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CENTRO UNIVERSITÁRIO ASSUNÇÃO
PONTIFÍCIA FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO
REJANETE ROSELIS GRÖSZ
A PLENIFICAÇÃO DA VIDA POR INTERMÉDIO DA FÉ
Análise exegética de Marcos 5,21-43
São Paulo- 2006
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2
CENTRO UNIVERSITÁRIO ASSUNÇÃO
PONTIFÍCIA FACULDADE DE TEOLOGIA NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO
REJANETE ROSELIS GRÖSZ
A PLENIFICAÇÃO DA VIDA POR INTERMÉDIO DA FÉ
Análise exegética de Marcos 5,21-43
Dissertação apresentada como
exigência parcial para obtenção do
título de Mestre em Teologia
Sistemática, com concentração em
Bíblia, à Comissão Julgadora da
Pontifícia Faculdade de Teologia
Nossa Senhora da Assunção, sob
orientação do Prof. Dr. Matthias
Grenzer.
São Paulo- 2006
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3
BANCA EXAMINADORA
Presidente:.................................................................................................................................
1
o
Examinador:..........................................................................................................................
2
o
Examinador:..........................................................................................................................
4
AGRADECIMENTO
A todas as pessoas que de forma direta ou indireta contribuíram para a realização deste
trabalho.
À minha família: Egon e Sidônia, Dirce e Solange.
À congregação das Filhas do Amor Divino, pelo apoio e incentivo.
À Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, pela contribuição econômica
em forma de bolsa, auxiliando os custos financeiros do estudo.
Quero, também, agradecer ao meu orientador, Dr. Matthias Grenzer, que, com carinho e
amizade, ajudou na preparação deste trabalho, iluminando-me com sua cultura e conselhos
sempre sábios.
Aos professores e colegas da pós-graduação pela partilha de conhecimentos e vivências.
A Edson Luiz Sampel, pela revisão gramatical do trabalho.
5
SIGLAS
a.C - Antes de Cristo
AT - Antigo Testamento
d.C - Depois de Cristo
Cf. - Confira
NT - Novo Testamento
v. - Versículo
vv - Vários versículos
Vol.-Volume
VV.AA. - Vários autores
6
SUMÁRIO
AGRADECIMENTO..............................................................................................................04
SIGLAS....................................................................................................................................05
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................07
1. CAPÍTULO – O ENCONTRO COM JAIRO (Mc 5,21-24a)..........................................10
1.1- Texto e a diagramação do conteúdo..................................................................................10
1.2- De volta a Cafarnaum........................................................................................................12
1.3- Encontro com um aflito chefe religioso.............................................................................20
1.4- Companheirismo de Jesus..................................................................................................26
1.5- Conclusão...........................................................................................................................28
2. CAPÍTULO - A CURA DA MULHER HEMORROÍSSA (Mc 5,24b–34)....................30
2.1- Texto e a diagramação do conteúdo..................................................................................30
2.2- Encontro inesperado: descrição dos esforços de uma mulher para ser curada..................33
2.3- Toque restaurador: contato escondido e salutar com o manto de Jesus.............................41
2.4- Reação inesperada: a pergunta de Jesus e a objeção dos discípulos..................................45
2.5- Testemunho surpreendente: a confissão da mulher e o elogio de sua fé...........................51
2.6- Conclusão...........................................................................................................................57
3. CAPÍTULO - A RESSURREIÇÃO DA FILHA DE JAIRO (Mc 5,35-43)....................59
3.1- Texto e a diagramação do conteúdo..................................................................................59
3.2- Notícia contundente: tarde demais para a cura..................................................................62
3.3- Dor dilacerante: confirmação da morte.............................................................................68
3.4- Ato extraordinário: reanimação por meio do gesto e da palavra.......................................73
3.5- Orientação conclusiva: “Dê de comer a ela”.....................................................................77
3.6- Conclusão..........................................................................................................................84
4. CAPÍTULO - CONTEXTUALIZAÇÃO E ATULIZAÇÃO DE Mc 5,21-43................87
CONCLUSÃO.........................................................................................................................99
BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................101
7
INTRODUÇÃO
O ontem e o hoje estão marcados pela dor, sofrimento, doenças e morte. Jesus tornou-
se o mediador entre a fragilidade humana e o poder divino. Em Jesus, e por meio da fé,
tornou-se possível a restauração da saúde e a eliminação da morte prematura, como é narrado
no Evangelho de Marcos 5, 21-43.
O presente estudo tem por escopo avançar com o texto bíblico de Marcos 5,21-43.
Procuramos descobrir a riqueza literária, o objetivo e a mensagem que o evangelista teve em
mente ao escrever as perícopes de 5,21-43. Outrossim, levamos em consideração o momento
histórico subjacente às narrativas.
Nossa proposta é retomar a narrativa do evangelho de Marcos, olhando os elementos
estilísticos, o espaço geográfico onde as cenas acontecem, os personagens que aparecem e a
interação entre eles, especialmente uma descrição da figura de Jesus e a sua ação. A partir
disto, perceberemos neste conjunto elementos norteadores que auxiliarão a caminhada das
seguidoras e dos seguidores de Jesus nos dias atuais, especialmente em face do quadro de
males e doenças que açoitam a integridade física e mental do ser humano.
Convém um esclarecimento a respeito da estruturação do Evangelho de Marcos. Isto
nos trará elementos que coadjuvarão na jornada exegética das perícopes. O Evangelho de
Marcos pode ser dividido pelo espaço geográfico. Jesus inicia sua atividade na Galiléia, com
incursões pelas imediações. Em seguida, encaminha-se à capital, Jerusalém, onde irá se
consumar a sua missão.
8
Dentro desta prospectiva, podemos criar a seguinte estrutura
1
:
Introdução (1,1-1-3)
1
a
Parte: A casa de Jesus: Galiléia (1,14-8,26)
I. O ministério galilaico (1,14-3,6)
II. O alto ministério galilaico (3,7-6,13)
III. O ministério fora da Galiléia (6,14-8,26)
2
a
Parte: O caminho para Jerusalém (8,27-16,8)
I. Cesaréia de Filipe: a jornada para Jerusalém (8,27-10,52)
II. O ministério em Jerusalém (11,1-13,37)
III. A narrativa da Paixão e Ressurreição em Jerusalém (14,1-1-16,8)
Acréscimo conclusivo (16,9-20)
O evangelho também pode ser divido pela trama do texto. A sua divisão será esboçada
em dois grandes blocos temáticos. No primeiro bloco de 1,14-8,26, o evangelista trabalha com
a pessoa de Jesus e sua identidade. Através da maneira de ser e de atuar, Jesus vai revelando
sua identidade. No segundo bloco, de 8,27 a 16,8, deseja-se mostrar como se deve
compreender a messianidade de Jesus: Jesus é o Cristo. Sua maneira de ser provoca conflito
com o sistema dominante da sociedade. Ele resiste até o fim e paga com a própria vida.
Dentro desta prospectiva podemos criar a seguinte estrutura
2
:
I. Prólogo (1,1-1-3): apresentação do Messias
II. Primeira Parte (1,14-8,26): o ministério do taumaturgo Jesus de Nazaré
Quem é Jesus?
III. Segunda Parte (8,27-16,8): aos poucos vai se esclarecendo quem é Jesus
Jesus é o Messias sofredor
IV. Conclusão canônica, apêndice (16, 9-20): aparição de Jesus ressuscitado.
1
O esquema está de acordo com o quadro apresentado por Sebastião Armando Gameleira SOARES; João Luiz
CORREIA JÚNIOR. Evangelho de Marcos, p. 33.
2
O esquema também está de acordo com o quadro apresentado por Sebastião Armando Gameleira SOARES;
João Luiz CORREIA JÚNIOR. Evangelho de Marcos, p. 33.
9
As perícopes em estudo, a cura da mulher hemorroíssa e da filha de Jairo (5,21-43),
inserem-se dentro do esquema da primeira parte da obra de Marcos, tanto na divisão pelo
espaço geográfico, quanto na divisão pela trama do texto. O espaço geográfico está na
Galiléia e o eixo temático diz respeito à busca de um novo sistema de relações, através da
missão e da atividade de Jesus (1,16-8,26). O capítulo 5, 1-43 traz as categorias impuras:
gentios e mulheres, como aqueles que são chamados a formar o novo povo de Deus, mediante
a fé. Nestas narrativas, o evangelista propõe dados para a compreensão do sentido e o alcance
da fé em Jesus, como Filho de Deus.
A opção pelo evangelho de Marcos deve-se ao fato de ser o primeiro evangelho
escrito, tendo como objetivo servir como guia para o discipulado de Jesus. O seu relato é
história forjada pelos comprometidos, que versa sobre os comprometidos e que se dirige aos
comprometidos com a obra de Deus, obra de justiça, de compaixão e de libertação de todos os
males que ameaçam a felicidade e bem estar do ser humano.
O trabalho está dividido em quatro partes. No primeiro capítulo haverá uma análise
dos versículos 21-24a, onde acontece o encontro de Jairo com Jesus. O segundo capítulo
abordará os versículos 24b-34, que narram a cura da mulher hemorroíssa, através do toque da
mulher em Jesus; o terceiro capítulo terá como eixo de análise a ressurreição da filha de Jairo,
narrada nos versículos 35-43, abordando a fé de Jairo e a superação da morte com a
restauração da vida. E, por fim, teremos no quarto capítulo uma contextualização da perícope
na estrutura socioeconômica, política e cultural das comunidades judaicas no primeiro século,
como também os desafios que as comunidades primitivas enfrentaram. Sob o lume destas
constatações a propósito da mensagem de Jesus, o Evangelista buscou comunicar a Boa
Notícia às comunidades. Por isso, inseriu as referidas narrativas em seu Evangelho. É
necessário tirarmos conclusões e resgatarmos a Boa Nova marcana.
10
1. CAPÍTULO
O ENCONTRO COM JAIRO (Mc 5,21-24a)
Jesus está num ambiente judaico à beira-mar com uma multidão ao seu redor.
Aproxima-se de Jesus um dos principais funcionários de uma sinagoga. O chefe da sinagoga
cai aos pés de Jesus e suplica pela cura de sua filha. A sua súplica possui urgência, pois, a
filha está chegando ao fim da vida.
Assim, como a multidão que busca ajuda de Jesus, também alguém importante na
sinagoga se dirige até Jesus. Jairo rompe com a própria auto-suficiência e experimenta
profundamente em si mesmo a condição de necessitado. E a partir desta experiência busca em
Jesus a última esperança: que a filha seja salva e viva.
1.1 - Texto e a diagramação do conteúdo
Apresenta-se, por primeiro, a tradução do texto grego
3
. Em seguida, será apresentada a
diagramação do conteúdo. A diagramação do conteúdo terá a apresentação da situação em que
a narrativa de cura está envolvida e a súplica de intervenção em favor da cura.
3
Todas as citações em grego utilizadas no trabalho são tiradas do programa Bible Works for Windows, na
versão 5, em CD-ROM.
11
Texto e tradução: Mc 5, 21-24a
21 Kai. diapera,santoj tou/ VIhsou/ Îevn tw/| ploi,w|Ð pa,lin eivj to. pe,ran sunh,cqh o;cloj polu.j
evpV auvto,n( kai. h=n para. th.n qa,lassanÅ
22 Kai. e;rcetai ei-j tw/n avrcisunagw,gwn( ovno,mati VIa,i?roj( kai. ivdw.n auvto.n pi,ptei pro.j tou.j
po,daj auvtou/
23 kai. parakalei/ auvto.n polla. le,gwn o[ti to. quga,trio,n mou evsca,twj e;cei( i[na evlqw.n evpiqh/|j
ta.j cei/raj auvth/| i[na swqh/| kai. zh,sh|Å
24a kai. avph/lqen metV auvtou/Å
21 - E, após Jesus ter novamente atravessado [de barco], para o outro lado, uma numerosa
multidão se juntou ao redor dele. Estava à beira-mar.
22 - E veio um dos chefes da sinagoga, com nome de Jairo. Viu-o e caiu a seus pés.
23 - E implorou-o e disse numerosas palavras: “Minha filhinha está no fim! Que venhas e
imponhas as mãos sobre ela, para que seja salva e viva” .
24a - E foi com ele.
Diagramação do conteúdo:
A- De volta a Cafarnaum
21 - E, após Jesus ter novamente atravessado [de barco], para o outro lado, uma numerosa
multidão se juntou ao redor dele. Estava à beira-mar.
B- Encontro com um aflito chefe religioso
22 - E veio um dos chefes da sinagoga, com nome de Jairo. Viu-o e caiu a seus pés.
23 - E implorou-o e disse numerosas palavras: “Minha filhinha está no fim! Que venhas e
imponhas as mãos sobre ela, para que seja salva e viva” .
C- Companheirismo de Jesus
24a - E foi com ele.
12
1.2 De volta a Cafarnaum
Com o versículo 21, inicia-se uma nova perícope. Isto pode ser observado por alguns
critérios como tempo, espaço, tema e personagens
4
.
A narrativa na perícope anterior 5,1-20 possui as seguintes características:
- Local geográfico: região dos gerasenos;
- Personagens: Jesus, discípulos, um homem endemoniado;
- Assunto: a cura de um endemoniado.
Na passagem desta perícope para a perícope em estudo denota-se o seguinte:
- Mudança geográfica: e tendo atravessado Jesus novamente para o outro lado...
(5,21);
- Mudança de personagens: surgem a multidão e o chefe da sinagoga;
- Outro assunto: um pai intervém pela cura de sua filha.
Estes dados mostram o início de uma nova perícope, a qual, por sua vez, é autônoma e
coesa. Gnilka
5
ressalta que, sob o ponto de vista estilístico, os versículos 21 e 24 são criações
do evangelista. A travessia do mar emenda com 5,1-18. O relato de Jairo originalmente
começou com o versículo 22.
A conjunção Kai. (e) abre o versículo 21, termo muito usado por Marcos. O hagiógrafo
do Evangelho de Marcos utiliza excessivamente a conjunção kai., no início e no fim das
unidades literárias, num total de mil e setenta e oito vezes
6
. Os gramáticos dão a esta
construção o nome de parataxe. Taylor explica que a parataxe é a simples coordenação das
orações com kai., em vez de empregar particípios ou orações subordinadas. É uma das
características mais notáveis do estilo de Marcos
7
.
4
Cf. Cássio Murilo Dias da SILVA. Metodologia de Exegese, p. 70-73.
5
Cf. Joachim GNILKA. El evangelio según San Marcos, p. 244.
6
Robert MORGENTHALER. Statistik des Neutestamentlichen Wortschatzes, p. 108.
7
Cf. Vincent, TAYLOR. Evangelio según San Marcos, p.71.
13
No versículo 21, nos deparamos com um ponto da crítica textual, pois, o termo [de
barco] encontra-se em colchetes. A variante que o aparato crítica na “The Greek New
Testament”
8
traz, não representa nenhuma alteração para o texto. Porém, como no texto a
palavra Îevn tw/| ploi,w|Ð se encontra em colchetes, faz-se mister entender o porquê deste
procedimento. O texto traz a seguinte variante
9
:
evn tw/| ploi,w é considerada uma antiga inserção, adicionada antes do tou/ VIhsou/ pela
testemunha uncial W e depois de tou/ VIhsou/ pelas seguintes testemunhas: unciais א A (B e o
minúsculo 2427 omitem o tw/|) C L U 0107
vid
(leitura, cuja identificação no manuscrito não é
totalmente segura) e 0132; família do minúsculo f
13
e um grande número de minúsculos, ou
seja, 33, 157, 180, 579, 597, 892, 1006, 1010, 1071, 1241, 1243, 1292 (1342 acrescenta eivj
Gennhsare,t depois de VIhsou/), 1424, 1505; a maioria dos manuscritos bizantinos (E F G H Σ);
manuscritos
aur
da versão latina antiga (Ítala: it
aur f, 1
); vulgata; siríaca peshita e heracleana;
várias versões copta saídica e uma versão com pequenas alterações e a copta boárica (cop
sa mss,
(ms), bo
); etiópica; eslava antiga e o pai da Igreja Agostinho.
A opção somente por tou/ VIhsou/ é atestada pelos manuscritos: papiro (Þ
45vid
); unciais
D Θ ; família do minúsculo f
1
; minúsculos 28, 205, 565, 700, o manuscrito da versão latina
antiga (Ítala: it
a, b, c, d, e, ff2, i, q, r1
); versões: siríaca sinaítica, armênica e geórgica.
Fazendo uma avaliação destas variantes, podemos constatar:
a) Em termos de quantidade, a inclusão evn tw/ ploi,w conta com a maioria dos
manuscritos.
8
“The Greek New Testament” 4 ed. (GNT) apresenta um número bem menor de variantes em comparação com a
versão do “Novum Testamentum Graece” (NTG) de Nestle-Aland. A opção do aparato crítico do GNT é que há
apenas interesse pelas variantes mais relevantes para a tradução dos textos.
9
{C} tou/ VIhsou/ evn tw/| ploi,w| א A (B 2427 omit tw/|) C L (W tou/ VIhsou/ after ploi,w) U 0107
vid
0132 f
13
33 157
180 579 597 892 1006 1010 1071 1241 1243 1292 (1342 add eivj Gennhsare,t after VIhsou/) 1424 1505 Bys [E F G
H Σ} it
aur, f, 1
vg syr
p,h
cop
sa mss, (ms), bo
eth slav Augustine// tou/ VIhsou/ Þ
45 vid
D Θ f
1
28, 205, 565, 700 it
a, b, c, d, e,
ff2, i, q, r1
syr
s
arm geo.
14
b) Em relação à idade dos manuscritos
10
. A inclusão é testemunhada por três
manuscritos do século IV, três do século V, um do século VI, dois do século VII, cinco do
século IX, testemunhas das minúsculas datadas do século IX em diante e outros de idade
indefinida. A omissão é testemunhada por um manuscrito do século III, dois do século IV e
minúsculos datada do século X em diante, versão Itálica do século IV em diante. Pelo critério
de idade, a omissão tem a seu favor um manuscrito do século III.
Segundo Metzger
11
, quanto à avaliação das variantes, a maioria dos estudiosos
preferiu a forma confirmada pelos tipos de texto alexandrinos com a inclusão de evn tw/| ploi,w|.
Quanto à ausência, os estudiosos a explicam como acidente ou como assimilação ao paralelo
de Lc 8,40. A mudança de posição da frase no manuscrito uncial W se deve ao desejo de obter
uma melhor seqüência. Contudo, em vista do conflito entre probabilidade de transcrição,
pensou-se melhor incluir as palavras em colchetes.
A própria Bíblia “The Greek New Testament” adiciona no aparato informações sobre
o grau de probabilidade de a leitura do texto grego empregado ser ou não original. O recurso
usado para prestar esse tipo de informação é o emprego das letras maiúsculas A B C D
12
entre
chaves. Nesta avaliação, o fato de os editores terem-na apresentado precedido pela sigla {c}
significa que sua originalidade está sujeita a um considerável grau de dúvida. O que acarretou
que a palavra evn tw/| ploi,w no texto esteja em colchete.
O período após Jesus ter novamente atravessado [de barco], para o outro lado,
remete-nos para uma mudança geográfica. Marcos não especifica o local em que Jesus
10
Dados extraídos de Benedito de Paula BITTENCOURT. O Novo Testamento, p. 88-128.
inclusão:
א, vulgata, copta saídica (séc IV); A; C, siríaca peshita (séc. V); 0107, versão latina, heracleana, (séc.
VII); etiópica (séc. VI); L, U, 0123, boárica; eslava antiga (séc. IX); minúsculos entre (séc. IX até XV);
omissão: Þ
45 vid
(séc. III); D Θ (séc. IX); f
1
(séc. X-XIV); 28 (séc. XI); 700(séc. XI); 265 (séc. XII); 205 (séc.
XV); 265 (séc. XII); it
a
(séc. IV),
b
(séc.V),
c
(séc. XII/ XIII);
d,e
( séc. V).
11
Cf. Bruce M. METZGER. A Textual Commentary on Greek New Testament, p. 72-73.
12
Uwe WEGNER. Exegese do Novo Testamento, p. 61.
{A} O texto é virtualmente certo como original.
{B} O texto é tido como original, mas com um certo grau de dúvida.
{C} Há um considerável grau de dúvida quanto à leitura original, ou seja, se está contida no texto ou numa das
variantes apresentadas pelo aparato.
{D} Há um grau muito elevado de dúvidas quanto à originalidade da leitura selecionada pelo texto.
15
desembarcou. Contudo, pode nos situar melhor olhando o esquema geográfico que Marcos
usa no decorrer de sua narrativa.
Para Soares e Correia Júnior
13
, o Evangelho pode ser dividido em duas áreas
geográficas. Na primeira parte da obra do Evangelho de Marcos, Jesus realiza suas atividade
na Galiléia, com incursões pelas imediações. Na segunda parte, Jesus realiza a viagem até
Jerusalém, onde irá se consumar a sua missão.
La Calle
14
, por sua vez, faz uma outra divisão geográfica do Evangelho de Marcos.
Para La Calle, o Evangelho pode ser dividido em quatro cenários:
Deserto (1, 1-13): emoldura as narrações conhecidas como introdução do Evangelho;
Mar da Galiléia (1,16-8,26);
Caminho (8,27-10,52);
Jerusalém (11,1-16,20).
A partir destas averiguações, podemos deduzir que os versículos em estudo situam-se
no cenário da Galiléia. Em Marcos, a Galiléia é bastante citada. É a terra de onde provém
Jesus (1,9) e é a pátria do Evangelho (1,14.39), de onde se expande a fama de Jesus (1,28).
Nas imediações do Mar da Galiléia, Jesus chama seus primeiros discípulos (1,16). Da Galiléia
e das províncias limítrofes acorreram grandes multidões a Jesus (3,7). Depois, Jesus caminha
da Galiléia até Jerusalém, onde é crucificado (7,31; 9,30; 15,41). Como ressuscitado, precede
seus discípulos, na Galiléia, que haviam se dispersado na morte, reunindo-os ali de novo
(14,28; 16,7)
15
.
Voltamos para a questão do versículo 21. Marcos não especifica o local em que Jesus
desembarca. Para uma possível localização, onde Jesus desembarcou, faz-se necessário
recorrer a narrativa paralela de Mateus, em que ele afirma que Jesus atravessou para a outra
13
Cf. Sebastião Armando Gameleira SOARES; João Luiz CORREIA JÚNIOR. Evangelho de Marcos, p. 33.
14
Cf. Francisco de La CALLE. A teologia de Marcos, p. 32-33.
15
Cf. João Luiz Júnior CORREIA. O poder de Deus em Jesus, p. 57.
16
margem e foi para a sua cidade
16
(9,1). Conforme 4,13, a sua cidade é Cafarnaum (e,
deixando Nazaré, foi morar em Cafarnaum). A partir desta citação, supõe-se que Jesus esteja
em Cafarnaum. Depois desta constatação, torna-se oportuno conhecermos o cenário
geográfico, onde transcorre a narrativa em estudo.
Cafarnaum significa “aldeia de Naum”
17
. As escavações em Cafarnaum revelaram que
a praia fértil do nordeste do Mar da Galiléia fora habitada muito tempo antes que qualquer
porção de terra recebesse um nome conhecido. Os traços mais antigos do que posteriormente
ficou conhecido como Cafarnaum podem datar do período persa, mas mais provavelmente
pertencem ao século II a.C. Devido a uma maior rota comercial que rodeava a praia do
noroeste do Mar e ligava o Mediterrâneo a Damasco, devido também à fertilidade da região e
à abundância de peixe no lago, o lugarejo cresceu. Quando se mencionou pela primeira vez o
nome Cafarnaum no primeiro século d.C., a cidade deveria ter mil habitantes. Após a morte
de Herodes Magno, a região à leste do lugarejo passou para seu filho, Filipe, que fez de
Cafarnaum uma cidade-fronteira com o território de Herodes Antipas, servindo como
alfândega (Mt 9,9), e como um pequeno posto militar (cf. Mt 8, 5-13; Lc 7,1-1-10; Jo 4, 46-
53). A cidade de Cafarnaum foi destruída por um terremoto em 743 d.C. e nunca mais se
recuperou. Apesar do interesse de peregrinos cruzados, a cidade consistia em apenas sete
pobres casas de pescadores no século XIII. No século XVIII, os beduínos haviam tomado a
região
18
.
A cidade de Cafarnaum tinha sua importância por ser base militar romana e centro de
arrecadação de impostos, bem como ponto de junção do grande caminho do mar, percorrido
pelas caravanas que se dirigiam de Damasco ao Mediterrâneo ou ao Egito
19
.
16
Todas as citações bíblicas deste trabalho, exceto as que se referem às perícopes de Marcos (5,21-43) em
estudo, estão conforme a tradução da Bíblia de Jerusalém.
17
A. Van Den BORN. Cafarnaum, p. 221.
18
Cf. Negev GIBSON. Archaeological Encyclopedia of the Holy Land, p. 111-114.
19
Cf. Netta Kemp de MONEY. Geografia Histórica do Mundo Bíblico, p. 209.
17
Por algum tempo, esta cidade foi centro dos trabalhos de Jesus; era como a base para
fazer giros de evangelização por todas as partes da província. Apesar de Marcos só a citar
literalmente em 1,21; 2,1; 9,33, foi nesta cidade que Jesus realizou pregações na sinagoga (Mc
1,21), a cura do endemoniado e da sogra de Pedro (1,23-31), o chamamento de Levi (2,14) e a
cura do homem de mão ressequida em dia de sábado (3,1-6). Foi também a partir dessa cidade
que fez incursões por todas as partes da província, como aldeias e arredores (1,38), territórios
da Fenícia (7,24-30) e a Decápole (7,31-37). Também nesta cidade, Simão Pedro e André
possuíam uma casa (Mc 1,29). E, ainda, segundo Money, em Cafarnaum estariam localizadas
a casa e a sinagoga de Jairo, e em suas cercanias teria ocorrido a cura da hemorroíssa
20
.
Abaixo temos a figura do sítio arqueológico; redescoberto por E. Robinson em 1838 e
identificado como Cafarnaum por C. Wilson em 1865. A sinagoga foi explorada em 1905 por
H. Kohl e C. Watzinger, escavada em 1921 por G. Orfali e parcialmente reconstruída em
1925. As escavações dos franciscanos foram retomadas em 1968
21
.
20
Cf. Netta Kemp de MONEY. Geografia histórica do mundo bíblico, p. 211.
21
Dados e a figura foram extraídos de Negev GIBSON. Archaeological Encyclopedia of the Holy Land, p. 113-
114.
18
Atualmente, o sítio arqueológico localiza-se na margem nordeste do Mar da Galiléia,
uns duzentos e dez metros abaixo do nível do mar, dezesseis quilômetros de Tiberíades, três
quilômetros de et-Tabgha e cinco quilômetros da parte superior do rio Jordão
22
.
Outro elemento que aparece no versículo 21 refere-se à multidão que cercou Jesus
após a travessia para o outro lado (sunh,cqh o;cloj polu.j evpV auvto,n - uma numerosa multidão
se juntou ao redor dele).
Desde o início no Evangelho de Marcos, Jesus é apresentado como alguém que
possuía ampla fama por toda a Galiléia (cf. Mc 1,28), fazendo com que muitos o procurassem,
a fim de serem curados das enfermidades (1,34.37); a cidade inteira aglomerando-se à porta
(1,33) e a multidão era tão grande que já não podia entrar publicamente nas cidades (1,45;
cf.2,4). Em alguns momentos, Jesus retirou-se para rezar (1,35) ou para descansar com seus
discípulos (6,31), ou ainda para poder pregar sem ser atropelado pela massa (3,9; 4,1).
Podemos nos perguntar, afinal, como era constituída esta multidão. A palavra o;cloj
(multidão) significa um aglomerado de pessoas, o público, em contraste com os indivíduos,
especialmente em oposição à nobreza ou às pessoas de posição. ;Ocloj freqüentemente é a
“turba sem líder e sem freios”
23
; a massa popular sem importância política e cultural.
O termo ocorre trinta e oito vezes no Evangelho de Marcos, sempre no singular,
exceto em 10,1, onde aparece no plural o;cloi (multidões), sendo ele o primeiro a introduzir
esse termo no Novo Testamento, em detrimento de lao,j (povo), palavra bastante usada nos
setenta
24
.
Myers
25
, no comentário do Evangelho de Marcos, faz uma análise dos termos lao,j e
o;cloj. Segundo a sua pesquisa, citando Ahn Byung-mu, seria comum esperar o termo lao,j na
linguagem bíblica, sendo este o termo usado na Septuaginta, onde ocorre duas mil vezes. O
22
Cf. Stanislao LOFFREDA. Recovering Capfarnaum, p. 10.
23
Hans BIETENHARD. o;cloj, p. 1743.
24
Cf. João Luiz CORREIA JÚNIOR. O poder de Deus em Jesus, p. 85.
25
Cf. Ched MYERS. O Evangelho de São Marcos, p. 198.
19
termo o;cloj aparece em documentos gregos que se referem a uma confusa maioria ou aos
soldados ordinários em uma unidade de combate, porém não a oficiais. O termo refere-se a
pessoas anônimas, distintas da classe dirigente. A Septuaginta usa o termo para designar
“massa”. O autor também faz referência ao termo #rah ~[ (Gn 42,6) – povo da terra. Nos
tempos pré-exílicos, o termo designava proprietários de terra, latifundiários. Durante e após o
exílio, passou a significar as pessoas comuns deixadas na Palestina, que assumiram a
propriedade da terra. Em Esdras, denomina a classe mais baixa, pobre, não educada e
ignorante da lei.
Mateos
26
analisa o termo o;cloj no versículo 21 com as seguintes observações:
1) O verbo usado por Marcos para indicar que a multidão se reúne sunh,cqh o;cloj
polu.j - é o mesmo verbo usado em 2,2 (sunh,cqhsan polloi) para descrever o
comparecimento da multidão na casa de Cafarnaum, que representava a casa de Israel, e em
relação com a sinagoga (sunagesqai,- sunagwgh,). Este dado caracteriza esta multidão como
israelita, em paralelo com 3,20 (Kai. e;rcetai eivj oi=kon\ kai. sune,rcetai pa,lin Îo`Ð o;clojE
voltou para casa. E de novo a multidão se apinhou).
2) Jesus não estava caminhando, mas estático na margem do lago estava à beira-mar
(kai. h=n para. th.n qa,lassan) (5,21). Esta multidão não o seguia. Como no caso 3,20, a
multidão era formada por israelitas simpatizantes de Jesus, porém não seus seguidores.
O que podemos concluir é que a multidão, normalmente numerosa (o;cloj polu.j
5,21.24; 6,34; 8,1; 9,14 e em forma definida o` polu.j o;cloj - 12,37; o;clou i`kanou/ - 10,46; pa/j
o;cloj - 2,13; 4,1; 9,15; 11,18
27
) que cercava, ouvia, acompanhava Jesus, era na sua maioria
formada de pessoas humildes, sem-nome, sem identidade, empobrecidas e, é claro, sem
prestigio. Sofriam de doenças, de preconceitos, eram excluídas tanto social, como
culturalmente e também estigmatizadas como impuras pelo ritualismo religioso. Jesus tornou-
26
Cf. Juan MATEOS. Los “Doce” y otros seguidores de Jesus en el Evangelio de Marcos, p. 120.
27
Alfred SCHMOLLER. Handkonkordanz zum griechischen Neues Testament, p. 474-375.
20
se para elas força, apoio, solução dos sofrimentos.
1.3 Encontro com um aflito chefe religioso
O versículo 22 é enfático: aproximou-se de Jesus alguém que era um dos principais da
sinagoga, ou seja, e veio um chefe da sinagoga, com nome de Jairo. Além disso, é descrito
seu gesto: Viu-o e caiu a seus pés.
O verbo e;rcetai, do verbo e;rcomai (ir/vir), encontra-se no presente histórico. Marcos
utiliza no seu evangelho, o presente histórico, preferindo o presente ao aoristo para a
narrativa. Ele imprime assim maior vivacidade ao relato.
O nome VIa,i?roj – Jairo, foi preservado pelos Evangelhos de Marcos e Lucas, Mateus o
denomina de chefe. VIa,i?roj em sua forma grega, subjaz o antigo nome Jair ryaiy" (cf. Nm
32,41; Dt 3,14; Js 13,30; 1Cr 2,22; 2Sm 20,6)
28
. Entre os juízes havia também um juiz menor
com nome de Jairo (Jz 10,3.5). Jairo tem como significado “Ele [Deus] ilumina”
29
. A palavra
rAa tem como significado ser luz, tornar-se luz. O conceito de luz nas escrituras é algo
importante; está estreitamente ligada à vida e à felicidade. O uso metafórico da palavra
rAa
(luz) é associado com a vida (Ml 3.20); com a salvação e a prosperidade (Jó 29,3; Is 58,8; Sl
36,10); com a sabedoria (Sl 19,9; 119,105; Pr 6,23; Dn 5,11) e com a justiça (Is 42,1-3; 49,6;
51,4 e Mq 7,8). Por isso, muitos exegetas opinam que se trata de um nome simbólico
30
, haja
vista a ocorrência da ação maravilhosa de Deus na vida de Jairo e de sua filha.
Jairo pertencia à instituição da sinagoga. A expressão chefe da sinagoga (avrcisunagw,gwn)
é formada pelo substantivo avrcw,n que significa: “chefe”, “príncipe”, “majestade”, “juiz” e
28
Gerhard LISOWSKY. Konkordanz zum Hebräischen Alten Testament, p. 1609.
29
Hermann STRACK; Paul BILLERBECK. Kommentar zum Neuen Testament, vol. III, p. 9.
30
Cf. Vincente TAYLOR. Evangelio Según San Marcos, p. 71.
21
sunagwgh,,, ou seja, sinagoga. Em cada sinagoga havia somente umchefe da sinagoga”.
Quando o termo aparece no plural, como em At 13,15, o plural serve apenas para designar a
categoria dos chefes da sinagoga
31
.
Para este cargo, era escolhido um entre os anciões e era assistido por um conselho. Mais
ainda, tinha um funcionário às suas ordens
32
. Cabia-lhe zelar pelo prédio e pela ordem das
assembléias (cf. Lc 13,14); escolhia os encarregados das preces e das leituras, pedindo
também que as pessoas capacitadas fizessem uma pregação (cf. At 13,15). Na maioria das
vezes, tratava-se de um integrante leigo de uma família abastada, respeitado e fiel à lei. O
cargo podia ser conservado por várias gerações na mesma família
33
.
Além de conhecer a função de Jairo que é o personagem em cena nesta narrativa, torna-se
também peculiar, na análise da perícope, saber como eram a estrutura e o funcionamento das
sinagogas.
Originalmente, o significado de sunagwgh, era atribuído tanto ao povo reunido (Ex 16,1;
At 13,43; Tg 2,2) como também à própria comunidade do povo (Ex 12,19; At 9,2; Ap 2,9;
3,9). Posteriormente, o termo sunagwgh, também foi utilizado para designar o edifício onde os
judeus celebravam as reuniões religiosas (Mt 4,23; 6,2)
34
.
Não há uma data quanto ao surgimento das sinagogas. Existe uma suposição de terem
surgido com os judeus deportados para a Babilônia, após a conquista de Jerusalém, no ano
587 a.C. Longe da pátria, em terra estrangeira, entre povos de outras crenças, organizaram um
lugar para o culto. As primeiras testemunhas seguras provêm do terceiro século a.C., com as
sinagogas na diáspora egípcia. No segundo século a.C., menciona-se a existência de uma
sinagoga em Antioquia
35
.
A estrutura e o funcionamento de uma sinagoga se constituem da seguinte forma: a
31
Cf. Hermann STRACK; Paul BILLERBEC. Kommentar zum Neuen Testament. Vol. IV, p. 146.
32
Cf. Émile MORIM. Jesus e as estruturas de seu tempo, p. 133.
33
Cf. Adolf POHL. O Evangelho de Marcos, p. 185.
34
Cf. A. Van Den BORN. Sinagoga, p. 1440.
35
Cf. Eduard LOHSE. Contexto e ambiente do Novo Testamento, p. 147-148.
22
sinagoga geralmente é um edifício retangular orientado para o templo em Jerusalém. Não
servia somente para o ofício do sábado, mas também era o lugar para a educação das crianças
e dos jovens
36
. Segundo Van der Born, os rabinos gostavam de considerar a sinagoga como
um templo em miniatura. Essa idéia manifestava-se na arrumação da sinagoga. O lugar onde
os livros sagrados eram guardados num escrínio chamava-se o Santo; era fechado com um
véu. A parte que restava era chamada simplesmente de sinagoga. Ao longo das paredes
estavam os bancos para os fiéis (Mt 23,6); no meio, do lado do Santo, encontravam-se um
estrado e uma estante do oficiante e do leitor. Havia, ainda, lâmpadas, trombetas e tapetes
37
.
No tempo de Jesus, havia sinagogas em todo o vilarejo de certa importância, e, “segundo,
a tradição rabínica, em Jerusalém, havia 480 sinagogas”
38
. Marcos, em seu evangelho, cita
oito vezes a palavra sinagoga. Nessas oito vezes, Jesus aparece ensinando (1,21.39; 6,2) e
curando (1,23.29; 3,1). Numa delas, adverte os discípulos em vista da perseguição que
poderão sofrer, sendo entregues aos tribunais e às sinagogas (13,9). Outra vez, denuncia os
escribas que desejam as primeiras cadeiras nas sinagogas (12,39).
Dentro deste contexto, alguém de grande importância, um dos principais da sinagoga, ou
um dos seus representantes oficiais buscou Jesus. Por ser uma autoridade, talvez não tivesse
dificuldades em atravessar a multidão e dirigir-se a Jesus.
Jairo chegou até Jesus com um gesto e com palavras. A primeira ação é com o gesto:
chegou até Jesus e caiu a seus pés (5,22). “O príncipe da sinagoga abaixa-se ao gesto da
súplica”
39
. O verbo pi,ptw (cair) aparece oito vezes em Marcos. Na parábola do semeador
(4,1-20) e dentro do discurso escatológico proferido por Jesus (13,1-36), o verbo está
relacionado com o sentido de cair: semente que cai; estrelas que cairão. Em Mc 5,22 Jairo cai
aos pés de Jesus e em Mc 14,35, Jesus cai por terra para a oração. São dois cenários e em
36
Cf. Christiane SAULNIER; Bernard ROLLAND. A Palestina no tempo de Jesus, p. 47.
37
Cf. A.Van Den BORN. Sinagoga, p. 1440.
38
Émile MORIN. Jesus e as estruturas de seu tempo, p. 133.
39
Sebastião Armando Gameleira SOARES; João Luiz CORREIA JÚNIOR. Evangelho de Marcos, p. 232.
23
ambos busca-se ajuda. Em Mc 14,35, a cena acontece em Getsêmani. Diante da dor da paixão,
Jesus abaixa-se até o chão e suplica ao Pai. Jairo, frente à dor e ao desespero de perder a filha,
prostra-se diante de Jesus, demonstrando, por meio deste gesto, a esperança de que Jesus
talvez seja a única pessoa capaz de salvar a menina. E, junto com este gesto, ocorre também a
súplica: Jairo roga muito a Jesus.
Aqui podemos fazer um paralelo com um outro episódio do Evangelho de Marcos, a
narrativa da mulher síro-fenícia (7,24-30). Assim como Jairo, ela também ouviu falar de Jesus
(7,25) e decide agir. Jairo intervém com o pedido pela cura da filha caindo aos pés de Jesus. A
mulher, por sua vez, pede a cura de sua filha possuída por um espírito impuro, jogando-se aos
pés de Jesus.
Os dois pedidos foram atendidos. A graça em favor da filha de Jairo, veio por
intermédio da fé incondicional de Jairo. E, a cura da filha da mulher síro-fenícia, foi
concedida, não por causa de sua fé, e sim por causa do seu argumento (pelo que disseste, vai -
dia. tou/ton to.n lo,gon u[page).
A segunda ação de Jairo foi suplicar pela filha. O verbo empregado é parakale,w
(rogar/suplicar) é repetido em Mc 5,10.12.17.18, que antecede a narrativa em estudo. No
episódio de Gérasa, o verbo exprime a ação dos espíritos imundos que rogam a Jesus para não
serem expulsos; o povo rogou a Jesus para se retirar e o homem liberto dos espíritos rogou a
permissão para acompanhar Jesus. Ocorre um contraste: a cena de Gérasa está voltada para a
saída/desprezo e a cena de Jairo voltada para dentro/busca.
O pedido vem acompanhado com urgência, pois a filha estava à morte. O pedido a
Jesus é: “ir e impor as mãos” (evpiqh/|j ta.j cei/raj). Impor as mãos aparece no AT com dois
sentidos: no dia da expiação (Lv 16), o ofertante colocava a mão na cabeça do animal
sacrificado. Com este gesto, promovia a transferência da culpa para o bode expiatório. Surge,
24
também, com o significado de abençoar alguém (Gn 48,18; Is 44,3; Nm 27,12)
40
.
Na bíblia encontramos um rico significado de gestos com as mãos, como:
- Aperto de mão como sinal de acordo, de parceria conciliadora ou de fiança (2Rs
10,15-16);
- Bater palmas como sinal de alegria e de aplauso (2Rs 11,12; Is 55,12; cf. Sl 98,4);
- Agitar as mãos com um significado defensivo, ou no sentido de uma ameaça (Is
10,32; 11,15; 19,16; Zc 2,13; Jó 31,12);
- Lavar as mãos durante a oração (Sl 44,21) expressa pedido insistente (Is 1,15; 2Mc
14,34) ou de louvor (Sl 63,5);
- Mãos estendidas, no juramento, sentido de invocar o testemunho do céu (Dt 17,7;
32,40; Sl 106,26; Ez 36,7);
- Mãos postas para abençoar (Gn 48,13; Mc 10,16), transmitir o Espírito (Dt 34,9; At
8,18) e para curar (Mc 5,23; 16,18)
41
.
Em Marcos, o gesto de impor as mãos tem grande conexão com os milagres de cura
(5,23; 6,5; 7,32; 8,23). Com a imposição das mãos, pensa-se outrossim numa oração
intercessora, apesar de que o texto não deixa transparecer esta idéia.
A mão é símbolo de “poder, força e posse”
42
e o gesto de impor as mãos é simbolizado
como “comunicação de poder e de autoridade, enquanto se afirma também solidariedade entre
os que impõem as mãos e os que recebem a imposição”
43
.
Jairo queria que sua filha se salvasse e que vivesse. São dois verbos. O primeiro é o
verbo sw||,zw (salvar). Quando pensamos em salvar, logo nos vem à mente ser tirado de algum
perigo, no qual se corre o risco de perecer. “Conforme a natureza do perigo, o ato de salvar
tem afinidade com a proteção, a libertação, o resgate, a cura; e a salvação com a saúde, a
40
Cf. Hans-Georg SCHÜTZ. evpiti,q/hmi, p. 1259.
41
Cf. Silvia SCHROER; Thomas STAUBLI. Simbolismo do corpo na Bíblia, p. 195-203.
42
A. Van Den BORN. Mão, p. 936.
43
John MACKENZIE. Dicionário Bíblico, p. 437.
25
vitória, a vida, a paz...”
44
.
Nos evangelhos sinóticos, o verbo sw||,zw é empregado em dezesseis narrativas e
sempre quando se refere a milagres de cura operados por Jesus, em que a fé pessoal é de
grande importância para a realização da cura. Veja a expressão a tua fé te salvou em Mc 5,34.
O terno salvar no Antigo Testamento corresponde ao conceito [vy, que significa
“ajudar”, “salvar” e, em sentido religioso, tem suas raízes na experiência de Israel, que viveu
extrema aflição e necessidade. Temos figuras carismáticas, juízes e reis que “salvaram” o
povo da aflição (Jz 3,9.15; 6,14.31.36; 13,5; 1Sm 4,3; 9,16). Porém, o essencial era que a
salvação vinha de YHWH e não por meio da espada e da guerra, mas, através da confiança na
ajuda divina (1Sm 17, 47; Is 30,15). Nas aflições individuais, o necessitado clamava por
auxílio, buscando ajuda de YHWH. Por isso, o termo [vy aparece nas orações dos Salmos
(20,7; 45,8; 61,10; 132,16).
O segundo verbo é za,w (viver). A vida para o ser humano tem um valor central. A vida
no Novo Testamento é considerada um bem sem preço (Mc 8,37). Jesus era freqüentemente
conclamado a exercer seu poder, a fim de que os doentes e os moribundos vivessem (que ela
viva) (Mc 5,23) ou até a restaurar a vida terrestre daqueles que já morreram (Mc 5,35). Em
contraste com a vida presente, a do porvir (Mc 10,30) é descrita como sendo a vida eterna
(Mc 10,17). No Antigo Testamento o verbo correspondente a za,w é
hyx, que possui uma
amplitude de significados que inclui “prosperar”, “sustentar a vida ou nutrir” (Gn 27,40; 45,7;
2 Rs 18,32, 1 Sm 10,24; 2 Sm 13,3) ou “restaurar a saúde”, “curar”, “recuperar” (Is 5,8, 2Rs
1,2, 8,10).
Podemos concluir que Jairo buscou a cura de sua filha no sentido de salvá-la de seus
males e, assim, proporcionar-lhe uma vida feliz e integrada no convívio familiar. Jairo, como
chefe da sinagoga, teve de sair do seu espaço religioso, diante da impossibilidade de encontrar
44
Xavier LÉON-DUFOUR (org). Vocabulário de Teologia Bíblica, p. 938.
26
soluções dentro da instituição que ele mesmo representava. Desta feita, recorreu a Jesus. É
Deus que se faz humano para ajudar a todos que o procuram.
1.4 Companheirismo de Jesus
Jesus visitou cidades e povoados, anunciando a Boa Nova do Reino de Deus. Com ele
ia um grupo de discípulos, mulheres e homens. Jesus formou uma comunidade nova. Desta
comunidade participavam especialmente os marginalizados. É para estas pessoas que Jesus se
tornou o companheiro, aquele que cura as feridas e restaura a dignidade massacrada.
No versículo 23, Jesus está sendo convidado a visitar a casa de Jairo. No evangelho de
Marcos, Jesus visitou outras casas e teve diversas companhias em suas andanças. A palavra
oi=koj (casa), em Marcos, designa geralmente um espaço ou território, enquanto está habitado
por determinada comunidade.
A casa na antiguidade não era apenas um lugar de moradia, era também centro
produtivo. No campo, confundia-se praticamente com a roça. Nela guardavam-se as
ferramentas e os produtos da colheita. A casa era o local onde se fabricavam o pão, o azeite,
queijo, manteiga e o vinho. Também o lugar onde se secavam as frutas e procedia-se à
tecelagem da lã. Nas cidades, casa e oficina se entrelaçavam com freqüência
45
.
Marcos toma a casa como símbolo de um novo sistema de convivência. O termo se
encontra treze vezes em Marcos e pode ser constituído por três maneiras diferentes:
1) Jesus aparece indo para casa, porém, não há uma especificação da casa em que ele
entra: entrou de novo em Cafarnaum - estava em casa (eivselqw.n pa,lin eivj Kafarnaou.m... evn
oi;kw| evsti,n) (2,1); ele foi para casa (e;rcetai eivj oi=kon) (3,20); quando entrou em casa
45
Cf. Sebastião Armando Gameleira SOARES; João Luiz CORREIA JÚNIOR. Evangelho de Marcos, p. 90.
27
(eivsh/lqen eivj oi=kon) (7,17); quando entrou em casa (Kai. eivselqo,ntoj auvtou/ eivj oi=kon) (9,
28).
Nestas quatro passagens, é Jesus que aparece. Vai ou entra em uma casa. Em 2,1, os
discípulos não aparecem. Em 3,20 não é mencionado quem participa da ação expressa pelo
verbo (E voltou para casa. E de novo a multidão se apinhou, de tal modo que eles não
podiam se alimentar - Kai. e;rcetai eivj oi=kon\ kai. sune,rcetai pa,lin Îo`Ð o;cloj( w[ste mh.
du,nasqai auvtou.j mhde. a;rton fagei/n). Em 7,17; 9,28, Jesus está acompanhado pelos doze.
Encontraram-se com Jesus em uma casa e fizeram perguntas. Estes dados sugerem que a
partir de (3,20) a casa é o lugar dos discípulos, aonde Jesus vai e entra
46
.
2) Jesus pede aos que são curados que fossem para suas casas. Ocorre uma
reintegração ao convívio familiar e vai para tua casa (u[page eivj to.n oi=ko,n sou) (2,11; 5,19);
voltando ela para casa (kai. avpelqou/sa eivj to.n oi=kon auvth/j) (7,30); os despediu para suas
casas (avpolu,sw auvtou.j nh,steij eivj oi=kon auvtw/n) (8,3); mandou-o embora para casa
(avpe,steilen auvto.n eivj oi=kon auvtou/) (8,26).
Aqui a casa sempre aparece como ponto de chegada - movimento. O significado é de
local, sem menção da família. Com exceção em 5,19 vai para tua casa, para os teus (u[page
eivj to.n oi=ko,n sou pro.j tou.j sou.j) aparece um vínculo familiar.
3) Algumas casas em que Jesus entrou foram mencionadas nominalmente. Casa de
Simão e André (1,25); Levi (2,15); Chefe da Sinagoga (5,38-39); em uma casa em Tiro e
Sidom (7,24); Simão (14,3).
As visitas de Jesus às casas e aos povoados deixaram marcas:
- de compaixão (6,34-44; 7,25). Frente à dor, fome, Jesus se solidarizou com aqueles e
aquelas que o buscam.
- da saúde recuperada (1,40; 3,3; 3,1; 3,10; 5,29.40; 7,32; 8,22; 10,46). O povo sofria
46
Cf. Juan MATEOS. Los “Doce” y otros seguidores de Jesús en el Evangelio de Marcos, p. 86.
28
de diversas enfermidades (pessoas leprosas, paralíticas, surdas, mudas, com mão ressequida) e
Jesus empenhou-se para libertá-las destes males.
- de libertação (1,23.39; 3,11; 5,2; 6,13; 7,25; 9,17). Jesus procura libertar as pessoas
dominadas por espíritos, demônios e devolve-lhes a paz e a serenidade para continuar
vivendo.
As visitas que Jesus fazia às famílias, como também, o relacionamento dele com as
pessoas sempre estavam permeados por um grande amor. Jesus tinha um amor preferencial
pelos pobres e pequenos (cf. Mc 6,30-44; Lc 10,21-24). Este amor não se expressava numa
relação neutra e genérica, mas estava carregado de sentimentos de amizade, de ternura e de
compaixão. Toda vida e missão de Jesus é marcada por um forte laço de amor com o Pai e
pela partilha deste amor com a humanidade, trazendo vida em plenitude a todos que estão
abertos para receber esta dádiva.
1.5 Conclusão
Os versículos analisados nos dão uma introdução e uma ambientação para os relatos
que seguem: a cura da mulher hemorroíssa e da filha de Jairo. Os aludidos relatos serão
estudados nos próximos capítulos.
Podemos concluir até aqui que Marcos, no seu Evangelho, apresenta Jesus como
alguém cercado pela multidão. Com a constante menção de que a multidão vinha a ele, como
também a força que Jesus tinha sobre as pessoas, não só os simples, bem como os líderes de
Israel, retratados aqui por Jairo.
Apesar de Jairo ser representante da religião oficial, no seu desespero de pai,
29
reconhece o poder curativo de Jesus. E para isto assume com coragem uma nova postura
47
:
Em relação ao preconceito. Jesus e o movimento em torno dele eram considerados
perigosos pelos membros da sinagoga: os judeus não podiam suportar a novidade de um
mestre que comia com publicanos e pecadores em sinal de amizade (cf. Mc 2,13-17). Além
disso, para eles, era complicado conceber que a salvação era possível a todas as pessoas,
inclusive aos pecadores que sentissem necessidade de salvação (2,17). Jairo soube superar
estas idéias e implorou ajuda a Jesus.
Em relação ao orgulho. Ele, na qualidade de chefe de sinagoga, prostrou-se aos pés de
Jesus. Procurou socorro de alguém que não dispunha de reconhecimento oficial no ofício de
ajudar e curar.
Em relação a seus amigos. Estes certamente não concordaram com a atitude assumida
por Jairo. Porém, esta era a única opção que lhe restava para salvar a sua filha.
O relato deixa transparecer que há um problema na instituição estabelecida. O fato de
um representante de uma instituição procurar fora dela solução para seu problema, rejeitando
o sistema religioso do qual fazia parte, era sinal de que esta instituição não correspondia mais
aos anseios do povo.
Esta primeira parte termina com a seguinte cena: Jesus e Jairo andando juntos. Jesus
não diz nada, transparecendo sua inteira disponibilidade em ajudar quem a ele recorrer.
47
Cf. João Luiz CORREIA JÚNIOR. O poder de Deus em Jesus, p. 92-93.
30
2. CAPÍTULO
A CURA DA MULHER HEMORROÍSSA (Mc 5,24b–34)
Jesus está a caminho e uma multidão se acotovela em torno dele. Até mesmo os
discípulos não percebem a aproximação de uma mulher que, contra tudo e contra todos,
decidiu tocar Jesus. Jesus percebe o toque sutil da mulher e entra em profunda relação com
ela. No encontro, ela voltará a sentir a alegria e a felicidade de ser mulher.
2.1 Texto e a diagramação do conteúdo
Apresenta-se, por primeiro, a tradução do texto grego. Em seguida, será apresentada a
diagramação do conteúdo. A diagramação do conteúdo segue o esquema de uma narrativa de
cura: 1) introdução, apresentando a situação; 2) súplica de intervenção, que manifesta a
confiança do pedinte e dos que o cercam; 3) intervenção de Jesus, geralmente sob forma de
uma breve palavra, por vezes, de um gesto; 4) constatação da cura; 5) reação dos
espectadores: temor ou admiração
48
. O encontro da mulher hemorrágica com Jesus; a cura por
meio do toque; a reação de Jesus e dos discípulos; e, o testemunho público da beneficiada da
cura.
48
VV. AA. Os milagres do Evangelho, p. 86.
31
Texto e tradução: Mc 5, 24b-34
24b kai. hvkolou,qei auvtw/| o;cloj polu.j kai. sune,qlibon auvto,nÅ
25 Kai. gunh. ou=sa evn r`u,sei ai[matoj dw,deka e;th
26 kai. polla. paqou/sa u`po. pollw/n ivatrw/n kai. dapanh,sasa ta. parV auvth/j pa,nta kai. mhde.n
wvfelhqei/sa avlla. ma/llon eivj to. cei/ron evlqou/sa(
27 avkou,sasa peri. tou/ VIhsou/( evlqou/sa evn tw/| o;clw| o;pisqen h[yato tou/ i`mati,ou auvtou/\
28 e;legen ga.r o[ti eva.n a[ywmai ka'n tw/n i`mati,wn auvtou/ swqh,somaiÅ
29 kai. euvqu.j evxhra,nqh h` phgh. tou/ ai[matoj auvth/j kai. e;gnw tw/| sw,mati o[ti i;atai avpo. th/j
ma,stigojÅ
30 kai. euvqu.j o` VIhsou/j evpignou.j evn e`autw/| th.n evx auvtou/ du,namin evxelqou/san evpistrafei.j evn
tw/| o;clw| e;legen\ ti,j mou h[yato tw/n i`mati,wnÈ
31 kai. e;legon auvtw/| oi` maqhtai. auvtou/\ ble,peij to.n o;clon sunqli,bonta, se kai. le,geij\ ti,j
mou h[yatoÈ
32 kai. perieble,peto ivdei/n th.n tou/to poih,sasanÅ
33 h` de. gunh. fobhqei/sa kai. tre,mousa( eivdui/a o] ge,gonen auvth/|( h=lqen kai. prose,pesen auvtw/|
kai. ei=pen auvtw/| pa/san th.n avlh,qeianÅ
34 o` de. ei=pen auvth/|\ quga,thr( h` pi,stij sou se,swke,n se\ u[page eivj eivrh,nhn kai. i;sqi u`gih.j
avpo. th/j ma,stigo,j souÅ
24b
- E uma numerosa multidão o seguia e o apertava.
25 – E havia uma mulher que estava com fluxo de sangue há doze anos.
26- Numerosas vezes, tinha sofrido nas mãos de numerosos médicos. Tinha gastado tudo o
que era dela, mas em nada tinha sido ajudada. Pelo contrário, tinha chegado ao pior.
27 –Tinha escutado a respeito de Jesus, e tinha chegado por trás no meio da multidão, tocou
em seu manto.
28 – Pois dizia: “Se pelo menos tocar em seu manto, serei salva”.
29 – E imediatamente a fonte de seu sangue foi enxugada. Compreendeu, com seu corpo, que
tinha sido curada da enfermidade.
30 - E imediatamente Jesus compreendeu que uma força tinha saído dele. Voltou-se para a
32
multidão e disse: “Quem tocou no meu manto?”
31 - e os discípulos dele diziam-lhe: “Tu vês a multidão apertando-te e dizes: quem me
tocou?”
32- e ele olhava ao redor para ver aquela que fez isto.
33- A mulher assustada e trêmula sabendo o que lhe tinha acontecido veio e caiu diante dele e
disse-lhe toda a verdade.
34- Ele, porém, disse-lhe: “Filha, tua fé te salvou. Vai em paz e sê sanada da tua doença”.
Diagramação do conteúdo:
A - Encontro inesperado: descrição dos esforços de uma mulher para ser curada
24b - E uma numerosa multidão o seguia e o apertava.
25 - E havia uma mulher que estava com fluxo de sangue há doze anos.
26- Numerosas vezes, tinha sofrido com numerosos médicos. Tinha gastado tudo o que
era dela, mas em nada tinha sido ajudada. Pelo contrário, tinha chegado ao pior.
B - Toque restaurador: contato escondido e salutar com o manto de Jesus
27 –Tinha escutado a respeito de Jesus, e tinha chegado por trás no meio da multidão,
tocou em seu manto.
28 – Pois dizia: “Se pelo menos tocar em seu manto, serei salva”.
29 – E imediatamente a fonte de seu sangue foi enxugada. Compreendeu, com seu corpo,
que tinha sido curada da enfermidade.
C – Reação inesperada: a pergunta de Jesus e a objeção dos discípulos
30 - E imediatamente Jesus compreendeu que uma força tinha saído dele. Voltou-se para a
multidão e disse: “Quem tocou no meu manto?”
31 - e os discípulos dele diziam-lhe: “Tu vês a multidão apertando-te e dizes: quem me
tocou?”
32- e ele olhava ao redor para ver aquela que fez isto.
D - Testemunho surpreendente: a confissão da mulher e o elogio de sua fé
33 - A mulher assustada e trêmula sabendo o que lhe tinha acontecido veio e caiu diante
dele e disse-lhe toda a verdade.
34 - Ele, porém, disse-lhe: “Filha, tua fé te salvou. Vai em paz e sê sanada da tua doença”.
33
2.2 Encontro inesperado: descrição dos esforços de uma mulher para ser curada
O relato da mulher enferma está incluído na narrativa da filha de Jairo. Ou seja: o
episódio da ressurreição da filha de Jairo é interrompido após o primeiro encontro de Jairo
com Jesus, com a inserção do milagre da mulher que sofre de hemorragia.
O autor ou redator utiliza aqui o gênero literário chamado “sanduíche literário”. Neste
gênero, o evangelista trabalha com uma estrutura A-B-A. A saber: o narrador começa tratando
de um assunto (chamado A); abandona-o momentaneamente e inicia outro diferente (chamado
B); depois, volta ao primeiro. Desta forma, constitui-se a seqüência A-B-A, onde, o segundo
tema, B, fica como que encerrado entre os outros dois, que são da mesma espécie. O esquema
A-B-A é chamado também de esquema concêntrico
49
.
Segundo Meier
50
, a conexão entre as duas histórias de milagres pode ser apenas uma
conexão literária, produto de Marcos ou de uma fonte pré-marcana. Ocorre que não se trata
simplesmente de uma história acrescentada no final de outra, mas o caso da mulher é inserido
no meio do relato da filha de Jairo, resultando em uma configuração que recebe várias
denominações: “encaixada”, “interligada”, “sanduíche” ou apenas “A-B-A”.
No evangelho de Marcos configurações semelhantes são encontradas em outros
pontos, a saber:
- a oposição a Jesus por parte da família e dos escribas de Jerusalém (3,20-35);
- a maldição da figueira e a purificação do templo (11,12-25);
- o julgamento do Sinédrio e a negação de Pedro (14,53-72).
A utilização deste “artifício literário, que se verifica em outras secções do evangelho
de Marcos, pode ter sido sugerida pela intenção de pôr em evidência o significado comum dos
49
Cf. Francisco de La CALLE. A Teologia de Marcos, p. 34.
50
Cf. John P. MEIER. Um judeu marginal, p. 242.
34
dois milagres: o crescimento na fé salvífica”
51
.
Segundo Gnilka
52
, no princípio, os relatos supra-refereridos existiram separadamente.
O caso da mulher com hemorragia é independente e não necessita da história da filha de Jairo.
Ambas as narrações são perfeitamente inteligíveis uma sem a outra.
A inclusão do texto da cura da mulher hemorroíssa é comum nos Evangelhos
sinóticos. Os Evangelhos estabelecem a conexão dos dois relatos, estando Jesus em
movimento, caminhando em direção à casa de Jairo (Mc 5,24; Mt 9,19; Lc 8,42). Também é
comum aos três a apresentação e a descrição do quadro clínico e do tempo de enfermidade
(Mc 5,25.26; Mt 9,20; Lc 8,43). Quanto à busca da cura, Mateus ignora completamente;
Lucas cita brevemente, apontando só para o fato de que ninguém pôde curar a mulher, não
fazendo referencia aos médicos (8,43). É material exclusivo de Marcos referir que a mulher
padecera nas mãos de médicos, gastando tudo quanto possuía, sem melhora. Antes, pelo
contrário, a situação dela agravou-se.
Convém destacar que Marcos é o único dos evangelistas sinóticos que descreve a
situação da mulher de maneira emotiva e dramática em vários aspectos: econômico,
psicológico, físico, social (implícito) e religioso. Estas nuances serão descortinadas ao longo
do texto.
Dentro de um esquema de narrativa de cura, no primeiro ponto será analisada a
situação que envolve a cena.
O texto faz referência a uma numerosa multidão que seguia Jesus e o apertava (kai.
hvkolou,qei auvtw/| o;cloj polu.j kai. sune,qlibon auvto,n -5,24b). É uma multidão numerosa como
aquela do versículo 5,21 (o;cloj polu.j). O narrador menciona ainda o termo o;cloj por três
vezes (5,24.27.30) e põe outra menção na boca dos discípulos (5,31). Mateos
53
em sua
análise faz o seguinte paralelo:
51
Rinaldo FABRIS. O Evangelho de Marcos, p. 475.
52
Cf. Joachim GNILKA. El evangelio según San Marcos, p.243.
53
Cf. Juan MATEOS. Los “Doce” y otros seguidores de Jesus en el Evangelio de Marcos, p. 120-121.
35
a) A primeira multidão (5,21) que foi encontrar Jesus era composta por simpatizantes
israelitas e permaneceu estática. Na segunda (v.24b) a multidão é descrita seguindo-o, desde o
primeiro momento.
b) A forma verbal hvkolou,qei (imperfeito) não está em paralelo com o verbo usado
com relação a Jesus avph/lqen (aoristo). Ao aspecto pontual do verbo referente a Jesus (5,24:
avph/lqen metV auvtou) corresponderia outro pontual para a multidão (hvkolou,qhsen auvtw),
denotando-se, assim, em ambos os casos, o princípio de movimento. O imperfeito, por sua
vez, denota a continuidade (o seguia/ia seguindo). Por outro lado, este imperfeito corresponde
à idéia inserida em 2,15, aplicando-se aos muitos (polloi.: cf. 3,2 - o;cloj; 2,24; o;cloj polu.j)
publicanos e pecadores que o seguiam (hvkolou,qoun auvtw/).
c) No versículo 24b, os discípulos ainda não são mencionados. Eles mesmos se
distinguiam desta multidão: “vês que a multidão” (ble,peij to.n o;clon) (5,31).
d) É também indicativo o uso do verbo sunqli,bein, aplicado à multidão pelo narrador
(5,24) e pelos discípulos (5,31). O verbo sunqli,bein é composto de qli,bein, que aparece
somente uma vez em Mc (3,9) e apresenta analogias e diferenças. A analogia dos verbos põe a
multidão de 5,24 em paralelo com a que aparece em 3,9. Plh/qoj polu - a multidão numerosa
(3,7.8) era composta por judeus e pagãos, em consonância com o caráter não israelita da
multidão de 3,32 e 5,24. A diferença reside no trato de Jesus que não protestava contra o
comportamento desta multidão, contrapondo com 3,9. Tanto o verbo “seguir” como o verbo
“comprimir” são empregados com referência à multidão, porém, estes verbos não dizem
respeito aos discípulos, que se distanciam eles mesmos do comportamento da multidão (5,31).
Dentre as inúmeras passagens em que a multidão surge nota-se que a atitude de Jesus
era a de alguém que não procurava separar-se da multidão; não criava distância entre seu
corpo e os corpos de homens e mulheres, crianças, pobres, enfermos e possessos que se
misturavam nas massas. Sua relação com o povo tocava ao ensino, ao amor, à compaixão, à
36
solidariedade. Atendia aos clamores que lhe eram dirigidas. Nos pedidos de cura e bem-estar,
assumia uma postura de ação, não só de cura das chagas, mas também de denúncia das
estruturas que perpetuam as opressões.
Dentro desta multidão surge uma mulher, que é a personagem principal desta perícope.
Descreve-se pormenorizadamente o mal que a aflige: sofre de um fluxo de sangue, está doente
há doze anos, gastou tudo o que tinha com os médicos. Não houve resultados e a situação
piorou. Ela também aparece sem identidade. “A mulher não tem nome, ela pertence às
multidões: ela é sem-status, sem ninguém para defendê-la”
54
.
Nos versículos 25 e 26 podemos observar que Marcos não hesita em multiplicar os
particípios para descrever o sofrimento da mulher: ou=sa; paqou/sa; dapanh,sasa; wvfelhqei/asa
e evlqou/asa (uma vez no presente e quatro no aoristo). Os verbos possuem os seguintes
significados: ou=sa, do verbo eivmi, (pôr-se em movimento); paqou/sa, do verbo pa,scw (suportar,
sofrer, padecer); dapanh,sasa, do verbo dapana,w (gastar); wvfelhqei/sa, do verbo wvfele,w (ser
útil, ajudar); evlqou/sa, do verbo e;rcomai (ir, vir).
O verbo ou=sa, do verbo eivmi,, não possui um uso freqüente na forma participial. O
particípio presente possui um aspecto temporal de simultaneidade em relação à ação indicada
pelo verbo principal. Ou=sa evn r`u,sei ai[matoj (Que estava com fluxo de sangue). O verbo ou=sa
está subordinado ao h[yato (h[yato tou/ i`mati,ou auvtou - v. 27), que, por sua vez, se encontra
no indicativo aoristo, na voz média do verbo a[ptw. Ao tocar o manto de Jesus, a sua
enfermidade foi sanada. A ação verbal concluiu-se.
O termo sofrer (pa,scw) é empregado quarenta e duas vezes no Novo Testamento
55
. O
uso desta palavra é muito comum nos sinóticos. Há somente uns poucos lugares em que o
verbo sofrer (pa,scw) e seus derivados são usados em um sentido geral. Exemplos: Gl 3,4; Lc
13,2; Mt 27,19. Nestas passagens, o termo aparece como sofrimento por causa da opção por
54
Ched MYERS. O Evangelho de São Marcos, p. 249.
55
Cf. Alfred SCHMOLLER. Handkonkordanz zum griechischen Neues Testament, p. 534.
37
Jesus. Em At 28,5 e Mc 5,26, o termo tem uma conotação de sofrimento físico. No geral, o
grupo de palavras do verbo sofrer serve para descrever o sofrimento de Cristo e de seus
discípulos. O texto em estudo está construído com u`po. (u`po. pollw/n ivatrw/n) para expressar a
idéia de “em mãos de”
56
. Assim, o texto exprime que a mulher tinha sofrido nas mãos de
numerosos médicos.
Outro verbo, gastar (dapana,w), possui um uso mais restrito. O aludido verbo aparece
em Lc 15,14; Atos 21,24; 2Cor 12,15 e Tg 4,3. Geralmente denota gastos com bens materiais.
Em Lc 14,28, o termo vem em forma nominal no sentido de custos (materiais). O versículo
em estudo mostra que a mulher tinha gastado tudo o que era dela (5,26). Constata-se que se
trata de gastos com bens materiais. Portanto, a mulher dissipou todos os seus bens,
procurando a cura por meio de médicos.
O verbo ser útil, ajudar (wvfele,w), possui um campo semântico mais amplo. O termo
como substantivo aparece em Rm 3,1 e Jd 1,16, com um sentido de vantagem/interesse. Num
sentido verbal, o termo ocorre 15 vezes, com uma conotação de tirar proveito de uma
determinada situação (Mt 15,5; 16,26; 27,24; Mc 7,11; 8,36; Lc 9,25; Jo 6,63; Rm 2,25; 1Cor
13,3.14,6; Gl 5,2 e Hb 4,2; 13,9). O termo aparece também como adjetivo em 1Tm 4,8;
2Tm3,16 e Tt 3,8, dentro da perspectiva das boas obras, dos exercícios corporais, da piedade e
da Escritura, mostrando a utilidade para a vida da pessoa humana. Podemos concluir que o
verbo wvfele,w exprime o fato de que a mulher, depois de tentar encontrar ajuda inúmeras
vezes, constatou a impossibilidade de sair de sua situação dentro do amparo medicinal.
Marcos emprega cinco vezes o verbo evlqou/sa, do verbo e;rcomai (ir, vir), na forma do
particípio aoristo singular feminino (5,26.27; 7,25 e 12,42) e uma vez no plural (16,1). Ambas
as passagens denotam a idéia de deslocamento espacial, exceto 5,26 com uma conotação de
mudança física corporal: tinha chegado ao pior (eivj to. cei/ron evlqou/sa).
56
Vincent TAYLOR. Evangelio según San Marcos, p. 335.
38
Os verbos paqou/sa, dapanh,sasa, wvfelhqei/sa (na flexão verbal do particípio,
aparecem no Novo Testamento somente nesta passagem) e evlqou/asa particípios no tempo do
aoristo, sendo que o particípio é um verbo-adjetivo de uso intenso em grego. O fato de o
verbo estar associado à forma e à idéia nominal dá-lhe um significado mais concreto. O
particípio construído sobre o tema do aoristo não exprime uma idéia de tempo absoluto, mas
de tempo relativo, isto é, expressa a anterioridade em relação ao verbo principal, qualquer que
seja o tempo deste
57
. Se o autor utilizou as formas participais no aoristo, quis dizer que as
tentativas de cura são anteriores, não possuindo continuidade após a busca da cura por meio
do toque na roupa de Jesus.
Além de detalhar o sofrimento da mulher, o evangelista cita o flagelo que ela traz no
corpo. O termo que denomina o mal sofrido é r`u,sei ai[matoj -fonte de sangue.
A doença em tela é típica de mulher, porém traz à tona um problema cultural
específico da impureza, não tematizado de forma expressa no texto, mas que é uma questão
pertinente para compreendermos a real condição da protagonista do relato.
Através do livro do Levítico, pode-se constatar normas e procedimentos em relação ao
período menstrual da mulher. O termo
hD'nI é usado para descrever a impureza ritual
experimentada pela mulher durante a menstruação ou devida ao parto; duas situações
geralmente associadas com a impureza decorrente de emissões ou secreções do corpo
(Lv12,2.5 e 15,19-20.26)
58
.
A mulher é considerada impura quando descobre o mais leve fluxo sangüíneo, seja nas
épocas do período menstrual ou até mesmo fora dele
59
. Esta impureza estende-se durante sete
dias, findos os quais ela deve lavar a si mesma, bem como as suas vestes. Da mesma forma, a
mulher doente, que perder sangue por mais de dois dias, ficará impura sete dias depois de
57
Cf. Henrique MURACHCO. Língua Grega, p. 276.
58
Cf. Thomas MCCOMISKEY. hD'nI, p. 925.
59
Cf. Vera Lúcia CHAHON. A mulher impura, p. 35.
39
cessado o mal. Em seguida, ela tem de oferecer um sacrifício.
A questão da pureza e impureza é elemento fundamental na vivência e no
relacionamento dos judeus, assim como costuma ocorrer em todas as religiões e culturas
conhecidas. Eis, a respeito, o ensinamento de Fander:
“Por sua origem elas são categorias de uma cosmovisão mágica e têm suas
raízes em tabus. Tudo quanto é tabu carrega consigo um poder sagrado, que tanto
pode ser destrutivo (impuro) quanto criativo (puro) (...). As ameaças à existência
fazem com que a fertilidade e a morte sejam vistas como as mais fortes
manifestações da dimensão misteriosa e profunda da realidade. A partir daí
conseguimos compreender por que as religiões da Antiguidade, por mais diferentes
que sejam, são unânimes em considerar a morte, a doença, a menstruação, a
ejaculação, as relações sexuais e o nascimento como fonte de impureza”
60
.
Em Israel as prescrições sobre a pureza estão a serviço da interpretação metafísica do
mundo e do cosmo. São específicas das mulheres as prescrições acerca da menstruação e do
fluxo de sangue. Entende-se por fluxo de sangue uma hemorragia que acontece fora do ciclo
menstrual.
As prescrições a respeito da menstruação invadem o quotidiano. Tudo o que a mulher
menstruada tocar, ou o lugar onde ela se sentar ou deitar, torna-se impuro. A impureza
também alcançava a menstruação anormal, como os períodos menstruais prolongados ou
irregulares.
O texto em Mc 5,25 também cita a duração da doença: dw,deka e;th -doze anos.
Segundo Taylor
61
, este espaço de tempo, de doze anos, se refere a um acusativo de duração.
Provavelmente trata-se de uma cifra arredondada, descrevendo uma dor que durou longo
tempo. Também para Mateos e Camacho
62
, os doze anos de enfermidade correspondem a um
detalhe que poderia parecer supérfluo, pois não influi nada no desenvolvimento da narração.
Bastava dizer “muitos anos enferma”. O dado dos doze anos será aprofundado no próximo
capítulo, quando se aludir à filha de Jairo, cuja idade são doze anos. Assim, a mulher esteve
enferma ao longo da vida da menina. Trata-se de uma coincidência ou de um jogo estilístico
60
Monika FANDER. Pureza/Impureza, p.414.
61
Cf. Vincent TAYLOR, Evangelio según San Marcos, p. 334.
62
Cf. Juan MATEOS; Fernando CAMACHO. Evangelho, figura & símbolos, p. 155.
40
de Marcos.
A mulher não só havia estado enferma por muito tempo, mas também havia gastado
todo o dinheiro com médicos, sem resultado. Na verdade, a saúde dela piorou. Segundo
Schmid
63
, os métodos curativos mencionados nos escritos rabínicos recordam as piores
fórmulas de “medicina popular” supersticiosa.
No Antigo Testamento há concepções diferentes a propósito da função do médico. De
um lado, o médico e a medicina eram considerados parte da criação de Deus, que delega a
continuação de sua atividade criadora à natureza e ao homem. A medicina é um ramo da
sabedoria (Eclo 38,1-15). Por outro lado, atribui-se a Javé o poder de mandar as doenças, bem
como as respectivas curas (Ex 9,15; 15,26; Dt 32,39). Neste sentido, a atitude de consultar um
médico é desaprovada (2Cr 16,12)
64
.
A partir destas constatações, percebe-se que a mulher em análise é uma pessoa pobre e
marginalizada, em virtude da sua condição de hemorroíssa. Segundo o código de pureza
levítico, ela deveria permanecer segregada. Por outro lado, ela é também uma mulher
explorada, porquanto o texto salienta a vultosidade da quantia gasta com os honorários
médicos.
De acordo com Taylor que cita Lagrange torna-se uma situação vexatória, quando em
um caso de doença, faz-se necessário chamar vários médicos para o tratamento, e ainda mais
constrangedor quando os resultados das prescrições causam sofrimento, custam muito
dinheiro e fazem a doença piorar
65
.
O detalhe do fracasso da medicina, embora verossímil, serve para exaltar, por
contraste, o poder de Jesus, verdadeiro médico em razão de condição divina.
63
Cf. Josef SCHMID. El Evangelio según San Marcos, p. 164.
64
Cf. BOUWMAN [s.n]. Médico, p. 963.
65
Cf. Vincent TAYLOR. The Gospel According to St. Mark, p. 290.
41
2.3 Toque restaurador: contato escondido e salutar com o manto de Jesus
Desde o início do evangelho de Marcos, constata-se que as ações de Jesus o tornaram
um homem famoso por toda a região da Galiléia e nos arredores. E o povo acorre até ele
atraído pela fama (Mc 1,28.33.45; 2,1-2; 3,8). O versículo 27 provém desta ótica: Tinha
escutado a respeito de Jesus, e tinha chegado por trás no meio da multidão, tocou em seu
manto (avkou,sasa peri. tou/ VIhsou/( evlqou/sa evn tw/| o;clw| o;pisqen h[yato tou/ i`mati,ou auvtou/).
Até o presente momento, a mulher havia feito esforços decididos para vencer a todo
custo a enfermidade. Porém, tudo foi em vão. Quando ela ouve falar de Jesus, todas as suas
esperanças concentram-se nele. Ela faz tudo o que está ao seu alcance: abre passagem até
chegar a Jesus. “Nem mesmo a multidão que se apinha em torno dele é-lhe obstáculo”
66
. A
mulher embasa sua confiança em Jesus; neste instante começa sua fé. “Esta confiança, aliada
à ação decidida, torna-a capaz de obter a misericórdia de Deus”
67
.
O evangelho explica que a mulher chega por trás de Jesus, no meio da multidão, e
tocando o manto dele, diz: “se pelo menos tocar em seu manto, serei salva” (v.28: e;legen ga.r
o[ti eva.n a[ywmai ka'n tw/n i`mati,wn auvtou/ swqh,somai). Os textos de Marcos e Mateus (8,21),
com precisão, descrevem a convicção da mulher. Lucas, por sua vez, omite esse detalhe.
A mulher, sendo uma pessoa condenada pela impuraza, não se atreve a pedir ajuda
publicamente, ao contrário de muitos outros doentes (Mc 1,40; 3,10; 5,22, 7,25-26; 7,31; 8,22;
9,17; 10,47). Ela procura tocar em Jesus, crendo na possibilidade de receber dessa maneira o
auxílio do poder milagroso dele. Por isso, abre passagem e, por trás, toca-lhe o manto. Para
Bortolini
68
, a mulher se apóia numa crença popular, segundo a qual certas pessoas emanam
uma força misteriosa, capaz de curar.
A descrição da chegada da mulher por trás (Mc 5,27; Mt 9,20b; Lc 8,44) é comum aos
66
Sebastião Armando Gameleira SOARES; João Luiz CORREIA JÚNIOR. Evangelho de Marcos, p. 233.
67
Fritzleo LENTZEN-DEIS. Comentário ao Evangelho de Marcos, p. 198.
68
Cf. José BORTOLINI. O Evangelho de Marcos, p. 111.
42
três evangelistas. O advérbio o;pisqen ocorre sete vezes no Novo Testamento. Marcos somente
o utiliza nesta passagem. O advérbio surge nas paralelas sinóticas da passagem em exame (Mt
9,20; Lc 8,44). O advérbio é também empregado por Mateus no relato da mulher Cananéia.
Esta solicita a cura da filha, gritando insistentemente atrás de Jesus (15,23). Em Lucas, o
vocábulo ocorre no episódio de Simão Cirineu, que ajuda a carregar a cruz atrás de Jesus
(23,26). No livro do Apocalipse, o termo aparece como um advérbio espacial (frente/atrás)
(Ap 4,6; 5,1). Esta palavra vem igualmente carregada de uma conotação teológica: “ir atrás”-
seguimento de Jesus, na perspectiva de um relacionamento entre mestre e discípulo (Mc 1.16-
17). Espera-se que os chamados aceitam a nova “vocação” e abandonem a antiga. Assim, no
discipulado, a vida de homens e mulheres encontra propósitos concretos, que se abrem à vida
nova.
Os verbos avkou,sasa e swqh,somai (5,27-28), juntamente com o verbos ou=sa, paqou/sa,
dapanh,sasa, wvfelhqei/asa e evlqou/asa(5,25-26), fecham a descrição relativamente à realidade
da mulher. Usam-se sete verbos no particípio. O número sete significa o completo, a
totalidade determinada ou definida
69
. Se Marcos fez o uso do elemento estilístico do número
sete, concluímos que o sofrimento descrito da mulher envolve toda a existência dela.
Tocar no manto era o objetivo da mulher. O local do toque não é idêntico nos
sinóticos: em Mt 9,20b e Lc 8,44a, orla da veste; em Mc 5,27, há apenas a citação de que a
mulher toca no manto. Segundo Jeremias
70
, tocar o manto corresponde a um gesto de pedido
insistente.
A palavra manto é empregada muitas vezes no Novo Testamento. Ocorre sessenta
vezes, sendo quarenta e uma nos Evangelhos. O termo, sob um aspecto, foi utilizado para
designar literalmente roupa em geral (Mt 27,32; Jo 19,2; At 9,39)
71
. Por outro lado, o termo
possui um forte teor simbólico, herdado do Antigo Testamento e da cultura judaica,
69
Cf. Juan MATEOS; Fernando CAMACHO. Evangelho, figura & símbolos, p. 75.
70
Cf. Joachim JEREMIAS. Teologia do Novo Testamento, p.118.
71
Cf. Horst WEIGELT. i`ma,tion, p. 2640.
43
veiculando vários significados: figura de reinado ou de rei (1Sm 15,26-28; 1Rs 11,29-32),
transmissão do espírito profético (1Rs 19,19-21; 2Rs 2,1-15) e figura da própria pessoa (2Rs
9,12-13)
72
.
O simbolismo do manto como figura da própria pessoa humana aparece no NT nas
ocasiões em que os enfermos tocam a roupa de Jesus e obtêm a cura. Aqui prefigura-se a vida
que emana de Jesus; é o caso da mulher hemorroíssa em estudo. Outro exemplo provém de
Mc 6,56: Em todos os lugares onde estava, nos povoados, nas cidades ou nos campos,
colocavam os doentes nas praças, rogando, que lhes permitisse ao menos tocar na orla de
seu manto. E todos os que o tocavam eram salvos.
Como complemento do sentido do manto enquanto pessoa, observa-se que a locução
tocar o manto só se emprega quando os enfermos pertencem ao povo judeu (Mc 5,27.28.30;
6,56 paralelos), não quando são gentios. Isto indica que, mediante a indigitada figura, o
evangelista descreve atos que se referem à missão pessoal e histórica de Jesus
73
.
A atitude da mulher de ir ao encontro de Jesus abre para uma relação entre os dois; um
contato corporal sensível: um toque. “O toque provoca uma sensação imediata de cura por
parte da mulher e, em Jesus, a consciência concomitante de ‘uma força’ que sai dele”
74
.
A descrição da cura, como conseqüência imediata do toque, é relatada em Marcos
(5,29) e em Lucas (8,44b). Ambos coincidem novamente quanto à reação de Jesus, que
procura saber quem o tocou. Mateus pode levar o leitor a pensar que a cura se dá somente
depois da descoberta da pessoa que efetivou o toque (9,22).
No versículo 29 da perícope em exame descreve-se a cura imediatamente após o
toque: e imediatamente a fonte de seu sangue foi enxugada (kai. euvqu.j evxhra,nqh h` phgh. tou/
ai[matoj auvth/j kai. e;gnw tw/| sw,mati o[ti i;atai avpo. th/j ma,stigojÅ). Somaticamente, isto é,
com a sensibilidade corpórea, a mulher compreendeu que obtivera a cura.
72
Cf. Juan MATEOS; Fernando CAMACHO. Evangelho, figura & símbolos, p. 14-16.
73
Cf. Juan MATEOS; Fernando CAMACHO. Evangelho, figura & símbolos, p. 17.
74
Tereza CAVALCANTI. Tecendo novas relações humanas, p. 16.
44
Marcos utiliza o verbo evxhra,nqh (foi enxugada), do verbo xhrai,nw e e;gnw
(compreendeu), do verbo ginw,skw, ambos no aoristo. Os citados verbos descrevem uma ação
passada pontual. O verbo i;atai (tinha sido curada), do verbo iva,omai, no perfeito, expressa as
conseqüências permanentes da ação.
Emprega-se o citado termo iva,omai, do ponto de vista literal, como vocábulo oriundo
da terminologia médica. Já na acepção figurada, a palavra reporta a idéia de livrar de um mal.
O termo ocorre vinte e seis vezes, das quais vinte nos Evangelhos e Atos, correspondendo à
expressão qerapeu,w (curar, sarar)
75
.
Como sucede em todos os relatos de milagre, a cura é imediata. Cessa a hemorragia. A
mulher foi curada da doença (th/j ma,stigo,j). O termo ma,stix aparece treze vezes no NT
76
. Na
maioria das citações o termo possui o significado de açoitar (Mt 10,17; 20,19; 23,34; Mc
10,34; Lc 18,33; Jo 19,1; At, 22, 24.25; Hb 11, 36; 12,6). O corpo físico que é açoitado.
Somente em Mc 3,10; 5,29.34 possui o sentido de doença. Em Lucas 7,21 o termo transmite a
conotação de sofrimento.
Para Cangh, Marie e Toumpsin
77
, as raízes correspondentes à ma,stix e a mastigo,w
dentro da Bíblia são:
hk'n" (golpear, ferir), jAv (chicotear, açoitar) e [g:n" (golpear, ferir, açoitar).
Nesta perspectiva a doença torna-se um sinônimo de açoite e ou algo que fere a pessoa
humana. Portanto, a mulher hemorroíssa encontra-se ferida, açoitada por um mal.
No encontro com Jesus, a mulher sente a cura no próprio corpo. “A ação de Deus diz
respeito à restauração da pessoa humana e esta é essencialmente material. Deus se relaciona
com o mundo mediante sua capacidade de criá-lo (cf. Gn 1) e recriá-lo continuamente (cf. Is
40-66). A materialidade da vida tem, também ela, de se deixar atingir pelo evento salvífico. A
75
Cf. Friedrich GRABER; Dietrich MÜLLER. iva,omai, p.501.
76
Cf. Alfred SCHMOLLER. Handkonkordanz zum griechischen Neues Testament, p. 326.
77
Cf. Van CANGH; Jean MARIE; Alphonse TOUMPSIN. L’ évangile de Marc, p. 164.
45
fé que salva acontece no movimento dos corpos que se tocam”
78
.
Este fato de tocar Jesus abre-nos para uma questão sutil, consubstanciada nas
experiências elementares do sagrado ou do santo. Neste contexto, os milagres são entendidos
como o efeito da presença do sagrado no mundo. É sagrado ou santo tudo aquilo que pertence
totalmente a Deus
79
.
2.4 Reação inesperada: a pergunta de Jesus e a objeção dos discípulos
O texto no versículo 30 é enfático: e imediatamente Jesus, compreendeu que uma
força tinha saído dele (kai. euvqu.j o` VIhsou/j evpignou.j evn e`autw/| th.n evx auvtou/ du,namin...). “Seu
espírito se comunicara à mulher. O contato corporal cria esta relação profunda entre eles.
Jesus dá mais do que saúde física. Dá-se a si mesmo, num relacionamento pessoal que cura a
dignidade ferida”
80
.
O versículo 30 traz em sua construção gramatical um advérbio de imediatismo (euvqu.j),
que põe em conexão as sensações da hemorroíssa e de Jesus, construindo, assim, um elemento
estilístico de paralelismo. E imediatamente a fonte de seu sangue foi enxugada (v.39) e
imediatamente Jesus, compreendeu que uma força tinha saído dele (v.30).
Em Marcos, o advérbio de sucessão imediata mais freqüentemente usado é euvqu.j. Está
grafado quarenta e uma vezes
81
, na seguinte disposição: 1,10.12.18.20.21.23.28.29.30.42.43;
2,8.12; 3,6; 4,5.15.16.17.29; 5,2.29.30.42(bis); 6,25.27.45.50.54; 7,25; 8,10; 9,15.20.24;
10,52; 11,2.3; 14,43.45.72; 15,1.
78
Sebastião Armando Gameleira SOARES; João Luiz CORREIA JÚNIOR. Evangelho de Marcos, p. 234.
79
Cf. Klaus BERGER. É possível acreditar em milagres?, p. 157.
80
CONFERÊNCIA DOS RELIGIOSOS DO BRASIL. Reconstruir relações num mundo ferido, p. 84.
81
Cf. Robert MORGENTHALER. Statistik des Neutestamentlichen Wortschatzes, p.102.
46
Segundo Mateos; Urban e Alepuz
82
, o uso deste advérbio é mais estilístico do que
gramatical. Nas narrações de cura, por exemplo, realça a autenticidade das palavras de Jesus
(1,42; 2,12; 5,29; 7,35; 10,52); em outras passagens, a rapidez de suas reações (2,8; 5,30;
6,45.50), bem como a ação ligeira de outras pessoas (3,6; 7,25; 14,14; 15,1).
Marcos emprega o advérbio em apreço para qualificar a sensação experimentada por
Jesus, no instante em que uma força saíra dele, expressa pelo termo du,namin, do substantivo
du,namij (força, poder).
Nos Evangelhos sinóticos, a palavra du,namij denota o poder de Deus: poder milagroso.
Os milagres de Jesus são chamados de du,namij, pois através deles o Reino de Deus na terra
começa a ser implementado. Em Marcos, o termo du,namij ocorre em 1,40, no episódio do
leproso que reconhece o poder de Jesus para a realização de curas. O texto em estudo, 5,39,
traz o milagre de Jesus como uma ação operada através de um poder que vem de dentro dele.
Em 6,2.5.14; 9,39, Jesus é apresentado com poder, representado no concreto como obras
poderosas, traduzidas por milagres. E em 9,1, du,namij se refere ao poder inerente à chegada
do Reino de Deus. Em 13,25, o termo faz parte de um discurso escatológico, no qual sucede
uma perturbação estelar, bem como o abalo dos poderes que habitam os céus. Em 13,26,
du,namij indica a parusia do Filho do Homem. Em 12,24 e 14,62, a aludida expressão se
encontra dentro de circunstâncias propícias para falar de Deus.
O significado de du,namij no NovoTestamento está determinado pela Bíblia. Nela, a
acepção diz respeito fundamentalmente ao poder do Deus vivo ou a uma obra poderosa que
manifesta o poder divino. E em Jesus reside o poder curativo
83
.
A expressão evx auvtou/ du,namin - uma força dele é o poder divino de curar que reside
em Jesus. De acordo com a análise de Taylor, evx auvtou/ significa, em Marcos, o poder de Jesus
e através disto mostra o significado do poder pessoal que reside nele e está disponível para a
82
Juan MATEOS; Angel URBAN; Miguel ALEPUZ. Cuestiones de gramática y Léxico, p. 127.
83
Cf. Vincent TAYLOR. Evangelio según San Marcos, p. 336.
47
cura. Segundo ainda Taylor, como ou de que modo Jesus tinha consciência da apropriação do
seu poder, não há como se saber, pois, isto é parte do segredo da sua sensibilidade espiritual
84
.
De acordo com Marcos, Jesus sente o poder de cura emanando do corpo. Porém, “essa
sensação de sua própria força fluindo dele não revela a Jesus quem o tocou e por quê”
85
.
Marcos elabora a cena sob um contraste, pois Jesus pergunta a respeito do toque,
quando já sabe que uma força de cura saíra dele. Por isso, Jesus indaga os discípulos a
propósito do toque. Eles, por seu turno, perplexos com a pergunta, afirmam que é impossível
achar a tal pessoa no meio da multidão. A questão “quem me tocou?”, a resposta sarcástica
dos discípulos e a confissão da mulher, segundo Brown, dão a impressão de que Jesus não
sabia todas as coisas (onisciência)
86
.
Os discípulos despontam somente agora na cena, contrapondo-se à pergunta de Jesus.
A opinião dos discípulos sugere que outros transeuntes haviam tocado Jesus, com intenções
similares as da mulher. Desta feita, torna-se impossível saber de quem se tratava
87
. Aqui
ressurge o desencontro entre Jesus e os discípulos. Jesus era dotado de uma sensibilidade que
não era notada pelos discípulos. Dentro deste contexto de incompreensão dos discípulos,
convém observar como Marcos desenvolve os desencontros entre Jesus e os discípulos. Em
todo o transcorrer do Evangelho, os relatos frisam a incompreensão dos discípulos, que não
entendem as parábolas (4,13; 7,18), não têm fé em Jesus (4,40), não sabem quem é Jesus,
apesar de viverem com ele (4,41) e não captam o sentido da multiplicação dos pães (6,52;
8,20-21). Além disso, tentam desviar Jesus do caminho do Pai (8,32). Assustam-se quando
Jesus fala da cruz (9,32; 10,32-34). Brigam pelo poder (9,34; 10,35-36.41). Judas trai Jesus
(14,10-44). Pedro nega Jesus (14,71-72). Dormem quando Jesus precisa deles (14,37-40). Por
fim, fogem no momento da prisão de Jesus, deixando-o só (14,50).
84
Cf. Vincent TAYLOR. The Gospel According to St. Mark p. 291.
85
John P. MEIER. Um judeu marginal, p. 242.
86
Cf.Raymond BROWN. Introdução ao Novo Testamento, p. 215.
87
Cf. Joachim GNILKA. El evangelio según San Marcos, p. 251.
48
No Evangelho de Marcos, a designação os discípulos (oi` maqhtai,) está redigida
quarenta e duas vezes, aplicando-se aos discípulos de Jesus, sempre no plural
88
. Na maior
parte dos casos, quando o termo se refere aos discípulos de Jesus, o narrador utiliza-o
juntamente com o pronome possessivo auvtou/ (toi/j maqhtai/j auvtou - os discípulos dele -
2,15.16.23; 3,7.9; 5,31; 6,1.35.45; 7,2.17; 8,4.6.10.27(bis).33.34; 9,28.31; 10,23.46; 11,1.14;
12,43; 13,1; 14, 12.13.32).
No Antigo Testamento, desconhece-se o vínculo mestre-discípulo. Os profetas não
possuíam discípulos, mas servidores e companheiros. Não existe, tampouco, tradição que
dependa de um mestre, nem sequer se depara com a exaltação de um líder religioso nesse
papel. Para Marcos, o discipulado é uma instituição bem assentada na cultura judaica do
tempo de Jesus. Por isso, há menção aos discípulos dos fariseus (2,18) e de João Batista (2,18;
6,29)
89
.
Como não obteve resposta dos discípulos, a partir das indagações sobre a autoria do
toque, Jesus olha ao redor, tentando identificar a pessoa (v.32: kai. perieble,peto ivdei/n th.n
tou/to poih,sasan - e ele olhava ao redor para ver aquela que fez isto). O artigo th.n está no
feminino, como se Jesus já soubesse que se tratava de uma mulher. Frente a isto podemos
colher algumas opiniões: acréscimo posterior
90
, escrito do ponto de vista do evangelista e não
implicação de “conhecimento sobrenatural por parte de Jesus”
91
.
Procurar a pessoa com olhar é um detalhe exclusivo de Marcos. A especial atenção
para o olhar de Jesus é uma peculiaridade deste Evangelho. O verbo mais característico
empregado por Marcos para descrever o jeito de Jesus olhar é o perible,pomai (o olhar em
volta, ao seu redor), “indica certamente um olhar mais leve do que o olhar dirigido
88
Cf. Alfred SCHMOLLER. Handkonkordanz zum griechischen Neues Testament, p. 320-322.
89
Cf. Juan MATEOS. Los “Doce” y otros seguidores de Jesus en el Evangelio de Marcos, p. 22.
90
Cf. Russel Norman CHAMPLIN. O Novo Testamento, p. 700.
91
Vincent TAYLOR. Evangelio según San Marcos, p. 337.
49
diretamente para uma pessoa concreta”
92
. Este “olhar em volta” encontra-se sete vezes nos
Evangelhos: uma em Lc 6,10, onde é assumido do texto paralelo de Mc 3,5. Nas demais
ocasiões, o verbo localiza-se no Evangelho de Marcos. Dessas seis citações em Marcos, cinco
se referem a Jesus, e uma à reação de Pedro, de Tiago e de João na hora da transfiguração de
Jesus (9,8). As citações aludidas (olhares de Jesus) são as seguintes:
- a cura do homem da mão seca: Repassando então sobre eles um olhar de indignação,
e entristecido... (3,4);
- a verdadeira família de Jesus: E repassando com o olhar os que estavam sentados ao
seu redor... (3,34);
- o encontro com a mulher hemorrágica: e ele olhava ao redor para ver aquela que fez
isto (5,32);
- o homem rico: Então Jesus, olhando em torno, disse aos seus discípulos... (10,23);
- a visita ao templo: Entrou no templo, em Jerusalém e, tendo observado tudo...
(11,11).
No encontro entre a mulher que sofria de hemorragia e Jesus, vemos Jesus como
parceiro, cúmplice da ação ousada praticada pela mulher. Jesus não permaneceu passivo
frente ao ato furtivo da mulher. A primeira reação consistiu em virar-se e perguntar pela
pessoa que o tocou. Como os discípulos não lhe deram uma resposta, Jesus iniciou uma
comunicação não verbal, já principiada com o ato de voltar-se: ele procurou a pessoa com um
olhar, passando, então, para uma relação aberta e plena. Jesus olhava ao redor para ver
aquela que fez isto (5,32). Podemos concluir que o “olhar de Jesus é um olhar que procura
intensamente a relação mais profunda com a outra pessoa, e aqui é até a base para qualquer
relação madura que não se esgota em ações furtivas”
93
.
Este olhar de Jesus fez com que a mulher vencesse o medo que sentia. Possibilitou
92
Mônica OTTERMANN. Jesus olhou com amor, p. 77.
93
Mônica OTTERMANN. Jesus olhou com amor, p. 79.
50
uma comunicação verdadeira, num final muito mais pleno do que ela poderia ter esperado:
Jesus declarou legítima, até salvífica, a transgressão da mulher, valorizando o gesto dela como
ato de fé e base para cura e paz duradouros.
Este “tocar no manto de Jesus”, em virtude da fé da mulher, diferencia-se de todos os
outros toques. Em Mateus, após o toque, introduz-se Jesus como protagonista, e somente no
fim do texto, registra-se o que operou na mulher. Marcos e Lucas, cada um à sua maneira,
relatam o acontecimento da cura antes do questionamento de Jesus. Lucas afirma que o
estancamento da hemorragia ocorreu imediatamente após o toque (8,44b); Marcos, por seu
turno, menciona o fato e detalha a conseqüência: e imediatamente a fonte de seu sangue foi
enxugada. Compreendeu, com seu corpo, que ficou curada da enfermidade (5,29).
Não há dúvidas de que em Lucas a cura se efetuou sem o consentimento de Jesus, já
que ele percebeu a força que emanava de si. Marcos e Lucas relatam que o toque da mulher
fez com que saísse poder de Jesus, sendo que em Marcos, a formulação é narrativa, enquanto
em Lucas trata-se de palavras proferidas por Jesus após a discussão com Pedro (8,46). Em
Mateus, bastou Jesus virar-se para se deparar com a mulher que o havia tocado e, então,
protagonizar a cura (9,22). Para Marcos e Lucas, a cura ocorre sem o consentimento de Jesus
que, após sentir-se tocado de maneira diferente (havia saído poder dele), volta-se para
procurar quem o tocou. A reação de Jesus gera controvérsias. Em Marcos, são os discípulos
que se indignam com a pergunta sobre o autor do toque, visto que há uma multidão e poderia
ser qualquer pessoa, ou mesmo vários indivíduos. Em Lucas, é Pedro que se deixa atormentar
e discute com Jesus.
Dentro deste quadro de milagres, vamos abrir uma janela para olharmos quais são os
relatos que o evangelista Marcos nos comunica: Podemos contar dezessete, num texto
relativamente curto. O número é bem considerável:
a) quatro relatos de exorcismo, que mostram a vitória de Jesus sobre os espíritos
51
impuros (1,23-28; 5,1-20; 7,24-30; 9,14-29);
b) oito relatos de cura: febre (1,29-31), lepra (1,40-45), paralítico (2,1-12), um homem
com paralisia na mão (3,1-6), uma mulher que sofre de hemorragia (5,25-34), surdo-mudo
(7,31-37) e cegos (8,22-26 e 10,46-52);
c) um relato de ressurreição (5,21-24; 35-43);
d) dois relatos de salvamento no mar (4,35-41 e 6,45-52);
e) dois relatos de multiplicação de pães (6,30-44 e 8,1-10);
Afora duas exceções (9,14-29 e 10, 46-52), os demais relatos pertencem à primeira
metade do Evangelho.
Dentro destes dezessete milagres, quatro dizem respeito à cura de mulher:
a) a cura da sogra de Pedro (1,29-31);
b) a cura da mulher hemorroíssa e a ressurreição da filha de Jairo (5, 21-43);
c) a cura da filha da mulher siro-fenícia (7,24-30).
No evangelho segundo Marcos, os gestos de Jesus são manifestações do amor e do
poder que querem restaurar totalmente as pessoas. Foi por meio desses gestos de cura e de
libertação que Jesus se revelou. E, para as mulheres, o Reino de Deus se apresenta com poder
de cura, recuperando-lhes a integridade corporal e as inserindo no convívio familiar e
comunitário. “O carisma milagreiro de Jesus faz que elas não sejam objeto de sua ação, mas
antes as envolve em um processo no qual elas têm um papel ativo”
94
. Jesus concede às
mulheres uma nova oportunidade para recomeçar a vida.
2.5 Testemunho surpreendente: a confissão da mulher e o elogio de sua fé
Nos versículos 33 e 34, percebe-se que a partir do encontro do olhar de Jesus com a
94
Cf. Gerd THEISSEN; Annette MERZ. O Jesus histórico, p. 245.
52
mulher, dá-se um convite para um esclarecimento público. Jesus não permite que o
acontecimento se passe em segredo, ficando a mulher perdida na multidão. É necessário que
ela apareça, que fique em evidência, ascenda da sua humilhação. Exige que dê testemunho
público da verdade
95
.
Mas, para a mulher este procedimento é algo desagradável. A coibição decorrente dos
muitos anos de enfermidade, bem como a discrição à qual se acostumou, foram um fator
determinante para que nela não pudesse existir um comportamento espontâneo e livre no
círculo social
96
. Portanto, a sua confissão torna-se um passo decisivo para uma reintegração
na sociedade e também para conceder-lhe, antes de tudo, valor para ocupar, no futuro, seu
lugar na comunidade, sem temor algum.
A primeira reação foi de temor (fobe,omai) e tremor (tre,mw). A reação da mulher é
material comum a Mc 5,33 e Lc 8,47. Segundo Marcos, a mulher assustada e trêmula
sabendo o que lhe tinha acontecido veio e prostrou-se diante dele e disse-lhe toda a verdade
(h` de. gunh. fobhqei/sa kai. tre,mousa( eivdui/a o] ge,gonen auvth/|( h=lqen kai. prose,pesen auvtw/| kai.
ei=pen auvtw/| pa/san th.n avlh,qeian). Lucas acrescenta que foi na presença do povo que ela
declarou o que havia acontecido com ela (diante de toda a multidão: evnw,pion panto.j tou/
laou/ - 8,47).
Os sentimentos que envolvem a mulher são descritos pelos verbos fobe,omai, que
possui o significado de “ter medo”, “temer”, “reverenciar”, “respeitar” e por tre,mw, com o
sentido de terror, tremer. Segundo Mundle, o termo fo,boj e seus cognatos são usados na
acepção de “medo”, “temor” e “reverência” diante de Deus e também de Cristo
97
.
No Antigo Testamento, a aparição de Deus desperta temor. Diante de fenômenos
grandiosos, inusitados, o ser humano experimenta espontaneamente o sentimento de uma
95
Cf. Sebastião Armando Gameleira SOARES; João Luiz CORREIA JÚNIOR. Evangelho de Marcos, p. 234.
96
LENTZEN-DEIS, Fritzleo. Comentário ao Evangelho de Marcos, p. 198-199.
97
Cf. Wilhelm MUNDLE. Fovboj, p. 1266.
53
presença que o transcende e ante a qual ele se abisma em sua pequenez. Sentimento ambíguo,
em que o sagrado aparece sob o aspecto do “tremendum”
98
. Trata-se sempre do temor
concreto e real diante do Deus poderoso e soberano, ou do respeito reverencial em face do
“tremendum”; exemplo: Gn 28,17; Êx 3,6; 14,31; 20,18. Para Rudof Otto, o mysterium
tremendum, é um sentimento que o ser humano experimenta diante do sagrado, das emoções
religiosas intensas, nos ritos. É um mistério que faz tremer. O sentimento que ele provoca
pode se espalhar na alma como um calafrio. É a onda de quietude de um profundo
recolhimento espiritual
99
.
Também no Novo Testamento, o ser humano sente medo, quando se encontra com o
“tremendum”. Há várias passagens que retratam esta realidade:
- o aparecimento de anjos (Lc 1,12. 2,9; Mt 28,4),
- as catástrofes no final dos tempos (Lc 21,26),
- a questão da morte (Hb 2,15),
- a reverência aos magistrados (Rm 13,3),
- bem como a postura diante de Jesus e dos acontecimentos extraordinários que o
envolvem: cura do paralítico (Mt 9,8), morte de Jesus (Mt 27,54), a ressurreição do jovem
Naim (Lc 7,16), a cura da mulher hemorrágica (Mc 5,15.33), o caminhar de Jesus sobre as
águas (Mc 6,50), a transfiguração de Jesus (Mc 9,6)
100
.
Marcos não indica o motivo da reação temerosa por parte da mulher hemorroíssa. Há
algumas opiniões a respeito. Para Gnilka
101
, temor e tremor são uma reação humana diante da
epifania divina, pois está-se diante de uma forma de revelação. Para Schmid
102
, o medo e o
tremor no texto podem ser vistos como um reconhecimento da mulher pela transgressão
perpetrada. Pois no estado de impureza em que se encontra, misturando-se com a multidão, o
98
Cf. Xavier LÉON-DUFOUR (org). Vocabulário de Teologia Bíblica, p. 999.
99
Cf. Rudof, OTTO. O Sagrado, p. 16-17.
100
Cf. Wolfgang BEILNER. Temor/ Medo/ Respeito, p. 421.
101
Cf. Joachim GNILKA. El evangelio según San Marcos: Mc 1-8,26, p. 251.
102
Cf. Josef SCHMID. El Evangelio según San Marcos, p. 165.
54
fato de ela tocar qualquer coisa torna o objeto impuro, inclusive as pessoas (Lv 15,27).
A respeito da transgressão da lei da pureza, temos uma opinião contrária. Na trilha de
Ekkehard e Wolfgang, que citam Fander, a história da mulher hemorroíssa poderia comprovar
que esse tipo de doentes não permanecia isolado ou proscrito. Como também não se sabe se as
prescrições de pureza eram vinculadas ao fluxo mensal, e se, na prática, observavam-se os
sete dias de isolamento e o não-contato. Esses autores salientam, ainda, que se a história
efetivamente aborda uma quebra das prescrições de tabu em relação às mulheres que
menstruam, seria estranho que isso não viesse expresso como em Mc 1,40-45 e 7,1-5
103
.
Apesar do medo e do pavor, a mulher caiu diante de Jesus e disse-lhe toda a verdade
(h=lqen kai. prose,pesen auvtw/| kai. ei=pen auvtw/| pa/san th.n avlh,qeian).
O verbo prose,pesen provém do verbo prospi,ptw. Este verbo é construído com a
preposição pro,j (diante de, perante) e o verbo pi,ptw (cair), caiu diante de. Além desta
passagem, este verbo ocorre em mais algumas narrativas no Novo Testamento: no relato da
cura da filha de uma mulher siro-fenícia (Mc 7,25), nas duas passagens de Lucas (o discípulo
Pedro que cai de joelho diante de Jesus, reconhecendo-se como pecador, 5,8), no
endemoniado de Gerasa, que cai diante de Jesus e suplica que não seja atormentado (8,28) e
em Atos, quando o carcereiro cai diante de Pedro e Silas, devido à libertação desses discípulos
(16,29).
O gesto de a mulher abaixar-se diante de Jesus lhe rende uma grata surpresa: ela é
erguida como uma “nova mulher”. Ela é chamada de “filha” (quga,thr). Este vocábulo indica
“benevolência”
104
e acolhida. Jesus recebe a mulher na nova família, isto é, na comunidade
que se formava ao seu redor. Ocorre uma inversão radical em relação à situação anterior: de
ser humano marginalizado passa a gozar do status de mulher em plenitude. Não é freqüente o
fato de Jesus chamar alguém por filho ou filha. Os discípulos receberam este tratamento:
103
Cf. Ekkehard W. STEGEMANN; Wolfgang STEGEMANN. História social do protocristianismo, p. 427.
104
Josef SCHMID. El Evangelio según San Marcos, p. 165.
55
filhos (Mc,10,24) e filhinhos (Jo 13,33). Ao paralítico Jesus se dirige também desta maneira:
meu filho (Mc 2,5). O episódio da mulher hemorroíssa é a única vez que Jesus emprega a
palavra filha para se dirigir a uma pessoa do sexo feminino.
Segundo Cavalcante, Jesus poderia estar assumindo um papel de pai, pois, na
seqüência dos fatos narrados, existe um pai que luta com todas as forças e todo o prestígio
para salvar a filha enferma. E a mulher, ao contrário, não tem ninguém para defendê-la. Seu
único apóio era sua própria fé, que lhe permite ser introduzida na família dos filhos e filhas de
Deus
105
.
Jesus elogia a fé da mulher e declara que esta fé é o motivo da cura: Filha, tua fé te
salvou (quga,thr( h` pi,stij sou se,swke,n se). Aparece a fórmula semítica de despedida: Vai em
paz e sê sanada da tua enfermidade (u[page eivj eivrh,nhn kai. i;sqi u`gih.j avpo. th/j ma,stigo,j
sou).
Conforme Brown, a declaração de Jesus tua fé te salvou mostra que Marcos não possui
uma compreensão mecânica do poder miraculoso de Jesus
106
. A cura se dá mediante a fé. Já
na linha de Mateos e Camacho, a expressão tua fé te salvou indica a cura , em nível narrativo;
em nível teológico, representa a salvação obtida pela fé
107
.
Devemos lembrar ainda que a expressão “Filha, a tua fé te salvou”, comum aos três
evangelistas, é igualmente freqüente em outros relatos de milagres.
Ir em paz (u[page eivj eivrh,nhn) corresponde ao hebraico
~Alv'l. ykil. (1 Sm 1,17). O
significado básico da raiz é terminar ou completar algo, entrar num estado de integridade e
unidade, participar de um relacionamento restaurado
108
. O termo ~Alv'. é usado freqüentemente
para a saudação ou a despedida. Desejar schalom a alguém implica transmitir uma bênção
(2Sm 15, 27). O termo pode ser também empregado para a paz, porém muito mais do que
105
Cf. Tereza CAVALCANTI. Tecendo novas relações humanas, p. 17.
106
Cf. Raymond BROWN. Introdução ao Novo Testamento, p. 214.
107
Cf. Juan MATEOS; Fernando CAMACHO. Marcos, p. 147.
108
Cf. Lloyd CARR. ~Alv', p. 1572.
56
mera ausência de guerra, corresponde à inteireza, integridade, harmonia e realização. Em
~Alv', acha-se implícita a idéia de relacionamentos não abalados com outras pessoas e de
sucesso da pessoa nas suas empreitadas
109
. Segundo Bautista
110
a palavra hebraica ~Alv é rica
em conteúdo. Os Setenta (LXX) empregaram em sua tradução mais de vinte e cinco termos
gregos. Etimologicamente significa estar perfeito, feliz, em paz, sadio.
No Novo Testamento, a palavra que denomina paz é eivrh,nh . Ela ocorre noventa e uma
vezes, das quais vinte e quatro estão nos Evangelhos. Marcos apenas emprega na perícope em
estudo (5,34)
111
.
Quando Jesus diz para a mulher ir em paz e curada, podemos supor que, com estas
palavras, o evangelista nos mostra que Jesus acolhe a hemorroíssa como membro da
comunidade de seus seguidores.
Segundo os exegetas Cangh, Marie e Toumpsin, Jesus não dirige à mulher o voto de
saúde; ela já está curada. No contraponto de uma aplicação legalista do Levítico, Jesus
apresenta a cura da mulher como mérito, por ter tocado com fé em sua vestimenta.
112
. Nesta
mesma linha de pensamento vai a análise de Fabris, para quem, as últimas palavras de Jesus
dirigidas à mulher: “vai em paz e sê sanada da tua doença” (5,34) chegam atrasadas, porque
já fora dito anteriormente que a mulher sarara (5,29). Para este especialista, toda a cena parece
estar construída sob um contraste: Jesus pergunta quem foi que o tocou, enquanto sabe que
uma força de cura saíra dele; os discípulos respondem de uma forma banal, e Jesus continua
procurando com o olhar o autor do toque. Ainda segundo Fabris, todos estes elementos podem
deixar intuir a mensagem que Marcos pretende comunicar: não é a confiança num gesto
mágico que pode salvar, mas o encontro pessoal com Jesus mediante a fé. E a mulher que
tinha tentado alcançar a cura às escondidas obtém a salvação através da fé explícita. É a
109
Cf. Lloyd CARR. ~Alv', p. 1573.
110
Cf. Mateo BAUTISTA. Jesus, p. 137.
111
Cf. Alfred SCHMOLLER. Handkonkordanz zum griechischen Neues Testament, p. 147-148.
112
Cf. Van CANGH; Jean MARIE; Alphonse TOUMPSIN. L’ évangile de Marc, p. 167
57
palavra eficaz de Jesus: “a tua fé te salvou”, que transforma o gesto da mulher em
salvífica
113
.
Segundo Polhl
114
, a história da cura da hemorroíssa não é contada até o fim. Falta a
reação dos expectadores (Mc 1,27; 2,12; 3,6; 5,14.42), assim como está ausente o tema da
reinserção da mulher curada (Mc 1,31.44; 2,11; 5,19.43), apesar de o Levítico 15,28-30
insistir na importância dessa questão. Em vez disso, em dado momento, esta história é ligada
à outra. Enquanto Jesus falava da fé (v.34), o narrador passa para a figura de Jairo que, diante
da fé desta mulher, também ele deve crer (v.36).
2. 6 Conclusão
O episódio estudado apresenta uma mulher que ousa desobedecer à lei da pureza,
tocando em Jesus, mesmo estando com hemorragia. Ela quer se livrar desta terrível doença
que a mantém segregada por doze anos. Acredita na força de vida que reside em Jesus. Supera
todos os obstáculos e saboreia a nova realidade que lhe é conferida. Digna de ser mulher e
reconhecida pela ousadia e pela intensidade da fé expressada.
Este relato confirma a Boa Nova de Deus, trazida por Jesus, que rompe as barreiras de
discriminação e de marginalização. Abre para um cultivo de relações mais abertas e
transparentes, ternas e pessoais, maduras e respeitosas, relações que dignificam, desafiam,
humanizam e incluem.
A novidade do Reino aparece muito claramente no relacionamento de Jesus com as
mulheres. Através de uma palavra encorajadora, ou de um toque, ou de um olhar, possibilita
para as mulheres, no vai-e-vem da dança da vida, um novo recomeço, com relações novas e
113
Cf. Rinaldo FABRIS. O Evangelho de Marcos, p. 475.
114
Cf. Adolf POHL. O Evangelho de Marcos, p. 185.
58
dinâmicas de abertura e acolhimento, assim como comunhão para a gestação de um mundo
novo, livre, terno e solidário; um mundo onde há lugar para todos e todas, especialmente as
pessoas mais discriminadas, humilhadas e abandonadas.
Como afirma Bautista, “curar é uma forma de amar”
115
. Jesus na sua trajetória terrena
foi uma pessoa que transmitiu saúde e foi um terapeuta por que regenerou a saúde tanto física
como psíquica.
115
Mateo BAUTISTA. Jesus, p. 9.
59
3. CAPÍTULO
A RESSURREIÇÃO DA FILHA DE JAIRO (Mc 5,35-43)
Jesus demora no caminho até a casa de Jairo, por causa da cura da mulher com
hemorragias (5,25-34). Este contratempo levou a filha de Jairo à morte. Jesus, porém,
intervém e consola o pai da menina, animando-o para que creia incondicionalmente. A casa
de Jairo encontra-se enlutada pela morte da menina. No entanto, a presença de Jesus traz a
esperança e, na intimidade, regenera a vida: o milagre da ressurreição, sob o testemunho dos
pais e dos três primeiros discípulos (Pedro, Tiago e João). E a cena se conclui na ceia: Dê de
comer a ela (5,43).
3.1 Texto e a diagramação do conteúdo
Apresenta-se, por primeiro, a tradução do texto grego. Em seguida, será apresentada a
diagramação do conteúdo. A diagramação do conteúdo segue o esquema de uma narrativa de
ressurreição, que se estrutura nos seguintes passos: a seqüência da narrativa de Jesus com
Jairo, com a descrição das tristes circunstâncias que levam Jesus a agir; a confirmação da
morte da menina; a palavra e o gesto de Jesus, que ressuscita a morta, juntamente com a
60
confirmação do evento milagroso pelas ações do ressuscitado e a reação dos circunstantes
(assombro, louvor ou fé).
Texto e tradução: Mc 5, 35-43
35 :Eti auvtou/ lalou/ntoj e;rcontai avpo. tou/ avrcisunagw,gou le,gontej o[ti h` quga,thr sou
avpe,qanen\ ti, e;ti sku,lleij to.n dida,skalonÈ
36 o` de. VIhsou/j parakou,saj to.n lo,gon lalou,menon le,gei tw/| avrcisunagw,gw|\ mh. fobou/(
mo,non pi,steueÅ
37 kai. ouvk avfh/ken ouvde,na metV auvtou/ sunakolouqh/sai eiv mh. to.n Pe,tron kai. VIa,kwbon kai.
VIwa,nnhn to.n avdelfo.n VIakw,bouÅ
38 kai. e;rcontai eivj to.n oi=kon tou/ avrcisunagw,gou( kai. qewrei/ qo,rubon kai. klai,ontaj kai.
avlala,zontaj polla,(
39 kai. eivselqw.n le,gei auvtoi/j\ ti, qorubei/sqe kai. klai,eteÈ to. paidi,on ouvk avpe,qanen avlla.
kaqeu,deiÅ
40 kai. katege,lwn auvtou/Å auvto.j de. evkbalw.n pa,ntaj paralamba,nei to.n pate,ra tou/ paidi,ou
kai. th.n mhte,ra kai. tou.j metV auvtou/ kai. eivsporeu,etai o[pou h=n to. paidi,onÅ
41 kai. krath,saj th/j ceiro.j tou/ paidi,ou le,gei auvth/|\ taliqa koum( o[ evstin
meqermhneuo,menon\ to. kora,sion( soi. le,gw( e;geireÅ
42 kai. euvqu.j avne,sth to. kora,sion kai. periepa,tei\ h=n ga.r evtw/n dw,dekaÅ kai. evxe,sthsan
Îeuvqu.jÐ evksta,sei mega,lh|Å
43 kai. diestei,lato auvtoi/j polla. i[na mhdei.j gnoi/ tou/to( kai. ei=pen doqh/nai auvth/| fagei/nÅ
35- Ele ainda estava falando, quando vieram do chefe da sinagoga falando: “Tua filha morreu.
Por que ainda estás importunando o mestre?”
36- Jesus, porém, não levando em conta, disse ao chefe da sinagoga: “Não tenhas medo,
apenas crê”.
37 – E não deixou ninguém acompanhá-lo, a não ser Pedro, Tiago e João, o irmão de Tiago.
38 – E chegaram à casa do chefe da sinagoga. Viu um tumulto e gente chorando, pranteando
muito.
39- Após ter entrado, disse-lhes: “Por que criais um tumulto e gritais? A criança não morreu,
mas dorme”.
61
40 – E riam dele. Ele, porém, expulsando todos, levou consigo o pai da menina, a mãe e os
que estavam com ele. E entrou onde estava a menina.
41- Após ter pego na mão da criança, disse-lhe: “Talita kum” – o que é traduzido: “Menina,
digo-te, levanta-te”.
42- Imediatamente, a moça se levantou e caminhava, pois tinha 12 anos. E (logo) eles ficaram
espantados com grande espanto.
43- E lhes ordenou muito para que ninguém soubesse isto e disse: “Dê de comer a ela”.
Diagramação do conteúdo:
A – Notícia contundente: tarde demais para a cura
35- Ele ainda estava falando, quando vieram do chefe da sinagoga falando: “Tua filha
morreu. Por que ainda estás importunando o mestre?”
36- Jesus, porém, não levando em conta, disse ao chefe da sinagoga: “Não tenhas medo,
apenas crê”.
B – Dor dilacerante: confirmação da morte
37 – E não deixou ninguém acompanhá-lo, a não ser Pedro, Tiago e João, o irmão de
Tiago.
38 – E chegaram à casa do chefe da sinagoga. Viu um tumulto e gente chorando,
pranteando muito.
39- Após ter entrado, disse-lhes: “Por que criais um tumulto e gritais? A criança não
morreu, mas dorme”.
40a – E riam dele.
C – Ato extraordinário: reanimação por meio do gesto e da palavra
40
Ele, porém , expulsando todos, levou consigo o pai da menina, a mãe e os que estavam
com ele. Entrou onde estava a menina.
41- Após ter pego na mão da criança, disse-lhe: “Talita kum” – o que é traduzido:
“Menina, digo-te, levanta-te”.
D - Orientação conclusiva: “Dê de comer a ela”
42- Imediatamente, a moça se levantou e caminhava, pois tinha 12 anos. E (logo) eles
ficaram espantados com grande espanto.
43- E lhes ordenou muito para que ninguém soubesse isto e disse: “Dê de comer a ela”.
62
3.2 Notícia contundente: tarde demais para a cura
Antes de fazer qualquer análise do texto, é preciso que tenhamos em mente o esquema
literário utilizado por Marcos. Na análise da primeira parte deste trabalho, foi constatado que
o evangelista Marcos (5,21-24) deu início à perícope do milagre da ressurreição da filha de
Jairo. A análise da primeira parte ocorreu em torno do personagem Jairo: o seu encontro com
Jesus, quando pede a cura da filha. Na segunda parte do trabalho, verificou-se que o
evangelista, ao tratar do episódio da mulher hemorroíssa, abriu como que uma janela na
narrativa de Jairo e inseriu a perícope da mulher hemorroíssa. Cuida-se do gênero literário
denominado “sanduíche literário”, “encaixada” ou “A-B-A”. A partir do versículo 35, o autor
volta para a história da filha de Jairo.
Para Meier
116
, a narrativa da mulher hemorroíssa e a ressurreição da filha de Jairo
eram histórias que provavelmente existiram independentes uma da outra, em um estágio mais
primitivo da tradição. Para o autor citado acima ocorreram alguns toques redacionais. Entre
eles destaca-se o final da história da hemorroíssa, no versículo 35: Ele ainda estava falando,
quando vieram do chefe da sinagoga falando: Tua filha morreu. Por que ainda estais
importunando o mestre? Na forma atual do Evangelho de Marcos, a frase ainda falava se
refere a Jesus, dirigindo-se à mulher que acabara de curar. Também é possível, no entanto,
que quando na primitiva forma da história de Jairo, em uma unidade separada na tradição oral,
a locução ainda falava se reportasse a Jairo, que estava fazendo o pedido a Jesus, no momento
em que chega a triste notícia da morte da filha. Ou seja, originalmente, o versículo 35 (ainda
falava) viria logo após o versículo 23: E implorou-o e disse numerosas palavras: Minha
filhinha está no fim! Que venhas e imponhas as mãos sobre ela, para que seja salva e viva.
Nesta hipótese, todo o versículo 24 não passa de uma criação do redator e desaparece da
116
Cf. John P. MEIER. Um judeu marginal, p. 317.
63
história original de Jairo.
Continuando com a reflexão de Meier
117
, seguindo dentro da ótica acima exposta, o
relato primitivo teria tido a estrutura básica de uma história de milagre. O encontro de Jairo
com Jesus foi bastante expandido, permitindo, assim, a transição de uma história de cura para
uma de ressurreição. Por outro lado, os versículos 35-36 fazem a transição para uma história
de ressurreição.
O gênero literário empregado na narrativa de uma ressurreição tem semelhança com
uma narrativa de milagres de cura
118
. Por exemplo:
1) O encontro entre Jesus e uma pessoa aflita (às vezes, um suplicante), com uma
descrição das tristes circunstâncias que levam Jesus a agir
119
;
2) A palavra e/ou gesto de Jesus, que ressuscita o morto, juntamente com a
confirmação do evento milagroso pelas ações do ressuscitado;
3) A reação dos circunstantes: assombro, louvor ou fé.
A passagem da perícope anterior (Mc 5,25-34) para a perícope em estudo dá a
entender que em razão da demora no caminho, causada pela cura da mulher hemorroíssa,
surge a notícia da morte da filha de Jairo. O versículo 35 inicia com a menção de que Jesus
ainda estava falando, quando chegaram os mensageiros. Para a sentença ainda estava
falando, o hagiógrafo usa o genitivo absoluto. As palavras e seu contexto indicam que o
genitivo absoluto tem uma conotação temporal.
Olhando para o paralelo sinótico, constamos que Mateus (9,23) deixa de lado o detalhe
dos mensageiros vindos da casa de Jairo com a notícia acerca da morte da menina. O
117
Cf. John P. MEIER. Um judeu marginal, p. 320.
118
Cf. John P. MEIER. Um judeu marginal, p. 315.
119
A súplica pelo milagre, um elemento comum em casos de cura, assume uma forma diferente nas histórias de
ressurreição. O suplicante em geral não pede de forma direta a restauração da vida do morto. Ex.: A filha de
Jairo no seu inicio consta como um pedido pela cura (Mateus, por sua vez, audaciosamente descreve, desde o
começo, Jairo pedindo a ressurreição -Mt 8,18); a ressurreição de Lázaro, em João 11,1-3, traz a súplica de
Marta e de Maria pelo irmão. A história da ressurreição do filho da viúva de Naim, em Lucas 7,12-13, difere das
outras duas. Jesus se comove com a triste cena da viúva e toma a iniciativa de confortá-la com a ressurreição do
filho.
64
evangelista Lucas (8,49), por sua vez, acompanha mais de perto a narrativa marcana,
mantendo a descrição dos mensageiros.
Os mensageiros vêm da casa de Jairo, pois, segundo Taylor, “avpo. tou/ avrcisunagw,gou
é um fraco substitutivo de avpo. th/j oivki,aj
120
. Eles portam a notícia do óbito da menina
mediante o vocábulo avpe,qanen, do verbo avpoqnh,|skw. A construção do verbo se dá com a
aglutinação da preposição avpo com o verbo qnh,|skw, significando morte.
No Novo Testamento, existe uma variedade de palavras que descrevem a morte ou o
ato de morrer (qa,natoj; qanato,w; qnh,|skw; avpoqnh,|skw; sunapoqnh,skw). O evangelista Lucas,
em paralelo a esta perícope, optou pelo verbo te,qnhken, derivado do verbo qnh,|skw. O termo
avpoqnh,|skw é mais comumente utilizado no Novo Testamento, enquanto o termo qnh,|skw
aparece apenas em nove citações
121
. Juntamente com a notícia da morte, os mensageiros
fazem uma advertência em forma de pergunta a Jairo: “Por que ainda estás importunando o
mestre?” (ti, e;ti sku,lleij to.n dida,skalon). O verbo sku,lleij, do verbo sku,llw, possui o
significado de “importunar”, “molestar”, “atormentar”.
Para Champlin
122
, os mensageiros, ao pedirem que Jairo não tomasse mais o tempo do
mestre, queriam dizer o seguinte: já que a menina é morta, trata-se de um caso perdido, até
para o grande Nazareno. Deveria, pois, em virtude do recado trazido, dar cabo de toda
esperança, lançando-se ao desespero e à tristeza profunda. Schmid
123
, de outra banda, explica
que a ajuda solicitada chega demasiado tarde, pois Jesus era conhecido como quem tinha
poder para curar as enfermidades, mas não para reverter a morte. Taylor
124
, por seu turno, a
propósito da pergunta brusca (“Por que estás importunando o mestre?”), supõe que ninguém
esperava que a morta fosse ressuscitada.
Os mensageiros utilizam a expressão dida,skaloj - mestre. O termo é usado doze vezes
120
Vincent TAYLOR. Evangelio según San Marcos, p. 339.
121
Alfred SCHMOLLER. Handkonkordanz zum griechischen Neues Testament, p. 238.
122
Cf. Russel Norman CHAMPLIN. O Novo Testamento, p. 701.
123
Cf. Josef SCHMID. El Evangelio según San Marcos, p. 166.
124
Cf. Vincent TAYLOR. Evangelio según San Marcos, p. 339.
65
por Marcos (4,38; 5,35; 9,17.38; 10,17.20.35; 12,14.19.32; 13,1; 14,14). Este fato deixa
transparecer que Jesus era conhecido como um mestre. O ensino é uma característica muito
forte atribuída a Jesus pelo evangelista Marcos. Em diversas perícopes, Marcos aponta Jesus
ensinando, anunciando ou pregando, em casa, nas sinagogas ou no templo (1,21.39; 2.2.13;
4,2; 6,2.34; 8.31; 9,31; 10,1; 11,17; 12,35.38). O verbo ensinar encontra-se, muitas vezes, no
imperfeito, designando uma ação habitual, ou seja, contínua de Jesus. O verbo aparece
também na forma absoluta ou com o acusativo adverbial “muito”, como: E ensinava-lhes
muitas coisas por meio de parábolas (4,2); Assim que ele desembarcou, viu uma grande
multidão e ficou tomado de compaixão por eles, pois estavam como ovelhas sem pastor. E
começou a ensinar-lhes muitas coisas (6,34). Marcos insiste no ato de ensinar, afirmando que
Jesus ensinava com autoridade (1,22.27; 6,2; 11,18).
A notícia da morte é comunicada a Jairo, mas é Jesus quem presta atenção por acaso.
Como se ignorasse a notícia, dá pouca importância ao recado trazido pelos mensageiros. Pois,
o termo parakou,saj contém uma ambigüidade na tradução: “recusar-se a prestar atenção” ou
“entreouvir”. Devido a este problema, o aparato crítico da “The Greek New Testament”
125
traz uma variante encontrada em alguns manuscritos. A variante
126
em si não propõe alteração
significativa para o texto, mas será efetuada sua análise com o propósito de criar alternativas
para a tradução, facilitando, assim, a compreensão do texto. Em virtude da ambigüidade na
tradução, alguns manuscritos optaram pela substituição de parakou,saj por avkou,saj,
encontrado no paralelo lucano (8,50), com o significado “ouvir” ou “prestar atenção”. Esta
substituição pode ser encontrada nos seguintes manuscritos: unciais א D Θ 0126; família do
minúsculo f
1
e um grande número de minúsculos, ou seja, 28, 205, 565, 700, 892
c
1342, 1424
l
950; manuscritos
aur
da versão latina (Ítala: it
aur b,c,d,f,ff2,I,lq
); vulgata; versão da copta saídica e
125
The Greek New Testament (GNT). 4 ed .
126
{B} parakou,saj א*
,2
B L W U 892* 2427 it
e
// avkou,saj (see Lk 8.50) א
1
D Θ 0126 F
1
28 205 565 700 892
C
1342 1424 950 it aur,
b, c, d, f, ff2, I, l, q
vg cop
sa, bo
arm eth geo slav // euvqe,wj avkou,saj A C 0131 f
13
33 157 (180) 579
597 (828) 1006 1010 1071 1241 1243 1292 1505 Byz [ E F G H (N) (Σ) Lect (it
a
) syr
h
.
66
da copta boárica (cop
sa, bo
); armênica; etiópica; geórgica; eslava antiga.
Também alguns manuscritos possuem o acréscimo do advérbio euvqe,wj
(imediatamente) a saber: unciais A C 0131; família do minúsculo f
13
e um grande número de
minúsculos; manuscritos bizantinos; a leitura da maioria dos lecionários do Sinaxário e do
Menológio (Lect); versão latina antiga (Ítala: it
a
) com pequenas divergências e a siríaca
heracleana.
A leitura, com a substituição de parakou,saj por avkou,saj torna o texto mais
compreensível, sugerindo que Jesus estivesse acompanhando o anúncio da morte da menina, o
que desencadeou o apelo a Jairo de não temer, mas de crer. Porém, segundo o critério da
crítica textual, que o texto mais difícil seja o texto mais provavelmente original
127
. Com a
opção pelo texto mais difícil, como tamm pelo mais breve, deve ler-se parakou,saj. Por
outro lado, há manuscritos antigos, como também um grande número de manuscritos que
atestam o emprego de avkou,saj. Na nossa tradução, optaremos pela manutenção do termo
parakou,saj.
A Bíblia “Greek New Testament” adiciona no aparato crítico informações acerca do
grau de probabilidade de a leitura do texto grego empregado ser ou não original, através do
recurso A B C D
128
entre chaves. Nesta avaliação, o fato de os editores exibirem o texto
precedido pela sigla {B} significa que há grande probabilidade de ser original, porém não se
descarta certo grau de dúvida.
Uma das características típicas das narrações de milagre é o esgotamento de todas as
127
Cássio Murilo Dias da SILVA. Metodologia de Exegese Bíblica, p.46
São critérios para a crítica externa:
a) múltipla atestação;
b) manuscritos antigos e confiáveis;
c) manuscritos independentes entre si;
São critérios para a crítica interna:
a) a lição mais difícil é preferível à mais fácil;
b) a lição mais breve é preferível à mais longa;
c) estilo e teologia do autor;
d) não-influência de passos paralelos.
128
Cf. Uwe WEGNER. Exegese do Novo Testamento, p. 61.
67
possibilidades humanas. Contra o que era aparentemente impossível exige-se a força da fé.
Para Jairo, o convite era para não se abalar, mas crer incondicionalmente, isto é, manter-se
firme: Não tenhas medo, apenas crê (mh. fobou/( mo,non pi,steue). “Jairo é convidado a superar
o medo da morte por meio da fé
129
”. pi,steue vem em forma do imperativo, do verbo pisteu,w.
Em razão da situação desesperadora de Jairo por causa de sua filha, exige-se que a fé dele seja
prioritária e mais urgente do que a confiança manifesta em Mc 9,23: Tudo é possível àquele
que crê! (pa,nta dunata. tw/| pisteu,onti).
Em Marcos, os termos pi,stij e pisteu,w são freqüentemente ressaltados,
especialmente nas narrativas de milagres, as quais normalmente fazem referência à fé da
pessoa doente, ou à fé das pessoas que cercam o enfermo. Vejamos alguns exemplos:
- A cura de um paralítico - Jesus, vendo sua fé, disse ao paralítico: “Filho teus
pecados estão perdoados” (2,5);
- A fé da hemorroíssa, fazendo-a superar todos os obstáculos – “Filha, tua fé te
salvou” (5,34);
- Com Jairo, quando a filha acabara de morrer – “Não tenhas medo, apenas crê”
(5,36);
- A fé faz Bartimeu enxergar novamente – “Vai, tua fé te salvou” (10,52).
O tema aparece também fora das passagens de cura: Em verdade vos digo, se alguém
disser a esta montanha: ergue-te e lança-te ao mar, e não duvidar no coração, mas crer que o
que diz se realiza, assim lhe acontecerá (11,23-24).
Embasado no que foi exposto, observa-se a importância de ter confiança na missão de
Jesus e em seu poder para livrar os males. A passagem em estudo, como tamm as demais
narrativas de milagres, visam a confirmar uma fé pré-existente. Por outro lado, Jesus não
somente procura libertar as pessoas de aflições físicas, como transformá-las em homens e
129
Rinaldo FABRIS. O Evangelho de Marcos, p. 476.
68
mulheres testemunhas da obra salvífica dele.
As curas são sinais da presença amorosa e atuante de Deus na vida do ser humano.
Revelam o agir de Deus nos acontecimentos da natureza e no dia-a-dia. Mas não se trata
apenas de ação unilateral de Deus. Tudo isto é fruto da fé. Acreditar, por um lado, é ter a
capacidade de despertar dentro de si e em outrem o agir divino, ou seja, a força
transformadora de Deus. É um poder que está além do ser humano e que é capaz de realizar o
impossível. A fé é um elemento indispensável para ação de Jesus. O proceder divino não
produz magia. Deus opera em quem deixa que sua ação o transforme. Jairo é exemplo disto,
bem como a mulher hemorroíssa.
Através da narrativa nada se conhece acerca da reação de Jairo. Sabe-se apenas que
continuaram indo para casa de Jairo, o que faz pressupor que Jairo depositou toda a sua fé e
confiança na pessoa de Jesus.
3.3 Dor dilacerante: confirmação da morte
A ida de Jesus à casa de Jairo mostra no versículo 37, que Jesus escolheu os
acompanhantes. São os que pertencem ao círculo mais intimo: Pedro, Tiago e João, o irmão
de Tiago. A multidão e os demais discípulos que estavam com Jesus ficaram para trás (cf. Mc
5,24.31).
A escolha se dá ao redor dos primeiros homens da lista dos doze (Mc 1,16-21), aos
quais Jesus deu cognomes (Mc 3,16-19). A estes discípulos é permito permanecer com Jesus
na transfiguração (9,2), no Getsêmani (14,33) e no monte das Oliveiras (com a presença
também de André) (13,3). “Os três primeiros discípulos chamados por Jesus, que serão mais
69
tarde ‘as colunas’ da nascente comunidade cristã (Gl 2,9)...”
130
. Para Fabris
131
, Marcos intui a
dimensão pascal, ou seja, os que estão presentes no momento da realização do milagre
(antecipação da vitória sobre a morte) serão os mesmos que seguirão Jesus na revelação
pascal sobre a montanha e no combate contra a morte no jardim das Oliveiras.
O evangelista Marcos frisa que só os que foram escolhidos desde o momento da
notícia da morte da menina podem acompanhar Jesus (sunakolouqh/sai) até a casa de Jairo, ao
passo que Lucas faz menção da escolha somente quando chegam à casa de Jairo: e não deixou
que entrassem consigo senão Pedro, João e Tiago, assim como o pai e a mãe da menina
(8,51). Supõe-se, desta feita, que a multidão acompanhou Jesus até a casa de Jairo. Mateus
ignora totalmente a menção aos três discípulos.
Ao chegar à casa de Jairo, Jesus se depara com uma situação de tumulto (qo,rubon),
gente chorando (klai,ontaj), pranteando muito (avlala,zontaj polla). Mateus (9,23) e Lucas
(8,52) divergem ao descrever a cena na casa de Jairo. Em Mateus estão presentes os flautistas
e a multidão em alvoroço (tou.j auvlhta.j kai. to.n o;clon qorubou,menon). Para Lucas, as pessoas
choravam e batiam no peito (e;klaion de. pa,ntej kai. evko,ptonto auvth,n).
Prantear e chorar são elementos que caracterizam um velório. Para Champlin
132
, as
pessoas que choravam e pranteavam na casa de Jairo são lamentadores profissionais, mais
comumente mulheres, as carpideiras. Para Schmid
133
, trata-se dos vizinhos que vão participar
dos sentimentos da família, segundo os costumes daquela época (cf Jo 11,19). Pohl afirma que
“o lamento pelos mortos em Israel fazia parte das obrigações mais sagradas, pois todo israelita
devia ser extremamente honrado pelo menos duas vezes na vida, no dia do seu casamento e no
seu enterro”
134
.
130
Fritzleo LENTZEN-DEIS. Comentário ao Evangelho de Marcos, p. 202.
131
Cf. Rinaldo FABRIS. O Evangelho de Marcos, p. 476.
132
Russel Norman CHAMPLIN. O Novo Testamento, p. 701.
133
Cf. Josef SCHMID. El Evangelio según San Marcos, p. 166.
134
Adolf POH. O Evangelho de Marcos, p. 190.
70
Nelis
135
também constata que na cultura judaica faz-se uma lamentação pelos mortos,
quando, depois da morte de uma pessoa, seus parentes, amigos e conhecidos, às vezes todo o
povo, por exemplo em 1Sm 25,1; 28,3, 1Mc 2,70; 9,20; 12,52; Jr 22,18; 1Rs 13,30,
manifestam a tristeza. Por outro lado, existia igualmente o costume de pagar pessoas,
geralmente mulheres (2Sm 1,24; Jr 9,16.19; Ez 32,16), para chorar o falecido (as carpideiras).
Os lamentadores permaneciam sentados no chão, vestidos com um saco e cinza ou roupa
rasgada, em sinal de luto. Também mantinham o peito desnudo e arrancavam os cabelos.
Havia também cantores e cantoras, acompanhados por flautas, elogiando as virtudes do
falecido, lamentando o destino dele e chorando pelos familiares.
Haarbeck
136
percebe evidências quanto aos costumes judaicos de luto nos tempos de
Jesus. Traz como exemplos a parábola de Jesus acerca das crianças que lamentavam os
mortos (Mt 11,17), o episódio da morte da filha de Jairo (Mc 5,38), a morte de Lázaro que
reuniu em Betânia muitos judeus para consolar suas irmãs, Marta a Maria (Jo 11, 19.31) e as
mulheres enlutadas que seguiam Jesus no caminho do calvário (Lc 23,27).
O termo qo,ruboj (tumulto, confusão) Marcos volta a utilizar somente no relato da
paixão, quando se refere ao plano dos sumos sacerdotes e escribas de prender Jesus no
período da festa da Páscoa. Segundo o evangelista, tal procedimento poderá provocar tumulto.
O verbo avlala,zw (gritar fortemente, prantear) aparece nesta citação, e em 1Co 13,1
com o sentido do címbalo que ressoa, que retine. O termo avlala,zw não pertence ao ambiente
grego. Trata-se de fins próprios de uma cultura estrangeira e passada. O termo expressa
estranhas ou extravagantes expressões, que podem ser de glória, aplauso ou de dor, que levam
o ser humano a um estado fora de si. Isto pode acontecer através de um assalto, um grito de
guerra, como também por meio de sacrifício, hinos ou de uma lamentação
137
. No texto em
135
Cf. J. NELIS. Lamentação dos Mortos, coluna, 1019.
136
Cf. Schwelm Hermann HAARBECK. ko`ptw, p. 1143-1144.
137
Cf. Gerhard KITTEL. Grande lessico del nuovo testamento, p. 612-613.
71
estudo, o termo (avlala,zw) possui o significado de uma lamentação, porém não se especifica
se os avlala,zontej são homens ou mulheres.
Jesus reage em face do tumulto, do choro e dos gritos. Anuncia: A criança não
morreu, mas dorme (to. paidi,on ouvk avpe,qanen avlla. kaqeu,dei). Marcos utiliza o verbo
avpe,qanen, do verbo avpoqnh,|skw, para indicar que a criança não havia morrido, e o verbo
kaqeu,dei, do verbo kaqeu,dw, afirmando que ela apenas está dormindo. Para Jesus, a morte não
é o fim, mas algo semelhante à passagem do sono. Quem dorme há de levantar-se (cf. Jo
5,28).
A seguir deparam-se alguns posicionamentos em relação a esta expressão: A criança
não morreu, mas dorme. Segundo a análise de Taylor
138
, o significado de kaqeu,dei constitui
um problema de difícil solução. Pois, explica o exegeta, este verbo pode significar o sono de
morte, e é neste sentido usado pelos LXX (Sl 87,6; Dn 12,2), porém, por outro lado, devido à
expressão ouvk avpe,qanen, exclui este significado de morte, tornando possível que kaqeu,dei se
refira ao sono natural. Ainda à luz da reflexão de Taylor, o texto em estudo abre um
questionamento: estamos realmente frente a um milagre de ressurreição ou apenas se trata de
um despertar de um sono natural? Na análise de Soares Armando e Correia Júnior, “o sono é
imagem tradicional para designar a morte (cf. Dn 12,2; Jo 11,11-12; 1Cor 11,30;
15,6.18.20.51; 1Ts 4,13.14.15; 2Pd 3,4)”
139
.
Para Lentzen-Deis
140
, as palavras de Jesus explicam a morte da menina. Da mesma
forma o referido termo será empregado para denominar a morte dos cristãos, entendida como
passagem anterior à ressurreição (1Tm 4,13-14; 5,10; cf. Jô 11,11-27). Pois este milagre
acontece antes da ressurreição de Jesus, de modo que a menina volta à vida terrena. As
palavras de Jesus (v.39) explicam então a morte a partir de sua presença salvífica e expressam
138
Cf. Vincent TAYLOR. Evangelio según San Marcos, p. 341-342.
139
Sebastião Armando Gameleira SOARES; João Luiz CORREIA JÚNIOR. Evangelho de Marcos, p. 234.
140
Cf. Fritzleo LENTZEN-DEIS. Comentário ao Evangelho de Marcos, p. 203.
72
sua autoridade e poder para vencê-la. Essa autoridade revela o poder de Deus (cf. 12,27).
Para Champlin
141
, o que “Jesus quis dizer é que a morte, para ele, é um sono, quando
aos seus efeitos permanentes, e todos logo veriam essa demonstração”. Para Jesus, a morte é
como o sono, do qual os seres humanos serão despertados.
Schenke
142
levanta um questionamento. Se a menina estava morta ou se estava numa
morte aparente em coma. E mesmo depois que a menina fora acordada, ainda permanece a
dúvida: se a menina realmente estava morta ou se Jesus encontrou ainda uma faísca de vida.
Ao analisarmos as demais citações em que Marcos utiliza o verbo kaqeu,dw, o seu
significado sempre possui uma conotação de sono natural, como nas seguintes passagens:
- Na descrição da parábola da semente ele dorme e acorda, de noite e de dia, mas a
semente cresce, sem que saiba como (4.27);
- No relato da tempestade acalmada Ele estava na popa, dormindo sobre o travesseiro
(4,38);
- No ensinamento sobre a vigilância para que, vindo de repente, não vos encontre
dormindo (13,36);
- No episódio da paixão de Jesus na vigília no horto. Os discípulos dormem em vez de
orar e fazer vigília (14,37.40.41).
Mateus e Lucas possuem a mesma expressão: não morreu, mas dorme (Mt 9,24 e Lc
8,52).
As pessoas que se encontram na casa de Jairo não crêem na força misteriosa de Jesus,
capaz de reverter o que parecia irreversível. Diante da afirmação de que a criança não morreu
mas dorme, as pessoas expressam a incredulidade através do riso: E riam dele (kai. katege,lwn
auvtou) (5,40a). A afirmação e riam dele é comum nos sinóticos.
Muitas histórias do Evangelho indicam que Jesus se deparou com descrença, rejeição e
141
Russel Norman CHAMPLIN. O Novo Testamento, p. 701.
142
Ludger SCHENKE. Das Markusevangelium, p.151.
73
hostilidade, por parte de vários públicos. Contudo, é surpreendente observar que em Mc 5,40,
momentos antes de se preparar para ressuscitar a menina, Jesus se torna objeto de zombaria
(katege,lwn) por parte dos presentes. Em nenhum outro ponto dos Evangelhos esse verbo é
aplicado a Jesus em nenhuma outra história de milagres. Mesmo onde Jesus encontra a
descrença, ele não é destinatário direto de riso zombeteiro.
Assim, a falta de fé em Jesus, ou seja, a incredulidade daqueles que se encontravam na
casa de Jairo, privou-os de participar do “episódio-ápice, a ressurreição da menina”
143
.
3.4 Ato extraordinário: reanimação por meio do gesto e da palavra
Jesus pratica uma ação que não lhe é comum. O versículo 40b vem sendo construído
por um outro elemento bastante incomum e surpreendente, logo após o riso zombeteiro: a
expulsão do público inoportuno que se encontrava na casa de Jairo. No Evangelho de Marcos,
o próprio Jesus expulsa todos (auvto.j de. evkbalw.n pa,ntaj). Mateus encara diferentemente a
afirmação marcana, alterando a frase para a voz passiva: assim que a multidão foi removida
para fora (de. evxeblh,qh o` o;cloj) (9,25). Lucas simplesmente omite toda a cena da expulsão
dos que estavam lamentando a morte da menina. Não há algo parecido ou referência no Novo
Testamento, em relato de história de milagre, ao elemento da zombaria e à reação enérgica
(física) de Jesus. Com a entrada de Jesus na casa, esta “não pode continuar enlutada”
144
, pois,
Jesus traz vida e esperança.
A personagem central desta narrativa é uma menina. São diversas denominações com
que se designa sucessivamente a filha de Jairo. Em 5,23 ela é chamada filhinha (quga,trion);
em 5,35, filha (quga,thr); em 5,39.40.41, criança (paidi,on); em 5.41.42, menina (kora,sion -
143
José BORTOLINI. O Evangelho de Marcos, p. 111
144
Adolf POHL. O Evangelho de Marcos, p. 193.
74
tradução do aramaico taliqa).
Mateus e Camacho
145
analisam as várias denominações da filha de Jairo. Filhinha (nos
lábios de Jairo) denota vinculação e dependência, pouca idade e ternura (diminutivo); filha
(na boca dos mensageiros), vinculação e dependência; o apelativo criança (nos lábios de
Jesus) suprime a vinculação, expressando a pouca idade; menina (nos lábios de Jesus e do
narrador), adolescente ou jovem, capaz, portanto, de vida adulta e sem a tutela do pai
(desvinculação).
O exame elaborado por Cavalcanti
146
a respeito do emprego das denominações conclui
que pelo fato de Jairo usar o termo filhinha, ele considera a filha muito pequena. Talvez lhe
custe aceitar que ela tenha crescido e se transformado em uma mulher. Ao contrário, Jesus se
reporta à menina como criança, mas ao vê-la, chama-a de moça. Ao usar o termo moça, Jesus
a liberta da tentação de permanecer sempre criança, como queria talvez seu pai. Chama-a para
assumir-se como mulher, a caminho da vida adulta. Desta maneira, Jesus está assinalando a
Jairo a necessidade de aceitar a filha não mais como uma criancinha, porém como uma
mulher que pode andar com suas próprias pernas.
O texto deixa claro que Jesus não entra sozinho no quarto da menina morta. Leva
consigo o pai e a mãe da menina (além de Pedro, Tiago e João). Dentro de um paralelismo
com o Antigo Testamento, no qual Elias e Eliseu permaneciam a sós e oravam quando
traziam jovens mortos de volta à vida (1Rs 17,19.23; 2Rs 4,33.36-37), no Novo Testamento
vemos Jesus realizar o seu milagre na presença de testemunhas. O quadro de personagens que
se estabelecem neste momento são sete: Jesus, a menina, o pai, a mãe e os três discípulos. O
número sete é “o número do completo, da totalidade determinada ou definida”
147
. Evoca,
assim, uma ação em plenitude.
145
Cf. Juan MATEOS; Fernando CAMACHO. Evangelho, figura & símbolos, p. 174.
146
Cf. Tereza CAVALCANTI. Tecendo novas relações humanas, p. 19.
147
Juan MATEOS; Fernando CAMACHO. Evangelho, figura & símbolos, p. 75.
75
Os que acompanham Jesus serão as testemunhas do evento. Para Soares e Correia
Júnior
148
, o texto insiste que a ressurreição só acontece no segredo, na intimidade. Sendo que
a circunstância do segredo e da intimidade também surge em narrativas pagãs de ressurreição;
é a atmosfera do mistério em redor da doença, da possessão, da morte. Pois só os pais da
criança são admitidos, justamente com os três discípulos que estão com ele. Sendo que
unicamente estes são aceitos, enquanto os outros são expulsos.
Para os autores acima mencionados, há um contraste evidente entre o alvoroço e a
publicidade que rodeiam a morte da menina e a intimidade que cerca a ressurreição dela.
Presenciaram a ação de Jesus apenas uns poucos; os que são introduzidos até ao espaço onde
a menina repousava. Assim, no final do Evangelho, diz-se que chegam a perceber a
ressurreição os que entraram no sepulcro (16,5), isto é, os que são capazes de penetrar o
significado da morte de Jesus
149
. Podemos concluir que nesta intimidada a vida é regenerada e
ocorre um novo nascimento.
A narrativa menciona o contato físico de Jesus com o corpo abatido da menina: toma-
lhe a mão (5,41). O que vem a ser expresso pelo verbo krath,saj, do verbo krate,w. Os gestos,
as expressões corporais de uma pessoa revelam muito das suas emoções. Tocar o doente era
uma atitude comum de Jesus. Os seus toques chamam atenção pela naturalidade informal. A
variação dos aludidos toques é extensa na descrição de Marcos:
- Segurar, pegar pela mão (1,31; 5,41; 9,27);
- Impor as mãos para curar ou abençoar (6,5; 10,16);
- Tocar para curar (1,41);
- Tocar ou pôr as mãos de forma individualizada: pôr os dedos nos ouvidos e tocar a
língua com saliva (7,33); cuspir nos olhos e impor as mãos sobre os olhos (8,23-25); abraçar
(9,36; 10,16).
148
Cf. Sebastião Armando Gameleira SOARES e João Luiz CORREIA JÚNIOR. Evangelho de Marcos, p. 235.
149
Cf. Sebastião Armando Gameleira SOARES e João Luiz CORREIA JÚNIOR. Evangelho de Marcos, p. 236.
76
Esta variedade de exemplos nos mostra uma riqueza excepcional de Jesus como
pessoa humana, ou seja, a força extraordinária de vida que se exprimia em Jesus, passada e
espalhada através de seus toques e por intermédio de seus contatos humanos. Isto é resultado
de seu profundo amor pela vida, pela missão e pelas pessoas.
Jesus toca com a mão a pessoa doente ou afetada por algum outro mal para estabelecer
um contato físico que manifesta o envolvimento ou a intenção terapêutica. As palavras que
acompanham este gesto revelam de maneira clara o empenho de Jesus, como, por exemplo os
episódios do leproso (Mc 1,41) e da sogra de Pedro, em que se diz expressamente que Jesus se
aproximou da mulher e a tomou pela mão, fazendo-a levantar (Mc 1,31). O mesmo gesto é
repetido na ressurreição da filha de Jairo
150
.
Podemos concluir que tocar em Jesus ou ser tocado por ele é um meio de transmissão
do dinamismo restaurador: a potência do espírito de vida comunicando-se mediante o
intercâmbio material de corpos.
Somado ao gesto de pegar a menina na mão, Jesus pronuncia uma ordem: Talita Kum!
(taliqa koum). Taylor
151
entende que aj'ylij' possui o significado de “moça”, “jovem”,
acompanhado pelo verbo ~Wq, na forma de um imperativo masculino, dando o sentido de
“levanta-te” (expressa uma ordem).
A expressão Talita Kum não é mágica e incompreensível. Desta feita, tornar-se-ia
impossível a sua tradução. Outrossim não se trata de prática de mágica; ao contrário, é uma
ação divina superior, pertencente a uma nova criação
152
. O fato de a expressão taliqa koum
estar em aramaico torna-a ininteligível para os ouvintes helenistas. Por isso, faz-se necessária
a sua tradução: Menina, digo-te, levanta-te (to. kora,sion( soi. le,gw( e;geire). Somente em
Marcos há a preservação do texto aramaico. Os demais sinóticos omitem.
150
Rinaldo FABRIS. Os Milagres de Jesus, os seus ritos de cura e a pregação do Reino de Deus, p. 91.
151
Vincent TAYLOR. Evangelio según San Marcos, p. 342.
152
Ludger Schenke. Das Markusevangelium, p. 152.
77
Para Soares e Correia Júnior, “a expressão aramaica posta na boca de Jesus, ou é
memória de sua própria palavra, ou, ao menos, revela que esta narração tem sua origem no
ambiente da comunidade cristã judaica”
153
. Observemos que no Evangelho de Marcos
ocorrem outros exemplos de termos em aramaico: Boanerges (3,17); Corban (7,11) Effatha
(7,34); 11,9s; Abba (14,36); Gólgata (15,22); Eloi, Eloi, lemá sabachtháni (15,34)
154
.
O verbo conjugado por Jesus, ordenando que a menina se levante, é e;geire, do verbo
evgei,rw (despertar, erguer, erigir). O verbo ocorre cento e quarenta e três vezes no Novo
Testamento, entre as quais dezenove vezes em Marcos
155
. A maioria das vezes em que o
termo é empregado por Marcos é no sentido de levantar-se (1,31; 2,9.11.12; 3,3; 9,27; 10,49;
13,8.22;14,42) e na acepção de acordar, ao comparar o reino que cresce escondidamente
como uma semente; quer se esteja acordado ou dormindo, a semente germina (4,27). Outro
exemplo é o episódio da tempestade acalmada, na qual Jesus fora acordado pelos discípulos
(4,38).
No sentido de ressuscitar, Marcos faz uso do termo no versículo em estudo (5,41), ao
falar sobre a morte de João Batista (6,14); ao discorrer sobre a ressurreição dos mortos
(12,26); como também sobre a ressurreição de Jesus (14,28 e 16,6.14).
3.5 Orientação conclusiva: “Dê de comer a ela”
O versículo 42 inicia com uma resposta ao mandado de Jesus (Menina, digo-te,
levanta-te.) A ressuscitada põe em prática imediatamente a palavra de Jesus. Como se verifica
nas narrações de milagre, o efeito é pleno e imediato: Imediatamente, a moça se levantou e
caminhava (5,42). A atividade física da menina sem dúvida implica a prova de haver sido
153
Sebastião Armando Gameleira SOARES e João Luiz CORREIA JÚNIOR. Evangelho de Marcos, p. 236.
154
Cf. Joseph AUNEAU. Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos, p. 78.
155
Robert MORGENTHALER. Statistik des Neutestamentlichen Wortschatzes, p. 91.
78
ressuscitada.
O evangelista ou o redator do Evangelho utilizou o verbo avne,sth, do verbo avni,sthmi,
para descrever a ação da menina: A moça se levantou e caminhava (avne,sth to. kora,sion kai.
periepa,tei). O termo avni,sthmi no Novo Testamento ocorre em vários sentidos. Este termo
aparece cento e sete vezes no Novo Testamento, das quais 17 em Marcos
156
.
O Novo Testamento emprega dois grupos de palavras quando trata da ressurreição; um
ligado a avni,sthmi e o outro a evgei,rw. Não são substancialmente diferentes quanto ao
significado. A eleição de um ou de outro depende primeiramente de constatar se o aspecto
ressaltado é ativo ou passivo.
Segundo Coenen
157
, o termo avni,sthmi, no grego secular, quase nunca é empregado
para expressar a ressurreição dos mortos à vida, mas no Novo Testamento, este é o seu
significado teologicamente mais rico. Quando assim acontece, a raiz fica sendo virtualmente
sinônima de evgei,rw. Segundo o citado autor, o estudo revela que evgei,rw, especialmente no
passivo, é empregado de modo predominante para os acontecimentos da Páscoa: o crucificado
despertou para a vida. Ao passo que avni,sthmi se refere mais especialmente à chamada de
volta à vida de pessoas durante o ministério terrestre de Jesus, bem como à ressurreição
escatológica e universal. Para o autor, a regra geral no Novo Testamento é que a ação de Deus
em e através de Cristo é expressa por evgei,rw, ao passo que avni,sthmi exprime, por assim dizer,
aquilo que acontece no âmbito da experiência humana.
O que se conclui a partir desta reflexão teológica é que o verbo evgei,rw, utilizado para
dar a ordem à menina, corresponde a um ato de ressuscitar. Já na continuidade da narrativa,
quando a menina se levantou e se pôs a caminhar, passou-se para o verbo avni,sthmi,
expressando o levantar-se no dia-a-dia.
Outro aspecto a ser considerado é a menção da idade da menina: pois tinha 12 anos
156
Robert MORGENTHALER. Statistik des Neutestamentlichen Wortschatzes, p. 74.
157
Cf. Lothar COENEN. avna,stasij, p. 2072-2073.
79
(h=n ga.r evtw/n dw,deka). A indicação de sua idade (12 anos) revela tratar-se realmente de uma
menina, pois “até os 12 anos e meio uma moça era inábil para contrair matrimônio”
158
.
A idade da menina torna-se um detalhe significativo no texto, ao se estabelecer um
vínculo entre ela e a mulher hemorroíssa (5,25-34), perícope do capítulo dois. As duas
personagens têm em comum o tempo de doze anos. A mulher está com fluxo de sangue há
doze anos (5,25) e a menina tinha 12 anos de idade (5,42).
Doze anos é a idade da menina. Nesse momento a morte chega. Há doze anos a mulher
carrega a enfermidade que a exclui de tudo, também da fecundidade do útero, dado
importante para a sua cultura. “A jovem, morta aos doze anos; a adulta, morta há doze anos,
uma, morta na cama; a outra, morta-viva ambulante. A morte da menina seria a ‘coroa’
daquela que estava morrendo há doze anos”
159
.
Segundo Cavalcanti
160
, que interpreta os doze anos da menina, esta é a época de iniciar
a vida fértil como mulher, com a chegada da primeira menstruação. Por sua vez, a
hemorroíssa, com doze anos de hemorragia, tinha sua fertilidade comprometida pela
freqüência desordenada das regras. As duas se encontram ameaçadas em sua vida sexual, em
sua capacidade de unir-se a um homem e manter relações sexuais sadias. Ambas corriam o
risco de jamais engravidarem. E dentro da cultura israelita, a esterilidade era interpretada
como um castigo, uma maldição (cf. Rt 2,21).
Para Soares e Correia Júnior
161
, o problema abordado é tipicamente feminino: o
derramamento de sangue. A mulher perdeu sua integridade por excesso de sangue; a menina
está impedida de tornar-se mulher. O encontro corporal com Jesus e a intimidade do diálogo
são restauradores; reencontram a cidadania. O número doze associa a mulher aos doze novos
patriarcas das doze tribos: os pais e as mães do povo. Doze é o número tradicional da
158
Joachim GNILKA. El evangelio según San Marcos, p. 252.
159
José BORTOLINI. O Evangelho de Marcos, p. 109.
160
Tereza CAVALCANTI. Tecendo novas relações humanas, p. 20.
161
Cf. Sebastião Armando Gameleira SOARES e João Luiz CORREIA JÚNIOR. Evangelho de Marcos, p. 237.
80
cidadania de Israel.
As duas personagens encontram-se dentro de uma estrutura de exclusão. E a única
possibilidade de sair de sua situação está em emancipar-se da lei marginalizadora e abraçar a
alternativa que Jesus oferece.
O versículo 42b prossegue com a reação das pessoas presentes: E (logo) eles ficaram
espantados com grande espanto (kai. evxe,sthsan Îeuvqu.jÐ evksta,sei mega,lh|). Temos aqui um
detalhe textual, pois euvqu.j está entre colchetes
162
. Conforme Champlin, “é difícil decidir se
euvqu.j foi inserido por copista, em imitação ao euvqu.j na sentença anterior, ou se ela foi
apagada como impróprio e supérfluo. A comissão, finalmente, tomou a decisão com base na
excelência geral do texto alexandrino, mas reputou ser mister o uso de colchetes, a fim de
indicar a incerteza quanto à forma”
163
.
No texto aparece o verbo evxe,sthsan, do verbo evxi,sthmi (estar maravilhado, espantado,
estar fora dos sentidos), seguido por um substantivo e;kstasij, no dativo evksta,sei (espanto,
terror, transe, êxtase). Taylor refere que aqui há uma construção de um período num estilo do
septuagintismo, na qual ocorre um verbo pessoal com dativo representando a construção
hebréia de infinitivo absoluto seguido de um verbo em forma pessoal. O autor ainda observa
que se pode concluir que Marcos utilizou uma fonte palestina
164
.
O verbo evxi,sthmi aparece no Evangelho de Marcos ao serem descritas as reações das
pessoas diante dos atos maravilhosos de Jesus (2,12; 6,51). Ou seja, as pessoas são trazidas
para fora da sua rotina e cosmovisão normal, mediante o impacto de um poder ou experiência
de fora. O termo também é usado na declaração dos parentes de Jesus a respeito dele. Este
atributo pode ser entendido no “sentido específico de êxtase (Mc, 3:21), o que significaria que
Ele estava sendo considerado extático”
165
.
162
A Bíblia The Greek New Testament, 4 ed., não traz nenhuma informação em seu aparato crítico.
163
Russel Norman CHAMPLIN. O Novo Testamento, p. 702.
164
Vincent TAYLOR. Evangelio según San Marcos, p. 343.
165
Wilhelm MUNDLE. e;kstasij , p. 784.
81
O termo e;kstasij, que foi utilizado para descrever a admiração dos observadores
diante do restabelecimento da menina, só aparece de novo uma vez em Marcos: quando as
mulheres souberam que também Jesus ressuscitou dos mortos (16,8)
166
.
O que seria normal era esperar que a história de milagre terminasse aqui com a reação
dos assistentes, como ocorre com muitas histórias de milagres em Marcos (por ex.: 1,27-28;
2,12; 3,6; 4,41; 5,17.20; 6,51-52; 7,37). Porém, a narrativa não termina no v.42. O versículo
43 prossegue enunciando a guarda em segredo do acontecido: e lhes ordenou muito para que
ninguém soubesse isto (kai. diestei,lato auvtoi/j polla. i[na mhdei.j gnoi/ tou/to). Lucas
reproduz o que é fundamental do mandado expresso em Marcos. Mateus, por sua vez, omite
por completo este enunciado. Em Marcos, “a ordem que ninguém ficasse sabendo,
incongruente no plano histórico, mostra o sentido teológico da perícope”
167
O segredo messiânico de Jesus é uma característica do Evangelho de Marcos. Ao
olharmos para o Evangelho de Marcos, sobretudo na primeira parte, que corresponde ao
versículo 1,1-8,26, constatamos umas estranhas ordens de silêncio, seguindo cada uma a
prática poderosa e libertadora de Jesus e a menção dos seus títulos. Eis a lista destas ordens:
1. A cura de um endemoniado. “Sei quem tu és: o Santo de Deus”, grita o espírito
impuro. Mas Jesus o conjurou severamente: “cala-te e sai dele” (1,24-25).
2. Em Cafarnaum, Jesus curou muitos doentes de diversas enfermidades e expulsou
muitos demônios. Não consentia, porém, que os demônios falassem, pois eles sabiam quem
era ele (1,33-34).
3. A cura de um leproso. Advertindo-o severamente, despediu-o logo, dizendo-lhe:
Não digas nada a ninguém; mas vai mostrar-te ao sacerdote e oferece por tua purificação o
que Moisés prescreveu, para que lhes sirva de prova” (1,42-44).
4. Os espíritos impuros, caíam aos pés de Jesus e gritavam: “Tu és o Filho de Deus!”
166
Cf. Ched MYERS. O Evangelho de São Marcos, p. 251.
167
Juan MATEOS; Fernando CAMACHO. Marcos, p.149.
82
E ele os conjurava severamente para que não o tornassem manifesto (3,11-12);
5. A ressurreição da filha de Jairo: E eles ficaram espantados com grande espanto. E
lhes ordenou muito para que ninguém soubesse isto (5,41-43).
6. A cura de um surdo-mudo. Depois que os ouvidos se abriram e a língua se
desprendeu, e falava corretamente. Jesus os proibiu de contar o que acontecera (7,35-36).
Lançando um olhar sobre esta lista, podemos perceber o silêncio imposto por Jesus,
não permitindo que as pessoas mencionem títulos a seu respeito. Primeiramente, Jesus desfaz
um equívoco, um engano: a pretensão de transformá-lo num Messias poderoso e triunfante. O
Evangelho de Marcos adverte contra esta concepção triunfalista através da insistência do
segredo messiânico.
A orientação do silêncio retorna a partir de 8,27, com a confissão messiânica de Pedro:
Tu és o Cristo, Jesus proibiu-os severamente de falar a alguém a seu respeito. A partir deste
episódio, que abre a segunda parte do Evangelho, Jesus começa a falar abertamente da sua
missão e do seu destino. Ele insiste no messianismo do servo sofredor de Iahweh, anunciado
pelo profeta Isaías (Is 53,1-13). Sua missão consiste em passar pela paixão, morte e
ressurreição (Mc 9,2-13; 9,31-35; 10,32-45).
Abrindo um parêntese para olharmos para as comunidades marcanas, constata-se que
também elas vivem dentro de uma expectativa messiânica. Elas olhavam para o céu,
esperando e pedindo que Jesus interviesse logo no mundo para estabelecer seu reino glorioso
e definitivo. O Evangelho de Marcos insiste que para alguém ser seguidor de Jesus Cristo é
necessário sofrer com ele. A necessidade de carregar a cruz (8,34-35). É somente a partir da
cruz que a comunidade pode entender e dizer que verdadeiramente este homem era o filho de
Deus (15,39)
168
. O Evangelho de Marcos trabalha com uma mensagem teológica do segredo
messiânico: uma catequese para corrigir a ideologia messiânica triunfalista.
168
CONFERÊNCIA DOS RELIGIOSOS DO BRASIL. Seguir Jesus, p. 117.
83
O texto ainda possui uma sentença final de Jesus: “Dê de comer a ela” (doqh/nai auvth/|
fagei/n). Segundo Meier, esta segunda ordem significa a confirmação da realidade de a
menina ter sido restaurada da vida corpórea, pois fantasmas não comem alimentos
169
.
O ato de se alimentar com comida normal pode ter por objetivo demonstrar que
aquela é a mesma menina que há pouco estava morta e que voltou à sua anterior vida
humana. Daí a dupla confirmação: andar e comer. Por outro lado, “comer é gesto típico da
vida, prova de que se está entre os vivos (cf.Lc 24,36-43)”
170
.
Para Colavecchio, “enquanto todos estão imobilizados pelo espanto, Jesus manda que
dêem de comer à menina, que agora é uma pré-adolescente normal, faminta depois de dias
sem comer”
171
. Segundo Schnackenburg
172
, a ordem de Jesus para que dessem de comer à
menina sugere que ela ficou saudável e que permanecerá assim.
O retorno à vida normal é insinuado de várias maneiras em cada história de
ressurreição. A filha de Jairo reage ao fato de voltar à vida, andando pelo quarto e Jesus,
então, manda os pais darem de comer à menina (Mc 5,42-43). O filho da viúva de Naim se
senta e começa a falar, e Jesus o devolve à mãe (Lc 7,15). Lázaro sai da tumba ainda
enfaixado com a mortalha e com o pano de rosto (Jo 11,44). Nesses três casos, portanto,
ressuscitar significa ser trazido de volta à velha vida que havia deixado como conseqüência da
morte.
A ressurreição da filha de Jairo, como também as demais narrativas de ressurreição de
pessoas no Evangelho de Marcos, no teor do conteúdo, são bem diferentes do modo como é
apresentada a ressurreição de Jesus no Novo Testamento. A ressurreição de Jesus não é
concebida em função do retorno à vida terrena. Ou seja, Jesus não retorna à sua anterior vida
mortal, mas passa através e além da morte para a plenitude da vida eterna na presença de
169
Cf. John P. MEIER. Um judeu marginal, p. 319.
170
Sebastião Armando Gameleira SOARES e João Luiz CORREIA JÚNIOR. Evangelho de Marcos, p. 236.
171
Ronaldo L. COLAVECCHIO. O caminho do Filho de Deus, p. 79.
172
Rudolf SCHNACKENBURG. Das Evangelium Nach Markus, p.137.
84
Deus. Outra diferença de conteúdo é que, durante o mistério público, Jesus era o agente que
ressuscitava os mortos. Ao contrário, o Novo Testamento em geral atribui a ressurreição de
Jesus à ação de Deus Pai
173
.
Podemos concluir que este relato mostra o poder de Jesus vencendo a morte. É pleno
de significado no âmbito da releitura do Evangelho à luz da ressurreição de Jesus.
3.6 Conclusão
Os versículos analisados neste capítulo nos trazem uma surpreendente história de
ressurreição de uma menina com doze anos.
Em uma tentativa de buscar elementos para uma possível resposta à questão de saber
se a história de Jairo e de sua filha tem raízes na vida de Jesus, Meier
174
destaca alguns itens:
a) O fato de os milagres costumeiramente não mencionarem nomes próprios do
suplicante ou dos beneficiários de milagres (a não ser os discípulos). No episódio, Jairo, cujo
nome é citado de forma direta como suplicante de cura.
b) No primeiro século deram-se lutas da Igreja contra a sinagoga judaica, e é a
designação deste suplicante especialmente favorecido com “um chefe da sinagoga”. Faz
pensar que Marcos e sua fonte não viram dificuldade em apresentar um dirigente da sinagoga
como suplicante favorecido por um milagre.
c) O fenômeno lingüístico, em que Marcos apresenta a ordem de Jesus, preservando o
aramaico (
taliqa koum
) e fazendo uma tradução para o grego (
to. kora,sion
e;geire). Onde o
aramaico era a língua normalmente usada por Jesus quando se dirigia a seus contemporâneos
judeus, e, apenas poucos traços de suas palavras, em aramaico, foram preservadas nos
evangelhos.
173
Cf. John P. MEIER. Um judeu marginal, p. 315.
174
Cf. John P. MEIER. Um judeu marginal, p. 325-329.
85
d)
Taliqa koum
não á uma tentativa posterior de inserção para dar sentido de uma
realidade histórica, pois o emprego da forma verbal encontra-se tecnicamente incorreto no
aramaico. O verbo ~Wq para levante-se, é uma forma singular do imperativo masculino. O
imperativo singular feminino seria
ymiWq. Para isso, sugere-se que há sinais de uma linguagem
popular, na qual se usava a forma masculina pela feminina, ou então se deixava de pronunciar
o i final, átono, da forma feminina.
e) A expressão em aramaico (taliqa koum) aponta para um estágio primitivo dessa
história, quando a mesma circulava na Palestina, em aramaico.
f) Outro sinal de uma forma antiga da história de Jairo é a ausência de qualquer título
cristológico ou afirmação cristológica explícita. Esta escassez de títulos cristólogicos se
sobressai mais ainda quando se compara a história de Jairo a outras duas narrativas de
ressurreição. No caso do filho da viúva de Naim, Lucas apresenta uma típica aclamação, num
estilo de coral, na conclusão da história: Um grande profeta surgiu entre nós e Deus visitou o
seu povo (7,16). Na ressurreição de Lázaro, a confissão de Marta: eu creio que tu és o Cristo,
o Filho de Deus que vem ao mundo.
g) O elemento de constrangimento. Somente neste episódio Jesus é destinatário direto
de zombaria e também a reação enérgica de Jesus contra aqueles que o haviam zombado
(5,40).
Para o autor acima referido, estas observações por si sós não remontam a algum
evento da vida de Jesus. Porém, a convergência de todas as considerações em uma só história
de milagre faz com que a história de Jairo de fato reflita e derive de algum evento do mistério
público de Jesus. Sendo que não se trata de uma pura e simples invenção da Igreja primitiva,
mesmo que possa ter sido expandida e reinterpretada pela fé cristã.
Sendo ou não sendo uma prática do Jesus histórico, o seu conteúdo traz luz para a
nossa vida. Pois, o pivô desta narrativa baseia-se fundamentalmente na fé.
86
A fé de Jairo foi posta à prova. Ele é despojado, passo a passo, de todas as seguranças
e é convidado a confiar plenamente em Jesus. O próprio Jesus ajuda-o a superar essa prova. A
fé trouxe de volta a vida da filha. Somente os que acreditam na ação maravilhosa de Jesus, os
que se abandonam numa atitude de fé, um dia, experimentarão, na ressurreição do sono
eterno, o poder da vida de Jesus.
87
4. CAPÍTULO
CONTEXTUALIZAÇÃO E ATULIZAÇÃO DE Mc 5,21-43
Após uma análise do texto em seus múltiplos pontos, como delimitação da perícope,
crítica textual, gênero literário, estrutura, exame gramatical dos vocábulos, das personagens
que constituem a cena, espaço físico e geográfico envolvidos nas narrativas, torna-se
oportuno, por fim, contextualizar esta perícope.
Como os textos bíblicos envolvem uma época, cultura, situação religiosa e social de
um determinado período, faz-se necessária sua análise para obtermos um melhor resultado da
pesquisa, detectando o significado das perícopes para as comunidades que sofreram a
influência do Evangelho de Marcos. E, por outro lado, pretendemos avaliar as contribuições
para a vivencia cristã nos dias atuais.
Segundo os exegetas, o Evangelho de Marcos foi escrito no primeiro século. Myers
175
afirma que o texto pode ser datado entre os anos 66 e 70, antes da destruição de Jerusalém, e
ter sido escrito na Palestina setentrional, em ambiente rural
176
.
Olharemos com algumas pinceladas como a sociedade na Palestina estava configurada
sob os aspectos econômico, familiar, político, cultural e cultual.
175
Cf. Ched MYERS. O Evangelho de Marcos, p. 68.
176
A respeito do lugar onde o evangelho foi escrito, há divergência: Roma (segundo a convicção tradicional); ou
perto da Palestina, na Síria ou no norte da Transjordânia; ou ainda na Galiléia (devido à importância dada pelo
autor à geografia e, sobretudo, ao significado teológico da Galiléia, como terra helenizada, de cujo seio nasce o
movimento de Jesus, e da qual as portas se abrem para a evangelização do mundo greco-romano). Cf. Raymond
E. BROWN. Introdução ao Novo Testamento, p. 248-249.
88
a) Estrutura econômica. A economia da Palestina era preponderantemente agrária. Os
mais importantes fatores da produção eram, de acordo com isso, o solo e a mão-de-obra
humana (e animal); soma-se a estas riquezas do solo e, em especial na Galiléia, a abundância
de pescado
177
. Além do cultivo do solo, há também a pecuária: ovelhas, cordeiros e bovinos; a
indústria: pesca, construção, fiação e tecelagem, cerâmica e betume e o comércio: interno –
troca de produtos no interior da aldeia e cidades vizinhas e o comércio externo - importação
do cedro do Líbano, incenso, aromas, pedras preciosas, ouro da Arábia, seda, escarlate, bisso,
púrpura da Índia e Babilônia; o bronze e o mármore de Corinto e esculturas da Grécia. As
exportações consistem em alimentos, frutas, óleo, vinho, peixe e produtos industriais, como
peles, tecidos e betume
178
.
Se de um lado, vemos riquezas e farturas, de outro lado, há pobreza e dívida. Pois, a
Palestina de então vive uma situação complicada. O longo domínio romano empobrecera o
povo, principalmente os agricultores. Os agricultores carregam o fardo do colonialismo
romano que oprime através dos tributos, e também suportam o peso da aristocracia judaica
(reis e a hierarquia sacerdotal), conivente com os romanos e que se apossou do sistema
simbólico religioso, e tudo fazia para tirar proveito da situação, ora beneficiando-se da
benevolência dos senhores romanos, ora dos dízimos pagos pelo povo pobre, camponês. As
terras aos poucos vão parar nas mãos dos senhores e inclusive dos sacerdotes
179
.
b) Estrutura familiar. A família israelita é de tipo patriarcal. Tudo se compreende do
ponto de vista do pai. Ele goza de total autoridade sobre a casa. O marido é o senhor da
mulher. A condição da mulher consiste em sua inferioridade em relação ao homem em todas
as coisas. Ela não participa da vida pública. “Seu lugar era em casa, ocupando-se dos filhos e
da casa, fiando a lã, na Judéia, ou o linho, na Galiléia”
180
. Quando saía em público, mantinha
177
Cf. Ekkehard W. STEGEMANN; Wolfgang STEGEMANN. História social do protocristianismo, p.127.
178
Cf. Christiane SAULNIER; Bernard ROLLAND. A Palestina no tempo de Jesus, p. 28-36.
179
Cf. Bruno Godofredo Glaab. O Modelo Igreja Serviço, p. 46.
180
Christiane SAULNIER; Bernard ROLLAND. A Palestina no tempo de Jesus, p. 65.
89
a cabeça coberta com um véu, pois, “as mulheres, em público, deviam passar
despercebidas”
181
. No aspecto religioso, ela está sujeita a todas as proibições da lei, a todo
rigor da legislação civil e penal, e, mesmo, à pena de morte. Ela não era obrigada a conhecer a
lei. E no templo, havia um adro reservado para as mulheres. À mesa não pronunciava a
bênção e seu testemunho não era válido
182
.
No casamento, a mulher tornava-se posse do marido, mas não escrava. A idade
mínima legal para o casamento para o homem era de 13 anos, enquanto da menina entre 12
anos e 12 e meio, “é uma adolescente que o pai tem o dever absoluto de entregar a um noivo,
pois após essa data ela se torna plenamente maior e pode portanto livremente aceitar ou não
os projetos do pai”
183
. No casamento existia a possibilidade de poligamia, sendo que a mulher
devia aceitar que seu marido dividisse a afeição com outras mulheres, quer esposas, quer
concubinas, ou até mesmo escravas. A esterilidade (atribuída só a mulher) era considerada
como castigo divino. “A estima por uma mulher crescia com o número de filhos varões”
184
.
c) Estrutura social. A classificação social compreendia três grandes grupos: 1)
Famílias que constituíam o verdadeiro, o puro Israel. Este grupo é constituído pelas famílias
de origem legítima. 2) Famílias ilegítimas atingidas por uma mácula leve. Fazem parte deste
grupo os descendentes ilegítimos de sacerdotes (nascidos de uniões de sacerdotes com
mulheres sem as condições de pureza de origem ou com as quais era proibido casar); os
prosélitos (pagãos convertidos ao judaísmo e que aceitavam a circuncisão) e os escravos
pagãos libertos (são os escravos nascidos de pais pagãos, adquiridos por um judeu. Eram
circuncidados ao entrarem na casa de seu patrão. Com a libertação, traziam a mancha da
origem pagã, acrescentando a mácula da origem escrava). 3) Famílias atingidas por uma
mácula grave. Nesta categoria encontram-se os bastardos, os escravos do templo, os filhos de
181
Joaquim JEREMIAS. Jerusalém no tempo de Jesus, p. 474.
182
Cf. Émile MORIN. Jesus e as estruturas de seu tempo, p. 55-57.
183
Cf. Christiane SAULNIER; Bernard ROLLAND. A Palestina no tempo de Jesus, p. 28-36.
184
José Cárdenas PALLARES. Um pobre chamado Jesus, p. 65.
90
pais desconhecidos. Além destes três grupos, existia a população estrangeira: os escravos
pagãos, os samaritanos e os pagãos em geral
185
.
Do ponto de vista socioeconômico, pode-se dividir a população da Palestina em três
camadas: a classe rica e poderosa (príncipes e os membros da família real, altos dignitários da
corte, famílias da aristocracia sacerdotal e leiga, latifundiários, grandes comerciantes e
cobradores de impostos); a classe média (formada por pequenos comerciantes, artesãos
proprietários de oficinas, donos de hospedarias e o baixo clero); a classe pobre (constituída
pela imensa maioria da população, como os assalariados, tanto os operários como os
camponeses, pescadores, mendigos e escravos)
186
.
d) Estrutura política. A ordem pública estava assegurada internamente pelos romanos.
Mas deixavam iniciativas à polícia judaica do templo para questões ordinárias entre os judeus.
A ordem pública externa era encargo das legiões romanas.
Os romanos tinham o costume de respeitar a organização dos países ocupados. Assim,
os judeus dispunham de sua própria estrutura. O poder judaico originava-se no templo. Todo
o israelita dependia da jurisdição de Jerusalém. O sinédrio é a corte suprema de Israel. O
sinédrio constitui-se de “um conselho que assiste o sumo sacerdote, chefe supremo da nação
que é seu presidente. Compreende 71 membros: anciãos, os sumos-sacerdotes depostos,
sacerdotes saduceus e depois cada vez mais, escribas fariseus”
187
.
Os Judeus mantinham diversos partidos: o partido da classe dirigente (os saduceus) e
três partidos da oposição (os fariseus, os zelotas, os essênios).
e) Estrutura cultural e cultual. Para os judeus, o templo era o lugar que Deus escolhera
para morar com o povo. O sacrifício constituía o elemento essencial da religião. Mantinham
os sacrifícios públicos (em nome da nação, todo dia, pela manhã e pela tarde, um cordeiro era
185
Cf. Émile MORIN. Jesus e as estruturas de seu tempo, p. 75-83.
186
Cf. Juan MATEOS; Fernando CAMACHO. Jesus e a sociedade de seu tempo, p. 17.
187
Christiane SAULNIER; Bernard ROLLAND. A Palestina no tempo de Jesus, p. 55.
91
oferecido em holocausto - Ex 29,42) e os privados (correspondiam a diversos e variados
motivos: pedido individual, expiação, reparação e ação de graças).
As festas de Israel estavam diretamente ligadas ao templo. Pois, três delas eram de
peregrinação: Páscoa, Pentecostes e Tendas. Outras duas, o grande Dia das Expiações (Yôm
Kippur) e a Dedicação, dizem respeito ao templo de maneira privilegiada. Além destas
manifestações religiosas públicas, existiam também as práticas religiosas familiares ou
privadas: a oração – recitação de Shemá, duas vezes por dia; bênçãos para diversas
circunstâncias da vida; preces pessoais; salmos; orações nas refeições. Além das orações
também havia o jejum, a esmola e as obras de misericórdia.
Concluindo estas pinceladas da realidade sócio-econômica, política e religiosa,
observamos que ao lado do domínio romano, o judaísmo havia se tornado uma religião pesada
e sua ordem simbólica favorecia a aristocracia em detrimento do povo simples. A
interpretação da Torá, por parte dos escribas, o templo e as leis de pureza, bem como as
obrigações com dízimo, tudo se tornara um pesado fardo a ser carregado. Isto tudo acarretou
muita pobreza e endividamento. Com a perda das terras, muitos agricultores ou filhos de
agricultores tornavam-se diaristas, meeiros e outros desarraigados.
Também convém ressaltar que devido à fé na eleição de Israel e de sua terra, aparecem
movimentos de resistência como o movimento de João Batista, zelotes, sicários, outros grupos
rebeldes (João bem Levi, Simão bar Giora)
188
.
A partir destas constatações, poderemos averiguar que tanto na época de Jesus, como
as primeiras comunidades, estavam envolvidas nesta estrutura. Na época das primeiras
comunidades, período em que o Evangelho de Marcos foi escrito, temos mais alguns
elementos que desafiavam e perturbavam a tranqüilidade da comunidade:
188
Cf. Ekkehard W. STEGEMANN; Wolfgang STEGEMANN. História social do protocristianismo, p. 201-213.
92
As comunidades já haviam se espalhado pelo Império Romano e encontravam-se sob
perseguições. Sendo que, pelo ano 62, as tensões políticas na Palestina davam início aos
movimentos que levariam à guerra entre judeus e romanos. Esta guerra, que durou de 66 a 70,
conduziu ao fim da independência dos judeus e à destruição do Templo de Jerusalém.
Entrementes, morreram as principais lideranças da Igreja: Tiago, Pedro e Paulo
189
.
- A perseguição dos cristãos por parte do Império Romano trouxe o martírio. Gerou o
medo. Muitos discípulos e discípulas tinham morrido. Alguns negaram a fé. Outros haviam
desvalido do primeiro fervor.
- O desaparecimento da primeira geração de discípulos e discípulas de Jesus,
testemunhas das ações e palavras do mestre, as chamadas “testemunhas apostólicas”
190
, trouxe
dúvidas a respeito da pessoa de Jesus.
- As comunidades já acolhem gentios, pessoas que não conhecem a cultura judaica.
Isso é motivo de crise e conflito. Pois, para os gentios, a morte de Jesus na cruz era escândalo
e não condizia com o ser messias. Surgiram idéias diferentes sobre Jesus
191
. O Evangelho de
Marcos vem para clarear quem é Jesus e qual é a mensagem do nazareno.
Entre estes desafios, a comunidade marcana se movia. O Evangelho escrito trouxe
novas luzes para nortear o discipulado. O Evangelho portava uma mensagem de conforto e
esperança, estimulando, animando as pessoas nos momentos difíceis. A comunidade era
chamada a seguir os passos de Jesus e através deste escrito novo, descobriu-se uma maneira
de atualizar, viver e assumir a Boa Nova de Jesus de Nazaré. Este fato proporcionou o
fortalecimento da fé, bem como o engajamento de muitas pessoas dispostas a batalhar e
construir uma sociedade marcada pela acolhida, fraternidade, igualdade e vida em abundância
para todos.
189
Cf. CONFERÊNCIA DOS RELIGIOSOS DO BRASIL. Seguir Jesus, p. 86.
190
Cf. AUNEAU, Joseph. et al. Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos, p. 88.
191
Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Caminhamos na estrada de Jesus, p. 16.
93
As perícopes em estudo, quais sejam, a filha de Jairo e a mulher hemorroíssa, nos
remontam a dois quadros distintos da escala social. De um lado temos a filha de Jairo que,
durante doze anos, usufruiu o privilégio de ser filha do chefe da sinagoga. Enquanto a mulher
hemorroíssa, sem status, sofreu doze anos de desamparo nas mãos de médicos, submetendo-se
ao sistema rigoroso da pureza.
Para Myers, a lição objetiva destas narrativas é a seguinte: “se o judaísmo deseja ‘ser
salvo e viver’ (5,23), ele precisa abraçar a ‘fé’ do reino: uma nova ordem social com igual
status para todos. Somente isto libertará os grandemente marginalizados e poupará os ‘nobres’
da morte”
192
.
Aparecem igualmente outros contrastes entre as cenas das duas mulheres. Questão
cultural: a menina começa a reconhecer seu corpo como mulher, e, na cultura judaica, ela está
apta a ser dada em casamento (doze anos) e esta idade marcava também o início da
menstruação. A menina possui o amparo de uma família e está assegurada economicamente.
A mulher, por sua vez, sofre em seu corpo uma enfermidade que é um peso em vários
sentidos: econômico; ela gastou tudo o que tinha e o seu estado de saúde piorava.
Religioso/social, devido ao fluxo de sangue, permanecia em constante estado de impureza e
assim excluída do meio social e religioso. E no aspecto familiar ela se encontra
impossibilitada de engravidar e, desta feita, nem sequer tem esperanças de constituir uma
família. A narrativa bíblica não aborda nada a respeito de ela ter ou não uma família.
Em uma análise simbólica destas narrativas, tanto a filha de Jairo como a mulher
hemorroíssa mantêm em comum o número 12: uma, doze anos de idade e a outra, doze anos
de enfermidade. As duas mulheres não são caracterizadas pelo nome e nem se indica com
precisão o lugar onde se passam os eventos.
192
Ched MYERS. O Evangelho de São Marcos, p. 251.
94
Para Bautista
193
, o número 12 é o número que representa Israel. E este povo, sem
Jesus, morre, foge-lhe o sangue, escapa-lhe a vida.
Na análise de Mateos e Camacho, ambas as personagens femininas têm um valor
representativo de Israel. De um lado, a mulher, por causa da enfermidade (perda de sangue),
acha-se em perpétuo estado de impureza, e não haverá remédio para ela enquanto continuar
sob o domínio da lei que a declara impura (Lv 15,25). Por outro lado, ela também se encontra
dentro de um regime de marginalização, pois, seu estado de impureza a impede de tocar os
outros, e aos outros se proíbe ter algum contato com ela ou com os objetos que ela maneje
(Lv 15,26s)
194
.
Para os autores acima mencionados, a figura da mulher “representa a parte da
sociedade judaica que está irremediavelmente marginalizada por ser considerada impura, isto
é, por não cumprir os requisitos que a lei impõe e não encontrar maneiras de cumpri-la”
195
.
Neste grupo encontram-se especialmente os pobres, que na maioria das vezes são desprezados
e evitados pelos que detêm o poder.
A única saída para a mulher, como também para todos que se encontram em situações
similares, é emancipar-se da lei marginalizadora e abraçar a alternativa que Jesus oferece. A
mulher adulta toma, ela mesma, a decisão e toca Jesus. Viola a lei e torna-se independente
dela. A libertação se dá com Jesus que lhe comunica uma força que suprime a marginalização
e ela se sente curada, descortinando assim diante dela, novas possibilidades de vida. Pois,
Jesus através da prática libertária em relação às mulheres, aceita-as como são, mesmo com o
corpo considerado fraco e impuro, “proclama uma antropologia integrada, que valoriza o ser
humano em sua dimensão de corpo animado pelo sopro divino, como um todo, onde espírito e
corporeidade são uma coisa só”
196
.
193
Mateo BAUTISTA. Jesus, p. 135.
194
Cf. Juan MATEOS; Fernando CAMACHO. Evangelho, figura & símbolos, p. 86.
195
Juan MATEOS; Fernando CAMACHO. Evangelho, figura & símbolos, p. 86.
196
Maria Clara BINGEMER. O segredo feminino do mistério, p. 107.
95
Assim, a Boa Nova trazida por Jesus, seja em atos, palavras ou relacionamentos,
permite aos grupos marginalizados de Israel, incapazes de sair de sua marginalização dentro
do sistema judaico, uma alternativa para a libertação, a fim de usufruírem vida mais digna e
humana.
A filha de Jairo representa outro grupo dentro da sociedade judaica. Ela não é uma
figura adulta, mas dependente do pai. Este é o representante da instituição religiosa (chefe de
sinagoga). A filha é o símbolo do povo integrado nesta instituição. “A tutela que esta exerce
sobre o povo observante, mantendo-o no infantilismo, exaspera este povo e o leva a
abandonar a prática religiosa; fica, então, privado de todo e qualquer ponto de referência, em
estado de desorientação, sem horizonte nem objetivo, situação comparada à morte”
197
.
Para indicar que com as duas figuras se demonstra a situação da totalidade do povo,
Marcos (e igualmente Mateus e Lucas) entrelaça as duas narrativas. As duas mulheres
significa o povo oprimido e excluído na sociedade judaica.
Dentro desta estrutura classista, opressora, pesada, excludente, Jesus oferece uma
alternativa de vida, completamente fora do marco religioso judaico.
Ao olharmos para Jesus, podemos ver que ele aparece como iniciador de um
movimento, em que homens e mulheres são participantes em relação de fraterna amizade.
Neste movimento, acontecem várias rupturas. Uma das que se evidencia é a relação com as
mulheres, pelo fato de a mulher “não ser circuncidada e, por isso, não pertencer propriamente
à Aliança com Deus; depois pelos rigorosos preceitos de purificação a que estava obrigada
devido à sua condição de mulher; e finalmente personifica Eva com toda a carga pejorativa
que se lhe agregava”
198
. A mulher encontrava-se à margem da sociedade. Jesus superou esta
desigualdade, na medida em que reconheceu a dignidade da mulher como pessoa humana e
como filha de Deus. Isto ele demonstrou através do comportamento com as mulheres na vida
197
Juan MATEOS; Fernando CAMACHO. Evangelho, figura & símbolos, p. 87.
198
Leonardo BOFF. O Rosto Materno de Deus, p. 77-78.
96
pública, fato novo, revolucionário diante dos costumes que dominavam naquela época e
naquele ambiente.
Jesus faz de modo claro, definitivo, aberto e preferencial a opção pelas classes
marginalizadas de seu tempo: os pobres, os pecadores, os publicanos, os doentes, as mulheres
e as crianças. A práxis e a visão de Jesus e de seu movimento são entendidas melhor como um
movimento intrajudaico de renovação, que se apresentava mais como uma opção alternativa
às estruturas patriarcais dominantes, do que propriamente uma oposição aos valores e à práxis
do judaísmo
199
.
A renovação de Jesus rompe com uma estrutura de sociedade que gerava a exclusão e
a marginalização. Através de sua pessoa, atitudes, gestos e palavras, acionou um princípio
libertador e humanizador a partir dos pobres, marginalizados e oprimidos. Por eles faz a
opção preferencial. Eles são os primeiros destinatários de sua mensagem.
O fato de Jesus escolhê-los, acolhê-los, amá-los, curá-los, tratá-los com respeito e
dignidade faz com que eles se descubram pessoas humanas que têm valor aos olhos de Deus.
Essa tomada de consciência suscita a irrupção de potencialidades ainda adormecidas. Passam
a mostrar valor perante as outras pessoas e se tornam ativos e participantes na sociedade,
como seres adultos e responsáveis
200
, protagonistas de libertação e vida nova para os adeptos
da proposta de Jesus.
As primeiras comunidades se espelharam em Jesus. Elas foram também um espaço
onde os excluídos, os marginalizados podiam recuperar a sua dignidade como pessoas
humanas, crescendo na fé em Jesus de Narazé. Jesus é aceito como o Messias, o Filho de
Deus que veio revelar o Pai e comunicar o seu plano de amor. Fez-nos, deste modo, filhos e
filhas do mesmo pai e irmãos uns dos outros.
199
Cf. Elisabeth Schüssler FIORENZA. As origens cristãs a partir da mulher, p. 136.
200
Cf. Ana Maria TEPEDINO. Jesus e a recuperação do ser humano mulher, p. 274.
97
A mensagem que Jesus externou, ao passar pela terra, trouxe motivações e orientações
para os primeiros seguidores, no âmbito das comunidades primitivas. Após séculos, a vida,
ações e palavras de Jesus ainda provocam ecos em nossas atitudes e escolhas. Assim, olhando
para as duas narrativas em estudo, a filha de Jairo e a mulher hemorroíssa, despertamos para a
solidariedade e o compromisso, especialmente quando a vida está ameaçada.
A mulher hemorroíssa é para nós um exemplo de luta e de busca, ao nos depararmos
com uma situação difícil, seja em caso de doença, seja em virtude de um golpe qualquer do
destino. A motivação consiste em jamais desesperar, superando os obstáculos que a vida se
encarrega de construir. Ter presente que em Jesus a vida está em primeiro lugar e nele
gozaremos a vida em plenitude.
Por outro lado, a narrativa também evoca um compromisso de não exclusão daqueles
flagelados por enfermidades físicas ou psíquicas. É preciso que a pessoa se sinta bem na
convivência diária no seio da família, no trabalho e no meio social, sem receio de críticas,
punições e exclusão, podendo participar convenientemente da vida comunitária e ocupar o
lugar que aí lhe corresponde.
A filha de Jairo nos estimula em primeiro lugar a perseverarmos na fé. As provações
da fé, surgidas no decorrer da nossa travessia terrestre não nos levarão a renegar a confiança e
a esperança em Jesus de Nazaré.
Na trilha de Jairo, todos devemos nos apegar a Jesus, mesmo as circunstâncias
indicam que não há saída para o sofrimento. Jesus é a luz e o caminho para nossas decisões e
opções que fazemos ao longo da caminhada.
O episódio da filha de Jairo convida a pensarmos também na nossa estrutura religiosa.
Analisemos as leis e os preceitos, para verificar se realmente estão em condições de serem
observados e vividos em sua integralidade, sem exclusão de qualquer pessoa ou
ressentimentos. Não podemos ensejar o afastamento de muitas pessoas das nossas
98
comunidades cristãs. Por outro lado, não nos é lícito manter os fiéis em uma fé infantil, que
subtrai a possibilidade de comprometimentos maiores nas questões sociais e no bem estar da
humanidade.
Conforme o pensamento Juan Mateos e Fernando Camacho mencionado linhas acima,
as duas mulheres correspondem a duas realidades na vida judaica. Ambas estão em situação
de exclusão (ritos e normas de pureza) e dominação (estrutura religiosa cheia de leis e
prescrições que marginalizam grande parte das pessoas). Estas vicissitudes nos desafiam a
fazer com que, a exemplo de Jesus, construamos uma sociedade enraizada no amor, na
solidariedade e, acima de tudo, na plenitude de vida, sem distinção de raça, cor e gênero. A
vida em abundância se inicia aqui na terra.
99
CONCLUSÃO
O trabalho levou a cabo uma análise exegética de Mc 5,21-43. Seguiram-se alguns
pontos do método histórico-crítico de leitura bíblica. Porém, avançamos nos meandros do
texto.
As duas perícopes acham-se entrelaçadas, formando uma mensagem única. O eixo
central das perícopes é a fé. Jairo, mesmo com toda a importância social como chefe da
sinagoga, teve de abandonar a estrutura religiosa e implorar a ajuda de Jesus. A condição para
receber o auxílio fundamenta-se na fé. A fé está acima de qualquer possibilidade, até mesmo
diante da morte.
A mulher hemorroíssa, perseguindo a cura, viu-se intermediada pela experiência da fé.
Mesmo dentro de sua condição de impura, soube transpor os obstáculos e tocar em Jesus.
Assim, usufruiu da força proveniente de Jesus que a restaurou da doença.
Estes dois episódios nos revelam a pessoa de Jesus; alguém que nos relacionamentos
estabelecidos, no decorrer do seu ministério, causa impacto, produz momentos novos. Estes
relacionamentos geram uma nova compreensão de vida nas pessoas e nos ambientes, bem
como faz eclodir um novo encaminhamento para a recomposição da dignidade das pessoas
criadas à imagem e semelhança de Deus.
Podemos concluir que o objetivo do hagiógrafo, ao narrar as perícopes da filha de
Jairo e da mulher hemorroíssa, consiste em trabalhar a revelação da pessoa de Jesus em sua
força. Isto se dá mediante as ações miraculosas, patenteando, para aqueles que professam a fé,
100
o peso e o significado da identidade de Jesus e as conseqüências de relacionamentos em
diferentes padrões e patamares.
De um lado, as perícopes em estudo remetem-nos a um alcance messiânico; mostram
que Jesus é o messias e realiza obras messiânicas. Por outro lado, especialmente o episódio de
Jairo, nos introduz no segredo messiânico, amplamente tratado pelo evangelista Marcos. Os
milagres de Jesus, se interpretados sob a ótica do mistério e do fantástico, não são muito bem
entendidos. Mas quando interpretados à luz da ressurreição, ganham uma nova existência e
um profundo caráter pessoal e pneumático. A própria imposição do segredo revela o caráter
messiânico dos milagres
201
.
Ao transcorrer o Evangelho de Marcos, percebe-se que todo o movimento se dirige
para Jesus, centro e significado transformador dos relacionamentos estabelecidos. As ações
que revelam aspectos fundamentais do mistério de Jesus na linha da transformação, da
libertação e da reconstituição, conquistam espaços dentro das pessoas; espaços que se tornam
o lugar da experiência de fé e do seguimento.
Junto a Jesus, os doentes, famintos, angustiados e endemoniados fazem uma
experiência concreta de libertação. É o encontro e o contato com o poder salvífico. O milagre
situa o ser humano num momento decisivo diante da palavra de Jesus que opera em nome e
pela força de Deus. Não é algo brotado de uma idéia. É o encontro do ser humano com Deus e
a interpelação de Deus ao ser humano.
A filha de Jairo e a mulher hemorroíssa são símbolos da situação do povo na época de
Jesus e das primeiras comunidades, enquanto excluídos, impuros e oprimidos. Eles
encontraram a libertação e uma vida digna em Jesus e no projeto dele. Estes ideais continuam
a pulsar nos corações de todos aqueles e aqueles que trilham os passos de Jesus.
201
Cf. Dom Waldemar Oliveira de AZEVEDO. Comunidade e Missão no Evangelho de Marcos, p. 142.
101
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