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UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
A FILOSOFIA NA RATIO
STUDIORUM
ADILSON ROBERTO CORRER
Piracicaba – SP
2006
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A FILOSOFIA NA RATIO
STUDIORUM
ADILSON ROBERTO CORRER
Orientador: Prof. Dr. JOSÉ MARIA DE PAIVA
Dissertação apresentada à banca
Examinadora do Programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade
Metodista de Piracicaba, como exigência
parcial para obtenção do grau de Mestre em
Educação.
Piracicaba – SP
2006
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BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. José Maria de Paiva (Orientador)
Prof. Dr. Célio Juvenal Costa UEM
Prof. Dr. Edivaldo José Bortoleto UNIMEP
Prof. Dr. Elias Boaventura UNIMEP
DEDICATÓRIA
A meus pais Antonio e Ermelinda Correr, que no desejo e amor lançaram-me ao
mundo e, com humilde e paciência secular aturaram-me nesse período de crescimento
intelectual.
Ao meu avô Roberto Maria Correr, com quem aprendi o valor, a extensão e o peso do
respeito das raízes e tradição familiar. Labor e sapiência que caminharam juntos na
vida (In memoriam).
AGRADECIMENTOS
Ao professor José Maria de Paiva, por ter-me aceitado, por ter acreditado em mim, por ter-
me iniciado num sólido caminho de pesquisador, pelo apoio incondicional e carinhoso,
como aquele que recebemos dos pais, exemplo de magister e philos;
À professora Maria Luiza Bissoto, por sua amizade ítala, sua sapiência no dialogo cientifico
e nos ensinamentos da revisão bibliográfica;
Ao professor Silvio Gallo, pela participação docente na graduação em Filosofia e pelo
encaminhamento nos estudos em grau de pós-graduação;
Aos professores da pós-graduação Bruno, Fontanella, Waldemar, Hugo, Cleiton, Julio,
Elias, Gebara, que nas mais variadas formas da sapiência, trouxeram um novo universo ao
singular universo de ser “tabula rasa”;
A bacharela em Direito Juliana Rizzo, pela determinação em viver a vida na sua plenitude
de escolhas e fortaleza nas conseqüências dessas escolhas, primeiro incentivo à busca da
continuidade de grau maior de ensino;
A classe metalúrgica, nas pessoas de Nilson, Ademir, Edison “Dinho”, Ronaldo, Valmir,
Paulo, José Torricelli,..., pelo incentivo no esforço de “mudar de casta” e no incentivo de
vencer, em “G zero”, os atrasos de estudo e pesquisa dessa escolha, em “três triângulos”;
Ao Ms. Eduardo Luís Leite Ferraz, amigo de classe, pela atenção e pronto atendimento,
pela pronta ajuda, pelo apoio a minha capacitação, uma segunda orientação no caminhar
da pós-graduação e para a vida docente;
Aos amigos do núcleo, Adriana, Wagner, Sady, Janaína, Rudnei, Manoel, pela partilha das
interpretações quinhentistas;
À minhas irmãs Rosangela e Rosemeire, pela inefável confiança, amizade e torcida por
seguir caminhos novos;
A meu Tio-avô Mario Correr, pela sapiência ancilar, nos dois sentidos da palavra, que me
resgatou à vida religiosa, o respeito da tradição, o estudo acadêmico e o exemplo de lutar
pelo que se acredita;
À tradição familiar, nas pessoas de Tarcisio Correr, Maria Terezinha Elias Negri, Rosalia
Forti, Clotilde e Fidelis Degasperi, Nilo Virgilio Cristofoletti, Agenor José Stênico, com quem
aprendi nas mais variadas formas da linguagem a diversidade dos caminhos da sapiência
intelectual acadêmica e cotidiana;
Aos Padres Gabriel, Lino, Lourenço e Marcelino Correr, Irmão Benjamim Correr e a freira
Irmã Germana Correr, ícones na fraternidade cristã e ícones na fraternidade intelectual;
Aos meus pais, à minha família e a todos os amigos que torcem por mim, que me
acompanharam nessa trajetória até hoje e continuarão sendo participantes dessas
“circunstâncias” da formação desse ser “Eu mais minhas circunstâncias”, impossível de
esquecê-los, eternos agradecimentos, mas impossível de enunciá-los, letera per letera;
Ao CNPq, pelo apoio financeiro, sem o qual, tornar-se-ia talvez, inviável esse projeto
acadêmico.
O presente trabalho foi realizado com o apoio do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – CNPq – Brasil.
RESUMO
Este estudo consiste numa pesquisa da disciplina Filosofia no plano pedagógico da
Companhia de Jesus, a Ratio Studiorum, ensinada no inicio da formação educacional da
cultura colonial brasileira, bem como em todo contexto do século XVI, e com traços de
influências ainda na atualidade. O objetivo é, através das interpretações, analisar a
organização social, a forma social de ser, dessa época, suas dinâmicas de expressão e
resposta de vivências. Através de um estudo das regras de formação e ensino das disciplinas
do Curso de Filosofia; da constituição do programa pedagógico jesuítico; e das
trans(formações) no contexto dominante quinhentista.
Contexto que marcava inumeráveis mudanças sociais, palco das grandes expressões
de fricção, atrito, ajuste, harmonia dessas mudanças, entre “o velho e o novo” modo-de-ser na
sociedade quinhentista, fortemente influenciantes em épocas posteriores.
A Filosofia em questão era fruto de uma época distinta da atual e participava no
programa pedagógico da Ratio, em que se expressava uma visão de mundo, dominante, ao
fator da religiosidade na formação social do século XVI, com suas referências à teoria Medieval
do ORBIS CHRISTIANUS, e do desenvolvimento da racionalização da vida com as
efervescentes novidades que se apresentavam nesse período. Uma Filosofia atuante como
instrumento e funcionalidade à conservação/atualização do modo de ser social vigente.
Palavras-Chave: Cultura Quinhentista – Educação –- Filosofia – História Cultural –- Ratio
Studiorum – Racionalidade.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
I.1 - Dos objetivos e da Justificativa............................................................10
I.2 -
Da Metodologia....................................................................................14
CAPITULO 1
1-
Contexto Histórico................................................................................18
1.1 - A Religiosidade do Mundo Quinhentista...............................................21
1.1.1 - A Harmonia da Visão de Mundo Quinhentista......................................24
1.2 -
A Hierarquia..........................................................................................26
1.3 -
O Comércio e a Racionalização da Vida..............................................30
1.3.1 -
Individualismo.......................................................................................34
CAPITULO 2
2-
A Ratio Studiorum................................................................................38
2.1 - A
Companhia de Jesus........................................................................38
2.2 - A Origem da Ratio................................................................................42
2.3 -
Formação da Ratio...............................................................................46
2.3.1 -
Os Cursos da Ratio..............................................................................48
2.3.2 -
O Curso de Humanidades....................................................................49
2.3.3
-
O Curso de Filosofia.............................................................................51
2.3.4 - O Curso de Teologia.............................................................................54
2.4 - A Metodologia.......................................................................................57
2.4.1 - O Estudo Privado..................................................................................58
2.4.2 - Das Aulas..............................................................................................59
2.4.3 - As Repetições.......................................................................................61
2.4.4 - As Disputas...........................................................................................62
2.4.5 - As Academias.......................................................................................63
CAPITULO 3
3 - As Disciplinas na Filosofia....................................................................66
3.1 - Professores de Filosofia.......................................................................80
3.2 - As Aulas de Filosofia............................................................................84
CONSIDERAÇÕES FINAIS
.......................................................................86
BIBLIOGRAFIA
............................................................................................89
INTRODUÇÃO
I.1 – Dos objetivos e da Justificativa
Este trabalho de pesquisa tem por objetivo investigar a disciplina Filosofia no plano
pedagógico da Companhia de Jesus, a Ratio
1
Studiorum. A Ratio Studiorum - aqui estudada
em sua primeira edição, de 1599 - constituía-se do conjunto de diretrizes didático-pedagógicas
e método de ensino da Companhia de Jesus. Essa ordem religiosa, surgida no século XVI, se
caracterizou como uma frente missionária ligada ao catolicismo, à época religião dominante no
continente europeu. A Companhia de Jesus chegou ao Brasil em 1549, juntamente com o
primeiro governador geral, Tomé de Souza.
A Ratio Studiorum foi, assim, a primeira pedagogia aqui utilizada; num currículo que
abrangia principalmente a Gramática, a Filosofia e a Teologia. Observe-se que à Ratio
Studiorum está subjacente uma concepção filosófica ligada a um contexto mais amplo: o da
cultura européia à época, denominada quinhentista (1500 – 1599). Enquanto um corpo de
conhecimentos fortemente identificado com essa base cultural, a Ratio mostrou-se um
elemento de marcante influência dessa forma-de-ser-européia, na forma de pensar e agir que
aqui se instalou.
A opção pelo estudo do curso de Filosofia, dentro da Ratio Studiorum, justifica-se pela
inquietação, de anos anteriores (1990 – 1996), época de elaboração da atual LDB, quando
participamos, enquanto estudante de graduação, de discussões de fóruns acadêmicos que
questionavam quais deveriam ser os parâmetros para a “reintrodução” do ensino da Filosofia
no ensino médio. Desde sua tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado, viviam-se,
em diferentes ambientes acadêmicos, discussões, debates, e encontros sobre a vinda dessa
mudança e os caminhos de ações para o ensino da Filosofia. Nessas discussões, uma das
questões centrais era: que Filosofia ensinar?
Considerando-se a trajetória histórica do ensino de Filosofia no Brasil, dos tempos da
colonização até a década de 1970, passando por várias políticas educacionais diferentes, as
quais enfatizaram em maior ou menor grau o ensino da Filosofia, constata-se a base do
ensinar a Filosofia nos moldes da Ratio (K. BORTOLOTI, 2004).
Essa base didático-pedagógica não se mostrou uniforme em relação aos seus
preceitos originais: a Ratio modificou-se, atualizou-se; mas características fundantes, como o
uso dos compêndios, da propedêutica e o viés aristotélico-tomista de compreensão e
explicação do mundo, permaneceram.
1
Há divergências entre autores quanto o gênero da palavra. Uns usam com referência a língua latina, em
que a palavra é feminina; e outros fazem referência à tradução masculina: plano, código, programa. As
duas são aceitas nos estudos acadêmicos. Na dissertação foi trabalhado no gênero feminino.
Tendo em vista, então, a influência que a pedagogia da Ratio Studiorum exerceu na
formação da cultura brasileira, a sua relevância histórica no ensino da Filosofia no Brasil e
também, considerando-se que as discussões sobre esse ensino não se encerraram, havendo
ainda amplo espaço – e necessidade - para debatê-lo, faz-se oportuno o objetivo aqui proposto
de estudar o curso de Filosofia presente na Ratio Studiorum, de 1599.
Pretende-se esclarecer a importância que a Ratio Studiorum teve enquanto esteio do
ensino de Filosofia no Brasil, perscrutá-la, de forma mais abrangente, como elemento partícipe
da formação da cultura brasileira, olhada em seu conjunto e contexto espaço-temporal mais
estendido. Parte-se do pressuposto que a Ratio compunha toda uma resposta de vivência às
circunstâncias da época quinhentista, como a política, a filosófica, a religiosa, a econômica,
entre outras. Extrapolando o contexto colonial brasileiro, bem como aquele de outras
possessões portuguesas.
Acredita-se, ainda, que esse estudo contribuirá para manter presente a reflexão sobre
a pergunta anteriormente exposta: que Filosofia ensinar? E, mais profundamente, por que
ensiná-la?
Em relação ao ensino de Filosofia no Brasil, observa-se que este está contemplado na
última reformulação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em que se enuncia o
retorno da disciplina Filosofia na grade curricular do ensino médio: “Domínio dos
conhecimentos de Filosofia e de Sociologia necessários ao exercício da cidadania”(Lei
9394/96, no art. 36, § 1º, diretriz III).
Desde 1994, entretanto, uma resolução da Secretaria Estadual de Educação do Estado
de São Paulo, já determinava que as escolas devessem anexar aos seus currículos no mínimo
duas destas três disciplinas: Filosofia, Sociologia e Psicologia. Era um dos primeiros passos
para a reintegração da disciplina Filosofia na obrigatoriedade da grade curricular de ensino,
perdida desde a reforma do ensino nos anos setenta, por meio da Lei 5.692/71.
Nos debates, dentre as reivindicações pelo retorno da Filosofia, vivia-se o
questionamento da criticidade desse retorno.
Na questão do que ensinar, no retorno da disciplina Filosofia, Benedito Nunes (1986)
identificava, no ensino brasileiro, a Filosofia como resultante da síntese escolástico-tomista e
transmitida sob a forma de manuais, em geral representando uma súmula dos tratados
curriculares do ensino filosófico nos seminários ou estabelecimentos destinados à preparação
de sacerdotes católicos:
Antes de seu alijamento, a filosofia era lecionada nas classes
terminais do “clássico” e do “científico”, como indispensável
complementação, no plano reflexivo e crítico, dos estudos das
disciplinas científicas e humanísticas, e, nesse sentido, operava como
preparação intelectual do acesso à universidade (...) talvez fossem os
programas então vigentes demasiadamente ambiciosos pela
extensão e pelo caráter enciclopédico – iam da psicologia à história
da filosofia – que lhes restringiam o teor reflexivo-crítico, como
estimulante para o pensamento do aluno, numa época em que, por
circunstâncias oriundas de nossa própria formação histórica, que não
cabe aqui levantar, a filosofia era identificada com a síntese
escolástica-tomista e transmitida sob a forma de manuais, em geral,
representando uma súmula dos tratados componentes do ensino
filosófico nos seminários ou estabelecimentos destinados à
preparação de sacerdotes católicos (NUNES, 1986, p. 119-120).
Maria Célia Simon (1986) apontou a Filosofia ensinada como marcada pela ausência
de raízes culturais, alheia ao contexto histórico da realidade do país. Uma produção que se
limitava a explicitar e a contar a historia da Filosofia produzida na Europa:
Ensinou-se quase sempre no Brasil, nas escolas de nível médio, uma
filosofia marcada pela ausência de raízes culturais, alheia às
condições sociais e ao contexto histórico da realidade do país. Aliás,
esse ensino nada mais era do que um reflexo do que se fazia no
Brasil em termos de filosofia (mas não só em filosofia). Uma produção
que se limitava a explicitar e a contar a história da filosofia produzida
na Europa ou que, otimisticamente, chegava a uma reflexão sobre as
grandes questões colocadas pelos filósofos europeus, sem,
entretanto, confrontá-los com o contexto histórico brasileiro (SIMON,
1986, p. 14).
Muito dos debates presentes nas discussões sobre a reintrodução do ensino de
Filosofia nas escolas, à época da atual LDB, giravam em torno de propostas de ensino que
respondessem às circunstâncias existenciais atuais, alternadas com o descarte de enfoques
históricos tidos como “ultrapassados” e com a defesa de novas propostas, proporcionadas pela
diversidade de posições teóricas na contemporaneidade. A importância não estava, em geral,
no conhecimento e discussão do ensino da Filosofia, mas em análises de novas propostas que
se apresentavam. Pouco, porém, mencionava-se, nessas discussões, a Filosofia da Ratio
Studiorum. Considerada “anacrônica”, para ser tomada como base atual no ensino de Filosofia,
a historicidade da Ratio foi descartada. Argumenta-se aqui, contudo, que o “espírito” (Zeitgeist)
2
da Ratio penetrou profundamente na cultura acadêmica brasileira, ainda hoje influenciando
nossa formação cultural
3
. Como então descartá-la?
Não se trata de defender o retorno da pedagogia da Ratio no ensino de Filosofia,
tampouco a pesquisa feita é uma ode a Ratio, muito menos é uma análise da “aplicação” dessa
no ensino de Filosofia, que se fez aqui no Brasil. É, mais fenomenologicamente, uma tentativa
de interpretar a sua importância e o seu impacto nas raízes do pensamento cultural e
educacional brasileiro. Conhecer as origens da Ratio, o desenvolvimento dos valores nela
2
Zeitgeist é um substantivo composto alemão. Zeit quer dizer tempo. Geist quer dizer espírito. Zeit +
Geist = espírito do tempo, espírito da época. O sentimento de uma época, o pensamento de um momento
histórico.
3
Vide, como exemplo, os sistemas de avaliações escolares que têm como referência notas de 0 – 10 e os
atuais modelos de defesa de dissertações e teses (L. FRANCA, 1952).
cultivados, das questões aí discutidas e as raízes que persistiram, atuando em nosso
“comportamento”, na área filosófica.
I.2 – Da Metodologia
A vida humana é dinâmica, as suas relações são compostas de mudanças, sua história
é processo e, por isso, movimento. Essa dinâmica das relações transcorre na e através da
linguagem, da vida simbólico-cultural.
Essa forma de conceber a vida como processo histórico vai contra a idéia, talvez mais
academicamente sedimentada, de conceber a história pela reificação da sua estrutura,
reforçando um viés de concebê-la como uma seqüência linear de fatos ou uma série
progressiva de relações causa-efeito.
Pode-se dizer que a primeira perspectiva, acima exposta, representa a definição e a
forma de pesquisar da História Cultural, utilizada nesta dissertação.
É possível identificar como um dos primeiros historiadores a usar o termo História
Cultural o italiano Carlo Ginzburg, em seu livro “O Queijo e os Vermes”, primeiramente
publicado em 1976. Nessa obra, Ginzburg atualizava pressupostos teóricos quanto a uma
“nova forma” de se “fazer” História, que vinha ganhando corpo desde a década de 1920, sob o
nome de História das Mentalidades. Nessa obra Ginzburg começa a trabalhar o conceito de
cultura, definindo-a como "o conjunto de atitudes, crenças, códigos de comportamento próprios
das classes subalternas em um certo período histórico". (GINZBURG, 1986, p. 16).
De acordo com K. Bellotti (2004, p.02) a História Cultural surge como “(...) crítica à
História Social marxista dos anos 60, à História tradicional da idéias (‘desencarnada’ dos seres
humanos e das relações sociais) e à tendência dos Annales de História(...)”. Já para L. Hunt
(1992) a História Cultural considera a construção do passado marcada a partir das
interpretações contidas nas fontes e documentos, assumindo a importância da narratividade na
historicização dos acontecimentos. Reconhecer o papel ativo da linguagem, dos textos e das
estruturas narrativas na criação e descrição da realidade histórica.
A perspectiva da História Cultural tem como teóricos de referência historiadores dos
mais diversos períodos da contemporaneidade, como J. Huizinga (1872 – 1945), um dos
precursores dessa visão da História, que mesmo não utilizando essa nomenclatura, trabalhou
com concepções teóricas atualmente identificadas como próprias à História Cultural e, mais
recentemente, M. de Certeau, (1925-1986), C. Ginzburg, R. Chartier, L. Hunt, dentre outros. No
Brasil encontramos teóricos de referência nos Estudos culturais, tais como J. A. Hansen, R.
Vainfas, J. M. Paiva, entre outros que, embora por caminhos diversos, trabalham a pesquisa
histórica concebendo-a como construída a partir de práticas sociais concretas, e diferenciadas,
colocando as possibilidades de pluralidade de leituras.
No contexto da História Cultural essa concepção está sintetizada no conceito de
representação; que é assim apresentado por Pesavento:
(...) estudar as representações que se constroem sobre o mundo, em
todas as décadas; em entender o imaginário como um sistema de
idéias e imagens de representação coletiva que atribuem significado
às coisas; em discutir o caráter da escrita da História, introduzindo a
ficção e a verossimilhança frente às reivindicações de veracidade da
disciplina; em trabalhar com a fabricação da memória e do
esquecimento, como formas de presentificar ausências; em estudar
não só a produção e a escrita como a leitura e a recepção dos textos,
passando também a analisar a fabricação, os significados e o
consumo das imagens através da história; em resgatar no tempo as
sensibilidades, as razões e as sociabilidades que pautaram a conduta
e a percepção dos homens do passado; em entender como são
produzidas estas comunidades imaginarias de sentido que constroem
pertencimentos, delimitando o in e o out, a identidade e a alteridade,
a inclusão e a exclusão; em analisar como são fabricados os recortes
de gênero, étnicos, de cor ou etários, e como os integrantes desses
grupos se manifestam e agem, construindo valores e estratégias; em
entender, finalmente, que a história se expressa e pode ser buscada
na gestualidade e teatralidade do corpo, na encenação dos gestos
que se justõem à fala e ao som, na expressão gráfica, pictórica ou do
espaço construído, que chega a fazer falar a pedra (PESAVENTO,
2003, p. 7-8).
Ainda no âmbito do conceito de representação, a historicidade é
concebida como existindo na relação dos indivíduos e suas circunstâncias,
sendo importante buscar o resgate do papel dos indivíduos nas relações
sociais; sem que se perca de vista a problemática da identificação das
estruturas (ex: o modo de ser religioso, jurídico, econômico, quinhentistas). As
representações têm uma dimensão política e social, e ligam-se, como
expressão e como campo de ação, aos conflitos que estão postos na
sociedade.
Por meio das representações, os grupos sociais atribuem-se uma identidade,
estabelecem suas divisões, legitimam seu poder e concebem modelos para a conduta de seus
membros. As representações são elementos de transformação da sociedade e de atribuição de
sentido ao mundo.
A História Cultural preocupa-se com a formação dos contextos histórico-sociais, antes
do que com períodos estanques de tempo. Contextos e circunstâncias que demonstram o
constante movimento e pontos de vistas que fazem do saber histórico um saber puramente
potencial. Entendendo-se, como J. Huizinga (1992), que na lógica aristotélica, potência refere-
se à aptidão de tornar-se alguma coisa (implícita na essência), em ato, em estado de ser
(existência), numa transformação constante e infinita de vir-a-ser; concebe-se, desta forma, a
pesquisa da História Cultural como um processo de amadurecimento, o qual não induz a um
fim. É buscar trabalhar o passado (que não existe mais), no nosso presente, é trabalhar a
memória de nossa realidade social.
Metodologicamente pretendeu-se aqui, de acordo com essas considerações, pesquisar
as marcas existentes nos fatos, muito além do espaço histórico fixado em datas. Buscar
indícios capazes de retratar as representações sociais, libertando-nos do pensamento de que
os fatos históricos estão presos em determinados períodos/eventos; entendendo-os como
processuais.
A forma do pesquisar da História Cultural mostrou-se, em nosso entender, a melhor
maneira de estudar as regras da Filosofia na Ratio, como representação das relações sociais
do contexto quinhentista. Tentar identificar na Ratio Studiorum as relações culturais, a
reconfiguração dos valores, os (novos) significados de mundo emergentes, enfim, os esforços
nela espelhados de uma cultura dominante em seu movimento de alterar-se e transformar-se,
para manter-se enquanto status quo.
Quanto à estruturação desta dissertação; no primeiro capítulo apresentamos o contexto
histórico-cultural quinhentista português, representado nas categorias de religiosidade,
hierarquia, comércio e racionalidade nas formas-de-ser. Esse capítulo se constitui numa
preparação para o entendimento da formação do curso de Filosofia na Ratio, bem como seus
desdobramentos no contexto da sociedade quinhentista.
O segundo capitulo se assentou sobre o estudo do plano pedagógico jesuítico, a Ratio
Studiorum, utilizando essa como fonte primária, abarcando sua origem, pressupostos e bases
teóricas, divisão, regras, método de ensino, método de estudo, possibilitando demonstrar o
direcionamento da instrumentalidade e funcionalidade do curso de Filosofia na Ratio.
No terceiro capitulo aborda-se o estudo das regras referentes ao ensino de Filosofia na
Ratio, numa forma tríplice de exposição: seu processo de (e)laboração, sua sedimentação
como código pedagógico e sua influência enquanto fundamentação metodológico-educacional.
CAPITULO 1
1 –
Contexto Histórico
Para entender a Filosofia na Ratio Studiorum é preciso entender a grade cultural, o
tempo histórico em que se inseria e respondia; entender a vida social da época em que foi
elaborada. A vivência das experiências sociais de sua época que proporcionaram pensar, agir
e educar de uma determinada forma. Além de um fato histórico, ela se apresenta como signo
para a interpretação do movimento da vivência humana.
Buscar a compreensão daquela realidade, daquele entendimento de mundo, através
dos comportamentos, costumes, hábitos, valores, ordem social, rituais, gestos, palavras, trajes,
dentre outros, que possam demonstrar as formas de ação, de laboração da existência, no
momento histórico pesquisado.
Essa busca demonstra um cuidado, de antemão, da pesquisa histórica. Tratar da
disciplina Filosofia na Ratio Studiorum, de 1599, bem como de qualquer área em um período
denominado passado, requer a atenção do pesquisador na busca das possibilidades de
interpretação e suas relações, de formação, ação e conexão, que possibilitem identificar e dar
significado às experiências passadas. O passado, próprio de sua etimologia, não existe mais,
colocando-nos diante de uma “aventura” do conhecimento de tentar capturar os sentimentos,
as lógicas humanas de outros tempos. De tentar “capturar vidas”:
La Historia es la interpretación del sentido que el pasado tiene para
nosostros. Y este carácter lleva ya implícita una orientación
morfológica. Para poder comprender un fragmento del pasado
reflejado en el aspecto de la propia cultura, la historia tiene que
esforzarse siempre y dondequiera en ver las formas y las funciones
de aquel pasado. La historia se expresa siempre en conceptos de
forma y de función (HUIZINGA, 1992, p.59).
Compreender o contexto de época é estar atento aos diversos aspectos que os
registros, os documentos, os autores, possibilitam interpretar e, principalmente, articular e
entender. Trata-se de buscar indícios, sinais que auxiliem na montagem e no entendimento
desse plano e objeto histórico pesquisado. Entendendo que o contexto histórico de qualquer
cultura não é homogêneo, nem uniforme. Ele possui o movimento da diversidade de fatores da
construção social que agem em si e entre si nas relações de vivência. Através da história
cultural, se torna impossível imaginar uma convivência absolutamente tranqüila e carente de
conflitos. Há fatores que se apresentam dominantes, mas que coexistem com os demais.
Impossível pesquisá-los isolados e como únicos diferenciais da formação histórica da época,
como numa visão linear e progressiva de fatos históricos. É preciso interpretar, relacionar as
vivências passadas. Trazer presente, recompor.
A recomposição, segundo Paiva (1982), é uma espécie de ação organizativa, realizada
no presente e trabalhada na busca das melhores relações à originalidade dos indícios
passados. Tendo o cuidado de pesquisar sem as influências das estruturas de pensamentos
atuais:
A tarefa primeira do historiador, como o etnólogo, é, portanto,
reencontrar essas representações antigas, na sua irredutível
especificidade, isto é, sem as envolver em categorias anacrônicas
nem as medir pelos padrões da utensilagem mental do século XX,
entendida implicitamente como o resultado necessário de um
progresso contínuo (CHARTIER, 1988, p. 37).
O historiador, como outros indivíduos, pertence e responde à sua própria época;
precisa desenvolver o cuidado de não universalizar a sua experiência contemporânea,
tornando-a válida para todos os tempos e culturas; como produto do seu tempo vivido. Não é
ao século XVI que o historiador tenta responder, mas sim – através da pesquisa histórica – ao
presente, que pede explicação. Carr (1985) expõe uma dimensão da forma do pensar do
pesquisador histórico: a necessidade do estar atento às possibilidades passadas nas suas
relações contínuas e cambiantes, entre si, e com o período presente. Presente como “vivências
do passado, em passagem”:
O historiador nada mais é do que um figurante caminhando com
dificuldade no meio da procissão. E à medida que a procissão
serpenteia, desviando-se ora para a direita e ora para a esquerda,
algumas vezes dobrando-se sobre si mesma, as posições relativas
das diferentes partes da procissão estão constantemente mudando,
de maneira que pode perfeitamente fazer sentido coerente dizer, por
exemplo, que nós estamos mais próximos hoje da Idade Média do
que nossos bisavôs estavam cem anos atrás ou que a época de
César está mais próxima de nós do que a época de Dante. Novas
perspectivas, novos ângulos de visão constantemente aparecem à
medida que a procissão – e o historiador com ela - se desloca. O
historiador é parte da história (CARR, 1985, p. 35).
O historiador traz, em seu presente, as possibilidades de construção das interpretações
das ações e vivências passadas, captando as mais variadas formas de expressão humana,
assim como modos diferentes de relação com o mundo. O desejo de chegar àquelas formas
pelas quais a humanidade expressou-se a si mesmo e o mundo; numa almejada – mas
impossível de ser alcançada -, sincronia histórica
4
.
4
A sincronia como a prática da sensibilidade, nos meandros da história, de buscar os indícios pertinentes
à explicação do objeto escolhido, permitindo relacioná-lo a outros aspectos da sua mesma cultura, isto é,
ao seu contexto, que o legitima e o justifica. (CARR, 1985)
A própria Ratio (1599) é um registro presente, enquanto signo do mundo quinhentista.
Toda sua estrutura e conteúdo demonstravam uma forma específica de ação e, ao mesmo
tempo, indicava as formas latentes dos motivos de sua constituição, de sua formação, para
aquele período histórico. Trata-se de um documento, uma fonte, que permite interpretar o
sentido da ação na sociedade de então, ou melhor, captar os principais pressupostos do
contexto do século XVI.
A representação quinhentista confere um dado sentido à prática social. Os Jesuítas,
homens daquele momento histórico, viveram e agiram segundo os cânones da vida de então.
Dinamizavam as coisas e viviam suas relações segundo os pressupostos daquela experiência
social. Como já se ressaltou isso não significa homogeneidade. Havia de fato uma diversidade
infindável de comportamentos e temperamentos sociais, mas isso não nega a existência de
referenciais comuns, aos quais se pode denominar cultura.
Essas representações constituem elementos de compreensão, de transformação da
sociedade e das atribuições que constróem os sentidos mentais que movimentam o mundo.
Movimento que pode ser identificado, no sentido etimológico, com aquele da Filosofia.
A Philia (φιλία) não possui o todo, não possui a total sabedoria, a totalidade da Sophia
(σοφία). Ela é possuidora de uma parte, de uma relação dessa parte com o todo. Essa relação
participa do estar sempre perto, do estar com, de possuir sem se completar. De estar sempre
na constância do “movimento para”, passado-presente-passado, na inter-pretação das
vivências de constituição e relacionamentos, com-texto. É esse movimento que tentamos
colocar em evidência nessa pesquisa, através da análise da disciplina Filosofia, na Ratio.
Na diversidade dos fatores de construção do contexto histórico quinhentista abordamos
aqueles que nos proporcionaram um entendimento da formação da Filosofia na Ratio
Studiorum. São esses: os que se referem à religiosidade, à hierarquia, ao comércio e à
racionalização da vida.
1.2 A Religiosidade do Mundo Quinhentista
Dentre todos os fatores de formação de uma sociedade, como aqueles econômicos,
jurídicos, educacionais etc., o período quinhentista tinha como fator dominante a vivência da
religiosidade, na sua forma de ser e de pensar. O mundo era religioso. A religiosidade cristã
estava presente, em diferentes níveis, nos mais diversos aspectos da vida social. Integrava
aquela vivência de um modo determinante, orientando as formas de agir e pensar. O modo de
agir, em tudo, estava relacionado ao divino. Em tudo era possível ver a presença de Deus: na
vitória na guerra, na falta de chuva para as plantações, nas perdas pelas doenças e epidemias,
na hierarquia social. Deus tomava parte de todas as coisas. Era Ele o grande sentido de toda a
realidade existente.
Celebrava-se um Deus presente e atuante, e relacionavam-se com Ele em todas as
práticas sociais, incluindo aquelas ligadas ao trabalho, ao lazer e às demandas da vida
cotidiana, e também através das práticas litúrgicas, constantes na vida de então: missas,
procissões, sacramentos, dias santos, dentre outras.
Trata-se aqui da vivência humana de laboração, da tradição cristã, no período histórico
denominado Medieval:
O pensamento social e político medieval é dominado pela
idéia da existência de uma ordem universal (cosmos),
abrangendo os homens e as coisas, que orientava todas
as criaturas para um objetivo último, que o pensamento
cristão identificava com o próprio Criador. Assim, tanto o
mundo físico como o mundo humano não eram
explicáveis sem a referência a esse fim que os
transcendia, a esse “telos”, a essa causa final (para
utilizar uma impressiva formulação da filosofia
aristotélica); o que os transforma apenas na face visível
de uma realidade mais global, cujo (re)conhecimento era
indispensável como fundamento de qualquer proposta
política (XAVIER & HESPANHA, 1993, p.122).
O mundo quinhentista mantinha forte a visão de mundo da religiosidade no agir e
pensar do homem do século XVI, num caminho feito de Deus em todas as suas extensões.
Entretanto, o século XVI já estava prenhe de uma realidade social marcada pelo comércio e
suas razões. A mentalidade se encontrava profundamente marcada pelo ideal de
racionalização do mundo – atitude que se inicia com a re-emergência da atividade mercantil a
partir dos séculos XI e XII.
As efervescências do conhecimento e do desenvolvimento humano apresentavam-se
em todas as esferas da sociedade quinhentista. Mas a religiosidade cristã permanece como
pressuposto essencial e dominante da mentalidade de então, mesmo com a elevada
disseminação e autonomia do conhecimento advinda das ciências da natureza. A racionalidade
científica se tornava parte integrante da experiência social quinhentista, imbricadamente à
racionalidade cristã.
Na visão de mundo dominante do século XVI a sociedade era algo criado por Deus,
tendo ele o primeiro lugar na hierarquia social. Dele provinha toda a realidade. Tudo, cada ser,
na mais simples atividades, tinha sua referência existencial ligada ao Divino: rei, clero, nobreza,
povo; cada qual, em sua posição social, vivia para e no serviço de Deus. Todos vivenciavam
cotidianamente a religiosidade nas práticas mais elementares da vida, sendo patente a
referência constante da criação ao Criador, como referido no livro do Gênesis: “E formou o
senhor Deus o homem do barro da Terra, e inspirou no seu rosto um sopro de vida; e o homem
tornou-se alma vivente (Gênesis, 2, 7)”.
Toda ação humana, toda a realidade social da época quinhentista era criação de Deus,
entendendo-se que Ele havia estabelecido essa forma de ser enquanto sociedade.
A religiosidade cristã expressa o ser humano como sublime criação divina, composto
de um corpo, feito de terra, participante da ordem natural, e de um “sopro”, pneuma, a “alma”,
participante da ordem sobrenatural.
Nos dois princípios, o natural e o anímico, confirmavam-se ao Homem o ser
integralmente animado com o princípio participante de Deus, Sua imagem e semelhança:
“Disse também Deus: façamos o homem à nossa imagem e semelhança, o qual presida aos
peixes do mar, às aves do céu, às bestas, e a todos os répteis, que se movem sobre a Terra, e
domine em toda a Terra (GENESIS, 1,26)”.
Sagrado é o homem por sua criação, e distinto das outras criações divinas através da
analogia entre Deus e Homem. A fundamentação do ser humano pressupõe a inteligência e a
vontade divina na sua criação. O ser humano se distingue dos demais seres através desse
pressuposto e o conduz na vivência do dia-a-dia a assumir, a aceitar essa semelhança divina,
essa parte do TODO.
Essas concepções teológicas fundamentam a teoria da vivência humana nesse
período, o Orbis Christianus, a teoria da Harmonização do viver quinhentista.
1.1.1
- A Harmonia da Visão de Mundo Quinhentista
Dentro do pensamento acima exposto, Harmonia era entendida tendo por referência a
ordem do Cosmos. Ordem que se aproximava ao entendimento de ajuste, no grego Αρµοηία
5
,
“viver em harmonia com”. Na religiosidade quinhentista presenciava-se o ajuste, em que a
ordem era a do viver de acordo com a sacralidade cristã, estabelecida nas e através das
relações humanas, acompanhando os dogmatismos religiosos; junto ao crescente incremento
da racionalização da vida.
O comportamento perfeito, harmônico, estava então no ajuste, na adaptação, das
relações das formas de vida na sociedade quinhentista a essa forma comum, religiosa, de
visão de mundo. É a vivência de uma forma de ser compartilhada no e pelo sagrado; em que o
ajustar-se representa a concepção de que toda ação ou movimento, individual ou coletivo,
racional ou irracional, com sua forma específica, tinha sua identificação ao ser divino.
Céu e terra estavam unidos e Deus estava presente na vida dos homens e de tudo. A
sua onipresença marcava essa visão. O mundo quinhentista não concebia uma divisão radical
entre céu e terra. O cosmos divino abrangia tudo, pessoas vivas e mortas, anjos, animais,
plantas, utensílios. Tudo estava em inter-relações; todas as partes do Cosmos faziam parte de
uma mesma realidade sagrada e era a partir dessa condição primeira que se relacionavam.
Em carta do Padre Rui Pereira aos padres e irmãos de Portugal, em 15 de setembro de
1560, demonstrava um exemplo dessa vivência da inter-relação do sagrado no mundo
5
Pressupondo a condicional, a condição de Αρµόζω,o ajustar, o adaptar.
quinhentista. Uma ação na percepção do Deus atuante, do Deus presente entre cada ação do
desenvolvimento social:
Por este Espírito Santo começou aqui; como ramo da peste, entre
estes Índios desta ygreja, que morrerão asy de grandes como de
pequenos em breve tempo até sesenta ou mais;(...) E posto que o
mais do tempo andávamos antre eles, quis nosso senhor que nunca
senos apegou a doença (LEITE, 1938/1950, T. III, p. 191).
Ver Deus em tudo não significava vê-lo fisicamente. Quer dizer que Deus participava
da ação humana e de todo o modo social de ser. Tudo o que se fazia era feito em nome de
Deus, onipotente de sua divindade. Cada ocupação, cada trabalho, possuía a marca de Deus e
era realizado em seu nome. O Rei D. João III deixava claro que o seu intento nas conquistas
portuguesas havia sido o acrescentamento da santa fé católica, deixando claro a presença e o
significado do religioso na vida de então:
Porque o principal intento, como sabeis, assim meu como d’El-Rei
meu senhor e padre, que santa glória haja, na empresa da Índia e em
todos as outras conquistas que eu tenho, e se sempre mantiveram
com tantos perigos e trabalhos e despesas, foi sempre o
acrescentamento de nossa santa fé católica, e por isso se sofre tudo
de tão boa vontade, eu sempre trabalhei por haver letrados e homens
de bem em todas as partes que senhoreio, que principalmente façam
este oficio, assim de pregação como de todo outro ensino necessário
aos que novamente se convertem à fé (LEITE, 1938/1950, t. I, p.
102).
Esse modo de ser religioso da ordem social era conservado na hierarquia de comando,
ou de governo, dessa sociedade; eram funções atribuídas ao Rei. A ordem social era Deus,
nada mais natural do que conservá-la nas suas características: nada mais natural do que
conservar as distinções sociais, sob o governo do Rei, como a cabeça da ordem/corpo social.
As atitudes humanas, de modo geral, eram realizadas conforme esse espírito de
conservação. O comércio, o governo, a administração, a justiça; tudo possuía esse sentido de
preservação da ordem social sagrada no mundo quinhentista.
Quanto a Filosofia da Ratio: ela refletirá, em sua organização, esse sentido religioso e
os ajustes de tal harmonia com a crescente racionalidade do modus operandi. Ela expressará
esse sentido de conservação e, também, de reformulação, de atualização.
1.2
A Hierarquia
6
6
Entendendo-se hierarquia, aqui, como posição na ordenação social, acompanhando a concepção
quinhentista de que essa ordenação tinha por princípio, essencialmente, religioso. A estreita relação do
homem com Deus, a autoridade, o divino, o sagrado (J.M.PAIVA, 1981).
O segundo pressuposto da construção do contexto histórico quinhentista é a hierarquia
das posições sociais, ou ainda, as distinções. Essas distinções são indícios de poder (Hieros),
entendidos aqui como partícipes da laboração da visão do todo divino, na importância do ser
como grupo e, também como fortalecedor da importância do ser em si, o ser na sua
individualidade. Vivências distintas na (trans)formação dos modos-de-ser vigentes.
Compreender que, na sociedade quinhentista todos atuavam para o serviço de Deus,
significa entender que as posições sociais não eram fragmentos desconexos, mas
completavam-se para a realização da Sua vontade.
Essa unidade social era identificada, nesse período, como a ordem da forma de ser de
cada parte na formação do todo, como na formação de um corpo orgânico: cabeça, corpo e
membros. Deus era a referência, aquele que conferia ordem e sentido à dinâmica, à razão de
ser social. Todos estavam unidos Nele e por Ele: “Assim nós, embora sejamos muitos,
formamos um só corpo em Cristo, e cada um de nós somos membros uns dos outros”
(Romanos, 12, 5).
Os marcos teológicos cristãos estruturavam as posições sociais. A ordem social como
hierarquia derivava da própria natureza das coisas. Essa era a mentalidade da época. Cada
ser era possuidor de sua particularidade, instrumentalidade e, por conseguinte, possuidor de
sua competência, sua funcionalidade na realização da grande unidade do cosmos divino, do
TODO.
O entendimento era de que tudo estava na “abrangência” da plenitude divina. Embora
trabalhassem em favor da totalidade dessa ordem social que os abrangia, cada um o fazia
desempenhando o oficio pertinente à sua posição social.
Pode-se encontrar nesse modo de articulação da vida social quinhentista dois fatores
importantes em relação à hierarquia: a Ordem e o Governo.
A ordem, no entender de J.M. Paiva (2003, p. 03): “Exemplifica a articulação das
partes, todas necessárias, todas fazendo o todo, sem que nenhuma delas possa ser
substituída por outra, o todo se realiza pela com-vivência de todas as partes.” Realização do
conceito de harmonia no mundo quinhentista.
Nesse conceito de ordem está subjacente a aceitação da participação no todo pela
atuação do modo de ser particular. É a subordinação, a subordem do ser em sua parte. Essa
forma de ser interage com o todo e é reconhecido como participante cooperativo da ordem
divina, ser atuante da organização original do universo e de seu lugar próprio nesse mesmo
universo.
A realidade da ordem, do corpo sacer, constituía-se na presença mesma
de diversas subordens, cada qual reflexo da própria totalidade. Na dinâmica
das relações, em si e entre si, nas diversas subordens com a ordem do todo,
há a subordinação. As prescrições da Ratio Studiorum, de um modo geral, vão
demonstrar a existência da autoridade e da subordinação, ou seja, da dinâmica
da subordinação.
A sociedade era parte dentro da totalidade sagrada e cósmica. Cada
grupo, distinções sociais, participava com sua parte, com o seu todo,
subordinado, reconhecido e aceito como parte essencial do TODO sagrado:
Por outro lado, a unidade dos objetivos da criação não
exigia que as funções de cada uma das partes do todo na
consecução desses objetivos fosse idêntica às outras.
Pelo contrário, o pensamento medieval sempre se
manteve firmemente agarrado à idéia de que cada parte
do todo cooperava de forma diferente na realização do
destino cósmico. Por outras palavras, a unidade da
criação era uma “unidade de ordenação” (unitas ordinis,
totum universale ordinatum) – ou seja, uma unidade em
virtude do arranjo das partes em vista de um fim comum –
que não comprometia, antes pressupunha, a
especificidade e irredutibilidade dos objetivos de cada
uma das “ordens da criação e, dentro da espécie humana,
de cada grupo ou corpo social (XAVIER & HESPANHA,
1993, p. 122).
Cada aspecto da realidade era um reflexo, uma projeção do princípio supremo que o
mundo quinhentista identificava como o Deus cristão. A atuação, a vivência humana, são os
reflexos que se irradiam da própria substância divina.
Era uma forma da concepção corporativa da sociedade. Pode-se perceber, em
Ginzburg (1987), a hierarquia da ação humana na sua obra, “O queijo e os vermes”. Nessa
obra o autor discorre sobre um moleiro, poucas vezes relacionado como ser individual
(homem), condenado como herege pela Inquisição Papal no século XVI, num longo processo
(quinze anos) de investigação de suas ações e relações sociais, como profissional, como grupo
e inverso as idéias dominantes da religosidade cristã. Um processo onde buscava-se identificar
no herege sua identidade como participante de um grupo social, como parte na hierarquia
desse corpo mistico:
Declarou ao cônego Giambattista Maro, vigário-geral do inquisidor de
Aquileia e Concórdia, que sua atividade era “de moleiro, carpinteiro,
marceneiro, pedreiro e outras coisas”. Mas era principalmente
moleiro; usava as vestimentas tradicionais de moleiro – veste, capa e
capuz de lã branca. E foi assim, vestido de branco, que se
apresentou para o julgamento (GINZBURG, 1987, p. 39-40).
Havia uma grande importância em descobrir a origem da forma de pensar do herege,
mas ainda, de descobrir se esse fato era também do grupo de que fazia parte. Do órgão do
corpo que poderia estar “doente”. Ou, condenado como herege, se era participante de outro
grupo social (os heréticos), contrário à harmonia do todo quinhentista.
Era forte ainda, nesse período de transição, a vivência fundamentada na função de que
o ser humano, participante do corpo divino, exercia. O nome lhe dava identidade, mas a sua
função, o grupo a que pertencia, era muito mais importante: dava-lhe distinção e poder de sua
autonomia de órgão, de parte, de ação no corpo místico.
Essa concepção corporativa da sociedade fazia-se presente na diversidade dos grupos
sociais (famílias, ordens religiosas, comunidades, corporações profissionais, instituições
jurídicas e eclesiásticas), eram como os órgãos do grande corpo social e, por sua vez,
possuíam capacidade de atuação no todo sagrado, partilhando o poder. Cada um com sua
capacidade de auto-regulamentação, ou seja, cada um com sua subordem, seu poder de ação
e referência ao todo. Cada órgão que compõe o corpo possuía a sua função específica de ação
e articulava-se, relacionava-se com todos através da ordem assumida e, através do governo
dessa ordem, representada pelo poder da cabeça.
Quanto à função de Governo: ela se refere à função do poder de cuidar da harmonia
do corpo social. Harmonia entendida como o ajuste das fricções das articulações dos órgãos
do corpo social para a manutenção e sobrevivência da perfeição do todo, do sagrado. Deus era
a cabeça do corpo místico e o rei, representante físico de Deus na Terra, era a cabeça do
corpo social. A cabeça era o rei e os membros estavam diferente e hierarquicamente
representados pelo povo:
O poder do rei é o poder de deus. Esse poder,
especificamente, é de Deus, por natureza, e do rei, pela
graça. Donde, o rei, também é Deus e Cristo, mas pela
graça; e o que quer que ele faça, ele o faz não
simplesmente como homem, mas como alguém que se
tornou Deus e Cristo pela graça (KANTOROWICZ, 1988,
p. 52).
Estabelece-se também, no período quinhentista, a vivência da fundamentação e
estruturação da teoria política e jurídica do mundo moderno, através do governo do rei e da
laboração do conceito de indivíduo. Estabelecer-se-ia os fundamentos da partilha do poder
entre as partes do corpo social, no exercício do poder de cada um (indivíduo). Na ação do
governo do rei iniciar-se-ia a vivência da visão de mundo pelo fator jurídico, dos fundamentos
das relações através dos Direitos e Deveres de cada um, contrapondo a visão de mundo
religiosa, a subordinação ao Hieros divino. Vivência da dinamização da importância do ser
“Eu”, através dos diversos fatores emergentes no mundo quinhentista, dentre eles, o
desenvolvimento do comércio.
1.3 O Comércio e a Racionalização da Vida
A vivência das relações sociais teve uma importante transformação, no
mundo quinhentista, com a expansão do comércio, em especial com o
comércio marítimo. Os comportamentos presentes em toda ação mercantil e os
conflitos e ajustes desse novo mundo, em termos de conhecimento científicos e
geográficos (“descobrimentos”), representavam os signos fortes de
(trans)formação do modo de pensar e fazer do homem quinhentista.
No século XVI a vida social era predominante religiosa. Mas, através da ampliação dos
conhecimentos, constata-se a presença de outros fatores de incremento na vida social, como
os de ordem jurídica e comercial. Argumentos fundamentalmente racionais começaram a dividir
espaço com as questões religiosas, dominante na cena social.
O desenvolvimento comercial quinhentista está relacionado com a vivência de novas
atividades comerciais, influenciando o mundo religioso e as formas de pensar e de fazer o
cotidiano. O processo de racionalização da vida social inicia-se, sobretudo, no século XI, com a
retomada do comércio intercontinental:
Iniciada no século XI ou XII, a expansão comercial teve seu apogeu,
conforme a região, no século XIII. Foi a época em que se
desenvolveram o artesanato, organizado em corporações de ofícios,
e o comércio de alguns produtos agrícolas europeus (cereais, por
exemplo) ou importados do Oriente (as especiarias). Também datam
desse período a primeira expansão monetária desde a queda do
Império Romano e a multiplicação das rotas comerciais, que ligaram
a Península Ibérica ao Norte da Europa e à Itália e esta à Alemanha e
Inglaterra, com ramificações para a Europa oriental, do mar Báltico ao
Mediterrâneo (WEHLING, 1994, p. 22).
A expansão marítima proporcionou novas posturas de condições essencialmente
econômicas, bem como novas formas e fundamentações de visão de mundo. A partir daí a
Europa, de um modo geral, confrontava-se com o novo e transformava-se:
Os descobrimentos tornaram conhecidos outros mundos e
outras culturas, algumas delas totalmente desconhecidas
até então, outras radicalmente diferentes da européia.
Muito do que parecia indiscutível e natural revela-se
problemático e artificial. Nestas circunstâncias, torna-se
muito difícil continuar e acreditar numa ordem estável do
mundo, em que cada coisa tenha um lugar fixo, insensível
às mudanças dos tempos ou das latitudes (HESPANHA,
2001, p.119).
Deixava de ser exclusivamente religiosa para contemplar, mais e mais, a crescente
atividade mercantil e as suas necessidades de racionalização individuais. No século XVI o
comércio intercontinental está plenamente consolidado. O homem quinhentista já praticava sua
vivência religiosa em sintonia com uma série de práticas e argumentos de tipo racional. Por
exemplo, os que propõem uma distinção radical entre as posições sociais (o poder da parte),
os que apelam para as exigências do comércio como contrato, seguro, letras de câmbio, entre
outros. Havia uma transição da confiança na interferência divina, para uma maior confiança na
ação humana no fazer.
Isso se refletirá na articulação da Ratio.
A expansão marítima proporcionou novas posturas diante da vida. Posturas
essencialmente econômico-racionais e uma outra visão de mundo daí resultante, como os
indícios das descobertas geográficas, através de Bartolomeu Dias, Cristóvão Colombo, Vasco
da Gama, Fernão de Magalhães e outros, ampliando as fronteiras do mundo conhecido,
dinamizando a Hieros da religiosidade quinhentista.
Um dos símbolos dessa dinamização são as caravelas e os grupos sociais que ao
redor dos empreendimentos marítimos se ajuntava. Nas caravelas convivem bem os motivos
religiosos, como a figura de destaque da cruz da ordem dos cavaleiros de Cristo, presente em
todas as naus, representante da visão dominante da religiosidade, com as necessidades
comerciais de conquista de novas terras e novos mercados:
Comandando uma armada de treze navios partiu de Belém, segunda-
feira, 9 de março de 1500. O domingo passara-se em festas
populares. O rei tivera a seu lado na tribuna o capitão-mor, pusera-lhe
na cabeça um barrete bento mandado pelo papa, entregara-lhe uma
bandeira com as armas reais e a cruz da Ordem de Cristo, a Ordem
de D. Henrique, o descobridor (ABREU, 1969, p. 60).
O símbolo da cruz é, ao centro, a cruz branca grega com o contorno vermelho. Esse
contorno vermelho, nas quatro pontas, se dispersa em ascendência, caracterizando os sinais
dos quatro pontos cardeais: Norte, Sul, Leste e Oeste; demonstrando a dimensão do alcance
da “cruz”, da religiosidade quinhentista. Indicava o alcance da ordem da fé para aquela
sociedade e o cumprimento da exigência evangélica, da visão de mundo da ordem do ORBIS
CHRISTIANUS. “Ide pelo mundo, pregai o evangelho a toda criatura” (Marcos, 16, 12-16).
Os embates entre o mundo religioso e as novas descobertas da expansão marítima
tornavam-se mais presentes e fortes; decisivos no processo histórico de “constituição”da forma
de ser do homem quinhentista. Pela dupla função que laborava: a primeira como instrumento
de conhecimento e comércio com o novo; e a segunda como instrumento de propagação da
vida religiosa, da fé católica.
Padre Madureira demonstra o desencadeamento das funções no mundo quinhentista
diante da expansão marítima:
Ao mesmo tempo os navios de Colombo e de Vasco da Gama,
sulcando mares nunca dantes navegados, descobriam ilhas e
continentes ignorados, dilatando assim os horizontes entre povos
sem número, diversos na religião, na cultura, no vestuário, no idioma
e nos costumes, mas vivendo à sombra do erro e esperando
apóstolos da Boa Nova que acudissem para lhes comunicar a luz da
verdade e regenerá-los nas águas do batismo (MADUREIRA, 1927,
p. 168).
Apresentavam-se, ao Orbis Christianus, embates de condições de “reforma” de
atuação diante do novo. Todo esse processo produz novas condições de atuação. Tornava-se
preciso desenvolver instrumentos de conhecimento e controle do espaço e dos que o
ocupavam, dilatar o domínio da abrangência da órbita de Cristo.
Com o alargamento da terra conhecida há alterações no modo de ver e interpretar a
realidade de modo geral. Tudo agora deve ser calculado e descrito minuciosa e racionalmente.
A descrição geográfica através dos mapas, da cartografia, com as medidas de estádios,
milhas, léguas, o traçado, a pintura e descrição de lugares, demonstravam bem a nova posição
que se apresentava diante da vida.
A racionalidade no comércio mercantil com novos cálculos contábeis, câmbios de
moedas, uso do tempo na entrega de mercadorias, entre outras, modificava substancialmente
a forma de ver o mundo. O foco do divino era trocado, substituído gradativamente, pelo foco do
racional. A ordem objetiva começa a despontar pela vontade: vontade divina presente na voz
do rei; a vontade dos homens no querer (segurança, felicidade, bem-estar).
Pode-se identificar, no século XVI, uma espécie de “meio-termo” entre a ordem feudal
religiosa e o mundo racionalista individualista.
A invenção da imprensa, por seu turno, facilitava a difusão da cultura letrada, até então
restrita e privilégio das cortes, igrejas e mosteiros. Muitos outros fatores, associados às
descobertas marítimas, conduziram às alterações no modo de percepção da realidade e, por
conseguinte, na forma de relacionar-se com o mundo. Conduzindo à visão de mundo
dominante à reforma de seu sistema, entre tantos, principalmente pelo viés da manutenção e
conservação do modo da religiosidade.
Na hierarquia quinhentista a manutenção e conservação da ordem religiosa é função
da prática eclesial católica. Ela desenvolvia-se, nesse ínterim de mudança, basicamente em
três fatores de reforma: a) no mundo conhecido, o mundo europeu, ela atuava como resistência
às revoluções religiosas, às religiões “errôneas”, às seitas (outro fator de desenvolvimento da
sociedade); b) no mundo novo descoberto, ela atuava com a missão de evangelizar; e c) em
ambos: dirigir e nortear, pela escola, pelo púlpito e pela imprensa (os meios de comunicações
vigentes), as vivências intelectuais que se despertavam. (J. M. MADUREIRA, 1927).
Era preciso insistir para orientar o novo à verdade cristã e isso significava atuar num
período de transformações, o intuito da preservação articulando-se com os mesmos fatores de
mudança - reforma.
1.3.1 Individualismo
Percebe-se que os diversos aspectos do contexto histórico não são estanques,
isolados. São na medida em que se relacionam à dinâmica do desenvolvimento humano. As
vivências, os passos que davam para resolver seus problemas, relacionavam-se com uma
série de outros fatores, cada qual encontrando sentido nas referências aos demais e
fundamentando suas ações; e também como referência a outras.
O processo social pressupunha uma série de relações, impossível pesquisá-las como
algo unívoco e simples. A vida quinhentista, como toda vida humana, era um conjunto de
experiências, um entrechocar-se de experiências. Eram os homens quinhentistas que, no
processo de laboração da vida humana, conservavam, transformavam e/ou reafirmavam velhas
e novas formas de agir e pensar.
A vivência da religiosidade, nos cânones do corpo social da ordem corporativa, com a
expansão marítima, entre todos os aspectos sociais, produziam a laboração da visão de
indivíduo no mundo quinhentista. Uma nova visão de mundo, uma nova ordem.
O mundo quinhentista não foi o início exato, mas o palco de efervescência desse
processo de laboração histórica. Pode-se, através da pesquisa na História Cultural, identificar a
laboração histórica do indivíduo, com os fortes indícios da expansão comercial, desde os
séculos anteriores.
O homem quinhentista, na visão corporativa, sentia-se complementar; dispostos e
impostos por Deus. Se durante muito tempo bastava entender tal imposição divina, com a
busca do humanismo, no Renascimento, laborava-se o questionamento dessa
complementaridade. Estabelecia-se a compreensão da sociedade a partir do indivíduo, do
homem, e não dos grupos sociais:
Este deixa de ser considerado como uma peça da grande máquina do
Universo, mas como um elemento autodeterminado e dinâmico,
possuindo uma energia própria. Isto levá-lo-ia a afirmar-se perante os
outros, a tentar modelar as relações sociais e políticas de acordo com
os impulsos da sua vontade e a apropriar-se das coisas externas de
modo a transformá-las em suas próprias (HESPANHA, 2001, p. 120).
A subordem, entendida como a aceitação da participação na ordem divina como parte,
transformava-se na ordem do agir da vontade do ser, em impôr-se, em interferir, como
indivíduo, na formação da ordem social.
Isso começava a estabelecer-se em todas as relações sociais da vida, como a
propriedade, a autoria, o comércio, entre outras; as novas idéias que fundamentavam a
laboração de um indivíduo no centro do mundo e uma constituição social e política dependente,
exclusivamente, de sua vontade. O indivíduo está no centro do mundo e toda a constituição
social e política há de depender dessa vontade e não mais da vontade divina.
Percebe-se o desenvolvimento da autonomia das partes; a fundamentação e
valorização do poder da força humana de ação, de transformação e controle da ordem natural.
A razão passava a ser característica como vontade do humano. Razão como função do
entendimento divino trocado pela razão da ação do querer da vontade humana, organizador da
vida. Cesca (1996) expressa uma síntese, do movimento humanista, no contexto histórico
quinhentista:
A Filosofia prepara-se para independizar-se da Teologia. E da
Filosofia, as ciências, especialmente a Física e a Astronomia,
começam a separar-se. Com as grandes navegações e com a teoria
do heliocentrismo, a Geografia e a Astronomia recebem uma nova
configuração. Descobrem-se povos que vivem de modo diferente do
europeu. A política e as artes independizam-se da moral cristã. E as
línguas romances passam de simples dialetos para línguas nacionais.
A imprensa encarrega-se de divulgar todos estes avanços. Uma
Idade teocêntrica vai sendo substituída por uma Idade
antropocêntrica.
A unidade religiosa e cultural, que a cristandade bizantina alcançara,
chegara ao fim com a queda de Constantinopla em 1453; e a
cristandade latina esfacela-se em 1517 com a Reforma protestante e
a conseqüente criação de religiões nacionais; e ainda antes esfacela-
se com o humanismo renascentista (CESCA, 1996, p. 131).
Começava-se também a laborar a vontade geral, dos indivíduos, como objeto de
interesse comum. Era a origem do direito quinhentista. Nesse processo, a hieros das partes
começava a fortalecer a importância do ser em si, o ser na sua individualidade. Possuidores de
suas forças de trabalho, de ação, concebendo-se o ser quinhentista não só como cristão, mas
também como integrante de um estado social, que lhes garantiam determinados direitos e
deveres.
Para a legitimação e justificação das ações de suas vontades individuais laborava-se a
identificação como participantes do todo social, na representação da união em comum da
individualidade de cada um, num espaço físico (território) comum dessas representações
individuais.
A vontade humana, a mesma força motriz das partes do sistema corporativo caminha,
em todos os fatores sociais, à identificação do espaço territorial e interesses comuns. De um
lado, relevos e acidentes naturais que sedimentavam a vivência, pela produção e língua, de
território e sentimento de complementaridades. E, de outro lado, à circulação e mobilidade do
comércio, dinamizando a comunicação pela língua e o câmbio das moedas. As línguas, o loci,
os meios, e suas relações, na formação e determinação das vivências das vontades comuns,
atribuindo a noção de visão de conjunto, de natio, um dos fatores de fundamentação do
conceito, moderno, de país, de nação. (M. HESPANHA, 2001).
Nas práticas sociais os indivíduos construíam identificações, reconhecimentos,
classificações e atribuições de valores na significação do mundo “novo”, jurídico,
fundamentações dos direitos e deveres, nas categorias sociais em que se relacionavam. Era o
reconhecimento do indivíduo (“Eu”), do grupo/natio/nação (“Nós”) e da alteridade, das nações
(“Outros”). A ordem celebrada na fundamentação do direito jurídico.
Dentro desse processo de vivências (trans)formadoras do contexto quinhentista
encontrava-se a pedagogia da Ratio Studiorum, como resposta do Orbis Christianus para
manutenção da visão de mundo dominante e vivência do novo que se apresentava.
CAPITULO 2
2
-
A Ratio Studiorum
Estabelecida nesse contexto histórico, o quinhentista, e participante do processo de
Reforma
7
da Igreja Católica, o plano pedagógico da Companhia de Jesus apresentava-se como
resposta do Orbis Christianus para a manutenção da visão de mundo dominante e, também à
vivência do novo que se apresentava. Às novas formas de agir e pensar, que todos os fatores
de formação da sociedade estavam articulando.
Toda a origem da Ratio, sua formação, estrutura e dinâmica, acompanhavam esse
movimento de mudança e conservação no mundo quinhentista. Imbuía-se de formas
conservadoras nas regras de controle e ação no mundo religioso e de traços flexíveis de
adaptação diante do humanismo.
O método foi elaborado pelos jesuítas no final do século XVI, mas foi laborado, desde a
criação da Ordem, nas diversas experiências que os colégios presenciaram no mundo; de
1542, ano de fundação do Colégio de Gôa, na Índia, até 1599, quando a Ratio teve sua edição
definitiva. E se mantiveram dominantes, durante dois séculos, como proposta de ensino,
em
toda a Terra.
2.1
A Companhia de Jesus
A Companhia de Jesus foi fundada por Inácio de Loyola (1491-1556), Iñigo, nascido no
País Basco (Espanha), filho dos senhores de Loyola, família nobre, fiel aos reis de Castela e à
fé católica. Foi cavaleiro, ou "gentil-homem", a serviço do vice-rei de Navarra, cujos interesses
defendia nas guerras.
Deixou a sua terra aos 30 anos, dirigindo-se como peregrino, a Jerusalém. Segundo
Madureira (1927), Inácio tinha como ideal primeiro ir à Palestina, para evangelizar os
muçulmanos, inimigos do nome cristão.
Percebe-se, na figura de Inácio, os indícios da vivência da reforma e da preservação da
hierarquia quinhentista. Inácio pertencia à ordem social, à nobreza, como órgão do corpo
místico, era membro atuante de um grupo, a Cavalaria, e, também, indivíduo que despontava
como agente de resposta de seu tempo; indivíduo comum de uma região, de uma língua, de
uma função e atividade; fundamentos da formação da natio, nação. E, como cavaleiro e
7
Reforma Católica e Contra-Reforma foram movimentos de reestruturação da religiosidade quinhentista,
sendo que a Reforma Católica é ão respondente da Igreja Católica ao surgimento de novas formas de
organização da religiosidade cristã, como o surgimento das religiões protestantes (DREHER, 1996).
peregrino, demonstrava ser conhecedor da rotas comerciais (estradas) e dos costumes e
comportamentos na Europa.
Com 33 anos redirecionou seu primeiro ideal e assumiu a ação de vida apostólica. “Se
deve fazer tudo a todos para ganhar todas as almas” (J. M. MADUREIRA, 1927, p. 348);
devido, entre outros, aos conflitos vividos na religiosidade e na educação quinhentista. Estava
em perigo a fé e, mais que isso, os costumes:
Nos seus primórdios, a Companhia de Jesus não era para Ignácio
uma associação destinada ao ensino publico das ciências e das
letras; os seus estabelecimentos de instrução visavam ministrar a
seus filhos a ciência necessária á defesa e propagação da fé. Mais
tarde, dilatou-se o campo da sua visão com a idéia de que, dispondo
de homens abalizados e mais numerosos, podia ampliar a esfera de
atividade da Companhia, a qual não seria só uma Ordem de
Apóstolos, mas também um corpo científico de professores da
doutrina Católica (MADUREIRA, 1927, p. 350).
Inácio freqüentou as universidades espanholas de Alcalá (1526) e Salamanca (1527),
mas foi em Paris (1528-1535), primeiro na universidade de Montaigu, depois e mais
solidamente em Sainte-Barbe, com 37 anos, que obteve os diplomas de bacharel e de mestre
em Filosofia, em que havia o predomínio absoluto do ensino clássico. Os primeiros anos do
século XVI assistiam a um esforço vigoroso de restauração da síntese clássica do pensamento
medieval e é precisamente em Paris que se delineava o movimento vigoroso de restauração
tomista. (J.M. MADUREIRA, 1927). Segundo Gomes (1992), pode-se identificar Montaigu como
conservadora e Sainte-Barbe como renascentista. Inácio teve, portanto, uma vivência de
formação entre expressões das duas ordens distintas de educação na época quinhentista: a
natural e a sobrenatural. A natural (científica), na visão educativa de Aristóteles, e a
sobrenatural, na visão de Platão, ambas como pregadas na Idade Média:
Quando, em 1534, Inácio fundou a Companhia de Jesus, encontrava-
se ele na confluência de duas grandes sínteses entre a filosofia grega
e o Cristianismo: o agostinismo neo-platônico e o tomismo
aristotélico.Além de serem duas sínteses, elas representavam dois
momentos da história: a Idade Moderna que se iniciava e a Idade
Média, que terminava. O agostinismo fora assumido pela Reforma e o
próprio Renascimento estava mais voltado para o Divus Plato. O
tomismo persistia na velha e já decaída Escolástica e estava sendo
assumido pelo movimento da Contra-Reforma (CESCA, 1996, p. 86).
Inácio começou o estudo de Teologia, em Veneza, onde recebeu a ordenação
sacerdotal, junto a outros amigos. Assim formava-se o grupo de companheiros que haveria de
fundar a Companhia de Jesus. Inácio chamava-os de "Amigos no Senhor": Pedro Fabro,
natural da Sabóia, Francisco Xavier, espanhol, Simão Rodrigues, português, Diogo Laínez,
espanhol, Afonso Salmeron, espanhol, Nicolau Afonso, conhecido por "Bobadilla", nome de sua
vila natal na Espanha. Outros indícios da formação da natio no mundo quinhentista.
A quem lhes perguntava quem eram eles, respondiam: "Somos a Companhia de
Jesus", um grupo de companheiros que não tinham outro chefe ou cabeça, senão Jesus.
Em 27 de setembro de 1540, o Papa Paulo III aprovou oficialmente a Companhia de
Jesus pela bula Regimini Militantis Ecclesiae e começou a enviar os companheiros em missão:
Pedro Fabro à Alemanha, Bobadilla a Nápoles, Simão Rodrigues a Portugal e o Xavier à Índia.
Inácio, eleito primeiro superior geral da Ordem, passou o resto de sua vida em Roma,
escrevendo as Constituições da Companhia, coordenando o trabalho de todos os
companheiros, missionários/professores, um pela ordem religiosa, e outro pela ordem do
contexto social em mudança, reforma:
Entretanto seria grave erro supor que o ideal do fundador da
Companhia de Jesus foi o ilustrar a Igreja, criando sábios literatos.
Eram mais nobres e elevadas as aspirações. Queria transformar o
ensino em meio de regeneração e elevação da humanidade,
reformando as idéias para melhorar os costumes, alumiando o
entendimento para dirigir a vontade e modelar o coração pela virtude,
formando sábios para torná-los homens de caráter e aproximá-los
tanto quanto possível do modelo que ele estudara, conhecera e tanto
o arrebatara, o Homem-Deus, exemplar ideal da mais alta perfeição
humana (MADUREIRA, 1927, p. 352).
Pode-se identificar em Inácio um homem, um indivíduo, um pedagogo, um religioso
com uma cosmovisão teocêntrica. Toda a sua instrumentalidade e funcionalidade dirigiam-se a
Deus, como ponto de referência. Deus como o Ser Absoluto, o Fim Último para onde o homem
e todos os seres convergiam. Viver com a intenção única de glorificá-lo. Teoria fundamentada
na Teologia cristã, o homem tornar-se-ia filho de Deus e herdeiro do céu. Missão que Inácio e
seus companheiros assumiram para propagar por todo o mundo quinhentista conhecido e em
conhecimento.
Uma frase clássica resume as características peculiares das grandes figuras religiosas
da Idade Média: "Bernardo amava os vales; Bento, os montes; Francisco, as pequenas vilas;
Domingos, as cidades..." Com o movimento de transição no início dos tempos modernos, onde
os limites do mundo ocidental estenderam-se pela descoberta da América e pela exploração
dos mares do Oriente, Inácio de Loyola, fiel a visão de mundo quinhentista, amou o mundo
inteiro. Buscava-se sempre "A Maior Glória de Deus", o maior serviço, a missão mais urgente
na Igreja. Homem participante de um grupo e individuo de ação do grupo maior, o Orbis
Christianus. (L. FRANCA, 1952).
Inácio faleceu no dia 31 de julho de 1556. Na morte do fundador, contavam-se já mil
“companheiros” jesuítas, espalhados por todo o mundo, desde o Japão até o Brasil de Nóbrega
e Anchieta.
2.3 A Origem da Ratio
Pode-se afirmar que a base de fundamentação do movimento pedagógico da Ratio se
encontra na IV parte das Constituições
8
. São dezessete capítulos, que delineiam o escolástico,
a organização das Universidades e também dos alunos externos (não jesuítas).
Em 1543 foi fundado, em Gôa, Índia, o primeiro colégio para externos; outro surgiu em
1544, em Gandia, Valência (Espanha), e em 1548 foi fundado o colégio em Messina, na Sicília,
primeiro colégio com todo curso completo: hebraico, grego, latim, lógica e retórica.
Sedimentava-se a função educativa da Ordem dos jesuítas:
Mas, o ensino à mocidade não poderá constituir uma forma do
apostolado? Em 1538, por ordem do Papa, os padres Lefèvre (Fabro)
e Laynez vão ocupar na Universidade da “Sapienza”, em Roma, as
cadeiras de S. Escriptura e Theologia. Em 1542, S. Francisco Xavier
solicita professores para o colégio de Gôa. Mais tarde Francisco de
Borja faz igual pedido para um colégio em Gandia. De Roma, das
Índias, da Hespanha chegavam igualmente pedidos. Ignácio, porém,
não quis precipitar os acontecimentos. Só depois da solicitação de
proveniente de Messina, amadurece a sua grande idea
(MADUREIRA, 1927, p. 360).
O processo pedagógico da companhia estava intimamente ligado a dois fatores na
Educação: ao religioso, dominante na época, concretizado no seu lema Ad Majore Dei Gloriam
(A.M.D.G.), A Maior Gloria de Deus e; a propagação da sociedade científica, em que se
procurava dirigir e aperfeiçoar as faculdades do aluno, compatibilizando as exigências da
racionalidade, em conformidade com a lei divina, a teológica, suprema ação ao intelecto
humano.
Em 1549 abria-se o colégio de Palermo e em 1551 o colégio Romano. Todos seguindo
a pedagogia de Messina, que adotava o modus parisiensis. Modelo de ensino que se
caracterizava, entre vários fatores, pela fundamentação da distribuição dos alunos em classes;
pela constância dos alunos através de exercícios escolares; pelo sistema de incentivos ao
trabalho escolar; e à dinâmica da vivência na piedade cristã e dos “bons costumes com as
letras”, ou com o trabalho educacional. Formar homens cristãos e cristãos letrados.
Em 1551, redigiu-se todo o plano pedagógico da vivência do colégio de Messina,
intitulado De Studiis Societatis Jesu Ordo Studiorum, mais tarde conhecido como Mos et Ratio
Collegii Romani, primeiro esboço da futura Ratio, enviado de Roma para os estabelecimentos
que iam sendo fundados nos diferentes países da Europa (Portugal, Espanha e Germânia).
De 1553 a 1568, Padre Nadal
9
percorre os países da Europa explicando as
Constituições da Ordem e recolhendo as experiências de funcionamento dos colégios. Dessa
experiência elabora-se uma nova versão pedagógica, intitulada Ordo Studiorum.
8
Constituições são os exercícios espirituais próprios da Companhia de Jesus, elaborados por
Inácio de Loyola.
Padre Diego Ledesma, professor do Colégio Romano, publica o novo plano com o titulo
De Ratione et Ordine Studiorum Collegii Romani, mesmo tempo em que a Congregação Geral
da Companhia, em 1565 e em 1573, estabeleceu um conjunto de diretivas pedagógicas, com
o nome de Summa Sapientia. Em 1577, através de Padre Everardo Mercuriano, elabora-se um
código geral com ênfase mais na organização dos vários ofícios nos colégios.
Com o aumento do número de colégios, não só na Europa, como nas províncias
ultramarinas de Portugal e Espanha na América, África e Ásia, houve discussões mais
acirradas quanto a um plano pedagógico comum para todos os colégios. Em 1581, o superior
geral, Padre Cláudio Aquaviva, designou comissões para observar e analisar as diversidades
regionais e a elaborar uma fórmula de estudos, ad confeciendam formulam studiorum. Enviou,
em 1586, a todos os provinciais, o documento e a solicitação de retorno de pareceres. Nomeou
cinco padres em cada província, representantes de diferentes experiências regionais,
solicitando-lhes a submissão de um estudo critico do projeto de estudos.
Os relatórios desses trabalhos, nomeados juntos Judicia et Observationes, começam a
chegar ao final do mesmo ano e a serem examinados por Aquaviva e um grupo por ele
selecionado:
Afim de que melhor se desempenhassem desta incumbência,
associou-lhes uma comissão de professores do Colégio Romano,
entre os quais figuravam Belarmino, Suarez, sardi, Giustiniano, Parra,
Pereira, Benci, Torsellini, isto é, teólogos, filósofos e humanistas dos
mais distintos (L. FRANCA, 1952, p. 21).
Em 1592, através desse trabalho de análise e reformulação, Aquaviva mandava mais
uma vez, a toda a Companhia, uma nova edição do plano de estudos. Desta vez, contudo, o
documento era enviado não mais como um projeto a ser analisado, mas como um código de
leis a ser posto em prática, em caráter experimental.
Em 1599, após novos retornos das províncias, após outras análises e ajustes,
Aquaviva encerrou os trabalhos, publicando como definitivo o plano pedagógico, com suas 467
regras, sob o titulo de Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Jesu, comumente conhecida
como a Ratio Studiorum. Já não era a comunicação de um projeto de estudos, mas a
promulgação de um a Lei, na gestão do Geral Aquaviva:
O trabalho de sua redação prolongou-se por obra de 15 anos (1584-
1599) e obedeceu ao critério com que se preparam os currículos
modernos mais bem elaborados. Primeira redação aproveitando um
imenso material pedagógico acumulado em dezenas de anos; críticas
dos melhores pedagogos de todas as províncias européias da
Ordem; segunda redação; nova remessa às províncias para que a
submetessem por um triênio à prova da vida real dos colégios;
9
Comissário Geral da Companhia de Jesus, de 1553 a 1568, espécie de inspetor de ensino,
com a missão de conferir a uniformidade da estrutura e desenvolvimento da eficiência da obra
educativa da Companhia de Jesus.
aproveitamento das ultimas sugestões sugeridas à luz dos fatos;
promulgação definitiva (FRANCA, 1952. p. 41).
Pode-se elucidar que o código de Leis constitui um programa de cuidadoso labor, de
exigente aplicação ao método, constituindo-se num dos documentos filosóficos-pedagogicos
mais singulares do século XVI. Ele representou o resultado de experiências educacionais de
meio século, com a colaboração das mais variadas raças e “nações”. Eram 245 colégios
mantidos em 1599, em toda Europa, América, África e Ásia. E a Ratio vigorou até 1773,
quando a Ordem foi supressa, pelo Papa Clemente XIV, quando havia, então, 546 colégios.
A Ordem foi restabelecida em 1814, pelo Papa Pio VII, havendo o reinício das
atividades educacionais com a restituição do Colégio Romano, em 1824, pelo Papa Leão X, o
que tornou necessário uma revisão da Ratio, em 1832 e, uma última, em 1941.
Na Ratio contempla-se uma pedagogia com traços próprios e originais, fruto da
experiência dos educadores da Companhia.
Os primeiros educadores, na maioria, eram oriundos do Colégio de Paris, onde se
constituiu a primeira fonte da pedagogia jesuítica. Eles conheceram e vivenciaram o modus
parisiensis de ensinar. Pode-se citar o colégio de Paris como o centro de influência da adesão
e difusão do Renascimento:
(...)a Europa toda, no século XVI, assumira os ideais renascentistas.
As fontes para onde seus mestres se voltavam eram Grécia e Roma:
na Filosofia, uma tendência forte para Platão; na oratória, Aristóteles
e Cícero; na ética, Plutarco e Sêneca. Mas o grande nome era
Quintiliano, não só na oratória senão que em toda a arte de educar. O
apreço então pelo latim e grego era generalizado (CESCA, 1996, p.
141).
Adotando características próprias, a Ratio também assumiu o humanismo
renascentista como uma de suas fontes, mais ainda no curso de Humanidades. Em Filosofia e
Teologia, os jesuítas puseram suas raízes no aristotelismo tomista. Uma das primeiras
iniciativas a adotar explicitamente Santo Tomás como guia de seus estudos.
A Ratio apresentava-se com estas duas fontes, o Humanismo e o Tomismo uma de
suas originalidades era a tentativa de harmonizar, num mesmo plano pedagógico, os ideais
renascentistas com o aristotelismo tomista, ajustando-se às exigências de sua época e
procurando satisfazê-las com a perfeição que lhes foram possíveis. Dentro do contexto da
época e de sua especificidade pedagógica.
2.3 A Formação da Ratio
Nesta pesquisa da Ratio Studiourm, para melhor indicação da sua expressão e dos
estudos dos elementos mais importantes do seu conteúdo, utilizam-se as referências do
sistema de siglas de Farrell (1938), também adotadas pelo padre Leonel Franca (1952):
I A. Regras do Provincial (1-40)
B. Regras do Reitor (1-24)
C. Regras do Prefeito de Estudos Superiores (1-30)
II D. Regras comuns a todos os professores das Faculdades
Superiores (1-20)
E. Regras particulares dos professores das Faculdades
Superiores.
Ea. Professor de Escritura (1-20)
Eb. Professor de Hebreu (1-5)
Ec. Professor de Teologia (1-14)
Ed. Prof. de Teologia Moral (1-10)
F. Regras dos Professores de Filosofia.
Fa. Professor de Filosofia (1-20)
Fb. Professor de Filosofia Moral (1-4)
Fc. Professor de Matemática (1-3)
III G. Regras do Prefeito de Estudos Inferiores (1-50)
H. Regras dos exames escritos (1-10)
I. Normas para a distribuição de prêmios (1-13)
J. Regras comuns aos professores das classes inferiores (1-30)
L. Regras particulares dos professores das classes inferiores
La. Retórica (1-20)
Lb. Humanidades (1-10)
Lc. Gramática Superior (1-10)
Ld. Gramática Média (1-10)
Le. Gramática Inferior (1-9)
IV M. Regras dos estudantes da Companhia (1-11)
N. Regras dos que repetem a Teologia (1-14)
O. Regras do Bedel (1-7)
P. Regras dos estudantes externos (1-15)
IV Q. Regras das Academias
Qa. Regras gerais (1-12)
Qb. Regras do Prefeito (1-15)
Qc. Academia de Teologia e Filosofia (1-11)
Qd. Regras do Prefeito desta Academia (1-4)
Qe. Academia de Retórica e Humanidades (1-7)
Qf. Academia de Gramáticos (1-8)
Percebe-se que a Ratio possui, na sua elaboração, a forma de um código; um conjunto
metódico e sistemático de disposições legais, impondo-se como norma prática. Retrata a
estrutura de todo o conjunto, muito bem integrada em cada aspecto da vida social quinhentista.
Acompanhava-se a ordem estabelecida, a hierarquia da ordem e do governo, dispostas
na estruturação. Primeiro o Provincial, depois o Reitor, prefeito de estudos, professores (com
suas subdivisões), bedel, escolásticos e alunos externos. Todos com sua referência ao divino,
à religiosidade cristã, modo dominante de visão de mundo. Expressas em todas as hierarquias
da regra, como A-1, C-1, D-1, entre outras:
Objetivo dos estudos na Companhia. – Como um dos ministérios
mais importantes da nossa Companhia é ensinar ao próximo todas as
disciplinas convenientes ao nosso Instituto, de modo a levá-lo ao
conhecimento e amor do Criador e Redentor nosso, tenha o
Provincial como dever seu zelar com todo empenho para que aos
nossos esforços tão multiformes no campo escolar corresponda
plenamente o fruto que exige a graça da nossa vocação (A-1).
Demonstrava-se ainda o fator do governo, da hierarquia, que estavam presentes na
centralização de poder, na voz do provincial e na uniformidade de todo e qualquer colégio da
Companhia, que se organizava segundo as regras da Ratio, independente de sua localização
geográfica, cultural, social, política e econômica. (PAIVA, 1981).
Percebe-se também a função mercantil, do contexto quinhentista, do nome Companhia
de Jesus. Ser amigo, “companheiro de Jesus”, é estar presente em uma empresa de
propagação, de expansão da fé católica, a todo mundo em desenvolvimento.
2.3.1 Os Cursos da Ratio
O período de ensino da Ratio Studiorum está disposto numa linearidade propedêutica,
de instrução e preparação, na sua estrutura de cursos. O curso de Humanidades preparava
para a Filosofia, e esta para a Teologia. Rodrigues (1917) expressa a condição da
propedêutica:
Toda a carreira dos estudos se divide em três cursos parciais,
distintos, mas dependentes uns dos outros enquanto o inferior é
degrau e preparação para os superiores: o curso de letras ou línguas,
o de philosophia ou de artes e o de theologia. O curso de letras
prepara para o de philosofia e este para o de theologia, a qual se
entregava com particular empenho a Companhia como o estudo que
mais diretamente aproveitava para realizar as suas aspirações
religiosas. Nestes três cursos entram todas as matérias que
geralmente se ensinavam nas mais sabias universidades daquele
tempo, excetuando a Medicina e leis, que por não dizerem tão bem
com o fim do Instituto, a Companhia se não encarregava de ensinar
(RODRIGUES, 1917, p. 41).
Segundo as determinações institucionais da Ratio, os jesuítas “investiam” cerca de
dezoito anos na formação do ser cristão do aluno. Segundo Gomes (1992), pode-se determinar
o início do cronograma de ensino do aluno jesuítico. Aos quinze anos, iniciava com dois anos
de noviciado e no curso de Humanidades; cursava mais dois anos de formação em línguas
clássicas e quatro anos no curso de Filosofia. Finalizando esse período o aluno estava com
vinte e três anos. E, se aprovado, iria ensinar Latim, Poética e Retórica num período de seis a
sete anos; ou mesmo, conforme explicitava na regra B-6, poderia ensinar no período de
formação da Ratio, Filosofia e Teologia a alunos de nível inferior ao seu. Só então entrava no
curso de Teologia, que teria a duração de mais quatro anos. Para o curso de Teologia,
consagravam-se ainda dois anos ao estudo privado. Pode-se identificar como sendo o
doutorado, na constituição dos estudos:
Biênio da repetição da teologia. – No princípio do quarto ano, de
acordo com o Reitor, o Prefeito, os Professores e os seus
Consultores, designem alguns escolásticos de reconhecida virtude e
bons talentos, para que, segundo prescrevem as Constituições, se
consagrem tranqüilamente durante dois anos ao estudo privado, a fim
de repetir por si a teologia e, se ao superior parecer, sustentar atos
acadêmicos; para estes se darão abaixo instruções especiais. Onde
for costume da região, poderá alguns dentre eles, com licença do
Geral, ser promovidos ao grau de Doutor ou Mestre (A-10).
Nem todos completavam esse itinerário de forma tão linear. Concluindo-se Artes
(Filosofia), faziam opção por outra faculdade maior, fora da Companhia, como enunciou
Rodrigues (1917), para Medicina ou Leis, Direito; entendendo-se assim a Ratio com um
currículo sistematizado em dois níveis: cursos superiores e o curso de humanidades.
2.3.2 O Curso de Humanidades
O curso de Humanidades, podendo-se nomeá-lo Secundário e preparatório aos
superiores, era constituído por cinco classes. O aluno, com quinze anos, aprendia Retórica,
Humanidades, Gramática Superior, Gramática Média e Gramática Inferior, o que durava entre
seis e oito anos.
O estudo da Gramática tinha como objetivo ensinar a ler e a escrever correta e
coerentemente. Princípios da Oração, Sintaxe, construções, orações e leituras, entre outras,
fundamentadas no latim e no grego. Preparação da formação do aluno aos estudos dos
clássicos da cultura greco-romana, à eloqüência, ao conhecimento da linguagem e à erudição,
entendendo os significados das expressões da comunicação quinhentista.
Preparação também à retórica, que constituía-se no saber ler e escrever bem e, saber
expressar-se bem, pela oratória e a poética. Elementos de formação que atendiam à resposta
da reforma católica; o ensinar pelo púlpito e pela imprensa:
Como se vê, o objetivo do curso de humanista é a arte acabada da
composição, oral e escrita. O aluno deve desenvolver todas as suas
faculdades, postas em exercício pelo homem que se exprime e
adquirir a arte de vazar esta manifestação de si mesmo nos moldes
de uma expressão perfeita. As classes de gramática asseguravam-
lhe uma expressão clara e exata, a de humanidades, uma expressão
rica e elegante, a de retórica mestria perfeitamente na expressão
poderosa e convincente ad perfectam eloquentiam informat
(FRANCA, 1952, p. 49).
Pode-se dizer que a função de preparatório e secundário do curso de Humanidades
parte apenas de uma questão estrutural, mas de extrema importância, para alcançar o curso de
Teologia. Processo para a formação do cristão quinhentista, condizente também com a
formação do ser humanista.
Como enunciado em Rodrigues (1917), que nem todos concluíam nessa linearidade os
cursos da Ratio, também nem todos os concluíam por completo, até a Teologia. Entendia-se,
porém, que na formação, saiam em seus níveis, como completos de suas capacidades. Visão
também determinada nas regras da Ratio:
Destinação ao estudo de casos – Os que, no primeiro exame, se
revelarem incapazes para a filosofia deverão ser destinados aos
Casos ou, a juízo do Provincial, ao magistério [inferior] (assim
entendemos a destinação aos casos), quanto aos demais nada por
então se decida. No segundo exame, poderão distinguir-se entre os
candidatos três graus: os que excedem a mediania e estes deverão
prosseguir os demais estudos; os que lhe ficam abaixo e estes lhe
serão logo aplicados aos Casos; e finalmente os que apenas a
atingem e entre eles caberá ainda uma discriminação (A-19 § 4).
Segundo o ideal do Homem-Deus, cada aluno com sua especificidade, alimentados por
todas as regras do Provincial e distribuídas cada função às demais hierarquias da Ratio, eram
construídos e trabalhados com o máximo e melhor do ensino e metodologia, “Tudo para o
aluno e o aluno para Deus” (MADUREIRA, 1927, p. 390):
O traço que caracteriza Santo Inácio e que ele indelevelmente
imprimiu em toda a Ordem é a máxima exploração de todos os
valores da natureza humana. Se esta exploração procurou-se mantê-
la sempre em harmonia com a ordem sobrenatural, não é na
harmonia que se encontra o caráter distintivo, mas na profunda
confiança que no humano depositou (CESCA, 1996, p. 89).
No plano pedagógico jesuítico
,
em cada classe, de cada ano, de cada Curso, por mais
propedêutico ou avançado que fosse o grau de ensino que o aluno saísse, seria esse
considerado no seu maior grau de formação para A Maior Glória de Deus. Estaria “pronto” para
exercer suas funções, na hierarquia da religiosidade quinhentista.
2.3.3 O Curso de Filosofia
Nesse caminho, concluído os cursos inferiores, preparavam-se os alunos, para os
cursos de Filosofia e Teologia, os cursos superiores.
O curso de Filosofia, segundo Paiva (1981), abrangia o estudo da lógica no primeiro
ano; Física e Matemática, mais alguns elementos de Geografia e Astronomia no segundo ano;
Psicologia, Metafísica e Ética no terceiro ano. Definido na Ratio, em 1599, com duração de três
anos, estava o curso de Filosofia (A-17), que aqui será mais profundamente analisado no
capitulo terceiro.
Mas torna-se primordial expor a história do curso de Filosofia, no Colégio de Artes em
Coimbra, desde 1552, que se compunha de quatro anos. Lopes Praça (1868) demonstra o
plano de estudos do Colégio das Artes, de quatro anos, nessa forma e ordem:
Primeiro ano
Primeiro trimestre: De Terminorum Introductione, Dialectica,
Porphirius; Isagoge.
Segundo trimestre: In Aristotelis Praedicamenta; Perihermeneias;
Topic (iniciação).
Terceiro trimestre: Continuação dos tópica, até o livro VII, livros
Ethicorum, I-IV.
Segundo ano
Primeiro trimestre: Analytica Priora; VIII Topicorum; Analytica
posteriora (incío).
Segundo trimestre: Analytica posteriora (continuação e conclusão),
livros Ethicorum, V-VI.
Terceiro trimestre: Ethicorum, livros VII-X; De Sophisticis Elenchis;
livros Physiocorum I-II.
Terceiro ano
Primeiro trimestre: Physiocorum. Livros II-VIII.
Segundo trimestre: De Caelo et mundo, De Generatione et
Corruptione; metaphysica (inicio).
Terceiro trimestre: Meteorologicum, livros I-IV; De Anima, livros I-II;
Metaphysica (continuação).
Quarto ano
De anima, livro III; Parva Naturalia; Metaphysica (conclusão) (PRAÇA,
1868, p. 68-75).
O objetivo do curso de Filosofia estava na formação científica, resposta a um período
de renovação pedagógica e filosófica, mediante a introdução das tendências, segundo Gomes
(1992), renovacionistas do método escolástico-aristotelico, e a abertura dos caminhos dos mais
perfeitos exercícios dos estudos clássicos. Acrescentando que o curso de Filosofia destinava-
se a transmitir polimateia – iniciação geral às ciências – e agudeza de engenho, mediante o
ensino da arte de razoar e de raciocinar.
Todo esse processo filosófico fundamentava-se, basicamente, na doutrina aristotélica
de que todos os seres, sendo compostos de ato e potência, tendiam à perfeição e que a
perfeição absoluta encontrava-se no Ato Puro. São então atraídos por Ele, que, como Bem
Absoluto, exerce uma atração irresistível. E por atraí-los, Ele é o Primeiro Motor Imóvel.
Caminho pedagógico para preparação do curso de Teologia, o objetivo mais importante da
Companhia de Jesus.
Preparação para a revelação de Deus, não como o Ser Absoluto e inacessível de
Aristóteles, mas como o revelado, que disse quem era e mandou que o tornassem conhecido
por toda a Terra e lhe fosse atribuída toda a sua infinita grandeza. Isto significava, para a
religiosidade do mundo quinhentista, dar-lhe GLÓRIA.
No curso de Filosofia, a glória de Deus, é um dado que pertence ao teológico, mas
atribuir toda a sua infinita grandeza a Deus, somente o homem pode fazê-lo conscientemente,
isto é, conhecendo-a e afirmando-a. E, ao fazê-lo, o homem encontra suas verdadeiras
proporções: acima das demais criaturas e abaixo de Deus. O ápice do desenvolvimento
intelectual do homem, do objetivo do curso filosófico, era de: que o homem se aperfeiçoasse
para ir a Deus.
A pedagogia da Ratio encontrava esse suporte na Filosofia de Aristóteles. A teoria de
um ideal que parte de uma essência, a natureza humana, permanente e universal. Entendia-se
que para ser homem era essencial a presença do composto da matéria e forma, sendo esta
racional e formando ambos os princípios uma substância única.
A forma estava determinada para seu fim adequado, para Deus. Este fim não estava
fora da natureza humana, mas nela mesma, embora em potência. Tratava-se, na Filosofia
aristotélica e na Ratio, do movimento de atualizá-lo, de torná-lo ato. Realização da passagem
de pura potência para res, coisa. Desenvolvimento e formação, no processo educacional
jesuítico, de que a forma potencializava-se, as potencialidades dos alunos atualizavam-se,
adquirindo a condição preparatória do intelecto humano para a Teologia, o atributo de filho de
Deus.
2.3.4 O Curso de Teologia
De acordo com a hierarquia dos cursos, iniciava-se a formação do teólogo, objeto
primeiro da Companhia. Após aprender a ler, escrever, expressar e raciocinar bem seguia-se o
momento do formar e agir do Homem-Deus, na doutrina sagrada cristã:
Os três cursos de estudos do Ratio formam de tal sorte uma
hierarquia que só a theologia, propriamente dita, é ensinada por si
mesma, sendo a coroa de todos os estudos e a que mais
diretamentente serve para o fim da Companhia. As outras disciplinas
são ensinadas como preparação para a theologia: “ingenia disponunt
ad theolgiam”, como meios postos à disposição do theologo, que,
assim, poderá comunicar, com plena competência, autoridade e
destreza, e de modo agradável e apto, a doutrina santa. É, com
efeito, graças a theologia que a Companhia exerceu sua influencia,
universal e profunda, na salvação das almas. Se, com o sistema, a
Companhia não desses insignes historiadores, physicos, astrônomos,
etc., poder-se-hia talvez encontrar desculpas, mas, se não
apresentasse bons theologos, não teria cumprido a sua missão de
ensinar: é ela uma associação religiosa, cujo fim consiste em elevar
as almas a Deus; as ciências são meio, a theologia é o meio principal
e o mais direto; sem ela o ensino poderá ser brilhante, nunca, porém,
seguro e eficaz (MADUREIRA, 1927, p. 407-408).
Para esse intuito, levar as almas a Deus, trabalhava-se todos os conhecimentos
adquiridos nos cursos de Humanidades e de Filosofia. Em sua total inteligência, como meio de
compreender a Teologia, e ela, de compreender sua parte, através da fé atuante do todo
sagrado. Uma nova visão instaurava-se com a formação aristotélico-tomista na Ratio. A
formação do entender para crer, em contrapartida à formação do “Credo ut intelligam”, crer
para entender, de Santo Agostinho:
Se é verdade que a verdade da fé cristã ultrapassa as capacidades
da razão humana, nem por isso os princípios inatos naturalmente à
razão podem estar em contradição com esta verdade sobrenatural.
É um fato que esses princípios naturalmente inatos à razão humana
são absolutamente verdadeiros; são tão verdadeiros, que chega a ser
impossível pensar que possam ser falsos. Tampouco é permitido
considerar falso aquilo que cremos pela fé, e que Deus confirmou de
maneira tão evidente. Já que só o falso constitui o contrário do
verdadeiro, como se conclui claramente da definição dos dois
conceitos, é impossível que a verdade da fé seja contrária aos
princípios que a razão humana conhece em virtude das suas forças
naturais.
(...)Deus não pode infundir no homem opiniões ou uma fé que vão
contra os dados do conhecimento adquirido pela razão humana.
É isto que faz o apóstolo São Paulo escrever, na Epístola aos
Romanos: “A palavra está bem perto de ti, em teu coração e em teus
lábios, ouve: a palavra da fé, que nós pregamos”(Romanos, capítulo
10, versículo 8). Todavia, já que a palavra de Deus ultrapassa o
entendimento, alguns acreditam que ela esteja em contradição com
ele. Isto não pode ocorrer.
Também a autoridade de Santo Agostinho o confirma. No segundo
livro da obra Sobre o Gênese comentado ao pé as letra, o Santo
afirma o seguinte: “Aquilo que a verdade descobrir não pode
contrariar aos livros sagrados, que do Antigo quer do Novo
Testamento”.
Do exposto se infere o seguinte: quaisquer que sejam os argumentos
que se aleguem contra a fé cristã, não procedem retamente dos
primeiros princípios inatos à natureza e conhecidos por si mesmos.
Por conseguinte, não possuem valor demonstrativo, não passando de
razões de probabilidade ou sofismáticas. E não é difícil refutá-los
(SANTO TOMÁS DE AQUINO, 1973, p. 70).
Para manter a vivência da religiosidade quinhentista era necessário atingir essa
capacidade da razão humana, para que ela, através da fé, pudesse compreender a forma de
pensar e fazer do individuo, do grupo, do órgão, no TODO, no Uno, na religiosidade do
contexto quinhentista.
Na Ratio foi-se experimentando, comprovando e estabelecendo métodos e estímulos
pedagógicos para alcançar esse ideal, como a seqüência hierárquica dos cursos de
Humanidades, Filosofia e Teologia, e com estratégias expostas de forma bem detalhadas e
sistemáticas, coesos e bem estruturadas nas regras.
Na Teologia, esta convicção de acessibilidade do ideal ético-pedagógico fundava-se,
entre tantos outros, no princípio bíblico que Deus quer que todos se salvem.
Salvar-se, no plano de estudos, significava alcançar a plenitude do aluno tanto no plano
natural, do racional (propedêutico) quanto no sobrenatural, da fé, da teologia (fim), e sua
vivência: “Eu vim para que todos tenham vida e a vida em plenitude” (João, 10, 10). Por ser um
fim que o próprio Cristo indicou ao homem, Cristo como Deus-homem, o ideal jesuítico tornava-
se possível, tornando-se primordial colocar tudo o que a inteligência esclarecia como sendo os
meios mais adequados e eficientes, tanto naturais como sobrenaturais, para o objetivo do
plano pedagógico da Ratio. A fé fundamentada num plano racional, planejado, calculado:
Com o ideal de formação integral, a educação jesuítica buscava a
melhor formação possível do ser humano, para uma ação também a
melhor possível, isto é, que fosse eficaz, que de fato influísse nos
destinos da humanidade. E por isso a educação deveria formar
homens preparados, competentes, qualificados, e cuja presença
fosse sempre decisiva, em qualquer empreendimento. Seria esta a
forma como melhor poderiam colaborar com a graça divina. Se Cristo
bendisse o Pai, por ter ocultado estas coisas aos sábios e entendidos
e revelado aos pequeninos (Mt., 11, 25), também distribuiu
desigualmente os talentos e louvou os que mais receberam e com
mais tino os fizeram produzir, dizendo: Porque ao que tem muito, será
dado mais e terá mais ainda; mas ao que tem pouco ser-lhe-á tirado
(Mt., 25, 29). Os jesuítas preferiram orientar-se pelo segundo
ensinamento (CESCA, 1996, p. 175).
Para esse objetivo, o curso de Teologia seguia, fundamentalmente, o pensamento de
Santo Tomás de Aquino. Conforme a regra C-30 da Ratio, todos os alunos da Teologia,
deveriam possuir a Suma Teológica de Santo Tomás, um comentário para a consulta
particular, as conclusões do Concílio de Trento e a Bíblia, e, com o consentimento do Reitor, de
um livro de estudos clássicos e um de algum Santo Padre.
A vivência de formação do teólogo partia dos Dogmas, do entendimento do revelado,
em que se identificava a harmonia entre razão e fé, chamada na Ratio, de Teologia
Escolástica, de Teologia Racional. Era nessa que o estudo da doutrina da fé e da razão
estavam presentes e as situações em que se aplicavam na formação do ser cristão, no
universo quinhentista em desenvolvimento. Estudo identificado com a consideração entre o
absolutamente certo, a fé e a razão, e o provável, e com os casos particulares a que a doutrina
se aplicava. Tratava-se da passagem da ordem natural para a sobrenatural na vivência do
cotidiano, o entendimento do ser como criatura filho de Deus e herdeiro do céu.
Preparava-se assim, o aluno, como ser completo para a ação apostólica, missionária,
o ser cristão e, preparado intelectualmente, para exercer suas funções cotidianas do pensar e
agir diante do modo humanista, que também se apresentava no mundo quinhentista.
3.4 A Metodologia
O objetivo da metodologia da Ratio está na formação de caminhos que favoreçam a
solidez da aquisição do ensino cientifico da época quinhentista.
Consiste nas formas que os pedagogos jesuítas elaboraram para atingir o objetivo da
Ratio Studiorum, nas suas vivências acadêmicas de laboração educacional, para preservar a
religiosidade do contexto, dominante, da época. Formar no aluno o cristão virtuoso e,
concomitantemente, o cidadão humanista; encaminhá-lo para a realização da plenitude da
presença do divino na ação humana; conduzir à Maior Gloria De Deus. Caminhos na rigidez e
flexibilidade das instruções disciplinares; nas normas e liberdade, tradição e progresso; criação
de processos didáticos para a transmissão do conhecimento, do docere, que diz, ao discere,
que escuta, mas que se torna também docere na sua vivência acadêmica dos estímulos
pedagógicos, tanto como formando nas respostas, como formado nas suas ações. A forma que
melhor expressa alcance do “tudo”, no lema metodológico: “tudo para o aluno e o aluno para
Deus”.
Identificava-se, segundo Paiva (1981), cinco divisões principais na metodologia da
Ratio: o estudo privado; as aulas; as repetições; as disputas e as academias.
3.4.1 O Estudo Privado
No processo de aprendizagem, o estudo privado é a estruturação da vivência do aluno,
a extensão da aula formal, previsto como momento de vida escolar. O método, a matéria, o
horário, o intervalo, tudo determinado nas regras sobre o estudo individual, para intensificar,
substanciar na formação do aluno os ensinos de classe e os ensinos nas vivências dos
colégios, para atingir o objetivo de estruturação individual. O aluno desenvolvia seu raciocínio e
potencializava a experiência de pesquisa e vivência acadêmica. Estruturava-se, através do
estudo privado, a vida dos estudantes. Ele revia o que fora ensinado em aula e preparava-se
para a próxima:
O estudo privado é, com efeito, a alma do processo de
aprendizagem. Se as aulas levantam e explicitam a ciência; se os
exames, as disputas, os desafios, os exercícios, as academias
testemunham o grau de assimilação, é o estudo privado que a realiza.
Poderíamos distinguir a aplicação aos estudos, da aplicação ao
estudo privado, pois, enquanto o primeiro atende aos objetivos gerais,
o segundo serve a um ato institucionalizado. O primeiro englobaria o
segundo e todos os demais instrumentos didáticos (PAIVA, 1981, p.
7).
Destinava-se, nas regras (A-38; B-4; M-2), as determinações para o estudo privado
envolvendo os cuidados quanto à seriedade e a constância, o rigor e a diligência na aquisição
do conhecimento, programado nos currículos. O interesse dessa metodologia estava também
no estímulo de exercitar as capacidades individuais dos alunos, de substanciar a formação
acadêmica. Compreendia a avaliação do aluno, pelas regras, no estímulo daquilo que “não se
via”, mas que se presenciavam nas aulas e em todas as outras divisões da metodologia
(preleção, êmulos, desafio, academia, entre outras):
Método do estudo privado. - Nas horas marcadas para o estudo
privado os que seguem as faculdades superiores releiam em casa os
apontamentos da aula curando entendê-los e, uma vez entendidos,
formulem a si mesmos as dificuldades, e as resolvam; o que não
conseguirem apontem para perguntar ou disputar (M-11).
O estímulo, no estudo privado, não estava somente no aprendizado das ciências, mas
envolvia o aprendizado e prática da virtude de estar participando, na religiosidade quinhentista,
do exercitar suas ações (de estudo) para a maior glória de Deus. Aplicar-se com seriedade e
diligência, no estar desenvolvendo as faculdades de entendimento e raciocínio como parte e
semelhança, da criação divina.
3.4.2 Das Aulas
As aulas correspondiam, primeiramente, aos objetivos da religiosidade quinhentista,
iniciando-se sempre com uma oração (D-2, J-2), ensinadas em latim (B-8, J-18, M-9), num
período de cinco horas de aula, metade de manhã e metade à tarde:
A metodologia das aulas já se acha delineada pelos próprios verbos
indicativos de seu ritmo: verificação do estudo empreendido,
correção, repetição, explicação ou preleção, interrogação, ditado. O
conteúdo abrange tanto a matéria da última aula quanto a matéria
nova (PAIVA, 1981, p. 8).
Basicamente, no curso de Humanidades (L.a-2, L.b-2, L.c-2, L.d-2), após a oração
inicial, matutina, o professor tomava a lição aprendida (memorizada) de um trecho latino, em
prosa ou verso. Tinha o objetivo de preconizar o exercício cotidiano da memória, da atividade
da inteligência e da razão, da observação e referência do memorizado, expondo a
demonstração racional assimilada.
Através dessa didática de expor e avaliar a aprendizagem verificava-se a constância de
estudo do aluno, em casa, e a forma de expor esse aprendizado. Iniciava-o na experiência da
erudição e eloqüência, preparação ao púlpito.
Seguindo a aula, o professor corrigia os exercícios escritos e recolhidos pelos
decuriões. Enquanto corrigia, os alunos faziam outros exercícios, sob a vigilância dos
decuriões, como cópia, “colheita”, de trechos selecionados, tradução latina ou grega,
composição de frases, versos, entre outras. Feita a correção, o professor repassava a ultima
preleção. À tarde havia a repetição da aula do horário anterior e nova preleção e repetição da
nova aula. Depois se variavam as práticas, com ditado, declamação, recitação, explicação e
interrogação da lição nova, ou, ainda, desafios.
Os decuriões eram alunos escolhidos pelo desempenho escolar e pelo mérito pessoal,
a auxiliar o professor em aula na organização de grupos, passagem e correção de lições,
controle na disciplina, seriedade e constância em aula. Constava nas regras, como em J-36, a
participação dos alunos na dinâmica ativa de aula, no desenvolvimento do senso de
responsabilidade, solidariedade, autoridade e obediência. Base fundamental para a formação
da legalidade, no aluno, de participar de um corpo social bem estruturado, reflexo da ordem e
vivência hierárquica quinhentista.
A preleção, segundo Paiva (1981), pode ser entendida como leitura prévia, em que se
lia e se comentava um texto escolhido, de preferência de alguma autoridade acadêmica, e que
dava ritmo e continuidade ao ensino em aula e às outras formas de aprendizagem: estudo
privado, repetições, disputas. Possuía toda uma condição de leitura, de explicação e de tipo
(teóricas ou estilísticas):
Preleção. - Há duas espécies de preleção: uma relativa à teoria, na
qual se explicam as regras, outra, ao estilo, na qual se explicam, as
orações. Numa e noutra se devem ter presentes duas questões:
primeiro, que autores escolher; segundo qual o método a seguir na
sua explicação. A primeira questão já foi suficientemente respondida
na primeira regra: nas orações leia-se unicamente Cícero na teoria,
além de Cícero, também Aristóteles (além de Cícero, também
Quintiliano e Aristóteles). Nunca se deve omitir a oração; a explicação
das regras deveria também continuar por todo o ano, por ser grande
a importância das regras oratórias. Em seu lugar, porem, onde for
costume, não se proíbe, no fim do ano, a leitura de algum autor que
tenha mais erudição e variedade. Algumas vezes em lugar da oração
ou da teoria poderá intercalar-se alguma preleção sobre um poeta
(L.a-6).
O objetivo dessa metodologia era despertar o aluno para a vivência no mundo
acadêmico, através de sua formação como discente, aquele que escuta, mas como semente
de desenvolvimento, em aula ou privado, de suas faculdades como a imaginação, o juízo e a
razão. Tendia-se a iniciá-lo na observação e comparação, em aula, com o desenvolvimento da
critica, da analise e da investigação, principalmente no ensino privado, na formação de critérios
de uma apreciação pessoal, individual. Era o ensino da laboração do estudar.
3.4.3 As Repetições
As repetições eram compreendidas como o reestudo da matéria dada, freqüentemente
indicada na Ratio, como em A-10; B-5; D-11-13; E.a-19; F.a-16; F.b-3; F.c-3; G-8 §4 §9; J-25,
33, 48; L.e-5; Q.c-2-3; Q.f-2. Essa forma, de repetir, memorizar e expor, dinamizava e
sistematizava o reforço do ensino e estudo, modo de fixação e avaliação de formação.
Repetir o ensinado, em todos os cursos da Ratio, era além de um exercício do
raciocínio de fixação; o repetir a verdade, a vida, estabelecida como o modo de iniciar a
memorização e guarda da verdade cristã. O aluno nada criava de novidade, ele guardava e
repetia, levando à frente algo que já estava dado:
Vantagem da repetição – Essa repetição apresenta duas vantagens:
a primeira, a de fixar mais profundamente o que foi percorrido várias
vezes; a outra, de permitir aos bens dotados, que terminem o curso
mais rapidamente que os outros, possibilitando-lhes a promoção cada
semestre (G-8 §4).
Como instrumento de aprendizagem a repetição realçava o método na dinamização do
ensino. Repetia-se no reestudo da matéria, em casa, para fixar e preparar para as repetições
em aula, tanto individual, como coletiva, e que fundamentavam, também, outras didáticas,
como o desafio e as disputas.
O dinamismo usado nas repetições era non multa, Sed multum, não muito, mas muitas
vezes. O termo, proveniente da didática romana, relacionava-se à pedagogia da Ratio como a
importância no repetir para gravar e, nas muitas vezes do repetir, como a possibilidade de
sedimentar, além do conhecimento intelectual de fatos e idéias, as articulações com a
dimensão da vivência dos colégios e a visão de mundo quinhentista.
Repetir era reestudar, mas possuía uma função específica de ensino. A matéria dada
era a verdade cristã e já estava dada. Repeti-la era sedimentá-la na formação do aluno e sua
“fortaleza” diante de qualquer questão nova que pudesse ser infensa ao cristianismo. Repetir
para sedimentar a verdade no raciocínio estudantil e como dinâmica de acessibilidade à
vivência dessa verdade que o mundo quinhentista participava. O mundo na escola e a escola
para o mundo.
3.4.4 As Disputas
Nessa metodologia, nas classes superiores, compreendia-se a apresentação e
avaliação de tudo o que o aluno tinha aprendido, nos diferentes níveis dos cursos, e assimilado
como forma de expressão, um dos objetivos da Ratio. Pode-se identificar a disputa como a
defesa de uma tese. Na didática das disputas, argüiam-se partes das matérias estudadas,
como estímulo ao processo de avaliação, ou um conjunto mais completo de disciplinas, como
processo de avaliação final de um dos cursos da Ratio. Era considerada como congraçamento
da formação do aluno, pois somente os mais avançados faziam a disputa (D-17). Esse recurso
metodológico era conduzido com o maior zêlo na institucionalização da Ratio:
Persuada-se que o dia da disputa não é menos trabalhoso nem
menos útil que o de aula e que a vantagem e o fervor dele [aluno]
depende. Presida de maneira que ele mesmo pareça lutar nos dois
campos que lutam, louve o que se diz de bom e chame a atenção de
todos. Quando se propuser alguma dificuldade mais séria, sugira
alguma idéia que ajude o que defende ou oriente o que argüi. Não se
conserve muito tempo calado, nem fale sempre para que também os
discípulos possam mostrar o que sabem; corrija ou desenvolva o que
propõem os alunos; mande o argüente prosseguir enquanto não
estiver resolvida a dificuldade; aumente-lhe mesmo a força e não
passe por cima se o argumento deslizar para outra objeção. Não
permita que se repise por mais tempo uma dificuldade praticamente
já resolvida ou que se sustente a porfia uma resposta insuficiente;
mas depois da discussão defina e esclareça brevemente todo o
assunto. Se em algum lugar houver ainda outro costume que
contribua para dar às disputas mais freqüência e vivacidade,
conserve-o com diligência (D-18).
Destinava-se um tom de solenidade e importância às disputas, pois
dessas constavam as participações das hierarquias da Ratio, como em B-3, em
que havia a participação dos professores, do prefeito de estudos e, em certos
casos, também do Reitor e de doutores externos. Ato que confirmava as
disputas como um centro de socialização do saber cultural entre os alunos e,
para os alunos, como forma de conhecer os doutores externos, os mais
avançados na Maior Gloria de Deus, os formados na plenitude humana da
razão e na fé. Estímulo paralelo de continuidade, vivência e confirmação na
vida real, do ensino do colégio.
3.4.5 As Academias
Pode-se afirmar que as academias eram o espaço de ação coletiva da
Maior Glória de Deus na razão e fé do homem do século XVI. Era a iniciação
dos alunos, como grupo, na especialização da área que cursavam. Ato de
reunir, partilhar os conhecimentos individuais, conferindo os caminhos comuns
do objetivo da Ratio, no mútuo auxilio para alcançar o máximo de
desenvolvimento racional e de fé, de cada aluno:
As Academias incentivavam a atividade espontânea dos
alunos, despertavam o gosto da investigação cientifica e
abriam um campo de largos horizontes abertos aos
entusiasmos generosos que se não contestavam com as
obrigações ordinárias das aulas. Nestes grêmios literários
e científicos podemos saudar com razão os precursores
dos seminários de historia e filologia das universidades
modernas. As suas reuniões eram freqüentes, mas nas
grandes festividades do ano, as sessões revestiam-se de
maior aparato: afluíam convidados de fora e as disputas,
declamações e discursos desenrolavam-se num ambiente
que coroava esforços e estimulava brios (FRANCA, 1952,
p. 65).
Formavam-se na Ratio, as Academias dos Teólogos e Filósofos (Q.c.1-8); Academia
dos Retóricos humanistas (Q.e.1-7) e Academia dos Gramáticos (Q.f.1-8) e, conforme
necessidade de cada colégio e aprovação da hierarquia poder-se-ia formar outras academias
afins, como o caso, na Boehmia, da Academia da Língua Tcheca.
Além das regras de cada academia, sessenta e sete ao todo, possuíam mais quarenta
e sete regras de especificação, espalhadas nas hierarquias da Ratio.
Esses são, entre outros, os contextos e formas que a disciplina Filosofia foi montada
para inserir-se e responder como instrumento e funcionalidade da sociedade quinhentista no
plano pedagógico da Companhia de Jesus. A Ratio em “com-fronto” com os movimentos (da
Sophia) da vivência quinhentista. Na prática, os códigos, o conjunto metódico e sistemático de
disposições legais, não se imobilizaram numa rigidez, mas conseguiram fundamentar-se, com
espírito sabiamente conservador e “prudentemente progressista”, para dirigir a educação na
época. Pode-se identificar nas regras, e principalmente na Filosofia, que souberam
acompanhar os passos de uma cultura em grandes marcos de transição.
A causa da sua geração, de ser nitidamente missionária, preparadora para a
evangelização, passava ao ORBIS CHRISTIANUS, como instrumento no ensino público,
sensível à urgência de um quadro disciplinar e metodológico quinhentista. Uma prática do
colégio para o mundo.
CAPITULO 3
3.
As Disciplinas na Filosofia
O objetivo do curso de Filosofia constituía-se, prioritariamente, da arte de exercitar o
raciocínio humano, a sua engenhosidade do compreender para crer. Processo da formação
hierárquica da Ratio, na qual era imprescindível uma base fundamental para a Teologia, o que
significava adquirir conhecimentos sólidos de Filosofia. Nesse contexto a Filosofia, como na
época quinhentista, segundo Jolivet (1957), era entendida como a ciência universal, que
abarcava todo o conjunto de conhecimentos que agrupamos, hoje, sob os nomes de Ciência,
de Arte e de Filosofia. O “sólido” significava que essa deveria versar sobre os fundamentos de
Aristóteles e Santo Tomás de Aquino.
Todo conhecimento da época quinhentista envolvia as novas descobertas e a
manutenção da forma de pensar e agir dominantes, os conhecimentos vigentes e laborados
nas vivências até então, da cultura Medieval ao denominado Renascimento. Tais
conhecimentos compreendiam, basicamente, duas bases filosóficas fundamentais, a platônica,
da virtude, e a aristotélica, das artes:
A noção de arêté, peculiar ao filosofismo humanista, como que
renasce no contexto de quinhentos, quer por determinação da própria
filosofia aristotélica, quer por refrescamento trazido pela nova leitura
do pensamento platônico. Ao entrarem para a Companhia, os alunos
deveriam persuadir-se de que a sua instrução abarcaria ambas as
vias: a virtude e as artes liberais. Por isso, as constituições
determinavam que o ciclo de letras (Humanidades), contendo as
línguas clássicas, sobretudo o latim, a gramática e a retórica; o curso
de filosofia (artes), cujo núcleo é a lógica e a dialética. E, por fim,
coroa do saber, o curso de Teologia, análogo ao de Artes, com
duração de um quadriênio (GOMES, 1992, p.26).
Demonstrava-se um cuidado especial nesse período de formação. O ser da Filosofia,
“serva” da Teologia, tornava-se uma função incoerente, pois, nas próprias regras da Filosofia
na Ratio, demonstrava-se que a diversidade do pensar humano era livre, maior que as funções
dominantes de sociedade, como as próprias vivências em “mudança” de época (descobertas,
Protestantismo, novos conhecimentos, “seitas filosóficas”, entre outras).
Para conciliar a formação do razoar humano com a Teologia quinhentista, tornava-se
primordial estruturar o Curso de Filosofia para que fosse coerente ao objetivo da Ratio.
Caminhos que formassem, abarcassem a diversidade do conhecimento, mas como proposta
ao movimento filosófico de apresentar caminhos para a Sophia, à sapiência em seu período,
através dos pressupostos da visão de mundo dominante que a Companhia de Jesus
expressava.
A visão de mundo, exposta no primeiro capítulo, era religiosa. Isso influenciava a
própria organização de formação e de estudos da Companhia, especialmente no que se refere
à Filosofia. Ela tinha um status próprio, mas fazia parte do processo humano quinhentista de
realização da pessoa para o serviço ao Criador. Era imprescindível “adequá-la” ao Orbis.
A Companhia adotou o propósito da época de formar o ser humano, colocando-o a
caminho de Deus através do desenvolvimento de seu intelecto, da atualização de suas
potências (homo-sapiens, faber, ludens), própria da Filosofia aristotélica. Caminhava-se ao ser
perfeito, Primeira Causa de todo existente, Ato Puro (sem nenhuma potência), Primeiro Motor
(e imóvel, por não ser movido), Ser Necessário. Caminhos da racionalidade, aristotélica-
tomista, para chegar a DEUS.
Aristóteles (384-322 a.C.), não era cristão, mas apresentou uma das maiores
representações do desenvolvimento humano, o racional. Desenvolvimento da razão e o
primeiro motor tornaram-se as bases desenvolvidas, por Santo Tomás de Aquino e entre os
escolásticos, para alcançar a fé cristã. Deus era o criador, o primeiro motor, que cria sem ser
criado; o homem era a criação que, por ser criado à imagem (Forma) e semelhança (Essência)
do criador, deveria atingir o máximo dessa semelhança através da razão, semelhança divina.
A visão de Aristóteles no século XVI tornava-se o instrumento de formação intelectual
plena para a teologia cristã, de formar o homem para Deus. Aristóteles, no século XVI, era “A
Autoridade”. Tomás de Aquino já havia visto em Aristóteles, no século XIII, uma grande
possibilidade de fundamentação racional da fé cristã. Entre a teoria da ordem sobrenatural
difundida na Idade Média por Santo Agostinho (vivenciada ainda no século XVI), Santo Tomás,
em estudo de Aristóteles, desenvolve a teoria da ordem natural, em que a natureza humana,
com suas próprias forças, é capaz de fortalecer-se, disciplinar-se e “produzir” boas obras.
Os jesuítas levaram esse propósito à frente através da educação nos colégios. Em
outras palavras, Aristóteles, símbolo da razão suprema, era tomado como caminho seguro
(Santo Tomás já o havia percorrido) à fé cristã, que viria a ser fortalecida no curso de Teologia.
Tratava-se do instrumento de formação intelectual plena para a teologia cristã, de formar o
homem, no conhecimento, para Deus.
Abarcar todo o conhecimento racional da época seria impossível, barrava-se na
questão do tempo. Os jesuítas, conhecedores desses limites, cuidaram de estabelecer, nas
regras, também o que “não ensinar”, o que não estava de acordo à fé cristã:
Autores infensos ao Cristianismo. -Sem muito critério não leia nem
cite na aula os intérpretes de Aristóteles infensos ao Cristianismo; e
procure que os alunos não lhes cobrem afeição (F.a-3).
Averrois. - Por essa mesma razão não reúna em tratado separado as
digressões de Averrois (e o mesmo se diga de outros autores
semelhantes) e, se alguma cousa boa dele houver de citar, cite-a sem
encômios, quando possível, mostre que hauriu em outra fonte (F.a-4).
Não se filiar em seita filosófica. - Não se filie nem a si nem a seus
alunos em seita alguma filosófica como o dos Averroistas, dos
Alexandristas e semelhantes; nem dissimule os erros de Averrois, de
Alexandre e outros, antes tome daí ensejo para com mais vigor
diminuir-lhes a autoridade (F.a-5).
Numa visão sintética, Averrois (1126-1198), entre vários comentários de Aristóteles, fez
a conciliação entre a Filosofia aristotélica e o Alcorão, livro sagrado Árabe. Quatro séculos
antes da Ratio e um século antes de Santo Tomás de Aquino (1225-1274), que fez a
conciliação entre a Filosofia, também aristotélica, e a Bíblia. As influências não-cristãs, posto
que errôneas, ou seja, estranhas à visão de mundo religiosa cristã quinhentista, não deveriam
ser consideradas na formação da solidez do Curso de Filosofia na Ratio.
Os professores deveriam cuidar para que seus alunos não lessem autores infensos ao
Cristianismo. Percebe-se o propósito da Companhia em evitar influências que pudessem
desarticular o sentido da verdade revelada da fé cristã. Não se deveria reunir, comentar,
elogiar, embasar os compêndios, ensinamentos de Averróis ou de qualquer outro não-cristão
ou infenso ao cristianismo, isso certamente facilitaria a leitura pelos alunos e dificultaria o
controle da Companhia na formação de seus alunos.
Um outro aspecto interessante revelado pela Ratio é o que se refere às possibilidades
de citação: percebe-se, pela regra acima transcrita, que os jesuítas reconheciam a
possibilidade de algum ensinamento em Averróis-aristotélico, ou melhor, na influência que se
desencadeou desde o século XII, bem como dos novos pensamentos filosóficos da época. Na
filosofia da Ratio, era ponto passivo reconhecer e ignorar qualquer teoria filosófica contrária ao
Cristianismo. Havia, pois, de se ter cuidado nas palavras: professores tinham de se policiar
para não se mostrarem aos alunos admiradores de algum ensinamento averroísta.
O zelo de autores estranhos à tradição cristã era tanto que os jesuítas determinaram
que, sempre que possível, os professores deveriam se esforçar por revelar aos alunos que
haviam retirado o ensinamento de fontes seguras: “se alguma coisa boa dele houver de citar,
cite-a sem encômios, quando possível, mostre que hauriu em outra fonte” (F.a-4). Não se
podia, de modo algum, legitimar uma fonte contrária à fé católica, nesse caso, uma
muçulmana, embora também aristotélica. Pelo contrário, era preciso desacreditar a autoridade
não-cristã aos olhos dos alunos. Assim, estabelecia a regra que o professor não deveria
dissimular os erros desses autores. Antes, deveria enfatizá-los ainda mais: isso, poderiam ter
pensado os jesuítas, revelaria os acertos, ou seja, a verdade da doutrina cristã em detrimento
das demais. Percebe-se todo o cuidado que os jesuítas tinham para desqualificar ao máximo a
visão não-cristã. Fato que se explica pelo próprio contexto da época: a fé cristã, pensavam os
quinhentistas, já dava o sentido de toda a verdade – tudo o mais era erro e ilusão e, portanto,
deveria ser desqualificado.
A verdadeira Filosofia estava em Aristóteles e Santo Tomás de Aquino, com uma
“depreciação” daquilo que poderia ser estranho a essa visão de mundo. A Filosofia tinha um
sentido de preservar os dogmas da verdade revelada, através do desenvolvimento da razão
inata.
Ensinar, através da lógica de Aristóteles na questão do ser e do não ser, era admitir
como tudo era participante do TODO, do Ser, da religiosidade cristã, dentro do Orbis
Christianus: “Sou aquele que sou” (Êxodo, 3, 14). Buscava-se preservar essa verdade cristã na
ação humana, do pensar e fazer, em que tudo deveria dirigir-se para a Gloria de Deus. E essa
verdadeira Filosofia estava em Aristóteles e Santo Tomás, como delineadores dessa
abrangência na órbita de Cristo.
A função aristotélica tornava-se essencial para formar sólidos caminhos de aquisição
da ciência e do fortalecimento do pressuposto teológico,
Como seguir Aristóteles. - Em questão de alguma importância se
afaste de Aristóteles, a menos que se trate de doutrina oposta à
unanimemente recebida pelas escolas, ou, mais ainda, em
contradição com a verdadeira fé. Semelhantes argumentos de com as
prescrições do Concílio de Latrão, refutar com todo Aristóteles ou de
outro filósofo, contra a fé, procure, de acordo vigor (F.a-2).
enquanto estimulava formas para a obtenção desse objetivo, na Ratio:
Estima do texto de Aristóteles. - Ponha toda a diligencia em
interpretar bem o texto de Aristóteles; e não dedique menos atenção
à interpretação do que às próprias questões. Aos seus alunos
persuada que será incompleta e mutilada a filosofia dos que ao
estudo do texto não liga nem grande importância (F.a-12).
Estabelecidas, no objetivo da Ratio, as fontes filosóficas, iniciava-se a organização da
importância e os cuidados para o ensino, nos currículos, da Filosofia cristã. Certo era que a
finalidade da Ratio era a Teologia, mas para alcançar esse objetivo último era primordial cuidar
do instrumento de desenvolvimento humano, que preparava a razão, o raciocínio à fé:
Como as artes e as ciências da natureza preparam a Inteligência para
a teologia e contribuem para a sua perfeita compreensão e aplicação
prática e por si mesmas concorrem para o mesmo fim, o professor,
procurando sinceramente em todas as cousas a honra e a glória de
Deus, trate-as com a diligência de vida, de modo que prepare os seus
alunos, sobretudo os nossos para a teologia e acima de tudo os
estimule ao conhecimento do Criador (F.a-1).
Preparar a inteligência para a Teologia pressupunha o “preparar”, como questão do
cuidado. O conhecimento filosófico, “servo e livre”, deveria estar a serviço do conhecimento do
Criador. Conhecer, no sentido aristotélico, era um ato, que tem inicio com as potências de ato,
com as potencializações. Estas, no entanto, poderiam divergir do objetivo da Ratio, e, portanto,
de acordo com toda a concepção da Companhia de Jesus, de todo sistema quinhentista. E o
que pudesse estar “infenso ao Cristianismo”, estaria fora da órbita de Cristo, fora do Ser
aristotélico-tomista, fora de Deus, fora da filosofia cristã. E, assim, não ser (aristotélico).
A formação do curso de Filosofia é resultado da experiência da Companhia de Jesus,
desde a sua criação em 1540, até a finalização da primeira edição da Ratio, em 1599. Quando,
da formação do colégio de Messina, em 1548, o primeiro completo com os cursos de
Humanidades e Artes, já se passara um período de oito anos de experiência entre o ensino e a
formação da ordem religiosa.
Tempo efetivo de formação, na Ratio Studiorum, do curso de “Humanidades e
Filosofia” mais a vivência de formação de Inácio e seus companheiros.
Há, também, entre os colégios, a grande importância da criação do Colégio das Artes
em Coimbra, em 1547, e entregue aos jesuítas em 1555. Foi um marco essencial na formação
do Curso de Filosofia. Um centro de laboração da prática de ensinar a aquisição da ciência, de
pesquisa aristotélica e formação de material didático, onde foi editada uma base de estudos
para o ensino de Filosofia, os livros do Curso Conimbricense
10
.
Essas obras se tornaram uma referência na formação do filósofo. Através dos estudos
de Aristóteles e das inovações técnicas da imprensa elaboraram-se, na vivência acadêmica de
Coimbra, os oito livros conimbricenses; compêndios que de modo tão sistemático, superavam a
época morosa dos manuscritos, colocando ao alcance dos estudantes um quadro de saber
mais dinâmico na transmissão do conhecimento aristotélico e eficaz da formação acadêmica,
em toda a sua metodologia. (GOMES, 1992).
Esses compêndios, que auxiliaram na fundamentação final do currículo do Curso de
Filosofia na Ratio, estavam. divididos em: oito livros de Física (1592); quatro livros do Céu
(1593); quatros Livros dos Meteoros (1593); Parva Naturalia (1593); Ética a Nicômaco (1593);
dois livros da Geração e da Corrupção (1597); três livros da Alma (1598), e da Dialética (1606).
De acordo com as regras F.a-7 e A-17 o curso de Filosofia deveria ser ensinado em
três anos, com duas horas diárias, uma de manhã e outra à tarde. O tempo, na Filosofia, era
mais estruturado para a forma metodológica, do ensino privado e das academias, devido às
condições de leitura, pesquisa e análise na formação individual do filósofo. O dia era dividido
também com os horários para a Filosofia Moral, ¾ de hora ou ½ hora diárias, em F.b-2; e para
o ensino de matemática mais ¾ de hora, que os alunos de Filosofia assistiriam a partir do
segundo do curso, em B-19 §14, completando uma carga horária, basicamente, de cinco horas
de estudos.
Com a definição da Ratio Studiorum, em 1599, o curso de Filosofia ficou definido nas
seguintes formas e parâmetros:
O que se deve ensinar ou omitir no primeiro ano.
No primeiro ano explique a Lógica, ensinando-lhe o mesmo no
primeiro trimestre, menos ditando do que explicando os pontos mais
necessários por Toledo ou Fonseca (F.a-9 §1).
10
Livros publicados pelo Colégio das Artes da Sociedade de Jesus, de Coimbra, com o titulo geral de
Commentarii Collegii Conimbricensis Societatis Iesu.
Nos prolegômenos da lógica discuta somente se é ciência, qual o seu
objeto, e alguns pontos sobre os gêneros e as espécies; a discussão
completa sobre as idéias Universais remeta-as para a metafísica,
contentando-se aqui de noções elementares (F.a-9 §2).
Sobre os predicamentos exponha os pontos mais fáceis como, mais
ou menos, se acham em Aristóteles, o mais remeta para o ultimo ano;
quanto, porém, à analogia e à relação, que ocorrem com muita
freqüência nas disputas, trate na lógica o que for necessário (F.a-9
§3).
Diante das experiências de ensino nos colégios, dos conhecimentos em
desenvolvimento na época quinhentista e do tempo determinado para a conclusão do Curso de
Filosofia, em três anos, percebe-se a dinamização do ensino de Filosofia no primeiro ano.
Baseado na lógica e na dialética, trabalhava-se com insistência o raciocínio do aluno em tudo o
que aprendeu no Curso de Humanidades, como a linguagem e estilo, substanciando as idéias
e pensamentos, na formação científica do mundo quinhentista.
Segundo Jolivet (1957), ensinar no primeiro ano a lógica, era iniciar o aluno no
aprendizado da Ciência das leis ideais do pensamento, baseados sempre em Aristóteles e na
doutrina cristã; e na Arte, no talento do aluno, em aprender a aplicá-las na procura e
demonstração da verdade cristã. Arte, que poderia ser entendida como o início na Philia, no
movimento do pensamento de buscar a Sophia, a verdade na Ratio. Ensinar a caminhar no
pensamento lógico e a se iniciar no conhecimento científico.
Entre as delimitações do ensino de Filosofia no primeiro ano, os estudos das
autoridades de Aristóteles e Santo Tomás e os compêndios Conimbricenses, poder-se-ia
estabelecer, basicamente, os conteúdos das regras propostas.
Dessa forma, de acordo com a regra F.a-9 §1, acima mencionada, os estudos do
primeiro ano deveriam versar sobre os estudos de Pedro da Fonseca (1599)
11
.
Dentre esses estudos estavam as Instituições Dialécticas (1564) e os Comentários à
Metafísica de Aristóteles (1589). O primeiro livro, que foi utilizado na Ratio, era um comentário
ao livro Organon, de Aristóteles, e destinava-se a servir de propedêutica ao ensino da lógica,
podendo considerar-se uma introdução à lógica aristotélica, na medida em que Pedro da
Fonseca o articulava com o livro Analítica, também de Aristóteles.
As regras que tratavam do ensino da Lógica em Aristóteles eram chamadas de
Analítica (Analytica Priora e Posteriora). A Analítica Priora, composta de dois livros, sendo o
primeiro com quarenta e seis capítulos e o segundo com vinte e sete capítulos, mais o auxilio
dos livros conimbricenses, basicamente, poderiam identificar o que os professores ensinavam:
Dê um rápido sumário do 2o. livro e dos dois primeiros livros da
Analytíca priora com exceção dos oito ou nove primeiros capítulos do
11
Que pode ser considerado um dos iniciantes na elaboração do Curso Conimbricense, no plano da
Filosofia aristotélica, mas que não é tido como fundador dos livros Conimbricenses.
primeiro livro; exponha, porém, as questões com eles relacionadas,
mas muito brevemente a relativa aos contingentes na qual não trate
cousa alguma sobre o livre arbítrio (F.a-9 §4).
No livro I da Analítica Priora, do qual a regra indicava, com ênfase, o estudo dos oito ou
nove primeiro capítulos, ensinava-se, do primeiro ao nono, a seguinte programação: a análise
quantitativa dos juízos; conversão das premissas apodíticas, demonstrativas e das premissas
problemáticas; descrição dos modos válidos nas três figuras silogísticas; resumo dos
trabalhos e análise sobre os silogismos. Nos capítulos seguintes tratava-se ainda sobre o
silogismo, como distinção, divisão e premissas; elementos materiais de uma inferência
silogística; demonstração e refutação; premissas por seleção; critica ao sistema platônico de
definição em virtude de uma dicotomia ou divisão; os argumentos à forma silogística; erros na
seleção e enunciação dos termos e das premissas; provas hipotéticas; redução; e formas dos
juízos contraditórios.
No livro II, indicado na regra em sua totalidade, e do qual a mesma regra pedia um
rápido sumário, tratava-se, basicamente, do silogismo, um argumento pelo qual, de um
antecedente que une dois termos a um terceiro, tirava-se um conseqüente, que une estes dois
termos entre si. Era estruturado nos seguintes itens: os aspectos e propriedades; a descrição,
conversão, redução e comparação; a possibilidade da dedução de conclusão a partir de
premissas contrárias e contraditórias; falácias; a falsidade de um argumento, no primeiro
argumento; silogismo no argumento e na refutação; a convertibilidade dos termos; e a
argumentação por indução, por exemplos, por redução, por objeção e por probabilidade.
Afim de que o segundo ano possa consagrar-se inteiramente à Física;
no fim do primeiro ano desenvolva de modo mais completo o tratado
da ciência, e nele incluam quase toda a introdução à física como a
divisão das ciências, abstração, especulativo e prático,
subalternação, diferença de métodos da física e da matemática, de
que trata Aristóteles no 2o. livro dos Físicos, e por fim tudo o que
acerca da definição se encontra no 2o. livro de Anima (F.a-9 §5).
Quanto ao ensino do tratado da ciência, no segundo livro dos Físicos de Aristóteles,
tratava-se, como introdução à Física, em nove capítulos: o estudo sobre a natureza; do objeto
próprio da física ou ciência da natureza; das causas, espécies e modalidades; a sorte e o azar;
lugar que ocupam no mundo das causas; as quatro causas; finalidade da natureza;
necessidade da natureza. Dando as noções iniciais das relações espaciais e o pensamento na
época quinhentista.
No segundo livro de Anima, também citado na regra, ensinava-se uma introdução de
entendimento do raciocínio humano nas questões teológicas. O livro, em doze capítulos,
tratava sobre o estudo da alma: nas questões da sua definição mais compreensiva; as
faculdades da alma; as questões secundárias das faculdades da alma; a sensação em geral; e
objetos dos sentidos.
Quanto ao conteúdo do livro do Tópicos e de Sophisticis Elenchis, é
preferível que o disponha em melhor ordem e explique sumariamente
no princípio da lógica (F.a-9 §6).
O livro do Tópicos e os livros Dos Argumentos Sofísticos, completavam o primeiro ano
como auxiliar ao ensino de lógica, complementares ao livros da Analítica, ambos de Aristóteles.
O livro do Tópicos, composto de oito livros, conduzia como introdutório ao estudo da dialética,
como um método, uma arte que permite responder a todas as questões referentes a
propriedade, a diferença que define, ao gênero, ao acidente e que ensina a raciocinar, sem
contradizer-se sobre a opinião. Basicamente, através dele, ensinavam a introdução a dialética,
com o estudo dos problemas, predicamentos e proposições; relações e soluções de
argumentos.
O estudo do livro dos Argumentos Sofísticos, de trinta e quatro capítulos, era um breve
tratado sobre o silogismo sofistico, uma espécie de apêndice do Tópicos. Tinha como objetivo
ensinar o raciocínio vicioso, carente de verdadeira conseqüência e de articulação lógica.
Ensinava-se esse livro não para utilizá-lo, mas para evitá-lo. Abrangia a introdução do
silogismo sofístico, como distinção, refutação e classes de argumentos; falácias; refutação;
diferenciação e solução das falácias.
Terminava-se o ensino preparatório do primeiro ano do Curso de Filosofia:
No segundo ano os oito livros Physicorum, os livros De Caelo e o
primeiro De Generatione. Dos oito livros Physicorum
sumariamente os textos do livro 6o. e 7o. e do 1o. a começar do
ponto em que refere as opiniões dos antigos. No livro 8o. nada
exponha do número das inteligências nem da liberdade, nem da
infinidade do primeiro motor. Estas questões serão discutidas na
metafísica e somente segundo a opinião de Aristóteles (F.a-10 §1).
No segundo ano, o primeiro livro De Generatione, compreendido em dois livros, sendo
o primeiro, citado na regra, em dez capítulos, tratava da introdução aos tratados de Biologia e
Zoologia, como: doutrinas dos indivisíveis; a geração absoluta; a alternação; o aumento e a
diminuição; o contato; as coisas que atuam e que padecem. O semelhante e o dessemelhante;
ação e paixão; ato e potência; a mescla.
Nos livros da Física, os oito livros Physicorum estavam divididos na
ênfase do ensino do objeto e metodologia da Física, iniciando-se o estudo a
partir dos antigos a respeito do número dos princípios, como as teorias
eleáticas e de Anaxágoras. Depois, havia o ensino da teoria da geração e
matéria, em Platão e Aristóteles. Questões sobre a natureza, como objeto,
causas, finalidade, sorte e azar; e, ainda, numa terceira parte, havia o ensino
sobre o movimento, como definição, essência e existência e infinito; o primeiro
motor, o princípio de causalidade; movimento, alteração, comparação e
equações fundamentais. Questões que se tratavam nos livros sexto e sétimo,
dos quais, nas regras, pedia-se o ensino sumário. Num oitavo livro se pedia a
descrição sobre o primeiro motor e sobre a eternidade do movimento: objeções
e possibilidades.
O texto do 2o., 3o. e 4o. livro De Caelo deverá ser dado
brevemente e em grande parte omitido. Nestes livros só
se tratem algumas poucas questões sobre os elementos;
sobre o Céu, as que se referem à sua substância e
influências; as outras deixem-se ao professor de
matemática ou reduzam-se a compêndio (F.a-10 §2).
Os livros De Caelo, Do Céu, são os quatro livros que tratavam do estudo de aspectos
determinados dos seres físicos; uma visão das últimas causas do universo, considerado como
um todo. Um forte indicio, na Ratio, da instrumentalidade à religiosidade quinhentista, em que
tudo pertencia ao Todo sagrado, a harmonia com o Orbis Christianus e, pertencentes ao todo,
passíveis do estudo racional, preparatórios ao entendimento da fé. A união entre céu e terra.
No primeiro livro ensinava-se o corpo como ser espacial; a substância do céu como
quinto elemento; propriedades do quinto elemento; o corpo infinito: questionamentos; e questão
sobre o mundo. O segundo, terceiro e quarto livros eram indicados nas regras com cuidado e
pedido de omissão, por tratarem das questões dos corpos celestes, entre outras, e que
poderiam encaminhar para questões não filosóficas, pertencentes à metafísica e teologia.
Os livros meteorológicos percorram-se nos meses de verão na última
hora da tarde pelo professor ordinário, se possível, ou, se parecer
mais conveniente, por um professore extraordinário (F.a-10 §3).
Os quatro livros Metereológicos tratavam dos estudos das causas materiais e eficientes
dos fenômenos da natureza, como o ar e o fogo, com relação à esfera celeste; às estrelas
cadentes, aos abismos celestes, aos cometas e à Via Láctea; a nuvem, a chuva, o vento, o
orvalho, a geada, a neve, o granizo; cataclismos; um estudo sobre o mar, como a origem, o sal
e os ventos; terremotos, em teorias dos antigos; relâmpagos e trovões e arco-íris; e estudos
dos quatro elementos, propriedades e composições, como a seca e a umidade, a solidificação
e fusão e os homeomeros, a formação das partes semelhantes.
Hipotetizamos, aqui, a importância que esses estudos deveriam assumir, pois, no
pedido da regra acima citada, havia a solicitação para que um professor extraordinário
ensinasse essa matéria, indicando à ênfase que a Ratio dava a esse tipo de conhecimento.
Todos os jesuítas possuíam o conhecimento dessa área, mas preferia-se a experiência de
expoentes, especialistas na teoria e na prática de pesquisa desse ensino.
Concluía-se o segundo ano do Curso de Filosofia.
No terceiro ano explicará o livro segundo de Generatione, os livros De
Anima e os Metafísicos. No primeiro livro De Anima passe
rapidamente por cima das opiniões dos filósofos antigos. No segundo,
explicado o que se refere aos órgãos dos sentidos, não faça
digressões sobre a Anatomia e outros assuntos pertencentes ao
estudo da medicina (F.a-11 §1).
No terceiro ano, no livro segundo de Generatione, de onze capítulos, abordava-se
sobre os elementos e a matéria prima; as oposições primárias; os elementos e as oposições
primárias; a transformação recíproca dos elementos; inexistência de um único elemento;
refutação da doutrina de Empédocles; os homeômeros e a formação dos corpos; todos corpo
contém os quatro elementos; as causas de geração e corrupção; a causa eficiente da geração
e corrupção; a necessidade da geração e corrupção.
Pelos quatro livros De Anima, entendidos como tratados de Antropologia e Psicologia,
se propunha o ensinar e conhecer a natureza da alma e sua substância, como a importância,
utilidade, objetivos e dificuldades. Iniciava-se pela história e crítica das doutrinas da alma;
definição e justificação; estudo das faculdades da alma entre os diferentes seres, como a
faculdade vegetativa, nutritiva e sensitiva; os objetos dos sentidos: visão, audição, tato, sabor e
odor; mecanismo geral da sensação; a questão da existência de um sexto sentido;
pensamento, percepção e imaginação; inteligência e movimento; a faculdade e as causas do
movimento dos seres.
Na metafísica passem-se por cima as questões relativas a Deus e ao
mundo das inteligências que, ou de todo ou em grande parte,
dependem das verdades ensinadas por divina revelação. Explique
com cuidado o proêmio e o texto do livro 7o. de do 12o. dos outros
livros escolham-se, em cada um, os textos principais, como
fundamento das questões que pertencem à metafísica (F.a-11 §2).
Quanto aos livros Metafísicos, compostos por um conjunto de quatorze obras,
desenvolvia-se um trabalho para que o seu conteúdo abrangesse a esfera racional, com o
cuidado de conduzi-la somente nessa esfera, evitando seu articular com a esfera teológica,
especificada na própria regra.
Compreendiam o estudo da natureza da ciência e as divergências entre ciência e
experiência; posição da Filosofia, em comparação com as demais ciências; Doutrina, crítica e
refutação dos antigos sobre as causas e primeiros princípios das coisas; estudo da verdade
entre Filosofia e ciência prática, como o estudo do ser primeiro, substância, potência, unidade e
essência. Questões que estavam relacionados nos livros sétimo ao décimo segundo e que
estavam citados como pertencentes à esfera teológica do saber.
O currículo de Filosofia, em sua formação, tinha que ser claro, breve, e tão simples
quanto possível, tendo sempre em vista o ideal pedagógico de transmissão eficaz dos
conteúdos doutrinais quinhentista. Fiéis aos textos originais, que não impediam, contudo, o
debate e a discussão das opiniões pró e contra no confronto com os novos avanços científicos
da época. A Filosofia era entendida como “a rainha das ciências”, omnium scientiarum domina.
Método de ensino na Ratio, que se encaminhava no empenho do cuidado da formação do
professor.
3.1 Professores de Filosofia
Na pesquisa da importância do Curso de Filosofia para os objetivos da Companhia de
Jesus, que era a busca na constância do modo de ser quinhentista
12
, destacava-se a forma, o
conteúdo, as relações com o contexto, entre outras. Mas tornava-se primordial demonstrar a
formação docente na Ratio, instrumento de transmissão do conhecimento e articulação com o
mundo quinhentista.
As regras da Ratio demonstravam, ao mesmo tempo, um programa e método, regras
não só do que ensinar, mas também do modo pelo qual o ensino deveria ser ministrado.
Essa coerência docente passava pelos princípios da razão, da fé e da experiência. A
educação não se limitava à instrução intelectual; abrangia o ensino religioso e moral em toda a
sua extensão teórica e prática. No lema “tudo para o aluno e o aluno para Deus”, “tudo”
correspondia muito ao trabalho docente em formar o cidadão genuinamente cristão e também
perfeito humanista. Caráter que não dissociava, em todas as regras, a formação do aluno e a
formação do professor.
Segundo Madureira (1927), era preciso na Educação, como em qualquer formação
social em qualquer época, ou como numa relação mercantil, para que uma empreitada fosse
bem sucedida, ter uma bússola, um leme e uma força motriz. Transpondo o resultante dessa
tríplice relação à unidade educacional, teríamos, respectivamente: a unidade de método, a
unidade de matéria e a unidade do professor. Essa analogia era aplicada a todo o processo da
Ratio, mas poder-se-ia estendê-la, toda ela, na condição de formação do professor para o êxito
da Companhia de Jesus e, no caso especial da pesquisa, ao professor de Filosofia:
Por mais sublime que fosse o ideal pedagógico, inspirado pelo gênio
do fundador, por mais sábio que fosse o código escolar da Ratio
Studiorum, não teria logrado a Companhia de Jesus no ensino, os
resultados que tanto a recomendam, sem a educação e formação
superior que ministra a seus filhos como religiosos e como
professores. (...) Para Ter bons professores, é preciso formá-los
(MADUREIRA, 1927, p. 413).
Selecionados pelo provincial, designava-se para a função docente os mais
competentes, eruditos, aplicados e assíduos, zelosos pelo progresso dos alunos nas aulas e
12
Na argumentação aqui defendida, a concepção da Companhia de Jesus desse modo de ser quinhentista
está na racionalidade para a religiosidade cristã.
também nos exercícios literários, fiéis à religiosidade católica quinhentista. Na condição
pedagógica jesuítica de “Tudo para o aluno e o aluno para Deus”, a forma traçada para esse
intuito passaria necessariamente pela formação eficaz do corpo docente. Proposta para a
preservação e manutenção da ordem religiosa diante do crescente conhecimento na época.
Academia para a preparação de professores. - Para que os mestres
dos cursos inferiores não comecem a sua tarefa sem preparação
prática, o Reitor do colégio donde costumam sair os professores de
humanidades e gramática escolha um homem de grande experiência
de ensino. Com ele, vão ter os futuros mestres, em se aproximando o
fim dos seus estudos, por espaço de uma hora, três vezes na
semana, afim de que, alternando preleções, ditados, escrita,
correções e outros deveres de um bom professor, se preparem para o
seu novo oficio (B-9).
Para formar cristãos seria preciso uma ferramenta, também propedêutica, adequada a
formação do professor. Toda a Ratio está composta de regras, que conduziam a formação do
corpo docente e, em especial, a do professor de Filosofia.
Ensinar na disciplina Filosofia, entendendo-a como o conjunto de saberes da época,
era contar com professores que poderiam possuir um vasto leque de concepções filosóficas,
para além da religiosidade quinhentista. A formação pedagógica era trabalhada com as
mesmas ferramentas dos protestantes: o Iluminismo, o Renascimento, os Clássicos, as
Ciências, entre outras.
Percebe-se, na sistemática de formação da Ratio, um pormenor cuidado na escolha, e
formação, do professor de Filosofia. Deveriam esses serem conhecedores da Sophia da época,
porém, fiel à ordem e subordinação hierárquica da religiosidade quinhentista, e contrária às
questões não-cristãs, como averroismo e alexandrismo. A Sophia alcançava-se por diversos
caminhos Philos, cientes aos professores e omitidas aos alunos (F.a-9). Requisito, para o
corpo docente da Ratio:
Dotes do professor de filosofia. – Os professores de filosofia (exceto
caso de gravíssima necessidade) não só deverão ter concluído o
curso de teologia senão ainda consagrado dois anos à sua revisão,
afim de que a doutrina lhes seja mais segura e mais útil à teologia. Os
que foram inclinados a novidades ou demasiado livres nas suas
opiniões, deverão, sem hesitações, ser afastados do magistério (A-
16).
Os alunos eram estimulados a conhecer o Criador, chegar a Deus através dos estudos:
os estudos da multiplicidade, do racional, da unidade, da crença da fé cristã. Pelo método,
pela didática e pelo exemplo.
O objetivo principal da Ratio é a Teologia, mas é preciso primeiro. passar “pela serva”
Filosofia. É preciso, é determinado, ensinar Filosofia. A atenção é dada à passagem da Sophia
à Teologia. Potencializar o intelecto humano pressupõe também vivências e questionamentos
do ensinado. Cuidado intrinsicamente montado na pedagogia jesuítica:
Evite-se a novidade de opiniões. Ainda em assuntos que não
apresentem perigo algum para a fé e a piedade, ninguém introduza
questões novas em matéria de certa importância, nem opiniões não
abonadas por nenhum autor idôneo, sem consultar os superiores;
nem ensine cousa alguma contra os princípios fundamentais dos
doutores e o sentir comum das escolas. Sigam todos de preferência
os mestres aprovados e as doutrinas que, pela experiência dos anos,
são mais adotadas nas escolas católicas (D-6).
Ensinar da inteligência para a crença, da Filosofia para a Teologia cristã.
O professor de Filosofia, como todo corpo docente, era formado para trabalhar no
ensino da verdade cristã, em contrapartida a um cuidado da possível corrupção dessa verdade,
através das “novidades” quinhentistas.
Verdade, na Ratio, era ensinar o que a lógica concluía como necessário, e o
necessário como o que não poderia deixar de ser, a certeza cristã. É verdade o que se tem por
certo, mas, no entendimento do desenvolvimento da Filosofia até então, enunciava-se que a
certeza era relativa, enquanto que a verdade era absoluta. Níveis de certeza que poderiam
indicar brechas, rupturas, com a introdução das novidades.
Novidades, também, que poderiam acrescentar à certeza cristã, então, duplo cuidado
na formação do professor de Filosofia. Ele deveria ensinar a doutrina, que era a lição e, ao
mesmo tempo, ensinar e praticar a disciplina, que era o conhecimento que nascia da doutrina,
a forma-de-ser diante da vivência cristã quinhentista.
As regras possuíam o método de como ensinar Filosofia, mas não possuíam a
experiência da relação com a vivência racional quinhentista, viés único da pratica humana, o
exemplo do professor de Filosofia.
Iniciava-se a formação docente desde o primeiro ingresso nos colégios da Companhia
de Jesus, desde os primeiros estudos no curso de Humanidades, citado em B-9, até os
estudos nos cursos superiores de Filosofia e Teologia. Aperfeiçoava-se a aprendizagem
docente, durante os cursos, com o desafio, as repetições e as academias e, após o curso, com
o magistério inicial, em geral de cinco anos, requisito para o início da formação em Teologia.
Ensinava-se a aprender a vivência quinhentista na ação individual, do pensar e fazer,
visando também nesse processo, do professor formar professor. Professo(r), tanto como signo
à vivência na parte, hierarquia, que lhe pertencia na sociedade, como signo de sua própria vida
individual, docência nessa visão de mundo.
3.2 As Aulas de Filosofia
Para esse desenvolvimento buscava-se, nas regras, dinamizar as aulas diante do
movimento da Philia à Sophia quinhentista, estimulando o exercício do raciocínio e a formação
individual de expôr-se como professo dessa Sophia. Expressava-se na verdade cristã, mas
com ênfase no arcabouço lógico de exposição desse entendimento.
Interpretando Paiva (1981), poder-se-ia identificar a importância da formação do ser
pensante nos cursos superiores da Ratio, pela ausência da preleção. Essa, entendida como
leitura prévia, introdução do professor ao aluno da matéria, era instrumento usado apenas nas
classes inferiores.
Em Filosofia, tendia-se para a articulação do aprendizado discente, iniciava-se no
pressuposto de uma introdução do conhecimento (Humanidades) na Ratio e intensificar-se-ia a
prática da avaliação do conhecimento específico individual na metodologia do desafio, do
debate, da disputa e das acadêmicas.
Pinharanda Gomes (1992) expressa bem a dimensão da importância dessa forma da
aula, nesse nível da formação do cristão (jovem), articulando a didática do dever e do prazer,
da ciência e da Arte, do lógico e do lúdico, da competição do formar-se na semelhança, da
razão, do ser criador do homem:
Todos os dias se procuravam cerca de meia hora para a disputa, ou
controvérsia, incluindo o jogo de tese e de antítese, num entrelaçado
lúdico-logico de tese, argumento, conclusão e, vice-versa - antítese,
contra-argumento e conclusão, incluindo, ou confutação ou refutação.
Nas tardes de terças e quintas-feiras o curso reunia-se para a
disputa, mais longa e regulamentada, em que os interlocutores, por
vezes opositores, tinham de respeitar as regras instituídas no método
aristotélico, e de suscitar uma orientação de ancilaridade [auxilio] ou
de serviço, fosse para as teses oficiais da companhia de Jesus no
âmbito das ciências e da filosofia, fosse para os artigos da fé e
dogmas da doutrina católica (GOMES, 1992, p. 31).
Gomes (1992) também expressa a necessidade dessa dinâmica em aula, que a falta
de tempo, como para as sabatinas e os saraus, conduziram como as principais causas do
surgimento dos livros do curso Conimbricenses, os compêndios, que possibilitaram o avanço
nos dois principais métodos de ensino no mundo quinhentista: o púlpito e a imprensa.
Duas linhas de método na aula de Filosofia, a lição e discussão, exposição e alteração,
ou tema e debate, eram imprescindíveis para a formação do real da vida quinhentista, no aluno
jesuíta. Trabalhavam as duas formas principais de atuação: por via escrita e por via oral,
formando no filósofo o homem que teria de se haver com os problemas cotidianos e, por isso,
de dispor de viva voz. Exercitar de modo que nada se envergonhassem, tanto na forma da
dinâmica, de expôr-se em público, quanto do rigor da forma de disputar, exemplo da dinâmica
da aula enunciada em F.a-20.
De nitidamente missionária, preparadora para a evangelização e para a missão, a Ratio
insere-se, no Orbis Christianus, como instrumento no ensino publico, mundial, sensível à
urgência de um quadro disciplinar e metodológico quinhentista. Ação de um indivíduo, e de
indivíduos, que conseguiram “harmonizar” conhecimentos a um modo-de-ser comum e de
grande referência posterior. Numa visão de mundo quinhentista coalizaram a ação dominante
religiosa com um currículo humanista e com um espírito, denominado inaciano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conhecer o contexto de época é aprender a estar em constante movimento de
pesquisa, ora encontrando fatores de conservação do modus vivendi, ora encontrando fatores
de atualização desse, que se entrechocam, caracterizando o conhecer histórico enquanto
processual. A História Cultural, metodologia dessa pesquisa se mostra, por razões já
anteriormente expostas, como condição principal para captar tal processualidade.
Nesse sentido, embora o objeto da pesquisa ora apresentada tenha sido analisar o
curso de Filosofia da Ratio, se fez imprescindível identificar e entender os muitos caminhos que
envolveram tal objeto, em seu delinear histórico. Impossível entender a Filosofia quinhentista
sem o viés da religiosidade como força condutora. No primeiro capítulo estruturamos, assim,
uma grade cultural que possibilitasse o entendimento dos porquês da elaboração da Ratio e da
especificidade do curso da Filosofia em seu interior. Como pano de fundo dessa estruturação
trouxemos a compreensão da vivência quinhentista, elencando como importantes fatores
dessa, além da religiosidade, a hierarquização social, o comércio, a individualização do ser, a
formação dos estados nacionais e a Reforma Católica. Fatores que, num contínuo movimento
de ajuste, modelaram a formação social.
O desenvolvimento da racionalidade moderna, presente em todos os fatores acima
mencionados, serve como exemplo de como, concomitantemente, havia o impulso para o
conhecimento mais profundo do universo em vivência e para transformações nos modos de
pensar e fazer da religiosidade quinhentista.
É dessa atmosfera de “reforma”, então, de permeação de um nativismo religioso por
uma racionalização do modo de vida/religiosidade, característica do século XVI, que emergiu a
Companhia de Jesus, “resposta” e atualização de um modo de ser dominante, frente à
efervescência das mudanças de valores. Atualização que, particularmente enfocando a
Companhia de Jesus, teve sua ação direcionada para o ensino, a aprendizagem e as relações
sociais.
A contextualização do surgimento da Companhia de Jesus, abordando seus aspectos
históricos e conceituais, que culminaram com a elaboração da Ratio Studiorum, o plano
pedagógico da Companhia de Jesus, foi tratada no segundo capítulo.
A Ratio era a força formadora jesuítica, composta por regras específicas e abrangentes
de todos os fatores de ensino e vivência na sociedade, como as regras, que norteavam o
ascetismo, que hierarquizavam a ordem e o governo, que desenvolviam o intelecto individual e
que moldavam as relações entre alunos, professores e conhecimentos como reflexo de uma
determinada concepção de Deus, do cosmos e de sociedade.
O viés da racionalidade, embora presente em toda a Ratio, se mostra bastante
aparente no curso de Filosofia, analisado no terceiro capítulo. Esse curso foi representativo
(inserindo-se e sendo respondente) da grande instrumentalidade lógica da vida quinhentista.
Lógica, do Logos, razão, ordem, que conduziu as fundamentações desse modo de visão de
mundo; e, também, a Lógica, como Logique, o ato de criação, que impulsionou essa
fundamentação para o modo de ser daí resultante.
O curso de Filosofia da Ratio foi formado como instrumento de equalização entre o
racional do “entender para crer” e o teológico, sintetizado na máxima “crer para compreender”.
Nesse curso estava um dos pilares da atualização do modo de ser quinhentista, posto pela
Companhia de Jesus, que era formar uma mentalidade “pensante”, autônoma, através da
educação do cristão humanista. Tal formação era cuidadosamente engendrada nos tópicos e
na inter-relação entre tópicos, que compunham o currículo desse curso.
Tomemos como exemplo o seguinte encadeamento curricular. No primeiro ano o
ensino da disciplina Lógica, entendida como a arte e a ciência das articulações do intelecto,
que se estendia, no segundo ano, para o aprendizado de tudo o que é mensurável pelo
engenho do intelecto humano. Os livros De Caelo ensinavam sobre o céu e as estrelas, os
livros de Física, sobre os seres terrestres, os livros Metereológicos versavam sobre os
elementos da Natureza e seus acidentes; abrangiam tudo que era passível de entendimento
“palpável”, em termos racionais. No terceiro ano esse conhecimento e essa forma de pensar
“científica” se estendiam para a aprendizagem do raciocínio abstrato, do relacionamento
daquilo que é mensurável com o estudo daquilo que se mostra além do mensurável (dentre
outros, a alma, os sentimentos, Deus), mas pertencente, em seus níveis, a esfera racional.
Essa abstração dava a base para a formação teológica: a fé racional, forma necessária de
viver, então, a religiosidade.
Esses ensinamentos e essa forma de aprender a pensar o mundo, longe de se
restringir ao espaço intra-muros dos colégios, projetavam-se para a vivência cotidiana extra-
muros. O viver se confundia com a síntese representativa do ajuste de uma religiosidade que
se modificava frente ao incremento da racionalidade: formar o homem no conhecimento, torná-
lo ser pensante autônomo, para maior honra, glória e serviço de Deus.
Consideramos que a Ratio Studiorum se projeta como o símbolo, por excelência, das
transformações pelas quais passava a sociedade quinhentista. Ela representa – e efetiva,
através de cuidadosos direcionamentos - o movimento de ajuste entre novas formas de pensar
o mundo, que emergiam no século XVI, e os esforços para “manter o pé” frente essas. O curso
de Filosofia da Ratio assume relevância por ser o momento em que o aluno seria
especificamente trabalhado para obter o desenvolvimento de uma consciência crítica, racional,
humanista e cristã. Única forma de ser, verdadeiramente, no mundo.
Quanto às inquietações que motivaram essa pesquisa, em relação às discussões que
se travavam na década de 1970 – e que ainda hoje se fazem presentes – sobre Que filosofia
ensinar? Argumentamos que, assim como a Filosofia da Ratio foi representativa de uma
configuração epistemológica de mundo, devemos continuamente recolocar a pergunta,
indagando que outras configurações quanto ao pensar o mundo estão presentes nas filosofias
que ensinamos; lembrando-nos de que, por oposição ou por aceitação, as raízes do
pensamento quinhentista, atualizadas pela Ratio, estarão nelas presente.
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