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UFRRJ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E
SOCIEDADE
DISSERTAÇÃO
ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL COMO
INSPIRAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL COM LIBERDADE: O CASO DA
CRIAÇÃO DA APA – ALTER DO CHÃO/PA
ANDRÉA SIMONE GOMES RENTE
2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO,
AGRICULTURA E SOCIEDADE
ÁREAS DE PROTEÇÃO AMBIENTAL COMO INSPIRAÇÃO
PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COM LIBERDADE: O
CASO DA CRIAÇÃO DA APA – ALTER DO CHÃO/PA
ANDRÉA SIMONE GOMES RENTE
Sob a Orientação da Professora
Eli de Fátima Napoleão de Lima
Dissertação submetida como
requisito parcial para obtenção do
grau de Mestre em Ciências,
no
Curso de Pós-
Graduação em
Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade.
Rio de Janeiro, RJ
Março de 2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E
SOCIEDADE
ANDRÉA SIMONE GOMES RENTE
Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Ciências,
no Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, área de
Concentração em Natureza, Ciência e Saberes.
DISSERTAÇÃO APROVADA EM 10/03/2006
Eli de Fátima Napoleão de Lima. Dra. CPDA/UFRRJ
(Orientadora)
Pierina German Castelli. Dra. UNEC/MG
Marta de Azevedo Irving. Dra. EICOS/UFRJ
Nelson Giordano Delgado. Dr. CPDA/UFRRJ
Dedico este estudo a meu avô
(In Memorian)
, um amante do Rio Tapajós e um
sábio que com simplicidade me ensinou através
de histórias, charadas e piadas que
conhecimento apreendido é uma conquista que
deve ser valorizada e compartilhada.
Dedico ainda ao meu companheiro Sandro Leão,
minha filha Ana Carolina e a amiga Nice, sem
as quais o teria forças, paz de espírito e nem
sossego para concluir este estudo.
APOIO
Essa dissertação teve o apoio financeiro
de fundamental importância das
Faculdades Integradas do Tapajós – FIT, via
Fundação Instituto para o Desenvolvimento da Amazônia – FIDESA
e do Instituto Esperança de Ensino Superior – IESPES.
À estas Instituições, os meus sinceros agradecimentos.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, razão de Esperança, e Caminho para quem crê
em sua Palavra.
Aos meus pais José Luís e Maria Cleuci, por serem modelos de humildade, luta e
razão de minha existência.
A minha irmã Ana Shirley pelo incentivo, amizade e apoio que sempre vieram na
medida certa e nos momentos mais difíceis e decisórios.
Aos meus irmãos Adriano e André pela torcida.
A minha orientadora Eli Napoleão pelas orientações, incentivo e compreensão que em
vários momentos foram imprescindíveis.
Aos meus professores: Maria José, Peter May, Regina Bruno, Lionello Punzo, Renato
Maluf, Nelson Delgado, Ana lia Castro, Roberto Moreira, Sérgio Leite e Marta Irving, que
me ajudaram a expandir meus conhecimentos e descobrir a importância da
interdisciplinaridade.
A todos os funcionários do CPDA que direta ou indiretamente sempre se fizeram
presentes e dispostos a tornar minha estada no Curso a melhor possível.
A Ilson que com seu sorriso e tranqüilidade sempre nos proporcionava momentos de
paz em um lugar crítico para nós, a repografia de textos.
Aos meus colegas da turma 2004/CPDA: Arthur Lessa, Beatris Duqueviz, Betty
Rocha, Biancca de Castro, Cristina Ribeiro, Eduardo Rosas, Fábio Ramos, Fernando
Abrantes, Fernando Barcelos, Flávia de Mattos, Francisco Clesson Monte, Gilmara da Silva,
Karina Kato, Marco Antônio Lima, Mônica Mello, Priscila Sampaio, Renata Éboli, Ruth
Nunes, Silvia Zimmermann, Simone Gadelha, Vânia Pimentel, e Omar pela presença,
amizade e companheirismo, vocês são a minha conquista inesquecível.
Aos professores que fizeram parte da Banca Examinadora, que com suas observações,
críticas e incentivos me permitiram uma maior visibilidade do trabalho.
A Socorro de Lima, Sandra Silva, José Pastana e Adriane Hager por sempre estarem
disponíveis a dividirem seus conhecimentos e ouvirem as minhas dúvidas.
Em especial a Gilberto e Indira Marques, sem vocês nada disso estaria se tornando
realidade.
A todos meus amigos e familiares que com seus incentivos, palavras e mensagens de
apoio me fortalecem e ajudam a enfrentar as adversidades e seguir em frente.
Algumas pessoas ainda pensam que podem
proteger as reservas som
ente com guardas, mas
isso se mostrou insuficiente. Um envolvimento
mais amplo da população é necessário para a
conservação ser um sucesso, além de investimentos
em longo prazo em educação, saúde e participação
política.
Márcio Ayres
Idealizador da Reserva de DS de Mamirauá – AM.
BIOGRAFIA
Andréa Simone Gomes Rente, nascida em 11 de fevereiro de 1973, na cidade de
Santarém Pará. Formou-se em Ciências Econômicas, no ano de 1996, pela Universidade
Federal do Pará e cursou Especialização em Auditoria e Controladoria nas Faculdades
Integradas do Tapajós - FIT, vindo a concluí-la em 2002.
Dentre as atividades profissionais, destaca-se: nos anos de 1999 a 2002 a Agência de
Desenvolvimento do Turismo de Santarém - SANTUR onde trabalhava com elaboração de
Projetos; e, nos anos de 1999 até os dias atuais, docente nas Faculdades Integradas do Tapajós
FIT, nos cursos de Economia e Direito, e do Instituto Esperança de Ensino Superior
IESPES, nos cursos de Turismo e Administração.
Em termos de publicações, destaca-se: a participação como organizadora do livro
“Fundamentos para o Desenvolvimento da Amazônia”, em 2002, pela Alves Gráfica Editora,
de Belém-Pará. E, mais recentemente o artigo “Uma reflexão sobre as categorias
empoderamento e capital social para a análise do desenvolvimento”, em 2005, publicado na
Revista Em Foco, do IESPES, Santarém-Pará.
RESUMO
RENTE, Andréa Simone Gomes. Áreas de Proteção Ambiental como Inspiração para o
Desenvolvimento Sustentável com Liberdade: o caso da criação da APA – Alter do
Chão/Pa. 2006. 170 p. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade). Instituto de Ciências Humanas e Sociais. Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro, RJ, 2006.
Esta dissertação teve como fundamento o estudo de caso: a criação APA Alter do Chão,
situada na região do Eixo Forte, no distrito de Alter do Chão, em Santarém, Pará, Amazônia.
A base metodológica utilizada foi uma Revisão Bibliográfica que permitiu um diálogo das
principais temáticas referenciadas e, uma Pesquisa de Campo, onde se realizou entrevistas
abertas e coleta de informações em instituições governamentais municipais e federais. A
pesquisa de campo teve como fim último a caracterização da área e a reconstituição do
processo de criação da APA Alter do Chão através de relato oral e de observação
participante. Buscou-se, a partir desses métodos, atingir os objetivos fins. Tais objetivos estão
relacionados com a tentativa de compreensão de como o processo de criação de uma Área de
Proteção Ambiental - APA, no caso a APA Alter do Chão, pode ser ou não visto como
inspiração para o desenvolvimento sustentável com liberdade em uma dada região, levando
em conta aspectos políticos, econômicos, sociais e ambientais que permeiam tal processo.
Esse processo que, em todos os níveis, se sustenta a partir da relação sociedade-natureza e a
partir da crença de que Unidade de Conservação UC de Uso Sustentável, como as APA’s e
o desenvolvimento podem configurar-se como relações possíveis desde que haja uma
percepção que a sociedade tem liberdade e precisa adquirir capacidades de fazer escolhas,
possibilitando aos membros desta atingir um patamar em que reconheçam que a sua
sobrevivência e de outras gerações dependem destas escolhas. Neste sentido, são dois os
principais resultados deste estudo: o primeiro está relacionado à percepção de que as APA’s
enquanto estratégias de políticas públicas ambientais podem ser vistas como meios de
viabilizar a relação sociedade-natureza a partir de um processo de participação democrático
em que os principais atores envolvidos estejam de acordo e estimulados a usarem as mesmas
na busca do desenvolvimento. E, segundo a visão positiva do desenvolvimento, atrelando-o a
processos que desencadeiam criação de UC’s de Uso Sustentável, como a APA Alter do
Chão.
Palavras-chave: Área de Proteção Ambiental, Alter do Chão, Desenvolvimento.
ABSTRACT
RENTE, Andréa Simone Gomes. Áreas of Ambient Protection as inspiration for the
Sustainable Devolopment with Freedom: The case of the creation of APA Alter do
Chão/Pa. 2006. 170 p. Dissertação (Mestrado in Devoloment, Agriculture and Society).
Institute of Social and Human Sciences. University Rural Federal of Rio de Janeiro, RJ, 2006.
This dissertation had as foundation the case study: the creation APA - Alter do Chão, located
in the area of the Eixo Forte, in the district of Alter do Chão, in Santarém, Pará, Amazonian.
The used methodological base was a Bibliographical Revision that it allowed a dialogue of
the main themes and, a Research of Field, where we took place open interviews and collection
of information in municipal and federal government institutions. The field research had as last
end the characterization of the area and the rebuilding of the process of creation of APA -
Alter of the Ground through oral report and of participant observation. It was looked for, to
leave of those methods, to reach the objectives ends. Such objectives are related with the
understanding attempt of as the process of creation of an Area of Environmental Protection -
APA, in the case APA - Alter do Chão, can be or no seen as inspiration for the maintainable
development with freedom in a given area, taking into account aspects political, economical,
social and environmental that you/they permeate such process. That process that, in all of the
levels, it is sustained starting from the relationship society-nature and starting from the faith
that Unit of Conservation - UC of Maintainable Use, as APA's and the development can be
configured as possible relationships since there is a perception that the society has freedom
and she needs to acquire capacities to do choices, making possible to the members of this to
reach a landing in that you/they recognize that his/her survival and of other generations they
depend on these choices. In this sense, they are two the main results of this study: the first is
related to the perception that APA's while strategies of environmental public politics can be
seen as means of making possible the relationship society-nature starting from a democratic
participation process in that the main involved actors agree and stimulated her use the same
ones in the search of the development. And, according to the positive vision of the
development, harnessing it to processes that unchain creation of UC's of Maintainable Use,
like APA - Alter do Chão.
KEY-WORDS: Area of Ambient Protection - APA, Alter do Chão, Devolopment.
LISTA DE SIGLAS
AMEIFOR Associação dos Moradores do Eixo Forte
AOMT-BAM Associação das Organizações de Mulheres Trabalhadoras do Baixo
Amazonas
APA Área de Proteção Ambiental
AP’s Áreas Protegidas
APRUSAN Associação dos Produtores de Santarém
BASA Banco da Amazônia S/A
BCB Banco de Crédito da Amazônia
CDB Convenção sobre Diversidade Biológica
CEFT-BAM Centro de Estudo, Pesquisa e Formação de Trabalhadores do Baixo
Amazonas
CFR Casa Familiar Rural
COMTUMA Conselho Municipal de Turismo e Meio Ambiente
CONABIO Comissão Nacional de Biodiversidade
CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente
CNS Conselho Nacional dos Seringueiros
COP7 Sétima Conferência das Partes
COP8 Oitava Conferência das Partes
CPT Comissão Pastoral da Terra
ECT Empresa de Correios e Telégrafos
EMATER Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
EMBRATUR Instituto Brasileiro de Turismo
EUA Estados Unidos da América
FIT Faculdades Integradas do Tapajós
FLONA-Tapajós Floresta Nacional do Tapajós
FUNAI Fundação Nacional do Índio
FUNATURA Fundação para a Conservação da Natureza
GDA Grupo de Defesa da Amazônia
IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis
IBDF Instituto Brasileiro para o Desenvolvimento Florestal
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IESPES Instituto Esperança de Ensino Superior
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INPA Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
ISAM Instituto Sócio-Ambiental de Santarém
ITERPA Instituto de Terra do Pará
ITR Imposto Territorial Rural
LBA Experimento de Grande Escala da Biosfera - Atmosfera na Amazônia
MBA Man and Biosfere
MMA Ministério do Meio Ambiente
MPEG Museu Paraense Emílio Goeldi
ONG Organização não Governamental
PCN Programa Calha Norte
PDA’s Planos de Desenvolvimento da Amazônia
PETROBRÁS Petróleo Brasileiro S. A.
PGC Programa Grande Carajás
PI Proteção Integral
PIN Programa de Integração Nacional
PNAP Plano Nacional de Áreas Protegidas
PNMA Política Nacional de Meio Ambiente
POLOAMAZÔNIA
Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais na Amazônia
PROECOTUR Programa de Desenvolvimento de Ecoturismo da Amazônia Legal
PT Partido dos Trabalhadores
RESEX Tapajós-
Arapiuns
Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns
SANTUR Agência de Desenvolvimento do Turismo de Santarém
SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SECTAM Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente
SEMA Secretaria Especial de Meio Ambiente
SEMINF Secretaria Municipal de Infra-Estrutura
SEMTUR Secretaria Municipal de Turismo e Integração Regional
SISNAMA Sistema Nacional do Meio Ambiente
SIVAM Sistema de Vigilância da Amazônia
SNUC Sistema Nacional de Unidades de Conservação
SPEVEA Superintendência para o Plano de Valorização Econômica da Amazônia
STR Sindicato dos Trabalhadores Rurais
SUDAM Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia
SUFRAMA Superintendência da Zona Franca de Manaus
UC’s Unidades de Conservação
UICN União Internacional para a Conservação da Natureza
UIPN União Internacional para a Proteção da Natureza
ULBRA Universidade Luterana do Brasil
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
US Uso Sustentável
Z-20 Colônia de Pescadores Zona 20 de Santarém
LISTA DE QUADROS
21
QUADRO 01: Número Total de UC’s Federais por Categorias e Tipos de Uso
29
QUADRO 02: UC’s Federais na Amazônia Legal por Categorias e Tipos de Uso
29
QUADRO 03: UC’s Federais no Estado do Pará por Categorias e Tipos de Uso
51
QUADRO 04: Quantidade dos Serviços de Atendimento aos Turistas Encontrados na
Vila de Alter do Chão
56
QUADRO 05: População Residente no Distrito de Alter do Chão por Sexo e Zona
57
QUADRO 06: Infra-Estrutura Existente
57
QUADRO 07: Ranking do Acesso a Infra-Estrutura da Região do Eixo Forte
60
QUADRO 08: Situação Fundiária das Comunidades da Região do Eixo Forte
61
QUADRO 09: Grupos Internos Reconhecidos na Região do Eixo Forte
62
QUADRO 10: Grupos Externos Reconhecidos na Região do Eixo Forte
63
QUADRO 11: Principais Problemas Ambientais citados na Região do Eixo Forte
64
QUADRO 12: Causas Levantadas e Conseqüências Apontadas em Função dos
Problemas Ambientais citados na Região do Eixo Forte
66
QUADRO 13: Finalidade da APA para as Comunidades da Região do Eixo Forte
68
QUADRO 14: Principais Dúvidas sobre a APA – Alter do Chão
68
QUADRO 15: A Expectativa das Comunidades do Eixo Forte em Relação à APA
LISTA DE FIGURAS
35
FIGURA 01: Vista Aérea da Vila de Alter do Chão
37
FIGURA 02: Localização da Vila de Alter do Chão no Estado do Pará
37
FIGURA 03: Distrito de Alter do Chão e seus Limites
40
FIGURA 04: Vista da Ilha do Amor separando o Lago Verde (D) e o Rio Tapajós (E)
40
FIGURA 05: Vista Geral da Vila de Alter do Chão através de Imagem LANDASAT
WRS 227/062
41
FIGURA 06: Serra Piroca ou Morro Alter do Chão
41
FIGURA 07: Barranco do Rio Tapajós, expondo Arenitos da Formação Alter do
Chão
43
FIGURA 08: Igreja Nossa Senhora da Saúde, Vila de Alter do Chão
43
FIGURA 09: A Representação da Procissão do Çairé pela Agremiação Boto Cor-de-
Rosa
45
FIGURA 10: Símbolo do Çairé
45
FIGURA 11: Procissão do Çairé
46
FIGURA 12: Dança do Boto
46
FIGURA 13: Dança Sedução do Boto Homem
47
FIGURA 14: Dança do Pajé
48
FIGURA 15: Apresentação Folclórica no Festival Borari
49
FIGURA 16: Loja para a Venda de Doces e Licores
50
FIGURA 17: Lojas de Vendas dos Artesanatos na Vila de Alter do Chão. Entre elas,
o Barracão de Eventos e Reuniões da Comunidade
50
FIGURA 18: Mesas de Frutas Típicas Encontradas em Alter do Chão
50
FIGURA 19: Tambaqui no Molho de Tomate – Prato Típico de Alter do Chão
52
FIGURA 20: Restaurante Alter Nativo na Vila de Alter do Chão
52
FIGURA 21: Pousada Alter do Chão
52
FIGURA 22: Blocos de Apartamentos do Belo Alter, Hotel da Vila de Alter do Chão
52
FIGURA 23: Área do Restaurante do Belo Alter
SUMÁRIO
01 INTRODUÇÃO
08 I AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO EM EVIDÊNCIA E OS CAMINHOS
TRILHADOS PELO BRASIL E OESTE DO PARÁ
09
1.1 Introdução
10
1.2 As Unidades de Conservação – UC’s e a Questão Ambiental
15
1.3 Os Caminhos Trilhados no Brasil Pró-UC´s
26
1.4 A Situação das UC’s na Amazônia e no Oeste do Pará
33 II ALTER DO CHÃO: UM LUGAR PARA CONSERVAR
34
2.1 Introdução
35
2.2 Alter do Chão e sua História de Ocupação
35
2.2.1 A História de um Lugar
39
2.2.2 As Formas Naturais de um ‘Paraíso’
42
2.2.3 Sua Cultura
51
2.2.4 A Vila de Alter do Chão e a sua Atividade Turística
54
2.3 A Região do Eixo Forte e seus Aspectos Relevantes
55
2.3.1 Dados Gerais
56
2.3.2 Infra-Estrutura
59
2.3.3 Situação Fundiária
61
2.3.4 Organização Comunitária
63
2.3.5 Situação Ambiental
66
2.3.6 A UC APA – Alter do Chão para a Região do Eixo Forte
70 III A CRIAÇÃO DA APA ALTER DO CHÃO: CAMINHOS,
DESCAMINHOS E PERSPECTIVAS
71
3.1 Introdução
72
3.2 A Origem
75
3.3 A Justificativa
85
3.4 O Processo e os Conflitos
90
3.5 Da Criação à Implantação: perspectivas e desafios
95 IV A RELAÇÃO ENTRE DESENVOLVIMENTO E APA’S: UMA
INSPIRAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COM
LIBERDADE
96
4.1 Introdução
97
4.2 Do Desenvolvimento Econômico ao Desenvolvimento Sustentável com
Liberdade: uma trajetória conceitual
98
4.2.1 Uma Análise Crítica do Conceito de Desenvolvimento Econômico
102
4.2.2 A Emergência e o Surgimento de uma Nova Concepção de
Desenvolvimento: o Desenvolvimento Sustentável
108
4.2.3 A Concepção de Desenvolvimento como Liberdade
112
4.3 Desenvolvimento e APA’s: uma relação antagônica?
115
4.4 Desenvolvimento Sustentável com Liberdade na APA Alter do Chão: algo
possível?
119 CONCLUSÃO
122 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
130 ANEXOS
131 A – Roteiros de Entrevistas Abertas I e II
134 B – Relatório da Assembléias Geral sobre a APA – Alter do Chão (20/06/2005)
142 C – Levantamento Preliminar feito junto as Comunidades do Eixo Forte
160 D Proposta de Programação da Assembléia de Esclarecimento sobre a APA Alter
do Chão
162 E – Decreto de criação da APA – Alter do Chão
167 F – Planta Cartográfica da área da APA – Alter do Chão
169 G – Memorial descritivo da APA – Alter do Chão
INTRODUÇÃO
O estudo Áreas de Proteção Ambiental como Inspiração para o Desenvolvimento
Sustentável com Liberdade: o caso da criação da APA - Alter do Chão/Pa” tem como ponto
de partida a região do Eixo Forte, situada no distrito de Alter do Chão, em Santarém Pará.
Esta região é composta por dezoito comunidades, dentre elas, o destaque é para a vila de Alter
do Chão, justificativa primeira de todo o processo de criação da APA Alter do Chão. Em
seu início, este estudo tem sua origem a partir do meu contato com o processo de discussão da
criação desta Área de Proteção Ambiental – APA, na Agência de Desenvolvimento do
Turismo de Santarém SANTUR e no Conselho Municipal de Turismo e Meio Ambiente
COMTUMA, onde trabalhava e fui membro, respectivamente. Tal processo me instigava
desde esse período, ano 2000, porque o mesmo estava pautado na vontade das principais
lideranças comunitárias, principalmente da vila de Alter do Chão. Mas, este processo não
partiu apenas dessas lideranças que tiveram um reforço advindo das pesquisas do Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA. Os pesquisadores do INPA tiveram contato com
as comunidades pertencentes à região do Eixo Forte e através de seus levantamentos dos
aspectos físicos, biológicos e sociais, apresentaram como viável e imprescindível para esta
região a criação da APA – Alter do Chão.
A partir daqui um processo de negociação, via lideranças comunitárias e instituições
públicas (municipais, estaduais e federais) se inicia. E, deste momento até hoje, como
buscaremos apresentar, o que fica perceptível é a vontade dessas lideranças que se expande
para as populações locais de tornar a APA uma saída para os problemas ambientais presentes
e futuros. Essa vontade tem como motivação a necessidade da conservação do patrimônio
natural e cultural que tem como ícone desta região a vila de Alter do Chão. Esse patrimônio,
por outro lado, é base de sustentação econômica da vila e do distrito de Alter do Chão, mais
especificamente, da região do Eixo Forte, que tem no turismo, sua principal atividade
econômica, o que eleva, por mais paradoxal que possa parecer, em grande medida, a vontade
de conservar tal região.
A idéia de conservação nos remonta às questões ambientais e à dicotomia da relação
conservação/preservação que surge da relação sociedade-natureza. Esta relação será posta em
cheque quando é mundialmente reconhecido o esgotamento dos recursos naturais por causa
das escolhas de desenvolvimento feitas com o advento do sistema capitalista. A evolução
desse processo e a busca de alternativas m nas Unidades de Conservação UC’s uma
estratégia que vem desde a preservação da ‘natureza intocada’ até a conservação desta.
A APA Alter do Chão, desta forma, surge como um estudo de caso em que se pode
visualizar em seu processo de criação essa relação sociedade-natureza, ao mesmo tempo em
que se percebe uma mudança de comportamento no que se refere a pensar as UC’s de Uso
Sustentável como estratégias de políticas públicas ambientais, haja vista, a decisão de criá-la a
partir do agrupamento de lideranças comunitárias e instituição de pesquisa – INPA e não do
Estado, que é o mais convencional. E, mais ainda, permite perceber que uma outra relação,
APA desenvolvimento pode vir a ser idealizada a partir da identificação das APA’s como
fonte inspiradora para um processo de desenvolvimento. Um desenvolvimento pautado em
concepções como as de desenvolvimento sustentável e de desenvolvimento como liberdade
que, juntas, podem apontar caminhos alternativos para um processo de desenvolvimento
sustentável com liberdade.
Eis aqui toda a perspectiva desta dissertação que, através dos elementos citados,
justifica-se diante de discursos e realidades em que, de modo geral, se tem casos onde a
natureza não é respeitada, as populações tradicionais não é ouvida e nem reconhecidas e as
ações em prol do desenvolvimento, muitas vezes, entram em conflito com a natureza.
Apresentar alternativas que venha fortalecer e dimensionar novos caminhos que apontem para
uma direção oposta passa a ter uma grande relevância. Tendo isso como perspectiva, a
importância de tal estudo está em contextualizar o processo de criação da APA Alter do
Chão, partindo do pressuposto que tal processo vivenciou vários impasses que envolveram
diretamente as comunidades locais e o poder público municipal. Surge daí algumas reflexões
transformadas em questões: o que leva pessoas de uma localidade a buscar a criação de uma
UC de Uso Sustentável, categoria APA? O que está em jogo nesse processo? Como os
principais atores envolvidos se comportam durante e diante da criação da APA? Por que tal
processo acaba ficando sem continuidade após sua homologação através de um Decreto
municipal? E, como este processo vem sendo encarado pela nova gestão municipal?
Tais questionamentos preliminares são indícios de que estudar tal processo é
enriquecedor e permite a oportunidade de refletir sobre até que ponto vai o reconhecimento de
uma região cuja sua maior riqueza é o seu patrimônio natural e cultural, que ela precisa
preservar/conservar tal patrimônio em prol de um uso racional que possibilite a sua
sobrevivência e melhoria da qualidade de vida. Diante disto, a problemática deste estudo se
afunila para a seguinte questão: Como a criação da APA Alter do Chão pode contribuir
enquanto inspiração para o desenvolvimento sustentável com liberdade? Desta forma, a
hipótese hora apresentada é de que se os atores sociais envolvidos nesse processo tiveram
como principal ponto motivador da criação da APA - Alter do Chão a preservação e
conservação do seu patrimônio natural, ambas pensadas também de forma relacional e a partir
de suas necessidades, em prol de sua sobrevivência, os mesmos estarão dando demonstrações
de capacidade de fazer escolhas complexas que acabam por refletir o seu grau de
comprometimento social, político, cultural, ambiental, econômico e espacial com a região
hora em questão, pré-requisitos para avançar na discussão e vislumbrar, enquanto inspiração,
um processo de desenvolvimento sustentável com liberdade.
Diante disto, os objetivos perseguidos com este estudo foram:
Geral:
Estudar o processo de criação da APA – Alter do Chão como inspiração para a
iniciação de uma discussão sobre a construção de um modelo de Desenvolvimento
Sustentável com Liberdade.
Específicos:
Perceber a relação sociedade-natureza através da discussão das questões
ambientais que envolvem o processo de criação de uma UC de Uso Sustentável,
como a APA;
Buscar sistematizar os dados e informações sobre os processos de criação de
UC’s, em nível federal, no Brasil, na Amazônia, no Pará e na região Oeste do
Pará, procurando elaborar e interpretar tais dados e informações;
Contribuir, mesmo que de forma indireta, com a análise de políticas públicas
ambientais, com relação às UC’s, principalmente com a região Amazônica;
Descrever o processo de criação da APA Alter do Chão, a partir dos atores
sociais envolvidos, ou que se envolveram mais diretamente neste processo; e,
Utilizar o processo de criação da APA - Alter do Chão como “inspiração” para
sugerir caminhos, possibilidades e/ou alternativas de discutir o processo de
desenvolvimento de forma conceitual, através das concepções de
desenvolvimento econômico, desenvolvimento sustentável e desenvolvimento
como liberdade.
E, para que os mesmos fossem alcançados, alguns eixos teóricos foram levados em
consideração, quais sejam:
As questões ambientais, através do debate que gira em torno da criação de UC’s;
O reconhecimento do nível de participação e comprometimento dos agentes
sociais envolvidos a partir da sua capacidade de fazer escolhas motivadas pela
relação com o meio, entre si e com o governo local;
O Desenvolvimento Sustentável como processo capaz de ser pensado através das
UC’s de Uso Sustentável, em especial das APA’s; e,
O Desenvolvimento como Liberdade, uma concepção que se soma ao
Desenvolvimento Sustentável para fortalecê-lo no que diz respeito,
principalmente, à relação sociedade-natureza.
O roteiro metodológico seguido teve por base uma Revisão Bibliográfica destes eixos
teóricos complementada por uma Coleta de Dados e Informações através de documentos
primários e secundários, de informações contidas em sites governamentais e o
governamentais. Com tais informações foi possível sistematizar, apresentar e elaborar uma
contextualização do processo de criação das UC’s, enquanto política pública ambiental, em
nível federal, com destaque para as informações sobre as UC’s no âmbito nacional e regional
– Amazônia, Pará e Oeste do Pará.
A Revisão Bibliográfica e a Coleta de Dados permitiram um diálogo entre os diversos
autores e documentos trabalhados. Isto favoreceu uma abordagem histórica contextual em que
foi possível apresentar discussões como a de preservação X conservação, em nível
internacional até o contexto nacional das UC’s, onde a ênfase foi para o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação SNUC, o quadro das UC’s federais, chegando até o limite desta
discussão que é o Plano Nacional de Áreas Protegidas PNAP que ainda se encontra em
processo. Este percurso foi escolhido por considerar a dinamicidade envolvida em tal
discussão e, por isso, atualizá-las é sempre importante para que se tenha uma visão global do
processo.
Para o processo de construção e descrição da criação da APA Alter do Chão foi
utilizado os métodos de observação participante e de relato oral. É bom frisar que, por falta de
uma documentação, tanto primária como secundária do processo de criação da APA Alter
do Chão, a reconstituição deste foi possível, por um lado, a partir do resgate da minha
participação pessoal em reuniões e assembléias que distam do início do processo através de
diários pessoais destas reuniões e, por outro, da participação recente, já no período do
campo junho/julho de 2005 de reuniões e assembléias que discutiram e encaminharam tal
processo mais recentemente. Além desse recurso, que indiretamente pode ser considerado
como observação participante, também foi utilizado, no período do campo, o método
entrevistas abertas, semi-estruturadas, com os atores que participaram desde o início do
processo e com aqueles que estão trabalhando atualmente para que a APA Alter do Chão
seja implantada. Os instrumentos utilizados para a efetivação das entrevistas foram dois
Roteiros de Pesquisa: o Roteiro I Atores que participaram e/ou participam do Processo de
Discussão e Criação da APA Alter do Chão e o Roteiro II Órgão Responsável pelo
Processo de Implantação da APA Alter do Chão Hoje (ANEXO A). Com os Roteiros I e II,
foi possível reconstituir o processo de criação da APA Alter do Chão até o momento da
realização da Assembléia de Esclarecimento sobre a APA – Alter do Chão, realizada em 20 de
junho de 2005, da qual fiz parte, registrando-a em sua íntegra, ao mesmo tempo em que tive
acesso ao seu Relatório Geral elaborado pelo Instituto Sócio-Ambiental de Santarém ISAM
(ANEXO B), o que permitiu um reforço a mais para as entrevistas, enquanto informações
coletadas.
Os entrevistados, num total de cinco, foram escolhidos pela sua participação efetiva
no processo de criação da APA Alter do Chão. Como objetivo era, com essas entrevistas,
buscar a reconstituição do antes e depois da criação da APA, optou-se por atores que são
reconhecidamente pelas comunidades e pelo governo (anterior e atual) como elementos
chaves nesse processo. Não havendo distorções ou grandes diferenças nos relatos, decidiu-se
em não buscar mais atores, considerando que, com tais relatos, o objetivo citado acima
seria alcançado.
Fazendo uma caracterização breve de perfil dos entrevistados, podemos destacar que
das cinco entrevistas, três foram concedidas por pessoas do sexo masculino (Entrevistas 01,
02 e 04) e duas do sexo feminino. Duas das entrevistas foram concedidas por lideranças
comunitárias (Entrevistas 02 e 03), sendo que o primeiro é nativo da vila de Alter do Chão e a
principal liderança comunitária que defende a APA Alter do Chão desde a sua gênese e, a
segunda é uma remanescente da equipe de pesquisadores do INPA que optou em morar na
vila de Alter do Chão e trabalhar nesta comunidade através de consultorias e da criação de
uma ONG denominada de Vila Viva e, portanto, estando no processo de criação da APA,
também desde o seu início.
Os atores que deram as Entrevistas 04 e 05 foram membros do governo anterior,
período 2000-2003, no segundo mandato do prefeito Lira Maia, governo municipal que criou
a APA Alter do Chão em 2003. Estes entrevistados puderam apresentar sua visão enquanto
membros das equipes técnicas desse governo que propuseram, idealizaram e ajudaram a criar
a APA Alter do Chão via instituição pública municipal. Aqui se destaca também o ator da
Entrevista 05 como integrante do Conselho Municipal de Turismo e Meio Ambiente
COMTUMA enquanto secretária e presidente, respectivamente, deste órgão, no período em
que a criação da APA Alter do Chão foi discutida no mesmo. Por fim, a Entrevista 01 foi
fornecida pelo ator que hoje é responsável, dentro do órgão municipal ambiental, o ISAM, de
levar adiante o processo de criação e implantação da APA Alter do Chão. As Entrevistas de
02 a 05 foram orientadas pelo Roteiro I e a Entrevista 01, pelo Roteiro II.
Devido acordo feito com os entrevistados, de manter suas identidades preservadas, tais
entrevistas foram enumeradas, de forma crescente, da primeira entrevista à última realizada.
Como estes entrevistados participaram em épocas e funções diferentes da criação da APA
Alter do Chão, o que vai diferenciá-los são os Roteiros de Pesquisa utilizados. Pode parecer
que o número de entrevistado seja um universo pequeno. Porém, neste item, se levou em
consideração buscar as pessoas chaves neste processo e, assim, a quantidade deu lugar à
qualidade das respostas dos entrevistados que o mediram esforços em divulgar detalhes, do
mesmo.
A APA Alter do Chão hoje é considerada uma realidade para o governo municipal
que, ao lado das dezoito comunidades da região do Eixo Forte que a reivindicaram, está
avançando no processo de criação rumo à sua implantação. Isto reitera, a sua relevância,
permitindo acreditar ainda mais que a mesma siga caminhos onde seja possível perceber
escolhas, participação democrática e ões concretas ajudando a visualizar caminhos
alternativos que sirvam de inspiração para a discussão de modelos de desenvolvimento
sustentável com liberdade a partir dessas comunidades que estão apostando na APA como
uma estratégia de política pública ambiental.
Buscar tais informações que compõe o estudo não foi uma tarefa fácil, pois desafios
como distância, a falta de informação documental e informações distorcidas levaram a ida e
vindas demonstrando como é relevante o incentivo à estudos como esses e a continuidade dos
mesmos. Regiões como o distrito de Alter do Chão que tem uma importância histórica dentro
do contexto do Pará e da Amazônia ainda carece de pesquisas e estudos que permitam
compreender sua história natural, social, econômica e política para que sirvam de registro e
base de dados que norteiem o desenvolvimento desta região.
Este estudo está dividido em quatro capítulos que buscam responder a sua
problematização base, bem como os objetivos citados anteriormente. O CAPÍTULO I As
Unidades de Conservação em Evidência e os Caminhos Trilhados pelo Brasil e Oeste do
Pará visa elencar as questões ambientais que servem de base ao surgimento das UC’s, em
nível internacional, nacional e regional. Amazônia e Oeste do Pará. Isto se torna
indispensável quando se percebe que as UC’s, em particular as de Uso Sustentável, enquanto
estratégias de políticas públicas ambientais, ainda estão em processo de evolução, onde, em
termos de Brasil esses avanços são cheios de altos e baixos que acabam gerando a necessidade
de atualizações de informações e análises de seus instrumentos que, até hoje, ainda estão em
fase de elaboração a exemplo do Plano Nacional de Áreas Protegidas PNAP. O
CAPÍTULO II Alter do Chão: um lugar para conservar tem como ponto de partida a
caracterização da área de estudo a partir do seu principal cleo, a vila de Alter do Chão,
justificativa primeira para a criação da APA, que situada na região denominada Eixo Forte,
irradia para as outras dezessete comunidades dessa região, quer por questões sócio-
econômicas, ambientais ou políticas, a demanda para a criação da APA Alter do Chão. Da
vila à região do Eixo Forte, aspectos relevantes são apresentados para que se busque entender
por que esta região é, de fato, um lugar para conservar.
O CAPÍTULO III A Criação da APA Alter do Chão: caminhos, descaminhos e
perspectivas contêm a constituição ou reconstituição deste processo dando ênfase a sua
origem, justificativa, caminhos e descaminhos, e, conflitos e perspectivas para que a
concepção de tal processo possa ir além de sua criação, e se constituir realmente em uma
alternativa para aquela região. Por fim, o CAPÍTULO IVA Relação entre Desenvolvimento
e APA’s: uma questão de desenvolvimento sustentável com liberdade contém a minha
aspiração, em termos de estudo preliminar sobre a discussão de modelos e/ou processos
alternativos de desenvolvimento e sua relação com a estratégia de criação de APA’s, desde
que seja possível entendê-lo também enquanto um processo que evolui e sinais de abertura
para que reflexões sobre a relação APA desenvolvimento sejam possíveis. Com estes quatro
capítulos espera-se conseguir responder às problematizações e objetivos aqui propostos sem
que, com isso, tenha-se a pretensão de esgotá-lo. Ao contrário, esta dissertação é apenas mais
uma dentre diversos outros estudos e/ou pesquisas que serão necessárias para que, de fato, se
consiga compreender tal região que entre outras coisas, é um pedaço da Amazônia, um
patrimônio natural e cultural que, antes de qualquer outro motivo, precisa ser respeitado em
prol da vida.
CAPÍTULO I
AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO EM EVIDÊNCIA E OS
CAMINHOS TRILHADOS PELO BRASIL E OESTE DO PARÁ
Natureza.
Podemos perdoar a destruição do passado,
causada por ignorância. Agora, no entanto,
temos a responsabilidade de examinar
eticamente o que herdamos e o que passaremos
às gerações futuras.
(Dalai Lama, apud Brito; Câmara, 1998, p. 121)
1.1 INTRODUÇÃO
O CAPÍTULO I apresenta uma discussão geral sobre a constituição das Unidades de
Conservação UC’s como uma estratégia de política pública ambiental. Essa discussão parte
de um apanhado da evolução das UC’s no mundo, através da apresentação do debate
acadêmico-científico sobre a temática preservação X conservação, introduzidas para
reconhecer que tal olhar possibilita um elo conceitual que passa pela percepção de que
mudanças na relação sociedade-natureza precisam e estão sendo pensadas, estudadas e
propostas. E, neste sentido, reconhecer que o entendimento e a demonstração das UC’s pode
vir a ser um processo de consolidação de um tipo de política que se preocupa com as questões
ambientais a partir da relação sociedade-natureza. Além disso, pela sua relevância enquanto
processo, uma atualização de dados sobre as UC’s federais no Brasil, na Amazônia, no
Pará e no Oeste do Pará, e das mudanças nas políticas ambientais empreitadas pelo Ministério
do Meio Ambiente – MMA até aqui, indicando os caminhos trilhados e avanços conquistados.
Tal abordagem será apresentada nas próximas três sessões deste capítulo. A sessão 1.2
As Unidades de Conservação UC’s e a questão ambiental - é um retrospecto, a partir de
duas temáticas que foram, em nível internacional, a base da expansão das UC’spreservação
e conservação pelo mundo através de modelos como os parques nacionais americanos. Um
‘mito intocado’ que precisava ser reavaliado, principalmente quando atingem países como o
Brasil, tema da sessão 1.3 Os caminhos trilhados no Brasil Pró-UC’s onde a relação
sociedade-natureza é uma realidade imanente e, por isso, precisa avançar no que diz respeito
às políticas, leis, instrumentos e organizações que planejam, implantam e administram as
UC’s neste país. Por estes caminhos segue-se o olhar para a Amazônia e buscando num
pedacinho desta, o Oeste do Pará, apresentar resumidamente como as UC’s vêm trilhando
seus caminhos com dificuldades, vitórias e desafios, temas da última sessão deste capítulo:
1.4 – A situação das UC’s na Amazônia e no Oeste do Pará.
1.2 AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO – UC’S E A QUESTÃO AMBIENTAL
As UC’s ou Áreas Protegidas AP’s
1
tiveram seu espaço nas discussões ambientais
no século XIX. Neste período, a concepção de AP’s estava relacionada à proteção da ‘vida
selvagem’ wilderness ameaçada pelo advento da sociedade moderna capitalista que tinha
como base a produção de bens e/ou serviços em larga escala, fruto da I Revolução Industrial
do século XVIII, na Inglaterra
2
. A I Revolução Industrial trouxe consigo um acelerado
processo de urbanização que culminou no aumento das grandes cidades e no crescimento
populacional que precisava de mais e mais áreas para expandir.
O crescimento populacional, bem como a expansão das grandes cidades, disseminou a
urbanização e seu cotidiano como provenientes de um crescimento econômico acelerado.
Mas, esse crescimento econômico veio acompanhado de uma intensiva degradação ambiental
através, por exemplo, da poluição do ar e das águas pelas grandes fábricas, ao mesmo tempo
em que impunha para maioria da população urbana uma baixa qualidade de vida,
principalmente no que tange à habitação, alimentação e lazer. E, o urbano com toda a sua
expansão que, no século XVIII suplantou a vida no campo, sinônimo, à época, de atraso,
passa a ser questionado, provocando uma idealização do campo como um lugar onde o
contato com a natureza permitia uma melhor qualidade de vida para quem dele usufruísse.
Em função disso, começa-se a ver o mundo natural como um refúgio que precisava ser
protegido da intervenção do homem. Essa forma de pensar foi disseminada pelos naturalistas,
com base na concepção ideológica denominada de ‘naturalismo’. Segundo Diegues (2002, p.
15), no século XIX, estes acreditavam que a:
[...] única forma de proteger a natureza era afastá-la do homem, por meio de ilhas
onde este pudesse admirá-la e reverenciá-la. Esses lugares paradisíacos serviriam
também como locais selvagens, onde o homem pudesse refazer as energias gastas
na vida estressante das cidades e do trabalho monótono.
Aqui se inicia o que o autor acima citado ichamar do ‘mito moderno do intocado’, onde a
relação ‘homem-natureza’ se transforma em algo antagônico ou dicotômico em que a crença
em regiões naturais virgens, ou seja, que nunca foram tocadas pelo homem se proliferam e
1
Como nesta sessão o objetivo é fazer um resgate das UC’s a partir de sua origem internacional, iremos utilizar
o termo Áreas Protegidas em vez de UC’s, pois em seu advento histórico, eram assim conhecidas. Neste período,
o entendimento conceitual de Áreas Protegidas é “[...] áreas naturais protegidas, consideradas como ‘ilhas’ de
grande beleza e valor estético que conduziam o ser humano à meditação das maravilhas da natureza intocada.”
(DIEGUES, 2002, p. 24)
2
Para uma melhor compreensão do advento da sociedade capitalista e da I Revolução Industrial, ver Huberman
(1986) e Hunt; Sherman (1998).
fundamentam o ideário preservacionista que estará por trás das primeiras áreas protegidas
criadas.
A primeira UC criada com base no ideário preservacionista foi o Parque Nacional de
Yellowstone nos Estados Unidos da América - EUA
3
. Segundo Costa (2002), o Parque de
Yellowstone surge da luta dos exploradores do rio de mesmo nome que buscavam preservar as
belezas naturais daquela região. Desta luta surge o Yellowstone National Park, criado em
de março de 1872, sendo assim considerado “[...] o ponto de origem para a conceituação de
áreas protegidas [...]” (COSTA, 2002, p. 15). Este Parque representou para os EUA e para o
mundo o advento da concepção preservacionista que tinha no naturalista John Muir seu
principal representante. Segundo Brito (2000, p. 21), para os preservacionistas “[...] natural
era aquilo que prescindia da presença ou atuação humana, e que permanecia tal como foi
originalmente criado pela ação divina.” Esta era a visão preservacionista que balizou a
criação dos Parques a partir de Yellowstone. Uma visão em que se acirra o antagonismo entre
natureza e sociedade moderna capitalista ao apresentar o mundo natural como um refúgio para
os males que a vida nesta sociedade ocasiona. Um refúgio que pode ser usado pelo homem
como local de descanso e/ou recreação e nada mais. Nesses paraísos o são permitidas a
presença humana a não ser de forma temporária.
O modo como esses parques nacionais
4
se disseminaram
5
como modelo dominante de
AP’s, capazes de conservar o mundo natural e sua biodiversidade ainda existente foi, segundo
Sarkar (2000) e Colchester (2000), poderosamente intenso. Isso trouxe como conseqüência o
avanço das idéias preservacionistas em nível global sem levar em consideração a eficiência da
aplicabilidade desse modelo para todas as outras partes do globo. Segundo Sarkar (2000), os
parques nacionais foram aceitos como modelos dominantes, que se impõem de cima para
baixo, não levando em consideração as realidades locais que estão sendo afetadas por este
modelo. No momento em que os parques nacionais foram implantados nos EUA, havia uma
3
Além do Parque de Yellowstone, o Parque de Yosemite, criado em 1864, merece destaque devido o seu
surgimento. Segundo Costa (2002, p. 15-16): “[...] o presidente dos Estados Unidos, Abraham Lincoln, uniu-se
aos movimentos de proteção à natureza que lutavam contra a crescente expansão industrial e decretou a tutela do
Vale de Yosemite, muito conhecido na época pelas enormes sequóias do ‘Bosque Mariposa’. O atual parque
nacional foi fundado somente em 1890. Porém, a área em questão era considerada reserva’ havia mais de 20
anos.”
4
A designação de parques nacionais, nesta época, passou a ter mais relevância que o próprio conceito de
parques. Neste período original, seu entendimento foi atrelado à preservação de belezas naturais para que
servissem de refúgio temporário para o homem. Uma designação que, ao longo dos tempos foi evoluindo como
demonstra Brito (2000).
5
Após a criação dos Parques de Yellowstone e Yosemite, outros países começaram a utilizar os parques
americanos como modelo. Entre os primeiros países a criar parques nacionais aos moldes americanos estão:
Austrália (1879); Canadá (1885); Nova Zelândia (1894); África do Sul (1898); México (1899); Argentina
(1903); Chile (1926); Equador (1934); Venezuela e Brasil (1937); entre outros (CÔRTE, 1997).
grande extensão de área que aos olhos dos preservacionistas era ‘inabitada’
6
e que deveria
permanecer assim. Contudo, em outros lugares onde este modelo foi implantado, como é o
caso dos países africanos ou da América do Sul, havia uma extensa gama de populações
denominada de ‘tradicionais’
7
que não foram levadas em consideração, ao contrário, foram
expulsas de seus habitats naturais em prol da preservação da natureza em seu estado ‘natural’
ou ‘selvagem’.
O reconhecimento das populações tradicionais quebra com o caráter ‘universal’ da
concepção preservacionista e abre o diálogo, expandindo-o das ciências naturais para as
ciências sociais. Com essa abertura é possível buscar novas formas de interpretação da visão
preservacionista a partir dos parques nacionais onde, além da concepção de proteger o
‘selvagem’ e deixá-lo ‘intocado’, outros interesses aparecem. Esses outros interesses vão estar
relacionados com o grande negócio que é a preservação da vida selvagem. Um negócio que
tem por trás grupos sociais que a partir dos seus interesses irão estimular esta preservação em
AP’s, especialmente no Terceiro Mundo. Esses grupos são: 1) moradores das cidades e
turistas estrangeiros; 2) as elites governamentais; 3) organizações ambientalistas
internacionais; 4) funcionários dos parques; e, 5) os biólogos. Cada um desses grupos é
movido por interesses próprios, mas que se unem quando o assunto é a hostilidade às
populações tradicionais, consideradas como inimigas do meio ambiente. A conseqüência
desse tipo de visão fez com que populações milenares inteiras fossem desconsideradas,
acirrando as desigualdades sociais, a pobreza e até mesmo o aniquilamento dessas
populações. Exemplos na Índia, na África e em alguns países da América do Sul são bem
característicos (GUHA, 2000).
A contraposição à visão preservacionista é a noção de conservacionismo que segundo
Diegues (2002) tem em Gifford Pinchot seu principal expoente e defensor de um uso racional
da natureza.
Na verdade, Pinchot agia dentro de um contexto de transformação da natureza em
mercadoria. Na sua concepção, a natureza é freqüentemente lenta e os processos de
manejo podem torná-la eficiente; acreditava que a conservação deveria basear-se
6
A crença do inabitado’ dos preservacionistas, no decorrer do tempo e dos avanços das discussões sobre a
relação sociedade-natureza, vem sendo questionada como ‘irreal’. Mesmo no primeiro Parque Nacional do
mundo, o Parque de Yellowstone, haviam indígenas que foram retirados de suas terras. Contudo, estes mesmo
sendo considerados selvagens’ o podiam permanecer no ‘paraíso intocado’. Uma contradição que
encontramos bem delimitada nos textos de Colchester (2000), Gomez-Pompa; Kaus (2000) e Diegues (2002).
7
A noção de ‘populações tradicionais’ neste trabalho estará baseada em autores como Castro (2000) que a vêem
como uma categoria que reconhece determinados atores sociais valorizando seus papéis dentro de um contexto
social. E, neste sentido, tal visão é complementada com Lima (2000, p. 85) em que tal categoria “[...] não se
refere a um modelo teórico definido; trata-se de uma denominação geral para um objetivo empírico que se
caracteriza pela singularidade. Ao ser atribuído a uma população humana, esta categoria delineia perfis de
territorialidade, etnicidade e espiritualidade”.
em três princípios: o uso dos recursos naturais pela geração presente; a prevenção
de desperdício; e o uso dos recursos naturais para o benefício da maioria dos
cidadãos (DIEGUES, 2002, p. 29).
O autor acima citado reconhece nesses argumentos as bases para o que hoje se
denomina de desenvolvimento sustentável
8
. Além disso, essa contraposição às idéias
preservacionistas permite se pensar formas de conservação da natureza que considere a não
exclusão das populações tradicionais do seu local de origem. Aliás, nesta disputa entre os
preservacionistas e os conservacionistas em que, na maioria das vezes, os preceitos
dominantes são os preservacionistas, as populações tradicionais são vistas como inimigas da
natureza. Esta forma de encarar a realidade advém, muitas vezes, de estudos científicos que
acabam se tornando ‘verdades absolutas’. Gómez-Pompa; Kaus (2000, p. 127) alertam para
este fato mostrando que em muitos casos uma descoberta científica “[...] é uma conclusão
tirada de um conjunto limitado de dados [...]” e, por isso, podem ser substituídos por outras
descobertas “[...] à luz de novas informações que não cabem no velho paradigma” (GOMEZ-
POMPA; KAUS, 2000, p. 127). Um exemplo disso é o fato de que:
As descobertas científicas indicam que virtualmente todas as partes do globo, desde
as florestas boreais até os úmidos trópicos, foram habitadas, modificadas ou
manejadas ao longo do passado humano [...] (GOMEZ-POMPA; KAUS, 2000, p.
132).
Isso vem demonstrar que a visão do ‘intocado’ e do ‘mundo selvagem’ é um
paradigma que não cabe nos novos caminhos científicos que atualmente norteiam a discussão
sobre a conservação da natureza. Para os autores aqui discutidos é preciso ultrapassar o
antagonismo sociedade X natureza e buscar possibilidades de que tal relação possa vir a ser
uma realidade. Um dos primeiros passos que muitos estudiosos como Castro (2000),
Colchester (2000), Schwartzman (2000) acenam é reconhecer que as populações tradicionais
podem vir a contribuir com as ciências naturais e sociais para o resgate histórico, ajudando na
compreensão da real evolução dessa relação baseada nas concepções conservacionistas que
permitam o uso e gestão racional, com participação de todos os atores sociais envolvidos
(universidades, populações tradicionais, Estado, mercado e sociedade civil) que sejam capazes
de contribuir para uma melhor qualidade de vida pautada na conservação da natureza.
Um outro caminho é o reconhecimento que o olhar sobre as AP’s tem que ir além dos
parques nacionais, adaptando-os ou ampliando-os, partindo para determinar outros tipos de
AP’s capazes de absorver o ideário conservacionista. Como Colchester (2000) argumenta, é
8
Para fins desta dissertação estaremos fazendo uma discussão conceitual do desenvolvimento sustentável no
CAPÍTULO IV - A Relação entre Desenvolvimento Sustentável e UC’s: uma questão de desenvolvimento
sustentável com liberdade.
preciso reconhecer que a maioria das AP’s são habitadas e, não se pode simplesmente
continuar ignorando tal fato. Felizmente, várias ações, desde as cadas de 1960 e 1970, vêm
sendo realizadas para ampliar o movimento ambientalista e direcioná-lo a novas concepções e
posturas práticas frente à relação sociedade-natureza. Um desses movimentos, por exemplo, é
o que se pauta pela noção da etnoconservação. Segundo Diegues (2000), a etnoconservação é
uma nova forma de ‘ciência da conservação’ que não tem como base apenas os aspectos
naturais, mas que leva em consideração também os aspectos culturais e o conhecimento
tradicional, incorporando os mesmos no manejo das florestas, reconhecendo assim que os
conhecimentos científicos e locais são importantes, e podem possibilitar uma nova aliança
onde:
O estabelecimento de áreas protegidas, em vez de ser baseado na idéia importada
de natureza selvagem intocada; deveria fundamentar-se na concepção de paisagem
ou mosaico de ecossistemas e habitats, constituindo um continuum entre porções de
matas nativas até áreas de agricultura tradicional que, em muitos casos, constituem
o território das comunidades tradicionais (DIEGUES, 2000, p. 42).
Neste sentido, a etnoconservação fundamenta a construção da relação sociedade-
natureza, fundada nas comunidades tradicionais, que passam a ser importantes aliadas na “[...]
conservação das matas e outros ecossistemas presentes nos territórios em que habitam. Trata-
se da valorização do conhecimento e das práticas de manejo dessas populações”
(ALEXANDRE, 2002, p. 60). É a partir de visões como a etnoconservação e a ampliação
prática através de políticas ambientais que reconheçam as populações tradicionais como parte
integrante da natureza e, esta, meio de sobrevivência, das mesmas que novos rumos, em nível
internacional, estão em curso e ampliam-se para abarcar um contingente cada vez maior da
sociedade em nível local e global.
Em níveis internacionais, podemos destacar a década de 1970, em que segundo Brito
(2000, p. 28) “[...] a comunidade internacional começou a voltar os olhos para os crescentes
conflitos que envolviam populações e áreas naturais protegidas”, como a década que tem
origem à busca de mudanças na forma de pensar e agir quando o assunto é a relação
sociedade-natureza nas AP’s. Para Diegues (2000, p. 22):
A expulsão dos moradores tradicionais começou a ser contestada a partir dos anos
60 e 70, com mudanças de percepções e atitudes, pelas grandes organizações
ambientalistas internacionais, como a UICN (UNIÃO INTERNACIONAL PARA
A CONSERVAÇÃO) no que diz respeito à contribuição das populações
tradicionais para a conservação. Esse processo, que se iniciou na década de 70
com grandes congressos internacionais de parques nacionais e áreas protegidas,
culminou com uma posição francamente favorável a essa contribuição durante o IV
Congresso Internacional do UICN, em Caracas, em fevereiro de 1992.
Dos eventos ocorridos na década de 1970, o destaque é para a Conferência das Nações
Unidas sobre o Ambiente Humano, realizada em Estocolmo (1972) que é considerada a
precursora desses eventos internacionais
9
que irão inserir as questões ambientais na agenda da
política mundial, disseminando e ampliando, dentre outras discussões, as referentes às AP’s.
Isso possibilita o surgimento de novas visões e categorias de AP’s como, por exemplo, as
reservas da biosfera
10
. Segundo o Brundtland (1988) existe uma ‘rede’ de AP’s mundial que,
em extensão, equivalia, na época, a mais de quatro milhões de quilômetros quadrados,
demonstrando assim que a relevância dessas áreas protegidas é um fato que não se pode
deixar de levar em consideração.
Áreas Protegidas ou Unidades de Conservação são hoje uma realidade mundial.
Conhecer sua origem ideológica ajuda a trilhar o caminho que as mesmas percorreram e
percorrem para continuar garantindo sua inserção dentro do contexto internacional. Isto
também se torna relevante para o entendimento dos caminhos trilhados em nível nacional,
tema da próxima seção.
1.3 OS CAMINHOS TRILHADOS NO BRASIL PRÓ-UC’S
A preocupação com a preservação da natureza no Brasil não é algo novo. Quintela
(2003) destaca que desde o século XVII ões para a proteção da natureza foram tomadas,
como é o caso das medidas para a Proteção das Florestas do Nordeste, por Maurício de
Nassau, e das sugestões de José Bonifácio, em 1821, de se criar um setor administrativo para
cuidar das ‘matas’ e ‘bosques’ nacionais, reconhecendo a importância de se buscar utilizar os
recursos naturais moderadamente. Mas, em se tratando do processo de criação e implantação
de AP’s no Brasil, como não podia ser diferente de outros países da América do Sul, este
também, e em certa medida, sofreu influência do modelo americano. Um exemplo disso foi o
do engenheiro André Rebouças, identificado como um solicitante, em 1876, da criação dos
9
Para um retrospecto desses eventos internacionais importantes para as discussões sobre áreas protegidas, ver
Brito (2000).
10
As reservas da biosfera surgem na década de 1970 através do Programa Man and Biosfere (MAB) da
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura - UNESCO. Seus objetivos “[...] eram os de
encorajar o desenvolvimento com equilíbrio, nas relações entre o homem e seu ambiente” (BRITO 2000, p.29).
Segundo a UNESCO (1984, p. 01) as reservas da biosfera tinham como principais elementos: “[...] o
envolvimento dos tomadores de decisão e a população local em projetos de pesquisa, treinamento e
demonstração no campo e a conjunção de disciplinas das áreas das ciências sociais, biológicas e físicas para o
direcionamento de problemas ambientais complexos”.
Parques Nacionais da Ilha do Bananal e Sete Quedas, aos moldes do Parque Nacional de
Yellowstone (1872), solicitações estas que na época não foram atendidas (CÔRTE, 1997).
O primeiro caso de criação de Parque Nacional no Brasil é o Parque Nacional de
Itatiaia
11
, no Rio de Janeiro, em 1937. Segundo Moraes (2004, p. 27) esse parque foi criado
devido à “[...] um conjunto de iniciativas relativas a proteção do patrimônio por Getúlio
Vargas, consolidando entre os bens culturais nacionais os monumentos naturais e paisagens”.
De 1937 até nossos dias foram criados, segundo o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais - IBAMA (2005), cinqüenta e seis parques nacionais espalhados por
todas as regiões brasileiras. E, a grande maioria desses parques foram criados na década de
1960. Para Moraes (2004) a criação de áreas protegidas era pautada inicialmente pelo Código
Florestal de 1934
12
. Para Brito (2000, p. 56):
Os primeiros parques nacionais do Brasil estavam vinculados ao conceito de
monumentos públicos naturais, segundo a Constituição de 1937, e visavam
resguardar porções do território nacional que tivessem valor científico e estético.
Do Código Florestal (1934) ao Novo Código Florestal (1965)
13
e, até a criação de
instituições, regulamentos, sistemas, políticas e leis cujos destaques são: o Instituto Brasileiro
para o Desenvolvimento Florestal IBDF (1967), a Secretaria Especial do Meio Ambiente
SEMA (1973), o Regulamento dos Parques Nacionais Brasileiros (1979), o Sistema Nacional
do Meio Ambiente SISNAMA (1981), Conselho Nacional do Meio Ambiente CONAMA
(1981), a Política Nacional de Meio Ambiente – PNMA (1982), a Constituição de 1988, até o
IBAMA em 1989, muitos foram os avanços e retrocessos da política ambiental brasileira
14
.
Deste período, o destaque é para a existência de dois órgãos responsáveis pela proteção
ambiental, IBDF e SEMA e seus conflitos, além da adição da PNMA que até hoje está em
vigor.
Pode-se dizer que nestas seis décadas (1930-1980)
15
, em termos de leis e criação de
órgãos gestores do meio ambiente houveram vários avanços, pautados nas diretrizes de
conservação ambiental em vel internacional. Medeiros, et al (2004), reconhecem que a
11
O Parque Nacional de Itatiaia foi criado com base no Código Florestal de 1934 e tinha como objetivo-fim a
pesquisa científica e o turismo (CÔRTE, 1997).
12
Decreto nº. 23.793 de janeiro de 1934, que conceitua além dos parques nacionais, as florestas nacionais e as
florestas protetoras. Segundo Medeiros, et al (2004, p. 84), “[...] o Código Florestal se tornou um dos mais
importantes instrumentos da política de proteção da natureza da época, pois definiu, em bases sólidas e
concretas, um projeto brasileiro com este enfoque”.
13
Com o Novo Código Florestal, “[...] foram criadas várias categorias de áreas protegidas em todo o país,
contribuindo, cada vez mais, para a efetivação de uma rede ou de um sistema de áreas protegidas” (CÔRTE,
1997, p. 23).
14
Sobre a constituição, promulgação, implantação e objetivos das leis, institutos, sistema e conselhos, ver: Brito
(2000), Brito; Câmara (2002), Quintela (2003) e Moraes (2004).
15
As décadas acima citadas o consideradas como marcos históricos da construção de áreas protegidas e, sobre
isto, ver Medeiros et al (2004).
criação de áreas protegidas no Brasil, nesse período e, em período posterior, é inspirada em
modelos de vários países das Américas principalmente dos EUA. Mas, diferente de autores
como Diegues (2002) e outros destacam que:
[...] o modelo de proteção desenvolvido no Brasil não se resumiu à “cópia” do
modelo norte-americano, como alguns autores pretenderam demonstrar. Em grande
parte, isto se deu em resposta a diversos fatores, dos quais podem ser destacados: 1)
a lógica da conservação e uso, com participação da sociedade civil, paralela à
lógica da preservação; 2) a preservação conservação como instrumento
geopolítico e, por fim, 3) a necessidade de adequar o sistema de áreas protegidas à
dimensão continental, pluri-cultural e megadiversa do Brasil. Como corolário
emerge um modelo caracterizado pela diversidade de tipos de áreas protegidas, que
é inclusive um instrumento geopolítico e que se expande ainda hoje por conta da
singularidade do País (MEDEIROS, et al, 2004, p. 85 – 86).
Contudo, mesmo com esse reconhecimento que, na verdade se torna realidade devido às
diferenças naturais, culturais e geopolíticas encontradas no Brasil e também reconhecidas por
Diegues (2002), o que pode ser considerado ‘avanços’, não refletia, no que tange à criação de
AP’s, uma maior mobilidade prática para esse processo. Moraes (2004) destaca os anos de
1980 como a década que o Brasil cria várias categorias de UC’s
16
com base nos parâmetros da
União Internacional para a Conservação da Natureza - UICN
17
, nos Planos de Sistemas de
UC’s nacionais (1979-1982) e em outros mecanismos ocorridos neste período (MORAES,
2004). Mas, esse processo no Brasil ocorre em grande parte de forma desordenada e sem
planejamento, ocasionando poucos resultados práticos em termos da relação sociedade-
natureza e administração das UC’s criadas.
Por outro lado, não se pode deixar de reconhecer que após a Conferência de
Estocolmo (1972) e com a criação da SEMA que é considerada por Brito; Câmara (2002, p.
65), como “[...] o primeiro órgão gestor federal brasileiro criado com orientação para gestão
integrada do meio ambiente”, é que se começará a pensar estratégias nacionais com foco na
seleção e planejamento das UC’s que se concretizarão um quarto de século depois. Moraes
(2004) faz um alerta com relação aos problemas que as UC’s criadas desde a década de 1930
no Brasil provocariam e que, [...] vão manifestar-se com intensidade nas populações no
16
Mais especificamente: Segundo MILANO, BERNARDES E FERREIRA (1993, p. 6), no Brasil,
diferentemente dos outros países, o termo Unidade de Conservação substituiu os termos de Área Protegida ou
Área Silvestre quando foi utilizado pela primeira vez, em 1978, por Jorge–Pádua et al no documento
Diagnóstico do Subsistema de Conservação e Preservação de Recursos Renováveis, do então IBDF, sendo a
partir daí, adotado por esta instituição em documentos oficiais. A SEMA também adotou o termo” (CÔRTE,
1997, p. 23).
17
A UICN surge em substituição à União Internacional para a Proteção da Natureza - UIPN em meados de 1965.
Nesse período, nos meios acadêmico-científicos e institucionais (governamentais ou não) em nível internacional,
começa-se a questionar a concepção pautada apenas na proteção da natureza’ e dar uma maior abertura às
concepções conservacionistas provocando tal substituição de nomenclatura e postura (BRITO, 2000).
Atualmente a UICN é considerada a mais tradicional e importante instituição internacional voltada para a
conservação ambiental (MORAES, 2004).
interior dessas áreas protegidas” (MORAES, 2004, p. 28). Isto por que a criação das UC’s,
neste período, na maioria dos casos, desconsiderava o direito de moradia e permanência nas
áreas destas populações haja vista estas serem, em grande parte, parques nacionais. E, como
não podia deixar de ser diferente do resto dos países que ‘aceitaram’ modelos baseados na
concepção preservacionista, conflitos começaram a emergir, pois não era levado em
consideração nem os seus direitos de moradia e nem o seu conhecimento, ‘considerado não
científico’ (Moraes, 2004).
Esses e outros conflitos como os elencados por Brito (2000): regularização fundiária, a
falta de recursos humanos e financeiros, de capacitação técnica e de fiscalização, por sua vez,
transforma as UC’s, no Brasil, em projetos de leis que têm pouca praticidade. Mais uma vez o
governo federal foi levado a avaliar sua forma de criação e implantação de UC’s, iniciando já
no final da década de 1970, um processo de reflexão que tinha por base a efetivação “[...] de
um sistema mais integrado para a criação e gerenciamento das áreas protegidas”
(MEDEIROS, et al, 2004, p. 85). Por conta desse processo, que se estende pela década de
1980, o IBAMA, em conjunto com a Fundação para a Conservação da Natureza
FUNATURA, elaboraram, em 1989, uma proposta de Sistema Nacional de Unidades de
Conservação SNUC, “[...] cujos objetivos eram os de sistematizar conceitos, objetivos e
tipos de categorias dessas unidades”. (BRITO, 2000, p. 67), haja vista as mesmas estarem
confusas, desordenadas e sem mobilidade prática. Para Medeiros, et al (2004, p. 85):
O resultado prático desse processo de construção resultou, hoje, num modelo
brasileiro que é composto basicamente por duas tipologias distintas de espaços
destinados à proteção dos recursos naturais: a) as áreas protegidas territorialmente
demarcadas e com dinâmicas de uso e gestão bem definidas genericamente
denominadas de Unidades de Conservação (UCs) [...]; e b) espaços protegidos
através de instrumentos legais pelos seus atributos e serviços sobretudo ecológicos,
mas sem uma prévia delimitação territorial (como ocorre no caso anterior) as
Áreas de Preservação Permanentes (APPs) e as Reservas Legais (RL) [...]
Como o que aqui nos interessa são as UC’s, a primeira tipologia descrita acima é que
merece uma análise mais pormenorizada, avançando para o SNUC. Proposto em 1989, o
SNUC passou a ser alvo de apreciação, de diversas discussões no âmbito do Congresso
Nacional e, após dois substitutivos, foi aprovado em 18 de julho de 2000, promulgado na Lei
nº. 9.985 e tendo sua regulamentação efetivada pelo Decreto nº. 4.340 de 22 de agosto de
2002. Para Bernardo (2004, p. 04) antes do SNUC “[...] não tínhamos nenhuma lei federal que
disciplinasse a questão das unidades de conservação UC’s”. Com o SNUC, as políticas
nacionais relacionadas às UC’s
18
ganham um importante instrumento legal, haja vista o
18
A definição de UC’s a partir do SNUC encontra-se em seu Capítulo I, art. 2º: “[...] I – unidade de conservação:
espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais
mesmo estabelecer critérios e normas para a criação, implantação e gestão de UC (SNUC,
2004). Além disso, no SNUC encontram-se os entendimentos de conceitos-chaves
relacionados às UC’s como: diversidade biológica, recurso ambiental, manejo, extrativismo,
etc.
19
, bem como seus objetivos, tipos de categorias de UC’s e as esferas de gestão das
mesmas que podem ser federal, estadual ou municipal. Aqui vale a pena, portanto, citar a
partir de Costa (2002, p. 28-29), os objetivos gerais do SNUC:
I contribuir para a manutenção da diversidade biológica e dos recursos genéticos
no território nacional e nas águas jurisdicionais;
II – proteger as espécies ameaçadas de extinção no âmbito regional e nacional;
III contribuir para a preservação e a restauração da diversidade de ecossistemas
naturais;
IV – promover o desenvolvimento sustentável a partir dos recursos naturais;
V promover a utilização dos princípios e das práticas de conservação da natureza
no processo de desenvolvimento;
VI – proteger paisagens naturais e pouco alteradas de notável beleza cênica;
VII proteger as características relevantes de natureza geológica, geomorfológica,
espeleológica, arqueológica, paleontológica e cultural;
VIII – proteger e recuperar recursos hídricos e edáficos;
IX – recuperar ou restaurar ecossistemas degradados;
X proporcionar meios e incentivos para atividades de pesquisa científica, estudos
e monitoramento ambiental;
XI – valorizar econômica e socialmente a diversidade biológica;
XII favorecer condições e promover a educação e a interpretação ambiental, a
recreação em contato com a natureza e o turismo ecológico;
XIII proteger os recursos naturais necessários à subsistência de populações
tradicionais, respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura e
promovendo-as social e economicamente.
Desses objetivos, destacamos o IV, V, XII e o XIII como aqueles mais relacionados
com a proposta desta dissertação. Os quatro objetivos destacados comprovam que, pelo
menos na forma de Lei, as UC’s foram pensadas como estratégias que podem servir para
promover o desenvolvimento através da educação ambiental, do lazer, do turismo ecológico,
dentre outros, respeitando seus grupos e tipos específicos. Tudo isso pensado em favor da
proteção dos recursos naturais e das populações tradicionais onde a valorização e o
reconhecimento da natureza e da cultura local se transformam em aliados para a promoção do
bem-estar social através de políticas públicas que tenham por base leis como o SNUC, por
exemplo.
Em se tratando das categorias das UC’s, o SNUC divide-as em dois grupos: as
Unidades de Proteção Integral e as Unidades de Uso Sustentável. Segundo o artigo 7º,
capítulo III, inciso do SNUC (2004), as Unidades de Proteção Integral têm por objetivo a
relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob
regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção [...]” (SNUC, 2004, p. 09).
19
Estes conceitos-chaves encontram-se descritos no SNUC (2004) e, maiores aprofundamentos, encontram-se
em Silva (1999), Costa (2002) e Bernardo (2004).
preservação
20
da natureza e, por isso, neste grupo se pode utilizar os recursos naturais
existentes de forma indireta, salvo alguma exceção prevista nessa Lei. Tal grupo é constituído
pelas seguintes categorias: estação ecológica, reserva biológica, parque nacional, monumento
natural e refúgio de vida silvestre
21
. E, segundo o Artigo 7º, inciso do SNUC, as Unidades
de Uso Sustentável têm por objetivo relacionar a conservação
22
da natureza com o uso
sustentável de parte dos recursos naturais existentes permitindo, portanto, o uso direto de
determinadas áreas das unidades. Tal grupo é constituído pelas seguintes categorias: área de
proteção ambiental, área de relevante interesse ecológico, floresta nacional, reserva
extrativista, reserva de fauna, reserva de desenvolvimento sustentável e reserva particular do
patrimônio natural
23
. É este último grupo que, portanto, permite pensar em possibilidades de
desenvolvimento através das UC’s.
O SNUC é um sistema onde se encontra o “[...] conjunto de áreas naturais protegidas
que, planejado e manejado como um todo é capaz de viabilizar os objetivos nacionais de
conservação” (QUINTELA, 2003, p. 14). Apesar do reconhecimento de sua relevância para a
possibilidade de dinamizar e direcionar a criação e implantação de UC’s no Brasil e, ter como
pontos positivos “[...] o cuidado social e o cuidado com referência à participação (Consulta
Pública) e à transparência; além de aplicação dos recursos gerados nas próprias UC’s”
(BERNARDO, 2004, p. 05), ele também traz algumas deficiências.
Dentre as principais deficiências da Lei nº. 9.985/2000, podem ser relacionados os
conflitos nos objetivos, e a falta de um objetivo principal; o excesso e confusão nas
categorias de UC’s; a falta de mecanismo financeiro para as UC’s; e o caso das
Reservas da Biosfera, que não possuem embasamento legal em nosso País. Além
disso, mesmo sendo criadas no “papel”, nem sempre as UC’s estão a salvo de sofrer
agressões, sejam elas causadas pela invasão de sua área limite ou pela captura e/ou
destruição de exemplares da fauna e da flora (BERNARDO, 2004, p. 05).
Os aspectos positivos e as deficiências do SNUC estão dados e cabe no decorrer do processo
de utilização das UC’s, como forma de conservação e/ou preservação da natureza, serem
analisados, melhorados e até redefinidos. O importante é a percepção de que ter a lei não
significa sua utilização na prática. Como esta tem apenas cinco anos de existência, sua
20
Segundo o capítulo I, art. do SNUC, entende-se por preservação: “[...] conjunto de todos, procedimentos
e políticas que visem a proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas, além da manutenção dos
processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais [...]” (SNUC, 2004, p. 10).
21
As categorias de UC’s do tipo Proteção Integral citadas, encontram-se descritas no capítulo III, artigos 8º à 13º
do SNUC (2004).
22
Segundo o capítulo I, art. do SNUC (2004, p. 09), entende-se por conservação da natureza: “[...] o manejo
do uso humano da natureza, compreendendo a preservação, a manutenção, a utilização sustentável, a restauração
e a recuperação do ambiente natural, para que possa produzir o maior benefício, em bases sustentáveis, às atuais
gerações, mantendo seu potencial de satisfazer as necessidades e aspirações das gerações futuras, e garantindo a
sobrevivência dos seres vivos em geral [...]
23
As categorias de UC’s do tipo Uso Sustentável citadas, encontram-se descritas no capítulo III, artigos 14º à 21º
do SNUC (2004).
disseminação onde existem UC’s e onde as mesmas ainda estão sendo criadas é
imprescindível. assim é possível que o SNUC, enquanto lei norteadora de um Sistema de
UC’s, seja respeitado e colocado em prática.
QUADRO 01: Número Total de UC’s Federais por Categorias e Tipos de Uso
CATEGORIA TIPO DE
USO
Nº. * ÁREA DAS UC’S
(ha)
%**
Estação Ecológica PI 31 7.203.392,19
0,84
Parque Nacional PI 56 17.074.743,93
2,00
Refúgio de Vida Silvestre PI 02 128.521,25
0,02
Reserva Biológica PI 27 3.740.557,56
0,44
Subtotal
116 28.147.214,93
3,3
Floresta Nacional US 70 19.190.166,23
2,25
Reserva Extrativista US 43 7.914.518.64
0,93
Área de Proteção
Ambiental
US 29 6.526.679,08
0,76
Área de Relevante
Interesse Ecológico
US 17 32.574,80
0,00
Reserva de
Desenvolvimento
Sustentável
US 01 64.735,00
0,00
Reserva Particular do
Patrimônio Natural***
US 425 - -
Subtotal
585 33.728.673,75
3,94
Total
701 61.875.888,68
7.24
*As sobreposições entre as UC’s foram processadas incluindo-as na categoria de maior restrição.
** Porcentual relativo à área continental do Brasil que é 854.546.635,67. Baseia-se na malha municipal digital
do Brasil de 1996, fornecida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE, o inclui as ilhas
oceânicas.
*** O IBAMA não fornece o total de área desta UC.
Fonte: IBAMA, 2005.
A título de ilustração, o QUADRO 01, acima, mostra o número total de UC’s por
categorias e tipo de uso, de acordo com as últimas atualizações realizadas pelo IBAMA
(2005), no Brasil, para UC’s federais
24
. Neste quadro, identifica-se que atualmente, no Brasil,
o SNUC soma em nível federal, uma área de aproximadamente 61.875.888,68 hectares, que
corresponde a 7,24% do território nacional. Um outro dado relevante percebido é que, em
termos quantitativos, há muito mais unidades de conservação do tipo Uso Sustentável - US do
que do tipo Proteção Integral - PI. Das 701 UC’s federais existentes no Brasil, 585 são de Uso
Sustentável e 116 de Proteção Integral. Isto pode ser considerado um avanço no que tange às
24
Optou-se por apresentar de forma quantitativa as UC’s federais, devido estes dados serem sistematizados e
atualizados pelo IBAMA, órgão federal responsável pela gestão e controle das mesmas. Dados em nível estadual
ou municipal, no Brasil, o bem difíceis de obter devido o haver um cadastro nacional de todas as UC’s, em
todas as esferas de governo. Por outro lado, os estados e municípios nem sempre tem esses dados atualizados e
disponíveis.
discussões referentes a respeito das populações tradicionais existentes no local e sua relação
com a natureza e com as ações do governo e da dicotomia preservação X conservação. Por
outro lado, entre as categorias de UC's federais de Proteção Integral, o destaque ainda é para
os Parques Nacionais (56) e, para o grupo de Unidades de Uso Sustentável o destaque é
para as Reservas Particulares de Patrimônio Natural (425). Em termos de área, as UC’s de
proteção integral somam 28.147.214,93 hectares, correspondendo a 3,3% aproximadamente,
da área continental do Brasil. Já as UC’s de uso sustentável, somam, aproximadamente,
33.728.673,75 hectares, correspondendo a mais ou menos 3,94% do território nacional, um
dado bem expressivo se considerarmos que as UC’s estão sendo atualmente, vistas como
estratégias de políticas públicas que ajudam a viabilizar a proteção e/ou conservação da
natureza enquanto recurso (MEDEIROS, et al, 2004).
Para Medeiros, et al (2004, p. 92): O maior desafio em políticas públicas, no
momento atual, se refere à construção participativa e democrática da Política Nacional de
Áreas Protegidas, prevista para 2005”. E, atualmente pode-se destacar a elaboração do Plano
Nacional de Áreas Protegidas - PNAP
25
, como o instrumento que irá nortear tal política. O
PNAP é um compromisso do governo federal que teve sua origem na Sétima Conferência das
Partes - COP 7 da Convenção sobre Diversidade Biológica - CDB, realizada na Malásia, em
fevereiro de 2004. Na COP 7 da CDB os países signatários, dentre eles o Brasil, acordaram
elaborar um Programa de Trabalho para Áreas Protegidas. Para que a elaboração desse
Programa, no caso brasileiro, fosse implementado, o governo federal comprometeu-se através
de um Protocolo de Intenções estabelecido com um conjunto de organizações da sociedade
civil à:
[...] (i) formular o Plano Nacional de Áreas Protegidas PNAP, (ii) estabelecer
uma estreita cooperação entre o governo brasileiro e a sociedade civil organizada
para a elaboração de um Plano Nacional de Áreas Protegidas, e (iii) instituir e
coordenar o Fórum Nacional de Áreas Protegidas (MMA, 2005).
O PNAP, portanto, é um instrumento que tem sua concepção fundamentada por
acordos de cooperação em que governo e sociedade civil organizada atuem em conjunto para
que suas metas sejam cumpridas. Metas estas que têm como diretrizes fundamentais a busca
do Brasil em “[...] reduzir a perda de biodiversidade, por meio da consolidação de um sistema
25
No âmbito do PNAP, as AP’s são: “[...] áreas definidas geograficamente, cuja regulamentação e/ou
administração promovam a proteção, conservação, recuperação e o uso sustentável da biodiversidade, bem como
a repartição justa e eqüitativa dos benefícios, contemplando de forma prioritária as Unidades de Conservação, as
Terras Indígenas e os Territórios Quilombolas. As demais áreas protegidas serão tratadas no âmbito do Plano
Nacional de Áreas Protegidas segundo a abordagem ecossistêmica, no planejamento da paisagem” (MMA,
2005). Percebe-se que o termo AP’s está de volta, mas, com uma conotação mais abrangente envolvendo UC’s,
Terras Indígenas e Territórios Quilombolas.
ampliado de áreas protegidas, ligado a uma rede mundial”. (MMA, 2005), o que nos permite
deduzir que tal esforço de estabelecer o PNAP advém de compromissos internacionais
assumidos pelo Brasil com relação às áreas protegidas, sendo o principal deles, a redução da
taxa de perda de biodiversidade até 2010, fixadas pela Cúpula Mundial para o
Desenvolvimento Sustentável da qual o Brasil faz parte (MMA, 2005).
O PNAP encontra-se em fase de elaboração. É coordenado pela Diretoria de Áreas
Protegidas e pela Secretaria de Biodiversidade e Florestas do MMA que buscam articular as
instituições envolvidas diretamente Grupo de Trabalho Ministerial; Câmara Técnica de
UC’s do CONAMA, Fórum Nacional de Áreas Protegidas
26
, Comissão Nacional de
Biodiversidade - CONABIO, Coordenação do Programa Brasil Quilombola (Comitê Gestor) e
Ministério da Justiça por meio da Fundação Nacional do Índio FUNAI com a sociedade
civil. Sua elaboração compreende a cinco etapas que, segundo o MMA (2005) são:
(i) definição de um arranjo organizacional (identificação das instâncias
diretamente relacionadas ao processo de coordenação, elaboração, consulta,
aprovação e implementação e monitoramento do PNAP); (ii) estabelecimento da
abordagem técnica: definição das diretrizes e prioridades nacionais para a redução
da perda da biodiversidade e estabelecimento de sistemas de áreas protegidas;
elaboração da versão do plano a ser submetido à consulta pública e consolidação do
PNAP após o processo de consulta; (iii) elaboração e implementação da estratégia
de consulta pública do plano, com vistas a possibilitar o debate técnico e a
articulação política e social na formulação e implementação do PNAP por meio do
Fórum Nacional de Áreas Protegidas; (iv) aprovação pelas instâncias competentes
encerrando o processo de construção; (v) divulgação do PNAP na Oitava
Conferência das Partes da CDB COP 8, seguida de ampla divulgação nas esferas
governamentais e não governamentais.
Depois de concluídas, as cinco etapas que correspondem à elaboração e aprovação do
PNAP, está programado o início da sua fase de monitoramento e implementação. Como este
processo tem prazo de finalização e apresentação até a Oitava Conferência das Partes da CDB
COP 8 que será em 2006, o ano de 2005 seguiu com uma ampla agenda de discussão com
todos os envolvidos neste processo. Segundo Medeiros, et al (2004, p. 92), o PNAP:
[...] é decorrência do “amadurecimento” da sociedade brasileira, da difusão e
discussão pública do Sistema Nacional de Unidades de Conservação e dos
desdobramentos políticos e institucionais da Política Nacional de Biodiversidade.
Isto, por si só, pode vir a ser uma garantia de que as etapas definidas para a elaboração do
PNAP sejam cumpridas, buscando assim, alcançar os objetivos previstos. Como este se
encontra em fase final de elaboração, ainda é muito cedo para tecer comentários conclusivos
sobre a efetividade do mesmo. Para Medeiros, et al (2004, p. 93):
26
O rum Nacional de Áreas Protegidas é um órgão consultivo da Secretaria de Biodiversidade e Floresta, do
MMA, criado em 07/07/2004 pela Portaria 134/04 e visa ser um instrumento permanente de diálogo entre o
governo e a sociedade que estabeleça uma participação e controle social sobre as políticas públicas para áreas
protegidas, onde o PNAP se insere (MMA, 2005).
Há ainda que considerar que a Política de Áreas Protegidas só alcançará seus
objetivos se ela for implementada, de forma integrada a outras ações do Estado
(infra-estrutura, energia, planejamento, agricultura, questão agrária, saúde,
educação, etc.). Apesar de se vincular institucionalmente a um único ministério, o
seu desafio maior será o de buscar a articulação e a transversalidade necessárias
entre os diferentes níveis governamentais (federal, estadual e municipal) e seus
diferentes setores, aumentando a colaboração e a sinergia entre os mesmos,
condição sine qua non para o seu êxito. Da mesma forma, essa política não poderá
negligenciar as demandas sociais e econômicas de um país emergente, em estado
permanente de mutação [...]
Por isso, é importante ficarmos atentos a mais este esforço do governo em avançar nas
discussões que tem por base a conservação da natureza. Um avanço que aqui nos parece
importante frisar é o fato do PNAP estar centrado num processo de articulação que leva em
consideração a participação da sociedade e das populações tradicionais reconhecidas por Lei,
como é o caso dos quilombolas e indígenas. Esse esforço ilustra o amadurecimento das
discussões e ações relacionadas às áreas protegidas. E, por isso, cabe a expectativa que em
estudos futuros o PNAP seja motivo de análises e maiores explicitações críticas.
Voltando para as UC’s, dentre as suas categorias citadas, convém como forma de
atender aos objetivos desta dissertação, nos deter um pouco mais na categoria Área de
Proteção Ambiental APA
27
. Esta categoria foi criada pela Lei nº. 6.902/81. Atualmente,
encontra-se no SNUC dentro do grupo de Unidades de Uso Sustentável. Pelo SNUC (2004, p.
18):
Art. 15. A Área de Proteção Ambiental é uma área em geral extensa, com certo
grau de ocupação humana, dotada de atributos abióticos, bióticos, estéticos ou
culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das
populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade
biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade dos
recursos naturais.
Além da Lei nº. 6.902/81 que rege a criação das APA’s, que foi regulamentada pelo
Decreto nº. 88.351 de 01 de junho de 1983, o decreto nº. 99.274/90 dispõe sobre as proibições
e restrições de uso de recursos naturais, objetivos e limites das APA’s e, a Resolução do
CONAMA 10/88 dispõe sobre zoneamento, normas sobre projetos de urbanização, atividades
agropecuárias, mineração e outras. Moraes (2004) destaca que as APA’s no Brasil basearam-
se nos modelos europeus (França, Alemanha, Inglaterra e Portugal) que, naquele continente,
surgem de negociações e acordos entre várias instituições governamentais com a sociedade
civil organizada, cujo interesse eram os benefícios advindos da proteção dos recursos naturais,
paisagísticos e culturais. No Brasil, além desses interesses, alia-se também a possibilidade de
27
Para detalhamento sobre processo de criação, implantação e gestão de uma APA, ver: Côrte (1997); Brito;
Câmara (2002) e Moraes (2004).
“[...] contornar o problema dos altos custos de desapropriação para a proteção ambiental”
(MORAES, 2004, p. 37).
Vários autores como Côrte (1997) e Araújo (2004), destacam que a APA se diferencia
das outras UC’s pelo fato de estas, para serem criadas, o precisarem desapropriar terras,
garantindo assim a permanência das populações tradicionais locais em seu habitat natural.
Este fato está relacionado, em termos de criação de uma APA, a uma nova concepção de
conservação que transpõe as dificuldades, por parte das esferas públicas de governo, em
adquirir terras para a criação e implantação de uma UC, gerando assim como resultado
imediato a redução dos custos dessa criação e implantação. Contudo, isto o diminui a
complexidade que é criar uma UC, mesmo que esta seja APA (ARAÚJO, 2004). Côrte (1997,
p. 27-28) afirma que a APA:
[...] introduz um caráter de complexidade à questão trazendo em cena a busca de
práticas de sustentabilidade que promovem a convivência harmônica do ser
humano e seus sistemas produtivos com o meio em que vive. Decorrentes desta
característica, certamente poderão surgir muitos conflitos entre o uso dos recursos
naturais e a sua proteção, por não existir harmonia ou equilíbrio nas relações
econômicas, políticas e também ambientais. Portanto, quando se pensa em gestão
de uma APA, espera-se que a mediação de conflitos seja fator essencial.
Por isso, segundo Araújo (2004) o é consenso que as vantagens da APA em relação
às outras UC’s sejam de fato eficientes. Esta autora salienta que casos que a não
intervenção do governo no uso das terras, bem como a falta de participação das populações
tradicionais na administração e gestão da APA, podem tornar essa UC sem mobilidade prática
no que tange o cumprimento de seus objetivos. Para que uma APA não se perca em seu
processo de criação e implantação é preciso transpor o desafio de “[...] conciliar as atividades
humanas, também aquelas relativas ao desenvolvimento econômico, com a proteção
ambiental, contribuindo para a implementação dos princípios do desenvolvimento
sustentável” (CÔRTE, 1997, p. 32). Tarefa não muito fácil, que exige vontade política de
quem está à frente desse processo pela esfera de governo, participação de todos os setores
envolvidos, escolhas e, acima de tudo, entendimento do que seja uma APA, a partir de
sensibilizações da população que estará dentro e no entorno da APA. Um processo que requer
tempo, habilidade de quem conduz e vontade de participar.
Mesmo com oposições, é evidente que as APA’s, a partir de seus objetivos tornam-se
uma UC com diferenciais que as consolidam como instrumentos capazes de lidar com
questões ambientais minimizando os conflitos entre preservação e utilização da natureza
como recurso natural. Para Brito; Câmara (2002, p. 145):
As APA’s têm um perfil próprio, único no Brasil, objetivam a promoção da
qualidade de vida da população, a eqüidade social e a proteção ambiental nos
espaços geográficos, a partir de um disciplinamento do processo de ocupação para
se alcançar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais, sem coibir as atividades
econômicas do homem e à sua dinâmica de vida.
Neste caso, as APA’s podem ser consideradas como uma das UC’s, dentro do SNUC, que
podem ser referendadas como uma alternativa viável para que as UC’s se expandam com mais
facilidade devido: 1) terem custos operacionais baixos, se comparados com outros tipos de
UC’s; 2) por ser uma UC que permite a ocupação ordenada do solo acaba por minimizar
conflitos referentes à desapropriação de terras; e, 3) avança em aspectos como gestão
ambiental, participação social e planejamento sustentável do uso dos recursos naturais.
Essas facilidades e outras mais exigem um processo dinâmico de organização que leve
em consideração, no que tange à gestão, uma adesão de todos que fazem parte desta UC de
forma democrática, coordenada e descentralizada. Isto, na prática não se constitui como algo
fácil, pois quando um processo de organização social envolve vários atores sociais e
diferentes posições e interesses, é necessário uma gama de articulações que nem sempre quem
está na coordenação do processo (aqui, no caso, o poder público) pode viabilizar. No
momento que tais processos se ajustam e se efetivam mecanismos e condições para que a
criação e implantação de APA’s tenham por base atingir seus objetivos através de uma gestão
eficiente, esta passa de potencial para uma real situação em que exista o atendimento das
necessidades da população residente da APA, levando em consideração a conservação dos
recursos naturais locais. Alia-se, assim, melhoria da qualidade de vida e conservação da
natureza com processos dinâmicos de organização social que permitam ser feitas escolhas
com relação ao uso racional desses recursos, o que se pode assim vislumbrar as APA’s como
inspiração para o desenvolvimento sustentável com liberdade
28
, ainda que de forma
preliminar.
1.4 A SITUAÇÃO DAS UC’S NA AMAZÔNIA
29
E NO OESTE DO PARÁ
Ao abordar a situação das UC’s na Amazônia tem-se que levar em consideração o seu
processo de ocupação. Esse processo que vem sendo amplamente estudado é sempre palco de
28
O desenvolvimento sustentável com liberdade é uma proposta de junção das concepções de desenvolvimento
sustentável com a de desenvolvimento como liberdade e será apresentada no CAPÍTULO 4 deste trabalho.
29
Aqui estaremos trabalhando com a noção de Amazônia Legal que foi definida pela Lei nº. 1806/53 e abrange
áreas dos seguintes Estados: Pará, Amazonas, Amapá, Acre, Rondônia, Roraima, Tocantins, Maranhão e Mato
Grosso, perfazendo um total, segundo o IBAMA (2005) de 503.735.569,94 hectares. Segundo Pandolfo (1994, p.
36), esta noção foi “[...] fruto de um conceito político e não de um imperativo geográfico, pois o critério adotado
pelo governo foi à necessidade de planejar e promover o desenvolvimento de toda essa imensa área [...]”
polêmicas devido às várias tentativas de ocupar a Amazônia que não obtiveram êxito ou não
obtiveram o êxito esperado. Desde o seu descobrimento, esta região foi sempre motivo de
disputas envolvendo vários segmentos sociais (QUARESMA, 1998). Nessas disputas quase
sempre se tem a presença do Estado como articulador dos conflitos referentes aos rios e
diversos recursos naturais da região que, até certo período da história recente, eram
considerados como inesgotáveis. Esses recursos, sempre cobiçados pelas indústrias nacionais
e internacionais que os viam como matéria-prima para as suas produções, tiveram seu apogeu
com o ciclo da borracha (SANTOS, 1980). Daí em diante, vários foram os projetos de
desenvolvimento para a região onde a criação de instituições como a Superintendência para o
Plano de Valorização Econômica da Amazônia SPEVEA (1953) depois Superintendência
do Desenvolvimento da Amazônia SUDAM (1966), Superintendência da Zona Franca de
Manaus SUFRAMA (1967) e Banco de Crédito da Borracha BCB (1942) e depois Banco
da Amazônia S/A – BASA (1967) estiveram na ordem do dia quando o assunto era elaboração
de Planos de Desenvolvimento da Amazônia – PDA’s, que foram dois, nas décadas de 1970, e
execução de políticas que objetivavam a ocupação, a segurança nacional e o advento de ações
que intensificasse a agricultura, a pecuária e os grandes projetos na região. Dentre estas
políticas estabelecidas através de programas, destacamos a título de exemplo: Programa de
Integração Nacional PIN (1970); Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais na
Amazônia POLOAMAZÔNIA (1974); Programa Grande Carajás PGC (1984); Programa
Calha Norte – PCN (1985); e o Sistema de Vigilância da Amazônia – SIVAM (1990)
30
.
Estas instituições, as políticas, os programas e os projetos, “[...] não obtiveram o êxito
esperado e geraram frutos insatisfatórios para a região” (QUARESMA, 1998, p. 09). Isto
ocasionou um ‘colapso’ no modelo de desenvolvimento da Amazônia, onde uma das
principais conseqüências foi a degradação ambiental representada principalmente pela
derrubada e/ou queimada da floresta e os conflitos pela posse de terra que, até os dias de hoje,
resultam em assassinatos e degradação humana. Passa, então, a ser premente que o
entendimento desse processo de ocupação seja estudado pelos acadêmicos e pesquisadores, de
um modo geral, e revisto pelos órgãos de Estado para que propostas de ocupação, como se
deu na Amazônia, sejam substituídas por alternativas mais viáveis que possam congregar uma
relação sociedade-natureza menos predadora. Como ressalta Filho (1992, p. 164):
[...] faz-se necessário reconhecer que até agora, o governo brasileiro demonstrou
incompetência para lidar com os problemas ligados a proteção do ecossistema
amazônico. Foram cometidos equívocos na ocupação da região. Enquanto não for
30
Para uma discussão mais aprofundada sobre as referidas instituições e políticas governamentais para a
Amazônia ver: Oliveira (1983); Oliveira (1988) e Pandolfo (1994).
reformulada a política de ocupação e desenvolvimento da Amazônia, maiores
dificuldades se oporão ao acesso do Brasil a fontes externas de funcionamento,
assim como o fantasma da soberania compartilhada continuará presente nas
preocupações de alguns setores do governo brasileiro.
É neste contexto que, a partir principalmente da década de 1980, as UC’s se
apresentam como um dos instrumentos capazes de minimizar o processo de degradação
ambiental na Amazônia. Segundo Pinto (2000, p. 58), nesse momento:
[...] os recursos naturais da Amazônia passam a ser vistos como patrimônio da
humanidade e na fase de euforia da preservação ambiental década de oitenta
[...], foram instituídas várias unidades de conservação.
Na Amazônia, como no Brasil e no mundo, o processo de criação das UC’s, num primeiro
momento, não estava compatível com uma relação sociedade-natureza integrada. Ao
contrário, Simonian (2000) ressalta que tais processos de criação de UC’s na Amazônia,
geralmente, estavam pautados por decisões de políticas públicas de Estado que, em muitos
casos, não atendiam critérios científicos, desconsideravam as populações tradicionais
existentes e eram autoritárias. Neste sentido, Simonian (2000) cita os exemplos dos Parques
Nacionais de Monte Roraima; Pakaás Novos; Reserva Biológica do Guaporé e da Floresta
Nacional do Tapajós. Por outro lado, esta autora como Quaresma (1998) e Pinto (2000),
reconhecem, de forma crítica, que está havendo certas mudanças e amesmo avanços no
âmbito formal-legal de como o Estado brasileiro vem conduzindo a criação e implantação de
UC’s quer seja em nível federal, estadual ou municipal. Mas, ainda há muito que fazer:
Em um momento em que se busca novas formas de gestão e formas de diálogo
entre os diversos atores sociais o planejamento de UC’s, as diretrizes e as políticas
ambientais, carecem ser debatidas articuladamente entre Estado, Sociedade Civil e
Empresas Privadas com intuito de se integrar esforços para o êxito das mesmas,
através da intercomunicação dos diversos saberes, na busca das soluções destes
problemas (QUARESMA, 1998, p. 16).
É através de visões como esta que se poderá buscar avaliar os erros cometidos nas
implantações das UC’s existentes, criar novas UC’s tendo por base novas diretrizes e ideários
como, por exemplo, um processo conduzido de forma democrática com participação de todos
os envolvidos e, assim, fazer das UC’s mais um instrumento positivo que articule a relação
sociedade-natureza a partir de ações que viabilizem uma melhor qualidade de vida para quem
nelas habita hoje, levando em consideração o uso sustentável dos recursos existentes com o
intuito de conservar para quem virá habitá-la futuramente.
Atualmente, no que diz respeito às UC’s federais na Amazônia Legal, estas ocupam
uma área aproximada de 51.797.954,43 hectares sem as Reservas Particulares do Patrimônio
Natural, como se demonstra no quadro abaixo:
QUADRO 02: UC’s Federais na Amazônia Legal por Categorias e Tipos de Uso
CATEGORIA TIPO
DE USO
ÁREA DAS UC’S
(ha)*
%**
Estação Ecológica PI 6.654.919,39
1,32
Parque Nacional PI 14.076.048,24
2,79
Reserva Biológica PI 3.596.256,09
0,71
Subtotal
24.327.223,72
4,82
Floresta Nacional US 19.111.549,03
3,79
Reserva Extrativista US 7.910.428,25
1,57
Área de Proteção Ambiental US 365.006,30
0,07
Área de Relevante Interesse
Ecológico
US 19.012,13
0,00
Reserva de Desenvolvimento
Sustentável
US 64.735,00
0,00
Subtotal
27.470.730,71
5,43
Total
51.797.954,43
10,25
*As sobreposições entre as UC’s foram processadas incluindo-as na categoria de maior restrição.
** Porcentual relativo à área continental da Amazônia Legal que é 503.735.569,94 hectares. Baseia-se na malha
municipal digital do Brasil de 1996, fornecida pelo IBGE.
Fonte: IBAMA, 2005.
Em se tratando de Amazônia Legal, pode-se perceber que, em termos de área ocupada,
as UC’s do tipo US, ocupam a maior área, 27.470.730,71 hectares, tendo como destaque a
categoria Floresta Nacional, 19.111.549,03 hectares. No tipo PI, a categoria de UC que se
destaca, em termos de maior área ocupada da Amazônia Legal, ainda o os Parques
Nacionais, 14.076.048,24 hectares.
Em termos estaduais, no Pará, que é o Estado em que se localiza a APA Alter do
Chão, existem cerca de 37 UC’s federais distribuídas pelos seus tipos e categorias. O quadro
abaixo apresenta as UC’s do Estado do Pará.
QUADRO 03: UC’s Federais no Estado do Pará por Categorias e Tipos de Uso
CATEGORIA TIPO
DE USO
N. ÁREAS DAS
UC’S (ha)
Estação Ecológica PI 02 3.852.087,46
Parque Nacional PI 02 2.339.045,56
Reserva Biológica PI 03 852.908,37
Subtotal
07 7.044.041,39
Floresta Nacional US 10 3.616.828,70
Reserva Extrativista US 15 3.214.273,73
Área de Proteção Ambiental US 01 20.637,13
Reserva de Desenvolvimento Sustentável US 01 64.735,00
Reserva Particular do Patrimônio Natural US 03 -
Subtotal
30 6.916.474.56
Total
37 13.960.515,95
Fonte: IBAMA, 2005.
Pelos dados acima, percebe-se que o maior número de UC’s federais do Estado do
Pará é de US, 30 unidades, onde se destacam as Reservas Extrativistas, 15 unidades. Nas
UC’s federais, do tipo PI, devido ao seu número pequeno, não nenhum destaque
expressivo, sendo que as Reservas Biológicas são as categorias de maior número, 03 no total.
Isto nos demonstra que, em se tratando de UC no Estado do Pará, fica evidente ao
compararmos com o número de UC’s existentes no resto do país e na Amazônia Legal, que
este Estado ainda possui um número inexpressivo de UC’s criadas em nível federal, o que
pode ser reflexo do processo de ocupação escolhido dentro deste Estado que segue, de forma
intensiva, o modelo de ocupação da Amazônia até os dias atuais. Segundo Pinto (2000, p. 60-
61):
[...] as áreas protegidas do Pará padecem de dificuldades que o inerentes a todas
as UC’s criadas no País. Dentre elas tem-se recursos financeiros insuficientes; os
funcionários disponíveis o atendem a demanda das UC’s e estão muitas vezes,
desqualificados para exercer funções; falta de material e equipamentos; e a
inexistência de regularização fundiária na maioria das UC’s. Porém, o problema
que mais tem chamado à atenção dos estudiosos é a falta de demarcação das UC’s,
fruto do planejamento institucional sem aplicabilidade fora dos papéis da
burocracia estatal. Principalmente esta situação deixa estas unidades vulneráveis a
qualquer tipo de agressão: invasões, desmatamentos, etc.
Essa realidade prática da UC leva a se questionar até que ponto estas podem ser
realmente viáveis como instrumentos de gestão que primem pela qualidade de vida e
conservação da natureza. Deve-se considerar, no entanto, que a UC enquanto política pública
vem, ao longo dos anos, sofrendo adaptações em seus aspectos conceituais, ideológicos,
legais e práticos. Adaptações essas que vêm buscando, com os equívocos do passado, imputar
novos rumos para as questões ambientais e seus instrumentos. Isto ocorre quer no âmbito
internacional, quer no âmbito nacional como foi enfatizado aqui. E, o que se espera é que
tais adaptações também comecem a ter seus reflexos no âmbito regional e mais
especificamente, no Estado do Pará, que pelos dados demonstrados no QUADRO 03 ainda
não é prioridade do governo federal no que tange a criação de UC’s, o que é um tanto
questionável, pois o Pará, dentro da Amazônia Legal e região Norte, é o segundo Estado em
área (1.247.702 Km
2
) e o primeiro em termos populacionais (6.192.307 habitantes) (IBGE,
2005), nos levando a pensar que as UC’s enquanto estratégias de políticas públicas ambientais
estão muito longe de se efetivarem quanto prioridade.
Ainda sobre as UC’s no estado do Pará, é importante destacar que, na área de estudo
deste trabalho, o município de Santarém, tem em suas proximidades, as seguintes UC’s
31
:
Floresta Nacional do Tapajós, Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns e a recém-criada Área
de Proteção Ambiental Aramanaí-Pindobal que, juntamente com a APA Alter do Chão
abrangem uma área aproximada de 1.274.775,74 hectares. Em linhas gerais, a Floresta
Nacional do Tapajós ou como é conhecida, FLONA Tapajós, é uma UC federal, criada em
fevereiro de 1974, pelo Decreto nº. 73.684, do presidente Médici. Ocupa uma área
aproximada de 600.000 hectares, abrangendo os municípios de Belterra, Aveiro, Rurópolis e
Placas, no oeste do estado do Pará. É composta por 25 comunidades e mais o município de
Aveiro, tendo uma população estimada de 10 mil pessoas aproximadamente (SOARES,
2004).
A Reserva Extrativista do Tapajós-Arapiuns, também conhecida como RESEX
Tapajós-Arapiuns, foi criada pelo Decreto s/n de 06 de novembro de 1998, do governo
federal, na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Ocupa uma área de aproximadamente
647.610,74 hectares, abrangendo os municípios de Santarém, Belterra e Aveiro, também na
região oeste do estado do Pará, tendo uma população estimada em 4.000 pessoas
aproximadamente (IBAMA, 2005).
A Área de Proteção Ambiental Aramanaí-Pindobal foi criada pela prefeitura municipal
de Belterra em 2003, na gestão do prefeito Oti Santos. Possui uma área estimada de 10.985
hectares e encontra-se em fase de implantação. Sua relevância, neste estudo, é pelo fato de
que a mesma, ou pelo menos a área que abrange, sempre foi pensada pelo governo municipal
de Santarém e por Alter do Chão como uma extensão da APA Alter do Chão, haja vista
estar aí as nascentes do Lago Verde que se localiza na vila de Alter do Chão e é um
importante atrativo natural do local como se verá a seguir.
A importância de se estar citando essas outras UC’s localizadas próximas a APA
Alter do Chão é para demonstrar que nesta região existem outras UC’s federais e municipais.
Segundo Côrte (1997, p.34):
O conjunto dos objetivos preservacionistas e conservacionistas pode ser mais
facilmente alcançado através de um sistema de áreas protegidas composta por
unidades de diferentes categorias de manejo com objetivos que o desde a
proteção integral dos recursos naturais a a sua utilização racional e
implementação do desenvolvimento sustentável.
31
Para se manter um padrão estamos referenciando as categorias de UC’s consideradas no SNUC. Fora estas,
existem outras AP’s na região: Reserva Florestal do Palhão (estadual), Bosque Santa Lúcia (particular) e Parque
Ecológico do Mapiri (municipal).
Por isso, ao citar as UC’s que se encontram nas proximidades da APA Alter do
Chão, mesmo que a maioria delas não esteja localizada no município de Santarém, estas, pela
sua proximidade com Alter do Chão, podem vim a compor um sistema de áreas protegidas.
Este sistema ajudará, portanto, na priorização da preservação e/ou conservação de um maior
número de área possível e representativa do bioma amazônico. Esta forma de pensar
demonstra, a relevância natural e cultural da área, que possui mais de uma UC nas suas
proximidades. Neste sentido, a APA Alter do Chão é mais uma UC a compor nesta região
uma gama de área que possui as características naturais e culturais necessárias para a
conservação, como se verá no próximo capítulo.
CAPÍTULO II
ALTER DO CHÃO:
UM LUGAR PARA CONSERVAR
O problema de salvar o ambiente faz coro com o
problema de nossa própria salvação.
(Rémy de Gourmont, apud Brito; Câmara, 1998, p. 49)
2.1 INTRODUÇÃO
Após a discussão feita no CAPÍTULO I, onde se buscou traçar um panorama sobre as
UC’s e seus caminhos, no CAPÍTULO II abre-se ‘um parêntese’ para apresentar Alter do
Chão. Isto se justifica por que está se levando em consideração este panorama como parte
primeira e integrante do entendimento do por que de se criar uma APA nesta região. Vila e
parte do Distrito hoje buscam trilhar um caminho que as levem para a conservação de um
lugar em que o patrimônio natural e cultural seja conservado em prol das comunidades que ali
vivem. Alter do Chão, como se verá, é um pedacinho da história de ocupação estabelecida por
toda Amazônia. Da Vila ao Distrito, uma construção de décadas que se consolidou tendo a
primeira como núcleo principal e irradiador das bases econômicas, sociais e políticas do local.
Este fato, por si só, justifica a atenção, preocupação e reconhecimento das demais
comunidades do distrito, que se situam em uma região denominada de Eixo Forte, em querer
conservar seu bem maior: as belezas naturais que se encontram dentro e no entorno da vila de
Alter do Chão. Belezas naturais que hoje se constituem a base sócio-econômica da maior
parte do distrito com o advento do turismo que, para o município de Santarém do Pará, onde
Alter do Chão está localizada, se constitui como sua segunda base econômica, tendo a vila de
Alter do Chão como principal produto turístico. É evidente, então, que Alter do Chão, vila e
distrito, são lugares para se conservar por várias gerações, pois deles dependem a
sobrevivência e o desenvolvimento de uma região. Trilhar um caminho que passe pela
estratégia política de criação de uma UC foi a escolha feita pelas comunidades da região do
Eixo Forte, no distrito de Alter do Chão, e pelo município de Santarém.
Este capítulo contém mais duas sessões. A sessão 2.2, faz uma caracterização local
que leva em consideração a história, os principais recursos naturais e culturais, sua
organização econômica a partir do turismo, tendo como núcleo central a vila de Alter do
Chão. Na sessão 2.3, a apresentação, a partir de um trabalho feito pelo Instituto Sócio-
Ambiental ISAM, órgão ambiental do município de Santarém, de alguns aspectos sócio-
econômicos e ambientais da região do Eixo Forte, para que se tenha um panorama da
estrutura, organização e das questões que mais afligem as comunidades dessa região no que
tange ao meio ambiente e à estratégia de criação de uma UC no local. Com este capítulo,
busca-se mostrar as evidências de por que uma parte expressiva do distrito de Alter do Chão
deve ser um lugar para conservar não apenas o seu patrimônio natural e cultural, mas também
a própria população local. Daí a escolha da sua conservação através de uma UC do tipo Uso
Sustentável, categoria APA, para atingir esse objetivo.
2.2 ALTER DO CHÃO E SUA HISTÓRIA DE OCUPAÇÃO
FIGURA 01: Vista Aérea da Vila de Alter do Chão
Foto: Geraldo Ramos, s/d.
A pertinência de se iniciar este capítulo com esta sessão tem como justificativa o fato
de que a vila de Alter do Chão é considerada a principal referência para qualquer ação
direcionada para o distrito como um todo. O reconhecimento deste fato tem origens históricas,
culturais, ambientais, sociais, econômicas e políticas que, de forma geral, será abordado aqui.
Não se trata, pois, de se fazer um exaustivo retrospecto histórico, mas, ao contrário, pinçar de
alguns dos principais autores da região, o entendimento da importância da vila de Alter do
Chão ser referência de todo o processo que hora é um dos motivos de estudo desta
dissertação: a criação da APA – Alter do Chão.
2.2.1 A História de um Lugar
Alter do Chão está localizada numa região comumente conhecida, desde a sua
descoberta pelos portugueses, de região do Tapajós, uma alusão ao rio de águas claras e
límpidas que banha os municípios de Santarém e Belterra no Estado do Pará. Em seus
primórdios, a região do Tapajós era habitada pela nação ‘Tapuiuçu’ que, segundo Santos
(1999) era uma grande nação, composta por várias tribos indígenas. Uma dessas tribos era a
tribo dos índios Boraris, os habitantes de Alter do Chão quando os portugueses estiveram.
Os autores Santos (1999), Fonseca (1996) e Reis (1979), registram 1542 como o ano do
primeiro contato entre os brancos e índios dessa região, em que “[...] se relata que Francisco
de Orellana saqueou as plantações de roça e milho dos índios” (FONSECA, 1996, p. 16).
Após esse primeiro contato, o próximo registro de expedições foi em 1626 com o
capitão português Pedro Teixeira que “[...] é, incontestavelmente, o descobridor do Rio
Tapajós [...]” (SANTOS, 1999, p. 29). E, este desbravador veio com a missão denominada
‘Tropas de Resgate’, “[...] cujo objetivo era comprar silvícolas, prisioneiros de guerra de
outras tribos, para depois escravizá-los” (FONSECA, 1996, p. 16). Os relatos dessa época são
riquíssimos e podem ser encontrados nos autores citados e em outros autores que estudam a
Amazônia e, mais especificamente, a região do Tapajós, Baixo Amazonas ou Oeste do Pará.
Alter do Chão foi elevada à categoria de vila mesmo antes do município de Santarém -
o município mais importante da região. Como antiga aldeia Borari e “[...] ao tempo dos
jesuítas chamada de Missão de Nossa Senhora da Purificação” (FONSECA, 1996, p. 1994),
foi elevada à categoria de vila em 06 de março de 1758, pelo então governador da Província
do Grão Pará Francisco Xavier de Mendonça Furtado, “[...] cumprindo determinação de seu
irmão o Marquês de Pombal, Ministro do Rei de Portugal D. José I” (FONSECA, 1996, p.
194). Foi Mendonça Furtado que deu o nome de Alter do Chão à mais nova vila criada à
época, seguindo o seu ritual de denominar as vilas criadas nessa região com nomes de cidades
portuguesas como forma de homenagear a Corte Portuguesa e marcar o território como uma
extensão de Portugal.
Da criação da vila de Alter do Chão à sua elevação a distrito, passaram-se exatos cento
e noventa anos. O distrito de Alter do Chão é um dos cinco distritos
32
que compõem o
município de Santarém. Criado pela lei estadual nº. 158, de 31 de dezembro de 1948, o
distrito de Alter do Chão limita-se ao norte com o distrito de Curuaí e o Rio Amazonas, ao sul
com o município de Belterra e distrito de Boim, a leste com o distrito de Santarém e, a oeste,
com o município de Juruti. As FIGURAS 02 e 03, abaixo, mostram a localização da vila de
Alter do Chão no Estado do Pará e o distrito e seus limites, respectivamente.
32
Além de Alter do Chão, os outros distritos do município são: Santarém, Mojuí dos Campos, Curuaí e Boim
(COELHO, 1998).
FIGURA O2: Localização da Vila de Alter do Chão no Estado do Pará
FIGURA 03: Distrito de Alter do Chão e seus limites
Distrito de Curuaí
Rio Amazonas
Distrito de Santarém
Município de Belterra
Distrito de Boim
55º00’’
55º45’’
2º30’’
55º00’’
55º45’’
2º30’’
Vila de Alter do Chão
Sem
Escala
Fonte:COELHO, 1998 (modificado)
Município de
Juriti
N
Org. LIMA, M.S.de.
Fonte: Santos et al, 1999.
O referido distrito ocupa uma superfície de 1.706 Km
2
, cerca de 7% da área total de
Santarém que é 24.154 Km
2
, aproximadamente (COELHO, 1998; SANTOS, et al, 1999). A
vila de Alter do Chão pode ser considerada como a principal comunidade do distrito, seus
aspectos históricos, econômicos, sociais, políticos, culturais e ambientais a deixa numa
situação de relevante destaque em relação às demais comunidades que compõem tal distrito.
Reconhecida como o centro urbano mais adiantado do distrito de Alter do Chão, cabe aqui,
fazer sua breve caracterização, para que assim se perceba, dentre outras coisas, a importância
que tem dentro do processo de criação da APA – Alter do Chão.
A vila de Alter do Chão situa-se à margem direita do rio Tapajós, em seu baixo curso,
na confluência deste com o Lago Verde. Possui uma área aproximada de 80 hectares. Está
distante de Santarém cerca de 30 km, tendo a rodovia PA – 457 e o rio Tapajós seus principais
meios de acesso
33
. Segundo o ISAM (2005), na vila de Alter do Chão, vivem
aproximadamente 400 famílias que perfazem um número aproximado de 2.500 pessoas, o que
faz dela a comunidade com o maior número de habitantes, se comparada com o restante das
comunidades que compõem a região do Eixo Forte
34
, o que pode ser visto no ANEXO B.
Em termos gerais, a vila de Alter do Chão possui uma infra-estrutura básica. A
comparar com as demais comunidades do distrito, pode-se dizer que é a mais desenvolvida,
em termos de urbanização, possuindo posto médico com atendimento de emergência e
assistência ambulatorial básica, educação com escolas de ensino fundamental e dio, posto
de serviço da Empresa de Correios e Telégrafos ECT, serviço telefonia operacionalizado
pela TELEMAR S/A e por empresas que prestam serviços de telefonia individual como a
Amazônia Celular. Após a conclusão do Projeto Tramoeste, em 1999, Alter do Chão passou a
ter um abastecimento de energia elétrica regular, via Santarém, e disponibilizada pelo Grupo
REDE/CELPA. Seu principal problema estrutural encontra-se no saneamento básico. Ainda
muito deficitário, a Vila não possui rede de abastecimento de água (há apenas um poço
tubular público), rede de esgoto e nem uma coleta adequada de resíduos sólidos que é
realizada pela Secretaria de Infra-Estrutura - SEMINF do município de Santarém. Por fim,
mas não menos importante, a Segurança Pública da vila de Alter do Chão, é da
responsabilidade das polícias Civil e Militar (SANTOS, et al, 1999).
33
Segundo Santos, et al (1999, p. 02): “O acesso a Alter do Chão, partindo de Santarém, pode ser efetuado por
vias terrestre ou fluvial. No primeiro caso é utilizada a rodovia Pa-457, que apresenta excelentes condições de
tráfego, durante o ano inteiro; a rodovia é totalmente pavimentada e sinalizada, e o percurso Santarém – Alter do
Chão, com cerca de 32 km, pode ser efetuado num tempo médio de 25 minutos. O acesso fluvial, partindo do
porto de Santarém, através do rio Tapajós, tem cerca de 35 km e pode ser efetuado num tempo médio de 2 horas,
por meio de embarcações de pequeno e médio portes, tipo barco-motor”.
34
Eixo Forte é a denominação dada para a região do distrito de Alter do Chão que está localizada na margem
direita do rio Tapajós e será motivo de descrição da próxima sessão deste capítulo.
Por este panorama geral, percebe-se que a vila de Alter do Chão, em termos de infra-
estrutura, se compararmos com outras comunidades do município, têm o básico, à exceção da
parte de saneamento, considerado como motivo de preocupação para os moradores, pois com
o advento do turismo
35
, uma expansão acelerada, em termos populacionais, que não está
sendo acompanhada pelas ações do governo municipal para aquela região. Um dilema
característico da região Norte e, mais especificamente do município de Santarém, que ainda
requer planos ‘executáveis’ para o desenvolvimento de sua infra-estrutura básica. Isso se
torna, por um lado, uma demanda para que ocorra elevação do bem-estar e da qualidade de
vida da população santarena como um todo e, por outro, uma necessidade primária para um
município que considera o turismo como a segunda prioridade para o seu desenvolvimento, já
que a primeira é a agricultura.
2.2.2 As Formas Naturais de um ‘Paraíso’
Ao pensar na vila de Alter do Chão, que foi chamada de ‘Caribe da Amazônia’
36
, o
principal destaque é dado para seu patrimônio natural. Com o clima tropical quente e úmido
característico das regiões da Amazônia, um dos recursos mais apreciados, enquanto beleza e
atrativo natural é o rio Tapajós que, em frente da vila, apresenta uma largura de 15 km, que se
transformam em belas praias de água doce, principalmente nos meses de agosto a novembro
(período do verão na região). Segundo Santos, et al (1999, p. 06):
A Vila situa-se em uma pequena enseada, na confluência do rio Tapajós com o
Lago Verde (ou Lago dos Muiraquitãs). A separação entre esses dois acidentes
geográficos é efetuada através de uma barra fluvial”, de direção noroeste-sudeste,
emersa durante o verão e submersa durante o período das cheias (janeiro a julho).
Quando totalmente exposta [...], a “barra” atinge 1 km de comprimento e apresenta-
se cercada por belas praias recebendo a denominação de “ilha”, pela qual é
conhecida na região.
A ilha acima citada e, apresentada na FIGURA 04, é conhecida como ‘Ilha do Amor’.
O Lago Verde é constituído por dois cursos de água convergentes que ao se interceptarem, em
frente da vila de Alter do Chão, formam um só corpo de água em forma de V. Sua superfície,
incluindo os dois segmentos que o compõem, é aproximadamente de 587 hectares, como se
percebe na imagem de satélite apresentada na FIGURA 05. Tanto na seca como na cheia do
rio Tapajós, o Lago Verde constitui-se no mais belo atrativo natural de Alter do Chão. Isto
35
Uma discussão sobre o turismo será feita no próximo capítulo por este ser considerado a terceira justificativa
da criação da APA Alter do Chão. Por hora, estaremos falando desta atividade apenas para descrever sua
ocorrência na vila de Alter do Chão.
36
Este termo foi usado numa das campanhas de divulgação do local pelo órgão de turismo municipal de
Santarém, na década de 1990.
porque, quer seja as praias de verão, ou as áreas de igapó
37
, no período das cheias (período de
inverno na região), o mesmo possibilita para quem dele usufrui uma belíssima paisagem que
acabou se tornando o principal produto turístico local (SANTOS, et al, 1999).
Em termos geomorfológicos, são identificados a Planície Fluvial e o Planalto
Rebaixado da Amazônia. Da Planície Fluvial se destacam os aluviões do rio Tapajós por
serem depósitos arenosos formadores das praias e/ou barras fluviais. Do Planalto Rebaixado o
destaque são para duas paisagens: uma em forma de platô, com diferentes níveis topográficos,
situados entre altitudes médias de 80 a 100 metros, e que podem ser exemplificados pela serra
Piroca ou morro Alter do Chão, FIGURA 06, além dos morros do Mingote, Esfria e Carauari,
37
Segundo Ribeiro (1992, p. 34): “Os terrenos que margeiam os rios de água preta, também inundáveis na época
da enchente, são chamados igapós. Caracterizam-se pela baixa fertilidade, menor incidência de insetos
hematófagos e pouca produtividade do ponto de vista da fauna aquática, o obstante a grande variedade de
espécies”.
FIGURA 0
4
:
Vista da Ilha do Amor
separando o
Lago Verde (D) do rio Tapajós (E)
Fonte: Foto Society, apud Santos, et al, 1999.
FIGURA 0
5
:
Vista Geral da Vila
de Alter do Chão através de
Imagem LANDASAT WRS
227/062
Fonte: Santos, et al, 1999.
todos localizados próximos a Vila. A outra paisagem do Planalto Rebaixado,
topograficamente mais baixa, formada a partir da erosão dos platôs, são as savanas
38
. A
geologia da Vila tem por base os clásticos da Formação Alter do Chão
39
, FIGURA 07, de
idade Cretáceo Superior/Terciário e, além dessa formação, também os aluviões
quaternários que acabam por formar contínuas faixas de praias durante o verão que ficam
submersas no inverno (SANTOS, et al, 1999).
FIGURA 06: Serra Piroca ou Morro Alter do Chão
Foto: Dickson Lima, 1999.
Disponível em: http://www.supridad.com.br/assinantes/pirarara/111.html. Acesso em: Maio/2005.
FIGURA 07: Barranco do Rio Tapajós, expondo Arenitos da Formação Alter do Chão
Fonte: Acervo SEMTUR, apud Santos, et al, 1999.
38
As savanas são vegetações tropicais secas caracterizadas por arbustos rasteiros e árvores esparsas (IBGE,
2005). Estas serão abordadas, no que diz respeito a sua presença em Alter do Chão, no próximo capítulo devido
serem consideradas uma das justificativas para a criação da APA – Alter do Chão.
39
A Formação Alter do Chão por ser uma das justificativas da criação da APA Alter do Chão, também será
abordada com maiores detalhes no próximo capítulo.
Das questões geológicas para o solo, podemos dizer com base em Oliveira Júnior, et al
(1999) que na vila de Alter do Chão e seu entorno tem-se o Latossolo Amarelo e as Areias
Quartzosas, produto de alteração das rochas da Formação Alter do Chão. Para Albernaz, et al
(1999), este solo é arenoso, com quantidade de nutrientes mínima e elevada concentração de
alumínio o que faz com que o mesmo tenha baixa fertilidade e, por isso, pouco propício para
as atividades agrícolas. A vegetação, nesta área, é composta por: savanas (norte do lago
Verde), florestas abertas com palmeiras (sul da vila de Alter do Chão) e áreas de igapó,
campinaranas
40
, e vegetações secundárias que se localizam no entorno da vila de Alter do
Chão (SANTOS, et al, 1999; ALBERNAZ, et al, 1999). A fauna local, tanto aquática como
terrestre, também se constitui num importante e exuberante atrativo natural, com espécies de
animais, aves, peixes, dentre outros, diversificados, complementando a belíssima paisagem
natural da vila de Alter do Chão e entorno
41
.
2.2.3 Sua Cultura
A cultura local é um atrativo a mais da vila de Alter do Chão. Intensamente baseada
nos conhecimentos e costumes indígenas, ribeirinhos e caboclos amazônicos, esta se apresenta
através de ritos religiosos, manifestações folclóricas, artesanato e comidas típicas a base de
frutos, peixes e mandioca. O respeito a esta cultura local, por parte da comunidade se
manifesta pela sua preocupação em repassá-la e mantê-la por gerações. Esse tipo de escolha
fez com que, aliada ao seu patrimônio natural, que tem seu ponto forte, as belas praias,
vegetação e fauna, a cultura local se tornasse mais um produto turístico, beneficiando
economicamente a vila de Alter do Chão e seu entorno.
A partir de estudos como o de Santos, et al (1999) e o Inventário da Oferta e Infra-
Estrutura Turística de Santarém, realizado pela Secretaria Municipal de Turismo e Integração
Regional - SEMTUR (2005), as expressões culturais da vila de Alter do Chão que mais se
destacam como produtos turísticos, são:
40
Termo regionalista brasileiro, típico da Floresta Amazônica. É sinônimo de campina, que também significa na
linguagem dos indígenas, falsos campos (IBAMA, 2005).
41
Para uma descrição mais detalhada da fauna local, ver: Albernaz, et al (1999).
Festa de Nossa Senhora da Saúde:
FIGURA 08: Igreja Nossa Senhora da Saúde, Vila de Alter do Chão
Foto: Dickson Lima, 1999.
Disponível em: http://www.supridad.com.br/assinantes/pirarara/103.html. Acesso em: Maio/2005.
Nossa Senhora da Saúde é a padroeira da vila de Alter do Chão. Sua festa acontece na
última semana de dezembro. Tal festividade: “[...] começa na véspera do Círio, quando
acontece a transladação da Imagem da Santa, para a comunidade de Caranazal; daí a romaria
sai na manhã seguinte, para a Vila, até a igreja de Nossa Senhora da Saúde, na qual é
celebrada a Santa Missa” (SANTOS, et al, 1999, p. 18) e termina no dia 6 de janeiro com
festas, arraial e fogos de artifício, atividades bastante prestigiadas pela população local e
regional.
Festa do Çairé:
Figura 09: A Representação da Procissão do Çairé pela Agremiação Boto Cor-de-Rosa
Fonte: Disponível em: http://www.botocorderosa.com.br/art/artshw.php?artidt=10. Acesso em: janeiro/2006.
A Festa do Çaié o mais tradicional evento cultural da vila de Alter do Chão e do
município de Santarém. Segundo Rabelo (2005, p. 29):
Em documento descoberto em 1797, atribuído ao padre João Daniel, o Çairé é
descrito como uma dança de meninos e meninas que bailavam em fileiras sem
mistura de sexos. Ao mesmo tempo em que era uma dança, o Çairé também era um
estandarte enfeitado com flores e algodão. Sua forma variava de acordo com a
missão religiosa, em cerimônias que envolviam cantigas devotas semelhantes a uma
procissão. Cantava-se para os santos e juízes da festa.
Como descrito acima, a Festa do Çairé surgiu com as missões jesuítas, passando por
transformações ao longo do tempo, acabando por originar uma mistura de ritos religiosos e
profanos. Essas transformações reforçaram suas características populares e profanas aos olhos
da Igreja, ocasionando em 1943, a proibição da Festa pela igreja católica – Prelazia de
Santarém. Passaram-se trinta anos e, em 1973, os moradores da vila de Alter do Chão se
organizaram e reativaram a Festa do Çairé, que ocorria sempre na segunda semana de julho.
Segundo SEMTUR (2005, p. 54), a Festa do Çairé:
[...] é uma mistura de elementos religiosos e profanos. Começa com os
participantes levantando os mastros enfeitados e prossegue com outras atrações. A
programação inclui ainda procissão, ladainhas, torneios esportivos e exibição de
diversas manifestações folclóricas. No quinto e último dia acontece a varrição da
festa, seguindo da derrubada dos mastros e da cecuiara (almoço de
confraternização, servido a base de pratos típicos da cozinha santarena). A
programação termina a noite com a festa dos barraqueiros.
Essa programação dura cinco dias e tem como principal elemento o símbolo do
Çairé
42
, FIGURA 10 e FIGURA 11, um semicírculo de madeira, que contém o relato bíblico
do dilúvio. Em 1997, como forma de incrementar ainda mais esta festa, com intuito de
transformá-la no principal atrativo turístico cultural da região, o governo transferiu-a para o
mês de setembro, como uma estratégia de aliar este atrativo com os atrativos naturais (praias);
mudou a grafia da palavra Çairé, que antes era escrita com S
43
; construiu a Praça do Çairé, um
espaço para que ocorram as manifestações folclóricas, religiosas e festivas (shows musicais);
e ainda incentivou o surgimento do que comumente se convencionou chamar de Disputa dos
Botos.
42
Segundo SEMTUR (2005, p. 55), o símbolo do Çairé pode ser assim descrito: “[...] o grande arco representa a
arca de Noé; os espelhos a luz do dia, os doces e as frutas, a abundância de alimentos existentes na arca; o
algodão e o tamborim, a espuma e o ruído das ondas durante os quarenta dias do dilúvio. Os três semicírculos
simbolizam a Santíssima Trindade e as três cruzes o calvário, com Jesus Cristo crucificado entre os ladrões”.
43
Esta mudança foi baseada em estudos históricos antigos, como a Grande Enciclopédia da Amazônia, de Carlos
Roque, que registra Çairé com cedilha por respeitar e resgatar a terminologia indígena. Contudo, hoje frente a
uma determinação da gestão municipal atual, voltou-se a escrever Çairé com S, mas em respeito a terminologia
indígena e a vários historiadores e pesquisadores, manterei neste trabalho Çairé com cedilha.
FIGURA 10: Símbolo do Çairé
Foto: Dickson Lima
Disponível em: http://www.supridad.com.br/assinantes/pirarara/doc_007p.html. Acesso em: Maio/2005.
FIGURA 11: Procissão do Çairé
Fonte: Acervo SEMTUR, apud Santos, et al, 1999.
A disputa dos Botos, como é vista atualmente, iniciou em 1998 e se configura numa
manifestação folclórica inspirada a partir da lenda do Boto. A lenda do Boto é uma lenda
típica da região amazônica que conta a façanha do boto em noites de lua cheia se transforma
em um homem vestido de branco e com chapéu que vem à terra seduzir índias e caboclas da
região, tendo como ato final, engravidá-las. Daí a designação de filhos do boto para as
crianças ribeirinhas que os pais não assumem. A disputa se entre o Boto Tucuxi e o Boto
Cor-de-rosa. Transformadas em agremiações folclóricas, trabalham durante todo o ano para
que no período do Çairé, concorram entre si pelo título de melhor agremiação. Surge, assim,
uma nova tradição que evolui aceleradamente, para que a cada ano encante a Vila, Santarém e
os turistas que vêm prestigiar tal evento, agitando a vila e toda a região oeste do Pará.
FIGURA 12: Dança do Boto
Fonte: Disponível em: http://www.viamazonica.com/viatour/altersec.php. Acesso em: Fevereiro/2006.
FIGURA 13: Dança da Sedução do Boto Homem
Fonte: Disponível em: http://www.viamazonica.com/viatour/altersec.php. Acesso em: Fevereiro/2006.
FIGURA 14: Dança do Pajé
Fonte: Disponível em: http://www.viamazonica.com/viatour/altersec.php. Acesso em: Fevereiro/2006.
De 1997 até os dias atuais, a Festa do Çairé tende a crescer e é considerada um
produto turístico municipal, estadual, divulgado em nível nacional e internacional. Nos meses
que antecede a Festa e no período em que ela acontece, movimenta a comunidade e o centro
urbano de Santarém em termos de geração de renda e emprego, aquecendo o mercado,
principalmente os setores atrelados ao comércio, serviços relacionados ao trade turístico
(agências de turismo, pousadas, hotéis, restaurantes, etc.) e a infra-estrutura local que, no
período da Festa, necessita ser ampliada. Isto, como era esperado por seus organizadores e
principais incentivadores a população da vila e o poder público municipal deu um novo
fôlego econômico à Vila e ao distrito como um todo.
A Festa do Çairé é um evento que, devido ao seu crescimento ano a ano, necessita ser
pensada com cautela e planejamento, pois demanda de uma infra-estrutura que vai além da
disponível na vila e até mesmo em Santarém. A falta de planejamento e infra-estrutura
adequada no que tange à recepção dos turistas, que vêm prestigiar a Festa, acabam gerando
transtornos de ordem infra-estruturais que ocasionam, dentre outras coisas, problemas
ambientais relacionados principalmente à poluição da água e da vila (alta concentração de
resíduos sólidos), dentre outros. Esta realidade preocupa a comunidade que reconhece a
importância da Festa, mas, admite que seja preciso rever algumas ações que acabam pondo
em risco o meio ambiente local. Questões como estas aumentam ainda mais a relevância da
criação e efetivação da APA Alter do Chão para que esta seja um instrumento efetivo,
dentre outros, para ajudar a disciplinar, monitorar e planejar eventos como a Festa do Çairé.
Festival Borari
FIGURA 15: Apresentação Folclórica no Festival Borari
Foto: Acervo SEMTUR, s/d.
O Festival Borari surgiu logo após a mudança da data da Festa do Çairé de julho para
setembro. Ocorrendo em julho, “[...] visa resgatar a cultura e o folclore da tribo indígena
Borari, seus antigos habitantes. É uma festa que tem duração de três dias onde se apresentam
grupos de danças folclóricas, bandas regionais, além das comidas e bebidas típicas [...]”
(SEMTUR, 2005, p. 184). É um evento que movimenta as férias de julho, sendo um produto
turístico a mais para a geração de emprego e renda local.
Outros Eventos
Eventos menores, com potencial de se transformarem em produtos turísticos começam
a despontar como uma referência local. São eles o Alternaval
44
e o Reveillon da vila que,
mantendo aspectos culturais e locais, aliados às belezas naturais surgem como mais uma
alternativa de produto turístico para a Vila.
44
Manifestação popular que acontece no período carnavalesco. Trata-se de uma brincadeira na qual se criam
blocos ao estilo dos antigos carnavais de rua (SEMTUR, 2005).
Vale destacar que, assim como foi dito da ocorrência de problemas ambientais na
Festa do Çairé, esses outros eventos citados não estão passivos de não ocasionarem tais
problemas. Como eventos dessa magnitude, que acarretam aumento de fluxo de pessoas o
local, é preciso que comunidade e governo municipal estejam atentos e preparados para
minimizar tais problemas, através de planejamento e ões políticas que busquem
investimentos para a infra-estrutura e educação que sejam capazes de melhorar a qualidade de
vida local e dos visitantes que buscam em Alter do Chão um pedaço da Amazônia.
Temos consciência da dubiedade do que vai aqui ser dito, mas o diferencial de Alter
do Chão está no grau de participação e interesse da comunidade em fazer valer suas
expectativas e prerrogativas de qualidade de vida com responsabilidade e salubridade. Seria
mesmo possível dizer, como exemplo, que sem o Lago Verde não haveria do que se viver ali.
É menos algo, digamos, xenofóbico do que de meio de sobrevivência.
Outros dois aspectos culturais que ajudam a incrementar os eventos e a beleza natural
são o artesanato e a gastronomia típicos do local. O artesanato tem por base produtos
extraídos da natureza como: flores, frutos, troncos, raízes, sementes, barro, cordas, etc., que
são transformados com muita criatividade em todo tipo de peças artesanais e utilitárias como:
ventarolas, abajur, cinzeiro, vasos, bolsas, cestos, etc., que com detalhes que retratam o dia-a-
dia local, acabam se diferenciando e chamando atenção dos visitantes. A culinária da vila de
Alter do Chão tem como base o peixe, as aves (frangos e patos), os frutos locais (caju, muruci,
cupuaçu, jenipapo, araçá, goiaba e açaí) e mandioca (farinha e tucupi). Desses produtos saem
pratos típicos como a caldeirada de peixe, o pato no tucupi, o tacacá, os licores e os doces.
Figura 16:
Loja para a
V
enda de
D
oces e
Licores
Fonte: Acervo SEMTUR apud Santos, et al, 1999
FIGURA 17:
Lojas de Venda dos
Artesanatos na Vila de Alter do Ch
ão.
Entre elas, o Barracão de Eventos e
Reuniões da Comunidade.
Fonte: Acervo SEMTUR apud Santos, et al
,
1999.
FIGURA 18:
Mesas de Frutas
Típicas Encontradas em Alter do
Chão.
Fonte: Disponível em:
http://www.beloalter.com.br
Acesso em: Janeiro/2006
FIGURA 19:
Tambaqui no
Molho de Tomate - Prato
Típico
de Alter do Chão.
Fonte: Disponível em:
http://www.beloalter.com.br
Acesso em: Janeiro/2006.
2.2.4 A Vila de Alter do Chão e a sua Atividade Turística
Diante do que foi exposto se evidência que a vila de Alter do Chão tem como base
econômica a atividade turística que está em franca ascensão. Essa atividade faz com que a vila
de Alter do Chão, atualmente, seja considerada uma das mais importantes localidades do
município. Sua importância para a economia da região como um produto turístico regional
permite que a mesma possa irradiar para as demais comunidades do distrito de Alter do Chão
e até mesmo para a cidade de Santarém, as demandas de abastecimento de produtos
alimentícios e de serviços em geral que a atividade turística necessita. Essas demandas
acabam por movimentar outras atividades econômicas como: a agricultura familiar, o
extrativismo, o artesanato e o setor de serviço de uma forma geral, dentro e fora da Vila.
O turismo é o alicerce econômico da vila e, por ele, uma ampliação nos serviços como
pousadas, hotéis, restaurantes, lojas de artesanato, barracas na ilha do Amor, agências de
turismo foram instaladas na vila de Alter do Chão, transformando-a, segundo Pastana e
Salgado (1997, p. 40), no “[...] mais famoso balneário de Santarém e importante pólo turístico
de alcance nacional [...]”, o que ajuda a fortalecer a economia local e regional, pois Alter do
Chão conta com um número considerável de serviços demandados pelos turistas, como se
pode ver no QUADRO 04.
QUADRO 04: Quantidade dos Serviços de Atendimento aos Turistas Encontrados na Vila de
Alter do Chão
SERVIÇOS QUANTIDADES DISPONÍVEIS
Agência de Turismo 02
Empresa de Transporte Rodoviário* 01
Hotéis 01
Lojas de Artesanato 07
Pousadas 09
Restaurantes 07
* Esta empresa se situa em Santarém, mas é a responsável pelo translado diário entre Santarém/Alter do Chão.
Fonte: SEMTUR, 2005.
Em se tratando de serviços demandados pelo turismo, pode-se perceber que,
considerando o tamanho da vila de Alter do Chão, esta dispõe minimamente destes para
atender os turistas. É claro que esta, por ter uma proximidade com a área urbana do município
de Santarém, ainda pode contar com os serviços que podem ser encontrados
45
. O cuidado,
45
O Inventário da Oferta e Infra-Estrutura Turística de Santarém (SEMTUR, 2005) dispõe de forma descritiva os
serviços disponíveis tanto em Santarém como em Alter do Chão, chegando a qualificá-los e indicar as principais
informações no que se refere a oferta de cada um desses serviços.
portanto, se pensarmos apenas na vila de Alter do Chão, é estar atento para a capacidade de
carga do local. Isto faz com que o crescimento do turismo na vila e em seu entorno, seja
motivo de preocupação dos habitantes do distrito de Alter do Chão que reconhecem nesta
atividade sua base econômica, ao mesmo tempo em que identificam nos recursos naturais e
culturais locais o seu alicerce. Com este reconhecimento, têm consciência de que é preciso
preservar algumas áreas e conservar outras, pois disso depende a sobrevivência local.
Por outro lado, a sociedade santarena, reconhecendo o turismo como uma atividade
econômica importante, cria através do Institui Esperança de Ensino Superior IESPES, o
primeiro curso de turismo da região Oeste do Pará, em 2001. O curso de turismo é citado aqui
como um exemplo de que tal atividade es sendo considerada como uma atividade
FIGURA 20:
Restaurante Alter Nativo na Vila
de Alter do Chão
Fonte: Acervo SEMTUR apud Santos, et al, 1999.
FIGURA 21:
Pousada Alter do Chão
Fonte: Acervo SEMTUR apud Santos, et al
,
1999.
FIGURA 22:
Blocos de Apartamentos do Belo
Alter, Hotel da Vila de Alter do Chão.
Fonte: Disponível em: http://www.beloalter.com.br Acesso
em: Janeiro/2006.
FIGURA 23:
Área do Restaurante do Belo
Alter.
Fonte: Disponível em: http://www.beloalter.com.br
Acesso em: Janeiro/2006.
promissora para a região que, para se consolidar, dentre outras necessidades, tem a
capacitação e qualificação profissional como uma demanda que precisava ser levada em
consideração. Contudo, isto não significa que o reconhecemos os problemas,
principalmente de ordem política, que tal atividade acarreta. Em se tratando de Santarém, o
município reconhece no turismo uma das fontes potenciais para a diversificação de suas
atividades econômicas. Mas, na prática, muito pouco vem fazendo para que a atividade
turística seja efetivada de fato. Um dos grandes entraves tanto para a atividade como para a
própria cidade são os problemas relacionados com a infra-estrutura. Santarém é uma cidade
carente de saneamento básico, asfaltamento, transporte eficiente, etc. que causam transtornos
para quem aí mora e para os visitantes.
Outro entrave para a atividade turística é a falta de recursos públicos tanto locais
quanto de outras esferas governamentais ou não governamentais, nacionais ou internacionais.
Ao mesmo tempo em que também em vel estadual e federal, a atividade turística o
parecer ser prioridade, gerando conflitos entre o que priorizar, uma atividade como turismo ou
a expansão agrícola? Por outro lado, as ões direcionadas a implantação da atividade
turística da região está sendo viabilizado de forma desordenada e sem planejamento, se
sustentando através de ões pontuais e esparsas. Como tais questões apenas permeiam a
discussão realizada neste estudo, fica aqui apenas o registro e o reconhecimento desta
problemática que aflige toda a região Oeste do Pará e mais especificamente, Alter do Chão.
Dentro desta conjuntura, a vila de Alter do Chão, por ser a área mais visada para o
turismo na região e, aonde, de fato, este vem crescendo nos últimos anos, é o ponto de partida
da origem da idéia de criação da APA Alter do Chão que inicia internamente na referida
vila. Isto se devido a duas preocupações: primeiro, pela população da Vila reconhecer que
precisa do seu patrimônio natural e cultural conservado e, segundo, por ver o turismo como
uma atividade econômica que precisa ser disciplinada e planejada para que realmente seja a
base de sobrevivência de muitas gerações da Vila e de seu entorno. Por isso, a origem da APA
Alter do Chão advir do maior patrimônio do distrito de Alter do Chão que reconhece que a
sua conservação vai além das fronteiras da vila, o que faz com que a região do Eixo Forte
como um todo queira participar desta APA.
2.3 A REGIÃO DO EIXO FORTE E SEUS ASPECTOS RELEVANTES
Como descrito anteriormente, em nota de rodapé, a região do Eixo Forte faz parte do
distrito de Alter do Chão e é composta por dezoito comunidades
46
: Alter do Chão, Caranazal,
Cucurunã, Irurama, Jatobá, Juá, Pajuçara, Ponta de Pedras, Ponte Alta, Santa Luzia, Santa
Maria, Santa Rosa, São Brás, São Francisco de Carapanari, São Pedro, São Raimundo, São
Sebastião e Vila Nova. Estas comunidades que, em sua maioria, encontram-se ao longo da PA
457 rodovia que as liga à Santarém o importantes por serem próximas da vila de Alter do
Chão, que também é parte integrante da região do Eixo Forte. Isto tem relevância para nós por
que ao investigarmos o processo de criação da APA Alter do Chão, que sedescrito no
CAPÍTULO III, percebeu-se que tal processo foi uma demanda que se iniciou na vila de
Alter do Chão, mas que logo se disseminou para as demais comunidades do Eixo Forte. A
conseqüência imediata deste fato foi a discussão, nessas comunidades, da necessidade de se
criar a APA Alter do Chão, o que aos poucos foi ganhando a adesão de todas as
comunidades do Eixo Forte, a ponto de hoje, todas quererem fazer parte da referida APA. Por
isso, a importância de se buscar conhecer um pouquinho dos aspectos relevantes, no que tange
a socioeconomia desta região, haja vista ainda hoje serem muito poucos, diríamos quase nada,
os estudos referentes a esta área: a região do Eixo Forte.
A descrição dos aspectos relevantes da socioeconomia local da região do Eixo Forte,
que será apresentado aqui, tem por base o resultado do “Levantamento Preliminar feito junto
às Comunidades do Eixo Forte” (ANEXO B). Este levantamento foi realizado pelo ISAM,
com o apoio da Associação dos Moradores do Eixo Forte AMEIFOR
47
, Grupo de Defesa da
Amazônia GDA
48
e do IBAMA. O período de realização desse levantamento foi de 03 a 20
de maio de 2005, onde foram visitadas das dezoito comunidades, dezesseis. Apenas as
comunidades de Cucurunã e São Pedro não deram as informações solicitadas pelo
Levantamento. Segundo membro responsável da equipe desse levantamento: “A equipe que
foi para lá, foram duas vezes, mas não foi possível reunir as pessoas e, já vai fazer o
46
No que se refere ao número de comunidades existentes na região do Eixo Forte, as informações coletadas no
ISAM não são consensuais e, por isso, paira uma dúvida se o 17 ou 18 comunidades. Trabalharei com dezoito,
respeitando o mero de vezes que tais comunidades aparecem nas minhas pesquisas, depoimentos e na
Assembléia do Irurama. Mas, fica aqui o reconhecimento de que tal área precisa ser mais bem estudada e
mapeada.
47
É a Associação que congrega a representação de todas as comunidades da região do Eixo Forte, no distrito de
Alter do Chão.
48
É uma Organização não Governamental - ONG local, sem fins lucrativos, que atua na região em defesa dos
direitos dos povos da Amazônia.
levantamento das comunidades que foram visitadas” (Assembléia do Irurama, 2005, p. 38).
Fazer o levantamento somente com as dezesseis comunidades justifica-se por que a equipe do
ISAM tinha um prazo de até 20 de junho de 2005, data marcada para a realização da
‘Assembléia de Esclarecimento sobre a APA Alter do Chão’, na comunidade do Irurama,
para apresentar de forma preliminar tais dados como um dos instrumentos que subsidiaria as
discussões desta Assembléia, cujo Relatório encontra-se no ANEXO C. Esta Assembléia que
ficou conhecida como “Assembléia Geral sobre a APA Alter do Chão” ou Assembléia do
Irurama, foi organizada pelo ISAM, com o objetivo de esclarecer as dezoito comunidades
sobre o que seria uma APA, quais as implicações positivas e negativas de se criar uma APA,
para desta forma, inicia-se de fato a implantação da mesma, haja vista esta ter sido criada, mas
não implantada, como será descrito no próximo capítulo.
Para tal Levantamento foram realizadas visitas e, nessas visitas, a equipe se reunia
com os membros de cada comunidade, que se dispuseram a responder questões que vão desde
dados gerais, infra-estrutura existente, organização comunitária, situação ambiental, situação
fundiária até a discussão sobre a APA Alter do Chão. E, o que será apresentado aqui são os
resultados obtidos neste Levantamento por achar relevante, haja vista ser um dos raros
levantamentos em que a abordagem é para a região do Eixo Forte e, não somente para a vila
de Alter do Chão. Sem esquecer que tais dados são preliminares e foram representados apenas
de forma quantitativa e/ou pontual, no documento fornecido pelo órgão responsável
49
. Uma
outra questão relevante é que, ao apresentar esse Levantamento, é possível traçar, de forma
inicial e geral, a relação dessas comunidades ouvidas com a criação da APA – Alter do Chão,
identificando os seus principais aspectos relevantes no que tange a região do Eixo Forte e a
APA.
2.3.1 Dados Gerais
Em se tratando dos Dados Gerais contidos no Levantamento do ISAM, o mesmo
mostra que existe um total de 1.093 famílias nas dezesseis comunidades visitadas, onde pelas
informações o número de pessoas gira em torno de 5.054 aproximadamente. Tal dado não se
distancia tanto do Censo Demográfico para o ano de 2000, do IBGE, para o distrito de Alter
do Chão como mostra o QUADRO 05, e permite deduzirmos que a região do Eixo Forte é a
mais habitada do referido Distrito.
49
Portanto, as análises que se seguem estão baseadas na exposição da pessoa responsável pelo levantamento na
Assembléia do Irurama e de conclusões da autora desta dissertação.
QUADRO 05: População Residente no Distrito de Alter do Chão por Sexo e Zona
SEXO ZONA RURAL ZONA URBANA TOTAL
Homens 2.846 708 3.554
Mulheres 2.519 667 3.186
Total
5.365 1.375
6.740
Fonte: IBGE, Censo Demográfico, 2000.
Em se tratando de tempo de fundação, a comunidade mais antiga da região é a vila de
Alter do Chão com mais de 344 anos e, a mais nova tem apenas 10 anos de existência que é a
comunidade de São Raimundo. As demais comunidades giram em torno de 13 a 150 anos de
existência. Perguntados sobre a origem das famílias de cada comunidade visitada, segundo
membro do ISAM, responsável por esse levantamento:
No resumo, a maioria disse que são da própria comunidade, mas também teve
resposta de pessoas que disseram que vieram do Lago Grande, do Curuaí, do
Arapiuns, Água Preta, própria Santarém da cidade, Alenquer, Maranhão, teve até
gente do Sul, Santa Catarina, mas é mais recente. Teve gente que disse que era da
várzea, do planalto, enfim, e da própria área do Eixo Forte, que se deslocou. Então
esse é um pouco o retrato da origem da população dessas comunidades
(ASSEMBLEIA DE IRURAMA, 2005, p. 39).
Com este apanhado geral é perceptível que a região do Eixo Forte é uma área
povoada. Sendo assim, uma das justificativas mais fortes para a escolha da categoria de UC,
APA. Pois, como foi identificada no capítulo anterior, a APA permite ocupação de sua área,
desde que esta seja feita de forma ordenada e disciplinada, evitando possíveis conflitos - como
os causados por desapropriação de terras, por exemplo se fosse um outro tipo qualquer de
categoria de UC.
2.3.2 Infra-Estrutura
Em termos de infra-estrutura existente, o levantamento questionou as comunidades
ouvidas sobre a existência ou não de postos de saúde, agentes de saúde, energia elétrica, posto
telefônico/linha telefônica, transporte coletivo, ensino fundamental (até a série), ensino
fundamental (até a série), ensino médio, abastecimento de água e pequena produção
(agricultura, criação, pesca e artesanato). O resultado segue no QUADRO 06:
QUADRO 06: Infra-estrutura Existente
QUANT. /COMUNIDADES
SIM NÂO
ESTRUTURA NAS COMUNIDADES
Quant. % Quant. %
Posto de Saúde 02 12 14 87
Agente de Saúde 06 37 10 62
Energia Elétrica 08 50 08 50
Posto Telefônico/Linha Telefônica 03 19 13 81
Transporte Coletivo 10 62 06 37
Ensino Fundamental (até 5ª série) 08 50
Ensino Fundamental (até 8ª série) 01 06
Ensino Médio 02 12
Não tem Escola 05 31
Abastecimento de Água 12 75 04 25
Pequena Produção (agricultura, criação,
pesca e artesanato)
16 100
Fonte: ISAM, 2005
OBS.: Os percentuais acima são obtidos pelo número de comunidades que responderam as questões.
No que tange à infra-estrutura existente nas comunidades pesquisadas da região do
Eixo Forte, apresentadas no QUADRO 06 se percebe que o ranking do que as comunidades
têm mais acesso fica assim:
QUADRO 07: Ranking do Acesso a Infra-estrutura da Região do Eixo Forte
RANKING INFRA-ESTRUTURA
Abastecimento de Água
Transporte Coletivo
Energia Elétrica e Ensino Fundamental (até 5ª série)
Agente de Saúde
Posto Telefônico/Linha Telefônica
Posto de Saúde e Ensino Médio
Ensino Fundamental (até 8ª série)
Fonte: ISAM, 2005
O item pequena produção atingiu 100% permitindo concluir que tais atividades são
cotidianas, como afirma o membro do ISAM responsável por este Levantamento, “[...] todas
elas vivem da pequena produção, da agricultura de subsistência, da criação, da pesca, e que
desenvolve alguma forma de artesanato.” (ASSEMBLEIA DE IRURAMA, 2005, p. 39). É
interessante aqui fazer uma comparação desses dados com o que foi questionado pelos
moradores do Eixo Forte que se fizeram presentes na Assembléia do Irurama. Ao se abrir para
o debate do primeiro bloco de questões, que podem ser visualizados na Proposta de
Programação desta Assembléia (ANEXO D), que, no geral, se resumiu em: histórico do
movimento de criação da APA; situação fundiária das comunidades do Eixo Forte; e,
conceitos e objetivos de uma APA, se percebeu que os membros das comunidades começaram
a listar certas demandas de infra-estrutura que para eles são urgentes. Os destaques aqui são
para: o melhoramento e construção de ramais que acesso às comunidades; a melhoria dos
transportes coletivos, principalmente os que conduzem os alunos as escolas; e, a questão da
eletrificação. Nos questionamentos dos comunitários é perceptível que problemas com relação
aos ramais são sérios para eles e, acaba acarretando os demais problemas como a falta de
transporte e a dificuldade das crianças e jovens de chegarem à escola.
Como bem afirma um comunitário:
quero dizer para o padre que, para se mudar a questão ambiental, para que a
gente possa permitir a permanência dos nossos filhos e garantir a permanência das
famílias nas comunidades, precisa que o próprio governo condições
(ASSEMBLEIA DE IRURAMA, 2005, p. 19).
Esta afirmação demonstra que em áreas habitadas como o caso da região do Eixo Forte no
distrito de Alter do Chão, e, até mesmo deste distrito como um todo, ao se pensar na questão
ambiental é preciso também levar em consideração como vivem os membros da comunidade
que se relaciona com esta natureza. Não se pode discutir a criação de uma APA sem ter claro
que seus possíveis habitantes têm demandas de infra-estrutura prioritárias e que precisam ser
levadas em consideração. Isto foi perceptível nos questionamentos dos comunitários que
queriam saber se a APA poderia ser um instrumento de viabilização de tais demandas. O que
foi respondido muito habilmente pelos membros do governo que ali estavam, como se
percebe nas citações abaixo:
Então, nós gostaríamos de colocar para as comunidades que nós vamos trabalhar.
Vamos trabalhar no sentindo de tentar amenizar os problemas de infra-estrutura
dentro das comunidades. Mas, isso vai depender muito das comunidades, de
chegar, procurar, como o padre Edilberto falou e o esperar cair do céu. Tem que
correr atrás. Tem que procurar. Nós estamos lá com a nossa administração distrital,
funcionando em Alter do Chão e fica aberta, tem o horário igual o da Prefeitura de
Santarém, que é das 7:00 da manhã até as 13:00 da tarde. Todo dia, nós estamos
funcionando e estamos abertos ao público, de todas as comunidades que fazem
parte do Eixo Forte (ASSEMBLEIA DE IRURAMA, 2005, p. 22).
Aqui, nesse momento, nós temos autoridade de estar encaminhando o que diz
respeito ao processo que vamos trabalhar a APA, certo? O processo de infra-
estrutura, nós temos aqui o representante da região, que está aqui em nome da
Prefeitura e que vocês devem se direcionar para poder está discutindo e isso ser
levado para Maria do Carmo, para Valéria (Secretária de Infra-Estrutura) para
dentro do processo das prioridades, que Santarém inteira está precisando de ramal,
quais vão está sendo trabalhados (ASSEMBLEIA DE IRURAMA, 2005, p. 23).
Se o houver um processo de pressão, de organização, de chegar a demanda, vai
se dar prioridade para onde a pressão está maior, por que ramal que não presta
nesse município é só o que restou, certo? Então, uma coisa vocês podem ter certeza,
vontade política, há, espaço para a participação, também, agora, não tem
dinheiro suficiente para fazer tudo. O que não é uma desculpa para dizer que não
vai está sendo trabalhado. Quando o companheiro me pergunta: a APA ela vai
resolver esse problema de infra-estrutura? De ramal e eletrificação? A APA por si
o resolve nada, certo? A APA ela é um meio de vocês estarem legalmente
trabalhando o processo de uso da terra, trabalhando o processo de como vai ser a
vivência, a produção, a forma como vocês vão usar essa área. Se vai ter infra-
estrutura dentro da APA, vai depender do processo que nós do governo e vocês das
comunidades vão estabelecer nesse processo (ASSEMBLEIA DE IRURAMA,
2005, p. 23).
Os trechos acima mostram que em termos de infra-estrutura, o que vai determinar sua
viabilização ou não é o processo de organização das comunidades para reivindicar as soluções
para tais problemas e, por outro lado, o governo municipal ter os mesmos como prioridades
de solução. É interessante notar também no discurso do governo o reconhecimento de que a
APA em si não resolve esses problemas, mas pode ser um canal para ajudar as comunidades a
se organizarem para reivindicar as soluções, tendo, inclusive, o aval e/ou parceria do órgão
ambiental do governo que, no caso é o ISAM. Pois, sendo este responsável pela administração
da APA - que é municipal - poderá ser aliado ou não das comunidades nestas reivindicações.
O importante aqui é ficar o registro desses fatos, por que em se tratando de regiões da
Amazônia, a relevância desses ramais para as comunidades mais afastadas do centro urbano
se constitui uma prioridade. Demonstrando, com isso, que ao pensar a questão ambiental, no
caso da Amazônia, não se pode desprezar as realidades dos que aí vivem. Sendo este um
motivo a mais que fortalece a categoria APA nesta região, pois esta UC permitirá um
exercício de organização das comunidades que poderá trazer benefícios para as próprias
comunidades da APA.
2.3.3 Situação Fundiária
A situação Fundiária no Brasil, na Amazônia e na região Oeste do Pará constitui-se
como um dos maiores impasses com relação à criação de UC’s. Em Alter do Chão o é
diferente. Ou seja, a maioria das comunidades ouvidas não tem titulação definitiva da terra,
como se vê no QUADRO 08:
QUADRO 08: Situação Fundiária das Comunidades da Região do Eixo Forte
SITUAÇÃO DESCRITA Nº. DE
RESPOSTAS POR
COMUNIDADE
%
Ausência de titulação definitiva 09 56
Possuem histórico de posse (recibo de compra e
venda)
06 37
Poucos têm titulação de terra 06 37
Grande parte das terras foi vendida para pessoas de
fora da comunidade
02 12
Famílias com repasse de terras por herança 02 12
Pagamento de Imposto Territorial Rural – ITR 02 12
Tem protocolo de ocupação 02 12
Titulação coletiva (4 famílias) 01 06
Solicitação de assentamento agroextrativista 01 06
Fonte: ISAM, 2005
A questão fundiária também foi tema da Assembléia do Irurama. Seus organizadores
convidaram para falar deste tema uma pessoa que atuou ativamente nas comunidades do Eixo
Forte e que resgatou um pouco da história da situação fundiária nessa região. O outro
convidado seria um representante do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INCRA que não se fez presente, o que deixou um estado de decepção e revolta no ar, tanto
pelo lado da coordenação do evento, como pelo lado dos participantes.
E, também fico indignada quando mais uma vez o INCRA não vem para um
debate, para uma discussão o importante, por que várias atividades, vários
eventos que nós temos realizado que é muito importante a presença do INCRA, por
que é o órgão que é responsável pela questão das terras públicas, das terras da
União. Então a gente nem critica demais o [Instituto de Terra do Pará] ITERPA,
por que o ITERPA o tem nenhuma história pelo menos daqui. Mas, o INCRA,
inclusive vai ser agora transformado numa Superintendência, que bom vai ter um
poder maior de decisão, aqui próximo da gente. Mas, de que adianta ter um poder
maior se não vem para a discussão, para saber aquilo que é melhor para nós.
Enquanto, as coisas forem decididas em gabinetes para o povo, nunca vai dar certo.
(ASSEMBLEIA DE IRURAMA, 2005, p. 37)
Esta indignação tem por trás a preocupação da posse da terra, tema que foi bastante
debatido para o caso de criação da APA. Principalmente, o representante do IBAMA, deixou
claro que, a posse da terra numa APA é propriedade privada. O que a diferencia dos outros
tipos de posse de terras é que sendo uma posse de terra dentro de uma UC, o uso desta será
‘disciplinado’ para que assim haja a proteção dos recursos naturais existentes, objetivando
o bem-estar das populações residentes. A propriedade privada e o uso racional da terra estão
garantidos em uma APA, o que a faz uma categoria de UC ideal para áreas que têm a presença
de populações locais. Como iremos voltar a essa discussão quando falarmos sobre a criação
da APA – Alter do Chão abordaremos com mais detalhes esse assunto no próximo capítulo.
2.3.4 Organização Comunitária
Neste item, o levantamento mostra as organizações internas e externas ao Eixo Forte
que são reconhecidas pelos comunitários ouvidos pelo Levantamento. Isto é importante para
se evidenciar, de um lado, como as comunidades se organizam e, de outro, quais as
instituições externas, ou seja, que não são da comunidade, mas que atuam nesta área, em
atividades diversas, que as mesmas reconhecem. Os QUADROS 09 e 10 reproduzem os
resultados do Levantamento e mostram a forte influência sindical – tanto interna como
externa na região. Isto advém, principalmente, do fato da região ter uma concentração rural,
baseada na pequena propriedade agrícola familiar. A identificação deste fato também
demonstra uma relação intensa na região, do rural com o ambiental que pode ser benéfica se a
mesma tiver assentada na vontade de proteger e/ou conservar a terra como fonte de vida e
sobrevivência das comunidades aí existentes.
QUADRO 09: Grupos Internos Reconhecidos na Região do Eixo Forte
GRUPOS INTERNOS Nº. DE
COMUNIDADES
%*
Delegacia Sindical 13 81
Clubes de Futebol 13 81
Associação Comunitária 10 62
Coordenação/Conselho Comunitário 05 31
Grupo de Jovens 07 44
Equipe Catequética 10 62
Igreja Evangélica 06 37
Igreja Católica 06 37
Grupo de Mulheres 05 31
Grupo de Mães 03 19
Grupo Folclórico 02 12
Grupo de Artesanato/Pintura 02 12
Conselho Escolar 02 12
Grupo de Barraqueiros 02 12
Grupo de Catraieiros 01 06
Fonte: ISAM, 2005
* Os percentuais acima são obtidos pelo número de comunidades que responderam as questões.
QUADRO 10: Grupos Externos Reconhecidos na Região do Eixo Forte
GRUPOS EXTERNOS Nº. DE
COMUNIDADES
%*
Sindicato dos Trabalhadores Rurais – STR 09 56
Associação dos Moradores do Eixo Forte – AMEIFOR 05 31
Pastoral da Criança 05 31
Pastoral Social 04 25
Associação dos Produtores de Santarém – APRUSAN 03 19
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural – EMATER 03 19
Casa Familiar Rural - CFR
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA
02 12
Grupo GUARDIÃO
Associação das Organizações de Mulheres Trabalhadoras do
Baixo Amazonas - AOMT-BAM
Centro de Estudo, Pesquisa e Formação do Baixo Amazonas -
CEFT-BAM
ROTARY CLUB
Grupo de Defesa da Amazônia – GDA
Comissão Pastoral da Terra - CPT
Colônia de Pescadores zona 20 de Santarém - Z-20
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas
SEBRAE
SEMTUR
ISAM
Universidade Luterana do Brasil - ULBRA
RÁDIO COMUNITÁRIA
ASSOCIAÇÃO INDÍGENA
ONG VILA VIVA
Conselho Nacional dos Seringueiros - CNS
01 6
Fonte: ISAM, 2005
*Os percentuais acima são obtidos pelo número de comunidades que responderam as questões.
Isto também foi uma evidência percebida nas intervenções de alguns comunitários
e/ou participantes da Assembléia do Irurama:
[...] como é que nós vamos continuar vivendo se nós não entendemos o que é esse
processo de defender aquilo que é nosso, principalmente o meio ambiente, a
floresta, a terra, a vida, a vida do ser humano, a vida dos animais, a vida de todos
(ASSEMBLEIA DE IRURAMA, 2005, p. 05).
A gente tem esse espaço, ele é garantido por lei, nós temos que participar desse
Conselho Gestor, que é o Conselho que vai em conjunto com o ISAM administrar
essa área de proteção ambiental. Então, se você quer proteger a terra onde você
mora e assegurar que as gerações futuras tenham acesso aos recursos que você tem
hoje, você tem que se preocupar com isso. E, essa é uma grande oportunidade, a
gente tem que arregaçar as mangas e trabalhar (ASSEMBLEIA DE IRURAMA,
2005, p. 37).
[...] uma maneira direta da gente proteger essa área é a gente não vender as nossas
terras, o abrir mão das terras. A gente está preocupado com os ditos forasteiros,
mas também muita gente, nossos irmãos comunitários acabam vendendo as terras e
prejudicando toda a comunidade. Então, a gente tem que começar em cada
comunidade a discussão de proteger a terra (ASSEMBLEIA DE IRURAMA, 2005,
p. 38).
Nas citações acima fica claro a preocupação dos que moram na região do Eixo Forte
com a proteção da terra ou meio ambiente como a sua fonte de sobrevivência. Proteger a terra
e se organizar nos sindicatos rurais, nas associações comunitárias, sociais e religiosas estão na
base das comunidades do distrito de Alter do Chão, que fazem parte da região do Eixo Forte.
Isto mostra o vel elevado de organização das mesmas, onde os comunitários demonstram
um exercício de participação e cidadania que se reflete no seu interesse em discutir e conhecer
o processo de criação da APA como mais uma alternativa reconhecida de organização em prol
da conservação de onde vivem.
2.3.5 Situação Ambiental
O Levantamento do ISAM indagou aqui quais os principais problemas ambientais
sentidos pelas comunidades, quais suas principais causas e conseqüências. O resultado obtido
com relação aos principais problemas ambientais encontra-se no QUADRO 11:
QUADRO 11: Principais Problemas Ambientais citados na Região do Eixo Forte
PRINCIPAIS PROBLEMAS AMBIENTAIS
CITADOS
Nº. DE RESPOSTAS
POR COMUNIDADE
%
Poluição de igarapés e rios 08 50
Desmatamento 07 44
Assoreamento de igarapés e lagos 05 31
Diminuição do volume de água dos igarapés
Queimadas
Falta de coleta de lixo
04
25
Erosão
Carros e motos nas praias
Lixo nos ramais e praias
03
19
Captura ilegal de aves (curió) 02 12
Poluição sonora nas praias (veículos)
Pesca predatória (cercagem, tarrafa)
Captura de peixes ornamentais (comercialização)
Invasão e exploração ilegal por madeireiros
Aumento da Monocultura de grãos
01
06
Fonte: ISAM, 2005
No QUADRO 11 se percebe que os comunitários reconhecem que os principais
problemas ambientais de sua região são: poluição de igarapés e rios, desmatamento,
assoreamento de igarapés e lagos, queimadas, dentre outros. E, com isso, as comunidades têm
consciência que esses tipos de ações acabam por prejudicar não só o meio em que vivem mais
suas atividades na terra também. Esse tipo de preocupação detectada é importante aqui para se
verificar que tais preocupações estão intimamente ligadas com as justificativas de criação da
APA e, com a vontade que as demais comunidades da região do Eixo Forte, que não estão na
APA, de fazerem parte da mesma como veremos mais adiante, no próximo capítulo. As
principais causas e conseqüências dos problemas ambientais, detectados pelas comunidades
encontram-se no QUADRO 12:
QUADRO 12: Causas Levantadas e Conseqüências Apontadas em Função dos Problemas
Ambientais citados na Região do Eixo Forte
PRINCIPAIS CAUSAS
LEVANTADAS
PRINCIPAIS CONSEQÜÊNCIAS
APONTADAS
Falta de Planejamento
Falta de Consciência
Ação Predatória de Banhistas
Poluição por Empresas
(Frigorífico e Piçarreiras)
Construção de casas e balneários a
beira de igarapés
Retiradas de açaizais
Construção de barragens, represas
e tanques
Construção de fossas irregulares
Criação de gado branco e búfalo
Criação de porco
Uso incorreto da galeria do
aeroporto
Falta de demarcação dos lotes
Diminuição dos recursos naturais
Trabalhos isolados
Diminuição de fontes de alimento
e de renda
Poluição do ar e visual
Aparecimento de doenças
Aumento de picadas de ofídios
Desemprego
Êxodo Rural
Fonte: ISAM, 2005
O QUADRO 12 demonstra bem a consciência das comunidades ouvidas. Ou seja, eles
têm noção dos problemas ambientais, das suas causas e das suas conseqüências. Contudo,
como ficou evidente na Assembléia do Irurama, eles o sabem e/ou tem muitas dúvidas a
quem e como recorrer para evitar ou solucionar tais problemas, como se nos
questionamentos abaixo:
A outra pergunta que a gente entende que o ISAM e o IBAMA podem fazer uma
observação é: que tipo de ação vai ser feito com as agressões dos igarapés, com as
barragens? (ASSEMBLEIA DE IRURAMA, 2005, p. 23).
Tem um bloco aqui que está direcionado para o Ricardo, em relação à questão
ambiental:
A primeira pergunta: O que podemos fazer com os caçadores que vem da cidade em
busca de caça na comunidade e também os pegadores de passarinho, quais os
procedimentos que podem ser feitos?
Outra: Quando o proprietário uma grande área de terra, de onde ele tira o seu
sustento, mas a comunidade sofre com as conseqüências, pois o desmatamento é
grande, o que fazer, pois ele tem licença do IBAMA?
Outra para o Ricardo: Gostaria de saber do Sr. Ricardo como o IBAMA poderia
ajudar as regiões na fiscalização das comunidades do Eixo Forte, no sentindo das
pessoas que venham com o intuito de destruir em relação à plantação de soja?
Outra aqui é a da comunidade de Ponte Alta, está perguntando: que no ramal de
Ponte Alta tem uma empresa que está extraindo seixo, e pedra para aterro e com
isso o ramal está extremamente dificultado o acesso do ônibus para os moradores e
alunos que estudam no Cucurunã e em Santarém. Que tipo de fiscalização pode ser
feita?
Tem uma outra que é para o ISAM ou IBAMA: quero saber se o desmatamento do
açaizal está sendo fiscalizado e o aterro das margens do igarapé de São Brás, como
está sendo feito? (ASSEMBLEIA DE IRURAMA, 2005, p. 26).
Esses são alguns exemplos do que foi dito anteriormente. Muitos outros
questionamentos surgiram com relação aos problemas ambientais citados acima. Questões
estas que foram respondidas nesta Assembléia, ora pela representação do ISAM, ora pelo
representante do IBAMA. Estes se esforçaram em responder a todos os questionamentos
mostrando para os comunitários presentes que, a alternativa aqui é a ‘denúncia’. É a relação
estreita entre as comunidades e os órgãos fiscalizadores que, por um lado tem carências de
pessoal, mas por outro, havendo a denúncia, não se furtam, segundo eles, de ir averiguar.
Então, quando a comunidade tem problema, entra em contato com a gente, não tem
muita frescura de ficar fazendo ficha ou coisa parecida. Se tiver o problema e o
tiver como fazer o processo burocrático, uma ligada ou então vai lá com a gente
e, a gente pega o que tem de denúncia. E, o que nós não temos competência de
encaminhar, por que o ISAM tem certo limite de atribuição, o que a gente não tem
competência de resolver só, a gente tem feito essa discussão junto com o IBAMA,
inclusive eles tem acompanhado a gente na fiscalização, em alguns processos eles
tem nos ajudado (ASSEMBLEIA DE IRURAMA, 2005, p. 24).
Gente! É uma história velha, mas é uma história verdadeira, o para está em
todos os lugares ao mesmo tempo. Alguém falou aqui do ramal da Ponte Alta. Eu,
particularmente não estou sabendo que tem alguém extraindo seixo, acabei de
ficar sabendo. Esse tipo de coisa tem que ser denunciado, o IBAMA tem que saber.
A partir do momento que o IBAMA saiba ou o ISAM, quem quer que seja, tem que
tomar uma atitude. É obrigatório que o órgão executor ambiental tome uma atitude,
a partir do momento que está sabendo da irregularidade. Então, tem que ter
denúncia, né? (ASSEMBLEIA DE IRURAMA, 2005, p. 27).
Em se tratando de problemas ambientais, o importante, como expressam as citações
acima é que haja uma interação entre as comunidades e os órgãos ambientais fiscalizadores.
Essa interação será mais estreita quanto maior forem os esclarecimentos dos direitos e deveres
para com o meio ambiente de um lado. E, de outro, se conheça qual a função dos órgãos
públicos ambientais e aonde vai sua atuação fiscalizadora. A Assembléia do Irurama e o
Levantamento aqui exposto, ambos realizados pelo ISAM, são instrumentos importantíssimos
para que o fortalecimento desta relação comunidade/órgãos ambientais seja intensificado e se
reflita num estreitamento de relações através do processo de consolidação da APA Alter do
Chão.
2.3.6 A UC APA – Alter do Chão para a Região do Eixo Forte
O levantamento do ISAM finaliza-se com três questões sobre a APA Alter do Chão
para as comunidades ouvidas, quais sejam:
1 – Se estas têm conhecimento da finalidade de uma APA?
2 – Quais as suas principais dúvidas sobre a APA – Alter do Chão?
3 – O que eles esperam com a APA?
Essas questões, tinham por finalidade, determinar até que ponto as comunidades
estavam inteiradas sobre a criação da APA Alter do Chão, subsidiando, desta forma, órgão
ambiental municipal na construção da programação da Assembléia do Irurama, ao mesmo
tempo em que indicava os caminhos que este deveria percorrer para construir uma
sensibilização das comunidades frente a APA Alter do Chão. As respostas às três questões
citadas acima, foram agrupadas em função do que mais foi respondido e são apresentadas nos
QUADROS 13 e 14:
QUADRO 13: Finalidade da APA para as Comunidades da Região do Eixo Forte
Serve para organizar as comunidades;
Trazer segurança e benefícios para os moradores e levar o conhecimento a respeito da
proteção da área;
Proteção das comunidades contra a grilagem e atividades predatórias;
Para conservar a natureza para filhos e netos;
Facilidade para acesso de financiamentos;
Área que organiza de forma planejada para a proteção do ambiente e da área da
comunidade;
Serve para proteger os igarapés e evitar desmatamento;
É uma área fiscalizada;
Tem conhecimento superficial
pouca participação nos primeiros eventos (06
comunidades – 35%);
Ouviram falar pela primeira vez (02 comunidades – 17%);
Não sabem nada (01 comunidade – 6%).
Fonte: ISAM, 2005
Do QUADRO 13, o interessante a se destacar é que os comunitários, de uma forma
geral, demonstraram certo conhecimento sobre a finalidade da APA, haja vista em suas
respostas aparecerem palavras-chave que determinam, em certa medida, os objetivos de uma
APA, tais como: ‘organizar’, ‘conhecimento’, ‘proteção’, ‘conservar’, ‘fiscalização’. Por
outro lado, se percebe também que ainda é muito grande o índice de comunidades que tem um
conhecimento superficial, devido a pouca participação nos primeiros eventos (35%), ou que
ouviram falar pela primeira vez (17%), ou ainda que não saibam de nada (6%). Isto demonstra
quão árduo tem que ser o trabalho de sensibilização das comunidades para que se efetive a
criação da APA. Se de fato a esfera governamental espera que a mesma tenha uma
participação das comunidades, este trabalho deve ser intensificado, pois, principalmente, no
que tange a APA, a sensibilização das pessoas que estarão em sua área e no entorno precisa
ser pautada em conhecimento para que as mesmas se disponham a ajudar efetivá-la. Caso
contrário, jargões como “a APA é coisa para inglês ver”, muito comum entre os críticos dessa
categoria, realmente se concretizará.
A APA, como falou o companheiro do IBAMA é a unidade mais flexível que se
tem, ou seja, diz-se que na APA pode tudo. Até um companheiro me disse num
debate, num determinado dia, que a APA é um pouco um negócio, assim, para
inglês ver. Faz que é mais o é, quando é foi, tem essa característica. Mas, o
companheiro do IBAMA falou um negócio importante, s temos que zelar pelo
meio ambiente, nós temos que zelar pelo recurso natural existente independente que
esteja em APA e, se tiver na APA, ela tem normas, ela tem procedimentos que s
temos que cumprir, a comunidade começa a participar mais organizadamente
(ASSEMBLEIA DO IRURAMA, 2005, p. 16).
E em resposta a este modo de pensar:
Ninguém foi criar a APA para inglês ver. por que a APA é uma categoria de
áreas protegidas mais amena, onde são permitidas várias atividades econômicas,
inclusive indústria é permitida dentro de uma APA, não quer dizer que é para inglês
ver. Eu acho que é ao contrário até, você permite que continue tendo um
desenvolvimento econômico de uma maneira em todos possam participar eu acho
que até é mais possível a participação comunitária. Diferente de quando você
começa a ser proibido de fazer um monte de coisa. Eu acho que a APA é uma das
unidades de conservação mais difíceis de saírem do papel, mas se sair vai ser um,
eu acho que é a que mais pode funcionar (ASSEMBLEIA DO IRURAMA, 2005, p.
53).
Desta forma, se percebe que a conscientização e o esclarecimento de dúvidas como as
apresentadas no QUADRO 14 são importantes para que a APA não fique no papel, evite-
se conflitos e conquiste a participação dos principais interessados na conservação dos recursos
naturais, aumentando assim, como visto no QUADRO 15 as suas expectativas. assim, a
comunidade local vai se sentir responsável e disposta a atuar em prol da implantação e
manutenção de uma APA. Tais esclarecimentos de dúvidas e motivação das comunidades, foi
buscado pelos representantes do ISAM, com a realização da Assembléia do Irurama.
Assembléia que tem como relevante à presença de todas as comunidades do Eixo Forte, na
participação de 178 pessoas que saíram motivadas a conhecer mais sobre a APA Alter do
Chão, impulsionar mudanças no Decreto que criou a APA, na qual a mais importante é sua
ampliação para toda a região do Eixo Forte e, dar continuidade as ações relevantes para a
implantação da APA Alter do Chão: continuação da sensibilização das comunidades e
preparação para a escolha do Conselho Gestor da APA, através de um Grupo de Trabalho,
escolhido pelas comunidades, como ações imediatas.
QUADRO 14: Principais Dúvidas sobre a APA – Alter do Chão
Proibição do uso dos recursos naturais (extrair açaí, plantar, caçar)
Traz desenvolvimento ou impedimento?
Se pode ser administrada pelo governo Estadual ou Federal
Vantagens quanto a administração Federal, Estadual ou Municipal
Número total de comunidades da APA – Alter do Chão
Existência do Projeto de Lei
Vantagens, benefícios e forma de organização de uma APA
Se facilita a regularização de terras
Diferença de APA e assentamento na legalização das terras
Se assentamento pode estar dentro de uma APA
Atividades que podem ser feitas na APA
Se pode ter utilização por família (O morador continua dono da terra?)
Se a comunidade pode escolher estar ou não na APA
Fonte: ISAM, 2005
QUADRO 15: A Expectativa das Comunidades do Eixo Forte com Relação a APA
Sensibilização, mobilização das comunidades do Eixo Forte;
Organização das comunidades;
Envolver todas as comunidades do Eixo Forte;
Mais esclarecimento sobre APA;
Benefícios para os moradores e garantias dos direitos;
Continuidade do projeto pelo governo municipal;
Fortalecer grupo gestor da comunidade para ter autonomia;
Fortalecer a AMEIFOR para orientar e contribuir com a APA;
Ampliar representação das comunidades na AMEIFOR;
Melhorar ações de fiscalização ambiental;
Reflorestamento obrigatório para quem causar desmatamento;
Ter projetos para a melhoria da vida dos moradores;
Propiciar titulação de terra definitiva aos comunitários;
Garantir infra-estrutura e serviços (estradas, energia, transporte, educação);
Melhoria nas políticas públicas;
Preservação das áreas das comunidades;
Preservação dos rios, igarapés e lagos (ações urgentes de recuperação);
Trabalho junto aos banhistas para o cumprimento da legislação ambiental;
Envolver banhistas nas discussões.
Fonte: ISAM, 2005
Todas as informações que foram aqui expostas tiveram a finalidade de apresentar a
região do Eixo Forte e as visões que os membros das comunidades dessa região m sobre a
mesma e sobre o processo de criação da APA Alter do Chão. A forma como foram abordadas
tais informações está simplificada e colocada de modo descritivo para atender os objetivos de
apresentar a respectiva região, sua realidade e a sua forma de organização. Com isso, muitas
questões como os conflitos fundiários, de organização comunitária e políticos não estão
aprofundados. Esta foi uma opção frente à temática aqui abordada e frente à dificuldade de
encontrar materiais consistentes que viabilizassem tal discussão. Portanto, a opção foi antes
por identificar e descrever os processos que dizem respeito à criação da APA – Alter do Chão
do que os demais temas que neste estudo são apenas citados e reconhecidos.
No próximo capítulo, serão apresentadas as origens e os caminhos do processo de
criação da APA Alter do Chão. O interessante é que, como a maioria das UC’s, criadas no
Brasil, irá se perceber que a APA Alter do Chão, em sua criação, segue em processo lento.
Isto de forma nenhuma pode ser visto como algo totalmente negativo, pois a estratégia de
criação de UC’s como uma política ambiental requer participação, aceitação e
comprometimento de todos os setores envolvidos, o que requer tempo, paciência e vontade
daqueles que estão dispostos a ver uma UC implantada, gerando benefícios e avanços na
relação sociedade-natureza. Ser uma política de médio e longo prazo não minimiza seu valor,
desde que isso tenha o objetivo de realmente implantá-la. A grande questão, como se verá
mais adiante, é que nem sempre, no que tange à criação de UC’s, o processo se de forma
harmônica, com interação dos setores envolvidos.
Na maioria dos casos, a ‘demora’ em criar ou implantar representa descaso, falta
de capacidade e/ou falta de prioridade. Com o processo de criação da APA Alter do Chão
não foi diferente, em um dado momento, isso tudo aconteceu. Contudo, como todo processo
democrático, existem aqueles que não desistem e, aqui, algumas lideranças comunitárias
foram esses atores, persistiram e fazem com que, mesmo com altos e baixos, a continuação do
processo de criação da APA saia do papel, com a participação do maior número daqueles que
estão envolvidos diretamente. Um exemplo que as UC’s de Uso Sustentável, e mais
especificamente as APA’s, enquanto uma política pública ambiental pode ser vista
diferentemente do convencional que é ser uma ação inteiramente das esferas governamentais.
Um exemplo de que esta política começa a ser vista como alternativa, por parte das
populações tradicionais, que não impede o bem-estar e a busca do desenvolvimento local.
CAPÍTULO III
A CRIAÇÃO DA APA – ALTER DO CHÃO:
CAMINHOS, DESCAMINHOS E PERSPECTIVAS
A investigação popular não pode ser feita sem o
povo, mas com ele como sujeito do seu pensar.
(Paulo Freire, 1983)
3.1 INTRODUÇÃO
A criação da APA Alter do Chão está sendo considerada, nesta dissertação, como
um processo permeado por escolhas cujo diferencial está na sua origem. Um diferencial que
precisa ser relatado como uma mudança de atitude no que concerne à criação e implantação
de UC’s como política pública ambiental. Este é o foco deste capítulo, buscar reconstituir,
através dos depoimentos daqueles que acreditam na importância da APA Alter do Chão, o
que esta tem de diferente e como seu exemplo pode ser mais um a contribuir na disseminação
de que pensar a relação sociedade-natureza e a relação APA desenvolvimento. Isto,
contudo, não quer dizer que tal diferencial suplante conflitos e relações de poder ou que se
tem um ‘modelo’ de comunidades no distrito de Alter do Chão. Os conflitos e relações de
poder são reconhecidos e, isto ficará bem perceptível em alguns trechos das entrevistas
utilizados neste capítulo. Mas, para o conjunto deste estudo, o interessante é destacar o
diferente e descrever o processo de criação da APA – Alter do Chão.
O fato da origem da APA Alter do Chão estar relacionada com uma instituição de
pesquisa, reconhecida como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA e, a
vontade de algumas lideranças comunitárias vai de encontro à noção de que as UC’s, de uma
forma geral, são criadas de ‘cima para baixo’ e, por isso, acabam se tornando ‘enclaves’
difíceis de manter. Admite-se, como é ‘normal’ num processo que envolva diferentes setores e
forma de pensar, conflitos e problemas como falta de verba e pessoal capacitado. que,
mesmo na adversidade, a vontade de uma região está prevalecendo lenta, conflituosa, mas
firme. E, é isso que possibilita pensar em perspectivas que vão além de sua criação.
Neste capítulo, se buscará descrever, através das entrevistas aqueles que atuaram neste
processo, desde sua origem a hoje e, também, pelos relatos e questionamentos feitos na
Assembléia do Irurama, o caminho percorrido até aqui, no que tange o processo de criação da
APA – Alter do Chão. Para isso, está dividido, além dessa sessão, em mais quatro sessões: 3.2
A Origem; 3.3 A justificativa; 3.4 O Processo e os Conflitos; e, 3.5 Da Criação a
Implantação: perspectivas e desafios. Com estas sessões a pretensão é ter um panorama geral
da criação da APA – Alter do Chão onde seja evidenciado nesta uma possibilidade de
mudança de atitude que determine um caminho diferente para as UC’s de Uso Sustentável.
Um caminho que demonstre serem possíveis relações como sociedade-natureza e APA
desenvolvimento, objeto primeiro desta dissertação.
3.2 A ORIGEM
A vila de Alter do Chão, uma das dezoito comunidades do Eixo Forte que compõe o
distrito de Alter do Chão, como caracterizada no capítulo anterior, possui um patrimônio
natural, cultural e histórico vastíssimo. Isto permite que a mesma seja vista como uma área
importante na realização de estudos sobre a fauna e a flora local, sua cultura e sua história.
Dentre as várias instituições locais, regionais, nacionais e internacionais, que fazem pesquisa
na região, destaca-se o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia INPA
50
. Este Instituto
décadas vêm realizando estudos, principalmente relacionados à fauna, à flora e à formação
geológica local, gerando importantes informações sobre essa região e, consequentemente,
sobre o bioma Floresta Amazônica, o que o transforma em um importante e reconhecido
centro de estudos e pesquisas da Amazônia.
O INPA, reconhecendo a imensa contribuição acadêmico-científica que tal localidade
e região proporcionam no que se refere aos estudos sobre a Amazônia e seus ecossistemas,
achou que precisava retribuir tal contribuição e apoiou uma equipe de seus pesquisadores
numa empreitada científica cujos resultados viessem a ajudar mais diretamente a comunidade.
Segundo o depoimento de uma das pessoas que participaram da equipe de pesquisadores do
INPA, na ocasião do surgimento dessa discussão:
[...] uma preocupação do Instituto Nacional de Pesquisa foi como retribuir todo esse
conhecimento, toda essa pesquisa que foi feita, durante tantos anos para a
comunidade. Como que o INPA poderia dar retorno à comunidade? Se a gente
passou pesquisando a região e nem sequer a gente se preocupou em demonstrar
essa informação que foi juntada. Então, daí e, também da necessidade real de se
proteger essa região que tem os recursos naturais tão belos, tão importantes, surgiu
as primeiras discussões de se criar uma área de proteção ambiental (ASSEMBLÉIA
DO IRURAMA, 2005, p. 35).
Essas ‘primeiras discussões’ segundo o resgate feito a partir das entrevistas com pessoas que
estiveram à frente do processo de criação da APA Alter do Chão desde o início, se deu em
meados de 1997. Contudo, que se retroceder em alguns anos, a 1992, mais precisamente
para se perceber que o eram apenas os pesquisadores do INPA que estavam preocupados
em proteger a área da vila de Alter do Chão. A atração que a vila de Alter do Chão e seu
entorno geram em diversos pesquisadores, por ser um pedaço da Amazônia e trazer consigo
50
O INPA tem sua sede em Manaus (AM) e foi criado em 1952, com a finalidade de realizar o estudo científico
do meio físico e das condições de vida da região amazônica, tendo em vista o bem-estar humano e os reclamos
da cultura, da economia e da segurança nacional. Sua missão é gerar, promover e divulgar conhecimentos
científicos e tecnológicos sobre a Amazônia brasileira para a conservação do meio ambiente e o
desenvolvimento sustentável dos recursos naturais em benefício, principalmente, da população regional (INPA,
2005).
uma diversidade de aspectos naturais, culturais e históricos para se entender o habitat
amazônico, possibilitou e até hoje possibilita, uma relação desses pesquisadores com as
pessoas da comunidade da Vila. Como isso é bem corriqueiro, é normal que tal relação se dê a
partir da necessidade desses pesquisadores buscarem na comunidade guias para conduzi-los
pelos locais de interesse para a pesquisa. Esta, por sua vez, na maioria das vezes, acaba
gerando uma troca de conhecimentos que beneficia a ambos. Ao mesmo tempo em que esta
troca pode favorecer o surgimento de idéias que venham a contribuir com as ações dentro da
comunidade. Na relação INPA - comunidade isso aconteceu, teve como resultado que o guia
dos pesquisadores deste Instituto, um líder comunitário, viu nesta relação uma possibilidade
de buscar novos rumos para problemas ambientais recorrentes.
Para este líder comunitário - que pode ser considerado o principal ‘ícone’ dessa luta,
pois todos os entrevistados, no que tange ao reconhecimento de quem deu início e até hoje
impulsiona a questão da APA Alter do Chão nas comunidades do Eixo Forte - o reconhece
como a liderança local que encabeça a proposta de criação da APA. O primeiro estopim, em
nível local, para se pensar proteger a vila de Alter do Chão, foi a construção de um prédio
com mais de três pisos na vila, isso em meados de 1992. Houve solicitação de embargo, por
parte de alguns comunitários (inclusive ele), mas nada foi conseguido, ou seja, o prédio foi
construído, o que provocou certa inquietação e preocupação com relação a esta prática
começar a ser corrente.
[...] a APA tem um processo bem mais atrás. Em 92, dezembro de 92, a gente viu
assim, ficou... Até houve umas brigas de forças políticas por conta de um prédio
que o pessoal fez aqui, a construtora Dinâmica fez o primeiro prédio com três pisos
aqui em Alter do Chão e então no final do governo da administração do Ronan
Liberal ele deu o alvará de construção para essa empresa. E, a gente, quando foi em
janeiro de 93, a gente conseguiu ir ao Ministério Público, ir à Secretaria de Meio
Ambiente, na Secretaria de Saúde, por que a Secretaria de Meio Ambiente era junto
com a Secretaria de Saúde, que era Secretaria de Saúde e Meio Ambiente e, mas
mesmo assim nós não conseguimos reverter à situação. Com isso, o prédio foi
terminado e, aí a partir disso se pensou em transformar Alter do Chão numa Área
de Proteção Ambiental. Proteger Alter do Chão. Arranjar uma forma de proteger
Alter do Chão e, ninguém sabia se era APA ou Parque ou Patrimônio Cultural
(ENTREVISTA 02, 09/06/05).
Nós vimos que quando foi em 1992, foi mais agressivo ainda, começou com a
edificação a mudar a história de Alter do Chão, com os prédios altos, com mais de
dois andares e a gente começou a se preocupar e ficar com as mãos atadas porque
nem o governo municipal e nem o governo estadual não estavam preocupados com
a comunidade, e o era só Alter do Chão que estava sofrendo com isso, os
igarapés das nossas comunidades, as praias do Pajuçara, do Juá, de Ponta de Pedras
estavam sendo invadidas também e a gente sempre achava que tinha um jeito, mas
não tinha uma lei, não tinha como barrar essa invasão de pessoas, inclusive até
acabando com a nossa questão cultural da região, as pessoas estão tendo outras
culturas (ASSEMBLÉIA DO IRURAMA, 2005, p. 08).
Por esse panorama inicial se percebe que a origem da criação da APA – Alter do Chão
advém da preocupação de algumas pessoas da comunidade da vila de Alter do Chão, de um
lado, preocupados de certa forma, com o aumento da especulação imobiliária local e os
impactos disso para o meio ambiente; e, por outro, o interesse acadêmico-científico do INPA
que também tinha e tem preocupação com as questões ambientais daquela região. Tais fatos
propiciam a evidência de que, pelo menos na sua origem, a busca de se criar uma UC em
Alter do Chão tem uma singularidade. Esta singularidade está no fato que o pensar em criar
uma UC na região, parte de preocupações com as questões ambientais locais advindas de dois
grupos sociais que, normalmente entram em tal processo, quando entram, depois da UC
criada.
Pelo menos no Brasil é perceptível que o processo de criação das UC’s, desde o seu
início, na sua grande maioria, está pautado em um modelo centralizador que tem por base o
Estado nas suas três esferas de governo (federal, estadual e municipal). Por isso, quando se
identifica um caso como de Alter do Chão, em que as demandas relativas à questão ambiental
e, mais especificamente à criação de uma UC advêm do encontro e/ou relação de um centro
de Pesquisas Amazônica, como o INPA, com a comunidade, é no nimo instigante e/ ou
diferente. Uma relação na qual ambos os lados contribuem e se ajudam a partir de sua
vivência e conhecimento, convergindo suas ões para um interesse maior que se
complementa e se identifica que é a preservação e/ou conservação da natureza.
[...] a APA Alter do Chão ela tem um processo diferente de outras APA’s. Nós
tivemos até sorte de estar numa área que muitos pesquisadores e pessoas
preocupadas com a questão ambiental vieram para para Alter do Chão. Então,
com isso, não só partiu da comunidade, mas eu acho que, partiu primeiro dos
pesquisadores juntamente com a vontade de algumas pessoas da comunidade.
Algumas pessoas que, dessas pessoas não chegavam dez pessoas da região que
estavam preocupados com a questão ambiental (ENTREVISTA 02, 09/06/05).
Essa junção entre INPA e membros da comunidade da vila de Alter do Chão possibilitou um
diálogo entre estes dois grupos sociais. Tal diálogo, para o lado acadêmico-científico
representou a chance de contribuir de forma efetiva com a comunidade e, para o grupo
comunitário que iniciou tal discussão, a chance de apresentar para a Vila uma alternativa de
conservação do seu bem mais precioso, as suas belezas naturais.
Começa-se, assim, uma parceria mais intensa do grupo de pesquisadores do INPA e
grupo da comunidade da vila de Alter do Chão para a viabilização de estudos que mostrassem
que tipo de UC seria mais apropriado para a região, o que justificaria a mesma, qual sua área e
que esfera governamental seria mais apropriada. Neste processo, também é ouvida outra
instituição acadêmica de reconhecida probidade internacional, o Museu Paraense Emílio
Goeldi - MPEG
51
que também faz pesquisa na região e:
Com o tempo, a gente conversando com alguns pesquisadores do INPA, do Emílio
Goeldi e fomos ver, eu estava no Conselho Comunitário, fomos vê que a APA seria
uma modalidade de áreas protegidas, unidade de conservação no caso, que seria
ideal para Alter do Chão. Primeiro por que você o tira as pessoas da terra, as
pessoas não perdem o direito de serem proprietários, não impede a atividade das
pessoas e, o que se faz é ordenar ou criar regras específicas para essa ou aquela área
que poderá ser ocupada. E, também trabalhar dentro do zoneamento, trabalhar num
zoneamento que passe pela aprovação da comunidade e também com a comunidade
(ENTREVISTA 02, 09/06/05).
Portanto, em função da APA ser uma UC que está inserida na categoria de uso sustentável e,
por isso, como discutido anteriormente no CAPÍTULO I, permite que a população
tradicional ou o permaneça em sua terra, mas de forma ‘ordenada e disciplinada’, tanto um
grupo como o outro viu na APA a alternativa de UC capaz de atender aos interesses de
conservar e/ou preservar a natureza sem excluir a população local que ali vive, a principal
preocupação de todos os envolvidos no início desse processo.
Pelo lado acadêmico, de 1997 até 2001, os pesquisadores do INPA iniciaram diversos
levantamentos e pesquisas com o intuito de buscar dentro do patrimônio natural e da
socioeconomia local as justificativas necessárias para a proposta de criação de uma UC de
Uso Sustentável do tipo Área de Proteção Ambiental – APA.
Então, quando foi em 1997, houve um grupo de estudantes, de pesquisadores do
INPA e deram uma luz para a gente no que se refere a criar uma Área de Proteção
Ambiental em Alter do Chão. E, a gente embarcou nessa discussão com o INPA, eu
dava inclusive comentários de forma que a gente embarcou mesmo nessa questão
de transformar Alter do Chão em Área de Proteção Ambiental (ASSEMBLÉIA DO
IRURAMA, 2005, p. 08).
3.3 A JUSTIFICATIVA
Os levantamentos e pesquisas realizados na região da vila de Alter do Chão e seu
entorno, resultou em dois trabalhos. Aqui vale identificar que o grupo de pesquisadores do
INPA fazia parte do departamento de Ecologia do Instituto e, sua maioria era composta de
estudantes de mestrado e doutorado que eram coordenados por Ana Luisa Albernaz, à época
também estudante de doutorado. Estes dois trabalhos, originados dos trabalhos de pesquisa da
referida equipe, que referendam a criação da APA Alter do Chão são: um documento que
51
O MPEG está localizado na cidade de Belém (Pa) e foi fundado em 1866 concentrando, desde esse ano, suas
atividades em estudos científicos dos sistemas naturais e socioculturais da Amazônia, bem como na divulgação
de conhecimentos e acervo relacionado à região (MPEG, 2005).
apresenta, de forma resumida, uma “Proposta para a Criação de uma Área de Proteção
Ambiental (APA) em Alter do Chão, Santarém/Belterra, Pará” (1999) e, a tese de doutorado,
intitulada “Zoneamento da Região de Alter do Chão, Pará: um exercício de planejamento para
uma unidade de conservação de uso direto” (2001), onde se tem um mapeamento em que a
pretensão foi “integrar os aspectos biológicos, econômicos e humanos em uma proposta de
zoneamento para uma Unidade de Conservação de uso sustentável na Amazônia brasileira”
(ALBERNAZ, 2001, p. 06). Com este objetivo, dá-se uma importante contribuição para a
discussão da criação da APA Alter do Chão, pois, nele encontra-se um levantamento da
fauna e da flora terrestre e aquática, bem como um levantamento sobre o uso da terra e das
atividades socioeconômicas existentes na área proposta por esta pesquisadora para a criação
da APA - Alter do Chão.
Em sua tese, Albernaz (2001) apresenta quatro cenários que, para serem elaborados,
contou com a contribuição das comunidades da região do Eixo Forte. Com estes cenários,
tinha a pretensão de “[...] avaliar algumas possibilidades para que as escolhas pudessem ser
baseadas no máximo de informação possível” (ALBERNAZ, 2001, p. 102). O resultado deste
esforço foi a composição da proposta de quatro cenários que são: “[...] apenas as áreas de
preservação permanente, as zonas propostas pelas comunidades, o balanceamento entre
elementos biológicos e pressões para uso, e uma combinação entre estes cenários”
(ALBERNAZ, 2001, p. 102).
Dos cenários citados acima a autora defende como sendo o mais viável, o cenário 04
denominado de: uma combinação entre estes cenários:
O cenário que combina o zoneamento sugerido pela população local ao derivado de
valores biológicos e econômicos representa uma pequena diminuição na zona de
uso agropecuário, e aumenta a zona de preservação em detrimento da de
conservação. Este cenário, no entanto, une as vantagens da proteção de funções
embutidas na proposta das comunidades às vantagens dos princípios científicos
contidos no cenário de valores biológicos e econômicos. Este cenário representa,
ainda, a proteção integral da maior parte dos ambientes de savana, igapós e lagos e
mais de um terço das áreas de floresta. Seria assim, o cenário mais recomendável
para a manutenção das características naturais da área em longo prazo
(ALBERNAZ, 2001, p. 113-114).
Esta autora toma partido pelo quarto cenário, mas, descreve todos os outros cenários
apontando, em todos os quatro, os prós e os contras de cada um e, finaliza sua discussão
deixando claro que a responsabilidade da escolha da área da APA e de sua gestão é um
processo que dependerá das negociações e tomadas de decisões interativas em que a
participação dos principais atores sociais envolvidos é de fundamental importância. Neste
contexto, se reconhece os principais atores sociais envolvidos nesse processo: as populações
das comunidades da Região do Eixo Forte no distrito de Alter do Chão, as lideranças
comunitárias desta região e a esfera de governo que criou a APA, que no caso foi o governo
municipal, como se verá mais adiante.
A tese de Albernaz teve como base o primeiro documento citado acima: Proposta
para a criação de uma Área de Proteção Ambiental (APA) em Alter do Chão,
Santarém/Belterra, Pará”. Neste documento que na verdade é um esboço simplificado da
proposta de criação de uma APA que abrangesse áreas de Alter do Chão e Belterra
52
, aparece
logo na sua introdução, os três motivos fundamentais elencados, através dos levantamentos
preliminares da pesquisa do INPA, para a criação da APA – Alter do Chão:
Existem três motivos principais para criar uma Área de Proteção Ambiental em
Alter do Chão: (1) é a região em que se situa uma das savanas amazônicas isoladas;
(2) a área contém a localidade-tipo da descrição de uma formação geológica que
recebeu seu nome; (3) a área tem tido intensa atividade turística, que deve ser
ordenada para ser sustentável (ALBERNAZ, et al, 1999, p. 02).
Dos três motivos citados acima, dois são de cunho ambiental, o que revela a
preocupação com o ‘fator paisagístico’ e natural. O terceiro motivo é de cunho
socioeconômico. Contudo, a partir das entrevistas, foi detectado que havia mais dois motivos
que se relacionam com o terceiro que é a proteção das águas e a especulação imobiliária, haja
vista que o principal atrativo turístico local é a praia de rio que se forma em frente à vila de
Alter do Chão. Esta beleza natural tem ocasionado o crescimento do turismo como atividade
econômica para região e a crescente demanda para esse fim começou a ser motivo de
preocupação.
Atualmente, aliada a esses motivos, acrescenta-se também, a partir das entrevistas, o
avanço da fronteira agrícola na Amazônia e na região Oeste do Pará, com a produção de
grãos, que aqui só iremos fazer a menção e não discutiremos com mais profundidade,
primeiro por que tal processo está se dando recentemente (2003 para cá) e optou-se em
trabalhar as justificativas que antecedem a criação da APA Alter do Chão. Segundo, a
partir de 2005 é que as comunidades do Eixo Forte começam a se sentirem ameaçadas pelo
processo de expansão da fronteira agrícola na região. Uma preocupação que precisa estar na
pauta das discussões sobre a implantação da mesma, temática que o faz parte deste estudo.
Para maiores informações sobre a discussão da expansão da fronteira agrícola em Santarém,
52
Na proposta acadêmica de criação da APA – Alter do Chão sempre teve presente a intenção de se incluir áreas
dos municípios de Santarém e Belterra. Isso se justifica pelo fato dos levantamentos feitos na área concluírem
que as nascentes do Lago Verde se localizavam no município de Belterra. Contudo, essa proposta não se
concretizou e, o que se tem atualmente são duas APA’s: a APA Alter do Chão no município de Santarém e a
APA Aramanaí no município de Belterra. Segundo o Decreto da APA Alter do Chão (artigo 6º) as duas
referidas APA’s formarão uma APA Intermunicipal Alter do Chão/Aramanaí devido possuírem limites físicos,
objetivos comuns e mesmas características físico-bióticas. Seus grupos gestores serão distintos, mas trabalharão
em conjunto para a elaboração de um Plano Diretor de Gestão Ambiental comum para as mesmas.
ver Steward (2004). O importante a destacar aqui é que tal expansão, sem dúvida nenhuma,
vem reforçar a necessidade da criação da APA – Alter do Chão.
Com relação às savanas amazônicas, a justificativa apresentada por Albernaz, et al
(1999), leva em consideração que esta ocupa cerca de 2,5% de toda a Amazônia, são
“ambientes muito frágeis”, constituídos de solos arenosos, merecendo um certo cuidado no
que tange à intervenção do homem. Segundo Albernaz, et al (1999, p. 02):
Apenas a savana isolada do Amapá tem parte de sua área protegida, enquanto as de
Humaitá (AM), Roraima e Alter do Chão o estão representadas em áreas
protegidas. Entre as savanas isoladas estudadas, a de Alter do Chão foi onde
Sanaiotti (1996) encontrou a maior diversidade de árvores.
Por este aspecto, preservar as savanas amazônicas existentes em Alter do Chão significa
resguardar um importante bioma posto que se revelam como uma fonte de estudos riquíssima
para se entender sua constituição, ao mesmo tempo em que possibilita a manutenção de sua
existência haja vista estas não se manifestarem em grandes porções da Amazônia e de serem
pouco representadas em UC’s.
O segundo motivo elencado: a Formação Alter do Chão. Segundo Santos, et al (1999,
p. 08):
O termo Formação Alter do Chão foi empregado pela primeira vez por KISTLER
(in CAPUTO et al, 1971), para dominar um conjunto de rochas sedimentares de
coloração avermelhada, inconsolidadas, identificadas durante a perfuração do poço
1-AC-1-PA (Petróleo Brasileiro S/A - PETROBRÁS), recobrindo a seqüência
paleozóica da Bacia Sedimentar do Amazonas.
Para Albernaz, et al (1999), a Formação Alter do Chão é importante como uma fonte
histórica que servirá para fins didáticos e, portanto, preservá-la é manter intacta a história
local. No que tange à área proposta para APA Alter do Chão, toda ela es situada na
Formação Alter do Chão que:
[...] distribui-se pela sub-bacia do Médio Amazonas desde o vale do Rio Madeira,
no Amazonas, até a região de Monte Alegre, no Pará (Petri&Fúlfaro, 1983).
Amaral (1954) descreveu com mais detalhes os sedimentos que afloram no Vale do
Rio Tapajós. As rochas predominantes nessa região são sítios argilosos vermelhos
e, subordinadamente, arenitos médios a finos. São raros conglomerados e ausentes
sedimentos químicos. Formam suaves elevações, com raras exceções, como a serra
da Piroca, próxima à vila de Alter do Chão. A espessura, na secção-tipo, poço 1-
AC/1-PA (Alter do Chão) é de 545 metros (Daemon, 1975) (ALBERNAZ, et al,
1999, p. 05).
Na citação acima se tem mais argumentos para que a proteção da Formação Alter do Chão
tenha uma relevância natural, histórica e científica sem precedentes para a região amazônica
como um todo.
O terceiro motivo apontado, definido como econômico, é o crescimento do turismo
53
na região. Esse crescimento vem se difundindo a partir da vila de Alter do Chão e se
expandindo para outras comunidades da região do Eixo Forte como é o caso de Ponta de
Pedras, Caranazal, São Brás, Juá, dentre outras. certa unanimidade local de que o turismo
é a base econômica do distrito de Alter do Chão, em função da vila de Alter do Chão, como
foi descrito no capítulo anterior. E isto faz com que a demanda pela APA por parte das
comunidades existentes, como um todo, se intensifique. Atualmente, os atrativos turísticos
que se encontram nesta região são os que se baseiam nas belas paisagens naturais como o
Lago Verde; a Ilha do Amor, a Serra Piroca, todos localizados na vila de Alter do Chão e toda
a extensão de praia de água doce do rio Tapajós que abrangem além de Alter do Chão, Ponta
de Pedras, Juá, Pajuçara, etc. Além disso, as savanas, os igarapés
54
, igapós, florestas
secundárias, que se encontram distribuídas por todo o Eixo Forte formam um conglomerado
de paisagens naturais prestigiadas por turistas regionais, nacionais e internacionais.
O turismo é uma atividade econômica que se fortalece e se intensifica nos séculos
XVIII e XIX; apogeu do sistema capitalista, em função do surgimento de novas necessidades
sociais. Segundo, Figueiredo (1999, p. 90):
A viagem turística nasce da busca de melhores instrumentos para proporcionar lazer,
permanecendo como uma necessidade constituída em nossa sociedade industrial, na
tentativa de se recuperar mazelas oriundas do trabalho e da vida urbana. Aparece,
então, a função primordial da natureza dessa viagem na modernidade.
O turismo, então, passa a ser um setor econômico que apresenta complexidades e se
formaliza a partir de elementos que buscam ser demonstrações de sua organização dentro do
processo produtivo. Deste modo, como afirma Figueiredo (1999), estudar o turismo nos leva a
fazer análises que identifiquem a oferta e a demanda turística, bem como o mercado turístico,
fortalecendo a visão de que os principais estudos analíticos sobre esta atividade estão
relacionados a aspectos econômicos e administrativos do setor.
Existe uma grande variedade de tipos ou segmentos de turismo que ultrapassam a idéia de
viagem ou excursão. Podemos citar: o turismo de veraneio, o turismo de evento, negócios,
aventura, histórico, cultural, ecológico ou ecoturismo, dentre outros, que estão demonstrados
53
O turismo, por ser uma atividade complexa, tem muitas definições. Dentre estas várias definições destacamos
a de La Torre (apud Barretto, 2001, p. 13): “O turismo é um fenômeno social que consiste no deslocamento
voluntário e temporário de indivíduos ou grupos de pessoas que, fundamentalmente por motivos de recreação,
descanso, cultura ou saúde, saem do seu local de residência habitual para outro no qual o exercem nenhuma
atividade lucrativa nem remunerada, gerando múltiplas inter-relações de importância social, econômica e
cultural”.
54
Igarapés são cursos de água amazônicos de primeira e segunda ordem, componentes primários de tributação de
rios pequenos, médios e grandes, sendo que a sua boca serve de porta de acesso para as matas (BRASIL
NATURE, 2006).
e especificados a partir de diversos autores como Lage; Milone (2000); Angeli (2003); e,
Fernandes; Coelho (2002). Para o referente estudo convém destacar destes segmentos o
veraneio
55
, o cultural
56
e o ecoturismo
57
, haja vista Alter do Chão praticar os dois primeiros de
forma intensiva e o último ser um tipo de turismo proposto como alternativo, não para
Alter do Chão, mas para toda Amazônia.
As atividades turísticas acabam por estabelecer o desenvolvimento de uma série de
outras atividades econômicas que, hoje em dia, impulsionam a economia local, gerando
emprego e renda. Em Alter do Chão, não é diferente e, no que tange à Vila, isto se demonstra
no crescimento e estabelecimento de atividades como: barracas na praia, catraias
58
para
travessia, pousadas, hotéis, restaurantes, bancas de comidas típicas, agências de turismo, lojas
de artesanato, dentre outros. Este impulso vale destacar, pode ser sentido de forma indireta
por outras comunidades da região, pois como vimos anteriormente, a vila de Alter do Chão
é o principal centro turístico do distrito. Mas, ao demandar abastecimento de alimentos e
serviços, outras comunidades que vivem da agricultura familiar, do extrativismo (açaí e
borracha) e do artesanato se beneficiam, pois conseguem vender seus produtos para Alter do
Chão que os demanda em função do movimento turístico.
[...] o turismo aqui na nossa região ele acaba fortalecendo a agricultura familiar. Por
exemplo, as pessoas que produzem farinha, tapioca, tucupi, galinha caipira, a
produção familiar ela produzem por que tem uma demanda de turista, entendeu?
Por exemplo, tem alguém que tem um restaurante e ela mesma cria galinha caipira.
Quer dizer, se acaba o consumidor que é o turista, todas as outras atividades o
para o brejo (ENTREVISTA 02, 09/06/05).
A questão do turismo na vila de Alter do Chão aponta para duas preocupações
contraditórias que são detectadas tanto nos estudos dos pesquisadores do INPA, quanto pelas
pessoas que foram entrevistadas para a composição deste estudo. Primeiro, uma conclusão
de que o turismo é a base econômica local e que o mesmo está assentado nos recursos naturais
existentes que são as belezas naturais da vila de Alter do Chão e de outras comunidades.
Sendo, então, o turismo a base da sobrevivência dessa região, a conservação de recursos como
55
Aqui está se chamando de veraneio o segmento turístico que tem como produto principal as praias e os
balneários de que estas resultam. Como a vila de Alter do Chão é considerada um balneário em que a utilização
das praias de rio são freqüentes, esta passa a ser o principal segmento turístico.
56
O turismo cultural, segundo Barretto (2001, p. 21): “[...] seria aquele que tem como objetivo conhecer os bens
materiais e imateriais produzidos pelo homem”. No caso de Alter do Chão, suas festas folclóricas, seu artesanato
e sua gastronomia, são criações milenares dos habitantes da Amazônia que mantidas e recriadas são conhecidas e
apreciadas por turistas.
57
Segundo o Instituto Brasileiro de Turismo EMBRATUR (1994, p. 19), o ecoturismo é definido como: [...]
um segmento da atividade turística que utiliza, de forma sustentável, o patrimônio natural e cultural, incentiva
sua conservação e busca a formação de uma consciência ambientalista através da interpretação do ambiente,
promovendo o bem-estar das populações envolvidas”.
58
A catraia é um tipo de canoa utilizada na vila de Alter do Chão como o meio de transporte para a travessia
realizada da vila para a Ilha do Amor, como se fossem táxis aquáticos.
as savanas, os lagos e igarapés fontes do Lago Verde e a própria Formação Alter do Chão
torna-se uma questão vital, em termos socioeconômicos para todo o distrito, como foi
demonstrado no CAPÍTULO II. Para o comunitário que lidera a criação da APA, essa
questão acabou sendo o ponto de partida para convencer o restante das outras pessoas das
comunidades da região do Eixo Forte da importância de se criar a APA – Alter do Chão.
Então, quando você fala, por exemplo, hoje na questão ecológica, hoje você fala em
Alter do Chão em turismo ecológico, você já sente que você tem aceitação, por que
nós conseguimos com a Ana (Albernaz), a gente passou dois meses visitando aí e
ouviu as comunidades e, a gente até mudou um pouco de como levar a questão de
proteger a área. Era até eu falei para a Ana. Ana nós vamos sair daqui, nós vamos
passar dez anos aqui e nós não vamos conseguir nada, não vamos conseguir
mobilizar, não vamos conseguir sensibilizar as pessoas se falar na questão de
proteger. Nós vamos ter que falar na questão econômica, quando você fala em
dinheiro, quando você fala na economia piora ou melhora a situação de alguém,
você consegue aceitação (ENTREVISTA 02, 09/06/05).
Isto mostra que na visão de quem estava e está à frente do processo de criação da APA
- Alter do Chão, a conservação e/ou preservação dos recursos naturais tem um motivo
econômico intrínseco que mexe com a própria sobrevivência das populações locais. Esse
motivo fica evidente em alguns depoimentos quando foi questionado o objetivo da criação da
APA – Alter do Chão:
[...] o principal deles na verdade é garantir a perenidade do Lago Verde, que é um
dos nossos mais importantes atrativos naturais. E, se o processo de antropização
está sendo desenvolvido cada vez mais intensamente, nas nascentes dos formadores
do Lago Verde, a médio e longo prazo ele vai sofrer problemas seríssimos de
assoreamento (ENTREVISTA 04, 10/06/05).
Principalmente por Alter do Chão e as demais comunidades que fazem parte da
APA apresentar um ecossistema muito frágil que é o ecossistema de savana. E, por
apresentar toda uma beleza nica, uma beleza natural e que precisa ser preservada
e conservada (ENTREVISTA 05, 17/06/05).
Neste sentindo, está evidente que proteger os recursos naturais locais está relacionado
com a base econômica local, fonte da sobrevivência dos mesmos que é o turismo. Ao se
referendar o turismo como a base econômica local, a segunda preocupação que surge é que a
própria atividade pode ser nociva a esta paisagem natural que se quer proteger. O uso
intensivo desses recursos, a falta de infra-estrutura adequada para receber os turistas e as
atividades turísticas convencionais à exceção do ecoturismo, como os citados
anteriormente, acabam propiciando um turismo de massa que pode vir a ser prejudicial ao
meio ambiente em questão.
E, sob esse prisma, a APA surge, mais uma vez, como alternativa, pois no momento
que ela possibilita o ordenamento e a disciplina do uso dos recursos naturais, esta, através do
seu Zoneamento
59
, Plano de Manejo
60
e Conselho Gestor
61
, poderá determinar como e que
tipo de segmentos de turismo se quer para a APA – Alter do Chão. E, sob esse ponto de vista,
a atividade turística que vem ganhando força na região como uma alternativa de turismo
sustentável com base comunitária
62
, é o ecoturismo. Para Coelho (1999, p. 52):
O ecoturismo vem sendo apresentado por ecologistas, empresários, agências
financeiras - internacionais, nacionais e regionais governantes estaduais e
municipais, e, não, raro, pelos representantes das sociedades locais, como um
achado na solução de problemas econômicos e ambientais. Crescem as expectativas
sempre positivas em relação ao ecoturismo, uma nova panacéia para o
desenvolvimento sustentável da Amazônia. Todavia, apesar de ter origem na busca
de alternativa ao turismo convencional ou de massa, ecológico e socialmente
danoso, as relações positivas entre o ecoturismo e sociedades locais, entre
ecoturismo e preservação das riquezas naturais não podem ser automáticas,
naturais.
Citar o ecoturismo como um dos segmentos turísticos viáveis para a APA Alter do
Chão e para toda a Amazônia justifica-se pelo fato do mesmo encontrar-se relacionado com o
discurso dos que defendem o desenvolvimento sustentável. Mas, como ressalta Coelho
(1999), Simonian (2000) e Pinto (2000) é preciso ter cuidado, pois muitas vezes a prática não
condiz com o discurso e, portanto, as opções de ecoturismo, e do turismo de modo geral, e
como estes podem ser viabilizados pela comunidade da APA Alter do Chão tem que ser
levado em consideração. Isto faz parte de um processo que exige conscientização, educação e
convencimento no que tange às formas de uso do meio ambiente pelos turistas e pela
comunidade local.
A realidade atual de Alter do Chão é o turismo convencional ou de massa a partir da
utilização de suas belezas naturais e culturais. Contudo, muito se tem discutido nos meios
universitários, institucionais e sociais, a perspectiva de alternativas de diversificação das
atividades turísticas em Alter do Chão, em que o ecoturismo se apresenta como uma das mais
promissoras, principalmente em áreas de proteção ambiental, como se pode perceber em
Irving (2002, p. 48):
59
Zoneamento, segundo o SNUC (2004, p. 10) é: [...] definição de setores ou zonas em uma unidade de
conservação com objetivos de manejo e normas específicas, com o propósito de proporcionar os meios e as
condições para que todos os objetivos da unidade possam ser alcançados de forma harmônica e eficaz”.
60
Plano de Manejo, segundo o SNUC (2004, p. 10-11) é o: [...] documento técnico mediante o qual, com
fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas
que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas
necessárias à gestão da unidade”.
61
O Conselho Gestor das UC’s podem ser deliberativos ou consultivos e se constitui pelo órgão responsável de
administrar a UC, por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil e por populações
tradicionais. As competências do Conselho Gestor estão descritos no SNUC (2004) em seu artigo 20.
62
Segundo Costa (2002, p. 64): “John Swarbrooke, em sua publicação Sustainable Tourism Management,
defende o uso da expressão turismo sustentável que, de acordo com o autor, encerra uma abordagem do turismo
que reconhece a importância da comunidade local, a forma como as pessoas são tratadas e o desejo de maximizar
os benefícios econômicos do turismo para essa comunidade”.
A utilização de áreas protegidas para o ecoturismo reflete, portanto,
algumas tendências globais, entre as quais o crescimento da consciência
ambiental, em razão dos níveis crescentes de degradação da base de
recursos naturais, incluindo a destruição de ecossistemas de alta relevância
para a preservação da biodiversidade global, e o processo de reencontro do
homem com sua própria essência, abandonada pela sociedade de consumo,
e profundamente afetada pelo fenômeno da globalização.
É por isso que áreas como as existentes na região amazônica o visadas e, segundo
Figueiredo (1999, p. 107), podem “promover uma justificação econômica para a conservação
de áreas naturais com o mínimo de modificação [...]”. Portanto, no momento em que uma
nova APA na Amazônia é criada em prol de um melhor planejamento e gestão de áreas
naturais, se faz necessário levantar todas as perspectivas e possibilidades de utilização
racional da mesma, onde o turismo aparece como uma das atividades mais promissoras
quando o assunto é envolvimento comunitário, educação ambiental e conservação dos
recursos naturais e culturais do local.
Neste sentido, o turismo é encarado como uma das principais formas de sustentação
econômica, social, cultural e ambiental dentro da APA Alter do Chão, haja vista este ser
reconhecido na área como sua principal base econômica, cabendo, portanto, se efetuar um
levantamento de como se pode melhorar tal atividade adequando-a para uma APA com o
intuito de se tentar dar mais um passo rumo ao amadurecimento e crescimento desta atividade
em áreas de proteção ambiental em busca de um desenvolvimento sustentável.
Pensar dessa maneira, por outro lado, permite se ter uma alternativa econômica que
não esteja tão contrastante com a conservação da natureza. E, neste aspecto, um fator
importante que pode contribuir para que se consiga viabilizar um turismo sustentável com
base comunitária é o fato, citado no capítulo anterior, de Santarém ter uma faculdade de
turismo
63
que hoje vem capacitando uma gama expressiva de profissionais da região. Isto
representa pessoas capacitadas, através de uma vivência local, facilitando assim, o acesso a
profissionais para a condução de propostas de efetivação de atividades turísticas de acordo
com as reais demandas de uma APA.
O fortalecimento do turismo, de acordo com as premissas da APA para a região, ainda
pode ser visto como a melhor alternativa para as comunidades do que, por exemplo, a
ampliação da fronteira agrícola através dos grãos. Uma atividade que vem se expandindo em
63
Refiro-me ao Instituto Esperança de Ensino Superior IESPES, criado em 2001 e que tem como missão:
contribuir para o desenvolvimento da região amazônica articulando um saber comprometido com a justiça e a
solidariedade e contribuindo para o exercício pleno da cidadania mediante formação humanista, crítica e
reflexiva (IESPES, 2005).
toda a Amazônia e, especificamente na região do Eixo Forte, como citado anteriormente,
vem sendo motivo de preocupação por parte de sua população que está se sentindo ameaçada
por este avanço.
Quem vai para Ponta de Pedras está vendo ali alguém ciscando, a impressão que
eu tenho que é para plantar soja. Agora, imagina que aquele trecho, eu falei para
Luzia, lá no ISAM, ali tem um trecho, mas depois me disseram que não é só lá não,
em São Sebastião, todo esse trecho ali, vindo para o lado de Alter do Chão é área de
medicina, área de medicina. Ali está a sacaca, ali está a verônica, a Verônica tanto a
moça e como a planta. Ali está a sucuba e do jeito, se nós o apressarmos, daqui a
pouco serão quintais de criação de porco, de galinha ou depósitos de tratores que
vão ser usados para plantar soja na região. (ASSEMBLÉIA DO IRURAMA, 2005,
p. 11)
[...] a questão da soja. Será que o Eixo Forte vai querer soja ou não? Tem a questão
fundiária em jogo, a questão da terra, tem a questão política, mas, tem também a
questão de aptidão. Como é que a gente vai começar abrir campo na natureza para
começar a plantar soja, se o solo não sustenta esse cultivo? A gente vai está
desmatando e matando um monte de plantas medicinais importantes para a nossa
sobrevivência, sendo que aquele cultivo não vai vingar. Ele pode vingar dois, três
anos, mas aquele solo não vai sustentar. (ASSEMBLÉIA DO IRURAMA, 2005, p.
36)
Verônica, sucuba, assim como a sacaca, a andiroba, a copaíba, entre outras são plantas
ou árvores nativas da Amazônia que são utilizadas para a fabricação de remédios caseiros,
através de conhecimentos tradicionais passados de geração a geração na região amazônica e,
hoje, são reconhecidas cientificamente, tendo remédios farmacêuticos e cosméticos
produzidos à sua base. Com o avanço da agricultura de grãos, estas plantas e árvores podem
estar ameaçadas, sendo mais um motivo para se preservar e/ou conservar aquela região. Em
conjunto com as justificativas que deram origem à criação da APA Alter do Chão esta
também, consolida e ratifica que criar a APA – Alter do Chão é mais do que necessário para a
conservação e/ou preservação de uma parte da natureza. No momento em que a comunidade
local respalda tal criação, demonstra que sua relação é direta, existindo assim um interesse
onde o que está em jogo o é apenas a conservação e/ou preservação da natureza, mas
também o reconhecimento que isto garantirá a sobrevivência das populações locais como um
todo, no presente e no futuro.
3.4 O PROCESSO E OS CONFLITOS
64
Com base nas justificativas iniciais, levantadas pelo grupo de pesquisadores do INPA,
segundo a liderança local que estava à frente desse processo:
Em 1999, já com o INPA, com um estudo mais detalhado sobre a questão da
APA, a gente entrou com um pedido no Ministério Público, através do Ministério
Público, do IBAMA, Brasília pedindo para criar a APA – Alter do Chão, uma APA
federal. E, daí começou a discussão. Quando foi em 2000 houve uma oportunidade
na comemoração dos 500 anos do Brasil, o então presidente da República,
Fernando Henrique Cardoso, ia criar 500 unidades de conservação dentro do Brasil.
Então, óbvio, a gente estava querendo pegar uma carona, mas a gente o
conseguiu. Mesmo assim não parou o processo e quando foi em 2000, essa
discussão foi mais acirrada e o Fernando Henrique com o nosso governador, na
época, Almir Gabriel, sentaram em Brasília, e o Almir Gabriel proibiu que o
governo federal cria-se qualquer unidade dentro do Estado do Pará e, hoje tem um
acordo, em Brasília, e nossa APA novamente foi barrada em Brasília
(ASSEMBLÉIA DO IRURAMA, 2005, p. 08).
Este relato mostra bem a dificuldade que estaria por vir para que a criação da APA Alter do
Chão fosse consolidada. Não bastava ter uma organização na comunidade e respaldo
acadêmico-científico para que a APA fosse criada. Era preciso buscar negociar com as esferas
governamentais para que a criação da APA se tornasse realidade. No momento que os grupos
envolvidos nesse processo percebem que a via federal estaria impossível devido a promessas
que jamais seriam cumpridas e aos acordos políticos da natureza do acima citado, iniciou-se
um processo de busca de novos rumos. Esses novos rumos levaram as lideranças comunitárias
que defendiam a criação da APA Alter do Chão a procurarem outras instâncias e esferas de
governo.
Uma das instâncias que merece destaque é o Conselho Municipal de Turismo e Meio
Ambiente de Santarém – COMTUMA. A proposição para a criação de uma APA em Alter do
Chão, foi discutida e apresentada pela primeira vez no COMTUMA, através de sua presidente
à época, Selma Melgaço (que nesse período era representante do IBAMA de Santarém). Este
fato se deu no dia 20 de janeiro de 2000. Deste momento em diante, várias reuniões do
COMTUMA trataram sobre a APA Alter do Chão. A proposta da APA - Alter do Chão e
sua colocação como ponto de pauta para o COMTUMA, se deu através de uma solicitação do
Conselho Comunitário de Alter do Chão através de seu presidente na época, o Sr. Laudelino
Sardinha. A partir desta data, várias reuniões foram feitas para discutir a APA Alter do
Chão dentro do COMTUMA que, neste momento, tomou para si a responsabilidade de
64
Aqui estamos denominando por conflitos os embates que existiram para a criação da APA – Alter do Chão que
envolveram os principais atores responsáveis por este processo.
discutir e encaminhar o processo. Dentre estas reuniões se destacam algumas deliberações
tomadas
65
:
1- Em reunião do dia 22/05/2000, onde estavam presentes os
representantes das comunidades envolvidas na área proposta para a APA,
foi lançada a proposta de se formar grupos para conscientizar as
comunidades envolvidas da importância da APA.
2- Nesta mesma reunião se definiu que a APA seria municipal,
que se verificou que nem o Estado e nem o Governo Federal teriam
interesse em criar a APA e, também, devido ao fato do gerenciamento
poder ser feito de forma local, com a possibilidade da participação mais
efetiva das comunidades e de gestores locais.
3- Foi criado um grupo de trabalho, do qual faziam parte: técnicos
da Agência de Desenvolvimento do Turismo de Santarém – SANTUR,
atual SEMTUR, e do ISAM, representantes da AMEIFOR e de ONG’s
ambientalistas locais, sob a coordenação do COMTUMA, para discutir a
APA, se responsabilizar pela formulação de um projeto de Sensibilização
para as comunidades inseridas na proposta da APA, o que foi feito, e,
buscar agilizar a implantação da APA.
4- Um outro ponto que foi agilizado através do COMTUMA foi a
solicitação de verba, via, Programa de Desenvolvimento de Ecoturismo na
Amazônia Legal - PROECOTUR, para se fazer o Estudo Sócio–Econômico
da área proposta para APA, já que o levantamento físico – natural fora feito
pelos pesquisadores do INPA e estava a disposição da comunidade.
5- Esta verba seria de R$ 18.000,00, que estava como dotação
confirmada, porém, precisava de um aval do prefeito de Santarém, o que
não ocorreu e, consequentemente, a mesma foi perdida por não
cumprimento dos prazos de solicitação, que era dezembro/2001.
Ainda neste período, no final de 2001, um outro marco reconhecido por todos os
entrevistados foi um Seminário coordenado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi e organizado
pela Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente – SECTAM e pelo
65
Essas deliberações tem como fonte anotações da autora, contidas em um Caderno de Memória que era
utilizado para relatar as atividade realizadas via SANTUR/COMTUMA, instituições da qual fiz parte no período
de 1999 a 2002.
PROECOTUR, realizado em Alter do Chão no dia 20 de dezembro de 2001. Segundo Mourão
(2005, p. 32), o objetivo foi:
[...] discutir e avaliar uma proposta para a criação de uma unidade de conservação.
Fizeram-se presentes além da SECTAM/PROECOTUR, representantes do Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia INPA, comunidades locais, sociedade civil
organizada, organizações não-governamentais, entidades públicas e privadas e
outros interessados. Neste seminário a própria comunidade decidiu a criação de
uma Área de Proteção Ambiental Estadual no distrito de Alter do Chão, no
município de Santarém e parte do município de Belterra, sob o nome de APA
Estadual Alter do Chão, com aproximadamente 50.000 ha em que se delimitaram
inclusive seus limites.
O fato do Seminário acima citado ter decidido por uma APA Estadual não fez disso
uma realidade. A APA Estadual Alter do Chão não foi criada pelo governo do Estado do Pará
que, naquele momento, não tinha nenhum interesse de criar novas UC’s no Estado, como
relatado por um dos entrevistados e citado acima. Neste Seminário, que teve um caráter de
consulta pública, o município estava representado por alguns técnicos da SANTUR e do
ISAM. Contudo, sem força de decisão esses técnicos nada responderam frente às pressões da
APA ser estadual ou municipal. E, portanto, a discussão também permanecia na esfera
municipal onde havia grupos (como o caso das duas secretarias de governo SANTUR e ISAM
em conjunto com alguns grupos da vila de Alter do Chão) que defendiam junto ao prefeito a
criação da APA. O ano de 2002 foi mais um ano de discussões e tentativas de criação da APA
– Alter do Chão que, somente em 2003 se efetivava na forma de Lei Municipal.
E quando foi em 2003, o prefeito então criou uma APA que não era nem a APA
que a gente estava pedindo inicialmente que era de 36.800 hectares e nem a que as
comunidades do Eixo Forte estavam pedindo que era de 58.000 hectares. E, se
criou uma APA de 16.000 hectares que não contempla as necessidades, não
contempla a questão do Eixo Forte, mesmo por que não houve um estudo técnico,
mais detalhado sobre a questão da APA Alter do Chão, essa de 2003 cortou
algumas bacias, alguns igarapés e bacias aqui da região do Eixo Forte. Então são
alguns detalhes que a gente sentiu que não houve uma preocupação técnica e sim
política da criação da APA, mesmo para esvaziar a Associação dos Moradores do
Eixo Forte que era o alvo maior do prefeito tinha para esvaziar a luta da região do
Eixo Forte (ASSEMBLÉIA DO IRURAMA, 2005, p. 08-09).
Na citação acima, no que se refere às áreas citadas, a primeira, de 36.800 hectares,
advém dos estudos, levantamentos e propostas da equipe do INPA, a segunda, que varia entre
50.000 a 52.000 hectares, surgiu no Seminário coordenado pelo Museu Paraense Emílio
Goeldi quando algumas comunidades presentes reivindicaram a sua inclusão nos limites da
APA e, por fim, a de 16.000 hectares ou mais precisamente, 16.180 hectares. A escolha e
definição da área da APA em Lei Municipal não estão claras. Os próprios membros do
governo não souberam dizer por que da escolha. Por isso, como se verá mais adiante, a única
razão que temo é dada pelos depoimentos dos comunitários e/ou lideranças ouvidos. O que se
tem de concreto até este momento, portanto, é o que está estabelecido no Decreto de Lei
Municipal nº. 17.771/03 (ANEXO E) que em seu primeiro artigo institui:
Fica criada, no Município de Santarém, no Estado do Pará, a Área de Proteção
Ambiental de Alter do Chão (APA - Alter do Chão), com área de 16.180,00 ha
(dezesseis mil, cento e oitenta hectares) [...] (DECRETO DE LEI nº. 17.771, 2003,
p. 01).
O Memorial Descritivo, bem como a planta cartográfica atual da APA Alter do Chão, bem
como estão apresentados nos ANEXO F e ANEXO G, respectivamente. E, sobre isso, o
importante frisar é que nenhuma dessas áreas atende os anseios da região do Eixo Forte, em
Alter do Chão que quer ver todas as dezoito comunidades dentro da área da APA. O artigo
segundo do referido Decreto, define a cargo de quem caberá sua supervisão:
A APA Alter do Chão será supervisionada, administrada e fiscalizada pelo
Instituto Sócio-Ambiental de Santarém (ISAM), com a colaboração de entidades
públicas e privadas, podendo ser criado o Conselho Gestor da APA e grupos
técnicos para apoiar a implantação das atividades de administração e a elaboração
do Plano Diretor de Gestão Ambiental, contemplando o Plano de Manejo e o
Zoneamento Ecológico-Econômico (DECRETO DE LEI nº. 17.771, 2003, p. 02).
Como se percebe através dos artigos citados acima, a APA Alter do Chão está criada e com
o indicativo de supervisão, administração e fiscalização encaminhadas. Além do Decreto
citado, a Prefeitura Municipal de Santarém, através do ISAM, elaborou a Planta Cartográfica
da APA Alter do Chão, bem como o seu Memorial Descritivo. A APA Municipal de Alter
do Chão criada pelo Decreto citado acima, abrange das dezoito comunidades apenas sete:
Alter do Chão, Ponta de Pedras, Santa Rosa, Caranazal, São Raimundo, São Pedro e Jatobá. O
fato da criação da APA Alter do Chão, através de um Decreto de Lei Municipal ter sido
efetivada, não fez com que essa saísse do papel por um lado e, por outro, não contempla os
anseios das comunidades da região do Eixo Forte, no distrito de Alter do Chão, surgindo por
um lado um conflito de demandas e, por outro, um desânimo que afetou temporariamente as
principais lideranças locais.
[...] a APA Alter do Chão, isso muito reduzida, com 16.000 hectares e, a gente
não contempla o anseio da região e, ficou bem visível que o pessoal não fez por
uma questão técnica e sim por uma questão política. Inclusive, eu estava na
presidência da Associação da Região do Eixo Forte, que são dezoito comunidades
e, isso foi um desgaste muito grande para a Associação quando o prefeito criou a
APA Alter do Chão por que deixou as comunidades que estavam com mais força
para criar a APA, deixou de fora. E, a comunidade custou muito, a gente gastou
reunindo com a comunidade, que a gente não entrou na discussão, não foi chamado
para a discussão e, já se passou quase dois anos (ENTREVISTA 02, 09/06/05).
[...] quando foi criada a APA? A APA Alter do Chão foi criada em 2003, em
julho. Foi votada e aprovada na Câmara dos Vereadores com 16 votos contra um.
Então, eu vi assim que, naquele momento, a APA foi criada mais por um capricho
político do que técnico e, o único vereador que votou contra a APA – Alter do Chão
foi o vereador Nivaldo Sarmento, a pedido. Eu pedi para o Nivaldo votar contra por
que os vereadores estavam votando uma coisa que eles não tinham conhecimento,
nem técnico e nem político. Foi um crime dos vereadores, liderado pelo presidente
da Câmara Emir Aguiar e que não só fez uma luta contra a Região do Eixo Forte,
mas foi um crime eleitoral e uma falta de responsabilidade da classe política que
estava na Câmara até o ano passado e, infelizmente alguns continuaram
(ASSEMBLÉIA DE IRURAMA, 2005, p. 29).
As citações acima demonstram que um processo que começou de forma diferenciada,
teve um fim não tão diferente das demais criações de UC’s no Brasil. Ou seja, uma criação de
cima para baixo, que não respeitou a vontade da comunidade e, por outro lado, acabou se
tornando mais um decreto que só ficou no papel por não ter sido efetivado pelo órgão
responsável. Isso ocasionou um desgaste grande para as lideranças locais que apostaram na
APA. Essas lideranças, que eram reduzidas, se viram sozinhas e sem forças para continuar
buscando envolver outros grupos nesse processo. Até por que, de ambos os lados (lideranças
comunitárias e técnicos da prefeitura responsáveis pelo processo), houve quem colocasse em
suas entrevistas que não eram favoráveis a uma APA municipal devido à fragilidade desta,
principalmente a vulnerabilidade política. O único ponto positivo que alguns viam, no
momento da criação, era o fato de que com a APA municipal o órgão responsável estaria mais
próximo sendo mais fácil o processo de cobrança de ações em prol da APA.
Eu achava que a APA, em minha opinião, ela deveria ser estadual ou
intermunicipal, como acabou havendo a prevalência. O grande problema é que ela
sendo intermunicipal a dificuldade de conseguir recursos, como nós
esperávamos, esta dificuldade se concretizou. E, na verdade a APA não saiu do
papel.
Hoje, a minha posição é que ela pode ser municipal, mas acima de tudo é preciso
que ela saia do papel e se faça desenvolver as ações. Se ela for estadual e tiver
recursos, o vejo nenhuma dificuldade. O importante que exista recursos para que
seja efetuado o plano de manejo desta área, iniciando pelo zoneamento ecológico
econômico da área da APA. Isso é urgente (ENTREVISTA 04, 10/06/05).
A gente pensou mais na APA federal. Eu não fui favorável a APA municipal, eu
coloco por que, nós pensamos na questão da APA federal por que a gente
acreditava que os deputados federais e senadores não iam brigar por muita mudança
e nem resistência de criar uma APA federal por que nós temos um pouco mais de
dois mil eleitores dentro da área da APA e, isso não elege nem um deputado
federal, nem um senador e nem um governador. Sendo municipal, interesses
políticos menores que seriam os vereadores e dois mil votos elege um vereador em
Santarém. Então, era uma questão muito política e também técnica de, por exemplo,
era mais seguro o IBAMA gerenciar uma APA por que ele ia ter pouca influência
do mandatário que seria o Ministério do Meio Ambiente, o presidente da república
de que gerenciado pelo município que o prefeito, que o secretário do meio ambiente
está ali em cima e, dependendo do compadre, que tem um compadre dentro da
APA, todo mundo se conhece, vereador conhece outro fazendeiro, um criador de
frango, sei lá, de porco. Então, eu vejo assim que era um risco muito grande de criar
a APA e, na hora de fazer zoneamento cada um puxar para defender seus interesses.
Então, ia sobrar pouco para a comunidade, a gente achava que ia ter pouca
mudança.
Então, até com a questão estadual a gente achou que... A APA municipal para mim
é a mais frágil. Hoje, a gente aprova a APA municipal por uma questão de que
tem uma APA municipal que é pequena e, segundo a questão, a assessoria jurídica
da prefeitura, a hora que a Prefeita e os Vereadores ampliarem a área,
automaticamente será anulada essa APA de 16.000 hectares (ENTREVISTA 02,
09/06/05).
O ano de 2003 passou e nada do que estava programado no Decreto de Lei nº.
17.771/03 foi cumprido. Pelo Decreto (2003), o ISAM como órgão gestor da APA Alter do
Chão tinha um prazo de noventa dias para conduzir o processo de composição e definição de
atribuições do Conselho Gestor da APA Alter do Chão, para que este fosse aprovado por
Decreto e assim prosseguir com a implantação da APA encaminhando a elaboração dos
instrumentos de gestão da APA: o Zoneamento e o Plano de Manejo. Nenhum desses
instrumentos foi viabilizado e, 2003 acaba sem que nada, com relação à APA Alter do
Chão, fosse feito. Aparentemente, o fato de a APA ter sido criada pela esfera municipal e à
mercê das lideranças comunitárias da região do Eixo Forte, provocou uma desmotivação de
levar adiante o processo de forma mais intensa. O ano de 2004 foi um ano eleitoral e, o saldo
foi a derrota do grupo que estava na Prefeitura de Santarém. O novo grupo que entra é
liderado pelo Partido dos Trabalhadores PT que elege a senhora Maria do Carmo para a
Prefeitura deste município. Dos vários apoios que a atual prefeita de Santarém pôde contar,
estavam componentes do grupo que lidera a criação da APA Alter do Chão, o que
possibilita um laço estreito e direto entre os mesmos, a ponto, por exemplo, de esses
indicarem o atual administrador do distrito de Alter do Chão, que está sendo assessorado pela
principal liderança que defende a APA Alter do Chão, além de indicar a pessoa responsável
pela sessão de Áreas Protegidas do ISAM, que é da vila de Alter do Chão. Esse laço estreito e
direto faz com que as lideranças defensoras da APA retornem à discussão e às cobranças
quanto às ações desse novo governo em prol da implantação da APA – Alter do Chão.
3.5 DA CRIAÇÃO À IMPLANTAÇÃO: PERSPECTIVAS E DESAFIOS
Atualmente, com a entrada de uma nova gestão de governo municipal, o ISAM tem a
APA Alter do Chão como “[...] uma prioridade número um, quando se fala em criar as
unidades de conservação. E a APA tem um caminho andado que foi criada e então agora
é implementar” (ENTREVISTA 01, 06/06/2005). Segundo este entrevistado, a equipe do
ISAM reconhece o Decreto nº. 17.771/03 que criou a APA Alter do Chão, mas busca
atualmente nas comunidades o real interesse de efetivar a APA, como ação principal e inicial
desse processo.
Em primeiro lugar, nós já realizamos incursões dentro da região da APA, em visitas
às dezoito comunidades para a gente sentir o grau de interesse dessas populações
que ainda o tradicionais, que moram na APA. E, a partir daí nós elaboramos um
plano de trabalho, com visitas periódicas nas comunidades, a onde a gente está
colhendo subsídios que está nos dando suporte para realizar uma Assembléia agora
no dia 20 de junho onde a gente vai discutir não só a questão da APA, mas a
questão de como eso meio ambiente dentro dessa região, por que a gente sabe
que é uma região que está sendo muito olhada, muito especulada, inclusive existem
indícios fortes de pessoas que demarcaram áreas para plantio de grãos
(ENTREVISTA 01, 06/06/2005).
Aqui é perceptível a preocupação com o mais novo problema que ameaça a paisagem
natural da Amazônia, a plantação de grãos. Uma preocupação de hoje que requer atenção
principalmente quando áreas com as características do distrito de Alter do Chão são visadas
para esse tipo de atividade. E, o mais interessante é perceber que tal preocupação vem das
lideranças comunitárias como mostramos em outra parte desta dissertação e também de
quem está atualmente no governo dentro do órgão responsável pelas questões ambientais.
Além disso, uma outra evidência, como diz o ditado “é preciso dar dois passos atrás para se
dar um na frente”. Ou seja, na gestão atual do governo municipal eles reconhecem a criação
da APA e estão viabilizando, através do órgão responsável pelas questões ambientais,
incursões nas comunidades para que delas sejam identificadas a real vontade de criação da
APA e até que ponto as mesmas tem conhecimento desse processo e dos problemas
ambientais existentes, demonstrando que tal se volta para ações que deviam preceder o
Decreto de criação.
E, nesse sentido, a equipe do ISAM reconhece que o principal parceiro da passagem
de criação para implantação da APA são os comunitários e suas lideranças.
[...] o principal parceiro é o comunitário, o as lideranças, por que nós temos que
pensar a APA, mas pensar que a gente não pode chegar com nada pronto e tentar,
como diz o ditado: enfiar goela a baixo... o! A participação do comunitário,
dessas populações, elas vão ser super importantes (ENTREVISTA 01, 06/06/2005).
O entendimento do entrevistado acima é que, com as visitas nas comunidades e o diálogo com
as pessoas que ali residem e suas lideranças, o processo de implantação da APA ainda é uma
vontade das comunidades que, de acordo com o Levantamento Preliminar feito pelo ISAM e
descrito no CAPÍTULO II, estão interessadas em conhecer melhor tal processo para entender
os prós e contras e se inserir na implantação da mesma, pois o decreto da criação da APA só
atinge sete comunidades em vez das dezoito. Aí advém a importância do Levantamento
Preliminar, da Assembléia do Irurama e do retorno ao ponto de partida da criação da APA, a
vontade dos comunitários da região do Eixo Forte.
Uma outra questão detectada na entrevista é que para o responsável deste processo, via
ISAM, a APA continua sendo a melhor alternativa para a região do Eixo Forte quando se
pensa em uma ação efetiva de governo para aquela área em prol da conservação ambiental
aliada ao seu processo de desenvolvimento.
[...] uma APA, apesar de ser uma unidade de conservação que o manejo, o modo de
utilizar é o mais brando, por que tudo pode se fazer dentro de uma APA. Mas,
desde que obedeça ao Plano de Manejo, primeiro tem o zoneamento que se faz
depois a gente vai fazer o Plano de Manejo e todo esse processo é feito com a
participação ativa de lideranças das comunidades. Eles sabem que eles têm que
ajudar a preservar. Eles são as pessoas que... Eles não se precisam se conscientizar
por que eles são conscientes do que está acontecendo hoje na região da APA e ele
está sendo impactado diretamente. (ENTREVISTA 01, 06/06/2005)
Mais uma afirmação evidente de que o órgão gestor da APA considera a comunidade como
elemento fundamental desse processo. Agora, isso não quer dizer, por outro lado que
dificuldades não existam.
A primeira dificuldade que s encontramos, logo quando eu comecei a visitar, foi
o desinteresse grande pela maioria da população. Justamente por que essa APA que
foi criada, incluindo sete comunidades, ela foi criada acho que no gabinete do
Prefeito, por que as pessoas não foram realmente consultadas [...] Apesar de ter tido
aquela grande discussão, mas as reuniões de discussões que aconteceram eram
justamente para fazer a APA, uma APA envolvendo todas as dezoito comunidades,
que eu digo que não houve interesse do Prefeito passado por que ele na verdade,
ele tentou enfraquecer o movimento de criação. E, de certa forma, ele conseguiu,
por que ele chamou sete representantes de comunidades e fechou com eles, criou
uma APA pequena e não é a APA que todo mundo aspirava. Tem muita
comunidade que ficou de fora que, o que mais quer é a APA e, são as que mais
querem. Então, eu acho que a grande dificuldade e que nós estamos trabalhando em
cima é reagrupar esse povo para que eles entendam que é necessária a criação da
APA até para que eles tenham suporte de vida. (ENTREVISTA 01, 06/06/2005)
O grande conflito e que acabou resultando em dificuldades para a implantação da APA
Alter do Chão foi a forma com que o seu processo de criação foi conduzido via governo
municipal, na gestão anterior. Mesmo havendo discussões como as reuniões do COMTUMA
e o Seminário coordenado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi, os anseios das comunidades
não foram levados em consideração, nesse primeiro momento. Havia proposições quanto à
esfera de gestão da APA (federal ou estadual); área; e, mais ainda estudos que respaldavam tal
processo e que no ato de sua criação, ao que tudo indica, não foram levados em consideração.
Isso proporcionou um desgaste das lideranças à frente desse processo que ocasionou certa
‘lentidão’ e até estagnação das discussões pós-decreto de criação, como foi detectado
anteriormente.
Com o processo eleitoral e a vitória do grupo apoiado pelas lideranças da região do
Eixo Forte, que defendem a APA – Alter do Chão, essas se viram novamente fortalecidas para
encaminhar tal processo. O principal líder desse processo faz parte do governo atual.
Eu queria dizer que hoje eu participo do governo. Eu estou numa assessoria
comunitária, ligada à Secretaria de Governo. Mas, eu vejo assim que se a gente não
usar esse espaço em benefício da comunidade é melhor nem participar do governo.
A Luzia é testemunha. Eu conheço a Luzia a mais de vinte anos e, logo que ela
assumiu o ISAM, em fevereiro ou março, nós tivemos uma reunião para discutir a
questão da APA. E, parece que ela, até no começo, ela o queria me ouvir assim,
por que ela falou: Ah! Você ainda não mudou? Você ainda continua sendo um
radical? E, eu falei: Não! Não é isso não! É o meu desespero que eu tenho com a
área do Eixo Forte, vários anos, é mais de décadas que a gente vem lutando pela
preservação dessa área. Então, por isso, a APA para mim é uma questão de honra
para toda a comunidade. Então eu vejo assim que, a gente discutiu com a Luzia,
inclusive eu falei: Oh! Se a coisa não mudar eu estou disposto a sair do governo,
por que eu acho que, mesmo que o município seja um grande corredor da soja, um
grande produtor da soja, mas, eu acho que, a soja não cabe no Eixo Forte. Então,
por isso, eu acho que essa discussão procede. Essa questão das comunidades
discutirem o seu modo de viver e discutirem a questão da preservação, a
preocupação com as pessoas que ainda nem nasceram e, por isso, eu quero
agradecer muito esse momento e, mais ainda às pessoas que deixaram os seus
afazeres, deixaram a escola, deixaram o seu trabalho lá no posto de saúde, deixaram
sua cozinha, sua casa, para vim para cá. Eu gostaria de agradecer muito essas
pessoas. Muito Obrigado! (ASSEMBLÉIA DO IRURAMA, 2005, p. 33-34).
O testemunho acima demonstra bem a relação atual de algumas lideranças de Alter do
Chão e o governo municipal. Uma relação ponderada pela implantação da APA. Isso ficou
bem evidente na Assembléia do Irurama, onde ao seu final era notório que todos os presentes
referendavam a implantação da APA, mas com a perspectiva de que algumas alterações em
seu Decreto de criação fossem feitas. A primeira e a mais importante diz respeito à ampliação
da área. Ficou evidenciado que ainda persiste a vontade das dezoito comunidades
participarem da APA. E, em segundo lugar, o imediato início dos trabalhos relacionados à
implantação dos instrumentos administrativos da APA como o Conselho Gestor e o Plano de
Manejo. Como ambos requerem um aprofundamento e preparo maior das comunidades foi
decidido pelos os presentes na Assembléia do Irurama que o trabalho de sensibilização
continuará tendo por base um grupo de trabalho composto por dois representantes de cada
comunidade, o ISAM e as instituições até aqui reconhecidas como parceiras por ambos os
lados – AMEIFOR, Associação Comunitária de Alter do Chão, Experimento de Grande
Escala da Biosfera Atmosfera na Amazônia LBA, Grupo Guardião e IBAMA
comunidade e governo municipal.
O processo de implantação da APA, portanto, tem seu início de fato em 2005 e segue
seu rumo. Não dúvidas que o mesmo por estar pautado na participação das comunidades
dentro de um processo democrático torna-se lento. Mas, por essa via, também não há dúvidas
que hoje, começa a dar sinais de um processo que se amadurece nesse decorrer de trajetória
(1992-2005) onde a principal motivação é a relação sociedade-natureza, reconhecendo que o
primeiro depende do segundo e o segundo é parte integrante do primeiro.
O interesse ao resgatar o processo de criação da APA Alter do Chão advém da
percepção que este tem certa singularidade que pode contribuir para o entendimento e até
mesmo o avanço das discussões sobre UC’s de Uso Sustentável no Brasil. O fato de pessoas e
lideranças comunitárias entenderem que a questão ambiental é uma preocupação para eles que
tem como fundo não somente preservar por preservar, mas conservar a sua própria
sobrevivência pode ser um indicativo do surgimento de novas possibilidades de se pensar a
relação sociedade-natureza. A grande questão passa a ser, portanto, como estes podem se
relacionar de forma a equacionar a viabilidade de tal relação em prol de uma melhor
qualidade de vida em que esteja intrínseca não a questão econômica, social e política, mas
também a ambiental e a cultural e, portanto, avançar para se pensar possibilidades, não se
sobrevivência, mas também, de desenvolvimento regional. Esse tipo de debate, contudo,
requer pelo lado do desenvolvimento um retrospecto conceitual que tenha por base
estabelecer uma relação entre processos e possibilidades de desenvolvimento que se adeque às
realidades advindas de UC’s de Uso Sustentável como o caso da APA – Alter do Chão. Este é
o desafio do próximo capítulo desta dissertação, que se transforma numa aspiração e
inspiração deste estudo.
CAPÍTULO IV
A RELAÇÃO ENTRE DESENVOLVIMENTO E APA’S: UMA
INSPIRAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COM
LIBERDADE
O conceito básico do desenvolvimento eqüitativo em
relação à natureza deverá permear todo o nosso
pensamento, influenciando as ões dos cidadãos,
tomadores de decisão e profissionais de todas as
áreas (inclusive os burocratas que preparam e
avaliam projetos de desenvolvimento).
A longa luta somente será vencida no dia em que for
possível esquecer o adjetivo “sustentável” ou o
prefixo “eco” ao se falar em desenvolvimento.
(Ignacy Sachs, 1993, p. 54)
4.1 INTRODUÇÃO
Este capítulo contém a discussão sobre a relação APA-desenvolvimento propagada no
título. Trazê-la como último capítulo da dissertação tem em si o reconhecimento que tal
relação é uma aspiração, transformada em inspiração. Perceber através da APA Alter do
Chão a possibilidade da relação sociedade-natureza foi a tônica dos capítulos anteriores. É
claro, se considerarmos que tal relação é possível através de políticas públicas e
participação democrática, o próprio caso de Alter do Chão ainda tem muito que avançar.
Contudo, isso não significa dizer que estudar tal caso o tenha tido seus méritos. Pelo
contrário, nosso entendimento é que o processo de criação da APA Alter do Chão nos
permitiu fazer uma reflexão além da busca da sobrevivência. Ao pensar dessa maneira, a
questão do desenvolvimento aparece como uma inspiração para uma região que necessita de
possibilidades diversificadas e específicas. Desta forma, repensá-lo através das concepções
que referendem tal pensamento passa a ser uma alternativa, haja vista a APA, que aceita a
relação sociedade-natureza, trazer em si, enquanto forma de organização social, um caminho
possível de se vislumbrar um processo de desenvolvimento.
Como se verá nas descrições a seguir, o marco conceitual terá por base, três categorias
de desenvolvimento: desenvolvimento econômico, desenvolvimento sustentável e
desenvolvimento como liberdade. O objetivo dessa discussão é buscar um elo entre as três
concepções de desenvolvimento citadas para que seja possível responder, positivamente, a
dois questionamentos relacionais: i) desenvolvimento e APA’s indicam uma relação
antagônica?; e, ii) é possível um desenvolvimento sustentável com liberdade na APA Alter
do Chão? A construção deste capítulo visa, portanto, intuir algumas ponderações e
argumentações sobre o papel das APA’s no processo de desenvolvimento que está hoje em
transição, na região hora estudada, tendo como fio condutor as escolhas dos membros da
sociedade, enquanto ser individual e social e, sua relação com a natureza. Tal discussão é
apenas uma pequena parte de uma gama teórica complexa e que está longe de um consenso
e/ou de se esgotar neste estudo. Mas, por outro lado, fazê-la, mesmo que de forma preliminar,
traz à baila a percepção de que a relação sociedade-natureza-desenvolvimento é possível se
for pensada como uma meta local que conduza a um planejamento de médio e longo prazo,
envolvendo atores sociais que sejam capazes de fazer suas escolhas.
Para tanto, contém, além da introdução, mais três sessões. Na sessão 4.2 Do
Desenvolvimento Econômico ao Desenvolvimento Sustentável com Liberdade: uma trajetória
conceitual é apresentado, de forma introdutória e conceitual, o desenvolvimento enquanto
um processo onde adjetivações como ‘econômico’, ‘sustentável’ e ‘com liberdade’ permeiam
sua trajetória teórico-conceitual dando uma mobilidade maior para o mesmo no decorrer dos
tempos e, até mesmo, no decorrer da evolução do sistema capitalista enquanto dominante. Isto
feito, as duas últimas sessões: 4.3 Desenvolvimento e APA’s: uma relação antagônica? e,
4.4 Desenvolvimento Sustentável com Liberdade na APA Alter do Chão: algo possível?
vem para incluir no contexto do desenvolvimento, questões que abrem caminho para uma
reflexão em que a relação APA-desenvolvimento possa vir a ser uma inspiração para se
pensar alternativas para a região em questão.
4.2 DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO AO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL COM LIBERDADE: UMA TRAJETÓRIA CONCEITUAL
Para que seja possível estabelecer uma trajetória conceitual do desenvolvimento de
forma coerente, o ponto de partida será o desenvolvimento econômico, passando pelo
desenvolvimento sustentável e pelo desenvolvimento como liberdade, para que assim se
estabeleça um elo entre os dois últimos que aqui estou denominando de desenvolvimento
sustentável com liberdade. A intenção é, como Maluf (2000) argumenta, sair na defesa crítica
do desenvolvimento. Trabalhar com as três concepções de desenvolvimento acima citadas é
uma opção que se justifica por se tratar:
1) O desenvolvimento econômico como o conceito teórico no qual a
abordagem do desenvolvimento ganha força a partir do pós - Segunda
Guerra Mundial;
2) O desenvolvimento sustentável como a concepção de desenvolvimento que
está relacionada com as questões ambientais; e,
3) O desenvolvimento como liberdade, uma concepção de Amartya Sen,
como a que melhor se relaciona e complementa todas as demais
concepções de desenvolvimento, acima citadas.
Ao fazer isso, a pretensão é mostrar o processo de desenvolvimento capitalista a partir
da origem conceitual dessas três concepções de desenvolvimento. Três concepções que fazem
parte da própria evolução do pensar o desenvolvimento em outros padrões ou parâmetros na
tentativa de buscar ir além da concepção de desenvolvimento econômico, considerada a mais
tradicional das concepções.
4.2.1 Uma Análise Crítica do Conceito de Desenvolvimento Econômico
A concepção conceitual desenvolvimento econômico é o marco para esta discussão
devido o seu caráter teórico, modelístico e prático, que tem no crescimento econômico, em
conjunto com a idéia de aumento na qualidade de vida, a sua base fundante. Mas, ao
reconhecer tal conceito, se evidencia também que o mesmo, entendido apenas dessa forma, é
passível de crítica e descrédito, gerando assim um anti-desenvolvimento, devido aos seus
limites conceituais e práticos, como por exemplo, no caso dos países independentes da
América Latina que, segundo Maluf (2000, p. 55), “[...] constitui-se num dos principais
exemplos da necessidade de, permanentemente, repensar e atribuir sentido(s) ao
desenvolvimento econômico.” Outros autores, não o crédulos quanto o autor citado acima,
sobre um repensar da concepção desenvolvimento econômico, como por exemplo, Latouche
(1998), irão evidenciar dentre outras coisas, que a história do desenvolvimento é de um
conceito que está no imaginário social, marcada pela idéia de progresso
66
. Tal conceito,
gestado na civilização ocidental, será sempre um instrumento de dominação. Portanto,
segundo Latouche (1998), o fracasso do desenvolvimento em si leva a uma involução
semântica e uma perda de rigor que origem a uma adjetivação, tornando-se assim, uma
ilusão. Com isso, tal autor critica as várias formas de adjetivações do desenvolvimento:
desenvolvimento econômico, social, sustentável, humano, dentre outros.
Outra crítica interessante vem dos autores ingleses Cowen e Shenton (1996) ao se
referirem que o projeto de modernidade capitalista tinha como intenção o desenvolvimento,
mas o desenvolvimento capitalista (a matriz marxista) cuja dimensão destrutiva é a pobreza
e o desemprego. Nestes autores, o desenvolvimento estaria associado à noção de progresso
como forma de ordenar o desenvolvimento onde o Estado teria a tutela do mesmo que se
apresenta como ‘intenção de desenvolver’. Assim, aparece aqui a dificuldade, segundo esses
autores, do entendimento do desenvolvimento que reside na relação entre a intenção com o
imanente. Ou seja, juntar estas duas é difícil, pois existe uma contraposição entre ambas,
devido o imanente estar relacionado com o capitalismo que nem sempre absorve a intenção de
desenvolver.
Muitas outras críticas ao desenvolvimento econômico são pertinentes como as de
Arrigui (1998), Furtado (1974), dentre outras. São essas críticas, que na maioria das vezes se
66
Progresso está sendo entendido aqui como a ideologia que sustenta o conceito de desenvolvimento econômico.
Nesta perspectiva, segundo Becker (2002, p. 14) “[...] o progresso é uma ideologia que se fundou num credo e
numa fé de que era possível dominar racionalmente a natureza e o acaso”.
transformam em descrédito e outras em busca de novos rumos para o desenvolvimento,
abrindo caminho, assim, para o surgimento de concepções de desenvolvimento que mais do
que um erro semântico (como afirma Latouche), nos leva a perceber que existem duas formas
de estudar o desenvolvimento: i) a tradicional, econômica com todo seu arcabouço teórico; e,
ii) a que leva em consideração a interdisciplinaridade das ciências, reconhecendo que o
desenvolvimento o pode ser estudado por uma única ciência ou disciplina. Para mim, é isto
que está por trás de concepções como o desenvolvimento sustentável e o desenvolvimento
como liberdade, que irão surgir a partir da necessidade de se repensar o desenvolvimento
econômico e combater críticas que minimizam a importância do desenvolvimento enquanto
concepção teórico-prática, como será abordada mais adiante.
O desenvolvimento econômico enquanto conceito teórico e modelo que perdurou por
aproximadamente três décadas (1950, 1960 e 1970) do século XX
67
, ganhou referência dentro
da Ciência Econômica. Isto se deve, segundo Hirschman (1986), ao fato de que tal concepção
teórica constituiu-se como uma disciplina independente, denominada de Economia do
Desenvolvimento. Na Economia do Desenvolvimento, o desenvolvimento econômico tem
como um dos seus objetivos ser um conceito e modelo que agregue teoria eão prática. Esta
concepção como dita acima perdurou até a cada de 1970, período em que suas práticas
começam a serem questionadas mundialmente. Segundo Almeida (2002, p. 21):
As “crises” ambiental, econômica e social colocaram em cheque as noções
generalizadoras e progressivas do desenvolvimento e do progresso. Essas crises e a
evolução social das sociedades “modernas” no século XX esgotaram a força
mobilizadora destas idéias.
Neste contexto, a principal questão que emerge e ganha notoriedade mundial é a
relação entre desenvolvimento e meio ambiente. Contudo, já na década de 1950 os indícios de
crise econômica, social e política em países do Terceiro Mundo começam a ser sinais de que
algo estava errado com o ‘modelo’ inspirado nos países de Primeiro Mundo ou países do
ocidente (ALMEIDA, 2002). A crença em que esse era o caminho para que os países do
Terceiro Mundo chegassem ao patamar dos países do ocidente desencadeou, segundo Viola;
Leis (1995), de um lado, o enfraquecimento dos Estados nacionais e de sua ideologia estatista
frente às concepções liberais ou neoliberais que começavam a emergir. E, de outro, ainda
segundo os autores citados, os problemas socioambientais de ordem global emergiam e se
intensificavam a ponto de fazer eclodir um processo de questionamento das práticas advindas
da busca do desenvolvimento econômico. Para Almeida (2002, p. 21-22):
67
Para uma apreciação mais detalhada desse quadro, no Brasil, ver “o debate sobre as estruturas sócio-
econômicas do Brasil nas décadas de 1950 a 1970”, em: Linhares; Silva (1981).
Na década de 60, a via de desenvolvimento proposta ao Terceiro Mundo foi tomada
emprestada daquela seguida pelas nações ocidentais, hoje consideradas “ricas” ou
“avançadas” industrialmente. Aos países mais pobres, para se tornarem também
“ricos” e “avançados”, era preciso imitar o processo de industrialização
desenvolvido nos países ocidentais. O problema residia na maneira de “transferir”
esse processo dos países avançados para os menos avançados. Essa questão deu
lugar a numerosas teorias que, na sua aplicação, nenhuma mostrou real eficácia.
Isto, segundo o autor acima citado, aplica-se principalmente às teorias
desenvolvimentistas sejam elas de cunho liberais marxistas ou até mesmo neoliberais que de
uma forma ou de outra serviram de alicerce para ‘modelos’ de desenvolvimento seguido pelos
países ocidentais. Ou seja, no que tange ao conceito, à teoria e à prática do desenvolvimento
econômico que foi apresentado e aplicado globalmente, este emerge a partir da realidade das
sociedades ocidentais que nem sempre condiz com as realidades do resto do mundo. Têm-se
assim, a base do desencadeamento das crises sofridas, principalmente, pelos países do
Terceiro Mundo. Estes não estavam preparados para sustentar ‘modelos’ de desenvolvimento
cunhado dos países ocidentais ou de Primeiro Mundo, desencadeando, com isso, crises
econômicas, sociais, políticas e ambientais de ordem diversa.
Na década de 1970, as crises globais ficam mais evidentes e, o destaque será para as
crises econômicas (crise do petróleo, por exemplo) e as crises ambientais. No que diz respeito
às crises ambientais, ponto de partida para nossa discussão sobre desenvolvimento e questões
ambientais, Foladori (2001) destaca a bomba atômica que atingiu Hiroshima e Nagasaki,
ambos no Japão, na Segunda Guerra Mundial, pelos norte-americanos, como sendo o primeiro
grande impacto ambiental e o primeiro indício do ‘poder’ que o ser humano tem em modificar
o meio ambiente destruindo os seus e outras espécies do ecossistema
68
existentes no mundo.
Isto não significa que antes da bomba atômica, outros desastres ambientais o tivessem
ocorrido no mundo. Mas, em nenhum se percebeu uma “[...] demonstração prática e imediata
mais nítida das possibilidades de o ser humano modificar a biosfera de maneira radical, tanto
em amplitude como em relação a seus efeitos no tempo [...]” (FOLADORI, 2001, p. 114). E,
mais ainda, este episódio, “[...] demonstrou que as relações do ser humano com o seu
ambiente são derivadas de e estão sempre submetidas a relações interespecíficas [...]”
(FOLADORI, 2001, p. 115) que desencadeiam ações negativas e/ou positivas, dependendo
dos seus interesses, padrões e/ou modelos seguidos.
É por isso que as cadas de 1960 e 1970 são consideradas as décadas em que
emergem as crises e os debates a respeito do modelo de desenvolvimento que se quer para o
68
Segundo Begossi (2001, p. 56): [...] Ecossistema é um termo funcional para as contínuas interações entre
organismos, populações, comunidades e o ambienta físico-químico (Barbier et al., 1994). Assim, a conservação
das espécies tem um papel-chave na sustentação do ecossistema”.
mundo, considerando agora não as questões econômicas, políticas e sociais, mas também
as ambientais. Para Viola; Leis (1995), a preocupação pública mundial inicia nos anos de
1960, se expande na década de 1970 onde Canadá, Europa Ocidental, Japão, Nova Zelândia e
Austrália se mobilizam, culminando na década de 1980 quando tais preocupações referentes à
relação desenvolvimento econômico e crise ambiental se expandem para América Latina,
Europa Oriental e Sul e Leste da Ásia. O desenvolvimento econômico como um modelo capaz
de dar respostas aos países que almejam um patamar de países de Primeiro Mundo ou
desenvolvidos começa a ser repensado. Ao mesmo tempo, os países desenvolvidos
começam a se questionar a que preço seu desenvolvimento foi forjado.
Contudo, é bom enfatizar que este processo é fruto da organização da sociedade civil
através de organizações não-governamentais e grupos comunitários que defendem o meio
ambiente; de agências estatais das três esferas de poder; de grupos e instituições científicas
que estudam os problemas ambientais; de setores empresariais que começam a demonstrar
consciência ambiental em suas gestões; de um mercado consumidor verde, demandante de
produtos considerados não degradantes do meio ambiente; e, de agências e tratados
internacionais que buscam minimizar problemas ambientais que ultrapassam as fronteiras
nacionais (VIOLA; LEIS, 1995). Com este panorama fica mais fácil se evidenciar que a crise
ambiental, que tem seu ponto alto de percepção pelo ser humano na década de 1970, balança
os alicerces da noção de desenvolvimento econômico baseado no crescimento, na renda e no
progresso técnico e tecnológico.
Para os que crêem no desenvolvimento enquanto caminho para eqüidade social, estava
claro que este precisava de uma nova alternativa. Isto ocasionou uma quebra de paradigma
que necessitava ser redimensionado. Entra-se, assim, num período de transição onde se
reconhece que não é mais possível dissociar desenvolvimento e meio ambiente sem que isto
acarrete degradação social e desigualdades, ocasionando perdas ao ser humano. Por isso, o
surgimento do processo de organização social acima citado, possibilita a disseminação global
de que era preciso mudar os padrões do desenvolvimento econômico que não atendia as
demanda mundiais vigentes, tornando-se imprescindível, como primeira ação, na busca de um
novo padrão de desenvolvimento.
4.2.2 A Emergência e o Surgimento de uma Nova Concepção de Desenvolvimento: o
Desenvolvimento Sustentável
No contexto do desenvolvimento econômico descrito na seção anterior fica evidente a
sua crise enquanto teoria e prática a ser seguida pelos países. Isto se verifica mais nitidamente
com o seu declínio na década de 1980 e reaparecimento na década de 1990, como
desenvolvimento sustentável. Como citado anteriormente, um dos pontos de partida para que
isso ocorresse foram os questionamentos ambientalistas da década de 1970. Estes
questionamentos surgiram, por um lado, através de livros e/ou documentos
69
que, segundo
Foladori (2001, p. 115) “[...] se converteram em leituras de debate [...]”, onde se destacam o
livro Os Limites do Crescimento”, que foi um informe do Clube de Roma
70
, relatado por
Meadows e outros. Para Foladori (2001, p. 115-116), o destaque desta obra está relacionado
ao reconhecimento do “[...] problema da acelerada utilização dos recursos naturais no mundo,
com uma população crescente e uma indústria que estava ocasionando danos irreparáveis ao
meio ambiente”. Esta concepção teve uma grande repercussão mundial por mostrar que o
resultado do uso dos recursos naturais sem limites seria, além do crescimento econômico e
populacional, o esgotamento desses recursos e a poluição. A alternativa defendida pelo Clube
de Roma para que fosse possível impedir o fim dos recursos naturais era a estagnação
econômica ou o crescimento zero que, segundo Sato (1997) se constituiu numa preocupação
exagerada, com um viés malthusiano, mas que “[...] representou o primeiro esboço de
discussão sobre os dilemas ambientais [...]”, ao mesmo tempo em que pode ser considerada
como uma primeira publicação a ponderar sobre a emergência de um novo padrão de
desenvolvimento, abrindo as portas para o surgimento do desenvolvimento sustentável.
Por outro lado, neste período, em que as discussões estavam pautadas em um ‘não
consenso’, surgem as reuniões internacionais onde governantes e sociedade, representadas por
especialistas, chefes de governo e ONG’s, iniciam um processo de pensar contrapropostas que
fossem capazes de diminuírem a polaridade dos debates emergentes. Para Sachs (1993, p. 29):
Percorremos um longo caminho desde a memorável reunião de Founex, convocada
como parte do processo preparatório para a Conferência das Nações Unidas sobre
Meio Ambiente Humano de 1972, e projetada para explorar a relação entre meio
ambiente e desenvolvimento. Rejeitando as abordagens reducionistas representadas
69
Segundo Kitamura (1994, p. 11): "Entre os vários documentos divulgados que mostram a tônica dos debates
nesse período, merecem destaque The Tragedy of the Commons de Hardin (1968), The Population Bomb de
Enrlich (1968), focando a questão populacional, Blueprint for survival editado pela revista The Ecologist (1972)
e Os limites do Crescimento, de Meadows et al. (1972)”.
70
Clube de Roma foi autodenominação dada a um grupo de pesquisadores liderados por Dennis Meadows que
estavam preocupados com os problemas do crescimento demográfico incompatível, segundo eles, com a
capacidade de carga da Terra.
pelo ecologismo intransigente e pelo economicismo de visão estreita, o Relatório
Founex (UM/EPHE, 1972) estabeleceu um caminho intermediário entre o
pessimismo da advertência dos malthusianos a respeito do esgotamento dos
recursos e o otimismo da dos compromissos a respeito dos remédios da
tecnologia.
A reunião de Founex, citada acima, ocorreu em 1971, e contou com especialistas convocados
pela Organização das Nações Unidas – ONU que se propuseram em discutir Meio Ambiente e
Desenvolvimento. Este evento e a Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, realizada em Estocolmo, em 1972, convocada pela ONU,
segundo Kitamura (1994, p. 12), “[...] marcam bem esse período de tida polarização, mas
também de avanços na interpretação dos problemas ambientais do mundo”. A Conferência
acima citada, que ficou conhecida como a Conferência de Estocolmo, acabou por respaldar as
preocupações ambientalistas sobre o modelo de desenvolvimento econômico tradicional, que
priorizava o crescimento econômico a qualquer custo, a partir de variáveis econômicas como
Produto Interno Bruto e Renda per capita, sem considerar as questões ambientais que estavam
em jogo como depredação de florestas, poluição do ar, dentre outros. Segundo Barbieri (2003,
p. 21):
Apesar das divergências e da complexidade das questões em debate, a Conferência
de Estocolmo de 1972 representou um avanço nas negociações entre países e pode-
se dizer que ela constitui o marco fundamental na evolução [...] da percepção dos
problemas relacionados com o binômio desenvolvimento meio ambiente [...] O
seu lema, Uma Terra , enfatizava a urgente necessidade de se criarem novos
instrumentos para tratar de problemas de caráter planetário.
Ou seja, seu mérito foi iniciar a discussão dos problemas ambientais, mesmo que sem
um consenso das nações participantes, “[...] a partir de uma ótica mais globalizante de
desenvolvimento, que muito mais tarde é expressa no conceito de desenvolvimento
sustentável” (KITAMURA, 1994, p. 12). Portanto, a Conferência de Estocolmo teve
repercussão por seus resultados, pois desta originaram-se a Declaração sobre o Meio
Ambiente
71
, onde, segundo Foladori (2001, p. 116) “[...] proclamam-se o direito dos seres
humanos a um meio ambiente saudável e o dever de protegê-lo e melhorá-lo para as gerações
futuras [...]” e, por conta disso, cria-se o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
e Desenvolvimento e, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da
ONU, presidida por Gro Harlem Brundtland. Esta Comissão ficou responsável em dar
continuidade às discussões da Conferência de Estocolmo, objetivando fazer estudos e
proposições relacionadas ao Meio Ambiente e ao Desenvolvimento. Tal processo teve seus
primeiros resultados concluídos em 1984, mas sua divulgação ocorreu em 1987 com o
71
Nesta Declaração são abordados os principais problemas ambientais detectados na Conferência:
industrialização, explosão demográfica e crescimento urbano (FOLADORI, 2001).
Relatório de Brundtland
72
, uma referência a presidente da Comissão, intitulado O Nosso
Futuro Comum, que foi publicado no Brasil em 1988, pela Fundação Getúlio Vargas. É
neste relatório que surge pela primeira vez a concepção desenvolvimento sustentável, como
sendo:
[...] aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer a
possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades. Ele
contém dois conceitos chaves: 1 – o conceito de “necessidades”, sobretudo as
necessidades essenciais dos pobres do mundo, que devem receber a máxima
prioridade; 2- a noção das limitações que o estágio da tecnologia e da organização
social impõe ao meio ambiente, impedindo-o de atender as necessidades presentes e
futuras [...].
Em seu sentido mais amplo a estratégia do desenvolvimento sustentável visa a
promover a harmonia entre os seres humanos e a natureza. No contexto específico
das crises do desenvolvimento e do meio ambiente surgidas nos anos 80 que as
atuais instituições políticas e econômicas nacionais e internacionais ainda não
conseguiram e talvez não consigam superar, a busca do desenvolvimento
sustentável requer:
um sistema político que assegure a efetiva participação dos cidadãos no
processo decisório;
um sistema econômico capaz de gerar excedentes e know-how técnico em
bases confiáveis e constantes;
um sistema social que possam resolver as tensões causadas por um
desenvolvimento não equilibrado;
um sistema de produção que respeite a obrigação de preservar a base ecológica
do desenvolvimento;
um sistema tecnológico que busque constantemente novas soluções;
um sistema internacional que estimule padrões sustentáveis de comércio e
financiamento;
um sistema administrativo flexível e capaz de autocorrigir-se
(BRUNDTLAND, 1988, p. 46).
Segundo Veiga (2005, p. 113): “Gro Harlem Brundtland, [...] caracterizou o
desenvolvimento sustentável como um conceito político e um conceito amplo para o
progresso econômico e social.” Isto sugere, portanto, que o Relatório de Brundtland, “[...] foi
intencionalmente um documento político, que procurava alianças com vistas à viabilização da
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92”
(VEIGA, 2005, p. 113). Todo este processo político é fruto, como Leis (1999) apresenta em A
Modernidade Insustentável, de um processo evolutivo que envolve a concepção ambiental, as
ciências, a sociedade civil, o mercado e o Estado que acabam por condicionar discussões
como as da Conferência de Estocolmo e o surgimento do conceito de desenvolvimento
sustentável. Conceito ou concepção, este também envolve uma gama de complexidade que
72
Da Conferência de Estocolmo até o Relatório de Brundtland houve outros fatos econômicos como a crise do
petróleo de 1973, outras reuniões internacionais como o Simpósio de Cocoyoc no México em 1974 e outros
documentos surgiram que também ajudaram a trilhar o caminho para a aceitação da relação meio ambiente e
desenvolvimento como um fato que precisava ser pensado e planejado por toda a sociedade. Para mais
detalhamento deste período, ver: Sachs (1993); Kitamura (1994); e, Foladori (2001).
precisa ser compreendida através de sua concepção original, o “ecodesenvolvimento”
73
.
Segundo Soto (2002, p. 101):
O conceito de ecodesenvolvimento foi utilizado pela primeira vez em 1973 pelo
canadense Maurice Strong ... para caracterizar uma concepção alternativa de
política do desenvolvimento.” Ignacy Sachs formulou seus princípios básicos [...]
Para Sachs
74
(1997, p. 12), “O conceito de ecodesenvolvimento surgiu em Estocolmo
e, sob um nome novo desenvolvimento sustentável, foi o eixo central da Cúpula da Terra
realizada na Conferência da Rio-92 [...]”. Este conceito fundamenta-se em três princípios
éticos: o fim social; o ambiental no que tange o uso dos recursos naturais com restrição e
buscando sempre que possível sua renovação no sentido de que a preservação do mesmo
possa ser garantida para as gerações futuras; e, a viabilidade econômica. Leis (1999)
compreende que o conceito de ecodesenvolvimento integra questões ambientais com o
desenvolvimento a partir de questões como: “[...] satisfação das necessidades humanas,
solidariedade com as gerações futuras, participação à população envolvida e o respeito a
culturas nativas” (LEIS, 1999, p. 146). Coelho (1994, p. 282), por outro lado, diz que “Busca-
se com esta abordagem acrescentar à condição de sustentabilidade, entendida como auto-
manutenção, estabilidade (equilíbrio) e durabilidade do desenvolvimento, pelo menos três
dimensões consideradas fundamentais, quais sejam, a social, a ecológica e a econômica”.
Contudo, tanto Leis (1999) quanto Coelho (1994) atribuem a Sachs a popularização do
conceito ecodesenvolvimento que, a partir do Relatório de Brundtland, passou a ser conhecido
como desenvolvimento sustentável, na perspectiva de minimizar divergências terminológicas,
o que segundo Sato (1997), não aconteceu.
Na realidade, pode-se dizer que o final da década de 1980 e início da década de 1990 a
concepção do desenvolvimento sustentável estava na base das discussões de governos,
gestores e cientistas que contra ou a favor deste conceito acabaram por gerar conflitos,
polêmicas e contradições
75
. Contudo, atualmente qualquer que seja a discussão (contra ou a
favor) sobre o desenvolvimento sustentável, a concepção conceitual que se aceita como a
73
Para um aprofundamento sobre a noção de ecodesenvolvimento ver Sachs (1982) e Sachs (1986).
74
Segundo Veiga (2005, p. 79): “Dos autores que mais se dedicaram ao assunto ao longo das últimas seis
décadas, desde o início da controvérsia internacional sobre a distinção entre desenvolvimento e crescimento, um
dos que melhor conseguiram evitar simultaneamente as tentações enganosas do otimismo ingênuo e do
pessimismo estéril é Ignacy Sachs”. Este comentário reforça ainda mais o porquê da nossa opção em aceitar o
conceito de desenvolvimento sustentável do Relatório de Brundtland, que, como está evidente, tem origem no
conceito de ecodesenvolvimento de Sachs.
75
Sobre essas questões ver: Sachs (1993), Sato (1997), Foladori (2001) e Becker (2002).
mais próxima de uma idéia coerente, mesmo com contradições
76
, é a encontrada no Relatório
de Brundtland. Para Lemos (1996, p. 09):
O conceito de desenvolvimento sustentável é um conceito fácil de concordar, pois é
puro bom-senso, mas é extremamente complexo e controvertido quando se tenta
aplicá-lo ao nosso dia-a-dia. [...] Para alcançarmos o desenvolvimento sustentável
serão necessárias mudanças fundamentais na nossa forma de pensar e na maneira
em que vivemos, produzimos, consumimos, etc. Portanto, o desenvolvimento
sustentável, além da questão ambiental, tecnológica e econômica, tem uma
dimensão cultural e política que vai exigir a participação democrática de todos na
tomada de decisões para as mudanças que serão necessárias.
Isto exposto, o desenvolvimento sustentável aparece, assim, como uma concepção que não
pode ser pensada, segundo Barbieri (2003, p. 45) “[...] com os mesmos critérios e
preocupações que acompanharam as experiências do desenvolvimento do passado.” Isto
também se evidencia em Sachs (apud Barbieri, 2003), quando o mesmo propõe fazer uma
revisão dos fins e meios do desenvolvimento econômico para poder ter um novo paradigma
de desenvolvimento.
Ao se aceitar o conceito de desenvolvimento sustentável como o contido no Relatório
de Brundtland, o desafio enfrentado hoje é fazer com que o mesmo se transforme em
concepção teórica capaz de subsidiar práticas de desenvolvimento que corresponda a sua idéia
conceitual. Um desafio nada fácil de superar haja vista as questões e interesses que permeiam
as ações de cada nação em nível local e global. É fato que o desenvolvimento sustentável
surge num sistema em que a desigualdade social, as diferenças sociais e o mercado imperam.
O capitalismo é uma realidade, mas é uma realidade que para existir precisa está sempre em
contradição, em crise, em transformação. É desta forma que este perdura até hoje, através de
evoluções e quebras de paradigmas em todos os níveis: econômico, social, político, cultural e,
hoje, ambiental.
O conceito de desenvolvimento sustentável, como reconhecido por autores como
Sachs (1993), Kitamura (1994) e Almeida (2002), tem como principal contribuição prática, o
reconhecimento de que uma relação entre os problemas sociais, econômicos, políticos,
culturais e ambientais que estão na base da pobreza, da degradação ambiental e humana e da
desigualdade social que alastram os países em desenvolvimento e os países desenvolvidos.
Aqui se encontra também mais um motivo de polarização quando o assunto é implementar um
desenvolvimento pautado na noção conceitual do desenvolvimento sustentável. Segundo
Almeida (2002, p. 26):
76
As contradições conceituais do desenvolvimento sustentável descrito no Relatório de Brundtland ver em:
Kitamura (1994), Viola; Leis (1995) e Foladori (2001).
[...] a discussão sobre o desenvolvimento sustentável hoje está polarizada entre
duas concepções principais: de um lado, a idéia como sendo gestada dentro da
esfera da economia, sendo com essa referência que é pensado o social. Incorpora-
se, deste modo, a natureza à cadeia de produção (a natureza passa a ser um bem de
capital); de outro, uma idéia que tenta quebrar com a hegemonia do discurso
econômico e a expansão desmesurada da esfera econômica, indo para além da visão
instrumental, restrita, que a economia impõe à idéia.
Neste sentido, a grande questão que se coloca é buscar, a partir do arcabouço conceitual do
desenvolvimento sustentável, fundado nas cinco dimensões proposta por Sachs (1993): social,
econômica, ecológica, espacial e cultural, os caminhos que podem ser trilhados para que o
mesmo do conceito à ação. Ação que permita “garantias de um meio de vida sustentável”
como estratégia de desenvolvimento (Sachs, 1993). Em termos conceituais, seguimos o
pensamento de Almeida (2002, p. 26) sobre o desenvolvimento sustentável como uma ‘idéia
nova’:
O que se pode adiantar é que essa “nova” idéia introduz elementos econômicos,
sociais e ambientais que são desafiadores do ponto de vista de muitas áreas do
conhecimento. A noção de sustentabilidade, tomada como ponto de partida para
uma reinterpretação dos processos sociais e econômicos e de suas relações com o
equilíbrio dos ecossistemas, parece enriquecedora, demandando a construção de um
aparato conceitual capaz de dar conta de seus múltiplos aspectos. Essa idéia de um
“novo desenvolvimento” pode remeter à sociedade a capacidade de produzir o
novo, redimensionando suas relações com a natureza e com os indivíduos.
Mas, ao pensar dessa maneira surge uma necessidade iminente: o desenvolvimento
sustentável não pode se tornar estratégia prática do desenvolvimento “[...] sem a
participação dos grupos e das comunidades locais” (Sachs, 1993, p. 39). Isso se configura
numa premissa básica para que o desenvolvimento sustentável seja visto como prática capaz
de dar uma nova dimensão ao desenvolvimento, quer nos países desenvolvidos ou em
desenvolvimento. E, neste nível de discussão os desafios aumentam ainda mais e as
discussões se acirram. Deixa-se de vê o desenvolvimento apenas com os olhos ‘econômicos’ e
passa a se recrutar o olhar ‘social’ como fonte determinante da economia e das escolhas
políticas que precisam ser feitas para que um novo padrão de desenvolvimento se efetive
(Almeida, 2002).
Becker (2002) nesse novo padrão de desenvolvimento o retorno da ‘ousadia’ que
abre espaço para o pensar local no global onde “[...] as especificidades locais e regionais que
possibilitam um desenvolvimento diferenciado e diferenciador [...]” (BECKER, 2002, p. 79),
se estabeleça a partir das necessidades presentes e futuras do local, regional, nacional e
internacional. Este autor vai mais adiante e afirma que:
Para que esse entendimento possa ter um mínimo de possibilidade de sucesso como
proposição, como ousadia, é preciso partir-se do pressuposto, e aqui parafraseando
Bobbio, de que sustentabilidade, enquanto projeto alternativo de desenvolvimento
humano local-regional, não é um dado de fato, mas um ideal a perseguir; não é uma
existência, mas um valor; não é um ser, mas um dever ser (BECKER, 2002, p. 79).
Neste sentido, percebe-se que o entendimento da concepção conceitual desenvolvimento
sustentável e sua ação como estratégia de desenvolvimento requer um aprofundamento onde
apareçam os prós e os contras desta concepção. Mas, tais discussões devem aparecer sobre o
prisma de se buscar entender como tal concepção pode ser relevante para o desenvolvimento.
Por isso, atrelá-la a uma outra concepção conceitual do desenvolvimento, como o
desenvolvimento como liberdade é uma alternativa que poderá facilitar a sua percepção a
partir da concepção de que é preciso envolver o ser humano, a sociedade, o Estado e o
mercado no processo de consolidação do desenvolvimento, sem com isso minimizar a sua
complexidade que vem da essência deste termo.
4.2.3 A Concepção de Desenvolvimento como Liberdade
A concepção e obra “Desenvolvimento como Liberdade”, de Amartya Sen
77
, foi
publicada pela primeira vez em 1999, traz em seu bojo uma concepção inovadora do
desenvolvimento. Esta concepção inicia-se com a percepção do autor ao fato de que mesmo as
rápidas mudanças, desencadeadas a partir do século XX, no contexto econômico, social e
político, não estão sendo capazes de afastar males como a pobreza, a fome, a devastação
ambiental, a falta de liberdade política, etc., tanto em países ricos como nos países pobres.
Segundo Sen (2002), a superação desses problemas es no centro do processo de
desenvolvimento e, seu objetivo é “[...] demonstrar [...] que precisamos reconhecer o papel
das diferentes formas de liberdade no combate a esses males.” (SEN, 2002, p. 10) E, para
tanto, sua principal abordagem que, ao mesmo tempo, é sua concepção de desenvolvimento, é
de que para se buscar resolver tais problemas se tem que levar em consideração [...] a
liberdade individual como comprometimento social.” (SEN, 2002, p. 10) Surge assim a noção
de desenvolvimento como liberdade que, para Sen (2002, p. 10) tem haver com a expansão
das liberdades:
A expansão da liberdade é vista, por esta abordagem, como o principal fim e o
principal meio do desenvolvimento. O desenvolvimento consiste na eliminação de
privações de liberdade que limitam as escolhas e oportunidade das pessoas de
exercer ponderadamente sua condição de agente. [...] Se o ponto de partida da
77
A obra de Sen se constitui, segundo Veiga (2005, p. 32), em uma: [...] mudança fundamental no modo de se
entender o desenvolvimento. E ela certamente não foi exposta de forma mais sistemática e cristalina do que na
série de conferências proferidas entre 1996 e 1997 pelo indiano Amartya Sen, como membro da Presidência do
Banco Mundial. Em 1998, ele recebeu o Prêmio Nobel de Economia, e no ano seguinte, editou essa série de
conferências sob o título de Desenvolvimento como liberdade [...]”.
abordagem é identificar liberdade como principal objetivo do desenvolvimento, o
alcance da análise de políticas depende de estabelecer os encadeamentos empíricos
que tornam coerente e convincente o ponto de vista da liberdade como a
perspectiva norteadora do processo de desenvolvimento.
Existe assim uma relação avaliatória do desenvolvimento que parte da expansão das
liberdades enquanto meio e fim pelo qual o desenvolvimento se faz presente. Isto será
possível se o indivíduo enquanto agente for capaz de efetivar mudanças. Esta capacidade do
indivíduo, para Sen (2002) não significa somente habilidade, mas tem a ver com a capacidade
de fazer escolhas. Ou seja, o processo de desenvolvimento vai ocorrer se os agentes ou
indivíduos tiverem a capacidade de mudar de vida, a partir de condições econômicas, sociais e
políticas, alterando sua relação com o mercado, o Estado e a sociedade civil.
A noção de desenvolvimento como liberdade de Sen (2002), portanto, traz em si duas
visões: 1º) Não são os ‘outros’ que vão definir o que seja desenvolvimento, mas sim os grupos
sociais e atores sociais que devem decidir o seu desenvolvimento, pois este tem que ser
definido localmente; e, ) O processo de desenvolvimento implica em uma expansão da
capacidade desses grupos sociais de redefinirem ou mudarem sua relação com o mercado, o
estado e a sociedade. Portanto, essa é uma noção de desenvolvimento em que os atores
envolvidos são protagonistas desse processo, sendo expresso pela capacidade que esses atores,
em seus grupos, adquirem de mudar suas relações dentro da sociedade.
A idéia de ‘expansão de liberdades’ associada ao desenvolvimento, para Sen (2002),
vai além das questões de crescimento econômico, da industrialização e tecnologia. Todos
esses fatores compõem ou são ‘meios’ de expansão de liberdade que a sociedade pode vir a
desfrutar. Mas, o desenvolvimento como liberdade, proposto por Sen (2002) vai mais além,
ou seja, reconhece existir outros determinantes desse desenvolvimento como: “as disposições
sociais e econômicas” e “os direitos civis”. Portanto, para que o desenvolvimento promova a
liberdade humana, este tem que expandir suas fronteiras econômicas que, para Sen (2002) são
meios de identificar os fins que são necessários neste processo que tem pela frente “fontes de
privação da liberdade”, tais como: pobreza, tirania, falta de oportunidade cio-econômica,
intolerância, repressão, dentre outros, que impede que a liberdade chegue a várias pessoas no
mundo.
Para Sen (2002) existem dois tipos de liberdades: as liberdades substantivas que são as
liberdades relacionadas a direitos básicos do indivíduo como a liberdade de participação
política, a chance de ter uma boa educação e assistência médica, dentre outros e, segundo Sen
(2002, p. 20) “[...] estão entre os componentes constitutivos do desenvolvimento.” E, o
segundo tipo de liberdade são as liberdades instrumentais, que tem haver com o papel
instrumental da liberdade que, segundo ele, “[...] concerne ao modo como diferentes tipos de
direitos, oportunidades e intitulamentos [...] contribuem para a expansão da liberdade humana
em geral e, assim, para a promoção do desenvolvimento.” (SEN, 2002, p. 54) Existem vários
tipos de liberdades instrumentais, contudo, para efeito de apresentação de suas idéias, Sen
(2002) irá elencar cinco tipos de liberdades instrumentais que servirão de subsídios para seu
estudo, quais sejam: liberdade políticas; facilidades econômicas; oportunidades sociais;
garantia de transparência; e, segurança protetora. Cada uma dessas liberdades instrumentais é
apresentada por Sen (2002, p. 55) e “[...] tendem a contribuir para a capacidade geral de a
pessoa viver mais livremente, mas também têm o efeito de completar umas as outras”. A
partir do desenvolvimento como liberdade se confirma que o entendimento do
desenvolvimento enquanto processo vai além do econômico. No desenvolvimento como
liberdade o indivíduo está no centro do processo enquanto agente capaz de mudar sua relação
com o meio social e ambiental onde vive, tendo assim, uma perspectiva de minimizar os
males sociais que emperram o desenvolvimento.
O conceito de desenvolvimento como liberdade, portanto, é introduzido neste trabalho
para que este fortaleça a noção conceitual do desenvolvimento sustentável no que tange à
participação social no processo do desenvolvimento, a partir da concepção de que são as
escolhas que o homem faz, enquanto ser social, que irão determinar a condução da sociedade
rumo ao seu bem-estar. Por isso, não se pode deixar de lado, a ênfase de Sen: o homem
necessita de capacidades de escolhas e liberdade para fazê-las. De outro modo o processo se
inviabiliza. Neste sentido, as noções conceituais de desenvolvimento sustentável e
desenvolvimento como liberdade, podem ser complementares, pois, segundo Sen (2004) o
desenvolvimento sustentável é a inspiração para a literatura ambiental atual, para protocolos e
reuniões internacionais sobre o meio ambiente, mas, é preciso analisar se o ser humano está
bem enquadrado neste conceito. Na verdade, Sen (2004) chama atenção para a questão de que
a preocupação com o meio ambiente tem que envolver o ser humano enquanto cidadão que
tem liberdade e capacidade de fazer escolhas e, por isso, a combinação da concepção do
desenvolvimento sustentável e a “visão mais ampla dos seres humanos, que os encare como
agentes cuja liberdade importa [...]” (Sen, 2004, p. 18) deve ser levada em consideração.
Para Veiga (2005), essa forma de pensar de Sen, que está exposta no artigo publicado
no suplemento Mais!, da Folha de São Paulo, exprimem duas idéias:
A primeira é a crítica ao que muitos supõem ser o “conceito” de desenvolvimento
sustentável. [...]
A segunda se refere ao senso de responsabilidade quanto ao futuro das espécies. É
justamente pelo fato de a espécie humana ter conseguido se tornar a mais poderosa
que ela deve ter responsabilidade para com as outras, em generoso e altruísta
esforço por minorar tal simetria. Se uma comunidade humana demonstra
preferência pela conservação de determinado ecossistema em vez da implantação
de um parque de diversões, por exemplo, isto pode ser sinal de que interesses
estritamente locais foram subordinados a uma bem mais vasta atenção global a
valores morais e estéticos (VEIGA, 2005, p. 146-147).
A opinião do autor acima, reforça nossa concepção de que a interligação entre
desenvolvimento sustentável e desenvolvimento como liberdade é possível. Esta interligação
enfatiza, do lado do desenvolvimento sustentável, que além dos problemas econômicos,
sociais e políticos, existem os problemas ambientais, culturais e de espaço que necessitam ser
levados em consideração em prol das gerações presentes e futuras. E, do lado do
desenvolvimento como liberdade, para que alternativas a estes problemas se concretizem é
preciso que o ‘homem’ enquanto ser individual e social tenha a capacidade e liberdade de
fazer suas escolhas.
Ao apresentar o desenvolvimento econômico, o desenvolvimento sustentável e o
desenvolvimento como liberdade se evidencia que por trás dessas concepções conceituais tem
sempre a noção de bem-estar social a partir da busca da minimização da pobreza, eqüidade
social e manutenção do meio ambiente para as gerações presentes e futuras. Contudo, as duas
últimas concepções conceituais se estabelecem diferentemente da concepção de
desenvolvimento econômico, indicando que é preciso ter cautela, pois, de um lado os recursos
naturais não são ilimitados, e de outro se faz necessário dar as condições mínimas para que o
ser humano tenha a capacidade e liberdade de fazer suas escolhas e participar dos processos
decisórios no que se refere ao meio em que vive natural e social. Estas noções demonstram
em si que o pensar o desenvolvimento avançou através dos erros cometidos no passado e do
amadurecimento científico, social e político por que passa gerações e gerações da sociedade
humana.
O desafio agora é buscar alternativas de transpor a barreira do teórico para a prática.
Sabemos que implementar o desenvolvimento aos moldes ‘sustentáveis’ ou ‘com liberdade’
requer tempo, vontade social e política e, acima de tudo, preparo. Mas, como dissemos no
início desse capítulo, acreditamos no desenvolvimento e mais do que isso, aceitamos que hoje
é possível pensar esse desenvolvimento em bases locais, sem esquecer do global, num país em
desenvolvimento como o Brasil e numa região como a Amazônia
78
que guarda em si riquezas
78
Como afirma Lima (2005, p. 59): “Na Amazônia, a floresta, as comunidades indígenas, os animais, os rios e o
homem dos povoados são ainda fragmentos de um quebra-cabeça sobre um tabuleiro, aguardando um encaixe
ideal ainda não encontrado. Os chamados efeitos positivos da industrialização estão longe de poder emergir e
recompensar os custos sociais e econômicos. O desenvolvimento baseado no modelo fordista não foi um
paradigma frutífero no desenvolvimento da região. Na origem exógena do modelo desenvolvimentista
autoritário, ainda preexistente, está o fracasso dos diversos ‘planos’ para a região”.
naturais e culturais que, se usadas racionalmente, poderão servir de base desse processo de
desenvolvimento. E, nesse sentido, as UC’s de Uso Sustentável, como as APA’s, podem vim
a ser um caminho inspirador para que o desenvolvimento se torne uma possível realidade.
4.3 DESENVOLVIMENTO E APA'S: UMA RELAÇÃO ANTAGÔNICA?
O final da subseção 4.2.3 responde o questionamento contido no título desta seção.
Com os avanços e mudanças que vem ocorrendo no pensamento científico e nas ações que
dizem respeito às questões ambientais em nível global e local, e, mais especificamente, o
pensar a criação e implantação de APA’s como estratégias de preservação e/ou conservação
do meio ambiente, o antagonismo entre desenvolvimento e APA’s pode ser considerado
inexistente ou passível de inexistência. Isto por que quando se fala em relação sociedade-
natureza fica claro que no início, meio e fim desta relação está a necessidade de bem-estar do
ser humano e, portanto, a sua busca por uma qualidade de vida sustentável.
Partindo deste ponto de vista e do que foi discutido até aqui “[...] torna-se necessário
superar o conceito de que é possível conservar uma área se ela estiver à margem do
desenvolvimento [...]” (CÔRTE, 1997, p. 43). No Brasil, o SNUC está aí para mostrar que é
possível aliar conservação e desenvolvimento. Um desenvolvimento que tenha por base a
sustentabilidade dos recursos, a participação local e o respeito ao meio natural, cultural e
social. Sabemos que, na prática, esta tarefa é árdua e exige tempo, capacitação, habilidade,
liderança e vontade política de todas as esferas sociais envolvidas. Como diz Foladori (2001,
p. 107): “A essência mesma do ser humano é a transformação da natureza mediante o
trabalho”. Mas, essa transformação pode vir a ser pensada a partir de ações que se baseiam na
sustentabilidade como propõe Sachs (1993) quando discorre sobre as cinco dimensões do
desenvolvimento sustentável, citadas anteriormente. Pois, é fato que a transformação da
natureza não está dissociada das demais relações sociais, econômicas, políticas e culturais que
o ser humano enquanto ser social precisa estabelecer.
Na sua relação com a natureza e com as demais variáveis citadas acima, uma outra
conotação tem que estar em evidência, as ‘suas escolhas’. São elas que o levarão a
transformar qualquer uma dessas relações de forma racional e que o leve a ter benefícios que
somados com a escolha dos demais membros da sociedade se configure em bem-estar e
qualidade de vida. Isso não quer dizer que não temos a compreensão que ações voltadas a um
desenvolvimento com esse perfil não seja complexo. Ao contrário, sabemos que um
desenvolvimento pautado nessas aspirações tem um nível de complexidade quer seja pensada
globalmente ou localmente. A situação fica mais complexa ainda, quando pensamos o
desenvolvimento, nestes termos, para UC’s de Uso Sustentável dentro da Amazônia.
Simonian (2000, p. 30-31), neste sentido, chama a atenção para o desenvolvimento
sustentável:
A questão do desenvolvimento sustentável nas áreas de reserva da Amazônia
aponta para uma realidade bastante contraditória. De um lado, tem-se as demandas
acerca da implementação de políticas e ações públicas voltadas para a
sustentabilidade dos recursos, da economia e da organização social em áreas de
reserva na Amazônia (Conselho, 1998), e de outro, perspectivas de natureza
destrutiva, notadamente o manejo negativo dos recursos naturais (Simonian, 1999b,
c, 1998ª). [...] Ao longo deste processo, destaca-se o alcance limitado dos
programas e projetos voltados para o desenvolvimento sustentável nas reservas.
Aqui se tem a demonstração de que a noção de desenvolvimento pode ser apenas
utilizada como um conceito figurativo, sem resultados concretos no que diz respeito ao
avanço de políticas e/ou ações em prol do bem-estar social. Com freqüência isso é uma
realidade de regiões como a Amazônia com baixo nível de desenvolvimento devido, dentre
outras coisas, as escolhas e opções feitas desde o momento de sua ocupação até hoje, quanto
ao seu desenvolvimento. Mas, por outro lado, isso não é motivo para deixarmos de acreditar
na possibilidade de novas alternativas de desenvolvimento.
A discussão feita por Irving [2002] sobre desenvolvimento sustentável e participação
demonstra bem que, com as mudanças e avanços das ciências sociais e naturais no que diz
respeito à relação sociedade-natureza se pode ver “uma luz no fim do túnel” quando a questão
é desenvolvimento sustentável:
A concepção de Desenvolvimento Sustentável implica um novo paradigma do
pensar as sociedades humanas segundo uma nova ética de democratização de
oportunidades e justiça social, percepção das diferenças como elemento norteador
de planejamento, compreensão da dinâmica de códigos e valores culturais e
compromisso global com a conservação de recursos naturais (IRVING, [2002], p.
69).
Esse novo paradigma do desenvolvimento, portanto, passa a perceber a urgência e o
compromisso com a conservação dos recursos naturais. Mais ainda, se um compromisso,
então, o ser humano como ser pensante e racional é o que deve assumir o mesmo. E, o
desenvolvimento como liberdade, a outra categoria conceitual aqui utilizada, se soma ao
desenvolvimento sustentável para fortalecer o entendimento da participação do ser humano
nas escolhas de estratégias pertinentes para efetivar esse compromisso. Se em um dado
momento e/ou circunstância são as UC’s de Uso Sustentável, como as APA’s, as escolhidas
como estratégias capazes de dar respostas a este compromisso, então, elas em nenhum
momento, podem ser consideradas contrárias a esse processo. Elas fazem parte desse processo
e, dependendo das escolhas do ser humano, vão possibilitar um avanço do desenvolvimento
no local onde esta será implantada.
O que irá estar por trás do processo de operacionalização do desenvolvimento
sustentável é vontade política de planejar e efetivar as ações para sua realização; a relação
local-global no que tange aos países em desenvolvimento e desenvolvido; e, a educação que
será o principal instrumento que possibilitará a aquisição das capacidades do ser humano para
fazer suas escolhas como bem atesta Sen (2002). Este raciocínio também pode ser visto em
Irving [2002] que na participação democrática o principal elemento capaz de fazer com
que esta nova alternativa de desenvolvimento possa passar de possibilidade para a realidade.
Para ela:
O compromisso participativo em projetos de desenvolvimento possivelmente
representa o caminho de maior sustentabilidade com relação à garantia de
continuidade do processo e aos impactos indiretos nem sempre mensuráveis dele
decorrentes (IRVING, [2002], p. 72).
O compromisso de participação da sociedade como descreve Irving [2002] não isenta os
demais setores da sociedade na construção desta nova alternativa de desenvolvimento como já
foi dito anteriormente. Para Ferreira; Ferreira (1995) ao se pensar um novo desenvolvimento
tem que se reconhecer que, a alternativa do Estado ser o condutor majoritário desse processo
está descartada. Para estes autores pensar desenvolvimento e, fazer sua gestão, será
possível se tal processo for compartilhado entre Estado, sociedade civil, setor privado e
comunidades locais. Desta forma, “[...] a busca de estilos de desenvolvimento não-tradicional
poderia ser alcançada sob regimes de democracia participativa, que garantissem a
criatividade e a gestão autônoma da sociedade” (FERREIRA; FERREIRA, 1995, p. 29).
Todas essas argumentações, em prol de um ‘novo desenvolvimento’ fundado em
categorias conceituais como desenvolvimento sustentável e desenvolvimento como liberdade
servem para se perceber que não antagonismo entre desenvolvimento e APA’s se
considerarmos estas como estratégias capazes de fortalecer o processo de desenvolvimento
nos parâmetros aqui discutidos. É por isso que a educação e a participação se tornam base
fundante desta nova concepção que relaciona APA e desenvolvimento. Isto porque as UC’s,
de Uso Sustentável como as APA’s, nesta nova posição têm que ser conhecida, entendida e
aceita como tal pela sociedade e por quem às terá próximas ou como parte efetiva de seu
cotidiano. Entender e perceber a APA como uma estratégia de desenvolvimento, então, é o
desafio de quem vive, gerencia, estuda e/ou atua próximo ou dentro da mesma. Hoje se pode
dizer que com os avanços que tiveram e continuam ocorrendo no mundo e no Brasil,
principalmente no que tange leis, estudos científicos, eventos e acordos internacionais e o
advento de ONG’s que atuam nas UC’s, de um modo geral, e a favor destas, o pensar , por
exemplo, APA’s e desenvolvimento como algo relacional é um fato que, poderá ser
disseminado mais facilmente. O mais difícil se está conseguindo, a sua aceitação por todos os
membros e esferas da sociedade, onde se reconhece as UC’s de Uso Sustentável como uma
possível estratégia de desenvolvimento.
4.4 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COM LIBERDADE NA APA ALTER
DO CHÃO: ALGO POSSÍVEL?
Por acreditar que as APA’s e o desenvolvimento hoje podem ser vistas como
relacionais, a partir do surgimento de novas compreensões do desenvolvimento e da relação
sociedade-natureza, é que neste estudo parte-se da defesa da possibilidade de pensar o
desenvolvimento sustentável com liberdade para a APA Alter do Chão. Como foi descrito
até aqui, em se tratando do reconhecimento da importância das UC’s no mundo e o seu
processo de evolução em nível global, no Brasil e na Amazônia se percebe que hoje, estas
têm o status de estratégia política, principalmente quando o assunto é proteger e/ou conservar
determinadas fontes de recursos naturais ou culturais. O que ainda está em fase de
amadurecimento, contudo, são as práticas para efetivar tais processos visando assim, no caso
das UC’s de Uso Sustentável, estas serem também reconhecida como área propícia para se
pensar o desenvolvimento local. Vimos que no Brasil esse processo avançou na legislação e
na criação de programas e políticas de governo, mas têm dificuldades quanto à
implementação que acaba sendo realizada por atos de Estado onde muitas vezes a criação de
uma UC nem sai do papel ou quando sai, vai de encontro à vontade local em participar o que
acaba dificultando a sua gestão.
Aceitar que as UC’s sejam criadas e administradas por uma das esferas de governo
federal, estadual ou municipal - não é problema. Como no caso da APA Alter do Chão,
todos os envolvidos no seu processo de criação reconhecem de quem é a responsabilidade de
sua implantação. Mas, hoje é preciso ir além:
Queiramos ou o, a implantação da APA – Alter do Chão depende do poder
público municipal, através da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e,
principalmente os atores principais do processo, a própria população local que
precisa se sentir inserida no processo, que precisa se sentir responsável e,
principalmente ela precisa se sentir comprometida com o desenvolvimento da APA.
Então, se a comunidade ela o se sentir comprometida, por mais que o governo
municipal tenha boa vontade as coisas não acontecem de maneira satisfatória
(ENTREVISTA 04, 17/06/05).
O não reconhecimento deste fato, atualmente, dificulta ainda mais a relação APA
desenvolvimento. Contudo, o difícil não é impossível, cabe aos estudiosos do
desenvolvimento pesquisar, desenvolver, contribuir e, quando possível, propor e/ou apresentar
estudos que levem a novos rumos e concepções. O estudo que hora se finaliza tem essa
humilde pretensão. Ao observar o processo de criação da APA Alter do Chão, uma UC de
Uso Sustentável e, portanto, compatível com a noção de desenvolvimento sustentável e, mais
ainda, ao ter contato com a noção conceitual de desenvolvimento como liberdade e com o
modo de pensar dos atores que participaram de seu processo de criação, pude perceber que a
APA – Alter do Chão pode servir de inspiração onde mudanças de rotas e de visões de mundo
podem ser possíveis, permitindo assim que se possa ir além da busca da sobrevivência.
Então, eu vejo assim que nós precisamos ver a questão da APA, não com uma
vontade de preservar a questão ambiental, mas principalmente na questão de
preservar o homem. Eu acho que o homem tem que ser preservado acima de
qualquer outra coisa. Então, nós não estamos com essa coisa: o! Nós vamos
deixar todas as árvores em e vamos ficar olhando e vamos morrer de fome. o
é por aí! Eu acho que vamos ter que ser racional em questão de usar o recurso
natural [...] (ENTREVISTA 02, 09/06/05).
Como descrito nos CAPÍTULOS II e III, o processo de criação da APA Alter do
Chão advém de um reconhecimento social de que a conservação da natureza é uma
necessidade que está diretamente ligada com a manutenção do bem-estar e da sobrevivência
dos moradores da região do Eixo Forte. Estes, com o auxílio do INPA, do Museu Emílio
Goeldi e depois do governo municipal, reconheceram que algo precisava ser feito para
preservar e/ou conservar a fonte de riqueza dos mesmos, a vila e o entorno de Alter do Chão.
Das inúmeras alternativas, a mais compatível com as suas realidades foi a criação de uma
APA. Como reconhece Araújo (2004, p. 08):
A proposta de desenvolvimento local é compatível com que se espera das unidades
de conservação de uso sustentado, como as APA’s A elevação da qualidade de
vida e equidade social, eficiência e crescimento econômico de forma sustentada e
continuada, e por fim, a conservação.
Um desenvolvimento local, pautado no desenvolvimento sustentável e no
desenvolvimento como liberdade que, unidos, para mim se tornam o desenvolvimento
sustentável com liberdade. Este termo busca unir as duas concepções conceituais de
desenvolvimento ora apresentadas neste trabalho, ou seja, um desenvolvimento pautado em
ações que garantam a sustentabilidade política, econômica, social, ecológica, espacial e
cultural dentro de um processo em que a participação democrática da sociedade esteja
determinada pelas escolhas do ser humano enquanto indivíduo e ser social, tendo por base
suas capacidades e a liberdade para efetivar essas escolhas dentro de um processo que busca
um desenvolvimento de longo prazo abarcando assim, as gerações presentes e futuras.
A APA – Alter do Chão, portanto, tem no seu processo de criação e início de
implantação um viés que a torna, ao ser estudado, um diferencial no avanço das UC’s de Uso
Sustentável enquanto possibilidade de estratégia de desenvolvimento. Esta surge como
alternativa de manutenção de um patrimônio natural e cultural que garante direta e
indiretamente a economia e a sobrevivência de dezoito comunidades e a tendência de
desenvolvimento através da atividade turística de um município, Santarém. Aqui se percebe
de imediato que ao se configurar tal processo, escolhas vão sendo feitas em todos os níveis
econômicos, sociais, políticos, ambientais e culturais. Pois, estas comunidades, por exemplo,
podiam mudar de atividade, o avanço dos grãos na região está aí e eles o querem dele
participar e, tem no turismo sustentável de base local sua escolha de atividade econômica.
Suas lideranças comunitárias podiam ter deixado na mão do governo municipal a implantação
da APA e não fizeram, optaram em ser ativos e comprometidos com a discussão da criação,
implantação e possíveis ajustes e disseminação necessárias à consolidação da APA. O
governo municipal também podia escolher em deixar que o governo estadual ou federal se
comprometesse em criar a APA, haja vista os mesmos serem sempre a primeira opção dos
grupos que reinvidicavam a APA, mas também não fizeram, preferiram criar uma APA
municipal. As comunidades podiam até escolher em esgotar os recursos naturais existentes,
explorando-os ao máximo sem se preocupar com a sua extinção e, esta é a principal
preocupação dos mesmos que consideram tais recursos como fonte de vida para as gerações
presentes e futuras e para a preservação de sua cultura que está intimamente ligada com a
relação sociedade-natureza existente no local.
As considerações acima demonstram como diz Côrte (1997, p, 48) que:
A ênfase atual no envolvimento das comunidades locais no processo de criação das
unidades de conservação em geral encontra suporte na possibilidade destas
unidades serem melhor sucedidas se tiverem a aceitação por parte da sociedade
tanto no contexto local como regional.
Essa evidência pode ser constatada no discurso dos entrevistados deste trabalho e no nível de
participação das comunidades quando a questão é discutir e aprofundar assuntos referentes à
APA. Apesar deste movimento de criação da APA Alter do Chão vir desde 1990, ainda é
um processo embrionário e em construção, o que confirma que qualquer processo que
envolva algum tipo de estratégia de desenvolvimento e participação democrática é lento.
Contudo, isso não é um motivo para não estudá-lo e evidenciar aspectos que, no geral, o
diferencia de muitas outras estratégias de criação e implantação de UC’s de Uso Sustentável.
Ao contrário, acompanhar a criação e implantação da APA – Alter do Chão identificando seus
problemas, conflitos e adventos, ao mesmo tempo em que se busca relacionar tais fatos com
questões ambientais, relação sociedade-natureza e desenvolvimento, podem suscitar mais
estudos e contribuições. Esta dissertação é apenas um ‘grão’, que nos perdoem o
anacronismo, dentro de um universo maior e mais complexo em que se inserem as temáticas
aqui desenvolvidas. E, como tal, é passivo de críticas, contribuições e, claro, continuidade, o
que se pretende num futuro próximo.
ANEXO
G – Memorial descritivo da APA – Alter do Chão
ANEXOS
A – Roteiros de Entrevistas Abertas I e II
B – Relatório da Assembléias Geral sobre a APA – Alter do Chão (20/06/2005)
C – Levantamento Preliminar feito junto as Comunidades do Eixo Forte
D Proposta de Programação da Assembléia de Esclarecimento sobre a APA Alter
do Chão
E – Decreto de criação da APA – Alter do Chão
F – Planta Cartográfica da área da APA – Alter do Chão
G – Memorial descritivo da APA – Alter do Chão
CONCLUSÃO
O conjunto do estudo hora apresentado nestes quatro capítulos é, de modo geral, uma
descrição de processos evolutivos que se inicia com as UC’s no mundo, no Brasil, na
Amazônia e no Oeste do Pará. Depois a caracterização da área de estudo a região do Eixo
Forte, no distrito de Alter do Chão e o relato de como se deu a criação da APA Alter do
Chão é a descrição evolutiva de um processo de escolha dos atores sociais envolvidos que
vêem na APA uma forma de garantir, através da conservação de seu patrimônio natural, a sua
sobrevivência, principalmente no que diz respeito aos moradores da região. Por fim, a
evolução do conceito de desenvolvimento a partir de três concepções: desenvolvimento
econômico, desenvolvimento sustentável e desenvolvimento como liberdade para que assim
fosse possível mostrar sua interação com o processo de criação de UC’s de Uso Sustentável,
como as APA’s como uma inspiração.
Por este prisma, pretendeu-se atingir os objetivos propostos reconhecendo para tanto,
que muitas questões foram deixadas de lado. Mas, este fato pode ser justificado. Ao optarmos
por estudar o processo de criação da APA – Alter do Chão escolhemos a periodização que vai
do início da discussão, década de 1990, aa Assembléia do Irurama, ocorrida em julho de
2005. Isto por que, por um lado, como esta é um processo em andamento e devido à distância
do campo, não tínhamos como acompanhar as ões que viriam após a referida Assembléia.
Por outro lado, metodologicamente o que se espera de um estudo como este é o mesmo tenha
início, meio e fim, ao mesmo tempo em que um estudo de caso necessita estar ligado à
referenciais teóricos e idéias acadêmico-científicas de uma forma coerente. Assim, as
sistematizações do CAPÍTULO I e as descrições dos CAPÍTULOS II e III tiveram como
objetivo geral servir de instrumento para que, no CAPÍTULO IV, o processo de criação da
APA – Alter do Chão servisse de inspiração para a discussão sobre o Desenvolvimento
Sustentável com Liberdade.
Na busca deste objetivo, temos plena convicção de que questões como os conflitos e
as relações de poder diversas que ocorrem naquela região, como conflitos fundiários,
devastação ambiental, uso e exploração indevida dos recursos naturais, conflitos entre o
público-privado-ONG’s, dentre outros foram suprimidos desta discussão. Reconhecemos que
estes conflitos e muitos outros existem são passíveis de discussão. Mas, o risco de se discutir
aqui seria enorme, acarretando, dentre outras coisas, o desvio do que realmente era o meu
interesse, a possibilidade de relacionar APA com o desenvolvimento. Julgo que tais
discussões são pontos para uma discussão em trabalhos futuros, onde as mesmas possam ser o
objeto primário dos mesmos. No mais, a discussão de UC’s de Uso Sustentável e
desenvolvimento são em si temáticas com aportes teóricos e estruturais específicos e, ao
optar por elas, me ative a referenciá-las e manter diálogo com as mesmas.
O fato de partir do entendimento das UC’s como todo é um exemplo disso. Mesmo,
tendo apenas uma UC de Uso Sustentável, a APA, como a principal e única referência, o falar
das UC’s de um modo geral e dos seus ‘caminhos e descaminhos’ subsidiou a compreensão
das especificidades das APA’s. Isso foi importante, para o reconhecimento que nem todas as
UC’s são passíveis de relacionar-se com a possibilidade de desenvolvimento. Esta relação é
específica para UC’s de Uso Sustentável e, no estudo, a APA foi elencada como exemplo de
tal relação, onde a inspiração é transpor o objetivo primeiro da criação da APA Alter do
Chão – a sobrevivência das comunidades – e pensar além, ou seja, pensar que tal UC pode ser
vista como uma possibilidade alternativa de Desenvolvimento Sustentável com Liberdade.
Neste caso, a relação sociedade-natureza-desenvolvimento descrita teve como
resultado um processo em que foi possível pensar alternativas onde uma nova forma de
compreender o desenvolvimento fosse viável. A APA – Alter do Chão é apenas um caso entre
vários que existem no Brasil e no mundo. Mas, isso não tira dela sua especificidade e, é nisto
que consiste a relevância desta dissertação. Ao atribuir a APA Alter do Chão o fato de sua
criação ter em sua base atores sociais que fogem ao convencional de criação de UC’s e, mais
ainda, ao identificar que neste processo houve altos e baixos, mas mesmo assim esses atores
permaneceram firmes e acreditando que a mesma possa ser algo real, se tem a evidência de
que, de fato, a evolução do processo de criação de UC’s está avançando para um caminho
onde é possível repensar tal processo atrelado a algo mais global como o desenvolvimento.
Dos vários debates de idéias, levados à cabo no Brasil ao longo das décadas de 1950,
1960 e 1970 e, mesmo ainda no início dos anos de 1980, foi o do desenvolvimento aquele que
mais atiçou corações e mentes, posto que procurava-se discernir um rumo que abri-se
perspectivas de bem-estar e progresso para o país e a sociedade como um todo (LINHARES;
SILVA, 1981).
Se os resultados daí advindos foram/são alvo de duras críticas, não se deve, por outro
lado, esvaziar o termo de conteúdo. Fazendo referência, particularmente à agricultura, por
exemplo, Lima (2005, p. 45) afirma:
Os acontecimentos da década de 1990, anos de tensões disruptivas (queda do
socialismo, reforço de movimentos étnicos e liberalização agrícola crescente, crise
do desemprego/globalização e crise ambiental agudizados nos anos 1990 mas
originados em 1980 ideologia do desenvolvimento local e políticas de
descentralização), trouxeram mudanças nas representações e nas práticas.
Assim, a busca de se inserir nesta dissertação as tendências atuais em torno da teoria
do desenvolvimento capitalista e suas metamorfoses, a partir dos três conceitos ou concepções
descritas: Desenvolvimento Econômico, Desenvolvimento Sustentável e Desenvolvimento
como Liberdade, aparece como um intento.
O que aqui precisa ser ponto de motivação é que tanto um processo como o outro
necessita estar assentado em parâmetros como participação democrática, capacidade e
liberdade de escolhas dos atores sociais envolvidos e aceitar que as relações sociedade-
natureza se assente numa dependência que acaba por direcionar tudo o mais em termos de
desenvolvimento, ‘termo’ esse hoje um tanto negligenciado. Se de tudo aqui exposto, apenas
essa mensagem se fizer clara, a meta deste estudo terá sido atingida. Neste sentido, a
contribuição almejada é de poder estar atualizando e descrevendo evoluções de um processo
que tem por inspiração relações como sociedade-natureza e APA desenvolvimento, com a
perspectiva de estar do lado que, criticamente, acreditam no desenvolvimento e tendem a
perceber em estratégias como a criação de uma UC como a APA Alter do Chão uma
possibilidade de um novo caminho para que este se consolide de forma local e se expanda de
forma global.
Este estudo não é algo acabado e sim apenas o início, pois como tal processo é
dinâmico, o aprofundamento e acompanhamento do mesmo se fazem necessários. Por isso, o
desejo que fica é que este possa inspirar outros estudos na área da APA Alter do Chão,
permitindo um maior aprofundamento dessas relações que aqui apenas estão descritas e de
outras que o foram aqui aprofundadas. Seja, inclusive, motivação de pesquisas entre meus
alunos, especialmente os das disciplinas ‘Economia do Turismo’, do curso de Turismo do
IESPES e ‘Economia Amazônica’ do curso de Economia das Faculdades Integradas do
Tapajós - FIT. Um desejo que se transforma em um mais novo desafio para a autora desta, às
portas de continuá-la em seu doutorado e/ou até mesmo em futuras orientações monográficas.
Por isso, todas as contribuições, críticas e identificação de falhas são relevantes, pois estarão
ajudando na continuidade do mesmo.
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Dilemas Socioambientais e Desenvolvimento Sustentável. Edição. Campinas, SP: Editora
da UNICAMP, 1995, p.73-102.
ANEXOS
A – Roteiros de Entrevistas Abertas I e II
B – Relatório da Assembléia Geral sobre a APA – Alter do Chão (20/06/2005)
C – Levantamento Preliminar feito junto as Comunidades do Eixo Forte
D Proposta de Programação da Assembléia de Esclarecimento sobre a APA Alter
do Chão
E – Decreto de criação da APA – Alter do Chão
F – Planta Cartográfica da área da APA – Alter do Chão
G – Memorial descritivo da APA – Alter do Chão
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