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verbo e do advérbio, sendo que o acréscimo do termo “vagabunda”, um xingo
popularmente conhecido e falado no Brasil, denota o abrasileiramento da linguagem.
A última fala da formiga seria o resultado da fábula, se o narrador, contrariando todos
os princípios da fábula convencional, não resolvesse inovar, elaborando um outro resultado
formado por comentários sobre a morte da cigarra e suas conseqüências. Na fábula pouca
importância é dada para o antes e principalmente para o depois. Interessa, apenas, o
momento, o conflito. Vejamos o que diz Portella: “Como elas foram antes deste momento
ou serão depois, não é possível saber, só imaginar”(Portella, 1983: 134).
Preservando uma característica marcante e vital da fábula, o narrador explicita aquilo
que chamaríamos de moralidade: “Os artistas – poetas, pintores, músicos – são cigarras da
humanidade”. Entretanto, a moralidade, aqui, não tem valor de conduta, mas sim, valor
conceitual. Muda-se completamente a concepção tradicional. A cigarra, que geralmente é
tida como protótipo da ociosidade, torna-se, agora, uma artista, uma representante de todos
os que militam nesta área. Em toda a narrativa, percebemos uma tendência total de
exaltação da arte, sendo que o acúmulo de bens tem importância menor, já que o espaço e o
contexto são outros. Lembrando que a maior parte da produção literária de Lobato é
publicada nas décadas de 20 e 30, vale frisar que, neste período, vive-se o momento
revolucionário do Modernismo, que tinha como finalidade primeira, criar e dar vazão a uma
arte essencialmente brasileira. Monteiro Lobato via com reservas esse movimento, mas
acabou sendo mais moderno do que nunca quando, ao adaptar os clássicos, em especial as
fábulas, resgatou o primitivo e criou um diálogo conflituoso entre os textos.
O grande mérito de Lobato que, definitivamente, justifica sua originalidade não é,
apenas, a adaptação da fábula, mas o acréscimo de um espaço narrativo para os
personagens do Sítio do Picapau Amarelo, a fim de que pudessem questionar e comparar a
história com as suas próprias experiências de vida. A fábula é, portanto, submetida a júri,
sendo que as declarações tendenciosas do narrador e a moral, se houverem, são amenizadas
ou relativizadas. A personagem infantil que julga esta fábula é, sobretudo, Narizinho,
acompanhada da boneca Emília e de D. Benta. Na obra infantil de Lobato, tanto o adulto
como o narrador da fábula deixam de ser os donos do saber e a autoridade recai sobre a
criança. Bem por isso, Narizinho ousadamente inicia a sua fala da seguinte forma: “ – Esta
fábula está errada - ...”. Sua discordância reside no fato de não aceitar a existência de uma
formiga má e egoísta, já que este inseto, geralmente, é de natureza solidária. Dona Benta,
quando responde ao questionamento de Narizinho, acaba por destacar uma das
características da fábula clássica: “Dona Benta explicou que as fábulas não eram lições de
História Natural, mas de Moral”. No caso específico desta fábula de Lobato, a “moral”
ensinada é totalmente diferente do ensinamento tradicionalmente conhecido. Ao invés de
exaltar o trabalho que está relacionado à formiga, sobrevaloriza a habilidade da cigarra e a
transforma em representante da atividade artística.
Neste caso específico de “A cigarra e as formigas”, notamos que há, portanto, um
conflito que se estabelece com a história clássica principalmente quanto ao conteúdo. Além
de não ter valor de fábula enquanto estrutura, este texto tem intenção de crítica do
conhecido texto clássico e de fazer com que o leitor reflita sobre sua moral e com isso
modifique valores.
A inserção de crianças no contexto ficcional da fábula é um dos fatores que,
juntamente com a linguagem, pode fazer com que a adaptação de Lobato seja mais atraente
ao leitor infantil. No caso da linguagem podemos verificar uma considerável quantidade de
diminutivos(cansadinha, xalinho, amiguinha, etc), além da onomatopéia “tique, tique,