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CENTRO UNIVERSITÁRIO ASSUNÇÃO
Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção
JOSÉ SETEMBRINO DE MELO
Leitura Cristológica da Familiaris Consortio
Dissertação apresentada como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre em
Teologia Sistemática, com concentração em
Dogma à comissão julgadora da Pontifícia
Faculdade de Teologia Nossa Senhora da
Assunção, sob orientação do Côn. Prof. Dr.
Antônio Manzatto.
São Paulo - 2006
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Parecer da Banca Examinadora
Nota:...................
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Dedicatória
Dedico este trabalho a Deus-Trindade,
Comunidade de Vida e de Amor,
que em Jesus Cristo participou efetivamente da história humana.
Ao saudoso Santo Padre, o Papa João Paulo II que,
por sua vida e ministério apostólico,
inspirou-me ao amor, ao serviço e ao anúncio do
Evangelho da vida e da família.
À minha família amada,
comunidade de vida e de amor e lugar das mais ricas experiências humanas e cristãs,
ampliada por novas gerações:
meus pais, Antônio Avelino de Melo e Maria Luiza de Melo (sempre presente);
minha irmã, Sônia Maria de Melo Silva, seu esposo Benedito Augusto da Silva e sua prole:
Amanda Camila Silva e Tobias Augusto de Melo Silva;
minha irmã, Isabel Rita de Melo Ribeiro, seu esposo João Batista Ribeiro e sua prole:
João Pedro de Melo Ribeiro;
meu irmão, Márcio Avelino de Melo, sua esposa Maria Rita Peçanha de Melo e sua prole:
Maria Clara Peçanha de Melo e Luís Felipe Peçanha de Melo.
A todos aqueles que acreditam firmemente na família,
alicerçada no matrimônio como sacramento,
futuro e esperança da humanidade e da Igreja.
A todos os seguidores de Jesus histórico, o Cristo Ressuscitado, nosso Redentor.
Agradecimentos
Às famílias que me acolheram ao longo da vida.
A Dom Ricardo Pedro Chaves Pinto Filho que acreditou no meu potencial
e à querida Arquidiocese de Pouso Alegre, a quem devo minha vocação e estudos.
Aos Padres amigos e incentivadores da caminhada acadêmica: Marco Aurélio Gubiotti,
Wilson Mário de Morais, José Eugênio da Fonseca, Simão Cirineo Ferreira,
Jésus Benedito dos Santos, Maurício Pieroni, Sebastião Camilo,
Edson Aparecido e Dom José Francisco Resende Dias.
À querida Paróquia de São Francisco de Paula, Ouro Fino/MG,
sacrificada muitas vezes pela presença parcial de seu Pároco,
aos funcionários e, especialmente, a Pe. Cláudio Antônio Braz que suportou o “peso” pastoral.
Às eficientes colaboradoras na correção da obra, Maria Regina Oliveira Goulart,
Stela Gubiotti Ribeiro de Miranda, Dalila de Jesus Lopes, Cíntia Zoratini.
Aos amigos especiais: famílias da Equipe de Nossa Senhora Rosa Mística;
comissão arquidiocesana de Pastoral Familiar, especialmente Takumi e Rubia Noda;
Às amigas do coração Maria Ângela Kallás, Vera Faria, Hilda Carneiro e
minha primeira e querida incentivadora Regina Gonçalves da Silva.
Meu orientador, Côn. Prof. Dr. Antônio Manzatto, que acreditou e incentivou minha caminhada.
Às muitas pessoas que ao longo do Mestrado me auxiliaram na leitura e correção da obra.
Aos professores de Mestrado que testemunharam a fé e compartilharam com os alunos
o conhecimento de Deus, muito especialmente Ir. Profª. Dra. Maria Freire da Silva.
A todos os meus colegas de Mestrado, especialmente Clotilde Prates de Azevedo e Jesus Azarten,
com quem compartilhei momentos de alegrias, angústias, esperanças e tequilas.
SIGLAS
// Paralelo
a.C. Antes de Cristo
AA Apostolicam Actuositatem (Vat. II)
AAS Acta Apostolicae Saedis
AG Ad Gentes (Vat. II)
AIBI A Interpretação Bíblica na Igreja (Pontifícia Comissão Bíblica – 1993)
AT Antigo Testamento
CA Centesimus Annus (João Paulo II)
can. Cânon.
CC Casti Connubii (Pio XI)
cc. Cânones.
CCS Carta ao Cardeal Suhard (Pontifícia Comissão Bíblica – 1948)
CD Christus Dominus (Vat. II)
Cf. Ou cf. Conforme, conferir, confere.
CIC Cordex Iuris Canonici (Código de Direito Canônico – 1983)
CIGC Catecismo da Igreja Católica.
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CONIC Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil
CtAn Carta aos Anciãos (João Paulo II)
CtFm. Carta às famílias (João Paulo II)
d.C. Depois de Cristo
DAFS Divino Affante Spiritu (Pio XII)
DH Dignitatis Humanae (João Paulo II)
DI Dominus Iesus (Congregação para a Doutrina da Fé)
dir. Direção
DPF Diretório da Pastoral Familiar (CNBB)
DV Dei Verbum (Vat. II)
DZ Denzinger
EN Evangelii Nuntiandi (Paulo VI)
ES Ecclesiam Suam (Paulo VI)
Et seq. Et sequentia (o que segue)
Et seq. Et sequentia (e o que segue)
et. al. Vários
Fasc. Fascículo
FC Familiaris Consortio (João Paulo II)
FiRa Fides et Ratio (João Paulo II)
GE Gravissimum Educationis (Vat. II)
GS Gaudium et Spes (Vat. II)
i.e. isto é
LG Lumen Gentium (Vat. II)
MD Mulieris Dignitatem (João Paulo II)
MM Mense Maio (Paulo VI)
n. número ou números
NT Novo Testamento.
org. Organizador da obra
p. página ou páginas
PD Providentissimus Deus (Leão XIII)
PP Populorum Progressio (Paulo VI)
REB Revista Eclesiástica Brasileira
RH Redemptor Hominis (João Paulo II)
RMi Redemptoris Missio (João Paulo II)
s. seguinte ou seguintes
S. Th. Summa Theologiae (obra principal de S. Tomás de Aquino).
SC Sacrosanctum Concilium (Vat. II)
SME Sancta Mater Ecclesia (Pontifícia Comissão Bíblica - 1964)
SP Spiritus Paraclitus (Bento XV)
v. ou V. Volume ou Tomo
Vat. Vaticano
VS Veritatis Splendor (João Paulo II)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO......................................................................................................................... 09
CAPÍTULO I A EXORTAÇÃO APOSTÓLICA FAMILIARIS CONSORTIO................... 13
1. O Magistério Eclesiástico na vida da Igreja............................................................................ 16
1.1 A pedagogia de Jesus Cristo de Nazaré: primazia do Ensino............................................. 26
1.2 A pedagogia dos discípulos de Jesus: primazia do Ensino................................................. 43
1.3 O Magistério Eclesiástico: primazia do Ensino.................................................................. 57
2. O Pontificado de João Paulo II: primazia do Ensino............................................................... 65
2.1 Karol Josef Wojtyla............................................................................................................ 65
2.2 O Evangelho da família e da vida no Pontificado de João Paulo II................................... 76
3. Contexto histórico, conteúdo e estrutura da Familiaris Consortio......................................... 88
3.1 Perspectivas teológico-pastorais para o matrimônio e a família........................................ 88
3.2 Sínodo dos Bispos para a família....................................................................................... 92
3.3 Síntese estrutural e conceitual da Familiaris Consortio..................................................... 100
CAPÍTULO II O MISTÉRIO DE CRISTO NA FAMILIARIS CONSORTIO.................... 112
1. A cristologia: ponto de partida da teologia.............................................................................. 112
2. Vida conjugal e familiar: “lugar teológico” à luz do Mistério de Cristo................................. 118
3. Elementos de Cristologia na Exortação Pós-Sinodal Familiaris Consortio ........................... 122
3.1 Mistério da Sagrada Família: Encarnação do Filho de Deus e a vida escondida de Jesus 125
3.1.1 O mistério de Nazaré: Reino do Amor divino........................................................... 126
3.1.2 O mistério da Encarnação.......................................................................................... 132
3.2 Jesus: a pregação do Reino e a família dos discípulos....................................................... 139
4. A significação da morte e ressurreição de Jesus como Salvação da família cristã.................. 149
CAPÍTULO III ACREDITAR NA FAMÍLIA É CONSTRUIR O FUTURO..................... 160
1. Do Sacramento do Matrimônio, nasce a família cristã............................................................ 160
2. Pespectivas teológicas antigas e novas sobre o matrimônio e a família.................................. 172
2.1 A família reflete a vida trinitária........................................................................................ 172
2.2 A família de Nazaré reflete a Trindade............................................................................... 183
2.3 Família: imagem da Igreja.................................................................................................. 191
2.4 Teologia do matrimônio como sacramento........................................................................ 201
2.4.1 Perspectiva histórica do matrimônio como sacramento............................................ 201
2.4.2 O sacramento do matrimônio na teologia sistemática atual...................................... 206
3. Pastoral familiar: ação da Igreja em favor da família.............................................................. 212
3.1 O sacramento do matrimônio: fundamento da família cristã.............................................. 212
3.2 A ação da Igreja em favor da família.................................................................................. 215
3.2.1 Abrangência da ação pastoral em favor da família.................................................... 216
3.2.2 Pastoral familiar: experiências que deram certo........................................................ 219
CONCLUSÃO............................................................................................................................ 223
BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................... 229
INTRODUÇÃO
O texto-fonte do trabalho, a Exortação Apostólica Pós-Sinodal Familiaris Consortio, tem
sido, desde sua publicação em 22 de novembro de 1981, Solenidade de Nosso Senhor Jesus
Cristo, Rei do Universo, no quarto ano de Pontificado de João Paulo II (de saudosa memória), um
documento magisterial de grande graça e benefício para a Igreja, em questões relacionadas à
família cristã, alicerçada no matrimônio como sacramento.
O objetivo principal do documento papal foi refletir a identidade da família cristã e sua
tarefa no mundo atual, num contexto cultural pluralista, exigente e em constante mutação. As
profundas mudanças sociais incidem, entre luzes e sombras, diretamente na família cristã, “igreja
doméstica e santuário da vida” (Gs 11 e AA 11). Entre as patologias sociais, a “família é a mais
enferma”, afirmavam os Papas, Pio XII e João Paulo II.
Sob diferentes ângulos, as abordagens feitas pelos estudiosos das mais variadas áreas do
saber científico, sobre a Familiaris Consortio, referem-se às dimensões antropológica,
sociológica e pastoral. A abordagem sociológica, por exemplo, que contempla a “questão-
família”, na magnitude dos problemas sociais emergentes das múltiplas culturas, não pode, hoje,
deixar de incluir outras disciplinas, como a dimensão antropológica. Esta, por sua vez, deve
considerar o sujeito a partir de uma concepção de pessoa humana e de suas exigências
fundamentais. Necessariamente, surgem outras abordagens, psicológicas e educacionais. Os
múltiplos olhares científicos emergem das múltiplas e diferenciadas dimensões da complexa
10
realidade da família, que têm feito dela, segundo Pe. João Carlos Petrini, “privilegiado objeto de
análise científica”.
A dimensão cristológica da Familiaris Consortio parece não ter sido, ainda, amplamente
explorada pelos autores. Propomo-nos assumir a difícil tarefa de colaborar na investigação mais
ampla e profunda sobre a Verdade fundamental do binômio matrimônio-família, em defesa da
vida, atendendo ao apelo de João Paulo II que exortou teólogos e especialistas a contribuírem na
compreensão de tão complexa realidade. Toda reflexão teológica deve partir da realidade
assumida na vida, na prática e na mensagem de Jesus histórico, que conduz ao Cristo
Ressuscitado. A realidade familiar e conjugal, “lugar de sentido, por isso, lugar teológico”,
plataforma comum das ciências, é o ponto de partida do objeto a que este trabalho se propõe: a
cristologia. Certamente, a proposta não ambiciona explorar o tema à exaustão, mas, tão somente,
indicar caminhos para a compreensão da pessoa de Jesus Cristo e seu seguimento, através da
mediação vida-matrimônio-família.
Algumas perguntas possibilitam refletir o núcleo central da obra: é possível e se justifica
uma leitura cristológica da Familiaris Consortio? Há ou não elementos de cristologia na
Familiaris Consortio? No caso positivo, aparecem duas outras questões conexas sobre a possível
cristologia da Familiaris Consortio: ela é fundamento da identidade e da missão da família cristã
no mundo contemporâneo? Ela é categoria básica sob a qual os desafios atuais deverão ser
enfrentados, estabelecendo-se assim, critérios fundantes de novas relações familiares? A partir da
Familiaris consortio pode-se desenvolver uma cristologia que contempla a família como “lugar
teológico”, de seguimento de Jesus Cristo e de vivência da experiência salvífica de Deus que
transforma o mundo? Como Jesus é apresentado na Exortação Pós-Sinodal? Tem a cristologia de
João Paulo II uma contribuição original para a missão da família no mundo de hoje?
11
Utilizando o método da pesquisa bibliográfica, o trabalho é apresentado em três Capítulos
consecutivos:
O Capítulo I, o mais extenso, devido às inúmeras citações literais do texto-fonte, que
justificam os dados obtidos, apresenta a contextualização histórica, estrutural e conceitual da
Familiaris Consorcio. As Escrituras Sagradas mostram que Jesus priorizava o Ensino da verdade
revelada, exemplo seguido pelos discípulos e consolidado pela Tradição. A autoridade do
Magistério Vivo da Igreja emerge da obediência da fé, consignada nas Escrituras e comentadas
pela Tradição. João Paulo II levou para o exercício de seu magistério Petrino as convicções
humanas e cristãs enraizadas nas experiências vitais, isto é, culturais e familiares. Falava com
autoridade, Ensinando a Verdade sobre os desígnios de Deus Criador e Salvador. O Concílio
Ecumênico Vaticano II (1960-1965), do qual participou e colaborou diretamente, além de ser sua
inspiração, foi, também, uma determinação, pois, propôs-se a colocá-lo em prática no decorrer de
sua missão Apostólica. Preocupado com cada um dos seres humanos, colocou em seu coração
especial amor pelas famílias, lugar privilegiado de todo homem. O Sínodo dos Bispos (1980)
sobre as tarefas da família cristã no mundo de hoje ofereceu as proposições que, mais tarde,
resultou na Exortação Apostólica em questão.
O Capítulo II, ponto central do trabalho, apresenta a leitura cristológica da Familiaris
Consortio. A partir do texto-fonte e da plataforma matrimônio-família, emerge a cristologia da
Exortação Pós-Sinodal. Sequencialmente são apresentados, a importância da cristologia para a
teologia; a vida conjugal e familiar como “lugar teológico” à luz do mistério cristão; os elementos
de cristologia da Familiaris Consortio, a partir da vida, prática e mensagem de Jesus, fruto da
experiência das primeiras comunidades cristãs; o elemento cristológico central da Exortação, ou
seja, a Redenção (vida, prática, Ensino, Reino, Encarnação, paixão, morte, ressurreição e
12
exaltação do Senhor). A idéia-exigência que perpassa o Capítulo é o seguimento de Jesus de
Nazaré.
O Capítulo III, por fim, apresenta a teologia sistemática referente ao matrimônio-família,
sacramento do evento salvífico, e a ação pastoral da Igreja como materialização do seguimento de
Jesus e do “Evangelho da vida e da família”. A família cristã nasce do matrimônio como
sacramento. A teologia contribui eficazmente para a sistematização dogmática. Novos
paradigmas para a família, refletem sua realidade inserida em Cristo e sua missão profética,
sacerdotal e real. A Pastoral familiar contempla a família cristã e todas as famílias necessitadas
de salvação em Cristo, ao mesmo tempo em que pode significar a resposta material e coerente da
Igreja no cumprimento da missão a ela confiada pelo próprio Senhor.
Esta proposta pretende contribuir para um novo amanhecer da cristologia na vida familiar
e matrimonial. Jesus Redentor salva toda a realidade humana, inclusive aquela mais humana e
escola de humanidade: a família. A família cristã, comunidade de discípulos-seguidores de Jesus,
Senhor e Salvador, é chamada a tornar sempre mais viva sua singular significação para a vida da
Igreja e do mundo: “É necessário que as famílias do nosso tempo tomem novamente altura! É
necessário que sigam Cristo” (FC Conclusão).
CAPÍTULO I
A EXORTAÇÃO APOSTÓLICA FAMILIARIS CONSORTIO
A Exortação Apostólica Familiaris Consortio do saudoso Pontífice João Paulo II,
assinada em Roma no dia 22 de novembro de 1981, Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo,
Rei do Universo, quarto ano de seu pontificado, foi o marco histórico de seu ministério petrino
em questões que dizem respeito à situação da família. Mais ainda, foi um testemunho vivo do
Exercício Magisterial de um Papa que, verdadeiramente, Ensinou a Verdade de Jesus Cristo sobre
o matrimônio e a família: anunciou a Boa-Nova da família!
“Seguindo a Cristo que ‘veio’ ao mundo ‘para servir’ (Mt 20,28), a Igreja considera o
serviço à família uma das suas obrigações essenciais”
1
. A família tem sua origem mesmo no
Amor Criador, confirmado no Amor Redentor.
A família tem a sua origem naquele mesmo amor com que o Criador abraça o mundo
criado, como se afirma já ‘no princípio’, no livro do Gênesis (1,1). Uma suprema
confirmação disso mesmo, no-la oferece Jesus no Evangelho: ‘Deus amou tanto o
mundo que lhe deu o seu Filho Unigênito’ (Jo 3,16). Filho unigênito consubstancial ao
Pai, ‘Deus de Deus, Luz da Luz’, entrou na história dos homens através da família:
‘Pela sua encarnação, ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem’. [...].
Se é certo que Cristo ‘revela plenamente o homem a si mesmo’ (GS 22), fá-lo a começar
da família onde ele escolheu nascer e crescer. Sabe-se que o Redentor passou grande
parte da sua vida no recanto escondido de Nazaré, [...]
2
.
1
CtFm 2.
2
CtFm 2.
14
“Jesus Cristo é o caminho principal da Igreja [...] e é também o caminho para cada
homem”
3
. Ele mesmo confiou o homem à Igreja “como ‘via’ da sua missão e ministério”
4
,
portanto, “O homem é a via da Igreja”
5
. Esse homem é “a única criatura sobre a terra, querida
por Deus por si mesma”
6
, é o homem existencial, concreto, histórico, tal como foi amado,
querido, eternamente escolhido por Deus.
Aqui, portanto, trata-se do homem em toda a sua verdade, com a sua plena dimensão.
Não se trata do homem ‘abstrato’, mas sim real: do homem ‘concreto’, ‘histórico’. Trata-
se de ‘cada’ homem, porque todos e cada um foram compreendidos no mistério da
redenção, e com todos e cada um Cristo se uniu, para sempre, através deste mistério
7
.
O homem é “o primeiro caminho que a Igreja deve percorrer no cumprimento de sua
missão: ele é a primeira e fundamental via da Igreja, via traçada pelo próprio Cristo e via que
imutavelmente conduz através do mistério da Encarnação e da Redenção”
8
. A verdade plena
desse homem no âmbito pessoal, familiar, cultural, comunitário e social está ameaçada. A
situação desse homem no mundo não é uniforme e as múltiplas diferenças têm causas históricas e
éticas
9
.
Dentre as inúmeras estradas [do homem], “a primeira e a mais importante é a família:
uma via comum, mesmo se permanece particular, única e irrepetível, como irrepetível é
cada homem; uma via da qual o ser humano não pode separar-se. Com efeito,
normalmente ele vem ao mundo no seio de uma família, podendo-se dizer que a ela deve
o próprio fato de existir como homem.”
10
.
3
RH 13.
4
CtFm 1.
5
RH 1; cf. CtFm 1; GS 22.
6
GS 24; cf. RH 13.
7
RH 13.
8
RH 14.
9
Cf. RH 14-17.
10
CtFm 2.
15
“O mistério divino da Encarnação do Verbo está, pois, em estreita relação com a família
humana”
11
. O Filho de Deus, na Encarnação, “se uniu a cada homem”
12
, analogicamente, o Filho
de Deus se uniu à família de Nazaré e, de certo modo, a todas as famílias
13
.
A Igreja, iluminada pela fé, que lhe faz conhecer toda a verdade sobre o precioso bem do
matrimônio e da família e sobre os seus significados mais profundos, sente mais uma
vez a urgência de anunciar o Evangelho, isto é, a ‘Boa Nova’ a todos indistintamente,
em particular a todos aqueles que são chamados ao matrimônio e para ele se preparam, a
todos os esposos e pais do mundo. Ela está profundamente convencida de que só com o
acolhimento do Evangelho encontra realização plena toda a esperança que o homem põe
legitimamente no matrimônio e na família
14
.
Ensinar a verdade sobre o matrimônio e a família segundo o desígnio de Deus Criador e
Redentor é a eminente tarefa da Igreja missionária e ministerial, Povo de Deus em comunhão e
participação, colegiada e corresponsável
15
.
No plano de Deus Criador e Redentor a família descobre não só a sua «identidade», o
que «é», mas também a sua «missão», o que ela pode e deve «fazer». As tarefas, que a
família é chamada por Deus a desenvolver na história, brotam do seu próprio ser e
representam o seu desenvolvimento dinâmico e existencial. Cada família descobre e
encontra em si mesma o apelo inextinguível, que ao mesmo tempo define a sua
dignidade e a sua responsabilidade: família, «torna-te aquilo que és»!
16
A família, “Igreja Doméstica”
17
, no amor conjugal e familiar, e com a Igreja universal,
deve seguir Cristo e dispor-se a edificar o Reino de Deus na história mediante as realidades
cotidianas e a sua condição de vida.
É então no amor conjugal e familiar - vivido na sua extraordinária riqueza de valores e
exigências de totalidade, unicidade, fidelidade e fecundidade - que se exprime e se
realiza a participação da família cristã na missão profética, sacerdotal e real de Jesus
11
CtFm 2.
12
GS 22; cf. CtFm 2.
13
Cf. CtFm 2.
14
FC 3.
15
Cf. FC 5.
16
FC 17.
17
LG 11; AA 11.
16
Cristo e de sua Igreja: o amor e a vida constituem portanto o núcleo da missão salvífica
da família cristã na Igreja e pela Igreja
18
“É necessário que as famílias do nosso tempo tomem novamente altura! É necessário que
sigam a Cristo”
19
. É necessário Ensinar a verdade evangélica e a riqueza de sua Tradição a todos,
pois, “O futuro da humanidade passa pela família!”
20
.
1. O Magistério Eclesiástico na vida da Igreja
A verdadeira compreensão sobre a validade e a missão do Magistério Eclesiástico na vida
da Igreja se dá a partir de dentro do Mistério de Deus, revelado no Mistério de Cristo e
esclarecido pela ação do Espírito Santo, que nele atua em todos os períodos da história, até a
consumação dos tempos
21
.
O Mistério de Jesus Cristo, perfeito revelador do Mistério de Deus como Trindade
imanente e econômica, é chave de compreensão do Mistério da Igreja, lugar e fonte da identidade
e da missão do Magistério Eclesiástico. Fora do Mistério de Jesus Cristo e da Sua Igreja o
Magistério Eclesiástico seria reduzido a mero exercício de um poder temporal de efeito
meramente ideológico e sociológico
22
.
A revelação neotestamentária e a Tradição eclesial exprimem o que é o Magistério vivo e
sua missão na vida da Igreja, especialmente através dos Concílios Ecumênicos e os testemunhos
18
FC 50.
19
FC Conclusão.
20
FC Conclusão.
21
Cf. SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p.
7; ALMEIDA, A. J. de. Lumen gentium: a transição necessária. São Paulo: Paulus, 2005, p. 13-117; SAARINEN. R.
Magistério. In: LACOSTE, J – Y. (dir.). Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p. 1073-
1075.
22
Cf. SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p.
7; ALMEIDA, A. J. de. Lumen gentium: a transição necessária. São Paulo: Paulus, 2005, p. 47-78.
17
dos Santos Padres
23
. As fontes primárias que fundamentam e justificam a existência, a missão e a
função do Magistério Eclesiástico são: a Sagrada Escritura e a Tradição viva da Igreja.
No transcurso da história, a figura do Magistério apresenta-se com significados e
variantes diversos, conforme as exigências e as circunstâncias históricas de cada época e os
inúmeros desafios que se lhe impuseram a realidade cultural e eclesial. As ameaças heréticas e a
incidência dos poderes temporais na vida da Igreja muito contribuíram para delinear o perfil que
hoje expressa a sua figura magisterial. Entender o Magistério em si mesmo, sua ação e função,
suas normas e interpretações, sem a Sagrada Escritura e a Tradição, torna-se tarefa impossível
24
.
A teologia do Magistério tem por base “o paradoxo assinalado desde o período patrístico:
o Magistério exerce uma autoridade que exige obediência.”
25
. O Magistério da Igreja é
ministério da fé, [...], a serviço da fé e da verdade do Evangelho e deve a essa verdade
evangélica obediência exemplar
26
. Sua autoridade, contudo, se entende a partir de sua
identidade e missão dentro da Igreja de Jesus Cristo
27
. Entre a Escritura e a Tradição exerce o
ofício de intérprete da Palavra de Deus, de forma subordinada: “o Ensino do Magistério não pode
sustentar-se por si só; ele é essencialmente relativo àquilo que constitui a sua norma. Ensina com
23
Cf. BECKER, V. K. J. O ministério sacerdotal: natureza e poderes do sacerdócio segundo o magistério da Igreja.
São Paulo: Paulinas, 1976, p. 7-8; DENZINGER, H; HÜNERMANN, P. El magistério de la Iglesia: enchiridion
symbolorum definitionum et declarationum de rebus difei et morum. 2. ed. Barcelona: Herder, 2000. Passim;
ALTANER, B.; STUIBER, A. Patrologia: vida, obras e doutrina dos Padres da Igreja. 3. ed. São Paulo, Paulus,
1972. Passim; LIÉBAERT, J. Os Padres da Igreja. V. 1: séculos I-IV. São Paulo: Loyola, 2000; SPANNEUT, M.
Os Padres da Igreja. V. 2: séculos IV-VIII. São Paulo: Loyola, 2002; ALBERIGO, G. (org.). História dos Concílios
Ecumênicos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995. Passim.
24
Cf. SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004,
p.19-72. BECKER, V. K. J. O ministério sacerdotal: natureza e poderes do sacerdócio segundo o magistério da
Igreja. São Paulo: Paulinas, 1976, 10-35; ALMEIDA, A. J. de. Lumen gentium: a transição necessária. São Paulo:
Paulus, 2005, p. 79-85; SAARINEN. R. Magistério. In: LACOSTE, J–Y. (dir.). Dicionário crítico de teologia. São
Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p. 1073-1074.
25
SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 61.
26
SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 8;
DV 10: o magistério entre a Escritura e a Tradição, o papel de intérprete, mas subordinado à Palavra de Deus.
27
Cf. LG 12: a relação Magistério infalível e a infabilidade do sensus fidei universal dos fiéis; LG 21: a ordenação
episcopal e o múnos de ensinar, santificar e reger; SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e
liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 61-64; ALMEIDA, A. J. de. Lumen gentium: a transição necessária.
São Paulo: Paulus, 2005, p. 227-257; SAARINEN. R. Magistério. In: LACOSTE, J – Y. (dir.). Dicionário crítico de
teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p. 1073-1075.
18
autoridade porque em primeiro lugar escuta
28
. A Igreja de Jesus Cristo é uma realidade visível e
espiritual:
Cristo, Mediador único, constitui e sustenta indefectivelmente sobre a terra, como
organismo visível, a sua Igreja santa, comunidade de fé, de esperança e de caridade, e
por meio dela comunica a todos a verdade e a graça. Contudo, sociedade dotada de
órgãos hierárquicos e corpo místico de Cristo, assembléia visível e comunidade
espiritual, Igreja terrestre e Igreja já na posse dos bens celestes, não devem considerar-se
como duas realidades, mas constituem uma realidade única e complexa, em que se
fundem dois elementos, o humano e o divino. [...] Esta é a única Igreja de Cristo, que no
símbolo professamos una, santa, católica e apostólica, e que o nosso Salvador, depois de
sua ressurreição, confiou a Pedro para que a apascentasse (cf. Jo 21,17), encarregando-o,
assim como aos demais apóstolos, de a difundirem e de a governarem (cf. Mt 28,18ss),
levantando-a para sempre como ‘coluna e sustentáculo da verdade’ (1Tm 3,15). Esta
Igreja, como sociedade constituída e organizada neste mundo, subsiste na Igreja católica,
governada pelo sucessor de Pedro e pelos bispos em comunhão com ele, ainda que fora
do seu corpo se encontrem realmente vários elementos de santificação e de verdade, que,
na sua qualidade de dons próprios da Igreja de Cristo, conduzem para a unidade
católica
29
.
O exercício Magisterial e a missão dos bispos estão intimamente vinculados à natureza da
Igreja, à sua identidade e missão
30
. A Igreja e seus servidores, para comunicar aos homens o fruto
da Salvação, deve seguir o mesmo caminho de Jesus Cristo que “consumou a obra de redenção na
pobreza e na perseguição”
31
. A Igreja, ao ver e encontrar Jesus Cristo na vida do povo,
especialmente dos pecadores e dos pobres, e sendo ela mesma da mesma condição de seus
membros, necessita sempre de conversão, de cuidado e discernimento para que use dos recursos
humanos necessários ao cumprimento de sua missão de forma humilde e abnegada, sem glórias
28
SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 56-
57; cf. DV 7-10; ALMEIDA, A. J. de. Lumen gentium: a transição necessária. São Paulo: Paulus, 2005, p. 105-114.
29
LG 8; cf. DZ 6-9; ALMEIDA, A. J. de. Lumen gentium: a transição necessária. São Paulo: Paulus, 2005, p. 57-
131. 103-114; SAARINEN. R. Magistério. In: LACOSTE, J – Y. (dir.). Dicionário crítico de teologia. São Paulo:
Paulinas/Loyola, 2004, p. 1074-1075.
30
: Cf. ALMEIDA, A. J. de. Lumen gentium: a transição necessária. São Paulo: Paulus, 2005, 105-131: sobre a
identidade da Igreja e o seu agir no mundo.
31
LG 8; cf. ALMEIDA, A. J. de. Lumen gentium: a transição necessária. São Paulo: Paulus, 2005, p. 115-131.
19
terrenas
32
. Os bispos são “como o sumo sacerdote de seu rebanho, em quem tem origem e de
quem depende, de algum modo, a vida dos fiéis em Cristo”
33
. Os bispos, com o povo-eclesial e
não sem ele, são pastores, sacerdotes, guias e mestres do rebanho:
A Igreja ‘continua o seu peregrinar entre as perseguições do mundo e as consolações de
Deus’ (Santo Agostinho), anunciando a paixão e a morte do Senhor, até que ele venha
(cf. 1Cor 11,26). No poder do Senhor ressuscitado encontra a força para vencer, na
paciência e na caridade, as próprias aflições e dificuldades, internas e exteriores, e para
revelar ao mundo, com fidelidade, embora entre sombras, o mistério de Cristo, até que
no fim dos tempos ele se manifeste na plenitude de sua luz
34
.
Graças às transmutações, conceitual e prática, porque passaram o Magistério, as
conotações que lhes deram a realidade eclesial e cultural, os diferentes modos como seu
ministério foi exercido no decurso da história
35
, conclui-se que:
Por um lado, a autoridade do magistério é legítima e necessária para que a Igreja se
mantenha na obediência à mensagem da revelação que este tem o ofício de expor com
fidelidade e cujo depósito deve conservar; o valor do seu ensinamento
36
vem, portanto,
da sua própria obediência que faz da palavra magistral um ensinamento apostólico
37
.
Por outro lado, o magistério está estabelecido com autoridade, como uma garantia da
fidelidade da Igreja a esse depósito. Por isso dispõe do carisma da inerrância
32
Cf. LG 7-8; GS 1; ALMEIDA, A. J. de. Lumen gentium: a transição necessária. São Paulo: Paulus, 2005, p. 115-
177. 191-225.
33
SC 41.
34
LG 8. sobre a natureza e missão eclesial: corresponsabilidade entre Povo de Deus, hierarquia e cristãos leigos, cf.
LG 9-38.
35
Cf. BECKER, V. K. J. O ministério sacerdotal: natureza e poderes do sacerdócio segundo o magistério da Igreja.
São Paulo: Paulinas, 1976, p. 153.154: genericamente, a evolução no “magisterium” deve considerar duas espécies
de historicidade: a história do próprio magistério e a história da definição de magistério. O próprio magistério é
também histórico e suas manifestações em forma de recordações ou definições, tomadas em conjunto, estão sujeitas
a uma evolução. O magistério de uma época apresenta uma verdade para a Igreja de uma época que,
simultaneamente, é uma válida como verdade para a Igreja de todas as épocas, pois, toda definição é válida para
sempre. Em sentido teológico, através da Igreja, uma definição dogmática quanto mais antiga, mais significativa. A
razão disso é que a definição dogmática não foi do interesse e não foi dirigida só para a Igreja da época, mas da
Igreja para todas as épocas, algo do interesse dos séculos subseqüentes; SAARINEN. R. Magistério. In: LACOSTE,
J–Y. (dir.). Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p. 1073-1075.
36
O grifo é nosso.
37
O grifo é nosso.
20
fundamental com relação à manutenção fundamental da fé. Deve-se conservar juntas as
duas coisas, articuladas em sua fé
38
.
Bernard Sesboüé orienta: “Deve-se conservar juntas as duas coisas, articuladas em sua
solidariedade dialética”
39
, pois, a articulação entre os dois lados oferecerá o equilíbrio que evitará
os extremos opostos: por um lado, reconhecer merecer obediência à autoridade doutrinária da
Igreja na medida de sua fidelidade à Escritura, mas, problema sem solução consiste em saber que
instância é capaz de julgar essa fidelidade; por outro lado, achar que o Ensino Magisterial basta
por si mesmo a partir da verdade de sua autoridade legítima, erro ocorrido no século XIX, século
em que o Magistério reforçou o princípio de autoridade e fez pronunciamentos em exagero
40
.
O Magistério deve apresentar as “credenciais escriturísticas e tradicionais do seu
Ensino”
41
, a fim de que sua autoridade seja devidamente reconhecida pelos católicos e, ao mesmo
tempo, seja ponto de partida para o diálogo ecumênico
42
.
[...], devemos sem cessar, do lado católico, restabelecer a circulação entre os diversos
lugares teológicos lembrados pelo Cânon 760 do novo Código: “O ministério da palavra
deve basear-se na Sagrada Escritura, na Tradição e na liturgia, no magistério e na vida da
Igreja”. Isto quer dizer que, se a Escritura deve ser compreendida à luz das decisões
magisteriais que a interpretam autenticamente, reciprocamente devem essas decisões ser
compreendidas como relativas à Escritura e a partir dela
43
.
38
SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 61.
39
SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 61.
40
Cf. SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p.
61; cf. também: p. 43-53; SAARINEN. R. Magistério. In: LACOSTE, J–Y. (dir.). Dicionário crítico de teologia. São
Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p. 1073-1074.
41
SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 62;
cf. PD 25-48; SP 8-14; SAARINEN. R. Magistério. In: LACOSTE, J–Y. (dir.). Dicionário crítico de teologia. São
Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p. 1073-1075.
42
Cf. SAARINEN. R. Magistério. In: LACOSTE, J–Y. (dir.). Dicionário crítico de teologia. São Paulo:
Paulinas/Loyola, 2004, p. 1077.
43
SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 62.
21
O Magistério é de instituição divina
44
. Sua missão, essencialmente correlata e
intimamente ligada, inseparavelmente conexa e vinculada à Sagrada Escritura e à Tradição viva
da Igreja, é específica, inconfundível, um exercício insubstituível no mundo contemporâneo,
como o foi no passado, pois, ele está a serviço do Mistério de Deus
45
.
A histórica e complexa relação entre o modelo teórico e o exercício do Magistério da
Igreja tem sido ainda hoje motivo de crítica por parte de muitos seguimentos da Igreja. Dois
críticos sérios da atuação do Magistério atual são José Comblin e Dom Alsio Cardeal
Lorscheider. Segundo eles, infelizmente, a Cúria Romana excluiu o termo “Povo de Deus”
46
do
vocabulário eclesiástico. A categoria teológica “Povo de Deus” exige do Magistério uma nova
postura prática no tocante ao exercício magisterial, o sentido de colegialidade
47
.
Depois do Vaticano I o Episcopado viu-se reduzido em seu poder de participação na vida
da Igreja. As nomeações realizadas por Pio IX, mais controladas ainda por Pio XII, baseavam-se
em total submissão à Cúria Romana. João XXIII, ao contrário do que muitos esperavam,
surpreendeu o mundo e a Igreja ao convocar o Concílio Vaticano II, suscitando reações contrárias
e até movimento de sabotagem da parte da Cúria Romana. A nova esperança colegiada do
44
Cf. LG 17-21; SAARINEN. R. Magistério. In: LACOSTE, J–Y. (dir.). Dicionário crítico de teologia. São Paulo:
Paulinas/Loyola, 2004, p. 1073.
45
Cf. BECKER, V. K. J. O ministério sacerdotal: natureza e poderes do sacerdócio segundo o magistério da Igreja.
São Paulo: Paulinas, 1976, p 7-8: as definições e posicionamentos do magistério são vinculados à Tradição, sempre
fundamentadas em uma época e em documentos fundadores e sempre necessários na história. Tais definições são, em
certo grau, uma Tradição, por ser a expressão da fé de sempre, e só podem ser compreendidas plenamente através da
história da precedente Tradição e sua incidência em ulteriores processos históricos; cf. DV 7-10; GS 18-29; LG 17-
23; verifique também vários documentos Papais e Cartas da Pontifícia Comissão Bíblica, relativos ao Magistério e
Tradição, sua relação com autoridade e Bíblia: In: DOCUMENTOS DA IGREJA. Documentos sobre a Bíblia e sua
interpretação (1893-1993).São Paulo: Paulus, 2005, p. 26, 31, 58, 69-70, 109, 136, 152-159, 160, 162, 168, 170,
176, 182-183, 202-205, 217, 222, 235, 241-256, 261, 264; SAARINEN. R. Magistério. In: LACOSTE, J – Y. (dir.).
Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p. 1073-1075.
46
LG 9; cf. LORSCHEIDER, A. (et. al.). Vaticano II: 40 anos depois. São Paulo: Paulus, 2005, p. 58. 56-60;
COMBLIN, J. O povo de Deus. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 9. 5-51.
47
Cf. LG 18-29, especialmente LG 22 e 23: sobre o colégio dos bispos e a sua cabeça e a relação dos bispos dentro
do colégio; Christus Dominus, Decreto sobre o múnus pastoral dos Bispos na Igreja. In: DOCUMENTOS DA
IGREJA. Documentos do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965). São Paulo: Paulus, 1997, p. 241-272.
22
Magistério trazida pelo Concílio, numa avaliação após 40 anos, tornou-se mais difícil e fechada
ainda
48
.
A compreensão sobre a “identidade teológica do Concílio Vaticano II”
49
e seus
desdobramentos históricos contribuem para alicerçar e esclarecer a tarefa da teologia em diálogo
com o mundo moderno. Os elementos teológicos mais importantes que influenciaram Igreja e
Pontificado de João Paulo II e sua doutrina sobre o matrimônio foram: a história como o “campo
da experiência humana de Deus”, do homem que acolhe na fé o primado da Palavra de Deus; a
“compreensão acerca da Igreja [como] mistério revelado na história”, valorizando-se a “tradição
apostólica transmitida e desdobrada em tradições capazes de explicitarem a veracidade da fé da
Igreja presente na natureza, na estrutura e na vida da mesma Igreja”; uma nova compreensão
antropológica, chave da nova compreensão da antropologia teológica, onde o ser humano
histórico e transcendental é “um mistério inserido no mistério divino e relacionado com ele. [...]
Com isso, a revelação passou a ser desenvolvida na perspectiva histórico-pessoal, ressaltando a
centralidade de Cristo na história salutis, em suas dimensões humana e divina”
50
.
48
Cf. COMBLIN, J. O povo de Deus. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 9. 8-15; LORSCHEIDER, A linhas do
Concílio Ecumênico Vaticano II. In: LORSCHEIDER, A. (et. al.). Vaticano II: 40 anos depois. São Paulo: Paulus,
2005, p. 39. 44-45; COMBLIN, J. As sete palavras-chaves do Concílio Vaticano II. In: LORSCHEIDER, A. (et. al.).
Vaticano II: 40 anos depois. São Paulo: Paulus, 2005, p. 56-62; BEOZZO, J. O. O Concílio Vaticano II: etapa
preparatória. In: LORSCHEIDER, A. (et. al.). Vaticano II: 40 anos depois. São Paulo: Paulus, 2005, p.9-37;
LIBANIO, J. B. Concílio Vaticano II: os anos que se seguiram. In: LORSCHEIDER, A. (et. al.). Vaticano II: 40
anos depois. São Paulo: Paulus, 2005, p. 76-78; SOUZA, N. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio
Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S. L.; BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas.
São Paulo, Paulinas, 2004, p. 17-29; GONÇALVES, P. S. L. A teologia do Concílio Vaticano II e suas
conseqüências na emergência da Teologia da Libertação. In: GONÇALVES, P. S. L.; BOMBONATTO, V. I. (orgs.).
Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo, Paulinas, 2004, p 70-77; CATÃO, F. A. C. O perfil
distintivo do Vaticano II: recepção e interpretação. In: GONÇALVES, P. S. L.; BOMBONATTO, V. I. (orgs.).
Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 95-104.
49
GONÇALVES, P. S. L. A teologia do Concílio Vaticano II e suas conseqüências na emergência da Teologia da
Libertação. In: GONÇALVES, P. S. L.; BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas.
São Paulo, Paulinas, 2004, p. 69.
50
GONÇALVES, P. S. L. A teologia do Concílio Vaticano II e suas conseqüências na emergência da Teologia da
Libertação. In: GONÇALVES, P. S. L.; BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas.
São Paulo, Paulinas, 2004, p 76.
23
Se, por um lado, a Igreja retrocede no exercício da colegialidade, por outro lado, o
Magistério continua atuante e exercendo um papel eminente, sem jamais perder sua autoridade
que emana do mistério fundante de sua missão e se expressa no pleno exercício de sua função.
Desse modo, o sentido do termo magisterium, como é entendido e exercido pela Igreja
contemporânea só é compreendido mediante estudo minucioso do significado semântico do termo
ao longo da história da Igreja
51
. Verifica-se, portanto, mesmo que sua significação seja
modificada em cada época cultural, um vocabulário que conserva seu sentido originário e
permanente, que perpassa todas as épocas: a missão de ensinar (pregar, proclamar e anunciar), o
serviço de governar (vigilantes, supervisores), a função reguladora da fé (defesa da verdade da fé,
defesa do depósito da fé). O olhar para o passado nos permite algumas reflexões, pois a história
comprova a necessidade, a indispensável e insubstituível missão do Magistério
52
.
O funcionamento dos Concílios Ecumênicos reflete um modo de exercício do Magistério
vivo, aprofunda a noção de Magistério na história da Igreja e da teologia, e contribui para a
compreensão e a justificação de sua necessidade e grandeza na vida da Igreja:
A decisão conciliar é um ato jurídico em matéria de fé. É um julgamento que determina
a interpretação ortodoxa da fé original. Seu elemento regulador é primordial, dado que o
alvo do ensinamento é manter a verdade da fé diante do erro. Mas esse ato jurídico não
basta por si só, visto que é o ato de interpretação de uma mensagem fundadora e de um
documento fundador que é a Escritura. Neste sentido, as decisões conciliares são
também atos de jurisprudência que nos vinculam em nossa interpretação da Escritura e
51
Cf. SAARINEN. R. Magistério. In: LACOSTE, J – Y. (dir.). Dicionário crítico de teologia. São Paulo:
Paulinas/Loyola, 2004, p. 1074; SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja.
Petrópolis: Vozes, 2004, p. 48. O sentido moderno do termo magistério entrou nos documentos pontifícios com
Gregório XVI, em 1835. Na definição, a Igreja dispõe, por instituição divina, de um poder de “magistério para
ensinar e definir aquilo que se refere aos costumes e interpretar a Sagrada Escritura sem nenhum perigo de erro”; LG
18-29.
52
Cf. SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p.
7-20. 19-54. 61-64. 223-255; COMBLIN, J. O povo de Deus. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 356-366; BECKER,
V. K. J. O ministério sacerdotal: natureza e poderes do sacerdócio segundo o magistério da Igreja. São Paulo:
Paulinas, 1976, p 7-8. 15-17. 153; PALACIO, C. Deslocamentos da teologia, mutações do cristianismo: teologia aos
40 anos do Vaticano II. São Paulo: Loyola, 2001. Passim; RAHNER, K. Vaticano II: um começo de renovação. São
Paulo Herder, 1966, p. 6-22; GS 18-29.
24
da fé. [...] a Igreja deve sempre “fazer” a verdade do seu texto fundador, a Escritura,
atualizando-a em contextos históricos e culturais diferentes. [...]. Essa condição histórica
permite distinguir o sentido das palavras, aquilo que é irreformável na intenção, e aquilo
que se acha sujeito à eventual caducidade no vocábulo empregado. É precisamente essa
condição histórica do ser humano e de seu conhecimento, e da própria revelação, tanto
em seu desenvolvimento como em sua compreensão, que exige a existência de um
magistério vivo, cujo discurso nunca se encerra por definição, porque a fé deve ser
sempre transmitida e ensinada ao presente das culturas
53
.
A Bíblia é “palavra de Deus em palavras humanas”
54
. Os responsáveis pelo vasto material
bíblico e o conteúdo literário e teológico da comunidade foram os legisladores, os profetas, os
mestres. Juntamente com eles contribuíram os redatores e compiladores na seleção e
aprimoramento do rico e vasto material bíblico
55
.
A autoridade divina e humana da Bíblia, como palavra de Deus e palavra humana, é
inquestionável. A revelação também tem sua evolução. Os movimentos históricos e
acontecimentos específicos da vida do Povo da Aliança, as mudanças no estilo de vida nômade
para um estilo de vida sedentário, contribuíram para a evolução e a mudança da Bíblia que,
também, crescia e mudava com o povo até se estabilizar nos cânones.
A inspiração bíblica se manifestou, deste modo, “dinâmica e atuante em situações e
acontecimentos comuns”
56
. A atividade divina dava autoridade aos hagiógrafos que recebiam da
comunidade dos fiéis o reconhecimento oficial do caráter inspirado das tradições religiosas tidas
como inspiradas. O julgamento humano está sujeito a erros, e a compreensão humana é limitada,
mas a Palavra de Deus é fidedigna. A diversidade da “tradição bíblica” não causava divisão na
53
SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 36.
54
BERGANT, D.; KARRIS, R. (org.). Comentário bíblico. V. 1: Introdução, Pentateuco, Profetas Anteriores. São
Paulo: Loyola, 1999, p. 13.
55
Cf. BERGANT, D.; KARRIS, R. (org.). Comentário bíblico. V. 1: Introdução, Pentateuco, Profetas Anteriores.
São Paulo: Loyola, 1999, p 14.
56
BERGANT, D.; KARRIS, R. (org.). Comentário bíblico. V. 1: Introdução, Pentateuco, Profetas Anteriores. São
Paulo: Loyola, 1999, p. 13; cf. Também vários documentos Papais e Cartas da Pontifícia Comissão Bíblica, relativos
ao Magistério e Tradição, sua relação com autoridade e Bíblia: In: DOCUMENTOS DA IGREJA. Documentos sobre
a Bíblia e sua interpretação (1893-1993).São Paulo: Paulus, 2005, p. 26, 31, 58, 69-70, 109, 136, 152-159, 160, 162,
168, 170, 176, 182-183, 202-205, 217, 222, 235, 241-256, 261, 264.
25
comunidade por ser a essência ou identidade do Povo de Deus. Eles entendiam a si mesmos como
Povo de Deus, uma identidade que moldou o seu caminho na história e garantiu sua
sobrevivência. A autoridade para definir a autenticidade da inspiração bíblica reside no auto-
entendimento do povo de Israel e da comunidade primitiva
57
.
Para eles, ser ‘o povo de Deus’ significava que Deus os chamara e os conduzia e
protegia. Acreditavam ser destinatários da revelação. Na medida em que expressam com
autenticidade o auto-entendimento fundamental do povo, tais tradições podem ser
consideradas munidas de autoridade
58
.
O auto-entendimento da comunidade primitiva está na seqüência dessa “tradição bíblica”
com autoridade, mas num constante crescer. O evento Cristo trouxe grande impacto sobre o povo
de Deus, forçando-o a rever suas crenças. A radical diferença das outras revelações é que o
evento Cristo “Não foi apenas outra revelação de Deus – os fiéis insistem que foi a revelação de
Deus. Por essa razão, tradições mais primitivas podem agora ser vistas sob uma luz inteiramente
nova”
59
. Instaura-se a passagem da religião do livro (judaísmo) para a religião do Cristo vivo
(cristianismo). Jesus é a autoridade divina invocada pela comunidade cuja mensagem não é uma
doutrina, mas uma pessoa.
A fé transmitida como palavra humana está sujeita às condições e vicissitudes humanas,
em função da evolução histórico-cultural. Por esse fato, necessita de uma instância que garanta
uma regulação autorizada. A necessidade e a grandeza do Magistério garantem essa regulação
porque procede do próprio mistério da encarnação, a Palavra viva que se tornou humana. Jesus
Cristo confiou sua mensagem e a gestão de seus mistérios ao povo que constituiu como Igreja
que se mantém infalível na fé por sua graça, pois, a fé deveria permanecer intacta e inviolável até
57
Cf. BERGANT, D.; KARRIS, R. (org.). Comentário bíblico. V. 1: Introdução, Pentateuco, Profetas Anteriores.
São Paulo: Loyola, 1999, p. 13-37.
58
BERGANT, D.; KARRIS, R. (org.). Comentário bíblico. V. 1: Introdução, Pentateuco, Profetas Anteriores. São
Paulo: Loyola, 1999, p. 15.
59
BERGANT, D.; KARRIS, R. (org.). Comentário bíblico. V. 1: Introdução, Pentateuco, Profetas Anteriores. São
Paulo: Loyola, 1999, p. 7. 17.
26
sua volta. A Igreja tem a missão de transmitir o Evangelho vivo da Salvação e da Vida, Jesus
Cristo, o Salvador e Senhor. A transmissão deve ser “feita” do mesmo modo que Jesus Cristo o
fez, de forma humana, como no dizer de Sesboüè, como palavra viva de geração em geração. As
Escrituras continuam como a base da fé no Senhor Jesus. Ele é a luz e a chave hermenêutica das
Escrituras
60
.
A verdade do Magistério, sua necessidade e grandeza, verificam-se no decorrer da
história, a partir da própria Escritura e da Tradição, a vida da Igreja, e segue o curso da história
no cumprimento de sua missão. A pedagogia de Cristo é modelo para o Magistério Eclesiástico.
1.1 A pedagogia de Jesus Cristo de Nazaré: primazia do Ensino
Jesus Cristo, “Sabedoria de Deus”
61
e “mestre de sabedoria”
62
, veio para Anunciar e
Salvar
63
com autoridade. Revelar-se grande Mestre e Pedagogo
64
através do modo próprio de
suscitar a fé nos discípulos. Seu ensinar e agir era com autoridade, a autoridade divina em íntima
relação com a “sabedoria extraída da vida diária”
65
.
60
Cf. SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p.
7; BINGERMER, M. C. L. Deus: experiência histórica e rosto humano – alguns elementos sobre a questão de Deus
no Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S. L.; BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio Vaticano II: análise e
prospectivas. São Paulo, Paulinas, 2004, p 187-205.
61
FC 10.
62
CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p. 8;
cf. FC 8-10.
63
Cf. EN 6: “O testemunho que o Senhor dá de si mesmo e que São Lucas recolheu no Evangelho, ‘Eu devo
anunciar a Boa Nova do Reino de Deus’ (Lc 4,43), tem, sem dúvida nenhuma, uma grande importância, porque
define, numa frase apenas, toda a missão de Jesus: ‘Para isso é que fui enviado” (LC 4,43). Estas palavras assumem
o seu significado pleno [...] Cristo tinha aplicado a si próprio as palavras do Profeta Isaías: “O Espírito do Senhor
está sobre mim, porque me ungiu para evangelizar os pobres” (Lc 4,18; cf. Is 61,1).”
64
Cf. SESBOÜÈ, B. Pedagogia do Cristo: elementos de cristologia fundamental. São Paulo: Paulinas, 1997, p. 5.
65
CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p. 8.
27
Jesus tinha autoridade, ensinava com autoridade e dava autoridade a seus discípulos
66
. A
veracidade de um ensinamento com autoridade parte da “experiência pessoal e o senso comum do
ouvinte”
67
que é levado ao encontro das necessidades e da recuperação da pessoa humana. A
experiência cotidiana para Jesus constituía-se fonte de sabedoria e de orientação. Ele ensinava
seus discípulos a “consultar a própria experiência para serem sábios e tomarem as atitudes
corretas”
68
. As parábolas oferecem indicações para um correto agir do homem em relação à
íntima união com Deus e com os outros, seja individual ou comunitariamente. As parábolas e as
experiências do cotidiano da vida do povo exemplificam claramente e esclarecem melhor a ação
pedagógica e magisterial do Mestre e Sábio Jesus
69
.
Jesus de Nazaré pregava, proclamava e ensinava
70
, extasiava as multidões, até mesmo as
autoridades e os opositores
71
, encantava os discípulos e apóstolos, reconhecido como quem falava
66
Cf. Mt 7,29; 9,6; 10,1; 21,23-27; 28,18-20; Mc 1,22; 2,10; 3,13-15; 6,7; 11,28-33; 13,36; Lc 4,32; 5,24; 9,1-2;
10,17-20; 19,11-27; 20,1-8; 22,24-27; Jo 5,25-26; 10,18; 17,2.
67
CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p. 8.
68
CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p. 8;
Lc 10: episódio do samaritano solidário.
69
Cf. a: experiência da tentação no deserto demonstra Jesus amando Deus perfeitamente – Mt 4,1-11; b: a parábola
do Samaritano solidário – Lc 10, 29-37; c: o olho é lâmpada do corpo – Mt 6,22-23; d: os dois caminhos – Mt 7,13-
14; e: Jesus é mestre com o fardo leve – Mt 11,28-30; f: parábola do semeador – Mt 13,3-9; g: parábola do Joio – Mt
13,24-30; h: parábola do grão de mostarda e do fermento – Mt 13,31-33; i: parábolas do tesouro, da pérola e da rede
– Mt 13,44-51; j: parábola dos trabalhadores enviados à vinha – Mt 20,1-16; l: a figueira estéril e seca – Mt 21,18-
22; m: parábola dos dois filhos, dos vinhateiros homicidas e do banquete nupcial – Mt 21,28-46–22,1-14; n: sal da
terra e luz do mundo – Mt 5,13-16.
70
Cf. “Jesus percorria toda a Galiléia, ensinando em suas sinagogas [...]” (Mt 4, 23); “Disse-lhes: ‘Vamos a outros
lugares, [...] a fim de pregar também ali, pois foi para isso que eu vim’. E foi por toda a Galiléia, pregando em suas
sinagogas e [...]” (Mc 1, 38-39); “Jesus percorria todas as cidades e povoados ensinando em suas sinagogas e
pregando o Evangelho do Reino [...]” (Mt 9, 35); “E este Evangelho do Reino será proclamado no mundo inteiro,
como testemunho para todas as nações. Então verá o fim.” (Mt 24, 14); Cf. também: Mt 4, 17; 13, 54; 26,13.55; Mc
1, 21-22; 6, 2; 4, 49; 14, 9; Lc 4, 15; 8, 1; 19, 47; SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e
liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 20-21: Dois vocábulos do Novo Testamento são igualmente
empregados a Jesus e aos discípulos, “proclamar ou anunciar” (Keruso), “ensinar” (didasko, didaskalia, didackè).
“Mais tarde, na Vulgata, Jerônimo irá sistematicamente traduzir didaskalos por magister”.
71
Cf. “Vendo ele as multidões, subiu à montanha. Ao sentar-se, aproximaram-se dele os seus discípulos. E pôs-se a
falar e os ensinava [...]” (Mt 5, 1-2); “Aconteceu que ao terminar Jesus essas palavras, as multidões ficavam
extasiadas com o seu ensinamento, porque as ensinava com autoridade e não como os seus escribas” (Mt 7, 28-29);
Cf. também: Mc 1,23; 4, 1-2; Lc 4,32; “Enviaram-lhe, então, alguns dos fariseus e dos herodianos para enredá-lo
com alguma palavra. Vindo eles disseram-lhe: ‘Mestre, [...], mas ensinas, de fato, o caminho de Deus” (Mc 12, 13-
14a.); Lc 20, 21; Jo 7, 14; 8,28.
28
com autoridade
72
. Ele reconhecia a autoridade dos Sábios Profetas Judeus anteriores. Referia-se à
autoridade deles, mas ensinava e agia explicando as tradições pelo próprio mérito e autoridade,
recorrendo diretamente à autoridade divina. Não ensinava como os fariseus que recorriam à
autoridade da tradição dos anciãos
73
. Para os discípulos, Jesus é a autoridade
74
. Jesus estava
profundamente imerso nas Escrituras e nas tradições antigas de seu povo, base de sua sabedoria,
porém, “[...] para as decisões e a orientação práticas, cotidianas, sobre como viver fielmente de
acordo com as tradições, a chave [...], é a sabedoria extraída da vida diária”
75
.
Jesus Cristo soube viver bem e ensinar o bem-viver. Redentor da humanidade,
históricamente situado, teve histórias, crenças, valores e práticas que unificaram e orientaram sua
vida em “relação a Deus enquanto origem e meta da existência humana”
76
. A Pessoa toda de
Jesus Cristo de Nazaré é revelação, proclamação, anúncio e ensinamento, a começar pelo
72
Cf. “Quando Jesus acabou de dar instruções a seus doze discípulos, partiu dali para ensinar e pregar nas cidades
deles” (Mt 11, 1); “Tendo partido dali, caminhava através da Galiléia, mas não queria que ninguém soubesse, pois
ensinava aos seus discípulos e dizia-lhes: ‘O Filho do Homem será entregue às mãos dos homens e eles o matarão e,
morto, depois de três dias ele ressuscitará” (Mc 9, 30-31); cf. também: Mc 16, 15.20; Lc 9, 1-2.60; 11, 1; 24, 47.
73
Cf. “não como os seus escribas” (Mt 7,29), nota (a). In: BIBLIA: A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002,
p. 1716: “Que baseavam todos os seus ensinamentos na ‘tradição’ dos anciãos (cr. 15,2). – Ad. ‘e os fariseus’”.
74
Cf. “Aconteceu que ao terminar Jesus essas palavras, as multidões ficaram extasiadas com o seu ensinamento,
porque as ensinava com autoridade e não como os seus escribas” (Mt 7,28-29; // Mc 1,23; Lc 4,32); No episódio da
transfiguração: “E lhes apareceram Elias com Moisés, conversando com Jesus” (Mc 9,4); “E eis que dois homens
conversavam com ele: eram Moisés e Elias que, aparecendo envoltos em glória, falavam de seu êxodo que se
consumaria em Jerusalém” (Lc 9,30-31); no ensino sobre o divórcio: “O que vos ordenou Moisés?” (Mc 10,3.4-9);
na parábola do homem rico e do pobre Lázaro – evoca a autoridade de Abraão, Moisés e os Profetas: “Abraão,
porém, respondeu: ‘Eles têm Moisés e os Profetas; ouçam-nos [...] Mas Abraão lhe disse: ‘Se não escutam nem a
Moisés nem aos Profetas, nem mesmo que alguém ressuscite dos mortos, não se convencerão” (Lc 16,29.31); o
episódio de Emaús e a interpretação das Escrituras: “Ele, então, lhes disse: ‘Insensatos e lentos de coração para crer
em tudo o que os Profetas anunciaram!’ E, começando por Moisés e percorrendo todos os Profetas, interpretou-lhes
as Escrituras o que a ele dizia respeito” (Lc 24,25-27); “Porque a Lei foi dada por meio de Moisés” (Jo 1,17); o
episódio da cura do cego de nascença e o interrogatório dos fariseus cf. Jo 9,1-41//Jo 5, 45-47: “Não pensais que vos
acusarei diante do Pai; Moisés é vosso acusador, ele, em quem pusestes a vossa esperança. Se crêsseis em Moisés,
haveríeis de crer em mim, porque foi a meu respeito que ele escreveu. Mas se não credes em seus escritos, como
crereis em minhas palavras?”; BERGANT, D.; KARRIS, R. (org.). Comentário bíblico. V. 1: Introdução,
Pentateuco, Profetas Anteriores. São Paulo: Loyola, 1999, p. 18; Mt 7,29; 9,6; 21,23; 22,16; 28,18; Mc 1,22; 2,10;
3,15; 11,28; Lc 4,6.32; 5,24 19, 47; 20,2.
75
CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p. 8.
76
CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p. 9 e
253; cf. MANZATTO, A. O paradigma cristológico do Vaticano II e sua incidência na cristologia latino-americana.
In: GONÇALVES, P. S. L.; BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo,
Paulinas, 2004, p. 208-218.
29
mistério da sua encarnação, perpassando toda a sua vida, até a realização plena do mistério da
Redenção, na sua morte e ressurreição
77
. Seu agir é o agir de Deus e Sua palavra é a Palavra de
Deus. Sua missão de Ensinar e Anunciar transparece nas palavras e em todas as suas ações. Sua
sabedoria consiste em dirigir as pessoas para Deus e para as relações humanas, ajudando-as obter
discernimento entre ações aconselhadas e desaconselhadas: “como lidar, com sucesso e lealdade,
com a família, os amigos, os parceiros de negócios, os líderes civis, os jovens, os idosos, os
estrangeiros, os tolos?”
78
.
A sabedoria na literatura sapiencial de Israel está inserida na ampla literatura sapiencial
do Antigo Oriente da qual emerge a sabedoria grega, mãe de sua primeira civilização
79
. A
sabedoria familiar e de clã foi pertinente e relevante no mundo antigo, pois, era preciso aprender
a “lidar com a vida no mundo”
80
. Por isso, ela dizia respeito aos indivíduos e a seu modo de
existir no mundo, à vida no lar e no clã. “A formalização dessa sabedoria num conjunto coerente
de pressupostos e conclusões sobre a vida e o mundo, veio a surgir espontaneamente a partir das
necessidades de criação e educação da nova geração”
81
. Os Sábios eram hábeis na arte de falar,
na arte de analisar e descrever a existência, e versáteis na arte de tratar com os outros.
77
Cf. MANZATTO, A. O paradigma cristológico do Vaticano II e sua incidência na cristologia latino-americana. In:
GONÇALVES, P. S. L.; BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo,
Paulinas, 2004, p. 209.
78
CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p. 9;
cf. “Aconteceu que ao terminar Jesus essas palavras, as multidões ficaram extasiadas com seu ensinamento, porque
as ensinava com autoridade e não como os escribas” (Mt, 7,28-29); nota (a) BÍBLIA: Bíblia de Jerusalém. São Paulo:
Paulus, 2003, p. 1714: “Que baseavam todos os seus ensinamentos na “tradição” dos anciãos (cf. 15, 2)”; “Nesse
tempo, chegaram-se a Jesus fariseus e escribas vindos de Jerusalém e disseram: “Porque os teus discípulos violam a
tradição dos antigos? Pois não lavam as mãos quando comem” (Mt 15, 1-2); cf. Nota (d) In: BIBLIA: A Bíblia de
Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002, p. 1731: “Tradição oral que, sob o pretexto de assegurar a observância da lei
escrita, ia mais longe do que ela. Os rabinos faziam-na remontar, através dos “artigos”, a Moisés”.
79
Cf. BALLARINI, T. Introdução à Bíblia. V.3.2: os livros poéticos: Salmos, Jó, Provérbios, Cântico dos Cânticos,
Eclesiastes, Eclesiástico, Sabedoria. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 114-310.
80
CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p. 14.
81
CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p. 14.
14-20; cf. BALLARINI, T. Introdução à Bíblia. V.3.2: os livros poéticos: Salmos, Jó, Provérbios, Cântico dos
Cânticos, Eclesiastes, Eclesiástico, Sabedoria. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 114.
30
Ensinar corresponde a educar e revelar. Significa, simultaneamente, apreender a Lei
ouvida e praticá-la para reconstruir o ambiente social, familiar e religioso. Na Escritura
Veterotestamentária, em Ex 3,4-12, Moisés fez a experiência de Deus. No monte Horeb, a
montanha de Deus ou da teofania, do meio de uma sarça, Deus entra em diálogo com Moisés. Por
livre iniciativa, Deus põe-se a ensinar revelando algo sobre si mesmo
82
. Demonstrou que para
libertar é necessário adquirir conhecimento, falar, ser ouvido e praticar. Deus ensina, dando-se a
conhecer.
A tradição Javista apresenta a estreita relação entre Êxodo e Sinai que emerge da
experiência da sarça, em dupla dimensão: reverência e continuidade histórica.
O que emerge dessa passagem é a dupla dimensão de reverência e de continuidade
histórica. A reverência se expressa no gesto de Moisés tirar as sandálias por causa da
santidade intrínseca do encontro com o Senhor – a presença do Senhor santifica o solo.
Por conseguinte, Moisés cobre o rosto. A continuidade histórica é articulada no v. 6. O
Deus que fala a Moisés tem estado atuante através dos séculos em sua preocupação por
este povo. O Deus de Moisés é também o Deus dos patriarcas (veja também 3,16)
83
.
A tradição Eloísta, por sua vez, apresenta o encontro de Moisés com seu sogro Jetro. Na
montanha próxima ao Sinai, montanha do encontro, não da teofania
84
, Moisés conta a Jetro os
feitos do Senhor. Jetro parece reagir com alegria, como que reconhecendo a superioridade do
Deus de Israel
85
. O encontro se caracteriza por dois acontecimentos significativos: primeiro, o
encontro culmina com o banquete de uma aliança
86
; segundo, por sugestão de Jetro, diante de
82
Cf. CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p.
21-37; BALLARINI, T. Introdução à Bíblia. V.3.2: os livros poéticos: Salmos, Jó, Provérbios, Cântico dos
Cânticos, Eclesiastes, Eclesiástico, Sabedoria. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 154-155.
83
BERGANT, D.; KARRIS, R. (org.). Comentário bíblico. V. 1: Introdução, Pentateuco, Profetas Anteriores. São
Paulo: Loyola, 1999, p. 95.
84
Cf. Ex 18,1-27.
85
Cf. Ex 18, 8-11.
86
Cf. Ex 18,1-12.
31
uma população grande e sedentária, se desenrola a descentralização judicial da autoridade de
Moisés com a nomeação dos juízes menores
87
.
O temor divino, um tema da tradição Eloísta, é enfatizado no texto para garantir o bem
comum e evitar o suborno: “escolhe do meio do povo homens capazes, tementes a Deus, seguros,
incorruptíveis, e estabelece-os como chefes” (Ex 18,21)
88
. Deus falava ao Povo da Aliança pela
boca e presença de Moisés, a quem se dirigiam “para consultar a Deus” (Ex 18,17) e conhecer
seus decretos e suas leis
89
. Deus ensinou a Moisés através de Jetro, o sábio e conselheiro.
O sogro de Moisés lhe disse: ‘Não é bom o que fazes! Certamente desfalecerás, tu e o
povo que está contigo, porque a tarefa é muito pesada para ti; não poderá realizá-la
sozinho. Agora, pois, escuta o conselho que te darei para que Deus esteja contigo:
representa o povo diante de Deus, e induze as suas causas junto de Deus. Ensina-lhes os
estatutos e as leis, faze-lhes conhecer o caminho a seguir e as obras que devem fazer.
Mas escolhe do meio do povo homens capazes, tementes a Deus, seguros, incorruptíveis,
e estabelece-os como chefes de mil, chefes de cem, chefes de cinqüenta e chefes de dez.
Eles julgarão o povo em todo o tempo. Toda causa importante a trarão a ti, mas toda
causa menor eles mesmos julgarão. Assim será mais leve para ti, e eles levarão a carga
contigo. Se assim fizeres, e Deus to ordenar, poderás então suportar este povo, que por
sua vez tornará em paz ao seu lugar’. (Ex 18,17-23).
A verdadeira sabedoria e inteligência do povo eleito estão no apego a Iahweh e na prática
fiel de seus estatutos e normas pela qual Israel obtém a vida e testemunha Iahweh a outros povos.
Agora, pois, ó Israel, ouve os estatutos e as normas que hoje vos ensino a praticar, a fim
de que vivais e entreis para possuir a terra que vos daIahweh, o Deus de vossos pais.
[...]; quanto a vós, porém, permanecestes apegados a Iahweh vosso Deus, e hoje estais
todos vivos. Eis que vos ensinei estatutos e normas conforme Iahweh meu Deus me
ordenara, para que os ponhais em prática [...]. Portanto, cuidai de pô-los em prática, pois
isto vos tornará sábios e inteligentes aos olhos dos povos. Ao ouvir todos esses estatutos
dirão: ‘Só existe um povo sábio e inteligente: é esta grande nação!’ De fato! Qual a
87
Cf. Ex 18, 13-27; cf. BERGANT, D.; KARRIS, R. (org.). Comentário bíblico. V. 1: Introdução, Pentateuco,
Profetas Anteriores. São Paulo: Loyola, 1999, p. 18.
88
Cf. Dt 16,19.
89
Cf. BERGANT, D.; KARRIS, R. (org.). Comentário bíblico. V. 1: Introdução, Pentateuco, Profetas Anteriores.
São Paulo: Loyola, 1999, p. 18.
32
grande nação cujos deuses estejam tão próximos como Iahweh nosso Deus, todas as
vezes que o invocamos? E qual a grande nação que tenha estatutos e normas tão justas
como toda esta Lei que eu vos proponho hoje? (Dt 4,1-8).
A Tôrah, em sentido próprio, “introdução ou direção dada”
90
, refere-se à globalidade dos
“estatutos e normas” (Dt 4,5). Ela inclui o culto a Iahweh e a conduta humana inspirada pelo
crescente conhecimento e aprofundamento consciente da Aliança, proposta e selada por Deus (cf.
Gn 15). A visão ampla da Lei ou Tôrah vai dominar e determinar toda a vida religiosa de Israel.
Cada vez mais a revelação de Deus e o ensinamento transmitido pelos textos antigos e
pelos profetas animarão a ‘vida’ inteira do povo (Dt 4,1; 8,3+; 30,14+; Sl 19,8-15; 77,1;
94,12; 119,1+; Eclo 1,26; 24 etc.; cf. At 7,38+). Jesus declarará ter vindo para “cumprir”
a Lei e os profetas (Mt 5,17+; Cf. Mt 22,34-40p), e Paulo explicará de que modo “a Lei”
foi substituída pela fé em Cristo (Rm 3,27+; 10,4)
91
.
Iahweh é o Deus fiel que se revela misericordioso e se comunica na história e na vida com
seu povo, até que todos se voltem para Ele “no fim dos tempos” (Dt 4,30). Esse “tempo” é o
tempo escatológico, quando se estabelecerá definitivamente o Reino de Deus: “E acontecerá, no
fim dos dias, que a montanha da casa de Iahweh estará firme no cume das montanhas e se
levantará acima das colinas. Então, povos afluirão para ela” (Mq 4,1). A família e as gerações de
famílias ocupam lugar privilegiado e primário no ensino e na prática da Tôrah, até que todos se
voltem para Iahweh: “Apenas fica atento a ti mesmo! Presta muita atenção em tua vida, para não
te esqueceres das coisas que teus olhos viram, e para que elas nunca se apartem do teu coração,
em nenhum dia da tua vida. Ensina-as aos teus filhos e aos teus netos” (Dt 4,9)
92
.
90
Nota (a). In: BÍBLIA: Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2000, p. 262; cf. CERESKO, A. R. A Sabedoria no
Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p. 21-30.
91
Nota (a). In: BÍBLIA: Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2003, p. 262.
92
Cf. Dt 4,10-14.29-31.
33
O Livro dos Provérbios é “uma coleção de coleções”
93
e o primeiro na ordem do tempo
dos livros sapienciais. Os gêneros literários que caracterizam o Livro dos Provérbios são
Provérbios e Instrução, enfatizando a teologia educacional da sabedoria e os sábios de Israel.
A atividade intelectual e a conduta moral são igualmente igualadas e necessárias para se
adquirir sabedoria. A atividade intelectual significa estudar com diligência e desenvolver a
capacidade de bem julgar com disciplina: “‘Disciplina’ é a educação formal nas mãos de um
mestre
94
. O comportamento moral do sábio é conter justiça, eqüidade, retidão e, o fundamental,
a piedade e a fidelidade religiosa: “o temor de Iahweh é o princípio de conhecimento: os estultos
desprezam sabedoria e disciplina” (Pv 1,7; cf. 1,1-7). Desse modo, um provérbio não é só um
conselho edificante, antes, é uma lição e um modelo a ser seguido
95
. Conhecimento e prática são,
simultaneamente, relevantes e pertinentes no ensino ou instrução proverbial:
93
BALLARINI, T. Introdução à Bíblia. V.3.2: os livros poéticos: Salmos, Jó, Provérbios, Cântico dos Cânticos,
Eclesiastes, Eclesiástico, Sabedoria. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 192: Provérbios, “fundamentalmente significa
semelhança, comparação, ou, como derivado, provérbio ou semelhança moral [... Provérbio popular que] também se
encontra nos livros históricos (1Sm 10,12; 19,24; 1Rs 20,11) e proféticos (Is 10,15; Jr 23,28; Ez 18,2). [... podemos]
definir Provérbios como um conjunto de ensinamentos religiosos-morais, baseados sobre a experiência e expressos
habitualmente com imagens que requerem certo esforço a serem apreendidos”; cf. BERGANT, D.; KARRIS, R.
(org.). Comentário bíblico. V. 2: Profetas posteriores, Escritos, Livros Deuteronômicos. São Paulo: Loyola, 1999, p.
235 cf. também: p. 235-238; CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São
Paulo: Paulus, 2004, p. 54-73; LAURENTINI, G. Provérbios. In: BALLARINI, T. Introdução à Bíblia. V.3.2: os
livros poéticos: Salmos, Jó, Provérbios, Cântico dos Cânticos, Eclesiastes, Eclesiástico, Sabedoria. Petrópolis:
Vozes, 1985, p. 191-192.
94
BERGANT, D.; KARRIS, R. (org.). Comentário bíblico. V. 2: Profetas posteriores, Escritos, Livros
Deuteronômicos. São Paulo: Loyola, 1999, p. 239; cf. CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento:
espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p. 61-63.
95
Cf. Nota (a). In. BÍBLIA: Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2003, p. 1023: “O ‘temor de Iahweh’, na Bíblia
(cf. Ex 20,20+; Dt 6,2+), é, aproximadamente, o que chamamos de religião ou piedade para com Deus. É o mesmo
tempo o princípio (Pv 9,10; 15,33; Jó 28,28; Sl 111,10; Eclo 1,14.20) e o coroamento (Eclo 1,18; 19,20; 25,10-11;
40,25-27) de uma sabedoria inteiramente religiosa na qual se desenvolve uma relação pessoal com o Deus da
Aliança, de maneira que temor e amor, submissão e confiança coincidem (cf. Sl 25,12-14; 112,1; 128,1; Ecl 12,13;
Eclo 1,27-28; 2,7-9.15-18 etc)”: BERGANT, D.; KARRIS, R. (org.). Comentário bíblico. V. 2: Profetas posteriores,
Escritos, Livros Deuteronômicos. São Paulo: Loyola, 1999, p. 239-240; CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo
Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p. 61-65.
34
Assim, a sabedoria especial de liderança e julgamento própria de reis está sendo
oferecida a todos os que se submetem ao estudo disciplinado. Os homens tornam-se
sábios pelo estudo e são capazes de crescer no entendimento, mas nunca sem instrução
96
.
Os ensinamentos de Provérbios consecutivamente são: precaver-se contra os maus
companheiros e fugir à indiferença
97
; conhecer os benefícios da sabedoria que se encontram na
bênção
98
; adquirir a sabedoria e possuir a alegria dos sábios pela benção de fidelidade a Deus
99
; o
valor da sabedoria que faz o sábio encontrar entendimento e boa relação com as pessoas da
sociedade
100
; o chamado para adquirir a sabedoria e a sua transmissão através da família
101
; saber
escolher sabiamente entre os dois caminhos
102
; os verdadeiros amores do sábio e os perigos da
libertinagem
103
; o discurso paterno e advertência contra o adultério
104
; a sabedoria, a liberdade e o
segundo discurso sobre a sabedoria, régia e criadora – o convite supremo
105
; a parábola dos dois
banquetes, o da dona sabedoria e o da dona insensatez
106
.
A natureza intelectual da pessoa humana participa da “luz da inteligência divina”
107
. Sua
perfeição se encontra na sabedoria que “suavemente atrai a mente do homem na busca e no amor
da verdade e do bem, e graças à qual ele é levado por meio das coisas visíveis até às
invisíveis”
108
. O futuro do mundo está ameaçado pela própria pessoa humana que tem medo das
96
BERGANT, D.; KARRIS, R. (org.). Comentário bíblico. V. 2: Profetas posteriores, Escritos, Livros
Deuteronômicos. São Paulo: Loyola, 1999, p. 239.
97
Cf. Pr 1,1-19.
98
Cf. Pv 2,1-22; CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo:
Paulus, 2004, p. 61-66.
99
Cf. Pv 3,1-12.
100
Cf. Pv 3, 13-35.
101
Cf. Pv 4, 1-9.
102
Cf. Pv 4,10-27.
103
Cf. Pv 5,1-23; 6,1-19.
104
Cf. Pv 6,20-35.
105
Cf. Pv 7,1-27; 8,1-36; CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São
Paulo: Paulus, 2004, p. 61-66; LAURENTINI, G. Provérbios. In: BALLARINI, T. Introdução à Bíblia. V.3.2: os
livros poéticos: Salmos, Jó, Provérbios, Cântico dos Cânticos, Eclesiastes, Eclesiástico, Sabedoria. Petrópolis:
Vozes, 1985, p. 200-209.
106
Cf. Pv 91-18; BERGANT, D.; KARRIS, R. (org.). Comentário bíblico. V. 2: Profetas posteriores, Escritos, Livros
Deuteronômicos. São Paulo: Loyola, 1999, p. 240-245.
107
GS 15. 22.
108
GS 15. 22.
35
obras de suas próprias mãos
109
. O futuro do mundo depende de homens de sabedoria que saibam
humanizar as descobertas humanas: “Pelo Espírito Santo, o homem chega, na fé, a contemplar e
saborear o mistério do plano divino”
110
.
O Livro da Sabedoria de Salomão, uma das mais notáveis literaturas do Antigo
Testamento, foi elaborado nos decisivos final do século I a.C. e início do século I d.C. Sabedoria,
representa o vivo movimento sapiencial dos círculos judaicos contemporâneos a Jesus e às
primeiras comunidades cristãs. Paradoxalmente, Sabedoria representa busca de diálogo fecundo
de Israel com as culturas invasoras, helênicas e romanas, e, ao mesmo tempo, resistência à
imposição de seu domínio cultural, econômico, político e bélico, excludente e discriminatório. O
autor da Sabedoria busca habilidosamente contemplar as escolas filosóficas gregas, integrando o
conhecimento grego ao modo diferente de aprender conhecimento, das tradições judaicas
111
. A
profunda espiritualidade do Livro da Sabedoria pretende levar o fiel, o individual e coletivo,
diante da ameaça de abandono da religião e de seu legado judaico, a “uma religiosidade e um
compromisso intenso com o Deus de Israel. [...] a uma união íntima com Deus”
112
. Era preciso
levar os judeus à fidelidade a Iahweh, o Deus da Revelação e, paralelamente, usufruir de toda a
riqueza helenista
113
.
109
Cf. RH 8-17; GS 15. 22; FC 8.
110
GS 15; cf. GS 12-22.
111
Cf. Para aprofundar situação socioreligiosa do tempo de Jesus cf.: MATEOS, J.; CAMACHO, F. Jesus e a
sociedade de seu tempo. São Paulo: Paulinas, 1992. Passim; CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento:
espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p. 155-162. 186-195; VIRGULIN, S. Sabedoria. In:
BALLARINI, T. Introdução à Bíblia. V.3.2: os livros poéticos: Salmos, Jó, Provérbios, Cântico dos Cânticos,
Eclesiastes, Eclesiástico, Sabedoria. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 283-310.
112
CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p.
155; cf. “Os que nele confiam compreenderão a verdade, e os que são fiéis permanecerão juntos a ele no amor, pois
graça e misericórdia são para seus santos, e sua visita é para seus eleitos” (Sb 3,9); notas (d) e (e): In: BÍBLIA:
Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2003, p. 1109: “a verdade” Æ “uma ‘verdade’ que justificará sua confiança e
lhes revelará o desígnio de Deus”; “junto a ele no amor” Æ “ou então, separando a frase de outra maneira: ‘e os que
são fiéis no amor permanecerão juntos a ele’”.
113
Cf. BÍBLIA: Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2003, p. 1103-1104; cf. VIRGULIN, S. Sabedoria. In:
BALLARINI, T. Introdução à Bíblia. V.3.2: os livros poéticos: Salmos, Jó, Provérbios, Cântico dos Cânticos,
Eclesiastes, Eclesiástico, Sabedoria. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 286.
36
Anthony R Ceresko, autor de A Sabedoria no Novo Testamento, vê grande e penetrante
influência dos escritos sapienciais sobre o Novo Testamento, “atingindo quase todos os aspectos
dos primeiros escritos cristãos. Essa influência pode igualmente ser identificada na pessoa e nos
ensinamentos da figura neotestamentária central, Jesus Cristo”
114
.
Jesus é Profeta escatológico opondo-se claramente, por ensinamentos e ações, à
generalizada injustiça social de sua época. Denunciou o violento e explorador regime romano e
os judeus atrelados ao injusto poder. O conteúdo central de sua pregação foi o Reino de Deus
escatológico, pois, agora “Ele inaugurou um novo estágio na história das relações de Deus com a
humanidade”
115
.
Vida e ministério de Jesus demonstram-no rico em tradições, mestre da verdade e de
sabedoria, um Profeta e Sábio que falava em parábolas, causando grande impacto sobre os
ouvintes e seguidores
116
. As Parábolas, histórias de comparação narrativa, estratégicas dos
Profetas para “oporem-se às injustiças da ordem vigente e, de maneira implícita, conclamarem a
uma contra-ordem mais razoável e mais justa”
117
. Apesar da influência da Sabedoria Profética e
do uso das parábolas, Jesus ultrapassa a autoridade Profética e a literatura sapiencial. Sua
sabedoria era “Sabedoria revelada e palavra profética renovada”
118
porque sua procedência era
direta de Deus.
114
CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p.
186.
115
CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p.
186; cf. MATEOS, J.; CAMACHO, F. Jesus e a sociedade de seu tempo. São Paulo: Paulinas, 1992, p. 9-76;
KOUBETCH, V. Da criação à parusia: linhas mestras da teologia oriental. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 143-171;
HORSLEY, R. A. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova ordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004, p. 12-152.
116
Cf. CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p.
187 e o capítulo 6, p. 46-53, onde se vê o uso de Parábolas na literatura sapiencial, recurso utilizado em abundancia
por Jesus.
117
CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p.
187; cf. 1Sm 12,1-5: o uso de uma parábola pelo Profeta Natã, expondo o orgulho de Davi e seus pecados de
adultério e assassinato.
118
CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p.
187.
37
Jesus parece ser uma continuação e um desenvolvimento dessa compreensão e da
atividade do sábio. Jesus também ensinou ‘com autoridade’ (Mc 1,27; Mt 7,29; Lc 4,32).
Suas parábolas e conselhos percorrem uma linha tênue que separa o ensinamento
sapiencial baseado na observação e na reflexão, de um lado (“os pássaros no ar... os
lírios do campo” [Mt 6,16,28]), da sabedoria revelada e da profecia, do outro. Pode-se
ver esse aspecto revelatório dos ensinamentos de Jesus em Mateus 11,25-30; no v. 27,
por exemplo, Jesus diz: ‘Meu Pai entregou tudo a mim. Ninguém conhece o Filho, a não
ser o Pai, e ninguém conhece o Pai, a não ser o Filho e aquele a quem o Filho quiser
revelar
119
.
Jesus pertencia ao extrato mais baixo da sociedade, era popular e não letrado, não
pertencia a nenhuma das classes e grupos estabelecidos. Ele não reivindicava para si “nenhuma
capacidade ou formação especiais e na interpretação da Tora”
120
, e não se identificava com
nenhuma das propostas libertadoras de seu tempo. Por fim, Jesus era, de certo modo, a
personificação da Sabedoria: “Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso
fardo e vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e
humilde do coração, e encontrareis descanso para vossas almas, pois meu jugo é suave e meu
fardo é leve” (Mt 11,28-30).
A cristologia primitiva atribui a Jesus, a seu poder divino “criador, salvador, revelador e
orientador”, aquela “personalidade” atribuída pelos Sábios do Antigo Testamento
121
. Jesus é a
personificação da Sabedoria:
Essa personificação da sabedoria na figura da Sabedoria, proporcionou a linguagem e as
imagens mediante as quais os primeiros cristãos puderam articular a significação
salvífica e a identidade de Jesus de Nazaré. Assim teve início o processo de
transferência, para a pessoa histórica de Jesus, das palavras, das funções e das
119
CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p.
187-188.
120
CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p.
188; cf. MATEOS, J; CAMACHO, F. Jesus e a sociedade de seu tempo. São Paulo: Paulinas, 1992, p. 18-57. 77-
118.
121
Cf. Livro de “Jó 28. Provérbios 1-9, Eclesiástico 24 e Sabedoria 6-9”. Ins: CERESKO, A. R. A Sabedoria no
Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p. 191-195; Mt 11, 28-30; 12,42; Lc 11,31;
Jo 1,14.13.20-21; 7,28.
38
características dessa Sabedoria personalizada. Vemos Jesus apresentado como o enviado
ou mensageiro da Sabedoria, ou mesmo como a própria Sabedoria. Um bom exemplo
desse tipo de identificação ocorre em Colossenses 1,15-20. Os primeiros versículos da
passagem exprimem a íntima associação entre Cristo e a obra da Criação: “Ele é a
imagem do Deus invisível, o Primogênito, anterior a qualquer criatura; porque nele
foram criadas todas as coisas, tanto as celestes como as terrestres, as visíveis como as
invisíveis: tronos, soberanias, principados e autoridades. Tudo foi criado por meio dele
e para ele. Ele existe antes de todas as coisas, e tudo nele subsiste
122
.
O termo Sabedoria é utilizado em múltiplos sentidos pelo Papa no desenvolvimento
temático da Familiaris Consortio
123
. Primeiramente, João Paulo II retomou, ampliou e atualizou
temas antropológicos, sociológicos e culturais da Gaudium et spes
124
, aplicando-os à realidade do
matrimônio e da família. O medo que o homem tem de si mesmo, as produções de suas mãos, as
ameaças científico-tecnológicas das recentes descobertas, a dura realidade de pobreza e miséria a
que pessoas e famílias estão situadas, colocam em perigo o futuro e o destino do mundo e da
pessoa humana. O mundo necessita de homens cheios de sabedoria, capazes da construção de
nova cultura e novo humanismo
125
.
A antropologia cristã oferece uma visão de ser humano à luz de Deus Criador e Redentor
capaz de contribuir para “humanizar as novas descobertas dos homens”
126
e para construir o
“novo humanismo”
127
. Mas, para efetivar tal construção faz-se necessário o aprendizado e a
prática dos valores fundamentais da dignidade da vida humana e de homens “cheios de
sabedoria”
128
. O novo humanismo apresentará homens novos, cheios de sabedoria, edificadores
122
CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p.
191; na citação de Cl 1,15-17, o itálico é meu; cf. também Sabedoria que menciona a Sabedoria personificada –
fazendo um paralelo com Colossenses 1,15-20: “Ela é reflexo da luz eterna, espelho nítido da atividade de Deus e
imagem da sua bondade. Embora seja única, ela tudo pode. Permanece sempre a mesma, mas renova tudo. [...] Ela se
estende vigorosamente de um extremo a outro, e governa retamente o universo” Sb 7,26-27; 8,1.
123
Cf. FC 8-11. 26-27. 33. 38. 40. 43. 77.
124
Cf. FC 8; GS 15.22; FC 2.
125
Cf. FC 3-10; RH 13-17.
126
GS 15.
127
FC 8; cf. RH 1-12.
128
FC 8 e GS 15.
39
de estruturas sociais e morais mais justas a partir de uma “nova cultura, intimamente
evangelizada”
129
, As produções humanas não mais serão ameaças, abrindo novas possibilidades
que não se oponham à dignidade e à promoção humana.
A educação da consciência moral, que faz o homem capaz de julgar e discernir os modos
aptos para a sua realização segundo a verdade originária, torna-se assim uma exigência
prioritária e irrenunciável. É a aliança com a sabedoria divina que deve ser mais
profundamente reconstituída na cultura moderna. De tal Sabedoria cada homem foi feito
participante pelo mesmo gesto criador de Deus. E é só na fidelidade a esta aliança que as
famílias de hoje estarão em grau de influenciar positivamente na construção de um
mundo mais justo e fraterno
130
.
Que Sabedoria refere-se o Papa da qual “cada homem foi feito participante pelo mesmo
gesto criador de Deus?”
131
. A Igreja, “real e intimamente ligada ao gênero humano e sua
história”
132
, através da evangelização inculturada, contribui eficazmente para a geração de uma
nova cultura e uma nova humanidade: “É mediante a «inculturação» que se caminha para a
reconstituição plena da aliança com a Sabedoria de Deus, que é o próprio Cristo”
133
. Cristo,
então, é a Sabedoria de Deus, a “Luz dos povos”
134
, Aquele que realiza plenamente a “união
íntima com Deus e da unidade de todo genero humano”
135
na Aliança eterna e definitiva na sua
morte e ressurreição.
A “Fonte Q”, documento da Antigüidade cristã, reflete a influência da literatura sapiencial
na vida de Jesus, apresentando-o mais grandioso que o rei Salomão, mensageiro, enviado ou
porta-voz da Sabedoria
136
.
129
FC 8.
130
FC 8.
131
FC 8. 10; cf. RH 7.
132
GS 1.
133
FC 10.
134
LG 1.
135
LG 1; cf. FC 12.
136
Cf. CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p.
192; cf. “Mas aqui está algo mais do que Salomão!” Mt 12,42; Lc 11,31; Mateus foi além do documento Q, Jesus é
mais que o enviado da Sabedoria; é a personificação da Sabedoria, a própria Sabedoria.
40
‘Fonte Q’ ou documento ‘Q, ou ainda ‘Fonte dos Ditos’, foi reconstruído pelos eruditos
a partir de seus estudos dos ‘Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas). Consistia
numa coletânea dos ditos de Jesus reunidos pelas comunidades cristãs primitivas da
Palestina ou da parte oeste da Síria. Tanto na forma como no conteúdo, reflete a
influência da tradição sapiencial veterotestamentária
137
.
O Evangelho de João ultrapassa a noção dos Sinóticos sobre a Sabedoria personificada e
avança em sua cristologia adicionando a “noção de Sabedoria preexistente”
138
: “No princípio era
o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus” (Jo 1,1). O Verbo, “pelo qual tudo foi
feito” (Jo 1,1)
139
, que “No princípio, estava com Deus” (Jo 1,2), “se fez carne, e habitou entre
nós” (Jo 1,14). O Logos
140
que se encarna, assume um corpo em Jesus de Nazaré: “O Verbo se
fez carne e viveu entre nós” (Jo 1,14). Em João, a Sabedoria (Jesus)
141
grita pelas ruas, ensina no
Templo, convida a todos a ir até Ela para beber, comer, aprender a verdade, a fim de que sejam
conduzidos à vida e à imortalidade.
Jesus é aquele que ensina a partir de sua origem divina e humana:
Quando a festa estava pelo meio, Jesus subiu ao Templo e começou a ensinar.
Admiravam-se então os judeus, dizendo: ‘Como entende ele de letras sem ter estudado?’
Jesus lhes respondeu: ‘Minha doutrina não é minha, mas daquele que me enviou. Se
alguém quer cumprir sua vontade, reconhecerá se minha doutrina é de Deus ou se falo
por mim mesmo. Quem fala por si mesmo procura a própria glória. Mas aquele que
137
: CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p.
192.
138
CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p.
193.
139
Cf. Gn 1,1; Sl 33,6-9; Sb 9,1; Eclo 42,15.
140
Cf. “Ainda que o autor do Evangelho use o termo grego Logos (“Verbo, palavra”) aqui, o vocábulo hebraico
hokmá (“sabedoria”; em grego sophia) é claramente um dos principais elementos incluídos nessa afirmação acerca
da identidade de Jesus. O início do Evangelho de João postula a preexistência desse Verbo [Palavra]/Sabedoria: ‘No
princípio, era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as
coisas vieram a existir por meio dele, e sem ele coisa alguma veio a existir’ (Jo 1,13)”: CERESKO, A. R. A
Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p. 193; o texto pode ser lido
em paralelo a Pr 8,22-23, 27, 29-31.
141
Cf. CERESKO, A. R. A Sabedoria no Antigo Testamento: espiritualidade libertadora. São Paulo: Paulus, 2004, p.
193-194; Pr 9,1-6//Jo 6,35; Pr 4,13; 8,7.32-35 e Sb 6,18-19.22//Jo 11,25-26: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a
mim, nunca mais terá fome...” (Jo 6,35) e “Eu sou a ressurreição. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá... Crês
nisso?” (Jo 11,25-26).
41
procura a glória de quem o enviou é verdadeiro e nele não há impostura. Moisés não vos
deu a Lei? No entanto, nenhum de vós pratica a Lei’. (Jo 7,14-19b).
A Bíblia de Jerusalém
142
, comentando João 7,14-52, considera o trecho compor-se de
“diferentes fragmentos ligados por um tema comum: há um equívoco sobre a origem de Jesus”.
Compilo abaixo o trecho do comentário, a fim de demonstrar que Jesus é aquele que ensina de
forma humana com autoridade divina. Sua autoridade divina de ensinar reside na sua origem
divina de onde foi enviado para ensinar e para curar. Assim, seu ensinamento traz, conjunta e
simultaneamente, a cura do homem por “inteiro”, de cada uma e de todas as pessoas humanas,
pois, sua salvação destina-se à humanidade inteira, da criação à parusia:
Sua origem humana oculta sua origem divina: como pode saber, se não freqüentou a
escola dos rabinos? (vv. 14-18); conhece-se a sua infância – ele não pode ser o Cristo
(vv. 25,30); 2. Crê-se que ele nasceu em Nazaré – não pode, então, ser o Cristo (vv. 40-
52). O tema da “partida” de Jesus (vv. 33-36; cf. 8,21-23) liga-se ao de sua origem
divina: o Cristo-homem parte para onde sempre esteve (por sua divindade (cf. vv. 29 e
34).
De fato, Jesus Cristo é a pessoa humana, que revela o mistério de Deus ao homem e o
mistério do homem ao próprio homem. Por Ele, fonte e plenitude de todas as coisas, toda pessoa
humana é justificada pela fé e “encontra no amor de Deus e no dom do Espírito Santo a garantia
da Salvação”
143
. “O Redentor do homem, Jesus Cristo, é o centro do cosmos e da história”
144
. A
Igreja, assim como a família, em Cristo deve preocupar-se com o ensino e a prática dos valores
humanos e cristãos da pessoa humana, especialmente da prole:
A família cristã, de fato, é a primeira comunidade chamada a anunciar o Evangelho à
pessoa humana em crescimento e a levá-la, através de uma catequese e educação
progressiva, à plenitude da maturidade humana e cristã. [...] Na verdade, enquanto
comunidade educativa, a família deve ajudar o homem a discernir a própria vocação e a
assumir o empenho necessário para uma maior justiça, formando-o desde o início, para
142
Cf. Nota (e). In: BIBLIA: A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002, p. 1860.
143
Nota (a). In; BÍBLIA: Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2003, p. 1973; cf. Rm 5; cf. GS 22; RH 1-12.
144
RH 1; cf. GS 22.
42
relações interpessoais, ricas de justiça e de amor. [...] Num momento histórico em que a
família é alvo de numerosas forças que a procuram destruir ou de qualquer modo
deformar, a Igreja, sabedora de que o bem da sociedade e de si mesma está
profundamente ligado ao bem da família, sente de modo mais vivo e veemente a sua
missão de proclamar a todos o desígnio de Deus sobre o matrimônio e sobre a família,
para lhes assegurar a plena vitalidade e promoção humana e cristã, contribuindo assim
para a renovação da sociedade e do próprio Povo de Deus
145
.
É preciso entrar no jogo da Sabedoria personificada. Jesus, a Sabedoria, convida seus
discípulos a entrar na Sabedoria como Eclesiástico também o faz:
Com toda a tua alma aproxima-te dela e com toda a tua força segue-lhes os caminhos.
[...] Seu jugo será ornamento de ouro; seus grilhões, fitas de púrpura. Eclo 6,26.30.
Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo e vos darei
descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde
de coração, e encontrareis descanso para vossas almas, pois meu jugo é suave e meu
fardo é leve. Mt 11,28-30.
O discipulado de Cristo deve ter plena consciência de sua vocação e missão na Igreja e no
mundo, no que se refere a ensinar e a praticar os ensinamentos de Cristo que se traduz em uma
palavra: seguimento!
146
. Dentre todos os discípulos, cabe maior responsabilidade aqueles que
foram chamados a ser apóstolos do Senhor: “Fiz meu primeiro relato, ó Teófilo, a respeito de
todas as coisas que Jesus fez e ensinou desde o começo, até o dia em que foi arrebatado ao céu,
depois de ter dado instruções aos apóstolos que escolheu sob a ação do Espírito Santo” (At 1,1-
2); “Amados, [...], procurando despertar o vosso pensamento sadio com algumas admoestações, a
fim de vos trazer à memória as palavras preditas pelos santos profetas e o mandamento dos
vossos apóstolos, a eles confiado pelo Senhor e Salvador” (2Pd 3,1-2).
145
FC 2-3.
146
Cf. ES 51; 1-50.
43
1.2 A pedagogia dos discípulos de Jesus: primazia do Ensino
A Igreja existe para Ensinar fielmente a Fé
147
recebida dos Apóstolos e conservada intacta
pela Tradição. No Antigo Testamento, a fé significa Crer, “[...] entregar-se a Deus (Gn 15,6; Ex
14,31; Nm 14,11), entregar-se à palavra salvífica de um Deus que conduz a história e que fez
aliança primeiro com os pais e depois com ‘seu povo’, Israel”
148
. Crer no Deus da Aliança, no
Deus de Israel como o único salvador, solicita a fé
149
. Israel nasce da fé, da experiência da fé, da
experiência de Crer “no poder, na preeminência e na solicitude de Jhwh, o Deus da aliança (Ex
19,1)”
150
.
No Novo Testamento o “objeto de fé é definido de maneira mais concisa e a importância
do caminho a percorrer se impõe mais explicitamente”
151
que no Antigo Testamento, pois, “em
Jesus Cristo se opera a fusão da história da salvação com o Verbo encarnado”
152
. Nos sinóticos, a
exigência primária de Jesus é a fé, condição suficiente para a salvação; nos Atos, a exigência é a
147
Cf. “A Fé, segundo a Escritura, [...] é a resposta integral do homem a Deus, que se revela como Salvador. Ela
acolhe as palavras, as promessas e os mandamentos de Deus; é simultaneamente submissão confiante a Deus que
fala, e adesão do espírito a uma mensagem de salvação. O Antigo Testamento insiste no aspecto da confiança; o
Novo salienta mais o assentimento à mensagem. No que tange ao vocabulário fundamental da fé, ele evoca a solidez
daquele em quem a fé se apóia, assim como a segurança e a confiança de quem se apóia em Deus”: LANGEVIN, G.
Fé. In: Dicionário Teologia Fundamental. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1994, p. 319; LACOSTE, J – Y;
LOSSKS, N. Fé. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p. 718-733.
148
LANGEVIN, G. Fé. In: Dicionário Teologia Fundamental. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1994, p.
319; cf. LACOSTE, J–Y; LOSSKS, N. Fé. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p.
718-719.
149
Cf. Dt 6,20-24; 26,5-9; Js 24,2-13; Ne 9,5-25; LANGEVIN, G. Fé. In: Dicionário Teologia Fundamental.
Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1994, p. 319-324; . LACOSTE, J–Y; LOSSKS, N. Fé. In: Dicionário
crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p. 718-719.
150
LANGEVIN, G. Fé. In: Dicionário Teologia Fundamental. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1994, p.
319; cf. LACOSTE, J–Y; LOSSKS, N. Fé. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p.
718-719.
151
LANGEVIN, G. Fé. In: Dicionário Teologia Fundamental. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1994, p.
319; cf. LACOSTE, J–Y; LOSSKS, N. Fé. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p.
719-721.
152
LANGEVIN, G. Fé. In: Dicionário Teologia Fundamental. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1994, p.
319; cf. LACOSTE, J–Y; LOSSKS, N. Fé. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p.
719-721.
44
purificação do coração e a aceitação de Jesus Cristo, a Salvação; em João “a fé é o caminho do
homem inteiro – conhecimento e compromisso – que se dirige à pessoa de Jesus Cristo”
153
.
Devido a seu caráter interpessoal, esta fé é naturalmente semelhante à do NT. É
respectivamente confiança e entrega a Deus, presente na palavra e na ação de Jesus
(sinótico); obediência que torna o crente semelhante ao crucificado-ressuscitado e que dá
o Espírito dos filhos de Deus (Paulo); adesão ao testemunho do Pai e do Filho (João)”
154
.
O crente, de forma mais intensa no Novo Testamento que no Antigo, entende a fé como
seu “consentimento numa mensagem”
155
apresentada pelos evangelizadores sob aspectos
diversos:
Anúncio do Reino de Deus e proclamação do amor misericordioso do Pai, nos sinóticos;
evangelho da morte e da ressurreição de Jesus, Senhor e único salvador de todos os
homens, nas cartas de Paulo e nos Atos dos Apóstolos; em João, é a própria pessoa de
Jesus, Verbo feito carne, cheio de graça e de verdade, em quem contemplamos a glória
do Pai. Caminho do homem, a fé encontra todavia sua fonte originária em Deus. Ela é
suscitada pelo poder salvífico de Deus, em ação na palavra e na atividade de Jesus
(sinóticos). Para Paulo e para o autor dos Atos, a fé deriva dessa ação escatológica de
Deus, que é a ressurreição de Jesus e a pregação que a anuncia. No evangelho de João, a
fé nasce da atração por obra do Pai, que convida e associa à vida da Trindade
156
.
A fé é uma atividade, um ato verdadeiramente humano que procede das faculdades
humanas, portanto, diz respeito ao homem e encontra nele as condições de seu surgimento. As
condições para o surgimento da fé encontram-se no espírito humano aberto à transcendência, à
eternidade e ao infinito
157
. Tudo o que é estranho ao homem, não lhe diz respeito. A fé, no
153
LANGEVIN, G. Fé. In: Dicionário Teologia Fundamental. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1994, p.
319; cf. LACOSTE, J–Y; LOSSKS, N. Fé. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p.
720.
154
LANGEVIN, G. Fé. In: Dicionário Teologia Fundamental. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1994, p.
319; cf. LACOSTE, J–Y; LOSSKS, N. Fé. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p.
719-721.
155
LANGEVIN, G. Fé. In: Dicionário Teologia Fundamental. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1994, p.
319.
156
LANGEVIN, G. Fé. In: Dicionário Teologia Fundamental. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1994, p.
319-320.
157
Cf. DV 2; 4-10; LACOSTE, J–Y; LOSSKS, N. Fé. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo:
Paulinas/Loyola, 2004, p. 721-730.
45
pensamento cristão, não é um “ato de rendição ou uma capitulação do espírito, mas é o soberano
exercício com que o homem faz seu o pensamento de Deus”
158
. Pela obra percebe-se o seu
artífice
159
. A fé tem em Deus mesmo sua fonte originária, mas, da parte do homem ela é uma
“resposta a um chamado interior e gratuito por parte de Deus”
160
.
A fé, apresentada sob diversos aspectos, possui um caráter de unidade que opera, também,
de modos diversos e intimamente conexos: forma, conteúdo e unidade da fé. Formalmente a fé é
“acolhimento da própria realidade de Deus e adesão à revelação que ele faz de si mesmo”
161
. O
conteúdo da revelação expressa o processo, de forma homogênea, da ação de Deus que se dá a
conhecer e da ação humana que o acolhe. Jesus Cristo de Nazaré é a unidade da fé para o crente
que reúne nele forma e conteúdo
162
.
Finalmente, a fé encontra sua unidade viva na pessoa de Cristo Jesus. Com efeito, em
Cristo, dom absoluto de Deus à família humana, a fé encontra seu fundamento, seu
objeto e seu fim. A fé funda-se antes de tudo em Cristo, como único mediador da
plenitude da revelação. ‘Tudo foi-me dado pelo meu Pai; ninguém conhece o Filho
senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho queira
revela-lo’ (Mt 11,27). [...]. Mediador da fé, Cristo lhe é também objeto pleno [Cf. 1Cor
2,1-2]. Em Jesus Cristo, Filho de Deus, encontra-se a totalidade do mistério que nos é
revelado: Trindade, encarnação redentora, filiação adotiva mediante o dom do Espírito
de Jesus. É Cristo, enfim, que dá impulso à fé para o bem ou para o fim que a fé
persegue. ‘Em nenhum outro existe salvação’ (At 4,12), proclama Pedro diante do
Sinédrio. [Cf. Gl 4,4-6]. Efetivamente, Deus reconcilia-nos consigo enquanto nos une a
158
LANGEVIN, G. Fé. In: Dicionário Teologia Fundamental. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1994, p.
320.
159
Cf. Sl 104; 111; Ec 3,10-11; 7,14; 8,17; Is 29, 64,7-8; 66,9; Mt 5,16; Jo 6,22-36; Ef 2, 10; Fp 1,6; Tt 1, 16; Hb
1,10.
160
LANGEVIN, G. Fé. In: Dicionário Teologia Fundamental. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1994, p.
321; cf. DV 1-5; LACOSTE, J–Y; LOSSKS, N. Fé. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola,
2004, p. 730-733.
161
LANGEVIN, G. Fé. In: Dicionário Teologia Fundamental. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1994, p.323.
162
Cf. DV 2; LANGEVIN, G. Fé. In: Dicionário Teologia Fundamental. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário,
1994, p. 323-324.
46
seu Filho querido; e a alegria que solicita o crente é participação na condição de Cristo
ressuscitado
163
.
A Carta de Judas descreve sua preocupação em salvar a comunidade dos falsos doutores-
hereges que colocavam em perigo a verdadeira fé cristã. Os falsos doutores são censurados pela
impiedade, pela licenciosidade moral e pela blasfêmia
164
, pois, “negam Jesus Cristo, nosso único
mestre e Senhor” (Jd 4). A fé é um dado objetivo que exige a fidelidade da comunidade cristã que
não deve esquecer-se dos ensinamentos apostólicos recebidos por tradição: “uma vez por todas
confiada aos santos” (Jd 3) e “das palavras de antemão preditas pelos apóstolos de nosso Senhor
Jesus Cristo” (Jd 17).
Judas, servo de Jesus Cristo, irmão de Tiago, aos que foram chamados, amados por Deus
Pai e guardados em Jesus Cristo, [...]. Amados, enquanto estava todo empenhado em
escrever-vos a respeito da nossa salvação comum, tive de fazê-lo por uma razão especial,
para exortar-vos a combaterdes pela fé, uma vez por todas confiada aos santos. De fato,
infiltraram-se entre nós alguns homens já há muito marcados para esta sentença, uns
ímpios, que convertem a graça do nosso Deus num pretexto para licenciosidade e negam
Jesus Cristo, nosso único mestre e Senhor. [...]. Vós, porém, amados, lembrai-vos das
palavras de antemão preditas pelos apóstolos de nosso Senhor Jesus Cristo, pois vos
dizem: ‘No fim do tempo surgirão escarnecedores, que levarão vida de acordo com as
próprias concupiscências ímpias’. São estes os que causam divisões, estes seres
‘psíquicos’, que não têm o Espírito. Mas vós, amados, edificando-vos a vós mesmos na
vossa santíssima fé e orando no Espírito Santo, guardai-vos no amor de Deus, pondo a
vossa esperança na misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo para a vida eterna.
Procurai convencer os hesitantes; a outros procurai salvar, arrancando-os ao fogo; de
outros ainda tendes misericórdia, mas com temor, aborrecendo a própria veste manchada
pela carne. Àquele que pode guardar-vos da queda e apresentar-vos perante sua glória
irrepreensíveis e jubilosos, ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus Cristo nosso
Senhor, glória, majestade, poder e domínio, antes de todos os séculos, agora e por todos
os séculos! Amém. (Jd 1-4.17-25).
163
LANGEVIN, G. Fé. In: Dicionário Teologia Fundamental. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1994, p.
324.
164
Cf. Jd 4.8-10.
47
Judas nos ajuda a entender o sentido do termo “Depósito da fé”
165
:
‘Depósito’ é o termo que encerra aquela fé e aquela forma de vida deixada por herança
pelos apóstolos e por seus colaboradores às Igrejas por eles fundadas com a proclamação
da boa-nova de Jesus Cristo. Os apóstolos deixaram por herança uma estrutura coerente
de fé, de ensinamentos e de prática de interpretação bíblica, de culto e de estrutura de
serviço na comunidade e de vida no mundo, de acordo com a palavra e os exemplos do
Senhor Jesus. Fiel ao patrimônio apostólico, expresso de modo especial nos escritos do
Novo Testamento, o povo de Deus de cada época mantém sua fé, esforça-se por viver na
santidade e renova a própria percepção da verdade revelada (cf. DV8). Em decorrência
de sua potencialidade inerente ao legado apostólico, assume formas diversas em épocas
diversas, porque a igreja é guiada pelo Espírito a viver de acordo com a norma e a
inspiração outorgada no início. Mas fonte e norma do ensinamento da igreja é o
‘depósito’ deixado por aqueles que Jesus enviou como seus emissários para transmitirem
sua revelação e seus dons divinos
166
.
Pedro escreve duas cartas à comunidade cristã declarando seu objetivo: “[...] procurando
em ambas despertar o vosso pensamento sadio com algumas admoestações, a fim de vos trazer à
memória as palavras preditas pelos santos profetas e o mandamento dos vossos apóstolos, a eles
confiado pelo Senhor e Salvador” (2P 3,1-2). Claramente, a Igreja sempre entendeu ser sua tarefa
conservar intacta a fé que não pode ser modificada. A fé explicitada no decorrer dos séculos em
novos contextos deve ser a fé de sempre. O depósito da fé recebido dos Apóstolos deve ser
guardado, ensinado e vivido, pois, é o Mistério de Deus Criador, Redentor e Santificador
revelado plenamente no Mistério de Jesus Cristo de Nazaré, ou seja, na Pessoa do Verbo
Encarnado, Morto e Ressuscitado que Voltará:
Por isso, não levando em conta o tempo da ignorância, Deus agora notifica aos homens
que todos em toda parte se arrependam, porque ele fixou o dia no qual julgará o mundo
com justiça por meio do homem a quem designou, dando-lhe crédito diante de todos, ao
ressuscitá-lo dos mortos (At 17,30-31).
165
WICKS, J. Depósito da fé. In: Dicionário Teologia Fundamental. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1994,
p. 203-212.
166
WICKS, J. Depósito da fé. In: Dicionário Teologia Fundamental. Petrópolis: Vozes; Aparecida: Santuário, 1994,
p. 203.
48
Nesta tarefa da Igreja, o Magistério Eclesiástico tem missão específica, pois, Apóstolos de
Cristo:
Apostolado e pregação equivalem-se em certo sentido. A pregação é o primeiro
apostolado. Sabemos muito bem estas coisas, mas parece-nos conveniente recorda-las
agora, para a nossa ação pastoral tomar a direção justa. Devemos voltar ao estudo, não já
da eloqüência ou da retórica vã, mas sim da arte genuína da palavra sagrada. Devemos
buscar as leis da sua simplicidade, limpidez e força, e também da sua autoridade para
vencermos a imperícia natural no emprego de tão alto e misterioso instrumento espiritual
como é a palavra [...]
167
.
Paulo VI, em sua primeira Encíclica Ecclesiam Suam (1965) “sobre os caminhos da
Igreja” traçou alguns rumos da nova consciência eclesial e sua tarefa no mundo
168
. Ele destacou
dentre os novos caminhos da Ação Pastoral da Igreja, capaz de torná-la sábia e Mestra, o
empenho pela paz, pelo desenvolvimento e pela dialética do diálogo
169
. Deste modo, para a Ação
Pastoral Eclesial tomar a direção justa a primazia e “Supremacia insubstituível da pregação”
170
da
Palavra de Deus deve ser o primeiro Apostolado da Igreja. A própria Sagrada Escritura mostra a
primazia do Apostolado para a eficácia da evangelização, tanto no Ensino e no Agir de Jesus de
Nazaré quanto na vida dos Apóstolos, que leva à conversão e à Salvação: “Pois a fé vem da
pregação e a pregação é pela palavra de Cristo” (Rm 10,17). A Igreja toda é Mestra
171
.
Paulo VI, ainda, citando a Mystici Corporis de Pio XII exorta:
‘É necessário que nos habituemos a ver Cristo na Igreja. Pois é Cristo quem vive na sua
Igreja, quem por ela ensina, governa e confere a santidade. É também Cristo quem se
manifesta de vários modos nos seus vários membros da sua sociedade’
172
.
167
ES 51-52.
168
Cf. ES 13-18.
169
Cf. ES 34-68; MM Passim; PP 5.
170
ES 51.
171
Cf. COMBLIN, J. O povo de Deus. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 40-51. 119-226. 320-410.
172
ES 15; cf. MC 35.
49
O mistério da Igreja é “‘presença de Cristo, mais, a própria vida dele’, operante no
conjunto de seu Corpo Místico, pelo exercício da fé viva e vivificante, que fará: ‘Cristo habitar
pela fé em vossos corações’, segundo a palavra do Apóstolo (Ef 3,17)”
173
. Paulo VI influenciou o
pensamento dos padres do Concílio Vaticano II, especialmente a Lumen gentium, que retomou a
Igreja em seu mistério, na história e na vida do ser humano
174
. É relevante e pertinente recordar a
consciência da Igreja sobre si mesma, no tocante à missão de Ensinar, pois, por meio dela, isto é,
da comunidade de discípulos, o próprio Cristo Vive, Ensina, Governa e Santifica
175
.
Paulo VI, na Carta Encíclica Populorum Progressio, após afirmar que “o homem só é
verdadeiro homem, na medida em que, senhor das suas ações e juiz do valor destas, é autor do
seu progresso, em conformidade com a natureza que lhe deu o Criador, cujas possibilidades e
exigências ele aceita livremente.”
176
, considera a importância do conhecimento como fator de
enriquecimento pessoal, de integração social e, para a sociedade, fator de “progresso econômico e
desenvolvimento”
177
. Há urgente necessidade de se promover um “humanismo total”
178
, ou seja,
173
ES 16.
174
Cf. COMBLIN, J. O povo de Deus. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p.21-51. 81-87; LORSCHEIDER, A. Linhas
mestras do Concílio Ecumênico Vaticano II. In: LORSCHEIDER, A. (et. al.). Vaticano II: 40 anos depois. São
Paulo: Paulus, 2005, p. 39-49; COMBLIN, J. As sete palavras-chave do Concílio Vaticano II. In: LORSCHEIDER,
A. (et. al.). Vaticano II: 40 anos depois. São Paulo: Paulus, 2005, p. 51-70.
175
ES 15; cf. SUSIN, L. C. “Para conhecer Deus é necessário conhecer o homem” – Antropologia teológica conciliar
e seus desdobramentos para a América Latina. In: GONÇALVES, P. S. L.; BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio
Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 369-380; LORSCHEIDER, A. Linhas mestras do
Concílio Ecumênico Vaticano II. In: LORSCHEIDER, A. (et. al.). Vaticano II: 40 anos depois. São Paulo: Paulus,
2005, p. 39-49; COMBLIN, J. As sete palavras-chave do Concílio Vaticano II. In: LORSCHEIDER, A. (et. al.).
Vaticano II: 40 anos depois. São Paulo: Paulus, 2005, p. 51-70; SOUZA, N. de. Contexto e desenvolvimento
histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S. L.; BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio Vaticano II:
análise e prospectivas. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 42-52; BINGEMER, M. C. L. Deus, experiência histórica e
rosto humano – Alguns elementos sobre a questão de Deus no Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S. L.;
BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 187-205;
SUSIN, L. C. “Para conhecer Deus é necessário conhecer o homem” – Antropologia teológica conciliar e seus
desdobramentos para a América Latina. In: GONÇALVES, P. S. L.; BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio
Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 369-380.
176
PP 34.
177
PP 35.
178
PP42; cf. GS 19.
50
“o desenvolvimento integral do homem todo e de todos os homens”
179
. O verdadeiro humanismo
integra os valores espirituais e Deus, um humanismo excludente é desumano
180
. A família tem
grande incidência sobre o homem:
Mas o homem só é homem quando integrado no seu meio social, onde a família
desempenha papel de primeira ordem. [...]. Porém, a família natural, monogâmica e
estável, tal como o desígnio de Deus a concebeu (cf. Mt 19,6) e o cristianismo a
santificou, deve continuar a ser esse ‘lugar de encontro de várias gerações que
reciprocamente se ajudam a alcançar a sabedoria mais plena e a conciliar os direitos
pessoais com as outras exigências da vida social’ (GS 52)
181
.
O pregador do Evangelho e Ministro da Palavra não deve entregar-se à fadiga e ao
cansaço no “ministério da palavra e da instrução” (1Tm 5,17), mas, deve distribuir com “retidão a
palavra da verdade” (2Tm 2,15), porque “a apresentação da mensagem evangélica não é para a
Igreja uma contribuição facultativa: é um dever que lhe incumbe, por mandato do Senhor Jesus, a
fim de que os homens possam acreditar e ser salvos”
182
.
Sim, esta mensagem é necessária; ela é única e não poderia ser substituída. Assim, ela
não admite indiferença nem sincretismo, nem acomodação. É a salvação dos homens que
está em causa; é a beleza da Revelação que ela representa; depois, ela comporta uma
sabedoria que não é deste mundo. Ela é capaz, por si mesma, de suscitar a fé, uma fé que
se apóia na potência de Deus (cf. Lc 4,3). Enfim, ela é a Verdade. Por isso, bem merece
que o apóstolo lhe consagre todo o seu tempo, todas as suas energias e lhe sacrifique, se
for necessário, a sua própria vida
183
.
Os vocábulos proclamar, anunciar e ensinar, atribuídos a Jesus foram aplicados
igualmente aos discursos e, estes, por sua vez, os aplicaram aos seus sucessores e enviados. Ao
179
PP 42.
180
Cf. PP 42; cf. atitudes necessárias à humanização: diálogo, desenvolvimento, solidariedade e paz em, PP 43-85; a
igreja é a garantia dos verdadeiros valores humanos e a defesa da vida em, HV 1-26.
181
PP 36; cf. SUSIN, L. C. “Para conhecer Deus é necessário conhecer o homem” – Antropologia teológica conciliar
e seus desdobramentos para a América Latina. In: GONÇALVES, P. S. L.; BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio
Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 369-380.
182
EN 5; cf. LIBANIO, J. B. Da apologética à teologia fundamental: a revelação cristã. In: GONÇALVES, P. S. L.;
BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 166-185.
183
EN 6.
51
aparecer ressuscitado aos discípulos, Jesus soprou sobre eles e lhes concedeu o Espírito Santo. A
autoridade de Jesus estava com eles para testemunhá-lo, proclamá-lo, anunciá-lo e para, em seu
nome, conferir a Salvação. Para isso enviou seus discípulos em missão:
Jesus aproximou-se deles e falou: ‘Todo poder foi-me dado no céu e sobre a terra. Ide,
portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai,
do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo o que vos ordenei. E eis que
estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos!’(Mt 28,18-20)
E disse-lhes: ‘Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura’ (Mc 16, 15)
A paz esteja convosco! Como o Pai me enviou, também eu vos envio (Jo 20, 21)..
A fonte do ministério e da missão apostólica é o próprio Senhor
184
. A função dos
Apóstolos já era entendida como um ministério, não em sentido atual, mas como testemunha e
serviço do Senhor. O episódio da substituição de Judas em Atos 1,15-26, especificamente nos
versos vv. 24-26, Barsabás e Matias, atestam:
E fizeram esta oração: ‘Tu, Senhor, que conheces o coração de todos, mostra-nos qual
desses dois escolheste a fim de ocupar, no ministério do apostolado, o lugar que Judas
abandonou, para dirigir-se ao lugar que era seu. Lançaram sorte entre eles e a sorte veio
a cair sobre Matias, que foi então associado aos onze apóstolos’. (At 1,24-26).
Aquele que “Deus o constituiu Senhor e Cristo, Jesus a quem vós crucificastes” (At 2,36)
foi o objeto da proclamação dos discípulos
185
. O episódio de Pentecostes em At 2,14-47 apresenta
o conteúdo da pregação apostólica em forma de querigma, as primeiras conversões e como era a
vida das primeiras comunidades cristãs. Pedro, juntamente com os Onze, “repletos do Espírito
Santo” (At 2, 4), levantou a voz e proclamou o primeiro discurso apostólico-querigmático
186
. O
184
Cf. EN 6-16; cf. SAARINEN. R. Magistério. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola,
2004, p. 1073.
185
Cf. At 14, 22; 19, 8.13; 20, 25; 28, 23.31; Rm 14, 17; 1Cor 15, 24.50; Gl 5, 21; Ef 5, 5; 1Ts 2, 12; Hb 1, 8; 11, 33;
12, 28; 2Pd 1, 11; Ap 1, 6; EN 6-7.
186
Cf. Cinco discursos ou querigma de Pedro: At 2, 14-39; 3, 12-26; 4, 9-12; 5, 29-32; 10, 34-43; Também um
discurso querigmático de Paulo em At 13, 16-41.
52
centro do conteúdo querigmático da pregação apostólica foi o testemunho
187
e o objeto, a morte, a
ressurreição e a exaltação de Jesus Cristo
188
. A partir do discurso de Pedro Jesus foi sempre e
interruptamente, até hoje, proclamado pelos discípulos e, em seu nome e em sua autoridade,
agiram
189
.
Os vocábulos que designam “ministros” ou “funções dos ministros” remetem à missão de
Ensinar: apóstolo, profeta, doutor e pastor
190
. Ao lado disso, à realidade dos fatos, a medida que a
evangelização se expande e as comunidades aumentam, surge uma “nova preocupação que vem
marcar o múnus de Ensinar em nome de Jesus na Igreja, a de manter a autenticidade da fé diante
dos desvios ameaçadores”
191
. Esses ministros
192
exercem, em situações difíceis, a missão de
vigilância ou de supervisão com objetivos específicos: “manter ao mesmo tempo a comunidade
na unidade da fé e da caridade, e com esse intuito conservá-la na “sã doutrina” ou no “são
ensinamento” (1Tm 1,10; 2Tm 4, 3; Tt 1, 9; 2,1), ou ainda na “fé sã” (Tt 13; 2, 2)”
193
.
A realidade antiga não utilizou o termo Magistério, mas exprime o conceito com
vocábulos ou categorias magistrais que hoje são utilizados e conservados em sua essência. A
evolução do campo semântico introduziu uma nova palavra como conseqüência de uma
necessidade emergente, cuja significação, implicações e desafios merecem investigação. Às
categorias magistrais somam-se, no decurso das épocas, as “figuras”, na expressão de Sesboüè,
muito diferentes do exercício da função do Magistério. Isso significa que o exercício da função
187
Cf. At 2, 32.
188
Cf. At 2, 22-24.30-33.36.
189
Cf. Cura de um aleijado em At 3, 1-10; Filipe, Paulo e Pedro proclamavam a Cristo At, 8, 5; 9, 20; 10, 42.
190
Cf. 1Cor 12, 28; Ef 4,11.
191
SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p.
22; cf. também: Rm 12, 7; 1Cor 12, 10; 1Tm 1, 3; 6,3; 2Pd 2, 21; Jo 4, 1.
192
Cf. a tarefa e função do epíscopo ou do pastor em 1Tm 3, 1.2; 6, 20; 2Pd 2, 12; Tt 1, 7; At 20, 28; 2Tm 1, 12.14;
4, 2-3.
193
SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p.
23; cf. SAARINEN. R. Magistério. In: LACOSTE, J – Y. (dir.). Dicionário crítico de teologia. São Paulo:
Paulinas/Loyola, 2004, p. 1073-1075.
53
do Magistério sofreu ao longo das épocas modificações consideráveis, não faltaram riscos e
perigos, que Sesboüè chama de “servidão ou perigos”
194
. O Magistério não tem autoridade em si
mesmo, não é a norma de si mesmo, não tem o domínio da fé, ao contrário, é o “ministério da
fé”
195
; sua autoridade nasce do serviço e da obediência à fé. Afirmar a própria autoridade no
exercício da função reguladora que possui como missão não consiste em tarefa fácil, pois,
perceber as águas divisoras, o limite para não ir além do que se deve, nem sempre foi a realidade
do Magistério na Igreja.
Bernard Sesboüè vê no conjunto de dados vocálicos apresentados o que seria mais tarde
denominado “Magistério” que exprime já dupla função: a função pastoral ou anúncio da Palavra
de Jesus Cristo e a regulação desse anúncio. Regulação, no dizer dele, significa simplesmente
verificação da autenticidade do Anúncio ou Ensino em confronto com o evento fundador, o
mistério de Cristo, com a pregação original, a pregação apostólica
196
.
No período da patrística, especialmente nos três primeiros séculos antes do início dos
grandes concílios ecumênicos, iniciados com Nicéia (325), a preocupação fundamental dos
Padres da Igreja era o Evangelho procedente do Senhor Jesus, aquele que por Deus foi enviado e
enviou, por sua vez, aqueles que deveriam ser as suas testemunhas, e em seu nome pregar e
anunciar o Evangelho. Algumas obras comprovam essa verdade: Clemente de Roma, Irineu de
194
SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p.
19-20.
195
SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 7-
12; cf. SAARINEN. R. Magistério. In: LACOSTE, J – Y. (dir.). Dicionário crítico de teologia. São Paulo:
Paulinas/Loyola, 2004, p. 1073-1073.
196
Cf. SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004,
p. 23; SESBÖUÉ, B. (dir.). História dos dogmas. V. 1: o Deus da Salvação (séculos I-VIII). São Paulo: Loyola,
2002, p. 17-66.
54
Lião, a Didaqué, denominada de “Doutrina dos Doze Apóstolos”, Inácio de Antioquia,
Tertuliano, Pastor de Hermas, Cipriano
197
.
Nos três primeiros séculos, a Igreja vivia em torno do bispo em profunda solidariedade
recíproca (bispo e Igreja, Igreja e bispo). O bispo não exercia sozinho, mas de forma sinodal, o
seu múnus e missão de Ensinar e regular a fé. A forma sinodal no século II tornou-se regional,
modo de manter a comunhão entre as Igrejas, mas sempre em ligação com Roma, a cathedra
Petri, que nas expressões de Inácio de Antioquia presidia à caridade e instruía as outras Igrejas
198
.
Bernard Sesboüè afirma que o bispo de Roma, “concretamente, intervém em casos de urgência,
de necessidade ou de apelo. O bispo de Roma exerce em benefício da sua comunidade a sua
responsabilidade de doutor da fé no sentido pastoral do termo; em face das outras Igrejas, exerce
uma função reguladora em casos de conflitos ou ameaças heréticas, quer sozinho, quer em união
com os diferentes sínodos”
199
.
O Bispo é a autoridade na fé que salvaguarda intacta o depósito e mantém a comunidade
na autenticidade da fé apostólica. Obedecer ao bispo consistia, para a comunidade, na obediência
à regra de fé, isto é, à fé de sempre conservada íntegra pela Igreja e não meramente princípios a
serem cridos porque ditos ou propostos pela autoridade. Neste sentido tem maior peso a Escritura
e a Tradição que o “Magistério Vivo”. Escritura, Tradição e Magistério formam uma tríade de
197
Cf. SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004,
p. 24-29; SESBÖUÉ, B. (dir.). História dos dogmas. V. 1: o Deus da Salvação (séculos I-VIII). São Paulo: Loyola,
2002, p. 17-120; LIÉBAERT, J. Os Padres da Igreja. V. 1: séculos I-IV. São Paulo: Loyola, 2000, p. 25-163;
SAARINEN. R. Magistério. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p. 1073-1074.
198
Cf. SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004,
p. 30; LIÉBAERT, J. Os Padres da Igreja. V. 1: séculos I-IV. São Paulo: Loyola, 2000, p. 25-179.
199
SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p.
31; cf. SESBÖUÉ, B. (dir.). História dos dogmas. V. 1: o Deus da Salvação (séculos I-VIII). São Paulo: Loyola,
2002, p. 51-66. 157-201; SAARINEN. R. Magistério. In: LACOSTE, J – Y. (dir.). Dicionário crítico de teologia.
São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p. 1073-1074.
55
compreensão teológica conexas entre si, de modo que, a ausência ou a supressão de uma delas,
comprometeria a verdade da revelação
200
.
No período dos grandes Concílios Ecumênicos, de Nicéia (325) à Calcedônia (451), o
Magistério enfrenta inúmeras heresias e há transformação radical da Igreja que passa de um
ambiente judaico para um ambiente helenista. Surgem as grandes definições dogmáticas que
eram proclamadas em forma de doxologia, a vivência obediente da fé. Não uma nova fé, mas a
proclamação e a exposição da mesma fé tornada mais compreensível diante de novas situações de
conflitos e ameaças heréticas. Apesar da conotação jurídica que os Concílios sempre carregaram
consigo, sobressai o sentido de determinação ortodoxa da fé original, isto mostra que por si só o
jurídico nada significa, mas esse tem o sentido de ato regulador que visa o ensinamento e
manutenção da verdade da fé diante de ameaças errôneas, é a interpretação de uma “mensagem
fundadora e de um documento fundador que é a Escritura”
201
.
Ao tornar o texto fundador compreensivo para cada cultura e época, aparece o problema
da recepção. O problema jurídico é perfeitamente compreensivo, mas a dimensão teológica nem
sempre é clara, por isso, surgem as dificuldades de compreensão e interpretações dos concílios.
Na Idade Média e Início dos Tempos Modernos, a semântica do termo Magistério foi
sendo modificado. Com a cristandade surge a teologia medieval e, nos tempos modernos, a Igreja
se depara com uma nova forma de existir, o cristianismo. Novos desafios impostos pela
modernidade, combatida pela Igreja que não soube dialogar com o mundo, se fazem sentir. O
Magistério muda completamente seu funcionamento. O modo de Ensinar torna-se autoritário com
200
Cf. SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004,
p. 33; BECKER, V. K. J. O ministério sacerdotal: natureza e poderes do sacerdócio segundo o magistério da Igreja.
São Paulo: Paulinas, 1976, p. 7-8; SESBÖUÉ, B. (dir.). História dos dogmas. V. 1: o Deus da Salvação (séculos I-
VIII). São Paulo: Loyola, 2002, p. 67-242; SAARINEN. R. Magistério. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo:
Paulinas/Loyola, 2004, p. 1073-1074; Ef 3,1-21.
201
SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p.
35-37; cf. ALBERIGO, G. (org.). História dos Concílios Ecumênicos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995, p. 8-120;
SAARINEN. R. Magistério. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p. 1073-1075.
56
tom de imposição. Aos poucos novas exigências emergem da modernidade e fazem a Igreja
priorizar a figura do Papa como autoridade máxima, abrindo a discussão polêmica e complexa da
infalibilidade papal
202
.
João XXIII quer retornar ao sentido de Ensino da fé como era na Igreja antiga de forma
positiva e atualizada, e não como se vinha exercendo com base na regulação autoritária. Convoca
o Concílio no dia 25 de janeiro de 1959 e torna-se realidade o Concílio Vaticano II (1962-1965).
Concretiza-se em grande evento histórico e em grande acontecimento teológico
203
. Vive-se o
encontro da Igreja com a modernidade; abre-se o diálogo com o mundo e a sociedade. Para isso,
dá-se uma nova visão do conceito do Magistério da Igreja e um rumo totalmente diferente do seu
funcionamento
204
.
“O Magistério se exerce de maneira ordinária (no ensino e na pregação dos bispos e do
papa) ou extraordinariamente (ensinamento de um concílio ou decisão dogmática do papa)”
205
.
Em qualquer uma das maneiras de Exercício do Magistério, ordinário ou extraordinário, tem
primazia o Ensino ou a Pregação.
202
Cf. SAARINEN. R. Magistério. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p. 1073;
LIBANIO, J. B. Cenários da Igreja. 3. ed. São Paulo: Loyola, 1999, p.11-47.
203
Cf. SOUZA, N. de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S. L.;
BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 17-67;
BECKER, V. K. J. O ministério sacerdotal: natureza e poderes do sacerdócio segundo o magistério da Igreja. São
Paulo: Paulinas, 1976, p. 87-94; COMBLIN, J. O povo de Deus. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 5-15;
LORSCHEIDER, A. Linhas mestras do Concílio Ecumênico Vaticano II. In: LORSCHEIDER, A. (et. al.). Vaticano
II: 40 anos depois. São Paulo: Paulus, 2005, p. 39-49; COMBLIN, J. As sete palavras-chave do Concílio Vaticano II.
In: LORSCHEIDER, A. (et. al.). Vaticano II: 40 anos depois. São Paulo: Paulus, 2005, p. 51-70; BEOZZO, J. O. O
Concílio Vaticano II: etapa preparatória: In: LORSCHEIDER, A. (et. al.). Vaticano II: 40 anos depois. São Paulo:
Paulus, 2005, p. 9-37.
204
Cf. SAARINEN. R. Magistério. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p. 1074;
LIBANIO, J. B. Cenários da Igreja. 3. ed. São Paulo: Loyola, 1999, p.149-67.
205
SAARINEN. R. Magistério. In: Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, p. 1073.
57
1.3 O Magistério Eclesiástico: primazia do Ensino
O clima anterior ao Concílio Vaticano II (1962-1965) pode ser caracterizado,
essencialmente, pelo desencontro ou embate entre a Igreja e a modernidade. Não havia de modo
algum diálogo
206
, principalmente, por parte da Igreja. Não aceitava os avanços nem a autonomia
dos poderes e realidades temporais, notadamente, das ciências e a valorização da soberania da
razão. No entanto, a modernidade penetra, paulatinamente, na Igreja católica, sendo que com
mais profundidade no mundo protestante. Ela se vê obrigada a elaborar uma “Nova Teologia”.
Recorrendo aos métodos crítico-históricos ao interpretar a Escritura, busca assumir alguns
princípios da modernidade e a dialogar com a ciência na busca de atualização da teologia aos
tempos modernos. Destacam-se o movimento bíblico, o movimento litúrgico, o movimento
ecumênico e o movimento dos leigos. Todos decisivos no processo da nova mentalidade que seria
confirmada e instaurada com o Concílio Vaticano II
207
.
O Magistério dos Papas e da Igreja não pode ser lido isolado do contexto histórico
cultural em que a Igreja está inserida. Pio XII (1938-1958), foi considerado um glorioso Pontífice
ao enfrentar em seu Pontificado tempos de guerra
208
e os mais variados problemas pós-guerra e
crises dentro da Igreja.
Pio XII pensava numa ordem verdadeira para toda a humanidade. Em vista dela, existem
os poderes espiritual e temporal, uma lei natural a ser observada e uma lei divina
206
Cf. LIBANIO, J. B. Igreja contemporânea: encontro com a modernidade. São Paulo: Loyola, 2000, p. 13-35;
SOUZA, N. de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S. L.;
BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 17-67.
207
Cf. LIBANIO, J. B. Igreja contemporânea: encontro com a modernidade. São Paulo: Loyola, 2000, p. 37-60;
PALACIO, C. Deslocamentos da teologia, mutações do cristianismo: teologia aos 40 anos do Vaticano II. São
Paulo: Loyola, 2001, p. 17; SOUZA, N. de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In:
GONÇALVES, P. S. L.; BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo,
Paulinas, 2004, p. 17-67; BEOZZO, J. O. O Concílio Vaticano II: etapa preparatória. In: LORSCHEIDER, A. (et.
al.). Vaticano II: 40 anos depois. São Paulo: Paulus, 2005, p. 9-37.
208
Cf. LIBANIO, J. B. Igreja contemporânea: encontro com a modernidade. São Paulo: Loyola, 2000, p. 61; a
dizimação e perseguição nazista contra os Judeus, invasão do exército alemão na Itália, o bombardeio de Roma.
58
transmitida pela Igreja. O mal da atual humanidade vem do abandono de Deus e da
negação da autoridade da Igreja. Falta-lhes a sanção de uma autoridade legítima e o
mundo ficará então entregue às falsas filosofias, às autoridades de ditadores sem lei.
‘Esta era segundo ele julgava, a tragédia do século XX, a causa profunda de suas guerras
brutais e de suas ditaduras não brutais’ (Ph. Hughes)
209
.
Todas as suas manifestações e escritos propunham soluções à crise religiosa e ética da
humanidade, sentindo-se chamado a ser intérprete da lei divina e a autoridade autorizada,
admoestando a humanidade dos riscos e conseqüências de sua negação
210
.
Cardeal Roncalli, aos 77 anos de idade, foi eleito Papa, adotando o nome de João XXIII.
Muitos não davam crédito à sua eleição, mas destacou-se como grande homem de Deus, exímio
diplomata, de personalidade dócil e amorosa para com a humanidade. Convocou o Concílio
Vaticano II aos 25 de Janeiro de 1959 e, em seqüência, abordou problemas sócio-econômicos e
culturais emergentes, através das encíclicas sociais Mater et magistra (1961) e Pacem in terris
(1963), sendo considerado entre certos teólogos um Papa de transição entre os Concílios de
Trento e Vaticano I e a limiar do Concilio Vaticano II. Ouvir o Espírito Santo no momento
presente e procurar respostas para os terríveis, graves e difíceis problemas pelos quais passavam a
Igreja e a humanidade eram os grandes desafios e, ao mesmo tempo, as grandes metas. Esse foi
um Papa em diálogo com o mundo
211
: João XXIII fez a Igreja aproximar-se mais do povo cristão
e das realidades concretas em que viviam. O mundo laico aproximou-se mais da Igreja ao
209
LIBANIO, J. B. Igreja contemporânea: encontro com a modernidade. São Paulo: Loyola, 2000, p. 62.
210
Cf. LIBANIO, J. B. Igreja contemporânea: encontro com a modernidade. São Paulo: Loyola, 2000, p. 61-63;
BEOZZO, J. O. O Concílio Vaticano II: etapa preparatória: In: LORSCHEIDER, A. (et. al.). Vaticano II: 40 anos
depois. São Paulo: Paulus, 2005, p. 9-37; SOUZA, N. de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio
Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S. L.; BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas.
São Paulo, Paulinas, 2004, p. 17-67.
211
Cf. LIBANIO, J. B. Igreja contemporânea: encontro com a modernidade. São Paulo: Loyola, 2000, p. 63-69.
59
perceber que o Papa, “com suas encíclicas, [..] abriu caminho para um futuro eclesiástico mais
preocupado com a justiça social”
212
.
Compreendem-se, portanto, a intenção e a inspiração de João XXIII ao convocar um
Concílio Pastoral e Ecumênico, e válido para os futuros cristãos, conforme expressa no discurso
inaugural de 11 de outubro de 1962: “Em primeiro lugar João XXIII diz que rejeita a visão
pessimista do mundo atual: ‘é necessário discordar desses profetas da desgraça’. [...] ‘agora a
esposa de Cristo prefere fazer uso do remédio da misericórdia mais do que da severidade.’”
213
;
“abrir a doutrina tradicional ao pensamento moderno e promover a unidade da família cristã e
humana”
214
; “O que o Espírito Santo quis e quer dizer à Igreja por intermédio da história?”
215
.
Um concílio que não condena e nem proponha definir mais explicitamente o depósito da fé já
bem seguro, mas enfrentar o grande desafio da evangelização do mundo contemporâneo ou
moderno sem condenação de erros, mas voltado à compreensão de uma humanidade que pudesse
acolher e compreender a mensagem de Jesus. Isso constituiu a inspiração de todos os trabalhos
conciliares
216
.
O Período pós-conciliar foi de grande tensão: dialogar com o mundo contemporâneo;
tarefa ainda, extremamente, complexa e difícil. O Pontificado de Paulo VI (1963-1978) sofreu o
impacto das tensões. Paulo VI iniciou seu pontificado (1963) dando continuidade ao Concílio até
212
LIBANIO, J. B. Igreja contemporânea: encontro com a modernidade. São Paulo: Loyola, 2000, p. 71; cf.
BEOZZO, J. O. O Concílio Vaticano II: etapa preparatória: In: LORSCHEIDER, A. (et. al.). Vaticano II: 40 anos
depois. São Paulo: Paulus, 2005, p. 9-37; SOUZA, N. de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio
Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S. L.; BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas.
São Paulo, Paulinas, 2004, p. 17-67.
213
COMBLIN, J. O povo de Deus. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 6-7.
214
LIBANIO, J. B. Igreja contemporânea: encontro com a modernidade. São Paulo: Loyola, 2000, p. 70.
215
PALACIO, C. Deslocamentos da teologia, mutações do cristianismo: teologia aos 40 anos do Vaticano II. São
Paulo: Loyola, 2001, p. 34; cf. SOUZA, N. de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In:
GONÇALVES, P. S. L.; BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo,
Paulinas, 2004, p. 17-67.
216
Cf. COMBLIN, J. O povo de Deus. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 6-7; BEOZZO, J. O. O Concílio Vaticano
II: etapa preparatória: In: LORSCHEIDER, A. (et. al.). Vaticano II: 40 anos depois. São Paulo: Paulus, 2005, p. 9-
37; SOUZA, N. de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S. L.;
BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 17-67.
60
sua conclusão em 1965 e implantou várias decisões estabelecidas pelo Concílio, mas veio a
falecer ainda no início do movimento de restauração. Sua grande missão foi a evangelização no
mundo, como a de Paulo apóstolo. Empenhou-se em grandes viagens onde foi grande defensor
dos direitos humanos e lutou pela paz. Com isso procurava colocar em prática o que dizia o
Concílio: “a Igreja por força do Evangelho que lhe foi confiado proclama os direitos dos homens
e admite e aprecia muito o dinamismo do tempo de hoje, que promove esses direitos por toda
parte”
217
.
O momento contextual do cristianismo no período do Concílio, com a profunda crise
interna da Igreja e muitos opositores, ilumina o pós-Concílio que enfrentou o velho problema,
ainda atual, da recepção
218
. A dimensão dialética com o mundo impõe-se à Igreja hoje, pelos
novos desafios culturais e éticos, força avassaladora da identidade e da missão eclesial, como
exigência vital, mais necessária e urgente. Uma solução plausível, inteligente e coerente dos
primeiros responsáveis pela unidade da missão e pela “hermenêutica oficial” do Concílio, seria
incluir, não excluir, todos os membros da “família de Deus” (Ef 2,19), de forma colegiada e co-
responsável na busca de uma autêntica hermenêutica das proposições conciliares. Deste modo, os
cônjuges e as famílias deveriam fazer parte dos Sínodos da “família de Deus”, sob a guarda e o
pastoreio dos bispos. Uma volta ao modelo eclesial das comunidades primitivas.
A teologia sofreu profundas transformações e deslocamentos nos últimos anos. Mudanças
de interesses, de produções, de perspectivas, de métodos e seu “lugar” na Igreja, em suma, qual o
estatuto da teologia hoje? Hoje o mundo é outro e o cristianismo também, isto é, são diferentes
217
GS 41; cf. LIBANIO, J. B. Concílio Vaticano II: os anos que se seguiram. In: etapa preparatória: In:
LORSCHEIDER, A. (et. al.). Vaticano II: 40 anos depois. São Paulo: Paulus, 2005, p. 71-88.
218
Cf. PALACIO, C. Deslocamentos da teologia, mutações do cristianismo: teologia aos 40 anos do Vaticano II.
São Paulo: Loyola, 2001, p. 7-11; cf. LIBANIO, J. B. Concílio Vaticano II: os anos que se seguiram. In: etapa
preparatória: In: LORSCHEIDER, A. (et. al.). Vaticano II: 40 anos depois. São Paulo: Paulus, 2005, p. 71-88;
CATÃO, F. A. C. O perfil distintivo do Concílio Vaticano II: recepção e interpretação. In: GONÇALVES, P. S. L.;
BOMBONATTO, V. I. (orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo, Paulinas, 2004, p. 17-67.
61
em muitos aspectos do passado acumulado pela tradição. Carlos Palacio, ao falar sobre o
envolvimento da fé com a cultura, belissimamente escreve: “A maneira como a fé compreende a
si mesma em cada momento histórico: sua identidade, sua continuidade com a tradição e sua
maneira de estar presente no mundo, de entrar em contato com o homem e a cultura de
determinada época”
219
. Ao se transformar, a teologia evoluiu. Essa evolução foi graças ao que
significou o Vaticano II como acontecimento histórico, teológico e eclesial, essa evolução. Mas,
nem tudo o que é oferecido em nome do Evangelho de Jesus é um valor ou aceitável, tudo deve
ser submetido ao critério do evangelho
220
.
O diálogo da Igreja com o mundo se deu por uma questão de pressupostos, a visão de
mundo: o horizonte filosófico da razão antiga e o teocentrismo que ordenava o universo, versus, o
antropocentrismo, cuja matriz conceitual é a história; a modernidade como uma ameaça à
integridade da fé e à autoridade do Magistério. Diante disso, o Magistério tornou-se lei absoluta,
empobreceram a Escritura e a Tradição. O concílio Vaticano II, no entanto, redescobriu a
Escritura e a Tradição, estabelecia-se o movimento de retorno às fontes, não uma obsessão pelo
passado, mas compreender para aproximar e dialogar. A teologia da escola privilegiou o aspecto
doutrinário e com isso a tradição foi reduzida a verdades fora do tempo e transmitida de forma
invariada. A Tradição viva, rica e diversa é fontal, pois, ela é a própria vida da Igreja
221
. O
concílio queria, portanto, “pensar a fé de tal forma que ela pudesse se tornar significativa para o
homem de hoje”
222
.
219
PALACIO, C. Deslocamentos da teologia, mutações do cristianismo: teologia aos 40 anos do Vaticano II. São
Paulo: Loyola, 2001, p. 10.
220
Cf. PALACIO, C. Deslocamentos da teologia, mutações do cristianismo: teologia aos 40 anos do Vaticano II.
São Paulo: Loyola, 2001, p. 9-11.
221
Cf. PALACIO, C. Deslocamentos da teologia, mutações do cristianismo: teologia aos 40 anos do Vaticano II.
São Paulo: Loyola, 2001, p. 16-36.
222
PALACIO, C. Deslocamentos da teologia, mutações do cristianismo: teologia aos 40 anos do Vaticano II. São
Paulo: Loyola, 2001, p. 34; cf. ALMEIDA, A. J. de. Lumen gentium: a transição necessária. São Paulo: Paulus, 2005.
Passim.
62
No reencontro com a tradição viva aparece primeiro a Sagrada Escritura, Palavra de Deus
revelada na história como atestam as três grandes Constituições Dogmáticas do Vaticano II: Dei
verbum, Lumen gentium e Sacrossanto concilium.
A Palavra de Deus é fonte da qual vive a comunidade, nela está sua identidade eclesial e
ela é celebrada na liturgia. Por isso ela deve abrir-se ao mundo como afirma a Gaudium et spes,
os problemas do mundo são os problemas da Igreja. A eclesiologia decorrente do Vaticano II se
expressa claramente na categoria teológica “povo de Deus”. João Paulo II aponta o Vaticano II
como grande graça do século XX e bússola segura para nos orientar no caminho do novo
milênio
223
. A grande importância do concílio em questão é o seu alcance
224
.
Bernard Sesboüè e Carlos Palacio, de modos diversos, ressaltam os mesmos valores sobre
a contribuição do Vaticano II para a teologia do Magistério. A contribuição Dogmática “Dei
Verbum”, sobre a Revelação Divina, contribui exprimindo as relações entre a Escritura, a
tradição e o Magistério, no espírito da antiga tradição. Subordina o Magistério à Palavra de Deus,
cujo papel é ser seu intérprete, sua autoridade se sustenta porque ensina aquilo que escuta.
A eclesiologia do Concílio Vaticano II expressa, na Constituição Dogmática Lumen
gentium (sobre a Igreja), a infabilidade da Igreja, povo de Deus. Participante da função profética
de Cristo, o sensus fidei universal dos fiéis que abrange todos os membros da Igreja, quer
ordenados ou não ordenados, cuja expressão máxima se encontra na hierarquia da Igreja. “O
múnus próprio do Magistério se exerce em comunhão com o povo de Deus e supõe um
223
Cf. NMI 57.
224
Cf. COMBLIN, J. O povo de Deus. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 5-15; cf. ALMEIDA, A. J. de. Lumen
gentium: a transição necessária. São Paulo: Paulus, 2005. Passim.
63
intercâmbio constante entre um e outro na maneira de viver a doutrina da fé e refletir sobre ela.
Aqui tocamos, de modo particular, com o problema da recepção”
225
.
A constituição hierárquica da Igreja supõe as categorias teológicas dos parágrafos
anteriores e é também questão jurídica.
O Vaticano II afirma que o múnus de ensinar é conferido pela ordenação ou consagração
episcopal, e esta mesma considerada como aquela que confere a plenitude da Ordem: ‘A
sagração episcopal, juntamente com o múnus de santificar, confere os de ensinar e de
reger. Estes, todavia, por sua natureza só podem ser exercidos em hierarquia comunhão
com a Cabeça e os demais membros do Colégio’ (LG 21). Como toda a teologia do
episcopado é relacionada pelo Concílio ao envio em missão dos Doze por Cristo, deve-
se dizer que o envio em missão está incluído na ordenação episcopal, mesmo se,
concretamente e para o bem da unidade da Igreja, ela só possa se exercer em comunhão
com o Colégio e sua Cabeça e, portanto, comportar um missio canonica propriamente
jurídica. É a ordenação que faz entrar na sucessão apostólica. O envio em missão é uma
realidade antes de tudo sacramental
226
.
Um conceito novo no Concílio Vaticano II: “o Magistério Vivo”. “Os mestres autênticos
[...] dotados da autoridade de Cristo, que pregam ao povo a eles confiado a fé que deve ser crida e
praticada”
227
. As principais funções do bispo são, em primeiro lugar, a pregação do Evangelho,
isto é, ensinar e confirmar o povo de Deus na fé de sempre, santificar e reger, sempre submissos à
Sagrada Escritura e à tradição.
As sombras sempre aparecem. José Comblin faz duras críticas ao magistério que,
referindo-se a João Paulo II e ao cardeal J. Ratzinger, implantando uma política de restauração do
Concílio Vaticano II que significou um retrocesso. Para ele, cardeal J. Ratzinger, teólogo do
Concilio, “mas foi um dos primeiros que se assustaram e se arrependeram. Na realidade a sua
teologia não se adequava à teologia conciliar. Já desde 1969 voltou à teologia anterior. Ele
225
SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p.
57; cf. ALMEIDA, A. J. de. Lumen gentium: a transição necessária. São Paulo: Paulus, 2005. Passim.
226
SESBOÜÈ, B. O Magistério em questão: autoridade, verdade e liberdade na Igreja. Petrópolis: Vozes, 2004, p.
57-58; cf. LG 21; ALMEIDA, A. J. de. Lumen gentium: a transição necessária. São Paulo: Paulus, 2005. Passim.
227
LG 25; cf. ALMEIDA, A. J. de. Lumen gentium: a transição necessária. São Paulo: Paulus, 2005. Passim.
64
mesmo cultivou visão extremamente pessimista do mundo moderno e acentuou mais ainda as
tendências pessimistas do papa”
228
.
José Comblin vê novas fases de condenações de teólogos considerados seduzidos pelo
mundo moderno: os teólogos da libertação, suspeitos de marxismo; os teólogos da moral sexual,
suspeitos de laxismo; os teólogos do diálogo inter religioso, suspeitos de relativismo. O mundo
seria novamente fonte de heresias e a pós-modernidade qualificada de relativismo. Com isso, o
magistério retoma para si a tarefa de condenar os erros ou perigos de erros para proteger a Igreja
contra as investidas do mundo moderno. No lugar de compreender o mundo, condená-lo
229
.
Para José Comblin a questão toda se concentra no fato de que o conceito “povo de Deus”
que determinou todos os escritos do concílio foi “sistematicamente eliminado do discurso
eclesiástico durante o presente pontificado”
230
. O sínodo extraordinário dos bispos de 1985,
convocado com o objetivo de interpretar o concílio, suprimiu o conceito “povo de Deus”. Para ele
voltar ao Concílio é resgatar o conceito “povo de Deus” recolocando-o no centro da
eclesiologia
231
.
A questão teológica do “magistério vivo” no pleno exercício de suas funções e sua
autoridade, justifica-se neste trabalho, pela relevância das palavras dos Papas no exercício de seus
Pontificados, pelas reflexões e declarações dos Concílios Ecumênicos antigos e, em especial, o
Concílio Vaticano II, do Sínodo dos Bispos, pelos documentos proferidos pelas Congregações ou
Conselhos Pontifícios, pelas Conferências Episcopais e o trabalho pastoral realizado pelos leigos
e leigas, quer em matéria dogmática, quer em outras questões que considerem a realidade do
matrimônio e da família e sua vivência eclesial da fé. A tarefa do magistério não é simples. Salvo
228
COMBLIN, J. O povo de Deus. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 8.
229
Cf. COMBLIN, J. O povo de Deus. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 7-15.
230
COMBLIN, J. O povo de Deus. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 9.
231
Cf. COMBLIN, J. O povo de Deus. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 9.
65
as criticas ao contrário, às vezes com muita razão, o magistério tem uma palavra que deve ser
ouvida e é justamente isso que procurarei incluir neste trabalho.
2. O Pontificado de João Paulo II: primazia do Ensino
2.1 Karol Josef Wojtyla
Nasceu em 18 de maio de 1920 no Wadowice ao sul da Polônia, cidade a 50 km da
Cracóvia. A Nação Polonesa, espoliada e marcada pelas imensas dores e grandes sofrimentos
históricos, de invasões e da segunda guerra mundial, foi o contexto cultural da vida pessoal,
social e familiar de Karol Josef Wojtyla
232
.
Karol Josef Wojtyla, apelidado carinhosamente pelos amigos “Lolek”
233
, teve uma vida
pessoal e familiar muito sofrida em todas as dimensões. Sua família, contudo, foi comunidade de
vida e de amor extremamente significativa em seu viver. Sua família, poucos dias depois de
nascer, no dia 20 de junho de 1920, levou-o à pia batismal na Igreja paroquial de Santa Maria de
232
Cf. as obras consultadas sobre a vida de João Paulo II e muitos de seus pensamentos: JOÃO PAULO II. Levantai-
vos! Vamos! São Paulo: Planeta, 2004; JOÃO PAULO II: ACI digital. João Paulo II, ‘O Grande’ 1920-2005.
Disponível em: <<http://www.acidigital.com/juanpabloii/>>. Acesso: 26 outubro 2006, 11:00:00; BETETA, P. João
Paulo II: rumo ao novo milênio. São Paulo: Loyola, 1999; JOÃO PAULO II. Vá em paz: um presente de amor
permanente; editado por Joseph Durepos. Aparecida: Santuário, 2005; FROSSARD, A. “Não tenham medo!”:
entrevista com João Paulo II. São Paulo: Círculo do Livro, 1984; FROSSARD, A. Retrato de João Paulo II. São
Paulo: Círculo do Livro, 1998; FISCHER-WOLLPERT, R. Os Papas: de Pedro a João Paulo II. 5. ed. Petrópolis,
Vozes, 1999; BAKALAR, N.; BALKIN, R. (org.). A sabedoria de João Paulo II: a visão do Papa sobre os temas
mais importantes para a humanidade. Rio de Janeiro: Record, 2003; BERNSTEIN, C.; POLITI, M. Sua Santidade
João Paulo II: e a história oculta de nosso tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996; RATZINGUER, J. João Paulo II:
vinte anos na história. São Paulo: Paulinas, 2000; ECLÉSIA.COM. Memória eterna! Morre Sua Santidade o Papa
João Paulo II. Disponível em: <http://www.ecclesia.com.br/news/ falecimento_papa.htm>. Acesso em: 27 outubro
2006, 09:30:02; DIÁRIO DO COMÉRCIO. João Paulo II: 1920-2005. Disponível em:
<http://www.dcomercio.com.br/especiais/PAPA/ osanto.htm>. Acesso em: 27 outubro 2006, 10:20:00; SANTA SÉ.
João Paulo II. Disponível em: <http://www.vatcan.va/holy_father/Jon_ paul_ii/index_po.htm>. Acesso em: 27
outubro 2006, 11:20:05; ZENIT.ORG:O mundo visto de Roma. João Paulo II. Disponível em:
<http://www.zenit.org/portuguese.htm>. Acesso em 27 de outubro de 2006, 15:00:43.
233
JOÃO PAULO II: o peregrino da paz. Revista National Geograph Brasil, São Paulo, n. 42, A. Edição de
Colecionador, p. 36, [abr.] 2004; cf. BERNSTEIN, C.; POLITI, M. Sua Santidade João Paulo II: e a história oculta
de nosso tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996, p. 9-80.
66
Wadowice. Aos 9 anos de idade, ano em que fez a primeira comunhão, no dia 13 de Abril de
1929, sua mãe Emília Kaczorowsky faleceu ao dar à luz a uma menina que morreu antes mesmo
de nascer. Aos 18 anos recebeu o Sacramento da Confirmação. Anos mais tarde faleceu seu
irmão Edmund e, no dia 19 de fevereiro de 1941, seu pai Karol Wojtyla, um militar do exército
austro-húngaro, também faleceu
234
.
A ocupação Polonesa pelos Alemães na segunda guerra trouxe enormes sacrifícios para
Karol Josef Wojtyla concluir seus estudos médios e de teologia. Antes de seu ingresso no
Seminário, o Jovem Wojtyla trabalhou como operário em uma pedreira. Viveu escondido durante
os estudos teológicos no Departamento de Teologia da Universidade Jaguelloniana
235
.
Aos 26 anos de idade em 1 de novembro de 1946, no Seminário Maior de Cracóvia,
Ordenou-se Presbítero. Licenciado em teologia e doutor em filosofia, tornou-se professor na
Universidade Católica de Dublin e na Universidade Estadual de Cracóvia, tornando-se expoente
do pensamento Polonês
236
.
Em 23 de setembro de 1858 foi sagrado o mais jovem Bispo Polonês, Bispo Auxiliar do
Administrador Apostólico de Cracóvia, sede que ocupou como Arcebispo no dia 13 de janeiro de
1964. Participou ativamente do Concílio Vaticano II, contribuindo com a elaboração dos dois
grandes documentos conciliares Lumen gentium e Gaudium et spes, ao mesmo tempo em que
234
Cf. RATZINGER, J. João Paulo II: vinte anos na história. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 36; BERNSTEIN, C.;
POLITI, M. Sua Santidade João Paulo II: e a história oculta de nosso tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996, p. 9-80;
ECLÉSIA.COM. Memória eterna! Morre Sua Santidade o Papa João Paulo II. Disponível em:
<http://www.ecclesia.com.br/news/falecimento_papa.htm>. Acesso em: 27 outubro 2006, 09:30:02; DIÁRIO DO
COMÉRCIO. João Paulo II: 1920-2005. Disponível em: <http://www.dcomercio.com.br/especiais/papa/
osanto.htm>. Acesso em: 27 outubro 2006, 10:20:00; SANTA SÉ. João Paulo II. Disponível em:
<http://www.vatcan.va/holy_father/Jon_paul_ii/index_po.htm>. Acesso em: 27 outubro 2006, 11:20:05.
235
Cf. FISCHER-WOLLPERT, R. Os Papas: de Pedro a João Paulo II. 5. ed. Petrópolis, Vozes, 1999, p. 170-172.
236
Cf. BERNSTEIN, C.; POLITI, M. Sua Santidade João Paulo II: e a história oculta de nosso tempo. Rio de
Janeiro: Objetiva, 1996, p. 81-154.
67
desempenhava como Bispo, intenso trabalho apostólico com Jovens e Famílias, a promoção
humana dos operários e a literatura cristã católica
237
.
Aos 47 anos de idade, em maio de 1967, foi nomeado Cardeal pelo Papa Paulo VI. Em
1978, morre Paulo VI e é eleito João Paulo I. Este último faleceu 33 dias após sua eleição e, em
16 de outubro de 1978 o Cardeal Polonês, Karol Josef Wojtyla, é eleito sucessor de Pedro. Em 22
de outubro de 1978 foi investido como Sumo Pontífice assumindo o título de João Paulo II. Sua
eleição quebrou a tradição de 456 anos de escolher Papas de origem italiana. As primeiras
palavras do Papa João Paulo II, no dia 22 de outubro de 1978, foram: “Não tenham medo!” (Jo
16,33)
238
.
Os 85 anos de idade do mesmo e único homem Karol Josef Wojtyla, ou João Paulo II nos
27 anos de Pontificado, foram marcados por características reconhecidas mundialmente, por
homens e mulheres, nações e culturas, cristãos e ateus, não cristãos e materialistas, pessoas
humildes e intelectuais
239
. Esse foi homem de fé, marcado pelo sofrimento, pela coragem e pela
esperança; sábio, intelectual, pastor e mestre. Ensinou, amou e defendeu a verdade sobre o
Mistério do homem inserido no Mistério de Deus Criador e Redentor, revelado no Mistério de
Cristo morto e ressuscitado, “cabeça da Igreja, que é seu Corpo” (Cl 1,18) e fundamento de seu
Mistério
240
. Dessas características para as quais convergem tantas outras, podemos afirmar o
237
Cf. FROSSARD, A. “Não tenham medo!”: entrevista com João Paulo II. São Paulo: Círculo do Livro, 1984, p.
28-34.
238
Cf. RATZINGER, J. João Paulo II: vinte anos na história. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 5; L’Osservatore
Romano. Cidade do Vaticano, out. 1978. Edição Avulsa, ano IX.; BERNSTEIN, C.; POLITI, M. Sua Santidade João
Paulo II: e a história oculta de nosso tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996, p. 157-181.
239
Cf. JOÃO PAULO II: o peregrino da paz. Revista National Geograph Brasil, São Paulo, n. 42, A. Edição de
Colecionador. Passim [abr.] 2004; ECLÉSIA.COM. Memória eterna! Morre Sua Santidade o Papa João Paulo II.
Disponível em: <http://www.ecclesia.com.br/news/falecimento_papa.htm>. Acesso em: 27 outubro 2006, 09:30:02;
DIÁRIO DO COMÉRCIO. João Paulo II: 1920-2005. Disponível em: <http://www.dcomercio.com.br
/especiais/papa/osanto.htm>. Acesso em: 27 outubro 2006, 10:20:00.
240
Cf. FROSSARD, A. “Não tenham medo!”: entrevista com João Paulo II. São Paulo: Círculo do Livro, 1984, p.
35-98.
68
testemunho de sua vida, expresso no seu escudo: um grande M, realçando sua devoção Mariana,
e o Lema: “Totus Tuus” – Tudo para Todos
241
.
O Jovem “Lolek” era habilidoso nas artes literárias e dramaturgia. Ainda no Colégio,
pensava na possibilidade de enveredar-se nas linhas mestras da filosofia e da lingüística polonesa.
Realmente tornou-se grande estudioso, especialmente, nas questões relativas ao ser humano em
todas as suas dimensões. A história conta sua trajetória e influência, não somente em relação à
Nação Polonesa, mas em relação a todo o mundo contemporâneo no âmbito da Igreja e das
sociedades. Podemos, então, afirmar que seu Pontificado manifestou-se como continuidade de
sua vida familiar; social e cultural
242
.
As experiências humanas vividas por João Paulo II
243
marcaram decisiva e profundamente
toda sua vida e moldaram seu caráter, ao mesmo tempo em que contribuíram determinantemente
para que suas proficientes convicções sobre a vida humana e suas relações – com Deus, consigo
241
Cf. FISCHER-WOLLPERT, R. Os Papas: de Pedro a João Paulo II. 5. ed. Petrópolis, Vozes, 1999, p. 172;
FROSSARD, A. “Não tenham medo!”: entrevista com João Paulo II. São Paulo: Círculo do Livro, 1984, p. 35-98.
242
O próprio João Paulo II registrou passagens interessantes de sua vida, outras histórias e ditos foram registrados
por outros autores. Cf. JOÃO PAULO II. Levantai-vos! Vamos!o Paulo: Planeta, 2004; JOÃO PAULO II: ACI
digital. João Paulo II, ‘O Grande’ 1920-2005. Disponível em: <<http://www.acidigital.com/ juanpabloii/>>. Acesso:
26 outubro 2006, 11:00:00; BETETA, P. João Paulo II: rumo ao novo milênio. São Paulo: Loyola, 1999; JOÃO
PAULO II. Vá em paz: um presente de amor permanente; editado por Joseph Durepos. Aparecida: Santuário, 2005;
FROSSARD, A. “Não tenham medo!”: entrevista com João Paulo II. São Paulo: Círculo do Livro, 1984;
FROSSARD, A. Retrato de João Paulo II. São Paulo: Círculo do Livro, 1998; FISCHER-WOLLPERT, R. Os
Papas: de Pedro a João Paulo II. 5. ed. Petrópolis, Vozes, 1999; BAKALAR, N.; BALKIN, R. (org.). A sabedoria de
João Paulo II: a visão do Papa sobre os temas mais importantes para a humanidade. Rio de Janeiro: Record, 2003;
BERNSTEIN, C.; POLITI, M. Sua Santidade João Paulo II: e a história oculta de nosso tempo. Rio de Janeiro:
Objetiva, 1996; RATZINGUER, J. João Paulo II: vinte anos na história. São Paulo: Paulinas, 2000.
243
Cf. FROSSARD, A. “Não tenham medo!”: entrevista com João Paulo II. São Paulo: Círculo do Livro, 1984, p.
15-16. “Aos vinte anos, eu havia perdido todos aqueles a quem amava e até os que poderia ter amado, como uma
irmã que morreu seis anos antes do meu nascimento. Não havia feito minha primeira comunhão quando perdi minha
mãe, que não teve a alegria de ver esse que ela esperava como um grande dia”: p. 15-16; “Ele só viu sua mãe
enferma. Foi ela, sem dúvida, quem o ensinou a rezar. [...] A morte de minha mãe se inscreveu profundamente em
minha memória, e mais ainda talvez a de meu irmão, por causa das circunstâncias dramáticas em que ocorreu e
porque eu estava mais amadurecido. Assim, tornei-me relativamente cedo órfão de mãe e único filho. Meu pai foi
admirável, e está presente em quase todas as recordações de minha infância e adolescência... o simples fato de vê-lo
ajoelhar-se teve uma influência decisiva sobre meus anos juvenis. Ele era tão exigente com relação a si mesmo que
não tinha nenhuma necessidade de mostrar-se exigente diante do filho: o exemplo bastava par ensinar-me a
disciplina e o senso do dever. Era um ser excepcional. Morreu quase que de repente durante a guerra, sob a ocupação
nazista. Eu não tinha vinte e um anos”.
69
mesmo, com os outros e com o mundo –, fossem profícuos e fizessem de seu Pontificado um
marco histórico, em vários aspectos.
Os registros das atividades apostólicas, no decurso de quase 27 anos de Pontificado,
manifestaram o pioneirismo
244
, em muitos aspectos, do Pontífice mais jovem do século e o
terceiro mais longo da história, verdadeiro testemunho transparente de seu pensamento,
fundamentado na experiência humana. Suas atividades apostólicas, marcadas pelas alegrias e
sofrimentos vividos na vida pessoal – operário, estudante, seminarista e padre –, na relação
familiar – morte dos pais e irmãos –, e social – a realidade de seu povo na ocupação nazista –
estão caracterizadas nos registros recorde mais surpreendentes: Ângelus (Regina Coeli), pioneiro
em Audiências, Cartas, Cartas Apostólicas, Constituições Apostólicas, Discursos, Encíclicas,
Exortações Apostólicas, Homilias, Jubileu, Livros, Mensagens, Motu Proprio e viagens pelo
mundo.
Formado na Escola de Cristo e da história, João Paulo II foi experiência presente e
operante a falar da realidade do matrimônio e da família. Seguindo com fidelidade Jesus Cristo
de Nazaré, Redemptor Hominis
245
, e sua Igreja, fez afirmações convictas sobre a vocação e
missão da família cristã na Igreja e no mundo, a partir do seguimento de Jesus Cristo de Nazaré.
A Igreja conhece o caminho pelo qual a família pode chegar ao coração da sua verdade
profunda. Este caminho, que a Igreja aprendeu na Escola de Cristo e da história
interpretada À luz do Espírito, não o impõe, mas sente a exigência indeclinável de o
propor a todos sem medo, com grande confiança e esperança, sabendo, porém, que a
244
Cf. JOÃO PAULO II. Disponível em: <http://www.vatcan.va/holy_father/Jon_paul_ii/index_ po.htm>. Acesso
em: 27 outubro 2006, 11:20:05; JOÃO PAULO II: ACI digital. João Paulo II, ‘O Grande’ 1920-2005. Disponível
em: <<http://www.acidigital.com/juanpabloii/>>. Acesso: 26 outubro 2006, 11:00:00; FISCHER-WOLLPERT, R.
Os Papas: de Pedro a João Paulo II. 5. ed. Petrópolis, Vozes, 1999, p 170-172; RATZINGER, J. João Paulo II: vinte
anos na história. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 7-54; ECLÉSIA.COM. Memória eterna! Morre Sua Santidade o Papa
João Paulo II. Disponível em: <http://www.ecclesia.com.br/news/falecimento_papa .htm>. Acesso em: 27 outubro
2006, 09:30:02; DIÁRIO DO COMÉRCIO. João Paulo II: 1920-2005. Disponível em:
<http://www.dcomercio.com.br/especiais/PAPA/ osanto.htm>. Acesso em: 27 outubro 2006, 10:20:00;
ZENIT.ORG:O mundo visto de Roma. João Paulo II. Disponível em: <http://www.zenit.org/ portuguese.htm>.
Acesso em 27 de outubro de 2006, 15:00:43.
245
Cf. RH Passim; RATZINGER, J. João Paulo II: vinte anos na história. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 5-31.
70
‘Boa-Nova’ conhece a linguagem da Cruz. É, no entanto, através da Cruz que a família
pode atingir a plenitude do seu ser e a perfeição do seu amor
246
.
Todos os membros da família, cada um segundo o dom que lhe é peculiar, possuem a
graça e a responsabilidade de construir, dia após dia, a comunhão de pessoas, fazendo da
família uma ‘escola de humanismo mais completo e rico’ (GS52)
247
.
‘Os pais, que transmitem a vida aos filhos, têm gravíssima obrigação de educar a prole e,
por isso, devem ser reconhecidos como seus primeiros e principais educadores. [...] é
dever dos pais criar um ambiente de tal modo animado pelo amor e pela piedade para
com Deus e com os homens que favoreça a completa educação pessoal e social dos
filhos. A família é, portanto, a primeira escola das virtudes sociais de que as sociedades
têm necessidade’ (GE 3)
248
.
A família é a primeira e fundamental escola de solidariedade: enquanto comunidade de
amor, ela encontra no dom de si a lei que a guia e faz crescer
249
.
O Sínodo [1980], retomando e desenvolvendo as linhas conciliares, apresentou a missão
educativa da família cristã como um verdadeiro ministério, mediante o qual é
transmitido e irradiado o Evangelho, a ponto de a mesma vida da família se tornar
itinerário de fé e, em certo modo, iniciação cristã e escola para seguir a Cristo. Na
família consciente de tal dom, como escreveu Paulo VI, ‘todos os membros evangelizam
e são evangelizados’ (EN 68)
250
A família possui vínculos vitais com a sociedade, porque constitui o seu fundamento e
alimento contínuo mediante o dever de serviço À vida: pois é da família que saem os
cidadãos e na família encontram a primeira escola daquelas virtudes sociais, que são a
alma da vida e do desenvolvimento da mesma sociedade
251
.
A promoção de uma autêntica e madura comunhão de pessoas na família torna-se a
primeira e insubstituível escola de solidariedade, exemplo e estímulo para as mais
amplas relações comunitárias na mira do respeito, da justiça, do diálogo, do amor
252
.
João Paulo II considerou sua vocação, assim como considerava “toda vocação na Igreja” e
a vocação de “cada homem”, inserida na missão do Cristo
253
. Em sua vocação sentia-se
246
FC Conclusão.
247
FC 21.
248
FC 36.
249
FC 37.
250
FC 39.
251
FC 42.
252
FC 43.
253
Cf. JOÃO PAULO II. Levantai-vos! Vamos! São Paulo: Planeta, 2004, p. 16; cf. Jo 1,3.9-18; 12,2627.42-50.
71
convictamente chamado pelo próprio Cristo e fortalecido na união com o Pai, no Espírito
254
. Os
frutos que produzia na vida apostólica nasciam de sua permanência em Cristo: “Aí está a
eficiência da missão pastoral do bispo”
255
. Com firme convicção de ter sido chamado, enviado e
sustentado por Jesus Cristo, constantemente se dirigia a todo ser humano contemporâneo ao redor
do mundo, especialmente jovens, familias e sofredores, aproximando-se deles e dirigindo-lhes
palavras de ânimo, conforto e reorientação. Tornou-se o Papa que “cria proximidade”
256
.
Comprometido em profundidade com a Nação Polonesa zelou pela memória do
patrimônio cultural e religioso de seu povo, lutou pela vida deles, pela fé de sua gente, defendeu
sua Igreja como Bispo. Fiel às orações e ao Depósito da Fé, comprometido com a história, sentiu-
se pastor que “conhece as suas ovelhas” (Jo 10, 14.), e quis “conhecê-las diretamente”
257
.
Encontra-se aqui a raiz da abertura de João Paulo II aos problemas da humanidade e de “cada
homem” (cada ser humano), como ele mesmo deu a entender ao falar do dever do bispo em
conhecer o rebanho:
O Bom Pastor conhece as suas ovelhas e as ovelhas O conhecem (cf. Jo 10,14).
Certamente é dever do bispo aplicar-se com prudência a fim de que o maior número
possível de pessoas, que juntas com ele formam a Igreja, possa conhecê-lo diretamente.
Por sua vez, ele buscará aproximar-se de todos, de modo que saiba como vivem e o que
alegra ou que atormenta seus corações. A base de tal conhecimento recíproco não se
deve tanto aos encontros ocasionais quanto a um autêntico interesse por aquilo que se
dentro do coração do homem, independentemente da idade, da classe social ou da
nacionalidade de cada um. É um interesse que engloba os praticantes e os afastados (cf.
GS 16). É difícil uma teoria sistemática sobre o modo de estabelecer relações com as
pessoas; no entanto, para mim, foi de grande ajuda o personalismo que aprofundei nos
meus estudos filosóficos. Todo homem é uma pessoa individual e por isso não posso
programar a priori um certo tipo de relação que valha para todos, mas devo, por assim
254
Cf. JOÃO PAULO II. Levantai-vos! Vamos! São Paulo: Planeta, 2004, p. 16; RATZINGER, J. João Paulo II:
vinte anos na história. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 12.
255
JOÃO PAULO II. Levantai-vos! Vamos! São Paulo: Planeta, 2004, p. 17; cf. Jo 15, 16.
256
RATZINGER, J. João Paulo II: vinte anos na história. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 7.
257
JOÃO PAULO II. Levantai-vos! Vamos! São Paulo: Planeta, 2004, p. 75. 29-30. 61-63. 73-74. 89-206.
72
dizer, aprende-la cada vez como se fosse a primeira. [...]. Seja como for, minha
preocupação constante foi a de tutelar o caráter pessoal da relação. Cada pessoa é um
capítulo à parte. [...]. O interesse pelo outro começa pela oração do bispo, pelo seu
colóquio com Cristo que lhe entrega “os seus”. [...] Entretanto, sigo o princípio de
acolher cada um como uma pessoa que o Senhor me envia e que, ao mesmo tempo, me
confia
258
.
Desse modo, influenciado pela filosofia personalista, procurou acolher cada ser humano
em especial, como uma realidade única “um capítulo a parte”. A palavra “massa” não lhe
agradava, “porque traz muito de anônimo”, preferia o termo “‘multidão’ (em grego plethos: cf.
Mc 3,7; Lc 6,17; At 2,6; 14,1 etc)”, pois, as muitas gentes que encontrava eram como “uma
comunidade animada de um mesmo ideal”
259
. O modo de ser como bispo o influenciou no modo
de exercer o seu ministério papal, como era transparente a acolhida que dava às multidões por
onde passava e às pessoas que dele se aproximavam
260
.
A sua aproximação com os diferentes grupos e com cada pessoa está refletida em sua
época de Bispo em Cracóvia através do seu relacionamento com o clero e nas suas visitas
pastorais que eram demoradas. Uma de suas afirmações que revela sua delicadeza para com os
outros e sua visão de que tudo tem sua fonte em Cristo é esta: “O interesse pelo outro começa
pela oração do bispo, pelo seu colóquio com Cristo que lhe entrega os seus”
261
.
Como bispo, nas prolongadas e atenciosas visitas pastorais, em tempos sociais e políticos
difíceis, preocupava-se com os sacramentos, abençoava os casamentos, administrava a crisma e,
258
JOÃO PAULO II. Levantai-vos! Vamos! São Paulo: Planeta, 2004, p. 75-77.
259
JOÃO PAULO II. Levantai-vos! Vamos! São Paulo: Planeta, 2004, p. 77.
260
Cf. RATZINGER, J. João Paulo II: vinte anos na história. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 7-31; SANTA SÉ. João
Paulo II. Disponível em: <http://www.vatcan.va/holy_father/Jon_paul_ii/index_po.htm>. Acesso em: 27 outubro
2006, 11:20:05; JOÃO PAULO II: ACI digital. João Paulo II, ‘O Grande’ 1920-2005. Disponível em:
<<http://www.acidigital.com/juanpabloii/>>. Acesso: 26 outubro 2006, 11:00:00; FISCHER-WOLLPERT, R. Os
Papas: de Pedro a João Paulo II. 5. ed. Petrópolis, Vozes, 1999, p 170-172; RATZINGER, J. João Paulo II: vinte
anos na história. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 7-54; ECLÉSIA.COM. Memória eterna! Morre Sua Santidade o Papa
João Paulo II. Disponível em: <http://www.ecclesia.com.br/news/falecimento_papa.htm>. Acesso em: 27 outubro
2006, 09:30:02; DIÁRIO DO COMÉRCIO. João Paulo II: 1920-2005. Disponível em:
<http://www.dcomercio.com.br/especiais/PAPA/osanto.htm>. Acesso em: 27 outubro 2006, 10:20:00.
261
JOÃO PAULO II. Levantai-vos! Vamos! São Paulo: Planeta, 2004, p. 76. 79-87; cf. FROSSARD, A. “Não
tenham medo!”: entrevista com João Paulo II. São Paulo: Círculo do Livro, 1984, p. 32.
73
pessoalmente, atendia no confessionário. Visitava os doentes e as famílias em suas casas, exceto
nos hospitais porque “Infelizmente as autoridades comunistas não concediam o acesso aos
hospitais”
262
. Encontrava-se com pequenos grupos como o de professores, os de jovens e com os
sacerdotes que se dedicavam na paróquia.
Era especial o encontro com as famílias, como ele mesmo relata. O modo de se organizar
ainda como padre, capelão universitário, e depois como bispo, os encontros com as famílias, com
os casais e as grávidas, com os noivos em preparação para o sacramento do matrimônio e a vida
familiar, as celebrações da Santa Missa e as bênçãos especiais para cada casal em particular,
influenciou a estrutura da Familiaris Consortio, no que diz respeito à organização da pastoral
familiar
263
. Os livros que escreveu influenciaram a Carta às famílias:
Era previsto também um encontro específico na igreja com todos os casais. Era unido à
Santa Missa, que terminava com uma bênção a cada casal em particular. A homilia era
obviamente dedicada ao tema do matrimônio. Experimentava sempre uma emoção
especial diante de numerosas famílias e mulheres grávidas. Desejava expressar meu
apreço pela maternidade e pela paternidade. Desde o início do meu sacerdócio, dediquei-
me ao serviço pastoral a favor dos casais e das famílias. Como capelão universitário,
organizava habitualmente cursos pré-matrimoniais e, mais tarde, como bispo, promovi a
pastoral das famílias. Dessas experiências, dos encontros com os noivos, esposos e
famílias, nasceu o drama poético A loja do ourives e o livro Amor e responsabilidade e
depois, mais recente, a Carta às famílias
264
.
Preparou o seu futuro Pontificado com o diálogo que fazia nas visitas pastorais com o
“mundo da cultura”
265
. Seu interesse pelo diálogo com os estudiosos, conseqüentemente, seu
contato com o mundo da ciência, já se fazia perceber quando mantinha vivo o seu relacionamento
com tudo que se relacionava à esfera científica. Era estreita e freqüente sua presença no meio
universitário. Não se alienava das leituras, das discussões, das informações e dos encontros com
262
JOÃO PAULO II. Levantai-vos! Vamos! São Paulo: Planeta, 2004, p. 85. 87-102.
263
Cf. Quarta Parte: A Pastoral Familiar: etapas, estruturas, responsáveis: FC 65-85.
264
JOÃO PAULO II. Levantai-vos! Vamos! São Paulo: Planeta, 2004, p. 85- 86.
265
JOÃO PAULO II. Levantai-vos! Vamos! São Paulo: Planeta, 2004, p. 97.98-102.
74
os protagonistas das ciências. Mantinha-se em diálogo com filósofos leigos e sacerdotes. Fez
opção filosófica pessoal entre os pólos tomista, aristotélico e a fenomenologia. Tornou-se grande
admirador do pensamento e da vida de Edith Stein a quem beatificou em Roma, juntamente com
outros
266
.
A Revista National Geograph Brasil
267
trouxe testemunhos importantes sobre João Paulo
II foram dados por personalidades como: Billy Graham, líder protestante: “Aos olhos da história,
ele será visto como o papa mais importante de nossos tempos. Poucos foram tão influentes
quanto ele, não só do ponto de vista religioso, mas também social e moral”; Sua Santidade Dalai
Lama, líder espiritual do Tibet: “Possui uma vontade e uma determinação extraordinárias: quer
ajudar a humanidade através de sua espiritualidade [...] Isso é maravilhoso”; Mikhail Gorbatchov,
ex-presidente da ex-União Soviética: “Se não contássemos com seu empenho e com sua atuação
excepcional no cenário mundial, a reviravolta no Leste Europeu não teria jamais ocorrido”; Elio
Toaff, Grão-Rabino de Roma: “Ele escreveu uma nova página na história dos judeus e cristãos.
Encerrou, definitivamente, 2 mil anos de incompreensões, desentendimentos, e séculos de
sofrimento”.
Seu ministério Episcopal primou-se em incentivar a vida eclesial no espírito do Concílio
Ecumênico Vaticano II, do qual participou efetivamente da fase preparatória e sua realização. Ao
participar do Concílio, contribuiu na elaboração da Constituição Dogmática Lumen gentium sobre
a Igreja e na Constituição Pastoral Gaudium et spes sobre a Igreja no mundo de hoje. Empenhou-
se na recepção e aplicação do Concílio em seu país. No dia de sua eleição assumiu o
compromisso de fidelidade ao Magistério de Pedro e à grande disciplina da Igreja à luz do
266
Cf. JOÃO PAULO II. Levantai-vos! Vamos! São Paulo: Planeta, 2004, p. 97-98; Cf. sobre a influência de Mas
Scheler e o encontro com a fenomenologia in: RATZINGER, J. João Paulo II: vinte anos na história. São Paulo:
Paulinas, 2000, p. 12-13; BERNSTEIN, C.; POLITI, M. Sua Santidade João Paulo II: e a história oculta de nosso
tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996, p. 183-540.
267
Cf. JOÃO PAULO II: o peregrino da paz. Revista National Geograph Brasil, São Paulo, n. 42, A. Edição de
Colecionador, p. 6, 9, 17,19, [abr.] 2004.
75
Concílio Vaticano II
268
. Ele elaborou pensamentos que hoje encontram eco e encantam o
mundo
269
.
Um Papa não nasce pronto. Traz em si e atrás de si longa experiência humana de vida e
larga experiência de vida cristã. Carrega uma tradição da qual não pode abdicar-se e cuja
influência determina o modo de ser e de agir permanentemente.
João Paulo II, saudoso Karol Josef Wojtyla, faleceu em Roma no dia 2 de abril de 2005,
conforme afirmação de seu médico particular e órgãos oficiais da Cidade do Vaticano:
O documento está firmado pelo doutor Renato Buzzonetti, médico pessoal de João Paulo
II e diretor de Saúde e Higiene do Estado da Cidade do Vaticano «Certifico que Sua
Santidade João Paulo II (Karol Wojtyla), nascido em Wadowice (Polônia) a 18 de maio
de 1920, residente na Cidade do Vaticano, cidadão vaticano, faleceu às 21h37 do dia 2
de abril de 2005 em seu apartamento do Palacio Apostólico Vaticano». O certificado
constata que o Papa padecia do mal de Parkinson, episódios de insuficiência respiratória
aguda e conseqüente traqueotomia ademais de hipertrofia prostática benigna complicada
por infecção nas vias urinarias (urosepsis), ademais de cardiopatia hipertensiva e
isquêmica. A confirmação da morte se fez através de uma máquina de acompanhamento
da atividade cardíaca. «Declaro que as causas da morte, de acordo com minha ciência e
minha consciência, são as indicadas», conclui o doutor Buzzonetti
270
.
O Papa João Paulo II destacou-se pela fé e pelo testemunho que deu no seguimento de
Jesus Cristo Redentor; pelo amor incondicional e total à Igreja de Cristo; pela fidelidade à
268
Cf. RATZINGER, J. João Paulo II: vinte anos na história. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 14; L’Osservatore
Romano. Cidade do Vaticano, out. 1978. Edição Avulsa, ano IX, p. 1.
269
Cf. as obras de: RATZINGUER, J. João Paulo II: vinte anos na história. São Paulo: Paulinas, 2000; BAKALAR,
N.; BALKIN, R. (org.). A sabedoria de João Paulo II: a visão do Papa sobre os temas mais importantes para a
humanidade. Rio de Janeiro: Record, 2003; BETETA, P. João Paulo II: rumo ao novo milênio. São Paulo: Loyola,
1999; JOÃO PAULO II: ACI digital. João Paulo II, ‘O Grande’ 1920-2005. Disponível em:
<<http://www.acidigital.com/juanpabloii/>>. Acesso: 26 outubro 2006, 11:00:00; JOÃO PAULO II. Vá em paz: um
presente de amor permanente; editado por Joseph Durepos. Aparecida: Santuário, 2005; FROSSARD, A. “Não
tenham medo!: entrevista com João Paulo II. São Paulo: Círculo do Livro, 1984; FROSSARD, A. Retrato de João
Paulo II. São Paulo: Círculo do Livro, 1998; BERNSTEIN, C.; POLITI, M. Sua Santidade João Paulo II: e a história
oculta de nosso tempo. Rio de Janeiro: Objetiva, 1996.
270
ZENIT.ORG:O mundo visto de Roma. João Paulo II. Disponível em: <http://www.zenit.org/portuguese. htm>.
Acesso em 27 de outubro de 2006, 15:00:43.
76
Tradição Apostólica; pela prática dos ensinamentos do Concílio Ecumênico Vaticano II
271
; pelo
seu interesse para com as multidões, não pelas massas anônimas, sinal de seu respeito pelo ser
humano
272
, todos os homens e cada pessoa em particular, em especial, sofredores, jovens e
famílias; pela abertura ao diálogo com o mundo das ciências filosóficas e teológicas; ao diálogo
ecumênico e inter-religioso; ao diálogo com a cultura contemporânea. Ele foi o Pontífice que, a
respeito da família, afirmou categoricamente: “o futuro da humanidade passa pela família!”
273
.
2.2 O Evangelho da família e da vida no Pontificado de João Paulo II
“É grande este mistério” (Ef 5,32)
274
em referência “à relação a Cristo e sua Igreja” (Ef
5,32). No antigo Oriente a noiva era banhada e enfeitada para ser apresentada ao noivo pelos
“‘filhos das bodas’ (= os amigos do noivo)”
275
. “No caso místico da Igreja, foi Cristo que lavou
sua noiva de toda mancha pelo banho do batismo, para apresentá-la a si mesmo”
276
.
271
Cf. RATZINGER, J. João Paulo II: vinte anos na história. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 10-31.
272
Cf. JOÃO PAULO II. Levantai-vos! Vamos! São Paulo: Planeta, 2004. Apud; RATZINGER, J. João Paulo II:
vinte anos na história. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 5-7, que diz: “O homem contemporâneo tem dificuldades para
retornar à fé, pois o assustam as exigências morais que esta lhe apresenta. O Evangelho, com certeza, é exigente.
Quando Cristo afirmou: Não tenham medo! Seguramente não o disse para anular de algum modo as suas exigências.
Deus quer a salvação do homem, quer o cumprimento da humanidade segundo a medida por ele mesmo estabelecida,
e Cristo tem o direito de dizer que o jugo por ele apresentado é doce e o peso, no final das contas, leve [...]. É
importante cruzar o limiar da esperança: não parar diante dele, mas deixar-se conduzir. Existem todas as razões
necessárias para que a verdade sobre a cruz seja chamada de Boa Nova. [...] Escancarem as portas para Cristo, não
tenham medo dele! [...] Não se pode viver por experiência, não se pode amar por experiência!. Em palavras como
estas, está contido todo um pontificado”; ou ainda, p. 14: “O tema da filosofia de Karol Wojtyla foi e é o homem. O
seu interesse científico sempre foi marcado pela sua vocação de pastor. Por isso se compreende como a sua
colaboração à Constituição conciliar sobre a Igreja no mundo contemporâneo, cujo texto é marcadamente
determinado pela preocupação com o homem, transformou-se em uma experiência decisiva para o futuro papa. “O
caminho da Igreja é o homem”... Essa temática... encontra-se no centro de seu pensamento que é, ao mesmo tempo,
ação. Resultado disso tudo, a questão da teologia moral se tornou centro de seu interesse teológico.”
273
FC Conclusão.
274
Cf. CtFm 9-10. 19-21; SANTOS, G. M. dos. Matrimônio e família no magistério de João Paulo II. In: PETRINI,
J. C.; MOREIRA, L. V. de C.; ALCÂNTARA, M. A. R. de. (org.). Família XXI: Entre pós-modernidade e
cristianismo. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003, p. 193-194.
275
Nota d. In. BIBLIA: A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002, p. 2046.
276
Nota d. In. BIBLIA: A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002, p. 2046.
77
O Apóstolo Paulo, ao escrever a segunda Carta aos Coríntios, refere-se a si, a Igreja e a
Cristo na mesma perspectiva nupcial de Efésios 5,32: “Experimento por vós um ciúme
semelhante ao de Deus. Desposei-vos a esposo único, a Cristo, a quem devo apresentar-vos como
virgem pura.” (2Cor 11,2). O Apóstolo se vê amigo do Esposo, Cristo, a apresentar-lhe a Esposa,
Igreja. Os profetas do Antigo Testamento simbolizavam o amor de Iahweh por seu povo pelo
amor do esposo pela esposa
277
e, na continuidade dos profetas, autores do Novo Testamento
retomaram essa mesma imagem à luz do mistério de Jesus Cristo e da sua Igreja
278
.
O matrimônio é o Sacramento da Aliança entre os esposos que exprime amor esponsal e a
nupcialidade entre Cristo e a sua Igreja
279
. “O matrimônio é uma ‘instituição natural’ ‘elevada
por Cristo Senhor à dignidade de Sacramento”
280
.
De facto, mediante o baptismo, o homem e a mulher estão definitivamente inseridos na
Nova e Eterna Aliança, na Aliança nupcial de Cristo com a Igreja. E é em razão desta
indestrutível inserção que a íntima comunidade de vida e de amor conjugal, fundada pelo
Criador, é elevada e assumida pela caridade nupcial de Cristo, sustentada e enriquecida
pela sua força redentora
281
.
A salvação consiste na aliança de amor recíproco entre Deus que acolhe plenamente o
homem e do homem que acolhe plenamente Deus. Essa unidade entre Deus e o ser humano
atinge sua máxima e definitiva realização na Encarnação do Verbo, Jesus Cristo Filho de Deus, e
sua consumação na Paixão, morte e Ressurreição. A totalidade do Mistério de Cristo se concentra
e se entende como Mistério Pascal: “Por isso, Jesus Cristo é a aliança personificada de Deus com
277
Cf. Os 2; Jr 2,1-7; 3; 31,22; 51,5; Is 49,14-21; 50,1; 54,1-10; 62,4-5; Ez 16; 23; cf. nota (f). In. BIBLIA: A Bíblia
de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002, p. 2027.
278
Cf. Mt 22,2s; 25,1s; Jo 3,28-29; Ef 5,25-33; Ap 19,7; 21,2; cf. nota (f). In. BIBLIA: A Bíblia de Jerusalém. São
Paulo: Paulus, 2002, p. 2027.
279
Cf. Ef 5,25-33; DPF 244-259. CtFm 19-21; SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício
Instituto João Paulo II para Estudos sobre Matrimônio e Família, 2003, p.331-347. 457-475; SANTOS, G. M. dos.
Matrimônio e família no magistério de João Paulo II. In: PETRINI, J. C.; MOREIRA, L. V. de C.; ALCÂNTARA,
M. A. R. de.; (org.). Família XXI: Entre pós-modernidade e cristianismo. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003, p.
193-194.
280
DPD 244;cf. CIC c.1055.
281
FC 13.
78
os homens. Nele, Deus assumiu de uma vez por todas todo o humano e, fazendo-o, confirmou-o
em sua dignidade humana”
282
.
De um modo particular, o amor e a fidelidade matrimonial dos que estão ‘em Cristo’
pela fé e pelo batismo ver-se-ão amparados, sustentados, purificados e aperfeiçoados
pelo amor e pela fidelidade de Deus. [...]. O amor e a fidelidade dos cônjuges cristãos
não são, portanto, unicamente, sinal e símbolo do amor de Deus, mas também sinal
eficaz, símbolo realizado, verdadeira atualização, epifania de Deus, manifestado em
Jesus Cristo. Mas se o matrimônio manifesta uma força peculiar de ‘ser em Cristo’, que
tem seu fundamento no batismo, também pressupõe uma forma peculiar de participação
na morte e na ressurreição de Jesus Cristo. Quando se contempla o amor matrimonial
sob o signo da Cruz, aí então se começa a viver da doação, do perdão, a partir de inícios
constantemente renovados
283
.
João Paulo II entendeu a família como “grande mistério”
284
que se fundamenta no “grande
mistério
285
do matrimônio como Sacramento: a “família doméstica”
286
é esposa de Cristo
287
.
Cardeal López Trujillo, Presidente do Pontifício Conselho para a Família, em comemoração aos
25 anos de Pontificado de João Paulo II considerou-o, em um artigo intitulado “O Evangelho da
família e da vida no Pontificado de João Paulo II”
288
, proclamador do Evangelho da família e da
vida:
A proclamação entusiasta do Evangelho da família e da vida, como ‘notícia maravilhosa’
e o aprofundamento na identidade e na missão da ‘igreja doméstica’, santuário da vida,
282
KASPER, W. Teologia do matrimônio cristão. São Paulo: Paulinas, 1993, p. 37.
283
KASPER, W. Teologia do matrimônio cristão. São Paulo: Paulinas, 1993, p. 37-38; cf. LG 11; DZ 1799.
284
CtFm 9: cf. CtFm 9-10. 19-21.
285
CtFm 9: cf. CtFm 9-10. 19-21.
286
LG 11; AA 11.
287
Cf. SANTOS, G. M. dos. Matrimônio e família no magistério de João Paulo II. In: PETRINI, J. C.; MOREIRA,
L. V. de C.; ALCÂNTARA, M. A. R. de. (org.). Família XXI: Entre pós-modernidade e cristianismo. São Paulo:
Companhia Ilimitada, 2003, p. 193-194.
288
LÓPEZ TRUJILLO, C. A. “O Evangelho da família e da vida no Pontificado de João Paulo II”; Encarte
“Conjuntura Social e Documentação Eclesial” – nº 709. Disponível em: <<http://www.cnbb.org.br/estudos/enca
709.html>>. Acesso: 10/01/2005 – 17:00:00.
79
como verdade que humaniza plenamente os esposos, os filhos e a humanidade, ocupam
sem dúvida um lugar privilegiado no coração do Pastor universal
289
.
De fato, é incalculável a contribuição e o benefício que trouxe para a Igreja a doutrina e
orientação pastoral de João Paulo II sobre o matrimônio, a família e a defesa da vida, é um
ensinamento que caracteriza a “Boa Nova” da família e da vida. Sua experiência pessoal e
reflexão filosófico-teológica perpassam todas as suas obras, pronunciamentos e escritos, de modo
a abrir novos horizontes para a reflexão dogmática sobre a Pessoa, o matrimônio e a família
290
.
Numa sociedade profundamente marcada pelas transformações culturais, religiosas e
éticas, João Paulo II foi o Mestre da fé no Exercício de seu magistério. Ensinou os desígnios de
Deus Criador e Redentor como único fundamento, identidade e a dinâmica evangelizadora da
instituição familiar; a família como única, autêntica e equilibrada escola de humanização capaz
de formar integralmente o ser humano em todas as dimensões, pessoal, social, cristã e
transcendental.
A verdade sobre a família e a vida, à luz do Evangelho de Jesus Cristo de Nazaré, deve ser
anunciada, como que inserida no coração da família, de tal modo a fortalecê-la contra as ameaças
do mundo e a transformá-la em Evangelho vivo de Jesus em defesa do matrimônio como
sacramento, da família e da vida
291
: “Segundo o desígnio de Deus, o matrimônio é o fundamento
da mais ampla comunidade da família, pois que o próprio instituto do matrimónio e o amor
289
LÓPEZ TRUJILLO, C. A. “O Evangelho da família e da vida no Pontificado de João Paulo II”; Encarte
“Conjuntura Social e Documentação Eclesial” – nº 709. Disponível em: <<http://www.cnbb.org.br/estudos/enca
709.html>>. Acesso: 10/01/2005 – 17:00:00.
290
Cf. MAGNO DOS SANTOS, G. Matrimônio e família no magistério de João Paulo II. In: PETRINI, J. C;
CAMPOSMOREIRA, L. V. de; ALCÂNTARA, M. A. R. de (orgs.). Família XXI: entre pós-modernidade e
cristianismo. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003, p. 193-194.
291
Cf. as principais obras de João Paulo II sobre a família: FC, CtFm, CtAn, MD, RH, RMi, VS, DH; MAGNO DOS
SANTOS, G. Matrimônio e família no magistério de João Paulo II. In: PETRINI, J. C; CAMPOSMOREIRA, L. V.
de; ALCÂNTARA, M. A. R. de (orgs.). Família XXI: entre pós-modernidade e cristianismo. São Paulo: Companhia
Ilimitada, 2003, p. 194-207; LÓPEZ TRUJILLO, C. A. “O Evangelho da família e da vida no Pontificado de João
Paulo II”; Encarte “Conjuntura Social e Documentação Eclesial” – nº 709. Disponível em:
<<http://www.cnbb.org.br/estudos/enca709.html>>. Acesso: 10/01/2005 – 17:00.
80
conjugal se ordenam à procriação e educação da prole, na qual encontram a sua coroação”
292
.
Desse modo, a própria família deve criar uma atmosfera de amor, pois, “O amor é, portanto, a
fundamental e originária vocação do ser humano”
293
. A família o ambiente onde se deve viver a
“vocação ao Amor a serviço da vida
294
, onde se educa para o amor ratificado na fé
295
.
“O mundo de hoje traz consigo numerosas ameaças. Experimentam-nas homens e
mulheres, casais, jovens, crianças... Todavia parece que a família é a mais ameaçada!”
296
No
Evangelho da infância, “o anúncio da vida que de modo admirável se cumpre na ocorrência do
nascimento do Redentor, aparece fortemente contraposto à ameaça à vida, uma vida que abraça
na sua globalidade o mistério da Encarnação e da realidade divino-humana de Cristo”
297
. Mas, o
ser humano ameaçado é a ameaça contra a vida
298
. O Verbo Encarnado é a luz que manifesta ao
homem a verdade sobre seu mistério
299
. O Papa convida toda a humanidade a abrir-se a Jesus
Cristo e acolher sua redenção, pois ele manifesta ao homem a plena verdade de seu mistério
300
.
Em grandes linhas, o Ensinamento magistral de João Paulo II sobre o matrimônio e a
família pode ser assim esboçado em ambos os aspectos doutrinal e pastoral:
O aspecto doutrinal ressalta, antes de tudo, a Evangelização: “Jesus proclama o evangelho
da família”
301
, “O evangelho do amor é a fonte inexaurível de tudo quanto se nutre a família
humana como «comunhão de pessoas»”
302
. É a proclamação da verdade sobre a Pessoa, o
292
FC 14; cf. CtFm 5.
293
FC 11.
294
FC 1; cf. FC 10-14.
295
Cf. FC 6.
296
JOÃO PAULO II. Discurso no XI Capítulo Geral das irmãs da Sagrada Família de Nazaré, 06 de julho 2001.
Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/jonh_paul_ii/speeches/2001/documentis/hf_ip_spe>. Acesso em
03/11/2006, 11:09:00.
297
CtFm 21.
298
Cf. RH 10-15.
299
Cf. GS 22.
300
Cf. RH 8.
301
CtFm 23.
302
CtFm 16.
81
Matrimônio, a Família e a defesa da vida
303
. O Evangelho é revelador dessas realidades. A
verdade sobre a pessoa humana é o pressuposto antropológico: a pessoa “imagem de Deus”
304
.
João Paulo II foi “Redator generalis do Sínodo sobre a Evangelização, que se plasmou na
Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi, do Papa Paulo VI, que teve uma influência de
renovação profundamente decidida e singular”
305
. A Evangelii nuntiandi declara o Eixo
Integrador do Evangelho:
Fidelidade a uma mensagem da qual nós somos servidores, e às pessoas a quem nós a
devemos transmitir intacta e viva. – e ainda – O Evangelho de que nos foi confiado o
encargo é também palavra da verdade. Uma verdade que nos torna livres (cf. Jo 8, 32)
[...]. Verdade sobre Deus, verdade sobre o homem e sobre seu misterioso destino e
verdade sobre o mundo
306
.
A verdade sobre a família e o matrimônio se concentra no desígnio de Deus Criador e
Redentor.
No plano de Deus Criador e Redentor a família descobre não só a sua «identidade», o
que «é», mas também a sua «missão», o que ela pode e deve «fazer». As tarefas, que a
família é chamada por Deus a desenvolver na história, brotam do seu próprio ser e
representam o seu desenvolvimento dinâmico e existencial. Cada família descobre e
encontra em si mesma o apelo inextinguível, que ao mesmo tempo define a sua
dignidade e a sua responsabilidade: família, «torna-te aquilo que és»!
307
O matrimônio e a família são realidades fundamentais e estruturais da vida da Igreja e da
sociedade. Deus quis em seu desígnio a família. Em conformidade com esse desígnio a família
303
Cf. SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos
sobre Matrimônio e Família, 2003, p.195-253. 457-474; PETRINI, J. C.; MOREIRA, L. V. de C.; ALCÂNTARA,
M. A. R. de.; (org.). Família XXI: Entre pós-modernidade e cristianismo. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003.
Passim; PETRINI, J. C. Pós-modernidade e Família: um itinerário de compreensão. Bauru: Edusc, 2003. Passim; FC
3. 5. 52-65 e Conclusão.
304
SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos sobre
Matrimônio e Família, 2003, p.67-88.
305
LÓPEZ TRUJILLO, C. A. “O Evangelho da família e da vida no Pontificado de João Paulo II”; Encarte
“Conjuntura Social e Documentação Eclesial” – nº 709. Disponível em: <<http://www.cnbb.org.br/estudos/enca
709.html>>. Acesso: 10/01/2005 – 17:00:00.
306
EN 4; cf. RH Passim.
307
FC 17.
82
encontra sua natureza e vocação, sua identidade e missão. A família e a vida estão de tal modo
interligadas que a defesa da vida torna-se exigência do Senhor que deseja a vida em plenitude
para todos os seus filhos
308
. A família é o “santuário da vida”
309
.
A ação evangelizadora da família se inscreve no conjunto do apostolado dos leigos. Ela é,
no dizer do Concílio Vaticano II, a “Igreja doméstica”
310
. Nela encontram-se múltiplos aspectos
da Igreja. Nela o Evangelho é transmitido e dela o Evangelho irradia de modo que todos são
mutuamente evangelizados no seio familiar. Essa família é aberta à realidade social, criando um
ambiente de evangelização
311
. É a família evangelizada, evangelizadora e missionária
312
.
A densidade antropológica, iluminadora da vida: “o homem é via da Igreja”
313
. As
ameaças contra o matrimônio, à família e à vida são ameaças contra o ser humano em seu
mistério e em sua vocação. A família, em lugar da compreensão e reconhecimento de ser um bem
fundamental para o homem e a sociedade; célula da sociedade e da Igreja; lugar de humanização
e socialização; lugar de relações conjugais estáveis de amor e de união torna-se limitadora das
liberdades. Nesse contexto, o proprium do matrimônio a sexualidade, a fecundidade, a fidelidade,
a paternidade e a maternidade apresentam-se como obstáculo culturalmente imposto à família,
não como um bem que unifica e traz felicidade.
As graves conseqüências sociais e familiares aparecem ao lado da desvalorização da
família humana. Entre as graves conseqüências destacam-se a violação e degradação da vida
humana e uma nova visão utilitarista das pessoas em todos os seus aspectos, a saber: os
308
Cf. Jo 10,10.
309
CtFm 11; cf. CA 39; FC 55.
310
LG 11; AA 11; cf. CtFm 19.
311
Cf. NEVES, L. M. O movimento familiar cristão a serviço da Igreja, In: Revista Eclesiástica Brasileira. Vol XX,
dez de 1960 fasc 4 p. 889; PAULO VI. Evangelii Nuntiandi. Exortação Apostólica. São Paulo: Paulinas, 1986, nº.
71; LÓPEZ TRUJILLO, c. A. “O Evangelho da família e da vida no Pontificado de João Paulo II”; Encarte
“Conjuntura Social e Documentação Eclesial” – nº 709. Disponível em: <<http://www.cnbb.org.br/
estudos/enca709.html>>. Acesso: 10/01/2005 – 17:00.
312
Cf. FC 52.
313
RH, 14; cf. CtFm 1.
83
nascituros tornam-se objetos de técnicas manipuláveis (as experiências de fecundação assistida, a
clonagem reprodutiva e terapêutica); a paternidade e a maternidade são desvinculadas da
procriação e torna-se crescente a violência familiar e social.
O mistério de Cristo é a referência máxima e a hermenêutica da vocação, identidade e
missão da família. O homem, para compreender-se a si mesmo deve aproximar-se de Cristo que,
pela Encarnação e Redenção
314
, se fez revelador do mistério do homem e do mistério de Deus na
história
315
. Essa relação do mistério de Cristo faz da família um mistério que permite determinar
uma fundamentação cristológica e trinitária da família
316
.
Para João Paulo II o aspecto pastoral foram recomendações daquilo que ele havia feito em
seu ministério pastoral. Os aspectos podem ser sistematizados em dois pólos interligados: a
relação família-Igreja, a relação família-sociedade.
A quarta parte da Familiaris Consortio destinou-se a todos: aos casais que receberam o
Sacramento do Matrimônio e àqueles que, por algum motivo, não percorreram os caminhos do
desígnio de Deus. Preocupou-se, também, com a preparação para o casamento e a vida familiar; a
ação conjunta entre família, Igreja, governos e sociedades a fim de que políticas familiares
contenham também valores cristãos
317
.
É importante ressaltar alguns documentos (Encíclicas e Exortações), homilias e alocuções
inúmeras do Papa em todo o mundo, bem como outros documentos elaborados durante seu
Pontificado a saber: o Sínodo dos Bispos sobre “as tarefas da família no mundo contemporâneo”,
de 26 de setembro a 25 de outubro de 1980; a Familiaris Consortio, de 22 de novembro de 1981;
o II Congresso Internacional de Bispos e outros responsáveis pelas vocações eclesiásticas que
314
Cf. CtFm 2.
315
Cf. RH 10; GS 22; FC 54 e Conclusão: AAS 74 [1982], p. 146-148. 188-191; CtFm 1.
316
Cf. CtFm 19.
317
Cf. FC 65-85.
84
elaboraram o documento conclusivo pastoral vocacional, de 16 de maio de 1981; a Carta Mulieris
dignitatem, de 15 de agosto de 1988; a “Carta às famílias”, de 2 de fevereiro de 1994, por ocasião
do ano da família; a “Carta do Papa às crianças”, no ano da família, de 13 de dezembro de 1994;
a “Carta às mulheres”, de 29 de junho de 1995; a “Carta aos Anciãos”, de 1 de outubro de 1999; a
Instrução da Congregação para a Doutrina da Fé, Donum Vitae, de 22 de fevereiro de 1987; A
Encíclica Evangelium Vitae, de 25 de março de 1995; do Conselho Pontifício para a Família,
Preparação para o sacramento do matrimônio, de 13 de maio de 1996. Em todos os seus escritos
estão presentes as mais variadas proposições do Concílio Vaticano II.
Alguns parágrafos selecionados que justificam o pensamento de João Paulo II
318
sobre
matrimônio e família:
O laço que une a família não é uma questão de afinidade natural ou de compartilhamento
de vida e experiência. É essencialmente um laço sagrado e religioso. O casamento e a
família são realidades sagradas.
CONSTRUINDO O CORPO DE CRISTO, VISITA PASTORAL AOS EUA, 1987
A família é o primeiro lugar de evangelização, onde a Boas-novas de Cristo são pela
primeira vez recebidas e, então, de modo simples embora profundo, são transmitidas de
geração em geração. Ao mesmo tempo, as famílias de hoje em última instância
dependem da Igreja para defenderem os seus direitos e para ensinarem as obrigações e
responsabilidades que levam à plenitude da santificação e da vida. Assim, conclamo a
todos, especialmente o clero e religiosos, a trabalharem na promoção dos valores
familiares dentro da comunidade local.
DISCURSO EM NOVA ORLEÃS, 12 de setembro de 1987
Dar a vida e ajudar os filhos a alcançarem a maturidade através da educação estão entre
os privilégios e responsabilidades básicas dos casais unidos pelo matrimônio. Sabemos
que casais nessas condições geralmente estão ansiosos para terem filhos mas às vezes
são impedidos de realizarem as suas esperanças e desejos devido às condições sociais,
circunstâncias pessoais ou, mesmo, pela impossibilidade de gerar uma vida. Mas a Igreja
encoraja os casais a serem generosos e esperançosos, a se darem conta de que gerar
filhos é um privilégio e que cada filho é testemunha do amor de um pelo outro, de sua
318
A seleção de ditos do Papa João Paulo II sobre casamento e família estão registrados em: cf. BAKALAR, N.;
BALKIN, R. (org.). A sabedoria de João Paulo II: a visão do Papa sobre os temas mais importantes para a
humanidade. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 65-78.
85
generosidade e de sua abertura para Deus. Os casais dever ser encorajados a verem os
filhos como um enriquecimento de seu casamento e uma dádiva de Deus para eles
mesmos e para os seus filhos.
SAUDAÇÃO AD LIMINA AOS BISPOS DOS USA, 24 setembro de 1983
As famílias cristãs existem para formar uma comunhão de pessoas que se amam. Como
tal, a Igreja e a família são, cada uma a seu modo, vividas representações na história
humana da eterna comunhão do amor das três Pessoas da Santíssima Trindade. De fato,
a família é chamada de Igreja em miniatura, ‘a Igreja doméstica’, uma expressão
particular da Igreja através da experiência humana do amor e da vida comum.
DISCURSO EM COLUMBIA, CAROLINA DO SUL, 2 de setembro de 1987
Dirijo-me às famílias cristãs. Pais, dêem graças ao Senhor se Ele escolheu um de seus
filhos para a vida consagrada. [...]. Alimentem o desejo de dar a Deus um de seus filhos
de modo que o amor de Deus possa se espalhar pelo mundo. Que fruto de amor conjugal
pode ser mais belo que esse?
EXORTAÇÃO À VIDA CONSAGRADA, 25 de março de 1996
Impulsionada pela euforia do hedonismo, a sociedade afluente tem posto o sexo à venda,
sexo como entretenimento e como atividade de lazer extrafamiliar, sem uma visão
inspirada pelo bem da pessoa, mas pelo consumismo. A comunicação de massa, a
pornografia e os serviços de telefonemas eróticos deram às crianças o ímpeto emocional
para entrarem no mercado, onde são vistas como objetos do que como sujeitos dos
mecanismos de alienação.
NORMAS PARA A EDUCAÇÃO SEXUAL DA FAMÍLIA, 14 de fevereiro, 1996
Enquanto na ordem natural o sexo era compreendido como relacionado a ser responsável
pela família, nos anos sessenta começou uma ‘revolução’. No princípio, parecia ser uma
expressão de emancipação, de libertar-se de tabus sexuais, com o objetivo de ganhar o
reconhecimento do direito ao prazer, livre de qualquer responsabilidade. É verdade que
essa tendência é tão velha quanto a própria humanidade; contudo, parece que a novidade
reside no esforço para justificar essa transição do uso responsável do sexo à busca de
prazer egoísta. Isso não apenas introduz a separação entre a expressão sexual, o ato e seu
significado, mas acarreta uma ruptura na área dos relacionamentos.
NORMAS PARA A EDUCAÇÃO SEXUAL DA FAMÍLIA, 14 de fevereiro, 1996
Lamentamos a dissolução da família em todas as classes, e oferecemos nossas preces a
vocês. Para vocês, pais e mães solteiros que, com fé em Deus, brevemente assumem a
responsabilidade de criar filhos na vida cristã sem o companheirismo e o apoio de um
cônjuge, estendemos o encorajamento da família da fé.
MENSAGEM PARA A ASSEMBLÉIA EPISCOPAL DA AMÉRICA NO SÍNODO
DOS BISPOS, 1997
86
É necessário reafirmar que o casamento sacramental consumado e ratificado não pode
ser dissolvido, nem mesmo pelo poder do Romano Pontífice. O oposto afirmaria a tese
de que não há indissolubilidade absoluta do casamento, que seria contrária ao que a
Igreja ensinou e ainda ensina a respeito da indissolubilidade do laço matrimonial.
DISCURSO PARA O TRIBUNAL DA ROTA ROMANA, 21 de janeiro de 2000
A chegada de uma criança que sofre é certamente um evento desconcertante para as
famílias, que ficam profundamente chocadas com isso. Também neste caso é importante
encorajar os pais a dedicarem atenção especial [...] às crianças, desenvolvendo uma
profunda estima por sua dignidade pessoal, e um grande respeito e generosa preocupação
quanto a seus direitos. Isso se aplica a qualquer criança, mas se torna mais urgente
quanto menor for a criança e quanto mais necessidade ela tiver, seja por doença,
padecimento ou deficiência física. [...].Os pais devem ser encorajados a enfrentar essa
dificílima situação sem se fecharem em si mesmos. É importante que o problema seja
compartilhado não apenas com parentes próximos, mas também com pessoas
qualificadas e amigas. Esses são os ‘bons samaritanos’ do nosso tempo que, com sua
presença generosa e amiga, repartem o gesto de Cristo, que sempre fez sentir a sua
presença reconfortante ao lado dos doentes e daqueles em dificuldades.
DISCURSO NO CONGRESSO: A FAMÍLIA E A INTEGRAÇÃO DE CRIANÇAS E
ADOLESCENTES DEFICIENTES, 4 de dezembro de 1999
Apesar dos generosos esforços de tantos, a idéia de que o aborto eletivo é um ‘direito’
continua a ser declarada. Pior ainda, há sinais de uma insensibilidade quase inimaginável
em relação à realidade do que realmente acontece durante o aborto, como foi
testemunhado em recentes eventos que cercaram o assim chamado aborto de nascimento
parcial. Isso é motivo de muita preocupação. Uma sociedade com um senso reduzido do
valor da vida humana em seus estágios iniciais tem aberta à sua frente a porta da cultura
da morte.
SAUDAÇÃO AD LIMINA AOS BISPOS DOS EUA, 2 de outubro de 1998
A família localiza-se no centro exato do bem comum em suas diversas dimensões,
precisamente porque o homem é concebido e gerado nela.
A FAMÍLIA: CENTRO DE AMOR E VIDA – AUDIÊNCIA PÚBLICA, 3 de Janeiro
1979
As virtudes domésticas, baseadas em um profundo respeito pela vida e pela dignidade
humana, praticadas com compreensão, paciência, encorajamento e perdão mútuos,
permitem que a comunidade da família viva uma experiência de paz fundamental.
A FAMÍLIA GERA A PAZ DA FAMÍLIA HUMANA –
MENSAGEM MUNDIAL DIA DA PAZ, 1 de janeiro de 1994
87
O casamento cristão, como os outros sacramentos, ‘cujo propósito é santificar as
pessoas, construir o corpo de Cristo e, finalmente, adorar a Deus’, é em si um ato
litúrgico de glorificação de Deus em Jesus Cristo e na Igreja. Ao celebrá-lo, os cônjuges
cristãos professam a sua gratidão a Deus pela dádiva sublime que lhes foi concedida de
se tornarem aptos a viverem em suas vidas de casado e de família o verdadeiro amor de
Deus pelas pessoas e do Senhor Jesus pela Igreja, Sua Noiva.
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA FAMILIARIS CONSORTIO, 1981
Falei de dois conceitos intimamente relacionados embora não idênticos: o conceito de
comunhão e o de comunidade. A comunhão tem a ver com a relação pessoal entre o eu e
o tu. Comunidade, por outro lado, transcende a essa estrutura e se estende à sociedade, o
nós. A família, como comunidade de pessoas, é, portanto, a primeira sociedade humana.
[...] A comunidade da família é completamente permeada pela própria essência da
comunhão.
CARTA ÁS FAMÍLIAS NO ANO INTERNACIONAL DA FAMÍLIA,
22 de fevereiro de 1994
Para que o casamento cristão leve ao bem total e ao desenvolvimento do casal, deve ser
inspirado no Evangelho, e assim se abrir para uma nova vida – nova vida a ser dada e
aceita generosamente. O casal também é invocado a criar uma atmosfera familiar na qual
as crianças possam ser felizes e viver vidas cristãs e humanas plenas e dignas.
HOMILIA NO WASHINTON MALL, 7 de outubro de 1979
A família, como comunidade educacional e essencial, é um meio privilegiado de
transmitir valores religiosos e culturais que ajudem a pessoa a obter a sua própria
identidade. Fundamentalmente no amor e aberta à dádiva da vida, a família contém em si
o próprio futuro da sociedade; sua tarefa especial é contribuir efetivamente para uma paz
futura.
A FAMÍLIA GERA A PAZ DA FAMÍLIA HUMANA –
MENSAGEM MUNDIAL NO DIA DA PAZ, 1 de janeiro de 1994
João Paulo II acreditou pessoalmente na família à luz dos desígnios de Deus Criador e
Redentor. Ele relacionou a família ao bem do ser humano e de cada homem. Acreditou no
homem completo e relacional, pessoal e comunitariamente considerado. O Papa acreditou que a
família é instituição a ser evangelizada por primeiro se a Igreja quer mesmo atingir o essencial da
evangelização, o ser humano e cada homem. Ao mesmo tempo a família é responsável pela
evangelização e fundamental para o bem futuro da humanidade: “Os maiores problemas humanos
88
estão relacionados com a família, que constitui a comunidade primária, fundamental e
insubstituível do homem”
319
.
3. Contexto histórico, conteúdo e estrutura da Familiaris Consortio
3.1 Perspectivas teológico-pastorais para o matrimônio e a família
A preocupação da Igreja com a Família e a situação em que se encontra no mundo não é
nova. Em uma situação histórica de pós-guerra, Pio XII, em 1946, falando às semanas sociais em
Pisa, utiliza dois termos que revelam a visão de uma Igreja preocupada: “a mais enferma...” e “...
quase desesperamos”. A Igreja via surgir com mais vigor o “perigo” do desquite e do divórcio e a
divulgação de contraceptivos. Neste contexto Pio XII entendeu a necessidade de a Igreja “salvar”
a família das condições decorrentes de sua enfermidade: “Neste mundo enfermo de pós-guerra, a
mais enferma é de certo a família”
320
e, com maior preocupação, em outro discurso: “Tais são as
condições da família no mundo moderno, que quase desesperamos todos de poder salvá-las”
321
.
A Constituição dogmática Gaudium et Spes, sobre modo de conceber a presença e a
atividade da Igreja no mundo contemporâneo, tem diante de si a realidade histórica do ser
humano: “diante dos olhos o mundo dos homens, ou seja, a inteira família humana, com todas as
realidades no meio das quais vive”
322
. A Igreja sente-se intimamente inserida e ligada à família
319
JOÃO PAULO II. Família: centro de amor e vida. Audiência pública, 31 dezembro de 1978. In: BAKALAR, N.;
BALKIN, R. (org.). A sabedoria de João Paulo II: a visão do Papa sobre os temas mais importantes para a
humanidade. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 78.
320
NEVES, L. M. O movimento familiar cristão a serviço da Igreja. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v.
20, n, 4, p. 889, [dez] 1960.
321
NEVES, L. M. O movimento familiar cristão a serviço da Igreja. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v.
20, n, 4, p. 889, [dez] 1960.
322
GS 2.
89
humana e à sua história porque é constituída de homens seguidores de Cristo, fazendo suas as
alegrias e esperanças, as tristezas e angústias desses seres humanos
323
. Por isso, ela se coloca à
disposição do mundo para a sua salvação sentido-se servidora e chamada ao diálogo com ele
sobre os problemas vários à luz do Evangelho: “trata-se, com efeito, de salvar a pessoa humana e
de restaurar a sociedade humana”
324
. A missão da Igreja, sob a guia do Espírito Santo, é continuar
no mundo a obra de Cristo que veio para testemunhar a verdade e para salvar, não condenar
325
.
O Concílio elabora um amplo ensinamento sobre a família, motivado pela realidade
histórica da família humana. Ao falar das condições e atividades do gênero humano no mundo
naquele contexto onde já se faziam sentir os efeitos da gênese da globalização, assim diz da
família:
No seio da família, originam-se tensões, quer devido à pressão das condições
demográficas, econômicas e sociais, quer pelas dificuldades que surgem entre as
diferentes gerações, quer pelo novo tipo de relações sociais entre os homens e as
mulheres
326
.
Sempre o homem procurou, com o seu trabalho e engenho, desenvolver mais a própria
vida; hoje, porém, sobretudo graças à ciência e à técnica, estendeu o seu domínio à
natureza quase inteira, e continuamente o aumenta; e a família humana, sobretudo
devido ao aumento de múltiplos meios de comunicação entre as nações, vai-se
descobrindo e organizando progressivamente como uma só comunidade espalhada pelo
mundo inteiro. Acontece assim que muitos bens que o homem noutro tempo esperava
sobretudo das forças superiores, os alcance hoje por seus próprios méritos
327
.
A dignidade de toda pessoa humana, composta de corpo e alma, está em ser imagem de
Deus, participante da inteligência divina, capaz de atingir a certeza da verdade inteligível. A
pessoa humana deve encontrar sua perfeição na Sabedoria. É um ser de consciência moral e livre,
porém, sujeito à morte. Em Cristo, o mistério do Verbo encarnado, meio pelo qual assumiu a
323
Cf. GS 1 e 3.
324
GS 3.
325
Cf. GS 3.
326
GS 8.
327
GS 33.
90
natureza humana, o homem encontra o esclarecimento de seu próprio mistério, de sua vocação
mais sublime
328
, porque, “pela sua Encarnação, ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a
cada homem”
329
.
A pessoa humana tem também sua missão individual e social no mundo. Os problemas
mais urgentes que emergem da realidade humana interessam à pessoa cristã, porque interessam a
toda a humanidade. O Concílio apresenta alguns problemas mais urgentes: “o matrimônio e a
família, a cultura humana, a vida econômico-social e política, a comunidade internacional e a
paz”
330
. Estes problemas emergentes continuam exatamente os mesmos, com agravantes ainda
maiores pelo crescente aumento da pobreza, da miséria, da fome e da violência.
O Concílio, na tentativa de promover a dignidade do matrimônio e da família, coloca em
evidência os pontos doutrinais sobre a matéria em questão, a começar pela santidade do
matrimônio e da família, binômio constante do Concílio. Deus é o próprio autor do matrimônio e
visa o bem da pessoa, da família e da comunidade humana. A aliança conjugal requer irrevogável
consentimento pessoal e cria vínculo profundo entre os cônjuges em vista do bem dos filhos.
Cristo abençoou com o vínculo da caridade esta união, por meio de um sacramento especial, sinal
da própria união de Deus com sua Igreja
331
.
O autêntico amor conjugal é assumido no amor divino, dirigido e enriquecido pela força
redentora de Cristo e pela ação salvadora da Igreja; para que, assim, os esposos
caminhem eficazmente para Deus e sejam ajudados e fortalecidos pela missão sublime
de pai e mãe. Por este motivo, os esposos cristãos são fortalecidos e como que
consagrados em ordem aos deveres do seu estado por meio de um sacramento especial;
cumprindo, com sua força, a própria missão conjugal e familiar, penetrados do espírito
de Cristo que impregna toda a sua vida de fé, esperança e caridade, avançam sempre
mais na própria perfeição e mútua santificação e cooperam assim juntos para a glória de
328
Cf. GS 12-22.
329
GS, 22.
330
GS 46.
331
Cf. GS 47-48.
91
Deus. [...] Por isso, a família cristã, nascida do matrimônio que é imagem e participação
da aliança de amor entre Cristo e a Igreja (cf. Ef 5, 32), manifestará a todos a presença
viva do Salvador no mundo e a autêntica natureza da Igreja, quer por meio do amor dos
esposos, quer pela sua generosa fecundidade, unidade e fidelidade, quer pela amável
cooperação de todos os seus membros
332
.
O amor conjugal é um amor de pessoa a pessoa, por isso, eminentemente humano, e visa
o bem da pessoa no dom de si mesma. A unidade do matrimônio, elevado a Sacramento,
reconhece a igual dignidade do homem e da mulher. O reconhecimento dessa igualdade
fundamental é um dos sinais dos tempos. O amor conjugal se destina por natureza à geração e
educação dos filhos, o maior dom do matrimônio. A missão dos cônjuges não é só e meramente
transmitir e educar a vida humana, mas ser “cooperadores do amor de Deus Criador e como que
seus intérpretes”
333
.
A família, não obstante a tantas circunstâncias desfavoráveis, é o lugar da defesa da vida
humana, por desígnio de Deus: “Com efeito, Deus, Senhor da vida, confiou aos homens, para que
estes desempenhassem de modo digno dos mesmos homens, o nobre encargo de proteger a
vida”
334
. A vida humana e a missão de transmitir a vida não se limitam a este mundo, mas se
ordenam ao eterno destino do homem
335
.
Toda a Igreja deve empenhar-se no sentido de defender e promover o bem do matrimônio
e da família, pois ela é: a “escola de valorização humana”, escola de educação; a relação entre
diferentes gerações faz reconhecer os direitos pessoais e sociais, “a família [...], constitui assim o
fundamento da sociedade”
336
.
Colaboram com o bem do matrimônio e da família: os cientistas, aprimorando,
interdisciplinarmente, pesquisas nos campos e áreas específicas do conhecimento; os sacerdotes,
332
GS 48.
333
GS 50.
334
GS 51.
335
Cf. GS 51.
336
GS 52.
92
sendo orientadores vocacionais e competentes no que diz respeito à realidade da família; os
próprios cônjuges, porque a família é mãe e fonte de toda educação
337
.
O Decreto Apostolicam Actuositatem sobre o apostolado dos leigos, direito reconhecido
por vocação cristã e exigência da Igreja, reconhece que um dos apostolados é o dos cônjuges e da
família pela sua importância, tanto para a Igreja, quanto para a sociedade: testemunham, pregam
e educam na fé; santificam a família e os filhos; defendem a dignidade da família e a dignidade
da pessoa; cooperam com a legislação civil que salvaguarda a família e o direito dos pais; o
direito à habitação, à educação dos filhos, a condições dignas de trabalho, à segurança social e a
contribuições, à organizações de associações em defesa da família. Ser célula primeira e vital da
sociedade é uma missão que a família recebeu de Deus
338
.
O Vaticano II foi, fundamentalmente, a fonte doutrinária do magistério do Papa João
Paulo II, especialmente, sobre a unidade dual do matrimônio-família e a orientação para
elaboração de todos os documentos da Igreja em qualquer lugar onde o Evangelho da família e da
vida deva ser proclamado.
3.2 Sínodo dos Bispos para a Família
No discurso do Papa João Paulo II ao Conselho da Secretaria Geral do Sínodo dos bispos,
no dia 23 de fevereiro de 1980, encontra-se os elementos essenciais a serem abordados pelo
referido Sínodo.
337
Cf. GS 52.61.
338
Cf. AA 11.
93
O tema, “As funções da família cristã no mundo de hoje”
339
e a justificativa para a
realização do evento sinodal, “A nossa época requer, na verdade, que se apresente em plena luz,
de maneira compreensível e adaptada, a significação permanente desta instituição, defendida
desde há muito como ‘Igreja doméstica’”
340
.
Os assuntos essenciais a serem abordados:
Incluirá ele primeiramente a descrição do estado das famílias e dos problemas diversos
que ele apresenta: é preciso, na verdade, começar por olhar bem de frente a maneira
como são vividas hoje as realidades familiares e analisar-lhes quanto possível as causas e
as linhas evolutivas, para a evangelização penetrar verdadeiramente neste ambiente.
Parte importante será consagrada à teologia, à doutrina católica sobre a família.
O Sínodo deve, com efeito, fortificar as convicções dos cristãos. Trata-se, sem dúvida,
não tanto de refazer uma exposição sistemática de dados já conhecidos e bem
estabelecidos como se principiássemos de zero –, pois que a Igreja vive deles a 2.000
anos mas sobretudo de encontrar a linguagem e as motivações profundas que explicam a
doutrina permanente da Igreja, de maneira que ela atinja e, se possível, convença os
homens de hoje, nas situações concretas em que vivem, e lhes permita responderem por
exemplo a certas tendências que se vão espalhando, como a de as pessoas se instalarem
em união livre. O Sínodo não será instrumento de resposta a todos os problemas, mas
deverá evidenciar o que significa seguir a Cristo neste campo, deverá deduzir os valores
sem os quais a sociedade mergulha cegamente num beco sem saída, e deverá ajudar os
cristãos e os homens de boa vontade a formarem sobre este ponto uma consciência bem
esclarecida e firme, segundo os princípios cristãos.
Por último e sobretudo, o Sínodo investigará, de maneira realista como permitir às
famílias reencontrarem ou conservarem estes valores, vivê-los e irradiá-los à sua volta,
de pessoa a pessoa. Será a parte directamente pastoral
341
.
Considerações especialmente insistentes e importantes sobre a família cristã, na visão de
João Paulo II:
339
JOÃO PAULO II. Discurso ao Conselho da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, 23 de fevereiro de 1980. n. 1.
Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/jonh_paul_ii/speeches/1980.pdh>. Acesso em 15/10/ 2006.
08:09:00..
340
JOÃO PAULO II. Discurso ao Conselho da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, 23 de fevereiro de 1980. n. 1.
Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/jonh_paul_ii/speeches/1980.pdh>. Acesso em 15/10/ 2006.
08:09:00.
341
JOÃO PAULO II. Discurso ao Conselho da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, 23 de fevereiro de 1980. n. 2.
Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/jonh_paul_ii/speeches/1980.pdh>. Acesso em 15/10/ 2006.
08:09:00.
94
1. As considerações sobre a família cristã não podem separar-se do matrimônio, pois o
casal constitui a primeira forma da família e conserva o seu valor, mesmo que faltem os
filhos. [...] chegar ao sentido profundo do casamento, que é aliança e amor, aliança e
amor entre duas pessoas, homem e mulher, sinal da aliança entre Cristo e a sua Igreja, o
amor enraizado na vida trinitária. Os caracteres desta união devem aparecer em toda a
sua claridade: a unidade do lar, a fidelidade da aliança e a permanência do laço conjugal.
2. A família deve encarar-se como instituição, não só no sentido de ela ter o seu lugar e
as suas funções na sociedade e na Igreja, e de haver de beneficiar de garantias jurídicas
para o cumprimento dos seus deveres, para dispor da estabilidade e irradiação que dela
se esperam, mas no sentido de ela em si mesma ultrapassar a vontade dos indivíduos, os
projectos espontâneos dos casais e as decisões dos organismos sociais e governamentais:
o matrimônio é «uma instituição sapiente do Criador para realizar na humanidade o seu
desígnio de amor» (Encíclica Humanae Vitae 8). Convirá aprofundar este aspecto
institucional que, longe de ser obstáculo ao amor, é coroamento dele.
3. Será necessário cuidar particularmente da preparação para o amor e para o
casamento, que é também imprescindível à preparação para a vida em família e para as
responsabilidades familiares. Como garantir hoje esta preparação? É ponto
importantíssimo na pastoral.
4. Os sacerdotes, por seu lado, devem estar preparados e formados para o apostolado
familiar, pois consiste parte primordial, do encargo que têm, manter os leigos nas suas
próprias responsabilidades, pessoais e sociais sem dúvida, mas também familiares.
Apreciam eles devidamente este apostolado familiar? Estão iniciados nos problemas
complexos que inclui? Como pastores, não temos de resolver por nós mesmos todos os
problemas dos lares, mas devemos estar muito presentes nas dificuldades como nas
alegrias, ser capazes de os ajudar, como o Senhor quer.
5. Os leigos devem, é claro, poder também encontrar as condições da sua formação
doutrinal, espiritual e pedagógica para a vida a dois, como para as responsabilidades de
pais e mães de família defrontando todos os problemas de educação dos filhos, à medida
que estes vão crescendo. Trata-se ainda de esclarecer a atitude dos leigos perante todos
os membros da família em sentido lato, entre os quais deve existir real solidariedade; em
particular com os doentes, os deficientes e os velhos; estes esperam receber afeto e apoio
particulares, oferecendo também eles contributo relevante, graças à experiência e ao
amor que têm. A formação destes leigos é duplamente importante, para os iniciar nos
verdadeiros valores cristãos e lhes permitir darem testemunho deles, porque, nas
condições atuais, a evangelização das famílias conseguir-se-á por meio doutras
famílias.
6. Por fim, não esqueceremos a solicitude pastoral requerida pelos casos difíceis: o dos
lares que vivem já em separação; o das pessoas divorciadas e recasadas civilmente, que,
95
não podendo aproximar-se plenamente da vida sacramental, precisam de ser
acompanhadas nas suas necessidades espirituais e beneficiar do apostolado que podem
receber; o caso dos viúvos e das viúvas; o caso das pessoas isoladas que têm o encargo
de filhos, etc
342
.
O Papa terminou o discurso expressando suas esperanças que hoje parecem ser realizadas:
Essas poucas palavras, [...],deixam-nos adivinhar todo o interesse que o Papa dedica a
este Sínodo, e as grandes esperanças que nele deposita para bem da Igreja. [...]Todos
pediremos a Deus que ilumine os espíritos, disponha os corações, a fim de que a
experiência do Sínodo traga consigo aumento de convicções, de resoluções e de
incitamentos em favor da santidade das famílias. Confiamos esta obra à intercessão da
Mãe de Cristo que é Mãe da Igreja
343
.
O Sínodo dos bispos, celebrado em Roma de 26 de setembro a 25 de outubro de 1980,
sobre as “As funções da família cristã no mundo de hoje”
344
, foi considerado por João Paulo II
evento significativo que demonstrou a solicitude da Igreja pelo matrimônio e a família e foi um
sinal de sua vitalidade. O Sínodo aprovou 43 proposições em Assembléia que foram entregues ao
Papa a fim de que fosse elaborada a Exortação Apostólica pós-sinodal.
A família cristã, de fato, é a primeira comunidade chamada a anunciar o Evangelho à
pessoa humana em crescimento e a levá-la, mediante a catequese e a educação
progressiva, à plenitude da maturidade humana e cristã. [...] Na verdade, enquanto
comunidade, a família deve ajudar o homem a discernir a própria vocação e a assumir o
empenho necessário para que haja mais justiça, formando-o desde o início, para relações
interpessoais, inspiradas na justiça e no amor. Os Padres Sinodais, [...], pediram-me com
voto unânime que me tornasse intérprete diante da humanidade da viva solicitude da
Igreja pela família e oferecesse orientações para um renovado empenho pastoral nesse
setor tão fundamental da vida humana e eclesial
345
.
342
JOÃO PAULO II. Discurso ao Conselho da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, 23 de fevereiro de 1980. n. 3.
Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/jonh_paul_ii/speeches/1980.pdh>. Acesso em 15/10/ 2006.
08:09:00.
343
JOÃO PAULO II. Discurso ao Conselho da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, 23 de fevereiro de 1980. n. 3.
Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/jonh_paul_ii/speeches/1980.pdh>. Acesso em 15/10/ 2006.
08:09:00.
344
FC 2.
345
FC 2.
96
O “Sínodo dos Bispos
346
foi uma instituição feita por Paulo VI, segundo as disposições
do Concílio, representando um excelente sinal de vitalidade e momento importante para a vida da
Igreja
347
. Assim dispõe o Concílio, Decreto Christus Dominus sobre o munus pastoral dos bispos
na Igreja:
Alguns bispos das várias regiões do mundo, escolhidos do modo que o Romano
Pontífice estabeleceu ou vier a estabelecer, colaboram mais eficazmente com o Pastor
Supremo da Igreja formando o Conselho que propriamente se chama Sínodo dos bispos.
Este, procedendo em nome de todo o Episcopado católico, mostra ao mesmo tempo que
os bispos participam, na comunhão hierárquica, da solicitude pela Igreja universal
348
.
O Sínodo dos bispos sobre as tarefas da família explicitou e encarnou na vida da Igreja o
Concílio Vaticano II, pois, as proposições aprovadas refletem “os deveres cristãos e apostólicos
da família no mundo contemporâneo, deduzindo-os da grande riqueza dos ensinamentos do
Concílio Vaticano II”
349
.
As diretrizes doutrinais e pastorais emergentes do Sínodo significaram o resultado de
árduo e minucioso trabalho. As diretrizes fundem, homogeneamente, doutrina e pastoral. A Ação
da Igreja no campo da família, ou a prática pastoral deve ser desenvolvida a partir da fidelidade
ao desígnio de Deus Criador e Redentor, de forma a contemplar todas as situações existenciais
concretas em que vivem as famílias e a missão (ou tarefa) destas no mundo e na Igreja. A tarefa
da Igreja é ser intérprete da realidade da família e de suas aspirações, luz a iluminar com a
Novidade do Evangelho de Jesus Cristo de Nazaré as questões emergentes a seu respeito.
Infelizmente, somente 16 casais participaram de um Sínodo que diz respeito ao proprium da
346
CD 5.
347
Cf. CNBB. Comunicado mensal. Indaiatuba: Itaicí. Ano 5, n. 337, p. 957, [out.]1980; PAULO VI. Motu proprio
Apostolica Sollicitudo, 15 setembro de 1965.
348
CNBB. Comunicado mensal. Indaiatuba: Itaicí. Ano 5, n. 337, p. 957, [out.]1980.
349
CD 5; cf. LG 22-23; JOÃO PAULO II. Mensagem final de encerramento do Sínodo, 25 de outubro de 1980;
CNBB. Comunicado mensal. Indaiatuba: Itaicí. Ano 5, n. 337, p. 959-963, [out.]1980.
97
família. No futuro, a Igreja será desafiada a considerar a palavra de todos os membros de uma
família em um Sínodo, considerando direito sua participação nas decisões da Igreja.
O conteúdo esquemático apresentado na mensagem final do Sínodo foi, praticamente,
utilizado pelo Papa na Exortação Apostólica Familiaris Consortio, salvo modificações
terminológicas como: em lugar de “tarefa da família cristã no mundo contemporâneo”, utilizou-se
“missão da família cristã no mundo de hoje”; ou ainda, em lugar de “Situação atual das famílias”,
preferiu-se “Luzes e sombras da família hoje”
350
.
O esquema geral do Sínodo segue o método ver, julgar e agir. Ver a realidade do
matrimônio e da família, julgá-la à luz da teologia, Escritura e Tradição, e agir de forma a salvar
em Cristo a família. Esta tarefa compete a toda a Igreja, de forma especial a hierarquia e as
próprias famílias.
Primeiramente, ver a situação das famílias cristãs. O texto apresenta, inicialmente, o
paradoxo da situação familiar: “as alegrias e as consolações, os sofrimentos e as dificuldades”
351
.
O Sínodo contempla e valoriza, em primeiro lugar, as situações positivas e resistentes a
tantos desafios contemporâneos do matrimônio e da família, em especial, o testemunho
evangélico da fidelidade conjugal e familiar; valoriza as diferentes culturas e analisa as condições
das famílias em cada uma delas, de modo a ver, em cada cultura, o desígnio de Deus sendo
realizado e valorizado.
O Sínodo contempla, em segundo lugar, os aspectos negativos. Analisa os graves
problemas da cultura e as situações em que vivem tantas famílias, especialmente as que são
vítimas de estruturas sociais, econômicas e políticas injustas e opressoras, fonte de miséria e
violência contra a família. Muitos cristãos encontram dificuldades em viver o compromisso
350
CNBB. Comunicado mensal. Indaiatuba: Itaicí. Ano 5, n. 337, p. 962, [out.]1980; cf. FC 4.
351
CNBB. Comunicado mensal. Indaiatuba: Itaicí. Ano 5, n. 337, p. 962-963, [out.]1980.
98
definitivo do matrimônio. Neste contexto, o Sínodo sugere uma “carta dos direitos das
famílias”
352
que lhes assegure no mundo inteiro, direitos fundamentais. A característica mais
evidente, no âmbito da fé, da negatividade da situação da família é a rejeição da vocação à
participação da vida e do amor de Deus, causa fundamental de todos os males. É preciso uma
nova consciência mundial que está fundada na aceitação e reconhecimento da paternidade de
Deus, único fundamento da fraternidade dos homens e consciência de pertencer à mesma família
humana
353
.
O Sínodo, em segundo lugar, julga à luz da fé as questões levantadas pela situação do
matrimônio e da família no mundo. A fundamentação teológica do matrimônio e da família é o
desígnio de Deus Criador e Redentor, fonte e ápice da sua vocação e a missão:
O eterno desígnio de Deus (cf. Ef. 1,3ss.) é que todas as mulheres e todos os homens
participem da vida mesma de Deus, em Cristo (Cf. 1Jo 1,3; 2Pd 1,4). O Pai chama cada
homem a realizar este projeto de comunhão com todos os outros homens, formando a
família de Deus. A família, por sua vez, é chamada, com particular vocação, a realizar
esse desígnio de Deus. Ela é, por assim dizer, a célula primeira da Sociedade e da Igreja,
que ajuda seus membros a serem agentes da história da salvação e sinais vivos do plano
amoroso de Deus sobre o mundo
354
.
A missão ou tarefa da família concentra-se em dois conceitos interligados entre si e de
significado amplo e irrestrito: serviço à vida e educação. O serviço à vida e sua defesa atingem a
vida humana em todas as suas dimensões e etapas. Dar a vida é participar do poder criador de
Deus e da obra redentora de Cristo, a graça salvífica. A elevação do matrimônio, por Cristo, à
dignidade de Sacramento é “participação da aliança de seu amor redentor, selada com seu próprio
sangue”
355
. No Sacramento do Matrimônio, os cônjuges se santificam mutuamente e como
352
CNBB. Comunicado mensal. Indaiatuba: Itaicí. Ano 5, n. 337, p. 963, [out.]1980; cf. FC 46.
353
Cf. CNBB. Comunicado mensal. Indaiatuba: Itaicí. Ano 5, n. 337, p. 963, [out.]1980.
354
CNBB. Comunicado mensal. Indaiatuba: Itaicí. Ano 5, n. 337, p. 936, [out.]1980.
355
CNBB. Comunicado mensal. Indaiatuba: Itaicí. Ano 5, n. 337, p. 963-964, [out.]1980.
99
ministros próprios, agem “in persona Christi”, isto é, em nome de Cristo. A vida de Cristo e em
Cristo é referência máxima para as famílias: encarnação, paixão, morte e ressurreição
356
.
A resposta da família aos desígnios de Deus é a educação, a grande missão da família nos
tempos atuais.
A missão de educar:
a) homens livres com grande senso moral e sentido crítico, capazes de discernimento e
cônscios da própria responsabilidade e do dever de trabalharem por melhores condições
de vida para os homens e pela santificação do mundo;
b) formar homens para o amor e educá-los a agirem com amor nas relações com os
outros, de maneira que o amor esteja aberto a toda a comunidade, impregnado do sentido
de justiça e de respeito para os outros, e consciente da própria responsabilidade para com
a sociedade toda;
c) educar homens na fé, quer dizer, no conhecimento do amor de Deus, na prontidão de
quem quer cumprir sua vontade em tudo;
d) transmitir os valores fundamentais humanos e cristãos e educar homens para a
capacidade de integrar em sua existência também valores novos. A família é tanto mais
humana, quanto mais cristã ela for.
Esta é a missão da família como Igreja doméstica’ (LG 11, AA 11), comunidade de fé
que vive na esperança e no amor, a serviço de Deus e da família humana. Lugar central
deve ocupar a Palavra de Deus nesta família, a participação na vida litúrgica e
sacramental
357
.
No âmbito da comunidade eclesial a família é a primeira responsável pela evangelização e
catequese, pela ação pastoral que facilite aos casais valorizar e assumir os desígnios de Deus em
suas vidas, acolhendo casais em situações do mesmo estado de vida, isto é, os que receberam o
sacramento do matrimônio e vivenciando ministérios de ajuda espiritual no universo de uma
pastoral familiar global.
No âmbito social mais amplo a família deve oferecer seu testemunho evangélico,
promover a justiça social, ajudar os necessitados, participar das iniciativas que promovam a
356
Cf. CNBB. Comunicado mensal. Indaiatuba: Itaicí. Ano 5, n. 337, p. 964, [out.]1980.
357
CNBB. Comunicado mensal. Indaiatuba: Itaicí. Ano 5, n. 337, p. 964-965, [out.]1980.
100
transformação das estruturas sociais e promover políticas familiares colaborando com pessoas e
grupos influentes na elaboração das leis de Direito da família, em parceria com os que saem em
sua defesa e em defesa da vida
358
.
Igreja e família estão profunda e reciprocamente comprometidas. A Igreja tem a tarefa de
apoiar e ajudar os cônjuges e as famílias no exercício de seu apostolado e ministério. Sua ação
pastoral deve ser ampla e irrestrita, capaz de auxiliar eficiente e eficazmente os cônjuges e as
famílias em qualquer situação em que se encontrem em relação à fé ou à vida cultural. Ao mesmo
tempo, as famílias prestam à Igreja o serviço da evangelização da família
359
.
O Vaticano II e o Sínodo dos Bispos de 1980 ofereceram os elementos doutrinais e
pastorais para elaborar a Exortação Apostólica Familiaris Consortio.
3.3 Síntese estrutural e conceitual da Familiaris Consortio
A Exortação Apostólica Familiaris Consortio está básica e consecutivamente
sistematizada e estruturada em: introdução, núcleo sistemático de quatro partes consecutivas e,
por fim, conclusão.
A Introdução apresenta o objeto, as problemáticas, os objetivos e as argumentações que
justificam a Exortação Apostólica Familiaris Consortio na atualidade histórica da pessoa
humana, da família, da Igreja e da sociedade.
A família é uma das instituições mais questionadas e a que mais sofre o impacto das
ameaça das “profundas e rápidas transformações da sociedade e da cultura”
360
. Sua realidade
358
Cf. CNBB. Comunicado mensal. Indaiatuba: Itaicí. Ano 5, n. 337, p. 965, [out.]1980.
359
Cf. CNBB. Comunicado mensal. Indaiatuba: Itaicí. Ano 5, n. 337, p. 966, [out.]1980.
360
FC 1.
101
deve ser conhecida em profundidade pela Igreja a fim de que lhe ofereça o seu serviço e ajuda
para conhecer a si mesma e sua tarefa no mundo, à luz dos desígnios de Deus Criador e Salvador.
A fundamental proposta da Exortação encontra-se na conclusão onde o Papa convida as
famílias cristãs de hoje, “muitas vezes tentadas por incomodidades e angustiadas por crescentes
dificuldades” a “tomarem altura! É necessário que sigam a Cristo”. Essa proposta desperta a
família pra sua vocação e missão no mundo de hoje à luz do mistério fundante de toda a realidade
cristã: o mistério de Deus plenamente realizado na pessoa de Jesus Cristo de Nazaré.
Consciente da verdade dual sobre o matrimônio-família e do valor que ambas as
realidades têm para a humanidade, “a Igreja oferece o seu serviço a cada homem interessado nos
caminhos do matrimônio e da família”
361
. Especialmente aos jovens que pretendem iniciar o
caminho do matrimônio e da família, “ajudando-os a descobrir a beleza e a grandeza da vocação
ao amor e ao serviço da vida”
362
.
O Sínodo dos bispos de 1980 está em continuidade com os Sínodos precedentes sobre o
Sacerdócio ministerial e sobre a justiça no mundo
363
. Este confiou ao Papa “com voto unânime”
que se tornasse “intérprete diante da humanidade da viva solicitude da Igreja pela família e
oferecesse orientações para um renovado empenho pastoral nesse setor fundamental da vida
humana e eclesial”
364
. O Pontífice reconhece a família como “a primeira chamada a anunciar o
Evangelho à pessoa humana em crescimento e levá-la, através de uma catequese e educação
progressiva, à plenitude da maturidade humana e cristã”; como, uma “comunidade educativa”
que “deve ajudar o homem a discernir a própria vocação” e a assumir sua tarefa no mundo
361
FC 1.
362
FC 1.
363
Cf. FC 2; JOÃO PAULO II. Discurso ao Conselho da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, 23 de fevereiro de
1980. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/jonh_paul_ii/speeches/1980.pdh>. Acesso em 15/10/2006.
08:09:00.
364
FC 2.
102
transformando-o pelo amor
365
. Assim, o empenho pastoral de toda a Igreja é considerado por ele
irrenunciável, pois, é um “setor fundamental da vida humana e eclesial”
366
. A Exortação pretende
analisar os aspectos e as riquezas contidas nas proposições do Sínodo
367
.
Ressaltando a pertinência e a relevância do Concílio Vaticano II e dos Sínodos que
precederam a Exortação, sinais do profundo interesse da Igreja pela questão família, o Papa
exorta desde o início que é preciso retornar ao “significado último da vida conjugal e familiar”,
pois, são ambos um “valor” e uma “vocação”. Um “valor”, porque um setor fundamental da vida
social e familiar; uma “Vocação” porque “Queridos por Deus como a própria criação (cf. Gn 1-
2.), o matrimônio e a família estão intrinsecamente ordenados a complementarem-se em Cristo
(cf. Ef 5.) e têm necessidade da sua graça para serem curados das feridas do pecado e conduzidos
ao seu princípio (cf. Mt 19,4.), isto é, ao conhecimento pleno e à realização integral do desígnio
de Deus”
368
. Vocação, voltar à fonte, retornar à “origem”, ao “desígnio de Deus”, ao “Princípio”
que deve ser retomado, reinterpretado, uma vez que, por hora, esquecido por muitos cristãos
369
.
Iluminada pela fé, a Igreja tem a tarefa evangelizadora de apresentar às famílias a verdade
sobre o real e profundo significado do valor do matrimônio e da família, pois, “Ela está
profundamente convencida de que só com o acolhimento do Evangelho encontra realização plena
e toda a esperança que o homem depõe legitimamente no matrimônio e na família”
370
.
Diante do momento histórico pelo qual passa a família, alvo de forças destruidoras e
deformadoras, a Igreja tem a missão de proclamar-lhe os desígnios de Deus como fonte vital e
realização plena. Os dois grandes objetivos da missão da família cristã, ordenada a Cristo, são: a
365
Cf. FC 2.
366
FC 2.
367
Cf. FC 2.
368
FC 3.
369
Cf. FC 1
370
FC 3.
103
vitalidade da família e da vida humana. A ação da Igreja, empenhada na evangelização da família
renovada em Cristo, contribui “para a renovação da sociedade e do próprio povo de Deus”
371
.
As três primeiras partes do núcleo sistemático constituem a fundamentação teórica da
Exortação, um conjunto teológico, bíblico e doutrinário harmonioso. A quarta parte propõe à
Igreja uma ação pastoral em favor da família e em defesa da vida, assumida de modo prático,
ordenado, aberto, concreto, orgânico e estruturada, chamada de Pastoral Familiar. A Exortação
parece seguir fielmente o esquema proposto pelo próprio Pontífice aos Padres Sinodais: primeiro,
a descrição do estado das famílias e seus problemas; segundo, a fundamentação teológico-
doutrinária sobre a família; terceiro, o direcionamento pastoral capaz de ajudar as famílias cristãs
a viver e a testemunhar a vocação e missão, chamadas a desempenhar na humanidade e na
Igreja
372
.
A primeira parte descreve o estado das famílias a partir de como vivem as realidades
familiares e analisa as causas e linhas evolutivas dos problemas diversos que ela apresenta, a fim
de criar possibilidades para a evangelização, capazes de penetrar verdadeiramente neste
ambiente.
O título da primeira parte é “Luzes e Sombras da Família de Hoje”
373
. “Luzes e Sombras”
caracterizam a “forma com que as famílias se encontram envolvidas, nas presentes condições do
mundo”
374
, elas apresentam aspectos positivos e negativos. A situação social e cultural oferece
aos graves problemas conjugais e familiares “visões e propostas mesmo sedutoras, mas que
comprometem de diferentes maneiras a verdade e a dignidade da pessoa humana”
375
. Às famílias,
371
FC 3.
372
Cf. JOÃO PAULO II. Discurso ao Conselho da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, 23 de fevereiro de 1980.
n. 2. Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/jonh_paul_ii/speeches/1980.pdh>. Acesso em 15/10/2006.
08:09:00.
373
FC 4-16.
374
FC 4.
375
FC 4.
104
a partir das diversas situações em que se encontram no mundo, “chamadas a acolher e a viver o
projeto de Deus que lhe diz respeito [e] os pedidos e apelos do Espírito [que] ressoam também
nos acontecimentos da história”
376
, a Igreja, guiada por uma “compreensão mais profunda do
mistério do matrimônio e da família”
377
, tem a tarefa de “levar o imutável e sempre novo
Evangelho de Jesus Cristo”
378
.
A investigação sociológica poderá auxiliar enormemente na compreensão do contexto
histórico da família, não como elemento principal da ação pastoral, mas como elemento auxiliar.
O mesmo auxílio oferece outras ciências como, por exemplo, a antropologia e a psicologia.
Discernimento de todos os “membros da família de Deus” (Rf 2,19; cf. At 2,17),
hierarquia e cristãos leigos, urgência da Igreja. Ensinar o Evangelho, missão e responsabilidade
Eclesial. Discernir, no sentido da fé e no Espírito Santo, é dever de toda a Igreja, segundo o
carisma e responsabilidade que dado pelo próprio Senhor
379
. Nisto toda a Igreja segue a Cristo
380
.
O primeiro capítulo desta dissertação se preocupou em demonstrar o relevante papel de todos os
membros da Igreja na missão de guardar e transmitir a fé autêntica do mistério de Deus revelado
em Jesus Cristo. A Familiaris Consortio ressalta a importância de uma ação corresponsável entre
os membros da Igreja nas questões que dizem respeito ao matrimônio e à família.
Esse discernimento atinge-se pelo sentido da fé (cf. GS 12), dom que o Espírito Santo
concede a todos os fiéis, e é, portanto, obra de toda a Igreja (cf. 1Jo 2,20), segundo a
diversidade dos vários dons e carismas que, ao mesmo tempo segundo a
responsabilidade própria de cada um, cooperam para uma mais profunda compreensão e
atuação da Palavra de Deus. A Igreja, portanto, não realiza o discernimento evangélico
próprio só por meio dos pastores, os quais ensinam em nome e no poder de Cristo, mas
também por meio dos leigos: Cristo ‘constituiu-os testemunhas, e concedeu-lhes o
376
FC 4.
377
FC 4.
378
FC 4.
379
Cf. 1Cor 12.
380
Cf. FC 5.
105
sentido da fé e o dom da palavra (cf. At 2,17-18; Ap 19,10) a fim de que a força do
Evangelho resplandeça na vida cotidiana, familiar e social’ (LG 35). Os leigos, em razão
de sua vocação particular, têm o dever específico de interpretar à luz de Cristo a história
deste mundo, enquanto são chamados a iluminar e dirigir as realidades temporais
segundo o desígnio de Deus Criador e Redentor
381
.
Jesus Cristo é referência principal de todas as realizações de todos e de cada um dos os
membros da Igreja. Ele é o Redentor do homem e da história. Podemos afirmar que existem na
Familiaris Consortio elementos de cristologia.
O verdadeiro discernimento evangélico exige que a pessoa seja educada a desenvolver
uma “reta formação da consciência”, sem a qual não se chega ao homem de bem, e que nem
sempre pode ser alcançada se não vier de Cristo. Ele é a proposta da verdade sobre o humano:
O ‘sentido fundamental da fé’ (LG 12; ME 2) não consiste, porém, somente ou
necessariamente no consenso dos fiéis. A Igreja, seguindo a Cristo, procura a verdade,
que nem sempre coincide com a opinião da maioria. Escuta a consciência e não o poder
e nisto defende os pobres e desprezados. [...].
Porque é dever do ministério apostólico assegurar a permanência da Igreja na verdade de
Cristo e introduzi-la sempre mais profundamente, os Pastores devem promover o sentido
da fé em todos os fiéis, avaliar e julgar com autoridade a genuinidade das suas
expressões, educar os crentes para um discernimento evangélico sempre mais
amadurecido (cf. LG 12; DV 10).
Para a elaboração de um autêntico discernimento evangélico nas várias situações e
culturas em que o homem e a mulher vivem o seu matrimônio e a sua vida familiar, os
esposos e os pais cristãos podem e devem oferecer seu próprio e insubstituível
contributo. A esta tarefa habilita-os o carisma ou dom próprio, o dom do sacramento do
matrimônio.
A situação histórica em que vive a família apresenta-se, portanto, como um conjunto de
luzes e sombras. [...] segundo a conhecida expressão de Santo Agostinho, um conflito
entre dois amores: amor de Deus impelido até o desprezo de si, e o amor de si impelido
até ao desprezo de Deus. Segue-se que a educação para o amor, ratificada na fé, pode
levar a adquirir a capacidade de interpretar ‘os sinais dos tempos’, que são expressão
histórica desse duplo amor.
381
FC 5.
106
Vivendo de tal modo, sob pressões [...] nem sempre os fiéis souberam se manter imunes
diante do obscurecimento dos valores fundamentais e pôr-se como consciência crítica
desta cultura familiar e como sujeitos da construção de um humanismo familiar
autêntico.
Põe-se assim a toda a Igreja o dever de uma reflexão e de um empenho bastante
profundo, para que a nova cultura emergente seja intimamente evangelizada, [...] o ‘novo
humanismo’ não afastará os homens da sua relação com Deus, mas os conduzirá para ele
mais plenamente. [...]
“o destino do mundo está ameaçado se não surgirem homens de sabedoria’ (GS 15). [...].
É a aliança com a Sabedoria divina que deve ser mais profundamente reconstituída da
cultura moderna. [...] consciência deve ser realmente formada para que não haja desvios,
mas crie condições para uma reta adesão à doutrina, sem subterfúgios. [...] A educação
da consciência moral, que faz o homem capaz de julgar e discernir os modos aptos para a
sua realização segundo a verdade originária, torna-se assim exigência prioritária e
irrecusável. [...] a Verdade é Cristo
382
.
Cabe aos pastores, educadores e fiéis a tarefa da reta formação da consciência. O grande
desafio da educação cristã é saber conjugar a cultura moderna com a Sabedoria Divina, que pode
transformar a situação desumanizadora da realidade.
Hermeneuticamente, duas grandes visões podem, se distorcidas, levar a erros gravíssimos
que atentam contra a vida humana: o erro antropológico e o erro da imagem de Deus. O primeiro
é o desconhecimento da verdade sobre o humano e sua dignidade; o segundo, uma falsa
concepção de Deus, ou falsa imagem de Deus, que pode levar à idolatria moderna. Ambos os
erros geram os comportamentos diante da vida e a situação em que vivem a família, a sociedade e
a Igreja.
A exortação apresenta, então, dois aspectos reais da realidade: os aspectos positivos e os
negativos
383
. Os aspectos positivos elencados são muitos e são vistos como “sinal, da salvação
em Cristo, operante no mundo”; Os aspectos negativos que são inúmeros e terrivelmente
ameaçadores são vistos como “sinal, da recusa que o homem faz ao amor de Deus”. Ora, se o
382
FC 5-8.
383
Cf. FC 6.
107
amor de Deus não é conhecido, como manifestá-lo? Se o valor do homem revelado por Cristo, na
obra Redentora, não é conhecido, como valorizar o humano? Existe solução? A situação histórica
em que se contextualiza a família é um conjunto de “luzes e sombras”
384
. A solução, segundo o
Papa, é “a educação para o amor, radicada na fé”, única solução para os que querem ver expressa,
historicamente, o movimento do duplo amor: o Amor de Deus que a si mesmo doa, e nosso amor
que reconhece Deus. Deus continua fiel, o humano faz às vezes o caminho inverso: “o amor de si
impelido até ao desprezo de Deus”, idéia de Santo Agostinho. O grande vilão dos fenômenos
negativos é, no dizer do Papa, a compreensão de “Liberdade”
385
.
A segunda parte apresenta “o desígnio de Deus sobre o Matrimônio e a família”
386
. Nela
encontra-se densamente toda a fundamentação teológica e dogmática da Exortação. Inicia-se pela
antropologia cristã. O ser humano é entendido a partir da revelação: o homem é criatura de Deus,
“imagem e semelhança”, livremente chamado à existência por amor e ao amor. A grande vocação
humana é a vocação ao amor, porque Deus é amor:
Deus é amor, vive em si mesmo um mistério de comunhão pessoal de amor. Criando-a à
sua imagem e conservando-a continuamente no ser, Deus inscreve na humanidade do
homem e da mulher a vocação, e, assim, a capacidade e a responsabilidade do amor e da
comunhão. O amor é, portanto, a fundamental e originária vocação do ser humano
387
.
Os elementos da Cristologia perpassam toda a Exortação Apostólica Familiaris
Consortio. O homem de Nazaré, inserido na família de Maria e José, Judeu, é entendido como o
Cristo, o Verbo de Deus, a Verdade, a Caridade doada na Cruz, o Esposo, a Sabedoria, o
Salvador, o Redentor, o Revelador, o Mestre, o Pastor, o Sumo Sacerdote, o Senhor do ser
384
FC 6.7-10.
385
DULLES, A. C. A Verdade como fundamento da liberdade: um tema de João Paulo II. Disponível em:
<http://www.acton.org/pop/pubs/dullwa.pdf>. Acesso em 29/10/2006. 10:26:00.
386
FC 11-31.
387
FC 11.
108
humano, fundamento da relação conjugal e familiar. O Pontífice, constantemente, de muitos
modos, implícita ou implicitamente, exorta a família a seguir a Cristo
388
.
Deus é o vínculo do Matrimônio e da família em comunhão. A revelação do Matrimônio
como Sacramento se deu em Cristo, “o Esposo que ama e se doa como Salvador da humanidade,
unindo-a a si como seu corpo”
389
. Não se pretende desenvolver no momento a teologia do
matrimônio, mas demonstrar simplesmente que é a cristologia que fundamenta a vida
matrimonial e familiar na Exortação Apostólica. Cristo é apresentado como “O Salvador da
Humanidade” que, através da Revelação que se deu na Encarnação, “... sua definitiva plenitude
no dom do amor que o Verbo de Deus faz à humanidade, assumindo a natureza humana, e no
sacrifício que Jesus Cristo faz de si mesmo sobre a Cruz pela sua Esposa, a Igreja”
390
.
Em longo trecho, o Papa faz relembrar toda a Redemptor Hominis e o Concílio Vaticano
II. O homem é imagem de Deus e sua situação interessa à Igreja, pois Deus se fez humano em
Cristo. O homem é “via da Igreja” e por sua situação histórica a Igreja deve interessar-se. O
humano é “lugar” da presença histórica e reveladora de Cristo que revela o homem ao homem. A
Igreja, inserida no mistério da redenção é a comunidade dos redimidos, dos filhos de Deus, a
família de Deus. Há uma íntima relação entre a relação conjugal e familiar e a relação Cristo e a
Igreja. A relação conjugal reflete como sinal de Cristo e da Igreja, a relação familiar reflete a
comunhão de Deus em si, ela é “‘uma Igreja em miniatura’ [Ecclesia domestica]”
391
. Não há
salvação para o matrimônio e a família se não for em Cristo.
388
Cf. FC 10: “Sabedoria de Deus, que é o próprio Cristo [...] quis ‘retornar ao princípio’ em obséquio ao
ensinamento de Cristo.”; FC 13: (cf. FC 54:):“[...] Jesus Cristo, o Esposo [...] Salvador da humanidade” e “Verbo de
Deus [...] a Caridade de Cristo que se doa na Cruz [...]”; FC 5 (cf. FC 17; 28): “[...] desígnio de Deus Criador e
Redentor [...]”; FC 38: “Cristo Pastor”; FC 39 73: (cf. FC 5; 51 e Conclusão): “seguir a Cristo”; FC 59: “Sumo
Sacerdote”; FC 62 “Cristo Senhor”.
389
FC 13.
390
FC 13.
391
FC 49.
109
A terceira parte procura a identidade da família, quem é, e sua missão. Responde a
pergunta: quem é a família cristã e qual sua missão no mundo? A característica principal da
família é ser “Comunidade”. Aqui reside a novidade da Exortação Apostólica. A partir do
Concílio, a nova visão familiar é a de família aberta.
[A família], segundo o plano de Deus, é constituída qual ‘íntima comunidade de vida e
de amor’ (GS, 48), a família tem a missão de se tornar cada vez mais aquilo que é, ou
seja, comunidade de vida e de amor, numa tensão que, como para cada realidade criada e
redimida, encontrará a plenitude do Reino de Deus... atinge as próprias raízes da
realidade, deve-se dizer que a essência e os deveres da família são em última análise,
definidos pelo amor. Por isto é-lhe confiada a missão de guardar, revelar e comunicar o
amor, qual reflexo vivo da participação real do amor de Deus pela humanidade e do
amor de Cristo pela Igreja, sua Esposa
392
.
Citando e comentando sinteticamente, sem desenvolvê-las, as tarefas da família são: a
primeira tarefa, a partir do amor e sempre em sua referência, é a formação de uma comunidade de
pessoas. Isso toca a fundo a relação conjugal e familiar em sentido amplo, ou seja, os que
convivem debaixo do mesmo teto. Nessa relação de pessoas cada um tem que ser visto como
pessoa redimida por Cristo e sua imagem, reconhecendo deveres e direitos de si e dos outros,
quer do marido, quer da mulher, quer dos pais, quer dos filhos ou dos anciãos, e assim,
sucessivamente
393
.
A segunda tarefa é o serviço à vida. Deus é Criador e Doador da vida, chama os cônjuges
a participarem de Seu poder criador e doador. O serviço à vida torna-se tarefa fundamental.
Servir à vida em sentido amplo: transmitir a vida e defendê-la de toda a ameaça, especialmente da
mentalidade de morte vigente;
A terceira tarefa é a educação, pois, educar é direito-dever dos pais e não é transferível
nem para o estado nem para a Igreja. “A família é, portanto, a primeira escola de virtudes sociais
392
FC 17.
393
Cf. FC18-27.
110
de que as sociedades têm necessidade”
394
. Por conseqüência, educar para os valores essenciais da
vida humana (socialização, sexualidade, cidadania, castidade, para as múltiplas relações
interpessoais e grupais – escolas, Igreja – relações de trabalho, etc.), pois, educar é uma missão.
As tarefas estão intimamente relacionadas às dimensões ad intra e ad extra da família. A
dimensão ad extra, refere-se à família enquanto direcionada para a sociedade e para a Igreja. As
duas dimensões são indispensáveis, são o campo próprio onde a família deve atuar. A família
receberá sempre a influência do ambiente social e eclesial, mas também poderá influenciar os
mesmo ambientes ou situações. Por isso ela é chamada na carta de “célula primeira e vital da
sociedade”, possui a responsabilidade ou tem função social. Ao mesmo tempo a sociedade
também tem que prestar um serviço à família. Ambas têm funções complementares e são de
direitos e deveres. A família cristã exerce um papel de testemunho cristão nesse meio, maior é
sua responsabilidade em Cristo, seja em âmbito de país ou internacional, em alguns casos
395
.
A família deve participar ativamente da vida da Igreja, deve ser a “Igreja doméstica”. Ela
está inserida em seu mistério, mas, fazendo memória da Redemptor Hominis, a Igreja está
inserida no mistério da Redenção de Cristo. É na intimidade e na relação com este mistério que
nasce a participação da família na Igreja. Ela participa da missão de Salvação da Igreja. Ela deve
refletir em si a comunidade eclesial e deve, ao participar da vida eclesial, refletir nela a íntima
comunhão de vida e de amor vividos na comunidade do lar. A Igreja deve ser o que a família
deve ser: “comunidade crente e evangelizadora”, “comunidade de diálogo com Deus”,
“comunidade ao serviço do homem”
396
.
Por fim, a quarta parte da Familiaris Consortio. A forma concreta de viver em Cristo e no
seu seguimento é refletida na Ação Pastoral da Igreja em favor da Família. O Papa desenvolve
394
FC 36.
395
Cf. FC 36-48.
396
FC 49-64.
111
um amplo programa de ação que vai preparando, paulatinamente, o ser humano para o
matrimônio e a vida familiar. Não é questão para ser tratada amplamente nessa dissertação.
A conclusão é exatamente a Exortação a toda a Igreja e a cada homem de boa vontade,
para que amem a família e se dediquem a salvar e a promover seus valores e exigências. O Papa
chama todos os cristãos ao anúncio da “Boa Nova acerca da família” e ao reconhecimento de que
o futuro da humanidade passa pela família!”
397
.
A fé nos ensina a verdade sobre o matrimônio e a família. A Tradição aponta caminhos
vividos e experiências a respeito do matrimônio e da família, especialmente, no modo próprio de
enfrentar problemas emergentes que solicitavam respostas, ainda que não claras. O Magistério da
Igreja exerce o papel fundamental da regulação da fé, ensinar é sua missão primordial. Deve, por
isso, ser ouvido e respeitado em sua missão de ensinar. Contudo, a forma de seu ensinamento
pode e deve ser expandida em favor de uma maior participação dos casais nas questões que
dizem respeito ao seu estado próprio de vida. Tudo que se diz do matrimônio e da família quer no
Concílio Vaticano II, quer no Sínodo dos Bispos de 1980, quer na Familiaris Consortio, de João
Paulo II, tem referência à missão Salvadora de Jesus Cristo. Há uma cristologia que fundamenta a
reflexão teológica da Familiaris consortio.
397
FC, Conclusão.
CAPÍTULO II
O MISTÉRIO DE CRISTO NA FAMILIARIS CONSORTIO
1. A cristologia: ponto de partida da teologia
O saber teológico ocupa-se, acima de tudo, do “conhecimento do mistério dos mistérios:
Deus”
398
. A teologia como “ciência da fé”
399
, trata da experiência do mistério narrado, celebrado
e vivido na comunidade de fé (ou teologia hínica)
400
. O mistério, realização do desígnio salvífico
de Deus na história através de palavras e de acontecimentos é, definitivamente, Jesus Cristo
401
.
O mistério é a Palavra divina que se faz presente aos homens nas palavras e nos
acontecimentos da história salvífica. Entendida assim, a experiência do mistério
comporta uma irredutível dialética de escondimento e de revelação: nas suas obras Deus
se manifesta, mas não se deixa aprisionar; ele está ‘lá’, e, no entanto está sempre além,
maior do que a mediação do evento ou da palavra como que se comunicou ao homem;
Revelando-se, Deus se vela; comunicando-se, se oculta; avizinhando-se, afasta-se. E ao
398
LIBANIO, J. B.; MURAD, A. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Loyola, 1996, p. 15;
Sobre a teologia como ciência, cf.: FISICHELLA, R. Introdução à teologia fundamental. São Paulo: Loyola, 2000,
p. 56; LADARIA, L. F. O Deus vivo e verdadeiro: o mistério da Trindade. São Paulo: Loyola, 2005, p. 23-27.
399
RAUSCH, T. P. (org.). Introdução à teologia. São Paulo: Paulus, 2004, p. 15; cf. LADARIA, L. F. O Deus vivo e
verdadeiro: o mistério da Trindade. São Paulo: Loyola, 2005, p. 20; HAUGHT, J. F. Mistério e promessa: teologia
da revelação. São Paulo: Paulus, 1998, p. 11-13.
400
Cf. FORTE, B. A Trindade como história. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1987, p.89-91; RAUSCH, T. P. (org.).
Introdução à teologia. São Paulo: Paulus, 2004, p.13-22; LIBANIO, J. B.; MURAD, A. Introdução à teologia:
perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Loyola, 1996, p. 63; FISICHELLA, R. Introdução à teologia fundamental. São
Paulo: Loyola, 2000, p.55-58; GRENZER, M. Análise poética da sociedade: um estudo de Jó 24. São Paulo:
Paulinas, 2005, p. 9-12.
401
Cf. Cl 1,26s; Rm 16,25; Ef 1,9; 3,3; 6,19; Jo 1,14.16-18; cf. também: GS 4; ORTE, B. A Trindade como história.
2. ed. São Paulo: Paulinas, 1987, p.89; LADARIA, L. F. O Deus vivo e verdadeiro: o mistério da Trindade. São
Paulo: Loyola, 2005, p. 21.
113
mesmo tempo valendo-se, dá-se a conhecer; ocultando-se, manifesta-se; afastando-se,
avizinha-se. ‘Não ardia o nosso coração quando ele nos falava pelo caminho?’ (Lc
24,32)
402
No fluxo da história, a teologia hínica exigiu um outro relato teológico: o da imanência do
mistério. Para os Padres da Igreja, esta é a passagem da “economia” para a “teologia”
403
. A
teologia ilumina a compreensão da “economia” e a “economia” conduz à teologia,
conseqüentemente, à reflexão inteligente e à apreensão da revelação íntima do mistério, agora
expresso, sistematicamente, em linguagem e símbolo da experiência de fé vivida de uma
comunidade
404
. A cristologia hínica, ou doxologia dos “concidadãos dos santos e membros da
família de Deus” (Ef 2,19), “edifício de Deus”, comunidade de discípulos em relação amorosa,
edificada “sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, do qual Cristo Jesus a pedra angular”
(Ef 2,20), celebrava a fé que, aos poucos, passou a ser questionada, refletida e sistematizada.
[É necessário] Compreender o desenvolvimento intrínseco da cristologia, enquanto
explicitação e aprofundamento da realidade (vida-prática-pessoa) de Jesus como
caminho que leva ao Pai e sua compreensão e interpretação pela comunidade crente no
decorrer dos séculos. O seguimento de Jesus em nossos dias é inseparável da reflexão
sobre Jesus e sobre seus primeiros seguidores, [por isso], compreender a cristologia não
como apenas ‘discurso’ (= elaboração teórica), mas compromisso (= prática). Explicar a
profissão de fé (título) a partir da prática de Jesus: o caminho a seguir é o da prática de
Jesus ao ser de Jesus e do ser de Jesus ao ser de Deus (= Trindade). Desenvolver a
cristologia como expressão histórica e culturalmente situada da compreensão que a
comunidade crente (Igreja) tem de Jesus no decorrer de sua história (= condições sócio-
histórico-culturais em que a cristologia é produzida e valor do contexto histórico pra sua
compreensão). Compreender as imagens de Jesus e seu relacionamento com a realidade
social e cultural
405
.
402
FORTE, B. A Trindade como história. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1987, p.89-90; cf. LADARIA, L. F. O Deus
vivo e verdadeiro: o mistério da Trindade. São Paulo: Loyola, 2005, p.24-25.
403
Cf. CIGC 326.
404
Cf. MÜLLER, U. B. A encarnação do Filho de Deus: Concepções da encarnação no cristianismo incipiente e os
primórdios do docetismo. São Paulo: Loyola, 2004, P. 8.
405
SOTER. Cristologia Disponível em: <http://www.redemptor.com.br/~soteer/ementário/Ementáriosistematica.
htm>. Acesso em 02 novembro 2006. 06:08:00.
114
A teologia difere de outros saberes científicos e dialoga com as outras ciências, sem se
deixar reduzir à análise dos conceitos abstratos, alicerçados nos pressupostos da filosofia clássica
ou contemporânea
406
. Historicamente, a ciência questiona e desafia a teologia
407
. Inegavelmente,
o conhecimento dos resultados epistemológicos dos diversos saberes científicos traz grande
contribuição à compreensão teológica
408
. A reflexão desta, comporta a interdisciplinariedade, mas
a teologia, porém, é a introdução no próprio mistério de Deus que se autocomunica em Jesus
Cristo na história
409
. A teologia, ainda não é mera disciplina que desenvolve um discurso sobre
Deus em um conjunto de sistemas, de escolas ou tendências. Acima de tudo, ela é atitude crítica,
reflexiva e dialógica da fé, exigência dos tempos pós-modernos
410
.
A partir da revelação judeu-cristã, ou seja, da economia salvífica, a teologia,
inteligentemente, compreende Deus em si mesmo (substância, natureza, hipóstase,
consubstancialidade etc), em sua relação pericórise-comunhão e em seu significado para o mundo
(sentido soteriológico). Esta compreensão se deu a partir da experiência relacional com o Deus
que se revela na história concreta da vida humana. Por isso, a teologia se faz com os pés na
406
Por muitas vezes na história a teologia não convergiu a teoria e a prática da reflexão teológica separando a fé da
vida, cf.: FORTE, B. A Trindade como história. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1987, p.11-12.
407
Cf. HAUGHT, J. F. Mistério e promessa: teologia da revelação. São Paulo: Paulus, 1998, p. 14-19; LIBÂNIO. J.
b. Desafios da Pós-Modernidade `teologia Sistemática. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (orgs.).
Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológicas, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003,
p. 103-142.
408
Cf. FC 5.
409
Cf. FORTE, B. A Trindade como história. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 5-7.89-91; LADARIA, L. F. O
Deus vivo e verdadeiro: o mistério da Trindade. São Paulo: Loyola, 2005, p. 11-14.19-22; HAUGHT, J. F. Mistério
e promessa: teologia da revelação. São Paulo: Paulus, 1998, p. 5-7: o autor entende a teologia como “a fé em busca
de entendimento, fides quaerens intellectum... é busca sem fim da compreensão da fé, uma cogotatio fidei. Seu
objetivo final não é oferecer respostas definidas e definitivas para todos os problemas concebíveis propostas pela fé,
mas alcançar uma compreensão que será sempre imperfeita e fragmentária, do seu objeto, Deus o mistério
incompreensível”.
410
Cf. RAUSCH, T. P. (org.). Introdução à teologia. São Paulo: Paulus, 2004, p.13-15; LIBANIO, J. B.; MURAD,
A. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Loyola, 1996, p. 32-37.57-76; MÜLLER, U. B. A
encarnação do Filho de Deus: Concepções da encarnação no cristianismo incipiente e os primórdios do docetismo.
São Paulo: Loyola, 2004, p. 19-27.
115
realidade histórica do ser humano e, ao mesmo tempo, os pés no ambiente sagrado do mistério de
Deus
411
.
O fundamento e evento central da fé e da vida em comunhão da comunidade cristã
primitiva é a figura de Jesus de Nazaré, o Redentor que se tornou ser humano. O ser humano é
carente de redenção e encontra em Jesus Cristo o seu significado histórico-salvífico (cf. Gl
4,4s)
412
. A comunidade primitiva acreditou não em um conjunto de doutrinas e de idéias
abstratas, mas sim, em uma pessoa viva, no “fato-pessoa”
413
, Jesus de Nazaré. Ela estava voltada
para o “evento salvador decisivo que reside na morte e na ressurreição, especificamente na morte
vicária propiciatória de Jesus na Cruz”
414
. O Exaltado é o Único Filho de Deus preexistente que
se tornou humano na figura de Jesus de Nazaré, por isso, “os evangelhos apresentam o Jesus
terreno à luz de sua dignidade como Senhor celestial da Igreja... Eles tratam, afinal, de palavras e
atos de Jesus terreno... Eles dão forma a um interesse análogo ao que se expressa na idéia de
encarnação do Filho de Deus preexistente”
415
.
Jesus é o centro da vida cristã, analogicamente, a cristologia é o centro, ponto vital e ápice
da teologia, porém, não seu único tema
416
. As temáticas teológicas, direta ou indiretamente, se
411
Cf. Ex 3,5; LIBANIO, J. B.; MURAD, A. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Loyola,
1996, p. 24-33. 57-62; RAUSCH, T. P. (org.). Introdução à teologia. São Paulo: Paulus, 2004, p. 130-131;
FISICHELLA, R. Introdução à teologia fundamental. São Paulo: Loyola, 2000, . 11-13.21-22.28-30; FC 24.
412
MÜLLER, U. B. A encarnação do Filho de Deus: Concepções da encarnação no cristianismo incipiente e os
primórdios do docetismo. São Paulo: Loyola, 2004, p. 11-18.
413
LIBANIO, J. B.; MURAD, A. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Loyola, 1996, p. 25; Cf.
RAUSCH, T. P. (org.). Introdução à teologia. São Paulo: Paulus, 2004, p. 132; FORTE, B. A Trindade como
história. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1987, Passim.
414
MÜLLER, U. B. A encarnação do Filho de Deus: Concepções da encarnação no cristianismo incipiente e os
primórdios do docetismo. São Paulo: Loyola, 2004, p. 15.
415
MÜLLER, U. B. A encarnação do Filho de Deus: Concepções da encarnação no cristianismo incipiente e os
primórdios do docetismo. São Paulo: Loyola, 2004, p. 12.
416
Cf. 1Jo 1,1; 1Cor 3,11; Ef 2,20; 2Tm 2,19; 1Pd 2,4; Mc 12,10-11; Cf. também: LIBANIO. J. B. Sempre Jesus: a
caminho do novo milênio. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 7-27: O autor apresenta um belíssimo estudo sobre a
centralidade do cristianismo histórico em Jesus, colocada em crise no decorrer dos séculos. A crise acontece porque
o cristianismo está inserido nas culturas e sofre as influências de suas crises, especialmente a cultura ocidental;
FISICHELLA, R. Introdução à teologia fundamental. São Paulo: Loyola, 2000, p. 28-30; GESCHÉ, A. O Cristo.
São Paulo: Paulinas, 2004, p. 17-48; SOTER. Cristologia Disponível em: <http://www.redemptor.com.br/~soteer/
ementário/Ementáriosistematica.htm> Acesso em 02 novembro 2006. 06:08:00.
116
relacionam com a pergunta central da cristologia: quem é Jesus Cristo?
417
Praticamente no início
do ministério de Jesus, após verem a tempestade acalmada, os discípulos perguntam: “Quem é
este?” (Mc 4, 41); o próprio Jesus, no fim do seu ministério na Galiléia de Filipe, pergunta aos
seus discípulos: “Quem dizem os homens que eu sou?” (Mc 8, 27)
418
; e provoca uma resposta:
“‘E vós, perguntou ele, quem dizeis que eu sou?’ Pedro respondeu: ‘Tu és o Cristo’” (Mc 8,
29)
419
. A cristologia deve ser entendida como teologia e como antropologia: enquanto discurso
sobre Deus e sobre o homem
420
.
A comunidade fez, primeiramente, a experiência da pessoa histórica de Jesus, do seu agir
e de seu testemunho de Deus. Depois, tendo apreendido o seu significado salvífico, para eles e
para o mundo, procuraram compreendê-lo em si mesmo
421
.
A fé cristã compreendeu Jesus
422
, o Cristo, escatologicamente: a Palavra-mensagem
definitiva de Deus e o ser humano definitivo, revelador da verdadeira essência de Deus e do
humano. Por isso, a cristologia é a “chave para todos os temas da teologia”
423
.
417
RAUSCH, T. P. (org.). Introdução à teologia. São Paulo: Paulus, 2004, p. 131.
418
Cf. Mt 8, 27; Lc 8, 25.
419
Cf. Mt 16, 16; Lc 9, 20.
420
Cf. GESCHÉ, A. O Cristo. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 23.
421
Cf. LIBANIO. J. B. Sempre Jesus: a caminho do novo milênio. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 171-207; cf.
RAUSCH, T. P. (org.). Introdução à teologia. São Paulo: Paulus, 2004, p. 95-111: “A teologia é o esforço para
compreender e interpretar a experiência de fé de uma comunidade – a comunidade eclesial de pessoas cuja
experiência de fé centra em Jesus de Nazaré, o Cristo. [...] a Igreja é uma comunidade de fé de pessoas que vivem
num tempo e lugar específicos e que fazem parte de sua época e cultura” (cf. p. 95 e 96); SOTER. Cristologia
Disponível em: <http://www.redemptor.com.br/~soteer/ementário/Ementáriosistematica.htm>. Acesso em 02
novembro 2006. 06:08:00.
422
Cf. KESSLER, H.. Cristologia. In. SCHENEIDER, Theodor. (org.). Manual de Dogmática. V. I: prolegômenos;
doutrina sobre Deus; doutrina da criação; cristologia; pneumatologia. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 219-220;
RAUSCH, T. P. (org.). Introdução à teologia. São Paulo: Paulus, 2004, p. 131: “Por isso, para compreender a fé no
sentido católico é essencial conhecer alguma coisa sobre Jesus Cristo e sobre o papel central (o grifo é meu) que ele
exerce na fé. O ramo da teologia que levanta e responde a pergunta, “Quem é Jesus?” é a cristologia. [...] uma breve
descrição das principais características da cristologia contemporânea nos dará condições de identificar alguns traços
definitivos que fazem de Jesus Cristo o objeto central da fé (o grifo é meu)”.
423
Cf. KESSLER, H.. Cristologia. In. SCHENEIDER, Theodor. (org.). Manual de Dogmática. V. I: prolegômenos;
doutrina sobre Deus; doutrina da criação; cristologia; pneumatologia. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 219; RAUSCH, T.
P. (org.). Introdução à teologia. São Paulo: Paulus, 2004, p.131; FC 13.
117
Jesus, o Cristo, é a chave de compreensão de toda a teologia
424
: da unidade do Deus
Trindade
425
, da essência e da verdade do ser humano e de todas as realidades existentes; todos os
tratados e temas teológicos, moral, graça, revelação, escatologia, eclesiologia e prática pastoral;
no dizer de Hans Kessler:
A fé cristã, portanto, é de maneira central fé em Jesus Cristo, orientação para ele, relação
com ele e confissão nele. É que ele dá acesso à relação correta de confiança com Deus e
à relação verdadeiramente humana e solidária com os seres humanos e as demais
criaturas. Ele é o caminho para Deus e para a salvação (cf. At 4,12; Jo 14,6); é caminho,
não o alvo: per Christum in Deum (através de Cristo para Deus). A cristologia constitui
o centro da teologia, mas não é sua totalidade
426
.
Se a cristologia é centro e ápice da teologia e, ao mesmo tempo, chave hermenêutica de
todos os temas, é possível uma leitura cristológica da Familiaris Consortio
427
. É plausível que a
obra salvífica do Verbo Encarnado tenha se dado em vista da família humana, em sua realidade
de vida
428
, cujo ambiente vital se encontra na realidade da família
429
. De fato, a família,
alicerçada no matrimônio como sacramento, tem participação e relação íntima com o mistério do
Redentor, símbolo real do acontecimento da salvação que representa o mistério totalizador de
Cristo – Encarnação e Aliança Pascal:
Como cada um dos sete sacramentos, também o matrimônio é um símbolo real do
acontecimento da salvação, mas de um modo próprio. «Os esposos participam nele
enquanto esposos, a dois como casal, a tal ponto que o efeito primeiro e imediato do
matrimônio (res et sacramentum) não é a graça sacramental propriamente, mas o vínculo
424
Cf. RAUSCH, T. P. (org.). Introdução à teologia. São Paulo: Paulus, 2004, p. 126-147.
425
Cf. LADARIA, L. F. O Deus vivo e verdadeiro: o mistério da Trindade. São Paulo: Loyola, 2005, p. 23-27.
426
KESSLER, H.. Cristologia. In. SCHENEIDER, Theodor. (org.). Manual de Dogmática. V. I: prolegômenos;
doutrina sobre Deus; doutrina da criação; cristologia; pneumatologia. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 220.
427
A Familiaris Consortio utiliza em seu texto o nome de Jesus Cristo, seus títulos, termos e temas da cristológicos
como Cristo, Senhor, Filho de Deus, Encarnação, Redenção, Morte e Ressurreição, Escatologia, Aliança, Graça, na
busca constante de fundamentar as afirmações teológicas e pastorais do documento: cf.: FC 3; 4; 5; 6; 9; 10; 13; 15;
16; 17; 19; 20; 21; 22; 26; 30; 33; 34; 38; 38; 39; 44; 48; 50; 51; 52; 53; 54; 55; 56; 57; 59; 60; 61; 62; 63; 64; 65;66;
67; 71; 72; 73; 75; 77; 80; 84; 85.
428
Cf. FC 13.
429
Cf. FC 4; 6-8.
118
conjugal cristão, uma comunhão a dois tipicamente cristã porque representa o mistério
da Encarnação de Cristo e o seu Mistério de Aliança
430
.
À luz de Jesus Cristo de Nazaré, a realidade única – símbolo salvífico e representante do
mistério –, faz do matrimônio e da família um “lugar teológico”
431
, um “lugar hermenêutico de
confluência”
432
. Hermenêutico, porque “no contexto atual, ‘as verdades fundamentais da Igreja
católica’ correm o risco de serem deformadas ou negadas”
433
, exigindo que, à luz da fé e da reta
razão, a verdade sobre a família e o matrimônio seja devidamente aprofundada e compreendida
de forma inteligível a todo povo cristão, como foi o desejo de João Paulo II, já no discurso aos
delegados do Sínodo dos Bispos de 1980 sobre a tarefa da família no mundo de hoje
434
.
2. Vida conjugal e familiar: “lugar teológico” à luz do Mistério de Cristo
A teologia contemporânea reconhece a presença de fenômenos conseqüentes da
modernidade e pós-modernidade como o pluralismo, a fragmentação, o individualismo, o
subjetivismo, hedonismo e, especialmente, o ceticismo racionalista e cientificista destituídos de
qualquer possibilidade da realidade transcendente
435
. Tais conseqüências trouxeram para a
430
FC 13.
431
LIBANIO, J. B.; MURAD, A. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Loyola, 1996, p. 34.
432
AZEVEDO, W. O. de. Família: lugar hermenêutico de confluência. In: PETRINI, J. C.; MOREIRA, L. V. de C.;
ALCÂNTARA, M. A. R. de.; (org.). Família XXI: Entre pós-modernidade e cristianismo. São Paulo: Companhia
Ilimitada, 2003, p. 59.
433
AZEVEDO, W. O. de. Família: lugar hermenêutico de confluência. In: PETRINI, J. C.; MOREIRA, L. V. de C.;
ALCÂNTARA, M. A. R. de.; (org.). Família XXI: Entre pós-modernidade e cristianismo. São Paulo: Companhia
Ilimitada, 2003, p. 59.
434
Cf. JOÃO PAULO II. Discurso ao Conselho da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, 23 de fevereiro de 1980.
Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/jonh_paul_ii/speeches/1980.pdh>. Acesso em 15 outubro 2006,
08:09:00.
435
Cf. FISICHELLA, R. Introdução à teologia fundamental. São Paulo: Loyola, 2000, p.35-43; SCOLA, A. O
Mistério Nupcial, p. 11-12; HAUGHT, J. F. Mistério e promessa: teologia da revelação. São Paulo: Paulus, 1998, p.
15-19; Passim. TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens
epistemológicas, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003.
119
teologia novos desafios e novas perspectivas
436
. Umas das grandes dificuldades da teologia
anterior ao Vaticano II foi o diálogo com a modernidade, hoje não é muito diferente
437
.
A pluralidade desafia a todos: desafia a Igreja a uma pastoral mais exigente, à teologia e
aos crentes a uma maior liberdade responsável e criativa
438
. A teologia sofre grandes e profundas
modificações. Os teólogos clássicos conheceram os “lugares teológicos”
439
, termo compreendido,
inicialmente, como uma elaboração teológica sobre a realidade, mas a partir das fontes principais
da teologia: a Escritura, a Tradição dos Santos Padres, os Concílios e os Teólogos clássicos. João
Batista Libânio elaborou um outro conceito de “lugar teológico” a partir da experiência da
modernidade:
A viragem da modernidade ensinou a descobrir, em sentido diferente, mas real, como
‘lugar teológico’, a experiência humana, enquanto “lugar de sentido”. Privilegiaram-se
as experiências carregadas de densidade existencial: dor, sofrimento, morte, angústia,
vazio existencial etc. A teologia da libertação, por sua vez, reconheceu, no pobre, lugar
privilegiado para teologizar. [...] Enfim, qualquer lugar, em que se decidem a história, a
vida, a aventura e o amor humanos em sua ambigüidade, torna-se ‘lugar teológico’ de
nova e diversa teologia
440
.
Podemos ver Cristo na família! A família é o primeiro lugar onde o ser humano faz a
experiência do humano e de todas as suas contradições: a família “como verdade que humaniza
plenamente os esposos, os filhos e a humanidade”
441
. A família é um “lugar teológico”, um lugar
436
Cf. HAUGHT, J. F. Mistério e promessa: teologia da revelação. São Paulo: Paulus, 1998, p.15-27.
437
Cf. LIBANIO, J. B.; MURAD, A. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Loyola, 1996, p. 25-
33; FISICHELLA, R. Introdução à teologia fundamental. São Paulo: Loyola, 2000, p.17-27.
438
SCOLA, A. O Mistério Nupcial, p. 12.
439
Cf. LIBANIO, J. B.; MURAD, A. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Loyola, 1996, p. 33-
34.
440
LIBANIO, J. B.; MURAD, A. Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Loyola, 1996, p. 34.
441
TRUJILLO, C. A. L. O evangelho da família e da vida no pontificado de João Paulo I. Disponível em:
<www.presbiteros.com.br/Artigos/O%20Evangelho%20da%20fam,htm>. Acesso em: 13 janeiro 2006, 10:05:15. Cf.
FC 15.25.43;
120
de sentido, uma realidade a partir do qual inúmeras temáticas interdisciplinares científicas,
especialmente antropológicas e cristãs, podem ser discutidas
442
.
Para ilustrar a importância do “lugar teológico”, belissimamente, Luiz Carlos Susin assim
escreve ao referir-se a Jesus de Nazaré:
O ‘lugar teológico’ é fundamental para a teologia, para ousar pensar Deus.
Pensando fora do lugar adequado, o que teremos serão falsas imagens, ídolos, projeções
de desejos e de medo. Ora, para a fé cristã, o lugar teológico também tem nome,
escandalosamente humilde: Jesus de Nazaré, o profeta amado e violentamente amado e
violentamente executado, vivo em Deus, por quem muitos vivem. Ele nos ensina quem é
Deus – o Pai, o Espírito em nós. Ele mesmo, em sua condição de servidor, lavando os
pés, andando com pecadores, é o Filho de Deus. Jesus é o método, o caminho
443
.
O eixo central e convergente do ensinamento do Papa João Paulo II foi a preocupação
com o humano, a verdade do homem, seu mistério que se encontra em perigo
444
. O ser humano se
sente ameaçado, este é o perigo! E a ameaça é o progresso, isto é, o resultado do trabalho
produzido, a produção da inteligência e as tendências da vontade humana
445
A verdade do
homem é plenamente manifestada e iluminada somente à luz da verdade sobre Jesus Cristo,
entendido, fundamentalmente, como o Redentor do homem, centro do cosmos e da história
446
. A
humanidade toda deve abrir-se a Jesus Cristo, pois, ele revela o homem ao próprio homem
447
. Na
442
Cf. FC 4.11-16; AZEVEDO, W. O. de. Família: lugar hermenêutico de confluência. In: PETRINI, J. C.;
MOREIRA, L. V. de C.; ALCÂNTARA, M. A. R. de.; (org.). Família XXI: Entre pós-modernidade e cristianismo.
São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003, p. 59-70; MACHADO, G. B. F. Família e cultura contemporânea: aspectos
filosóficos e antropológicos. In: PETRINI, J. C.; MOREIRA, L. V. de C.; ALCÂNTARA, M. A. R. de.; (org.).
Família XXI: Entre pós-modernidade e cristianismo. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003, p. 145-180;
GONÇALVES, P. S. L. O ser humano como imagem e semelhança de Deus: antropologia teológica.
TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológicas,
sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p.301-334.
443
SUSIN, L. C. Deus: Pai, Filho e Espírito Santo. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 6.
444
Cf. RH 16.
445
RH 15.
446
Cf. RH 1; FC 9; AZEVEDO, W. O. de. Família: lugar hermenêutico de confluência. In: PETRINI, J. C.;
MOREIRA, L. V. de C.; ALCÂNTARA, M. A. R. de.; (org.). Família XXI: Entre pós-modernidade e cristianismo.
São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003, p.
447
Cf. RH 8. 10; GS 22
121
perspectiva antropológica do Papa, o homem é a imagem e semelhança do Criador e Redimido
por Jesus Cristo
448
.
Na Familiaris Consortio, o Papa, ao considerar a realidade do matrimônio e da família,
sua identidade e missão, a considera sob o ponto de vista antropológico e cristológico
449
:
antropológico, enquanto a família é lugar de humanização e socialização, pois, é nas relações
familiares e sociais que acontece o verdadeiro processo de humanização de todos os membros da
comunidade de vida e de amor; cristológico, enquanto tudo se relaciona ao mistério de Cristo
Redentor e Salvador.
Cada membro da família deve ser um seguidor de Jesus Cristo e a maior tarefa dos pais é
a evangelização dos filhos
450
. Nessa perspectiva, a Familiaris Consortio pretende refletir o
mistério do homem na família humana à luz do mistério de Cristo, a quem tudo se refere. A
identidade e a missão do matrimônio e da família encontram em Jesus Cristo o seu fundamento,
sua participação e a sua realização
451
.
A fonte vocacional e missionária de João Paulo II é Jesus “Cristo, Filho do Deus vivo”
(Mt 16,16). A primeira homilia, pronunciada no início de seu Pontificado no domingo de 22 de
outubro de 1978, com a mesma convicção de Simão Pedro, registra as primeiras palavras do
Pontífice, tiradas do Evangelho de Mateus: “Simão Pedro, respondendo, disse: ‘Tu és o Cristo, o
Filho do Deus vivo’. Jesus respondeu-lhe: ‘Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque
não foi a carne e o sangue que te revelaram isso, e sim meu Pai que está nos céus’” (Mt 16,16-
448
Cf. FC 5.8.11.17.20.28; AZEVEDO, W. O. de. Família: lugar hermenêutico de confluência. In: PETRINI, J. C.;
MOREIRA, L. V. de C.; ALCÂNTARA, M. A. R. de.; (org.). Família XXI: Entre pós-modernidade e cristianismo.
São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003, p.
449
Cf. FC 43.11.15.25.40.51.52.71; RH 10; AZEVEDO, W. O. de. Família: lugar hermenêutico de confluência. In:
PETRINI, J. C.; MOREIRA, L. V. de C.; ALCÂNTARA, M. A. R. de.; (org.). Família XXI: Entre pós-modernidade
e cristianismo. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003, p. 59.
450
Cf. FC 13; 20-39. 50.
451
Cf. TRUJILLO, C. A. L. O evangelho da família e da vida no pontificado de João Paulo I. Disponível em:
<www.presbiteros.com.br/Artigos/O%20Evangelho%20da%20fam,htm>. Acesso em: 13 janeiro 2006, 10:05:15; RH
8; Gratíssimam sane, 19.
122
17). “‘Esta era uma questão de fé’ [...]
452
. Na missão de Pedro, segundo o Papa, estava incluída a
história da salvação, a história do Povo de Deus e, agora, uma nova dimensão, a história da
Igreja: “Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt
16,18)
453
. Não tenham medo! Abri, antes, escancarai a porta a Cristo!”
3. Elementos de Cristologia na Exortação Pós-Sinodal Familiaris Consortio
Somente Deus pode revelar o mistério de si mesmo
454
. Todas as reflexões a respeito de
Deus são tentativas de aproximação do mistério a partir da autocomunicação – doação – que
Deus faz de si mesmo à humanidade em Jesus Cristo, o Verbo encarnado
455
. O Deus único,
entendido como Trindade de Pessoas, continua a comunicar-se na história e, por isso, deve ser
buscado em todas as coisas
456
.
O conceito revelação (palavra latina “revelare”, tirar o véu), sofreu modificações
significativas na teologia ao longo das gerações. Antes do Vaticano II, a teologia católica
mantinha uma compreensão “proposicional” da revelação, pois, era conceituada como a fala de
Deus que comunica verdades necessárias à salvação da humanidade. A teologia protestante,
como o teólogo Paul Althaus, questionou a postura católica acusando-a de ter uma noção
“demasiada intelectualizada e despersonalizada da revelação”
457
.
452
JOÃO PAULO II. Homilia no início de seu Pontificado. Domingo 22 de outubro de 1978. Disponível em:
<www.vatican.va/holy_father/jon_paul_ii/speeches/1978/documentis.htm>. Acesso em: 04 outubro 2006, 17:00:00.
453
Cf. JOÃO PAULO II. Homilia no início de seu Pontificado. Domingo 22 de outubro de 1978. Disponível em:
<www.vatican.va/holy_father/jon_paul_ii/speeches/1978/documentis.htm>. Acesso em: 04 outubro 2006, 17:00:00.
454
Cf. 1Cor 2,11.
455
Cf. 1Cor 2,3-5. 9; Is 64, 3. Cf. também: FISICHELLA, R. Introdução à teologia fundamental. São Paulo: Loyola,
2000, p. 11-12; LADARIA, L. F. O Deus vivo e verdadeiro: o mistério da Trindade. São Paulo: Loyola, 2005, p. 21-
22.
456
Cf. BOFF, L. São José: a personificação do Pai. Campinas: Verus Editora, 2005, p. 23.24.
457
HAUGHT, J. F. Mistério e promessa: teologia da revelação. São Paulo: Paulus, 1998, p. 12.
123
Após o Vaticano II
458
, a teologia católica abriu-se ao diálogo com teólogos protestantes.
Ambos entendem hoje a revelação com referência “à doação que Deus faz de si mesmo ao
mundo”
459
. A teologia católica refletiu a natureza da revelação a partir da releitura da Sagrada
Escritura, dos Padres da Igreja, do Magistério e outras fontes teológicas, entre elas,
ecumenicamente, os teólogos protestantes
460
.
Auto-revelação, autodoação, autocomunicação são termos hoje aplicados à compreensão
da revelação. Deus que se doa a si mesmo ao mundo. A Sagrada Escritura não apresenta uma
noção explícita de revelação, a auto-revelação é entendida “em forma de promessa”, “promessas
reveladoras
461
. Jesus Cristo, a grande promessa reveladora de Deus, em sua encarnação, vida,
morte e ressurreição, despertou a resposta de fé e esperança cristãs, dando origem à Igreja.
A cristologia, através de diferentes óticas, sempre abordou o mistério de Jesus Cristo, sua
pessoa e seu significado para a salvação do ser humano. A teologia, hoje, é obrigada a inserir em
seu cenário temas atualíssimos exigidos pelo racionalismo e cientificismo céticos do mundo
plural. O cosmos, a criação e a história, na nova perspectiva cosmológica ambiental, é um
exemplo, pois, “vivemos na era da ciência, da astrofísica, da biologia evolucionária e da
informação”
462
. As hipotéticas conjunturas cosmológicas e o pluralismo religioso emergentes
devem levar a teologia a trabalhar em diálogo com as ciências na busca de uma resposta
458
Cf. DV Passim.
459
HAUGHT, J. F. Mistério e promessa: teologia da revelação. São Paulo: Paulus, 1998, p. 12.
460
Cf. HAUGHT, J. F. Mistério e promessa: teologia da revelação. São Paulo: Paulus, 1998, p. 11-13.
461
HAUGHT, J. F. Mistério e promessa: teologia da revelação. São Paulo: Paulus, 1998, p. 11-13; cf. MÜLLER, U.
B. A encarnação do Filho de Deus: Concepções da encarnação no cristianismo incipiente e os primórdios do
docetismo. São Paulo: Loyola, 2004, passim.
462
HAUGHT, J. F. Mistério e promessa: teologia da revelação. São Paulo: Paulus, 1998, p. 20; EUVÉ, F. Pensar a
criação como jogo. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 51-82. 245-304.
124
percebida pela fé e a revelação sobre, por exemplo, questões como o sentido da significação
redentora de Jesus de Nazaré afirmada pelo cristianismo como revelação última de Deus
463
.
A família, “sinal eficaz do amor de Cristo e da Igreja [...] sujeitos responsáveis e
protagonistas da vida eclesial e social”
464
, está em íntima e estreita relação com o mistério de
Deus Criador e Redentor: “A confiança que o Pai tem em relação à família é tão forte que,
pensando nela, enviou seu Filho, o Esposo, que veio para redimir a sua esposa, a Igreja e, nela,
cada homem e cada família (cf. CtFm 18)”
465
.
Vê-se claramente que a história da salvação tem o seu ponto culminante e significado
supremo em Jesus Cristo. N'Ele, todos nós recebemos «graça sobre graça» (Jo 1, 16),
conseguindo ser reconciliados com o Pai (cf. Rm 5, 10; 2 Cor 5, 18)”. Jesus é
verdadeiramente a realidade nova que supera tudo quanto a humanidade pudesse esperar,
e tal permanecerá para sempre ao longo das épocas sucessivas da história. Deste modo, a
encarnação do Filho de Deus e a salvação que realizou com a sua morte e ressurreição
são o verdadeiro critério para avaliar a realidade temporal e qualquer projeto que procure
tornar a vida do homem cada vez mais humana
466
.
O projeto humano de comunidade de vida e amor, a família alicerçada no matrimônio
como sacramento, está dentro do critério humanizador – “a encarnação do Filho de Deus e a
salvação que realizou com sua morte e ressurreição”
467
.
Sem desconsiderar os indispensáveis pressupostos da cristologia clássica e
contemporânea, a prioridade concentra-se em demonstrar os elementos de cristologia emergentes
463
Cf. HAUGHT, J. F. Mistério e promessa: teologia da revelação. São Paulo: Paulus, 1998, p.19-80; 20 e 76;
EUVÉ, F. Pensar a criação como jogo. São Paulo: Paulinas, 2006. Passim.
464
JOÃO PAULO II. Incarnationis mysterium: bula de proclamação do grande jubileu do ano 2000. 29 novembro
1998. Disponível em: < http://www.vatican.va/jubilee_2000/docs/documents/hf_jp-ii_doc_30111998_ bolla-jubilee_
po.html>. Acesso em: 04 outubro 2006, 17:00:00.
465
JOÃO PAULO II. Incarnationis mysterium: bula de proclamação do grande jubileu do ano 2000. 29 novembro
1998. Disponível em: < http://www.vatican.va/jubilee_2000/docs/documents/hf_jp-ii_doc_30111998_ bolla-jubilee_
po.html>. Acesso em: 04 outubro 2006, 17:00:00.
466
JOÃO PAULO II. Incarnationis mysterium: bula de proclamação do grande jubileu do ano 2000. 29 novembro
1998. Disponível em: < http://www.vatican.va/jubilee_2000/docs/documents/hf_jp-ii_doc_30111998_ bolla-jubilee_
po.html>. Acesso em: 04 outubro 2006, 17:00:00.
467
JOÃO PAULO II. Incarnationis mysterium: bula de proclamação do grande jubileu do ano 2000. 29 novembro
1998. Disponível em: < http://www.vatican.va/jubilee_2000/docs/documents/hf_jp-ii_doc_30111998_ bolla-jubilee_
po.html>. Acesso em: 04 outubro 2006, 17:00:00; cf. FC 5-6. 13. 15. 17. 22. 31. 39. 68-69. 80. 84.
125
da Familiaris Consortio, na perspectiva global do pensamento de João Paulo II: Jesus Cristo é o
Redentor do homem e centro do cosmos e da história
468
.
3.1 No mistério da Sagrada Família: Encarnação do Filho de Deus e vida escondida
de Jesus
A Exortação Apostólica Pós-sinodal Familiaris Consortio tem sido amplamente lida em
sua dimensão teológico-sacramental, antropológica e pastoral, contudo, pouco ainda se fez em
relação à leitura em sua dimensão cristológica. Foi desejo do Santo Padre que fossem
aprofundados e valorizados “todos os aspectos e riquezas contidas nas proposições do Sínodo (cf,
FC 2), [...] na defesa e no serviço do Evangelho da Família”
469
. Sobre a Exortação, pensava o
Pontífice ser “um acontecimento de singular importância para a vida da Igreja e diz respeito a um
dos temas que me está mais no coração: a família. [E despertou] uma nova consciência e nova
sensibilidade a respeito da família ”
470
.
A “identidade e a missão da família querida por Deus para ‘guardar, revelar e comunicar o
amor’ (FC 17)”
471
, tem seu fundamento na missão eclesial
472
e, por isso, seu conteúdo converge
468
Cf. RH 1 e Passim; JOÃO PAULO II. Homilia no início de seu Pontificado. Domingo 22 de outubro de 1978.
Disponível em: <www.vatican.va/holy_father/jon_paul_ii/speeches/1978/documentis.htm>. Acesso em: 04 outubro
2006, 17:00:00; JOÃO PAULO II. Incarnationis mysterium: bula de proclamação do grande jubileu do ano 2000.
29 novembro 1998. Disponível em: < http://www.vatican.va/jubilee_2000/docs/ documents/hf_jp-
ii_doc_30111998_bolla-jubilee_po.html>. Acesso em: 04 outubro 2006, 17:00:00.
469
JOÃO PAULO II. Discurso no XI Capítulo Geral das irmãs da Sagrada Família de Nazaré, 06 de julho 2001.
Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/jonh_paul_ii/speeches/2001/documentis/hf_ip_spe>. Acesso em
03 novembro 2006, 11:09:00.
470
JOÃO PAULO II. Mensagem ao Congresso do Pontifício Conselho para a Família na celebração do 20 ano da
“Familiaris Consortio”. 22 de novembro de 2001. Disponível em: <www.vatican.va/holy_father/jon_paul_ii/
speeches/2001/nov/documentis.htm>. Acesso em: 05 outubro 2006, 17:35:46.
471
JOÃO PAULO II. Mensagem ao Congresso do Pontifício Conselho para a Família na celebração do 20 ano da
“Familiaris Consortio”. 22 de novembro de 2001. Disponível em: <www.vatican.va/holy_father/jon_paul_ii/
speeches/2001/nov/documentis.htm>. Acesso em: 05 outubro 2006, 17:35:46.
472
Cf. FC 17-50.
126
para a tríplice e unitária “ referência a Jesus Cristo Profeta, Sacerdote e Rei
473
, apresentando a
família cristã como comunidade crente e evangelizadora, comunidade em diálogo com Deus e
comunidade a serviço do homem
474
.
O mundo de hoje traz consigo numerosas ameaças. Experimentam-nas homens e
mulheres, jovens e crianças... Todavia, parece que a família é a mais ameaçada! Não nos
devemos desencorajar! Quanto mais numerosos os perigos, tanto maior é a necessidade
de fé, de esperança, de caridade, de oração e de testemunho de vida cristã. Concedido
beatificar no dia 23 de Abril de 1989, indicou para a vossa comunidade, como modelo de
vida, o exemplo da sagrada família de Nazaré: justamente convidou-vos a seguir os
passos de Jesus, de Maria e de José. Formando uma comunidade religiosa de amor,
ajudai as famílias a opor-se ‘à maior tentação dos nossos tempos’, a rejeição do Deus
Amor. Ajudai as famílias a abrir-se para Cristo! Isto tornar-se-á possível na medida em
que a vossa vida de oração e o vosso testemunho forem filtrados de modo especial pela
solicitude em relação à família. Possam as famílias [...] voltar a encontrar na Família de
Nazaré o paradigma da sua vida e do seu comportamento
475
.
O “Reino do amor divino, [qualificado] na Encarnação do filho de Deus e a vida
escondida de Jesus no mistério da Sagrada Família”
476
, tem algo a dizer ao ser humano e à
família da atualidade?
3.1.1 O mistério de Nazaré: Reino do Amor divino
O mistério de Nazaré é o mistério da vida da família de Jesus, Maria e José, família
comum aos olhos dos contemporâneos, cujo significado tem relação com a Família divina: Maria
473
FC 50.
474
Cf. FC 50-64.
475
JOÃO PAULO II. Discurso no XI Capítulo Geral das irmãs da Sagrada Família de Nazaré, 06 de julho 2001.
Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/jonh_paul_ii/speeches/2001/documentis/hf_ip_spe>. Acesso em
03 novembro 2006, 11:09:00.
476
JOÃO PAULO II. Discurso no XI Capítulo Geral das irmãs da Sagrada Família de Nazaré, 06 de julho 2001.
Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/jonh_paul_ii/speeches/2001/documentis/hf_ip_spe>. Acesso em
03 novembro 2006, 11:09:00.
127
e José de Nazaré são figuras teológicas pela relação hipostática (no grego e na teologia oficial o
termo significa “pessoa”), isto é, relação direta, única e singular com as Pessoas divinas. Sem eles
não há encarnação concreta, como testemunham os evangelhos
477
. Eles foram envolvidos
intimamente no desígnio salvífico de Deus através da encarnação do Verbo, Jesus Cristo, o
Evento que cumpre a promessa
478
.
José, ao lado de Maria, exerceu grande influência na vida e educação de Jesus. Deixado
de lado pela reflexão teológica José, todavia, jamais foi esquecido pelo mundo devocional e
piedoso
479
. Ele foi mais que mero protetor e provedor da família de Nazaré. As relações
interpessoais, familiar e social, do Filho de Deus, filho de Maria e “filho” de José, seus
“autênticos pais”
480
, forjaram a personalidade humana de Jesus
481
.
A história do «belo amor» tem início com a Anunciação, naquelas palavras admiráveis
que o Anjo dirigiu a Maria, chamada a ser a Mãe do Filho de Deus. Com o «sim» de
Maria, Aquele que é «Deus de Deus, Luz da Luz», torna-se filho do homem; Maria é sua
Mãe, sem deixar de ser a Virgem que «não conhece homem» (cf. Lc 1, 34). Como Mãe-
Virgem, Maria torna-se Mãe do belo amor. Esta verdade está revelada já nas palavras do
Arcanjo Gabriel, mas o seu pleno significado será pouco a pouco confirmado e
aprofundado, à medida que Maria for seguindo o seu Filho na peregrinação da fé.
A «Mãe do belo amor» foi recebida por aquele que, segundo o costume de Israel, era já
seu esposo terreno, José, da estirpe de David. Ele teria o direito de pensar na consorte
desposada como sua mulher e mãe dos seus filhos. Porém, nesta aliança esponsal, Deus
intervém com uma iniciativa própria: «José, filho de David, não temas receber Maria tua
esposa, pois o que ela concebeu é obra do Espírito Santo» (Mt 1, 20). José está ciente do
estado de Maria, constata com os próprios olhos que n'Ela foi concebida uma nova vida
477
Cf. Genealogia de Jesus: Mt 1,16; Lc 3,23; anúncio do nascimento de Jesus: Mt 1,18-21.24-25; Lc 1,26-27.34; o
nascimento de Jesus: Lc 1,1-5.15-16; a fuga para o Egito: Mt 1,13-15; volta para Nazaré Mt 2,19-23; apresentação
do menino Jesus no Templo: Lc 2,22-39; Jesus no Templo aos 12 anos: Lc 2,41-51; Jesus é filho de José, o
carpinteiro: Mt 13,54-56; Lc 4,22; Jo 1,45; 6,41-42.
478
Cf. BOFF, L. São José: a personificação do Pai. Campinas: Verus Editora, 2005, p. 15-115; RH 1-2.8;
GIORDNO, N. A família, ícone da Trindade. São Paulo: Paulinas, 1999, p. 47-51.
479
Cf. BOFF, L. São José: a personificação do Pai. Campinas: Verus Editora, 2005, p. 21-115; FC Conclusão; RH 9.
22.
480
Cf. Lc 1-2.
481
Cf. BOFF, L. São José: a personificação do Pai. Campinas: Verus Editora, 2005. Passim.
128
que não provém dele, e, como homem justo, respeitador da Lei antiga que, no seu caso,
impunha a obrigação do divórcio, quer rescindir, de forma caridosa, o seu matrimônio
(cf. Mt 1, 19). O Anjo do Senhor faz-lhe saber que isso não estaria de acordo com a sua
vocação, antes, seria contrário ao amor esponsal que o une a Maria. Este recíproco amor
esponsal, para ser plenamente o «belo amor», exige que ele acolha Maria e o Filho d'Ela
sob o teto da sua casa, em Nazaré. José obedece à mensagem divina e atua segundo o
que lhe fora mandado (cf. Mt 1, 24). É graças também a José que o mistério da
encarnação e, juntamente com ele, o mistério da Sagrada Família, fica inscrito
profundamente no amor esponsal do homem e da mulher e indiretamente na genealogia
de cada família humana. Aquilo que S. Paulo designará por «grande mistério», encontra
na Sagrada Família a sua expressão mais alta. A família coloca-se assim
verdadeiramente no centro da Nova Aliança
482
.
O Verbo, à medida que se manifestava na “carne” (cf. Jo 1,14), isto é, na situação humana
frágil, limitada e mortal, assumia a natureza humana
483
.
A família tem a sua origem naquele mesmo amor com que o Criador abraça o mundo
criado, como se afirma já ‘ao princípio’, no livro do Gênesis (1,1). Uma suprema
confirmação disso mesmo, no-la oferece Jesus no Evangelho: “‘Deus amou tanto o
mundo que lhe deu o seu Filho unigênito’ (Jo 3,16). O Filho unigênito, consubstancial
ao Pai, ‘Deus de Deus, Luz da Luz’, entrou na história dos homens através da família:
‘Pela sua Encarnação, ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada homem.
Trabalhou com mãos humanas, (...) amou com um coração humano. Nascido da Virgem
Maria, tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no
pecado (GS 22)”. Se é certo que Cristo ‘revela plenamente o homem a si mesmo’ (GS
22), fá-lo a começar da família onde ele escolheu nascer e crescer
484
.
A salvação do homem se dá por meio do próprio homem, considerando que a Encarnação
do Verbo foi o acontecimento no qual o Filho de Deus “se uniu de certo modo com cada
homem”
485
. O Verbo, fazendo-se homem
486
, salva o ser humano e toda a criação. O homem,
caminho, missão e ministério da Igreja
487
, encontra na família o primeiro e mais importante via,
482
CtFm 20.
483
Cf. BOFF, L. São José: a personificação do Pai. Campinas: Verus Editora, 2005, p. 156-166; RH 10.
484
CtFm 2.
485
GS 1; Cf. CtFm, 1-2; RH 13-16.
486
Cf. Jo 1,1.14; 2Cor 5,16; 1Tm 3,16; Hb 10,20; 1Jo 1,1; 2Jo 7; Ap 19,13; Mt 1; Lc 1-2.
487
Cf. CtFm, 1; RH, 14.
129
pois, à família, ele “deve o próprio fato de existir como homem”
488
. Cristo, para revelar o homem
a si mesmo, Encarna-se no seio de uma família, assumindo como “filho do homem” (Fl 2,8),
“submisso” (Lc 2,51) a Maria e a José, as condições humanas em sua totalidade. O Redentor
revelou em sua submissão humana, a submissão ao Pai até a morte de cruz, por meio da qual
remiu o mundo
489
.
Sabe-se que o Redentor passou grande parte da sua vida no recanto escondido de Nazaré,
‘submisso’ (Lc 2,51) como ‘filho do homem’ a Maria, sua Mãe, e a José, o carpinteiro.
Esta sua ‘obediência’ filial não é já a primeira manifestação daquela obediência ao Pai
‘até a morte’ (Fl 2,8), por meio da qual redimiu o mundo?
490
.
Deus, Uno e Trino, tal como é na vida íntima – em seu mistério mais profundo e em sua
revelação, autodoação e autocomunicação – aconteceu através de Jesus Cristo, único meio pelo
qual o homem tem acesso e pode ser compreendido em si mesmo: “Tudo me foi entregue por
meu Pai, e ninguém conhece o Filho senão o Pai, e ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele
a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11,27)
491
. Da afirmação acima, pode-se deduzir que
somente a partir da economia da salvação se pode chegar à teologia, ao mistério imanente.
Contudo, em relação à cristologia pode-se afirmar que no agir salvífico de Jesus, verdadeiro
homem, concretamente situação na história, compreende-se sua divindade, pois, Ele é o Verbo de
Deus que por si mesmo assume da Virgem a carne humana e, por obra do Espírito Santo, faz
morada na humanidade: nascido de mulher, cujo nome era Maria
492
.
488
CtFm 2.
489
Cf. CtFm 2; Fl 2,8; SCHILLEBEECKX, E. Maria, mãe da redenção. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1968, p.63-71.
490
CtFm 2.
491
Cf. Mt 11, nota (b). In: BÍBLIA: Bíblia de Jerusalém. ed. nov. at. rev. São Paulo: Paulus, 2003, p. 1724: “A
afirmação de Jesus segundo a qual ele estava em relação íntima com Deus (vv. 26-27) e o seu convite ao discipulado
(vv. 28-30) evocam muitos passos dos livros sapienciais (Pv 8,22-36; Eclo 24,3-9.19-20; Sb 8,3-4; 9,9-18 etc). Jesus,
desse modo, atribui a si mesmo o papel da Sabedoria (cf. Mt 11,19+), mas de maneira especial, não já como
personificação, mas como pessoa, ‘o Filho’ por excelência do Pai (cf. 4,3+). Esse passo de sabor joanino (cf. Jo 1,18;
3,11.35; 6,46; 10,15 etc) denuncia, exatamente como em João, a consciência clara que Jesus tinha da sua filiação
divina. A estrutura desta passagem pode ter sido influenciada por Eclo 51 sobre este tema das relações privilegiadas
com Deus (ver também Ex 33,12-23)”.
492
Cf. LC 1,28; Gl 4,4; FC 22.
130
A historiografia moderna reconhece unanimemente, à diferença do fim do século XIX e
início do século XX, a existência histórica de Jesus, proclamado pelos cristãos como o Cristo. O
elemento central e conteúdo fundamental da Revelação econômico-salvífica na experiência de fé
de Israel é, em última análise, a comunhão entre Deus e a humanidade
493
. Essa se deu, não
meramente de comunicação de dons e benefícios, mas através da doação de si mesmo que Deus
faz ao homem. Em Jesus Cristo se cumpriu definitivamente a autocomunicação de Deus: “Esta
revelação chega à definitiva plenitude no dom do amor que o Verbo de Deus faz à humanidade,
assumindo a natureza humana”
494
.
Toda a economia Salvífica está em vista da relação reconciliadora entre Deus e o ser
humano, pois, o fim último do homem é Deus
495
. O cristão se compreende a partir dessa
economia que foi realizada por Jesus no acontecimento pascal: “ele verdadeiramente realiza a
reconciliação entre Deus e a humanidade”
496
. A Encarnação do Verbo é o máximo da
manifestação do conteúdo fundamental da revelação: o mistério do amor de Deus pelos
homens
497
. Ela é percebida pela fé cristã como a presença divina na existência humana.
A cristologia desenvolveu, ao longo dos séculos, conceitos e categorias da reflexão
teológica como: o Cristo da fé e o Jesus histórico. Muitas vezes, na reflexão teológica, uma
existiu sem a outra. O Jesus Cristo da fé é histórico
498
: o Deus que é humano e o humano que é
Deus; ele que fala de Deus aos homens e fala aos homens de si mesmo; revela o seu mistério ao
mesmo tempo em que articula a relação entre Deus e os homens. A cristologia contempla Jesus, o
493
Cf. GESCHÉ, A. O Cristo. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 5-9; FC 12.
494
FC 13; cf. LIBANIO. J. B. Sempre Jesus: a caminho do novo milênio. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 30-31.
495
Cf. RH, 7-11.20; FC 21 LADARIA, L. F. O Deus vivo e verdadeiro: o mistério da Trindade. São Paulo: Loyola,
2005, p. 19-22.
496
RAUSCH, T. P. (org.). Introdução à teologia. São Paulo: Paulus, 2004, p. 131.
497
Cf. Jo 3, 16; LADARIA, L. F. O Deus vivo e verdadeiro: o mistério da Trindade. São Paulo: Loyola, 2005, p. 25-
26.
498
Cf. GESCHÉ, A. O Cristo. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 5-6; 49-114; LIBANIO. J. B. Sempre Jesus: a caminho
do novo milênio. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 41-124; RAUSCH, T. P. (org.). Introdução à teologia. São
Paulo: Paulus, 2004, p. 131-132.
131
Cristo, em sua unidade divina e humana
499
. Na relação entre Deus e o humano, o humano
participa da vida de Deus que se autocomunica, que se doa a si mesmo aos homens. A
manifestação plena dessa verdade salvífica está realizada em Jesus Cristo
500
:
Neste contexto, a família de Nazaré é parte integrante do mistério salvífico. Ali, no seio
daquela família, Deus, na totalidade do seu mistério, revela-se e se autocomunica aos homens.
Maravilhosamente, os primeiros entre os humanos a fazer essa experiência singular são: Maria,
José, os irmãos, os habitantes de Nazaré e tantos outros que passaram pela vida de Jesus. Ele
assume a realidade humana e toca o mistério profundo do homem, em sua existência histórica:
Jesus era judeu, descendência de Davi, Filho de Abraão, membro do povo da promessa e, ao
mesmo tempo, realizador definitivo dessa mesma promessa
501
. João Paulo II escreve na Encíclica
Redemptor Hominis:
O II Concílio do Vaticano, na sua penetrante análise do «mundo contemporâneo»,
chegava aquele ponto que é o mais importante do mundo visível, o homem, descendo
como Cristo — até ao profundo das consciências humanas, tocando mesmo o mistério
interior do homem, que na linguagem bíblica (e também não bíblica) se exprime com a
palavra «coração». Cristo, Redentor do mundo, é Aquele que penetrou, de uma maneira
singular e que não se pode repetir, no mistério do homem e entrou no seu «coração».
Justamente, portanto, o mesmo II Concílio do Vaticano ensina: «Na realidade, só no
mistério do Verbo Encarnado se esclarece verdadeiramente o mistério do homem. Adão,
de fato, o primeiro homem, era figura do futuro (Rom 5, 14), isto é, de Cristo Senhor.
Cristo, que é o novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu Amor,
revela também plenamente o homem ao mesmo homem e descobre-lhe a sua vocação
sublime». E depois, ainda: «Imagem de Deus invisível (Col 1, 15), Ele é o homem
perfeito, que restitui aos filhos de Adão a semelhança divina, deformada desde o
primeiro pecado. Já que n'Ele a natureza humana foi assumida, sem ter sido destruída,
por isso mesmo também em nosso benefício ela foi elevada a uma dignidade sublime.
Porque, pela sua Encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-se de certo modo a cada
499
Cf. GESCHÉ, A. O Cristo. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 9-9.
500
Cf. GESCHÉ, A. O Cristo. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 5-16.
501
Cf. RH 8.9.22; FC 20; LIBANIO. J. B. Sempre Jesus: a caminho do novo milênio. 2. ed. São Paulo: Paulinas,
1998, p. 53-76; BOJORGE, H. A figura de Maria através dos Evangelhos. São Paulo; Loyola, 1977, passim.
132
homem. Trabalhou com mãos de homem, pensou com uma mente de homem, agiu com
uma vontade de homem e amou com um coração de homem. Nascendo da Virgem
Maria, Ele tornou-se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, exceto no
pecado» (GS 22). Ele, o Redentor do homem
502
.
3.1.2 O mistério da Encarnação
O matrimônio, sacramento-alicerce da família, “representa o mistério da Encarnação de
Cristo e o seu Mistério de Aliança
503
.
[Deste modo], o mistério divino da Encarnação do Verbo está, pois, em estreita relação
com a família humana. Não apenas com uma — a de Nazaré —, mas de certa forma com
cada família, analogamente a quanto afirma o Concílio Vaticano II do Filho de Deus
que, na encarnação, «Se uniu de certo modo com cada homem» (5). Seguindo a Cristo
que «veio» ao mundo «para servir» (Mt 20, 28), a Igreja considera o serviço à família
uma das suas obrigações essenciais. Neste sentido, tanto o homem como a família
constituem «a via da Igreja»
504
.
A Família do “Menino do Presépio”
505
, paradigma da vida e do comportamento da
família
506
redimida que acolhe o novo homem a ser redimido. A Sagrada família tem como centro
de sua vida e de seu comportamento o “Menino do Presépio”, Jesus Cristo Redentor “é o centro
do cosmo e da história”
507
.
[A] verdade-chave da fé expressa por São João nos inícios do seu Evangelho: ‘O Verbo
fez-se carne e veio habitar entre nós’ (Jo 1,14); e em outra passagem: ‘Deus, de fato,
amou de tal modo o mundo, que lhe deu o seu Filho unigênito, para que todo o que nele
crê não pereça, mas tenha a vida eterna’ (Jo 3,16). [...] ‘Deus, depois de ter falado
outrora aos nossos pais, muitas vezes e de muitos modos, pelos Profetas, falou-nos
502
RH 8.
503
FC 13.
504
CtFm 2.
505
SCHNEIDER, R. Desafios do convívio familiar. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 81.
506
Cf. JOÃO PAULO II. Discurso no XI Capítulo Geral das irmãs da Sagrada Família de Nazaré, 06 de julho 2001.
Disponível em: <http://www.vatican.va/holy_father/jonh_paul_ii/speeches/2001/documentis/hf_ip_spe>. Acesso em
03 novembro 2006, 11:09:00.
507
RH 1.
133
nestes últimos tempos pelo Filho...’ (Hb 1,1s). Por meio do Filho-Verbo, que se fez
homem e nasceu da Virgem Maria. Com este ato redentor, a história do homem atingiu,
no desígnio de amor de Deus, o seu vértice. Deus entrou na história da humanidade e,
enquanto homem, tornou-se sujeito a ela, um dos milhares e milhões e, ao mesmo
tempo, Único!
508
O mistério-fato da Encarnação é o ato fundamental através do qual Deus entrou na
história e na vida humana e trouxe a ela, definitivamente, a Vida na eterna comunhão com Ele,
querida desde o “princípio”
509
, antes da culpa que nos fez merecer tão grande redentor
510
.
Deus elegeu o ser humano, Criando-o e Redimindo-o por Amor. A relevante e pertinente
eleição que Deus faz do ser humano para que entre em comunhão eterna de amor com Ele tem
sua verdade primeira e fundamental na Encarnação do Verbo. A Igreja, já nos Evangelhos e na
vida das primeiras comunidades percebeu a importância da Encarnação para a redenção humana.
Mas, foi a partir das heresias que obrigaram a Igreja a sair em defesa da verdadeira fé, que o fato
da Encarnação como algo de fundamental importância para a fé no Cristo Morto e Ressuscitado,
foi tomando corpo
511
.
O homem que quiser compreender-se a si mesmo profundamente — não apenas segundo
imediatos, parciais, não raro superficiais e até mesmo só aparentes critérios e medidas do
próprio ser — deve, com a sua inquietude, incerteza e também fraqueza e
pecaminosidade, com a sua vida e com a sua morte, aproximar-se de Cristo. Ele deve,
por assim dizer, entrar n'Ele com tudo o que é em si mesmo, deve «apropriar-se» e
assimilar toda a realidade da Encarnação e da Redenção, para se encontrar a si mesmo.
Se no homem se atuar este processo profundo, então ele produz frutos, não somente de
adoração de Deus, mas também de profunda maravilha perante si próprio. Que grande
valor deve ter o homem aos olhos do Criador, se «mereceu ter um tal e tão grande
508
RH 1.
509
Cf. RH 1.
510
Cf. Hino Exultet da liturgia pascal. In: RH 1.
511
Cf. GS 22; SESBÖUÉ, B. (dir.). História dos dogmas. V. 1: o Deus da Salvação (séculos I-VIII). São Paulo:
Loyola, 2002. Passim; ALBERIGO, G. (org.). História dos Concílios Ecumênicos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995.
Passim; FERRARO, B. Encarnação: questão de gênero? São Paulo: Paulus, 2004. Passim.
134
Redentor» (Hino Exultet) se «Deus deu o seu Filho», para que ele, o homem, «não
pereça, mas tenha a vida eterna» (Jo 3,16)
512
.
João Paulo II Ensina que o caminho da Igreja é a humanidade porque Cristo pessoalmente
o percorreu, ao assumir a natureza humana para redimi-la. A redenção do homem se deu a partir
de dentro da natureza humana, assumida pelo Filho-Verbo, Aquele que realizou uma Aliança
Eterna no sacrifício da Cruz e no ato da Ressurreição.
Quando, através da experiência da família humana, em contínuo aumento a ritmo
acelerado, penetramos no mistério de Jesus Cristo, compreendemos com maior clareza
que, na base de todas aquelas vias ao longo das quais — de acordo com a sapiência do
Sumo Pontífice Paulo VI (ES 56) — a Igreja dos nossos tempos deve prosseguir, existe
uma única via: é a via experimentada de há séculos, e é, ao mesmo tempo, a via do
futuro. Cristo Senhor indicou esta via, sobretudo, quando — como ensina o Concílio —
«pela sua Encarnação, Ele, o Filho de Deus, se uniu de certo modo a cada homem» (GS
58). A Igreja reconhece, portanto, como sua tarefa fundamental fazer com que uma tal
união se possa atuar e renovar continuamente. A Igreja deseja servir esta única
finalidade: que cada homem possa encontrar Cristo, a fim de que Cristo possa percorrer
juntamente com cada homem o caminho da vida, com a potência daquela verdade sobre
o homem e sobre o mundo, contida no mistério da Encarnação e da Redenção, e com a
potência do amor que de tal verdade irradia. Sobre o pano de fundo dos sempre
crescentes processos na história, que na nossa época parecem frutificar de modo
particular no âmbito de vários sistemas, de concepções ideológicas do mundo e de
regimes, Cristo torna-se, de certo modo, novamente presente, malgrado todas as suas
aparentes ausências, malgrado todas as limitações da presença e da atividade
institucional da Igreja. E Jesus Cristo torna-se presente com a potência daquela verdade
e daquele amor que n'Ele se exprimiram como plenitude única e que não se pode repetir,
se bem que a sua vida na terra tenha sido breve e ainda mais breve a sua atividade
pública
513
.
Verdadeiramente, Jesus Cristo é um Mistério fascinante. A interpretação a respeito de sua
pessoa e seu agir atinge âmbitos inimagináveis, mas também reais e imaginários. Na história ele
foi visto sob diferentes óticas: muitos fizeram dele a regra de vida, chamaram-no de sábio, Filho
512
RH 10.
513
RH 13; cf. RH 14.
135
de Deus, Profeta, Messias e Senhor; outros, por sua vez, fizeram dele curandeiro, subversivo e
revolucionário. O imaginário cristão o elevou tanto que se esqueceu de que ele era Nazareno,
portanto, histórico
514
. Todavia, novos paradigmas de interpretação sobre Jesus surgiram na Idade
Moderna quando sobre as ciências predominou a razão e o método histórico-crítico, isto é, a
razão aplicada aos estudos dos fenômenos a partir dos fundamentos históricos
515
.
Quem é Jesus? Esta é a pergunta fundamental da cristologia. Para respondê-la claramente,
primeiro, é preciso uma caminhada a partir dos dados revelados pela compreensão das
comunidades primitivas em relação a Jesus: “como a autoridade e o poder taumaturgo de Jesus,
[as] afirmações de que ele é a encarnação do Filho de Deus [e] os títulos cristológicos aplicados à
sua pessoa [que] representam os vários estágios dessa caminhada”
516
.
Os principais títulos cristológicos que revelam Jesus no itinerário de compreensão das
comunidades são
517
:
Messias – este título revela as “expectativas judaicas de renovação religiosa e libertação
política” em sentido libertador-histórico e escatológico. Título que foi aplicado a Jesus em dois
sentidos: como libertador-Messias antes da páscoa e como o “Messias esperado no qual se
cumpririam as promessas antigas”
518
.
514
Cf. SCHIVO, L. Anjos e Messias: messianismo judaico e origem da cristologia. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 9-
10.
515
Cf. SCHIVO, L. Anjos e Messias: messianismo judaico e origem da cristologia. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 9-
10.
516
SCHIVO, L. Anjos e Messias: messianismo judaico e origem da cristologia. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 11; cf.
HICK, J. A. A metáfora do Deus Encarnado. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 11-27.
517
Cf. HICK, J. A. A metáfora do Deus Encarnado. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 43-59.
518
SCHIVO, L. Anjos e Messias: messianismo judaico e origem da cristologia. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 11; cf.
Mc 11,1-11; 15,2.17-18.26; Jo 6,15.
136
Filho do Homem – tirado da literatura apocalíptica que julga e entroniza o homem no
novo mundo ou “nova criatura”, como acontece no livro de Daniel (7,13-14). As comunidades
primitivas perceberam que Jesus é aquele que “realiza o julgamento escatológico de Deus”
519
.
Filho de Deus – comumente aplicado pela tradição judaica
520
, mas aplicado a Jesus em
um sentido próprio, revelando seu caráter transcendente, título amplamente discutido na teologia
dos Santos Padres, especialmente trinitária – sua natureza humana e divina e sua relação com o
Pai e o Espírito: ele é a revelação de Deus
521
.
Senhor – título atribuído somente a Deus. Aplicado a Jesus, é o reconhecimento de sua
natureza divina, preexistente e eterna.
A tradição cristã condensou sua fé em Jesus nos títulos cristológicos. Não há
preocupação com a história, mas só expressão da fé. Cada título revela uma
compreensão diferente e remete a grupos e pessoas que ao longo da história cristalizaram
sua fé numa imagem específica de Jesus
522
.
A Encarnação do Filho-Verbo de Deus em Jesus de Nazaré é conceito-chave da
compreensão teológica ao longo da história. Se ele não tivesse se Encarnado, a promessa não se
cumpriria. Jesus, necessariamente, tem que ser real mesmo que as fontes sejam limitadas e o
Novo Testamento, relatos e memórias literárias, mais ainda, uma “profissão de fé”
523
.
O Jesus histórico é reconstituído cientificamente pela historiografia e teologia, através de
uma variedade de fontes cristãs e não-cristãs: “literatura do século I, a bíblica e a extrabíblica; a
arqueologia; a sociologia; a historiografia etc. [...], é um Jesus reconstruído intelectualmente, com
519
SCHIVO, L. Anjos e Messias: messianismo judaico e origem da cristologia. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 12.
520
Cf. Jó 1-2.
521
Cf. SCHIVO, L. Anjos e Messias: messianismo judaico e origem da cristologia. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 12.
522
SCHIVO, L. Anjos e Messias: messianismo judaico e origem da cristologia. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 12-13.
523
FERRARO, B. Cristologia: iniciação à teologia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 106; cf. Mt 13,55 e
Evangelhos; At 1,1-5; SCHIVO, L. Anjos e Messias: messianismo judaico e origem da cristologia. São Paulo:
Paulinas, 2006, p. 12-31.
137
toda a probabilidade muito próxima ao Jesus real, mas não necessariamente identificável com
ele”
524
.
O “Jesus teológico”
525
é Aquele das definições dogmáticas, fundamento da unidade da fé
da comunidade eclesial. As mais variadas heresias exigiam da Igreja fórmulas definidas e
defensivas contra os erros dogmáticos. Sempre foi de grande preocupação para ela, um esforço
em cada época e uma exigência fundamental do cristianismo, fazer que em sua teologia e sua
cristologia, permanecesse sempre a fidelidade à “revelação original e à tradição estabelecida”
526
.
Antes de Nicéia e Calcedônia, a linguagem que exalta Jesus como Senhor, Salvador,
Filho de Deus e Deus parece ser devocional, extática e litúrgica, ou as três ao mesmo
tempo, guardando sempre a perspectiva da analogia ou da metáfora, mas não está
preocupada com o exercício de formulação teológica precisa. Na verdade, a partir das
definições dogmáticas, um Filho de Deus metafórico se transforma no Deus Filho
metafísico, ontológico. A cristologia, que no querigma das primeiras comunidades era
funcional, transforma-se agora em ontológica
527
.
Os Concílios marcaram a trajetória da Igreja e manterão perpetuamente sua influência na
trajetória futura.
Podemos notar três elementos básicos nos grandes Concílios da antiguidade: ‘A
concentração primária na formulação de proposições de fé (oroi). Profissões que nascem
da vital necessidade de prestar contas da fé, ainda que em larga medida condicionadas
pelo confronto com as correntes heréticas. Às profissões acrescentam-se disposições
disciplinares para a vida interna das comunidades (nones). Em segundo lugar, a
participação nos trabalhos conciliares é ‘aberta’ tanto a teólogos quanto a leigos, embora
sendo essencial (mas não exclusiva) a intervenção de bispos e, aos poucos, tornando-se
conditio sine qua non o envolvimento dos cinco patriarcas apostólicos (pentarquia).
524
SCHIVO, L. Anjos e Messias: messianismo judaico e origem da cristologia. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 14.
525
SCHIVO, L. Anjos e Messias: messianismo judaico e origem da cristologia. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 14.
526
FERRARO, B. Encarnação: questão de gênero? São Paulo: Paulus, 2004, p. 10-11.
527
FERRARO, B. Encarnação: questão de gênero? São Paulo: Paulus, 2004, p. 10; HICK, J. A. A metáfora do Deus
Encarnado. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 136-151.
138
Constitui também um fator bastante destacado a participação de representantes dos
ambientes monásticos, dado seu crescente prestígio espiritual e social
528
.
Os quatro primeiros Concílios Ecumênicos da Antigüidade cristã, “destacam-se pela
autoridade doutrinária e importância histórica”
529
. A importância essencial deles é que contêm os
dogmas fundamentais do cristianismo referentes à cristologia e à Trindade, ou seja,
“relativamente à Trindade (com Nicéia e Constantinopla I) e à Encarnação (com Éfeso e
Calcedônia)”
530
.
O Concílio de Nicéia (325) foi a primeira Assembléia de fé com muita autoridade e
responsabilidade. Em um contexto histórico específico, Nicéia tratou de questões doutrinais e
disciplinais. Interessa-nos a doutrina: combatendo o arianismo, afirma no credo que Jesus, Filho
de Deus, é “Consubstancial ao Pai (homooúsion to patri) [...] que por nós homens e mulheres
(ánthropos) e por nossa salvação (sotería) desceu, se encanou (sarkoténta), se fez humano
(enanthopésanta), padeceu e ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos céus, e há de vir julgar os
vivos e os mortos”
531
.
O termo homooúsios combatia os arianos que não aceitavam a consubstancialidade do Pai
e do Verbo, negando a divindade de Jesus, atacava a idéia de salvação e destruía a Trindade das
Pessoas, levando ao subordinacionismo
532
. Nicéia, porém, não vai além da afirmação da
divindade de Jesus, abrindo caminhos para posteriores reflexões sobre o modo de entender essa
divindade que se encarnou como ser humano (sarkoténta, enanthropésanta, humanatus)
533
.
528
FERRARO, B. Encarnação: questão de gênero? São Paulo: Paulus, 2004, p. 11; cf. ALBERIGO, G. (org.).
História dos Concílios Ecumênicos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995, p. 5-10.
529
FERRARO, B. Encarnação: questão de gênero? São Paulo: Paulus, 2004, p. 12; cf. ALBERIGO, G. (org.).
História dos Concílios Ecumênicos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995, p. 13-119.
530
FERRARO, B. Encarnação: questão de gênero? São Paulo: Paulus, 2004, p. 12; cf. ALBERIGO, G. (org.).
História dos Concílios Ecumênicos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995, p. 5-10.
531
DZ 125; cf. FERRARO, B. Encarnação: questão de gênero? São Paulo: Paulus, 2004, p. 16; cf. ALBERIGO, G.
(org.). História dos Concílios Ecumênicos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995, p. 33-35.
532
Cf. FERRARO, B. Encarnação: questão de gênero? São Paulo: Paulus, 2004, p. 17-18.
533
Cf. FERRARO, B. Encarnação: questão de gênero? São Paulo: Paulus, 2004, p. 20; ALBERIGO, G. (org.).
História dos Concílios Ecumênicos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995, p. 33-35.
139
Constantinopla I (381), o mais importante da história do cristianismo, confirma Nicéia
(325) e afirma a divindade do Espírito Santo, “reconhecendo-o como ‘Senhor’ e ‘Doador da
Vida’, ‘procedente do Pai’, ‘adorado e glorificado junto com o Pai e o Filho’ (Dz 85)”
534
.
Éfeso (431), em novo contexto histórico, “passa-se da questão de Deus para a questão da
encarnação”
535
.
A preocupação é saber como Deus e o homem se unem em Jesus de Nazaré, ou como o
Filho de Deus se tornara realmente homem. Éfeso afirma que a união entre o Verbo de
Deus e Jesus é a união de uma pessoa que gramaticalmente atua como sujeito da frase: O
Verbo é Jesus – Jesus é o Verbo
536
.
Por fim, Calcedônia (451) retoma os Concílios anteriores na luta contra o docetismo e
gnosticismo (a humanidade de Jesus é realidade aparente), arianismo (negação da
consubstancialidade) e apolinarismo (negação da alma humana em Jesus)
537
.
3.2 Jesus: a pregação do Reino e a família dos discípulos
A Familiaris Consortio coloca a família na perspectiva do Reino de Deus e do
seguimento de Jesus Cristo
538
. É necessário que a família conheça e realize a verdade de si
mesma e do agir histórico em Deus Criador e Redentor:
E porque, segundo o plano de Deus, é constituída qual ‘íntima comunidade de vida e de
amor’, a família tem a missão de se tornar cada vez mais aquilo que é, ou seja,
comunidade de vida e de amor, numa tensão que, como para cada realidade criada e
redimida, encontrará sua plenitude no Reino de Deus. E numa perspectiva que atinge as
534
FERRARO, B. Encarnação: questão de gênero? São Paulo: Paulus, 2004, p. 24; cf. ALBERIGO, G. (org.).
História dos Concílios Ecumênicos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995, p. 57-70.
535
FERRARO, B. Encarnação: questão de gênero? São Paulo: Paulus, 2004, p. 27; cf. ALBERIGO, G. (org.).
História dos Concílios Ecumênicos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995, p. 80-99.
536
ALBERIGO, G. (org.). História dos Concílios Ecumênicos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995, p. 27; cf.
ALBERIGO, G. (org.). História dos Concílios Ecumênicos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995, p. 100-110.
537
Cf. FERRARO, B. Encarnação: questão de gênero? São Paulo: Paulus, 2004, p. 31-32.
538
Cf. FC 17.26.47.-53.63.65.71 e Conclusão.
140
próprias raízes da realidade, deve dizer-se que a essência e os deveres da família são, em
última análise, definidos pelo amor. Por isso é-lhe confiada a missão de guardar, revelar
e comunicar o amor, qual reflexo vivo e participativo do amor de Deus pela humanidade
e do amor de Cristo pela Igreja, sua esposa”
539
.
A família cristã é construtora, sinal, servidora e testemunha do Reino de Deus na
história
540
. “Igreja doméstica”
541
, fundada sobre o sacramento do matrimônio, a família cristã “é
chamada a tomar parte viva e responsável na missão da Igreja de modo próprio e original,
colocando-se a serviço da Igreja e da sociedade no seu ser e agir, enquanto comunidade íntima de
vida e de amor
542
.
Se a família cristã é comunidade, cujos vínculos são renovados por Cristo mediante a fé
e os sacramentos, a sua participação na missão da Igreja deve dar-se segundo uma
modalidade comunitária: conjuntamente, portanto, os cônjuges enquanto casal, os pais e
filhos enquanto família, devem viver o ser serviço à Igreja e ao mundo. Devem ser na fé
‘um só coração e um só alma’ (At 4,32), através do espírito apostólico comum que os
anima e mediante a colaboração que os empenha nas obras de serviço à comunidade
eclesial e civil
543
.
Mediante as condições de vida cotidiana em que a família cristã vive o amor conjugal e
familiar, “vivido na sua extraordinária riqueza de valores e exigências de totalidade, unicidade,
fidelidade e fecundidade”
544
:
Exprime e se realiza a participação da família cristã na missão profética, sacerdotal e real
de Jesus Cristo e da sua Igreja: o amor e a vida constituem, portanto, o núcleo da missão
da família cristã na Igreja e pela Igreja
545
A família cristã, inserida na vida e na missão de Cristo e de sua Igreja, plenamente
enriquecida pelo Evangelho da Vida e seu efeito de graça e redenção, evangeliza:
539
FC 17
540
Cf. FC 50.71; 49.51.53.65.
541
LG 11; AA 11; cf. FC 48-51.
542
FC 50.
543
FC 50.
544
FC 50; cf. HV 9.
545
FC 50.
141
Cada família comunicará generosamente às outras as próprias riquezas espirituais. Por
isso, a família cristã, nascida de um matrimônio que é imagem e participação da aliança
entre Cristo e a Igreja, manifestará a todos a presença viva do Salvador no mundo e a
autêntica natureza da Igreja, quer por meio do amor dos esposos, quer pela sua generosa
fecundidade, unidade e fidelidade, quer pela amável cooperação de todos os seus
membros
546
A família cristã, participante da missão eclesial
547
, está intimamente relacionada à
“tríplice e unitária referência a Jesus Cristo, Profeta, Sacerdote e Rei”
548
. Ela está inserida no
mistério Pascal de Cristo: “no mistério da Nova e Eterna Aliança, na Aliança nupcial de Cristo
com a Igreja”
549
; o matrimônio entre batizados é um dos “sete sacramentos da Nova Aliança”
550
;
“representa o mistério da Encarnação de Cristo e o seu Mistério de Aliança”; por fim, “é
necessário reafirmar o alegre anúncio da forma definitiva daquele amor conjugal, que tem em
Jesus Cristo o fundamento e o vigor”
551
.
Podemos afirmar que a família cristã, fundada sobre o matrimônio, está relacionada a
Jesus Cristo, em seu ser e seu agir na história e está também relacionada com a comunidade dos
discípulos, a nova família de Jesus de Nazaré.
A mensagem de Jesus não pode ser condensada em um só conceito, mas, certamente, a
expressão Reino de Deus foi, efetivamente, muito pronunciada pelo próprio Jesus, pois, um dos
temas centrais de sua pregação: “Também eu disponho para vós o Reino, como meu Pai o dispôs
546
GS 48 e FC 50
547
Cf. FC 49: “Por sua vez a família cristã está inserida a tal ponto no mistério da Igreja que se torna participante, a
seu modo, da missão de salvação própria da Igreja: os cônjuges e os pais cristãos em virtude do sacramento, “têm
assim, no seu estado de vida e na sua ordem, um dom próprio no povo de Deus”. Por isso não só “recebem” o amor
de Cristo tornando-se comunidade “salva”, mas também são chamados a “transmitir” aos irmãos o mesmo amor de
Cristo, tornando-se assim comunidade “salvadora”. Deste modo, enquanto é fruto e sinal da fecundidade sobrenatural
da Igreja, a família cristã torna-se símbolo, testemunho, participação da maternidade da Igreja”.
548
FC 50.
549
FC 13 Cf. FC 9.
550
FC 13.
551
FC 20
142
para mim, a fim de que comais e bebais à minha mesa em meu Reino, e vos senteis em tronos
para julgar as doze tribos de Israel” (Lc 22,29-30)
552
.
Todos os autores do Novo Testamento falam do Reino de Deus e da realeza de Cristo,
mas cada um à sua maneira, em função das comunidades para as quais se dirigiam. É
apaixonante, por exemplo, descobrir as diferentes interpretações dos evangelhos que
focalizam diversos aspectos da mensagem inicial de Jesus. Inútil, pois, reduzir a
expressão “Reino de Deus” a um conceito claro e preciso... as expressões “Reino de
Deus” e “realeza de Cristo” exprimem as mil e uma riquezas do mistério de Deus
presente em Jesus. Não se trata apenas de vocabulário e conceitos; é a própria realidade
da salvação que se concretiza na vida das comunidades, na vida que nasce da história
dos homens. Nossa esperança pode então integrar-se no grande desejo de Jesus: “Pai,
venha a nós o teu Reino!
553
A compreensão da noção Reino de Deus é complexa
554
mesmo que seja tema central da
pregação de Jesus e, posteriormente, dos missionários cristãos
555
. Os evangelhos sinóticos
demonstram esta problemática: Marcos e Mateus colocam o tema do Reino de Deus na pregação
inaugural de Jesus, ao passo que Lucas, coloca o tema a partir do momento em que Jesus se
decide a expandir o campo de seu apostolado: “Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está
próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15); “A partir desse momento, começou
Jesus a pregar e a dizer: Arrependei-vos, porque está próximo o Reino de Deus” (Mt 4,17); em
Lucas, Jesus entra na Sinagoga de Nazaré e proclama o livro do profeta Isaías inaugurando sua
pregação (cf. Lc 4,16-30). Somente mais adiante Jesus, ao deixar Cafarnaum secretamente para
pregar na Judéia, fala do Reino de Deus: “Devo anunciar também a outras cidades a Boa Nova do
Reino de Deus, pois é para isso que fui enviado” (Lc 4,43).
552
A exegese, utilizando o critério de divergência ou de dessemelhança, reconhece como provavelmente um dado
histórico que a expressão Reino de Deus (ou dos céus) tenha sido empregada por Jesus, e não atribuição das
comunidades nas quais as tradições evangélicas colocaram nos lábios do Mestre para justificar seu pensamento e sua
pratica. Cf. QUESNEL, M. Introdução. In: VV.AA. Evangelho e Reino de Deus. São Paulo: Paulus, 1997, p. 7-11;
Mc 1,15; Mt 4,17; Lc 4,16-30.43.
553
GRUSON, F. In: VV.AA. Evangelho e Reino de Deus. São Paulo: Paulus, 1997, p. 5.
554
Cf. HORSLEY, R. A. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova ordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004.
Passim; FELLER, V. G. O sentido da salvação: Jesus e as religiões. São Paulo: Paulus, 2005, p. 165-184.
555
Cf. VV.AA. Evangelho e Reino de Deus. São Paulo: Paulus, 1997, p. 7-8.27.
143
Os Sinóticos associam o Reino de Deus à realeza de Jesus e a outros títulos Cristológicos
como Messias, Cristo, Filho do homem. Pilatos o chamou de “Rei dos Judeus” (Mc 15,16//) e o
“título de Messias ou Cristo que lhe foi conferido pela tradição cristã contêm sempre uma
conotação real, sejam quais forem as correntes que o adotaram no judaísmo do primeiro
século”
556
. O título Filho do homem é a expressão apocalíptica relacionada a Daniel, capítulo 7,
em que, ao misterioso na presença de Deus, foram dados o império, a honra e o reino de todos os
povos, nações e línguas
557
.
A complexidade do conceito Reino de Deus e a falta de uma clara definição, conduz à
compreensão que Jesus trata o Reino como uma realidade paradoxal: em um momento, parece
pertencer a este tempo, em outro, parece pertencer ao futuro; o Reino está próximo, já está
presente, ou virá visivelmente no juízo escatológico
558
.
Definitivamente, o Reino de Deus é uma realidade dinâmica e atual, está presente e sendo
realizado, mas, ao mesmo tempo, será realidade definitiva na plenitude escatológica dos últimos
tempos.
Presente ou futuro? ‘Já aqui’ ou ‘ainda não’? O aspecto temporal do Reino de Deus é tão
difícil de captar, quanto seu conteúdo. Trata-se de uma realidade móvel, evolutiva,
inatingível que só um contato freqüente com os textos pode ajudar a apreendê-la, pelo
menos parcialmente. Mas descoberta, ao que parece, jamais será terminada
559
.
A família é colocada pela Familiaris Consortio no desígnio de Deus, em tensão com a
realidade criada e redimida, cuja plenitude se realizará no Reino de Deus
560
. Nessa realidade a
556
QUESNEL, M. Introdução. In: VV.AA. Evangelho e Reino de Deus. São Paulo: Paulus, 1997, p. 7; GONZÁLES,
C. I. A Boa Nova do Pai: meditações bíblicas. São Paulo: Loyola, 2005, p. 32-37. 85-90.
557
Cf. Dn 7,13-14; QUESNEL, M. Introdução. In: VV.AA. Evangelho e Reino de Deus. São Paulo: Paulus, 1997, p.
8.
558
Cf. Lc 17,20-21; Mt 7,21.
559
QUESNEL, M. Introdução. In: VV.AA. Evangelho e Reino de Deus. São Paulo: Paulus, 1997, p. 9.
560
Cf. FC 17.
144
família é chamada a testemunhar e a servir ao Reino, acolhendo sua vocação, seguindo a Cristo e
sendo seu sinal profético, por fim, proclamando a esperança escatológica
561
.
O povo de Israel acreditava nas ações divinas no interior da história, pois, Ele observou a
miséria de seu povo, escutou o seu clamor e desceu para libertá-lo
562
. Ele se interessa pelas
vicissitudes humanas do seu povo, como a um Pai cheio de amor e compaixão pelos filhos
degenerados
563
. Esse Deus agora se faz presente na história à luz da revelação trinitária. O
próprio Cristo afirma a Nicodemos: “Pois Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho
único para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou seu
Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3,16-17).
Para convergir toda a humanidade para a realização de seu Reino e tornar-se fonte de
salvação e de vida eterna, Jesus atrairia todos a si ao ser “levantado da terra” (Jo 12,32). A missão
inaugurada na encarnação e concretizada na cruz seria continuada pelas testemunhas, antes por
ele escolhidas
564
.
O projeto de Deus para Jesus não foi transmitido de modo especial, definitivo e claro pelo
Pai
565
; Ele o desvelou, paulatinamente, e criou seu próprio caminho a partir do “conhecimento da
Revelação divina das Escrituras, adquirido nas leituras, na oração, nas meditações, nas
explicações dos rabinos e levitas nas sinagogas, nas conversas com sua mãe Maria, José, e outros
conhecimentos da Escritura”
566
. Ele confrontou-se com o Projeto de Deus e o projeto do mundo
e, ao fazer a sua escolha obediente ao Projeto do Pai, bateu de frente com as realidades temporais
561
Cf. FC 47-53.63-71.
562
Cf. Dt 26,5-9; Js 24,1-13; Ex 3,7-8
563
Cf. Sl 68,6; Dt 32,5; Jr 31,9.20; Os 11,3-4.8; Is 35.
564
Cf. At 1,8; 2,32; 3,15; 10,15; 1Pd 5,1.16; Mt 24,14; Lc 21,13; 24,48.
565
Cf. FELLER, V. G. O sentido da salvação: Jesus e as religiões. São Paulo: Paulus, 2005, p. 165-182;
GONZÁLES, C. I. A Boa Nova do Pai: meditações bíblicas. São Paulo: Loyola, 2005, p.32-37. 85-90.
566
LIBÂNIO, J. B. Sempre Jesus. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2001, p. 20; cf. FELLER, V. G. O sentido da salvação:
Jesus e as religiões. São Paulo: Paulus, 2005, p. 33-68. 165-202.
145
anti-Reino
567
. O processo de hermenêutica existencial feito por Jesus foi também proposto a seus
seguidores.
Era preciso que Jesus fosse além das fronteiras das relações familiares e sociais de Nazaré
e, de certa forma, romper com eles, para assumir o Projeto de Deus na categoria Reino de
Deus
568
.
A família de Jesus era constituída, segundo Marcos (3,31-35; 6,1-6), pela “mãe e seus
irmãos” (Mc 3,31). Segundo Bultmann, esta passagem de Marcos (3,31-35) constitui uma
apotegma biográfica” – “uma unidade curta que consiste numa sentença de Jesus, inserida num
breve contexto narrativo”
569
. Das várias teses e argumentos sobre o v. 35, optamos pela mais
convincente:
Se considerarmos o v. 35 em si mesmo, ele nos diz quem constitui a família de Jesus – a
família esta que, por falta de um termo melhor, podemos chamar de sua ‘família
escatológica’, isto é, a família chamada à existência pela proclamação que Jesus faz do
reino. Esta família escatológica (irmãos, irmãs e mãe) é formada por aqueles que fazem
a vontade de Deus. O contexto em 31-35 sublinha a exigência necessária para ser
membro dessa família escatológica: constituída pelos que cumprem a vontade de Deus,
essa família não se identifica com a família biológica, física ou natural (mãe, irmãos),
formada por parentesco humano. Qual o alcance deste contraste? O que nos diz 3,31-35
tomado em si mesmo sobre a atitude de Jesus para com sua família física? A família
física está la fora procurando por ele; a família escatológica está dentro, sentada ao seu
redor. Quer dizer que Jesus tenha rejeitado sua família física ou a tenha submetido pela
escatológica? O mínimo que isso parece significar é que a família física não tem
nenhuma importância real no novo padrão de valores estabelecidos pela proclamação do
reino; a família que realmente tem importância para Jesus é a família escatológica.
567
Cf. HORSLEY, R. A. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova ordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004.
Passim; FELLER, V. G. O sentido da salvação: Jesus e as religiões. São Paulo: Paulus, 2005. Passim; MALINA, B.
J. O evangelho social de Jesus: o reino de Deus em perspectiva mediterrânea. São Paulo: Paulus, 2004. Passim.
568
Cf. BROWN. R. E.; DONFRIED, K. P.; FTZMYER, J. A.; REUMANN, J. (org.). Maria no Novo Testamento.
São Paulo: Paulinas, 1985, p. 61-83. 109-115. 176-190. 212-219; BUCKER, B. P; BOFF, L.; AVELAR, M. C.
Maria e a Trindade: implicações pastorais, caminhos pedagógicos e vivência da espiritualidade. São Paulo: Paulus,
2002, p. 138-143; MORACHO, F. A família de Jesus de Nazaré. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1994. Passim.
569
BULTMANN. In: BROWN. R. E.; DONFRIED, K. P.; FTZMYER, J. A.; REUMANN, J. (org.). Maria no Novo
Testamento. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 62.
146
Embora a oposição entre ‘fora’ e ‘dentro’ indique que os membros da família física não
estão entre os que Jesus considera comummente como sua família escatológica, a
passagem em si mesma não exclui os membros da família física de uma participação
eventual na família escatológica. Mas eles só podem participar se fizerem a vontade de
Deus. O sentido da passagem é definir a família escatológica, não excluir a família
física. Assim, essa passagem está em harmonia com a idéia expressa em Mc 10,29-30:
‘Em verdade vos digo que não há quem tenha deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai,
filhos ou terras por minha causa ou por causa do Evangelho, sem que receba cem vezes
mais: agora, neste tempo, casas, irmãos, irmãs, mãe e filhos e terras, com perseguições;
e, no mundo futuro, a vida eterna’
570
Em Lucas (8,19-21), encontra-se também a família escatológica de Jesus, assim como nos
outros Sinóticos, Marcos e Mateus
571
. No relato lucano sobre o ministério público de Jesus, sua
morte e ressurreição
572
, o nome de Maria nunca é mencionado, exceto em duas referências à
“mãe de Jesus”
573
.
Em Lucas, a mãe, irmãos e família de Jesus (8,19-21) são, também, “os membros da
família escatológica, constituída pelo relacionamento com Deus”
574
.
A sentença de Jesus. Marcos e Mateus referem que a mãe e os irmãos de Jesus estavam
fora, sem explicar porque não chegaram à presença de Jesus; é de fato dramático o
contraste enter família física lá fora e a dos discípulos lá dentro. Lucas elimina todo
elemento hostil do fato de estarem fora a mãe e os irmãos: ‘Não podiam aborda-lo por
causa da multidão’. Quando em Marcos/Mateus se dá a notícia de que estão lá fora a
mãe e os irmãos, Jesus replica com um pergunta que questiona o fato de eles
pertencerem à verdadeira família dele: ‘Quem são minha mãe e meus irmãos?’ Em
Lucas não se faz tal pergunta. Em Marcos/Mateus o próprio Jesus a responde apontando
para os discípulos sentados em torno, os quais ele identificava como sua família: ‘Eis
570
BROWN. R. E.; DONFRIED, K. P.; FTZMYER, J. A.; REUMANN, J. (org.). Maria no Novo Testamento. São
Paulo: Paulinas, 1985, p. 63-64.
571
Cf. BROWN. R. E.; DONFRIED, K. P.; FTZMYER, J. A.; REUMANN, J. (org.). Maria no Novo Testamento.
São Paulo: Paulinas, 1985, p. 181, que diz: “Em Mc 3,20-35, tanto o contexto como a forma da sentença denotam
uma atitude negativa para com a família de Jesus; Mt 12,46-50 não tem contexto negativo, mas conserva a forma
marcana da frase. Lucas fornece um contexto e uma forma positiva para a sentença, no que tange à família de Jesus”.
572
Cf. Lc 3-24.
573
Cf. Lc 8,19-21; 11,27-28; BROWN. R. E.; DONFRIED, K. P.; FTZMYER, J. A.; REUMANN, J. (org.). Maria
no Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1985, p. 176.
574
BROWN. R. E.; DONFRIED, K. P.; FTZMYER, J. A.; REUMANN, J. (org.). Maria no Novo Testamento. São
Paulo: Paulinas, 1985, p. 181.
147
[aqui estão] minha mãe e meus irmãos’. Nem o gesto de apontar com que Jesus indica os
que o rodeiam, nem a declaração de Jesus aparecem em Lucas. Na sucessão de
Marcos/Mateus a declaração final de Jesus (‘Todo aquele que fizer a vontade de Deus
[meu Pai que está nos céus], esse é meu irmão, irmã e mãe’) designa como família
escatológica os discípulos que estão dentro, em contraste com a família física, a de sua
mãe e irmãos, que está fora. A seqüência lucana não envolve contrastes, tendo ouvido
dizer que estão fora sua mãe e seus irmãos, Jesus comenta em elogio a eles: ‘Minha mãe
e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática’. Os dois
últimos verbos estão no particípio presente e sugerem ‘continuidade em ouvir e pôr em
prática’ – dado que se harmoniza com a ênfase lucana no discipulado cotidiano. A noção
lucana do que constitui o discipulado e torna alguém membro da família escatológica de
Jesus não difere muito dessa mesma noção tal qual se encontra em Marcos/Mateus, a
saber, a obediência a Deus. Lucas, porém, é muito mais claro que Marcos e Mateus ao
insistir que a mãe de Jesus e seus irmãos satisfazem a esse critério
575
.
A família cristã é aquela física ou natural, alicerçada no sacramento do matrimônio,
formando a família escatológica de Jesus. Aquela “dentro” e em “volta” de Jesus, buscando fazer
a vontade de Deus, assumindo o reino como uma realidade atual, presente, atuante e futura,
comprometendo-se no seguimento como comunidade de amor e de vida, seguindo-o como
família-discípula de Cristo. Desta família de discípulos fiéis a Cristo e seguidora pode-se afirmar:
“a futura evangelização depende em grande parte da Igreja doméstica”; “A família cristã
proclama em alta voz as virtudes presentes do Reino de Deus e a esperança na vida bem-
aventurada”
576
.
No plano de Deus Criador e Redentor a família descobre não só a sua ‘identidade’, o que
‘é’, mas também a sua ‘missão’, o que ela pode e deve ‘fazer’. As tarefas, que a família é
chamada por Deus a desenvolver na história, brotam do seu próprio ser e representam o
seu desenvolvimento dinâmico e existencial. Cada família descobre e encontra em si
mesma o apelo inextinguível, que ao mesmo tempo define a sua dignidade e a sua
responsabilidade: família, ‘torna-te aquilo que és!’.
575
BROWN. R. E.; DONFRIED, K. P.; FTZMYER, J. A.; REUMANN, J. (org.). Maria no Novo Testamento. São
Paulo: Paulinas, 1985, p. 181-182; cf. MORACHO, F. A família de Jesus de Nazaré. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1994,
23-52.
576
FC 50. 52; Cf. LG 35.
148
Voltar ao ‘princípio’ do gesto criativo de Deus é então uma necessidade para a família,
se se quiser conhecer e realizar segundo a verdade interior não só do seu ser mas
também do seu agir histórico. E porque, segundo o plano de Deus, é constituída qual
‘íntima comunidade de vida e de amor’ (GS 48), a família tem a missão de se tornar cada
vez mais aquilo que é, ou seja, comunidade de vida e de amor, numa tensão que, como
para cada realidade criada e redimida, encontrará a plenitude no Reino de Deus. E numa
perspectiva que atinge as próprias raízes da realidade, deve dizer-se que a essência e os
deveres da família são, em última análise, definidos pelo amor. Por isto é-lhe confiada a
missão de guardar, revelar e comunicar o amor, qual reflexo vivo e participação real do
amor de Deus pela humanidade e do amor de Cristo pela Igreja, sua esposa.
Cada dever particular da família é a expressão e a atuação concreta de tal missão
fundamental. É necessário, portanto, penetrar mais profundamente na riqueza singular da
missão da família e sondar os seus conteúdos numerosos e unitários
577
.
A família deve ser uma comunidade de irmãos e discípulos amados. Deve, ao mesmo
tempo, ser amada pela Igreja, pelas próprias famílias e pelos homens de boa vontade. Todavia, há
uma forma eminente de amor:
Devem amar particularmente a família. É o que concreta e exigentemente vos confio.
[...] E, por fim, forma eminente de amor à família cristã de hoje, muitas vezes tentada
por incomodidades e angustiada por crescentes dificuldades, é dar-lhe novamente razões
de confiança em si mesma, nas riquezas próprias que lhe advém da natureza e da graça e
na missão que Deus lhe confiou. ‘É necessário que as famílias do nosso tempo tomem
novamente altura! É necessário que sigam a Cristo’
578
.
“A família humana, desagregada pelo pecado, é reconstituída na sua unidade pela força
redentora da morte e ressurreição de Cristo. O matrimônio cristão, partícipe da eficácia salvífica
deste acontecimento, constitui o lugar natural onde se cumpre a inserção da pessoa humana na
grande família da Igreja”
579
. Deste modo, a família cristã deve, acima de tudo, vencer o pecado
que pode conduzi-la à morte, reconhecendo-se chamada a participar da Aliança Eterna, realizada
na morte de Cruz e Ressurreição de Jesus Cristo Salvador
580
.
577
FC 17.
578
FC Conclusão.
579
RC 15.
580
Cf. FC 13. 15. 20
149
4. A significação da morte e ressurreição de Jesus como Salvação da família cristã
A Nova e Eterna Aliança, “definitiva plenitude da revelação no dom do amor”
581
, faz-se
em Jesus Cristo na unitária obra da Redenção: Encarnação do Filho-Verbo, assumindo a natureza
humana em Jesus, e no sacrifício de si mesmo sobre a Cruz
582
. “Cada um dos sete sacramentos
[...] é símbolo real do acontecimento da salvação”
583
. O matrimônio como sacramento participa,
“mas de um modo próprio”
584
, pois, o vínculo cristão do amor conjugal e familiar, “representa o
mistério da Encarnação de Cristo e o seu Mistério de Aliança.”
585
A família cristã, por força do
Sacramento do matrimônio, compartilha do “amor pleno e definitivo de Cristo, Nova e Eterna
Aliança feita carne”
586
. “O seu vínculo de amor torna-se a imagem e o símbolo da Aliança que
une Deus e o seu povo”
587
.
Esta revelação chega à sua definitiva plenitude no dom do amor que o Verbo de Deus
faz à humanidade, assumindo a natureza humana, e no sacrifício que Jesus Cristo faz de
si mesmo sobre a cruz pela sua Esposa, a Igreja. Neste sacrifício descobre-se
inteiramente aquele desígnio que Deus imprimiu na humanidade do homem e da mulher,
desde a sua criação; o matrimônio dos batizados torna-se assim o símbolo real da Nova e
Eterna Aliança, decretada no Sangue de Cristo. O Espírito, que o Senhor infunde, doa
um coração novo e torna o homem e a mulher capazes de se amarem, como Cristo nos
amou. O amor conjugal atinge aquela plenitude para a qual está interiormente ordenado:
a caridade conjugal, que é o modo próprio e específico com que os esposos participam e
são chamados a viver a mesma caridade de Cristo que se doa sobre a Cruz. Acolhendo e
meditando fielmente a Palavra de Deus, a Igreja tem solenemente ensinado e ensina que
o matrimônio dos baptizados é um dos sete sacramentos da Nova Aliança
588
.
581
FC 13.
582
Cf. FC 13.
583
FC 13.
584
FC 13.
585
FC 13.
586
FC 20.
587
FC 12.
588
FC 13.
150
A Salvação operada por Jesus Cristo de Nazaré atinge toda a realidade humana e familiar
que, em sua mesma caridade, torna-se sinal operante-transmissor dessa mesma e única Salvação a
outras pessoas e famílias.
Assim como o Senhor Jesus é a ‘testemunha fiel’ (Ap 3,14), é o ‘sim’ (2Cor 1,20) das
promessas de Deus e, portanto, a realização suprema da fidelidade incondicional com
que Deus ama o seu povo, da mesma forma os cônjuges cristãos são chamados a uma
participação real na indissolubilidade irrevogável, que liga Cristo à Igreja, sua esposa,
por Ele amada até ao fim
589
. (FC 20)
O sacramento do matrimônio, que retoma e especifica a graça santificante do batismo, é
a fonte própria e o meio original de santificação para os cônjuges. Em virtude do
mistério da morte e ressurreição de Cristo, dentro do qual se insere novamente o
matrimônio cristão, o amor conjugal é purificado e santificado: ‘O Senhor dignou-se
sanar, aperfeiçoar e elevar este amor com um dom especial de graça e caridade’ (GS
49)
590
.
De fato, mediante o batismo, o homem e a mulher estão definitivamente inseridos na
Nova e Eterna Aliança, na Aliança nupcial de Cristo com a Igreja. E é em razão desta
indestrutível inserção que a íntima comunidade de vida e de amor conjugal, fundada pelo
Criador, é elevada e assumida pela caridade nupcial de Cristo, sustentada e enriquecida
pela sua força redentora. [...] Em virtude da sacramentalidade do seu matrimônio, os
esposos estão vinculados um ao outro da maneira mais profundamente indissolúvel. A
sua pertença recíproca é a representação real, através do sinal sacramental, da mesma
relação de Cristo com a Igreja
591
.
Sobre a vida e a missão da família cristã, alicerçada sobre o matrimônio cristão, incide
direta e especificamente o acontecimento da Salvação.
Os esposos são portanto para a Igreja o chamamento permanente daquilo que aconteceu
sobre a Cruz; são um para o outro, e para os filhos, testemunhas da salvação da qual o
sacramento os faz participar. Deste acontecimento de salvação, o matrimônio como cada
sacramento, é memorial, atualização e profecia: ‘Enquanto memorial, o sacramento dá-
lhes a graça e o dever de recordar as grandes obras de Deus e de as testemunhar aos
filhos; enquanto atualização, dá-lhes a graça e o dever de realizar no presente, um para
com o outro e para com os filhos, as exigências de um amor que perdoa e que redime;
589
FC 20.
590
FC 56.
591
FC 13
151
enquanto profecia dá-lhes a graça e o dever de viver e de testemunhar a esperança do
futuro encontro com Cristo’
592
.
A cristologia procurou sempre o significado soteriológico de Jesus em sua encarnação,
morte e ressurreição. Por que Jesus morre e sua morte é redentora? Em sua carne e em seu sangue
aconteceu realmente a Nova e Eterna Aliança?
A comunidade procurou demosntrar sua fé em Jesus de Nazaré, o Senhor e Cristo, Filho
de Deus e Salvador, a partir da Fé Pascal, chave de compreensão dos relatos da prática histórica
de Jesus contidos nos Evangelhos e nas pregações dos primeiros discípulos
593
.
Estamos diante de uma produção interessada em mostrar a fé da comunidade em Jesus
de Nazaré. O relato é, na verdade, uma profissão de fé. Utilizando-se do gênero literário
das controvérsias, o autor procura nos apresentar o querigma da comunidade. Os títulos
apresentados nos orientam na compreensão da fé da comunidade e qual é o seguimento
de Jesus que nos é mostrado
594
.
O maior “escândalo” de Jesus para seus opositores
595
, além dos ensinamentos teóricos, foi
o modo de agir, isto é, a prática de Jesus para com os pecadores, pobres e excluídos social e
religiosamente. A prática de Jesus denunciava a idolatria dos seus opositores que, em crescente
controvérsia termina por matá-lo. Deus e seu Reino se fazem presentes na prática histórica de
Jesus e são muitos os que o rejeitam como ensinam as parábolas do Mestre e Sábio de Nazaré.
As controvérsias revelam a interpretação do político e do religioso e nos orientam na
compreensão dos motivos da perseguição e da morte de Jesus. Inserindo-se na vida de
seu tempo, Jesus se confronta com a Lei, com a religião e com o Templo, fazendo a
partir de sua prática histórica uma contestação ao sistema de pureza que marginaliza os
pobres do seu tempo. Jesus assume a conflitividade da vida humana e se posiciona em
favor dos excluídos, mostrando um Deus que está em contradição com situação religiosa
592
FC 13.
593
Cf. FERRARO, B. Cristologia: iniciação à teologia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 106.
594
FERRARO, B. Cristologia: iniciação à teologia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 106.
595
Cf. FERRARO, B. Cristologia: iniciação à teologia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 106-135; MALINA, B. J.
O evangelho social de Jesus: o reino de Deus em perspectiva mediterrânea. São Paulo: Paulus, 2004. Passim;
HORSLEY, R. A. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova ordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004. Passim;
MATEOS, J.; CAMACHO, F. Jesus e a sociedade de seu tempo. São Paulo: Paulinas, 1992. Passim.
152
sustentada pelos sacerdotes e doutores da Lei. O Deus de Jesus é maior e diferente, e
acolhedor dos pobres (cf. Mt 9,36; 11,25-26)
596
.
Na América Latina os teólogos procuram seguir os passos de Jesus na opção preferencial
pelos pobres, enfocando o seu seguimento como exigência da fé:
Jesus é o caminho para o Cristo e sua melhor salvaguarda contra os perigos da
manipulação. O Cristo total é uma realidade-limite para o ser humano; só é possível
compreender Cristo em sua totalidade e abrangência por meio do caminho percorrido
pelo próprio Jesus para chegar à sua plenitude como Cristo. Para professar que Jesus é o
Cristo, é preciso conhecer Jesus. Foi o que aconteceu com os primeiros cristãos. Eles se
confrontaram com a realidade histórica da vida de Jesus e com a experiência da
ressurreição. Por meio dessa experiência chegaram a confessar que Jesus é o Cristo.
A práxis do seguimento. A exigência fundante de Jesus em relação ao cristão é o
seguimento de sua vida histórica, quer dizer, a práxis da fé na esperança e no amor. Essa
exigência usufrui a primazia, mesmo que a compreensão do Cristo total, sobre qualquer
outro tipo de contato intencional com Cristo, como a oração, o culto ou a ortodoxia.
Contudo, o seguimento só é compreensível com o Jesus histórico
597
.
A cristologia tem várias óticas, conforme o interesse que Jesus desperta naquele que o
contempla, “a questão hermenêutica sempre tem um papel fundamental”
598
. “Fazer cristologia é a
tentativa de retomar a prática de Jesus de Nazaré, na medida em que também ele assumiu as
aspirações do povo de sua época”
599
. Os quatro Evangelistas, em óticas diferenciadas,
hermenêuticamente, apresentam Jesus como deve ser crido. Jesus é o Salvador porque realizou
uma obra de fidelidade e seguimento da vontade do Pai que conduz à reconciliação com a
Trindade. Sua obediência e seguimento têm que ser, necessariamente, a de todo aquele que crê.
Fazer cristologia que conduz ao seguimento, a partir da prática de Jesus implica:
596
FERRARO, B. Cristologia: iniciação à teologia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 106; cf. MALINA, B. J. O
evangelho social de Jesus: o reino de Deus em perspectiva mediterrânea. São Paulo: Paulus, 2004,145-164;
HORSLEY, R. A. Jesus e o império: o reino de Deus e a nova ordem mundial. São Paulo: Paulus, 2004, p. 21-132;
MATEOS, J.; CAMACHO, F. Jesus e a sociedade de seu tempo. São Paulo: Paulinas, 1992. Passim..
597
BOMBONATTO, V. I. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a cristologia de Jon Sobrino. São Paulo:
Paulinas, 2002, p. 204; cf. COLAVECCHIO, R. L. O caminho do Filho de Deus: contemplando Jesus no evangelho
de Marcos. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 113-155; FERRARO, B. Cristologia: iniciação à teologia. 2. ed. Petrópolis:
Vozes, 2004, p. 107-109.
598
FERRARO, B. Cristologia: iniciação à teologia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 106; 107-113.
599
FERRARO, B. Cristologia: iniciação à teologia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 107.
153
Refazer o caminho percorrido pelas primeiras comunidades, tendo como fio condutor a
experiência pascal: a presença do Espírito do Ressuscitado. O seguimento de Jesus no
Espírito é condição sine qua non da cristologia. É no interior da história que somos
convidados a professar nossa fé em Jesus Cristo a partir da própria fé de Jesus de
Nazaré. Todos os títulos se enraízam em última instância na prática e na pessoa de Jesus.
Este é o caminho a ser seguido por nós: da prática de Jesus ao ser de Jesus e do ser de
Jesus ao ser de Deus Trindade
600
.
Diante da pluralidade hermenêutica do Novo Testamento, sobressai “o querigma como
dado básico do anúncio de Jesus Cristo no cristianismo inicial”
601
.
Querigma (kh, rugma) (cf. At 2,36; 10,34-43; Fl 2,5-11; Cl 1,15; Hb 1,1-4; 1Cor 15,1-
11) proclama a presença de Deus num acontecimento (Dabar – Jo 1,14: ‘colocou sua
tenda entre nós’), situado dentro da história: vida-prática-morte de Jesus e relançado na
história pelo Espírito – ressurreição
602
.
A Cruz foi um “escândalo”
603
. A morte de Jesus na Cruz foi a conseqüência lógica de sua
fidelidade incondicional à “vontade salvífica do Pai”
604
. A Cruz na vida de Jesus e no seu
seguimento tem grande significado e importância. Ela tem incidência na vida cotidiana do povo
cristão, de modos diversos conforme o contexto existencial, como aconteceu entre as teologias da
Cruz do Alemão Jürgen Moltmann, o “Deus crucificado”, e dos Latino-americanos Inácio
Ellacuría e Jon Sobrino o “povo crucificado”
605
.
600
FERRARO, B. Cristologia: iniciação à teologia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 107; cf. BOMBONATTO, V.
I. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a cristologia de Jon Sobrino. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 33-92.
95-152. 198-410.
601
FERRARO, B. Cristologia: iniciação à teologia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 109; diz também o autor: “O
querigma é a proclamação do nascimento, crescimento, prática, morte, ressurreição de Jesus pelas comunidades
cristãs do início do cristianismo. Do ponto de vista da hermenêutica (conflito das interpretações), devemos trabalhar
com a articulação histórico-querigmática”.
602
FERRARO, B. Cristologia: iniciação à teologia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 109-110; cf. BOMBONATTO,
V. I. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a cristologia de Jon Sobrino. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 33-
92.
603
BOMBONATTO, V. I. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a cristologia de Jon Sobrino. São Paulo:
Paulinas, 2002, p. 313.
604
BOMBONATTO, V. I. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a cristologia de Jon Sobrino. São Paulo:
Paulinas, 2002, p. 313.
605
BOMBONATTO, V. I. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a cristologia de Jon Sobrino. São Paulo:
Paulinas, 2002, p. 313-314.
154
As causas históricas da morte de Jesus se encontram na totalidade de sua vida e nos fatos
que antecederam sua morte, deduzidos dos dois julgamentos a que ele foi submetido, um
religioso e outro político
606
. Ele percebia a morte eminente e violenta, pois, “foi essencialmente
um ‘homem em conflito’ e, por causa disso, foi perseguido até a morte na cruz, a ponto de
merecer o título de ‘o perseguido’”
607
.
Jesus percebia que a perseguição contra ele podia levá-lo à morte e se refere à morte
violenta como destino dos profetas, permitindo supor que ele tinha consciência dos
riscos que corria, mesmo assim se mantinha fiel até o fim. Sua morte na cruz não foi um
fato isolado, acidental, mas a decorrência da sua prática e de sua vida. Desta forma,
também o martírio é conseqüência real do seguimento radicalizado
608
.
A razão teológica positiva da morte de Jesus encontra-se na sua “fidelidade a Deus e na
radicalidade de sua misericórdia para com os seres humanos”
609
Na última ceia (cf. Mc 13,24; Lc 22,20; Mt 26,28; 1Cor 11,24), Jesus expressa a certeza
e o sentido da entrega de sua vida: seu corpo é ‘entregue por vós’, seu sangue é
‘derramado por vós’, ‘para o perdão dos pecados, como nova aliança’. Essa certeza e
esse sentido evidenciam a compreensão da vida como serviço e da morte como serviço
sacrifical
610
.
Chamados ao seguimento de Jesus Cristo Redentor, o matrimônio e a família são como
que sacramento vivo, presença e atuação da obra salvífica por Ele realizada na Cruz, isto é,
memorial, atualização e profecia da Nova e Eterna Aliança:
606
Cf. BOMBONATTO, V. I. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a cristologia de Jon Sobrino. São
Paulo: Paulinas, 2002, p. 315-317; FERRARO, B. Cristologia: iniciação à teologia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p.
121-136.
607
BOMBONATTO, V. I. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a cristologia de Jon Sobrino. São Paulo:
Paulinas, 2002, p. 315; cf. SOBRINO, J. Jesus, o Libertador. V. I: a história de Jesus de Nazaré. Petrópolis: Vozes,
1994, p. 290-295; FERRARO, B. Cristologia: iniciação à teologia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 121-136.
608
BOMBONATTO, V. I. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a cristologia de Jon Sobrino. São Paulo:
Paulinas, 2002, p. 315; cf. SOBRINO, J. Jesus, o Libertador. V. I: a história de Jesus de Nazaré. Petrópolis: Vozes,
230-295; FERRARO, B. Cristologia: iniciação à teologia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p.121-136.
609
BOMBONATTO, V. I. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a cristologia de Jon Sobrino. São Paulo:
Paulinas, 2002, p. 317.
610
BOMBONATTO, V. I. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a cristologia de Jon Sobrino. São Paulo:
Paulinas, 2002, p. 317; cf. SOBRINO, J. Jesus, o Libertador. V. I: a história de Jesus de Nazaré. Petrópolis: Vozes,
230-295; FERRARO, B. Cristologia: iniciação à teologia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p.121-136.
155
Enquanto memorial, o sacramento dá-lhes a graça e o dever de recordar as grandes obras
de Deus e de as testemunhar aos filhos; enquanto atualização, dá-lhes a graça e o dever
de realizar no presente, um para com o outro e para com os filhos, as exigências de um
amor que perdoa e que redime; enquanto profecia dá-lhes a graça e o dever de viver e de
testemunhar a esperança do futuro encontro com Cristo
611
.
Acima de tudo a família, alicerçada no amor conjugal dos esposos cristãos, deve, do
mesmo modo que Jesus Cristo, assumir a Cruz familiar dos sacrifícios cotidianos na certeza e no
sentido de que também “evidenciam a compreensão da vida como serviço e da morte como
serviço sacrifical”
612
. A totalidade da vida cristã traz sábio ensinamento: “sem a cruz, não se pode
chegar à ressurreição”
613
.
Pela força do ministério da educação os pais, mediante o testemunho de vida, são os
primeiros arautos do Evangelho junto dos filhos. Ainda mais: rezando com os filhos,
dedicando-se com eles à leitura da Palavra de Deus e inserindo-os no íntimo do Corpo
eucarístico e eclesial – de Cristo mediante a iniciação cristã, tornam-se plenamente pais,
progenitores não só da vida carnal, mas também daquela que, mediante a renovação do
Espírito, brota da Cruz e da ressurreição de Cristo
614
O ministério de evangelização dos pais cristãos é original e insubstituível: assume as
conotações típicas da vida familiar, entrelaçada como deveria ser com o amor, com a
simplicidade, com o sentido do concreto e com o testemunho do quotidiano. [...] A
família deve formar os filhos para a vida, de modo que cada um realize plenamente o seu
dever segundo a vocação recebida de Deus. De fato, a família que está aberta aos valores
do transcendente, que serve os irmãos na alegria, que realiza com generosa fidelidade os
seus deveres e tem consciência da sua participação quotidiana no mistério da Cruz
gloriosa de Cristo, torna-se o primeiro e o melhor seminário da vocação à vida
consagrada ao Reino de Deus.
615
A espiritualidade conjugal e familiar que conduz à santidade dos filhos de Deus deve
assumir a linguagem da Cruz de Jesus de Nazaré, o Cristo, e buscar sua fonte vital e razão
611
FC 13.
612
BOMBONATTO, V. I. Seguimento de Jesus: uma abordagem segundo a cristologia de Jon Sobrino. São Paulo:
Paulinas, 2002, p. 317; cf. FC 13. 34. 39. 53. 56.
613
FC 34.
614
FC 39.
615
FC 53.
156
missionária na Eucaristia celebrada e vivida pela família da fé (cf. Gl 6,10), a “família de Deus”
(Ef 2,19).
A vocação universal à santidade é dirigida também aos cônjuges e aos pais cristãos: é
especificada para eles pela celebracão do sacramento e traduzida concretamente nas
realidades próprias da existência conjugal e familiar. Nascem daqui a graça e a exigência
de uma autêntica e profunda espiritualidade conjugal e familiar, que se inspire nos
motivos da criação, da aliança, da cruz, da ressurreição e do sinal [sacramental]
616
.
A Eucaristia é a fonte própria do matrimônio cristão. O sacrifício eucarístico, de fato,
representa a aliança de amor de Cristo com a Igreja, enquanto sigilada com o sangue da
sua Cruz (cf. SC 78). Neste sacrifício da Nova e Eterna Aliança é que os cônjuges
cristãos encontram a raiz da qual brota, é interiormente plasmada e continuamente
vivificada a sua aliança conjugal. Como representação do sacrifício de amor de Cristo
pela Igreja, a Eucaristia é fonte de caridade. E no dom eucarístico da caridade a família
cristã encontra o fundamento e a alma da sua ‘comunhão’ e da sua ‘missão’: o Pão
eucarístico faz dos diversos membros da comunidade familiar um único corpo, revelação
e participação na mais ampla unidade da Igreja; a participação pois ao Corpo ‘dado’ e ao
Sangue ‘derramado’ de Cristo torna-se fonte inesgotável do dinamismo missionário e
apostólico da família cristã
617
.
A Igreja conhece o caminho pelo qual a família pode chegar ao coração da sua verdade
profunda. Este caminho, que a Igreja aprendeu na escola de Cristo e da história
interpretada à luz do Espírito, não o impõe, mas sente a exigência indeclinável de o
propor a todos sem medo, com grande confiança e esperança, sabendo, porém, que a
‘boa nova’ conhece a linguagem da Cruz. É, no entanto, através da Cruz que a família
pode atingir a plenitude do seu ser e a perfeição do seu amor
618
. FC Conclusão.
A partir da fé, aceita e assumida em Jesus de Nazaré, o Cristo, a família encontra sentido
de sua existência e missão na Igreja e no mundo. Isso dá peso ao que exorta o Papa na Conclusão
da Familiaris Consortio, ao dizer: “É necessário que as famílias do nosso tempo tomem
novamente altura! É necessário que sigam a Cristo”.
616
FC 56.
617
FC 57.
618
FC Conclusão.
157
Que sentido tem a ressurreição de Jesus de Nazaré, Filho-Verbo de Deus e qual sua
significação para a vida da família humana? “Com efeito, Cristo morreu e reviveu para ser o
Senhor dos mortos e dos vivos” (Rm 14,9).
O aspecto mais significativo da morte de Jesus não é o sofrimento em si mesmo, este é
conseqüência da opção assumida, mas é a fidelidade a Deus.
Ele, estando na forma de Deus não usou de seu direito de ser tratado como um deus, mas
se despojou, tomando a forma de escravo. Tornando-se semelhante aos homens e
reconhecido em seu aspecto como homem, abaixou-se, tornando-se obediente até a
morte, à morte sobre uma cruz. Por isso Deus soberanamente o elevou e lhe conferiu o
nome que está acima de todo nome, a fim de que ao nome de Jesus todo Joelho se dobre
nos céus, sobre a terra e sob a terra, e que toda língua proclame que o Senhor é Jesus
Cristo para a glória de Deus Pai. (Gl 2,6-11).
Convinha, por isso, que em tudo se tornasse semelhante aos irmãos, para ser, em relação
a Deus, sumo sacerdote misericordioso e fiel, para expiar assim os pecados do povo.
Pois, tendo ele mesmo passado pela prova, é capaz de socorrer os que são provados. (Hb
2,17-18).
Se confessarmos nossos pecados, ele, que é fiel e justo, perdoará nossos pecados e nos
purificará de toda injustiça. (1Jo 1,9).
Jesus Cristo, a testemunha fiel, o Primogênito dentre os mortos, o Príncipe dos reis da
terra. (Ap 1,5).
O efeito salvífico da morte de Jesus é a salvação da humanidade. Deus o fez superior a
todos, exaltando-o pela ressurreição, princípio da igual exaltação dos justos
619
.
Não tenhas medo do que irás sofrer. Eis que o diabo vai lançar alguns dentre vós na
prisão, para serdes postos à prova. Tereis uma tribulação de dez dias. Mostra-te fiel até a
morte, e eu te darei coroa da vida. (Ap 2,10).
619
Cf. Rodapés g – l (p. 2049); a – g (p. 2050) In: BÍBLIA: Bíblia de Jerusalém. ed. nov. at. rev. São Paulo: Paulus,
2003. “Embora diferente em seu modo de ser, Cristo participou da natureza humana comum a todos” – Deus envia
seu Filho para salvar a humanidade cf. Rm 8,3.29-30; 2Cor 5,21; Cristo é obediente cf. Rm 5,19; 1Cor 15,27-28; Hb
5,8; a tradição salienta o efeito salvífico da morte de Cristo cf. Rm 1,3-4; 4,25; 8,34; 10,8-9; 1Cor 15,3; Gl 1,3-4; 1Ts
1,10; a morte de Jesus foi cruel cf. 1Cor 1,23; 2,2.8; 2Cor 13,4; Gl 3,1; 5,11; 6,12.14; Fl 3,18; Cl 1,20; sobressaltou
pela ressurreição – Cristo é superior a todos cf. Rm 1,14ss; e os justos serão exaltados cf. Is 52,13; Sb 3,8;
FERRARO, B. Cristologia: iniciação à teologia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p.122-150; KÄSEMANN, E.
Perspectivas Paulinas. 2. ed. São Paulo: Editora Teológica/Paulus, 2003. Passim; COLAVECCHIO, R. L. O
caminho do Filho de Deus: contemplando Jesus no evangelho de Marcos. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 187-231.
158
Dou incessantemente graças a Deus a vosso respeito, em vista da graça que vos foi dada
em Cristo Jesus. Pois fostes nele cumulados de todas as riquezas, todas as da palavra e
todas as do conhecimento. Na verdade, o testemunho de Cristo tornou-se firme em vós, a
tal ponto que nenhum dom vos falte, a vós que esperais a Revelação de Nosso Senhor
Jesus Cristo. É ele também que vos fortalecerá até o fim, para que sejais irrepreensíveis
no Dia de Nosso Senhor Jesus Cristo. É fiel o Deus que vos chamou à comunhão com
seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor. (1Cor 1,4-9).
Os discípulos fazem a experiência salvífica da ressurreição. Toda a vida de Jesus toma
sentido e significação para suas testemunhas, anteriormente escolhidas
620
. A ressurreição suscitou
a fé daqueles que acreditaram no conteúdo principal e fundamental do querigma. Jesus Cristo,
Verbo que se fez homem, morreu e ressuscitou dos mortos
621
.
Temos a grande alegria de ser ‘irmãos e irmãs’ de Jesus Ressuscitado, reunidos ao redor
dele na comunidade de fé, sempre contemplando sua vida no Evangelho, enquanto nos
solidarizamos com as pessoas necessitadas do nosso tempo, para o maior serviço do
Reino. Em seu evangelho, Marcos nos lembrou de que não somos os únicos a sentir em
nós a força do Reino. Ele mostrou várias pessoas que, embora parecessem estar ‘de
fora’, captaram o sentido do Reino que irrompeu de Jesus [...]. Quantas pessoas hoje
atestam por seus valores e suas vidas a ação do Espírito Santo dentro delas! O Evangelho
nos ensina que devemos dar nossas mãos a todos que atuam em favor do avanço do
Reino, mesmo que estes ‘não nos sigam [...]. Pois, quem não é contra nós, está a nosso
favor’
622
.
Os Evangelhos nos apresentam “tanto Jesus de Nazaré como Cristo Ressuscitado”
623
A
ressurreição nos possibilita a Salvação e a Vida Eterna em Deus, fazendo-nos irmãos e filhos de
Deus, em suma, a “família de Deus” (Ef 2,19), a “família da fé” (Gl 6,10). Seguir e testemunhar
Jesus Cristo de Nazaré, o Cristo, Filho-Verbo de Deus, Salvador e Senhor, sendo família cristã
620
Cf. Lc 1,2; At 1,8.22; 2,32; 3,15; 5,32; 10,39; 22,20; 26,16; 1Pd 5,1; 2Pd 1,16.
621
Cf. At 2,14-47; COLAVECCHIO, R. L. O caminho do Filho de Deus: contemplando Jesus no evangelho de
Marcos. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 223-231.
622
COLAVECCHIO, R. L. O caminho do Filho de Deus: contemplando Jesus no evangelho de Marcos. São Paulo:
Paulinas, 2005, p. 227.
623
COLAVECCHIO, R. L. O caminho do Filho de Deus: contemplando Jesus no evangelho de Marcos. São Paulo:
Paulinas, 2005, p. 225.
159
missionária, requer firme decisão de materializar em ações orgânicas, eficientes e eficazes as
idéias e os ideais do seu sempre Novo Evangelho da vida e da família
624
.
624
Cf. FC 17-85.
CAPÍTULO III
ACREDITAR NA FAMÍLIA É CONSTRUIR O FUTURO
1. Do Sacramento do Matrimônio, nasce a família cristã
“O matrimônio é o nascedouro da família. Desvirtuando-se o matrimônio, desvirtua-se a
família”
625
. No decorrer dos séculos e nas diversas culturas, o conceito de matrimônio e de
família é complexo e bem diferenciado, realidades em constante mutação.
O matrimônio e a família estão em constante processo de mutação. Ambas as realidades, a
partir do final do século XX
626
, mais que em outras épocas, devido a múltiplas influências
socioculturais, filosóficas e ideológicas, éticas e religiosas, iniciaram um acelerado e profundo
processo de transformação, nem sempre benéfico e construtivo. As mutações contribuíram para o
surgimento da “família e seus mil e um perfis”
627
que caracterizaram o período plural entre a
sociedade moderna e contemporânea. De muitos modos, famílias reagiram à mutação, aos novos
625
CIFUENTES, R. L. Prioridade e centralidade da pastoral familiar na evangelização do novo milênio: a família:
diagnóstico e terapia. 2. ed. at. Rio de Janeiro: Instituto pró-família, 2002, p. 8; cf. CHARBONNEAU, P. Sentido
cristão do casamento: ensaio a respeito da espiritualidade conjugal. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1985, p. 21: “Nega-se
Deus, e perde-se o amor”; FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1995,
p. 25-41.
626
Cf. BLANK, C. E. O matrimônio no século 21: falência ou realização? São Paulo: Paulinas, 1996, p 7-49;
FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1995, p. 34-36; CECHINATO,
L. Os 20 séculos de caminhada da Igreja: principais acontecimentos da cristandade, desde os tempos de Jesus até
João Paulo II. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 391-456; TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. L. (orgs.). Teologia
na pós-modernidade: abordagens epistemológicas, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003. Passim.
627
PAIVA, V. Família e Igreja: reconciliáveis? São Paulo: Paulus, 2003, p. 15-19.
161
condicionamentos e influências, adaptando-se a elas ou descobrindo novas formas de organização
e resistência
628
.
Na diversidade de modelos, de alguma forma, o núcleo da família como relação de
gêneros, entre identidade e diferença e como relação de gerações. A família é um dos
mais importantes pontos de encontro entre natureza e cultura, na qual aspectos que o ser
humano partilha com o mundo animal são organizados segundo um ideal de dignidade e
de felicidade, especificamente humanos. Nesse sentido, o entrelaçamento de amor,
sexualidade e fecundidade constituem o proprium da família
629
.
A Patologia familiar não é outra coisa senão o seu desvirtuamento antropológico e
teológico: “a família está enferma!”
630
Cada pessoa cria um clima ao seu redor. Positivo ou negativo, sereno ou turbulento.
Uma atmosfera própria, a ‘respectiva aura’, segundo explicam os psicólogos. Corações
pacificados pacificam à sua volta. Indivíduos tumultuados, de mal com o mundo e
consigo mesmos, irradiam intranqüilidade, mal-estar. [Mas], quem cursou os bancos
escolares do Evangelho aceita a Cruz como um bastão de apoio, e não como um tropeço,
um peso amargo, uma tragédia absoluta, sem sentido. Os verdadeiros cristãos preferem
as tempestades, com Jesus, do que as bonanças e os horizontes claros, sem Ele. ‘Há
muita gente má no mundo, porque não foi suficientemente amada’ (Pio XII). O cristão é
a única Bíblia que muita gente lê, nos caminhos do dia-a-dia. Nós somos o Novíssimo
Testamento, edição século XX, Novo Milênio. Família alegre, sadia... Sociedade legal,
irradiando paz e alegria. Família quebrada, doente, mundo subnutrido, demente,
628
Cf. PETRINI, J. C. Pós-modernidade e Família: um itinerário de compreensão. Bauru: Edusc, 2003, p. 5. 23-124;
As influências se referem aos movimentos que transformaram a sociedade e seus seguimentos, dando origem à
chamada modernidade, pós-modernidade, como: o racionalismo, o cientificismo, o processo de industrialização e
secularização, as novas descobertas científicas e tecnológicas, o hedonismo, individualismo, subjetivismo, o
pluralismo etc.: Cf. GS, 46; FC, 1; Medellín, Introdução; Puebla, 571-581; LIBANIO, J. B. Igreja contemporânea:
encontro com a modernidade. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2000, p. 13-76; LIBANIO, J. B. Cenários da Igreja. 3. ed.
São Paulo: Loyola, 1999, p. 15-47; FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas
católico-romanas. V. 2. São Paulo: Paulus, 1997, p. 392-303; SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC.
Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos sobre Matrimônio e Família, 2003, p. 195-216; 257-278;
MOSER, A. Enigma da esfinge:. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2002, 79-107.
629
PETRINI, J. C. Pós-modernidade e Família: um itinerário de compreensão. Bauru: Edusc, 2003, p. 5; MOSER,
A. Enigma da esfinge: sexualidade. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. Passim.
630
NEVES, Fr. L. M. O movimento familiar cristão a serviço da Igreja. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, v.
20, n. 4, p. 888-899, [dez.] 1960; CIFUENTES, R. L. Prioridade e centralidade da pastoral familiar na
evangelização do novo milênio: a família: diagnóstico e terapia. 2. ed. at. Rio de Janeiro: Instituto pró-família, 2002,
p. 9-11; JOÃO PAULO II. Veritatis splendor, 102. FC 17; CIFUENTES, R. L. As crises conjugais. São Paulo:
Quadrante, 2001, p. 43. 30.
162
necessitado de hospital. ‘Não tenham medo de abrir as portas da família a Cristo, o
Salvador’ (João Paulo II)
631
.
O desvirtuamento do matrimônio e da família se dá pelo desconhecimento de sua
fundamental identidade e missão
632
. A causa patológica da família, o que torna doente a realidade
“família”, reside na “mudança de sensibilidade e de concepção antropológica”
633
e no desvio de
Deus, onde o homem decide por si mesmo o que é bem e o que é mal, à deriva de seu Criador e
Redentor. Deus-Trindade e seu desígnio de amor, verdadeira essência-fonte da substância e vigor
da família, alicerçada sobre o matrimônio como sacramento, é essência única e capaz de curar,
restaurar e recuperar a sua genuína finalidade
634
.
As famílias cristãs existem para formar uma comunhão de pessoas que se amam. Como
tal, a Igreja e a família são, cada uma a seu modo, vividas representações na história
humana da eterna comunhão do amor das três Pessoas da Santíssima Trindade
635
.
A família, alicerce e célula viva da sociedade e da Igreja, constitui-se primeiro lugar de
humanização, de socialização e de santificação de todo ser humano. Nela estabelecem-se relações
de gênero e de gerações e desenvolvem-se redes de relações sociais e religiosas. Ambos, a família
e o grupo social, constituem, assim, o lugar em que a pessoa humana faz a experiência do
Sagrado com quem estabelece uma relação íntima, determinante de seu ser e de seu agir. A
ciência da religião contribui para uma reflexão sobre a experiência humana do Sagrado: “Sobre a
631
SCHNEIDER, R. Desafios do convívio familiar. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 5-8. 30-32. 72-73.
632
Cf. CIFUENTES, R. L. As crises conjugais. São Paulo: Quadrante, 2001, p. 5-22. 24-37. 42-52. 55-106. 109-120.
142-200.
633
CAMBÓN, E. Assim na terra como na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida em sociedade?
Vargem Grande Paulista-SP: Cidade Nova, 2000, p. 103; FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12. Madrid:
Biblioteca de autores cristianos, 1995, p. 3-13; GONÇALVES, P. S. L. O ser humano como imagem e semelhança de
Deus: a antropologia teológica. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (orgs.). Teologia na pós-
modernidade: abordagens epistemológicas, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, 251-309.
634
Cf. CIFUENTES, R. L. Prioridade e centralidade da pastoral familiar na evangelização do novo milênio: a
família: diagnóstico e terapia. 2. ed. at. Rio de Janeiro: Instituto pró-família, 2002, p. 9-11; JOÃO PAULO II.
Veritatis splendor, 102. FC 17.
635
JOÃO PAULO II. Discurso em Colúmbia, Carolina do Sul, 2 de setembro de 1987. I n: BAKALAR, N.;
BALKIN, R. (org.). A sabedoria de João Paulo II: a visão do Papa sobre os temas mais importantes para a
humanidade. Rio de Janeiro: Record, 2003, p. 68.
163
base da vivência humana, ou melhor, em suas raízes, insere-se a experiência religiosa”
636
. A
experiência religiosa (ou do transcendente, o ‘sagrado’), matriz da linguagem simbólica, dá-se no
“interior da própria experiência humana”
637
.
Para entender a linguagem religiosa (símbolo, mito, rito), é necessário partir da
experiência do sagrado que a própria linguagem quer comunicar. [...] Mesmo que a
finalidade da vivência religiosa seja transcendente (por enquanto, ‘o sagrado’), trata-se
de uma experiência humana, própria do ser humano e condicionada por sua forma de ser
e pelo seu contexto histórico e cultural
638
.
A família cristã, comunidade de vida e de pessoas discípulas de Cristo é sinal de
contradição e esperança do mundo. Um bem para a humanidade e para a Igreja, ao mesmo tempo
necessária e, de certo modo, rejeitada:
Diante de relacionamentos cada vez mais submetidos à lógica do mercado, isto é, ao
intercâmbio de equivalentes, a família emerge como o lugar da gratuidade, do
acolhimento incondicional, que precede o cálculo das conveniências, criando, ao seu
redor, uma rede de solidariedade capaz de educar, socializar, amparar seus membros em
favor da família (ou políticas familiares), visando fortalecer essas insubstituíveis
estruturas de apoio aos membros mais frágeis da convivência familiar. Por essas razões,
a família é considerada, atualmente, como um dos maiores recursos sob a ótica das
636
CROATTO, J. S. As linguagens da experiência religiosa: introdução à fenomenologia da religião. São Paulo:
Paulinas, 2001, p. 44.
637
CROATTO, J. S. As linguagens da experiência religiosa: introdução à fenomenologia da religião. São Paulo:
Paulinas, 2001, 39 e p. 41-47; cf. A experiência do Sagrado na vida humana a partir da família e o grupo social a que
pertence recolhe significativa contribuição das ciências da religião em seus aspectos: histórico, fenomenológico,
social e psicológico. Cf. CtFm 23; GRESCHAT, H. O que é ciência da religião? São Paulo: Paulinas, 2006, p. 65-
88. 94-104; ELIADE, M. Tratado de história das religiões. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, 09-101. 193-212.
267-293; DURAND, J. Religiões monoteístas: Judaísmo, Catolicismo, Islamismo, Protestantismo. São Paulo:
Paulinas, 2003, p. 11-33. 139-143; MANOEL, I. A.; FREITAS, N. M. B. de. (orgs.). História das religiões: desafios,
problemas e avanços teóricos, metodológicos e historiográficos. São Paulo: Paulinas, 2006, p. 7-13. 31-32. 64-65.
97-110. 120-122. 126-128. 141-146. 174-179. 187-191; BOFF, L. A Trindade e a sociedade: o Deus que liberta seu
povo. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 44-46. PETRINI, J. C. Pós-modernidade e Família: um itinerário de
compreensão. Bauru: Edusc, 2003, p. 78-80. 127-190; PETRINI, J. C.; MOREIRA, L. V. de C.; ALCÂNTARA, M.
A. R. de. (org.). Família XXI: Entre pós-modernidade e cristianismo. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003, p. 17-
100. 145-177. 257-290; GIORDANO, N. A família, ícone da Trindade. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 5-24; SCOLA,
A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos sobre Matrimônio e
Família, 2003, p. 11; TERRIN, A. N. Antropologia e horizonte do sagrado: culturas e religiões. São Paulo: Paulus,
2004, p. 148-182; CROATTO, J. S. As linguagens da experiência religiosa: introdução à fenomenologia da religião.
São Paulo: Paulinas, 2001, p. 41-78.
638
CROATTO, J. S. As linguagens da experiência religiosa: introdução à fenomenologia da religião. São Paulo:
Paulinas, 2001, p. 41.
164
ciências humanas, bem como da teologia, para compreender, com rigor das ciências, as
razões de sua existência, as formas de sua organização, as mudanças que a atravessam, o
futuro que a espera
639
.
Os cristãos acreditam na autocomunicação de Deus na história. Deus como é, Uno e
Trino, revela-se e insere-se na história do mundo e dos humanos. A teologia deu o nome a esta
revelação do Deus único e Trino de: Trindade imanente e Trindade econômica
640
. Deus é a
revelação do ser e do agir, da origem e do fim, do sentido e do significado último de todas as
coisas, inclusive do ser humano, do mundo, do matrimônio e da família. Jesus Cristo é em sua
pessoa e em seu agir a Revelação de Deus encarnada na história. Jesus é, por conseguinte, o
revelador da verdade sobre o desígnio de Deus Criador e Redentor
641
.
O matrimônio e a família sempre foram objetos da ação evangelizadora da Igreja. As
aceleradas mutações da cultura
642
causaram impactos positivo e negativo sobre ambas as
realidades. Sobretudo, os impactos negativos trouxeram a deteriorização da família e a
conseqüente desvalorização do matrimônio como sacramento. Surgiram com isso os novos
desafios à evangelização
643
. A Igreja sentiu-se obrigada a despertar-se para uma nova consciência
de si mesma e uma nova visão de sua missão no mundo, voltada para dentro de suas comunidades
639
PETRINI, J. C. Pós-modernidade e Família: um itinerário de compreensão. Bauru: Edusc, 2003, p. 5-6.
640
Cf. BOFF, L. A Trindade e a sociedade: o Deus que liberta seu povo. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 70-72.
100-101; SPIDLÍK, T. Nós na Trindade: breve ensaio sobre a Trindade. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 41-44;
LOREMZEN, L. F. Introdução à Trindade. São Paulo: Paulus, 2002, p. 63-69. 81-94; BOFF, L. A Santíssima
Trindade: a melhor comunidade. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 45-46; FORTE, B. Nos caminhos do Uno:
metafísica e teologia. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 61-82.
641
Cf. FC, 5.17; CtFm 13; GS 21.50; FORTE, B. Nos caminhos do Uno: metafísica e teologia. São Paulo: Paulinas,
2005, p. 61-82.
642
Cf. DOCUMENTOS DO CELAM: Rio, Medellín, Puebla e Santo Domingo. São Paulo: Paulus, 2004,
p.8.24.81.90-96.103-113.308-317. JOÃO PULO II. Carta Apostólica em forma de “Motu Próprio” Familia a Deo
Instituta. Disponível em: <http://212.77.1243/holy_fther/john_paul_ii/motu_proprio/documents/hf_jp-ii_ motu>.
Acesso em: 18 outubro 2006, 10:05:15. GS 47; PETRINI, J. C. Pós-modernidade e família: um itinerário de
compreensão. Bauru: Edusc, 2003, p. 5-6.25-87.
643
Cf. CIFUENTES, R. L. Prioridade e centralidade da pastoral familiar na evangelização do novo milênio: a
família: diagnóstico e terapia. 2. ed. at. Rio de Janeiro: Instituto pró-família, 2002, p. 7-39; BLANK, C. E. O
matrimônio no século 21: falência ou realização? São Paulo: Paulinas, 1996, p. 26-4984-98.
165
eclesiais e para o diálogo com o mundo moderno
644
. Neste contexto, a família tornou-se
protagonista da evangelização na seqüência da vocação e do protagonismo missionário dos
leigos: “a família, sujeito e objeto de evangelização, centro de comunhão e participação”
645
.
Inspirada na Assembléia apostólica de Jerusalém em At 15, como “expressão máxima de
comunhão eclesial em sua dimensão visível e institucional”
646
, o Concílio Vaticano II, de
objetivo pastoral-eclesiológico
647
, foi o passo decisivo para uma nova visão teológica e pastoral
da Igreja, incluindo o campo matrimonial e familiar
648
. As constituições dogmáticas e decretos
influenciaram o desenvolvimento teológico e pastoral de toda Igreja, especialmente a
Conferência Episcopal Latino-Americano e Caribe (CELAM) que, no campo matrimonial e
familiar, também recebeu do pensamento de João Paulo II
649
.
As Conclusões de Medellín (1968), de Puebla (1979) e de Santo Domingo (1992),
enfatizaram a família e as situações existenciais em que se encontravam. Não foram esquecidas
as famílias em situações irregulares, afastadas do Evangelho ou em situações existenciais e
sociais diferenciadas. Enfatizaram todas as famílias em todos os contextos socioculturais,
econômicos e religiosos a que se encontrassem. Mas, as famílias cristãs, fundadas sobre o
sacramento do matrimônio, chamaram e orientaram-nas a viver e a testemunhar a sua vocação e
missão que do Cristo receberam na Igreja.
Os documentos relacionados à questão-família, sejam do Concílio Vaticano II, das
Conclusões do CELAM ou do Magistério eclesiástico, especialmente João Paulo II, inserem o
644
Cf. LORSCHEIDER, A. (et. al.). Vaticano II: 40 anos depois. São Paulo: Paulus, 2005. Passim.
645
Puebla, 569; cf. Puebla, 565-569. GS, 46-52; AA, 10-11; LG, 11.32; Medellín, 1.1; 3.1-3.7; Santo Domingo 15.
210-227; AA, 10-11; FC, 86; CtFm 2-4. Passim.
646
ALMEIDA, A. J. de. Lumen gentium: a transição necessária. São Paulo: Paulus, 2005, p. 14.
647
Cf. LORSCHEIDER, A. (et. al.). Vaticano II: 40 anos depois. São Paulo: Paulus, 2005, p. 39.
648
Cf. ALMEIDA, A. J. de. Lumen gentium: a transição necessária. São Paulo: Paulus, 2005, 13-24; KASPER, W.
Teologia do matrimônio cristão. São Paulo: paulinas, 1993, p. 9-27; LORSCHEIDER, A. (et. al.). Vaticano II: 40
anos depois. São Paulo: Paulus, 2005, 39-49.
649
Cf. DOCUMENTOS DO CELAM: Rio, Medellín, Puebla e Santo Domingo. São Paulo: Paulus, 2004, p. 227-
226; 587-618.
166
matrimônio e a família na dimensão teológica e pastoral da Igreja. A dimensão teológica parte
dos desígnios divinos de Deus Criador e Redentor, considerando o matrimônio e a família
realidades queridas pelo próprio Deus e redimidas por Cristo. As Escrituras Sagradas e a
Tradição viva da Igreja atestam sua teologia. A dimensão pastoral compreende o matrimônio e a
família como elementos fundamentais e partes essenciais da missão evangelizadora da Igreja,
pois, através do matrimônio e da família o ser humano existe e se realiza mais plenamente como
ser indivíduo, social e cristãmente considerado
650
. Deste modo, o matrimônio e a família ocupam,
diante dos desafios emergentes do contexto cultural atual, centralidade e prioridade na pastoral
orgânica da Igreja. A centralidade é bipolar, ou seja, a família, protagonista da evangelização, é
ao mesmo tempo sujeito e objeto da evangelização
651
.
No texto da mensagem dos Bispos reunidos em Puebla aos povos da América Latina,
encontram-se elementos que definem para a Igreja a urgência da questão-família e destacam-se,
implicitamente, as dimensões das famílias: “ser educadoras da fé, formadoras de pessoas,
promotoras do desenvolvimento”
652
:
Convidamos, pois, com especial carinho, a família da América Latina a tomar o seu
lugar no coração de Cristo e a transformar-se cada vez mais em ambiente privilegiado de
evangelização, de respeito à vida e ao amor comunitário
653
Mais consciente de sua realidade íntima, a Igreja redescobre que sua missão no mundo é
anunciar o “Evangelho da vida”
654
. Sua tarefa é levar a Salvação que é Jesus Cristo de Nazaré aos
650
Cf. EDWARDS, D. Experiência humana de Deus. São Paulo: Loyola, 1995, p. 31-54. 55-68. 81-99;
LECLERCQ, J. A família. São Paulo: Quadrante, 1968, p. 26-31.
651
Cf. AA, 10-11; LG, 6.11; GS, 46-52; Medellín, 1.5; 1.8; 3.1; 3.3-3.5; FC Passim; Puebla, 567-639; Santo
Domingo, 12-19; 210-227; 267-302.
652
JOÃO PAULO II. Discurso de abertura da Conferência de Puebla. México, 27 de Janeiro de 1979 In:
DOCUMENTOS DO CELAM: Rio, Medellín, Puebla e Santo Domingo. São Paulo: Paulus, 2004, p. 263.
653
DOCUMENTOS DO CELAM: Rio, Medellín, Puebla e Santo Domingo. São Paulo: Paulus, 2004, p. 286; cf.
Puebla, 5; GS, 48; PETRINI, J. C. Pós-modernidade e família: um itinerário de compreensão. Bauru: Edusc, 2003, p.
5-6; VIDAL, M. O Evangelho da vida: para uma leitura da Evangelium vitae. São Paulo: Paulinas, 1998, 27-127.
654
Santo Domingo 287; cf. GS, 51-52; Santo Domingo, 18; 2.3; 213; VIDAL, M. O Evangelho da vida: para uma
leitura da Evangelium vitae. São Paulo: Paulinas, 1998, 102-176.
167
homens e às mulheres do mundo de hoje, em seus contextos existenciais. Por isso, o caminho da
Igreja é o ser humano que, somente em Cristo, encontra seu verdadeiro sentido, sua vocação e
missão. A família, desta forma, ocupa lugar privilegiado, pois, ela é o caminho do homem
655
.
A Igreja reflete o matrimônio e a família no contexto da Aliança de Deus com seu Povo
eleito, aproximando o trinômio: matrimônio, família e aliança
656
. Walter Kasper entende o
matrimônio como realidade criatural e salvífica.
Pois o matrimônio pertence tanto à ordem da criação, como à ordem da
salvação. Deus criou o ser humano homem e mulher, e a Bíblia acrescenta que isto é
bom, muito bom (cf. Gn 1,27.31). Esta aliança desejada por Deus entre o homem e a
mulher é ao mesmo tempo imagem e, sobretudo, atualização da aliança definitiva que
Deus concretizou com o ser humano, em Jesus Cristo, uma semelhança do amor e da
fidelidade de Deus para com o homem (cf. Ef 5,21-33). Assim, a realidade criatural do
matrimônio entre cristãos constitui também uma realidade salvífica
657
.
Sobre o matrimônio os textos bíblicos apresentam abrangentes e diversas perspectivas e
imagens que influenciaram a teologia cristã, mas não apresentam abrangente análise conceitual e
sistemática de modo a possibilitar uma teologia do matrimônio propriamente dito
658
.
No Antigo Testamento, os textos da criação do primeiro casal em dois relatos distintos, o
relato sacerdotal em Gênesis 1 e o relato javista em Gênesis 2 e 3, “influenciaram [tanto] a
interpretação do matrimônio no ocidente quanto o horizonte subseqüente influenciou a
655
Cf. CtFm 1-3; SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para
Estudos sobre Matrimônio e Família, 2003, p. 195-197.
656
Cf. Gn 1-3; 6; 9;15-31; Ex 2,24; 4,22; 6,4; 19,5; 20-24; 34; Lv 2,13; 26,9; Nm 4,32; Dt 4-9; 29; Jz 2,1; 2Sm 5,3;
23,5; Is 55,3; Jr 11,10; 31,31; 32,40; Os 6; Am 1; Ml 2,10; PETRINI, J. C. Pessoa, Matrimônio, Família: entre
cultura Pós-moderna e cristianismo. In: PETRINI, J. C.; MOREIRA, L. V. de C.; ALCÂNTARA, M. A. R. de.;
(org.). Família XXI: Entre pós-modernidade e cristianismo. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003, p. 39-41;
FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1995, p. 87-98. 117-182.
657
KASPER, W. Teologia do matrimônio cristão. São Paulo: Paulinas, 1993, p. 5; cf. CHARBONNEAU, P. Sentido
cristão do casamento: ensaio a respeito da espiritualidade conjugal. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1985, p. 20: “Deus é o
manancial inesgotável do amor humano”.
658
Cf. FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 394; GRELOT, P. O casal humano na Escritura. São Paulo: Paulinas, 1975, p. 9-39;
BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 11-18. 35-57; FLÓREZ, G.
Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1995, p. 26-30. 101-112.
168
interpretação desses versículos”
659
. O povo da Aliança surge da fé de Abrão e Sara
660
. A Tradição
profética, o livro de Tobias, o Cântico dos Cânticos, o livro da Sabedoria e o livro de
Eclesiastes
661
são literaturas de gêneros diversos, escritos em contextos sociais e históricos
diversos, de concepções e perspectivas diversas que necessitam ser bem avaliadas
662
. Elas
oferecem imagens sobre o matrimônio que inspiram a reflexão teológica cristã, mas os textos
apresentam aspectos positivos que refletem a perspectiva de Deus e aspectos negativos que
refletem a perspectiva do povo de Deus, povo peregrino e nem sempre fiel, como outros povos
663
.
O Novo Testamento apresenta variedade de declarações sobre o matrimônio em contextos
diversos, assim como nas Escrituras hebraicas, que exigem ser lidas no contexto das tradições
bíblicas a fim de serem devidamente compreendidas e interpretadas
664
. Deste modo, as
declarações textuais sobre o matrimônio e família estão relacionadas no início do Novo
Testamento e aos primeiros e iniciantes missionários cristãos, conhecidos como “movimento de
Jesus”
665
.
659
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 395; cf. SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II
para Estudos sobre Matrimônio e Família, 2003, p. 35-40. 67-88. 349-353.
660
Cf. Gn 11-22.
661
Cf. Is 1.62; Sl 128 (127); Pv 18-19; Jr 3; Ez 16; Os 2-5; GRELOT, P. O casal humano na Escritura. São Paulo:
Paulinas, 1975, p. 50-76.
662
Cf. FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 395-396; GRELOT, P. O casal humano na Escritura. São Paulo: Paulinas, 1975, p. 35-50;
GRELOT, P. O casal humano na Escritura. São Paulo: Paulinas, 1975, 9-76.
663
Cf. FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 394-396; KASPER, W. Teologia do matrimônio cristão. São Paulo: paulinas, 1993, p. 28-36;
GONÇALVES, P. S. L. O ser humano como imagem e semelhança de Deus: a antropologia teológica. In:
TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológicas,
sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, 251-309.
664
Cf. FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 396; BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p.
58-77; FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1995, p. 87-98.
665
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 397; cf. KASPER, W. Teologia do matrimônio cristão. São Paulo: paulinas, 1993, p. 30-36. 44-46;
GRELOT, P. O casal humano na Escritura. São Paulo: Paulinas, 1975, p.77-107; FLÓREZ, G. Matrimonio y
familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1995, p. 101-112.
169
Os primeiros discípulos, para pregar o Reino de Deus, eram peregrinos carismáticos, não
tinham casa, posses ou família, e não se fixavam em comunidades locais. Marcos e Lucas
indicam certa “ruptura e distúrbio das estruturas da família tradicional”
666
: Jesus chama os
discípulos a deixarem tudo por causa dele, do evangelho e do Reino, com a promessa de receber
muito mais e “a vida futura” (Lc 18,29). As declarações sobre o matrimônio, numa visão
escatológica, referem-se ao divórcio e às novas núpcias
667
, pertencem às mais antigas tradições
do Novo Testamento e da tradição de Jesus, com alto grau de probabilidade de serem atribuídas
ao próprio Jesus histórico. Contudo, os biblistas oferecem diversificadas interpretações
668
.
Sublinha-se que nas tradições de Jesus que antecedem aos evangelhos (essas tradições
refletir-se-iam em Mc 10,2-9; 12,18-27), a visão escatológica de Jesus desafia
criticamente o matrimônio patriarcal tradicional. Ela interpreta as estruturas de
matrimônio não em relação a ordem da criação, e sim em relação com a teologia
apocalíptica da restauração da criação original. O estado escatológico de homens e
mulheres não se baseia na diferença sexual, porém na liberdade da diferença sexual. Os
imperativos de Jesus não oferecem normas válidas para as circunstâncias historicamente
condicionadas de sua época, e sim revelam que o reino vindouro de Deus possui um
caráter escatológico que transcende os limites das interpretações morais tradicionais
669
.
No movimento cristão inicial Paulo defende o celibato ascético como prioridade sobre o
matrimônio, contudo desenvolve uma teologia do matrimônio como uma necessidade prática
670
.
Paulo mesmo contava com casais missionários colaboradores, Priscila e Áquila. Ele defende que
666
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 397; cf. BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 7-77;
Mc 10,29; Lc 18,29.
667
Cf. Mc 10,11-12; Mt 5,31-32; 19,3-9; Lc 16,18; 1Cor 7,10-11; KASPER, W. Teologia do matrimônio cristão.
São Paulo: paulinas, 1993, p. 44-46; Santo Domingo, 213.
668
Cf. FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 397-401.
669
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 399.
670
Cf. 1Cor 7; GRELOT, P. O casal humano na Escritura. São Paulo: Paulinas, 1975, p. 84-91; BRANICK, V. A
Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p.11-28.
170
os esposos não se divorciem interpretando como sendo palavra do Senhor, mas, baseado na
experiência missionária admite a exceção
671
.
Os códigos domésticos
672
das cartas pastorais regulamentam o comportamento doméstico,
afirmando a importância do matrimônio e da família, e estabelecendo três ordens de
relacionamento, priorizando o primeiro com o papel de direção e responsabilidade e o segundo
com o papel de obediência: esposo e esposa, pais e filhos, senhores e escravos
673
. Efésios traça
um paralelismo entre o matrimônio de um lado e Cristo e a Igreja do outro: como Cristo é cabeça
da Igreja, o esposo é cabeça da esposa
674
. A partir das Escrituras a Igreja localiza a família e o
matrimônio no horizonte da eclesiologia, referindo-se especialmente à imagem e ao mistério de
Cristo-esposo e Igreja-esposa.
As Conclusões das Conferências do CELAM, de Medellín a Santo Domingo, não ignoram
o aspecto eclesiológico, integram-no, mas apresentam uma novidade, inserem as realidades do
matrimônio e da família no contexto da reflexão sobre a promoção humana e o desenvolvimento
dos povos, temas emergentes e gritantes no contexto histórico das Conferências
675
.
A reflexão teológica e pastoral do matrimônio e da família desenvolveu-se debaixo da
constante atenção do Papa João Paulo II
676
. No encontro com as famílias, na celebração do
671
Cf. FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 400-401; BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994,
p. 73-74.
672
Cf. FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 401-404; BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994,
p. 11-28. 78-112.
673
Cf. FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 402.
674
Cf. Ef 5,21-33; GRELOT, P. O casal humano na Escritura. São Paulo: Paulinas, 1975, p. 91-107; FLÓREZ, G.
Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1995, p. 87-98, p. 125-127. 157-160. 178-182.
675
Cf. DOCUMENTOS DO CELAM: Rio, Medellín, Puebla e Santo Domingo. São Paulo: Paulus, 2004, p. 263.
676
Cf. JOÃO PAULO II. Vá em paz: um presente de amor permanente; editado por Joseph Durepos. Aparecida:
Santuário, 2005, p. 123-138; SANTOS, G. M. de. Matrimônio e Família no magistério de João Paulo II. In:
PETRINI, J. C.; MOREIRA, L. V. de C.; ALCÂNTARA, M. A. R. de.; (org.). Família XXI: Entre pós-modernidade
e cristianismo. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003, p. 17-100; FERRARO, B. Encarnação: questão de gênero?
São Paulo: Paulus, 2004, p. 193-208.
171
vigésimo ano de publicação da Exortação apostólica Familiaris Consortio em outubro de 2001,
inúmeras vezes o Papa referiu-se à família como “família doméstica” reconhecendo a família no
coração da Igreja Universal, a “grande Igreja doméstica”
677
. Exortou e convocou a Igreja a
acreditar na família “a partir da verdade originária e fundamental: Deus acredita firmemente na
família”
678
. Trata-se de um tema que compromete a Igreja a refletir sobre a verdade da família e
seu papel no futuro da humanidade, por isso, solenemente proclamou esta Boa-Nova: “Acreditar
na família é construir o futuro
679
.
Angelo Scola interpreta o matrimônio cristão e a família cristã à luz do mistério cristão: o
mistério nupcial de Cristo e da Igreja. Na unidade matrimônio-família está a base de toda a
existência humana e cristã, ali tudo começa:
‘Acreditar na família é construir o futuro’ (João Paulo II). Na família tudo começa. Ali
são geradas novas vidas humanas. Ali elas crescem, são educadas e se desenvolvem para
a maturidade. Ali se colocam as bases para toda a existência humana e cristã, para a sua
dimensão individual, pessoal, social e comunitária. Neste sentido ali se contribui para
forjar a história da humanidade, investir na família, apostar na família, ajudar a construir
sobre rocha firme o futuro de cada vida nascente e da sociedade como um todo
680
.
A epidemia de crises conjugais adoece a célula básica da sociedade e da Igreja, a família.
Os organismos social e eclesial dependem da saúde das células básicas, para não adoecer ou, até
mesmo, morrer. Os problemas sociais emergentes são provocados por pessoas que nascem em
677
JOÃO PAULO II. Discurso na festa das famílias, 20 de outubro 2001. Disponível em: <http://www.vatican.va
/jonh_ paul_ii/speeches/2001/october/documents.hfj>. Acesso em 03/11/2006, 07:10:09.
678
JOÃO PAULO II. Discurso na festa das famílias, 20 de outubro 2001. Disponível em: <http://www.vatican.va
/jonh_ paul_ii/speeches/2001/october/documents.hfj>. Acesso em 03/11/2006, 07:10:09.
679
JOÃO PAULO II. Discurso na festa das famílias, 20 de outubro 2001. Disponível em: <http://www.vatican.va
/jonh_ paul_ii/speeches/2001/october/documents.hfj>. Acesso em 03/11/2006, 07:10:09.
680
SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos sobre
Matrimônio e Família, 2003, p. 11; cf. VIDAL, M. O Evangelho da vida: para uma leitura da Evangelium vitae. São
Paulo: Paulinas, 1998. Passim; SÉGUIN, M. Contracepção e a Igreja: balanço e perspectiva. São Paulo: Paulinas,
1998. Passim.
172
uma família, lugar onde se aprendem, simultaneamente, o sentido de amor e ódio. “A família é
fonte emergente dos valores humanos”
681
, se ela fica doente, sucumbem a sociedade e a Igreja
682
.
A proposta de Deus para a sociedade e para a Igreja é a família alicerçada no matrimônio
como sacramento. Este é em si, como realidade sacramental, um mistério inserido no Mistério de
Deus que se revela em Jesus Cristo de Nazaré, na aliança eterna realizada na paixão, morte e
ressurreição. Por esse motivo deve ser compreendido no âmbito do mistério de Deus Criador e
Redentor e da evolução teológica, alicerçada na Sagrada Escritura e na Tradição.
2. Perspectivas teológicas antigas e novas sobre o matrimônio e a família
2.1 A família reflete a vida trinitária
“A Trindade é o modelo arquetípico da vida interpessoal, familiar, comunitária e
social”
683
. Como viver trinitariamente os diversos aspectos da vida matrimonial, familiar e
social?
684
A família é imagem de Deus-Trindade
685
!
Entendemos Deus como Trindade em seu ser e em seu agir. A Trindade econômica, que é
a Trindade imanente, deixa-se refletir na realidade do ser e no agir da família. O homem e a
mulher, em igual medida, criados por amor e para o amor, imagem e semelhança do Deus
681
CIFUENTES, R. L. As crises conjugais. São Paulo: Quadrante, 2001, p. 42.
682
Cf. CIFUENTES, R. L. As crises conjugais. São Paulo: Quadrante, 2001, p. 42-54.
683
CAMBÓN, E. Assim na terra como na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida em sociedade?
Vargem Grande Paulista-SP: Cidade Nova, 2000, p. 20.
684
Cf. CAMBÓN, E. Assim na terra como na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida em
sociedade? Vargem Grande Paulista-SP: Cidade Nova, 2000, p. 19-27.
685
Cf. GIORDANO, N. A família, ícone da Trindade. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 47-58; BOFF, L. A Trindade e a
sociedade: o Deus que liberta seu povo. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 45-46. 136-137; GRELOT, P. O casal
humano na Escritura. São Paulo: Paulinas, 1975, p. 109-116; MD 6-7; CtFm 6; CAMBÓN, E. Assim na terra como
na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida em sociedade? Vargem Grande Paulista-SP: Cidade
Nova, 2000, p. 20. 101-105.
173
pessoal, foram chamados à unidade formada por duas pessoas distintas, (cf. Gn 1, 27)
686
. Unidos
numa só carne, colaboradores de Deus na geração, recepção e crescimento da vida, os esposos, ao
darem à luz a outros seres humanos distintos, os filhos, formam a “comunidade de vida e de
amor”
687
, formam a família:
Deus criou o homem à sua imagem e semelhança: chamando-o à existência por amor,
chamou-o ao mesmo tempo ao amor. Deus é amor e vive em si mesmo um mistério de
comunhão pessoal de amor. Criando-a à sua imagem e conservando-a continuamente no
ser, Deus inscreve na humanidade do homem e da mulher a vocação, e, assim, a
capacidade e a responsabilidade do amor e da comunhão. O amor é, portanto, a
fundamental e originária vocação do ser humano
688
.
Para João Paulo II, o modelo originário da família encontra-se em Deus mesmo e no
mistério trinitário de sua vida:
À luz do Novo Testamento, é possível vislumbrar como o modelo originário da família
deve ser procurado no próprio Deus, no mistério trinitário da sua vida. O «Nós» divino
constitui o modelo eterno do «nós» humano; e, em primeiro lugar, daquele «nós» que é
formado pelo homem e pela mulher, criados à imagem e semelhança de Deus. As
palavras do livro do Gênesis encerram em si aquela verdade sobre o homem, que
corresponde à própria experiência da humanidade. O ser humano é criado, desde «o
princípio», como homem e mulher: a vida da coletividade humana - tanto das pequenas
comunidades como da sociedade inteira - está marcada por esta dualidade primordial.
Dela derivam a «masculinidade» e a «feminilidade» dos simples indivíduos, tal como
daí recebe cada comunidade a própria riqueza característica, no recíproco complemento
das pessoas. A isto mesmo parece aludir a citação do livro do Gênesis: «Ele os criou
homem e mulher» (Gn 1, 27). Esta é também a primeira afirmação da igual dignidade do
homem e da mulher: ambos são, igualmente, pessoas. Esta sua constituição, com a
dignidade específica que daí deriva, define desde «o princípio» as características do bem
comum da humanidade, em todas as dimensões e âmbitos da vida. A este bem comum,
686
Cf. MD 6-7; CtFm 6; FC, 11.
687
GS, 48; cf. VIDAL, M. O Evangelho da vida: para uma leitura da Evangelium vitae. São Paulo: Paulinas, 1998, p.
9-127; SÉGUIN, M. Contracepção e a Igreja: balanço e perspectiva. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 25-35. 51-61. 89-
100.153-181.
688
FC 11.
174
ambos, o homem e a mulher, dão o próprio contributo, graças ao qual se constata, nas
próprias raízes da convivência humana, o caráter de comunhão e complementariedade
689
.
A simbólica familiar utilizada por Jesus, expressa a atitude prática reveladora da íntima e
única comunhão com o Pai: Abba, ou paizinho
690
. O pai é aquele que vai, misericordiosamente, à
procura dos filhos que não o procuram e que se mantém bondoso para com os filhos bons e fiéis.
Jesus é a misericórdia do Pai, com ele se identifica e instaura o seu reino, sua prática é a real
solidariedade para com os desprezados
691
.
Deus-Trindade é comunidade de Pessoas, comunidade de vida e de amor. Comunidade de
pericórese-koinonia, isto é, de interpenetração e comunhão. Comunidade família-trinitária: Deus
em si mesmo é Trindade, Pai e Filho e Espírito Santo, de única substância e natureza, Três
Pessoas eternamente inter-relacionadas. O dogma trinitário desenvolveu-se à luz da economia
salvífica e do monoteísmo bíblico a partir da idéia de um Deus único e comunitário, Pai, Filho e
Espírito Santo. Na Antigüidade cristã, a teologia e dogma era a liturgia, a fé celebrada
692
.
O termo pericórese pode ser conceituado como a interpenetração das Pessoas divinas que
em sua essência são Um só Deus consubstancial, e, ao mesmo tempo, Trino. O termo surgiu no
século VI com Pseudo Cirilo
693
. A questão de um Deus ao mesmo tempo Uno e Trino já fora
colocada pela Igreja nos séculos III e IV simultaneamente à reflexão sobre a divindade do Filho e
689
CtFm 6; cf. VIDAL, M. O Evangelho da vida: para uma leitura da Evangelium vitae. São Paulo: Paulinas, 1998,
p. 63-126.
690
Cf. Mc 1,35; 6,46; 14,32-42; Lc 3,21; 5,16; 6,12; 8,28; 11,1.
691
Cf. Lc 6,20-35; 15; Mt 11,25-27; 18,12-14; 25,31-46; Mc 12,1-9; 13,32.
692
Cf. Os verbetes: “História da Liturgia”, “Sacramentos”, “Espírito Santo”, “Fé e Liturgia”, “Eucaristia”, mais
especificamente os verbetes “Profissão de fé”, “Padres e liturgia” e “Teologia Litúrgica” in SARTORE, D.;
TRIACCA, A. M. (org.). Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulinas, 1992; LIBANIO, J. B.; MURAD, A.
Introdução à teologia: perfil, enfoques, tarefas. São Paulo: Loyola, 1996, p. 121; CAMBÓN, E. Assim na terra como
na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida em sociedade? Vargem Grande Paulista-SP: Cidade
Nova, 2000, p. 26-34. 187-189.
693
Cf. PRESTIGE, J. L. Dios en el pensamiento de los padres. Salamanca: 1997, p. 281.
175
do Espírito Santo, questões fundamentais para as afirmações trinitárias que se seguiram nos
séculos posteriores
694
.
A reflexão do século IV, na busca de uma fórmula trinitária, construiu uma linguagem que
estruturou essa natureza e a distinção: “há três pessoas distintas em uma só natureza divina”
695
.
Para se chegar a esta conclusão e abrir caminho para outras reflexões, como a relação trinitária,
foram combatidas grandes heresias que até hoje influenciam algumas teologias: o modalismo, o
subordinacionismo e o triteísmo
696
.
A teologia trinitária desenvolveu-se entre os séculos III e VI, mais propriamente, através
de sete Concílios considerados Ecumênicos
697
. Quatro desses Concílios se destacam por sua
relevância e pertinência doutrinária: os Concílios de Nicéia (325) e Constantinopla I (381)
trataram de questões relacionadas aos dogmas fundamentais relativos à Trindade; os Concílios de
Éfeso (431) e Calcedônia (451) trataram de questões relacionadas à Encarnação do Verbo. Os
Concílios tratavam especialmente das questões relativas à Trindade; à cristologia, que procurava
responder à pergunta, “Jesus é Deus?”
698
, refletindo a encarnação, a humanidade e a divindade de
Jesus; a eclesiologia
699
.
694
Cf. SESBOÜÉ, B. (org.). História dos dogmas. V. 1,1: o Deus da Salvação (séculos I-VIII). São Paulo: Loyola,
2002, p. 243. BOFF, L. A Trindade e a sociedade: o Deus que liberta seu povo. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p.
170-171; FORTE, B. A Trindade como história. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1987, p.114; SILVA, M. F. DA. Sobre o
termo Pericórese. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, v. 4, n. 14, p. 19-28, [jan./mar.] 1996; FORTE, B. Nos
caminhos do Uno: metafísica e teologia. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 61-82.
695
SESBOÜÉ, B. (org.). História dos dogmas. V. 1,1: o Deus da Salvação (séculos I-VIII). São Paulo: Loyola, 2002,
p. 243.
696
Cf. BOFF, L. A Trindade e a sociedade: o Deus que liberta seu povo. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 66-69.
286.
697
Cf. SESBOÜÉ, B. (org.). História dos dogmas. V. 1,1: o Deus da Salvação (séculos I-VIII). São Paulo: Loyola,
2002, p. 121-353.
698
FERRARO B. Encarnação, questão de gênero? São Paulo: Paulus, 2004, p. 9.
699
Cf. FERRARO B. Encarnação, questão de gênero? São Paulo: Paulus, 2004, p. 5-40; ALBERIGO, G. (org.).
História dos Concílios Ecumênicos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995, p. 23-108; BOFF, L. A Trindade e a sociedade:
o Deus que liberta seu povo. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 89-91.
176
A questão cristológica que nas primeiras comunidades era mais de caráter querigmático,
funcional, metafórico, tornou-se questão ontológica e metafísica
700
. Sobre a doutrina da Trindade
é relevante ressaltar: o Símbolo Quicumque (430-500) ou pseudo-atanasiano; a questão da
precedência e do filioque (e do Filho) nos símbolos do Concílio de Toledo (400) e do Concílio de
Florença (1431 a 1447); o Decreto para os Jacobitas sobre a pericórese, a interpenetração das três
pessoas; o IV Concílio de Latrão (1215) e a declaração (1972) sobre o mistério do Filho de
Deus
701
.
Após o século IV, a reflexão teológica de Santo Agostinho a Santo Tomás possibilitou à
teologia avançar na direção da pericórese Trinitária. No Oriente os debates trinitários
prosseguiram até o final do século V. Os principais expoentes da pericórese são: Eunômio,
Basílio de Cesaréia, Gregório de Nissa, Teodoro de Mopsuéstia, Cirilo de Alexandria
702
.
Agostinho deu continuidade a seus predecessores refletindo a relação hipostática, na qual
busca a distinção na Trindade. A unidade (o que une) estava definida, agora, é necessário buscar
caminhos para discernir o que diferencia na Trindade. Para Ele, há uma só substância porque em
Deus tudo é consubstancial e reside nos nomes sem implicar diferenças na substância, em Deus
consubstancial há uma relação recíproca. O termo “pessoa” para Agostinho é um termo absoluto,
não um termo relativo. Por isso o Pai é Pai, o Filho é Filho e o Espírito Santo é Espírito Santo.
“Uma substância e três hipóstases” ou “uma essência (ou substância) e três pessoas”
703
.
700
Cf. FERRARO B. Encarnação, questão de gênero? São Paulo: Paulus, 2004, p. 5-12.
701
Cf. BOFF, L. A Trindade e a sociedade: o Deus que liberta seu povo. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 91-101.
702
Cf. SESBOÜÉ, B. (org.). História dos dogmas. V. 1,1: o Deus da Salvação (séculos I-VIII). São Paulo: Loyola,
2002, p. 263.
703
SESBOÜÉ, B. (org.). História dos dogmas. V. 1,1: o Deus da Salvação (séculos I-VIII). São Paulo: Loyola, 2002,
p. 266.
177
Deram continuidade e contribuição ao pensamento teológico, sem, contudo, aproximar os
conceitos de relação e pessoa: Boécio (480-524), Anselmo (1033-1109) e Gilbert de la Porrée
(1085-1154)
704
.
Bernard Sesboüé, citando Santo Tomás, comenta:
[...] basta aproximar os conceitos de relação e de pessoas para ver que em Deus eles se
coincidem. Eles têm, de fato, mesma significação relativa e mesma significação
absoluta. Na noção de relação Santo Tomás salientou o aspecto absoluto; na de pessoa, o
relativo: ‘Em Deus, dissemos, não há distinção senão em razão de origem. Por outro
lado, a relação em Deus não é como um acidente inerente a um sujeito: ela é a essência
divina mesma; por conseguinte, ele é subsistente no mesmo nível da essência divina.
Assim, pois, como a deidade é Deus, assim também a paternidade divina é Pai, isto é,
uma pessoa divina. Assim, a ‘pessoa divina’ significa a relação enquanto subsistente: em
outras palavras, significa a relação por maneira de substância, isto é, de hipóstase
subsistente na natureza divina (embora o que subsiste na natureza divina não seja outra
coisa senão a natureza divina)’ a Pessoa divina é, portanto, um ser puramente relacional,
sendo ao mesmo tempo um ser relacional subsistente
705
.
A partir do comentário e da citação acima, podemos entender que a relação subsistente em
Deus, que faz a diferença entre os Três divinos, não é acidental, ou seja, um “ser para o outro”
(Deus é Pai para o Filho); mas a relação é absoluta, o que Deus é “em si” o é também “para”, ou
seja:
Em Deus essa relação é o que constitui a pessoa como tal. O para-outrem relacional da
pessoa é identicamente seu em-si: o que o Pai é para seu Filho o constitui unicamente
em si mesmo como Pai; em outras palavras: o Pai é por inteiro Pai, não é senão isso, ele
é paternidade subsistente. E só essa relação subsistente o distingue realmente de seu
Filho; para todo o resto ele é um com o Filho
706
.
A relação subsistente em Deus manifesta a comunhão Trinitária, pois, a comunhão:
704
Cf. SESBOÜÉ, B. (org.). História dos dogmas. V. 1,1: o Deus da Salvação (séculos I-VIII). São Paulo: Loyola,
2002, p. 266.
705
SESBOÜÉ, B. (org.). História dos dogmas. V. 1,1: o Deus da Salvação (séculos I-VIII). São Paulo: Loyola, 2002,
p. 270.
706
SESBOÜÉ, B. (org.). História dos dogmas. V. 1,1: o Deus da Salvação (séculos I-VIII). São Paulo: Loyola, 2002,
p. 270.
178
[...] é expressão do amor e da vida. Vida e amor, por sua própria natureza, são dinâmicos
e transbordantes. Sob o nome de Deus devemos entender, portanto sempre a Tri-unidade,
a Trindade como união do Pai, do Filho e do Espírito Santo. [...] A interpenetração
permanente, a correlacionalidade eterna, a auto-entrega das Pessoas umas às outras
constituem a união trinitária, a união das pessoas. Para expressar esta união, a teologia,
a partir do século VI, cunhou a expressão grega pericórese (cada Pessoa contém as
outras duas, cada uma penetra as demais e se deixa penetrar, uma mora na outra e
reciprocamente). [...] Tudo na Trindade será pericorético, a união, o amor, as relações
hipostáticas
707
.
O evento “Páscoa” é a central manifestação do amor-comunhão, ou unidade da Trindade:
“A unidade do evento pascal é a unidade do evento do amor que ama (o Pai), que é amado (o
Filho), que une na liberdade (o Espírito – cf. 1Jo 4,7-16). Na Páscoa se torna manifesto que o
amor não só produz e cria a unidade, como já a pressupõe”
708
Em Deus tudo é relação pericorética de Pessoas. A família deve ser, de alguma forma e a
seu modo, a imagem das relações que há em Deus, pois, Ele é a fonte da história da salvação
709
.
Em Deus e no seu mistério de unidade e de relações pericoréticas, a família encontra o seu
começo e a sua eternidade.
A família é comunidade de pessoas humanas. Sua conceituação teológica, “Comunidade
de vida e de amor”
710
, expressa profundamente a realidade da Trindade como comunidade de
vida e de amor, uma família pericorética
711
, isto é, uma unidade em íntima relação de amor, de
entrega total, de ternura e de doação de si
712
. Puebla assim entende:
707
BOFF, L. A Trindade e a sociedade: o Deus que liberta seu povo. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 15.
708
FORTE, B. A Trindade como história. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1987, p.137; cf. também: p. 138-139.
709
Cf. DONGHI, A, Profissão de fé, in SARTORE, D.; TRIACCA, A. M. (org.). Dicionário de Liturgia. São Paulo:
Paulinas, 1992, p. 954.
710
GS, 48; cf. FC, 11.17-27.
711
A pericórese de Deus Trino-Uno tem incidência na vida conjugal e familiar. As categorias pericórese-koinonia ou
interpenetração-comunhão, essência da Unidade da Trindade, o fonte e meta de vida da vida conjugal e familiar, ao
mesmo tempo, impulso da sua missão no mundo e na Igreja.
712
Cf. GS, 48: “(...) no ato humano com o qual os cônjuge mutuamente se dão e se recebem um ao outro – através
dele – nasce uma instituição também à face da sociedade, confirmada pela lei divina”; GS, 49.
179
A família é imagem de Deus, que ‘no mais íntimo do seu mistério não é uma solidão,
mas uma família’ (João Paulo II). É uma aliança de pessoas, à qual se chega por vocação
amorosa ao Pai, que convida os esposos a uma “íntima comunhão de vida e de amor”
(GS 48), cujo modelo é o amor de Cristo por sua Igreja. A lei do amor conjugal é a
comunhão e a participação, não dominação
713
.
A família natural, feita família teologal, torna-se família sacramento do Deus amor,
comunhão e relação pericorética. O texto de Gênesis 1, 27, geralmente, é lido na ótica da
antropologia: homem e mulher, criados à imagem e semelhança de Deus. Outra possibilidade é a
leitura do mesmo texto na ótica da família e de seu fundamento, a unidade
714
do amor do homem
e da mulher, e das gerações:
[...] desde o ‘princípio’, ao criar o ser humano à sua imagem e semelhança, homem e
mulher, Ele quis colocar no centro do seu projeto a realidade do amor entre o homem e a
mulher (cf. Gn 1, 27). Toda a história da salvação é um apaixonado diálogo entre o Deus
fiel, que os profetas descrevem com freqüência como o noivo e o esposo, e a
comunidade eleita, a esposa, muitas vezes tentada pela infidelidade, mas sempre
esperada, procurada e novamente amada pelo seu Senhor (cf. Is 62, 4-5; Os 1-3). A
confiança que o Pai tem em relação à família é tão forte que, pensando também nela,
enviou o seu Filho, o Esposo, que veio para redimir a sua esposa, a Igreja e, nela, cada
homem e cada família (cf. Carta às Famílias, 18)
715
.
O Concílio Vaticano II, na Constituição Dogmática Gaudium et spes, antes de falar das
necessidades urgentes à luz do Evangelho e das experiências humanas, entre elas a realidade da
família, falou sobre a dignidade da pessoa humana e sua missão individual e social. Na dignidade
da pessoa humana, em cuja razão está “na vocação à união com Deus”
716
, reside o fundamento da
dignidade do matrimônio e da família. O respeito pela vida humana deve começar na família e se
713
Puebla, 582.
714
Cf. GS, 49: “A unidade do matrimônio, confirmada pelo Senhor, manifesta-se também claramente na igual
dignidade da mulher e do homem que se deve reconhecer mútuo e pleno amor”.
715
JOÃO PAULO II. Discurso na festa das famílias, 20 de outubro 2001. Disponível em: <http://www.vatican.va
/jonh_ paul_ii/speeches/2001/october/documents.hfj>. Acesso em 03/11/2006, 07:10:09.
716
GS, 19.
180
estender à sociedade, a partir do reconhecimento de todos da dignidade humana, de todas e de
cada pessoa humana
717
.
Frente ao alarmante desrespeito à vida humana em todo o planeta, o Concílio deseja pôr-
se a serviço da salvação da vida e declara: “A Salvação da pessoa e da sociedade humana e cristã
está intimamente ligada com uma favorável situação da comunidade conjugal e familiar”
718
. Por
isso, sobre cada uma das necessidades do nosso tempo, em especial a família, devem
“resplandecer os princípios e as luzes que provêm de Cristo e que dirigirão os cristãos e
iluminarão todos os homens na busca de solução para tantos e complexos problemas!”
719
.
O homem e a mulher, no amor conjugal, colaboram com o amor de Deus Criador e
Salvador, ao mesmo tempo em que colaboram como seu intérprete
720
. Deste modo, a família é
imagem de Deus quando assume a sua missão específica de “transmitir e educar a vida
humana”
721
.
Cristo Senhor abençoou copiosamente este amor de múltiplos aspectos nascido da fonte
divina da caridade e constituído à imagem da sua própria união com a Igreja. E assim
como outrora Deus veio ao encontro do seu povo com uma aliança de amor e fidelidade
(Cf. Os 2; Jr 3,6-13; Ez 16 e 23; Is 54), assim agora o Salvador dos homens e Esposo da
Igreja (Cf. Mt 9,15; Mc 2,19-20; Lc 5,34-35; Jo 3,29; 2Cor 11,2; Ef 5,27; Ap 19,7-8;
21,2 e 9) vem ao encontro dos esposos cristãos com o sacramento do matrimônio. E
permanece com eles, para que, assim como Ele amou a Igreja e se entregou por ela (Cf.
717
Cf. GS, 9. 12. 14. 18. 23. 39. 48. 52; CAMBÓN, E. Assim na terra como na Trindade: o que significam as
relações trinitárias na vida em sociedade? Vargem Grande Paulista-SP: Cidade Nova, 2000, p. 20-26; CAMBÓN, E.
Assim na terra como na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida em sociedade? Vargem Grande
Paulista-SP: Cidade Nova, 2000, p. 96; VIDAL, M. O Evangelho da vida: para uma leitura da Evangelium vitae. São
Paulo: Paulinas, 1998. Passim.
718
GS, 47; cf. LG, 11; GS, 52.48; FC, 21.85; SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício
Instituto João Paulo II para Estudos sobre Matrimônio e Família, 2003, p. 196; CAMBÓN, E. Assim na terra como
na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida em sociedade? Vargem Grande Paulista-SP: Cidade
Nova, 2000, p. 96-105; VIDAL, M. O Evangelho da vida: para uma leitura da Evangelium vitae. São Paulo:
Paulinas, 1998, p.9- 126; SÉGUIN, M. Contracepção e a Igreja: balanço e perspectiva. São Paulo: Paulinas, 1998,
51-61. 75-85.89-99; VIDAL, M. O Evangelho da vida: para uma leitura da Evangelium vitae. São Paulo: Paulinas,
1998, p. 129-143.
719
GS, 56.
720
Cf. GS, 50; CAMBÓN, E. Assim na terra como na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida em
sociedade? Vargem Grande Paulista-SP: Cidade Nova, 2000, p. 95-100.
721
GS, 50; cf. SÉGUIN, M. Contracepção e a Igreja: balanço e perspectiva. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 183-224.
181
Ef 5,25), de igual modo os cônjuges, dando-se um ao outro, se amem com perpétua
fidelidade. (...) A família cristã, nascida do matrimônio que é imagem e participação da
aliança de amor entre Cristo e a Igreja (Cf. Ef 5, 32), manifestará a todos a presença viva
do Salvador no mundo e autêntica natureza da Igreja, quer por meio do amor dos
esposos, quer pela sua generosa fecundidade, unidade e fidelidade, quer pela amável
cooperação de todos os seus membros
722
.
A perspectiva trinitária como modelo das relações humana, familiar eclesial e social está
longe de ser alcançada. Impõe-se a urgente e profunda reflexão atualizada e abrangente da
antropologia na perspectiva trinitária, uma vez que, no decorrer da história, a mulher, em relação
ao homem, enfrentou atitudes antitrinitárias
723
, pois, “uma das tarefas mais necessárias à
humanidade é ‘sanar’ a relação homem-mulher, enriquecê-la, torná-la mais humana,
aproximando-a mais do projeto de Deus”
724
. De modo semelhante, as expressões institucionais
como a Igreja, a sociedade e a família
725
.
Imagem da Trindade imanente e econômica, a família é uma realidade que age na história
e torna presente no mundo a íntima comunhão de vida e de amor. A aplicação da chave trinitária
à realidade do matrimônio a partir de cada uma das Pessoas trinitárias redescobre:
Deus Criador como fonte da intrínseca do amor conjugal; a relação entre Cristo e a
Igreja como Aquele modelo de amor fiel e incondicional; o Espírito como Aquele que
“recupera” permanentemente o amor, ajudando-o a superar seus próprios limites naturais
pelo dinamismo evangélico
726
.
722
GS, 48.
723
Cf. CAMBÓN, E. Assim na terra como na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida em
sociedade? Vargem Grande Paulista-SP: Cidade Nova, 2000, p. 96; PETRINI, J. C. Notas para uma antropologia da
família. In: PETRINI, J. C.; MOREIRA, L. V. de C.; ALCÂNTARA, M. A. R. de. (org.). Família XXI: Entre pós-
modernidade e cristianismo. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003, p. 71-100; GONÇALVES, P. S. L. O ser
humano como imagem e semelhança de Deus: a antropologia teológica. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S.
L. (orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológicas, sistemática e teórico-prática. São Paulo:
Paulinas, 2003, p. 251-309.
724
CAMBÓN, E. Assim na terra como na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida em sociedade?
Vargem Grande Paulista-SP: Cidade Nova, 2000, p. 98.
725
Cf. CAMBÓN, E. Assim na terra como na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida em
sociedade? Vargem Grande Paulista-SP: Cidade Nova, 2000, p. 97-98.
726
CAMBÓN, E. Assim na terra como na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida em sociedade?
Vargem Grande Paulista-SP: Cidade Nova, 2000, p. 24.
182
A chave trinitária pode ser aplicada à realidade matrimônio-família a partir das relações
pericoréticas trinitárias, “que constituem a vida íntima de Deus”
727
. As realidades Trindade e
família pericoréticas implicam duplo movimento: primeiro, compreender como deve ser a
realidade do matrimônio e a família a partir das relações que ocorrem na vida intratrinitária;
depois, “partir da experiência ‘trinitária’ vivida em família para intuir com mais profundidade a
vida de Deus”
728
.
Enrique Cambón apresenta três argumentos para dizer “em que sentido a vida conjugal e
familiar reflete as relações trinitárias da vida divina”
729
:
a) A unidade na diversidade das Pessoas divinas encontra seu reflexo e sua imagem na
unidade que respeita a singularidade própria do marido, da mulher e dos filhos. [...]
b) A perfeita comunhão que existe na Trindade é o modelo do qual participa o amor
matrimonial-familiar. [...]
c) O Amor da Trindade divina, que livremente se abre e se comunica à criação e à
história humana, é participado mediante um amor esponsal aberto não só aos filhos,
mas também à humanidade toda. Nesse sentido é profética a proposta ‘tal como a
família, assim a sociedade’: uma experiência trinitária de família ‘pode inspirar
linhas que ajudem a mudar o mundo’, transformando a humanidade numa só e
grande família [C. Lubichi]
730
.
O amor conjugal é assumido no amor divino e o amor conjugal e familiar reflete o amor
divino. A família de Nazaré é reflexo primário do amor divino. A encarnação do Verbo no seio
727
CAMBÓN, E. Assim na terra como na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida em sociedade?
Vargem Grande Paulista-SP: Cidade Nova, 2000, p. 26.
728
CAMBÓN, E. Assim na terra como na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida em sociedade?
Vargem Grande Paulista-SP: Cidade Nova, 2000, p. 102. 101-105; cf. PETRINI, J. C. Pessoa, Matrimônio, Família:
entre cultura Pós-moderna e cristianismo. In: PETRINI, J. C.; MOREIRA, L. V. de C.; ALCÂNTARA, M. A. R. de.
(org.). Família XXI: Entre pós-modernidade e cristianismo. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003, p. 39.
729
CAMBÓN, E. Assim na terra como na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida em sociedade?
Vargem Grande Paulista-SP: Cidade Nova, 2000, p. 103.
730
CAMBÓN, E. Assim na terra como na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida em sociedade?
Vargem Grande Paulista-SP: Cidade Nova, 2000, p. 103-104.
183
de uma família revela sua dignidade e missão. A família é imagem de Jesus, enquanto sinal de
sua Páscoa e revelador da Trindade
731
.
2.2 A família de Nazaré reflete a Trindade
Todo ser humano se sente realizado plenamente e feliz se encontra acolhimento na
família, ambiente onde é amado e respeitado em sua dignidade, naquilo que lhe é comum ou
diferente aos outros. Tudo contribui para a formação e o desenvolvimento da personalidade dos
indivíduos em uma família. A família de origem tem sido a “principal força na determinação de
sua própria personalidade [ela] é fundamental na formação da nossa identidade como
indivíduos”
732
.
Em qualquer família os genitores não são amorosos por iguais. Sem nenhum julgamento
de valor, “os dois desempenham um importante papel na vida familiar, embora toda a família
pareça dividir essa tarefa de amor
733
. O fenômeno do favoritismo “é uma força universal e
poderosa na dinâmica familiar [ele] forma o cerne do desenvolvimento da personalidade de toda
criança e constitui a principal influência em seu comportamento futuro”
734
. A família amorosa e
equilibrada, mesmo diante da realidade do “favoritismo”
735
, cria tipos diferentes de
731
Cf. Puebla 582-584; CAMBÓN, E. Assim na terra como na Trindade: o que significam as relações trinitárias na
vida em sociedade? Vargem Grande Paulista-SP: Cidade Nova, 2000, p. 99.
732
RABIE-AZOORY, V. Eles amam você, eles não me amam: a verdade sobre o favoritismo familiar e a rivalidade
entre irmãos. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 16; cf. CIFUENTES, R. L. Família: fidelidade-felicidade. Rio de Janeiro:
Marques-Saraiva, 1998, p. 9-23; SCHNEIDER, R. Desafios do convívio familiar. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p.
5-6. 17-18. 43-44. 64-65. 80.
733
Cf. RABIE-AZOORY, V. Eles amam você, eles não me amam: a verdade sobre o favoritismo familiar e a
rivalidade entre irmãos. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 17.
734
RABIE-AZOORY, V. Eles amam você, eles não me amam: a verdade sobre o favoritismo familiar e a rivalidade
entre irmãos. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 17; cf. CIFUENTES, R. L. Família: fidelidade-felicidade. Rio de Janeiro:
Marques-Saraiva, 1998, p. 74-105; SCHNEIDER, R. Desafios do convívio familiar. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002,
p. 5-6. 17-18. 43-44. 64-65. 80.
735
RABIE-AZOORY, V. Eles amam você, eles não me amam: a verdade sobre o favoritismo familiar e a rivalidade
entre irmãos. São Paulo: Paulinas, 2000, p.15-32. 71-101. 119-137.
184
personalidades, capaz de “um grau inédito de percepção não só de sua própria vida mas também
das outras”
736
.
A grande necessidade do ser humano é ser amado e aceito incondicionalmente e saber
que pode abandonar-se em mãos afetuosas. Os casais atuais procuram, mais que nunca,
uma relação profunda e calorosa que permita a cada um desabrochar na partilha, na
comunicação, na criação e no amor
737
.
A família de Nazaré reflete a Trindade
738
, pois, “a Família divina, Pai e Filho e Espírito
Santo se auto-revelou e se autocomunicou à família humana de Jesus, Maria e José”
739
.
Criatura humana, desvinculada de Deus, perdeu seu endereço, cortou as raízes, mutilou
sua estrutura fundamental. Não se joga fora impunemente o que temos de mais sagrado,
precioso, essencial: nossa vinculação com a eternidade, com o Criador. A família é
fundamentalmente – luz, caminho, solução, reflexo trinitário na terra dos homens,
abençoada a família de Nazaré
740
.
Não há uma biografia de Jesus, Maria e José, o acesso histórico a Eles, dado o caráter das
fontes, é-nos possível graças aos dados revelados: “O que encontramos é sempre fato associado à
teologia, acontecimento histórico ligado a uma interpretação de fé”
741
.
De alguma forma, a Trindade celeste preparou essa família para poder ser a trindade
terrestre. [...] Aos olhos dos vizinhos, constituem uma família normal, integrada na
parentela (cf. Lc 1,39-80). Aos olhos da Trindade se realiza a entrada discreta e
silenciosa da Família divina para armar sua tenda na família humana, a fim de fazer
todas as famílias participarem de sua comunhão e de sua vida eterna
742
.
736
RABIE-AZOORY, V. Eles amam você, eles não me amam: a verdade sobre o favoritismo familiar e a rivalidade
entre irmãos. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 18; cf. CIFUENTES, R. L. Família: fidelidade-felicidade. Rio de Janeiro:
Marques-Saraiva, 1998, p. 74-105.
737
EVELY, L. Reinventar o matrimônio. São Paulo: Paulus, 1998, p. 9; cf. SCHNEIDER, R. Desafios do convívio
familiar. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 5-6. 17-18. 43-44. 64-65. 80.
738
Cf. CIGC 2205: “a família é um símbolo e imagem da comunidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.
739
BOFF, L. São José: a personificação do Pai. Campinas: Verus, 2005, p. 149.
740
SCHNEIDER, R. Desafios do convívio familiar. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 41-42.
741
BOFF, L. O rosto materno de Deus. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 121; cf. BOFF, L. São José: a
personificação do Pai. Campinas: Verus, 2005, p. 15-153; RH, 8.
742
BOFF, L. São José: a personificação do Pai. Campinas: Verus, 2005, p. 162.
185
A Igreja reconhece que a encarnação do Filho foi o modo pelo qual Deus se uniu a toda a
humanidade e a cada ser humano em particular, alcançando toda a criatura. De modo semelhante,
a presença da Família divina na família humana tocou toda a família humana e cada uma das
famílias em particular, mantendo o “caráter trinitário e comunional do modo cristão de nomear
Deus, sempre como comunhão de Pessoas e como Comunidade e Família divina”
743
. Essa
presença trinitária da Família divina na família humana, especialmente expressa na relação de
Maria com o Espírito e a Palavra-Verbo que dela nasceria e de José através das revelações do
Anjo, faz da casa de Nazaré um lugar teológico, o lugar do mistério
744
.
A essência de Deus Trindade é o Amor. Sua unidade se define como “ser-amor”
745
. A
Trindade é a história eterna do amor pelo mundo e pela Salvação da humanidade. O evento
Pascal revela a essência de Deus no eterno movimento amoroso: “O evento Pascal não revela de
outro modo a essência divina senão como evento eterno de amor entre os três e do seu amor por
nós”
746
. A família é vida configurada a Deus e a seu povo. Comunitariamente ela deve tornar-se
imagem de Deus, imagem de Cristo, imagem do Amor e imagem da Igreja
747
.
Os Evangelhos são essenciais para a compreensão da vida e da pessoa de Jesus de Nazaré.
As comunidades cristãs relataram suas experiências de fé no Senhor e Salvador deixando-nos
referências para entendermos Jesus Cristo: a pessoa histórica de Jesus de Nazaré, suas ações e
atitudes, suas palavras e escolhas de vida, indícios de suas relações com o Pai, com a sua família
em Nazaré, com o povo de seu tempo e com a história desse mesmo povo. Ele fez a experiência
743
BOFF, L. São José: a personificação do Pai. Campinas: Verus, 2005, p. 163; cf. RH, 1-2. 8; GS, 22.
744
Cf. MASINI, M. Maria, o Espírito e a Palavra. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 19-27.
745
FORTE, B. A Trindade como história. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 137; cf. também: p. 141; CAMBÓN,
E. Assim na terra como na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida em sociedade? Vargem Grande
Paulista-SP: Cidade Nova, 2000, p. 186.
746
FORTE, B. A Trindade como história. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1987, p.137. 141. 139 146; cf. GIORDANO, N.
A família, ícone da Trindade. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 59-64.
747
Cf. GIORDANO, N. A família, ícone da Trindade. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 41-45.
186
familiar, falou à família de seu tempo e fala hoje, uma palavra aberta à família atual dando-lhe
esperança e futuro
748
.
Na família de Nazaré foi forjada a vida interior de Jesus. Maria e José, a Mãe e o pai de
Jesus. Do Pai, toda paternidade e maternidade tomam o nome. A família de Nazaré é “esse lugar
de graça, tornado Santuário da Sagrada Família na história da humanidade”
749
. A família
constitui, desde o inicio, “um tesouro da Igreja
750
:
É tesouro que começa a acumular-se a partir da rica tradição da Antiga Aliança,
completa-se na Nova e encontra sua expressão plena e emblemática no mistério da
Sagrada família, na qual o Esposo divino opera a redenção de todas as famílias. Dali,
Jesus proclama o evangelho da família. Deste tesouro de verdade, se nutriram todas as
gerações dos discípulos de Cristo, a começar pelos Apóstolos, de cujo ensinamento
usufruímos abundantemente nesta carta. [...] A Sagrada Família é o início de tantas
outras famílias santas. [...] Através da família, passa a história do homem, a história da
salvação da humanidade
751
.
Desse modo, a família está intimamente relacionada ao amor de Deus pelo seu Povo na
História da Salvação e ao seu pleno cumprimento em Jesus de Nazaré. Imagem de todas as
famílias redimidas por Cristo, a família de Nazaré constitui instrumento pelo qual a Salvação
chega a cada pessoa e às famílias. Ela encontra-se no centro do combate entre o bem e o mal,
com a missão específica de ser “fonte de Deus [e] liberar as forças do bem, cuja fonte se
encontra em Cristo Redentor do homem”
752
. O evento Pascal é a chave de leitura de toda a
história da Salvação realizada em Cristo. A encarnação do Verbo preexistente no seio da família
humana é pressuposto para a plena realização do evento Pascoal no sacrifício da Cruz redentora e
748
Cf. MACHADO, F. A família e Jesus de Nazaré. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2000, p. 5-13; FC, 13.22; CtFm
2.15.18-19.21; MASINI, M. Maria, o Espírito e a Palavra. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 7-10; VIDAL, M. O
Evangelho da vida: para uma leitura da Evangelium vitae. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 63-160.
749
CtFm 23; cf. RH, 8; MASINI, M. Maria, o Espírito e a Palavra. São Paulo: Paulinas, 2002, p.7-53.
750
CtFm 23.
751
CtFm 23; cf. GS, 47-52.
752
CtFm, 23.
187
na Ressurreição
753
. Toda a obra da Salvação em Cristo não é outra coisa senão a realização plena
da comunhão entre Deus e os homens
754
.
Nada diz o Novo Testamento sobre Jesus ter sido marido, pai ou ter filhos, ao contrário,
atesta somente ter sido solteiro plenamente humano e plenamente Deus. Assumindo a natureza
humana conheceu muito bem uma família humana, suas alegrias e suas angústias, nasceu, viveu e
foi educado no seio de uma família judaica, em meio às relações com outras famílias de Nazaré,
entre a cultura social e religiosa de seu povo, percorreu a região pregando o Reino de Deus e
morreu, mais ou menos, aos trinta anos
755
.
Jesus ultrapassou os limites de uma família humana tradicional e propôs uma nova
mentalidade e experiência familiar: a comunidade dos discípulos
756
. Seus parentes o imaginam
louco, Maria vê seu filho irromper como um carismático-messiânico. A nova comunidade emerge
como o lugar de maior abertura e disponibilidade para acolher e fazer realizar os desígnios de
Deus. Maria e José realizaram em si os desígnios de Deus
757
.
Jesus Cristo une a humanidade (Esposa) a Si (Esposo) como a seu corpo, no amor e na
doação como Salvador da humanidade. Deus une o seu povo redimido a si em uma nova aliança
quando assume a carne humana unindo-a a si como a seu corpo, transformando-a em nova
criatura. A humanidade redimida torna-se Igreja, esposa de Cristo. A sacramentalidade da Igreja
está em ser Corpo de Cristo, expressão viva de sua presença e ação, seu sinal e instrumento
758
.
753
Cf. FC, 13.
754
Cf. FC, 13. 20.
755
Cf. Mt 1,16-19; 13,55; Lc, 1,42-45; 2,4-52; 4,16; Mc 3,21-31; MACHADO, F. A família e Jesus de Nazaré. 2. ed.
São Paulo: Paulus, 2000, p. 7-59; RH, 8-9.
756
CF. Mc 3,31-35; Mt 12,46-50; Lc 8,19-21.
757
CF. BOFF, L. O rosto materno de Deus. 9. ed. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 121-124.
758
Cf. FC, 13; LG, 1-9; GS, 48; CtFm 16; SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício
Instituto João Paulo II para Estudos sobre Matrimônio e Família, 2003, p. 337-339; CAMBÓN, E. Assim na terra
como na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida em sociedade? Vargem Grande Paulista-SP:
Cidade Nova, 2000, p. 103.
188
A família é uma força sacramental de Cristo, pois, “o casal santificado pelo sacramento do
matrimônio é testemunho da presença pascal do Senhor”
759
. Uma força que brota da fonte do
Sacramento do Matrimônio, entendido como Memorial da Páscoa de Jesus Cristo. Jesus Cristo é
a Boa-nova para a família e, ao mesmo tempo, a Boa-Nova da família, que pelo testemunho, é
por Ele chamada a iluminar a humanidade pelos caminhos da História
760
.
A força sacramental da família está na íntima união de vida conjugal e familiar e na
presença constante e fiel de Cristo, o Esposo
761
. O Sacramento faz do matrimônio e da família a
“íntima união de vida em sinal eficaz do amor entre Cristo e a Igreja e os transforma em
sujeitos responsáveis e protagonistas da vida eclesial e social”
762
. Deste modo, atribui-se ao ser
e ao agir da família o fundamento do futuro da Igreja e da Humanidade; a família é fundamento
da convivência humana e paradigma da vida eclesial. Na Familiaris Consortio o Papa exortou
firmemente: “Família, torna-te aquilo que és!
763
. No discurso de 20 de outubro de 2001
reafirmou a exortação: “Acrescento: ‘Família, acredita naquilo que tu és!’; acredita na vocação a
ser um sinal luminoso do amor de Deus”
764
.
A família tem duas dimensões: a dimensão religiosa, cuja fonte é o desígnio de Deus
Criador e Redentor; a dimensão social, enquanto célula vital da sociedade. A família cristã,
759
Puebla, 583; cf. CAMBÓN, E. Assim na terra como na Trindade: o que significam as relações trinitárias na vida
em sociedade? Vargem Grande Paulista-SP: Cidade Nova, 2000, p. 103. 186-187.
760
Cf. JOÃO PAULO II. Discurso na festa das famílias, 20 de outubro 2001. Disponível em: <http://www.vati
can.va/jonh_ paul_ii/speeches/2001/october/documents.hfj>. Acesso em 03/11/2006. 07:10:09; Puebla 583.
761
Cf. SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos
sobre Matrimônio e Família, 2003, p. 339 “Dizendo que o matrimônio é sacramento, expressamos que ele é sinal
eficaz do Mistério santo, ou seja, do desígnio do Pai. E, enquanto tal, torna possível a maior exaltação de todos os
fatores da vida conjugal. Com efeito, afirmar a sacramentalidade do amor entre o homem e a mulher significa dizer
que a modalidade com que Cristo permanece unido à Igreja passa através do modo com que os maridos e as
mulheres cristãos estão unidos entre si”.
762
JOÃO PAULO II. Discurso na festa das famílias, 20 de outubro 2001. Disponível em: <http://www.vatican.
va/jonh_ paul_ii/speeches/2001/october/documents.hfj>. Acesso em 03/11/2006, 07:10:09.
763
FC 17.
764
JOÃO PAULO II. Discurso na festa das famílias, 20 de outubro 2001. Disponível em: <http://www.vatican.
va/jonh_ paul_ii/speeches/2001/october/documents.hfj>. Acesso em 03/11/2006, 07:10:09.
189
fundada sobre o matrimônio, tem sua vida em Cristo e no seu seguimento. Esta é a família a ser
acreditada em confronto com as visões distorcidas:
[...] visões deturpadas e mais perigosas do que nunca, alimentadas por ideologias
relativistas, maciçamente propagadas pelos mass media. Na realidade, para o bem do
Estado e da sociedade, é de importância fundamental salvaguardar a família assente
sobre o matrimônio, compreendido como ato que sanciona o compromisso recíproco,
publicamente expresso e regulado, a plena assunção das responsabilidades mútuas e em
relação aos filhos, e o título dos direitos e dos deveres como núcleo social primordial,
sobre o qual se fundamenta a vida da nação
765
.
Investir na família fundamentada no matrimônio em níveis legislativo, social e cultural,
garante a estrutura familiar, fundamento da sociedade, pois:
Ela é a principal fonte de esperança para o futuro da humanidade e, por conseguinte, a
nossa esperança é de que os indivíduos, as comunidades e os sujeitos sociais acreditem
cada vez mais na família fundamentada sobre o matrimônio, lugar de amor e de
solidariedade autêntica
766
.
Jesus Cristo é o princípio de vida e santidade do casal cristão. Ele deve ser seguido em
todos os seus caminhos no testemunho do amor que Deus n’Ele revelou ao mundo:
Os próprios esposos, feitos à imagem de Deus e estabelecidos numa dignidade
verdadeiramente pessoal, estejam unidos em comunhão de afeto e de pensamento e com
mútua santidade de modo que, seguindo a Cristo, princípio de vida (Rm 5,15. 18; 6,5-11;
Gl 2,2), se tornem, pela fidelidade do seu amor, através das alegrias e sacrifícios da sua
vocação, testemunhas daquele mistério de amor que Deus revelou ao mundo com a sua
morte e ressurreição (Ef 5,25-27).
Seguindo a Jesus Cristo em tudo, a família deve encontrar-se n’Ele. No nascimento dos
filhos, a família é chamada a recordar o dom da Encarnação do Verbo. A humanidade de Jesus no
seio da Virgem Maria e na vida de José deve inspirar os pais à vocação de cooperadores de Deus
765
JOÃO PAULO II. Discurso na festa das famílias, 20 de outubro 2001. Disponível em: <http://www.vatican.
va/jonh_ paul_ii/speeches/2001/october/documents.hfj>. Acesso em 03/11/2006, 07:10:09.
766
JOÃO PAULO II. Discurso na festa das famílias, 20 de outubro 2001. Disponível em: <http://www.vatican.
va/jonh_ paul_ii/speeches/2001/october/documents.hfj>. Acesso em 03/11/2006, 07:10:09; Cf. LG,11; GS 48.52;
FC, 21.85; SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos
sobre Matrimônio e Família, 2003, p. 195-198.
190
na recepção da vida, e na educação dos filhos para o bem da humanidade. A vida íntima da
família de Nazaré, entre as alegrias e as angústias, podem ser luzes para as famílias em meio aos
desafios contemporâneos. Jesus foi verdadeiro homem, inserido na realidade de uma família, de
um povo, em uma época determinada da história
767
.
A vida pública de Jesus, aquele que se preocupa com as coisas do Pai, revela à família a
importância de cada filho assumir a sua própria vocação a partir do que aprendem da relação com
a Paternidade de Deus.
A imagem de Nazaré, onde “Jesus crescia em sabedoria, tamanho e graça diante de Deus
e dos homens” (Lc 2,52), era a imagem de uma família cujas relações eram estáveis. Maria e Jo
eram mestres para Jesus na arte das relações humanas e das relações entre o humano e o
divino
768
. A partir do testemunho de cada família, as famílias são chamadas a se unirem na
prática do amor e da comunhão, tornando realidade a unidade de todo o gênero humano que Deus
deseja
769
.
Deus valorizou os homens ao ponto de “enviar seu filho unigênito como redentor, [de
modo que a Cruz] é o maior sinal visível do amor infinito de Deus pela humanidade”
770
. As
situações da cruz redentora e da ressurreição de Jesus Cristo devem levar a família a viver o amor
e a doação em espírito de sacrifício, na esperança da ressurreição. O efeito da vivência Pascal da
família sentir-se-á na irradiação da ressurreição de Cristo a toda a família humana.
Neste espírito de Páscoa, evangelizam os pais os seus filhos e são por eles
evangelizados. O reconhecimento das faltas e a sincera manifestação do perdão são
elementos de permanente ressurreição. O ambiente de Páscoa floresce em toda a vida
cristã e se converte em profetismo, em contato com a divina Palavra
771
.
767
Cf. DOMÍNGUEZ, J.; SÂEZ, J. O homem de Nazaré. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 15-86; Puebla, 584; CtFm 2.
768
Cf. Mt 1,18-25; 2,1-23; Lc 1-2; CtFm 2.
769
Cf. Puebla, 586-588.
770
SCHNEIDER, R. Desafios do convívio familiar. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 17.
771
Puebla, 595.
191
A comunhão familiar se estabelece com maior firmeza na busca constante da Palavra de
Deus e na vivência eucarística. A família está unida a Cristo também em sua missão sacerdotal,
profética e régia. A família:
Em atitude de ofertório, exerce o sacerdócio comum e participa da eucaristia, para
prolongá-la na vida pelo diálogo em que partilha a palavra, as preocupações, os planos,
aprofundando-se com isto a comunhão familiar. Viver a eucaristia é reconhecer e
compartilhar os dons que, por Cristo, recebemos do Espírito Santo. É aceitar a acolhida
que os outros nos oferecem e deixá-los que entrem em nós mesmos. Com isso ressurge o
espírito da aliança: deixar que Deus entre em nossa vida e dela se sirva segundo sua
vontade. Surge, então, o centro da vida familiar, a imagem forte e suave de Cristo, morto
e ressuscitado
772
.
A união de Cristo, Esposo, com Sua Igreja, Esposa, é refletida na família cristã. Esta, por
sua vez, é imagem da Igreja. A família é, definitivamente, a sociedade e a Igreja em miniatura
773
.
2.3 Família: imagem da Igreja
A família é chamada à santidade por ser formada de pessoas cristãs
774
. A espiritualidade
na relação conjugal no sacramento do matrimônio e na vida familiar tem sido tema em constante
evolução da teologia do laicato e dos ensinamentos do magistério eclesiástico. A evolução pós-
Conciliar Vaticano II entende o leigo, isso também aplicado à família, não mais como um
“cliente” da Igreja, mas como “um verdadeiro sujeito de vocação e missão eclesial”
775
. Justifica-
772
Puebla, 588.
773
Cf. LG 11; AA 11; SCHNEIDER, R. Desafios do convívio familiar. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002, p. 72-73.
774
Cf. LG, 5; Puebla 569.
775
SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos sobre
Matrimônio e Família, 2003, p. 332.
192
se, desta forma, que a teologia do matrimônio e da família seja sistematizada como uma
dimensão da teologia e não como mero tema a ser desenvolvido
776
.
A cultura dominante, marcada pela progressiva secularização ou mundianização,
promotora de uma nova religiosidade de cunho naturalista, “uma espécie de genérico
espiritualismo panteísta”
777
, caracterizada pelo retorno à visão pré-cristã ou neopagã do sagrado
(onde o próprio cosmo é o divino), questiona o cristianismo e coloca em discussão questões
fundamentais que exigem retorno ao significado originário
778
. As manifestações de cunho
religioso, que dizem respeito à origem e o destino do homem e do mundo, de qualquer
experiência religiosa parecem respostas plenas às questões da vida. O dominador comum das
experiências religiosas é a espiritualidade. As concepções e conceituações de espiritualidade são
muito diversificadas, dependendo da influência cultural a que está submetida
779
.
A espiritualidade para a Igreja significa viver segundo o Espírito
780
. A vida segundo o
Espírito, na experiência cristã, é dom recebido do alto que interpela a liberdade humana à adesão
da fé
781
.
O Espírito é o Espírito de Jesus Cristo morto e ressuscitado, é o Espírito Santo, a terceira
Pessoa da Santíssima Trindade, que foi enviado a nós, em íntima união com a missão do
Filho de Deus, feito homem propter nos hominis et propter nostram salutem
782
.
776
Cf. SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos
sobre Matrimônio e Família, 2003, p. 332.
777
SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos sobre
Matrimônio e Família, 2003, p. 333.
778
Cf. SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos
sobre Matrimônio e Família, 2003, p. 333.
779
Cf. SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos
sobre Matrimônio e Família, 2003, p. 333-334: a sociedade consumista que exalta o corpo investe recursos materiais
e espirituais para manter a religião do corpo; a sociedade marcada pelo dualismo cartesiano que separa espírito e
corpo, o primeiro prisioneiro do segundo, tende a uma espiritualidade desencarnada.
780
Cf. Mt 16,24-26; At 1,8; 1Cor 13; 2Cor 13,13; Gl 5,22-25; CIGC 731-736.
781
Cf. SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos
sobre Matrimônio e Família, 2003, 2003, p. 334.
782
SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos sobre
Matrimônio e Família, 2003, p. 334.
193
Os primeiros discípulos conheceram quem é Jesus na fé e tudo de sua vida era sinal de seu
Mistério: a encarnação e o pano que o envolveu na noite em que foi dado à luz; os gestos,
palavras, milagres, a coroa de espinhos e o vinagre que lhe ofereceram na Paixão são detalhes
reveladores de que “nele habita corporalmente toda a plenitude de sua divindade” (Cl 2,9)
783
.
“Sua humanidade aparece assim como o “sacramento”, isto é, o sinal e instrumento da sua
divindade e da salvação que ele traz: o que havia de visível na sua vida terrestre apontava para o
mistério invisível da sua filiação divina e da sua missão redentora”
784
, este é o método da
encarnação
785
.
Aqui é delineado, com muita precisão, o método pelo qual o Espírito de Cristo se doa ao
homem: é o método implicado na lógica da Encarnação (Cf. Fides et Ratio 19). Nela,
Jesus Cristo aparece como a via (do grego metá-hodos: estrada através da qual). E a
modalidade com que Jesus Cristo, mediante o Espírito, torna-se para nós a via é análoga
ao que ele propôs aos apóstolos. Através da sua humanidade foram conduzidos a
descobrir a Sua divindade
786
.
Jesus é o evento que se vive nesta vida em seu Espírito. Na unidade do eu, sem dualismo,
o corpo é o sinal no qual o homem percebe o espírito: “o corpo é o sacramento de toda a
pessoa”
787
.
Esta antropologia está justificada na relação Cristo-Igreja como arquétipo do homem-
mulher
788
. O matrimônio é o sacramento da aliança dos esposos, é o grande mistério que expressa
783
Cf. CIGC 515.
784
CIGC 515.
785
Cf. SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos
sobre Matrimônio e Família, 2003, p. 333-337.
786
SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos sobre
Matrimônio e Família, 2003, p. 335; cf. CIGC 1612.
787
SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos sobre
Matrimônio e Família, 2003, p. 337; cf. MD, 6-8; FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de
autores cristianos, 1995, p 3-13.
788
Cf. MD, 6-8; CtFm 19; SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo
II para Estudos sobre Matrimônio e Família, 2003, p. 35-40; GONÇALVES, P. S. L. O ser humano como imagem e
semelhança de Deus: a antropologia teológica. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (orgs.). Teologia na
pós-modernidade: abordagens epistemológicas, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 251-309.
194
o amor esponsal de Cristo pela sua Igreja: “A confirmação e a tarefa da comunhão esponsal entre
Deus e seu povo se dão em Cristo, na Nova Aliança. Cristo nos assegura que o Esposo está
conosco (cf. Mt 9,15). Está com todos nós, está com a Igreja. A Igreja se torna Esposa, Esposa de
Cristo”
789
. À luz da Nova Aliança se verifica a nova verdade eterna sobre o matrimônio e a
família: “Submetei-vos uns aos outros no temor de Cristo” (Ef 5,21): Cristo é o ponto de
referência do amor esponsal e da família: “Não existe o ‘grande mistério’, que é a Igreja e a
humanidade em Cristo, sem o grande mistério expresso no ser ‘uma só carne’ (cf. Gn 2,24; Ef
5,31-32), isto é, na realidade do matrimônio e da família”
790
.
Homem-mulher e, por isso, matrimônio-família, são sinal eficaz do mistério de unidade
que há entre Cristo e a Igreja. Ou, em outros termos, o matrimônio-família – sendo a
expressão elementar mais comum, mais universal, do modo com que Cristo está unido à
Igreja – traz consigo o significado profundo que a Igreja tem para o mundo: é Cristo que
permanece, é a possibilidade dada a mim, a ti, a nós, que chegamos dois mil anos depois,
de encontrá-Lo. A Igreja é sacramento porque realiza a possibilidade do encontro com
Deus, em Jesus Cristo, como o Homem de hoje
791
.
Pelo sacramento do matrimônio em que os dois se unem e se amam em Cristo, torna-se
lugar eclesial para todos da família
792
. Deste modo, a família é a “Igreja doméstica”
793
, lugar
onde se realiza a comunhão de pessoas e a relação entre Cristo e a Igreja
794
. Para ser fiel à sua
própria vocação a família deve encarnar na sua vida a vida da comunidade cristã, fazendo própria
789
CtFm 19.
790
CtFm 19; cf. SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para
Estudos sobre Matrimônio e Família, 2003, p. 337-339.
791
SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos sobre
Matrimônio e Família, 2003, p. 339; cf. LG, 1; GS, 45.
792
Cf. CIC c. 1055; CIGC 1601-1617; GS 47.
793
LG, 11.
794
Cf. SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos
sobre Matrimônio e Família, 2003, p. 339-341.
195
a vida da Igreja. A família torna-se sujeito da missão na qual a Igreja se torna visível como
sacramento de Cristo
795
.
Em 1932, através de trabalhos arqueológicos de escavação, descobriu-se um edifício
cristão, uma casa particular usada como igreja, datada do século III e bem completa, considerada
a igreja cristã mais antiga já encontrada. A partir daí despertou-se o interesse dos estudiosos pela
igreja doméstica no Novo Testamento, questão relevante especialmente para estudos sobre os
primeiros cristãos urbanos da época de Paulo. A imagem da igreja doméstica torna-se mais viva à
medida que a família se torna um elo entre a família e a cidade, isto é, à medida que surgem
questões “sobre a estrutura de autoridade interna da família, a estratificação social da família de
acordo com a riqueza e propriedade e as associações voluntárias”
796
.
O estudo da igreja doméstica pode nos conduzir ao âmago de muitos problemas básicos
das comunidades primitivas
797
. Paulo conhecia muito bem os problemas de suas igrejas e não era
muito direto sobre elas, por isso, “suas instruções sobre a vida da Igreja, no entanto, tornam-se
mais compreensíveis quando lidas a partir da perspectiva da família, ao mesmo tempo em que
jorra luz sobre tais grupos”
798
.
A Igreja reunia-se nas casas de famílias onde o lar era o ambiente familiar da Igreja. Da
antiga modalidade das estruturas familiares surgiam os ofícios e as estruturas eclesiais dos
séculos futuros
799
. Paulo falava de “igrejas domésticas: assembléias de cristãos que eram
formadas dentro e ao redor de famílias particulares”
800
. Os edifícios não perdiam o caráter de
domicílio da família anfitriã, mas funcionavam como ambiente de reunião dos cristãos do lar em
795
Cf. SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC. Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos
sobre Matrimônio e Família, 2003, p. 340.
796
BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 8.
797
Cf. BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 8.
798
BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 9.
799
Cf. 1Cor 16,19; Rm 16,3-5; Fl 2; Cl 4,15.
800
BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 11.
196
torno de uma família, e para reuniões da Igreja local, das famílias e dos indivíduos cristãos de
uma cidade. Em certos casos, os lares apareciam em contraposição ao Templo judaico: os
membros “do caminho”, nome primitivo dos cristãos, adoravam no Templo e partiam o pão nas
casas
801
.
Certamente, os primeiros cristãos optavam pelas reuniões em casas particulares por
necessidade prática: provavelmente, o difícil acesso às sinagogas; a falta de um espaço próprio de
reunião; a falta de um espaço de maior privacidade e intimidade para a comunidade.
Por cerca de um século a habitação particular moldou a vida da comunidade cristã,
formando o ambiente no qual os cristãos se relacionavam uns com os outros,
promovendo subestrutura econômica para comunidade, plataforma para o trabalho
missionário, estrutura para a liberdade e autoridade e, provavelmente, papel definido às
mulheres
802
.
A habitação, por outro lado, recordava Jesus que escolheu o cenáculo, a sala de uma
residência familiar, um lugar fora do ambiente considerado sagrado (Templo), para comer a Ceia
e realizar a sua obra junto aos seus fiéis, com quem insistia uma relação nos laços familiares.
Somente na segunda metade do século II os edifícios começaram a ser reformados,
estruturados e transformados em espaços-igrejas. Um ano após o Edíto de Milão, em 314 d.C., os
cristãos receberam permissão para construir igrejas a partir do chão. Surge a primeira basílica. A
mudança da igreja doméstica para as igrejas consagradas demonstra uma autocompreensão: a
comunidade se torna templo, o poder se concentra nas mãos de poucos, os ritos estilizados
tornam-se atividades eclesiais
803
.
Paulo, enraizado nas Escrituras antigas, utilizou amplamente a terminologia da família e
do lar, na igreja doméstica, para expressar o relacionamento e a organização entre cristãos, por
801
Cf. At 2,46; 5,42; BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 11-14.
802
BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 13.
803
Cf. BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 13.
197
exemplo: pai e mãe, filho e filha, irmãos e irmãs, edificação, alicerce, casa, família,
administrador
804
. Para literatura veterotestamentária, Israel era a “casa ou lar”; os israelitas eram
“irmãos e filhos” da sabedoria
805
. A linguagem da família, para descrever o relacionamento
interpessoal da comunidade, empregada por Paulo, tinha significação peculiar:
[Paulo] é apóstolo e pai para as suas comunidades que são famílias. A necessidade
prática de se encontrar em lares de particulares nitidamente misturou-se com o
entendimento teológico das comunidades cristãs. Paulo viveu essa relação familiar com
seus colaboradores e comunidades e queria que eles vivessem o mesmo. Suas
admoestações podiam soar fortemente nas comunidades, porque o núcleo da comunidade
era, de fato, a família. A Igreja começou com o relacionamento interpessoal íntimo e
intenso dos membros da família. Como afirma Robert Banks: ‘Tendo dado à família o
caráter da comunidade cristã, os lares de seus membros proveram a atmosfera mais
propícia, na qual eles puderam dar expressão aos laços que tinham em comum
806
.
Vicente Branick
807
afirma a possibilidade de ser elemento-chave do plano estratégico
Paulino para a propagação do Evangelho no mundo, a conversão de uma família e a conseqüente
formação de uma igreja doméstica
808
. Paulo, o missionário itinerante, dependia da hospitalidade
das famílias para o cumprimento, eficácia e eficiência de sua missão. Centrado na família ele
ampliava sua rede de relações sociais, compartilhava seu trabalho, adquiria apoio material e
financeiro para a divulgação do Evangelho
809
. São Jerônimo descreve a hospitalidade em Paulo
como a participação dos cristãos primitivos na sua obra missionária apostólica:
[Filemon] Deveria preparar um lugar para o hóspede, mais para o apóstolo do que para
Paulo. Quando Paulo chegasse a uma nova cidade para pregar aquele que havia sido
crucificado e proclamar os ensinamentos nunca ouvidos, ele tinha de encontrar-se com
muitas pessoas. Para isso, precisava, antes de tudo, de lugar apropriado na cidade, onde
804
Cf. 1Cor 1,1; 3,10-13; 4,1-2.14-15; 8,1-10.11.13; 15,58; 16,20; 2Cor 1,1; 2,13; 8,23; 9,3.5; 1Ts 2,7.11; 5,11;Gl
4,19; 6,10; Rm 14,19; 15,14.25; 16,13.; Fl 2,22.25; 3,1; 4,1; Cl 1,2; 4,7.15; Gl 1,2; BRANICK, V. A Igreja
doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 14.
805
Cf. Am 5,25; Jr 38,33; Lv 10,14; 19,17; Dt 15,3; Eclo 2,1; 3,12. 17; 4,1.11; 6,18-32.
806
BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 15.
807
Cf. BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 16-19.
808
Cf. At 10,2; 16,13-34; 17,2-9; 18,1-11; 1Cor 1,16; Jo 4,53.
809
Cf. Fl 2,27-29; 4,14-18; 2Cor 8,1-5; Rm 16,1-2.
198
todos pudessem reunir-se; um lugar sem perturbações, grande, para que pudesse receber
muitos ouvintes, não perto dos lugares de espetáculo nem perto de vizinhos
perturbadores
810
.
Jesus tinha como base de suas operações e chave para a missão ser recebido por uma
família. Enviava seus discípulos a pregar o Reino de Deus, a expulsar demônios e a curar, mas,
antes, instruía seus enviados a hospedar-se em uma casa de família onde recebiam apoio
necessário
811
. Seguiam a Jesus os missionários-itinerantes que deixavam para trás família e
propriedade, desprovidos e sem lugar onde reclinar a cabeça; seguiam a Jesus, de igual modo, as
famílias hospedeiras que tinham casa, propriedades, pai, mãe, crianças e irmãos: “O lar era,
então, algo que os seguidores de Jesus ou deixavam para trás ou estendiam para o uso do
Evangelho”
812
.
O lar e a vida doméstica tornavam-se o núcleo da comunidade cristã. Ao redor ou dentro
do lar a comunidade ensinava, praticava, celebrava a fé e produzia os Evangelhos. A família
constituía-se base da sociedade e de todas as atividades econômica, política, social e religiosa. O
cabeça da família social
813
ocupava cargo de autoridade e, normalmente, assumia autoridade à
frente do grupo eclesial. A mãe de família, dentro da igreja doméstica, provavelmente, ocupava
posição significativa sendo, de diversos modos, gerente da família
814
.
810
SÃO GERÔNIMO. Comentário sobre Filemon. Ad v. 22; PL 26/616b. In: BRANICK, V. A Igreja doméstica nos
escritos de Paulo.o Paulo: Paulus, 1994, p. 17.
811
Cf. Mc 1, 29; 2,1.5; 3,20; 6,10.34-44; 7,14-27; 8,1-10; 9,33; 10,2-12; Lc 5,29; 7,36-50; 9,53-58; 9,3; 10,8-9.38;
12,37; 14,1; Mt 6,31-33; 8,20; 13,36.
812
BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 18; Cf. também p. 16-20.
813
Cf. BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 20; sobre a liderança na
igreja doméstica p. 78-97: o cabeça da família ou paterfamilias era o pai governante com autoridade legal sobre o
grupo familiar, incluindo os escravos e os que se reuniam ou hospedavam em sua casa. Em Tessalônica, Jasão
hospedou Paulo e Silas e foi arrastado ao tribunal pelo comportamento de seus hóspedes (cf. At 17,1-9). O
paterfamilias tornou-se o posterior patriarcado da Igreja, e no Novo Testamento suas habilidades eram consideradas
quando candidato ao episcopado ou ao presbiterado (cf. 1Tm 3,4-5; Tt 1,6).
814
Cf. BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 20; Cl 4,15; Fl 1-2; Rm
16,3-5; 1Cor 16,9; At 18,2-18; 2Tm 4,19.
199
Nem todos os membros de uma família tornavam-se cristãos. Membros cristãos de uma
família anfitriã e a igreja doméstica reuniam-se em oração. Paulo, por sua vez, orientava os
comportamentos para com os membros familiares não cristãos
815
.
A relação entre igreja doméstica e a postura familiar fez surgir uma rede de igrejas
domésticas de uma mesma cidade, fez surgir a igreja local. Inicialmente, o conceito de igreja
local não era muito claro, mas com o passar do tempo, a ampliação de igrejas domésticas em
algumas cidades fez a igreja local assumir características definidas. Contudo, observa-se que a
igreja local se reunia na igreja doméstica, a casa era o lugar de reunião das igrejas
816
. Desse
modo, “a unidade maior ainda refletiria a menor”
817
.
O conceito, “igreja doméstica”
818
, retomado e apresentado pelo Vaticano II, é uma
tentativa de “retorno às origens” em um novo contexto. O estudo da exegese, da eclesiologia e da
missiologia, muito poderá contribuir para uma adequada teologia da família e para a ação pastoral
da Igreja em seu favor. Na missão da comunidade eclesial, a pastoral familiar, reconhecida como
a Igreja maior na menor, ocupa centralidade e prioridade
819
.
João Paulo II escreveu de forma mais simples, nem por isso menos profunda, sobre a
realidade da família, um livro editado por Joseph Durepos:
As famílias cristãs existem para formar uma comunhão de pessoas no amor. Assim, a
Igreja e a família são, cada uma a seu modo, representações vivas na história humana da
eterna comunhão de amor das três Pessoas da Santíssima Trindade. De fato, a família é
chamada a Igreja em miniatura, a “Igreja doméstica”, uma expressão particular da Igreja
pela experiência humana de amor e vida comum. Como a Igreja, a família deveria ser o
lugar onde o evangelho fosse transmitido e onde o evangelho se difundisse para as outras
815
Cf. O não cristão Onésimo, escravo de Filemon, se converteu servindo Paulo na prisão (cf. Fm 10); famílias em
que os “cabeças” ou cônjuges não eram cristãos (cf. 1Cor 7; Rm 16,11).
816
Cf. BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 20-77.
817
BRANICK, V. A Igreja doméstica nos escritos de Paulo. São Paulo: Paulus, 1994, p. 21.
818
LG 11; AA 11.
819
Cf. Santo Domingo, 222; LG 11; GS 48.52; FC, 21.85; SCOLA, A. O mistério nupcial. Bauru: EDUSC.
Salvador: Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos sobre Matrimônio e Família, 2003, p. 196.
200
famílias e para toda a sociedade. Os pais católicos devem aprender a formar sua família
como esta Igreja doméstica, uma Igreja no lar, onde Deus é honrado, sua lei é respeitada,
a oração é um acontecimento normal, a virtude é transmitida pela palavra e pelo exemplo
e todos compartilham as esperanças, os problemas e os sofrimentos de cada um. Tudo
isso não é defender o retorno a um estilo de vida absoleto; é, sem dúvida, um retorno às
raízes do desenvolvimento humano e da felicidade humana
820
.
É possível falar da família, célula viva e primordial da Igreja, sustentada pelo sacramento
do matrimônio e pela oração de Jesus que deseja a unidade das famílias e a unidade da família
humana. A missão da família diz respeito à própria família e às famílias para as quais é enviada a
testemunhar e a anunciar o Evangelho da vida
821
. Todos os seres humanos buscam a felicidade: é
algo natural! Mas a felicidade não se consegue sem a fidelidade a si mesmo e aos outros. “A
fidelidade no amor é uma qualidade tão natural como o próprio amor”
822
. O matrimônio cristão,
sacramento Pascal de Cristo, não é simples “contrato [...] o matrimônio vai além da vontade das
partes, pois estas dão a sua adesão comum a uma instituição – a família – que tem vida e
características próprias, para além das vontades individuais”
823
. João Paulo II reafirma com toda a
força que “‘a família é o centro e o coração da civilização do amor’. [...] A civilização do amor
coincide com a civilização da solidariedade
824
. Qual é, então, a radical teologia do matrimônio
como sacramento Pascal de Jesus Cristo?
820
JOÃO PAULO II. Vá em paz: um presente de amor permanente; editado por Joseph Durepos. Aparecida:
Santuário, 2005, p. 127.
821
Cf. JOÃO PAULO II. Vá em paz: um presente de amor permanente; editado por Joseph Durepos. Aparecida:
Santuário, 2005, p. 127-136.
822
CIFUENTES, R. L. As crises conjugais. São Paulo: Quadrante, 2001, p. 6.
823
CIFUENTES, R. L. As crises conjugais. São Paulo: Quadrante, 2001, p. 43.
824
CIFUENTES, R. L. As crises conjugais. São Paulo: Quadrante, 2001, p. 43-44.
201
2.4 Teologia do matrimônio como sacramento
2.4.1 Perspectiva histórica do matrimônio como sacramento
A história do matrimônio como sacramento, tanto doutrinal quanto litúrgico, teve o seu
desenvolvimento
825
. Santo Agostinho influenciou o Ensino católico tradicional sobre o
matrimônio apontando seus benefícios: a fidelidade, a prole e o sacramento
826
. Ele considerou o
termo sacramento em um sentido geral e não restrito
827
, aplicando-o a todos os matrimônios,
inclusive o matrimônio cristão.
A teologia medieval desenvolveu a teologia do matrimônio como sacramento na
perspectiva de Santo Agostinho “como sinal de unidade transcendente do povo de Deus para a
perspectiva do matrimônio como um dos sete sacramentos”
828
. Contudo, ainda no período
medieval, mais exatamente entre os séculos XI e o XII, que a teologia incorporou o matrimônio
825
Cf. FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 404-416; FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores cristianos,
1995, p. 115-243.
826
Santo Agostinho considera que o matrimônio não é simples laço entre dois indivíduos, mas símbolo e sacramento
de unidade e de paz social. A sacramentalidade do matrimônio reside na distinção entre o pacto antigo, isto é, os
matrimônios polígamos dos patriarcas simbolizavam a futura igreja constituída de muitas nações e povos; e o novo
pacto, isto é, o matrimônio monogâmico dos bispos com uma só esposa, símbolo da unidade escatológica de todos os
povos e nações. Cf. FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas.
V. 2. São Paulo: Paulus, 1997, p. 406; FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores
cristianos, 1995, p. 131-144.
827
Cf. FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 405: “Em sentido bastante geral, sacramento refere-se a palavras, coisas, e ações visíveis que
são símbolo do que é invisível e transcendente. Em sentido mais estrito, sacramento refere-se especificamente aos
sacramentos da igreja católica, entre os quais o batismo e a eucaristia possuem um papel predominante”.
828
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 407; cf. FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1995, p.
132-136. 227-243.
202
na ordem dos sete sacramentos, consolidando mais de vinte séculos de caminhada e de reflexão
teológica na esfera familar
829
.
“As celebrações litúrgicas influenciaram o desenvolvimento da noção do matrimônio
como sacramento”
830
. As celebrações matrimoniais litúrgicas do encobrimento com o véu e a
entrega da noiva adotaram as tradições romanas, assumindo a entrega no sistema paterfamílias, e
as tradições teutônicas, influenciadas pelas leis germânicas sobre a entrega da noiva. As
cerimônias das religiosas eram feitas à semelhança do matrimônio: a virgem a ser consagrada era
encoberta com um véu e entregue à Igreja como noiva direta de Cristo
831
. A analogia da entrega
da noiva ao noivo no matrimônio e na vida consagrada foi significativa para o desenvolvimento e
compreensão do matrimônio como sacramento:
Embora a virgem fosse consagrada diretamente a Cristo, a noiva era consagrada,
mediante o relacionamento humano com seu marido, a figura de Cristo. O
relacionamento visível da noiva com o marido era sinal de sua relação invisível com
Cristo. O texto de Efésios 5,21-32 influenciou esse desenvolvimento
832
.
Ao lado da doutrina medieval do matrimônio com sacramento surgiram especulações e
debates teológicos diversos, concernentes às teorias sobre “o que constituía a natureza do
829
A influência doutrinal: os cátaros ou albigenses eram ascetas, cujas afirmações consideravam o matrimônio como
um mau. A resposta teológica da igreja estimulou uma teologia do matrimônio como sacramento. O Papa Lúcio III
fez o primeiro pronunciamento Magistral no Concílio de Verona (1184) anematizando os cátaros e suas afirmações
sobre o matrimônio. O Papa Inocêncio III (1208) exigiu que os valdenses escrevessem uma profissão de fé aceitando
todos os sacramentos, inclusive o matrimônio, como condição para o retorno ao catolicismo. O Segundo Concílio de
Lião (1274) propôs uma mesma profissão de fé para o imperador bizantino Miguel Paleólogo; A influência litúrgica:
celebrações e bênçãos de entrega da noiva. Cf. FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática:
perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo: Paulus, 1997, p. 407-408.
830
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 408; cf. FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1995, p.
227-243.
831
A consagração não era considerada sacramento por ser a virgem diretamente consagrada a Cristo. Cf.
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 408; “Já que a consagração do marido era sinal visível de relação mais profunda com Cristo, o
matrimônio era o sacramento”; FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores cristianos,
1995, p. 211-225.
832
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 408.
203
matrimônio. O laço do matrimônio deriva primeiramente do consentimento dos dois parceiros, da
consumação através do intercurso sexual, ou da função social do matrimônio?”
833
. Para Pedro
Lombardo o consentimento mútuo era o sacramento do matrimônio, a unidade de Cristo e a
Igreja. Canonistas argumentavam que o consentimento mútuo necessitava ser consumado pelo
intercurso sexual, caso contrário seria dissolvido.
Hugo de São Vitor ‘postulou dois sacramentos do matrimônio cristão: o sacramentum
conjugi consiste da união no amor entre homem e mulher que significa e reflete o amor
de Deus pelos seres humanos e o amor humano por Deus. O sacramentum officii é
expresso no intercurso sexual que reflete o amor de Cristo e a Igreja – um amor na carne.
A posição teológica segundo a qual o matrimônio requer consentimento levou a enfatizar
o amor no matrimônio’
834
.
Na evolução, contribui Ricardo de São Vitor (1173) afirmando ser o grau da feição mútua
de amor íntimo dos esposos, a feição humana que domina todas as outras feições, fazendo que a
associação para toda a vida e indissolúvel, torne-se agradável e feliz. Tomás de Aquino enfatiza a
amizade que, quanto mais forte, mais sólido e duradouro se faz o matrimônio
835
.
O matrimônio é um sacramento anterior a Cristo e, por isso, não pode ser considerado
como instituído por Ele de igual modo aos outros sacramentos. Foi instituído antes da queda
836
e
Cristo o confirmara nas bodas de Canaã. O tema da instituição do sacramento do matrimônio
levou os teólogos medievais, especialmente os escolásticos, a concluírem haver três estágios da
instituição do matrimônio: “a orientação natural anterior à queda, a instituição saneadora da lei de
833
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 409; cf. FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1995, p.
32-36. 57-66. 267-273.
834
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 410; Et seq. a nota 36 da mesma página, explica: “Embora os matrimônios medievais fossem
primariamente relacionamentos sociais e econômicos, não se deve subestimar a importância de critérios afetivos na
escolha de parceiros”.
835
Cf. FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 410-411.
836
Cf. Gn 2,24.
204
Moisés depois da queda, e finalmente, a instituição da nova lei como símbolo da união entre
Cristo e a Igreja”
837
.
Os Concílios de Florença (1438-1445) e Trento (1545-1563) foram significativos para a
evolução da doutrina sobre o matrimônio
838
. O Concílio de Florença foi chamado “de união”,
pois, seu objetivo não foi tanto doutrinal ou disciplinar, mas, caracterizava-se pelo interesse de
conciliar as diversas opiniões, acalmar os ânimos e reunificar a vida eclesial ocidental-latino e
oriental-grego no Espírito de Deus. As difíceis circunstâncias políticas e filosóficas do Século
XV dificultaram o aprofundamento e as possíveis soluções dos pontos de divergência.
Enquanto Florença preocupou-se com as tradições orientais, Trento afirmou tanto a
sacramentalidade como a indissolubilidade do matrimônio no contexto da crítica de
Martinho Lutero da prática e ensinamento católico
839
.
Trento afirmou que o matrimônio é sacramento e uma questão que diz respeito à
comunidade e não uma questão pessoal e privada. Proibiu o divórcio e novas núpcias em caso de
adultério, reafirmando o ensino e a prática da Igreja, estava de acordo com o Novo
Testamento
840
.
Leão XIII (1880) refuta a idéia sobre o matrimônio como evento puramente secular e
sujeito somente à lei civil. Afirma a sacramentalidade do matrimônio como sendo o contrato
matrimonial como símbolo da relação entre Cristo e a Igreja
841
.
Pio XI escreveu a importante encíclica Casti connubii, onde reforçou as idéias de Leão
XIII, refutando novas questões abusivas e destrutivas sobre o matrimônio cristão, reforçando o
837
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 411. 410-412.
838
Cf. ALBERIGO, G. (org.). História dos Concílios Ecumênicos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1995, p. 296-314. 331-
347; FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 412-414.
839
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 412.
840
Cf. Dz cc. 1797-1816.
841
Cf. LEÃO XIII. Arcanum Divinae Sapientiae, 3-61; FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia
sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo: Paulus, 1997, p. 414-415.
205
seu sentido religioso na partilha da vida toda, intercâmbios de mútua responsabilidade dos
esposos, mais que uma simples instituição para concepção e educação dos filhos
842
.
Pio XII fez inúmeros discursos que contribuíram com o ensinamento anterior ao Concílio
Vaticano II, introduzindo conceitos correntes na época dos tratados da filosofia personalista sobre
o matrimônio
843
.
A teologia do matrimônio no Concílio Vaticano II não deu passos avançados como se
esperava. A constituição Dogmática Gaudium et spes inseriu o matrimônio nas questões
teológicas e pastorais do mundo moderno
844
. Refere-se a ele como vocação cristã: os cônjuges
são chamados por Deus a se unirem pelos laços sagrados, sendo os dois um dom mútuo de
pessoas, e formando uma comunidade íntima de amor e de vida. O matrimônio ainda carrega o
conceito tradicional de contrato e a questão teológica principal foi timidamente respondida: se “a
procriação constitui o fim e propósito primário, natural, do matrimônio”
845
. Por intermédio dos
esposos a família é enriquecida, pois eles são cooperadores com o amor de Deus Criador e
Salvador, por isso, são orientados para a procriação e educação dos filhos, dom do matrimônio
846
.
Paulo VI tomou para si as questões sobre o controle da natalidade, a procriação e a
sexualidade humana, retirando-as da agenda do Concílio
847
. A Humanae vitae (1969), seguiu o
842
Cf. CC 5-42; FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V.
2. São Paulo: Paulus, 1997, p. 414-415.
843
Cf. DOCUMENTOS DA IGREJA: Documentos de Pio XII. São Paulo: Paulus, 1999. Passim; FIORENZA, F. S.;
GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo: Paulus, 1997, p. 414-
415.
844
Cf. SÉGUIN, M. Contracepção e a Igreja: balanço e perspectiva. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 43-45.
845
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 415.
846
Cf. GS, 50; FC 2.
847
Cf. PAULO VI. Humanae Vitae. Carta Encíclica, 1968. In: DOCUMENTOS DA IGREJA: Documentos de Paulo
VI. São Paulo: Paulus, 1997, p. 201-225; MOSER, A. Enigma da esfinge: sexualidade. 3. ed. Petrópolis: Vozes,
2002, 143-170; GONÇALVES, P. S. L. O ser humano como imagem e semelhança de Deus: a antropologia
teológica. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens
epistemológicas, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 251-309; VIDAL, M. O Evangelho da
vida: para uma leitura da Evangelium vitae. São Paulo: Paulinas, 1998. Passim; SÉGUIN, M. Contracepção e a
Igreja: balanço e perspectiva. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 75-78. 89-101. 156-159. 185-213; FC 14.
206
ensino tradicional sobre as finalidades do matrimônio como procriação dos filhos, com bases
antropológicas e personalistas.
João Paulo II desenvolveu seu pensamento na Exortação Apostólica Familiaris Consortio
e nos inúmeros discursos sobre a teologia do corpo, onde, a partir da fenomenologia e da filosofia
personalista, explica a importância das relações corporais intersubjetivas entre os cônjuges
848
.
2.4.2 O sacramento do matrimônio na teologia sistemática atual
Francis Schüssler Fiorenza apresenta um belíssimo tratado sobre o matrimônio como
sacramento
849
. Ao tratar da temática na teologia sistemática atual considera os contextos
históricos fundamentais para a compreensão das diversas tendências teológicas. Nas últimas
décadas, a teologia católica apresenta três tendências fundamentais: “o cristocentrismo, a
perspectiva histórico-salvífica e a perspectiva eclesial-antropológica”
850
.
As três tendências receberam influências de teólogos renomados: o cristocentrismo de
Karl Barth influenciou a teologia protestante e católica, esta última, apresenta características
próprias, “enfatizando a noção sacramental de Corpo de Cristo”
851
; o teólogo Oscar Cullmann,
por uma década (1950-1960), influenciou a teologia francesa e católica com a exposição
848
Cf. FC 13.
849
Cf. FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 391-442; FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores cristianos,
1995, p. 250-256.
850
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 417; cf. GONÇALVES, P. S. L. O ser humano como imagem e semelhança de Deus: a antropologia
teológica. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens
epistemológicas, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 251-309.
851
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 417; cf. FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1995, p.
219-226.
207
histórico-salvífica opondo-se à análise do sacramento do matrimônio; por último, influenciou a
teologia católica a fundamentação eclesial-antropológica de Karl Rahner
852
.
A tendência cristocêntrica do matrimônio como sacramento:
No âmbito da teologia católica francesa, a noção de corpo de Cristo ou de corpo místico
de Cristo, como era então compreendido, tornou-se a metáfora principal utilizada para
interpretar o matrimônio como sacramento. Ao passo que o sacramento do batismo
simbolizava a incorporação da pessoa no corpo de Cristo, o sacramento do matrimônio
implica uma incorporação maior no corpo de Cristo. Como resultado, o casal cristão
participa em vocação distintiva e especial
853
.
A perspectiva histórico-salvífica do matrimônio como sacramento parte do princípio que
“a compreensão do matrimônio como sacramento modificou-se e desenvolveu-se através dos
tempos”
854
. Muitos teólogos vão mais longe, argumentando que a mudança não foi só na
compreensão teológica do matrimônio, “mas argumentam que a natureza e o significado do
próprio matrimônio mudaram na história da salvação”
855
. Os teólogos que adotam a perspectiva
histórico-salvífica relacionam a história da salvação com as histórias do mundo e da experiência
religiosa. De modo semelhante, relacionam o matrimônio com a história da salvação. A
experiência histórica contribui para a contínua compreensão da mudança e do desenvolvimento
do pensamento humano.
O matrimônio possui significado como realidade criada. Entretanto, a experiência
histórica pelo povo de Deus do pacto de Deus e a experiência cristã de Jesus como
evento pascal também contribuem para a compreensão do significado do matrimônio, o
qual é então compreendido não mais simplesmente como realidade secular na criação,
mas é compreendido também como promessa na luz da experiência da promessa pactual
852
CF. FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 417.
853
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 418.
854
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 418.
855
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 418.
208
de Deus. A realidade criada é afirmada e relativizada na luz da esperança escatológica. O
amor no interior do matrimônio é compreendido não apenas em relação com a atração
natural, mas também em relação com experiência histórica da morte e ressurreição de
Jesus e a compreensão de Deus e de amor proclamada pelo evangelho
856
.
A perspectiva eclesial-antropológica recebe influência da teologia de Karl Rahner:
[...] ao conjugar diversas idéias-chave de sua teologia: a vontade universal de Deus para
a salvação, a unidade fundamental da criação e da salvação, a idéia de um símbolo real, e
sua compreensão da igreja como sacramento básico. Para Rahner, o amor e auto-entrega
graciosos de Deus constituem o dinamismo mais íntimo do mundo e da história da
humanidade. É o amor gracioso de Deus que nos capacita a amar a Deus e a nos amar
uns aos outros. Conseqüentemente, amor genuíno como virtude teológica é evento tanto
do amor de Deus por nós como pelo nosso amor por Deus
857
.
A sacramentalidade do matrimônio está na unidade expressa pelo sinal e símbolo do amor
de Deus pela humanidade e pelo amor da humanidade para com Deus:
O símbolo real e radical da unidade do amor de Deus por nós e da resposta humana de
amor é Cristo encarnado. A Igreja como sacramento básico é sinal e símbolo real do
amor de Deus pela humanidade e do amor humano por Deus. Neste contexto, o
matrimônio ‘é o sinal daquele amor que é destinado, na visão de Deus, a ser o evento de
graça e de amor aberto para todos. Ademais o matrimônio é sacramento que concretiza e
efetiva a Igreja’
858
.
A sacramentalidade do matrimônio ainda é uma questão a ser devidamente aprofundada e
deve avançar na perspectiva sistemática. A teologia sobre o matrimônio e a família ainda é
fundamentada em visões ultrapassadas, em pressupostos patriarcais, antropológicos e sociais.
“Faz-se necessário elaborar o significado da visão e do ideal católico do matrimônio em vista das
pressuposições igualitárias sobre gênero e matrimônio”
859
.
856
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 419.
857
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 419.
858
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 420.
859
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 420.
209
Novas imagens devem representar a realidade do matrimônio, relacionadas com Deus,
com Cristo e com a Igreja. Certas imagens do Antigo ou do Novo Testamento e dos códigos
domésticos não retratam a realidade igualitária do humano, homem e mulher. Acentuam, sim,
uma “discriminação” onde, de um lado, o marido aparece como o salvador e curador, governador
e fiel, e, de outro lado, a mulher aparece como prostituta infiel, pecadora e de obediência
subordinada. A imagem de Efésios 5,21-33, por exemplo, sobre o relacionamento mistérico de
Cristo e Igreja, não revela toda a riqueza do matrimônio: “A aplicação desse simbolismo ao
relacionamento conjugal entre marido e esposa situa o marido no papel de governante e salvador
e a esposa no papel de pecadora e subordinada”
860
.
Uma nova proposta é a sacramentalidade do matrimônio a partir da metáfora da Igreja
como o sacramento do Espírito de Cristo:
A metáfora da igreja como sacramento do Espírito de Cristo relaciona a igreja com
Cristo de maneira que não diviniza a Igreja. Essa metáfora permite compreender a igreja
como emergente nos discípulos após a páscoa. A igreja é a comunidade de discípulos
que emerge sob o impacto do Espírito de Deus
861
.
A compreensão sobre a fundação e a natureza sacramental da Igreja sob novo prisma,
produzirá uma nova compreensão sobre o matrimônio como sacramento a corresponder mais
adequadamente à exigência igualitária, pois:
Se a igreja for compreendida primariamente como comunidade do Espírito de Deus e
como sacramento do Espírito, então o matrimônio deverá ser compreendido como um
sinal e símbolo da igreja precisamente enquanto ele é sinal da comunidade formada pelo
Espírito de Deus e Cristo. Um matrimônio entre dois indivíduos é o início de nova
comunidade, comunidade de discípulos iguais e parceiros sob o impacto do Espírito. A
860
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 421.
861
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 422-123.
210
comunidade de cristãos surgiu após a morte de Jesus, no discipulado de Jesus, e na
proclamação do poder de Deus diante da morte
862
.
Na visão histórico-salvífica atual o matrimônio à luz da fé tem sentido especificamente
cristão, surge da experiência cristã da fé em Jesus Cristo e da ação do discipulado:
Ele não é simplesmente a nova imagem da atividade criadora de Deus simbolizada pela
narrativa de Adão e Eva; nem é imagem do relacionamento pactual entre Deus e Israel,
como é simbolizado na literatura profética. Ao contrário, o matrimônio é símbolo de
nova comunidade de vida, que reflete a origem das primeiras, pós-páscoa, comunidades
cristãs e uma que antecipa a esperança escatológica cristã por comunidade. Ao ressaltar
que a função simbólica e sacramental do matrimônio refere-se primariamente à Igreja
como a emergente comunidade de discípulos pós-páscoa e não ao relacionamento
pactual entre Cristo e a igreja, viso enfatizar a igualdade fundamental entre marido e
esposa na tarefa de formar nova comunidade. Sua igualdade no discipulado e na
formação de nova comunidade do matrimônio e sua esperança por aquela comunidade
podem simbolizar a igualdade e a esperança de discipulado na comunidade cristã pós-
páscoa
863
A sacramentalidade do matrimônio reside deste modo na nova comunidade de vida
formada no Espírito de Deus e Cristo. Distinguem-se duas atitudes práticas e cognitivas
diferentes, interligadas na maneira que relacionamos com o nosso mundo e sociedade: “um é
instrumental e funcional, a outra simbólica ou comunicativa”
864
. Ambas as atitudes são
igualmente reais: o matrimônio é meramente instrumento de propagação e perpetuação das
sociedades, mas também “símbolo que comunica sentido, um sentido articulado em relação com
uma memória histórica e uma esperança futura”
865
. Para a teologia católica, o matrimônio como
862
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 423.
863
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 423-424.
864
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 424; cf. PETRINI, J. C.; MOREIRA, L. V. de C.; ALCÂNTARA, M. A. R. de. (org.). Família XXI:
Entre pós-modernidade e cristianismo. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003, p. 17-100; FERRARO, B.
Encarnação: questão de gênero? São Paulo: Paulus, 2004, p. 5-7. 39-47.
865
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 424.
211
sacramento é caracterizado pelo valor simbólico que evoca participação e pleno sentido, não
meramente um sinal de algo mais, mas um símbolo que dá identidade cristã.
O matrimônio simboliza a comunidade, por isso, “no matrimônio o compromisso é
primeiramente com uma comunidade”
866
. Ela, ao mesmo tempo, continua a comunidade de uma
família e é o início de uma nova comunidade familiar. Não só uma comunidade íntima, mas uma
comunidade de relações pessoais e interpessoais, uma comunidade familiar ligada à rede de
famílias que forma a sociedade.
O sentido e a finalidade primária do matrimônio era, tradicionalmente, a procriação dos
filhos. A nova perspectiva personalista amplia o sentido e a finalidade do matrimônio para a vida
em parceria, enfatizando o amor interpessoal, mas sem reducionismo e individualismo, mas
amplamente relacionados, isto é, “o matrimônio não é apenas uma vida em parceria, mas a
agregação de famílias, grupos de amigos, e co-trabalhadores. Através dos filhos os pais
frequentemente adquirem contato mais amplo com outras famílias e comunidades”
867
. O amor do
casal exige a conseqüente procriação e educação da prole.
Diante das antigas e novas perspectivas, a Igreja é chamada a cumprir sua missão
iluminadora e salvadora, contando eficazmente com os cônjuges e suas famílias, como
comunidade de vida, de amor, comunidade de discípulos, comunidade do Espírito de Deus e de
Cristo.
866
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 427. 424-429.
867
FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São Paulo:
Paulus, 1997, p. 431; cf. também: p. 429-433.
212
3. Pastoral familiar: ação da Igreja em favor da família
3.1 O sacramento do matrimônio: fundamento da família cristã
As atividades pastorais estão intimamente ligadas às questões doutrinais sobre o
matrimônio e a família. Não há como sistematizar, em idéias e conceitos unificados, as riquezas e
diversidades das tradições bíblicas e teológicas cristãs sobre o matrimônio e a família. Contudo, o
impacto das escrituras primitivas no pensamento cristão, no decorrer dos séculos, é incontestável
e colabora para uma teologia do matrimônio e da família aberta a várias possibilidades. De todas
as tendências, primitivas ou não, a teologia hoje acentua a reflexão com base no relacionamento,
seja a relação divino-humana, seja a relação humana, homem-mulher ou a relação familiar, em
seus aspectos mais diversos
868
.
A Igreja reconhece que a dignidade da vida humana não existe sem uma cultura, por isso,
os sistemas que regem as sociedades necessitam de leis que garantam e defendam o matrimônio e
a família saudáveis, como critérios decisivos de bem-estar dos indivíduos e das sociedades. A
sociedade deve garantir o direito dos pais, dos filhos e da família, a fim de que o ambiente
familiar seja propício à defesa da vida e ao desenvolvimento vocacional dos filhos, à educação
moral e religiosa, às relações de afeto e às necessidades materiais básicas para a vida
869
.
A instabilidade e a infidelidade no amor, pessoal e coletivo, acarretam sérias
conseqüências na vida familiar e social. O maior atentado é contra o amor e contra a vida. A
868
Cf. FIORENZA, F. S.; GALVIN, J. P. (orgs.). Teologia sistemática: perspectivas católico-romanas. V. 2. São
Paulo: Paulus, 1997, p. 404; PETRINI, J. C. Pós-modernidade e Família: um itinerário de compreensão. Bauru:
Edusc, 2003, p. 57-87; PETRINI, J. C.; MOREIRA, L. V. de C.; ALCÂNTARA, M. A. R. de. (org.). Família XXI:
Entre pós-modernidade e cristianismo. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003, p. 17-100; FERRARO, B.
Encarnação: questão de gênero? São Paulo: Paulus, 2004, p. 257-267; FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12.
Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1995, p. 247-278.
869
Cf. JOÃO PAULO II. Vá em paz: um presente de amor permanente; editado por Joseph Durepos. Aparecida:
Santuário, 2005, p.123-138.
213
Igreja conta com o comprometimento de muitos cristãos, especialmente cônjuges e famílias, para
a defesa e manutenção do matrimônio e da família. A cultura moderna exerce exagerada pressão
sobre as relações conjugais, familiares e entre as gerações, afetando a autoridade dos pais sobre
os filhos e a transmissão dos valores sagrados. O mundo apresenta ambientes diversificados de
vivência das pessoas. Muitas crianças e jovens crescem em ambientes de extremas dificuldades:
guerras, calamidades naturais, miséria e fome, crises econômicas e políticas, crise moral e
instabilidade familiar. Há jovens resistentes às condições extremas e desumanas que lutam pelo
bem dos outros e acreditam no sentido transcendental da vida.
O ambiente e a experiência familiar muito
870
colaboram para o bem ou para agravamento
das dificuldades e, ao mesmo tempo, condicionam a vida adulta das crianças. As crianças imitam
o comportamento dos adultos: “Se a família é o lugar onde as crianças primeiro encontram o
mundo, a família deve ser para as crianças a primeira escola de paz”
871
.
O Reino de Deus aceita o progresso terrestre. A realidade temporal é chamada a abrir
espaço para a vida divina e para a salvação que ela deseja comunicar. A tarefa da Igreja é
possibilitar a vida divina para a realidade humana
872
. Familiaris Consortio declara o valor
precioso do matrimônio e da família:
Num momento histórico em que a família é alvo de numerosas forças destruidoras que a
procuram destruir ou de qualquer modo deformar, a Igreja, consciente de que o bem da
sociedade e de si mesma está profundamente ligado ao bem da família (cf. GS 47), sente
de modo mais vivo e veemente sua missão de proclamar a todos o desígnio de Deus
sobre o matrimônio e a família, para lhes assegurar a plena vitalidade e promoção
870
Cf. CIFUENTES, R. L. As crises conjugais. São Paulo: Quadrante, 2001, p. 5-52. 142-210.
871
JOÃO PAULO II. Vá em paz: um presente de amor permanente; editado por Joseph Durepos. Aparecida:
Santuário, 2005, p.125; cf. SANTOS, G. M. de. Matrimônio e Família no magistério de João Paulo II. In: PETRINI,
J. C.; MOREIRA, L. V. de C. ALCÂNTARA, M. A. R. de.; (org.). Família XXI: Entre pós-modernidade e
cristianismo. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003, p. 17-100; FERRARO, B. Encarnação: questão de gênero? São
Paulo: Paulus, 2004, p. 193-208.
872
Cf. FC 3.
214
humana e cristã, contribuindo assim para a renovação da sociedade e do próprio Povo de
Deus
873
.
O mistério do matrimônio e da família pode melhor ser compreendido a partir das
situações existenciais, sociais e culturais em que se encontram o homem e a mulher de hoje
874
. O
dever específico dos cristãos leigos é interpretar e a iluminar o mundo e a história à luz de Cristo,
segundo os desígnios de Deus Criador e Redentor
875
. A família, “Igreja doméstica”, assume como
própria a missão da Igreja, e:
No plano de Deus Criador e Redentor, a família descobre não só a sua ‘identidade’ o que
“é”, mas também a sua ‘missão’, o que ela pode e deve ‘fazer’. As tarefas, que a família
é chamada por Deus a desenvolver na história, brotam do seu próprio ser e representam
o seu desenvolvimento dinâmico e existencial. Cada família descobre e encontra em si
mesma o apelo inextinguível, que ao mesmo tempo define a sua dignidade e a sua
responsabilidade: ‘Família, torna-te aquilo que és!’
876
.
Deste modo as tarefas da família estão intimamente ligadas, por vocação divina, a seu ser,
isto é, “íntima comunidade de vida e de amor”
877
na busca constante da realização do Reino de
Deus, mediante a realidade criada e redimida. A essência e os deveres da família são, diz João
Paulo II, “definidos pelo amor”, pois, “é-lhes confiada a missão de guardar, revelar e comunicar o
amor, qual reflexo vivo e participação real do amor de Deus pela humanidade e do amor de
Cristo pela Igreja, sua esposa”
878
. Tudo o que a família faz, expressa de algum modo, sua missão
fundamental: o amor. Do amor conjugal e familiar nascem os deveres gerais da família: a
873
FC 3.
874
Cf. FC 4; GS 4; PETRINI, J. C.; MOREIRA, L. V. de C.; ALCÂNTARA, M. A. R. de. (org.). Família XXI: Entre
pós-modernidade e cristianismo. São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003, p. 17-100; FERRARO, B. Encarnação:
questão de gênero? São Paulo: Paulus, 2004. Passim.
875
Cf. FC 5; GS 4; LG 12.35.
876
FC 17.
877
GS 48; cf. FC 17.
878
FC 17.
215
formação de uma comunidade de pessoas; o serviço à vida; a participação no desenvolvimento,
na vida e na missão Eclesial e Social
879
.
3.2 A ação da Igreja em favor da família
De posse da identidade e da missão próprias do matrimônio e da família segundo os
desígnios de Deus Criador e Redentor, faz-se necessário desenvolver a ação da Igreja em favor da
família. Além dos pronunciamentos do Magistério eclesiástico ao longo dos séculos em defesa do
matrimônio e da família, muitas ações foram sendo processadas em seu favor
880
. Cada vez mais a
família se torna “via”
881
do homem e da Igreja. Numa ação integrada a Igreja chega à família
através do homem e chega ao homem através da família. A certeza da urgente ação prioritária da
Igreja em favor da família através da Pastoral familiar, no dizer do Papa, é que “a evangelização,
no futuro, depende em grande parte da Igreja doméstica”
882
.
A pastoral do matrimônio e da família dentro da missão da Igreja contemporânea constitui
um tema complexo e abrangente, dado a complexidade atual da sociedade e de temas
correlacionados à vida matrimonial e familiar como, a sacramentalidade do matrimônio, uniões
de fato, divórcio, segunda união entre batizados divorciados, demografia, feminismo radicalista e
aborto, questões bióticas, pobreza, políticas familiares e outras situações não menos agravantes.
Tais situações desafiam a Igreja em seus princípios e ensinamentos sobre o sentido e a missão do
879
Cf. FC 17; SANTOS, G. M. de. Matrimônio e Família no magistério de João Paulo II. In: PETRINI, J. C.;
MOREIRA, L. V. de C. ALCÂNTARA, M. A. R. de.; (org.). Família XXI: Entre pós-modernidade e cristianismo.
São Paulo: Companhia Ilimitada, 2003, p. 17-100.
880
Cf. DPF 1-7.
881
CtFm 14, (cf. 1-3. 11. 13); cf. RH, 14.
882
FC 65.
216
matrimônio e da família. Os esposos, com senso da missão eclesial, são chamados a exprimir na
vida conjugal o amor santificador de Cristo e a construir a comunidade de vida e de amor
883
.
A conduta dos cônjuges e da família manifesta a santidade do sacramento do matrimônio
e testemunha sacramentalmente a vida de Cristo e da Igreja. O maior desafio da Igreja reside em
conscientizar os cônjuges e as famílias a acreditar e a viver o modelo cristão de matrimônio e de
família cristã, à luz do Evangelho e do Magistério eclesiástico. Levá-los a compreender a elevada
missão do matrimônio e da família dentro da Igreja e do mundo no qual a Igreja deve anunciar e
testemunhar o mesmo e único Evangelho de Jesus Cristo, sendo sua presença e atuação de graça e
salvação. A preocupação da Igreja com o matrimônio e a família se fundamenta na concepção
que ela tem da verdade e da dignidade acerca do matrimônio e da família, uma das necessidades
mais urgentes do nosso tempo
884
.
O lugar que a família ocupa na vida de cada ser humano, na sociedade e na Igreja,
justifica a exigência em considerá-la fundamental para o êxito da realização da missão eclesial
confiada pelo Senhor. Dado a complexidade e amplitude da situação diversa em que vivem os
cônjuges e as famílias, justifica-se uma ação pastoral abrangente em favor da defesa e da
salvação da família.
3.2.1 Abrangência da ação pastoral em favor da família
As condições socioculturais em que se encontram os fiéis e as comunidades eclesiais
dificultam a aceitação por parte dos fiéis do modelo cristão de matrimônio. Neste contexto, entre
os maiores e profundos problemas, emergem as separações conjugais. Nas nações onde o
883
Cf. FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1995, p. 247-265.
884
Cf. GS, 46-47; FC 6; FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1995, p.
250-256.
217
cristianismo é religião oficial aparecem conflitos entre o direito civil e o direito eclesiástico
matrimonial. Politicamente, surgem controvérsias sobre a questão de direito do estado, direito da
família, direito eclesial. Ampliam-se os problemas quando as questões éticas e morais são
consideradas no embate sócio-religioso
885
.
A primeira atitude, atitude preventiva da ação pastoral da Igreja, deve estar na prevenção
dos males através de uma verdadeira e progressiva ação evangelizadora e catequética sobre o
matrimônio e a família, oferecendo condições para que os jovens assumam, de maneira mais
consciente e cristã, o matrimônio e a família à luz do Evangelho e do Magistério eclesiástico. A
segunda atitude, atitude curativa da ação pastoral da Igreja, deve ser a de minimizar os
sofrimentos e buscar alternativas restauradoras da vida humana e familiar. Nesse aspecto a
Familiaris Consortio e o Diretório Pastoral Familiar da Conferência dos Bispos do Brasil,
apresentam amplo material e inúmeras sugestões, tanto no campo doutrinal quanto pastoral
886
.
A ação pastoral da Igreja em favor da família deve ser progressiva, de modo a
acompanhar a família em todas as etapas de sua formação e desenvolvimento, e contemplá-la em
todas as circunstâncias, situações e problemas existenciais, indistintamente, a fim de que lhe seja
indicada respostas pastorais efetivas, eficazes e adequadas
887
. A missão primária da Igreja é levar
às famílias a verdade de Deus Criador e Redentor sobre o matrimônio e a família
888
. A ação
pastoral progressiva segue e acompanha a família “passo a passo nas diversas etapas de sua
formação e desenvolvimento”
889
.
As situações em que o matrimônio e a família vivem hoje, suas luzes e suas sombras, e a
negação dos valores humanos e evangélicos, desafiam e interpelam a Igreja a assumir sua
885
Cf. FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores cristianos, 1995, p. 258-25.
886
Cf. FC 65-72; DPF p. 260-271; FLÓREZ, G. Matrimonio y familia. V. 12. Madrid: Biblioteca de autores
cristianos, 1995, p. 260-264.
887
Cf. DPF 12 e “Plano de Exposição”, p. 27; FC, 65.
888
Cf. DPF 12; FC, 1-3.
889
FC 65 (cf. 1-10).
218
responsabilidade em ajudar a família a anunciar e a testemunhar o evangelho da vida e da família.
A Igreja acredita firmemente que o matrimônio como sacramento é a resposta de fé do cristão,
adequada para a construção do Reino de Deus e para a solução dos graves problemas emergentes
no campo da dignidade humana, da vida e da família. A Igreja deve ajudar as famílias a professar
e a viver sua fé, como adesão pessoal a Jesus Cristo e ao Evangelho, numa realidade social com
distintos vínculos de união familiar. Ações de grande ajuda são o primeiro anúncio e a catequese
familiar
890
.
Nesse contexto, a Igreja propõe à Pastoral Familiar ‘uma ação decidida para defender e
promover a família, Igreja doméstica e santuário da vida’ (Santo Domingo 297). Sendo a
família a célula básica da sociedade, fonte de vida que abastece as diferentes camadas e
categorias sociais e eclesiais, a Pastoral Familiar deverá articular-se, de modo eficaz,
como os organismos e Pastorais de cada Diocese, de tal modo que contribua
significativamente para o crescimento e consolidação de toda a ação Pastoral. Esta ação
ajuda a fortificar e a evangelizar as famílias. Cada família, como sujeito-agente
sociotransformador da sociedade, ajuda a vencer eventuais crises e difíceis situações
familiares, tanto na sua atuação interna como externa
891
.
Dois conceitos básicos da família são tirados da Tradição: igreja doméstica e santuário da
vida. De modo semelhante, nas últimas décadas, a Igreja insiste na defesa e promoção da família.
A Pastoral Familiar está inserida no conjunto da ação pastoral da Igreja. Sua prioridade não
significa exclusividade, mas meio pelo qual o conjunto das ações pastorais de toda a Igreja
poderá alcançar seus objetivos.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, na 42ª Assembléia Geral, realizada em
Itaici, Indaiatuba/SP, de 21 a 30 de abril de 2004, aprovou o Diretório Nacional da Pastoral
Familiar. Fruto de longo e intenso trabalho da Comissão Nacional de Pastoral Familiar e
890
Cf. DPF 1-40; FC, 1-10. 23. 66. 70 e Conclusão; CNBB. Pronunciamento do Papa na Igreja do Brasil: homilia
durante a Missa, Rio de Janeiro, 1/07/1980. Petrópolis: Vozes, 1980, p. 46; Puebla, 57. 783; Santo Domingo, 217.
297; EN, 55; CtFm 17.
891
DPF 25; cf. CIFUENTES, R. L. As crises conjugais. São Paulo: Quadrante, 2001, 42-53. 109-210.
219
resultado dos inúmeros documentos da Igreja sobre a família, especialmente a Exortação
Apostólica Familiaris Consortio que formulou o pedido de um Diretório
892
.
3.2.2 Pastoral familiar: experiências que deram certo
Algumas iniciativas concretas, eficientes e eficazes, fruto do desenvolvimento da reflexão
sobre o matrimônio e a família, se espalharam por todo o mundo, expressando, por parte de
significativos seguimentos da Igreja, correspondência eficaz aos apelos do Vaticano II e do Papa
João Paulo II.
Após o Sínodo dos bispos dedicado à família, em 1980, João Paulo II escreveu a Carta
Apostólica em forma de Motu Próprio Familia a Deo Instituta, em 9 de maio de 1981, criando o
“Pontifício Instituto para a Família”
893
, em continuidade à “Comissão para a Família”
empreendida por Paulo VI, em 11 de janeiro de 1973. Paulo VI desejava que a “Comissão para a
Família” fosse um organismo de estudo e pesquisa pastoral a serviço da missão da Igreja e da
Santa Sé. Com critérios e visão pastoral a Comissão deveria investigar e estudar os problemas
espirituais, morais e sociais da família. Tal responsabilidade até o momento da referida Carta
Apostólica era atribuída ao Pontifício Conselho para os Leigos
894
.
A criação do Pontifício Conselho para a família veio em resposta aos anseios do povo
cristão, expressas pelo Sínodo dos bispos sobre a família de 1980. Os bispos solicitaram ao Papa
dar à Comissão para a família, nova fisionomia e estrutura, de forma a corresponder aos novos
892
Cf. DPF apresentação.
893
JOÃO PULO II. Carta Apostólica em forma de Motu Próprio Familia a Deo Instituta. Disponível em:
<http://212.77.1243/holy_fther/john_paul_ii/motu_proprio/documents/hf_jp-ii_motu>. Acesso em: 18 outubro 2006,
10:05:15.
894
Cf. JOÃO PULO II. Carta Apostólica em forma de Motu Próprio Familia a Deo Instituta, n. 2. Disponível em:
<http://212.77.1243/holy_fther/john_paul_ii/motu_proprio/documents/hf_jp-ii_motu>. Acesso em: 18 outubro 2006,
10:05:15, n. 2-3.
220
problemas e dificuldades da família contemporânea, e de forma a ser instrumento e suporte da
atividade pastoral e apostólica num setor tão fundamental para a vida humana.
O zelo apostólico de João Paulo II está fundamentado nas expressões da Carta nestes
termos:
A família, instituída pelo Criador Supremo para que fosse a primeira e vital célula da
sociedade humana, por intermédio de Cristo Redentor, que se dignou nascer na família
de Nazaré, tem sido honrada de tal maneira que o matrimônio, há de ser, a comunidade
de amor e vida conjugal, da qual procede a família, foi elevado à dignidade de
sacramento, para significar eficazmente a aliança mística de amor do mesmo Cristo com
a Igreja (cf. GS, 48). Tendo isso presente, o Concílio Ecumênico Vaticano II define a
família como “Igreja doméstica” (LG 11 e AA 11), manifestando assim a função
peculiar que a família está chamada a desenvolver em toda a economia da salvação e,
portanto, a obrigação que têm os membros da família de realizar, cada um segundo sua
própria missão, a tríplice função profética, sacerdotal e real, que Cristo havia confiado à
Igreja. Não há de se estranhar, pois, que a Igreja, solícita sempre no decurso da história
pela família e seus problemas, vê aumentado hoje tanto os meios para promover a
família, como também os perigos de todo gênero a que está submetida, volve seus olhos
a ela com solicitude ainda mais intensa
895
.
Em vários continentes surgiu o “‘Pontifício Instituto João Paulo II para Estudos sobre
Matrimônio e Família’ [com o papel de] aprofundar o conhecimento e a verdade sobre o
matrimônio e a família à luz da fé e da reta razão, o que exige um treinamento hermenêutico”
896
.
No Brasil o Instituto está sediado em Salvador/BA
897
.
895
JOÃO PULO II. Carta Apostólica em forma de Motu Próprio Familia a Deo Instituta, n. 2. Disponível em:
<http://www.vatican.va/212.77.1243/holy_fther/john_paul_ii/motu_proprio/documents/hf_jp-ii_motu>. Acesso em:
18 outubro 2006, 10:05:15, n. 1-2.
896
AZEVEDO, W. O. de. Família: lugar hermenêutico de confluência. In: PETRINI, J. C.; MOREIRA, L. V. de C.;
ALCÂNTARA, M. A. R. de. (org.). Família XXI: Entre pós-modernidade e cristianismo. São Paulo: Companhia
Ilimitada, 2003, p. 59.
897
Cf. AZEVEDO, W. O. de. Família: lugar hermenêutico de confluência. In: PETRINI, J. C.; MOREIRA, L. V. de
C.; ALCÂNTARA, M. A. R. de. (org.). Família XXI: Entre pós-modernidade e cristianismo. São Paulo: Companhia
Ilimitada, 2003, p. 59-69.
221
As Conferências Episcopais aprovaram Diretórios da Pastoral Familiar, frutos de longa e
penosa caminhada pastoral. A elaboração dos Diretórios, em cada continente, ficou sob a
responsabilidade da Comissão Episcopal da Pastoral Familiar.
A referida Comissão, no Brasil, recebeu o nome de “Comissão Episcopal Pastoral para a
Vida e a Família da CNBB”
898
. Chamava-se Comissão Nacional de Pastoral Familiar da
CNBB
899
. Ela realizou e realiza, ainda hoje, intenso trabalho junto às Regionais da CNBB:
elabora Planos Estratégicos de Ação Pastoral em nível Nacional e Regional; elabora subsídios
pastorais; assessora grandes Assembléias Nacionais e Regionais da Pastoral Familiar; elabora e
executa cursos temáticos concernentes ao matrimônio e à família
900
; elaborou recentemente o
Diretório da Pastoral Familiar, texto aprovado pela 42ª Assembléia Geral da CNBB, Itaici –
Indaiatuba/SP, de 21 a 30 de abril de 2004
901
.
A Igreja tem atuado junto ao Congresso Nacional e junto a outros setores sociais em
defesa da vida e da família, lutando contra o aborto, por exemplo. Executam excelentes trabalhos
em relação a políticas familiares, junto a legislativos influentes e cristãos.
A Diocese de Jundiaí/SP foi pioneira na experiência de acolhimento e ajuda efetiva a
casais em segunda união, hoje, espalhada pelo Brasil
902
.
Papa Bento XVI considera, hoje, a família “patrimônio da humanidade”
903
, algo além do
âmbito religioso que atinge tanto os crentes como os não crentes. À Igreja, contudo, cabe sempre
898
DPF p. 1.
899
Cf. CNBB. A pastoral familiar: biênio 2000-2001. Goiânia: Redentorista, 2000; CNBB. A pastoral familia:
Plano Estratégico de Ação, biênio 2002-2003. Goiânia: Redentorista, 2002; CNBB. A pastoral familiar na paróquia.
5. ed. Setor Família e vida da CNBB. Brasília: Bárbara Bela Editora Gráfica e Papelaria, 2000; CNBB. Pastoral
familiar. Disponível em: <http:www.pastoralfamiliarcnbb.org.br>. Acesso em: 27 outubro 2006, 20:30:08 – este site
oferece vasto material e informação sobre a ação pastoral familiar.
900
Cf. DPF 4-11 e Anexos da p. 275-279.
901
Cf. DPF Passim.
902
Cf. DIOCESE DE JUNDIAI. Pastoral de casais em 2ª união: uma experiência pioneira. Jundiaí-SP: Gráfica
Rami Ltda, 1998; SCAMPINI, L. Casais em segunda união: acolhida fraterna na Igreja. Aparecida: Santuário, 1999.
903
CNBB. Pastoral familiar. Disponível em: <http:www.pastoralfamiliarcnbb.org.br>. Acesso em: 27 outubro 2006,
20:30:08.
222
anunciar o “Evangelho da família e da vida”, pois, “O futuro da humanidade passa pela
família!
904
.
904
FC, 86; cf. BENTO XVI. Discurso aos participantes na assembléia plenária do Pontifício Conselho da Família.
Disponível em: <http//www.vatican.v/holy_father/bebedict-xvi/speeches/2006/may/documents/hf>>. Acesso em: 18
de outubro, 2006, 16:05:23.
CONCLUSÃO
A totalidade da revelação de Deus-Trindade diz respeito à Salvação do ser humano,
homem e mulher. A família e a sociedade, cada uma a seu modo, constituem o ambiente vital de
humanização de cada homem e mulher. A histórica e constante agressividade, principalmente a
do século passado até os dias de hoje com mais incidência, contra a instituição divina
matrimônio-família, se propõe à sua destruição.
O ser humano está em perigo e, ao mesmo tempo, coloca em perigo a fonte humanizante,
a família natural, que, também posta em perigo, compromete o futuro da humanidade, de cada
homem e mulher. Diz o adágio popular: “do veneno se tira o antídoto contra o próprio veneno”.
Por isso, em várias ocasiões diferentes, João Paulo II sabiamente proclamou de cima dos telhados
a Boa-Nova do Evangelho da vida e da Família, nesses termos:
“o homem é a via do futuro”; “Deus acredita firmemente na família”; “Família, torna-
te aquilo que és!”; “Família, acredita naquilo que tu és!”; “Acreditar na família é
construir o futuro”; “Ela é a principal fonte de esperança para o futuro da
humanidade”;Acreditem cada vez mais na família fundamentada sobre o
matrimônio”; “A evangelização, no futuro, depende em grande parte da Igreja
doméstica”.
Os Ensinamentos de João Paulo II foram feitos com autoridade, à luz dos Mistérios
Cristãos. A teologia, ainda hoje, tem significado para o homem e a mulher porque pode dizer-lhes
algo sobre os desígnios de Deus Criador e Redentor, fonte da identidade e da missão de todo
224
crente. A cristologia é a explicitação da fé vivida pela comunidade Pós-Pascal primitiva, isto é,
no Espírito do Cristo Ressuscitado, a partir da realidade vital de Jesus histórico – vida, prática,
ensinamento salvífico, grupo social e familiar (Família – Vila Nazaré), opções ideológicas e
religiosas... –, tornando-se paradigma para a experiência de fé da comunidade de vida e amor: a
família cristã.
Nos desígnios de Deus Redentor, a família é chamada a redescobrir sua identidade própria
e a desenvolver na história as tarefas que brotam do seu próprio ser. Ela representa a Aliança
entre Deus e os homens, definitivamente realizada na Nova e Eterna Aliança no Corpo e no
Sangue de Jesus Cristo, Filho-Verbo, Encarnado na história.
João Paulo II foi um homem admirável pelas virtudes humanas e cristãs. Sinteticamente,
as tônicas essenciais da Evangelização por ele desenvolvida dizem respeito à tríade vida-
matrimônio-família. Primeiramente, ao amor pelo ser humano, homem e mulher. O ser humano
sente-se ameaçado pelos próprios inventos tecnológicos, mesmo que feitos bons, sendo utilizados
para fins maléficos, contrários ao bem comum. A Igreja e cada um de seus membros, precisa
ajudar o ser humano a encontrar a verdade de si mesmo. O ensinamento magisterial do Pontífice
concentrou-se em anunciar que a verdade do homem encontra-se na Verdade do Cristo Redentor,
Senhor da história e do cosmos (cf. RH 1).
Em segundo lugar, ao amor à pessoa e à causa de Jesus Cristo de Nazaré, o Evento
Salvífico e Revelador de Deus. Sua primeira Encíclica, em menos de um ano de Pontificado, foi
dedicada a Cristo Redentor e ao ser humano: Redemptor hominis (1979).
Ao Cristo Redentor elevei os meus sentimentos e pensamentos a 16 de Outubro do ano
passado, quando, após a eleição canônica, me foi feita a pergunta: «Aceitais?» E eu
respondi então: «Com obediência de fé em Cristo, meu Senhor, e confiando na Mãe de
Cristo e da Igreja, não obstante as muitas dificuldades, eu aceito» (RH 2).
225
No dizer do Pontífice, a única orientação do espírito, a única direção da inteligência, da
vontade e do coração, é esta: “na direção de Cristo, Redentor do homem; na direção de Cristo,
Redentor do mundo” (RH 7). A direção do homem, do mundo e da Igreja é Cristo Redentor. Sem
sombra de dúvida pode-se afirmar em nome do Papa: na direção de Cristo Redentor deve estar o
matrimônio, a família e a humanidade.
A Familiaris Consortio, quando cita os “desígnios de Deus Criador e Redentor” carrega a
significação do evento salvífico, fonte e plenitude da revelação. Ela, portanto, não pode ser lida
numa ótica isolada do contexto da revelação bíblica e da Tradição vida da Igreja, muito menos,
da contextualização existencial e Apostólica de João Paulo II. Sua mensagem cristológica é clara
“Para Ele (Cristo Redentor) queremos olhar, porque só n'Ele, Filho de Deus, está a salvação,
renovando a afirmação de Pedro: «Para quem iremos nós, Senhor? Tu tens as palavras de vida
eterna» (Jo 6,68)” (RH 7). Tudo o que se pode falar ou deduzir de algo significativo, não pode ser
dito ou deduzido sem a relação a Cristo:
Ele é a Imagem do Deus invisível, o Primogênito de toda criatura, porque nele foram
criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as invisíveis e as visíveis: Tronos,
Soberanias, Principados, Autoridades, tudo foi criado por ele e para ele. É antes de tudo
e tudo nele subsiste. É a Cabeça da Igreja, que é o seu Corpo. É o Princípio, o
primogênito dos mortos, tendo em tudo a primazia, pois nele aprouve a Deus fazer
habitar toda a Plenitude e reconciliar por ele e para ele todos os seres, os da terra e os
dos céus, realizando a paz pelo sangue da sua cruz. (Cl 1,15-20).
Em terceiro lugar, ao amor à Igreja, Corpo do Senhor, a quem serve no Exercício do
Magistério Petrino com todo amor e dedicação. Para ele, a Igreja, com a nova consciência de si
mesma a partir do Concílio Vaticano II (cf. LG e GS), é o Povo de Deus com consciência de sua
missão salvífica no mundo. A Igreja existe para servir ao homem nos caminhos da história, a fim
de conduzi-lo, no Espírito da Trindade, à Salvação em Cristo (cf. RH. 3).
226
A Exortação Apostólica Pós-Sinodal Familiaris Consortio, por certo, não é uma obra
especificamente cristológica. Bem fundamentada nas Escrituras e na Tradição, em primeiro lugar,
a Exortação, a partir da situação real da família no mundo, expõe a teologia e a doutrina acerca da
verdade da família cristã que, “nascida de um matrimónio que é imagem e participação da aliança
de amor entre Cristo e a Igreja, manifestará a todos a presença viva do Salvador no mundo e a
autêntica natureza da Igreja” (GS 48 e FC 50). Deste modo, “com o anúncio da Palavra de Deus,
a Igreja revela à família cristã a sua verdadeira identidade, o que ela é e deve ser segundo o
desígnio do Senhor” (FC 49).
Em segundo lugar, a Exortação materializa a identidade da família cristã nas tarefas que
ela mesma deverá assumir e desempenhar no âmbito familiar, social e eclesial. Devem ocupar
lugar de destaque no amor dos cônjuges, a educação humanizante dos filhos e sua capacitação
para o testemunho de Cristo Redentor no mundo e na Igreja. A natureza da Familiaris Consortio
é ser a mensagem pastoral e o Ensino Magisterial sobre a verdade a família cristã, nascida do
matrimônio, à luz dos Desígnios de “Deus Criador e Redentor” (FC 17). Nas palavras
conclusivas da Familiaris Consortio, em tom de “Exortação”, o Papa diz a todos os filhos da
Igreja e aos homens de boa vontade:
- O futuro da humanidade passa pela família!
- Devem amar particularmente a família.
- Compete ainda aos cristãos a tarefa de anunciar com alegria e convicção a ‘Boa-
Nova’ acerca da família, que tem necessidade absoluta de ouvir e de compreender
sempre mais profundamente as palavras autênticas que lhes revelam sua identidade,
seus recursos interiores, a importância da sua missão na Cidade dos homens e na de
Deus.
- A Igreja conhece o caminho pelo qual a família pode chegar ao coração da sua
verdade profunda. Este caminho, que a Igreja aprendeu na escola de Cristo e da
história interpretada à luz do Espírito, [...], sabendo, porém, que a ‘Boa-Nova’ conhece
227
a linguagem da Cruz. É, no entanto, através da Cruz que a família pode atingir a
plenitude do seu ser e a perfeição do seu amor.
- Desejo, por fim, convidar todos os cristãos a colaborar, carinhosa e corajosamente,
com todos os homens de boa vontade, que vivem a responsabilidade própria no serviço
à família. (FC Conclusão).
É possível e justifica-se, a Leitura cristológica da Familiaris Consortio. A família cris
em sua vocação e missão está radicada no desígnio de Deus Redentor. A cristologia, tanto em seu
aspecto dogmático quanto em seu aspecto soteriológico, fundamenta a identidade e a missão da
família cristã no mundo contemporâneo. O simples fato de a família ser chamada “cristã”
caracteriza a realidade fundante de sua vida cristã: Jesus de Nazaré histórico e real que conduz a
Cristo Crucificado, Ressuscitado dos mortos, que está à direita do Pai e há de vir, mas que, até à
sua nova vinda, comunicou o seu Espírito à sua Igreja para conduzi-la nos caminhos da história
como sacramento de salvação. A cristologia é categoria básica capaz de fortalecê-la no embate
contra os desafios da “cultura da morte” vigente, e:
Se a família cristã é comunidade, cujos vínculos são renovados por Cristo mediante a fé
e os sacramentos, a sua participação na missão da Igreja deve dar-se segundo uma
modalidade comunitária: conjuntamente, portanto, os cônjuges enquanto casal, os pais e
os filhos enquanto família, devem viver o seu serviço à Igreja e ao mundo. Devem ser na
fé ‘um só coração e uma só alma’ (At 4,32), através do espírito apostólico comum que os
anima e mediante a colaboração que os empenha nas obras de serviço à comunidade
eclesial e civil. [] A família cristã, edifica o Reino de Deus na história mediante aquelas
mesmas realidades cotidianas que dizem respeito e contradistinguem a sua condição de
vida: [...] o amor conjugal e familiar. (FC 50).
Ainda mais, diz o Papa: “Posto assim, o fundamento da participação da família cristã na
missão eclesial, é agora o momento de ilustrar o seu conteúdo na tríplice e unitária referência a
Jesus Cristo, Profeta, Sacerdote e Rei, apresentando por isso a família cristã como: comunidade
crente e evangelizadora; comunidade em diálogo com Deus; comunidade a serviço do homem”
(FC 50). Estão fundamentados os critérios fundantes de novas relações familiares.
228
A partir da Familiaris Consortio, conforme foi o desejo de João Paulo II (cf. FC
Conclusão), com o pluralismo de iniciativas daqueles que se empenham no ideal da família,
teólogos e especialistas em problemas familiares, poderão “favorecer uma promoção mais rápida
e integral da família” (FC conclusão), especialmente aprofundando dimensões ainda não
exploradas dessa realidade complexa e fascinante: a vida-matrimônio-família.
A família, indubitavelmente, é lugar de sentido, “lugar teológico”, “Igreja doméstica e
Santuário da vida”. Acima de tudo, a família cristã é comunidade de discípulos de Jesus Cristo,
chamada ao seguimento e à vivência da fé que Salva, Liberta e Transforma o mundo.
Sob os olhares desta proposta, pode-se afirmar que João Paulo II tem uma contribuição
original para a família cristã, em sua identidade e missão no mundo atual. Jesus é apresentado,
acima de tudo, como o Cristo Redentor do homem e do mundo, paradigma da família cristã. A
família cristã que nasce do sacramento do matrimônio, deve ser vista à luz do Evento Salvífico,
pois, “representa o mistério da Encarnação de Cristo e o seu Mistério de Aliança” (FC 13).
Jesus Cristo é a “largura e o comprimento, a altura e a profundidade” da família cristã
que, conhecendo o “amor de Cristo que excede todo conhecimento”, é plenificada “com toda a
plenitude de Deus” (Ef 3,18-19). Por meio da Igreja ela deve se aproximar “com toda confiança
pelo caminho da fé em Cristo” da “multiforme sabedoria de Deus, segundo o desígnio
preestabelecido desde a eternidade em Cristo Nosso Senhor” (Ef 3,12), assumindo a linguagem
da Cruz com a certeza da Ressurreição.
Em síntese conclusiva, esta proposta poderia simplesmente declarar:
É necessário que as famílias do nosso tempo tomem novamente altura!
É necessário que sigam a Cristo!
O futuro da humanidade e da Igreja passa pela família!
João Paulo II (sempre presente!)
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CENTRO UNIVERSITÁRIO ASSUNÇÃO
Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção
JOSÉ SETEMBRINO DE MELO
Leitura Cristológica da Familiaris Consortio
São Paulo – 2006
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