‘modernidade’ são tomados como imagem da vida ideal em sociedade. O que ocorre é que um
não está separado do outro e a dicotomia apontada entre eles não é uma realidade, mas sim
um mito que lida com adjetivos tais como homogêneo e com pouco dinamismo no caso do
campo e heterogêneo e o espaço da mudança no caso da cidade. A cidade aparece como
contraponto ao campo e vice-versa. O que é passível de questionamento se aceitarmos, por
exemplo, a heterogeneidade e o dinamismo do campo. A existência de diferentes civilizações
rurais com costumes, instrumentos e cultura diferenciada é a prova dessa heterogeneidade.
Para Williams (1989), a vida campestre “engloba as mais diversas práticas – de caçadores,
pastores, fazendeiros e empresários agroindustriais”, e a organização varia “da tribo ao feudo,
do camponês e pequeno arrendatário à comuna rural, dos latifúndios e plantations às grandes
empresas agroindustriais capitalistas e fazendas estatais” (WILLIAMS, 1989, p.11). Segundo
este autor, o fundamental a se perceber nas cidades é que elas constituem, na verdade,
maneiras de nos colocarmos diante de todo um desenvolvimento social e que, muito
freqüentemente, sintetizam uma atitude mais ampla em relação à própria ‘transição
capitalista’, visto que o capitalismo, como modo de produção, é o processo básico por trás da
maior parte da história do campo e da cidade que conhecemos. Ao longo de séculos, impulsos
econômicos abstratos, prioridades fundamentais no campo das relações sociais, critérios de
crescimento, lucro e prejuízo assentados no paradigma capitalista vêm alterando nosso campo
e criando os tipos de cidades que conhecemos, numa reconstrução da realidade.
Um dos problemas é a comparação. As categorias campo e cidade são construídas e
percebidas em oposição, mas quando tomadas com base numa unilateralidade, equívocos são
cometidos. Durante muito tempo, o campo foi olhado tendo como parâmetro uma lógica que
não lhe é peculiar, a lógica das cidades, e sua originalidade foi submetida a uma outra
realidade, uma realidade que em muitos momentos o oprime e o considera inferior. Podemos
problematizar aqui essa condição diferencial. Para isso, buscar desconstruir essa hierarquia,
tratarei primeiro do que se convencionou chamar de condição urbana
2
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A condição urbana é normalmente colocada como hegemônica e com a peculiaridade
de articular nossas noções de espaço e tempo sob a perspectiva industrial-capitalista. Os
habitantes de cidades, sugere Argan (1993), trazem dentro de si “mapas de um espaço-cidade”
e “registros de um ritmo de tempo urbano” que constituem o sedimento inconsciente das
nossas noções de espaço e de tempo, sedimento esse que é resultado de toda uma gama de
desenvolvimentos e acumulações de experiências realizadas num devir histórico. Assim, a
cidade moderna deu forma a uma ‘ideologia urbana’ que, como sugere ainda Argan, constitui-
se da dialética da ‘cidade ideal’ e da ‘cidade real’, onde ao definir a cidade como acúmulo ou
concentração cultural, esta ideologia urbana, contudo, considera não apenas os termos de uma
história da ideologia do poder, mas também toda a vivência dos indivíduos e da sociedade a
partir do urbano. Reforça-se nessa perspectiva uma hierarquia cidade-campo, própria da
modernidade. Nessa perspectiva, a divisão social do trabalho, com novas regras e
características do capitalismo em ascensão, destruiu modos de vida tradicionais, alterando
drasticamente tanto as estruturas sociais como o ambiente natural.
Como veremos a seguir, um dos temas centrais e clássicos na literatura sobre cidades é
a caracterização de um estilo de vida urbano. Autores como Wirth, Blumenfeld, Castells e
Park, entre outros, desenvolveram reflexões sistemáticas que até hoje são referências
importantes.
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Gilberto Velho (1995), por exemplo, faz um balanço sobre a discussão acerca da urbanidade e
destaca que, paralelamente, a uma reorganização do espaço, às transformações da economia e na vida
política, a metrópole contemporânea, na sua constituição e natureza, está indissoluvelmente associada
a modos específicos de recortar e construir a realidade. Ela é conseqüência e, simultaneamente, causa
de novas visões de mundo, com concepções particulares de tempo, espaço e indivíduo.