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GABRIEL GONZAGA BINA
A CONTRIBUIÇÃO DO ATABAQUE PARA UMA LITURGIA
MAIS INCULTURADA EM MEIOS AFRO-BRASILEIROS
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Dissertação apresentada como exigência parcial para obtenção do
título de mestre em Teologia à comissão julgadora da Pontifícia Fa-
culdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, sob a orientação
do Pe. Prof. Dr. Valeriano dos Santos Costa.
GABRIEL GONZAGA BINA
A CONTRIBUIÇÃO DO ATABAQUE PARA UMA LITURGIA
MAIS INCULTURADA EM MEIOS AFRO-BRASILEIROS
CENTRO UNIVERSITÁRIO ASSUNÇÃO
Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção
São Paulo - 2006
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À MEMÓRIA
De meus pais,
Geraldo Inácio Bina e
Maria Joana de Jesus
de meu irmão,
João Rosário Bina
e de
todos os negros e negras que tombaram lutando por liberdade, justiça e igualdade.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todas as pessoas que colaboraram comigo nesses quatro anos de estudo e pesquisa.
Em primeiro lugar agradeço ao ADVENIAT pelo financiamento do curso, a D. Paulo M.
Roxo, Opraem, bispo de Mogi das Cruzes, que fez o pedido da bolsa de estudos e ao IMA que me incentivou.
Agradeço também a D. Gílio Felício, ao Pe. Gabriel dos Santos e aos freis franciscanos do
convento do Pelourinho que não mediram esforços para apoiar-me quando estive em Salvador. Às
pessoas que partilharam comigo um pouco de suas experiências através de entrevistas, meu muito
obrigado! Ei de levá-las comigo na mente e no coração!
Não poderia deixar de agradecer à UFBA (Universidade Federal da Bahia), à Fundação Pierre
Verger, ao CEAO (Centro de Estudos Afro Orientais), à Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senho-
ra da Assunção, aos professores da pós-graduação do curso de liturgia, aos colegas, funcionários e
especialmente ao professor Valeriano Santos Costa que com paciência e competência orientou-me.
Agradeço a solidariedade da Editora e Gráfica Brasil pela publicação, de Vera Lúcia da Rocha que
digitou o trabalho, da professora Idalina Oliveira Nogueira que fez a correção, orientando-me na produção
textual, de Mônica de Souza Faria e Délio de Araújo que colocaram os desenhos e fotografias.
Carinho especial tenho pelas pessoas das paróquias Nossa Senhora Aparecida e São Roque,
em Brás Cubas, Mogi das Cruzes e Nossa Senhora Aparecida, em Santa Isabel, que me incentivaram
nos estudos e, muitas vezes, sofreram com a minha ausência. Enfim, agradeço aos que de alguma
maneira apoiaram-me, incentivaram-me e rezaram por mim.
AXÉ!
Pe. Gabriel Gonzaga BinaPe. Gabriel Gonzaga Bina
Pe. Gabriel Gonzaga BinaPe. Gabriel Gonzaga Bina
Pe. Gabriel Gonzaga Bina
ABREVIATURAS
APNS Agentes de Pastoral Negros
CELAM Conselho Espiscopal Latino Americano
CF Campanha da Fraternidade
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CONENC Congresso Nacional de Entidades Negras Católicas
EPA Encontro de Pastoral Afro-Americana
GRENI Grupo de Reflexão sobre a Vida Religiosa Negra e Indígena
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IMA Instituto Mariama de articulação dos Diáconos,
Padres e Bispos Negros do Brasil
RM Redemptoris Missio (João Paulo II)
SC Sacrosanctum Concilium (Vaticano II)
SD Santo Domingo (IV Conferência do CELAM)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
Capítulo I
A LINGUAGEM MUSICAL DA ÁFRICA NEGRA E A ORIGEM DOS TAMBORES . 15
1.A linguagem musical da África Negra ................................................................................. 16
2.Os diversos tambores africanos ........................................................................................... 18
Síntese conclusiva ................................................................................................................... 29
Capítulo II
O ATABAQUE NO BRASIL
...................................................................................................
30
1. Regiões da África de onde os negros foram tirados ............................................................ 30
2. Regiões brasileiras para onde foram levados os negros africanos ...................................... 31
3. Com os negros vieram também os atabaques ..................................................................... 32
4. Proibição da importação do atabaque................................................................................ 32
Síntese conclusiva ................................................................................................................... 33
Capítulo III
DEFININDO O ATABAQUE................................................................................................ 34
1. O atabaque como símbolo cultural de um povo ................................................................. 37
2. O atabaque como provocador de reflexão .......................................................................... 37
3. O atabaque como instrumento de comunicação ................................................................. 39
Síntese conclusiva ................................................................................................................... 42
Capítulo IV
O ATABAQUE E O SAGRADO NO BRASIL .................................................................... 43
1. O atabaque na liturgia do candomblé baiano..................................................................... 43
2. O atabaque na liturgia da umbanda ................................................................................... 45
3. O atabaque na liturgia da igreja católica: aceitação e controvérsias ................................. 45
3.1. Protagonistas do uso do atabaque na liturgia da igreja católica no Brasil ......................... 46
3.2. Controvérsias devido ao uso do atabaque na liturgia da igreja católica no Brasil ............... 48
Síntese conclusiva ................................................................................................................... 51
Capítulo V
O QUE ENCONTRAMOS NA BÍBLIA, NA HISTÓRIA E NO MAGISTÉRIO DA IGRE-
JA A RESPEITO DO USO DOS INSTRUMENTOS MUSICAIS NO CULTO
1. Antigo Testamento............................................................................................................... 54
2. Novo Testamento................................................................................................................. 55
3. Santos Padres ...................................................................................................................... 56
4. Idade Média ........................................................................................................................ 57
5. Renascença ......................................................................................................................... 58
6. Século XX .......................................................................................................................... 58
Síntese conclusiva ................................................................................................................... 60
Capítulo VI
O LUGAR DO ATABAQUE NO PROCESSO DE INCULTURAÇÃO LITÚRGICA
EM MEIOS AFRO-BRASILEIROS..................................................................................... 62
1. A caminho da inculturação litúrgica em meios afro-brasileiros .......................................... 62
2. Definindo inculturação e seu objetivo ................................................................................. 65
3. Definindo inculturação litúrgica ......................................................................................... 69
3.1 Explicações complementares inerentes ao processo de inculturação litúrgica ................... 71
4. O atabaque como valor autêntico dos afro-descendentes brasileiros a ser inculturado na
liturgia ..................................................................................................................................... 72
5. Adaptando o atabaque na liturgia cristã católica ............................................................... 74
6. Iniciação ao atabaque e à liturgia....................................................................................... 76
7. Como utilizar o atabaque na oração, na dança e no canto ................................................ 78
8. O atabaque como comunicador do mistério de Deus......................................................... 79
Síntese conclusiva ................................................................................................................... 80
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 82
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................... 84
ANEXO
..................................................................................................................................
95
1.Diocese de Jundiaí – Comunicado 02/2000 e 10/2000 proibindo o uso de atabaques nas cele-
brações eucarísticas ................................................................................................................. 95
2.Carta pseudônima a D. Gílio Felício – o atabaque como instrumento diabólico .................. 97
3.Resposta de Frei Lucas, superior do convento franciscano do Pelourinho, à carta pseudônima
recebida ................................................................................................................................. 101
4. Dicas para preparar uma celebração afro-brasileira .......................................................... 102
5. Como construir o atabaque................................................................................................ 105
10
INTRODUÇÃO
Os fatos e acontecimentos relacionados abaixo facilitarão o entendimento do leitor e da leitora no
que se refere às causas que nos levaram a estudar o lugar do atabaque no processo de inculturação
litúrgica em meios afro-brasileiros, por isso fazemos questão de elencar alguns deles:
1. O avanço da pastoral afro-brasileira, inclusive com a realização do primeiro Congresso Nacional
de Entidades Negras Católicas (CONENC) em setembro de 1998 em Limeira–SP e o segundo
seminário em julho de 2000 em Goiânia–GO;
2. O compromisso da CNBB por ocasião dos 300 anos da morte de Zumbi dos Palmares (1995) em
criar uma secretaria afro-brasileira, para articular e incentivar a pastoral afro em todas as dioceses
do Brasil;
3. Criação de uma comissão nacional para a pastoral afro-brasileira com assessor, secretária
e bispo responsável na sede da CNBB. Também a criação do Centro de Articulação da
Pastoral Afro na arquidiocese de São Salvador–BA, em pleno Pelourinho;
4. A escolha do Pe. Gílio Felício, do clero de Santa Cruz do Sul–RS, para bispo auxiliar da arquidiocese
de São Salvador–BA e atualmente Bispo titular da Diocese de Bagé-RS. Ele é negro marcadamente
assumido, foi presidente do Instituto Mariama de articulação dos padres, diáconos e bispos ne-
gros do Brasil;
5. A realização do II Seminário de Inculturação Litúrgica Afro, convocado pela CNBB Linha
4 – Liturgia em 1996, em Duque de Caxias–RJ, onde ficou consagrado, segundo o relato dos
participantes, que o atabaque é fundamental para a oração do povo brasileiro;
6. A realização do VIII EPA (Encontro de Pastoral Afro-americana) de 04 a 11 de setembro de
2000 em Salvador–BA, envolvendo a Arquidiocese de São Salvador, a secretaria de Pastoral
Afro do CELAM, o IMA e todos os movimentos envolvidos com evangelização e com o resgate
11
da cultura do povo negro;
7. A abertura que o Papa João Paulo II deu à inculturação nos meios afro e seus escritos valorizando
a cultura negra na Igreja;
8. A realização do Sínodo Africano em 1994 onde o Papa João Paulo II falou aos bispos, presbíteros,
diáconos e a todos os fiéis leigos e leigas dizendo: “A África estava presente com a diversidade dos
seus ritos, unida a todo o povo de Deus: ela dançava na sua alegria, exprimindo a sua fé na vida, ao
som do batuque e de outros instrumentos musicais africanos... Sou profundamente grato, ainda, ao
grupo de trabalho que tão bem cuidou das liturgias eucarísticas de abertura e encerramento do
Sínodo. Contando entre os seus membros, teólogos, liturgistas e peritos em cânticos e instrumen-
tos africanos de expressão litúrgica, o grupo quis, como era desejo meu, fazer com que aquelas
cerimônias fossem marcadas por nítido caráter africano” (Cf. Ecclesia in Africa, p. 09 e 22);
9. A proposta da Campanha da Fraternidade de 1988 por ocasião do centenário da “abolição” de
investir na preparação e liberação de pessoal especializado para uma pastoral específica junto à
comunidade negra, além de prestar apoio à pesquisa e outros trabalhos ligados ao mundo negro
brasileiro (Cf. Manual da CF/88, p.87, nº.149);
10. Os bispos, padres e diáconos negros do IMA, em 1994 indicaram o nosso nome para representá-
los no diálogo com a CNBB Linha 4 – Liturgia no tocante ao avanço da liturgia inculturada afro.
Após descrevermos os fatos e acontecimentos que nos levaram à escolha desse tema é
preciso dizer que desejamos contribuir com o processo de inculturação litúrgica da igreja no Brasil.
Não é possível pensar a música popular africana sem se falar nos atabaques. É importante que o leitor
perceba que se para a música africana os atabaques são de fundamental importância, não poderia ser
diferente para a música brasileira, já que a população do Brasil é formada por mais de 40% de afro-
descendentes, chegando em alguns estados, como a Bahia, a 80%.
Se para a música popular africana e brasileira o atabaque é essencial porque está ligado à
12
cultura popular, a música sacra desses povos não pode seguir outros rumos se quiser ser fiel à cultura,
à tradição e ao jeito de ser, de rezar e de viver desses mesmos povos.
Gostaríamos de demonstrar que o atabaque é um instrumento como qualquer outro, mas para
o povo negro, para os afro-descendentes e para o povo brasileiro em geral, ele é especial uma vez que
concentra e unifica e pode levar à verdadeira oração.
Embora o atabaque seja um instrumento musical, não pretendemos aprofundar nessa pesquisa
a música litúrgica e nem as reações psicológicas provocadas por ele, como o transe, por exemplo.
Optamos por permanecer na área da Ciência Litúrgica, até porque esta é uma dissertação de liturgia.
O embasamento teórico foi feito através da História, da Antropologia e da Etnomusicologia, como
suporte para uma liturgia inculturada nos meios afro.
Temos por objetivo mostrar que não se pode falar em inculturação litúrgica em meios afro se
não rompermos o preconceito quanto ao uso do atabaque no culto cristão. Queremos demonstrar que
o uso adequado do atabaque nas celebrações litúrgicas pode sensibilizar os fiéis, provocando júbilo,
arrependimento, aclamações, meditação e concentração.
Descritos alguns dos vários tambores africanos, passamos para a definição do atabaque bra-
sileiro, tarefa não muito fácil porque alguns autores especializados descrevem-no como um conjunto
de tambores
1
e outros o definem como um tambor apenas
2
. Isso talvez confunda o leitor no início, mas
logo depois já se habitua a ver as palavras atabaque, atabaques e tambores como sinônimas. Bira Reis,
músico e arquiteto com oficina de música e instrumentos no Pelourinho, Salvador-BA, disse que
“atabaque” foi o nome genérico encontrado no Brasil para designar os tambores em geral. No decor-
rer do trabalho, usaremos as duas definições. Entendemos como atabaques sejam os tambores utiliza-
1
Cf. Luiz COSME, Dicionário musical, p.11; Cf. Luiz da Câmara CASCUDO, Dicionário do folclore brasileiro, verbete
“Atabaque”; Cf. Enciclopédia da música brasileira erudita, folclórica e popular verbetes “Atabaque” e “Tambor,” pp.49 e 740;
Cf. Arthur RAMOS, O negro brasileiro, pp.149-68; Cf. Francisco VAN DER POEL & Lélia Coelho FROTA, Abecedário de
religiosidade popular, verbete “Tambor”.
2
Cf. Tomás BORBA & Fernando Lopes GRAÇA, Dicionário de música, p.95; Cf. Raul LODY & Leonardo SÁ, O atabaque
no candomblé baiano, pp.23-8.
13
dos no candomblé, sejam os outros instrumentos que embora recebam outros nomes (timba, timbal,
tamborim, bongô, cuíca, pandeiro, etc.) usem o couro esticado como base para a percussão.
Verificamos também a procedência dos negros africanos, bem como as regiões brasileiras
para onde foram levados, isso porque com os negros e negras vieram também os atabaques.
Os atabaques sempre foram utilizados em festas religiosas do candomblé da Bahia, na umbanda
do Rio de Janeiro e São Paulo, em festas folclórico-religiosas como o tambor de crioula do Maranhão,
no jogo da capoeira, nas congadas, reisados e moçambiques de Minas Gerais. Nessas regiões o povo
afro-descendente soma mais de 50%
3
da população e naturalmente influencia com sua cultura.
Nos documentos da igreja católica só recentemente apareceu a possibilidade do uso do atabaque
como instrumento que pode animar o culto, embora na Bíblia, fonte de nossa fé, encontremos louvores
ao Senhor com tambores, especialmente no Antigo Testamento. No Novo Testamento e passando
pelos Santos Padres, vemos os instrumentos musicais serem afastados do culto. Com o tempo, eles
reconquistaram seu espaço dando suporte ao canto, e o órgão, que era instrumento profano de uso
nos cabarés, passa a ser o instrumento da igreja por excelência.
Por ser usado nos candomblés e pelos povos negros, o atabaque foi um instrumento discrimi-
nado pela hierarquia da igreja católica do Brasil formada quase que exclusivamente de brancos. Foi
acusado de instrumento de negro, de macumba, do demônio, de instrumento barulhento e que tira a
concentração. Este preconceito foi passado para o povo cristão, inclusive o povo negro, durante o
processo de “evangelização”, domesticação e ideologia do embranquecimento, dificultando hoje o seu
uso no culto. A lavagem cerebral foi tão profunda que o próprio povo negro “ficou retardado” e já não
reconhece de imediato o que sempre foi seu. Poderíamos comparar essa situação do povo negro com
a de um jovem criado longe do pai ou da mãe, quando os encontra sente arder o coração mas não
sabe bem porque, algo o diz em seu íntimo que faz parte daquela família. Assim somos nós em relação
3
Http://www. Ibge.gov.br/ibge/estatistica/população/condiçãodevida/indicadores.../tabela1.sht – 17.04.2001.
14
ao atabaque. Ao ouvi-lo sentimos o coração arder, o sangue agitar, batemos as mãos e os pés e
dançamos ao seu ritmo.
Queremos resgatar o verdadeiro sentido do atabaque e propô-lo como instrumento cultural
que sustenta a espiritualidade de um povo. Mostraremos através desta pesquisa e experiência que o
atabaque ou os atabaques podem adaptar-se ao culto cristão, colaborando com o processo de
inculturação litúrgica no Brasil, revolucionando o jeito de se pensar e de se fazer liturgia, envolvendo
dança, gestos, símbolos, cores e todo o corpo na celebração da morte e ressurreição de nosso Senhor
Jesus Cristo.
15
CAPÍTULO I
A LINGUAGEM MUSICAL DA ÁFRICA NEGRA
E A ORIGEM DOS TAMBORES
Pelo fato da maioria de nós, afro-descendentes, nunca termos estudado a história da África
nas escolas, sentimos a necessidade de localizar geograficamente os povos africanos e falar um pouco
de sua música e de seus principais instrumentos musicais que quase sempre são da família dos tambo-
res.
Povos bantos, sudaneses, semitas, hamitas, hottentotes e boschimanos.
Sudaneses
Bantos
Semitas e Hamitas
Hottentotes e Boschimanos
16
Os negros propriamente ditos são os sudaneses e bantos, mas também existem na África os
Semitas e Hamitas, ligados à raça branca, os Hottentotes e Boschimanos e os Negrilhos que são fruto
da mestiçagem
4
.
1. A LINGUAGEM MUSICAL DA ÁFRICA NEGRA
A África dita “negra” é composta por uma infinidade de etnias e culturas, mas o uso dos
tambores é comum em todas elas. Em geral, entende-se por “música africana”, o conjunto de músicas
tradicionais dos povos que habitam ao sul do Rio Senegal e à beira dos lagos Chade e Tana.
Os povos que representam a verdadeira cultura negra são os mais numerosos e dividem-se em
três grupos:
O grupo sudanês, ao Norte do Equador (Senegal, Guiné, Costa do Marfim, Norte dos Camarões,
Nigéria, Sul do Mali e do Chade, etc.). Sua música foi influenciada pelo Islã;
Povos bantos, ao Sul de uma linha que une a foz do rio Níger à do rio Tana, no Quênia (Sul dos
Camarões, Gabão, Congo, Zaire, Tanzânia, Ruanda, Zâmbia, Moçambique, Angola, etc.). Sua música
foi mais preservada de outras influências;
O grupo nilótico, na região do alto Nilo e do lago Vitória (província equatorial do Sudão, Quênia,
Uganda).
Embora esses povos sejam tão diversos e ocupem um imenso território, sua música apresenta
características comuns, tais como:
1. A música africana apresenta uma pureza original e é expressão de uma cultura coletiva profunda-
mente ligada à vida social. É uma maneira de ser e agir em harmonia com a natureza;
2. A música é concebida como um fenômeno global, cuja análise nem se cogita fazer. Os músicos
africanos não conhecem sistema teórico. Em todos os povos africanos a evolução musical desde
4
Cf. Arthur RAMOS, As culturas negras no novo mundo, pp. 15-35.
17
as origens parece ter acontecido regularmente integrando todo o entorno sonoro;
3. A música africana é chamada a substituir a linguagem falada. É possível compreendê-la porque os
instrumentos falam.
Na maioria das línguas africanas, especialmente nas línguas do grupo banto, a altura relativa dos
sons é significante. A música é capaz de imitar os ritmos e os “tons” do discurso, permitindo que os
instrumentos falem. A linguagem de um tambor de axila, de uma cítara, de um arco de boca ou de
um violino é a língua usual totalmente compreendida quando o informante-músico é habilidoso e o
receptor, atencioso. Se a afinação e a execução de um instrumento não levarem em conta as
características lingüísticas (se é um estrangeiro que toca, por exemplo), a mensagem não será
compreendida pela comunidade. Os tambores são utilizados para, através de códigos, transmiti-
rem mensagens à distância.
5
4. Os instrumentos devem “falar” a linguagem da comunidade que os utiliza. A confecção e a prática
instrumentais na África obedecem a critérios flexíveis de acordo com a língua, cultura e personali-
dade do músico que toca e confecciona os instrumentos. Serão utilizados os materiais mais
simples, cujas sonoridades são naturais e familiares. Por toda parte procura-se misturar o som
quando ele é demasiado límpido. Colocam-se chocalhos fixados nos pulsos dos músicos, apitos
adaptados nas caixas e nos ressonadores de cabaça, ou grãos secos introduzidos dentro delas,
anéis e penduricalhos nos contornos dos tambores, etc..
6
5. Os instrumentos africanos são diversificados e a música é freqüentemente polifônica, mas sem
regras anteriormente definidas. Todos os tambores são diferentes; cada um fala uma língua deter-
minada com seu “sotaque” particular. A associação de ritmos diferentes é, pois, mais “natural” do
que a imitação coletiva de um ritmo imposto. No entanto, a música africana não é inteiramente
5
Cf. Sue Carole DE VALE, Poder e sentido nos instrumentos musicais, Concilium, 222: 97.
6
Esta prática lembra os negros dos Estados Unidos, especialmente os cantores de Blues, que deformam o som de suas guitarras
colocando em suas cordas pequenos anéis metálicos móveis entre o estandarte e o cavalete. Até mesmo os cantores africanos
profissionais procuram transformar a voz por meio de artifícios como ouvidos fechados, nariz tapado, vibração da língua, apitos,
etc.. Isso tudo nos faz lembrar das Congadas e Folia de Reis em Minas Gerais.
18
improvisada, como se pensa. Na maior parte dos casos, ela é codificada e aprendida. O improviso
constitui apenas a contribuição individual ou a necessária adaptação às circunstâncias.
2. OS DIVERSOS TAMBORES AFRICANOS
Queremos falar da infinidade dos tambores africanos para demonstrar que é inconcebível para o
negro deixá-los fora do culto pelo fato de os tambores serem instrumento natural e cultural do africano
e conseqüentemente do afro-descendente brasileiro. Trazemos esta dádiva em nosso inconsciente
coletivo, faz parte de nossa memória histórica. Basta observar como o carnaval, animado por diversos
tambores, mexe com o povo brasileiro. O mesmo pode-se observar com a torcida de futebol oficial
ou nos campos da periferia ou na passagem do trio elétrico e nas apresentações de grupos afro como
o Olodum, Filhos de Gandhi, Filhas de Oxum, em Salvador na Bahia. É assim também na passagem da
congada ou moçambique em Minas Gerais e São Paulo e na dança tambor de crioula no Maranhão.
Os diversos tambores tocados juntos fazem uma grande harmonia, provocando ritmo e alegria.
Abaixo vemos o “trabalho a compasso de música. Um negreiro maometano faz trabalhar os
escravos nos campos dos Camarões (África). Grupos de cem homens sacham a compasso dos tam-
bores. Atrás dos tambores marcham, igualmente a compasso, os semeadores”.
7
Optamos por citar alguns dos tambores africanos, embora a leitura de sua descrição possa
se tornar um pouco cansativa. É que nossa empolgação foi imensa ao descobrirmos o estudo de José
7
Friedrich HERZFELD, Nós e a música, p.12.
19
Redinha
8
e queríamos partilhá-lo com o leitor. O acesso a esse estudo é limitado devido ao fato da
publicação ser portuguesa, além de, no Brasil, não haver interesse em divulgar o que é dos povos
negros. Selecionamos alguns tambores e os descrevemos procurando precisar histórica e geografica-
mente os povos que os utilizavam ou utilizam. Com isso pretendemos demonstrar que esses tambores
influenciaram completamente os atabaques brasileiros e a música popular brasileira. Percebe-se nitida-
mente que os atabaques são instrumentos culturais e como tal não podem ficar à margem das manifes-
tações religiosas e culturais do povo afro-descendente brasileiro.
Os instrumentos africanos são quase sempre fabricados artesanalmente, de feitura simples,
porém engenhosa. São de cordas, de sopro e de percussão. Entre os de percussão concentraremos
nossa pesquisa nos tambores.
Existem também os tambores de madeira que utilizam códigos para transmissão de men-
sagens. Um deles é o tambor de lingüetas, formado por um tronco de árvore oco em que é feita
uma abertura longitudinal que apresenta duas lingüetas, uma macho e outra fêmea, de espessuras
diferentes, que permitem emitir sons diversificados.
Pierre Verger estudou profundamente a cultura negra, e é de sua autoria as fotografias que
inspiraram os desenhos de tambores que seguem abaixo
9
:
1. Tambores do rei de Kêto, usados na cerimônia de coroação – Benin;
8
Cf. José REDINHA, Instrumentos musicais de Angola, sua construção e descrição.
9
Cf. Governo do Estado da Bahia, Instrumentos musicais, Homenagem aos 90 anos de Pierre Verger.
20
2. Tambores utilizados em festas profanas. Porto Novo – Benin;
3. Tambores utilizados durante as festas dos Watutsi –Ruanda;
4. Tambores Sato, usados no culto dos mortos da região do rio Uemê –Benin;
21
5. Tambores Batá, feitos com dois coros; um para as batidas mais fortes e outro para percutir;
Saketê – Benin.
Boa parte dos tambores africanos são respeitados como pessoas por sua capacidade de falar
uma linguagem determinada e dialogarem entre si. Em Moçambique é muito comum o uso dos tambo-
res no cotidiano do povo. Lá existe uma dança chamada mapico
10
originária da província de Cabo
Delgado, que é acompanhada dos seguintes tambores:
a) LIGOMA: este tambor é feito a partir de um tronco cavado, aberto de um lado e com uma
membrana de pele de animal na outra extremidade;
b) LIKUTI: este é um tambor pequeno em forma de cálice, que marca o início da dança. Inicialmente
é tocado com duas baquetas compridas e seguidamente tocado com as mãos, pelo mesmo tocador
do Ligoma;
10
Cf. MOÇAMBIQUE, Ministério da Educação e Cultura, Catálogo de instrumentos musicais, p. 27.
22
c) SINGANGA (PL. VINGANGA): estes tambores têm quase o mesmo formato que o Likuti, com
a diferença de serem menores e com uma ponta aguçada que é espetada ao chão. Normalmente
são mais de sete, tocados com duas baquetas compridas simultaneamente e com a mesma cadên-
cia;
d) NEYA OU NEHA: é o tambor mais alto e estreito. É tocado com as mãos e é quem orienta os
dançarinos e regula a cadência de todos os outros tambores;
e) NTOJI OU NTONHA: é o tambor que comanda os movimentos do dançarino.
Há também em Moçambique os “Tambores do Tufo”.
11
O tufo é uma dança popular nas zonas
árabes deste país. O nome genérico dos tambores unimembranófonos do Tufo é Taware, mas cada
tambor tem seu nome particular e sua função. Vejamos a seguir:
11
Cf. MOÇAMBIQUE, Ministério da Educação e Cultura, Catálogo de instrumentos musicais, p. 28.
23
a) BAZUCA: é o maior deles e o que produz o som mais baixo. Suas batidas são mais compassadas;
b) NGAJIZA: é o tambor médio;
c) APÚSTUA OU COSTA: é ligeiramente menor;
d) DUÁSSI OU LUÁSSI: é o menor de todos e tem um batimento seguido, pois marca o ritmo da
música.
De acordo com a pesquisa do Centro de Estudos Africanos, Instituto de Antropologia da
Universidade de Coimbra, Portugal,
12
em Angola encontra-se uma infinidade de tambores que, com
certeza, influenciaram os atabaques brasileiros. Seu formato e efeito sonoro assemelham-se a vários
tambores utilizados no Brasil, por isso elencaremos abaixo o nome e a origem de alguns deles para que
o leitor faça sua própria análise.
1. QUIPUITA (KIPWITA OU MPWITA): o tambor quipuita encontra-se ao longo do litoral,
desde o Congo ao Humbe, entre povos Quicongos, Quimbundos, Libolos, Ambuis, Benguelas
e outros. Entre os bailundos é também designado onjique (onjiki). Foram seus divulgadores os
Jagas e também os Ambundos. O quipuita alcançou zonas do interior, como Malange, os
12
Cf. José REDINHA, Instrumentos musicais de Angola, sua construção e descrição, pp. 163-79.
24
Dembos e o Alto-Zambeze. É algumas vezes designado “tambor de fricção”. O centro de divul-
gação do quipuita, em Angola, está em Luanda. A vara de fricção mais apropriada para tocar
esse instrumento é a de caniço, que transmite ao tímpano duas notas: uma, quando a mão escor-
rega para a frente, e outra quando volta para trás. O som deste instrumento é muito baixo, de
fortíssimas vibrações, e tem sido comparado ao mugido do touro. O quipuita foi adotado em
conjuntos modernos de música africana, mas substituído depois pela viola-baixo. Esse instru-
mento lembra muito a cuíca brasileira;
2. NGOMA UA TXINA (NGOMA WA TCHINA): é o maior tambor da família popular de três
tambores cilíndricos de um tímpano, utilizados pelos povos Quiocos, Lundas, Luenas e outros em
suas festas populares. Usa-se o jogo de três tambores, semelhante ao que se faz nos terreiros de
candomblé e umbanda brasileiros. Assemelha-se ao atabaque “rum”, tambor grande;
3. NGOMA UA MUCAMBA (NGOMA WA MUKAMBA): esse tambor mede de 1,30m a 1,50m
e era utilizado pelos antigos povos Lundas. Era tocado manualmente ou com baquetas em períodos
de guerras;
25
4. NGOMA UA MUCUNDO (NGOMA WA MUKUNDO): é um tambor da família dos tambores
Lunda-Quiocos. Assemelha-se ao atabaque “rumpi”, tambor médio utilizado nos candomblés do
Brasil;
5. NGOMA UA CASSUMBI (NGOMA WA KASUMBY): é um pequeno tambor de um tímpano,
da família dos tambores Lunda-Quiocos. Assemelha-se ao atabaque “lé”, menor tambor utilizado
nos candomblés brasileiros;
6. NGOMA UA MUNGANGA (NGOMA WA MUNGANGA): tambor de um tímpano e de
percussão manual feito de pele de antílope. É considerado tambor de soba para determinados
ritos. Existe entre os povos Xinjes de Capenda Camulemba e entre os Iacas do Distrito do Uíge
(Rio Cuango);
26
7. NDUNGU: tambores alongados, de dois tímpanos e de pequeno diâmetro utilizado pelos povos
Cabinda. O modelo varia muito em comprimento, registrando-se dimensões de 1,60m, 3m e outras;
8. MUCUPELA OU MUCUAZO (MUKUPELA OU MUKUAZO): tambor Quioco de dois
tímpanos, munido duma manga com palheta vibratória, feita duma teia de aranha muito densa,
da aranha candahuli. Encontra-se na Lunda, no Moxico, no Cuango e de um modo geral entre
os povos Lunda-Quiocos. Um modelo idêntico aparece entre outras etnias, como os Ganguelas
e Ambuelas. Alguns autores assinalam tambores deste tipo também no Zaire. Os Quiocos são
exímios na construção deste instrumento muito valorizado do ponto de vista artístico com entalhes
geométricos e figurativos;
27
9. NGOMA UA NGURI UA CAMA (NGOMA WA NGURI WA KAMA): enorme tambor cilíndrico
aprisionado pelos povos Mussucos. Segundo a tradição, o tímpano era de pele humana, do corpo
de um inimigo. Foi insígnia do sobado, rufando apenas em nome de Nguri wa Kama, para reunir
de urgência os seus súditos e grupos de guerra;
10.NGOMA UA CACONGO (NGOMA WA KAKONGU): tambor dos povos Quiocos tocado
quando crianças nasciam e quando as sementes germinavam;
11. NGOMA UA MUCUNDO UA CUVUNGA (NGOMA WA MUKUNDA WA KUVUNGA):
esse grande tambor dos povos Quiocos é rico em entalhes decorativos e era particularmente
tocado nos batuques em que o soba participava;
12. TAMBOR AMBUELA (TAMBOR MBWELA): tambor de dois tímpanos, sub-cilíndrico, com
manga para palheta e quatro asas na cintura. Encontrado às margens do Rio Cuchique;
28
13. TAMBOR MUXICONGO (NGOMA A MUCHIKONGU): modelo de tambor grande, cilíndrico
e ornado, registrado há quarenta anos entre os povos Muxicongos;
14. PANDEIRO: espécie de pandeiro dos antigos Lundas do Luachimo, construído com quatro varas,
em disposição retangular, com o lado interno do polígono ocupado por uma pele esticada e bem
presa às varas pelo contorno. As pontas das varas prolongam-se e nas suas oito extremidades
enfiam-se argolas de arame com quantidade de discos metálicos que se entrechocam quando a
pele é percutida. Trata-se de um instrumento pouco visto;
15.TAMBOR MODERNO: pequeno tambor para conjuntos de música aculturada, ornado com
esquemas de cabeças de bois.
29
SÍNTESE CONCLUSIVA
Descrevemos alguns dos vários tambores africanos com suas respectivas ilustrações, a fim de
provar para o leitor que o tambor é usado pelos povos africanos de maneira natural e cultural. A
procedência da maioria dos tambores utilizados no Brasil é africana e vieram juntamente com os
escravizados, como veremos no capítulo seguinte. Nosso estudo propõe o uso dos atabaques para
animar a liturgia cristã católica do Brasil. É uma das formas de inculturação litúrgica possível, sendo
sinal, símbolo e instrumento cultural que sustenta o canto e dá vida a um povo, resgatando sua memória
histórica.
Com certeza todos esses tambores influenciaram os atabaques que possuímos no Brasil. É
lógico que houve a necessária adaptação, inclusive devido ao fato de os negros africanos serem mistu-
rados para a escravização a fim de evitar organização e rebelião. A mistura de pessoas provocou uma
mescla de culturas, de música e de instrumentos, originando, assim, uma nova cultura, uma nova músi-
ca e novos instrumentos, naturalmente influenciados pelo que cada um conhecia na África. Outrossim,
deve dar origem também a um jeito novo de fazer liturgia.
30
CAPÍTULO II
O ATABAQUE NO BRASIL
Atualmente o atabaque é conhecido em todo Brasil, mesmo que o nome varie de
Estado para Estado. O capítulo anterior nos ajudou a entender a origem dos tambores e quais
povos os utilizavam. Este capítulo nos ajudará a compreender como os atabaques chegaram até
nós e em que regiões brasileiras esses instrumentos tiveram maior difusão.
1. REGIÕES DA ÁFRICA DE ONDE OS NEGROS FORAM TIRADOS
Trazidos ao Brasil, de diversas nações africanas, fomos misturados e dispersados, confun-
dindo assim nossas danças, costumes, religiões, crenças, língua e dificultando nossa organização
e preservação de nossa cultura. Aos poucos e naturalmente foi surgindo um jeito de ser negro (a)
brasileiro (a).
Não sabemos ao certo a procedência dos negros africanos com suas respectivas tribos. O
fato do Ministério da Fazenda do Brasil ter ordenado a destruição dos documentos históricos
sobre a escravidão em circular de nº. 29 de 13 de maio de 1891, impossibilitou esse estudo exato.
Sabe-se, segundo competentes estudiosos da cultura negra do Brasil
13
que, embora sendo de tribos
diferentes e até inimigas, estas foram misturadas. Porém a maioria dos historiadores concorda que
os negros brasileiros são sudaneses (iorubas ou nagôs, gêges, haussás, minas,...) e bantos (angolas,
cabindas ou congos e os negros de Moçambique).
14
13
Cf. Nina RODRIGUES, Os africanos no Brasil, pp.33-7.
14
Cf. Arthur RAMOS, O negro brasileiro, p. 18.
31
Os povos negros do Brasil são sudaneses e bantos
2. REGIÕES BRASILEIRAS PARA ONDE FORAM LEVADOS OS NEGROS AFRI-
CANOS
O negro foi introduzido no Brasil para ser escravizado nas plantações de algodão, cana-
de-açúcar, café, cacau, e agricultura em geral e também para mineração. Foi inicialmente levado
para a Bahia, Pernambuco, Rio de Janeiro, Maranhão e estados vizinhos.
Sudaneses
Bantos
32
Regiões brasileiras para onde foram levados os povos negros africanos
3. COM OS NEGROS VIERAM TAMBÉM OS ATABAQUES
É natural que um povo arrancado de seu habitat natural ou imigrante, carregue consigo sua
cultura, sua língua, seus costumes, sua música, seus instrumentos. Com os povos africanos não foi
diferente. Trouxeram para o Brasil todo o seu patrimônio cultural de milhões de anos.
Os milenares atabaques acompanharam os povos negros não só como objeto cultural, mas
também no sangue, na ginga, na mente e no coração. A música africana influenciou visivelmente
a formação da música popular brasileira.
15
4. PROIBIÇÃO DA IMPORTAÇÃO DO ATABAQUE
Ao som dos atabaques os negros dançavam mesmo em meio à escravidão e recebiam novo
ânimo. A dança era uma forma de resistência. O som dos atabaques fazia brotar uma energia vital
para os negros e irritava os brancos, donos de escravos. Não demorou muito para que a música e
a dança preocupassem os poderosos que temiam uma reorganização dos negros como a do Quilombo
15
Cf. José REDINHA, Os instrumentos musicais de Angola, sua construção e descrição, p. 34.
33
16
Cf. José Ramos TINHORÃO, Música popular de índios, negros e mestiços, pp. 129-30.
17
Cf. Arthur RAMOS, O negro brasileiro, p. 162.
dos Palmares (1695). No dia 04 de julho de 1780, o governador de Pernambuco recebeu instruções
para, aos poucos, ir destruindo a música e a dança dos negros, especialmente as religiosas, uma
vez que provocavam união.
16
Em 1835 houve a proibição expressa da importação do atabaque com a alegação de que
ele produzia um som medonho e infernal, que fortalecia os negros e os tornava agitadores e com
coragem de se revoltar contra o sistema.
17
SÍNTESE CONCLUSIVA
Os povos negros brasileiros sempre lutaram para manter suas tradições, sua cultura, sua
música, sua dança e sua religião embora tenham sido forçados a imitar outros povos. Tudo o que
é seu foi considerado feio e proibido, seja por lei, seja por chacotas. Com o atabaque não foi
diferente. Fomos abafados em todas as nossas manifestações. Todavia sempre soubemos resistir e
encontrar caminhos de libertação.
34
CAPÍTULO III
DEFININDO O ATABAQUE
O atabaque pertence à família dos tambores e no Brasil recebe vários nomes como “tabaque,
“tambaque,
18
“atabale,
19
“tambor,
20
“altabale”, e outros.
21
Ubirajara de Andrade Reis é músico e se considera uma espécie de arqueólogo musical.
Encontramo-nos no Pelourinho, em Salvador-BA. Ele nos mostrou em sua oficina atabaques maiores
do que um ser humano, além de diversos instrumentos de percussão feitos de maneira simples e
engenhosa com um resultado sonoro impressionante.
Bira Reis
Bira, como é chamado, pertenceu ao grupo baiano de percussão e cultura Olodum e
viajou com o grupo para a Europa, Estados Unidos e África. Possui ligação com uma associação
cultural de Paris. Pesquisa a música de origem e procedência africana, árabe, hispano-portuguesa
e indígena. Segundo ele, a origem do instrumento e sua procedência são coisas distintas. É mais
fácil dizer que um instrumento procede de tal lugar do que dizer que se originou naquele determi-
18
Cf. Luiz COSME, Dicionário musical, p. 11.
19
Cf. Tomás BORBA & Fernando Lopes GRAÇA, Dicionário de música, p. 95.
20
Cf. Enciclopédia da música brasileira erudita, folclórica, popular, verbete “Tambor”, p. 740.
21
Ibid., verbete “Atabaque”, p. 49.
35
nado lugar. O atabaque, por exemplo, com essa denominação, é árabe e deriva de “attabl”
22
. Na
verdade o atabaque na África tem nome próprio. Os africanos de procedência sudanesa ou iorubá
chamam os atabaques de “rum”(que significa tambor grande), “rumpi” (tambor médio) e “lé”(tambor
pequeno)
23
. Atabaque é um nome dado no Brasil e a forma de fabricação do jeito que vemos hoje
também é brasileira. Quando dizemos a palavra “atabaque” aqui no Brasil, logo associamos aos
três tambores utilizados no candomblé porque é de forte influência sudanesa e o candomblé foi
quem preservou este instrumento durante vários anos. Se pronunciarmos a palavra “atabaque” em
árabe na Arábia certamente vão lembrar outro tipo de tambor diferente do rum, rumpi e lé que
conhecemos no Brasil, devido à influência africana. Outras culturas africanas diferentes das que
vieram para o Brasil utilizam outros tambores normalmente chamados “engomas” com formas
diferentes, mas sempre membranófonos. Aqui mesmo no Brasil podemos utilizar diferentes no-
mes para os membranofones, por exemplo “timbal”, que Carlinhos Brown usa na timbalada, ou
atabaque do “jongo” no Rio de Janeiro, que na verdade é o chamado “candongueiro”. A palavra
“atabaque” virou termo genérico
24
. Se vamos a Recife podemos pedir para ver um atabaque e
pode acontecer que a pessoa nos mostre um “ilú” que é um atabaque, mas de duas membranas.
Para o candomblé existem formas e tamanhos específicos dos atabaques, no entanto nada
impede que fora do candomblé façamos outros padrões e outras medidas, porque o atabaque não
é propriedade do candomblé e sim da cultura negra. O candomblé possui muitos méritos porque
preservou esse instrumento, mas não é o dono. O tambor foi feito para ser tocado em floresta, ao
ar livre e quando o tocamos em ambiente fechado precisamos ser músicos e não tamborileiros. O
músico que está tocando com um artista famoso e vai batendo muito forte atrapalhando a harmo-
nia com os outros instrumentos naturalmente será dispensado. Paul Simon tocou com o Olodum
22
Cf. Dicionário de música, p. 95.
23
Cf. Raul LODY & Leonardo SÁ, O atabaque no candomblé baiano, p. 30; Cf. Luís da Câmara CASCUDO, Dicionário do
Folclore brasileiro , verbete “Atabaque”, p. 168-69.
24
Cf. Luís da Câmara CASCUDO, Dicionário do Folclore brasileiro , verbete “Atabaque”, p. 168-69.
36
em estúdio fechado e não saiu barulho, saiu música. Percussão se toca com a mente e não com o
corpo, afirma Bira Reis. O corpo não pode ser jogado no tambor como terapia, com força como
que descarregando energia. É necessário dominar as sensações da mesma forma que dominamos
nossos instintos. É como se estivéssemos num profundo diálogo com o tambor. Se batermos de
qualquer jeito realmente vamos produzir um barulho irritante que em música chamamos “ruído”,
isto é, uma batida forte e sem ritmo.
O atabaque pertence ao grupo dos instrumentos de percussão. Percussão é um nome coletivo
para designar os instrumentos cujas vibrações são produzidas através de choque. Normalmente
são dadas batidas em um couro esticado utilizando as mãos ou baquetas. O som produzido é
capaz de se adaptar às diferentes circunstâncias da vida humana. Outras vezes utiliza-se um siste-
ma de alavancas acionado por um pedal, como é o caso das conhecidas baterias utilizadas em
conjuntos de música. Em se tratando de instrumentos, o material sonoro que até hoje dispomos
divide-se em três categorias, a saber:
25
1. Instrumentos de corda, cujo som é produzido através do toque em cordas esticadas sobre um
determinado corpo;
2. Instrumentos de sopro, cujo som é produzido através do sopro em um orifício, sendo o ar
controlado para sair em outros orifícios, provocando um som harmônico;
3. Instrumentos de percussão. Estes são divididos em dois grupos
26
: de membrana ou
membranofones e os autófonos. O primeiro grupo possui uma membrana ou pele para a percus-
são, como é o caso do atabaque. Já no segundo grupo, o próprio corpo sonoro (madeira, metal,
ferro) é que vibra quando percutido;
25
Cf. Tomás BORBA & Fernando Lopes GRAÇA, Dicionário de música, p. 22-3.
26
Ibid., p. 22-3 e 364.
37
1. O ATABAQUE COMO SÍMBOLO CULTURAL DE UM POVO
Cada povo constrói instrumentos musicais para manifestar sua cultura
27
. Esses instrumentos
normalmente estão ligados ao cotidiano destes povos, isto é, às festas, à música e à dança, à relação
com a divindade, à morte e aos antepassados. Para compreendermos o atabaque, por exemplo, ne-
cessitamos conhecer as famílias musicais do povo negro com suas lógicas e características próprias.
É preciso saber a história daquela música que normalmente está ligada a um fato da vida do povo
e que não pode ser esquecido. A música acaba fazendo memória daquele acontecimento e se tornan-
do parte do patrimônio cultural daquele povo. Todos os povos e todas as culturas têm sua maneira
própria de se expressar através do som, da música e dos instrumentos. É produto específico de cada
cultura. Não é possível comparar culturas, valorizando uma em detrimento de outra, ou afirmar que
este instrumento musical serve ou não, para os padrões culturais que temos como parâmetro. Em se
tratando de instrumentos musicais e de cultura, quem nos dá o direito de estabelecer parâmetros?
Estaríamos tolhendo a liberdade de ser e de existir de cada povo e de cada cultura. Nenhuma cultura
pode se sobrepor e obrigar a outra a ser como ela é. Seria um desastre.
2. O ATABAQUE COMO PROVOCADOR DE REFLEXÃO
O atabaque é um provocador de reflexões, inclusive da formação do músico brasileiro, que
muitas vezes, deixa de lado o fato do Brasil ser formado por mais de 45%
28
de afro-descenden-
tes, não dando a mínima importância para sua cultura, sua história, sua música e seus instrumen-
tos musicais. Como forma de expressão do negro brasileiro e dos brasileiros em geral, encon-
tra-se no centro de uma discussão que envolve a presença do afro-descendente em nosso país.
Seu uso e significado variam de acordo com o objetivo para o qual está sendo utilizado, ocupan-
do sempre lugar de destaque nas manifestações religiosas, folclóricas e populares afro-brasilei-
27
Cf. Raul LODY & Leonardo SÁ, O atabaque no candomblé baiano, p. 13.
28
Http://www. Ibge.gov.br/ibge/estatistica/população/condiçãodevida/indicadores.../tabela1.sht – 17.04.2001.
38
ras como candomblé, capoeira, congada, moçambique, tambor de crioula, escola de samba e
timbalada. Fora do ambiente sagrado, o atabaque vale por sua capacidade sonora e adaptação a
outros instrumentos como o agogô, o berimbau e outros. O atabaque é um dos instrumentos
musicais mais populares do Brasil, e de abrangência nacional, especialmente nas cidades de
maior concentração de afro-descendentes, como é o caso de Salvador, Recife, São Luís, Maceió,
Aracaju, Belém, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.
29
De modo geral, não poderíamos deixar de dizer que se percebe um tom de discriminação e
racismo quanto ao uso do atabaque. Um dos problemas na introdução deste instrumento na
música erudita brasileira e na igreja é devido ao fato de ser um instrumento de negro, de africa-
no, de candomblé,
30
de periferia, de gente de terceiro ou quarto mundo. Infelizmente valoriza-
se apenas o que vem do chamado primeiro mundo, com raríssimas exceções. A música pode ser
uma forma de dominação de uma cultura sobre outra. Há poucos anos as emissoras de rádio em
nosso país, davam exclusividade para a música americana. Paralelamente, a igreja importava
músicas em latim. Por um lado, o povo brasileiro era dominado pelo inglês e pelo ritmo da
música popular americana, por outro, pelo latim da igreja católica européia. O alvorecer de uma
consciência nacional e a organização de grupos excluídos como negros, indígenas, mulheres,
sem-terra e outros, têm contribuído para o avanço do processo de inculturação.
Manter o atabaque no culto e também nas atividades folclóricas e populares é cultivar o “ethos”
africano na vivência afro-brasileira, tão importante para que o povo negro do Brasil não perca suas
raízes e sua identidade.
O estudo do atabaque pode ser o início de uma reflexão acerca da exclusão desse instru-
mento e dos povos afro-brasileiros do ensino formal e do aprendizado da música em nosso país,
em geral bem pouco atento à pluralidade cultural que o define.
29
Cf. Raul LODY & Leonardo SÁ, O atabaque no candomblé baiano, p. 24.
30
Cf. Geraldo Leite BASTOS, Loas e lamentos, Revista de Liturgia, 76: 15-17.
39
3. O ATABAQUE COMO INSTRUMENTO DE COMUNICAÇÃO
O atabaque tem um segredo e é preciso saber penetrar nele. Na África o toque difere depen-
dendo do acontecimento a ser comunicado. Através da audição do toque o receptor pode inferir se
alguém nasceu, alguém morreu, ou ainda, se alguém está se casando. Significa que aquele que
toca o atabaque conhece os seus códigos e faz com que o som transmitido comunique exatamente a
mensagem desejada. O instrumento tocado pode nos levar a um profundo silêncio, ao recolhimento,
a uma mística, a um momento de transcendência; só o toque do atabaque sem nenhuma palavra
31
é palavra de Deus oferecida à comunidade. Esse mesmo atabaque tocado de outra maneira leva à
alegria exuberante, em outro momento ainda, pode revelar a comunicação que as pessoas devem ter
entre si, e assim por diante. Toca-se para convocar ou dispersar, para pedir ou agradecer.
“Os instrumentos musicais podem servir como veículos de comunicação entre o mundo
visível e o invisível”.
32
É muito comum na África a crença no poder dos instrumentos musicais
para ajudar e influenciar em casos de possessão pelos espíritos e de exorcismo. Às vezes acredita-
se que os instrumentos têm poder ou uma função espiritual mesmo após sua vida útil como instru-
mentos musicais. Um tambor que já não é tocado é essencial ao culto dos ancestrais e serve como
uma espécie de meio de comunicação com eles. São-lhe oferecidas preces e sacrifícios por parte
do chefe antes de invocar os ancestrais que foram outrora tocadores desse tambor, a fim de que
abençoem a comunidade e lhe tragam boa sorte, riquezas e muitos filhos.
33
Através de suas vozes e corpos, os instrumentos musicais servem como mediadores entre
os seres humanos e os espíritos. No poder e no sentido a eles atribuídos, têm muito a revelar acerca
do imaginário religioso da humanidade.
Os tambores são muito difundidos em toda a África. Seu papel na música e na comuni-
cação é tradicionalmente associado a todas as representações do continente africano. O tambor
31
Cf. Geraldo Leite BASTOS, Loas e lamentos, Revista de Liturgia, 76: 16.
32
Sue Carole DE VALE, Poder e sentido nos instrumentos musicais, Concilium 222, p. 113.
33
Ibid., p. 104
40
de axila, por exemplo, é um instrumento muito interessante. É um tambor “falador” utilizado
principalmente entre os iorubas da Nigéria e do Daomé. É um pequeno tambor de dois couros
em forma de relógio de areia, com umas campainhas penduradas que soam quando o instrumen-
to é tocado. O músico o segura sob a axila, de sorte que o braço possa agir sobre uma rede de
esticadores longitudinais para fazer a acuidade de sons variar. Essa técnica unida aos diferentes
modos de percussão, permite imitar com bastante fidelidade os ‘tons’ e a articulação da lingua-
gem. É tocado para recitar poesias e homenagear pessoas famosas e serve para avisar a comuni-
dade de algum acontecimento importante da tribo
34
. “O princípio de que o tambor ‘fala’ baseia-
se no fato de o ioruba ser uma língua tonal, em que o significado de uma palavra depende em
parte do tom utilizado. As linhas tímbricas produzidas pelo tambor que fala, seguem com gran-
de fidelidade os esquemas tonais e rítmicos da fala”.
35
Tocador de tambor de axilas ou tambor que fala
O tambor sempre esteve ligado aos rituais africanos e serviu para transmitir mensagens
para outras tribos e para os orixás. Ele era o telégrafo para a comunicação entre os seres humanos
entre si e o transcendente.
Segundo o haitiano, Pe. Pedro Antônio Paulo
36
, os negros do Haiti conseguiram se organi-
34
Cf. Roland de CANDÉ, História universal da música, p. 169.
35
Jocelyn MURRAY, África, o despertar de um continente, p. 94.
36
Entrevista concedida durante o VIII EPA, setembro de 2000, em Salvador.
41
zar no período da escravidão utilizando a comunicação através dos tambores, sem que seus senhores
percebessem. Na luta pela independência do Haiti os negros celebraram um culto vodu transmitindo
mensagens de um povo a outro e pedindo forças à divindade sem que os brancos soubessem. Ouvi-
am os tambores, todavia, não entendiam sua mensagem. Era uma verdadeira linguagem apocalíptica.
José Eusébio Campos
37
, peruano, nos disse que o tambor foi proibido no Peru como forma de inibir
a comunicação entre os negros no período da escravidão.
37
Entrevista concedida durante o VIII EPA, setembro de 2000, em Salvador.
42
SÍNTESE CONCLUSIVA
Quando escolhemos o tema desta dissertação acreditávamos que o atabaque era apenas um
tambor. Mais adiante descobrimos que eram três tambores que formavam um corpo. Avançando
ainda mais entendemos que o atabaque é uma imensa família, a família dos tambores que sempre
acompanhou o povo africano por onde foi levado.
Loja no Terreiro de Jesus - Salvador - BA Loja no Pelourinho - Salvador - BA
Loja no Terreiro de Jesus - Salvador - BA
43
CAPÍTULO IV
O ATABAQUE E O SAGRADO NO BRASIL
O atabaque é utilizado em várias manifestações religiosas no Brasil, quase sempre de
origem africana. Quando conversamos com Mãe Stella e Cléo Martins, em Salvador, percebemos
nitidamente que a preocupação delas é que um atabaque que foi consagrado ao culto dos orixás
seja utilizado no culto a Jesus Cristo. Ambas concordam que o atabaque é um instrumento cultu-
ral, mas estão convencidas de que este instrumento só foi preservado devido ao seu uso no culto
do candomblé.
Cléo Martins, Pe. Gabriel, Mãe Stella e Pe. Deoclécio
1. O ATABAQUE NA LITURGIA DO CANDOMBLÉ BAIANO
Fomos muito bem acolhidos no terreiro Ilê Opó Afonjá, um dos mais conhecidos de Sal-
vador. Lá encontramos Mãe Stella de Azevedo Santos e a escritora Cléo Martins. Mãe Stella nos
contou que o atabaque é um instrumento cultural preservado pelo candomblé. Ele é tão importante
para o candomblé quanto o órgão foi ou é para a igreja católica. Disse-nos ainda que da mesma
forma que o sino na igreja católica chama as pessoas para ouvirem a Boa Notícia e sabe-se perfei-
tamente como é a batida para a missa ou para avisar que morreu alguém, assim também o toque
dos atabaques no candomblé. Pela batida sabemos qual orixá está sendo invocado. “Nós toca-
44
mos para os orixás, dançamos para eles e comemos do que eles gostam”, afirma. Tudo ao som
dos atabaques. Para os rituais fúnebres existem os toques, os cânticos e as danças próprios.
De acordo com Mãe Stella, os atabaques utilizados no candomblé passam por diversos
rituais e são consagrados aos orixás servindo como instrumentos de comunicação com eles. São
batizados com nomes próprios, sacralizados, alimentados, vestidos e somente sacerdotes ou
pessoas importantes da comunidade poderão tocá-los e usá-los nas cerimônias. Um atabaque
batizado e consagrado para uso no culto jamais poderá ser tocado em outro ambiente ou com
outras finalidades
38
, “nem mesmo deve ser tocado na igreja católica, pois, estaríamos fazendo
sincretismo”, observa Mãe Stella. Já os atabaques que não passaram por nenhuma cerimônia
são apenas instrumentos musicais e culturais, podendo ser utilizados em qualquer lugar, valen-
do por sua capacidade sonora e de adaptação.
No candomblé tudo se inicia a partir do toque dos atabaques. Eles são essenciais para o
culto e servem para manter a unidade litúrgica. Os atabaques têm vida e dão vida, possuem lugar
de honra no interior dos barracões, são reverenciados e poderíamos dizer que seria muito difícil
acontecer a cerimônia sem o toque deles, porque é ao som dos atabaques que os orixás se incor-
poram. Cada orixá tem o seu toque característico e o tocador (chamado “ogã” ou “alabê”) tem a
obrigação de conhecer a todos. Através do toque o ogã “fala” com os orixás e os “chama”.
Cada “Nação” possui o seu toque característico e os principais recebem os seguintes no-
mes:
39
a) Nação kêtu (Ioruba). Toques: ramonha, ijicá ou jicá, agueré ou aguerê, opanijé, daró ou illu,
alujá e ibi;
b) Nação Jeje (Fon). Toques: bravum, sató, avamunha, adarrum;
c) Nação Angola-Congo (Banto). Toques: congo, cabula, barravento;
38
Cf. Raul LODY & Leonardo SÁ, O atabaque no candomblé baiano, p.24.
39
Cf. Ibid., p.30.
45
Por iniciativa de Cléo Martins, companheira de Mãe Stella, todos os anos tem acontecido
a festa dos tocadores de atabaque . Alabês ou ogãs de outras casas são convidados a participar de
um festival de tocadores religiosos.
Atabaques rum, rumpi e lê
40
2. O ATABAQUE NA LITURGIA DA UMBANDA
O atabaque na liturgia da umbanda e do candomblé tem a mesma finalidade. Inclusive usa-se o
mesmo nome para o tocador (ogã) e os toques têm a função de fazer o santo “baixar”. A pessoa que
recebe o santo (cavalo) fica em transe envolvida pelo som dos atabaques.
3. O ATABAQUE NA LITURGIA DA IGREJA CATÓLICA: ACEITAÇÃO E CON-
TROVÉRSIAS
Com a renovação litúrgica impulsionada pelo Concílio Vaticano II a igreja católica procu-
rou dar maior abertura ao uso de outros instrumentos no culto, além do órgão, desde que se adap-
tassem ao culto cristão (SC 120). Neste contexto o atabaque pôde encontrar o seu espaço como
colaborador no grande louvor do povo negro ao Criador de todas as coisas.
40
Cf. BAHIA. Governo do Estado da Bahia, Homenagem aos 90 anos de Pierre Verger.
46
3.1 Protagonistas do uso do atabaque na liturgia da igreja católica
Segundo a Revista de Liturgia
41
, o primeiro a desenvolver um trabalho utilizando o atabaque
na igreja católica do Brasil foi Pe. Geraldo Leite.
42
Era um apaixonado pela liturgia, pela música
litúrgica e pelo atabaque na liturgia. Hoje toca e canta no coro dos anjos e santos louvando o
Senhor da vida! Mostrou-nos com sua prática que o atabaque é um instrumento que leva a
assembléia litúrgica a fazer a experiência do mistério pascal. Amigo pessoal do Pe. Geraldo Leite
desde seminaristas, Reginaldo Veloso
43
nos contou que Pe. Geraldo chegou em 1962 em um
bairro pobre do município do Cabo, numa vila chamada Ponte dos Carvalhos, na região
metropolitana do Recife como padre novo para iniciar um trabalho em um lugar onde não havia
nada, a não ser o povo sofrido que morava por ali. Não havia igreja, não era paróquia, ele estava
ali para realmente iniciar tudo desde o começo. Pe. Geraldo desde cedo entendeu que para entrar
em contato com o povo e estabelecer um diálogo que pudesse resultar numa vida comunitária,
precisava passar por aquilo que o povo simples tem de mais caro e de mais seu, que é a religiosidade.
Ele estava vivendo no meio de gente pobre e muitos de origem africana. Aproximou-se dessas
pessoas de uma forma tão natural e tão próxima que começou a se embeber do jeito de ser do
povo, iniciando assim, uma experiência de igreja, especificamente de celebração, mas com o
rosto do povo. Estávamos em pleno Concílio Vaticano II e havia toda uma euforia no sentido de
se encontrar uma linguagem litúrgica inculturada, se bem que esta palavra nem era conhecida.
Pe. Geraldo começou a compor cantos, a fazer música para as celebrações da sua comunidade
no estilo do cantar dessa gente, dos pontos de umbanda e do candomblé, acompanhados
naturalmente da percussão. Havia pessoas que freqüentavam a comunidade dele e também os
41
Cf. Geraldo Leite BASTOS, Loas e lamentos, Revista de liturgia, 76:15-17 e 86:56-58;
Cf. Joaquim FONSECA, O canto novo da nação do divino: música ritual inculturada na experiência do Pe. Geraldo Leite Bastos
e sua comunidade.
42
Pe. Geraldo Leite Bastos fez uma ótima experiência litúrgica em Pernambuco, arquidiocese de Recife, nos municípios de Cabo
(Ponte dos Carvalhos - 1962) e Escada. Faleceu em 19 de abril de 1987, nos braços do amigo Reginaldo Veloso. Era um Domingo
de Páscoa.
43
Reginaldo Veloso é compositor e poeta pernambucano, sempre preocupado com a inculturação litúrgica. Vem colaborando muito
com a causa dos povos negros e indígenas.
47
terreiros. Pe. Geraldo via tudo isso com muita naturalidade, sem fazer o tipo de repreensão e
moralismo que normalmente se faz em cima das pessoas que vivem essa “dupla pertença”. Ele
reconhecia nesses cultos afro-brasileiros o que havia de belo, de bonito, de importante a ser culti-
vado em chave cristã, em chave da liturgia cristã. Embora fosse branco, dizia que enquanto muitos
negros se sentem honrados quando dizem que eles têm “alma branca”, ele se sentia honrado por
ser um branco de “alma negra”. Pe. Geraldo assumiu a cultura negra como sua, inclusive gravou
no início dos anos 60 um LP chamado “A Nação do Divino”, com músicas que havia composto
com outros compositores da comunidade. A maioria das músicas tem raiz africana evidente.
A liturgia inculturada presidida pelo Pe. Geraldo Leite era completamente pioneira e ino-
vadora. Durante muitos anos apenas em Ponte dos Carvalhos é que se tocava atabaque, pandeiro,
agogô, acordeon e outros instrumentos populares na missa. Durante toda a quaresma o atabaque
era o único instrumento usado para sustentar o canto. Tudo era uma novidade absoluta. Graças ao
fato dele ter como bispo D. Helder Câmara, pessoa muito aberta ao novo, pôde desenvolver esta
experiência. Um ou outro padre aderia e tentava copiar alguma coisa. A maioria do clero era de
formação tradicional e via com resistência e desconfiança o processo de inculturação. Isso porque
foram acostumados a usar os rituais, ler as orações e cantar o que se aprende por aí, sem, contudo,
preocupar-se com a inculturação.
Pe. Geraldo tinha uma estima toda especial pelo atabaque. Ele dizia que o atabaque é o
principal instrumento criador de silêncio e de meditação. Uns 10 ou 15 minutos antes de iniciar
o canto dos salmos no ofício divino, os instrumentistas da comunidade iniciavam o toque do
atabaque. Era o chamado, o convite para a reunião dos irmãos e irmãs. Durante um longo tempo
lá estava o som do atabaque criando clima de oração e concentração. A assembléia dispunha de
bons tocadores, sendo que alguns vinham dos terreiros e possuíam intimidade com o instrumen-
to e seus toques.
48
Formada na prática de celebrar do jeito afro, a comunidade começou com os instrumen-
tos e posteriormente introduziu a dança. Em certos momentos a vibração era tão forte dentro da
igreja que numa Vigília Pascal, as pessoas dançando em torno do Círio fizeram com que ele
caísse do pedestal sem que ninguém o tocasse, tamanha era a energia e a vibração. Era a cultura
do povo. A aceitação era unânime. O povo não estava viciado por formas tradicionais. Vinha de
uma experiência de religiosidade mais popular, com seus benditos, ladainhas, terços ou então
vinha do candomblé e da umbanda. Essas pessoas não deviam muito a tradições da igreja
institucional. Para elas essa liturgia que estava sendo gestada e que começava a nascer, era um
parto absolutamente normal, não tinha nada de cesariana. A comunidade se fez na liturgia e
numa liturgia que tinha essa característica afro-brasileira.
3.2 Controvérsias devido ao uso do atabaque na liturgia da igreja católica no Brasil
Causaram-nos surpresa dois comunicados recentes do bispo da Diocese de Jundiaí, São
Paulo, D. Amaury Castanho.
44
Ele simplesmente proibiu o uso de atabaques nas celebrações.
Muitos na igreja católica ainda consideram o atabaque como um instrumento diabólico.
D. Gílio Felício
44
Conferir o anexo 01, comunicado 02 e 10 de 2000 da diocese de Jundiaí - SP.
49
Quando estivemos em Salvador em setembro de 1999, deparamos com uma carta
pseudônima enviada a D. Gílio e a vários padres da arquidiocese
45
. A mesma fazia duras críticas a
D. Gílio e ao atabaque, o que provocou grande indignação em várias pessoas, a ponto dos freis
franciscanos responderem às provocações.
46
A carta trazia nome e endereço do remetente. Tive-
mos a curiosidade de procurá-lo, mas infelizmente o nome da pessoa e o endereço eram falsos.
O cantor e compositor baiano, Caetano Veloso, nos disse que a igreja em Salvador ainda é
bastante tradicional e conservadora.
Pe. Gabriel, Caetano e Tom
Contou-nos a polêmica que houve por ocasião do batismo do seu filho Zequinha em Santo
Amaro da Purificação. Segundo ele, sua irmã Maria Bethânia não poderia estar presente fisica-
mente no dia do batismo e então ele gostaria que ao final do batizado fosse colocado o CD com a
música “Eu e água” de autoria dele, todavia cantada por Bethânia.
45
Conferir anexo 02, carta pseudônima a D. Gílio Felício.
46
Conferir a carta resposta de frei Lucas, superior do convento de São Francisco no Pelourinho. Anexo 3.
50
Bethânia, Pe. Gabriel e Caetano
A música tem no centro o tema da água e a água é matéria fundamental para o batismo, nos
dizia Caetano, e ao mesmo tempo era uma forma de Bethânia estar presente. Como a música
utiliza o atabaque e o ritmo ijexá, conhecido no candomblé, alguém que estava na igreja não
gostou e comunicou o fato distorcidamente ao arcebispo Cardeal D. Lucas Moreira Neves, dizen-
do que o batismo havia sido feito no rito do candomblé. D. Lucas acreditou e queria cancelar o
batismo, mas depois de consultar o Fr. Edilson, que presidiu a celebração, desistiu da idéia.
Participamos da missa de aniversário de Dona Canô, mãe de Caetano e Bethânia, nesta
mesma igreja de Santo Amaro, em setembro de 1999. D. Gílio Felício presidia e nos apresentou
como alguém que pesquisava a respeito do atabaque, a fim de descobrir o lugar do mesmo no
processo de inculturação litúrgica. Embora a assembléia fosse formada por mais de 80% de afro-
descendentes, era nítido o olhar de desaprovação, mesmo estando no Recôncavo Baiano, berço
dos povos negros brasileiros. Muitos ali são adeptos da “dupla pertença”, isto é, freqüentam o
candomblé e a igreja católica, mas não admitem mistura. Continuam com a mesma prática da
época da escravidão. Participam da missa por obrigação, um dever que já faz parte da consciência
51
devido a anos de prática obrigatória desde o período da escravidão, e do candomblé de coração,
podendo expressar ali a cultura religiosa negra. Contudo não têm consciência disso. A nosso ver,
falta-lhes alguma coisa na missa, porém não sabem explicar o que é. Só conseguem uma satisfa-
ção plena no candomblé. Cremos que é devido ao encontro com a cultura. Não sentem nenhuma
contradição participando dos dois cultos, ao contrário, precisam participar dos dois para se senti-
rem completos e satisfeitos. A partir do momento em que a liturgia da igreja assumir os valores da
cultura afro, acreditamos que não será mais necessária a “dupla pertença”.
SÍNTESE CONCLUSIVA
Concordamos com o que nos disse Mãe Stella, durante nossa conversa: “Todos nós quere-
mos acertar, por isso devemos refletir bem a fim de não cairmos em erros e ainda confundir as
pessoas. Não queremos fazer sincretismo, descaracterizando os ritos da igreja católica e do can-
domblé, não agradando a ninguém”. Estamos estudando profundamente os aspectos culturais e
religiosos do atabaque desde a origem para não cairmos em leviandade ou achismo.
Não temos dúvidas de que sem o candomblé o atabaque teria desaparecido, mas como
a dissertação visa a liturgia católica, faremos um breve resgate histórico da caminhada dos
negros e negras católicos após o Concílio Vaticano II. Assim o leitor perceberá que sempre
houve preocupação com a inculturação nos meios afro.
Os Padres Geraldo Leite e Reginaldo Veloso abriram caminho para o uso do atabaque nas
celebrações, como vimos acima. Daí em diante foram surgindo pessoas e organizações que deram
abertura para esse processo de inculturação litúrgica. É o caso dos Agentes de Pastoral Negros
(APNS).
Nos anos 80 houve uma missa presidida por D. José Maria Pires que ficou famosa por
envolver artistas, cantores, dança e tudo que podia valorizar a cultura negra. Foi a “Missa dos
52
Quilombos”, da qual surgiu até um LP com o mesmo título. Na época houve polêmica e contro-
vérsias que até foram parar no Vaticano, dificultando assim a continuidade dessas celebrações.
Pe. Gabriel dos Santos, Pe. Arnaldo Lima e Pe. Gabriel Bina
Segundo o Pe. Arnaldo Lima Dias, do clero de Salvador, o primeiro bispo do Brasil a
declarar publicamente que o atabaque tem o seu lugar na liturgia da igreja católica foi D. Avelar
Brandão, um ano antes de seu falecimento.
O número de padres afro-descendentes foi crescendo e o espaço para as celebrações
inculturadas afro foi aumentando. Surge o Instituto Mariama de Articulação dos Bispos, Padres e
Diáconos Negros (IMA). Irmãs como Raimunda (Missionárias de Jesus Crucificado), Sônia Querino
dos Santos, Telma Maria Coelho Barbosa, Maria Luiza, Maria Silva e muitas outras juntamente
com seminaristas, organizaram e formaram o Grupo de Reflexão Sobre a Vida Religiosa Negra e
Indígena (GRENI).
Recentemente a CNBB, querendo fortalecer a articulação da Pastoral Afro, criou um es-
paço em sua sede em Brasília, que com o tempo deve se tornar uma secretaria, composto de sala,
secretária, padre assessor e bispo responsável. O indicado foi D. Gílio Felício, provedor do IMA,
53
que na arquidiocese de Salvador é um grande incentivador da Pastoral Afro, colaborando, inclusi-
ve, na criação de um Centro de Articulação desta Pastoral.
O atabaque sempre norteou, sustentou a oração, a espiritualidade e as celebrações destas
pessoas e grupos.
Sônia Querino, D. Gílio, Jovelina Lourenço e Elza Lourenço
54
CAPÍTULO V
O QUE ENCONTRAMOS NA BÍBLIA, NA HISTÓRIA
E NO MAGISTÉRIO DA IGREJA A RESPEITO DO
USO DOS INSTRUMENTOS MUSICAIS NO CULTO
1. ANTIGO TESTAMENTO
Na Bíblia encontramos várias referências aos instrumentos musicais, especialmente, no
Antigo Testamento. O nome de Jubal é sugerido como o inventor dos instrumentos (Gn 4, 21-
22).
47
Provavelmente, este nome foi criado por meio de um jogo de palavras que tem como base
o termo hebraico “yôbel”, que significa “trombeta”.
48
Na Palestina e nos povos vizinhos, a música
e a dança acompanhavam as atividades do dia-a-dia (1Sm 18, 6-7; 21, 12; 2Sm 6, 5; Jr 31, 4). A
música aparece ligada à guerra (Js 6), à cura de doenças e ao transe (lSm 10,5;16,16-23; 2Rs
3,15). Numerosas passagens dos Salmos associam a música à oração. O louvor a Deus com ins-
trumentos é freqüentemente citado (Sl 47,6; 98, 5-6; 149 e 150). O berrante (chifre) era usado para
anunciar o Ano Jubilar (Lv 25, 9) e durante holocaustos e sacrifícios era comum o uso de trombe-
tas (Nm 10, 10). Davi é considerado o organizador da música cultual. Ele coloca os instrumentos
musicais e as vozes a serviço do culto a Jahweh (1Cr 15, 16-24; 16, 4-6; 23, 5; 25, 1-7).
Não é fácil dizer precisamente quais instrumentos eram utilizados na Palestina antes de
Cristo, todavia, os estudos arqueológicos nos indicam que existiam instrumentos de sopro, de
corda e de percussão.
49
Eles mantêm com o culto relações de natureza diversas:
47
Cf. L. MONLOUBOU & F.M. DU BUIT. In: Dicionário bíblico universal, p. 546; Cf. CFONT In: Dizionario enciclopedico
della Bibbia, p. 900.
48
Cf. John L. MCKENZIE, Dicionário bíblico, p. 511.
49
Cf. L. MONLOUBOU & F.M. DU BUIT. In: Dicionário bíblico universal, p. 546 e CFONT In: Dizionario enciclopedico della
Bibbia, p. 900.
55
a) Instrumentos sacerdotais: berrantes e trombetas. São de origem guerreira e acompa-
nham o sacrifício e os ritos cultuais mais solenes;
b) Instrumentos dos levitas: harpa e lira. São utilizados para acompanhar os cantos
litúrgicos;
c) Instrumentos da cúpula sacerdotal e levítica: sinetas, sistros, tamborins e címbalos.
Entram no acompanhamento do canto a título de percussão.
Após o exílio só os berrantes passam a ser tocados na liturgia do templo. Os outros instrumen-
tos são afastados definitivamente.
2. NOVO TESTAMENTO
Pouco se sabe a respeito do culto no Novo Testamento.
50
Sensibilidades diversas marcam as
expressões litúrgicas. Uma dificuldade que se apresenta para o cristão, é como conciliar a Torah
com a nova aliança vivida em Jesus Cristo.
As grandes festas cúlticas e, especialmente, a Páscoa, são reinterpretadas em chave cristã pela
igreja nascente, construindo uma verdadeira memória histórica. A bênção judaica (Berakah) serve
de base para a oração eucarística cristã.
51
Contudo, podemos dizer que a liturgia cristã se diferen-
cia da judaica do mesmo modo que o cristianismo se diversifica do judaísmo. O culto cristão é em
espírito e verdade (Jo 4, 20-24). Não interessa louvar a Deus somente no templo; o novo culto tem
Jesus Cristo em seu centro (Fl 2, 11) e o anúncio do Seu evangelho como base fundamental.
Todos os termos sacros e cúlticos utilizados no Antigo Testamento em relação ao templo e a Deus
são agora relacionados a Cristo. Ele é o templo (Jo 2, 19), o sumo e eterno sacerdote (Hb 2, 17; 7,
23-28), a oferenda (Ef 5, 2) e o cordeiro de sacrifício (Jo 1, 29.36; 1Pd 1, 19; Ap 5, 6.12; 13, 8)
52
.
50
Cf. Xabier, BASURCO, in: Dionisio Borobio, A celebração na igreja, v.1, p.41.
51
Cf. Ibid.
52
Cf. Ibid., p. 47.
56
Os instrumentos aparecem ligados a costumes não religiosos (Mt 9, 23; 11, 17; Lc 7, 32; Ap
18, 22) ou como comparações explicativas (1Cor 14, 7-8; Mt 6, 2; Ap 14, 2). Desconhecemos
textos que mostrem os discípulos de Jesus utilizando instrumentos no culto. A “palavra” é que tem
todo o significado. Usava-se também o canto para a oração e o louvor (Ef 5, 19; Cl 3, 16; At 16,
25), mas pelo que tudo indica sem o uso de instrumentos.
3. SANTOS PADRES
Não existe um tratado a respeito da música e do uso dos instrumentos musicais no culto na
época patrística.
53
Parece que a visão apostólica citada acima continua, embora não se possa
afirmar com certeza que a lira e a cítara não tenham sido usadas nas orações. Inclusive Clemente
de Alexandria, afirma que não via nenhum exagero em usá-las para a recitação ou o canto dos
salmos.
54
As proibições que os Padres fazem ao uso dos instrumentos no culto cristão dão a enten-
der que os mesmos já vinham sendo usados, embora os Padres não aceitassem por serem instru-
mentos do mundo, usados nas festas eróticas pagãs, nos cultos idolátricos, nas guerras, e nas
peças teatrais muitas vezes imorais e sensuais. Assim os Santos Padres explicavam que os instru-
mentos eram símbolo da vida pagã e que o culto da Nova Lei era em espírito e verdade, ratificando
o que já dizia o Novo Testamento (Jo 4, 20-29). Afirmavam que Deus permitiu outrora o uso de
instrumentos como permitiu o sacrifício de animais. Mas agora era tudo novo. Era o sacrifício dos
lábios e do coração, era a palavra e o canto.
55
Os Padres afastaram os instrumentos musicais do culto, do ágape e das festas particulares
dos cristãos, sendo pecado o seu uso. O fiel desobediente era alertado, inclusive, de estar colo-
cando em risco sua participação no Reino de Deus.
53
Cf. U. PIZZANI, Diccionario patristico y de la antigüedad cristiana, pp. 1490-91.
54
Cf. F.J. BASURCO, El canto cristiano em la tradición primitiva, p. 148.
55
Cf. Joseph GELINEAU, Canto e música no culto cristão, p. 192; também José Alves de SOUZA, Uso de instrumentos na
liturgia, p. 106.
57
É preciso que se diga também que contemporaneamente ao nascimento da igreja, crescia
um movimento espiritualista judaico contrário ao uso do instrumento no culto. Já que os instru-
mentos estavam ligados ao sacrifício no templo e como o templo havia sido destruído, esse movi-
mento não via sentido nos instrumentos. Era uma espécie de luto guardado devido à destruição do
templo. Com certeza esse movimento influenciou os cristãos e o pensamento dos Padres.
56
Os Santos Padres não eram especialistas em música e tudo indica que quando falavam dos
instrumentos musicais desejavam exortar os fiéis a deixarem as coisas do mundo. Algumas vezes
os Padres faziam comparações, utilizando a figura dos instrumentos musicais a fim de facilitar a
compreensão dos fiéis. É o caso de São Jerônimo, que certa vez, comentando sobre a necessidade
de o cristão não seguir os desejos da carne para melhor agradar a Deus, utiliza o exemplo de um
tambor que mesmo sendo um couro sem carne, tocado louva a Deus. Segundo São Jerônimo e
Santo Agostinho o cristão precisa seguir o exemplo do atabaque, deixar os desejos da carne para
melhor louvar a Deus.
57
4. IDADE MÉDIA
Foi na Idade Média que os instrumentos musicais passaram a ser admitidos nas celebra-
ções litúrgicas. No Rito Bizantino o culto permaneceu totalmente vocal. Ritos como o Armênio,
o Maronita, e o Sírio Oriental sempre admitiram instrumentos como campainhas, sinos e címbalos
no culto. Já o Copta antigo e o Etíope moderno sempre usaram cistros e tambores.
58
O órgão apareceu no culto pela primeira vez, na Gália no século VIII,
59
como presente do
Imperador Constantino Coprônimo ao Rei Pepino. Era um instrumento usado pelos ricos em
festas não cristãs.
56
Cf. F. J. BASURCO, El canto cristiano em la tradición primitiva, pp.143-46.
57
Cf. Ibid., p.158.
58
Cf. Joseph GELINEAU, Canto e música no culto cristão, p. 194; José Alves de SOUZA, Uso de instrumentos na liturgia, p. 107.
59
Cf. José Geraldo de SOUZA, Folcmúsica e liturgia, p. 39.
58
5. RENASCENÇA
Na Renascença acontece a divisão entre a música vocal e a instrumental. O culto cristão é
invadido por vários instrumentos que antes eram utilizados somente fora da igreja. Por causa dos
exageros ocorridos, coube ao Concílio de Trento (1545) disciplinar o uso dos mesmos. São Carlos
Borromeu, no Concílio de Milão, em 1565, só admite o uso do órgão.
Em 1749 o Papa Bento XIV escreve a encíclica “Annus qui”. O objetivo é encontrar um
modo de orientar o uso de instrumentos no culto a fim de que estes sirvam para dar força às
palavras do canto.
6. SÉCULO XX
O Papa Pio X (Motu Proprio “Tra le Sollecitudini”, 14, 15 e 16), admite o órgão no culto
cristão e proíbe decididamente o uso do piano e outros instrumentos como o tambor, o bombo, os
pratos, campainhas e semelhantes.
60
Já Pio XI acredita que o canto acompanhado de instrumento
não é próprio da igreja, argumenta que é a voz humana que merece destaque.
61
Pio XII permite
os instrumentos, especialmente o órgão, porque, segundo ele, é mais “adequado aos cânticos
sacros e aos sagrados ritos”.
62
Os instrumentos de percussão continuam sem espaço no culto, uma
vez que Pio XII proíbe o instrumento que leva em si algo de profano ou de barulhento, rumoroso,
como destoante do lugar sagrado.
63
É a constituição sobre a Sagrada Liturgia que vem abrir espaço para os tambores, o berimbau
e todos os instrumentos que possam ser adaptados ao uso sagrado (SC 120). O espírito presente na
constituição é que toda forma humana de cultura, primitiva ou não, ocidental ou não, possa
manifestar a seu modo o louvor ao Deus que ressuscitou Jesus Cristo, o Deus da vida.
60
Cf. Joseph GELINEAU, Canto e música no culto cristão, p. 194; Cf. José Alves de SOUZA, Uso de instrumentos na liturgia, p.
107
61
Pio XI, encíclica Divini Cultus, n. 7.
62
Pio XII, encíclica Musicae sacrae disciplina, nn. 28 -9.
63
Ibid., n. 29.
59
No Brasil a adaptação da constituição Sacrosanctum Concilium no tocante à música e aos
instrumentos se deu em 1976.
Os instrumentos foram reconhecidos para o uso litúrgico e para o
acompanhamento do canto, desde que prestassem serviço à palavra cantada e ajudassem a expres-
sar melhor o rito, não substituindo a comunidade em oração. Houve incentivo para a criação de
comissões diocesanas e regionais de música litúrgica com o intuito de que as mesmas preparassem
animadores de canto e instrumentistas em cada paróquia ou comunidade.
64
Nas periferias e nas zonas rurais brasileiras o instrumento mais aceito pelas comunidades e
que melhor adaptou-se ao culto cristão católico foi o violão. Aprendeu-se a cantar “na” liturgia.
Eram cantados o canto de entrada, o ato penitencial, o hino de louvor, a aclamação ao evangelho,
o santo, o canto de apresentação dos dons, o canto de comunhão e o canto final. Embora não
houvesse a preocupação de se cantar “a” liturgia, iniciava-se uma participação ativa da assembléia
nos cantos, substituindo gradativamente os corais. Quanto ao atabaque, ainda não se falava de seu
uso na animação das celebrações eucarísticas.
Sabemos que o instrumento por si, como prolongamento da voz humana, não é nem sacro
e nem profano, assim como a voz humana em si mesma não o é. A classificação de instrumentos
em sacros e profanos depende do lugar e da cultura. Se um instrumento consegue integrar-se na
liturgia, ajudando-a e exprimindo-a melhor, especialmente pelo acompanhamento do canto, este
instrumento torna-se sacro, participando da sacralidade da liturgia.
65
Em 1988, por ocasião dos cem anos da dita abolição da escravatura, a Campanha da
Fraternidade teve como tema: “A Fraternidade e o Negro”.
66
Seus cantos animados e ritmados
sugeriam instrumentos de percussão. Foi momento privilegiado para a entrada e permanência dos
64
Cf. CNBB, Pastoral da música litúrgica no Brasil, doc. 7, nn. 3.2-3.12.
65
Ibid., n. 2.2.4.
66
Cf. No grupo de trabalho que montou o texto base juntamente com os bispos responsáveis, havia uma discussão em torno do
lema da Campanha da Fraternidade. Nós negros queríamos que ficasse assim: “Ouvi o clamor deste povo
negro”, mas houve
discussão e ganhou o seguinte lema: “Ouvi o clamor deste povo”. Mesmo assim alguns não se conformaram. O texto base passou
por várias revisões. Houve controvérsias na CNBB, em várias dioceses e paróquias. A arquidiocese do Rio de Janeiro nem fez a
campanha.
60
instrumentos afro-brasileiros na igreja no Brasil. Com os instrumentos o povo negro também ocu-
pou o seu espaço, partilhando seu ritmo, sua dança, que assim como os instrumentos de percussão
sempre foram excluídos da liturgia da Igreja.
Em 1989 os bispos do Brasil reunidos em assembléia aprovaram o Documento 43 da
CNBB, intitulado “Animação da vida litúrgica no Brasil”. Pouco se falou de música e instrumen-
tos nesse documento, mas em seu número 83 apareceu a dança litúrgica. Consciente ou inconsci-
entemente, os bispos oficializaram algo que as comunidades negras do Brasil vinham fazendo há
muito tempo: louvar a Deus com todo o corpo ao ritmo dos instrumentos. Assim, foi valorizado o
jeito afro-brasileiro de celebrar.
Em abril de 1997, durante a 35.
ª
Assembléia Geral dos Bispos do Brasil, foi apresentado
um texto para estudo sobre a Pastoral da Música Litúrgica no Brasil. O mesmo foi publicado na
coleção “estudos da CNBB”, e recebeu o nº. 79. O estudo resgata o que disse a conferência do
CELAM em Santo Domingo sobre inculturação, afirma a importância da dança litúrgica e ressal-
ta a necessidade de uma liturgia inculturada e fiel às nossas raízes indígenas, ibéricas e africanas.
67
Reforça a tese de que qualquer instrumento pode ser usado na liturgia desde que ajude a conduzir
ao mistério pascal. Cita os instrumentos brasileiros mais populares, entre eles o atabaque com toda
a família dos tambores.
68
SÍNTESE CONCLUSIVA
Percebemos neste capítulo que o uso dos instrumentos musicais no culto era uma constan-
te na Bíblia, especialmente no Antigo Testamento. Vimos também que a igreja ao longo da história
posicionou-se de maneira diferente em relação aos instrumentos musicais. Nos primeiros séculos
adaptou-se aos usos e costumes dos povos onde chegava para proclamar o evangelho. Sendo o
67
Cf. CNBB, estudos 79, nn. 16, 177, 191, 196, 206 a 219, 275 e SD, nn. 1,30, 35, 43, 248, 249, 251.
68
Cf. CNBB, A música litúrgica no Brasil, n. 265.
61
atabaque um instrumento musical presente nos relatos bíblicos e ao mesmo tempo instrumento
cultural de vários povos, nada justifica sua exclusão das celebrações litúrgicas inculturadas destes
povos.
62
CAPÍTULO VI
O LUGAR DO ATABAQUE NO PROCESSO DE INCULTURAÇÃO LITÚRGICA
EM MEIOS AFRO-BRASILEIROS
Nós, negros e negras no Brasil, devido à discriminação, vivemos e nos sentimos como se
estivéssemos longe de casa (da própria terra), mesmo quando dizemos que o Brasil é nossa terra e
não a África.
Poderíamos dizer que o mesmo acontece com a liturgia que celebramos: não podemos dan-
çar, gesticular, gritar de júbilo, isto é, não nos sentimos livres, não somos nós mesmos! Imitamos um
padrão de liturgia, de costumes, de cultura. Fomos obrigados a nos acostumar com um rito frio,
estrangeiro, voltado só para a razão, triste para nós.
69
Como celebrar a Páscoa diante desta realidade?
1. A CAMINHO DA INCULTURAÇÃO LITÚRGICA EM MEIOS AFRO-BRASILEI-
ROS
A liturgia da igreja precisa adaptar-se ao povo, à sua música, a seus instrumentos, enfim
a seu jeito de rezar. Quando estivemos em Salvador, especialmente no Centro Histórico do
Pelourinho, chamou-nos a atenção a desconexão entre a realidade vivida pelo povo e a liturgia
celebrada nas igrejas. Quando andávamos nas ruas tínhamos a impressão de estar em um mun-
do parecido com a África. Ao entrarmos nas igrejas, parecíamos estar em um outro mundo se-
melhante à Europa. Nunca havíamos percebido tão nitidamente esta diferença. O lugar do povo
negro continua sendo a rua. Os elementos culturais afro não foram incorporados no rito romano,
mesmo existindo na igreja a presença significativa de afro-descendentes.
69
Cf. José Ariovaldo da SILVA, A liturgia que nossos índios e negros tiveram de “engolir”. E agora, o que fazer?, Revista de
liturgia, 26 (159): 4.
63
Parece que o objetivo de celebrar a fé em Jesus Cristo a partir da cultura do povo
70
e fazer
com que a liturgia celebrada pela igreja não seja estranha a nenhuma pessoa, não tem sido atingido
não só em Salvador, mas em toda a igreja do Brasil. Apesar dos quinhentos anos de “evangelização”,
a igreja não incorporou os valores das culturas negras em sua liturgia. Isso contribuiu para que os
negros e negras formassem suas próprias irmandades e também buscassem outros espaços para
expressar a sua fé e sua cultura.
Participamos de uma celebração de Ordenação Presbiteral de um jovem negro na cate-
dral de Salvador,
71
em plena manhã de sábado. Os participantes não ocupavam nem a metade
dos bancos existentes. No domingo retornamos a essa mesma catedral para a missa das dezoito
horas. Notamos que as pessoas que lá estavam cabiam em torno do altar e em alguns bancos.
Tanto na celebração de ordenação quanto na missa, a presença de elementos afro-brasileiros era
insignificante. A música, os símbolos, os instrumentos, eram europeus. Ao colocarmos o pé
para o lado de fora da catedral, o que escutávamos era a percussão. Atabaques eram tocados em
grupos como Olodum, Ilê Aiyê, Filhos de Gandhi, Filhas de Oxum, em grupos de capoeira, nos
comércios, nas ruas, nos terreiros. Dava a impressão de que a igreja não queria se misturar. É
como se os elementos das culturas negras sujassem a liturgia romana ou manchassem a “majes-
tosa e pura” igreja católica. O comentário de um senhor português que entrou por acaso em
nossa paróquia no momento de uma missa afro-brasileira elucida bem o que queremos dizer.
Ele ficou inquieto, desajeitado e disse que estava se sentindo em um centro de macumba. Com
certeza o terreiro foi o único espaço onde ele pôde ver o povo negro louvar a Deus com o seu
jeito próprio e com a sua cultura sem ser discriminado. Fato semelhante aconteceu com um
grupo de irmãs africanas, em Santos–SP, à beira da praia, que por ocasião de um retiro, resolve-
ram fazer a oração da manhã ao ar livre. Começaram a cantar e a dançar na maior simplicidade
70
Cf. CNBB, Inculturação da liturgia, p.14.
71
Cf. Foi em setembro de 1999.
64
e com todo o amor a Deus. De repente formou-se um grupo de curiosos acreditando ser um
momento de “despacho” e perguntando a que candomblé pertenciam. As irmãs nem sabiam o
que era candomblé, apenas estavam se expressando com cantos, danças e gestos próprios de sua
cultura. No Brasil sempre fomos privados de nos expressar em nossas liturgias católicas como
negros e negras. Isso porque algumas pessoas pensam que estamos fazendo macumba dentro da
igreja, misturando religiões. Expressar a fé com nossos valores culturais tornou-se sinônimo de
sincretismo religioso e de pecado. Constata-se assim, que a liturgia da igreja ainda não conse-
guiu adaptar-se ao jeito de ser do povo, nem tão pouco inculturar-se.
A abertura da liturgia para elementos afro-brasileiros fará a igreja de Cristo mais católi-
ca. Em 1994, por ocasião do encontro do IMA em Anchieta–ES, celebramos uma missa com
valores da cultura afro no colégio dos Jesuítas. Alunos e professores participaram ativamente
conosco. Um professor disse publicamente no final da celebração que fazia mais ou menos dez
anos que não freqüentava uma missa, mas, se todas elas fossem afro, não perderia um domingo.
O fato de os atabaques estarem presentes em todas as manifestações religiosas afro-brasi-
leiras, ligadas a religiosidade popular ou não, mostra que eles são valores culturais capazes de se
adaptarem ao culto cristão, portanto está de acordo com o que nos pede a constituição sobre a
Sagrada Liturgia.
72
Ajudam o povo a participar mais e melhor de forma consciente, ativa, plena,
piedosa e frutuosa, assim como quer o Concílio Vaticano II.
73
Quem já participou de uma celebra-
ção afro-brasileira, deve ter percebido como o povo bate palmas, dança, escuta, se alegra. O
corpo, a mente e o coração são envolvidos (participação ativa). As vestes são coloridas, o ambien-
te é decorado a rigor, a comida é abundante e partilhada. Os cânticos quase sempre possuem
refrões curtos, o que facilita a repetição e dispensa o uso de papéis. A Bíblia é bastante valorizada.
Quase sempre entra de forma solene, com danças e tochas. À proclamação do evangelho queima-
72
Cf. CONCILIO VATICANO II, SC, n. 120.
73
Cf. Ibid., nn. 11, 14, 19, 21, 27, 30, 48, 50, 113, 114, 124.
65
se incenso, jogam-se pétalas de flores porque nosso Rei está presente e fala para nós (participação
piedosa). Quem participa há algum tempo de grupos de APNS é iniciado na consciência negra e
já rompeu com a ideologia do embranquecimento, por isso consegue interpretar melhor os sinais e
símbolos usados (participação consciente). A experiência litúrgica feita em nossas celebrações
afro-brasileiras nos tem ajudado a descobrir os sinais de páscoa que nos levam a construirmos um
mundo novo buscando igualdade e justiça para todas as pessoas (participação plena). A liturgia
encarna-se na vida, e como negros e negras vamos, guiados pelo Espírito Santo, assumindo o
compromisso de Jesus Cristo, isto é, fazendo acontecer no mundo o projeto do Pai (participação
frutuosa)
74
que é vida plena para todos e todas (Jo 10,10).
Nosso povo é tropical e dinâmico; o canto litúrgico, assim como os instrumentos, devem
acompanhar essa tendência natural. Vivemos em um país caracterizado pela diversidade e
pluralidade, que constituem um desafio à igreja e à inculturação da liturgia e do Evangelho.
É necessário buscarmos símbolos, músicas e danças para a liturgia, afim de que cada povo
perceba Deus agindo em sua própria história e louve ao Senhor da vida com toda beleza de sua
cultura. O atabaque, como instrumento e símbolo dos povos negros, não pode ficar longe deste
processo.
2. DEFININDO INCULTURAÇÃO E SEU OBJETIVO
Primeiramente é necessário entender que o termo “inculturação” indica um processo e
como tal não está suficientemente acabado, isto é, sua definição depende da história e do tempo.
75
A expressão tem origem na missiologia, mas deve ser usada também do ponto de vista sociológi-
co-cultural.
76
Trata da relação existente entre a fé cristã e as diferentes culturas. O termo é usado
pelos católicos desde a década de 30, embora em textos oficiais da igreja apareça somente na
74
Cf. Ione BUYST, Pesquisa em liturgia, pp. 26-30.
75
Cf. Marcelo de C. AZEVEDO, Dicionário de teologia fundamental, p. 465.
76
Cf. Franz KÖNIG, Léxico das religiões, p. 282.
66
década de 70.
77
A inculturação não é um modismo, mas uma necessidade inerente à revelação, à
evangelização e à reflexão teológica,
78
não podendo ser confundida com “aculturação” (processo
de transformação provocado pela convivência de grupos humanos de culturas diferentes),
“enculturação”(processo de iniciação do indivíduo à sua própria cultura), “transculturação”(o trans-
porte de elementos culturais e a imposição dos mesmos a uma outra cultura normalmente domi-
nada) e “adaptação”(ajustamento do evangelizador e da mensagem cristã à cultura destinatária
através do modo de ser, agir e tradução de textos para a língua vernácula). Seu objetivo é evangelizar
as diferentes culturas respeitando as realidades teológicas e antropológicas das mesmas, distin-
guindo fé e cultura e salvaguardando a unidade e o pluralismo da igreja universal, na busca de
sempre maior comunhão eclesial.
79
Desse modo, podemos afirmar que inculturação é um processo histórico que envolve o
encontro do evangelho (fé cristã) com as diferentes culturas. Esse encontro estimula novas rela-
ções entre as pessoas e Deus, originando um processo de conversão individual e comunitária cuja
intenção é a vivência do evangelho sem trair o modo de ser, de atuar e de comunicar das pessoas
dessa cultura que está entrando em contato com o evangelho.
Do ponto de vista bíblico-teológico, podemos dizer que o povo de Israel é um referencial
histórico-cultural necessário para o processo de inculturação porque foi ali que Deus se encarnou
em Jesus de Nazaré (Jo 1, 1-14; Fl 2, 5-8). No entanto, não podemos absolutizar essa cultura como
forma única e fixa de expressão da revelação de Deus. Toda cultura traz em si “as sementes do
verbo” plantadas pelo Espírito Santo. Respeitar a cultura do outro com seus costumes e tradições,
sem fazer comparações, é ir descobrindo os sinais da presença do Criador de todas as coisas.
Embora as culturas sejam diversas, Ele é o mesmo e o Seu Espírito perpassa toda a obra criada
fazendo a unidade perfeita.
77
Cf. Hervé CARRIER, Dicionário de Teologia fundamental, p. 472.
78
Cf. Marcelo C. AZEVEDO, Dicionário de teologia fundamental, p. 464.
79
Cf. Hervé CARRIER, Dicionário de teologia fundamental, pp. 474 -5.
67
Jesus assumiu profundamente sua cultura, porém não perdeu a visão crítica sobre a mes-
ma. Confirmou e apoiou o que defendia, a vida (Jo 10,10). Tendo o Antigo Testamento como
base, corrigiu e reorientou o que foi desviado ou pervertido. Com suas atitudes, Jesus nos ensina
que nenhuma cultura é perfeita e todas devem estar constantemente abertas à conversão e ao
crescimento.
A igreja desde o início esteve aberta às culturas.
80
Não se fechou no semitismo original,
mas implantou comunidades na diáspora respeitando suas culturas. Escreveu as narrativas evan-
gélicas em língua grega e onde chegava para o anúncio procurava incorporar no rito, no culto e na
pregação, valores das diferentes culturas. Assim fizeram os apóstolos, Paulo e os Santos Padres,
influenciando a teologia, a espiritualidade e a ação pastoral de praticamente todo o primeiro
milênio.
81
A partir dos primeiros séculos do segundo milênio, a hierarquia da igreja, influenciada
pela cultura européia, inicia a formação de uma cultura cristã católica, acreditando ser a portadora
única da revelação e superior a todas as outras culturas.
82
Com o processo de colonização, os
povos dominados eram obrigados a negar sua própria cultura e sua religião e a aderir a esta cultura
cristã católica européia.
83
A valorização das culturas e a incorporação de seus elementos no culto vistos no primei-
ro milênio cristão já não têm mais espaço no segundo milênio. Desaparece a inculturação e
ganham espaço a aculturação e a transculturação ocasionando assim um processo de separação
entre fé e cultura. “Para os povos não europeus, abraçar a fé significará sempre mais abrir mão
da própria cultura e internalizar o quadro cultural ocidental dentro do qual é proposta a fé.
84
Após o Concílio Vaticano II, reaparece a preocupação com a inculturação possivelmente
80
Cf. Hervé CARRIER, Dicionário de teologia fundamental, p. 472.
81
Cf. Marcelo C. AZEVEDO, Dicionário de teologia fundamental, p.466.
82
Cf. C. di SANTE, verbete “Cultura e liturgia”, in: Dicionário de liturgia, p. 277.
83
Cf. A. PISTOIA, verbete “Criatividade”, in: Dicionário de liturgia, p. 262.
84
Cf. Marcelo C. AZEVEDO, Dicionário de teologia fundamental, p. 467.
68
por influência de bispos do mundo inteiro presentes no Concílio trazendo suas realidades cultu-
rais diversificadas. A valorização das igrejas locais e continentais e a reorganização de povos de
culturas oprimidas como negros e indígenas muito contribuíram para o reavivamento deste pro-
cesso. Tratamento especial também receberam as mulheres, os jovens, os campesinos, os sem-
terra, com interpretação própria da bíblia, da tradição e da pastoral.
O processo de evangelização inculturada exige um discernimento constante da parte da
cultura que já recebeu o anúncio e daquela que ainda vai receber. Ambas são sujeito da
evangelização. O evangelizador não pode renunciar à sua própria cultura, mas também não
deve impor o seu modo de viver a mensagem evangélica como único e absoluto. O essencial é
a mensagem e não o modo de vivê-la. Aquele ou aquela que está sendo evangelizado precisa
decodificar a mensagem usando instrumentos de sua própria cultura. O processo de evangelização
inculturada é conflituoso porque trata da libertação de ambas as culturas (a que evangeliza e a
que é evangelizada), contudo o resultado final dessa evangelização é a fé que sabemos não ser
apenas esforço humano ou produto de um método, mas dom gratuito de Deus, respeitando a
liberdade humana.
Para se iniciar o processo de inculturação é necessário fazer uma identificação antropo-
lógica e teológica da cultura a ser evangelizada. O critério é sempre o ser humano e o homem
Jesus de Nazaré com sua mensagem e testemunho de vida. É preciso também identificar naque-
la cultura o que se distancia do evangelho, o que oprime, mata, destrói a pessoa, a comunidade,
a cultura e a natureza. Só depois dessa identificação é que passamos para o anúncio propria-
mente dito da Palavra e do Projeto de Deus, para o seu povo. Nesta fase as pessoas já têm
condições, elas mesmas, de discernir e descobrir a boa notícia, a novidade cristã, o dom dado
por Deus àquela cultura para ser partilhado com a humanidade. Paulatinamente, homens e mu-
lheres daquela cultura percebem que a fé em Jesus Cristo não é para ser vivida individualmente,
69
mas em comunidade, como grupo cultural específico aberto à catolicidade. Esse processo nos
leva a uma crescente inculturação da fé.
85
Cremos que a fé cristã deve penetrar todas as culturas para elevá-las e salvá-las, de acordo
com o ideal do evangelho.
86
Se o processo de inculturação for encarado de forma superficial,
corremos o risco de cair em um sincretismo que confunde e mistura fé cristã e tradições culturais
antropológicas.
3. DEFININDO INCULTURAÇÃO LITÚRGICA
O Concílio Vaticano II preparou o caminho para o que hoje chamamos inculturação litúrgica
(SC 37-40). Tal processo deve passar primeiro por princípios gerais de adaptação. Por “adaptação
litúrgica” a SC entende “a admissão na liturgia de elementos tirados das culturas e das tradições
que, graças a um processo de purificação, poderão servir de veículo da liturgia para a utilidade ou
a necessidade de um grupo particular”.
87
O processo de inculturação litúrgica tem amadurecido a cada dia como experiência comu-
nitária da fé. A busca de uma espiritualidade litúrgica inculturada capaz de alimentar as pessoas e
a comunidade tem sido uma constante.
A inculturação está no centro das preocupações da igreja no mundo e na América Latina.
“Evangelizar e celebrar sem inculturar, significaria reduzir o alcance da adesão a Cristo, uma vez
que a cultura faz parte da identidade de um povo”.
88
Num primeiro momento a constituição
Sacrosanctum Concilium sugere que sejam adaptados os sacramentos, os sacramentais, as procis-
sões, a língua litúrgica, a música sacra e a arte litúrgica (SC 38-39). Tais adaptações devem ser
acompanhadas pelos bispos e presbíteros e não dependem de consulta à Santa Sé. Em um segun-
85
Cf. Marcelo C. AZEVEDO, Dicionário de teologia fundamental, p. 471.
86
Cf. CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO, A liturgia romana e a inculturação, n. 19.
87
A. CHUPUNGCO, verbete “Adaptação”, in: Dicionário de liturgia, p.8.
88
D. Clemente ISNARD, in: CNBB, Inculturação da liturgia, p.2.
70
do momento (SC 40) propõe uma “adaptação mais profunda da liturgia” que depende de confir-
mação da Sé Apostólica.
Tanto o número 37 quanto o 40 da SC mencionam que na liturgia podem ser admitidos
tradições, costumes, qualidades e dotes de espírito dos vários povos, podendo inclusive admitir
elementos culturais no rito romano.
89
A realidade pluricultural do Brasil e a abertura dada pelo Concílio Vaticano II (SC 37-40)
nos impelem a buscar para a liturgia novos símbolos de esperança que sejam interpretados sem
dificuldade pelo povo brasileiro. Tais símbolos já estão no meio do povo. Temos o papel de desco-
bri-los, resgatá-los e encaixá-los onde melhor possam expressar o mistério pascal.
O documento de Puebla (31-39) e o documento de Santo Domingo (178) afirmam que na
evangelização precisamos levar em consideração as diferentes culturas. Não podemos celebrar a
liturgia com os mesmos cânticos, a mesma linguagem, o mesmo ritmo e utilizando os mesmos
instrumentos musicais no mundo todo, como aconteceu por séculos, em que foram ignorados as
etnias, as culturas e os povos. É preciso haver sim a “comunhão de diferenças compatíveis com o
Evangelho” para proteger as legítimas diversidades e vigiar “para que as particularidades ajudem
a unidade e de forma alguma a prejudiquem.
90
Quem une em primeiro lugar é o Cristo em seu
mistério de morte e ressurreição. “A inculturação é necessária para restaurar o rosto desfigurado
do mundo”(SD 13).
O processo de inculturação litúrgica no Brasil deve respeitar a coexistência de diversos
grupos culturais atuando em nossas igrejas, cada um trazendo sua história que é única e diferente
e como tal necessita ser considerada. Somos o país onde a diversidade está naturalmente presente,
portanto o processo de inculturação litúrgica deve incorporar na liturgia os ritos, símbolos, expres-
sões religiosas, música e instrumentos que ajudem a celebrar a fé (SD 248). Segundo a IV Instrução
89
Cf. A.CHUPUNGCO, in: Dicionário de liturgia, verbete Adaptação”, p. 9.
90
JOÃO PAULO II, nn. 6, 11 e 20.
71
para uma correta aplicação da constituição conciliar (SC 37-40) “a Liturgia da Igreja não deve ser
estrangeira em nenhum país, nenhum povo, para nenhuma pessoa e, ao mesmo tempo, terá de
superar todo particularismo de raça ou de nação”.
91
Chupungco,
92
interpretando a SC 37- 40, diz que há três etapas na adaptação litúrgica:
1. “Acomodação”: nesta fase há o interesse pelos elementos celebrativos utilizados pela assem-
bléia litúrgica, sem contudo haver necessariamente a preocupação de uma adaptação cultural;
2. “Aculturação”: esta fase é de natureza cultural e pode ser descrita como um processo capaz de
incorporar na liturgia romana elementos culturais que possam substituir os do rito romano, salva-
guardando não só o significado original do rito romano, como também o verdadeiro sentido des-
ses elementos culturais;
3. “Inculturação”: esta fase também é de natureza cultural e supõe a transformação do rito pré-
cristão à luz da fé cristã celebrada pela liturgia romana. Isto é, um rito pré-cristão passa a ter um
significado cristão. A igreja não altera o rito em si, mas dá a ele um sentido cristão para que possa
exprimir o mistério pascal.
3.1. Explicações complementares inerentes ao processo de inculturação litúrgica
O papa João Paulo II diz que “a inculturação significa a íntima transformação dos valores
culturais autênticos, pela sua integração no cristianismo e o enraizamento do cristianismo nas
várias culturas”(RM 52). Por essa descrição notamos que para acontecer a inculturação litúrgica é
necessário: tradução da Bíblia em língua vernácula, estudo prévio de ordem histórica, antropoló-
gica, exegética e teológica, respeito à tradição litúrgica do Rito Romano, descoberta dos valores
culturais autênticos.
93
Nem tudo o que é de uma cultura serve para o culto cristão. E nem sempre
91
CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO, A liturgia romana e a inculturação, n. 18.
92
Cf. A. CHUPUNGCO, in: Dicionário de liturgia, verbete Adaptação”, p. 9.
93
CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO, A liturgia romana e a inculturação, nn. 28-30.
72
o que achamos que é autêntico numa cultura o é de fato.
94
É necessária uma pesquisa profunda e séria.
Descobertos os valores culturais autênticos, é hora de dar a eles sentido cristão, integran-
do-os na liturgia e tornando-os, assim, patrimônio cultural universal. Os valores reconhecidos,
assumidos e enraizados, deixarão de pertencer a uma determinada cultura para serem da liturgia
universal. A cultura por sua vez, faz da liturgia assim celebrada, um ato cultural cristão, expresso
na sua linguagem cultural.
4. O atabaque como valor autêntico dos afro-descendentes brasileiros a ser inculturado na liturgia
Pe. Gabriel, Pe. Toninho e Jovelina
“É impossível entender a realidade africana sem entender o atabaque”. A afirmação é de
Pe. Antônio Aparecido da Silva, Pe. Toninho, teólogo negro que há vinte e três anos se dedica a
causa dos afro-descendentes, inclusive participou dos APNS (Agentes de Pastoral Negros) desde
a sua criação. Segundo ele, o atabaque é a grande chave de leitura para entender a racionalidade
africana. De outro lado, o atabaque é também um mistério, ou seja, é o som do mistério, que
antecipa toda a realidade. Os africanos, tanto os bantos quanto os nagôs, costumam dizer que no
princípio era o atabaque; e o atabaque era o som, era a musicalidade de Deus anunciando a sua
presença. Na verdade o atabaque constitui o ponto inicial a partir do qual as coisas criadas terão
um entendimento e um sentido.
94
Cf. Amaro V. MWITU, A inculturação litúrgica, pp.19-20.
73
No Brasil, a formação religiosa católica, os instrumentos, a musicalidade, a forma de apre-
sentar o culto, a missa, tudo foi feito a partir de determinados pressupostos culturais. Não tivemos
em nossa formação comum, desde crianças, a oportunidade de conhecer outros instrumentos mu-
sicais que não os ocidentais.
95
Nos encontros de APNS, nós, negros e não negros, começamos a utilizar os instrumentos
de percussão. Eles traduziam melhor o nosso sentimento, a nossa maneira de ser, a nossa ginga, o
nosso corpo, ajudando-nos a rezar. A novidade que queríamos trazer para partilhar com o conjun-
to da assembléia litúrgica era a de mostrar um corpo bonito, criado por Deus e que expressa uma
cultura. Os instrumentos de percussão colaboraram de maneira vital para essa expressão. Quería-
mos mostrar, ao som dos atabaques, com dança, gestos e símbolos, o quanto o corpo queria render
homenagens ao seu Criador.
Missa Afro-brasileira na Paróquia Nsa. Sra. Aparecida - Santa Isabel-SP
A fim de que esta realidade acima descrita seja comum a todos os afro-descendentes, faz-
se necessário um processo pedagógico-litúrgico que exige insistência e paciência, uma vez que
nós, negros, embora em nosso íntimo, em nossa identidade, percebamos o atabaque como uma
95
Cf. Marcelo C. AZEVEDO, Dicionário de teologia fundamental, p. 467.
74
coisa nossa, por outro lado, ainda somos aprendizes de nossa própria cultura, de nossos próprios
valores. Vivemos trezentos anos de escravidão, acrescidos de cem anos de marginalização, em
que os nossos valores culturais, musicais e instrumentais, foram duramente excluídos. Até nós
mesmos, os afro-descendentes, aprendemos a ter suspeitas e a desconfiar de nossa própria
musicalidade. Agora que a hierarquia e toda a igreja vivem um outro momento, um tempo de
abertura, nós, negros, estamos ajudando-as a perceber o quanto esse caminho de inculturação
litúrgica em meios afro é importante e bonito. Sentimo-nos honrados em poder contribuir com
essa visão de abertura que é muito mais condizente aos desígnios de Deus que nos criou de manei-
ra plural.
5. ADAPTANDO O ATABAQUE NA LITURGIA CRISTÃ CATÓLICA
Tocadores de atabaques e irmã Ivonete no VIII EPA
No Rito Zairense, o tambor acompanha os cantos
96
e no Rito Etíope a percussão acom-
panha há séculos a liturgia. Para Pio XII
97
rezar com instrumento “barulhento” é estranho, mas
há povos que tradicionalmente rezam ao som de campainhas, sinos e atabaques e talvez não o
saibam fazer diferente.
98
Em muitos lugares, o atabaque já faz parte do culto e está trazendo
96
Cf. Anscar J. CHUPUNGCO, Liturgias do futuro, p. 100.
97
Cf. Pio XII, encíclica Musicae sacrae disciplina, nn. 28-9.
98
Cf. José Alves de SOUZA, Uso de instrumentos na liturgia, p. 109.
75
uma experiência positiva no tocante a levar os fiéis a experimentarem o mistério pascal. É o que
percebemos no II Seminário Nacional de Inculturação Afro-litúrgica, realizado de 10 a 17 de
setembro de 1996, em Duque de Caxias, RJ. Nós mesmos e muitos outros que lá estavam
nunca havíamos feito uma experiência tão profunda de oração. Foi para nós um verdadeiro
retiro. O atabaque teve papel fundamental nesta experiência. Descobrimos sua mística. Ao tocá-
lo, sentimos que o mesmo fazia parte de nossa história de afro-descendentes brasileiros. Ele
despertava em nós algo que parecia estar adormecido e fazia com que o corpo todo necessitasse
movimentar-se para louvar a Deus.
99
Informações dos participantes contidas no relatório provi-
sório feito pela CNBB- Linha 4- Liturgia, ligadas à questão do atabaque e da experiência de
oração, atestam que as cores alegres, as vestes, a dança e o clima festivo em nossas celebrações
expressam a páscoa. A mística da alegria faz com que se integrem o corpo, a mente e o ritmo,
espontaneamente. Os cânticos com frases cantadas por um solista e repetidas pela assembléia
facilitam a participação de todos, inclusive dos analfabetos. Celebra-se o memorial de Jesus
Cristo e dos ancestrais com a presença de Deus que dança, canta e come com seu povo.
Nesses dias de Seminário, confirmamos o que o Pe. Geraldo Leite diz: “o tambor concen-
tra e unifica e leva à verdadeira oração.
100
Traz um tom festivo, de alegria, lembra a vitória. A
litugia se torna uma verdadeira festa.
101
É o Reino se realizando na história, na nossa história de
negros e negras católicos. Cantando, saboreando, dançando, contemplando, fomos atingidos pelo
som dos atabaques e isso era como que ganhássemos força para enfrentar toda tristeza, dor, pobre-
za, opressão, medo, que assolam a nós e a nossos povos há séculos. O atabaque tocado reunia em
nós a força dos povos negros e a força do Cristo ressuscitado.
102
Na tradição africana o nascimento e a morte, a alegria e a tristeza, o plantio e a colheita, são
99
Cf. Ione BUYST, Celebração do domingo ao redor da Palavra de Deus, p. 90.
100
Cf. Geraldo Leite BASTOS, Loas e Lamentos. Revista de Liturgia, 76:15-17.
101
Cf. Gregório LUTZ, Liturgia, a família de Deus em festa, p.14.
102
Cf. Ione BUYST, Cristo ressuscitou, p. 153, contando a experiência de um hino litúrgico pascal. A experiência é muito
semelhante a dos povos negros com o atabaque.
76
normalmente acompanhados do som do tambor. Na África o atabaque acompanha o dia-a-dia do
povo e é tocado segundo as circunstâncias, afirmam as monjas africanas, Irmãs Maria e Donata,
do Mosteiro da Encarnação, em Mogi das Cruzes/SP.
6. INICIAÇÃO AO ATABAQUE E À LITURGIA
Há comunidades que preparam cursos de esclarecimento da utilização da percussão
dentro da liturgia e nas pastorais. A paróquia Nossa Senhora Achiropita, em São Paulo, é uma
delas. As crianças são levadas pela catequista diante do sacrário ou dentro do espaço sagrado.
Ali é explicado a elas o que se fará: orar a Deus. Diante dessas crianças, em círculo, toca-se o
atabaque de maneira suave, baixinho. Pede-se para que elas fechem os olhos e se vai tocando
lentamente, levando à concentração. Na terceira vez em que se levam as crianças para rezar, não
é necessário dizer mais nada. Elas reagem de acordo com o toque feito. Toca-se baixinho, elas
vão fechando os olhos, ao intensificar-se o toque, vão mudando de comportamento. Toca-se
mais forte, elas se levantam e começam a balançar o corpo de um lado para outro, louvando a
Deus.
O tambor causa no ser humano uma vibração incrível. Vibram o corpo e a mente com
os padrões rítmicos. É um exercício de formação e de redescoberta. Uma verdadeira “maiêutica.
Faz com que a catequese fique mais dinâmica e agradável. Às vezes vale mais que meia hora de
teoria. Na verdade é uma catequese na linha afro para brasileiros, negros ou não. As catequistas
devem ser preparadas e orientadas a incluir na sua programação a questão do atabaque como
instrumento cultural que ajuda a rezar. Assim, as crianças vão se familiarizando com o instru-
mento e resgatando sua cultura, não tendo posteriormente dificuldade em lidar com o mesmo no
culto.
77
103
E. COSTA JR., verbete “Canto e música”, in: Dicionário de liturgia, p. 174.
104
Bira Reis, músico e arquiteto, Pelourinho – BA, em entrevista concedida a nós em setembro de 1999.
105
Cf. CNBB, A música litúrgica no Brasil, nn. 220-1.
É urgente a formação de tocadores de atabaque e que estejam sintonizados com a liturgia.
A formação técnica e cultural do musicista deve ser a mais vasta possível e levar em conta a
realidade da assembléia celebrante, sem deixar de lado a espiritualidade.
103
Para tanto necessita-
mos de escolas que ensinem a tocar o instrumento e ao mesmo tempo ofereçam um estudo de
teologia e liturgia em vista da inculturação. Tocar o atabaque é uma arte, um dom, todavia neces-
sita de aprendizagem, competência e dedicação.
104
Atabaque se toca e não simplesmente se bate
de qualquer maneira. Está no sangue, no consciente e no inconsciente, está no coração. É preciso
entender do instrumento para criar arranjos e toques que possam ajudar a comunidade a expressar
melhor a fé celebrada, especialmente na liturgia cristã onde cada rito tem seu significado particular
visando ao todo que é celebrar a morte e a ressurreição de Jesus.
Sempre que na assembléia tenha alguém que saiba tocá-lo, ele nunca deveria ser deixado de
lado ou substituído por guitarras, órgãos, ou outros instrumentos eletrônicos.
Temos que exorcizar não os instrumentos, os ritmos ou as danças, mas os nossos preconcei-
tos e o racismo que ainda é forte.
Faz-se necessário colocar entre as disciplinas de formação nos seminários e nas casas de
religiosas do Brasil, aulas sobre a importância do atabaque para todos os formandos, mesmo àque-
les que não são afro-descendentes porque posteriormente poderão trabalhar em locais de presença
negra marcante e conhecendo a história do atabaque evangelizarão melhor, respeitando as cultu-
ras dos povos. Da mesma forma, as paróquias que contam com uma significativa presença de afro-
descendentes, precisam investir nos fiéis leigos e leigas que tenham dom para tocar estes instru-
mentos. Precisamos descobrir, valorizar e formar o músico e o instrumentista como ministros da
celebração litúrgica.
105
78
106
Cf. Ione BUYST, Símbolos na liturgia, pp.85-8.
107
Cf. Jaci MARASCHIN, A beleza da santidade, ensaios de liturgia, p. 103.
108
Cf. Maria Victória Triviño MONRABAL, Música, danza y poesía en la Biblia, p. 57.
7. COMO UTILIZAR O ATABAQUE NA ORAÇÃO, NA DANÇA E NO CANTO
O primeiro passo é a preparação remota. Recomendamos a técnica do laboratório
litúrgico
106
para que as pessoas se habituem com o instrumento. Aquele que utilizar o atabaque na
celebração, não pode improvisar e nem bater de qualquer jeito. É preciso saber tocar. Deve-se
verificar sua afinação. O couro pouco ou muito esticado vai influenciar completamente a qualida-
de e a beleza do som. Ninguém consegue cantar sendo acompanhado por um instrumento desafi-
nado.
Em seguida, orando, cantando, dançando, procura-se “sentir” o instrumento. Som e ritmo
vão paulatinamente entrando pelos ouvidos e chegando ao coração. Em um certo momento as bati-
das do coração
107
se confundem com as do atabaque e aquele ritmo é espalhado por todo o corpo
através da corrente sangüínea. Todo o corpo é tomado de um sentimento de concentração e medita-
ção. Acontece a mistagogia, isto é, somos conduzidos ao mistério. Corpo, mente e coração são
envolvidos de forma orgânica. Desta experiência brotarão gestos que expressarão melhor o sentido
teológico-litúrgico dos ritos e levarão a uma atitude interior e profunda.
A dança faz com que todo o corpo se espiritualize. Na Bíblia ela é acompanhada de instru-
mentos (Rt 4,11-12; Ct 7,1-10). A função do atabaque na dança é marcar o ritmo binário e ternário.
108
Na liturgia cristã católica posterior ao Vaticano II, a Palavra de Deus tem prioridade. Nenhum
instrumento deve encobrir as vozes ou impedir a escuta da Palavra. Isto não quer dizer que o atabaque
não tenha o seu espaço. Ele vai dar ritmo ao canto e à dança. O canto afro sem o atabaque perde a
vida. Na liturgia afro-brasileira temos que encontrar o ponto de equilíbrio entre a voz, o toque e a
mensagem. Assim atingiremos uma espiritualidade afro enraizada no evangelho e capaz de suportar
os desafios que a vida nos apresenta.
79
109
Sônia Querino Santos, trabalha com remanescentes de quilombos na diocese de Registro, em São Paulo. Ela afirma que o
atabaque faz parte intrínseca da forma de rezar dos povos negros. Chega a afirmar que é uma “heresia” dizer que o atabaque é um
instrumento barulhento e que atrapalha na oração.
110
Cf. Roland de CANDÉ, História universal da música, p. 169.
111
Cf. Maria Victoria Trivño MONRABAL, Música, danza y poesía en la Biblia. p. 99
112
Cf. Sue Carole DE VALE, Poder e sentido nos instrumentos musicais, Concilium, 222:97-113.
Algumas experiências mostram que o atabaque é a força que convoca e unifica
109
. Segun-
do Sônia Querino dos Santos, em um encontro de afro-descentes em Quito, no Equador, com
representantes de toda a América Latina, foi preparada uma sala com vários elementos da cultura
afro. As pessoas entravam no mistério a partir do som do atabaque, sem precisar dizer: silêncio,
agora vamos rezar! O atabaque estava lá dentro da sala sendo tocado e as pessoas iam entrando
nesse ambiente orante a partir do seu som. Era o atabaque que fazia com que as pessoas contem-
plassem o ambiente a seu redor e fossem assim totalmente envolvidas na oração. O atabaque atrai
e nos transporta para além de nós mesmos a fim de fazermos a experiência do transcendente.
O que descrevemos do primeiro capítulo até agora, levou-nos a compreender que o
atabaque pode ajudar na dança e no canto, na oração individual, comunitária, dos salmos e nas
celebrações eucarísticas.
8. O ATABAQUE COMO COMUNICADOR DO MISTÉRIO DE DEUS
Nos países em que o tambor fala através de códigos e a comunidade entende o que se está
falando,
110
cremos que é possível utilizá-lo para proclamar inclusive as leituras bíblicas. No Bra-
sil, como não conhecemos esses códigos de linguagem, podemos utilizar os atabaques para criar
clima de escuta, de suspense, e levar a assembléia a uma expectativa: o que será que vem agora?
O que Deus irá falar? Essa iniciativa substituiria o excesso de comentários que normalmente são
feitos antes das leituras. Não obstante a tudo isso, podemos dizer que os tambores são carregados
de “palavras” e de “sentimento”. Na liturgia são capazes de dizer o que não se conseguiria com
muitas palavras. Os tambores têm uma linguagem que o povo entende.
111
Há uma comunicação
além da verbal, da visível e da audível.
112
80
A liturgia lida com o mistério de Deus que quer comunicar-se conosco. Necessita exprimir-se
com sons, símbolos, imagens, movimentos, danças, cantos etc..“A experiência litúrgico-musical de-
pende também da execução. Há uma maneira de cantar que expressa o relacionamento com Deus na
gratidão, na intimidade, na súplica”.
113
Os sons e os símbolos falam todas as línguas e cada um os interpreta à sua maneira.
Conversando com o Professor da Universidade Católica de Salvador, Pe. Arnaldo Lima Dias,
liturgista com mestrado no Instituto Santo Anselmo, em Roma, e com experiência pastoral na
Guiné Equatorial, arquidiocese de Malabo, descobrimos coisas interessantes sobre a comunicação
utilizando o atabaque. Segundo ele, na liturgia africana algumas comunidades adaptaram o atabaque
em lugar do sino, percutindo-o sobre o espaço sagrado, a fim de chamar as pessoas para a missa
dominical. Ao som dos atabaques o povo se reúne do lado de fora do espaço sagrado e dali entra-
se para a missa com o canto de entrada e a dança. O atabaque possui sua “cidadania” no culto. O
ensaio de canto e instrumentos para a missa dominical acontece de segunda a sábado. Celebrá-la
é uma verdadeira festa
114
, inclusive com gritos de júbilo nos momentos do hino de louvor, aclama-
ção, doxologia, etc.. Existem também os momentos de concentração, de fechar os olhos e dançar
lentamente ao ritmo do tambor. Todos são envolvidos, até mesmo as crianças.
SINTESE CONCLUSIVA
Em países como o Brasil, em que o carnaval, a maior festa popular, não existiria sem a
percussão, é lamentável que os atabaques ainda estejam distantes de nossas igrejas.
115
Desde o
início da “evangelização” brasileira nossas danças religiosas e nossos instrumentos foram proibi-
dos ou banidos das igrejas.
116
“Houve uma distorção, uma transformação imposta pelas restrições
113
Ione BUYST, Pesquisa em liturgia, p. 36.
114
Cf. Augusto Bergamini, Cristo festa da igreja, história, teologia, espiritualidade e pastoral do ano litúrgico, pp. 128-38.
115
Cf. Joseph GELINEAU, Canto e música no culto cristão, nota de rodapé n.355, p.199.
116
Cf. José Ariovaldo da SILVA, A liturgia que nossos índios e negros tiveram que “engolir”. E agora o que fazer?, in: Revista de
liturgia, 26 (159): 4.
81
do branco civilizado. Mas as cerimônias não desapareceram. Adaptaram-se. Ficaram sobreviven-
tes no folclore”.
117
Danças de primitiva significação religiosa, popularizaram-se.
118
No carnaval, ainda hoje, vemos a reprodução inconsciente das cerimônias africanas.
119
O
negro e a negra enfeitam-se e vão para a avenida, sorrindo, denunciar que foram excluídos de
tudo, inclusive das igrejas.
Colocar o atabaque em nossas celebrações é dar mais um passo na inclusão dos povos
negros no processo de evangelização. É fazer acontecer a reconciliação. Se como igreja estamos
em um verdadeiro processo de inculturação, temos que incentivar a cultura negra por inteiro: os
instrumentos, a dança, o canto, e tudo o que Deus nos deu para o seu próprio louvor.
Para que o atabaque conquiste o seu espaço na liturgia cristã, é fundamental a união entre
músicos experientes, liturgistas e tocadores de percussão do meio popular. Eles sabem como har-
monizar os instrumentos, o canto, a dança, a voz humana e a Palavra. Desta forma a assembléia
litúrgica participará de maneira alegre e consciente, envolvendo todo o corpo na celebração.
117
Arthur RAMOS, O negro na civilização brasileira, p. 128.
118
Cf. Arthur RAMOS, O negro na civilização brasileira, p. 130.
119
Cf. Ibid., p. 129.
82
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ciências como a História, a Antropologia e a Etnomusicologia nos mostraram que o ser
humano africano e os atabaques nasceram e se desenvolveram praticamente juntos. O atabaque
está naturalmente presente nas atividades diárias dos povos africanos.
120
Devido a escravidão, vários povos africanos foram trazidos para o Brasil, iniciando assim,
um processo de transculturação, aculturação e enculturação, a fim de se adaptarem à realidade
brasileira. Negros e negras trouxeram para o Brasil tudo o que conheciam na África: música,
instrumentos, dança, religião, costumes, etc..
121
Tiveram que se acostumar numa cultura que não era a sua e educar os filhos nessa nova
realidade. Mesmo estando longe da África e sendo obrigados a renunciarem às suas culturas, os
povos negros preservaram elementos essenciais para a sua sobrevivência.
122
O atabaque foi um
deles.
Encontramos na Bíblia, na Tradição e no Magistério, sinais de que a percussão sempre foi
utilizada na liturgia, adaptando-se aos diferentes ritos e povos.
123
Partindo dos princípios de que a população brasileira é formada por mais de 45% de
afro-descendentes
124
, e de que a igreja deseja uma evangelização e uma liturgia inculturadas,
125
e sendo o atabaque um instrumento essencial para os povos negros, podemos afirmar que o mes-
mo ocupa lugar central no processo de inculturação litúrgica em meios afro-brasileiros. Nenhu-
ma celebração inculturada afro pode prescindir dos atabaques, se quiser ser fiel às raízes africanas
e afro-brasileiras.
120
Cf Friedrich HERZFELD, Nós e a música, p. 12; Cf Sue Carole DE VALE, Poder e sentido nos instrumentos musicais,
Concilium 222, p. 113; Jocelyn MURRAY, África, o derspertar de um continente, p. 94.
121
José REDINHA, Os instrumentos musicais de Angola, sua construção e descrição, p. 34; José Ramos TINHORÃO, Música
popular de índios, negros e mestiços, p. 129-30.
122
Arthur RAMOS, O negro brasileiro, p. 162.
123
Joseh GELINEAU, Canto e música no culto cristão, p. 194.
124
Http://www. Ibge.gov.br/ibge/estatistica/população/condiçãodevida/indicadores.../tabela1.sht – 17.04.2001.
125
SD 248-249; CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. A liturgia romana e a inculturação; RM 52.
83
O atabaque, por ser um instrumento milenar dos povos negros utilizado para anunciar que
alguém nasceu ou morreu, no plantio, na colheita, na comunicação entre as pessoas e com o
transcendente e mais recentemente conquistando o seu espaço na liturgia da igreja no Brasil, leva-
nos a concluir que, de fato, ele é um valor cultural autêntico que deve ser inserido no processo de
inculturação litúrgica em meios afro-brasileiros.
Estamos convencidos de que da mesma forma que outrora os atabaques faziam os negros e
negras escravos reviver depois de um longo e penoso dia de trabalho forçado, hoje, especialmente
em nossas periferias (senzalas modernas), eles vão animar nossas liturgias e trazer novas forças e
esperança a nosso povo. O som dos atabaques aliado à Palavra de Deus e à Eucaristia propiciarão
a experiência do mistério pascal de Cristo em nossa vida. A celebração dominical ganhará novo
vigor e será alimento para enfrentarmos mais uma semana de trabalho até que Jesus venha.
84
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95
ANEXO
1. DIOCESE DE JUNDIAÍ - COMUNICADO 02/2000 E 10/2000 PROIBINDO O USO DE
ATABAQUES NAS CELEBRAÇÕES EUCARÍSTICAS
Instrumentos em Celebrações Eucarísticas
Venho recebendo com sempre maior freqüência, desagradáveis críticas de fiéis participan-
tes da vida de nossa Igreja, sobre Celebrações e Concelebrações Eucarísticas transformadas em
verdadeiros shows deixando, portanto de ser momento de culto, oração, encontro com Deus e sua
Palavra. Não raro, até mesmo em ordenações de Diáconos e Presbíteros, sacerdotes, religiosas,
fiéis e eu mesmo, temos ficado irritado com o uso de certos instrumentos e a altura do tom dos
cânticos.
Como o canto e sua mensagem é muito mais importante que os instrumentos e estes devem
sempre estar a serviço da oração das Comunidades, determino que a partir deste Comunicado,
sejam excluídos de todas as Celebrações e Concelebrações Eucarísticas os seguintes instru-
mentos: atabaque, pandeiros e castanholas. Quanto às baterias recomendo que jamais se
sobreponham aos violões e cânticos.
Salmistas, cantores e cantoras, estejam sempre conscientes de que exercem um ministério
sagrado e litúrgico. Considerem-se servidores do culto a Deus em suas Comunidades e, em ne-
nhum caso, atores e atrizes.
As determinações constantes deste Comunicado ficam integradas, a partir da data
abaixo, nas Normas e Diretrizes Pastorais da Diocese de Jundiaí.
96
Jundiaí, 21 de Fevereiro de 2000
Dom Amaury Castanho
Bispo Diocesano
Obs.: Em outubro de 2000, D. Amaury enviou novo comunicado dizendo o seguinte a respeito do
uso dos instrumentos musicais no culto: “continuam proibidos em toda Diocese, os seguintes
instrumentos, nas Celebrações Eucarísticas: pandeiros, castanholas e atabaques, recomen-
dando-se que todos os instrumentos e cânticos estejam a serviço dos atos litúrgicos e não
vice-versa.
97
2. CARTA PSEUDÔNIMA A DOM GÍLIO FELÍCIO - O ATABAQUE COMO INSTRU-
MENTO DIABÓLICO
(A carta está endereçada ao Cônego Pedro Mathon, mas foi enviada a D. Gílio e a diversos padres
da arquidiocese de São Salvador da Bahia)
Salvador, 10 de agosto de 1999
Ao
Cônego Pedro Mathon
Paróquia de N. S. das Dores-Plataforma
Eis o que colhi a respeito do que saiu nos jornais:
1°) Os praticantes do CANBOMBLÉ tem o “preceito” de, de vez em quando, sacrificarem um
jovem de 10 anos (branco), arrancando-lhe o coração, em cerimônia consagrada a EXU, que é o
demônio da religião deles. Isto saiu nos jornais, há cerca de 15 ou 20 anos, quando foram encon-
trados diversos cadáveres de jovens de 10 anos, na orla marítima, todos com o coração arrancado.
Cito PITIGRILLI: “PITIGRILLI FALA DE PITIGRILLI” (VECCHI) 1956:Pag. 56:
- Escrevi não sei mais onde: “Talvez tenhamos razão de censurar a
Deus ter feito os homens maus, todavia devemos louvá-lo sem reserva
por haver pôsto, como contrapêso à sua provável maldade, a sua extraor-
dinária brutalidade, a qual não permite dúvidas.
2°) Como rito satânico, costumam estuprar as jovens candidatas a “baiana”, tudo executado ao
som do ATABAQUE, sendo que o Bispo Negro fez incorporar o ATABAQUE na Igreja do Rosá-
98
rio dos Pretos, no Pelourinho, segundo saiu nos jornais. Quem conhece sabe que o ATABAQUE
é justamente o chamamento de E X Ú, o demônio no rito do CANDOMBLÉ, que é representado
de CHIFRES!!!!!! É, pois, a prática do BAIXO ESPIRITISMO, com invocação do MAL! Ver
abaixo:
PITIGRILLI
Como acima
Pag. 62
Há no homem uma necessidade insuprimível de equilíbrio, de harmonia e
de normalidade; é possível que nos projetemos adiante do tempo e antecipe-
mos as emoções e o gosto das gerações futuras, mas qualquer coisa nos liga
insanavelmente ao passado que vive em nós e do qual estão impregnadas as
coisas que nossos pais viram e tocaram. Se assim não fosse, não seríamos
homens, mas
entes inumanos, projetados fora da órbita harmônica de todas
as coisas que justificam perante nós e perante Deus a nossa única razão de
ser.
3°) Candomblé, no estudo das religiões, se enquadra como sendo ANIMISMO:
MICHAELS: “MODERNO DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA” (MELHORA-
MENTOS) Pag. 158:
ANIMISMO: 2) Idéia que consiste em dar alma a coisas inanimadas; 3)
Crença dos povos que supunham existirem espíritos em todos os seres da
Natureza.
99
PORTANTO, NÃO SENDO RELIGIÃO, é uma simples manifestação de adoração PRIMI-
TIVA à natureza, sendo BAIXO ESPIRITISMO, rejeitável porque:
PITIGRILLI:
Como acima.
Pag. 150
Primeiro: porque a Lei Divina é formal: “Não sejais dos que procuram saber
a verdade dos mortos.” (Deuteronômio, XVIII, II.)
Segundo: porque a igreja se pronunciou em termos precisos: a intervenção
de um médium, como se diz ou sem isso, servindo-se ou não do hipnotismo,
assistir a locuções ou manifestações espiritistas, como são essas, embora
tenham a aparência de honestidade e piedade, e quer se interroguem as al-
mas e os espíritos, quer se escutem as suas respostas, ainda que apenas como
espectador, e isto mesmo com o protesto, implícito ou explícito, de não que-
rer relação com os maus espíritos, a Santa Congregação responde A TUDO
NEGATIVAMENTE (27 de abril de 1917)
A FEITICEIRA/MOR visitada REJEITOU o “SINCRETISMO”, deixan-
do o BISPO-NEGRO de cara no chão!!!!!!!
Deu até lição de moral e de
independência!
Castigo de Deus: com o cão não se brinca!!!
A TARDE” 23.07.99
100
Conclui-se que NÃO HÁ NENHUMA JUSTIFICATIVA para um BISPO (!!!!!!) arrastar
outros padres (porque negros – ou seja qual for a raça: branca; preta; amarela; mongólica... NÃO
HÁ COR NEM NO CÉU NEM NO INFERNO) a uma reunião dita de SINCRETISMO (????)
com invocadores do demônio – e até assassinos rituais de crianças – qualquer título:
PITIGRILLI
Como acima
Pag. 60
A resposta foi dada por um grande conhecedor dos homens, Cícero, faz
agora dois mil anos:
“É impossível imaginar, ainda mesmo no estado de delírio, alguma coisa
tão
absurda, tão insensata, tão monstruosa, que não encontre qualquer pseudo-
filósofo ou pretenso sábio disposto a adotá-lo, defendê-la, sustentá-la.
É de se duvidar que um monge budista entre na tenda de um feiticeiro, lá na Índia. Não há CON-
VERSÃO com adeptos do demônio. A Igreja é forte:... E AS PORTAS DO INFERNO NÃO
PREVALECERÃO CONTRA ELA. Não se serve a 2 senhores!
PROFESSOR DOUTOR JOÃO MARCUS LIMA (PSICÓLOGO)
20 livros; 6 idiomas; Autor de
“PSICOLOGIA DOS POVOS E SUAS RELIGIÕES”
101
3. RESPOSTA DE FREI LUCAS, SUPERIOR DO CONVENTO DO PELOURINHO, À
CARTA PSEUDÔNIMA RECEBIDA.
COMUNIDADE FRANCISCANA DA BAHIA
CONVENTO DE SÃO FRANCISCO
Prezado Sr. Professor Dr. João Marcus Lima
Paz e bem.
Salvador, 1-9-1999.
Estamos no mês da Bíblia, livro em que os artigos nos apresentam um Deus verdadeiro = um
Deus conosco. Jesus, vindo a terra, confirmou que O Pai é um Deus conosco e Pai de toda a huma-
nidade, pois o Pai é o Criador de todos e de tudo. Foi isto que os Apóstolos pregaram e que os Papas
de todos os tempos, com mais ou menos clareza pregaram. Lendo as cartas do nosso atual Papa João
Paulo II, ele nos mostra que existem tantos caminhos para Deus como existem Seres Humanos na terra
e o Sr. Cardeal Joseph Ratzinger confirmou isso na pregação que fez em Paderborn-Alemanha, na
festa em que foi celebrado a ereção da Diocese de Paderborn, há 1200 anos atras.
Imagine, neste mês da Bíblia, que nos traz mensagens de Amor-Justiça-Misericórdia, etc., o
Sr. me manda uma carta tão medíocre que não é digna de um professor e Dr. Não duvido que o Sr.
seja realmente Dr. em psicologia, mas da Bíblia e da história séria do Brasil o Sr. não deve ter grandes
conhecimentos.
Um conselho de irmão: Cada um fale sobre aquilo que entende, e não semeia inverdades no
meio do povo.
Sua carta provocou revolta entre os confrades, pois aquilo que o Sr. escreveu é uma aberração
e um doutorado de ignorância.
Frei Lucas
102
4. DICAS PARA PREPARAR UMA CELEBRAÇÃO AFRO-BRASILEIRA
1. OBSERVAÇÕES GERAIS
1.1. Formar uma equipe de Liturgia envolvendo os diversos ministérios: leitores, comentaristas, canto-
res, instrumentistas, decoradoras do ambiente, dançarinos, equipe de alimentação, figurinistas (vestes)
e cabeleireiros. O entrosamento entre os diversos ministérios é fundamental para uma harmonia na
celebração;
1.2. Escolher as leituras bíblicas que serão proclamadas no dia. É importante lembrar que, se for
tempo de advento e natal, quaresma e páscoa, a liturgia orienta que não se mudem as leituras porque
são tempos fortes da vida de Jesus Cristo, centro de toda celebração cristã. Os diversos ministérios
farão as leituras e a reflexão juntos da seguinte forma:
A) Inicie as leituras a partir do Evangelho, luz que ajudará a entender a primeira leitura e o
Salmo;
B) Após a proclamação das leituras (é bom que cada um acompanhe o texto em sua Bíblia),
deve-se abrir espaço para a reflexão dos textos. Se o grupo for composto por mais de dez
elementos, é aconselhável subdividi-lo para a reflexão;
C) Feita a reflexão e após chegar a uma conclusão do que Deus quer falar à comunidade
negra, é hora de cada ministério reunir-se separadamente, a fim de descobrir uma forma de,
através de boa leitura, bom som, instrumentos, cânticos, danças, decoração, passar para a
assembléia litúrgica o conteúdo da mensagem bíblica. Desta forma, quem primeiro experimen-
ta e medita a Palavra são os agentes para, depois, passarem à assembléia. Tudo na celebração
tem seu centro no mistério pascal expresso na Palavra e na Eucaristia.
103
2. RITOS INICIAIS
2.1. Após uma calorosa recepção na porta da igreja, o (a) comentarista acolhe os(as) participantes de
modo geral e situa a assembléia no sentido da celebração. O ideal é que tudo seja feito de forma
espontânea, isto é, sem precisar ler;
2.2. Em seguida vem a procissão de entrada. Na frente de tudo, o Cristo crucificado, acompanhado
de incenso. Logo atrás da cruz processional, sugere-se colocar os santos, as santas e os heróis que
deram suas vidas pela causa do povo negro;
2.3. É bom que os ritos de entrada, do ato penitencial e do hino de louvor sejam acompanhados de
dança, com gestos que lembrem a história da comunidade negra e as leituras do dia. Exemplos: movi-
mentos referentes à mineração, corte de cana, mãe-de-leite, acalentos de criança, plantio, enfim ex-
pressões que lembrem toda a luta do povo negro. Nenhum gesto pode ser por acaso.
3. LITURGIA DA PALAVRA
3.1. Temos feito bonitas danças e gestos simbólicos para acolher a Palavra de Deus no momento da
primeira leitura. É preciso lembrar que, se para primeira leitura foi feito algo bonito, na aclamação ao
Evangelho é preciso fazer algo mais bonito ainda, porque é nosso rei Jesus quem vai falar. Por isso
todos ficam de pé, levam-se incenso, velas acesas, pétalas de flor e dança-se com o evangeliário;
3.2. Partilha-se a Palavra por alguns minutos. É importante deixar os mais velhos falarem. Na cultura
africana, o idoso possui a sabedoria da vida;
4. LITURGIA EUCARÍSTICA
4.1. É necessário que o ministério de música crie melodias em estilo afro-brasileiro para as partes fixas
da missa, especialmente às respostas da oração eucarística;
4.2. É comum em nossas celebrações afro-brasileiras, comidas típicas e frutas, acompanharem o pão
104
e o vinho. São frutos da terra e do trabalho do homem e da mulher. Após a comunhão eucarística,
ou, melhor ainda, depois da bênção final, a festa da eucaristia continua com a distribuição dos
alimentos.
4.3. A lembrança dos ancestrais é muito importante para a nossa cultura. Cremos que os falecidos
participam conosco da celebração. Para ressaltar essa presença e valorizar a ancestralidade, é
possível, dentro da oração eucarística, quando os falecidos são lembrados, deixar que membros
da comunidade digam o nome de alguns deles. Ao lembrar dos entes queridos e mártires negros,
cada pessoa acende uma vela no candelabro do altar ou no Círio Pascal, cravando-a em um
recipiente com terra previamente preparado. Acontecerá um clima de profundo silêncio e oração.
5. RITOS FINAIS
5.1. Ressaltar a presença de Maria (Negra Mariama) através de canto e dança com a imagem de
Nossa Senhora Aparecida;
5.2. Bênção final geral e, se possível, “bênção individual”, através de imposição das mãos sobre a
cabeça dos que desejarem;
5.3. Momento de confraternização (kizomba), partilha dos alimentos. Não esqueçam os sacos de
lixo, pois, ao contrário, o povo, por falta de opção, jogará as sobras no chão, o que será uma
péssima imagem para as celebrações afro e para a comunidade negra.
105
5. COMO CONSTRUIR O ATABAQUE
Para se fazer o atabaque é fundamental conhecer a arte de construí-lo, os ofícios de
carpinteiro e ser um bom artesão, além de saber lidar com o couro.
Daremos dois exemplos: o primeiro, do atabaque artesanal, feito com pedaços de madeira
encaixados
126
. É o mais comum, normalmente visto nos grupos de capoeira e candomblés. Leva
aproximadamente dois dias para ficar pronto. O segundo, escavado a fogo, feito com um só tron-
co, é mais parecido com o modelo tradicional africano e utilizado na dança “tambor de crioula”,
no Maranhão.
127
Primeiro exemplo: ( O atabaque artesanal)
1. Toma-se uma tábua de madeira bruta do tamanho desejado. A mais utilizada é a de pinho
(araucaria angustifolia);
2. Com o auxílio de uma serra modelo “tico-tico” transforma-se a tábua em lâmina;
126
Mestre LUA, O atabaque, Iê, capoeira, 1 (3): 10-13.
127
Cf. Sérgio FERRETTI e outros, Tambor de crioula, Ministério da Educação e Cultura, pp. 11-4.
106
3. A tábua precisa ser serrada com o declive certo para que as lâminas se encaixem;
4. Depois de todas as lâminas serem encaixadas de forma circular, coloca-se um arco de barril
na boca inferior, parte mais estreita do instrumento e local da saída do som;
5. Em seguida, coloca-se fogo dentro de um recipiente de ferro e o mesmo é colocado no interior
do atabaque a fim de amolecer a madeira;
107
6. Juntam-se as lâminas para que se encaixem bem (abraço de tamanduá) e coloca-se outro arco de
barril ao meio que serve para segurar as cordas e os pedaços de madeira (cunhas). O terceiro arco
é colocado juntamente com certos tipos de cipó, na boca superior (prato), local onde as cordas são
presas e o couro é esticado. As cordas utilizadas são de algodão (Hibiscus Furcellatus Der), sisal e
agave (família das amaralidáceas).
7. Coloca-se o couro. O couro requer grande preparação artesanal e normalmente é de gado caprino,
raramente bovino; unta-se bem o couro;
8. Colocam-se cunhas e cordas para esticar o couro. O atabaque está pronto para ser tocado.
108
Segundo exemplo: (O atabaque escavado a fogo)
1. Localiza-se o tronco de madeira apropriado que normalmente é o mangue, soró, pau-d’arco,
angelim ou faveira;
2. Trabalha-se o tronco exteriormente com plainas, deixando a parte superior maior que a inferi-
or;
3. Escava-se o tronco com o auxílio de fogo e ferros de carpinteiro;
4. Coloca-se o couro na extremidade mais larga do tambor (couro de boi, veado, cavalo ou
tamanduá);
5. Fazem-se furos ao redor do couro colocando-o na “boca” mais larga do tronco;
6. Colocam-se cravelhas nos furos feitos e passa-se uma correia para dar sustentação ao couro;
7. Depois de encourado derrama-se azeite no couro, expondo-o ao sol para amaciar;
8. O tocador deixa o tambor perto de uma fogueira até atingir a afinação desejada
128
.
128
Cf. Sérgio FERRETTI e outros, Tambor de crioula, Ministério da Educação e Cultura, p.13.
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