão foram realizados, mas a proximidade das cidades
vizinhas como Volta Redonda, Resende, Porto Real, Quatis e Barra do Piraí, tornava a
todos muito cúmplices das dificuldades enfrentadas pelos membros da equipe que
compunha cada grupo. Assim, percebemos que as mensagens televisionadas ganham
significados e importância diferenciada a partir do contexto social em que os
entrevistados estão inseridos. No primeiro grupo, um exemplo deste fato ocorreu após a
fala de uma das entrevistadas sobre o caso Silveirinha.
Cíntia: O que dizer sobre o Silveirinha e os outros
bandidos? Eu não sei o que dizer dessa história. Só
sei que tenho muita raiva do que vejo e escuto. Sabe,
estou sem décimo-terceiro, sem férias e o pagamento
atrasado e eles metendo a mão em tudo. Agora eu sei
porque não recebi ainda. Estou cansada, não acredito
em Justiça.
Cíntia é funcionária pública do Estado do Rio de Janeiro, servente de
uma escola. Sua reivindicação era concreta: receber o décimo-terceiro salário e as férias
do ano de 2002, o que só ocorreu em 2003, de forma parcelada. Seu depoimento acabou
por sensibilizar e orientar a discussão ocorrida posteriormente. A fala dos demais
integrantes do grupo nos levou a identificar a importância que os telejornais locais
assumem para explicarem a dinâmica dos problemas da esfera nacional.
No segundo grupo de discussão, um fato similar marcou a passagem
de uma reflexão mais abrangente para um problema localizado, propiciando o mesmo
tipo de efeito, ou seja, de envolver o grupo numa mesma sintonia compartilhada entre
todos os membros. Os depoimentos foram contundentes no sentido de demonstrar que a
força política de cada um dos integrantes do grupo era extremamente pequena diante
dos diversos esquemas de corrupção que marcam a história da administração em nosso
país.
Geraldo: Não vale a pena falarmos sobre corrupção.
Se você se envolve corre risco de vida porque
começa a atrapalhar os maiores envolvidos. O caso
Silveirinha reflete o nosso Brasil. Por experiência
própria eu tive a oportunidade de ver coisas
acontecendo no meu trabalho Eu sabia de todos os
77
esquemas, a gente sempre sabe, mas eu não queria e
nem podia me envolver, por isso eu decidi pedir as
contas. A melhor coisa que a gente faz é ficar
calado.
Em outros momentos dos grupos de discussão diagnosticamos o
mesmo tipo de argumentação, ou seja, de medo e apatia frente à corrupção do país. A
sensação de impotência cresce na medida em que as questões apresentadas se
distanciavam do cotidiano do cidadão comum. Como na esfera local as dificuldades de
transformação são muitas, os entrevistados descrevem as questões nacionais como
completamente intransponíveis. A descrença e o medo revelam a falta de autonomia do
cidadão comum frente ao Poder Público, mesmo quando estão diante de questões que o
afetam diretamente, por omissão ou ineficácia do Poder Público. Em relação a esse
tópico, destacamos as mensagens abaixo como referencial para a análise de conteúdo e
como fonte de dados para avaliarmos a audiência do cidadão comum.
1- Falsos médicos atuam em Tatuí. Falta de fiscalização propicia este tipo de ação.
2- Falta remédio em hospitais. Dona-de-casa morre por não ser medicada
adequadamente com quimioterapia.
3- O laboratório Enila é responsável pela morte de mais de 20 pessoas que
utilizaram o contraste Celobar, contaminado com substâncias tóxicas, como o
carbonato de bário, usado na fabricação de veneno de rato. Crime contra a saúde
pública.
4- Omissão dos Conselhos Tutelares mantidos pelas prefeituras na defesa das
crianças e adolescentes causa a morte de uma criança.
5- Chuva forte provoca destelhamento, enchentes e outros problemas. Ruas sem
saneamento básico e asfalto.
6- Vigilância sanitária faz inspeção em hospital após a morte de uma criança.
7- Hospital universitário de Taubaté é acusado de provocar a morte de quatro bebês
que ingeriram medicamento com dosagem exagerada.
8- Hospital Ermelindo Matarazzo sob investigação do Ministério Público, denuncia
da população.
9- O laboratório Lens Surgical é responsável pela venda do metil celulose, gel que
causou a cegueira de várias pessoas.
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10- O laboratório Mediphacos é também responsável por comercializar gel
contaminado e provocar a cegueira em várias pessoas.
11- A casa de repouso Canaã está sob investigação da polícia por maus-tratos a
idosos.
O primeiro grupo, estimulado pelas imagens dos telejornais, não
apontou a omissão e/ ou ineficácia do Poder Público como o principal problema que os
atinge diretamente. Embora os temas acima tenham provocado certa indignação em
todos os entrevistados, a maior preocupação apontada é a falta de emprego, de salários
justos e da garantia de qualidade de vida. Segundo as discussões, todos os demais
problemas são menores diante da falta de recursos que proporcionem e assegurem uma
vida digna. Como as mensagens não eram todas sobre um mesmo assunto, percebemos
uma tendência dos participantes a orientar a discussão em função do tema considerado
mais relevante, sem se aterem muito aos demais assuntos divulgados. Com grande
freqüência, o tema mais discutido, e considerado como mais importante, passava direta
ou indiretamente pela questão econômica e a omissão ou ineficácia do Estado em
resolver este problema de forma adequada e definitiva, garantindo estabilidade para as
gerações futuras. O conhecimento está intimamente ligado ao interesse: ainda que os
meios de comunicação criem estratégias cuidadosamente planejadas para moldar a
opinião pública, se não houver interesse, também não haverá conhecimento processado
e interiorizado (Habermas, 1984).
Ao contrário do primeiro grupo, o que não foi estimulado pelas
imagens dos telejornais orientou a discussão de forma heterogênea, ora destacando os
aspectos sobre a corrupção do Poder Público, ora debatendo em torno das questões que
envolvem o tema da omissão e/ou ineficácia. De certa forma, a não estimulação levou
os entrevistados a associarem as reportagens durante o mês de junho de 2003 sobre o
Celobar e o gel contaminado como primordiais para serem discutidas. Todos atribuíram
grande preocupação e indignação à falta de fiscalização; além disso, apontaram que
poderiam ter sido vítimas da omissão do Poder Público por serem pobres e necessitarem
de hospitais e remédios distribuídos pelo governo. Da mesma forma como os telejornais
abordam os problemas mencionados anteriormente, a questão da saúde também não
recebe um tratamento diferenciado que vise a informar ao receptor seus direitos
constitucionais (art. 196 e 197).
79
Durante o mesmo período, os telejornais abordaram a maior
fiscalização da administração pública sobre a política de serviços dos planos de saúde,
sobretudo em relação ao aumento das mensalidades, mencionando a possível formação
de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar as irregularidades desse setor.
Nenhum dos dois grupos comentou o tema, ou fez alguma referência à sua importância.
O que era de se esperar, diante do contexto sócio-econômico dos entrevistados nesta
pesquisa: nenhum dos entrevistados afirmou ser possuidor de plano de saúde.
Corroborando Canclini (1992), para que as mensagens sejam interiorizadas é preciso
que o telespectador coopere com o processo, fornecendo significados novos ao texto
pré-processado. Assim, mesmo a televisão fornecendo uma agenda sobre elementos
específicos do cenário público, nem todos os temas têm a mesma relevância para o
cidadão comum. Segundo Wolf (1995), o grande esforço da mídia em evidenciar em
agenda temas tão diversos constitui uma fase de grande importância, mas de êxito
incerto, devido às múltiplas variáveis desse processo.
Em nossa avaliação sobre os grupos de discussão foi possível detectar
que fatores como freqüência e a temática voltada a questões da atualidade, nem sempre
atingem diretamente o cidadão comum. A televisão apresenta um papel pouco
favorável, na opinião dos entrevistados, para que os temas sobre o Poder Público sejam
mais facilmente compreendidos e assimilados por todos. Quando procurávamos saber
qual o grau de compreensão e reflexão sobre a administração pública, os entrevistados
justificavam a falta de conhecimento responsabilizando, em parte, a si mesmos, pelo
desinteresse e, em alguns casos, à própria mídia:
Vinício: O que eu quero dizer é que no começo as
matérias como a do Silveirinha aparecem com
grande destaque na mídia, depois vão sumindo e
ninguém mais fala no assunto. Agora só se fala na
guerra no Oriente Médio e a violência no Rio.
Marco: Quando a mídia quer, ela divulga. É como
disse o Vinício, agora são apenas notícias sobre o
“país risco” e a guerra. Quando a Benedita estava no
poder mostravam o Fernandinho Beira-Mar, agora
que é a Rosinha só falam no Silveirinha. A mídia faz
o que quer. A situação do Rio é muito ruim, vivemos
hoje um êxodo urbano.
80
Reforçando as conclusões anteriores, mesmo assumindo um discurso
crítico frente ao papel da mídia, o cidadão comum, com freqüência, utiliza a informação
proveniente dos meios de comunicação para expor suas ideais e opiniões, desde que
estejam diretamente presentes em seus cotidianos e em seu universo cultural. Assim
como Gamson (1995), a conclusão a que chegamos é que as discussões entre os grupos
ocorrem de forma relativamente coerente e estruturada a partir de certos
enquadramentos fornecidos pela mídia televisiva. Essa afirmação prova a importância
dos meios de comunicação como fonte de recurso para a elaboração e a organização das
idéias, mas não desmerece o papel ativo do telespectador nesse processo, visto que a
utilização da informação televisiva é seletiva.
Um exemplo da constatação acima pode ser medida com a
insatisfação social decorrente do grau de miséria que assola a realidade do cidadão
comum, que por si só já expressa um indicativo importante da desconfiança e descrença
no Poder Público. No entanto, a mídia, enquanto um referencial significativo de
informação, contribui para moldar a opinião acerca do movimento histórico e político
com maior destaque e relevância. Como foram apresentados, os telejornais analisados
nesse estudo dão pouca ênfase ao enquadramento cívico, o que faz com que o cidadão
comum atribua responsabilidade pelos problemas políticos e sociais aos políticos
enquanto indivíduos agindo isoladamente, em lugar de considerar as forças e fatores
sociais mais amplos, que possibilitaria a compreensão melhor do processo vigente e a
busca de alternativas coerentes e eficazes para a transformação do movimento de
contradição da vida pública.
O tema da legitimidade do estado de direito ganha seus contornos
mais bem definidos quando interpretamos, também, a impunidade e a segurança
pública, sendo que analisados em conjunto expressam a indignação do cidadão comum,
seus medos e inseguranças face à política e à ordem social.
2.2- A crise da legalidade
Segundo Bobbio (2000, p. 153), o que distingue legitimidade e
legalidade é o fato de que a primeira se refere à titularidade do poder, enquanto a
81
segunda diz respeito a seu exercício. No tipo de poder burocrático esta distinção é
bastante tênue, visto que o poder legítimo é aquele baseado em normas racionais (lei) a
que correspondem poderes seculares. Weber (1974, p. 172) afirma que:
no caso da autoridade legal obedecem-se aos ordenamentos
impessoais e objetivos, legalmente instituídos, e as pessoas por
eles designados com base na legalidade formal de suas
disposições no círculo de sua competência...”.
Nota-se que discutir a crise da legalidade, o chamado império da lei, é
discutir a crise da legitimidade do estado democrático de direito.
A descrença no Poder Público, como analisada anteriormente, não é
fruto somente de atos de improbidade administrativa, está também associada à
impunidade diante da prática criminosa. Se o imperativo da legitimidade (originária e
concomitante) constitui-se, ao lado do estado de legalidade, sobretudo pela ordem
constitucional vigente, em um dos pilares fundamentais de apoio da democracia, o
processo de impunidade e desrespeito à lei pode gerar uma crise de governabilidade.
Para o cidadão comum, no entanto, a estreita relação que define o estado democrático de
direito não parece muito clara. Sobretudo em relação à abrangência desse estado,
caracterizado pelos princípios da constitucionalidade, da democracia, da justiça social,
do sistema de direitos fundamentais, da igualdade, da divisão dos poderes, da legalidade
e da segurança jurídica; pouco se tem informação. Apesar disso, o cidadão comum sabe
identificar as fragilidades da democracia pela crise da legalidade, seja pela dimensão da
inconstitucionalidade que assola país, seja porque entende que a lei vigente só é
cumprida pela maioria desprivilegiada e carente, da qual ele é parte integrante.
A maior insatisfação em relação aos atos de impunidade decorre da
compreensão da relação entre lei e instituto da pena. O cidadão comum não conhece
todas as leis, nem mesmo todas as formas possíveis de punir os infratores, mas sabe que
há uma intrínseca relação que mantém as leis em vigor em função das penas que devem
ser aplicadas aos infratores. Essa relação não advém com a leitura sobre a legislação
atual, assim como da compreensão de casos concretos que assolam o país; o cidadão
comum carrega em seu discurso a compreensão do instituto da pena desde a sua
constituição originária, muito mais valorativa do que crítica, em que a lei só existe se
possuir capacidade para se fazer obedecer, momento em que surge a sanção, que lhe dá
82
força e obrigatoriedade. A maior ou menor sanção decorrerá do valor que se atribui ao
próprio ato transgressor, o que sugere leis fortes que não podem, ou não deveriam poder
ser revogadas.
Mesmo sem perceber a importância de seu discurso, o cidadão
comum, diante dos atos de impunidade, revela que a lei e seu cumprimento estão
ligados à idéia de autoridade. Se não são obedecidas é porque não há legitimidade da
autoridade para dar sustentação ao aparato legal. Este juízo de valor expressa as
primeiras leis ainda elaboradas na Antiguidade. A primeira, muito posterior a esse
período, é decorrente, para Ryrie (1991), da constituição do Éden, outorgada quando
existiu somente um homem na face da terra. O texto bíblico aponta para a necessidade
da obediência da lei para a preservação da própria vida:
Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem e o colocou no jardim
do Éden para o cultivar e o guardar. E lhe deu esta ordem: De
toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do
conhecimento do bem e do mal não comerás, porque no dia em
que dela comeres, certamente morrerás” (Gênesis 2:15-17).
Além da lei originária, ou autoridade originária, podemos percorrer
diversos textos bíblicos que denotam a força da lei diante do povo e até do soberano.
Em relação à subordinação desse último, devemos citar a história do rei Assuero, que
teve um império da Índia até a Etiópia. Segundo Ryrie (1991, p. 652), esse rei foi
enganado por seu conselheiro, chamado Hamã, e ditou uma lei que exterminaria todos
os judeus, que naquela época estavam sob seu governo. Denunciado, posteriormente,
pela esposa do rei, que era judia, este manda enforcar Hamã, mas quanto à lei, implorou
Éster, sua esposa, pedindo:
“ Em nome do rei, e selai-o com o anel do Se bem parecer ao
rei, se eu achei favor perante ele, se esta coisa é reta diante do
rei e se nisto lhe agrado, escreva-se que se revogue os decretos
concebidos por Hamã, filho de Hamedata, o agagita, os quais
ele escreveu para aniquilar os judeus que há em todas as
províncias do rei”, e a resposta de Assuero foi: “Escrevei, pois,
aos judeus, como bem vos parecer, em rei; porque os decretos
feitos em nome do rei e que com o seu anel se selam não se
podem revogar”.
Outro exemplo semelhante sobre a relação entre lei e autoridade,
ainda no pensamento bíblico, pode ser encontrado no livro do profeta Daniel, quando os
sátrapas do reino fazem o rei Dario estabelecer um decreto em que ninguém podia pedir
83
nada a ninguém, nem mesmo a Deus, senão ao rei, por um espaço de tempo de trinta
dias, visando, com isso, matar a Daniel, porque sabiam que ele orava três vezes ao dia
ao seu deus. Nos três casos, a lei não podia ser revogada em hipótese alguma, mas seria
cumprida como lei divina, sob a condenação da pena rigorosa ao transgressor. Ao ser
obedecida, a lei carrega consigo a autoridade do governante, fazendo-a conhecida e
obrigatória em todo território no qual seu poder se exerce. A autoridade, neste sentido,
está diretamente ligada às formas de se governar, relações de mando e obediência, ou
seja, princípio de dominação (Saldanha, 2003).
Em decorrência deste princípio, se não há obediência é porque há uma
crise de governabilidade e, para resolver esta questão, segundo o princípio da lei divina,
é preciso que as leis e penas endureçam para que sejam cumpridas seriamente, sem a
mínima possibilidade de revogação. O cumprimento da lei depende, em grande medida,
da pena a ela associada e da força da autoridade para impedir sua revogação. Ao
analisarmos os estágios da pena veremos que não existe uma gradação, partindo de uma
pena bruta, para se chegar à concepção atual (Bemfica, 1995). O que está em questão é
a sua aceitação e os mecanismos utilizados para evitar a infração. Se a justiça divina é,
por essência, “constante e imutável, pois as relações que existem entre dois objetos da
mesma natureza não podem jamais mudar” (Beccaria, 2003, p. 13), o mesmo não
podemos afirmar em relação à Justiça política, a Justiça dos homens, pois o estado
mutável da sociedade pode e varia constantemente. É por esta razão que
a moral política não pode oferecer à sociedade nenhuma
vantagem durável, se não estiver baseada em sentimentos
indeléveis do coração do homem. Qualquer lei que não estiver
fundada nessa base achará sempre uma resistência que a
constrangerá a ceder. Desse modo, a menor força, aplicada
continuamente, destrói por fim um corpo de aparência sólida,
pois lhe imprimiu um movimento violento”.
(Beccaria, 2003, p.
18)
Dois aspectos parecem comprometer a relação entre justiça e direito.
O primeiro advém da falta de compreensão das leis, de uma obscuridade que impede o
cidadão de interpretar seu texto. O segundo, da incapacidade de se fazer conhecer o
sistema de penas vigente e a seriedade com que ele é aplicado e aceito. Os telejornais
têm uma utilidade inquestionável nos dois sentidos, embora no primeiro caso nem
sempre a legislação é levada ao conhecimento do público, como apresentamos
anteriormente, sobretudo em relação à administração pública. Já o sistema de penas é
84
bastante ressaltado em determinados casos, muitas vezes para além da sua própria
constituição. Há um debate, principalmente travado no Jornal da Record, que apresenta
a impunidade não como uma crise de autoridade, mas como uma debilidade do sistema
de penas, brandas e pouco eficazes para combater os delitos praticados. Muitas
mensagens têm sido produzidas na tentativa de possibilitar uma análise sistemática em
relação ao sistema de penas adotado no país e o problema da impunidade no país. A
conclusão apresentada pela emissora Record é que se houver uma predisposição em
torná-las (as leis) mais eficazes e severas, o país viverá com mais segurança.
Por esta razão, verificamos que boa parte do que foi definido como
pena é hoje recuperado no discurso da mídia como forma de manter a segurança social.
Sendo a segurança um valor cada vez mais enaltecido, parece curioso percebermos o
quanto o Direito Penal está impregnado no discurso televisivo, um Direito que, pela sua
essência, é muito mais repressivo do que restitutivo, transformando o controle social
numa necessidade existencial.
Num breve histórico sobre as formas de sanção, nos deparamos com
punições / castigos superados sob o ponto de vista do sistema penal, sobretudo pela
importância que os direitos humanos passaram a adquirir historicamente, mas que com
freqüência tem sido utilizada pelos telejornais. Se começarmos pela Antiguidade,
dividiremos a evolução do Direito Penal em três fases. Na primeira delas encontramos a
vingança pessoal e violenta, uma justiça feita com as próprias mãos. Nesse caso, a
ofensa a um único indivíduo passava a ser de todo o grupo ao qual ele pertencia,
resultando em contendas e até guerras eternizadas pelo ódio. Numa segunda fase,
prevalecia para o crime praticado na célula social a autoridade de um chefe, que
chamava a si o direito de punir. Da mera vingança pessoal passou-se ao exercício de
uma justiça privada. Na terceira fase, procurava-se estabelecer um equilíbrio entre a
ofensa e a repressão, mediante sistema condicionado à regra de que o mal praticado
deveria corresponder um mal igual. Era a fase da pena de talião. Aqui a lei penal entrava
na fase em que o crime era considerado como uma lesão de ordem social e a pena um
meio de a prevenir e reprimir.
Não obstante a primeira lei tivesse como pena a morte do
transgressor, a lei mosaica tinha, acima de tudo, interesse na preservação da vida
85
humana, promovendo até mesmo uma solução, um refúgio ao homicida, em que,
dependendo do caso, poderia se abrigar sem que lhe fosse aplicada a pena de talião. A
lei de Moisés, embora intimamente ligada à religião, visava o bem-estar do povo, não
que a de outros povos não buscassem isso, mas especialmente o povo hebreu tinha,
como escrito em seu livro das leis: “que povo há que tenha leis tão justas e
mandamentos tão sábios, como estes que nos deu o senhor nosso deus?”.
Algumas leis ficaram conhecidas pela sua sabedoria, como é o caso do
direito hebreu; outras pela sua atualidade – lei das doze tábuas; já outras pela sua
característica de religiosidade e outras, ainda, pela crueldade. Em alguns casos nos
deparamos com leis que à primeira vista podem parecer simples capricho ou devaneio
do legislador, mas para alcançar seu significado devemos cotejá-la com a situação em
que viviam. O povo hebreu possuía algumas leis relacionadas à comida, à higiene
pessoal, ao relacionamento sexual etc. Essas leis tinham o objetivo de preservar a saúde
do povo. Um exemplo disso refere-se à proibição, feita por Moisés ao povo hebreu, de
não comer carne de porco, isso porque se o fizesse certamente morreria de disenteria no
meio do deserto. Por outro lado, eles estavam numa caminhada longa, atravessando o
deserto, não poderiam parar para cuidar dos enfermos, mesmo porque não tinham
recursos para isso. Por esse motivo, a pena para o transgressor era, geralmente, a
expulsão, principalmente nos casos de moléstias incuráveis como a lepra, para que não
contaminasse todo o povo.
As penas conhecidas como de talião, ou seja, olho por olho, dente por
dente, estavam presentes, e tinham como finalidade reparar o dano causado ao próximo
e fazer o povo ficar atento para não causar prejuízos ao semelhante. Uma curiosidade
desta lei, ou conjunto de leis, é um instituto que vigora hoje no sistema penal – a pena
não podia passar dos criminosos, conforme nossa Constituição Federal, art. 5º, XLV:
“Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o
dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendida aos
sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”.
Já no código de Hamurábi as penas eram mais cruéis, a grande
maioria dos delitos era punida com a morte do agente. O autor de um roubo por
arrombamento, por exemplo, era morto e enterrado em frente ao local do fato; se
alguém roubasse durante um incêndio, era atirado ao fogo; o homicida que matasse o
86
cônjuge era cravado numa estaca; além dessas, as penas mais comuns eram as
mutilações corporais, como cortar a língua, o seio, a orelha, as mãos, arrancar os olhos e
tirar os dentes. Aproximadamente 1.300 anos antes do código de Hamurábi, o código de
Manu apresentava um instituto novo no Direito antigo: a multa pecuniária, que era
aplicada para alguns tipos de delitos, como a injúria e ofensas físicas. Este código
também era enérgico, e estava vinculado ao interesse daquilo que se desejava alcançar.
No art. 340, por exemplo, quando um rei, pela aplicação das leis, reprimisse um
criminoso, “ele obteria glória nesse mundo e, depois da morte, a suprema felicidade”.
No caso do art. 341, a soberania do rei é avaliada no quanto ele consegue efetivamente
lutar e conquistar um controle das diversas formas de violência.
Esse código apresentava penas a serem aplicadas de forma arbitrária e
discricionariamente. Enquanto punia com a pena de morte as ofensas físicas entre
pessoas de castas diferentes, não admitia a sua aplicação quando o agressor era da
mesma casta do rei (Nascimento, 1996).
A partir de Sólon a lei não seria mais decreto da religião, tida como
revelação feita pelos deuses aos antepassados, ao divino fundador, aos reis sagrados e
aos magistrados sacerdotes. Nos novos códigos, não é mais em nome dos deuses que o
legislador legisla e, sim, em razão do próprio povo. A lei, doravante, tem por princípio o
interesse dos homens, e por fundamento o assentimento da maioria. Disso resultaram
duas conseqüências: primeiro, a lei não se apresenta mais como fórmula imutável e
indiscutível. Por ser obra humana, entende-se passível de alteração. Afirmam as Doze
tábuas: “Aquilo que os sufrágios do povo ordenaram por último, essa é a lei”
(Coulanges, 2002, p. 333). De todos os textos que nos restam desse código, nenhum é
de maior importância do que esse, nem um que indique o caráter da revolução ocorrida
no Direito. A lei não é mais tradição santa, é simples texto, lex, e como representa a
vontade dos homens, essa mesma vontade pode revogá-la. Outra conseqüência é que a
lei, que antes era uma parte da religião e, por isso, patrimônio das famílias sagradas, dali
em diante foi propriedade comum de todos os cidadãos. O plebeu pode invocá-la e
mover ação em justiça.
Finalmente, no que diz respeito ao Direito na Antiguidade, resta
examinar a lei das 12 Tábuas, regida por dez membros da magistratura grega para
87
elaborar as leis de Roma. Essa lei era um corpo de leis que tratava dos Direitos
processual, penal, comercial, de família, das sucessões, da posse e propriedade, dos
direitos prediais, do direito público e sacro. As penas, de modo geral, eram a reparação
do dano, com a devolução em dobro ou quádruplo, conforme o caso, do bem diminuído
do patrimônio da vítima, valorizando e protegendo a propriedade. Não obstante os
avanços, o Direito primitivo ainda restou na nova lei, como a lei de talião. Além dessa,
permaneceram as penas cruéis como o suplício, quando o condenado sofria as mais
terríveis torturas.
Era costume dos povos antigos, ao dominarem uma cidade ou região,
destruir essas cidades, transformando o povo em escravo para si ou vendendo-os e
tomando posse de suas riquezas, gados e provisões. Roma, diferentemente, ao
conquistar uma cidade, um povo, destituía-lhe o líder, colocando outro de sua confiança
ou mantendo o antigo, porém sob suas ordens. As cidades não eram destruídas, mas
dominadas e agregadas a Roma como estados-membros ou distritos, conforme sua
importância. Quanto aos condenados, principalmente os cristãos, os romanos variavam
seus requintes de crueldade de acordo com a criatividade de cada povo. Quando o povo
romano via o cristão ser queimado vivo para iluminar as arenas, o Coliseu, em seus
jogos, entendiam ser um ato de justiça; afinal, suas casas, bens, talvez filhos, foram
queimados, como se julgava, pelos cristãos. No mesmo local público, crianças eram
vestidas de ovelhas e postas para brincar no meio do pátio, e quando estavam distraídas,
leões famintos eram soltos para despedaçá-las diante dos gritos de delírio da multidão
influenciada pela loucura do poder romano; tudo isso diante dos pais, que, presos,
assistiam e esperavam sua vez de morrer. Nas cerimônias do suplício, o personagem
principal é o povo, cuja presença real e imediata é requerida para sua realização. Um
suplício que tivesse sido conhecido, mas cujo desenrolar tivesse sido secreto, não teria
sentido. Procurava-se dar o exemplo só suscitando a consciência de que a menor
infração corria sério risco de punição, mas provocando um efeito de terror pelo
espetáculo do poder tripudiando sobre o culpado (Foucault, 1987).
Com o crescimento do povo cristão, as leis passaram a ser
determinadas como ordenanças da Igreja. Quem não acatasse era excomungado, tinha
suas terras confiscadas, eram mortos, escravizados, tudo em nome da suposta fé. Esse
acontecimento recebeu o nome de “Pérgamo”, que significa: Per = perversão e gamo =
88
gamia, casamento; ou seja, casamento pervertido. Lintz (1991) afirma que a violência e
a arbitrariedade desse período serviu de apanágio ao absolutismo monárquico e ao
sectarismo católico, pois os governantes e os príncipes da Igreja se uniram para que
prevalecesse a iniqüidade dos poderes temporal e espiritual. De certa forma, no que
tange às leis e penas, ocorreu um verdadeiro retrocesso na História. Voltaram a legislar
em nome de Deus e as penas um misto de punição da carne e da alma.
Nas vésperas da Revolução Francesa o suplício ainda era uma prática
comum. Foucault (1987, p. 9) aponta que até aquele momento o martírio representava a
forma mais usual estabelecida no Direito Penal da França para casos de condenação
como o de Damiens, condenado em 2 de março de 1757 por parricídio. A concepção de
suplício contempla todos os excessos cometidos para punir o transgressor. Além de:
pedir perdão publicamente diante da porta principal da
igreja de Paris (aonde deveria ser) levado e acompanhado
numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera
acesa de duas libras; (em seguida), na dita carroça, na praça
de Grève, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado
nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão
direito segurando a faca com que cometeu o dito parricídio,
queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será
atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche
em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir
seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e
seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas,
e suas cinzas lançadas ao vento”.
No início do século XIX, o suplício vai deixando de existir e a
punição, enquanto espetáculo, deixa de ser praticada. É o momento da supressão da
arena punitiva, entendido como um fomentador da violência. O que deve desviar os
homens dos crimes é a certeza de ser punido, e não o espetáculo da violência
legitimada. Depois de 1800, apenas o chicote ainda permanecia em alguns sistemas
penais. O que prevaleceu foi o tipo de punição que tocasse o mínimo possível no corpo
do condenado, ou seja, a reclusão, a prisão, os trabalhos forçados, a interdição dos
domicílios e a deportação.
Não obstante o condenado estar livre do suplício, deveria ser
preservado do sofrimento físico e receber cuidados médicos até os últimos minutos de
vida, mesmo nos casos em que a pena a ser aplicada era a pena de morte; Beccaria
(1999, p. 87) chama a nossa atenção para o fato de que a prisão é também um tipo de
89
suplício, e não um meio de deter um acusado. Para conter o comportamento delituoso
não se deve aplicar penas mais severas, “mas sua infalibilidade e, como conseqüência, a
vigilância dos magistrados e a severidade de um juiz inexorável que, para ser uma
virtude útil, deve ser acompanhada de uma legislação branda”.
De todo este processo histórico, tivemos como resultado uma
ampliação dos direitos do homem, garantindo-lhe a vida, o fim do suplício físico e até
um debate em torno do abrandamento das penas. Se, por um lado, o sistema de penas
tornou-se mais suave, por outro considerava crime aquilo que há quarenta anos não se
mencionava, como o crime ambiental, responsabilidade penal da pessoa jurídica, crime
por manifestação de racismo, crime em face de atitude prejudicial ao idoso e tantos
outros.
Neste ponto, retomamos o início desse capítulo, visto que a crise da
legitimidade, da autoridade, gera um campo de insegurança quanto à própria aplicação
da lei, realização do justo e controle da criminalidade. Percebemos que a questão central
permeia dois campos: um, estrutural, correspondendo à realidade conflitiva, e o outro,
institucional ou funcional, resultado da aplicação dos procedimentos para a composição
da ordem, especialmente judicial (Bastos, 2001). Espera-se que as leis sejam respeitadas
e os transgressores punidos, porém o cidadão comum não acredita no sistema de penas e
na eficácia das leis, consideradas brandas o bastante para não conter o crescimento das
várias formas de violência. O principal aspecto debatido é o que podemos definir como
legalidade sonegada, qual seja, a não efetividade das normas jurídicas inscritas na
legalidade estatal (Junior, 1996). Esse discurso é resultado, em parte, do aumento do
comportamento ilícito e da violência, bem como do fato de verificarmos o crescimento
das diversas formas de criminalidade atualmente existentes. Não é possível negar que as
taxas de infrações violentas aumentaram de forma significativa em vários países da
Europa e do Continente Americano (Salas, 1992). De qualquer forma, o medo concreto
ou difuso, não é uma característica do cidadão brasileiro. Segundo algumas pesquisas, o
crime é uma das principais fontes de medo e insegurança em diversos países e em
diferentes contextos. “Este sentimento de temor, com o passar do tempo, transformou-
se num objeto independente, uma ameaça em si, um mal do qual se ignora a
procedência, mas que se propaga por toda parte e que não deixa ninguém indiferente”
(Salas, 1992).
90
Nos EUA, desde 1945 são realizadas pesquisas sobre os temas sociais
mais preocupantes. A criminalidade, no entanto, aparece pela primeira vez como parte
desses temas somente em 1965. Os trabalhos realizados, desde 1967, pela Comissão
Presidencial sobre a Aplicação da Lei e a Administração da Justiça e, em 1972, pela
Agência para a Aplicação da Lei, revelam a importância do tema entre os problemas
sociais que mais afligem o país. Em relação a este último órgão, seus estudos indicam
que, em 1973, 48% da população americana afirmavam que a criminalidade havia
crescido em relação ao mesmo período do ano anterior; em 1975, essa porcentagem
aumentou para 75%
15
. Em 1981, no Canadá, a cada dez pessoas, oito manifestavam
estar muito preocupadas com o fenômeno da criminalidade. Dos entrevistados, 74%
afirmaram que as cidades estavam mais violentas, sobretudo nos últimos cinco anos,
tornando a vida urbana menos segura. Dentre todos os tipos de violência, a delinqüência
é apontada por 70% como o principal problema a ser solucionado.
16
Em Stuttgart, na
Alemanha, igual pesquisa aponta para o fato de que 13% da população revelam que o
crime é um dos problemas mais sérios que assolam o país. Dos entrevistados, 20%
indicam que o aumento da criminalidade ocorreu de maneira regional, enquanto 83%
afirmaram que este crescimento ocorreu de forma homogênea em todo o país. Em países
como Holanda e Espanha, o resultado não foi diferente. A insegurança quanto ao
aumento da criminalidade é sempre revelado como mais preocupante do que outros
problemas sociais também considerados graves, como a falta de emprego e controle da
inflação
17
.
Em nosso caso, o resultado encontrado, como foi apontado acima, não
difere muito das pesquisas mencionadas em países da Europa e da América do Norte.
Os dados coletados por nós contribuem para percebermos que existe um componente
histórico e cultural na fala dos entrevistados, que independem, diretamente, da
influência dos meios de comunicação na maior exposição do tema. Com isso queremos
15
Baumer, T. L., “Research on fear of crime in the United States”, Victimology, vol. 3, nº 3-4, 1978, p.
254-64.
16
Brillon, Y. et alii, “Les attitudes du public Canadien envers les politiques criminelles”, Les Cahiers de
Recherches Criminologiques, nº 1, 1984, p. 78-86, Centre Internacional de Criminologie Comparée,
Université de Montreal.
17
Dubow, F. et alii, Reactions to crime: a critical review of the literaure, U.S. Department of Justice,
Law Enforcement Assistance Administration, National Institute of Law Enforcement and Criminal
Justice, 1979; Van Dijk, J. J. M., L’étendue de l’information du public et la nature de l’opinion publique
en ce qui concerne la criminalité. Etudes relatives à la recherche criminologique, vol. XVII; L’opinion
publique relative à la criminalité et à la justice pénale, Conseil de L’Europe, Comité Européen pour les
Problémes Criminels, Estrasburgo, 1979, p. 5- 45. op. cit. in “Delito, Insegurança do Cidadão e Polícia”.
91
afirmar que a mídia não produz a violência, como veremos no capítulo seguinte, mas
reproduz e dá ênfase ao seu papel destruidor e maléfico, assim como reforça a
incapacidade do Estado de contê-la. Sobretudo nos telejornais da emissora Record, as
leis e o sistema de penas são questionadas diariamente como responsáveis pela
impunidade, fruto de uma autoridade enfraquecia e corrupta. Contrariando as análises
de Beccaria (1999), o Jornal da Record, com grande freqüência, faz referência ao
abrandamento das penas como estímulo ao avanço da criminalidade e da insegurança no
país. Pede-se ao Congresso que agilize o processo de aprovação de leis mais duras e
severas, retomando um discurso há séculos superado no Direito Penal. O telejornal
Cidade Alerta vai mais longe, e chega a expor imagens em que são estimuladas a
vingança pessoal e a lei de talião, com imagens de uma multidão pronta para linchar um
homem acusado de estuprar algumas mulheres (setembro de 2002). Em casos de
exortação, violência urbana e doméstica, o telejornal Cidade Alerta assume um discurso
entusiasmado sobre a necessidade de se fazer justiça independente do texto da lei. A Lei
das 12 Tábuas também é indiretamente mencionada, visto que como justiça os
telejornais da Record concebem as penas que estabelecem a devolução do patrimônio
como vital para o funcionamento do sistema.
De toda a produção dos telejornais sobre leis e penas, como crítica à
legalidade do país, um dos posicionamentos mais presentes advém de um sistema
falido, seja pelo abrandamento das leis ou pela lentidão com que o Congresso aprova as
mudanças na legislação, visto que algumas penas não correspondem à gravidade do ato
delituoso. Além disso, se não fosse suficiente, a própria fragilidade com que as imagens
da estrutura do sistema de Justiça são transmitidas, quando a lei é considerada justa nem
sempre ela é eficaz, sobretudo em decorrência de que nem todos são punidos por falta
de fiscalização e atuação rígida dos órgãos competentes.
Como afirmamos anteriormente, a maior discussão sobre este tema é
fruto da crise da legitimidade. A autoridade pública é autora de parte significativa de
atos ilícitos praticados no país, que com freqüência não são punidos. A corrupção
produzida pela administração pública contribui para compelir os demais atos ilegais de
forma avassaladora e corrosiva. O debate sobre este tema revela aspectos importantes da
relação entre mídia e Direito. Parte da informação sobre a ilegalidade do país é apenas
divulgada no momento em que os atos ilícitos chegam ao conhecimento de órgãos
92
competentes e se inicia processo. O acompanhamento do mesmo, pela diferença de
tempo entre a produção da notícia e o trabalho da Justiça, não é feito pelos telejornais.
Por vezes, um processo chega a durar anos, o que não implica, para a Justiça, falta de
seriedade, competência e leis para punir os responsáveis pela ilegalidade. Nota-se, no
entanto, que o tempo do processo para a mídia e, sobretudo, para o receptor, tem um
valor diferenciado do estabelecido pela Justiça. Este descompasso é traduzido como
ausência de justiça, ilegalidade e pouca autoridade para punir os culpados (Garapon,
2001). Revela-se, com este discurso, o desabrochar da percepção de crise da autoridade
que leva o cidadão comum a duvidar da eficácia das leis e, sobretudo, do sistema de
penas. Os telejornais operam neste contexto reforçando os aspectos negativos e
enfatizando os efeitos perversos de uma justiça morosa.
Durante os grupos de discussão, quando tratávamos da questão da
crise de legitimidade do Estado, sobretudo relacionando os temas já mencionados neste
trabalho e atrelando aos mesmos o debate em torno das instituições que deveriam
fiscalizar e punir os responsáveis pela corrupção, omissão e ineficácia do país, tivemos
as seguintes respostas no grupo estimulado por imagens:
Marta: Tudo gira em torno da impunidade. Por
pouco ou muito dinheiro as pessoas se vendem. O
que falta é religiosidade e uma boa educação. Se
mudarmos a realidade do país por meio da educação,
as crianças vão ver um mundo mais justo. Além do
mais, é preciso investir na família, o aconchego da
família é fundamental. A Justiça, somente às vezes,
é justa.
Cíntia: O poderoso sempre se livra. A polícia fala
em poder paralelo, mas isso não existe, pois a polícia
é o poder paralelo.
Sandra: Tudo gira em torno do dinheiro. O traficante
protege, não há lei para o pobre.
Marco: Isto já vem ocorrendo desde os anos 60. Não
é só por causa da Justiça, isto é fruto da sociedade.
Só é preso o pobre; já o político, o artista, estes
escapam. A Justiça não funciona. Você pega a
Constituição, temos direito disso e daqui, mas na
prática isso não existe. A Justiça é falha. A gente
também tem culpa.
A descrença na legalidade do país passa por três aspectos: o primeiro
reflete a questão do acesso à Justiça, restrito, segundo o cidadão comum, a uma parcela
93
ínfima da sociedade. O segundo revela que a ampliação dos direitos não é acompanhada
de um sistema de fiscalização e vigilância adequado, o que propicia a usurpação dos
mesmos. E, finalmente, a crença na impunidade, definida como um problema resultante
da crise do Estado, que por ter comportamento delituoso acaba por disseminar uma
estrutura falida e carente de autoridade.
De todas as matérias que abordaram a questão da legalidade no país,
sobretudo em relação à aplicabilidade das leis, sistema de penas e a atuação do Poder
Judiciário, encontramos o seguinte resultado:
Tabela 6: JUSTIÇA
J. NACIONAL J. DA BAND J. DA RECORD CIDADE ALERTA TOTAIS
CORRUPÇÃO 11 2 18 1 32
34,38% 6,25% 56,25% 3,13% 100,00%
PUNIDADE 1 3 4 0 8
12,50% 37,50% 50,00% 0,00% 100,00%
IMPUNIDADE 0 0 2 2
0,00% 0,00% 100,00% 0,00% 100,00%
VÍTIMA 15 6 7 3 31
48,39% 19,35% 22,58% 9,68% 100,00%
C. EXTERNO 2 0 0 0 2
100,00% 0,00% 0,00% 0,00% 100,00%
94
JUSTIÇA
0%
20%
40%
60%
80%
100%
C
O
R
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P
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X
T
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R
N
O
CIDADE ALERTA
JORNAL DA RECORD
JORNAL DA BAND
JORNAL NACIONAL
Gráfico nº 5
A análise destes dados aponta para aspectos importantes da relação
que a mídia estabelece com a Justiça do país e o processo de descrença frente à sua
atuação. O primeiro ponto reflete a improbidade administrativa no seio do próprio Poder
Judiciário. O Jornal da Record e o Jornal Nacional demonstraram maior predisposição
em divulgar matérias sobre a corrupção entre os operadores do Direito, porém apenas o
Jornal Nacional divulga o debate sobre a necessidade do Controle Externo do Judiciário.
Entre os temas mais destacados podemos citar:
- Vice-presidente do STJ, Edson Vidigal, é acusado de estar ligado à venda de
Habeas Corpus no caso de João Arcanjo Ribeiro.
- Desembargadores envolvidos na venda de Habeas Corpus.
- Licurgo de Freitas Peixoto, juiz envolvido na venda de Habeas Corpus.
- O senador cassado é absolvido após juiz ignorar as provas que o incriminavam.
- Desembargador é acusado de favorecimento ilícito.
- Juiz Francisco Pereira de Lacerda mata promotor após a investigação de
irregularidades.
- O desembargador Pedro Aurélio de Distrito Federal é acusado de favorecer
grileiros.
- Juízes envolvidos em corrupção no Piauí.
95
No conjunto de mensagens a que consideramos como “refém”, por
falta de criatividade em definir de outra forma a impotência do Poder Judiciário frente à
corrupção disseminada e à organização criminal que aflige o país, nos deparamos com
uma maior predisposição do Jornal Nacional em divulgá-las. Ao lado das matérias sobre
a corrupção, a impotência do Poder Judiciário amplia ainda mais a descrença na
legalidade do país. Por um lado, a Justiça brasileira é refém da atual situação pela
deficiente organização administrativa dos serviços judiciários e pelo número
insuficiente de juízes, despreparo e lassidão de muitos deles, entre tantos outros
problemas. Algumas notícias enfocam a conseqüência da morosidade na Justiça,
sobretudo na divulgação de processos que chegam ao fim após doze anos (processo de
condenou treze pessoas envolvidas na fraude da Previdência), dezoito anos (processo
que condenou dois fazendeiros envolvidos na morte de um sindicalista) ou muito mais,
dependendo do caso.
Por outro lado, a morte encomendada de alguns juízes, como foi o
caso de Alexandre Martins de Castro Filho, em Vila Velha, provocou, entre os
entrevistados, um impacto ainda maior. O Poder Judiciário, segundo as discussões dos
grupos, está tão refém da situação vigente quanto qualquer outro cidadão. O que reforça
a tese do estado de natureza, ou de guerra, hobbesiano.
Afora a discussão sobre a morosidade da Justiça e a impotência do
Poder Judiciário frente ao crime organizado, a impunidade também é tema de
preocupação. Entre os telejornais analisados, o Jornal da Record é o que, de forma mais
explícita, divulga com freqüência esse tema. A crítica é realizada não apenas pelo fato
de que em grande parte dos casos os culpados não são condenados, mas por atribuir
responsabilidade ao Poder Legislativo. Segundo diversas matérias, são mais de 250
projetos de lei que estão tramitando no Congresso que, se fossem aprovados,
contribuiriam para diminuir a violência e o tráfico de drogas no país, assim como
tornaria o sistema de penas mais enérgico, dificultando as fugas e a relação entre presos
e traficantes.
O Jornal da Record, com freqüência faz uma verdadeira apologia à
instauração de um endurecimento nas leis do Direito Penal como única forma de conter
a criminalidade e a corrupção, na esfera administrativa ou em qualquer outra, enfocando
96
a necessidade de mais instituições com papel investigativo, além da Polícia Civil e do
Ministério Público.
O enquadramento dado às questões sobre a Justiça aponta para a
predominância de um enfoque temático, ou seja, um enquadramento “definido em
termos de um tipo de noticiário que situa os assuntos públicos em contexto mais gerais e
abstratos, o que geralmente exige um tipo de jornalismo mais interpretativo e analítico
(Iyengar, 1991, p. 14). O Jornal Nacional combina o enquadramento temático com o
enquadramento moral, já descrito neste trabalho. O trabalho da Justiça é, com
freqüência, divulgado pelo enquadramento temático, exceto quando envolve o tema da
corrupção ou da impotência do Poder Judiciário, no qual os enquadramentos moral e
dramático, respectivamente, são utilizados como estratégia de seleção e saliência dos
temas.
O Jornal da Band, com menos freqüência que o Jornal Nacional e,
sobretudo, o Jornal da Record, também combina os enquadramentos temático e moral
na exposição do tema da Justiça. Ao contrário das demais emissoras, a Bandeirantes
procurar dar ênfase aos fatos que denotam o papel ativo e eficaz da Justiça, em
detrimento de medida que revela a impunidade e a fragilidade do Judiciário. O
jornalismo da TV Bandeirantes, nesse sentido, é oposto ao da Record, que recorre a
todos os tipos de enquadramento relacionados nesse estudo, salientando o aspecto moral
da relação nefasta entre corrupção e Poder Judiciário. Ao contrário dos demais
telejornais, o Jornal da Record ainda procura enquadrar determinados temas de maneira
cívica, chamando a atenção da recepção para a violação dos direitos e a necessidade de
uma atuação política de contestação. O Cidade Alerta explora com menos intensidade o
tema da Justiça e, quando o faz, aborda por meio do enquadramento dramático as
questões sobre a impotência do Judiciário, além da temática da corrupção, mesclando
enquadramentos temático e moral, assim como os jornais da Band e Nacional, como
apresentado no gráfico:
97
JUSTIÇA
ENQUADRAMENTO
0
2
4
6
8
10
12
BAND
CIDADE ALERTA
NACIONAL
RECORD
ENQUADRAMENTO
VICO
ENQUADRAMENTO
TEMÁTICO
ENQUADRAMENTO
MORAL
ENQUADRAMENTO
DRAMÁTICO
Gráfico n º 6
A relação entre linguagem, retórica e enquadramento aponta para
aspectos interessantes da construção da informação. Parte do material selecionado sobre
o tema da Justiça é tratado por meio de um tipo de linguagem que procura informar sem
definir um posicionamento crítico ou valorativo (verificar tabela da página 70), exceto
pelo Jornal da Record, que assume freqüentes posturas valorativas. No entanto, como
fica explícito no gráfico acima, os enquadramentos moral e dramático são muito
utilizados. Isso ocorre porque, embora o âncora procure manter um objetividade na
descrição dos fatos, informando sem opinar ou expressar juízo de valor, o tipo de
seleção e os aspectos que são mais ou menos salientados denotam como o telejornal
espera transmitir determinadas mensagens em detrimento de outras. O enquadramento
tem um efeito maior sobre a recepção do que propriamente o tipo de linguagem e a
retórica do orador, seja o próprio âncora ou o. Há uma grande tendência em assistir
aos telejornais sabendo identificar a retórica mais ou menos crítica, mais ou menos
valorativa ou propositiva, porém o tipo de seleção não é questionado, assim como
também não se questiona o fato de nem todos os aspectos de uma determinada questão
terem relevância e saliência. Este processo é observado, também, no último tópico desse
capítulo, como veremos a seguir.
98
2.3- Segurança Pública
Chegamos ao último aspecto deste capítulo: segurança pública. A
escolha em discutirmos este ponto reflete não apenas a observação direta dos grupos
focais e a produção dos telejornais, mas também o fato de a segurança pública ser um
tema que converge para uma interpretação mais definida do estado de natureza,
resultado do medo e da insegurança.
Ao analisarmos a importância que o tema da segurança pública
ganhou para o cidadão comum, encontramos indícios fundamentais para entendermos a
crise da legitimidade e as conseqüências da fragilidade do império da lei no país. Ainda
que o Estado não garanta o desenvolvimento econômico, liberdade e igualdade a todos
os cidadãos, a falta de segurança e o grau de relevância deste valor parecem ganhar um
espaço cada vez maior na fala do cidadão comum em detrimento de outros fatores. Na
leitura que fizemos da mídia televisiva, três aspectos refletem a exploração do tema:
crime organizado, sistema penitenciário e violência urbana.
Tabela 7: SEGURANÇA PÚBLICA
JORNAL
NACIONAL
JORNAL DA
BAND
JORNAL
DA
RECORD
CIDADE
ALERTA TOTAIS
CRIME
ORGANIZADO
72 113 114 35 334
21,56% 33,83% 34,13% 10,48% 100,00%
SISTEMA
PENITENCIÁRIO
18 24 40 11 93
19,35% 25,81% 43,01% 11,83% 100,00%
VIOLÊNCIA
URBANA 55 99 47 60 261
21,07% 37,93% 18,01% 22,99% 100,00%
99
SEGURANÇA PÚBLICA
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
C
R
I
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A
CIDADE ALERTA
JORNAL DA
RECORD
JORNAL DA BAND
JORNAL
NACIONAL
Gráfico n º 7
A quantidade de informação produzida pelos telejornais sobre
segurança pública tem uma amplitude maior que qualquer outro tema em debate. De
forma quase homogênea, todos atribuem ao processo de insegurança produzida pela
violência urbana e crime organizado à existência de uma frágil defesa nacional. Parte da
informação que se produz sobre a crise da legalidade ressalta o fato de magistrados e
políticos estarem envolvidos com ações ilícitas que auxiliam a expansão,
principalmente, do crime organizado, abordado pela mídia televisiva como crime
transnacional, ao lado do terrorismo.
Embora sejam tratados com especificidades próprias, o crime
organizado é interpretado como um suporte financeiro para o terrorismo. O medo do
crescimento do crime organizado reflete o seu suposto caráter transnacional, visto que
não há obstáculo no limite dos Estados. O trânsito internacional, por assim dizer, ganha
espaço cada vez maior com a globalização da economia, o aperfeiçoamento dos meios
de comunicação e métodos internacionais de negócios, ensejando a transferência de
capitais com facilidade, burlando a fiscalização oficial. A justificativa é que o crime
100
organizado age onde o controle dos Estados é menor, onde há margens porosas e uma
fraca execução da lei. Por essa razão, os grupos operam nas áreas de baixo controle,
contando com o auxílio de funcionários do Estado que atuam de forma corruptível.
Segundo o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro é preciso distinguir a
criminalidade de massa e criminalidade organizada. A primeira projeta a idéia de
infrações penais impulsionadas, na maioria dos casos, por circunstâncias de
oportunidade. A segunda, ao contrário, difusa, sem vítimas individuais; o dano não é
restrito a uma ou mais pessoas. Alcança toda a sociedade. O conceito de crime
organizado, no entanto, ainda não está presente na mídia. A própria doutrina evidencia
inclinação para as referidas características, sem desprezar a tendência transnacional do
crime organizado, atuando por meio de redes.
A imagem difundida nos telejornais é de uma organização que
privilegia a hierarquia dos integrantes, com responsabilidades definidas, procedimentos
rígidos, divisão territorial. Para o combate dessa ação, há um consenso no discurso
televisivo em fazer cessar os controles formais de combate à criminalidade e atrair
agentes do Estado para anular a atuação, obtendo, assim, um controle eficaz sobre a
situação vigente.
O produto da delinqüência, o lucro, enfim, não pode aparecer de um
momento para outro. O depósito é efetuado nos chamados paraísos fiscais. Estes, por
sua vez, têm que contar com a tolerância do respectivo país.
Embora a violência urbana, a criminalidade tradicional, ainda
constitua um dos temas mais selecionados pelos telejornais, não é mais a grande
preocupação dos mesmos. Os grupos organizados, no sentido mencionado acima,
ganham as fronteiras e difundem, por meios ilegais, as ações delituosas. A ênfase dada
pelas mensagens televisivas aponta para o fato de não haver uma legislação específica
para o combate do crime organizado, tratado com amplitude nacional. De fato, do ponto
de vista legal, a Constituição Federal trata a criminalidade de forma abstrata, como uma
questão de defesa do Estado e das Instituições democráticas, a saber:
101
Art. 144 - A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é
exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
obs.dji.grau.2: Art. 15, § 2º, Emprego das Forças Armadas - LC-000.097-1999; Art. 6º,
II, Registro, Posse e Comercialização de Armas de Fogo e Munição e o Sistema
Nacional de Armas – Sinarm e Define Crimes - L-010.826-2003; Art. 29, § 1º, III,
Vedações e das Transferências para o Setor Privado - Diretrizes para Elaboração e
Execução dos Orçamentos da União e suas Alterações - L-010.934-2004 - Diretrizes
para a Elaboração da Lei Orçamentária de 2005
obs.dji.grau.3: Art. 318, Facilitação de contrabando ou descaminho.Crimes praticados
por funcionário público contra a administração em geral - Crimes contra a
administração pública. Código Penal - DL-002.848-1940
obs.dji.grau.4: Autoridade Judiciária; Defesa do Estado e das Instituições
Democráticas; Polícia Judiciária; Segurança Pública
obs.dji.grau.5: Ato das disposições constitucionais transitórias - CF; Defesa do Estado
e das Instituições Democráticas - CF; Direitos e garantias fundamentais - CF;
Disposições constitucionais gerais - CF; Estado de defesa e estado de sítio - CF; Forças
Armadas - CF; Ordem econômica e financeira - CF; Ordem social - CF; Organização do
Estado - CF; Organização dos Poderes - CF; Preâmbulo - CF; Princípios fundamentais -
CF; Tributação e orçamento - CF
§ 1º - A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido
pela União e estruturado em carreira, destina-se a: (Alterado pela EC-000.019-1998)
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em
detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades
autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja
prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão
uniforme, segundo se dispuser em lei;
102
II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o
contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros
órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de
fronteiras; (Alterado pela EC-000.019-1998)
IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da
União.
obs.dji.grau.2: Art. 26, D-004.991-2004 - Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro
Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério da
Justiça, e dá outras providências; Art. 48, III, Regulamenta a Lei nº 10.826, de 22 de
dezembro de 2003, que dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo
e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - SINARM e define crimes - D-
005.123-2004
obs.dji.grau.4: Artigos Constitucionais que Tratam do Direito Internacional; Defesa do
Estado e das Instituições Democráticas; Polícia Federal; Segurança Pública
§ 2º - A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União
e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das
rodovias federais. (Alterado pela EC-000.019-1998)
obs.dji.grau.4: Defesa do Estado e das Instituições Democráticas; Polícia Rodoviária;
Segurança Pública
§ 3º - A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União
e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das
ferrovias federais. (Alterado pela EC-000.019-1998)
obs.dji.grau.4: Defesa do Estado e das Instituições Democráticas; Polícia Ferroviária;
Segurança Pública
§ 4º- Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem,
ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares.
obs.dji.grau.4: Defesa do Estado e das Instituições Democráticas; Polícia Judiciária;
Polícias Civis; Segurança Pública
103
§ 5º - Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública;
aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a
execução de atividades de defesa civil.
obs.dji.grau.3: Art. 43, Lei de entorpecentes - L-006.368-1976
obs.dji.grau.4: Defesa do Estado e das Instituições Democráticas; Polícia Militar;
Segurança Pública
§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva
do Exército, subordina-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos
Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
obs.dji.grau.4: Defesa do Estado e das Instituições Democráticas; Corpo de Bombeiros
Militares; Polícia Militar; Segurança Pública
§ 7º - A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela
segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.
§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de
seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
obs.dji.grau.4: Defesa do Estado e das Instituições Democráticas; Guardas Municipais;
Municípios; Segurança Pública
§ 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados
neste artigo será fixada na forma do § 4º do Art. 39. (Alterado pela EC-000.019-1998)
obs.dji.grau.1: Art. 39, § 4º, Servidores públicos - Administração pública -
Organização do Estado - CF
obs.dji.grau.4: Defesa do Estado e das Instituições Democráticas
O Brasil editou a Lei nº 9.034, de 3 de maio de 1995 — ''Dispõe sobre
a utilização de meios operacionais para prevenção e repressão de ações praticadas por
organizações criminosas''.
O art. 1º menciona regular meios de prova e investigatórios que versarem sobre crime
resultante de ações de quadrilha ou bando.
104
Este texto também não se volta, especificamente, para a repressão ao
crime organizado, visto que o este não se identifica com a quadrilha ou bando. Além
dessa, mais recentemente foram publicadas duas leis, estas sim, mais próximas da
referida delinqüência. A Lei nº 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, relativa ao porte e uso
de arma de fogo, e a Lei nº 9.426/96 que reformulou parte dos crimes contra o
patrimônio, conferindo especial atenção quando o objeto material for automóvel para
ser remetido para o exterior, ou destinar-se ao desmanche para ocultar a origem, ou
promover a venda dos componentes. Ainda assim, não combatem diretamente o crime
organizado de maneira específica. Por meio da fragilidade da legalidade do país para
combater aquele que se tornou o inimigo n° 1 dos brasileiros, a mídia introduz um
discurso incisivo em torno de práticas mais enérgicas e leis mais severas.
Pela reprodução de um clima de total insegurança proporcionado pelo
crescimento do crime organizado, dois aspectos predominam durante os grupos de
discussão: o primeiro expressa a síndrome do medo, mesmo sem nunca terem sido
assaltados, seqüestrados ou sofrerem qualquer tipo de violência, como é o caso dos
integrantes dos dois grupos de discussão e do resultado de algumas pesquisas sobre o
tema
18
. O segundo, é que todos os entrevistados vivem na região do Médio Vale do
Paraíba, região com baixo índice de violência e criminalidade, que, por conseqüência,
deveria refletir certa tranqüilidade no discurso, o que não ocorre.
Este fenômeno não reflete uma percepção do crime somente na
sociedade brasileira. Nos EUA, a preocupação com a delinqüência tem atingido
percentagens significativas. É bem verdade que o temor tende a ser maior quanto mais
próximos os entrevistados estão dos grandes centros, diminuindo em decorrência do
tamanho das cidades. Em pesquisa realizada em 1982, 71% dos habitantes das grandes
cidades revelam medo do aumento da criminalidade contra 42% dos residentes das
zonas suburbanas e 32% dos que moram em pequenas cidades e em regiões rurais. A
18
Há uma distinção entre o medo concreto e o medo difuso. O principal desafio é saber qual a
representação que cada pessoa costuma fazer diante de situações de perigo. Avaliar as dimensões do
medo não é uma tarefa fácil. O melhor exemplo de pesquisa neste sentido foi The Figgie report on fear
of crime, Vol. 2, Wiloughby, Ohio, Inc., 1980. O informe Figgie sobre o medo do crime afirma na sua
introdução que “o medo do crime está paralisando lentamente a sociedade americana” e enumera mais
adiante, em termos apocalípticos, os efeitos nefastos desse temor sobre a vida social: abandono das
cidades, fracasso da implantação de centros comerciais nos bairros com pouca segurança, desconfiança
mútua entre os cidadãos, ansiedade perante a probabilidade da segurança do lar ser violada, abandono de
certos lugares e ruas, o isolamento autoprotetor, desaparecimento do sentimento de inserção na
comunidade etc.
105
mesma pesquisa apontou, também, para o fato de que as porcentagens tendem a
aumentar significativamente diante de novos crimes, sobretudo quando divulgados de
maneira dramática. O crescimento do medo, neste caso, costuma ser o mesmo,
independente se a residência fica mais ou menos distante dos grandes centros urbanos
19
.
Diante da síndrome do pânico infundada na realidade social,
encontramos, entre outras possíveis explicações, a expressiva presença da mídia na vida
das pessoas. Vale lembrar que todos os entrevistados só foram selecionados por
afirmarem ser consumidores assíduos de mídia televisiva, isso para que pudéssemos
medir uma maior ou menor influência dos meios de comunicação, especialmente a
televisão, quanto a uma temática tão delicada.
Dos fatos, passando pela produção da informação até a recepção das
mensagens, caminhamos num processo contínuo em direção à síndrome do medo e à
construção de discursos cada vez mais repressivos, as quais legitimam o projeto de lei,
já aprovado pelo Senado, para que as penas aplicáveis nos casos de homicídio
qualificado subam para um mínimo de 20 e um máximo de 40 anos de reclusão, contra
os 12 a 30 previstos atualmente. Pelo projeto, podem ser punidos com essas penas os
assassinos de juízes, promotores, jurados, policiais civis e militares. A decisão,
entretanto, causa polêmica. Os contrários à mudança argumentam que o que importa é a
certeza da pena cumprida, passando pelo diametralmente oposto — a defesa de uma
postura mais rígida na punição dos criminosos. Também, como sempre, interesses
institucionais e às vezes corporativos dominaram as posições. O ministro da Justiça
Márcio Thomaz Bastos, falando em São Paulo para juízes, secretários de Estado e
advogados, ressaltou que a reforma do Judiciário é tão importante para o governo
federal quanto as reformas tributária e previdenciária. “É fundamental descobrir onde
estão os gargalos do sistema”.
Enquanto isso, uma juíza do Rio de Janeiro que condenou 44
membros da quadrilha do traficante “Fernandinho Beira-Mar”, o bandido que faz
rodízio por prisões brasileiras por determinação do Executivo e não do Judiciário,
esconde-se como uma versão brasileira do juiz sem rosto, que surgiu na Colômbia após
a morte em série de grande número de magistrados, até da Suprema Corte. Da mesma
19
Market Opinion Reserarch, The Michigan public speak out on crime, Detroit, 1977.
106
forma, em São Paulo, onde o impacto causado pela fuga de um jovem-adulto da Febem
(“Batoré”, a quem são imputados 15 homicídios, roubos e seqüestros) levou o governo a
transferir 247 jovens para estabelecimentos penais de adultos, ao arrepio do Estatuto da
Criança e do Adolescente. Não estamos afirmam que o crime organizado não deva ser
controlado, apenas salientamos as conseqüências do discurso repressivo e do não
discurso em torno da justiça social, na qual a televisão tem grande influência.
Após a leitura sobre o enfoque dado ao tema da segurança pública,
identificamos alguns posicionamentos sobre esta questão presente nos telejornais: 1-
disseminação de um estado de alerta, extremamente preocupante e que foge ao controle
do Estado, inclusive salientando a existência de um poder paralelo 2- A conivência do
Judiciário em alguns casos e, ao mesmo tempo, sua impotência frente ao combate ao
crime organizado. 3- a questão das leis brandas e ineficazes que contribuem para o
aumento da criminalidade e a ação progressiva do crime organizado.
Os discursos apresentados, seja pela simples exposição dos fatos,
passando pela chamadas reportagens especiais, até o pronunciamento dos âncoras no
calor da emoção e expressão de juízo de valor, todos convergem para a necessidade da
construção de uma Sociedade de Controle. As múltiplas relações entre a manutenção da
ordem social e o cumprimento da lei, tão presentes na dinâmica televisiva, foram
tematizadas por Foucault, para quem a vigilância, e junto com ela, a regulamentação, é
um dos grandes instrumentos de poder. Nesta direção, a forma como as mensagens
sobre a segurança pública são construídas indicam a propagação e a ampliação de
regulamentos, aumentando a capacidade de intervenção dos poderes constituídos na
sociedade.
Parte das mensagens dos telejornais esteve voltada ao sistema
penitenciário, como um espaço que deveria agir em prol da reprodução da disciplina,
correção e ordem. No entanto, no período estudado por nós, os telejornais apontaram
para o fracasso desse sistema como resultado da falência do próprio Estado e das leis
que o definem. O registro de rebeliões na Casa de Custódia, Bangu I, Nova Iguaçu e
Franco da Rocha, além das fugas constantes em algumas cidades do país apontaram
para a incapacidade das instituições em vigiar e punir os detentos e, como conseqüência,
propiciar a segurança.
107
A própria magistratura, quando solicitada a expor seus pontos de vista,
é convocada a dar depoimentos favoráveis ao controle mais severo da vida social. Numa
declaração extrema, feita pelo desembargador Antônio Guilherme Jardim (TJ-RS), nos
deparamos com o seguinte depoimento:
“Com o fim do regime militar, se liberalizou o Direito Penal. A
postura na Magistratura é sempre oito ou 80. Ou é
absolutamente fechado ou absolutamente aberto. A coisa não
pode ser frouxa. Dá para perceber certa crítica dos juízes à
postura dos próprios juízes. Saímos de um regime ditatorial,
no qual se investia na segurança. Com a redemocratização, se
fez o contrário. Os órgãos de segurança foram execrados
porque serviram aos governos anteriores. Não acompanharam
a evolução das novas formas de criminalidade”.
A propósito, o antropólogo Luiz Eduardo Soares, ex-secretário
Nacional de Segurança Pública, admite que as autoridades agem “por espasmos
voluntaristas, pautados pelas tragédias”. O titular da secretaria ligada ao Ministério da
Justiça confessa. “Acossada pelo medo, a sociedade reclama medidas emergenciais que
afastem a ameaça que a aterroriza. Quer saber de segurança já. O desafio é
reorganizar radicalmente sem desorganizar as precárias estruturas existentes”.
Complementando este discurso, o presidente do Tribunal de Alçada Criminal de São
Paulo, José Renato Nalini, admite que “ninguém suporta mais a violência e a
disseminação de toda a sorte de ilicitude” e propõe que “a consciência nacional pense
em respostas mais céleres e conformes com os postulados constitucionais”
(depoimentos veiculados nos Jornais Nacional, Band e Record).
A morte dos dois juízes, em São Paulo e no Espírito Santo, parecem
ter contribuído muito para a postura mais conservadora em relação ao trabalho do
Legislativo e Judiciário. Porém, esse não foi o único ou mais importante fator. O
envolvimento de magistrados com o crime organizado os tem tornado temerosos de que
este comportamento seja atribuído a toda a categoria. Como reação, procuram traduzir
sua indignação em ações mais enérgicas e convincentes, como fica claro no depoimento
descrito acima.
Por todos os pontos apresentados, que juntos definem a esfera da
insegurança e do medo generalizado, chegamos à conclusão de que o contrato social, do
qual falaremos no capítulo seguinte, é resultado de um discurso televisivo que contribui
108
para a reprodução de uma sociedade voltada para o controle de si mesma, por meio de
instituições governamentais voltadas para a obtenção da ordem, segurança, correção e
punição. Além da apologia do poder discricionário, veremos a reprodução do discurso
por uma legislação menos permissiva e mais coercitiva.
Terminamos este capítulo com a fala de um dos entrevistados,
procurando demonstrar os efeitos da informação e seu processamento na elaboração do
discurso sobre a questão da segurança pública.
Vítor: Eu já vivi muito e nunca senti tanto medo de
viver. Tenho medo de criar meus filhos e pensar em
quem serão os meus netos. A verdade é que não há
controle de nada, os bandidos ameaçam nossas
famílias, tiram nossas vidas e não são punidos.
Quando vão para a cadeia, aí é só impunidade.
Vivem melhores do que nós. Não comem qualquer
coisa, recebem visitas íntimas e têm direitos de todos
os tipos e gostos. O grande culpado disso é os
direitos humanos, desde que inventaram eles nós não
temos mais paz. É preciso acabar com isso. É
preciso deixar o bandido mofar na prisão, é preciso
corrigi-lo, bater se for o caso. Eu, quando criança,
apanhava todos os dias. Não que eu fosse muito
peralta, mas para que eu soubesse quem mandava
em casa. Eu aprendi a lição, hoje sou um homem
respeitado que pago minhas contas, sustento minha
família sem ajuda de ninguém. Este país precisa de
alguém com pulso firme, só assim vamos voltar a
dormir em paz.
Ainda que distante de todo um debate em torno dos direitos do homem
e direitos universais, a fala do entrevistado é coerente e racional, orientada por
princípios de justiça e eqüidade. Além disso, o explícito medo da violência e a falta de
confiança no aparelho de Estado para contê-la, revelam a perplexidade do discurso e o
desalento para com o desenvolvimento da integração social.
109
2.4- Conclusões Preliminares
O papel denunciativo da mídia televisiva no que tange às informações
sobre o estado de natureza, tem um efeito perverso na construção do saber do cidadão
comum, sobretudo em função dos enquadramentos mais dramáticos e morais em
detrimento dos cívicos e temáticos.
As crises da legalidade e legitimidade do país, processada pelos
telejornais, assim como a questão da segurança pública, conseqüência, em parte, dos
dois primeiros fatores, produz discursos desalentadores, inseguros e com tendência à
descrença na eficácia das instituições democráticas. O cidadão comum é influenciado
pela necessidade de serem promulgadas leis mais severas e menos permissivas, beirando
o retorno do suplício, que tenham o papel de regular a vida, nem que para isso seja
preciso utilizar diversos meios para se chegar a este fim. No discurso corrente do
cidadão comum, que se sente injustiçado e constantemente lesado, seja pela falta de
segurança, emprego e demais direitos fundamentais para sua sobrevivência,
identificamos o homem hobbesiano, que racionalmente opta pelo Leviatã, monstro
violento e destrutivo, pelo desejo de encontrar formas de domesticar a si mesmos. O
Leviatã diagnosticado em nossa pesquisa não pode ser representado na figura clássica
do ditador; ao contrário, o pressuposto que sustenta essa metáfora esta mais próxima do
governante republicano que assegura as condições necessárias para uma vida melhor.
Esse governante deve ser eficiente e forte, ou seja, deve ter autoridade e competência
para o exercício de sua função. O medo que ele causa é muito mais para o controle da
situação de insegurança do que para ameaçar o cidadão. Ele, o Leviatã, é a esperança de
tempos melhores.
A explicação para o desenvolvimento do posicionamento racional do
cidadão comum é fruto, segundo Zaluar (2004, p. 18), do fato de que “o homem por
natureza bom e sociável é uma ficção intelectual. Durante toda a história da
humanidade, instituições foram inventadas para controlar a destrutividade, a violência
e os conflitos”. Desta forma, a violência não é produto da mídia, assim como não surge
na história. Ela é fruto dos homens. “Em todas as sociedades, em todas as épocas, em
todos os recantos do mundo, existem manifestações da agressividade potencial dos
homens contra seus semelhantes” (Zaluar, 1996, p:9). Pela incapacidade de viver
110
permanentemente em guerra, os homens inventam meios para criar a paz entre si,
inventam um pacto pela instauração da ordem. É deste ponto que iremos iniciar o
capítulo três, procurando identificar os elementos para a construção do Contrato Social,
ou seja, as bases que alicerçam a sociedade do controle, do vigiar e punir, pela busca de
elementos que contribuam para sua domesticação e contenção permanentes de impulsos
violentos. O pacto que discutiremos é uma alternativa criada pela sociedade para atuar
como um freio à incapacidade do Estado de criar condições para a reprodução da vida e
contenção das duas formas de violência, ambas exaustivamente divulgadas pela mídia
televisiva: a decorrente da micro-criminalidade e da macro-criminalidade. Para nós, as
raízes da violência estão na cultura. Daí a razão pela qual não poderemos fugir da
mesma para explicarmos o momento atual e sua repercussão na mídia televisiva. O
próprio pacto é apenas um reflexo de elementos que definem a cultura do medo, da
corrupção e da exclusão. Por meio da cultura encontramos o sentido do pacto racional
processado e interiorizado pelos homens, o que contribuirá para chegarmos mais perto
do cidadão comum brasileiro, de suas aflições, medos e objetivos.
111
Em busca do Contrato Social: elementos culturais e televisivos de uma
nova ordem social
“As luzes que descobriram as liberdades inventaram
também as disciplinas”. (Foucault, 1984)
As questões apresentadas no capítulo anterior apontam para a
construção de um discurso baseado na necessidade de uma nova estrutura política e
social, com confiança, equilíbrio e justiça, que vise ao fim da violência e estabeleça os
limites da ação política.
Em relação à descrença no estado de direito, o aspecto mais candente
é o da falta de segurança, reflexo do aumento das micro e macro-criminalidades, como
ficou claro até esse momento. Dada a sua importância no contexto social brasileiro,
devemos avaliar as implicações da presença da violência e da corrupção na cultura e
cotidiano do cidadão brasileiro como um elemento essencial para estabelecermos o
lugar e relevância do controle social, da justiça e da cidadania.
Antes de definirmos como a mídia apresenta o contrato social,
algumas considerações devem ser feitas, sobretudo em relação ao principal aspecto que
expressa a necessidade do pacto, ou seja, o controle da violência. A concepção de que
para conter o fenômeno da violência não há alternativa possível a não ser a busca pela
ordem, com a utilização freqüente de mecanismos de repressão social, não é unânime.
Mesmo no universo de entrevistas ao qual esta pesquisa se limitou, encontramos
divergências quanto ao controle e equilíbrio social administrado pelo Estado, sobretudo
pela desconfiança e medo que as classes C e D sentem em relação ao aparelho policial,
o que será discutido mais adiante. Por hora, cabe mencionar que os aspectos que
prevalecem na argumentação de maior ou menor controle social podem ser pensados
por meio de dois posicionamentos, segundo Zaluar (2004):.
“De um lado estão os libertários que, a partir da afirmação de
que a sociedade é que é criminosa - na medida em que, por ser
desigual e iníqua, sustenta uma ordem que contém, controla e
limita desejos e paixões individuais-, acabam por atacar
qualquer ordem social, especialmente quando parte do Estado.
Viva a desordem: eis o seu lema. No outro extremo estão os
que, em virtude do medo e da indignação ante os horrores
112
praticados pelos insubordinados bandidos de hoje, pensam que
a ordem deve ser mantida a qualquer preço, sem considerar as
perdas da liberdade individual. Viva a ordem, entregue-se tudo
a leviatã: eis o seu atual desejo. A manutenção do atual dilema
pode nos levar ou ao caos e à extensão do estado de guerra a
todos, ou então ao recrudescimento da ordem autoritária”.
(Zaluar, 2004, p. 23)
O debate sobre violência, criminalidade e má administração do estado
de direito e da Justiça, revela dois tipos de argumentos: a favor e contra a instauração da
ordem, advinda de um poder discricionário. Não obstante os argumentos serem
divergentes, em ambos há uma reflexão sobre os caminhos a serem trilhados diante do
crescimento do medo e da instabilidade. Para aqueles que defendem a não instauração
de um controle rígido, o estado de guerra é uma realidade com a qual devemos
conviver, visto ser a cultura da violência, do medo e da corrupção parte constitutiva da
nossa história. Mesmo para esses, ainda que a instauração da ordem não seja uma
solução para a questão cultural, é preciso administrar o estado de guerra para que não
tome proporções alarmantes, o que de certa forma implica a idéia de algum controle
social. Em contrapartida, aqueles que apostam nos mecanismos institucionais de ordem,
não medem esforços para provar que sem os mesmos não há organização social que
sobreviva diante da insegurança permanente.
Em nosso entender, a mídia ora se posiciona frente a um tipo de
argumentação, ora se coloca como defensora do posicionamento contrário, apresentando
elementos que são construídos e processados pela própria sociedade. Em relação à
necessidade de uma autoridade que imponha uma organização social menos ameaçadora
e incerta, a mídia concentra esforços na construção de uma ordem baseada no poder
discricionário do Poder Judiciário e do sistema de Justiça, sobretudo das Polícias Militar
e Civil, representando efetivamente o caminho para o controle social. Há um ideal de
aparelho judicial e policial expresso em parte das mensagens produzidas pela mídia que
convive no mesmo espaço destinado às críticas feitas a este mesmo sistema vigente,
como vimos no capítulo anterior. A crítica não revela a negação do sistema, mas impõe
limites em seu poder discricionário, além de criticar sua falta de eficiência. Por outro
lado, há um clamor por justiça social e democracia, o qual favorece o crescimento da
exposição diária de outras instituições, também contidas no universo do sistema de
Justiça, como o Ministério Público e as Comissões Parlamentares de Inquérito, entre
outras, que expressam um germe de cidadania e de eficácia da ação política.
113
Por certo que a criminalidade discutida nas duas situações não é a
mesma. Num primeiro caso, a referência é feita à micro-criminalidade, à violência das
ruas e à necessidade de um trabalho eficaz das Polícias. No segundo, a macro-
criminalidade passa a ser o foco, sobretudo em relação ao crime de colarinho branco e
do papel investigativo da Polícia Judiciária e do Ministério Público. As duas
criminalidades apresentam especificidades próprias e são compreendidas de formas
distintas pelo cidadão comum, embora tenham um efeito similar quanto ao aumento da
descrença em relação à Justiça.
Do contexto histórico da criminalidade e da atuação do sistema de
Justiça, passando pelo referencial da produção dos telejornais e a expressão das formas
de controle apresentadas pela recepção é que iremos nos debruçar, neste momento da
tese, em um caminho pela busca de explicações sobre a composição do novo
ordenamento, suas características e funções. Nesta busca, não cabe o julgamento sobre a
melhor ou mais adequada argumentação, ainda que internamente gostaríamos de
identificar na mídia e na fala do cidadão comum alguns indícios que sustentem uma
ordem democrática, legalmente instituída e, acima de tudo, justa. O que procuramos são
as respostas no processo de interiorização da produção televisiva na fala do cidadão
comum, na cultura e na experiência cotidiana, o qual revelaria a inscrição do cidadão
comum no mundo da vida, uma inscrição nem sempre autorizada e legitimada, mas que
para nós é a que revela, com maior propriedade, a possibilidade de compreendermos as
vicissitudes do atual estágio em que nos encontramos.
Num primeiro momento deste capítulo, buscaremos identificar na
História traços que contribuam para entendermos a origem da violência e o papel que o
aparelho judicial e as polícias desempenham na composição dos conflitos da vida
ordinária desde o século XIX, além de entender as bases da desigualdade social. Este
momento é fundamental para encontrarmos indícios sobre a cultura da violência, do
medo e da incerteza, bem como seus reflexos na produção da mídia televisiva.
A partir destes dados, caminharemos em busca do poder discricionário
das polícias, avaliando dois momentos da imagem desta instituição. A primeira,
construída historicamente e arraigada na cultura brasileira, e a segunda, fruto da
representação no sistema de produção dos telejornais, em que podemos detectar um
114
duplo efeito da exposição diária desta instituição: como uma ameaça à cidadania - visto
que com freqüência esta é apresentada em violação à lei, agindo de forma arbitrária e
violenta – e como equilíbrio para os distúrbios sociais.
A seguir, faremos uma reflexão sobre a Justiça e suas instituições,
procurando revelar o papel que as mesmas têm desempenhado para a construção de um
contrato social, presente na representação no sistema de produção e no processo de
interiorização e atitude do cidadão comum. Avaliaremos também os efeitos das micro e
macro-criminalidades como um suporte para compreendermos a relação entre cidadão
comum e instituições do sistema de Justiça.
Finalizaremos este capítulo com uma definição de contrato social
apresentada pelo sistema de produção. Essa construção aponta para dois aspectos
significativos da relação com a criminalidade: o primeiro, fruto da micro-criminalidade,
processo que exige a reestruturação do sistema de Justiça e a busca pela eficácia real de
algumas instituições no controle da ordem. Nesse momento, visualizamos com maior
nitidez a construção do Estado-leviatã. Por outro lado, os mesmos telejornais acentuam
que tão importante quanto a manutenção da ordem é a construção de um Estado racional
que, por meio do contrato, revelado no constitucionalismo brasileiro, imponha limites a
quem detém o poder. No primeiro caso, as instituições policiais e judiciais são
constantemente convidadas a se apresentarem no espaço de divulgação das mensagens,
e na segunda situação, a Corregedoria da Polícia, o Ministério Público e as Comissões
Parlamentares de Inquérito têm uma maior visibilidade e importância.
Como optamos no capítulo anterior, apresentaremos dados sobre as
ocorrências com que os dados acima são apresentados pelos telejornais e como o
cidadão comum elabora o discurso, resgatando seu repertório de exemplos e a
assimilação do conteúdo produzido pela mídia.
3.1- Violência e Ordem Social no século XIX: aspectos da cultura do medo
Para entendermos o lugar do contrato social como uma construção
abstrata para impor a ordem e garantir a segurança e a justiça social, devemos
115
contextualizar o debate sobre a estruturação da máquina administrativa estatal, seu
exercício e poder legítimo e, por outro lado, o funcionamento da Justiça e seu
significado social. Somente depois, avaliaremos como o pacto é revelado pela mídia.
Comecemos por definir o papel da violência e do conflito social como
parte integrante da cultura brasileira. Ao contrário do que possa parecer, a organização
da vida social não é reflexo somente do consenso, reciprocidade e solidariedade.
Embora possamos também identificá-los, a violência atravessa toda a vida social e não
pode, nem deve ser desconsiderada em qualquer tipo de análise sobre opinião e
comportamento. Sobretudo em nosso caso, dado o fato de a mídia reproduzir, em seu
trabalho de construção da notícia, aspectos relevantes da cultura e história do país. A
micro-criminalidade ocupou um lugar de destaque na formação da sociedade brasileira,
a qual vivia à mercê do favor pessoal e dependente do sistema patrimonial e
clientelístico.
Segundo Franco (1997, p. 28), desde o século XIX pode-se identificar
o papel da violência como mecanismo de equilíbrio e forma de compensação entre os
grupos sociais.
“Os ajustes violentos não se verificam unicamente em
situações que comprometem as probabilidades de
sobrevivência. Liga-se, em boa parte das vezes, a
acontecimentos que são irrelevantes desse ponto de vista. É o
que se percebe, por exemplo, do depoimento de uma mulher
cuja família havia sido espancada por três tocaiados e que
declara, ao aventar os motivos da agressão, que seu marido
tem tido pequenas desavenças no bairro em que mora, com
alguns de seus vizinhos, e isto por causa das criações que
estragam as plantas dela informante”.
A violência é apontada como um caminho plausível para a
composição de conflitos, desde o âmbito doméstico, até as relações intergrupais,
assumindo contornos institucionalizados dentro da própria lógica do trabalho, como um
padrão de conduta aceita e legitimada por todos os integrantes da comunidade. Além de
necessária, a violência é compreendida como uma forma de moralidade, centrada na
coragem pessoal do agredido frente ao agressor. “Posto em dúvida atributos pessoais,
não há outro recurso socialmente aceito, senão o revide hábil para restabelecer a
integridade do agravado” (Franco, 1997, p. 51).
116
A divulgação dos casos de violência praticada dentro de uma
comunidade é feita, ainda no século XIX, sem nenhum tipo de restrição. As informações
eram livremente divulgadas, em grande parte das vezes pelos próprios autores, o que
tornava a violência não apenas regular, mas positivamente valorativa. Isto porque a
constante necessidade de defenderem-se uns dos outros estabelece que a coragem e a
ousadia são necessárias e aceitas não apenas como legítimas, mas também como
imperativas. Desta forma, “a violência, integrada à cultura no nível de regulamentação
normativa da conduta, pode ser observada ainda na atitude da aceitação das situações
antagônicas, como se fossem parte da ordem natural das coisas” (Franco, 1997, p. 55).
O fato de as tensões geradas na comunidade demonstrarem um
sistema de valores confirmando a opção pela expressão da violência, não implicava a
negação ou não existência da polícia e do aparelho judiciário com o objetivo de
implantar uma ordem racional, mas revelava que a efetividade do conjunto de valores
estava acima do cumprimento dos preceitos legais estabelecidos pelo direito positivo.
As justificativas do agressor poderiam ser suficientes para que as pessoas que
presenciassem o crime não realizassem um movimento no sentido de entregar seu autor
ao aparelho judiciário, mas sim de encorajá-lo e ajudá-lo a fugir, se necessário. Além
disso, a divulgação livre sobre a violência cometida aponta para o fato de que o ato
criminoso era socialmente autorizado. Os agressores, embora usassem de práticas
violentas, eram vistos como homens destemidos e decididos; virtudes que, combinadas,
poderiam indicar personalidades fortes, e não criminosas.
A prática da violência e o tipo de composição de conflitos revelam
aspectos no mínimo curiosos sobre o controle social e a dominação política do século
XIX, e que ainda hoje podem contribuir para entendermos a relação do cidadão comum
com o Estado e o aparelho judicial. Primeiramente, como foi apontado acima, a partir da
independência do país uma estrutura judicial foi concebida para manter a ordem social.
O Código Criminal de 1830 e o Código do Processo Criminal de 1832 foram criados
com o objetivo de construir uma estrutura legal capaz de consolidar o poder estatal com
agências estruturadas para efetivar o exercício e monopólio legítimo da violência.
A Justiça estava distribuída por todo o país, em primeira instância,
pela função dos juízes ordinários e os juízes de fora, que tinham funções policiais e
117
jurisdicionais, além de puramente administrativas. A estrutura estava definida da
seguinte forma:
“Havia, em certos lugares, juízes especializados de órfãos e do
crime. As câmaras, por sua vez, retinham algumas atribuições
judiciárias, embora muito reduzidas pelas Ordenações
Filipinas. Abaixo dos juízes mencionados encontramos os
almotacés e os juízes de vintena. Os almotacés, além das
infrações de postura de conselho, julgavam certas causas de
direito real relativa a obras ou construções e impunham penas
com recurso para os juízes. Os juízes de vintena, também
chamados pedâneos, com alçada pequena, tinham exercício
nas aldeias, situadas a certa distância da vila ou cidade, não
possuía jurisdição no crime, mas podiam prender em flagrante,
ou mediante mandato ou querela, apresentando o detido ao
juiz competente. Cumpre mencionar ainda, como funcionários
propriamente policiais, os alcaides pequenos e os
quadrilheiros. Acima das autoridades referidas estavam os
ouvidores de comarca e acima destes os ouvidores gerais,
todos de nomeação régia
. (Leal, 1986, p. 213-214)
Embora houvesse um aparato policial e judicial hierarquizado e
funcionando para atender o cidadão brasileiro na composição dos mais diversos
conflitos, Caio Prado Junior (2000) afirma que, na prática, esta estrutura era incapaz de
estabelecer a ordem das coisas e conter a violência. Este posicionamento aponta para o
fato de que a Justiça beneficiava apenas uma minoria, formada pelos proprietários locais
mais abastados, que acionavam a mesma para a composição de litígios envolvendo suas
propriedades, demarcações de terras e cobrança de dívidas. Além do elitismo, um outro
problema acerca do aparelho judicial marcava a administração da Justiça: sua
precariedade e ineficácia para conter os poderes privados da justiça direta, citada
anteriormente.
Ainda em Caio Prado Junior (2000, p. 340), “a justiça era cara,
morosa e burocrática, inacessível mesmo à grande maioria da população”. Em parte,
esta é uma explicação plausível para entendermos o exercício privado da Justiça como
uma prática corriqueira e muito mais rápida, que garantia poder aos proprietários de
terras, o poder local. Era a chamada Justiça Eletiva, com atuação nos municípios e cuja
influência elegia juízes, vereadores e demais funcionários subordinados às Câmaras.
Sempre que seus interesses estavam ameaçados, os fazendeiros tomavam para si o
exercício de funções policiais e judiciais. Não apenas os escravos eram vítimas desta
prática, o homem livre constantemente era julgado e punido pelos fazendeiros, tendo,
118
em alguns casos, seus direitos usurpados. Como fica claro no relato feito em 1896,
sobre uma pessoa que solicitou a intervenção das autoridades, segundo o relator:
“Que foi à Fazenda do Carmo, de propriedade do querelado
José de Castro, a fim de assistir a uma festa de Santa Cruz, e
ali, às oito horas mais ou menos, foi inopinadamente preso
pelo supradito José de Castro, que, auxiliado pelos três outros
querelados, em casa do agregado Manuel de Tal onde se fazia
a festa, o aludido, onde assim amarrado o conservou em
cárcere privado, pelo tempo de oito horas mais ou menos”.
(Franco, 1997, p. 159).
Quando acionavam a Justiça estatal, os homens livres e pobres
enfrentavam a defesa dos responsáveis pela arbitrariedade cometida que, quase sempre,
conseguiam que a Justiça oficial legitimasse suas práticas policiais e judiciais e os
absolvessem por completo.
A estrutura judicial favorecia a prepotência do proprietário de terras,
seja por meio de leis, seja por meio de garantias para o exercício de seu poder pessoal.
Pode-se dizer que a Justiça contribuía para a acumulação de atribuições judiciárias e
policiais entre as mesmas autoridades, criando uma situação viciosa e perigosa para
quem não fizesse parte da ínfima parcela da população beneficiada por esta ordem. Este
contexto ocorria a despeito do código de 1832, que definia explicitamente a quem
cabiam as funções judiciais e policiais, sendo que:
“Cada comarca deveria ter um juiz de direito, e nas mais
populosas podia haver um limite de três juízes, um dos quais
seria o chefe de policia. Os juízes de direito eram nomeados
pelo Imperador. Nos termos, havia um conselho de jurados
alistados anualmente por uma junta especial, que funcionava
em dois júris: de acusação e de julgamento; um juiz municipal
e um promotor público. (Leal, 1997, p. 220)
Na prática, a descentralização do poder não era eficaz o suficiente
para acabar com os desequilíbrios do sistema. Os jurados absolviam réus confessos
mediante a conclusão de que ao sujeito compete resolver por si mesmo as suas
pendências pessoais, defendendo-se ou violentando outras pessoas conforme as
circunstâncias. Segundo Franco (1997, p. 161), a incapacidade dos jurados de utilizarem
com propriedade os instrumentos de sua administração saltava aos olhos. “Não raro,
escapava-lhe o jogo das prescrições técnicas que deveriam observar no exercício de
119
suas atribuições”. A lei e o Direito eram constantemente colocados em segundo plano
frente às questões morais, decidindo à revelia das evidências dos autos.
Nota-se que o grau de impunidade decorrente da ação dos jurados
contribuía ainda mais para a propagação da violência. Estes dados revelam que o
aparelho judicial do século XIX não era capaz de impor a paz diante de uma estrutura
descentralizada que garantia muito poder aos municípios e à dominação pessoal. Sem a
Justiça oficial atuando de maneira presente, a ordem era estabelecida por meio da lei do
mais forte e do economicamente mais rico, o que revela a importância política do
fazendeiro (coronel) neste contexto histórico. Faltavam direitos civis, ou seja, liberdade
de expressão, de opinião e de organização para a grande maioria da população e,
também direitos sociais de toda ordem, sobretudo aqueles que garantissem um maior
acesso à Justiça.
Embora politicamente estivéssemos diante de uma Constituição que
garantia direitos políticos, como a convocação de eleições ocorrendo de maneira
ininterrupta até 1930, o que garantia o direito ao voto aos homens livres de 25 anos ou
mais que ganhassem acima de 100 mil-réis, fator este que não excluía a grande maioria,
visto que a renda de um servidor público era de 600 mil-réis (Carvalho, 2001, p. 30), é
preciso mencionar que estávamos desorganizados por falta de garantias cívicas. Este
contexto favoreceu o individualismo brasileiro, fruto da “insocialibidade constitutiva ao
mundo agrário, baseada na violência e na falta de direitos civis” (Oliveira Vianna,
1973, p. 148).
Aqui, é preciso fazer uma ressalva importante sobre os conflitos
existentes no século XIX. O enfrentamento entre homens pobres e simples e os
proprietários rurais não eram freqüentes nos registros judiciais pelas razões aqui
expostas, mas isso não significa que não houvesse resistências, ou seja, querelas
(processo cível ou criminal iniciado por denúncia ou queixa feita por uma das partes).
Vale dizer que em alguns poucos casos, a Justiça obrigava o fazendeiro a ressarcir o
homem pobre.
Os documentos sobre os processos criminais revelam, também, dados
interessantes sobre a Justiça praticada no século XIX. Segundo a tese de doutorado de
120
Vellasco (2002), há uma documentação vasta sobre este tema, que inclui um total de
1584 registros de processos durante o período de 1800 a 1890. Para Vellasco (2002, p.
57)
“Do ponto de vista qualitativo, os processos criminais
perfazem uma documentação extremamente rica e minuciosa
que nos permite acompanhar e analisar os procedimentos
judiciários, a ação dos atores envolvidos e seus discursos,
ainda que limitados pelo contexto e traduzidos pela redação do
escrivão. Constituem, pela sua própria estrutura narrativa,
testemunhos e depoimentos, que retratam, ainda que de forma
implícita, mas nem sempre, aspectos das relações sociais tanto
quando das representações sobre elas que os diversos atores
portam”.
Vale dizer que os conflitos com ganho de causa aos homens pobres
em detrimento dos proprietários rurais eram ínfimos frente ao seu oposto. A grande
soma de processos referia-se a homens do mesmo padrão social, que entravam em
disputas por terras ou outro fator que acabavam, em grande parte, em processos
criminais. Do ponto de vista da organização do sistema judicial, não há dúvidas de que
estávamos diante de uma estrutura capaz de administrar litígios, embora, em sua
maioria, os processos não durassem menos de dois ou três anos e não beneficiassem a
todos. Um outro fator, como apontado acima, revela que a Justiça pouco fazia para
conter a dominação pessoal e a utilização freqüente da justiça privada. De certa forma,
esta realidade ganhava maiores contornos na medida em que a oferta de trabalhos
judiciais era muito menor que a demanda social.
Se, no âmbito judicial, a dominação pessoal e o aspecto moral
prevaleciam no processo decisório, no que tange ao sistema de Justiça a realidade não
era muito diferente. A polícia constantemente comportava-se como se estivesse acima
da lei, com um poder não autorizado e nem legitimado pela Justiça oficial. Afirmando
ser preciso tomar medidas emergenciais para manter a ordem, os policiais quase sempre
buscavam solucionar os problemas de maneira rápida, o que acabava por substituir as
formalidades processuais por medidas contrárias aos preceitos legais. Com freqüência
os policiais agiam de maneira violenta e arbitrária, e quando interrogados, defendiam-se
argumentando que não havia outra conduta a ser tomada a não ser controlar o réu. A
justificativa, em nosso ver, era pouco convincente, visto que o fato de o réu ser
alcoólatra poderia ser suficiente para que a polícia agisse com violência. A questão
121
estava na desqualificação moral do réu como justificativa para o poder discricionário da
polícia, sem que a Justiça oficial aplicasse medidas punitivas ao seu comportamento.
Para Fausto (1984, p. 162), a imprensa na década de oitenta no século
XIX (Correio Paulistano, O Estado de São Paulo, A Platéia, A Nação e o Combate)
chegou, por diversas vezes, com maior ou menor ênfase, dependendo do jornal, a
denunciar os atos de agentes do aparelho repressivo que exorbitaram de suas funções.
As principais críticas giravam “em torno de prisões arbitrárias, violências físicas ao se
efetuar uma prisão, invasão ilegal de domicílio e ações profiláticas”. Em alguns casos,
a imprensa alertava o cidadão para que evitasse passar perto de onde houvesse soldados
da polícia.
A prática de tortura, segundo Fausto, não era comum no século XIX
como ficou conhecida e difundida a partir do século seguinte. Mas, com freqüência os
policiais, agindo em prol da “pedagogia do castigo”, utilizavam instrumentos como
régua, palmatória e o emprego de tubos de borracha para a execução de surras; além de
privarem os presos de tomar água e se alimentar em diversos contextos. Práticas
inquisitoriais coexistiam com as aquisições técnicas e jurídicas. A polícia e parte da
instrução criminal buscaram a culpabilidade através do segredo e do processo escrito.
Mais do que isso, atitudes discricionárias, baseadas na desigualdade e nos favores,
davam uma característica de impessoalidade ao trabalho dos policiais.
No início do século XX, a mídia impressa continuou a reafirmar seu
posicionamento em relação à polícia como instituição arbitrária e violenta. A discussão
do emprego do castigo e suas aplicações ao longo das décadas seguintes foram, para
muitos, uma forma encontrada pelo Estado para controlar os limites da justiça privada.
O debate em torno do aspecto descentralizador do Código de 1832, e a concepção que o
mesmo havia instaurado uma anarquia e desordem nas relações sociais, foi responsável
pela lei de 3 de dezembro de 1841. Segundo Leal (1997), o problema não estava na lei,
mas na sociedade brasileira e o poder do efeito da exaltação popular, que buscava na
violência institucionalizada e, moralmente acreditada, a melhor alternativa para os
conflitos sociais. É certo que está postura ocorre na medida em que não se pode confiar
em seu aparelho repressivo, muito mais ameaçador do que protetor. O homem livre e
pobre é confundido com o bandido, caso esteja no lugar e na hora errados.
122
Nos anos seguintes, sobretudo após a proclamação da República,
alguns aspectos sobre a imposição da ordem por meio da instituição policial merecem
ser destacados. A partir de 1891, as funções policiais ficaram sob a guarda dos estados,
os quais teriam liberdade de decidir sobre o aparelho policial. Adotou-se a livre
nomeação dos chefes de polícia e seus delegados, permanecendo esta estrutura durante a
Segunda República, o Estado Novo e até os dias de hoje.
O resultado foi à subsistência da polícia partidária, que já
vinha do Império utilizando como instrumento habitual de
ação política: a diferença é que passou a servir às situações
estaduais, quando antes obedecia aos desígnios do governo
central”. (Leal, 1997, p. 224-225)
A repressão policial aberta às greves, às organizações sindicais e à
imprensa operária foi a forma que mais se destacou no contato cotidiano das autoridades
com os operários. Pode-se dizer que esta foi uma estratégia para controlar o mercado de
trabalho industrial por meio de sanções contra a sociabilidade vedada. O que demonstra
que o aparelho policial estava infiltrado em todas as esferas da vida social desde a
Primeira República, da normalização e controle da população trabalhadora até a
contenção da criminalidade urbana.
Durante toda a Primeira República, práticas relativamente elaboradas
de controle da criminalidade urbana foram implementadas, sobretudo na cidade de São
Paulo. O poder público passou a regular toda forma de trabalho informal e
comportamentos considerados marginais, como a mendicância e a vadiagem. A
reorganização da instituição policial, as modernas técnicas criminalísticas e a
racionalização de seu aparelho burocrático foram fundamentais para a criação de uma
estrutura policial que exercesse um maior controle sobre a população. Novos órgãos
foram criados para aumentar a eficiência da polícia no combate ao crime e no controle
do espaço público.
Não há dúvida que do século XIX até os dias de hoje, muitos aspectos
que envolvem a Justiça e o aparelho policial sofreram grandes transformações,
sobretudo em relação à racionalidade e à previsibilidade do Direito, e um maior controle
em relação à ação policial, realizado pela Corregedoria da Polícia Civil e pelo
Ministério Público. A Justiça apresenta nova configuração, uma federal, de organização
e processo da competência legislativa da União, e a outra local, organizada pelos
123
estados, resultando num desempenho e controle maior sobre a criminalidade, violência e
corrupção, além da criação de instituições que propiciam o maior acesso à Justiça. No
entanto, embora a estrutura seja alentadora, os dados apresentados pelos telejornais e o
discurso do cidadão comum demonstram que antigos medos perduram e que a visão do
atual sistema de Justiça não mudou de forma significativa à realidade do país.
A história da dominação pessoal e da justiça privada deixou como
legado um individualismo que, somente de forma lenta, começa a mostrar sinais de
fraqueza, dando margem para a construção da sociabilidade do país. Além disso, a
ineficácia e arbitrariedade institucional do sistema de Justiça são definidas como o
ponto nevrálgico a ser resolvido, sobretudo na visão do cidadão comum.
Se, por um lado, a relação com a criminalidade é natural, dado o fato
de que a mesma sempre esteve presente no cotidiano da sociedade brasileira como
forma de composição de conflitos e manutenção dos valores sociais, por outro, os
mecanismos de controle devem evitar que a mesma criminalidade que reforça valores
destrua os princípios que mantêm o equilíbrio social. O funcionamento dos mecanismos
de controle deve agir em prol da ordem e do equilíbrio, e não para proteger
determinados grupos. Ademais, sua estrutura deve estar adequada para atender à
demanda de conflitos, seja em relação à micro ou à macro-criminalidade. A não garantia
do controle social gera descrença e apatia em relação ao sistema de Justiça e, por
conseguinte, ao próprio Estado.
Neste contexto, para entendermos o lugar do contrato social hoje,
devemos recorrer a uma interpretação mais atual da violência e da constituição da
ordem, dado o fato de que dois aspectos parecem ofuscar a compreensão e importância
da sociabilidade do país: o legado histórico da dominação pessoal, justiça privada e
violência (interiorizada e institucionalizada); e a superexposição dramatizada da
violência nos meios de comunicação. Além disso, é necessário avaliarmos a relação
com as instituições de contenção da violência e a construção da sua imagem no sistema
de produção.
124
3.2- A contenção da Violência: a lógica do Vigiar e Punir
“A violência não consiste numa mesma desgraça igualmente
imposta a todas as vítimas pelo mesmo tipo de autor. É urgente
esquadrilhar criteriosamente manifestações de violência, bem
com características de vítimas e autores. Para tal, é necessário
passar os olhos por mecanismos do Estado, bastidores de boa
parte da formulação violente encenada em nosso meio social”.
(Sussekind, 1997).
Num primeiro momento, faz-se necessário compreender a relação
entre violência e valores, já presente no século XIX, como foi descrito anteriormente, e
que ainda faz parte do cotidiano atual, em alguns aspectos de forma mais saliente. O
medo e a insegurança revelam que a violência é parte indissociável da cultura brasileira,
sendo que suas diversas formas estão disseminadas entre os grupos sociais, seja como
mecanismo de convívio, seja como instrumento de controle social.
Das formas de violência praticadas e interpretadas pelo sistema de
produção da mídia encontramos, primeiramente, aquela restrita ao ambiente doméstico
como referência para mencionar o lugar dos valores sociais na fala do cidadão comum.
Há um consenso em repudiar algumas práticas de violência em detrimento de outras.
Aceita-se, com restrições, a violência de pais contra filhos como um instrumento de
reprodução dos valores e comportamento social, mas repudia-se, sem nenhum tipo de
exceção, o contrário. A relação entre cônjuges também é revelada como uma atrocidade
que deve ser contida a qualquer custo, assim como as diversas formas de abuso sexual,
no âmbito familiar ou não.
O cidadão comum afirma que a violência é conseqüência da
fragmentação dos valores que deveriam moldar o comportamento social. A primeira
indignação com as práticas da violência e, como resultado, da insegurança causada pela
mesma é, portanto, de cunho moral. O enfraquecimento da família e dos princípios
religiosos foi revelado como o principal aspecto que compromete a vida social e que
desencadeia uma série de outros comportamentos anômicos. Parte desses
comportamentos desregrados acaba constituindo, para o cidadão comum, novas formas
de violência. Para conter este processo é preciso um conjunto de dispositivos sociais, ou
seja, usos, costumes, leis instituições e sanções que objetivem a integração social dos
indivíduos, o estabelecimento da ordem e a preservação da estrutura social alicerçada
125
nos valores e imposição do consenso. Quando os usos e costumes demonstram sinais de
fraqueza, o cidadão comum revela a necessidade de dispositivos legais. Espera-se que a
Justiça atue com severidade em determinadas situações em que os valores morais estão
ameaçados, como no caso em que os filhos agridem os pais, as mulheres são vítimas de
abuso sexual e quando traficantes amedrontam a população com o fechamento do
comércio, tiroteios e proliferação do comércio de entorpecentes.
Ao encontro do posicionamento denunciativo dos meios de
comunicação frente à atuação do Poder Judiciário, ora apresentado como ineficaz, ora
como conivente com o crime organizado, como foi discutido no capítulo anterior, o
cidadão comum é capaz de fazer críticas contundentes ao sistema. Por um lado, há um
discurso que procura apontar para as fraquezas das instituições de integração social
(família, educação e religião) e, por outro, para o fato de que a Justiça pode ser o
veículo para salvaguardar os valores morais. No entanto, há uma desconfiança em
relação ao seu trabalho, sobretudo pela condição de excluído em que o cidadão comum
se coloca. Como fica explícito no depoimento abaixo.
Marta: O que falta é religiosidade e uma boa
educação. Se mudarmos a realidade do país por meio
da educação as crianças vão ver um mundo mais
justo. Além do mais é preciso investir na família, o
aconchego da família é fundamental. A Justiça,
somente em último caso, mesmo por que nem
sempre podemos confiar na mesma, ela nem sempre
é justa.
No período que compreendeu esta pesquisa, alguns casos foram muito
divulgados e acabaram por contribuir para uma melhor definição da violência e das
formas de controle almejadas pelo cidao comum. Dentre os casos que mais foram
discutidos, podemos citar a morte do casal de classe média alta, moradores da zona sul
de São Paulo, comandada pela filha do casal, Suzane Von Richtthofen, e seu namorado
(o caso foi divulgado com maior ênfase entre novembro e dezembro 2002, embora sua
repercussão tenha atingido o ápice nos dois meses posteriores ao acontecido), e o caso
do casal Alexandre e Sarah Alvarenga, que arremessaram o filho, de um ano de idade,
contra o pára-brisa de um carro em movimento que vinha no sentido contrário,
provocando traumatismo craniano no bebê (o caso foi divulgado de fevereiro a março
126
de 2003). Assim como esses casos, outros tiveram igual repercussão, não somente pelo
grau de crueldade com que foram praticados e pela freqüência da divulgação, mas,
sobretudo, por ameaçarem, na visão do cidadão comum, as relações privadas e
comprometerem os valores socialmente aceitos.
Geraldo: a violência é fruto da violência. Olha o que
aconteceu na casa da Suzane, a garota que matou os
pais. Ela fez o que fez porque levou um tapa na cara
do pai. Tem um amigo meu que disse que se o pai
usa de violência, ele colhe violência. É preciso
cultivar coisas boas, cuidar bem dos filhos, saber
como corrigi-los.
Entende-se que a violência do âmbito doméstico, divulgada em todos os telejornais,
com maior ênfase no telejornal Cidade Alerta, é a primeira violência a desintegrar a
vida social, por esta razão os enquadramentos são, com freqüência, dramáticos, o que
contribui para a elaboração de um discurso tenso e demasiadamente preocupante.
V
IOLÊNCIA DOMÉSTICA
ENQUADRAMENTO
0
5
10
15
20
25
30
BAND
CIDADE
ALERTA
NACIONAL
RECORD
CIVICO
DRAMÁTICO
ESTRATÉGICO
MORAL
Gráfico nº 8
O cidadão comum assume uma retórica de defesa incondicional do controle desse tipo
de violência por considerá-la um germe das demais formas de violência praticadas. O
fundamento desse discurso parte do pressuposto que uma vez não controladas as
relações no âmbito privado, todas as demais se tornam comprometidas e ameaçadas. A
mídia tem um papel decisivo para esse tipo de retórica, uma vez que abre espaço para a
exposição do tema da violência doméstica como uma das formas de violência perniciosa
127
para o convívio social, ao lado da violência urbana e do crime organizado.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
0
50
100
150
200
250
300
350
400
BAND
CIDADE
ALERTA
NACIONAL
RECORD
VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA
TEMPO
VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA
FREÊNCI
A
Gráfico nº 9
A freqüência diária é relativamente igual em todos os telejornais
analisados, o que varia é o tempo de exposição em minutos, muito superior no telejornal
Cidade Alerta. O maior tempo de exposição não altera qualitativamente a percepção da
recepção sobre o tema, dado que as imagens e o conteúdo da informação são repetidos,
seja no mesmo dia ou na semana que se segue ao fato. O que parece relevante é a
presença de elementos que reforçam a necessidade do Direito, como mecanismo
regulador, intervindo nas relações privadas para conter o crescimento da violência
doméstica.
Quando comparamos os dados sobre a divulgação da violência
doméstica em relação à violência urbana e o crime organizado, percebemos variados
graus de importância atribuídos para cada caso, embora a soma da violência urbana e do
crime organizado supere em muito o número de ocorrência das mensagens sobre a
violência doméstica, sendo tipos diferentes de problemas sociais; para o cidadão
128
comum, estamos diante de um mesmo fenômeno, em que a violência doméstica é
interpretada como germe da violência urbana e do crime organizado.
Durante os grupos focais, foi possível perceber com maior nitidez essa
comparação. Quando os entrevistados mencionavam o problema da violência e a
necessidade de contê-la, deixavam claro que os jovens sem uma estrutura familiar
definida, ausência de religiosidade e carentes de uma orientação que tenha como
princípio determinados valores, são propícios ao consumo de drogas, à prática de delitos
e à entrarem no mundo do crime para sustentar o vício.
O gráfico abaixo aponta o número e ocorrência de cada tipo de
violência praticada.
COMPARATIVO VIOLÊNCIA
DOMÊSTICA, URBANA E CRIME
ORGANIZADO
0
50
100
150
200
250
VIOLÊNCIA
DOMÉSTICA
VIOLÊNCIA
URBANA
CRIME
ORGANIZADO
Gráfico nº 10
Pela importância que as relações privadas assumem no processo de
integração social, caberá ao Direito assumir como tarefa a regulamentação da mesma. O
desafio contra a violência não reside na normatividade vigente, a despeito do
anacronismo do Código Penal e da ausência de lei específica sobre, por exemplo, a
violência doméstica. O desafio é cultural. Este fato já é uma realidade, o crescimento do
fenômeno jurídico em contextos até pouco tempo limitado às relações privadas
demonstra um novo lugar ocupado pelo aparelho judicial brasileiro. Segundo Werneck
Vianna:
“[...] o direito, seus procedimentos e instituições passam a ser
mobilizados em favor da agregação e da solidariedade social,
129
como campo de exercício de uma pedagogia para o civismo. A
expansão do direito e do Poder Judiciário, em uma sociedade
que jamais conheceu, de fato, a liberdade, se reveste, portanto,
de uma dupla inspiração. De um lado, nasce, como em outros
contextos nacionais contemporâneos, da ocupação de um vazio
deixado pela crise das ideologias, da família, do Estado e do
sistema de representação; de outro, reitera uma prática com
raízes profundas na história brasileira, em que o direito, como
instrumento de ação de uma intelligentzia jurídica, se põe a
serviço da construção da cidadania e da animação da vida
republicana”. (Vianna, 1999, p. 153)
Embora este dado seja correto, na visão do cidadão comum o aparelho
judicial ainda está muito distante de sua realidade e necessidade. A Justiça é
interpretada como inacessível, morosa e cara. Além da falta de acesso, o cidadão
comum clama por maior justiça e eqüidade na composição dos conflitos, ou seja,
quando consegue acionar o Poder Judiciário, o cidadão comum sente que precisa
esperar anos até que seu litígio seja resolvido, o que em sua opinião não acontece com
os indivíduos de classes abastadas.
No caso do casal Alexandre e Sarah Alvarenga, ambos foram presos
logo após a tentativa de homicídio, no entanto, cerca de um mês depois, Sarah
conseguiu um Habeas Corpus e autorização para visitar os filhos, inclusive o bebê que
sofreu traumatismo craniano vítima da violência praticada pela mesma e seu cônjuge.
Para o cidadão comum, este tipo de “privilégio” estimula a violência e a desigualdade,
sobretudo por expressar um afrouxamento no sistema de penalidades e um acesso
restrito à população mais abastada. Assim como no século XIX, existe um consenso
entre os telejornais, e na fala do cidadão comum, de que o domínio da Justiça é de uma
classe mais abastada que pode pagar seus altos custos, bem como interferir nas decisões
judiciais.
Carmem: Isto já vem ocorrendo desde os anos 60.
Não é só por causa da Justiça, isto é fruto da
sociedade. Só é preso o pobre; já o político, o artista,
estes escapam. A Justiça ainda não funciona para
todos. Você pega a Constituição, temos direito disso
e daquilo, mas na prática isso não existe. A Justiça é
falha. A gente também tem culpa nisso.
O posicionamento do cidadão comum foi sendo reforçado com a
leitura de novas formas de violência doméstica divulgadas pelos telejornais. A saliência
130
com que as notícias foram apresentadas aponta para o crescimento alarmante de casos
de agressões e mortes entre os familiares, demonstrando que o problema não faz parte
de uma determinada classe social, mas expressa um processo avassalador entre toda a
sociedade brasileira. A ênfase dada pelos telejornais a casos isolados sobre a violência
doméstica procura alarmar o receptor sobre a crise da instituição familiar e dos valores a
ela correspondentes. O impacto destas notícias é inquestionável, o cidadão comum se
sente vulnerável ao crescimento da criminalidade e da forma como pode ser atingido
pelo mesmo, sobretudo porque teme a ação do sistema de Justiça. Ao mesmo tempo em
que estamos discutindo uma situação real, e histórica e culturalmente concreta, a
exposição dos fatos sobre a criminalidade é enquadrada com uma saliência maior que
outros aspectos do processo de sociabilidade.
No capítulo anterior tivemos a oportunidade de discutir este fato
quando tratávamos do Estado de Natureza. O estado permanente de medo é
simultaneamente real (resultado de processos históricos e culturais) e fabricado (pela
exposição freqüente feita pela mídia). O cidadão comum se sente temeroso e, para evitar
tal realidade em sua família, defende incondicionalmente a prática de um controle
severo por parte do Estado, desde que crie uma estrutura para o hipossuficiente.
O criminoso, para o cidadão comum, não deve ficar preso apenas pelo
crime que cometeu, mas pela ameaça que representa à sociedade, pelo grau de
periculosidade que ele representa. Entende-se que criminosos não são apenas os
bandidos, o traficante, mas são também os políticos corruptos, aqueles que desviam
verba pública, ou seja, o abismo entre a esfera da micro-criminalidade e macro-
criminalidade não existe no discurso do cidadão comum. Os dois momentos de ação
criminosa refletem os mesmos problemas sociais e expressam o mesmo tipo de perigo.
O conceito de periculosidade nos leva mais além. Revela aspectos
importantes da microfísica do poder, na qual se impõe um castigo a alguém não apenas
para puni-lo, mas para transformá-lo no que ele é e justificar a própria punição
(Foucault, 2004). Se em relação à esfera privada e a decomposição dos valores sociais
visualizamos um consenso sobre a necessidade da ordem institucionalizada e um maior
acesso à Justiça, este tema ganha maior amplitude diante das demais formas de
violência. Como salientamos acima, o cidadão comum faz uma associação direta entre a
131
falência dos mecanismos de controle social produzidos pela sociedade, que transmitem
incapacidade em favorecer o aprendizado e a interiorização dos elementos
socioculturais, normas e valores do grupo social e que deveriam integrar a estrutura da
personalidade do indivíduo, com o crescimento do crime, seja no âmbito doméstico ou
em sua projeção nacional. Um exemplo disso é o aumento das práticas de violência
cometidas por menores de idade, o que é entendido como relacionado a fatores que
envolvem a falta de mecanismos da sociedade em reproduzir seus valores legitimados e
alcançar uma maior conformidade em relação aos mesmos, e à falência do Estado em
criar uma estrutura eficiente para conter seu crescimento.
Sobre esse aspecto da violência, Corrêa (1982) afirma que a
transformação da criança em menor é relativamente recente, difundida somente nas
primeiras décadas do século XX. É a partir dessa transformação que passam a ser
discutidas novas legislações e novos institutos de proteção e recuperação dos jovens
infratores, visando a um sistema adequado de reclusão
20
. A questão é como atingir uma
maior conformidade com os valores socialmente aceitos para reverter o crescimento do
desvio, seja praticado por menores ou não. Entende-se que a conformidade seria a ação
orientada para uma norma (ou normas) especial, compreendida dentro dos limites de
comportamento por ela permitido ou delimitada. O conhecimento das normas não
precisa ser explícito, o que seria difícil, basta sua aceitação implícita em seus aspectos
gerais. Por outro lado, o comportamento anômico pressupõe uma infração motivada,
correspondendo ao comportamento disfuncional em relação ao grupo onde ocorre.
Dentre as formas de se obter a conformidade estão a sociabilidade, ou
seja, o processo que propicia a interiorização das normas sociais, e o controle social. Em
relação à primeira forma de conformidade sabemos, pelos aspectos aqui mencionados,
que existe uma crescente dificuldade em processá-la. Sobre a segunda, devemos
mencionar que seu efeito poderá ser maior se a pessoa socializada puder prever as
conseqüências que advirão de seu comportamento desviado
21
. O crescimento do desvio
tende a ser maior em decorrência de alguns fatores: sanções fracas (não tem força para
orientar ou determinar o comportamento social), cumprimento medíocre (quando a
20
Estatuto da Criança e do Adolescente.
21
Segundo Zaluar (1994), o conhecimento sobre as penalidades previstas pelo aparato repressor do
Estado define, em parte, a mudança de comportamento em relação ao desvio. O papel da família,
sobretudo da mãe, é muito mais presente e atuante.
132
aplicação das sanções não é freqüente e a validade da norma acaba por se tornar
bastante enfraquecida) e execução injusta ou corrupta da lei, quando as pessoas
encarregadas da manutenção e aplicação da lei não o fazem de maneira justa e
eqüitativa, ou quando são, até certo ponto, coniventes com o comportamento desviado
de determinados elementos.
Durante os grupos focais, o cidadão comum, entrevistado por nós,
afirmou que o controle das diversas formas de violência deveria passar por mudanças
legais. Entre elas podemos destacar: 1- o aumento da penas para todos os tipos de
violência, 2- redução da idade de responsabilidade penal, 3- fim de todos os recursos
garantidos no Código Penal para o não cumprimento da pena em regime fechado, 4- fim
do abrandamento das penas, 5- total isolamento dos jovens infratores e criminosos do
restante da sociedade, sem visitas de advogados e pouco contato com a família. Em
relação a este último tipo de controle social, vale ressaltar o posicionamento de que não
basta a punição, é preciso um esquema de permanente vigilância do comportamento.
O contrato social, a partir desses dados, deve ser imaginado como
fundamento ideal do direito e do poder político. No entanto, pela descrença da
legitimidade e legalidade do poder
22
, o cidadão comum revela sua ansiedade por um
maior controle efetivo. Este ideal de sociedade não é novo, nasce, segundo Foucault
(1983), no século XVIII e ganha credibilidade ao longo dos séculos XIX e XX. Sua
melhor expressão está em Bentham e seu pequeno modelo de sociedade vigiada: o
Panopticon. Em outras palavras, trata-se de uma construção arquitetônica,
22
O sentimento de insegurança perante o crime e a desconfiança que os cidadãos sentem em relação ao
sistema penal de garantir uma preservação e repressão eficaz do delito. Em relação a isso, pesquisa
recente sobre criminalidade demonstrou entre outras coisas: 1- que os códigos e leis não costumam
corresponder às reais necessidades dos países onde eles devem ser aplicados, sendo que, são elaborados
com pouca ou nenhuma participação do público. 2- grande parte dos números de delitos cometidos não é
denunciada à polícia ou Ministério Público, as razões são o medo, a falta de confiança e a descrença em
sua eficiência, 3- a descrença nos tribunais que padecem de uma sobrecarga de trabalho, 4- as penas
clássicas (prisão e multa) não comprovaram a eficácia que delas esperava o legislador, 5- a cadeia
fracassou como medida reparadora do dano causado pelo delito e como método ressocializador capaz de
prevenir a reincidência, 6- o tratamento dispensado tanto nos estabelecimentos penitenciários como
nomeio livre até agora tem apresentado resultados medíocres ou nulos, 7- os programas tradicionais de
prevenção da delinqüência é, em grande parte, ineficaz, 8- a opinião pública considera que um dos
principais males de que padece a justiça penal é sua indiferença com os cidadãos; reclama-se, em
particular, de sua lentidão, seu caráter abstrato e vetusco, sua desigualdade, sua inconseqüência, seus
elevados custos funanceiros e sociais. Estes dados foram levantados na pesquisa realizada por Rico, J.M.,
em “Alternativas al castigo”, Annales Internationales de Criminologie, vol. 21, p. 313-24, 1983. Op. cit.
in “Delito, Insegurança e Polícia.
133
“... um edifício em forma de anel, no meio do qual havia um
pátio com uma torre no centro. O anel se dividia em pequenas
celas que dava tanto para o interior quanto para o exterior.
Em cada uma dessas pequenas celas, havia segundo o objetivo
da instituição, uma criança aprendendo a escrever, um
operário trabalhando, um prisioneiro se corrigindo, um louco
atualizando sua loucura, etc. Na torre central havia um
vigilante. Como cada cela dava ao mesmo tempo para o
interior e para o exterior, o olhar do vigilante podia atravessar
toda a cela; não havia nenhum ponto de sombra e, por
conseguinte, tudo o que fazia o indivíduo estava exposto ao
olhar de um vigilante que observava através de venezianas, de
postigos semicerrados de modo a poder ver tudo sem que
ninguém ao contrário pudesse vê-lo”. (Loche, 1990)
A idéia de Panopticon se organiza em torno da norma, em termos do
que legalmente é correto ou não, justo ou injusto, do que se deve ou não fazer. Para o
cidadão comum só dessa forma haverá uma maior moralização da política e vida social
em todas as suas esferas. Para que a vigilância permanente funcione é preciso que todos,
sem distinção, sejam vigiados. Do político, passando pelo corpo legislativo e judiciário
até atingir os servidores públicos e privados e a população como um todo, estariam
atuando dentro do Panopticon.
A concepção de sociedade vigiada pode ser compreendida por meio de
dois exemplos do século XVIII, um na Inglaterra e o outro na França. Na Inglaterra,
grupos espontâneos de pessoas tomavam para si a tarefa de manter a ordem por meio de
instrumentos desenvolvidos por eles próprios. No início, estes grupos vinham da
pequena burguesia e tinham como propósito maior o controle dos valores morais. Eles
proibiam a embriaguez, a prostituição, o roubo etc., e não estabeleciam, neste momento,
uma relação direta com o Direito Penal vigente. Nos fins do século XVIII estes grupos
de pressão passaram a ser controlados por aristocratas e pela alta burguesia,
essencialmente com o objetivo de obter do poder político novas leis que ratificassem
esse esforço moral. Tem-se, assim, um deslocamento da moralidade à penalidade. Pode-
se observar uma progressiva estatização das instâncias do poder, migrando dos grupos
de pressão para o Estado.
O mesmo processo ocorreu na França, com algumas particularidades
de um país monarquista. Nos séculos XVII e XVIII a França possuía um instrumento
judiciário e um parajudiciário, a polícia. Dentre os aspectos institucionais mais
interessantes do controle social institucionalizado na França encontramos a chamada
134
lettres-de-cachet, uma ordem do rei que concernia a uma pessoa, individualmente,
obrigando-a a fazer alguma coisa. Por meio desse instrumento de vigilância e punição
pedia-se ao rei para que tomasse providência em relação ao comportamento de membros
da comunidade. O procedimento consistia em, individualmente ou em pequenos grupos,
solicitar ao intendente do rei uma lettre-de-cachet para mandar prender alguém, seja por
prostituição, adultério, conduta inadequada dos filhos etc. Este instrumento era uma
forma de regulamentação da moralidade cotidiana da vida social, que assegurava o
policiamento e a ordem de dentro para fora. Os pedidos de cartas visavam a contemplar
três tipos de categoria que não eram aceitas socialmente e deveriam ser contidas: 1-
controle moral, 2- controle religioso, 3- controle das relações trabalhistas.
Tanto os grupos de pressão, como os indivíduos autorizados a enviar
as lettres-de-cachet ao rei compunham sistemas de controle social que atuavam, no final
do século XVIII, conjuntamente às formas jurídicas que garantiam um sistema de
direitos baseados em princípios igualitários e liberdade. Assim, naquele momento já
nascia um contra-senso em relação à Justiça e as formas de controle social, uma
inclinada à maior igualdade e liberdade e a outra determinada a manter a ordem sob
forte vigilância; hoje, o cidadão comum ainda aposta que o único meio para a
construção de uma vida mais segura e tranqüila é por meio de uma rede extensa de
mecanismos de controle social. No discurso proferido pelos entrevistados, não seria a
própria sociedade capaz de manter a ordem social dado que as formas de violência há
muito tempo fogem ao controle das famílias, instituições religiosas e educacionais.
Espera-se que o controle venha do próprio Estado. Mas, pelas razões que expusemos no
capítulo anterior, em que vivenciamos uma crise da legitimidade, uma crise da
autoridade, o controle deve expressar um forte esquema de vigilância permanente,
atingindo, inclusive, as relações de poder do país.
Sem saber que discursavam sobre o Panopticon, os entrevistados
descreveram como e em que condições a vigilância deveria ocorrer. Num momento de
grande participação e euforia disseram que em todos os departamentos, ruas, avenidas,
Congresso, Câmaras, Palácio do Planalto, casas, comércio ou qualquer outro lugar em
que houvesse pessoas trabalhando, legislando, executando ou mesmo conversando e se
relacionando, seria preciso ter uma câmara de vídeo escondida para controlar o
comportamento das mesmas. Se isso acontecesse, certamente não haveria babás batendo
135
em crianças, funcionários públicos pedindo propina, deputados comprando votos,
policiais batendo e matando pessoas honestas, políticos praticando corrupção.
Em parte, este discurso foi construído a partir da experiência vivida
por algumas cidades, entre elas Volta Redonda, cidade em que alguns dos entrevistados
residem, e que criou uma rede de vigilância em várias ruas da cidade. Segundo dados
oficiais, a violência diminuiu e pequenos conflitos como a colisão de autos pôde ser
facilmente resolvida com as imagens sobre o ocorrido. No momento em que Volta
Redonda foi enaltecida pela sua vigilância permanente, os entrevistados mencionaram o
fato de que se Barra Mansa, cidade vizinha, também estivesse equipada com estas
câmeras talvez o crime cometido por jovens de classe média alta não teria acontecido.
Este fato ocorreu há cerca de dois anos, quando um grupo de jovens entre 18 e 20 anos
atirou em um rapaz de cima de um viaduto, provocando graves e irreversíveis lesões no
mesmo.
Uma das entrevistadas apresentou o argumento da moralidade
enfraquecida e o papel do Estado:
Sandra: Como as pessoas estão afastadas de Deus e
não temem mais a lei divina, é preciso criar uma
forma de impedir tanta barbaridade, ainda mais que
boa parte daqueles que são julgados conseguem
provas falsas e se livram da punição. Se eles fossem
vigiados vinte e quatro horas por dia não teriam
como se safar.
O papel do sistema de Justiça no discurso do cidadão comum
apresenta características muito racionais. A rede extensa de vigilância mencionada pelos
grupos pode não funcionar na medida em que apenas alguns terão acesso e controle
sobre as informações gravadas, ou seja, somente alguns terão a responsabilidade de
encaminhar o material para investigação, sendo que isso só ocorrerá se houver interesse
e muito profissionalismo no comportamento dos mesmos. Uma notícia divulgada pela
mídia foi usada, pelos entrevistados, como exemplo do não funcionamento desse
sistema: o caso da estudante baleada dentro da Universidade Estácio de Sá, em maio de
2003. Como foi amplamente divulgada, a fita de vídeo que poderia revelar exatamente
como e de onde o tiro foi disparado, sofreu adulterações. A instituição de ensino, assim
136
como a empresa que controla o sistema de gravação, afirmou não saber o que aconteceu
com o equipamento. Embora também tenha sido divulgado o trabalho de investigação
da Polícia Civil e do Ministério Público, este processo não é suficiente para que o
cidadão comum acredite que a justiça será feita e os culpados serão condenados. Isso
ocorre na medida em há uma relação dúbia entre cidadão comum e sistema de Justiça.
Ao mesmo tempo em que o cidadão comum sabe que precisa do sistema de Justiça, não
há confiança suficiente para acreditar em seu trabalho. O problema não é só de
descrédito em relação à eficácia do trabalho desempenhado, mas sobretudo na falta de
confiança e credibilidade de um trabalho que não se corrompe pelo dinheiro e interesse
pessoal.
Ao tentar compreender esse conflito, devemos descrever alguns
aspectos relevantes da relação entre cidadão comum e as polícias, civis e militares. O
primeiro ponto é a falta de crença no trabalho desempenhado por estas instituições, isso
porque, como apontamos no primeiro capítulo, a confiança não é um processo de
aprendizado, mas um sentimento que é interiorizado, assim como a gratidão e a honra.
O comprometimento da necessária interiorização da confiança é decorrente de relações
de forças simbólicas (Bourdieu, 1989) entre os dois lados envolvidos no processo de
interação. Para entendermos os fundamentos desta relação devemos recorrer às funções
policiais e o grau de tensão gerado em sua prática. No caso da Polícia Civil, as
pesquisas sociológicas têm mostrado que o conjunto de aspectos essenciais para
definirmos o sistema de Justiça é muito complexo. Há um embate entre o cumprimento
da lei e a manutenção da ordem, ou seja, entre duas atribuições da Polícia Civil. Se por
um lado é preciso defender as liberdades individuais, por outro existe uma necessidade
da sociedade em promover justiça, o que demonstra que a polícia atua dentro de um
campo de divergências de interesses muito complicado. Como auxiliar da Justiça, a
polícia civil tem competência apenas para colher as informações preliminares do
inquérito; no entanto, acaba por extrapolar os limites de seu espaço de atuação na
medida em que tem a posse da verdade sobre as ocorrências criminais em sua fase
inicial, como também depende dela parcela substancial do levantamento dos fatos que
incriminam ou não um indivíduo. Em parte, essa situação é responsável pelo conflito
existente entre as esferas policial e judicial (Loche, 1999).
137
Outro aspecto de tensão deve-se ao fato de os policiais, mais
vulneráveis às pressões da sociedade por uma justiça mais rápida e eficaz,
comportarem-se à revelia dos preceitos legais. Embora o cidadão comum não proponha
uma sociedade sem o poder policial nas ruas, não há confiança em seu trabalho. Parte
dos depoimentos afirma que os policiais são coniventes com a violência por questões
econômicas, pelo fato de se beneficiarem com o poder paralelo dos traficantes; parte
afirma que o poder do tráfico já tomou conta do Brasil e até os policiais sentem medo.
Jane: Um rapaz saindo da faculdade levou um tiro e
a policia não fez nada para impedir. Acho que
também estava com medo.
Bruno: O Fernandinho Beira-Mar é que põe medo
em todos. Os policiais estão perdendo o respeito. O
que acontece é que as gangues trocam tiros na cara
dos policiais e eles não reagem.
O posicionamento dos telejornais aponta para duas formas de
exposição da ação policial. A primeira apresenta a existência de um poder policial
discricionário justificado pelo caráter geral e às vezes impreciso e ambíguo das leis.
Como estas não podem prever todas as situações originadas pela convivência social, a
polícia, em cada caso concreto, deverá decidir sobre a maneira mais justa de aplicar as
leis. A prática do poder discricionário da polícia em matéria penal depende de vários
fatores, tais como a gravidade do fato, a reação da comunidade, sua extensão etc. Desta
forma, a ação policial enquadra-se entre a lei e a moral, ou seja, seu poder discricionário
não se define apenas como poder arbitrário baseado na livre escolha individual, mas
decorre de uma estrita delegação da própria lei. E o policial, ao agir em conformidade
aos preceitos legais e como sujeito moral, não incorreria em ilegalidade. Embora o
policial individual tenha livre escolha, essa é condicionada por regras administrativas e
pela cultura ocupacional, dentro do princípio da legalidade. Nesta exposição, a
discricionariedade não é tomada como sinônimo de poder arbitrário, mas como espaço
deixado aberto pelas leis ao livre julgamento das autoridades, visando ao seu
complemento. Essa definição coloca a questão da exterioridade da lei nos atos
administrativos como legal e legítima. Concebe-se, por meio desta lógica, não fundada
na mídia, mas reproduzida pela mesma, que o Direito cria uma justificativa para a ação
da polícia, principalmente da polícia preventiva. O que significa que a ação policial
constitui o universo de legalidade, distinto e autônomo em relação ao Direito.
138
Por outro lado, encontramos na leitura dos telejornais outro tipo de
referencial da ação policial. Este, muito mais crítico, adentra no tema da violência
policial. Uma diferença entre policiais e cidadãos é que os policiais estão autorizados a
usar a força física contra outra pessoa no cumprimento do dever legal que, no Brasil, é
definido na Constituição Federal como a preservação da segurança pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio
23
. Esta distinção estabelece a base jurídica da
violência policial, salvo quando o policial não está de serviço ou usa de prática de
extorsão e tortura para obter algum tipo de benefício. Mas está concepção é muito
restrita, pois considera que a violência policial só ocorre quando o policial atua fora da
lei. Muitas vezes, trata-se do uso desnecessário ou excessivo da força para resolver
pequenos conflitos ou para deter um criminoso. Aos olhos da Corporação, este
comportamento é caracterizado, equivocadamente, como ato de força e não violência.
Do ponto de vista sociológico e político, o que caracteriza a violência não é apenas a
sua legalidade, mas também a sua legitimidade. Ainda que por agir excessivamente ou
desnecessariamente o policial não seja punido formalmente, de acordo com a lei penal
ou civil poderá sofrer sanções disciplinares dentro da própria polícia, que pode ter um
peso ainda maior para sua atividade profissional
24
. A reflexão sobre a legalidade e
legitimidade da violência policial é tema recorrente nos telejornais, ora destacando
aspectos que contrariam as leis, ora o abuso da própria atividade profissional e, num
terceiro momento, um enfoque sobre a opinião pública acerca da Corporação, sobretudo
em relação a algumas práticas cotidianas.
A dimensão da violência policial no Brasil tem apresentado dados
alarmantes. Em pesquisa realizada pelo CPDOC-FGV/ISER entre agosto de 1995 e
agosto de 1996, constatou-se que a violência policial na região metropolitana do Rio de
Janeiro foi muito maior do que se possa prever. Os dados revelam que 5,3% da
população foram desrespeitadas, 2,3% ameaçadas e 1,1% agredidas fisicamente por
policiais. Isso significa que num período de um ano, pelo menos 835.454 pessoas
sofreram algum tipo de violência policial. A mesma pesquisa mostra que, no mesmo
período, aproximadamente 80% das vítimas de roubo, furto ou outro crime, não
23
Verificar artigo da Constituição Federal citado na página 101.
24
Sobre a importância das convenções, por oposição às leis, como mecanismos reguladores de
comportamento, ver Max Weber, Economy and society (Berkeley, University of California Press, 1978, p.
33-36), e D. S North, Institutions, institutional change and economic performance (Cambridge,
Cambridge University Press, 1990). Op. cit em Direito em Revista.
139
procuraram a Polícia poro acreditarem em seu trabalho, ou pelo medo que sentem da
mesma.
As duas visões apresentadas, da ação e da violência policiais,
convivem na mídia televisiva de formas distintas, dependendo do tipo de imagem que se
espera formar de parte do aparelho repressivo do Estado. O telejornal Cidade Alerta, ao
contrário dos demais telejornais, possui uma predisposição a tomar para si a tarefa de
divulgar a ação policial, sua performance cotidiana. Por ser um telejornal apresentado
ao vivo, parte da informação é fornecida enquanto alguns helicópteros da produção
sobrevoam os locais em que estão ocorrendo os conflitos sociais e a ação policial para
contê-los. O fato das polícias ocuparem grande parte das informações contidas neste
telejornal torna a sua ação muito vulnerável. Por isso, a temática da violência policial
também é freqüentemente divulgada.
Os demais telejornais, considerados em conjunto, demonstram que a
ação policial, com sua função de realizar inquéritos, é um tema preferencial em relação
ao controle da violência policial. Isto ocorre em função do crescimento das mensagens
sobre segurança pública, que abordam a posição das policiais na contenção do crime.
Em contrapartida, o telejornal Cidade Alerta, embora apresente uma característica de
jornal policial, não demonstra pudor em mostrar o envolvimento de policiais com ações
ilícitas decorrentes das práticas de violência, extorsão e tortura. Quantitativamente, o
compromisso do telejornal Cidade Alerta é quase equivalente no que diz respeito à ação
policial e seu controle pela Corregedoria da Polícia Civil, como apresentado nos
gráficos seguintes.
Em número de ocorrências, o Ministério Público é um pouco menos
citado que a Corregedoria, dado que há uma prevalência das normas de conduta em
detrimento dos preceitos legais. Além disso, durante o período em que esta pesquisa foi
realizada, dois fatores contribuíram para a fragilidade da imagem do Ministério Público
em relação à ação penal. O primeiro fato diz respeito às constantes denúncias feitas pelo
Ministério Público e que não produziram efeitos contrários ao que vinham sendo
praticados. Um exemplo diz respeito às denúncias feita pelo Ministério Público em
relação aos funcionários da Febem de Franco da Rocha, acusados de espancar os
menores e que continuaram trabalhando normalmente após as denúncias. O segundo
140
ponto deve-se ao debate em torno da não competência do Ministério Público em realizar
investigações penais, apontadas pelo Supremo. Para visualizar a oscilação que ocorre
entre os telejornais devemos analisar os gráficos:
SISTEMA DE JUSTIÇA - CIDADE
ALERTA
0
20
40
60
80
ÃO
POLICIAL
CORREGE
DORIA
MINISTÉRI
O
BLICO
Gráfico nº 11
SISTEMA DE JUSTIÇA -
BAND/NACIONAL/RECORD
0
10
20
30
40
50
60
AÇÃO
POLICIAL
CORREGEDO
RIA
MINISTÉRIO
PÚBLICO
Gráfico n º 12
No gráfico sobre os telejornais Band, Nacional e Record,
identificamos, ao contrário dos dados sobre o telejornal Cidade Alerta, uma prevalência
de ocorrência do controle da ação policial pelo Ministério público. Esse fato está
relacionado com o tipo de problemática apresentada. O processo investigatório feito
pelo Ministério Público visou a denunciar, investigar e contribuir para a condenação de
policiais militares e civis, envolvidos em processos criminais, procurando enfocar a
141
importância desta instituição no combate à violência policial; enquanto a Corregedoria
foi citada muito mais pela atuação na aplicação de punições aos membros da
corporação.
Da leitura dos telejornais para a compreensão do processo de recepção
da informação nos deparamos com um processo reflexivo muito pertinente. Salvo
algumas exceções, a grande maioria dos entrevistados afirmou confiar muito mais no
telejornal Cidade Alerta do que na informação produzida pelos demais. Isto porque, a
informação ao vivo tem um peso maior para o desenvolvimento da confiança e
credibilidade da fonte na visão do cidadão comum.
Vitor: Se você vê a cena você acredita. O melhor é o
Cidade Alerta. O Gugu e a Sônia também são bons.
Mostram a verdade.
Durval: Não há muita diferença entre os jornais da
TV, pois todos trabalham com material de arquivo,
todos divulgam a mesma imagem, exceto o Cidade
Alerta. A maioria tem medo de se expor, nunca
falam dos “grandões”.
Geraldo: Eu só acredito em reportagens ao vivo,
independente da emissora.
Jane: Os outros jornais têm muito para aprender com
o Cidade Alerta, inclusive a Globo, que se diz tão
superior, mas ainda faz um jornalismo arcaico.
Embora a credibilidade esteja associada ao tipo de imagem e fonte, a
exposição aos meios de comunicação é seletiva (Klapper, 1964), o receptor atua como
um filtro em relação àquilo que lhe interessa, naquilo que acredita e que representa sua
realidade. Não obstante a maior exposição da ação policial em todos os telejornais, o
cidadão comum não confia no aparelho policial do Estado. Este fato se deve muito mais
ao envolvimento que o cidadão comum tem com as instituições policiais, do que com o
poder da mídia em determinar a opinião pública. Como foi apresentado anteriormente, a
relação entre a população menos abastada e os policiais sempre foi conflituosa, desde o
século XIX. Histórica e culturalmente, o medo de represálias demonstra que o cidadão
comum teme a ação policial, sobretudo pelo fato de representar uma violência praticada
por agentes do Estado que têm a obrigação constitucional de garantir a segurança
pública. Os casos de violência policial, ainda que isolados, alimentam um sentimento de
142
descontrole e insegurança que dificulta qualquer tentativa de controle e pode, na visão
do cidadão comum, contribuir para a produção de outras formas de violência.
Parte-se do pressuposto que a polícia defende os ricos e, sobretudo, os
bandidos; o que em grande medida é verdadeiro. No que se refere ao crime organizado,
Zaluar (2004, p. 31) afirma que este não sobreviveria.
“Sem o apoio institucional das agências estatais incumbidas
de combatê-lo. Ou seja, as próprias instituições encarregadas
de manter a lei tornam-se implicadas com o crime organizado.
Sem isso não seria possível compreender a facilidade com que
as armas e drogas chegam até as favelas e bairros populares
do Rio de Janeiro (...). A participação de policiais e outros
atores políticos na rede do crime organizado é peça
fundamental desse quebra-cabeça da repentina explosão de
violência a partir da década de 1970”.
O cidadão comum diz sentir medo da polícia, principalmente, por ser
pobre e, para alguns entrevistados, ser negro. A verdade é que a prática discriminatória
ocorre e é infundada, considerando o baixo percentual de pobres entre os pobres que
optam pela carreira criminosa. Segundo Zaluar, é menos de 1% em relação ao total da
população de um bairro pobre do Rio de Janeiro (1994, p. 30-33). Porém, o maior
problema está no poder da polícia. “Devido às nossas tradições inquisitórias (...) os
policiais é que decidem quem irá ou não ser processado por mero uso ou por tráfico,
porque são eles que apresentam as provas e iniciam o processo”.
Um outro aspecto sobre a visão da recepção sobre o sistema de
produção referente à violência policial é a clareza de que nem todas as informações são
divulgadas. A mídia, ao fornecer uma agenda com maior ou menor visibilidade em
relação a alguns fatos, por empréstimo da realidade, não trata de todos os temas.
Segundo Wolf (1995) há uma agenda da mídia e do público, o que significa que não se
pode ignorar a necessidade de uma avaliação conjunta do conteúdo dos meios de
comunicação frente a uma avaliação dos conhecimentos que os receptores possuem. Um
dos entrevistados contribui para elucidarmos esta temática.
Marco: Muitas coisas que são ditas não são
verdadeiras. Confiar no jornal ao vivo é um começo
para sabermos da verdade, mas é preciso dizer que
nem tudo é dito. Eu conheci a repórter do RJ-TV.
Ela me disse que teve uma denúncia da polícia
143
rodoviária que eles estavam pedindo dinheiro para
liberar os carros, aqui na Dutra. Ela foi até lá e fez a
reportagem. Iria ser um furo de reportagem. Na hora
da matéria ir ao ar ele, o dono da “Globo”, mandou
cancelar. Ninguém mais falou no caso depois disso.
Assim como em relação à prática de extorsão, outros fatos chegam ao
conhecimento do cidadão comum por fontes diversas, ou pela própria experiência. A
informação contida na fala é coerente e crítica, seja em relação à visibilidade do sistema
de produção, seja no que tange às lacunas e os silêncios da informação.
Retomando a idéia central deste capítulo, o cidadão comum articula,
no nível do discurso, as práticas de controle necessárias para que a Polícia, dentre outras
instituições estatais, atue efetivamente na construção de uma sociedade mais segura e
equilibrada. Em relação à Polícia, a primeira referência é feita ao papel da Corregedoria
de Polícia como um mecanismo de controle interno e legal. Este tipo de estratégia está
relacionado à concepção política da violência policial, visando a controlar o uso
ilegítimo da violência. O conhecimento e informação da Corregedoria são fundamentais
para o exercício do controle, sobretudo pela capacidade de avaliar o que é desnecessário
e excessivo na ação policial. Mas este processo não é suficiente. O cidadão comum
entende que é preciso uma estrutura maior, que atue como um jogo de forças capaz de
conter o trabalho das Polícias sem tirar-lhe autonomia para controlar a violência. A
discussão é encontrar mecanismos para controlar o controle das Polícias por meio do
Estado, da mídia e da própria sociedade, denunciando as arbitrariedades cometidas por
essa instituição.
Não basta apenas controlar o aparelho repressivo do Estado, é
fundamental abolir legislações conservadoras e discriminatórias, além de mobilizar
forças que envolvam atores sociais e instituições do Estado para que ocorram mudanças
efetivas.
Na construção dos mecanismos sobre o controle da micro-
criminalidade, os telejornais reforçam diariamente aquilo que é reproduzido na fala do
cidadão comum: a necessidade de um trabalho conjunto para o melhor exercício da ação
policial e seu controle. Nesse plano, o contrato social revela a passagem do estado de
144
natureza para o estado de sociedade como uma hipótese lógica com o objetivo de
resgatar a idéia racional ou jurídica do Estado. O fundamento da obrigação política
estaria expresso ou tácito no consenso dos indivíduos. Aqui a figura do Estado-leviatã
está mais transparente, seja na elaboração do sistema de produção, seja pela
interiorização dos males sentidos pela reprodução da violência, como foi dito
anteriormente, real ou produzida.
Tanto no campo da produção, como no que tange ao espectro da
recepção interagem forças que precisam ser consideradas em nossas análises. O tema da
violência, embora recorrente em todos os telejornais, só ganha dimensão a partir de
elementos simbólicos presentes no cotidiano do cidadão comum. Assim, podemos
entender que (Bourdieu, 1989, p. 55-57):
as estratégias discursivas dos diferentes atores, e em especial
os efeitos retóricos que têm em vista produzir uma fachada de
objetividade, dependerão das relações de forças simbólicas
entre os campos(...), por outras palavras, dependerão dos
interesses específicos e dos trunfos diferenciais que, nesta
situação particular de luta simbólica pelo veredicto neutro, lhe
são garantidos pela sua posição nos sistemas de relações
invisíveis que se estabelecem entre os diferentes campos em
que eles participam. (...) O que resulta de todas estas relações
objetivas, são relações de forças simbólicas que se manifestam
na interação, em forma de estratégias retóricas (...). O espaço
de interação é o lugar da atualização da intersecção entre os
diferentes campos”.
A lógica da violência produzida pelos telejornais só pode ser
compreendida com base no poder simbólico, ou seja, como um poder de construção da
realidade que tende a estabelecer uma ordem, sobretudo por servir como um
instrumento de integração social. Ao observarmos a cultura da violência enquanto
sistema simbólico, pode-se entender o poder de persuasão da mídia televisiva. Sua ação
depende da relação que a recepção estabelece com o poder simbólico em questão.
Embora o efeito dos meios de comunicação seja elevado, só podemos interpretá-lo a
partir da relativização dos dados, sempre posicionando o papel da cultura e o significado
da mesma para a recepção.
145
3.3- As bases para a construção do Contrato Social na mídia televisiva
Chegamos ao último aspecto a ser analisado nesse capítulo: a
construção do contrato social presente nos telejornais.
A construção do contrato social, presente na mídia, revela elementos
importantes da relação entre direito e sociedade que aponta para uma racionalidade das
escolhas e da maneira como organizar a vida política presente na mídia. Resgatando e
processando alguns elementos em detrimento de outros, a própria idéia de contrato
social estabelece os limites da nova ordem, valorizando alguns aspectos em favor de
outros. A concepção do poder soberano é um dos pontos em que melhor visualizamos
como essencial, pois da sua fragilidade, sobretudo no denominado de estado de
natureza, decorrem diversos entraves que asseguram a qualidade de vida do cidadão.
Por essa razão, a concepção de contrato social, tratada nos telejornais,
revela o momento de construção da ordem política que é estabelecido, assimilado e
transformado pela recepção com algumas limitações e certos distúrbios, como veremos
mais adiante. Por expressar uma situação que resulta no fim de um estágio anterior,
devemos tratá-la com ressalvas. Como descrevemos no início desse capítulo, a realidade
política e social brasileira produzida com ênfase pelos telejornais e interiorizada pelo
cidadão comum é a reprodução do estado de guerra hobbesiano. Seu fundamento está
pautado na origem cultural da violência, do poder pessoal e da exclusão social, em seus
diferentes contextos. Ainda que a concepção de estado de natureza hobbesiano só possa
ser entendida metaforicamente, visto que nesse estágio não há instituições, poder
comum ou mesmo leis, a produção da informação pelos telejornais provoca a sensação
de que vivemos em ameaça contínua, em que o medo do perigo da morte violenta é
inquestionável. Além disso, embora exista uma estrutura de poder, não há confiança na
mesma, seja pela ineficácia das instituições, seja pela não aplicabilidade das leis, o que
aproxima o estado de natureza hobbesiano com a realidade brasileira. Daí a razão da
existência de um pacto que liberte os homens e os proteja das ameaças de sua própria
vida em grupo e das instituições que funcionam mal. Se, no plano hipotético, o pacto é
firmado de forma racional, na realidade por nós investigada encontramos um cenário
bem menos alentador. Isso porque as bases do pacto ocorrem sem que o cidadão comum
compreenda todo o seu processo e participe ativamente do processo que antecede a sua
146
constituição. O que ocorre é uma indignação frente aos aspectos tratados até aqui, e uma
predisposição a refletir sobre a mudança de rumo da ação política. Essa tendência é
resultado, em parte, da maneira como os telejornais apresentam o contrato.
A definição de contrato produzida não é homogênea. Segue como
construção ambígua, ora apontando para mecanismos repressores de contenção da
ordem (tanto social como em relação à ação política), ora para um corpo político de
salvação e libertação social, que visa à realização do justo. Nessa ambigüidade há um
clamor pela constituição de um Estado-leviatã, todo-poderoso, que institua a ordem e
estabeleça a segurança, mas que ao mesmo tempo seja a representação da garantia do
bem-estar social, baseado em preceitos racionais legais. Se o Direito deve emanar
somente do próprio Estado, este Estado institui a lei da segurança, propriedade,
liberdade etc. É, portanto, o supra-sumo da felicidade e paz.
A concepção de Estado-leviatã torna-se ainda mais real quando
entendemos que para Hobbes “a segurança do povo não é somente a conservação da
vida dos súditos contra todos os perigos, é também o gozo das satisfações legítimas
desta vida. Os homens uniram-se voluntariamente em sociedade política para nela
viverem felizes” (Chevallier, 1998, p. 78). Em busca dessa vida diferenciada é que o
contrato ganha espaço e passa a expressar um desejo social pela construção da
sociedade política. Ao mesmo tempo em que a mídia constrói a figura do leviatã,
justificando a sua existência e necessidade para a satisfação dos objetivos sociais, a
recepção comunga do mesmo propósito, sem perceber outras alternativas que podem ser
melhores e mais adequadas do que um Estado-leviatã. Nesse sentido, a perda da
liberdade parece natural numa realidade de insegurança em relação a todos os tipos de
anseios e ideais; vigiar e punir parece o único caminho para os desequilíbrios sociais.
Na cultura do medo e da exclusão, o pacto firmado pela segurança é fundamental,
mesmo que seu equilíbrio seja fruto de um poder soberano do qual pouco se participe e
opine. O que se espera é o bom funcionamento da sociedade política, seu controle e sua
adequada estrutura.
147
A forma do Estado não é questionada nessa arquitetura, sobretudo
porque esse aspecto é o menos importante, tanto teoricamente
25
, como na produção da
mídia, para a edificação da vida social. O equilíbrio está na concepção de poder
soberano. Esse aspecto parece predominar na informação sobre o contrato social, seja
pelo papel que as instituições democráticas desempenham para manter a ordem social,
ou pelos trabalhos que visam à organização da vida política. O poder soberano deve ser
entendido como a expressão da vontade geral, a alma artificial que movimenta e dá vida
ao corpo político. Por essa razão, renunciar ao direito natural é uma necessidade vital
para a manutenção da paz. Tudo e todos devem orientar suas condutas em direção à
racionalidade jurídica do poder.
Se o que torna o estado de natureza tão temeroso é a insegurança
decorrente de uma estrutura corrupta, falida e ineficiente, o contrato, ao ser construído
como possibilidade de ordem normativa capaz de buscar o equilíbrio, visará a resgatar a
credibilidade institucional por meio de uma intensa rede de vigilância e punição. Do
contrato nasce uma estrutura que juridicamente estabelece os limites do controle da
esfera institucional. Primeiramente, procurando corrigir os erros do papel arbitrário
desempenhado pela polícia, institui-se uma forma abrangente de controle dessa
instituição. Dentre as formas de controle institucional existente no Brasil hoje e
divulgadas pela mídia podemos mencionar quatro principais: o controle interno das
corregedorias; o controle externo dos meios de comunicação e sociedade civil
organizada; de entidades e associações de profissionais ligados direta ou indiretamente
às polícias; e, por meio de mecanismo de controle externo dos poderes: Executivo,
Legislativo e Judiciário, auxiliados pelo Ministério Público. Embora todos as formas de
controle tenham importância no processo de transformação da atuação institucional, a
ênfase é dada ao desempenho da Corregedoria, do Ministério Público e dos meios de
comunicação. Esse enfoque reforça a tese de um contrato social baseado no controle da
ação política, muito mais por instituições do próprio Estado do que pela própria
sociedade. Em outras palavras, renuncia-se ao direito e dever de agir em favor de uma
estrutura que terá a responsabilidade de atuar e devolver à sociedade a ordem e a paz.
25
Segundo Hobbes, o questionamento quanto à forma do Estado não é relevante. Quando o representante
é um homem, então o Estado é uma Monarquia. Quando é uma assembléia de todos quantos se unem, é
uma Democracia ou Estado popular. Quando é uma assembléia composta apenas de uma parte dos que se
unem, é o que se chama uma Aristocracia. Não pode existir qualquer outra espécie de Estado, pois é
necessário que um, ou mais, ou todos, possuam o soberano poder que é...indivisível, integral. Op. cit. in
Jean-Jacques Chevallier, As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias.
148
Não obstante o ordenamento jurídico, sobretudo aquele salvaguardado
na Constituição Federal, estabeleça as bases para a atuação da sociedade organizada, a
mídia pouco abre espaço para esse tipo de divulgação. As normas básicas para a
formulação e implementação de políticas de segurança e controle social advêm da
estrutura institucional responsável, como a Corregedoria e o Ministério Público. Um
exemplo deste último aspecto foi a divulgação feita na mídia televisiva (de setembro de
2002 a junho de 2003) do intenso diálogo entre o governo do Estado do Rio de Janeiro,
o Ministério da Justiça e a cúpula das Polícias para criar um plano de segurança voltado
para a necessidade da região metropolitana do Rio de Janeiro. A ênfase dada à
Constituição Federal foi no sentido de divulgar a subordinação das polícias civis e
militares aos estados, demonstrando um grande avanço em direção à construção de uma
segurança pública mais eficaz. Ainda em relação à Constituição Federal, em seu artigo
129, inciso VII, os telejornais abordam o papel do Ministério Público de exercer o
controle externo da atividade policial. No que tange ao controle da Polícia Federal, a Lei
Complementar nº 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União) é mencionada
por regulamentar essa instituição. No caso das polícias estaduais, o controle é exercido
pelo Ministério Público Estadual. Pelas atribuições do Ministério Público Federal e
Estadual em relação ao controle externo das polícias civis e militares é que
compreendemos a grande quantidade de informações divulgadas pelos telejornais sobre
o papel destas instituições.
As polícias, todavia, não representam a única fonte de tensão. Por essa
razão, o segundo ponto amplamente divulgado nos telejornais sobre a necessidade do
Contrato Social se dá mediante o controle da ação política. A ineficácia do trabalho
policial, como parte do sistema de Justiça, apenas expressa a parte do Estado que
funciona mal. O controle deve ir além do limite de uma instituição e procurar cercar
outras esferas da sociedade política, tanto executiva como legislativa. Além do
Ministério Público, as Comissões Parlamentares de Inquérito são amplamente
divulgadas pelo trabalho que desempenham no sentido do controle da administração
pública em sua totalidade. A importância do controle da macro-criminalidade é
fundamental na composição e divulgação da nova ordem. É a base para a retomada da
confiança.
149
O cidadão comum pouco conhece sobre a estrutura do Ministério
Público e das Comissões Parlamentares de Inquérito, mas confia em seus trabalhos e
deposita parte de suas expectativas em suas atuações. Sobretudo porque é desse trabalho
que se acredita ser possível a reestruturação do poder e da ordem. Da construção desse
processo encontramos elementos que sustentam a crença em uma nova sociedade
política menos ameaçadora. As matérias que divulgam o controle da violência e da
corrupção da administração pública são valorizadas pelo cidadão comum. Tanto o
Ministério Público como as Comissões Parlamentares de Inquérito são compreendidos
como mecanismos de controle necessário do próprio Estado.
Apesar de acreditar na eficácia do Ministério Público, Corregedoria da
Polícia e Comissões Parlamentares de Inquérito, pela seriedade e desenvoltura, o
cidadão comum é fortemente inclinado a duvidar da Justiça sem uma mudança na
legislação; além disso, teme que instituições acima dessas impeçam a realização de seu
trabalho. A respeito desse tópico, em nossos últimos grupos focais, discutiu-se sobre o
poder investigatório do Ministério Público, especialmente em relação à macro-
criminalidade, e sua tática eficaz que envolve outros segmentos do aparelho estatal, a
exemplo da Receita Federal ou das Secretarias Estaduais da Fazenda, do Banco Central
e da Controladoria Geral da União. Se, por um lado, todo o trabalho sobre o Ministério
Público é compreendido como altamente qualificado para a função que desempenha, por
outro, há um debate na Corte Suprema em torno da limitação do poder investigatório do
Ministério Público, sobretudo em relação ao fato de que sua atuação tem esbarrado nas
funções que tradicionalmente são desempenhadas pela Polícia Judiciária. Para o cidadão
comum, saber que uma instituição tem funcionado adequadamente, e por questões
técnicas e burocráticas pode vir a perder seu poder, é um indício de que ainda estamos
distantes de um pacto que revele o fim das arbitrariedades cometidas pela sociedade e
pelo próprio Estado.
Essa imagem é construída pelos telejornais, especialmente pelo fato de
que, sozinho, o cidadão comum não teria acesso a tais informações. É certo que existem
algumas limitações de compreensão em relação a esse e outros iguais temas de
relevância para o controle da micro e da macro-criminalidade. Mas, em seus aspectos
primordiais, o cidadão comum filtra as informações e descreve a importância do
processo sobre o qual nada pode fazer para alterar. Entre o grupo focal estimulado pelas
150
imagens televisivas e o não estimulado, encontramos poucas alterações na descrição da
seriedade das instituições que atuam no controle da criminalidade e da ação política. Em
ambos há uma confiança no trabalho desempenhado pelas mesmas, especialmente o
Ministério Público, e uma indignação sobre os temas que expõem os limites do contrato.
O trabalho das Comissões Parlamentares de Inquérito é também
compreendido da mesma forma que o do Ministério Público. De sua atuação acredita-se
ser possível desmascarar políticos e esquemas de corrupção infiltrados no âmbito do
Executivo e Legislativo, mas não apostam na condenação dos culpados e na devolução
do dinheiro roubado aos cofres públicos. A função desempenhada pelas CPIs foge
completamente do alcance do cidadão comum; apenas um dos entrevistados identificou
como é formada a Comissão e que poder a mesma tem. Os demais não souberam
distinguir entre o poder de uma CPI e o da Polícia Judiciária, por exemplo. A
identificação das limitações, tanto do Ministério Público como de uma CPI é mal
compreendida pelo cidadão comum, ou seja, o entendimento dos papéis desempenhados
pelas instituições que visam ao estabelecimento da ordem por meio da apuração de
responsabilidade é restrito, sobretudo pelo tipo de linguagem adotado pelos telejornais.
Quase sempre o cidadão comum não compreende o desempenho de algumas funções e o
resultado que se espera com certas ações, daí a descrença no trabalho realizado.
Um dado que nos parece revelador da relação entre direito e sociedade
construída a partir da informação televisiva, deve-se ao fato de a televisão construir
elementos sobre o estado de natureza e o contrato social num mesmo espaço, com pesos
bastante distintos, o que expressa um primeiro indício da dificuldade do cidadão comum
em compreender as instituições que visam a manter o controle da ação política. Em
suma, embora o cidadão confie no trabalho desempenhado pelo Ministério Público e
pelas Comissões Parlamentares de Inquérito, não acredita que essas instituições terão
força para punir um comportamento ilegal no exercício do poder público.
A apresentação diferenciada pela freqüência, tempo de exposição ou
mesmo pela ordem com que os temas são divulgados contribui para uma maior ou
menor visibilidade dos fatos. Como foi mencionado no gráfico nº1 da página 63, 55%
das matérias selecionadas nessa pesquisa se referem à composição do estado de
natureza, um percentual bem mais elevado do que os 30% que representam o contrato
151
social. Em relação às duas categorias analisadas (tempo e freqüência) nessa pesquisa, as
porcentagens acima se mostram mais nítidas quando comparamos os gráficos abaixo
26
:
ESTADO DE NATUREZA
0
500
1000
1500
2000
CRISE DA
LEGITIMIDADE
CRISE DA
LEGALIDADE
SEGURANÇA
PÚBLICA
TEMPO
FREQÜÊNCIA
Gráfico nº 13
Nos dez meses de pesquisa, pudemos detectar que ocorre um
descompasso entre a quantidade de informação sobre o estado de natureza e o contrato
social, tanto em relação ao tempo de exposição como em relação à freqüência.
CONTRATO SOCIAL
0
100
200
300
400
ÃO
JUDICIAL*
ÃO POLICIAL
CORREGEDORIA
DA POLÍCIA
CONSELHO DE
ÉTI CA
CPI
MI NI S T ÉRI O
PÚB LI CO
PROCON
OA B
TEMPO
FREQÜÊNCIA
Gráfico n
º 14
26
O tempo é definido em minutos e a freqüência em dias de ocorrência.
152
Em nossa construção hipotética sobre o estado de natureza e o
contrato social, os dois momentos da ordem social são construídos simultaneamente nos
telejornais. Num segmento de mensagens, a crise institucional, a impunidade e a falta de
segurança pública são tomadas como tema e, como apontam as informações dos
gráficos acima, ocupam um espaço diário especialmente importante. O contrato social
revela o desdobramento das mensagens definidas no estado de natureza, ou seja, é o
processo de constituição de ordem pela via racional-legal. Embora seja um
desdobramento, sua importância é bem menor. Em parte porque expressa um trabalho
moroso de investigação e apuração dos fatos, que demanda tempo judicial por vezes
demasiadamente longo.
Pela impossibilidade de acompanhar todo o processo judicial, o que
transformaria os jornais em um verdadeiro tribunal, as mensagens que definem o
contrato social são relegadas a um segundo plano. Divulgam-se os trabalhos até um
determinado momento, ou seja, enquanto os dados estão sendo levantados, e o início da
investigação é realizado; depois, o processo é encaminhado e não é mais possível
acompanhá-lo. Nesse momento, as informações, gradativamente, vão se tornando
repetitivas, até deixarem de ser notícia. Em muitos casos, da investigação ao julgamento
são precisos alguns anos, o que torna a informação escassa.
A lacuna gerada pelo descompasso entre as informações
televisionadas e o andamento de um processo causa uma desconfiança sistemática na
Justiça e favorece o desenvolvimento de uma sensação, já mencionada anteriormente,
de um mergulho no inferno da obra O Processo, de Franz Kafka, na qual nunca
visualizamos seu fim
27
. Assim como em Kafka, a realidade do contrato social presente
nos telejornais é acompanhada de uma lógica pouco compreensível e infindável. Para o
cidadão comum, o processo divulgado pela mídia é tão perturbador quanto a sensação
da personagem do livro O Processo de não saber porque está sendo processado. O
tempo demasiadamente longo para a apresentação do fim do processo gera uma
descrença em sua eficácia, além de uma total falta de entendimento de sua lógica.
27
O processo, considerado como um dos maiores romances do século XX é, na verdade, um fragmento.
Seu autor, Franz Kafka, começou a escrevê-lo no início da primeira guerra mundial e abandonou seu
texto em janeiro de 1915. A incompletude da obra contribui para reiterar a sensação de que a angústia da
personagem central jamais terá fim. O enredo gira em torno da luta de Josef K. para descobrir do que é
acusado, quem o acusa e com base em que lei. Tais perguntas parecem estar cada vez mais distantes de
serem respondidas, por mais que a personagem canalize energias para isso.
153
A obscuridade em relação às informações sobre a aplicação da lei e o
processo não diminui, mesmo com a utilização de certos recursos da mídia televisiva,
como o tipo de imagem. Analisando comparativamente as informações sobre o estado
de natureza e o contrato social, podemos encontrar, sobre a categoria imagem, os
seguintes dados
ESTADO DE NATUREZA
IMAGEM
0
50
100
150
200
250
CRISE DA
LEGIMITIDADE
*
CRISE DA
LEGALIDADE
**
SEGURAA
BLICA
AO VIVO
ARQUIVO
SEM IMAGEM
Gráfico nº 15
CONTRATO SOCIAL
IMAGEM
0
10
20
30
40
50
60
AO VIVO
ARQUIVO
SEM IMAGEM
Gráfico n º 16
154
Embora com variações decorrentes das especificidades que compõem
cada momento do estado de natureza e do contrato social e, também, da freqüência com
que cada um é divulgado pelos telejornais, há uma predominância da utilização de
imagens, seja ao vivo ou de arquivo. Para o cidadão comum, as mensagens ao vivo
inspiram um grau maior de confiabilidade do que as mensagens com imagens de
arquivo ou sem imagens. Além disso, são mais facilmente assimiladas e compreendidas
quanto ao conteúdo explorado. Um exemplo desse fato decorre das mensagens sobre
segurança pública e ação policial que, em sua maioria, são realizadas com tomadas ao
vivo. Essa categoria só reforça o diagnóstico anteriormente apresentado. As imagens
que pouco falam sobre o conteúdo apresentado, ou que são realizadas em arquivo,
acentuam a invisibilidade de forças que interceptam a vida do cidadão comum na busca
pela manutenção da ordem social e do controle da ação política. Esse dado gera um
processo de desinteresse pela informação processada: quanto menos se compreende,
menos se procura conhecer. Não por ignorância, mas pela incapacidade de associar
elementos cognitivos para compor o todo que representa a idéia central do contrato
social.
O tipo de enquadramento expressa outra categoria importante para
entendermos as dificuldades do cidadão comum em interagir com a estrutura de uma
comunidade política organizada, com a ordem necessária que deriva da designação de
um poder soberano e dos órgãos que o exercem. Para cada elemento que constitui o
contrato social, encontramos os seguintes enquadramentos:
155
CONTRATO SOCIAL
ENQUADRAMENTO
0
10
20
30
40
50
60
70
ÃO JUDICIAL*
ÃO POLICIAL
CORREGEDORIA DA POLÍCIA
CONSELHO DE ÉTICA
COMISSÃO PARLAMENTAR DE
INQUÉRITO
MINISTÉRIOBLICO
PROCON
OAB
ESTRATÉGICO
MORAL
DRAMÁTICO
VICO
Gráfico nº 17
Em relação ao estado de natureza, predominantemente divulgado com
enquadramentos dramáticos e morais, o contrato social revela que alguns seguimentos
são tratados de uma forma em detrimento de outra. Exceto no que tange à divulgação da
atuação da Corregedoria da Polícia Civil, na qual a ênfase e a saliência são no sentido
de mostrar que essa instituição tem o papel de moralizar a Polícia e resgatar sua
credibilidade social, todas as demais instituições mencionadas são divulgadas com uma
predominância de enquadramentos estratégicos. Para o cidadão comum, o emprego de
enquadramentos dramáticos e morais é muito mais facilmente assimilado. Isso porque o
apelo é realizado no sentido de comover, sensibilizar e reafirmar princípios sociais, e
não simplesmente trabalhar aspectos concretos e descritos da questão apresentada. Por
certo que esse não é o único problema. O contrato, associado ao constitucionalismo
brasileiro, é, em si mesmo, um desafio para qualquer receptor menos habituado a
interpretar o campo normativo estabelecido no país. Mesmo que a informação chegasse
pronta e acabada ao receptor, e não decorrente da incompletude que a permeia, ainda
156
assim seria de difícil acesso ao cidadão comum, pouco ou nada familiarizado com
instituições, mecanismos e legislações processuais.
Além do que foi apresentado até esse momento, conclui-se que o
estado de natureza divulgado nos telejornais está muito presente no discurso do cidadão
comum, muito mais que o papel denunciativo e investigatório de busca pela constituição
do controle da ação política. A violência, fruto das micro e macro-criminalidades, é
apenas uma das grandes questões apresentadas pelo cidadão comum, sua carência vai
além da segurança pública. Espera-se que haja garantia quanto à igualdade entre
homens e mulheres, brancos e negros, ricos e pobres. Que as leis sejam cumpridas e o
acesso à Justiça ampliado. E, sobretudo, que exista a garantia de uma vida melhor e com
qualidade.
Com todas essas expectativas, que passam pelo controle, punição e
conquista de uma vida melhor, é que a concepção de contrato social, princípio para a
constituição da sociedade política, embora pouco trabalhada na mídia e minimamente
assimilada pelo cidadão comum, tem significado nesse contexto. Enquanto base para o
movimento do todo social, ou seja, o momento que antecede a constituição, união e
agregação das partes que compõem o corpo político, seu propósito é a formação dos
elementos para a organização da coisa pública. Sua expressão é a libertação do homem,
salvação do estágio anterior de concorrência, desconfiança recíproca, avidez de
benefícios e vantagens pessoais; é a base para o fim da discórdia, da guerra e da morte.
Dessa forma, enquanto a mídia pouco valorizar esse estágio, pouco o sistema
democrático será compreendido e assimilado pelo cidadão comum.
3.4- Conclusões Preliminares
As bases para a constituição do contrato social, descritas na mídia
televisiva, estão consolidadas como oposição à cultura da violência, dominação pessoal
e ação política excludente, corrupta e ineficaz. Pela ameaça que a falta de controle
social e das relações de poder representa ao cidadão comum, receptor dos telejornais, é
que se acredita ser necessário abrir mão da liberdade pela segurança e justiça social.
Concebe-se que todos devem ter os mesmos direitos, as mesmas oportunidades e os
157
mesmos julgamentos, assim como é preciso que a rede de vigilância esteja sempre
atuante, seja em relação à própria sociedade, seja para o controle do aparelho do Estado.
O maior problema nesse tipo de exposição não está na temática explorada pelos
telejornais, visto que muitas instituições que compõem o estado democrático de direito
são, de fato, ineficazes, mas sim na produção de mensagens que consideram o pacto
como uma entrega ao poder soberano, e não uma ação racional pensada coletivamente,
da qual pressupõe-se a atuação fiscalizadora da sociedade e seu papel denunciativo.
Embora a estrutura do discurso do cidadão comum seja racionalmente
elaborada, falta-lhe dados para interpretar as mensagens sobre o contrato social com
mais entusiasmo. Nem a mídia, nem a própria experiência cotidiana garantem sua
percepção plena do constitucionalismo, como lógica e estrutura do estado de direito
brasileiro.
Terminamos este capítulo com pequenas frases proferidas pelos
entrevistados durante os grupos de discussão. Frases que causam impacto pela
franqueza e verdade. Que demonstram a insatisfação dos caminhos trilhados pelo
Estado e pela própria sociedade. Por meio da estrutura da linguagem encontramos o
lócus da ação comunicativa, na qual a autonomia dos participantes no processo de
interação social revelou sua capacidade reflexiva (Habermas, 1994). As frases que se
seguem relevam alguns momentos de reflexão dos dois grupos focais, estimulados e não
estimulados pelas imagens dos telejornais, em contextos variados, que somados
contribuem para traduzirmos certas percepções e definições de liberdade, segurança,
democracia, controle e justiça.
1º- Grupo estimulado pelas mensagens dos telejornais:
1-Sandra: Os promotores podem ser bons, mas tem
sempre alguém acima que prejudica o trabalho. A
verdade é que falta caráter. As leis ajudam muito,
controla os desonestos e os corruptos. Não basta
prender bandido pequeno. é preciso acabar com os
peixes maiores.
2-Maria: Não precisamos de mais liberdade, ao
contrário, queremos Justiça igual para todos e
158
segurança para nós e nossos filhos. Que todos sejam
julgados da mesma forma, sem distinção de raça.
3-Vinício: O Brasil é um país livre. O que existe de
ruim é o preconceito. A escravidão já acabou, mas
há discriminação dos negros e pobres. Agora é
possível que queiram liberdade para o consumo de
drogas, é só isso que está faltando. É preciso acabar
com as injustiças. É preciso punir os corruptos,
sejam eles quem for.
4-Marta: Os ricos têm poder a mais. Eles compram o
poder. Os ricos compram até a Justiça. Nós só temos
poder na medida em que temos dinheiro. O povo só
tem poder se unido. Tiramos o Collor do poder,
podemos mudar a Justiça e as leis.
5- Marco: É preciso conhecer os nossos direitos, mas
falta incentivo por parte da prefeitura.
6- Carlos: Quanto mais alienado, melhor para nos
controlar.
7- Bruno: Nós podemos mudar a lei, mas não
sabemos a força que temos. Por medo os brasileiros
preferem viver na mentira. Os deputados mentem.
8- Cíntia: A lei tem que ser para todos. Tem que
haver um controle da situação. Assim, com
insegurança, não podemos mais viver. Precisamos
de paz para criar nossos filhos.
2º- Grupo não estimulado pelas mensagens televisionadas.
1-Geraldo: A lei é igual para todos somente quando
falamos da bíblia. A lei dos homens é desigual.
2-Durval: O Ministério Público pode ser muito bom,
e acho que ele é, mas hoje em dia falta justiça, se eu
assaltar o supermercado sou preso e espancado por
policiais, mas se o meu vizinho que é rico roubar
nada vai acontecer. Olha os filhos de uma dondoca
que foram presos porque mataram o garçom, aquele
coitado que estava trabalhando em Porto Seguro,
amanhã vão estar todos soltos.
159
3-Jane: Um exemplo igual a este, do garçom, é
daquele dos garotos que mataram o índio. Estão
soltos e ninguém fala mais nisso. Os índios só
querem ser livres.
4-Vítor: A Suzane é rica, quase ficou livre. Um
coitado que rouba comida é preso.
5-Lúcia: Para melhor é preciso que o preso trabalhe.
É preciso mudar o código penal. Os presos têm
muitas regalias.
6-Laura: Falta muita informação, sem conhecimento
somos passados para trás. Não temos direitos e não
sabemos a quem pedir ajuda. O Ministério Público é
ótimo, mas como devemos procurá-lo?
7- Helena: É preciso controlar a sociedade. Eu não
agüento mais viver com insegurança. De um lado
são os bandidos, e outro os políticos. Em quem
podemos confiar? Justiça? Será que há justiça em
nosso país?
8- Carmem: Muita coisa que passa no repórter eu
não entendo, só sei que há muita roubalheira. Eu
quero saber quando isso vai mudar. Falam de
Justiça. Se houver, metade dos políticos vão
presos
28
.
Tanto em um grupo como no outro, detectamos algumas percepções
sobre o estado de direito muito similares. Primeiramente, em ambos encontramos um
discurso de descrença na eficácia do sistema de Justiça. A concepção de que a lei
favorece uns em detrimento de outros é unânime, sobretudo pelo aspecto social e
econômico que distingue as pessoas. Embora a exclusão e o preconceito estejam
presentes na cultura brasileira, há uma tendência a reforçar a diferença entre classes
sociais na exposição que a mídia televisiva faz em relação à Justiça. O cidadão comum,
com freqüência cruza as informações recebidas dos telejornais com sua experiência
cotidiana. Esse fato se mostra mais próximo do cidadão comum quando compara a
28
Todas as falas relacionadas nesse contexto condizem com os debates realizados durante os grupos de
discussão. Algumas foram ditas num mesmo encontro, outras não. Selecionamos apenas aqueles que nos
ajudam a percebem algumas relações que o cidadão comum estabelece com o estado de direito a partir da
informação processada na mídia televisiva, sobretudo nos telejornais, fonte maior de informação para as
classes C, D e E. Essas frases também devem ser analisadas segundo o contexto sócio-econômico dos
entrevistados e da importância de suas experiências cotidianas.
160
decisão da Justiça em alguns casos divulgados pelos telejornais e a sua realidade, a qual
é composta por um repertório de exemplos, sempre utilizados para reafirmar o pouco
acesso que a maioria tem para fazer uso da máquina judicial. Além disso, teme-se o
crescimento da impunidade, revelado com freqüência pelos telejornais e, em grande
medida, sentido pelo cidadão comum em seu contexto sócio-cultural.
Um outro ponto analisado, ainda em relação à legislação, deve-se ao
fato de que, em sua maioria, os entrevistados acreditam que um dos problemas do não
funcionamento do estado de direito é o abrandamento das leis e penas em casos que,
para o cidadão comum, enfraquecem os valores socialmente aceitos e legitimados.
Aliada a essa percepção está a descrença na eficácia real das instituições do sistema de
Justiça, mesmo daqueles em que se acredita na seriedade do trabalho executado, como o
Ministério Público. Desse conjunto de interpretações desalentadoras resulta a concepção
de que um estado de guerra é latente. Decorrente de problemas infra e supra-estruturais.
Finalmente, detectamos a imagem de um cidadão comum, carente de
informação, que acredita que pode mudar sua história, mas não sabe de que forma deve
fazê-lo. Em parte, culpa o sistema de produção, embora tenha consciência de que esse
não é o único responsável pela sua ignorância, resultado da desigualdade social.
Este capítulo termina apontando para a expressão da cidadania, luta
por direitos e construção do espaço público. Após o contrato social que, contrariando
qualquer teoria, coexiste concomitantemente ao estado de natureza na leitura dos
telejornais, devemos supor o surgimento de uma base sólida para o controle da
sociedade civil organizada frente à ação política. Refletir sobre esse último momento é
nossa mais difícil tarefa, por aspectos que esperamos ser capazes de traduzir, tanto na
composição das mensagens, como no discurso do cidadão comum.
161
O Espírito das leis paira no ar: a pedagogia cívica no sistema de
produção e seu efeito na recepção da informação
Iniciar o último capítulo desta tese não é uma tarefa fácil. Embora
todo o esforço anterior tenha sido no sentido de encontrar o lugar da cidadania, tanto no
sistema de produção, como no processo que o mesmo estabelece com o receptor, o
cidadão comum, cabe a nós a tarefa de analisar o exercício cívico frente aos aspectos
culturais e históricos da sociedade brasileira.
Até aqui apresentamos a difícil relação entre cidadão comum e estado
democrático de direito. Descrevemos, parcialmente, os discursos desalentadores
decorrentes da falta de credibilidade nas instituições democráticas pela ineficácia e
improbidade dos diversos órgãos administrativos e governamentais, sem revelar
nenhum tipo de saudosismo por qualquer forma de regime autoritário. O que
percebemos é a interpretação do cenário vigente como resultado do despreparo das
elites políticas diante do momento democrático. Há um claro apelo por uma ruptura,
dado o grau de insatisfação, mas em nenhum momento indícios do fim de uma ordem
institucional.
Analisamos, também, a contribuição da mídia televisiva nesse
processo, ressaltando a importância do conceito de enquadramento. De todo o sistema
de produção interpretado, visamos a salientar a tendência majoritária da ênfase sobre
alguns aspectos em detrimento de outros, propiciando diariamente ao receptor um
cenário sombrio quanto à administração pública e parte do sistema de Justiça, seja em
relação a direitos, acesso à Justiça, ou mesmo fruto da falta de informação sobre a
participação e intervenção na esfera política. A partir destas informações e seu processo
de interação com a recepção, detectamos um consenso no discurso que aponta para a
crise desse estado, em parte pela internacionalização do sistema capitalista, pela redução
do poder do Estado, que afeta a natureza dos direitos adquiridos, e até pela corrupção
disseminada em sua estrutura. Além do fato de que problemas centrais de nossa
sociedade, como a violência urbana, parecem ganhar vitalidade a despeito da existência
de um sistema de Justiça.
162
A subjetividade dos discursos, como demonstramos durante os
capítulos anteriores, não decorre apenas da construção da notícia pelo sistema de
produção. São experiências vividas e o contexto sócio-cultural da recepção, entre
outros, que garantem as multiplicidades de significados dados ao conteúdo dos
telejornais. Por esta razão, afirmamos que o processo de interação ocorre, porém desde
que mediante circunstâncias específicas. O que torna o sistema de produção mais
presente no discurso do cidadão comum é o fato de reforçar aspectos negativos do
cotidiano, ou seja, questões que estão presentes na ordem do dia, possíveis de serem
vividas e, por conseqüência, ameaçadoras. Se no discurso, a relação com o estado
democrático de direito mostra sinais de fraqueza, cabe analisarmos como e o quanto o
exercício cívico está comprometido, e como a mídia televisiva interage e estabelece um
processo relacional com o cidadão comum.
Em nosso entender, a soma dos fatores negativos sobre a ilegitimidade
do estado de direito ganha maior visibilidade diante da cidadania plena. A falta de
confiança no estado democrático de direito reflete na cidadania plena do cidadão
comum. Para melhor entendermos os entraves que definem essa relação, o maior desafio
nos aparece ser encontrar o lugar da cidadania no espaço de produção da mídia
televisiva, tarefa árdua, uma vez que o conceito de cidadania em si mesmo envolve uma
gama de significados. O primeiro passo aponta para a designação dos conceitos
historicamente construídos, passando da afirmação da individualidade frente às relações
pautadas na noção de contrato social, na qual a sociabilidade mediada pelos direitos que
legitimam a posse da propriedade são resultado das relações de mercado; até chegarmos
às diferentes concepções de participação política em sua relação com os direitos, dos
espaços de regulamentação e da emancipação social.
Iniciaremos o capítulo apresentando alguns significados acerca do
conceito cidadania. A seguir, faremos uma leitura histórica do processo de construção
da cidadania no Brasil, realizando um resgate dos limites e avanços da produção de
direitos e da participação legítimos na esfera política desde a Independência. A seguir,
buscaremos na produção dos telejornais a cidadania como conquista de direitos e a
construção do espaço público. Terminaremos abrindo espaço para o entendimento do
processo de comunicação que opera como mediador na materialização do Direito. Nesse
último tópico, procuraremos ressaltar as mudanças pelas quais o cidadão comum,
163
mobilizado aqui, passou, seja pelo processo de desenvolvimento da esfera comunicativa
ocorrida durante os grupos focais, seja pelo interesse, que contribuiu para um maior
conhecimento e necessidade da ação política.
Vale dizer, a função do exercício da linguagem mudou a compreensão
e o interesse dos participantes ao longo das discussões, pois passaram a expressar-se de
maneira diferente à medida que os debates avançavam. Nesse processo não é possível
afirmar que ocorreu um caminhar pleno pela construção da cidadania, mesmo porque
este não era nosso objetivo, mas, sim, que os participantes passaram a elaborar um
discurso diferenciado, decorrente de um olhar atento frente às transformações ocorridas
no campo, sobretudo, do Direito e da justiça social. Ocorreu, ao longo do processo, um
aumento da participação e da reflexão por parte de todos os pesquisados.
Contudo, as limitações decorrentes do conhecimento e da experiência
de cada participante não foram vencidas; assim como não foi possível operar numa
esfera puramente de racionalidade. O que conseguimos foi encontrar o lugar da mídia
televisiva na vida do cidadão comum e o quanto a construção da imagem sobre o estado
de direito interfere no exercício da cidadania, ou seja, o quanto as categorias trabalhadas
em cada telejornal – da linguagem, passando pela utilização de imagens, tipo de orador
e enquadramento, e até o tempo e a freqüência com que as mensagens eram
apresentadas – torna o receptor mais atento e aflito quanto aos caminhos percorridos
pelo Estado e o processo de construção de uma sociedade mais justa e segura.
De toda a experiência conquistada nessa jornada, não foi possível
encontrarmos a situação ideal, do desdobramento da cidadania, ou mesmo o exercício
cívico tão almejado Apenas vislumbramos alguns indícios alentadores, que operam no
campo da compreensão das possibilidades de construção dos direitos e transformação
freqüente da esfera política. Há muito por ser transformado. Os próprios entrevistados
nessa pesquisa têm consciência desse processo, ainda que desconhecendo quais os
limites e abrangências que caracterizam os direitos civis, políticos e sociais.
No discurso elaborado durante os grupos focais, todos demonstraram
saber que é preciso ter liberdade, igualdade perante a lei, participação do cidadão no
governo e a garantia da participação de todos na distribuição da riqueza nacional, mas o
164
quanto há de direitos garantidos constitucionalmente todos parecem desconhecer. O
baixo grau de instrução é um dos fatores que impedem o cidadão comum de tomar
conhecimento de seus direitos e de se organizarem para lutar por eles, porém não é o
único, nem o maior deles.
A análise sobre o papel dos telejornais como um recurso de
informação pode nos levar a conclusões pouco alentadoras no sentido da construção da
cidadania civil e política – principalmente pela freqüência em revelar, com maior
ênfase, a desconstrução do ordenamento jurídico estabelecido no país – do que a
possibilidade de o cidadão comum atuar como agente político. Porém, como
salientamos anteriormente, a relação entre emissor e receptor ocorre por meio de um
processo relacional. A informação que é processada pela mídia é importante para
entendermos os valores e atitudes do cidadão comum diante do Direito e da Justiça, mas
não é determinante.
4.1- O Lugar da Cidadania
A primeira concepção de cidadania teve origem nas práticas sociais
que desembocaram nas revoluções burguesas. O que estava em questão era a igualdade
jurídica, o fim dos privilégios da realeza e a luta pelos interesses públicos. Em outras
palavras, o conceito inicial de cidadania estava atrelado ao pacto estabelecido entre
governo e povo, sendo este último a expressão da vontade geral.
Para a realização da vontade geral há o pressuposto do equilíbrio de
natureza igualitária, que apresente os homens em uma mesma condição de participação
e intervenção na esfera pública. Isto significa pensar nos canais que possibilitam o
maior acesso ao exercício cívico em um regime democrático. Segundo Reis (1994), o
maior problema decorre da vinculação entre o interesse individual e privado e as
relações contratuais com o mercado. Na prática, devemos aos movimentos sociais do
século XX, que passaram a exigir do Estado uma maior regulação da esfera econômica,
principalmente pela garantia de direitos sociais.
165
No Brasil, a concepção de cidadania é constituída a partir de um
cenário pouco alentador. Como veremos no tópico a seguir, nossa história foi construída
em meio ao autoritarismo, relações patrimoniais, escravidão e violência. Paoli (1983)
admite que esses fatores sofreram o impacto das transformações decorrentes do
processo de industrialização, trabalho assalariado e a luta por direitos. Mas foi somente
entre as década de 70 e 80 que os movimentos sociais deixaram de reivindicar “o direito
à igualdade abstrata perante uma ordem jurídica-política e que ainda reproduzia as
relações patrimoniais no seu interior. O que tais movimentos reivindicavam era o
direito de produzir e assumir um espaço cultural próprio, visando à transformação da
esfera pública regulada pelo poder central ”.( Paoli, 1983, p.85)
Para nós, o entendimento do contexto da cidadania desde o século
XIX é necessário, na medida em que explica as dificuldades ainda presentes na relação
entre sociedade civil e Estado. O que implica afirmar que a reflexão analítica da
cidadania não pode ser pensada como um projeto do Estado, tampouco da mídia, mas
como uma investigação científica que procura articular conceitos e estabelecer o lugar
dos direitos e da participação política a partir das relações históricas e da interferência
do sistema de produção.
4.2- A formação dos direitos e seu impacto na cidadania
Antes de nos voltarmos aos telejornais, especialmente no que tange à
produção sobre direitos e seu impacto no exercício cívico da recepção da informação,
devemos fazer algumas referências de cunho histórico e teórico. Esse caminho se faz
necessário na medida em que consideramos que a cidadania não é produto da mídia,
mas assimilada e processada pelo sistema de produção de forma peculiar.
Comecemos por destacar que a evolução jurídica em nosso país
ocorreu sob forte influência das relações patrimoniais, permitindo que as políticas
públicas ocorressem de modo a facilitar a transferência de recursos públicos a setores
privados da economia. Segundo Martins (1994), desde a colônia o Direito foi um
instrumento para distinguir os proprietários, o que contribuiu para consolidar a relação
patrimonial. Essa relação produz a cultura do privado que se apropria do público, ou
166
seja, direcionando a privatização sistemática do espaço público. Tal tendência marcou o
Brasil colônia, o Império e até o regime republicano de nosso país. Para O’Donnell
(1993), a cultura do privado é um obstáculo ao desenvolvimento da regulamentação da
vida social, sobretudo porque certos direitos acabam não tendo garantias de efetividade.
Sob o ponto de vista histórico, os principais desafios ao exercício da
cidadania foram a escravidão e a grande propriedade rural. Da colonização até a
independência do país, herdamos uma economia de monocultura e latifundiária, com
uma sociedade escravocrata que, segundo Carvalho (2001, p. 19), “na época da
independência, numa população de cerca de 5 milhões, incluindo 800 mil índios, havia
mais de 1 milhão de escravos”. Tanto a grande propriedade, como a escravidão, não
constituíam aspectos favoráveis à formação do cidadão brasileiro. Aliás, os dois fatores
estavam imbricados, o escravo não tinha direito algum. Dependia dos grandes
proprietários para satisfazer toda e qualquer necessidade, como “morar, trabalhar e
defender-se contra o arbítrio do governo e de outros proprietários” (Carvalho, 2001, p.
21). Sobre o poder dos grandes proprietários, os chamados coronéis, tivemos a
oportunidade de descrevê-lo no capítulo II, assim como de salientar o fato de que
exerciam o comando de uma justiça privada, que seguia à revelia da Justiça oficial.
No Brasil colônia os direitos civis abrangiam uma pequena parcela da
população. Escravos e mulheres estavam sob o jugo da dominação local dos
proprietários de terras. Direitos políticos reservados a poucos, e nenhum avanço no
sentido da construção dos direitos sociais. A partir da Independência, a Constituição
outorgada em 1824 regulou os direitos políticos. Embora as eleições não permitissem a
participação de todos, o fator renda não excluía a grande maioria dos homens livres de
votarem, o que contribuía para um avanço em direção à conquista dos direitos políticos.
Ademais, a despeito de se viver numa sociedade escravocrata e sem direitos sociais,
houve eleições ininterruptas desde a Independência até 1930, o que representou um
progresso em relação aos direitos políticos.
A proclamação da República não mudou a história da noite para o dia.
A população brasileira era a mesma do período anterior, com o mesmo limite para lutar
por seus direitos básicos. Faltava-lhe tudo para o exercício da cidadania: do
reconhecimento de direitos, até a capacidade de conhecer os instrumentos e mecanismos
167
da Justiça oficial. No que tange os direitos políticos, a Constituição de 1891 “eliminou
apenas e exigência da renda de 200 mil-réis (...), porém, continuavam também a não
votar as mulheres, os mendigos, os soldados, os membros das ordens religiosas”
(Carvalho, 2001, p. 40). Os coronéis continuavam a dominar a esfera local, o que
dificultava ainda mais o preparo do cidadão comum para o exercício cívico.
Durante mais de cem anos de história, não foi possível falar em
liberdade de expressão e de organização, direito à propriedade, e mesmo em igualdade
perante a lei. Isso porque nossa sociedade foi marcada pela escravidão, pela dominação
pessoal e pelas relações patrimonialistas. Com a restrição aos direitos civis, é difícil,
para não dizer impossível, supor o desenvolvimento da cidadania, embora no que se
refere aos negros há dados que comprovam os movimentos de resistência, sobretudo
com as constantes fugas e organizações de quilombos. Mas esse episódio não marcou
uma mudança de mentalidade. Existem registros de que o Estado, os funcionários
públicos e a Igreja eram proprietários de escravos. Ter escravos definia uma condição
social diferenciada. Os próprios escravos libertos adquiriam escravos, o que demonstra
que os valores da liberdade eram pouco importantes para o Brasil, e, como
conseqüência, o próprio valor da condição humana estava ameaçado.
A dominação dos coronéis atuou como grande responsável pela
negação dos direitos civis. Os homens subordinados ao poder local não tinham controle
sobre suas vidas, estavam à mercê da imposição dos coronéis, pelo poder econômico,
político e até jurídico que detinham. Se a limitação civil estava lançada, o surgimento de
uma classe trabalhadora, sobretudo operária, poderia representar uma esperança no
processo de desenvolvimento da cidadania no Brasil. Porém, como era de se esperar, a
necessidade de conquistar a cidadania não foi fácil; havia a luta pelo enfrentamento do
poder empresarial e pelo próprio poder público, que tentou reprimir os movimentos de
organização e protesto operário com legislações mais rígidas. Não obstante tanta
pressão, o movimento operário avançou em relação à luta por direitos civis “como o de
organizar-se, de manifestar-se, de escolher o trabalho, de fazer greve” (Carvalho,
2001, p. 60).
Embora a luta do movimento operário não tenha sido pequena, não foi
suficientemente forte para alavancar a conquista pelos direitos políticos, ainda na
168
retaguarda. Assim como era possível perceber a precariedade tanto dos direitos civis,
como dos direitos políticos, o mesmo pode-se afirmar em relação aos direitos sociais. O
Estado estava ausente em boa parte do que representava a assistência social, apenas
algumas leis abrangiam toda a população brasileira. O pouco realizado estava restrito à
população urbana, sendo que o trabalhador rural estava à mercê da política dos coronéis.
Mesmo que todos os ventos estivessem soprando contra o exercício da
cidadania, é possível registrar alguns movimentos importantes que marcaram a história
do país. Entre eles, o Movimento Abolicionista, o Tenentismo e o movimento pela
independência, além de algumas revoltas que ficaram famosas pelo seu caráter
messiânico, e até monarquista, como Canudos e o Contestado. Os negros também
tiveram sua participação nesse período histórico, na busca pela liberdade.
Todos estes movimentos não demonstravam que o cidadão tivesse o
exercício pleno da sua cidadania, mas identificavam alguns direitos e minimamente
sabiam do papel do Estado em suas vidas, o que demonstra que a relação com o Estado
ainda era muito incipiente. A população não conhecia todo o seu potencial, assim como
não se reconhecia como parte da nação brasileira. Um exemplo disso foi o envolvimento
da população com o processo de independência e proclamação da República, muito
insignificante para a dimensão que ocuparam na vida política brasileira. Se, por um
lado, faltava uma sociedade organizada, que participasse ativamente na política
nacional, por outro, não se pode negar que certos movimentos sociais resistiam
bravamente às imposições do sistema capitalista. O melhor exemplo é o movimento
operário, que no período de 1917 a 1920 realizou mais de 150 greves nos estados de São
Paulo e Rio de Janeiro, o que representou um grande avanço para o período (Fausto,
1977, p. 170).
As décadas seguintes aos anos 30 revelaram avanços em direção à
consolidação dos direitos sociais em detrimento dos direitos civis e políticos. Esses
avanços contribuíram, em parte, para transformar a legislação trabalhista. Os
beneficiados continuavam sendo os trabalhadores urbanos com carteira assinada, o
trabalhador rural precisou esperar ainda muitas décadas para ter o reconhecimento por
parte do Estado. Embora esse fato seja verdade, não é possível deixar de mencionar que
os direitos sociais estavam ocupando um lugar privilegiado, o que não foi suficiente
169
para conter a organização de vários movimentos de contestação, que expressavam uma
insatisfação em diversas áreas sociais não contempladas. Boa parte dos movimentos
sociais da década de 30 estava ligada, ou diretamente à ordem política, ou eram
provenientes do envolvimento de diversos grupos sociais, como os militares e os
operários. Pela heterogeneidade dos mesmos, não é possível pensar em uma causa
nacional, embora a chamada Revolução Constitucionalista tenha tido uma importância
diferenciada em relação aos outros movimentos e acabou por expressar uma grande
preocupação nascida em São Paulo, mas que sintetizava uma preocupação de toda a
federação, ou seja, a de restaurar a legalidade do governo. Da pressão exercida por esse
movimento foi feita uma estruturação nas regras do sistema eleitoral, garantindo o voto
secreto e a diminuição do poder dos coronéis. Por certo que essa conquista não
expressou uma mudança radical em relação aos direitos políticos; em outros momentos,
a mesma década de 30 foi responsável por reprimir a manifestação política e conter a
expansão, por exemplo, do comunismo liderado por Luís Carlos Prestes.
Ainda que os direitos sociais tenham alcançado um espaço
privilegiado, tanto na área trabalhista, com já mencionamos, como em relação à
previdência social, entre outras, a cidadania não estava sendo plenamente garantida,
apenas monitorada pelo Estado para garantir o controle efetivo da sociedade civil. A
melhor forma de entender esse controle deve-se à interferência do governo na área
sindical.
Com o fim da Era Vargas, o Brasil passou a viver uma experiência
mais democrática, decorrente, sobretudo, das garantias constitucionais de 1946. O
restabelecimento de eleições, comprometidas até 1945, demonstrou que o país
começava a viver com mais cidadania o exercício do voto, e apontava para uma maior
participação política, sobretudo por garantir o voto às mulheres e aos jovens maiores de
18 anos. Os analfabetos continuavam sem direito ao voto, a “limitação era importante
porque, em 1950, 57% da população ainda era analfabeta” (Carvalho, 1995, p. 145).
Em parte por esse fator, as organizações que despontaram nesse período não tiveram um
cunho popular, tanto em relação ao movimento operário, como na organização
intelectual, política e estudantil. Faltava a todas um maior envolvimento por parte dos
trabalhadores rurais que representavam, em sua maioria, os analfabetos do país.
170
Não obstante esse fato, as manifestações do período que se estendeu
até 1964 foram de suma importância para diversos segmentos sociais, sobretudo por
expressarem uma ação mais incisiva em direção à cidadania, tendo como propósito
pressionar o governo por mudanças estruturais. O saldo final do período que se estende
de 1946 a 1964 foi à construção de uma democracia populista, que abriu as
possibilidades frente ao consumo e ao emprego, com políticas voltadas ao crescimento
industrial. Se esse tipo de política gerou uma maior adesão da população beneficiada
frente ao governo, por outro lado, contribuiu igualmente para uma maior participação e
organização dos mesmos segmentos beneficiados (Weffort, 1978, p. 163).
O grande processo de construção da maior participação política
acabou por se reverter em um período posterior, de extrema contenção dos direitos civis
e políticos. É o início de uma nova ditadura, mais repressiva que a de 1937, sobretudo
em decorrência dos Atos Institucionais nº 2 e nº 5. Além de restringir a liberdade de
imprensa e de expressão, os militares contiveram e controlaram toda e qualquer forma
de organização política, seja por meio de partidos, sindicatos ou movimentos estudantis.
Em contra partida, a mesma estratégia do Estado Novo foi utilizada a partir de 1964, ou
seja, investir em direitos sociais em detrimento dos demais. Essa parece uma alternativa
supostamente segura para garantir a lealdade em relação ao governo. Criam-se diversos
recursos para que a sociedade tenha a sensação de que vive melhor, que a desigualdade
social diminuiu e as oportunidades aumentaram. Mas esse mecanismo não consegue,
mesmo que de forma repressiva, minar todas as fontes de manifestação e organização no
seio da sociedade civil. É claro que não podemos afirmar que esse foi o único fator
responsável pelo fim da ditadura militar, mas que a Igreja Católica, a Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e a Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), junto a diversas movimentações
populares pelo fim desse processo, tiveram grande atuação nesse sentido, é igualmente
verdade.
Com a retomada do processo democrático em 1985, chegamos à
situação apresentada, parcialmente, no capítulo I. Direitos políticos e civis ganham
maior visibilidade e ampliam a participação jurídica e a organização político-partidária
da sociedade brasileira. É o momento de reconstrução da ordem política, do sistema
eleitoral, do direito de votar e ser votado. Além disso, momento favorável à expansão
171
dos movimentos sociais em suas múltiplas causas. Situação ideal, não fosse pelo fato de
que a desigualdade continuava acentuada, a miséria persistia e a exclusão ocorria em
todas as partes do país.
Além disso, mesmo tendo direito civis, sua efetividade ainda está
distante da nossa realidade, seja pela falta de acesso à Justiça, seja pela falta de garantia
da segurança pública, entre outros, com salientamos ao longo dessa tese. Nesse cenário,
diversos problemas parecem se impor. Como mencionamos ao longo dos capítulos II e
III, as maiores dificuldades passam pela descrença na própria relação com o estado
democrático de direito. A ineficiência das instituições no cumprimento de suas funções
parece ser o maior agravante, sobretudo quando o debate gira em torno do Poder
Judiciário e do Sistema de Justiça.
Avaliar a cidadania diante de um contexto histórico de avanços e
retrocessos envolve uma análise mais profunda. O cidadão de hoje é filho da escravidão,
de ditaduras e de todo tipo de desigualdades sociais. Os valores patrimoniais se fazem
presentes na vida cotidiana com a política do favor, do interesse privado. Segundo
Martins (1994, p. 43) “a insidiosa presença desses componentes patrimoniais na vida
política brasileira confunde-se com os vários âmbitos de atividades do homem
comum”, demonstrando o quão distantes ainda estamos de dissociarmos o privado do
público. Quanto ao Estado, Meksenas (2002, p. 72) afirma que:
“Do discurso político autoritário, centrado na visão do Estado
corporativo, chegamos à década de 1990 com o discurso
econômico da burocracia do Estado. O cesarismo do líder
carismático foi substituído pelo cesarismo do cientista social.
Nesse contexto, a lógica do poder parece se tornar ainda mais
perversa: antes, o Estado substituía o cidadão, aparecendo
como o doador dos direitos; hoje, o Estado substitui o cidadão
e aparece como doador da estabilidade econômica com as
políticas inibidoras dos direitos já adquiridos (...).”
Diante de tais constatações, fica a indagação de como a legislação
vigente fortalece o exercício da cidadania e como o cidadão responde a esse processo
político. Do ponto de vista das garantias constitucionais para uma maior atuação política
da sociedade civil, nossas conclusões são pouco alentadoras. Falta informação, e
persiste o medo e a incapacidade de reconhecer os direitos e mecanismos processuais.
Embora tais dificuldades estejam presentes na cultura do cidadão comum,
172
principalmente pelo legado histórico da escravidão, da grande propriedade rural e do
patrimonialismo, encontramos de alentador, ao menos entre os nossos entrevistados, o
despertar tímido pelo interesse público, a crítica sistemática à ineficiência do Estado, a
ausência de saudades da ditadura, e a certeza de que devem agir como atores políticos
no processo de transformação social. Resta saber o quanto a informação televisiva tem
contribuído para a formação do discurso do cidadão comum e sua prática cívica. Para
tanto, faz-se necessário recuperar alguns dados mencionados ao longo desta tese e
confrontá-los com o último tópico proposto e ainda não analisado, o qual intitulamos de
Sociedade Civil.
4.3- O Sistema de Produção e a representação dos direitos e do exercício cívico
Ao considerarmos os avanços e retrocessos em relação à pedagogia
cívica no Brasil, nos indagamos como a mídia televisiva atua hoje nesse processo. Das
considerações ponderadas anteriormente, nossa conclusão apontou para o fato de que,
ao discutir o estado de direito, a televisão percorre um longo caminho na direção da
crítica sistemática às ordenações jurídico-formais.
O conceito de direitos do sistema de produção é formulado a partir da
reflexão sobre os fatores que constituem a legitimidade do Estado. Nessa percepção, a
legitimidade construída pelos telejornais é aquela que, em certo sentido, se aproxima da
definição de legitimidade por direito teorizada por Weber, como sendo a
“probabilidade de coerção exercida por um quadro administrativo a fim de forçar o
indivíduo à observação de determinadas ordens ou de castigá-lo quando de sua
violação” (1991, p. 21). Assim como em Weber, os telejornais trabalham diariamente a
concepção de que os direitos são salvaguardados na medida em que existe uma ação
institucional, formada por homens profissionalmente qualificados, com o objetivo de
exercer a coação de modo preciso por meio de orientações jurídico-formais. Sendo a
coação jurídica um instrumento de controle que advém do uso legítimo da violência
física, cabe somente ao Estado sua utilização de forma legítima. Se não o faz é porque
não é legítimo, ou em decorrência da sua ineficácia. De um lado, os entrevistados
discutem a responsabilidade do Estado, seja quando é demasiadamente permissivo em
173
relação ao crescimento da micro e da macro-violência, seja quando deixa de ser
cumprida as funções que o definem como órgão maior e mais poderoso.
O espaço destinado à crítica da perda da legitimidade do Estado diante
da ineficiência do aparelho coativo é o que consideramos, no segundo capítulo, como
Estado de Natureza. Nesse mesmo capítulo, salientamos que a dimensão da crítica ao
Estado ocupa um espaço privilegiado nos telejornais, seja pela freqüência, tempo de
exposição das mensagens, ou mesmo pelo tipo de enquadramento. Pela dimensão que
esse aspecto da relação social representa nos telejornais, pouco o cidadão comum
compreende sobre os direitos como uma realidade para além do Poder Público, ou seja,
como direitos construídos em espaços institucionais fora do âmbito estatal. Isto não
significa que a esfera da produção jurídica do Estado seja bem compreendida, ao
contrário, com freqüência a informação não é completa, dados importantes para a
pedagogia cívica não são mencionados, como os mecanismos processuais necessários
para, entre outros, salvaguardar ou ampliar direitos adquiridos.
Por outro lado, a produção dos telejornais também aponta, mesmo que
timidamente, para o fato de que são os espaços institucionais que dão a possibilidade de
supormos as lutas pela conquista por direitos nas diversas esferas da vida social. O que
está apresentado nessa concepção é a existência possível de direitos no interior das
organizações burocráticas, nunca pensados de forma estática, mas, ao contrário, fruto de
um processo histórico que ocorre a partir das relações de poder, relações estas que
conduzem ao conflito e se recicla incessantemente, o que mais uma vez nos faz recorrer
às análises de Weber sobre as estruturas burocratizadas que se formam no interior das
instituições sociais.
Há um aspecto considerado em algumas leituras de Weber que
demonstram o perigo das estruturas burocratizadas. Em decorrência dessa reflexão,
Meksenas (2002, p. 48) afirma que
“autores como Tragtenberg (1992) e Cohn (1979) salientam
que as posições críticas de Weber em relação aos processos de
burocratização do capitalismo, levadas ao extremo, geraram o
seu pessimismo quanto ao modo de a sociedade vir a
organizar-se sem tais processos. O conceito de direitos pode
vir a sofrer as mesmas críticas, pois no seu limite as normas e
174
os códigos (o direito extra-estatal) que orientam a conduta do
empregado, ou do funcionário nas organizações burocráticas,
conduzem a uma tal racionalização da ação que se torna
possível anular o sujeito que a realiza”.
Ao defender a tese de que em Weber a estrutura burocratizada do
capitalismo ocidental pode atingir a esfera não-estatal e levar o sujeito ao
desencantamento, não podemos deixar de mencionar que para este mesmo autor são as
demandas populares que pressionam o Estado e contribuem para a transformação das
ordenações jurídico-formais.
Ao encontrarmos aspectos da obra de Weber presentes na leitura sobre
os telejornais, chegamos a algumas conclusões no que tange ao exercício cívico. A
principal corresponde à concepção de que os direitos podem sofrer uma distensão que
vai além das proposições jurídicas emanadas do Estado. Isto ocorre em função da
reivindicação realizada no interior das organizações burocráticas ou nos movimentos
sociais e políticos por demandas ainda não salvaguardadas pelo Estado. No que tange a
esse aspecto, algumas mensagens produzidas pelos telejornais traduzem aspirações de
segmentos sociais que se convertem em manifestação de contestação, seja contra
aspectos jurídico-formais, ou pela ausência de uma regulamentação legal.
Dentre as informações mais salientes, destacamos algumas que
tiveram maior expressividade. A primeira refere-se à organização social e institucional
pela maior garantia e melhor funcionamento dos institutos de saúde do país. As
mensagens, neste caso, transitaram entre a denúncias sobre o mau funcionamento dos
hospitais públicos, que passam pela falta de leitos, precariedade das instalações e
serviços prestados; erro médico e a ilegalidade na política de serviços prestados pelos
planos de saúde.
Alguns pontos evidenciam a construção da informação no sentido de
propiciar um maior exercício cívico. O primeiro é que todas as mensagens destacam que
é a partir da denúncia que a Justiça age, ou seja, salientam a importância das
reivindicações feitas pelos grupos sociais como forma de pressionar o Estado a cumprir
a lei ou sancioná-la, quando esta ainda não existe, para regulamentar uma determinada
questão social geradora de conflitos. O segundo ponto destacado enfoca a necessidade
175
de conhecer a legislação para depois criticar os aparatos jurídico-formais, o que implica
identificar os direitos e o processo legal para acionar a Justiça. E o terceiro aspecto visa
a demonstrar que é preciso mobilizar forças para garantir a defesa dos interesses em
questão, recorrendo a organizações e associações que prestem assessoria jurídica e
recursos aos litigantes.
O telejornal da Band trabalhou esses três aspectos no desdobramento
do caso de uma vítima de erro médico. A primeira parte da reportagem focou o erro e a
conduta da vítima em procurar o Conselho Regional de Medicina para denunciar o
médico envolvido e exigir reparos legais. Em reportagem posterior, a vítima aparece
denunciando, desta vez, o corporativismo do Conselho, que encobre os erros da
categoria. Na última série de reportagem sobre esse tema, a vítima procura uma
organização não-governamental que lhe presta assessoria jurídica, tanto para a
identificação dos direitos envolvidos, como esclarecendo a melhor maneira de ser
ressarcida. A partir da informação obtida, a vítima aciona a Justiça e ganha em primeira
instância a causa.
Dois outros casos, como o citado acima, nos chamaram a atenção por
adentrar na especificidade dos problemas que envolvem o exercício cívico. O primeiro
foi sobre a legislação que defende os direitos dos idosos. Da mesma forma como
ocorreu o desdobramento das reportagens sobre o erro médico, os direitos dos idosos
foram salvaguardados a partir das denúncias feitas por alguns idosos em um Conselho
do Idoso, localizado em Botafogo, cidade do Rio de Janeiro. O Conselho foi
apresentado nos telejornais da Band e Record por receber e encaminhar as denúncias
feitas pelos idosos e prestar assessoria jurídica aos membros associados, tanto no que
tange ao maior esclarecimento da legislação, quanto em relação aos mecanismos
processuais adequados para cada tipo de reivindicação. As mensagens foram
construídas no sentido de orientar toda aquele que enfrenta os mesmos problemas e
possua as mesmas dúvidas.
Paralelamente, outras matérias foram construídas como um reforço à
idéia central de defesa dos interesses da terceira idade. Dentre os casos divulgados, dois
nos parecem mais significativos para ilustrar como os telejornais retratam o exercício
cívico. O primeiro revela as denúncias de irregularidade quanto ao cumprimento da lei
176
de passe livre para idosos, denúncias que foram capazes de pressionar a Prefeitura de
São Paulo a sancionar um decreto para punir os infratores; e o segundo, decorrente das
mensagens sobre maus-tratos a idosos em asilos, que resultaram no fechamento das
instituições. Em relação a maus-tratos, um caso isolado teve grande repercussão na
mídia televisiva e atuou como um catalisador da Constituição Federal e do Estatuto do
Idoso: uma aposentada, de 92 anos, era espancada pela dama de companhia e acabou
morrendo vítima de traumatismo craniano. A divulgação das imagens gravadas por uma
câmera escondida no banheiro do apartamento da vítima foi insistentemente divulgada
pelos telejornais, principalmente pelo telejornal Cidade Alerta. O enquadramento
dramático foi substituído pelo enquadramento cívico ao longo das semanas que
sucederam o fato, visto que o tema central da informação deixou de ser a violência
praticada, mas o instituto jurídico formal existente para defender os interesses e a
integridade dos idosos.
Além dos casos apontados acima, um outro teve igual repercussão nos
telejornais durante o período analisado nessa pesquisa. A questão apresentada deve-se à
discussão e divulgação da lei de cotas para negros em instituições públicas de ensino
superior. Neste caso, a polarização da informação visou a apontar o aspecto jurídico, por
meio da exposição do projeto de lei Nº 3.637, apresentado ao Congresso Nacional no
dia 20 de maio de 2003, como sugestão da sociedade organizada aos parlamentares da
Comissão de Educação e Cultura. Tal projeto visava a instituir um sistema especial de
reserva de vagas para estudantes negros egressos de escolas públicas. O projeto ainda
considerou que a distribuição das vagas deveria ponderar o perfil de cada estado da
federação em que a universidade que irá distribuir as vagas se localiza. O fato de os
telejornais apresentarem o projeto e simultaneamente entrevistarem membros de
organização de defesa dos interesses dos negros não excluiu o debate em torno da
possível inconstitucionalidade do mesmo, o que contribuiu para uma reflexão mais
consciente da legislação sobre as cotas. Sobretudo nos meses de fevereiro e março de
2003, foram divulgados alguns casos de estudantes que recorreram à Justiça por meio,
entre outros, da Ordem dos Advogados do Brasil. A instituição que gerou maior número
de processos divulgados na mídia televisiva foi a Universidade Estadual do Rio de
Janeiro (UERJ).
177
Ainda referente à representação dos movimentos sociais de
resistência, podemos citar, entre os que tiveram maior espaço de divulgação na mídia
televisiva, a organização social em prol do meio ambiente, da criança e do adolescente e
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
No primeiro caso, a lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, e a atuação
de algumas organizações não-governamentais foram mencionadas em decorrência de
cinco acontecimentos: 1- contaminação de rios pelo derramamento de resíduos tóxicos
da indústria Cataguases de Papel e Celulose; 2- denúncia de desmatamento da Mata
Atlântica; 3- contaminação da água no Estado do Rio de Janeiro pela companhia Ingá,
responsável pelo aumento significativo de metais pesados, cinqüenta vezes acima do
permitido; 4- protestos contra a exploração de petróleo em Abrolhos, dada a ameaça de
extinção de diversas espécies marinhas; 5- acidente de trem em Uberaba, Minas Gerais,
que contaminou o reservatório de água da cidade com dejetos altamente tóxicos. Após a
exposição do crime ambiental, os telejornais enfocaram a legislação em vigor, o
trabalho desempenhado pelas organizações não-governamentais e o protesto da
população atingida. O acompanhamento sobre o desdobramento do processo também
foi material de notícia, inclusive apresentando a resposta da Justiça em relação a alguns
casos, como o decreto de prisão do diretor da indústria Cataguases de Papel e Celulose.
No caso específico desta empresa, as matérias chegaram a ter mais de cinco minutos de
exposição, um recorde em relação ao tema.
No caso das matérias sobre as crianças e os adolescentes, o foco da
informação esteve voltado à exploração do trabalho infantil, ao tráfico de crianças e à
violência praticadas por pais ou responsáveis. Nessa última situação, o espaço de
divulgação privilegiou a apresentação parcial do Estatuto da Criança e do Adolescente,
lei federal nº 9.069, de 13 de julho de 1990, a atuação dos Conselhos Tutelares, do
Ministério da Justiça e Ministério Público. Embora as mensagens tivessem como
propósito a legitimação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em grande parte dos
casos a própria informação possibilitava uma argumentação que favorecia o debate em
torno da destituição dos preceitos republicanos com a contestação do poder do pai em
relação ao filho.
178
No último bloco de informação sobre movimentos social sociais de
resistência, os do MST são citados com grande freqüência, muito maior que os dois
movimentos mencionados acima. A diferença entre os dois primeiros e o MST está no
tipo de exposição e na retórica adotada. Em relação ao meio ambiente e à defesa dos
menores não ocorreu controvérsia em relação à importância e à necessidade de defesa
dos interesses que estão em jogo e dos diretos ameaçados; ao contrário, toda a
informação foi construída no sentido de salientar a pertinência do trabalho executado
tanto pelas ONGs (no caso do meio ambiente), como pelo trabalho dos conselheiros e
demais entidades envolvidas com os interesses das crianças e adolescentes. Já no que se
refere ao MST, ocorre uma dicotomia em relação à construção da imagem do
Movimento. Por um lado, ele é apresentado como justo na medida em que expressa uma
resistência à não realização da reforma agrária no país. Neste caso, são apontadas as
marchas (em nosso período de análise, acompanhamos a marcha dos 800 sem-terra em
São Gabriel, Porto Alegre) e a condição de vida nos acampamentos. No outro extremo,
com maior ênfase e saliência, os telejornais concentram esforços na direção da
inconstitucionalidade da ação praticada pelos integrantes do MST. Em todas as matérias
construídas sobre o MST a concepção de conflito, ameaça social e anomia está presente.
Durante os meses em que nossa pesquisa se estendeu, observamos que
os maiores focos de atenção em relação à legislação não foram responsáveis pela
resistência de movimentos sociais e políticos, mas pelas garantias previstas no Código
do Consumidor. Devemos considerar que os telejornais abordam a temática do consumo
como um dos principais aspectos que favorecem a cidadania no país. Dado esse fato, a
argumentação é sempre no sentido de esclarecer o consumidor sobre as irregularidades
do mercado, e apontar os caminhos para salvaguardar os direitos adquiridos. Os
telejornais sempre apresentam como orador, além do próprio âncora e repórter,
responsáveis pelo Procon, Idec e Vigilância Sanitária, destacando qual o melhor
comportamento do consumidor na relação que ele estabelece com o comércio. Dentre as
matérias destacadas por nós, podemos mencionar cinco: 1- orientação em relação à
cobrança de ligações telefônicas pelas operadoras; 2- como negociar da melhor forma os
reajustes de aluguéis; 3- os direitos do consumidor no comércio varejista; 4- o que fazer
em caso de aumento abusivo no preço dos medicamentos; 5- produtos que não
correspondem aos rótulos das embalagens. Há, em todos os temas desenvolvidos, uma
vinculação entre consumo e cidadania. Como salienta Canclini (1999, p. 45), essa
179
vinculação só é possível na medida em que desconstruímos “as concepções que julgam
os comportamentos dos consumidores predominantemente irracionais e as que somente
vêem os cidadãos atuando em função da racionalidade dos princípios ideológicos”. A
cidadania apresentada no sistema de produção não é interpretada somente pela prática
política, mas também na maneira como o cidadão seleciona e se apropria dos bens de
consumo.
Considerando os dados desta pesquisa, cada vez mais presenciamos
um espaço destinado, na mídia televisiva, a pensar a multiplicidade do significado de
cidadania, menos no sentido jurídico-político e mais em direção a uma questão mais
ligada com as condições sócio-econômicas. Diante dessa constatação, é preciso pensar
no lugar que uma associação de donas-de-casa tem ao conseguir uma liminar na Justiça
para impedir o reajuste do pão francês durante algumas semanas. A matéria foi
divulgada por todos os telejornais e apresentada como uma vitória da sociedade civil
organizada diante das leis do mercado. As donas-de-casa não conseguiram manter o
preço do pão francês congelado, mas tiveram tempo para se adequar ao novo preço. A
não aceitação do reajuste estava condicionada ao fato de que a farinha de trigo
mantivera seu preço, por isso não haveria sentido no reajuste antecipado, o que fez com
que a Justiça concedesse liminar favorável.
Finalmente, nos deparamos, durante o período analisado, com
informações que só ganharam projeção em decorrência do novo Código Civil ter
entrado em vigor a partir de janeiro de 2003. Essa peculiaridade jurídico-formal acabou
por transformar os telejornais em receptor das mudanças. Nas chamadas reportagens
especiais, o telejornal Nacional e o telejornal da Band trabalharam algumas das mais
polêmicas mudanças do Código, dentre as quais podemos citar: 1- mudanças nas
sociedades limitadas; 2- regras do casamento civil; 3- maioridade civil; 4-regulamentos
para o pequeno proprietário; 5- o novo Código e a Internet; 6- mudança na
administração de bens e imóveis; e 7- adoção de crianças. Com a divulgação da reforma
no Código Civil, alguns aspectos do Direito passaram a ser conhecidos e melhor
compreendidos.
Todas as informações tratadas até aqui, embora com especificidades
próprias, umas enfocando mais o aspecto denunciativo e organizacional da sociedade
180
em detrimento de informações puramente relacionadas à lógica jurídico-formal,
acabaram por construir um espaço para o exercício cívico, se não enquanto
comportamento, mas que contribuiu para um discurso e uma atitude mais crítica,
decorrente de um maior conhecimento e perplexidade diante da passividade.
De toda a informação produzida pelos telejornais, algumas se
destacaram mais que outras. Por exemplo, os telejornais das emissoras Globo e
Bandeirantes aturam de forma mais incisiva na construção da informação sobre
cidadania do que a emissora Record, que embora adote uma retórica crítica e com juízo
de valor bem definido, adentrou quantitativamente menos nos temas que abordam os
direitos do cidadão e seu exercício cívico. Não obstante este fato ser verdadeiro, os
telejornais analisados em conjunto contribuem pouco para o desenvolvimento da cultura
cívica. Enquanto espaço privilegiado de informação das classes C, D e E, os telejornais,
como foi apresentado ao longo desta tese, concentram esforços muito mais na
desconstrução do estado de direito do que nas possibilidades de participação e exercício
cívico criados pelo mesmo. Esse fenômeno reflete, em parte, uma escolha das próprias
emissoras em relação àquilo que deve ser notícia, canalizando esforços no sentido de
reafirmar a responsabilidade do Estado em detrimento do papel da sociedade civil.
Em nosso diagnostico, chegamos ao último momento dessa tese com
um percentual muito inferior aos demais trabalhados anteriormente, ou seja, apenas
15% da informação colhida indica uma preocupação dos telejornais em abordarem a
atuação e resistência dos movimentos sociais, bem como os direitos e as garantias
processuais. Ademais, os 15% não correspondem à realidade da dinâmica dos
telejornais, isso porque a maior parte da informação foi construída em função das
mudanças ocorridas no Código Civil, registradas nos meses de janeiro e fevereiro de
2003. A pouca exposição do tema que trabalha a pedagogia cívica, em alguns momentos
tratada de forma esporádica, é um fator a ser considerado para explicar a pouca
compreensão do cidadão comum sobre as possibilidades de atuação, seja político-
ideológica, ou como um consumidor consciente de seus atos.
O Gráfico nº 18 contribui para visualizarmos percentualmente como o
sistema de produção aborda a expressão da cidadania. O maior percentual, como nos
referimos anteriormente, decorre do maior espaço em relação aos direitos civis e
181
direitos previstos no Código do Consumidor, correspondendo a mais de 40% do total.
Logo abaixo, com cerca de pouco mais de 30%, são relacionadas as matérias sobre
denúncias feitas pela sociedade civil. Os temas transitavam entre: saúde, meio ambiente,
terceira idade, discriminação, maus-tratos, abuso de autoridade e desrespeito ao
consumidor. A seguir, com percentual equivalente, são abordados os temas que
envolvem a ação judicial e os protestos por parte da sociedade organizada. Os protestos
muitas vezes são veiculados de forma autônoma em relação aos demais temas
relacionados à cidadania. O mesmo não ocorre no que tange às matérias sobre ação
judicial. As matérias sobre denúncias precedem as matérias sobre ação judicial. Nota-se
que parte das denúncias acabam sendo trabalhadas dias ou semanas sob a apresentação
dos dados sobre a ação judicial. Em outras situações, os protestos são apresentados após
as denúncias. Não há uma regra, o que detectamos é uma maior atenção aos casos mais
polêmicos ou de repercussão nacional; além disso, em função do próprio andamento dos
processos judiciais, os telejornais não acompanham o desenrolar de todas as ações.
Um exemplo deste fato reflete o conjunto de matérias sobre
indenização, que só são divulgadas após a denúncia e seu ajuizamento. Como a
apreciação judiciária pode demorar anos, a maioria das decisões judiciais não é
divulgada pela mídia. O descompasso entre o andamento dos processos judiciais e a
mídia televisiva explica porque as indenizações ocupam um lugar de pouco destaque,
menos de 5% do percentual total de notícias sobre cidadania.
Os dois últimos tópicos, “acesso à justiça” e “projeto de lei”, também
são pouco abordados. Salvo em alguns casos, sobretudo em relação ao direito do
consumidor, o sistema de produção procura amparar o cidadão brasileiro sobre a forma
de recorrer à Justiça. Aconselha-se procurar instituições como Procon, indicando
endereços e até telefones. Porém, na grande maioria das dos casos, pouca informação é
dada no sentido de orientar e esclarecer os membros da Justiça oficial. Sobre os projetos
de lei, destacamos aqueles que são propostos a partir de movimentos de resistência,
visando a diminuir o impacto da desigualdade social. Em nossos dados, os projetos de
lei estiveram associados à necessidade de inclusão social de negros e deficientes físicos.
182
CIDADANIA
0
5
10
15
20
25
30
35
40
45
ACESSO À
JUSTIÇA
INDENIZAÇÃO
PROJETO DE
LEI
PROTESTO
DENÚNCIA
AÇÃO
JUDICIAL
DIREITOS
PERCENTUAL
Gráfico nº 18
O impacto do conjunto de subtemas que contempla o tema da
cidadania só pode ser compreendido completamente com as informações sobre os dados
empíricos da recepção da informação. Embora, neste tópico, tratássemos de matérias
com enquadramentos cívicos, quantitativa e qualitativamente, não acreditamos que
tenham sido suficientes para despertar o exercício cívico no cidadão comum. A
pedagogia cívica do cidadão comum decorre de um processo mais complexo, o qual
trataremos no tópico a seguir.
4.4- A pedagogia cívica do cidadão comum: a correlação entre informação
televisiva e o cotidiano
O último aspecto da tese não difere das colocações apresentadas
anteriormente sobre o processo relacional entre emissor e receptor. Somente com os
dados colhidos dos telejornais não poderíamos explicar todo o fenômeno que traduz os
valores a as atitudes do cidadão comum frente ao estado de direito e o sistema de
Justiça. Se, por um lado, é inegável a imporncia que a televisão assume como fonte de
conhecimento e informação, é também certo que o conteúdo das mensagens ganha
significado a partir das experiências e do cotidiano vivido pelo cidadão comum. Ao
183
explorar com maior saliência as questões presentes no cotidiano do cidadão comum, a
televisão acaba correspondendo às necessidades do receptor e, portanto, atuando com
maior probabilidade de atingir seus objetivos comerciais. Num olhar menos atento, a
televisão pode demonstrar ter um grande poder sobre a recepção. Na verdade, o que
ocorre é um processo relacional da qual só há chance de sucesso quando existe um grau
de cumplicidade do sistema de produção com a recepção da informação.
Em nossa investigação, chegamos à conclusão que o cidadão comum
espera muito mais a garantia de direitos essenciais do que a possibilidade de
participação coletiva em espaços públicos, fator que contribui para uma maior
exposição na mídia televisiva do primeiro em detrimento do segundo. O cidadão
comum quer, mesmo sem conhecer, os direitos fundamentais e sociais que a
Constituição Federal lhe garante no Art. 6º, ou seja, trabalho, moradia e segurança.
Nesse último, nos debruçamos de forma mais incisiva ao longo desta tese por dois
fatores: o primeiro é que a mídia televisiva extrai da própria sociedade a importância do
direito de viver em segurança. Dada esta realidade, os telejornais procuram
sistematicamente enfatizar as questões que permeiam o universo do crime e da
violência, dando a sensação, para o receptor, que o medo que o assalta tem fundamento
e tende a crescer, visto a falta de controle do estado de direito para reverter este quadro.
O que estava no plano social, culturalmente apresentado e explicável, passa a ser tema
central na informação televisiva, ganhando um novo formato, mais direto e ameaçador
do que a própria realidade.
Em segundo lugar, embora todos os demais direitos sejam relevantes,
a ameaça constante da vida é insuportável, mesmo que não seja completamente real e
vivida por todos. Essa sintonia é ainda maior quando adentramos a esfera do estado de
direito como um não garantidor de outros direitos igualmente essenciais. Diante de
carências tão fundamentais, é difícil imaginar o cidadão comum, pelo que foi visto entre
os participantes dessa pesquisa, preocupados com uma maior atuação na esfera pública.
São descrentes quanto ao cumprimento essencial de garantias mínimas para a
sobrevivência de toda a nação, o que os torna descrentes e menos propícios a
interferirem na esfera pública por meio de movimentos de resistência. Se o
comportamento cívico ainda não apresenta sinais evidentes de vitalidade, o mesmo não
184
é possível dizer em relação a valores e atitudes frente aos temas discutidos ao longo
desta pesquisa.
No último encontro, pedimos para que relacionassem, por ordem de
importância, os temas mais relevantes trabalhados por nós. Dos dezesseis entrevistados,
seis afirmaram que o maior problema ainda é a insegurança pública e o desemprego,
mas que as maiores conquistas estão no plano de atuação do Sistema de Justiça
(Corregedoria da Política, Ministério Público e Comissões Parlamentares de Inquérito).
Dos temas que envolvem a menor credibilidade do cidadão comum, vislumbramos as
matérias sobre a ineficácia ou omissão do Estado, sobretudo em relação à contaminação
dos remédios e abuso na atuação dos planos de saúde, dado o fato de que ainda não
acreditam em mudança, mesmo diante das denúncias.
O maior interesse e participação dos grupos focais ocorreram em
função da discussão gerada em torno das matérias sobre direitos e participação da
sociedade. Todos os entrevistados afirmaram, no último encontro, que é preciso
conhecer melhor as constituições, os Juizados Especiais, as organizações não-
governamentais e a atuação dos movimentos populares. Embora tenham clareza da
importância dos direitos e da falta de informação que os cerca, 50% dos entrevistados
souberam identificar a quem recorrer em casos de conflito, seja envolvendo crianças e
adolescentes, agressão doméstica ou meio ambiente. Com muita propriedade, os
entrevistados citaram o ECA, os Conselhos Tutelares, a Delegacia da Mulher, o
Ministério do Meio Ambiente, o IPEA e a FUNAI. Outra surpresa deve-se ao fato de
que a Constituição Federal foi citada quando havia necessidade de discutir aspectos dos
direitos fundamentais e sociais da sociedade brasileira.
A visão sobre os movimentos sociais, no entanto, revela alguns
equívocos e pouca informação por parte dos entrevistados:
Maria: O problema é a falta de incentivo de contato
social, por isso os movimentos sociais não resistem.
Num momento estão todos juntos, no outro, por falta
de incentivo, a maioria cai na bebedeira e esquece de
lutar.
Marta: Para mim, apenas os negros estão
organizados. Eles sabem defender seus interesses.
185
Carlos: (respondendo a Marta) Eu acho que os
negros querem é ser diferente. Falam que os brancos
são preconceituosos, mas na verdade são eles que
não sabem conviver com os brancos.
Vinício: Dizem que muitas comunidades estão se
organizando. Porém, aqui no interior ainda não
sabem o poder que têm para mudar a realidade.
Mesmo aqueles que têm ou tiveram alguma experiência concreta em
atuar em movimentos sociais, parecem desconhecer a própria lógica do movimento de
resistência e participação política. O discurso é construído mediante a combinação de
valores e conceitos predeterminados. Em todas as respostas encontramos um discurso
valorativo que traduz opiniões e impressões individuais que podem ter origem em
experiências pessoas, e não apenas da inserção da mídia televisiva.
Em outro momento, quando questionados sobre suas práticas
reivindicatórias, ouvimos as seguintes respostas:
Cíntia: Eu reivindico, mas faltam líderes e sem eles
nada é possível. O prefeito só recebe e negocia com
a organização se ele quiser. Sem líderes fica difícil.
Fora isso, não adianta cobrar o prefeito ou o
presidente. Eu já fui à prefeitura, cobrei do prefeito.
Ele fez promessas e não cumpriu. Como está escrito
na bíblia: feliz do homem que confia no homem.
Marta: Direitos nós temos. Falta organização. Falta
informação. Olha o direito do consumidor, é preciso
de autoridade para colocá-lo em prática.
(respondendo a Cíntia) Eu confio em todo mundo
até que me provem o contrário.
Vinício: O que falta é a consciência de que todos
devem agir. Se todos foram juntos à prefeitura, o
prefeito será obrigado a recebê-los. De forma mais
rápida e certa do que se for um líder. Para ele é
preciso tirar uma comissão. O líder só reflete a
posição do grupo. (respondendo a Cíntia). Você,
Cíntia, cobra os políticos? Eu cobro. É preciso agir.
Carlos: O problema é que todos nós somos
manipulados. Nós não podemos confiar nos
políticos.
Ao mesmo tempo em que os entrevistados pouco acreditam na
organização social, também admitem culpa no processo por não cobrarem as elites
186
políticas e contribuírem para uma mudança neste cenário. A crença de que se houvesse
uma liderança os problemas seriam mais facilmente resolvidos é bastante reveladora.
Ao que parece, o cidadão comum ainda espera que a solução dos problemas venha de
salvadores da pátria. Seja um líder que venha das camadas populares, ou mesmo um
político que se identifique com as mesmas e revele seu projeto de beneficiá-las. Cabe
mencionar que todos os entrevistados demonstraram excessiva valorização do Poder
Executivo, o que prova o desejo de se aproximarem do mesmo, seja no âmbito
municipal, estadual ou federal, para fazer com que seus interesses e direitos sejam
respeitados. O Estado é entendido como o grande poderoso; embora tenha falhado na
administração pública e na defesa dos interesses populares, é imaginado como o único
capaz de conter todos os grandes problemas sociais, inclusive o da violência urbana.
Neste ponto, detectamos uma atitude voltada mais para o Estado do que para a
organização da sociedade, a que Carvalho (2001, p. 221) chama de “estadania em
contraste com a cidadania”. Nota-se que, embora a imagem do Estado seja negativa, o
cidadão comum ainda acredita que as mudanças efetivas só aconteceram mediante sua
ação concreta, e não por meio da militância política. Este talvez seja o maior legado do
Estado patrimonialista.
Diante das constatações verificadas durante dos grupos focais,
chegamos à conclusão de que o papel da mídia corrobora os elementos culturais e
históricos da sociedade brasileira. A imagem do Estado todo-poderoso, o Leviatã, é
superdimensionada em relação à cidadania e seu poder concreto de transformação, o
que aumenta em função do papel desempenhado pelo sistema de produção e na
credibilidade parcial dada ao mesmo.
Para compreendermos melhor a relação que o cidadão comum
estabelece com os telejornais, perguntamos o quanto confiavam nas informações
televisivas. Encontramos algumas reflexões pertinentes à nossa avaliação:
Maria: Eu só temo o Cidade Alerta, para mim é o
mesmo que assistir o Ratinho. Os demais jornais são
sérios.
Marta: Depende. A reportagem dos negros foi boa,
mas as emissoras, de uma maneira geral, aumentam
o conteúdo, mesmo com matérias supérfluas. Não dá
para acreditar em tudo.
187
Vinício: Há divergência entre o que as emissoras
divulgam. Por exemplo, é um Conselho ou
Associação, no caso dos idosos? Nem todas
esclarecem por igual. Eu prefiro o Jornal Nacional
ao jornal Cidade Alerta. O que muda é o público que
assiste. Alguns querem só ver sangue, eu me
interesse por tudo.
Carlos: Eu confio no Datena, ele faz comentários.
No Boris eu também confio. Gosto de jornais que
mostram as imagens ao vivo e que o repórter
comente, sem medo do que as autoridades vão
pensar. O Cidade Alerta não é a mesma coisa que o
Ratinho. O Ratinho é um humorista.
Sandra: A verdade é que, pensando em todas as
reportagens que assistimos juntos, é possível dizer
que os jornais ajudam a entender muitas coisas.
Sobre a violência doméstica, até pouco tempo, as
mulheres tinham vergonha de denunciar, tinham
medo. Agora não, elas até mostram as mulheres
denunciando. Quanto aos idosos, as pessoas antes
pareciam querer assustar os idosos, davam aquela
freada com os carros para os coitados caírem, agora
não, está havendo mais respeito. Eu acho que a
mudança é por causa da televisão, que explica os
direitos que nós temos. E sobre a reportagem de
hoje, as pessoas compravam com o cartão de crédito
e pensavam: eu comprei agora vou ter que pagar,
sem poder questionar o quanto iria pagar de juros,
agora não, ele pode recorrer. Agora é só denunciar,
entrar na Justiça, uma hora eles vão ganhar. Basta
saber se o governo e a Justiça vão aceitar as
denúncias, tudo depende da boa vontade dos
políticos. Eles é que mandam.
Vinício: A verdade é que hoje tem meios para se
recorrer, o Procon, por exemplo, ele acaba
resolvendo problemas do Direito coletivo e privado,
acho eu. Além disso, tem o direito do consumidor,
da criança e do adolescente, das mulheres. A
sociedade é orgânica, ela sempre tende a se
transformar, ou para mais ou para menos. A
sociedade do Piauí, por exemplo, ela não produz, ela
está regredindo. Outras localidades estão crescendo.
O novo Código Civil está em funcionamento, os
direitos são respeitados. As coisas estão mudando e
a televisão tem a ver com isso.
Dois aspectos parecem predominantes no discurso do cidadão comum.
O primeiro, decorre da sua auto-imagem de impotente frente às mudanças políticas do
país, e a segunda reflete a importância dada ao papel denunciativo da mídia como um
188
elemento garantidor dos direitos e da eficácia dos órgãos responsáveis por sua
aplicação. O primeiro aspecto revela a herança da estadania, e o segundo revela como a
mídia televisiva é presente e importante para o cidadão comum. Em função deste
segundo aspecto, concluímos que a mídia representa o ponto de equilíbrio de mediação
entre Estado e sociedade civil. Por meio de sua ação é possível, na visão do cidadão
comum, compreender a esfera estatal e verificar o encaminhamento dado aos problemas
que afligem a sociedade civil. Mesmo sendo essencial, o cidadão comum reconhece que
nem sempre pode confiar plenamente na mídia televisiva, o que revela a percepção de
que nem toda informação é completa, ou traz consigo todos os elementos para o seu
entendimento.
Devemos pontuar que as colocações feitas pelo cidadão comum, por
mais confusas e equivocadas que possam parecer, só foram sendo construídas ao longo
das discussões. A relação com a mídia mudou a partir da comunicação travada entre os
integrantes desse grupo. A mudança de atitude nos surpreendeu, assim como o maior
conhecimento adquirido durante os dez meses de trabalho. Nota-se, no entanto, que
embora em nível do discurso percebemos avanços, a distância entre atitude e
comportamento ainda é grande. Exceto pelo participante Vinício (que atua como filiado
do Partido dos Trabalhadores na cidade de Porto Real-RJ) e Maria (membro da
Associação dos Produtores e Comerciantes Rurais da cidade de Quatis-RJ), os demais
se mostraram terminantemente contrários a buscarem a transformação do espaço
público pela via da representação institucional. Até mesmo para Vinício e Maria,
embora dispostos à ação cívica, detectamos um misto de persistência e de desalento em
suas práticas.
Maria: Há tempos atrás as mulheres rurais, aqui, da
nossa região, ganhavam muito pouco e eu propus
que elas criassem uma associação para lutarem pelos
seus interesses, mas elas se recusaram, alegando que
antes não ganhavam nada e que por isso tinha medo
de perder o pouco que conquistaram. Hoje eu faço
parte da Associação Feira da Roça, mas é muito
difícil, temos que saber negociar com políticos e
gente importante que nem sempre quer olhar para o
nosso lado.
189
O discurso utilizado pelo cidadão comum é uma caixa de ressonância
da cultura e do processamento da informação televisiva, não obstante cada resposta
expressar a interpretação de cada participante sobre as diferentes relações sócio-
jurídicas discutidas ao longo deste trabalho, sobretudo em relação às funções do Estado
e das leis, o papel dos agentes operadores do Direito e a responsabilidade da sociedade
civil. Seria imprudente considerarmos esta amostra como um retrato fiel do cidadão
brasileiro pertencente às classes C e D, além do que a análise tratou de determinar
apenas as tendências apontadas pelas percepções a respeito do caráter normativo do
estado de direito. Todavia, como apontamos na introdução deste trabalho, nosso
pequeno espectro social revela, por meio de uma carga de subjetividade nas respostas,
valores importantes para detectarmos o significado atribuído ao Estado, à violência, às
relações de consumo e até à cidadania. Terminamos este capítulo reconhecendo no
discurso no cidadão comum de nossa pesquisa uma dupla capacidade: de um lado,
reproduz padrões sociais estabelecidos; de outro, atribui significados novos aos padrões
consagrados. Tanto na primeira situação como na segunda, a mídia televisiva atua e
estabelece relações com elementos culturais, a qual não podemos, mesmo que
quiséssemos, ignorar, pois somente desta forma poderemos compreender os limites e
alcances da cidadania no estado democrático de direito.
Em nosso entender, o cidadão comum não se sente pouco motivado ao
exercício cívico pelo simples fato de a mídia abrir um espaço menor para as questões
que envolvem a cidadania. Esta postura apenas reforça imagens já existentes, como
aquelas que decorrem das representações sobre o mito do poder do Estado, o sentido
ético da obrigação jurídica, a postura individualista e conformista, a imagem dos
operadores da Justiça e o valor atribuído ao castigo e à segurança individual. Em todos
os casos, a moralidade popular registrada em nossa pesquisa demonstrou ser mais rígida
do que a própria lei, e mais crítica do que qualquer emissora ousa ser diante dos mais
inescrupulosos casos de corrupção.
190
Conclusão
Ao final desta jornada, temos dúvidas se ainda nos resta algo a dizer
que não foi mencionado. Foram muitos os conceitos trabalhados, refletidos sempre
quando necessário para iluminar nosso caminho. Dentre vários, buscamos nas ciências
que estabelecem fronteiras com a Ciência Política as respostas de nossas inquietações, o
que não foi uma tarefa fácil, dados os diferentes conceitos e terminologias. Mas não
poderia ser diferente. Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, foi preciso
convocarmos o Direito e a Comunicação para entendermos o processo de interiorização
da Justiça, avaliarmos a imagem do estado de direito e as opiniões sobre temas
polêmicos como violência urbana, legitimidade, eficácia normativa e cidadania, quando
mediados pela televisão. Direito, Comunicação e pedagogia cívica foram os
ingredientes desta tese, o que resultou em uma reflexão sobre os limites e potencialidade
do processo relacional entre emissor e receptor para o exercício da cidadania.
As reflexões sobre o processo de comunicação foram fundamentais
para medirmos a importância da linguagem na análise sobre Direito, Justiça e cidadania.
O enquadramento das notícias, seleção e saliência, e a forma como é processada e
incorporada à mensagem no discurso do cidadão comum, consumidor de mídia,
contribui para refletirmos sobre os elementos que definem a pedagogia cívica, seja
enquanto uma cidadania ampla, que vise à ampliação dos direitos de organização e
participação, ou mesmo entendida de forma restrita (ato de votar).
Embora nosso ponto de partida tenha sido a Constituição Federal de
1988, a Constituição cidadã, nossas conclusões não apontam para o tão esperado
exercício cívico, pelo menos não aos moldes do que prevê o campo normativo
brasileiro. O exercício cívico, aqui entendido como a predisposição à cidadania plena, é
comprometido por fatores diversos. Se o agir civicamente não pôde ser completamente
observado nesta pesquisa, o mesmo não ocorre com o conhecimento jurídico popular.
Ainda que sem condições de identificar claramente os direitos adquiridos e os
mecanismos processuais que garantem a maior intervenção na esfera pública, o cidadão
comum foi capaz de opinar em face aos diversos conflitos relacionados a partir das
informações da mídia televisiva, expressando racionalidade e coerência em suas
opiniões.
191
Reafirmamos por diversas vezes que a mídia televisiva não molda um
receptor passivo, ao contrário, o discurso dos entrevistados não vale isoladamente, o seu
significado emerge no interior de um contexto mais amplo, ou seja, dos elementos que
definem uma situação sócio-cultural concreta. A linguagem utilizada pelos entrevistados
é uma caixa de ressonância da cultura brasileira, e que tem a televisão como um meio de
reforçar e redefinir aspectos presentes no cotidiano. Não estamos afirmando que a
televisão é neutra. Ao contrário, apenas salientamos que a informação é mais ou menos
assimilada em decorrência das questões sócio-culturais. Desta forma, tanto no que diz
respeito ao tipo de conhecimento, como no que se refere ao interesse concreto, a
informação televisiva reafirma elementos presentes na cultura. A primeira percepção
importante e predominante entre os entrevistados é a do Estado paternalista. Ao mesmo
tempo em que o Estado é visto de maneira abstrata, e a televisão contribui para esta
imagem - pelo menos para na visão do cidadão comum, que pouco compreende que o
movimento da ação estatal está associado ao movimento da sociedade - o cidadão
comum afirma que o Estado deve protegê-los de maneira incondicional. Espera-se do
Estado quase tudo que envolva a vida social, desde uma atitude punitiva e moralizante
frente a atos ilícitos praticados dentro da esfera estatal, até a solução dos mais diversos
problemas sociais, como o desemprego, a falta de assistência à saúde e as questões que
envolvem o consumo. O Estado tem por função, em síntese, a promoção do bem
público, da justiça social, da busca pela eqüidade e a garantia da segurança pública.
Enfatizar algumas funções do Estado mais do que outras e, ao mesmo tempo,
acompanhar as informações sobre a atuação dos órgãos públicos, faz do cidadão comum
um crítico do Estado.
O desalento decorre de uma questão mais histórica do que de
comunicação, visto que a necessidade de uma vida digna e com mais segurança tem
sido uma das principais molas propulsoras da vida social organizada. Garantir a
segurança dos membros de uma comunidade tem-se constituído, em qualquer época, na
razão de ser, na justificativa e, inclusive, na legitimação do poder exercido pelos seus
governantes. A não garantia do cumprimento das funções essenciais do Estado não
implica a tendência a diminuir sua importância. Ao contrário, o cidadão comum
continua a acreditar que cabe ao Estado mudar sua ação e transformar o espaço público.
192
O papel denunciativo da mídia televisiva no que tange às informações,
denominadas neste estudo como estado de natureza, tem um efeito perverso na
construção do saber do cidadão comum, sobretudo em função dos enquadramentos mais
dramáticos e morais em detrimento dos cívicos e temáticos. A crise da legalidade e
legitimidade do país reafirma sua crítica quanto ao Estado permissivo e pouco punitivo.
A imagem de um Estado todo-poderoso é reforçada com as constantes matérias sobre a
questão impunidade e ineficácia das instituições democráticas. O cidadão comum é
influenciado pela necessidade de serem promulgadas leis muito mais severas do que as
que vigoram. Isto reafirma que, culturalmente, o cidadão comum é dotado de uma
moralidade mais rígida do que a lei. Enquanto, por exemplo, o Estatuto da Criança e do
Adolescente recusa a idéia de castigo, o cidadão comum apóia leis mais severas para
punir os menores, além de apoiar a maior severidade em relação à educação dos filhos.
Em outros casos, beirando o retorno do suplício, que tenham o papel de regular a vida,
nem que para isso seja preciso utilizar diversos meios para se chegar a este fim. No
discurso corrente do cidadão comum, que se sente injustiçado e constantemente lesado,
seja pela falta de segurança, emprego e demais direitos fundamentais para sua
sobrevivência, identificamos o homem hobbesiano, que racionalmente opta pelo
Leviatã. Por trás desta metáfora encontramos o Estado republicano, que assegura as
condições necessárias para uma vida melhor. Além de competente, deve ter autoridade
para o exercício de suas funções, sobretudo a punitiva. Deve-se observar que o medo
que o Estado deve provocar serve muito mais para o controle da situação de insegurança
do que para ameaçar o cidadão.
A consolidação das bases do Estado regulador está nas instituições do
sistema de Justiça, que visam a equilibrar as relações políticas e sociais. O que
intitulamos de Contrato Social nada mais é do que os caminhos encontrados para
manter o controle social. A discussão deste aspecto da tese revela o papel da legislação
e das instituições do sistema de Justiça, além do quanto o cidadão comum conhece e
compreende de seu papel de agente histórico.
Embora a estrutura do discurso do cidadão comum seja racionalmente
elaborada e coerente em diversos momentos dos grupos focais, faltam-lhe dados para
interpretar as mensagens sobre o contrato social com mais entusiasmo. Nem a mídia,
193
nem a própria experiência cotidiana, garantem sua percepção plena das leis e da
constituição brasileira como lógica e estrutura do estado de direito brasileiro.
No último capítulo procuramos demonstrar que, cultural e
historicamente, as representações do Estado, das leis e do sistema de Justiça são
explicadas. A concepção de que a lei favorece uns em detrimento de outros é unânime,
sobretudo pelo aspecto social e econômico que distingue as pessoas; assim como
também é majoritária a visão de que é preciso que as leis sejam mais severas. No
entanto, os telejornais, de forma diferenciada, como tivemos oportunidade de descrever
ao longo deste trabalho, tomam para si a responsabilidade de reafirmar estes aspectos,
sem uma preocupação equivalente com a possível intervenção do cidadão comum na
trama social.
Com freqüência, observamos o cidadão comum cruzando as
informações recebidas dos telejornais com sua experiência cotidiana. Esse fato se
mostra mais próximo do cidadão comum quando compara a decisão da Justiça em
alguns casos divulgados pelos telejornais e sua realidade, a qual é composta por um
repertório de exemplos, sempre utilizados para reafirmar o pouco acesso que a maioria
tem para fazer uso da máquina judicial. O grau de abstração do universo judicial é uma
realidade; mesmo quando traduzido pelos telejornais, o cidadão pouco compreende e,
por conseqüência, não interage com as informações.
Todas estas informações combinadas resultam em algumas
conclusões. Primeiramente, que o cidadão comum é capaz de opinar sobre questões que
os afetam diretamente; seu grau de compreensão é maior quanto mais próximo de sua
realidade forem as questões abordadas. O cidadão comum também traz consigo a
informação, tanto cultural como proveniente da mídia televisiva, de que o Estado deve
ser o garantidor da regulamentação social. O fato de os telejornais apresentarem os
problemas que negam a capacidade do Estado vigente de garantir o equilíbrio e a
segurança não diminui a sua dimensão simbólica. O sentimento de insegurança se
amplia para abranger a incerteza que invade outros aspectos da vida, como desemprego,
miséria e corrupção, mas não revela a tendência à negação do Estado, apenas sua
reestruturação, no sentido de atuar de maneira mais rígida e punitiva. Em função deste
último aspecto, constatamos que faz parte do imaginário social a idéia de lei como
194
instrumento de proteção e punição. A tendência moralizante do cidadão comum atribui
à obrigação jurídica um sentido de exigência muito maior do que aquele encontrado nos
ordenamentos jurídicos. Embora a luta pela efetividade das leis seja um dever de todos,
e o constitucionalismo brasileiro deixa isto bem claro, o cidadão comum tem a
tendência a depositar a responsabilidade na autoridade estatal. Finalmente, nossas
percepções indicaram que o cidadão comum tem dificuldades em interpretar o seu papel
de agente histórico transformador. Por atribuir demasiada importância ao Estado, e ao
cumprimento das leis, não consegue identificar sua tarefa diante dos maiores problemas
que o aflige. Em nosso entender, o problema em questão não é de ordem institucional,
como afirmaram nossos entrevistados, mas uma questão de cidadania.
Em todas as respostas dadas durante os grupos focais percebemos o
grau de conhecimento do cidadão comum acerca da legislação sobre direitos básicos de
cidadania. Não obstante, revelaram, também, a consciência da falta de condições para
exercerem muitos direitos e, mais ainda, o receio dos resultados desse exercício. O
cidadão comum se sente distante dos caminhos que o levam ao exercício cívico, além de
descrente na sua eficácia, salvo quando amparado pelo Poder Público.
Em meio a todas estas conclusões, chegamos ao último aspecto ainda
por ser trabalhado: o papel da mídia televisiva. Definir as informações produzidas pelos
telejornais por meio do trinômio estado de natureza, contrato social e sociedade civil
contribuiu para entender como e o quanto a mídia é responsável por todo o discurso
proferido pelos entrevistados desta pesquisa. A (des)construção do estado de direito é
muito maior que outros aspectos destacados pelos telejornais, a linguagem é mais
acessível e vai ao encontro da cultura popular que almeja um Estado paternalista. Por
outro lado, as informações sobre o contrato social não são de fácil entendimento e não
contribuem para que o cidadão comum reflita sobre sua responsabilidade enquanto
agente político. O último bloco de informação, por sua vez, ocupa um lugar muito
menor que os dois primeiros. Além disso, concentra muito mais informação sobre
denúncias do que propriamente de aspectos que dão ênfase ao exercício cívico.
Em conjunto, todas as informações, guardadas as devidas diferenças
entre os telejornais analisados, não assumem a tarefa de libertar o cidadão comum,
tampouco de mostrar-lhe o quanto o constitucionalismo brasileiro está a seu favor e
195
como as leis podem ser muito mais garantidoras de participação política do que apenas
enquanto instituto capaz de garantir a punição.
196
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207
I ANEXO: Dados da Pesquisa.
1- Questionário de Seleção
Pesquisa de Opinião
Para participar de uma pesquisa sobre opinião e informação preencha o questionário
abaixo e devolva-o a quem lhe entregou, não esquecendo de indicar telefone ou outra
forma de contato. A pesquisa será realizada por meio de entrevistas em data e local a
serem combinados com o entrevistado, que receberá R$ 10,00 por entrevista.
I- Dados Pessoais e Sócio-econômicos:
Nome:----------------------------------------------------------------------------
Endereço:------------------------------------------------------------------------
Telefone para contato:----------------------------------------------------------
Data de Nascimento----------------------Local de nascimento-------------
Estado Civil:---------------------------------------------------------------------
Têm filhos?-----------------------------------------Quantos?------------------
Qual o Grau de escolaridade:
( ) Ensino Fundamental Incompleto
( ) Ensino Fundamental Completo
( ) Ensino Médio Incompleto
( ) Ensino Médio Completo
( ) Superior Incompleto
( ) Superior Completo
Profissão:-------------------------------------------------------------------------
Situação Profissional: ( ) autônomo ( ) empregador ( ) empregado
( ) desempregado ( ) aposentado.
Ocupação Atual:--------------------------------Há quanto tempo:----------
208
Renda Mensal Média:----------------------------------------------------------
Residência: ( ) própria ( ) alugada ( ) outra
Quantos Cômodos:--------------------------------------------------------------
Quanto Cômodos Servindo de Dormitório?---------------------------------
Quantos Banheiros?-----------Quantas Pessoas Moram na Casa?-------
Bens Duráveis Sim ou Não Quantidade
Rádio
Televisão
Automóvel
Máquina de lavar
Microondas
Geladeira
Aspirador de Pó
Empregada
Computador
Freezer
II- Hábitos de Mídia
Costuma ver televisão?-------------Quantos dias por semana?------------
Quantas horas por dia, em média?--------------------------------------------
Que tipo de programa assiste habitualmente? ( ) novelas ( )
Noticiários ( ) Filmes ( ) Esportes ( )Auditório ( ) outros.
Qual o seu programa favorito?------------------------------------------------
Assiste telejornal?----------------- Qual/ Quais?-----------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------
Qual o seu preferido?-----------------------------------------------------------
Quantos dias o assiste por semana? ( ) 5 ou 6 vezes ( ) 3 ou 4 vezes
( ) menos de 3 vezes.
209
Costuma ler Jornal?----------------Qual/Quais?------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------
Quantas vezes por semana?--------------------Qual a seção de que mais
gosta?-----------------------------------------------------------------------------
Costuma ler revista?--------------Qual/quais?--------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------
Com que freqüência?----------------------------------Lê livros?-------------
Quanto, em média, por ano?-----------------------Que tipo?----------------
Costuma ouvir rádio?-----------------Quantas vezes por semana?--------
-------------------------Quantas horas por dia?--------------------------------
Quais seus programas favoritos?----------------------------------------------
III- Concepções de Justiça
Na sua opinião quem é responsável pela justiça de nosso país? ( )
Poder Judiciário ( ) Poder legislativo ( ) Poder Executivo ( ) outros.
Porquê?---------------------------------------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------
Quem elabora as leis?----------------------------------------------------------
Marque todas as instituições que fazem parte do poder judiciário. ( )
escritórios de advocacia ( ) Ministério Pública ( ) Polícia Federal ( )
Justiça Estadual ( ) Justiça Eleitoral ( ) Supremo Tribunal Federal ( )
Justiça Trabalhista ( ) Justiça Militar ( ) Juizados Especiais Cíveis
( )Defensoria Pública ( ) Juizados Especiais Criminais.
A polícia federal e Estadual contribui para haver maior justiça social?-
----------------Em que situação?----------------------------------------
O que faz o Ministério Público?----------------------------------------------
Há diferença entre o trabalho dos Advogados, defensores e
promotores?----------------------------------------------------------------------
O que significa Estado de Direito?-------------------------------------------
-------------------------------------------------------------------------------------
IV- Acesso à Justiça
210
Diante de um conflito a quem você procura?-------------------------------
----------------------------------------------------------------------------
Já recorreu a defensoria pública?----------------Foi bem atendido-------
Já precisou do Ministério Público?---------------Como foi atendido?----
----------------------------------Confiou nas informações
prestadas________ Esteve envolvido em um processo judicial?---------
Por quanto tempo?-------------------Recorreu alguma vez aos Juizados
especiais?------------------- E a defensoria?----------------------------------
Acredita na seriedade da Justiça brasileira?-------------Porquê?----------
-------------------------------------------------------------------------------------
V- Cidadania e Direitos
Temos o direito de defender a Constituição do país?--------- Como?----
-------------------------------------------------------------------------------------
Conhece algum direito civil?------------Conhece algum direito social---
--------------------- Conhece algum direito penal?---------------------------
Já ouviu falar em direito difusos?---------------------------------------------
Podemos mudar uma legislação que não nos atenda?------------- Sabe
como?----------------------- Já ouviu algum caso bem sucedido?----------
---------------------- Qual?-------------------------------------------------------
Temos o direito de questionar o governo?-----------------------------------
Podemos processar o governo?---------------------------Quando?----------
---------------------------------------------------------Como?-------------------
-----Temos o direito de processar empresas públicas e privadas por
ineficiência nos serviços prestados?------------------------------------------
211
2- Roteiro das Entrevistas
A - Para os dois grupos, estimulados ou não por imagens televisivas,
procuramos abordar a mesma temática, ou seja, a relação entre Estado de Direito e
Sociedade Civil a partir de fatos concretos ocorridos durante os meses que antecediam
os encontros. Quatro tópicos sintetizam as questões tratadas:
I- A legitimidade do Estado de Direito
II- A crise da segurança pública
III- Novos canais institucionais de manutenção do equilíbrio e ordem
social
IV- Cidadania
B – Visamos avaliar, ainda em relação ao Conteúdo, alguns fatores:
I- Maior ou menor assimilação do conteúdo
II- Dificuldade de Percepção ou limites de alcance do conteúdo
III- O processo de memorização
IV- O processo de associação
C - Durante as discussões, em ambos os grupos, buscamos visualizar o
impacto dos itens abaixo:
I - A importância da Imagem
II - O papel do Apresentador
III – A credibilidade do Telejornal
IV – A assimilação dos diferentes enfoques dados pelos telejornais
V – O impacto do tipo de enquadramento
VI – A relação com a linguagem e a retórica utilizada
212
3- Perfil dos entrevistados
Grupo Estimulado pelas imagens televisivas:
Nome Fictício Profissão Renda
Marta Merendeira CR$ 250,00
Carlos Guarda Municipal CR$ 400,00
Cíntia Servente CR$ 400,00
Sandra Estudante _
Maria Comerciante CR$400,00
Bruno Ajudante de técnico de
vídeo
CR$ 400,00
Vinício Autônomo. CR$ 200,00
Marco Desempregado _
Grupo Não - Estimulado pelas imagens televisivas:
Nome Fictício Profissão Renda
Helena Dona de Casa -
Geraldo Ajudante de Pedreiro CR$ 340,00
Jane Estudante _
Carmem Empregada Doméstica CR$ 200,00
Lúcia Costureira CR$ 200,00
Vitor Aposentado CR$430,00
Durval Desempregado -
Laura Vendedora CR$ 300,00
213
214
II ANEXO: Legislação Citada
1-Constituição Federal de 1988: artigos mencionados
Art. 1º- A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados
e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e
tem como fundamento:
I- a soberania
II- a cidadania
III- a dignidade da pessoa
IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa
V- o pluralismo político
Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição;
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão
em virtude de lei;
III - ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou
degradante;
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral ou à imagem;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma
da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa
nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa
ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se
de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação
alternativa, fixada em lei;
215
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, independentemente de censura ou licença;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação;
XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo
penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante
delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por
determinação judicial;
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações
telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último
caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer
para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,
atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo
da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz,
podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou
dele sair com seus bens;
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais
abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não
frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local,
sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente;
XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de
caráter paramilitar;
XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas
independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu
funcionamento;
XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter
suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro
caso, o trânsito em julgado;
XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer
associado;
216
XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm
legitimidade para representar seus filiados judiciais ou
extrajudicialmente;
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por
necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e
prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta
Constituição;
XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente
poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário
indenização ulterior, se houver dano;
XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que
trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de
débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os
meios de financiar o seu desenvolvimento;
XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização,
publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo
tempo que a lei fixar;
XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:
a) a proteção às participações individuais em obras
coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas,
inclusive nas atividades desportivas;
b) o direito de fiscalização do aproveitamento econômico
das obras que criarem ou de que participarem aos
criadores, aos intérpretes e às respectivas representações
sindicais e associativas;
XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio
temporário para sua utilização, bem como proteção às criações
industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros
signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento
tecnológico e econômico do País;
XXX - é garantido o direito de herança;
217
XXXI - a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada
pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros,
sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus;
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
XXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de
seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão
prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas
aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do
Estado;
XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de
taxas:
a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de
direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder;
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para
defesa de direitos e esclarecimento de situações de
interesse pessoal;
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça a direito;
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito
e a coisa julgada;
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que
lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos
contra a vida;
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem
prévia cominação legal;
XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e
liberdades fundamentais;
218
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível,
sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou
anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas
afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles
respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se
omitirem;
XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos
armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado
Democrático;
XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a
obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser,
nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até
o limite do valor do patrimônio transferido;
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras,
as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos
termos do Art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;
XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo
com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam
permanecer com seus filhos durante o período de amamentação;
219
LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de
crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado
envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma
da lei;
LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou
de opinião;
LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade
competente;
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com
os meios e recursos a ela inerentes;
LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios
ilícitos;
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória;
LVIII - o civilmente identificado não será submetido a identificação
criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei;
LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não
for intentada no prazo legal;
LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando
a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;
LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita
e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de
transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão
comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à
pessoa por ele indicada;
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de
permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de
advogado;
LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua
prisão ou por seu interrogatório policial;
220
LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade
judiciária;
LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei
admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;
LXVII - não haverá prisão civil porvida, salvo a do responsável pelo
inadimplemento voluntário e inescuvel de obrigação alimentícia e a do
depositário infiel;
LXVIII - conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se
achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de
locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;
LXIX - conceder-se-á Mandado de Segurança de segurança para
proteger direito líqüido e certo, não amparado por habeas corpus ou
habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for
autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de
atribuições do Poder Público;
LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso
Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação
legalmente constituída e em funcionamento há pelo
menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros
ou associados;
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma
regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades
constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania
e à cidadania;
LXXII - conceder-se-á habeas data:
a) para assegurar o conhecimento de informações
relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros
ou bancos de dados de entidades governamentais ou de
caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-
lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;
221
LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que
vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o
Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé,
isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos;
LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim
como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença;
LXXVI - são gratuitos para os reconhecidamente pobres, na forma da
lei:
a) o registro civil de nascimento;
b) a certidão de óbito;
LXXVII - são gratuitas as ações de habeas corpus e habeas data, e, na
forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania.
Art. 37- A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte: (Alterado pela EC-000.019-1998)
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros
que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos
estrangeiros, na forma da lei; (Alterado pela EC-000.019-1998)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação
prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo
com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma
prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão
declarado em lei de livre nomeação e exoneração; (Alterado pela EC-
000.019-1998)
III - o prazo de validade do concurso público será de até dois anos,
prorrogável uma vez, por igual período;
IV - durante o prazo improrrogável previsto no edital de convocação,
aquele aprovado em concurso público de provas ou de provas e títulos
222
será convocado com prioridade sobre novos concursados para assumir
cargo ou emprego, na carreira;
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores
ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem
preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais
mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção,
chefia e assessoramento; (Alterado pela EC-000.019-1998)
VI - é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação
sindical;
VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos
em lei específica; (Alterado pela EC-000.019-1998)
VIII - a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as
pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão;
IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado
para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;
X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o §
4º do Art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica,
observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral
anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; (Alterado pela
EC-000.019-1998) (Regulamentado pela L-010.331-2001)
XI - a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e
empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos
membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos
demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie
remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as
vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o
subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal
Federal, aplicando-se como li-mite, nos Municípios, o subsídio do
Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do
Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados
Es-taduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o sub-sídio dos
Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e
vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos
223
Ministros do Supremo Tri-bunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário,
aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos
Procuradores e aos Defensores Públicos; (Alterado pela EC-000.041-
2003) (L-008.448-1992 - Regulamento)
XII - os vencimentos dos cargos do Poder Legislativo e do Poder
Judiciário não poderão ser superiores aos pagos pelo Poder Executivo;
XIII - vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies
remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço
público; (Alterado pela EC-000.019-1998
)
XIV - os acréscimos pecuniários percebidos por servidor público não
serão computados nem acumulados para fins de concessão de acréscimos
ulteriores; (Alterado pela EC-000.019-1998
)
XV - o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos
públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV
deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (Alterado
pela EC-000.019-1998)
XVI - vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto,
quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso
o disposto no inciso XI: (Alterado pela EC-000.019-1998)
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro técnico ou
científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de
profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
(Alterado pela EC-000.034-2001
)
XVII - a proibição de acumular estende-se a empregos e funções e
abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de
economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou
indiretamente, pelo poder público; (Alterado pela EC-000.019-1998
)
XVIII - a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro
de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais
setores administrativos, na forma da lei;
XIX - somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada
a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de
224
fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas
de sua atuação; (Alterado pela EC-000.019-1998)
XX - depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de
subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a
participação de qualquer delas em empresa privada;
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras,
serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de
licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os
concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento,
mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual
somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
(Regulamentado pela L-008.666-1993)
XXII - as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do
Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos
prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma
integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de
informações fiscais, na forma da lei ou convênio.
Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia,
o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 102 - Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a
guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo federal ou estadual e a ação declaratória de
constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da
República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso
Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da
República;
225
c) nas infrações penais comuns e nos crimes de
responsabilidade, os Ministros de Estado e os
Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica,
ressalvado o disposto no Art. 52, I, os membros dos
Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União
e os chefes de missão diplomática de caráter permanente;
(Redação dada pela EC-000.023-1999)
d) o habeas corpus, sendo paciente qualquer das pessoas
referidas nas alíneas anteriores; o mandado de segurança e
o habeas data contra atos do Presidente da República, das
Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, do
Tribunal de Contas da União, do Procurador-Geral da
República e do próprio Supremo Tribunal Federal;
e) o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo
internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o
Território;
f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a
União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive
as respectivas entidades da administração indireta;
g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro;
h) a homologação das sentenças estrangeiras e a
concessão do exequatur às cartas rogatórias, que podem
ser conferidas pelo regimento interno a seu Presidente;
i) o habeas corpus, quando o coator for Tribunal Superior
ou quando o coator ou o paciente for autoridade ou
funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à
jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ou se trate de
crime sujeito à mesma jurisdição em uma única instância;
(Modificado pela EC-000.022-1999)
j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados;
l) a reclamação para a preservação de sua competência e
garantia da autoridade de suas decisões;
226
m) a execução de sentença nas causas de sua competência
originária, facultada a delegação de atribuições para a
prática de atos processuais;
n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam
direta ou indiretamente interessados, e aquela em que
mais da metade dos membros do tribunal de origem
estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente
interessados;
o) os conflitos de competência entre o Superior Tribunal
de Justiça e quaisquer tribunais, entre Tribunais
Superiores, ou entre estes e qualquer outro tribunal;
p) o pedido de medida cautelar das ações diretas de
inconstitucionalidade;
q) o mandado de injunção, quando a elaboração da norma
regulamentadora for atribuição do Presidente da
República, do Congresso Nacional, da Câmara dos
Deputados, do Senado Federal, das Mesas de uma dessas
Casas Legislativas, do Tribunal de Contas da União, de
um dos Tribunais Superiores, ou do próprio Supremo
Tribunal Federal;
II - julgar, em recurso ordinário:
a) o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas
data e o mandado de injunção decididos em única
instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a
decisão;
b) o crime político;
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em
única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei
federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em
face desta Constituição.
Art. 103 - Podem propor a ação de inconstitucionalidade:
227
I - o Presidente da República;
II - a Mesa do Senado Federal;
III - a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV - a Mesa de Assembléia Legislativa;
V - o Governador de Estado;
VI - o Procurador-Geral da República;
VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;
IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
obs.dji.grau.3: Art.480, Declaração de inconstitucionalidade - Processo nos Tribunais -
Código de processo civil - L-005.869-1973; Art. 482, § 2º, Declaração de
inconstitucionalidade - Processo nos Tribunais - Processo de conhecimento - CPC -
Código de processo civil - L-005.869-1973; Processo e Julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade Perante o Supremo
Tribunal Federal - L-009.868-1999; Recurso Extraordinário - Causas de Alçada ou
Turma Recursal - Súmula nº 640 - STF; Representação em Declaração de
Inconstitucionalidade de Ato dos Poderes Estaduais - L-004.337-1964
obs.dji.grau.4: Constituição Federal; Controle da Constitucionalidade das Leis e dos
Atos; Organização dos Poderes; Organização Judiciária Federal; Poder Judiciário;
Presidente da República
§ 1º - O Procurador-Geral da República deverá ser previamente ouvido nas ações de
inconstitucionalidade e em todos os processos de competência do Supremo Tribunal
Federal.
obs.dji.grau.4: Ação de Inconstitucuinalidade
§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva
norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das
providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em
trinta dias.
obs.dji.grau.4: Ação de Inconstitucuinalidade; Inconstitucionalidade por Omissão
§ 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a inconstitucionalidade, em tese, de
norma legal ou ato normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União, que
defenderá o ato ou texto impugnado.
obs.dji.grau.4: Ação de Inconstitucuinalidade
228
§ - A ação declaratória de constitucionalidade poderá ser proposta pelo Presidente da
República, pela Mesa do Senado Federal, pela Mesa da Câmara dos Deputados ou pelo
Procurador-Geral da República.
obs.dji.grau.4: Ação Declaratória de Constitucionalidade; Câmara dos Deputados;
Procurador-Geral da República; Senado Federal
Art. 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime
democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
obs.dji.grau.2: Art. 22, Exercício das Atribuições Institucionais da Advocacia-Geral da
União, em Caráter Emergencial e Provisório - L-009.028-1995
obs.dji.grau.3: Art. 61, § 1º, (d), Leis - Processo Legislativo - Poder Legislativo -
Organização dos Poderes - CF; Art. 81, Ministério Público - Processo de conhecimento
- Código de processo civil - L-005.869-1973; Art. 100, § 4º, Ação Pública e de
Iniciativa Privada - Ação Penal - Código Penal - DL-002.848-1940
obs.dji.grau.4: Funções Essenciais à Justiça; Ministério Público; Ministério Público do
Trabalho
obs.dji.grau.6: Advocacia e Defensoria Pública - CF; Advocacia Pública - CF; Ato das
disposições constitucionais transitórias - CF; Defesa do Estado e das Instituições
Democráticas - CF; Direitos e garantias fundamentais - CF; Disposições constitucionais
gerais - CF; Ordem econômica e financeira - CF; Ordem social - CF; Organização do
Estado - CF; Organização dos Poderes; Organização dos Poderes - CF; Poder Executivo
- CF; Poder Judiciário - CF; Poder Legislativo - CF; Preâmbulo - CF; Princípios
fundamentais - CF; Tributação e orçamento - CF
§ 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e
a independência funcional.
obs.dji.grau.4: Ministério Público
§ 2º - Ao Ministério Público assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo,
observado o disposto no Art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de
seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de
provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua
organização e funcionamento. (Alterado pela EC-000.019-1998)
obs.dji.grau.1: Art. 169, Orçamentos - Finanças públicas - Tributação e orçamento - CF
obs.dji.grau.4: Ministério Público
229
§ 3º - O Ministério Público elaborará sua proposta orçamentária dentro dos limites
estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias.
obs.dji.grau.4: Ministério Público
Art. 128 - O Ministério Público abrange:
I - o Ministério Público da União, que compreende:
a) o Ministério Público Federal;
b) o Ministério Público do Trabalho;
c) o Ministério Público Militar;
d) o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;
II - os Ministérios Públicos dos Estados.
obs.dji.grau.4: Funções Essenciais à Justiça; Ministério Público; Organização dos
Poderes
§ 1º - O Ministério Público da União tem por chefe o Procurador-Geral da República,
nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes da carreira, maiores de trinta e
cinco anos, após a aprovação de seu nome pela maioria absoluta dos membros do
Senado Federal, para mandato de dois anos, permitida a recondução.
obs.dji.grau.4: Ministério Público
§ 2º - A destituição do Procurador-Geral da República, por iniciativa do Presidente da
República, deverá ser precedida de autorização da maioria absoluta do Senado Federal.
obs.dji.grau.4: Ministério Público
§ 3º - Os Ministérios Públicos dos Estados e o do Distrito Federal e Territórios formarão
lista tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de
seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato
de dois anos, permitida uma recondução.
obs.dji.grau.4: Ministério Público
§ 4º - Os Procuradores-Gerais nos Estados e no Distrito Federal e Territórios poderão
ser destituídos por deliberação da maioria absoluta do Poder Legislativo, na forma da lei
complementar respectiva.
§ - Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos
respectivos Procuradores-Gerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto
de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:
I - as seguintes garantias:
230
a) vitaliciedade, após dois anos de exercício, não podendo
perder o cargo senão por sentença judicial transitada em
julgado;
b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público,
mediante decisão do órgão colegiado competente do
Ministério Público, por voto de dois terços de seus
membros, assegurada ampla defesa;
c) irredutibilidade de subsídio, fixado na forma do Art.
39, § 4º, e ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI,
150, II, 153, III, 153, § 2º, I; (Alterado pela EC-000.019-
1998)
II - as seguintes vedações:
a) receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto,
honorários, percentagens ou custas processuais;
b) exercer a advocacia;
c) participar de sociedade comercial, na forma da lei;
d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra
função pública, salvo uma de magistério;
e) exercer atividade político-partidária, salvo exceções
previstas na lei.
obs.dji.grau.1: Art. 37, X e XI, Administração pública - Organização do Estado - CF;
Art. 39, § 4º, Servidores públicos - Administração pública - Organização do Estado -
CF; Art. 150, II, Limitações do poder de tributar - Sistema tributário nacional -
Tributação e orçamento - CF; Art. 153, III e § 2º, I, Impostos da União - Sistema
tributário nacional - Tributação e orçamento - CF
obs.dji.grau.3: Art. 38, III, Garantias e prerrogativas dos membros do Ministério
Público - Orgânica Nacional do Ministério Público - L-008.625-1993
obs.dji.grau.4: Leis Complementares; Ministério Público
Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II - zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de
relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
231
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos;
IV - promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins
de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta
Constituição;
V - defender judicialmente os direitos e interesses das populações
indígenas;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua
competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na
forma da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei
complementar mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito
policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações
processuais;
IX - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que
compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação
judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
obs.dji.grau.1: Art. 128, CF
obs.dji.grau.3: Art. 26, IV, Funções dos Órgãos de Execução - Orgânica Nacional do
Ministério Público - L-008.625-1993; Art. 29, VIII, Procurador-Geral de Justiça -
Funções dos Órgãos de Execução - Orgânica Nacional do Ministério Público - L-
008.625-1993; Art. 109, XI, Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais - Poder
Judiciário - Organização dos Poderes - CF; Art. 129, § 6º, Lesão Corporal Culposa -
Lesões Corporais - Crimes Contra a Pessoa - Código Penal - DL-002.848-1940;
Art.480, Declaração de inconstitucionalidade - Processo nos Tribunais - Código de
processo civil - L-005.869-1973; Arts.100, Ação pública e de iniciativa privada - Ação
Penal, 121, § 3º, Homicídio simples - Crimes Contra a Vida e 129, § 6º, Lesão corporal
culposa - Lesões corporais - Crimes Contra a Pessoa - Código Penal - DL-002.848-
1940; Competência - Crime - Índios - STJ Súmula nº 140; Membro do Ministério
Público - Fase investigatória - Impedimento ou suspeição - Denúncia - STJ Súmula nº
234; Ministério Público - Legitimidade - Ação Civil Pública - Reajuste - Mensalidades
Escolares - Súmula nº 643 - STF
232
obs.dji.grau.4: Ação Civil Pública; Ação Penal Pública; Controle da
Constitucionalidade das Leis e dos Atos; Controle Judicial dos Atos Administrativos;
Funções Essenciais à Justiça; Índios; Inquérito Policial; Ministério Público;
Organização dos Poderes
§ 1º - A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não
impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e
na lei.
obs.dji.grau.4: Ministério Público
§ 2º - As funções de Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da
carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação.
obs.dji.grau.4: Ministério Público
§ 3º - O ingresso na carreira far-se-á mediante concurso público de provas e títulos,
assegurada participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, e
observada, nas nomeações, a ordem de classificação.
obs.dji.grau.3: Art. 34, Comissão de concurso - Órgãos auxiliares - Orgânica Nacional
do Ministério Público - L-008.625-1993; Ministério Público
§ 4º - Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no Art. 93, II e IV.
obs.dji.grau.1: Art. 93, II e IV, Poder Judiciário - Organização dos Poderes - CF
obs.dji.grau.4: Ministério Público
Art. 130 - Aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas aplicam-
se as disposições desta seção pertinentes a direitos, vedações e forma de investidura.
obs.dji.grau.4: Funções Essenciais à Justiça; Ministério Público; Organização dos
Poderes
Art. 134 - A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado,
incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na
forma do Art. 5º, LXXIV.
obs.dji.grau.1: Art. 5º, LXXIV. Direitos e deveres individuais e coletivos - Direitos e
garantias fundamentais - CF
obs.dji.grau.4: Defensoria Pública; Funções essenciais à justiça; Organização dos
Poderes
Parágrafo único - Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do
Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos
Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público
233
de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado
o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.
obs.dji.grau.2: Art. 22, Ato das disposições constitucionais transitórias - CF
obs.dji.grau.4: Defensoria Pública; Funções Essenciais à Justiça
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder
Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle,
devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por
pessoa física ou jurídica de direito privado.
234
2-Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985
Disciplina a Ação Civil Pública de Responsabilidade Por Danos Causados ao Meio
Ambiente, ao Consumidor, a Bens e Direitos de Valor Artístico, Estético, Histórico,
Turístico e Paisagístico (Vetado) e dá outras Providências.
Art. 1º. Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de
nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos
Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição
art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União representa os
segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de
instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido
ou concorra com mais de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita ânua
de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e
dos Municípios e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos
cofres públicos.
§ 1º. Consideram-se patrimônio público para os fins referidos neste artigo, os bens e
direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico.
§ 2º. Em se tratando de instituições ou fundações, para cuja criação ou custeio o tesouro
público concorra com menos de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da receita
ânua, bem como de pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas, as conseqüências
patrimoniais da invalidez dos atos lesivos terão por limite a repercussão deles sobre a
contribuição dos cofres públicos.
§ 3º. A prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou
com documento que a ele corresponda.
§ 4º. Para instruir a inicial, o cidadão poderá requerer às entidades a que se refere este
artigo, as certidões e informações que julgar necessárias, bastando para isso indicar a
finalidade das mesmas.
235
§ 5º. As certidões e informações, a que se refere o parágrafo anterior, deverão ser
fornecidas dentro de 15 (quinze) dias da entrega, sob recibo, dos respectivos
requerimentos, e só poderão ser utilizadas para a instrução de ação popular.
§ 6º. Somente nos casos em que o interesse público, devidamente justificado, impuser
sigilo, poderá ser negada certidão ou informação.
§ 7º. Ocorrendo a hipótese do parágrafo anterior, a ação poderá ser proposta
desacompanhada das certidões ou informações negadas, cabendo ao juiz, após apreciar
os motivos do indeferimento e salvo em se tratando de razão de segurança nacional,
requisitar umas e outras; feita a requisição, o processo correrá em segredo de justiça,
que cessará com o trânsito em julgado de sentença condenatória.
Art. 2º. São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo
anterior, nos casos de:
a) incompetência;
b) vício de forma;
c) ilegalidade do objeto;
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes
normas:
a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais
do agente que o praticou;
b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de
formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;
c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei,
regulamento ou outro ato normativo;
236
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que
se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao
resultado obtido;
e) o desvio da finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso
daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.
Art. 3º. Os atos lesivos ao patrimônio das pessoas de direito público ou privado, ou das
entidades mencionadas no art. 1º, cujos vícios não se compreendam nas especificações
do artigo anterior, serão anuláveis, segundo as prescrições legais, enquanto compatíveis
com a natureza deles.
Art. 4º. São também nulos os seguintes atos ou contratos, praticados ou celebrados por
quaisquer das pessoas ou entidades referidas no art. 1º:
I - a admissão ao serviço público remunerado, com desobediência, quanto às condições
de habilitação das normas legais, regulamentares ou constantes de instruções gerais;
II - a operação bancária ou de crédito real, quando:
a) for realizada com desobediência a normas legais, regulamentares, estatutárias,
regimentais ou internas;
b) o valor do bem dado em hipoteca ou penhor for inferior ao constante de escritura,
contrato ou avaliação;
III - a empreitada, a tarefa e a concessão do serviço público, quando:
a) o respectivo contrato houver sido celebrado sem prévia concorrência pública ou
administrativa, sem que essa condição seja estabelecida em lei, regulamento ou norma
geral;
b) no edital de concorrência forem incluídas cláusulas ou condições, que comprometam
o seu caráter competitivo;
c) a concorrência administrativa for processada em condições que impliquem na
limitação das possibilidades normais de competição;
237
IV - as modificações ou vantagens, inclusive prorrogações que forem admitidas, em
favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos de empreitada, tarefa e
concessão de serviço público, sem que estejam previstas em lei ou nos respectivos
instrumentos;
V - a compra e venda de bens móveis ou imóveis, nos casos em que não for cabível
concorrência pública ou administrativa, quando:
a) for realizada com desobediência a normas legais regulamentares, ou constantes de
instruções gerais;
b) o preço de compra dos bens for superior ao corrente no mercado, na época da
operação;
c) o preço de venda dos bens for inferior ao corrente no mercado, na época da operação;
VI - a concessão de licença de exportação ou importação, qualquer que seja a sua
modalidade, quando:
a) houver sido praticada com violação das normas legais e regulamentares ou de
instruções e ordens de serviço;
b) resulta em exceção ou privilégio, em favor de exportador ou importador;
VII - a operação de redesconto quando, sob qualquer aspecto, inclusive o limite de
valor, desobedecer a normas legais, regulamentares ou constantes de instrução gerais;
VIII - o empréstimo concedido pelo Banco Central da República, quando:
a) concedido com desobediência de quaisquer normas legais, regulamentares,
regimentais ou constantes de instruções gerais;
b) o valor dos bens dados em garantia, na época da operação, for inferior ao da
avaliação;
IX - a omissão quando efetuada sem observância das normas constitucionais, legais e
regulamentadoras que regem a espécie.
238
DA COMPETÊNCIA
Art. 5º. Conforme a origem do ato impugnado, é competente para conhecer da ação,
processá-la e julgá-la, o juiz que, de acordo com a organização judiciária de cada
Estado, o for para as causas que interessem à União, ao Distrito Federal, ao Estado ou
ao Município.
§ 1º. Para fins de competência, equiparam-se a atos da União, do Distrito Federal, do
Estado ou dos Municípios os atos das pessoas criadas ou mantidas por essas pessoas
jurídicas de direito público, bem como os atos das sociedades de que elas sejam
acionistas e os das pessoas ou entidades por elas subvencionadas ou em relação às quais
tenham interesse patrimonial.
§ 2º. Quando o pleito interessar simultaneamente à União e a qualquer outra pessoa ou
entidade, será competente o juiz das causas da União, se houver; quando interessar
simultaneamente ao Estado e ao Município, será competente o juiz das causas do
Estado, se houver.
§ 3º. A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações, que
forem posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos
fundamentos.
§ 4º. Na defesa do patrimônio público caberá a suspensão liminar do ato lesivo
impugnado.
DOS SUJEITOS PASSIVOS DA AÇÃO E DOS ASSISTENTES
Art. 6º. A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades
referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que
houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por
omissão, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.
§ 1º. Se não houver beneficiário direto do ato lesivo, ou se for ele indeterminado ou
desconhecido, a ação será proposta somente contra as outras pessoas indicadas neste
artigo.
239
§ 2º. No caso de que trata o inciso II, b, do art. 4º, quando o valor real do bem for
inferior ao da avaliação, citar-se-ão como us, além das pessoas públicas ou privadas e
entidades referidas no art. 1º, apenas os responsáveis pela avaliação inexata e os
beneficiários da mesma.
§ 3º. A pessoa jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de
impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor,
desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante
legal ou dirigente.
§ 4º. O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção da
prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-
lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus
autores.
§ 5º. É facultado a qualquer cidadão habilitar-se como litisconsorte ou assistente do
autor da ação popular.
DO PROCESSO
Art. 7º. A ação obedecerá o procedimento ordinário, previsto no Código de Processo
Civil, observadas as seguintes normas modificativas:
I - Ao despachar a inicial o juiz ordenará:
a) além da citação dos réus, a intimação do representante do Ministério Público;
b) a requisição às entidades indicadas na petição inicial, dos documentos que tiverem
sido referidos pelo autor (art. 1º, § 6º), bem como a de outros que se lhe afigurem
necessários ao esclarecimento dos fatos, fixando o prazo de 15 (quinze) a 30 (trinta)
dias para o atendimento.
§ 1º. O representante do Ministério Público providenciará para que as requisições, a que
se refere o inciso anterior, sejam atendidas dentro dos prazos fixados pelo juiz.
§ 2º. Se os documentos e informações não puderem ser oferecidos nos prazos
assinalados, o juiz poderá autorizar prorrogação dos mesmos, por prazo razoável.
240
II - Quando o autor o preferir, a citação dos beneficiários far-se-á por edital com o prazo
de 30 (trinta) dias, afixado na sede do juízo e publicado três vezes no jornal oficial do
Distrito Federal, ou da Capital do Estado ou Território em que seja ajuizada a ação. A
publicação será gratuita e deverá iniciar-se no máximo 3 (três) dias após a entrega, na
repartição competente, sob protocolo, de uma via autenticada do mandado.
III - Qualquer pessoa, beneficiada ou responsável pelo ato impugnado, cuja existência
ou identidade se torne conhecida no curso do processo e antes de proferida a sentença
final de primeira instância, deverá ser citada para a integração do contraditório, sendo-
lhe restituído o prazo para contestação e produção de provas. Salvo quanto a
beneficiário, se a citação se houver feito na forma do inciso anterior.
IV - O prazo de contestação é de 20 (vinte) dias prorrogáveis por mais 20 (vinte), a
requerimento do interessado, se particularmente difícil a produção de prova documental,
e será comum a todos os interessados, correndo da entrega em cartório do mandado
cumprido, ou, quando for o caso, do decurso do prazo assinado em edital.
V - Caso não requerida, até o despacho saneador, a produção de prova testemunhal ou
pericial, o juiz ordenará vista às partes por 10 (dez) dias, para alegações, sendo-lhe os
autos conclusos, para sentença, 48 (quarenta e oito) horas após a expiração desse prazo;
havendo requerimento de prova, o processo tomará o rito ordinário.
VI - A sentença, quando não prolatada em audiência de instrução e julgamento, deverá
ser proferida dentro de 15 (quinze) dias do recebimento dos autos pelo juiz.
Parágrafo único. O proferimento da sentença além do prazo estabelecido privará o juiz
da inclusão em lista de merecimento para promoção, durante 2 (dois) anos, e acarretará
a perda, para efeito de promoção por antigüidade, de tantos dias, quantos forem os do
retardamento; salvo motivo justo, declinado nos autos e comprovado perante o órgão
disciplinar competente.
Art. 8º. Ficará sujeito à pena de desobediência, salvo motivo justo devidamente
comprovado à autoridade, o administrador ou o dirigente, que deixar de fornecer, no
prazo fixado no art. 1º, § 5º, ou naquele que tiver sido estipulado pelo juiz (art. 7º, I, b),
informações e certidão ou fotocópia de documentos necessários à instrução da causa.
241
Parágrafo único. O prazo contar-se-á do dia em que entregue, sob recibo, o
requerimento do interessado ou o ofício de requisição (art. 1º, § 5º, e art. 7º, I, b).
Art. 9º. Se o autor desistir da ação ou der motivo à absolvição da instância, serão
publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, II, ficando assegurado a
qualquer cidadão bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de
90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação.
Art. 10. As partes só pagao custas e preparo final.
Art. 11. A sentença que julgando procedente a ação popular decretar a invalidade do ato
impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática
e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores
de dano, quando incorrerem em culpa.
Art. 12. A sentença incluirá sempre na condenação dos réus, o pagamento, ao autor, das
custas e demais despesas, judiciais e extrajudiciais, diretamente relacionadas com a ação
e comprovadas, bem como o dos honorários de advogado.
Art. 13. A sentença que, apreciando o fundamento de direito do pedido, julgar a lide
manifestamente temerária, condenará o autor ao pagamento do décuplo das custas.
Art. 14. Se o valor da lesão ficar provado no curso da causa, será indicado na sentença;
se depender da avaliação ou perícia, será apurado na execução.
§ 1º. Quando a lesão resultar da falta ou isenção de qualquer pagamento, a condenação
imporá o pagamento devido, com acréscimo de juros de mora e multa legal ou
contratual, se houver.
§ 2º. Quando a lesão resultar da execução fraudulenta, simulada ou irreal de contratos, a
condenação versará sobre a reposição do débito, com juros de mora.
§ 3º. Quando o réu condenado perceber dos cofres públicos, a execão far-se-á por
desconto em folha até o integral ressarcimento de dano causado, se assim mais convier
ao interesse público.
242
§ 4º. A parte condenada a restituir bens ou valores ficará sujeita a seqüestro e penhora,
desde a prolação da sentença condenatória.
Art. 15. Se, no curso da ação, ficar provada a infringência da lei penal ou a prática de
falta disciplinar que a lei comine a pena de demissão, ou a de rescisão de contrato de
trabalho, o juiz, ex officio, determinará a remessa de cópia autenticada das peças
necessárias às autoridades ou aos administradores a quem competir aplicar a sanção.
Art. 16. Caso decorridos 60 (sessenta) dias de publicação da sentença condenatória de
segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a respectiva execução, o
representante do Ministério Público a promoverá nos 30 (trinta) dias seguintes, sob pena
de falta grave.
Art. 17. É sempre permitido às pessoas ou entidades referidas no art. 1º, ainda que
hajam contestado a ação, promover, em qualquer tempo, e no que as beneficiar, a
execução da sentença contra os demais réus.
Art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso
de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso,
qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de
nova prova.
Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está
sujeita a duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada
pelo tribunal; da que julgar a ação procedente, caberá apelação, com efeito suspensivo.
§ 1º. Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento.
§ 2º. Da sentença de decisões proferidas contra o autor da ação e suscetíveis de recurso,
poderá recorrer qualquer cidadão e também o Ministério Público.
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 20. Para os fins desta lei, consideram-se entidades autárquicas:
a) o serviço estatal descentralizado com personalidade jurídica, custeado mediante
orçamento próprio, independente do orçamento geral;
243
b) as pessoas jurídicas especialmente instituídas por lei, para a execução de serviços de
interesse público ou social, custeados por tributos de qualquer natureza ou por outros
recursos oriundos do Tesouro Público;
c) as entidades de direito público ou privado a que a lei tiver atribuído competência para
receber e aplicar contribuições parafiscais.
Art. 21. A ação prevista nesta lei prescreve em 5 (cinco) anos.
Art. 22. Aplicam-se à ação popular as regras do Código de Processo Civil, naquilo em
que não contrariem os dispositivos desta lei, nem a natureza específica da ação.
244
3- Lei Nº 004.717 de 1965
Art. 1º - Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração
de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e
dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista
(Constituição, Art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União
represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos,
de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja
concorrido ou concorra com mais de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da
receita ânua de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos
Estados e dos Municípios e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas
pelos cofres públicos.
obs.dji.grau.2: Art. 4º
obs.dji.grau.3: Ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio
ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico e
turístico - L-007.347-1985; Ação civil pública de responsabilidade por danos causados
aos investidores no mercado de valores mobiliários - L-007.913-1989; Art. 5º, LXXIII,
Direitos e deveres individuais e coletivos - Direitos e garantias fundamentais - CF; Art.
98, Bens Públicos - Diferentes Classes de Bens - Bens e Art. 166, Invalidade do
Negócio Jurídico - Negócio Jurídico - Fatos Jurídicos - Código Civil - CC - L-010.406-
2002
obs.dji.grau.4: Ação Popular; Legitimidade; Moralidade Administrativa
obs.dji.grau.5: Ação popular - Ato administrativo - Nulidade; Ação popular - Ministério
Público; Ação popular - Sentença - Efeitos
obs.dji.grau.6: Art. 6º, Sujeitos passivos da ação e assistentes; Art. 6º, § 2º, Sujeitos
passivos da ação e assistentes; Art. 17, Processo; Competência - Ação popular;
Disposições gerais - Ação popular; Processo - Ação popular; Sujeitos passivos da ação e
assistentes - Ação popular
245
§ 1º - Consideram-se patrimônio público para os fins referidos neste artigo, os bens e
direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico. (redação dada pela
L-006.513-1977)
§ 2º - Em se tratando de instituições ou fundações, para cuja criação ou custeio o
tesouro público concorra com menos de 50% (cinqüenta por cento) do patrimônio ou da
receita ânua, bem como de pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas, as
conseqüências patrimoniais da invalidez dos atos lesivos terão por limite a repercussão
deles sobre a contribuição dos cofres públicos.
§ 3º - A prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou
com documento que a ele corresponda.
§ 4º - Para instruir a inicial, o cidadão poderá requerer às entidades a que se refere este
artigo, as certidões e informações que julgar necessárias, bastando para isso indicar a
finalidade das mesmas.
§ 5º - As certidões e informações, a que se refere o parágrafo anterior, deverão ser
fornecidas dentro de 15 (quinze) dias da entrega, sob recibo, dos respectivos
requerimentos, e só poderão ser utilizadas para a instrução de ação popular.
obs.dji: Art. 8º, Processo; Art. 8º, parágrafo único, Processo
§ 6º - Somente nos casos em que o interesse público, devidamente justificado, impuser
sigilo, poderá ser negada certidão ou informação.
obs.dji: Art. 7º, I, b, Processo
obs.dji.grau.3: Art. 229, I, Prova - Fatos Jurídicos - Código Civil - CC - L-010.406-2002
§ 7º - Ocorrendo a hipótese do parágrafo anterior, a ação poderá ser proposta
desacompanhada das certidões ou informações negadas, cabendo ao juiz, após apreciar
os motivos do indeferimento e salvo em se tratando de razão de segurança nacional,
requisitar umas e outras; feita a requisição, o processo correrá em segredo de justiça,
que cessará com o trânsito em julgado de sentença condenatória.
obs.dji.grau.3: Art. 229, I, Prova - Fatos Jurídicos - Código Civil - CC - L-010.406-2002
246
Art. 2º - São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo
anterior, nos casos de:
obs.dji: Ação popular - Ato administrativo - Nulidade
a) incompetência;
b) vício de forma;
c) ilegalidade do objeto;
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar- se-ão as seguintes
normas:
a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais
do agente que o praticou;
b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de
formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;
c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei,
regulamento ou outro ato normativo;
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que
se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao
resultado obtido;
e) o desvio da finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso
daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.
Art. 3º - Os atos lesivos ao patrimônio das pessoas de direito público ou privado, ou das
entidades mencionadas no Art. 1, cujos vícios não se compreendam nas especificações
247
do artigo anterior, serão anuláveis, segundo as prescrições legais, enquanto compatíveis
com a natureza deles.
Art. 4º - São também nulos os seguintes atos ou contratos, praticados ou celebrados por
quaisquer das pessoas ou entidades referidas no Art. 1
obs.dji: Ação Popular- Pressupostos
A admissão ao serviço público remunerado, com desobediência, quanto às condições de
habilitação das normas legais, regulamentares ou constantes de instruções gerais;
II - a operação bancária ou de crédito real, quando:
a) for realizada com desobediência a normas legais, regulamentares, estatutárias,
regimentais ou internas;
b) o valor real do bem dado em hipoteca ou penhor for inferior ao constante de
escritura, contrato ou avaliação;
obs.dji: Art 6, sujeitos passivos da ação e assistentes
III - a empreitada, a tarefa e a concessão do serviço público, quando:
a) o respectivo contrato houver sido celebrado sem prévia concorrência pública ou
administrativa, sem que essa condição seja estabelecida em lei, regulamento ou norma
geral;
b) no edital de concorrência forem incluídas cláusulas ou condições, que comprometam
o seu caráter competitivo;
c) a concorrência administrativa for processada em condições que impliquem na
limitação das possibilidades normais de competição;
IV - as modificações ou vantagens, inclusive prorrogações que forem admitidas, em
favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos de empreitada, tarefa e
248
concessão de serviço público, sem que estejam previstas em lei ou nos respectivos
instrumentos;
V - a compra e venda de bens móveis ou imóveis, nos casos em que não for cabível
concorrência pública ou administrativa, quando:
a) for realizada com desobediência a normas legais regulamentares, ou constantes de
instruções
gerais;
b) o preço de compra dos bens for superior ao corrente no mercado, na época da
operação;
c) o preço de venda dos bens for inferior ao corrente no mercado, na época da operação;
VI - a concessão de licença de exportação ou importação, qualquer que seja a sua
modalidade, quando:
a) houver sido praticada com violação das normas legais e regulamentares ou de
instruções e ordens de serviço;
b) resulta em exceção ou privilégio, em favor de exportador ou importador;
VII - a operação de redesconto quando, sob qualquer aspecto, inclusive o limite de
valor, desobedecer a normas legais, regulamentares ou constantes de instruções gerais;
VIII - o empréstimo concedido pelo Banco Central da República, quando:
a) concedido com desobediência de quaisquer normas legais, regulamentares,
regimentais ou constantes de instruções gerais;
b) o valor dos bens dados em garantia, na época da operação, for inferior ao da
avaliação;
IX - a omissão quando efetuada sem observância das normas constitucionais, legais e
regulamentadoras que regem a espécie.
249
4 -Lei Nº 8.429, de 02 de junho de 1992.
Disciplina os atos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou
função administrativa pública direta, indireta ou funcional e dá outras providências.
Art. Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público,
servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos
Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de
entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com
mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na
forma desta lei.
Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de
improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção,
benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas
para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de
cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes
casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos
cofres públicos.
Art. Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que
exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação,
designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo,
mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo
anterior.
Art. As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que,
mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de
improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
Art. Os agentes públicos de qualquer nível ou hierarquia são obrigados a
velar pela estrita observância dos prinpios de legalidade, impessoalidade,
moralidade e publicidade no trato dos assuntos que lhe são afetos.
250
Art. Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa
ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano.
Art. No caso de enriquecimento ilícito, perderá o agente público ou
terceiro beneficiário os bens ou valores acrescidos ao seu patrimônio.
Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou
ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável
pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos
bens do indiciado.
Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo
recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o
acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.
Art. O sucessor daquele que causar lesão ao patrimônio público ou se
enriquecer ilicitamente está sujeito às cominações desta lei até o limite do valor
da herança.
CAPÍTULO II
Dos Atos de Improbidade Administrativa
Seção I
Dos Atos de Improbidade Administrativa que Importam Enriquecimento Ilícito
Art. Constitui ato de improbidade administrativa importando
enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida
em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas
entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou
qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão,
percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou
indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das
atribuições do agente público;
251
II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a
aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de
serviços pelas entidades referidas no art. por preço superior ao valor de
mercado;
III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a
alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por
ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas,
equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição
de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho
de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta,
para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de
narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou
aceitar promessa de tal vantagem;
VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta,
para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou
qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou
característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades
mencionadas no art. 1º desta lei;
VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo,
emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja
desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou
assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de
ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do
agente público, durante a atividade;
IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou
aplicação de verba pública de qualquer natureza;
252
X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou
indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja
obrigado;
XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas
ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art.
1° desta lei;
XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes
do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.
Seção II
Dos Atos de Improbidade Administrativa que Causam Prejuízo ao Erário
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao
erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda
patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou
haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao
patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou
valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º
desta lei;
II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize
bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades
mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou
regulamentares aplicáveis à espécie;
III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado,
ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do
patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem
observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
253
IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante
do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a
prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço
por preço superior ao de mercado;
VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e
regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das
formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo
indevidamente;
IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou
regulamento;
X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no
que diz respeito à conservação do patrimônio público;
XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes
ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça
ilicitamente;
XIII - permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos,
máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à
disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem
como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por
essas entidades.
Seção III
254
Dos Atos de Improbidade Administrativa que Atentam Contra os Princípios da
Administração Pública
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os
princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os
deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e
notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso
daquele previsto, na regra de competência;
II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das
atribuições e que deva permanecer em segredo;
IV - negar publicidade aos atos oficiais;
V - frustrar a licitude de concurso público;
VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da
respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de
afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
CAPÍTULO III
Das Penas
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas,
previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade
sujeito às seguintes cominações:
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente
ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa
civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar
255
com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,
direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja
sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens
ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância,
perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos,
pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica
da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda
da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos,
pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida
pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios
ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por
intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três
anos.
Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em
conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido
pelo agente.
CAPÍTULO IV
Da Declaração de Bens
Art. 13. A posse e o exercício de agente público ficam condicionados à
apresentação de declaração dos bens e valores que compõem o seu patrimônio
privado, a fim de ser arquivada no serviço de pessoal competente.
§ A declaração compreenderá imóveis, móveis, semoventes, dinheiro,
títulos, ações, e qualquer outra espécie de bens e valores patrimoniais, localizado
256
no País ou no exterior, e, quando for o caso, abrangerá os bens e valores
patrimoniais do cônjuge ou companheiro, dos filhos e de outras pessoas que
vivam sob a dependência econômica do declarante, excluídos apenas os objetos
e utensílios de uso doméstico.
§ A declaração de bens será anualmente atualizada e na data em que o
agente público deixar o exercício do mandato, cargo, emprego ou função.
§ Será punido com a pena de demissão, a bem do serviço público, sem
prejuízo de outras sanções cabíveis, o agente público que se recusar a prestar
declaração dos bens, dentro do prazo determinado, ou que a prestar falsa.
§ O declarante, a seu critério, poderá entregar cópia da declaração anual
de bens apresentada à Delegacia da Receita Federal na conformidade da
legislação do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza, com as
necessárias atualizações, para suprir a exigência contida no caput e no § 2° deste
artigo .
CAPÍTULO V
Do Procedimento Administrativo e do Processo Judicial
Art. 14. Qualquer pessoa poderá representar à autoridade administrativa
competente para que seja instaurada investigação destinada a apurar a prática de
ato de improbidade.
§ A representação, que será escrita ou reduzida a termo e assinada,
conterá a qualificação do representante, as informações sobre o fato e sua autoria
e a indicação das provas de que tenha conhecimento.
§ A autoridade administrativa rejeitará a representação, em despacho
fundamentado, se esta não contiver as formalidades estabelecidas no § 1º deste
artigo. A rejeição não impede a representação ao Ministério Público, nos termos
do art. 22 desta lei.
§ Atendidos os requisitos da representação, a autoridade determinará a
imediata apuração dos fatos que, em se tratando de servidores federais, será
257
processada na forma prevista nos arts. 148 a 182 da Lei nº 8.112, de 11 de
dezembro de 1990 e, em se tratando de servidor militar, de acordo com os
respectivos regulamentos disciplinares.
Art. 15. A comissão processante dará conhecimento ao Ministério Público e
ao Tribunal ou Conselho de Contas da existência de procedimento
administrativo para apurar a prática de ato de improbidade.
Parágrafo único. O Ministério Público ou Tribunal ou Conselho de Contas
poderá, a requerimento, designar representante para acompanhar o procedimento
administrativo.
Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão
representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira
ao juízo competente a decretação do seqüestro dos bens do agente ou terceiro
que tenha enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.
§ O pedido de seqüestro será processado de acordo com o disposto nos
arts. 822 e 825 do Código de Processo Civil.
§ 2° Quando for o caso, o pedido incluirá a investigação, o exame e o
bloqueio de bens, contas bancárias e aplicações financeiras mantidas pelo
indiciado no exterior, nos termos da lei e dos tratados internacionais.
Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo
Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da
efetivação da medida cautelar.
§ É vedada a transação, acordo ou conciliação nas ações de que trata o
caput.
§ 2º A Fazenda Pública, quando for o caso, promoverá as ações necessárias
à complementação do ressarcimento do patrimônio público.
§ 3
o
No caso de a ação principal ter sido proposta pelo Ministério Público,
aplica-se, no que couber, o disposto no § 3
o
do art. 6
o
da Lei n
o
4.717, de 29 de
junho de 1965.(Redação dada pela Lei nº 9.366, de 16.12.1996)
258
§ O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará
obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade.
§ 5
o
A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as
ações posteriormente intentadas que possuam a mesma causa de pedir ou o
mesmo objeto.(Parágrafo incluído pela Medida Provisória nº 2.180-34, de
24.8.2001)
§ 6
o
A ação será instruída com documentos ou justificação que contenham
indícios suficientes da existência do ato de improbidade ou com razões
fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas,
observada a legislação vigente, inclusive as disposições inscritas nos arts. 16 a
18 do Código de Processo Civil. (Redação da pela Medida Provisória nº 2.225-
45, de 4.9.2001)
§ 7
o
Estando a inicial em devida forma, o juiz mandará autuá-la e ordenará
a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito, que poderá
ser instruída com documentos e justificações, dentro do prazo de quinze
dias.(Redação da pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
§ 8
o
Recebida a manifestação, o juiz, no prazo de trinta dias, em decisão
fundamentada, rejeitará a ação, se convencido da inexistência do ato de
improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via
eleita.(Redação da pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
§ 9
o
Recebida a petição inicial, será o réu citado para apresentar
contestação.(Redação da pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
§ 10. Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de
instrumento.(Redação da pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
§ 11. Em qualquer fase do processo, reconhecida a inadequação da ação de
improbidade, o juiz extinguirá o processo sem julgamento do mérito.(Redação
da pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
259
§ 12. Aplica-se aos depoimentos ou inquirições realizadas nos processos
regidos por esta Lei o disposto no art. 221, caput e § 1
o
, do Código de Processo
Penal.(Redação da pela Medida Provisória nº 2.225-45, de 4.9.2001)
Art. 18. A sentença que julgar procedente ação civil de reparação de dano
ou decretar a perda dos bens havidos ilicitamente determinará o pagamento ou a
reversão dos bens, conforme o caso, em favor da pessoa jurídica prejudicada
pelo ilícito.
CAPÍTULO VI
Das Disposições Penais
Art. 19. Constitui crime a representação por ato de improbidade contra
agente público ou terceiro beneficiário, quando o autor da denúncia o sabe
inocente.
Pena: detenção de seis a dez meses e multa.
Parágrafo único. Além da sanção penal, o denunciante está sujeito a
indenizar o denunciado pelos danos materiais, morais ou à imagem que houver
provocado.
Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se
efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Parágrafo único. A autoridade judicial ou administrativa competente poderá
determinar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou
função, sem prejuízo da remuneração, quando a medida se fizer necessária à
instrução processual.
Art. 21. A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:
I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público;
II - da aprovação ou rejeição das contas pelo órgão de controle interno ou
pelo Tribunal ou Conselho de Contas.
260
Art. 22. Para apurar qualquer ilícito previsto nesta lei, o Ministério Público,
de ofício, a requerimento de autoridade administrativa ou mediante
representação formulada de acordo com o disposto no art. 14, poderá requisitar a
instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo.
CAPÍTULO VII
Da Prescrição
Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei
podem ser propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em
comissão ou de função de confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas
disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de
exercício de cargo efetivo ou emprego.
CAPÍTULO VIII
Das Disposições Finais
Art. 24. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 25. Ficam revogadas as Leis n°s 3.164, de 1° de junho de 1957, e
3.502, de 21 de dezembro de 1958 e demais disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 2 de junho de 1992; 171° da Independência e 104° da República.
261
5- Lei N 9.437, de 20 de fevereiro de 1997.
Institui o Sistema Nacional de Armas - SINARM, estabelece condições para o registro
e para o porte de arma de fogo, define crimes e dá outras providências.
- Retificação -
Após o parágrafo único do artigo 2º , leia-se:
CAPíTULO II
DO REGISTRO
Art. 3º É obrigatório o registro de arma de fogo ...
VIDE:
DEC-002222 1997 DOFC 09 05 1997 009394 1 REGULAMENTAÇÃO
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
CAPíTULO I
DO SISTEMA NACIONAL DE ARMAS
Art. 1º Fica instituído o Sistema Nacional de Armas - SINARM no Ministério da
Justiça, no âmbito da Polícia Federal, com circunscrição em todo o território nacional.
Art. 2º Ao SINARM compete:
I - identificar as características e a propriedade de armas de fogo, mediante cadastro;
II - cadastrar as armas de fogo produzidas, importadas e vendidas no País;
III - cadastrar as transferências de propriedade, o extravio, o furto, o roubo e outras
ocorrências suscetíveis de alterar os dados cadastrais;
IV - identificar as modificações que alterem as características ou o funcionamento de
arma de fogo;
262
V - integrar no cadastro os acervos policiais já existentes;
VI - cadastrar as apreensões de armas de fogo, inclusive as vinculadas a procedimentos
policiais e judiciais.
Parágrafo único. As disposições deste artigo não alcançam as armas de fogo das Forças
Armadas e Auxiliares, bem como as demais que constem dos seus registros próprios.
Art. 3º É obrigatório o registro de arma de fogo no órgão competente, excetuadas as
consideradas obsoletas.
Parágrafo único. Os proprietários de armas de fogo de uso restrito ou proibido deverão
fazer seu cadastro como atiradores, colecionadores ou caçadores no Ministério do
Exército.
Art. 4º O Certificado de Registro de Arma de Fogo, com validade em todo o território
nacional, autoriza o seu proprietário a manter a arma de fogo exclusivamente no
interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda, no seu local de trabalho,
desde que seja ele o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa.
Parágrafo único. A expedição do certificado de registro de arma de fogo será precedida
de autorização do SINARM.
Art. 5º O proprietário, possuidor ou detentor de arma de fogo tem o prazo de seis
meses, prorrogável por igual período, a critério do Poder Executivo, a partir da data da
promulgação desta Lei, para promover o registro da arma ainda não registrada ou que
teve a propriedade transferida, ficando dispensado de comprovar a sua origem,
mediante requerimento, na conformidade do regulamento.
Parágrafo único. Presume-se de boa fé a pessoa que promover o registro de arma de
fogo que tenha em sua posse.
CAPíTULO III
DO PORTE
Art. 6º O porte de arma de fogo fica condicionado à autorização da autoridade
competente, ressalvados os casos expressamente previstos na legislação em vigor.
263
Art. 7º A autorização para portar arma de fogo terá eficácia temporal limitada, nos
termos de atos regulamentares e dependerá de o requerente comprovar idoneidade,
comportamento social produtivo, efetiva necessidade, capacidade técnica e aptidão
psicológica para o manuseio de arma de fogo.
Pena - detenção de um a dois anos e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:
I - omitir as cautelas necessárias para impedir que menor de dezoito anos ou deficiente
mental se apodere de arma de fogo que esteja sob sua posse ou que seja de sua
propriedade, exceto para a prática do desporto quando o menor estiver acompanhado do
responsável ou instrutor;
II - utilizar arma de brinquedo, simulacro de arma capaz de atemorizar outrem, para o
fim de cometer crimes;
III - disparar arma de fogo ou acionar munição em lugar habitado ou em suas
adjacências, em via pública ou em direção a ela, desde que o fato não constitua crime
mais grave.
§ 2º A pena é de reclusão de dois anos a quatro anos e multa na hipótese deste artigo,
sem prejuízo da pena por eventual crime de contrabando ou descaminho se a arma de
fogo ou acessórios forem de uso proibido ou restrito.
§ 3º Nas mesmas penas do parágrafo anterior incorre quem:
I - suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma de
fogo ou artefato;
Il - modificar as características da arma de fogo, de forma a torná-la equivalente a arma
de fogo de uso proibido ou restrito;
III - possuir, deter, fabricar ou empregar artefato explosivo e/ou incendiário sem
autorização;
264
IV - possuir condenação anterior por crime contra a pessoa, contra o patrimônio e por
tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins.
§ 4º A pena é aumentada da metade se o crime é praticado por servidor público.
§ 1º O Porte estadual de arma de fogo registrada restringir-se-á aos limites da unidade
da federação na qual esteja domiciliado o requerente, exceto se houver convênio entre
Estados limítrofes para recíproca validade nos respectivos territórios.
§ 2º (VETADO)
§ 3º (VETADO)
Art. 8º A autorização federal para o porte de arma de fogo, com validade em todo o
território nacional, somente será expedida em condições especiais, a serem
estabelecidas em regulamento.
Art. 9º Fica instituída a cobrança de taxa pela prestação de serviços relativos à
expedição de Porte Federal de Arma de Fogo, nos valores constantes do Anexo a esta
Lei.
Parágrafo único - Os valores arrecadados destinam-se ao custeio e manutenção das
atividades do Departamento de Polícia Federal.
CAPíTULO IV
DOS CRIMES E DAS PENAS
Art. 10. Possuir, deter, portar, fabricar, adquirir, vender, alugar, expor à venda ou
fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente,
emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda e ocultar arma de fogo, de uso
permitido, sem a autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
CAPíTULO V
DISPOSIÇÕES FiNAIS
265
Art. 11. A definição de armas, acessórios e artefatos de uso proibido ou restrito será
disciplinada em ato do Chefe do Poder Executivo Federal, mediante proposta do
Ministério do Exército.
Art. 12. Armas, acessórios e artefatos de uso restrito e de uso permitido são os
definidos na legislação pertinente.
Art. 13. Excetuadas as atribuições a que se refere o Art. 2º desta Lei, compete ao
Ministério do Exército autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de armas de fogo
e demais produtos controlados, inclusive o registro e o porte de tráfego de arma de fogo
de colecionadores, atiradores e caçadores.
Art. 14. As armas de fogo encontradas sem registro e/ou sem autorização serão
apreendidas e, após elaboração do laudo pericial, recolhidas ao Ministério do Exército,
que se encarregará de sua destinação.
Art. 15. É vedada a fabricação, a venda, a comercialização e a importação de
brinquedos, réplicas e simulacros de armas de fogo, que com estas se possam
confundir.
Parágrafo único. Excetuam-se da proibição asplicas e os simulacros destinados à
instrução, ao adestramento, ou à coleção de usuário autorizado, nas condições fixadas
pelo Ministério do Exército.
Art. 16. Caberá ao Ministério do Exército autorizar, excepcionalmente, a aquisição de
armas de fogo de uso proibido ou restrito.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às aquisições dos Ministérios
Militares.
Art. 17. A classificação legal, técnica e geral das armas de fogo e demais produtos
controlados, bem como a definição de armas de uso proibido ou restrito são de
competência do Ministério do Exército.
Art. 18. É vedado ao menor de vinte e um anos adquirir arma de fogo.
266
Art. 19. O regulamento desta Lei será expedido pelo Poder Executivo no prazo de
sessenta dias.
Parágrafo único. O regulamento poderá estabelecer o recadastramento geral ou parcial
de todas as armas.
Art. 20. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, exceto o Art. 10, que entra
em vigor após o transcurso do prazo de que trata o Art. 5º.
Art. 21. Revogam-se as disposições em contrário.
6- Lei N 9.426, de 24 de dezembro de 1996.
Alterou dispositivos do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 - Código Penal - Parte Especial
Art. 1.º. Os dispositivos a seguir enumerados, do Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de
1940 - Código Penal, passam a vigorar com as seguintes alterações:
"Art. 155. ......................................
§ 5.º A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que
venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.
Art. 157. ........................................
§ 2.º ........................................
IV - se a su
b
tração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado
ou para o exterior;
V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.
§ 3.º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos,
além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.
Art. 180. Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio,
coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receb
a
267
ou oculte:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1.º Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar,
remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou
alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de
crime:
Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.
Receptação qualificada
§ 2.º Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de
comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência.
§ 3.º Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o
preço, ou pela condição de quem oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.
§4.º A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de
que proveio a coisa.
§ 5.º Na hipótese do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as
circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2º do
art. 155.
§ 6.º Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empres
a
concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no
"caput" deste artigo aplica-se em dobro.
Art. 309. ....................................
Parágrafo único. Atribuir a estrangeiro falsa qualidade para promover-lhe a entrada em
território nacional:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
268
Art. 310. Prestar-se a figurar como proprietário ou possuidor de ação, título ou valo
r
pertencente a estrangeiro, nos casos em que a este é vedada por lei a propriedade ou a posse
de tais bens:
Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa.
Adulteração de sinal identificador de veículo automotor
Art. 311. Adulterar ou remarcar número de chassi ou qualquer sinal identificador de veículo
automotor, de seu componente ou equipamento:
Pena - reclusão, de três a seis anos, e multa.
§ 1.º Se o agente comete o crime no exercício da função pública ou em razão dela, a pena é
aumentada de um terço.
§ 2.º Incorre nas mesmas penas o funcionário público que contribui para o licenciamento ou
registro do veículo remarcado ou adulterado, fornecendo indevidamente material ou
informação oficial."
269
7- Lei N 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas
ao meio ambiente e dá outras providências.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu
sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I
DISPOSIÇÕES GERAIS
Art 1º (VETADO)
Art 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstas nesta Lei,
incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor,
o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o
preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem,
deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.
Art 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente
conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de
seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício
da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas
físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
Art 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for
obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
Art 5º (VETADO)
CAPÍTULO II
DA APLICAÇÃO DA PENA
270
Art 6º Para imposição e gradação da penalidade, a autoridade competente observará:
I - a gravidade do fato, tendo em vista os motivos da infração e suas conseqüências para a
saúde pública e para o meio ambiente;
II - os antecedentes do infrator quanto ao cumprimento da legislação de interesse
ambiental;
III - a situação econômica do infrator, no caso de multa.
Art 7º As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de
liberdade quando:
I - tratar-se de crime culposo ou for aplicada a pena privativa de liberdade inferior a
quatro anos;
II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado,
bem como os motivos e as circunstâncias do crime indicarem que a substituição seja
suficiente para efeitos de reprovação e prevenção do crime.
Parágrafo único. As penas restritivas de direitos a que se refere este artigo terão a mesma
duração da pena privativa de liberdade substituída.
Art. 8º As penas restritivas de direito são:
I - prestação de serviços à comunidade;
II - interdição temporária de direitos;
III - suspensão parcial ou total de atividades;
IV - prestação pecuniária;
V - recolhimento domiciliar.
Art 9º A prestação de serviços à comunidade consiste na atribuição ao condenado de
tarefas gratuitas junto a parques e jardins públicos e unidades de conservação, e, no caso
de dano da coisa particular, pública ou tombada, na restauração desta, se possível.
Art 10. As penas de interdição temporária de direito são a proibição de o condenado
contratar com o Poder Público, de receber incentivos fiscais quaisquer outros benefícios,
bem como de participar de licitações, pelo prazo de cinco anos, no caso de crimes
dolosos, e de três anos, no de crimes culposos.
271
Art 11. A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo
às prescrições legais.
Art 12. A prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima ou à entidade
pública ou privada com fim social, de importância, fixada pelo juiz, não inferior a um
salário mínimo nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos. O valor pago será
deduzido do
montante de eventual reparação civil a que for condenado o infrator.
Art 13. O recolhimento domiciliar baseia-se na autodisciplina e senso de responsabilidade
do condenado, que deverá, sem vigilância, trabalhar, freqüentar curso ou exercer
atividade autorizada, permanecendo recolhido nos dias e horários de folga em residência
ou em qualquer local destinado a sua moradia habitual, conforme estabelecido na
sentença condenatória.
Art 14. São circunstâncias que atenuam a pena:
I - baixo grau de instrução ou escolaridade do agente;
II - arrependimento do infrator, manifestado pela espontânea reparação do dano, ou
imitação significativa da degradação ambiental causada;
Ill - comunicação prévia pelo agente do perigo iminente de degradação ambiental;
IV - colaboração com os agentes encarregados da vigilância e do controle ambiental.
Art 15. São circunstâncias que agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o
crime:
I - reincidência nos crimes de natureza ambiental;
II - ter o agente cometido a infração:
a) para obter vantagem pecuniária;
b) coagindo outrem para a execução material da infração;
c) afetando ou expondo a perigo, de maneira grave, a saúde pública ou o meio ambiente;
d) concorrendo para danos à propriedade alheia;
e) atingindo áreas de unidades de conservação ou áreas sujeitas, por ato do Poder Público,
a regime especial de uso;
f) atingindo áreas urbanas ou quaisquer assentamentos humanos;
g) em período de defeso à fauna;
272
h) em domingos ou feriados;
i) à noite;
j) em épocas de seca ou inundações;
l) no interior do espaço territorial especialmente protegido;
m) com o emprego de métodos cruéis para abate ou captura de animais;
n) mediante fraude ou abuso de confiança;
o) mediante abuso do direito de licença, permissão ou autorização ambiental;
p) no interesse de pessoa jurídica mantida, total ou parcialmente, por verbas públicas ou
beneficiada por incentivos fiscais;
q) atingindo espécies ameaçadas, listadas em relatórios oficiais das autoridades
competentes;
r) facilitada por funcionário público no exercício de suas funções.
Art 16. Nos crimes previstos nesta Lei, a suspensão condicional da pena pode ser aplicada
nos casos de condenação a pena privativa de liberdade não superior a três anos.
Art 17. A verificação da reparação a que se refere o § 2º do art. 78 do Código Penal será
feita mediante laudo de reparação do dano ambiental, e as condições a serem impostas
pelo juiz deverão relacionar-se com a proteção ao meio ambiente.
Art 18. A multa será calculada segundo os critérios do Código Penal; se revelar-se
ineficaz, ainda que aplicada no valor máximo, poderá ser aumentada até três vezes, tendo
em vista o valor da vantagem econômica auferida.
Art 19. A perícia de constatação do dano ambiental, sempre que possível, fixará o
montante do prejuízo causado para efeitos de prestação de fiança e cálculo de multa.
Parágrafo único. A perícia produzida no inquérito civil ou no juízo cível poderá ser
aproveitada no processo penal, instaurando-se o contraditório.
Art 20. A sentença penal condenatória, sempre que possível, fixará o valor mínimo para
reparação dos danos causados pela inflação, considerando os prejuízos sofridos pelo
ofendido ou pelo meio ambiente.
Parágrafo único. Transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá
273
efetuar-se pelo valor fixado nos termos do caput, sem prejuízo da liquidação para
apuração do dano efetivamente sofrido.
Art 21. As penas aplicáveis isolada, cumulativa ou alternativamente às pessoas jurídicas,
de acordo com o disposto no art. 3º, são:
I - multa;
II - restritivas de direitos;
III - prestação de serviços à comunidade.
Art 22. As penas restritivas de direitos da pessoas jurídica são:
I - suspensão parcial ou total de atividades;
II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;
Ill - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios,
subvenções ou doações.
§ 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às
disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente.
§ 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou
atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a
concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.
§ 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou
doações não poderá exceder o prazo de dez anos.
Art 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em:
I - custeio de programas e de projetos ambientais;
Il - execução de obras de recuperação de áreas degradadas;
III - manutenção de espaços públicos;
IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.
Art 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim de
permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada sua
liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal
perdido em favor do
Fundo Penitenciário Nacional.
274
CAPÍTULO III
DA APREENSÃO DO PRODUTO E DO INSTRUMENTO DE INFRAÇÃO
ADMINISTRATIVA OU DE CRIME
Art 25. Verificada a infração, serão apreendidas seus produtos e instrumentos, lavrando-
se os respectivos autos.
§ 1º Os animais serão libertados em seu habitat ou entregues a jardins zoológicos,
fundações ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de
técnicos habilitados.
§ 2º Tratando-se de produtos perecíveis ou madeiras, serão estes avaliados e doados a
instituições científicas, hospitalares, penais e outras com fins beneficentes.
§ 3º Os produtos e subprodutos da fauna não perecíveis serão destruídos ou doados a
instituições científicas, culturais ou educacionais.
§ 4º Os instrumentos utilizados na prática da infração serão vendidos, garantida a sua
descaracterização por meio da reciclagem.
CAPÍTULO IV
DA AÇÃO E DO PROCESSO PENAL
Art 26. Nas infrações penais previstas nesta Lei, a ação penal é pública incondicionada.
Parágrafo único. (VETADO)
Art 27. Nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a proposta de aplicação
imediata de pena restritiva de direitos ou multa, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099, de 26
de setembro de 1995, somente poderá ser formulada desde que tenha havido a prévia
composição do dano
ambiental, de que trata o art. 74 da mesma lei, salvo em caso de comprovada
impossibilidade.
Art 28. As disposições do art. 89 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, aplicam-se
aos crimes de menor potencial ofensivo definidos nesta Lei, com as seguintes
modificações:
I - a declaração de extinção de punibilidade, de que trata o § 5º do artigo referido no
275
caput, dependerá de laudo de constatação de reparação do dano ambiental, ressalvada a
impossibilidade prevista no inciso I do § 1º do mesmo artigo;
II - na hipótese de o laudo de constatação comprovar não ter sido completa a reparação, o
prazo de suspensão do processo será prorrogado, até o período máximo previsto no artigo
referido no caput, acrescido de mais um ano, com suspensão do prazo da prescrição;
III - no período de prorrogação, não se aplicarão as condições dos incisos II, III e IV do §
1º do artigo mencionado no caput;
IV - findo o prazo de prorrogação, proceder-se-á à lavratura de novo laudo de constatação
de reparação do dano ambiental, podendo, conforme seu resultado, ser novamente
prorrogado o período de suspensão, até o máximo previsto no inciso II deste artigo,
observado o disposto no inciso III;
V - esgotado o prazo máximo de prorrogação, a declaração de extinção de punibilidade
dependerá de laudo de constatação que comprove ter o acusado tomado as providências
necessárias à reparação integral do dano.
CAPíTULO-V
DOS CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE
SEÇÃO I
Dos Crimes contra a Fauna
Art 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou
em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade
competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
I - quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a
obtida;
II - quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;
III - quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou
depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em
rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros
não autorizadas ou
276
sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.
§ 2º No caso de guarda doméstica de espécie silvestre não considerada ameaçada de
extinção, pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.
§ 3º São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas,
migratória e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu
ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais
brasileiras.
§ 4º A pena é aumentada de metade, se o crime é praticado:
I - contra espécie rara ou considerada ameaçada de extinção, ainda que somente no local
da infração;
II - em período proibido à caça;
III - durante a noite;
IV - com abuso de licença;
V - em unidade de conservação;
VI - com emprego de métodos ou instrumentos capazes de provocar destruição em
massa.
§ 5º A pena é aumentada até o triplo, se o crime decorre do exercício de caça
profissional;
§ 6º As disposições deste artigo não se aplicam aos atos de pesca.
Art 30. Exportar para o exterior peles e couros de anfíbios e répteis em bruto, sem a
autorização da autoridade ambiental competente:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Art 31. Introduzir espécime animal no País, sem parecer técnico oficial favorável e
licença expedida por autoridade competente:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Art 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos
ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal
vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
277
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Art 33. Provocar, pela emissão de efluentes ou carreamento de materiais, o perecimento
de espécimes da fauna aquática existentes em rios, lagos, açudes, lagoas, baías ou águas
jurisdicionais brasileiras:
Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas cumulativamente.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas
:I - quem causa degradação em viveiros, açudes ou estações de aqüicultura de domínio
público;
II - quem explora campos naturais de invertebrados aquáticos e algas, sem licença,
permissão ou autorização da autoridade competente;
III - quem fundeia embarcações ou lança detritos de qualquer natureza sobre bancos de
moluscos ou corais, devidamente demarcados em carta náutica.
Art 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por
órgão competente:
Pena - detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:
I - pesca espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos
permitidos;
II - pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos,
petrechos, técnicas e métodos não permitidos;
III - transporta, comercializa, beneficia ou industrializa espécimes provenientes da coleta,
apanha e pesca proibidas.
Art 35. Pescar mediante a utilização de:
I - explosivos ou substâncias que, em contato com a água, produzam efeito semelhante;
Il - substâncias tóxicas, ou outro meio proibido pela autoridade competente:
Pena - reclusão de um ano a cinco anos.
Art 36. Para os efeitos desta Lei, considera-se pesca todo ato tendente a retirar, extrair,
coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes dos grupos dos peixes, crustáceos,
moluscos e vegetais hidróbios, suscetíveis ou não de aproveitamento econômico,
ressalvadas as
278
espécies ameaçadas de extinção, constantes nas listas oficiais da fauna e da flora.
Art 37. Não é crime o abate de animal, quando realizado:
I - em estado de necessidade, para saciar a fome do agente ou de sua família;
II - para proteger lavouras, pomares e rebanhos da ação predatória ou destruidora de
animais, desde que legal e expressamente autorizado pela autoridade competente;
III - (VETADO)
IV - por ser nocivo o animal, desde que assim caracterizado pelo órgão competente.
SEÇÃO II
DOS CRIMES CONTRA A FLORA
Art 38. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que
em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:
Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.
Art 39. Cortar árvores em floresta considerada de preservação permanente, sem permissão
da autoridade competente:
Pena - detenção, de um a três anos, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Art 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata
o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua
localização: Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 1º Entende-se por Unidades de Conservação as Reservas Biológicas,Reservas
Ecológicas, Estações Ecológicas, Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, Florestas
Nacionais, Estaduais e Municipais, Áreas de Proteção Ambiental, Áreas de Relevante
Interesse Ecológico
e Reservas Extrativistas ou outras a serem criadas pelo Poder Público.
§ 2º A ocorrência de dano afetando espécies ameaçadas de extinção no interior das
Unidades de Conservação será considerada circunstância agravante para a fixação da
pena.
§ 3º Se o crime for culposo, a pena será reduzida à metade.
279
Art 41. Provocar incêndio em mata ou floresta:
Pena - reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de detenção de seis meses a um ano, e
multa.
Art 42. Fabricar, vender, transportar ou soltar balões que possam provocar incêndios nas
florestas e demais formas de vegetação, em áreas urbanas ou qualquer tipo de
assentamento humano:
Pena - detenção de um a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Art 43. (VETADO)
Art 44. Extrair de florestas de domínio público ou consideradas de preservação
permanente, sem prévia autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Art 45. Cortar ou transformar em carvão madeira de lei, assim classificada por ato do
Poder Público, para fins industriais, energéticos ou para qualquer outra exploração,
econômica ou não, em desacordo com as determinações legais:
Pena - reclusão, de um a dois anos, e multa.
Art 46. Receber ou adquirir, para fins comerciais ou industriais, madeira, lenha, carvão e
outros produtos de origem vegetal, sem exigir a exibição de licença do vendedor,
outorgada pela autoridade competente, e sem munir-se da via que deverá acompanhar o
produto até final beneficiamento:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem vende, expõe à venda, tem em depósito,
transporta ou guarda madeira, lenha, carvão e outros produtos de origem vegetal, sem
licença válida para todo o tempo da viagem ou do armazenamento, outorgada pela
autoridade competente.
Art 47. (VETADO)
Art 48. Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de
280
vegetação. Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Art 49. Destruir, danificar, lesar ou maltratar, por qualquer modo ou meio, plantas de
ornamentação de logradouros públicos ou em propriedade privada alheia:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Parágrafo único. No crime culposo, a pena é de um a seis meses, ou multa.
Art 50. Destruir ou danificar florestas nativas ou plantadas ou vegetação fixadora de
dunas protetora de mangues, objeto de especial preservação:
Pena - detenção, de três meses a um ano e multa.
Art 51. Comercializar motosserra ou utilizá-la em florestas e nas demais formas de
vegetação, sem licença ou registro da autoridade competente:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Art 52. Penetrar em Unidades de Conservação conduzindo substâncias ou instrumentos
próprios para caça ou para exploração de produtos ou subprodutos florestais, sem licença
da autoridade competente:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Art 53. Nos crimes previstos nesta Seção, a pena é aumentada de um sexto a um terço se:
I - do fato resulta a diminuição de águas naturais, a erosão do solo ou a modificação do
regime climático;
II - o crime é cometido:
a) no período de queda das sementes;
b) no período de formação de vegetações;
c) contra espécies raras ou ameaçadas de extinção, ainda que a ameaça ocorra somente no
local da infração;
d) em época de seca ou inundação;
e) durante a noite, em domingo ou feriado.
SEÇÃO III
281
DA POLUIÇÃO E OUTROS CRIMES AMBIENTAIS
Art 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam
resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a
destruição significativa da flora:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
§ 2º Se o crime:
I - tomar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;
II - causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos
habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;
III - causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público
de água de uma comunidade;
IV - dificultar ou impedir o uso público das praias;
V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou
substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou
regulamentos:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar,
quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco
de dano ambiental grave ou irreversível.
Art 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente
autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem deixa de recuperar a área pesquisada ou
explorada, nos termos da autorização, permissão, licença, concessão ou determinação do
órgão competente.
Art 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer,
transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica,
perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as
exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos:
282
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem abandona os produtos ou substâncias referidos no
caput, ou os utiliza em desacordo com as normas de segurança.
§ 2º Se o produto ou a substância for nuclear ou radioativa, a pena é aumentada de um
sexto a um terço.
§ 3º Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Art 57. (VETADO)
Art 58. Nos crimes dolosos previstos nesta Seção, as penas serão aumentadas:
I - de um sexto a um terço, se resulta dano irreversível à flora ou ao meio ambiente em
geral;
II - de um terço até a metade, se resulta lesão corporal de natureza grave em outrem;
III - até o dobro, se resultar a morte de outrem.
Parágrafo único. As penalidades previstas neste artigo somente serão aplicadas se do fato
não resultar crime mais grave.
Art 59. (VETADO)
Art 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do
território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem
licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas
legais e regulamentares pertinentes:
Pena - detenção, de um a seis meses ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
Art 61. Disseminar doença ou praga ou espécies que possam causar dano à agricultura, à
pecuária, à fauna, à flora ou aos ecossistemas:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
SEÇÃO IV
DOS CRIMES CONTRA O ORDENAMENTO URBANO E O PATRIMÔNIO
CULTURAL
283
Art 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:
I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;
II - arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca, instalação científica ou similar
protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime for culposo, a pena é de seis meses a um ano de detenção,
sem prejuízo da multa.
Art 63. Alterar o aspecto ou estrutura de edificação ou local especialmente protegido por
lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico,
turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental,
sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida:
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Art 64. Promover construção em solo não edificável, ou no seu entorno, assim
considerado em razão de seu valor paisagístico, ecológico, artístico, turístico, histórico,
cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da
autoridade competente ou em
desacordo com a concedida:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Art 65. Pichar, grafitar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Parágrafo único. Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do
seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de seis meses a um ano de
detenção, e multa.
SEÇÃO V
DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO AMBIENTAL
Art 66. Fazer o funcionário público afirmação falsa ou enganosa, omitir a verdade,
sonegar informações ou dados técnico-científicos em procedimentos de autorização ou de
licenciamento ambiental:
284
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.
Art 67. Conceder o funcionário público licença, autorização ou permissão em desacordo
com as normas ambientais, para as atividades, obras ou serviços cuja realização depende
de ato autorizativo do Poder Público:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano de detenção, sem
prejuízo da multa.
Art 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir
obrigação de relevante interesse ambiental:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo da
multa.
Art 69. Obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no
trato de questões ambientais:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
CAPíTULO VI
DA INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA
Art 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as
regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.
§ 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar
processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema
Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização,
bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.
§ 2º Qualquer pessoa, constatando infração ambiental, poderá dirigir representação às
autoridades relacionadas no parágrafo anterior, para efeito do exercício do seu poder de
polícia.
§ 3º A autoridade ambiental que tiver conhecimento de infração ambiental é obrigada a
promover a sua apuração imediata, mediante processo administrativo próprio, sob pena de
285
co-responsabilidade.
§ 4º As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio,
assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições desta
Lei.
Art 71. O processo administrativo para apuração de infração ambiental deve observar os
seguintes prazos máximos:
I - vinte dias para o infrator oferecer defesa ou impugnação contra o auto de infração,
contados da data da ciência da autuação;
II - trinta dias para a autoridade competente julgar o auto de infração, contados da data da
sua lavratura, apresentada ou não a defesa ou impugnação;
III - vinte dias para o infrator recorrer da decisão condenatória à instância superior do
Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, ou à Diretoria de Portos e Costas, do
Ministério da Marinha, de acordo com o tipo de autuação;
IV - cinco dias para o pagamento de multa, contados da data do recebimento da
notificação.
Art 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o
disposto no art. 6º:
I - advertência;
II - multa simples;
III - multa diária;
IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos,
petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
V - destruição ou inutilização do produto;
VI - suspensão de venda e fabricação do produto;
VII - embargo de obra ou atividade;
VIII - demolição de obra;
IX - suspensão parcial ou total de atividades;
X - (VETADO)
XI - restritiva de direitos.
§ 1º Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas,
cumulativamente, as sanções a elas cominadas.
286
§ 2º A advertência será aplicada pela inobservância das disposições desta Lei e da
legislação em vigor, ou de preceitos regulamentares, sem prejuízo das demais sanções
previstas neste artigo.
§ 3º A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo:
I - advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo
assinalado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do
Ministério da Marinha;
lI - opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos,
do Ministério da Marinha.
§ 4º A multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e
recuperação da qualidade do meio ambiente.
§ 5º A multa diária será aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no
tempo.
§ 6º A apreensão e destruição referidas nos incisos IV e V do caput obedecerão ao
disposto no art. 25 desta Lei.
§ 7º As sanções indicadas nos incisos VI a IX do caput serão aplicadas quando o produto,
a obra, a atividade ou o estabelecimento não estiverem obedecendo às prescrições legais
ou regulamentares.
§ 8º As sanções restritivas de direito são:
I - suspensão de registro, licença ou autorização;
Il - cancelamento de registro, licença ou autorização;
III - perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais;
IV - perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos
oficiais de crédito;
V - proibição de contratar com a Administração Pública, pelo período de até três anos.
Art 73. Os valores arrecadados em pagamento de multas por infração ambiental serão
revertidos ao Fundo Nacional do Meio Ambiente, criado pela Lei nº 7.797, de 10 de julho
de 1989, Fundo Naval, criado pelo Decreto nº 20.923, de 8 de janeiro de 1932, fundos
estaduais ou municipais de meio ambiente, ou correlatos, conforme dispuser o órgão
arrecadador.
Art 74. A multa terá por base a unidade, hectare, metro cúbico, quilograma ou outra
287
medida pertinente, de acordo com o objeto judico lesado.
Art 75. O valor da multa de que trata este Capítulo será fixado no regulamento desta Lei e
corrigido periodicamente, com base nos índices estabelecidos na legislação pertinente,
sendo o mínimo de R$50,00 (cinqüenta reais) e o máximo de R$50.000.000,00 (cinqüenta
milhões de reais).
Art 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou
Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência.
CAPíTULO VII
DA COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA A PRESERVAÇÃO DO MEIO
AMBIENTE
Art 77. Resguardados a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes, o
Governo brasileiro prestará, no que concerne ao meio ambiente, a necessária cooperação
a outro país, sem qualquer ônus, quando solicitado para:
I - produção de prova;
II - exame de objetos e lugares;
III - informações sobre pessoas o coisas;
IV - presença temporária da pessoa presa, cujas declarações tenham relevância para a
decisão de uma causa;
V - outras formas de assistência permitidas pela legislação em vigor ou pelos tratados de
que o Brasil seja parte.
§ 1º A solicitação de que trata este artigo será dirigida ao Ministério da Justiça que a
remeterá, quando necessário, ao órgão judiciário competente para decidir a seu respeito,
ou a encaminhará à autoridade capaz de atendê-la.
§ 2º A solicitação deverá conter:
I - o nome e a qualificação da autoridade solicitante;
II - o objeto e o motivo de sua formulação;
III - a descrição sumária do procedimento em curso no país solicitante;
IV - a especificação da assistência solicitada;
288
V - a documentação indispensável ao seu esclarecimento, quando for o caso.
Art 78. Para a consecução dos fins visados nesta Lei e especialmente para a reciprocidade
da cooperação internacional, deve ser mantido sistema de comunicações apto a facilitar o
intercâmbio rápido e seguro de informações com órgãos de outros países.
CAPÍTULO VIII
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art 79. Aplicam-se subsidiariamente a esta Lei as disposições do Código Penal e do
Código de Processo Penal.
Art 80. O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de noventa dias a contar de
sua publicação.
Art 81. (VETADO)
Art 82. Revogam-se as disposições em contrário.
RETIFICAÇÃO
No D.O nº 31, de 13-2-98, Seção 1, pág. 1, ONDE SE LÊ : Lei Nº
9.605, DE FEVEREIRO DE 1998, LEIA - SE : LEI Nº 9.605, DE 12 DE
FEVEREIRO DE 1998.
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