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UFRRJ
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE
DISSERTAÇÃO
A AGRICULTURA E O DESENVOLVIMENTO SOB A ÓPTICA DA
MULTIFUNCIONALIDADE: O CASO DE SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA (RJ)
KARINA YOSHIE MARTINS KATO
2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE
A AGRICULTURA E O DESENVOLVIMENTO SOB A
ÓPTICA DA MULTIFUNCIONALIDADE: O CASO DE
SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA (RJ)
KARINA YOSHIE MARTINS KATO
Sob a Orientação do Professor
Renato Sérgio Jamil Maluf
Dissertação submetida como requisito
parcial para obtenção do grau de Mestre
em Ciências Humanas e Sociais, Área de
Concentração em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade
Seropédica, RJ
Agosto de 2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DE CIÊNCIAS SOCIAIS EM
DESENVOLVIMENTO, AGRICULTURA E SOCIEDADE
KARINA YOSHIE MARTINS KATO
Dissertação submetida como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre de Ciências
Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, no Programa de Pós-Graduação de
Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade.
DISSERTAÇÃO APROVADA EM 1 DE SETEMBRO DE 2006
___________________________________________________
Renato Sérgio Jamil Maluf (CPDA/UFRRJ)
(Orientador)
___________________________________________________
Maria José T. Carneiro (CPDA/UFRRJ)
___________________________________________________
René Louis de Carvalho (IE/UFRJ)
Dedico esse trabalho à minha avó, aos meus pais, ao Eduardo e ao Buddy,
pessoas sem as quais ele nunca se realizaria.
Cito nessas poucas linhas os meus sinceros agradecimentos a pessoas que sempre me
apoiaram e deram força, possibilitando que eu chegasse onde estou. Em primeiro lugar
agradeço ao René e ao Renato Maluf, dois orientadores maravilhosos, sempre atenciosos e
prontos para me ajudar no que fosse necessário. Esse trabalho foi possível por eles, bem
como por a toda a equipe do CPDA. Não poderia me esquecer de meus pais e minha família
(tios, tias, primos e primas), especialmente, à minha avó, Tiemi, Vasquinho e Lena, que
sempre souberam me dar força e me fazer seguir adiante.
Ao Eduardo não tenho nem palavras pelo apoio “técnico” e emocional: fico feliz que não
tenha desistido de mim, mesmo que sob os mais adversos acontecimentos e revoltas de meu
computador. Obrigada por ser tudo o que é em minha vida e por me apoiar dia após dia e me
impulsionar a ir para frente, mesmo quando nem eu acreditava mais em mim. Te amo
demais e agradeço muito por te ter ao meu lado.
Socorro e Du, sem comentários a respeito do que eles são em minha vida… Espero que
apreciem o texto a seguir.
RESUMO
KATO, Karina Yoshie Martins. A agricultura e o desenvolvimento sob a óptica da
multifuncionalidade: o caso de Santo Antônio de Pádua (RJ). 2006. 124p. Dissertação
(mestrado em desenvolvimento, agricultura e sociedade). Instituto de Ciências Humanas e
Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ, 2006.
Santo Antônio de Pádua pertence à Região Noroeste, uma das mais pobres do Rio de
Janeiro, e trata-se de um município cuja economia guarda até os dias atuais fortes relações
com o desenvolvimento da agropecuária. Nesse sentido, a própria formação do município
estaria ligada aos ciclos pelos quais passou a agricultura no Estado ao longo dos tempos,
tendo início com a transferência do ciclo cafeeiro para o Noroeste, ainda no final do Século
XIX.
Atualmente, ainda se fazem presentes essas raízes agrárias. De toda a extensão
territorial do município, cerca de 50% das terras são rurais (ocupadas por estabelecimentos
rurais); nelas a maior parte das famílias desempenha alguma atividade agrícola
(exclusivamente ou não). Sua estrutura fundiária é constituída por estabelecimentos
familiares de pequenas extensões, a maioria detentora de baixos níveis de renda, com baixo
índice de mecanização e tecnificação, pouca diversificação produtiva e que vivem
praticamente da produção para subsistência, da produção de leite e do cultivo do tomate. Por
outro lado, a agropecuária na economia do município é o setor que mais emprega chefes de
família, ficando até mesmo à frente das atividades ligadas ao comércio e serviços.
O presente trabalho parte da hipótese de que a despeito da crise que vem
atravessando a agricultura no município (baixos preços, êxodo rural), ainda seria precipitado
interpretar a partir dessa constatação que as atividades agrícolas estejam fadadas ao
desaparecimento. Nesse sentido, aponta-se para a incidência de novas dinâmicas nas áreas
rurais do município como sinais do surgimento de novas formas de inserção dessas mesmas
áreas rurais na economia municipal. Essas dinâmicas são: o aumento da participação das
atividades não agrícolas nos orçamentos das famílias rurais, a emergência de novas ‘formas’
de agricultura (pautadas em práticas ecológicas, como os orgânicos), num (ainda incipiente,
mas real) aumento da diversificação dos estabelecimentos familiares agrícolas e num
crescimento da participação de produtos diferenciados na agricultura municipal (como a
piscicultura, a apicultura, ovino e caprinoculturas, entre outros). Adicionalmente,
interessantes iniciativas públicas (governamentais ou não) de apoio à agricultura familiar e
ao desenvolvimento rural têm sido implementadas no município, culminando na formação
de uma rede de atores sociais que atuam tanto no vel local quanto em interlocução com
atores da esfera regional.
Tendo em vista o contexto no qual está inserida a agricultura no município,
elegeremos nesse trabalho a noção da multifuncionalidade da agricultura como marco
analítico, funcionando como uma ‘bússola’ que orientará nossa análise sobre a agricultura
familiar no município e o desenvolvimento. Em nossa concepção, tal noção somente
acrescentaria à nossa análise da agricultura familiar no município e o seu desenvolvimento,
na medida em que permitiria a ampliação a visão sobre a agricultura e suas relações com o
desenvolvimento das áreas rurais, de forma que ela passa a ser reconhecida também como
portadora de ‘funções’ que ultrapassam a produção de alimentos e matérias-primas. Isso faz
com que se introduza no debate sobre o desenvolvimento agrícola aspectos relacionados ao
meio ambiente, à conformação e manutenção do tecido social e cultural rural, à geração de
empregos e à qualidade, ao invés do foco único na quantidade e preço do que é produzido.
Nessa abordagem, a ampliação do olhar sobre a agricultura representaria um avanço
significativo na direção do desenho de um projeto alternativo de desenvolvimento territorial
para o Rio de Janeiro que efetivamente reconheça e contemple as especificidades das suas
áreas rurais, ao mesmo tempo em que favoreça a conformação de um ‘padrão’ de agricultura
mais compatível com os princípios da sustentabilidade.
Palavras-chave: Multifuncionalidade da agricultura. Desenvolvimento territorial. Agricultura.
ABSTRACT
KATO, Karina Yoshie Martins. Agriculture and development and the notion of
multifunctionality: Santo Antônio de Pádua (RJ). 2006. 124p. Dissertion (Master Science
in Development, Agriculture and Society). Instituto de Ciências Humanas e Sociais,
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropedica, RJ, 2006.
Santo Antônio de Pádua belongs to the Northwest Region, one of the poorest regions
of Rio de Janeiro State, whose economy has straight relations with agricultural sector. Such
being the case, the early formation of the town might be strongly related with the cycles in
which the agricultural activities have been passed through over the years, initiated with the
transference of the coffee cycle to the northwest zone of the State, even at the end of the
XXI Century.
Even now, these agrarian roots remain there. Out of the total area of the town, about
50 per cent are occupied with the agricultural establishment where the majority of town’s
population is employed in agricultural activities (direct and indirectly).
Santo Antônio de Pádua’s agricultural structure consists of the families of the
farmers, almost living in poverty with scarce automatization and mechanization, as well as
poor diversification in production, are dedicated to subsistence production and/or to earn
daily living expenses by dairy and tomato cultivation. In a sense, the agricultural sector is
the major enterprise in the town, which creates more employment opportunities than
Commercial and Services sectors. So, despite of the so-to-say agricultural crisis (low market
prices, abandonment of agriculture) it might be too early to say that the agricultural activities
in the town may be fade away in some way or other. Actually, new demands are taking place
in these rural areas that can bring on new opportunities to the development of these areas.
These tendencies are the increase of non-agricultural activities (pluriactivity), the rising of
the alternative cultivations (organic and agroecological products), growth of diversification
in household farmers production and the increase of the share of differentiated products as
pisciculture and ovine and caprinecultures. In addition, the public initiatives (governmental
and non-governmental) to support farmers and to improve the rural development are being
implemented there, what have contributed to conform a social network that operates in the
local and regional levels.
Taking in consideration the context regarding the agricultural activity in Santo
Antônio de Pádua, we opted to use the notion of multifunctionality of agriculture as
analytical frame, leading our analysis on farmers and development. Such idea enlarger the
vision concerned with agricultural activities and its linkage with the development of rural
areas, associating the practice to increase more benefits and amenities than the actual food
and raw-materials production to it. In this way, the discussion of agricultural development is
improved with aspects related in the environmental matters, so as to maintain the social and
cultural issues of rural communities, for creation of new opportunities to create the
employment in rural areas against single, focus over the quantity and price of the products
they make. To conclude, the enhancement of agricultural approach would represent an
expressive progress toward the configuration of an alternative project of territorial
development that regards actually the specific matters of the rural areas, as well as, the way
that stimulates the constitution of an agricultural pattern to be friend with environment.
Key words: Multifunctionality. Territorial development. Agriculture.
ÍNDICE
INTRODUÇÃO .........................................................................................................................................................1
O MUNICÍPIO DE SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA E A AGRICULTURA .....................................................8
1.1 - INFORMAÇÕES GERAIS ......................................................................................................................................8
1.2 AS RAÍZES AGRÁRIAS DO MUNICÍPIO .............................................................................................................10
1.3 - A AGRICULTURA E O MUNICÍPIO NAS ÚLTIMAS DÉCADAS ..............................................................................14
1.4 - O ABANDONO DO CAMPO................................................................................................................................27
1.5 - OS ESTABELECIMENTOS FAMILIARES ..............................................................................................................34
1.6 UMA AGRICULTURA QUE ESTÁ LONGE DE DESAPARECER ..............................................................................39
DESENVOLVIMENTO RURAL, TERRITÓRIO E A MULTIFUNCIONALIDADE DA
AGRICULTURA .....................................................................................................................................................40
2.1 - DO DESENVOLVIMENTO AGRÍCOLA AO ENFOQUE TERRITORIAL DO DESENVOLVIMENTO RURAL...................40
2.2 - A MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA E O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL ...................................49
2.2.1 - A REPRODUÇÃO SOCIOECONÔMICA DAS FAMÍLIAS ......................................................................................53
2.2.2 - A PROMOÇÃO DA SEGURANÇA ALIMENTAR .................................................................................................58
2.2.3 - MANUTENÇÃO DO TECIDO SOCIAL E CULTURAL ..........................................................................................64
2.2.4 - PRESERVAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS E DA PAISAGEM ..........................................................................69
2.3 UM NOVO OLHAR SOBRE A AGRICULTURA FAMILIAR....................................................................................76
REDE, TERRITÓRIO E OS PROJETOS PARA A AGRICULTURA FAMILIAR........................................78
3.1 REDES E TERRITÓRIO ......................................................................................................................................78
3.2 A REDE E O TERRITÓRIO EM SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA...............................................................................82
3.3 - OS PRINCIPAIS PROJETOS PARA A AGRICULTURA FAMILIAR ...........................................................................90
3.3 - AS VISÕES DAS LIDERANÇAS LOCAIS............................................................................................................104
3.4 MUDANÇA EFETIVA OU ‘TRANSFORMAR PARA QUE TUDO PERMANEÇA IGUAL?.........................................108
CONCLUSÕES......................................................................................................................................................110
BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................................................119
1
INTRODUÇÃO
O Rio de Janeiro, mesmo correspondendo atualmente ao segundo estado em termos
de participação no Produto Interno Bruto nacional, apresentou durante quase um século um
processo de esvaziamento econômico, financeiro e político. Essa trajetória, que combina
períodos de estagnação com declínio, remonta ao próprio processo de formação do que hoje
se conhece como estado do Rio de Janeiro e da adoção de um padrão de desenvolvimento
que se constituiu em ‘se desenvolver para desenvolver país’.
Os resultados desse modelo se refletiram na constituição de um conjunto de
disparidades internas das quais a mais gritante seria o fosso estabelecido entre a sua
Metrópole e o interior do Estado. Ainda nos dias atuais deparamo-nos com esse acentuado
desequilíbrio, econômico e demográfico, o que num limite poderá ter conseqüências sob a
forma de deseconomias externas crescentes, inviabilizando a atração de novos investimentos
para o Estado e comprometendo, no futuro, a permanência no Rio de Janeiro de atividades
essenciais para um maior dinamismo de sua economia e para o desenvolvimento seu efetivo
desenvolvimento econômico e social.
O Século XXI, entretanto, parece inaugurar uma fase de novas perspectivas para a
economia fluminense. Nesse sentido, em meados da década de 1990, o Estado rompe com a
sua trajetória de esvaziamento e começa a dar sinais de um processo, ainda incipiente, mas
real, de revitalização de algumas áreas de seu interior. Esse ponto de inflexão chega junto
com a maior exploração de petróleo no Estado, especialmente na Região Norte.
O momento atual, logo, nos parece oportuno para a ampliação do debate democrático
acerca de novas possibilidades que cercam o desenvolvimento do Rio de Janeiro. Sobretudo,
para as discussões que tenham como objetivo final a contribuição para a construção de
novos projetos que conciliem o crescimento econômico com a redução das gritantes
desigualdades sociais e espaciais, refletindo em melhores condições de vida para a
população fluminense como um todo (e não apenas de algumas camadas privilegiadas) seja
ela da capital ou do seu interior hoje esvaziado.
O trabalho aqui apresentado parte da premissa de que a revitalização (econômica,
política e cultural) dos municípios do interior do Rio de Janeiro seria uma etapa importante
(senão essencial) no desenvolvimento do Estado. Por outro lado, reconhece também que
ainda que a década atual venha apontando para um novo processo de revitalização do
interior fluminense, vastas áreas ainda têm permanecido à margem desses mesmos surtos de
dinamização, especialmente aquelas em que a agropecuária desempenha papel central em
suas economias, como a Região Noroeste, por exemplo.
Sendo assim, em nossa interpretação, muito embora a agricultura fluminense, ao
longo das últimas décadas, tenha apresentado um processo de relativo esvaziamento e
abandono no que diz respeito à atenção dispensada pelos programas e ações públicas para o
desenvolvimento estadual, isso não significa necessariamente que seu destino esteja fadado
ao desaparecimento. Ao contrário, ainda existem muitos municípios (dentre eles Santo
Antônio de Pádua) em que a agropecuária figura como o setor que mais emprega mão-de-
2
obra, absorvendo principalmente as camadas da população mais vulneráveis e cujo nível de
escolaridade é mais baixo. O fomento à agropecuária, portanto, ainda figura como elemento
central na ampliação da qualidade de vida das populações dessas regiões e uma importante
etapa a ser galgada no desencadeamento de um processo de desenvolvimento estadual que
contemple a redução das desigualdades sociais e ampliação de oportunidades à disposição
das pessoas.
É importante distinguir aqui que a formação da imagem de decadência da agricultura
familiar no Rio de Janeiro dá-se no mesmo período de consolidação da imagem idealizada
da agricultura dita ‘moderna’ (década de 1970) a qual não foi capaz de ser implantada aqui.
O padrão de agricultura que acompanhava o discurso da modernização e os pacotes
tecnológicos e de insumos da Revolução Verde, consubstanciados na imagem de grandes
monoculturas altamente mecanizadas, não pôde ser implementado no Estado efetivamente,
sobretudo pelo seu relevo bastante acidentado (sem grandes extensões planas e contínuas) e
pela sua estrutura fundiária de pequenos estabelecimentos. Assim, ao mesmo tempo em que
se forma no imaginário brasileiro a imagem da ‘agricultura moderna’, especializada,
mecanizada e capitalizada, solidifica-se o seu oposto, a associação da agricultura familiar’
ao atraso, à decadência e à pobreza. E isso se refletirá diretamente nos instrumentos de
políticas públicas direcionados à agricultura familiar, tanto no que se refere a aspectos
quantitativos (quantidade de programas e de recursos dispensados a cada um deles) quanto a
aspectos qualitativos (na maioria das vezes, quando os instrumentos de políticas públicas
voltados para a agricultura familiar não recaíam sob o modelo de ações pontuais e
compensatórias, apresentavam um forte viés produtivista, numa abordagem de transferência
do modelo de agricultura da Revolução Verde para a unidade familiar de produção).
Entretanto, atualmente, uma análise mais profunda sobre os dados do último Censo
Agropecuário (1995/96), parecem apontar para o desenho de um quadro bem diferente da
decadência generalizada da agricultura fluminense outrora anunciada. Assim, ainda que
alguns segmentos da agropecuária fluminense (especialmente o de produtos tradicionais)
venham enfrentando um cenário de dificuldades, transpor diretamente o mesmo
comportamento para o resto da agricultura nos parece precipitado. Nesse contexto, muito
embora o potencial agrícola do Rio de Janeiro esteja longe de ser bem utilizado
(principalmente ao se levar em conta o mercado consumidor do qual o Estado dispõe), a
agropecuária, ao longo das últimas décadas, vem apresentando sinais de dinamismo,
sobretudo no que concerne àqueles produtos mais diferenciados. Portanto, o que se observa
no Estado seria menos um processo de desaparecimento da agricultura e mais um período de
reestruturação desse setor, com o declínio de segmentos tradicionais e a ampliação de
segmentos mais ‘modernos’ da agropecuária como o cultivo de plantas olerícolas,
ornamentais e condimentares, a piscicultura, a apicultura, a carnicicultura entre outros. O
maior dinamismo nesse contexto se daria na Região Serrana e na Centro-Sul, contudo, as
Regiões Noroeste, Médio Paraíba e das Baixadas Litorâneas apresentariam potencial para a
consolidação desses novos segmentos.
Não obstante, é importante destacar que não se trata aqui de pregar o fim das
atividades agrícolas tradicionais. Ainda cremos que a maior parte da produção agropecuária
estadual, seja em termos de volume seja em termos de valor, ainda se encontra nessa
categoria, com produtos como a cana, a laranja, a banana e a pecuária leiteira. No entanto,
também se reconhece que essas atividades ainda vêm sendo realizadas sob processos que
utilizam grande quantidade de produtos químicos (agrotóxicos) e quee implicam altos níveis
de desmatamento, determinando uma baixa qualidade dos produtos e degradação ambiental.
3
Logo, não se trata aqui de pregar a inviabilidade dessas culturas, mas reforçar que elas
atualmente, sob as condições em que se encontram, não vêm conseguindo contribuir com a
ampliação da qualidade de vida das famílias rurais que a elas recorrem como meio de
sobrevivência, falhando na capacidade de geração de renda, na manutenção dessas
populações no campo em condições dignas de vida e na preservação do meio ambiente.
A agricultura fluminense, em nossa visão, portanto, não está condenada de forma
generalizada à decadência e os anos mais recentes nos mostram isso, indicando a
emergência de novas oportunidades de inserção da agropecuária na economia regional e
estadual (e que diferem das formas tradicionais). E o fomento e o apoio a essas novas
oportunidades poderão representar um importante avanço no processo de interiorização do
desenvolvimento para o Estado.
Nossa análise final se recairá sobre Santo Antônio de Pádua, município pertencente à
Região Noroeste, uma das mais pobres do Estado fluminense, e em cuja economia a
agropecuária desempenha papel relevante. A formação do município tem uma forte ligação
com a agropecuária, de modo que a fundação da cidade coincide justamente com a
transferência do ciclo cafeeiro para o Noroeste, ainda no final do Século XIX. Da
decadência do café em diante (pós 1960), o município teria alternado diversos ciclos
agrícolas (leite, cana, arroz, tomate) sem, no entanto, jamais recuperar o dinamismo da
época do café. De toda sua extensão territorial, cerca de 50% das terras é ocupada por
estabelecimentos rurais, onde a maioria das famílias desempenha alguma atividade agrícola
(com exclusividade ou não). Sua estrutura fundiária é composta por estabelecimentos
familiares de pequenas extensões, detentores de baixos níveis de renda, com baixo índice de
tecnificação e mecanização e que vivem praticamente da produção de subsistência, da
pecuária leiteira e do cultivo do tomate. Por outro lado, a agropecuária é no município o
setor que mais emprega chefes de família, ficando até mesmo à frente das atividades ligadas
ao comércio e serviços.
Sendo assim, a despeito da crise pela qual a agricultura vem passando no município,
com forte êxodo rural e queda nos preços agrícolas, observa-se a incidência de novas
dinâmicas nas áreas rurais que podem vir a representar novas formas de inserção dessas
áreas na economia municipal. Essas dinâmicas são: o aumento das atividades não agrícolas;
a emergência de novas ‘formas’ de agricultura, pautadas em práticas ecológicas e mais
aproximadas de um ‘saber camponês’, como os orgânicos; a maior diversificação da
produção familiar; e o aumento da participação de produtos diferenciados como a
piscicultura, a apicultura, ovino e caprinoculturas, entre outros.
Por outro lado, interessantes iniciativas de apoio à agricultura familiar têm sido
implementadas no município, culminando com a formação de uma rede de atores sociais que
atuam tanto no nível local quanto em interlocução com atores da esfera regional. Esse
período de maior atenção à agropecuária coincide com a acentuação do processo de
descentralização das Políticas Federais em torno da agricultura familiar e com uma maior
autonomia da esfera local na implementação dessas ações, culminando na criação do Pronaf
Infra-Estrutura (1997/8), os Conselhos de Desenvolvimento Rural Sustentável (CMDR) e,
mais recentemente (2003), com a elaboração dos Planos Territoriais de Desenvolvimento
Rural Sustentável (PTDRS) e a criação do Conselho Territorial do Noroeste Fluminense
(CTNF). Observa-se nesse período, também, um maior incentivo por parte das esferas
governamentais à organização dos agricultores familiares (refletido no aumento das
organizações da sociedade civil representantes desse segmento) e à participação social nos
4
processos de tomada de decisão em instâncias institucionalizadas como o CMDR e os
CTNF.
Nesse trabalho elegeremos a noção da multifuncionalidade da agricultura como
marco analítico, orientando nossa análise sobre a agricultura no município e o
desenvolvimento. Tal noção amplia a análise da agricultura e de suas relações com o
desenvolvimento das áreas rurais, de forma que ela passa a ser reconhecida como portadora
de ‘funções’ (para a sociedade) que ultrapassam a produção de alimentos e matérias-primas.
De uma forma geral, o seu aceite implica no reconhecimento de que a agricultura, em seu
exercício, produziria (ou deveria estar produzindo) outros variados ‘serviços’ para a
sociedade como um todo (bens públicos) que atualmente não são reconhecidos socialmente
e, portanto, pelos quais os agricultores não são ‘remunerados’. Esse reconhecimento
determina a introdução no debate acerca do desenvolvimento agrícola de aspectos
relacionados ao meio ambiente, à conformação e manutenção do tecido social e cultural
rural, à geração de empregos e à qualidade do que é produzido, ao invés do foco único na
quantidade e preço.
Sendo assim, tendo em vista as fortes raízes agrárias de Santo Antônio de Pádua e os
obstáculos que a agricultura familiar do município vem enfrentando nas últimas décadas,
acredita-se que a introdução da noção de multifuncionalidade da agricultura nas discussões
sobre desenvolvimento rural só viria a enriquecer o debate, contribuindo para a aproximação
das estratégias de desenvolvimento rural do enfoque territorial do desenvolvimento que, em
última instância, busca a integração das ações de desenvolvimento de diferentes escalas
(local, regional, nacional) e diferentes naturezas (agrícolas e não agrícolas, rurais e urbanas)
numa estratégia global (combinando políticas governamentais descendentes com iniciativas
de desenvolvimento endógeno). Por um lado, a noção permitiria a tomada de um ‘novo
olhar’ sobre a agricultura familiar, possibilitando analisar a interação dessas famílias com o
território e com a sociedade em sua integridade e não apenas nos seus componentes
econômicos, da mesma forma que permitiria também a incorporação nas estratégias de
desenvolvimento rural da provisão de bens públicos para a sociedade por parte desses
agricultores familiares.
Com o objetivo de incorporar essa noção à realidade brasileira recorremos nesse
trabalho à sistematização dos papéis da agricultura no desenvolvimento realizado pela
pesquisa “Estratégias de desenvolvimento rural, multifuncionalidade da agricultura e a
agricultura familiar: identificação e avaliação de experiências em diferentes regiões
brasileiras” (Carneiro & Maluf, 2003). De acordo com esse trabalho, no Brasil, as múltiplas
funções da agricultura poderiam ser agregadas em quatro ‘(macro)funções’ principais (que
possuem interfaces e se entrecruzam), a saber: dinâmica de reprodução socioeconômica das
famílias; promoção da segurança alimentar da sociedade e das próprias famílias rurais;
manutenção do tecido social e cultural: e preservação dos recursos naturais e da paisagem
rural. Sendo assim, será sempre em referência a essas quatro ‘funções’ que realizaremos o
diálogo entre a realidade encontrada no município, em especial no que concerne à
agricultura familiar, e os preceitos embutidos numa proposta de desenvolvimento rural sob o
enfoque territorial.
A metodologia utilizada no trabalho foi a seguinte:
Amplo levantamento bibliográfico relacionado ao desenvolvimento (rural, local,
territorial e afins), à agricultura e às ‘funções’ desempenhadas num processo de
5
desenvolvimento, à multifuncionalidade da agricultura e às origens dessa noção
(especialmente na França e mais recentemente no Brasil), à agricultura familiar, à política
pública, a redes, aos territórios entre outros. Analisamos também os relatórios concebidos
nas etapas da pesquisa anteriormente mencionada sobre o ‘perfil’ da multifuncionalidade da
agricultura no Brasil.
Com o objetivo de conhecer melhor a ‘realidade’ do município de Santo Antônio
de Pádua foi realizada uma ampla coleta de dados secundários, especialmente: aqueles
processados no âmbito do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), como os
Censos Agropecuários, os Censos Demográficos e o Banco de Dados SIDRA (Sistema
IBGE de Recuperação Automática); aqueles obtidos junto ao Centro de Informações e
Dados do Rio de Janeiro (CIDE), como o Anuário Estatístico e outras publicações; às
informações obtidas junto ao sítio eletrônico da Prefeitura Municipal de Santo Antônio de
Pádua; ao documento Novo retrato da agricultura familiar: Brasil redescoberto, do Convênio
Incra/Fao, entre outros.
Recorremos também: ao relatório final com a consolidação do estudo propositivo
para a dinamização econômica do território do Noroeste Fluminense, da Secretaria de
Desenvolvimento Territorial (SDT) no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA); à análise do Plano Municipal de Desenvolvimento Rural (PMDR) do município
realizado pelo CMDR; ao exame das atas de reuniões realizadas pelo CMDR com o objetivo
de discutir questões pertinentes ao desenvolvimento rural no município; aos Planos de
Trabalho realizados pela Prefeitura de Santo Antônio de Pádua no âmbito do Pronaf Infra-
Estrutura (Programa de Apoio e Fortalecimento da Agricultura Familiar).
Além das etapas acima mencionadas, foram realizadas duas viagens de campo,
uma de dois dias e outra de sete dias. Na primeira viagem se estabeleceu um primeiro
contato com a realidade estudada e se acompanhou uma das reuniões do CTNF, justamente
aquela em que estavam sendo selecionados os projetos que entrariam no âmbito do PTDRS.
A segunda viagem, por sua vez, foi mais longa, permitindo a vivência da pesquisadora na
localidade, bem como a presença na reunião do CTNF que foi responsável pelo fechamento
definitivo do PTDRS para o território Noroeste.
Durante a segunda viagem foram realizadas dez entrevistas junto às principais
lideranças locais mapeadas ligadas à agricultura familiar. Quatro entrevistas foram
realizadas com membros da esfera governamental e seis com membros de organizações da
sociedade civil. Boa parte da pesquisa de campo foi realizada em companhia de um
funcionário do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) que
havia sido Secretário da Agricultura (no mandato anterior) e que hoje atuava numa relação
de muita proximidade com Secretário da Agricultura do município.
O roteiro de entrevistas era composto por perguntas que buscavam reconstituir,
inicialmente a trajetória política e profissional do entrevistado; em seguida tencionava
investigar questões relacionadas às formas como a agricultura familiar se apresentava no
município, especialmente naqueles aspectos relacionados às quatro dimensões antes
determinadas; buscava também investigar a respeito dos instrumentos de política e
iniciativas locais voltados para a agricultura familiar que vinham sendo implementados no
município; e, por fim, tencionava perceber as visões dessas lideranças acerca dos papéis que
a agricultura e os agricultores familiares desempenhavam na dinâmica local de
desenvolvimento.
6
Entrevistas ligadas à esfera governamental:
Entrevista realizada com a veterinária da Prefeitura e responsável pela
operacionalização do Laboratório de Patologia Animal.
Entrevista realizada junto a um supervisor local (agrônomo) da Emater (Instituto
de Assistência Técnica e Extensão Rural) que trabalha em relação de proximidade com os
agricultores familiares locais e é membro do CMDR.
Entrevista realizada com um vereador da cidade ligado ao setor extrativo mineral
(rochas semi-preciosas), dono de serraria no município, membro da Associação das
Empresas de Pedras Decorativas e um dos principais responsáveis pela implementação de
algumas atividades ligadas ao turismo rural em Santo Antônio de Pádua, como aquelas
relacionadas aos esportes radicais e ecológicos (canoagem, alpinismo).
Entrevista realizada junto ao Secretário de Agricultura do município, também
membro do CMDR e do CTNF.
Entrevistas com organizações da sociedade civil ligadas à agricultura familiar:
Entrevista realizada com um pequeno produtor do município e membro da
diretoria da Cooperativa Agropecuária de Santo Antônio de Pádua e do CMDR.
Entrevista realizada junto a um dos membros e presidente do Sindicato Rural
Agropecuarista de Santo Antônio de Pádua e também membro do CMDR.
Entrevista realizada com o representante da associação formada no âmbito da
Agrovila (projeto voltado para melhorar o acesso à terra no município) que também era
agricultor familiar.
Entrevista realizada com um agricultor familiar do município da diretoria da
Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Monte Alegre e Ibitiguaçu (Aprumai) e
membro tanto do CMDR quanto do CTNF. Foi um dos primeiros agricultores familiares do
município a converter sua produção para produção de orgânicos.
Entrevista realizada com um agricultor familiar, hoje presidente da Aprumai,
associação que também faz parte do CMDR e do CTNF no município.
Entrevista realizada junto a um pequeno produtor do município, presidente do
Núcleo de Ovinos e Caprinos da Região Noroeste fluminense e também membro do CMDR
e CTNF.
A estrutura do trabalho se divide em cinco partes, a saber:
A primeira corresponde a essa introdução que tem como objetivo principal
introduzir o tema, bem como esclarecer a metodologia utilizada ao longo do trabalho de
pesquisa.
No primeiro capítulo, buscamos apresentar o município escolhido. Para isso, em
primeiro lugar, realizamos uma breve reconstituição da sua História com o objetivo de
demarcar a forte relação da economia e da população local com a agropecuária, aspecto que
se mantém até os dias de hoje. Adicionalmente, busca-se realizar um diagnóstico de como se
encontra a agricultura no município, especialmente os estabelecimentos familiares rurais,
7
sob um cenário de forte queda de preços, aumento do êxodo rural, e forte degradação
ambiental.
No segundo capítulo, buscamos contextualizar o debate acerca do
desenvolvimento rural com enfoque territorial, bem como relacioná-lo à noção da
multifuncionalidade da agricultura. Buscamos demonstrar que a adoção dessa óptica nas
estratégias e diretrizes de política poderá contribuir com um aprofundamento dos processos
de desenvolvimento rural sob o enfoque territorial. Por fim, baseando-se nas quatro funções
sistematizadas acerca dos ‘papéis’ desempenhados pela agricultura no desenvolvimento,
pretende-se realizar uma análise da agricultura no município e de como essas quatro
‘funções’ vêm sendo desempenhadas nos dias de hoje, destacando suas principais
potencialidades e obstáculos.
No terceiro e último capítulo, pretendemos analisar a formação de uma rede de
atores sociais no município, processo consoante com a acentuação do processo de
descentralização dos instrumentos de política para a agricultura familiar (Pronaf Infra-
Estrutura e agora, em âmbito territorial). Buscamos também mapear as suas principais
conseqüências tanto na conformação de novas territorialidades no município, bem como na
inclusão (exclusão) de segmentos da agricultura familiar na estrutura de poder local. Então,
pretende-se analisar tanto as ações que essa rede vem implementando no município visando
ao desenvolvimento rural, tendo como foco especialmente a agricultura familiar, quanto as
visões que as principais lideranças constituintes dessa rede possuem do acerca do ‘papel’
desempenhado pela agricultura familiar no desenvolvimento do município, relacionando-as
sempre com a óptica da multifuncionalidade da agricultura e com os preceitos que norteiam
o desenvolvimento sob o enfoque territorial.
E, por fim, chegamos às conclusões, onde pretendemos fechar o trabalho.
8
CAPÍTULO I
O MUNICÍPIO DE SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA E A
AGRICULTURA
1.1 - Informações Gerais
O município de Santo Antônio de Pádua pertence à Região Noroeste do Rio de
Janeiro, juntamente com os municípios: Aperibé (antigo distrito do município de Santo
Antônio de Pádua, emancipando-se somente em 1992), Bom Jesus de Itabapoana, Cambuci,
Italva, Itaocara, Itaperuna, Laje do Muriaé, Miracema, Natividade, Porciúncula, São José do
Ubá e Varre-Sai. A área geográfica total da Região é de 5.385,6 km
2
.
A pequena importância econômica do Noroeste fluminense pode ser notada através
da sua baixa participação no PIB estadual (0,65% em 2002) sendo a menor dentre todas as
demais regiões do Estado. Destaca-se nela o município de Itaperuna com cerca de 1/3 do
Produto Interno Bruto (PIB) da região, além de concentrar quase 30% da população. De um
modo geral essa região apresenta um baixo dinamismo, caracterizando-se por ser desde o
inicio do seu povoamento, com o café, uma extensão e uma periferia da Zona da Mata
Mineira (Grabois et al, 1998).
Distanciando-se da capital estadual por 256 km, a área territorial do município é de
615,2 km
2
correspondendo a aproximadamente 12% do território total da Região Noroeste.
A cidade é banhada pelos rios Pomba e seus afluentes, Paraíba do Sul e Pirapetinga. O clima
da região é quente e seco e o seu índice pluviométrico é de 1.164mm.
Em seu processo de formação, o território correspondente ao atual município de
Santo Antônio de Pádua pertenceria, primeiro, aos índios das tribos dos Puris. Ainda no
século XVIII, o Frei Florido de Cittá Di Castelli com o intuito de aldear e catequizar esses
índios, conseguiu que lhe fossem doadas algumas sesmarias às margens do Rio Pomba. Ali,
o frei construiu uma capela, com mão-de-obra indígena, consagrando-a a São Felix. Tempos
depois, no final da década de 1830 e início de 1840, outro padre, Frei Bento Giovanni
Benedetta Libilla construiu uma outra igreja fora das terras de Frei Florido, consagrando-a a
Santo Antônio de Pádua. Aos poucos e por causa dessa igreja, os moradores passaram a
chamar a localidade de Santo Antônio de Pádua, que passou então a ser o nome definitivo do
arraial. Passou à vila e, mais tarde, à cidade de Santo Antônio de Pádua
1
, em 1882.
1
Em: www.padua.rj.gov.br/, acesso em junho de 2006.
9
1:7.500.000 - Fonte: IBGE
Mapa 1.1.1 – Localização Região Noroeste e Santo Antônio de Pádua
O crescimento da cidade se dá junto com a chegada do café e da ferrovia (Mapa 1.1.1
atual território do município). A estação ferroviária de Santo Antônio de Pádua foi
inaugurada em 1883, mas atualmente encontra-se desativada. A linha ferroviária ainda corta
a cidade, mas permanece como uma marca do que restou dos tempos áureos do ciclo
cafeeiro na região. O mato cresce e o lixo se acumula ao longo da linha, parecendo
denunciar a distância entre ‘os bons tempos’ e os dias atuais.
O transporte ferroviário atendia o município através de ramal que partia de Campos,
passando por São Fidélis e Cambuci, em direção a Recreio em Minas Gerais. Tal ramal
ferroviário era bastante importante para o transporte de cargas pesadas, uma vez que
estabelecia uma conexão entre dois importantes portos brasileiros, o de Tubarão e o de
Sepetiba. O prédio da estação, pelo estilo datando de 1930/40, ainda está de pé, e funciona
como museu ferroviário
2
.
Quatro estradas estaduais cortam seu território, todas em mau estado de conservação:
a RJ-186, que o interliga a Além-Paraíba, em Minas Gerais (a sudeste) e São José de Ubá (a
nordeste); a RJ-116, que alcança Aperibé (a sudeste) e Miracema (ao norte); a RJ-188 que,
em leito natural, margeia a fronteira com Minas Gerais; e, a estrada de terra, a RJ-200 que
serve à localidade de Monte Alegre.
2
http://www.estacoesferroviarias.com.br/efl_ramais_3/stoantonio.htm, no dia 21 de outubro de 2005.
10
A rede de transportes de passageiros é composta por dez empresas de ônibus
(municipais, intermunicipais e estaduais) e o transporte de cargas, por caminhões de
empresas locais, de cidades vizinhas e de outros estados. As péssimas condições de
conservação das estradas, principais e vicinais, entretanto, dificultam o acesso ao município,
refletindo-se diretamente na capacidade de escoamento dos produtos da região
(principalmente dos agropecuários) e elevando os custos dos transportes.
Seus 615,2 km
2
são constituídos por áreas montanhosas e vales, onde a fertilidade das
terras é bem alta, especialmente na cultura de tomate, arroz, milho e cana. Seu território
também é rico em minerais, sobretudo pedras decorativas, muito utilizadas na indústria de
construção e decoração, como a pedra paduana e a pedra madeira. A pecuária leiteira, as
indústrias de papel e celulose e o comércio também fazem parte das atividades que mais
geram renda e empregos no município. O turismo desponta, adicionalmente, como uma
importante atividade a ser desenvolvida, principalmente aquele calcado na raridade de suas
águas minerais (procuradas para terapia de problemas renais, cárdio-vasculares e tratamento
de pele, além de técnicas de rejuvenescimento) e nas possibilidades oferecidas pelo seu
relevo e clima à prática de esportes radicais e atividades de turismo ecológico.
O território municipal atualmente se divide em 9 distritos, sendo eles: Santo Antônio
de Pádua, Baltazar, Santa Cruz, Marangatu, São Pedro de Alcântara, Monte Alegre,
Paraoquena, Ibitiguaçu e Campelo. Apenas dois distritos de Santo Antônio de Pádua
apresentam populações residindo majoritariamente nas áreas urbanizadas, sendo eles a sede
do município, Santo Antônio de Pádua (93%) e São Pedro de Alcântara (68%). Os demais
distritos, ou apresentam a população distribuída de forma mais equilibrada, ou possuem a
maioria das pessoas residindo no meio rural (Censo Demográfico 2000 IBGE). Fora isso,
todos os distritos apresentam quedas lentas nas populações rurais, com exceção de
Paraoquena onde se observou um ligeiro aumento da população rural.
1.2 – As Raízes Agrárias do Município
Como mencionado anteriormente, a fundação da cidade se juntamente com a
transferência de parte da produção cafeeira antes concentrada no Vale do Paraíba para o
Noroeste do Estado, que passa então a configurar novo pólo de domínio da oligarquia
agrária cafeeira fluminense. Nesse mesmo período a cidade presencia um crescimento
acelerado de sua economia. O fluxo proveniente de Campos introduz no município a cultura
da cana-de-açúcar, e consolida a evolução econômica e demográfica da região.
A cultura cafeeira ao se expandir rumo ao interior do Estado possibilitou a formação
de pequenas cidades, dentre elas o município em questão. No entanto, a dinâmica da cultura
cafeeira, associada à forte influência centralizadora exercida pela cidade do Rio de Janeiro
fizeram com que essas cidades se concebessem num contexto de alta dependência da
economia da Capital. O café e seu dinamismo favoreciam a formação de cleos
interioranos, mas em decorrência da sua base escravagista, acabou gerando pouca ou
nenhuma atividade comercial nessas cidades. A riqueza gerada pelo café escoava em grande
parte rumo à Capital. O abastecimento das fazendas, os serviços, as atividades financeiras e
o comércio de que necessitavam eram concentrados na cidade do Rio de Janeiro, o que era
favorecido pelo encurtamento das distâncias possibilitado pelo desenvolvimento das
ferrovias (Lessa, 2000; Melo, 2001).
Assim, nessa época, como a região Metropolitana crescia, o interior do Rio de
Janeiro não conseguia adquirir dinamismo próprio e, nesse processo, não era possibilitada a
11
formação de uma rede de cidades (hierarquizadas e articuladas entre si) ao longo da sua
malha territorial (Silva, 2003). O café fluminense, ao contrário do processo observado em
São Paulo, gerou no Rio de Janeiro lugarejos sem dinamismo e cidades locais débeis que se
esvaziaram tão rápido quanto se deu o declínio da cultura cafeeira.
A decadência do café no território fluminense traz com ela uma forte crise para a
economia municipal. Seu relevo acidentado típico do domínio dos mares de morros e o
clima tropical de altitude, com forte sazonalidade de chuvas associadas a uma forma de
plantio do café em fileiras favoreceram a erosão, determinando, por conseguinte, a queda da
fertilidade do solo e juntamente com esta a crescente dificuldade em se manter a produção
de café na região (Alentejano, 2003). Assim o café em declínio mantém-se, com momentos
de altas e baixas até a década de 1960, quando praticamente desaparece do município.
Durante esse período é substituído gradualmente pela pecuária leiteira, atividade com a qual
os grandes fazendeiros pensavam “compensar” as perdas sofridas na região. Essa crise (final
da década de 1920), acompanhada da expansão da pecuária extensiva (empregadora de
pouca mão-de-obra) se traduziu num processo intenso de desruralização e um progressivo
esvaziamento demográfico do município.
Até hoje permanecem no interior do Rio de Janeiro as marcas do tempo em que as
riquezas geradas pelo café, pela cana-de-açúcar e a laranja determinavam o destino dessas
economias interioranas. Em Santo Antônio de dua, o tempo em que as lavouras cafeeiras
ainda se faziam presentes no município representam, principalmente para os mais velhos,
um tempo em que a agricultura tinha mais apoio, e os produtores eram mais valorizados.
Isso fica bem demarcado na entrevista de um membro da Cooperativa Agropecuária.
Durante a entrevista, o produtor, ao ser questionado sobre a situação e as suas perspectivas a
respeito do papel da agropecuária no município, lembrou dos tempos em que lá, em Santo
Antônio de Pádua, ‘se plantava ainda cafezal’ e me mostrou, com orgulho, uma antiga
inscrição, já meio gasta, que estava na janela do escritório em que me concedeu a entrevista.
estava escrito: Departamento Nacional do Café. Então disse: aqui, em 1937-9 se
queimava muito café por causa do preço. O próprio Getúlio Vargas pagava para não se
produzir. Acabou o cafezal. Aí veio o plantio do milho e do arroz e com a desvalorização, a
coisa toda acabou.Um outro produtor entrevistado, membro da Associação de Pequenos
Produtores Rurais de Monte Alegre e Ibitiguaçu (Aprumai) também lembrou dos tempos
passados como tempos mais fáceis para quem estava na agricultura, afirmando que em
tempos passados o produtor se sentia mais valorizados. Segundo o produtor, ‘antigamente’
os produtores chegavam no banco, eram logo atendidos, serviam cafezinho e tudo. Hoje em
dia, o agricultor vai lá, entra todo humilde, e fica ‘mofando’, ninguém quer atender, chegam
a deixar o cara o dia inteiro lá esperando.
A fase de decadência do café e a progressiva substituição pela pecuária leiteira
possibilitaram também o crescimento de outras duas culturas no município, presentes até os
dias de hoje, a rizicultura e as olerícolas, principalmente o tomate (Alentejano, 2003;
Gregório Filho & Oliveira, 2001; Cezar, 2001). Ao lado dessas culturas, ainda se observa no
município o cultivo com menor expressão da banana, milho, feijão, pimentão, hortaliças.
E assim, invertendo ciclos de dinamismo e decadência segue a economia municipal,
mantendo uma forte ligação com a agricultura.
12
Então em meados da década de 1960, constata-se no Brasil um conjunto de
condições macroeconômicas e políticas
3
que acarretam uma mudança no padrão de
desenvolvimento adotado pelo país e que terão reflexos especialmente no que concerne à
agricultura, aos seus papéis no padrão de acumulação nacional e aos instrumentos de política
pública que lhe são direcionados. No cenário macroeconômico, tratava-se, agora, de fazer
crescer a produção e a produtividade do setor agrícola, pautadas no conceito de eficiência,
de modo a responder aos intensos e crescentes desafios da acelerada industrialização e
urbanização. As preocupações relativas à eqüidade social, à elevação dos padrões de vida da
população rural, bem como à reforma agrária nesta fase são deixados de lado. A agricultura
do município não passa incólume por esse processo. Assim, ainda que em Santo Antônio de
Pádua não tenha se observado a implantação completa do processo de ‘modernização da
agricultura’, algumas marcas próprias da ‘racionalidade produtiva’ que regia esse modelo
são sentidas até os dias de hoje como o forte êxodo rural, a alta concentração fundiária e o
alto uso de agrotóxicos.
Nesse período as funções da agricultura na economia, mais do que perseguir
objetivos estritos de estabilidade de preços e do salário real, bem como de alcance de
superávits na balança comercial, incorporariam um novo fator: aprofundar as relações
técnicas da agricultura com a indústria e de ambas com o setor externo, processo fortemente
subvencionado pela política agrícola e comercial do período, o qual Delgado denomina
‘integração técnica-agricultura-indústria’ (Delgado, 2001).
Assim, na agricultura de todo o país observa-se uma crescente mudança na base
técnica de seus meios de produção, materializada na presença crescente de insumos
industriais (fertilizantes, defensivos, corretivos do solo, sementes melhoradas, combustíveis
líquidos etc) e de máquinas industriais (tratores, colhedeiras, implementos, equipamentos de
injeção entre outros). Por outro lado, ocorre também uma integração de grau variável entre a
produção primária de alimentos e matérias-primas e vários ramos industriais (oleaginosos,
moinhos, indústrias de cana e álcool, papel e papelão, fumo, têxtil etc.).
Esse período (1965-1980) constituiu-se com muita clareza, a idade de ouro de
desenvolvimento de uma agricultura capitalista em integração com a economia industrial e
urbana e com o setor externo, sob forte mediação financeira do setor público, especialmente
através de instrumentos creditícios (Delgado, 2001).
Os principais aspectos desse processo são (Leite, 2005):
A adoção do padrão tecnológico ‘moderno’, calcado no binômio químico-mineral
e mecanização. Suas conseqüências são profundas, especialmente quanto às
dimensões ambiental e social, essa última consubstanciada na elevação do
desemprego no campo e no êxodo rural;
3
Refere-se aqui ao período de nacional-desenvolvimentismo que ganha maior expressão nos governos
militares, período que se estende até meados da década de 80, e ao próprio cenário internacional, marcado por
uma maior abundância de capitais e por uma modificação na estrutura dos mercados. A estratégia de inserção
da economia brasileira no comércio internacional sofre modificações, cujos reflexos são sentidos diretamente
na composição da pauta exportadora do país, que tem a fração de produtos primários reduzida com um
progressivo aumento da exportação de commodities principalmente grãos (arroz, milho e, posteriormente,
soja).
13
Concentração fundiária: ainda que se constatasse um aumento de produção e da
produtividade, a estrutura fundiária brasileira, por sua vez, permanecia inalterada no
período, chegando mesmo a atestar uma ligeira concentração;
Política econômica setorial: destaque dado aos instrumentos de crédito sob a
égide do Sistema Nacional de Crédito Rural, que privilegiava grandes produtores
localizados na região Centro-Sul e produtos exportáveis (Durante os anos 1970 a
adoção de taxas de juros negativas e em alguns períodos, o montante dos recursos
destinados ao programa atingiu proporções significativas do PIB do país);
Consolidação de cadeias e dos complexos agroindustriais, imprimindo uma
dinâmica à produção agropecuária, implicando na sofisticação e diferenciação do
produto processado;
Ainda quanto à consolidação de cadeias e complexos agroindustriais, observa-se
uma integração de capitais agroindustriais e agro-comerciais, bem como se fortalece
a valorização especulativa do imóvel rural e a transformação dos ativos reais como
terra e gado em ativos financeiros (nesse ponto destaca-se o processo de
territorialização da burguesia, onde se verificou uma aplicação maciça de capitais
financeiros e industriais em imóveis rurais, sobretudo em operações abonadas por
fartos incentivos fiscais patrocinados pelo Estado);
Destaca-se ainda o crescimento da participação da agricultura brasileira no
mercado externo, fundamentado numa política cambial baseada em desvalorizações,
atestando, para algumas cadeias específicas um significativo aumento da exportação
de seus principais produtos.
Ainda que o principal eixo de ‘modernização’ da agricultura brasileira se desse nas
regiões Centro-Sul, a agropecuária fluminense pouco foi beneficiada desse processo de
‘modernização’. Da região Sudeste, o Rio de Janeiro foi o estado que apresentou menor
crescimento em produtividade. O modelo clássico de modernização da agricultura, sob a
égide da revolução verde, teria encontrado aqui obstáculos à sua implantação completa,
principalmente em virtude da topografia bastante irregular e da estrutura fundiária baseada
em estabelecimentos de áreas mínimas que o Estado apresenta (Garcia, 1998). Sua
modernização, portanto, se deu de maneira parcial e irregular. Não pôde prosperar no Estado
a produção agrícola mecanizada em grande escala e em extensas áreas continuas, como
também foi quase inexistente a integração entre a pequena e média agricultura e a
agroindústria de grande porte no Estado. Os maiores sintomas do processo de modernização
observados foram o aumento no uso de produtos químicos, a devastação de sua cobertura
vegetal, a pouca adoção de práticas conservacionistas, a baixa diversificação dos
estabelecimentos rurais, o desemprego, a concentração de terras e a precarização das
condições de vida de boa parte da população rural do Estado.
Em Santo Antônio, ao longo das últimas décadas esse processo de modernização
agrícola se refletiu de forma bem específica, variando de cultura para cultura, mas
reproduzindo como resultados finais um quadro comum de alta concentração fundiária,
acentuada degradação ambiental, falta de cumprimento da legislação trabalhista nas áreas
rurais, baixos salários, desemprego, subemprego, esvaziamento do campo e acentuação da
miséria.
14
1.3 - A Agricultura e o Município nas Últimas Décadas
De acordo com o Censo Agropecuário de 1995/6, o município de Santo Antônio de
Pádua apresenta hoje 879 estabelecimentos agropecuários. A área total do município é de
61.520 ha, sendo que 50% desta é composta por estabelecimentos agropecuários. Apenas
1.980 ha estão ocupados com lavouras (permanentes e temporárias), ou 7% da área total.
Ainda hoje, por sua vez, as pastagens (naturais ou plantadas) são as que se apresentam em
maior quantidade no município, representando 82% da área total dos estabelecimentos
agropecuários (24.360 ha).
Tabela 1.3.1 - Uso da terra - Santo Antônio de Pádua – 1996
Número dos
estab. Agropcs.
Área
Área com
Lavouras
Área com
Pastagens
Área com matas e
florestas
Não
utilizadas
Total
879
29813
1980
24360
1939
1534
% dos estab. agropcs.
100%
7%
82%
7%
5%
Fonte: IBGE - Censos Agropecuários
O quadro acima é indicativo do reduzido índice de utilização produtiva da terra no
município, cuja área dedicada aos estabelecimentos rurais (50% da área municipal) é quase
toda destinada às pastagens. Como mencionado, a decadência da cafeicultura, ainda na
década de 1930 e depois em 1960 a derrocada total do café determinaram a substituição
gradual da lavoura cafeeira por pastagens, tornando a pecuária leiteira a principal atividade.
Na evolução da economia agrária regional percebe-se claramente a passagem de sistemas
intensivos por outros cada vez mais extensivos, com a redução progressiva da mão-de-obra
empregada.
A maioria das fazendas de café, com a decadência da cafeicultura no município (que
praticamente desapareceu), se tornou produtoras de leite. Ao mesmo tempo que os maiores
produtores buscavam uma atividade que pudesse lhes garantir uma forma rentável de
substituição do café, para o pequeno produtor, o leite era uma forma de sobrevivência.
No município, e ainda atualmente, para os pequenos produtores, a pecuária leiteira é
uma maneira de manter uma renda mensal baixa (mas estável), num contexto de crise da
agricultura, que lhe serve para garantir a reprodução social de sua família. A
comercialização do leite, para a maioria deles, se via cooperativa (capital comercial).
Como na declaração de um dos integrantes da Cooperativa Agropecuária do município:
Miseravelmente eles vivem, os pequenos proprietários rurais quase que de leite... quando
plantam alguma coisinha, é somente para consumo da família, porque não compensa
produzir para vender (lavoura).
Assim, não apenas no município, mas em toda a região, a pequena produção de leite
desempenha um papel central para a acumulação dos grandes fazendeiros (Grabois et al.,
1998). Se não fosse o leite dos pequenos produtores, complementando a quantidade
produzida pelos grandes fazendeiros para fazer volume, os grandes teriam que aumentar o
volume de leite produzido. Com isso talvez fossem obrigados a mudar os sistemas pastoris a
fim de tornar a agropecuária menos extensiva, tendo que fazer maiores investimentos. Em
outras palavras, a grande importância da pequena produção é permitir que o fazendeiro
obtenha seu produto com baixos investimentos, aplicando seus lucros em outras atividades e
lugares (Grabois et al., 1998).
15
Outra forma de subordinação na pecuária do município é a observada entre os
pequenos produtores de leite e os criadores de gado de corte. Muitos desses fazendeiros
praticam a recria, adquirindo em boa parte bezerros de pequenos produtores. Eles vendem
seus animais machos para recria devido à escassez de terra e capital. Ficam excluídos do
processo de mudança para a pecuária de corte e duplamente subordinados por um lado à
cooperativa e por outro ao grande produtor de gado de corte da região. Como disse o mesmo
produtor associado à Cooperativa:
O homem do campo vende o bezerro, o garrote, é uma verba que ele tem na cria
do gado. Tira o leite, vende, apura alguma coisa, futuramente ele vende um bezerro
maior ou um garrote então apura um dinheirinho para o sustento da família. Então...
a Pecuária no município de Pádua vem solucionar a falta de dinheiro que deixou de
entrar pela agricultura que foi, pode-se dizer, abandonada, a não ser por aqueles que
plantam um pouquinho para comer e não para vender.”
Assim sendo, vemos que a pecuária tem uma importância central nas áreas rurais de
Santo Antônio de Pádua na medida em que se torna uma estratégia para a reprodução
econômica e também social dos pequenos produtores, quando a lavoura não rende bons
lucros. É a pecuária que permite que o pequeno produtor tenha uma pequena renda mensal e
que ele consiga permanecer no campo enquanto a lavoura não volta a render bons
resultados.
Ao longo do processo de modernização observado no país, a agricultura do
município apresentou um acelerado processo de esvaziamento, que se acentua nas últimas
duas décadas do Século XX (especialmente da lavoura temporária). Assim como em 1970 a
área destinada ao cultivo de lavouras temporárias era de 23%, em 1995/6 ela cai para 5%
apenas. Mas o que chama atenção nesse quadro mesmo é o crescimento da área ocupada
com pastagens, que se eleva de 55% para 82%.
Tabela 1.3.2 - Evolução no uso da terra – 1970-95/6
Lavoura Permanente
Lavoura Temporária
Pastagens Matas Produtiva não-utilizada
Total
Ha
%
Ha
%
Ha
%
Ha
%
Ha
%
Ha
1970
124
0%
13577
23%
33255
55%
3871
6%
9462
16%
60289
1980
1050
1,7%
9430
15%
46679
76%
3776
6%
843
1%
61778
1985
639
1%
6645
11%
47991
80%
3460
6%
1227
2%
59962
1996
414
1%
1566
5%
24360
82%
1939
7%
1534
5%
29813
Fonte: IBGE - Censos Agropecuários
Os principais produtos da lavoura temporária encontrados no município são o arroz e
o tomate. A rizicultura teve sua origem no município vinculada à antiga fazenda de café,
diferenciava-se, entretanto, das demais culturas de subsistência que coexistiam com o café,
na medida em que se destinava apenas ao consumo do fazendeiro. O início da expansão da
produção comercial do arroz está relacionado ao forte impacto que a crise de 1929 traz para
a lavoura cafeeira. Em meados da década de 1940, a cultura do arroz tem um forte aumento
de produção na região Noroeste e também em Santo Antônio de Pádua. E assim segue até
meados da década de 1980, alternando momentos de euforia e depressão. O seu declínio, por
16
sua vez, manifesta-se claramente no início dos anos 1990, quando a produção entra em
processo de estagnação (Gregório Filho & Oliveira, 2001).
Atualmente a cultura do arroz ainda se faz presente no município, entretanto,
situando-se em patamares bem inferiores àqueles experimentados no passado pela economia
municipal. A principal causa atribuída é a trajetória descendente que o preço desse produto
vem apresentando, de forma que o arroz chega ao mercado com um preço bem inferior ao
seu preço de custo em Santo Antônio de Pádua. Segundo a entrevista de um membro da
Cooperativa Agropecuária de Santo Antônio de Pádua
- ...no passado, o município de Pádua produzia aproximadamente 400 mil sacas de
arroz e hoje não produz quase nada. Ano retrasado (2003) começaram a plantar de
novo, para o consumo, um pouco de arroz. O preço estava melhorando. No ano
passado (2004) eles já plantavam mais e já começavam a aparecer as lavouras.
Estava voltando a produção. No entanto, o arroz quando foi plantado estava a 45
reais o saco e quando foi colhido já estava a 13 reais. Ninguém quer vender mais...”
O tomate, por sua vez, outra cultura bastante importante na região, permanece até
hoje como principal produtor agrícola. Sua origem está ligada à expansão da pecuária
extensiva. O crescimento das pastagens teve como reflexo a formação de um contingente de
trabalhadores rurais expulsos do campo, que então migravam para as sedes dos distritos ou
para as cidades de Cambuci, Santo Antônio de Pádua, Itaperuna e para a Baixada
Fluminense. Essa oferta crescente de mão-de-obra disponível e o quadro natural (clima,
relevo) da região teriam sido as condições essenciais para o desenvolvimento da horticultura
do tomate (Cezar, 2001).
O tomate foi introduzido a partir da década de 1950, inserindo-se no território da
grande fazenda de gado e marcando a paisagem do Noroeste de forma pontual. A partir daí a
produção de tomate foi crescendo na região, dando-se de Itaperuna para o sul, até chegar a
Santo Antônio de Pádua e São José de Ubá. A partir de 1993, Santo Antônio de Pádua
figurava dentre os dez maiores produtores estaduais (Cezar, 2001), posição mantida até os
dias atuais.
A estrutura fundiária de Santo Antônio de Pádua sofreu um progressivo processo de
concentração desde 1970. Segundo o Censo Agropecuário de 1970, havia no município
1592 estabelecimentos que ocupavam uma área de 60.955 ha. Desse total, 35% tinham
menos de 10 ha e ocupavam 5% da área total. O grau de concentração fica ainda mais
evidente se levarmos em consideração o número de estabelecimentos com menos de 100 ha:
em 1970, eles representavam 91% do total e ocupavam apenas 53% da área do município.
Notemos pela tabela que até 1985 a porcentagem de estabelecimentos com menos de
10 ha mais que dobra (de 35% para 72%) ao mesmo tempo que a porcentagem na área
ocupada por esses mesmos estabelecimentos se eleva de 5% para 10%. A análise da
distribuição desses estabelecimentos entre 1970 e 1985 parece nos sugerir que mais do que
uma desconcentração, o que houve foi um processo de desmembramento (fragmentação)
dessas pequenas terras. Assim, se observarmos o número total de estabelecimentos em 1970
(553) notaremos que a sua quantidade total quintuplica no período (em 1985, são 2729),
ao mesmo tempo em que a área total ocupada por esses mesmos estabelecimentos apenas
dobra. Assim, se em 1970 553 estabelecimentos ocupando 3.202 ha da terra, em 1985
temos 2729 estabelecimentos ocupando somente 6.024 ha. Ou seja, a área média desses
estabelecimentos, nesse período, se reduz bruscamente.
17
no período que vai de 1985 para 1996, observamos uma queda brusca nos
estabelecimentos com áreas inferiores a 10 ha (72% para 42%), ao mesmo tempo sua área se
eleva de 5% para 6% da área total dos estabelecimentos agropecuários. Na última década,
portanto, pode-se observar que ao mesmo tempo em que observamos uma queda no número
de estabelecimentos (o que pode estar relacionado ao abandono das atividades agropecuárias
no município e ao êxodo), o crescimento da área média dos estabelecimentos com áreas
menores a 10 ha.
Nos estabelecimentos com áreas entre 10 ha e 100 ha, observamos que no período
entre 1970 e 1985 há uma queda no número de estabelecimentos (56% para 25%), ao
mesmo tempo que a área ocupada pelos mesmos quase não se modifica (49%para 50%). De
1985 para 1996, observamos o aumento no número de estabelecimentos com áreas entre 10
e 100 ha, durante o que a área ocupada permanece a mesma, o que pode indicar uma redução
no tamanho médio dessas propriedades.
Naqueles estabelecimentos que possuem áreas entre 100 e 1000 ha, por sua vez,
notamos que entre 1970 e 1985 uma queda sensível tanto nos seus estabelecimentos (9%
para 3%) quanto na área ocupada pelos mesmos (46% para 38%). No período entre 1985 e
1996, tanto o número dos estabelecimentos (3% para 6%) quanto a área ocupada por eles se
elevam (38% para 41%).
Tabela 1.3.3 - Distribuição dos estabelecimentos segundo grupos de área total – 1970-95/6
menos de 10 ha 10 a 100 ha 100 a 1000 ha mais de 1000 ha
N
%
Área
%
N
%
Área
%
N
%
Área
%
N
%
Área
%
1970
553
35%
3202
5%
897
56%
29659
49%
142
9%
28095
46%
0
0
0
1980
1051
49%
3886
6%
944
44%
30775
48%
140
7%
29016
45%
1
0%
1009
1,56%
1985
2729
72%
6024
10%
953
25%
31175
50%
130
3%
23745
38%
1
0%
1113
1,79%
1996
356
41%
1639,5
5%
457
52%
14867
47%
65
7%
13755
44%
1
0%
1225
3,89%
1996*
499
42%
2128,6
6%
606
51%
18906
50%
76
6%
15356
41%
1
0%
1225
3,26%
Fonte: IBGE - Censos Agropecuários
*Em 1992 Aperibé se emancipou de Santo Antônio de Pádua. Esse resultado corresponde à soma dos dados referentes a Aperibé + Santo
Antônio de Pádua
Atualmente em Santo Antônio de Pádua, segundo o Censo Demográfico 1995/96
41% dos estabelecimentos têm menos de 10 ha, ocupando apenas 5% da área total, quase a
mesma área ocupada pelo maior estabelecimento do município. Evidencia-se a concentração
se levarmos em consideração que os estabelecimentos com menos de 100 ha correspondem
92% de todos os estabelecimentos e que ocupam 53% da área total do município.
No que se refere à utilização de máquina e instrumentos agrícolas no município,
verifica-se entre 1970 e 1996 um aumento apenas na proporção de estabelecimentos que
utilizam tratores. Não foram observadas mudanças significativas no que se refere ao uso de
máquinas para plantio que, de 1985 a 1996, permaneceu praticamente a mesma (de 1%
passa a 0,8%). A proporção dos estabelecimentos que utilizam arados, entre 1970 e 1996,
sofreu uma redução na dos que utilizavam tração animal, como houve um aumento na dos
que usavam tração mecânica. No entanto, a parcela dos estabelecimentos que usavam arados
de uma maneira geral permaneceu praticamente a mesma (média de 23%).
18
Tabela 1.3.4 - Proporção de estabelecimentos agropecuários que utilizam máquinas e instrumentos agrícolas
1970
1970
1985
1996
1996*
Total
N
%
N
%
N
%
N
%
N
%
Est.
Tratores
38
2%
180
8%
162
4%
56
6,4%
88
7,4%
1592
Máquinas para plantio
n.d.
n.d.
n.d.
n.d.
30
1%
9
1%
9
0,8%
2136
Máquinas para colheita
15
1%
9
0%
10
0%
6
0,7%
6
0,5%
3813
Arados de tração animal
869
55%
946
44%
891
23%
447
50,9%
507
42,9%
879
Arados de tração mecânica
23
1%
41
2%
37
1%
25
2,8%
36
3,0%
1182
Fonte: IBGE - Censo Agropecuários
*Em 1992 Aperibé se emancipou de Santo Antônio de Pádua. Esse resultado corresponde à soma dos dados referentes a Aperibé + Santo
Antônio de Pádua
Com o objetivo de verificar a evolução tecnológica e associativa dos produtores
agropecuários do município, calculamos a proporção dos estabelecimentos que possuíam
alguma das características selecionadas: uso de irrigação; energia elétrica; força animal e
mecânica; práticas de conservação do solo; assistência técnica; adubos e corretivos; e
associados a cooperativas.
Pode-se afirmar que no período de 1970 a 1985 um crescimento na proporção dos
estabelecimentos que utilizavam irrigação (13% para 73%), ao mesmo tempo que de 1985
até 1996 essa proporção se reduz para 40%.
A oferta de energia elétrica aos estabelecimentos rurais se eleva consideravelmente,
apresentando maior intensidade no período que vai de 1985 a 1996 (de 9% para 76%). Esse
indicador caracteriza uma grande melhora na oferta desse serviço para as áreas rurais do
município, processo que se relativamente tarde, somente nas últimas décadas do Século
XX (até 1985 apenas 9% dos estabelecimentos rurais possuíam acesso à energia elétrica).
A utilização de força animal/mecânica, por sua vez, apresenta maiores quedas no
período que vai de 1985 a 1996 (de 83% para 68%), o que pode estar relacionado à redução
brusca nas áreas com lavouras temporárias. As áreas com lavouras temporárias se reduzem
de 11% para 5% entre 1985 e 1996.
A utilização de práticas de conservação do solo é ainda tímida dentre os
estabelecimentos rurais do município, de modo que como em 1985 4% dos estabelecimentos
utilizavam alguma técnica de conservação do solo, em 1995/6 18% o faziam.
A assistência técnica cresce consideravelmente no município no período entre 1985 e
1995/6, de modo que se em 1985 apenas 9% dos estabelecimentos recorriam aos serviços de
assistência técnica, em 1996 essa parcela sobe para 79%.
A parcela de estabelecimentos rurais que utilizavam adubos e corretivos cresce no
período de 1970 a 1980 (6% para 33%) e apresenta uma queda considerável no período
subseqüente de modo que em 1985 apenas 16% dos estabelecimentos utilizava adubos e
corretivos. Essa situação se inverte, entretanto no período que se estende de 1985 a 1996, de
maneira que o número de estabelecimentos que utilizavam adubos e corretivos cresce de
16% para 33% o que pode estar relacionado ao maior crescimento do tomate na região, cujo
auge de produção se dá na década de 1990 (Cezar, 2001).
19
E, por fim, observa-se um brusco crescimento, no período que vai de 1985 a 1996 na
parcela de estabelecimentos que se associavam a alguma espécie de cooperativa (se em 1985
correspondem a 21%, em 1996 correspondem a 62%). Tal comportamento pode ter relação
com a crise da agricultura no município, e o simultâneo crescimento da pecuária e das áreas
destinadas às pastagens que se observa desde de 1980 no município (se em 1980, 76% das
terras eram pastagens, em 1995/6 essa parcela chaga a 82%), na medida em que a única
cooperativa que há no município é de leite.
Tabela 1.3.5 - Proporção dos estabelecimentos agropecuários segundo características tecnológicas e associativas
1970
1980
1985
1996
N
%
N
%
N
%
N
%
Uso de irrigação
208
13%
1538
72%
2794
73%
349
40%
Consumo de energia elétrica
92
6%
219
10%
336
9%
665
76%
Uso de força animal/mecânica
1306
82%
1680
79%
3156
83%
601
68%
Uso de práticas de conservação do solo
n.d.
n.d.
n.d.
n.d.
136
4%
154
18%
Uso de assistência técnica
n.d.
n.d.
n.d.
n.d.
344
9%
691
79%
Uso de adubos e corretivos
91
6%
715
33%
609
16%
293
33%
Associado à cooperativa
384
24%
708
33%
788
21%
543
62%
Fonte: IBGE - Censos Agropecuários
No que diz respeito aos investimentos realizados pelos estabelecimentos
agropecuários, entre 1970 e 1995-96, houve um decréscimo tanto nos investimentos quanto
nos financiamentos.
Tabela 1.3.6 - Proporção dos estabelecimentos agropecuários com financiamento e investimento
Investimento
Financiamento
N
%
N
%
1970
842
53%
440
28%
1980
644
30%
481
23%
1985
920
24%
121
3%
1996
327
37%
15
2%
Fonte: IBGE - Censos Agropecuários
Ao analisarmos a distribuição dos investimentos, podemos perceber que houve um
aumento na participação dos bens imóveis e uma queda na parcela investida em outros bens,
no período que vai de 1970 a 1996. No período que vai de 1980 a 1996, os investimentos
que mais cresceram foram aqueles destinados a instalações e outras benfeitorias, reduzindo-
se a proporção investida na compra de novas terras e em prédios. Com relação aos
investimentos em outros bens, das categorias que apresentaram quedas, chamamos atenção
para os investimentos em compra de máquinas e implementos, o que pode estar relacionado
à queda nas áreas de lavouras. Os investimentos realizados em veículos e outros meios de
transporte crescem de 1970 a 1980, mas se reduzem de 1980 a 1995/6. Por outro lado,
chama atenção o crescimento nos investimentos destinados à compra de animais, que no
período que vai de 1970 a 1995/6 crescem de 20% para 70%.
20
Tabela 1.3.7 - Distribuição do valor do investimento segundo o tipo de investimento
1970
1980
1996
N
%
N
%
N
%
Total
517
61%
67914
43%
739
75%
Terras adquiridas
258
31%
27747
17%
23
2%
Prédios (residenciais e outros fins)
70
8%
18698
12%
31
3%
Bens Imóveis
Instalações e outras benfeitorias
189
22%
21469
13%
195
20%
Total
325
39%
91496
57%
249
25%
Plantio de culturas permanentes
0
0%
1396
1%
8
1%
Plantio de matas
0
0%
0
0%
0
0%
Compra de animais
172
20%
69867
44%
691
70%
Máquinas e implementos
137
16%
12977
8%
2
0%
Outros Bens
Veículos e outros meios de transporte
16
2%
7251
5%
39
4%
Total
842
159410
988
Fonte: IBGE - Censos Agropecuários
No que concerne ao pessoal ocupado na agricultura, de um modo geral, a
promulgação do estatuto do Trabalhador Rural (1963) que estendia aos trabalhadores rurais
a legislação social que já beneficiava os trabalhadores urbanos teve um efeito catastrófico no
campo. Uma vez que seu cumprimento pressupunha uma correlação de forças que não
existia nas relações trabalhistas que se davam na agricultura (geralmente de caráter
clientelístico-paternalista), essa nova legislação, quando aplicada, teve como conseqüência
prática a elevação do custo do trabalhador residente. A efetiva aplicação dessa nova
regulamentação, portanto, determinou que a existência de trabalhadores residentes nas
propriedades se tornasse um risco de custos futuros para o proprietário rural, no caso da
existência de eventuais conflitos. Nesse contexto, observa-se um processo de substituição
progressivo dos trabalhadores permanentes por trabalhadores temporários, sem quaisquer
direitos trabalhistas e proteção social (Guanziroli et al., 2001).
Na fala de um dos membros do Sindicato Rural de Santo Antônio de Pádua, pode-se
perceber essa mudança na estrutura ocupacional do município, refletida na redução dos
trabalhadores assalariados e na criação de outras relações de trabalho com o objetivo de
‘burlar’ as leis do trabalho, como a parceria.
- Voltando o maior problema do êxodo rural e também da agricultura, um bom
tempo que eu venho acompanhando isso, foram as leis trabalhistas, isso foi a primeira
coisa que começou a tirar o homem do campo. (...) Essas leis aprofundam a
dificuldade do campo, a pessoa mora no seu terreno seis meses, você dispensa, ele vai
para a justiça. Mora no seu terreno, não paga aluguel, não paga luz, tem leite para os
filhos, terreno para plantar, vai para (justiça) e o juiz ganho de causa.
Conclusão: quem tinha muito meeiro, acontece isso, vai saindo o pessoal eles vão
desmanchando as casas, não querem mais.”
21
Dessa forma, no período de 1970 a 1985 (Tabela 1.3.8), observa-se um crescimento
considerável no número de estabelecimentos que utilizavam a parceria como principal forma
de obtenção de mão-de-obra (de 4% vai para 53%, em 1985).
No município, as modificações observadas nas relações de trabalho da lavoura de
arroz são menos sensíveis. A condição do colono de produzir arroz recebendo a diária
desapareceu do município desde a década de 1930 (Grabois et al., 1998). A partir daí esta
cultura adquiriu caráter comercial preferindo o fazendeiro dar a lavoura também em
parceria, pois o pagamento de diária não era compensador (especialmente até a década de
1980, onde ainda o crescimento do arroz e o crescimento do número de parceiros). Sendo
assim, o estabelecimento da parceria constituía entre outras coisas um expediente para
garantir mão-de-obra mais barata durante todo o ano. Três atores estão envolvidos no
processo produtivo do arroz no município atualmente: o proprietário da terra arrendada, o
empresário (quem financia) e o parceiro (que trabalha). A subordinação se faz presente
nessa cultura tanto sob o domínio do capital comercial, o ‘maquinista
4
como pelo
proprietário de terra. No caso do pequeno proprietário ela se apenas na comercialização,
nos parceiros ela se realiza nos dois planos.
Na lavoura do tomate, por sua vez, também se observa um processo progressivo de
subordinação. Ela se constituiu o caso mais recente do uso de parceria como substituinte do
trabalho assalariado e ao mesmo tempo, a cultura que melhor representou a inserção do
pequeno produtor no complexo agroindustrial. Aqui, mais uma vez, a escolha da parceria fez
parte de uma estratégia do empresário para manter e reforçar a relação de dominação que
exercia sobre os pequenos produtores (Grabois et al., 1998).
Nos tomatais, atualmente, a coisa se organiza como um grande empreendimento, mas
marcado pela dispersão da unidade produtora. Nela, não existe moradia, pois a terra é
arrendada e ocorre um deslocamento constante das lavouras devido às características
agronômicas do tomateiro no que se refere a fitopatologia.
Assim, na parceria do tomate, mesmo que haja utilização do trabalho familiar não se
configura uma unidade de produção familiar, a lavoura não se configura uma unidade de
produção. Aqui apesar de ter acesso aos meios de produção através do empresariado e/ou
proprietário de terra, o parceiro produz exclusivamente o tomate, não existindo qualquer
outro tipo de cultura de subsistência. Isso representa a outra face do que poderíamos
considerar um exemplo bastante singular da grande produção ‘moderna’ calcada na parceria
e na forte exploração de mão-de-obra.
Sendo assim, no município, ao longo do processo de ‘modernização da agricultura’ e
especialmente nas ultimas décadas, os pequenos produtores tornaram-se cada vez mais
subordinados ao capital comercial e industrial. As dificuldades no acesso à terra que, por sua
vez, se repercutem no acesso aos recursos produtivos, acabam colocando a subordinação
como única opção de sobrevivência para os pequenos produtores.
No período de 1985 a 1996, entretanto, essa dinâmica se inverte e a proporção de
parceiros se reduz consideravelmente. Assim, ao mesmo tempo que em 1985 a parcela de
estabelecimentos que utilizava parceria correspondia a 53% dos estabelecimentos, em 1996
essa mesma proporção se reduz para 2% apenas. O processo de modernização, em seu início
(1970-1985) provoca um crescimento das relações de trabalho pautadas na parceria (de 4%
4
Pessoa que comercializa o arroz da região.
22
para 53%). No entanto, nos últimos anos esse processo apresenta um ponto de inflexão e o
que se tem observado é uma queda brusca nessas ocupações, fruto da crise pela qual passa a
agricultura atualmente no município. O número de estabelecimentos de arrendatários, por
outro lado, permanece o mesmo em todo o período. o número de estabelecimentos de
proprietários cai até 1985 (91% para 43%) enquanto, na última década, apresenta um novo
crescimento chegando a 93%.
Tabela 1.3.8 - Proporção do número e da área dos estabelecimentos agropecuários segundo a condição do produtor
Proprietário
Arrendatário
Parceiro
Ocupante
N
Área
N
Área
N
Área
N
Área
1970
91%
97%
3%
2%
4%
1%
2%
1%
1980
65%
88%
3%
4%
28%
5%
4%
3%
1985
43%
89%
3%
4%
53%
5%
1%
2%
1996
93%
96%
3%
2%
2%
1%
2%
1%
Fonte: IBGE – Censos Agropecuários
No que se refere ao pessoal ocupado, ao contrário da tendência que se verificara de
1970 a 1985, onde se observa um aumento considerável no número de pessoas empregadas
na agricultura, entre 1985 e 1996 esse processo se inverte e observa-se uma progressiva
queda neste número, dinâmica que se mantém até os dias atuais. Se no Estado o pessoal
ocupado diminuiu 45,9% (Guanziroli & Sabbato, 2001), no município a redução observada
foi de 69% nesse período.
Gráfico 1.3.1 – Evolução pessoal ocupado
Evolução do pessoal ocupado
0
2000
4000
6000
8000
10000
1970 1980 1985 1996
Fonte: IBGE, Censos Agropecuários
Nesse sentido, no período de 1985 a 1996, a maior queda observada no número de
pessoas empregadas na agricultura é observada na categoria dos empregados temporários.
Em segundo lugar, figura a redução dentre os responsáveis e membros da família (73%) o
que pode estar relacionado também ao aumento do êxodo rural e a redução significativa nas
áreas de lavouras temporárias. Esses dois itens foram os principais responsáveis pelas
alterações na estrutura ocupacional que se deu na agricultura de Santo Antônio de Pádua nas
últimas décadas.
23
Tabela 1.3.9 – Número de pessoas empregadas na agricultura por cat
egoria
1985 1996
Variação
N N
Resp. membro família
6190 1677
-73%
Empregados permanentes
771 642
-17%
Empregados temporários
1347 92
-93%
Parceiros (empregados)
150 103
-31%
Outra condição
215 172
-20%
Total
8673 2686
Fonte: Censos Agropecuários
A alternância de ciclos agrícolas pelos quais passou Santo Antônio de Pádua e a
implantação parcial do processo de ‘modernização de agricultura’ produziram efeitos que
são sentidos até hoje na sua agricultura. Atualmente, sua estrutura agrária é formada por
pequenos estabelecimentos familiares (menos de 20 ha) pouco modernizados e que utilizam
a combinação agricultura e pecuária leiteira para sobreviverem.
Dessa forma, a pecuária extensiva de baixa produtividade convive lado-a-lado com
lavouras mais intensivas em mão-de-obra, baseadas em relações de trabalho, calcadas na
parceria, e com baixo índice de tecnificação/maquinização. Derivam-se se daí combinações
diversas de relações de trabalho na agricultura, onde aquelas mais tradicionais convivem
lado-a-lado com formas mais ‘modernizadas’, como é o caso da parceria na cultura do
tomate. Mais visíveis então são os problemas relacionados à degradação ambiental:
utilização excessiva de agrotóxicos, o extermínio quase completo da vegetação natural da
região, o empobrecimento dos solos e a intensificação dos processos erosivos. A cobertura
vegetal original da região hoje em dia é encontrada nos parques nacionais e em encostas
de serras de difícil acesso.
Na última década, mais um importante elemento vem se somar à ocupação do solo
em Santo Antônio de Pádua. Seu ordenamento espacial vem apresentando modificações,
principalmente em virtude da expansão do setor extrativo mineral (rochas ornamentais) que
vem ganhando importância crescente. As atividades de extração mineral (rochas semi-
preciosas) se destacam em virtude dos empregos e encadeamentos (principalmente nos
serviços e comércio) que suas atividades representam na economia local (Baptista Filho &
Tanaka, 2002). Essas mudanças geram novas dinâmicas no município que afetam a
agricultura e a dinâmica das áreas rurais e que se refletem no esvaziamento da atividade
agrícola, na alteração da forma do uso do solo (agricultura extração de rochas), no
aumento da pluriatividade e do preço da mão-de-obra nas áreas rurais, de forma que o novo
setor passa a competir progressivamente com a agricultura.
As atividades minerais de extração de rochas semi-preciosas (ornamentais) de Santo
Antônio de Pádua remontam à década de 1960, quando alguns pequenos produtores rurais
começaram a utilizar essas pedras para fins de revestimento do piso de currais. O setor foi
evoluindo de forma gradual de modo que até meados da década de 1990, a extração e o
beneficiamento eram realizados praticamente de modo artesanal. Até esse período, a maioria
das empresas não apresentava qualquer registro, trabalhando na informalidade. No entanto, a
partir da segunda metade da década de 1990 as atividades de extração de rocha começaram a
ser legalizadas, favorecendo um deslocamento nesse setor de uma gestão ‘familiar’ para uma
visão mais ‘empresarial’ (Baptista Filho & Tanaka, 2002a e 2002b).
24
As atividades de exploração mineral (rochas ornamentais) em Santo Antônio de
Pádua se dão na Serra do Catete, onde são exploradas rochas miloníticas conhecidas
comercialmente como ‘pedra madeira’; na Serra do Bonfim, onde são exploradas rochas
também miloníticas de coloração predominantemente cinza, a ‘pedra miracema’; e na Serra
da Pedra, onde os principais tipos encontrados são os charnockitos e gnaisses-granitóides
(Baptista Filho & Tanaka, 2002a).
Em Santo Antônio de Pádua, o crescimento do setor de rochas foi refletido na forma
de organização do seu espaço, introduzindo uma nova dinâmica nas suas áreas rurais,
contribuindo com a redução progressiva da mão-de-obra e das terras antes empregadas na
agropecuária. Segundo um agrônomo da Emater local ao ser indagado a respeito de como a
agricultura se territorializa no município:
- Metade do município para é uma região produtora (referindo-se à produção
agrícola), da metade para é uma região de quase estação de pedra. Pros lados
de Marangatu é de pedras, de rochas. Antes eles produziam bastante. Hoje ainda
produz alguma coisa, mas a principal atividade é as pedras. Quando eu vim para
Pádua em 1976, sou mineiro, eles ainda produziam mais. Depois eles foram
descobrindo que seria mais interessante explorar as pedras do que plantar. E com
isso, eles estão ganhando dinheiro e a mão-de-obra rural foi para as pedras, porque é
mais rentável. Com isso, a atividade rural foi deixada para segundo plano. Os
produtores têm vaca e tudo, mas reduziu muito. Arroz que também produziu muito
não tem. O município é dividido praticamente.”
1:2.400.000 - Fonte: IBGE
Mapa 1.3.1 – Distritos de Santo Antônio de Pádua
São Pedro
de Alcântara
Serra do Catete
Marangatu
Santa Cruz Baltazar
Santo Antônio de
Pádua
Ibitiguaçu
Monte Alegre Campelo
Paraoquena
Serra da
Pedra Bonita
Rodovias
Ferrovia
Rio
25
Nesse aspecto, observamos que o crescimento do setor extrativo determinou uma
alteração nas áreas rurais de Santo Antônio de Pádua, consubstanciada na introdução de
uma nova dinâmica. Essa dinâmica, por sua vez, é decorrente da elevação do preço da mão-
de-obra rural, determinando, muitas vezes, o esvaziamento da agricultura. A concorrência do
setor de pedras sobre a atividade agrícola (quanto à mão-de-obra) é sentida em todos os
distritos, especialmente naqueles mais próximos das estações de rochas. Nesses distritos
mais ao Sul do território municipal, a agricultura compete não apenas em mão-de-obra, mas
também nas formas de uso da terra. A indústria de rochas, no município, necessita de um
grande montante de mão-de-obra em todas as etapas de produção e não somente na extração
dessas pedras. Segundo um vereador da cidade representante do setor de rochas (e dono de
uma serraria), ao ser indagado a respeito do papel da agricultura como importante setor
gerador de empregos: “a agricultura pagava menos, a pedra, setor mineral, pagou mais e as
pessoas saíram pro setor de pedras que abrange muita gente e ainda é deficitário.
O município de Santo Antônio de Pádua, em 2002, apresenta a seguinte composição
do PIB: em primeiro lugar, aluguéis e construção civil; seguida do comércio e serviços; em
terceiro lugar indústria de transformação (o município é sede de empresas de papel e
celulose e de bebidas); extração de minerais; e, por fim, a administração pública. A
agropecuária segue com uma participação mais baixa, por volta de 5%, no entanto, esse
montante não deve ser utilizado como parâmetro de avaliação da importância do setor na
economia municipal, principalmente, porque o valor da produção agropecuária tende a
aparecer subestimada no PIB ao ser comparada com outros setores como o comércio, os
serviços e a indústria. Na geração de empregos, todavia, a agropecuária é a atividade que
mais emprega pessoas em Santo Antônio de Pádua.
E, por fim, destacamos aqui outras dinâmicas que se fazem presentes no meio rural
de Santo Antônio de Pádua em tempos recentes, ainda de maneira incipiente, mas que
poderiam representar novas possibilidades de inserção dessas áreas rurais na economia
municipal.
Ressaltamos aqui que, em nosso entender o momento atual constitui um ambiente
favorável à ascensão de novas formas de agricultura, na medida em que se trata de um
período em que crescem as preocupações quanto aos efeitos da Revolução Verde, refletidas
no fortalecimento do debate que associa cada vez mais a agricultura a questões (e
preocupações) ambientais, sociais e culturais. Nesse sentido, contrapondo-se ao antigo
padrão da modernização da agricultura, os princípios da eficiência e produtividade que antes
regiam sozinhos as práticas agrícolas são ponderados com outros princípios (mais sociais,
culturais e ambientais e menos econômicos) que reconhecem na agricultura papéis muito
mais amplos que o de produtora de bens. Por outro lado, percebe-se uma maior valorização
da agricultura familiar, na medida em que seus benefícios são cada vez mais ressaltados em
detrimento a um modelo empresarial de agricultura, altamente excludente, pautado na
produção de commodities e concentrador de renda e terras (como aquele típico da
modernização da agricultura).
Nesse contexto, as principais contribuições da agricultura seriam: importante fonte
geradora de empregos (principalmente aqueles que necessitam de uma menor qualificação);
mantenedora do tecido social e cultural das áreas rurais (evitando o esvaziamento do campo
e favorecendo a diversidade de ambientes nas sociedades); conservação e criação da
paisagem, em detrimento a uma homogeneização urbana; importante aliada no combate às
26
desigualdades sociais, na medida em que representa a forma de vida de boa parte das
camadas mais vulneráveis; contribuinte com a manutenção de uma alimentação saudável
para as famílias rurais e para a população urbana; evitar o inchaço das cidades, na medida
em que a sua promoção representaria a possibilidade de muitas famílias permanecerem no
campo, evitando o êxodo rural; entre outros.
Soma-se a isso, a transformação recente do sistema agroalimentar mundial
(Wilkinson, 1999) que associa cada vez mais os hábitos alimentares a preocupações sociais,
culturais e ambientais. Nesse novo cenário desenhado as práticas agrícolas, ao contrário do
período anterior, são coladas a uma base tecnológica mais flexível, favorecendo a
diversificação da produção e a redução do papel da escala em detrimento a uma maior
preocupação com a qualidade dos produtos. Adicionalmente, os padrões de concorrência
baseados na diferenciação dos produtos e na segmentação dos mercados sobrepõem-se aos
antigos, pautados unicamente no preço e na padronização, abrindo espaço para produtos
com maior valor agregado e que carregam ‘valores’ associados à tradição e aos processos de
produção. Nesse sentido, as vantagens comparativas se invertem e, como no modelo anterior
as pequenas escalas e a pouca tecnificação eram vistos como desvantagens, atualmente é
criado um ‘prêmio’ para aqueles valores diretamente relacionados às tradições da pequena
produção, como as atividades tradicionais, os produtos ‘naturais’, a organização da atividade
econômica, bem como percebem-se associações positivas entre a pequena produção e o
meio ambiente e o rural, o que num limite posiciona a pequena produção como a mais
propícia ‘guardiã’ da biodiversidade. Nesse processo os próprios hábitos e modos de
consumo são modificados, tornando-se cada vez mais complexos e diferenciados, de forma
que o antigo modelo de produção pautado na padronização já não mais é capaz de atender a
todas essas novas demandas (Wilkinson, 2003).
Acreditamos assim, que esses novos cenários inauguram um novo período cheio de
possibilidades e oportunidades para a agricultura e especialmente a agricultura familiar, que
podem representar novas formas de inserção da atividade agropecuária na economia local e
regional e ao mesmo tempo contribuir para a amenização de alguns efeitos do processo da
‘modernização da agricultura’ sobre as áreas rurais de Santo Antônio de Pádua,
principalmente aqueles relacionados às condições de vida das famílias dos agricultores e das
famílias rurais, ao esvaziamento da agricultura, à degradação ambiental, ao esvaziamento do
campo.
Assim, em Santo Antônio de Pádua atualmente, emergem ao lado dos cultivos mais
tradicionais, atividades agrícolas mais diversificadas e intensivas em mão-de-obra familiar,
capazes de alcançar preços mais elevados no mercado por serem diferenciadas. Nos
referimos aqui à criação de ovinos e caprinos; aos orgânicos, que surgem juntamente com
um projeto (por parte das lideranças locais) de certificação para o arroz cultivado na região;
à fruticultura, especialmente citrus; e à piscicultura (tilápia). Por outro lado, percebe-se
também um maior interesse nas atividades de beneficiamento (lavagem, outras preparações
e embalagem) e processamento dos produtos agrícolas (preparo de doces, compotas, licores
e vinhos), com o objetivo de agregar valor ao produto e alcançar com isso um preço mais
elevado no mercado.
É crescente também o número de famílias pluriativas nas áreas rurais do município,
de modo que, nem sempre a esposa e o filho do produtor rural, que moram nas áreas rurais,
trabalham na atividade agrícola, possuindo outras formas de inserção no mercado de
trabalho com o objetivo de complementar a renda familiar. Adicionalmente, é importante
que a pluriatividade das famílias aqui seja vista com cautela, na medida em que, na maior
27
parte dos casos, as atividades não agrícolas praticadas concentram-se em profissões que
exigem pouca qualificação, geralmente prestação de serviços, como os serviços domésticos,
pedreiros, carpinteiros, trabalhadores do setor de pedras (na extração e no carregamento dos
caminhões) ou mesmo serviços agropecuários.
Por outro lado, observa-se também que, junto com o aumento da pluriatividade, os
limites rurais e urbanos do município e dos distritos de Santo Antônio de Pádua tornam-se
mais tênues, facilitando o intercâmbio entre as áreas rurais e as áreas urbanas, bem como o
descolamento do local de moradia e do de trabalho das populações rurais. Isso reflete-se
diretamente na incidência nas famílias rurais onde um ou mais membros trabalham na sede
do município ou nos cleos urbanos dos distritos (Carneiro e Teixeira, 1999). Por outro
lado, essa aproximação entre o ‘rural’ e o ‘urbano’ pode representar também uma vantagem
para a inserção da produção familiar nos mercados urbanos, facilitando o reconhecimento de
novas demandas e nichos de mercado, bem como favorecendo a inovação de processos e
produtos no núcleo familiar produtivo.
Outro fenômeno percebido no município é a residência urbana de famílias ocupadas
ou cujo responsável trabalha em atividades agrícolas. Tendo-se em mente que na maioria
dos casos essas famílias eram de origem rural, chama-se atenção aqui para um processo
perigoso de ruptura da família rural com as suas raízes agrícolas, enfraquecendo o tecido
social e cultural (incluindo saberes tradicionais e valores) das comunidades, bem como a
sociabilidade rural (Carneiro & Teixeira, 1999).
Por fim, ressaltamos as novas demandas que se fazem presentes decorrentes do
turismo rural e das atividades esportivas relacionadas à natureza, como a canoagem, as
trilhas, o alpinismo e as escaladas. Atualmente, uma das fases do Campeonato Nacional de
Canoagem (realizado pela Confederação Brasileira de Canoagem) é sediada em Santo
Antônio de Pádua. Esse ano, por exemplo, foi realizada a Copa Brasil Seletiva para Mundial
Sênior, na categoria descida (dia 15 e 16 de abril).
Outra atividade que estaria nos planos das autoridades municipais, segundo o
vereador entrevistado, seria o alpinismo e, para isso, estariam sendo colocados grampos
em algumas pedras das comunidades rurais.
E, por último, o turismo rural calcado principalmente nas fartas áreas verdes que o
município dispõe bem como na raridade de suas águas minerais (procuradas para a terapia
de problemas renais, cárdio-vasculares e tratamento de pele). Ainda nesse sentido o vereador
destaca algumas iniciativas “espontâneas” que tomaram corpo no município: a primeira seria
a construção de uma pousada de chalés numa das áreas rurais do município (que estaria
quase pronta) e a segunda, que ainda está em fase de planejamento, viria por parte do dono
do maior hotel de Santo Antônio de Pádua, que quer desenvolver um estabelecimento de
exploração do turismo rural em Monte Alegre.
1.4 - O Abandono do Campo
O êxodo rural está presente no discurso de todos os atores entrevistados ao longo da
pesquisa de campo como uma tendência real e, ao mesmo tempo, preocupante. Assim, ainda
que a população de Santo Antônio de Pádua venha crescendo nas últimas décadas, nota-se
que o meio rural, por outro lado, vem percorrendo caminho inverso de lento, mas
progressivo, esvaziamento. Na esteira desse processo, o campo esvazia-se também cultural
(junto com o seu tecido social ele perde sua cultura e identidade), econômico (reduz-se o
dinamismo da região, enfraquecendo atividades agrícolas e não agrícolas geradoras de renda
28
para a economia local) e politicamente (o campo esvaziado perde sua força política e vê seus
interesses deixados de lado nos planos de desenvolvimento).
Note-se que em 1970, 57% da população do município era rural, e que em 2000 essa
parcela corresponderia a apenas 22%. As causas principais atribuídas pelos entrevistados ao
esvaziamento do campo referem-se a dois fatores, geralmente correlacionados: em primeiro
lugar, citam as dificuldades encontradas no município (e na região Noroeste como um todo)
na prática da agricultura, principalmente aquelas relacionadas à instabilidade do mercado de
produtos agrícolas (preço) e à ausência de apoio do Governo Federal; e em segundo às
precárias condições de vida encontradas nas áreas rurais decorrentes na sua maioria da
ausência de infra-estrutura e da parca oferta de serviços básicos, como saneamento, saúde e
educação.
Tabela 1.4.1 – População por situão de domicílio – 1970-2000
1970
1980
1991
2000*
N
%
N
%
N
%
N
%
Total população
31.151
33.520
39.600
46.710
Urbana
13.254
43%
19.378
58%
28.025
71%
36.257
78%
Santo Antônio de Pádua
Rural
17.897
57%
14.142
42%
11.575
29%
10.453
22%
Fonte: IBGE Censo Demográfico/SIDRA.
* Está contabilizada, nesse ano a população de Aperibé, antigo distrito de Santo Antônio de Pádua que se emancipou somente em 1992.
Para todos os entrevistados, sejam de órgãos governamentais (Prefeitura, Emater,
vereador) sejam de organizações da sociedade civil (associações, cooperativa, sindicato) a
vulnerabilidade dos preços dos produtos agrícolas (principalmente de produtos tradicionais
como o leite, o arroz) ainda figura como a principal causa para o aumento das dificuldades
de permanência do homem no campo e, principalmente, na agricultura. E a instabilidade
dos preços, por sua vez, na maioria dos casos é atribuída ao pouco caso do Governo Federal
para com os pequenos produtores, especialmente, em relação à política macroeconômica de
importações de produtos agropecuários com menores taxas e restrições que derrubaria os
preços no mercado brasileiro prejudicando, principalmente, o pequeno produtor. O
agrônomo da Emater de Santo Antônio de Pádua entrevistado, ao ser perguntado a respeito
de como estava a situação da agricultura no município, resume bem a situação:
- Os produtores estão tendo muito prejuízo aqui em termos de preço porque, vamos
dizer, o arroz, por exemplo: conforme te falei, o preço do arroz caiu a tais níveis que
hoje o preço do arroz que o produtor vende está abaixo do custo de produção. Uma
saca de arroz hoje está sendo vendida numa média de 17, 18 reais e o custo desse
saco é superior a 20 reais. Ninguém quer plantar assim, ninguém.. Quem quer
produzir para perder dinheiro? Quem tem responsabilidade sobre isso? O Governo
Federal tem sua parcela, no entanto, não podemos culpar o Governo Federal...
Agora, por que o Governo Federal também tem culpa nisso? Quando é para o
produtor ganhar porque tem pouco arroz no mercado, o Governo importa arroz de
países que têm subsídios. com esse arroz, o preço cai. O produtor, quando é para
ele recuperar tudo o que ele perdeu daqui para trás, ele vai continuar perdendo. Não
há produtor que agüente. O preço do leite, por exemplo, hoje está, vamos dizer 35, 36
centavos o litro, isso vem caindo de uns cinco meses para cá (a entrevista foi realizada
em dezembro de 2005). Essa era a época em que o preço do leite, época de seca,
julho, agora, por aí, deveria estar alto porque é uma época em que a produção
29
normalmente cai. É o período em que a produção é baixa, então o preço era para
estar alto, mas vem caindo. E o leite também é um produto que é trazido de outros
países.”
Um pequeno produtor ao ser indagado a respeito da situação das áreas rurais
atualmente no município também coloca em sua fala a relação entre as dificuldades de se
viver da agricultura, como geradora de renda, e o abandono das áreas rurais. Aliás,
confirmando o exposto, o próprio entrevistado seria uma vítima desse fenômeno: nascido e
criado no município, quando jovem resolveu morar no Rio de Janeiro, justamente em busca
de melhores condições de vida e oportunidades do que aquelas que ele via estarem à
disposição de seu pai, também produtor agrícola:
- O que eu tenho percebido é o seguinte: recentemente, um rapaz me abordou e me
disse: - Pôxa, ‘seu’ *****, queria conversar com o senhor, queria ver se o senhor
poderia me ajudar, me encaixar em alguma coisa, sou um pequeno produtor com 1,5
alqueire de terra. Tem dois anos, um ano e pouco que eu vim embora do Rio de
Janeiro... que eu morava no Rio... para essa terrinha aqui porque eu tenho um filho de
um ano e meio. Mas eu não estou conseguindo sustentar o meu filho e ‘tô’ vendo a
hora que eu terei que voltar para a cidade grande. Então, são comentários assim que
eu ouço, aqueles que ficam é porque têm (não sei bem o que é) se é uma questão de
raiz ou uma questão de covardia, de medo de encarar uma outra situação. Se
acomodam e ficam, mas eu não percebo uma satisfação. Ficando ou não eu não
percebo uma satisfação, salvo quando o tomate dinheiro num ano. Aí, ele esquece
aquilo ali temporariamente, fica alegre. Mas aí, volta a cair de novo e ele desanima.
Porque você não tem uma política constante, é tudo um sobe e desce danado.”
Os serviços básicos, ou melhor, a ausência deles nas zonas rurais também é uma
unanimidade em todas as opiniões, seja o entrevistado residente nas áreas urbanas do
município (o agrônomo e o vereador entrevistados) ou nas áreas rurais (os pequenos
produtores associados à Aprumai, ou ao Núcleo de Ovinos). A falta de estradas vicinais ‘em
condições de suportar uma chuva e continuar funcionando’ é citada tanto com relação ao
conforto e à facilidade de acesso à cidade, quanto como um empecilho para melhores
condições de trabalho do agricultor, no que concerne ao escoamento de sua produção. A
baixa qualidade dos serviços de saúde e educação (na maior parte, ausência para essa última)
também aparece em todas as falas, juntamente com fatores relacionados ao conforto e às
tecnologias que facilitam a vida no campo (como a energia elétrica, os eletrodomésticos).
Assim sendo, ainda que o município de Santo Antônio de Pádua seja servido por
quatro estradas estaduais, a RJ-186, a RJ-116, a RJ-188, e a RJ-200, todas elas encontram-se
em péssimo estado de conservação. É tão grande a quantidade de ‘buracos’ nessas estradas,
que em alguns trechos delas mal se pode ver a faixa de asfalto. Durante as viagens, pudemos
observar uma grande quantidade de acidentes, causados ou pela colisão de dois veículos, na
medida em que o percurso impossibilitava a permanência de um dos veículos em sua ‘mão’;
ou pela fatalidade de se perder um dos pneus em uma das ‘crateras’ que encontramos pelo
caminho.
As estradas vicinais, por sua vez, não se encontram em situação melhor. A maioria
ainda é de ‘terra batida’, impossibilitando o produtor de sair de casa em dias de chuva. E
chove bastante na região. Com chuva, as propriedades ficam sem acesso, nem mesmo de
veículos (com exceção dos tratores) o que se reflete não apenas no conforto da família, mas
30
na possibilidade de escoamento da produção agrícola, o que se agrava tendo em vista que os
produtos mais comuns nas propriedades paduanas são o leite (altamente perecível) e o
tomate (produto extremamente sensível a impactos).
Segundo um pequeno produtor membro da Agrovila de Santo Antônio de Pádua ao
ser indagado a respeito das principais dificuldades que enfrenta atualmente no meio rural do
município,
“ - O principal problema aqui é, primeira coisa, a estrada é muito difícil. Por
exemplo, essa estrada daqui para o Rio de Janeiro tem vezes que a gente tem que
fazer um desvio enorme porque ela está difícil... e é a estrada principal, a estrada que
passa o trânsito pesado, para levar e trazer as coisas. Vou te dizer que está desse
jeito muito tempo... é muito mais difícil assim. Tem as estradas rurais é que fica
mais difícil ainda... e é ‘pro’ transporte do leite, do gado, do arroz e do tomate...
escoamento da produção de milho, feijão. Muito difícil morar nessa roça aqui, apesar
da terra ser boa, é muito difícil, porque não tem luz (agora é que está chegando o
avanço da energia aqui). Às vezes o cara não tem luz em casa, não tem água
encanada, não tem nem mesmo um ‘canteirozinho’ onde ele possa plantar, pelo menos
alguma coisa para ele, uma bananeira para dar uma banana ao filho. Então isso aqui
na verdade é difícil. O maior problema são as estradas, a energia, as condições de
moradia e depois a educação. Porque hoje para educar um filho aqui... eu mesmo
morava num lugar que eu andava, os meus filhos andavam uns 4km todo dia para
pegar uma Kombi na beira do asfalto para poder estudar em Ibitiguaçu.”
A ausência e/ou a precariedade da oferta e dos serviços nas áreas rurais de Santo
Antônio de Pádua também podem ser considerados como fatores determinantes nas decisões
dos produtores de deixar a área rural como local de moradia. Segundo as entrevistas, a oferta
dos serviços de saúde e educação tende a se concentrar na sede do município ou na parte
urbana dos distritos. A energia elétrica e a telefonia, por sua vez, também seriam recentes
nas áreas rurais, que nem sempre contam com a facilidade da telefonia celular. Segundo um
membro do Sindicato Rural Agropecuarista, a energia elétrica começou a chegar nas
propriedades rurais de Santo Antônio de Pádua há,
“... coisa de uns 30 anos para cá, deveria ter chegado 50 anos. A partir desse ano
(2005) é grátis, é gratuita, mas a gente fazia (quem podia), eu coloquei no meu sítio
há 15 anos, até o ano passado foi paga. Iluminação pública? Não tem de jeito
nenhum, só lamparina, vela essas coisas”.
Um pequeno produtor entrevistado, associado ao Núcleo de Ovinos e Caprinos
também relata a dificuldade em se conseguir uma linha telefônica na “roça” quando
indagado a respeito das principais dificuldades enfrentadas pelas pessoas que habitam o
meio rural. Segundo o produtor, ele teria colocado uma em sua propriedade o que, além de
demorar, teria lhe custado uma fortuna. Mas teria valido à pena e até facilitado a venda de
sua mercadoria. Assim, em se tratando desses serviços até pouco tempo, eles deveriam
ser custeados pelos próprios produtores, excluindo-os do dia-a-dia de boa parte da população
rural.
Ao analisarmos esse êxodo rural que vem acontecendo em Santo Antônio de Pádua
mais de perto percebemos que, durante as quatro últimas décadas, a porcentagem de
31
habitantes das áreas urbanas entre 20 e 44 anos permaneceu numa faixa média de 37% do
total da população, como a mesma faixa etária correspondia a uma participação média nas
áreas rurais de 32%. Nesse mesmo período, numa faixa etária um pouco mais elevada (45 a
74 anos), as áreas urbanas apresentaram uma porcentagem média de 20% do total da
população, bem como as áreas rurais. Nesse sentido, percebe-se claramente a semelhança
entre as distribuições por faixa de idade nas áreas urbanas e rurais.
Tabela 1.4.2 - População urbana por grupo de faixa etária
Ano
Grupos de idade
1970
1980
1991
2000
Total urbana
13.254
19.378
28.025
29.415
N
%
N
%
N
%
N
%
0 a 9 anos
3.125
24%
3.954
20%
5.267
19%
4.632
16%
10 a 19 anos
3.273
25%
4.406
23%
5.240
19%
5.288
18%
20 a 29 anos
2.143
16%
3.303
17%
5.021
18%
4.898
17%
30 a 44 anos
2294
17%
3.452
18%
5.938
21%
6.813
23%
45 a 59 anos
1405
11%
2320
12%
3540
13%
4.320
15%
60 a 74 anos
758
6%
1493
8%
2224
8%
2.460
8%
75 a 79 anos
81
1%
220
1%
396
1%
466
2%
80 anos ou mais
115
1%
177
1%
399
1%
538
2%
Urbana
Idade ignorada
60
0%
53
0%
Fonte: IBGE - Censo Demográfico
Tabela 1.4.3 - População rural por grupo de faixa etária
Ano
Grupos de idade
1970
1980
1991
2000
Total rural
17.897
14.142
11.575
9.277
N
%
N
%
N
%
N
%
0 a 9 anos
5.042
28%
3.607
26%
2.378
21%
1715
18%
10 a 19 anos
4.480
25%
3.437
24%
2.536
22%
1690
18%
20 a 29 anos
2.544
14%
2.018
14%
1905
16%
1574
17%
30 a 44 anos
2773
15%
2155
15%
2086
18%
1863
20%
45 a 59 anos
1986
11%
1698
12%
1425
12%
1284
14%
60 a 74 anos
875
5%
967
7%
975
8%
831
9%
75 a 79 anos
56
0%
133
1%
138
1%
170
2%
80 anos ou mais
125
1%
113
1%
132
1%
170
2%
Rural
Idade ignorada
16
0%
14
0%
0%
Fonte: IBGE - Censo Demográfico
32
Podemos concluir através das tabelas 1.4.2 e 1.4.3 que o esvaziamento do campo em
Santo Antônio de Pádua não vem se concentrando naquelas faixas mais jovens. Não no
município um processo de envelhecimento da população rural, pelo contrário, o que os
dados nos mostram é que esse fenômeno vem atingindo todas as faixas etárias sem distinção.
Derivamos daí que o êxodo rural em Santo Antônio de Pádua, de uma forma geral, vem
ocorrendo no âmbito da família.
Um agrônomo da Emater local responde na tentativa de delinear um perfil dos produtores
familiares da região,
- A maioria mora fora, mora num núcleo urbano ou na sede dos distritos. Isso
porque ao longo dos anos as escolas foram acabando, então hoje você muitas
escolas no meio rural de Santo Antônio de Pádua fechadas, ou fechando, e isso tirou o
produtor da área rural. Está juntando eles ou na sede dos distritos ou na sede do
município, onde estão as escolas. Os produtores rurais vão morar porque assim
não tem aquele negócio de filho vir todo dia da roça para estudar. O produtor prefere
todo dia, ele se deslocar ao invés do filho dele.”
Tabela 1.4.4 - População residente por situação e localização da área - 2000
Variável
Município
Situação e localização da área
População residente (Pessoas)
%
Área urbanizada
26.264
67,88
Urbana - área urbana isolada
3.157
8,16
Rural - área rural (exceto aglomerado)
7.297
18,86
Santo Antônio de Pádua
Rural - aglomerado - povoado
1.975
5,1
Fonte: IBGE - Censo Demográfico - SIDRA
Os dados do Censo Demográfico para o município de Santo Antônio de Pádua
confirmam essa afirmativa, de forma que, se 76% da população do município reside no meio
urbano (divididos entre “área urbanizada” maioria e urbana isolada), apenas 24%
continua a residir nas áreas rurais.
Esse caso em que produtor opta por morar na cidade, chama atenção para um
possível processo de ruptura da unidade familiar com as suas raízes agrícolas,
consubstanciado no desligamento progressivo das tradições agrícolas (contendo valores e
saberes) e da sociabilidade. Nesse sentido, a identidade social do agricultor bem como as
relações sociais que se estabelecem no seio da unidade familiar de produção são
enfraquecidas, na medida em que a agricultura ainda ocupa a posição de principal fator
definidor da identidade social das famílias rurais, condição sobre a qual se baseia a sua
inserção social. Por outro lado, no campo, a saída dessas pessoas e a redução do tecido
social e cultural da área rural, torna as comunidades rurais ‘mortas’ ou sem ‘vida’,
contribuindo para o enfraquecimento da sociabilidade rural.
Crescem no campo também os casos em que os produtores rurais ou algum outro
membro da família (esposa ou filhos) recorrem a outras atividades fora da agricultura com o
objetivo de complementar a renda familiar. A dificuldade em garantir a reprodução social da
família só com as rendas agrícolas no município, nesses casos, faz com que os membros das
33
unidades familiares busquem outras formas de ocupações (que lhes garantam renda) em
atividades não agrícolas, especialmente nas rochas e em outros serviços (Schneider, 2001).
Dois pequenos produtores entrevistados (ambos chefes de famílias pluriativas), um
associado à Aprumai e o outro ao Núcleo de Ovinos e Caprinos, me confirmaram esse
fenômeno. Segundo os relatos, poucas seriam as esposas de produtores rurais que ainda
trabalhariam na agricultura, sendo que a maioria ou trabalhava nas áreas urbanas,
geralmente em serviços (como as esposas dos dois produtores em questão), ou se dedicariam
apenas aos serviços domésticos.
Cabe aqui diferenciarmos um outro caso muito comum em Santo Antônio de Pádua,
especialmente nas regiões mais próximas das serras onde são exploradas as rochas
ornamentais. Segundo as entrevistas, em boa parte dessas propriedades o produtor rural
abandona as atividades agrícolas porque percebe que obteria mais lucros na exploração das
rochas ornamentais. Nesse sentido, haveria uma mudança na forma de uso do solo dessas
áreas, mas não o abandono do meio rural. Aqui, não haveria a combinação de múltiplas
formas de inserção dessas famílias rurais no mercado de trabalho, como se observa na
pluriatividade, mas o abandono completo da agricultura (ou o quase abandono, tornando a
agricultura uma atividade residual), nem sempre acompanhado do abandono do meio rural.
A exploração das rochas pode ser realizada diretamente pelo produtor, quando ele é o
responsável pela exploração propriamente ou através de regimes de alocação (Baptista Filho
& Tanaka, 2001), quando o proprietário aloca parte de sua lavra em troca de uma parte da
renda extraída de seu terreno pelo locatário (geralmente é de ¼ para o proprietário e ¾ para
o explorador).
Todavia é importante destacar que grande parte das entrevistas deixa frisado que o
homem do campo não vem abandonando o meio rural no município por vontade própria ou
por esperança de ‘fazer a vida’ na cidade. Isso fica bem claro naquelas famílias em que
apesar de residirem no meio urbano, em função de alcançarem uma melhor qualidade de
vida, o chefe da família continua a trabalhar na agricultura. Deve-se isso, por um lado, à
importância que a atividade agrícola adquire no que concerne à formação da identidade
social do produtor e por outro à dificuldade de inserção no mercado de trabalho urbano
(exigência de níveis mais altos de qualificação).
O deslocamento da família para as sedes urbanas, nesse sentido, se daria como uma
necessidade e não uma escolha: ou por não encontrar boas condições de vida no meio rural;
ou por, ao olhar para a agropecuária atualmente, vendo do jeito que ela está, não conseguir
vislumbrar esperanças de um futuro próspero. Como cita um pequeno produtor ao ser
indagado se considera importante a manutenção da agricultura e das áreas rurais do
município: “- é claro que essas áreas rurais são importantes, mas estão esquecidas, né?”
Mais à frente, ao falar dos dois filhos (um morando em Niterói e outro em Itaperuna), o
produtor continua: ninguém quer ficar na roça, o pai trabalhando ‘pra caramba’.... e
nunca tem dinheiro. Ele pensa: ‘- Vou fazer o quê, aqui?!’ Agora, se ele vir eu trabalhando,
mas tendo retorno, a coisa muda, anima.”
Outro entrevistado reforça a idéia com base em sua experiência:
“Eu sou um exemplo dos que saíram para outro município. tem um tempo... Minha
sensação é a de que estão saindo todos em busca de condições melhores, por falta de
políticas. Eu, com certeza, como filho de produtor, se eu tivesse tido, na minha época,
uma estrutura melhor para sobreviver, oportunidades, eu com certeza não teria saído
não. Mas a vida era muito difícil.”
34
1.5 - Os Estabelecimentos Familiares
As atividades primárias na economia de Santo Antônio de Pádua, ainda que venham
se esvaziando progressivamente como vimos, representam um importante setor gerador de
empregos. Nesse sentido, mesmo com o crescimento das atividades de extração de rochas e
das atividades de comércio e serviços, a agricultura (incluindo agricultura e pecuária) é o
setor que mais emprego gera para os chefes de família do município. Cerca de 12% dos
chefes de família de Santo Antônio de Pádua (incluindo as famílias rurais e urbanas) são
empregados ou trabalham na agricultura.
Tabela 1.5.1 - Percentual da ocupação dos chefes de família em
Santo Antônio de Pádua por grupo de atividade - 2000
Condição de atividade e seção de atividade da pessoa responsável pela família %
Economicamente ativas - ocupadas - agricultura, pecuária, silvicultura e exploração florestal 11,47
Economicamente ativas - ocupadas - pesca 0,07
Economicamente ativas - ocupadas - indústria extrativa 6,5
Economicamente ativas - ocupadas - indústria de transformação 7,36
Economicamente ativas - ocupadas - produção e distribuição de eletricidade, gás e água 0,69
Economicamente ativas - ocupadas - construção 7,64
Economicamente ativas - ocupadas - comércio, reparação de veículos automotores, objetos pessoais e domésticos 11,09
Economicamente ativas - ocupadas - alojamento e alimentação 3,26
Economicamente ativas - ocupadas - transporte, armazenagem e comunicação 4,6
Economicamente ativas - ocupadas - intermediação financeira 0,34
Economicamente ativas - ocupadas - atividades imobiliárias, aluguéis e serviços prestados às empresas 1,58
Economicamente ativas - ocupadas - administração pública, defesa e seguridade social 6,7
Economicamente ativas - ocupadas - educação 2,66
Economicamente ativas - ocupadas - saúde e serviços sociais 1,62
Economicamente ativas - ocupadas - outros serviços coletivos, sociais e pessoais 2,04
Economicamente ativas - ocupadas - serviços domésticos 4,1
Economicamente ativas - ocupadas - atividades mal definidas 0,24
Economicamente ativas - desocupadas 2,33
Não economicamente ativas 25,71
Fonte: IBGE - Censo Demográfico - SIDRA
De todos os estabelecimentos rurais de Santo Antônio de Pádua (879) segundo o
SADE (Banco de Dados da Agricultura Familiar
5
), 84% são considerados familiares,
ocupando uma área de 49%. Chama-se atenção para o alto grau de concentração, bem como
para a reduzida dimensão desses estabelecimentos. Por outro lado, apenas 17%
correspondem aos estabelecimentos em regime patronal, cuja área ocupada é de 51%.
A agricultura familiar em Santo Antônio de Pádua é responsável por 55% do valor
total produzido no município com atividades agropecuárias, como os estabelecimentos
patronais ficariam com 45%. Entretanto, a maior concentração de estabelecimentos
5
Disponibilizado no Portal da Secretaria de Agricultura Familiar, em http://www.mda.gov.br/saf/. Acesso em
5 de maio de 2006.
35
familiares se naquelas classes em que os rendimentos são baixos ou quase nulos (quase
60%), seguidos dos que apresentam rendas médias.
Cerca de 39% dos estabelecimentos familiares de Santo Antônio de Pádua são
classificados como ‘quase sem renda’. Nesses estabelecimentos, a renda monetária estimada
chega a ser negativa (-R$ 448,00). Esses casos correspondem às famílias que não produzem
para o mercado e que investem na atividade agropecuária (geralmente de subsistência)
recursos monetários externos, resultantes ou da prestação de serviços ou de benefícios e
transferências sociais como a aposentadoria. Esses casos evidenciam, em primeiro lugar, a
importância que as transferências sociais apresentam na garantia da reprodução social dessas
famílias rurais. Em segundo lugar, destaca a importância que o autoconsumo adquire no seio
dessas famílias (pelas ‘economias’ que gera nas situações em que a família ‘deixa de
comprar’), bem como da agricultura (e a resistência a deixá-la), na medida em que é o
principal fator definidor da identidade social dos membros das famílias rurais. A
aposentadoria rural e outras transferências de renda mostram-se também centrais como
elementos de garantia da reprodução social de grande parte das famílias rurais do município
e da permanência dessas mesmas famílias no campo e na agricultura. Segundo o Secretário
da Agricultura ao ser indagado a respeito do perfil dos agricultores familiares da região, “- A
maioria são aposentados, mas o salário é muito pequeno. Para a sobrevivência, é
complicado. A maioria continua trabalhando, produzem... ou apenas para a sobrevivência,
ou para comercializar aqui dentro do município.
Tabela 1.5.2 - Número de estabelecimentos, área e valor bruto da produção
Categorias familiares por tipo de renda e patronal
Censo 1996-1996
Estabelecimentos
Área Total
Valor Bruto da Produção
Categorias
Número
%
Hectares
%
1000 Reais
%
Total
879
100
31.486
100
7.210
100
Familiar
734
83,5
15.320
48,7
3.950
54,8
Patronal
145
16,5
16.166
51,3
3.260
45,2
Distribuição por faixa de renda dos estabelecimentos familiares
Maiores rendas
12,26%
Renda média
28,20%
Renda baixa
20,57%
Quase sem renda
38,69%
Fonte: Censo Agropecuário 1995/96, IBGE.
Elaboração: Convênio INCRA/FAO.
Ainda de acordo com essa fonte, cerca de 69% dos estabelecimentos familiares
rurais
6
estão compreendidos na faixa de áreas menores a 20 ha. Para os estabelecimentos
6
Agricultores familiares, os estabelecimentos que atendiam às seguintes condições: 1) a direção dos trabalhos
era exercida pelo produtor; 2) o trabalho familiar era superior ao trabalho contratado. Os estabelecimentos
patronais, por sua vez, seriam aqueles que não estariam dentro do universo de agricultores familiares. (Novo
retrato da agricultura familiar: o Brasil redescoberto. Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO, Brasília,
2000).
36
patronais essa situação se inverte e cerca de 58% dos estabelecimentos se localizam na faixa
de área superior a 50 ha.
Os estabelecimentos familiares com maiores rendimentos
7
(altos, 61% e médios,
76%) tendem a se concentrar nas faixas de áreas de 5 a 50 ha. Por outro lado, os
estabelecimentos familiares com os piores rendimentos (nulos, 86% ou baixos, 89%) são
caracterizados por aqueles nas quais as áreas são inferiores a 20 ha. Chama atenção na
Tabela 1.5.3 o fato de que 60% dos estabelecimentos com menos de 5 ha, possuem renda
baixa ou quase nula.
Tabela 1.5.3 - Número de estabelecimentos por estratos de área (ha)
Categorias familiares por tipo de renda e patronal
Censo 1995-96
Menos 5 Ha
Entre 5 e 20 Ha
Entre 20 e 50 Ha
Entre 50 e 100 Ha
Mais de 100 Ha
Categorias
%
%
%
%
%
Total
21,3
39,8
21,7
9,8
7,4
Total Familiar
24,1
44,6
22,2
6,3
2,9
Maiores Rendas
8,9
33,3
27,8
17,8
12,2
Renda Média
11,6
44,9
31,4
9,7
2,4
Renda Baixa
20,5
48,3
24,5
4,6
2
Quase Sem Renda
39,9
45,8
12,6
1
0,7
Patronal
6,9
15,9
19,3
27,6
30,3
Fonte: Censo Agropecuário 1995/96, IBGE.
Elaboração: Convênio INCRA/FAO.
No que se refere ao grau de ‘especialização
8
dos estabelecimentos familiares de
Santo Antônio de Pádua, de acordo com o Convênio Incra/FAO, percebemos um alto grau
de ‘especialização’, na medida em que cerca 60% dos estabelecimentos são caracterizados
como ‘muito especializados’ e ‘especializados’. Os muito especializados, de acordo com os
critérios do Convênio correspondem a 21,5% dos estabelecimentos e são aqueles que
concentram sua produção em torno de apenas um produto. Já os especializados, que
correspondem a 39% referem-se àqueles estabelecimentos cuja principal produção (produto)
corresponde a mais de 65% da produção total. Devem-se esses resultados ao fato de que a
7
Classificação renda total para Sudeste: A) R$ 19.816,00; B) R$ 3.797,00; C) 1.557,00; D) R$ (316,00).
Rendas monetárias: A) R$ 14.975,00; B) 2.642,00; C) R$ 958,00; D) R$ (448,00). Nos estabelecimentos
familiares mais pobres, geralmente voltados à produção de subsistência, é comum encontrar casos em que a
Renda Monetária é negativa. Muitos investem recursos monetários externos, principalmente de venda de
serviços e de aposentadoria, para gerar alimentos destinados ao seu consumo, os quais, apesar de serem
vendidos, custam muito menos do que o agricultor gastaria para comprá-los no comércio (Cardim &
Guanziroli, 2000).
8
O Grau de Especialização foi calculado como a relação percentual entre o valor da produção do produto
principal e o valor total da produção colhida/obtida (VBP) do estabelecimento. Seja PERCPROD = % Valor
da produção do produto principal / VBP; tem-se: Super especializado: PERCPROD = 100%; Especializado:
65% PERCPROD < 100%; Diversificado: 35% PERCPROD < 65%; e Muito diversificado: PERCPROD <
35% (Cardim & Guanziroli, 2000).
37
maior parte dos estabelecimentos familiares no município concentra sua produção em torno
de uma lavoura apenas, geralmente o tomate, ou então de uma criação, a pecuária leiteira. A
combinação dos dois também é recorrente no município. A diversificação, por outro lado,
ainda não é maioria no município e, portanto, apenas 3% dos estabelecimentos familiares
são classificados como ‘muito diversificados’. Todavia, chama atenção o número de
estabelecimentos ‘diversificados’, que correspondem a 37% (a produção principal fica
entre 35% e 65%), donde podemos especular a existência de uma tendência, ainda
incipiente, à diversificação no município.
Tabela 1.5.4 - Número de estabelecimentos, área e valor bruto da produção
Familiares por grau de especialização
Estabelecimentos
Área Total
Valor Bruto da Produção
Categorias
Número
%
Hectares
%
1000 Reais
%
Total Familiar
734
100
15.320
100
3.950
100
Muito Especializado
158
21,5
2.526
16,5
507
12,8
Especializado
284
38,7
6.700
43,7
1.915
48,5
Diversificado
270
36,8
5.725
37,4
1.405
35,6
Muito Diversificado
22
3
368
2,4
123
3,1
Fonte: Censo Agropecuário 1995/96, IBGE.
Elaboração: Convênio INCRA/FAO.
O tipo de assistência técnica utilizado pelos estabelecimentos familiares varia muito,
tanto quanto à natureza (pública, privada etc), como pela intensidade e/ou qualidade. A
maioria dos estabelecimentos possui algum tipo de atividade de assistência técnica, seja de
associações, cooperativas ou órgãos governamentais, nos mais variáveis níveis de qualidade
e freqüência (76,29%).
Segundo relatos de campo, a assistência técnica no município fica a cargo da Emater,
no entanto, a maioria dos entrevistados a considera ineficiente e insuficiente, ficando mais
presa a procedimentos burocráticos do que à extensão rural. Nessa situação, cresce a
influência dos vendedores de lojas especializadas e os revendedores de laboratórios sobre os
agricultores. Como afirma um entrevistado ligado ao Núcleo de Ovinos e Caprinos quando
indagado a respeito de quem seria o maior responsável pela assistência técnica no município
- Quem mais orienta aqui as pessoas é o atendente da loja: você diz o problema e
ele orienta. No caso dessas culturas são os profissionais das empresas. Quando é do
Governo, a Emater... mas ela tem passado dificuldades e a assistência dela é
inexpressiva. Para mim, ela tem um quadro muito bom de profissionais, gente que
quer fazer, mas eles funcionam muito mais como uma empresa burocrática do que...
sabe, fica presa em procedimentos, fazendo cartinhas... do que dar assistência”.
A utilização de energia elétrica nos estabelecimentos rurais de Santo Antônio de
Pádua, também, apresenta resultado positivo, alcançando cerca de 74,39% dos
estabelecimentos. Amplitude essa que cresceu muito nos últimos anos, melhorando bastante
a condição de vida no campo.
38
O número de estabelecimentos que contam com força manual ou que utilizam
alguma forma de força animal ou mecânica correspondem a 34,88% e 65,12%,
respectivamente.
E, por fim, 57,49% dos estabelecimentos apresentam produtores associados a algum
tipo de cooperativa ou associação. No caso de Santo Antônio de Pádua é muito presente a
Cooperativa Agropecuária que fornece aos seus associados orientações e comercializa e/ou
processa o leite produzido.
Tabela 1.5.5 - Tipo de tecnologia empregada - Censo 1995-96
Categoria
% Total
Força Manual
% Total Força
animal ou mecânica
% Total
energia
elétrica
% Total
assistência
técnica
% Total
Assoc.Coop.
% Total Adubos e
corretivos.
Familiar
34,88%
65,12%
74,39%
76,29%
57,49%
29,02%
Fonte: Censo Agropecuário 1995/96, IBGE.
Elaboração: Convênio INCRA/FAO.
O grau de integração
9
dos estabelecimentos familiares em Santo Antônio de Pádua é
bastante alto, de forma que 56% deles classificam-se como muito ‘integrados ao mercado’,
ou seja, estão dentre aqueles segmentos que destinam mais de 90% da produção total colhida
ao mercado. Esse indicador procura mensurar a relação entre a produção efetivamente
vendida e a produção total colhida. Esse grau de integração torna-se ainda mais
representativo se considerarmos os estabelecimentos ‘integrados’, que correspondem no
total a 89% dos estabelecimentos familiares, segundo os critérios do Convênio Incra/FAO.
Segundo esse último, em Santo Antônio de Pádua, 89% dos estabelecimentos familiares
destinariam mais de 50% da produção total colhida para o mercado.
Tabela 1.5.6 - Número de estabelecimentos, área e valor bruto da produção
Familiares por Grau de Integração no Mercado
Estabelecimentos
Área Total
Valor Bruto da Produção
Categorias
Número
%
Hectares
%
1000 Reais
%
Total Familiar
734
100
15.320
100
3.950
100
Muito Integrado
409
55,7
9.794
63,9
2.551
64,6
Integrado
248
33,8
4.649
30,3
954
24,2
Pouco Integrado
77
10,5
877
5,7
445
11,3
Fonte: Censo Agropecuário 1995/96, IBGE
Elaboração: Convênio INCRA/FAO
9
O Grau de Integração ao Mercado foi obtido pela relação percentual entre o valor da produção vendida e o
valor total da produção colhida/obtida (VBP) do estabelecimento. Seja PERCVEND = % Valor da Produção
Vendida / VBP; tem-se: Muito integrado ao Mercado , PERCVEND > 90%; Integrado ao Mercado, 50%
PERCVEND < 90%; e Pouco integrado ao Mercado, PERCVEND < 50% (Cardim & Guanziroli, 2000).
39
As relações mantidas pela agricultura familiar em Santo Antônio de Pádua com os
mercados dos seus produtos, geralmente o-se através de vínculos com cadeias integradas
(nacional), das quais participam mais corriqueiramente a cooperativa e a intermediação
mercantil. É importante ressaltar aqui que os agricultores familiares do município também
mantêm relações mais diretas (através de vendas de porta-em-porta ou exposição de
produtos para venda direta ao consumidor), no entanto, estes vínculos não são sistemáticos,
não constituindo ainda, portanto, um circuito regional organizado (Maluf, 2002b).
1.6 – Uma Agricultura que está Longe de Desaparecer
Neste capítulo, buscamos apresentar o município sobre o qual se debruçará a
pesquisa através de uma rápida reconstituição do seu processo de formação, atentando para a
forte relação que a sociedade e a economia de Santo Antônio de Pádua têm com os ciclos
agrícolas pelos quais passou a agricultura municipal ao longo do seu processo de
desenvolvimento. Nesse sentido, a própria formação do município teria se dado com uma
forte ligação com a agropecuária, de modo que a fundação da cidade dá-se
concomitantemente com a transferência do ciclo cafeeiro para o Noroeste do Estado, ainda
no final do Século XIX.
Em Santo Antônio de Pádua, de toda a sua extensão territorial, cerca de 50% das
terras é ocupada por estabelecimentos rurais, onde a maioria das famílias desempenha
alguma atividade agrícola. Sua estrutura fundiária é composta por estabelecimentos
familiares de pequenas extensões, a maioria detentora de baixos níveis de renda, com baixo
índice de mecanização e diversificação produtiva e que vivem praticamente da pecuária
leiteira e do cultivo do tomate. Por outro lado, a agropecuária é no município o setor
responsável pela maior parte das ocupações dos chefes de família, ficando até mesmo à
frente das atividades ligadas co comércio e serviços.
Todavia, a despeito da crise pela qual a agricultura vem passando (quedas de preços,
acelerado êxodo rural e degradação ambinetal), observa-se a incidência de novas dinâmicas
nas áreas rurais do município que podem vir a representar novas formas de inserção dessas
áreas na economia municipal, consubstanciadas: no aumento das atividades não-agrícolas;
na emergência de novas ‘formas’ de agricultura, pautadas em práticas ecológicas e mais
aproximadas de um ‘saber camponês’, como os orgânicos e a produção familiar mais
diversificada; maior visibilidade de atividades ligadas ao turismo rural e ao artesanato; e
num aumento da participação de produtos mais diferenciados que os produtos tradicionais
(leite, tomate e arroz) como a piscicultura, a apicultura, ovino e caprinoculturas, entre
outros.
Tendo em vista esse contexto de mudanças e de emergência de novos debates,
especialmente aqueles relacionados ao desenvolvimento rural, partimos para o segundo
capítulo, onde pretendemos, a partir da óptica da multifuncionalidade da agricultura analisar
a agricultura familiar em Santo Antônio de Pádua e o seu papel no processo de
desenvolvimento do município. Acreditamos que a noção de multifuncionalidade da
agricultura poderá enriquecer essa análise, contribuindo com a aproximação das estratégias
de desenvolvimento rural dos princípios consubstanciados no enfoque territorial do
desenvolvimento.
40
CAPÍTULO II
DESENVOLVIMENTO RURAL, TERRITÓRIO E A
MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA
2.1 - Do Desenvolvimento Agrícola ao Enfoque Territorial do Desenvolvimento Rural
O meio rural é uma categoria histórica que se transforma e modifica juntamente com
os processos sociais, políticos, econômicos e culturais que se desenrolam no caminhar das
sociedades. Entender, logo, o papel atribuído ao meio rural, bem como suas possibilidades
de desenvolvimento requer que seja realizada uma leitura ampliada do caminho que essas
mesmas sociedades traçaram ao longo do seu desenvolvimento. A análise do rural e das
‘visões’ acerca do papel do meio rural ao longo da História serão apreendidas se
analisadas em relação ao urbano e aos ‘modelos’ de desenvolvimento que guiam essas
mesmas sociedades (Wanderley, 2001)..
A revolução industrial e o fortalecimento do capitalismo modificam as dinâmicas das
sociedades ocidentais e trazem consigo uma série de transformações espaciais, sociais e
econômicas. Neste período, observa-se o progressivo deslocamento do eixo dinâmico das
economias européias do campo para a cidade, com o correspondente esvaziamento das
atividades primárias frente ao crescimento das atividades secundárias.
O desenrolar desses processos alcançaria seu ponto máximo com o fordismo, modelo
industrial que se caracterizava pela ênfase nas grandes plantas industriais, nos ganhos de
produtividade e na exploração de economias de aglomeração. No período pós-Segunda
Guerra Mundial, os princípios que dirigem o desenvolvimento econômico são pautados na
formação de grandes mercados consumidores, nos ganhos em economias de escala e numa
certa padronização dos produtos. O reflexo desses princípios nas áreas rurais, cada vez mais
subordinadas aos mercados urbanos, dava-se através de altas taxas de mecanização na
agricultura e da especialização da produção, sob as mesmas diretrizes de eficiência e
produtividade que norteavam a produção industrial.
É o período de vigência e maior destaque do modelo de desenvolvimento pautado na
industrialização e na urbanização, que colocava o aumento da produtividade no papel de
principal meta de desenvolvimento a ser alcançado, até então sinônimo de crescimento
econômico. Ao campo, então, era delegado o papel de dar suporte ao acelerado crescimento
industrial e urbano através do fornecimento de grandes quantidades de alimentos para o
proletariado urbano-industrial que crescia, fornecer cotas elevadas de matérias-primas para o
abastecimento das indústrias, ‘liberar’ mão-de-obra, elevar as exportações agrícolas e
transferir renda real para o setor urbano.
41
Nesse enfoque, o desenvolvimento rural era tido como sinônimo de desenvolvimento
agrícola, através de uma estratégia de modernização da agricultura cujo maior retrato é a
reprodução da aplicação de ‘pacotes tecnológicos’ da Revolução Verde. A “modernização”,
nesse aspecto, pautava-se no crescimento da produtividade através do aumento correlato no
uso de máquinas e equipamentos agrícolas, de insumos químicos (defensivos, adubos,
fertilizantes), no aumento do uso de combustíveis e na progressiva especialização através do
modelo monocultor, mas com pouca (ou nenhuma) atenção voltada para a sustentabilidade.
Em consonância com a ‘ideologia’ urbano-industrial de modernização, o maior
dinamismo da agricultura passava pela ‘modernização’ das grandes propriedades e
transformação dos grandes proprietários em empresários rurais e fazendeiros modernos.
Como visto, é justamente nesse período em que se a formação da imagem da agricultura
moderna, associada a grandes monoculturas mecanizadas, de forma que em contrapartida a
agricultura de base familiar, se aproxima cada vez mais da imagem de atraso, permanecendo
à margem do processo de modernização.
No que concerne aos instrumentos de desenvolvimento rural pautados nessa mesma
lógica, a idéia que os regia era a elevação dos níveis de mecanização e de produtividade.
Mesmo naqueles instrumentos que visavam atuar sobre a pobreza rural estava presente esse
viés produtivista. Essas estratégias de ‘modernização’ da agricultura pautavam-se na
adaptação e na transferência de tecnologias típicas da Revolução Verde para as unidades
familiares agrícolas, com o intuito de gerar um incremento na produtividade do trabalho e de
suas receitas (Berdegué et al., 2003).
Seus principais instrumentos eram os projetos organizados em torno do crédito, da
assistência técnica (que deveria ‘orientar’ a aplicação desses créditos no processo de
modernização) e de algumas ações pontuais em educação, saúde e infra-estrutura. O crédito
ganhava papel central na medida em que representaria a eliminação das restrições nos
processos de adoção desses pacotes tecnológicos pelos pequenos produtores. E a extensão
técnica, por sua vez, tinha um caráter convencional com uma orientação voltada para a
maximização dos rendimentos e da produção física, lógica produtivista que na prática se
chocava freqüentemente com a lógica de reprodução social da família rural, que nem sempre
contém uma lógica puramente econômica.
Esse modelo de desenvolvimento, contudo, começa a apresentar sinais de crise no
final do século XX. Isso ocorre principalmente nos países centrais, como fruto do aumento
das preocupações ambientais e sociais em torno das conseqüências que a implantação desse
modelo representou nas respectivas sociedades. Dessa forma, cada vez mais eram
questionadas as vantagens dos grandes níveis de produtividade alcançados através da
implantação desse modelo de agricultura ‘modernizada’ vis a vis seus custos sociais,
ambientais e culturais.
De um modo geral, pelo lado ambiental, cresciam as preocupações em torno das
mazelas do modelo monocultor sobre os ecossistemas onde eram implantados. Nesse
sentido, chamava-se atenção para os casos de deterioração dos ecossistemas locais fruto do
aumento tanto da miséria rural, observada naqueles espaços que não conseguiram se ‘inserir’
no novo padrão tecnológico, quanto do uso de insumos químicos e mecânicos naqueles
espaços em que a modernização se deu de maneira completa. Pelo lado social e cultural,
pesavam os impactos decorrentes do caráter altamente extensivo dessa agricultura, que
acabava elevando o êxodo rural, e se refletindo na superconcentração populacional nos
centros urbanos (desemprego rural e urbano, aumento da pobreza). Essas preocupações se
42
acentuam na medida em que o mercado de trabalho citadino chega a um determinado ponto
de saturação em que não consegue mais absorver a oferta de mão-de-obra proveniente do
campo, principalmente nos setores em que se necessita de uma menor qualificação
profissional. Por outro lado, no campo, juntamente com a rarefação populacional observa-se
um progressivo esvaziamento do conjunto de suas representações sociais e identidades, bem
como de seu patrimônio cultural (Wanderley, 2000; Veiga, 2001).
Chega-se num período de esgotamento do modelo fordista de crescimento
econômico, materializado principalmente na saturação dos mercados consumidores e na
acentuação de mudanças na demanda, que não mais era satisfeita através de produtos
padronizados (Wilkinson, 2003). A substituição desse modelo, por sua vez, dá-se num
cenário de revolução tecnológica, com o crescimento e a valorização crescente das
tecnologias da informação. A velocidade nas transações e nas formas de comunicação acaba
determinando um processo de compressão do tempo-espaço, remodelando toda a base
material sobre a qual nossa sociedade se assentava.
Nesse cenário, as economias mundiais se tornam mais interdependentes, ao mesmo
tempo em que as formas tradicionais de relação entre Estado, sociedade e a economia são
modificadas. O final da Guerra Fria e o fim da ameaça de um mundo comunista, por sua
vez, alteram a geopolítica global, determinando a emergência de novas formas de
articulação da potência hegemônica com o resto do mundo. O próprio sistema capitalista,
nesse sentido, passa por um profundo processo de reestruturação, caracterizado pelo
aumento dos sistemas de acumulação pautados na flexibilidade. A crescente integração das
economias nacionais eleva a turbulência dos mercados, reduz o ciclo de vida dos produtos e
torna inviáveis os custos ligados às formas inflexíveis e centralizadoras do modelo fordista,
criando um novo ambiente cada vez mais competitivo e onde não basta mais se basear
apenas em ganhos de escala (preço). A qualidade, nesse novo cenário, juntamente com a
capacidade de inovação impõe-se como critério absoluto para a sobrevivência nos mercados.
Na América Latina, presencia-se um momento de desmantelamento das ditaduras
militares, com o fortalecimento e diversificação dos canais democráticos. Por outro lado, é o
período também (logo após a crise internacional da década de 1980) em que cresce a
influência da retórica neoliberal nesses países, consubstanciada no receituário do Consenso
de Washington de John Williamson. Uma das principais influências desse novo consenso era
a busca da estabilidade econômica através de ajustes macroeconômicos, pautados
principalmente na perseguição de metas inflacionárias e de superávits primários, no ajuste
fiscal e na redução do aparato estatal. Nesse sentido, de uma maneira geral, uma retirada
da ão governamental maciça da esfera produtiva e regulamentadora, através de
privatizações e um aumento nas parcerias público-privadas, de modo que a presença do
Estado se daria naquelas áreas em que a produção de bens públicos não poderia ser
realizada por agentes privados. Acentuam-se, assim, as reformas do Estado em direção a
uma maior descentralização na gestão dos recursos e na implementação de instrumentos de
políticas públicas, aumentando a participação na gestão e implementação de políticas da
esfera local.
No período observa-se uma retirada e um esvaziamento do debate em torno do
desenvolvimento rural, com a eliminação do tema da pobreza rural das principais agendas
das agências multilaterais. Nos organismos que continuaram a trabalhar pelo
desenvolvimento rural, principalmente organizações não-governamentais, observa-se uma
mudança no foco de análise de seus projetos, que deixam de se focar nas transformações
‘para dentro da porteira’ e se aproximam mais das comunidades envolvidas. Sob o enfoque
43
comunitário, cada vez mais os projetos de desenvolvimento rural passaram a incorporar a
participação social como elemento central. A consideração da participação social permite
uma mudança na lógica dos projetos implementados. Se antes eles eram interpretados como
organizações produtoras de bens e serviços que levariam o desenvolvimento às famílias
rurais, agora eles passam a ser apreendidos como mecanismos catalisadores de processos
que se desenrolam nessas mesmas áreas e que podem fomentar o desenvolvimento. Nessa
visão, os agentes sociais ganham uma posição de participantes ativos na elaboração e
implementação dos projetos (Berdegué et al., 2003).
As estratégias de desenvolvimento das famílias rurais, sob essas novas regras de
funcionamento do Estado e da economia, não se pautam mais na ‘modernização’ da
agricultura familiar e aumento da produtividade, sob a adaptação de pacotes tecnológicos. A
nova ordem agora é a implementação de projetos que permitissem o aumento da
competitividade dos produtos dessas famílias nos mercados, pautados na qualidade desses
mesmos produtos e não no preço. A conseqüência direta dessa mudança de enfoque é que os
processos de transformação produtiva operados no âmbito das famílias rurais passem a ser
determinados, não pelas condições de oferta somente, mas principalmente pelas condições
de demanda de mercado. O maior desafio a ser transpassado nessa etapa são as condições de
acesso aos mercados e as formas mais competitivas de produção mercantil. Reduz-se nas
estratégias de desenvolvimento rural, em contrapartida, a importância relegada à produção
voltada para o autoconsumo. Ganham destaque, por sua vez, as atividades de
processamento, agregação de valor e fomento de uma produção familiar com uma visão
mais ‘empresarial’. Nesse momento, passam a ser reconhecidas como importantes
estratégias de reprodução social das famílias rurais as atividades rurais não agrícolas.
O reconhecimento dessas relações estabelecidas entre as áreas rurais e os centros
urbanos seja sob a forma de inserção produtiva ou no mercado de trabalho, favorecem o
descolamento do desenvolvimento rural do desenvolvimento agrícola, que passa agora a
corresponder a apenas uma dimensão do processo de desenvolvimento rural. Nesse sentido,
os projetos de desenvolvimento rural passam a incorporar novas estratégias, pautadas na
modernização dos mercados rurais, institucionalização de feiras ao ar livre, a estabelecer
relações e contratos diretos com comerciantes e agroindústrias ou com outros provedores de
serviços, a investir em atividades rurais não agrícolas entre outros.
Ao mesmo tempo nesse período, cresce o debate e a influência nas organizações
internacionais dos estudos sobre os distritos industriais
10
, o que acabaria por determinar a
valorização dos temas de natureza territorial no debate acerca dos processos de
desenvolvimento. O resultado mais direto desses trabalhos seja sob a forma de distritos
industriais, seja sob a forma de sistemas produtivos locais ou clusters foi o reconhecimento
da importância de fatores sociais e culturais, historicamente determinados, ao lado dos
fatores técnicos e econômicos. As referências básicas desta retomada, por sua vez, não
foram as conhecidas teorias da localização baseadas na oferta e mobilidade de fatores
produtivos, mas as externalidades positivas que as aglomerações eram capazes de produzir
e que até então não eram reconhecidas ou valorizadas (Abramovay, 2003).
10
Ainda no Século XIX, Alfred Marshall havia escrito sobre os distritos industriais, segundo o autor, tais
distritos seriam mais que aglomerações de setores economicamente correlatos, principalmente por conterem
um fator intangível. Uma certa ‘atmosfera’ industrial que se materializava sob a forma de difusão maior de
conhecimentos; desenvolvimento de máquinas especializadas; e a criação de um importante mercado local de
empregos (Abramovay, 2003).
44
Algumas vertentes desse novo debate agregavam esses fatores culturais na noção de
capital social, que ganha maior destaque nas discussões sobre desenvolvimento a partir das
pesquisas de Robert Putnam. Tal noção se referia a um complexo de instituições, costumes e
relações de confiança que geram um ambiente favorável ao empreendedorismo e à
cooperação e, assim, ao maior dinamismo econômico (Veiga, 2003). O capital social passa a
ser o ‘core’ dos processos de dinamização econômica e desenvolvimento.
A principal questão em torno do desenvolvimento passa então a ser a criação de
condições para o fortalecimento do capital social que permitam a emergência e a
combinação de três fatores: a concorrência e a cooperação; o conflito e a participação; e o
conhecimento local e prático com o conhecimento científico (Veiga, 2003). O
desenvolvimento ganha o caráter de ser fruto do papel catalisador de um projeto elaborado
pelos próprios atores locais e não uma força exógena.
Ganha ênfase então a noção de desenvolvimento local, destacando abordagens que
enfatizam o papel de fatores endógenos e que colocam as iniciativas locais como elementos
centrais nesse processo. Essa perspectiva implica que se tenha uma visão mais ampla e
relacional dos espaços, das atividades econômicas e dos agentes sociais e políticos a serem
considerados no processo de desenvolvimento rural e de superação da pobreza.
Um dos pontos mais importantes da abordagem do desenvolvimento local é se pensar
o meio rural a partir da sua relação com o seu entorno, ou seja, que os fluxos com as cidades
e centros urbanos mais próximos sejam considerados como oportunidades para se pensar o
desenvolvimento rural. Nesse período, e muito como fruto das mudanças pelas quais passou
o sistema capitalista e da saturação dos mercados consumidores para produtos padronizados,
o rural passa a ser reconhecido de ‘detentor’ de atributos que não se resumiam mais apenas à
dimensão produtiva (como o era durante a vigência do modelo urbano-industrial).
Essa dimensão produtiva, ainda que esta permanecesse importante, ganha agora uma
nova ‘roupagem’, se ancorando em produtos com maior diferenciação e com maior
agregação de valor no lugar da padronização outrora demandada (na esfera produtiva cada
vez mais é valorizada a qualidade em detrimento à produtividade e à produção a baixos
custos). São valorizados também nesse período aspectos como: a qualidade de vida (o meio
rural cada vez mais era buscado como área de residência ou segunda residência em
detrimento aos grandes centros); a preservação ambiental; o fato de ser portador de valores
culturais e sociais importantes (dentre eles cresce a demanda e o mercado por produtos que
carregam a ‘qualidade’ de serem artesanais ou tradicionais); entre outros (Wanderley, 2001).
No entanto a idéia de se pensar o desenvolvimento local logo apresentou
limitações
11
. Uma das principais críticas ao ‘desenvolvimento local’ nessa época era o
perigo de que essa abordagem se limitasse a simples agregação de programas, sem a
existência de uma estratégia que ligasse todas essas iniciativas em um projeto coletivo
que pudesse de fato mobilizar o conjunto das comunidades.
As dificuldades em se articular as esferas urbano/rural, regional/local, bem como as
respectivas políticas que se destinavam em diferentes áreas num projeto de
11
Um dos fatores que fez brotar no interior da OCDE a idéia de juntar sob o lema do ‘desenvolvimento
territorial’ seus núcleos voltados aos problemas urbanos, rurais e regionais foi a avaliação de mais de um
decênio de experiência com o programa dedicado à geração de empregos mediante o estímulo ao
‘desenvolvimento local’, que havia sido criado em 1982 e atualmente se denomina LEED (Local Economic
and Employment Development).
45
desenvolvimento, logo fez com que a Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) agrupasse esses quatro núcleos em um único Serviço de
Desenvolvimento Territorial. A preocupação central era entender como políticas de
diferentes cleos relacionados ao espaço poderiam efetivamente contribuir para reformas
estruturais e para o funcionamento das forças de mercado e, particularmente, para a
capacidade de geração de empregos produtivos, para o adequado aproveitamento de recursos
humanos, para a prevenção contra marginalidade social e a degradação ambiental, para a
melhoria do padrão e qualidade de vida entre outros.
O principal desafio era que o desenvolvimento local fosse pensado de forma
integrada em todas as escalas, sejam elas localidades, cidades e/ou regiões. Sejam elas
urbanas, suburbanas ou rurais. Dois princípios principais norteavam essa abordagem
integrada do desenvolvimento. O primeiro destacava a interdependência dessas esferas como
elemento central, destacando a necessidade de uma abordagem política coordenada que
pudesse integrar o conjunto dos aspectos relacionados ao desenvolvimento (reconhecimento
de que um fenômeno em uma determinada área poderia determinar o caminho de outra área
ou gerar oportunidades para explorar os efeitos de proximidade). O segundo se referia à
preocupação quanto ao desenvolvimento harmônico do tecido econômico como importante
meta a ser perseguida, valorizando ações que visavam a encontrar, para uma determinada
zona, um equilíbrio entre o fortalecimento de sua capacidade concorrencial e a melhoria da
qualidade de vida de seus habitantes. Ambos destacavam a importância de criação de novas
formas de parceria entre os atores envolvidos sejam governamentais ou da sociedade civil,
sejam nacionais, regionais ou locais (Veiga, 2003).
É importante destacar que a noção de desenvolvimento territorial, todavia, não anula
as questões pertinentes ao desenvolvimento local, apenas chama atenção para que a
estratégia de desenvolvimento local seja considerada como um complemento do
desenvolvimento regional, no âmbito de uma estratégia mais ampliada baseada no conceito
de desenvolvimento territorial (que traz à tona a necessidade de articulação de políticas
governamentais descendentes com iniciativas de desenvolvimento endógeno).
O território, de acordo com essa nova estratégia se diferencia do simples espaço
social, como um conjunto neutro de fatores naturais e de dotações humanas capazes de
determinar as opções de localização das empresas e dos trabalhadores e passa a englobar
uma dimensão política. O território passa a ser o espaço dominado (politico–ideológicas) e
apropriado (simbólico-culturais), ou seja, o espaço socialmente construído através de
relações sociais que se constituem relações de poder e que lhe dão forma. Isso implica
também em considerar a existência em torno dos territórios de certos e variados modelos
mentais partilhados e comportamentos que formam uma referência social cognitiva
materializada em forma de cultura, hábitos, valores, episódios históricos e num sentimento
de origem e trajetórias comuns.
Para o desenvolvimento, portanto, o fato de considerar o território como invólucro de
um projeto coletivo (que por sua vez é ‘construído’ em cima e através do embate de
múltiplos projetos individuais) que irá ‘nortear’ seus atores sociais em suas ações, implica
em que sejam enfatizados nas estratégias de desenvolvimento aquelas ações que visam a
identificação e valorização de recursos latentes como ‘ativos’ territoriais, especialmente
daqueles com um maior grau de especificidade (de difícil transferência, pois resultam de um
processo de negociação entre atores que dispõem de diferentes percepções dos problemas e
diferentes competências funcionais). Esse processo de especificação de ‘ativos’ será o
principal fator de diferenciação de um território dos demais (Cazella, 2005).
46
Assim, ao mesmo tempo em que avançam as novas tecnologias de informação e
comunicação e amplia-se a mobilidade dos fatores econômicos na época contemporânea,
que parecem ‘desenraizar’ os processos, não observamos um afastamento do
desenvolvimento do tema espacial, pelo contrário. Nessa abordagem ganham destaque maior
as formas localizadas de coordenação e competição entre os diferentes atores sociais que
compõem o território, bem como é sublinhado o papel dos laços não formais e, sobretudo, a
dimensão espacializada dos conhecimentos. A apreensão desse caráter localizado do
conhecimento e da inovação é que atribuem um significado especial às políticas de
desenvolvimento territorial (Abramovay, 2003).
Por outro lado, o reconhecimento do território como resultado de uma construção
social e, portanto, de disputas em torno de diferentes formas de exercício de poder implícito
à abordagem territorial do desenvolvimento, implica em que sejam identificadas as relações
de dominação que acabam se refletindo na sociedade local em exclusões das mais diversas
formas. Assim, é interessante chamar atenção para o fato de que a reprodução da pobreza e
da exclusão pode ser resultado dessas disputas, reservando a apenas uma parcela da
sociedade local (a com maior poder) o privilégio de participação na dinâmica de criação
coletiva do território.
Portanto, sob o enfoque territorial, o reconhecimento da diversidade de percepções e
interesses dos atores locais nessa construção social do território constitui um fator crucial
para a explicação das exclusões, das contradições e dos conflitos, bem como para a
compreensão dos bloqueios das dinâmicas de desenvolvimento na sociedade local. É
importante ter em mente que sem uma base social consistente e real, o desenvolvimento
territorial pode adquirir contornos de um modelo conservador cujas ações são destinadas
àqueles que se encontram integrados na sociedade local. Assim, o primeiro passo para se
entender esses desvios é se admitir a complexidade do social e a divergência de interesses,
concepções e estratégias de atores implicados nas ações formais de desenvolvimento.
Chamamos atenção aqui também para os conflitos, no sentido de encará-los o somente a
partir de uma dimensão negativa, mas entendendo-os como relações que se bem negociadas
ou mediadas podem ser um fator fortalecedor nos processos de socialização, integração
social e coesão social (Cazella, 2005).
No que concerne à dimensão institucional formal e ao papel do Estado, a ênfase no
território também traz implicações, principalmente, no planejamento e nas questões como
hierarquização e descentralização. A primeira implicação é a substituição do planejamento
hierarquizado e centralizado das administrações públicas por um ambiente institucional que
efetivamente reflita o movimento de descentralização das atividades econômicas e do
fortalecimento de organizações da sociedade civil no nível local. A ausência de uma
articulação das administrações públicas com as experiências locais, muitas vezes, leva a uma
lógica em que iniciativas inovadoras locais (fruto de um aprendizado localizado) são
inibidas e que os atores sociais permanecem ‘imóveis’ a espera que o Estado lhes forneça
um conjunto de bens e serviços já prontos (caráter mais assistencialista e não de reversão das
condições de pobreza). Em segundo lugar, muitas vezes um planejamento hierarquizado,
obedecendo à lógica redistributiva em que recursos das regiões mais prósperas são voltados
para estimular atividades econômicas em regiões carentes sem, contudo, realizar mudanças
efetivas e estruturais que visem a amenizar os desequilíbrios regionais (Abramovay, 2003).
Dessa forma, a política territorial de desenvolvimento não consiste mais em
redistribuir recursos e riquezas já criadas e existentes num determinado espaço, mas ao
contrário, visa a despertar os potenciais para a criação de riquezas, iniciativas e novas
47
formas de coordenações no território em questão. E isso, antes de tudo, deve ser o seu
principal fator motivador.
No que concerne ao rural, por sua vez, o enfoque territorial traz uma série de outras
implicações (além das assinaladas anteriormente). O interesse crescente por um enfoque
territorial do desenvolvimento rural surge no bojo de uma série de transformações que
tomam corpo nas sociedades rurais e diante das quais os velhos instrumentais teóricos e
metodológicos não eram mais capazes de responder com eficácia.
Observa-se uma crescente inserção das economias rurais no processo de
globalização, com implicações na formulação e implementação de políticas nacionais.
Sendo assim, as fronteiras e as distinções entre os mercados locais, regionais, nacionais e
globais são suavizados. Nas economias rurais, esse processo de redução das fronteiras é
acompanhado de um processo de transformações radicais nas cadeias agroalimentares, onde
agroindústrias e grupos multinacionais de supermercados passam a desempenhar um papel
dominante na cadeia que lhes permite determinar normas, padrões e práticas de
abastecimento, obrigando os demais atores a se adaptarem a essa nova racionalidade.
Adicionalmente, as sociedades rurais são progressivamente dissociadas do setorial
agropecuário, ao mesmo tempo em que cresce a participação das atividades não agrícolas
nessas economias rurais. A globalização e os processos de privatização que a
acompanharam, principalmente nos países ditos periféricos, tornam mais explícitas as
imperfeições de mercado (financeiro, terra, trabalho, informações), acentuando a
necessidade de reformas institucionais. Por outro lado, observa-se um movimento de
descentralização, colocando os governos locais no papel de protagonistas do
desenvolvimento rural (Berdegué & Schejtman, 2003).
Diante desse quadro de profundas transformações, os velhos enfoques do
desenvolvimento rural não são mais capazes de responder aos atuais desafios que o mundo
rural lhes impõem. Os velhos instrumentais falhavam ao trabalhar e reconhecer o alto grau
de heterogeneidade que caracteriza as sociedades rurais, a pobreza rural, a agricultura
familiar e a pequena empresa familiar não agrícola no período contemporâneo. Essa
deficiência determinou o delineamento de respostas unívocas, incapazes de apreender em
sua integridade os fenômenos, causas e manifestações que envolviam os processos de
desenvolvimento rural. A maioria dessas ações, por conseguinte, apresentava um forte
caráter setorial, ainda que as atividades não agrícolas viessem ganhando importância
crescente nessas economias. Os instrumentos de política convencionais não eram também
capazes de intervir na correção das falhas de mercado, freqüentes no meio rural e que afetam
em maior grau de intensidade os agricultores familiares mais pobres. As ações de
transformação produtiva geralmente eram concebidas desvinculadas de ações mais ampla de
reforma das instituições rurais. Os instrumentos de política e ações específicas para o
desenvolvimento local, por sua vez, dificilmente eram articulados com aqueles inseridos em
instâncias mais macro, da mesma forma que, no nível local, era dificultado também o
reconhecimento do poder que os agentes possuem na determinação de tendências,
oportunidades e restrições que as populações pobres rurais atualmente enfrentam.
Assim, a insatisfação com os enfoques tradicionais abriram espaço para uma série de
formulações estratégicas para reenfocar o desenvolvimento rural e o combate à pobreza, o
que de uma forma geral determinou o avanço em direção a uma proposta de
desenvolvimento territorial. O desenvolvimento territorial rural representa, assim, o
processo de transformação produtiva e institucional em um espaço rural determinado cujo
fim é reduzir a pobreza rural. A transformação produtiva tem o propósito de articular
48
competitiva e sustentavelmente a economia do território a mercados dinâmicos. o
desenvolvimento institucional teria o propósito de estimular e facilitar a interação e a
concertação dos atores locais entre si e os agentes externos e de incrementar as
oportunidades para que a população como um todo participe do processo e dos seus
benefícios gerados (Berdegué & Schejtman, 2003).
Nesse novo enfoque, se rompe de vez com a visão tradicional que associava o meio
rural unicamente ao caráter setorial e agropecuário, abarcando todas as atividades que são
realizadas nos limites do território em questão, sejam agrícolas ou não. Trata-se assim, de
promover todas aquelas atividades, tangíveis ou não, que sejam economicamente rentáveis
ou que gerem ‘externalidades positivas’ e/ou ‘amenidades’ capazes de se tornar uma
vantagem comparativa e que possam fomentar o projeto de desenvolvimento do território.
Por outro lado, trata-se também de que sejam consideradas as diversas de estratégias de
reprodução social e econômica utilizadas pelas famílias rurais e que diferem da agropecuária
(ainda que essa permaneça central principalmente pela parcela da produção familiar
destinada ao autoconsumo).
Pressupõe também que o meio rural seja visto de forma integrada com o seu entorno.
Sendo assim, ainda que esteja presente nas estratégias de desenvolvimento a ênfase no seu
caráter endógeno, o enfoque territorial requer que sejam considerados, em conjunto, os
determinantes exógenos do desenvolvimento e que resultam da importância e da valorização
que o conjunto da sociedade nutre pela produção e pelo patrimônio natural e cultural de seus
espaços rurais (Veiga, 2003).
Adicionalmente, o desenvolvimento rural com o enfoque territorial requer que as
estratégias de ação entendam que a transformação produtiva e o desenvolvimento
institucional devem ser abordados de forma simultânea e articulada. Ambas as dimensões
são fundamentais para a superação da pobreza. A transformação produtiva isolada quando é
excludente (e não encontra as instituições necessárias para a garantia da distribuição dos
benefícios de um processo de crescimento econômico) tem poucas influências na
consolidação de um processo de desenvolvimento que contemple a totalidade da população.
Assim, é importante ter em mente que a competitividade, as inovações tecnológicas, a
construção de vínculos com mercados dinâmicos e as relações urbano-industriais são
impensáveis sem contratos, redes que permitam o acesso a conhecimentos e habilidades,
alianças entre agentes que se complementam em torno de um objetivo partilhado ao longo
da cadeia produtiva e espaços de concertação público-privados.
As estratégias de desenvolvimento rural precisam reconhecer também a diversidade
de agentes constituintes do território. As respostas convencionais nas políticas de superação
da pobreza sempre tiveram como ‘carro chefe’ a focalização, entendida como garantia e
asseguramento de que somente as camadas mais pobres teriam participação nos recursos e
ações do programa. No entanto, nem sempre esses segmentos mais vulneráveis conseguem
sozinhos despertar capacidades e competências a partir de sua própria organização. Assim, é
importante o reconhecimento de que em muitos casos haveria outros determinantes do
desenvolvimento que não apenas ações focadas nas camadas mais vulneráveis da população
como aquelas que visam ao estabelecimento de relações (econômicas, sociais) dessas
camadas com outros agentes econômicos e sociais (Berdegué & Schejtman, 2003).
E, por fim, que as estratégias de desenvolvimento rural sob o enfoque territorial se
afastem definitivamente da aplicação de modelos padronizados que deveriam ser aplicados
por igual em qualquer situação ou lugar. Nessa nova abordagem, observa-se um crescente
49
esforço em incentivar e promover a flexibilidade, a adaptabilidade nas condições locais e a
execução de respostas diferenciadas a cada realidade (Berdegué et al., 2003).
2.2 - A Multifuncionalidade da Agricultura e o Desenvolvimento Territorial
Como visto, o enfoque territorial do desenvolvimento traz uma rie de implicações
para o delineamento de estratégias de desenvolvimento rural, tornando-as cada vez mais
complexas. Destacamos aqui que embora consideremos que o meio rural na época
contemporânea vem se afastando cada vez mais de uma definição setorial e que
reconheçamos a importância crescente das atividades não agrícolas nas economias rurais,
entendemos que a agropecuária exerce papel central na dinâmica das famílias rurais,
especialmente nas áreas mais pobres, sendo central o enfretamento dos seus problemas e
gargalos ao se pensar o desenvolvimento seja do estado (RJ) seja do país.
No que concerne às estratégias de reprodução econômica e social das famílias a
agropecuária se revela como uma importante atividade econômica, especialmente se nos
referimos àquelas famílias rurais que se encontram em situações mais vulneráveis, ou seja,
as mais pobres, geralmente detentoras de níveis inferiores de educação formal e com
menores oportunidades. Assim, na maior parte das áreas rurais pauperizadas, sobretudo no
Brasil, a agropecuária, ainda que venha perdendo espaço frente às atividades não agrícolas
nas últimas décadas, segue como um importante setor absorvedor de mão-de-obra, o qual
exige menores níveis de qualificação, contribuindo para reduzir o êxodo rural. Nas
estratégias de redução da pobreza, por sua vez, a agropecuária ganha relevância pela
produção voltada para autoconsumo e por questões relacionadas à garantia da segurança
alimentar. Por outro lado, é através da agricultura que se contornam e definem as
identidades sociais dessas famílias rurais, bem com as formas de sociabilidade rural.
Também crescem as preocupações com os resultados do padrão de desenvolvimento
urbano-industrial, especialmente face às suas altas exigências produtivas e aos seus efeitos
ambientais degradantes, o que de certa forma reaviva o debate a respeito das ‘funções’ a
serem preenchidas pela agricultura na sociedade. No que concerne ao desenvolvimento
econômico brasileiro, é crescente o reconhecimento do bom desempenho da agricultura
especialmente no tocante à geração de alimentos e matérias-primas, na liberação de mão-de-
obra para as atividades urbano-industriais e na criação de um mercado rural de massa. No
entanto, ao mesmo tempo em que cresce o reconhecimento do cumprimento do papel da
agricultura no processo de desenvolvimento industrial brasileiro, cresce também a
conscientização do papel central e ativo do modelo de agricultura adotado em nosso país na
definição da estrutura atual do campo brasileiro, de alta concentração de renda e de terra.
Com base nessas considerações, partimos nesse trabalho da hipótese de que a óptica
da multifuncionalidade da agricultura se aplicaria como um bom referencial analítico para se
repensar a agricultura e suas relações nas dinâmicas de desenvolvimento das áreas rurais
brasileiras (sob o enfoque territorial), especialmente naquelas em que a agricultura familiar
encontra maiores obstáculos à superação da pobreza.
A noção de multifuncionalidade da agricultura é a abordagem que a apreende dentro
de um contexto multidimensional, considerando em sua análise, as múltiplas dimensões que
a produção agrícola determina (e que devem ser consideradas e promovidas) e que, muitas
vezes, são obscurecidas diante do peso que recebe nas análises tradicionais a dimensão
econômica. Procura destacar e realçar outros ‘papéis’ que os agricultores desempenham,
além da ‘função’ primária de produção bens mercantis, e que são importantes ao se pensar o
50
desenvolvimento, como a preservação ambiental, a manutenção do tecido social e cultural
das áreas rurais, a garantia da segurança alimentar da sociedade, entre outros. Entretanto, é
importante ressaltar aqui que a sua adoção não significa o descarte, de suas estratégias de
desenvolvimento, do estímulo à produção mercantil de base familiar, pelo contrário, a
produção agrícola mercantil ainda ocupa um papel relevante na superação dos quadros de
pobreza em que se encontra a maioria das famílias rurais.
A noção de multifuncionalidade da agricultura tem origem nos debates internacionais
políticos, principalmente no âmbito da União Européia e da OMC, e muito recentemente
é incorporada ao discurso brasileiro. Sua primeira emergência no cenário internacional dá-se
em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (RJ). Seu
debate se inseria dentro do quadro das discussões sobre a concepção do desenvolvimento
sustentável no âmbito da agricultura e do meio rural, e era uma reação às conseqüências
econômicas, sociais e ambientais da Revolução Verde nos países ditos desenvolvidos. A sua
promoção respondia a um conjunto de debates que contestavam o modelo produtivista
agrícola, seus custos (excedentes) e suas externalidades negativas crescentes, ao mesmo
tempo em que enfatizava questões da segurança alimentar e de degradação dos recursos
naturais. Volta a aparecer somente depois, em 1993, dentro do cenário europeu, num esforço
de harmonização das legislações agrícolas dos países da União Européia em torno da
construção de uma noção de agricultura durável.
É na França, contudo, que as discussões sobre a multifuncionalidade da agricultura
provocam um impacto maior. A disseminação do modelo produtivista de modernização da
agricultura, naquele país, garantira a segurança alimentar interna e uma posição
extremamente favorável no mercado internacional. No entanto, este mesmo modelo
provocara, em contrapartida, efeitos negativos: econômico (super-produção), social (redução
dos efetivos agrícolas necessários à consecução de metas produtivas e a expansão de espaços
socialmente vazios ou esvaziados) e ambiental (profundo desgaste dos recursos naturais).
Isso acabou por provocar a emergência de pressões em favor da redefinição dos
processos de modernização agrícola e dos objetivos efetivos do desenvolvimento rural a
serem perseguidos. Somava-se a isso a existência na França de uma forte articulação dos
agricultores com longa tradição de colaboração com as instituições públicas. O resultado foi
a construção de um campo que, alicerçado em alguns conceitos de profundo rigor teórico,
dentre os quais a noção de multifuncionalidade da agricultura, favoreceu a adoção de
políticas originais e inovadoras e acabou desembocando na redefinição da atividade agrícola
e da própria profissão do agricultor.
Nesse país, de forma generalizada, a nova abordagem da atividade agrícola e suas
funções associadas partiam do estabelecimento de um contrato social
12
, um compromisso
(pacto social) que reconhecia e estabelecia direitos e deveres tanto para os agricultores
quanto para a sociedade.
Essas demandas se expressariam pelo menos em três níveis complementares. Em
primeiro lugar no que se refere ao meio ambiente, assim os agricultores, ao exercerem a
12
Ao buscar adaptar as prestações de serviços da agricultura às exigências da sociedade, a França, recorre a um
instrumento contratual entre os agricultores e o Estado que é o contrato territorial de exploração CTE. Suas
idéias-chave são: ‘processo negociado’ entre os poderes públicos e os agricultores nos marcos de um ‘contrato
social’ entre os rurais e o conjunto da sociedade, com formas contratuais específicas; redução das ‘assimetrias
do mercado’ e as ‘externalidades negativas’ sobre o meio ambiente; e vínculo com um ‘território’ (Maluf,
2002b).
51
atividade agrícola, deveriam assegurar a preservação dos recursos naturais e a conservação
das paisagens. Isso implicava em abandonar as práticas poluidoras e também adotar medidas
positivas de proteção ambiental. Em segundo, quanto ao compromisso com a qualidade dos
produtos. Os consumidores deveriam ter confiança (e garantias) na qualidade dos alimentos
que adquiriam dos agricultores. Somado a isso, cada vez mais crescia a demanda por
produtos associados a valores específicos (localidades, tradições, processos de produção
técnica etc). E, finalmente, em terceiro lugar, considerava-se o papel central dos agricultores
nos processos de ocupação e dinamização dos espaços rurais. Rejeitando o esvaziamento e o
abandono de vastas áreas rurais, a sociedade esperava dos agricultores, tradicionais
portadores da tradição local, a manutenção do mundo rural e de seu tecido social. Enfim, a
noção reivindicava que outras dimensões fossem incorporadas à análise da agricultura e do
desenvolvimento rural (como a segurança alimentar, a manutenção da paisagem e do tecido
social, a qualidade) em detrimento do foco único na produtividade agrícola e na eficiência.
Assim, de uma forma generalizada, em nossa proposta de incluir a
multifuncionalidade da agricultura no desenho de estratégias de desenvolvimento rural sob o
enfoque territorial, cremos que estaremos contribuindo com a tomada de um ‘novo olhar’
sobre a agricultura familiar e suas relações nas dinâmicas de desenvolvimento local,
possibilitando, por um lado, analisar a interação das famílias rurais com o território e com a
sociedade na sua integridade e não apenas nos seus componentes econômicos; e por outro, a
incorporação nessas estratégias da provisão de bens públicos por parte desses agricultores,
que até hoje não são reconhecidos (relacionados com o meio ambiente e com o patrimônio
cultural das comunidades rurais no Brasil).
Em consonância com o enfoque territorial do desenvolvimento, portanto, a análise da
agricultura através da óptica multifuncional possibilitaria a apreensão da atividade agrícola
em suas relações com outras esferas sociais e em suas relações com a sociedade como um
todo. Ao direcionar a atenção para o que se chamou de funções ‘não-produtivas´ da
agricultura, ela promoveria também um recorte analítico que foge do recorte setorial e
favorece a formulação de um projeto coletivo ‘localizado’ (nas áreas rurais) que procura
valorizar as potencialidades do território pelos seus habitantes, levando em conta, as inter-
relações dessas áreas com a sociedade como um todo.
Adicionalmente, a difusão da perspectiva de estimular as várias contribuições da
agricultura familiar para o desenvolvimento da sociedade no âmbito social, econômico,
cultural e ambiental (e não apenas produtivo), requer que os projetos de desenvolvimento
levem em conta a unidade familiar rural, ou seja, o estabelecimento agrícola como um todo
no lugar da produção familiar. Assim, não a produção mercantil desempenhada pelas
famílias rurais é levada em conta nas estratégias de desenvolvimento, mas também as
contribuições potenciais (ou realizadas) pela atividade agrícola que são reflexos da
articulação das famílias rurais entre si e com o espaço por elas socialmente ocupado, diga-se
o território ao qual se vinculam e que ajudam a dar forma (Maluf, 2004).
Nesses termos, a abordagem da multifuncionalidade da agricultura caminharia no
sentido de estabelecer um diálogo constante entre as possibilidades de desenvolvimento das
áreas rurais e da sociedade, através da elaboração de um projeto coletivo que levasse em
conta tanto as demandas das famílias rurais quanto as do resto da população.
Adicionalmente, ao eleger como foco de análise a agricultura familiar (como família
de agricultores - em suas complexas relações com a natureza e a sociedade), a noção
privilegia uma visão mais completa da agricultura familiar brasileira, se contrapondo e
52
ampliando os limites da visão tradicional de política pública voltada para esse segmento e
que se prende, de certa forma, à sua dimensão produtiva e que privilegiaria, indiretamente,
apenas aqueles agricultores familiares que apresentam possibilidades de serem incorporados
ao mercado. Esses instrumentos tradicionais, vinculados à produção e geralmente aos
instrumentos de crédito excluiria boa parte das famílias rurais dos benefícios dos programas
governamentais hoje em dia, especialmente aqueles segmentos mais vulneráveis, que
possuem menores áreas de propriedades e capacidade produtiva.
Por outro lado, ainda no que concerne aos instrumentos de política pública, a
multifuncionalidade, assim como o enfoque territorial, favoreceria uma abordagem
integradora de políticas setoriais, pressupondo também a participação efetiva dos atores
sociais em espaços de concertação e de negociação legitimamente reconhecidos e
institucionalmente definidos.
Entretanto, no Brasil, ao contrário da França, o reconhecimento e a valorização das
funções não diretamente mercantis da agricultura ainda encontram-se muito pouco
disseminados e consolidados em nossa sociedade. Como ilustração prática do que falamos
cita-se a pouca preocupação e atenção dada pela opinião pública ao rápido e intenso
processo de abertura de novas fronteiras agrícolas por monoculturas, como a soja no país,
algumas avançando até mesmo sobre a Amazônia. Ou o pouco caso que se faz do papel
social e cultural das famílias rurais, da educação rural e da formação profissional dos nossos
agricultores no desenvolvimento do país.
Num movimento contrário, destacamos que o se trata aqui, de defender um
‘modelo’ de desenvolvimento para o Brasil que se assente unicamente sobre a agricultura ou
os agricultores familiares. Nem de efetivar um discurso de desconsideração e minoração do
agronegócio, de sua produção ou da sua importância no balanço de pagamentos brasileiro.
Pelo contrário. Pretende-se apenas contribuir com a discussão sobre a superação da pobreza
no Brasil e a necessidade de tomada de medidas que reduzam a concentração de terra e de
renda no país, e que atualmente acabam mantendo-o na posição de um dos mais desiguais do
mundo. Visto isso pretendemos tão somente contribuir com o desenho de uma ‘forma’
alternativa para o mundo rural brasileiro que privilegie o desenvolvimento e não apenas o
crescimento econômico, abrindo espaço e assegurando as condições necessárias para que
outros atores sejam privilegiados, sem abdicar de objetivos como uma maior diversificação
produtiva, emprego de tecnologias compatíveis com o meio ambiente e a redução da
desigualdade social.
Para incorporar essa noção à nossa realidade, levando em conta as nossas
particularidades (de imensa desigualdade social e pobreza) optamos por traçar o mesmo
caminho seguido pelo trabalho “Estratégias de desenvolvimento rural, multifuncionalidade
da agricultura e a agricultura familiar: identificação e avaliação de experiências em
diferentes regiões brasileiras” (Carneiro & Maluf, 2003). A equipe de pesquisa, ao analisar
as diversas formas de expressão da agricultura familiar nas áreas rurais brasileiras,
identificou quatro ‘papéis’ principais, cujo grau de manifestação variaria de acordo com as
características particulares de cada contexto-social ou território. Serão essas mesmas quatro
funções que nortearão nossa análise nesse trabalho. São elas:
Dinâmica reprodução socioeconômica das famílias: diz respeito à geração de
trabalho e renda que permita às famílias rurais manterem-se no campo em condições dignas,
função central num contexto em que o desemprego é elevado. É importante ressaltar que a
agricultura continua a desempenhar papel central na reprodução econômica e social das
53
famílias rurais no Brasil, apesar de que, para a maioria delas, sua contribuição menos
importante venha sendo a renda monetária obtida com a produção agrícola mercantil ou
própria.
Promoção da segurança alimentar da sociedade e das próprias famílias rurais:
envolve a produção para o autoconsumo familiar e também a produção mercantil de
alimentos, bem como as opções técnico-produtivas dos agricultores e os canais principais de
comercialização da produção.
Manutenção do tecido social e cultural: esse campo se refere à preservação e ao
melhoramento das condições de vida das comunidades rurais, levando em contas os
processos de elaboração e legitimação de identidades sociais e de promoção de integração
social.
Preservação dos recursos naturais e da paisagem rural: essa dimensão foi
observada tendo como referência o uso dos recursos naturais, as relações entre as atividades
econômicas e a paisagem, e a preservação da biodiversidade.
2.2.1 - A Reprodução
13
Socioeconômica das Famílias
Diz respeito às fontes geradoras de ocupação e de renda para os membros das
famílias rurais, suas condições de permanência no campo, as práticas de sociabilidade, as
condições de instalação dos jovens e as questões relativas à sucessão do chefe da família
(Carneiro & Maluf, 2003).
Como vimos, a agricultura ocupa um importante papel no município de Santo
Antônio de Pádua, na medida em que se trata do setor que mais gera empregos na economia
municipal. Por outro lado, vimos também que a crise pela qual passa a agricultura no
município (baixos preços) reside, ao lado da precariedade dos serviços públicos, como
principal causa para o deslocamento das famílias rurais de Santo Antônio de Pádua para a
cidade. A criação de melhores condições para o exercício da agricultura, portanto,
representaria não apenas a ampliação da renda das famílias rurais, mas a possibilidade de
permanência de boa parte delas no campo, evitando a transferência da unidade familiar para
a área urbana.
Nessa direção, a ampliação dos serviços básicos e a melhoria da infra-estrutura
figuram, também, como elementos centrais, na medida em que surtiriam efeitos, tanto, na
ampliação da qualidade de vida das famílias rurais, quanto na facilitação do próprio
exercício das atividades não agrícolas e agrícolas que são realizadas no meio rural.
A falta de energia e de estradas vicinais em boas condições atrapalha bastante a
produção familiar da região, elevando seus custos. Em dias de chuva, os agricultores
precisam pagar serviços de trator (R$ 50,00 a hora) para tirar a produção de sua propriedade
e vendê-la, pois as estradas (cheias de barro) impossibilitam a locomoção. Adicionalmente,
quase nenhuma propriedade rural da região possui telefone. Segundo entrevista de um
criador de ovinos do município, o telefone (que ele teve que comprar a um preço elevado
por não estar disponível para sua propriedade) adquiriu importância fundamental na
13
Reprodução aqui definida o somente a partir da dimensão das necessidades econômicas, mas também
envolvendo as demandas culturais e sociais. Resultaria daí um olhar que não reduz o agricultor a um mero
homo economicus, mas que o enxerga como ser social, dotado de múltiplas formas de inserção, sujeito a
desejos e orientado por valores que não se reduzem à óptica econômica (Carneiro, 2002)
54
comercialização de seu produto, de forma que a dependência de ‘recados’ e sua ‘defasagem
natural’ (demora até pegar o recado e então ligar para o comprador), muitas vezes, fazia com
que ele perdesse a clientela.
Todavia, ainda que o meio rural de Santo Antônio de Pádua esteja progressivamente
abrigando atividades não agrícolas (como a prestação de serviços, a extração de rochas) e
que grande parte de suas famílias recorram a pluriatividade como estratégia de reprodução
social, entendemos que a agricultura ainda desempenha papel central nas áreas rurais do
município. Como vimos a partir da primeira parte do trabalho, é significativo o número de
famílias que dependem da agropecuária para a sua reprodução social, bem como se eleva a
importância da agricultura na medida em que se reduz a renda familiar da mesma (até
mesmo por causa do autoconsumo).
Por outro lado, o fomento das atividades familiares agrícolas desenvolvidas nas áreas
rurais favoreceria não apenas uma maior diversificação da economia local (as atividades não
agrícolas geralmente têm uma base agrícola, como o processamento do leite em queijo etc),
como a ampliação da renda agrícola das famílias, tendo efeitos de encadeamentos também
nas atividades rurais não agrícolas existentes na localidade. É importante afirmar aqui que
com isso não estamos excluindo a importância de que sejam considerados nos instrumentos
de apoio à agricultura familiar as rendas não agrícolas.
A partir daí, tendo em mente a crise pela qual passam os cultivos tradicionais do
município (com baixos preços) cresce o espaço para o desenvolvimento de novos modelos
produtivos, alternativas baseadas no enfoque agroecológico, na produção orgânica, produção
natural, que tenham como base perspectivas biossistêmicas e de diversidade produtiva.
Deve-se isso ao fato de que na maioria das vezes, os eventuais benefícios das economias de
escala das monoculturas vêm acompanhados de uma maior vulnerabilidade econômica
frente aos insucessos das safras, às oscilações de mercado e às rupturas dos compromissos
de aquisição de produtos (contratos e acordos), ao que se somam os impactos ambientais
negativos. Isso acaba por ressaltar as vantagens de uma produção mais diversificada, onde o
produtor não se mantém refém de uma única produção. Esses modelos alternativos ainda
guardariam vantagem comparativa na agricultura familiar, na medida em que sua realização
estaria diretamente relacionada à recuperação de um ‘saber camponês’ que foi renegado
como atraso no período da Revolução Verde.
Por outro lado, a partir das transformações recentes do sistema agroalimentar que
abrem espaço para a valorização crescente de produtos diferenciados e de maior qualidade,
ampliam-se as oportunidades de mercado para os agricultores familiares baseadas em
produtos ‘exóticos’, artesanais e com denominação de origem (selos de procedência) e
processos (orgânicos). Nesse sentido, destacamos aqui a importância de que sejam
considerados no âmbito das famílias rurais, aqueles produtos menos tradicionais e mais
diferenciados, capazes de alcançarem melhores preços no mercado (Wilkinson, 1999).
Destacamos aqui também a implementação de iniciativas autônomas pelos agricultores
familiares de agregação de valor ao produto primário, em forma individual ou associativa.
Sua vantagem mais evidente residiria na possibilidade de apropriação pelas famílias rurais
de maiores parcelas do valor do produto final de consumo (beneficiamento, processamento).
Essas possibilidades ficam ainda mais interessantes na medida em que o Rio de Janeiro se
constitui o segundo mercado consumidor, além de ser um dos que apresenta a maior renda
per capita do país .
55
Atualmente, o que se observa no município, é que a maioria dos estabelecimentos
familiares de Santo Antônio de Pádua não apresenta uma produção agrícola muito
diversificada, de modo que a maior parte das famílias rurais que praticam agricultura
apresenta uma produção relativamente especializada, concentrando-se apenas num produto
ou grupo de produtos, como a pecuária ou olerícolas (60% deles são especializados’ pelas
tabulações da FAO/INCRA). É importante citar aqui que essa opção pela relativa
especialização nem sempre decorre unicamente de uma escolha do produtor rural, na medida
em que essa escolha muitas vezes é tolhida pelas restrições no acesso à terra que acabam se
refletindo também no acesso aos recursos produtivos em geral e no padrão de uso desses
recursos naturais.
No entanto, se observam no município estratégias de reprodução econômica que
recorrem a produtos diferenciados e a uma maior diversificação como recurso principal.
Através do depoimento de um produtor pode-se perceber esse movimento, ainda incipiente,
dos agricultores do município em direção a formas ‘alternativas’ de agricultura. Ele foi um
dos primeiros agricultores do município a converter sua produção para os orgânicos, além
disso, o produtor realiza processamento produzindo vinho e licor de jabuticaba e doces. Ao
se indagado a respeito de quais seriam os elementos mais importantes na promoção da
agricultura no município,
A agricultura aqui tem um potencial muito grande, até porque nós temos um dos
solos mais férteis do Estado. O que falta é a conscientização do produtor,
diversificação. Enquanto eles ficarem bitolados na ‘monocultura’, vai sempre
acontecer o que está acontecendo por aí. Quando você tem uma ‘monocultura’ fica
muito difícil, principalmente a ‘monocultura’ do tomate, que não o ano inteiro. Na
minha opinião, um dos maiores problemas aqui são os produtores. Eles ainda não
estão conscientizados.”
Um outro produtor da região chama a atenção para a necessidade de que sejam
considerados outros produtos, além dos tradicionais, que levem em conta as potencialidades
e as características dos pequenos produtores do município. Além disso, em sua declaração
fica ressaltada a importância de que as estratégias de desenvolvimento agrícola levem em
consideração as características e condições da demanda ou do mercado (Wilkinson, 1999).
A agropecuária na região está como está. É o que acontece aqui. Aliás é motivo
de preocupação nossa, de muita preocupação. A gente tem conversado muito sobre
isso e por isso temos tentado trazer novas alternativas para a região. (...) A gente deve
procurar, até mesmo por conta do tamanho das propriedades, produzir animais mais
proporcionais ao tamanho da propriedade. Obviamente, eu como ovinocultor teria
que falar dos ovinos, mas não é isso não! Estou falando realmente de forma
imparcial. Temos que ver o seguinte, pôxa, nós temos vocação e condições para
trabalhar com isso, exemplo, coelho. É um bom negócio? Tem propriedade, nós temos
condições de trabalhar isso, o coelho? A gente deve escolher animais adaptados à
nossa região versus o mercado. Sempre o mercado...”.
Assim, não obstante o predomínio das culturas relativamente especializadas,
percebem-se no município algumas iniciativas no sentido de diversificação da produção
agrícola, como os orgânicos, a fruticultura (especialmente citrus), a piscicultura, a
ovinocultura, bem como de agregação de valor e processamento, sob a forma de doces,
56
geléias, compotas, fabricação de vinhos e licores, preparação de alimentos (lavagem,
descasque, embalagem), entre outros. Vejamos em seguida alguns exemplos.
A piscicultura vem ganhando espaço lentamente no município. Segundo
levantamento da Emater-RJ, a Região Noroeste, como um todo, apresentaria grande
potencialidade para a expansão da atividade e contaria com 130 criadores, totalizando
222,31 hectares de lâmina d’água e sete unidades de produção de alevinos, sendo duas
públicas e municipais (Santo Antônio de Pádua e Miracema). Em 1999, Santo Antônio de
Pádua era responsável por 4% da produção de peixes na Região Noroeste, segundo a
Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro. A produção de peixes de água de
interiores, de acordo com a EMATER em 1999, era dividida da seguinte maneira: tambacú,
com 16.250 kg; carpa, com 14.150 kg; tambaqui, com 7.900 kg; e pacu, com 3.900 kg.
A Prefeitura de Santo Antônio de Pádua, no momento em que a pesquisa de campo
fora realizada, dispunha de tanques para a criação de alevinos, comercializados a baixos
preços para agricultores familiares, além de destinar parte desses peixes para o Rio Pomba,
como objetivo de contribuir com o repovoamento do rio e com o meio ambiente. Além
disso, a Secretaria de Agricultura municipal afirma disponibilizar, a esses pequenos
produtores, orientações técnicas na implementação da piscicultura.
Durante a realização das entrevistas foi constatada também a criação de um Núcleo
Regional de Produtores de Ovinos e Caprinos da Região Noroeste, cujo presidente era de
Santo Antônio de Pádua. Segundo o presidente da Associação, criador de carneiros, a região
apresentaria grandes vantagens na criação desse tipo de animal. Por serem menores,
necessitariam de áreas inferiores àquelas demandadas pelos bovinos, o que se encaixaria
bem na maioria dos estabelecimentos rurais do município, que se situam em patamar inferior
a 20 ha. Além disso, o produtor chama a atenção para o fato da carne de carneiro obter
melhores preços no mercado do que aqueles alcançados pelo leite e pela carne bovina, e
identifica possibilidades de crescimento do produto no mercado regional (Região Norte e
Noroeste), uma vez que a oferta atual local não conseguiria atender a toda a demanda por
esse tipo de carne. No entanto, esse tipo de criação não aparece nos dados censitários, pois a
criação na região é de origem recente.
Os orgânicos se fazem um caso interessante na medida em que, de um modo geral,
sua implantação teria partido de uma iniciativa dos próprios produtores. O produtor, ao ser
indagado das relações da relações da agricultura com o meio ambiente, declara:
“ – Eu mexo com orgânicos, já. Antigamente eu plantava com agrotóxicos. Tem
quatro anos que eu parei. Parei primeiro pelo lado financeiro, né? O segundo é que
eu fui vendo que não era, nem podia ser normal, né? Você comprava o agrotóxico,
você lá: use máscara, aquele equipamento todo, pensei: ‘- Isso não pode ser bom.
Isso não pode fazer bem para a gente.’ Chegava em casa todo fedendo, tinha que tirar
a roupa num quarto fora de casa, deixar aquilo para lá. E fui sentindo isso, achando
que não estava certo. Aí fui mudando. Fui eu mesmo quem procurou. Eu procurei
lugar para eu ir, para eu ver, aprender. Os agricultores daqui usam muito
agrotóxico.”
No que se refere às restrições à produção familiar encontrada no município, figura
como elemento central à agricultura familiar no município o crédito. Atualmente, uma boa
parte dos agricultores familiares ainda se faz excluída dos principais instrumentos de apoio à
agricultura familiar no município. Em Santo Antônio de Pádua, o que se pode perceber é que
57
uma boa parcela dos agricultores do município, especialmente aqueles que não possuem
renda, produzindo apenas para o autoconsumo ou aqueles que produzem muito pouco,
permanecem ‘invisíveis’ perante os governos locais. Muitas vezes esses grupos não possuem
capacidade nem mesmo de expressar seus interesses, na medida em que tendem a ser os
segmentos mais pobres, menos qualificados e articulados.
Como ilustração, podemos analisar a distribuição dos créditos do Pronaf, principal
instrumento do município para apoio direto da agricultura familiar. Notamos que de todos os
contratos firmados no período 2004-05, a maioria absoluta (88%) se deu naquelas categorias
de renda mais elevada (Grupos D e E). Resultado preocupante, na medida em que, como
visto, a maioria dos estabelecimentos familiares do município (segundo o Banco de Dados
da Agricultura Familiar) se concentra naquelas classes em que os rendimentos são baixos ou
quase nulos (60%).
Tabela 2.2.1 - Número de contratos e montante do crédito rural do Pronaf
2003 - 2004
2004 - 2005
Modalide
Enquadramento
Contratos
Montante
(R$ 1,00)
Modalide
Enquadramento
Contratos
Montante
(R$ 1,00)
Custeio
Grupo C
28
69013,43
Custeio
Grupo C
30
83146,77
Custeio
Grupo D
406
2050960,6
Investimento
Grupo C
1
5000
Investimento
Grupo D
9
118395,68
Custeio
Grupo D
366
2004232
Custeio
Grupo E
3
49923,24
Investimento
Grupo D
5
66311
Custeio
Exigibilidade
19
91083,72
Custeio
Grupo E
6
89680,85
Custeio
Exigibilidade
19
91083,72
Total
465
2379376,7
Total
427
2339454,4
FONTE: BACEN (Somente Exigibilidade Bancária), BANCOOB, BANSICREDI, BASA, BB, BN E BNDES.
Neste caso é importante ressaltar que, segundo as entrevistas, além de os pequenos
produtores da região apresentarem uma certa resistência a pegar o crédito (insegurança,
medo de risco, burocracia e dificuldades em ter que apresentar um ‘fiador’ como garantia), o
gerente e os funcionários da agência bancária do município (Banco do Brasil) não teriam
‘tato’ para lidar com os pequenos produtores, especialmente os mais humildes, o que os
intimidaria. Segundo o depoimento de um pequeno produtor rural do município, o próprio
produtor desanimaria de pegar o crédito ao vislumbrar as dificuldades que o processo
envolveria. Sendo assim, quando indagado se havia pego crédito alguma vez e quais os
motivos para ter pego ou não, o agricultor declara:
“- Meu pai tem um pedacinho de terra, mas o que ele tem não está dando nem para
ele, não tem assistência, toca aquilo da maneira que pode, porque na verdade a
pessoa tem muito medo de se endividar. É ruim, é difícil. O pequeno é importante
porque é o cara que não tem recurso nenhum, mas tenta de toda a forma. Ele não está
melhor por falta de incentivo porque na verdade tem muito plano de governo que é
bom, e até mesmo voltado para o pequeno, mas o problema é o pequeno conseguir
pegar. Tem uma burocracia muito grande, muito difícil. (...) Para eu mesmo fazer um
Pronaf, apareceu tanta burocracia, tanta coisa, que eu desisti.”
58
Esse seria um bom caso ilustrativo de como a capacitação humana e o treinamento de
funcionários de órgãos financeiros para lidarem com pequenos agricultores seriam
importantes fatores na implementação de ações públicas.
Ainda no que diz respeito ao crédito e às formas de implementação desse instrumento
de política no município, uma das lideranças sociais entrevistadas integrante da Cooperativa
Agropecuária do município afirma que:
– Minha filha, às vezes eu desagrado a pessoa e até os poderosos... eu tive a
oportunidade... em um almoço eu tive a oportunidade de dizer para o gerente do
Banco do Brasil em Pádua, de Miracema e Itaocara, que os homens do campo
estavam sendo humilhados para conseguir uma mínima oportunidade de R$ 4.000,00,
R$ 5.000,00. E tive depois a oportunidade de dizer que os R$ 2.600.000,00 que ainda
restavam no Banco do Brasil iam voltar. Dois meses depois tive a oportunidade de
novo. Teve a mesma reunião aqui na cooperativa, tinha o representante do Banco do
Brasil de Pádua, o antigo Secretário de Agricultura, um monte de gente. Mediante a
explanação feita por eles, eu novamente disse que o dinheiro do Banco do Brasil
continuaria mofando e se deterioraria, porque a família e o homem do campo estavam
sendo muito humilhados. Para pegar o crédito eles querem saber de tudo e saiba que
o homem do campo tem mais honestidade e brio do que muito engravatado por aí.
Resultado, não temos tido ajuda do Banco. Poderiam ajudar, mas não, pisam cada vez
mais na gente. Nós estamos sendo humilhados ao máximo. E a gente paga certinho...”
O Secretario de Agricultura de Pádua, confirmou essa situação, afirmou estar ciente
do assunto e relatou que teria tentado tomar providências acerca do que vem acontecendo
no município em relação ao crédito e seu processo de liberação. Segundo o Secretário da
Agricultura, a Prefeitura teria cedido espaço e um computador (na Secretaria de Agricultura)
só para resolver as “papeladas” do Pronaf, bem como um funcionário para auxiliar no
levantamento e preenchimento de todos os documentos necessários para a retirada do crédito
junto à instituição financeira. Assim, o agricultor teria menos dúvidas e mais orientação, não
precisaria se sentir constrangido ao entrar no banco, nem aguardar horas, sem atendimento,
para ainda ter seu crédito negado. No entanto, a Prefeitura ficou na dependência de que o
banco oferecesse treinamento adequado ao funcionário, o que jamais teria ocorrido.
2.2.2 - A Promoção da Segurança Alimentar
A segurança alimentar aqui tem duas dimensões: o da disponibilidade e acesso aos
alimentos por todos os segmentos da população; e o referente à qualidade, sanitária e
nutricional, dos mesmos. A análise desta função, por sua vez, dá-se tanto em relação às
famílias rurais (seu acesso e sua qualidade nutricional), quanto à contribuição das unidades
familiares rurais com o provimento da sociedade (de produtos agroalimentares com os
mesmos critérios de quantidade e qualidade). É importante salientar que, frente à realidade
brasileira de queda da rentabilidade da produção familiar mercantil e de desemprego rural e
urbano, a produção agropecuária voltada para o autoconsumo (produção agropecuária
voltada para consumo da família seja humano ou produtivo) ganha um peso enorme nas
unidades familiares rurais (Carneiro & Maluf, 2003).
Entendemos por segurança alimentar a garantia a todos de condições de acesso
suficiente, regular e a baixo custo de alimentos básicos de qualidade, garantindo uma
alimentação saudável do ponto de vista qualitativo e quantitativo. A promoção da segurança
59
alimentar em Santo Antônio de Pádua pela agricultura familiar enfrenta obstáculos à sua
plena realização, resultantes principalmente: da ausência de circuitos regionais organizados
(incluindo o fomento à oferta e a criação de uma demanda); do elevado uso de
agrotóxicos; da própria crise pela qual passa a produção familiar mercantil; e da restrição do
acesso à terra que faz com que essas famílias não tenham espaço para realizar nem a
produção para autoconsumo nem para vender.
Como vimos no capítulo anterior, ao longo das últimas décadas, houve no município
um processo crescente de subordinação da mão-de-obra ao capital, seja ele mercantil ou
industrial; direta ou indireta. Essa subordinação se dá tanto no momento do plantio (como no
tomate, duplamente, ao empresário e ao proprietário), quanto no momento da
comercialização (no leite à cooperativa, à indústria e aos grandes produtores; e no arroz ao
‘maquinista’).
Sendo assim, a principal forma de inserção da agricultura familiar no mercado de
produtos agrícolas no município dá-se através das cadeias integradas, formadas
principalmente pela cooperativa e pelos intermediários mercantis (Maluf, 2002b).
Não no município o fortalecimento de circuitos regionais de produção,
distribuição e consumo que possam representar uma alternativa de inserção no mercado para
os pequenos produtores. Entende-se por circuitos regionais de produção, distribuição e
consumo de alimentos aqueles formados no âmbito das regiões no interior do país ou no
entorno dos núcleos urbanos de pequena e média dimensão. Além dos pequenos produtores
agrícolas esses circuitos são integrados por cooperativas ou associações de pequenos
agricultores constituídas para beneficiar ou processar matérias-primas agrícolas e por
empreendimentos urbanos industriais e comerciais, também de pequeno porte, ligados à
transformação, distribuição e consumo dos produtos alimentares (Maluf, 2002b).
Ainda que esses circuitos estejam presentes no município, através da prática da
venda de porta-em-porta e da exposição de produtos, pelos próprios produtores, num posto
de gasolina que fica à entrada do distrito de Monte Alegre (o ‘Tomatão’), eles ainda são
incipientes. Não uma organização e articulação desses circuitos no sentido dos pequenos
produtores estabelecerem relações sistemáticas e sinérgicas com os consumidores.
Quando indagado a respeito de quais seriam os principais canais de comercialização
existentes no município, um dos agrônomos da Emater comenta:
A comercialização do leite é feita diretamente pela Cooperativa de Pádua. O
tomate é comercializado em São José de Ubá. O arroz, quando tem, fica a cargo do
‘maquinista’. Tem também em Monte Alegre, onde ali mesmo, tem um posto lá, onde
os produtores levam eles mesmos sua produção e vendem. Às vezes o comprador vai
direto na lavoura e compra lá. A comercialização, portanto, é feita dessa forma. A
gente não acha que é a melhor forma não.”
Sendo assim, fora a subordinação ao capital comercial, o pequeno produtor não
encontra outras alternativas de inserção no mercado.
A única ‘feira’ que se realiza no município e que possui, no máximo três ‘barracas’,
não comercializa nenhum produto produzido no município. Os produtos vendidos, tanto na
‘feira’ quanto nos supermercados dos distritos urbanos não eram do seu entorno (das áreas
rurais do entorno das sedes distritais), mas do Ceasa (de São José de Ubá e até mesmo do
60
Rio de Janeiro). O único ‘sacolão’ privado que circula pelo município, também comercializa
produtos do Ceasa.
O Secretário de Agricultura de Santo Antônio de Pádua, ao ser indagado também a
respeito dos canais de comercialização e escoamento da produção das pequenas
propriedades rurais existentes no município, esclarece melhor a situação e reconhece as
deficiências que envolvem a comercialização da produção familiar agrícola no município:
pois é, todos vêm do Ceasa... O problema aqui não é encontrar os produtos, o
problema aqui é que eles (população, agentes) não valorizam o produto familiar, eles
preferem ir para o Ceasa e comprar refugo, pegam e colocam ali. Você que não é
um produto de qualidade, de primeira... você um alface ali e ele é um produto
pequenininho. Eles preferem trabalhar com esse tipo de mercadoria e vender mais
barato.”
Portanto, além de uma deficiência na comercialização e oferta dos produtos
alimentares produzidos pelos agricultores familiares da região, percebe-se também a
existência de obstáculos à formação e consolidação de um mercado consumidor para esses
produtos no município. Nesse sentido, chama-se atenção para a necessidade de um trabalho
de conscientização da população local (principalmente a urbana) e de criação de demanda
para os produtos da agricultura familiar local, favorecendo a valorização desses mesmos
produtos. Por outro lado, sublinha a necessidade de que as ações de transformação
produtiva, bem como as atividades de assistência técnica, realizadas junto aos agricultores
familiares no município (pela Emater ou outros órgãos como o Sebrae) sejam pensados
desde a demanda dos mercados até a oferta, favorecendo uma melhor adequação de uma à
outra. Destacamos a possibilidade de implementação de ações públicas (envolvendo agentes
governamentais ou organizações da sociedade civil) visando a promover a produção (oferta)
e o consumo (demanda) dos alimentos regionais de qualidade que resultem em benefícios
para os pequenos agricultores e consumidores (Maluf, 2002b).
O fomento a esses circuitos regionais poderia representar benefícios tanto para os
pequenos produtores familiares quanto para a população em geral (especialmente a urbana)
do município. Para os agricultores familiares, de um lado, constituiriam uma melhor forma
de inserção para a agricultura familiar local, na medida em que possibilitariam a esses
produtores um lucro mais elevado (eliminariam a intermediação mercantil), bem como
diversificaria os canais de comercialização à disposição desses agentes, reduzindo o ‘poder
de mercado’ que possuem hoje em dia os ‘intermediários’ e favorecendo a elevação dos
‘ganhos’ dos agricultores familiares, especialmente no caso de beneficiamento dos produtos.
No que concerne à população local, os benefícios seriam expressos na maior capacidade de
acesso a alimentos de qualidade e a um melhor preço (devido a um menor percurso entre as
etapas de produção e consumo).
É importante ressaltar aqui que embora enfatizemos na análise a esfera municipal,
baseada no critério de proximidade física entre os agentes, o desenvolvimento de tais
circuitos seria, antes de tudo, uma resultante de processos sócio-espaciais. Dessa forma, a
proximidade física, por si só, não seria suficiente para gerar relações sistemáticas e
sinérgicas entre os agentes econômicos instalados numa determinada região, podendo haver
o caso em que as relações sinérgicas e sistemáticas que caracterizam esses circuitos se dêem
entre agentes separados pela distância física (Maluf, 2002b).
61
A promoção de modelos alternativos de agricultura, bem como o incentivo a uma
maior diversificação, também figuram como pontos centrais para a garantia da segurança
alimentar no município. As produções tradicionais, pelo alto uso de agrotóxicos e defensivos
químicos, comprometem sobremaneira a qualidade nutricional dos alimentos. Por outro
lado, seria justamente a agricultura diversificada de pequena escala a que ofereceria
melhores possibilidades de estabelecimento de vínculos produtivos e comerciais, em âmbito
regional.
Passaremos agora para a análise da produção de autoconsumo das próprias famílias
rurais e sua importância nas estratégias de reprodução social dessas mesmas unidades. A
capacidade produtiva das famílias rurais é uma das dimensões cruciais no processo de
reprodução social e econômica dessas unidades de vida e de produção. No entanto, para
garantir a sua reprodução social e econômica, as famílias rurais não recorrem unicamente a
uma estratégia produtiva ou mercantil. A reprodução social e econômica das famílias rurais
cada vez mais inclui excedentes monetários e não monetários que juntos logram fazer frente
aos gastos de consumo e inversões da família, como a pluriatividade e a produção para o
autoconsumo (Leite, 2004).
Análises do Censo Agropecuário de 1995/96 mostram que a prática de produção
voltadas para o consumo familiar e/ou produtivo são recorrentes nos estabelecimentos
familiares rurais brasileiros, sendo que a maior capacidade de produção de produtos
‘autoconsumíveis’ encontra-se dentre os agricultores familiares. De um modo geral, para o
Brasil, estima-se que o total produzido para autoconsumo é de R$ 4.267 milhões, dentre os
quais 83,96% é proveniente de economias em regime familiar (Censo Agropecuário 1995/6).
De certa forma, se associou o termo ‘agricultura de subsistência’ a uma conotação
pejorativa, algo ligado ao ‘atraso’, como estabelecimentos em vias de desaparecimento,
pouco capitalizados e integrados e aos quais resta tão somente a opção de assalariamento
dos seus membros familiares. Essas populações na zona rural, entretanto, são
numericamente representativas e não deixam de estabelecer estratégias de reprodução social
relevantes, monetárias e não monetárias, especialmente em conjunturas de crise da
agricultura e altos níveis de desemprego.
A produção para o autoconsumo, por sua vez, não é uma característica exclusiva das
famílias rurais mais pobres, sendo encontrada dentre todos os seguimentos da agricultura
familiar, em maior ou menor grau. No entanto, chamamos atenção aqui para a importância
dessa prática ao tratarmos dos seguimentos mais empobrecidos, especialmente aqueles que
não conseguem se integrar aos canais tradicionais de comercialização, os que possuem
propriedades com pequenas áreas e que possuem uma baixa renda familiar monetária total.
Para a análise da importância da produção para autoconsumo nas famílias de
agricultores, recorreremos brevemente aos resultados da pesquisa realizada por Sergio Leite
(2004) com agricultores familiares de quatro assentamentos rurais no Rio de Janeiro.
Buscamos com isso, de uma maneira generalizada, estimar e especular a respeito da
importância da produção para o autoconsumo na agricultura familiar fluminense e seu papel
estratégico no que diz respeito à garantia da reprodução social e econômica das famílias
rurais. De uma maneira geral, o levantamento do orçamento familiar realizado nesse
trabalho demonstrou que a produção para autoconsumo (animal e humano) possui um efeito
anticíclico, tratando-se de um mecanismo que é ativado em maior ou menor grau, de acordo
com a relação encontrada no período entre a estrutura de receitas monetárias da família
(geralmente variável) e a de dispêndios (relativamente constante).
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Nas famílias contempladas pela pesquisa, o valor bruto da produção era dividido,
sobretudo, em: produção para autoconsumo humano ou produtivo; doações e
armazenamento; e vendas. Do total produzido, de uma maneira geral, a maior parte é
comercializada, especialmente, no que concerne à produção pecuária e agrícola. Os produtos
extrativistas, bem como os que são beneficiados são os que apresentam menores
participações na comercialização, sendo destinados, em sua maioria, para o consumo
familiar. A produção para autoconsumo aparece como a segunda maior participação do total
produzido pelas famílias, sendo que os produtos destinados ao consumo humano, ou da
família, são bem mais significativos que os destinados à alimentação dos animais, como
insumos produtivos. Esse resultado reforça a idéia de que a produção é repartida no seio da
unidade familiar entre a quantia que será destinada à venda e, portanto, ao mercado, e o
montante que se revertido para satisfazer as necessidades de consumo dos membros da
família.
Do total dos rendimentos monetários das famílias de agricultores na pesquisa, os
mais importantes correspondiam à renda do trabalho realizado fora do estabelecimento
(atividades agrícolas ou não) e em regime temporário ou permanente (um terço do total).
Isso reforçaria a importância da pluriatividade como estratégia de reprodução social e
econômica, que deve ser analisada como um fenômeno real e relevante nas sociedades rurais
contemporâneas. Em seguida figuram aqueles rendimentos provenientes dos benefícios da
assistência social, usufruída por um ou mais membros da família, cerca de um quarto dos
rendimentos monetários totais familiares. E, por último, figuram justamente as receitas
oriundas das vendas de produção realizada no próprio estabelecimento, nota-se que estes
apresentam variações importantes que dependem de uma série de fatores, como as condições
edafoclimáticas, obtenção de crédito, assistência técnica, capacidade de comercialização,
nível de preços entre outros.
Os gastos dos agricultores familiares, por sua vez, geralmente se dividem em
consumo familiar, manutenção do domicílio, aquisição de bens de consumo duráveis,
investimento em máquinas e outros bens, custeio de atividades produtivas, pagamento de
serviços a terceiros, ajudas e doações, pagamentos para amortizações dos juros e dívidas. A
categoria preponderante nos dispêndios familiares é o consumo familiar, correspondendo a
aproximadamente 57% de todos os gastos. O custeio das atividades produtivas representa
também uma parcela significativa dos gastos, seguida do pagamento de amortizações e dos
serviços de dívidas e dos gastos em inversões de capital. Ao se analisar o comportamento do
dispêndio percebe-se que o mesmo não apresenta variações significativas de mês para mês.
Por outro lado, ao se observar as categorias que o compõem, nota-se que a categoria que
apresenta as menores variações mensais é o consumo familiar. Os custos das atividades
produtivas agropecuárias apresentam picos ao longo do ano safra, especialmente nos
períodos de plantio e colheita. os custos das dívidas são os que apresentam as oscilações
mais bruscas.
Ao analisar agora a importância do autoconsumo no lculo estratégico das famílias
e no orçamento familiar o autor analisa a renda mensal per capita dos lotes (sem
autoconsumo) selecionados e compara-os com uma linha exógena de pobreza (metade de
um salário mínimo), donde extrai que em média, nos lotes estudados, a maior parte das
famílias se encontrava abaixo dessa linha de pobreza. Em uma segunda etapa, ao imputar na
comparação os ‘ganhos’ médios (ou o ‘não gasto’) com as atividades de autoconsumo,
percebe-se que os rendimentos totais (monetários e não monetários) se tornam suficientes
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para fazer frente à linha exógena de pobreza, evidenciando o papel fundamental que o
autoconsumo desempenha na reprodução econômica e social das famílias rurais.
Para verificar a relação entre a produção de mercadorias para a agricultura familiar e
o tema da segurança alimentar, Leite (2004) recorre aos resultados da comparação
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entre o
consumo alimentar de uma área de agricultura familiar (Noroeste de MG) e o consumo
alimentar de regiões metropolitanas (Brasília e Belo Horizonte), donde conclui que na
maioria dos produtos básicos de consumo familiar a produção doméstica dos agricultores
familiares alcança um índice superior aos constatados entre os habitantes de metrópoles
como Brasília e Belo Horizonte. Esse desempenho indica como a produção de autoconsumo
pode ser fundamental na garantia mensal de uma oferta interna de produtos alimentícios para
as famílias, com alto valor calórico e protéico, uma vez que a produção para autoconsumo
possibilitaria às famílias rurais um padrão médio de alimentação superior ao conjunto de
famílias, com níveis de renda similares, que habitam as grandes cidades.
No presente trabalho, não foi possível o levantamento da composição dos
orçamentos familiares junto à totalidade de agricultores familiares de Santo Antônio de
Pádua, uma vez que nossas entrevistas, nessa etapa, se centraram apenas nas lideranças
locais. No entanto, no mesmo caminho das constatações feitas por Leite (2004), aparecem
nas entrevistas realizadas, elementos que apontam para a importância das produções
voltadas para o autoconsumo. Citaremos aqui, a título de ilustração, a declaração de um dos
membros da Associação de Pequenos Produtores Rurais de Monte Alegre e Ibitiguaçu ao ser
indagado da importância e do papel da agricultura para autoconsumo ou subsistência dentro
da família rural. Nesta, pode-se perceber a importância do autoconsumo no que concerne à
qualidade dos alimentos proporcionados e, portanto, da alimentação das famílias rurais, bem
como a importância dessa produção no que concerne à fazer frente aos gastos correntes
mensais das famílias rurais, na medida em que o dinheiro ‘economizado’ com a produção
para o autoconsumo poderia ser empregado no pagamento de outros itens relevantes para a
manutenção do bem-estar das famílias rurais do município.
“ – Considero a produção para a família muito importante. Com isso você esta
evitando de levar pessoas para a cidade. Você vai comer melhor se plantar. Se você
planta pouco, você nem precisará usar agrotóxicos. Você vai evitar de gastar também.
Vai segurar dinheiro para poder gastar no bem-estar do seu filho, da família....”
A efetiva realização de uma produção para o autoconsumo, contudo, bem como a
promoção da segurança alimentar, ainda encontram-se obstaculizadas, no município, pela
grande dificuldade no acesso a terra e aos recursos produtivos. Os produtores que precisam
vender sua força-de-trabalho para permanecer no campo, muitas vezes, não possuem terra
onde possam plantar. Essa situação, como vimos, se agravou a partir da extensão da
legislação social no Brasil aos trabalhadores rurais e das distorções de sua aplicação no meio
rural brasileiro, que acabou tendo como reflexo final a substituição dos trabalhadores
permanentes e residentes por regimes temporários, pautados na parceria. Isso é muito
comum no município na parceria do tomate onde como vimos o distanciamento entre o
campo cultivado e a moradia, denunciando um processo contínuo de esfacelamento da
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A pesquisa foi realizada com famílias que recebiam até dois salários mínimos mensais, seja da área rural ou
da região metropolitana.
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unidade produtiva familiar e tendo conseqüências diretas sobre a identidade social do
produtor e as formas de sociabilidade da família.
Por fim, em todas as entrevistas, de uma maneira geral, a segurança alimentar (tanto
da família quanto da sociedade) é vista como algo importante e a ser mantido. No entanto, a
maioria das lideranças locais não acredita que os agricultores venham conseguindo
desempenhar o papel de prover a sociedade com alimentos de qualidade, principalmente
pela fragilidade das suas condições de produção e comercialização.
2.2.3 - Manutenção do Tecido Social e Cultural
Refere-se à preservação e ao melhoramento das condições de vida das comunidades
rurais, levando em conta os processos de elaboração e legitimação de identidades sociais e
de promoção de integração social. Entendemos aqui que a contribuição da agricultura para a
manutenção do tecido social e cultural decorre não apenas de sua dimensão econômica,
como produtora de bens, mas também de fatores (materiais e imateriais) ligados à identidade
social e às formas de sociabilidade das famílias e comunidades rurais.
As entrevistas revelam que a agricultura, apesar das dificuldades que os pequenos
produtores familiares enfrentam no município, continua sendo o principal fator definidor da
identidade social das famílias rurais, de forma que é em torno da atividade agrícola que se dá
a inserção social destas famílias e que se definem em grande medida seus padrões de
sociabilidade. Da mesma forma, a agricultura cumpre, na maioria dos casos, um papel
importante na manutenção das respectivas comunidades rurais (Carneiro & Maluf, 2003).
Por outro lado, nas últimas décadas, novas dinâmicas vêm se espelhando nas áreas
rurais de Santo Antônio de Pádua e que influenciam diretamente os hábitos e costumes das
áreas rurais. A primeira delas refere-se ao início da exploração mineral (rochas semi-
preciosas), ainda nos anos 1960 e que determinou que a agricultura no município sofresse
um esvaziamento em função dos maiores preços pagos pela mão-de-obra rural nesse setor.
Nos municípios mais próximos das estações de pedras (Marangatu, São Pedro de Alcântara,
Santa Cruz, Paraoquena) a competição do setor de rochas na agricultura foi sentida de forma
ainda mais acentuada, observando-se além do esvaziamento da agricultura em virtude dos
maiores ‘salários’ pagos no setor de extração mineral, uma alteração progressiva na forma
de uso da terra, na medida em que muitos agricultores deixaram a atividade agrícola (ou
fizeram dela apenas uma atividade residual) para se dedicar à extração mineral (rochas semi-
preciosas).
Adicionalmente, não só em conseqüência do crescimento do setor mineral, mas
muito como resposta à crise que a produção familiar mercantil vem passando no município,
elevou-se o número de famílias pluriativas, bem como o número de produtores que
continuam a trabalhar na agricultura, mas optam por viver no meio urbano. E de forma mais
incipiente, mas presente, sobretudo no discurso das lideranças locais, cresce o espaço e a
importância dada ao desenvolvimento do turismo rural, o que se percebe na realização de
atividades de artesanato e no aumento de restaurantes nas áreas rurais dos distritos,
especialmente naquelas próximas às rodovias.
Esse novo contexto, marcado por formas de inserção plural dos agricultores e da
população rural em geral no mercado de trabalho, é acompanhado por uma crescente
transformação nos hábitos e maneiras de trabalho próprias do meio rural, alterando até
mesmo as formas de percepção de mundo e apontam para processos de redefinição das
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identidades locais. Torna-se cada vez mais difícil delimitar fronteiras claras entre o ‘rural’ e
o ‘urbano’ (Carneiro, 1998). No entanto, tal processo não resulta, a nosso ver, numa
homogeneização que reduziria a o rural à sua completa ‘urbanização’.
É importante considerar aqui que o ´campo´ não está passando por um processo
único de transformação em toda a sua extensão. Os efeitos da introdução de um ‘modo de
vida’ e de valores ‘urbanos’ nas áreas rurais de Santo Antônio de Pádua e nas relações
sociais apresentam efeitos sobre a população local que não são sentidos de maneira
‘uniforme’, atingindo de formas distintas diferentes universos (sociais, culturais,
econômicos e simbólicos) e segmentos sociais. Nesse sentido não se pode falar de apenas
uma ruralidade (Carneiro, 1998).
Nesse contexto é essencial ter em mente que as noções de ‘rural’ e de ‘urbano’
constituem representações (construídas socialmente) que expressam ‘visões de mundo’
específicas e valores distintos que variam de acordo com o universo simbólico ao qual se
referem e que, logo, também se tratam de categorias ‘mutáveis’ sujeitas a reelaborações e
apropriações diversas, dependendo do contexto histórico-social em que as mesmas se dêem.
Esse conjunto de reflexões nos leva a pensar a ruralidade como um processo dinâmico de
constante reestruturação dos elementos da ‘cultura local’ com base na incorporação de
novos valores, hábitos e/ou técnicas. Tal processo implica um movimento em dupla direção
que envolve, tanto, a reapropriação de certos elementos da cultura local a partir de uma
releitura frente o novo contexto de interação social, quanto a apropriação pela cultura
‘urbana’ de bens culturais e naturais do mundo rural, produzindo uma situação que não se
traduz necessariamente na destruição da cultura local mas que, ao contrário, pode vir a
contribuir para alimentar a sociabilidade e reforçar os vínculos rural-urbanos (Carneiro,
1998).
Essas novas experiências são engendradas e se nutrem de uma diversidade social e
cultural que alimenta também as trocas entre os atores sociais (materiais, culturais e
simbólicas), ampliando a rede de relações estabelecidas entre eles (Carneiro, 2002). Assim,
tal diversidade, decorrente de múltiplas dinâmicas, pode contribuir para consolidar
identidades sociais estabelecidas, e também para a elaboração e/ou desaparecimento de
outras identidades (tidas como urbanas, por exemplo) no interior da própria localidade rural.
Nessa perspectiva, as transformações na comunidade rural provocadas pela
intensificação das trocas com o mundo urbano (pessoais, simbólicas, sociais, culturais e
materiais) não resultam, necessariamente, na descaracterização seu sistema social e cultural
tradicional, nem no desaparecimento das identidades sociais que esse ‘universo’ simbólico
determina. As mudanças de hábitos, costumes, e mesmo de percepção de mundo, nesse
sentido, são percebidas, mas não implicam uma ruptura decisiva no tempo nem no conjunto
do sistema social. Nesse processo, no lugar de ter uma única referência cultural (o ‘rural’),
esses ‘novos atores sociais’ do campo vivem uma situação cada vez mais complexa que é
conseqüência da combinação singular de sistemas simbólicos e de universos culturais que,
anteriormente eram particulares e distintos.
Em resumo, não podemos entender a ruralidade hoje somente a partir da penetração
do universo simbólico do ‘urbano’ no que era definido tradicionalmente como ‘rural’, o que
terminaria num limite na total ‘urbanização’ do campo. É preciso ter em mente a natureza
dualista deste processo. Cabe também, nessa reflexão, o reconhecimento da introdução no
universo ‘urbano’ de elementos simbólicos e materiais (a natureza como valor, valorização
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dos produtos ‘naturais’) e de práticas culturais que são reconhecidos como sendo próprios do
chamado ‘mundo rural’ (Carneiro, 1998).
No meio rural de Santo Antônio de Pádua, cada vez mais se fazem presentes as
novas tecnologias e modas urbanas, principalmente, entre as camadas mais jovens, mas não
se restringindo a elas. A introdução desses novos instrumentos possibilita a ampliação do
conforto nas áreas rurais, do lazer e, por outro lado, modifica e cria novos hábitos das
famílias rurais.
A maior oferta de energia elétrica nas áreas rurais, por sua vez, possibilita a
instalação de antenas parabólicas que aos poucos, vão transformando o espaço rural e se
‘harmonizando’ com a verde paisagem. O agricultor, nesse processo, ao acabar o trabalho da
roça, não se recolhe em casa para dormir com as galinhas’, podendo ficar até mais tarde
assistindo à televisão.
O depoimento de um membro da Cooperativa Agropecuária de Santo Antônio de
Pádua pode nos dar uma idéia dessas mudanças. Ao ser indagado se as condições de vidas
nas áreas rurais do município haviam melhorado, piorado ou continuado na mesma, o
agricultor afirmou que melhoram, especialmente porque
- Melhorou muito as condições de vida, tem telefone celular, temos televisão em
tudo quanto é casa, mesmo no interior. Com a antena parabólica, agora, estamos
dentro da cidade e dentro do mundo, sem ter que sair da roça. Melhorou colocando
luz também...”
Por outro lado, como foi mencionado, o encurtamento das distâncias físicas e
simbólicas e a interação cada vez mais constante entre o rural o urbano não se refletem
sempre no meio rural de maneira harmoniosa. Pelo contrário, na maioria das vezes, essas
progressivas trocas simbólicas e materiais entre as duas realidades se dão num ambiente de
conflito, e podendo determinar como seu resultado o rompimento com determinadas
identidades sociais e formas de sociabilidade.
Sendo assim, segundo algumas entrevistas, em algumas situações os hábitos
modernos e as facilidades associadas ao ‘estilo de vida urbano’, ao serem introduzidas no
mundo rural, podem se refletir de maneira negativa, determinando o rompimento, em certos
casos, de laços sentimentais que antes uniam os membros daquele mesmo grupo, bem como
destruindo valores e incorporando novas necessidades.
Um produtor rural entrevistado a televisão como principal culpada. A televisão é
o aparelho que está na casa, no seio da unidade familiar. No entanto, é também ele quem
introduz na rotina dos membros daquele determinado grupo, unidos por laços sentimentais e
de parentesco, a vida ‘moderna’, seus hábitos e valores ‘urbanos’, que podem determinar
rupturas (radical ou não) com valores e formas de sociabilidade pré-existentes naquele
grupo. Nesse processo, antigos valores e hábitos são ‘rompidos’ ao mesmo tempo em que
são transformadas ou criadas, pouco-a-pouco, novas formas de sociabilidade e de orientação
de condutas.
Assim, a influência da televisão, diga-se da vida ‘moderna’, pode representar a
ruptura com os laços sentimentais, os hábitos e os valores da unidade familiar (como o fim
do amor e da boa alimentação, sinônimo de saúde), determinando o fim do amor próprio e,
portanto, a criação novos bitos (ou vícios), como as drogas e a boêmia. Esses elementos
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estão presentes no discurso de uma das lideranças entrevistadas que também pioras no
estilo de vida das comunidades rurais do município nos últimos anos.
Tenho oitenta e dois anos de idade. A gente a fisionomia da pessoa... eu fico
com pena de ver... a gente está notando que há um retraimento do desenvolvimento do
corpo e da mente. A prática da boa alimentação vem se perdendo na droga e na
boêmia. Se fizer um levantamento, honestamente, a televisão está destruindo tudo.
Não tem mais família em nosso país, o amor próprio acabou.”
O mesmo processo de ruptura pode ser percebido num outro depoimento que
também identifica alguns elementos negativos nas formas de viver das comunidades rurais
nas últimas décadas. O produtor, associado ao Núcleo de Ovinos e Caprinos da Região
Noroeste, também associa o fim dos valores comunitários e dos laços de amizade entre o
grupo de trabalho à influência do ritmo da vida moderna, agora representada sob a forma
simbólica da grande empresa. Nesse sentido, o produtor associa as mudanças atuais, ao fim
dos mutirões e do sentimento de reciprocidade que regia as relações sociais locais no
passado. A empresa (estilo urbano) contrapõe-se ao familiar, ao solidário. Quando se referia
às redes de sociabilidade locais e às formas como os agricultores se relacionavam,
principalmente no trabalho, o produtor declara,
Gozado, eu fico às vezes analisando... antigamente o pessoal trabalhava tanto em
grupo. Eu me lembro quando eu era criança, aqui: eles iam puxar um mutirão para
fazer isso, mutirão para fazer aquilo... eu acho que nós tivemos um vácuo aqui, uma
deterioração dessas relações. Então... eu acho o seguinte, acho que pode, ser no
primeiro momento, uma necessidade de uma disputa. É como quando votrabalha
numa grande empresa, aquele seu colega, que está do seu lado, ele é sempre seu
concorrente, você tem que estar disputando com ele, você tem que ser melhor do que
ele, porque no dia em que a empresa resolver mandar alguém embora, vai mandar ele
e não você.”
As formas de lazer e as festas comunitárias são outras manifestações através das
quais podemos notar esse ‘conflito’entre diferentes universos simbólicos, bem como a
apropriação e modificação pelo espaço urbano de formas de lazer que anteriormente se
voltavam para o mundo rural. Na dinâmica das exposições agropecuárias de Santo Antônio
de Paula, ao contrário do que foi observado por De Paula (1994), não se observa, um
processo completo de integração afirmadora da cultura ‘rural’ com o mundo ‘urbano’.
Atualmente, segundo as entrevistas, o que estaria ocorrendo nessas exposições
agropecuárias do município seria a apropriação da festa e seu conteúdo simbólico pelo
mundo ‘urbano’, transformando e deixando-os irreconhecíveis para o mundo rural. Nesse
processo, segundo os entrevistados, as transformações observadas na exposição teriam feito
com que se diminuísse (e até desaparecesse) a identificação dos atores sociais rurais com
esse evento, afastando-os da participação. Atualmente ela seria a maior festa do município,
estando na sua 27ª realização, mas voltando-se muito mais para o espaço urbano do que para
o pequeno produtor, propriamente dito, que na maioria das vezes se sentiria até mesmo
‘constrangido’ de participar.
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Segundo um produtor rural do município, integrante do Núcleo de Ovinos e Caprinos
da Região Noroeste ao ser indagado se haveria no município festas voltadas especificamente
para os agricultores e como elas seriam,
- Por incrível que pareça, num município em que a gente poderia dizer que a
agropecuária teria uma representatividade, a gente não eventos voltados para os
produtores. Tem as exposições regionais, por exemplo, em Pádua, você tem a Expo
Pádua (Feira Agropecuária) que na verdade é um mega show. Você não um trator,
uma transferência de tecnologia, você não ... na verdade, a exposição é uma festa,
mas não para o produtor, é uma festa de um modo geral, uma festa tão pop que os
agricultores ficam tímidos e retraídos de participar.”
E, por fim, nos referimos aqui ao espírito de cooperativismo e associativismo dos
pequenos produtores, relacionados diretamente com o fortalecimento dos laços comunitários
e de solidariedade estabelecidas entre os habitantes das áreas rurais de Santo Antônio de
Pádua (Putnam, 1996; Durston, 1998; Fox, 1998). Quando indagados a respeito da
existência e manutenção desses laços comunitários, os entrevistados não se mostram muito
otimistas quanto a isso, trazendo quase sempre à tona aspectos relacionados à crise da
agricultura familiar, ao abandono das atividades agrícolas ou à falta de uma ‘cultura’
cooperativista e associativa.
Segundo o depoimento de um agrônomo da Emater,
“ – Infelizmente os agricultores não são organizados, por mais que a gente tente fazer
com que eles se organizem, é difícil.”
O Secretário de Agricultura compartilha a mesma impressão:
Pádua tem três associações. A maior discussão deles é o fato do produtor não
participar das reuniões. A maioria delas está esvaziada, seus presidentes estão
desacreditados.”
E, por fim, um produtor rural associado à Aprumai,
A nossa cultura aqui não é de cooperativismo, a realidade é essa. Nós fizemos
agora, estivemos agora no Espírito Santo e, você vai e não vontade de vir
embora. Parece que estamos num outro mundo. O pessoal daqui ainda não se
conscientizou disso, da importância em se organizar e se unir. Mas vai chegar o dia
porque... é com o tempo. Entendo como parte de uma educação.”
Nesse sentido, segundo a opinião da maioria dos atores locais, os pequenos
agricultores de Santo Antônio de Pádua estaria bastante desanimada quanto ao futuro da
agricultura familiar no município e quanto a si próprios. Por outro lado, citam que não
haveria no município uma ‘cultura’ de participação nas organizações comunitárias da região
(Durston, 1998; Fox, 1998), muito embora alguns atores comentem em suas entrevistas a
realização de mutirões no passado.
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Atualmente no município existiriam as seguintes associações: a Associação dos
Pequenos Produtores Rurais de Monte Alegre e Ibitiguaçu (APRUMAI), Associação de
Moradores de Marangatu, o Núcleo de Ovinos e Caprinos da Região Noroeste (não se
restringindo apenas a pequenos produtores e cujo presidente é pequeno produtor em Santo
Antônio de Pádua), a Cooperativa Agropecuária e o Sindicato Rural. Tinha pouco tempo que
uma outra associação teria fechado, a Associação dos Produtores Rurais e Moradores do
Vale do Paraíba, devido a disputas internas e desconfianças quanto às formas de
administração.
2.2.4 - Preservação dos Recursos Naturais e da Paisagem
Essa dimensão foi observada tendo como referência o uso dos recursos naturais, as
relações entre as atividades econômicas e a paisagem, e a preservação da biodiversidade.
Estas podem ser avaliadas quando se consideram as relações estabelecidas entre a
agricultura praticada pelas famílias rurais e o território em que elas se localizam e com o
qual contribuem para dar forma. Em muitas reges brasileiras, a relação entre a agricultura
praticada e a preservação dos recursos naturais -se de maneira conflituosa, principalmente
devido ao confronto freqüente entre as práticas agrícolas e alguns aspectos da legislação
ambiental vigente, que são reforçados pela forma de atuação dos órgãos de fiscalização
ambiental (Ibama - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis).
No que concerne à dimensão ambiental, a região Noroeste e Santo Antônio de Pádua
são palco de sucessivas reordenações espaciais, mostrando as marcas da degradação
ambiental que acompanha todos os ciclos agrícolas e os ‘modelos’ de produção pelos quais
passou a economia municipal.
Seu início dá com a cafeicultura e se acentua ao longo dos anos. O relevo acidentado
típico do domínio dos mares de morros e o clima tropical de altitude, com forte sazonalidade
de chuvas associadas a uma forma de plantio do café em fileiras, morro abaixo favoreceram
a erosão, determinando, portanto, a queda da fertilidade do solo e juntamente com esta a
crescente dificuldade em se manter a própria produção de café na região (Alentejano, 2003).
Essa crise, por sua vez, também se traduziu num processo intenso de desruralização a partir
da erradicação dos cafezais (início em 1929, sendo que em 1960 praticamente desaparece o
café no município) e de sua substituição pela pecuária extensiva.
A passagem progressiva para a pecuária extensiva, com o aumento do êxodo rural,
acentua ainda mais os problemas de degradação do meio ambiente. Ainda segundo Grabois
et al. (1998), o efeito cumulativo do pisoteio do gado, por mais de meio século, traduziu-se
na formação de terracetes nas colinas. A estrutura do solo, nesse processo, segue sofrendo
alterações devido à alta compactação, modificando, em conseqüência, a relação entre a
quantidade de água infiltrada e o escoamento superficial, o qual passou a ser cada vez mais
forte. Isso intensifica o processo erosivo. Soma-se a isso, a realização de atividades agrícolas
com baixos investimentos, alto uso de agrotóxicos e defensivos químicos e superexploração
da mão-de-obra.
Adicionalmente, nesse processo, ao passo em que se implantaram relações de
trabalho do tipo parceria, com o progressivo aviltamento da mão-de-obra, observa-se
também a acentuação do desequilíbrio ecológico que era decorrente da destruição das
florestas e do esgotamento e erosão do solo (Grabois et al.; 1998). Nesse sentido, a
dificuldade crescente no acesso a terra e o estabelecimento de relações de trabalho na
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agricultura em que o trabalhador rural não é proprietário (nem mora na propriedade
trabalhada) altera as formas de relação entre o trabalhador e a terra, reduzindo a terra a
apenas um caminho para a obtenção de lucro ou salário, não importando assim se essa
‘riqueza’ está sendo utilizada de modo conveniente.
Assim, na maioria das entrevistas, pode-se perceber a existência de conflitos entre a
preservação ambiental e as produções predominantes (pecuária e o tomate, principalmente)
no município. Os maiores destaques são dados para a pecuária extensiva e a cultura do
tomate, onde o índice de utilização de agrotóxicos é muito grande e há a alta rotatividade das
áreas de lavoura. O resultado é um quadro atual de dramática degradação ambiental.
Segundo um dos agrônomos da Emater ao ser indagado se haveria algum órgão
atuante no município em torno da questão ambiental e de qual seria a principal forma de
ação utilizada, ele responde:
– Na medida do possível a gente faz o agricultor ver que o uso de defensivos
químicos prejudicam o meio ambiente, mas como a lavoura principal aqui é o tomate,
que leva muito agrotóxico, os produtores continuam utilizando o agrotóxico. A gente
tem feito reuniões levando produtores para que visitassem áreas com agricultura
orgânica. Já levamos a Teresópolis e tal. Mas o uso de defensivos ainda será mantido
aqui por um bom tempo. Não tem como mudar de uma hora para a outra.”
Por outro lado, muitos entrevistados lembraram também que a preocupação
ambiental em Santo Antônio de Pádua seria algo recente, na medida em que até mesmo o
setor de rochas ornamentais (extração mineral de rochas semi-preciosas), funcionou
clandestinamente sem nenhum controle ambiental até a primeira metade de 1990. Assim, a
maioria dos atores afirma que não tinha conhecimento do mal que poderiam estar causando
ao meio ambiente até pouco tempo. Segundo, um pequeno produtor rural do município,
liderança local membro da Agrovila de Pádua, ao ser indagado a respeito das formas às
quais os agricultores recorrem para garantir a preservação e a conservação do meio
ambiente:
O meio ambiente não atrapalha, mas é algo que a gente, até pouco tempo, não
tinha conhecimento da destruição que a gente mesmo causava. O meio ambiente a
gente começou a ter conhecimento pouco tempo, inclusive, precisamos ter mais
conhecimento. Precisa aparecer na nossa região e na nossa vila, pessoas mais
capacitadas que nos dêem mais instrução.”
As atividades de conscientização e de mobilização, nesse sentido, são apontadas nas
entrevistas como elementos cruciais na construção de ‘formas alternativas’ de relação desses
produtores com o meio ambiente, no lugar da simples autuação dos agricultores pelo Ibama
(Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Um outro
elemento constantemente levantado é a formação de uma ‘consciência’ ambiental que não se
dê apenas a partir de um trabalho junto aos produtores agrícolas, mas principalmente
realizado no interior das escolas e junto às crianças, que segundo esses produtores, são o
‘futuro’ da comunidade. Segundo um membro da Aprumai, ao ser indagado a respeito da
das possíveis ações que deveriam ser implementadas para garantir que a formação de uma
consciência coletiva em torno da questão ambiental:
71
Eu culpo muito as escolas, também... porque a minha geração, tudo bem, porque
ninguém falava, nem sabia de meio ambiente, entendeu? Agora hoje, eu culpo muito
as escolas. As escolas tinham que bater mais na mesma tecla, tinha que ter uma aula
específica sobre meio ambiente. Eu acredito que mude assim. Eu falo com meus
filhos... Agora, sabe, se depender da minha geração... não tem salvação, não.”
Por outro lado, também são crescentes os relatos no município de contaminação de
agrotóxicos, de agricultores, animais e da água. Comuns também são os depoimentos que
afirmam estar em curso no município um processo de desequilíbrio do clima, tanto na
temperatura, que parece mais elevada, quanto na quantidade de chuvas e de água no curso
dos rios que viria diminuindo progressivamente. Segundo o Secretário de Agricultura do
município, ao ser indagados se haveriam no município casos de contaminação por
agrotóxicos:
Usam muito agrotóxicos aqui, sim. Bastante. Principalmente produtor de tomate,
na área de Ibitiguaçu e Monte Alegre. Essa parte do município é tomate. Tem
problemas de contaminação de água, de solo, com certeza, e do próprio agricultor.
Tem produtores aqui que a intoxicação leva até ao óbito.”
O maior ponto de polêmica, no entanto, diz respeito à atuação do Ibama. Nesse
ponto, devemos ter em mente que, de maneira geral, no Brasil, a valorização da natureza
pelas camadas urbanas é sustentada pela imagem da natureza intocada, expressa pela
categoria ‘mata’ território dominado pela vegetação que cresce espontaneamente e pela
ausência de qualquer ação ‘civilizadora’, geralmente ligado à idéia de natureza (Carneiro,
2002). A preservação da mata, portanto, supõe, nessas condições, o fim da atividade
agrícola.
Em contrapartida, na visão dos agricultores brasileiros, incluindo os de Santo
Antônio de Pádua, a noção de ‘mato’ é apreendida numa relação de oposição ou negação de
‘lavoura’, que é entendido em sua visão de mundo, como o espaço trabalhado e
transformado em área produtiva. O trabalho é positivamente valorizado, não apenas em
termos econômicos, mas em termos estéticos (Carneiro, 2002). Nesse sentindo, a lavoura
seria a forma de ‘cuidar da natureza’, de ‘ajudar a natureza a crescer’. ‘De resto, viraria tudo
mato’.
Essa imagem se contrasta, por outro lado, com a visão geral das pessoas das áreas
urbanas e dos organismos que trabalham com proteção ambiental, para quem na maior parte
dos casos, a agricultura é vista como uma agressão ao meio ambiente (Carneiro, 2002).
Haveria uma disputa por significados distintos atribuídos a um mesmo espaço, significados
aos quais se atribuem respectivos valores simbólicos diversos.
Isso está presente na declaração do agrônomo da Emater entrevistado, segundo o
qual o ‘abandono’ das propriedades no município, muito como fruto do êxodo rural e da
transferência do produtor e sua família para a cidade (ainda que mantenha a propriedade
como local de trabalho), seria um ponto positivo na preservação do meio ambiente. Sendo
assim, ao ser indagado a respeito das relações entre a agricultura e o meio ambiente no
município, o entrevistado afirma que
Aqui, (no passado) houve uma queda muito grande em termos de mato, mas
acredito que isso está retornando porque existem as propriedades em que o dono
72
não fica mais lá. Ela assim não tem o movimento normal de uma propriedade, com
isso o desmatamento é menor. Aí, nessa propriedade, as capoeiras vão evoluindo e se
transformam.”
Para a maioria dos entrevistados, é necessário que o Ibama leve em consideração as
dificuldades dos agricultores, bem como atue o apenas através da coerção e aplicação de
multas, mas utilizando-se de um trabalho de mobilização e conscientização junto aos
agricultores. Muitos depoimentos também relatam a corrupção como um elemento constante
na atuação do órgão (propinas e suborno). Este só agiria com mais ‘dureza’ quando estivesse
tratando do agricultor familiar pobre. Nesse sentido, ‘fechariam os olhos’ para o que
acontece nas propriedades dos grandes proprietários.
Segundo relatos colhidos durante a realização das entrevistas, quando indagados a
respeito da atuação do Ibama e do que deveria ser feito para melhorar a atuação desse órgão
no município:
O Ibama deixa a desejar um pouco. Tem agido, mas está em falta. Eu achava que
o Ibama deveria fazer pelo menos de seis em seis meses, uma vez ao ano uma reunião
com aos agricultores para orientar melhor.” (depoimento de um dos integrantes da
Aprumai)
O Ibama é até um negócio revoltante. atuam a partir de multas. Não tem
trabalho de conscientização do pequeno...eu nunca vi isso!” (relato de uma liderança
local ligada à Cooperativa Agropecuária de Santo Antônio de Pádua)
Por outro lado, os agricultores também questionam a medida (Art. 16, § da Lei
4771/65) que obriga que 20% de toda a propriedade rural sejam ‘preservados’, sem que os
agricultores ganhem nem um desconto no imposto sobre essa terra, que para eles, muitas
vezes é tida como ‘improdutiva’. Segundo a maioria das entrevistas, quando indagados
sobre as relações entre a agricultura e a legislação ambiental, as propriedades municipais
seriam tão pequeninas que não dariam na sua integridade para a sobrevivência do pequeno
produtor e sua família, quem diria para se ‘dar ao luxo’ de deixar 20% das terras
improdutivas e ainda pagar impostos sobre elas? Assim, as lideranças locais entrevistadas
afirmam que a maioria dos pequenos produtores da região não ligaria para preservar ou
reflorestar uma área (pelo contrário, que eles até gostam da natureza e de cuidar dela), mas
que tudo e todas essas medidas e ‘repressões’ deveriam ser ponderadas, levando em
consideração também o lado deles, como homens de trabalho.
Apontam também para a proibição do corte de uma árvore, em toda e qualquer
situação, sob o risco de serem multados. Segundo os entrevistados, muitas vezes o produtor
precisa cortar uma árvore para fazer uma cerca ou consertar um telhado e não tem dinheiro
para comprar madeira, então cortaria uma árvore do seu terreno, na medida em que seria
uma necessidade para o seu trabalho. Mais uma vez figura aqui o conflito entre a ‘imagem’
da propriedade como meio de vida e de trabalho dos produtores (servindo, portanto, às suas
necessidades) e a ‘imagem’ das autoridades ambientais da natureza intocada. A maior parte
dos depoimentos complementam que, muitas vezes, esse mesmo agricultor teria
reflorestado ou plantado outras árvores em sua propriedade e que isso ninguém levava em
conta. Isso não era considerado, nem para uma redução no imposto, nem para lhe permitir
cortar uma árvore apenas numa situação de necessidade.
73
Um pequeno produtor integrante da Agrovila de Pádua ao ser indagado acerca da
legislação ambiental e sua relação com a agricultura, responde:
- Às vezes as pessoas querem melhorar, construir uma cerca e ele não tem
condições de comprar um eucalipto, ele tem uma árvore, que às vezes até está
morta, mas ainda está de pé. Ele tinha que entrar em contato com a pessoa
(proprietário) para ver o que a pessoas podia colocar no lugar, assim da mesma
maneira que a pessoa tira, ela repõe. E estar sempre informando o pessoal com
queimada e desmatamento para que pudesse melhorar mais e até mais rápido a nossa
região. Isso não acontece aqui não.”
Um dos integrantes da Aprumai, em sua entrevista, ao abordar a questão ambiental e
sua relação com a agricultura no município, também concorda com essa posição e resume
bem a atuação do Ibama e seus conflitos junto aos pequenos agricultores de Santo Antônio
de Pádua.
“ – O Ibama aqui só para os pobres. É uma coisa de apavorar. Terreno pequenininho,
às vezes você precisa cortar uma arvore porque não tem dinheiro para comprar
madeira para reformar uma cerca, por exemplo. Se eles descobrirem, eles vêm
correndo e multam o cara. Mas o rico (o grande) desmancha, desmata, faz o que bem
entender. Acho que eles tinham que ter um trabalho diferente e não apenas multar.
Deveriam conscientizar, isso eles não fazem. Conscientização aqui, ninguém faz esse
trabalho junto aos agricultores. Agora o que está melhorando é a prática orgânica, o
Sebrae já está apoiando os orgânicos, acho que vai deslanchar.”
No que se refere à paisagem, trata-se um assunto pouco explorado no Brasil e a
respeito do qual observa-se um menor grau de percepção. Em primeiro lugar,
esclareceremos a distinção entre paisagem e espaço.
A paisagem é o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças
que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza ao longo da
História de determinada sociedade. O espaço são essas formas acumuladas mais a vida que
as anima. A paisagem nesse sentido é transtemporal, juntando objetos passados e presentes,
numa construção transversal. O espaço é sempre um ‘presente’, uma construção horizontal,
uma situação única (Santos, 1997).
Portanto, cada paisagem se caracteriza por uma dada distribuição de formas-objetos,
providas de um conteúdo técnico específico. Já o espaço resulta da intrusão da sociedade
nessas formas-objeto, dotando-lhes de um conteúdo histórico-social. Esses objetos (que
compõem a paisagem) não mudam de lugar, mas mudam de função, isto é de significação,
de acordo com o sistema de valores da sociedade que se transforma permanentemente.
O espaço, por sua vez, constitui a matriz sobre a qual as novas ações substituem as
ações passadas. Ele é presente, logo, por conter ao mesmo tempo o elemento passado e o
elemento futuro. Paisagem e sociedade, assim, são variáveis complementares cuja síntese,
que sempre está por fazer, é dada pelo espaço humano. A função da paisagem atual, por fim,
será dada sempre por sua confrontação com a sociedade atual.
A paisagem é história congelada, no entanto, participa da história viva. São as suas
formas que realizam no espaço as funções sociais. No entanto, é importante ter em mente
que considerada em si mesma a paisagem é apenas uma abstração, apesar de sua concretude
74
como coisa material. Sua realidade é sempre histórica e lhe advém de sua associação com o
espaço social, pois é a sociedade, ou seja, o homem, que anima as formas espaciais,
atribuindo-lhes um conteúdo, uma vida. Um objeto participa de um processo dialético
senão porque lhe atribuíram determinados valores, seu conteúdo é social (Santos, 1997).
Assim, quando a sociedade age sobre o espaço ela o faz sobre objetos como realidade
social, formas-conteúdo, isto é objetos sociais valorizados e sobre os quais ela busca
impor um novo valor. A ação se sobre objetos agidos, portadores de ações concluídas,
mas ainda presentes resumidos numa ‘velha situação’. A paisagem é uma parte da situação.
A situação, como um todo, é definida pela sociedade atual como sociedade e com o espaço.
Assim, a sociedade quando age, age sobre ela mesma e jamais com exclusividade sobre a
materialidade. A dialética se dá entre sociedade e espaço e vice-versa (Santos, 1997).
a paisagem cultural, refere-se à influência direta do homem e apresenta a sucessão
de paisagens como uma sucessão, substituição, ou mesmo, sobreposição de culturas, onde o
homem estabelece uma relação dialética sobre o espaço em questão, imprimindo múltiplos
significados. A paisagem cultural nasce sempre de uma paisagem natural transformada, isto
é modelada pela ação humana, sua cultura e seus múltiplos significados. Assim, a paisagem
natural é o meio, a cultura o agente transformador (modelador) e a paisagem cultural como o
resultado, não final mas contínuo da ação do homem (Neves, 2003).
Atualmente, em Santo Antônio de Pádua, observa-se a intensificação das trocas entre
suas áreas ‘rurais’ e suas áreas ‘urbanas’ que ultrapassam as trocas materiais e que
modificam suas respectivas paisagens culturais, bem como as próprias identidades sociais de
seus habitantes (Carneiro, 1998).
Em primeiro lugar, como visto anteriormente, cresce nas áreas rurais do município
o número de famílias pluriativas, que recorrem a outras atividades que não a prática agrícola
como forma de inserção no mercado de trabalho e de garantia à sua reprodução social
econômica. O crescimento dessas famílias está associado à expansão das atividades de
extração de rochas ornamentais em algumas áreas rurais e aos melhores salários que essas
atividades apresentam, bem como à proximidade existente entre as áreas rurais e as sedes
distritais urbanas no município, facilitando o deslocamento dos trabalhadores entre o campo
e a cidade. Por outro lado, ainda que incipiente, se observa no município, segundo as
entrevistas junto às lideranças locais, o aumento do interesse dos agricultores familiares em
iniciativas ligadas ao turismo rural, principalmente pautando-se nas vantagens encontradas
no município para a prática de esportes como a canoagem, alpinismo e trilhas ecológicas.
Assim, às condições tradicionais de inserção das áreas rurais no município, são
incorporados novos ‘papéis’, integrados a um movimento de ressignificação do rural. Esse
processo de integração afeta, por conseguinte, a construção ou a manutenção das identidades
sociais nas áreas rurais, modifica ou transforma valores e hábitos e renova, por sua vez, o
espaço social rural. Portanto, essas mudanças se rebatem nas áreas rurais de Santo Antônio
de Pádua e transformam as noções de ‘urbano’ e ‘rural’ em categorias simbólicas
construídas a partir de representações sociais que não correspondem mais a realidades
distintas cultural e socialmente. Fica cada vez mais difícil estabelecer uma ruptura entre o
rural e o urbano. Entretanto, tal processo não resulta no município numa homogeneização
do rural, que acabaria por transformá-lo numa continuidade do urbano, de maneira que é
possível no bojo dessas transformações e redefinições a manutenção das identidades locais e
das tradições locais (Carneiro, 1998).
75
Nessa perspectiva, as transformações ocorridas nas
áreas rurais de Santo Antônio de Pádua provocadas pela
intensificação das trocas com as sedes distritais urbanas
(pessoais, simbólicas, materiais entre outras) não resultam,
necessariamente, na descaracterização de seu sistema social
e cultural. Pelo contrário, o que se observa é a produção de
novas ‘ruralidades’, consubstanciadas muitas vezes em
mudanças de hábitos, costumes, e mesmo de percepção de
mundo, e que ocorrem de maneira irregular, com graus e
conteúdos diversificados. Essas novas experiências
engendradas acabam, por sua vez, contribuindo para criar uma nova diversidade social e
cultural que passa então a ser condição de existência dessa própria sociedade, na medida em
que (re)alimenta as trocas e amplia a rede de relações sociais (parentesco, amizade, de
relações de trabalho entre outras).
Não podemos entender a ruralidade, em Santo Antônio de Pádua tendo como
referência apenas a influência do mundo urbano no que tradicionalmente nos referíamos
como ‘rural’. Cada vez, mais e daremos alguns exemplos logo em seguida, observa-se no
espaço social ‘urbano’ a presença de elementos simbólicos e materiais e de práticas culturais
que são reconhecidos como sendo próprios da paisagem ‘rural’. No espaço social rural, por
outro lado, percebe-se a inserção de elementos ‘próprios’ da paisagem ‘urbana’, como novas
tecnologias que acabam transformando as relações sociais (telefones celular, televisão, luz
elétrica), bem como a paisagem propriamente dita (antenas parabólicas, restaurantes).
No que concerne ao espaço social urbano de Santo
Antônio de Pádua, pode-se facilmente perceber a
presença de elementos simbólicos do ‘mundo rural’ e da
‘agricultura’ como constituintes da vida cotidiana de todo
o município. Nessa dinâmica, elementos próprios do meio
rural são introduzidos no meio urbano, modificando
hábitos da população que mora nessas áreas urbanas.
Uma simples ilustração do que acabamos de expor pode
ser percebida no fato de ser comum nas sedes urbanas do município a presença de tratores
ou carroças nas ruas, compartilhando do trânsito de seus valores. É recorrente encontrar
esses veículos em sinais de trânsito ou ‘estacionados’.
Por outro lado, no meio rural de Santo Antônio de Pádua, tornou-se mais recorrente a
realização de atividades artesanais, tanto por mulheres quanto por crianças, como uma forma
de complementar a renda familiar e atender às novas demandas urbanas sobre o meio rural.
Essas novas atividades, além de modificarem as relações sociais familiares, modificam a
paisagem cultural ‘rural’ e as festas e reuniões tradicionais dessas localidades, onde se
percebe facilmente a presença dessas novas atividades no comércio. Na foto, tem-se um
standde produtos artesanais, presente numa cerimônia de inauguração de uma estufa no
distrito de Monte Alegre, fabricados por crianças e mulheres de uma área rural de Santo
Antônio de Pádua.
Outros elementos estão presentes no dia-a-dia urbano de Santo Antônio de Pádua que
remetem ao rural, de modo que é comum sairmos de uma loja de eletroeletrônicos e
Figura 2.2
Carroça no centro urbano de SAP
Figura 2.1 – Feirinha de artesanato
76
entrarmos numa loja agropecuária, repleta de celas para cavalos e ferraduras. Por outro lado,
é recorrente também nas sedes urbanas dos distritos o uso de chapéus típicos, comumente
usados por agricultores quando estão no campo. Todo o dia, no final da tarde, lá pelas seis,
sete horas, a cidade fica repleta de pessoas, dentre elas, trabalhadores urbanos e de
trabalhadores rurais. Alguns esperam o ônibus para retornar para casa, outros andam pela
cidade em busca de diversão. Os mais velhos tendem a se concentrar nas praças, onde
conversam e vêem a paisagem.
Nessa troca constante e interativa, a oficina,
elemento tradicionalmente ‘urbano’ guarda a carroça típica
das áreas rurais em meio a uma avenida repleta de carros e
sinais de trânsito. Ao mesmo tempo, uma das ruas que mais
concentra estabelecimentos comerciais (bares, restaurantes,
a rodoviária) da sede municipal é localizada entre um rio
(Rio Pomba) e um morro, numa área bem arborizada,
deixando o espaço comercial bem mais ‘verde’.
Sendo assim, saindo do trevo principal e de entrada da sede do município, andando
uns cinco minutos no máximo de carro, estamos em meio a uma ‘paisagem rural’, com
campos, pastos, lavouras e morros. Assim, o deslocamento espacial entre o shopping center
da cidade e o campo não leva mais que dez minutos.
Em Santo Antônio de Pádua, como dito, as curtas distâncias físicas que separam a
roça do centro da cidade, facilitam as trocas simbólicas e materiais, possibilitando a
interação entre os dois ‘mundos’ que cada vez mais se interceptam e inter-relacionam. O
urbano está de certa forma no rural e o rural no urbano, de forma que ambos são importantes
na manutenção da paisagem do município.
2.3 – Um Novo Olhar Sobre a Agricultura Familiar
Neste capítulo, buscamos fazer uma breve retrospectiva do contexto que determinou
a mudança do desenvolvimento rural que o concebia como sinônimo de desenvolvimento
agrícola para o enfoque territorial.
Destacamos como pontos principais dessa mudança de enfoque: o reconhecimento
do território como resultado de uma construção social o que implica na identificação em seu
interior de estruturas de dominação (materiais e simbólicas) que se refletem na sociedade
local sob a forma de exclusões; a introdução de uma visão integrada de política pública, que
procura articular seus diferentes instrumentos; pensar o desenvolvimento através da
articulação de diferentes esferas (local, regional / urbano e rural); e estabelecer um diálogo
entre os diferentes atores que buscam o desenvolvimento de determinado espaço, seja ele
governamental ou não.
No que concerne ao desenvolvimento rural, o enfoque territorial acarreta o
rompimento de vez com a visão tradicional que associava o rural unicamente ao caráter
setorial e agropecuário, determinando que sejam consideradas nas estratégias de
desenvolvimento tanto atividades agrícolas quanto não agrícolas. Adicionalmente, pressupõe
que o meio rural seja visto de forma integrada com o seu entorno e que os fluxos
estabelecidos entre as áreas rurais e as áreas urbanas próximas sejam consideradas. E, por
Figura 2.3
Elementos do rural no cotidiano urbano
77
fim, de um modo geral determina que a visão do desenvolvimento rural, antes de redistribuir
recursos e riquezas criadas e existentes num determinado espaço, vise a despertar os
potenciais para a criação de riquezas, iniciativas e novas formas de coordenações no
território em questão.
Como visto, o enfoque territorial do desenvolvimento traz uma rie de implicações
para as estratégias de desenvolvimento rural, que se tornam mais complexas. Com base
nessas considerações, partimos nesse trabalho da hipótese de que a óptica da
multifuncionalidade da agricultura se aplicaria como um bom referencial analítico para a
análise da agricultura de Santo Antônio de Pádua e seu lugar nas estratégias de
desenvolvimento rural sob o enfoque territorial, especialmente tendo em vista as suas raízes
agrárias e os obstáculos que a agricultura familiar vem enfrentando nas últimas décadas. A
introdução dessa noção, em nossa concepção, permitiria a tomada de um novo olhar’ sobre
a agricultura familiar municipal, possibilitando, por um lado, analisar a interação das
famílias rurais com o território e com a sociedade na sua integridade e não apenas nos seus
componentes econômicos e, por outro, a incorporação nessas estratégias da provisão de bens
públicos para a sociedade por parte desses agricultores familiares.
Com o objetivo de incorporar essa noção à realidade brasileira e, portanto, de Santo
Antônio de Pádua recorremos à sistematização de quatro ‘funções’ a serem desempenhadas
pela agricultura no desenvolvimento, a saber: dinâmica reprodução socioeconômica das
famílias; promoção da segurança alimentar da sociedade e das próprias famílias rurais;
manutenção do tecido social e cultural e preservação dos recursos naturais e da paisagem
rural. E, portanto, munidos dessa tipologia que realizaremos a análise da agricultura no
município em questão.
Resta agora, analisarmos os principais projetos implementados no município em
torno da agricultura familiar, procurando perceber, em última instância, até que ponto esses
são compatíveis com uma proposta de desenvolvimento rural pautada no enfoque territorial
e quais as possíveis contribuições da introdução da óptica da multifuncionalidade da
agricultura nesse campo. Esse será nosso principal desafio no próximo capítulo.
78
CAPÍTULO III
REDE, TERRITÓRIO E OS PROJETOS PARA A AGRICULTURA
FAMILIAR
3.1 – Redes e Território
As últimas décadas do Século XX, como vimos, marcam um período de intensa
transformação na economia mundial, fruto especialmente da substituição da sociedade
industrial, cujo maior símbolo era o fordismo, por uma nova ordem social fundada num
novo padrão tecnológico calcado na tecnologia da informação. Nesse novo modelo
informacional de desenvolvimento, a fonte da produtividade deixa de concentrar-se, como
no anterior, em novas fontes de energia, e passa a se apoiar na tecnologia de geração de
conhecimentos, no processamento das informações e de comunicação de símbolos. Nesse
ritmo, as próprias bases materiais em que a sociedade se assenta são remodeladas, a
economia global reduz suas distâncias e torna-se mais interdependente e integrada,
suscitando novas formas de interação entre a economia, o Estado e a sociedade. O próprio
sistema capitalista passa por um processo de profunda reestruturação caracterizado por uma
maior flexibilidade de gerenciamento, descentralização de empresas, fortalecimento do
papel do capital em detrimento do trabalho, entre outros (Castells, 2001).
Nessa nova ‘era da informação’ (Castells, 2001), as funções e os processos também
se transformam, passando cada vez mais a se organizar em torno de redes
15
, que determinam
uma nova morfologia social das sociedades. Nas redes, os atores sociais de qualquer
natureza (Estado, sociedade civil, empresas ou grupos sociais, indivíduos) encontram-se
interligados em torno de uma questão ou atividade (redes técnicas, políticas, sociais),
facilitando a sua interação e a atuação e ampliando a escala dos resultados. Assim, a
presença na rede ou a ausência dela e a dinâmica de cada rede em relação às outras passam a
ser fontes cruciais de dominação, apropriação e transformação de nossa sociedade, na
medida em que são as redes (ou sua ausência) que configuram os processos e as funções
predominantes.
Essas redes não são necessariamente homogêneas, da mesma forma que pode não
haver homogeneidade nos espaços de sua atuação. Santos (1997) destaca que é importante
perceber em primeiro lugar que nem tudo é rede, de forma que se olharmos sua
‘representação’ no espaço percebe-se que numerosas e vastas áreas escapam ao seu desenho.
Mesmo assim, onde as redes se fazem presentes, elas não são, da mesma forma, uniformes.
Levando em conta seu aproveitamento social, registram-se desigualdades no seu uso e é
15
Para Castells (2001) as redes são constituídas por um conjunto de nós interconectados. Nesse sentido, a
topologia definida por redes determina que a distância (ou intensidade e freqüência da interação) entre dois
pontos (ou posições sociais) seja menor (ou mais freqüente ou mais intensa) se ambos os pontos forem nós de
uma mesma rede do que se não pertencerem à mesma rede.
79
diverso o papel dos agentes no processo de controle e de regulação do seu funcionamento
(Santos, 1997).
Essa nova lógica organizativa, fomentada pelo ritmo de desenvolvimento da
tecnologia da informação, é sentida em toda a estrutura social, remodelando-a. Na área de
estudos dos movimentos sociais, as redes aparecem sob a forma de redes de movimento, de
solidariedade e sociais e referem-se às articulações formais ou informais entre indivíduos,
grupos ou organizações da sociedade civil que visam a realizar reivindicações, trocar
experiências ou informações, somar recursos, formular projetos e promover ações públicas
em geral. No campo estatal, as redes passam a nomear as articulações formais realizadas
entre diferentes agências governamentais, ou entre a esfera governamental e organizações
privadas e da sociedade civil em torno de problemas sociais ou de discussões de
instrumentos de política pública. No âmbito local, elas confirmam e reafirmam a profunda
transformação no padrão de relação entre Estado e sociedade, geralmente caminhando na
direção de uma maior participação, negociação, democratização e flexibilidade nos
processos de interação entre essas duas esferas (Passador, 2003).
Todas essas mudanças têm reflexos no espaço, modificando a forma de organização
e de interação dos atores sociais, tendo, portanto, alterado diretamente a consolidação e
dinâmica dos territórios. Como na definição do segundo capítulo, é importante diferenciar
aqui o território e espaço geográfico, este último o qual se refere, simplesmente, ao resultado
obtido com a continuidade (e acúmulo de seus efeitos) das relações entre a sociedade e da
paisagem.
A definição de território, como vimos, requer que sejam incluídas nas análises do
espaço geográfico, a questão do poder, que por sua vez envolve relações de dominação
(sentido mais simbólico do poder, relacionado ao valor de uso) e apropriação (poder no
sentido mais concreto, ligado ao valor de troca). Assim o território seria um espaço sobre o
qual incidiriam relações de dominação ou apropriação de recursos, os quais lhe conferem
um caráter eminentemente político. Porém não se deve ignorar que essa dimensão política
não se de maneira unívoca, na media em que uma constante disputa de projetos de
ordenamento desse mesmo território (individuais e coletivos) que se pautam tanto na crítica
da forma sob a qual se dão as relações sociais quanto nos processos de apropriação e uso dos
recursos ambientais (Alentejano, 2003).
Dessa forma, é importante pontuar que o território possui uma dupla dimensão, uma
simbólica e uma material, resultantes dessas relações de dominação e ou de apropriação
sociedade-espaço às quais está submetido, e que envolvem disputas que vão desde a
dominação político-econômica, até a cultural-simbólica (menos percebida). Trata-se,
portanto, de um espaço-processo, um espaço socialmente construído (Haesbaert, 2004a e
2004b).
Ao olhar para o território, portanto, ao contrário do espaço social, deve-se distinguir
e identificar os sujeitos que efetivamente exercem o poder, ou seja, os que de fato controlam
esse(s) espaço(s), e conseqüentemente, os processos sociais que o(s) compõe(m), impondo
sua visão de mundo sobre os demais. O ponto crucial é ter em mente as relações sociais que
se travam no território como relações de poder. São essas relações que se dão no espaço que
produzem no território em questão, identidades sociais, que, por sua vez, também são
mecanismos de controle, distinção e separação, que de algum modo passam a nomear e
classificar os indivíduos e os grupos sociais que nele se inserem. Estabelece-se, assim, uma
80
relação de diferença entre os ‘iguais’ que se localizam dentro de seus limites e os que se
encontram ‘fora’, constituindo por fim o território (Haesbaert, 2004b).
A área geográfica nesse sentido é controlada visando atingir, ou afetar, influenciar ou
controlar pessoas, fenômenos e relacionamentos, num processo em que o indivíduo ou um
determinado grupo social expande e territorializa seu poder sobre um espaço social. Assim,
a territorialidade ou o processo de ‘se territorializar’, além de conter uma dimensão política,
diz respeito também às relações econômicas e culturais, estando intimamente ligada à
determinação do modo como as pessoas utilizam a terra, como elas próprias se organizam no
espaço e como elas dão significados ao lugar (Haesbaert, 2004a). É uma estratégia para criar
e manter o domínio sobre o espaço, utilizado tanto para realizar funções quanto para
produzir significados. Assim, para as camadas mais vulneráveis, mais pobres e, logo com
formas reduzidas de territorialidade, o território adquire às vezes tamanha força que combina
em igual grau a sua funcionalidade e identidade, de forma que ‘perder o seu território, torna-
se desaparecer’ (Haesbaert, 2004a).
Essas formas de dominação e apropriação do espaço, por conseguinte, variam ao
longo do tempo e do espaço. Enquanto nas sociedades tradicionais se conjugava em maior
grau a construção material, território como abrigo e base de recursos, na sociedade
contemporânea vigora o controle da mobilidade de fluxos (redes) e, conseqüentemente, das
conexões. O território passa então gradativamente, de um território mais zonal (ou de
controle, estático) para um território-rede ou de controle de redes (fluxos de pessoas,
mercadorias e informações). Aí a mobilidade passa a ser um elemento fundamental na
construção do território.
Cabe ressaltar aqui, que não entendemos que ‘redes’ e ‘território’ sejam dicotômicos,
como se fossem duas unidades distintas e antagônicas. Por outro lado, também não
concordamos com as visões que subordinam as redes aos limites do território. A rede aqui é
vista como elemento constituinte do território, onde ambos estabelecem uma relação
dialética podendo, ora se fortalecerem, ora se enfrentarem (Alentejano, 2003).
As redes, portanto, não necessariamente implicam num processo de
desterritorialização. Em última instância as redes significam novas territorializações. Seus
efeitos sobre o território são, concomitantemente, territorializadores e desterritorializadores,
o que faz com que os fluxos que por elas circulam possam tanto sustentar e construir
territórios, quanto os desestruturar ou desarticular (Haesbaert, 2004b).
A rede, nesse sentido, ultrapassa a idéia de mais uma forma (abstrata) de composição
do espaço, e ganha a perspectiva de um componente territorial indispensável que enfatiza a
dimensão temporal-móvel do território e que, conjugada com a ‘base material’ do mesmo,
ressalta seu dinamismo, seu movimento, suas perspectivas de conexão. As redes, por um
lado, são sempre ‘mais ou menos’ territorializadas, dependendo de suas características, não
existindo em nenhuma situação (mesmo as redes virtuais necessitam no mínimo das redes
técnicas para que sua existência seja possível) sua completa desterritorialização (Haesbaert,
2004b).
Essas novas territorializações, a partir das redes, se acentuam nos tempos
contemporâneos da sociedade da informação, onde controlar o espaço indispensável à nossa
reprodução social não significa mais, necessariamente, controlar áreas e definir ‘fronteiras’
mas, sobretudo, viver em redes onde nossas identificações e referências espaço-simbólicas
são feitas tanto no enraizamento e na estabilidade quanto na própria mobilidade. Esse
81
contexto de multiterritorialidade determina que experimentemos vários territórios ao mesmo
tempo e que, a partir daí, efetivemos uma territorialização que é múltipla.
Nesse processo, observa-se uma crescente distinção entre a tradicional lógica zonal
(controle exercido sobre as áreas, continuas e com fronteiras claramente delimitadas,
geralmente ligada ao Estado) e uma lógica territorial reticular (controladora de fluxos,
porém através das redes). Essas lógicas, então, passam a conviver e interagir, e se mesclam
de tal modo que a efetiva hegemonia dos territórios-zona estatais vê-se obrigada a, hoje,
conviver com novos circuitos de poder que desenham complexas territorialidades, em geral
na forma de territórios-rede. Logo, um território dado de delimitação político-administrativa
pode abrigar vários territórios construídos, territórios que são configurações mutáveis,
provisórias e inacabadas, e cuja construção pressupõe a existência de uma relação de
proximidade (nem sempre física) dos atores sociais envolvidos (Cazella, 2005).
Assim, atualmente se considerar os territórios requer que os mesmos sejam vistos
tanto a partir do seu ‘interior’ (como plurais, pois englobam diversos territórios justapostos),
quanto como um conjunto superposto de vários territórios (ou territorialidades), cuja
abrangência pode ir bem além dos seus limites (prioriza as relações do território com
aqueles que se encontram para ‘cima’ ou além deles). A multiterritorialidade atualmente, e
principalmente com o novo aparato tecnológico-informacional, implica no exercício de um
controle que ultrapassa as fronteiras do espaço social, tratando-se de um domínio não apenas
por deslocamento físico, mas também por conectividade virtual e capacidade de interações à
distância, influenciando e integrando novos territórios. Sua mudança, portanto, não é apenas
quantitativa (pela maior diversidade de territórios que se colocam ao nosso dispor), mas
também qualitativa na medida em que temos hoje a possibilidade de combinar de uma forma
inédita a intervenção e, de certa forma, a vivência, concomitante, de uma enorme gama de
diferentes territórios descontínuos e até virtuais.
A flexibilidade territorial do mundo atual, entretanto, não é universal nem inclusiva.
Nessas complexas relações e interações, apenas alguns grupos, em geral os mais
privilegiados, usufruem dessa multiplicidade inédita de territórios, seja no sentido de sua
sobreposição num mesmo local, seja de sua conexão em rede por vários pontos. E isso
implica, automaticamente em diferentes formas de exercício de poder, seja econômico-
político, seja cultural-simbólico.
Dessa forma, isso nos leva a pensar no território e nas redes que os constituem e
ajudam a formar como estratégias de expansão e/ou manutenção do poder, que resultam em
estruturas de dominação que podem gerar uma grande massa de ‘excluídos’. Essas estruturas
consolidadas permitem e determinam a reprodução de processos de exclusão que reservam a
uma minoria a possibilidade de ativar ou de vivenciar, concomitantemente, múltiplos
territórios e, portanto de expandir seu poder ou áreas de controle e ter acesso a ativos
territoriais. Assim, atualmente, como uma elite tem a opção de escolher um entre diversos
territórios, vivenciando uma multiterritorialidade, outros na base da pirâmide social não têm
nem ao menos a opção do primeiro território, aquele que é abrigo e fundamento mínimo de
sua reprodução cotidiana (Haesbaert, 2004a).
Sendo assim, o reconhecimento dessas estruturas de dominação e da
multiterritorialidade implica reconhecer também a importância estratégica do espaço e do
território na dinâmica transformadora da sociedade e, portanto, nas estratégias de
desenvolvimento. O não reconhecimento dessa dimensão política determina que os ganhos
das estratégias de desenvolvimento implementadas se voltem apenas para aquelas camadas
82
que efetivamente exercem sua (multi)territorialidade (em várias escalas e dimensões). Nesse
sentido, as estratégias de desenvolvimento que se pautam numa lógica territorial devem
procurar identificar essas relações de poder e a diversidade de percepções e interesses dos
atores locais que lhes o inerentes e que podem contribuir para a explicação das exclusões,
contradições e conflitos efetivados.
3.2 – A Rede e o Território em Santo Antônio de Pádua
Nessa seção procuraremos analisar essas mudanças no município estudado,
especialmente, como resultado da formação de uma rede que atua em torno do segmento da
agricultura familiar e que gera, a partir de sua territorialização, processos de exclusão,
conflitos e contradições.
A década de 1980 marcou o início de um período de mudanças que culminaram em
reformas em direção a uma maior descentralização política e econômica em todo o cenário
internacional. Na maioria dos países desenvolvidos, principalmente na Europa, assiste-se à
falência do modelo de desenvolvimento pautado no Welfare State, que tinha no Estado o
maior provedor e gestor de políticas de redistribuição de renda e de serviços/bens públicos.
Nos países periféricos, especialmente na América Latina, o movimento em direção à
redemocratização, com o desmantelamento progressivo das rígidas estruturas das ditaduras
militares, a conseqüente descentralização das atividades governamentais e o aumento da
participação da sociedade civil nos processos decisórios.
No Brasil, nessa mesma direção, a promulgação da Constituição Federal de 1988
redesenhou institucionalmente o Estado Brasileiro, introduzindo novos instrumentos de
gestão social dos recursos públicos, dentre os quais podemos destacar a institucionalização
dos conselhos gestores de políticas nas esferas federais, estaduais e municipais (Marques et
al., 2003). Observa-se então uma tendência crescente na administração pública de
aproximação com organizações da sociedade civil, que se antes eram associadas a atitudes
contestatórias, agora passam cada vez mais a atuar como colaboradoras, através da firmação
de parcerias e ações conjuntas (Passador, 2003).
O resultado mais direto desta nova estrutura de gestão política refletiu-se numa maior
autonomia das instâncias locais e na valorização das práticas de democracia participativa,
com o deslocamento dos cidadãos do papel de receptores passivos das ações públicas, para o
de co-gestores ativos. Os instrumentos de política pública, por sua vez, adquirem um caráter
mais dinâmico, sendo sistematicamente construídos e aperfeiçoados, ao longo do percurso
em que são postos em ação, ou seja, aplicados em cada realidade local (Junior, 2004).
No meio rural brasileiro podemos citar a instituição dos Conselhos de
Desenvolvimento Rural Sustentável – CMDRs como um importante passo em direção a essa
descentralização. Estes se multiplicaram a partir do Programa de Fortalecimento da
Agricultura Familiar – PRONAF, mais especialmente da linha Infra-estrutura e Serviços que
vinculava os projetos à existência de CMDRs e à existência e elaboração de um Plano
Municipal de Desenvolvimento Rural, o que favoreceu o debate em escala ampliada
(envolvendo sociedade civil e outros atores externos à esfera governamental) e criou um
espaço institucionalizado para a elaboração e discussão de instrumentos de política pública
para a agricultura familiar (Marques et al., 2003).
Nesse contexto, a instância local como gestora e implementadora de projetos é
valorizada, ganhando destaque as ações que têm como referência espacial o(s) território(s), a
partir de uma interpretação integradora e multidimensional.
83
Em Santo Antônio de Pádua o processo de formação da rede em torno da agricultura
familiar, bem como da constituição de novas territorialidades (e possíveis
desterritorializações) tem origem conjunta com a implementação no município do Pronaf
Infra-estrutura e do aumento da disputa dos atores sociais em torno desses novos recursos. O
município é beneficiado pelo Programa, em sua linha Infra-estrutura desde 1997/8. Nesse
período é observada a formação de um Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural, que
ficou encarregado da elaboração e da operacionalização do Plano Municipal de
Desenvolvimento Rural.
O Plano Municipal de Desenvolvimento Rural teve suas ações divididas em quatro
eixos principais. O primeiro deles visava à melhoria da geração de emprego e renda e
continha em suas diretrizes: aumento da produção e da produtividade de leite e olerícolas,
melhoria no sistema de comercialização (com melhor classificação/padronização,
embalagem e qualidade dos produtos), fomento à diversificação nos estabelecimentos rurais
(principalmente através da introdução de novas atividades como fruticultura, piscicultura,
reflorestamento ‘econômico’) e profissionalização dos produtores com cursos de
capacitação; O segundo referia-se à proteção ambiental através do aumento da cobertura
vegetal, conservação do solo e da água, proteção das nascentes e uso racional de
agrotóxicos; O terceiro visava à erradicação das principais zoonoses que se instalavam no
município (mastite, brucelose) através de campanhas de conscientização dos produtores
sobre os riscos e prejuízos causados por essas enfermidades; e o último, o aumento da
rentabilidade das atividades rurais, impedindo o êxodo rural, tornando mais atrativa a volta
ao campo. Tal plano, muito embora tenha sido construído a partir de reuniões nas
localidades rurais do município, não se inseriu numa visão da organização do ‘território’ em
questão, mas como uma forma de encontrar uma solução específica e setorial para cada
problema identificado no território. Suas ações eram, geralmente, desarticuladas e possuíam
uma forte ênfase na dimensão econômica e produtiva das atividades agrícolas.
Em última instância, o estabelecimento do programa no nível federal refletiu nesse
município num incentivo maior (partindo principalmente da esfera governamental) à
mobilização da sociedade civil, sobretudo daqueles segmentos ligados à agricultura familiar,
fomentando inclusive a criação de instituições formalizadas como associações e núcleos de
produtores.
Nesse sentido, pode-se falar que o processo de maior organização da sociedade civil
partiu de maneira geral de um movimento ‘de cima para baixo’, de modo que a formação
dessas instituições, propriamente ditas, não teria sido uma iniciativa espontânea dos
produtores em torno de interesses comuns, mas uma organização social de certos segmentos
da agricultura familiar (e não de todos), com amplo incentivo das instâncias governamentais
locais, com o objetivo de gerir os novos recursos públicos disponibilizados pelo Pronaf.
Um representante da Associação dos Pequenos Produtores de Ibitiguaçu e Monte
Alegre, em sua entrevista, nos uma boa noção do processo que deu origem à associação
da qual faz parte,
“ - A associação surgiu a partir de uma conversa entre mim e o Secretário da
Agricultura. Ele me falou: ‘- Olha, ou nós fundamos, temos uma associação agora, ou
não vamos ter mais tempo, não, porque nós estamos muito atrasados. Começamos a
mobilizar os produtores, fazer reuniões. Antes não tinha organização nenhuma,
nenhuma mesmo. fizemos reuniões no colégio do distrito. Ele trouxe na época o
Delegado Federal de Agricultura, o Prefeito. Aí começou, aí criamos a associação.”
84
A partir daí, observa-se no município a formação de uma rede em torno da
agricultura familiar. Uma rede que é ao mesmo tempo material e social/política. Material no
sentido em que abarca infra-estruturas que permitem a instalação material dos ‘nós’ (agentes
ou instituições) componentes dessa rede, bem como permitem trocas e interações de matéria,
energia ou de informações, e que se inscrevem e se desenrolam num determinado território.
Mas uma rede que também é social e política, na medida em que também é as pessoas, as
mensagens, os valores e os projetos (formais e informais) que a freqüentam (Santos, 1997).
Sua composição engloba tanto órgãos governamentais quanto organizações da
sociedade civil. Os seguintes atores fazem parte de sua composição: Secretaria da
Agricultura, a Emater, o Sebrae, o Sindicato Rural Agropecuário, a Cooperativa
Agropecuária, Associação de Pequenos Produtores Rurais de Monte Alegre e Ibitiguaçu
(APRUMAI), Associação de Moradores de Marangatu e o Núcleo de Ovinos e Caprinos do
Noroeste do Estado (de formação mais recente). E são esses mesmos atores que compõem o
CMDR do município.
Sua origem se aproximadamente em meados da década de 1990, junto com a
entrada do Secretário da Agricultura na época e com a instituição do Pronaf Inra-estrutura.
Nesse sentido, é importante destacar aqui que a consolidação e o fortalecimento dessas
relações sociais não se deram num vácuo social, na medida em que os atores até por terem
como origem comum o município (e residência) apresentavam relações de relativa
proximidade.
O Secretário da Agricultura da época era natural de Santo Antônio de Pádua, mas
tinha retornado ao município pouco tempo. Ele saíra do município, como tantos outros,
para estudar. Passou um bom tempo trabalhando no Rio de Janeiro, e depois resolveu
retornar ao município de origem, onde primeiro ocupou o cargo de Secretário da Agricultura
e, atualmente, se encontra no Sebrae, o que tem feito com este órgão no município se
aproxime cada vez mais dos projetos elaborados em torno da agricultura familiar,
principalmente naqueles em que ainda a necessidade de estruturação de cadeias, como os
orgânicos e a ovino e caprinoculturas.
A dinâmica dessa rede no município, embora seja caracterizada por fluidez e
interações sistemáticas, não se de maneira uniforme entre todos os atores sociais dela
constituintes. De forma geral, a Secretaria da Agricultura trabalha junto ao Sebrae, devido,
sobretudo, à proximidade que esses dois órgãos apresentam pelo fato do Sebrae ter hoje
como funcionário o antigo Secretário de Agricultura do município. A Emater trabalha junto
com os dois em regime de parceria. Na maior parte das vezes, é nesse núcleo, que concentra
agentes governamentais, que são gerenciados e planejados a maior parte dos projetos, muito
embora o reconhecimento disso não implique numa retirada dos demais ‘nós’ dos processos
decisórios. Esses três atores são os elos mais fortes da rede, que depois se ligariam ao
Sindicato Rural, à Cooperativa Agropecuária, à Aprumai, à Associação de moradores de
Marangatu e ao Núcleo de Ovinos e Caprinos. A maior parte dos projetos se dá no regime de
parceria e a maior articulação da rede com agentes externos (fora do município) no
município se daria a partir da Secretaria e do Sebrae.
85
Figura 3.2.1 – Rede
Fonte: Elaboração da autora
A maior articulação dessa rede produz no município, um território-rede, que coincide
com o espaço onde se a maioria das ações e dos projetos de fomento à agricultura
familiar desenvolvidos no município. Assim, nos movimentos sistemáticos de
territorialização dessa rede, se reflete no município um processo de exclusão de alguns
segmentos da agricultura familiar do escopo dos projetos de desenvolvimento municipais.
As principais ações da rede, consubstanciadas em ações voltadas para a agricultura
familiar que são realizadas no município, se concentram nas áreas localizadas mais ao Norte
do município, de forma que a maioria delas envolve os distritos e as áreas próximas a Monte
Alegre, Ibitiguaçu e Campelo. Conseqüentemente, são essas áreas também as que
apresentam no município, uma maior expressão na produção agrícola municipal,
especialmente na produção de olerícolas. As demais localidades, ainda que apresentem áreas
rurais e populações formadas em sua maioria por agricultores familiares, por apresentarem
uma produção agropecuária de menor escala, ficam ‘fora’ da área de atuação dessa rede e
têm sua representatividade junto às esferas públicas de participação reduzida.
Santo Antônio de Pádua, nesse sentido, por ser o distrito mais urbanizado e a sede
municipal teria uma menor expressão agrícola e, portanto, não seria diretamente foco da
rede. as áreas mais ao Sul do município, próximas aos distritos de São Pedro de
Alcântara, Marangatu e Santa Cruz, por sua vez, são as áreas em que a agricultura encontra-
se mais esvaziada, não se constituindo também principal foco de atenção dos projetos
implementados pela rede. Tratam-se das áreas mais próximas às estações de extração
mineral, que determinam que a atividade agrícola passe a competir diretamente com o setor
extrativo mineral (rochas semi-preciosas) o que teria enfraquecido a agricultura familiar
86
local, na medida em que a maior parte dos pequenos produtores estaria saindo da atividade
agrícola para trabalhar no setor de extração mineral ou teria destinado suas terras (quando há
nele a presença de reservas minerais) à extração de pedras, e não às lavouras.
A representação dos distritos nessa rede também espelha esse ‘desequilíbrio’, na
medida em que das organizações da sociedade civil nela presentes (fora o Sindicato e a
Cooperativa que atendem a todo o município) duas teriam origem nos distritos de Ibitiguaçu
e Monte Alegre. A Associação de Moradores de Marangatu, nesse sentido, seria a única
exceção, no entanto, essa associação apresentava uma menor participação na mobilização
junto às estâncias governamentais e nas discussões sobre a gestão dos projetos para
agricultura familiar.
Nesse sentido, percebe-se que ao mesmo tempo em que a consolidação e articulação
da rede criam novas territorializações, reforçando as áreas onde a produção agrícola familiar
é mais significativa e acentuando as disputas em torno dos recursos e dos investimentos
nesse território, essa mesma rede exclui outras áreas e segmentos da população,
especialmente aqueles onde a agricultura familiar encontra-se mais enfraquecida.
A partir de 2003, com o Governo Lula, o Ministério do Desenvolvimento Agrário
promoveu uma série de mudanças na linha de crédito do Pronaf Infra-estrutura, de modo que
a principal delas foi a mudança do foco no município para o foco no território. Assim, a
partir de 2003, os recursos da linha Infra-estrutura do Pronaf deixaram de ser destinados a
municípios isolados, e passaram a englobar projetos relacionados a um conjunto de
municípios, os territórios. Nesse sentido, os ‘territórios’ criados contam com o auxílio da
Secretaria de Desenvolvimento Territorial (SDT) que tem como principal objetivo a
promoção e o apoio aos processos de construção e implementação de Planos Territoriais de
Desenvolvimento Rural Sustentável (PTDRS). Um de seus objetivos principais é contribuir
para o desenvolvimento harmônico de regiões onde predominem agricultores familiares e
beneficiários da reforma agrária, colaborando para a ampliação das capacidades humanas,
institucionais e da autogestão desses territórios.
Foi criado então um território no Noroeste do Estado que envolve os 13 municípios
da região e também um Conselho Territorial do Noroeste Fluminense, onde cada município
teria direito a três representantes. Santo Antônio de Pádua estaria incluído nesse território e
sua representação se daria a partir dos mesmos atores sociais que compõem a rede e o
CMDR. A rede, assim, se faz presente nessa nova institucionalidade, gerindo agora os
recursos numa arena que contempla outros atores, pertencentes ao território criado pela SDT
como o território da região Noroeste.
No momento em que estava se realizando a transição do foco de gestão de recursos
do âmbito ‘municipal’ para o ‘territorial’ dessa nova política e apoio aos territórios e à
agricultura familiar o Secretário da Agricultura de Santo Antônio de Pádua demonstrou
preocupação quanto ao esvaziamento do município como foco dos projetos de
desenvolvimento e do CMDR. Nesse sentido, citou como obstáculos para os projetos
coletivos no nível do território, aqueles problemas resultantes de disputas políticas, a falta de
cooperação entre as Prefeituras (a não participação de algumas delas, por exemplo) e uma
outra série de problemas operacionais, como as distâncias que se interpõem aos municípios e
a forma de gerir os recursos disponibilizados. Na visão do Secretário, a região não estaria
‘pronta’ para isso.
Percebe-se uma clara deficiência na elaboração do território da SDT, uma vez que
o território elaborado não partiria do reconhecimento do território como uma disputa
87
(material e simbólica) travada entre os grupos e as pessoas que integram esse espaço.
Tratando-se antes, mais uma vez, de uma delimitação ‘externa’, negando, nesse sentido, a
definição de território como construção social, que parte de uma identidade construída pelos
agentes que dele compartilham.
O princípio da SDT na formação do território em questão partiria da noção de que o
território seria detentor de vocações e identidades naturais que devem ser identificadas e
acionadas, pelas estratégias de desenvolvimento, como suporte para o desenvolvimento
territorial. O elemento fundamental dessa concepção é a idéia de que os territórios são
fundamentalmente definidos por uma identidade comum interna. Por trás dessa concepção
estariam as idéias de: capital social, desenvolvimento humano e fortalecimento das
instituições. Assim, os obstáculos ao desenvolvimento do potencial dos territórios poderiam
ser mitigados à medida que políticas de desenvolvimento do capital humano, de capital
social fossem implementadas. Essas medidas poderiam contribuir para desbloquear e fazer
aflorar os potenciais existentes nos territórios potencializando seu desenvolvimento (Leão &
Lima, 2005).
Essa visão desconsidera, por sua vez, o caráter político do território e a dimensão
conflituosa dos processos de construção dos territórios e das identidades que eles encerram.
Nesse processo é negligenciado o processo de acirramento de disputas e de conflitos
envolvidos na construção de identidades com a finalidade de acessar recursos e ativos, num
processo político de construção e inclusive de afirmação de identidades para fora.
O não reconhecimento dessa dimensão política dos territórios, como já foi visto,
pode ser um entrave à modificação efetiva das estruturas de dominação presentes nesses
espaços e que, muitas vezes, são responsáveis pela perpetuação de situação de miséria e
exclusão de alguns segmentos da sociedade local. O que pode implicar que os ganhos
obtidos com os ativos potenciais acionados por um processo de desenvolvimento se
concentrem e se direcionem apenas para aquelas camadas que efetivamente exercem sua
(multi)territorialidade (participando em várias redes e espaços institucionalizados).
Ainda de acordo com a proposta da SDT, destacamos que o não reconhecimento
dessas mesmas estruturas de dominação pode ocasionar que as ações de fortalecimento da
sociedade civil e das instituições locais (muitas vezes consubstanciados na idéia de capital
social) impressas nesses planos de desenvolvimento não adquiram uma dimensão de
inclusão dos segmentos tradicionalmente excluídos pela estrutura de poder local. Nesse
sentido, o processo de ‘empoderamento’ de pessoas e dos grupos sociais excluídos, que se
constitui elemento-chave para a construção da estratégia de desenvolvimento rural pode
adquirir os contornos de um processo em que os agentes exercem posição passiva e em que
o ‘poder’ que lhes é necessário para romper com as situações de dominação e pobreza seja
visto como algo a ser ‘provido’ pelas agências do governo e instrumentos de política pública
e não conquistado e construído por esses mesmos segmentos. Nesse contexto, num limite, os
Conselhos Territoriais poderão reproduzir em sua operacionalização a estrutura tradicional
de poder vigente.
Sendo assim, a constituição da rede e o processo de descentralização política,
consubstanciado numa maior autonomia da instância local e cujos maiores símbolos no
município são o CMDR e o CTNF, nos colocam como desafio refletir a respeito de como se
daria a participação da sociedade civil de Santo Antônio de Pádua nesses espaços públicos,
sua representatividade e se essas determinariam uma acentuação dos processos
democráticos.
88
De um modo geral, a descentralização de um conjunto significativo de decisões
políticas, como as que envolvem o segmento da agricultura familiar no município, não
necessariamente seria um elemento de radicalização e aprofundamento da democracia nas
circunstâncias atuais. Sendo assim, ainda que instituições de âmbito local, dotadas de efetivo
poder como os CMDR e o CTNF, possam representar um incentivo à participação política
da sociedade civil (como o foi no município) de certos segmentos, sua existência por si
nem sempre seria suficiente para garantir que essa participação realmente garantisse a
representatividade da população local ou que se de forma igualitária. A descentralização,
por si só, não pode assegurar que o deslocamento de recursos do centro’ para o nível local
implique a abolição da dominação. Em muitas situações esse deslocamento pode significar a
substituição de uma dominação pelo ‘centro’ por uma dominação efetivada no próprio
interior desse subsistema. Em certas circunstâncias, as próprias instâncias de poder local não
estão preparadas (e nem dotadas das estruturas que permitam) para a democratização dos
processos decisórios (Arretche, 1996).
Nesse sentido, o caráter democrático do processo decisório dependeria menos do
âmbito em que se dariam essas decisões (federal, regional, local) e mais da natureza das
instituições que são encarregadas de gerir esses processos participativos. Nesse ponto é
importante considerar que ainda que as instituições conformem as formas de ações políticas,
uma vez que a maneira como se dá a ação pública incentiva e favorece determinados
comportamentos políticos, por outro lado, essas instituições e suas ações sofrem as
influências do contexto social e histórico em que estão enraizadas. Isso deve ser considerado
e chama atenção para a identificação das relações de poder que são travadas pelos diferentes
grupos sociais no território. Sendo assim, não haveria necessariamente uma relação entre
descentralização e redução do clientelismo. Na verdade, mais do que a descentralização, a
redução do clientelismo supõe a construção de instituições que garantam a capacidade de
fortalecimento do governo (com a relativa autonomia em relação a pressões particularistas),
bem como o aumento da capacidade de controle dos cidadãos, sem distinções, sobre as
ações públicas (Arretche, 1996).
Assim, a atuação conjunta entre Estado e sociedade civil no município envolveria
sempre tensões e conflitos que nem sempre seriam bem compreendidos e articulados. Nesse
aspecto é importante o reconhecimento, tanto pelo Estado quanto pela sociedade civil, de
que esses processos envolvem diferentes interesses, nem sempre compatíveis, mas
possivelmente negociados e da necessidade de que as negociações nessas arenas públicas de
participação se dêem de forma que não implique numa perda de autonomia dos grupos que
dela participam, especialmente dos representantes daqueles segmentos mais vulneráveis
(Dagnino, 2002).
No que concerne à sociedade civil e sua representatividade nessas estâncias locais de
poder, chamamos a atenção para aqueles elementos que dificultam (ou impossibilitam) a
participação (igualitária) de certos segmentos da sociedade civil nos espaços públicos. O
mais importante deles é a exigência de qualificação técnica e política necessária para que
essas lideranças locais possam ‘participar do jogo’ decisório. Nesse sentido, a participação
da sociedade civil nesses espaços envolveria um processo de aprendizado dos agentes e
lideranças no sentido de lidar com política pública (etapas de formulação, discussão,
deliberação ou execução), bem como o aprofundamento do conhecimento sobre
funcionamento do próprio Estado, da máquina administrativa e dos procedimentos
envolvidos em cada etapa desse processo. Esses processos de aprendizado exigiriam saber
89
técnico especializado o que os representantes da sociedade civil, geralmente, não têm,
dificultando a participação igualitária nos processos decisórios (Dagnino, 2002).
Por outro lado, a exigência de qualificação para a participação efetiva, traz
implicações práticas que, por conseguinte, obstaculizam a participação de certos segmentos
da sociedade local, bem como acabam determinando que os representantes da sociedade
civil que participam dos processos decisórios sejam sempre os mesmos. Essas limitações se
fazem presentes sobremaneira sobre aqueles segmentos mais vulneráveis, que não possuem
‘voz’ na estrutura de poder local, que geralmente encontram-se naquelas camadas detentoras
de menores níveis de escolaridade e qualificação e que moram em áreas mais distantes dos
locais onde se dão essas negociações. Por conseguinte, a baixa rotatividade de
representações nesses espaços (de forma que os portadores de especialização tendem a ser
perpetuados como representantes) e a ausência de representação por parte da maioria dos
segmentos mais vulneráveis da agricultura familiar no município determinam que se
reproduzam no interior dos espaços públicos desigualdades adicionais que espelham a
estrutura de dominação local.
A maioria das entrevistas demonstra um sentimento de satisfação com o
funcionamento da rede, muito embora ainda reconheçam obstáculos a serem transpostos,
bem como lacunas em seu funcionamento. Um dos principais obstáculos seria a própria
visão da agropecuária dentro do município, que muitas vezes, seria associada à idéia de
atraso. Segundo a veterinária da Prefeitura de Santo Antônio de Pádua, ao ser indagada
acerca do papel da agricultura no município
O antigo secretário da agricultura daqui tinha uma visão muito boa, e agora,
junto com o novo Secretário, aqui, graças a eles a gente ainda tem alguma coisa.
Porque o setor primário da economia aqui em Pádua é o setor que menos recebe
incentivos e verbas. Pelo contrário, na cultura, eles ligam isso ao atraso. É uma
dificuldade muito grande a nossa.”
Um vereador do município e representante do setor de rochas como principal
obstáculo a baixa capacidade de financiamento público do município, bem como a ausência
de representação política da região nas esferas mais elevadas, como a estadual e federal.
Segundo o entrevistado, ao ser indagado se considera as políticas de apoio existentes no
município suficientes e eficazes,
- O governo de Pádua, municipal, apoio à agricultura, porém, é um apoio muito
pequeno, muito pouco, pois a cidade tem pouca condição de dar um apoio maior ao
setor. A Prefeitura não tem condições de fazer todas as melhorias e benfeitorias que
se fazem necessárias, sozinha. (...) Nós não temos mais representantes no nível
estadual e federal para a Noroeste, na verdade. E isso, na verdade, o sistema funciona
na política mesmo, só a política traz algum desenvolvimento.”
Um pequeno produtor membro da Aprumai também uma melhoria nas ações de
fomento à agricultura familiar que são desenvolvidas no município, principalmente com a
entrada de novos órgãos na rede como o Sebrae. Segundo o produtor,
Hoje, existem órgãos empenhados muito na agricultura. Órgãos que nem
participavam dela, antigamente. O Sebrae, aí, é um exemplo, um caso. Ele não
90
participava da agricultura. E hoje aqui no município, o Sebrae dá total apoio à
agricultura. O governo também dá, né, apoio, mas que às vezes não dá. (...) O que
o Sebrae está fazendo é o melhor trabalho e são as melhores iniciativas para o
produtor. Ele está tentando reerguer a agricultura do nosso Noroeste aqui, porque
sabe, está difícil o Noroeste do Estado.”
Nesse sentido, essa rede tem conseguido consolidar em Santo Antônio de Pádua,
uma série de projetos voltados para a agricultura e, especialmente para a agricultura familiar,
que têm dado maior impulso e dinamismo à agricultura no município.
3.3 - Os Principais Projetos para a Agricultura Familiar
De uma forma geral, atualmente, no município, todas as ações que envolvem a
agricultura e a agricultura familiar passam ou partem do jogo de articulações dessa rede. É
ela quem organiza todas as ações que buscam fomentar a agricultura familiar do município,
seja na dimensão que tem o município como referência seja naquele espaço
institucionalizado pela SDT (através da negociação com os demais representantes dos outros
municípios constituintes), que tem o ‘território’ da região da Noroeste como foco de
análise.
É importante ressaltar que não no município uma integração ou articulação entre
os diferentes programas que têm a agricultura familiar como foco, bem como também não
há um diálogo entre as diferentes linhas de um mesmo programa. A única articulação deles é
o fato de se dirigirem para o mesmo público. A lógica que rege a gestão desses programas é
a idéia de que tanto as políticas dirigidas para determinado agente como pessoa física (como
o crédito do Pronaf) quanto aquelas que são construídas no município visando uma
utilização coletiva (a partir do Pronaf Infra-estrutura e agora das ações da SDT) tenderiam a,
no final, beneficiar de uma forma geral os pequenos produtores. Não a idéia de
implementação conjunta ou planejada de diferentes programas de fomento à agricultura
familiar. Identifica-se essa dinâmica na declaração do Secretário de Agricultura do
município, ao ser indagado se existiria alguma forma de coordenação e articulação entre as
políticas agrícolas e rurais implementadas no município,
“ – Os programas são vinculados, eles se encaixam. A questão do crédito, por
exemplo, o produtor, ele tanto é beneficiado com o recurso diretamente, ele vai no
banco e pega, quanto ele é beneficiado com os recursos que vêm para a implantação
de projetos, pois aquele projeto o beneficia de qualquer forma, como a venda de
alevinos, a forma como esse dinheiro, esse recurso... ele está sendo beneficiado com
os alevinos, com os tratores, com a própria venda de mudas.”
Um pequeno produtor do município membro do Núcleo de Ovinos e Caprinos da
Região Noroeste, ao ser indagado também acerca da efetividade e coordenação entre os
instrumentos de fomento à agricultura e ao meio rural, completa essa declaração, apontando
os principais problemas que identifica na gestão dos instrumentos de apoio à agricultura
familiar no município:
- As ações do governo local, elas não são integradas. Então, por exemplo, você tem
várias secretarias dentro de um governo, num mesmo município, dentro de uma
mesma prefeitura. Então, a secretaria de agricultura faz o papel dela, vai em casa,
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leva o trator, ara uma área para mim para que eu possa produzir o produto X. Aí, eu
produzo. A Emater vem e, ‘entre aspas’, me assistência, me orienta. A própria
secretaria de agricultura me orienta tecnicamente, me ajuda a comprar o adubo.
Beleza, eu produzi, produzo aquele produto e colho aquele produto X. E não tenho
como transportar porque a secretaria de transportes não faz estradas, entendeu? Aqui
mesmo, por incrível que pareça, o mercado que funciona para os pequenos produtores
é no posto de gasolina. Aquele posto pelo qual você passou na entrada de Monte
Alegre. É uma coisa gritante, como os produtos que a gente consome aqui, vêm da
Ceasa, de São José de Ubá ou do Rio. É uma coisa absurda.”
Não no município, ações ou projetos voltados especificamente para as famílias
rurais, com exceção dos programas geridos pela Secretaria de Promoção Social (como o
bolsa-escola, cheque cidadão e/ou de benefícios previdenciários, como a aposentadoria rural
que se faz muito importante), mas cuja implementação no município não guarda nenhuma
correspondência ou relação com os projetos desenvolvidos pela Secretaria da Agricultura no
município e pela rede. Nesse sentido, chama atenção a necessidade de uma investigação
mais profunda a respeito das relações desses capitais oriundos de transferências sociais
diversas e a manutenção da produção agrícola (mercantil e de autoconsumo) pelas famílias
rurais. Segundo um agrônomo da Emater, ao ser indagado sobre a existência de instrumentos
de política pública que fugiam ao apoio setorial e de fomento á produção:
- O município não tem nenhuma outra não (política). Tem aposentadoria rural,
cheque cidadão. Mas elas são implantadas de forma isolada, não tem articulação.
Normalmente, quando se trata de pôr uma questão mais no nível municipal, tem o
conselho (CMDR) municipal que reúne para decidir as políticas, caso do Pronaf
regional.”
Segundo o Secretário da Agricultura no município, o principal objetivo dos projetos
desenvolvidos pela Secretaria da Agricultura e pela rede seria criar os incentivos para o
pequeno agricultor conseguir se manter na sua atividade em condições ao menos dignas de
vida.
A gente tenta criar o incentivo ‘pro’ produtor se manter, sobreviver. A gente faz,
todos os projetos da Secretaria são visando isso, o produtor conseguir se manter e
sobreviver de alguma forma.”
Os instrumentos de apoio à agricultura familiar no município que estão à disposição
dos agricultores familiares se dividem em dois grupos de uma forma geral: o primeiro
refere-se àqueles que se destinam individualmente a cada produtor rural (como o crédito); e
o segundo, àqueles que resultam numa melhoria coletiva, que se direciona à um grupo mais
amplo ou a todos os produtores rurais do município ao mesmo tempo, podendo ser projetos
exclusivos para agricultores familiares, ou não.
No primeiro grupo, o principal instrumento de política é o Pronaf, nas suas linhas
crédito, investimento e custeio. A decisão de concessão ou não de crédito, nesse sentido, fica
a cargo do CMDR que frisa que procura selecionar muito bem quem é agricultor familiar
efetivamente e quem não seria, de forma que todos os nomes dos candidatos devem passar,
antes de obter o crédito final, pelo crivo do conselho. Segundo o agrônomo da Emater
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entrevistado, ao ser indagado a respeito do processo que leva à aprovação do crédito no
município:
Quando chega um produtor aqui e fala: eu estou querendo entrar no Pronaf’.
Os empréstimos que eles pegam têm juros baixos, 4%. Então é claro, tem muita gente
que fica de olho, mesmo aqueles que não se enquadram no Pronaf como agricultores
familiares. Então a gente procura selecionar bem esses produtores. Quando a gente
que ele realmente se enquadra nesse grupo de agricultor familiar, a gente vai e
a declaração de aptidão para ele. Mas se, por algum motivo a gente achar que está
mentindo, a gente coloca o nome dele aqui e numa reunião do conselho, a gente
coloca o nome dele para ser julgado. Quando a gente leva para o conselho, no
conselho existe praticamente representantes de toda a região, todos os produtores.
Pelo menos um ali no conselho conhecerá essa pessoa. Então, os conselheiros
sabem quais são as normas para se enquadrar no Pronaf, aí, ele mesmo diz se esse
produtor pode ou não pode se enquadrar.”
Como política de crédito, o Pronaf é baseado na faixa de renda, na qual localiza-se o
estabelecimento familiar que requer o crédito, bem como possui um processo burocrático,
com a exigência de certas garantias, que muitas vezes ‘coibiriam’ certos produtores de tomar
o empréstimo, principalmente aqueles pertencentes aos segmentos mais vulneráveis e
detentores de menores níveis educacionais, como já foi destacado anteriormente nesse
mesmo trabalho. Para esses segmentos das famílias rurais, que chegam a apresentar
rendimentos negativos no documento da FAO/INCRA e que vivem praticamente da
produção de subsistência (60%), não haveria a possibilidade de outra forma de apoio, a não
ser as ações compensatórias estabelecidas pela Secretaria de Promoção Social (que figuram
como benefícios centrais na reprodução econômica e social dessas famílias). Assim,
segundo o Agrônomo da Emater, a única possibilidade de apoio a esses agricultores
familiares que se encontram nas menores faixas de renda no município (e que vivem apenas
da produção de autoconsumo) seria o crédito, não havendo alternativa caso o agricultor o
se encaixe no grupo do Pronaf que corresponde à menor faixa de rendimentos (R$ 2.000 a
R$ 14.000,00). Abaixo, reproduzimos a resposta do agrônomo quando indagado se haveriam
políticas específicas àqueles segmentos da agricultura familiar que vivem praticamente de
subsistência, encontrando-se acentuadamente descapitalizados e excluídos do mercado:
Os de subsistência, aqui tem sim. Não é a maioria, mas tem bastante, sei que tem.
Normalmente, a gente tenta enquadrar eles num grupo de produtores menores,
produtores familiares mas com renda entre R$ 2.000,00 a R$ 14.000,00. Então se um
produtor ganha por mês na propriedade dele R$ 300,00, ele se enquadra nessa faixa.
Ele não pode pegar mais do que R$ 3.000,00 em crédito. Se não encaixa...”
Além do Pronaf como forma de instrumento de crédito, o mesmo agrônomo da
Emater cita a importância do Moeda Verde no município, na medida em que possibilitaria
que o produtor convertesse a quantia tomada no Banco do Brasil por financiamento ou
empréstimo em mercadorias. Segundo o agrônomo, isso seria muito importante no
município na medida em que faria com que a vida variasse de acordo com os preços da
lavoura.
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Isso é muito importante ‘pro’ produtor porque garante para ele o preço, uma
tranqüilidade, uma vez que ele sabe que, se na época de pagar, o preço estiver baixo,
ele pagará menos também. Isso tem funcionado muito bem aqui em Pádua. É claro
que é uma operação que o banco tem que fazer, ele tem que fazer os cálculos. A gente
tem que ficar em cima do banco porque às vezes o banco não tem interesse, ou por ter
um número reduzido de funcionários, ou por cair no esquecimento dos agentes do
próprio banco que estão envolvidos no processo. Então a gente tem que ficar em cima
do banco e alertar também o produtor para quando ele for lá, ele deve exigir essa
diferença (que é paga pelo governo do Estado). Isso tem ajudado bastante a gente.”
Fora isso, há uma parceria entre a Prefeitura e o Sindicato Rural de Santo Antônio de
Pádua que disponibilizaria no Sindicato um consultório médico e odontológico voltado para
o atendimento dos pequenos produtores rurais.
No que concerne aos projetos coletivos, que são destinados a um conjunto de
produtores ou à totalidade, eles normalmente se dão no âmbito, inicialmente do Pronaf Infra-
estrutura e agora, no âmbito do plano territorial de desenvolvimento, e são negociados e
implementados pela mesma rede. Esses projetos implicam que os diferentes elos dessa rede
consigam desenhar um quadro onde as alianças superem os conflitos, o que muitas vezes
pode se dar através de um ‘acordo’ tácito, onde são estabelecidas regras de distribuição dos
recursos mais ou menos informais. É importante ressaltar que nessa situação, os conflitos ou
as diferenças de interesses não são eliminados, apenas permanecem parcialmente
‘neutralizados’ durante aquela rodada de negociações.
Patrulha mecanizada
A Secretaria de Agricultura possui uma patrulha mecanizada constituída por: 5
tratores, 4 arados, 2 retro-escavadeiras, 1 ensiladeira e 2 carretas, alguns adquiridos e outros
reformados com as verbas do Pronaf Infra-estrutura.
O público a ser atendido é exclusivamente os agricultores familiares e os pescadores
artesanais. Para ser atendido, o agricultor deve se cadastrar previamente na Sala do
Agricultor Familiar, na Secretaria de Agricultura, que estabelecerá o cronograma de
atendimento. O estabelecimento desse cronograma, por sua vez, depende de uma lista de
prioridades, a seguir: olerícolas, cereais, cana/capineira, fruticultura e pastagens. Também é
utilizado como critério de atendimento, a racionalidade de atendimento, em razão da
localização das propriedades inscritas.
As máquinas e equipamentos ficam sob a responsabilidade da Secretaria de
Agricultura e poderão ser atendidos os agricultores cadastrados. Será cobrada uma taxa
de R$ 10,00 a hora do trator e R$ 15,00 a hora da retro-escavadeira com o objetivo de
manter a patrulha em funcionamento, bem como pagar o combustível e repor peças.
Segundo um dos membros do Sindicato Rural entrevistado, a patrulha mecanizada da
Prefeitura seria extremamente importante no município. No entanto, mais adiante o
entrevistado faz algumas ressalvas no que concerne à abrangência desse projeto,
principalmente no que concerne aos agricultores familiares cuja propriedade tivesse as
menores áreas. Segundo o produtor, não seriam todas as famílias de agricultores as
beneficiadas, de forma que aqueles agricultores familiares com menores áreas e produções
seriam os mais prejudicados.
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O maquinário da Prefeitura, alguns são do Pronaf, outros tinham e foram
reformados.. Os tratores ficam na Prefeitura, onde eles atendem quem eles querem, à
hora que eles querem. Fica só aquele grupo que já tem um canal... Quem fica de fora,
os mais prejudicados, na maioria das vezes, são os pequenininhos. Os pequenos
porque eles têm pouco número de horas para fazer na propriedade. Eu tenho três
horas para fazer na minha propriedade, meu vizinho tem 15 horas. Eles cobram por
hora o valor do óleo, né? Então eles preferem fazer nos grandes, porque é mais
rápido e depois a máquina fica num lugar só. Durante o dia, se for trabalhar para
mim, fará três ou quatro propriedades no mesmo dia. Os menos atendidos são os
pequenininhos, eles esperam...”
Unidade de informação, padronização, classificação, processamento e embalagem
de frutas e legumes (Galpão do produtor rural)
Localiza-se em Monte Alegre, no entanto, apesar de construída e parcialmente
montada, essa unidade ainda não se encontra em funcionamento. O principal objetivo é
melhorar a produção agrícola e o escoamento da produção dos pequenos produtores, uma
vez que eliminaria a intermediação comercial, além de possibilitar que os mesmos tenham
valor agregado através do beneficiamento (classificação, padronização, processamento).
Pretende também incentivar o beneficiamento dos produtos agrícolas pelos agricultores
familiares, com agregação de valor, bem como estabelecer contato direto com redes de lojas,
restaurantes e supermercados. Um agrônomo da Emater explica os objetivos finais do
Galpão do produtor,
O objetivo final dessa estrutura é que os produtores dali comercializem produtos
aqui da região e agreguem valor. Ela ainda não está funcionando, faltam alguns
detalhes. O objetivo é interessante. É pegar os produtos e ter uma pessoa para
gerenciar esse mercado e fazer contratos com rede de hotéis, redes de supermercados.
É levar esses produtos beneficiados, embalados e padronizados, direto para eles
(compradores), fazer entrega direta para mercados, redes de hotéis da região e até do
Rio.”
No Galpão os produtores encontrarão: informações (via Internet) acerca da
meteorologia e das áreas plantadas nas diversas regiões produtoras e cotações de preços de
produtos e insumos; um espaço adequado para receber cursos de capacitação para produção,
industrialização e comercialização; condições de conquistar novos mercados, aumentando
pelo menos em 20% a sua rentabilidade através da padronização, classificação e embalagem;
formas de fechar contratos de fornecimento para redes de lojas e supermercados, eliminando
tradicionais intermediários, através de produtos identificados e com garantia de qualidade; e
oportunidades para a instalação de agroindústrias e demonstrar a viabilidade da
industrialização de significativas parcelas da produção, cuja classificação não permite a
comercialização in natura.
Será cobrada uma taxa para a utilização do Galpão, com o objetivo de cobrir seus
custos operacionais e garantir uma reserva para a sustentabilidade do mesmo. Os
equipamentos foram adquiridos pelo Pronaf e a administração ficará a cargo da Aprumai,
com o apoio e acompanhamento da Secretaria de Agricultura, em forma de condomínio,
arcando com as despesas de preservação e manutenção das instalações.
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Horto municipal
Horto municipal contendo uma câmara de enraizamento, uma casa de vegetação e
duas estufas. O horto é da Secretaria de Agricultura e produz mudas de olerícolas, citrus,
eucalipto, árvores nativas e frutíferas em geral como objetivo de atender os produtores que
não têm acesso a esse tipo de serviço. As mudas são vendidas a um preço bem menor do que
aquele encontrado no mercado.
Estufa para produção de mudas de olerícolas em
bandejas
Estufa implantada junto ao Galpão do Produtor
Rural, em Monte Alegre, para a produção de mudas
olerícolas, com capacidade para produção de 110.000
mudas a cada 45 dias. Essa estufa permite a
interiorização da produção de mudas (berinjela, quiabo,
maxixe, repolho, abóbora, pepino etc.), assim como
colabora na redução do uso do agrotóxico, na medida em que evita a produção de mudas em
canteiros. Permite também o aumento da produtividade, bem como a diversificação e a
programação da produção.
A Prefeitura atua nesse projeto com verbas do Pronaf Infra-estrutura e com parcerias
com a Emater e a Aprumai. À Emater caberá a supervisão através de técnicos especializados
e a promoção de cursos profissionalizantes em agricultura natural, horta ecológica escolar e
multiplicação de plantas, e à Aprumai cabe a operacionalização da produção de mudas. A
demanda estimada dia é de 5.000 mudas de olerícolas por agricultor, o que
corresponderia a 0,25 ha de área cultivada, de forma que será possível o atendimento de no
mínimo 88 agricultores ao ano. As mudas também serão vendidas a um preço inferior ao de
mercado.
Banco genético de frutíferas
Ainda que o Horto Municipal se encontrasse bem estruturado para a produção de
mudas, ele não dispunha de áreas adequadas à implantação de bancos de germoplasmas. Por
outro lado, verificava-se no município, a demanda de vários agricultores familiares
interessados na fruticultura, mas que tinham baixa capacidade de investimento e dificuldade
na aquisição de mudas com potencial garantido.
Esse banco funciona através de unidades didáticas e demonstrativas a serem
implantados em imóveis de agricultores familiares que firmaram um termo de compromisso
com a Secretaria de Agricultura no qual se propuseram a: manter e preservar os
equipamentos de irrigação; adquirir os insumos necessários; executar os tratos culturais,
conforme recomendação técnica; e fornecer material genético para a multiplicação das
variedades. O objetivo era implantar 1 ha de banana, 1 ha de pinha, 1 ha de figo, 1 ha de
goiaba, 1 ha de graviola e 1 ha de manga para o fornecimento de material genético ao Horto
Municipal para a multiplicação e a distribuição aos agricultores familiares. As mudas são
vendidas a preços abaixo do mercado.
Figura 3.
1
-
Estufa
96
Nesse projeto, caberá à Emater e à Empresa de Pesquisa do Estado (Pesagro) o
acompanhamento técnico, bem como a promoção de cursos profissionalizantes em
fruticultura junto aos agricultores. Caberá à Prefeitura realizar a análise e preparo do solo,
produção e transporte das mudas.
A maior parte dos produtores selecionados nesse projeto se concentravam nos
distritos de Monte Alegre, Ibitiguaçu e Campelo.
Programa melhoramento genético e sanidade animal
A pecuária leiteira constitui-se na principal atividade econômica do município e da
região Noroeste, porém, como em toda a região, a maioria dos produtores de economia
familiar possui baixíssima produtividade (abaixo de 1.000 l/vaca ordenada/ano) e, portanto,
não possuem capacidade de investimento. O objetivo desse programa é propiciar a esses
agricultores, tecnologias capazes de dar-lhes uma maior competitividade.
Tal programa é realizado entre a Prefeitura, a cooperativa, o ministério da
agricultura, a Emater e os agricultores que serão beneficiados, para os quais caberá cumprir
com as seguintes condições: seguir rigorosamente as recomendações técnicas, especialmente
no tocante à sanidade, alimentação e manejo; arcar com o custo do sêmen utilizado em seu
rebanho; e realizar o investimento necessário de forma a disponibilizar alimentação de
melhor qualidade ao gado.
No ano 2000, o programa atendeu a pelo menos 240 agricultores. Atualmente eles
não possuem nenhum tipo de trabalho de educação sanitária junto aos produtores.
Laboratório de patologia animal
Encontra-se dentro do programa de melhoramento
genético e sanidade animal. Foi concebido com recursos
do Pronaf Infra-estrutura. Com o crescimento da
incidência das enfermidades infecto-contagiosas como a
Brucelose, a Tuberculose e a Mastite bovina, bem como
das enfermidades parasitárias como as Verminoses, a
Babesiose e a Anaplasmose, que são um dos fatores
limitantes à criação de bovinos, trazendo enormes
prejuízos ao agricultor, o laboratório visa a fornecer aos pequenos produtores um melhor
diagnóstico.
Com isso pretende-se alcançar um rigoroso controle das doenças que afetam o gado e
que vêm crescendo no município. Suas instalações são completas e possuem equipamentos
modernos, de forma a atender e orientar diretamente o pequeno produtor familiar do
município no que se refere ao controle sanitário de seu gado através de um completo
diagnóstico laboratorial. Pretende também realizar um levantamento da incidência das
enfermidades no município, visando à profilaxia, o controle e a posterior erradicação dessas
enfermidades com o objetivo de aumentar a oferta de produtos de origem animal de boa
qualidade e de baixo risco para a saúde pública.
Os exames são cobrados também a um preço inferior dos similares encontrados no
mercado. No entanto, o laboratório ainda não está em funcionamento devido à falta de
alguns materiais. Segundo uma veterinária da Prefeitura entrevistada, em julho o Governo
Figura 3.2
Laboratório de patologia animal
97
Federal impôs a realização de um curso de atualização por todos os membros que realizam
esses exames laboratoriais. Ela, juntamente com o veterinário da Cooperativa, teriam feito o
curso de atualização na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, no Instituto de
Veterinária, que ainda não estariam possibilitados a realizar os exames, pois junto com o
curso houve a padronização e homogeneização do material utilizado nas análises e no
campo, os quais o laboratório ainda não teria adquirido.
Segundo a veterinária eles teriam realizado uma parceria com a Cooperativa com o
intuito de conseguirem que ela contribuísse com o valor faltante, o que até o momento não
teria ocorrido.
Preservação do meio ambiente e desenvolvimento da piscicultura
Os rendimentos obtidos, apesar da criação extensiva e sem tecnologia, têm
despertado grande interesse entre os agricultores como fonte alternativa geradora de renda e
melhoria da alimentação. Entretanto, a descapitalização dos agricultores familiares e a
carência de máquinas para a construção de tanques têm impedido o desenvolvimento da
piscicultura no município.
Assim, a Prefeitura mantém uma estação de
piscicultura para a produção de alevinos de espécies
comerciais (tambaqui, carpa e tilápia) para distribuição de
alevinos junto aos agricultores, e de espécies nativas
(curimatam, surubim, piau) para repovoamento do Rio
Pomba. Os alevinos são vendidos por um preço abaixo do
mercado, com o objetivo de atender o produtor, mas
também conseguir arcar com os custos que envolvem o
projeto.
O projeto é realizado pela Secretaria de Agricultura em parceria com a Emater. A
Emater fará uma avaliação técnica prévia, a secretaria auxilia na construção dos tanques
para a engorda dos peixes e aos agricultores caberá arcar com as despesas de sistema de
abastecimento e escoamento, bem como as despesas com a aplicação de corretivos nos
tanques. Caberá a Emater a organização de cursos profissionalizantes em piscicultura.
Entreposto de Pescado (Usina de filetagem de tilápia)
Esse projeto é desenvolvido no âmbito do Conselho Territorial de Desenvolvimento
para o Noroeste, de modo que atenderá a todos os municípios hoje enquadrados nesse
território. Segundo entrevistas, o município de Santo Antônio de Pádua teria sido escolhido
porque teria sido o único município no qual o prefeito aceitara arcar com os custos de
contrapartida que o projeto requeria. O projeto ainda não começou, eles ainda estão saindo
da fase de planejamento.
A execução do projeto contaria com o apoio da Prefeitura, construindo o galpão e
adquirindo os equipamentos necessários; da Emater, que realizará os cursos de capacitação
técnica em piscicultura; pelo Sebrae que realizará a capacitação gerencial dos participantes
do projeto; pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) que realizará os
cursos de boas práticas de fabricação; pela Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de
Figura 3.3
Estação de piscicultura
98
Janeiro, que forneceassistência técnica. Os cursos de capacitação técnica em piscicultura
serão realizados pela Emater. Serão treze cursos no total, um em cada município da região,
com quinze horas de duração cada, contendo os princípios básicos da piscicultura e técnicas
de produção de tilápias em regime intensivo e semi-intensivo.
Será criada também uma Cooperativa dos Piscicultores do Noroeste Fluminense para
participar do projeto e que envolverá todos os municípios constituintes. O conselho dessa
cooperativa deverá ter, obrigatoriamente, uma representação da agricultura familiar de cada
um dos municípios da região que tenha participado dos cursos de capacitação.
A usina de filetagem de tilápia estaria incluída num plano maior de desenvolvimento
da cadeia de piscicultura, que contaria com a parceria de instituições públicas e privadas
(Fundação Petrobrás e Frigocenter). O plano e a construção da cadeia de piscicultura visa a
solucionar os principais problemas que a piscicultura enfrenta no município, a saber: o alto
custo com que a ração chega no município, por ser importada de outros estados; a longa
distância entre a região produtora e as unidades de beneficiamento existentes (Paraíba do
Sul, Cachoeiras de Macacu e Piraí); e a inexistência de logística de distribuição e falta de
articulação com o mercado varejista.
Para isso, a Prefeitura teria realizado articulações e firmado parcerias com:
Fundação Petrobrás, que financiará uma fábrica de ração para peixes a ser instalada no
município de Miracema; e com a Frigocenter, distribuidora de carnes, embutidos e pescados,
que formalizou o interesse na representação de toda a produção de pescado de água doce da
região. Sendo assim, o principal objetivo da implantação do entreposto seria proporcionar a
abertura de novos mercados na região e possibilidades de agregação de valor aos produtos
locais, com a finalidade de incrementar a renda de agricultores familiares e pescadores
artesanais, bem como estimular a entrada de novas unidades familiares na atividade.
Galpão para confinamento de ovinos e caprinos
A Secretaria da Agricultura, em parceria com o Sebrae e com o Núcleo de Ovinos e
Caprinos da região Noroeste estavam prestes a inaugurar um galpão de confinamento para
esses animais (ovinos e caprinos) que fica localizado em frente à Secretaria de Agricultura
de Pádua, ao lado do Parque de Exposições.
No princípio, o galpão funcionaria com preços diferenciados (mais baixos) para
aqueles criadores que pertencessem ao Núcleo de Produtores da Região. É importante
lembrar que essa iniciativa não é destinada exclusivamente aos agricultores familiares, uma
vez que existem proprietários maiores no núcleo de produtores. Esses pagariam pela engorda
e confinamento dos animais até o momento do abate, sendo que a comercialização poderá
vir a ser realizada dentro do Núcleo ou não. Até o momento, não havia ações quanto ao
transporte dos animais da propriedade até o galpão, no entanto, o Secretário da Agricultura
pensava em futuramente disponibilizar um caminhão para isso. o planejamento de no
futuro se construir um abatedouro no município de Monte Alegre.
Plano de certificar o arroz da região como orgânico
Segundo entrevistas realizadas na região, a produção de arroz teria sido muito
sacrificada nos últimos tempos, principalmente como reflexo da competição do arroz
importado, que chega ao mercado com preços extremamente baixos e impossibilita a
produção mercantil do produto em Santo Antônio de Pádua.
99
Como a região é extremamente favorável ao cultivo de arroz, a Emater e o Sebrae
estudam a possibilidade de criar uma certificação para o arroz que ateste sua qualidade.
Segundo entrevistas, o arroz da região teria uma boa qualidade porque seria produzido sem
levar nenhum produto químico (bem próximo ao arroz orgânico). Além disso, a água que
irrigaria esse mesmo arroz seria de boa qualidade, o que poderia lhe atestar uma qualidade
superior àquela exigida pelo arroz orgânico. O objetivo é estudar a possibilidade de
certificação desse arroz da região como arroz orgânico com o objetivo de tornar a produção
mais lucrativa e alcançar uma maior valorização do produto da região nos mercados
consumidores.
Programa de fomento à agricultura orgânica
Esse projeto é articulado pelo Sebrae em parceria com as Prefeituras de Santo
Antônio de Pádua, Porciúncula, Varre-Sai e Miracema. A função da Prefeitura nessa
parceria é identificar os produtores de orgânicos ou que se interessam por essa técnica de
produção e indicá-los, de modo que sejam beneficiados com o projeto, cujas ações
envolvidas são: capacitação, fornecimento de assistência técnica e até certificação desses
produtos como orgânicos.
O Sebrae que viabilizará e custeará essas ações de capacitação e certificação. A
Prefeitura de cada município, por sua vez, deverá disponibilizar um técnico que será
capacitado e acompanhará a implantação do projeto no município, de forma que ele forneça
a assistência técnica para os produtores inseridos.
Agrovila de Santo Antônio de Pádua
Talvez seja o projeto que mais se aproxime de uma ação voltada para as famílias
rurais, bem como seja um dos que mais procure articular diferentes ações, evitando a visão
tradicional (setorial) comumente empregada em iniciativas que se voltam para a agricultura
familiar.
Numa das comunidades rurais de Santo Antônio de Pádua existia um núcleo de
trabalhadores rurais (17 famílias), funcionários de uma antiga fábrica de aguardente fechada
alguns anos, que viviam em condições sub-humanas (regime de quase escravidão). As
famílias se amontoavam em pequenas habitações, sem água, esgotamento sanitário e energia
elétrica. Esses trabalhadores sobreviviam em condições abaixo da linha de pobreza e
garantiam sua subsistência com a realização de trabalhos braçais esporádicos em locais
distantes de suas residências.
Com o objetivo de resgatar a cidadania dessas famílias, a Prefeitura Municipal
adquiriu uma área rural com aproximadamente 5 ha e, em parceria com a Caixa Econômica
Federal, construiu uma agrovila com dezessete novas residências, todas com abastecimento
de água e energia elétrica e esgotamento sanitário e tratamento do esgoto. Além disso, as
famílias possuem infra-estrutura para produção de frutas e hortaliças e uma área de 4 ha
voltados para a produção de todas as famílias em regime de associativismo.
Através de uma parceria do Sebrae (junto com o programa de orgânicos explicado
acima) e a Emater, o município fornece a esses pequenos produtores instalados na agrovila,
capacitação em práticas de associativismo, técnicas de produção orgânica,
100
empreendedorismo, oficinas de artesanato (principalmente com as crianças e as mulheres),
gestão e comercialização, além de uma assistência técnica permanente por um engenheiro
agrônomo e uma assistente social.
Feira de pequenos produtores
Como vimos, a comercialização no município de principais produtos agrícolas fica a
cargo de intermediários mercantis, que acabam se apropriando da maior parte dos lucros
obtidos com a venda dos produtos agrícolas. Nesse processo, os pequenos produtores ficam,
muitas vezes, excluídos da comercialização ou incapacitados para recorrer a formas
alternativas de escoamento de suas produções, que geralmente não possuem escala.
Atualmente, esses produtores vendem seus produtos num posto de gasolina localizado na
entrada do distrito de Monte Alegre.
Com o objetivo de criar uma alternativa para a comercialização da produção dos
pequenos produtores, no município um plano de se criar uma feira voltada para atender à
pequena produção local. Essa feira funcionaria uma vez por semana, no Parque de
Exposições, localizado em frente à Secretaria de Agricultura do município. Seus objetivos
principais seriam oferecer uma alternativa de comercialização para os pequenos agricultores,
estimular a diversificação da agricultura familiar e valorizar os seus produtos, que
atualmente não são reconhecidos pela maioria da população de Santo Antônio de Pádua.
Segundo o Secretário da Agricultura,
A criação dessa feira é uma forma de valorizar o produtor (pequeno) e o produto
deles. Acho que o produtor aqui é capaz de produzir, mas é incapaz de comercializar,
não por causa dele, mas pela situação, a forma como as coisas funcionam. Eles se
vêem presos: Vou produzir e vou colocar aonde?’. A feira será essencial para o
pequeno produtor de Pádua.”
A análise da maioria desses projetos (suas orientações, atores sociais envolvidos e
sua priorização de demandas) parece nos indicar uma priorização das atividades mercantis,
especialmente dos setores agropecuários (com uma visão setorial) e um menor contemplação
das demais atividades rurais que possam existir (atividades não agrícolas) dentro de uma
concepção mais ampla de desenvolvimento rural. Por outro lado, ficam parcialmente
atendidas, ou atendidas indiretamente, as demais dimensões do meio rural que ultrapassam a
sua dimensão produtiva como seus efeitos sobre o meio ambiente, a melhoria da qualidade
de vida dessas populações (incentivo à produção para autoconsumo, atendimento aos
segmentos que produzem menos), a manutenção do tecido cultural e social das comunidades
rurais (contemplação de aspectos culturais e sociais, ligados à identidade social desses
agricultores familiares) entre outros.
Levantamos aqui também até que ponto esses projetos conseguem realmente
alcançar aquelas camadas dos agricultores familiares do município que se encontram em
situações mais vulneráveis ou em que grau são capazes capazes de refletir a diversidade da
agricultura familiar do município em suas diretrizes.
De um modo geral, o que as entrevistas parecem nos sugerir é que o Pronaf,
especialmente em sua modalidade Infra-estrutura, teve como principal reflexo o
desencadeamento no município, mesmo que de forma incipiente e parcial, de dinâmicas de
planejamento e de elaboração de instrumentos de apoio à agricultura, contendo um mínimo
101
de discussão e participação dos agricultores. No entanto, não se pode afirmar ainda, que
essas discussões contemplem em representatividade, todos os segmentos da agricultura
familiar de Santo Antônio de Pádua.
Por outro lado, tendo em vista que os agricultores do município não possuem uma
‘tradição’ em organização social e criação de formas de representatividade o que dificulta a
sua participação nos processos de tomadas de decisão no município (ou que não possuam a
qualificação necessária para isso), chama atenção em que medida a consolidação e
espacialização dessa rede poderá contribuir para o fortalecimento da sociedade civil local.
Destaca-se aqui até que ponto essa maior articulação em torno da agricultura familiar no
município será capaz de reforçar e incentivar a formação de laços de reciprocidade e de
cooperação entre os pequenos agricultores locais que venham a facilitar os processos de
inovação e de aprendizado e que incentivem a organização desses agricultores em torno de
instituições (formais ou informais) representativas que, por sua vez, possibilitem a sua
participação em processos decisórios (Fox, 1996; Durston, 1999). O que a maioria das
entrevistas parece demonstrar é que essa ‘tarefa’ anda longe de ser concretizada,
principalmente, ao se esbarrar no desânimo ‘geral’ dos pequenos produtores frente às
perspectivas das atividades agrícolas. Segundo o Secretário da Agricultura no município, ao
ser indagado a respeito de como se dá a implementação dos mecanismos de política agrícola
e rural no município
“ – O governo tenta de alguma forma efetivar e fazer com que o produtor seja
beneficiado de alguma forma pela subsistência dele, até para evitar esse êxodo. Mas o
produtor, se você acompanhar de perto, vê que ele anda desacreditado, apesar de não
abrirem mão do que eles têm. Você que a maioria deles está desacreditada. As
decepções são muito grandes, algumas políticas fazem com que eles fiquem assim. É
muito difícil, sendo poder público, você chegar para o produtor e levar política para
eles de melhoria. O produtor já te olha meio desconfiado, o ‘cara’ está calejado de
apanhar. Hoje está até difícil de se inserir no meio deles, justamente por causa desse
receio que o produtor tem. Mas ele até aonde a gente pode ajudar, até mesmo pela
estrutura que a gente tem. Mesmo em termos de atendimento, não vejo muito
problema, não. Não é o ideal, mas eles acham que a gente está fazendo alguma coisa
para tentar melhorar.”
A própria forma de gênese dessas associações, na sua maioria constituídas a partir da
elaboração dos próprios projetos do Pronaf Infra-estrutura (como a Aprumai que surge junto
com o Galpão do Produtor Rural), acabam determinando que essa dinâmica se de forma
inversa, onde as representações são originadas pelos projetos a serem implantados, e não o
contrário, onde as representações dos agricultores participam da escolha e da elaboração do
projeto a ser financiado.
Logo, nota-se que da mesma forma que os grandes proprietários (minoria) de Santo
Antônio de Pádua não foram os principais beneficiados pelos projetos implantados pela
rede, o mesmo pode-se dizer da maioria dos agricultores empobrecidos do município. Nesse
grupo encontram-se aqueles que são obrigados a vender sua mão-de-obra, especialmente sob
o regime de parceria e aqueles que também possuem restrições no acesso à terra,
geralmente, tendo propriedades extremamente pequenas e vivendo praticamente da
produção de subsistência. Esses segmentos, além de não estarem beneficiados em quase
nenhum projeto (com exceção da Agrovila), seguem sem representação nas principais
102
estâncias de discussão e definição das estratégias e projetos de apoio à agricultura familiar, a
rede, o CMDR e o CTNF. Como na declaração de um membro do Sindicato Rural de Santo
Antônio de Pádua quando é interrogado a respeito da importância dada aos pequenos
produtores do município,
- Eu acho que o papel do pequeno (produtor) atualmente é nenhum. Eles estão
abandonados... não tem ninguém olhando para eles. Infelizmente, eles não são visíveis
por ninguém.”
Nessa direção, a própria forma através da qual se operacionalizam os principais
projetos de apoio à agricultura familiar que se dão no município, com forte ênfase
‘produtiva’ acabam reforçando a exclusão desses segmentos mais vulneráveis da agricultura
familiar de Santo Antônio de Pádua. Seus instrumentos, geralmente baseados no crédito (e
que requer um mínimo de produtividade e terra onde se realizar o cultivo) ou no estímulo
isolado a algumas ‘produções’, voltadas exclusivamente para determinados produtos ou
lavouras (olerícolas, piscicultura, ovino e caprinos) não são capazes de incluir em seu
universo a maioria das famílias que vivem de subsistência ou que não possuem acesso a
terra no município. O atendimento a esses segmentos, portanto, ficaria isolado no âmbito de
atuação da Secretaria de Promoção Social, através de políticas como o bolsa-escola e o
cheque cidadão.
Os requisitos para se obter avanços nessa direção parecem se localizar, inicialmente,
na revisão da ênfase produtiva (na agricultura familiar como produtora de bens mercantis),
de forma a voltar os projetos para as unidades familiares rurais, como um todo, e não apenas
para aquelas que ainda conseguem se inserir no mercado de produtos agrícolas. Na maioria
dos casos, são justamente as famílias rurais que não conseguem se inserir (dificuldade no
acesso à terra, baixa produtividade), as que mais precisam de apoio no sentido de romper
com os limites da pobreza.
Isso traz a necessidade de se repensar, logo, os instrumentos de apoio às famílias
rurais de forma que ações públicas (governamentais ou não) de apoio a essas famílias não se
restrinjam àquelas que, apesar de encontrando dificuldades, estão inseridas no mercado,
voltando-se também para aquelas que, por algum motivo, não conseguem se inserir. Cabe
ressaltar aqui que o apoio às famílias mais vulneráveis não exclui a necessidade de fomento
à produção das famílias que já estão inseridas no mercado.
A própria revisão desses instrumentos de apoio requer, por outro lado, que sejam
ampliados os papéis atribuídos às famílias rurais ‘para além da produção’ (Carneiro &
Maluf, 2003) de forma que sejam reconhecidas e ‘recompensadas’ pela importância que
adquirem ao se pensar a segurança alimentar do município, a manutenção da paisagem rural,
a manutenção dos tecidos sociais e culturais, a preservação do meio ambiente, entre outros,
elementos centrais numa abordagem ampliada do desenvolvimento rural que não o resuma
ao crescimento econômico. Cabe aqui destacar que o reconhecimento desses papéis, muitas
vezes, já se dá na retórica das principais lideranças municipais.
A melhor ‘visibilidade’ das relações sociais travadas do território, bem como o
redesenho de formas de apoio a essas famílias que se encontram à parte do mercado local,
possibilita a operacionalização de estratégias que busquem reverter a situação de dominação
em que essas famílias se encontram na estrutura de poder local, favorecendo o rompimento
com mecanismos de dominação que obstaculizam o desenvolvimento local (Antunes &
Romano, 2002). Nesse sentido, o ‘empoderamento’ dessas famílias ganharia um caráter
103
mais político, no sentido de dotá-las de mecanismos que possibilitem o rompimento com sua
situação de pobreza e não compensatório (como tem sido encarado na maior parte das ações
implementadas), em que o os agentes públicos (sejam governamentais ou não) são
responsáveis ativos pela ‘dotação’ desses segmentos socialmente ‘excluídos’ através de
mecanismos compensatórios.
Por outro lado, cresce a importância de que se faça o diálogo entre os diferentes
projetos desenvolvidos, bem como a articulação entre diferentes ações de um mesmo
projeto. Muitas vezes, será a articulação desses diferentes projetos que possibilitarão
impulsionar a dinâmica das áreas rurais, ampliando a escala dos resultados obtidos. Como
um exemplo, podemos citar a articulação de alguns projetos voltados para as famílias mais
pobres como as ações operacionalizadas pela Secretaria de Promoção Social, que se
constituem a principal renda monetária de muitas famílias rurais no município. Isso não é
percebido nas iniciativas atuais da rede de forma que, muitas vezes, o resultado a ser obtido
com um projeto fica comprometido pela deficiência de implantação de um outro, ou de uma
outra linha do mesmo projeto. Um pequeno produtor da Agrovila nos uma boa
demonstração de como isso pode acontecer,
- Aqui, falta mais agilidade. Um exemplo, a gente está com a terra preparada
(Agrovila), mas precisamos de mudas. Se as mudas tivessem chegado, uns dois
meses atrás, a gente tinha dado um bom passo à frente e até aproveitaria o tempo,
pois teríamos plantado feijão. Agora, a época do feijão passou. Quem planta
colhe mais cedo. Se a gente tivesse plantando, estaria adiantando as coisas. As
pessoas até desanimam porque as coisas ficam apenas no papel. É demorado
demais.”
E, por fim, destacamos a possibilidade da contratualização das relações entre os
programas e as famílias rurais como um instrumento vantajoso na aplicação de instrumentos
mais articulados e cujo enfoque ultrapasse a ênfase produtiva dessas mesmas famílias. O
estabelecimento de ‘contratos’ poderia funcionar como uma forma transparente e mais
participativa de definir, implementar e monitorar os compromissos recíprocos entre os
Estado e as famílias rurais, bem como seria uma forma mais ‘clara’ de utilização de recursos
públicos.
O mesmo instrumento teria sido utilizado no município quando houve o
estabelecimento do projeto de Banco Genético de Frutíferas. No entanto, o contrato aqui se
resumia aos acordos referentes a aspectos qualitativos e quantitativos da produção de mudas
estabelecida. A idéia levantada nesse texto seria uma forma ampliada desse instrumento, de
maneira a contemplar diferentes projetos e diferentes formas de apoio às famílias rurais, sob
o enfoque do desenvolvimento territorial, contribuindo para a passagem de ações setoriais
para outras pautadas na família rural como unidade social. As contribuições dessas famílias
rurais no processo de desenvolvimento do território em questão, dessa forma, seriam
ampliadas, ultrapassando as referentes à sua produção mercantil e ressaltando seus papéis
como unidade social constituinte e formadora do território, através das relações sociais que
trava e que se refletem diretamente na cultura e identidade local, no meio ambiente e na
paisagem, na segurança alimentar.
As bases para formulação desse contrato social ligando as famílias rurais e os
agricultores à sociedade, intermediadas pelo Estado que aplicaria e fiscalizaria o seu
cumprimento, seriam dadas pelas demandas atuais da sociedade brasileira em relação à
104
agricultura e ao mundo rural, bem como pelas demandas dos agricultores familiares. Nesse
sentido, se o desenvolvimento é tido como a ampliação generalizada das condições de vida
dos cidadãos brasileiros, estando eles no campo ou nos grandes centros urbanos, caberia
uma investigação mais detalhada a respeito das ‘contribuições’ do desenvolvimento rural
nesse processo, através de mecanismos de participação democrática. Mas isso foge do
escopo desse trabalho, que se tornaria por demais longo. De início, o que se pode afirmar é
que se o assunto é desenvolvimento, questões como maior eqüidade social, êxodo rural,
segurança alimentar, meio ambiente e redução da pobreza, especialmente a pobreza rural,
terão que ser enfrentadas. E isso já é um bom começo para ir se pensando.
Por fim, a análise dos projetos implementados pela rede no município parece nos
indicar a incorporação, ainda que indireta, fragmentada e parcial de elementos da
multifuncionalidade da agricultura. Esses elementos funcionam ‘quase sempre’ como
objetivos acessórios do núcleo central dos respectivos projetos (Maluf, 2005). Nesse sentido,
observa-se a intenção do estímulo à diversificação da produção, ao melhoramento da
qualidade da alimentação da população de Santo Antônio de Pádua e das próprias famílias
de agricultores e às preocupações ambientais, através do repovoamento dos rios e da
redução no uso de agrotóxicos. Figuram também entre as principais preocupações, o
estímulo à implementação de projetos de agregação de valor através da agroindustrialização,
bem como a diferenciação dos produtos (orgânicos, artesanato, beneficiamento,
classificação, padronização).
Posto isso e tendo em mente as múltiplas contribuições que a agricultura familiar,
vista sob o enfoque da multifuncionalidade poderiam representar no desenho de estratégias
de desenvolvimento rural, pautadas na óptica territorial, partiremos para uma breve
explanação das principais visões e formas de valorização das lideranças locais em torno da
agricultura familiar e seu lugar nas estratégias de desenvolvimento do município.
3.3 - As Visões das Lideranças Locais
No que se refere às percepções das lideranças locais em relação à agricultura e aos
seus ‘papéis’ no município a agricultura sempre é vista como base da economia local seja
pela sua importância produtiva, seja pelos seus aportes financeiros indiretos, em especial os
recursos injetados no comércio do município pelos agricultores. Citaremos aqui algumas
dessas visões, com o objetivo de exemplificar a forma pela qual essas lideranças
reconhecem o papel da agricultura.
O membro do Núcleo de Ovinos e Caprinos da Região Noroeste explicita a questão
da renda, chamando atenção para a ‘função’ da agricultura como geradora de empregos e
sugerindo a participação da agropecuária na paisagem local. De acordo com o pequeno
produtor ao ser interrogado a respeito de qual seria o papel efetivamente ocupado pela
agricultura no município:
– Com relação à renda eu acho que a agricultura deve ser muito expressiva aqui no
município, ela gera renda através dos empregos que proporciona e... aquela coisa
toda... o nosso município tem uma característica agropecuária. Com certeza ela deve
ser expressiva. Nós temos uma cooperativa de leite, a gente tem uma grande
preocupação com ela... Geração de emprego: a pecuária preocupa porque ela gera
menos emprego, principalmente a pecuária de corte. Em contrapartida, a nossa
pecuária é de leite, que gera um pouco mais de ocupações.”
105
Um dos representantes da Aprumai, por sua vez, destaca as contribuições da
agricultura na manutenção do homem no campo, evitando o êxodo rural e o inchaço dos
grandes centros. Resposta dada pelo produtor quando indagado a respeito da importância e
doa papéis da agricultura no município:
Eu vejo a agricultura, eu, semi-analfabeto, eu vejo a agricultura como a mola-
mestre de tudo. Se você tiver uma agricultura forte, tiver apoio no homem do
campo, você evita que os filhos vão para a cidade e virem bandidos lá, ou mesmo que
se tornem vítimas desses bandidos. Então, eu acho que a agricultura é a mola de
tudo.”
A referência da agricultura em assegurar a segurança alimentar (da sociedade e das
próprias famílias) é recorrente em quase todas as entrevistas. A importância dada à produção
de alimentos aparece bem retratada na declaração do membro da Cooperativa Agropecuária
entrevistado, num discurso que fez ainda na década de 1960, o qual releu no momento em
que foi realizada a entrevista.
(...) No entanto senhores ministros, nós somos abandonados à própria sorte. O
Governo não nos olha com bons olhos. Do que valem as forças armadas se não
fossem os homens do campo produzindo aqui dentro? Sem alimentos, vocês, Forças
Armadas, não valem de nada. E nós somos abandonados à própria sorte.”
No que concerne à agricultura como mantenedora do meio ambiente e da paisagem, a
maioria das entrevistas reconhece conflitos entre o modelo atual de agricultura existente no
município, pautado em monocultura e na utilização excessiva de agrotóxicos, e o meio
ambiente. No entanto, todos são unânimes em afirmar que existem e crêem na possibilidade
de uma agricultura compatível e que ajude o meio ambiente. A maioria cita modelos
agroecológicos, a ajuda por parte do governo (nem que seja na redução de impostos), novas
técnicas como a agricultura orgânica, bem como um melhor trabalho de conscientização
junto aos produtores. Segundo um integrante da Aprumai entrevistado, quando indagado se
a agricultura do município vinha cumprindo a função de mantenedora do meio ambiente, em
sua opinião:
muito conflito entre as práticas agrícolas e o meio ambiente. Eu acho que os
orgânicos são uma boa opção para resolver isso. Para ajudar o meio ambiente. Eu
mexo com orgânicos. Antigamente eu plantava com agrotóxicos.”
O agrônomo da Emater, por sua vez, destaca que se os agricultores recebessem
incentivos para plantar árvores, nem que fosse através de créditos mais baixos, como no
mecanismo do Pronaf, eles estariam fazendo bem mais pelo meio ambiente. Segundo o
agrônomo,
Se o produtor recebesse um incentivo... Eu acho que sim, acho que ele deveria
receber alguma forma de incentivo, da mesma forma que está recebendo do Pronaf
para plantar, ele deveria receber para plantar árvores. Vai melhorar a propriedade
dele, ela vai voltar a ter mais árvores. que isso, hoje, não lucro para ele de
imediato. Então, como é que ele, que ganha pouco, vai investir nisso? Então aí, ele
106
investe em outra coisa, nas atividades normais dele. Isso seria uma medida
interessante.”
É grande também a importância dada aos pequenos produtores no município. O
Secretário da Agricultura no município destaca a participação econômica desses pequenos
agricultores de base familiar, principalmente no que diz respeito à geração de empregos. No
entanto, o Secretário destaca também o papel desempenhado por esses mesmos agricultores
na manutenção do tecido social e cultural das áreas rurais, dando forte ênfase para a tradição
desses pequenos produtores.
Os pequenos têm importância social e econômica. São geradores de emprego.
Porque se você for fazer um levantamento a fundo, você verá que no município, a
maior geradora de empregos é a ocupação enquanto produtor rural. A importância
social é a preservação do meio deles. Dentro das possibilidades, bem ruins, eles ainda
vêm conseguindo cumprir o seu papel. A maioria deles ainda segue com a vontade de
manter a tradição.”
Outro aspecto bastante citado como papel dos pequenos produtores, diz respeito à
união. No entanto, visto à situação da agricultura no município, a maioria dos entrevistados
afirma que os pequenos produtores não vêm conseguindo desempenhar seu papel. Segundo
o membro do Núcleo de Ovinos e Caprinos, quando indagado sobre o papel do pequeno
produtor na economia municipal, em sua opinião:
Eles são muito importantes, mas são como o elefante, não sabem a força que eles
têm. Porque se você pega o município de Pádua, 80% do Noroeste se não me engano,
são considerados agricultores familiares. Transforma isso em Pádua, eu acredito que
não deve fugir muito disso, não. Então, quer dizer, a população rural, o pequeno
produtor, eu acho muito desestruturada. Eles são muito desunidos, descrentes de um e
de outro. A gente exemplos de coisas que os agricultores daqui fazem que são
típicas de falta de cultura de cooperativismo. Falta ação de trabalharem grupo.”
O agrônomo da Emater corrobora com essa opinião e destaca que, muitas vezes, isso
é acentuado com a falta de estudos nas áreas rurais. Quando indagado a respeito das razões
das principais dificuldades que a agricultura vem enfrentando em seu município e que a
impossibilitam, muitas vezes de cumprir os seus papéis, o produtor diz
O papel dos pequenos é esse, se unir. E ele não vem sendo cumprido. Agora,
houve o fim de uma associação porque eles mesmos não se entendem entre si. A gente
busca e trabalha para fazer eles se unirem, mas é difícil porque cada um pensa de um
jeito. A escolaridade é baixa, normalmente até o quinto, quarto grau.”
Um pequeno produtor associado à Aprumai, acredita que os agricultores familiares
não vêm conseguindo cumprir com seu papel devido à falta de apoio e incentivo por parte,
principalmente, do governo.
O papel é evitar a superpopulação nas capitais e gerar renda para o município.
Mas os pequenos produtores não têm conseguido alcançar seus objetivos porque falta
apoio financeiro e assistência técnica.”
107
Muitas vezes, o papel dos agricultores, bem como a importância da agricultura no
município aparece nuançada, principalmente quando eles se referem à possibilidade de
continuidade na atividade agrícola, progressivamente ameaçada pelas dificuldades
econômicas enfrentadas. Assim, muitos agricultores reconhecem a importância da
agricultura familiar, mas manifestam o desejo de que seus filhos não permaneçam na
atividade. Como podemos perceber na fala do Secretário da Agricultura,
Os jovens saem pela vida e pelo sofrimento, pela forma difícil de sobreviver no
meio rural. Mas não apenas os jovens, mas os agricultores mesmo, os pais estão
incentivando os filhos a buscarem outros ares, a estudarem. Acham que a agricultura
vai dar uma condição de vida ruim. O próprio pai incentiva os jovens a saírem.”
No entanto, quando indagados a respeito de como esses mesmos agricultores
familiares são vistos pela sociedade, incluindo os habitantes das áreas urbanas, a maioria
dos entrevistados não demonstra otimismo. A maioria das declarações revela um sentimento
de baixo reconhecimento, inclusive dentro do município. Segundo o Secretário da
Agricultura,
A população urbana daqui não acordou para a importância da agricultura no
município. Você isso pelos próprios hábitos da população, dos alimentos que ela
consome. Se a população valorizasse o produto da região, com certeza seria melhor.
Isso não acontece. Você pela feira, mas não é a feira, você vai em qualquer
supermercado aqui em Pádua e todos os produtos que são vendidos ali são produtos
da Ceasa. E o produtor, para inserir o produto dele ali, é uma dificuldade. Os caras
pagam o que eles querem, eles usam do poder de barganha deles. Ah, não, vou
no Rio e compro isso baratinho...’. Ele não vê o lado da qualidade do produto, mas da
quantidade e do lucro que ele pode ter.”
Como conseguinte, os próprios agricultores se sentem desvalorizados e desanimados,
o que contribuiria ainda mais para o pessimismo e a falta de expectativas no meio rural. Essa
é a declaração obtida junto a um pequeno produtor membro da Aprumai,
Eu acho que a população, em geral, não valor à agricultura. E o próprio
agricultor, , também não. Ele não se valoriza. O Governo, por sua vez, muito
pouco valor. Também os pequenos, ninguém valoriza. Tem meia dúzia aí que ainda se
valorizam. Você um produtor, ele chega num banco, entra todo humilde. E ele vai
pegar um dinheiro lá que o Governo deixou ali para ele. Está destinado a ele.”
E, por fim, todos os entrevistados concordaram com a necessidade de que o Governo
ajude e apóie os pequenos produtores para que eles continuem exercendo seus ‘papéis’ na
sociedade. A única coisa que variava, de entrevista para entrevista, era qual o papel a ser
enfatizado.
Destacamos aqui a declaração do vereador entrevistado e ligado ao setor de rochas.
O que mais chamou a atenção nessa entrevista foi o fato do entrevistado não ser produtor
rural, não ser morador das áreas rurais e não ser também ligado a entidades locais
representativas de agricultores. Além disso, destacamos em sua declaração a ênfase dada à
produção de bens públicos (e não diretamente mercantis) pela prática agrícola.
108
No caso de desmatamento e meio ambiente, tem os proprietários que herdam a
propriedade e que têm uma área cheia de mato. Eles não podem mexer no mato por
causa da legislação. Eu acho um absurdo esses pequenos proprietários assumirem a
responsabilidade e esse prejuízo sozinhos. Se todos nós queremos respirar e queremos
o ar puro, eu acho que todos nós temos que pagar e o Governo tem que repassar isso
pro proprietário. De alguma forma, não sei como e não tenho meios para dizer como
isso pode ser feito. Sei lá, isentar ele. Ver a quantidade de mato e isentar ele de
impostos, dando incentivos para que esse pessoal não pague sozinho uma coisa que
todos nós vamos usar.”
Sendo assim, a análise dos discursos da maioria das lideranças locais caminha no
sentido de indicar uma incorporação fragmentada e parcial de alguns elementos priorizados
pela óptica da multifuncionalidade na agricultura. Esses elementos aparecem principalmente
sob a forma de preocupações ambientais, aspectos produtivos (no sentido de viabilizar a
produção para o mercado dos agricultores familiares através de uma política creditícia ou
agrícola) e preocupações sociais, especialmente aquelas relacionadas ao êxodo rural e à
manutenção do tecido cultural das comunidades rurais. Se essa mudança na óptica através da
qual se olhar para a agricultura, e em especial para a agricultura familiar, indica uma
mudança real na forma de se valorizar a agricultura ou se consubstancia num novo aparato
retórico tomado pelas lideranças locais com o intuito de ‘mudar para que tudo permaneça
igual’ ainda é cedo para afirmar.
3.4 – Mudança Efetiva ou ‘Transformar para que Tudo Permaneça Igual’?
Como foi visto, nas últimas décadas do Século XX, o Estado brasileiro sofreu um
processo de descentralização de seus instrumentos de política e de fortalecimento
progressivo das instâncias locais que no município de Santo Antônio de Pádua culminaram
na criação do CMDR e, mais atualmente, do CTNF. Nessa mesma época, nota-se no
município a formação de uma rede em torno da agricultura familiar que atualmente funciona
como principal gestora e implementadora dos projetos voltados para a agricultura familiar
no município.
No entanto, ainda é precipitado afirmar que essa maior autonomia das esferas locais
na implementação de instrumentos de política, venha representando uma ampliação
concomitante dos processos democráticos em torno dos processos decisórios. Assim, a
análise dos principais projetos implementados por essa mesma rede, nos demonstra que
atualmente ela não vem conseguindo representar em seus interesses todos os segmentos da
agricultura familiar do município, bem como não vem conseguindo contemplá-los em suas
ações implementadas para o desenvolvimento rural. Ainda são expressivos, os segmentos
que se mantêm excluídos de suas benesses, especialmente, aqueles mais vulneráveis, que
possuem menores propriedades (ou que não possuem acesso a terra) e que apresentam
menores escalas de produção agrícola e seus projetos não se encontram articulados em torno
de uma visão integradora do território em questão, apresentando uma dinâmica pautada
essencialmente na apresentação de soluções para problemas setoriais e pontuais.
Nesse sentido, destacamos que a introdução da óptica da multifuncionalidade da
agricultura e através da ampliação dos seus ‘papéis’ no desenvolvimento rural
contribuiriam para a execução de um projeto coletivo e de estratégias de desenvolvimento
que se aproximassem mais do enfoque territorial e que se pautassem em princípios de
eqüidade e inclusão social.
109
Por fim, a análise dos projetos implementados pela rede no município parece nos
indicar que a incorporação, ainda que indireta, fragmentada e parcial de elementos da
multifuncionalidade da agricultura, que funcionam (normalmente) como objetivos
acessórios do núcleo central dos respectivos projetos. Em seguida delineamos uma análise
das visões das principais lideranças locais em torno da agricultura familiar e de suas relações
com a dinâmica de desenvolvimento local no município. As entrevistas apontam que grande
parte dos discursos já incorpora, seja por simples retórica seja por uma efetiva mudança de
postura frente aos conflitos que envolvem as relações campo-cidade no município, alguns
elementos presentes na óptica da multifuncionalidade. Se essa mudança indica uma
tendência à uma transformação real ou se trata-se apenas de um novo discurso com o intuito
de ‘mudar para que tudo permaneça igual’ ainda é cedo para afirmar.
110
CONCLUSÕES
O Estado do Rio de Janeiro apresentou um modelo de desenvolvimento ao longo do
seu processo de formação histórica que constituiu em ‘se desenvolver para desenvolver o
país’. O resultado mais direto desse modelo é a constituição de um conjunto de disparidades
internas, cujo maior e mais gritante é a macrocefalia de sua Região Metropolitana (que
concentra mais de 90% da população total e do PIB). O processo de povoamento do interior
fluminense, cuja maior expressão foi o ciclo do café não consolidou nesse espaço (interior)
uma rede de cidades médias (articuladas e hierarquizadas) capazes de garantir interiorização
do crescimento econômico. Ainda nos dias de hoje esse desequilíbrio se faz presente, de
modo que a revitalização (econômica, política, social e cultural) dos municípios do interior
do Rio de Janeiro ainda representa o principal obstáculo a ser transposto em direção a um
processo sustentável de crescimento econômico e redução das desigualdades.
O presente Século surge como uma nova fase par a economia fluminense. Na década
de 1990 o Estado rompe com a trajetória de decadência que vinha traçando e parece dar
sinais de um processo de revitalização de algumas áreas do seu interior. Esse ponto de
inflexão chega junto com a maior exploração de petróleo no Estado, mais precisamente na
Região Norte.
Entretanto, ainda que os dias atuais denunciem a existência de novas dinâmicas no
interior do Rio de Janeiro, ainda não se pode afirmar que esse fenômeno se de maneira
uniforme sobre todo os municípios interioranos no Estado. Nesse sentido, vastas áreas ainda
têm permanecido à margem desses mesmos surtos de dinamismo, especialmente nas regiões
em que a agropecuária ocupa papel central em suas economias.
A agropecuária fluminense pouco se beneficiou do processo de modernização do
agro brasileiro. O modelo de modernização da agricultura, acompanhado da disseminação
dos pacotes da Revolução Verde, teria encontrado aqui obstáculos à sua implantação. Assim,
não pôde prosperar no Rio de Janeiro a monocultura altamente mecanizada e foi quase
inexistente a integração entre a agricultura e a agroindústria, principais símbolos da
agricultura ‘moderna’. OS maiores sintomas do processo de modernização, não obstante , se
fizeram presentes, consubstanciados em: aumento do uso de produtos químicos, elevação do
desmatamento, pouca adoção de práticas conservacionistas, a baixa diversificação dos
estabelecimentos rurais, acentuação do desemprego rural, aumento da concentração
fundiária e a precarização das condições de vida de boa parte da população rural.
A implantação do padrão de agricultura que acompanhava o discurso de
‘modernização’ da agricultura não obteve sucesso aqui especialmente pelo relevo bastante
acidentado que o Estado apresenta e pela estrutura fundiária pautada em estabelecimentos
rurais com áreas mínimas. Foi nesse contexto, e frente à incapacidade de se implantar no Rio
de Janeiro as ‘modernas’ fazendas de monoculturas mecanizadas, que se consolidou a
imagem (ainda presente) de decadência da agricultura familiar fluminense.
No entanto, muito embora a agricultura fluminense tenha sofrido um processo ao
longo das últimas décadas de relativo esvaziamento e recebido pouca atenção dos programas
e ações estaduais para o seu desenvolvimento, seu destino não está condenado ao
desaparecimento. Ao contrário, ainda existem muitos municípios, como aquele em que
111
centramos esse estudo, em que a agropecuária figura como principal setor gerador de
empregos. Adicionalmente, a agropecuária fluminense dá sinais nos últimos anos (e o Censo
Agropecuário de 1995/6 chama atenção para isso) de um maior dinamismo, sobretudo nos
sus segmentos mais modernos, com o aumento da participação de produtos diferenciados e
com maior valor agregado e preços no mercado como: plantas olerícolas e condimentares,
piscicultura, apicultura, plantas ornamentais entre outros. Por outro lado, destaca-se o
potencial da agropecuária fluminense e que não vem sendo bem utilizado, na medida em que
o Rio de Janeiro dispõe do segundo maior mercado consumidor do país, detentor de altos
níveis de renda e de um segmento de serviços de alimentação altamente desenvolvido
(restaurantes, hóteis, redes de fast food). Além disso, as distâncias entre as áreas mais
distantes e a Região Metropolitana no Estado são pequenas e estão interligadas por rodovias,
da mesma forma que as distâncias entre a Região Metropolitana fluminense e as Regiões
Metropolitanas de outros Estados (MG e SP) são também relativamente curtas.
É nesse contexto que se insere nosso trabalho. A alternância de ciclos agrícolas pelos
quais passou Santo Antônio de Pádua e a implantação parcial do processo de
‘modernização’ em seu território produziram efeitos que são sentidos até hoje no município.
Sua estrutura agrária é formada por pequenos estabelecimentos familiares (menos de 20ha)
pouco modernizados e que se utilizam da combinação da lavoura de tomate e pecuária
leiteira para sobreviverem. A forte concentração de terras e a deterioração das relações de
trabalho nas áreas rurais é uma realidade, evidenciada por salários baixos, falta de
cumprimento da legislação trabalhista e esvaziamento do campo. Sua agricultura é marcada
pela combinação de diversos tipos de relações de trabalho, onde aquelas mais tradicionais
baseadas na parceria (tipo meação), convivem lado-a-lado com formas mais ‘modernizadas’
de subordinação do produtor, como é o caso da parceria na cultura do tomate, que consiste
num excelente exemplo de modernização conservadora. A produção concentrada em torno
de um produto apenas, pouco capitalizada e com altos níveis de utilização de agrotóxico é
preponderante à diversificação produtiva no município. Suas áreas rurais enfrentam
atualmente problemas ambientais, caracterizados pela utilização excessiva de agrotóxicos
com contaminação de pessoas e animais, o extermínio quase completo da vegetação natural
da região, o empobrecimento dos solos e a intensificação dos processos erosivos.
Por outro lado, emergem novas dinâmicas que se espelham no meio rural de Santo
Antônio de Pádua atualmente (ainda de maneira incipiente) e que poderiam representar
novas possibilidades de inserção dessas áreas rurais na economia municipal. Em primeiro
lugar, ainda que a maioria dos estabelecimentos familiares se concentre nos cultivos
tradicionais, nas áreas rurais do município emergem, ao lado dessas lavouras mais
tradicionais, atividades agrícolas mais diversificadas e intensivas em mão-de-obra familiar.
Produções familiares com maior agregação de valor e, portanto, capazes de alcançar preços
mais elevados no mercado por serem mais diferenciadas, como a criação de ovinos e
caprinos; os orgânicos, que surgem juntamente com um projeto (por parte das lideranças
locais) de certificação para o arroz cultivado na região; a fruticultura, especialmente citrus; e
a piscicultura (tilápia). Por outro lado, percebe-se também um maior interesse dos pequenos
produtores e das lideranças locais ligadas à agricultura familiar nas atividades de
beneficiamento (lavagem, outras preparações e embalagem) e processamento dos produtos
agrícolas (preparo de doces, compotas, licores e vinhos para comercialização), objetivo de
agregar valor ao produto e alcançar com isso um preço mais elevado.
Além disso cresce nas áreas rurais do município, frente à crise pela qual passa a
agricultura familiar e ao crescimento do setor de rochas na economia, o número de famílias
112
pluriativas nas áreas rurais, de modo que cada vez mais essas famílias recorrem a diferentes
formas de inserção no mercado de trabalho, que não a atividade agrícola, com o objetivo de
complementar a renda familiar. Observa-se também no município, uma redução dos limites
rurais e urbanos, facilitando o intercâmbio entre as áreas rurais e as áreas urbanas, bem
como o deslocamento entre o local de moradia e o trabalho. Isso seria refletido diretamente
no aumento do número de famílias rurais do município nas quais um ou mais membros
trabalham na sede do município ou nos núcleos urbanos dos distritos. Observa-se também o
crescimento de novas demandas sobre o meio rural e que estão relacionadas com o turismo
rural e com a realização de atividades esportivas ligadas à natureza, como a canoagem, as
trilhas, o alpinismo e as escaladas.
Esses novos cenários inauguram um novo período cheio de possibilidades e
oportunidades para a agricultura, e especialmente a agricultura familiar do município, o que
pode representar o aparecimento de novas formas de inserção da atividade agropecuária na
economia local e regional. Novas oportunidades que podem vir a contribuir para a
suavização de alguns efeitos do incompleto processo da ‘modernização’ que sofreu a
agricultura do município, bem como para romper com a situação de crise (preços baixos,
êxodo rural, subordinação da mão-de-obra) pela qual passa a agricultura familiar do
município atualmente, e que se relacionariam principalmente com aquelas questões ligadas
às condições de vida das famílias dos agricultores e das famílias rurais, ao esvaziamento da
agricultura, à degradação ambiental e ao esvaziamento do campo.
Ressaltamos aqui que, em nosso entender o momento atual constitui também um
ambiente favorável à ascensão de novas ‘formas’ de agricultura, na medida em que se trata
de um período em que crescem as preocupações quanto aos efeitos da ‘modernização da
agricultura’, pautada num ‘modelo’ altamente concentrador e excludente. Nesse sentido,
contrapondo-se ao antigo ‘padrão’ da modernização, cresce o debate acerca de novas
‘formas’ de agricultura, baseada em princípios mais sociais, culturais e ambientais e menos
econômicos. Por outro lado, aumenta a valorização da agricultura familiar e da
diversificação produtiva, em detrimento a um ‘modelo’ ‘empresarial’ de agricultura, com a
produção de commodities e concentrador de renda e terras. Sendo assim, o ‘papel’ da
agricultura dentro do processo de desenvolvimento da sociedade contemporânea é
repensado, tendo como objetivo final a identificação de suas possíveis contribuições no que
concerne à consolidação de um processo de ampliação generalizada e sustentável da
qualidade de vida das populações, com uma forte ênfase na eqüidade social e em possíveis
formas de inclusão social. Nesse sentido, a agricultura deixa de responder apenas aos
aspectos ligados à eficiência e à produtividade.
Dentre esses novos papéis que são demandados pela sociedade à agricultura, citam-
se o a geração de empregos, principalmente aquelas ocupações que necessitam de um menor
grau de qualificação; a manutenção do tecido social e cultural das áreas rurais, fixando o
homem no campo e favorecendo a diversidade de ambientes nas sociedades; a garantia da
conservação e da criação da paisagem, em detrimento a uma homogeneização urbana; a
atuação como importante aliada no combate das desigualdades sociais, na medida em que
representa a forma de vida de boa parte das camadas mais vulneráveis; a garantia de uma
alimentação saudável para as famílias rurais e para a população urbana; a suavização do
inchaço das cidades, na medida em que a sua promoção representaria a possibilidade de
muitas famílias permanecerem no campo, evitando o êxodo rural; entre outros.
Soma-se a isso, transformações recentes do sistema agroalimentar mundial que
determinam a associação cada vez maior dos hábitos alimentares às preocupações sociais,
113
culturais e ambientais da população (dentre eles o consumo consciente). Nesse novo cenário,
as práticas agrícolas, ao contrário do modelo anterior, são coladas a uma base tecnológica
mais flexível, favorecendo a diversificação da produção e a redução do papel da escala em
detrimento a uma maior preocupação com a qualidade dos produtos. Adicionalmente, os
padrões de concorrência baseados na diferenciação dos produtos e na segmentação dos
mercados sobrepõem-se aos antigos, pautados unicamente no preço e na padronização,
abrindo espaço para produtos com maior valor agregado e que carregam ‘valores’
associados à tradição e aos processos de produção.
Tendo em vista o contexto atual de mudanças e de emergência de novos debates,
especialmente aqueles relacionados ao desenvolvimento, buscamos analisar a agricultura
familiar em Santo Antônio de Pádua e o seu papel no processo de desenvolvimento do
município. Para isso, elegeremos a noção da multifuncionalidade da agricultura como
princípio norteador funcionando como uma ‘lente’ que orientasse a nossa análise sobre a
agricultura no município e o desenvolvimento ao longo do trabalho. Tal noção, segundo
vimos, traz a agricultura para o campo de uma análise multidimensional, onde ela é
reconhecida como portadora de ‘funções’ (para a sociedade) que ultrapassam a produção de
alimentos e matérias-primas. Isso implica a introdução no debate acerca do desenvolvimento
agrícola de questões relacionadas ao meio ambiente, à conformação e manutenção do tecido
social e cultural rural, à geração de empregos e à qualidade do que é produzido, ao invés do
foco único na quantidade e preço do que é produzido.
Acreditamos que a noção de multifuncionalidade da agricultura poderá enriquecer a
análise do interior fluminense, principalmente nas áreas onde ainda são significativos os
espaços rurais e onde a agricultura (principalmente a agricultura familiar) é central na
conformação das comunidades rurais, tal qual em Santo Antônio de Pádua. E que o emprego
dessa noção nas análises sobre a agricultura familiar, bem como no delineamento dos
instrumentos de política pública voltados para esse segmento da agricultura brasileira teria
como principal contribuição a conformação de um processo de desenvolvimento rural mais
compatível com o enfoque territorial. Em nossa concepção, portanto, a ampliação do olhar
sobre a agricultura familiar e, portanto sobre o desenvolvimento rural e suas relações com o
desenvolvimento regional, representaria um avanço significativo na direção de um projeto
alternativo de desenvolvimento territorial que efetivamente contemplasse as especificidades
das áreas rurais, ao mesmo tempo em que favoreceria a conformação de um ‘padrão’ de
agricultura mais compatível com os princípios da sustentabilidade.
Nessa abordagem, os ‘papéis’ que são atribuídos à agricultura ultrapassam a simples
produção de alimentos e matérias-primas a baixo custo e incluem questões relacionadas ao
meio ambiente, à segurança alimentar e à manutenção do tecido social local e cultural das
comunidades rurais.
No que concerne à garantia da reprodução socioeconômicas das famílias rurais,
percebe-se que a agricultura em Santo Antônio de Pádua ainda ocupa um importante papel
na economia municipal, na medida em que é o setor que mais emprega mão-de-obra,
ganhando inclusive do setor de serviços. Por outro lado, a crise pela qual passa a produção
familiar mercantil no município reside, ao lado da precariedade dos serviços básicos
oferecidos, como as principais causas para o deslocamento das famílias rurais de Santo
Antônio de Pádua para a cidade. Assim, a criação de melhores condições para o exercício da
agricultura no município representaria não apenas a ampliação da renda das famílias rurais,
mas a possibilidade de permanência de boa parte delas no campo, evitando a transferência
da unidade familiar para as sedes dos distritos.
114
No entanto, ainda que o meio rural de Santo Antônio de Pádua esteja
progressivamente abrigando atividades não agrícolas e que grande parte de suas famílias
rurais recorram à outras formas de inserção no mercado de trabalho como estratégia de
reprodução social (pluriatividade), a agricultura ainda desempenha papel central na
reprodução social dessas famílias, especialmente aquelas onde a renda familiar total é mais
baixa. Assim, o fomento de atividades familiares agrícolas desenvolvidas nas áreas rurais
favoreceria não apenas uma maior diversificação da economia local (as atividades não
agrícolas rurais geralmente têm uma base agrícola), como a ampliação da renda agrícola
dessas famílias, tendo efeitos de encadeamentos também nas atividades rurais não agrícolas
existentes nas localidades. Cabe destacar que isso não inviabiliza as estratégias que têm
como objetivo final o fomento das atividades não agrícolas rurais.
Sendo assim, frente à crise pela qual passam os cultivos tradicionais no município
(queda generalizada de preços), cresce o espaço para a introdução de novos ‘modelos’
produtivos, baseados no enfoque agroecológico, orgânico, produção natural. As
transformações recentes do sistema agroalimentar, vistos anteriormente, bem como a
proximidade com o mercado consumidor do Rio de Janeiro também parecem abrir espaço
para novos cultivos e produtos, com maior valor agregado e capazes de alcançar um preço
maior no mercado consumidor final.
No entanto, o que se observa em Santo Antônio de Pádua é que a maioria dos
estabelecimentos agropecuários familiares ainda está presa a um modelo pouco
diversificado, pautado principalmente em produtos tradicionais como o leite, o tomate e o
arroz. No município, muitas vezes, essa opção é decorrente das restrições no acesso à terra e
aos meios de produção que determinam que o homem do campo tenha que vender sua força-
de-trabalho e, portanto, obedecer a certos padrões de uso dos recursos naturais. Não
obstante, o predomínio das culturas relativamente especializadas, percebe-se no município
algumas alternativas de diversificação das produções agrícolas, como os orgânicos, a
fruticultura, a piscicultura entre outros.
Figura também como obstáculo à produção familiar no município, o acesso ao
crédito por parte do pequeno produtor, de forma que grandes segmentos dos agricultores
familiares do município ainda se fazem excluídas dele. Nesse sentido, além dos produtores
apresentarem certa resistência, muitos não possuem renda ou terra mínima para poder pegar
o financiamento e ainda haveria muita burocracia e processos a serem cumpridos (com
garantias a serem empregadas) o que geraria uma rejeição nos pequenos produtores a esse
tipo de instrumento. São encontradas no município também dificuldades na ampliação dos
segmentos atendidos pelo crédito decorrentes da falta de ‘tato’ e ‘respeito’ dos gerentes de
banco para com os pequenos agricultores, o que acabaria deixando-os desconfortáveis em ir
à agência bancária.
A promoção da segurança alimentar em Santo Antônio de Pádua, por sua vez,
enfrenta alguns obstáculos para sua plena realização, resultantes principalmente da ausência
de alternativas de canais de comercialização para os agricultores familiares (ausência de
circuitos regionais organizados); alta incidência do uso de agrotóxicos e produtos químicos;
produções baseadas na especialização ao invés da diversificação; crise da produção familiar
mercantil que acaba comprometendo também a produção para autoconsumo; e existência de
restrições no acesso à terra o que dificultaria a realização de uma produção para
subsistência.
115
Uma das principais características da agricultura familiar de Santo Antônio de Pádua
nas últimas décadas foi a crescente subordinação da mão-de-obra ao capital mercantil e
industrial. Atualmente, a principal forma de inserção da agricultura familiar no mercado de
produtos agrícolas dá-se através de sua subordinação a cadeias integradas (geralmente
nacionais), compostas principalmente pela cooperativa e pelos intermediários mercantis
(como o ‘maquinista’). Ainda que os circuitos regionais de produção, distribuição e
consumo estejam presentes através das práticas de venda de porta-em-porta e da exposição
de produtos por conta própria num posto de gasolina, esses ainda são incipientes e
esporádicos. O fomento desses circuitos, através de sua organização e sistematização
poderia representar benefícios tanto para os pequenos produtores quanto para a população
em geral, traduzida numa alimentação de maior qualidade e em preços menores. Nesse
sentido destacamos aqui também para que esses canais sejam incentivados ou promovidos
tendo com objetivo final garantir benefícios efetivos para os agricultores e não a apropriação
por outros agentes envolvidos.
A promoção de ‘modelos’ alternativos de agricultura, bem como o incentivo a uma
maior diversificação da produção também figuram como pontos centrais para a garantia da
segurança alimentar. As monoculturas, pelo alto uso de agrotóxicos, comprometem
sobremaneira a qualidade nutricional dos alimentos.
A manutenção do tecido social e cultural no município se viu muito prejudicada nos
últimos anos (de 1970 para cá) devido ao êxodo rural. Adicionalmente, o aumento do
número de famílias pluriativas, em decorrência do crescimento do setor de rochas (década
de 1990), bem como da crise pela qual passa a produção familiar mercantil, vem
determinando que as fronteiras entre o rural e o urbano sejam reduzidas.
Nesse processo, novas experiências são engendradas e se nutrem de uma maior
diversidade social e cultural que alimenta também as trocas sociais estabelecidas entre os
atores sociais naquele contexto. Nessa interação pode-se perceber a consolidação de
identidades sociais estabelecidas e também contribuir com a elaboração de novas
identidades (tidas como urbanas, por exemplo) no interior da própria localidade rural. Esse
processo se no meio rural de Santo Antônio de Pádua de uma maneira ambivalente,
podendo gerar tanto novos conflitos sociais, quanto alianças. Sendo assim, no meio rural, no
lugar de ter uma única referência cultural (‘rural’), esses novos atores sociais do campo
vivem uma situação complexa que é conseqüência da combinação singular de sistemas
simbólicos particulares e de universos culturais distintos.
A preservação dos recursos naturais e da paisagem é marcada pelos ciclos pelos
quais passou a agricultura municipal. Santo Antônio de Pádua é palco de sucessivas
reordenações espaciais que acentuaram as degradações ambientais e que remontam ao início
da cafeicultura, se acentuando ao longo dos anos. Nesse sentido, ao passo em que se
implantaram relações de parceria, durante o processo de ‘modernização’ da agricultura, com
o progressivo aviltamento da mão-de-obra, desenrola-se uma trajetória de acentuado
desequilíbrio ecológico, que decorreria da destruição das florestas, do esgotamento e erosão
do solo. A passagem progressiva para a pecuária extensiva, com o aumento do êxodo rural,
por sua vez, acentua ainda mais esse desequilíbrio.
Na maior parte das entrevistas pode-se perceber a existência de conflitos entre a
preservação ambiental e as produções predominantes (pecuária extensiva, tomate). No
entanto, muitos entrevistados lembraram também que a preocupação ambiental no município
116
seria algo ainda recente. São recorrentes também os relatos de contaminação de agricultores,
animais e água pelo uso de agrotóxicos.
O maior ponto de polêmica, entretanto, fica por conta da atuação do Ibama. A
maioria dos entrevistados afirma que o Ibama deveria levar mais em consideração as
dificuldades dos agricultores, bem como deveria atuar, não somente através de multas e
coerção, mas através de um trabalho de conscientização e mobilização dos agricultores.
No que concerne à paisagem, por sua vez, pode-se facilmente perceber a presença de
elementos simbólicos do ‘mundo rural’ e da ‘agricultura’ como constituintes da vida
cotidiana em todo o município, inclusive dos espaços urbanos. Assim sendo, em Santo
Antônio de Pádua, as curtas distâncias que separam os limites da ‘roça’ do ‘centro da
cidade’, facilitam as trocas simbólicas e materiais, possibilitando a interação entre dois
‘mundos’ que cada vez mais se interceptam e inter-relacionam. O ‘urbano’ assim, de certa
forma, está no ‘rural’ e o ‘rural’, no ‘urbano’, de forma que ambos se mostram importantes
na manutenção da paisagem do município.
Quanto às estratégias de desenvolvimento rural implementadas no município, a
criação do CMDR em Santo Antônio de Pádua, por exigência à sua integração no Pronaf
Infra-Estrutura, teve como principal conseqüência o favorecimento do debate em escala
ampliada em torno da agricultura familiar e se refletiu na criação de um espaço
institucionalizado para a elaboração e discussão de instrumentos de política voltados para
esse segmento da agricultura municipal. Em última instância, a inclusão do município no
Pronaf Infra-estrutura em 1997/98 se refletiu como um incentivo à mobilização das
lideranças locais em torno da agricultura familiar, fomentando inclusive a organização da
sociedade civil com o amplo apoio das estâncias governamentais locais.
A partir daí se forma no município uma rede em torno da agricultura familiar
composta por movimentos sociais que se articulam, tanto internamente ao território quanto
para além dele, refletindo na formação de novas territorialidades que oscilam desde o vel
local até o regional, incluindo as novas discussões no âmbito ‘regional-territorial’
incitadas pela SDT. A dinâmica dessa rede no município, embora seja caracterizada por
fluidez e interações sistemáticas, não se dá de maneira uniforme entre todos os atores sociais
dela constituintes. Ela é composta por: Secretaria da Agricultura, Sebrae e Emater (os elos
mais fortes); Sindicato Rural de Santo Antônio de Pádua; Cooperativa Agropecuária de
Santo Antônio de Pádua; Núcleo de Ovinos e Caprinos do Noroeste; Associação de
Moradores de Marangatu; e Associação dos Pequenos Produtores Rurais de Monte Alegre e
Ibitiguaçu Aprumai).
Tendo em vista que os agricultores do município não possuem uma ‘tradição’ em
organização social e criação de formas de representatividade, chama atenção em que medida
a consolidação e espacialização dessa rede poderá contribuir para o fortalecimento da
sociedade civil local, no sentido de reforçar e incentivar a formação de laços de
reciprocidade e de cooperação que facilitem os processos de inovação e de aprendizado e
que facilitem a organização desses agricultores em torno de instituições (formais ou
informais) representativas.
A maior articulação no município dessa rede, ‘produz’ um território-rede, que
coincide com o espaço onde se a maioria das ações e dos projetos voltados para a
agricultura familiar no município. Assim, na medida em que se consolidam os movimentos
sistemáticos de territorialização (seja no nível local, seja no nível regional ou da ‘região-
território’ da SDT) dessa rede no município, observa-se um processo progressivo e
117
fragmentado de exclusão de alguns distritos e segmentos da agricultura familiar do escopo
dos projetos de desenvolvimento rural. As principais ações da rede concentram-se nos
distritos e nas áreas próximas de Monte Alegre, Ibitiguaçu e Campelo, as áreas que
apresentam no município, uma maior expressão em termos de produção agrícola,
especialmente na produção de olerícolas. As demais localidades, ainda que apresentem áreas
e populações rurais formadas em maior parte por agricultores familiares teriam uma
produção agropecuária de menor escala, o que acabou determinando que ficassem ‘fora’ da
área de escopo dessa rede e também que tivessem pouca representatividade nas estâncias de
participação social observadas no município Nesse sentido, percebe-se que, ao mesmo
tempo em que a consolidação e articulação da rede criam novas territorializações reforçando
as áreas onde a produção agrícola familiar é mais significativa e acentuando as disputas em
torno dos recursos e dos investimentos nesse território-rede, ela automaticamente exclui
outras áreas e segmentos da população, especialmente aqueles onde a agricultura familiar
encontra-se mais enfraquecida.
Por conseguinte as ações e articulações dessa rede têm conseguido consolidar em
Santo Antônio de Pádua, uma série de projetos voltados para a agricultura e, especialmente a
agricultura familiar, que têm dado maior impulso e dinamismo à agricultura no município.
No entanto, anda é precipitado associar esse maior dinamismo à ampliação generalizada da
participação social, incluindo aí todos os segmentos da agricultura familiar do município, e à
adoção de medidas que tenham efetivamente um caráter de inclusão social.
A análise da maioria desses projetos (suas orientações, atores sociais envolvidos e
sua priorização de demandas) parece nos indicar um favorecimento das atividades
mercantis, especialmente dos setores agropecuários (com uma visão setorial) e uma menor
contemplação das demais atividades rurais (atividades não agrícolas). Adicionalmente,
nessas ações ficam parcialmente atendidas, ou atendidas indiretamente, as demais dimensões
do meio rural que ultrapassam a sua dimensão produtiva como os efeitos da atividade
agrícola sobre o meio ambiente, a melhoria da qualidade de vida das populações rurais, a
manutenção do tecido cultural e social das comunidades rurais entre outros.
Percebe-se que esses projetos não vêm conseguindo alcançar aquelas camadas dos
agricultores familiares do município que se encontram em situações mais vulneráveis, de
forma que eles não são capazes de refletir nas suas diretrizes e ações a diversidade dos
segmentos da agricultura familiar do município. Logo, da mesma forma que os grandes
proprietários (minoria) de Santo Antônio de Pádua não foram os principais beneficiados
pelos projetos implantados pela rede, pode-se dizer que também não o foi a maioria dos
agricultores empobrecidos do município. Nesse grupo encontram-se aqueles que são
obrigados a vender sua mão-de-obra, especialmente sob o regime de parceria e aqueles que
também possuem restrições no acesso à terra ou detentores de propriedades extremamente
pequenas que vivem praticamente da produção de subsistência. Esses segmentos, além de
não estarem beneficiados em quase nenhum projeto (com exceção da Agrovila), seguem sem
representação nas principais estâncias de discussão e definição das estratégias e projetos de
apoio à agricultura familiar, a rede, o CMDR e o CTNF.
Nessa direção, a própria forma através da qual se operacionalizam os principais
projetos de apoio à agricultura familiar que se dão no município, com forte ênfase
‘produtiva’ acabam reforçando a exclusão desses segmentos mais vulneráveis. Seus
instrumentos, geralmente baseados no crédito (e que requer um mínimo de produtividade e
terra onde se realizar o cultivo) ou no estímulo isolado de algumas ‘produções’, voltadas
exclusivamente para determinados produtos ou lavouras (olerícolas, piscicultura, ovino e
118
caprinos) não são capazes de incluir em seu universo a maioria das famílias rurais
empobrecidas do município que vivem de subsistência ou que não possuem acesso a terra. O
atendimento a esses segmentos, portanto, ficaria isolado no âmbito de atuação da Secretaria
de Promoção Social, através de políticas como o bolsa-escola e o cheque cidadão.
A introdução da óptica da multifuncionalidade, nesses programas, focando nas
famílias rurais e nas suas relações sociais travadas (e não somente econômicas) com o
território ao qual ajudam a dar forma, contribuiria para a aproximação das estratégias de
desenvolvimento rural no município do enfoque territorial. A melhor ‘visibilidade’ das
relações sociais travadas do território, bem como o redesenho de formas de apoio a essas
famílias que se encontram à parte do mercado local, possibilitaria a operacionalização e o
desenho de estratégias de desenvolvimento rural que efetivamente busquem reverter a
situação de dominação em que essas famílias rurais mais empobrecidas se encontram na
estrutura de poder local, favorecendo o rompimento com mecanismos de dominação que
obstaculizam, por sua vez, o desenvolvimento local.
Os requisitos para se obter avanços nessa direção parecem se localizar, inicialmente,
na revisão da ênfase produtiva desses mesmos projetos (na agricultura familiar como
produtora de bens mercantis), de forma a contemplar as unidades familiares rurais em sua
totalidade e não apenas aquelas camadas que ainda conseguem se inserir no mercado de
produtos agrícolas. Na maioria dos casos, são justamente as famílias rurais que não
conseguem se inserir as que mais precisam de apoio no sentido de romper com os limites da
pobreza.
A revisão desses instrumentos de apoio poderia caminhar no sentido de ampliação do
‘papel’ desses agricultores familiares ‘para além da produção’ de forma que sejam
reconhecidos e recompensados pela importância que adquirem ao se pensar a segurança
alimentar, a manutenção da paisagem rural, a manutenção dos tecidos sociais e culturais, a
preservação do meio ambiente, entre outros, elementos centrais numa abordagem ampliada
do desenvolvimento rural que não o resuma ao crescimento econômico.
Por outro lado, a análise dos projetos desenvolvidos atualmente no município
denuncia a importância de que se faça o diálogo entre os diferentes projetos desenvolvidos,
bem como haja a articulação entre diferentes ações de um mesmo projeto. Muitas vezes, será
a articulação desses diferentes projetos que possibilitarão impulsionar a dinâmica das áreas
rurais, ampliando a escala dos resultados obtidos, bem como permitir que os segmentos da
agricultura familiar tradicionalmente excluídos sejam efetivamente dotados de ‘poder’
(através de estratégias coordenadas) e tenham ampliadas suas oportunidades e possibilidades
de romper com a situação de pobreza que enfrentam atualmente.
E, por fim, a análise dos discursos da maioria das lideranças locais entrevistadas
caminha no sentido de indicar uma incorporação fragmentada e parcial de alguns desses
elementos priorizados pela óptica da multifuncionalidade na agricultura que poderiam
ampliar a abordagem do desenvolvimento rural, aproximando-a do escopo territorial. Esses
elementos aparecem principalmente sob a forma de preocupações ambientais, obstáculos a
ampliação produtiva das famílias rurais (no sentido de viabilizar a produção para o mercado
dos agricultores familiares através de uma política creditícia ou agrícola) e preocupações
sociais, especialmente aquelas relacionadas ao êxodo rural e à manutenção das comunidades
e das culturas locais. Se essa mudança na óptica através da qual se enxerga a agricultura
familiar no município indica a tendência a uma mudança real na forma de se valorizar a
agricultura e suas relações com o processo de desenvolvimento rural ou se consubstancia
apenas num novo aparato retórico tomado pelas lideranças locais com o intuito de ‘mudar
para que tudo permaneça igual’ ainda é cedo para afirmar.
119
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