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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE
DISSERTAÇÃO
“RAPAZES DA ROÇA” NA “CIDADE GRANDE”:
TRABALHO, SOCIABILIDADE E PROJETOS
EDUARDO NUNES LEITE ROSAS
2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO,
AGRICULTURA E SOCIEDADE
“RAPAZES DA ROÇA” NA “CIDADE GRANDE”: TRABALHO,
SOCIABILIDADE E PROJETOS
EDUARDO NUNES LEITE ROSAS
Sob a Orientação da Professora
Maria José Teixeira Carneiro
Dissertação submetida como requisito
parcial para obtenção do grau de
Mestre de Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e
Sociedade.
Rio de Janeiro, RJ
Agosto de 2006
ii
305.31
R789r
T
Rosas, Eduardo Nunes Leite
“Rapazes da roça” na “cidade grande” :
trabalho, sociabilidade e projetos /
Eduardo Nunes Leite Rosas. – 2006.
92 f. : il.
Orientador: Maria José Teixeira
Carneiro.
Dissertação (mestrado) Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro, Instituto
de Ciências Humanas e Sociais.
Bibliografia: f. 89-92.
1. Jovem rural Rio de Janeiro
Teses. 2. Jovem rural Marataizes [ES]
Teses. 3. Jovem rural Relação rural
urbano Teses. 4. Abacaxi Cultura
Marataizes [ES]. I. Carneiro, Maria José
Teixeira. II. Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro. Instituto de Ciências
Humanas e Sociais. III. Título.
iii
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA
E SOCIEDADE
EDUARDO NUNES LEITE ROSAS
Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, como requisito parcial para obtenção do grau de
Mestre de Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade.
DISSERTAÇÃO APROVADA EM 28/ 08 / 2006
Maria José Teixeira Carneiro. Dra. CPDA/UFRRJ
(Orientadora)
Regina Celia Reyes Novaes. Dra. Secretaria Nacional de Juventude
da Secretaria-Geral da Presidência da República
John Cunha Comerford. Dr. CPDA/UFRRJ
iv
Por que se chamava moço também se chamava estrada
Viagem de ventania
Nem se lembra se olhou pra trás
Ao primeiro passo, aço, aço...
Por que se chamava homem também se chamavam sonhos
E sonhos não envelhecem
Em meio a tantos gases lacrimogêneos
Ficam calmos, calmos
E lá se vai mais um dia
E basta contar compasso e basta contar consigo
Que a chama não tem pavio, de tudo se faz canção
E o coração na curva de um rio, rio...
E o Rio de asfalto e gente entorna pelas ladeiras
Entope o meio fio, esquina mais de um milhão
Quero ver então a gente, gente, gente ...
Milton Nascimento - Lô Borges - M.Borges
Aos que, como os tempos, não param...
de ver gente passar e passam...
v
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente aos que me acompanham, alguns sem ainda saber, na jornada
que denominamos, simplesmente, de vida, me lembrando que da vida eu não sei nada além de
viver.
Aos meus pais José Pio (in memorian) e Ilse Maria, por serem o meu porto seguro,
onde a experiência da vida é repassada não somente em palavras mas também em exemplos.
Aos meus irmãos Alexandre e Christina, e suas famílias.
Ao meu padrasto Paulo.
À minha orientadora Maria José pelo incentivo, pela compreensão e por orientações
que extrapolaram as ‘coisas’ da dissertação.
Aos colegas, professores e funcionários do CPDA, que tornaram o ambiente o melhor
possível.
À todos meus amigos e familiares.
À CAPES, pelo fundamental apoio.
vi
RESUMO
ROSAS, Eduardo Nunes Leite. “Rapazes da roça” na “cidade grande”: trabalho,
sociabilidade e projetos. 2006. 92 p. Dissertação (Mestrado de Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade). Instituto de Ciências Humanas e Sociais.
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, RJ, 2006.
Esta dissertação teve como fundamento o estudo do universo social dos jovens vendedores de
abacaxi oriundos de Marataizes/ES que vem “trabalhar” nas ruas do Rio de Janeiro e passam a
integrar vivências rurais e urbanas através de deslocamentos constantes entre a “roça”, seu
local de origem e a cidade-grande”, onde realizam as vendas. Enfim, este trabalho propõe-se
a pensar a condição dos jovens vendedores de abacaxi como articuladores de uma ruralidade
que imbrica rural e urbano sem que seja refutada a identidade original, de rapazes da roça. Ao
contrário, sustento que ocorre uma construção desta identidade num processo que funda e
sustenta a possibilidade de resgatá-la e potencializá-la, quando muitos a pensam em um
processo de supressão ou desestruturação.
Palavras-chave: Juventude, família, trabalho, ruralidades.
vii
ABSTRACT
ROSAS, Eduardo Nunes Leite. "Youngsters of roça" in the "great city": work, sociability
and projects. 2006. 92 p. Dissertation (Master Science of Social Science in Development,
Agriculture and Society). Institute of Sciences Human and Social. Universidade Federal Rural
do Rio de Janeiro, RJ, 2006.
This dissertation had as bedding the study of the social universe of the young deriving
salesmen of pineapple of Marataízes/ES that comes "to work" in the streets of Rio De Janeiro
and starts to integrate agricultural and urban experiences through constant displacements
between "roça", its local of origin and the "city-great one", where they carry through vendas.
At last, this work is considered to think the condition to it of the young salesmen of pineapple
as articuladores of a ruralidade that imbrica agricultural and urban without that the original
identity is refuted, of youngsters of roça. In contrast, sustenance that occurs a construction of
this identity in a process that establishes and supports the possibility of rescues it and
potencializa it, when many thinks about a process of suppression or desestruturação to it.
KEY-WORDS: Youth, family, work, ruralidades.
viii
LISTA DE FIGURAS
FOTO 1 – CAMINHÃO NO LARGO DO MACHADO COM JOVEM ARRUMANDO OS FRUTOS
NA CARROCERIA........................................................................................................................ 9
FOTO 2 – LOCAIS POR ONDE ACOMPANHEI OS VENDEDORES DE FRUTOS...................... 11
FOTO 3 – CARRINHO DE MÃO NUMA ESQUINA DO BAIRRO CATETE................................. 12
FOTO 4 – ABACAXIS DISPOSTOS NO CARRINHO DE MÃO..................................................... 12
FOTO 5 – ABACAXI CORTADO PARA SER VENDIDO GELADO NO PALITO........................ 25
FOTO 6 – COMBINAÇÃO DE OUTROS FRUTOS COM O ABACAXI PARA DIVERSIFICAR A
VENDA ........................................................................................................................................ 26
FOTO 7 – CAMINHÃO DE MENOR PORTE, ESTACIONADO AO LADO DO MUSEU DA
REPÚBLICA, NO CATETE. ....................................................................................................... 29
FOTO 8 – CAMINHÃO EM MARATAIZES, CARREGADO DE PIAS DE PEDRA. O MESMO
CAMINHÃO NA SAFRA ALTA É CARREGADO COM ABACAXIS ................................... 30
FOTO 9 – INTERIOR DA CARROCERIA DE UM CAMINHÃO, ONDE OS JOVENS
COSTUMAM VIAJAR E DORMIR............................................................................................ 35
FOTO 10 - MUNICÍPIO DE MARATAIZES ..................................................................................... 40
FOTO 11 – PORTO CENTRAL, AONDE CHEGAM OS BARCOS CARREGADOS DE
PESCADO.................................................................................................................................... 41
FOTO 12LAVOURA DE ABACAXI EM LAGOA FUNDA, MARATAIZES ............................. 42
FOTO 13 – REGIÃO DAS LAGOAS.................................................................................................. 43
FOTO 14 – CAMPO DE FUTEBOL DE LAGOA DANTAS............................................................. 46
FOTO 15 – PLANTAÇÃO DE MANDIOCA A BEIRA DA ESTRADA. ......................................... 49
FOTO 16 - LAGOA FUNDA............................................................................................................... 66
FOTO 17 - LAGOA DANTAS ............................................................................................................ 67
FOTO 18 - LAGOA DO SIRI .............................................................................................................. 68
ix
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1
CAPÍTULO 1 - VIVÊNCIAS E ARTICULAÇÕES DE JOVENS ‘RURAIS’ NO RIO DE
JANEIRO 5
1.1. Paisagem Urbana: Primeiras Aproximações 5
1.2. Vislumbrar os ‘Rapazes da Roça’ Num Turbilhão de Urbanidade 8
1.3. Migração, Mobilidade ou Deslocamento? 14
1.4. Jovens “Da Roça” no Trabalho e na sua Sociabilidade na Cidade Grande 18
1.4.1. A condição juvenil do interior na “cidade grande” 18
1.4.2. Medos e alegrias 22
1.5. Trabalho: O Sentido do Precário e do Provisório Aparentes 23
1.5.1. Organização dos grupos de trabalho 24
1.5.2. Quem são e como se distribuem nos grupos e na cidade? 30
1.5.3. Quais os espaços que ocupam? 32
1.5.4. Com quem se relacionam? Como são vistos? 35
CAPÍTULO 2 - OS LAÇOS DE VIDA EM MARATAIZES, PARTIDAS E CHEGADAS 39
2.1. Marataizes: Uma Aproximação Geo-Histórica 39
2.2. A Cultura do Abacaxi 47
2.3. Organização do Trabalho na Roça 51
2.4. Produção e Comercialização 52
2.5. Sair para Comercializar e Ficar na Lavoura 53
2.6. Família, Comunidade e Propriedade: Projetos Individuais e Interesses Coletivos 56
CAPÍTULO 3 - INDO PARA AONDE AFINAL? IMAGENS DA CIDADE E DA ROÇA 71
3.1. Ruralidade 71
3.2. Valorização do Rural a Partir da Vivência’ do Urbano 73
3.3. Impacto da Mobilidade na Percepção dos Jovens: “A Cidade Grande” e a “Roça” 76
3.4. A “Cidade-Grande” no Projeto de Permanência na “Roça” 78
CONCLUSÃO 87
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO 89
1
INTRODUÇÃO
Nesse trabalho versarei sobre jovens de origem rural que realizam comercialização de
frutos diversos, prioridade para o abacaxi, pelas ruas do Rio de Janeiro buscando compreender
o universo social destes que integram vivências rurais e urbanas através de deslocamentos
constantes entre seu local de origem, Marataizes, e a “cidade grande”, onde realizam as
vendas. Enfim, neste trabalho proponho-me a pensar a condição dos jovens vendedores de
abacaxi como articuladores de uma ruralidade que imbrica rural e urbano sem que seja
refutada a identidade original, de rapazes “da roça”. Ao contrário, argumento que ocorre uma
construção desta identidade num processo que funda e sustenta a possibilidade de resgatá-la e
potencializá-la, quando muitos a pensam em um processo de supressão ou desestruturação. Os
trabalhos sobre jovens rurais têm situado a saída do jovem do meio rural para o urbano,
principalmente para trabalhar, como uma situação de êxodo rural e migração rural-urbana ou
como um fator de desgaste da identidade de origem. O jovem sairia por não encontrar no rural
as condições de permanecer. No que se refere ao mercado e as condições de trabalho, o
haveria terra para trabalhar, não haveria trabalho e, quando esse existe, as condições de
trabalho são duras e refutadas pela geração mais jovem. A opção natural seria a saída para a
cidade.
Numa condição peculiar de “saída” para a cidade grande se encontram os jovens
focados na presente pesquisa. Uma condição de mobilidade e precariedade nas condições de
trabalho nas ruas e esquinas do Rio de Janeiro e condições sócio-econômicas diferenciais na
origem, alguns com melhores condições para acessar esse trabalho que os outros.
Nas ruas dessa “cidade grande” os rapazes vivem novas condições de inserção pelo, e
no, trabalho. Eles passam a ter contato com diferentes atores e situações, o que os diferencia
em suas localidades de origem, também. Submetidos a um precário ambiente de trabalho,
relacionam-se desde com amigos de infância até com clientes que compram somente umas
poucas vezes seu produto, estabelecendo práticas que podem ser ordenadas através do espaço
e do tempo característicos deste caso especifico e que conformam uma nova forma de viver a
ruralidade.
A vivência da ruralidade em distintos espaços e acessando distintas nuanças me
surpreende e inquieta. Na minha trajetória acadêmica a mobilidade é uma constante e me alça
à situações sempre novas. Enquanto aluno do curso de Ciências Sociais da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, tive a oportunidade de trabalhar no campo da Sociologia Rural
com a professora doutora Anita Brumer, participando durante o período de 1999 a 2003 no
projeto Agricultura Familiar e Fruticultura, do Grupo de Pesquisa Estruturas e Processos
Sociais Agrários, daquela Universidade. Dois trabalhos realizados por mim neste período
acabaram por fomentar um maior interesse pelas discussões e questões da família rural,
principalmente no que se refere às relações intergeracionais. O primeiro dos trabalhos
discorria acerca da juventude rural e sua participação na divisão do trabalho dentro das
unidades produtivas em duas regiões do Estado do Rio Grande do Sul (Vale do Caí, com
produtores de citros, e Litoral Norte, com produtores de abacaxi) e foi apresentado no X
Congresso Mundial de Sociologia Rural (IRSA) realizado no Rio de Janeiro no ano de 2000,
tendo como título Juventude Rural: divisão do trabalho nas unidades produtivas e o segundo
tinha como foco principal à outra ponta da família rural”, a dita “geração dos pais ou avós”
(em contraponto à juventude), sendo monografia de final de curso, realizada e apresentada no
ano de 2003, intitulada: Aposentadoria Rural e nero: um estudo sobre os impactos da
aposentadoria rural na vida dos(as) beneficiários(as), no estado do Rio Grande do Sul. ao
optar pelo CPDA/UFRRJ, e continuar com pesquisas na área da Sociologia Rural (agora num
2
curso multidisciplinar) elaborei um projeto pensando em continuar meus estudos tendo como
universo a agricultura familiar e a fruticultura, realizando pesquisas com os produtores de
abacaxi do Litoral Norte do Rio Grande do Sul durante o mestrado, projeto este que não foi
seguido à risca, mas sim modificado, como veremos.
Ao chegar ao curso, e ao Rio de Janeiro, descobri minha condição de estrangeiro,
muitas situações de estranhamento me lembravam que eu estava de passagem, mas não estava
sozinho. Na nova situação de estudante (de pós-graduação), com novos desafios e em
ambiente desconhecido, busquei me adaptar. E uma das formas de adaptação era observar a
cidade e as pessoas ao caminhar pelas ruas. Foi justo esse olhar e esse caminhar que me
aproximou dos jovens de Marataizes. A priori mergulhados na paisagem da cidade, saltaram-
me aos olhos e então passei a vislumbrá-los como ícones de uma ruralidade num ambiente
tido, a priori, como de urbanidade. Incentivado por minha orientadora busquei os primeiros
contatos e obtive sucesso ao perceber a possibilidade de realizar um trabalho com esses
rapazes. As primeiras aproximações se deram em agosto de 2004 e se prolongaram até
meados de junho de 2006. No principio realizei conversas informais que buscassem me
desvelar os rapazes das esquinas (Quem eram? De onde vinham? Onde ficavam? etc.), após
essa aproximação apliquei entrevistas mais formais, com roteiro e estrutura, mas sempre
permeando as mesmas com conversas informais. Nesse processo de aproximação a
dificuldade foi grande, muito em virtude do não conhecimento do local de origem deles (eu
não conhecia Marataizes) e do medo que os mesmos têm da fiscalização da prefeitura (afinal,
eles trabalham num comércio tido como informal e ilegal). Percebendo essa dificuldade
realizei minha primeira viagem à Marataizes no final de 2004. Essa viagem me aproximou
mais dos jovens e fez com que eu realizasse a pesquisa de campo em dois flancos: as ruas do
Rio de Janeiro (onde os acompanhava) e as localidades de Marataizes de onde os rapazes
eram oriundos (onde os visitava e conversava com familiares e vizinhos). Tive a oportunidade
de ir a Marataizes mais três vezes (permanecendo mais ou menos duas semanas em cada
viagem), sendo que a mais recente foi realizada com um grupo de rapazes na carroceria do
caminhão. A condição de mobilidade me aproximava a eles num processo de entendimento e
valorização mútua.
Para esse trabalho, e em constante deslocamento, busco perceber o próprio olhar
desses jovens sobre o cotidiano, os caminhos, os lugares e as relações com os transeuntes,
tendo como apoio a proposição de Bourdieu quando este me sugere que as inquietações dos
jovens e suas preocupações não poderiam ser percebidas a priori. Boudieu (1989) ressalta que
uma boa forma de tratar os problemas teóricos e práticos da pesquisa é percorrer os caminhos
trilhados entre o pesquisador e os informantes, tendo sempre presente que qualquer referência
a procedimentos de pesquisa não esgota as estratégias infinitas da prática de pesquisa.
No entusiasmo de percorrer caminhos e fazer pesquisa, decidi caminhar ‘na pesquisa’.
Ao caminhar, “encontrei” esses rapazes pelas ruas da Zona Sul do Rio de Janeiro. De uma
primeira indicação e do começo das conversas até a presente data tive a oportunidade de
conversar-acompanhar mais de 30 (trinta) jovens. O acesso a estes fomentou e,
concomitantemente, passou a balizar minhas expectativas e perspectivas referidas a este
estudo.
Os jovens que acompanhei costumam vender seus frutos na área que vai do Catete até
a praia do Leblon, circulando pelas ruas ou parados nas esquinas durante o dia, num processo
desgastante. Por isso, foi muitas vezes colocado que o espaço onde eles se sentem à vontade é
o do caminhão, quando estão em deslocamento ou estacionados para dormir, e de uma pensão
no Catete, onde costumam tomar banho e jantar, momentos em que estão todos reunidos.
Nestes momentos eles reforçam os laços que os sustentam e os fortalecem a ponto de encarar
a jornada de trabalho no dia seguinte. Nesta sociabilidade e enquanto jovens, sentem-se
unidos e fazendo parte de algo maior. São rapazes da roça” que vendem abacaxi pelas ruas e
3
esquinas e o os que retornam para Marataizes após encarar os desafios e as privações na
cidade grande, num rito de passagem que delimita e reforça sua condição de aptos ao trabalho
e a pensar um projeto de vida.
O trabalho está dividido da seguinte forma.
No primeiro capítulo, descrevo o cotidiano dos jovens vendedores de abacaxi na
cidade do Rio de Janeiro. Isto foi feito no intuito de perceber como a socialização deles,
jovens oriundos do “interior”, se como grupo e, devido a isso, possibilita que as
dificuldades do dia-a-dia sejam superadas. Essas dificuldades vão desde a falta de condições
mínimas de trabalho até dificuldades com a fiscalização no Rio de Janeiro. O cotidiano de
uma grande metrópole é marcado por múltiplos estímulos. Quem está imerso por muito tempo
apreende os signos e passa a ler a realidade a partir daqueles signos, muitas vezes sem buscar
a leitura a partir de novos referenciais. O que temos é que, em tempos de mudança ao viver o
dia a dia, na busca da sobrevivência, muitas vezes, somos levados a mergulhar no
desconhecido. Experimentando novos estímulos. Estímulos sobrepostos, inclusive, aos quais
somos expostos e reagimos. De modo a operacionalizar a leitura, busco dirigir o olhar para os
jovens que comercializam frutos, principalmente o abacaxi produzido em Marataizes e ficam
pelas esquinas do Rio de Janeiro. Estes jovens experimentam o Rio de Janeiro em grupos, por
isso pensar-se-á a condição juvenil destes e como sua juventude parece ser fomentadora de
uma sociabilidade que suplanta as precariedades cotidianas encontradas no universo de
trabalho vivido por eles.
No segundo capítulo, procuro discutir os principais aspectos sociais envolvidos na
opção de diversas famílias pelo trabalho com a cultura do abacaxi focando a origem e a
formação das comunidades e o reflexo dessa formação nos grupos de trabalho para a
produção e a comercialização do fruto. Buscar-se-á, nessa perspectiva, compreender como
diferentes formas de vivenciar o espaço, suas potencialidades e as posições ocupadas pelos
agentes interferem nas composições e articulações possibilitando a saída e o retorno dos
jovens que comercializam frutos nas ruas e esquinas das grandes cidades. Faço isso, tendo
como cenário as três comunidades rurais de Marataizes/ES que são o local de residência da
maioria dos jovens comerciantes, lançando luz principalmente sobre os laços que parecem
sustentar e dinamizar as redes sociais que têm origem nessas comunidades e que têm tornado
possível conjugar presença-ausência de forma concomitante numa constante mobilidade e
balanço das situações vividas e dos esforços dispendidos.
O que sustento nesse capítulo é que as relações de vizinhança e parentesco
(perpassadas fortemente pela afetividade e vivenciadas nessas pequenas comunidades)
parecem balizar efetivamente todos os construtos sociais (história, organização geográfica e
econômica) a partir dos quais se alicerçam as opções por parte dessa parcela da juventude e de
suas famílias. Para ter sucesso em tal empresa buscamos organizar o capítulo da seguinte
forma: um panorama geral sobre o município de Marataizes, uma visão mais detalhada sobre
as três comunidades estudadas, a organização familiar, externa e interna de modo a ressaltar
sua formação e a conformação. Faz-se isso tendo em vista a organização da produção e da
comercialização, para que seja possível perceber o reflexo da mobilidade dos vendedores,
num cíclico sair-ficar-voltar-ficar-sair, no cotidiano desses e de suas famílias e a disposição
para lidar com o vai-e-vem dos jovens que comercializam os frutos.
E, no terceiro capítulo, explicito o impacto das imagens que esses jovens passam a ter
sobre a cidade e o “interior” através dos processos de deslocamento (ir e vir), tendo como
lente analítica a noção de ruralidade como conjugação do rural e do urbano no imaginário dos
mesmos, para poder perceber como se conformam e onde são pensados como realizáveis os
projetos desses jovens. Buscarei essa aproximação tendo ciência de que a fluidez na
intersecção do meio rural e do meio urbano é terreno profícuo para esquadrinhar as nuanças
diferenciadas da dita atração dos jovens rurais pelo urbano, suas vantagens (mais trabalho?
4
mais diversão? mais liberdade? mais e melhor futuro?) e desvantagens (dificuldade de
conseguir emprego, devido as maiores exigências do mercado de trabalho e maior disputa
pelas vagas; distância da família; etc.).
Enfim, a dissertação procura percorrer o caminho que fiz na pesquisa, saindo do Rio
de Janeiro, indo a Marataizes, com constantes idas e vindas, e pensando sobre a influência
dessa vivência na articulação e realização de projetos de vida.
5
CAPÍTULO I
VIVÊNCIAS E ARTICULAÇÕES DE JOVENS DE ORIGEM RURAL NA
CIDADE DO RIO DE JANEIRO
“Saber orientar-se numa cidade não significa muito.
No entanto, perder-se numa cidade,
como alguém se perde numa floresta,
requer instrução.”
W. Benjamim
Neste capítulo busco perceber como os jovens vendedores de abacaxi vivenciam o
cotidiano no Rio de Janeiro durante o período em que nesta cidade permanecem. Isto será
feito no intuito de perceber como sua socialização se dá, como jovens oriundos do interior
numa “cidade grande”, e como suas articulações
1
, como grupo, possibilitam que as
dificuldades do dia-a-dia sejam superadas.
1.1. Paisagem Urbana: Primeiras Aproximações
No nosso cotidiano, muitas vezes somos levados à mergulhar no desconhecido,
experimentando novos estímulos e reagindo a estes, independente de onde estamos. Numa
avenida movimentada ou numa praia deserta teremos estímulos, sendo esses espaços
socialmente construídos pelo homem ou não. A liberdade do pensar sobre o que se vivencia
nos faz reagir. A possibilidade de interação direta com outros indivíduos em espaços novos é
normalmente instigante.
O cotidiano de uma cidade grande, por exemplo, é marcado por múltiplos estímulos.
Nesse espaço, quem está imerso por muito tempo apreende os signos e passa a ler a realidade
a partir daqueles signos, muitas vezes sem buscar a leitura a partir de novos referenciais, mas
sim, permanecendo na segurança do conhecido.
Simmel (1996) nos lembra que notar um detalhe ou mesmo contemplar aqui e acolá
não basta para que tenhamos consciência de ver uma paisagem. Para este autor, para que
tenhamos uma paisagem tudo o que precisamos é que um certo conteúdo do nosso campo de
visão cative o nosso espírito. Cativados, teremos uma paisagem onde o material a nós
disposto é tão infinitamente diverso, o mutável de caso em caso, que os pontos de vista e as
formas que, com esses elementos compõem a unidade da impressão, serão também muito
variáveis.
“Roça” e “cidade grande”, rural e urbano, vêm se re-significando ao longo do processo
histórico nas sociedades. Ora o rural como lugar da ‘natureza’, ora o urbano como lugar da
1
Utilizo aqui a noção de articulação pensando esta como união de uma ou mais peças ou atores que
num processo relacional se sustentam mutuamente, conseguindo um do outro benefícios que não
seriam conseguidos sem a relação e, além disso, estes são alcançados em condições que não
prejudique nenhuma das partes envolvidas.
6
‘modernidade’ são tomados como imagem da vida ideal em sociedade. O que ocorre é que um
não está separado do outro e a dicotomia apontada entre eles não é uma realidade, mas sim
um mito que lida com adjetivos tais como homogêneo e com pouco dinamismo no caso do
campo e heterogêneo e o espaço da mudança no caso da cidade. A cidade aparece como
contraponto ao campo e vice-versa. O que é passível de questionamento se aceitarmos, por
exemplo, a heterogeneidade e o dinamismo do campo. A existência de diferentes civilizações
rurais com costumes, instrumentos e cultura diferenciada é a prova dessa heterogeneidade.
Para Williams (1989), a vida campestre “engloba as mais diversas práticas de caçadores,
pastores, fazendeiros e empresários agroindustriais”, e a organização varia “da tribo ao feudo,
do camponês e pequeno arrendatário à comuna rural, dos latifúndios e plantations às grandes
empresas agroindustriais capitalistas e fazendas estatais” (WILLIAMS, 1989, p.11). Segundo
este autor, o fundamental a se perceber nas cidades é que elas constituem, na verdade,
maneiras de nos colocarmos diante de todo um desenvolvimento social e que, muito
freqüentemente, sintetizam uma atitude mais ampla em relação à própria ‘transição
capitalista’, visto que o capitalismo, como modo de produção, é o processo básico por trás da
maior parte da história do campo e da cidade que conhecemos. Ao longo de séculos, impulsos
econômicos abstratos, prioridades fundamentais no campo das relações sociais, critérios de
crescimento, lucro e prejuízo assentados no paradigma capitalista vêm alterando nosso campo
e criando os tipos de cidades que conhecemos, numa reconstrução da realidade.
Um dos problemas é a comparação. As categorias campo e cidade são construídas e
percebidas em oposição, mas quando tomadas com base numa unilateralidade, equívocos são
cometidos. Durante muito tempo, o campo foi olhado tendo como parâmetro uma lógica que
não lhe é peculiar, a lógica das cidades, e sua originalidade foi submetida a uma outra
realidade, uma realidade que em muitos momentos o oprime e o considera inferior. Podemos
problematizar aqui essa condição diferencial. Para isso, buscar desconstruir essa hierarquia,
tratarei primeiro do que se convencionou chamar de condição urbana
2
.
A condição urbana é normalmente colocada como hegemônica e com a peculiaridade
de articular nossas noções de espaço e tempo sob a perspectiva industrial-capitalista. Os
habitantes de cidades, sugere Argan (1993), trazem dentro de si “mapas de um espaço-cidade”
e “registros de um ritmo de tempo urbano” que constituem o sedimento inconsciente das
nossas noções de espaço e de tempo, sedimento esse que é resultado de toda uma gama de
desenvolvimentos e acumulações de experiências realizadas num devir histórico. Assim, a
cidade moderna deu forma a uma ‘ideologia urbana’ que, como sugere ainda Argan, constitui-
se da dialética da ‘cidade ideal’ e da ‘cidade real’, onde ao definir a cidade como acúmulo ou
concentração cultural, esta ideologia urbana, contudo, considera não apenas os termos de uma
história da ideologia do poder, mas também toda a vivência dos indivíduos e da sociedade a
partir do urbano. Reforça-se nessa perspectiva uma hierarquia cidade-campo, própria da
modernidade. Nessa perspectiva, a divisão social do trabalho, com novas regras e
características do capitalismo em ascensão, destruiu modos de vida tradicionais, alterando
drasticamente tanto as estruturas sociais como o ambiente natural.
Como veremos a seguir, um dos temas centrais e clássicos na literatura sobre cidades é
a caracterização de um estilo de vida urbano. Autores como Wirth, Blumenfeld, Castells e
Park, entre outros, desenvolveram reflexões sistemáticas que até hoje são referências
importantes.
2
Gilberto Velho (1995), por exemplo, faz um balanço sobre a discussão acerca da urbanidade e
destaca que, paralelamente, a uma reorganização do espaço, às transformações da economia e na vida
política, a metrópole contemporânea, na sua constituição e natureza, está indissoluvelmente associada
a modos específicos de recortar e construir a realidade. Ela é conseqüência e, simultaneamente, causa
de novas visões de mundo, com concepções particulares de tempo, espaço e indivíduo.
7
Na peculiaridade de perceber a visão de mundo urbana, temos o trabalho de Wirth
(1943) que contrapõe o comportamento que os indivíduos assumem em área urbana àqueles
tidos como característicos do meio rural.
“...o estabelecimento de cidades implicaria no aparecimento de uma nova
forma de cultura caracterizada por papéis sociais altamente fragmentados,
predominância dos contatos secundários sobre os primários, isolamento,
superficialidade, anonimato, relações sociais transitórias e com fins
instrumentais, inexistência de um controle social direto, diversidade e
fugacidade dos envolvimentos sociais, afrouxamento dos laços familiares e
competição individualista”. (WIRTH, 1949, p.30)
O urbanismo como modo de vida, segundo Wirth, es presente na vida moderna
ultrapassando os limites da própria cidade; os meios de comunicação e transporte quebraram
as barreiras preestabelecidas do urbanismo, segundo ele
"(...) embora o local do urbanismo como modo de vida deva, evidentemente
ser achado caracteristicamente em localidades que preenchem os requisitos
para a definição de cidade, o urbanismo não está confinado a tais
localidades, mas manifesta-se em graus variáveis onde quer que cheguem as
influências das cidades." (WIRTH, op.cit.: 96).
Como veremos no presente trabalho, a urbanidade e as imagens acerca da cidade são
levadas para as lagoas de Marataizes em parte pelos jovens que vem ao Rio de Janeiro
comercializar frutos e o que é importante ressaltar é a legitimidade alcançada pelo discurso e
as impressões que estes tem e transmitem de suas experiências neste espaço no qual poucos se
aventuraram.
Outro autor que aponta nesse sentido é Blumenfeld (1977). Discorrendo sobre a
urbanização da humanidade, ele afirma que uma das grandes vantagens da metrópole é a
facilidade com que os trabalhadores mudam de emprego sem necessidade de mudar de casa.
O maior número de alternativas de colocação no mercado tanto para os trabalhadores como
para os empregadores e consumidores é a essência da metrópole. O trabalhador tem maior
possibilidade de escolher o seu emprego; o empregador pode encontrar uma grande variedade
de mão-de-obra especializada, assim como profissionais liberais.
Castells (1983) retoma a discussão, numa crítica à sociologia urbana em voga, e
afirma que, mais que um balanço econômico por parte dos indivíduos, o espaço urbano é
estruturado, quer dizer, ele não está organizado ao acaso, e os processo sociais que se ligam a
ele exprimem os determinismos de cada tipo e de cada período da organização social. O autor
propõe compreender a evolução e a problemática urbana a partir da análise da estrutura
urbana, definindo-a como sistema socialmente organizado dos elementos básicos que definem
uma aglomeração humana no espaço. Ainda segundo o autor, num período de crescimento
urbano, o fenômeno essencial é o das migrações. A fuga para as cidades é apontada muito
mais como uma decomposição da sociedade rural do que como expressão do dinamismo da
sociedade urbana. Como procuro demonstrar no decorrer do trabalho, é numa perspectiva
critica a essa decomposição da sociedade rural que está assentada a discussão que proponho.
Será que o rural também não é re-organizado? Será que o espaço do rural no urbano é
diminuto ou percebido como foco de desorganização e falta de estruturação? Ou o rural
encontra o seu espaço no urbano e, em virtude disso as migrações são crescentes?
Park, considerado o criador da Ecologia Humana, estuda a cidade como um
"organismo social", incorporando fundamentos ecológicos ao objeto sociológico e esse
aspecto de organismo social parece ser útil para refletirmos sobre o lugar dos rurais na cidade.
O habitante pico da cidade, o citadino, é definido por Park pela capacidade de atuar diante
de todas as relações, de distância e proximidade. O atrativo da cidade, como tal, é, para Park,
8
precisamente sua explosão em micro-sociedades; o mosaico urbano possibilita a todos os
indivíduos incorporar algumas partes de seu meio de origem. É observável nesse autor a
diferenciação dos tipos sociais, dos tipos profissionais, dos tipos de temperamento, cada um
representativo de um meio particular que Park vai denominar como “região moral”. Esta
inter-relação de tipos diferentes configura a cidade como um mosaico:
"Os processos de segregação estabelecem distâncias morais que fazem da
cidade um mosaico de pequenos mundos que se tocam, mas não se
interpenetram. Isso possibilita ao indivíduo passar rápida e facilmente de um
meio moral a outro, e encoraja a experiência fascinante, mas perigosa de
viver ao mesmo tempo em rios mundos diferentes e contíguos, mas de
outra forma amplamente separados" (PARK, 1916).
Na realidade observada por mim pude perceber, também, a cidade como um mosaico
onde as combinações de partes distintas conformam uma paisagem em movimento, onde o
rural e o urbano são acessados a todo instante. O principal questionamento e preocupação foi
o de perceber onde está e como se conforma a ruralidade na metrópole.
O que parece ocorrer, como demonstro, é o fato de indivíduos oriundos do interior
encontrarem espaço para viver sua condição rural ao mesmo tempo em que estão imersos
numa urbanidade. Eles são personagens (in)visíveis na paisagem urbana. Uma grande parte da
população que tem domicilio nas cidades é de origem rural e mantém laços afetivos com seus
espaços de origem e os transmite para as gerações mais novas. Esses indivíduos, ao
alcançarem sucesso em sua situação de migrantes tornam-se referências e atraem um maior
número de pessoas que, sob sua influência, saem do espaço rural. Adiante, veremos como se
deu o processo de perceber os rurais, no caso os vendedores de frutos oriundos de Marataizes,
destacando-os na paisagem urbana ao perceber sua condição na mesma.
1.2. Vislumbrar os Rapazes “Da Roça” Num Turbilhão de Urbanidade
Nesta pesquisa, a primeira aproximação reveladora de uma paisagem diferenciada nas
ruas do Rio de Janeiro se deu em novembro do ano de 2004. Elias (1994) escreveu "... cada
pessoa que passa por outra, como estranhos aparentemente desvinculados na rua, está ligada a
outras por laços invisíveis, sejam estes laços de trabalho e de propriedade, sejam de instintos e
afetos”. Resolvi perceber esses laços invisíveis (buscando adquirir confiança, no caso, tanto a
deles para comigo quanto a minha para a leitura do que ocorria em minhas incursões) para
que desse modo fosse possível percorrer a trama. E, nas ruas, passei a experimentar uma
aventura etnográfica
3
de estranhamento do que para mim era tido como desordenado e que
não contemplaria as expectativas de estudos acerca do universo “rural”. Com acuidade,
percebi que estaria fazendo neste primeiro momento uma ciência social em cidade e não da
cidade, que a cidade é percebida aqui como o contexto no qual se desenvolvem múltiplos
processos e fenômenos sociais (OLIVEN, 1980).
Assim, imerso nessas reflexões acerca das peculiaridades do contexto da metrópole
4
como um imenso mosaico, senti-me certo da possibilidade de estreitar os laços de confiança e
de entendimento com os indivíduos que ia descobrindo.
Na segunda quinzena de agosto do ano de 2004, instigado pela curiosidade e carregado
de dúvidas, busquei aproximação com uma das novas figuras que considerei representativas
3
A etnografia, por ora alinhavada, é a base para o entendimento das nuanças que imbricam o rural no
urbano e o urbano no rural, no caso dos vendedores de abacaxi sobre os quais lanço luz.
4
Eu também estava experimentando e vivenciando alguns dos lugares do Rio de Janeiro pela primeira
vez.
9
da ruralidade nas ruas da “cidade grande”
5
. Na paisagem da rua, os frutos, colorindo o cinza
da cidade, prontamente saltaram-me à vista. Mirando longe, dirigi-me aos caminhões que
costumam ficar estacionados no caminho para o bairro de Laranjeiras, logo após o Largo do
Machado (zona sul da cidade) (ver Foto 1).
FOTO 1 – CAMINHÃO NO LARGO DO MACHADO COM JOVEM ARRUMANDO OS
FRUTOS NA CARROCERIA
Fonte: Pesquisa de Campo, 2004.
Desde o momento em que vislumbrei de longe o primeiro caminhão carregado de
frutos, dois vendedores atendendo pessoas que paravam com seus carros ou a pé, percebi que
seria possível transformar aquela cena em uma reflexão sociológica!
A aproximação foi lenta. Diminui os passos enquanto me dirigia ao caminhão e qual
não foi a surpresa ao vislumbrar mais adiante outro caminhão carregado de frutos e em plena
comercialização. Estas primeiras imagens trouxeram à tona lembranças da saída da cidade de
Porto Alegre, nos meses do verão, quando inúmeros caminhões ficam estacionados vendendo
abacaxis, os frutos são oriundos de Terra de Areia, um pequeno município localizado no
Litoral Norte do Estado, ou quando, circulando pelas praias, encontrava jovens, com baldes
carregados de frutos, batendo de casa em casa e oferecendo os mesmos para os veranistas.
Então, estimulado por lembranças e pleno de expectativas, me dirigi às duas pessoas
que se encontravam na carroceria do primeiro caminhão. Notei que os dois estavam
atendendo aos transeuntes-clientes e que um aparentava ter aproximadamente 50 anos e o
outro uns 30 anos. Por esta ser a primeira incursão decidi conversar com o de mais idade,
acreditando estar respeitando uma certa hierarquia já que um deles devia ser o responsável ou
o motorista do caminhão. De pronto, perguntei o nome de ambos, numa forma respeitosa de
iniciar uma conversa (e, de olho na placa do caminhão que indicava Marataizes/ES).
Prontamente o de mais idade disse se chamar Sérgio, mais ou menos 50 anos, e o outro
Adriano, mais ou menos 30 anos
6
. Sérgio, o de mais idade, era o responsável pelo caminhão,
5
Os rapazes que acompanhei costumavam se referir ao Rio de Janeiro como “cidade grande”.
6
Os nomes dos informantes e entrevistados, citados neste texto, são fictícios.
10
filho de um produtor, e o outro, Adriano, seu primo. Aproveitei e me apresentei, dizendo meu
nome acompanhado da frase: “Não sou daqui (do Rio de Janeiro), sou do Rio Grande do Sul e
estou aqui estudando. no Sul participei de pesquisas sobre os produtores de abacaxi duma
cidade pequena do interior, por isso minha curiosidade.”
7
Aparentando mais familiaridade,
Sérgio me disse que ambos eram de “Marataizes, uma cidade onde se planta ‘muito’ abacaxi”.
Ao perceber o sucesso na aproximação, comentei que se é plantado muito abacaxi deve ter
muita gente que vem vender no Rio de Janeiro, esperando um aprofundamento das
peculiaridades da condição dessa cidade e seus jovens vendedores de frutos. Sérgio falou
então que sabia de mais de 40 caminhões que saíam da cidade para vender abacaxi tanto aqui
no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, Belo Horizonte e Brasília, cidades que de acordo com
ele eram escolhidas por ficarem próximas à Marataizes”). Comprovando a afirmação, pude
notar no decorrer do campo que os vendedores preferem o Rio de Janeiro em detrimento as
outras cidades grandes”, pois além de ser mais próxima mais pessoas circulando pelas
ruas. Enquanto se permanece em dia doze dias no Rio de Janeiro em Brasília eles
permanecem aproximadamente quarenta dias. Segundo eles, “com mais gente nas ruas a
venda da carga é realizada mais rapidamente e o retorno à Marataizes também”.
Segundo Sérgio, somente no caminhão “deles” estavam 10 pessoas. Os números me
impressionaram, devo admitir. Quarenta caminhões, cada um deles com mais ou menos 10
pessoas. É muita gente! Trabalho à vista! Assim, decidi acompanhá-los durante um bom
período do dia. neste primeiro contato pude notar algumas peculiaridades que depois se
mostraram recorrentes em outros grupos e caminhões que vem ao Rio de Janeiro. Primeiro,
que a venda dos frutos era contínua e ambos atendiam com paciência todos os interessados.
Depois, observei que os frutos estavam dispostos, em grande quantidade, no fundo da
carroceria do caminhão, próximos a cabine. E uma quantidade menor, destinada à pronta
comercialização, era trazida junto à parte de trás, onde podia ser alcançada por um dos dois
que permanecia sobre a carroceria do caminhão, enquanto o outro ficava na rua ou na calçada
atendendo aos clientes. Interessante, também, foi notar que alguns frutos eram pendurados na
tampa traseira da carroceria do caminhão. Depois de muito observar e perguntar surgiu na
conversa a questão da fiscalização por parte da Prefeitura do Rio de Janeiro, o ‘rapa’. E,
então, fui informado que a disposição e a arrumação dos abacaxis, colocados próximo a
cabine e pendurados na traseira do caminhão tinha uma lógica, que era a de facilitar o ato de
escondê-los. Eles estavam amarrados e podiam ser facilmente postos no interior da carroceria
do caminhão despistando aos fiscais (essa disposição dos frutos pode ser vista na foto 1). Os
problemas com o “rapa” foram situados como constantes e as preocupações quanto a estes
também. Segundo Sérgio, o trabalho nas ruas era cansativo devido ao fato da perseguição que
eles sofriam por parte da fiscalização (esse ponto será retomado no decorrer da dissertação).
Na conversa, perguntei se eles e o caminhão estavam sempre naquele mesmo local. Eles
responderam que o, ressaltando novamente a preocupação para com os fiscais e a
impossibilidade de estacionarem ali durante os dias da semana em virtude do risco de perder a
carga toda de frutos para os mesmos, ou ter de pagar para os fiscais os deixarem ‘trabalhar
honestamente’.
Informado de que os caminhões costumavam vir com mais de 7 (sete) pessoas,
perguntei então do restante dos jovens. Onde eles estavam? Os dois me falaram que os outros
jovens estavam “espalhados” num perímetro que abarcava praticamente todos os bairros da
Zona Sul, do Catete ao Leblon (ver foto 2), cada um deles com seu respectivo carrinho-de-
7
No decorrer de meu “campo” essa se mostrou uma forma diferenciada de conseguir uma certa
afinidade para com as pessoas com as quais conversava. Eu me colocava como uma pessoa que “como
eles”, era de fora do Rio de Janeiro, distante da minha cidade de origem e de minha família, no meu
caso, estando aqui no Rio de Janeiro para estudar e trabalhar.
11
mão carregado de abacaxis e instruídos a circular pelas ruas e vendê-los durante o dia e,
então, serem recolhidos” no princípio da noite (ver fotos 3 e 4). Acreditando que havia
descoberto boas informações para um primeiro contato, me despedi e, como o podia deixar
de ser, fui à procura de outro caminhão. Acabei encontrando.
FOTO 2 – LOCAIS POR ONDE ACOMPANHEI OS VENDEDORES DE FRUTOS
Fonte: Google Earth, 2006.
1 – Centro / Lapa
2 – Catete / Largo do Machado / Laranjeiras
3 – Flamengo
4 – Botafogo
5 – Urca / Praia Vermelha
6 – Leblon
7 – Copacabana
8 – Arpoador
9 – Ipanema
10 – Leblon
11 – CADEG / São Cristóvão
12
FOTO 3 – CARRINHO DE MÃO NUMA ESQUINA DO BAIRRO CATETE
Fonte: Pesquisa de Campo, 2005.
FOTO 4 – ABACAXIS DISPOSTOS NO CARRINHO DE MÃO.
Fonte: Pesquisa de Campo, 2005.
O segundo caminhão, naquela mesma tarde de domingo, estava estacionado alguns
quarteirões adiante, ainda no sentido Largo do Machado - Laranjeiras. Ao me aproximar deste
segundo caminhão já pude notar a mesma disposição dos frutos na carroceria em relação ao
primeiro caminhão, também no intuito de evitar problemas com fiscalização. Encontrei o que
pareceu uma mesma “fotografia”, uma mesma estética e “tática” dos vendedores de abacaxi,
13
relacionada principalmente às suas preocupações em evitar a fiscalização, com os abacaxis
dispostos de forma a serem rapidamente colocados para dentro da carroceria, evitando assim o
flagrante de comércio ilegal.
A conversa aqui também foi proveitosa e pude saber um pouco mais sobre a origem
dos frutos vendidos por eles, afinal Marataízes para mim era um ponto perdido no mapa do
Espírito Santo. Fui informado das belas praias e lagoas do município por um jovem de 13
anos, Gustavo, que atendia os fregueses na carroceria do caminhão. Luiz, outro jovem de 28
anos, disse que ficara de responsável pelo garoto, pois o pai, que era dono de outro caminhão
havia voltado à Marataizes para buscar mais uma carga de frutos. O que surpreendeu nesta
conversa foi ouvir do jovem de 13 anos que o Rio de Janeiro era lugar de trabalho. Ele disse,
“... as praias de Marataízes são muito melhores que as do Rio de Janeiro.
eu conheço tudo e sei que o pessoal de fora gosta também. Aqui nem
tempo pra nada, pra vender e juntar um dinheiro. Nós viemos pra pra
trabalhar, não tem como ganhar dinheiro fora da época em que vão os
turistas, principalmente o pessoal de Minas.” (Gustavo, 13 anos)
Foi assim, a partir de algumas conversas, que passei a notar que uma outra cidade
do Rio de Janeiro. Uma cidade que está atrelada ao movimento. Movimento de pessoas, de
carros, do tempo, do clima, de trabalho informal, dentre outros. Com pessoas que não são os
‘turistas gringos’ mas sim pessoas que vêm para trabalhar duro e tirar o sustento sem muita
proteção oficial, mas protegidos por suas relações. Relações com lugares (saber onde ficar
para vender mais e, ao mesmo tempo, não ser importunado pelos fiscais; onde dormir; onde se
alimentar), com pessoas na mesma situação de ‘vender na rua’
8
ou pessoas de longe que já se
estabeleceram na cidade, oriundos também do “interior”, e que se relacionam com a gente de
Marataizes.
Com satisfação, pude perceber que no caminho que percorri para voltar à minha casa
passei a “ver” alguns jovens com seus carrinhos carregados de abacaxis, jovens que deviam
estar ali quando passei anteriormente na direção inversa, mas que estavam ainda invisíveis ao
meu olhar até aquele momento.
Foi a partir destes contatos, que se prolongaram por 18 meses, que busquei dar
inteligibilidade ao fato corriqueiro de cruzar com jovens acompanhados de carrinhos repletos
de abacaxi nas ruas do Rio de Janeiro. Compreender a mobilidade deles pela cidade e o
porque desta opção, acredito, terá de estar articulada à análise da relação e da leitura para com
o Rio de Janeiro, seus lugares e sua gente. Digo isso na ciência de que não serão esgotadas as
infinitas possibilidades de arranjos e tendo a convicção de que estes podem ser posteriormente
ressaltados. Como busco demonstrar, a mobilidade dos jovens pela cidade, sua disposição
pelas ruas, obedece e aludi à um ordenamento do que antes parecia-me desordenado e diluído
na multidão. Assim sendo, percorro a cidade no intuito de revelar o sociológico no cotidiano
dos jovens rurais no que chamo intercurso rural/urbano’
9
, nessa situação de imersão num
universo urbano.
Durante o período de acompanhamento desses jovens, em diversas conversas observei
que os mesmos situam seu lugar de origem como o “interior”, o lugar de viver, e o Rio de
Janeiro, em oposição, como a “cidade grande”, ou o lugar de trabalho. Eles se colocam, se
vêm, como rapazes do “interior na cidade grande”. Nessa condição, os jovens comerciantes de
abacaxi procuram combinar o lugar de viver com o lugar de trabalhar, mesmo que os dois
8
A relação estabelecida pelos ‘jovens do abacaxi’ para com muitos ambulantes será aprofundada
posteriormente.
9
Uma freqüente comunicação estabelecida por eles entre o rural e o urbano, que parece diluída no dia-
a-dia porém está sempre presente em suas opções e expectativas futuras.
14
espaços distem oito horas na carroceria de um caminhão”
10
. O interior não é sempre rural,
aqui tomaremos o “interior” como categoria nativa e o “rural” como uma categoria descritiva.
No próprio município de Marataizes há o núcleo urbano, como na grande maioria dos
pequenos municípios do Brasil, agora o espaço com o qual os jovens que comercializam
abacaxi se identificam é o do interior do município, da região das Lagoas, região a qual eles
denominam de “roça”
11
A mobilidade se também entre o interior e o núcleo urbano de
Marataizes, normalmente quando se busca ir a escola ou a diversão, e é extrapolada quando na
condição de trabalho os jovens se deslocam para as cidades grandes, no intuito de realizar a
venda dos frutos produzidos nas “roças” de abacaxi. Essa mobilidade do interior para a
“cidade” grande parece elevar a um nível impar a flexibilização das fronteiras entre o rural e o
urbano, através de um movimento de saída sempre atrelada ao respectivo retorno, num
movimento dinâmico e freqüente.
1.3. Migração, Mobilidade ou Deslocamento?
A mobilidade está presente nos processos de migração e de deslocamento. Mas, um
deslocamento, por si só, não é suficiente para definir a migração. No estudo proposto irei
ressaltar a mobilidade numa perspectiva micro-estrutural de deslocamentos freqüentes, tanto
entre Marataizes e Rio de Janeiro quanto na própria metrópole. Todavia, cabe revisar a
literatura sobre migrações e destacar, que na abordagem sociológica o enfoque macro-
estrutural é predominante (migrações internacionais, rural-urbana, religiosas, dentre outras.).
Um primeiro grande conjunto de teorias sobre migrações reunem-se as que podemos
designar como micro-sociológicas. Estas apresentam como ponto comum, no fundamental, o
privilégio analítico concedido ao papel do agente individual. Em outras palavras, por muitas
que sejam as condicionantes externas à sua decisão - trate-se de um contexto econômico ou do
contexto social de ação privilegia-se a racionalidade individual que, no limite, conjuga
(diferenciadamente) estas e promove a decisão de mobilidade. A maior parte das teorias que
tomamos como micro-sociológicas” das migrações apresenta uma raiz econômica e a
maioria dos textos clássicos sobre migrações apresenta um parentesco nesta área. É o caso de
Ravenstein (1980). A idéia, mais ou menos explicitada, de que o motivo principal de uma
migração era o desejo do agente individual melhorar a sua condição econômica representa a
essência do modelo desse autor. Segundo ele, é com base na informação acerca das
características da sua região de origem e das potenciais regiões de destino (em particular a
situação de emprego e níveis salariais), que o migrante se decide por um percurso migratório.
Uma perspectiva mais diretamente sociológica do estudo micro das migrações
apresenta uma natureza, sobretudo, biográfica (os estudos de Menezes [1992, 1998, 2002] e,
também, os de Moraes Silva [1994] com os trabalhadores na lavoura da cana, são bons
exemplos). Neste caso, as principais variáveis estudadas são a influência do ciclo de vida
(individual e familiar)
12
- entrada na vida adulta, casamento, nascimento dos filhos, divórcios,
reforma, etc. - e da trajetória de mobilidade social incluindo carreira profissional - sobre os
percursos territoriais. É possível que se continue a admitir, como na perspectiva anterior, uma
10
Palavras dos que percorrem o trajeto.
11
Muito comum os jovens utilizarem essas categorias nativas articuladas, em frases como: “... sou
do interior e moro no meio das roças de abacaxi mesmo.”
12
A tradição do estudo das migrações segundo a perspectiva do ciclo de vida é, de certo modo,
longínqua. Os primeiros estudos deste tipo são de origem norte-americana. A forma de mobilidade
territorial analisada foi, no entanto, restrita: a maioria debruçou-se sobre a mobilidade residencial
intra-urbana ou, noutros termos, sobre a relação entre as necessidades de habitação, em contexto
urbano, e as fases do ciclo de vida.
15
“racionalidade” do agente humano. O fato de se abordarem variáveis com que a perspectiva
econômica não está habituada a lidar; e de se entrar em domínios onde a racionalidade
instrumental se funde explicitamente com a motivada por valores ou com comportamentos
afetivos e tradicionais justificam a ascendência na busca pelo entendimento e conjugação de
ambas as raízes, econômica e sociológica.
As teorias que podemos designar como macro-sociológicas distinguem-se, no
essencial, por privilegiar a ação de fatores de tipo coletivo (estruturante) que condicionam as
decisões migratórias dos agentes sociais, tal fato reflete não apenas o seu caráter estruturalista
como, simultaneamente, a sua ênfase nas variações espaço-temporal das características das
migrações. Na bibliografia consultada pude verificar que o mais comum era referir-se aos
movimentos freqüentes de pessoas de um município a outro para exercerem suas atividades
profissionais ou estudantis como “migração pendular”. Acredita-se que assim se está
repensando o próprio conceito de migração. Ainda segundo alguns, é o momento de deixar de
lado essa nomenclatura para adotar algo mais adequado, o termo “migração pendular” parece
um tanto problemático, visto que a noção de migração, que integra a expressão, sugere
mudança de domicílio, o que não ocorre no fenômeno da mobilidade pendular. Acrescentam
ainda que, o termo “mobilidade” parece ser adequado para se pensar esse tipo de
deslocamento, na medida em que o mesmo não implica mudança (seja definitiva ou
temporária) de residência. Grosso modo, a migração pode ser definida como uma mudança
permanente de local de residência (CUNHA, 2002).
Para Martins (1973), a migração não é apenas a passagem de uma localidade
geográfica a outra, mas consiste na transição do sujeito, sozinho ou em grupo, de uma
sociedade a outra. Nesse plano, o sujeito é alguém que se vincula, pelas suas relações com os
outros, a uma sociedade determinada, participando de uma cultura que fornece como
referência normas de comportamento apoiadas num sistema de valores. As relações de que
participa na sua sociedade original são estabelecidas com base nesses componentes culturais,
em graus variáveis, interiorizados na sua personalidade (MARTINS, 1973). Em outro trabalho
(MARTINS, 1988), no qual analisa as migrações regionais, esse autor novamente reforça a
idéia a respeito das mudanças ocorridas na vida daqueles que migram. O ausente e a ausência,
ele afirma, operam mudanças nas relações sociais do grupo familiar e do grupo de vizinhança,
algo que percebemos no caso que estudamos (como demonstraremos adiante).
Ponto interessante revelado, também, pelos trabalhos antropológicos é a idéia de que,
em contextos específicos onde as migrações se tornam estratégias sociais na comunidade
local, desenvolve-se aquilo que se tem chamado de “cultura migratória”. Os deslocamentos
inserem-se, desse modo, em uma matriz cultural que os legitima e lhes confere autonomia a
ponto de cada projeto migratório não depender, necessariamente, de um “sucesso econômico”
convencional, mas aqui no caso, da possibilidade do retorno como fato social total,
catalisando o poder simbólico através da prática de sacralização do deslocamento, que é
ritualmente encenado e encerrado (SAYAD, 1998, 2000; MAUSS, 2003; MENEZES 2002;
WANDA SILVA, 2002).
Pude acompanhar a chegada de alguns caminhões com jovens em Marataizes após a
permanência destes por um período no Rio de Janeiro e notar o carinho dispensado por ambas
as partes (os jovens que chegam e a comunidade, família e vizinhos, que ficam) e como
ocorre uma valorização do esforço dispendido por esses jovens na opção de ir para longe das
famílias. Um depoimento de um familiar parece ilustrar a valorização do esforço,
“... eles saem daqui e vão pra pra vender o que a gente tem de bom e
voltam mais alegres. Eles vendem os abacaxis e levam também o que a gente
é, gente simples que trabalha pra ter o melhor, paz e tranqüilidade. A gente
junto com eles e por isso a gente tá bem e por isso eles também estão
bem... nunca vai acontecer nada de ruim com eles, se deus quiser, e deus
ajuda a quem trabalha né? A gente aqui sabe que o trabalho é pesado,
16
acordar cedo, vender o dia inteiro. Não é todos que vão pra lá. Os que vão
voltam bem.” (Roberto, 47 anos, pai de Eduardo, 23 anos, que havia ficado
por duas semanas longe e acabara de retornar pra casa.)
Conforme Sayad (2000) a idéia original, para todo migrante, de que seu projeto de
deslocamento só encontra sentido se o ciclo vital da migração se fecha no retorno à terra natal
um princípio simbólico que inscreve a circularidade nas migrações. Um retorno para junto
da família e para onde se pode constituir família, a localidade de origem
13
, sustentada em
laços identitários reforçados no plano de um ideário que suplanta as distâncias e a pouca
mobilidade para visitas (no caso do estudo de Sayad, argelinos na França, as visitas se davam
somente no período das férias). no caso aqui estudado, busco demonstrar que os jovens
continuam interessados e envolvidos com suas famílias e comunidades e as possibilidades
proporcionadas pela migração pendular, mobilidade rápida, aparece como uma estratégia
importante para a reprodução social do grupo. A mobilidade passa a fazer parte da vida
cotidiana desses indivíduos.
Buscando ressaltar as dimensões sociológicas da condição dos jovens estudados,
inspiro-me no clássico The Polish Peasant in Europe and America de Thomas e Znaniecki,
editado entre 1918 e 1920, que versa sobre a integração dos camponeses imigrados da Europa
Oriental nas cidades norte-americanas. Os autores se propõem a analisar a comunicação
realizada através de cartas por parte dos migrantes para com os que ficaram em seus locais de
origem. Na nossa pesquisa, a comunicação entre os que ‘saem’ de Marataízes e os que ficam
(em grande maioria familiares) é ponto revelador das redes e relações que se estabelecem e
possibilitam o vai-e-vem entre Marataizes e outras “cidades-grandes”, tais como São Paulo,
Brasília, Belo Horizonte, além do Rio de Janeiro, revelando diferenciais de gênero e de
geração, visto que costumam viajar os mais jovens da comunidade e não existem moças
envolvidas nas viagens. As moças envolvidas são a mãe, as namoradas ou as esposas que
permanecem em Marataizes e povoam o imaginário dos jovens, ou nos momentos das
conversas em grupos ou nos de solidão, em lembranças sobre as dificuldades na criação ou os
dias alegres e na realização de projetos em comum como ajudar a mãe a comprar algo para
casa, ou sair no fim de semana ou até mesmo casar com as moças.
A comunicação é diária. Ela não se dá em forma de cartas, como no estudo citado, mas
sim através de uma comunicação oral entre conhecidos. O que costuma ocorrer são conversas
entre os jovens recém chegados (para levar notícias do Rio de Janeiro e receber noticias de
Marataizes) e os que estão partindo (caso inverso). Como já foi dito, as idas e vindas são
constantes e sua dinâmica possibilita que as informações fluam com rapidez, proporcionando
aos jovens segurança acerca do que está acontecendo em Marataizes, se sua família está bem,
como estão seus amigos, seus pertences, suas namoradas, as moças interessantes, etc., e
possibilita que não ocorra um distanciamento afetivo destes jovens para com os que
permanecem em Marataizes. Há, sim, um constante reforço e uma atualização do sentimento
de pertencimento à localidade de origem, sentimento esse que parece dar sustentação para
ambas as partes, os que saem e os que ficam. Estes têm a impressão de que apesar da distância
todos estão muito próximos pois continuam se preocupando com as coisas da família e da
comunidade e aguardando momento de se re-encontrarem em casa. Os laços que sustentam
esse pertencimento (trabalho, vizinhança, comunidade e família) parecem ser sustentados por
um ideal comum, que é o de manter residência na localidade de origem para fortalecer e
manter a unidade familiar, a comunidade e a articulação nesta forma diferencial de trabalho,
que remonta na sua especificidade de ausência/presença ao passado das famílias com a
atividade pesqueira. Ambas as atividades exigem que a família aceite que o que sai faz essa
13
Família aparece como um valor basilar das opções dos migrantes. “A família é considerada a
unidade básica de estudo das migrações entre camponeses.” (MENEZES, 2002)
17
opção para buscar o sustento e se ocupa somente com o trabalho, valorizando a opção que faz
e valorizando as opções feitas. Aventurar-se na “cidade grande” é percebido como
aventurar-se na imensidão do mar, exige disciplina, rigidez de caráter, ser bom trabalhador,
suportar dores e saudades.
Uma das diferenças dentre estas duas atividades, pesca e venda das frutas, é a
possibilidade da comunicação freqüente entre as partes, diferença esta que minimiza a
saudade e os medos acerca da possibilidade do não retorno (no caso da cidade-grande” pode
se ficar por opção e viver, no mar não pois ficando no mar se “morre”).
A escolha de quem é o transmissor dos recados e das noticias o é aleatória. Esta
depende de uma relação de confiança com aquele que vai ser o portador de algo o íntimo e
pessoal, como dizer a uma mãe a um pai que “estão todos bem”. Informações acerca da saída
e do retorno são fundamentais para dar segurança aos indivíduos e ao grupo. As proposições
de Fazito (2005), para quem os sistemas de migração dependem do “retorno”, tanto ao nível
dos discursos quanto ao nível das práticas, para a consolidação de um sistema migratório
estável e expansivo parecem ir de encontro ao que percebemos, mesmo que no nosso caso não
tratemos de um processo de migração como este autor. Para o autor, nesse constante dialogar,
constroem-se as representações acerca de ambos os lugares e legitima-se o acerto pelas
escolhas realizadas e é reforçado o aspecto simbólico da “coragem” de migrar. No caso
estudado, a possibilidade de retorno se cumprindo
14
, fortalece dois aspectos básicos: 1)
fundamenta todo e qualquer deslocamento, já que mostra que os indivíduos são capazes de os
realizar; 2) desempenha uma função estrutural de um sistema de migração que é a da
circularidade da rede social que se articula para se deslocar. O retorno representa uma etapa
fundamental do deslocamento migratório porque confere sentido e explica a unidade das
relações complexas entre ausência e presença, exclusão e inserção. O retorno é uma resposta à
ausência o retorno não é apenas um retorno ao espaço físico, mas essencialmente o retorno
ao espaço social transfigurado por eventos não vivenciado in loco por quem saiu. Interessante
notar como os eventos são contados em detalhes quando do retorno dos que estavam longe,
como se estivessem guardados de modo especial para receber os mesmos. Ocorre um diálogo,
numa troca que questiona a própria ausência. Por meio dos relatos e das conversas realizadas
com indivíduos que encontrou quando distante da família, o rapaz se mune de informações
sobre os que ficam e o que ocorre, e nos momentos de aproximação (chegada) é muito
valorizado, pois demonstra conhecimento dos fatos e busca mais informações de modo que as
conversas são realizadas com grande interação e, comumente, alegria. Casos em que o jovem
chega perguntando de um parente que adoeceu justo no momento em que ele esteve no Rio
de Janeiro ou retorna com algo que soube que um parente necessitava servem para reforçar
não os laços permanentes de afeto como os da necessidade da comunicação, mesmo que
temporária.
A comunicação os remete à condição temporária da ausência, que ao não se falar
todo o tempo de Marataizes, tem-se também o tempo de trabalho no Rio de Janeiro, busca-se
resguardar o tempo de viver em Marataizes e ser presente de fato lá, através da circulação da
informação.
O produto do fenômeno migratório, presença/ausência como faces de uma mesma
moeda articulada na comunicação e difusão de valores próprios do grupo, o apenas unifica
elementos opostos em um mesmo processo (regiões expulsoras e receptoras), mas torna esse
mesmo processo em constituinte de uma realidade econômica, social e historicamente distinta
(BOURDIEU e WACQUANT, 2000). Devido ao dinamismo da condição de mobilidade, uma
simples pessoa ou família engendra alterações significativas para toda uma comunidade (no
14
Até hoje não ocorreram casos de violência que impossibilitaram o retorno de algum jovem, por
exemplo.
18
caso dos jovens aqui estudados, são dezenas opinando e participando, como mensageiros,
emissores ou receptores, de um jogo de comparação acerca dos lugares vividos). Neste
processo, o que parece se operar é a transfiguração de um evento vital (saída para
comercializar os frutos ou retorno com os ganhos advindos da saída) em um significado
particular na estrutura social na qual se insere a pessoa ou grupo familiar (com alterações
ocorrendo tanto na origem quanto no destino - possibilidade de permanecer em mobilidade e
ser valorizado por isso). A saída para comercializar os frutos é algo que toma as
comunidades por inteiro. Fala-se muito nos bares sobre os que saem e os que ficam, os
caminhões que estão para sair, sobre as vagas nas equipes que vem para o Rio de Janeiro,
sobre quem tem o fruto para vender e como o retorno da venda direta ajuda o somente aos
que a realizam como a toda a comunidade.
O que percebemos é que os deslocamentos são legitimados socialmente através de
normas e valores próprios e passam a expressar processos de reconhecimento e pertencimento
coletivo. Ser um jovem que vai para a “cidade grande” vender os frutos um status na
comunidade que suplanta o simples ganho econômico advindo de tal opção, distingue o jovem
pela unidade de pertencimento à coletividade dos que trabalham com a cultura do abacaxi e
buscam a “cidade grande” como local de trabalho.
1.4. Jovens “Da Roça” no Trabalho e na sua Sociabilidade na “Cidade
Grande”
1.4.1. A condição juvenil do interior na “cidade grande”
Para o presente trabalho, o que interessa é perceber como os jovens cultuam laços que
os prendem ainda à condição juvenil da cultura de origem e, ao mesmo tempo, se percebem
inseridos (ou não) na cultura “urbana”. A juventude, como construção social, tem sido vista
como uma “fase da vida”. Uma fase marcada pela instabilidade e por incertezas que o
relacionadas a “problemas sociais” (MACHADO PAIS, 1993) freqüentemente associados aos
jovens do universo urbano, como se os jovens do universo rural fossem distintos a ponto de
não sofrerem com problemas como violência, drogas, desestruturação familiar, dentre outros.
Numa perspectiva crítica, de valorização da sociedade rural, ainda que entendendo que
o rural e o urbano se justapõem em diversos aspectos, está assentada a discussão que aqui
proponho. Nesta perspectiva, como busco demonstrar, é a acuidade da sociabilidade
proporcionada pelo vivenciar ambientes diversos que fomenta a distinção de jovens que
encontram seu espaço, mesmo que um espaço marcado pela precariedade no trabalho
concomitantemente ao estreitamento dos laços afetivos e de pertencimento à família.
Muitas são as formas pelas quais os sujeitos são reconhecidos na vida social. As
responsabilidades atribuídas, os direitos percebidos e a posição no ciclo de vida são algumas
delas. No decorrer do trabalho tento assentar o significado do ser jovem em sua condição
transitória e não delimitada por faixas etárias, mas, sim, reveladoras de uma sociabilidade que
vem confirmar atributos que são históricos e socialmente construídos reforçando-os e
delimitando quem é considerado jovem apto a estar no grupo.
Weisheimer (2005) especifica cinco abordagens utilizadas nas definições conceituais
sobre a juventude rural: faixa etária; ciclo da vida; geração; cultura ou modo de vida; e, ainda,
representação social. Como demonstro, é na peculiaridade da sua condição juvenil e da
socialização pelo trabalho na cidade grande”, por parte dos jovens comerciantes, que está
assentada sua inserção no interior da “cidade grande”.
Para Ariès (1986) a noção de juventude é construída social e historicamente, emerge
com a modernidade articulada a dois processos. Primeiro, às mudanças na organização
19
familiar, com a família se fechando num âmbito privativo, onde a juventude passa a ser
responsável pela reprodução da condição de existência da própria família ao mesmo tempo
em que passa a ser responsabilidade dos pais o preparo e as escolhas para os filhos terem
condições de sobrevivência. E em segundo, com a universalização e a institucionalização do
processo educacional, articulando as demandas do mundo do trabalho à possibilidade de
inserção das novas gerações. Num claro reflexo à crescente individualização do mundo
moderno. Dentre as fronteiras da condição de jovem o ingresso numa vida ativa, laboriosa, é
condição fundamental na transição juvenil, que através dela se passa a ter autonomia frente
à família originária. Daí uma das peculiaridades e ambigüidades da juventude. As opções de
trabalho, as escolhas referentes a este e a própria inserção laboral são normalmente
transitórias e variáveis entre os jovens devido a sua própria condição de transição, com seus
diversos momentos de escolha e tensões. No caso dos jovens vendedores de abacaxi veremos
que a transitoriedade está situada no interior da cultura do abacaxi, na produção e na
comercialização. O jovem quer galgar posições na hierarquia e, assim, suplantar as agruras da
transitoriedade para um projeto perene de vida nesta cultura. A maioria aceita começar nesta
como um vendedor que circula com seu carrinho-de-mão pelas ruas, mas quer conseguir
alcançar uma condição de mando numa roça e, se possível, ter condições de passar sua
experiência para um filho que irá valorizar o esforço dispendido por ele no passado. Esse
projeto, como ressalto, não é comum a todos os jovens vendedores de abacaxi. Os que são de
famílias que produzem o abacaxi, com acesso a terra, tem maiores possibilidade de realizá-lo.
os que o são de famílias produtoras, sem acesso a terra, vem esse projeto como distante
e então tem outros projetos (alguns poucos falam, inclusive, em viver e trabalhar na “cidade
grande”).
A condição juvenil, no caso estudado, está ligada à situação e condição de trabalho,
onde, como lembra Abramo (2005) “...é mais a falta de inserção pelo trabalho do que o fato
de estar trabalhando o que mina a sensação de viver a juventude.” (ABRAMO, 2005). Ainda
segundo esta autora,
“a juventude é o estágio em que acontece a entrada na vida social plena e
que, como condição de passagem, compõe uma condição de relatividade de
direitos e deveres, de responsabilidade e independência, mais amplos do que
os das crianças e não tão complexos quanto os dos adultos.” (ABRAMO,
1994, p.11).
Os jovens rurais por sua vez costumam ajudar aos pais em tarefas do dia-a-dia que são
fundamentais para a realização da produção. Nesta ajuda está incluso o processo de
aprendizado. uma vinculação do aprendizado ao trabalho no âmbito da esfera privada
(família). Temos de ter claro que a condição, a perspectiva e a noção de trabalho são
percebidas de modo diferenciado por diferentes estratos. Os jovens urbanos das classes
médias altas, por exemplo, passam a se preocupar com inserção no mercado de trabalho
somente após o período de formação para adentrar a esta esfera, esse período de formação é
muito mais longo que o dos jovens rurais.
As fronteiras da juventude são delineadas pelo desempenho de papéis sociais que
variam conforme a sociedade. O início da juventude, no ocidente, está diretamente vinculado
à puberdade, um novo aporte físico, e remete à distinção direta entre os gêneros e à
valorização e incorporação de novos papéis sociais para os ‘recém jovens’. O término está
ligado à condição de realização das responsabilidades produtivas, conjugais, domésticas e
paternas. A entrada como membro ativo na força de trabalho é um elemento central na
transição dos jovens. É a partir desta que se passa a ter autonomia frente a família.
Carneiro (1999), ao delimitar o universo dos jovens rurais propõe que se situe a
questão na discrepância entre o projeto de vida vislumbrado e as atividades em realização
como um empecilho a realização da esperada autonomia e formação de um novo núcleo
20
familiar. A superação desta discrepância estaria tanto na reflexão e no entendimento sobre as
condições objetivas de vida quanto na existência de um projeto para o futuro vislumbrado
através de estratégias idealizadas em diferentes graus que levem em conta as possibilidades
reais de realização dos projetos. Essa discrepância e a necessidade de sua superação, que
passa a ser o que caracteriza fortemente os indivíduos como jovens nas comunidades por ela
pesquisadas, têm reflexo direto na adequação destes jovens ao mercado de trabalho e a uma
condição laboral estável.
Na condição camponesa é o domínio do saber trabalhar que torna o homem capaz de
constituir uma nova família e esse saber é posto à prova desde os primeiros momentos num
constante saber e fazer sob a supervisão do pai-patrão. Nesta, o pai está autorizado pelo saber
a averiguar e a controlar o processo de trabalho. na condição urbana, por exemplo, o saber
para o trabalho está desvinculado da figura paterna e atrelado à escola e a uma formação
diferenciada para inserção no concorrido mundo do trabalho. A forma como a juventude
vivencia o trabalho é heterogênea e o caso estudado demonstra que os jovens são valorizados
pela sua condição ímpar no que se refere à mobilidade e à força de trabalho. Isto é, o trabalho
como algo positivo e como possibilitador do desejo de combinar a residência no local de
origem (Marataizes/ES) com o trabalho na cidade (Rio de Janeiro/RJ).
A juventude rural é compreendida por Durston (1998) e Wanderley (2003) como uma
categoria de pouca visibilidade, enquanto Carneiro (1998) a concebe como um pouco
imprecisa e variável. Até bem recentemente, a juventude rural passava despercebida pelas
pesquisas acadêmicas e projetos voltados para o universo rural. Porém, esta categoria vem se
impondo aos pesquisadores como a mais afetada pelas transformações que o campo vem
sofrendo, oriundas de processos econômicos que deflagraram na desestabilização da
agricultura familiar. Para Carneiro (op. cit.) (...) a juventude rural salta aos olhos como a
faixa demográfica que é afetada de maneira mais dramática por essa dinâmica de diluição das
fronteiras entre os espaços rurais e urbanos, combinada com o agravamento da situação de
falta de perspectivas para os que vivem da agricultura.” (CARNEIRO, 1998, p. 97).
Uma maneira de sustentar operacionalmente a categoria jovem rural’ é presente nos
estudos de Guigou (1968), em estudos que se referem à realidade francesa. Este autor vai
articular a problemática da juventude rural com a própria dinâmica e as mudanças rápidas
pelas quais passou o mundo rural. Essas mudanças parecem estar possibilitando, no caso aqui
estudado, novas formas de viver e valorizar o trabalho articuladas à condição juvenil. Em sua
caracterização da juventude rural, Guigou a divide em três etapas, baseando-se nas faixas
etárias de 16 e 24 anos: a primeira faixa fica entre 16 e 18 anos, final da adolescência, é o
período de afirmação de si mesmo, na família e na sociedade; a segunda faixa está entre 19 e
21 anos, fase marcada pelos ritos de transição, alistamento militar para os homens e
casamento para as mulheres; a terceira etapa fica entre 22 e 24 anos, é o período em que
emergem os conflitos de geração, momento em que os filhos disputam com os pais os rumos
da propriedade. Guigou aborda a juventude rural a partir de uma subcultura que esligada à
existência de uma cultura central juvenil do mundo urbano
Durston não utiliza as faixas etárias, ele divide a juventude rural em quatro fases:
adolescência; fase juvenil (desenvolvimento de habilidades); fase semi-adulta (incluindo os
recém-casados), período de contradições com os pais a respeito das orientações; e a fase da
maternidade e paternidade, quando se tornam completamente independentes. Enfatiza a
heterogeneidade juvenil, a partir da experiência Latino-Americana e ressalta que a juventude
rural se destaca pelas estratégias futuras, com as populações de jovens rurais crescendo em
ritmos diferentes e os jovens rurais migrando segundo diferentes lógicas e trabalhando em
atividades agrícolas e não agrícolas. Assim, segundo ele, os próprios jovens rurais estariam
buscando romper com sua invisibilidade. Estes estariam cientes que sua condição de
inferioridade é disposta a partir de um ponto de vista que prima pela não valorização de suas
21
capacidades e pela negação da realização de sua independência, a ponto deles não terem status
de atores sociais no espaço rural.
Cabe também problematizar a condição destes jovens como “rurais”, visto que hoje
semelhanças entre os jovens urbanos e os jovens rurais
15
muito em decorrência das
imprecisões quanto ao que se entende por rural, quanto pela intensificação da comunicação
entre os universos culturais e sociais do campo e da cidade. (CARNEIRO, 2005).
O caso dos jovens vendedores de abacaxi é impar. Eles parecem perceber seu espaço
como “rural” justamente através da intensificação da comunicação e da mobilidade que se
em seu processo de sair para trabalhar na “cidade grande”. Os indivíduos chamados ao
trabalho são em sua imensa maioria jovens que estão aptos a enfrentar as precariedades das
condições de trabalho alicerçando sua força para enfrentar um mundo desconhecido na
condição de jovens que agem de modo coletivo. Muitos desses jovens saem de Marataizes
atraídos pelas histórias dos que estão nesse trabalho. Para que tenham sucesso em sua
empreitada, a comunicação e a solidariedade é fundamental. Sua condição econômica-social e
de vivência
16
, articuladas a uma inserção ‘distante’ no urbano, é dinamizada pela
peculiaridade do trabalho (vai e vem constante) e pela sociabilidade intrínseca a eles, como
jovens, e diferenciada dos “outros” habitantes e/ou pessoas que circulam pela cidade. A
própria noção de habitus formulada por Bourdieu (1987) pode ser aplicada para o
entendimento da disposição social desta juventude. Esta noção, para Bourdieu, se forma
segundo as diversas espécies de capital de que dispõem seus detentores (educação, cultura,
economia, relações...). É na articulação entre os diferentes tipos capital que se delimita a
condição de jovem ao mesmo tempo em que seria uma ‘ficção’ se vista independente, visto
que deve ser relacional, “somos sempre os jovens ou os velhos de alguém”.
Importante é ressaltar que o caráter relacional revela condições e situações desiguais
de poder. Assim, muitas vezes, os papéis sociais estão alicerçados em representações coletivas
que, por sua vez, são frutos de disputas que fortalecem a valorização de determinados capitais.
Este processo social de disputa deve ser percebido num espaço de relações específicas tanto
entre si quanto para com os outros, onde a realização das responsabilidades (e até mesmo a
percepção de quais as escolhas são mais positivas?) é socialmente construída e é ditada
cotidianamente.
No caso aqui estudado, os rapazes parecem estar (re)construindo uma hierarquização
diferenciada, com os jovens assumindo novas tarefas, recompondo a visão sobre a sociedade
rural e firmando em novas bases as próprias noções de rural e urbano. As noções que
imbricadas
17
, orientam suas opções por distintos espaços para viver e trabalhar. Articula-se
assim o rural como “lugar de viver” e o urbano como “lugar de trabalho”. O viver se daria em
Marataizes, pois é que está a família, e o trabalho no Rio de Janeiro, pois nesta teríamos as
condições para sua realização, com um mercado de compradores para as frutas, por exemplo.
Agora, enquanto grupo que vem para a cidade grande parece que os jovens vivenciam
também no Rio de Janeiro as questões de Marataizes.
Ponto interessante para se refletir e inferir é o da relação que os jovens vendedores têm
com as moças da “cidade grandee com as de Marataizes. Todos os jovens acompanhados
15
Carneiro (2005), por exemplo, aponta similaridades no que se refere aos assuntos que mais
interessam aos jovens rurais (educação, emprego e cultura/lazer) em relação aos jovens urbanos.
16
“Experiência da vida” (Dicionário Aurélio)
17
Quando situo o rural e o urbano como imbricados lembro sempre da conformação de um telhado.
Penso o rural e o urbano como sendo as distintas telhas, diferentes umas das outras mas que
justapostas se sustentariam e manteriam o telhado como um todo. Inteiro, e não pensado
separadamente, esse telhado possibilitaria aos indivíduos circular protegidos das variações, tempo
ruim e tempo bom, sol e chuva.
22
durante o período da pesquisa disseram não ter interesse em meninas que não as de
Marataizes. Isso parece demonstrar acima do receio de uma estigmatização, por serem jovens
rurais que não teriam condições de flertar, uma forma de manter a segurança que os atrela à
vida e às pessoas que eles “deixam” lá. O que transparece é que, com a ciência de que a
ausência é transitória, o que eles “deixam de aprontar” no Rio de Janeiro é valorizado pelas
pessoas que, por sua vez, os esperam e os valorizam até mesmo em sua ausência. Os
momentos de conversa em grupos no final do dia (quando se reunem para jantar e dormir, na
pensão e nos postos de gasolina ou nas ruas) revelam uma circulação de informações sobre
quem está interessado em quem e se há possibilidade deste interesse se concretizar ou sobre se
a pessoa de interesse está se comportando bem e não está flertando com ninguém quando está
longe dos olhares do interessado. Também de forma relacional se mantém os afetos e valores
e se mantém um vínculo direto de interesse pelas coisas de Marataizes.
1.4.2. Medos e alegrias
A sociabilidade destes jovens no Rio de Janeiro se em grande parte circunscrita ao
coletivo. Eles parecem se aproximar para superar os medos e aventurar-se em busca de
alegrias, não sendo, na grande maioria dos casos, vistos de modo individual, separados.
Nas conversas que mantive, muitas vezes eles próprios se definiram como equipes que
comercializam abacaxi pelas ruas e situavam essas equipes como sendo “formadas por gente
jovem disposta a vir vender”. Foi possível notar que a individualidade parece ser vivida mais
intensamente dentro do grupo, para com seus pares, num processo de reforço de sua condição
juvenil do que fora.
Enquanto coletivo, os rapazes “da roça” encaram condições de trabalho precárias que
exigem: “cumplicidade”, “disposição pro trabalho”, “muita força de vontade” e “garra”, o
que, segundo eles próprios, somente se encontra em quem se conhece. Essa disponibilidade, e,
até mesmo necessidade, de conhecimento mútuo, reforça os grupos de trabalho e a unidade
das equipes como um todo. Cabe ressaltar que, mesmo quando com indivíduos que interagem
cotidianamente com eles de modo separado quando eles estão solitários pelas esquinas
(compradores, ambulantes), a individualidade está abarcada pela coletividade (eles se
reconhecem e são reconhecidos como rapazes vendedores de abacaxi). O coletivo é a equipe
que vem num caminhão e o individuo é o percebido quando disperso nas esquinas como
ambulante. Em algumas conversas, jovens que mais tempo comercializam abacaxi
revelaram que há alguns anos um responsável por um caminhão estabeleceu um prêmio para o
vendedor que tivesse o carro de abacaxi mais bonito, com os frutos melhor dispostos e
atrativos. Depois disseram que essa competição teve de ser suspensa, pois teve muita
competição e alguma tensão, que todos queriam ganhar o prêmio e “algumas vezes não se
ajudavam, como quando tinham de carregar os frutos no caminhão no fim do dia, para o
cansar”, por exemplo. Parece que esse caso revela o cuidado em manter o sentimento de
grupo.
Esse sentimento de grupo foi possível perceber na observação das relações
estabelecidas em postos de gasolina, pensões e no CADEG (Centro de Abastecimento do
Estado da Guanabara), localizado no Bairro de São Cristóvão, Rio de Janeiro. Nesses, por
exemplo, antes de serem indivíduos que buscam banho ou alimentação ou pagam para receber
um atendimento e querem ser distintos, eles são jovens que vêem comercializar os frutos e
estão em um grupo maior num caminhão. Quando chegam nesses locais eles chegam sempre
em grupos e aproveitam os espaços e se relacionam com as pessoas destes como um grupo.
Esta situação parece dar subsídios para que suas individualidades sejam vivenciadas em seus
grupos de origem, seja nos caminhões no Rio de Janeiro, principalmente no período da noite
quando fora do tempo do trabalho, seja em suas comunidades nas três lagoas de Marataizes,
locais onde é pensado o trabalho pelas ruas como coletivo, um jovem dependendo do outro
23
para que o retorno seja rápido e seguro. Essa possibilidade de socialização, com pares do local
de origem, mostra-se, fundamental, como um mecanismo de sustentação e mesmo de
sobrevivência na cidade grande. Os medos são enfrentados enquanto grupo e as alegrias se
situam também no âmbito da coletividade reforçando o amalgama que faz com que os jovens
optem por enfrentar as dificuldades na cidade grande. Segundo um dos jovens, “... aqui um
ampara o outro, a gente pode estar triste mas sabe que está junto e ai melhora. Se estivesse
sozinho ia ser ruim.” (Fabrício, 19 anos, vendedor de abacaxi).
Os principais medos citados foram: o medo da fiscalização da prefeitura (o rapa),
medo da própria policia (a polícia em alguns casos é menos respeitada do que os bandidos,
mesmo que nenhum caso tenha colocado esse ideário em questão), o medo de não vender a
carga rapidamente e com isso demorar a retornar para casa, medo de não suportar a distância e
ter de retornar para casa antes de vender toda a carga do caminhão em que se veio. Aqui pode
ser citada a ciência de casos em que jovens que vieram para ficar no mínimo 10 dias
vendendo frutos pelas ruas não agüentaram a situação que encontraram no Rio de Janeiro e
tiveram de ser embarcados em caminhões outros que o o com o qual haviam vindo para
recarregar as forças para, se possível entrar novamente num caminhão e na ciranda da venda
dos frutos. Essa pressão advinda das dificuldades e da precariedade encontradas parece se
abater principalmente sobre os mais jovens, que vêm ao Rio de Janeiro pelas primeiras vezes,
ou entre os que tem esposa e filhos e tem muita saudade dos mesmo. Como já foi explicitado,
as comunicações estabelecidas com os familiares e amigos na localidade de origem parecem
minimizar os medos e ajudar a suportá-los. Os medos são percebidos como inerentes a toda a
coletividade dos rapazes vendedores e por ela são minimizados.
As felicidades são buscadas também de forma coletiva. A grande felicidade citada é a
da comercialização de uma grande quantidade de frutos. Os caminhões costumam vir cheios
de frutos e a condição estabelecida para a volta a Marataizes é a da comercialização da
totalidade da mercadoria. Outra felicidade é a do encontro com os amigos e parentes no final
do dia, após a jornada de trabalho quando todos se preparam para jantar e dormir. Nesses
momentos, as conversas são normalmente sobre os que ficaram e os que estão envolvidos na
comercialização de frutos em caminhões que não chegaram ainda. Alguns jovens, depois do
jantar, costumam se reunir em grupos para andar por alguns pontos próximos ao local onde o
caminhão está. É interessante notar que jovens que durante o dia estavam quietos procurando
passar despercebidos no meio da multidão, na noite se soltam e comentam sobre as coisas que
viram durante o dia de trabalho pelas ruas. É como se em grupo, pelas mesmas ruas, se
estivesse em casa. Essa é outra grande alegria.
Os medos e as alegrias parecem estar diretamente atrelados a condição precária de
trabalho encontrada nas ruas do Rio de Janeiro.
1.5. Trabalho: O Sentido do Precário e do Provisório Aparentes
Quatro autores nos ajudam a pensar questões relevantes da realidade estudada, como:
a da precariedade e da diversidade do trabalho. São eles: Gorz, Castells, Castel e Boaventura
Santos.
O conceito de trabalho, segundo Gorz (1991) deve ser redefinido diante da diversidade
e da pluralidade de práticas emergentes de trabalho nas sociedades contemporâneas. Elas
envolvem mulheres, idosos, menores, se desenrolam no âmbito da chamada economia
informal e do mundo do não trabalho. Nesse sentido, o trabalho recobre um campo mais
amplo do que o de emprego ou do trabalho assalariado, constituindo-se em uma atividade
24
social presente em todas as sociedades, apesar das diferentes definições do que seja trabalho.
O trabalho não está, portanto, separado da vida.
Manuel Castells também situa o trabalho no cerne da estrutura social e, por sua vez,
discute a flexibilização no mundo do trabalho e a individualização do mesmo. O autor procura
caracterizar e teorizar as transformações atuais, considerando-as como uma nova etapa do
capitalismo de transição do industrialismo para o informacionalismo - onde esta possibilita
uma inserção e o aceite da situação de interdependência na precariedade em que se lançou as
bases do mundo do trabalho (CASTELLS, 1999).
Robert Castel (1998; 1997) ao discutir a instabilidade das situações de trabalho
remete ao problema da integração social, à medida que trás, para o primeiro plano, questões
vinculadas à precariedade, à vulnerabilidade, à exclusão ou a processos de desfiliação (falar
de desfiliação não é ratificar uma ruptura, mas reconstituir um percurso). Este autor aponta
um novo perfil de trabalhadores sem trabalho num processo onde a precarização do trabalho é
vista como central e comandado pelas exigências tecnológicas e econômicas da evolução do
capitalismo moderno.
Boaventura Santos (1999; 2000) por sua vez ressalta o sentido de necessidade de
superar a fragmentação do contrato social que era estabelecido e sustentado pela condição de
trabalhadores e que com as alterações no mundo do trabalho ruíram, através da valorização de
novas formas de articulação pelo trabalho (cooperativas, por exemplo ) que levem em conta a
ausência de contrato de trabalho que tem desembocado numa agudização da precariedade nas
próprias condições de trabalho.
Na precariedade e na instabilidade da situação do trabalho, que será utilizada como
viés analítico para se perceber o mesmo no universo dos jovens comerciantes de frutos, está
um dos pólos de entendimento da opção pela saída para a comercialização dos frutos.
Estes jovens se situam numa condição de ausência de contratos formais de trabalho e
inseridos numa situação de precariedade extrema. As condições de realização do trabalho são
difíceis, mas ainda assim os jovens continuam vindo vender os frutos. Eles se sujeitam às
condições precárias articulando-se para, através do trabalho que realizam, conseguirem
ganhos que possibilitem a vida, fortalecendo não somente sua condição de trabalhador mas
também a de familiares e vizinhos em Marataizes.
As opções de trabalho em Marataizes são poucas (comércio, construção civil, pesca,
roça, dentre outras) e, muito em virtude disso, os rapazes saem para vir para as “cidades
grandes” vender os frutos. Na cidade eles costumam passar de uma a duas semanas dormindo
nos caminhão, sobre um colchonete que costumam trazer de casa e com umas poucas peças de
roupa, e circulando pelas esquinas para evitar a fiscalização. É um trabalho duro que é muito
valorizado junto aos que permanecem em suas localidades de origem.
1.5.1. Organização dos grupos de trabalho
Os grupos de trabalho observados o bem heterogêneos e neles um componente
de confiança que possibilita uma circulação de jovens entre varias equipes para a
comercialização.
Aqui no Rio de Janeiro, os vendedores de abacaxi são vistos
18
e costumam se definir
como “ambulantes”. Eles se dispersam pelas esquinas vendendo os frutos inteiros ou fatiados,
mantidos devidamente gelados dentro de caixas de isopor e prontos para o consumo (ver Foto
5), por um preço acessível. O abacaxi costuma ser vendido a dois reais e cinqüenta centavos e
a fatia por cinqüenta centavos. O preço da fatia e a possibilidade de comer no momento da
compra parece facilitar a venda, segundo os rapazes. também o fato de que “algumas das
pessoas que compram as fatias comentam como é gostoso o fruto geladinho e ouvir isso é
18
Principalmente pelos clientes e outros ambulantes com os quais tive contato.
25
bom” (Valmir, 22 anos). Esse relato corrobora o que vi em muitos momentos em que estive
acompanhando os jovens pelas ruas.
Eles são cientes de sua condição de ilegalidade nas ruas da cidade e isso os incomoda
e os faz optar por tornar os frutos visíveis, enquanto eles permanecem calados. Muitos são os
casos de problemas com a fiscalização enfrentados. A questão da fiscalização é um dos fios
que os articula à rede de vendedores de rua e os fazem construir sua identidade de
ambulantes
19
.
FOTO 5 – ABACAXI CORTADO PARA SER VENDIDO GELADO NO PALITO
Fonte: Pesquisa de Campo, 2005.
Os vendedores costumam, realizar suas vendas justamente movimentando-se pelas
ruas escolhendo esquinas propicias tanto a uma boa venda quanto à fuga da fiscalização.
Ambulante é expressão corrente desde princípio do séc.XX na cidade do Rio de Janeiro. “... o
ambulante o possuía vínculo empregatício com nenhum estabelecimento ou empregador.
Era dono de seu próprio trabalho. Transitava pelas ruas da cidade em busca de freguesia.
Disciplinava o seu tempo e atividades segundo suas necessidades. O lucro das mercadorias
por ele vendidas era destinado para seu próprio sustento e para aquisição de novas
mercadorias” (MENEZES, 1998: p33).
Podemos diferenciar os vendedores de frutos em dois grupos distintos: os que
comercializam no período da safra alta do abacaxi e os que comercializam somente outros
frutos fora da época do abacaxi. Um grupo que está subordinado ao controle de um
responsável, normalmente responsável pela carga e pelo caminhão, e um outro grupo que tem
maior liberdade quanto à hierarquia e à autoridade presentes nas equipes no período da safra
alta do abacaxi. Isso parece ocorrer em virtude de não haver um produtor de frutos ou um
filho deste no meio, sendo a venda realizada e pensada por um intermediário e as cargas de
19
No Dicionário Aurélio “VENDEDOR AMBULANTE: vendedor que exerce o seu comércio,
movimentando-se, em logradouros públicos ou em locais de acesso franqueado ao público.[ Tb se diz
apenas ambulante.]”.
26
frutos serem repostas no Rio de Janeiro mesmo, compradas preferencialmente no CADEG
(Centro de Abastecimento do Estado da Guanabara). Em ambos os casos uma relação de
dependência. Todos estão dependendo de todos. O primeiro grupo é o mais comum durante o
período da safra alta do abacaxi, verão. O segundo grupo é o que se organiza para vender
outros frutos fora do período da safra do abacaxi.
Uma distinção importante é a que existe entre os jovens que são de famílias produtoras
de abacaxi e que tem acesso a terra e os que não vem de família que tem acesso a terra, mas
sim de famílias que tem outra ocupação principal ou até mesmo não tem ocupação. Essa
diferença baliza a possibilidade de trabalhar na venda durante a safra do abacaxi ou o e,
conseqüentemente, ao desejo e as possibilidades de permanência “na roça” e trabalhar na
terra, como se mostra adiante. Os vendedores procuram obter rendimentos maiores para
garantir um futuro e, com isso, o que parece estar ocorrendo, também, é a opção pela
diversificação dos frutos postos à venda para aumentar a atratividade e, conseqüentemente, o
ganho nos carrinhos (ver Foto 6).
FOTO 6 – COMBINAÇÃO DE OUTROS FRUTOS COM O ABACAXI PARA
DIVERSIFICAR A VENDA
Fonte: Pesquisa de Campo, 2005.
Segundo um dos vendedores do período da safra alta,
“... quando a gente bota mais frutos junto com abacaxi o carrinho fica
cheio e é o abacaxi que sai mais, mas também se vende as outras
frutas, então vale a pena botar. Agora o que eu gosto mesmo é de
vender. Mas que o abacaxi é de (Marataizes) então a gente fica
orgulhoso por vender. O pessoal que não tem abacaxi pra vender,
quando não tem colheita, fica chateado, parece que não vem pra
cidade vender e mostrar o que a cidade tem. Parece que se vem pra
ganhar o dinheiro.” (João, 26 anos).
A fala anterior revela o desejo que percebi em muitos jovens. Os que vem vender na
safra do abacaxi querem permanecer vendendo nesta e os que vêm no período da entresafra
querem ter a possibilidade de vender o abacaxi num futuro próximo, caso ainda não o tenham
27
vendido. O abacaxi parece possibilitar um ganho que extrapola o financeiro e, por isso,até
mesmo uma disputa maior por colocação e pontos de venda.
Na safra alta do abacaxi a possibilidade da escolha dos jovens que virão para a
“cidade grande” vender devido à intensa procura por colocação nas equipes, o que ocorre
concomitantemente a invasão de Marataizes pelos turistas no verão”, a dificuldade de
colocação no mercado de trabalho local, a alta do custo de vida e ao desejo de liberar a casa
para alugar para esses turistas (conforme alguns casos que pude notar).
Quem costuma formar as equipes são os indivíduos que tem condições de ter uma
carga de frutos para a venda, isso vinculado a necessidade de ter um caminhão ou o fretar. Ai
os jovens filhos ou parentes de produtores tem uma vantagem crucial. A carga do abacaxi
normalmente é comprada por um individuo ou é mesmo da família do responsável pelo
caminhão. no caso das outras frutas os jovens por não terem tido a oportunidade de vir
comercializar no verão e estarem descapitalizados para sobreviverem durante o restante do
ano em Marataizes optam por vir ao Rio de Janeiro para comercializar frutos comprados na
cidade mesmo.
Essa permanência na cidade grande é possibilitada por uma prática comum: a compra
dos frutos no CADEG de forma coletiva. Os jovens se cotizam e compram os frutos para
vender pelas ruas. A mercadoria é de todos, sendo que em alguns casos há jovens que
compram mais algumas frutas, diferenciadas, buscando vender mais e atrair mais
compradores. Essa permanência de jovens de Marataizes pelas ruas do Rio de Janeiro parece
colaborar no conhecimento que esses jovens passam a ter sobre a cidade e sua dinâmica, o que
por sua vez torna o seu trabalho mais organizado e possibilita que eles demonstrem seu
conhecimento sobre a cidade e as artimanhas para sobreviver neste trabalho.
Os filhos de produtores e parentes têm preferência na composição das equipes que vão
vender o abacaxi, visto que esse é visto como o principal produto para venda. Nas outras
equipes costumam entrar indivíduos novos na ciranda da comercialização. Estes indivíduos
são muitas vezes testados durante o período da venda de outros frutos como que num teste
para os qualificar a vender o abacaxi durante a safra alta.
Ao procurar perceber a organização dos grupos de trabalho no Rio de Janeiro,
esclareço como foi o próprio olhar sobre o cotidiano destes jovens, os caminhos, os lugares e
as relações com os transeuntes, tendo como apoio a proposição de Bourdieu quando este se
refere aos procedimentos de pesquisa, visto que as inquietações dos jovens e suas
preocupações não poderiam ser percebidas a priori. Boudieu (1989) ressalta que uma boa
forma de tratar os problemas teóricos e práticos da pesquisa é percorrer os caminhos trilhados
entre o pesquisador e os informantes, tendo sempre presente que qualquer referência a
procedimentos de pesquisa não esgota as estratégias infinitas da prática de pesquisa.
Uma imbricação de referenciais que sustenta muitas indagações foi a da articulação
entre espaço e tempo em diferentes situações. Uma dessas situações é a do próprio processo
de deslocamento para o Rio de Janeiro para comercializar os frutos, o que está por trás de toda
a dinâmica do dia-a-dia dos jovens no Rio de Janeiro e em Marataizes.
A vinda dos jovens costuma obedecer a alguns intervalos. Intervalos estes que são
ditados pela sazonalidade da produção dos frutos e de sua comercialização.
De modo geral, os jovens costumam permanecer de 7 a 10 dias no Rio de Janeiro e de
3 a 4 dias em Marataizes. Isso variando também conforme o mês do ano, já que no período de
festas, dezembro principalmente, a quantidade de frutos vendidos ‘dobra’ quando comparada
aos outros meses
20
. Assim, a permanência no Rio de Janeiro pode ser prolongada, se
estendendo para além de 15 dias conforme alguns casos relatados.
20
Nos meses da safra alta de abacaxi vende-se aproximadamente 4 mil frutos por carga e no mês de
dezembro o número de frutos pode ultrapassar os 9 mil por carga, devido ao período das festas de
28
A vinda para o Rio de Janeiro e a própria permanência dos caminhões e dos jovens
varia também conforme o clima, mudanças n tempo ou nas condições de tempo. Estando
chuvoso, muitos dos caminhões nem partem de Marataizes. Foi interessante perceber como o
clima norteia diversas das decisões tomadas tanto em Marataizes quanto no Rio de Janeiro, alçando a
natureza a condição de elemento cardeal mesmo na metrópole. Quando estive em Marataizes pude
presenciar um adiamento da colheita de uma roça de abacaxi em virtude da chuva de uns dias antes ter
afetado o efeito do produto químico colocado nos frutos para acelerar o amadurecimento dos mesmos.
no Rio de Janeiro os pontos de venda são ao ar livre, junto à outros ambulantes e vendedores que
tem nas pessoas que circulam pela cidade seus clientes potenciais e, devido a isso, “dias de sol são
sempre bem-vindos”.
Os responsáveis pela viagem
21
costumam ter contatos aqui no Rio de Janeiro para os
quais telefonam quando o noticiário na televisão indica tempo chuvoso.
O caminhão é mbolo das jornadas desses jovens. É no caminhão que eles vêm para a
“cidade grande” e é no caminhão que eles retornam. É o caminhão que os pega no final do dia
e é no caminhão que eles costumam dormir. Em um caminhão costumam vir em torno de 8
(oito) rapazes. Normalmente um responsável pelo caminhão e pela carga. Esse responsável
é também o formador das equipes e articulador do cotidiano na cidade (onde vender, onde
comer, onde dormir... etc.) e costuma ser filho de um produtor ou alguém que teve condições
de fretar um veículo e está bem articulado com os produtores de sua localidade, jovens que
optaram pela comercialização de frutos de terceiros e não adentraram ao universo da produção
(são poucos os casos em que isso ocorre). Os jovens que formam as equipes são
arregimentados em Marataizes e costumam passar o tempo, no Rio de Janeiro, imersos num
ambiente de trabalho, conforme eles mesmos afirmam. Eles costumam vir de Marataizes
somente com umas poucas peças de roupa e um colchão pequeno para dormir na carroceria do
caminhão, sendo então as relações que eles estabelecem importantíssimas para enfrentar as
dificuldades da jornada. As jornadas costumam se iniciar às 5hs da manhã e se estender até as
19hs, sendo que vai se dormir mesmo lá pelas 22hs.
Em virtude da acessibilidade e possibilidade de acompanhar os jovens que vem ao Rio
de Janeiro busquei orientar o foco nos caminhões que costumam circular no eixo Tijuca-
Catete-Zona Sul (ver Foto 7). Ao procurar incidências da circulação de diferentes caminhões
e jovens por este eixo, acredito ter situado em 7 (sete) o número de caminhões aos quais
estavam vinculados os jovens com os quais tive oportunidade de conversar. Alguns eu
consegui acompanhar durante um período de tempo extenso (do final do ano passado até hoje
em dia), outros tive oportunidade de contatar e conversar somente no período de safra alta de
abacaxi.
Natal e de Ano Novo.
21
Em relação a organização dos caminhões que vem ao Rio de Janeiro sendo oriundos de Marataizes
reparei que existem (a)os caminhões que são de famílias que possuem roça de abacaxi e (b)os que são
fretados por terceiros, sendo que estes compram os frutos de roças também de terceiros.
29
FOTO 7 – CAMINHÃO DE MENOR PORTE, ESTACIONADO AO LADO DO MUSEU
DA REPÚBLICA, NO CATETE.
Fonte: Pesquisa de Campo, 2005.
O abacaxi costuma ter sua safra forte no período de agosto/janeiro, no restante do ano
alguns caminhões costumam voltar a Marataizes e seus donos optam por trabalhar com frete
pela região próxima à área de produção mesmo. Fora do período de safra do abacaxi a
quantidade de caminhões vindos de Marataizes com o objetivo da comercialização de frutos
diminui, porém verifiquei que a comercialização de outras frutas é uma das fortes opções para
os que permanecem no vai-vem, Marataizes - Rio de Janeiro - Marataizes. No que se refere à
sazonalidade dos frutos, no período fevereiro/abril (aproximadamente) o forte é a
comercialização de melancia, tendo a seguir, no período de abri/julho, a pokan o produto de
melhor comércio. Segundo apurado em conversas e observações, muitos caminhões
costumam se deslocar para a Bahia e o Rio Grande do Sul carregados de pedras (ver Foto 8),
cujo frete é obtido nas pedreiras de Cachoeiro do Itapemirim, município localizado logo ao
norte de Marataizes, e, após a entrega, acabam retornando carregados de melancias. Estas
melancias são então distribuídas e comercializadas por esses jovens em algumas cidades,
inclusive no Rio de Janeiro. a pokan, a banana e o morango costumam ser comprados no
Rio de Janeiro mesmo. O CADEG, que fica localizado no bairro de São Cristóvão, é uma
referência quando se trata de frutos para comercialização pida por parte dos jovens
Marataizes. Muitos dos rapazes, como pude observar, compram os frutos (vi alguns casos em
que estes rateiam o custo e os lucros advindos da posterior venda) e eles próprios as ensacam
e vendem pelas ruas. A safra do abacaxi sofreu uma extensão, com abacaxi sendo vendido
durante boa parte do ano. Está possibilidade de vender o fruto por um maior período no ano
tem reflexo direto na conformação das equipes e na sua relação para com o trabalho. Os
jovens que comercializam o abacaxi se sentem mais valorizados, afinal é um fruto das terras
de suas localidades de origem e eles são conhecidos no Rio de Janeiro por serem vendedores
de abacaxi.
30
FOTO 8 – CAMINHÃO EM MARATAIZES, CARREGADO DE PIAS DE PEDRA. O
MESMO CAMINHÃO NA SAFRA ALTA É CARREGADO COM ABACAXIS
Fonte: Pesquisa de Campo, 2005.
1.5.2. Quem são e como se distribuem nos grupos e na cidade?
A grande maioria dos jovens que acompanhei tem idade variando entre 15 a 30 anos e
começou na venda de frutos com 13/14 anos, incentivados pela possibilidade de ganhar um
dinheiro próprio e fazer a própria vida. Eles costumam entrar na rede de comercialização por
meio de parentes de vizinhos.
Essa rede de relações e a formação das equipes dita os lugares em que se costuma
vender e/ou circular. Nestas é possível perceber diferenciais temporais e espaciais.
Durante a semana, os vendedores costumam ficar nas zonas mais afastadas da cidade
ou vender como ambulante caminhando pelas ruas sem parar o carrinho num local, pois
isso é proibido pela fiscalização. As zonas citadas são Tijuca e Barra da Tijuca, mais
tranqüilas, e as do Catete e Largo do Machado, que exigem uma atenção especial e geram
muita tensão. nos finais de semana as zonas mais disputadas são as de maior circulação de
pedestres ou carros, sendo elencados o Largo do Machado, a Lapa e a área litorânea,
principalmente a que compreende a área que vai do Leme até o Leblon. Essa distribuição
obedece a uma lógica que tem como objetivo evitar problemas com “o rapa”
concomitantemente à manutenção de locais de referência junto aos clientes-consumidores.
Foram vários os casos citados de pagamento aos guardas ou de perda das mercadorias para o
‘rapa’.
Uma das peculiaridades que se pode notar, quando se observa atentamente os
vendedores de abacaxi pelas ruas do Rio de Janeiro, é que o uso do carrinho para disposição e
a venda cumpre um papel e tem uma utilidade importante. Segundo eles, “dependendo do dia,
da hora e do local, quando se esparado se está chamando problema”. Ficar circulando é,
então, uma das alternativas para evitar problemas com o rapa. Com o tempo pude notar que
muitos costumam ficar em locais de menor visibilidade e, conseqüentemente, de mais lenta
venda de seus frutos, principalmente durante o período em que a fiscalização é mais
31
ostensiva. Costumam permanecer em ruas e esquinas que possibilitem uma visibilidade boa
do fluxo de carros e pessoas. Quando se aproxima o final da tarde alguns vendedores
costumam se deslocar para pontos de maior circulação e visibilidade aproveitando também o
maior fluxo de transeuntes e automóveis neste horário. Pude perceber que há uma conjugação
que busca otimizar a permanência nas ruas e esquinas do Rio de Janeiro e nisto o carrinho de
mão auxilia devido a sua mobilidade
22
.
Como foi exposto, a distribuição da oferta durante o ano se conforme a fruta da
safra: O período de agosto a março é o da safra alta do abacaxi e este tem prioridade total na
comercialização; depois vem a melancia, seguida da pokan. Os frutos, que não abacaxi, são
costumeiramente compradas no CADEG e embaladas e comercializadas pelos próprios
jovens. Os frutos são comprados num primeiro momento com o dinheiro do responsável pelo
caminhão e em alguns casos que pude observar os próprios jovens disponibilizam parte de
seus ganhos para comprar mais frutos, direcionando suas compras de modo a ter os tipos de
frutos que costumam vender mais. Conforme é realizada a venda é adquirido novo lote e o
mesmo é posto nas ruas para comercialização por grupos que permanecem durante a entre-
safra nesta atividade. Aqui principalmente jovens de famílias que não são produtoras de
abacaxi que se articulam para não perder os bons pontos de venda e conseguirem negociar
com as famílias produtoras do fruto a possibilidade de entrar no circuito da comercialização.
A venda de outros frutos parece ser, em casos de jovens que não tem nenhum vínculo de
parentesco ou amizade, uma forma de selecionar e testar os jovens aptos à uma futura lida
com a venda do abacaxi. Vendendo bem fora da safra ganham visibilidade como bons
vendedores e buscam ser chamados para vender o abacaxi na safra alta.
Os jovens que optam por trabalhar somente na safra forte do abacaxi, que vai de
agosto até março são, principalmente filhos de famílias produtoras do fruto. Eles retornam à
Marataizes no final da safra pra lidar na lavoura com os pais. também aqueles jovens que
mesmo não sendo filhos de produtores conseguem grande oferta de vaga nas equipes que vem
pro Rio e optam por permanecer grandes períodos durante a safra alta, de modo a demonstrar
dedicação e também obter um rendimento satisfatório a ponto de não necessitar voltar em
outros períodos do ano.
Durante várias semanas, pelo período dos dezoito meses, pude acompanhar os jovens
vendendo. Acompanhava-os enquanto caminhava pelas ruas ou indo até os locais onde eles se
reuniam à noite: na pensão do Catete, no posto de gasolina da Urca, no CADEG/Rio em São
Cristovão, no Maracanã, e notava que suas conversas versavam principalmente sobre suas
vidas em Marataizes. Eles costumam ir para sua cidade de origem após uma ou duas semanas.
Percebi que um mapa era traçado no e pelo movimento. E este tem permitido problematizar a
condição plural da própria identidade e/ou condição “urbana” e “rural”. Esta condição plural
tem reflexo direto, num contexto de caminhos que amealham redes (como linhas) num
processo de socialização tanto no interior das equipes de jovens que vem ao Rio de Janeiro
comercializar os frutos quanto na relação destes mesmos jovens para com os “da cidade”.
Busco deste modo contribuir ao entendimento das novas relações que os múltiplos espaços e
redes permitem construir.
Poderia me perguntar se os jovens estariam se territorializando. Como propõe
Haesbaert (2002) “territorializar-se” significa também construir e/ou controlar fluxos e redes e
criar referenciais simbólicos num espaço em, no e pelo movimento. Os territórios, aqui no
caso dos jovens, aparecem como descontínuos e superpostos, visto que as redes podem estar
tanto em processos que estruturam quanto que desestruturam territórios pois a mobilidade
22
Em relação à organização dos caminhões que vem ao Rio de Janeiro sendo oriundos de Marataizes
reparei que existem (a)os caminhões que são de famílias que possuem roça de abacaxi e (b)os que são
fretados por terceiros, sendo que estes compram os frutos de roças também de terceiros.
32
pelos espaços da cidade é grande. Acredito que ocorreria, ainda assim, um processo de
territorialização enquanto apropriação de referenciais que passam a possibilitar a permanência
dos jovens pelas ruas de modo mais seguro. Eles, por circularem pelos mesmos espaços da
cidade, acabam sendo reconhecidos por outros ambulantes, por consumidores e até mesmo
por outros comerciantes e conseguem criar vínculos que os tornam visíveis e possibilitam seu
reconhecimento enquanto detentores das condições de permanecer nas ruas. Essa segurança
seria principalmente um estado de espírito, que muitos dos jovens vêm do interior e num
primeiro momento sofrem com a distância da cidade natal. Estes jovens enfrentam a realidade
diferenciada da cidade grande para colher os frutos a posteriori, através do reconhecimento
por fazer parte do grupo de jovens que sai para vender e levar o nome da cidade para uma
grande cidade.
1.5.3. Quais os espaços que ocupam?
As relações na cidade encontram-se situadas desde a esfera interna das equipes de
trabalho até a externa, nas relações com os demais ambulantes, funcionários de postos de
gasolina, donos de bar e pousadas e clientes. Os grupos encontram-se sempre no período que
vai do final de tarde até o inicio da manhã. Estes encontros começam no caminhão, quando o
caminhão percorre as ruas para os ‘recolher’, e em algum local onde o caminhão possa
estacionar para que eles possam dormir e se preparar para o próximo dia de trabalho. É
comum no principio da noite os caminhões levarem os jovens até pousadas ou postos de
gasolina para que os mesmos possam tomar um banho e jantar. Quando o caminhão chega a
primeira coisa que eles fazem é pegar suas sacolas com algumas poucas peças de roupa e ir
tomar um banho. Os caminhões costumam parar em locais como ruas pouco movimentadas
dos bairros onde comercializam, mas o mais comum é irem para postos de gasolina
(principalmente um posto na Urca), para o estádio do Maracanã ou para o CADEG. Esse é
um momento em que muitos caminhões e muitos jovens se encontram. Pude participar de
muitos encontros de final de dia e perceber que as equipes são bem articuladas e vivenciam a
cidade de forma bem parecida, circulando pelas ruas e esquinas e em alguns casos,
permanecendo nas esquinas que possibilitam a visualização do “rapa” se aproximando. Isso é
possível pelo fato de que há uma circulação de alguns jovens por diversas equipes (jovens que
algumas vezes vêm em uma equipe e retornam em outras, por particularidades tais como o
desejo de permanecer mais tempo no Rio de Janeiro vendendo durante o período de venda
boa) e a informação sobre onde costuma andar o “rapa” é difundida..
Os encontros para o banho e o jantar são momentos em que uma divisão entre os
distintos grupos de idade e de hierarquia (motoristas, responsáveis e vendedores). É o
momento de contabilizar as vendas e planejar os dias seguintes. Mas é também momento de
encontro, de troca, de receber notícias da família que ficou em Marataizes através de amigos
que chegam de em outros caminhões. Momento de discutir o trabalho e sua dureza, tendo
como contraponto os jovens que ficaram em Marataizes que são vistos como não aptos a
realizar a jornada para vender na cidade, nessas discussões a sexualidade dos que ficam,
muitas vezes, é colocada em dúvida e o valor simbólico da opção pelo deslocamento é
ressaltado, numa constante valorização de características como honestidade, masculinidade,
coragem, status diferenciado na comunidade, dentre outros.
A relação entre os jovens é reforçada nos momentos de descanso. Um dos locais em
que os jovens costumam tomar um banho e jantar é a pensão de dona Joana. Dona Joana é
uma senhora de mais de 60 anos oriunda de um município próximo a Marataizes, Cachoeiro
do Itapemirim. A pensão tem três banheiros e cozinha com fogão industrial para conseguir dar
conta da demanda por banho e comida nos momentos de maior movimento quando mais de
50 vendedores de abacaxi costumam procurara a pensão. A relação entre a dona da pensão e
33
os rapazes é tida como “de mãe para filho”, como afirmam ambas as partes. Ela própria não
sabe como os rapazes a localizaram e isso é sempre ressaltado como se fosse uma questão que
os unisse ainda mais. Ali na pensão eles têm a oportunidade de assistir televisão e comentar as
noticias e as novelas. Formam-se grupos também entre os que gostam de novelas e os que não
gostam e ocorrem muitas brincadeiras sobre essa opção por assistir televisão, e principalmente
novelas. A pensão é bem localizada, pois fica próxima a maioria dos pontos de venda e
central quando se pensa na dispersão das equipes pela zona sul. Ela possibilita, ainda, que os
caminhões parem em lugares próximos para passar a noite. O custo da alimentação também é
tido como “justo”. “Come-se bem e paga-se o justo” segundo muitos dos jovens.
Os postos de gasolina também são uma opção. Uma diferença é que nestes não um
espaço onde os jovens possam assistir a alguma programação na tevê, assim após o banho e a
janta costuma-se ir direto para a carroceria do caminhão. A comida nos postos é considerada
“mais fraca” e “cara” em relação à da pensão, por isso a mesma tem a preferência por parte
dos jovens. Os funcionários dos postos de gasolina são muito solícitos e é comum as
conversas versarem sobre o dia de trabalho e também sobre Marataizes. Os frentistas têm
grande curiosidade para conhecer a cidade dos vendedores de abacaxi.
No mês de agosto tive a oportunidade de ir à um dos locais que é freqüentemente
citado como “local pra na noite... tomar um banho, jantar, conversar um pouco e dormir, pra
no outro dia estar de cedo e ir pra rua... pois o que o dinheiro é a venda do abacaxi.”
(Desevi, 24 anos), que é um posto de gasolina na Urca. O lugar foi citado por diversos jovens
com os quais conversei. Jovens de quatro caminhões diferentes disseram já ter parado neste
posto para tomar banho e dormir. Fui ao encontro deles na noite de um sábado, ficando do
período das 19h até 23h, as 23h estavam todos dormindo. Quando cheguei não havia
nenhum sinal de caminhões de abacaxi, então fui conversar com um frentista do posto. Ele me
disse que realmente costumam chegar no início da noite alguns “caminhões com o pessoal
que é de Marataizes e vende os abacaxis aqui no Rio”. Não demorou muito e chegou o
primeiro de três caminhões naquela noite. Tive o ensejo de conversar com alguns dos jovens
deste caminhão, porém como o dia tinha sido longo e cansativo e o que eles procuravam era
“se preparar para dormir”, busquei ter a sensibilidade de observar mais do que inquirir. Vi que
os caminhões costumavam chegar e o pessoal saía direto para conversar com os ocupantes dos
outros caminhões, numa interação de muita intimidade e descontração. Conforme Gilberto, 33
anos,
“nos caminhões é tudo vizinho e parente... a gente daqui é tudo de Lagoa do
Siri
23
... tudo primo... e isso ajuda bastante pois o ruim no Rio é a violência, a
gente anda com medo de ser assaltado. Procuramos andar com o dinheiro
contado, mas a vida vale muito mais... nós costumávamos dormir no
Maraca também, alguns no caminhão e outros no chão mesmo e ai nós
vamos numa pensão pra tomar banho e jantar... O esforço vale a pena pois
no Rio bota a fruta e vende, em Marataizes não vende... nossa rotina aqui é
acordar as 6h... tomar café... arrumar os frutos e vender até 18... 19h. É
trabalho, tomar banho, conversa, ver as notícias (principalmente as do
23
A oportunidade de ter ido até Marataizes nos meses de Março e de Agosto se mostrou valiosa. No
principio de meu campo no Rio percebi o pessoal de Marataizes muito arisco e desconfiado. Conforme
fui percebendo o que dificultava uma melhor inserção e diálogo com eles era junto com os problemas
relacionados ao rapa’ o fato de eu não conhecer de onde eles vinham’, alguns deles inclusive me
falaram o seguinte: “... a gente não sabia quem você era e você vinha cheio de perguntas, curioso
demais... ai a gente tem de desconfiar né!”. Quando voltei de Marataizes no final do mês de março
houve a coincidência de já ter me tornado mais próximo de alguns dos jovens que passei a
acompanhar e a possibilidade de falar sobre as coisas da cidade deles e, principalmente, entender
quando eles falavam dos vizinhos, das roças, das praias, dentre outras coisas. O dialogo fluía e as
informações foram sendo balizadas por conversas mais soltas e amplas.
34
futebol!!!) e ir dormir... sou da roça, guardo o dinheiro que ganho... O
pessoal valoriza os que trabalham, buscam frutos na roça, no CADEG. Não é
qualquer um que vem com as cargas.”
Atento ao que acontecia ao meu redor, notei que as conversas giravam em torno do dia-a-dia,
das idas e vindas ao Rio de Janeiro, da preocupação e da organização com o ‘banho e a
comida’. Outro fato que chamou a atenção foi o de que os mais jovens, na faixa dos 15 a 20
anos, se reuniram num pequeno grupo que estava mais quieto se comparado aos de mais
idade, que ficavam mais próximo dos caminhões e conversava em voz alta sobre a
programação para o dia seguinte (domingo), um dia cheio de trabalho segundo eles. A venda
de sábado foi considerada por todos como satisfatória e, inclusive, o grupo de um dos
caminhões esperava ‘terminar a carga’ para voltar a Marataizes na manhã da segunda-feira
24
.
A sociabilidade interna do grupo realçava (e parecia reforçar) os laços e as notícias relativas
ao interior, suas idas e vindas e sua opção por vir ao Rio de Janeiro “como trabalho”.
Um dos jovens com o qual conversei foi Reginaldo, 23 anos, que costuma vender no
carrinho. O caminhão no qual ele estava, fica sábado e domingo pela Urca e nos outros dias
vai pra Barra da Tijuca, onde não maiores problemas com fiscalização... que leva
mercadoria e dinheiro... de vez em quando temos de dar dinheiro pra eles não nos
prejudicarem”. Costumam dormir ali mesmo na Urca, no posto de gasolina, e durante a
semana lá pelos lados da Barra da Tijuca no caminhão mesmo. Ele disse trabalhar nos
períodos de setembro à janeiro com a venda de abacaxi, que é buscada na roça, 3mil abacaxis
por semana, e de fevereiro à abril, época de melancia que eles pegam no CADEG (São
Cristóvão) e nos caminhões oriundos da Bahia e do Rio Grande do Sul. Reginaldo afirmou
morar na zona rural de Marataizes, na casa dos pais, e vende abacaxi aproximadamente 10
anos, junto com vizinhos e parentes de Marataizes. Os vendedores do caminhão, segundo ele,
ficam todos espalhados pela Zona Sul. Ele tem dois irmãos (28 e 32 anos) e uma irmã (de 34
anos). Os irmãos são casados e plantam abacaxi em terras arrendadas e a irmã é casada e
cuida da casa. Em relação ao Rio de Janeiro ele disse: “aqui é trabalho em Marataizes é
bom, calmo, mas não tem serviço, mas eu moro é lá. É lá que conheço as pessoas”.
Feita a alimentação os caminhões costumam se espalhar pelas ruas de menor trânsito,
para encontrar um lugar para estacionar onde os jovens possam dormir. na saída da pensão
ou dos postos jovens dormindo nas carrocerias. O clima de excitação pelo encontro
durante a janta é estendido por alguns ao encontro do lugar de pouso mas a grande maioria
dorme após a janta. A carroceria do caminhão normalmente é tomada de palha, abacaxi e
carrinhos de mão (carrinhos com os quais eles vendem os abacaxis). Então os jovens
costumam se aninhar nos locais vazios da carroceria com seus colchões para dormir (ver Foto
9) (é comum também, em dias muito quentes de verão, os jovens colocarem seus colchões sob
o caminhão para dormir). Normalmente quando estão reunidos os jovens estão ou pensando e
preparando o dia ou cansados e querendo descansar e jogar conversa fora. Os momentos
reunidos são momentos de reforço dos laços que sustentam o grupo. São poucos os casos em
que uma pessoa do grupo saí para farrear ou beber. Segundo informações, não costuma surgir
nenhum problema nos grupos que são montados para a comercialização
25
. Agora, foi possível
perceber que alguns jovens formam grupos para caminhar a noite, após o jantar, por exemplo,
24
Os jovens estavam comercializando frutos (pokan, morangos, bananas, papaias) que haviam
comprado no CADEG do Rio de Janeiro.
25
Houve um caso, que pude acompanhar, em que um jovem foi repreendido por haver vendido frutos
e não tendo entregue os mesmos. Após, o fato ter ocorrido, um de seus colegas me disse que o jovem
estava ‘metido com bebidas’ e tinha sido afastado, tendo inclusive problemas de colocação nos grupos.
35
para percorrer conversando em voz alta, muitas vezes, as mesmas ruas que percorreu calado
durante o dia.
FOTO 9 – INTERIOR DA CARROCERIA DE UM CAMINHÃO, ONDE OS JOVENS
COSTUMAM VIAJAR E DORMIR
Fonte: Pesquisa de Campo, 2005.
Durante o dia, que começa com os jovens indo a algum bar, conhecido, para tomar
uma chícara de café com um o com manteiga. Feito isso, os caminhões partem para seus
destinos, deixando os jovens pelas esquinas da zona sul. Nas ruas os jovens passam a se
relacionar então com outros atores. Outros ambulantes passam a ser referência para eles,
sejam pelo preço camarada na mercadoria que vendem (muitas vezes trocadas por abacaxis)
seja pelas informações sobre a circulação de clientes ou da kombi da fiscalização. A
disposição dos jovens pelas ruas está condicionada pelo tempo e pelo espaço. Quando é dia de
semana e horário comercial os jovens procuram lugares mais afastados ou então se colocam
de modo a poder escapar da fiscalização com rapidez. Os clientes que compram os frutos são
desde os pedestres até os que passam com seus carros, interessante notar que, normalmente, o
preço é diferenciado. Cliente de carro paga mais pelo mesmo tipo de produto. As ruas são
ocupadas obedecendo um certo ordenamento também quanto a relação para com os
comerciantes estabelecidos. Procura-se não se envolver ou afrontar estabelecimentos que
comercializem frutos e busca-se uma articulação com donos e funcionários de bares e outros
comércios que possuam um banheiro, por exemplo.
1.5.4. Com quem se relacionam? Como são vistos?
Em seus deslocamentos pelas ruas e esquinas do Rio de Janeiro os jovens m contato
com diferentes atores. Passam a conviver de forma direta com amigos de infância no espaço
do trabalho, com comerciantes incomodados com sua presença, com ambulantes que estão na
mesma situação de precariedade e com clientes, desde os que compram somente umas poucas
vezes até os que compram todas as semanas, delineando um universo constituído por práticas
ordenadas através do espaço e do tempo característicos deste caso especifico.
36
A relação com os clientes normalmente é distante, reflexo dos medos que tem da
apreensão da mercadoria por parte da fiscalização, o rapa. No dia a dia da cidade os jovens
aprenderam muitas artimanhas, principalmente em observações da rotina de vendas. uma
diferenciação no atendimento e no preço destinado a clientes que param os carros para
comprar e para os pedestres, por exemplo. Essa opção parece estar assentada na mobilidade e
na condição de ausência/presença que os torna invisíveis para a maioria dos que circulam
pelas grandes cidades.
Assim sendo, os jovens procuram se manter em sua posição sem chamar atenção. O
que deve chamar atenção segundo eles são os frutos. Pela situação de informalidade em que
estão, chamar a atenção é atrair os olhares principalmente da fiscalização e dos comerciantes
que se sentem invadidos em seus espaços de comercialização. Essa condição faz com que a
interação seja maior para com os pares, outros vendedores de frutos ou mesmo ambulantes
diversos e comerciantes que não disputam o mercado com eles. Estes comerciantes são
principalmente donos de bares com os quais eles mantêm uma boa relação se beneficiando
aqui da possibilidade de utilizar um banheiro ou tomar um copo de água. Segundo relatos, “...
com estes é possível contar”. Contar nesse caso seria principalmente no caso da necessidade
de uma ida até um banheiro ou na fuga dos fiscais.
Os ambulantes têm a mesma preocupação para com a fiscalização. Essa preocupação,
segundo alguns dos vendedores de abacaxi, os une enquanto 'bandidos'. Bandido na fala deles
tem um valor de quem está sendo perseguido, “procurado”, pela polícia, mesmo que segundo
eles não tenha nenhum crime sendo realizado. Os próprios jovens costumam dizer que são
procurados todos os dias e se indignam com a situação, pois estão “trabalhando honestamente
e buscando o pouco dinheiro que podem onde podem”. Alguns chegam a afirmar que “...
mais para confiar em bandido que em policia aqui no Rio...”. Acontece, e é muito comum, de
os fiscais exigirem frutos como forma de 'liberar' a carga de apreensão. Isso incomoda, porém
parece também dar uma certa margem de segurança para que as vendas ocorram pelas ruas.
Fatos como estes relacionados principalmente as dificuldades que a fiscalização da prefeitura
impõem à venda dos frutos pelas ruas por parte dos jovens são muito comentados em
Marataizes e parecem reforçar ainda mais os laços afetivos que seguram os jovens à suas
famílias.
Os jovens muitas vezes se sentem deslocados na “cidade grande”, refutando uma
aproximação maior com os seus moradores. Isto parece ocorrer principalmente pela sua
inserção marginal, lembrada a eles a todos os momentos pelas ameaças dos fiscais da
prefeitura e pelos deslocamentos feitos pela cidade para evitá-los. Eles devem ficar quietos
para não atrair olhares que os destaquem na paisagem e os revelem. Esse deslocamento e essa
“inferioridade” parece ocorrer justamente pelo fato de que a comunicação entre eles e os
consumidores tem de ser diminuta. Como contraponto, o que deve aparecer, e aparece, é o
fruto.
Por outro lado, também um resgate da auto-estima e uma valorização de algo que
eles prezam muito: as relações com a família e toda a comunidade, o trabalho nas roças e a
confiança que a eles a possibilidade de vender os abacaxis pelas ruas. No abacaxi está o
suor de familiares e amigos. No abacaxi está mais que o seu sustento, está a sua representação
e imagem de alguém que é quisto pela cidade grande e como o fruto vai e vem conforme a
atenção e o trabalho que se dedica a ele.
Como veremos, a produção de abacaxi no município de Marataizes é muito valorizado
e ter um canal de venda direta com uma cidade grande mantida por grupos de jovens da
cidade fomenta principalmente o sentimento de que a cidade é uma cidade de gente simples e
trabalhadora. Segundo um dos vendedores,
“... em Marataizes a gente está em casa, mas se tiver de sair a gente sai,
querendo voltar logo mas sai. Trabalhar longe não é problema, trabalhar
37
longe é algo que desde muito se faz... para vender os nossos frutos e buscar o
pão de cada dia, mas bom é estar junto dos nossos.” (Luciano, 28 anos,
Lagoa Funda).
Como desenvolvo a seguir, o desejo do retorno está presente e é uma etapa do deslocamento
para a cidade. Se vai querendo voltar.
Porque será? Como será Marataizes?
38
39
CAPÍTULO II
OS LAÇOS DE VIDA EM MARATAIZES, PARTIDAS E CHEGADAS
“No mar estava escrita uma cidade”
Carlos Drummond de Andrade
O presente capítulo procura discutir os principais aspectos sociais
26
envolvidos na
opção de diversas famílias pelo trabalho com a cultura do abacaxi focando a origem e a
formação das comunidades e o reflexo dessa formação nos grupos de trabalho para a
produção e a comercialização do fruto. Buscar-se-á, nessa perspectiva, compreender como
diferentes formas de vivenciar o espaço, suas potencialidades e as posições ocupadas pelos
agentes interferem nas composições e articulações possibilitando a saída e o retorno dos
jovens que comercializam frutos nas ruas e esquinas das grandes cidades.
Faço isso, tendo como cenário as três comunidades rurais de Marataizes/ES que são o
local de residência da maioria dos jovens comerciantes, lançando luz principalmente sobre os
laços que parecem sustentar e dinamizar as redes sociais que têm origem nessas comunidades
e que têm tornado possível conjugar presença-ausência de forma concomitante numa
constante mobilidade e balanço.
O que sustento neste capítulo é que as relações de vizinhança e parentesco
(perpassadas fortemente pela afetividade e vivenciadas nessas pequenas comunidades)
parecem balizar efetivamente todos os construtos sociais (história, organização geográfica e
econômica) a partir dos quais se alicerçam as opções por parte dessa parcela da juventude e de
suas famílias.
Para ter sucesso em tal empresa buscamos organizar o capítulo da seguinte forma: um
panorama geral sobre o município de Marataizes, uma visão mais detalhada sobre as três
comunidades estudadas (levando em conta, sua formação e sua conformação tendo em vista a
organização da produção e da comercialização) para que seja possível perceber o reflexo da
mobilidade, um cíclico sair-ficar-voltar-ficar-sair, no cotidiano desses jovens e suas famílias,
e a disposição para lidar com o vai-e-vem dos jovens que comercializam os frutos.
2.1. Marataizes: Uma Aproximação Geo-Histórica
Marataizes
27
é uma cidade litorânea do sul do Estado do Espírito Santo
28
, distante 110
26
Entendendo que o social é um construto que pode ser situado temporalmente e espacialmente e
fornece as coordenadas nas quais situamos nosso viver individual.
27
O nome Marataízes tem origem na língua tupi-guarani e significa "água que corre para o mar",
graças à grande quantidade de lagoas que vão de encontro ao mar.
40
km da capital (Vitória). O município partilha sua origem histórica com Itapemirim, cujo
povoamento teve inicio no ano de 1539, quando Pedro da Silveira estabeleceu sua fazenda
perto da foz do rio Itapemirim. No ano de 1700, chegavam da Bahia Domingos Freitas Bueno
Caxangá, Pedro Silveira e outros que se ocuparam da cultura da cana-de-açúcar
29
.
O Porto da Barra do Itapemirim, limite norte do município (ver Foto 10), foi a
principal entrada de imigrantes portugueses, italianos, franceses, libaneses e holandeses que
se instalaram e colonizaram o sul do Espírito Santo, entre 1876 e 1930, e também principal
escoadouro de produtos agrícolas, madeiras e minerais trazidos por tropeiros até o litoral,
oriundos do interior e de Minas Gerais e levados para a corte no Rio de Janeiro e Bahia no
período imperial.
FOTO 10 - MUNICÍPIO DE MARATAIZES
Fonte: Google Earth, 2006.
1 – Foz do Rio Itapemirim, limite norte do município.
2 – Colônia central de pescadores 4 – Lagoa Dantas
3 – Lagoa Funda 5 – Lagoa do Siri
6 – Jacarandá 7 – Usina Paineiras
28
O trecho sul da costa capixaba é formado por uma faixa litorânea de 156 km que se estende do canal
da Praia da Fruta, divisa dos municípios de Vila Velha e Guarapari, até o Rio Itabapoama, divisa dos
Estados do Espírito Santo e Rio de Janeiro.
29
Na porção norte do município as lavouras de cana-de-açucar dominam a paisagem e há uma grande
usina, Usina de Paineiras. Na metade do século 19, a região produzia mais da metade de todo o açúcar
e aguardente do Estado.
41
O município foi criado em 14 de janeiro de 1992, pela Lei 4.619, desmembrado de
Itapemirim, e instalado em de janeiro de 1997. Sua população, em 2000, era de
aproximadamente 30.603 habitantes (população urbana de 23.757 habitantes (77,3%) e
população rural de 6.846 habitantes (22,7%)) e sua área de 135 km
230
. Antiga aldeia de
pescadores, a partir da década de 50 firmou-se como balneário, ganhando fama por sua
beleza, tranqüilidade e areias monazíticas, atraindo muitos turistas.
Sua economia é baseada na pesca (ver Foto 11), nas produções de abacaxi e cana-de-
açúcar, pequenas culturas (mandioca, maracujá, etc...) e no turismo, com grande tendência de
crescimento e, muito em breve, na extração de petróleo, pois foi confirmada a existência em
toda extensão costeira do município. O processo de ocupação turística do litoral sul do
Espírito Santo avançou na década de 1950. Motivados principalmente pelas características de
sua costa recortada, que propicia a formação de enseadas de águas claras e calmas e a
presença de areias monazíticas, os primeiros fluxos turísticos se dirigiram às praias Areia
Preta e Castanheiras, no município de Guarapari, e a praia da Vila de Marataizes, hoje sede do
município de mesmo nome. Marataizes, antes uma pequena vila de pescadores, tornava-se um
destino turístico procurado principalmente por moradores de Cachoeiro do Itapemirim, a
principal cidade do sul do Estado naquele período.
FOTO 11 – PORTO CENTRAL, AONDE CHEGAM OS BARCOS CARREGADOS DE
PESCADO.
Fonte: Pesquisa de Campo, 2005.
No final da década de 1960, Guarapari e Marataízes experimentavam os efeitos do
turismo de massa. Foi neste período que se iniciaram os maiores fluxos de turistas de fora do
Estado para Marataízes, provenientes principalmente de Belo Horizonte, Juiz de Fora,
Goiânia e Rio de Janeiro (MARATAÍZES, 2002).
A fruticultura no estado do Espírito Santo é uma das atividades agrícolas mais recentes
30
Segundo dados do IBGE. Censo demográfico, 2000.
42
quando comparada com a cafeicultura e a pecuária. A sua introdução foi marcada pelo plantio
de lavouras de banana prata nas áreas cafeeiras que estavam sendo erradicadas na década de
60. Historicamente a economia do estado do Espírito Santo ficou na dependência do setor
primário, que passou a mudar, a partir dos anos 1960, com o expressivo crescimento
industrial e do setor de serviços, impondo a necessidade de outras atividades capazes de gerar
emprego e dar suporte à economia. Segundo a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado
do Espírito Santo, nos anos 70, foram implantadas lavouras comerciais de abacaxi (ver foto
12 nos municípios de Itapemirim, Marataizes e Serra, litoral sul do estado.
FOTO 12 – LAVOURA DE ABACAXI EM LAGOA FUNDA, MARATAIZES
Fonte: Pesquisa de Campo, 2005.
Hoje, a cultura do abacaxi tem espaço privilegiado na dinâmica econômica e social da
cidade. Marataizes é a maior produtora capixaba e se destaca na produção do fruto quase
quatro décadas
31
. A área plantada, no ano de 2002, foi de aproximadamente 1500 ha.,
correspondendo a 75,7% da área total plantada no estado do Espírito Santo, número de
hectares que se manteve estável nos últimos anos. São quatro as comunidades rurais onde o
abacaxi é cultivado: Jacarandá
32
, Lagoa Funda, Lagoa Dantas e Lagoa do Siri (ver Foto 13).
As três últimas, localizadas na chamada ‘área das Lagoas’, são as comunidades de onde é
oriunda a maioria dos jovens que vêem comercializar frutos no Rio de Janeiro, dentre os
saídos de Marataizes. Estas três comunidades estão situadas na porção sul do município e é
nesta região que encontramos os tabuleiros costeiros, área considerada propícia ao cultivo do
abacaxi.
31
Conversas realizadas com produtores corroboraram essa informação e tive a oportunidade de
conversar com um produtor que lidam com o fruto há mais de 30 anos.
32
Jacarandá se localiza distante da faixa litorânea, no oeste do município.
43
FOTO 13 – REGIÃO DAS LAGOAS
Fonte: Google Earth, 2006.
1 – Lagoa Funda 2 – Lagoa Dantas 3 – Lagoa do Siri
Nessa porção do município tem-se pouca urbanização. São poucas as vias de ligação
entre as comunidades e, também, entre estas e a área urbana do município (centro
administrativo e comercial)
33
. As construções se resumem às moradias dos moradores fixos e
às dos veranistas e numas poucas construções destinadas ao comércio local (bares, padarias,
lojas de material de construção e camping). O ambiente que privilegia a natureza, com praias
e lavouras comungando áreas próximas, é um dos atrativos para que, no período de dezembro
a fevereiro, o turismo infle as comunidades, com grande circulação de carros, pessoas e
capital, vindos de locais distantes. Segundo os moradores com os quais conversei, a maioria
das pessoas que vem visitar Marataizes é de Minas Gerais, ‘os mineiros’, e alguns gostam
tanto que acabam comprando casas para passar as temporadas de férias seguintes,
programando um possível estabelecimento definitivo no lugar quando de suas aposentadorias.
Essa invasão por parte de estranhos era vista como positiva por parte dos moradores com os
quais tive oportunidade de conversar, porém todos demonstraram uma grande preocupação
para com os valores que chegam durante o verão: drogas, bebidas, roubos e arruaças se
33
As pessoas costumam se encontrar muito por esses caminhos e as notícias e informações sobre as
coisas das famílias da comunidade circulam muito no boca-boca. Que possibilita também possíveis
visitas.
44
tornaram uma constante nos verões dos anos mais recentes (2004, 2005, 2006). Sendo que o
verão de 2004 foi especialmente traumático. Um crime chocou as comunidades das Lagoas e
foi relatado de modo recorrente pela maioria das pessoas com as quais conversei. Na Lagoa
Dantas um senhor que havia optado por fixar residência no local, muito querido por todos, foi
torturado e assassinado por jovens que estavam drogados e em busca de dinheiro para mais
diversão. Desde então, segundo os entrevistados, a vigilância sobre quem circula pelas
comunidades é maior.
Minha presença nas localidades, em março de 2005, foi emblemática no que se refere
a perceber o estranhamento dos moradores das comunidades rurais para com um visitante.
Neste caso, na condição de visitante pude perceber como é importante conhecer alguém nas
localidades para evitar problemas. Apesar de me sentir próximo ao mar, eu era o próprio peixe
fora da água.
Recém chegado à cidade, às cinco e trinta da manhã, optei por deixar minhas coisas no
hotel e circular pela área urbana da sede do município de modo a perceber como se articulava
a sociedade e a economia locais. Mesmo na área central da cidade, a circulação de pessoas
não era grande e pude perceber, através de conversas com diversos comerciantes, que a
economia do município estava esvaziada após o período forte para o turismo. Mantive
conversas com donos e funcionários de diversas lojas e restaurantes e todos falaram da
dificuldade de manter seus estabelecimentos abertos durante todo o ano. O panorama pintado
era de desolação. A cidade tem alguns poucos prédios novos, sendo que a imensa maioria
destes é destinada ao aluguel para os turistas e moradores secundários (que vão a
Marataizes em poucos finais de semana durante o ano e na época de verão) e muitas igrejas.
Tomei informações sobre a disposição geográfica e os pontos de referência que os moradores
da área urbana tem da cidade como um todo. As principais referências foram: o turismo
(tendo as praias, as lagoas e a tranqüilidade como maiores atrativos); a agricultura
(principalmente as culturas de abacaxi, mandioca e cana-de-açúcar); as diversas praias e suas
peculiaridades (inclusive a impossibilidade de evitar que a faixa de areia da praia da Barra
diminua, fato que tem espantado os turistas, segundo alguns “... a praia mais bonita agora está
feia e não pra ficar lá.”); e, a visível diferenciação da área rural do município. Segundo a
maioria das pessoas com as quais conversei na área urbana, o norte seria o lugar das grandes
propriedades destinadas a cultura da cana-de-açúcar e o sul o das pequenas propriedades com
lavouras de abacaxi e mandioca. Não faltaram também referências ao fato de Marataizes ser
município vizinho, limítrofe, Cachoeiro do Itapemirim, terra do rei Roberto Carlos.
Depois dessa rápida incursão na área urbana, decidi me dirigir até localidade na área
das Lagoas, zona de roças de abacaxi, onde iria encontrar alguns informantes com os quais
mantivera contato no Rio de Janeiro.
Na rua mesmo, busquei informações sobre como proceder para chegar e me dirigi
até a via principal da cidade para tomar o ônibus. O ônibus prontamente chegou, eu sabia o
horário do mesmo e, inclusive, o nome do motorista - nome que foi devidamente conferido
por informações recebidas junto aos transeuntes e pessoas na parada. Outra peculiaridade é a
sistema de rádio (caixas de som penduradas nos postes) que costuma transmitir durante todo o
dia músicas evangélicas e sucessos nacionais e internacionais. Inclusive, todos os dias às sete
horas iniciava-se a programação com o Hino Nacional Brasileiro e às dezoito horas ecoava a
oração Ave Maria. Enfim, começava a lidar com o controle e o interconhecimento nas
distintas localidades pelas quais passava. Dentro do veículo todas as pessoas conversavam
entre si demonstrando se conhecer, com alguma intimidade nas conversas, que versavam
sobre o cotidiano das comunidades e a situação das famílias. O motorista sabia o ponto em
que cada uma delas iria desembarcar. Eu, neste primeiro momento, optei conversar
somente com a pessoa que estava ao meu lado e esta vendo que eu não era de Marataizes fez
45
uma pergunta pra mim que se tornou freqüente: “Está de férias por aqui?”.
Durante o trajeto pude ver dois caminhões com jovens prontos para irem para a cidade
comercializar abacaxis (era o final da safra daquele verão). Vi, pela primeira vez em
Marataizes, como estavam distribuídos os jovens, os frutos e os carrinhos. Na cabine estavam
o motorista e mais dois jovens. Na carroceria estavam mais ou menos cinco jovens, junto à
carga de abacaxis, e no alto da carroceria, amarrados, estavam sete carrinhos de mão. Essa
distribuição era igual nos dois caminhões. Os caminhões estavam na saída de uma via
secundária que se encontra com a via que liga a área urbana às três Lagoas. Fui no ônibus
conversando, e sendo observado, e desembarquei no final da linha, na Lagoa do Siri. Voltei
caminhando até Lagoa Dantas, onde iria encontrar alguns jovens e conversar com a família de
um deles, dona de um pequeno comércio, sobre a possibilidade de alugar um quarto onde eu
pudesse passar meus dias. Encontrei facilmente a família, todos na localidade pareciam se
conhecer (o que foi mais percebido talvez, pelo fato da família que eu procurava ser a
proprietária do maior comércio do local). Cheguei a esta família por intermédio de um
jovem, Thiago (23 anos), que acompanhei pelas ruas do bairro do Catete, que é primo do
chefe da família, seu Cláudio (52 anos). Thiago me pareceu bem articulado e indicou a casa
de seu primo. Ele explicou a localização e como, inclusive no comércio, eu poderia encontrar
também muitas pessoas das localidades. Acertei os detalhes de minha estadia e fui percorrer
os caminhos da Lagoa Dantas, optando naquele momento em ir até a beira mar, onde,
segundo os moradores, ficava a igrejinha católica da comunidade.
A igreja estava fechada, mas pude perceber que começavam a chegar jovens para jogar
uma partida de futebol
34
no campinho ao lado da igreja da Lagoa.
O futebol foi uma das primeiras formas pelas quais eu observei os jovens da
comunidade em seu local de origem. A experiência da observação participante, pelo menos no
futebol, foi muito reveladora: a maioria dos jovens com os quais conversei na partida havia
se deslocado com o intuito de vender frutos numa cidade grande, muitos deles no Rio de
Janeiro
35
.
Calmamente me aproximei do campo de jogo (ver Foto 14) e fiquei observando
enquanto quatro jovens chutavam a bola a gol enquanto pareciam estar esperando mais
amigos para formar os times e começar uma partida. Dois outros que chegavam vieram
conversar comigo, pois havíamos nos encontrado algumas vezes pelas ruas do Rio de Janeiro
e a curiosidade nos aproximou. Conversava com eles, ambos eram de famílias produtoras de
abacaxi e costumavam sair para comercializar, e ia me dirigindo até um banco da praça que
fica ao lado da igreja quando eles me convidaram para jogar. Num primeiro momento eu disse
que não jogaria que ficaria somente observando
36
. Foi quando um deles pegou a bola e disse
que somente a liberaria para o jogo depois de formados os times. Quando as equipes estavam
em formação viu-se que o número de jogadores era ímpar e uma delas ficaria com mais
jogadores que a outra. Então um dos mais jovens em campo me convidou novamente a
participar. Vendo a animação de todos, resolvi aceitar o convite e optei por sair jogando como
goleiro. Estava tomando um lugar importante na equipe. Eu me via como o jogador sob o qual
34
O futebol no final de tarde é praticado e muito apreciado por muitos dos jovens de nosso país. Nas
comunidades que visitei não é diferente. Na maioria dos finais de tarde dos dias em que estive em
Marataizes ouve futebol no campinho da comunidade onde fiquei.
35
Esse primeiro contato, através de uma partida de futebol foi uma bela forma de começar minha
relação com todos os jovens das Lagoas. Era comum, depois disso, receber convites para jogar no final
de tarde. Algumas vezes pude participar, noutras não. Mas sempre me alegra a lembrança das partidas.
36
Imaginem o impacto de um gol contra ou uma falta mais violenta no decorrer de minha pesquisa. Eu
imaginei.
46
recaía a responsabilidade de evitar a entrada da bola na meta. Evitar uma derrota do time ao
qual eu fazia parte.
FOTO 14 – CAMPO DE FUTEBOL DE LAGOA DANTAS
Fonte: Pesquisa de Campo, 2005.
Os times eram formados por “jovens” com idade variando de 13 à 40 anos,
aproximadamente. Foi muito emblemático observar como e com quem as brincadeiras eram
feitas durante o decorrer da partida e como havia nelas uma forma respeitosa de mostrar como
seria a própria vida, como viver momentos adversos e respeitar o próximo, por exemplo.
Eram feitas brincadeiras leves como tapinhas e simulações de agressões, abraços e sorrisos,
palavras como: a bola o morde... vai atrás da bola por que ela não vem sozinha pra ti... ela
só vem se alguém te passar. Os gols se sucediam e eram poucos os que sabiam o placar. Os de
mais idade eram os que formavam os times e tinham permissão para observar os mais novos
correr pelo campo todo, eram também os que permaneciam na defesa deixando o espaço do
ataque para os jovens com maior fôlego e disposição para buscar o gol. Eu procurei me situar
no jogo percebendo o que poderia estar ditando os distintos momentos.
Durante a própria partida, conversávamos muito. Todos se conheciam (eram vizinhos
e parentes) e eram curiosos por saber quem eu era. Trocando passes e informações, eles
souberam que eu vinha do Rio de Janeiro
37
e estava ali para acompanhá-los e assim saber
mais de suas vidas e da importância da cultura do abacaxi nestas e na região. Os meus
companheiros de partida se interessaram também pela minha mobilidade e pela forma que eu
havia chegado ali e onde permaneceria. Muitos afirmavam, “então você veio no caminhão do
fulano!” e vai ficar na casa do fulano?”. Quando eu explicava que tinha vindo sozinho e de
ônibus muitos estranhavam, mas quando eu dizia na casa de quem iria ficar e que havia
vindo parar ali seguindo indicações do Thiago, conversado com a família de seu Cláudio, era
37
Foi interessante e divertido perceber que a totalidade dos participantes do jogo era torcedor dos
times cariocas.
47
como se ali, junto a eles, eu pudesse passar a circular.
Terminado o futebol os jovens foram calmamente até o mar. Dos dezesseis jogadores,
uns poucos entraram na água. Depois de uma partida, jogada coletivamente e efusivamente,
eles se banharam solitários e em silêncio, mirando o infinito na linha do horizonte. Ao
voltarem seus olhares para a areia, onde estavam os que ficaram, receberam olhares de
respeito e aprovação, inclusive o meu.
Finda essa jornada, me despedi de todos, prometendo jogar mais partidas e fui pegar o
ônibus em direção à cidade para minha última noite no hotel, ciente de que as possibilidades
de adentrar ao campo da pesquisa estavam se realizando. O meu medo de um possível
estranhamento havia sido superado. E, assim, empreendia um olhar com acuidade no universo
impar das três Lagoas de Marataizes, universo que somente conhecia pelos relatos dos jovens
quando da permanência destes no Rio de Janeiro
38
.
No outro dia pela manhã fui fixar minha base nas Lagoas. eu pude conversar com
jovens e suas famílias. No principio dessas conversas o meu maior interesse era saber sobre a
formação das comunidades
39
e como essa formação estava ligada à cultura do abacaxi.
2.2. A Cultura do Abacaxi
O primeiro impacto sobre a formação das comunidades foi sobre seu aspecto espacial, as
próprias roças de abacaxi “saltam aos olhos”. O que passei a notar foi que nesta porção do
município as lavouras de abacaxi inundam a paisagem, como sendo uma nova praia onde se
adentra para buscar o sustento. A falta de pavimentação da Rodovia do Sol (ES-060), que se
interrompia justamente neste trecho, afetou decisivamente a ocupação territorial devido ao
acesso difícil
40
. No ano de 2005, essa rodovia foi asfaltada, sendo esta melhora motivo de
orgulho para muitos moradores das comunidades. Muitos deles falaram da possibilidade de
deslocamento mais rápido para ir comercializar o fruto em outras cidades
41
e do melhor
38
Ir até Marataizes nessa época foi uma decisão que me pareceu acertada. Encontrava dificuldade em
ter maior capacidade argumentativa e até mesmo intimidade junto aos jovens comerciantes. Indo até a
cidade deles passei a ter alguns referenciais que me possibilitaram desde diálogos mais profundos
sobre sua condição até um estreitamento de laços de amizade com alguns deles e suas famílias.
39
Habermas (1989) e Sahlins (1979) nos ajudam no intuito de tentar fundamentar que os processos
sociais vividos pelos moradores e pelos espaços sociais de grande mutação (meio rural/agrícola e
família) não podem ser explicados unicamente no horizonte dos níveis alcançados pelas forças
produtivas e de sua determinação nas relações de produção. uma dinâmica intersubjetiva no agir
social que não se funda unicamente na razão objetivadora de fins. O horizonte da inter-subjetividade
comunicativa envolve imagens de mundo no espaço do vivido, formando estruturas normativas de
ação e interação, bem como processos de aprendizagem no âmbito do entendimento, dos valores e
crenças morais na regulamentação de conflitos. Os indivíduos, para agir socialmente no plano
individual, incorporam as informações a fim de que sejam explicitadas como respostas aos processos
sociais e às condições históricas na sua mútua influência. Essa mútua influência permite (re)interpretar
e (re)elaborar a consciência das experiências vividas (anteriores) no vivido presente e no âmbito do
patrimônio cultural, afetivo e moral.
40
Trecho servido de recursos atraentes como praias, rios e lagoas, grandes possibilidades de uma
revitalização do desenvolvimento turístico local, condicionado basicamente a melhoria da infra-
estrutura suporte em seu trecho sul e a ordenação do uso do território.
41
O que é de suma importância, pois o abacaxi é um produto perecível.
48
acesso dos turistas a região
42
. Concomitante ao orgulho pela nova condição da rodovia, havia
uma queixa que demonstrava um receio por parte de todos os moradores. A circulação de
pessoas pelas vias é vista como positiva, porém a estrada corta as lavouras de abacaxi e tinha
se tornado corriqueiro, naquele ano, o fato de um grande número de turistas pararem seus
carros para ‘roubar’ alguns frutos. Essa atitude era considerada uma falta de respeito para com
o trabalho de toda a comunidade e lançava medo acerca da nova situação das Lagoas.
Segundo os moradores, “quem rouba um abacaxi pode roubar muito mais”.
Uma das formas de proteger as roças de abacaxi consistia em um cercamento. Mas um
cercamento, disfarçado, realizado com o plantio de mandioca na beira da estrada
43
, “a
mandioca fica escondida no solo e não é vistosa como o abacaxi” (ver foto 15). Ao proteger
as lavouras de abacaxi dessa forma os produtores também acabam tendo de modificar algo da
paisagem que eles valorizam e esta ligado ao imaginário de toda a comunidade: a beleza das
roças de abacaxi proporcionada pelo seu cuidado com as mesmas e pelo seu trabalho duro .
Todos os moradores falam com orgulho das roças. Um dos jovens produtores, por
exemplo, diz o seguinte:
“... as roças de abacaxi são a nossa vida. A gente lida com isso desde novo.
Eu tenho marca nas pernas feitas pelos espinhos do abacaxi quando ajudava
na colheita. É uma lida difícil. Mas quem já viu uma roça de abacaxi quando
pronta pra colher fica feliz... acha bonito. Inclusive os de fora comentam.
Quem trabalha não a hora de ver o fruto ficando dourado e pronto para
colher. Quando o abacaxi está no ponto é muito bonito. A roça fica cheia de
pontos dourados. Fica como ouro brilhando no meio do verde e vai até
longe. É a nossa riqueza. É de onde tiramos o sustento. Mas agora tem mais
essa preocupação. Antes ninguém, a não ser o trabalhador da colheita,
entrava ali. A própria planta nos ajudava a proteger o que era nosso. Ela tem
muito espinho e machuca mesmo. Precisa usar calça comprida e aqui na
roça se usa calça comprida (ou na missa... rs.. rs.. rs.), tem um sol muito
forte e um calor danado. Mas agora tem um pessoal abusado passando por
aqui. Eu queria que parassem de pegar nosso abacaxi. O pessoal trabalha
duro. Sai daqui pra vender em todo canto. Agora tem de botar mandioca na
beira da estrada pra evitar que peguem o abacaxi. Daqui a pouco vamos ter
de cercar... espero que não, mas o pessoal está abusado. Se tem abacaxi
barato ali embaixo pra vender, porque não compram? Estariam valorizando o
nosso trabalho? Porque pegar aqui na nossa lavoura? Se pegam abacaxi aqui
da gente que é trabalhador, imagina... vamos ter de esconder cada vez mais
as roças?” (Valedi, 29 anos, Lagoa Dantas).
42
Foi bem comum ouvir uma queixa. Como a estrada corta as lavouras de abacaxi, agora é bem
corriqueiro os turistas pararem seus carros para ‘roubar’ alguns frutos, no que é considerado, por todos
os moradores, uma falta de respeito para com o trabalho de toda a comunidade.
43
As lavouras de mandioca e abacaxi são vistas como complementares. Segundo técnicos e
produtores, o abacaxi exige muito do solo e a cultura da mandioca possibilita que o solo recupere seu
vigor. A rotação de faz da seguinte maneira. Como o abacaxizeiro costuma precisar de dezoito meses
para começar a dar frutos e a mandioca com seis meses está boa pra colheita, as propriedade são
divididas em quatro partes. Em três se planta o abacaxi e em uma se planta a mandioca.
49
FOTO 15 – PLANTAÇÃO DE MANDIOCA A BEIRA DA ESTRADA.
Fonte: Pesquisa de Campo, 2005.
Nesta fotografia pode-se notar que junto à estrada está plantada a mandioca.
Neste ponto iremos nos deter na cultura do abacaxi, sua dinâmica de produção e
formação das equipes para esta atividade e posterio comercialização
O abacaxi (Ananás comosus (L, Merril), Bromeliaceae, Monocotiledonae), segundo a
maioria dos naturalistas, botânicos e historiadores, é originário da América Tropical e
Subtropical e, muito provavelmente, do Brasil. Os indígenas brasileiros chamavam-no de
ibacati (fruta cheirosa). Levado à Europa logo após o descobrimento da América, teve grande
aceitação por parte dos consumidores e seu cultivo se disseminou por um grande número de
países. Fruto-símbolo de regiões tropicais e subtropicais, tem grande aceitação em todo o
mundo, quer ao natural, quer industrializado: agrada aos olhos, ao paladar e ao olfato. Por
essas razões e por ter uma ‘coroa’, cabe-lhe por vezes o cognome de ‘rei dos frutos’, que lhe
foi dado, logo após seu descobrimento, pelos portugueses. No Brasil, praticamente todos os
estados cultivam o abacaxi, destacando-se a Paraíba, Bahia, Minas Gerais e Espírito Santo.
O abacaxizeiro é uma planta de cultivo tradicional na Região Litorânea Sul do estado
do Espírito Santo, principalmente nos municípios de Marataizes, Itapemirim e Presidente
Kennedy. As principais cultivares plantadas são Pérola e Smooth Cayenne que ocupam cerca
de 95% e 5% da área total,respectivamente. O abacaxi produzido no município é
comercializado na Central de Abastecimento da capital, CEASA de Vitória/ES, em feiras no
próprio estado e ainda em cidades de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. As dinâmicas
de produção e de comercialização do fruto têm reflexo direto nas formas de interação e de
organização das famílias das comunidades abordadas neste estudo, e vice-versa.
Em Marataizes o tamanho médio das lavouras gira em torno de quatro hectares. Nessa
região, costuma ocorrer, corroborando uma tendência verificada na cultura do abacaxi à nível
50
nacional
44
, é um processo de arrendamento da maior parte das terras para a produção do
abacaxi por parte dos produtores detentores da propriedade da terra.
Com isso um número significativo de famílias envolvidas na produção e
comercialização dos frutos, não significando que essas famílias tenham de adquirir terras para
produzir. Essas famílias arrendatárias têm status de produtor igual ao dos produtores
proprietários da terra e no momento da comercialização ambos parecem colocar o produto nos
mercados em igualdade de condições, principalmente na venda direta.
O arrendamento parece ocorrer em virtude de três fatores principais: (1) pela cultura
ser percebida como dispendiosa por grande parte dos produtores
45
; (2) pela sua manutenção e
controle ser melhor realizado em propriedade de menor área, visto que toda a lida na lavoura é
feita sem a utilização de maquinário (o plantio e a colheitas são manuais e a aplicação de
fungicidas, herbicidas e remédios para floração são uma constante (como veremos adiante); e,
(3) pela dinâmica da produção estar atrelada a da comercialização do fruto em cidades
próximas e nos grandes centros do Sudeste do país
46
.
Então, ao optar por arrendar parte de suas terras para terceiros, os proprietários têm o
intuito de diluir o risco de uma possível quebra de safra entre diversos membros da
comunidade e, assim, não arcar com o custo e com o risco sozinhos. Ao fazerem essa opção
eles abrem espaço para que não-proprietários dirijam um estabelecimento agrícola de modo
autônomo (subordinados a condição do pagamento do arrendamento, que por sua vez pode ser
feito através dos frutos produzidos). A relação com os arrendatários parece normalmente ser
balizada pelo parentesco. Os parentes mais próximos têm prioridade para o arrendamento,
numa combinação entre a confiança conseguida junto ao proprietário da terra e a condição de
parente, o que reforça o status de ambos os envolvidos. O arrendamento normalmente é pago
conforme vai se dando a venda dos frutos a partir de um preço previamente estabelecido e os
relatos que ouvi informam sobre o sucesso dessa forma de transação. Segundo um dos
proprietários de terra,
“... eu arrendo minha terra para um irmão e um primo. É uma terra pequena e
eles pegam partes iguais a minha pra trabalhar. E eles trabalham com a gente
da família deles. Isso é bom, a gente sabe com quem está lidando. É gente do
nosso sangue. Na minha terra trabalho com um filho que vai vender os
frutos. Ele vende e traz o dinheiro pra casa. E compra frutos dos meus
parentes também. gosto. A gente vai sabendo como vai a venda e como
estão as roças. Quem tem roça boa vende bem. E a gente sabe quem está
trabalhando e parece que está dando tudo certo aqui pra nós. É bom receber
os parentes felizes, encontrar eles na igreja e ver as famílias bem.” (Juliano,
53, proprietário de terras e produtor em Lagoa Dantas.)
Como podemos notar, essa estratégia tem reflexo no numero de famílias envolvidas
na produção do fruto e na composição das mesmas no que se refere ao grupo de trabalho.
Dessa forma uma distribuição para um maior número de famílias da responsabilidade de
cultivar as lavouras do fruto no que parece ser uma interconexão da vida doméstica com a
vida da comunidade como um todo refletido na cultura do abacaxi nas localidades.
44
Estudo da Emater/PB indica que 80% das lavouras de abacaxi no Brasil são estabelecidas em terras
arrendadas.
45
O custo para se produzir um hectare de abacaxi no Espírito Santo fica em torno de R$ 6.500 a R$ 10
mil, dependendo do nível tecnológico utilizado pelos produtores. Mas o retorno é compensador, pois
para cada hectare pode-se ganhar, em média, R$ 9 mil. Para a cultura do abacaxi é considerado um
ciclo médio de vinte e dois meses. P fluxo de caixa é negativo do ao 17º mês. A partir do 18º mês,
quando se inicia a colheita até o 22º mês o fluxo de caixa é positivo.
46
O abacaxi é comercializado principalmente no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo, Vitória e
Brasília.
51
2.3. Organização do Trabalho na Roça
Entre as famílias produtoras de abacaxi acompanhadas, a organização para a produção
é similar entre famílias proprietárias da terra e famílias de não proprietários. Em ambos os
casos não diferença no que se refere a divisão do trabalho na unidade produtiva. A família
dos moradores da região sempre constituiu seu universo relacional no horizonte da troca, da
reciprocidade com os conhecidos, de estar sempre com alguém quando isso é possível, no que
parece ser uma herança legada por seu passado na cultura da pesca. Brandão mostra que a
fragmentação, o isolamento de alguns, a opção por sair de casa, sobretudo por parte de filhos
jovens, entre outros, constroem em casa um espaço de saudade, quando não de solidão
(BRANDÃO, 1995). No presente trabalho, a solidão é lembrada por todos como algo inerente
ao ser humano, e potencializada no trabalhador da pesca e agora na cultura do abacaxi. Em
ambas, tem-se a solidão do que sai e a solidão do que fica sendo sustentada pela confiança e
pela solidariedade para realizar o trabalho a que se propõe. A solidariedade também não é
algo natural e gratuito. princípios de solidariedade que se fundam na cooperação, na
prestação de serviços, na troca de bens e/ou mercadorias. No entanto, a solidariedade precisa
ser recíproca; um grau de cobrança que não é explicito, mas que regula o balanço entre o
grau de solidariedade e o 'crédito' obtido junto aos quais se quer estabelecer algum tipo de
troca.
Esta articulação de diferentes culturas agrícolas (pesca, abacaxi e mandioca), refletidas
na organização social e espacial (modos de ver o outro e o espaço), potencializam o
sentimento de pertencimento concomitantemente ao de mobilidade
47
, o que tem fomentado
um forte amalgama na noção de comunidade e parentesco. Este amalgama é potencializado na
dinâmica dual situada no campo da afetividade a da presença-ausência.
A divisão do trabalho dentro das unidades produtivas leva em conta a composição do
grupo doméstico e se dispunha da seguinte maneira: os homens, pai e filhos, se envolvem em
todas as etapas da produção (plantio, manutenção e colheita) e as mulheres, esposa e filhas, se
envolvem mais no período de manutenção da lavoura
48
. Sendo que quando necessário é
contratado trabalho temporário para a lida com a terra. Essa contratação ocorre comumente
quando do plantio e para a manutenção que para a colheita as equipes formadas para a
comercialização costumam ir buscar o abacaxi na roça.
As formas de se relacionarem com o trabalho são produto da estrutura mais ampla da
sociedade. Como coloca Martins (1989), uma recriação constante de formas de relações
sociais, materializadas pela dinâmica de formas sociais mais modernizadas. A condição de
trabalho e de trabalhador é na realidade um processo que se recria, se atualiza, se redefine e
engendra formas de adaptação às práticas utilitárias da racionalidade sistêmica e reformula
processos e ações envoltas no horizonte familiar que se expande resultando em estratégias
adaptativas.
O pai e um dos filhos (normalmente o mais velho) parecem deter o saber sobre o
quanto e como produzir e como efetuar a comercialização (momentos considerados chave). Já
as esposas ajudam na roça com o trabalho da limpeza da lavoura junto com as filhas, até o
momento em que as filhas dão prioridade a escola e não dispõe de tempo e interesse para
47
Antes se ia e se vinha de barcos para buscar pescado no mar, hoje se vai e vem de caminhão para as
cidades grandes comercializar o abacaxi. A ausência dos que saem para enfrentar um ambiente hostil
continua sendo valorizada e continua-se aguardando o retorno dos que saem todas as semanas e
passam dias longe de casa.
48
Estudo de Leôncio Vilar mostra que durante o ciclo da cultura (16 meses) emprega-se 1,96 h/d,
enquanto que 1,47 h/ ha/ano, respectivamente. No cálculo de empregos indiretos, costuma-se fazer a
multiplicação dos diretos por cinco. (Fonte: Leôncio Vilar – Agrônomo, EMATER/PB).
52
ajudar. Há aí um recorte de gênero e etário que prioriza a autoridade nos momentos decisivos.
Porém a autoridade focada somente no pai parece ceder espaço para uma divisão das tarefas e
responsabilidades com o filho que fica para trabalhar durante o ano inteiro
49
.
O pai ainda articula a produção num âmbito mais geral, utilizando seu saber sobre
como, onde e quando plantar, de modo a obter o melhor do solo, mas um dos filhos
(normalmente era o mais velho) é chamado a participar dessas atividades da produção,
obtendo como contrapartida uma maior responsabilidade no gerenciamento da
comercialização dos frutos, sendo preparado aos poucos para assumir todas as
responsabilidades com o pai na produção também. Os filhos que não têm pretensão em
permanecer no labor com o abacaxi, normalmente os mais novos, costumam se ocupar
durante o ano com os estudos e somente durante o período da safra alta (agosto-março) se
dispõe a viajar para vender os frutos nas cidades (como veremos adiante a produção e a
comercialização direta são muito bem articuladas nessas famílias).
2.4. Produção e Comercialização
A possibilidade de ‘controlar’ o momento de retirada dos frutos da roça durante o
período da safra parece ser algo que possibilita não somente a dinâmica da venda direta e o
vai-e-vem dos caminhões com jovens durante todo o período, mas também cria a necessidade
de canais de comunicação entre quem está distante comercializando e quem tem acesso as
lavouras (próprias ou não) para saber se há frutos para a colheita na lavoura da própria família
ou não.
O que foi possível perceber no corrente ano foi uma estratégia diferenciada onde o
plantio e a retirada dos frutos da roça são retardados para que assim o mercado fosse atendido
durante um maior período de tempo. A colheita se inicia em agosto e prossegue aabril. Até
a safra do verão de 2005 a mesma era realizada até o final do mês de fevereiro, com
pouquíssimas unidades produtivas permanecendo com frutos para colher após esse período.
A cultura racional do abacaxizeiro exige bastante técnica e trato. Sua propagação é
feita por mudas e são exploradas uma ou duas safras. Muito útil é o fato de que a época de
produção dos frutos pode ser controlada artificialmente. Em conversas com produtores, eles
afirmaram que o ideal é diversificar a época de produção, fugindo da safra normal
50
. Segundo
os mesmos, existem tecnologias à disposição do produtor, como a indução da floração, que
permitem a colocação de frutos no mercado fora desse período. Em plantios comerciais de
abacaxi, o florescimento e a maturação dos frutos não ocorrem uniformemente, dificultando
os tratos culturais e a colheita. A indução da floração apresenta, também, outras vantagens,
tais como: homogeneizar a floração, trazendo economia de mão-de-obra no controle de pragas
e na colheita, e programar a produção em função das exigências do mercado
51
.
A comercialização é pensada desde o processo de compra e retirada dos frutos da roça
até o retorno para Marataizes após comercializar toda a carga do caminhão. Nessa etapa, a
participação dos jovens das famílias de produtores é tida como importantíssima, pois o eles
que vão atrair e organizar as equipes para a comercialização.
49
O trabalho das mulheres na lavoura é considerado na maioria dos casos como ajuda (ver BRUMER,
1998).
50
O ciclo agrícola aparece como modelo, como sucessão ininterrupta de trabalhos a fazer em função
das estações e do desenvolvimento dos produtos (WOORTMANN, 1995).
51
Para tornar a maturação dos frutos mais uniforme, colocando-os no mercado com a casca amarela,
deve-se pulverizar os frutos 4 a 7 dias antes da colheita com uma solução Ethrel.
53
A organização das equipes se principalmente em encontros e conversas tidas como
informais. Os jovens costumam freqüentar os mesmos locais e é tida a diferença entre os
que saem para comercializar e os que não saem pra comercializar. Os que saem para
comercializar tem uma maior interação se comparados aos que não saem e parecem freqüentar
as ruas das Lagoas com maior freqüência. As conversas giram sempre em torno das coisas do
lugar. Dificuldades de trabalho, família, diversão (principalmente: futebol, praia e moças) e
idas e vindas dos caminhões com parentes e amigos que saem para vender os frutos na cidade
grande.
2.5. Sair para Comercializar e Ficar na Lavoura
Em Marataizes tive a oportunidade de entrevistar membros de treze famílias
produtoras de abacaxi. E, além destas, mais de duas dezenas de jovens de famílias que não era
produtoras do fruto, mas se envolviam na comercialização, a partir de convites vindos de
parentes ou vizinhos. Dentre as famílias produtoras quatro (4) tinham a propriedade da terra e
as outras nove (9) arrendavam a mesma de parentes ou famílias vizinhas, moradores da
mesma localidade. Os jovens entrevistados se identificam com a cultura do abacaxi e
costumam viver em Marataizes na expectativa do período de comercialização. São poucos os
que permanecem na escola (normalmente até os 13 ou 14 anos) e as possibilidades de trabalho
são escassas girando em torno da construção civil, da pesca e do abacaxi. Entre eles parece
haver uma diferenciação. Ser membro de uma família que se dispõe a plantar o fruto, mesmo
que em terras arrendadas, torna-os diferenciados quando em relação aos jovens que não são de
famílias produtoras. Estes últimos se dispõe a viajar de forma mais constante, muitos deles
permanecendo no Rio de Janeiro, para comercializar outras frutas no período em que não
abacaxi (pokan, melancia, bananas,etc.) e os jovens de famílias produtoras voltam para
Marataizes para se envolver com as coisas da produção e da organização para a venda,
principalmente direta. os filhos de famílias não produtoras, quando não conseguem
colocação na cultura do abacaxi, têm muita dificuldade de colocação em outros trabalhos. O
que pude notar é que a inserção se normalmente em trabalhos esporádicos na construção
civil, como pedreiros trabalhando na construção de casas para os veranistas, principalmente.
Foi possível perceber que a imensa maioria dos jovens das três localidades
pesquisadas está envolvida com a dinâmica propiciada pela cultura do abacaxi. A partir dos
13/14 anos já demonstram interesse em participar, saindo para vender os frutos no período de
férias escolares e é raro encontrar um rapaz com idade superior aos 18 anos que não participe.
A circulação por parte das pessoas ali residentes, entre as três Lagoas, é grande.Os
moradores costumam sair de suas localidades principalmente para trabalhar, estudar, comprar
produtos que não encontram em suas próprias localidades, e visitar parentes, sendo que os
mais próximos residirem comumente nas mesmas localidades. A única escola pública da
região localiza-se na Lagoa intermediária, (Lagoa Dantas) e é ali que os jovens das três
Lagoas costumam se encontrar diariamente e esta Lagoa pareceu local propicio para observar
a formação das equipes de trabalho.
O ato de sair para vender o abacaxi parece ser incentivado como uma alternativa a
reação negativa para com o trabalho na roça (o que seria outra possibilidade de inserção
laboral para estes). Elogios na família e na comunidade (poder andar e ser reconhecido como
alguém que saiu mas voltou e traz algo para comunidade todas as semanas) fortalece a
identidade funcional (de trabalhador na cultura do abacaxi), abstraindo condições de
subordinação e situações antes tidas como próprias da faixa etária em favor de práticas que
transcendem sua temporalidade (novas responsabilidades). O sair aparece também como um
aspecto simbólico relevante. Aparece como um ritual de passagem para a vida adulta, já que o
54
jovem se lança com coragem ao desafio de trabalhar longe de casa, mesmo que junto a um
irmão, um primo ou mesmo um vizinho.
Na organização dos caminhões percebe-se que um dos jovens toma a posição de líder.
Ele espalha a notícia de que está saindo, primeiro para os mais próximos, parentes e amigos, e
depois se precisar de mais alguém segue a indicação de um destes parentes ou amigos que vão
com ele. As equipes costumam variar pouco. Sendo que é possível notar uma formação que
privilegia inclusive as comunidades diferenciadas das lagoas. No período da safra alta as
equipes se unem e costumam viajar juntas durante o período inteiro, somente com poucos
casos em que um ou mais jovens trocam de lugar com jovens de outros caminhões que
querem voltar. Isso é, jovens que permanecem por longos períodos de tempo na cidade
para conseguir ganhar um pouco mais de dinheiro e assim conseguir seu sustento durante o
restante do ano. Muitas das conversas no comércio e nos bares gira em torno de quem está
saindo com caminhão ou retornando. Os jovens que tem interesse em participar, ou
participam, são reconhecidos nas comunidades e quando uma vaga num dos caminhões
que vai sair ele é logo contatado.
As equipes têm uma certa variação em virtude do caráter pessoal e afetivo levado em
conta na formação das mesmas. Se um jovem quer permanecer em casa pois tem de resolver
um problema, ele normalmente recebe essa anuência. Parece haver um entendimento, mesmo
que velado, de que os assuntos relativos à família (que tem reflexo na comunidade como um
todo) são o que possibilitam a disponibilidade para as viagens em dias e horários não pré-
determinados com exatidão.
Observei o momento da saída de vários caminhões. Os jovens costumam se reunir em
algum ponto da comunidade para esperar o caminhão. Eles costumam carregar somente um
colchonete e umas poucas mudas de roupa numa sacola plástica dessas de supermercado
mesmo. Normalmente estavam bem animados com a ida pra vender os frutos e alguns pais ou
mães, principalmente as dos responsáveis pela equipe costumam acompanhar a saída, como
que para observar o caminhão sumir na estrada como um barquinho que some na imensidão
do mar. A origem familiar e as relações estabelecidas entre as famílias, algo como “estamos
todos no mesmo barco”, parecem dar as condições para que os rapazes ingressem nas equipes.
Nesse ingresso “no mesmo barco” o reforço das relações entre as famílias e também o
fortalecimento de uma dívida moral que engendra as opções pelos participantes nas equipes.
desde o caso dos jovens que durante o verão ficam nas lagoas e durante o restante
do ano vem vender outros frutos que não o abacaxi no Rio de Janeiro, numa forma de manter
pontos e continuar levando capital para que as próprias comunidades se mantenham. Até os
jovens que conseguem trabalhar somente na safra alta do abacaxi e depois realizam pequenos
trabalhos junto às roças (mantendo uma ligação com os produtores no caso de não serem
filhos dos mesmos) e conseguem se manter com a renda advinda desse período. Os primeiros
costumam ter um ganho inferior ao dos que comercializam o abacaxi, mas se sujeitam ao
trabalho, pois não tem como ficar em Marataizes o ano inteiro. Essa distinção parece estar
relacionada a diferenças sociais entre as famílias de produtores e de não produtores e também
às relações de parentesco, de vizinhança e de amizade que conformam a organização das
equipes. Um dos jovens entrevistados, de uma família de não produtores, comentou que
“... as famílias dos que produzem estão melhor. O abacaxi está produzindo
bem e ir vender é algo que interessa a todos. Conseguir um lugar pra vir
vender já é bom. Tomará que seja o inicio. Quero conseguir continuar.
Tenho trabalhado bastante e converso com todos que estão trabalhando com
o abacaxi. A gente que o é quem planta tem de sujeitar né, a vender as
coisas mais ruins mesmo. Mas começa a vender o abacaxi e quando vê está
melhor. Pelo menos é isso que vejo. Mas tem de trabalhar duro e respeitar os
que estão trabalhando a mais tempo. Eles sabem mais que a gente e sabem
55
como é quem trabalha. Conhecem o trabalho.” (Rafael, 23 anos, vendedor,
de Lagoa Funda).
No processo de seleção, a confiança é fundamental. Ganha confiança desde o jovem
que acorda cedo e vai perguntar quem vem pra cidade e se tem lugar até o jovem que começa
a entrar no universo do abacaxi carregando os caminhões para a viagem. Todos têm ciência de
que o trabalho é pesado. A rotina diária é desgastante, porém valorizada em Marataizes. Os
jovens que tomam a decisão de sair para comercializar o valorizados por toda a
comunidade, ganhando não somente o dinheiro pela carga vendida, mas também o respeito
por parte dos mais velhos e de seus pares e familiares.
O dinheiro ganho com a venda do abacaxi propicia aos jovens uma certa
independência financeira e é utilizado também para que a família tenha condições básicas de
sobrevivência. Ele possibilita desde a manutenção da família, compra de uma bicicleta ou
moto para ajudar no deslocamento para casas de amigos ou igreja e festas mais distantes
(locais onde ele aumenta o circulo de contatos e amizades, que por sua vez aumenta a
respeitabilidade por parte dos outros jovens e a possibilidade de arrumar moça para
namorar
52
), comprar roupas e ajudar os pais em casa.
Os jovens de famílias produtoras costumam obter uma renda maior quando comparada
àqueles que o são de famílias de produtores. A renda costuma ser controlada por pais e
filhos. A remuneração dos filhos costuma levar em conta as condições da família, seus gastos,
investimentos futuros nas roças de abacaxi, mudas, caminhão ou carrinhos de mão, sendo que
o pai sabe do interesse do filho em conseguir ir aum bar, ter uma moto, dar um presente
para uma namorada, então a possibilidade de remunerar o filho ou de disponibilizar uma
renda sem maior questionamento é maior. Levando em conta que, muitas vezes, esse
rendimento é direcionado para incrementar caminhão ou conseguir mais terra, além dos gastos
expostos anteriormente. Para todos o dinheiro ganho com o abacaxi é pensado de forma a
possibilitar suas vidas em Marataizes sendo muito valorizado esse ganho por parte de toda a
comunidade. Segundo um dos jovens,
“… é um dinheiro pro ano todo. Lá eu não vou ganhar nada mas vou
conseguir me manter…vou ter comida, teto, praia e amigos… acho que
pra viver vindo vender abacaxi… mas o importante é saber gastar.
comprei moto, roupas… agora tenho gasto com coisas pequenas. Bar e festa.
Mas claro, eu, se der pra ganhar mais a gente quer né… mas eu não vou
exigir mais do que eu mereço. Assim como está ta bom. Ajudando o pai a
gente ajuda a coisa melhorar em casa.” (Carlos, 23 anos, vendedor)
O dinheiro costuma ser rateado no Rio de Janeiro mesmo, depois de toda a carga
vendida e os jovens retornam com ele e, as vezes, com algumas poucas mercadorias que
52
Essa opção pela área urbana é feita principalmente pelos jovens que tiveram condições de adquirir
uma bicicleta ou uma moto, neste aspecto os jovens que lidam com o abacaxi levam vantagem sobre
os outros jovens das Lagoas, conseguem inclusive ter mais dinheiro para gastar com uma bebida ou
um lanche e com roupas mais vistosas. O espaço urbano, de Marataizes, é visto como o lugar de
efetivar a busca ou o encontro com uma namorada. A possibilidade de circular pelos locais da cidade e
não mais das Lagoas parece ser um dos sinais de que a procura por uma parceira se iniciou. Os jovens
falam que as moças até podem ser da mesma comunidade e o interesse pode surgir ali, mas a
aproximação se de forma mais direta nas igrejas e nos bares, sendo a área urbana mais propicia. O
interesse surge normalmente uma namorada numa das igrejas ou num dos barzinhos. Tive
oportunidade de ir até uma igreja num sábado à noite. Pude perceber como os pais ficam assistindo ao
culto com os filhos mais novos enquanto que os filhos mais velhos permanecem na rente da mesma
conversando em grupo e paquerando as moças.
56
conseguem comprar. Os jovens aproveitam o acesso à mercadorias que são vendidas por
preços mais acessíveis nas ruas e essa possibilidade de comprar é utilizada de muitas formas:
para ajudar ou agradar os familiares com algo pra casa, pra presentear um irmão mais novo
com um boné ou uma camisa da cidade (mostrando que também é possível ele ir pra lá vender
e ter acesso) ou arrumando roupas novas para as festa e para a igreja, o que é muito
valorizado. Segundo um dos jovens “além do preço ser mais em conta a possibilidade de
encontrar alguém com roupa igual é menor… imagina, seria um dinheiro suado dividido
por dois ou mais…” (Thiago, 23 anos, vendedor).
O ganho por carga, para os vendedores das esquinas, durante a safra alta varia de 300 a
500 reais, sendo que cada carga dura em média de 7 a 12 dias. Já nos outros períodos do ano o
que é ganho caí muito girando em torno de 200 reais para o mesmo período. Os motoristas ou
os responsáveis pelo caminhão e pela carga costumam ganhar um pouco mais, em virtude de
suas maiores responsabilidades (monitorar a venda e o dia a dia dos jovens vendedores).
A legitimação dos que são os motoristas ou responsáveis pela carga se consegue não
somente no dia a dia no Rio, mas é adquirida em Marataizes, junto à famílias. Afinal é uma
imensa responsabilidade sair com o caminhão carregado com 7 a 10 jovens de uma
comunidade para ir até a cidade e lá permanecer por mais de uma semana vendendo e
dormindo nas ruas. Essa parece ser o moto da dinâmica das equipes. Conseguir respeito para
obter mais ganhos. E esse respeito parece que é visto como adquirido junto aos pares, amigos
ou parentes, num ambiente estranho, mas valorizado em seu lugar de origem. A renda e a
respeitabilidade advinda; do esforço e das privações da ausência em Marataizes parecem
potencializar o desejo da permanência, mesmo que seja a permanência na transitoriedade por
diferentes espaços (enquanto vendedores) e no seu lugar de origem (num plano projetado para
um futuro próximo, como produtores ou arregimentadores de equipes).
2.6. Família, Comunidade e Propriedade: Projetos Individuais e Interesses
Coletivos
A complexão social e disposição geográfica da região, como pude notar, têm reflexo
direto na sua sociabilidade, na distribuição espacial (moradias, comércio, lavouras, estradas) e
na conformação e interação (famílias, vizinhança, circulação, trabalho, lazer) destas diferentes
comunidades rurais.
A sociabilidade é entendida como processo dinâmico de relações de interação
constitutivas da comunidade, da vida em família e da rede de vizinhança e parentesco, criando
uma esfera especifica de existência. Simmel (1983) define as inter-relações como
sociabilidades enquanto formas autônomas ou lúdicas da associação que tem existência
própria, sem intenções objetivas, conteúdos e resultados exteriores; é um jogo vazio, a
finalidade a matéria de sua própria existência. Quando falamos em sociabilidade, queremos
tematizar o formato do vínculo social e relacional do individuo e da sua família, e desses com
grupos sociais no lugar/local e no processo social envolvente. As formas de socialização
passam pela dinâmica da redefinição das múltiplas interações entre os indivíduos..
Ao observar o cotidiano nas comunidades, através da mobilidade das pessoas e das
culturas da pesca, do abacaxi e da mandioca, foi possível notar que a vida parece se orientar,
principalmente, em razão desses espaços e esferas, numa articulação justaposta e muito
dinâmica.
É difícil determinar com precisão as intencionalidades causadoras das mobilidades
espaciais (pensar quais são... esgotamento da fonte de recursos, partilha, nucleação).O que
podemos inferir, aqui, é que houve o deslocamento dos moradores das comunidades para uma
57
nova ‘imensidão’ onde é possível buscar o sustento. Se antes essa imensidão era o oceano,
lugar do desconhecido, lugar dos corajosos e aventureiros, agora surge como uma nova
aventura pela vida a produção do abacaxi e a incursão à cidade grande para comercializar os
frutos.
Como veremos essa ligação com a pesca e com o constante ir e vir para o mar parece
ser importante para que compreendamos, focando as comunidades e as famílias envolvidas na
produção e comercialização do abacaxi: como essas se organizaram para a produção e a
comercialização do fruto, como e quem compõem as equipes de trabalho na lavoura e as que
saem para buscar o sustento e, principalmente, como as famílias costumam lidar com a
ausência dos jovens que saem para vender os frutos em mercados distantes, e a princípio,
desconhecidos por eles (as cidades grandes).
Viagem na carroceria com os frutos
No final do ano de 2005, meio da safra alta de abacaxi, fiz uma viagem até Marataizes
na carroceria de um caminhão na companhia de uma equipe de jovens. A viagem era de
retorno para casa, para os rapazes, e foi planejada para ter inicio numa quarta-feira, quando a
venda de toda a carga de abacaxi que o caminhão carregava estaria realizada. Essa data
possibilitaria que os jovens estivessem de volta ao Rio de Janeiro no sábado. Como a venda
pelas ruas é incerta, não obedecendo a ritmos pré-estabelecidos, neste caso a venda de toda a
carga somente foi efetivada na sexta-feira. O responsável pelo caminhão havia inclusive
telefonado pra casa, falado com o pai e dito que queira uma roça de abacaxi para ir carregar
na segunda-feira. Sua interação com a família e no trato das coisas do abacaxi não se resumia
as questões da comercialização, ele procurava saber também como estavam as roças e como
estavam todos. Era o filho mais velho da família e tinha um irmão mais novo que estava em
Marataizes por o ter idade para viajar. O pai permanecera cuidando da roça e liberara o
jovem arranjar mais rapazes da roça dispostos para vender os frutos nas ruas e esquinas.
Eu era conhecido de todos e havia me juntado ao grupo na quarta-feira, e assim permaneci
até a sexta-feira, na expectativa de realizar a viagem. A expectativa não era somente minha. O
grupo era formado por sete pessoas, todos jovens com idades variando entre 17 e 30 anos. O
responsável pelo caminhão era filho de produtores e havia comprado o caminhão pouco
mais de um ano. Todos os jovens eram da mesma comunidade, Lagoa Dantas, e com alguns
eu havia jogado futebol na vez em que estive, o que me tornou mais próximo e orientou as
primeiras conversas durante a viagem. O caminhão era grande, com a carroceria de madeira e
coberta de lona. No chão estava espalhada muita palha, para evitar que os frutos se
machucassem, e os carrinhos de mão estavam todos amarrados a lateral da carroceria do
mesmo. Na parte frontal da carroceria estava disposta uma estrutura de dois andares que podia
receber quatro jovens, justamente os jovens que estavam na viagem. Eu fui deitado na palha
sobre um lençol emprestado por um dos jovens e tendo sob minha cabeça, como travesseiro,
minhas sandálias. O balanço do caminhão era forte, muito mais forte que o dos automóveis
com seus amortecedores bem regulados, e a estrutura de lona fazia um barulho ensurdecedor
na estrada, dificultando as conversas. Os caminhões normalmente optam por trafegar no
período da noite, de modo a evitar problemas com a fiscalização rodoviária por carregar frutos
e trabalhadores na carroceria, então a escuridão tomava conta do ambiente. Os jovens no
principio estavam todos acordados e comentavam que nunca alguém “de fora” havia viajado
num caminhão com eles. Valorizavam minha atitude assim como eu valorizava a deles.
Parecia que estávamos nos lançando em direção a uma área de tempestade, a estrada, no
intuito de encontrar um lugar para atracar. A imagem de um barco em alto mar parece boa
para descrever a situação. Em pouco tempo os jovens adormeceram e eu permaneci acordado.
Eu não conseguia relaxar, devido ao balanço, ao frio e ao barulho.
58
Na escuridão, depois de aproximadamente duas horas na estrada, ouvi o som de
alguém batendo na carroceria e a luz interna da mesma se ascendendo. Estávamos chegando
próximos a um posto da Polícia Rodoviária Federal e como na carroceria os policiais
poderiam nos ver teríamos de nos esconder melhor. Com os lençóis e pedaços de compensado
foram tapadas as frestas na carroceria e todos permaneceram quietos, com a luz sendo
apagada e o caminhão seguindo viagem. Mais ou menos uma hora depois o caminhão parou e
descemos em um pequeno restaurante de beira de estrada. Este restaurante era o restaurante
em que este caminhão sempre parava nas viagens pro Rio de Janeiro e tinha o atendimento
feito pela família do proprietário. Todos os jovens acordaram e interagiam entre eles, comigo
e com a família do comerciante, principalmente com a filha deste, de aproximadamente 16
anos, que viera atender nossa mesa. O assédio sobre a menina era grande, porém levado em
tom de brincadeira, como se a alegria de estar próximo de casa e de suas namoradas e
meninas fosse possível de evitar constrangimentos por atitudes mais diretas. Todos comeram
o tradicional prato de feijão, arroz, batata, ovo e carne, numa quantidade digna de
“caminhoneiros” e entraram rapidamente no caminhão, sem antes se despedirem de todos que
permaneceram no local. A viagem seguiu e os rapazes adormeceram até a chegada em
Marataizes. todos foram deixados nas portas de suas casas com o recado: Na segunda-
feira vamos carregar o caminhão, eu passo aqui e pego vocês, e segunda de noite mesmo nos
vamos pro Rio de novo. Bom final de semana e abraços pra família. Bom descanso.”
Interessante foi também perceber as intervenções da natureza. Pó exemplo, choveu no final de
semana inteiro e a carga do caminhão somente foi realizada na quarta-feira, com dois dias de
atraso, neste período os jovens aproveitaram mais a família, porém reclamavam que estavam
deixando de vender no Rio de Janeiro.
A necessidade de combinar projetos individuais com o que é estabelecido como
projeto coletivo permeia toda a vida familiar, dado que um projeto coletivo o é vivido de
modo totalmente homogêneo pelos indivíduos que o compartilham. Existem diferenças de
interpretação devido a peculiaridades de status, trajetória e, no caso de uma família, de gênero
e geração, potencializados numa condição de reprodução familiar camponesa pelas condições
históricas que pesam na condição familiar e nas peculiaridades das efetivas condições de
realizar tais projetos.
Os que saem são valorizados como jovens que saíram para enfrentar os desafios da
vida, mas voltaram para colaborar com a comunidade, sacrificando-se hoje para viver melhor
no amanhã, combinando vida em Marataizes com jornadas de trabalho no Rio de Janeiro.
Nisso busca-se ressaltar o caráter comum a todos da comunidade, segundo as falas dos
nativos: serem parentes, mesmo que distantes, e obterem o direito ao trabalho com o abacaxi,
se houver condições e for de sua vontade. Uma comunidade unida que conseguiria inserção
para comercialização em lugares distantes e reforçaria a imagem do local de origem, como um
todo indivisível.
Enfim, nas análises sobre o campesinato contemporâneo o descompasso na introdução
dos indivíduos nas sociedades, oscilando entre os projetos individuais e os interesses
familiares é praticamente consensual. A questão que sustento e com a qual dialogo aqui não é
essa. Mas sim identificar os projetos individuais e os valores que os orientam, propondo o
mesmo para os interesses familiares, trabalhando-os de forma relacional, para assim perceber
se uma conjugação dos interesses dos diferentes indivíduos que compõem a família
articuladas nas condições peculiares de trabalho dos jovens que saem para comercializar o
abacaxi mas retornam para vivenciar a família e seus próprios projetos familiares no local de
origem, não demonstrando interesse em uma saída definitiva.
59
Para compreender os mecanismos de reprodução social neste mundo rural em
transformação, temos de ter claro que as famílias não transmitem somente condições materiais
a seus jovens. Transmitem-lhes também sua visão de mundo, suas concepções de trabalho,
sua moral, sua relação mais ou menos pessimista com o futuro, numa dinâmica objetiva e
subjetiva que tem direta vinculação com uma crescente abertura do espaço social rural.
Wanderley (2003; 1996; 1998) tem pontuado que o que define o caráter familiar da
agricultura não é o grupo de trabalho, mas sim uma imagem de pertencimento à família. Isto é
importante no que se refere à situar os projetos formulados e elaborados dentro de um campo
de possibilidades, que é circunscrito histórica e culturalmente. Sendo, por exemplo, a escolha
de um único sucessor, do mais jovem ou do mais velho, o que tem maior ou menor grau de
escolaridade, resultado destas condições e possibilidades, atreladas ao pertencimento a família
e a seu projeto coletivo. Um exemplo, interessante, nos é dado por Champagne (2002),
atrelado a uma realidade especifica, no caso a realidade francesa da segunda metade do século
passado. Este autor reconhece uma crise relacionada diretamente ao fato de que a recusa
dos(as) filhos(as) em suceder os pais é, em primeiro lugar, a recusa do estilo de vida dos pais.
Isto é, uma “crise” da própria identidade dos indivíduos deste meio, ligada e incitada por
aspectos dinâmicos e simbólicos relacionados a seu circulo de relações sócio-culturais.
uma ampliação do espaço social proporcionada, por sua vez, pela diversificação dos agentes
de socialização dos jovens. Resultado de numa nova dinâmica para a relação campo/cidade:
escola, meios de comunicação de massa, transportes, opções de trabalho no comércio,
indústrias
53
ou turismo, dentre outros dinamizam à socialização. Os meios citados são
objetivos, mas que devem ser entendidas, também, no campo da intersubjetividade.
Tomo aqui, como exemplo significativo: a escola. Nas sociedades modernas e
contemporâneas, a escola tende a ter papel claro e emblemático no que se refere a abalar a
autoridade outrora forte e indiscutida dos pais, inculcando em seus filhos saberes que
desvalorizam em muitos casos os saberes paternos, seus modos de transmissão, aspectos antes
ligados estritamente a vida doméstica, carregada de subjetividades onde a tradição priorizava
a perpetuação do patrimônio (BOURDIEU, 1962). Esse conhecimento legítimo era
transmitido seja através de orientações explícitas verbalmente, seja mediante exemplos
cotidianos que projetam no futuro um saber adquirido no passado, por exemplo os ligados a
produção agrícola. As relações de autoridade e poder, a divisão sexual e etária do trabalho
eram ordenáveis, segundo o padrão cultural hegemônico, num nível mais amplo de
dominação simbólica no próprio imaginário acerca da família. A reprodução implica
reprodução de um sistema (BOURDIEU, 1975). Como exposto, Woortmann (1998) propõe
que as famílias se relacionam estreitamente com a concepção do patrimônio enquanto valor
cultural, onde o ordenamento do parentesco forja uma noção de descendência e sucessão (um
resgate de Bourdieu, quando este em seus estudos trata do impedimento à partilha da terra,
por exemplo).
No que se refere ao universo rural e a terra, temos de pontuar que as expressões
“camponês” e “agricultor familiar” têm até certo ponto semelhanças. Pode-se dizer que todos
os camponeses são agricultores familiares e trabalham na terra, seja ela própria ou não, mas
nem todos os agricultores familiares são camponeses. A expressão “agricultor familiar”
abrange os camponeses como produtores capitalizados e plenamente envolvidos no mercado
(ABRAMOVAY, 1992). No meio do debate sobre as características da produção familiar na
agricultura e o próprio futuro dessa forma de produção, Abramovay (2002) argumenta no
sentido de que, apesar da produção agrícola sobreviver, o campesinato com sua forma de
agricultura tradicional, no Brasil, desapareceu em virtude da enorme transformação
53
Ver o trabalho de Seyferth, que esclarece como a industrialização regional facilitou os arranjos
familiares e tornou menos dramática a disputa pela terra no âmbito de cada família camponesa.
60
experimentada pela agricultura após 1950. Neste período deu-se uma mudança na base técnica
da produção, um incremento no uso de defensivo químicos, do número de máquinas agrícolas
e do uso de sementes selecionadas, ocasionando o aumento da produtividade do trabalho, com
conseqüentes transformações na estrutura de ocupação da mão de obra agrícola. Nazareth
empreende um esforço impar para entender o campesinato na economia capitalista moderna,
reagindo a idéia de Lênin acerca da proletarização. O camponês é apontado pela autora como
eficaz\ em seu trabalho e na estrutura social, tendo uma função no sistema capitalista, não
havendo ruptura entre camponês e agricultor familiar. No Brasil, durante as décadas de 1970 e
1980, período em que o capitalismo estava em expansão com a denominada modernização da
agricultura, os estudos sobre as perspectivas de sobrevivência da unidade agrícola com base
no trabalho familiar tiveram uma enorme importância para entender processos hegemônicos.
A partir de meados da década de 1990, essa questão foi substituída por outros temas, tais
como reforma agrária, movimentos de luta pela terra, assentamentos rurais, novas formas de
trabalho no meio rural, pluriatividade e a questão ambiental na agricultura (BRUMER;
TAVARES DOS SANTOS, 2000). Todos estes temas têm relação direta com o trabalho
familiar, utilizando a defesa deste e da própria instituição da família, como argumento em
discursos de vários atores envolvidos na legitimação de suas lutas.
Realizados como pesquisa de âmbito comparativo internacional, destacam-se os
estudos comparativos apresentados por Lamarche (1993) acerca da agricultura familiar para o
entendimento desta em seus delicados diferenciais.
Este autor argumenta no sentido da existência de um modelo ideal que todo agricultor
projeta para seu futuro e em função do qual organiza suas estratégias e toma suas decisões. Os
agricultores organizariam suas estratégias, viveriam suas lutas e fariam suas alianças em
função de dois domínios: a memória que guardam de sua história e a ambição que tem para o
futuro.
Dentro deste escopo de discussão acerca do destino da agricultura familiar, porém
situando sua analise no nível da realidade brasileira, dispomos do trabalho de Silvestro et alli
(2001), que trata diretamente dos impasses da sucessão hereditária na agricultura familiar e do
próprio destino das novas gerações das famílias de agricultores. Neste trabalho os autores
chegam a afirmar que “não existe atividade econômica onde as relações familiares tenham
tanta importância quanto na agricultura” (SILVESTRO et alli, 2001, p.25). O entendimento
acerca da manutenção de um caráter de obrigação moral é ponto também discutido pelos
autores. Para estes: “se até os anos 1960, a continuidade na profissão agrícola podia ainda
revestir-se do caráter de uma obrigação moral, hoje es pressão deixou de existir”
(SILVESTRO et alli, 2001, p.28). Como obrigação, aceitava-se e herdava-se a profissão do
pai. A obrigação não casa mais com as condições de dialogo e barganha disponíveis. Parece
haver um processo de inovação e desvelamento das possibilidades engendradas pela
articulação de pais e filhos. No caso estudado, possibilitada por uma condição estrutural impar
(família, comunidade, propriedade e nicho de mercado), a manutenção da profissão do pai
depende da concordância do filho em vir a participar na produção, por exemplo.
No interior dos estudos relacionados à sucessão profissional na agricultura nota-se um
forte viés de gênero, com um diferencial fomentado pela escola. A educação manifesta-se em
muitos casos como uma contrapartida presente da herança paterna futura não recebida,
principalmente no caso das mulheres jovens. Durston (1997) aponta neste sentido de
diferenças de gênero: “entre os jovens do sexo masculino, a educação seria parte importante
de uma estratégia de vida sobre aqueles meninos que têm pouca expectativa de herdar terras
(...) a educação formal toma um novo significado libertador” e entre as mulheres, com mais
estudo que os homens, é uma estratégia de ascender a ocupações não-agrícolas em áreas
urbanas (DURSTON, 1997). Ainda segundo este autor, a educação propiciaria um maior
protagonismo, contra a autoridade paterna, ela expõe o jovem a novas idéias, tanto visões de
61
mundo como valores éticos e direitos, modificando padrões de relacionamento e autoridade,
dentro os quais, a relação dos jovens para com pais e avós. Fomenta uma tensão entre os
projetos familiares e individuais, própria da manutenção da condição camponesa e do trabalho
agrícola em uma situação de mudança das condições (objetivas e subjetivas) de reprodução
social.
Duarte (1966) indica que a família ocupa um lugar central na organização social, a
família como uma ordem social. O autor percebe que uma inadequação para as sociedades
camponesas de um Código Civil que é constituído a partir de valores essencialmente urbanos
e desapegados as realidades das regiões rurais do Brasil. Este código é rompido, impondo-se
um direito costumeiro, legitimado pela tradição e por uma ordem moral inerente às famílias.
A própria Constituição brasileira, no que se refere ao direito à herança do patrimônio familiar,
também estabelece uma igualdade, mas são as regras culturais que modificam a lei de acordo
com os interesses de um ator coletivo – a família
54
. O sítio camponês familiar e a comunidade
camponesa surgem como bases de uma interação social na qual reside a própria especificidade
do empreendimento familiar. Coube ao pesquisador elaborar entre duas esferas, a econômica
e a do parentesco, uma distinção analítica que permitisse perceber as negociações e tensões
inerentes aos processos, princípios e regras que orientam e legitimam a própria noção de
família em sua capacidade de elaborar estratégias para se adaptar as condições internas e
externas. Autores como Maria Nazareth Wanderley e Klass Woortmann, por exemplo,
apontam no sentido de que o que faz da agricultura familiar “familiar” é um compromisso
moral que fortalece os laços de parentesco. O que define familiar não é o grupo de trabalho,
mas sim uma imagem de pertencimento à família, onde o individual é subordinado ao coletivo
e dimensões culturais são relevantes pois trazem nuanças que os aspectos apenas econômicos
restringem, tais como o próprio patrimônio, herança, casamento dentre outras. Já as teorias do
campesinato não levam em consideração a dimensão do parentesco como um princípio
organizatório e elemento da reprodução social do campesinato. Elas ressaltam principalmente
as esferas da produção e do consumo. Em Galeski, por exemplo, a própria estrutura da
autoridade da família usualmente envolve o modo de herança. Este argumenta que, tendo a
família a função de transmitir segurança, transmissão da herança (material e cultural) e
provisão de facilidades para o começo na vida individual ligadas e sujeitas a própria
autoridade do pai, pensa-se a família em relação principalmente de pais para com filhos
55
.
Como numa condição de família camponesa, pode-se pensar na transmissão da
importância da propriedade da terra para o valor família, onde esta e a comunidade aparecem
como mantenedoras da tradição
56
. Muitas vezes naturalizada como coletivo de que delimita o
universo da agricultura (agricultura familiar), a própria noção de família sugere uma relação
específica com a terra, como ressalta Shanin (1975).
Wagley (1968) pensa o parentesco como tendo um papel central na manutenção das
tradições nas sociedades, visto que o próprio parentesco é uma representação simbólica. Ellen
Woortmann privilegia as relações que interligam famílias enquanto dotadas de valores, em
seus diferentes arranjos. É ressaltado como esses próprios arranjos possibilitam a reprodução
das famílias camponesas de geração a geração e como há, no entender da autora, uma
linguagem do parentesco com um conteúdo próprio, enquanto um valor percebido e
fomentado.
54
Conforme, também, o trabalho de Margarida M. Moura (1978) que aponta no sentido de uma
reelaboração do Código Civil para um código costumeiro com diferentes acertos e arranjos.
55
Garcia Jr e Heredia (1971) apontam numa primazia do coletivo sobre o individual, com a herança se
definindo no dia-a-dia da família. Candido (1951) também ressalta a subordinação do indivíduo ao
grupo.
56
Wagley(1968) aponta também nesse sentido e tem uma visão instrumental da relação de compadrio,
parentesco tem papel central.
62
Woortmann, de forma a perceber as transformações intrínsecas à própria história,
destaca a importância da organização social dos colonos, que desemboca e fomenta um
cíclico reforço às tradições. As tradições são alçadas a condição de respostas a movimentos
históricos, tais como valorização de terras através de imigração, interiorização de indústrias,
necessidades de comercialização e de produção, para a sociedade em um nível mais amplo
com relação aos colonos e suas famílias, por exemplo. Nos momentos de mudança, a
emigração teve posto fundamental para o entendimento das opções que sustentam opções
sucessórias numa perspectiva verticalizada, visto que a própria imigração alemã foi
heterogênea, mas principalmente minifundiária (SEYFERTH,1985). Woortmann, dentro deste
escopo diferencial, ressalta que o valor família fala mais alto e o dever dos pais como dever
de honra, face à parentela e à comunidade, é assegurar a todos os filhos e filhas, na medida do
possível, as condições básicas, o potencial a partir dos quais cada novo casal pode conquistar
sua reprodução social. Como ressalta a autora, a terra sendo parte de uma ordem moral, é
condição de realização de sujeitos formatados no trabalho, um locus privilegiado de e pelo
trabalho. A terra pertence à família.
O patrimônio é o chão da família, nome e terra são patrimônios, simbólicos e
materiais, e expressam uma descendência e um sentido moral da terra. Herda-se juntamente
com a terra uma obrigação, uma forte carga valorativa moral que possibilita o
entendimento tanto do herdeiro quanto do deserdado. Como diz Bourdieu (1972), é a terra que
herda o herdeiro.
A própria reprodução pensada por Bourdieu, por exemplo, implica um sistema e uma
estratégia em seus diferentes tipos, hábitos, costumes, todos coerentes com um determinado
sistema de vida, universo simbólico e de produção. Os indivíduos atuam na estrutura e estas
em suas forças são produzidas e reproduzidas pela própria ação reflexiva que se engendra ao
processo. A maior virtude da construção da noção de reprodução como uma relação entre um
sistema de estratégias e um sistema de mecanismos consiste em permitir e compreender de
maneira única e inteligível fenômenos pertencentes a universos sociais muito distantes, como
por exemplo à família resultando de condições culturais e sócio-econômicas. Diferentes
famílias em diferentes contextos conseguiram ou o realizar sua reprodução de modo
diferente. Tamanho de propriedade, o valor dado a mesma no sistema cultural, a composição
da família, diferenciais de gênero são alguns dos aspectos que influem no processo de
reprodução na agricultura familiar.
Dentro de uma regularidade na transmissão da herança, ditada por nosso sistema
cultural, patriarcal, as decisões sobre o processo de sucessão cabe ao pai. Muitos pais
retardam ao máximo esse momento, já que ele corresponde a uma espécie de abdicação do
poder e da autoridade e assim, muitas vezes o jovem se sente desvalorizado, numa condição
de subordinação à autoridade paterna que não o agrada. Devido ao tamanho das famílias
rurais ter diminuído nos últimos anos, tem-se como conseqüência o aparecimento de um
problema que é típico dos países desenvolvidos, em particular as sociedades européias: a
crescente quantidade de unidades produtivas cujo destino está comprometido pela falta de
sucessores.
A própria questão da sucessão é um tema de foro íntimo diante do quais as famílias
tomam decisões sem qualquer tipo de orientação profissional agravado pelo fato de que a
gradual passagem de responsabilidades de uma geração para outra é mais importante que o
momento específico em que se faz a transferência jurídica dos bens, o que dificulta o processo
devido a própria dinâmica diferenciada de família para família. A sucessão é vista como um
processo que envolve desde a transferência patrimonial, a continuidade da atividade
profissional paterna e a retirada das gerações mais velhas do comando sobre os negócios.
Abramovay et alli (1998) em seus estudos ligaram as opções profissionais a dois fatores
básicos: formação educacional e nível de renda das famílias. Permanecem no campo os com
63
menos educação e o acesso a terras é visto como uma das maiores dificuldades para a
continuidade na agropecuária. A pesquisa toma o problema sucessório pelo lado da demanda
da terra e não examinou a situação das famílias onde não sucessores. Para entender esse
processo devemos salientar que até 1960 o minorato e a partir dos anos 1970 esse padrão
se esgota, trazendo como conseqüência um desencontro entre a oferta de terras das gerações
que envelhecem e a demanda dos jovens que não podem satisfazer suas vocações
profissionais nas propriedades paternas. uma divergência em relação ao padrão anterior,
no qual o padrão sucessório em que o filho destacado para cuidar dos pais era compensado
com a herança da propriedade (ABRAMOVAY et alli, 1998).
Com padrões ditos modernos de valorização imobiliária e até mesmo resiginificação
simbólica (os novos rurais, por exemplo) em algumas regiões a terra deixa de ser
patrimônio para ser valor imobiliário acessado para valorização monetária. Isso se em
contraponto ao trabalho de Seyferth (1985), quando esta indica que a própria transmissão do
patrimônio determina a mobilidade e o desmembramento da família, numa situação de
escassez de terras, com demanda por propriedades sempre maior que a oferta.
Em Marataizes o processo é diferente. Parece haver a concomitante prioridade para os
parentes. Ainda que num ambiente de valorização imobiliária, o trabalho produtivo e a
capacidade de angariar ganhos para as famílias, para a comunidade e para a elaboração de
projetos de manutenção e crescimento da comercialização para fora de Marataizes, utilizando
principalmente a mão de obra dos jovens do lugar que se dispõem a se por a ir e vir, é
valorizada. Se num primeiro momento houve o deslocamento e desmembramento das famílias
com a crise na pesca, atualmente, com a possibilidade da inserção no trabalho com o abacaxi
e com as peculiaridades do acesso à terra as famílias parecem estar organizadas para
manterem seus jovens nas comunidades.
A comunidade sempre funcionou como construção de uma reprocidade social. A
reciprocidade é algo que sempre marcou a ligação entre a família e a comunidade, sem
descartar a perspectiva de que ocorrem nestes conflitos e alianças, por exemplo. As
necessidades e dificuldades de conseguir o sustento desenvolveram estratégias de troca
principalmente entre vizinhos e parentesco [se não de mulheres [Levi-Strauss] e de alianças
[Bourdieu]. Honra, terra, moral, afetividade, disposição para o trabalho são requisitos sociais,
vividos e concebidos individualmente, porém legitimados no âmbito comunitário. O
termômetro é a comunidade; ela é o olhar social e vigilante que publica a identidade
individual e que criteriza os agentes afetivos (BRANDÃO, 1995). A reciprocidade é
sustentada no grau de moralidade e o reconhecimento de relações com iguais
(WOORTMANN, 1995). Eu queria perceber os laços de reciprocidade que fundamentam as
comunidades das Lagoas. Para traçar a origem das mesmas e começar a responder essa
questão fui prontamente direcionado aos membros de mais idade residentes nelas.
Segundo relatos desses moradores, as comunidade se formaram próximo as Lagoas na
faixa litorânea pois: (1) ali mantinha-se a proximidade do mar e da principal colônia de
pescadores do município
57
, ponto de partida e chegada dos moradores para o mar, e (2) era
um local onde havia água doce em abundância
58
.
Hoje a colônia de pescadores da Barra tem um porto para os barcos de pesca de
dimensões medianas (tripulação de 5 ou 6 pessoas) cercado por hotéis e residências.
Instigado a compreender a relação das famílias das comunidades que estudava com a
pesca, realizei algumas incursões a essa colônia de pescadores.
57
Lá se localiza a principal igreja católica de Marataizes.
58
uma representação social dos espaços como produto do fundamento do pensamento do
pensamentos e da organização social.Esses aspectos todos obedecem a uma lógica que interage para a
construção do conhecimento cotidiano.
64
Ela dista aproximadamente uma hora das Lagoas, numa caminhada constante e sem
paradas. Em algumas manhãs realizei a caminhada solitária a esse porto saindo da
comunidade de Lagoa Dantas (meu local de descanso). Nestas caminhadas matinais,
principalmente durante o retorno às Lagoas, fui acompanhado por moradores destas
localidades que se mantinham ligados a atividade da pesca. E foi neste caminhar que fui
informado da origem das comunidades rurais das Lagoas, acessando a memória da mesma
59
.
Segundo Pollak (1989) a memória funciona como denuncia, como desconstrução e
reconstrução do passado, como história de vida (redefinindo a construção de si mesmo para
definir seu lugar social e suas relações sociais com os outros) e como organização social da
vida; enfim, memória tende a perenizar a realidade, alimentando-se de referenciais culturais,
religiosos, e morais, processos que buscam dar um sentido também à identidade individual e
do grupo.
Meus companheiros nas caminhadas, três homens na faixa etária dos 40-50 anos me
contaram um pouco de suas histórias de vida. Seus pais haviam morado próximo ao local
onde hoje fica o porto e, na época, viviam da pesca também. Porém, sendo a pesca uma forma
de garantir rendimentos que se mostrou insuficiente para sustentar toda a família, devido à
diminuição da quantidade de peixes obtidos e o baixo preço obtido no mercado do pescado,
eles optaram por ir morar em um lugar acessível e, ainda assim, onde o custo com a moradia
fosse menor. Segundo eles, a pesca está esvaziada também pelo fato de a tripulação dos
barcos agora ser menor. Existem equipamentos que substituem os homens. O resultado é que
uma inserção no trabalho da pesca e do mar é dificultada para as pessoas dessas comunidades
e, então, a agricultura (principalmente abacaxi e mandioca) e o turismo surgem como opção.
Nos dizeres de um desses homens, com os quais conversei, que ainda lidam com a pesca,
“...muitos dos que chegaram em Lagoa Funda viviam da pesca. O pessoal
sempre foi simples aqui... quem veio pra cá no inicio foi pra viver da pescar
e a maioria era parente lá na Barra. Da época que eu era jovem pra cá,
década de 50, Marataizes cresceu muito. Veio muita gente de fora pro
turismo. O pessoal se sentiu incomodado, saiu da antiga colônia e veio pras
Lagoas pra arrumar um lugar mais barato pra morar e assim continuar
vivendo da pesca.O pessoal de fora comprava os terrenos ali e a gente teve
de vir pra mais distante. Meu pai era pescador... a pesca dá pouco dinheiro.
Tem de dividir entre todos que saem no barco e todo mundo recebe igual.
Mas agora são poucos os que saem pro mar. Agora tem o pessoal plantando
é na terra que está mais certa pra ganhar do que o mar... e nisso entra o
abacaxi... agora o pessoal de lá ganha o sustento com o abacaxi né?.”
(Roberto, 55 anos, morador de Lagoa Funda).
O ato de sair tem implicações e vinculações/relações com o lugar de origem e de
destino; muitas vezes, alguns saem para fortalecer os que ficam; constrói-se a fragmentação
para fortalecer a unidade (WOORTMANN, 1995). A saída de pessoas (filhos) isoladas ou de
núcleos de famílias recém formados para os novos espaços viabiliza a o divisão do
patrimônio da casa no espaço-mãe (WOORTMANN, 1995). O matrimônio, a migração e a
propriedade eram partes de um mesmo modelo de organização interna. Alguns tomaram
'outros rumos'. A interpretação do espírito insatisfeito encobre a construção de um conjunto de
59
A memória distribui-se em vários planos e esferas do cotidiano: na família (no sentido de geração
em geração), nos grupos de vizinhança, na comunidade, nos atos que mais marcam. Esse processo, em
seu conjunto, constrói a reprodução social (habitus) e serve de matéria-prima (WOORTMANN, 1994)
para (re)construir e atualizar praticas e interações cotidianas. Esse imaginário compreende o individuo
que se confunde com o tempo, com uma ordem geral: a família.
65
relações fundadas na família e que o são perceptíveis sem a ruptura do discurso racional e
objetivo.
Os projetos de reprodução social e de patrimônio passam por vieses não mais
aglutinadores de colônia-mãe; os grupos vão formando identidades redefinidas, e os graus de
parentesco vão se tornando mais tênues (WOORTMANN, 1995).
O papel da família na transmissão cultural intergeracional é importante, não incluindo
apenas memória da família, mas da linguagem, da moradia, da posição social, da religião, dos
valores e aspirações sociais, do fazer doméstico, da roça, dos modos de comportamento, etc.
São aspectos que condensados em práticas e experiências de grupos sociais particulares
formam aquilo que Bourdieu chamou de habitus.
Concordo com Halbwachs (1990) quando diz que uma vez o passado construído de
um espaço, de um tempo social, é a afetividade do momento presente que se destaca e que se
investe no cenário como memória de um temo vivido num grupo.
Halbwachs (1968) enfatiza os pontos de referência que estruturam e que formam nossa
memória coletiva, o sentimento de pertencimento, delimitando as fronteiras sócio-culturais.
Na esteira durkheiminiana, Halbwachs, mesmo sem ver a memória coletiva como coerção ou
dominação, enfatiza a coesão social, a adesão afetiva ao grupo (comunidade afetiva) como
fenômeno social. O autor defende também o caráter social da memória como também o
caráter social da linguagem, no sentido da convenção, da compreensão comum de símbolos,
significações, noções, etc. O individuo como tendo um papel importante como ser social, que
tem seu ponto de vista, inserido na memória coletiva de acordo com seu lugar social.
Halbwachs nos alerta para levar em conta a posição social, o contexto presente, os
lugares de onde o tempo presente (re)elabora o passado, a imagem do tempo alterado e as
visões do mundo. As reminicências, os desejos de reconstruir modelos (de família, de
trabalho, a união familiar, as crianças na frente simbolizando presença e futuro/continuidade),
os bens simbólicos (poder patriarcal, força moral, as hierarquias sociais), os sofrimentos e as
transformações são cristalizações de memória muito presentes na vida e nos relatos dos
colonos.
Enfim, pelos relatos, o lugar vazio e perigoso realizado no trabalho e legitimado
pela noção da não posse, mas sim de direito coletivo sobre o mar, garantia a perpetuidade de
sua reprodução e do social. Em um lugar novo e difícil o colono construiu a casa, construiu a
comunidade e nela o fundamento de sua sociedade: a família. Onde era mato se fez a vida e as
roças. O mato é sempre o ponto de partida da construção do espaço de roça; o mato não é
produto do trabalho humano, é da natureza, é o desafio do homem. Sobre o significado
cognitivo e simbólico do mato, ver Wortmann (1997), bem como Brandão (1995). Matas são
lugares visíveis de trabalho e para trabalho; são locais em que se pode morar, fazer a roça,
lugares de realização da vida e da cultura. Isso é fruto de trabalho árduo e de obstinação,
dedicação e privações.
Nessa possibilidade de acesso a terra e aos frutos para diversos produtores está a
dinâmica que possibilita uma articulação para que se dê a permanência dos filhos no trabalho
da roça durante o período da produção. uma divisão do trabalho em muitas unidades
produtivas de forma a que um dos filhos permaneça. Interessante é pensar que esse é um
efeito potencializado justamente pelo alto custo da produção do abacaxi ao possibilitar uma
divisão das terras para dinamização da produção.
A comunidade lida todos os dias com a possibilidade da perda e com a distância e com
as tensões inerentes a essa condição. O pertencimento à comunidade e possíveis laços de
parentesco parecem orientar à conformação das equipes para o trabalho com a lavoura de
abacaxi, a formação de equipes para a comercialização e o desejo de permanência-retorno dos
jovens para junto de suas famílias (espaço afetivo). Esse pertencimento a comunidade parece
66
ser refletido na complexa ocupação espacial e interação social no universo das Lagoas vista
na dinâmica da produção e comercialização do abacaxi.
Quanto à ocupação espacial podemos situar uma diferença que orienta a interação
social e a conformação das equipes: local de morada ou trabalho na faixa litorânea ou na zona
das roças e, também, em qual Lagoa.
A Lagoa mais próxima do núcleo urbano do município é Lagoa Funda, a intermediária
é Lagoa Dantas e a mais distante é Lagoa do Siri (ver fotos 16, 17 e 18). Segundo uma
percepção própria dos moradores, em geral, e dos jovens comerciantes também, haveriam
dois espaços: o da ‘praia’ e os da ‘roça’.
FOTO 16 - LAGOA FUNDA
Fonte: Google Earth, 2006.
1 – Moradas de veraneio
2 – Área de comércio e morada permanente
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FOTO 17 - LAGOA DANTAS
Fonte: Google Earth, 2006.
1 – Área de comércio e morada permanente
2 – Igreja e campo de futebol
3 – Moradas de veraneio
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FOTO 18 - LAGOA DO SIRI
Fonte: Google Earth, 2006.
1 - Área de comércio e morada permanente
A praia seria a zona próxima a faixa litorânea, onde um número maior de casas e
também de estabelecimentos comerciais.
a roça seria o lugar das lavouras, lavouras estas que se situam em terrenos
conhecidos como tabuleiros costeiros e onde há poucas casas e nenhum tipo de comércio.
A circulação dos jovens e de suas famílias por estes distintos espaços, circulação,
fomentada principalmente a partir de relações de parentesco e vizinhança, parece ser
fundamental e possibilitar o arregimento e formação de equipes. As famílias, que visitei,
residentes junto às lavouras tinham familiares, tios(as), primos(as) ou irmãos(ãs), que
residiam na praia, indo inclusive visitá-los com certa freqüência sendo o caminho inverso
também percorridos pelos que residem na praia. O conhecimento dos vizinhos e dos caminhos
(acessos) a esses possibilita um andar seguro por parte dos moradores pelas comunidades
rurais das Lagoas. E a segurança, confiança, é algo que é buscado nos que buscam o trabalho
com o abacaxi.
As famílias primam e fazem um grande esforço pela boa convivência, inclusive no
trabalho. A isenção e socialização dos filhos no trabalho, a dimensão da honra, dos direitos e
deveres, das hierarquias, dos convívios, princípios e trocas de socialização, fidelidades sociais
e familiares, afetos, unidades de convivências, proteções, submissões, proteções, etc. são
construídas, sedimentadas e reproduzidas na famílias (BRANDÃO, 1995) e ampliadas para a
69
comunidade. Sabemos que as relações intra-familiares são relações que o estão imunes a
tensões e conflitos, mas o que pode ser salientado é que esse processo de inserção dos filhos
na cultura do abacaxi e a forma de distribuição das terras para o plantio entre famílias,
familiares próximos e vizinhos, parece ter reflexo direto na forma como os projetos
individuais dos jovens que estão trabalhando na cultura do abacaxi, seja na produção ou na
comercialização, estão imbricados aos interesses coletivos das famílias e da comunidade
(principalmente ao da manutenção dos jovens junto às famílias, ajudando no trabalho e
proporcionando maior renda ao inserirem-se na comercialização direta nas grandes cidades).
Para o próximo capítulo, interessa saber qual o reflexo do ir e vir na construção das
imagens que os jovens m da cidade grande e da roça e como esta imagem baliza seus
projetos futuros.
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71
CAPÍTULO III
INDO PARA AONDE AFINAL? IMAGENS DA CIDADE E DA ROÇA
"Navegar é preciso,
viver não é preciso"
Fernando Pessoa
Neste capítulo busco explicitar o impacto das imagens que os jovens passam a ter da
cidade e da roça através dos processos de deslocamento, tendo como lente analítica a noção
de ruralidade como conjugação do urbano e do rural no imaginário dos mesmos. Buscarei essa
aproximação tendo ciência de que a fluidez na intersecção do meio rural e do meio urbano é
terreno profícuo para esquadrinhar as nuanças diferenciadas da dita atração dos jovens rurais
pelo urbano, suas vantagens (mais trabalho? mais diversão? mais liberdade? mais e melhor
futuro?) e desvantagens (dificuldade de conseguir emprego, devido as maiores exigências do
mercado de trabalho e maior disputa pelas vagas; distância da família; etc.).
3.1. Ruralidade
Durante um certo período, tomou-se o rural como espaço eminentemente associado à
agricultura (devido ao fato de, em alguns casos, grande parte da população dedicar-se a
produção agrícola). Atualmente, quando se menciona o rural não se está tratando
exclusivamente da agricultura ou de produção agropecuária, mas de um rural re-significado e
valorizado (JOLLIVET,1997).
Para uma leitura adequada do impacto e da opção pelo ir e vir feita pelos jovens,
propomos nesta pesquisa uma discussão levando em conta a noção de ruralidade, partindo do
princípio de que não como negar que atualmente existe uma grande aproximação entre o
rural e o urbano, dois ambientes sociais e culturais sempre vistos como distantes. O que se
sustenta ao utilizarmos a noção de ruralidade, neste trabalho, é que esta aproximação, a partir
de vivência de jovens de origem rural em pleno núcleo urbano não leva, via de regra, a uma
negação das identidades construídas nas localidades rurais. Ao invés de uma homogeneização
que descaracterizaria as identidades sócio-culturais originárias dos indivíduos, a aproximação
com o urbano realçaria as especificidades do rural, ocorrendo uma reestruturação das
identidades e, em alguns casos, um fortalecimento da condição de “rapazes da roça” em
relação estreita com o urbano, vivenciando o rural numa condição nova, que situamos como
de ruralidade.
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Como sugere Carneiro (1998), ao lidarmos com situações que apontam para uma
reestruturação das identidades rurais, de modo a serem atribuído valores e padrões concebidos
como “urbanos”, essa aproximação do que situamos como ruralidade exige cautela.
A análise de localidade é tomada também de significativa importância para a análise
das identidades rurais. Segundo Carneiro (1998) caberia sustentar as observações e análises na
noção de localidade de modo a dar inteligibilidade às múltiplas possibilidades de interação
dos agentes à sociedade e à economia global. Partindo desse princípio, não reduzimos o
espaço da localidade a uma simples base física, expande-se ela em relação ao global. Pensar
assim é importante, pois possibilita a tomada de referências para novos conjuntos de relações
sociais, cada vez mais diversificados que aparecem diluídos tanto no rural como no urbano.
Reduze-se, desta forma, a necessidade da distinção, tornando-se difícil apontar uma unicidade
no sentido das modificações ou, tampouco, uma preponderância determinada de certos valores
culturais considerados como hegemônicos. É nesse sentido que Carneiro (2001), apoiando-se
na perspectiva de Bourdieu, propõe para o rural, uma leitura desta como uma categoria social
realizada em relação, ruralidade. Esta proposta possibilitaria observar as relações sociais com
base na escala local, podendo-se agregar ao rural categorias simbólicas construídas a partir de
diferentes universos culturais, tais como o urbano no imaginário dos jovens que vem pro Rio
de Janeiro. Tende-se assim a orientar o sentido das análises para os agentes do processo, não
se fechando a análise exclusivamente na discussão dos espaços rurais ou urbanos.
As fronteiras entre o rural e o urbano estão sendo diluídas cada vez mais pelo processo
de intensificação da comunicação entre estes universos culturais. Universos, a primeira vista
tidos como distintos, tornam-se cada vez mais diversificados e heterogêneos, o que tem
reflexo direto nas novas opções e nos diferentes projetos dos jovens. Estes jovens passam a
ser expostos a novas situações e agentes e passam a trazer em si a marca da heterogeneidade
de estímulos e alternativas. Como podemos notar, quando observados a partir da perspectiva
das sociedades tradicionais, o processo pressupõe a reafirmação de valores e modos de vida
locais sobretudo os que são elaborados no interior do universo familiar. O processo de
ruralização resulta justamente da maneira especifica de combinar práticas e valores
originários de universos culturais distintos com a redefinição de identidades sustentadas não
mais na homogeneidade, mas sim na diversidade. Carneiro (1998) problematiza a ruralidade
como possibilidade de engendrar novas identidades como expressão de novas relações campo-
cidade. Hoje, percebemos a existência de um universo social onde o rural e o urbano estão
cada vez mais interconectados. Podemos, inclusive, falar de fronteiras fluídas devido à
mobilidade física dos indivíduos entre ambos os espaços. Os universos culturais percebidos
como da “cidade” ou do “interior” são definidos como imagens projetadas uma sobre a outra a
partir da lente de jovens oriundos do meio rural, como é o caso aqui estudado.
Os jovens vendedores de abacaxi costumam ressaltar a condição diferenciada que a
vinda para a cidade os coloca em relação aos jovens que ficam quando falam de uma
hipotética não vinda para vender frutos no Rio de Janeiro e quando falam dos que
permanecem (em Marataizes). Segundo um dos jovens,
“Imagina. Não dá para ficar só lá. Lá não tem trabalho. É muito bom, tem os
amigos e a família está toda lá, todos se conhecem. Agora, se ficar tem de
aceitar as pessoas olhando de lado e pensando, porque não foi? Quando a
gente vem no principio que a cidade grande é difícil, bem diferente. A
gente numa semana muita coisa. Aprende a caminhar pelas ruas e onde
ficar. Aqui a gente não pode ficar parado. em Marataizes é ir pra praia,
jogar um futebol, e ficar conversando com os amigos. Aqui se para pra
conversar na noite durante a janta e antes de dormir. O pessoal aqui
conversa sobre as vendas. as conversas são sobre as moças e sobre o que
fazer nos fins de semana. Agora, fala disso quem tem um dinheirinho no
bolso. E tem esse quem vem vender no Rio. A gente consegue vir pra e
73
vender o que produz lá. Assim, estamos trabalhando e vivendo. É difícil sair
pela primeira vez mas a gente não sabe quando vai voltar pela última. A
gente é assim, fica no e cá.” (Jeferson, 24 anos, vendedor de Lagoa
Dantas)
Outro ressalta que eles normalmente não gostam de trabalhar na roça, mas gostam de
pegar o caminhão,
“Pegar a enxada e ir pra esse sol. A maioria não vai. Só se for em terra que a
família tem pra trabalhar e ainda assim se for pouco tempo ou se o pai
precisar muito mesmo. O pessoal cuida muito as roça uns dos outros. Se a
roça bem cuidada ou não, se o filho está ajudando, pra quem ele vende.
Nisso tudo dá pra trabalhar, mas o jovem não quer a roça. É muito calor, tem
de usar roupa grossa. E ganha pouco. Bom é ir vender, mas aí tem prioridade
quem trabalha forte e está interessado. As vezes nem é na roça, mas é vender
bem e ser confiável. E o pessoal gosta de pegar o caminhão. Volta todo
mundo alegre, cansado mas alegre. E com história pra contar também.”
(Diogo, 36 anos, filho de produtor)
O que se pode perceber nessas falas é que a opção da saída influencia diretamente as
formas de encarar o trabalho na agricultura, como “pesado” e “com pouco retorno”, e como se
passa a vivenciar o rural de outra forma, sendo valorizado pela inserção num trabalho no
universo das grandes cidades ainda relacionado ao rural, como iremos discutir a seguir.
3.2. Valorização do Rural a Partir da Vivência’ do Urbano
“Mesmo permanecendo na posição de subordinação e de complementaridade
ao urbano (como por exemplo, na ênfase aos serviços prestados aos citadinos
pelos agricultores e demais segmentos de zonas rurais na manutenção de
áreas de lazer e de preservação ambiental), o mundo rural não representaria
mais uma ruptura com o urbano e as transformações que lhes são atribuídas
na atualidade não resultariam na sua necessária descaracterização, mas em
uma possível reemergência de sociabilidades e de identidades tidas como
rurais” (CHAMBOREDON, apud CARNEIRO, 2001, p. 4).
As diferenças entre rural e urbano foram estudadas por George Simmel em seu
artigo clássico “A metrópole e a vida mental”, de 1902. Neste, Simmel chamava a atenção
para a especificidade da vida social nos grandes centros urbanos surgidos da Revolução
Industrial, da formação dos grandes estados nacionais e de um complexo mercado
internacional. Um de seus objetivos nesse texto era contrastar um estilo de vida metropolitano
com o modo de vida tradicional, rural. A grande cidade caracterizar-se-ia, sobretudo, pela
grande quantidade e diversidade de estímulos, um ponto de interseção de vários mundos
experimentados pelos individuo.
Nesta perspectiva, importante para nosso estudo, é a imagem que os indivíduos irão
expressar em sua vinculação com os distintos locais. Isso se através de suas percepções e
práticas, independente de estarem ou o no local, sendo possível testar essa abordagem
diante da fricção proporcionada pela mobilidade contínua de uma localidade dita rural para
uma localidade urbana. Os estudos de Carneiro apontam no sentido de uma leitura
diferenciada do rural, oposta a concepção do continuum rural-urbano. Neste sentido, mais do
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que fincar fronteiras entre o rural e o urbano ou buscar diferenças culturais nas representações
sociais, a autora propõe que se averigúe as nuanças das relações que as práticas sociais
estabelecem, sendo que as práticas podem até mesmo ampliar a rede de relações sociais. No
caso do presente estudo, as identidades estão ancoradas no sentimento de pertencimento a
uma determinada localidade, as Lagoas de Marataizes, e assim criam uma forte consciência de
si na relação de alteridade, o que tem reflexo direto nos projetos dos jovens vendedores de
abacaxi.
Enfim, a mobilidade entre o rural e o urbano, numa perspectiva cada vez mais fluida,
possibilita que vislumbremos a valoração e a influência dessa condição nas opções percebidas
pelos rapazes para viver novas situações e projetos vivenciando e acessando passado
(origem), presente (deslocamento) e futuro (destino). O que ocorre com os jovens vendedores
de abacaxi é uma valorização do seu espaço de origem como o local para se viver se pensado
em relação à cidade grande, local de trabalho e vice-versa. O Rio de Janeiro é valorizado
como local de trabalho.
A tranqüilidade da vida” em Marataizes é muito ressaltada, em contraponto à
“agitação” das ruas do Rio de Janeiro. Os jovens sentem uma afinidade maior com o que eles
definem como sendo a “roça”, o espaço de suas comunidades, quando pensam e articulam
seus projetos para o futuro.
Como explicitado no capítulo anterior, uma distinção interna entre os jovens que
vem para o Rio de Janeiro comercializar os frutos. Os jovens que vem no período da safra alta
do abacaxi são os que têm maior afinidade e proximidade com as famílias produtoras, sendo
filhos de produtores, primos ou vizinhos. Estes já têm uma inserção e valorização diferenciada
e são chamados com mais freqüência para viajar, conseguindo também uma vaga nos
caminhões com maior facilidade. Já aqueles que vêm comercializar os outros frutos no
período de entre-safra do abacaxi m uma situação mais precária, numa condição de capital
social que não contempla as expectativas dos formadores de equipes e com laços familiares,
em relação aos que estão na comercialização, distantes ou inexistentes. A proximidade e a
confiança o fatores importantes quando é pensada a conformação das equipes. Segundo um
dos jovens, filho de produtor e dono de um caminhão,
“... busco o pessoal que eu conheço ou que o restante do pessoal conhece.
Tem muito parente aqui e a gente sabe mais ou menos quem trabalha e
gosta de ir pra cidade grande. Não adiante estar distante de casa e dar
trabalho. Tem de estar pra trabalhar, pra vender a carga toda e voltar pra
pegar mais. O trabalho é duro, isso todos sabem, mas parece que
recompensa, pois sempre eles querem voltar. Vale a pena pra todos. Todo
mundo tem ganhado. Na safra do abacaxi o pessoal ganha mais, mas quem
não vai na do abacaxi tem como ganhar depois vendendo outras frutas. Não
ganha tanto mas é um dinheiro e quem sabe um começo. A pessoa não
quer começar por cima não é mesmo? E quem aceita isso tem condições de
vir sempre e vir depois na hora boa.” (Fábio, 27 anos, vendedor e filho de
produtor.)
Essa diferença de inserção e de valorização nas comunidades tem reflexo direto na
percepção que esses jovens têm da possibilidade de inserção num trabalho no Rio de Janeiro
ou de sua permanência em Marataizes. Os primeiros, filhos ou parentes mais próximos de
produtores, nutrem laços de afeto mais estreitos e traçam seus projetos na perspectiva de
permanecer em Marataizes e trabalhando na cultura do abacaxi, sempre melhorando a posição
no trabalho, seja conseguindo trabalhar e suceder o pai na lida com o abacaxi, seja ao
procurar arrendar uma roça própria ou adquirir um caminhão para comercializar os frutos na
cidade grande, pensando na possibilidade de um filho seu vir a realizar as jornadas que hoje
ele faz. alguns poucos, do outro grupo, muito em virtude de sua inserção nas equipes ser
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mais precária, citaram com alguma freqüência o desejo de deixar Marataizes se conseguissem
um emprego no Rio de Janeiro. Essa diferença parece ocorrer, pois assim como sua inserção e
sua decorrente valorização para o trabalho ainda é desigual se comparada aos que vendem o
abacaxi, sua situação social também é mais precária. O modo de lidar com essa disparidade,
buscando alcançar um patamar de valorização que os coloquem em situação melhor é
perseguido através de uma entrega ao trabalho permanente, porém muitas vezes não é
alcançado. Enquanto a maioria dos jovens valoriza sua localidade de origem e pretende
continuar morando lá, o que será que atrai na cidade grande os que não querem permanecer?
A fala de um dos jovens que vende frutos diversos e não somente o abacaxi parece ser
reveladora,
“O Rio de Janeiro é muito bom. Tem de tudo e dá pra gente vir conseguir um
trabalho aqui e ficar. em Marataizes não tem nada pra fazer, não tem
trabalho, a gente tem de ficar pedindo. Eu estou tentando uma vaga de
motorista de ônibus aqui. De repente fico. Ainda tenho de ver local pra
morar, mas com um salário pra organizar a vida. Esse trabalho de vender
é para juntar o dinheiro para me manter, sei que não vou conseguir nada
com ele. Quero mesmo é vir para uma cidade maior e seguir minha vida.
Acho que posso aproveitar mais aqui no Rio. Lá em Marataizes eu não tenho
o que fazer mesmo, estou perdendo tempo, e trabalhar na roça também não é
pra mim.” (Romeu, 33 anos, vendedor de frutos)
Esse rapaz é de uma família numerosa e todos têm uma inserção precária na
comunidade. O pai trabalha como pedreiro e a mãe é dona de casa. Tem três irmãos, todos já
trabalharam na cultura do abacaxi e duas irmãs que casaram e saíram de casa. Nessa condição,
o que pode ser ressaltado é o desejo de conseguir uma colocação no mercado de trabalho mais
estável, que ocupe o tempo, em contraponto a situação de “perda de tempo” vivida em
Marataizes. A própria inserção no trabalho, com relações de afinidade definindo muitas vezes
quem vem vender ou não (“tem de ficar pedindo”) incomoda esses jovens. Eles se sentem
desvalorizados e desvalorizam o espaço e o trabalho rural.
os jovens que vêm comercializar os frutos na safra alta do abacaxi valorizam muito
Marataizes quando comparados aos outros rapazes. Eles têm uma condição sócio-
econômica diferenciada e isso parece influir em seus projetos diretamente, principalmente na
capacidade de realização e satisfação. São membros de famílias que já arrendam terras ou
compraram caminhão para comercializar e estão inseridos na cultura do abacaxi de modo
mais efetivo. Eles situam Marataizes como uma cidade calma, onde todo mundo se conhece,
como tendo praias bonitas e boas para banho, inclusive citadas como muito melhores que as
do Rio de Janeiro”. Trabalhar no Rio de Janeiro e ao mesmo tempo continuar morando com a
família e estar perto dos amigos é o desejo desses jovens. Esses o os principais aspectos
valorizados e parecem o ser como resultado da condição e da visão da localidade de origem e
de sua inserção diferenciada. Por estarem sendo, também, valorizados, têm se o desejo de
permanecer em Marataizes, por exemplo. o Rio de Janeiro para eles é visto somente como
local de trabalho, local de passagem, onde não se estabelecem vínculos, somente se vem pro
Rio de Janeiro para vender e juntar o necessário para morar na “roça”. A mobilidade é aceita
por estes rapazes com mais tranqüilidade quando atrelada a um projeto de permanência na
cultura do abacaxi e em Marataizes no futuro.
Há também a diferenciação sócio-econômica desses jovens, que deve ser levada em conta.
Os que têm acesso a terra, arrendada ou da família, e que saem para comercializar na safra,
como uma contrapartida do trabalho na roça durante o restante do ano, têm, normalmente,
uma condição econômica melhor. Estes rapazes, conseguem ficar nos melhores pontos de
venda, tem maior voz e autoridade nas equipes e um maior desejo de permanecer junto à
família nas Lagoas. os que têm uma condição mais precária parecem ser mais seduzidos
76
por um projeto de saída permanente para a cidade, uma migração. Essa diferenciação parece
se agudisar a partir do momento em que um rendimento diferenciado no pagamento do
trabalho. Será que uma disposição a ser atraído pela cidade, uma maior sedução da cidade,
se mais precária e fraca ser a condição na hierarquia social nas equipes?
3.3. Impacto da Mobilidade na Percepção dos Jovens: “A Cidade Grande” e
a “Roça”
Nessa pesquisa, as representações e as formas de comunicação entre os que ‘saem’ de
Marataizes e os que 'ficam' (como ressaltado, na grande maioria familiares) é ponto revelador
não somente das redes e relações que se estabelecem e possibilitam o vai-e-vem entre
Marataizes e outras ‘cidades-grandes’, mas também como as representações acerca da cidade
grande e da roça, do interior, são articuladas e legitimadas ressaltando aspectos positivos e
negativos de um e de outro.
Segundo Kevin Lynch (1997), os elementos móveis de uma cidade e, em especial, as
pessoas e suas atividades, o o importantes quanto as partes físicas estacionárias. Não
somos meros observadores desse espetáculo, mas parte dele; compartilhamos o mesmo palco
com os outros participantes e passamos a ter uma imagem desta. A apreensão ao nível de uma
imagem ocorre em planos de múltipla interpretação e devido a isso, ser símbolo, é necessária
a sua interpretação para que ocorra interação com a imagem, como diz Ricoeu: “O símbolo
exige a sua interpretação” (RICOEU, 1970, p.15).
Transmitimos e recebemos impressões e essa comunicação é diária. Nesse constante ir
e vir, reforçam-se as representações acerca dos lugares vividos e legitima-se o acerto pelas
escolhas e ações realizadas.
Tomando por representação a proposição de Moscovici,
“Uma representação social é a organização de imagens e linguagem, porque
ela realça e simboliza atos e situações que se tornam comuns. Encarada de
um modo positivo, ela é apreendida a título de reflexo na consciência
individual ou coletiva de um objeto, de um feixe de idéias que são exteriores.
A analogia com uma fotografia captada e alojada no cérebro é fascinante: a
delicadeza de uma representação é ,por conseguinte, comparada ao grau de
definição e nitidez ótica de uma imagem.... Devemos encará-la de um modo
ativo, pois seu papel consiste em modelar o que é dado no exterior, na
medida em que os objetos e os grupos a relacionam de preferência com os
objetos, os atos e a situações constituídos por ( e no discurso) miríades de
interações sociais. Ela reproduz, é certo. Mas essa reprodução implica um
remanejamento das estruturas, uma remodelação dos elementos, uma
verdadeira reconstrução do dado no contexto dos valores, das noções e das
regras de que ele se torna doravante solidário... Atrás, o dado externo jamais
é algo acabado e unívoco; ele deixa muita liberdade de jogo à atividade que
se empenha em apreendê-lo... Em poucas palavras, a representação social é
uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a
elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos”
(Moscovici,1978, p. 25-26).
Podemos entender que a representação que os jovens tem da cidade leva em conta a
sua construção da sua espacialidade. Quando chegam ao Rio de Janeiro pela primeira vez eles
são guiados pelo que os seus pares (outros jovens que estiveram na cidade) situam como
espaço acessível a sua circulação. Saber em que esquina ficar para vender e quem pode ficar
nessas esquinas. Saber de onde vêm os carros da fiscalização e para onde ir para evitar ser
visto por estes. Saber dar visibilidade aos frutos enquanto se permanece em aparente
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invisibilidade, para evitar problemas. São aspectos novos aos quais os rapazes o expostos
somente no turbilhão da cidade grande e são passíveis de serem entendidos pela condição de
grupo aos quais eles se sentem parte. Autor da geografia que nos ajuda a entender a produção
da espacialidade numa condição de entrecruzamento é Edward Soja (1993). Para ele, o espaço
é criado pela ação dos sujeitos entre si. Este autor afirma que
“a produção da espacialidade, em conjunto com a construção da história,
pode ser descrita como o meio e o resultado, a pressuposição e a encarnação
da ação e do relacionamento sociais da própria sociedade. As estruturas
sociais e espaciais estão dialeticamente entrelaçadas na vida social e não
apenas mapeadas uma na outra como projeções categóricas” (SOJA, 1993,
p.155)
Isto é, espaço e ação estão entrelaçados, o que nos ajuda a ver que os deslocamentos
pela cidade criam interações entre as pessoas, movendo-as em processos de aproximação ou
distanciamento e possibilitando a segurança para o próprio circular. O que parece ser o caso
em que está ancorada a opção dos rapazes da roça.
Circular pela cidade é ponto fundante para a produção de seu conhecimento e condição
para experimentar diferentes estímulos do urbano. Circular pela cidade é o ponto de partida
para seu entendimento e sua ocupação. Entretanto circular pela cidade, como, por onde e para
onde, não se faz de forma aleatória. Os interesses, as crenças e os valores delineiam os trajetos
dos sujeitos na cidade possível, dentre as muitas cidades.
Para Simmel, por exemplo, a cidade fascina como possibilidade de desfrutar da
convivência do outro sem ser importunado. Segundo ele, no começo do século XX, nosso
espírito moderno não suportaria as restrições sobre nossa independência e sobre as relações
com os outros como as que se encontram na vida do interior. Portanto, é para a cidade que vão
os que querem liberdade e viver a individualidade, com o anonimato proporcionado pela
cidade favorecendo a busca pessoal da distinção pessoal. Os jovens pesquisados tomam a
cidade, suas ruas e esquinas como seu lugar de trabalho e vivenciam este de forma coletiva,
rompendo com o anonimato quando se percebem como grupo. É pelo fato de todos se
encontrarem pelas ruas que eles conseguem entende-la como lugar de trabalho e suportar a
solidão dos momentos de invisibilidade. Ao se perceberem circulando pelas ruas, assim como
seus pares, eles vem consolidado o movimento de liberdade de ir e vir como expectadores da
cidade, mantendo a invisibilidade perante os outros da cidade. Eles parecem apreender signos
e posturas para manter essa invisibilidade na cidade e, em contraponto, obter visibilidade em
suas localidades de origem, quando, por exemplo, chegam comentando o que viram no Rio de
Janeiro, mesmo que não experimentem o que a cidade tem de diferente.
Como diferente na cidade, os jovens tomam a grande agitação, as possibilidades de
diversão (que o se realizam, tais como danceterias, restaurantes, bares, etc.), as construções
e a ocupação dos espaços, e também de insegurança e de impossibilidade de estabelecer
relacionamentos mais duradouros (com moças para namoro, por exemplo). Enquanto
trabalham, suas relações com os transeuntes são eventuais e pontuais, parecem na maioria do
tempo meros “expectadores da cidade”. Eles não chegam a estabelecer relações sociais e
laços, mesmo por que eles são também móveis na cidade. Os clientes, normalmente, não
chegam a constituir grupos de clientela com os quais os jovens teriam maior proximidade, são
poucas as exceções de clientes com quem mantém conversas por um tempo maior que o da
negociação por um maior preço. O fato dos rapazes terem muito receio dos fiscais faz com
eles não se mostrem muito. Eles não falam alto, não gritam seus produtos como o fazem os
camelos na cidade, eles optam pela invisibilidade. Como também não se relacionam com
78
outros personagens da cidade (a não ser com outros camelôs e funcionários e donos de bares e
de postos de gasolina, numa condição de acesso a sanitários ou cuidado com os produtos
quando da necessidade de ir a estes), não consideram esta seu “lugar de vida”. Têm uma
relação de meros observadores, atentos, porém sem intervir naquela realidade, ou intervindo o
menos possível ao comercializar os frutos. Daí serem tidos aqui como “expectadores da
cidade”.
Essas representações que eles têm das cidades e essa opção de postura perante a
mesma, acabam por reforçar a imagem positiva que possuem de Marataizes, que se situa no
imaginário destes jovens como o local de segurança, onde é possível ir a praia tranqüilamente,
descansar, constituir família e viver, num claro contraponto à vivência no Rio de Janeiro.
A possibilidade de vivenciar ambos os espaços, buscando o que neles é positivo
(tranqüilidade e paz em Marataizes e possibilidade de trabalhar, ganhando o necessário para o
sustento, no Rio de Janeiro, por exemplo), parece que se articula de forma a dar condições de
superar as dificuldades e aceitar a condição de mobilidade. Por exemplo, quando no Rio de
Janeiro, local tido como violento, os jovens tomam como referência sua cidade de origem,
valorizando-a no aspecto da tranqüilidade. Por outro lado, vir pro Rio de Janeiro e voltar com
o rendimento do trabalho para a tranqüilidade do lar, superando dificuldades, é algo que
ampara estes jovens e faz com que eles se dediquem ao trabalho mesmo em condições
precárias e valorizem muito os momentos com a família, como veremos no item seguinte.
A inserção num trabalho, mesmo que precário, parece ser uma condição somente
alcançada na cidade-grande. Muitas o as críticas acerca da falta de emprego em Marataizes.
E, segundo os rapazes, quando há um emprego tem dez candidatos e as exigências são
grandes, tais como maior nível escolar e até mesmo aparência.
Segundo um dos rapazes, “... no verão quando a cidade enche o comércio abre umas
poucas vagas. E parece que o pessoal quer gente que fala bem, faz conta e é bonito. É difícil
alguém sair da roça pra isso.” (Jéferson, 28 anos). Essa fala parece indicar uma situação de
desagrado tanto com a “invasão” dos turistas no verão, que modifica a paisagem das Lagoas,
quanto com os valores que balizam a inserção no trabalho. O rapaz que ouvi trabalhava na
cultura do abacaxi há aproximadamente doze anos e disse também apesar disso quer um
futuro junto à família, aos pais, na sua localidade de origem. Diversos rapazes demonstraram
preocupação semelhante e afirmaram que vir para o Rio de Janeiro era para buscar sustento e
condição de “permanecer na roça” mesmo que vivendo uma rotina de trabalho pesado.
3.4. A “Cidade-Grande” no Projeto de Permanência na “Roça”
Nessa nova situação de experiência urbana-rural, onde o trabalho é realizado num
espaço vivenciado como outro, e não aquele em que se vive e planeja o viver, os indivíduos
passam a ter a necessidade de conjugar ausência e presença simultaneamente. A circulação
entre esses diferentes planos insufla uma problemática própria, de unidade e fragmentação,
tendo reflexos diretos na própria identidade e memória dos grupos outrora designados como
ou rurais” ou “urbanos”. Isso tem reflexo na forma como eles expressam seus projetos de
futuro. As noções de metamorfose, campo de possibilidades e de projeto com que Velho
trabalha nos ajuda a lidar com esse conjunto de problemas.
Em relação à sociedade moderna, Velho lembra que estamos, de um modo inédito,
vivenciando sistemas de valores diferenciados e heterogêneos. Existe uma mobilidade
material e simbólica sem precedentes em sua escala e extensão e a metamorfose, possibilita,
através do acionamento de códigos, associados a contextos e domínios específicos –universos
79
simbólicos diferenciados que os indivíduos estejam sendo permanentemente reconstruídos.
(VELHO, 2003). Essa reconstrução está atrelada diretamente à formulação de projetos
inscritos num espectro de possibilidades, num campo de possibilidades. O campo de
possibilidade pode ser percebido como a margem de manobra das escolhas e opções possíveis
às pessoas que vivem num campo sócio-cultural dado e ali buscam realizar seus projetos.
Neste trabalho, tomo de Gilberto Velho as noções de projeto e campo de
possibilidades atrelando-as à condicionantes, de sociabilidade, gênero e geração nesse meio
de intersecção rural/urbana.
Para situar tais noções no contexto original proposto por Velho, as camadas dias
urbanas, devemos ter claro que nas sociedades complexas, particularmente, a coexistência de
diferentes mundos constitui a sua própria dinâmica. É esta dinâmica, agora alçada ao ‘mundo
rural/urbano’, que possibilita, no meu entendimento, a utilização destas noções. Em relação
direta ao estudo por mim proposto, problematizarei a noção de campo de possibilidades,
trazendo à tona idéias de projetos compartilhados. Interessante ressaltar, isso Velho faz, que
mesmo “um projeto coletivo não é vivido de modo totalmente homogêneo pelos indivíduos
que o compartilham. Existem diferenças de interpretação devido a particularidades de status,
trajetória e, no caso de uma família, de gênero e geração” (VELHO, 2003: 46). E, mesmo os
projetos individuais sempre interagem com outros dentro de um campo de possibilidades. Não
operam num vácuo, mas sim a partir de premissas e paradigmas culturais compartilhados por
universos específicos. É a partir dessa premissa que proponho a transposição das noções deste
autor para o fluido meio rural/urbano. Importante nessa transposição é ter em vista os
objetivos diferenciados acessados por tanto por gênero, quanto por geração, visto que estes
passam a delinear as trajetórias dos indivíduos, a viabilidades de realizar tais projetos devido à
conjugação com outros projetos individuais ou coletivos e da dinâmica do campo de
possibilidades que se coloca a indivíduos e grupos sociais. Afinal, os projetos, como as
pessoas, mudam e os locais de realizar os projetos, as condições (objetivas e subjetivas)
situam o mesmo em relação a sua possibilidade de realização. Viver em Marataizes para a
maioria desses rapazes somente é possível a partir do momento em que se aceita sair para
vender os frutos no Rio de Janeiro ou em outra cidade grande. O campo de possibilidade para
realizar os projetos de vida na localidade de origem é expandido a partir do momento em que
se aceita a mobilidade.
A própria noção de que os atores podem escolher é o ponto de partida para se pensar
em projeto (VELHO, 1987). Ligando objetivo e subjetivo, o projeto “formula-se e é elaborado
dentro de um campo de possibilidades, circunscrito histórica e culturalmente, tanto em termos
da própria noção de indivíduo como dos temas, prioridades e paradigmas culturais
existentes.” (VELHO, 1987: 27), e é uma dimensão da cultura na medida em que são sempre
expressão simbólica e política. Deve-se ter claro e levar em conta quais são as possibilidades
de sucesso na empreitada e o que fazer para então se realizar a mesma. Resgatando Schutz,
quando ação com algum objetivo predeterminado ter-se-á o projeto (SCHUTZ, 1971). A
noção de projeto supõe uma margem de manobra existente na sociedade para opções e
alternativas, refletindo a própria identidade a partir do espaço social que lhe é conferido ou
obtido. O indivíduo, agente empírico, desempenha papéis que permitirão a elaboração de uma
identidade mais ou menos sólida, respeitada, gratificante, como vender abacaxis pelas ruas do
Rio de Janeiro e ainda assim optar por permanecer em Marataizes com a família, que
necessita do entendimento e da valorização por parte do restante da sociedade, o que quando
alcançado, muitas vezes, possibilita a realização de planos de vida.
Neste aspecto, o do entendimento e da valorização para a realização de projetos, é
importante ressaltar o próprio domínio do parentesco em relação à identidade do agente com
todas as possibilidades e ambigüidades. Ele lembra que encontrou em histórias de vida e
80
relatos familiares o padrão do indivíduo que sai de seu grupo de origem, cidade, bairro, para
explorar novas possibilidades. Isso é comum entre os jovens. No entanto, o que parece ser
interessante ressaltar no presente trabalho é que, aqui, ocorre uma saída para explorar as
novas possibilidades oferecidas pelo urbano mas não refutando a imbricação de ambos os
espaços para realizar o projeto e, se possível, articulando o mesmo de modo a manter
Marataizes, a “roça” ou o “rural”, como espaço de viver, espaço onde se sente bem e se
aproveita a vida. A saída é vislumbrada como uma possibilidade para a realização do projeto
de permanecer na localidade de origem. A mobilidade permite essa realização.
Como visto, no caso aqui estudado, nesta experiência fragmentada de idas e vindas e a
partir do aceite da mobilidade, o projeto de vida atrelado diretamente ao trabalho na cultura
do abacaxi, vem dar sentido as novas possibilidades que se abrem aos jovens de origem rural
e suas famílias.
Nesse novo espectro, que combina uma intersecção rural/urbano e autoridade paterna
com dialogo intergeracional, ligada a uma divisão do trabalho nas unidades de produção e nos
espaços de comercialização, é importante ter claro que surgem tensões e conflitos. No
decorrer do trabalho de campo não notei nenhum momento de tensão, mas acredito que isso
se deve ao fato do pequeno tempo que passei junto ao universo pesquisado.
Falo de autoridade paterna com diálogo intergeracional, pois, no caso estudado, o pai
detêm o saber sobre a lida na roça e é referência nas relações nas localidades de origem e os
filhos detêm o saber sobre a cidade e o processo de comercialização na “cidade grande”, que é
estranha aos primeiros. Essa peculiaridade valoriza ambas as partes e suscita diálogos
fecundos que fortalecem as relações, fomentando a circulação de informações e
conhecimentos. O filho passa a saber lidar na roça de abacaxi e o pai passa a saber das coisas
da cidade por um meio fidedigno, por exemplo.
É natural que os indivíduos assumam papéis e como não existe sociedade que leve
esse processo sem tensão, os jovens para conseguir realizar seus projetos desenvolvem
algumas estratégias e têm cartas na manga: tais como, sua força de trabalho (com sua
disposição para aceitar a mobilidade e a precariedade das condições) e o próprio desejo de
permanecer em Marataizes. Essas cartas são articuladas numa valorização de Marataizes
como lugar para morar, pois os jovens querem constituir família ali, mas com uma identidade
diferenciada: a de jovens que combinam moradia no rural e trabalho no urbano, articulando o
que encontram de melhor de ambos os espaços.
As mudanças na relação com os locais e as informações levadas para a família m
reflexo direto na forma e no peso da socialização e nas escolhas dos indivíduos inseridos
nestas, o que acaba refletindo na sua própria percepção identitária. Isto ocorre, pois as
escolhas que os indivíduos fazem estão atreladas e dizem respeito a sua identidade ou
formulação de identidade. Velho ressalta que na nossa sociedade o indivíduo transforma-se no
foco privilegiado de todo discurso cultural. Tendo claro que a conjugação da família e da
individualidade manifesta um problema moderno, algumas vezes com uma perda do sentido
da tradição que desloca projetos e as possibilidades vinculadas a esses, busquei ressaltar
também este aspecto. O que parece ocorrer aqui é a conjugação do coletivo do “interior” com
a individualidade na “cidade grande”. Mesmo sendo essa individualidade na realidade
vivenciada como um coletivo. No caso, um coletivo erguido num processo de fortalecimento
da afetividade num plano e numa condição que situa seus projetos em relação a sua localidade
de origem. Os jovens saem para trabalhar na cidade grande e nessa realmente se dispõem de
modo a realizar o trabalho de forma coletiva, uma forma coletiva que é muito valorizada em
Marataizes e dá a certeza de que todos estão bem e cuidando uns dos outros. Segundo Renato,
23 anos,
81
“Todo mundo é grande aqui e se respeita, se cuida. Isso é bom porque se
precisar a gente pode contar com o amigo. Nunca aconteceu nada com
alguém que tenha vindo comigo num caminhão, mas sei de casos de gente
nova que vem e não agüenta. Gente que vem pela primeira vez para ficar dez
dias e acaba ficando somente três tendo que voltar pois chora e sente
saudades de casa. Normalmente o pessoal novinho que não está acostumado.
Mas ainda assim a gente conversa bastante sobre o que acontece aqui, é uma
forma de dividir né? Aqui não tem papai não, mas tem irmão e todo mundo é
como uma família. Manda notícias e recebe noticias, é como se estivesse em
casa mesmo, mas claro que bate saudade. Quem não quer estar com em casa
mesmo.” (Renato, 23 anos, vendedor)
Esse cuidar é fortalecido pela condição de pares, jovens que saem do alcance de
controle dos pais, mesmo que momentaneamente quando experimentam as aventuras na
cidade, fortalece a relação entre eles e reforça a força os seus discursos em seu lugar de
origem para junto dos que lá ficaram.
Autora interessante para se pensar essa situação é Sarti (2002). Esta autora aponta no
sentido do dialogo entre gerações com diferentes pontos de vistas e ressalta que o grande
problema de nossa época é o de compatibilizar a individualidade e a reciprocidade familiares
que a família é uma esfera marcada pela diferença complementar, tanto na relação entre
marido e mulher quanto entre pais e filhos,
“Nas sociedades tradicionais, ao contrário das sociedades modernas, onde a
dimensão da individualidade é valorizada, os papéis familiares não são
conflitivos, porque estão predeterminados. A partir do momento em que
existe espaço social para o desenvolvimento desta dimensão individual, os
papéis familiares se tornam conflitivos na sua forma tradicional, embora a
vida familiar continue tendo o mesmo valor social que sempre teve” (Sarti,
2002: 43)
Na modernidade, os processos de socialização não ocorrem apenas na família, sendo
realizados, simultaneamente, pela escola, igreja, dia, além da imensa influência exercida
sobre os imaturos pelo grupo de pares, causando uma múltipla identidade, que os
indivíduos circulam por vários planos e lugares.
No caso aqui estudado, como foi dito, a possibilidade de assumir uma
responsabilidade maior perante a família no processo de trabalho, vir comercializar os frutos,
proporciona um novo aspecto, que é o lugar da condição de autoridade e poder na família,
principalmente em relação a essa nova geração, explicitada, aqui, com o caso dos vendedores
de abacaxi.
Com a vinda para a cidade os jovens passam a dominar um saber que não é acessível
aos mais velhos, pais ou avós, de forma direta, que estes não experimentarem a saída do
interior. Mas os jovens contam sobre a “cidade grande” e as novidades, ganhando respeito e
admiração.
Isso os incentiva a buscar saber se deslocar pelas ruas, saber os símbolos que ditam o
fluxo do trânsito de pedestre e de automóveis, saber os distintos horários em que é possível
circular pela cidade. Assim, agora são os mais novos que transmitem um saber sobre um
espaço novo aos mais velhos num processo de socialização dinâmico onde as
responsabilidades sobre as opções e escolhas da família são divididas e não recaem mais
somente sobre os pais.
Numa das perspectivas, que é o da análise intergeracional, temos como balizadoras as
reflexões de Vitale (2002). Esta autora estudou o processo de transmissão do mundo social
82
através das relações entre três gerações. As relações intergeracionais constituem um terreno
fecundo para se examinar o processo de transmissão mostrando os limites, mas também as
possibilidades, quando se trata de refletir sobre a família em suas transformações, que os
conteúdos transmitidos tanto podem ser transformados quanto repetidos, se compondo e
recompondo entre as diferentes gerações. Estas gerações, sendo portadoras de história, de
ética e de representações peculiares do mundo, dão dinamicidade ao próprio tecido de
transmissão, reprodução e transformação no mundo social. A autora utiliza-se da noção de
legados geracionais definindo as gerações não apenas pelas relações entre idades e percursos
de vida, mas considerando as relações entre elas. Segundo Vitale (2002), o exame do processo
de socialização requer a focalização do olhar sobre a família e as relações entre as gerações, já
que “...se a família pode ser vista como unidade básica no processo socializador, as relações
intergeracionais permitem apreender o movimento da socialização, ou seja, sua dimensão
temporal” (VITALE, 2002). Esta autora parece ser a que melhor se adeqüa a este trabalho
visto que as condições de dialogo e barganha entre pais e filhos estão sendo ditadas por
condições objetivas e subjetivas, um mundo social com os quais eles não obteriam, ou
imaginam não ser possível obter, sucesso sozinhos. Isso ocorre, dado que uma geração tem a
vivência em um dado espaço social e não se sente em condições de experimentar uma nova e
a outra, mais jovem, busca seus espaços em uma nova situação de mobilidade, reflexo de sua
própria situação em relação aos primeiros, que por sua vez aceitam também essa situação de
mobilidade.
Convém lembrar que o mundo social integra o processo de construção da
subjetividade e, por sua vez, de socialização. E, neste sentido, resgatando o trabalho de Berger
e Luckmann, a socialização pode ser percebida como uma “ampla e consistente introdução de
um indivíduo no mundo objetivo de uma sociedade ou de um setor dela” (BERGER e
LUCKMANN, 1987: 175). Esta introdução de um individuo no mundo objetivo de uma
sociedade, como sustento, é de difícil realização pois o lugar no mundo não é mais ‘seguro e
claro’, as mudanças são cada vez mais rápidas e as referências alterados com intensidade.
As ações das gerações dentro das famílias são marcadas por uma dinâmica que
demanda de seus diferentes integrantes um constante exercício de pensar o presente e o
futuro, o que os tem levado a re-situarem continuamente suas estratégias, optando por ficar ou
sair em determinados períodos do ano e organizando a vida para permanecer em Marataizes
durante o restante do tempo.
Este processo é notado, principalmente, em momentos chaves tais como: maioridade
legal, ingresso no mercado de trabalho com conseqüente autonomia financeira, casamentos
60
,
saída de casa, aceite de herança, etc. No caso dos vendedores de abacaxi, nota-se quando se
questiona se o ir e vir para comercializar vale a pena, quem realizará tal tarefa, quem
trabalhará na roça.
Parto do princípio de que qualquer sociedade ou cultura tem certo grau de
especificidades a partir do qual lida com estes momentos. Na atualidade, estas especificidades
se confrontam numa visão de mundo e em estilos de vida diferenciados e em transição, onde a
experiência do agente individual é alçada à condição de foco e referência básica.
Relembrando Velho (2001), que indica que nas camadas médias urbanas, hoje, o indivíduo é
percebido como sujeito potencial de sua existência, tendo na sua construção e
desenvolvimento de projetos a possibilidade de realização de sua vida, no caso aqui exposto
pude notar que ocorre esse processo no momento em que os jovens disputam espaços nas
equipes para comercializar os frutos sendo que esse processo pode ser relativizado e diluído
60
Durston aponta que hoje em dia a juventude rural tem maior liberdade para eleger a pessoa com a
qual se casa.
83
por estratégias que mantenham o grupo, tal como a aceitação da hierarquia, numa condição e
situação que os remete a realidade das Lagoas.
Como foi mostrado, quanto mais próximo à família que articula a comercialização
maior garantia de participação na equipe o jovem tem. Vê-se que o individual e o coletivo
estão imbricados, um dando sustentação ao outro, revelando as possibilidades dos indivíduos
agirem e serem reconhecidos também como coletivo (o que parece dar sustentação quando o
individual não é suficiente para o sucesso nas empreitadas).
Carneiro (1998), no estudo acerca da realidade de agricultores franceses, identifica a
alteração de uma lógica em que, primeiramente, os interesses individuais eram subordinados à
um objetivo coletivo maior, que era o de preservar o patrimônio familiar e assegurar as
condições mínimas para o funcionamento das unidades de produção familiar, no que a
juventude tem papel basilar: aceitando as condições do jogo de sucessão. Ou seja, a vida em
família ditava a própria identidade de grupo, diretamente relacionada à processos de
socialização. Esses processos não ocorrem apenas na família, sendo realizada,
simultaneamente, pela escola, pela igreja, pela mídia, além da imensa influência exercida
sobre os imaturos pelo grupo de pares, constituído por iguais, causando uma múltipla
identidade já que os indivíduos circulam por vários planos.
Desta mobilidade tem-se um aspecto novo e relevante, que é o lugar da condição de
autoridade e poder na família, principalmente em relação à nova geração. Apontando nesse
sentido, Romanelli (2002) enfatiza que as intensas transformações registradas nas sociedades
ocidentais tendem a fazer com que a experiência dos adultos seja considerada, pela nova
geração, inadequada para oferecer modelos que possam organizar e orientar suas formas de
sociabilidade. A condição de chefe de família era transmitida pela socialização, mediante o
exemplo paterno,
“Sedimentado na tradição efetivamente vivida, e considerado adequado para
organizar o presente dos filhos, o saber do genitor era por ele utilizado para
preservar uma estrutura hierarquizada de família. No entanto, a rapidez das
mudanças que afetam a família tornam o saber acumulado pelo pai
inadequado para fazer face a situações novas, que não foram vividas por ele
e sobre as quais sua experiência é nula”. (Romanelli, 2002: 82)
Para esse autor, uma redução da autoridade do marido e do pai e isso tem reflexo
direto na ação socializadora das camadas médias, onde o individualismo dos filhos prevalece
sobre as aspirações de cunho coletivo. Neste trabalho com os jovens vendedores de abacaxi,
percebo que parece haver um imbricamento entre os projetos coletivos e os de âmbito
individual através de um fecundo dialogo intergeracional que possibilita a abertura de espaços
de trabalho para jovens e a valorização da experiência destes neste espaço de trabalho, mesmo
que continue havendo conflitos e tensões entre um projeto e outro. Este diálogo parece ocorrer
com maior dinamismo no caso das famílias produtoras de abacaxi, famílias que tem melhores
condições cio-econômicas e os que dialogam estão fortalecidos em suas posições. No caso
das famílias em condições mais precárias, muitas vezes os pais continuam não sendo modelo,
pois não costuma deter o saber sobre a lida na terra, e o filho o é tão valorizado, pois
algumas vezes expressa uma maior sedução pelas coisas da cidade alimentando o desejo de
sair de casa.
Enfim, parece haver uma combinação e um re-arranjo nos papéis desempenhados por
pais e filhos, onde os filhos saem em busca da experiência que i sustentar o
empreendimento e os pais lhes darão segurança para seus vôos, desde que eles saibam que
não estão sozinhos para encarar os desafios que se colocam tanto na produção quanto na
comercialização dos frutos. Elemento relevante para nosso estudo é o de que temos um
processo de desarticulação e reorganização dos padrões ora vigentes para construção de
84
mecanismos de inserção, permanência e manutenção baseados em relações familiares e de
vizinhança. A clareza de que a relação com a cidade permeia a estratégia de reprodução do
grupo familiar como um todo e possibilita observar os jovens de origem rural como grupo
marcado por condições específicas, no que chamo de nova condição de ruralidade.
Na formulação dos projetos a mobilidade expõe os jovens ao contato com sistemas de
valores que pode ser absorvido ou negado, atuando no sentido de reforçar os laços identitários
ou negá-los. A noção de projeto é valiosa para o entendimento acerca da relação entre o
individuo e o mundo, e no caso aqui estudado colabora no sentido da busca de entendimento
para o valor dado aos universos rural e urbano e sua possível articulação numa nova condição
de ruralidade propiciada e vivenciada pela mobilidade. O projeto (a ser realizado articulando
rural e urbano, com a aceitação dos diferenciais nestes e a leitura dos ganhos e perdas de cada
situação) nos ajuda a entender a articulação entre as trajetórias individuais e as condições
estruturais, sem esvaziá-las arbitrariamente de suas peculiaridades e singularidades. Os
projetos individuais podem ser conflituosos com os familiares, na medida em que incluem
referências culturais distintas, porém esse processo envolve uma negociação constante da
realidade que por sua vez possibilita a manutenção da convivência familiar com universos
culturais distintos.
Os conflitos entre interesses familiares e os projetos individuais resulta em
negociações que tem como referencia um universo de valores que combina o ‘tradicional’ e os
da modernidade, adquiridos na sociabilidade da cidade. Às vezes essa negociação pode
resultar em perdas para o individuo abandono de projetos pessoais - em função do que tem
maior peso em determinado contexto. Os projetos individuais estão subordinados à dinâmica
do campo de possibilidades. A realização desses projetos irá depender da interação com
outros projetos. E o que parece ocorrer é que os projetos estão sendo gestados dentro de um
projeto coletivo de manutenção dos jovens na atividade da comercialização do abacaxi.
A autora francesa Michèle Bertrand possui uma reflexão extremamente significativa
sobre o imaginário
“A imaginação não é apenas uma construção da mente, é também o meio
pelo qual os homens agem sobre eles mesmos: uma ação auto-plástica que
adquire tanto mais importância quando á ação aloplástica (transformadora da
realidade externa) se revela impossível. Com efeito, quando os homens não
conseguem mudar o mundo... é toda uma configuração imaginária que se
transforma e tenta se adequar ás aspirações inconscientes”.(BERTRAND,
1989, pg. 29)
O que podemos perceber é que a vinda dos jovens de Marataizes ao Rio de Janeiro
para comercializar possibilita um constructo coletivo que prioriza a vivência em Marataizes
para a realização das aspirações familiares e afetivas e a vivência de trabalho no Rio de
Janeiro como uma necessidade preemente e uma possibilidade de ganho para com os que
ficam no local de origem. O Rio de Janeiro é percebido como local em que se consegue o
ganha o para permanecer em Marataizes. A cidade é vivenciada como um lócus de
maximização dos ganhos de comercialização. Para maximizar esses ganhos os jovens
aprendem condutas e sinais para ora aparecerem ora se camuflarem na paisagem urbana.
Muito do imaginário dos jovens está povoado de suas relações para com a fiscalização
municipal. Estes buscam não os deixar vender os frutos pelas ruas. todo um imaginário
acerca das relações com os fiscais: propinas, pressões, ‘amizades’, dentre outros. Essa relação
parece minar a possibilidade, inclusive, de uma maior interação com os moradores da cidade,
pois vive-se em constante tensão, na expectativa da chegada do ‘rappa’. Os próprios
moradores de Marataizes, lá, costumam discorrer sobre caminhões que chegam vazios do Rio
de Janeiro por terem sua carga apreendida pela ficalização. Exponho um relato que expressa o
sentimento da maioria dos moradores com os quais conversei,
85
“A fiscalização trata o pessoal daqui como bandido. O pessoal vai pra lá pra
trabalhar honestamente e tem tudo roubado. Os ladrões são eles. pra
confiar mais em bandido do morro no Rio de Janeiro do que em Polícia. A
fiscalização quer tirar o que é conseguido com trabalho. Eles não ajudam
em nada. Como é que alguém pode pegar e tirar tudo de quem tem tão pouco
e está lá somente pra trabalhar? O perigo parece ser os que devem proteger.”
(Márcia, 43 anos, mãe de um dos jovens que vem ao Rio de Janeiro vender
frutos.)
Os problemas com a fiscalização são uma constante e, como foi dito, têm minado o
interesse por uma maior interação com a cidade. Apreensões de caminhões e de cargas
acontecem e deixam a todos muito ansiosos no cotidiano da comercialização, pois deve-se
tomar cuidado para que isso não ocorra.
No dia 13 de dezembro de 2005 saiu no jornal O Globo, da capital carioca, a notícia de
que um caminhão havia sido apreendido em Copacabana. O texto era o seguinte:
“Um caminhão carregado com sete mil abacaxis foi apreendido ontem
por fiscais da Coordenação de Licenciamento e Fiscalização (CLF) da
prefeitura do Rio em Copacabana. As frutas seriam entregues a
ambulantes que atuam no bairro. O caminhão, vindo de Marataizes
(ES), foi levado para um depósito e os abacaxis doados para a Obra
Social da Cidade.”
O título da matéria era “Abacaxis apreendidos”. Está noticia teve grande visibilidade e
foi bastante comentada comigo. O caminhão apreendido era justamente o caminhão com o
qual eu havia realizado uma viagem até Marataizes nos dias anteriores. Essa proximidade dos
fatos gerou uma certa desconfiança. Minha percepção (e pode ter sido algo meu e não uma
realidade vivenciada pelos rapazes) foi de ser questionado na minha condição de neutralidade.
Algo como “será que não foi ele que nos dedurou?” surgiu na minha mente quando fui
informado com a frase: “Poxa, e foi no caminhão do sar, o caminhão que você viajou?”.
Porém essa impressão foi logo dissipada, graças a boa relação que mantive e mantenho com
os jovens pelas ruas.
Esses problemas com a fiscalização e o desejo de vender os frutos com rapidez, para
ganhar mais e voltar logo pra casa, leva os rapazes das esquinas a obterem um conhecimento
sobre os locais e horários em que podem estar e/ou freqüentar. Esse é um conhecimento
instrumental que é repassado para os que vêm para comercializar pelos que estão a mais
tempo nessa lida. Nestes momentos, particularmente, é possível notar que sempre se vive a
cidade enquanto grupo, com uns preocupados com os outros. Traçam-se estratégias que levam
em conta o espaço e a circulação de pessoas, compradores ou fiscais. Permanecer circulando
pelas ruas, ter esquinas em que é possível ficar para vender tendo a visão do fluxo de pessoas
e de carros, podendo assim perceber quando o carro da fiscalização ou os fiscais a mesmo
se aproximam para então se deslocar e fugir do raio de visão dos mesmos, são formas de agir
dentro da cidade que não são aprendidas em Marataizes. Aprende-se a lidar com a fiscalização
no cotidiano na cidade do Rio de Janeiro e aprende-se com os que conhecem as manhas e
passam para os que chegam o modo de lidar com diversas situações como estas. Enfim,
quando todos sabem como lidar com os fiscais os problemas do coletivo dos vendedores de
abacaxi são diminutos e a pressão por parte dos que perdem com uma possível apreensão de
carga é menor. assim, também, uma maior tranqüilidade para pais e familiares que ficam
em Marataizes. Espera-se sempre que o caminhão o seja o caminhão no qual um filho,
parente próximo ou vizinho esteja. Ocorre também um processo de tranqüilidade nesse viver
coletivo. Ele parece minar uma possível abertura para que os indivíduos se metam em
86
confusão e vivenciem a cidade desrespeitando certos códigos morais valorizados por todos
em, e de, Marataizes. Por exemplo, dedicar-se ao trabalho e não se envolver com bebidas ou
mulheres, respeitando as que ficaram nas Lagoas serve não somente como uma forma de
controle social dos que estão pelas ruas mas também para os que ficaram. Muito disto parece
advir o somente do controle e da magnitude que a sociedade urbana apresenta a eles, mas
também, da segurança esperada nas relações mais intimas vividas nas localidades de origem.
“... aqui a gente ta sempre se cuidando. Tem muita gente e a gente não
conhece ninguém. Pra ir no banheiro pede num bar. Pra jantar vai se numa
pensão e pra dormir a gente se reúne no caminhão. O importante é vender a
carga e voltar pra casa, deixando gente que vai querer que a gente volta e
voltando pra quem a gente sabe que nos espera.” (Tiago, 22 anos, vendedor)
A cidade do Rio de Janeiro é transmitida para os que ficam em Marataizes como muito
bonita, com muita gente, mas perigosa e muito grande. O que é um contraponto a Marataizes,
que tem pouca gente, é tranqüila e pequena, e é bonita como o Rio de Janeiro. Inclusive, os
jovens preferem as praias da sua cidade natal, tendo dado, comumente, pouca atenção para as
praias do Rio de Janeiro.
Enfim, o Rio de Janeiro é visto como o lugar que possibilita o ganha pão para a vida
no “interior”, onde procura-se continuar no seu ritmo para, sim, viver com futebol, idas a
bares e a praia, reforçando a sua condição de lugar de recarregar as forças. Opta-se por viver
em Marataizes, afinal, se encontra a tranqüilidade e a segurança, um porto seguro rodeado
pela imensidão (desconhecida?).
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CONCLUSÃO
Como podemos perceber, os jovens vendedores de frutos de Marataizes e a
comunidade lidam todos os dias com a ausência e a presença mútuas. Nesse processo,
fomentam uma aproximação dos espaços rural e urbano que tem possibilitado um ganho
maior: a permanência deles em ambos os espaços, aceitando e buscando acessar o que estes
têm de diferentes. Isso se reflete nas opções tomadas e na visão do seu lugar. No rural eles
vêem o lugar de viver, o lugar de estabelecer e manter os laços afetivos e no urbano vêem o
lugar do trabalho, o lugar onde se busca o sustento.
No decorrer do trabalho, pude notar que os laços afetivos, o sentimento de
pertencimento à comunidade, os possíveis laços de parentesco, atrelados a uma condição
precária das relações de trabalho tanto em Marataizes quanto pelas ruas do Rio de Janeiro
(onde contratos formais e legais de trabalho não existem), parecem orientar a formação das
equipes para o trabalho com a lavoura de abacaxi, a conformação de equipes para a
comercialização e o desejo de permanência e retorno dos jovens no trabalho de
comercialização e para junto de suas famílias (espaço afetivo). Parece ocorrer o acesso e o
resgate de sua condição de origem rural, principalmente quando lembram sua condição de
oriundos de famílias que trabalhavam na pesca e na roça, e estes sustentam sua opção pelo ir e
vir constante para comercializar os frutos.
Nos deslocamentos um resgate também da auto-estima e uma valorização de algo
que eles prezam muito: as relações com a família e toda a comunidade, o trabalho realizado
nas roças e a confiança, que quando alcançada dá a eles a possibilidade de vender os abacaxis
pelas ruas e esquinas na esperança de retornar a Marataizes em condições melhores e para
viver a sua comunidade numa condição melhor. O que ocorre é que a hipótese de que haveria
por parte dos jovens um deslumbramento e atração pela “cidade grande” que resultariam em
projetos “urbanos” para jovens do interior é refutada para o caso aqui estudado.
Enfim, ao invés de uma homogeneização que descaracterizaria as identidades sócio-
culturais originárias dos indivíduos, a aproximação com o urbano parece realçar as
especificidades do rural (sendo estas especificidades resgatadas e acessadas em muitos
momentos), ocorrendo uma reestruturação das identidades e, em alguns casos, um
fortalecimento da condição de “rapazes da roça em relação estreita com o urbano,
vivenciando o rural numa condição nova, que situamos como de ruralidade e quem sabe
possibilitará realmente sua permanência nos espaços desejados.
Na cultura do abacaxi, tanto nas “roças” quanto nas ruas e esquinas das “cidades
grandes”, é derramado o suor de familiares, de amigos e deles próprios. Na cultura do abacaxi
reside mais que o seu sustento, está a sua representação e imagem de alguém que encontra seu
lugar e como o fruto brota e cresce, vai e vem, conforme a atenção e o trabalho que se dedica
a ele. Finalizo reafirmando que uma vida em família e em sociedade sólida e transparente,
mirando o futuro sem relegar o passado ou permanecer no presente, o direito ao acesso a terra
sendo justo, e facilitado para quem quer nela trabalhar, desembocando em meios e condições
para produzir e comercializar adequados, sempre levando em conta uma nova condição de
humanidade, parece reforçar o desejo dos rapazes de encontrar seu lugar e valorizar sua
trajetória.
88
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